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O coração do problema

pode ser o problema do coração


Valdeci Santos

Introdução
Todo conselheiro já ficou angustiado por tentar encontrar o diagnóstico preciso sobre a
causa das dificuldades apresentadas por alguém em busca de ajuda: “Qual é, realmente, a fonte
desse problema? Como compreender o comportamento dessa pessoa?” Nem sempre o que é
apresentado corresponde à verdadeira raiz do problema ou então o que se tem é insuficiente para
uma identificação imediata.
A inquietação do conselheiro em busca de uma interpretação correta é dificultada pelo
fato de que, geralmente quando alguém descreve o seu problema, juntamente com a descrição
ela apresenta sua própria interpretação da origem do mal que a aflige. Em se tratando de
conflitos relacionais o culpado é sempre o “outro”. Afinal, o filósofo Jean-Paul Sartre costumava
dizer que “o inferno são os outros”. Alem disso, alguns nem parecem perceber a contribuição de
suas ações para o agravamento do problema e apenas justificam suas atitudes como sendo
normalmente resultante do passar dos anos, das enfermidades que afligem o corpo ou de alguma
outra circunstância. Quem nunca ouviu alguém dizer que foi grosseiro ou mal-educado com
outra pessoa porque estava com uma terrível dor-de-cabeça, estressado no trabalho ou mesmo
com fome? Há ainda aqueles que se explicam religiosamente, argumentando que seu
comportamento deve ter sido previamente decretado por Deus ou são resultados das ações do
diabo. Em meio a esse emaranhado de sugestões, a angústia do conselheiro tende a aumentar e
ele fica confuso em relação ao verdadeiro cerne do problema apresentado.
Deve-se considerar que quando as atitudes humanas são explicadas somente em termos
externos, a responsabilidade individual é, no mínimo, diminuída, senão totalmente negada.
Nesse sentido, é sempre cômodo para a pessoa que apresenta seus problemas desculpar suas
atitudes em função de algo externo (outra pessoa ou uma situação específica). A mulher que trai
o marido pode dizer que ele não a trata como ela gostaria. O filho que desobedece aos pais pode
se justificar dizendo que eles não sabem abordá-lo adequadamente. Essas explicações, porém,
parecem tão antigas quanto às de Adão e Eva no jardim do Éden (ex. “a mulher que tu me deste”
e “a serpente me enganou. . .”). Quando as ações são explicadas apenas em função de fatores
externos o indivíduo passa a ser visto como uma “vítima indefesa” e sem qualquer participação
ativa no processo de mudança. Nessa perspectiva, o seu quadro só poderá ser alterado se os
fatores externos forem eliminados. Considerando que o aconselhamento bíblico consiste não
apenas do oferecimento de ajuda, mas também no cultivo da esperança, tanto o conselheiro
como o aconselhado se tornam desprovidos de confiança no processo se não houver nada que o
aconselhado possa fazer.
Ninguém duvida que fatores externos influenciem o comportamento e as reações
humanas. O apóstolo Paulo registra que em determinada ocasião, quando estava em Éfeso, ele
chegou ao ponto de desesperar de sua própria vida por causa de uma tribulação que lhe
sobreveio (2Co 1.8). Em outro episódio ele afirma ter sofrido muitos males causados por alguém
chamado Alexandre (2Tm 14). De fato, o contexto causa profundo impacto sobre a maneira
como agimos e sentimos, pois ninguém vive em um vácuo. No entanto, as ações e as reações
humanas não se limitam às influências externas. Uma análise mais profunda deveria considerar
também as motivações do coração, ou seja, a participação ativa do “homem interior”. Nesse
sentido, a atenção do conselheiro bíblico deve se voltar para o que as Escrituras ensinam sobre
esse assunto.

1  
1. A importância do coração
O ensino bíblico sobre a importância do coração é altamente relevante no processo de
discernir o âmago dos problemas humanos e assim oferecer o conselho oportuno. No sentido
fisiológico o coração é um dos órgãos centrais do corpo humano, o núcleo da vida física. No
sentido espiritual, ele é a sede dos sentimentos e atitudes do ser humano. A perspectiva bíblica
sobre o coração é resumidamente apresentada em Provérbios 4.23, onde o sábio exorta: “Sobre
tudo o que se deve guardar, guarda o coração, porque dele procedem as fontes da vida”. Logo, o
coração é tão importante ao ser humano que sua guarda deve ser colocada acima de qualquer
outro detalhe da vida (“sobre tudo o que se deve guardar”). Esse órgão foi colocado no mais
íntimo do ser humano e governa suas motivações, emoções e convicções. Como afirma
Powlison, “‘coração’ é o termo bíblico mais abrangente para aquilo que determina nossa direção
de vida, comportamento, pensamentos, etc.”.1 Semelhantemente, Elyse Fitzpatrick comenta a
referência bíblica ao coração como uma descrição do “eu interior”.2 Na antropologia bíblia o ser
humano é mais do que “corpo e alma”; ele é uma unidade viva, psicofísica e essa unidade é
identificada pela metáfora do coração.
Consequentemente, no processo de compreender a verdadeira raiz do problema daqueles
que se apresentam em busca de auxílio, o conselheiro bíblico deve considerar as expressões e
reações do seu ‘homem interior’. Dirigindo-se a conselheiros bíblicos, Paul D. Tripp desafia: “se
você quiser fazer parte do que Deus está fazendo nas vidas de outras pessoas, você precisa
entender como Deus planejou o funcionamento dos seres humanos”, ou seja, “por que as pessoas
fazem o que fazem”.3 O caminho mais seguro para se obter esse conhecimento é estudar o que as
Escrituras revelam sobre o coração humano, pois “não é possível compreender o ser humano
sem entender o coração”.4 Seguindo essa ênfase, procuraremos nesse artigo, compreender
resumidamente o ensino bíblico sobre o coração humano, analisar algumas influências externas
sobre ele e refletir sobre o que a Bíblia afirma ser o seu principal problema.
2. Entendendo o coração na perspectiva bíblica
O escritor de Provérbios ensina que “como na água o rosto corresponde ao rosto, assim,
o coração do homem ao homem” (Pv 27.19). O coração é usado, dessa maneira, como o reflexo
da identidade do ser humano. Isso traz algumas implicações para todos aqueles que almejam
uma compreensão correta da antropologia bíblica.
Em primeiro lugar, a Bíblia descreve o coração como o homem interior (Mt 15.8 e 1Sm
16.7). Dessa forma, as motivações, emoções e argumentações humanas procedem do coração.
Tiago deixa claro que ele é a sede de todos os desejos (Tg 4.1-10). Em outras palavras, o que
governa o comportamento e as atitudes de alguém é o seu próprio coração. Dessa forma, o
conselheiro bíblico que deseja ser sábio precisa aprender a interagir com o aconselhado
investigando os motivos do seu coração. Suas perguntas devem ser elaboradas a fim de ajudar o
aconselhado a sondar as intenções do seu próprio coração.
Em segundo lugar, a Bíblia se refere ao coração como um órgão ativo. O salmista afirma
que o coração do homem perverso “maquina iniquidades e vive forjando contendas” (Sl 140.2).
Em outro salmo, porém, Davi testifica: “Ao meu coração me ocorre: Buscai a minha presença;
buscarei, pois, SENHOR, a tua presença” (Sl 27.8). O escritor de Provérbios ainda ensina que “o
coração do justo medita o que há de responder” (Pv 15.28). Nesses e outros textos bíblicos, a

1
POWLISON, David. Ídolos do coração e feira das vaidades. Brasília, DF: Refúgio, 1996, p. 25.
2
FITZPATRICK, Elyse. Ídolos do coração. São Paulo: ABCB – Associação Brasileira de Conselheiros Bíblicos,
2009, p. 104.
3
TRIPP, Paul D. Instrumentos nas mãos do Redentor. São Paulo: NUTRA, 2009, p. 91.
4
Ibid., 92.

2  
ênfase é que, diferente do que muitos cogitam, o coração humano não é um órgão passivo. Ao
contrário, ele age e responde a cada situação. A ação do coração humano pode ser santa ou
pecaminosa, dependendo daquilo que o controla no momento (obras da carne x fruto do
Espírito). Essa compreensão é altamente importante, pois é possível que até quando sofremos
injustiças e somos vitimados, nossa resposta seja pecaminosa e contrária à vontade de Deus. Por
essa razão o sábio diz que temos, antes de qualquer coisa, de guardar nosso coração (Pv 4.23).
Em terceiro lugar, Jesus ensina que o coração é a casa do tesouro, ou seja, ele abriga
tudo o que é valioso para nós (Lc 6.45). Ainda que valiosas para nós, essas coisas podem ser
boas ou ruins aos olhos de Deus. Por isso o sábio de Provérbios declara que “todo caminho do
homem é reto aos seus próprios olhos, mas o SENHOR sonda os corações” (Pv 21.2). Os sonhos
e desejos de uma pessoa, seus valores mais íntimos governarão suas decisões e atitudes. Esses
valores se tornam alvos a serem perseguidos e por eles as pessoas se orientam.
Finalmente, a Bíblia também ensina que o coração humano é o centro de adoração. O
profeta Ezequiel descreve os anciãos de Israel em um período de apostasia e afirma que eles
“levantaram os seus ídolos dentro do seu coração” (cf. Ez 14.1-7). Ou seja, o homem adora em
seu coração aquilo que lhe é mais precioso. Assim o ser humano pode tanto cultuar Deus em seu
íntimo como também praticar idolatria submersa quando ele atribui significado divino a
qualquer outra coisa ou pessoa. Sempre que alguém ama algo ou alguém mais do que a Deus ele
transforma o objeto do seu amor em um ídolo. Conhecedor dessa verdade, Calvino esclareceu
que a “imaginação do homem é, por assim dizer, uma perpétua fábrica de ídolos”.5 Quando
alguém se recusa a se submeter a Deus ele, geralmente, atribui significado divino a qualquer
objeto, inclusive a si mesmo!
Todas essas referências bíblicas sobre o coração humano revelam a importância de o
conselheiro bíblico estar atento não somente ao comportamento e aos problemas externamente
manifestos. A incredulidade está alicerçada no coração da pessoa e não somente em seu intelecto
(cf. Sl 14.1 e 53.1). A devoção humana é fruto da resposta amorosa do seu coração ao seu
Senhor (cf. Sl 57.7 e 62.8). Por essas razões, o coração humano sempre será um dos principais
alvos a ser seduzido para que o ser humano se desvie de Deus (cf. Sl 62.10). Um exemplo claro
disso é Salomão, pois o texto bíblico afirma que “suas mulheres lhe perverteram o coração”
(1Rs 11.3-4). Além do mais, aqueles que se rebelam contra Deus são denominados pessoas de
“coração inconstante” (Sl 78.8). Jesus alertou que “de dentro, do coração dos homens, é que
procedem os maus desígnios” (cf. Mc 7.21). Investigar e distinguir o que se passa no coração
humano é tarefa essencial no processo de aconselhamento bíblico.
3. Compreendendo as influências externas sobre o coração
Na busca por encontrar um diagnóstico correto do problema que aflige o aconselhado é
possível que o conselheiro bíblico enfatize tanto a centralidade do coração que se esqueça de
outros fatores que também moldam o comportamento humano. Aliás, manter o equilíbrio parece
ser um dos maiores desafios na vida e os cristãos não estão isentos de oscilarem no pêndulo dos
extremos. Focalizar a centralidade do coração não significa que os olhos e a análise do
conselheiro bíblico estejam cegos para outros detalhes que podem ser fontes de problemas.
Nesse sentido, uma premissa para ser lembrada sempre é que as “pessoas são ao mesmo tempo
interiormente dirigidas e socialmente moldadas”.6 Em outras palavras, o caráter interno da
motivação deve encontrar campo para sua expressão no contexto em que a pessoa vive. Esse
mesmo contexto, ou ambiente, por sua vez, acaba por influenciar a pessoa acerca daquilo que o
seu coração deseja.

5
CALVINO, João. As institutas. Edição Clássica, vol. 1. São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 107 (I.xi.8).
6
POWLISON, David. Ídolos do coração e feira das vaidades. Brasília, DF: Refúgio, 1996, p. 22.

3  
Embora central ao indivíduo, o coração humano recebe impactos e influências externas
que podem alimentar ou diminuir a motivação quanto à expressão dos seus desejos. Conquanto
não determine, o ambiente acaba por influenciar a maneira como o coração responde e orienta o
comportamento humano. Essa é a razão pela qual geralmente ouvimos alguém confundir-se ao
declarar: “Somente gritei porque ele foi ríspido comigo!” Certamente houve influência, mas o
outro não determina minha resposta e sim eu mesmo. Portanto, no ministério do aconselhamento
é fundamental que se observe a multiplicidade de fatores que podem contribuir para que o
aconselhado responda piedosa ou pecaminosamente. Nesse sentido, tanto ignorar o contexto
como exagerar sua importância pode resultar em desastres na obtenção de um diagnóstico
correto sobre o problema humano.7
Há, no mínimo, três categorias de influências sobre o coração humano que devem ser
sempre consideradas na busca por uma compreensão das atitudes e comportamentos humanos:
a) A primeira tem sido designada intrapessoal, ou seja, aquela característica somática, as
reações do corpo que acabam influenciando as respostas do coração. Certamente nenhuma parte
do corpo humano leva, em si, a pessoa a desejar o que é santo ou pecaminoso. Todavia, assim
como os desejos do coração são expressos e materializados por meio do corpo, o coração
também não existe sem o corpo, pois o ser humano é uma unidade. Há sempre o risco de o
conselheiro bíblico tratar seus ouvintes como se eles fossem meros “corações desencarnados” e
com isso perder qualquer sensibilidade ou empatia pelo sofrimento físico das pessoas. Por
exemplo, ainda que as alterações hormonais não determinem a resposta pecaminosa do coração
humano, certamente será muito mais fácil uma pessoa explodir em ira se ela estiver
experimentando uma mudança hormonal, seja uma TPM um período de menopausa, privação de
sono, ou problemas glandulares!A Bíblia enfatiza a unidade humana, a qual consiste do homem
interior e do homem exterior, ou também, do aspecto imaterial (alma) e do aspecto material
(corpo). Esses elementos encontram-se absolutamente integrados e não podem ser analisados de
forma dualista. Cada elemento depende continuamente do outro. Ainda que o coração seja o
centro moral e espiritual do ser humano na perspectiva bíblica, ele não se move sem o corpo,
pois o corpo é o contexto no qual ele existe. No entanto, esse “contexto” pode ser forte ou fraco,
saudável ou enfermo, eficiente ou deficiente. As condições do corpo podem influenciar a
maneira como o coração responde a determinadas situações na vida. Uma pessoa com fome
pode se irritar mais facilmente, mas ela nunca pode dizer que o seu corpo se irritou, pois essa é
uma atitude do coração. Semelhantemente alguém com diabetes pode se tornar mais propensa à
depressão ou uma pessoa com Alzheimer pode apresentar atitudes infantis e egoístas. Mas isso
apenas significa que o corpo influencia as respostas do coração e não que ele as determina.
Assim como seria ridículo afirmar que uma fratura no fêmur faz com que alguém adultere,
também é impróprio defender que a fragilidade do corpo é responsável pela fraqueza do
espírito.8 O que o corpo pode fazer é influenciar e realçar as respostas negativas da alma, ou
seja, do coração.
b) A segunda categoria que influencia as respostas do coração é a inter-pessoal, ou seja,
os relacionamentos. O ser humano é um ser social, pois ele foi criado à imagem de Deus que
subsiste em eterna comunhão consigo mesmo. As três Pessoas da Trindade desfrutam eterno
relacionamento, e como o ser humano foi criado à imagem de Deus ele é um ser relacional.
Relacionamentos e amizades não são acessórios, mas parte intrínseca do que significa ser
humano. A Bíblia destaca as influências que boas ou más amizades exercem. Por exemplo, o
livro de Provérbios exorta um jovem a evitar a amizade com os pecadores, assim como o faz o

7
EMLET, Michael R. Understanding the influences of the human heart. The Journal of Biblical Counseling. Winter
2002, p. 47.
8
WELTCH, Edward T. Blame it to the brain? Phillipsburg, NJ: P&R Publishing, 1998, p. 40.

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salmista (cf. Pv 1.10-16 e Salmo 1), e em contrapartida os apóstolos exortaram os cristãos a
amarem-se uns aos outros ardentemente (Rm 12.10 e 1Pe 1.22). Isto significa que somos
inclinados ao pecado, e que precisamos da ordem de amar, pois somos tendentes a não fazê-lo.
O fato é que outras pessoas podem contribuir para o estabelecimento de um contexto no qual a
obediência ou desobediência a Deus se tornam mais fáceis. A importância de se considerar a
influência dos relacionamentos sobre a maneira como o coração reage ao seu contexto diz
respeito à sensibilidade do conselheiro para com a condição do aconselhado. Uma criança que
foi vítima da tentativa de aborto quando no ventre da mãe, que cresceu rejeitada e abandonada
pelos pais, sentindo-se em muitas ocasiões até culpada pelas dificuldades financeiras dos
mesmos, provavelmente manifestará profunda carência em seus relacionamentos quando adulta.
Por outro lado, alguém que cresceu em um lar abastado sendo sempre presenteada com o que
havia de melhor, terá imensa dificuldade em sobreviver com pouco e se sentir agraciada por
Deus nas condições de dificuldades financeiras. Em nenhum desses exemplos defendo que os
relacionamentos determinam a maneira da pessoa agir ou responder às pressões da vida.
Todavia, é importante que se perceba que os mesmos podem, sim, influenciar a forma como o
coração dessa pessoa reagirá em determinadas situações: piedosa ou impiedosamente.
c) Por último, o coração humano também é afetado por fatores extra-pessoais. Nesse
sentido é importante considerar a cultura, a época e as condições vivenciadas pelo aconselhado.
Como afirma Emlet, “as pessoas ao nosso redor têm uma influência mais imediata e direta sobre
nosso coração”, mas a cultura “ao redor também afeta, ainda de forma mais distante,” a nossa
vida.9 Um indiano, por exemplo, aceitará com maior facilidade que os seus pais escolham a
noiva para ele, pois o “casamento arranjado” é um costume normal naquela cultura, o que não
ocorre em nenhuma cultura ocidental. A obediência daquele filho indiano poderá ser meramente
uma questão cultural e não espiritual. No entanto, as Escrituras não limitam as influências extra-
pessoais somente aos fatores culturais e históricos, mas também aos seres espirituais. Por
exemplo, o sofrimento de Jó foi causado pela atuação de Satanás que, com a permissão de Deus,
tocou em suas posses e na condição do seu corpo (cf. Jó 1-2). Por esta razão o apóstolo Paulo
exorta os cristãos a não ignorarem os propósitos de Satanás (cf. 2Co 2.11). Os fatores extra-
pessoais consistem em uma complexidade e acabam por causar imensa pressão sobre a maneira
como o ser humano reage em seu íntimo a determinadas circunstâncias. A consideração das
influências extra-pessoais sobre o coração humano não justificam erros e nem redimem
pecadores. Todavia, ela convida o conselheiro bíblico a considerar uma análise mais abrangente
da situação e maior sensibilidade para com a condição do aconselhado. Em alguns casos, a
melhor ajuda oferecida será no sentido de instruir o aconselhado a viver o evangelho em sua
cultura, encontrando sua identidade e significado pessoal não no mundo ao seu redor, mas no
amor de Deus por ele e nas declarações de Deus acerca de seus filhos encontradas em sua
Palavra. Ou seja, esse conselho capacitará o aconselhado a viver piedosamente a despeito de sua
própria cultura.
A relevância de analisar os variados fatores que influenciam o coração humano consiste no fato
de que, como já foi dito, o indivíduo é internamente motivado e socialmente moldado. Seu
coração não é imune às influências externas e muitas vezes as condições externas apresentam o
ambiente propício para a solidificação ou o enfraquecimento do seu problema.
4. Refletindo sobre o problema do coração
Até agora consideramos a centralidade e os principais fatores de influência sobre o
coração humano. Porém, ainda não definimos como o coração do problema pode estar
relacionado a esse órgão que representa o homem interior, a própria representação do indivíduo.
9
EMLET, Michael R. Understanding the influences of the human heart. The Journal of Biblical Counseling. Winter
2002, p. 51.

5  
De acordo com o ensino bíblico, essa relação é bem simples, pois o coração pode ser o
verdadeiro cerne do problema da pessoa.
As Escrituras declaram que o coração humano não é neutro, passivo e nem santo, mas
corrompido e pecador. Desde o livro de Gênesis há o relato de que o pecado afetou o ser
humano integralmente e se assenta, de forma especial e metafórica, em seu coração. Essa é a
razão pela qual o escritor bíblico afirma que todo o desígnio do coração do homem pecador é
mau (cf. Gn 6.5). Além do mais, o profeta bíblico diz que “enganoso é o coração, mais do que
todas as coisas, e desesperadamente corrupto” (Jr 17.9). O problema do aconselhado pode,
muitas vezes, ser a própria resposta pecaminosa do seu coração a diferentes situações em sua
vida. Devido à condição enganosa do seu coração ele pode, inclusive, permanecer “cego” para
os seus próprios erros e justificar suas atitudes culpando as pessoas, as circunstancias ou mesmo
Deus. O que ele deve ser lembrado, porém, é que o seu “homem interior” nunca é meramente
uma vítima dos fatores externos. Ao mesmo tempo que ele sofre os danos, ele pode estar
respondendo no seu íntimo de maneira espiritualmente danosa.
O problema do coração encontra-se também no fato de que Deus julga não apenas nossas
ações, mas também nossas intenções. As Escrituras ensinam que aquele que criou o coração
humano também os sonda (Sl 7.9, 26.2 e At 1.24). Dessa forma, o Senhor Deus conhece o que
se passa no coração e julga suas motivações, seus valores e suas intenções. Isso fica claro no
ensino de Jesus quanto à imoralidade, pois ele afirmou que se alguém no coração cobiçar outra
pessoa já adulterou com ela (cf. Mt 5.28). Dessa forma, nossas motivações não podem ser
consideradas “inocentes” nem “neutras”, pois cada uma delas é avaliada por aquele que sonda
mentes e corações. Isso faz com que o problema do conselheiro e do aconselhado se localize no
íntimo do coração de ambos.
Finalmente, o problema do coração ainda consiste no fato de que ninguém pode, por si
mesmo, transformar o seu próprio coração. Na verdade podemos selecionar alguns de nossos
desejos e exercer domínio próprio temporário de tal forma que nossas atitudes e
comportamentos surpreendam as pessoas ao nosso redor. Todavia, a qualquer momento
perceberemos que nosso coração ainda continua alimentando sentimentos orgulhosos e
desejando aquilo que desonra a Deus, criando os seus próprios ídolos e nos levando à frustração.
De fato, nosso coração parece indomável e incorrigível! A grande bênção, porém, é que o
Senhor que criou e sonda os corações promete uma transformação radical no coração daquele
que confia nele. No livro do profeta Ezequiel o Senhor Deus faz uma promessa a todo o que se
volta a ele e diz: “Dar-vos-ei coração novo e porei dentro de vós espírito novo; tirarei de vós o
coração de pedra e vos darei coração de carne. Porei dentro de vós o meu Espírito e farei que
andeis nos meus estatutos, guardeis os meus juízos e os observeis” (Ez 36.26-27). Logo, o
problema do coração não é incorrigível, pois Deus promete dar uma solução final a ele:
transformação e mudança. Ao conselheiro e ao aconselhado essa promessa é fonte segura de
esperança.

6  

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