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Revista Marítima Brasileira, ano LXVIII, nº 10-12, abril-junho/1949, pp.

1091-1101

11 DE DE 1949 — BATALHA NAVAL DO RIACHUELO 1091


JUNHO

Tamandaré exaltou-lhe o feito memorável, fazendo-lhe con-

tudo uma ligeira advertência por ter arriscado tanto 110 decorrer

da luta a sua vida preciosa para o Brasil.

Barroso, no seu capitânea, a fragata Amazonas, conduzindo


"O
a batalha desfraldou o legendário sinal Brasil espera que

caca um cumpra com o seu dever" e os marinheiros do Brasil

souberam cumprir o seu dever, naquele dia.

Marinheiros, executar o sinal de Barroso e uma


Para nós

honra, nossa única e ambição. Tôdas as nossas ativi-


e a grande
integral dêste apêlo do grande Caefe
dades visam o cumprimento

e na data memorável de hoje, reafirmar solenemente,


podamos

ao Brasil, se não conseguirmos vencer como Barroso, sabe-


que
remos morrer como Greenhalgh e Marcílio Dias, no cumprimento
".
do nosso dever militar

A IMPORTÂNCIA DO PODER MARÍTIMO

EM RELAÇÃO AO BRASIL

DISCURSO OFICIAL, CAPITÃO DE FRAGATA RAJA


DO ORADOR

NA SESSAO-SOLENE, DE 11 DE
GABAGLIA, PROFERIDO

JUNHO DE 1949, DO CLUBE NAVAL

"A hoje é festiva a Nacionalidade,


data comemorativa de para

para a Marinha, para esta Casa.

assegurou, com o
Rememora-se a batalha do Riachuelo, que

inimigo, tôda a série^ de vitórias


aniquilamento do poder naval
naval com a incorporação
Reforça-se o nosso poder
posteriores.
Rejubila-se esta agre-
à Armada de mais um contratorpedeiro.

miação mais urn ano de existência.


por

atrás, ainda no remanso largo do


Há sessenta e cinco anos

ímpar, símbolo da bravura e da


Segundo Império, aquele vulto

Luís Filipe ce Saldanha da


cultura navais, o ínclito Almirante

de c.3sse, êste Clube o Clube


Gama fundava, como instituição

Naval — e ascendia à sua presidência.

de congregar os Oficiais de Marinha


Organizado com o fim

ideal de confraternização e solidariedade,


em torno de um supremo
admiràvelmente suas finalidades, quer
tem êste Clube preenchido
aos seus sócios, quer estimulando, por todos
prestando assistência
de um espírito naval brasileiro, quer mesmo
os meios, a formação

e a instituições congêneres, tais como


servindo de berço paradigma

com honrosas tradições, e o novel e promissor


o Clube Militar,

Clube da Aeronáutica.
1092 REVISTA MARÍTIMA BRASILEIRA

Em treze lustros de vida, tem o Clube Naval atravessado dias


de bonança e noites de tormenta, mas como as altaneiras naus de

antanho, ora ferrando o pano, ora de velas pandas, tem resistido,

galhardamente, às vicissitudes do tempo e do meio.

Não ouvindo os cânticos falaciosos de sereias ca política

partidária, o Clube Naval singrando a sua rota luminosa, tem pas-


sado incólume por entre Scylla e Charybdes, cada vez mais pres-
tigiado e estimado pela opinião pública nacional.

Associação apolitica, mas eminentemente patriótica, o Clube

Naval não teve, não tem e não terá nunca outra diretriz senão

a dos superiores interesses do Brasil.

A política, o jôgo de partidos, nunca encontrará nêle aco-

lhimento e é de tôda oportunidade se repetir aquela frase, de

certo modo humorística, do almirante Frontin, então na presi-


"se
dência, que dizia: a política entra aqui pela porta, sai logo

pela janela".

É velha praxe desta Casa assinalar êste dia de gala com

uma sessão solene em que um de seus sócios pronuncie uma ora-

ção, nela incluindo um assunto que, à guiza de tema, diga de

perto com os objetivos da nossa Marinha.

Desta feita, procurar-se-á focalizar, com a brevidade e leveza

que o momento requer, a importância do poder marítimo em re-

lação ao Brasil.

Embora ainda ressoem, neste ambiente, os écos de brados an-

teriores, lançados por distintos consócios, ireis ouvir mais um,

de advertência e de esperança.

? ? *

Clama, clama, ne cesses!

Na era dos grandes descobrimentos marítimos já se exaltava

a importância política, estratégica, logística do mar.

IChair-Ecdin Barbaroxa exclamava ao Sultão Solimão, o


"Senhor,
Magnífico: quem domina o mar logo dominará também
".
as terras!

Sir Walter Raleigh, no reinado de Elizabeth, doutrinava:


"
Quem domina o mar, controla o comércio do mundo e, dessa

maneira, a riqueza universal e, finalmente, o próprio mundo".

Francisco Bacon, um dos fundadores do método experimental,


"
sentenciava: Quem domina o mar tem grande liberdade de ação

e pode fazer a guerra da forma que melhor julgar".


Eis os primeiros conceitos do poder marítimo, cuja idéia se

cristaliza com o evolver das armadas modernas e com o progresso

técnico-militar na segunda metade do século XIX.

O poder marítimo consiste fundamentalmente, como o defi-

niu Mahan, na capacidade de controlar as comunicações marí-


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JUNHO

timas, utilizando o mar, tanto na guerra como na paz, para trans-

homens e mercadorias. Quem dispõe de poder marítimo


portar
manter seu comércio marítimo, enviar suas
pode empregá-lo para

invadir o território inimigo e, ao mesmo tempo, privar


tropas para
o seu adversário de tais privilégios.

anual de cabotagem oscila entre quatro a


O nosso comércio

e avaliar no dobro o interna-


cinco milhões de toneladas pode-se

cerca de um terço de todas as trocas


cional. Representa o conjunto

continental, através da fronteira


realizadas no país. O comércio

terrestre, é insignificante.

a tendência é o aumento
Mau gradü números tão reduzidos,

facilidades que tal sistema


intensivo do comércio marítimo, pelas
maior cubagem e pêso para a
de condução oferece, isto é, pela

menos se imaginar o seu valor


carga, por estragar o que pode

mercantil e custo unitário inferior a de qualquer outro meio


pelo
de transporte.

dependem, primacialmente, do mar


Os Estados marítimos

para a regularização da sua vida econômica.

exportação são, do progresso, os grandes


A importação e a

fautores.

marítimo decorre do exer-


Mas a liberdade para o comércio

surgiu a trirreme, por detrás


cício do domínio do toar e, assim,

ambas com apôio em numerosos portos


da embarcação mercante,
" excelência, os an-
do Mediterrâneo, o mar histórico" por que

Homero, Virgílio e Horácio.


tigos conheciam, cantado por

fenícia, chegada até nós, em que


Significativa é aquela moeda

se vê a efígie de um navio de guerra.


gravada

é fácil reconhecer que o


Se, desde o início da navegação,

fundação de colônias e à formação


comércio marítimo conduz à

a conservação dêsses impérios


de impérios, é lógico concluir que
do mar um poder marítimo
é função do exercício do domínio por

com todas as suas complicações.

essência, é meio pelo qual se


marítimo, em sua
O poder
do mar, e o valor político do mar
obtém e se exerce o domínio

é incontestável e incontrastável.

diz Kirchoff, a liber-


menos não pareceria,
Quão garantida
se, além do litoral atlântico, a
dade da maior das Repúblicas

conquistado também o litoral do


Americana não houvera
União

Pacífico.

ao Estado três dos dons melhores e


E o mar comunica
que
independência, a unidade e a plenitude de
mais indispensáveis: a

poderes.
Homero — o mar é infecundó —
Se falso é o que pensou

vivem da provam o desacerto do que dizia


e os homens que pesca
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o grande épico, bem verdadeira é aquela imprecação de Ovidio,

quando pedia a benção para o que fizera a primeira quilha, criando

assim, o mar como caminho comercial por excelência.

O mar é a grande via de comunicações da natureza.

Dominar êsse mar, ser senhor desse mar, agir sôbre êsse mar,

é dominar, agir sôbre as comunicações que por êle se fazem.

No mar ou numa área marítima o que se controla é aquilo

que se passa sôbre êles: controlam-se as comunicações marítimas.

Interessante distinção entre o poder terrestre e o poder ma-

rítimo, faz Sokol, ao dizer:

"
O poder terrestre procura primordialmente ocupar o terri-

tório inimigo para obter o controle de seus homens, seus recursos,

suas bases, suas linhas de comunicações.


"No
mar não há população a subjugar, nem recursos

a serem explorados; só há linhas de comunicações que dão acesso

a todos esses elementos.


"
Devido a seu efeito mais direto sôbre o inimigo, o poder

terrestre (isto é, a pressão dos exércitos), é, em geral, o fator

decisivo na guerra e, na maioria das vêzes, conduz a decisões

finais.
"
Mas, muita vez, êle não pode começar a agir, a menos que

a força naval lhe prepare o caminho ou, ce outro modo, o apoie

trazendo-lhe suprimentos e reforços ou, ainda, privando o ini-

migo dos meios de resistir à fôrça invasora.


"
Casos há em que os beligerantes dependem tanto do mar

para sua subsistência, que o poder marítimo pode, por si mesmo,


".
forçar as decisões

O mar foi salvação dos gregos e expansão de sua alma.

Foi a meta da retirada de Xenofonte com o seu exército de dez

tnil homens.

O mar possibilitou, em Dunquerque, a evacuação de duzentos

mil inglêses e cento e vinte mil franceses, que, mais tarde, cons-

tituíram grande parte do corpo expedicionário que, em fins de

1940, tomou a ofensiva no Egito e na Líbia, que lutou na Tunísia

cm 1942, na Itália em 1943, e, novamente, na França em 1944.

Duas decisões, cronologicamente tão distantes, diversamente

efetuadas, mas que giraram em tôrno do poder marítimo.

Para os gregos, o mar Negro era a volta à Pátria.

Para os aliados, os mais heterogêneos barcos, que os levaram

às Ilhas Britânicas, eram a libertação e parcelas de suas frotas

civil e militar.

Comò os gregos, os britânicos e francêses podiam exclamar:


"Tálassa!
Tálassa! O mar, o mar, enfim!".
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JUNHO

O poder marítimo é um complexo. E um de seus compo-

neiites é o poder naval que com êle se não deve confundir. Poder

marítimo não abrange somente a fôrça naval de que dispõe o

Estado, compreende ainda todos os recursos de que o Estado

possui para que essa fôrça possa agir, inclusive grande parte da

fôrça aérea nacional. Enquanto poder naval tepi a significação de

potência aplicável, de fôrça existente, o poder marítimo é mais,

representa uma capacidade, uma faculdade.

Marinha de guerra, marinha mercante e bases são elementos

essenciais do poder marítimo. Outros elementos existem a in-

fluir, em maior ou menor escala, no poder marítitno, tais como

a posição geográfica relativa aos beligerantes, a capacidade indus-

trial e econômica de um Estado e a sua tradição naval e marítima.

O poder marítimo assegura a liberdade dos mares, ainda

que se tome essa liberdade na sua acepção mais restrita à luz

da conceituação atual de interdependência dos Estados em face

da comunidade internacional.

País arquipélago no sentido geopolítico e na expressão de

Otto Maull, vulgarizada entre nós por Backheuser, o Brasil tem

no mar a chave de suas linhas de comunicações.

Se o mar é, para o nosso país, sob todos os aspectos, político,

comercial, econômico e financeiro, um elemento de valor inesti-

mável, se constitui fator imprescindível para a sua própria exis-

tência como Estado autônomo, verdade é que êsse mar é franca-

mente navegável e, de difícil defesa e vulnerável a ataque


pois,
intra ou extracontinental.

Daí ser essencial à nossa sobrevivência um poder marítitno

capaz as dificuldades que nos impõe a fatali-


de contrabalançar

dade como o de fronteira marítima mais extensa


geográfica país

em continuidade do universo.

de tôda meditação as palavras que distinto chefe


São dignas

escreveu anos atrás, provavelmente em relação


naval sul-americano

ao Brasil e ao Chile:

" dêste Continente, os principais núcle-


Em países montanhosos

estão situados na orla marítima e, como a sua


os de população
admite, outro lado, a construção de vias fer-
topografia não por

a concentração de forças torna-se, assim, para


reas estratégicas,

sem o Cmprêgo de transporte pelo mar. Para


êles, impossível,

de difíceis comunicações terrestres, a defesa efetiva


ésses países,
suas esquadras. Ora, se o seu poder naval
está representada por

sofrer um eclipse momentâneo, ficarão, em caso de


faltar, ou

em condições mui desvantajosas. Não só tais países são


guerra,
mar, cotno ainda uma ferida pelo mar
assaz vulneráveis pelo
".
ser, êles, uma ferida de morte
poderá para
1096 revista marítima brasileira

Mercê de sua própria situação geográfico-estratégica no

continente Americano e por força de compromissos criados no

Tratado Interamericano de Assistência Recíproca, assinado nesta

Capital em 1947 e tornado lei pelo Congresso Nacional, o Brasil

tem graves responsabilidades na política continental e qualquer

que seja a eventualidade, frente a uma ameaça externa, as neces-

sidades orgânicas e estratégicas da Marinha devem ser previstas e

convenientemente estudadas.

Sendo a principal tarefa das forças navais garantir o uso

do mar e, portanto, a defesa da costa, é imprescindível a coope-

ração das forças aéreas em um conjunto estratégico de manobra.

A Marinha, como bem acentuou Knapp, é a primeira linha

de defesa de um país. Ela deve, pois, operar eficientemente muito

além da ourela marítima em quaisquer condições de tempo e a

qualquer momento, mantendo o controle das comunicações ma-

rítimas em qualquer área do oceano que fôr necessário. E para

que seja alcançado êsse objetivo, o Estado deve dispor de conve-

niente poder marítimo.

A história da nossa Marinha e a própria história do Brasil

mostram que, no passado, o nosso país teve, em realidade, um

poder marítimo.

Em um dos primeiros decretos assinados por D. Pedro I,


"o
graças a Martim Francisco, está dito que Govêrno tomará

todas as providências urgentes que se fazevn necessárias para o

nascente Império possuir uma esquadra apta a defender-lhe, quer

a extensa costa, quer o rico, ameno e fértil território e também

capaz de lhe assegurar o comércio de seus contínuos portos, de

vez que a Providência talhara para o Brasil os mais altos des-

tinos da Glória e Prosperidade, que só podem ser defendidos

por uma Marinha respeitável".

A nossa hegemonia continental no Império foi-nos dada e

mantida pela nossa superioridade naval e marítima.

Nas lutas da nossa emancipação política, nas campanhas da

Cisplatina e do Prata, na guerra do Paraguai, manifestou-se,

nítida e claramente, a influência de um poder marítihio, repre-

sentado pelas naus herdadas da Marinha portuguesa e pelas cons-

truídas nos nossos estaleiros primitivos, pelos navios de ferro

do programa Lima Duarte levado a cabo nos fins dt> regime

monárquico, pela marinha de comércio e pela tradição naval e

ftiarítima dos nossos maiores.

Nas duas guerras mundiais, o poder naval brasileiro apre-

sentou-se de modo diverso.

Na primeira, embora maior o poder naval, seu emprêgo apenas

se manifestou numa Divisão Naval — a D.N.O.G. —,


que

prestou, aliás de modo notável, numerosos serviços nas costas


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Norte. Isto porque então a campanha


africanas e no Atlântico
como na segunda, as águas do
submarina alemã não atingira,

nosso próprio litoral.

a nossa Marinha figurou como


Na segunda guerra mundial,

Cm de relêvo, na
do naval aliacq, grupamento
parte grande poder
águas do Atlântico Sul, estendendo-
campanha anti-submarina, nas

Mediterrâneo. Todo o nosso poder


se às do Atlântico Norte e do

e largamente utilizado.
naval foi mobilizado

do tnaritimo como, por


Quanto a outros elementos poder
também diversa foi a m-
exemplo, marinha mercante e bases,

fluência nos dois conflitos.

considerável de tonelagem
Notou-se no segundo uma perda
em tráfego de maior número
mercante compensada pela existência

na guerra, eram pràticamente


de unidades. As bases, primeira
e ainda assim ineficaz, ao
inexistentes, salvo a do Rio de Janeiro

Natal, Recife e Salvador desefnpe


na última, as de
passo que,
11a defesa do Atlântico Sul.
nharam papel preponderante
"As no nor-
Ingram: bases situadas
Dizia então o almirante
serviços no esforço de guerra
deste brasileiro estão prestando
o Essas bases consti-
dos Estados Unidos para esmagar Japão.
O "movimento de
Trampolim da Vitória.
tuem hoje o verdadeiro
das forças que se
homens e material é imenso. O transporte

fêz intermédio dessa


no de europeu se por
achavam teatro guerra
agora tornam-se ímpresein-
bases se antes foram eficientes,
que,

diveis a vitória no Pacífico.


para
fôsse eficiente na segunda
o poder marítimo
Enfim, para que
a construção naval no
foi necessário intensificar
guerra mundial
Unidos, instalar bases
novas dos Estados
país, receber unidades
teve de ser apare-
vale dizer a Marinha
no nordeste e no leste,
e depois aceleradamente,
lhada, equipada e reforçada, paulatina
cresciam de grandeza, em
decorrer dos acontecimentos que
no

ritmo impressionante.

desde o primeiro momento


a Marinha brasileira,
Destarte,
ataque, na defesa das vias
quer no quer
da batalha do Atlântico,
de ação, se manteve, ininterrupta-
em seu setor
de comunicações,
de Movimentos, conforme
ou menor intensidade
mente com maior
empregados pelo inimigo.
importância dos meios
a

nossa Marinha, proclamou o Al-


a atuação da
Apreciando

mirantado Britânico:

"Agora resistência organizada 11a Europa


o fhn da
que
aliadas, o Conselho do Almirantado
triunfo das armas
releva o
serviços prestados à causa
expressar sua admiração pelos
deseja
Brasil. Em e sobretudo a
Marinha do particular
aliada pela
forças navais e aéreas em repelir a
desempenhada pelas
parte
109S REVISTA MARÍTIMA BRASILEIRA

traição dos submarinos alemães no Atlântico Ocidental e a che-

de navios de guerra brasileiros a Gibraltar depois de es-


gada
coltar, com êxito, a Fôrça Expedicionária através do Atlântico".

Mas, terminada a guerra e, conseqüentemente, a campanha

anti-submarina, os navios, adquiridos para êsse fim, diminuíram,

sensivelmente, de importância, diante de uma nova politica naval,

consoante as diretrizes da política nacional nos âmbitos con-

tinental e internacional.

Assim, outras necessidades mais vultosas, inadiáveis e ur-

o plano e precisam, por isso


gentes, passaram para primeiro
'mesmo, ser cuidadas com o maior interesse e possível brevidade.

No do exame universal se conclui que o campo da


presente,
se alarga desmesuradameftte, abrangendo uma ação
estratégia

mundial.

a nossa estratégia marítima, em face de um exame da


Mas,

tem sua importância e feitio peculiares c depende,


situação geral,
marítimo, cuja organização é função do pre-
pois, de um poder
enfrentar circunstâncias futuras, o que
paro do Estado, para

constitui problema de grande envergadura.

marítimos encaram a guerra com seriedade,


Os Estados que

o seu aspecto marítimo e constituem um poder marítimo.


estudam

O é saber é se ele será ou não suficiente para


que preciso

os fins a se destina, a criação de um poder marítimo


que porque

obedece a uma finalidade, e esta é, no caso de uma guerra, poder

e exercer o domínio do mar. E o meio de


disputar, conquistar

domínio, o mais econômico, é o


obtenção dêste possivelmente,

de impô-lo em relação ao inimigo provável, ainda em tempo de paz,

conveniente de um poder marítimo tal que o de-


pelo preparo

sanime de qualquer disputa.

O marítimo brasileiro deverá ser, pois, dotado de


poder
recursos e requisitos indispensáveis à guerra hodierna. Deverá

dotado de elementos consentâneos com a técnica moderna e


ser

forças navais adequadamente agrupadas e proporcionadas em


de

poder ofensivo e defensivo.

Sendo, insuficientes para tais fins os nossos recursos


porém,
será essencial uma justa aplicação dos mesmos, me-
financeiros,

diante uma certa compensação entre os elementos constitutivos

do combatente e sem prejuízo de seu próprio equilíbrio.


poder

Alguns truísmos merecem ser aqui repetidos.

da formação de um poder marítimo as


O condicionamento

tem limites traçados interêsses do Estado.


finanças públicas pelos

não ser improvisadas, muito menos


Se as finanças podem

o poder marítimo.
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É óbvio que não será apenas com a restrita disponibilidade

orçamentária da União que se poderá criar um poder marítimo,

capaz de atender à sua finalidade, no caso de um conflito armado.

O ultrapassa a capacidade financeira normal


problema, pois,
do Estado. A solução só lhe poderá ser dada por tneids extra-

ordinários.

Mas, antes ãe tudo, urge a formação, através de elevada,

ampla e de um clima especial, suscetível


patriótica propaganda,
de impregnar cada brasileiro da consciência da realidade do Atlân-

tico. Foi na batalha travada, ainda ontem, nêsse oceano que se

tornou a conservação de bens e ideais sem preço para


possível
o nosso país e para a nossa civilização.

Num democrático, o nosso, não basta que apenas


país qual

os conheçam os da guerra e do poder


profissionais problemas
marítimo. É 'mister que o homem comum tenha, ao menos, uma

noção êles significam, parte integrante que é óas dire-


do que
tivas concernentes aos citados problemas.

alguém afirmou que a culpa da ca-


Foi, com acerto, que
Harbor deve ser atribuída ao povo norte-
tástrofe de Pearl

Somente o interesse ativo ou o melhor


americano e conjunto.

dos do Estado, evitarão desgraças iguais


conhecimento problemas

no futuro.

os com ironia, costumavam dizer


Na antigüidade, gregos,

Kyme, êstes haviam levado três séculos


dos habitantes de que

moravam à beira do mar...


para descobrir que

brasileiro compreender que o poder


No dia em que cada
e da defesa nacional
marítimo é alavanca melindrosa poderosa
e tudo que fôr dis-
e da maior repercussão internacional, que
lucros no —
realização reverterá com porvir
pendido na sua
com o elemento material, moral-
nêsse dia poder-se-á contar
um marítimo que será.
mente apoiado, para se constituir poder

o pensador que foi


como o disse, eloqüentemente grande

"não desesperado dos fracos, a
Amaral: o recurso
Azevedo
os destroços das situações per-
arca imbele a que se abrigam

com os fortes afirmam a sua


cfdas, mas a arma eficiente que

do de que sao de-


asseguram a posse patrimomo
personalidade,
em um mundo em que, de dia para
tentores e se tornam capazes
um mais amplo e mais
dia, cada um tem a representar papel
".
intenso

investigações científicas, tanto oficiais


As facilidades para
hoje, mais que nunca, valiosa con-
como privadas, representam

marítimo de um Estado.
tribuição ao poder

uma relação de nomes ilustres que


A nossa Marinha possui
e em várias especialidades, empregaram e
cm diferentes épocas
1100 REVISTA MARÍTIMA BRASILEIRA

empregam seu espírito inventivo, visando o aperfeiçoamento ou


a melhor utilização do material naval.
Por ocasião do término da segunda guerra mundial, afirmou
o almirante King: " Somente continuando no caminho das pes-
quisas e dos melhoramentos, poderá o nosso país esperar ser
protegido contra qualquer inimigo potencial e manter a posição
que presentemente desfruta, possuindo a maior e mais eficiente
força naval combatente da história".
Enveredando, em boa hora, por esse caminho, o nosso Go-
vêrno acaba de tomar a iniciativa de instituir o Conselho Na-
cional de Pesquisas, depois de ter incumbido de estudar-lhe a
conveniente estruturação grandes figuras da ciência, da tecno-
logia, das forças econômicas, da segurança nacional, da adminis-
tração pública e das relações do Brasil com as outras Nações
cultas, sob a direção do almirante Álvaro Alberto, membro da
Comissão de Energia Atômica e que por duas vezes a presidiu.
A influência que exerce o emprego da energia atômica sobre
o poder militar de um Estado e, conseqüentemente, sobre o seu
poder marítimo, dá motivo a ligeiras referências sobre a ma-
teria.
As questões envolvidas pelo controle internacional da ener-
gia atômica atingem interesses econômicos de vários Estados,
entre os quais o Brasil.
Em 1948, o representante brasileiro na Comissão de Energia
Atômica, almirante Álvaro Alberto, diante da negativa à inclu-
são, no segundo relatório da mesma Comissão, de um dispositivo
assegurando quotas preferenciais dos principais minérios atô-
micos para os Estados que os tivessem de fornecer, pleiteou,
dentre outras, as seguintes compensações:
a) preferência para a instalação de usinas de energia atô-
mica em território dos Estados fornecedores de matérias primas;
b) quota preferencial de energia resultante das matérias
primas fornecidas;
c) presença permanente no órgão internacional de controle
para os Estados que tivessem de abastecer os demais.
Esse último item, justificou o representante do Brasil assi-
milando ao caso das chamadas' " Grandes Potências" políticas
e militares que são membros permanentes do Conselho de Se-
gurança d"as Nações Unidas.

Se voltarmos o pensamento para os tempos idos da nossa


vida nacional, decorrida na conquista de honrosa posição conti-
nental, na tarefa de libertar povos oprimidos mediante o justo
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emprego da força, na fixação de nossas fronteiras através da


solução jurídica do arbitramento, na manutenção da integridade
do Império e nos esforços pela estabilidade da República; se
atentarmos nesta unidade admirável — a América portuguesa
— que nos legou, ao emanciparmo-nos de metrópole, o gênio lu-
sitano; se nos detivermos, um instante, para refletir sobre a
responsabilidade que nos cabe ante a obra que os nossos ante-
cessores souberam erigir, não nos é possível deixar de reconhecer
a nossa íntima e profunda ligação com esse passado.
Se estamos usufruindo os benefícios, morais e materiais,
desta civilização, que é necessário, sob qualquer sacrifício pre-
servar, devemos considerar, cuidadosamente, toda decisão a tomar
no presente e em futuro próximo, sem solução de continuidade.
É que, em verdade, mais não somos que usufrutuários da he-
rança de tudo que o passado viveu, com a obrigação de transmi-
tí-la aos nossos sucessores e que estes nunca possam imaginar
que deixamos de cumprir com o nosso dever.
A geografia determina a importância transcendental do nosso
papel em prol da civilização ocidental nesta parte do Atlântico
Sul, e isto foi-nos dado provar com o esforço desenvolvido na
segunda guerra mundial.
Devemos novamente ponderar, em face das ameaças que pairam
sobre o mundo dos ideais de democracia e de liberdade, o valor
e o perigo da nossa posição.
Na salvaguarda do nosso destino, que é o mesmo da huma-
nidade livre, apesar das promessas de acordos internacionais e
enquanto os princípios morais não forefti os pilares de um mundo
só, a realização do nosso propósito básico será a formação de
um necessário poder militar.
E nesse poder militar, o poder marítimo contribuirá, como
sempre o fez, para a segurança, para a grandeza, para a eterni-
dade da Pátria.
Assim o cremos, assim o esperamos".

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