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A DOLARIZAÇÃO DO CONHECIMENTO

TÉCNICO PROFISSIONAL* E DO
ESTADO: processos transnacionais e
questões de legitimação na
transformação do Estado, 1960-2000**

Yves Dezalay
Bryant Garth

A história básica da transformação do Estado jornalísticos recentes, sustenta que as “preferências


na América Latina e nos Estados Unidos da década das elites” simplesmente mudaram: em vez de um
de 1960 até o ano 2000 pode ser descrita como um Estado “pesado”, elas preferem agora um Estado
deslocamento de Estados desenvolvimentistas ou “neoliberal”. O resultado, de acordo com essa
Estados do Bem-Estar para Estados neoliberais, explicação, é que a maior parte dos países latino-
envolvendo a abertura das economias, privatiza- americanos é hoje governada por “técnico-políti-
ções e a implantação dos princípios do Consenso cos” que combinam conhecimento técnico sofisti-
de Washington. As razões apresentadas para essas cado com sensibilidade política. Os principais exem-
mudanças na América Latina são, no entanto, contra- plos desses técnico-políticos incluem Pedro Malan
ditórias. Uma corrente afirma que o FMI e o Banco e Fernando Henrique Cardoso no Brasil, Domingo
Mundial impuseram a agenda econômica do gover- Cavallo na Argentina, Alejandro Foxley no Chile e
no Reagan por meio de vários programas de “ajuste Pedro Aspe no México (Dominguez, 1997). Os
estrutural”. Outra perspectiva, encontrada principal- economistas são os exemplos paradigmáticos.
mente na literatura de Ciência Política e em estudos Os pesquisadores que estudam os técnico-
políticos não explicam como esses políticos tecno-
* N.R. — No original, “professional expertise”. Refere-se cráticos chegaram a esse conjunto peculiar de
ao conhecimento científico exclusivo relacionado às preferências. Para a maior parte dos autores, na
profissões de nível universitário. verdade, a predileção por esse conjunto de prefe-
** O presente artigo, originalmente apresentado no XXIII rências é óbvia e auto-explicativa. Os analistas
Encontro Anual da Anpocs, outubro de 1999, é baseado
em nosso livro The internationalization of palace wars:
tendem também a não examinar os indivíduos que
lawyers, economists and the international reconstruc- os técnico-políticos substituíram no Estado, des-
tion of the state (Dezalay e Garth, no prelo), que considerando, com isso, os “políticos-bacharéis”***
consubstancia mais de 400 entrevistas realizadas na
Argentina, no Brasil, no Chile, no México e nos Estados
Unidos. *** N.R. — No original, “gentlemen-politicians of the law”.
Tradução de Eduardo Cesar Marques. Referia-se originalmente aos políticos com formação em
Revisão de Maria da Gloria Bonelli. Direito no parlamento inglês.

RBCS Vol. 15 no 43 junho/2000


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que até então ocuparam as posições dominantes e Mostraremos as diferentes formas pelas quais as
cujo conhecimento generalista foi atacado e desa- profissões e o conhecimento técnico são importa-
creditado pelos técnico-políticos. dos e exportados e ilustraremos esses processos e
Nossa pesquisa busca explorar esses proces- o papel das diferentes posições estruturais. Como
sos de mudança do Estado. Entretanto, nosso foco sugerido acima, destacaremos os desenvolvimen-
não está no Estado em abstrato mas, ao contrário, tos simultâneos que têm lugar no Sul e no Norte.
nas pessoas e no conhecimento que o produzem. Da perspectiva desse modelo dual, o início e
Nosso ponto de partida é o Direito, já que ele o fim da história da transformação estatal ocorrida
fornece uma linguagem-chave de legitimação. entre 1960 e 2000 assemelham-se muito. Os inter-
Centramos a investigação, além disso, em torno de mediários internacionais de conhecimento técnico
dois instrumentos analíticos. O primeiro é o con- estatal de maior destaque por volta de 1960 eram
ceito de “estratégia internacional”, que se refere à os políticos-bacharéis. Como membros do poder
forma pela qual os indivíduos usam capital interna- estabelecido legitimado pelo Direito, eles eram
cional — títulos universitários, conhecimento téc- capazes de encontrar um terreno comum transna-
nico, contatos, recursos, prestígio e legitimidade cional. Os campos do poder estatal nos diferentes
obtida no exterior — para construir suas carreiras países eram muito diversos — especialmente entre
em seus países natais. A “agência” na importação e os Estados Unidos e os outros países do nosso
exportação de idéias, abordagens e instituições é estudo. Entretanto, havia similaridade estrutural na
obtida por meio dessas estratégias internacionais. posição dos políticos-bacharéis no que diz respeito
As estratégias são implementadas, particularmente, aos poderes econômico e político. Tanto no Sul
através de “guerras palacianas”, nosso segundo quanto no Norte, os políticos-bacharéis serviam
instrumento analítico. Guerras palacianas (Bour- como intermediários entre as principais famílias e
dieu, 1996) são lutas não apenas pelo controle do empresas de seus países, assim como agiam mais
Estado, mas também pelos valores relativos dos como estadistas quando no governo. Eles ajuda-
indivíduos e dos conhecimentos que dão forma e ram a facilitar o consenso e as reformas sociais —
direção ao Estado. A pesquisa descobriu que, de em cenários muito diferentes — que promoveram
1960 até hoje, as guerras palacianas do Sul são cada a estabilidade e protegeram o que pode ser defini-
vez mais desenvolvidas em termos de estratégias do como o establishment. As suas posições estrutu-
internacionais. Uma conclusão provisória da inves- rais similares promoveram, com relativo sucesso,
tigação é que, na verdade, os Estados estão cres- um intercâmbio no fluxo de idéias.
centemente inseridos em um mercado internacio- De modo semelhante, há também diferenças
nal de conhecimento técnico centrado no circuito relativamente pequenas entre os técnico-políticos
universitário dos Estados Unidos e instituições que expandiram sua influência mais recentemente.
correlatas. Embora existam, é evidente, diferenças de grau, os
As estratégias internacionais executadas em indivíduos que recebem esse nome tendem a falar
guerras palacianas nem sempre levam a grandes as mesmas línguas, tanto técnica como lingüistica-
transformações profissionais ou institucionais. Os mente, e a circular com relativa facilidade entre
resultados são muito diferentes em diferentes paí- diferentes países — e bancos multilaterais, organi-
ses. A chave para as transformações institucionais zações não-governamentais, escritórios de advoca-
e para a institucionalização das mudanças é o cia e centros de pesquisa que assessoram a admi-
paralelismo estrutural entre os países exportadores nistração pública.* Assim como no caso dos políti-
e importadores. A interação é fundamental neste cos-bacharéis, os técnico-políticos de diferentes
caso. Ao invés de centrar nosso enfoque analítico países ocupam posições similares com respeito aos
em como diferentes países mudaram, ou não campos de poder de seus países natais. Novamen-
mudaram, com relação a estratégias internacionais, te, há grandes diferenças entre países, mas as
entretanto, este artigo observará profissões e co-
nhecimento técnico de uma forma mais ampla. * N.R. — No original, “think tanks”.
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posições relativas dos exportadores e importado- cos promovidos pelos técnico-políticos, mas não
res de idéias e abordagens são bastante similares. tem operado na mesma velocidade em todos os
Exportações simbólicas tendem a ser mais lugares. Alguns meios profissionais são mais glo-
bem-sucedidas quando há homologias estruturais bais que outros, incluindo, especialmente, discipli-
entre o Sul e o Norte. Quando as posições estrutu- nas mais novas, como a Economia. No interior do
rais são similares, como eram no tempo dos políti- Direito, o direito empresarial está mais à frente
cos-bacharéis e são novamente agora, com os nesse processo do que a advocacia de defesa de
técnico-políticos, o Norte é capaz de exportar as causas sociais e políticas ou a advocacia de interes-
suas próprias lutas internas para o Sul. Estratégias se público. Esse processo altamente desigual, que
internacionais no Sul se conectam com as estraté- agrava o atual desequilíbrio no mercado de conhe-
gias internacionais de atores do Norte lutando suas cimentos técnicos, é um microcosmo do que está
lutas domésticas. Na verdade, quando as estruturas sendo disputado na globalização ou na dolariza-
se encaixam particularmente bem, as exportações ção. Com o objetivo de destacar esse processo
não são nem mesmo vistas como exportações. Isso desigual e as características estruturais que o pro-
não se deve apenas ao fato de que todos os lados duzem, desenvolvemos a seguir o argumento a
acreditam nos mesmos referenciais gerais e nas partir do exemplo da Economia e de dois exem-
mesmas formas de resolver os problemas, sejam plos do Direito — direito empresarial e advocacia
eles a igreja, as entidades de direitos humanos, a de interesse público. Usando esses exemplos, po-
importância de ter bom crédito, a estabilidade e a demos compreender como um enfoque centrado
credibilidade da economia ou o meio ambiente, nos campos de poder nacionais, e nas próprias
embora esse tipo de concordância seja importante. profissões, pode explicar a maneira pela qual o
O que é especialmente relevante é o fato de que nacional e o transnacional se conectam — e se
suas estratégias os levam a fazer o trabalho de seus confundem — em momentos particulares. Olhan-
parceiros internacionalizados. do para além da categoria dos técnico-políticos,
Da mesma forma, noções de dominância ou portanto, podemos notar importantes diferenças e
dependência tornam-se invisíveis e naturalizadas. tensões nos processos de dolarização.
Torna-se impossível dizer se a fonte de mudança Nosso enfoque centra-se nas histórias inter-
era local ou vinha de outro lugar. O que importa é nas do desenvolvimento e da transformação dos
o paralelismo. Como sugerido na Cúpula das Amé- campos nacional e transnacional, embora proces-
ricas, a idéia de um acordo de livre comércio nas sos geopolíticos mais amplos sejam cruciais para
Américas, do tipo do Nafta, pode ser encontrada estruturar as interações nos seus campos particula-
entre os líderes tanto da América Latina quanto dos res. A partir da década de 1960, por exemplo, as
Estados Unidos. Isso não significa que o impacto estratégias internacionais embutidas nas guerras
dessas idéias e tecnologias exportadas (e importa- palacianas nacionais exacerbaram a competição
das) seja exatamente o mesmo para todos os internacional. A contra-revolução conservadora
países, mas, sim, que o que é exportado se enraíza contra a política externa reformista norte-america-
e é acessado pelos mesmos padrões universais. As na, por exemplo, batalhou globalmente pela hege-
idéias exportadas são produzidas e legitimadas monia contra os Estados desenvolvimentistas e de
mediante processos envolvendo os técnico-políti- Bem-Estar, e as estratégias internacionais embuti-
cos. Essa dinâmica inclui o desenvolvimento de das nas guerras palacianas locais basearam-se e
um conjunto de alternativas aceitáveis. Quando o alimentaram-se da competição internacional —
modelo é aceito e legitimado nos mercados inter- incluindo as disputas jurisdicionais entre diferentes
nacionais, pode ser oferecido como um padrão a disciplinas, especialmente economistas contra ad-
ser reexportado para outros lugares. vogados, assim como entre diferentes “culturas
A dolarização, ligando os valores do Sul jurídicas”, como o embate entre empresários do
exatamente ao poder de compra nos Estados Uni- direito norte-americanos e notáveis juristas euro-
dos, é o elemento-chave dos conhecimentos técni- peus. A Guerra Fria e a crise da dívida também
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foram ingredientes-chave na moldagem das intera- mente menores graças à sua posição de poder já
ções nesses campos. bem estabelecida.
As histórias internas também se relacionam O Consenso de Washington, tanto no Sul
de maneira bastante próxima com as histórias quanto no Norte, desenvolveu-se a partir de simi-
estruturais específicas do Direito e de disciplinas laridades estruturais na posição de um grupo ou de
mais novas como a Economia. O Direito esteve economistas individuais de fora do establishment.
envolvido no fenômeno de três formas distintas. O primeiro ingrediente-chave foi o investimento
Em primeiro lugar, o Direito, como arcabouço acadêmico como base de legitimação do que se
jurídico, historicamente desempenhou um papel constituiu na época como uma “aliança profana”.
central na reprodução e na legitimação do Estado Como não dispunham de capital social e de cone-
(na Argentina e no México em menor grau do que xões, os economistas formados na Universidade de
no Brasil e no Chile). Além disso, esteve sempre Chicago — quase todos eles imigrantes de primeira
fortemente implicado na reprodução (e na legiti- ou segunda geração — investiram em Matemática,
mação) das hierarquias sociais. Em terceiro lugar, na aplicação da teoria da escolha racional às
as histórias nacionais específicas também produzi- políticas públicas e em estratégias de autopromo-
ram hierarquias profissionais internas relativamen- ção. Desde cedo, formaram uma aliança com um
te rígidas, lideradas pelos estadistas-bacharéis liga- grupo de republicanos e homens de negócios
dos às faculdades de Direito, às famílias de maior muito conservadores, localizados à margem do
destaque nas oligarquias locais (especialmente no poder na época e hostis às relações harmônicas
Chile e talvez também no Brasil) e ao conhecimen- que constituíam o sistema dominante. Os econo-
to cosmopolita que vinha da Europa. mistas de Chicago desenvolveram também argu-
A história da Economia é praticamente um mentos matemáticos poderosos para construir suas
tipo-ideal da trajetória dos técnico-políticos e da posições na Economia “pura”, em contraposição às
dolarização. A Economia teve de conquistar a sua abordagens mais ensaísticas dos oriundos de Har-
autonomia em relação ao Direito na América La- vard e da elite dominante da costa leste norte-
tina e, em um certo grau, até mesmo nos Estados americana. A batalha no campo da Economia era
Unidos. As primeiras gerações de economistas também uma luta contra os economistas keynesia-
depois da Segunda Guerra Mundial eram muito nos que se incluíam entre os intelectuais engajados
próximas do sistema jurídico nos Estados Unidos da elite dominante da costa Leste presentes na
e na América Latina (e do PRI, no México). Vários administração Kennedy. O governo foi denuncia-
dentre os economistas de maior destaque na do como produto de comportamentos capitalistas
América Latina tinham sido, na verdade, forma- protecionistas voltados para benefícios privados,
dos em escolas de Direito, que controlavam, en- que levavam à inflação e à estagnação econômica.
tão, o ensino de contabilidade. O keynesianismo Nos anos 1950, quando a economia neolibe-
e o desenvolvimentismo funcionaram muito bem ral nos Estados Unidos ainda era relativamente
no pós-guerra e conseguiram sustentar Estados fraca, os economistas de Chicago investiram inter-
relativamente fortes, que mantiveram e moderni- nacionalmente. Liderados por Arnold Harberger,
zaram a posição de poder dos políticos-bacha- da Universidade de Chicago, eles tiraram vantagem
réis, especialmente no Brasil, no Chile e nos da U.S. AID, assim como de fundações filantrópi-
Estados Unidos, mas também no interior da elite cas, para investir em seus possíveis parceiros no
política mexicana. As estratégias internacionais Sul, especialmente na Universidade Católica de
desde cedo desempenharam um papel importan- Santiago, no Chile, casa dos “Chicago boys” origi-
te na afirmação da Economia na América Latina, nais (ver Valdez, 1995). O investimento no Chile
onde a legitimidade externa da disciplina pôde podia ser dirigido diretamente contra a CEPAL —
ser usada para colocar em xeque o poder das uma organização da ONU em Santiago — e Raul
elites do Direito dominantes localmente, que pre- Prebisch — ele mesmo a própria personificação do
cisavam de investimentos internacionais relativa- economista cosmopolita bem-nascido. O investi-
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mento norte-americano foi relativamente equâni- Os principais centros de pesquisa de assesso-


me entre keynesianos e neoliberais, mas a econo- ria à administração pública da Argentina — sempre
mia keynesiana e desenvolvimentista dominante bem conectados internacionalmente — não preci-
estava dentro do poder estabelecido na Universi- saram da Economia para colocar em xeque o poder
dade do Chile. Um grande número de jovens estabelecido ou os miliataes, mas os economistas,
economistas da Universidade Católica foi para liderados inicialmente por Domingo Cavallo, en-
Chicago e, ao retornar ao Chile, formou no país contraram o seu caminho nos mercados internaci-
alianças políticas similares às criadas no interior do onais de conhecimento técnico em Economia de
bloco político conservador nos Estados Unidos. forma relativamente fácil. A Matemática podia ser
Eles já estavam prontos quanto Pinochet chegou usada para desafiar advogados convertidos como
ao poder em 1973. Martinez de Hoz. No México, uma segunda gera-
Eles usaram a economia matemática, rela- ção do PRI, exemplificada por Carlos Salinas, usou
ções com a mídia e especialmente El Mercurio — a Economia para ganhar o poder no interior do
o análogo chileno do Wall Street Journal —, as- Estado e construir pontes com economistas de
sim como suas ligações com os economistas de faculdades privadas e do setor privado, como
Chicago, então em ascensão na profissão no am- Pedro Aspe.
biente norte-americano, para clamar por um “tra- Vários grupos de economistas melhoraram
tamento de choque” e uma série de reformas que suas posições domésticas com a crise da dívida nos
se tornaram, naquele momento, a Bíblia dos ata- anos 1980. Eles se encaixaram muito bem com seus
ques neoliberais ao intervencionismo estatal em colegas que negociavam a crise da dívida pelo
outros países, incluindo a Inglaterra. O paralelis- outro lado. Apoiando-se em seu conhecimento de
mo quase perfeito entre Chicago e a Universida- inglês, em sua economia técnica, em suas cone-
de Católica criou uma formidável história de ex- xões com a comunidade dos economistas nos
portação e importação que ajudou a construir, Estados Unidos, e nas simpatias democratas anga-
naquele momento, a credibilidade do Consenso riadas enquanto nadava nas águas acadêmicas
de Washington, além de fornecer as bases para norte-americanas, essa nova geração de economis-
os ajustamentos estruturais implementados de- tas tornou-se o coração dos técnico-políticos cele-
pois da crise da dívida e da eleição de Reagan brados nos Estados Unidos. Na verdade, os mais
nos anos 1980. proeminentes economistas latino-americanos, em
No Brasil, Delfim Netto, um economista da sua maioria, encontraram-se e tornaram-se amigos
primeira geração que ganhou poder com os milita- nos Estados Unidos, especialmente no MIT ou em
res, usou o Estado e o desenvolvimentismo contra Harvard, onde grande parte da geração de econo-
a velha guarda que dominava o Estado. Os descen- mistas pós-Chicago se formou. Eles tornaram-se o
dentes de segunda geração dessa tradição, exem- lado Sul da versão mais democrática do Consenso
plificados por Pedro Malan, construíram a sua base de Washington.
na Pontifícia Universidade Católica do Rio de A integração do mercado de conhecimento
Janeiro (PUC-RJ). Como a Economia ainda era uma técnico em Economia tem apenas crescido nos
disciplina relativamente nova em todos esses paí- anos que se sucederam. Isso não se deve somente
ses, a nova geração de economistas pôde investir ao fato de que títulos acadêmicos internacionais
fora do país, retornar, tomar um Departamento de são requeridos para se construir uma carreira que
Economia e alinhá-lo com o mercado global emer- possa reivindicar conhecimento técnico em Econo-
gente. Eles usaram a economia norte-americana e mia, mas também à idéia de que é crescentemente
a legitimidade da Matemática contra o Estado forte necessário ter tido uma posição nos Estados Uni-
e as políticas de Delfim Netto nos anos 1970, dos para apresentar credibilidade profissional adi-
promotoras de taxas relativamente altas de infla- cional — incluindo ter sido professor visitante ou
ção. Mais adiante, a crise da dívida fortaleceu a mesmo ter tido um emprego universitário estável.
posição do grupo. Um resultado desse processo é que existe hoje um
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número considerável de latino-americanos ensi- te ligada às estruturas históricas do poder do


nando, até mesmo como professores regulares, nas Estado. As posições das faculdades de Direito e dos
universidades norte-americanas, assim como mui- tribunais são, portanto, produto de longas trajetó-
tos outros com passagens pelo FMI ou o Banco rias que geram padrões de comportamento e hie-
Mundial. O fenômeno é ilustrado pelo fato de que rarquias de poder difíceis de mudar. A falência do
economistas do Estado no Sul observam e monito- movimento pelo direito e pelo desenvolvimento
ram as carreiras de seus compatriotas mais novos em produzir qualquer impacto real na formação
lecionando e publicando nos Estados Unidos para em Direito no Brasil e no Chile nos anos 1960 e
determinar a sua adequação a cargos no país de 1970 comprova essa dificuldade. O Direito, o
origem, assim como pela percepção dos que traba- Estado e a formação dos advogados no Sul são
lham nos Estados Unidos de que um retorno totalmente diferentes do que encontramos nos
“arruinaria as suas carreiras”. Ao longo desse pro- Estados Unidos, o país que tenta exportar o conhe-
cesso, alguns economistas retornarão a seus países cimento técnico. O maior sucesso alcançado pelo
natais, mas a maioria continuará a fazer as suas movimento pelo direito e pelo desenvolvimento
carreiras principalmente nos Estados Unidos, con- no Brasil não foi a transformação do ensino de
tribuindo para a drenagem de “cérebros” do Sul Direito, da lei ou do Estado, mas a construção de
para o Norte. uma relação entre pessoas que ocupavam posições
Uma vez no poder no Norte e no Sul, ambos similares, grosso modo, em seus países. A elite dos
os lados, e as organizações financeiras internacio- advogados no Brasil usou seu treinamento em
nais em Washington, deslocaram-se diretamente direito e desenvolvimento e as conexões desse
para um novo enfoque sobre as instituições e o movimento para seguir caminhos relativamente
Estado, autodenominado “para além do Consenso tradicionais de acesso ao poder de Estado no
de Washington”. Os economistas estavam inseri- cenário brasileiro. A diferença é que as bases de
dos, ao mesmo tempo, nas estruturas de poder apoio internacional dessa elite eram relações de
estatal — mais ainda como filhos e filhas talentosos amizade com atores de destaque nos Estados
da elite investidora na Economia norte-americana Unidos e alguma familiaridade com o direito em-
— e no mercado internacional de conhecimento presarial norte-americano, fatores que lhe permiti-
técnico em Economia. O próprio campo transnaci- ram avançar em suas posições à medida que os
onal deslocou-se para legitimar e preservar a con- economistas galgavam o poder.
quista do poder. Os economistas têm hoje um De uma forma mais geral, podemos seguir
interesse muito maior por Direito, como forma de essa perspectiva para tentar compreender a Alian-
legitimar e preservar as políticas que foram imple- ça para o Progresso. Os intelectuais engajados da
mentadas nos anos 1970 e 1980, assim como as era Kennedy em Washington tentaram exportar o
suas posições de poder. Uma parte do interesse que eles representavam para lugares com estrutu-
recente sobre reforma do Judiciário na América ras de poder estatal muito diferentes mas não
Latina vem diretamente de economistas do Estado conseguiram encontrar pares no Sul capazes de
e de centros de pesquisas que assessoram o Esta- implementar os seus programas técnicos de refor-
do. Os economistas no poder reconhecem, cres- ma anticomunista. Mesmo quando foram muito
centemente, que para promover o mercado preci- bem-sucedidos em fazer amigos, alguns dos mais
sam de instituições fortes e de legitimidade interna- importantes elementos técnicos do programa,
cional. Os ataques econômicos recentes ao FMI, como os que promoviam a reforma agrária, não
em outras palavras, procuram mais consolidar do foram aceitos pelo establishment no Sul. Colocado
que atacar a hegemonia do conhecimento econô- de outra forma, indivíduos no Sul que levavam a
mico produzido nos Estados Unidos. cabo a estratégia internacional de investir em
A situação do Direito é diferente, em parte, conhecimento técnico reformista originário do
porque a história das instituições jurídicas é muito Norte, em particular para reforma agrária, não
mais longa na América Latina e está intrinsecamen- receberam dividendos proporcionais a seus inves-
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timentos. Muitos acabaram sendo tachados de co, com proporções diferentes de cada lado. O
comunistas e exilados pelos regimes militares que empreendimento pode representar, como no Mé-
subiram ao poder. A incapacidade de implementa- xico, o encontro do conhecimento local das pesso-
ção de programas do tipo “terceira via”, identifica- as e dos canais de poder com o conhecimento
dos com a Aliança para o Progresso, nos anos 1960 técnico norte-americano:** a tecnologia jurídica
e 1970 prenunciou e contribuiu — juntamente com norte-americana e as conexões sociais mexicanas.
o declínio econômico — para a derrocada dos No México, a divisão do trabalho é explícita no
reformistas nos Estados Unidos um pouco mais nome do primeiro escritório criado: Baker, Botts,
tarde. Uma das razões para Jeanne Kirkpatrick e a Miranda e Prieto. Os mexicanos sempre vêm por
administração Reagan apoiarem regimes autoritári- último. Os indivíduos responsáveis pelas conexões
os que se identificavam com bandeiras anticomu- em ambos os campos, entretanto, estão mais pró-
nistas era que eles não queriam ver outro Allende ximos estruturalmente do que se pode considerar
subir ao poder e confundir os alinhamentos políti- à primeira vista. No caso acima, por exemplo,
cos automáticos da Guerra Fria. Henry Holland, o antigo secretário-assistente nor-
Alguns dos amigos que se conheceram nas te-americano para assuntos latino-americanos,
décadas de 1960 e 1970 voltaram a se encontrar usou suas conexões no México para facilitar o
quando ambos os lados foram alijados do poder novo escritório de advocacia. Outros escritórios
por novos grupos de conservadores, ligando a mistos de advocacia Estados Unidos-México trou-
Guerra Fria ao neoliberalismo. O movimento inter- xeram parceiros norte-americanos que, na verda-
nacional de direitos humanos é um produto dessa de, se tornaram “nativos”, casando no interior da
ligação. Para podermos compreender o legado sociedade mexicana, diplomando-se em Direito na
dessa conexão particular, e especialmente o que Universidad Nacional Autonoma de Mexico
ela significou para a dolarização do Direito, entre- (UNAM) e, conseqüentemente, tornando-se alta-
tanto, é útil explorar dois diferentes aspectos das mente “mexicanizados”. Por outro lado, a aliança
interseções legais. O primeiro é o escritório de foi facilitada porque os que queriam se associar a
direito empresarial e o segundo, o escritório de advogados norte-americanos nos anos 1960 e 1970
advocacia de interesse público, no sentido do mais eram descendentes da elite mexicana que tinham
famoso grupo de direitos humanos orientado para tido suas carreiras bloqueadas no PRI e no Estado.
assuntos jurídicos da América Latina — o Vicariato Eles podiam suportar a condenação dos naciona-
do Chile. A observação desses exemplos nos per- listas mexicanos que decerto cairia pesadamente
mite compreender as diferentes formas pelas quais sobre seus escritórios.
esses dois tipos de direito se consolidaram e se O outro modelo de associação internacional
enraizaram na América Latina. é mais freqüente em países onde os escritórios de
A tradição dos escritórios de advocacia como advocacia norte-americanos e os imigrantes norte-
um negócio familiar pode ser encontrada, em americanos não são tão presentes. Ele se apóia em
graus variados, por toda a América Latina. Um alianças informais entre notáveis do direito empre-
conjunto limitado de escritórios de advocacia com sarial local que usam a indicação de clientes e
capital cosmopolita,* também bem relacionados estágios para cimentar relações e facilitar a troca de
com o Estado e as famílias mais importantes politi- tecnologias jurídicas. Os pioneiros nesse tipo de
camente, serviu como preposto dos interesses estratégia são antigos escritórios de advocacia fa-
estrangeiros, ou como agente duplo para os inves- miliares da Argentina que se internacionalizaram
tidores e comerciantes estrangeiros. A internacio- muito cedo e obtiveram diplomas universitários e
nalização da advocacia empresarial é, portanto, conexões fora do país. No Brasil, o mais importan-
uma associação entre capital social e capital jurídi-
** N.T. — Trata-se de um trocadilho de tradução impossí-
* N.R. — O contraste é entre capital cosmopolita (know- vel para a língua portuguesa. No original, “local know-
how) e capital provinciano (know-who). who and U.S. know-how”.
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te escritório desse tipo começou com alguém que escritórios familiares e suas derivadas, sua relativa
não era oriundo nem das escolas de Direito, nem prosperidade e o valor óbvio da educação formal
das hierarquias jurídicas tradicionais. Os escritórios nos Estados Unidos produziram um aumento mui-
chilenos de advocacia aparentemente se desenvol- to significativo no número de advogados com
veram, em grande parte, a partir das famílias diplomas universitários dos EUA e experiência
tradicionais de advogados. A crise da dívida e a nesse país.
atividade econômica, especialmente nos anos Um número expressivo desses advogados
1980, aproximaram muito todos esses escritórios híbridos enfrenta agora as dificuldades de ter um
dos escritórios de advocacia norte-americanos que telhado de vidro duplo. Os escritórios de direito
necessitavam de parceiros e correspondentes lo- empresarial de seus países natais continuam a ser,
cais no Sul. em grande parte, escritórios familiares de advoca-
Na verdade, as tecnologias jurídicas para o cia, e embora sejam hoje muito mais abertas do que
gerenciamento da crise da dívida foram original- no passado, as oportunidades para os que vêm de
mente desenvolvidas no México. Exatamente os fora continuam limitadas. Estes continuam a ser
mesmos escritórios norte-americanos — principal- cidadãos de segunda classe. Também é pratica-
mente o Shearman e o Sterling para o Citicorp e a mente impossível para eles tornarem-se sócios de
Cleary, Gottlieb para os países credores — e até os um dos grandes escritórios norte-americanos de
mesmos advogados garantiram que o modelo fos- advocacia, a não ser que permaneçam no mercado
se implementado em outros países credores. O norte-americano. A crescente fluidez ou dolariza-
contato estreito entre os vários advogados nos ção que pode ser observada na Economia, com
seminários e intercâmbios também facilitou o mo- exceções relativamente restritas, não existe no
vimento das inovações de um país para outro, campo do direito empresarial. O que esse grupo
renegociando, de acordo com critérios particula- relativamente restrito de indivíduos ambiciosos e
res, dívidas por ações, privatizações e a criação de capacitados tem feito é encontrar oportunidades
mercados de capitais em economias emergentes. mediante alianças com fornecedores de serviços
As empresas de advocacia de ambas as partes legais de fora de Wall Street, incluindo Baker e
floresceram como resultado das inovações introdu- McKenzie, Clifford Chance e as Cinco Grandes
zidas com a reestruturação dos Estados norte- empresas de contabilidade.**
americano e latino-americanos. Escritórios de ad- Esse crescente exército de reserva de advo-
vocacia do Sul, que antes serviam quase que gados bem preparados relativamente insatisfeitos
exclusivamente uma clientela estrangeira, constru- apresenta-se como um veículo de mudança. Eles
íram uma clientela de negócios mais doméstica, podem desafiar tanto as estruturas de poder no
oferecendo uma variedade de novas associações e interior dos bem-sucedidos escritórios de advoca-
privatizações de empresas. cia familiares quanto a posição confortável dos
Os contatos também elevaram substancial- escritórios de advocacia de elite dos Estados Uni-
mente o valor dos diplomas universitários de Direi- dos. Eles ainda não são tão numerosos, entretanto,
to norte-americanos em todos os países da região. para tomar de assalto as organizações profissionais
Os escritórios familiares cresceram e se dividiram, e tampouco expressam muito interesse pelos tribu-
tornando mais fácil a constituição de uma rede de nais. Mas, em um número considerável de países,
contatos que desse base à comunidade de escritó- eles ajudaram a construir uma ofensiva contra a
rios de direito empresarial orientada para assuntos academia tradicional do Direito, que é relativa-
internacionais. O processo levou também a uma mente fraca nos dias de hoje, pela formação de
dinâmica de feudos familiares, nos quais herdeiros*
e outros lutam pelos valores relativos de capital
familiar e capital jurídico. O crescimento desses * N.T. — Trata-se das cinco maiores empresas de consul-
toria de contabilidade do mundo: Arthur Andersen,
Price Waterhouse Coopers, Deloitte e Touche, Ernst e
* N.T. — Em francês no original: “héritiers”. Young e KPMG Peat Marwick.
A DOLARIZAÇÃO DO CONHECIMENTO TÉCNICO PROFISSIONAL E DO ESTADO 171

novas escolas privadas de Direito, muitas delas vorecidas. Esse padrão foi reforçado ao longo do
associadas a escolas de Administração de Empre- tempo e construído no interior das escolas de elite
sas. De inúmeras formas, portanto, esse exército de e através das carreiras dos advogados mais bem-
reserva de advogados pode vir a produzir um sucedidos. As escolas de Direito propagandeiam o
efeito dominó. Ele contribui para aumentar as seu compromisso tanto com a advocacia de inte-
apostas com a antiga elite empresarial pela ampli- resse público quanto com o direito empresarial.
ação do campo e pela competição com ela. Ao Mesmo que o mercado leve praticamente todos os
mesmo tempo, a atividade dos novos competido- seus formandos a procurar empregos no setor
res impulsiona essa antiga elite a procurar maior empresarial, a profissão como um todo reconhece
reconhecimento e maior autonomia no interior do e premia os que atuam em defesa dos grupos e
campo do Direito. indivíduos desfavorecidos e seus direitos.
Resumindo, podemos dizer que as posições A diferença com a posição tradicional na
estruturais dos escritórios de direito empresarial do América Latina fica evidente se observarmos a
Norte e do Sul se encaixam bastante bem. Esses reação dos advogados argentinos especialistas em
intermediários entre as grandes empresas multina- direito empresarial à visita a Buenos Aires dos
cionais e o Estado têm sido capazes de crescer advogados de empresas da Associação dos Advo-
juntos para aumentar e desenvolver o mercado de gados de Nova York, na metade dos anos 1970.
conhecimento técnico de direito empresarial. A Como parte do profissionalismo norte-americano,
aliança tem ligado especialmente o capital social os advogados nova-iorquinos mostraram-se bas-
latino-americano com o capital jurídico do Norte. tante preocupados com a situação dos direitos
O resultado tem sido um conjunto de reformas e humanos. Os advogados argentinos, entretanto,
práticas jurídicas em áreas como propriedade inte- simplesmente não conseguiam entender por que
lectual, comércio, ações e títulos e antitruste. Pelo advogados de direito empresarial dariam apoio a
lado da advocacia de interesse público — assistên- comunistas e terroristas. A legitimidade do Direito
cia jurídica aos desfavorecidos —, entretanto, a e a posição dos formados em Direito na América
situação é muito diferente. As condições estrutu- Latina se originam muito menos de investimentos
rais presentes nos anos 1970 e 1980 resultaram em nos direitos à justiça dos indivíduos alijados do
sucessos impressionantes, mas o legado desse poder e muito mais da política tradicional. Os
período não transformou a comunidade profissio- advogados de direito empresarial latino-america-
nal de maneira a que mais indivíduos se engajas- nos viam relativamente pouca necessidade de se
sem na advocacia de interesse público, como investir na legitimidade do Direito, e a elite da
ocorreu com o direito empresarial. Podemos com- profissão não enxergava espaço para qualquer
preender esses dois estágios diferenciados de de- estratégia jurídica para os desfavorecidos ou para
senvolvimento fazendo referência, primeiramente, os processados pelo Estado. Advogados ambicio-
a algumas diferenças históricas muito substanciais sos que tinham interesse em ajudar ou representar
relativas à posição do Direito e à advocacia na desfavorecidos não seguiram estratégias profissio-
América Latina e nos Estados Unidos. nais. Eles se tornaram ativos, principalmente em
Nos Estados Unidos, a legitimidade do Direi- partidos políticos, na busca pelo poder do Estado.
to origina-se, ao menos em parte, da posição Na América Latina, o Direito forneceu alguma
esquizofrênica dos que servem aos interesses em- legitimidade para o Estado, mas não havia incenti-
presariais. Desde a segunda metade do século XIX, vos para investimento profissional no desenvolvi-
advogados de empresas combinam o trabalho para mento e na aplicação dos direitos legais como
empresas com o investimento no serviço de inte- carreira profissional. Esse processo poderia ser
resse público e na reforma jurídica. A carreira de visto como uma valorização da política e não como
elite de um advogado empresarial nos Estados uma prática que conferisse reconhecimento profis-
Unidos, por exemplo, requer investimento na pro- sional. Advogados de empresas e faculdades de
moção de serviços de advocacia a pessoas desfa- Direito não viam nenhuma razão para investir
172 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 15 No 43

nesse tipo de advocacia de interesse público. fazer frente aos falcões que haviam ajudado o
Colocado de outra forma, nos Estados Unidos, um golpe. A divisão da Guerra Fria também ocorreu na
advogado cuja carreira envolvesse advocacia de Fundação Ford, onde jovens idealistas haviam
interesse público de grande prestígio poderia usar decidido, depois de 1970, trabalhar com Allende,
esse investimento para o lado empresarial de sua apesar das pressões da CIA e do Departamento de
trajetória. Esse tipo de investimento, porém, não Estado. Depois do golpe, a Fundação tentou prote-
seria recompensado no interior da comunidade de ger os indivíduos nos quais tinha investido. Não
advogados da América Latina. investiu imediatamente em direitos humanos mas,
Depois da ascensão de Pinochet ao poder em conjuntamente com as Pombas Democratas, for-
1973, e do início das perseguições aos indivíduos mou uma aliança com reformistas provenientes do
que haviam trabalhado no regime de Allende, establishment que tinham sido, naquele momento,
alguns advogados que simpatizavam com o grupo alijados do poder. A aliança ocorreu, portanto,
de Allende se uniram à Igreja — que ainda refletia entre indivíduos e grupos muito próximos entre si
fortemente o engajamento social dos religiosos — no Sul e no Norte.
e tentaram encaminhar algumas medidas legais. A aliança baseou-se, primeiramente, no in-
Eles tinham relativamente poucas opções políticas vestimento comum na construção de um ciência
ou profissionais, e essa alternativa também trouxe social neutra, mas os direitos humanos se desen-
pouco em termos concretos de sucesso jurídico. volveram como um análogo jurídico ligado pessoal
Naquele momento particular, entretanto, a Anistia e intelectualmente aos cientistas sociais que ti-
Internacional tinha trabalhado intensamente para nham trabalhado com o regime de Allende na
construir a idéia de que os direitos humanos não implantação da reforma agrária e outros programas
eram simplesmente instrumentos para grupos po- sociais. Tanto no Sul quanto no Norte, os atores de
líticos fora do poder, mas refletiam valores univer- oposição juntaram-se à mídia na construção da
sais que levavam à proibição radical de práticas credibilidade dos direitos humanos como discurso
como a tortura e os desaparecimentos. Um grupo que se encaixava em ambos os lados perfeitamen-
relativamente marginal de advogados ligados a te. A Anistia Internacional conseguiu vencer o
escolas de Direito nos Estados Unidos — associa- prêmio Nobel da Paz em 1977 e Jimmy Carter
dos à Anistia Internacional e à Comissão Internaci- tornou-se presidente dos EUA em parte com uma
onal de Juristas — havia trabalhado com o mesmo plataforma baseada nos direitos humanos. Neste
objetivo aproximando-se de princípios europeus e mesmo ano, depois que o Conselho de Curadores
desenvolvimentos do pós-guerra como a Conven- da Fundação Ford visitou o Vicariato de Santiago,
ção Européia de Direitos Humanos. Toda a estraté- a Fundação se interessou por criar um programa de
gia visava construir a credibilidade dos direitos direitos humanos e usar o modelo do Vicariato —
humanos no direito internacional. que tinha parecido a eles “curiosamente legalista”
O investimento desses grupos foi reconheci- — para se expandir para outros territórios. Durante
do e aumentado pela divisão do sistema de poder o período da administração Reagan, que coincidiu
responsável pela política externa norte-americana. com a crise da dívida e com a suavização dos
O racha do lado norte-americano da Guerra Fria regimes autoritários na América Latina, as organi-
gerou novas oportunidades. As Pombas Democra- zações de direitos humanos juridicamente orienta-
tas* promoveram audiências nos Estados Unidos das se desenvolveram e se expandiram no Norte e
logo após o golpe no Chile e tentaram usar o seu no Sul. Além disso, respondendo ao deslocamento
conhecimento técnico em direitos humanos para da ação do poder estatal nos Estados Unidos, a
Human Rights Watch colocou a Anistia Internacio-
nal em xeque e emergiu como a organização de
* N.T. — Trata-se da ala do Partido Democrata que direitos humanos internacional de maior destaque.
questionou a Guerra Fria e as intervenções americanas
nos países do Terceiro Mundo. A ala rival na luta interna O modelo do Chile exerceu uma forte influên-
do partido era denominada de “hawks”, falcões. cia ao redor do mundo, interagindo, em particular,
A DOLARIZAÇÃO DO CONHECIMENTO TÉCNICO PROFISSIONAL E DO ESTADO 173

com desenvolvimentos paralelos no Brasil e avan- foi deixado para trás não foi substituído pela nova
ços de alguma forma similares na Argentina. Neste geração, ansiosa por copiar a carreira de seus
último país, entretanto, não contaram com o apoio predecessores. A conjuntura particular que tinha
da Igreja, e as Mães da Praça de Maio, no início, unido ativismo moral com advocacia por meio de
eram as únicas vozes. A crescente legitimidade atores internacionais e da Igreja não mais existia.
internacional do discurso dos direitos humanos, no As novas estruturas institucionais que criaram as
final dos anos 1970 e ao longo dos 1980, repercutiu ONGs de direitos humanos se desarticularam, re-
também no México, onde ele foi usado por grupos velando as estruturas que existiam antes dos anos
que buscavam empregar a experiência jurídica para 1970.
transformar o PRI. Uma vez que “o modelo tinha Apesar disso, organizações locais de direitos
funcionado em outros lugares”, as fundações filan- humanos, uma vez formadas, podem continuar a
trópicas também estavam disponíveis para ajudar existir no Sul, mesmo se elas não mais se parecem
aqueles que queriam tentar essa estratégia interna- com o que representavam anteriormente. Muitas,
cional no México. por exemplo, voltaram-se para questões e proble-
As organizações de direitos humanos eram mas como o controle do crime ou a prevenção da
uma forma modificada da advocacia de interesse violência contra mulheres. Nos dias de hoje, elas
público dos anos 1980 desenvolvida em inúmeros são muito mais postos avançados de ajuda interna-
lugares na América Latina e nos Estados Unidos. O cional do que instituições jurídicas de ativistas
mercado internacional de conhecimento em direi- confrontando o Estado. Profissionais do Direito
tos humanos era um correspondente plausível do estão envolvidos, mas é difícil considerar essas
mercado internacional de conhecimento técnico instituições como análogas profissionais da advo-
em Economia. Ambos eram centrados no Norte e cacia de interesse público.
especialmente nos campi acadêmicos dos Estados O padrão pode mudar ao longo do tempo,
Unidos. Ambos eram intimamente ligados à mídia entretanto, e é possível que já existam algumas
e se tinham tornado intensamente competitivos. O exceções no Sul envolvendo instituições que con-
movimento de direitos humanos ajudou a criar tinuam a seguir uma abordagem de investimento
regras para as transições para a democracia, e os moral na lei contra o Estado. No Brasil, por exem-
advogados ativos nos movimentos por direitos plo, o Viva Rio é um exemplo de um misto entre
humanos tornaram-se atores-chave nos novos regi- movimento social, religião, política e advocacia. As
mes políticos. suas atividades, que cresceram a partir do movi-
Quando os atores ligados ao movimento por mento de direitos civis, enfocam o crime, a fome e
direitos humanos conseguiram alcançar o poder a violência policial no Rio de Janeiro, e a sua
no Chile, no Brasil e em outros lugares, entretanto, organização conta com advogados de elite, assim
eles abandonaram instituições como o Vicariato como com ativistas políticos. No Chile, as ativida-
para investir no novo Estado.1 O movimento por des centradas na Universidade de Diego Portales,
direitos humanos quase não existe mais no Chile, uma universidade privada originalmente criada
no sentido de um movimento que busca tornar o para produzir advogados de direito empresarial,
Estado responsável por seus atos. A mesma conclu- continuam a enfatizar os direitos humanos e a
são pode ser alcançada, de forma geral, na Argen- advocacia de interesse público. A Argentina parece
tina, no Brasil e no México. Raul Alfonsín, o oferecer o exemplo mais promissor de advocacia
primeiro presidente argentino depois da ditadura de defesa de causas sociais e políticas, já que existe
militar, por exemplo, veio dos direitos humanos uma longa tradição no país de profissionais inves-
para a política partidária e para as instituições do tindo em instituições e organizações fora do Esta-
Estado. Em todos os países que estudamos, na do. Entidades têm sido criadas recentemente,
verdade, o investimento da primeira geração nos como, por exemplo, a Poder Cidadão e uma
direitos humanos forneceu uma excelente base entidade a ela associada, denominada Associação
para a atividade política depois da transição. O que para os Direitos Civis (ADC), que se dedica à
174 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 15 No 43

proteção das liberdades civis na Argentina e é norte-americano. No Chile, para estabelecer um


financiada principalmente pela Fundação Ford. contraste óbvio, o Estado provê o “banco” simbó-
Em contraste com o padrão geral do Sul, as lico dominante.
organizações de direitos humanos de maior desta- Conseqüentemente, a situação atual revela
que dos Estados Unidos estão florescendo no apenas, por razões estruturais, uma transposição
interior da comunidade profissional do Direito. Ao parcial do modelo profissional de legitimação da
invés de abandonar os seus investimentos em advocacia norte-americana. Esse transplante par-
conhecimento técnico jurídico para se engajar em cial reforça a hegemonia norte-americana e ajuda
partidos políticos e movimentos, as organizações a sustentar uma prosperidade de longo período
de direitos humanos continuam a investir recursos deste modelo profissional no próprio EUA. As
jurídicos e técnicos para influenciar os novos des- atividades internacionais adicionam uma dimen-
dobramentos da política externa norte-americana. são-chave à elite da advocacia norte-americana,
Da mesma forma que os advogados de empresas que combina indivíduos que exercem a atividade
de Washington, alguns vão para o governo com esporadicamente, reformistas e advogados de in-
base em sua experiência e conhecimento técnico, teresse público, todos agindo com base em um
mas a maioria continua a avançar graças à sua compromisso social profissional.2 No campo dos
ligação simbiótica com o Estado. direitos humanos (assim como do meio ambiente
Dois desenvolvimentos adicionais se relacio- e do movimento de combate à violência contra as
nam com a assimetria estrutural do período atual. mulheres), o prestígio local e o poder das organi-
Primeiramente, os advogados que continuaram a zações norte-americanas têm origem, extensiva-
investir profissionalmente no campo dos direitos mente, em atividades e conhecimentos técnicos
humanos a partir do Sul tenderam a ir para o internacionais. Fora dos Estados Unidos, entre-
exterior, onde seu conhecimento técnico e seu tanto, tem-se obtido mais sucesso em transplantar
investimento em direitos humanos internacionais o estilo norte-americano de direito empresarial
continuam sendo validados e reconhecidos. Essa do que o estilo norte-americano de advocacia de
moralidade jurídica e essa migração de “cérebros” interesse público. No interior dos escritórios de
do Sul para o Norte ajudam a manter a legitimidade direito empresarial tem ocorrido um deslocamen-
das organizações internacionais de direitos huma- to semelhante ao dos economistas, com investi-
nos baseadas no Norte. As organizações do Norte mento crescente no Estado e em suas institui-
podem utilizar seu grau de abertura — e fazer ções. Estratégias profissionais que usem a advo-
certas modificações que acompanham essa abertu- cacia contra o Estado e o mundo dos negócios —
ra — para aumentar ainda mais a legitimidade de um dos ingredientes-chave do campo da advoca-
suas posições de liderança no campo dos direitos cia nos Estados Unidos —, entretanto, não têm
humanos internacionais. sido capazes de avançar em outros países para
O florescimento das organizações de direitos além de um período específico de tempo, cir-
humanos nos Estados Unidos, em contraste com cunscrito aos momentos em que frações da elite
sua absorção e reincorporação no Estado no Sul, é dominante se unem contra Estados autoritários
consistente com o que se poderia esperar de seu que as afastaram do governo.
modelo estrutural. Novas formas de capital simbó- Os processos de dolarização profissional e de
lico tendem a gravitar na direção de “bancos” dolarização do conhecimento sobre o Estado cap-
simbólicos dominantes mais bem estabelecidos, turados no deslocamento do poder dos políticos-
onde elas podem ser mais bem avaliadas, garanti- bacharéis para os técnico-políticos são, portanto,
das e intercambiadas. Isso significa que, nos Esta- altamente desiguais. Economistas de elite podem
dos Unidos, esses inovadores simbólicos continu- construir suas carreiras profissionais localmente
am a gravitar em torno de meios profissionais mediante investimentos no (e retirando legitimida-
poderosos e relativamente autônomos — especial- de do) mercado internacional de conhecimento
mente dada a porosidade e baixa solidez do Estado técnico especializado centrado nos Estados Uni-
A DOLARIZAÇÃO DO CONHECIMENTO TÉCNICO PROFISSIONAL E DO ESTADO 175

dos. Eles legitimam a sua superioridade sobre o O mesmo não ocorre com a advocacia de
restante dos economistas comuns de seus próprios interesse público, apesar do extraordinário suces-
países à medida que se atualizam nos últimos so profissional e jurídico que se construiu no
desenvolvimentos da Economia nos campi das campo dos direitos humanos. A prosperidade ins-
universidades do Norte. Fora dos Estados Unidos, titucional da advocacia de interesse público nos
a posição profissional de um economista na comu- Estados Unidos se apóia no modelo esquizofrênico
nidade norte-americana se traduz diretamente em dos advogados de empresas que se desenvolveu a
prestígio profissional em seu país natal. Existe um partir do século XIX. Os tribunais e as escolas de
processo de migração de “cérebros” para o Norte, Direito de elite dos Estados Unidos também contri-
especialmente para o Banco Mundial e o FMI, mas buíram para esse sucesso. O papel profissional do
o tráfego na outra direção é suficiente para manter advogado de interesse público, entretanto, não
as conexões cruciais. Poderíamos traçar o desen- lançou raízes na América Latina até agora. O
volvimento desse campo internacional através das movimento dos direitos humanos encontra históri-
interações entre o Norte e o Sul que floresceram no as estruturais paralelas no Norte e no Sul, mas o Sul
desenvolvimento do Consenso de Washington. A não tinha outras instituições, além de escritórios
relativa juventude da Economia e a necessidade de familiares de advocacia, que pudessem ser usadas
um desenvolvimento autônomo em relação ao para colocar a advocacia de interesse público em
Direito e ao sistema legal ajudaram a facilitar esses um caminho local mais duradouro. Ainda não se
processos. sabe se esse “lado emancipatório” do profissiona-
A advocacia empresarial, seguindo o poder lismo norte-americano vai se enraizar junto e para-
dos economistas, também tem florescido profissio- lelamente com o lado empresarial — e se um
nalmente, tanto no Norte como no Sul. Um número esforço conjunto pode criar um desafio real para as
relativamente grande de advogados jovens procu- posições tradicionais dos tribunais e das escolas de
ra obter atualmente diplomas universitários de Direito.
pós-graduação fora de seus países e construir Tanto na advocacia quanto na Economia, o
carreiras como advogados de direito empresarial. critério para a legitimação do conhecimento técni-
Como os economistas, esses advogados conse- co especializado é dado de acordo com o mercado
guem construir carreiras domésticas baseadas em internacional centrado nos Estados Unidos. Há
conhecimento técnico especializado cunhado fora. uma nova hierarquia que coloca profissionais nor-
A dolarização, entretanto, é menos completa, já te-americanos de elite no topo (se isso é produto
que as combinações de capital social e jurídico são da migração de “cérebros”, ou se é motivado pelo
ainda diferentes na América Latina e nos Estados crescimento doméstico, não importa) e no interior
Unidos. Os escritórios de advocacia no Sul ainda de cada país há também uma hierarquia profissio-
são, em grande parte, escritórios familiares de nal de dois níveis. Há uma elite cosmopolita e uma
advocacia, limitando as oportunidades locais. Nes- massa crescentemente provincializada de profissi-
se particular, talvez esteja ocorrendo uma super- onais em Direito, Economia e outros campos que
produção de advogados de direito empresarial que tiraram vantagem da expansão das oportunidades
não encontram oportunidades em lugar algum, educacionais no período do pós-guerra. Cada uma
nem no interior da elite dos Estados Unidos, nem dessas hierarquias coloca questões sobre legitimi-
tampouco nos escritórios familiares de seus países dade que ainda não podem ser enfrentadas.
natais. Esse conjunto de profissionais pode come- Primeiro, cada um desses campos internaci-
çar a gravitar em torno de um segundo nível de onais — Economia, direito empresarial, direitos
escritórios transnacionais de advocacia, assim humanos — é dominado pelos Estados Unidos e
como das Cinco Grandes empresas de contabilida- seus mecanismos de legitimação de conhecimen-
de. Como uma estratégia profissional da advocacia, to técnico — universidades privadas de elite, fun-
entretanto, os advogados empresariais estão flores- dações filantrópicas, organizações não-governa-
cendo. mentais transnacionais, centros de pesquisa que
176 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 15 No 43

assessoram a administração pública, periódicos BIBLIOGRAFIA


acadêmicos, o Estado norte-americano e a mídia
global. Aqueles que são excluídos de participar BEBBINGTON, Denise e BEBBINGTON, Anthony.
na elaboração das regras de governo e na opera- (1997), Evaluating the impact of Chilean
ção dessas instituições podem questionar a legiti- NGOs: evaluation and the dilemmas of demo-
cracy. Boulder, Institute of Behavioral Science.
midade da aplicação do conhecimento técnico
internacional ao seu caso — e formar alianças BOURDIEU, Pierre. (1996), The state nobility: elite
com aqueles que procuram promover conheci- schools in the field of power. Stanford, Stanford
University Press.
mento técnico alternativo (os contadores, por
exemplo) ou mesmo modelos de Estado diferen- DEZALAY, Yves e GARTH, Bryant. (no prelo), The
tes (o japonês, por exemplo). Segundo, em um internationalization of palace wars: lawyers,
economists and the international reconstructi-
nível nacional, é possível levantar questões seme- on of the state.
lhantes sobre a elite cosmopolita. Ela pode ser
acusada pelos profissionais do “baixo clero” de DOMINGUEZ, Jorge (org.). (1997), Technopols:
freeing politics and markets in Latin America
“vender o Estado” no mercado internacional para in the 1990s. University Park, Pennsylvania
se promover pessoalmente e aumentar o seu po- State University Press.
der. Nenhuma das hierarquias é estável ou inevi-
VALDES, Juan Gabriel. (1995), Pinochet’s economists:
tável, e a legitimidade dos Estados que se origi- the Chicago school in Chile. Cambridge, Cam-
na desse conhecimento técnico cosmopolita está bridge University Press.
longe de estar assegurada.

NOTAS

1 Um estudo recente de organizações não-governamen-


tais no Chile chegou a uma conclusão similar: “Com o
fim da ditadura militar, em 1990, logo se tornou difícil
para as organizações não-governamentais justificar a
sua existência da forma como elas existiam antes. Agora
elas operavam na democracia, na qual a resistência
política por si só não era uma justificativa plausível para
se sustentar financeiramente as ONGs. Se isso não
bastasse, as ONGs agora tinham de competir com o
Estado. Os regimes democráticos recém-constituídos se
tornaram locais onde pessoas anteriormente ligadas às
ONGs passaram a trabalhar. O Estado ganhou a confian-
ça dos doadores que antes dirigiam recursos para as
ONGs. Esse elemento tornou-se, aos poucos, extrema-
mente crítico para as ONGs. O financiamento externo
para as ONGs começou a cair e tem caído cada vez
mais.” (Bebbington e Bebbington, 1997, parte 3).
2 Um outro exemplo é a Associação Americana de Advo-
gados (American Bar Association) que, por um longo
período, baseou-se em um forte compromisso instituci-
onal de prestar serviços jurídicos para a população
pobre como parte da atividade profissional legítima.
Atualmente, as atividades da ABA na exportação do
Estado de direito, especialmente para a Europa do Leste
e a Ásia, são igualmente promovidas como parte da
expressão profissional do idealismo institucional.

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