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VOCABULARIO GREGO
DA FILOSOFIA

Ivan Gobry

Traduçiio
IVONE C. BENEDETTI
Revisào técnica
jACIRA DE FREITAS
Caractefl;'S gregos e transliteração do grego
ZELIA DE ALMEIDA CARDOSO

~
wmfmartinsfontes
SÃO PAULO 2007
NOTA PRELIMINAR
Esta obra foi publicada originalmente em francês com o título
LE VOCABULAIRE GREC DE LA PHlLOSOPHlE
por Les Éditions Ellipses, Paris.
Copyright © ElIipses Éditions - Marketing S.A
Copyright © 2007, Livraria Martins Fontes Editam Lida.,
5ão Paulo, para li presente edir;iio.

1" edição 2007

Tradução
IVONE C. BENEDEITI

Caracteres gregos e transliteração do grego


Zelia de Almeida Cardoso
Uma obra como esta exigia uma iniciativa em três campos:
Revisão técnica • Na escolha das palavras e na importância dos comentários que lhes
Jadra de Freitas
Acompanhamento editorial são dedicados. A língua filosófica dos gregos, empregada por nume-
Maria Fernanda AIVllres
Revisões gráficas
rosos autores, de Tales a Prodos, e abarcando uma quantidade en-
Letícia Braun ciclopédica de temas, exigia comentários numerosos e amplamente
Marisa Rosa Teixeira
Dinarfe Zorzanelli da Silva desenvolvidos; o volume que a acolhe aqui lhe propicia 164 pági-
Produção gráfica
Geraldo Alves
nas: um quarto daquilo que eu gostaria de ter-lhe dedicado, mas
Paginação também aquilo que o editor pode oferecer de mais razoável.
MOI/cir Katsumi Matsusaki
Para um trabalho alentado, poderíamos pensar em 500 pala-
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
vras. Neste contexto exíguo, sacrifico 130, todas contempladas por
(Câmara Brasileka do Livro, Sp, Brasil) especialistas puros, mas cujo caráter estritamente técnico ou raro
Cobry, Ivan, 1927-
me permite dispensar sem remorsos. Para os grandes comentários,
Voçabulário grego da filosofia / Ivan Gobry ; tradução
Ivone C. Benedetti ; revisão técnica Jacira de Freitas; carac- selecionei 88 palavras, aquelas que se encontram com mais fre-
teres gregos e transliteração do grego Zelia de Almeida Car-
doso. - São Paulo: WMF Martins Fontes, 2007. qüência nos textos e também oferecem matéria para maior desen-
Titulo original: Le voçabulaire grec de la phllosophie. volvimento; para os comentários curtos, simplesmente definitórios,
ISBN 978-85-60156-62-7 com um a três exemplos extraídos de autores representativos, intro-
1. Filosofia - Terminologia 2. Grego - Voçabulários, glos- duzo 118 palavras, que sem dúvida são importantes, mas de uso
sários, etc. I. TItulo.

07-6903
menos freqüente; por fim, insiro no interior dos comentários mais
CDD-101.4
Índices para catálogo sistemático;
longos menção explícita a 164 outras palavras, que completam o
1. Voçabulário grego da filosofia 101.4 vocábulo desenvolvido. Com isso, obtemos 370 palavras, que são
indispensáveis ou aconselháveis por complementarem as primeiras.
Todos os direitos desta edição reservados à
Livraria Martins Fontes Editora Ltda. • Na transliteração. Como a maioria dos alunos que sai de nos-
Rua Conselheiro Ramalho, 330 01325-000 São Paulo SP Brasil sos liceus não lê grego, para estes é preciso que a palavra original
Tel. (11) 3241.3677 Fax (11) 3101.1042
e-mail: info@martinsfontes.com.br http://www.wmfmartinsfontes.com.br seja precedida de sua transliteração. Ora, existe uma transliteração

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clássica do grego, a que foi adotada pelos latinos e observada, mais Aristóteles:
tarde, na grafia das palavras francesas; mas, embora fonético para os Anal. Pro = Analytica Priora (Primeiros analíticos)
latinos, esse método não o é exatamente para os franceses. Por Anal. Posto = Analytica Posteriora (Segundos analíticos)
exemplo, o ípsilon grego (Y, 1») é pronunciado como y em francês, Cato = Categorias
mas o ditongo grego O\) torna-se u, o que produz um som diferen- De ano = De anima
te em francês 1. O mesmo ocorre com outros ditongos: Ctl => Q? => De caelo = (Do céu)
Degen. = De generatione et corruptione
é; Et => i; Ot => ex. Foi necessário empregar equivalências que, sen-
Degen. ano = De generatione animalium
do fonéticas, na medida do possível, se afastem o menos possível
De int. = De interpretatione
do uso. São as seguintes as correspondências, além das dos diton- Ét. Eud.; = Ética eudeméia
gos, que são exclusivamente fonéticas: Ét. Nic. 6 = Ética nicomaquéia
Eth. Mag. = Ethica magna
e => th => theós (como em théologie) Fís. = Física
X=> ch (oclusivo) => arché (como em charisme)' Met. = Metafisica
'Y => g (oclusivo) => génos (pronúncia:guenos) Poét. = Poética
Por outro lado, para conservar a pronúncia velar, Pai. = Política
K => k => kínesis' Ret. = Retórica
T6p. = Tópicos
As vogais longas são indicadas por acento circunflexo:
fi => â; 11 => ê; 'i' => i; (i) => ô; ou
=> 011 4 Cícero:
Acad. Posto = Academica posteriora
• Na indicação das referências. Para quem não está familiarizado Defin. = Definibus
com Platão, é trabalhoso acostumar-se com G = Górgias, F = Fédon De nato deor. = De natura deorum
etc. Transcrevemos inteiramente o nome da obra, salvo o de Repúbli- Tusc. = Tusculanas
ca = Rep. Do mesmo modo, quanto aos outros títulos curtos de obras,
Sexto Empírico:
quando facilmente perceptíveis ou quando indicados apenas uma ou
Adv. logo = Contra os lógicos
duas vezes, usa-se o nome por extenso. No que se refere a alguns au- Adv. math. = Contra os matemáticos
tores, foram usadas abreviações usuais, que são as dos títulos latinos. Adv. mor. = Contra os moralistas
Adv.phys. = Contra os fisicos
Hypot. = Hipotiposes pirronianas
1. Em português o ípsilon grego \'l, u) costuma ser grafado y, a menos que componha o
ditongo ou, quando, então, o ditongo é transliterado também como ditongo (ou). Na Estobeu:
transliteração das palavras gregas presentes no texto adotou-se esse procedimento: o
Ant. = Antologia
ípsilon grego foi grafado y, e não li (mythos), e o ditongo ou foi grafado ou (ouránios).
(N. da R. do grego) Écl. = Éclogas
2. Em português a consoante X foi transliterada como kh e não como ch (arkhe). (N. da R.
do grego) Xenofonte:
3. No presente texto o csi grego @ foi transliterado como x e não como ks (dóxa). (N. da R. Mem. = Memorabilia
do grego)
4. Em português acentuou-se a sílaba tônica da palavra transliterada, independentemen- 5. Única tradução conveniente: a obra não é dirigida a Eudemo, nem escrita por Eude-
te da quantidade, mantendo-se o acento da palavra grega (agudo, grave ou circunfle- mo: Eudemo é seu editor. O título grego é Eudeml'Ía.
xo); a quantidade, o trema, o espírito doce e o iota subscrito não foram indicados; o 6. Única tradução conveniente: a obra não é dedicada a Nicômaco, nem escrita por Ni-
espírito rude foi indicado por h inicial. (N. da R. do grego) cômaco: Nicômaco é seu editor. O título grego é Nikomakheía.

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Quanto a alguns autores que só publicaram uma obra conhe- adikía (he) I eXOtldCX (it), injustiça. v. dikaiosYne.
cida e freqüentemente citada, o título está subentendido: Aécio:
Placita (trechos escolhidos dos filósofos); Diógenes Laércio (men-
cionado como D.L.): Vidas, doutrinas e sentenças dos filósofos ilustres; aei I à.Eí. eternamente. Empregado freqüentemente
Plotino: Enéadas; Ateneu: Deipnosofistas. Tudo o que estiver indica- como adjetivo.
do em fio. (= fragmento), sem especificação, corresponde aos frag-
mentos de Diels: Fragmente der Vorsokratiker. Esses termos representam duração ilimitada à frente e atrás: o
ser eterno não tem começo e nunca terminará.
Referências à Metafísica de Aristóteles o substantivo aión (ho) / exiCÍlv (6), do qual derivou o adje-
A: alfa maiúsculo = livro I tivo aiónios, tem um sentido indeciso: na maioria das vezes,
Cf. : alfa minúsculo = livro 11
duração (de uma vida, de um século), mas também eternidade.
B: beta = livro III
r : gama = livro IV É nesse sentido que se encontra em Heráclito: lógos aión:
'" : delta = livro V Logos-eternidade (fr. 50).
E : épsilon = livro VI Pitágoras fala do Deus eterno: aídios theós (Aécio, IV, VII, 5;
Z: dzeta = livro VII Pseudo-Plutarco, Epítome, IV, 7). Mas seu discípulo Filolau
H : eta = livro VIII
prefere recorrer a aeí: Deus é eternamente subsistente (Fílon
e :teta = livro IX
I : iota = livro X de Alexandria, Criação do mundo, 23); o mundo move-se eter-
K: capa = livro XI namente em círculo (Estobeu, Écl., XX, 2). Diógenes de
A : lambda = livro XII Apolônia considera o ar como um corpo eterno (aídion
M: mi = livro XIII sôma) (fr. 7, 8). Heráclito utiliza uma fórmula original e
N : ni = livro XIV pleonástica: o universo (kósmos) era, é e será sempre (aeí)
um fogo" eternamente vivo", numa única palavra: aeízoon /
àeíÇOJov (fr. 30). Para Anaxágoras, "o Espírito (noüs) existe
eternamente", aeí esti / àe( EO''tt; pode-se traduzir também:
"é eterno". Melisso recorre a duas fórmulas: o Uno é eterno:
aídion (Simplício, Fís., m, 18); mas também existe eterna-
mente: aeí esti (ibid.). Platão emprega, por um lado, aídios,
quando invoca a Substância eterna (aídios ousía') ou os
deuses eternos (aídioi theoí) (Timeu, 37e, c); por outro lado,
aiónios, quando define o tempo (khrónos / Xpóvoç) como
imagem móvel da eternidade (aión / aiCÍlv): o modelo do
mundo sensível é então eterno (aiónios), mas também um
Vivente eterno (zôon aídion) (ibid.,37d).
Aristóteles utiliza aídios, em especial quando trata da eterni-
dade do movimento (Fís., VIII, 1-2), e sobretudo do primeiro
Motor: "O primeiro Motor é necessariamente uno e eter-
no": anánke einai hén kai aídion to prôton kinoün:

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àváYKl1 Ervat EV Kai àiOtOV "õ npclnov l(tvouv (ibid., VIII,6). da hierarquia dos seres, identificando-o com Deus, com O Es-
Afirmação semelhante em De caelo (I, 12): o que é sem gera- pírito e com a Mônada geradora dos seres (Aécio, I,VII, 18).
ção e sem corrupção é eterno. E o ato de Deus é a vida eterna: Assim se estabelece uma tradição filosófica que faz do Bem
zoe aídios / çroi] àíotoç (ibid., 11,3). Tem-se mais ou menos a um princípio não moral ou econômico, mas essencialmente
mesma linguagem na Metafísica (A, 7): Deus é um Vivente metafísico; ele sem dúvida inclui o bem como valor moral,
mas também a Beleza, a Verdade e a felicidade; mais exata-
eterno perfeito: zôon aídion áriston / çijJov àíotOV iipt-
mente, transcende esses valores secundários e os valoriza: é o
"Cov, uma substância eterna: ousÍa aídios / oooícx àíÔtoç.
valor absoluto e originário.
Plotino escreveu um tratado intitulado Da eternidade e do tem-
Árquitas adotou uma atitude mais modesta e popular em seu
po: Peri aiônos kal khrónou / IIEpi aióivoç Kai XPÓV01l (111,
livro Tratado do homem bom efeliz, abundantemente citado por
VII), no qual ele faz da eternidade um Ser da mesma nature-
Estobeu. Para Euclides de Mégara, aluno de Parmênides e de
za que os Inteligíveis.
Sócrates,"o Bem é o Ser que é uno" (Cícero, Acad. Post., II,42);
1. Em grego, os adjetivos compostos, como a-ídios, a-sómatos, a-thánatos, têm fe-
minino semelhante ao ma'culina. Diógenes Laércio oferece outra fórmula: "O Bem é o uno,
embora seja também chamado por outros nomes: pensamen-
agathón (tÓ) / a:yaSóv (-.ó). O Bem. Latim: bonum. to, Deus, Espírito" (lI, 106).
Para Platão, "a Essência do Bem é o objeto da ciência mais
Neutro substantivado do adjetivo agathós / àya8óç: bom. elevada" (Rep., VI, 505a). O Bem, de fato,"é causa daquilo que
No superlativo, to áriston / "õ iipto'tov: o Soberano Bem, sumo existe de justo e belo" (Rep., VII, 517c); no mundo sensível,
bem, supremo bem. Latim: summum bonum. "ele criou a luz e o senhor da luz", ou seja, o sol; e, no mundo
Na filosofia grega, o Bem é o objetivo que se oferece à vida inteligível, "é ele que preside a verdade e a inteligência" (Rep.,
de todo homem. É ele a fonte da felicidade (eudaimonía), VI, 508c-509a). Ele é "absolutamente perfeito (teleótaton) e
busca incessante da alma. Mas só o sábio pode atingir o sobrepuja todos os seres" (Filebo, 20d). "Está muito além da
Bem, pois só ele sabe usar convenientemente a razão. No Essência em sua majestade e seu poder" (Rep., VI, 509b). Des-
entanto, nenhum filósofo (o que justifica o sentido dessa pa- se modo, é ineravel (Rep., VI, 505a-506b); não é possível con-
lavra: "aquele que ama a sabedoria", mas a busca sem a en- ceituá-lo: é preciso atingir o termo de uma ascensão (anába-
contrar) parece ter chegado ao objetivo de sua busca, pois sis) do espírito (Rep., VII, 519c-d). No homem, "é em vista
estão todos em desacordo quanto à natureza do Bem. Daí do Bem que se fazem todas as ações" (Górgias, 468b), e sem
provém a riqueza da filosofia grega sobre esse tema. Escreve ele tudo o que possuímos é inútil (Rep., VI, 505a).
Aristóteles para resumir a opinião geral: "A ciência superior Em Aristóteles, o Bem identifica-se com o Primeiro Motor
a todas as outras, aquela à qual elas estão subordinadas, é a (Met., K, 1), com·o Ser necessário, com o Princípio, com o
ciência que conhece a finalidade para a qual se dá toda e Pensamento autônomo, com O Ato subsistente que é Deus
qualquer atividade, que em cada ser é o seu bem, e, para to- (ibid., A, 7). Para o homem, o objeto primeiro da vontade ra-
dos, o Soberano Bem (to áriston) na natureza universal" cional é o Bem (ibid.). De tal modo que todas as artes e todas
(Met., A, 2, 982b). as ciências são dirigidas para o Bem (Ét. Nic., I, I, 1); e o So-
A busca da natureza do bem é relativamente tardia. Os pri- berano Bem (áriston) é o fim último tanto do indivíduo
meiros pensadores preocupam-se com a natureza e a origem quanto do Estado (ibid., I, lI, 1-7). Portanto, ele adota nume-
do mundo: pân, hólon. É Pitágoras que põe o Bem no ápice rosos aspectos. "Comporta tantas categorias quanto o Ser: como

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substância, o Soberano Bem chama-se Deus e Espírito; como IX, 9), e da Beleza suprema (I,VI, 9).Tudo o que dele se pode
qualidade, virtudes; como quantidade, justa medida" etc. dizer é que ele é a Vontade (boúlesis / j3OÚÀllcnç), pois é sua
(ibid., I,VI, 3). Também é a finalidade única e perfeita que, própria vontade que lhe dá existência (VI,VIII, 13) e é o po-
possuída, constitui a felicidade; isso faz que ele deva ser bus- der de todas as coisas (V, IV; 1). O que ele engendra espontâ-
cado por si mesmo e por nada mais (ibid., I,VIl, 3-5). E, com nea e diretamente é o Espírito, segunda hipóstase e seu pri-
uma inversão dos termos, Aristóteles conclui que o Soberano meiro ato (I,VIII, 1; 11, IX, 1), Imagem do Bem, que pensa o
Bem é a felicidade (eudaimonía); e especifica: "o bem pró- Bem, pois o Bem não pensa (V,VI, 4; VI,VIl, 40). Todos os
prio ao homem é a atividade da alma em conformidade com seres participam do Bem (I, VII, 1); todas as coisas recebem
a virtude" (ibid., I, VII, 8-15;VIII, 8). Finalmente, esse Bem- dele beleza e luz (VI,VIl, 31); ele é o Desiderato para o qual
felicidade consiste" em viver em conformidade com a parte tendem todas as almas (I,VI, 7; V,V, 13; VI,VII, 25) e o qui-
mais perfeita de nós mesmos" (ibid., X, VII, 8), que é o prin- nhão do sábio, a quem ele basta (I, IV; 4).
cípio divino da razão contemplativa (epistemonikón).
Proclos, na esteira de Platina, afirma que "o Bem é o princí-
Para Epicuro, o bem é pouco metafísico, pois o bem primei- pio e a causa de todos os seres", e que, princípio de unidade,
ro e conatural (agathon prôton kal syngenikón) é o pra- é idêntico ao Uno (Teologia, 12-13). Assim também, para
zer: hedoné / r,80v1Í (D.L., X, 128-129). O Soberano Bem Hermes Trismegisto, o Bem e Deus são dois termos inter-
que os estóicos propõem é ainda muito subjetivo. Na verda- cambiáveis (lI, 38).
de, fazem dele um absoluto, preferível a tudo e não compará-
vel a nada (Estobeu, Écl., lI, 6). Segundo Diógenes de Babilô- Em Política (I, I, 1), Aristóteles chama o Soberano Bem (da
nia, ele é "o absoluto por natureza: natura absolutum" (Cícero, comunidade) de to kyriótaton / 1:à KUptÓ1:CX1:0V, de kfrios
Defin., III, 10). De fato, visto que é preciso dar um conteúdo / KÚptOÇ: senhor, soberano (na liturgia cristã: Senhor = Deus).
a essa definição formal, encontram-se especificações até certo
ponto decepcionantes: "Perfeição, segundo a natureza de um agénetos I áyÉVTp;oç: sem começo.
homem racional, na qualidade de homem racional" (D.L.,
VII, 94). "O que é útil" (ibid., Sexto Empírico, Adv. mor., lI, Em Platão, é a essência (eidos) (Timeu, 52a') e a alma huma-
10; Hypot., 111, XXII, 169). Ou ainda, segundo Hecatão e na (Fedro, 245e); em Aristóteles, a matéria (Fís., 1,9).
Crisipo, a Beleza (D.L.,VII, 100-101; Marco Aurélio, lI, 1; 1. Aqui, ortografia: agénnetos: ó:YÉVVT1'toç·
Cícero, Tusc., V, VII, 18; XV; 45; XXX, 84). Para Zenão de Cí-
cio, é a virtude (Sexto Empírico,Adv. mor., III, 77; Cícero, De aídios I áíôtoç: eterno.
fin., m, 11). Para Herilo de Cartago, o Bem é a ciência (epis-
téme) (Clemente de Alexandria, Stromata, 11, XXI, 129; Cí-
cero, Defin., m, 9; D.L.,vIl, 165, etc.). aiónios I aióWtoç: eterno.
É Platina quem confere ao Bem a importância metafísica
mais considerável, a tal ponto, que ele está presente por toda aísthesis (he) I ciío8TJo1.Ç (,,). sensação. Latim: sensus.
parte em sua abundante obra. Princípio de todas as coisas, o Essa palavra tem dois sentidos:
Bem é idêntico ao Uno (hén), primeira Hipóstase (11, IX, 1).
Ao mesmo tempo que é o melhor dos seres (to áriston tôn - faculdade de sentir: sensibilidade;
ónton) (VI, VII, 23), está além do Ser e do Pensamento (111, - ato de sentir: sensação.

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Além disso, contém não somente o que chamamos de sensação de bem é autor de uma ação virtuosa, em geral de uma vitó-
(conhecimento sensorial de uma qualidade), mas também o que ria. É desse termo que vem a palavra francesa étialogie (etiolo-
chamamos percepção (conhecimento sensorial de um objeto). gia): procura das causas.
Aristóteles distingue nitidamente os dois sentidos: diz ele que Segundo seu hábito, Aristóteles procurou definir as causas, e
o termo pode significar sentir em potência (ter a faculdade) não a causa. Na Física (li, 7, 198a), chega ao célebre quarteto
ou sentir em ato. No ato, constata-se uma ação do semelhan- que será adotado no século XIII pelos escolásticos:
te sobre o semelhante: o olho vê o visível, o ouvido ouve o - Matéria (hyle), ou seja, aquilo de onde saiu a cOIsa; por
audível (De an., li, 5). Esse objeto que recebe a ação é o sen- exemplo, o bronze para a estátua.
tido: aisthetón (aicr8T]1:ÓV). É dessa palavra que vem o francês - Forma (eidos), ou seja, a própria natureza da cOIsa; por
esthétique (estética); é de uma filosofia do conhecimento sen- exemplo, a figura da estátua.
sível que Kant trata em sua Estética transcendental (Transzen- - Motor (kínêsan), ou seja, o autor da mudança; por exem-
dentale Aesthetik), primeira parte da Crítica da razão pura. plo, o escultor.
Nos sistemas do conhecimento, a sensação ocupa o nível mais - Finalidade (to hoíl. héneka), ou seja, aquilo por que ocor-
baixo. Na República (VI, 508b, 511 c) e no Teeteto (186b-187a), re a mudança; por exemplo, a razão que impele o escultor a
Platão opõe a sensação, conhecimento do corpo, à ciência, esculpir.
conhecimento da alma. No início da Metafísica (A, 1),Aristó- Aristóteles reincide na Metafísica, fazendo menção a aitía em
teles constata que a sensação é comum ao homem e ao ani- seu apanhado histórico (A, 3), dedicando-lhe uma nota em
mal, enquanto o raciocínio e a técnica pertencem apenas ao seu vocabulário filosófico (~, 2) e no livro VIII sobre a maté-
homem. Por outro lado, para Epicuro, todos os nossos conhe- ria (H, 4). Alexandre de Afrodísia retoma essa exposição em
cimentos provêm das sensações; e o conhecimento sensorial seu tratado Do destino (III).
permanece como critério de verdade em sua ordem, pois a
A noção de causa primeira (aitía próte) ocupa lugar impor-
razão não pode refutá-lo (D.L., X, 31-32). Em seu pequeno
tante entre os filósofos gregos. Confunde-se com a noção de
tratado Da sensação e da memória (IV, VI), Platina aplica-se a
princípio (arkhé), mas aparece sob diferentes formas. Assim,
mostrar, contrariando a concepção materialista de Aristóteles
em Fédon (97c), Sócrates espera encontrar "a causa de todas as
e dos estóicos, que a sensação não imprime nada no sujeito,
coisas" (aítion pánton). Em Timeu (29a), Platão considera
mas é devida a uma faculdade ativa da alma.
que o mundo, que é a mais bela das coisas, requer um autor
aísthesis koiné / atcr9l]crtç Kotvit, senso comum. que seja a mais perfeita das causas (áriston tôn aitiôn). Dis-
Tem por objeto os sensíveis comuns: tà koinà aisthetá / 1:Ct tingue então duas espécies de causa: aquelas que, pela ação da
K01VCt aicr81l1:á. inteligência, produzem o que é bom e belo; e aquelas que,
privadas de racionalidade, agem por acaso (48e).
aitía (he) I cxhícx (i)): causa. Latim: causa. Mais raramente: Do mesmo modo, Aristóteles constata que o filósofo, para ex-
aítion (tó) I ahtov ('tó) plicar o conjunto das causas segundas, deverá remontar até a
causa eficiente primeira, que ele chamará de primeiro Motor
Esse substantivo feminino e esse adjetivo neutro substantiva- (Fís., li, 3, 195b); este, confundindo-se com a Inteligência e o
do, usados pelos filósofos a partir de Platão, derivam do qua- Bem, é ao mesmo tempo a causa final última. Desse modo,
lificativo aítios (at1:1oç), que significa "autor de": um homem Deus é o primeiro Princípio (Met.,~, 6-7, 1071b-l072b).

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Plotino concorda em parte com Aristóteles quando afirma que €1ltcr1:1Í~l11:iiç
àÀ118Eiaç (Met., a, 1, 993b). Para Plotino, o de-
tudo ocorre por causas, e causas naturais; e que essa ordem e sejo fundamental da alma é encontrar, para além de todas as
essa razão se estendem às mínimas coisas (IV, m, 16). Mas di- outras formas do Ser, "aquilo que é mais verdadeiro que o
fere dele em sua classificação das causas: é preciso fazer a distin- verdadeiro" (VI, VII, 34).
ção entre causa dos seres e causa dos acontecinlentos. No que
• Verdade ontológica. Para Parmênides, há dois caminhos para a
se refere à prinleira, há duas espécies de ser: aqueles que não
pesquisa: a opinião, que conduz ao não-ser, e o pensamento
têm causa, porque são eternos, e aqueles que têm sua causa
(nó ema / vÓll~a), que conduz ao Ser, ou seja, à verdade (fr. I,
nesses seres eternos (111, 1,1). Quanto aos acontecimentos, são 30, lI, 1-8, vm, 39-40, 50-52). Para Platão, a Verdade nos é
de duas espécies: aqueles que são produzidos fora de nós, por
freqüentemente apresentada como aquilo que existe para
causas exteriores à nossa vontade, fazendo parte da ardenl na- além dos sentidos e do mundo sensível. A alma "atinge a ver-
tural, e aqueles que provêm de nossa interioridade (111, 1,10). dade" quando, graças ao raciocínio, ela vê que os Seres (tà
ónta / 1:à oV1:a) se lhes revelam (Fédon, 65-bc); é esse desejo
akínetos I áKívrrwç, imóvel. de verdade que a lança à cata dos Seres (ibid., 66a); pois o ob-
De kinô, eu movo, com a privativo. O termo está em Filolau: jeto de nossos profundos desejos é a verdade (ibid., 66b). Por
"o Uno é eternamente imóvel" (em Fílon de Alexandria, isso, aquele que orienta assim a sua busca é o verdadeiro filó-
Criaçào do mundo, 23); em Platão, o Ser é ao mesmo tempo sofo; textualmente: "o verdadeiramente filósofo": alethôs
imóvel e móvel (Sofista, 249d); em Aristóteles: o primeiro philósophos / àÀ118c:iiÇ <ptÀóQ"(xpoç (ibid., 64b e). Do mesmo
Motor é imóvel (Fís., VIII, 5). modo, existe uma opinião verdadeira, alethes dóxa* / àÀllS"Ç
8óça, que nos conduz ao bem real que deve ser praticado nes-
ákon I aKO)v: involuntariamente, contra a vontade. te mundo (Mêno/l, 98c). Para Aristóteles, a verdade consiste
em conhecer o Ser em si: to ón autó / 1:à OV a1l1:Ó (Met., 8,
10). Para Epicuro, o critério da verdade são as sensações
akoúsios I áKO'ÍlOtoç, involuntário. (D. L., X, 31). Para Plotino, a verdade se realiza na visão do
"Aqueles que fazem o mal fazem-no sempre contra a vonta- Bem: to agathón / 1:à àya8óv. (VI, VII, 34).
de" (Platão, Górgias, 50ge). "Cada um peca involuntariamen- • Verdade lógica. Platão nos mostra Sócrates pronto a reiniciar
te" (Epicteto, Leituras, I, XVIII, 14). a discussão, pedindo aos ouvintes que se preocupen1 com a
verdade (Fédon, 91c). Segundo Aristóteles, o estudo das cate-
alétheia (he) I áÂ1Ígetcx (1Í): verdade. Latim: veritas. gorias é distinguir o verdadeiro do falso (Cat., IV); é também
o objeto do tratado Da interpretação (De int., I). Em Metafísica
Entende-se por alethés o que é incontestável, seja nos fatos
(E, 4) e no tratado Da interpretação (I), ele aborda o sentido do
(real, verdadeiro), seja nas palavras (evidente do ponto de vista da Ser como verdadeiro, oposto ao não-ser como falso (pseudés
lógica, verídico do ponto de vista do sujeito que afirma).
/ IjIEuo1ÍÇ); e, adiante (8, 10), pede que se examinem o Ser e o
A filosofia tem por objeto último atingir a verdade. O filóso- não-ser, que correspondem ao verdadeiro e ao falso, segundo
fo, segundo Platão, é "apaixonado pelo Ser e pela verdade" as diferentes espécies de categoria; depois (K, 8), faz da verda-
(Rep., VI, 501d); seu programa é impelir a alma para atingir a de do Ser um exercício do pensamento. Para Epicteto, "a na-
Verdade em si mesma (ibid., VII, 526b). Para Aristóteles, a fi- tureza de nossa razão é aquiescer à verdade" (Leituras, I,
losofia é "a ciência da verdade": epistéme tês aletheías / XXVIII, 4).

16 17
• A negação da verdade. Aristóteles relata que, segundo Herácli- anánke (he) I cXváyKll (1Í): necessidade. Latim: necessitas.
to, "tudo é verdadeiro e tudo é falso" (Met., r, 8) e, segundo Primitivamente: "decreto inexorável dos deuses" (Empédo-
Demócrito, "nada é verdadeiro, ou então a verdade não nos é cles, fr. 125 e 126).
acessível" (Met., r, 5). Ao contrário, Protágoras afirma que
Empregado depois em sentido filosófico (Platão, Aristóteles,
"tudo é verdadeiro" (Sexto Empírico, Adv. log., I, 60). O pró-
Epicuro, estóicos).
prio Sexto, por sua vez, raciocina assim: Se digo "tudo é fal-
so", entendo que essa proposição é verdadeira; entendo o Aristóteles dedica uma nota à anánke em seu léxico filosófico,
mesmo se digo: "Nada é verdadeiro." Assim, afirmam-se ao (Met., Li, 5) na forma do qualificativo neutro anankaion /
mesmo tempo o verdadeiro e o falso (Hypot., 1,7). Finalmen- cXvCt:yxatov: o necessário. E dá cinco sentidos:
te, não existe critério algum de verdade (ibid., lI, 4). - Condição (synaítion / cruvaÍ1:tov). Ex.: alimento para o
* Na transliteração de palavras gregas que tenham ç (csi), pode-se optar pelas equivalên- ser vivo, que não pode subsistir sem ele.
cias sonoras ks ou x. Optamos por x uma vez que muitas dessas palavras (dóxa, acaraxía, - Coerção (bía / ~ía).
práxis) se mantêm em português. (N. da R. do grego) - Impossibilidade de ser de outro modo: é a mãe das necessi-
dades.
alethés I w..llSf)Ç: verdadeiro, veraz. - Necessidade lógica, extraída da demonstração; é apódeixis
/ emó&tçtç.
- Necessidade metafísica. Aristóteles diz: o simples (to ha-
alloiosis (he) I áUoíOO<Ytç (1Í): alteração.
ploün / 1:0 ánÀoiiv).
De állos / Ii"Àoç: outro. Uma das formas da mudança De fato, está ligado aos seres eternos e "imóveis" (ou seja, sem
ÚJ.E1:a~oÀill em Aristóteles. Definição: "Uma mudança nas mudanças). Encontra-se, aliás, essa necessidade na oposição
afecções de um substrato (hypokeímenon) que continua entre o ser necessário, sempre semelhante, e o ser por aciden-
idêntico e perceptível" (De gen., IV). Aristóteles trata disso te, fadado à mudança (Met., E, 2). O mesmo ocorre para en-
também n:1 Física (VII, 3). Platão, com a translação (phorá), contrar a existência do primeiro Motor; tudo é movido por
faz da alteração uma das duas espécies do movimento (Teete- outro, e não por si mesmo; ora, do movido ao motor (do efei-
to, 181a, 182c). to à causa), não se pode renlontar infinitamente; "é, pois, ne-
cessário parar". É o famoso anánke hístasthai / àvàY K ll
anámnesis (he) I cXváj.lVllO"tç (1Í): reminiscência, 'ícr1:acr8at (Fís., VIII, 5).
anamnese. Platão, como de hábito, não apresenta uma exposição didáti-
ca sobre esse termo. Emprega-o nos sentidos mais diversos: de
Num famoso trecho do Mênon (82a-86c), Sócrates, interro- destino, para a sorte das almas (Fédon, 86c); de inclinação en-
gando habilmente um jovem escravo ignorante, consegue tre os sexos (Rep., V, 458d); de coerção política (Rep., V, 51ge);
fazê-lo chegar ao princípio pitagórico da duplicação do qua- de determinismo cósmico (Fédon, 97e; PaI., 269d; Timeu,
drado. Conclui daí que "a verdade existe desde sempre em 46e); de necessidade metafísica (Fédon, 76 d-e; Fedro, 246a;
nossa alma" (86b). Finalmente, "todo saber é reminiscência" Timeu, 42a).Aristóteles distingue a necessidade matemática (a
(81d); no Fédon (72e-78a), isso possibilita um argumento a fa- soma dos ângulos do triângulo é igual a dois ângulos retos),
vor da imortalidade da alma. Teoria adotada por Plotino (IV, que é de ordem racional, e a necessidade física, que é de or-
I1I, 25: V, IX, 5). dem sensível (Fís., lI, 9).

18 19
Os estóicos utilizam abundantemente a noção de a/lánke, pois, ragem (Ét. NiL, m,VI-IX; Ét. Eud., 111, I; Etil. Mag., I, XX).
em seu sistema, tudo é necessário; e a necessidade é ao mesmo Zenão de Cício, imitando Platão, põe a coragem entre quatro
tempo metafísica e cósmica, pois, como Deus é ao mesmo tem- virtudes principais (Plutarco, COHfradições dos estóicos, VII), no
po o mundo, a necessidade de sua existência pertence às duas que é imitado pelos outros estóicos (D.L.,VII, 92).
ordens. "Tudo o que ocorre - escreve Marco Aurélio - é ne-
cessário (11,3)," A Inteligência universal tomou uma única de- ánthropos (ho) I av9pomoç (6): homem,
cisão, e tudo decorre dela por via de conseqüência 01, 10;VI,
Como espécie, oposto ao animal (oposto à mulher, diz-se anér
9; VIII, 5; IX, 28), Sábio é "aquele que tem a virtude de se sub-
! àvlÍp; gen.: andrós). Em Aristóteles, substância composta, na
meter à necessidade" (Epicteto, Manual, UII, 2).
qual "a alma é causa e princípio do corpo vivo" (De all., 11,4),
Epicuro construiu sua sabedoria com base na distinção dos à qual se soma uma alma intelectual (ibid., III, 4,10, lI).
prazeres: uns sào naturais e necessários; outros naturais, mas
não necessários; outros não são naturais nem necessários (Má- antikeímenos I cXv'ttKEíllEVoç: OpostO. Plural: antikeímena
ximas,29). (àV'ttKEÍj.!Eval, neutro substantívado.

De keímenos, partlC1plO do verbo keimai ! KEIJ.!at: sou


andreía (he) I cXvl5ptía (1Í): coragem. Latim: fortitudo.
posto, e antí ! àvrí, em face. Os opostos constituem uma ca-
Feminino substantivado do adjetivo andreios ! àvopEloç: mas- tegoria lógica estudada por Aristóteles nas Categorias (X) e na
culino, viril, derivado de anér ! àVlÍp (gen. andrós): o homem Metafísica (L\., 10). Distingue quatro espécies: os relativos (prós
masculino. Andreía é, em primeiro lugar, a coragem do ti ! rrpáç 1:t), como duplo e metade; os contrários (enantía !
guerreiro, bravura, valentia. Tornou-se depois virtude interior Evav1:ía), como mal e bem; a privação (stéresis ! cnépllcnç) e
de força para o bem. posse (héxis ! EÇtÇ), como cegueira e visão; a afirmação (ka-
táphasis ! Ka1:Wpacnç) e negação (apóphasis ! àrróqlacnç).
A maioria dos moralistas gregos pôs a coragem entre as prin-
cipais virtudes, considerando que o bem não é fãcil de fazer, antíphasis (he) I cXv'tícpacrtç (1Í): contradição.
exigindo da parte de um indivíduo de qualquer sexo esforço
de aquisição e esforço de resistência ao mal. v. areté. Lógica. "Oposição entre uma afirmação (katáphasis) e uma
negação (apóphasis)" (Aristóteles, De int.,VI).
Platão, ao mesmo tempo que admite a coragem entre as prin-
cipais virtudes (Protágoras, 329c-e, 361b; Fédon, 67b, 68b-e), antíthesis (he) I cXv'tí9tO'tç (1Í): oposição, antítese.
atribui-lhe um papel muito preciso, que é o do sentido ini-
cial: é a virtude dos guardiães da Pólis; no entanto, ele a situa Lógica. Nas Categorias (X), Aristóteles distingue quatro espé-
numa hierarquia das virtudes, entre a sabedoria acima e a cies de oposições: contradição (antíphasis), contrariedade
temperança abaixo, dando-lhe como função própria do indi- (enantíosis), relação (prós ti) e posse-privação (héxis !
víduo regular o coração: thymós (v. essa palavra), sede do sen- EÇtÇ; stéresis ! ClTÉpllcnÇ).
timento da cólera (Rep., IV, 430b-c, 442b-c).
aóristos I OOptO''toç: indeterminado,
Aristóteles insere a coragem no quadro das virtudes, mos-
trando que ela é o meio-termo justo entre o medo e a teme- O movimento é algo indeterminado (Aristóteles, Fís., m, 2).
ridade (Ét. Nie., n,vIl, 2), e distinguindo seis espécies de co- A matéria é indeterminada (Platina, 11, IV, 14).

20 21
apathés I ancx9f)ç: impassível, insensível. Latim: impatiens. determinada, que não é nenhum elemento preciso, mas do
qual saem todos os elementos. Portanto, é preciso evitar tra-
De páthos / ná9oç, paixão, fato de sofrer; e o prefixo privati- duzir O termo por mistura, pois unu mistura é a posteriori, ao
vo a-: sem paIxão. passo que o caos original é potencialmente múltiplo, mas
O termo tem dois sentidos: atualnlente sinlples. O segundo chefe da escola Tl1ilésia, Ana-
xinlandro, sucessor de Tales, vê o ápeiron con10 origem de
- metafísico: impassível = que não pode receber nenhuma todos os outros seres (Aristóteles, Fis., I, 4, 187a; D.L., 11,1).
afeição. Depois dele, Anaxágoras apresenta COl110 princípio original
- moral: insensível = livre das paixões. Esse estado é então a os homeôl11eros, partículas totalnlente selnelhantes, indiferen-
apátheia / àná8na, impassibilidade, apatia. ciadas e indiscerníveis, que ele qualifica também de ápeiron
• Sentido metafísico. Entre os pré-socráticos, "Anaxágoras - es- (fr. 1 e 4) e às vezes de mistura: symmixis (fr. 4) .
creve Aristóteles - é o único que afirma que o Espírito é im- Os pensadores gregos itálicos, enlbora jônios de origenl, dão
passível" (De an., 1,2; 1II, 4). O próprio Aristóteles ensina que unl sentido nletafísico ao ternlO. Enl Pitágoras e discípulos, a
o intelecto separado (nous khoristós / voUç XroptO';óç) é categoria fundanlental da ontologia é o par péras/ ápeiron, ou
impassível (ibid., 1II, 5). Platina escreveu um tratado Da im- seja, acabado e inacabado, perfeito e imperfeito; o primeiro ter-
passibilidade dos incorpóreos (asómata) (111, VI), onde defende mo convém à Mônada, ou Uno primitivo; o segundo, à Díade,
a teoria de que a matéria sensível, como substrato dos corpos, ou ser segundo engendrado pelo prinleiro; aqui tenlOS, pois, ao
é um incorpóreo, pois precede o corpo e faz dele um com- contrário dos jônios, um ápeiron derivado, e não original.
posto; ela é, portanto, impassível (III,VI, 7). Assim também, a
alma do mundo é impassível (11, IX, 18). Platão segue as pegadas de Pitágoras. Em Fileho (15b-27e), as
coisas em devir são indeternlinadas e inacabadas, enquanto o
• Sentido moral. É encontrado especialmente nos estóicos mundo inteligível é acabado.
(storque, em francês, significa impassível). O filósofo torna-se
sábio quando se livra das paixões (Epicteto, Leituras, 111, XIII, Na esteira desses diversos pensadores,Aristóteles dedica à no-
11; Manual, 111, XXIX, 6-7). Platina considera que os demô- ção de ápeiron cinco capítulos de sua Fí,-ica (I1I, 4 a 9) para
nios podem sofrer por sua parcela irracional; o sábio alcança a tentar extrair das diversas noções preexistentes unlJ noção
insensibilidade (IV, IV, 43). comunl; nlas, embora consiga fornlular convenientenlente as
teorias dos jônios, nào consegue encontrar uma definição co-
ápeiron (tÓ) I anEtpOV ('"Có): indeterminado. informe. mum e apresenta seis definições contestáveis.
Nossos contemporâneos, na esteira de Hermann Diels (Doxo-
Neutro substantivado de ápeiros: indeterminado. É o nega-
grapili Graeei, 1879; Fragmenta der Vorsokratiker, 1903), traduzem
tivo de péras, limite, termo, que deriva de peráo, terminar,
habitualmente ápeiron por i~!inito (alemão u/lendlicil'). É um
concluir, aperfeiçoar. Ápeiron, portanto, é metafisicamente a
grande contra-senso, que torna ininteligíveis os textos. Veja-
idéia de um ser informe ou inacabado; em lógica, é a idéia de
mos algunlas dessas incongruências. "Para Anaxinlandro, °
um ser indeterminado, indefinido e indefinível, sem conteú-
prinleiro princípio era o infinito, senl especificar, porénl, se
do próprio.
era o ar, a água ou outra coisa" (traduçào de Diógenes Laér-
Os primeiros pensadores gregos, jônios, empregam o termo cio [11, 1] em Les Pe/l5e<1YS grecs avant Sacra te [Garnier, 1941]).
em sentido cosmológico. Ápeiron é a matéria primitiva, in- Onde está o nexo' Ora, Aristóteles explica que para Anaxi-

22 23

.l
I l1landro "tudo sai do caos: mígma" - ou seja, da 111istura pri-
mitiva. Outra incongruência: Para Anaxágoras. "há uma iI!fi-
apódeixis (he) I ànó&tÇtÇ (Í"\): demonstração.
"idade de homeómeros" e "ele defende a infinidade que leva Lógica. Silogismo científico, que deve partir de premissas ver-
a supor a mistura primitiva" (tradução da Física de Aristóteles, dadeiras (Aristóteles, Anal. Post., lI, 1).
I, 4, na edição de Belles-Lettres). Onde está o nexo? Mais
u111a:Anaxágoras "adnlite princípios enll1lÍl1lerO iI~finito. Qua- apóphansis (he) I ànÓ<p<XvO"tÇ (Í"\): proposição.
se todas essas coisas sào farnudas, segundo diz, por princípios
Lógica. Enunciado de um juízo, que afirma ou nega que um
semelhantes" (tradução da Met~físi(a de Aristóteles, A, 3,
predicado (kategórema) é atribuído a um sujeito (hypo-
edição Vrin). Onde está o nexo? Plotino (I,VIII, 3; 11, IV, 13)
keímenon). Aristóteles, em De interpretatione (V-VIII), faz
apresenta unla equivalência entre ápeiron e aóriston, que
um exame das diversas espécies de proposição.
quer dizer indefinido. Em outro domínio, Aristóteles, opondo
arte e ciência, constata que a arte, que tenl por objeto as rea-
apóphasis (he) I ànÓ<p<XO"tÇ (Í"\): negação.
lidades singulares, é ápeiron, indefinida, porque não com-
porta definições, ao passo que a ciência, que tem por objeto o Lógica. "Declaração de que uma coisa está separada de outra
universal, formula definições (Ret., 1,11,6). coisa" (Aristóteles, De int., VI). Mais exatamente, afirmação
de que um predicado (kategórema) não está incluído num
De fato, os jónios, herdeiros de uma tradição grega muito po-
bre nesse d0111Ínio, viajando para os territórios dos vizinhos sujeito.
111esopotâmios, fenícios e egípcios, encontraram os 111it05 do
caos primitivo, CQllluns às antigas civilizações do Mediterrâ- areté (he) I àpe't1Í (il): virtude. Latim: virtus.
neo oriental. Esse termo, como em latim virtus, possui duplo sentido: físico
1. No entJllto, Nietzsche traduz corretamente: das C:II/JCSIt'!II!!IIC.
e moral. Por isso, para certos etimologistas, deriva de áres
que, quando nome próprio, designa o deus da guerra (o Mar-
áphthartos I a<p9ap'toç: incorruptível. Latim: incorruptus. te dos latinos) e, quando substantivo comum, significa com-
bate e coragem. Da raiz ar- tem-se áristos / apl<noç: valen-
Composto de phthartós, corruptível, e do prefixo privativo
te, valoroso, mas também ársen / CXpallv: varão, viril, donde,
a / eX. Caráter dos seres indestrutíveis.
forte, corajoso; e, provavelmente, árkho / apXro, comandar,
Esse caráter está ligado à eternidade. Os seres cuja substância deter o poder; e arô / àpÕl: semear, fecundar (donde: instru-
nunca foi tocada pela mudança e existem desde sempre não mentos aratórios). A virtude, portanto, no sentido moral é
podem perecer. São, pois, aqueles que existem fora do mundo força da alma tendente ao bem.
sensível,já que os seres sensíveis estão sujeitos à corrupção.
Como ressaltou Aristóteles, a virtude não é uma seqüência ou
~~Pitágoras e Platão", escreve Aécio, "ensinam que a alma ra- uma repetição de atos, embora a ação seja a marca de um su-
cional (to logikón / 1:0 À,OylKÓV) é incorruptível" (IV, VII, jeito moral. Ela é "uma disposição (héxis / EÇlÇ) adquirida
5). "O primeiro Motor (to prôton kinoun / 1:0 npcll1:ov Kl- voluntariamente" (Ét. Nic., 11, VI, 15). Entenda-se com isso
voilv) - diz Aristóteles - é sem geração e sem corrupção" (Fís., que, por um lado, em sendo adquirida, ela não é fruto de boas
VIII, 3). Por outro lado (De caelo, 1,3), o céu "é inengendrado disposições naturais, mas de um esforço; e, em sendo disposi-
e incorruptível" (mesma afirmação I, 10; 11). Entre os estói- ção, é o estado de um sujeito continuamente disposto a agir
cos, o mundo é uma divindade incorruptível (nL.,VII, 137). moralmente.

24 25

..
Os jônios não estavam preocupados con1 o ten1a da virtude, trios: coragem, sabedoria e justiça (67b) e temperança,justiça
que, ao contrário, é muito desenvolvido nos pitagóricos. Se- e coragem (68b-e).
gundo Pitágoras, ela é harmonia da alma, tal como a saúde é Aristóteles, por sua vez, estabelece duas virtudes de acordo
harmonia do corpo (D.L.,VIII, 33), e os neopitagóricos Tea- com as partes da alma; é grande, porém, a diferença em rela-
ges e Métope redigiram um tratado Da virtude (Peri aretês ! ção a Platão. Este dá à opinião, à concupiscência e ao coração,
Ilepi àpni'jç), Xenofonte nos mostra Sócrates incentivando os que são infra-racionais, a capacidade de exercer a virtude;
discípulos a praticar a virtude (Mem., I, VII, 1), mais pelo seu Aristóteles situa os dois níveis da virtude na alma racional (v.
exemplo do que por seu ensinamento (ibid., 1,11,3). psykhé); pois a virtude, se é adquirida, é adquirida racional-
Platão apresenta, inicialmente, em Mênon (97b-100b), uma mente; mas não é fruto de uma razão teorética, que tende à
virtude de tipo socrático praticada no mundo sensível, por verdade, e sim de uma razão prática, que tende à ação (Ét.
meio da ação, inspirada por um favor divino e definida como Nic., VI, 11,1-3).
opinião verdadeira (v. dóxa); depois, na República (IV, 42ge- A parte racional da alma tem dois estágios. O superior é o
441c), ele distingue três espécies de virtude em função, ao epistemonikón ! En\C5'tTjI.lOVtKÓV, que é para Aristóteles
lnesmo tenlpo, das potências da alma e das classes sociais; ou aquilo que a nóesis é para Platão, ou seja, a razão intuitiva; o
seja, há três potências da alma: a concupiscência (epithymía inferior é o logistikón ! ÀOy\C5'ttKÓV, que é para Aristóteles
! Em8q.llcx), que tem sede no ventre e preside a vida vegetati- aquilo que a diánoia é para Platão, ou seja, a razão racioci-
va; o coração (thymós ! 81Jl.lóç), que tem sede no peito e pre- nante. A primeira é sede das virtudes dianoéticas ou contem-
side a vida afetiva (poder-se-ia chamar essa tendência de "im- plativas; a segunda é sede das virtudes éticas ou ativas (ibid.,
pulso espontâneo para os valores"); por fim, a razão (lógos ! 11, I) e, como tais, deliberativas (ibid., VI, 1,6).
Àóyoç), que tem sede na cabeça e preside a vida intelectual. A
harmonia da alma e a da sociedade precisam de três virtudes, A virtude ética (ethiké ! 1'j8tK1Í) manifesta-se pelas seguintes
ao mesmo tempo específicas e hierarquizadas: características: é uma prâxis, hábito adquirido racionalmen-
te, que leva constantemente a fazer o bem (Ét. Nic., 11, VI,
- temperança (sophrosrne ! C5Cü<pp<>C5ÚVTj), que regra a con- 15); ela é justa medida (mesótes ! I.lffiÓ1:Tjç), como meio-ter-
cupiscência e é própria da gente do povo; mo entre dois males, um por excesso, outro por falta; por
- coragem (andreía ! àvopEÍcx), que regra o coração e é pró- °
exemplo, a coragem é meio-termo entre o medo e a teme-
pria dos guerreiros; ridade (II,VIII-IX); ela é voluntária, objeto de escolha refle-
- sabedoria (sophía ! C5oq>lcx), que regra a razão e é própria tida (proaíresis! npocxlpeC5tç) (ibid., 111, lI-V). Por essa razão,
dos governantes. a virtude moral fundamental é a prudência (phrónesis ! q>pÓ-
Uma quarta virtude, a justiça (dikaiosyene ! OtKCXWC5ÚVTj), é VTjC5tç), virtude do homem que enfrenta as dificuldades hu-
necessária à alma inteira e às três classes, pois é ela que garan- manas (X, VIII, 3), que pratica a habilidade na ação. As outras
te a harmonia no indivíduo e na pólis. virtudes morais são: coragem, temperança, liberalidade, muni-
ficência, magnanimidade, brandura, pudor e justiça (ibid., 111,
Essas quatro virtudes platônicas costun1am ser chamadas "vir- VI-XII, IV, I-VII, V).
tudes cardeais". Encontram-se vários esboços delas antes da
República; no Protágoras (349b):justiça, sabedoria, santidade e A virtude dianoética (dianoetiké ! OtCXVOTj1:tK1Í), virtude do
coragem são quatro aspectos de uma virtude única, às quais se sábio que chegou ao ápice do conhecimento e não é depen-
soma, adiante, a temperança (361 b); em Fédon, aparecem dois dente de seu corpo nem do mundo sensível, consiste na con-

26 27

i.
I templação intelectual (theoría / 9€ropúx), que lhe garante a Noção in1portante para os filósofos, pois o nún1ero é Ul1la
felicidade (eudaimonía / EOOa1fWvícx) (ibid., X,VI-VIlI).Ao pura abstração, obtida pela razão (na maioria das vezes, diá-
contrário de Platão, Aristóteles considera que o homem pú- noia) a partir das realidades.
blico, para cumprir corretamente sua função, não precisa das O ensino da aritn1ética era já muito desenvolvido nas escolas
virtudes do homem privado (Pai., IH, IV, 3). filosóficas, sobretudo entre os pitagóricos e na Academia pla-
Para os estóicos, a virtude é equivalente ao bem (Sexto Empí- tónica; mas parece que era dado em um nível pouco elevado,
rico, Adv. mor., IlI, 77) e leva ao soberano Bem (Cícero, De repetindo as lições dos primeiros mestres. O principal objeto
fin., IlI, 11). Consiste na harmonia da alma com a ordem do de discussões e progressos era a geometria. A partir do século
universo (Sêneca, De vita beata, VIII; Clemente de Alexandria, III a.c., a matemática será cada vez mais cultivada por cien-
Stromata, H, XXI, 129; D.L., III, 165). A virtude é uma totali- tistas puros, sem intenções filosóficas. Cabe citar então os Tra-
dade: ou se é inteiramente virtuoso ou não se é (D.L.,VII,90; tados dos "úmeros de Bútero de Cízico e de Moderado de Ga-
Cícero, Acad. post., I, 10). No entanto, os estóicos admitem que des, o Tratado do Número de Proros de Cirene (século I! a.c.),
é possível distinguir certo número de virtudes. Zenão reto- a Introdução à aritmética e As investigações teológicas sobre os "ú-
ma as quatro virtudes cardeais de Platão (Plutarco, As contradi- meros, de Nicômaco de Gerasa (século lI), o Tratado das mate-
ções dos est6icos, VII). Outros distinguem as virtudes primárias máticas de Téon de Esmirna (século lI), o Tratado dos números
de Numênio (século III d.C.), os Teologúmenos da aritmética,
(cardeais) das virtudes secundárias: magnanimidade, autodo-
do Pseudo-Jâmblico, a I"trodução à aritmética, de Anatólio de
minio, paciência, ardor, discernimento (D.L. ,vIII, 92).
Alexandria (século I1I), todos neopitagóricos.
Platina dedicou um pequeno tratado às virtudes: o segundo
O interesse pelo número em filosofia vem dos pitagóricos, que
da I Enéada. Nele, a virtude é definida como semelhança com
lhe conferiram um papel metafísico. Segundo eles, o funda-
Deus; chega-se a ela por meio da kátharsis, graças à qual a
mento da realidade é o número, ou seja, aquilo que há de mais
alma humana se torna puro espírito. O autor aplica essa defi-
racional nas coisas. Segundo Aristóteles, "eles constituíran1 a
nição à sabedoria, à prudência, à justiça, à coragem e à tempe- substância do ser" (Met.,A, 5). Assim como o Número univer-
rança, que já estão eternamente no Espírito como modelos (I, sal - que não é este nen1 aquele número - é o princípio de
I!, 7). Volta ao tema no 6~ tratado da III Enéada, mostrando todo o sensível, os diferentes números, em sua diversidade, são
que a virtude consiste "em cada parte da alma tornar-se seme- os princípios de todas as realidades singulares. Assim se enten-
lhante à sua essência, obedecendo à razão" (IH, VI, 2). dem as frases de Aristóxeno, "O Número é a inteligência de
todos os números" (Estobeu, Écl., I, 6), e de Filolau, "A nature-
aristokratía (he) I cXptO''tOKjXX'tÍa. (lÍ): aristocracia. za do número é a mestra do conhecimento" (Estobeu, Écl.,
Em Platão, governo da razão e da virtude, realizado pelos sá- Intr.). Esse caráter transcendental do Número, essência das coi-
bios (Rep., VIII, 544e, 545d, 547c). Aristóteles só a cita de sas, não deve levar a confundi-lo com o Uno (hén), que é seu
passagem (Pai., IV, 7). Princípio transcendente. Por isso, é preciso compreender bem
Aristóteles, quando ele diz que, para os pitagóricos, o Número
áriston (tÓ) I <XptO''l:OV ('tó): Soberano Bem. v. agathón. é princípio; e acrescenta "como matéria dos seres" (Met.,A, 5).
Empregado por Pítaco (Apotegmas, 10). Platão interessa-se pelo número como agente de medida e be-
leza, que fazem dele um elemento necessário da educação
arithmós (ho) I cXpt91láç (ó): número. Latim: numerus. (Rep., VII, 522c; Epínomis, 990c).Aristóteles dedica todo o livro

28 29

.
N da Metafísica à crítica do número nos pitagóricos e em Platão. riores a ele: o Número em Pitágoras, o Uno em Xenófanes, o
Plotino inspira-se nos pitagóricos, fazendo o número sair da Ser em Parmênides.
díade (dyás) (V, IV-V); e, em seu tratado Dos números, chega a
Para os primeiros jônios, chamados por Aristóteles de Fisiólo-
afirmar que o Número em si é anterior ao Ser (VI, VI, 9).
gos, o Princípio é um elemento cósmico.
arkhé (he) I <XpxiJ (il): princípio. Latim: principium. O primeiro deles, Tales de Mileto, declara que é a Água (Aris-
tóteles, Met., A, 3; Cícero, De nato deor., I, 10,23; Ps-Plutarco,
Causa original, Realidade primeira da qual procedem as ou- Placit., I, 3; D.L., I, 27). Aristôteles atribui essa "descoberta" à
tras no universo. Essa palavra pode ter dois sentidos: observação, lembrando que a primeira mitologia grega vê o
- cosmológico: o Princípio é então um corpo material (pré- Oceano como origem do mundo; Nietzsche declara que essa
socráticos); é uma idéia genial. Na verdade, é uma simples herança das
- metafísico: o princípio é então uma Realidade impessoal, cosmogonias orientais. Tales era de origem fenícia e conhecia
que pode assumir o nome de Mônada (Pitágoras), de Uno bem os mitos semíticos. A Cosmogonia caldéia, livro sagrado da
(Parmênides, Plotino), de Essência (Platão). tradição babilônica, do qual Damáscio e Berôsio conservaram
alguns fragmentos, afirma: "Na origem, a totalidade dos terri-
Platão, que emprega abundantemente a palavra arkhé, dá uma
tórios era mar," O Enuma Elis, outra narrativa babilônica so-
definição dela em Fedro (245c-d): "O Princípio é o Inengen-
bre a criação, diz: "Quando no alto o céu não era denomina-
drado (agéneton), pois é necessário que tudo o que vem do
do, quando embaixo a terra não tinha nome, do oceano
ser venha a partir de um princípio, ou seja, daquilo que não
Apsu, pai deles, e de Tiamat, a tumultuosa, mãe de todos, as
procede de nada." Portanto, é aquilo que está primeiro na
águas se confundíam em Um." O Livro dos mortos, que é o
existência e engendra a seqüência dos outros seres.
texto mais antigo do Egito diz: "No começo, só havia o
Aristóteles definiu o Princípio, mas de modo bastante vago. Noun, abismo da água primordíal"; ora, a Fenícia dominou
Em Metafísica (D., 1), dedica a essa palavra a primeira de suas culturalmente o Egito a partir do terceiro milênio; de qual-
notas. Atribui-lhe cinco sentidos: quer modo, Tales passou algum tempo no Egito, onde rece-
- pOnto de partida (de uma linha, de uma rota); há então um beu os ensinamentos dos sacerdotes (D.L., I, 27).
princípio simétrico, que é o ponto de chegada; O sucessor de Tales na direção da Escola de Mileto, Anaxi-
- o melhor começo (arte pedagógica); mandro, escolheu como Princípio originário o indetermina-
- o que é primeiro e imanente no devir (fundações de uma do (ápeiron / anEtpov). (v. essa palavra). O terceiro chefe da
casa); escola,Anaxímenes (t526), estabeleceu como primeiro prin-
- a causa não imanente que precede (o pai e a mãe para o cípio o ar (aér / àijp).Tem-se aí também um velho mito fe-
filho); nício. Encontra-se essa teoria em Diógenes de Apolônia
- a vontade livre de um ser racional (princípio dos aconteci- (século V). Por fim, Hípaso de Metaponto (século VI) e He-
mentos). ráclito de Éfeso (t480) adotam como primeiro Princípio o
Em Física (1,1, 184a), procedendo à história das teorias,Aris- fogo (pyr, nilp).
tóteles atribui aos elementos primeiros entre os jônios (os Fi- Os itálicos, filósofos de origemjônia, mas instalados no Sul da
siólogos) o nome de princípios. Em Metafísica (A, 5), ele o Itália (Magna Grécia), apresentam Princípios metafísicos. Para
atribui às grandes realidades originais de certos filósofos ante- Pitágoras, é o Número, porém mais precisamente a Mônada

30 31

1.
(v. essa palavra), Unidade original do ser. Para Xenófanes (sé- o termo, pouco empregado, é vago e pode receber significa-
culo VI), o Uno primeiro é um Deus único e incorpóreo; dos diversos: Essências (eíde), alma, ou simplesmente reali-
para Parmênides, seu discípulo, é o Ser, Uno no sentido de dades indeterminadas.
Único, pois ele não admite nenhum outro; para Anaxágoras, Aécio escreve (I, XI, 3): "Pitágoras ensina que as causas pri-
o Princípio original é duplo: uma matéria informe inerte e meiras são incorpóreas." O mesmo é declarado por Estobeu
um Espírito absoluto dinâmico que dela extrai o universo em (Écl., I, XIII, 1). Platão diz: "Os seres incorpóreos são os mais
sua variedade. Para Empédocles, são o amor (philótes / belos e grandiosos" (Política, 286a). E em outro lugar nota
<ptÀÓ't"ç) e o ódio (neikos / V€tKoç), mas na medida em que que a harmonia da alma é invisível e incorpórea (Fédon, 85e).
unem e desunem os elementos preexistentes, que são os qua- Em sua Carta a Heródoto, Epicuro ataca aqueles que conce-
tro clássicos. v. stoikheia. Platão não tem posição fixa: as Es- bem a existência de incorpóreos (D.L., X, 67, 69, 70).A mes-
sências, tomadas coletivamente, no Fédon; o Ser no Sqfista; o ma reação se observa em Pírron e nos céticos (D.L., IX, 98-
Bem na República; Deus nas Leis. Em Aristóteles, o Princípio 99). Plotino emprega a palavra de modo mais amplo e dedica
é o primeiro Motor, que se confunde com a Inteligência e o até um livro à impassibilidade das realidades incorpóreas (111, VI).
Bem (Met., A, 6-7). Mas, no que se refere aos seres da Nature- Diz ele (IV, lI, 1): "A alma não é um corpo, ela não é, entre
za (tà phjsei ónta / 1:à <POO€t oV'ta), ele considera três prin- os incorpóreos, nem a harmonia, nem a enteléquia (entelé-
cípios: a matéria (hjIe / \íÀ,,), a forma (morphé / l!OP<P'Í) e a kheia) de um corpo." Hermes Trismegisto, por sua vez, de-
privação (stéresis / CHÉp1]crtÇ) (Fís., I, 7). Em Plotino, O Prin- duz que o lugar onde se movem os corpos é necessariamente
cípio é o Uno, que é ao mesmo tempo o Bem. um incorpóreo (lI B, 3-4).

arkhétypos (ho) I àpxé't'U1tQÇ (á): modelo, arquétipo. ataraxía (he) I <hapaÇícx (,,): tranqüilidade, ataraxia.
v. parádeigma. Latim: tranquillitas.
Perfeita paz da alma que nasce da libertação das paixões.
árkhon (ho) I ãpxcov (á): governante, arconte.
Próprio do período filosófico helenístico que se segue a
Particípio presente substantivado do verbo árkho: eu coman-
Aristóteles e no qual o sábio procura uma sabedoria pacífica,
do. Filosofia política: em Platão, os arcontes formam uma clas-
longe da agitação. É a razão que obtém esse resultado. Graças
se social precisa, com sua formação própria e sua virtude (a sa-
a ela, o sábio não sente "dor, cólera, coação, nem entrave".
bedoria). (Rep.,VII, 540d-541a;V, 428b-429a;VI, 504d-506a;
Vive sem paixão: apathés / eXlla9'Íç (Epicteto, Leituras, 111,
VIII, 543b; Leis, IV, 715c). Empregado por Sólon (Apotegmas, XIII, 11).
34), por Quílon (Apot., 17), em Plutarco (Quaestiones convivia-
les), e por Anacársis (Apot., 20, in Estobeu,Ant., XI, VIII, 47). Parece que o primeiro teórico da ataraxia foi Demócrito; diz
Estobeu: "Ele denomina assim um estado de paz, harmonia e
asómaton (tÓ) I àcrCÓ).LCX'tov ('tó): incorpóreo. Empregado simetria (interiores)" (Écl., II,VII). Esse é o objetivo de Epicu-
ro, para quem a ataraxia consiste "em livrar-se de todos os me-
habitualmente no plural: 1:à àcroolLcmx. Latim: incorporalia.
dos" (D.L., X, 82). Mas foram principalmente os estóicos que
Ser desprovido de corpo. Neutro substantivado do adjetivo elogiaram sem ressalvas a ataraxia: nesse estado de "apatia", o
asómatos. De sôma, corpo, como o prefixo a / eX, que sig- sábio é inabalável (D.L., VII, 117). Ele é impassível diante da-
nifica negação. quilo que lhe chega de fora (Marco Aurélio, IX, 31). Não sen-

32 33
te mais nenhuma perturbação da alma (Epicteto, Manual, Epicuro admite que existe uma natureza imortal e bem-
XXIX, 7; Cícero, Tusc., V,vIl, 17). Ele é definitivamente inca- aventurada, que é a natureza dos deuses (D.L., X, 76-77,123).
paz de sentir tristeza e medo (Epicteto, Leituras, IH, XXIV,
117). O ceticismo, mesmo ostentando uma atitude negativa em
átomos (ho) I cX'tOJ..lOÇ (o): átomo. Latim: atomus.
todas as coisas, professa neste caso um projeto positivo: "seu Emprego substantivado do adjetivo a-tómos, que quer dizer
princípio e sua causa", segundo Sexto Empírico, "são a espe- não-cortado, indivisível. O átomo é assim a menor partícula
rança da ataraxia" (Hipot., I, 6). E a obtém graças à epokhé, ou de matéria, aquela que permanece quando já não é possível
"suspensão do juízo sobre todas as coisas" (ibid., I, XIII). dividi-la.
Os chamados filósofos atomistas, encabeçados por Leucipo
athanasía (he) I àElavOO'ícx (1Í): imortalidade. de Mileto, elaboram como ponto de partida uma doutrina
Latim: immortalitas. que não é física, mas metafísica; como reação contra Par-
mênides e seus discípulos, segundo os quais não há não-ser,
Pio tino redigiu um de seus primeiros tratados (o segundo, de
pois, por definição, o Ser é e o não-ser não é, eles cons-
acordo com Porfírio) Sobre a imortalidade da alma (Peri atha-
troem uma doutrina segundo a qual o não-ser é o vácuo,
nasÍas psykhês / IIEpi àSavacríaç I\fuxiíç (IV,VII).
que se associa ao Ser pleno para formar a natureza e separa
os átomos (ou partículas de matéria que constituem o ser)
athánatos I à9ávcx'toç: imortal. Latim: immortalis. uns dos outros.
Esse adjetivo se compõe de thánatos (ho) / 8áva'rúÇ (ó): O primeiro teórico do atomismo foi Leucipo. Para ele, os áto-
morte, e do prefixo a / à, que indica negação. O ser athána- mos são extremamente pequenos e distinguem-se uns dos ou-
tos, por natureza, é incapaz de morrer. tros por três características: forma (skhêma / oxií~a), ordem
(táxis / 'roo;tç) e posição (thésis / 8€Cl'lç). É isso que explica o
Esse adjetivo é aplicado a um princípio impessoal, aos deuses,
fato de sua reunião formar objetos diferentes. A alma, material,
ou à alma humana.
é formada de átomos esféricos ígneos (D.L., IX, 30-33); é um
Os pitagóricos veneravam "os deuses imortais" (Palavras de materialismo (Aristóteles, De gen., I, 8). Demócrito de Abdera,
ouro, 1,50) e declaravam que a alma humana é imortal (Hi- discípulo de Leucipo, desenvolve sua doutrina (D.L., IX, 34-
pólito, Contra as heresias, I, I1, 11); mas, depois de ser prisio- 49). Epicuro mostra-se seu adepto. Os átomos são movidos por
neira do corpo, esta só podia ter acesso à sua imortalidade um movimento perpétuo, que não teve começo; seu encontro
após uma purificação, graças à qual se tornava semelhante aos para formar os diferentes corpos não obedece a nenhuma fina-
deuses imortais (Palavras de ouro, 70-71). Alcmêon de Croto- lidade; e, assim, o universo é fruto do acaso (tfkhe / TÚn)·
na professava a mesma doutrina (Aristóteles, De an., I, 2, Em lógica, átomon é a espécie última, que não se pode re-
405); Diógenes de Apolónia também (fi-. 7 e 8), mas a alma duzir mais em gênero e diferença (Aristóteles, Cat.,V).
para ele é um corpo formado de ar. Platão afirma claramente
a imortalidade da alma (Mênon, 81b-c), mas também de um autos I cx'inóç: si mesmo, em si, próprio. Reflexivo:
Imortal em si, do qual a alma participa (Fédon, 106c-e). Para
hautós I ainóç.
Aristóteles, imortal é O intelecto agente (nous poietikós),
ou alma separada (De an., m, 5). Para o pitagórico Segundo Gramaticalmente, autós significa ao mesmo tempo eu mesmo,
(Sentenças, 3), "Deus é um espírito imortal: athánatos nous". si mesmo, a própria coisa, próprio (latim: ipse); o mesmo, a mesma

l
34 35

;1
coisa: to autó / TÕ a1lTÓ (neutro) (latim: idem). Platão o em- aúxesis (h e) I cxüçllcnÇ (r,): aumento.
prega em sentido de substância: o em-si; Aristóteles, no senti-
do de idêntico: o mesmo que si. É uma das formas da mudança (Aristóteles, Cat., XIV). v.
kínesis.
Dos pontos de vista lógico e metafísico, autós tem parentes-
co com hómoios / O)lOtoç: semelhante. basileía (he) I ~CXO"tÀ.eícx (r,): realeza.
Opõe-se a: Aristóteles distingue dois tipos: a realeza absoluta, que tende à
tirania, e a relativa, como em Esparta (Pol., IH, XIV-XV). Da
- o outro: héteros / ETEpoç
época helenística, restam três tratados sobre a realeza (Perl
- um outro: állos / aÀÀoç
basileías), de autoria de neopitagóricos: Ecfanto, Diotógenes
- diferente: diáphoros / otá$opoç
e Estênidas.
- oposto: antikeímenos / áVTtKEí)lEVoç
- contrário: enantíos / EvavTíoç boulé (he) I ~O'\)À.1Í (r,): deliberação.
- dissemelhante: anómoios / ávó)lotoç
Marca da liberdade de escolha (proaíresis) que preside a
Expressão: kath'hautó / Ka8' allTó: por si; que se dá a si mes- ação virtuosa (Aristóteles, Ét. Nic., IH, I1I). Política: o Conse-
mo existência (o a se latino, e não o per se ou in se = substân- lho da Pólis (que delibera) (id. Pai., VI, I1I,IV,VIII).
cia, aquilo que existe de si mesmo, e não por seus acidentes).
Platão emprega autós para qualificar a Essência (eidos); mes-
boúlesis (he) I ~OÚÀ.llO'tÇ (r,): vontade.
mo significa aí o absoluto, tal como se diz: "ele é a bondade Vontade espontânea, diferente da vontade deliberada (pro aí-
mesma". É assim que ele menciona as Essências matemáticas: resis). É, de alguma maneira, um desejo afirmado, que não
o Igual em si: auto to íson / alnõ TO tCl'OV (Fédon, 74a), a obedece à razão (Platão, Leis, I1I, 687e). Diz Aristóteles: "A
Grandeza em si: auto to mégethos / a1lTO TO !lÉYE80ç (ibid., boúlesis refere-se ao fim que se pode esperar; a proaíresis
102d), os Números em si: autoí oi arithmoí / a1lTol oi refere-se aos meios para atingi-lo" (Ét. Nic., IH, lI, 9). Plotino
áp(8)loí (Rep., VI, 525d); mas também o Justo em si: díkaion conferiu grande importância a esse termo; a boúlesis é um
autó / oíKatoV a1lTÓ (Fédon, 65d), o Bem em si (ibid., 76d), a ato refletido, a essência mesma do Uno; este é a Onipotência,
Verdade em si: auto, he alétheia / ailTfl fl áÀ1Í8eta (Rep., que é aquilo que quer ser e faz todas as coisas segundo sua
VII, 526b), e sobretudo a Beleza em si: auto to kalón (Rep.,V, vontade (VI, VIII: da liberdade e da vontade do Uno).
476b: Crátilo, 439c; Banquete, 211e; etc.). Em Sofista (254d-
daímon (ho) I ÕaíllCOV (6): espírito. "demônio".
258c), ele expõe a teoria do não-ser como alteridade, opon-
do o Mesmo (tautón / Ta1lTÓV, contração de TO a1lTÓV) e o Latim: daemon, genius.
Outro (tháteron / 8áTEpoV, contração de TO íhEpoV), Espírito puro que não tem status de deus, ou é considerado
Aristóteles empenha-se em confrontar o Mesmo a todos os um deus inferior.
seus opostos, mas também em distinguir o Mesmo segundo a A noção de espíritos intermediários entre homem e Deus, ou
essência (kath'hautó); e o Mesmo segundo o acidente (katà entre o homem e os deuses celestes, é importada das religiões
symbebekós) (Met., ~, 9-10). No tratado Das categorias (X- orientais. Os babilónios, entre os quais Pitágoras residiu vá-
XI), ele trata sucessivamente dos opostos e dos contrários. rios anos, haviam criado uma tábua hierárquica das persa na-

36 37
gens celestes. Para os gregos, os demôllios, que os designan1 Jâmblico (Vida de Pitágoras, 76), chama Pitágoras de "homem
globaln1ente, associavan1-se à fábula dos heróis, seres hun1anos divino": daimónios.
divinizados, portanto intermediários entre a divindade e a
humanidade. demiourgós (ho) I ÕTlI.nOUpyóç (Ó): artifice, demiurgo,
Aécio (I,VIII, 2) atribui a doutrina dos demônios globalmente Latim: faber; creator.
a Tales, Pitágoras, Platão e aos estôicos; demônios são "subs- O operário divino que modela o mundo a partir da matéria
tâncias dotadas de alma". No que se refere a Tales, esse fato é prin1itiva.
confirmado por Diôgenes Laércio ("O mundo tinha uma
alma e era povoado de demônios", I, 27), e também no que se Essa palavra é composta de démios / Õ1ÍJ.!LOÇ, plebeu, popu-
refere a Pitágoras (VIII, 32). Encontra-se esse termo com sig- lar, e de érgon / EpyOV, obra, trabalho. O primeiro sentido de
nificado vago em Heráclito (fr. 79), em Empédocles com O demiourgós é: operário, artífice, fabricante. Foi Platão que
sentido de herói (fr. 115,5), em Demócrito com o sentido de lhe deu um sentido filosófico.
aln1a hun1ana ou, n1ais precisan1ente, daquilo que a alma hu- Encontran10s já na República n1enção a esse operário divino
mana tem de divino (Estobeu, Écl., lI, 7). que organizou os movimentos celestes (VII, 530a) e nos deu
os ôrgãos dos sentidos (VI, S07c). Mas é no Time" que o ve-
Mas foi Sócrates quem deu reputação ao demônio. Para ele, é
n10S en1 ação: con1 os olhos fixos nos Paradigmas eternos, ele
um guia ligado à sua pessoa, um anjo da guarda. Xenofonte
modela o mundo à sua imagem (28a-29b). Para PIo tino, a or-
relata que "Sócrates afirn1ava que recebia avisos de um demô-
ganização do n1undo ten1 duas causas: o den1iurgo e a aln1a
nio" (Mem., I, I, 2: cf. Apolologia de Sócrates, 12). Tem-se tam-
do mundo (IV, IV, 10). Para Hermes Trismegisto, o demiurgo
bém o testemunho de Platão (Alcibíades, 103a, 224e; Apol.,
cria o mundo com sua palavra, ou seja, com sua vontade (IV, 1);
28e, 31d, 32b; Fedro, 242b). O prôprio Platão considera que
essa insistência na vontade já estava em Plotino (IV, IV, 12).
Deus nos deu nossa alma como um demônio (Timeu, 90a),
como um deus que nos habita (ibid., 90c) e nos conduz para
demokratía (he) I &rw.oKpa"Cía (1'1): democracia,
nosso juízo final (Fédon, 113d).A idéia de anjo da guarda é re-
tomada por Epicteto: cada um de nôs tem a seu lado um gê- Em Platão, governo da desordem, da licenciosidade e da luta de
nio que lhe é conferido pela Providência para guiar-nos em classes (Rep., VIII, 555b-558c). O homem democrático é o ho-
direção à verdade (Leituras, I, XXIV, 12). Plotino o adota: o mem da inconseqüência e da imoralidade (ihid., 558c-562a).
demônio que nos dirige é um deus daqui de baixo, não uma Em Aristôteles, poder dividido entre as diferentes classes sociais
faculdade mental, mas um espírito transcendente à nossa alma e, por isso mesmo, ingovernável (Pol., I1I, XI-XIII; IV, IV).
(111, IV, 3). Ele prôprio era assistido, segundo nos diz Porfírio,
"por um desses demônios que estão próximos dos deuses" diágramma (tÓ) I õtáypo:WJ,a ("Có): proposição
(Vida de Plotino, 10). Para Alexandre de Afrodísia, o daímon geométrica [Aristóteles, Cot., XII).
de um homem é sua natureza (Do destino,VI).
Adjetivo derivado: daimónios / ÕCX1jlÓvtoç: divino, demonía- dialektiké (he) I ÕtaÀ-elC"CtlC1Í (lÍ): dialética.
co, angelical. Lati m: dialectico.
No neutro: to daimónion / 'Co ÕCltJ.!ÓVLOV: o ser divino, so- Adjetivo substantivado, derivado do verbo dialégomai / Õtcx-
brenatural (Xenofonte, Mem., 1,1,2,4, etc.). Lísis, citado por lcéY0J.!Clt, por sua vez composto de légo, falar, e diá, prepo-

38 39

1
r

slção que indica um movimento. A dialética é, em seu pri- "Carnéades dizia que a dialética é semelhante a um polvo."
meito sentido, um diáloJ(o. Platão, que adota esse termo em fi- (Demófilo, Similitudes, 105, in Estobeu, Flor., LXXXII, 13.)
losofia, lhe dá o sentido de ascensão espiritual. Aristóteles
n1antém o seu sentido lógico. diánoia (he) I õtcXvOta (,,): pensamento. Latim: intellectus,
Ao mesmo tempo que a purificação (kátharsis) produz a len- cogita tio.
ta separação entre alma e corpo, a dialética platônica constitui Esse termo tem sentidO vago; indica habitualmente um
um exercício progressivo do conhecimento, que parte do mais
modo de pensamento menos elevado que a nóesis.
sensível para elevar-se até o mais inteligível. Então é revelado
em sua plenitude o mundo das Essências que provoca a beati- Classicamente, a diánoia é O conhecimento discursivo, por
tude (eudaimonía). A dialética aristotélica é uma discussão raciocínio. Assim, em Platão, ela é o grau inferior da ciência,
para chegar à verdade a partir de afirmações problemáticas. que recorre a conceitos em vez de contemplar diretamente as
Essências (v. dialektiké, psykhé); em Aristóteles, ela é pen-
Em Platão, a ascensão dialética está ligada aos modos de conhe-
samento raciocinante (Met., r, 7, 1012a). Em Platina, é co-
cimento (v. psykhé). Realiza-se em quatro etapas, descritas no
nhecimento indireto (V, III, 3).
livro VII da República (532a-534c), e preparadas pela exposiçào
dos modos de conhecimento no livro VI (509d-511e): Nos outros filósofos, assume um sentido indefinido. Pitágoras
razão intuitiva => Princípios dizia que sempre era preciso pôr Deus diante do pensamento
epistéme inóeSiS / VÓlloLÇ
(€ntcmíwil (inteligíveis) (diánoia) Oâmblico, Vida de Pitágoras, 175), e que era preciso
ciência diánoia / ÔtáV01.Cl razão discursiva => hipóteses evitar ser cegado pelo próprio pensamento (diánoia) (Aula
(noções) Gélio, Noites áticas, VI, 11, 11). Mas um autor de sua escola,
dóxa Tpístis / nlonç crença => realidades sensíveis Brontino, opõe esse conceito a noüs no próprio título que
dá à sua obra: Peri nou kai dianoías. Epicuro constata que a
(ooça)
opinião I eikasía / eiKacría conjectura => imagens do sensível diánoia limita as pretensões da carne (D.L., X, 143). Epicte-
to recomenda trabalhar pela sua melhoria (Leituras, I11,XXlI,
Esses modos de conhecimento apresentam analogias dois a
20); Marco Aurélio é impreciso (III, 6, 8; VII, 68; VIII, 59).
dois: o visível (objeto da opinião) é a imagem do inteligível
(objeto da ciência); as imagens (objeto da conjectura) são O adjetivo dianoetikós indica, em Aristóteles, uma inteli-
imitações das realidades sensíveis; as noções (objeto da diá- gência intuitiva, própria à virtude do sábio (v. areté), mas em
noia) são imitações das Essências eternas. Plotino diz respeito à razão discursiva (V,2).
Plotino escreveu um tratado chamado A dialética (Enéadas, I,
I1I).Afirma ele que a dialética é o método para ir ao Bem in- diaphorá (he) I Õtacpopá (,,): diferença.
teligível, partindo da beleza sensível. O sentido, portanto, é Lógica. A importância dessa noção é expressa por Aristóte-
totalmente platônico. les em sua Metafísica (Z, 12): como manter a unidade de um
Em Aristóteles, a dialética é uma discussào que parte de uma gênero (génos), apesar de suas diferenças internas? O de-
interrogação, quer a propósito de uma tese (thésis / eécnç) , ou bate é feito em Segundos analíticos (lI, 3-13) e, de modo
pensamento paradoxal emitido por um pensador eminente, mais sumário, nos Tópicos (1,16-18). Porfirio vê a diferença
quer em função de uma premissa (prótasis / npá1:C!O"tÇ) que como um dos quatro predicáveis: kategoroúmena (Isago-
suscite um silogismo dialético (Tóp., 5, 10-11). ge, III,VIII).

40 41
dikaiosyne (he) /8umlOOÚ"VTj ('!Í): justiça. Latim: jus titia. Inversamente. a injustiça (adikía / oolKía) é um desacordo
entre as três partes da alma e as três classes da sociedade (Rep.,
Esse termo tem duplo significado: instituição ou justiça polí-
IV, 434b-c; 444b-d).
tica; virtude, ou justiça moral. Os pensadores gregos preocu-
param-se com esses dois aspectos; em primeiro lugar, Platão e Aristóteles' propõe-se tratar separadamente justiça moral e jus-
Aristóteles. tiça política, homem privado e homem público que exercem
atividades diferentes (Pol., IlI, rv, 3-7). No entanto, não pode
Sinônimos empregados às vezes: díke /8íKTJ; dikaiótes /81-
tratar da primeira (à qual dedica todo um livro) sem se referir à
KatÓ1:TJÇ; díkaion (tó) /8íKatov (1:ó):justo, o que é justo.
lei: o justo define-se pela igualdade e pela legalidade, pois só há
A justiça é essencialmente medida (mesótes / ).IECiÓ1:TJÇ; mé- justiça para homens que vivam sob uma lei, necessária para re-
son / ~CiOV). E, como esse caráter é o caráter da virtude em grar suas relações (Ét. Nic., V, lI,VI). No entanto, para que haja
geral (Aristôteles, Ét. Nic., 1I,VIII), ajustiça se torna a virtude virtude, é necessário que a ação justa seja realizada voluntaria-
mais importante e admirável; e Aristóteles (ibid., V, I, 15) cita mente (ibid., V, lI, 1-3;V, l;Vm, 1-4). Por outro lado,Aristóte-
a propósito um verso de Teógnides: "Na justiça está incluída les faz uma classificação, que se tornou famosa, das diferentes
toda a virtude." Por outro lado, a partir de Platão, a justiça se formas dejustiça:justiça distributiva (essa palavra medieval não
torna uma das quatro virtudes principais, ao lado da tempe- figura no texto), que reparte honrarias e riquezas (ibid., V, lI,
rança, da coragem e da sabedoria (Platão, Rep., IV, 42ge- 12; m, 7; IV, 2); justiça contratual (synallagmatiké / CiuvaÀ-
441c), ou ao lado da temperança, da coragem e da prudência ÀaYlla1:tKfí), que é voluntária e incide nas operações econômi-
(Zenão, Platina, I, lI, 7). v. areté / c1p€1:fí. cas e comerciais (ibid., V, IV, 12-13);justiça corretiva (diortho-
tiké / 8topeonIKfí), que é involuntária e obra do juiz para repa-
Os pitagóricos tinham grande reverência pela justiça, pois,
rar a injustiça Voltamos à lei. Em Política, em vez de considerar
em seu sistema, a harmonia é o princípio de unidade cósmi-
a justiça como instituição,Aristóteles a vê como virtude cívica,
ca, psíquica e moral; além disso, segundo diz Palas, o Pita-
que consiste em servir o bem comum (IlI, IV, 1-7).
górico', "a justiça é a harmonia da alma" (Ateneu, IX, 54).
Um verso de Palavras de ouro (13) exorta a praticar a justiça. Para Arquelau, o justo e o injusto não existem por natureza,
Segundo Aristóxeno, Pitágoras afirmava que a justiça políti- mas por convenção (D.L., lI, 16). Depois dele, Epicuro reduz
ca devia ser baseada no "Princípio divino" Oâmblico, Vida a justiça ao contrato (synthéke / Ci"\lVefjKTJ) e a fundamenta
de Pitágoras, 174). Árquitas escrevera um tratado Da lei e da na utilidade (Máximas, 33, 36, 37). PIo tino preocupa-se pou-
justiça. co com a justiça; existe uma justiça (dike) universal, assumida
pela Alma, justiça que coordena o movimento dos astros (lI,
Platão estabeleceu um elo estreito entre a justiça moral e a
m, 8); e, para cada alma humana, a justiça consiste em esco-
justiça política, graças à noção pitagórica de harmonia. Mo-
lher o corpo que lhe convém no momento de sua encarna-
ralmente, cada uma das outras três virtudes refere-se a uma
ção (IV, m, 13).
parte da alma humana; por isso, parecem autónomas; é a jus-
1. Ou Palas de Lucânia, que não deve ser confundido com o sofista Palas de Agrigento.
tiça que estabelece o acordo entre as três; politicamente, cada 2. Segundo Cícero (Rep., III, 8), Aristótdes escrevera um tratado Dajusriça em quatro
uma das outras três virtudes refere-se a uma classe social es- livros.
pecífica; é a justiça que estabelece o acordo entre as três, vis-
to que por ela cada uma das classes cumpre uma função que díke (he) /8íKll ('!Í): justiça. Empregado especialmente por
concorre para o bem comum da Pólis (Rep., IV, 435b-443e). Plotino. v. dikaiosyne.

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dógma (tó) / OOylla (1:ó): doutrina, ensinamento, usou primeiro de maneira sistemática. Na República 0J, 477d-
dogma. 479d), ele a vê como conhecimento mediano, entre a igno-
rância (agnosía) e a ciência. Dá a essas formas de conhecer
Derivado como dóxa do verbo dokéo / ÕOKÉOl, crer, pensar. um objero ontológico: a ciência tem como objeto o Ser; a ig-
Donde: dogmatikós / õOYJ.LCntKÓç, doutrinaI, dogmático. norância, o não-ser; a opinião, todo o campo intermediário,
Este último termo é atribuído como crítica pelos céticos (v. ou seja, a aparência (to doxázein, verbo substantivado) que é
skeptikós) a seus adversários. um não-ser relativo.
Só incidentemente Aristóteles se refere à dóxa. Em Ética ni-
dóxa (he) / &5Ça (,,): opinião. Latim: opinio.
comaquéia (VI, IX, 3), ele a opõe à deliberação; no Tratado da
A opinião é um conhecimento relativo, tanto em termos de alma (III, 3), ele a denomina, sem definir, opinião verdadeira.
objeto, que está submetido ao devir e à ilusão, quanto em ter- Em Política (111, IV, 11), ele faz da opinião verdadeira a virtu-
mos de sujeito, que não tem certeza integral sobre ela. Opõe- de do governante, enquanto a virtude do homem privado é a
se a ciência (epistéme). v. essa palavra. phrónesis. Por outro lado, ela ganha grande importância
para os estóicos: a dóxa (ou também o dogma) é um falso
Em Platão, a palavra dóxa tem dois sentidos diferentes; o pri- juízo sobre a realidade, que provoca a paixão, ou seja, uma ati-
meiro é original, o segundo é clássico. É em Mênon (97b-1 OOb) tude irracional: medo, tristeza, perturbação. "A morte não é
que se encontra o primeiro sentido: a opinião é o primeiro um mal; mal é a opinião que temos de que a morte é um
grau da virtude, o grau do homem comum, do não-filósofo, mal" (Epicteto, Manual, V).A opinião, portanto, é uma menti-
que ainda não conquistou a virtude contemplativa do sábio; ra, e o único método para escapar às paixões é a sua elimina-
ela é então uma adivinhação espontânea do bem que deve ser ção (a dóxa e dógma Marco Aurélio prefere hypólepsis).
feito no mundo sensível. Em sua natureza, é um delírio (ma- Para Epicuro, assim como para Platão, a opinião pode ser ver-
nia), ou seja, uma emoção. Em sua origem, é um favor divi- dadeira ou falsa; é esta última a fonte do erro, e não a sensa-
no (theia moira). Portanto, não precisa ser ensinada, ao con- ção, que não nos engana jamais (D.L., X, 34, 50). Por sua vez,
trário da doutrina socrática cujas repercussões se encontram Platina só emprega a palavra dóxa ocasionalmente, no senti-
no Protágoras (357d): "Não é dom da natureza nem fruto do do de idéia difundida (11, I, 2; VI, I, 1).
ensino" (Mênon, 9ge).

Para respeitar o sentido clássico, no qual a opinião é um co- doxographía (he) /ooçoypaq>ía (,,): doxografia.
nhecimento incerto, Platão vê-se obrigado a distinguir duas
espécies de opinião: a opinião justa (orthe dóxa / opa" ooça) doxográphos (ho) / ooçoypácpoç (ó): doxógrafo.
(Mênon, 98b; Banquete, 202a) ou também a opinião verdadei-
ra (alethes dóxa / àÀllS"Ç ooça) (Mêno n,98c; Teeteto, 187b) Reunião, transcrição e publicação de textos de autores filo-
e a opinião falsa (pseudes dóxa / IJIEUÕ"Ç õóça) (Teeteto, sóficos.
187b). Ora, "no que se refere à ação, a opinião justa não é Aquele que realiza esse trabalho.
pior nem menos útil do que a ciência, e o homem que a pos- Termos modernos, mas que designam realidades antigas. Forja-
sui vale o mesmo que o sapiente" (Mênon, 98c). dos a partir de dóxa, opinião, doutrina; e graphé, escrita, grafia.
Esse sentido clássico de dóxa aparece Com Parmênides, mes- A utilidade da doxografia é encontrar e publicar excertos de
mo assim de maneira fugaz (I, 30). Portanto, foi Platão que o obras hoje perdidas. Os doxógrafos antigos foram aqueles que

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constituíram essas coletâneas, do século IV a.c. ao século imitadores: Aécio (século I d.C.), com sua Coletânea de excertos
VI d.C.; podem ser divididos em duas espécies: os ocasionais interessantes: Peri tôn areskónton synagogé / ITEpt 'LWV
(como Aristóteles), que só reproduzem breves citações como àpEcrKÓV'LúlV cruvayúlY1Í, mais conhecido com O título latino
apoio às suas palavras; e os sistemáticos, que não trabalham Plaeita philosophorum; é composto por 130 capítulos em cinco
como historiadores, mas agrupam trechos escolhidos. Os do- livros; de Aécio procedem o Pseudo-Plutarco, Galeano e os
xógrafos modernos são aqueles que editam os antigos, tarefa cristãos Atenágoras, Eusébio e Teodoreto. Por fim, aparece no
que costuma exigir pesquisa de manuscritos, estabelecimento século VI a obra grandiosa do bizantino João Estobeu, que
da sua autenticidade e reunião de fragmentos. Os mais im- compreende 5000 fragmentos extraídos de 500 autores gregos;
portantes foram Johann Albert Fabricius, de Leipzig (1668- a obra tinha primitivamente o título Antologia, em quatro li-
1736), com sua Bibliothecagraeca (1705-1728) em 12 volumes; vros; foi depois dividida em duas obras: Éclogas (Eklogaí /
Johann Conrad OreUi, de Zurich (1770-1826), com seus EKÀoyaí), ou seja, trechos escolhidos, em dois livros, contando
Opuscula Graecorum reterum (1819-1821); Friedrich Wilhelm 49 capítulos de física e 8 de ética; e Antologia (Anthológion),
August MüUach, com seus Fragmenta philosophorum graecorum Florilégio, em dois livros que reúnem 126 capítulos.
(1875-1890) em 3 volumes; Hermann Diels, com Doxographi
Graeei (1879), e Die Fragmente der Vorsokratiker (1903). dyás (he) loucXç (il): diade (gen.: dyádos).
Alguns compiladores, essencialmente historiadores das idéias, Sentido aritmético: o número dois. Sentido metafísico: entre
tornam-se eventualmente divulgadores de textos. Foi o que os pitagóricos, O ser segundo, criado pela Mônada, portanto
aconteceu com Aristóteles, em sua obra Sobre osfilósofos, hoje imperfeito, e causa da matéria (Alexandre Poliístor, in D.L.,
perdida; com Aristóxeno de Tarento, em suas Vidas de Pitágo- VIII, 25; Aécio, VII, 18). Criticado por Aristóteles em Met.,
ras, Árquitas e Xenófilo; bem como, no século 111, com Jeróni- N, 1-4. Em Plotino, é a causa dos números e das idéias, em as-
mo de Rodes (Memórias históricas) e Hermipo de Esmirna (Vi- sociação com o Uno 01, IV, 2).
das), Neantes de Cízico (Vidas dos homens ilustres). No século 11
aparecem os diadoquistas, autores de obras sobre a sucessão das dynamis (he) 10000vcxlltÇ (il): potência. capacidade.
escolas, visto que o termo diadokhé / ÕtaOox1Í significa sucessào. Latim: potentia.
Seu precursor é Hipoboto, com suas Escolas defilosofia, segui-
do por Apolodoro de Atenas (As escolas de filosofia), Clitómaco Do verbo dYnamai / õúvaJ,!a\: posso, sou capaz. Propriedade
de Cartago (mesmo título), Sócion (A sucessào dos filósofos, em daquilo que, mesmo sendo atualmente passivo, pode:
13 livros), Sosícrates (mesmo título), Heráclides Lembos (mes- - passar à ação; ou
mo título); Alexandre Poliístor (idem), Díocles de Magnésia - receber a ação de um agente.
(século I: Vidas dos filósofos); por fim, O mais famoso atualmen-
Definição do Ser segundo Platão: "Aquilo que tem a potên-
te, visto que sua obra chegou até nós quase integralmente,
cia de agir (poiein / lwu:iv) sobre outro ou de sofrer a sua
apesar de datar do século 111 de nossa era, Diógenes Laércio,
ação" (páskhein / nácrXE\v) (Sofista, 247d-e).
com suas Vidas, doutrinas e sentenças dos filósofos.
Quatro sentidos:
Os doxógrafos propriamente ditos começam com Teofrasto,
primeiro sucessor de Aristóteles à frente do liceu, autor de - capacidade, propriedade, "virtude" (no sentido medieval:
Doutrinas aos físicos, em 18 livros, dos quais só nos resta o livro virtude dormitiva de certas plantas);
sobre as Sensações, salvo por Simplício no século VI. São seus - faculdade mental;

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- metaflsicamente: potência passiva = fato de padecer, receber; sível nào têm poder (dfnatnÍs) sobre as realidades do mundo
- metaflsicamente: potência ativa = capacidade de agir. inteligível (Parmênides, 133e). Nesse sentido, as artes - diz Aris-
tóteles - são potências de mudança em outro ser (Met., e, 1);
• Capacidade, livirttlde", "A ciência (epistéme) tem certo ob-
v. enérgeia. Para Platina, o Uno (hén) é Potência, e forte-
jeto e possui uma virtude própria que lhe permite atingir seu
mente Potência, pois é ele que produz todos os outros seres:
objeto" (Platão, Cár/l1ides, 168b). As Essências eternas têm
ele é Princípio (arkhé) 01, lI, 15-16).
propriedades que só permitem comparação umas com as ou-
tras (Parlllêllides, 150c-d).
dynatón (tÓ) /OWCX'tÓV ('tÓ): O possível. Plural: dynatá (tá).
• FaCllldade melltal. "As faculdades (dynámeis / ÔUVá~lÇ) são
alguma coisa dos seres graças às quais podemos fazer o que Aquilo que está contido no ser em potência antes de ser rea-
podemos." Em seguida, Platão designa a ciência (epistéme) e lizado pelo ato. Adjetivo derivado do verbo dfnamai / ôúva-
a opinião (dóxa), mas também a visão e a audição (Rep., V, ~at: posso. Aristóteles dedicou várias páginas (Met., e, 1-5)
477c). Diz Aristóteles: "Chamo de faculdades nossa possibi- ao possível e à atualização dos possíveis.
lidade de sentir paixões [... ], por exemplo cólera, ódio ou
piedade" (Ét. Nic., II,V; 2). Em outro lugar, as faculdades da eidos (tó) / eiOOç ('tó): essência. idéia. forma. gênero.
ahna são as potências nutritiva, desiderativa, sensitiva, loco- espécie. Latim: species, forma, essentia.
motora, pensante (De 011., lI, 3).
A palavra eidos tem múltiplos sentidos, que encerram, de
• Potência passiva (oposta ao ato: enérgeia / EVÉpYEla). É o sen- qualquer maneira, a noção de generalidade, seja nos seres, seja
tido mais clássico a partir de Aristóteles. "Chama-se dfnamis a na inteligência.
potência de movimento (kínesis) ou mudança (metabolé)
Eidos deriva do verbo arcaico e poético eídomai / ê'(ÔO~at:
num ser [... ] A faculdade de ser modiflcado ou movido por
apareço (sou visto); donde o sentido primeiro de eidos: as-
outro" (Met., Ll., 12). "A potência passiva (exatamente: potência
pecto, aparência. O perfeito do inusitado eído / dôw: ver,
de sofrer: dfnamis tou pathein) é, no ser passivo (paciente:
oída / 0'(00, adquire um sentido presente: sei. Só tardiamente
ho páskhon), o princípio de mudança (arkhé metabolês)
e de modo acessório eidos adotou o sentido filosófico; é a
que ele está apto a receber de outro ou de si mesmo enquanto
palavra latina species, que significa ao mesmo tempo aspecto e
outro" (ibid., e, 1). Na análise da sensação (aísthesis), Aristó-
espécie, que traduz melhor o duplo sentido. O próprio sentido
teles constata que esta pode ser vista de duas maneiras: em po-
filosóflco pode adquirir diferentes significados: metafísico, fí-
tência ou em aro, conforme nos coloquemos do ponto de vista
sico, psicológico e lógico.
da faculdade de sentir ou do objeto que causa a sensação (De
an., Il, 5). Em outro lugar (Met., e, 5) ,Aristóteles enumera três • Sentido metafísico. A essência dos seres. Pode ser de duas
tipos de potência: as inatas, como os sentidos; as adquiridas pelo espéCIes.
hábito, como a arte de tocar flauta; e as obtidas pelo estudo a. Transcendente às coisas. É o sentido platônico. As Essências
(máthesis). Platina dedica um tratado (II,V) à resposta a esta formam o Mundo Inteligível. São as verdadeiras Realidades
indagação: "O que quer dizer em potêflâa e em ato?" (Fedro, 247c), existem em si (Fédon, 75d) e por si (Fédon, 65c,
• Potência ativa (oposta à potência propriamente dita, ou seja, 78d; Parmênides, 133a). A Essência é substância (ousía) (Teete-
passiva). Para Platão, a verdadeira causa (aitía), que é dfnamis, to, 186d); é eterna, sem começo nem fim (agéneton kai
é uma força divina (Fédon, 99c).As realidades do mundo sen- anólethron, Timeu, 52a); é perfeita, absolutamente pura, ou

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seja, nào admite nenhum elemento estranho a si mesma (iliid.). VI, 4); neste último, o plural é eidótes / ei.ÕÓ"CEÇ. Mas tam-
É às Essências que se deve atribuir a existência do mundo bém é encontrado em Platão, na esteira de Sócrates; este em-
sensível, pelo fenômeno da participação (méthexis), graças prega então de preferência idéa; assim é a idéia do Bem que
ao qual as coisas são constituídas com base no modelo (e i- temos em nosso pensamento (Crátilo, 418e; Rep., VII, 534b):
kón) das Essências. Em Sofista (247d-256d), Platão coloca no a idéia do Ser, obtida pelo raciocínio (Sofista, 254a).
ápice das Essências cinco delas que foram chanladas, restrin-
gindo-se à sua significação lógica, Gêneros supremos; são o • Scntido lógico: idéia geral, ou imagem da essência universal
Ser (to ón / "Co iív), o Movimento (he kínesis / i) Kivrptç), das coisas no pensamento. A idéia mental, quando adquire um
o Repouso (= estabilidade, he stásis / i) cnácnç), o Mesmo sentido que pode definir toda uma classe de idéias, torna-se
(tautón / "Cau"Cóv) e o Outro (to héteron / "Co €"CEPOV). Pla- essência lógica. É assim que, em Fcdro (249b-c), Sócrates in-
tão exprime o cm-si, que é a Essência, quer pelo adjetivo au- centiva os ouvintes a adquirir a idéia (eidos) por meio de um
tós / au"Cóç: cle 1I1eS1II0, quer pela fórmula hó esti / o i:CHt: o exercício racional que vai da multiplicidade das sensações à
q1iC é. Aristóteles empenhou-se na crítica da filosofia das Es- unidade. Essa palavra pode então assumir o sentido de espéáe;
sências' própria de Platão, especialmente na Metafísica (A, 9; em Parm~nides (129d-e), são enumerados três pares de contrá-
Z, 14 e 15; M, 4). Ele costuma designar a Essência platônica rios: semelhança e dessemelhança, pluralidade e unidade, re-
com o ten110 idéa / iÔÉa. pouso e movimento. Para Aristóteles, a definição (horismós
/ óptO'J.!óç) de um ser não é feita de acordo com a matéria,
b. Inunente às coisas. Esse sentido já se encontra enl Pitágo- mas com a forma (eidos) (Met., Z, 10). Em outro lugar, ele vê
ras: ele atribui às essências (eíde e idéai) "unla existência in-
o eidos como a espécie no gênero (génos) (Fis., IV, 3). É
separável dos corpos" (Aécio, I, X, 2; Estobeu, Écl., I, XII, 6).
nesse sentido de espéáe que o termo às vezes é empregado: há
Em Aristóteles, as formas específicas (eíde) são idênticas à
quatro espécies de realeza (Pai., IV, IV, 24); três espécies de
qüididade (to tí ên einai), ou seja, aquilo pelo que elas se
retôrica (Ret., I, m, 1); três espécies de desprezo (ibid., 11,11,2).
definem; elas são assim imanentes às realidades (lllfet., Z, 4).
1. Não se deve dizer "idealismo platônico" pretextando-se que a filosofia de Platão é
Em De anima (11,2), a alma, na qualidade de forma do corpo, doutrina das Idéias. O idealismo é uma teoria que vê o pensamento como única exis-
é chamada ao mesmo tempo de eidos e morphé. Assim, a tência ou como fundamento da realidade; ora, as Idéias platônicas, único fundamento
substância humana pode Ser definida quer pela matéria, quer da realidade, existem realmente fora do pensamento: portamo, é um realismo e até um
hiper-realismo.
peIa forma (eidos), quer pelo composto das duas. Encontra-
se essa noção em Plotino: a alma é uma forma (eidos) ima-
nente a si mesma (I, 1,2) e o mal (to kakón) é a forma do
eikasía (he) I eiKacría (,,): conjectura.
não-ser: me ón (I, VIII, 3). Em Platão, conhecimento indireto dos objetos sensíveis, pri-
meira etapa da dialética (Rep.,VI, 511e;VII, 537a) .
• Smtido físico. É o sentido metafísico aplicado aos seres da natu-
reZa. É próprio de Aristóteles e freqüentemente tem como si-
nónimo morphé / J.!optpl'i. Convencionou-se então traduzir eikón (he) I eiKOOV (,,): imagem. Latim: imago, simulacrum,
esse duplo termo Como forma. As realidades sensíveis são com- species.
postas por dois princípios: matéria (hyle / ü1cTJ) efol1tla (Fls., 11, Reprodução de um objeto sensível (por obra de arte) ou de
1; IV, 3). A forma, assim, é uma causa: aitía / ahia (Fls., 11, 3, 7). uma realidade inteligível (pela natureza) .
• Sentido psicológico: idéia ll1ental. Encontra-se eidos com esse Esse termo deu origem ao particípio presente do verbo eí-
sentido em Diógenes de Apolônia (fr. 8) e em Parmênides (fr. kein / E'tKEtV,parecer,que tem como derivado eikasía / EtKa-

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ala: percepção, conjectura. Tem como sinônimo usado pelos 409b). Em Aristóteles, é a partir da experiência que se atin-
filósofos clássicos, mímema / ~ll,HI~a: cópia. gem a arte e o raciocínio (Met., A, 1).
Já se encontra a palavra eikón em Pitágoras: "Os homens são
imagem de Deus" (Temístio, DiswJ'so, XV'). Em Platão, os ob- enantíos I Évav-ríoç: contrário.
jetos sensíveis são imagens das Realidades inteligíveis (Rep.,VI,
520a), assim como estas são imagens do Bem (ibid.,VII, 533a). enantíosis (h e) I ÉVav-rícocnç (1']): contrariedade.
As obras de arte, por sua vez, são apenas in1agen1 da realidade
sensível (ibid.,VII, 402c). Platina, apesar do que se poderia es- A noção de contrárIOS é, enl prüneiro lugar, cosmológica;
perar, usa pouco essa palavra: o Espírito (nous) é a imagem do para justificar a ordem da natureza, os filósofos defendem a
Uno (hén) (V, I, 7). O mundo sensível é imagem do mundo har1110nia dos contrários; é o que fazen1 os pitagóricos (Ni-
inteligível (VI, 111, 1), mas também imagem da Alma universal cômaco, Aritmética, 11; Pro dos, Comelltário de Timel/, m, 176);
(11, m, 18); o tempo é imagem da eternidade (11I,v1ll, 1). Heráclito (fr. 10); Crisipo (Aula Gélio, Noites áticas, VI, 1).
Sinônimo: mímema (tó) / ~l~Y]lJ.a (TÓ). Os corpos "são ima- Com base no curioso argun1ento da sucessão dos contrários
gens dos seres eternos: mimémata tôn aei ontôn (Time", (vivo = alma, nasce do morto = corpo), Platão procura fun-
SOe). O pintor, assim como o poeta, é um imitador: mimetés damentar a imortalidade da alma (Fédoll, 70c-72c). A noção
/ ~l!lT1TlÍÇ, e sua arte uma imitação: mímesis / ~í!lT1alç (Rep., de contrário, em segundo lugar, é lógica: Aristóteles a analisa
X, 597c-605c). Aristóteles retoma essa teoria com as mesmas nas Catexorias (XI) e na Metafísica (C;" 10).
palavras em sua Poética (I-VI). Plotino repete, desse novo
nl0do, que os corpos são "imagens dos Seres": mimémata enérgeia (he) I ÉVÉpYEta (1']): ato. Latim: actus.
tôn ontôn (111, VI, 11), e que o mundo sensível é imagem
O que existe na realidade, oposto à potência (dynamis), que
do mundo inteligível (11, IV, 4).
só existe como possível (dynatón).
1. Mas I;'~S~ CiGlÇào de um cOl11t'lltador tardio (século IV clt' nossa <:'ra) ulvez seja UIllJ in-
terpretação. Derivado do verbo energéo: ajo, trabalho, que por sua vez é
composto de érgon / Epyov, trabalho, e de en: em. A enér-
einai I eíV(Xl: ser. (infinitivo) Latim: esse. geia é, em prinleiro lugar, a força, a energia, a operação; enl
Substantivado: to einai: o Ser. v. Ón. segundo, 111etafisicamente, é a ação que, agindo sobre o ser
en1 potência, realiza o que só era possível. Por filn, metafisica-
eleuthería (he) I ÉÂeugepía (1']): liberdade. 111ente, é o próprio ser realizado .
• 1l1oral. a. de ação (Xenofonte, A1el11orabilia, I, 11, 6; 11, I, 11; Aristóteles escreve: "O ato consiste e111 existir na realidade"
Epicuro, Sel1tmças, 77; Platina, 111, m, 4). b. íntima. (Platão, (Met., e, 6). E dá como exemplo Hermes, que é potência na ma-
Fédol1, 114e; Teeteto, 175e; Epicteto, LRituras, 11, I, 21-23; IV, deira e realidade na estátua. O ato está para a potência assim
I; Marco Aurélio,Vm, 1). como a forma (e'idos) está para a matéria (hYle). Paradoxalmen-
• Política. (Platão, LRis, m, 693c-694a;Aristóteles, Pol., VI,!I, 1-2). te, o ato, por ser o real, é anterior à potência; ele é prin1eiro:
_ Nocio11aln1ente e por essência (a casa está pri111eiranlente
empeiría (he) I É~netpía (1']): experiência.
no espírito do arquiteto para poder ser construída);
Em Platão, as artes (tékhnai) nasceram da experiência (Gór- _ Cronologica111ente, visto que sempre existe U111 ser en1 ato
gias, 448c), que se opõe à ciência (epistéme) (Rep., m, da n1eS11U espécie antes Ull1 ser ell1 potência.

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1
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- Substancialmente: se remontarmos do efeito à causa, en- Platina dedicou um tratado (bastante curto) aos termos em
contraremos uma primeira substância preexistente. potência e em ato (lI, V). Nele, mostra que os inteligíveis (noe-
- Em si: os atos eternos, que nada têm de potencial, são ante- tá / v01l1:ci) estão eternamente em ato, pois não participam da
riores a tudo o que é temporal e corruptível. 11lltéria, que é a potência. Proclos, de modo totalmente aris-
totélico, afirma que um ser passa da potência ao ato pela ação
A alma (ou seja, de fato, a vida) é o ato do corpo. Para expri-
de um ser em ato (Teologia, 77).
rair isso, Aristóteles usa outro termo, enteIékheia / EV1:€ÂÉ-
XElCl, que é de algum modo o superlativo de enérgeia (De
an., lI, 2). Esses graus no ato, para Aristóteles, são uma opor-
enkráteia (he) I ÊVlq:lá"CEt<X (,,): império sobre si mesmo.
tunidade de distinguir O ato primeiro do ato segundo. O ato pri- Termo especificamente estóico (Epicteto, Manual, X).
meiro é a alma a animar o corpo; o ato segundo, mais com-
pleto, é a alma a exercer suas funções através do corpo (ibid.). entelékheia (he) I EV'CEÀÉXEt<X (,,): enteléquia.
Outra relatividade do ato em sua progressividade: o ato pode
ser integral, tal como o ato da alma no corpo; ou pode ser Latim: actus.
parcial e estar sujeito a aumento: a inteligência é ignorante O ato (enérgeia) em sua perfeição.
antes do saber, mas ela está como potência de ciência; a me-
nor aquisição a faz passar ao ato, mas a um ato parcial, e a po- Composto de téIos / 1:ÉÀQÇ, que quer dizer fim, finalidade, esse
tência continua grande; aos poucos, o ato crescerá e a potência termo marca certa perfeição. No entanto, em Aristóteles, que
diminuirá (Met., El, 78; De an., lI, 5). Assim se chega a conce- inaugura o seu uso, ele assume dois significados: 1. sinônimo
ber um ser que seria incapaz de potência, estando em ato de de enérgeia. 2. perfeição da enérgeia.
si mesmo por natureza e eternamente; é o Ato puro, ou, mais No livro El da Metafísica, Aristóteles opõe a potência (dfna-
exatamente, o Ato em ser (enérgeia ousa / EVÉpY€lCl OooCl), mis) à enteléquia, definindo esta como potência ativa (cap. 1;
ou ainda o Ato por si (enérgeia kath 'hautén / EVÉpY€lCl também r, 4, 1007b). Portanto, aqui há equivalência entre
KCl9' ClU1:1ÍV), que se identifica com Deus (Met.,A, 7).
enérgeia e enteIékheia.
Na sensação e na contemplação, Aristóteles desenvolve uma No De anima (lI, 1,5), ele apresenta a alma como enteléquia
teoria finalista baseada na perfeição que o ato constitui. Por primeira (próte / llpón1l) de um corpo, ou seja, seu ato ime-
um lado, o ato do sentido atinge a perfeição quando encontra diato e definitivo, na qual não permanece nenhuma potência
o melhor de seus objetos e propicia assim o maior prazer sen-
paSSIva.
sorial (Ét, Nic., X, IV, 6); por outro lado, o ato do espírito
(theoría) atinge a perfeição quando atinge seu objeto mais Platina, em seu tratado Da imortalidade da alma (IV, VIII, 8), re-
perfeito e propicia assim a verdadeira felicidade (ibid., X, toma a definição de Aristóteles: a alma é a forma (eidos) de
VII, 1). Essa doutrina não se coaduna com outra, segundo a um corpo natural e organizado que possui a vida em potência.
qual "o ato por excelência é o movimento (Met., El, 3)", pois
o Ato por si é também o primeiro Motor imóvel; Aristóteles epagogé (he) I En<XYCOY1Í (,,): indução, epagoge.
tenta conciliar as coisas em De anima (III, 7), chamando o
movimento um ato inacabado, imperfeito (ateIés / (X1:€ÀfJç), Lógica. Raciocínio que vai do singular ao geral. Seu estudo é
em oposição ao ato absoluto (hapIôs / ixllÀCiiç, advérbio). desenvolvido por Aristóteles em Primeiros analíticos (lI, 23).

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intuição, nus por indução ou silogismo. Assim, "a ciênCla é
epékeina / ÉnÉKElva: adv. e prep.: além. uma disposição que permite a demonstração" (ibid., VI, IP, 4).
Marca a transcendência absoluta: "O Bem está além do Ser Cabe aqui aprofundar as doutrinas desses dois grandes teóricos.
(ousía loucría) (Platão, Rep., VI, 509b). "O Uno está além de Platão opõe ciência e opinião (dóxa. v. essa palavra). Uma
todas as coisas e do Espírito ... " (Platina, V, m, 13); "além do tem como objeto o Mundo inteligível; a outra, o mundo sen-
Ser" (VI, 11, 3). "O que está além do Ser (ousía) está também sível. Ou ainda: a ciência atinge o Ser absoluto, enquanto a
aiém do pensamento" (to noein I "'Õ voelv) (ibid., V, VI, 6). opinião atinge o ser relativo (Rep., 479c-480a). Ou ainda: a
Pa ~a ver aquilo que está alénl do inteligível, é preciso afastar ciência nos dá a conhecer os Princípios (arkhaí. v. essa pala-
todo inteligível" (ibid., V, V, 6). vra) na realidade deles, enquanto a opinião nos dá apenas a
imagem dos princípios. Passa-se de uma à outra por meio de
eph'hemin (tá) / É<p' ,,~tv ('Lá): O que é de nós. uma ascensão mental que é a dialética (v. essa palavra).
(o que é nosso). Aristóteles situa a ciência num conjunto de conhecinlentos.
Locução estóica que indica a limitação da liberdade: "O que Na Metafísica (A, 1, 980a-982a), estes são, em ordem ascenden-
te: sensação, experiência, arte, ciência e sabedoria. É pouco per-
é nosso é a opinião (hypóIepsis), a tendência (órexis), a in-
ceptível a diferença entre estas duas últimas, pois a sabedoria é
clinação (ékklisis) (Mal/lIal, 1,1). O contrário, "o que não é
definida como certa ciência que tem por objeto as causas e os
de nós": tà ouk eph'hemin I ",C!. OUK e<p' Íl~üv.
princípios, ao passo que, mais adiante (A, 3), a ciência é definida
como o conhecimento das causas primeiras e dos princípios.
epieíkeia (he) / ÉmEíKEtct (,,): eqüidade. Na Ética nicomaquéia (VI, m, 1), são: arte, ciência, prudência, sa-
Aplicação justa aos indivíduos de uma lei cega para os indiví- bedoria e inteligência; sabedoria inclui ciência e inteligência.
duos (Aristóteles, Ét. Nic., V, X, 1-8). Contudo, como os princípios vêm a diversificar-se, a ciência
logo é empregada no plural, e Aristóteles distingue da filosofia
epistéme (he) / Ém(n1Í~l1 (,,): ciência. Latim: scientia. primeira, ou teologia, a ciência matemática e a ciência física
(Met., E, 1; K, 4); e, como a Natureza comporta princípios, a fí-
A ciência, conhecinlento do universal. sica será definida como "ciência da Natureza" (Fís., 1,1).
O objeto da ciência difere de acordo com as diferenças do pen- epithymia (h e) I Ém8u~Íct (,,): desejo. Latim: concupiscentia.
sanlento ll1etafísico; o Universal pode ser: ou unu Realidade
transcendente à inteligência, ou U111 conceito na inteligência. Faculdade irracional da alma.

• Em Platão, a ciência tem como objeto o Mundo inteligível, Mesmo radical de thymós; coração, apetite, mas situado um
as Essências (v. eidos): são as Realidades verdadeiras (Fedro, nível abaixo, habitualmente arrolado com as paixões (páthe).
247d); o que existe em si (Fédon, 75d), o Ser (Tceteto, 186d, Platão atribui-lhe o mais baixo dos poderes da alma, com sede
Fi/ebo, 58a), ou também os Seres (Tceteto, 187b; FileiJo, 62a). no ventre, presidindo a vida vegetativa (Rep., IX, 584e); é re-
• Enl Aristóteles, "a ciência é o conceito do universal e do ne- gida pela virtude da temperança: sophrosrne / crco<pp<>crÚVI1
cessário" (Ét. Nic., VI, VI, 1); "Ela tem por objeto aquilo que
(ibid., 591c-d). v. areté. Cada um de nossos desejos cobiça
seu objeto específico (ibid., IV, 437e). O homem tirânico é o
existe necessariamente e é por isso eterno" (ibid., VI, m, 2).
homem do desejo (epithymetikós I e7tte'\l~l1nKóç), que não
No entanto, esse absoluto não é atingido imediatanlente, por

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sabe governar suas paixões e exerce no Estado um governo gunta: "O amor é um deus, um demônio ou uma paixão da
desastroso (Rep., IX, 571a-580c).Aristóteles põe o desejo en- alma?" É os três, motivo pelo qual esse conceito é bast mte
tre as paixões em Ética nicomaquéia (11, V, 1) e em Ética eude- marginal à filosofia. É um deus da mitologia, criador e impi-
méia (11, lI, 4). radar da paixão amorosa, uma pequena personagem divina
Entre os estóicos, é uma das quatro paixões cardeais (Cícero, denominada Cupido, encarregado de inflamar o coração dos
Tusc., IV, 21; Diógenes Laércio, VII, 113-114) e diversifica-se homens. Para os estóicos, éros não tem personalidade: é uma
em sete paixões: insaciabilidade (spánis / anávtç), ódio (mi- paixão (páthos. v. essa palavra), mais precisamente um dese-
sos / lL(aoç), amor (éros / EjXOÇ), agressividade (philoneikía jo (epithymía. v. essa palavra), que eles definem como "desejo
/ <ptÀoVEtK(a), cólera (orgé / óPY1Í), arrebatamento (thytnós de unir-se a alguém devido à sua beleza" (D.L.,VIl, 113).
/ 8Wóç), ressentimento (mênis / lL~vtÇ). Plotino trata do as- Parmênides (fr. 13) menciona incidentemente Eros, mas tra-
sunto na IV Enéada (IV, 20-21, 28). ta-se de um simples sorriso poético para a mitologia. Será
preciso esperar Platão para ter uma filosofia grandiosa do
epokhé (he) I ÉnOXTt (,,): suspensão. Latim: epoche. amor, coerente com seu sistema. A alma humana, caindo do
mundo inteligível num corpo (Fedro, 245-249), sente em seu
Mais exatamente: suspensão do juízo. Método observado pe-
exílio terrestre saudade do paraíso perdido. É éros, cuja natu-
los filósofos da escola cética de Pírron, que, considerando que
reza o Banquete nos permite entender por meio de uma ale-
tudo é duvidoso, nunca pronunciavam nenhum julgamento
sobre qualquer coisa, tencionando com isso obter a ataraxía, goria, o nascimento de Eros; este tem como pai Ganho' (PÓ-
ou tranqüilidade de espírito (Sexto Empírico, Hipot., I, 13-17). ros / I1ópoç) e como mãe Indigência (Penía / I1Ev(a), de tal
modo que, carente como a mãe, ele aspira à opulência do pai
eristikós I ÉptCntKóç: erístico. (Banquete, 203c-d); o amor, portanto, é principalmente uma
tendência. Mas também é um estado emotivo: manía /
Essa palavra quer dizer: "referente à disputa". A erística, desde lJ.ClVía, quando encontra na beleza terrestre a lembrança da
o século IV a.c., era uma arte da discussão, para vencer o ad- Beleza celeste (Fedro, 250a). Contudo, o objeto do amor não
versário sem preocupação com a verdade; apenas a habilidade é a beleza, mas a fecundidade na beleza (Banquete, 206b): a
da argumentação era considerada. Euclides, discípulo de Só- beleza é apenas a oportunidade de fazer surgir o amor fecun-
crates, fundou em Mégara uma chamada escola erística, que do (Fedro, 250). Platão tem o cuidado de esclarecer que essa
Platão freqüentou na juventude. beleza e, portanto, essa fecundidade são duplas: "quanto ao
corpo e quanto à alma" (Banquete, 206b-c). Por isso que há
éros (ho) I Epcüç (ó): amor. Latim: desiderium, libido, amor, dois amores: o amor vulgar (pándemos éros / návÔlllLoç
cupiditas. EjXOç), que é atraído pela beleza do corpo e só tem fecundida-
de corporal, e o amor celeste (ouránios éros / oúpáVtoç
Movimento que leva a alma em direção a um objeto; de EjXOç), que é atraído pela alma e tem fecundidade espiritual
acordo com o autor considerado, o amor é visto como pai-
(Banquete, 180d). "O perverso é o amante vulgar [ ... ] que
xão, devido a seu caráter irracional, ou como uma atração di-
ama o corpo e não a alma" (ibid., 183d). O verdadeiro aman-
vina pela Beleza.
te galga seis graus de afeição, que o levam até o ápice do co-
Plotino, em seu tratado Do amor (Peri érotos / I1Epi EjXO'toç), nhecimento, ou filosofia: amor por um belo corpo, amor pela
que é o V tratado da III Enéada, começa com a seguinte per- beleza física em geral, amor pela beleza espiritual, amor pela be-

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leza moral (regras de conduta), amor pela beleza do conheci- As palavras de ouro, atribuídas a Pitágoras, ensinam que, para
mento, amor pela Beleza absoluta, ou Essência da Beleza termos uma vida feliz, basta que aprendamos simplesmente o
(Banquete, 210-211).
que nos importa (v. 30-31), fórmula vaga que significa nossa
O tratado Do all/or de Plotino pouco mais é que um longo e perfeição pessoal. Mas, segundo Heráclides do Ponto, Pitágo-
difícil comentário sobre Platão, no qual ele complica as rela- ras afirmava que a felicidade reside na contemplação da per-
ções entre a alma e a absoluta Beleza. O 111eSnl0 ocorre Com feição dos números (Clemente de Alexandria, Stromata, 11,
a descrição da alma inflamada pelo amOr na última Enéada XXI, 3), o que parece uma citação muito parcial. Árquitas de
(VI, VII, 34-35). Mais adiante (VI, VIII, 15), ele atribui ao Tarento, um de seus mais eminentes discípulos, escreveu um
Benl, Princípio dos seres e causa de si 111eslllo, o Alllor supre- tratado Do homem bom e feliz, associando assim a felicidade à
mo: "Ele é ao mesmo tempo o Amado (erásmion / EpáG- moral. Nessa mesma época, a idéia de felicidade também apa-
2
j.llOV ) , o Amor e o anlor por si mes111o." rece em Demócrito (Estobeu, Écl., I1,VII).Vemos em seguida
o sofista Antifonte abordar Sócrates para dizer, zombando,
1, Nào USJ1110s n'qllC;:"!, ~ll1o:' é do género !~!1lillino. Plado. ali:í'i. ,Ib,ceve-se dt' t'l11preg"JI"
Euparia I Eunopía.. qlle' tJlllbém t' felllinino. que a filosofia não faz a felicidade; a isso Sócrates responde
2. O nome de bati'i!1lO dt;' Erasmo era De,idáio (dest"jo): como bOIll hUlllJnistJ. t'KO- que esta não está nas riquezas e nas honrarias (Xenofonte,
lheu lllai, tJrde o equivalente grego latinizado. l:'r,t-'IIIIIS. Memorabilia, I, VI, 2-10). Depois, vemos Aristipo de Cirene
pór a felicidade na liberdade, situação estranha tanto à escra-
eudaimonía (he) I EOOalJlOvía ('Í]): felicidade. vidão quanto ao poder político (ibid., 11, I, 11).
Latim: felicitas, beatitudo. Na República (IV, 420b), Platão exprime uma opinião ao mes-
mo tempo democrática e dirigista da felicidade: o Estado não
Formado por daímon / oaíllOlv, espírito, e eu / EU, bem, sig-
nifica estado de contentamento estável no qual se encontra o tem como função garantir a felicidade de alguns cidadãos
espírito. privilegiados, mas tornar felizes todos os cidadãos, cada um
na posição que lhe é reservada. Os livros IV a VIII empe-
A felicidade é o objetivo da sabedoria. O sábio é então eu- nham-se em buscar o bem, em seu esplendor metafísico e em
daímon / EueaíllOlv: feliz. A primeira filosofia, na época jô- sua aplicação política; é apenas no livro IX (576c) que ele as-
nica, está voltada para o mundo, para o objeto; seu objetivo é socia virtude e felicidade (areté kai eudaimonía). E, visto
saber. Assim começa a Metciflsica de Aristóteles: "Todos os ho- que a virtude é de essência sobrenatural, os próprios deuses
mens, por natureza, desejam saber (eidénai / EiMvat)." Os são felizes (Banquete, 195a).
pitagóricos, sob a influência da religião órtica, somam ao sa-
Foi Aristóteles que definiu de modo mais rigoroso a felicida-
ber a felicidade pessoal; depois, Sócrates condena a curiosida-
de. A Ética nicomaquéia, bem mais que um tratado de moral, é
de objetiva para substituí-Ia pela preocupação com a interio-
um manual da-felicidade: todos os homens buscam a felicidade,
ridade (Xenofonte, Memorabilia, I, I, 11-16; Platão, Apologia de
que é o Bem supremo, e só a encontrarão na perfeita virtude
Sócrates, 20c-23c). Os dois autores que estabelecem os gran-
(I, IV). E chega-se à famosa definição segundo a qual a felici-
des sistemas de filosofia, Platão e Aristóteles, são herdeiros das
dade é fruto da atividade mais perfeita do espírito humano de
duas correntes e têm em mira a metafísica e a moral,juntas.
posse de seu objeto mais elevado (X, VII, 1). Ora, a faculda-
Mas, depois deles, os filósofos passam a considerar que a filo- de mais perfeita é a parte epistemônica da alma, fonte da vir-
sofia especulativa é um simples coadjuvante da sabedoria, tude dianoética (v. areté); e seu objeto mais elevado é consti-
cujo objetivo é a descoberta da felicidade.
tuído pelos primeiros princípios (v. psykhé); a felicidade,

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portanto, está na contemplação (theoría) dos conceitos mais
euthymía (he) I e'Í>8'I>llía (fi): bem-estar.
sublimes. Com maior razão, Deus, Princípio primeiro que se
contempla a si mesmo (v. nóesis), está na beatitude perfeita Demócrito punha o soberano bem no bem-estar (D.L., IX,
(Met., A, 7, 1072b). 45). Segundo Sêneca, esse é outro nome dado pelos estóicos
Epicuro situa a felicidade na satisfação dos desejos naturais e à ataraxía (De tranq. an., lI).
necessários (Carta a Meneceu, D.L., X, 127). O sábio, que é um
ser feliz e incorruptível, não tem mais preocupações (Máxi- génesis (he) I yéwcnç (fi): geração. gênese.
mas, 1). Epicuro, aliás, emprega freqüentemente como sinôni-
mos de eudaimonía e eudaímon os termos makariótes / Nascimento, vinda ao ser. O primeiro livro da Bíblia (chama-
~aKapló"'''Ç e makários' / ,"wKcXplOç.Assim, "o prazer (hedo- do em hebreu bereshit) chama-se em grego Génesis, nasci-
né) é o começo e o fim da vida bem-aventurada" (D.L., X, mento do mundo, Gênese.
128), e um deus é um ser imortal e bem-aventurado (maká- A geração é uma das duas transformações fundamentais, que
rios) (ibid., X, 123). afetam a própria substância: geração, que faz aparecer uma nova
Para os estóicos também, o bem do homem está na eudai- substância, e corrupção (phthorá), que a destrói. As outras
monía; ela invade o homem que, ao contrário do epicurista, transformações são mudanças na substância, que continua a
já não tem nenhum desejo (Epicteto, Leituras, IV, XXIV, 16- mesma. v. kínesis.
17), que fica indiferente aos acontecimentos (Epicteto, Ma- Platão aborda o par geração-corrupção no Parmênides (136b-c),
nual, 8; Marco Aurélio, XI, 16). Aliás, essa é a finalidade do num grupo de relações que inclui semelhança e desseme-
homem, pois "Deus criou todos os homens para a felicidade" lhança, movimento e repouso, Ser e não-ser. Em Fédon (71a-c),
(Epicteto, Leituras, m, XXIV, 2).
pretende mostrar que a geração é feita do contrário pelo
Sexto Empírico, assim como os céticos, afirma que a felicida- contrário. É Aristóteles que dá maior importância a esse par
de é impossível; pois, segundo epicuristas e estóicos, ela nasce metafísico, dedicando-lhe uma obra, Peri genéseos kai
da ausência de perturbação (ataraxía); ora, esses filósofos es- phthorâs / nepl yevÉO"ecoç Kal q>8opãç. Em Categorias (XIV),
tão permanentemente à procura da felicidade, fonte de per- ele enumera seis espécies de movimento, entre os quais gera-
turbação; de tal modo que eles nunca a atingem (Adv. mor., ção e corrupção, além de alteração (alloíosis), aumento, di-
IV, 110-111). minuição e mudança de lugar (movimento). Em Física (1,7),
ele mostra que a geração provém de duas causas: o sujeito (ou
PIo tino dedicou um opúsculo à felicidade (Peri eudaimo-
substrato), hypokeímenon; e a forma, morphé.
nías, I, IV).A felicidade consiste na vida (zoé / çco'Í). E, como
há uma hierarquia das felicidades, a felicidade completa é a Sexto Empírico é autor de um famoso sofisma para estabele-
felicidade do homem que cumula as vidas vegetativa, sensiti- cer que a geração é um mito: "Sócrates nasceu quando não
va e intelectual, e a felicidade mais perfeita é a do homem era ou quando era; se dizemos que Sócrates nasceu quando era,
que utiliza melhor a vida intelectual. ele nasceu duas vezes; se dizemos que nasceu quando não era, ele
1. Em outros autores, nâo filosóficos, feliz também é dito mákar e makarítes, e a feli- era e não era ao mesmo tempo." Por isso, a geração é ininte-
cidade é makaría.
ligível (Hipot., m, 16).

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génos (tó) / yÉvoç (1:ó): gênero. Latim: genus Plural: géne kós); e define o gênero como: "Um atributo que pertence es-
(ta) II'ÉvT] ('Lá). sencialmente a várias coisas especificamente diferentes."

Do verbo gígnomai / yíyvoJ.!<Xl, nasço, venho a ser, existo. Plotino escreveu três tratados sobre os gêneros do Ser: Peri ge-
No primeiro sentido, génos é raça, gênero no sentido de gê- nôn / TIEpi yev&v (VI, I, lI, IlI). O primeiro é uma crítica mi-
nero humano. No segundo sentido, filosófico, designa um nuciosa das dez categorias de Aristóteles, que são afastadas como
mesmo gênero de seres. gêneros; o segundo é uma análise dos cinco gêneros supremos
le Platão, que são adotados; o terceiro é uma aplicação das cate-
Esse termo, pouco definido, compreende de qualquer manei- gorias ao mundo sensível, onde tampouco encontram graça.
ra: ou um grupo de seres humanos, pelo sangue e pela fun-
ção: "a raça dos deuses" (Platão, Fédon, 43b); ou um conjunto Porfírio publicou um opúsculo famoso, chamado Isagoge (ei-
de seres: Platão opõe dois gêneros de produção: as produções sagogé / Etocxyooyfll, ou seja, introdução às Categorias de Aris-
tóteles. Os cinco "predicáveis" são: gênero, espécie, diferença,
da natureza, que podemos dizer divinas, e as da arte humana
próprio, acidente; v. kategoría. As espécies (eíde) são subor-
(Sofista, 256e); ou (e chegamos à filosofia) uma essência (me-
tafísica) ou um gênero (lógico). dinadas aos gêneros, ao mesmo tempo que têm diferenças en-
tre si; assim, uma definição (horismós) deve ser feita pelo
Em Timeu (3ge-40a), Platão distingue quatro espécies de vi- gênero e pela diferença específica. De modo mais sutil, ela
ventes: a dos deuses, a dos pássaros, a dos peixes e a dos viventes deve recorrer à imbricaçào entre gêneros e espécies; é a árvo-
terrestres; em República (v, 477c-e), são gêneros de faculdades re de Porfírio, com o seguinte exemplo:
mentais (dynámeis). Mais séria é a distinção dos cinco gê-
Substância (= gênero supremo) => corpos => corpo animado
neros supremos no Sofista (254b-256d), ao mesmo tempo
=> animal => animal racional => homem (espécie especialíssi-
metafísica e lógica: Ser (ón), repouso (stásis), movimento
ma) => Sócrates (indivíduo).
(kínesis), o mesmo (autó) e o outro (héteron). v. todas essas
palavras. Aliás, Platão designa também esses diferentes gêneros Entre o gênero supremo e o indivíduo, pode-se chamar cada
com a palavra eidos (essência e espécie). conceito de espécie, porquanto contido no gênero superior, e
de gênero, porquanto contém a espécie inferior.
Aristóteles dedica uma nota à palavra génos em seu pequeno
vocabulário filosófico (Met., Do, 28), no qual ele atribui a essa Sexto Empírico dedicou-se a acrobacias erísticas para contes-
palavra todos os sentidos correntes: raça, espécie, essência. Em tar as noções de gênero e espécie (Hipot., 11, XX).
Categorias (V), coloca o termo na nota dedicada à substância
(ousía), pois distingue a substância primeira (próte), que é o gnôsis (he) I yvrocrtç (il): conhecimento.
indivíduo, e a substância segunda (deútera), essência, gênero Platão opõe o conhecimento à ignorância (agnosía / àyvoooícx)
ou espécie (eidos); ora, a espécie está submetida ao gênero (o e à opinião (dóxa) (Rep.,V, 479d-480q).
gênero é comum às espécies) e assim está próxima (menos se-
gunda) da substância primeira. Em Física (I, 6), considera a gnôthi sautón I yvõ:l9t cramóv: "Conhece-te a ti mesmo."
própria substância um gênero do ser (génos toíl. óntos). Em Fórmula atribuída pela primeira vez por Antístenes a Tales
Tópicos (I, 4-5), Aristóteles põe o gênero entre os predicáveis, (D.L., I, 40). Segundo Demétrio de Falero, seu autor seria
ou seja, os objetos sobre os quais versa o raciocínio, com a de- Quílon de Lacedemônia (Müllach, fr. 3). É também encon-
finição (hóros), o próprio (ídion) e o acidente (symbebe- trada em Pítaco (Sentenças, 16). Sócrates viu-a inscrita no

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frontispício do templo de Apolo em Delfos (Xenofonte, (ibid., XlV, 1); episjndesis / EntcrÚVOEcrlÇ (Marco Aurélio, VI,
Mem., IV, 11, 24). v. Epicteto (Leituras, I, XVIII, 17). 38); sfmdesis / crÚVÕEcrlÇ (ibid., VII, 9): hénosis kai táxis / EVOXHÇ
Kat 'Lá~tç, união e ordem (ibid., VI, 10).
haplous I àníl.ouç: simples. neutro: haploCin. Também para Pio tino, o mundo, esse "ser vivo inigualável",
Diz-se de uma substância simples, em oposição a uma com- está em simpatia (sympathés / crullna8lÍç) consigo mesmo;
posta (Aristóteles, Met., E, 4). O advérbio haplôs / étnÀwç às ou então está de acordo (sYntphronos / crúWppwvoç) consi-
vezes é empregado no sentido absoluto. "Aquilo que não é go mesmo. Ele é ordem: táxis / 'Láçtç (IV, IV, 35).
(to me ésti / 'Lã Ili) etnt) absolutamente" (Platão, Parmênides,
163c). hautós I ain;óç: si mesmo.
Reflexivo de autós / a\nóç.
harmonia (he) I eXpllovía (li): harmonia. Latim: harmonia.
Qualidade de ordem e organização inerente ao cosmos. hedoné (he) I liõovf] (li): prazer. Latim: voluptas.
Esse termo já é abundantemente encontrado nos pitagóricos. Esse termo abrange todas as nuances de prazer sensório e psí-
Para eles, o conjunto dos seres é estabelecido de acordo com quico. Deriva do radical hed-, que se encontra no verbo hé-
a harmonia (D.L., VIII, 33; Hipólito, Contra as heresias, I, 11, domai / Tioollm, rejubilar-se, em hedys / i]oúç, agradável; e
13); as relações entre os números constituem harmonias (Aé- em hédymos / TioUlloç, com o mesmo sentido.
cio, I, I1I); a alma humana é uma harmonia (Filolau, fr. 13;
Macróbio, Sonho de Cipião, I, XlV, 19); a justiça é uma har- Os autores gregos põem o prazer entre as paixões (páthe /
monia da alma (Ateneu, IX, 54), assim como a virtude em ná81l, sing. páthos), ou seja, os estados recebidos, e não dese-
geral (D.L.,VIII, 33). jados; assim, opõe-se à ação. Isso em seu gênero. Especifica-
mente, os antigos discutem a natureza do prazer. Os cirenai-
Heráclito professa uma harmonia dos contrários (fr. 8 elO); cos, cujo mestre é Aristipo, afirmam que ele é descontínuo e
mas é uma harmonia oculta (fr. 54). Assim também, para Ni- fragmentário; isso porque se limitam ao prazer do corpo
cômaco (Aritmética, II):"A harmonia é universalmente a con- (D.L., 11, 87); mas Epicuro protesta: essa concepção é indigna
cordância dos contrários." de um filósofo; o verdadeiro prazer é contínuo; isso ele decla-
Também em Platão, o mundo é um conjunto harmonioso ra, entre outras coisas, num fragmento de uma carta dirigida a
(Epinamis, 991e), organizado pelo Demiurgo (Timeu, 56c). Anaxarco e conservada por Plutarco: "Preconizo os prazeres
Mas, sobretudo, a virtude é a harmonia da alma (Laques, estáveis, e não as virtudes ocas, fúteis e desordenadas" (Use-
188d; Timeu, 90d) e a justiça é a harmonia das virtudes (Rep., ner, Epicurea, fr. 116). Quanto a Platão, tem uma concepção
IV, 443); a vida política é resultante de uma harmonia entre negativa do prazer: considera-o um estado sucessivo à dor
governantes e governados (Rep., IV, 430e). Quanto à música, (Fédon, 60b). Epicuro tende a isso quando ensina que o pra-
deve esforçar-se por imitar a harmonia divina (Timeu, 80b). zer consiste em afastar a dor (Carta a Meneceu, D.L., X, 128).
"Quando dizemos que o prazer é o soberano bem, falamos da
Os estóicos empregaram muitos sinônimos para designar a
ausência de dor fisica e de perturbação moral" (ibid., X, 131 ').
harmonia do mundo: diakósmesis / OtcXKOOllllcrtÇ (D.L., VII,
158); symphonía / crUlltpOlvía (Epicteto, Leit., I, XII, 16); diá- Além de sua natureza, o prazer apresentou dois problemas
taxis / otá'La~tç (ibid., XII, 17); sympátheia / crullná8Eta: para os filósofos gregos.

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• Classificação. A classificação mais simples é, evidentemente, próprio Epicuro declara: "Quando dizemos que o prazer é
aquela que divide os prazeres em físicos e espirituais. Ao o Soberano Bem, não estamos falando das volúpias dos de-
contrário dos cirenaicos, que só admitem o prazer do corpo, vassos, nem do gozo carnal [".] É impossível vida feliz sem
Epicuro afirma a existência das duas espécies (D.L., X, 136). sabedoria, honestidade e justiça" (D.L., X, 131-140). E Lac-
Platão distingue três espécies de prazer, baseadas nas três par- tâncio: "Epicuro põe o Soberano Ben1 no prazer do espíri-
tes da alma: vegetativo (o apetite: epithymía / emStlllía), to" (Instituições divinas, m, 7).
sensório-motor (o coração: thymós / Sullóç), intelectual (a A teoria platónica do prazer, na sua forma mais acabada, é ex-
ciência: máthesis / IlÚS1101Ç); são prazeres encontrados, es- pressa no Filebo. Em Fédon, tendo voltado recentemente de
pecificamente, por três homens diferentes: o primeiro, na co-
sua permanência na escola pitagórica de Tarento, Platão pro-
mida, na bebida e no dinheiro; o segundo, na dominação e
fessa Ulna virtude rigorista, segundo a qual a alma não deve
na reputação; o terceiro, na filosofia e na verdade (Rep., IX,
ter nenhunla união nem nenhum comércio com o corpo
580d-583a).
(67a). Em seguida, ele estabelece que, mesmo não sendo o
Foram sobretudo os estóicos que se esmeraram na classifica- Bem, o prazer desempenha certo papel na virtude, depois da
ção dos prazeres. Diógenes Laércio (VII, 114-115) apresenta medida (métron / W1:pov) e da inteligência (nous) (Filebo,
uma lista de quatro espécies: alegria maligna, deleite (prazer 66a-67a). E o prazer encontra assim seu lugar positivo (44a-
sensório). divertimento, relaxamento. Cícero acrescenta a vai- 46a). Por sua vez, Aristóteles, elevando-se acima das doutrinas
dade (Tusc., IV, IX, 20). Observe-se que Cícero traduz o gre- que vêem o prazer como Soberano Bem ou como mal, em-
go hedoné pelo latim laetitia (alegria), pois o prazer, para o penha-se em mostrar que ele está sempre ligado a algum
estóico, é uma atitude puramente interior. bem, sensível ou espiritual; e desenvolve sua teoria finalista:
• Valor moral. Costuma-se fazer a oposição entre duas atitu- todo ato atinge a perfeição quando encontra o melhor de
des: o hedonismo, que faz do prazer a finalidade das ações e seus objetos e produz assim um prazer proporcional a essa
a fonte da felicidade, e o ascetismo ou rigorismo, doutrina perfeição; assim, o prazer mais perfeito é o prazer da ativida-
que o proscreve da vida como incompatível com a virtude. de mais elevada do homem, quando ela encontra seu objeto;
A primeira atitude tem, na verdade, muitas nuances. Somen- portanto, o melhor prazer é o da contemplação intelectual
te Aristipo professa o hedonismo brutal: Xenofonte, fiel à (Ét. Nic., X, IV-V).
sua concepção, mostra-o "levando o desregramento ao ex- Para os estóicos, prazer e dor não são nossos, pois nos afetam
cesso" na alimentação e na lubricidade (Mem., lI, I, 1). Mas à nossa revelia; portanto, não são um mal, visto que mal e
Demócrito ensina que nem todo prazer deve ser praticado: bem provêm de nós; tornam-se mal quando lhes damos nos-
só devem ser escolhidos aqueles que se coadunam com o
so assentimento (Epicteto, Leituras, 111, XXIV, 20; Marco Au-
decoro (Estobeu, Ant., V, 77). Para Epicuro, as fontes são
rélio, VIII, 51; Cícero, De fin., m, 13; Tusc., 11, XXv, 61).
contraditórias. Segundo Cícero, os epicuristas "se envergo-
Cleantes, Crisipo e Dionísio de Heracléia escreveram um tra-
nham das palavras de Epicuro, segundo as quais ele demons-
tra que não conhece nenhum bem que não derive dos pra- tado Do prazer.
zeres dos sentidos e das volúpias impudicas" (De nato deor., I, Locução: hedonês krátei (flõov;;ç Kpá1:8t: triunfo do prazer')
40). Timócrates, citado por Diógenes Laércio (X, 6-7), con- (Periandro, Sentenças, 13; Pítaco, Sentenças, 21).
ta que Epicuro vomitava duas vezes por dia de tanto que se 1. "Epicuro via a felicidade no fato de não ter fome, sede ou frio' (Clemente de Akxan-
empanturrava, e freqüentava numerosas prostitutas. Mas o dria, Stromata, 11, XXI, 1).

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hegemonikón (tó) I TÍYEIillVt1CÓV (-tó): hegemônico. - O Uno-forma é a unidade unificante, que recapitula o di-
Termo especificamente estóico: presença em nós da Natureza
universal que dirige nossas ações (Marco Aurélio, IX, 26).
r verso (Heráclito, os estóicos). Em lógica, é o gênero que
contém as espécIes.
- A Unidade-indivíduo é o individual em oposição ao geral:
hekón I ÉlCCÓV: voluntariamente. a unidade opõe-se quantitativamente à multiplicidade e
qualitativamente à diversidade. É, sobretudo, o Primeiro
hekoúsios I ÉlCOÚO"toç: voluntário. existente, que engendra os outros (Pitágoras, Platina).
- O Uno universal é o transcendental (no sentido escolástico):
"Só se pode sofrer injustiça invoIuntariamente" (Aristóteles, a presença do Ser em todos os seres, que lhes permite ser.
Ét. Me., V, IX, 8).
O sentido filosófico da palavra evoluiu ao longo dos séculos.
hén (tÓ) I ~V (-tÓ), O Uno. Latim: Unum. • Sentido cósmico: Para os jônios, o Uno é o elemento originá-
Esse termo é o neutro do adjetivo numeral heis / EÍç (femi- rio do mundo, que, na verdade, reúne os dois sentidos pri-
nino mía / ).lía). Substantivado, pode ter dois sentidos: meiros: em primeiro lugar, o único, matéria plena; em segun-
do lugar, o Todo, saído dela. Foi assim que Museu', autor mais
- o Único, a Realidade que se apodera do ser e não tolera
ou menos mítico, escreveu que tudo nasce do Uno (ex he-
outra;
nós) e retoma ao Uno (D.L., fr. 39). Assim também Tales de-
- o Todo (pân, hólon), a Realidade que reúne tudo em si.
clara que o mundo é uno (Aécio, 11, I, 2); Anaxágoras, que o
Para Aristóteles, a palavra hén teria quatro sentidos: contínuo, mundo é uno e indivisível (fr. 8); Heráclito, mais preocupado
unidade-forma, unidade-indivíduo, unidade-universalidade com a sabedoria do que com a ciência, diz que essa sabedoria
(Met., I [iota], 1). consiste em reconhecer que o Todo é uno (fr. 50), e que a lei
é obedecer à vontade do Uno (fr. 33). Empédocles, que segue
Encontram-se nesses quatro sentidos quatro noções:
os passos dos jônios, diz mais ou menos a mesma coisa que
- O contínuo = noção geométrica (a unidade da linha opõe- Museu: o Uno nasce do múltiplo, e o múltiplo do Uno (fr.
se à descontinuidade do número). 26, 8-9). Aristóteles sanciona as diversas fontes: segundo al-
- Unidade-forma = noção biológica (organismo) ou cosmo- guns - explica ele - tudo teria saído do Uno (ek tou he-
lógica (o mundo). Um conjunto solidário regido por leis: nós); e cita Anaximandro, Anaxágoras e Empédocles (Fís., I,
phYsis. 4); em outro lugar, relata que para alguém o Uno é a Amiza-
- Unidade-indivíduo = noção aritmética (a unidade é o de; para outro, o Ar; para outro ainda, até o Indeterminado
princípio do número; continua idêntica a si mesmo dentro (Met., I [iota], 2). Seria menção a Empédocles, Anaxímenes e
do número, ao mesmo tempo que se multiplica). Anaximandro. Por sua vez, Xenofonte, falando do desinteres-
- Unidade-universalidade = noção realmente filosófica, em- se de Sócrates por essa espécie de problema, diz: "Alguns en-
bora seja a noção científica por excelência (universalidade sinam que o Ser é uno; outros, que é de uma multiplicidade
dos conceitos, das relações, das leis). incalculável" (Mem., I, I, 14).
Esses sentidos, porém, têm um significado filosófico: • Sentido metafísico. Aparece com Pitágoras. Para este, a Môna-
da (Monás), Deus, o Bem e o Uno são termos intercambiá-
- O contínuo corresponde ao Uno no sentido de Único, que
veis (Aécio, I,VII, 18). O mesmo ocorre com seus discípulos
não admite duplicação nem fracionamento (Parmênides).
metafísicos. "Árquitas e Filolau chamam, indiferentemente, o

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Aristóteles, segundo seu método habitual, começa instruindo o
Uno de Mônada, e a Mônada de Uno" (Téon de Esmirna,
processo de seus predecessores, primeiramente na Física (1,2-5),
Ciências matemáticas, XX, 19). Segundo Filolau, existe "um
protestando que o exalne do problema metafísico do Uno nào
Reitor e Mestre de todas as coisas, que é Deus e o Uno" (Fí-
é da alçada da ciência física (I, 2, 184b); em seguida, na Metafí-
lon de Alexandria, Criação do mundo, 23).
sica (A, 3, 5, 8). É então que ele dedica ao conceito do Uno
Com Parmênides, o Uno já não é Princípio e Fonte dos se- uma longa nota (Met., Ó. 6): diz-se que o Uno é por acidente
res, mas o Único, o Ser que não tolera outro. Era ele sem dú- (katà symbebekós) - Corisco e músico são um só -, ou por
vida um itálico, pois ensinava em Eléia, mas, assim como Pitá- essência (kath'hautó: "em si"); encontram-se então vários ti-
goras (mestre de Crotona e Metaponto) era nativo de Samos pos de uno: o contínuo no corpo, a unidade física (água, vi-
na]ônia, Parmênides nasceu em Focéia, na]ônia, no ano 540, nho), a indivisibilidade substancial (uma coisa definida como
cinco anos antes da fundação de Eléia pelos foceenses. Seu tal). Depois, lembrando que o Uno e o Ser (v. ón) são idênti-
raciocínio é simples: o Ser, sendo eternamente o mesmo, é cos e os mais universais de todos os predicados, constata que
perfeito e imutável; portanto, não pode ser Princípio, pois o nenhum dos dois é substância (v.ousía) (ibid., Z, 16); e, depois
fato de dar o ser a outros o privaria da totalidade do Ser. Esse de examinar os diferentes sentidos de Uno, considera a oposi-
Uno é puramente inteligível, pois somente a via da razão ção entre Uno e múltiplo (pollá / 1toÃ.Ã.á, pl. neutro de 1toÃ.úç,
pode encontrá-lo, visto que os sentidos só conhecem o múl- numerosos), entre indivisível e divisível, entre o mesmo e o ou-
tiplo (fr. 1I,VI, 4;VIlI, 20); uma de suas características é a con- tro, entre o semelhante e o dessemelhante (ibid., I [iota], 3-6).
tinuidade, totalmente metafísica, o que significa que não existe Essas discussões se encontram no livro N, capítulos 1-6.
falha nele, o que introduziria a imperfeição e a multiplicida-
de (fLVIII, 5-6). Essa doutrina é compartilhada por Melisso: Os estóicos não costuman1 utilizar o termo hén; preferem
se o Ser não fosse Uno, seria limitado (Simplício, Fís., 110,5; pân, o Todo. Marco Aurélio escreve, incidentemente, que "o
De caelo, 555,14). mundo é uno (heis) constituído pelo Todo, que Deus é Uno
forn1ado de tudo, que a substância é lei única, razão única e
O caso de Xenófanes é mais difícil; cronologicamente inter-
comum, verdade única [... ]" (VII, 9).
mediário entre Pitágoras e Parmênides, é considerado discí-
pulo do primeiro e mestre do segundo, o que se deve tomar Platina, retomando o princípio pitagórico, atribui ao Uno
em sentido bastante amplo. O Uno, que ele identifica com toda a sua importância metafísica. Dedica-lhe os três últimos
Deus, é inteiramente espiritual; mas é transcendente ou ima- tratados da VI Enéada': Do Bem, Da liberdade e da vontade do
nente ao mundo? Aquilo que se chama Uno é simplesmente Uno, Do Bem ou do Uno, bem como o primeiro da V Enéada:
o único ser espiritual, ou o Todo cuja alma é Deus? v. theós As três hipóstases primitivas. O Uno é a primeira Hipóstase, pri-
/ 8EÓç: Deus. meiro Princípio, Deus, eterno e perfeito; é pensamento de si
mesmo, livre querer, embora só podendo aquilo que participe
o Depois de Sócrates. Platão, partidário da existência do múlti-
de sua perfeição. "O Uno é perfeito porque nada busca, nada
plo, admite facilmente que o Ser é o Uno, com a diferença de
possui e de nada necessita. Sendo perfeito, superabunda, e essa
que o Uno de Parmênides é o Único, ao passo que o de Pla-
superabundância produz outro, que não é ele" (V, lI, 1). Mas o
tão é o Universal, o que faz a unidade do Uno e do múltiplo.
Uno não tem determinação, pois não é nenhuma das realida-
Essa é a posição defendida com sutileza em Parmênides, no
des que dele recebem existência; essa é sua absoluta transcen-
qual Platão, mostrando que a Realidade absoluta e originária
dência, o que o torna inefável. A hipóstase que dele procede
reside nas Essências eternas (v. eidos), prova pelo absurdo a
inconsistência da tese parmenidiana. imediatamente é o Espírito (nous).

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Praclos segue Platina: todos os seres procedem do Uno, e o Pitágoras, segundo Heráclides Lembos, teria escrito um tratado
Uno é idêntico ao Bem (Teologia, 1-13). Do universo: Peri toa hólou (D.L.,VIII, 7). Platão emprega
1. Era considerado atenieme. m:t'i está tortel11ente impn:gnado do pensamento jônio, o incidentemente esse termo, seja no sentido de Universo físico
que mostra ser de mais tardio do que dc'sejaria a lenda, que diz ser de Contt"lllpor;\-
neo de Orfeu.
(Lísis, 214b), seja para designar a união entre alma e corpo
2. Porfírio. em sua L'diç:io da obr:t d ... Platina, atribuiu a c'sses rrat:tdos m trê~ últilllO> lu- (Alcibíades, I, 130a), seja em sentido metafísico (Rep., VI,
gares (52,53. 5..J.); na realidade. são cronologicamente os números 3B. YJ e 9. 486a), seja em sentido aritmético (Teeteto, 204b).

héteros / E1:Epoç: outro. Latim: a/ter. Esse termo é empregado constantemente pelos estóicos para
designar o conjunto de todas as coisas, o Todo fora do qual
Ao contráno do állos / aÀÀüÇ (latim: alius), que é "outro" nada pode ser. Zenão de Cício escreveu uma obra (perdida)
plural, héteros é "outro" singular: ele é um de dois. Em So- que tinha esse nome (peri toa hólou) (D.L.,VII, 143). O
fista (256d-258c), Platão estabelece a existência de um não- homem, segundo Marco Aurélio, é uma parte do Todo: mé-
ser positivo, mostrando que ele é o outro do mesmo (autós), ros toa hólou (X, 6).
ou seja, do Ser. Aristóteles insiste na alteridade específica, mais
Platina utiliza o termo no sentido cosmológico: é um imen-
exatanlente, "o outro segundo a espécie": héteron tô eí- to so Vivente: hólon zôon / oÀov Ç00v (11, I, 3).
dei / '1:à ihEpoV '1:0 dOE!; diz-se que duas coisas têm esse ca-
ráter quando são de duas espécies no interior do nlesnlO gê-
nero (Met., I [ia ta], 8;<l, 10). homoíosis (he) / ÓlillwxnÇ (,,): assimilação,
conformação. Latim: assimila tio.
héxis (he) / E/;tÇ (,,): estado, modo de ser, disposição. Ação de tornar-se semelhante, de conformar-se a um modelo.

Uma das dez categorias de Aristóteles, incluída, aliás, na quali- O adjetivo hómoios (arcaico: homós) significa semelhante; o
dade (poión) no tratado das Categorias (VIII), mas separada- verbo homoiô / Ój.101.Õi: tornar semelhante; o sufixo -sis / -(nç
mente na Metafísica (<l, 20). Conceito vago, que compreende indica ação. Essa noção se impós sob influência do omsmo,
sobretudo a disposição ou capacidade habitual de produzir cujos discípulos deviam esforçar-se por assemelhar-se a Dio-
ações; entre estas, é preciso distinguir especialmente a virtude nísio, dilacerado pelos Titãs, imagem do auto-sacrifício.
(areté) (Ét. Nic., II,VI, 15) e a ciência (epistéme) (ibid., VI, Não deve surpreender o fato de encontrarmos aqui Pitágo-
m, 2-4). Epicteto associa-lhe a faculdade: dfnamis (Leituras, ras, que era adepto do omsmo. Segundo esse mestre, "a filoso-
11, XVIII, 1). fia é uma assimilação a Deus": homoíosis théou (Estobeu,
Écl.,VI, 3; Plutarco, De superstitione, 9;Jâmblico, Vida de Pitá-
hólon (tó) /OÀ.OV (1:ó). Universo. Latim: Universum. goras, 86). Platão, que durante vários anOS foi aluno dos pita-
góricos, adota também esse ensinamento; a alma, aliás, é a
o conjunto, a totalidade. v. pân, kósmos.
priori semelhante às Essências (eíde), princípio eterno e per-
Aristóteles dedica uma nota a esse termo no livro <l da Meta- feito; portanto, como elas, é divina, imortal, inteligente e in-
física (n~ 26). O hólon é aquilo que constitui a unidade (hén) dissolúvel (Fédon, 80a); foi a queda que, provocando a união a
das coisas. Faz isso de duas maneiras diferentes: ou essas coisas um corpo, a privou de suas prerrogativas; somente retornan-
já têm uma unidade, e o todo está então como o gênero para do a esse princípio, graças à dialética, é que ela caminha "para
as espécies, ou elas não têm unidade, e é sua reunião que forma aquilo que lhe é semelhante": eis to hómoion (ibid., 81a). É
um todo, como no organisn1o humano. a evasão (phygé) deste mundo; "e a fuga é a assimilação com

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r
Deus" (Teetelo, 176b). Plotino, por sua vez, mostrou como a Os primeiros pensadores jónios não usaram a palavra hyle,
alma se torna semelhante a Deus por meio da virtude (I, li, universal demais para eles; mas, para encontrar uma matéria
2-3), graças ao Bem e à Beleza (I,VI, 5-9). única na origem do mundo, eles privilegiaram ora a água, ora
o ar, ora o fogo, como Princípio (arkhé. v. essa palavra) mate-
horismós (ho) / ÓptO'~óç (Ó); hóros (ho) /opoç (ó): rial do mundo. Ocorre certo progresso com Anaximandro,
definição. segundo chefe da escola de Mileto, quando ele propõe como
princípio de todas as coisas o indeterminado (ápeiron / a1!Et-
Metafísica: a definição corresponde à qüididade (to tí ên ei- pov), o que é outro nome da matéria.
nai) (Met., Z, 4,10,12). Lógica: a definição de um ser Se faz
por suas causas (Aristóteles, Anal. Post., li, 9). É um predicá- O uso de hyle, a crermos em Aécio (I, XXIV; 3) e no Pseu-
vel; exprime a essência de um sujeito (id. Tóp., 1,5). do-Plutarco (Epítome, 1,24), começa com Pitágoras, que afir-
ma que, por ser inerte (patheté / 1!a8TJ1:TÍ), a matéria está
hormé (he) / ÓfJIllÍ (,,): inclinação. submetida à corrupção (phthorá). Diógenes Laércio (11, 6)
afirma que Anaxágoras foi quem "primeiro uniu o Espírito
Para Epicteto, ela é "de nós" (eph'hemin / Ecp' ilJ.!tv) (Ma- (nous) à matéria".
nual, 1,1; Leituras, I, 1,1).
Platão não usa esse termo, mas Aristóteles o emprega abun-
dantemente. A matéria é natureza (physis): é sujeito (hypo-
hyle (he) / 'óÀ:rl (,,): matéria. Latim: materia.
keiméne) universal do movimento (kinesis) e da mudança
Derivado: hylikós / ÚÀtKóç: material. (metabolé) (Fís., 11, 1, 193a). Ela é Ser em potência, que deve
passar ao ato graças à forma (eidos) (Met., H, 1) e tornar-se
Substância indeterminada comum aos corpos: uma árvore, assim substância (ibid., H, 2). Aliás, de certo modo, ela é subs-
um móvel e uma bengala têm como matéria comum a ma- tância (ousía), pois continua idêntica a si mesma ao longo
deira.A abstração chega a imaginar uma matéria indiferencia- das mudanças (ibid., H, 1); e a substância pode ser tomada em
da, que nào é nem madeira, nem pedra, nem metal, mas uma três sentidos: como matéria,forma e composto (De an., 11,2).
realidade sensível de que são feitas todas as coisas. A matéria é causa (aitía); pois "chama-se causa, num primei-
Hyle significa, primitivamente, madeira, árvore, floresta, le- ro sentido, a matéria imanente de que a coisa é feita" (Met.,~,
nha. Os filósofos adotaram essa palavra para designar a maté- 2); pode-se até dizer que ela é causa primeira (ibid., H, 4); de
ria que, devido a seu caráter indiferenciado, não tinha deno- qualquer modo, ela é uma das quatro causas das coisas sensí-
minação. A matéria opõe-se, por um lado, ao esplrz'to (nous), veis (Fis., 11,3, 193b, 195a; 7, 198b). Pode-se finalmente dar-lhe
que é a realidade imaterial por excelência, e, por outro, à for- o nome de princípio: arkhé / àpxTÍ (ibid., I, 7, 190b). Para os
ma (eidos, morphé), que é o ato metafísico exercido sobre estóicos, a substância de todos os seres é a matéria primeira
a matéria para diferenciá-la. A matéria primeira (próte hyle (próte hyle) (D.L.,VII,150).
/ 1!PCÕ1:TJ 'ÍÍÀ TJ) é a matéria em geral, considerada fora de sua Plotino dedicou um tratado às Duas matérias (11, IV). São elas,
forma; a matéria próxima (eskháte / EO'XcX1:TJ) é a matéria da por um lado, a matéria inteligível (noerá / voopeX), que é divi-
realidade singular, unida à forma (Aristóteles, Met., H, 6). na (theia /8€ta) e eterna (aídios / àí8wç); por outro lado, a
Outra oposição: a matéria sensível (aistheté / aiO'9r]1:TÍ) e a matéria sensível (aistheté / ai0'8TJ1:TÍ), que não tem essas qua-
matéria inteligível (noeté / VOTJ1:TÍ), por exemplo a dos seres ma- lidades. As duas são indeterminadas (ápeiros / a1!EtpOÇ) (11,
temáticos (ibid., Z, 10). IV, 7,14,15). Portanto, ela é privação (stéresis / O'1:EpTJO'tç) e,

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sendo privação, é não-ser (ouk ón / OÚK iív); Plotino retoma ídion (tó) I 18tov hó): próprio.
esses temas em outro lugar: a matéria, na qualidade de substra-
tum (hypokeímenon) fisico, é não-ser (me einai / J.L" EtVm)
f Lógica. "Aquilo que, embora não exprima o essencial da es-
'1
sência do sujeito, só pertence a ele." Por exemplo, num ho-
e impassível (apathés / ct1lcx9l'iç) (111, VI, 7). E, assim, ela é o
mem, saber ler e escrever (Aristóteles, Tóp., 1,5). Um dos
mal (to kakón / 1:0 KCXKÓV) (I, VIII, 7-11). Em outro lugar
cinco predicáveis (kategoroúmena) em Aristóteles e em
(11, V, 2), Plotino trata da matéria como ser em potência
Porfirio (Isagoge, XII).
(dYUamis).
kakón (tÓ) I KCXKÓV ("CÓ), mal. Latim: malum. Plural: kaká (tá)
hypokeímenon (tÓ) I 'ÍlnoKEíjlEvov ("Có): sujeito,
11(Ç(1(á (,.á).
substrato. Latim: subjectum, suppositum (sentido lógico).
No masculino: kakós (ho) / KCXKóç (ó); malvado, aquele que
Substância como sujeito, ou seja, como substrato dos aciden- comete o mal.
tes. De hypokeisthai, ficar abaixo, v. ousía. Esse termo já se
Kakón é o adjetivo neutro substantivado de kakós, mau,
encontra no tratado Dos princípios (Peri arkhôn) de Árquitas
ruim. Designa o mal em geral, porém mais especialmente o
(cuja autenticidade, aliás, é contestada).
mal moral, aquele que é cometido pelo homem.

hypólepsis (he) I 'ÍlnóÀTJ'I'tç (1Í): opinião. O problema do mal (geral ou moral) não suscita de início a
reflexão dos filósofos. O mal não é um problema, ou pelo
"A crença (pístis) é uma opinião" (Aristóteles, Tóp .• IV, 5). menos é um escândalo, mas só encontra uma explicação ofi-
"O que é de !lós, é a opinião" (Epicteto, Manual, I, 1; XX, cial, a da mitologia, repetida pelos poetas: Teógnides, Ésquilo
XXXI). "Tudo é opinião" (Marco Aurélio, II, 15; XII, 22). e Sófocles lamentam a infelicidade da humanidade, inclinan-
do-se diante dos ditames irrevogáveis da divindade. Graças ao
hypóstasis (he) I 'ÍlnócY'!;cxcrtç (1Í): hipóstase. orfismo, a doutrina da imortalidade da alma é adotada por
Ferecides, Pitágoras e seus discípulos (v. psykhé), oferecendo
Equivalente de substância, ou de pessoa. Termo próprio à filoso- assim uma sobrevida feliz após uma vida infeliz. Mas só o sá-
fia de Plotino. As três hipóstases, que são os Princípios de toda bio pode obtê-la, porque faz o bem (agathón). A partir des-
realidade, procedem uma da outra: são o Uno (hén), o Espíri- sas contestações, a reflexão filosófica tenta responder a várias
to (nous) e a Alma (psykhé). v. essas palavras (Enéadas, V, I). indagações: o mal sofrido pelo homem é gratuito e alheio à
sua responsabilidade? O mal cometido por ele é culpado? O
hypóthesis (he) I 'ÍlnóSEcrtç (1Í): hipótese. que pode dissuadir o homem de cometer o mal?
Pitágoras tenta conciliar teologia e moral, afirmando ao mes-
Em Platão, o método dialético rejeita sucessivamente todas as hi-
mo tempo a bondade da divindade e a responsabilidade do
póteses para remontar a um princípio (Rep., VII, 533c). Em Aris-
homem: o Destino não envia males aos homens de bem, mas
tóteles, premissas do silogismo demonstrativo (Anal. Post., 1,1). somente aos culpados, que só devem lançar a culpa sobre si
mesmos (Palavras de ouro, 17-20, 24-58;Jâmblico, Vida de Pi-
idéa (he) I i8éa (1Í): idéia. Sinônimo restrito de eidos. tágoras, 21,8; Hiérocles, Sobre os Versos de ouro de Pitágoras, 11;
\/. essa palavra. Aulo Gélio, Noites áticas, VI, 2); Sócrates, a crer-se em Platão

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no Protágoras (345d-e), professava a irresponsabilidade do au-
trata sucessivamente da beleza dos corpos, da Beleza das almas
tor do mal; sua ação só se explica pela ignorância: "Aqueles
e da Beleza eterna, que, como mostra depois, é idêntica ao
que fazem o mal (kaká) cometem-no sem querer"; e tam-
Espírito (nous) 01, VIII, 3) e ao Ser (V, VIII, 9). Outra for-
bém (Górgias, 361b): "Ninguém é injusto voluntariamente."
ma: kállos (tó) / KáÀÀoç ('Ló).
Mas não encontramos nenhunl eco dessa afirmação enl Xe-
nofonte, que, contudo, era ouvinte zeloso de Sócrates. Platão,
que pessoalnlente adota a doutrina contrária, mOstra as aln1aS
katálepsis (he) /Ka'táÀll'l'tç (lÍ): compreensão.
culpadas condenadas pela Justiça divina (Fédon, 108b-c); mas Em certos estóicos (Crisipo, Antípatro, Apolodoro), essa re-
não usa a palavra kakón. Por outro lado, os pitagóricos atri- presentação evidente é o único critério de verdade (D.L.,
buíam a existência do mal ao mundo sensível, que eles cha- VII, 54).
mam de inacabado (ápeiron) (Aristóteles, Ét. Nic., I1,VI, 14).
Epicuro adota a teoria do Protágoras ao afirmar que ninguém katáphasis (he) /Ka'táq)(xcnç (lÍ): afirmação.
escolhe o mal, pois todos são atraídos pelo bem (Sentença n~
16). Para os estóicos, o mal não existe objetivamente: como a Lógica. Proposição afirmativa: "declaração de que uma coisa
Natureza universal é perfeita, não há lugar para o mal (Epic- se refere a outra" (Aristóteles, De int., VI).
teto, Manual, XXVII; Marco Aurélio, VI, 1; Cícero, De nato
deor., lI, 14). Subjetivamente, o mal é uma aparência (Epicte- kategórema (tÓ) /Ka'tllY6pT]l.l.a ('t6): predicado.
to, Manual, I, 5;V); para Crisipo, são os homens os culpados de
Termo de lógica: aquilo que se afirma de um sujeito. Na pro-
seus próprios males, quando se recusanl a usar a própria razão
posição (apofânsis) "Sócrates é um homem", homem é o predi-
(Aulo Célio, Noites áticas, VI, 2); para Marco Aurélio, o mal
cado (Aristóteles, Cat., IV).
existe de certa maneira, mas nos é enviado pela Providência
para exercitar nossa virtude (Iv, 49;VIII, 46). Essa também é a
opinião do acadêmico Bíon de Boristene: "O mal é não po-
kategoría (he) /Ka'tllyopía (lÍ): categoria. Plural: kategoríai
der suportar o mal" (D.L., IV, 48). PIo tino desenvolve Sua teo- (hai). Latim: praedicamentum (plural: proedicamenta).
ria do mal no tratado sobre A origem dos males (I, VIII). O mal
Um dos modos do ser, uma maneira de ser do ser. Vem do
é a ausência do Bem; ora, é na matéria que o Bem está com-
verbo kategoréo, afirmo. Inicialmente, termo jurídico: ka-
pletamente ausente; logo, o mal está na matéria. No homen1,
tegoréo é acusar; a kategoría é então uma acusação. Aristó-
é o corpo que participa da matéria, sendo a fonte do mal para
teles transforma a palavra em termo filosófico e a desenvolve
a alma. Assim, "não somos o princípio de nossos males [ ... ] o
nas Categorias, tratado de juventude de essência lógica, que se
mal existe antes de nós; ele possui o homem à sua revelia"
(VIII, 5). tornou o primeiro livro do Organon no Corpus aristotelicum.
As categorias são as noções mais gerais da filosofia (ponto de
kalón (tÓ) /KaÂÓV ('t6): beleza. vista lógico, interior ao sujeito pensante), sob as quais podem
ser agrupados os objetos do conhecimento (ponto de vista
Neutro substantivado de kalós: belo. Platão pede ao filósofo metafisico, exterior ao sujeito pensante). A categoria, portan-
que se eleve até a Beleza em si (auto to kalón) (Rep., V, to, é resultado de um esforço da razão para unificar num
476b); é Éros que nos conduz a ela (Banquete, 206e, 210a- conceito universal (abstrato) os múltiplos aspectos do real
212c). Plotino redigiu um tratado Da beleza (I, VI), no qual (concreto) .

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o primeiro sistema de categorias foi estabelecido por Aristó- 4. próprio ídion / tÔWV propriJ/I/1
teles e retomado por Porfírio. Mais tarde, Kant (analítica 5. acidente symbebekós / "U~~E~"Xóç accidclIS
transcendental da Razão pura) e Hegel (Lógica) estabelecerão 1. Em TtÍpiw$ (I, 5) ,Aristóteles. depois de lembrar as dez categorias, enumera como pre-
seu próprio sistema de categorias. Mas, antes do emprego da dicáveis. ou seja. como capazes de ser atribuídos a Ulll SUJeito: definição, próprio. gt:-
palavra, pode-se considerar que os cinco Gêneros supremos nero e acident(". Como primeira categoria. ele 'iubstitui a substância pela es,el1cia tí
esti I 'tt e<Hl.
(v. génos), em Platão, constituem um conjunto de categorias
(Sofista, 247-259).
kategoroúmenon (tÓ) I Ka'"CrrYopoÚj.lEvOV ('"CÓ): predicável.
As categorias de Aristóteles pretendem ser uma lista exaustiva
dos gêneros mais gerais do ser, noções irredutíveis entre si e Classe de conceitos sobre a qual versa O raciocínio. Em Tópi-
irredutíveis ao Ser universal. De fato, essas dez categorias se cos (I, 4-5), Aristóteles designa como predicáveis: definição
reduzem a duas: substância (ousía = o ser em si) e acidente . (hóros), gênero (génos), próprio (ídion) e acidente (sym-
(symbebekós = o ser em suas modalidades exteriores). Os bebekós). Em IsaRoge Porfírio designa cinco; v. kategoría,
nove acidentes são as espécies de um mesmo gênero, e sua lis-
génos.
ta não é exaustiva; aliás, ela foi criticada severamente por Plo-
tino nos três primeiros tratados da VI Enéada, Sobre os primei-
ros gêneros do ser. kátharsis (he) I Ká9apcru; (i)): purificação.

Categorias de Aristóteles De katharós: puro. Método progressivo de desapego dos sen-


Grego Latim tidos para viver segundo o pensamento. Já era uma preocupa-
1. substância ousÍa / oooía substantia ção dos órficos, adotada pelos pitagóricos; Empédocles escre-
2. qualidade poion I "oi:ov (adv.) qualitas
3. quantidade veu um livro das Purificações (katharmoí), no qual reproduz
póson I "ooov (adv.) quantitas
4. relação prós ti I "póç ~t (prep. + pronome) textualmente um verso de Pitágoras (Palavras de ouro, 71). Em
relatio
5. ação realizada poiein / notElv (verbo) actio Platão, a kátharsis é um longo exercício de ascese para li-
6. ação sofrida páskhein I "áaXEtV (verbo) passio vrar-se do corpo, exigência da filosofia (Fédon, 67c).
7. estado ékhein I €XEtV (verbo) habitus
8. tempo póte I "ME (adv.)
9. lugar
quando kath'hékaston (tÓ) I Ka9' ~KaO"'"COV ('"Có): individual.
pou I "O;; (adv.) uhi
10. posição keistai I XEL"Scxt (verbo) situs Oposto a kathólou, universal (Aristóteles, De int., VII; Met.,
No século III de nossa era, Portirio, neopitagórico, discípulo Z, 10, 13).
de Plotino e editor das Enéadas, tentou renovar o sistema das
categorias em sua Isagoge / EiaayCüY'Í, ou seja, "introdução" às kathólou (tÓ) I KaeóÀOU hó), universal, geral.
Categorias de Aristóteles. A obra foi traduzida para o latim por Latim: universum.
Boécio. As noções dessa vez são reduzidas a cinco, exclusiva-
mente lógicas " que ele chama de vozes (phonaí) e na verdade Essa palavra é um advérbio, substantivado por Aristóteles. De-
são predicáveis (kategoroúmena). riva de hólon: o universo (v. essa palavra). É uma contração de
1. gênero génos / yÉvoç genus katà hólou (genitivo) = "quanto ao universo","relativamen-
2. espécie eidos I E\&x; specics (= forma) te ao todo". Opõe-se a to k'Jth' hékaston / "to xa9' EKC<O"-
3. diferença heteroion / É'tEpOtOV dijJerentia "tov: singular.

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Foi no tratado Da interpretação que Aristóteles definiu esses
4). Para eles, o vácuo também é interno ao número, pois se-
termos. "Chamo de universal aquilo cuja natureza consiste em
para as unidades (Aristóteles, Fís., IV, 6). Para Parmênides e
ser afirmado por vários sujeitos, e de singular aquilo que não
seus discípulos, o vácuo é impossível, pois é um não-ser e,
pode sê-lo. Por exemplo, homem é uma palavra universal, e
por definição, o não-ser não existe (v. on); diz Zenão: "o vá-
Cá lias uma palavra individual" (VII).
cuo não existe" (D.L., IX, 29). Do ponto de vista cósmico,
Aristóteles atribui a Sócrates o mérito de ter sido o primeiro Melisso resume essa posição numa bela fórmula: "Nada é vá-
que empregou a noção universal (kathólou) (Met., M, 4). cuo, pois o vácuo nada é": keneón' estin oudén, to gár
Volta ao aSsunto na Metafísica (Z, 10 e 13), onde mostra que keneon oudén estin / KEVEÓV EO''ttV ouÕÉv, 'to yàp KEVEOV
o universal não é uma substância. Só os indivíduos são subs- ouÕÉv EO''ttV (Aristóteles, Fís., IV, 6; Simplício, Fís., m, 18).
tâncias: um homem, um cavalo. Mas o universal (o homem, o Contra os eleatas insurgem-se os atomistas (Leucipo, Demó-
cavalo) só pode ser um predicado: "Sócrates é homem." "A cri to) , para os quais o vácuo é necessário à composição da
substância de um indivíduo lhe é própria e não pertence a matéria: ele é o lugar por onde se deslocam e onde se en-
nenhum outro ser; o universal, ao contrário, é algo comum." contram os átomos (Aristóteles, Fís., I. 5; IV, 6; De gen., 1,8;
Chega-se assim ao universal como objeto de ciência: indiví- Met., A, 14; r, 5, etc.; Teofrasto, Da sensação, 55-56). Platão
duos, não há definição nem demonstração; são objetos apenas descarta o vácuo incidentemente, com um aceno: "O vácuo
de opinião; ao contrário, é permanente aquilo que pertence a não existe" (Timeu, 79b-c). Aristóteles emprega freqüente-
um gênero definido; só ele, portanto, é objeto de ciência (Z, mente o termo kenón para mencionar as doutrinas de Par-
15,1039b). mênides, Leucipo e Demócrito. Discute o problema no livro
IV da Física (6-9) e conclui, como Platão, pela inexistência
kenón (tÓ) / KEVÓV ("Có), vazio, vácuo. Latim: vacuum. do vácuo, o que tomamos por vácuo quando se trata de um
corpo muito tênue (if. De caelo, I, 9). Epicuro, discípulo de
Neutro substantivado do adjetivo kenós / KEVóç: vazio.
Demócrito, ensina a existência necessária do vácuo (Carta a
Interrupção na continuidade da matéria (ponto de vista físi- Heródoto, D.IC., 40-46, 67).
co) ou na plenitude do Ser (ponto de vista metafísico). 1. Dórico, em lugar de kenón, que é o dialeto ático e se tornará o grego comum.

O vácuo é considerado pelos gregos de dois modos diferentes:


ou como fator de imperfeição, que põe em causa a totalidade khrónos (ho) / XPÓVoç (ó): tempo.
e a perfeição da realidade (escola eleática), ou como fator de har-
Antes da vida presente, houve outro tempo (Platão, Mênon,
monia, que permite a diferenciação, a complementaridade e o
86a). "O tempo é uma imagem móvel da eternidade" (id., Ti-
movimento dos diferentes elementos da realidade. Para o pro-
meu, 37d). "O tempo é a medida do movimento" (métron
blema da existência do vácuo interior ao mundo sensível, duas
kinéseos / IlÉ'tpov Ktv1'jO'WlÇ, Aristóteles, Fís., IV, 12). "O
respostas: ele existe (atomistas: Leucipo, Demócrito, Epicuro);
tempo é imagem da eternidade" (eikon aiônos / E(KÓJV a(ci\-
ele não existe (Parmênides, Platão, Aristóteles).
voç, Plotino, I, V, 7). "O tempo é a causa de todas as coisas":
Para os pitagóricos, o vácuo é exterior ao kósmos; de fato, aítion pánton (Periandro, Apotegmas, 11).
como este é um grande Vivente, tem necessidade de respirar
e realiza essa função graças ao vácuo que o cerca (Aécio, lI, kínesis (he) /KíV1lcrtÇ (1Í): movimento, mudança.
IX, 1; Pseudo-Plutarco, Epítome, lI, 9; Estobeu, Écl., I, XVIII,
Latim: motus.
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I Ktvl1't6v (1;6) e:
kinetón (tó) N a verdade, é preciso reduzir o 1110vinlento a duas grandes
[orolas: 1110vimento proprianlente dito, físico; e Inudança,
kinoúmenon (tó) I KtvO'ÚlJEvov ('t6): móvel, ser movido. nl0dificação nletafísica.
Latim: mobile.
• Sentido físico. a. mecâ"ico: a ordem do mundo. Filolau distin-
gue duas espécies de ser: os eternalnente Üllutáveis e os eter-
kinoun (tó) I KtvO'iíV ('t6): motor, o ser que move. nalnente nlutáveis; estes estão subnletidos ao princípio do
Latim: movens. mov1Jnento, que se efetua eternamente segundo uma revolu-
ção circular. Os prinleiros são motores dos outros (Estobeu,
Esses quatro termos derivam do verbo kinô / KtVro (= KtVÉW): Écl., XX, 2). Platão constata que não há móvel sem motor,
movo. Kinetón é o adjetivo verbal, kinoúmenon, o particí- nem motor sem móvel (Timeli, 57c), mas a terminologia que
pio passivo, e kinoôn, o particípio ativo (neutro). A palavra emprega é diferente da de Aristóteles e depois se tornará clás-
kínesis tem como primeiro sentido movimento; com Platão, sica; para ele, o móvel é kinesómenon / KlVT)crÓ!J.êVOv e o
ganha o sentido metafísico de mudança; os dois sentidos de- motor é kinêson / KlVficrov. Aristóteles, na Física, demora-se
pois passam a coexistir. Mas os tradutores, na esteira dos lati- nos problemas do movimento. No livro III, apresenta uma
nos, conservam o mesmo termo para os dois sentidos. definição: "O movimento é a passagem ao ato (entelékheia)
daquilo que está em estado de potência (drnamis)" (III, I,
Diferentes espécies. Aristóteles esforçou-se por distinguir as di-
201 a); de outro modo, ele é "o ato do motor sobre um mó-
ferentes espécies de movimento, mas se contradiz em diversos
vel" (ibid., III, 2-3). No livro VIII, ele se dedica à análise do
textos. Nas Categorias (XIV), onde dedica uma nota ao movi-
movimento e neles identifica cinco elementos: o que nlove
mento, que toma então no sentido de mudança, enumera seis:
na origem, o primeiro motor (to kinoôn prôton / 100 Kt-
- geração: génesis / yÉVEcrtÇ voi)v np<Õ1Oov); O móvel (kinoúmenon), o tempo no qual se
- corrupção: phthorá / <p8opá realiza o movimento; o termo inicial (o "a partir do quê": ex
- aumento: aúxesis / aüçTptç hoô / Ei; oli) e o termo final ("aquilo em direção a quê": eis
- diminuição: phthísis / q>9(crtç hó / Eiç o) (V, I). Epicuro emprega muito a palavra kínesis,
- alteração: alloíosis / àÀÀo(wcrlÇ especialmente para tentar explicar os nl0vinlentos da terra e
- mudança de local: phorá / <papá dos outros astros (D.L.,X, 106, 111, 113, 115 ... ). PIo tino de-
dicou um tratado ao Movimento circular (11, lI), que é ao mesmo
Em De anima (1,3), são enumeradas apenas quatro espécies: o
tempo o nlovimento das realidades sensíveis e o movinlento
aumento e a diminuição foram eliminados. Por fim, em Físi-
da alma que as anilna.
ca (Y, 1-2), ele faz uma nova classificação em quatro catego-
rias: substância, quantidade, qualidade e lugar; distingue en- b. biológico. Em De anima (IlI, 9-10),Aristóteles analisa a facul-
tão, por um lado, o movimento que afeta a substância (on- dade motora, especialmente a ação da alma sensitiva sobre o
sía), que é de ordem metafísica (geração e corrupção), que movinlento do corpo.
ele prefere chamar de mudança (metabolé), e outras três, que • Sentido metcifísico. Parece que é esse o sentido que Pitágoras
são mais propriamente físicas:
dava a kínesis, quando a definia como "diferença ou desse-
- segundo a qualidade: aIteração: alloíosis melhança na matéria enquanto matéria" (Aécio, I, XXIII, I);
- segundo a quantidade: aumento e diminuição aliás, ele arrolava o movimento na categoria do inacabado
- segundo o lugar: translação: phorá (ápeiron), portanto da imperfeição, ao contrário do repouso,

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que pertence à do acabado ou perfeito (Aristóteles, Met" I,
este o tenha posto em lugar de outro, como pân ou hólon.
5). Platão retoma esses dois princípios no Sofista (254b-255b),
Ele aparece em Diógenes de Apolônia (fr. 2), mas certamente
para fazer deles dois dos cinco "gêneros supremos" que per-
no sentido de ordem, em Heráclito (fr. 30, 75,121), em Mar-
mitiam afirmar que há um não-ser (de alteridade) que se
co Aurélio (lI, 4;VlI, 9), em Epicuro (Carta a Heródoto, D.L., X,
opõe ao Ser. Ele afirma a imortalidade da alma, mostrando
45), que prefere pân, em Hermes Trismegisto (Poimandres).
que ela é automotora (autokíneton / Ct1lTOKíVTJ'wv). Aristó-
teles, na Metafísica, volta à análise do movimento. Retoma a Em Platão, encontra-se uma oposição sistemática entre dois
definição do movimento como atualização da potência (K, 9) mundos: o mundo sensível (aisthetós / Cttcn9r\1:óç) e o mundo
e prefere, em seguida, para falar dos movimentos realizados inteligível (noetós / VOTJ1:óç). No entanto, ele costuma relutar
nos corpos, empregar o termo metabolé (K, 11). em atribuir a este último a denominação kósmos, preferindo
tópos / 1:ónoç, lugar (Rep., VI, 509d). A mesma oposição
• Existência do movimento. Sexto Empírico resume as doutrinas
existe em Platina (111, III, 2; V,v, 4; IX, 13, etc.). Platão defi-
em algumas palavras: o vulgo e alguns filósofos afirmam essa
ne o kósmos como: "um ser vivo visível que envolve todos
existência. Parmênides, Melisso e alguns outros o negam. Os
os seres vivos visíveis, um deus sensível formado à semelhança
céticos afirmam que nenhuma dessas posições é mais verda-
deira do que a outra (Rlpot., 111, X, 65). do deus inteligível que é imenso, boníssimo, belíssimo e per-
feitíssimo" (Timeu, 92c).
koinós I KOlVóç: comum. Latim: communis. Aristóteles raramente emprega esse termo, preferindo hólon.
Mas em Fisica, VIII, 2,justapõe:
No feminino, deu o latim coena: ceia, refeição em comum.
- mégas kósmos / JlÉYCtÇ K: macrocosmo = universo
koinonía (he) / KOtVOlVÍCt (Ti): comunidade, sociedade.
- mikros kósmos / ).ltKpOÇ K: microcosmo = organismo
Platão associa esse termo ao termo Pólis (Rep., lI, 371 b).Aris-
tóteles distingue duas: a família e a Pólis, ambas organizadas
para o bem comum (Pai., I, I, 1).
krisis (he) I KpíotÇ (il): juizo, julgamento.
Elemento essencial ao raciocínio, é enunciado pela proposi-
kósmos (ho) / KOOlloç (ó): mundo. Latim: mundus. ção (apóphansis) e estudado especificamente por Aristóteles
em De interpretatione.
O mundo, conjunto das realidades sobre as quais incidem os
nossos sentidos. v. pân, hólon.
kyriótaton (tÓ) I K'\)puYta~Ov (~ó): soberano Bem.
Primitivamente, o substantivo kósrnos é um termo abstrato,
que significa ordem, harmonia, sábia organização. Foi Pitágoras, Sinônimo de áriston na Política de Aristóteles (I, I, 1).
segundo consta, que, constatando a ordem e a harmonia do
Todo, deu-lhe o nome de kósmos, que permaneceu, mas de- lógos (ho) I ÀÓ'yoç (ó): razão. Latim: ratio.
pois passou a ter sentido filosófico, de uso dos especialistas. Em Razão, faculdade intelectual do homem, considerada como
Memorabilia (I, I, 10), Sócrates declara que não está procurando
seu caráter específico; e todas as formas de sua atividade.
saber "como nasceu aquilo que os filósofos chamam kósmos".
O primeiro sentido de lógos (do verbo légein / ÀÉYêtV, fa-
Encontra-se, porém, o termo já a partir de Tales (D.L., I, 35),
lar) é fala, linguagem. Ora, a linguagem é a expressão do pen-
segundo palavras de Diógenes Laércio; mas é provável que
samento. O capítulo IV do tratado aristotélico Da interpretação

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.. '
• Conceito, noção. Sentido freqüente em Aristóteles. Ele formu-
trata do discurso: lógos. De fato, a palavra lagos tem um sen- la a noção de alma (De an., III, 3), do agir e do sofrer (Fís.,
tido muito matizado, que pode ser dividido em três: III, 3), da substância (Met., A, 3), da natureza das diferenças
- faculdade mental superior, sinônimo de inteligência con- (Met., H, 2), e define aquilo que é uma falsa noção (pseudes
ceitual e raciocinante; v. noüs; lógos) (Met., A, 29). Esse sentido torna-se múltiplo nos Tó-
- raciocínIO; picos. Às vezes em Platina: Há no Espírito "um lógos do olho
- conceito. e um lógos da mão" (V, IX, 7) .
• Faculdade. Esse sentido é empregado desde a origem. Pitá- Derivados:
goras divide a alma humana em duas partes: uma dotada de
logikós, que pertence à razão, lógico. As obras de lógica de
razão e outra desprovida de razão. A primeira é incorruptível
Aristóteles não levam esse título, que aparece mais tarde nesse
(Aécio, IV, IV, 1; V, 10; VI, 1). A mesma distinção está em
sentido preciso, provavelmente com os estóicos. No neutro, to
Aristóteles (Ét. Nie., VI, 1,5), segundo o qual é o lógos que
logikón: a alma racional (Aécio, sobre Pitágoras: IV,V, 10).
conhece o universal (kathólou), objeto da ciência (Fís., I, 5).
Platão divide a alma em três partes, ou seja, em três faculda- logismós: raciocínio.
des maiores: razão (lógos), coração, sensibilidade (Rep., IV, logistikón: referente ao grau inferior da razão (em Aristóte-
439a-441c). Há também uma alusão em Timeu (89d-e), onde
les). V. areté.
se afirma que o lógos é a melhor parte e deve dirigir as ou-
tras; é essa parte que sobreviverá após a morte (Fédon,66e).
l'Ípe (he) I Â:Íl1111 (f]): tristeza.
Em Heráclito, o lógos é essencialmente a razão universal, es-
Uma das quatro principais paixões (páthos) entre os estóicos
pécie de alma do mundo; há um Lógos que governa o uni-
(D.L.,VIl, 111). "Foge da tristeza!" (Periandro, Sentenças, 56).
verso (fr. 72), eterno e incompreensível (fr. 1): a sabedoria
consiste em conformar-se a ele (fr. 50), graças à razão que te-
mos (fr. 115), e que temos em comum (fr. 2).A doutrina dos makariótes (he) IIICXKllptÓ--CllÇ (f]): felicidade,
estóicos é a mesma, embora mais elaborada; a Natureza uni- bem-aventurança.
versal é Razão, ou melhor, a razão é o princípio imanente e
Sinônimo de eudaimonía. V. essa palavra.
diretor da Natureza (D.L.,VIII, 88; Cícero, De nato deor., lI, 5;
Marco Aurélio,VI, 5); e a filosofia consiste em manter a razão
mania (he) Illavícx (f]): delírio.
reta em harmonia com a Razão universal (Epicteto, Leituras,
IV, VIII, 12). Platina também gosta de citar uma Razão uni- Em Platão, dom divino que transporta a alma para as Realida-
versal (Lógos toô pántos / ÀÓyoç 1:013 náv1:oç) (11, III, 13; des eternas. Em Mênon (98c-l00b), designa a profecia, a adivi-
m, III, 1). nhação, a poesia, a direção carismática do Estado. Em Fedro
• Raciocínio. Melisso chama de maior o argumento (lógos) (244a-251a), são a profecia, a prece, a poesia e o amor (éros) .
que lhe pareça convincente (Simplício, De cada, 558). Platão
aduz um argumento (lógos) a favor da vida eterna (Fédon, máthema (tÓ) 11J.Ó:9fll.l.CX (--có): saber.
63a),Aristóteles, a favor da existência do lugar (Fís., IV, 1), so- Programa dos ensinos (Platão, Rep.,VIl, 534e). Platão exalta o
bre os contrários (Fís., 1,3), ou também sobre a natureza do saber que leva à Beleza (Banquete, 211c). No plural: mathé-
movimento (De an., I, 3) etc.

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mata Ou mathematiká: matemática (Aristóteles, Fís., II, 2,
79; m, 4; Met., M, 3). apenas da transformação pessoal: a morte transformará meu
ser em parte do universo (V, 13; IX, 35).
máthesis (he) IlláerJcrtç (1Í): estudo. metaphysiká (tá) I Jlê1:<XCp'OOtKá. (1:á.). Plural neutro de
Xenofonte afirma que Sócrates incentivava o estudo em seus metaphysikós: metafísica. Latim: metaphysica.
alunos (Mem., IV, I, 3). Platão cria um programa de estudo Termo nunca empregado pelos autores gregos, pois data do
para a formação da juventude (Leis, 804b-c). Na forma ver- filósofo árabe Averróis (século XII). É contração de metà tà
bal: to mathein / TO J,!cx8€iv (Epicteto, Leituras, 11, IX, 13). physiká / lJETã Tã q)uO"lKá, "o que vem depois da Física'" (de
Aristóteles), denominação dada por Andrónico de Rodes, no
me ón IIlTJ OV: o não-ser. Latim: nihil, nihilum. século I a.c., às diversas obras de filosofia primeira de Aristó-
Termo inaugurado por Parmênides e depois confrontado por teles, na primeira edição do Corpus aristotelicum, ou conjunto
Górgias, Platão e Aristóteles com a noção de ser. ón / iív (v. essa das obras que nos restaram de Aristóteles entre as numerosas
palavra). Também se encontra ouk ón /OUK iív obras perdidas.
1. Physikâ I q>VO"ucó: também é um adjetivo plural neutro. subentendido: "os livros".
metabolé (he) I Jlê1:af3oÀ1Í (,,): mudança. modificação.
transformação. Latim: mu ta tio. metaxy (tÓ) I Jlê1:cxÇ'Í> (1:ó): meio. intermediário.
Termo originariamente não filosófico. Do radical: bálIo / Latim: medium.
l3áÀÀOl, eu lanço, eu jogo; metabálIo / lJETcxl3áÀÀOl: desloco,
Advérbio substantivado sinônimo de méson / J.!ÉO"ov.
transformo. A metabolé é uma mudança, uma transformação.
Platão dá a essa palavra um sentido metafisico: tudo o que é
Em filosofia, a metabolé distingue o ser sensível, fadado à
intermediário entre o Ser e o não-ser, objeto de opinião
mudança, do ser inteligível, perpetuamente o mesmo. Termo
(dóxa) (Rep., V, 477a-479d);Aristóteles lhe dá um sentido ló-
moderno de fisiologia: metabolismo, conjunto de transforma-
ções energéticas do organismo. gico: não há intermediário entre os contraditórios (Met., r, 7).

Heráclito constata que não é possível tocar duas vezes o mes-


méthexis (he) I J.Lé8€l;tç (,,): participação.
mo corpo devido à mudança (fr. 91). Platão só emprega essa
palavra incidentemente. Ao contrário, Aristóteles compõe um Essa palavra costuma ter um sentido prático: participa-se de
verdadeiro tratado sobre a mudança (Met., Z, 7-9).A mudan- uma guerra, de um banquete; recebe-se uma parte na heran-
ça comporta duas espécies: por um lado, a geração (génesis) ça. É formada pelo verbo ékhein / EXEtv com a preposição
e a corrupção (phthorá), que são a vinda ao ser e a saída do metá / lJETá, com. Assume sentido metafisico com Platão.
ser; por outro lado, o movimento (kínesis. v. essa palavra), que
Segundo esse sentido metafisico, o mundo sensível participa
compreende três espécies: crescimento (aúxesis) e decrésci-
do Mundo inteligível por ser seu efeito e sua cópia, visto
mo (phthísis); alteração (alIoíosis) e translação (phorá).
que as Essências (eíde), que são as Realidades perfeitas, ab-
Retoma rapidamente a análise do fenõmeno no livro K (11-
solutas e eternas, são a causa (aitía) e o modelo (parádeig-
12). Não há mudança nos seres celestes (De caelo, 1,9). Os es-
ma) daquilo que é sensível, imperfeito, relativo e temporal.
tóicos são pouco prolixos nesse assunto; Marco Aurélio fala
v. eikón.
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A fonte da existência dos seres temporais, para Platão, é a
mo tempo Deus e Bem (Aécio, I,VII, 18).A Mônada, perfei-
méthexis. "Não conheço outro modo de vinda ao ser, para
ta, é qualificada de péras / nÉpaÇ: o acabado, o determinado;
cada ser, a não ser participar de cada Essência própria da qual
engendra a díade dyás / õváç, que, sendo derivada, é o inaca-
deve participar" (Fédon, 101c). O Mundo inteligível, funda-
bado e o indeterminado, fonte de erro e mal (D.L.,VIII, 25;
mento de toda a realidade, serviu de modelo ao Demiurgo
Aécio, I,VIII, 18; Aristóteles, Met., I, 5). Encontra-se também
para plasmar um Outro mundo que tenha a mesma essência
essa noção de Mônada como origem e Princípio dos seres
que ele (Timeu, 28a-b). Platina retomou esse termo e esse
em Proclos (Teologia, 21).
sentido, sendo fiel a Platão (UI, VI, 11, 12, 14; VI, IV, 12-13).
Já se encontra o verbo metékhein em Diógenes de Apoló- morphé (he) 11l0p<plÍ (1Í): forma.
nia (fr. 5), que afirma que todas as coisas participam do ar
(aér), que é o primeiro Princípio (arkhé). Sinônimo restriro de eidos. Empregado especialmente por
Aristóteles em sentido metafísico: "A substância é composta
Atenção: o verbo participar tem os seguintes sentidos: comu-
de matéria e forma" (Met., H, 3; Fís., I, 9, 11,1). Mas a fórmu-
nicar, compartilhar e apresentar a natureza, as qualidades, os
la hyle + morphé não é exclusiva: encontra-se hyle + ei-
traços comuns a algo. É neste último sentido que se diz: o
dos (Hs., X, 11, 2; De an., I1I, 2 etc.). Em Árquitas, a forma
mundo sensível participa do mundo inteligível.
(morphé) é "a causa do Ser", e a substância (ousía) é o subs-
mímema (tó) IllíllTJl.l<X ('Ló): imagem. v. eikón. trato que recebe a forma (Estobeu, Écl., I, 35).

mnéme (he) IllvlÍllT) (1Í): memória. mythos (ho) 11l'Õ9oç (ó): mito.
Doutrina religiosa figurada, transmitida por uma tradição
É a faculdade de aprender (Aristóteles, Met., A, 1). Sinônimo:
mnemosfne. anônima. Sócrates, na prisão, afirma que é preciso "recorrer
aos mitos, e não aos raciocínios" (Fédon, 61b). Deve ser dis-
monás (he) IllOváç (1Í). Genitivo monádos: mônada. Latim: tinguido da alegoria, cujo autor é individual e conhecido ("a
unitas. caverna", em Platão. v. spélaion).

Unidade aritmética. Em metafísica, o Uno, Princípio primei- nóesis (he) I VÓT)O'tç (1Í): pensamento, noese.
ro. Radical mon-, que se encontra inicialmente em mónos Latim: intel/ectus.
/ /lóvoç: só, único. Derivado tardio: monismo, doutrina se-
Esse termo designa, mais precisamente, a razão intuitiva,
gundo a qual só existe uma única Realidade.
aquela que contempla diretamente o inteligível, o noetón /
Esse termo, COm seu significado metafísico, é especificamente vOTl'róv.
pitagórico. Encontra-se incidentemente em Platão, Platina e
Proclos. Antes do sistema platônico, esse termo designa o pensamento
em geral. Em Parmênides (fr. 2), o pensamento do Ser e do
Por um lado, a Mônada pitagórica, em aritmologia, é a unida- não-ser; no materialismo de Diógenes de Apolônia, a inteli-
de da qual procede o número (é encontrada no Tratado de gência em geral, mantida pelo ar que respiramos.
aritmética de Aristóxeno) e, em metafísica, o Princípio do qual
A nóesis adquire sentido preciso na República de Platão.
decorrem todas as outras realidades (D.L.,vII!, 25). É ao mes-
Constitui o segundo estágio da ciência, ou seja, o ápice do

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conhecimento, ao qual o sábio chega corno termo da dialéti-
ca (v. dialektiké) (Rep., 509d-5Ilc; 534a). direito legal (nomikón / VOlltKÓV), que depende do Estado. Em
Retórica (I, X, 1), ele chama a lei escrita de particular (ídios /
Esse termo adquire grande importância COm Aristóteles, que YOtoç) e a lei não escrita, de comum (koinós / KOtvóç).
faz da nóesis o próprio ato pelo qual Deus é Deus. De fato,
a inteligência (nous) do Ser eterno, que é o Bem em si, per-
Já encontramos essa noção de lei nào escrita num tratado pi-
tagórico Da lei e da justiça, atribuído a Árquitas. O doxógrafo
feitamente desejável, só pode estar em ato se encontrar o seu
João Estobeu (século V d.C.) conservou alguns de seus excer-
objeto específico; ora, esse objeto é necessariamente ele mes-
tos: "Ás leis dos maus e dos ateus opõem-se as leis não escri-
mo; e é essa nóesis, pensan1ento perfeito, que se pensa a si
tas dos deuses [... ] A lei precisa condizer com a natureza." Por
mesma; ato de intelecção pura, é a própria existência de Deus
natureza, é preciso entender aqui não a natureza sensível, o
(Met., A, 7, 1072a-b). É, assim, Pensamento do Pensamento universo, mas a natureza humana, que é invariável. Essa obra
(nóesis noéseos / vÓ'lcnç v01ÍaEooç, A, 9, 1074b).
seria, assim, a primeira em que se encontram os fundamentos
Encontra-se essa palavra também em Platina, mas inciden- da lei natural, termo este que se entende no sentido moral e
temente, como muitas outras. O mesmo ocorre com Her- político. Um pitagórico contemporâneo, Ocelo de Lucânia,
mes Trismegisto (IX), que faz um confronto entre nóesis e teria escrito um tratado Da lei: Peri nómo / llEpt VÓ)lúl'.
aísthesis. Outros dois pitagóricos antigos, Zaleucos e Carondas, cele-
brados por Diodoro e Aristóxeno, escreveram um Preâmbulo
nómos (ho) I VÓIlDÇ (ó): lei. Latim: lex. às leis', para a constituição de suas cidades-Estado na Magna
Grécia. Contudo, o mais famoso tratado Das leis, em dez li-
A lei, iniciativa do homem, opõe-se à natureza. De fato, entre vros, foi escrito por Platão na velhice. Aristóteles considera as
os autores gregos, a lei não é efeito de uma causa universal e Leis como especificações da constituição; e as define corno
necessária dos fenômenos naturais, mas sim de uma regra so- "regras que estabelecem como os magistrados devem gover-
cial imposta pelos governantes. nar" (Pai., IV, 1,9-10).
No entanto, vários autores afirmam que, anteriormente às leis Essas noções de lei natural e de lei divina são negadas pelos
do Estado, que sào convencionais em maior ou menor grau, sofistas, para os quais toda lei é arbitrária e só tem a utilidade
há leis não escritas (ágraphoi nómoi / ayp<1.(pot VÓ>Wt) que são como fim. Essa é a tese exposta por Hípias em sua obra Me-
eternas e devem servir de referência à vontade humana. É o morabilia (IV, IV, 4), por Cálides em Górgias (482), por Trasí-
caso de Sócrates, nos Memorabilia de Xenofonte (IV, 4). Eram maca na República (11, 358e-359b). E mais tarde pelos céticos:
essas leis as invocadas pela Antígona de Sófocles contra as de- Pírron, Tímon, Enesidemo (D.L., IX, 101). Demófilo empre-
cisões de Creonte (V, 453-455); são elas incidentemente ga o termo nómos thetos: lei divina (Similitudes, 29, in Esto-
mencionadas por Aristóteles em sua Política (VI, 5). beu, Ant., lI, 28).

A oposição entre natureza e lei aparece no sofista Antifonte, Locução: nómo peíthou / vÓf!Cflmí80u: observa a lei! (Pítaco,
que acusa a lei de aprisionar a natureza (Gernet, fr. 4) e é ex- Sentenças, 15; Sosíades, Preceitos, 2, in Estobeu, Ant., m, 80).
posta mais especialmente por Aristóteles na Ética nicomaquéia 1. Por nómou I VÓ)lOU; genitivo dórico, dialeto no qual escreviam os pitagóricos das
primeiras gerações.
(v, 7). Este distingue duas espécies de direito: o direito natural 2. Proo{mia nomôn.
(physikón / (jmatKóv) é "aquele que, em todos os lugares, tem
o mesmo poder e não depende da opinião", ao contrário do

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Foi Anaxágoras que deu ao nous toda a sua importância me-
nous (ho) I vo'iíç (6): espírito. Latim: spiritus, intellectus.
tafísica. Ele apresenta eternamente duas realidades, uma ma-
Esse termo tem dois sentidos: terial - o caos (ápeiron) - e outra espiritual - o Espírito
- substância: espírito; (nous). O Nous, potência ativa, organiza o caos, potência
- faculdade mental: inteligência. passiva, e com ele faz o mundo (D.L., lI, 6).Assim, o Indeter-
minado é potência (d:fnamis / ôúvaj.uç) (Aristóteles, Met.,
Essa forma, usual nos filósofos clássicos, é a contração de nó-os
l, 4), enquanto o Espírito é ato (enérgeia / EVÉp"fEta) (ibid.,
(váoç), que se encontra no dialeto jônio; o radical no designa
A, 6). Anaxágoras escreve: "O Espírito é eterno (fr. 14), autô-
pensamento. A linguagem fIlosófIca emprega vários derivados:
nomo (autokratés / al)1:oKpa1:!Íç), existe separadamente
nóesis / VÓllCHÇ: Razão contemplativa (v. essa palavra). ().tóvo;),sem se mistum a nada" (ti. 12;Aristóteles,Met., A, 8). É ele
noerós / VOEjlÓÇ: Intelectual. que realiza a separação dos elementos confundidos (fr. 13).
nóema / VÓllJ.!a: Pensamento. Arcaico, empregado por Assim, "ele é o Princípio primeiro de todas as coisas", é "a
Parmênides. causa da beleza e da ordem" (Aristóteles, De an., 1,2).
noetón / VOll1:ÓV: Aquilo que é pensado. Platão e Pla-
Heráclito trata do nous como uma faculdade mental: "aque-
tina empregam a palavra no plural:
les que falam com espírito" (fr. 114):"a erudição não é um si-
noetá / VOll1:<Í.
nal de espírito" (fr. 40). Parmênides também emprega nous
noein (verbo) / VOEtV: Ato de pensar. É encontrado em Par-
no sentido de pensamento (fr. XVI); Empédocles, no sentido
mênides, Platão, Aristóteles e Platina.
de inteligência (fr. lI, 8; fr. IlI, 13). E também Platão: "Aquele
énnoia / ewota: Pensamento (intelectual). Empregado
que tem espírito" (Fédon, 62e); a Realidade transcendente sÓ
por Platão e Epicteto.
é conhecida pela inteligência espiritual: nó (dativo).
diánoia / õt<Ívota: Razão raciocinante (v. essa palavra).
epínoia / Enívota: Pensamento. Em Pitágoras. Aristóteles dá ao nous, sucessivamente, os dois sentidos.
eúnoia / EÜVOta: Benevolência. Em Aristóteles. Sentido psicológico em De anima, onde acrescenta um ele-
prónoia / njlÓvota: Providência divina. EspecifIcamente mento novo; explica o conhecimento por dupla inteligência:
nos estóicos. de um lado, o intelecto passivo (pathetikós / nae,,1:tKóç), às
hypónoia / únóvota: Conjectura. Em Marco Aurélio. vezes chamado de "intelecto paciente", de acordo com o la-
ágnoia / iiyvota: Ignorância. tim, que é "como uma tábua na qual nada ainda está escrito"
Encontramos o termo nous empregado desde a origem tan- (IlI, 4); por outro lado, o intelecto ativo (poietikós / nOtll1:t-
to no sentido metafísico quanto no psicológico. Diógenes Káç), chamado às vezes de "agente", "princípio causal", que
Laércio (I, 35) cita um aforismo de Tales: "De todos os seres, produz o conhecimento, que escreve na tábua. Ora, enquanto
[ ... ) o mais rápido é O Espírito (voiíç), pois ele percorre o intelecto passivo é corruptível, ou seja, está associado à de-
tudo." Essa palavra pode ser entendida nos dois sentidos. Pi- cadência do corpo, o intelecto ativo está "separado", ou seja,
tágoras também emprega alternadamente os dois sentidos. não ligado ao corpo; "não tem mistura, é impassível", e assim
Diz ele: "A Mônada, que é Deus e Bem, é o próprio Espíri- "imortal e eterno" (lII, 5). O sentido metafísico aparece em
to" (Aécio, I,VII, 18). Trata-se, pois, de uma realidade substan- Metafísica: Deus é a própria Inteligência; portanto, é Espíri-
cial. Mas, em outro lugar: "Nossa a!ina é formada da tétrade, a to, realidade primeira e perfeita; o Nous é aí a mais divina das
saber: inteligência (nous), ciência, opinião, sensação" (ibid., I, realidades; ele é o próprio Ato de pensar (Met., A, 9). v. nóe-
m, 8).Aqui se trata de uma faculdade mental. siso Ademais, Aristóteles opõe ao intelecto prático (nous

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praktikós), que se aplica às realidades sensíveis, o intelecto oikonomía (he) loiKoVOllía (lÍ): economia doméstica.
especulativo (nous dianoetikós ou noetikós), que se apli-
Política. A arte das três relações que existem no seio da famí-
ca aos objetos mentais (De an., III, 7).
lia e se repetirão no seio do Estado: relação despótica (des-
Pio tino segue Aristóteles. Do ponto de vista psicológico: potiké), entre O senhor e o escravo; relação conjugal (gami-
"Há, por um lado, o intelecto raciociname (logizómenos) ké); relação de poder paterno (teknopoietiké) (Aristóteles,
e, por outro, aquele que possui os princípios do raciocínio. Pai., I, m, 2).
Essa faculdade de raciocinar não precisa de um órgão fisico
[... ], está separada e não tem mistura com o corpo" (V, I, 10). olkos (ho) loiKDÇ (6): familia.
Do ponto de vista metafisico, o lugar do Nous é um tanto
relativo: ele é a segunda das Hipóstases que constituem a Em Aristóteles, imagem e origem do Estado (Pol., I, iI).
Realidade original. A primeira, absoluta e primeiro Princí-
pio, é o Uno (hén) ou o Bem (agathón); a segunda é o Es- oligarkhía (he) IOÂtyapxía (lÍ): oligarquia.
pírito, ou Nous, que dele procede necessariamente desde Governo baseado na riqueza (Platão, Rep., 550c-553a). O ho-
toda a eternidade; embora segundo, esse Nous possui um mem oligárquico é guiado pela cobiça e pela pusilanimidade
conjunto de atributos que fazem dele um absoluto: ele é o (Platão, Rep., 553c-555b). Aristóteles distingue quatro espé-
lugar das Essências platônicas, a Inteligência em ato de Aris- cies de oligarquia: censitária, por cooptação, hereditária e di-
tóteles, a Beleza eterna, o Ser, a Potência criadora (V, I, 5-7,
nástica (Pol., IV,V, 1-2).
10; 11; I1I, 1-12; IV, 2;VI, 4;VIII, 3, 5; IX, 3-9; I,VIII, 2). O ho-
mem, por seu prôprio espírito, participa do Nous absoluto; ón (tÓ) lov ("Có): ser, ente. Latim (tardio'): ens.
por isso, é imortal. É esse espírito que é o instrumento da
Plural: ónta (tá).
contemplação das Idéias, dos Inteligíveis (noetá) e faz o ho-
mem ter acesso à verdade (V, I, 11; I1I, 3, 5-8). Por isso, ele é Particípio presente neutro substantivado do verbo einai /
a essência do homem:" é próprio do homem, é a vida segun- ElvC!t: ser W peso sing.: eimí / E11lí: sou). Tradução literal: o
do O espírito": bíos katà ton noun / j3íoç KCXTà TOV vouv (I, ente, o ser sendo.
IV, 4,10).
A ontologia (palavra fOIjada no século XVII por Clauberg)
Marco Aurélio vai mais longe e garante que "o espírito de é a parte da metafísica que estuda o ser como noção univer-
cada um de nós é um deus" (XII, 26). sal (de óntos / iíVTOÇ, genitivo de ón).
Para Proclos, o Espírito é múltiplo; não é apenas o Espírito, Dupla significação: a) o ser singular, o existente; b) o ato de
que procede do Uno, mas sim espíritos (noi / vol), que par- ser, o fato de ser; e daí: o ser em geral, tomado abstratamente;
ticipam do Uno. Todo espírito é divino, ato, pensa-se a si que pode vir a ser, em Platão: o Ser em si, a Essência do Ser,
mesmo; é substancial, indivisível, gerador de idéias (Teologia, Realidade inteligível.
160-183).
Aristóteles faz distinções mais sutis: a) ser por acidente (katà
symbebekós / KCXTà (ju!lJ3Ej311KÓ<;), que se exprime pelo pre-
nun (tÓ) I viN hó): instante. dicado: o homem é músico; e ser por si (kath'hautó / KCXS'
Textualmente: "o agora". "O instante é a continuidade do cxilTó), que se exprime pelo sujeito (v. autós); b) o ser como
tempo, pois liga o passado ao futuro" (Aristóteles, Fís., IV, 13). verdadeiro, por afirmação da existência (o ser é aqui contrário

101
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ao não-ser: me ón / fLT] ov); c) ser em ato (entelékheia / EV-
o não-Ser, ou seja, nada. Daí a perfeição do Ser: "O Ser é in-
1:EÀÉX6tÇ<): vidente = que vê atualmente tais objetos; e ser em
criado e imperecível, pois só ele é perfeito, imutável e eter-
pot~ncia (dynámei / ouváfLEt, dativo): vidente = capaz de ver
no." "O Ser também não é divisível, pois ele é inteiramente
os objetos (Met., d, 7, E, 2-4, K, 8-9).
idêntico a si mesmo" (fr. VIII, 3-5, 22).A mesma doutrina está
É com Parmênides que começa a filosofia do Ser, com o em Melisso, com o argumento extraído da mudança: "Se o
emprego sistemático da palavra ón. Eventualmente ela é en- Ser (eón / Eóv) mudasse, o que é pereceria, e o que não é
contrada antes dele no sentido concreto: os seres (Filolau, in (ouk eón / OUK Eóv) apareceria" (fi-. VIII, 6). Contra o eleatis-
Estobeu, Écl., I, 21). Atribuíam-se a Árquitas, na antiguidade, mo erige-se o atomismo de Leucipo e de Demócrito, que
duas obras de elaboração mais tardia: um tratado Dos princí- "tomam como elementos o pleno e o vácuo, por eles chama-
pios (Peri arkhôn / IIEpi àpXrov) e um tratado Do ser (Peri dos, respectivamente, Ser e não-ser" (Aristóteles, Met., A, 4).
óntos / IIEpi OV1:0ç), no qual a palavra ón é empregada cor- É também contra a doutrina do Ser de Parmênides que Pla-
rentemente no sentido de ser em geral; a maioria dos críticos, tão reage no Parm~nides e no Sofista, mas de um modo bem
por causa desse vocabulário, rejeita a autenticidade desses diferente do de GÓrgias. No primeiro diálogo, ele expõe que
tratados; mas não se deve esquecer que Árquitas (t c. 380), o Ser verdadeiro é a Essência (eidos / EtÕüç), que é múltipla e
embora pitagórico, é duas gerações mais novo que Parmêni- compartilha o Ser, que é assim o Universal, ao mesmo tempo
des (t c. 450) e conheceu sua obra; ademais, ele emprega o uno e múltiplo (162a-b etc.). No segundo, mostra que, a par-
dialeto dórico em uso na Magna Grécia: tà eónta / 1:à Eóv1:a tir do momento em que há pluralidade no Ser, todo ser é ao
em vez de tà ónta (Estobeu, Écl., I, 35, e lI, 2). Aliás, Sócra- mesmo tempo ser e não-ser, ser por participar do Ser, não-ser
tes, contemporâneo de Árquitas, conhece bem a doutrina por participar do não-Ser (240b-258c); a sorte da ontologia é
dos eleatas e emprega o vocabulário deles: "Alguns - constata posta num impasse por Parmênides, que negava o princípio
ele - acreditam que o ser (to ón) é único (hén / EV) (Xeno- da alteridade em nome do princípio de identidade, e sai desse
fonte, Mem., I, 1,14). Euclides de Mégara, aluno de Sócrates, impasse com Platão. Este aproveita a ocasião para estabelecer
identifica o não-ser com O mal, pois o Ser é o Bem. Górgias, os cinco gêneros supremos (eíde mégista / do" fLE)'w1:a)
outro contemporâneo de Árquitas, manipula as palavras ón e das Essências eternas: o Ser (to ón), o repouso, o movimen-
me ón no puro estilo eleático. Aliás, ele muda eventualmen- to, o mesmo e o outro (v. génos).Já em Fédon (78c-d), Platão
te de terminologia, adotando einai em lugar de ón, em sua mostrara que, em cada coisa, o que é (hó esti / O wn) sem-
famosa proclamação niilista transmitida por Aristóteles: pre, ou seja, seu ser (to ón), é a Essência única que é em si e
"Nada (oudén) existe (ouk einai); se alguma coisa existe, é por si" (auto kath'hautó). v. autós.
incognoscível (ágnoston / liyvwO"1:ov); se existe e se é cog-
Em Aristóteles, a filosofia primeira (he próte philosophía /
noscível, não pode manifestar-se aos outros" (Sobre MeUsso,
1Í npOO1:" cptÀooocpía), aquilo que chamamos de metafísica, é a
Xenófanes e GÓ>gias, V; cf. Sexto Empírico, Adv.log., I, 65-87).
ciência do Ser enquanto Ser (to ón hê ón / 1:Õ OV TI ov)
Na verdade, a obra de Górgias, Do não-ser e da natureza, que (Met., r, 1; E, 1; K, 3), ou seja, ela não estuda este ou aquele
não chegou até nós, é uma resposta a Parmênides ou, mais gênero de seres, mas o Ser enquanto universal (kathólou).
exatamente, à sua ontologia absolutista. Esta tem Como ponto Pois "tudo O que é é chamado ser em virtude de alguma coisa
de partida dois axiomas irrefutáveis: o Ser é, e o não-ser não una e comum, ainda que em sentidos múltiplos" (ibid., K,3).
é. Portanto, só há um único Ser (o Uno); pois, se houvesse
Para Platina, o Ser que merece realmente esse nome é o ser
um segundo (como a díade - dyás - de Pitágoras), ele seria
verdadeiramente ser (ón óntos ón / OV OV1:Wç ov) (111, VI,

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i. _ _ _ _ __
1 103
6), que só existe no mundo inteligível (IV, m, 5) e é ao mes- Encontra-se esse termo em Heráclito, quando ele declara que
mo tempo o objeto de seu próprio pensamento (V,V, 1). Isso a substância das coisas está submetida à mudança: metabolé
aproxima Platina de Aristóteles. v. nous. (fr. 91).
1. o verbo esse (ser), em latim, não tem particípio; on, portanto, era intraduzível. Foi na
Idade Média que se descobriu um longínquo particípio pres("nte, utilizado por raros É com Platão que essa palavra se instala na filosofia; ele lhe
autores. Mas ainda se preferia traduzir o particípio on pelo infinitivo esse: "AJ'ens se_ confere sentidos diversos, especialmente o Ser; em Teeteto
qllilUf esse" (O agir decorre do ser).
(185c): ousía e me einai / Ili) EIVat = ser e não-ser, mas
sempre no espírito do sentido primeiro, sobretudo:
órexis (he) / õpe1;tç (1't): tendência.
• Ess~ncia eterna (de outro modo eidos / EWoç), a Realidade
Em Aristóteles, um dos três elementos do conhecimento hu-
metafísica transcendente ao mundo sensível. Aqui, substân-
mano, com a sensação (aísthesis) e o pensamento (nous).
cia e essência designam o mesmo Ser, "É preciso pôr, para
Ela é expressa por dois movimentos opostos: a busca (díoxis)
cada Realidade (absoluta: ousía), a existência por si mesma
e a fuga (phygé) (Ét. Nie., VI, lI). Em Epicteto, faz parte da- (kath'hautén)" (Parmênides, 133c). "A realidade realmente
quilo que é "de nós": eph'hemin / €<P' TJlllv (Manual, I, 1), existente (ousía óntos' ousa / oooia iív'[;wç oúaa) é sem
cor, sem forma, sem tato, e só pode ser contemplada pela In-
ouranós (ho) /O'Ópaváç (ó): céu. teligência (nous), guia da alma" (Fedro, 247c). "Quando falo
Significado mais habitual: universo. "O céu inteiro, ou mun- de Grandeza, Saúde e Força [ ... ] trata-se da Realidade (ou-
do" (Platão, Timeu, 28b). AristÓteles publica um tratado Do sía)" (Fédon, 65d). Esse termo designa claramente aqui, ao
céu (Peri ouranou), para mostrar que o universo (pãn) é mesmo tempo, substância e Essência eterna. O mesmo signi-
perfeito (téleion) (1,1). ficado existe quando Platão atribui à razão superior (nóesis)
a tarefa de elevar-se até a ousÍa (Rep., VII, 523a).
Derivado: ouránios / oupávtoç: celeste. "Amor celeste: éros
ouránios" (Platão, Banquete, 206c). • Essência das coisas, sua natureza. Os homens costumam igno-
rar a essência (ousía) de cada coisa (Fedro, 237c). As realida-
ousía (he) /oooía (1't): substância, ser, essência. des cognoscíveis recebem o ser e a essência (einai kai ousía)
Latim: substantia. do Bem (agathón) (Rep., VI, 509b). No livro II da República
(359a), Platão tenta definir "a natureza da justiça" (ousía
ousía é um substantivo derivado de ousa, particípio femini- dikaiosYnes),
no do verbo einai / EIVat: ser. O neutro é ón / iív: ente, ser. A
Foi Aristóteles que tratou sistematicamente de sua noção de
ousía significa, portanto, aquilo que é, o que existe realmente
fora de nosso pensamento. ousÍa como substância, de acordo com três planos: lógico, fí-
sico e metafísico.
Esse termo é empregado pelos autores não filósofos no senti-
• Lógico. Primeiramente, por abordagem negativa:" A substân-
do de ter: bens, haveres, riqueza; isso pode parecer paradoxal,
cia, no sentido mais fundamental, é aquilo que não é afirma-
mas não O é: para o homem comum, aquilo que tem realida-
do de um sujeito, nem em um sujeito" (Cat" V, 2a).lsso quer
de e consistência é aquilo que se possui de útil e rentável. Os
dizer: ela não é um predicado (em "a neve é branca", branca
filósofos empregam especificamente ousía em dois sentidos:
não pode ser substantivo) e não pode pertencer a uma reali-
realidade, ou seja, ser enquanto existente; e essência, ou seja, a dade como caráter próprio, não pode ter existência como
natureza desse ser.
modo de um outro ser, Depois, abordagem positiva: ousía é

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1
o sujeito lógico, aquilo de que o resto é afirmado (Cat., V,
verdadeira é o Ser: ousía" (V, VIll, 5). "Aquilo que chama-
4b). Donde uma primeira conclusão: a substância é a primei-
ra categoria do ser (Met., Z, 1). mos Realidade (ousía) no sentido primeiro não é a sombra
do Ser, mas o próprio Ser" (V, VI, 6) .
• Físico. Como é sujeito, a ousía é concreta; e o prin1eiro su-
• Essência das coisas. A alma "recebe tudo o que ten1 de sua es-
jeito concreto apresentado pela experiência é o sujeito sensí-
vel, que pertence à natureza e é objeto de ciência física. A sência" (VI, 11, 6). "Cada um, pelo corpo, está afastado de sua
própria matéria deve ser considerada con10 substância uni- essência; mas, pela alma, participa dela" (VI, VIII, 11). "Em
versal (Met., H, 1,8; A, 2; De gen., 1,4). É na substância física nossos estudos sobre a essência da alma [.. .]" (V, 11,1).
que OCOrre a mudança (Es., 1,4); é por ela que se explicam a • No entanto, lembra-se de Aristóteles quando fala da subs-
geração e a corrupção (ibid., 1,7). Daí a teoria hilemórfica: tância como composto de forma (eidos) e matéria (hyle) (VI,
toda substância física é composta de matéria (hyle / ÜÀl1) e 1,3; III, 3).
forma (morphé / )loP<PlÍ). 1. Óntos é U1ll Jdvábio derivJdo dt: ón, o ser: rl'alWI'IIIC, IHl"I7arlciramCllfe. Ess~ exprt'ssào
concentr~ldl emprega trê_~ \TZe~ U111 termo que ,e refere .10 Ser.
• Metaflsico. A metafísica, ou filosofia primeira (Aristóteles ig-
nora o termo metafísica), é a ciência da substância (Met., r, 2; B,
2; Z, 1;~, 8). A substância - diz Aristóteles - pode ser conside- pân (tÓ) I nãv ('Có): tudo, todas as coisas, o Todo.
rada de quatro pontos de vista: a qüididade (to tí ên einai / 1:à Latim: omnia.
1:í ~ EtVCXl), ou seja, aquilo que a coisa é "por si", em outras
O conjunto das realidades sensíveIS, o universo; v. hólon,
palavras, por nenhuma das qualidades que lhe dizem respeito,
kósmos.
mas por sua realidade própria: Uma existência independente; o
universal (kathólou) e o gênero (génos), pois essa essência é se- Gramaticalmente, pân é, em primeiro lugar, um adjetivo
melhante em todos Os seres que admitem a mesma definição; indefinido neutro (latim: omne) cujo masculino é pâs /
enfim o substrato, ou sujeito (hypokeímenon / tJ1WKEí)lêvov) llãç. A seguir esse neutro é substantiva do para designar uma
(INd., Z, 4). Essa noção soma-se à de qüididade; isso porque, se totalidade.
a substância é independente de suas qualidades e, permanecendo
Esse termo quase não é empregado pelos filósofos. Contudo,
sempre o que é, não muda, ela é a sede, o sujeito das qualidades
é encontrado desde as origens. Árquitas de Tarento teria es-
(os acidentes: symbebekóta) e da mudança. A substância indi-
vidual, única que possui a qüididade, é a verdadeira ousía; crito um tratado Sobre todas as coisas (Peri tou pantós / IlEpl
pode-se, porém, atribuir às essências universais e aos gêneros a 1:0U llav1:óç). É encontrado ocasionalmente em Heráclito (fr.
denominação de substâncias segundas (Cat.,V). 50), Arquelau (D.L., lI, 17), Parmênides (ibid., VIII, 22, 48) e
Melisso (ibid., VII, 1). Sócrates, segundo Xenofonte, empre-
Os estóicos consideram que há uma substância universal (he gava esse termo no plural (tà pánta / 'tà lláv1:a) para lem-
ousía tôn hólon, Marco Aurélio,VI, 1), mas não procuram brar essa noção empregada por seus predecessores (Mem., I, r,
definir essa noção. Não há substâncias individuais, pois todo 11); Platão o evita a tal ponto que ele não figura no douto
ser é um fragmento do Todo único.
Léxico platônico de Édouard des Places. No entanto, é encon-
Platina emprega ousía nos mesmos sentidos que Platão: trado no Timeu (28b, 40b), quando ele apresenta a terra fixa-
da no eixo que atravessa o Todo e se pergunta se há alguma
• Ser, Realidade. "É no Mundo inteligível que se situa a Rea-
diferença de significado entre o conjunto (to hólon) e o
lidade verdadeira: he alethes ousía" (IV, 1,1). "A sabedoria
Todo. Aristóteles o adota em De cae/a para designar o univer-

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1
so. Tanlbém é o ternlO usado por Epicuro, enl sua carta a He- virtudes que devem ser praticadas (I, lI, 2). Em outro lugar,
ródoto (D.L., X, 39, 41). É Plotino que recorre a ele com esse termo é concomitante com o de parádeigma: "O Es-
mais freqüência, embora com parcimónia também, especial- pírito é o arquétipo e o paradigma deste mundo" (111, lI, 1).
mente na primeira El1éada, para opor o Mundo inteligível,
que é o Todo verdadeiro, ao mundo visível, que é apenas ima- páthos (tÓ) / ná60ç (1:ó): paixão. Latim: possio, affectio,
gem desse Todo (VI,V, 2). perturba tia. Plural: páthe (tá) I ná81l ('!:á).

parádeigma (tÓ) / napá8Et'lIlU (1:ó): Modelo. Esse ten110 tem dois sentidos:
Latim: exemplar. • i.VIetqfísico. É o contrário de ação ou, nlais precisatnente, não
o sujeito que pratica a ação, mas o objeto que a recebe.
Em Platão, os paradcigmata são as Essências eternas, modelos a
partir dos quais as realidades sensíveis vieranl ao ser. • Psicológico. É o fato de sofrer, de ser coagido e movido por
uma força interior que escapa à vontade. Por isso, páthos é
Essa palavra é composta pelo radical deik-, encontrado no
também sofrimento, dor, tristeza; o termo páthe / llcX811 (aqui
verbo deiknfnai / ÕEtKVÚVCit, mostrar (1 ~ peso sing.: deíkny-
fem. sing.) tem exclusivamente esse sentido.
mil, e pela proposição para, que designa origem, ponto de
partida. O parad(l?,l11a é aquilo que se manifesta do alto. A raiz grega path- encontra-se em latin1, onde assume o
mesn10 significado; o infinitivo pati quer dizer sofrer, nos dois
Em Timell (28a-b), assiste-se à formação do mundo sensível.
sentidos: ter sofrimento e permitir/receber. Passio (tardio)
O Demiurgo 1110dela a nlatéria primitiva con1 o olhar fixo no
abrange, por un1 lado, un1 sentin1ento intenso e penoso e, por
Paradigma, ou seja, no Mundo Inteligível. A partir daí, há três
outro, um longo sofrin1ento físico: paixão pelo jogo, Paixão
tipos de ser: o Modelo "inteligível e imutável"; a cópia (mí-
de Cristo ou dos nlártires. Derivan1 do grego o tern10 n10-
mema / jJ.íjJ.11jJ.a), visível e sujeita ao nascimento; e o interme-
derno patético e os termos científicos patologia, patógeno, nell-
diário entre os dois, conjunto dos quatro elen1entos: água,
ropata etc.; do latim, padecer, pacimte, passivo, passional.
fogo, ar e terra, em constante devir e mutação (Timell, 48e-
49b). Na República (V, 472d-c), Platão mostra um modelo de Composto: apathés / Ctlla8lÍç, impassível, que não é capaz de
Estado perfeito, cuja cópia o homem político deve realizar. sofrer.
Aristóteles só emprega esse ter1110 para len1brar e criticar a Aristóteles opõe ação e paixão desde o tratado Das categorias.
teoria platônica (Met., M, 5). PIo tino, ao contrário, o adota, Mas ele as designa con1 os infinitivos substantivados: to
mas vai buscar a causalidade mais acima: o Autor do mundo poiein / "O llotElv e to páskhein / "O llcXcrXElv, agir e sofrer
sensível é também autor do Mundo Inteligível (11, IX, 5). (IX e X). Na Metafísica (t., 21), páthos costuma ser traduzido
Mas, em outro lugar, Plotino apresenta o Espírito (Nous) ao por afeição, ou seja, qualidade, estado que afeta uma substância.
mesmo tempo como causa e modelo do mundo sensível (111, Foram os estóicos que mais estudaram a psicologia da paixão:
lI, 1). Também para a alma humana há modelos de vida espi- esta é má influência da sensibilidade sobre a razão. Crisipo a
ritual (111, IV, 5), pois as virtudes são como exemplares no Es- define como "movimento irracional da alma" (Arnim, Frag-
pírito (I, 7). menta veterll/11 Stoicorll/11, III, 113); Zenão, como "um movi-
Sinônimo: arkhétypos (ho) / apXÉ';UllDÇ (6). Utilizado essen- mento irracional (álogos / i'lAoyoç) e contrário à natureza"
cialmente por Plotino: é em Deus que estão os modelos das (parà physin / llapà <púcrtv). Esse fato de ser um movimen-

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Particípio neutro substantivado do verbo phaínesthai (1 ~ peso
to (kínesis / KíVllc>tÇ) a diferencia de outros estados de alma,
sing.: phaínomai): aparecer. Portanto, é apenas aquilo que os
como a doença e o vício, que sào afeições contínuas, enquan-
sentidos conhecem da coisa. A noção habitual é de insufi-
to a paixão é ocasional (Zenão, in D.L.,VII, 110; Cícero, Tusc.,
ciência (a aparência nào noS permite conhecer a realidade)
IV, XIII, 30).
ou mesmo de ilusão (a aparência trai a realidade).
Dois problemas apresentados pela paixão.
O emprego dessa palavra é raro até Aristóteles. É encontrada
• Classificação. No Timeu (69d), Platão enumera incidente- unu vez em Anaxágoras: "As aparências são o rosto do invisí-
nlente cinco paixões principais: prazer, tristeza, ousadia, vel" (fr. 21a), e às vezes em Platão: as obras de arte são "coisas
medo, esperança. Em sua Retórica, Aristóteles dedica doze ca- aparentes, mas não seres dotados de realidade" (Rep., X,
pítulos do livro II a esse tema: um às paixões em geral, onze 596e); o autor das obras nada conhece do ser, mas apenas da
às principais: cólera, brandura, amor e ódio, medo, vergonha, aparência (ibid., X, 601 b). Aristóteles começa a empregá-la em
beneficência, piedade, indignação, inveja, emulação. Os estói- sentido científico: os fenômenos das esferas, do sol e da lua
cos esmeraram-se na racionalização desse exercício, em seus (Met., A, 8, 1073b). É no mesmo sentido que Epicuro a utili-
múltiplos tratados Das paixões, em especial de autoria de Ze- za em sua Carta a Pítoc!es, cujo objetivo é "dar a conhecer os
não, Crisipo, Aristão, Esferos, Hecatão, Herilo. A lista clássica fenõmenos do céu" (D.L., X, 84-126). Quanto a Sexto Empí-
parece ser a de Zenão e Hecatão (D.L.,VII, 110), e provavel- rico, esforçando-se por definir o ceticismo que professa, es-
mente de Aristão, que lhe dava o nome de tetracórdio (Cle- creve: "É a faculdade de opor os fenômenos aos conceitos de
mente de Alexandria, Stromata, 11, XX, 108): tristeza (lyPe / todas as maneiras possíveis" (Hipot., 1,5).
ÀÚllll), medo (phóbos / <pÓj3oç), prazer (hedoné / Íli50vill,
desejo (epithymía / Em8wía) . phantasía (he) I <p<XV'tacría (il): imaginação.
• valor moral. Como o homem é definido pela razão, e como a Faculdade da alma humana de criar imagens imanentes.
paixão é contrária à razão, ela se mostra contranatural e, de O radical phan, oriundo da raiz phao, luz, indica aparência.
direito, é imoral. Foram especialmente os estóicos que mais se É encontrado no verbo phaínein / <paíVEtv: fazer aparecer
estenderam sobre esse faro. Mas as paixões vêm do exterior, (futuro, phanô) e seu passivo phaínesthai / qxxívEO"8m W
do mundo sensível, uma vez que não estão em meu poder; só peso sing.: phaínomai), aparecer. Particípio neutro: phainó-
se tornam condenáveis quando lhes dou meu assentimento menon / <pmvóllEvov, aparência, fenômeno. A phantasía,
(Epicteto, Leituras, 111, XXIV, 20-24; IV, I, 82, 85 etc.; Cíce- num primeiro sentido, é aparência ou imagem, ou seja, apari-
ro, Tusc., 11, XXv, 61; 111, XXIX, 72; etc.). ção ou simulacro da realidade.
péras (tÓ) I nÉpaÇ ('"Có): fim. termo. conclusão. Platão emprega incidentemente essa palavra, ora no sentido
de aparência (Deus é simples e não nos engana com simula-
Ser que é metafisicamente acabado, perfeito. v. seu negativo: cros, Rep., lI, 382c), ora no sentido de faculdade imaginativa
ápeiron. (imaginação e sensação são uma mesma coisa, Teeteto, 152c).
Aristóteles a trata essencialmente como faculdade em De ani-
phainómenon (tÓ) I <patVÓIlEVOV hó): aparência. ma (III, 3) insistindo no fato de que ela é diferente da sensa-
Plural: phainómena. Latim: species. ção (aísthesis) e do pensamento (diánoia): ela é "movimen-
Aquilo que aparece da realidade. No plural, às vezes: aconte- to nascido da sensação". Para Epicuro, a phantasía é sempre
cimentos. verdadeira (Sexto Empírico, Adv. math., VII, 203). Os estóicos

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.....

empregam a palavra phantasía em dois sentidos. Por um É Aristóteles que estuda a philía com mais interesse e am-
lado, é ela aparência (enganosa) que se opõe ao fenômeno plidão, no livro VIII da Ética nicomaquéia, que constitui um
(phainómenon), que é o fato normal (Epicteto, Manual, I, verdadeiro tratado sobre a amizade. Esta, para ser verdadeira,
5). Nisso, a infelicidade é pura aparência, pois é um juízo de deve atender a três critérios: benevolência mútua, desejo do
valor que fazemos sobre o fato real. Por outro lado, phanta- bem, manifestação exterior dos sentimenros (lI, 4); a amiza-
sía tem o sentido mais amplo de representação; se a fonte das de perfeita é a amizade dos bons, que se assemelham pela
paixões (páthe / 1lá8rll não está em mim, o que está em mim, virtude (III, 6). Epicuro considera que toda amizade é dese-
graças à razão, é o uso (khrêsis) das representações (Epicteto, jável, mas começa com a utilidade (Sentenças, 23). Os estói-
Leituras, 111, XXIV, 69; III, 1; lI, 42). Nossa razão só deve dar cos, julgando censurável todo e qualquer sentimento, por-
assentimento a uma representação compreensiva (phantasía que contrário à razão, consideram, porém, que a amizade é
kataleptiké), ou seja, clara e evidente (ibid., 111, VIII, 3; D.L., uma das virtudes mais elevadas e indispensáveis; e Epicteto
VII, 54). Por Outro lado, os céticos (Pírron, Tímon, Eneside- insiste exatamente no fato de que ela é peculiar ao sábio,
mo) declaram que não há diferença entre representação e fe- pois, como exige que o outro seja amado por si mesmo e
nômeno, pois ton1anl0S constantemente uma pelo outro por um bem comum espiritual, é ela impraticável por aque-
(D.L., IX, 107). PIo tino define a phantasía como "o choque le que é inconstante e está submetido às paixões (Leituras,
recebido pela parte irracional da alma por um objeto exte- 11, XXII, 3-7).
rior" (I,VIII, 15).
Empédocles, segundo Aristóteles, explicava o movimento do
mundo pela Amizade (philía) e pelo Ódio (neikos), que
philía (he) I cptÂía ('!Í): amizade. Latim: amicitia. unem e desunem os elementos do mundo, provocando, alter-
Laço afetivo entre dois seres humanos. Derivado do verbo nadamente, o uno e o múltiplo (Pis.,VIII, 1;A, 4). Ora, o poe-
philô / qJtÀ<õ, eu amo. ma Da natureza de Empédocles, reconstituído por Diels, não
emprega o termo philía, mas seu sinônimo philótes /
A amizade é considerada pelos filósofos gregos como uma qJtÀÓ1:1lÇ, que tem um sentido mais forte (fi-. XVII, 7,20; XIX;
virtude ou, pelo menos - conforme escreve Aristóteles _, "é XX, 2, 8; XXVI, 5; XXXV, 4, 13). Por outro lado, emprega
acompanhada por virtude" (Ét. Nic., VIII, I, 1). Eles tomam uma vez a forma philíe / qJtÀí1l (fr. XVIII).
essa palavra no sentido estrito de afeição recíproca, ao passo
1. ó cpíÀüÇ anoç €O"1:iv eyro.
que philía tem sentido bem mais amplo.
A amizade como elo privilegiado já é celebrada por Pitágo- philosophía (he) I cptÂooocpía ('!Í): filosofia.
ras, para quem ela é uma igualdade: isótes / (OÓ1:1lÇ (]âmbli- Latim: philosophia.
co, Vida de Pitágoras, 162) e "o amigo é outro eu'" (Ps-Plutarco,
Vida de Homero, 151); Pitágoras teria chegado a dizer que a Amor à sabedoria.
amizade é "a finalidade de toda virtude" (Proclos, Comentário O inventor da palavra filosofia, segundo diz Diógenes Laér-
ao primeiro Alcibíades, 109c). Essas definições fazem parte da cio, foi Pitágoras. Este considerava que nenhum homem po-
teoria geral da hannonia, que une as partes no universo, as fa- dia dizer-se sábio, e que a sabedoria é privilégio dos deuses.
culdades mentais no espírito e as virtudes no sábio. Platão Por isso, preferiu chamar-se filósofo, ou seja, "amigo da sabe-
emprega incidentemente philía, por exemplo em Pedro doria" (Intr. 12; Lactâncio, Instituições divinas, III, 2; Cícero,
(2131 e), quando fala do homem que merece nossa amizade. Tusc.,V, 8-9; Santo Agostinho, Cidade de Deus, VIII, 2). Para-

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doxalmente, essa modéstia fez que ele fosse considerado
COmo um sábio; Íon de Quios cantava que ele havia sobrepu- phrónesis (he) I <ppÓV110tÇ ('Í]): inteligência.
jado todos os outros em sabedoria (D.L., I, 120).
Palavra de diversos sentidos: sabedoria, em Bias (D.L., I, 88) e
Para Platão, filósofo é "aquele que ama contemplar a verda- em Cleóbulo (Sentenças, 21); pensamento em Heráclito (fr.2);
de" (Rep., V, 475e), e, graças a esse amor, é capaz de atingir o inteligência divina, em Sócrates (Xenofonte, Mem., I, V, 17);
Ser imutável (Rep., VI, 484b). Assim, ele adquire a totalidade pensamento puro, em Platão (Fédon, 68b, 79d etc.); discernimen-
da compreensão das coisas divinas e humanas (Rep., VI, 486a, to moral ("prudência") em Aristóteles (Ét. Nic., VI,V; PaI., IV,
490a-b). Mas, para praticá-la, é preciso morrer para o mundo IV, 11).
sensível (Fédon, 64c-67e). A essa doutrina intelectual e místi-
ca a República acrescenta uma doutrina política: o filósofo é o phthísis (he) I <p9íotç ('Í]): diminuição.
único homenl apto a governar o Estado; pois só ele, contem-
plando as Essências eternas, é capaz de modelar a pólis terres- Uma das formas da mudança (Aristóteles, Cat., XIV). v. kínesis.
tre com base na Idéia de Justiça (VI, 501b-c).
phthorá (he) I <p9ropá ('Í]): corrupção. Latim: corruptio.
Aristóteles professa noção parecida: a filosofia é "a ciência da
verdade": E1lt()'1:1ÍIlT] 1:TJç CtÀT]8êíaç (Met., a, 1, 953b). Mas o Destruição de uma substância sensível. Aristóteles fala disso
objeto dessa ciência não é a realidade transcendente das Es- em seu tratado Da geração e da corrupção: Peri genéseos kai
sências, que Aristóteles não reconhece: trata-se, portanto, de phthorâs / ITept yevÉcreOlç Kat cp8wpõç. Pitágoras ensinava que
uma verdade interior à inteligência humana. No entanto~ a matéria (hyle) está sujeita à corrupção (Aécio, I, XXIV, 3).
como visa atingir a ciência, que é algo divino, a filosofia é a Adjetivos derivados: phthartós / cp9ap1:óç: corrompido,
mais desejável das atividades (Met., A, 2, 983a). AristÓteles es-
destruído; corrnptível, destrutível. "Uma substância deve
creveu um tratado Da filosofia (Peri philosophías) em três
necessariamente ser eterna ou corruptível" (Aristóteles, Met.,
livros, dos quais nos restam 32 fragmentos.
3). "Os seres eternos são anteriores aos seres corruptíveis"
Próte philosophía (he) / 1ljXÓ1:e cp. (i]): filosofia primeira. (ibid., e, 8). o intelecto passivo é corruptível (Aristóteles, De
Termo com que Aristóteles designa aquilo que chamamos de an., m, 5). Aristóteles aplica também essa noção à política:
metafísica. destruição de um poder (PaI., V, X, 38). v. áphthartos.

philótes (he) I <PtÀÓ'tl1Ç ('Í]): afeição, amor, amizade. physis (he) I <p'ÍlOtç (1Í): Natureza. Latim: natura.
Palavra empregada por Empédocles em lugar de philía. o substantivo physis deriva do verbo phyo (cpÚOl), que quer
dizer faço crescer, faço nascer, e, na forma média, phyomai
phóbos (ho) I <pÓf3oç (õ): medo. (cpÚOllat): eu broto, eu cresço, eu nasço. A Natureza se mani-
festa como potência autônoma que possui, comunica e orga-
Uma das quatro paixões principais para os estóicos (D.L.,vIl, niza a vida. Dois sentidos:
112). v. páthos.
• Natureza universal. Se, materialmente, o mundo é um Todo,
phorá (he) I cpopá ('Í]): movimento local (Aristóteles, um conjunto, a Natureza apresenta-se, formalmente, como a
Cat., XIV). v. kínesís. Ordem do mundo, como a lei que regra os fenômenos e a
alma que vivifica o corpo.

114
115

.' i
• 'f\Jatureza Íntima de cada um. Essência.
res em movimento (kinoúmena / KlvoúJ.lEva), ao passo que a
Em seu léxico filosófico (Met., t., 4), Aristóteles tenta encon- nletafísica tem conlO objeto as causas e os princípios inlutáveis
trar uma definição para phYsis. E, para isso, seguindo seu mé- ("imóveis") dos quais os seres naturais extraem sua origem.
todo habitual, passa em revista os diferentes sentidos: Para os estóicos, a Natureza é o Todo e o absoluto. O mundo
- geração (génesis / yéveotÇ) dos seres dotados de cres(l- é "unl vivente único, composto de uma única substância e de
n1ento. É esse o sentido etimológico; uma única alma" (Marco Aurélio, IV, 40), e a ordem que o
- caUSa interna do crescimento, lei imanente à vida; governa é a Natureza. Assinl, a natureza rege eternar.lente o
- matéria-prima dos seres (bronze, madeira); Todo com leis racionais necessárias e perfeitas. Ela é, pois, di-
- substância (ousía /ouoía) dos seres naturais. vina (D.L.,VII, 89,135,147). Epicuro escreveu um tratado Da
natureza, que não chegou até nós. Ele, porénl, aproveita ou-
Conclusão: a natureza, em seu sentido prinleiro e principal, é
tras oportunidades para tecer-lhe elogios: ela é imortal e
a substância dos seres que têm em si o princípio de seu pró-
bem-aventurada, sede da ordem e da unidade (Carta a Heró-
prio movimento.
doto, in D.L., X, 79). Entre os desejos, há os naturais (no mas e.
• ]\latureza universal, O enlprego dessa palavra é antigo na his- sing. physikós) e necessários, os naturais e não necessários e
tória da filosofia. As primeiras obras que expunham o sistema os que não são naturais nem necessários; são os primeiros que
do mundo eram tratados Da natureza (Peri physeos / IIepl levam ao verdadeiro prazer, fonte da felicidade (Carta a Mene-
<pÚOEúlÇ). Assim, esses tratados teriam sido escritos por Tales, (eu, in D.L., X, 149). Para Platina, a Natureza é a forma do
Ferecides de Siro (Da natureza e dos deuses), por vários mem- Universo; ela também é uma alma; não a alma do mundo, mas
bros da escola pitagórica (Brontino, Alcmêon, Mílon, Filo- uma alma segunda, produzida pela alma primeira, que possui
lau), POt Xenófanes, Patmênides, Zenão de Eléia, Empédo- sensações e inteligência (11l,VlIl, 2-4). "Uma natureza única
cles e Anaxágoras. Para Pitágoras, a Natureza era nlais que o (mia) reúne todos os seres: é um grande deus" (V,V, 3).
mundo sensível, pois Porfirio explica que ela continha, além Locução: katà physin / Ka1:à <púmv (acusativo): em confor-
deste mundo e dos homens que o habitam, os deuses imortais midade com a Natureza. Muito empregada pelos estóicos,
(Vida de Pitágoras, 48).
mas também pelo peripatético Critolau (Clemente de Ale-
O nlesmo Ocorre conl Platão. Ele denigre seus antecessores xandria, Stromata, 11, XXI, 129).
"que fizeram investigações sobre a Natureza" por terem • Caráter Íntimo e permanente de um ser: sua natureza, universal
emitido doutrinas ímpias; de fato, chamaram a Natureza de ou individual.
Tétrade dos quatro elementos (terra, água, ar e fogo), trans-
formando-os nas primeiras qualidades de rodas as coisas, sem Filolau fala da natureza do número, que é "mestra de conheci-
se preocupar com a alma espiritual (Leú, X, 891 b-d). Por mento" (Estobeu, É(l., Intr.).Jâmblico conta que os primeiros
isso, ele reúne com o conceito de physis todos os seres, ma- pitagóricos estavam sonscientes da importância de sua nature-
teriais e espirituais, produzidos por uma potência original. za (Vida de Pitágoras, 175). Diógenes de Apolônia constata que
Em Fedro (270c), vê a Natureza como Lei Espiritual que cada um dos quatro elementos é diferente dos outros por sua
rege o unIverso. natureza (fr. 2); Heráclito diz que todos os dias têm a mesma
natureza (fr. 106). Sócrates - segundo diz Xenofonte - não
Aristóteles dedica à physis todo o segundo livro de sua Física, discorria sobre a natureza do universo (physis tôn pánton')
pois esta é "a ciência da Natureza". Ela tem como objeto os se- (Mem., I, 1,10). Platão emprega abundantemente esse sentido:

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fala da natureza do homem (Leis, XI, 923b, 931 e; IX, 874e), da o radical poi é o radical do fazer. E encontrado em:
natureza da alma (Rep., X, 611b, 612a), da natureza do filósofo - poiô / 11:Ot& (inf. poiein / 1tOtelv): fazer
(Rep., I1I, 41 Ob), da natureza do Bem (Filebo, 32d), da justi- - poíema (tó) / 1tOlll1.U:X ('Có): obra, poema.
ça (Rep., I1I, 358e), da Beleza eterna (Rep., V, 476b). Aristóte- - poietés (ho) / 1tOlll'C1ÍÇ (ó): fabricante, autor, poeta.
les mostra como, na Natureza, cada realidade tem atributos - poietikós / 1tOlll1:tKÓç: produtor, operatório.
que constituem sua natureza: a do fogo é a de dirigir-se para o
Poíesis pode significar:
al~o; o nlesmo ocorre com cada objeto singular: a natureza do
leito é a madeira; a natureza da estátua é o bronze (Fís., 11, 1). • Ação em geral. "Aqueles que realizam ações as realizam em
Por natureza (physei / <pÚOH, dativo), os animais são dotados vista de um bem" (Górgias, 468b). Aristóteles faz de to
de sensação (Met., A, 1, 980a). Por natureza, o homem é um poiein (o agir) e de to páskhein (o sofrer) duas categorias
animal político (Pol., I, 11, 9; Ét. Me., I,VII, 6). Por natureza, opostas (Cat., IX; De gff1., 1,2,6-9). "Nenhuma das ações que
os homens nascem livres ou escravos (Pol., I,V, 11). têm um termo é um fim em si mesma" (Met., e, 6).
• Operação, fabricação, em oposição à ação imanente. Aristó-
Para os estóicos, a Natureza é ao mesmo tempo minha natu-
teles mostra, alternadamente, a reflexão que preside à prâxis
reza; por um lado, a lei de minha natureza é estar incorpora-
e à poíesis (Ét. Nic., VI, 1,4-5), e depois insiste para marcá-
do ao Todo; por outro lado, recebi para mim uma natureza na
las como duas atividades distintas (ibid., VI, IV, 5).
qual triunfa a razão, que quer a submissão das partes ao Todo
e do sensível ao inteligível. Assim, a felicidade consiste em • Poesia. O poeta é um "fazedor" de versos. É preciso distin-
"fazer aquilo que a natureza exige do homem" (Marco Au- guir, na obra poética, dois elementos inseparáveis na prática,
rélio,VIII, 1,5). É essa harmonia das duas naturezas que cons- mas totalmente diferentes em sua natureza: o verso e a músi-
titui o ideal do estóico; segundo Crisipo, "nossa natureza ca. Quando Platão, na República (I1I, 377a, 381c; X, 599b-
consiste em viver segundo a natureza, a nossa e a do univer- 603b), condena a poesia (poíesis), atém-se ao texto, pois o
so" (D.L.,VII, 88). Assim como os estóicos, Epicuro reconhe- critica por ser unu imitação, um fantasma: quando, em Fédon
ce que a finalidade do homem é estar em conformidade com (60c-61c), ele louva a poesia de Sócrates, emprega o termo
sua própria natureza (D.L., X, 129), mas com uma forma mousiké / ~OUO'lK1Í; então, o que ele admira é a inspiração.
completamente diferente, pois essa finalidade é o prazer. Aristóteles escreveu uma Poética (Poietiké / 11:Otll1:tK1Í), su-
1. Gt:mtivo plural de /(1 pâll. bentendido tékhne / 'CÉxvll = arte; é uma arte poética.

pístis (he) / níO'''Ctç (Tj): crença. poión (tÓ) / notÓV ("Có): qualidade. Adjetivo neutro
substa ntivado.
Em Platão, conhecimento dos objetos sensíveis, um dos está-
gios da dialética (Rep., VI, 511e, VII, 534a). Em outro lugar, Aquilo que qualifica uma substância. Uma das dez categorias
convicção espontânea (Aristóteles, Tóp., IV, 4, 5). de Aristóteles. Nas Categorias (VIII), ele inclui o estado (héxis)
e acrescenta: aptidão, afeição, figura, contrariedade.
poíesis (he) / noíllO'tç (Tj): fabricação, atividade
pólis (he) / nÓÀ.tÇ (Tj): cidade-Estado, pólis.
operatória; poesia. Latim: Ars, opera tio. Poesis.
Atividade transitiva do homem sobre as coisas (em oposição à Comunidade urbana à qual convém dar uma constituição,
ação imanente). que será a politeía; a palavra pólis pode significar Estado,

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I

l
r pois cada cidade grega constituía um Estado (Platão, Rep., III, livre escolha" Aristóteles (Ét. SiL, VI, 4). 'I
343d; LC/5, lI, 667a;VI, 766d;Aristóteles, Pol., I, I, I). -Açiio oposta à fala (Cálgias, 450d).
- Ação moral. "No que se refere às ações, a opinião verdadei-
po/iteía (he) /ltoÀt'tEía (i]): Estado, república, ra não é pior nem lnenos útil que a ciência" (2UêI101l, 98c).
constituição. - Ação oposta à especulação. Aristóteles distingue a reflexão
(diánoia) teórica da ação prática (Ét. Nic., VI, 3).
Platão (Replíblica e Leis) e Aristóteles (Política) propõem-se es- - Ação oposta à atividade fabricadora (poíesis); é assim que
tal'elecer qual é o melhor governo da pólis. Para Platão, só a 1110ra1 se distingue da arte (tékhne). v. essa palavra. ElTI Po-
UI11 governo é justo e bom, a aristocracia; outros quatro são
lítica (I, IV, 1-4), Aristóteles distingue o instrumento, que
desfavoráveis à pólis: timocracia, oligarqllia, democracia e tirania, serve para produção (poietikón), e a propriedade, fonte da
que se engendram mutuamente (Rep.,VIII; IX, 57Ia-580c). ação (praktikón).
Aristóteles estuda a democracia, a ol(garqllia, a aristocracia, a poli- - Metafisicamente, o agir (práttein) oposto ao sofrer (pás-
tia e a tirania (Pol., livro IV).
khein); v. páthos (Aristóteles, Cat., IX).
posón (tÓ) / nooóv ('tó): quantidade, grandeza. proaíresis (he) I npoaípeotç (i]): livre escolha. Latim:
Adjetivo neutro substantivado. liberum arbitrium.
Uma das dez categorias de Aristóteles. Duas espécies: quan- Faculdade de escolher livremente.
tidade descontínua (número e discurso), quantidade contínua
(linha, superfície, volume, tempo, lugar, movimento) (Cat., Composto de aírein, pegar, e da preposição pró, adiante.
VI; Met., ~, 13). Aristóteles observa que essa faculdade é mais elevada e espe-
cífica do que a simples vontade (boúlesis). É exercida sobre-
prâxis (he) / npãçtÇ (i]): ação. Latim: aetio. tudo na ordem moral (Ét. NiL, 111,11,1-2).
A proérese, segundo diz Aristóteles, nlanifesta-se conl as se-
Atividade innnente de um sujeito (oposta à ação transitiva,
guintes características: exige deliberação; logo, é exercida so-
que se exerce sobre um objeto). v. poíesis.
bre aquilo que depende de nós; não tem em vista os fins, mas
Prâxis é uma palavra formada de prag-sis: o radical que in- os meios. Assim, O homem é o princípio de seus atos (ibid.,
dica ação é prag. É encontrado em: prâgma (tó) / npàwa 111, 111). Essa noção de ato mostra, ademais, que essa faculda-
(1:ó): ocupação, afazer; praktikós / npaK1:tKóç: ativo. Ao inte- de é própria da virtude ética, que se manifesta na ação, e não
lecto especulativo (nous noetikós ou dianoetikós) Aristó- da virtude dianoética, que tem por exercício próprio a con-
teles opõe o intelecto ativo (nous praktikós) (De an., III, 7); templação (v. areté). Essa doutrina foi retomada por Alexan-
v. nous. Práttein / npánelV: agir (apenas no dialeto ático; dre de Afrodísia (Do destino, XX).A proérese ganha assim im-
nos outros: prássein). Substantivado: to práttein: o agir. portância capital para os estóicos. Diz Epicteto: "O bem do
Prâxis pode significar: homem e também o seu mal estão situados no livre-arbítrio.
E todo o resto nada é para nós" (Leituras, I, XXv, 1). Ora, o
-Toda atividade do homem: "falar é uma ação" (Crátilo, determinisnlo estóico faz que todos os acontecimentos sejam
387c). "Nenhuma das ações (ton praxeón) que têm termo ditados uma vez por todas. A livre escolha consiste então em
é um fim" Aristóteles (Met., e, 6). "O princípio da ação é a querer livremente aquilo que é inevitável (ibid., I, XVIII, 8,

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17, 11, XXlII, 42; Manllal, XXX, LIII, 1; Marco Aurélio, 1II, prós ti / npóç 1:t: relação (exatamente: "relativamente a
6; V, 20;VlII, 56). Plotino atribui ao universo (pân) uma von- alguma coisa").
tade livre, que é a soma das vontades singulares (IV, IV, 35).
Uma das dez categorias de Aristóteles. Os seres relativos de-
prólepsis (he) / npóÀll'lftç (,,): prenoção (noção inata). pendem de outros ou referem-se a eles (Cat., VII); exemplos:
o duplo em relação à metade, o cognoscível em relação ao
Para os estóicos, incide essencialnlente sobre o benl e o lual conhecimento; o sensível em relação à sensação (Met., 1>.,15).
(Epicteto, Leituras, 11, XI, 3). Para Epicuro, é um dos três cri-
térios da verdade, com a sensação (aísthesis) e a paixão (pá-
psykhé (he) / 'If'Uxi} (,,): alma. Latim: anima.
thos) (D.L., X, 31).
Princípio, de natureza vital ou espiritual; mais habitualmente,
prónoia (he) / npóvOta (,,): providência. das duas ao mesmo tempo; princípio que anima o corpo.
Latim: providentia. Esse corpo pode ser o universo; a alma é então a alma do mun-
Primeiro sentido: previdência, previsão. Depois, essa palavra do: psykhé tou kósmou / 1:0ii Kóa~ou, ou tou pantós /
ganha o sentido de Providência divina, que prevê nossas ações e 1:oii naV1:óç.
lhes dá socorro. A alma parece exclusivamente vital em vários fragmentos de
Essa palavra é composta pelo radical no, encontrado na pala- Heráclito, em que se diz que ela nasce da água (fr. 36, 77) ou
vra nous ( = no-os): espírito; e pela preposição pró: diante, que seca (fr. 122). Mas em outro lugar se diz que ela contém
adiante, que se encontra em outras palavras de origem grega: o Lógos, ou seja, a razão universal (fr. 45). Encontram-se
problema, pródromo, prolegõmenos, profeta. Em Sócrates, também os dois aspectos em Marco Aurélio: ele afirma, por
nos estóicos e em Plotino, a Divindade, estando além do tem- um lado, que a alma é espiritual (noerá / vospá) e, por outro,
po, conhece de antemão nossos pensamentos e nossas ações. que ela é uma parte da Substância universal (XII, 30, 32).
Sócrates tratava de loucos aqueles que negam a ação da Provi- De fato, a alma humana, para os principais autores, é composta
dência nos acontecimentos (Xenofonte, Memorabilia, I, I, 9); de várias partes: uma material e mortal, fonte do conheci-
em seguida, desenvolve esse tema para mostrar como os deuses mento sensível; outra espiritual e imortal, fonte do conhecimen-
ordenaram a natureza para que ela provesse às nossas necessida- to intelectual. Aécio escreve: "Pitágoras e Platão consideram
des (ibid., IV, 3-17). Três capítulos das Leituras de Epicteto (I, que a alma está dividida em duas partes: uma dotada de razão
VI, XVI; 111, XVII) são dedicados à Providência; em outro lu- e outra desprovida de razão" (IV, IV, 1). E acrescenta adiante
gar, ele afirma que a primeira coisa que um filósofo deve saber que a alma racional é incorruptível, enquanto a outra é cor-
é que existe um Deus que exerce sua Providência sobre o uni- ruptível (ibid., IV, VII, 5).
verso (11, XlV, 11). Por sua vez, Plotino se esforça por demons-
A realidade, aliás, é menos simples. Alexandre Poliístor (D.L.,
trar, em dois tratados (111, 11 e 1II), contra a doutrina do acaso,
VIII, 30) informa que, "segundo Pitágoras, a alma humana se
prezada pelos epicuristas, que existem uma Providência univer-
divide em três partes", às quais ele dá nomes fantasistas'. Mas,
sal e uma providência singular para cada um de nós. O próprio
como acrescenta que só a primeira é imortal, mais vale refe-
Sexto Empírico afirma a certeza de uma Providência divina
(Hipot., 111, III, 2). Alexandre de Afrodísia, em seu tratado Do rir-se de novo a Aécio, que esclarece, com mais exatidão, que
destino (XVIII), defende a Providência dos deuses. a alma pitagórica é tripla, e a parte privada de razão com-

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preende uma subparte afetiva (thymikón ! 8WUKóv) e uma corpo" e é sede do conhecimento superior (IV, m, 23), por
subparte sensitiva (epithymetikón ! em8vIHI'rlKÓV). Mas en- isso se pode dizer que a alma humana é, de fato, de natureza
tão é preferível falar de faculdades mentais. inteligível e divina (IV, lI, I).
Encontra-se a mesma teoria em Platão. No Time" (69c), ele A filosofia da alma ensejou, na antiguidade, cinco grandes
mostra o Demiurgo formando duas almas para o homem: uma temas.
dotada de um princípio imortal e fadada a separar-se do corpo, • Faculdades da alma. A noção de faculdade (dynamis /
e outra mortal, para animar o corpo. No entanto, en1 República oúva~uç), de ordem psicológica, é, aliás, dependente da noção
(IV, 439a-441 c), ele divide a alma em três partes; mas também de parte (méros), que é de ordem metafísica, mas acentua as
tonu con10 ponto de partida uma divisão bipartite: princí- suas divisões. Em Pitágoras, para quem a realidade está sob o
pio racional Oógos ! ÀÓyoç) e princípio irracional (álogon ! signo divino da Tétrade', ou Tetractys (tetraktys ! 'rE-
aÃ.0Yov); mas este último se desdobra em coração (thymós), 'rpaK'rúç), as faculdades são quatro: razão contemplativa
que tem sede no peito e preside à vida afetiva, e sensibilidade (nous), razão raciocinante (epistéme), opinião (dóxa), sen-
(epithymía), que tem sede no ventre e preside à vida vegeta- sação (aísthesis). Mas, segundo Aresas de Lucânia" citado
tiva. Platão depois (Rep., IX, 580c-583a) estabelecerá uma cor- por Estobeu (Écl., I, 2), a alma humana para Pitágoras com-
respondência dessas três partes da alma com as classes sociais: o preende três faculdades: inteligência (nóos), coração (thy-
povo, governado pela sensibilidade; os guerreiros, governados mós) e sensibilidade (epithymía). Platão segue-o de perto;
pela força; os dirigentes, governados pela razão. as duas grandes divisões da alma, racional e irracional, são
Aristóteles adota o esquema bipartite (Ét. Nic., VI, I): a alma fonte de duas faculdades: ciência (epistéme) e opinião
humana compreende, por um lado, uma alma dotada de razão (dóxa); por sua vez, a ciência comporta dois graus: razão in-
e, por outro, uma alma desprovida de razão. Em De anima, ele tuitiva (nóesis ! vÓTJ<nç), que contempla as Essências, ou
desdobra a alma irracional. De fato, define a alma como princípios eternos; e razão discursiva (diánoia ! Olávola),
"aquilo pelo que vivemos, percebemos e pensamos" (De an., que tem por objeto as noções abstratas e os conceitos mate-
lI, 23, 414b).Três funções que só podem incumbir a três al- máticos; a opinião comporta também dois graus: conjectura
mas diferentes: uma alma vegetativa, que o homem tem em (eikasía ! E1Kacría), que tem por objeto as imagens do real
comum com os vegetais e os animais; uma alma sensitiva e sensível; e crença (pístis ! nícrnç), que tem por objeto as
motora, que tem em comum só com os animais; uma alma próprias realidades sensíveis.
intelectual, alma que conhece e compreende, que é "o lugar Aristóteles esboçou várias escalas das faculdades mentais. Em
das idéias" (De an., m, 4), e só ele possui. Ética nicomaquéia (VI, 11), apresenta três elementos necessários
Plotino constata que a alma é ao mesmo tempo una e múlti- à busca da verdade, de baixo para cima: tendência (órexis !
pla (IV, lI, 2). Se falamos de partes da alma (mére, sing. mé- OpEÇ1Ç), cuja dupla função é a busca do útil e a fuga ao noci-
ros), é em sentido totalmente analógico e sem semelhança vo; sensação (aísthesis), necessária à experiência; pensamen-
com as partes do corpo (IV, m, 2). Nem sequer se pode di- to (nous), que tem a função de afirmar e negar. Mais adiante
zer que a alma está no corpo, pois ela não é extensa (IV, IlI, (VI, m, I), enumera as cinco espécies de atividade que têm
20). Feita essa advertência, Plotino acompanha seus predeces- fonte na alma: arte (tékhne ! 'rÉXVTJ), disposição racional para
sores; a alma é tripla: vegetativa, possibilita que o corpo se ali- a fabricação; ciência (epistéme), disposição racional para a
mente e cresça; sensorial e apetitiva, possibilita a imaginação e demonstração; fronese, habitualmente chamada prudência
a vida afetiva; relacional, "não tem nenhum contato com o (phrónesis ! <pp<JVTJcrlÇ), ou faculdade reflexiva da ação; inte-

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ligência (nous), ou faculdade de conhecer os princípios; sa- separação entre alma e corpo (ibid., 64c), é sempre apenas à
bedoria (sophía), ou perfeição nos diversos gêneros de co- alma espiritual que se refere; a outra morre com o corpo.
nhecimento. A lista varia ligeiramente no início da .Metafísica Do mesmo modo, Aristôteles afirma que a alma precisa do
(A, 1), em que a prudência é substituída pela experiência corpo para sofrer as sensações e as paixões; logo, trata-se no
(empeiría / EfLltEtpícx), conhecimento do individual obtido caso da alma vital. Pois, corrigindo-se, ele constata que é pró-
pela sensação e pela memória. prio da alma pensar; mas então se trata da outra; e é em rela-
Os estóicos distinguem três faculdades mentais: atração (óre- ção a esta que ele pode afIrmar: "Se existir uma função ou
xis), com seu negativo, a repulsão (ékk1isis / €KKÀtatÇ), mo- uma afeição da alma que lhe seja própria [em conformidade
vimento da alma, positivo ou negativo, em relação às coisas com sua natureza], ela poderá possuir uma existência separa-
sensíveis; inclinação (hormé / óPfL1Í), com seu negativo, aver- da do corpo" (De an., 1,1). Mais adiante (lI, 1), distingue as
são (aphormé / <'tq>OPfL1Í), ou movimento da alma, positivo partes da alma que são inseparáveis do corpo e as que são se-
ou negativo, em relação aos valores; assentimento (synkatá- paráveis.Assim, é perfeitamente autônomo o sábio que se de-
thesis / aUYKcxTá8EC>tç) ou adesão íntima aos movimenros dica à vida contemplativa por essa razão estranha ao corpo; é
condizentes com a Natureza (Epicteto, Manual, 1,1, XXI, 4; um ser divino (Ét. Nic., X, VII, 4; IX, IV, 4).
XLVIII, 3; Leituras, m, lI, 3; 111, XXII, 43; 11, XlV, 22; IV, I, o Origem e destino da alma. Para os pitagóricos, a alma (espiri-
69-73; Marco Aurélio, VIII, 28; Cícero, De officiis, 28; De fini- tual) é um fragmento da alma universal que anima a N ature-
bus, m, 7; Lucullus, 12). Segundo Diógenes Laércio (VII, za (Cícero, De nato deor., I, 11'). Para Heráclito, de um ponto
110), os estóicos atribuem oito faculdades à alma: os cinco de vista completamente materialista, a alma nasce da água (fr.
sentidos (o que reduz as cinco primeiras a uma, a sensação), a 12,36). Para Platão, foi o Demiurgo, deus criador, ou melhor,
palavra, a razão (diánoia) e o poder de engendrar (genneti- ArtífIce divino, que modelou as almas (Timeu, 41e-42a).Aris-
kón / yEWllTtKÓV), que não é precisamente mental. tóteles diz, sem mais explicações, que a alma dianoética, ou
o Relações entre a alma e o corpo. São difíceis de estabelecer, pois seja, espiritual, "sobrevém de fora" (De gen. an., 736b). Para os
a mesma alma única é composta de uma parte essencialmen- estóicos, a alma é um fragmento da alma do mundo, "unl so-
te espiritual, que não tem vínculo com o corpo, e por uma pro posto em nós pela Natureza quando nascemos" (D.L.,
parte essencialmente vital, que anima necessariamente o COf- VII, 156); e, como o Mundo é Deus, "nossas almas estão es-
po. Assim, para os pitagóricos e para Platão, quando se diz que treitamente unidas a Deus como suas partes e seus fragmen-
a alma está presa ao corpo e sofre a violência dele, trata-se ex- tos" (Epicteto, Leituras, I, XIV, 6). Para o materialismo de
clusivamente da alma espiritual, visto que a outra cumpre a Epicuro, a alma humana é um corpo sutilíssimo, fator de sen-
sua finalidade. É o famoso jogo de palavras pitagórico sôma, sibilidade, que aparece junto com o corpo e se desagrega
sêma / crCÕJ.lCX, c:nlteX, "o corpo é um túmulo", retomado por quando ele morre (D.L., X, 63-65). Plotino faz a seguinte
Platão (Górgias, 493a), que, evidentemente, vale para a pri- pergunta: "Visto que os seres inteligíveis estão separados (do
meira alma, e não para a segunda. Quando Árquitas afirma corpo), como a alma entra no corpo'" E dá uma resposta
que a alma é autônoma (fr. 3c), evidentemente está falando alambicada, que pode ser assim resumida: a alma hipostática,
dela. Quando Platão escreve que a alma é feita à imagem das em sua tendência a produzir uma ordem em conformidade
Essências eternas, que é imortal, inteligível e indissolúvel (Fé- com a ordem que ela contempla no Nous, produz no corpo
don, 80b); quando a mostra, em seus vínculos com o corpo, humano uma emanação de si mesma iluminada pela inteli-
aderente, entravada, cravada', quando define a morte como gência (IV,VII, 13).

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o que acontece com a alma espiritual quando o corpo mor- mentos" (Cícero, De l1at. deol:, I, lI). É ao governo interno
re' Para Ferecides, a alma é imortal (Lactâncio, Instituições di- dessa alma que Filolau atribui a eternidade do mundo (Esto-
vinas, Vil, 7), mas ignoramos o que ocorre com ela quando beu, Écl., XX, 2). O Pseudo-Timeu, neopitagórico, teria pu-
sai do corpo. Para os pitagóricos, a alma sobrevive ao corpo blicado um Tratado da alma do 111lIlIdo. Em seu materialismo,
devido à sua incorruptibilidade; encontranl-se então duas Diógenes de Apolônia a identifica ao ar (fr. 5). Platão mostra
doutrinas diferentes; unla, ll1ais 111etafísica: ela volta ao C05- o Denliurgo criando a alnla do ll1undo, que constituiu o céu
11105, onde vive vida incorpórea; a outra, herdeira de orfismo: circular; aliás, ela era anterior ao corpo do mundo e o envol-
ela passa para outro corpo e C0111eça um ciclo indefinido de veu, penetrou, introduzindo nele a harmonia (TimeIl, 34b-
transmigrações (D.L., VIII, 14; Hipólito, Contra as heresias, I, 36e). "Ela é invisível, mas, participando do cálculo e da har-
prol.; São João Crisóstomo, Homilias sohre Sào Joào, Il, 3). monia, é a mais bela das realidades engendradas pelo melhor
Também aí, Platão se mostra fiel discípulo dos pitagóricos, dos seres inteligíveis" (ibid., 37a). Para os estóicos, o universo
mas vincula o destino da alma a um sistema moral: a alma que racional é regido por uma alma imperecível (D.L., VII, 156;
se tenha purificado inteiramente aqui na terra pelo exercício Marco Aurélio,VI, 14;VIII, 7). Platina não dedica um tratado
da kátharsis volta ao mundo inteligível de onde saiu (Fédon, a uma realidade tão importante, mas ela está presente em toda
80d, 81a; Timell, 69c). Se ela estiver insuficientemente purifi- a sua obra; ele, aliás, lhe dá diversos nomes: psykhé kósmou
cada, obedecerá às leis da transmigração: para os virtuosos (I, lI, I); psykhé hólou (lI, lI, 2); psykhé pántos (IV, IV,
que não praticaram a filosofia, reencarnação em corpos de 10, 13); psykhé pâsa" / nãaa (III, IX, 3). Aliás, ele faz dela
pessoas honestas, ou mesmo de formigas ou abelhas; para os uma cópia da alma em si (autopsykhé), que tem sede no Es-
malvados, em corpos de falcões, lobos e aves de rapina (ihid., pírito (Nous) (V, IX, 14).
81e-82b). É aí que se pode verificar a confusão de Platão en-
• A alma hipóstase. É um conceito peculiar a Platina. Não é a
tre os dois tipos de alma: como a alma espiritual, única que
alma do mundo; como Realidade espiritual absoluta, ela pro-
escapa à morte, pode habitar corpos de animais?
cede do Nous, que é a segunda hipóstase e, assim, se situa
Acerca da sobrevida,Aristóteles faz duas afirmações inconci- n1etafisicamente entre esse Espírito absoluto e a n1atéria, en-
liáveis: por um lado, a alma dianoética, o espírito, subsiste de- tre o Mundo inteligível e o mundo sensível. É dela que parti-
pois da morte, pois é imortal e independente do corpo (De cipa a alma humana (V, I; IV,V,VI; 111, IV etc.).
an., IlI, 430a); por outro lado, a alma não tem acesso à beati- 1. Espírito (I/(l/í.'), p~nsaI1H;'nto (phréll), coraçào (rh)'l1l1h).
tu de eterna: "A morte é o termo além do qual já não existe 2. O princípio da T~trade, para os pitagóricos, r~ge a realidade: há quatro tipos de espí-
ritos (deus.:s, demônios. heróis glorificados e alma~ humanas). quatro e!.:l11entos, que
bem nem mal" (Ét. Nic., 111, VI, 6). Para os estóicos, a alma formam o mundo sensível, quatro medidas que defll1e!ll Q'; corpos (ponto. linha, ,u-
individual, oriunda da alma universal, volta a esta com a perfície. volum~). quatro e~tações, quatro idades da vida, quatro virtudeS Clrdeais (que
morte do corpo: ambos se dissolvem no Todo (Marco Auré- Platào herdará).A ])~cada aritm~tica nada mais é que J Tém.de, pois a soma dos qua-
tro primeiros algarismo> (a ullldade, o primeiro par, o primeiro ímpar, o primeiro
lio, IV, 14; V, 13). Platina adota a doutrina de Platão: "Para
quadrado) ~ igual a 10.
onde vai a alma quando sai do corpo? [... ] Vai-se (para o 3. Era o quinto suc~ssor de Pitágoras à frente da escola de Crotona Oàmblico, Vida de
Mundo Inteligível) [ ... ] a menos que tome outro corpo PitáRoras, 266).
4. Fédol/. 82e, 67d, 65a, H3c.
[... ]" (IV, I1I, 24). 5. Pode-se citar também Heráclides do PontO (século IV):"viemos para esta vida de ou-
tra vida e de outra natureza" (Cícero, Jilsc.,V, 'J).
• A alma do mundo. É um conceito universal na antiguidade.
6. Feminino do adjetivo· pás. cujo neutro é páll.
"Pitágoras acreditava que existe uma alma contida por intei-
ro na Natureza, [... ] da qual nossas próprias almas são frag-

128 129
rhetoriké (he) I prrCoptK1Í (lÍ): retórica. como uma contribuição importante para o conhecimento de
todas as doutrinas que ele chama de dogmáticas e tenta demolir.
Platão dedica-lhe Górgias: arte dos discursos (450c), da per-
suasão (453a), não é, afinal, uma arte (462b-c), mas é para a skhêma (tÓ) I crxf]J.l.CX ("Có): figura.
alma aquilo que a cozinha é para o corpo (465d). Aristóteles
escreveu uma Retórica, que é "a potência (dfnamis) de con- Em lógica: designa as diferentes figuras de silogismos (Aristó-
siderar em cada sujeito aquilo que nele há de apropriado à teles, A/1al. Pr., 1,23-24).
persuasão" (I, lI, 1).
sôma (tÓ) I OCÕJ.l.CX ("Có): corpo. Latim: corpus. Plural: sômata
skeptikós (ho) IOKE1t"CtKáç (6): cético. Latim: 5cepticu5. (tá). Latim: corpora.
Adjetivo: cético, que duvida; substantivo: o cético, membro Realidade sensível (to aisthetón) oposta à realidade inteligí-
de uma escola filosófica criada por Pírron de Élida (365-275 vel (to noetón).
a.c.), que baseava seu sistema na dúvida.
Deve-se distinguir o corpo humano (habitualmente no sin-
O ceticismo, sistema dos céticos, é uma palavra que data do sé- gular), o corpo do mundo (tomado em seu Todo) e os corpos
culo XVIII. Mas o próprio sistema e a escola que o adotou do mundo sensível (habitualmente no plural). Entre estes, os
foram constituídos no século IV a.c.; seus adeptos diziam-se corpos simples (haplâ / állM), que são primeiros (prôta), e
skeptikoí, partidários da dúvida, mais exatamente da dúvida os corpos compostos (sfntheta ou miktá), que são segundos.
absoluta e universal, em oposição aos dogmáticos, que profes-
• No singular. a. O corpo humano. Os pitagóricos construíram
sam a certeza da verdade. Essa designação vem do verbo
toda uma antropologia das relações entre alma e corpo. A
sképtomai, no sentido lato: considerar, inspecionar, refletir;
alma é independente do corpo porque autônoma (Árquitas,
esse verbo deriva de skopô, com o mesmo sentido. Entre os
fr. 3c); se está neste mundo unida a um corpo, é "como puni-
substantivos compostos: epískopos, inspetor e, depois, bispo.
ção de certas faltas" (Filolau, fr. 23d); no entanto, "a alma gos-
Diógenes Laércio escreve (IX, 74): "Os filósofos céticos ti- ta de seu corpo, porque sem ele não pode sentir" (ibid., fr.
nhanl o costume de destruir as doutrinas das outras escolas, 23a). Mas, como essa união é antinatural, o corpo é um tú-
mas não estabelecianl nenhuma." Assim, empregavam os re- mulo para a alma (Platão, Górgias, 493a); por isso, o filósofo é
cursos da razão para negar o poder da razão. Pírron parece aquele que, pelo exercício espiritual, consegue escapar ao
não ter escrito nada, lllas simplesmente transmitido suas teo- corpo (Pitágoras, Palavras de ouro, 70).A mesma doutrina está
rias aos discípulos; destes, os mais célebres foram Tímon (So- em Platão: é pela violência que a ahna está presa ao corpo
bre as imagens, Sobre as sensações) e Enesidemo (Sobre Pírron, (Fédon, 81e; Timeu, 44a); ela está amarrada (Fédon, 82c), acor-
Contra a sabedoria). Dessas obras, restam apenas fragmentos. rentada (ibid., 83b), colada (ibid., 82e), pregada (ibid., 83c).A
Por outro lado, ainda temos a obra de um dos últimos adep- filosofia consiste em desligar a alma do corpo (ibid., 67 d, 82d,
tos, Sexto Empírico, que expõe sistennticamente, no século 83a-b); a morte é, finalmente, a separação (apallagé / álla-
III de nossa era, a doutrina da seita em duas grandes obras: ÀayrU entre alma e corpo (ibid., 64c); então, a alma do filóso-
Contra os matemáticos, ou seja, aqueles que ensinam (v. má- fo, liberta do corpo, "vai-se em direção ao que é divino"
thema), em onze livros; e Hipotiposes pirronianas: a hypory- (ibid., 81a).A mesma filiação se observa quanto à transmigra-
posis era uma imagem, um esboço, uma descrição. É uma ex- ção das almas: segundo Pitágoras, "a alma passa de um corpo
posição hábil do ensinamento de Pírron e de seus discípulos, bem ao outro segundo leis definidas" (Hipólito, Philosophoumena,

130 131
I, Prol.). Platão atribui essa doutrina a "uma antiga tradição" os corpos extraídos da matéria por uma operação formal são
(Fédon, 70c), que ele adota (ibid., 81e-82b). definidos, mas sem vida nem inteligência (11, IV, 5).

Para Aristóteles, o corpo forma uma substância única com a sophía (he) 100O<pía (it): sabedoria. Latim: sapientia.
alma; a alma é então enteléquia (entelékheia) do corpo (De
an., III, l);assim,"a alma não é separável do corpo" (ibid.),pois O sábio (sophós) é o homem que se dedica à investigação
é para ele "causa e princípio": aitía kai arkhé. Para Epicuro, individual dos mistérios do mundo e de sua própria conduta.
a sabedoria está no prazer, que para o corpo consiste em não Parece que, na origenl do pensamento grego, essa espécie de
sofrer e, para a alma, em não ser perturbada (Carta a Meneceu, hOlnen1 era pouco nU111erOSa, pois as gerações seguintes cata-
in D.L., X, 131). Para o materialismo estóico, a alma é um cor- logam sete exemplares deles.
po (Sexto Empírico, Adv. math., VII, 38). Plotino escreveu um Sophós / crocpáç significava primeiramente hábil e era um
tratado sobre A descida da alma ao corpo (IV, VIII), que come- simples qualificativo; depois passou ao status de substantivo e
ça C0111 esta frase: "Freqüentemente, acordo escapando de ll1eu adquiriu significado intelectual, no qual se associavam saber e
corpo." Adota a transmigração (VI, IV, 15).
nomeada.
b. O corpo do Mundo. Para Melisso, "se o Uno existe, não tem Encontramos sophía em Anaxágoras: em um de seus frag-
corpo" (Simplício, Física, 109). Para Platão, o mundo é um cor- mentos (21 b), ele considera que a superioridade do homem
po inteiramente penetrado por uma alma (Timeu, 34b, 36c). sobre o animal se deve ao uso da sabedoria e da técnica. He-
Para os estóicos, o Universo é um grande corpo (Sexto Em- ráclito emprega as palavras sábio e sabedoria em sentido inte-
pírico, Adv. math., VIII, 10). Plotino diz: "O corpo do Uni- lectual: a sabedoria consiste" em conhecer o pensamento que
verso tem ações e paixões" (VI, V, 10). governa o Todo" (fr. 41), portanto em admitir a unidade do
o No plural. Platão chama de corpos os quatro elementos tradi- Todo (fr. 50). Com Sócrates, a palavra sophía assume sentido
cionais: fogo, terra, água, ar (Timeu, 53c-e). Aristóteles define bem preciso: é o saber adquirido por experiência, em oposi-
como um corpo "aquilo que é limitado por uma superfície" ção ao saber livresco (Xenofonte, Mem., III, 4-5).
(Fís., III, 5, 204b). Mais adiante (VIII, 9), distingue dois tipos Com Platão, a.sabedoria é a virtude própria à razão, que desti-
de corpo: os corpos primeiros (prôta / rqxlncx), que são indi- na à direção do Estado (Rep., 586-587,589-592). Com Aristó-
visíveis (átoma / ii1:oIlCX), e aqueles que são oriundos da teles, "A sabedoria é uma ciência que tem por objeto certas
composição destes. Em De gen. et eorrup., defende a tese de causas e certos princípios" (Met., A, 1, 982a). Trata-se de uma
que os corpos não são divisíveis indefinidamente (lI), mostra noção superlativa: o sábio é aquele que, por um lado, possui um
que é nos corpos que ocorre a alteração (alloíosis) (IV), as- saber mais extenso que os outros e, por outro, é capaz de co-
sim como, aliás, o aumento e a diminuição (V). Em De anima nhecer coisas dificilmente acessíveis ao homem (Met.,A, 2).As-
(lI, 1), ele distingue entre os corpos naturais (ou primeiros) sim, "aquilo que os gregos chamam de sabedoria é o que há de
aqueles que têm vida e aqueles que não a têm. Em De caelo, mais elevado no conjunto das ciências" (Ét. Me., X, VII, 2).
apresenta os corpos como partes do universo (I, 1), e esses
corpos naturais são todos móveis (1,2); e retoma a dupla no- Com as escolas helenísticas, volta-se à concepção mais práti-
ção de corpo simples (haploun / árr/"ouv) e de corpo com- ca. Para Epicuro, "o sábio não teme a morte, a vida não lhe é
posto (sfntheton / crúveE1:0V) (1,5). A mesma distinção está um fardo, e ele considera que não é um mal deixar de viver"
em Epicuro (Epístola a Heródoto, D.L.,VIl, 141). Para PIo tino, (D.L., X, 126). Para os estóicos, o sábio, ideal da humanidade,

133
132
é o homem liberto das paixões, insensível à glória, ao prazer e Ora, o discurso subordinado ao sucesso já não é conduzido
à dor: ele é divino (D.L.,VlI, 117, 119). Plotino retoma a no- pelas leis da verdade, mas pelas do interesse. Sofista tornou-se
ção aristotélica: a sabedoria consiste "na contemplação dos sinônimo de arrivista: relativista nos fins, inescrupuloso nos
seres que o Espírito possui" (I, lI, 6). meios e tortuoso na argunlentação.
Na realidade, os famosos Sete Sábios dos primórdios do pen- Platão atacou de frente essa corporação. No diálogo que tem,
samento grego foram onze, pois à primeira lista típica foram precisamente, o título O sofista, buscando definir esse tipo de
acrescentados outros non1es. Os sete originais são Tales de charlatão intelectual, ele apresenta uma série de definições pi-
Mileto, Sólon de Atenas, Quílon de Esparta, Pítaco de Mitile- torescas e pouco anlenas, conlO "o sofista é um caçador inte-
ne, Bias de Priena, Cleóbulo de Lindo, Periandro de Corinto resseiro de jovens ricos" (223 a, b), "O sofista é um fabricante
(D.L., I, 22-100). Outros acrescentam o cita Anacársis, Míson, de saber que vende sua própria mercadoria" (224c, 231 d).
o Lacedemônio, Epimênides, o Cretense, Ferecides de Siros, Mais didático que polênlico, Aristóteles organizará nunl tra-
que teria sido o nlestre de Pitágoras. Hernlipo enumera até tado os tipos de raciocínio empregados pelos sofistas, com o
dezessete, "pois cada um escolhe sete segundo sua preferên- fim de refutá-los. Essa será a matéria do último livro do Orga-
cia" (D.L., I, 42). Assim, além dos precedentes, enumera: non, Sophístikoi élenkhoí (~ocplO"nKoi EÀSyXOt).
Acousilau, Leofante,Aristodemo, Pitágoras, Laso, Hermoneu,
Anaxágoras; mas omite Míson.
sophrosyne (he) / crCO<ppOO"ÚVll (f]): temperança. Latim:
sophistés (ho) / croq>tcr'tlÍç (ó): sofista. Latim sophistes. temperontia.
Esse termo, derivado de sophós, sábio, designa como este, na Virtude que consiste em regrar os desejos e as paixões.
origem, um homem hábil. Mas, ao contrário de sábio, que Derivado de sóphron / O"wcpprov, sábio prudente, atilado, esse
adquiriu sentido laudatório, a palavra sofista passará a ter no tern10 indica certa arte de dirigir sua própria conduta.
século V significado pejorativo, devido aos abusos dos pensa- Xenofonte, descrevendo a conduta de Sócrates, usa esse ter-
dores que receberam esse nome: Górgias, Protágoras, Hípias, mo no sentido de sabedoria (Mem., I, lI, 21); quando fala da
Pródico, Trasímaco, Polos, Eutidemo, Dionisodoro. temperança, emprega o termo enkráteia / eyKpá1:EtCt (ibid.,
Antes de Platão, sophistés freqüentemente quer dizer so- IV,V, 1-2). Platão entende por sophros:fne temperança; faz
phós (Tímon de Flionte, Silos, 1).Até o século V, o sofista pro- dela uma das quatro principais virtudes; ela regra a epithy-
fissional era um homem muito bem-visto na Grécia. Fazia mía, ou seja, o desejo (Rep., IX, 591 c-d); v. areté. Aristóte-
parte da vida pública e constituía um elemento muitíssimo les usa o termo no mesmo sentido; é ela o meio-termo entre
apreciado da cultura popular. No início, era apenas um ora- a insensibilidade e a devassidão (Ét. Me., II,vIl, 3). Em segui-
dor; peregrinava pelas cidades em dias de festa e recitava pe- da, trata do assunto mais demoradamente quando faz o in-
rante o público trechos de' eloqüência sobre assuntos variados. ventário das virtudes (ibid., 111, X-XII; Ét. Eud., 11, lI, VI, I;
Depois, tornou-se professor de retórica e propunha-se ensinar Eth. Mag., 11, IV-VI). Em Zenão de Cicio, ela é também uma
a arte de falar. Por fim, como essa arte é própria daqueles que das quatro virtudes principais (Plutarco, Contradições dos estói-
querem defender uma causa - advogados e, sobretudo, políti- eos, VII; D.L.,VlI, 92). Em seu tratado Do amor (Peri érotos),
cos -, o sofista tornou-se mestre da habilidade: a instrução que Pio tino atribui dois níveis à sophros:fne-temperança: aquela
passou a dar deixou de ser estética para tornar-se utilitária: ap- que regra a prática do amor físico para a reprodução e aquela que
tidão e receitas para ter sucesso nos negócios públicos. regra a admiração estética pelos belos corpos (111, V, 1).

134 135

j
spélaion (tó) lomíÀatOv há): caverna. Latim: spelunca. Então, eles ficam sabendo que é O
sol que governa o mundo sensível, e
Então, o filósofo vê que o Bem é a
causa das Essências, assim como do
mundo sensível.
I'
Alegoria criada por Platão no início do livro VII da República que ele também era a causa das
(514a-518b) para representar a condição humana e a missão sombras na parede.
do filósofo. Aquele que, habituado à visão do o filósofo só sente indiferença pelo
sol, volta à caverna, fica com os mundo sensível e por seus prazeres:
A caverna representa o mundo sensível, lugar dos corpos nos olhos feridos pela visão. nele só encontra incômodo e desa-
quais se encarnaram as almas depois da queda do mundo grado.
inteligível. A penumbra na qual eles estão mergulhados é a
Apesar disso, retorna, por piedade No entanto, ele se mistura aos ho-
penumbra do conhecimento obscuro, do qual as almas só mens para trazer-lhes a verdade.
pelos companheiros de outrora.
conseguirão libertar-se pela purificação (kátharsis) e pela
Mas estes zombam de sua atitude Mas estes não reconhecem sua san-
dialética (dialektiké), para obter o conhecimento inteligível,
desprendida e se recusam a segui-lo tidade e se negam à conversão. Pre-
representado pela luz solar.
para o alto. Sentem até mesmo ódio ferem livrar-se dele definitivamente,
Pode-se resumir assin1 a alegoria da caverna: por ele e procuram matá-lo. como ocorreu com Sócrates.

Alegoria Significado stásis (he) I o,"áO"tç (,,): repouso.


Os homens, desde o nascimento, es- Os homens, desde a encarnação, es-
Derivado do verbo hístemi / lCl1:ll>Lt: ponho, coloco. Esse ter-
tão acorrentados numa morada sub- tão mergulhados na penumbra do
terrânea. corpo.
mo indica imobilidade, permanência, continuidade. Opõe-se
a kínesis / KíVll<Hç, movimento.
Das realidades exteriores, às quais Eles só conhecem as verdadeiras
dão as costas, eles só conhecem a Realidades eternas pelo mundo sen- Metafisicamente, stásis marca a permanência daquilo que é
projeção das sombras na parede. sível, que é sombra do mundo real eterno, ao contrário da mudança própria àquilo que é tem-
(dóxa). poral. Contudo, não é o único termo que os filósofos opõem
o prisioneiro liberto é incapaz de se A libertação da alma é difícil e do- a kínesis. Encontram-se:
mover no mundo real; fica ofuscado lorosa: nos primeiros graus da ká- - Entre os pitagóricos: to eremoôn / 1:à 1lpE>L0UV' (Aristóte-
e não pode distinguir os verdadeiros tharsis, não é possível conhecer as les, Met.,A, 5).
objetos. Essências. - Em Parmênides: xynekhés / C,tlVEXÉÇ (arcaico) e akíneton
Os prisioneiros arrastados para fora Devido a essa dificuldade, a maioria / àKíVT11:0V (fr.VIlI, 25, 26).
revoltam-se e preferem voltar para a dos homens rejeita a filosofia. - Em Aristóteles: akíneton (Fís., V, 1-2)
caverna. synekhés / O"\lVEXÉÇ (Fís., VI, 1) e eremía / 1lPE>Lía (Fís.,
Se eles quiserem realmente ver o Se quiserem realmente ver o mundo VIlI, 3, 8).
mundo superior, precisarão proce- superior, precisarão passar pela dialé-
No Sofista (248d-252a; 254b-255b), Platão faz do repouso e
der de modo sistemático: ver pri- tica: primeiramente, a conjectura (ei-
do movimento duas essências genéricas que, opondo-se uma
meiramente as sombras dos homens kasía), depois a percepção (pístis),
e suas imagens na água, para depois em seguida o conhecimento das Es-
à outra, estabelecem a existência de um não-ser por alterida-
ver os objetos. Em seguida, verão à sências (eíde) e por fim o conheci- de. O repouso (primeiramente akíneton e depois stásis) é
noite a lua e as estrelas e, finalmente, mento do próprio Bem (Agathón). apresentado aí como o caráter dos seres sem mudança. Ploti-
o próprio sol. no (VI, 1lI, 27) propõe qualificar diferentemente os seres sem

136 137
mudança: dar o nome de stásis aos seres inteligíveis e de ere- más de Aquino, essa teoria subsiste fielmente até o fim do sé-
mía aos seres sensíveis. Em outro lugar (1I1,vIl, 2), ele atribui culo XVIII. Serão necessárias as obras de Lavoisier (t 1794) e
o repouso à eternidade (aión / aiÓlv) e o movimento ao depois de Dalton (t 1844) para chegar à definição e à no-
tempo (khrónos / Xpóvoç). menclatura dos corpos simples que compõem o universo.
1. ])0 vt'rbo eremô I TÍpEJ.1.CO. OO"Stotl tranqüilo. Encontra-,e t.'WI palavra tJmbém ('111 Pb- A teoria dos quatro elementos certamente é de importação
tào (S(~f;.'ra, 24He).
egípcia. Num hino encontrado no templo de El Khargheh,
dirigido à Divindade universal, canta-se: "És a terra, és o fogo,
stéresis (he) 100'tÉpT)cnç (lÍ): privação. Latim: priva tio. és a água, és o ar," Pitágoras, que passara algUln ten1pO em
Heliópolis do Egito, ensinou-a em Crotona (D.L, VIII, 25).
Termo introduzido por Aristóteles. Um dos três princípios
Depois, foi adotada por seus discípulos, especialmente por Fi-
(v. arkhé) dos seres naturais, com a matéria (hyle) e a forma
lolau (fr.6) e Xenófanes (IX, 18). Heráclito atribui aos quatro
(morphé) (Fís., 1,7, 190b); ela é a essência do indetermina-
elementos uma evolução cíclica: "A vida do fogo nasce da
do (to aóriston / 'tõ aópt,nov) (ibid., I1I, 2); o repouso (ere-
morte da terra; a vida do ar nasce da morte do fogo; a vida da
mía) é a privação do movimento (VIII, 8). Em resumo, "diz-
se que há privação quando um ser não tem um dos atributos
água nasce da morte do ar; a terra nasce da morte da água"
que é natural ele possuir" (Met., 1\., 22). Adotado por Platina: (ff. 76). Para Empédocles, os quatro elementos originaram-se
o mal é a privação do bem (I,VIII, 11).A matéria é privação de uma Unidade primitiva, o Uno (Hén / EV), mas ele não se
(11, IV, 13), o não-ser é privação (11, IV, 14). Em lógica, a pri- digna explicar a natureza deste: "Do Uno surge o múltiplo: O
vação, oposta à posse (héxis), é um dos modos da oposição fogo, a água, a terra e o ar" (XVII, 18). Quando Demócrito
(Aristóteles, Cat., X). explica como os átomos in diferenciados (ápeira / iinEtpa), le-
vados por um turbilhão, deram origem a quatro corpos, de-
stoikheia (tá) I C)"totXEW, ('tá): elementos. Latim: elemento. nomina-os fogo, ar, água, terra (DL, IX, 44).
Platão assume essa herança. É verdade que ele ironiza os taga-
Componentes simples do mundo sensível. É o plural da pala-
relas que ora fundamentam seres múltiplos em um e extraem
vra neutra to stoikheion ('tõ Cl'tOtXEiov), raramente empre-
de um o múltiplo, ora dividem o real em elementos (Sofista,
gada sozinha, pois o real se apresenta como uma coabitação
252b), mas em outro lugar fala seriamente dos "elementos do
dos elementos simples que o compõem. Aristóteles define o
universo" (Timeu, 48b; Pol., 278d). Em Fi/ebo (29a), ele se limi-
elemento como: "Um primeiro componente de um ser, que
ta a afirmar que o universo resulta da composição de quatro
lhe é imanente e é indivisível em outras espécies" (Met" 1\.,3).
corpos: fogo, água, ar, terra. Mas em Timeu, além de repetir vá-
Na história do pensamento grego, os elementos primeiros do rias vezes essa asserção (42a, 46d, 48b, 51a, 53c, 55e), dechca-se
mundo apresentam-se invariavelmente como quatro: água: to a vôos da imaginação; para constituir o mundo, o Demiurgo
hydor ('tõ ü&op); ar: ho aér (ó alÍp); terra: he gê (li Yii); fogo: tomou de início O fogo e a terra; mas, para uni-los, precisou do
to pyr ('tõ nup). ar e da água; e Platão chega a estabelecer relações (32b):
Essa quadrilogia já aparece em Pitágoras e é adotada por Pla- fogo ar água
tão, que a transmite a Aristóteles, no que este é seguido, de ----ar = água = terra
um lado, pelos pensadores latinos (encabeçados por Cícero)
e, por outro, pelos pensadores medievais, primeiramente mu- Além disso, os mesmos elementos servem para a constituição
çulmanos e depois cristãos, Devido à autoridade de Santo To- específica dos corpos geométricos: a terra para o cubo; o fogo

138 139
para a pirâmide; a água para o isocaedro; o ar para o octaedro symbebekós (tó) I O"'\lIlf3€~"l(óç ('ró): acidente.
(55d-56b). No entanto, em Leis (X, 891c-d), Platão pede a
Latim: accidens.
seu discípulo que tome cuidado com a relatividade dos qua-
tro elementos: eles não são prImeiros no umverso, porque A substância é aquilo que existe em si, senl precisar de outra
precedidos pela alma. coisa para existir. O acidente é aquilo que existe na substân-
cia, senl poder ser dela separado. Em "nuçã verde", nlaçã,
Aristóteles, no livro t. (3) da Metafísica, que é seu léxico filo-
substância, continua maçã mesnlO nludando de cor; verde,
sófico, dedica um comentário ao termo stoikheion. Lembra
acidente, nào pode ser dela separado: desaparece modificando
(Met., A, 3) que Empédocles contava como elementos "os
a qualidade da maçã, mas sem mudar a sua realidade.
quatro corpos simples". Mas amplia a atribuição do termo:
em Leucipo e Demócrito, os elementos são o pleno e o vá- Derivado do verbo symbaíno / c>u~~aívOl: chego, sobreve-
cuo; em Pitágoras, o Par e o Ímpar (A, 5). Em seu tratado Do nho; tà symbánta / ",à c>u~~áv",a: acontecimentos. Esse ter-
céu, Aristóteles acrescenta um quinto elemento, o éter mo foi introduzido na filosofia por Aristóteles, que faz dele
(ai8lÍp), elemento do céu e dos astros. Dedica o livro II do De unla supracategoria; as categorias compreendem a substância e
generatione ef corruptione à crítica da concepção dos elementos nove acidentes; v. kategoría. Esse termo depois entrou na
em seus predecessores. lógica. Porfírio o define como "aquilo que chega e desapare-
ce sem provocar a destruição da substância". E distingue dois
Os estóicos adotam os quatro elementos, cuja reunião "fornla tipos: o separável da substância (dormir), ou O inseparável
uma substância sem qualidade, que é a matéria. O fogo é quen- (cor preta do corvo) (Isagoge, XII).
te, a água é úmida, o ar é frio, a terra é seca" (D.L.,VII, 137).
Em Metafísica (l>, 30), Aristóteles define o acidente como:
Os pré-socráticos jônios, anteriores a Pitágoras, que não sào "Aquilo que pertence a um ser e pode ser afirmado dele ve-
influenciados pelo Egito, mas sim pela Mesopotâmia e pela razmente, mas não lhe é necessário nem constante." Percebe-
Fenícia, põem na origem do mundo um elemento único, que se que esta última especificação restringe sua definição, pois
é um princípio (arkhé). Materno, autor do século IV de nOssa para Porfírio um acidente pode ser inseparável da substância;
era, tenta encontrar, mas sem sucesso, a origem dos quatro mais adiante (E, 2), ele opõe o Ser absolutamente (hapIôs), qúe
elementos nos diversos povos do Oriente: entre os egípcios, a é objeto de ciência, e o ser por acidente (katà symbebekós),
água; entre os frígios, a terra; entre os assírios, o ar; entre os que escapa à ciência; de fato, as substâncias permanecem sem-
persas, o fogo (De errore profanarum religionum, 1,4). pre no mesmo estado, sendo portanto seres necessários; ao
passo que o acidente é imprevisível; sua causa é o acaso (ty'khe
Outro sentido de stoikheion: sílaba, elemento da palavra e
/ 1:ÚXll) (ibid., E, 3). A mesma análise é feita adiante (K, 8).
da elocução, som indivisível: aquilo que hoje chamamos de
Também em Física (11, 5), os fatos acidentais têm como causa
fonema (Aristóteles, Poét., XX).
o acaso. Em Tópicos (lI, 1), Aristóteles mostra como é difícil
não incluir o acidente nas proposições universais.
syllogismós (ho) I O"'\lÀÀOytO"llóç (ó): silogismo.
Platina opõe a substância, que é o ser tomado absolutamente
Lógica. É o protótipo do raciocínio dedutivo, cujas regras (haplôs), ao acidente, que é o ser por participação (metá-
Aristóteles define em Primeiros analíticos (I) e, COm mais brevi- lepsis) e num sentido segundo (deúteros) (VI, m, 6). Do
dade, em Tópicos (I, 1). ponto de vista lógico, Porfírio define o acidente como:

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"Aquilo que não é gênero, diferença, espécie nem próprio', Platão opõe arte e inspiração. A arte é inferior à Natureza, pois
mas está sempre subsistente num sujeito" (Isagoge, XIII). não passa de sua inlitação; e a natureza é inferior às Essências
1. [", kategoría.
eternas, pois não passa de sua cópia. A poesia, como a que se
encontra enl Honlero e Hesiodo, não tem, portanto, valor nle-
tékhne (he) I 'tÉXV'Tl (Tj): arte. Latim: ars. tafísico e, adenuis, é mentirosa, logo sen1 valor n10ral; pode-se
dizer o n1esn10 das pinturas e das tapeçarias, que reproduzen1 as
Atividade humana que, em vez de se dobrar às leis da Nature-
fabulas dos poetas (Rep., 11, 376e-378c); por outro lado, Íon, ao
za, permite que o homem aja segundo sua própria natureza.
dissertar sobre Hon1ero, não sofre o influxo da arte, nus de
No entanto, a palavra tékhne traduz duas espécies muito di- uma faculdade divina, theia djnamis / Sela ÕÚvuJ.!tç (ÍOH,
ferentes de atividade. 533d); e Sócrates, em sua prisão, compõe um poema para obe-
• Transformação da natureza para dela extrair uma obra: é o decer a uma ordem divina (FédoH, 61a-b). Em República, a arte
que chamamos de belas-artes. Nesse caso, mesmo se opondo se desdobra: faz-se a distinção entre a arte do artesão (arte de
à Natureza, a arte é uma imitação da Natureza: essa será a fabricação, poiésousa' / notlÍ'toucru) e a arte do artista (arte
teoria clássica que prevalecerá até o romantismo (exclusiva- de imitação, mimesoméne / J.!tJ.!llcroJ.!ÉVll). Assim, o pintor
mente). Esse é o argumento em que Platão se baseia para que retrata um leito é inferior ao marceneiro que o fabricou,
condenar a arte: pintura e poesia só imitam, sem poder criar; pois o marceneiro produz uma realidade sensível, que é cópia
são artes de ilusão (Rep., X, 602c-604a). da Idéia eterna do Leito, ao passo que o pintor só imita a reali-
dade sensível (Rep., X, 595b-597a): ele só chega a uma imagem
O mesmo ocorre em Aristóteles. Por um lado, ele opõe arte e de imagem, a "uma imitação de aparência": mímesis phan-
Natureza; há duas espécies de ser: os que são por natureza tásmatos / J.!íJ.!llcrrç qxxv'tácrJ.!u'tüÇ (598b).
(physei / <púcrEt) - animais, plantas e corpos simples; e os que
são produzidos pela arte (apo tékhnes / àno 'tÉXVllç) (Fís., Aristóteles, por sua vez, distingue:
11,1, 192b). Por outro lado, ele define a arte como imitação a. arte e experiência (empeiría): "A experiência é conheci-
da Natureza: he tékhne mimeitai tim physin / ft 'tÉXVll J.!t- mento do individual; a arte do universal" (Met.,A, 1, 581a);
J.!Ei'tat 'tftv <p1Ícrtv) (Fís., 11,2, 194a).
b. arte e ciência (epistéme. v. essa palavra); a arte é a aplicação
• A aplicação de um conhecimento geral a casos singulares. do universal ao individual (ibid.);
Em Platão, a virtude é aliança de ciência (epistéme) e arte
c. ação, prâxis (v. essa palavra), e fabricação, poíesis (v. essa pa-
(Íon, 532c-e; Protágoras, 357b-c); o ofício é a aplicação de um
conhecimento geral a casos concretos: é o que ocorre com o
lavra); a arte pertence a esta segunda categoria: ela é "a dispo-
sição, acompanhada de razão (metà lógou / J.!6'tà Aóyou), à
piloto e o médico (Rep., I, 341d-342e). Em Aristóteles, "nas-
ce a arte quando um único juízo universal, aplicável a todos fabricação". (Ét. Nic., VI, IV, 3);
os casos semelhantes, é formado de uma multidão de noções d. arte utilitária (khroméne / XPOlJ.!ÉV1l') e arte de fabricação
adquiridas por experiência" (Met., A, 1, 981a). (poietiké) (Fís., 11, 2, 194b). Essa distinção decorre de b. e c.:
há finalmente, como em Platão, uma arte de habilidade (o mé-
De fato, em cada um desses dois grandes autores que transmi-
dico) e uma arte de transformação da matéria (o artesão).
tiram uma filosofia da arte, encontram-se algumas teorias que
"
1. Tékhne f: do gênero feminino.
lhes são próprias: I,
2. Esse particípio não pertence a khrózo, colorir, tingir, mas a khráomai, usar, utilizar.

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télos (tó) / 'CÉÀDÇ hó): fim, finalidade. causas é teorética (A, 2, 982b; A, 1, 1069a). Platina escreveu
um tratado Da natllreza e da comel11plação do Uno (III, VIII),
t
Sentido usual: término, acabamellto. Sentido filosófico: causa fi- onde mostra que todas as ações tendem à contemplação.
nal. v. aitía. "A natureza é fim" (Aristóteles, Fís., lI, 2). Deri-
vado: téleios / -rÉÀElOÇ: perfeito, acabado. theós (ho) / 9Eóç (6): Deus, o deus. Latim: deus. Plural:
theoi (hoi) 18eoí (oi). theion (tó) / 8etov (1:ó): o divino,
thánatos (t6) /9áva'CDÇ (6): morte. a divindade.
"A morte [... ] é separação entre alma e corpo" (Platão, Fé- Ser sobrenatural venerado pela religião, que passou em segui-
don, 64c). "A morte nada é para nós" (Epicuro, Carta a Mene- da à filosofia para explicar a ordem da natureza, o curso dos
cell, D.L.,X, 124)."A morte não é um mal, mas o mal é a opi- acontecinlentos ou o destino humano.
nião de que a morte é um mal" (Epicteto, ]\!Janllal,v).
É difícil deslindar, nos autores gregos, monoteísmo e politeís-
theion (ho) /9Eiov ('Có): Divindade, Divino. V. theós. mo. Os únicos que afirmanl U01 Deus único, primeiro, abso-
luto e espiritual são Pitágoras, Aristóteles e Pro dos. No en-
tanto, Pitágoras e Aristóteles falam de seres secundários de
theoría (he) /9Ecopía (fI): contemplação. natureza divina que são deuses. Anaxágoras fala de um Espíri-
Latim: contemplatia. to primeiro ordenador (Nous), mas nenhum fragmento ou
testemunho diz que se trata de Deus. Platão dá à divindade
Ato da mais elevada das faculdades do espírito para cenhecer vários rostos; Platina de fato afirma que o Uno é Deus, mas
o inteligível. também Hypértheos, logo Deus superior além do Nous,
A raiz the- / SE indica um conhecimento voluntário e cons- que procede dele e compartilha de algum modo a divindade
tante. É encontrada nos verbos theômai / SECÕ)lat, contem- com ele; mantém os deuses secundários, tal como, aliás, Porfí-
plar, e theorô / 8E0lpâ>, com o mesmo sentido; nos adjetivos rio e Jâmblico. Encontra outros termos para designar as di-
theoretikós / 8EOlPl1-rtxóç, intelectual, e theoretós / 8EOlPl1- vindades secundárias: daímon (ho) / &tí)lOlV (6); demiour-
-róç, contemplável; nos substantivos théatron / SÉa-rpov, es- gós (ho) / 011)llOUPYóç (6): espírito criador; e, para o divino
petáculo, teatro, e theórema / SEWPl1)la, espetáculo, objeto em geral: theion.
de estudo. • Deus (ho theós). A doxografia de Tales nos deixa perplexos
Theoría só adquire sentido filosófico com Platão, que quase no que se refere à teologia. Diz ele: "De todos os seres, o mais
não utiliza o termo: algumas vezes, principalmente na Repú- antigo é Deus, pois não foi engendrado" (D.L., I, 35). Mas O
blica (VI, 486a;VIl, 517d), em competição com nóesis / vÓl1cnÇ que é esse Deus' Um espírito ordenador, decerto, pois, como
(v. essa palavra), que tem o mesmo sentido. Ganha grande im- diz Cícero, é uma mens que extrai todas as coisas da água (De
portância com Aristóteles, que faz da theoría a contempla- nato deor., 1,10); e a Divindade (to theion) é "um ser sem co-
ção dos Princípios primeiros, pela parte epistemônica da alma meço nem fim" (D.L., I, 36). Mas Aécio (I, VII, 11) diz que
(Ét. Nic., X,VIl, 1). V. eudaimonía. É também pela theoría ele é a inteligência do mundo, o que nos remete ao panteís-
que o homem de Estado obtém a ciência política (Pol., IV, I, mo. O mundo está cheio de espíritos: daímones (D.L., I,
3-4). Encontramos também o termo em Metafísica, onde se 27); mas, em vez de serem impessoais, os deuses vêem não só
lembra que a ciência dos primeiros princípios e das primeiras as ações dos homens, como também seus pensamentos (ibid.,

144 145
1,36). É verdade que, como entre os babilônios, pelos quais Há um Deus único, o maior entre os deuses e os homens,
Tales é influenciado, demônios e deuses provavelmente são Que nào se assemelha aos mortais nem em corpo, nem em pensamento.
espíritos diferentes. Outros dois versos fazem parte do mesmo poema: um é cita-
Em Diógenes de Apolônia, o panteísmo é evidente: Deus do por Sexto Empírico (Adv. matl1., IX, 144), por Diógenes
possui a onipotência e a onipresença, mas é idêntico ao ar Laércio (IX, 19) e pelo Pseudo-Plutarco (Eusébio de Cesa-
(fr. 5). Encontra-se identificação semelhante em Anaxímenes réia, Preparação evangélica, I, 23):
(Cícero, De nato deor., I, 10). O mesmo ocorre em Heráclito, Por inteiro ele vê, por inteiro ele pensa, por inteiro ele entende.
onde ele assume natureza espiritual: ele é o Lógos (a Razão,
O outro é citado por Simplício (Comentário à Física de Aristó-
que penetra a substância do Todo) (Aécio, I, XXVIll, 1). Nós
teles, fr. 6):
ll1esmos, se pensan10s e conhecemos, é por participação do
Logos (Sexto Empírico, Adv. math., VII, 134). Esse Lógos é E sem e<;forço ele move todas as coisas pelo pensamento de seu espírito.

explicitamente identificado com Deus (fr. 31) e qualificado Teísmo ou panteísn10? "Xenófanes", conforme escreve Aris-
como deus (fr. 50). tóteles, "afirma que o Uno é Deus" (Met.,A, 5). Esse Deus único
Em Pitágoras, "Deus é espírito: nous" (Aécio, I, m, 8). Ele é governa o mundo do interior ou do alto de sua transcendên-
idêntico ao Uno e ao Bem (ibid.,VIl, 17). É objeto de prece; cia' Interpretou-se nos dois sentidos, sem fechar a questão.
Mas Tímon, o cético, decide-se a favor da transcendência:
podemos até unir-nos a ele, pois essa é a finalidade da filoso-
"Xenófanes imaginou um Deus afastado dos homens [... ]
fia Oâmblico, Vida de Pitágoras, 175, 137), cujo primeiro pre-
imutável, inteligência e espírito" (Sexto Empírico, Hypot., I,
ceito é de "seguir Deus" (Estobeu, Écl.,VI, 3). Filolau afirma
XXXIll, 224). Sócrates faz a mesma pergunta. Segundo Xe-
que há um Reitor e mestre de todas as coisas; é Deus, Uno,
nofonte (Mem., I, IV, 13-18), ele ensinava que Deus não só
eternamente existente, imutável, in1óvel, idêntico a si mesmo,
deu ao corpo humano uma conformação admirável, como
diferente do resto" (Fílon de Alexandria, Criação do mundo,
também lhe conferiu a alma mais perfeita. No entanto, um
23). Para Árquitas, há três princípios: Deus, que é o formador
pouco adiante, chama esse mesmo Deus de "inteligência
e motor do universo; substância, que é sua lnatéria, n1óvel, e
(phrónesis) que está no universo", depois fala dele no neu-
forma, que é a ação de Deus sobre a substância (Estobeu,
tro: é a Divindade (to theion).
Écl., 1,35). É esse Deus que põe a razão no homem Oâmbli-
co, Protréptico, 4, num texto extraído do tratado Da sabedoria, Platão move-se na mesma incerteza. No livro li da República
de Árquitas). Empédocles, influenciado pelos pitagóricos, (379a-c), fala de Deus no singular e até como uma pessoa: ele
zomba do antropomorfismo teológico: "Deus não tem corpo é bom e não autor dos males. Além disso, ele é absolutamente
[... ] ele é unicamente um espírito venerável, de uma potên- perfeito e incapaz de nos enganar (381 b-c; Teeteto, 176b-c).
cia inefável cujo pensamento percorre o universo" (Purifica- Ora, no livro IV das Leis (716c), Platão escreve que Deus
ções,134). deve ser "a medida de todas as coisas". E o ateniense, um
pouco acima, afirma que "Deus detém, segundo antigas pala-
Antes de Árquitas e Empédocles, o caso de Xenófanes é abso- vras, o começo, o fim e o meio de todos os seres". Quais são
lutamente típico do caráter indeciso que os filósofos itálicos essas antigas palavras? É um verso de um poema órfico l , que
atribuem à Divindade. Clemente de Alexandria (5trom., V, põe em cena Zeus, que recriou o universo criado uma pri-
XIV, 109) afirma que Xenófanes de Colofào ensina que meira vez por Fanes e, como arquiteto do universo, realizou
"Deus é único e incorpóreo". E cita dois de seus versos: seu trabalho com medida. Esse Deus é, portanto, o deus do

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Timeu (29a-31b), o Demiurgo, que não é um espírito absoluto, • Os deuses (hoi theoí).
pois fabrica o mundo graças a dois princípios preexistentes:
uma matéria informe e um Modelo eterno (parádeigma).
o politeísmo é paralelo ao monoteísmo; aliás, nos meSn1QS
autores. Devemos entender por monoteísmo a proclamação
Aristóteles, no livro A da Metafísica, confere a Deus a nature- de um Deus absoluto e originário, primeiro Princípio, que dá
za mais grandiosa, ao mesmo tempo a mais rigorosa, que foi existência a outras personagens divinas ou, simplesmente,
definida desde o início da história da filosofia. Ele é o Prin- cuja natureza não se opõe a essa existência. São, habitualmen-
cípio absoluto, Motor (kinoun) não movido, substância te, deuses inteiran1ente espirituais, como os de Tales, que
eterna, e Ato puro (enérgeia ousa). Ele é o Bem em si e o vêem nossos pensamentos (D.L., I, 36). Ferecides teria escrito
Desejável em si, causa final e necessária, Pensamento (nóe- uma obra Sobre a Natureza e sobre 05 deuses (D.L., I, 116).Ana-
sis) que se pensa a si mesmo, beatitude perfeita (VII, 1072a- ximandro, segundo diz Cícero (De nato deor., 1,10), professava
b, IX). Ora, nessa solidão espiritual, ele ignora o universo que os deuses nascem e morrem.
que ele mesmo move, bem como o homem, de quem ele é a Vários testemunhos mostram entre os pitagóricos deuses que
Finalidade. supostamente conciliam religião e metafísica. O primeiro
Ao contrário de Aristóteles, os estóicos professam um pan- verso das Palavras de ouro de Pitágoras começa com estas pala-
teísmo absoluto. O universo, sendo uma Realidade racional, vras: "Em primeiro lugar, honra os deuses imortais." Jâmblico,
perfeita e necessária, é Deus. Deus é "a reta razão em toda depois de dizer que os pitagóricos manifestavam devoção a
parte disseminada" e "intimamente misturada à Natureza" Deus, declara que, segundo eles, os homens devem buscar o
(D.L.,VII, 88,147). Para Crisipo,Antípatro e Posidônio, Deus Bem junto aos deuses (Vida de Pitágoras, 175,137); esses deu-
é "urna força inteligente e divina disseminada no mundo" ses, aliás, são inocentes de nossos males (ibid., 218). Árquitas
declara que, depois dos deuses, nossa alma é o que há de mais
(Cícero, De divinatione, I, 14). Para Marco Aurélio (VIII, 9),
divino (Jâmblico, Protréptico, 4). Na realidade, em Pitágoras e
ele é "a unidade resultante do conjunto".
em seus discípulos, se os deuses são imortais, não são eternos:
Em Platina, Deus é o Uno e o Bem, que constituem com são criaturas do Deus supremo (Hiérocles, Comentário ao Poe-
um mesmo nome a primeira Hipóstase. Portanto, ele é a ab- ma de ouro de Pitágoras, 1). Com esse Deus, as diferentes or-
soluta transcendência, estando para além do ser (hyperón- dens de espíritos formavam quatro graus metafísicos: no mais
tos, VI,VIII, 14; epékeina óntos, V, 1,10; V,v, 6) e além do elevado, deuses imortais que habitam os astros; depois, os he-
inteligível (IH,VII, 2); ele é o Único, além de tudo aquilo que róis glorificados (almas humanas imortalizadas) que habitam
são os seres, e, sendo superabundante, não precisa de nada que o éter; por fim, os demônios que habitam a terra (Porfírio,
não seja ele (V, 1,6-7). Mas, ao mesmo tempo, ele é em ab- Vida de Pitágoras, 38; Aristóxeno, in Jâmblico, Vida de Pitágo-
soluto tudo o que são os seres por ele produzidos. Ele é Von- ras, 99; Hierocles, loe. cit., 3). Existe aí uma influência bem cla-
tade (VI, VIII, 21) e Vontade de Ser (VI, VIII, 16); é Pensa- ra da hierarquia caldéia dos deuses: Pitágoras VIVeu várIOS
mento (nóesis) e Pensamento de si mesmo (VI, VII, 37); é anos na Babilônia.
Amor e Amor de si mesmo (VI, VIII, 15). Por isso, nosso des- Empédocles menciona os decretos dos deuses (fr. 115, 1). Só-
tino é tornar-nos semelhantes a ele (1,2-3). Em Hermes Tris- crates perguntava aos deuses o que devia fazer (Xenofonte,
megisto, Deus é o primeiro Espírito, Pai de todos os seres, 1\1em., I, I, 6). Platão segue de certo modo Pitágoras ao fazer
que é Vida e Luz (Poimandres, I, 12), mas de modo absoluta- a distinção entre os deuses do Mundo inteligível, em compa-
mente dessemelhante de tudo o que ele produz (ibid., lI, 14). nhia dos quais vivem os eleitos, e os deuses da terra, proteto-

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res dos homens (Fédon, 81a, 63b, 62d). Em Timeu (40a-b), faz goria: a alma humana, "feita para viver em companhia daqui-
dos deuses do céu criaturas do Demiurgo, acrescentando que lo que é divino" (Fédon, 80b), e o Mundo inteligível, divino
aqueles deuses são estrelas. Chega a conferir divindade ao sol por essência, que faz os deuses ser divinos e as almas tornar-se
e à lua (Leis, VII, 821 b-c, 822a; Rep., VI, 508a). Para Aristóte- divinas (Fedro, 249c, Rep., VI, 509b). De fato, o filósofo, ho-
les, as substâncias primeiras são deuses (Met., A, 8, 1074b), mem da contemplação do Divino (Sofista, 254b), tem o direi-
que são seres imortais e bem-aventurados (D.L., X, 123). Para to a ser chamado de divino (Rep., VI, 500c-d). Aristóteles faz
os estóicos, "é a vontade dos deuses que rege o mundo" (Cí- do Céu (ouranós) um Ser divino: theion, ainda que seja um
cero, Defin., I1I, 19);"é a providência dos deuses" que o or- corpo; mas é inegendrado e incorruptível (De caelo, 1,3), e é
ganiza (id., De nato deor., 11, 30) e toma conta dos mortais nele que está a Divindade inteira: to theion pân (ibid., I, 9).
(Marco Aurélio, VII, 70). Plotino também atribui aos deuses Locuções:
uma missão providencial (11, IX, 9; 111, lI, 9). Para os céticos
- katà theón zên / KC<1:C! 8EOV Çf1v: viver segundo Deus
(e essa é uma de suas raras afirmações), "os deuses existem, e
(Sexto, o Pitagórico, Sentenças, 11).
nós os veneramos" (Sexto Empírico, Hipot., 111, I1I, 2). Para
- hépou theô / E1tOU 8Ero: sou Deus! (Pitágoras, Estobeu,
Pro cios, cada deus é uma hénade (henás / Éváç, gen. hená-
Écl.,VI, 3; Sosíades, Prece";os dos sete sábios, 1).
dos), ou seja, uma Unidade, perfeita, supravivente, suprapen-
1. Poema reproduzido por Kern em sem OrphifOrtI!IIfra.~J!I(,!!la, Berlim, 1922, p. 16H.
sante, que exerce uma atividade universal (Teologia, 113-133). 2. Quanto a este, testemunho mais desenvolvido em Filodemo, Da piedade, IX, 7.

Alguns pensadores, impressionados com a grosseria da reli-


gião popular, negam a existência dos deuses. São eles, espe- thésis (he) /eécnç (1']): tese.
cialmente, Evêmero, Pródico', Diágoras de MeIos, Crítias,
Lógica. "A tese é um pensamento paradoxal defendido por
Teodoro, Bíon de Boristene. Quanto a Protágoras, afirmava
algum filósofo célebre", que apresenta um problema para ser
não saber se os deuses existiam ou não (Sexto Empírico, Adv.
phys., I, 17,50-57). resolvido (Aristóteles, Tóp., 1,11).

• O Divino, a Divindade (to theion). thymós (ho) / eu~ (ó): coração .


Esse adjetivo neutro substantivado é muito mais vago do que Esse termo vago encerra a afetividade em suas diversas for-
theós, cuja personalidade não tem. Os pitagóricos mostra- mas: sentimento, humor, paixão, fervor, arrebatanlento.
vam devoção ao Divino Oâmblico, Vida de Pitágoras, 175). Ta-
les definia a Divindade como "um ser sem começo nem fim" Segundo a transliteração usual, o radical grego 8u~ torna-se
(D.L., I, 36). Heráclito considera que as leis humanas foram em latim thym-. O próprio termo torna-se, em francês,
legadas pela Divindade (fr. 114). Sócrates ensina que a Divin- thymus (timo), que em anatomia designa uma glândula de
dade vê e ouve tudo (Xenofonte, Mem., I, IV, 18). Epicuro crescimento situada contra o coração; portanto, nesse caso, a
proclama que a Divindade é um ser imortal e bem-aventura- etimologia foi explorada de um ponto de vista totalmente
do (D.L., X, 123), entendendo com isso a pessoa que possui a orgânico. Em psicologia, o sufixo -timia designa o humor: um
divindade. esquizotímico é um introvertido, e UOl cic1otímico é um in-
divíduo de humor mutável.
Platão confere importância especial ao Divino, "o que é belo,
sábio e bom" (Fedro, 246e), "o que é eternamente semelhante Em Pitágoras (segundo Alexandre Poliístor, D.L., VIII, 30), a
a si mesmo" (Pol., 269d). Encontram-se dois graus nessa cate- alma humana tem três estágios: nous, phrén, thymós; este

151
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último parece ser a sede das tendências infra-intelectuais. Por to ti ên einai 11:0 1:í 1)v Elvat: qüididade. essência.
outro lado, em Heráclito essa palavra significa sentimento,
quando afirma que é difícil lutar contra o coração (fr. 85). Textualmente: "aquele em que havia um ser", fórmula aristo-
Platão também divide a alma em três partes: epithyrnía, télica para designar aquilo que entra na definição de um ser
thyrnós e lógos. O thyrnós, parte central, tem sede no pei- (Met.,A, 3; 6, 6; Z, 4-6,10; H, 1; Fís., 11, 1). Outras fórmulas:
to e preside à vida afetiva; é a faculdade da coragem (an- to tí esti / 1:0 1:Í e<Jn: "o que é algo" (Fís., 11, 7); tí esti
dreía): virtude específica dos guerreiros, que regra a impulsi- (Tóp., I, 9; Fís., 11,1).
vidade (Rep., IX, 580c-583a). Em Time" (69d), o thyrnós é a
paixão irracional, surda aos conselhos salutares. Em Ética eu de- t)íkhe (he) I 'L'ÍlXTJ (,,): acaso.
méia, Aristóteles arrola o thyrnós entre as paixões, mas então
Na mitologia, a fortuna, sorte enviada pelos deuses. Aristóte-
é preciso traduzir por cólera (essa paixão se chama orgé /
les considera o acaso como a causa de fatos excepcionais, aci-
óPY'Í na Ética nicomaquéia e na Ética magna).
dentais e finalizados (Fís., 11, 4). Para Plotino, ele intervém nos
Retomando a teoria platônica, PIo tino constata que se divi- fatos derivados e múltiplos (IV, VIII, 5).
de a parte irracional da alma (to álogon) em duas: desejo
(epithyrnía) e coração (thyrnós); e considera como sede tyrannis (he) I 1:1.lpawíç (,,): tirania.
deste último o coração anatômico: kardía (IV, IV, 28). En-
contra-se o adjetivo neutro substantivado to thyrnikón /1:0 Governo da violência, engendrado pelos excessos da demo-
9UlltKÓV, com o mesmo significado. Em Pitágoras - explica cracia (Platão, Rep., VIII, 562a-569c). O homem tirânico é
Aécio (IV, IV, 1) -, a parte da alma desprovida de razão divi- aquele que põe a força a serviço da injustiça (íbid., 571a-
dia-se em duas: o thyrnikón e o epithyrnetikón, alma 580c). Em Aristóteles, esse governo se confunde com o da
sensitiva. realeza absoluta (Pol., IV, X).

timokratía (he) 11:4J.oKfXX1:ía (,,): timocracia.


Em Platão, governo da honra (Rep:, VIII, 545a-548d), que se
caracteriza pelo luxo e pela prosperidade; no homem timo-
crático, a alma média (thyrnós) domina a razão: é um irascível
e um violento (ibid., 548d-550c).

tópos (ho) l1:ónüÇ (ó): lugar.


Considerado por Aristóteles como categoria em sua enumera-
ção na forma interrogativa: poô (no;») (Cat., IV), mas não de-
senvolvida depois; ao contrário, os Tópicos (1:ontKá) são dedi-
cados ao uso dos "lugares"-comuns da discussão. O lugar é
tratado mais seriamente em seu sentido cosmológico na Físi-
ca (IV, 1-9). Os céticos chamam de lugares "os modos que fa-
zem concluir pela suspensão do juízo'" (Sexto Empírico, Hi-
pot., 1,36).

152 153
VOCABULÁRIO

absoluto: haploüs categoria: kategoría


ação: prâxis causa: aitía
acaso: tjkhe caverna: spélaion
acidente: symbebekós cético: skeptikós
afeição: páthos, philótes céu: ouranós
afirmação: katáphasis chefe: árkhon
alma: psykhé cidade: pólis
alteração: alloíosis ciência: epistéme
amizade: philía, philótes compreensão: katálepsis
amor: éros comum: koinós
aparência: phainómenon conclusão: péras
apetite: thytnós conhecimento: gnôsis
aristocracia: aristokratía conjectura: eikasía
arte: tékhne constituição: politeía
artesão: demiourgós contemplação: theoría
assimilação: homoíosis contradição: antíphasis
ato: enérgeia, entelékheia contrariedade: enantíosis
átomo: átomos contrário: enantíos
aumento: aúxesis coração: thymós
coragem: andreía
beleza: kalón corpo: sôma
bem: agathón corrupção: phthorá
soberano Bem: áriston, crença: pístis
kyriótaton criação: poíesis
bem-estar: euthymía criador: demiourgós

capacidade: dfnamis dedução: syllogismós

155
definiçào: horismós, hóros gênero: génos l11ônada: monás realeza: basileía
deliberaçào: boulé geração, vinda ao ser: génesis morte: thánatos relação: prós ti
delírio: manía governante: árkhon motor: kinoün remlDlscênCla: anárnnesis
democracia: demokratía governo: politeía móvel: kinetón repouso: stásis
demonstração: apódeixis movimento: kínesis, phorá retórica: rhetoriké
desejo: epithymía harmonia: hannonía mudança: metabolé, kínesis
destruição: phthorá hipóstase: hypóstasis mundo: kósmos, hólon sabedoria: sophía
deus: theós hipótese: hypóthesis saber (subst.): máthema
díade: dyás homem: ánthropos não-ser: me ón saber (verbo): eidénai
dialética: dialektiké nascimento: génesis (v. eudaimonía)
diferença: diaphorá imagem: eikón, mímema natureza: physis sensação: aísthesis
diminuição: phthísis imaginação: phantasía necessidade: anánke ser: einai, ón, ousía
divindade: theion imortal: athánatos negação: apóphasis si: autós
divino: theios, daimónios imortalidade: athanasía número: arithmós silogismo: syl10gismós
doxografia: doxographía imóvel (sem mudança): akínetos simples: haploüs
impassível: apathés oligarquia: oligarkhía
sofista: sophistés
economia: oikonomía inclinação: honné opinião: dóxa, dógma,
substância: ousía,
elementos: stoikheia incorpóreo: asómatos hypólepsis
hypokeímenon
eqüidade: epieíkeia incorruptível: áphthartos oposição: antíthesis
suspensão (do juízo): epokhé
erístico: eristikós oposto: antikeímenos
individual: kath'hékaston
espécie: eidos indução: epagogé temperança: sophrosYne
paixão: páthos
espírito: nous, daímon injustiça: adikía tempo: khrónos
participação: méthexis
essência: eidos, idéa, ousía, to tí instante: nün tendência: órexis
pensamento: nóesis, phrónesis
ên einai inteligência: noüs, phrónesis termo: péras
(discursivo: diánoia)
Estado: politeía involuntariamente: ákon tese: thésis
possível: dynatón
estado, maneira de ser: héxis involuntário: akoúsios timocracia: timokratía
potência: dynamis
estudo: máthesis tirania: tyrannís
prazer: hedoné
eternamente: aeí justiça: dikaiosYne, díke, todo:pãn
predicado: kategórema
eterno: aídios, aiónios dikaiótes, díkaion tranqüilidade: ataraxía
predicável: kategoroúmenos
(sem começo: agénetos) justo: díkaios prenoção: prólepsis tristeza: Ijpe
experiêncIa: empeiría princípio: arkhé tudo: pãn
lei:nómos privação: stéresis
fabricação: poíesis, tékhne liberdade: eleuthería, proaíresis proposição: apóphansis universal: kathólou
faculdade: dYnamis lugar: tópos (geométrica: diágramma) universo: hólon, pãn
família: oikos providência: prónoia uno:hén
felicidade: eudaimonía, mal:kakón purificação: kátharsis
makariótes matéria: hyle verdade: alétheia
figura: skhêma medo: phóbos qualidade: poión verdadeiro: alethés
filosofia: philosophía meio: metaxy quantidade: posón virtude: areté
fim: péras, télos memÓrIa: mnéme qüididade: to ti ên einai voluntariamente: ekón
fim, finalidade: télos, péras mito: m9thos voluntário: ekoúsios
forma: eidos, morphé modelo: arkhétypos, parádeignta razão: lógos vontade: boúlesis, proaíresis

156 157
íNDICE REMISSIVO

Alcmêon: 34,116 De caelo: 10,24,85,92,104,107,


Alexandre de Afrodísia: 15, 38, 121, 132,140,151
122 De fi"'.: 18,35,85,106,115,119,
Anacársis: 32, 134 132
Anatólio: 29 De gen. afl.: 127
Anaxágoras: 9, 22, 23, 24, 32, 71, 77, De int.: 17,21,25,81,83,84,89
99,111,116,133,134,145 Ét. Eud.: 21, 58,135,152
Anaxarco: 67 Ét. Nie.: 11,20,21,25,27,37,42,
Anaximandro: 23, 31 , 71, 77, 149 43,45,48,54,56,57,58,61,69,
AnaxÍmenes: 31, 146 70,74,80,90,96,104,112,113,
Andrônico: 93 115,118,119,121,124,125,127,
Antifonte: 61, 96 128, 133, 135, 143, 144, 152
Antípatro: 81, 148 Etlt. Mag.: 21,135,152
Antístenes: 65 Fís.:9, 13, 15, 16, 18, 19,21,23,24,
Apolodoro: 46, 81 32,50,57,63,77,85,86,89,90,
Aresas: 125 91,92,95, 100, 106, 116, 118,
Aristão: 110 132,137,138,141,142,143,144,
Aristipo: 61, 67, 68 153
Aristóteles: Met.: 10, 11,14,15,17,19,21,29,
Anal. Post.: 25, 76, 78 32,36,41,48,51,53,54,55,57,
Aliai. Pr.: 55, 131, 140 60, 62, 64, 66, 70, 73, 74, 76, 77,
Cat.: 21, 35, 37, 39, 53, 63, 64, 74, 83, 85, 88, 91, 92, 93, 94, 95, 96,
81,86, 105, 106, 109, 114, 115, 99,102,103,106,108,109,111,
119,120,121,123,138,152 114,115,116,118,119,120,123,
De an.: 14,21,48,50,54,55,86, 126,133,138,140,141,142,143,
87,91,99, 100, 111, 115, 120, 144,148,150,153
124,127,128,132 Poét.:52, 119, 120, 140

159
Pol. 13,28,37,39,45,51,52,88, Enesidemo: 97,112,1311 Lísis: 38 99,103,105,114,115,119,126,
89,96,97,101,115,118,120, Epicteto: 16, 17,20,22,33,34,38, 128,131,132,143,144,151
144, 153 41,45,52,55,62,66,69,74,76, Marco Aurélio: 12, 20, 33, 41, 45, Fedro: 13, 19,30,38,49,51,56,59,
Ret,:24,51,97, 110, 130 78, 80, 90, 92, 98, 104, 110, 112, 52,62,67,69,70,75,78,80,89, 91,105,112,116,150,151
Sobre os filóso./c)s: 46 113,121,122,126,127,144 90,92,98,100,106,117,118, Filebo: 11,23,56,69, 118, 139
Epicuro: 12, 14, 17, 19,20,33,35, 122,123,126,128,129,148,150 Gó(~ias: lI, 16,52,80,97,102,
Tóp.: 40, 64, 78, 79, 83, 91,118,
140,141,151,152 41,43,45,52,62,67,68,69,80, Melisso: 9, 72, 85, 88, 90,103,107, 119,121,126,130,131
Arqueia!: 43, 107 84,85,87,89,111,113,117,118, 132 Í'l/1: 142, 143
Árquitas: 11,42,61,71,78,95,97, 122,127,132,133,144,150 Métope: 26 Laqucs: 66
102,107,131,146,149 Epimênides: 134 Mílon: 116 Leis: 32, 37, 52, 92, 97, 116, 118,
Esferos: 110 Míson, o Lacedemônio: 134 120,147,150
Bias: 115, 134 Estênidas: 37 Moderado: 29 Usis: 75
Bíon: 80, 150 estóicos: 19,20,21,22,24,28,45, Museu: 71 Mêlloll: 17, 18,26,34,44,85,91,
Brontino: 41, 116 58,59,62,66,69,71,80,91,92, 121
Bútero de Cízico: 29 98,106,109,111,113,114,117, Nicômaco: 29, 53 Parmêllídes: 48, 49, 50, 51, 59, 63,
118,122,126,127,129,132,140, Numênio: 29 66,70,72,84,85,88,95,98,99,
Cálicles: 97 148,150 102,103,105,107,116,137
Carnéades: 41 Euclides de Mégara: 11,58,102 Gcelo: 97 Política: 19,33,139,150
Carondas: 97 Evêmero: 150 Protágoras: 18, 20, 26, 44, 80, 134,
Cleantes: 69 Parmênides: 11,17,30,31,35,44 142, 150
Cleóbulo: 115, 134 Ferecides: 79, 116, 128, 134, 149 Periandro: 69, 85, 91, 134 República: 11, 14, 16, 19,26,32,28,
Clitômaco de Cartago: 46 Filolau: 9, 16,29,66,71,87, 102, Pírron: 33, 58, 97, 112, 130 29,36,39,40,42,43,45,48,51,
Crisipo: 12, 53, 69, 80, 81,109,118, 116,117,129,131,139,146 Pítaco: 28, 65, 69, 97,134 52,56,57,58,64,65,66,68,75,
148 Pitágoras: 9, 10, 23, 24, 26, 30, 31, 78,80,88,89,90,91,93,95,97,
Crítias: 150 Górgias: 134 33,37,38,39,41,42,50,52,61, 101, 105, 108, 111, 114, 118, 119,
Critolau: 117 71,72,75,77,79, 83, 88, 90, 91, 120,124,133,135,136,142,143,
Hecatào: 12, 110 98,102,112,113,115,116,123, 144,147,150,151,152,153
Demócrito: 18,35,38,61,63,68, Heráclito: 9, 18,31,38,53,66,71, 125,128,131,134,138,139,140, Sofista: 16,36,47,50,51,64,74,
84,85,103,139,140 89,90,92,99,105,107,115,117, 146,149,151,152 82, 88, 103, 135, 137, 138, 139,
Demófilo: 41, 97 123, 127, 133, 139, 146, 150, 152 pitagóricos: 29, 34, 80, 126, 127, 151
Diágoras: 150 Herilo: 12, 110 128,131,150 Te"ero: 14, 18, 44,49, 52, 56, 75,
Díocles de Magnésia: 46 Hermes Trismegisto: 13,33,39,89, Platão: 76,105,111,147
Diodoro: 97 96, 148 Alcibíades: 38, 75 Timeu: 9,13,15,19,38,39,49,52,
Diógenes de Apolônia: 9, 31,34,50, Hermipo de Esmirna: 46, 134 Apologia de Sócrates: 38, 60 64, 66, 85, 87, 89, 90, 94, 104,
89,94,95,117,129,146 Hípaso de Metaponto: 31 Banquete: 36, 44, 59, 60, 61, 80, 91, 107,108,110,124,127,128,131,
Diógenes de Babilônia: 12 Hípias: 97,134 104 132,139,148,150,152
Dionísio de Heracléia: 69 Cármides: 48 Plotino: 8, 10, 12, 13, 14, 16, 17, 18,
Diotógenes: 37 Íon de Quios: 114 Crátilo: 36, 51, 120 21,22,24,28,30,32,34,37,38,
Epínomis: 29, 66 39,40,41,42,43,45,47,49,50,
Ecfanto: 37 Jâmblico (Pseudo-): 29 Fédon:15, 17, 18, 19,20,26,32,33, 52, 55, 56, 58, 60, 62, 65, 67, 71,
Empédocles: 19, 32, 38, 71, 83, 99, 34, 36, 38, 48, 49, 52, 53, 56, 63, 73, 75, 76, 77, 78, 80, 87, 90, 91,
113,116,139,140,146,149 Leucipo: 35, 84, 85, 103, 140 64,67,69,75,80,83,90,94,95, 94,96,98,100,103,104,106,108,

160 161
112,117,122,124,127,128,129, Sólon de Atenas: 32, l]J)
132,133,137,138,143,148,130 Sosíades: 97,131
Porfirio: 41,63,79,82,83, 141 SosÍcrates: 46
Posidônio: 148
Proc1os: 13, 33, 33, 74, 94, 95,100, Tales: 31, 38, 65, 71, 88, 98,116, íNDICE DAS FONTES DE REFERÊNCIA
112,145,130 134,145,146,149,130
Pródico: 134, 150 Teages: 26
Preros: 29 Teodoro: 150
Pseudo-Timeu: 129 Teógnides: 42, 79
Timócrates: 68
Quílon: 32, 65,134 Tínlon:97, 112, 130, 134, 147
TrasÍmJco: 97
Segundo: 34
Sexto Empírico: 62, 63, 65, 88,111, Xenófanes: 31, 32, 72,116,139,146
122,130,152
Sexto, o Pitagórico: 151 Zaleucos: 97 77,85,87,88,90,94,95,97,98,
Aécio: 8, 9,11,24,33,38,47,50,66,
Sócrates: 11, 15, 17,26,38,51,58, Zenão de Cício: 12,21,28,42,75, 99,107,108,111,112,113,114,
71,77,84,87,90,91,95,98,115,
60,61,65,71,79,80,81,84,88, 85,109,110,135 115,117,118,123,126,127,128,
123,145,146,152
92,95,96,102,107,115,117, Zenão de Eléia: 85, 116 130,132,133,134,140,145,147,
Agostinho (santo): 113
122, 133, 135, 143, 147, 149 148,149,150,151
Alexandre Poliístor: 46, 47,123,151
Aristóteles: 18, 19, 21, 22, 23, 28,
29,30,31,34,35,46,47,48,50, Estobeu: 7, 9, 11, 12,29,32,33,
51,71,73,83,84,85,113,137, 38,41,47,50,61,68,75,84,87,
140,147 95,97,102,117,125,129,146,
Aristóxeno: 29, 42, 46, 94, 97,149 131
Arnim: 109 Eusébio de Cesaréia: 47,147
Ateneu: 8,42, 66
Aulo Gélio: 41, 53, 79, 80 Fílon de Alexandria: 9,16,72,146

Berósio: 31 Heráclides do Ponto: 61, 129


Heráclides Lembos: 46, 75
Cícero: 7, 11, 12,28,31,34,58,68, Hiéroc1es: 79, 149
69, 80, 90, 110, 113, 126, 127, Hipólito: 34, 66,128,131
129,138,145,146,148,149,150
Clemente de Alexandria: 12, 28, 61, Jâmblico: 39, 41, 42, 75, 79,112,
110,117,146 117,129,145,146,149,150
João Crisóstomo (são): 128
Damáscio: 31
Demétrio de Falem: 65 Lactâncio: 69,113,128
Diógenes Laércio: 8,11,14,17,21,
23, 26, 28, 33, 35, 38, 45, 46, 58, Macróbio: 66
62,63,65,66,67,68,69,71,75, Materno: 140

163
162
Plutarco: 21,28,32,75,135
Plutarco (Pseudo-): 9, 31,47,77,84,
112,147
Teodoreto: 47
Teofrasto: 46. 83
I,
Téon de Esmirna: 29, 72
Porfirio: 34, 38, 74, 116, 149 Timeu (Pseudo-): 129

Sêneca:28,63 Usener: 67
Sexto Empírico: 7,12,18,28,34,38,
63,102,111,132,146,147,150 Xenofonte: 7, 26, 38, 52, 60, 61,
Simplício: 9,46, 72, 85, 90,132,147 66,68,71,80,92,96,102,107,
115,117,122,133,135,147,
Temístio: 52 149,150

I .
164

l i

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