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DOR DO

PARTO
como aprender com ela

Eleonora Moraes

FOTO: ALESSANDRA SANTANA


"Vemos mulheres fugindo da experiência do parto pelo medo da dor, mas não é o medo da dor
que assombra. É o medo de uma experiência muito, mas muito profunda, de mergulho dentro
de si, para um lugar que é essencialmente feminino, desconhecido, e com muitas coisas a
serem descobertas, enfrentadas, abraçadas, choradas, trazidas a tona. É o medo de uma
experiência desconhecida e da qual não temos o controle. O medo maior é o da transformação
que o parto irá trazer, de morrer uma parte da mulher-filha, para nascer mulher-mãe”.

Eleonora de Moraes
Eleonora é diretora e fundadora do Despertar do Parto.
Psicóloga formada pela Universidade de São Paulo
(FFCLRP), capacitou-se como DOULA pela ANDO
(Associação Nacional de Doulas), educadora perinatal e
instrutora de Yoga. Trabalha atendendo gestantes e casais
na preparação e acompanhamento de partos hospitalares
e domiciliares desde 2003, promovendo o parto natural e a
humanização da assistência. Promove a formação de
doulas autônomas desde 2010.

Com muito prazer compartilho com vocês este e-book, na


esperança de contribuir para desfazer tantos mitos que
envolvem a dor do parto e quem sabe ajudar mais
mulheres a se fortalecerem para viver esta experiência
com mais consciência e da forma mais prazerosa
possível. Para isso, compartilho aqui parte do meu
conhecimento como doula e também minha vivência
como mulher que viveu dois partos normais sem
anestesia e uma cesariana. BOAS
Logo de início, já aviso que viver a experiência do VINDAS
parto, tendo ele como conhecido e com uma
assistência adequada, é uma oportunidade ímpar de
nos desenvolvermos, despertando para nosso próprio
poder pessoal, que é imenso. Então desfrutem deste
e-book, olhe também para o que você precisa buscar
para sentir-se mais segura e mergulhe no seu momento.
Que a sua Boa Hora seja transformadora! Boa leitura.

Antes de mais nada é bom deixar claro: sentir


dor e ter medo da dor são coisas
completamente distintas. A confusão entre a
SOBRE A percepção real e o medo que a antecede é o principal
ponto a ser esclarecido, para que se possa desfazer
DOR DO os mitos que a cercam.
PARTO E O
Dor é uma sensação desagradável, produzida pela
MEDO excitação de terminações nervosas, e sua
intensidade será sentida de forma individual,
podendo até mesmo ser percebida de forma diferente
pela mesma mulher em diferentes partos.
Esta sensação da dor é sentida no corpo, apenas
nos picos das contrações que vem e vão,
dando intervalos sem dor alguma entre uma
contração e outra. É uma percepção real e
SOBRE A presente para a grande maioria das
mulheres no momento do parto. Apenas
DOR DO no momento do parto.
PARTO E O
O medo da dor entretanto, é um processo
MEDO mental e que acontece independente da
dor real que acontece no corpo. Ela
acontece na mente e carrega memória,
ansiedade, crenças que nos assustam e
limitam. Pode assombrar uma mulher por
toda a gestação sem nem mesmo ser sentida
em momento algum. Pode ser vista como uma
inimiga, fortalecendo a falsa auto percepção da
mulher como frágil e incapaz de suportar o parto. Com muita frequência escuto mulheres
dizendo "eu não vou aguentar a dor", como se a dor, por si só fosse capaz de trazer um
sofrimento insuportável ou até mesmo de matá-las.

Isto não é verdade. Nenhuma mulher na história da humanidade morreu de dor no parto.
Uma dor só mata porque é sinal de que algo de muito errado está acontecendo com
alguém. Mas o que mata não é a dor. Ela é apenas o sintoma. No caso do parto, a dor não
é sintoma de que algo vai errado. Pelo contrário. É sinal de que a fisiologia está
acontecendo e seu corpo está saudável e se abrindo para dar luz a um novo ser humano.
Este processo é grandioso e intenso e tudo está certo, no lugar que tem que estar.

A dor do parto só é sinal de que algo está errado se ela for contínua e não
cessar nem mesmo nos intervalos das contrações. Fora isso é apenas um
sinal de que a fisiologia está funcionando e seu corpo se abrindo para o bebê
nascer.

É preciso desconstruir a ideia da dor do parto como inimiga. Vamos aprender aqui a
entende-la como uma aliada. Para isso vamos torna-la conhecida, compreende-la e
compreender a diferença entre dor e sofrimento.

O que traz o estímulo que pode ser percebido como


doloroso é a contração do útero. O útero é como um
saco de músculo com uma pequena abertura
embaixo chamada colo de útero. É o colo que
precisa se abrir e dilata até 10 cm para que o bebê
possa descer pelo canal vaginal e depois nascer.
O QUE É A
DOR DO
PARTO?
Útero, colo do útero e canal vaginal

A contração do útero é um ato involuntário (que não controlamos) provocado pela nossa
liberação hormonal e que vai fazer com que as fibras musculares do útero se contraiam
abrindo a parte debaixo (colo) e ao mesmo tempo empurrando a cabeça do bebê para baixo.
Nas contrações também são encurtados diversos ligamentos que prendem o útero a pelve,
favorecendo a abertura da pelve para a passagem do bebê.
Para um bebê nascer é preciso várias contrações eficazes em sua duração e intensidade, para
que o colo do útero e pelve se abram para o bebê passar.

Contração
Que algo fique bem claro: durante um trabalho de parto
inteiro passamos mais tempo sem sentir dor do que com
dor. Isto porque a dor vem apenas no momento de
maior intensidade de cada contração. E
passamos mais tempo sem contração do que com
contração durante todo processo. Ela é portanto
Intermitente, ou seja, vai e volta e no momento do
final de cada contração e do seu intervalo, não se
tem percepções dolorosas. COMO
A percepção de dor também é crescente e o corpo se
adapta a cada etapa, liberando mais endorfinas e
ELA É?
outros hormônios que nos permitem aceitar o
processo. Começa como uma cólica menstrual e vai
gradualmente aumentando durante o trabalho de
parto. Vem um patamar de dor, o corpo se acostuma até
ficar bem suportável, logo vem um novo patamar mais
alto e o corpo se acostuma e assim por diante.

O que torna o parto excessivamente dolorido: receber intervenções para acelerar


o parto como ocitocina sintética ou misoprostol, estar sozinha, sofrer violência
obstétrica, medo e tensão também contribuem para aumentar a percepção da dor
e ela se transformar em sofrimento.

FOTO: ALESSANDRA SANTANA


É diferente de tudo o que você já viveu, além
disso a percepção da dor varia de mulher
para mulher e esquecemos dela pouco
depois do parto, portanto é difícil de
ELA SE PARECE descrevê-la.
COM ALGUMA
Mas podemos dizer que no início ela é
DOR QUE JÁ semelhante a uma cólica menstrual não
SENTIMOS? muito forte, localizado no baixo ventre
que se intensifica com o desenvolvimento
do parto. Depois pode se localizar também
na região lombar, trazendo uma sensação
de repuxar para frente do corpo. No final a
sensação é de uma pressão forte para baixo,
abrindo a porção inferior dos quadris.

É comum ouvirmos a comparação da dor do parto com a dor da cólica de rim, mas esta
não parece ser uma boa descrição já que a primeira é constante e impiedosa, sem
intervalos.
Quem nunca viveu um parto certamente vai imaginar que
o momento mais dolorido é o momento em que a
cabeça do bebê está passando pelo final do canal
vaginal, pelo períneo, portanto nascendo de fato.

Quem já viveu um parto pode dizer sem sombra de QUAL


dúvidas que esta idéia não é verdadeira. O
momento mais exigente do parto é o final da MOMENTO
dilatação do colo de útero, entre os 7 e os 10 cm de
dilatação, também chamado como “fase de
DÓI MAIS?
transição” ou a “hora da covardia". Esta fase precede
a fase expulsiva e envolve uma descarga grande de
adrenalina e altíssima liberação de endorfinas.

No final da fase de transição vem a vontade instintiva de


fazer os puxos (força de expulsão) e ao fazê-los percebemos
que a dor fica absolutamente controlável, que dói menos,
justamente porque ajudamos o bebê a nascer. Pode ser até mesmo prazeroso o momento do
expulsivo. A adrenalina nos faz “acordar” para uma postura mais ativa, menos vitimizada do
parto.
A dor do parto é fisiológica. Ela ensina os
caminhos que o corpo tem a percorrer.
A dor do parto tem funções extremamente
importantes na hora do parto. Ela mostra o
caminho a ser percorrido pelo corpo durante o
processo. Ensina qual a melhor posição para
E ficar, qual o momento de fazer força, nos
ensina instintivamente o que fazer para
PORQUE facilitar o processo fisiológico do nascimento
do bebê.
DÓI?
Um exemplo disto é a posição do corpo durante
as contrações da fase ativa (fase do parto mais
intensa): as mulheres tendem a inclinar o tronco
para frente quando vem a contração. Isto porque o
útero quando contrai se desloca para frente
ajudando a posicionar melhor a cabeça do bebê em
direção ao colo de útero e canal vaginal que ficam para trás do corpo da mulher.

Esta posição, além de ajudar o bom posicionamento do bebê e aliviar a dor, evita que a mulher
escolha a posição deitada, de barriga para cima, evitando que o peso do útero comprima a veia
cava inferior, uma das principais veias do corpo e que levam sangue para a parte inferior do
nosso corpo, incluindo útero e placenta! Ou seja, como ficar deitada de barriga para cima dói
muito mais na contração, escolhemos ficar na vertical com o tronco a frente ou deitadas de lado
para que doa menos. E este fato ajuda o bom funcionamento do parto.

Outro exemplo bem importante é a da fase do expulsivo do trabalho de parto, depois da


dilatação total: como a cabeça do bebê abaixa e comprime a porção final do reto, começamos
sentir uma vontade muito grande de fazer força, para empurrar o bebê para baixo e para fora.

Na hora em que isto começa a acontecer é comum sentir muito medo - "se já está doendo agora,
imagina depois!" - é o pensamento da vez. Mas em algum momento, essa vontade de fazer força
instintiva ganha nossos pensamentos e começamos a fazer estes puxos até de forma
involuntária. Para a nossa surpresa: dói muito menos quando empurramos! A dor maior é
quando resistimos em fazê-la.

Mais uma vez estamos ajudando a fisiologia


ao sentir a dor e movimentar o corpo para
aliviá-la.

Posição do útero durante a contração.


Fonte: retirado do livro "Parto Ativo" -
Janet Balaskas Editora Ground

Foto: Alessandra Santana


Uma das funções comportamentais da dor é nos trazer
para o presente. Para o aqui e para o agora. Não tem
como você sentir uma dor e não prestar atenção no seu
momento, no seu exato momento.
Uma dor no corpo sinaliza que algo de errado ou
estranho está acontecendo. Uma dor de cabeça, no TRAZER
estômago ou uma dor de dente indica que eu
preciso dar atenção a minha saúde, mudar hábitos, PARA O
buscar ajuda, cuidar.
PRESENTE
Vamos fazer aqui o seguinte exercício: imagine se o
parto não doesse, se eu não o sentisse. O que
aconteceria? É provável que a gente estivesse fazendo
compras no supermercado e de repente o bebê nascesse,
sem ter nenhum preparo e nenhuma assistência para dar
o tratamento e a atenção adequados.

O parto traz portanto, a necessidade de nos voltarmos para dentro e colocar nossa concentração
de forma inteira nesse evento máximo que é o de uma criança nascendo, absolutamente,
totalmente, dependente de cuidados.
Outro aspecto interessante é que existem algumas teorias, na psicologia, que entendem a dor do
parto como instituída culturalmente. Por exemplo, nós sempre ouvimos que dói.
FOTO: AMANDA FRANCO
Além disso, temos uma associação do parto com o sexo, como um ato pecaminoso. Na nossa
cultura, por algumas religiões, temos esse olhar distorcido para a questão da sexualidade
humana, da sexualidade feminina. Assim, é como se fosse um castigo pelo pecado. Portanto,
existem teorias que apostam nessa ideia de a dor do parto ser construída culturalmente.

Preparar-se para o parto, conhecendo como ele acontece, o que você vai sentir, o
local de parto e se possível a equipe é uma forma eficaz de reduzir o medo e a
ansiedade, minimizando a sensação de dor.

Foto: Juliana Rizieri


Compreendidas todas estas questões que
transformam o desconhecido da dor em
algo conhecido e com razão para existir,
resta aqui diferenciar a dor do sofrimento.
A dor é inerente ao parto, e como vimos, é
DOR OU fisiológica, faz parte do processo e ajuda
SOFRIMENTO? o parto a acontecer.

O sofrimento é o agravamento da dor


física pelos processos mentais
relacionados a percepção desta dor ou
pela violência obstétrica caracterizada pelo
uso inadequado de intervenções para
acelerar o parto, isolamento e até agressões
físicas e verbais por parte da equipe pouco
preparada. Mas não iremos entrar na questão da
violência obstétrica aqui, que é bastante complexa e envolve múltiplos fatores. Vamos nos
focar nos processos mentais ligados ao sofrimento pela dor do parto.

A dor torna-se sofrimento quando a mulher, por diversas razões, sente-se vítima do
próprio processo do parto, enxergando nas contrações ou na demora do nascimento
uma ameaça a própria vida e segurança, ou a vida do bebê. Um parto prolongado pode
trazer esta percepção de sofrimento. O cansaço enfraquece as barreiras contra as
artimanhas da mente que acredita na nossa incapacidade de superar nossos próprios
obstáculos. Por isso descansar bem no início do trabalho de parto, enquanto as contrações
ainda permitem isto é essencial.

Ficar no lugar da vítima é a maior armadilha do sofrimento do parto. É


escolher olhar para si mesma com pena, com fragilidade e como quem não merece passar
por "todo aquele castigo". E aí só resta delegar para outra pessoa, no caso o médico, fazer
o bebê nascer, no caso através do único recurso que ele tem que é a cirurgia cesariana.
Médico algum "faz" o parto. Quem o faz é a mulher.
Percebo claramente em minha experiência parindo 2 filhas e como doula, que existe um momento do
parto onde a mulher que "sofre o parto" precisa "virar a chave", abandonar o lugar da vítima e assumir
a posição de mulher guerreira, autora do ato de parir. Neste momento ela entende que ninguém poderá
fazer o parto normal por ela, então ela assume o parto para si, coloca-se numa postura ativa e pode parir
com garra e confiança. Virada a chave, o parto é dela! E ninguém a tira deste lugar de excelência.

Existem várias técnicas naturais de alívio para a dor do parto que ajudam imensamente a mulher a lidar
com ela, vivendo apenas o fisiológico e evitando que entre na dor do sofrimento. São conhecidas como
"métodos não farmacológicos de alívio da dor" e seus benefícios são comprovados por evidências
científicas consistentes. Ter, por exemplo, uma doula que entenda e possa oferecer um suporte
contínuo emocional e aplicar técnicas de alívio da dor naturais é um dos métodos mais comprovados,
justamente porque o parto acontece no campo das emoções e da mente, além do corpo.

A doula deve ser aquela que acredita no


potencial da mulher e ajuda ela a virar a
chave.

Muitas vezes virar esta chave pode ser


um processo difícil pelo momento de
vida da mulher em seu mundo interno,
pelos limites da assistência que não a
apoiam de forma sensível ou até mesmo
por um bebê mal posicionado na pelve.

Nestes casos o recurso da anestesia


farmacológica no parto pode ser uma
grande aliada no processo, permitindo
que a mulher descanse, diminua o stress
causado pela dor e sofrimento
excessivos, e retome o ato de parir com
mais tranquilidade.

É essencial que a mulher que vá viver o


parto saiba durante a gestação quais os
recursos que ela tem para lidar com a
dor, conheça e tenha quem ofereça a ela
no momento do parto os recursos não
farmacológicos e entenda os prós e
contras da analgesia farmacológica.

Mas este é tema para outro e-book! O


passo principal e mais importante, que
é o de compreender a dor do parto como
aliada e desfazê-la como inimiga, você
possivelmente já deu lendo este
material até aqui.

BIBLIOGRAFIA
Maldonado MT. Psicologia da gravidez, parto e puerpério. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
Balaskas J 1996. Parto Ativo – Guia Prático para o Parto Natural. Ed. Ground. São Paulo.
Kitzinger S 1985. The sexuality of birth, pp. 209-218. In S Kitzinger (ed.). Women’s experience of sex. Penguin, Nova York.
Varrassi, Guistino et al. Effects of physical activity on maternal plasma β-endorphin levels and perception of labor pain.
American Journal of Obstetrics & Gynecology , Volume 160 , Issue 3 , 707 - 712
DOR DO
PARTO
como aprender com ela

Eleonora Moraes

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