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Uma Entrevista Com Marcel Proust PDF
Uma Entrevista Com Marcel Proust PDF
Para mim, a memória voluntária, que é sobretudo uma memória da inteligência e dos
olhos, não dos dá, do passado, mais do que faces sem realidade; mas se um cheiro, um sabor,
encontrados em algumas circunstâncias totalmente diferentes, despertam em nós, à nossa
revelia, o passado, passamos a sentir o quanto esse passado era diferente aquilo que
acreditávamos lembrar, e que nossa memória voluntária pintava, como os maus pintores, com
cores sem realidade. Já neste primeiro volumes vocês verão o personagem que narra que diz:
Eu (que não sou eu) encontrar de repente, jardins, seres esquecidos, no gosto de um gole de
chá onde ele mergulhou um pedaço de madeleine; é provável que ele se lembrasse deles, mas
sem suas cores, sem seu charme; pude fazê-lo dizer como este pequeno jogo japonês onde se
mergulham pedacinhos de papel que, tão logo imersos na tigela, se esticam, ganham
contorno, tornam-se flores, personagens, todas as flores de seu jardim e as ninfeias da
Vivonne, e a boa gente da aldeia e sua casinhas e a igreja, e toda Combray e arredores, tudo
isto que assume forma e solidez saiu, cidade e jardins, de sua xícara de chá.
Vejam vocês, acredito que é apenas às lembranças involuntárias que o artista dever
requisitar a matéria-prima de sua obra. Antes de mais nada, precisamente porque elas são
involuntárias, que se formam por si próprias, atraídas pela semelhança de um minuto idêntico,
elas são as únicas a possuir uma marca de autenticidade. Depois, porque nos trazem de volta
as coisas numa dose exata de memória e esquecimento e, enfim, uma vez que nos fazem
experimentar a mesma sensação em uma circunstância completamente diferente, elas a
liberam de toda contingência, e nos dão dela a essência extratemporal, aquela que é
exatamente o conteúdo do belo estilo, esta verdade geral e necessária que somente a beleza
do estilo traduz.
Se me permitem divagar sobre meu livro, continua o Sr. Marcel Proust, é que não se
trata em nenhum grau de uma obra de raciocínio, é que os seus mais ínfimos elementos me
foram fornecidos pela minha sensibilidade, que os encontrei no fundo de mim mesmo, sem os
compreender, tendo tanto trabalho em convertê-los em algo inteligível, como se eles fossem
tão estranhos ao mundo da inteligência, como dizer?, como um motivo musical. Parece-me
que vocês podem estar pensando que se trata de meras sutilezas. Oh, não! Eu lhes asseguro:
ao contrário, de realidades. O que não tivemos de esclarecer nós mesmos, o que estava claro
antes de nós (por exemplo, idéias lógicas) tudo isso não é realmente nosso, não sabemos nem
mesmo se é real. É apenas parte do “possível” que elegemos arbitrariamente. Aliás, como
vocês sabem, isso se vê imediatamente no estilo.
O estilo não é de maneira alguma um enfeite como crêem certas pessoas, não é
sequer uma questão de técnica, é - como a cor para os pintores - uma qualidade da visão, a
revelação do universo particular que cada um de nós vê, e que não vêem os outros. O prazer
que nos dá um artista é de nos fazer conhecer um universo a mais. **