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Reinaldo Azevedo
Blog do jornalista Reinaldo Azevedo: política, governo, PT, imprensa e cultura

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Tropa de Elite 1 e os hipócritas; Tropa de Elite 2 e


os covardes. Ou: O que dizem atores,
sapateadores e engolidores de espada não tem a
menor importância. Que façam a sua arte!
Eu não tenho receio de discutir tema nenhum! E jamais sou ambíguo ou anfíbio. Também
não tenho medo do que penso ou das minhas próprias opiniões porque me situo nos
parâmetros da Constituição da República Federativa do Brasil — uma Constituição
elaborada segundo as regras da democracia. Eu tenho muito aguçado é o tal sentimento
[…]

Por Reinaldo Azevedo

access_time20 fev 2017, 10h44 - Publicado em 19 set 2011, 20h15

Eu não tenho receio de discutir tema nenhum! E jamais sou ambíguo ou anfíbio. Também
não tenho medo do que penso ou das minhas próprias opiniões porque me situo nos
parâmetros da Constituição da República Federativa do Brasil — uma Constituição
elaborada segundo as regras da democracia. Eu tenho muito aguçado é o tal sentimento
da vergonha alheia diante da covardia.
Vamos ver. Eu escrevi, sim, na VEJA de 17 de outubro de 2007 um texto elogioso ao
filme Tropa de Elite 1, de José Padilha. O texto está aqui. Havia até certa ousadia porque,
embora o filme fosse um estouro de bilheteria (e de pirataria), apanhava pra chuchu nos
segundos cadernos. À época, o cineasta era chamado de “fascista” pelos “descolados”.
Havia um motivo principal: O FILME NÃO EXIMIA OS CONSUMIDORES DE
DROGAS DE SUA RESPONSABILIDADE. Numa cena bastante forte, o tal Capital
Nascimento fazia um “maconheiro” de classe média focinhar no abdômen aberto de um
traficante e indagava, aos tapas e pontapés: “Quem matou esse cara? Quem matou esse
cada?” O maconheiro balbuciava: “Foram vocês [policiais]”. Respondia o policial: “Não,
foi você, maconheiro filho da puta”.

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A cena deixou indignados todos os drogados descolados do Brasil. No Brasil, consumidor


de substâncias ilícitas se sente apenas um perseguido pelo estado. Ele acha que não tem
responsabilidade nenhuma pelo tráfico, pela violência urbana, pelas mortes. Pensa
candidamente: “Se as drogas fossem legais, eu não cometeria crime.” Claro! É o que
qualquer criminoso poderia dizer: “Se fosse legal…” Não vou entrar agora no mérito da
legalização.
Além de notoriamente bem-feito, o filme trazia uma abordagem que me pareceu correeta.
E escrevi o que achava. Como a esquerda batia na turma mais do que o Capitão
Nascimento nos seus malandros, meu texto foi elogiado por duas pessoas ligadas ao filme.
Os nomes não vêm ao caso porque foram conversas privadas. Se quisessem que o elogio
fosse tornado público, eles o teriam feito publicamente. Por mais que a fala criticando
diretamente o usuário de droga fosse de uma personagem, era evidente que aquele era
também o ponto de vista da obra. Num país em que todos estão acostumados a
responsabilizar “o outro”, era uma inovação.
O vídeo abaixo traz a segunda parte de uma entrevista do diretor José Padrilha a Jô Soares
por ocasião do lançamento de Tropa de Elite 1. Embora ele se diga favorável à
descriminação das drogas — eu sou radicalmente contrário —, o diretor deixa claro o que
pensa sobre o consumidor de entorpecentes entre 2min43s e 3min40s. Reproduzo trecho
de sua fala depois do vídeo e comento.
JOSÉ PADILHA – O que eu acho que é importante entender é o seguinte: as escolhas
que as pessoas fazem numa sociedade, elas não são feitas no vazio. Então eu vou dar um
exemplo, do cara que vai consumir maconha. Ele pode achar, na cabeça dele: ‘Olha, eu
tenho o direito de fazer isso; pô, sacanagem que tenha essa lei, tá cerceando uma liberdade
minha etc., etc. Eu concordo com isso. Porém, no Brasil, com as regras do jogo que a
gente joga, se ele comprar maconha, ele vai estar comprando de um traficante, que está
numa favela, altamente armado e dominando aquela população. Isso é um fato. Contra
fatos, não existem argumentos.
JÔ SOARES – E não é só isso. E armando meninos de 15 anos, de 14 anos…
JOSÉ PADILHA – É isso aí…
JÔ SOARES – Que estão já matando gente…
JOSÉ PADILHA – … que, por sua vez, vão atirar nos policiais que vão subir lá pra…
O que explica o ódio dos policiais pelos consumidores de maconha, que é mais ou menos
o que cê viu nessa cena agora…
JÔ SOARES – Sobretudo fica claro no filme que essa tropa de elite não é absolutamente
corrupta…
Voltei
Exceção feita à defesa da legalização das drogas, é rigorosamente o que eu penso e aí está
o motivo essencial, do ponto de vista da visão de mundo, que me levou a elogiar o filme.
E, por razão análoga, critiquei aqui Tropa de Elite 2, num texto publicado em 5 de
novembro de 2010. O título não poderia ser mais eloqüente: Capitão Nascimento foi
fazer ciências sociais na USP ou na UnB e já está pronto para ser militante do PSOL.
Gosto quando, empregando apenas a lógica — já que não tenho dons especiais —,
consigo ser premonitório.

Pouco me importam as motivações subjetivas de Padilha. O fato é que o segundo filme


nega a essência do primeiro. Se um apostava na ética da responsabilidade de cada um, o
segundo enveredou pelo caminho da cascata sociológica: “Ou se muda o sistema ou nada
feito!”, abraçando, então, a tese do PSOL e esquerdas congêneres. O filme, escrevi, era
uma espécie de glorificação do deputado Marcelo Freixo. Ele teve e tem uma atuação
meritória contra as milícias, mas daí a achar que sua visão de mundo expressa, digamos,
toda a física e a metafísica do problema, vai uma distância imensa. Padilha é um rapaz
esperto. Deve saber que Rousseau já achava que o problema era do… “sistema”.
Leio que o cineasta vai fazer a campanha, ou dar suporte técnico, sei lá, à campanha de
Freixo à Prefeitura do Rio. Resolveu, parece, passar do terreno principalmente estético,
onde se situa a arte, para o terreno principalmente ético (ou aético), onde se situa a
política. E vai de PSOL — o que significa abraçar também um ideário. “Errado! É apoio
a um homem do PSOL”. O socialismo, como querem os socialistas, compreende toda a
legião… Cuidado adicional: a estética que se pretende uma ética é coisa de Leni
Riefenstahl… É melhor uma ética que se pretende uma estética…
Padilha faça o que quiser. Até que o PSOL não vença as eleições presidenciais, ele é livre
pra isso. Escrevo este texto para deixar claro, ainda uma vez, que ele cometeu o que
entendo ser um dos grandes pecados de um artista: ficou com medo da própria obra e
resolveu “se explicar” a seus críticos. Aquela fala no programa de Jô Soares, exceção
feita ao flerte com a legalização, parecia-me correta, madura, séria. Coerente com o que
penso, sem precisar ceder a patrulha nenhuma, elogiei o Tropa de Elite 1 e critiquei o
Tropa de Elite 2. Em público.
Eu não costumo debater as idéias políticas de cineastas, atores, dançarinos, sapateadores,
engolidores de espada etc. Prefiro que se dediquem à sua arte. A maioria fala um monte
de bobagem, abusando da celebridade adquirida numa área para pontificar nas outras.
Não há diferença entre a opinião de um ator consagrado e a de Tiririca quando nem um
nem outro estudaram o assunto sobre o qual se pronunciam. No geral, essa gente quer ser
reconhecida por uma espécie de revista “Caras” do pensamento politicamente correto. Se
você perguntar dois ou três dados objetivos sobre o assunto a respeito do qual fazem
digressão, só saem abobrinhas recheadas de boas intenções. É gente que não posa (como
Emir Sader escreveria mesmo?) na banheira com champanhe cenográfico, mas usa um
livro com peças de Shakespeare como alegoria de mão… Vão se instruir, porra!

Abordo essa questão porque Tropa de Elite 1 revelou os fascistas de esquerda, que só
aceitam o debate entre pessoas que concordam. E Tropa de Elite 2 revelou os covardes.
Mas que fique a síntese: eu concordo com o cineasta José Padilha quando dizia: “Se ele
[consumidor] comprar maconha, ele vai estar comprando de um traficante, que está numa
favela, altamente armado e dominando aquela população. Isso é um fato. Contra fatos,
não existem argumentos.” Parece que ele é que parou de concordar consigo mesmo.

É isso aí. Culpar o “sistema” é tão velho quanto o… sistema

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