Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Diálogos
Tradução de Carlos Alberto Nunes
EDIÇõES MELHORAMENTOS -i
.;
.,
·j
i
Laquete
(Ou da Coragem - Gênero maiêutico)
Penonagens:
I
St. li Nícias e Laquete, assististes à exibição dêsse homem que
178 a se bateu inteiramente armado. O motivo de eu e Melésias
aqui presente vos têrmos pedido que viésseis a tal espetáculo,
não vo-lo declaramos então; agora, porém, vamos dizer·vos
qual tenha sido, por estarmos certos de que podemos usar
de franqueza convosco. Muita gente zomba dessas práticas,
b e, quando alguém lhes pede a opinião, nunca dizem o que
sentem, mas, procurando adivinhar o pensamento do inter
locutor, falam sempre coisa diferente do que pensam. Como,
porém, vos temos na conta de bons juízes e de pessoas sin
ceras, chamamo-vos para nos aconselhardes sôbre o assunto
que passamos a expor. íste longo preâmbulo servirá de intro·
179 a dução ao seguinte: Os rapazes aqui presentes são nossos filhos;
aquêle é de Melésias, e se chama Tucídides, como o avô; o
outro é meu, e recebeu também o nome do avô paterno;
chama-se Aristides. Ora, nós dois decidimos cuidar com o
maior carinho possível de sua educação, � em vez de proce
dermos como a maioria dos pais, que deixam os filhos viver
como bem entendem, depois de atingirem a adolescência,
b resolvemos começar desde agora e fazer por êles o que esti·
ver em nossas possibilidades. Como sabemos que também
tendes filhos, imaginamos que, mais do que a ninguém, vos
preocupa o problema da educação dos jovens, para que êles
venham a aproveitar bastante. E se, porventura, ainda nio
volvestes a atenção para êsse assunto com a insistência que
êle requer, damos-vos o conselho de não o adiardes por mais
tempo e vos convidamos a compartilhar nossos cuidados,
com relação ao problema da educação 1los filhos.
115
li
III
116
mas também a nós e a quantos no s ocupamos com o govêroo
da cidade. Com quase todos acontece o mesmo a que êle se
referiu, tanto com relaçã.o à educação dos filhos como com
os assuntos particulares, que ficam negligenciados e relega
dos para um plano secundário. Falaste a pura verdade, Lisi-
c maco; mas admira-me que recorras a nós para te aconse
.Iharmos no que enten de com a educação dos rapazes e não
tenhas tomado idêntica resolução com respeito a Sócrates,
aqui presente, à uma, por ser êle do mesmo burgo que tu;
à outra, por passar todo o tempo em locais em que são deba
tidas, precisamente, as questões que procuras resolver: o es
tudo ou a ocupação mais indicada para os moços.
Lisímaco- Que me dizes, Laquete? Sócrates se preocupa
com êsses problemas?
Laquete- Sem dúvida, Lisímaco.
Nícias- Eu, também, posso dar testemunho disso, tão bom
d como o de Laquete; não faz muito tempo êle arranjou para
meu filho um professor de música, Damão, aluno de Agá
tocles, pessoa de alto merecimento não só como músico como
em tudo o mais em que quiserdes empregá-Lo, na qualidade
de companheiro indicado para moços da idade dêstes.
IV
117
Laqueie -Fazes bem1 Lisímaco; não despeças o homem,
b pois já ovi alhures honrar tanto o nome do pai1 como o
da pátria; fomos companheiros na retirada de Délio, e posso
assegurar-te que, se todos, naquela con j untura, se tivessem
comportado com o êle, nossa cidade teria ficado com honra,
sem nunca ter vindo a sofrer a queda qu e sofreu.
Lisimaco - É um belo elogio, Sócrates, feito por pessoas
dignas de crédito, particularmente a respeito de ações como
a que êles enaltecem. Assevero-te que me causa grande satis
fação ouvir exaltarem-te dêsse modo, e que podes contar-me
c entre o número dos que mais te querem bem. Já podias ter
nos procurado mais vêzes, como amigo de casa, naturalmente.
Mas a partir de hoj e, visto nos têrmos encontrado, põe
todo o empenho em <�proximar-te de nós e em conhecer-nos
e a nossos filhos, para que venha a continuar com êles nossa
antiga amizade. Estou que farás isso, o que de nossa parte
não ·deixaremos de lembrar-te. E que pensas da questão
apresentada? Como te parece? Achas aconselhável ou não
para os moços exercitarem-se a lutar completamente armados?
118
b ou, no caso de fuga, para defender-se de quem o persegue.
O conhecedor da hoplomaquia nada terá que recear, nei?
de um único perseguidor, nem de muitos; em qualquer Sl·
tuação, contará com vantagens. Demais disso, essa modalidade
de exercício desperta a paixão para outra arte nobre, pois
quem quer que se dedique à hoplomaquia desejará também
aprender a arte afim, da organização das tropas. e, uma vez
aprendida essa parte e inflamado da ambição de glória, pas-
c sará a dedicar-se a tudo o mais que se relaciona com a estra
tégia. Torna-se mais do que evidente quão honroso e impor
tante para qualquer pessoa é o conhecimento e a prática
dessas artes correlatas, para as quais serviu de propedêutica
aquela disciplina. A tudo isso acrescentemos outra vanta
gem não despicienda, a saber, que em qualquer recontro
êsse conhecimento deixará os homens mais valentes e auda
ciosos que de costume. Não me corro, tam béro, de mencio
nar outra particularidade, por insignificante que se nos
d afigure, a de conferir aos homens maior garbo, o que, na
ocasião oportuna, faz parecer quem se bate mais formidável
ao adversário, em virtude, justamente, de sua compostura.
VI
119
i
! .
entre êles brilhasse, ganharia certamente muito dinheiro
noutras comunidades, tal como se dá com os poetas trágicos ..
VII
120
a lança. Os homens da trirreme não se podiam conter de
tanto rir, ao verem aquela foice-lança pendurada no car·
gueiro. É possível que essa arte tenha algum valor, como
disse Nícias; porém o que eu vi foi isso.
.
VIII
IX
121
Sócrates- Terias mais confiança nêle do que em nós qua
tro reunidos?
Melésias - Certamente.
Sócrates -Pela simples rru.ão, quero crer, de que a deci·
são acertada não se apóia no número, porém no conhecimento.
Melésias É isso mesmo.
-
o máximo cuidado.
M elésias Sem dúvida.
-
122
Nicias - Aos olhos.
d Sócrates - E quando essa pessoa considera se deve ou não
deve pôr um freio no cavalo, e em que circunstâncias, a
consulta gira em tôrno do cavalo, não do freio.
N icias- É certo.
Sócrates - Numa palavra: sempre que alguém delibera
sôbre determinada coisa, com relação a outra, sua consulta
diz respeito à coisa que é o objeto de estudo, não à que
entra em relação com ela.
N(cias - Necessàriamente.
Sócrates- O que devemos, portanto, considerar é se o con
selheiro a que recorremos é entendido no tratamento daquilo
a respeito do que estabelecemos nossa investigação.
Nicias - Perfeitamente.
Sócrates - Devemos dizer, portamo, que presentemente
e temos em vista determinado conhecimento em que está em
causa a alma dos rapazes.
Nicias - Sim.
Sócrates - Logo, o que importa investigar é se algum de
nós entende do tratamento de almas, se sabe cuidar delas
como convém e se teve bons professôres dessa matéria.
Laquete - Como assim, Sócrates? Nunca viste pessoas que,
sem terem tido professôres, em muitas coisas slo mais hábeis
do qtle outras que tiveram?
Sócrates - Sim, já vi, Laquete; tu, porém, nunca lhes
darias crédito, quando dissessem que eram competentes nesta
ou naquela arte, se, ao mesmo tempo, n�o pudessem apre·
sentar-te uma amostra bem convincente, mais de uma, até,
186 a de sua habilidade nesse setor.
Laquete - Nisso tens tôda a razão.
XI
123
estrangeiros, as pessoas, livres ou escravos, que aproveitaram
com seus ens i namentos e que isso mesmo declarem. Não nos
sendo possível fazer nenhuma dessas coisas, teremos de dizer
lhes que procurem conselho noutra parte, po i s de outro
modo poderem os prejudicar os filhos de nossos amigos, além
de nos tornarm os passivos das mais graves censuras de pes
soas de nossas relações. N o que me diz respeito, Lisímaco e
c Melésias, sou o p r imeiro a con fessar que nunca fre qü ente i
p rofessor dessa matéria, mui to embora desde môço tivesse
mu i ta vonta de de aprendê-la. Porém sempre careci de re·
124
nos as pessoas que, sob vossa orientação, de inferiores que
b eram se tornaram notórias e virtuosas. Mas, se fordes come
çar agora a ensinar, deveis refletir que não estais fazen�o
a experiência com nenhum Cário, mas com vossos própnos
filhos e com os filhos de vossos amigos, para não \'irdes a
confirmar o provérbio que nos fala do aprendiz de oleir?
que quis principiar pela jarra. Dizei-nos, pois, o que estars
e o que não estais em condições de fazer. P ergunta-lhes tudo
isso, Lisímaco, e não permitas que os homens se retirem.
XII
XIII
125
1 88 a vida levou no passado. Uma vez cheg ados a êsse ponto, não
o sol ta Sócrates sem o ter examinado a fundo. Eu já e�tou
acostumado com a maneira dêle e sei que todos temos de
passar por isso. Sendo assim, Lisimaco, de mui to bom grado
conversarei com êle; não vej o nenhum mal em sermos lem
brados de algum tõrto que tivés�emos feito ou que estej a·
b mos a fazer; quem não se furta a êsse exame, passará neces
sàriamen te a tomar mais cuidado consigo mesmo, de acôrdo,
ne ss e particular, com Salão, quando disse que devemos apl·en
der duran te t6da a vida, por ser de opin ião que a sabedoria
vem com a velhice. Para mim não é nem insueto n em desa
gradável ser examinado por Sócrates; em verdade, des d e o
comêço eu sabia que, es tando Sócrates presente, a conver
sação não iria girar em tôrno dos ra p azes, mas de nós mes-
c mos. Mas, como diss e, de meu lado n ada impede conversar
mos com Sócrates da maneira que êle quiser. Pergunta a
Laque te qual é o seu pensamento a êsse respeito.
XIV
XV
127
pron to o me u pensamento, mal! do seguinte modo o fareis
190 a sem dificuldade. Se soubéssemos que a vista, comunicada aos
olhos, deixa melhores os que a recebem, e estivéssemos em
condições de comunicá-la aos olhos, é evidente que sabería
mos o que vem a ser a vista, e também que poderíamos
aconselhar a maneira melhor e ma is cômoda de adquiri-la.
Porém se nem isso soubermos, o que seja a vista, ou o que
seja o ouvido, mui dificilmente poderemos ser bons canse-
h lheiros o u médicos para os olhos ou para os ouvidos, nem
poderemos ensinar a alguém a melhor maneira de adquirir
a vista ou o ouvido.
Laq uete É certo o que dizes, Sócrates.
-
XVI
Sócrates- E.s tes dois amigos nossos, Laquete , não nos cha·
maram para deliberar com êles ele que m a neira poderá ser
comunicada virtude à alma de seus filhos, a fim de deixá-la
melhor?
Laq uete- Perfeitame nte.
Sócrates- E p ara isso não será preciso conhecermos, de
início, a virtude? Pois, se ignorarmos de todo o que seja
virtude, de que modo p oderemos aconselhar alguém sôbre
c a melhor maneira de adquiri-la?
Laquete - De nenhum modo, me parece, Sócra tes.
Sócrates - Admitimos, então, Laquete, que sabemos o que
sej a virtude?
Laquete - Admitimos, sem dúvida.
Sócrates- E o que sabemos, somos também capazes de
exp rimir?
Laquete - Como não?
Sócrates- Não nos abalancemos, ami go, a procurar saber
o que sej a tôda a virtude; seria um trabalho ingente. De iní·
cio, investiguemos apenas uma pequena par te, para sabermos
se estamos em condições de dizer o que ela sej a ; é de supor
d que dêsse modo a investigação se nos torne mais fácil.
Laquete - Sim, façamos assim mesmo, Sócrates, como o
desejas.
Sócrates - Que parte, então, escolheremos da virtude?
Terá de ser, evidentemente, aquela a . que tende à disciplina
da hoplomaquia, e que todo o mu ndo pensa ser a coragem,
não é assim?
Laquete - t o que todos pensam, realmente.
1 28
Sôcm tes Comecemos, portanto, Laquete, por determ inar
-
XVI I
1 29
9 o :álcgos • P l atão
XVIII
XIX
1!10
Laquete - Resposta mui to acertada,
Sócrates - Experimen ta, também, Laquete, definir por
ma neira idên tica o que sej a coragem, que fôrça constan te
vem a ser ela, tanto n os prazer e s como na tr isteza e em
todos os casos a qu e há pouco nos referimo s, e qu e, sendo
semp re a mesma, recebe o nome de coragem.
La q uete - Se tivesse de referir-me à coragem presente a
tôdas essas s i tuaçõe s, diria que é uma espécie de perseverança
da alma.
·
XX
181
de beber ou de comer, e que não se deixe dobrar an te a
1 93 a insistência, mas persista na recusa : coragem é isso?
Laquete - Está mais longe, ainda, de ser coragem.
Sócra tes - E na guerra, o indivíduo persisten te, que se dis
põe a lutar depois de calcular pruden temen te, por saber
que não somente receberá ajuda dos companheiros, como
terá de haver-se com inimigos inferiores e em menor número
do que os que combatem ao seu lado, além de con tar com a
superioridade do terre n o : um indivíduo nessas condi ções,
que persistisse a p ós tanta reflexão e tan tos recursos, seria por
ti considerado mais valente do que o antagon is ta das filei·
ras inimigas, q u e se decidisse a p ermanecer no seu pôsto de
combate?
b Laquete - A meu ver, Sócrates, o das fileiras inimigas é
mais bravo.
Sócrates - Mas a sua perseverança é bem mais imprudente
do que a do seu contrário.
Laquete - Tens razão.
Sócra tes - E o ca v a le i ro conhecedor da arte de bem caval
gar, q ue num combate de cav alaria se mostre persisten te, não
considerarias menos corajoso do que o que carecesse dêsse
conhecimen to?
Laquete - É o que eu penso, também.
i
c Sócra tes - E o mesmo dir<is do archeiro, uo lu tador de
funda, ou de qualquer outro, cuj a persis tência decorra de
seus conhecimentos da matéria?
Laq u e te - Perfeitamen te.
Sócrates - E o indivíduo que se joga num poço sem ser J
forte na profissão de mergulhador e persiste em mer gulhar, I
ou a arrostar qualquer perigo idêntico, não consideras mais
corajoso do que o per i to nessa matér i a?
La quete - Quem poderia sus ten tar o con trário, Sócrates?
Sócrates - Ninguém, se pensar dessa maneira .
Laq uete - Pois é assim que eu penso.
Sócrates - No entan to, Laque te, todos êsses que se l ançam
dêsse modo nos perigos e nêles persistem, são b em mais im
prudentes do que os que o fazem com o conhecimento das
respectivas artes.
La q uete - É m u i to certo.
d Sócra tes - Mas a persistência e a audácia insensata já. se
nos revelaram como vergonhosas e prej udiciais.
Laquete - Perfei tamen te.
Sócrates - E concordamos também que a coragem é algo
belo.
Laquete - Concordamos, realmen te.
I S2
Sócra tes - Agora, porém, afirmamos outra vez. que a per·
sistência vergonhosa e insensata é coragem.
Laq uete - Foi, de fato, o que fizemos.
Sócra t es - E cs de p arecer que falamos com acêrto?
Laq uete - Eu não, Sócrates, por Zeus !
XXI
XXI I
l!lll
nossos já se esgotaram. Declara o que, a teu ver, é a congem,
não só para l ivrar-nos desta si tuação embaraçosa, como para
dar mais fôrça à tua maneira de pensar.
Nicias - Há muito vem me parecendo, Sócrates, que ambos
vós não definis com acêrto o que seja coragem. Por que não
empregais ag ora o p rincipi o que tantas vêzes já ouvi de ti?
Sócrates - Qual é, Nícias?
d Nicias - Muitas vêzes j á te ouvi dizer que todos nós somos
bons n aquilo que sabemos, e maus no que não sabemos.
Sócra tes- Por Zeus, N icias; é muito certo o que dizes.
Nícias - Logo, se o indivíduo corajoso é bom, será tam·
bém sábio.
Sócrates -Ouviste, Laq uete?
L a q uete Ouvi ; porém não compreendo muito bem o
-
cime n to é outra.
Sócrates -Mas não foi isso q ue N ícias disse.
Laquete - Não, por Zeus; por isso mesmo é que êle fala
sem nexo.
Sócrates - En tão, em vez de ofen d ê-lo, procuremos instrui-lo.
Nícias :tle não me ofende, Sócrates; porém tenho a im·
I
I
-
I
184
XXI I I
185
XXIV
discursos vazios?
c Sócra tes Creio também que não adianta nada, Laquete.
-
XXV
1!16
ser corajosos depois da aquisição dêsse conhecimento. Foi
isso o que disseste?
Nicias- Isso mesmo.
Sócrates - Então, segundo o provérbio: não sendo coisa
que qualquer porco conheça, não haverá porco coraj oso.
Nicias- Penso que não.
e Sócrates - É evidente, N ícias, que não admites pudesse
ter sido corajoso nem mesmo o jav ali de Crômio. Não digo
isso como pilhéria, pois estou convencido de que quem afirma
tal coisa, necessàriamente terá. de negar que os animais sej am
corajosos, salvo s e aceitarem que alguns podem alcançar deter
minada sabedoria que raros homens chegam a compreender,
em virtude de sua dificuldade, mas que um leão, um leopardo,
ou qualquer javali possam adquirir; porém tanto o leão como
o veado, o macaco e o touro serão, por natureza, igualmente
coraj osos para quem define a coragem como o fizeste.
197 a La q u ete- Mui to bem, Sócrates, pelos deuses! Responde-
me sêriamente, N ícias, se admites mesmo que sej am mais
s:.l bios do que nós os animtds que, no consenso geral, são tidos
como coraj osos, ou terás, porven tura, o ousio de ir de encon
tro à opinião estabelecida, negand o-lhes coragem?
Nícios- Em verdade, Laquete, jamais qualifica rei de
corajoso nenhum animal, ou o que quer que seja, que ape
nas por ignorância não revele mêdo; será temerário e fátuo .
b Ou queres que chame também as crianças de corajosas, que,
por ignorân cia, não têm mêdo de nada? N o meu modo de
ver, são coisas diferen tes ser corajoso e não ter mêdo. A m eu
ver, a coragem aliada à prudência é ap anágio de muito pou
cas pessoas; ao passo qu e não têm número as que revelam
temeridade e a u d ácia, de par com ausência de mêdo, iss?
tan to en tre homens, mulheres e cri ança s, como en tre os am
mais. O que, com a maioria das pessoas, denominas coragem,
c eu chamo temeridade; à coragem pruden te é que me refiro.
XXVI
XXVII
158
eventos fu turos, ou que, pelo menos, não sejam maus. Con
cordas com nossa proposição, ou diferes dela?
Nicias - Concordo.
Sócrates -E dás o nome de coragem ao conhecimento
dessas coisas?
Nlcias - Perfeitamen te.
XXVII I
Só crates
- Passemos agora a o exame do terceiro ponto, para
ver se também pensas como nós.
d Ntcias - Qual será?
Sócrates -Vou d izer-te. Eu e êste aqui somos de opini ão
que quando há ciência ou conhec iment o de alguma coisa nã o
se trata de um conhecimento dos fatos que pas sar am, para sa·
ber como se passaram, n em de outro do qu e acontece, para
saber como acontece, nem de outro, ainda, sôbre a melhor
man eira por que pode rá vir a realizar-s e o que ainda n ão se
tornou realid ade, porém de um ún ico conhecimen to. P.or
exemplo, em todos os tempos não se ocu p a ou tra ciên ci a
c o m a s aúde, senã o tão-somente a m e dicina , que é u m a únic a,
e que estuda o que se passou, o que está acontecen do e o
e 9.ue se dará, da maneira por que vai dar-se. O mes mo se veri
fica com a agricul tura, em relação com o que a terra produz.
No que entende com a guerra, vós mesmos podeis testemu
nhar que a estratégia, en tre ou tras coisa s, se oc upa com a
previsão dos ac-on tecimen tos, e não se considera em situ ação
de receber ordens da arte do adivinho, mas de dirigi-la, por
saber melhor do que ela o que acontece ou pode acon te cer
1 99 a na gu erra. Por isso mesmo, a lei não coloca o general sob
as ordens do adivinho, mas o inverso, o adivinho sob as do
general. Podemos falar dessa maneira, Laquete?
Laquete - Podemos.
Sócrates - E tu, Nícias, estás de acôrdo conosco, que a res
peito das mesmas coisas, é a mesma ciência que as conhece,
quer sej am presentes, quer passadas, quer futuras?
Nicia.s- Estou, Sócrates, pois assim me p arece que é real
men te.
Sócrates - Nesse caso, meu caro, segundo o q ue disses te,
b coragem é conhecimento do que é de temer e do q ue é de
confiar, não é verdade?
Nícia.s - Certo.
Sócrates - Mas o que é de temer e o que é de confiar,
conforme já admitimos, é o· bem fu turo, com relaçã o a êste,
ou o mal por vir, com relação àquele.
1 !!9
Nícias - Perfe i tamen te.
Sócra tes - E, também, que a mesma ciência se ocupa com
as mesmas coisas, tanto futuras, como de qual q uer tempo?
Nícias - É assim, d e fato.
Sócra tes - Então, coragem não é a pe n as conhecimento do
que é de temer e do que é de confiar, não diz respeito ape
nas aos bens e aos m al es fu turos, mas também aos do pre
c sente e aos que já se realizaram, ou como quer que se com-
portem, j ustamente como os demais conhecimentos.
Nícias - É o que parece.
XXI X
140
Sócra tes Nesse caso, N lcias, não descobrimos o que seja
-
coragem.
Nícias - Não, realmente.
Laquete -No entanto, meu caro N !cias, eu estava certo
200 a de que a descobririas, pela maneira desdenhosa por que me
trataste, quando eu respondia às perguntas de Sócrates. Tinha
esp erança de que com a sabedoria de Damão virias a des
cobri-la.
XXX
141
XXXI
142