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A Atividade Ludica No Autismo Infantil PDF
A Atividade Ludica No Autismo Infantil PDF
*
A atividade lúdica no autismo infantil
Resumo
Abstract
Background: the children’s play is very important to diagnosis. Several studies have indicated that
receptive language and, to a lesser extent, expressive language are significantly correlated with symbolic
play in samples of autistic children. The aim of this study was to analyse the children’s play in individuals
with aqutism. Method: the sample included 11 autistic children, boys and girls from three to six years
old. We used Wetherby and Prutting’s criteria. These criteria were analysed in free situation and direction
situations. Results: we observed a statistically significant higher score in sensorimotor category in both
situations. And 0% showed the symbolic play in both situations. Conclusion: we concluded that it is an
important aspect of communication and it should be considered as a significant signal of communication
disorder in autism.
*
Este estudo é parte integrante da dissertação de mestrado apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Distúrbios da Comunicação
Humana da Unifesp. ** Fonoaudióloga. Doutoranda em Distúrbios da Comunicação Humana pela Unifesp. Professora mestre
assistente do departamento de Fonoaudiologia da Unifesp. *** Fonoaudióloga. Professora livre-docente do departamento de
Fonoaudiologia da Unifesp. **** Fonoaudióloga. Doutora em Distúrbios da Comunicação Humana pela Unifesp. Professora
doutora adjunto do departamento de Fonoaudiologia da Unifesp. ***** Psicóloga. Doutora em Distúrbios da Comunicação Humana
pela Unifesp. Professora doutora adjunto do departamento de Fonoaudiologia da Unifesp (in memoriam).
Resumen
ARTIGOS
médio e baixo. Todas as crianças, matriculadas em traduzidos para a Língua Portuguesa por Tamanaha
creches da rede pública de ensino, foram avaliadas e Scheuer (1995) e adaptados por Tamanaha (2000),
no Núcleo de Investigação Fonoaudiológica de Fala os quais seguem descritos abaixo.
e Linguagem – Transtornos Globais do Desenvol-
vimento (NIF-TGD) do Departamento de Fonoau- 1. Sensório-motor (SM): criança manipula livre-
diologia da Unifesp e diagnosticadas, por equipe mente as peças por meio de ações sensório-mo-
multidisciplinar composta por fonoaudiólogos, psi- toras (ex: leva objetos à boca, lambe).
cólogo e neurologista, como portadoras de autis- 2. Agrupamento (AG): criança agrupa peças sem
mo infantil, de acordo com a classificação propos- critérios estabelecidos (ex: constrói fileiras de
ta pelo Código Internacional de Doenças (OMS, objetos ou empilhamentos).
1998) e pelo Manual Estatístico de Doenças Men- 3. Formação de conjuntos (FC): criança forma con-
tais – DSM IV-tr (APA, 2001), no período entre juntos, categorizando os objetos pela utilização
1999 e 2001. Todas as crianças apresentavam limi- de um critério pelo menos (ex: separa peças por
ares auditivos compatíveis com os padrões de nor- cor, forma).
malidade e quociente de inteligência variando 4. Seqüencialização (SQ): criança organiza uma
entre 60 a 90. Das 11 crianças avaliadas, sete mos- seqüência de objetos, utilizando alguns critérios
travam meio comunicativo, predominantemente estabelecidos (ex: dispõe círculo vermelho-gran-
não-verbal (uso de gestos e emissão apenas de vo- de seguido do círculo azul-grande).
calizações e balbucio), e quatro verbal (emissão de 5. Funcionalidade (FU): criança usa os objetos com
palavras isoladas ou frases). funcionalidade (ex: utiliza colher para alimen-
tar a boneca).
Procedimentos 6. Jogo compartilhado (JC): criança explora o ob-
jeto como meio comunicativo entre ela e o adulto
A observação do desempenho das crianças em (ex: empurra o carrinho para o adulto e aguarda
atividade lúdica foi realizada durante o período em a sua devolução).
que a criança se submetia ao processo de avaliação 7. Jogo simbólico (JS): criança utiliza o objeto num
e diagnóstico fonoaudiológico. Cada sessão teve jogo de faz-de-conta, fazendo representações
duração de 60 minutos. mentais de situações vivenciadas (ex: constrói
Foi necessário que os pais ou responsáveis es- casas, telefone, com peças de blocos lógicos).
tivessem cientes das condições da pesquisa, forne-
cendo autorização por escrito, de acordo com as Os materiais lúdicos foram compostos por:
sugestões do Comitê de Ética em Pesquisa da • Blocos Lógicos: peças em madeira, diferentes em
Unifesp (protocolo nº 1024/98). tamanho (2), cor (3), espessura (2) e forma (4).
A observação da atividade lúdica foi realizada • Utensílios Domésticos / bonecas/ carrinhos:
em duas situações distintas: miniaturas em plástico.
a) Livre: o avaliador não interferia na conduta da
criança diante dos brinquedos, apenas respon- Esses materiais se encontravam dispostos no
dia quando solicitado. chão e foram escolhidos por permitirem desde
b) Dirigida: o avaliador interferia comentando, su- exploração sensório-motora, como levar objetos à
gerindo ou iniciando verbal e/ou motoramente boca, até o jogo simbólico, no qual as crianças
a exploração dos brinquedos. reproduzem vivências num jogo de faz-de-conta.
Com cada criança, foram usados todos os
Para comparação da atividade lúdica nessas critérios.
duas situações, a sessão foi dividida em dois mo-
mentos. Nos primeiros 30 minutos, observamos a Método estatístico
expressão livre da criança e, nos 30 minutos se-
guintes, a exploração dirigida. Para análise dos resultados, foi utilizado teste
As sessões foram gravadas em videoteipe e as- não paramétrico, levando-se em consideração a
sistidas por dois observadores-cegos que classifi- natureza da variável estudada.
caram a atividade lúdica da criança, segundo os Foi aplicado o Teste de Mc Nemar (Remington,
critérios propostos por Wetherby e Prutting (1984), 1970), com o objetivo de comparar os valores
estabelecidos na atividade lúdica, nas situações li- qual decorreriam as falhas de desenvolvimento de
vre e dirigida. linguagem.
Fixou-se em 0,05 ou 5% o nível para a rejei- Com relação ao critério seqüencialização (SQ),
ção da hipótese de nulidade, assinalando-se com observamos, em ambas as situações investigadas,
um asterisco os valores significantes. índices de 0,0 % de freqüência de uso. Esse fato
evidencia as falhas cognitivas que impedem o al-
Resultados cance de etapas mais complexas e necessárias para
o desenvolvimento da linguagem nos portadores
Na figura 1, podemos observar a freqüência de autismo, mesmo em situação dirigida, quando o
de uso dos critérios (7) para análise da atividade adulto fornece o modelo e compartilha sua atenção
lúdica, em cada uma das situações investigadas: com a criança.
livre e dirigida. Em relação aos demais critérios, verificamos
diferenças estatisticamente significantes com
100 maior freqüência de uso das categorias agrupa-
90 mento (AG), formação de conjunto (FC); funcio-
80
70
nalidade (FU) e jogo compartilhado (JC), em
60 situação dirigida.
50 Esses resultados mostram a importância do esta-
40
belecimento de momentos de compartilhamento de
30
20
atenção em atividades lúdicas. O direcionamento, o
10 incentivo e o modelo parecem ser fundamentais como
0
SM AG* FC* SQ FU* JC* JS
alicerces para adequação da aquisição e do desenvol-
livre dirigida
vimento dos aspectos relacionados ao processo de
construção da linguagem nessa patologia.
Figura 1 – Critérios para análise da Autores como Tamanaha e Scheuer (1995),
atividade lúdica das crianças autistas, em Tamanaha (2000), Schuler (2003) relataram que,
ambas as situações de observação.
embora os indivíduos autistas apresentem dificul-
Os critérios assinalados com um asterisco apresentaram
diferenças estatísticas, consideradas significantes. dades em demonstrar a capacidade imaginativa, o
jogo funcional pode ser observado, ainda que de
modo restrito, como o encontrado neste estudo.
Discussão No entanto, essa possibilidade de representa-
ção funcional de objetos, a nosso ver, é essencial
A comparação do uso de cada critério, nas duas para o desenvolvimento da capacidade simbólica,
condições de observação, permitiu observarmos pois deve ser considerada a precursora e a anteces-
que, independentemente da conduta do avaliador, sora do jogo simbólico, uma vez que, antes de usar
a maioria das crianças (91,67%) usou o critério sen- os brinquedos num jogo de faz-de-conta, a criança
sório-motor (SM). Esse comportamento sugere que, deverá vivenciar o uso funcional de objetos con-
mais do que um possível atraso no desenvolvimento cretos para posteriormente utilizá-lo como recurso
da exploração lúdica, essa característica sensório- para a representação do mundo que a cerca.
motora deve ser uma conseqüência das estereoti- Da mesma forma, o critério jogo compartilha-
pias presentes na manipulação de objetos da crian- do (JC) demonstra a importância de entendermos a
ça autista (Wetherby e Prutting, 1984) e evidentes atividade de jogo como um exercício fundamental
mesmo em situações tuteladas pelo adulto (Fernan- para o desenvolvimento das relações sociais. Essa
des, 2000; Tamanaha, 2000; Lewis, 2003; Morgan, faceta social do jogo, entretanto, mostrou-se bastan-
Maybery e Durkin, 2003; Schuler, 2003). te restrita, especialmente em situação livre. E, em-
Outro fator relevante a ser considerado é a pró- bora os índices obtidos mostrem alguma possibili-
pria relação entre a exploração sensório-motora e dade de interação, com a facilitação do adulto,
o desenvolvimento cognitivo, além do quanto esse ainda assim confirmam a existência de falhas na ha-
tipo de atividade exploratória manifestada em ida- bilidade de interação social descrita pela Organiza-
des avançadas, como as observadas, pode indicar ção Mundial de Saúde (1998) e pela American
uma alteração da própria capacidade cognitiva, da Psychiatric Association (2001) no autismo infantil.
ARTIGOS
De maneira complementar, estudos comenta- Assim, ao se considerar que o processo de lin-
ram sobre a dificuldade de se estabelecerem jogos, guagem se dá pela junção das habilidades cogniti-
com caráter social, junto às crianças autistas. va, social e lingüística, é possível ponderar sobre a
As crianças não fizeram uso do critério jogo relevância da intervenção terapêutica de linguagem
simbólico (JS) em nenhuma das condições de ob- por fonoaudiólogos para os portadores de tal pato-
servação. As dificuldades de as crianças produzi- logia.
rem brincadeiras utilizando a capacidade simbóli- No entanto, é fundamental que o fonoaudiólo-
ca é um indício consistente para a caracterização go tenha consciência de que para alcançar e ultra-
dos impedimentos de linguagem observados nessa passar tais desafios é necessário se instrumentali-
patologia (Wetherby e Prutting, 1984; Baron zar e estabelecer seu espaço de trabalho dentro de
Cohen, Leslie e Frith (1985), Tamanaha e Scheuer, equipes multidisciplinares, já que a compreensão
1995; Tamanaha, 2000; Charman et al., 2003; do processo de linguagem depende da integração
Jarrold, 2003; Holguin, 2003; Morgan, Maybery e das abordagens teóricas constituídas por diversas
Durkin, 2003; Perissinoto, 2003; Barrett, Prior e áreas do conhecimento humano, sendo um exem-
Manjiviona, 2004). plo disto a possibilidade de analisarmos os proces-
Interessante notar, entretanto, que o desempe- sos de linguagem por meio da atividade lúdica.
nho foi melhor em atividade dirigida, mostrando a
importância da presença do adulto, incentivando Conclusão
ou fornecendo o modelo adequado de exploração
lúdica. Assim, buscamos interferir na conduta da O procedimento adotado permitiu descrever a
criança, minimizando os comportamentos de iso- atividade lúdica do grupo de crianças com autismo
lamento e dispersão e facilitando momentos de aten- como caracteristicamente sensório-motora. No en-
ção compartilhada. Os resultados sugerem que, tanto, também se observou que a mediação do adul-
quando existe a intervenção do adulto, as crianças to-avaliador, através de modelo e incentivo, levou
autistas compartilham as atividades, mesmo que a criança a explorar novas formas de brincar. Essas
sejam realizadas, apenas, a partir da imitação. descrições sugerem que a análise do jogo da crian-
Embora alguns autores venham enfatizando as ça portadora de autismo, com participação ativa do
falhas no comportamento imitativo em portadores profissional, pode levar à descrição de seus modos
de autismo (Tamanaha e Scheuer, 1995; Charman e prognóstico de comunicação.
et al., 2003 e Jarrold, 2003), as crianças deste estu- Deste modo, buscou-se aprofundar a discussão
do ampliaram a maneira de explorar os brinquedos sobre a atuação fonoaudiológica no desenvolvimen-
quando houve a interferência do adulto, fato que to de linguagem de sujeitos que apresentam padrões
pode ser compreendido não só como uma estraté- totalmente desvinculados dos marcos de desenvol-
gia na avaliação, mas também como um índice de vimento normal.
prognóstico de comunicação.
Finalizando, as crianças observadas usaram, Referências
preferencialmente, na atividade lúdica o compor-
tamento exploratório sensório-motor e restrito uso American Psychiatry Association. Manual diagnóstico e
estatístico de transtornos mentais: DSM IV- Tr. Porto Alegre:
de outras formas de brincadeiras, como, por exem-
Artes Médicas; 2001.
plo, agrupamento de peças ou formação de con- Barrett S, Prior M, Manjiviona J. Children on the boordelands
juntos. Além disso, foi possível observar a inabili- of autism: differential characteristics in social, imaginative,
dade de elas produzirem atividade compartilhada communicative and repetitive hehaviours domains. Autism
2004;8(1): 61-87.
e imaginativa, mesmo em situações nas quais o
Baron Cohen S, Leslie A, Frith U. Does the autistic child have
adulto buscou incentivar e fornecer o modelo de a “theory of mind?”. Cognition 1985;21:37-46.
exploração lúdica. Charman T, Baron Cohen S, Swettenham J, Baird G, Drew A,
Acreditamos que as falhas cognitivas demons- Cox A. Predicting language outcome in infants with autism and
pervasive developmental disorders. Int Lang Com Dis
tradas na atividade lúdica estejam intrinsecamente
2003;38(3):265-85.
associadas às falhas comunicativas, uma vez que a Fernandes FDM. Aspectos funcionais da comunicação de
capacidade simbólica é essencial para o estabele- crianças autistas. Temas Desenv 2000;9(51):25-35.
cimento de relações interpessoais, bem como para Holguín JA. El autismo de etiología desconocida. Rev Neurol
2003; 37(3): 259-66.
a própria aquisição da palavra.
E-mail: anacarina.otor@unifesp.epm.br