Você está na página 1de 5

Características das cantigas de amigo

São cantigas de origem popular, com marcas evidentes da literatura oral (reiterações,
paralelismo, refrão, estribilho), recursos esses próprios dos textos para serem cantados e que
propiciam facilidade na memorização. Esses recursos são utilizados, ainda hoje, nas canções
populares.

Este tipo de cantiga, que não surgiu em Provença como as outras, teve suas origens na
Península Ibérica. Nela, o eu-lírico é uma mulher (mas o autor era masculino, devido à
sociedade feudal e o restrito acesso ao conhecimento da época), que canta seu amor pelo
amigo (amigo = namorado), muitas vezes em ambiente natural, e muitas vezes também em
diálogo com sua mãe ou suas amigas. A figura feminina que as cantigas de amigo desenham é,
pois, a da jovem que se inicia no universo do amor, por vezes lamentando a ausência do
amado, por vezes cantando a sua alegria pelo próximo encontro.

O sujeito poético é, não apenas mulher, mas donzela, isto é, uma rapariga solteira,
pertencente aos estratos médios do povo. As Cantigas de Amigo são sempre um desabafo de
uma donzela. Este desabafo da rapariga é feito à mãe, à irmã mais velha, à amiga, a um
cavaleiro (mais raro), à natureza (antropomorfismo) e aos santos de sua devoção.

O poeta serve-se assim deste artifício para exprimir os seus sentimentos pela boca da
rapariga. Por isso se diz que as Cantigas de Amigo são um pouco artificiais. Essas cantigas
documentam bem a importância social da mulher, que era, na época, o garante da
estabilidade familiar, dado que os homens tinham que se ausentar frequentemente,
envolvidos nas campanhas militares de defesa e ataque que opunham cristãos e mouros.

A donzela aparece-nos inserida num ambiente doméstico e burguês, muitas vezes em


diálogo com as amigas e a própria mãe e as cantigas documentam todas as fases e
sentimentos do namoro.

A natureza não é um simples cenário em que decorre a acção; apresenta uma espécie
de vida própria, que documenta o animismo típico de sociedades mais primitivas. É sempre
uma espécie de testemunha viva das alegrias e tristezas da donzela. Por vezes a sua
personificação é total, como por exemplo na famosa cantiga “Ai flores, ai flores do verde pino”
, onde as flores respondem e tranquilizam a donzela, saudosa e preocupada com a ausência do
amigo. Essa natureza é frequentemente representada pela fonte, o rio, a praia, o campo.

A atestar a antiguidade deste tipo de cantigas temos os arcaísmos que os trovadores


conservaram, provavelmente porque tomavam do povo anónimo temas e versos inteiros que
depois desenvolviam.
O amor cortês

Foram várias as circunstâncias que favoreceram o aparecimento da poesia provençal,


nos finais do século XI. Vejamos agora como surgiu e quais as características do amor cortês,
típico desse lirismo.

A prosperidade económica permitiu o aparecimento na Provença de pequenas cortes.


Nesse ambiente requintado, os cavaleiros conviviam com as damas, suavizavam as suas
maneiras rudes e entregavam-se aos prazeres da música, da dança, da poesia.

O amor é o tema predominante dos seus poemas. Neles um trovador nobre exprime o
seu amor por uma dama, quase sempre casada, pertencente a um estrato superior da nobreza.
Trata-se de um amor idealizado, de inspiração platónica, sentimento puro, em que o impulso
sexual é sublimado, porque o seu objecto é inacessível. Daí o sofrimento (a “coita” de amor),
mas também o prazer de amar na esperança de uma improvável compensação.

A exibição desse amor adúltero compreende-se, porque o casamento, na época, e


sobretudo entre os nobres, era um mero “negócio”, com o qual se procurava manter ou
aumentar o poder e o prestígio de uma família. No havia aí espaço para o sentimento. Na
concepção dos trovadores o amor só era possível fora do casamento.

Foi também nesta época que a figura de Nossa Senhora começou a assumir um papel
de relevo na religião cristã e isso contribuiu para elevar o prestígio da mulher na sociedade
medieval.

Além disso, os trovadores transferem para o campo amoroso as relações típicas do


feudalismo. O poeta assume-se como vassalo e reconhece a sua dama como “senhor”. Deve-
lhe lealdade e obriga-se a prestar-lhe serviço.

Esse “serviço amoroso”, que o trovador deve à sua dama, rege-se por normas estritas:

♣ O amor pela dama devia ser expresso de forma comedida (“mesura”), de forma a
não incorrer no seu desagrado (“sanha”);

♣ A identidade da dona deveria ser escondida, referindo-se a ela, quando necessário,


através de um pseudónimo (“senha”);

♣ A vassalagem amorosa decorria em quatro fases: “fenhedor” – o trovador limita-se a


exprimir o seu sofrimento; “precador” – ousa dirigir pedidos à dama; “entendedor” – o
sentimento do trovador é correspondido; “drut” – o poeta transforma-se em amante.

Tendo surgido em ambiente palaciano e obedecendo a regras rígidas, a poesia


provençal apresenta com frequência um carácter artificial. Os motivos repetem-se de poeta
para poeta e a preocupação formal sobrepõe-se à expressão dos sentimentos.
Classificação das cantigas quanto à forma

Cantigas de refrão

No fim de cada estrofe repete-se sempre o mesmo estribilho.

Cantigas de mestria

São as que não têm refrão ou estribilho.

Paralelísticas

Entre as cantigas de refrão encontramos as cantigas paralelísticas que têm uma estrutura
especial.

O paralelismo consiste na repetição da ideia expressa numa estrofe na estrofe seguinte,


formando pares, sendo cada uma delas encerrada por um refrão.

As cantigas paralelísticas perfeitas têm as seguintes características:


Coplas de dois versos (dísticos), seguidos de refrão (um verso);
As coplas organizam-se em pares, de tal modo que a copla par repete integralmente as ideias
expressas na copla ímpar anterior – paralelismo semântico (1-2, 3-4, 5-6, ...);
Utilização do leixa-prem — o 2º verso da copla 1 é o 1º verso da copla 3; o 2º verso da copla 2
é o primeiro da copla 4, etc.

Uma cantiga paralelística perfeita obedece, portanto, ao seguinte esquema:

Verso A Verso B

Copla 1 Verso B Copla 3 Verso C

Refrão Refrão

1º par 2º par

Verso A' Verso B'

Copla 2 Verso B' Copla 4 Verso C'

Refrão Refrão

Cantiga finda

Cada estrofe contém um pensamento e acaba por ponto final ou pontuação equivalente.

Cantiga Atá-Finda
Cada estrofe continua o pensamento na estrofe seguinte, isto é, o último verso de cada estrofe
é continuado no 1º verso da estrofe seguinte. O encadeamento da ideia é feito por um
pronome ou conjunção.

Cantiga Pren

O pensamento da 1ª estrofe é continuado na 2ª, o da 2ª na 3ª e assim sucessivamente.

Cantiga Leixa-Pren

O último verso de cada estrofe é repetido como 1º verso na estrofe seguinte.

Classificação das cantigas quanto ao assunto

ALBAS ou Cantos de Alvorada

A donzela lembra a conversa que teve com o amigo na véspera à noitinha ou lamenta-
se porque o amigo faltou a essa entrevista. Por vezes queixa-se porque os cuidados de amor
não a deixam dormir. A acção passa-se sempre ao romper da manhã. Se o amigo apareceu e a
entrevista correu bem a cantiga é alegre; se o amigo não apareceu ou a entrevista correu mal,
a cantiga é triste. Encontramos aqui a saudade e a dúvida no amor.

BAILIAS ou Bailadas

Eram canções destinadas a ser cantadas, acompanhadas de dança, nas quais, pela sua
cadência rítmica, notamos o bater do compasso. Estas canções são paralelísticas. Delas ainda
hoje encontramos vestígios em alguns cantares populares.

BARCAROLAS ou Marinhas

Tratam de assuntos marítimos. Nelas se fala das barcas, do mar ou das ondas e a
donzela manifesta a preocupação pela sorte do amigo que anda embarcado. Notamos já aqui a
tendência nacional para as aventuras marítimas.

CANTIGAS DE ROMARIA

A donzela fala numa romaria ou num santuário, onde vai encontrar-se com o
namorado, rezar por ele ou cumprir uma promessa. No primeiro caso manda a mãe para o
santuário enquanto ela fica bailando com o namorado; no segundo caso é ela que vai ao
santuário.

PASTORELAS

É um diálogo entre um cavaleiro e uma pastora. Esta ou canta os seus amores ou


mostra a sua tristeza por não ser correspondida nos amores. Neste caso o cavaleiro procura
consolá-la declarando-lhe o seu amor, mas ela mostra-se esquiva apontando a diferença social
que entre eles existe.
CANTIGAS DE TENSÃO

A donzela fala com o namorado, com a mãe ou com a irmã mais velha, que a censuram
enquanto ela, para se desculpar, vai inventando mentiras. À noite, por exemplo, a rapariga vai
buscar água à fonte mas demora-se até ao amanhecer. A mãe, que a espera, censura-a e ela
desculpa-se que os faunos tinham secado a fonte e tivera que esperar que a água voltasse.

Tipologia das Cantigas de Amigo

Tendo em conta os temas e sobretudo os ambientes retratados é usual distinguir várias


variedades nas cantigas de amigo: bailias ou bailadas; cantigas de romaria ; marinhas ou
barcarolas; albas ou alvoradas, entre outras.

As Cantigas de Amigo devem ser consideradas:

♣1. Quanto ao assunto


♣ 2. Quanto à forma

1. Quanto ao assunto, ou seja, pela análise intrínseca, temos:


♣ Albas ou Cantos de Alvorada
♣ Bailias ou Bailadas
♣ Barcarolas ou Marinhas
♣ Cantigas de Romaria
♣ Pastorelas
♣ Cantigas de Tensão

2. Quanto à forma, ou seja, pela análise extrínseca, podem ser:


♣ Cantigas de refrão
- Paralelísticas (perfeitas e imperfeitas)
♣ Cantigas de mestria

Estas podem ainda ser:


♣ Finda
♣ Atá-Finda
♣ Pren
♣ Leixa-Pren

Você também pode gostar