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2018.

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LEI MARIA DA PENHA (LEI 11.340/2006)
APRESENTAÇÃO .......................................................................................................................... 3
1. FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL E CONVENCIONAL ....................................................... 4
2. ORIGEM DA LEI MARIA DA PENHA ....................................................................................... 4
3. FINALIDADES DA LEI MARIA DA PENHA .............................................................................. 5
4. INTERPRETAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA ....................................................................... 5
5. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER ................................................ 6
5.1. PRESSUPOSTOS PARA APLICAÇÃO DA LEI ................................................................ 6
5.1.1. Vítima mulher ............................................................................................................ 6
5.1.2. Presença alternativa de um dos incisos do art. 5º...................................................... 6
5.1.3. Pratica da violência .................................................................................................... 6
5.2. SUJEITO PASSIVO .......................................................................................................... 7
5.2.1. Mulher exclusivamente .............................................................................................. 7
5.2.2. Aplicação ao homem ................................................................................................. 7
5.2.3. Aplicação ao transexual ............................................................................................. 8
5.2.4. Violência de gênero ................................................................................................... 8
5.3. SUJEITO ATIVO ............................................................................................................. 10
5.4. ELEMENTO SUBJETIVO ............................................................................................... 10
5.5. ÂMBITO DA UNIDADE DOMÉSTICA ............................................................................. 10
5.6. ÂMBITO FAMILIAR ........................................................................................................ 11
5.7. QUALQUER RELAÇÃO ÍNTIMA DE AFETO .................................................................. 12
5.8. FORMAS DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER ........................................................... 12
5.8.1. Violência física ......................................................................................................... 13
5.8.2. Violência psicológica ............................................................................................... 14
5.8.3. Violência sexual ....................................................................................................... 14
5.8.4. Violência patrimonial ................................................................................................ 14
5.8.5. Violência moral ........................................................................................................ 14
6. ATENDIMENTO PELA AUTORIDADE POLICIAL .................................................................. 14
7. JUIZADOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER ...................... 17
7.1. CUMULAÇÃO DA COMPETÊNCIA POR VARAS CRIMINAIS ....................................... 17
7.2. CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA PRATICADOS NO CONTEXTO DA VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER ..................................................................... 19
8. AÇÃO PENAL NOS CRIMES DE LESÃO CORPORAL LEVE E LESÃO CORPORAL
CULPOSA PRATICADOS NO CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA
A MULHER ................................................................................................................................... 19
8.1. RETRATAÇÃO DA REPRESENTAÇÃO NOS CRIMES PRATICADOS NO CONTEXTO
DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER............................................ 21
9. MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA ............................................................................. 21
9.1. APLICAÇÃO A PESSOAS DO SEXO MASCULINO ....................................................... 22
9.2. APLICAÇÃO DAS MEDIDAS SEM TIPIFICAÇÃO .......................................................... 23
9.3. ESPÉCIES...................................................................................................................... 23
9.3.1. Medidas que obrigam o agressor............................................................................. 23
9.3.2. Medidas destinadas à vítima.................................................................................... 24
9.4. PRISÃO PREVENTIVA................................................................................................... 24
9.4.1. (In) constitucionalidade da decretação da prisão preventiva ex officio durante as
investigações ......................................................................................................................... 25
9.4.2. (Im) possibilidade de decretação da prisão preventiva tão somente em virtude do
descumprimento das medidas protetivas de urgência ............................................................ 25

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9.4.3. (In) constitucionalidade da decretação da prisão preventiva para fins de assegurar o
cumprimento de medidas protetivas de urgência de natureza cível ....................................... 25
9.4.4. Descumprimento injustificado das medidas protetivas e tipificação do crime de
desobediência........................................................................................................................ 25
10. INAPLICABILIDADE DA LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS ÀS INFRAÇÕES
PENAIS PRATICADAS COM VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER ...... 26
11. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA .................................................................................... 26
11.1. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA X PRINCÍPIO DA BAGATELA IMPRÓPRIA ............ 27

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APRESENTAÇÃO

Olá!

Inicialmente, gostaríamos de agradecer a confiança em nosso material. Esperamos que seja


útil na sua preparação, em todas as fases. Quanto mais contato temos com uma mesma fonte de
estudo, mais familiarizados ficamos, o que ajuda na memorização e na compreensão da matéria.

O Caderno Legislação Penal Especial possui como base as aulas dos professores Renato
Brasileiro, Cleber Masson e Vinícius Marçal, serão analisadas dezesseis leis, as mais cobradas em
concurso público.

Dois livros foram utilizados para complementar nosso CS de Legislação Penal Especial: a)
Legislação Criminal para Concursos (Fábio Roque, Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar),
ano 2016 e b) Legislação Criminal Comentada (Renato Brasileiro), ano 2017, ambos da Editora
Juspodivm.

Na parte jurisprudencial, utilizamos os informativos do site Dizer o Direito


(www.dizerodireito.com.br), os livros: Principais Julgados STF e STJ Comentados, Vade Mecum de
Jurisprudência Dizer o Direito, Súmulas do STF e STJ anotadas por assunto (Dizer o Direito).
Destacamos: é importante você se manter atualizado com os informativos, reserve um dia da
semana para ler no site do Dizer o Direito.

Ademais, no Caderno constam os principais artigos de lei, mas, ressaltamos, que é


necessária leitura conjunta do seu Vade Mecum, muitas questões são retiradas da legislação.

Como você pode perceber, reunimos em um único material diversas fontes (aulas + doutrina
+ informativos + súmulas + lei seca + questões) tudo para otimizar o seu tempo e garantir que você
faça uma boa prova.

Por fim, como forma de complementar o seu estudo, não esqueça de fazer questões. É muito
importante!! As bancas costumam repetir certos temas.

Vamos juntos!! Bons estudos!!

Equipe Cadernos Sistematizados.

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1. FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL E CONVENCIONAL

A ideia de coibir a violência contra a mulher pode ser extraída da própria CF, nos termos do
seu art. 226, §8º, o qual garante a criação de mecanismos com o intuito de coibir a violência no
âmbito familiar.

Art. 226, § 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada


um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito
de suas relações.

Igualmente, vários tratados internacionais foram criados de modo a dar uma maior proteção
a mulher, vejamos os principais:

• 1975 – I Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada na cidade do México, a qual deu
origem à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra
as Mulheres, que foi promulgada pelo Brasil através do Decreto 4.377/2002;

• 1980 – II Conferência Mundial Sobre a Mulher, realizada na Dinamarca;

• 1985 – III Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada no Quênia.

• 1994 – Convenção de Belém do Pará, também chamada de Convenção Interamericana


para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Doméstica, incorporada pelo Decreto
1.973/96. A questão é tratada como um problema de saúde pública.

Obs.: A doutrina chama de processo de especificação do sujeito do direito quando há um


sistema geral (voltado à proteção de direitos humanos de toda a coletividade), mas com o passar
dos anos chega-se à conclusão de que há necessidade de uma maior proteção a grupos
discriminados, a exemplo de crianças, idosos, mulheres, portadores de necessidades especiais.

2. ORIGEM DA LEI MARIA DA PENHA

A Lei Maria da Penha entrou em vigor apenas em 22 de setembro de 2006, apesar das
diversas Convenções Internacionais que tratavam de violência doméstica.

Recebeu este nome em razão da vítima Maria da Penha Maia Fernandes que, em 29 de
maio de 1983, enquanto dormia, foi atingida com um disparo de arma de fogo, desferido pelo seu
então marido, ficando paraplégica. Contudo, a violência não cessou, uma semana após o fato,
sofreu nova violência (descarga elétrica enquanto tomava banho). Em 28 de setembro de 2002, o
agressor foi denunciado, mas sua prisão somente aconteceu em 2002, dezoito anos após as duas
tentativas de homicídio.

Diante da inércia do Estado Brasileiro, o caso foi levado à Comissão Interamericana de


Direitos Humanos, que proferiu o seguinte:

Relatório 54/2001 – A ineficácia judicial, a impunidade e a impossibilidade


de a vítima obter uma reparação mostra a falta de cumprimento do
compromisso assumido pelo Brasil d reagir adequadamente ante a violência
doméstica.

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Cinco anos após o relatório, foi editada a Lei Maria da Penha.

3. FINALIDADES DA LEI MARIA DA PENHA

Inicialmente, destaca-se que a Lei 11.340/2006 possui inúmeras finalidades. Não se trata de
uma lei estritamente penal, possui dispositivos relacionados à segurança pública, cria mecanismos
de proteção à mulher, traz elementos de natureza cível, por isso se diz que é uma lei multidisciplinar.

A simples leitura do art. 1º da Lei consagra o entendimento acima, vejamos:

Art. 1o Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência


doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da
Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas
de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir,
Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados
internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a
criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher;
e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em
situação de violência doméstica e familiar.

Assim, podemos concluir que as finalidades da Lei Maria da Penha são:

• Criação de mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a


mulher;

• Criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher;

• Estabelecer medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência


doméstica e familiar.

Obs.: Aqui, estudaremos apenas os aspectos penais da Lei Maria da Penha. Destacamos que a lei
traz ainda aspectos cíveis (fixação de alimentos provisórios), bem como trabalhistas (manutenção
do vínculo trabalhista).

4. INTERPRETAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA

A Lei 11.340/2006 foi pensada para proteger a mulher em um cenário de violência doméstica
e familiar. Assim, obviamente, deve ser interpretada levando em consideração as condições
peculiares da mulher e os fins sociais a que se destina, nos termos do art. 4º:

Art. 4o Na interpretação desta Lei, serão considerados os fins sociais a que


ela se destina e, especialmente, as condições peculiares das mulheres em
situação de violência doméstica e familiar.

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5. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER

A Lei 11.340/2006 regulamentou o tratamento que deve ser dado quando ocorrer violência
doméstica e familiar contra a mulher.

5.1. PRESSUPOSTOS PARA APLICAÇÃO DA LEI

Há, ao menos, três pressupostos que podem ser elencados para que seja possível aplicar a
Lei Maria da Penha.

5.1.1. Vítima mulher

A vítima deve ser necessariamente mulher. Trata-se de violência de gênero.

5.1.2. Presença alternativa de um dos incisos do art. 5º

A violência deve ser praticada em um dos contextos do art. 5º da Lei Maria da Penha,
vejamos:

Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e (OU) familiar
contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause
morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou
patrimonial:
I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de
convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as
esporadicamente agregadas;
II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por
indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais,
por afinidade ou por vontade expressa;
III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou
tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem
de orientação sexual.

Obs.: A violência pode ser doméstica (inciso I) OU familiar. Não é cumulativo. Os incisos do art. 5º
são alternativos.

5.1.3. Pratica da violência

O art. 7º da Lei Maria da Penha lista, pelo menos, cinco formas de violência:

• Física;

• Patrimonial;

• Sexual;

• Moral;

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• Psicológica.

Art. 7o São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre


outras:
I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua
integridade ou saúde corporal;
II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause
dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe
o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações,
comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento,
humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição
contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do
direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde
psicológica e à autodeterminação;
III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a
presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada,
mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a
comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a
impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio,
à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem,
suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos
sexuais e reprodutivos;
IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure
retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos
de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos
econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure
calúnia, difamação ou injúria.

5.2. SUJEITO PASSIVO

5.2.1. Mulher exclusivamente

Trata-se, exclusivamente, da mulher (esposa, amante, namorada, mãe, avó, sogra, irmã).

Destaca-se que o STJ reconheceu que uma figura pública também pode ser vítima de
violência doméstica e familiar, vejamos o Info 539:

5.2.2. Aplicação ao homem

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Sustentava-se, inicialmente, a inconstitucionalidade da Lei Maria da Penha, eis que confere
um tratamento diferenciado entre homens e mulheres.

Conforme visto acima, a aplicação da lei é exclusiva às mulheres. Assim, havendo violência
doméstica e familiar contra o homem deve ser aplicado o Código Penal (art.129, §9º):

Art. 129, § 9o Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente,


irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido,
ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação
ou de hospitalidade: (Redação dada pela Lei nº 11.340, de 2006)
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos. (Redação dada pela Lei
nº 11.340, de 2006)

5.2.3. Aplicação ao transexual

Ainda não há entendimento pacífico.

Parte da doutrina defende que o transexual poderia ser vítima, desde que houvesse se
submetido à cirurgia de reversão genital, bem como houvesse mudado seu nome.

De outro lado, muitos doutrinadores entendem que não é considerado mulher. Portanto,
incabível a aplicação da lei.

5.2.4. Violência de gênero

Não é toda e qualquer violência contra a mulher que irá gerar a aplicação da Lei Maria da
Penha, apenas a violência perpetrada em razão do gênero.

Segundo Renato Brasileiro, o objetivo da Lei Maria da Penha não foi o de conferir uma
proteção indiscriminada a toda e qualquer mulher, mas apenas àquelas que efetivamente se
encontrarem em uma situação de vulnerabilidade. É indispensável, portanto, que a vítima esteja em
uma situação de hipossuficiência física ou econômica, enfim, que a infração tenha como motivação
a opressão à mulher. Ausente esta violência de gênero, não se aplica a Lei Maria da Penha

Nesse sentindo:

HABEAS CORPUS IMPETRADO EM SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO


PREVISTO NO ORDENAMENTO JURÍDICO. 1. NÃO CABIMENTO.
MODIFICAÇÃO DE ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL. RESTRIÇÃO
DO REMÉDIO CONSTITUCIONAL. EXAME EXCEPCIONAL QUE VISA
PRIVILEGIAR A AMPLA DEFESA E O DEVIDO PROCESSO LEGAL. 2.
AMEAÇA. SOGRA E NORA. 3. COMPETÊNCIA. INAPLICABILIDADE. LEI
MARIA DA PENHA. ABRANGÊNCIA DO CONCEITO DE VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA E FAMILIAR. DIVERGÊNCIA DOUTRINÁRIA.
INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. VIOLÊNCIA DE GÊNERO. RELAÇÃO DE
INTIMIDADE AFETIVA. 4. COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL
CRIMINAL 5. ORDEM NÃO CONHECIDA. HABEAS CORPUS CONCEDIDO
DE OFÍCIO. (...) 2. A incidência da Lei n.º 11.340/2006 reclama situação
de violência praticada contra a mulher, em contexto caracterizado por
relação de poder e submissão, praticada por homem ou mulher sobre
mulher em situação de vulnerabilidade. Precedentes. 3. No caso não se
revela a presença dos requisitos cumulativos para a incidência da Lei n.º

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11.340/06, a relação íntima de afeto, a motivação de gênero e a situação de
vulnerabilidade. Concessão da ordem. 4. Ordem não conhecida. Habeas
corpus concedido de oficio, para declarar competente para processar e julgar
o feito o Juizado Especial Criminal da Comarca de Santa Maria/RS.
(HC 175.816/RS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA
TURMA, julgado em 20/06/2013, DJe 28/06/2013)

A seguir colacionamos o excelente quadro resumo do Dizer o Direito acerca da incidência


da Lei Maria da Penha (disponível em:
https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/0d4f4805c36dc6853edfa4c7e16
38b48?categoria=11&subcategoria=122):

Quadro-resumo com algumas situações

Violência praticada por... É possível?

FILHO CONTRA A MÃE SIM


A Lei Maria da Penha aplica-se também nas relações de parentesco. HC 290.650/MS

FILHA CONTRA A MÃE SIM

Relembrando que o agressor pode ser também mulher. HC 277.561/AL

PAI CONTRA A FILHA SIM

HC 178.751/RS

IRMÃO CONTRA IRMÃ SIM


Obs.: ainda que não morem sob o mesmo teto. HC 175.816/RS

GENRO CONTRA SOGRA SIM


RHC 50.847/BA

NORA CONTRA A SOGRA SIM


Desde que estejam presentes os requisitos de relação íntima de afeto, HC 175.816/RS
motivação de gênero e situação de vulnerabilidade. Ausentes, não se aplica.

COMPANHEIRO DA MÃE (“PADRASTO”) CONTRA A ENTEADA SIM


Obs.: a agressão foi motivada por discussão envolvendo o relacionamento RHC 42.092/RJ
amoroso que o agressor possuía com a mãe da vítima (relação íntima de
afeto).

TIA CONTRA SOBRINHA SIM


A tia possuía, inclusive, a guarda da criança (do sexo feminino), que tinha 4 HC 250.435/RJ
anos.

EX-NAMORADO CONTRA A EX-NAMORADA SIM

HC 182.411/RS

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Vale ressaltar, porém, que não é qualquer namoro que se enquadra na Lei
Maria da Penha. Se o vínculo é eventual, efêmero, não incide a Lei 11.340/06
(CC 91.979-MG).

FILHO CONTRA PAI IDOSO NÃO


O sujeito passivo (vítima) não pode ser do sexo masculino. RHC 51.481/SC

Por fim, destacamos o seguinte entendimento do STJ:

Apesar de haver decisões em sentido contrário, prevalece o entendimento de


que a hipossuficiência e a vulnerabilidade, necessárias à caracterização da
violência doméstica e familiar contra a mulher, são presumidas pela Lei nº
11.340/2006. A mulher possui na Lei Maria da Penha uma proteção
decorrente de direito convencional de proteção ao gênero (tratados
internacionais), que o Brasil incorporou em seu ordenamento, proteção essa
que não depende da demonstração de concreta fragilidade, física, emocional
ou financeira. Ex: agressão feita por um homem contra a sua namorada, uma
Procuradora da AGU, que possuía autonomia financeira e ganhava mais que
ele. STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 620.058/DF, Rel. Min. Jorge Mussi,
julgado em 14/03/2017.STJ. 6ª Turma. AgRg no RHC 74.107/SP, Rel. Min.
Nefi Cordeiro, julgado em 15/09/2016.

5.3. SUJEITO ATIVO

O agressor pode ser tanto um homem quanto uma mulher, nos termos do art. 5º, parágrafo
único, da Lei 11.340/2006:

Art. 5º, Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo


independem de orientação sexual.

A doutrina faz distinção entre presunção absoluta (homem como sujeito ativo) e relativa
(mulher como sujeito ativo) de vulnerabilidade.

5.4. ELEMENTO SUBJETIVO

Para fins de incidência da Lei Maria da Penha, a conduta desenvolvida pelo agente deve ser
movida pelo dolo exclusivamente. Assim, eventuais condutas culposas não caracterizam violência
doméstica e familiar contra a mulher.

5.5. ÂMBITO DA UNIDADE DOMÉSTICA

O inciso I da Lei Maria da Penha traz o conceito de violência no âmbito da unidade


doméstica, vejamos:

Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar


contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause
morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou
patrimonial:

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I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de
convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as
esporadicamente agregadas;

Note que a lei faz referência a qualquer ação ou omissão. Assim, a violência poderá ocorrer
mesmo que não haja crime ou contravenção penal.

Não é necessária a caracterização do vínculo familiar. Por isso, por exemplo, a lei será
aplicada aos casos em que a empregada doméstica (não para diaristas – este inciso) for vítima de
violência

Leva-se em consideração o aspecto espacial, ou seja, o local em que a violência é


perpetrada.

Exige-se convívio permanente entre as pessoas. Assim, por exemplo, a agressão de uma
decoradora não iria incidir a lei maria da penha, pois não há um espaço de convívio permanente.
Diferente seria a agressão de uma sogra, por exemplo.

5.6. ÂMBITO FAMILIAR

Art. 5º, II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada


por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços
naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

O inciso II traz um conceito legal de família, segundo Maria Berenice Dias.

Destaca-se que a violência praticada em âmbito familiar independe do local. Ou seja, não
precisa ser praticada no âmbito da unidade doméstica. Ademais, não exige coabitação.

Em relação à expressão “aparentados”, temos como exemplo: o pai e a filha; o marido e a


esposa; o genro e a sogra.

Obs.: Não se pode acreditar que todo e qualquer crime envolvendo relação entre parentes possa
dar ensejo à aplicação da Lei Maria da Penha. Nesse sentindo, o Info 524 do STJ:

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5.7. QUALQUER RELAÇÃO ÍNTIMA DE AFETO

Art. 5º, III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva
ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Há doutrinadores que interpretam o inciso III de forma abrangente, incluindo relações de


amizades, de camaradagem. O professor Renato Brasileiro discorda, tendo em vista que o inciso
traz a expressão “íntima”, o que caracterizaria uma relação de cunho sexual ou amorosa.

Tanto a amante quanto a namorada (ou ex-namorada) podem ser vítimas da Lei Maria da
Penha, a depender do caso concreto, de acordo com o entendimento atual do STJ.

Obs.: Convencionalidade do inciso III – quando estudamos a violência doméstica e familiar nas
Convenções Internacionais, percebemos que há apenas dois contextos de violência: âmbito da
unidade doméstica e âmbito da unidade familiar. O inciso III vai além, tendo em vista que amplia
para qualquer relação íntima de afeto. Por conta disso, alguns doutrinadores afirmam que este
inciso não passaria pelo controle de convencionalidade. Tal entendimento, contudo, não prevalece,
pois à luz do princípio pro homine, quando houver um aparente conflito entre o texto internacional
e a lei interna do país SEMPRE deve prevalecer a norma que for mais favorável. No caso, o inciso
III garante uma maior proteção à mulher vítima de violência.

5.8. FORMAS DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

As formas de violência contra a mulher encontram-se previstas no art. 7º da Lei Maria da


Penha, vejamos:

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Art. 7o São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre
outras:
I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua
integridade ou saúde corporal;
II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause
dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe
o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações,
comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento,
humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição
contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do
direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde
psicológica e à autodeterminação;
III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a
presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada,
mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a
comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a
impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio,
à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem,
suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos
sexuais e reprodutivos;
IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure
retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos
de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos
econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure
calúnia, difamação ou injúria.

As formas de violência devem ser praticadas a título de dolo.

Não necessariamente precisam tipificar infração penal.

Na Lei Maria da Penha a palavra “violência” é utilizada em sentindo amplo, não apenas como
violência física do CP.

Obs.: As formas de violência do art. 7º estão previstas em um rol taxativo ou exemplificativo? Há


duas correntes:

1ªC: Entende que as formas de violência do art. 7º estão previstas em um rol taxativo. Não se admite
interpretação ampliativa – MINORITÁRIA.

2ªC: Entende que se trata de um rol exemplificativo, eis que visa uma maior proteção à mulher.

A seguir analisaremos cada uma delas.

5.8.1. Violência física

Abrange qualquer conduta, desde vias de fato até o feminicídio, que ofenda a integridade ou
saúde corporal.

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Ressalta-se que não é crime, mas sim uma forma de violência. Assim, não poderá ser
oferecida denuncia com base no art. 7º, I da Lei de Maria da Penha. O juízo de tipicidade deve ser
feito com base no CP.

5.8.2. Violência psicológica

É aquela entendida como qualquer conduta que cause dano emocional, diminuição da
autoestima, ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou
controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça (é crime),
constrangimento (é crime), humilhação (em si, não é crime. É exemplo o adultério) , manipulação,
isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização,
exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde
psicológica e à autodeterminação.

5.8.3. Violência sexual

É aquela entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a


participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força;
que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de
usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à
prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o
exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos.

5.8.4. Violência patrimonial

É aquela entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição
parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e
direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades.

Obs.: é possível aplicar as imunidades absolutas e relativas (arts. 181 e 182 do CP) aos crimes
patrimoniais praticados no contexto da violência doméstica e familiar contra a mulher sem o
emprego de violência ou grave ameaça à pessoa? x

1ªC – Maria Berenice Dias: Não é possível aplicar.

2ªC - Majoritária: É possível, eis que não há proibição na lei (o art. 18 não proíbe)

5.8.5. Violência moral

É aquela entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

6. ATENDIMENTO PELA AUTORIDADE POLICIAL

Foi publicada no último no dia 09/11, a Lei nº 13.505/2017, que acrescenta alguns
dispositivos na Lei de Violência Doméstica (Lei Maria da Penha – Lei nº 11.340/2006). Vejamos a
excelente explicação do Prof. Márcio Cavalcante.

LEI MARIA DA PENHA 2018.1 14


A mulher que esteja em situação de violência doméstica e familiar tem o direito de receber
atendimento policial e pericial especializado, ininterrupto e prestado por servidores previamente
capacitados.

Os servidores responsáveis por esse atendimento deverão ser preferencialmente do sexo


feminino.

Diretrizes e cuidados que deverão ser adotados para a inquirição da vítima e das
testemunhas de crimes de violência doméstica contra a mulher:

1) Deverá ser garantia da salvaguarda (proteção) da integridade física, psíquica e emocional


da depoente, considerada a sua condição peculiar de pessoa em situação de violência doméstica
e familiar;

2) Em nenhuma hipótese deverá ser permitido o contato direto da vítima (mulher), de seus
familiares e das testemunhas com os investigados/suspeitos ou com as pessoas que tenham
relação com eles;

3) Não se deve permitir a “revitimização” da depoente. Para isso, deve-se evitar que a vítima
seja sucessivas vezes ouvida sobre o mesmo fato nos âmbitos criminal, cível e administrativo.
Também se deve evitar questionamentos sobre a sua vida privada.

Em que consiste a chamada “revitimização”?

A vítima de um crime, especialmente em delitos sexuais ou violentos, todas as vezes em


que for inquirida sobre os fatos, ela é, de alguma forma, submetida a um novo trauma, um novo
sofrimento ao ter que relatar um episódio triste e difícil de sua vida para pessoas estranhas,
normalmente em um ambiente formal e frio. Desse modo, a cada depoimento, a vítima sofre uma
violência psíquica.

Assim, revitimização consiste nesse sofrimento continuado ou repetido da vítima ao ter que
relembrar esses fatos.

Para evitar a revitimização, o Poder Público deverá adotar providências a fim de que a vítima
não seja ouvida repetidas vezes sobre o mesmo tema. Além disso, deve-se fazer com que o
ambiente em que os depoimentos são prestados seja acolhedor. Por fim, deve-se evitar perguntas
que invadam a vida privada da vítima ou que induzam à ideia de que ela teve “culpa” pelo fato,
transformando a investigação ou o processo em um “julgamento” sobre o comportamento da vítima.

Alguns autores afirmam que a revitimização é uma forma de “violência institucional” cometida
pelo Estado contra a vítima.

“A revitimização no atendimento às mulheres em situação de violência, por vezes, tem sido


associada à repetição do relato de violência para profissionais em diferentes contextos o que pode
gerar um processo de traumatização secundária na medida em que, a cada relato, a vivência da
violência é reeditada.

Além da revitimização decorrente do excesso de depoimentos, revitimizar também pode


estar associado a atitudes e comportamentos, tais como: paternalizar; infantilizar; culpabilizar;
generalizar histórias individuais; reforçar a vitimização; envolver-se em excesso; distanciar-se em
excesso; não respeitar o tempo da mulher; transmitir falsas expectativas. A prevenção da

LEI MARIA DA PENHA 2018.1 15


revitimização requer o atendimento humanizado e integral, no qual a fala da mulher é valorizada e
respeitada.” (Diretrizes gerais e protocolos de atendimento. Programa “Mulher, viver sem violência”.
Brasil: Governo Federal. Secretaria Especial de Políticas para mulheres. 2015).

Procedimento a ser adotado para a inquirição

Na inquirição de mulher em situação de violência doméstica ou das testemunhas deverá ser


adotado, preferencialmente, o seguinte procedimento:

I - a inquirição será feita em recinto especialmente projetado para esse fim, o qual conterá
os equipamentos próprios e adequados à idade da mulher em situação de violência doméstica e
familiar ou testemunha e ao tipo e à gravidade da violência sofrida;

II - quando for o caso, a inquirição será intermediada por profissional especializado em


violência doméstica e familiar designado pela autoridade judiciária ou policial;

III - o depoimento será registrado em meio eletrônico ou magnético, devendo a degravação


e a mídia integrar o inquérito.

Unidades especializadas

Os Estados e o Distrito Federal, na formulação de suas políticas e planos de atendimento à


mulher em situação de violência doméstica e familiar, darão prioridade, no âmbito da Polícia Civil,
à criação de Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (Deams), de Núcleos
Investigativos de Feminicídio e de equipes especializadas para o atendimento e a investigação das
violências graves contra a mulher.

Requisição por parte dos Delegados

A autoridade policial poderá requisitar os serviços públicos necessários à defesa da mulher


em situação de violência doméstica e familiar e de seus dependentes.

Veto

O projeto de lei aprovado previa que os Delegados de Polícia poderiam aplicar,


provisoriamente, até deliberação judicial, medidas protetivas de urgência em favor da mulher, como
a determinação para que o suposto agressor ficasse distante da vítima. Isso estava previsto no art.
12-B, que seria inserido na Lei Maria da Penha. Confira:

Art. 12-B. Verificada a existência de risco atual ou iminente à vida ou à


integridade física e psicológica da mulher em situação de violência doméstica
e familiar ou de seus dependentes, a autoridade policial, preferencialmente
da delegacia de proteção à mulher, poderá aplicar provisoriamente, até
deliberação judicial, as medidas protetivas de urgência previstas no inciso III
do art. 22 e nos incisos I e II do art. 23 desta Lei, intimando desde logo o
agressor.
§ 1º O juiz deverá ser comunicado no prazo de 24 (vinte e quatro) horas e
poderá manter ou rever as medidas protetivas aplicadas, ouvido o Ministério
Público no mesmo prazo.
§ 2º Não sendo suficientes ou adequadas as medidas protetivas previstas no
caput, a autoridade policial representará ao juiz pela aplicação de outras
medidas protetivas ou pela decretação da prisão do agressor.

LEI MARIA DA PENHA 2018.1 16


Tal previsão foi, contudo, vetada pelo Presidente da República sob o argumento de que a
prerrogativa de impor medidas protetivas de urgência é privativa do Poder Judiciário, não podendo
ser estendida à Polícia. Veja as razões apresentadas:

“Os dispositivos, como redigidos, impedem o veto parcial do trecho que incide em
inconstitucionalidade material, por violação aos artigos 2º e 144, § 4º, da Constituição, ao invadirem
competência afeta ao Poder Judiciário e buscarem estabelecer competência não prevista para as
polícias civis.”

Dessa forma, com o veto, a competência para impor medidas protetivas de urgência continua
sendo privativa da autoridade judicial. Cabe ao Delegado de Polícia apenas remeter ao juiz pedido
da ofendida para a concessão de medidas protetivas de urgência (art. 12, III, da Lei nº 11.340/2006).

7. JUIZADOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER

Encontra-se previsto no art. 14 da Lei 11.340/11.

Art. 14. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher,


órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e criminal, poderão ser
criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para
o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de
violência doméstica e familiar contra a mulher.
Parágrafo único. Os atos processuais poderão realizar-se em horário
noturno, conforme dispuserem as normas de organização judiciária.

A lei usou a palavra “juizado”, mas se tratam de varas especializadas para o julgamento dos
processos que envolvam violência doméstica e familiar contra a mulher.

Destaca-se que a vara especializada irá concentrar competências penais e cíveis.

Ademais, terão competência para o processo e julgamento de crimes e contravenções


penais no contexto da violência doméstica e familiar contra a mulher.

STJ – (...). Configurada a conduta praticada como violência doméstica contra


a mulher, independentemente de sua classificação como crime ou
contravenção, deve ser fixada a competência da Vara Criminal para apreciar
e julgar o feito, enquanto não forem estruturados os Juizados de Violência
Familiar contra a Mulher, consoante o disposto nos arts. 7º e 33 da Lei Maria
da Penha (HC 158.615/RS).

7.1. CUMULAÇÃO DA COMPETÊNCIA POR VARAS CRIMINAIS

Em um cenário ideal teríamos:

LEI MARIA DA PENHA 2018.1 17


COMARCA X

JUIZADO DE
VIOLÊNCIA
1ª VARA CRIMINAL 2ª VARA CRIMINAL 3ª VARA CRIMINAL
DOMÉSTICA E
FAMILIAR

Contudo, o próprio legislador sabe que não é possível a criação dos juizados em todas as
comarcas, seja por falta de estrutura física seja por falta de pessoal. Assim, a Lei Maria da Penha
determina que uma vara criminal poderá cumular a competência dos juizados, nos termos do art.
33 da referida lei, vejamos:

Art. 33. Enquanto não estruturados os Juizados de Violência Doméstica e


Familiar contra a Mulher, as varas criminais acumularão as competências
cível e criminal para conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de
violência doméstica e familiar contra a mulher, observadas as previsões do
Título IV desta Lei, subsidiada pela legislação processual pertinente.
Parágrafo único. Será garantido o direito de preferência, nas varas criminais,
para o processo e o julgamento das causas referidas no caput.

No DF, com base no art. 33, o TJ outorgou a competência cumulativa a uma vara dos
juizados especiais criminais.

JECRIM

VIOLÊNCIA
INFRAÇÃO DE MENOR DOMÉSTICA E
POTENCIAL OFENSIVO FAMILIAR CONTRA A
MULHER

NÃO APLICA OS
APLICA OS INSTITUTOS
INSTITUTOS
DESPENALIZADORES
DESPENALIZADORES

JUIZO AD QUEM: JUIZO AD QUEM:


TURMA RECURSAL TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Neste caso, o juiz deverá separar os processos por cores, tendo em vista que os institutos
despenalizadores, aplicados às IMPOS, não são aplicados à Lei Maria da Penha.

LEI MARIA DA PENHA 2018.1 18


Parte da doutrina sustenta que a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar
contra a mulher é inconstitucional, por ser incompatível com o poder de auto-organização do
Judiciário local (art. 125, §1º da CF).

Art. 125, § 1º A competência dos tribunais será definida na Constituição do


Estado, sendo a lei de organização judiciária de iniciativa do Tribunal de
Justiça.

Tal entendimento não prevalece, pois a Lei Maria da Penha não criou as varas
especializadas, mas sim recomendou que fossem criados, igual ao ECA, ao Estatuto do Idoso.

O tema foi levado ao STF, o qual concluiu pela constitucionalidade. Vejamos:

STF – ADC 19/DF: “(...) COMPETÊNCIA – VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – LEI


Nº. 11.340/06 – JUIZADO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR
CONTRA A MULHER. O art. 33 da Lei nº 11.340/06, no que revela a
conveniência de criação dos juizados de violência doméstica e familiar contra
a mulher, não implica usurpação da competência normativa dos estados
quanto à própria organização judiciária (...)

7.2. CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA PRATICADOS NO CONTEXTO DA VIOLÊNCIA


DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER

Como se sabe, o Tribunal do Júri é composto por um procedimento bifásico. Temos a


primeira fase, conhecida como iudicium accusationis, competência é do juiz sumariante; e a
segunda fase, conhecida como iudicium causae, competência é do Conselho de Sentença (jurados).

Tanto o STJ quanto o STF, na análise de casos oriundos de SC, entendem que a primeira
fase, no caso de crimes dolosos contra a vida, pode tramitar nas varas especializadas de violência
doméstica, caso a lei de organização judiciária assim preveja.

STJ – HC 73.161/SC: (...) Ressalvada a competência do Júri para o


julgamento do crime doloso contra a vida, seu processamento, até a fase de
pronúncia, poderá ser pelo Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra
a Mulher, em atenção à Lei 11.340/06 (...).

Info 748 do STF - Competência para o processamento de crimes dolosos


contra a vida praticados no contexto de violência doméstica. A Lei de
Organização Judiciária poderá prever que a 1ª fase do procedimento do júri
seja realizada na Vara de Violência Doméstica em caso de crimes dolosos
contra a vida praticados no contexto de violência doméstica. Não haverá
usurpação da competência constitucional do júri. Apenas o julgamento
propriamente dito é que, obrigatoriamente, deverá ser feito no Tribunal do
Júri.

8. AÇÃO PENAL NOS CRIMES DE LESÃO CORPORAL LEVE E LESÃO CORPORAL


CULPOSA PRATICADOS NO CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR
CONTRA A MULHER

LEI MARIA DA PENHA 2018.1 19


Nos crimes de lesão leve e lesão culposa, a ação penal é pública condicionada à
representação, nos termos do art. 88 da Lei 9.099/95.

Art. 88. Além das hipóteses do Código Penal e da legislação especial,


dependerá de representação a ação penal relativa aos crimes de lesões
corporais leves e lesões culposas.

Antes da Lei 9.099/95, tanto a lesão leve quanto a lesão culposa eram crimes de ação penal
pública.

Contudo, o art. 41 da Lei Maria da Penha é claro ao afirmar que a lei dos juizados especiais
não é aplicado para os crimes praticados no contexto da Lei Maria da Penha. Assim, conclui-se que:

• Lesão leve praticada no contexto da Lei Maria da Penha – AÇÃO PENAL PÚBLICA
INCONDICIONADA.

• Lesão culposa praticada no contexto da Lei Maria da Penha – AÇÃO PENAL PÚBLICA
CONDICIONADA À REPRESENTAÇÃO.

Obs.: Como visto acima, a Lei Maria da Penha aplica-se apenas aos crimes dolosos. Assim, quando
se trata de uma lesão corporal culposa não haverá a incidência da lei.

Nesse sentindo, a Súmula 542 do STJ:

Súmula 542-STJ: A ação penal relativa ao crime de lesão corporal resultante


de violência doméstica contra a mulher é pública incondicionada.

Vejamos algumas observações feitas pelo Dizer o Direito1:

• Se uma mulher sofrer lesões corporais no âmbito das relações domésticas, ainda que
leves, e procurar a delegacia relatando o ocorrido, o delegado não precisa fazer com que
ela assine uma representação, uma vez que a lei não exige representação para tais
casos. Bastará que a autoridade policial colha o depoimento da mulher e, com base
nisso, havendo elementos indiciários, instaure o inquérito policial;

• Em caso de lesões corporais leves ou culposas que a mulher for vítima, em violência
doméstica, o procedimento de apuração na fase pré-processual é o inquérito policial e
não o termo circunstanciado. Isso porque não se aplica a Lei nº 9.099/95, que é onde se
prevê o termo circunstanciado;

• Se a mulher que sofreu lesões corporais leves de seu marido, arrependida e reconciliada
com o cônjuge, procura o Delegado, o Promotor ou o Juiz dizendo que gostaria que o
inquérito ou o processo não tivesse prosseguimento, esta manifestação não terá nenhum
efeito jurídico, devendo a tramitação continuar normalmente;

• Se um vizinho, por exemplo, presencia a mulher apanhando do seu marido e comunica


ao delegado de polícia, este é obrigado a instaurar um inquérito policial para apurar o

1 CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Lesão corporal em violência doméstica é crime de


ação pública incondicionada. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em:
<https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/49af6c4e558a7569d80eee
2e035e2bd7.

LEI MARIA DA PENHA 2018.1 20


fato, ainda que contra a vontade da mulher. A vontade da mulher ofendida passa a ser
absolutamente irrelevante para o início do procedimento;

• É errado dizer que todos os crimes praticados contra a mulher, em sede de violência
doméstica, serão de ação penal incondicionada. Continuam existindo crimes praticados
contra a mulher (em violência doméstica) que são de ação penal condicionada, desde
que a exigência de representação esteja prevista no Código Penal ou em outras leis, que
não a Lei n. 9.099/95. Assim, por exemplo, a ameaça praticada pelo marido contra a
mulher continua sendo de ação pública condicionada porque tal exigência consta do
parágrafo único do art. 147 do CP. O que a Súmula nº 542-STJ afirma é que o delito de
LESÃO CORPORAL praticado com violência doméstica contra a mulher, é sempre de
ação penal incondicionada porque o art. 88 da Lei n° 9.099/95 não pode ser aplicado aos
casos da Lei Maria da Penha.

8.1. RETRATAÇÃO DA REPRESENTAÇÃO NOS CRIMES PRATICADOS NO CONTEXTO


DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER

Alguns crimes, como estupro ou ameaça, mesmo que praticados no contexto da Lei Maria
da Penha são condicionados à representação, aplicando-se o art. 16 da Lei, vejamos:

Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à representação da


ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação
perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade,
antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.

Salienta-se que não se trata de renúncia, como diz o artigo, mas sim de uma retratação da
representação, que só pode ser feita até o recebimento da denúncia (no CPP é até o oferecimento).
Deve o juiz designar audiência especial.

Alguns juízes das varas especializadas marcavam a audiência como uma etapa do
procedimento, a fim de que a mulher confirmasse a representação. Os Tribunais Superiores
entendem que a audiência só deve ser designada se a mulher, em algum momento anterior,
manifestou a vontade de se retratar da representação.

STJ – A audiência de que trata o art. 16, da Lei Maria da Penha, não desse
ser realizada ex officio, como condição da abertura da ação penal, sob pena
de constrangimento ilegal à mulher, vítima de violência doméstica e familiar,
pois configuraria ato de ‘ratificação’ da representação, inadmissível na
espécie. A realização da referida audiência deve ser precedida de
manifestação de vontade da ofendida, se assim ela o desejar, em retratar-se
da representação anteriormente registrada, cabendo ao magistrado verificar
a espontaneidade e a liberdade na prática do referido ato.

9. MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA

Possuem natureza de medidas cautelares, estão, assim, sujeitas a cláusula de reserva de


jurisdição. Ou seja, apenas a autoridade judiciaria competente pode aplicar, demostrando a
existência do fumus comissi delicti e do periculum libertatis.

LEI MARIA DA PENHA 2018.1 21


O art. 19 da Lei regula a aplicação, vejamos:

Art. 19. As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas pelo juiz,
a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida.
§ 1o As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas de imediato,
independentemente de audiência das partes e de manifestação do Ministério
Público, devendo este ser prontamente comunicado.
§ 2o As medidas protetivas de urgência serão aplicadas isolada ou
cumulativamente, e poderão ser substituídas a qualquer tempo por outras de
maior eficácia, sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem
ameaçados ou violados.
§ 3o Poderá o juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da
ofendida, conceder novas medidas protetivas de urgência ou rever aquelas
já concedidas, se entender necessário à proteção da ofendida, de seus
familiares e de seu patrimônio, ouvido o Ministério Público.

O procedimento para aplicar as medidas segue o art. 282 do CPP.

Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas
observando-se a:
I - necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução
criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de
infrações penais;
II - adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e
condições pessoais do indiciado ou acusado.
§ 1o As medidas cautelares poderão ser aplicadas isolada ou
cumulativamente.
§ 2o As medidas cautelares serão decretadas pelo juiz, de ofício ou a
requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por
representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério
Público.
§ 3o Ressalvados os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida,
o juiz, ao receber o pedido de medida cautelar, determinará a intimação da
parte contrária, acompanhada de cópia do requerimento e das peças
necessárias, permanecendo os autos em juízo.
§ 4o No caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas, o
juiz, de ofício ou mediante requerimento do Ministério Público, de seu
assistente ou do querelante, poderá substituir a medida, impor outra em
cumulação, ou, em último caso, decretar a prisão preventiva (art. 312,
parágrafo único).
§ 5o O juiz poderá revogar a medida cautelar ou substituí-la quando verificar
a falta de motivo para que subsista, bem como voltar a decretá-la, se
sobrevierem razões que a justifiquem.
§ 6o A prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua
substituição por outra medida cautelar (art. 319).

9.1. APLICAÇÃO A PESSOAS DO SEXO MASCULINO

Quando a Lei Maria da Penha entrou em vigor as medidas protetivas só eram aplicadas às
mulheres.

LEI MARIA DA PENHA 2018.1 22


Com o advento da Lei 12.403/11 (Lei das Cautelares), por uma questão de analogia e por
se tratar de medida cautelar (poder geral de cautela), as medidas protetivas passaram a ser usadas
para as pessoas do sexo masculino, nos termos do art. 313, III do CPP.

Art. 313, III - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a


mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para
garantir a execução das medidas protetivas de urgência

9.2. APLICAÇÃO DAS MEDIDAS SEM TIPIFICAÇÃO

A aplicação das medidas protetivas de urgência pressupõe a existência de violência


doméstica e familiar contra a mulher, mas não necessariamente a pratica de crime no contexto dos
arts. 5º e 7º da Lei Maria da Penha.

9.3. ESPÉCIES

As medidas protetivas de urgência são de duas espécies: destinas ao agressor e destinadas


à vítima.

A maioria possui natureza extrapenal.

9.3.1. Medidas que obrigam o agressor

Estão previstas no art. 22 da Lei Maria da Penha, vejamos:

Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a


mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor,
em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de
urgência, entre outras:
I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao
órgão competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003;
II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;
III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:
a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando
o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;
b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio
de comunicação;
c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade
física e psicológica da ofendida;
IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a
equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;
V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.
§ 1o As medidas referidas neste artigo não impedem a aplicação de outras
previstas na legislação em vigor, sempre que a segurança da ofendida ou as
circunstâncias o exigirem, devendo a providência ser comunicada ao
Ministério Público.
§ 2o Na hipótese de aplicação do inciso I, encontrando-se o agressor nas
condições mencionadas no caput e incisos do art. 6o da Lei no 10.826, de 22
de dezembro de 2003, o juiz comunicará ao respectivo órgão, corporação ou

LEI MARIA DA PENHA 2018.1 23


instituição as medidas protetivas de urgência concedidas e determinará a
restrição do porte de armas, ficando o superior imediato do agressor
responsável pelo cumprimento da determinação judicial, sob pena de incorrer
nos crimes de prevaricação ou de desobediência, conforme o caso.
§ 3o Para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência, poderá
o juiz requisitar, a qualquer momento, auxílio da força policial.
§ 4o Aplica-se às hipóteses previstas neste artigo, no que couber, o disposto
no caput e nos §§ 5o e 6º do art. 461 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de
1973 (Código de Processo Civil).

9.3.2. Medidas destinadas à vítima

Previstas nos arts. 23 e 24 da Lei Maria da Penha:

Art. 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas:
I - encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou
comunitário de proteção ou de atendimento;
II - determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao
respectivo domicílio, após afastamento do agressor;
III - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos
relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos;
IV - determinar a separação de corpos.
Art. 24. Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou
daqueles de propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar,
liminarmente, as seguintes medidas, entre outras:
I - restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida;
II - proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra,
venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização
judicial;
III - suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor;
IV - prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e
danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar
contra a ofendida.
Parágrafo único. Deverá o juiz oficiar ao cartório competente para os fins
previstos nos incisos II e III deste artigo.

9.4. PRISÃO PREVENTIVA

A própria Lei Maria da Penha prevê a possibilidade de prisão preventiva no caso de


descumprimento das medidas protetivas de urgência:

Art. 20. Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal,


caberá a prisão preventiva do agressor, decretada pelo juiz, de ofício, a
requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade
policial.
Parágrafo único. O juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no curso do
processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo
decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.

LEI MARIA DA PENHA 2018.1 24


9.4.1. (In) constitucionalidade da decretação da prisão preventiva ex officio durante as
investigações

LEI 11.340/06 CPP

Possibilidade de decretação de prisão ex officio Possível que o juiz decrete a prisão ex officio,
tanto na fase investigatória quanto durante o mas apenas durante o processo.
processo.

De acordo com Renato Brasileiro, não se trata de princípio da especialidade, não é possível
o juiz decretar qualquer cautelar de ofício durante a fase investigatória, pois se revela incompatível
com a imparcialidade do juiz, desdobramento da reserva legal e com o próprio sistema acusatório.

A melhor doutrina sustenta que se aplica o CPP, ou seja, a decretação de ofício apenas na
fase processual.

9.4.2. (Im) possibilidade de decretação da prisão preventiva tão somente em virtude do


descumprimento das medidas protetivas de urgência

Para além de se demostrar o descumprimento da medida protetiva, de acordo com o STJ,


deve-se comprovar o periculum libertatis.

9.4.3. (In) constitucionalidade da decretação da prisão preventiva para fins de assegurar o


cumprimento de medidas protetivas de urgência de natureza cível

Como visto acima, algumas medidas protetivas possuem natureza extrapenal.

Desta forma, a decretação de prisão preventiva para assegurar uma medida protetiva de
natureza cível, trata-se de prisão cível, o que não é autorizado pela CF.

Portanto, a preventiva só poderá ser decretada quando a medida protetiva for decretada em
razão da prática de algum crime.

9.4.4. Descumprimento injustificado das medidas protetivas e tipificação do crime de


desobediência

O descumprimento das medidas protetivas não tipifica o crime de desobediência.

O descumprimento de medida protetiva de urgência prevista na Lei Maria da


Penha (art. 22 da Lei 11.340/2006) não configura crime de desobediência
(art. 330 do CP). STJ. 5ª Turma. REsp 1.374.653-MG, Rel. Min. Sebastião
Reis Júnior, julgado em 11/3/2014 (Info 538). STJ.6ª Turma.RHC 41.970-MG,
Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 7/8/2014 (Info 544).

Não há crime de desobediência quando a pessoa desatende a ordem e existe alguma


lei prevendo uma sanção civil, administrativa ou processual penal para esse descumprimento,
sem ressalvar que poderá haver também a sanção criminal.

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10. INAPLICABILIDADE DA LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS ÀS INFRAÇÕES
PENAIS PRATICADAS COM VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER

O art. 41 da Lei Maria da Penha afirma que a Lei 9.099/95 não é aplicada, vejamos:

Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a
mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei no 9.099,
de 26 de setembro de 1995.

O STF entende que abrange crimes e contravenções penais.

Em relação à inconstitucionalidade do art. 41, há duas correntes:

1ªC: o art. 41 é inconstitucional, pois estabelece tratamento desigual. É ultrapassada.

2ªC: o art. 41 é constitucional, tendo em vista as desigualdades que as mulheres enfrentam.

A promoção da igualdade entre os sexos passa não apenas pelo combate à discriminação
contra a mulher, mas também pela adoção de políticas compensatórias capazes de acelerar a
igualdade de gênero.

11. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

Não se aplica o princípio da insignificância nos crimes ou contravenções penais praticados


contra a mulher no âmbito das relações domésticas.

Os delitos praticados com violência contra a mulher, devido à expressiva ofensividade,


periculosidade social, reprovabilidade do comportamento e lesão jurídica causada, perdem a
característica da bagatela e devem submeter-se ao direito penal.

Assim, o STJ e o STF não admitem a aplicação dos princípios da insignificância aos crimes
e contravenções praticados com violência ou grave ameaça contra a mulher, no âmbito das relações
domésticas, dada a relevância penal da conduta.

Surgiu uma tese defensiva afirmando que se o casal se reconciliasse durante o curso do
processo criminal, o juiz poderia absolver o réu com base no chamado “princípio da bagatela
imprópria”. Essa tese é aceita pelos Tribunais Superiores?

NÃO. Assim como ocorre com o princípio da insignificância, também não se admite a
aplicação do princípio da bagatela imprópria para os crimes ou contravenções penais praticados
contra mulher no âmbito das relações domésticas, tendo em vista a relevância do bem jurídico
tutelado (STJ. 6ª Turma. AgInt no HC 369.673/MS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em
14/02/2017).

O fato de o casal ter se reconciliado ou de a vítima ter perdoado não importará na absolvição
do réu. Nesse sentido:

O princípio da bagatela imprópria não tem aplicação aos delitos praticados


com violência à pessoa, no âmbito das relações domésticas, dada a

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relevância penal da conduta, não implicando a reconciliação do casal em
desnecessidade da pena. STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1463975/MS, Rel.
Min. Nefi Cordeiro, julgado em 09/08/2016.

11.1. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA X PRINCÍPIO DA BAGATELA IMPRÓPRIA

Não se pode confundir o princípio da insignificância com a chamada “infração bagatelar


imprópria”.

Infração bagatelar imprópria é aquela que nasce relevante para o Direito penal, mas depois
se verifica que a aplicação de qualquer pena no caso concreto apresenta-se totalmente
desnecessária (GOMES, Luiz Flávio; Antonio Garcia-Pablos de Molina. Direito Penal Vol. 2, São
Paulo: RT, 2009, p.305).

Em outras palavras, o fato é típico, tanto do ponto de vista formal como material. No entanto, em
um momento posterior à sua prática, percebe-se que não é necessária a aplicação da pena. Logo, a
reprimenda não deve ser imposta, deve ser relevada (assim como ocorre nos casos de perdão judicial).

Segundo LFG, a infração bagatelar imprópria possui um fundamento legal no direito


brasileiro. Trata-se do art. 59 do CP, que prevê que o juiz deverá aplicar a pena “conforme seja
necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime”.

Dessa forma, se a pena não for mais necessária, ela não deverá ser imposta (princípio da
desnecessidade da pena conjugado com o princípio da irrelevância penal do fato).

Ainda de acordo com LFG, no direito legislado já contamos com vários exemplos de infração
bagatelar imprópria:

• No crime de peculato culposo, a reparação dos danos antes da sentença irrecorrível


extingue a punibilidade. Assim, havendo a reparação, a infração torna-se bagatelar (em sentido
impróprio) e a pena desnecessária. No princípio havia desvalor da ação e do resultado. Mas depois,
em razão da reparação dos danos (circunstância post-factum), torna-se desnecessária a pena.

• Pagamento do tributo nos crimes tributários;

• Colaboradores da justiça (delator etc.) quando o juiz deixa de aplicar a pena.

INFRAÇÃO BAGATELAR PRÓPRIA = INFRAÇÃO BAGATELAR IMPRÓPRIA =


PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA PRINCÍPIO DA IRRELEVÂNCIA PENAL DO
FATO
A situação já nasce atípica. A situação nasce penalmente relevante.
O fato é atípico por atipicidade material. O fato é típico do ponto vista formal e material.
Em virtude de circunstâncias envolvendo o fato
e o seu autor, constata-se que a pena se tornou
desnecessária.
O agente não deveria nem mesmo ser O agente tem que ser processado (a ação
processado já que o fato é atípico. penal deve ser iniciada) e somente após a
análise das peculiaridades do caso concreto, o

LEI MARIA DA PENHA 2018.1 27


juiz poderia reconhecer a desnecessidade da
pena.
Não tem previsão legal no direito brasileiro. Está previsto no art. 59 do CP.

Portanto, nem o princípio da insignificância nem o princípio da bagatela imprópria são


aplicados aos crimes ou contravenções penais praticados contra a mulher no âmbito das relações
domésticas.

A súmula 589 do STJ deixou isso expresso quanto ao princípio da insignificância.

Súmula 589-STJ: É inaplicável o princípio da insignificância nos crimes ou


contravenções penais praticados contra a mulher no âmbito das relações
doméstica

CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Não se aplica o princípio da insignificância.


Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em:
<https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/edb947f2bbceb132245fdd
e9c59d3f59>. Acesso em: 21/11/2017

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