Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
As Bases Sócio-Histórica Da Ontologia Do Ser Social PDF
As Bases Sócio-Histórica Da Ontologia Do Ser Social PDF
RESUMO
1
Este artigo foi produzido como pré-requisito avaliativo da disciplina ética profissional II.
2
Aluna do 5º Período do curso de Serviço Social do Centro Universitário da Fundação Educacional Guaxupé-
Unifeg/MG.
3
Aluna do 5º Período do curso de Serviço Social do Centro Universitário da Fundação Educacional Guaxupé-
Unifeg/MG.
4
Assistente Social, Docente do Curso de Serviço Social do Centro Universitário da Fundação Educacional
Guaxupé – UNIFEG, Especialista em Educação, Didática e Metodologia no Ensino Superior - UNIFEG,
Especialista em Desafios da Filosofia Contemporânea – PUC/MINAS, e mestrando em Serviço Social pela
PUC/SP.
2
INTRODUÇÃO
[...] Apenas a objetivação real do ser para nós faz com que possam realmente
nascer valores. E o fato de que os valores, nos níveis mais altos da sociedade,
assumam formas mais espirituais, esse fato não elimina o significado básico dessa
gênese ontológica (LUKÁCS apud BARROCO, 2008, p. 27).
outras palavras, é o conjunto das relações humanas que elabora e produz, simbólica e
materialmente, as condições, modos e formas da vida em sociedade (BARROCO, 2005, p. 26-
27).
Nesse sentido, o trabalho permanece como pressuposto da existência humana. É
condição necessária e natural do intercâmbio material entre o ser social, a natureza e a
sociedade. Porém, na sociedade capitalista, esta premissa ontológica é reduzida à
(re)produção de riquezas, bens de consumo e de mercadorias.
Ao inserir-se num sistema estabelecido pela divisão social do trabalho, o ser social é
desapropriado de sua condição ontológica para ser explorado enquanto produtor de valor-
de-uso e valor-de-troca, alienando e estranhando-se de sua própria condição humano-
genérica. O trabalho, nesse sentido, revela-se enquanto processo de coisificação da
potencialidade humana, estabelecendo, desse modo, a alienação.
O modo de produção capitalista gerou um avanço e um grande desenvolvimento
das forças produtivas criando a possibilidade do ser social se reconhecer enquanto sujeito
histórico, possibilidade esta, que é negada pelo processo de coisificação das relações sociais.
Segundo Marx (2006), o capitalismo gera a alienação do trabalho e,
consequentemente, a alienação da vida social. O trabalhador não se integra na totalidade,
não vê o objeto produzido como parte integrante de seu trabalho. O produto do seu
trabalho transforma-se em mercadoria, assim como o próprio trabalhador que se vê refém
do processo de exploração. Ao ingressar no mercado de trabalho, a força de trabalho passa a
valer enquanto valor-de-troca e as relações de trabalho passam a ser consideradas enquanto
mercadoria. Quanto mais riqueza produz ao capitalista, maior é o nível de exploração.
Em qualquer ação humana, independente de ser individual ou coletiva, o trabalho
humaniza o ser social, porém, no processo alienado e alienante, homens e mulheres não se
reconhecem enquanto humano-genéricos, num processo cada vez maior de desumanidade e
empobrecimento dos sentidos.
A propriedade privada e a exploração do trabalho para a acumulação da riqueza
socialmente produzida por uma minoria determinam uma sociedade alienada, onde o capital
se torna uma mediação para atender necessidades individuais e coletivas. A vida simples, o
trabalho de subsistência, enfim, os valores essencialmente humanos perdem a sua
característica ontológica para a valoração exacerbada do capital e das relações
mercantilizantes.
5
[...] todo ato de trabalho resulta em consequência que não se limitam à sua
finalidade imediata. Ele possibilita o desenvolvimento das capacidades humanas,
das forças produtivas, das relações sociais, de modo que a sociedade se torne cada
vez mais desenvolvida e complexa (LESSA, 1999, p. 25-26).
[...] É este rico, contraditório e complexo processo que, fundado pelo trabalho,
termina dando origem a relações entre homens que não mais se limitam ao
trabalho enquanto tal, que é denominado de reprodução social (LESSA, 1999, p.
26).
Todas as relações sociais partem do trabalho, que é apontado por Heller (2004)
como a objetivação mais premente que cria possibilidades para atender novas necessidades
postas pela sociedade, num ciclo de transformação e desenvolvimento da essência humana.
Portanto, é a tomada de consciência do ser social desse movimento que cria e recria a
realidade social e a própria realidade do sujeito social que se constitui como motor da
história.
A história do ser social é caracterizada pela concepção de novos complexos de
organização social. É pelo trabalho que os homens e as mulheres não apenas produzem os
bens necessários para a vida social, mas também se constitui a mediação entre a capacidade
teleológica e a objetivação das habilidades, potencialidades, necessidades, criatividade,
enfim, da capacidade de viver em uma sociedade cada vez mais complexa e articulada.
Tudo parte do trabalho e tudo remete a ele. A totalidade social, nada mais é do que
o conjunto das relações e dos complexos sociais existentes na sociedade, um exemplo
desses complexos é a luta de classes, que possui influências ideológicas, culturais, políticas,
sociais e econômicas, mas que de algum modo, em um dado momento histórico, são
reduzidas ao trabalho assalariado, donde a classe trabalhadora se vê explorada e submetida
aos interesses da classe dominante.
Esse ciclo nada mais é do que a realidade social na qual estamos inseridos em que o
proletariado é utilizado como um instrumento necessário para a produção e acumulação da
riqueza socialmente produzida para os capitalistas.
Portanto, a lógica capitalista tem levado os sujeitos sociais a estarem cada vez mais
alienados e alienantes, em outras palavras, cada vez mais tem-se transformado em coisa
(reificado), passando, constantemente e cada vez mais, a reproduzir relações sociais de
exploração. Por sua vez, a vida social é baseada na violência que possibilita que uma classe
viva do trabalho da outra. A alienação nada mais é do que a (des)humanização social
produzida e reproduzida pelo próprio ser social. (LESSA, 1999, p. 28).
O trabalho, para Marx, é tido como processo de participação/objetivação do ser social
com a natureza. Processo em que se encontra implícita a sua própria ação, a sua práxis. Ao se
8
relacionar com a natureza, exterioriza-se através de seus membros e de sua força motriz,
através do trabalho, com o intuito de apropriar-se dos recursos que a natureza lhe oferece.
Marx analisa o ser social e o mundo a partir do ponto em que esse se reconhece no
mundo. É a partir do momento em que o homem e a mulher transformam a natureza é que
estes passam a terem significados: “o concreto é concreto porque é a síntese de múltiplas
determinações” (MARX, 2011, p.54).
O concreto, ou o mundo real, só passa a existir no momento em que o ser social se
reconhece no mundo. Por essa razão, o “concreto” – o real -, aparece no pensamento do ser
social como fruto daquilo que ele/ela experimentam no mundo e, ao retirar da natureza
elementos para suas abstrações, não apenas aparece como ponto de partida, mas também
como ponto de chegada. Este processo só é possível através do trabalho. Talvez um exemplo
melhore a compreensão:
No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
5
no meio do caminho tinha uma pedra.
possibilidades, tecer determinada finalidade e validar a ação objetiva daquilo que foi
pensado.
O indivíduo, ao caminhar, encontra no meio do caminho uma pedra e, a pedra estava
no meio do caminho. Ele pega a pedra, olha-a, traz para a sua mente, busca elementos do
próprio mundo para a sua identificação.
Para Marx, o significado se dá, porque este objeto começa a existir na cabeça do
indivíduo. Este objeto assume características materiais, concretas e reais. A partir desse
processo, o indivíduo projeta na sua mente, finalidades e dentre elas, escolhe uma para sua
utilização, como por exemplo, a construção de um instrumento de trabalho (uma
machadinha) e utiliza-a para criar outros instrumentos ou objetos, como por exemplo, uma
canoa.
O animal apenas vê a pedra e não reconhece finalidades para ela. Ao transportar para
o cérebro e criar possibilidades e necessidades através de mediações, o ser social pode
realizar, através do trabalho, uma ou várias ações transformadoras: cria, (re)cria, constrói,
destrói e (re)constrói. Ao objetivar no mundo sua ação, no exemplo, a construção de uma
canoa, e estabelecer relações com os outros seres viventes. Dá-se assim o processo de
socialização e hominização. Por isso o poeta irá dizer:
que distingue o pior arquiteto da melhor abelha é que ele figura na mente sua
construção antes de transformá-la em realidade. No fim do processo do trabalho
aparece um resultado que já existia antes idealmente na imaginação do trabalhador.
(MARX, 2006, p. 2011).
[...] não transforma apenas o material sobre o qual opera; ele imprime ao material o
projeto que tinha conscientemente em mira, o qual constitui a lei determinante de
seu modo de operar e ao qual tem de subordinar sua vontade. E essa subordinação
não é um ato fortuito. Além do esforço dos órgãos que trabalham, é mister a vontade
adequada que se manifesta através da atenção durante todo o curso do trabalho
(MARX, 2006, p. 212).
Portanto, o trabalho, tido em Marx, é o principal ponto mediador entre o ser social e a
natureza e o ser social e a própria sociedade (PONTES, 2002) e as relações sociais são
estabelecidas através dessa relação e inter-relação. Deste modo, esta mediação é uma
atividade transformadora da realidade social.
Ao projetar finalidades na mente para determinada ação, os indivíduos utilizam da
categoria mediação6 para objetivar no mundo real suas ações e, ainda, escolhe dentre elas a
melhor que expresse a satisfação de suas necessidades, como por exemplo, um indivíduo ao
encontrar um toco de madeira, pode projetar na sua mente várias utilidades para este mesmo
toco (construir um banco, uma canoa, um utensílio, uma ferramenta etc.). Ao escolher e
projetar a construção de uma canoa, por exemplo, e em conformidade a sua utilidade
(atravessar um rio), determina uma finalidade prévia. Tendo em mente esta finalidade, ele
realiza (objetiva), através do trabalho, a sua ação: a construção da canoa.
6
Sobre esta categoria, ver a obra de PONTES, Reinaldo Nobre. Mediação e Serviço Social. São Paulo: Cortez,
2002. Nessa obra, Reinaldo Nobre Pontes esclarece teórica e didaticamente a categoria de mediação,
fundamentado nas idéias filosóficas de Hegel, Marx e Lukács.
11
[...] o homem afirma-se como ser criador: não só como indivíduo pensante, mas
como indivíduo que age consciente e racionalmente, visto que o trabalho é atividade
prático-concreta e não só espiritual. [...] Ao transformar a realidade, o homem
transforma a si próprio: o processo de criação, do ponto de vista do sujeito, é
processo de autocriação humana (IAMAMOTO, 2006, p. 41).
Considerações Finais
É pela atividade do trabalho que ocorre o despertar das forças da natureza humana.
Na medida em que o ser social se apropria dessas forças e através do trabalho, criam e
satisfaz suas próprias necessidades sociais.
Na concepção marxiana e marxista é esta relação que estabelece o processo de
humanização e hominização do ser social, portanto, o trabalho é condição constitutiva da
essência humana.
O trabalho, enquanto categoria ontológica fundante do ser social, é a manifestação da
liberdade, da capacidade humana de criar a sua própria existência. Não se trata, certamente,
de uma liberdade infinita porque a produção está sempre relacionada com as condições
materiais e com as necessidades a ser criadas.
É pelo trabalho que novos modos de vidas e culturas surgiram e, com eles, a
civilização. A caça e a pesca juntaram-se à agricultura e mais tarde a fiação, a tecelagem, a
manipulação dos metais, a olaria, a navegação, enfim, novas aragens foram sendo
descobertas, novas culturas, novas formas de relações sociais.
Por outro lado, o comércio e os ofícios, as artes, a filosofia e as ciências. Das tribos,
surgiram os pequenos aglomerados, as cidades, as nações e os Estados. Destes complexos
sociais, surge a necessidade de criar regras e normas para a vida em sociedade. Surge a ética,
o direito, a ideologia e a política e, com eles, a religião e o poder.
No auge do desenvolvimento das forças produtivas, constitui-se o modo de produção
capitalista e, com ele, a exploração do “homem pelo homem” e, assim, a contradição, a
exploração e alienação do próprio ser social frente aos apelos contínuos do capital.
Portanto, neste artigo, buscamos de forma sintética apresentar alguns apontamentos
sobre as bases ontológicas do ser social, observando o trabalho como condição sine qua non
do desenvolvimento social e individual do ser social.
13
REFERÊNCIAS
ANDRADE, Carlos Drummond de. Alguma Poesia. Ed. Pindorama, 1930, disponível em:
http://www.algumapoesia.com.br/drummond/drummond04.htm.
BARROCO, Maria Lucia S. Ética e Serviço Social: fundamentos sócio-históricos. São Paulo:
Cortez, 2008.
HELLER, Agnes. O Cotidiano e a História. Trad. Carlos Nelson Coutinho e Lenadro Konder.
São Paulo: Paz e Terra, 2004.
IAMAMOTO, Marilda Villela. Trabalho e indivíduo social. 2ª edição. São Paulo: Cortez, 2006.
MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. Livro I, Vol. I. 24ª ed. Trad. Reginaldo
Sant’Anna. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.
__________. Para a Crítica da Economia Política. Trad. Edgard Malagodi. São Paulo: Nova
Cultural, 2005. (Coleção: Os Pensadores).
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã: crítica da novíssima filosofia alemã em
seus representantes Fererbach, B. Bauer e Stirner, e do socialismo alemão em seus
diferentes profetas. Org., trad., prefácio e notas de Marcelo Backes. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2007.