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O NOVO TESTAMENTO

JESU CHRISTO.
TRADUZIDO EM PORTUGUÊS
SEGUNDO
A VULGATA,
COM VARIAS ANNOTAÇÕES
HISTÓRICAS, DOGMÁTICAS, E MORAES,
E APONTADAS
AS DIFFERENqAS MAIS NOTÁVEIS
DO ORIGINAL GREGO.

ANTONIO° PEREIRA
DE FIGUEIREDO,
DEPUTADO ORDINÁRIO DA REAL MEZA CENSÓRIA.
TOM. III.
Que comprehende os Actos dos Apostolos ,
e a Epistola de S.Paulo aos Romanos.

LISBOA
Na Regia Ofkic. Typograf. mdcclXxix.
Com licença da Real Meza Censoria.
Vende-se na loja da Viuva Bertrand e Filbos , Mer
cadores de Livros junto á Igreja de N, Senbora dos
Martyres ao Xiado em Lisboa.
V

I
PREFAÇÃO

Em que de novo se prova a utilidade


das Versões das Sagradas Letras.

O Uso das Versões da Escritura Sa


grada em Línguas vulgares , he
hum uso tão antigo na Igreja ,
como a mesma Igreja ; e hum uso , que
nella se continuou des dos primeiros
seculos até estes ultimos.
Demostrada que seja quanto a am
bas as suas partes esta Proposição, to
do o homem sensato ficará obrigado a
reconhecer , que as ditas Versões não
só não são prejudiciaes aoPovoCatho-
lico , mas são positivamente uteis : por
ser como he evidente , que a Igreja não
havia de approvar com o seu uso hu
ma cousa, que sobre ser inutil, era de
mais a mais perniciosa a seus Filhos.
Quanto á primeira parte pois ; de'
que o uso das Versões em Línguas vul
gares he hum uso tão antigo na Igre
ja , como a mesma Igreja : He hum Fa~
* ii cio-
iv PrefaçXo.
cto de notoriedade pública , que des do
tempo dos Apostolos lia a Igreja Gre
ga o Testamento Velho pela -Versão Gre
ga dos Setenta. O que se mostra i.°
porque esta era a Versão , de que usa-
vão os Apostolos , como affirmão expres
samente Santo Ireneo no Livro IIL
cap. 3 5'. e S.Jeronymo na Prefação aos
Evangelhos. 2° Porque esta era a uni
ca , que podião entender os novos Ghri-
ftaos da Aca ia , cuja Metropole era Go-
rintho; os da Macedonia, cuja Metro
pole era Filippes ; os da A-a Menor y
cuja Metrópole era Efeso ; e assim os
outros doutras Provincias da Grecia ,
onde pelos Actos dos Apostolos consta
que pvégára S. Paulo.
He outro Facto de notoriedade pú
blica : Que ou do tempo dos Apósto
los , ou do tempo dè seus primeiros
Discípulos , lia a Igreja Latina hum ,
C outro Testamento por huma Versão
Latina , que provavelmente era a que
Sanro Agostinho nos Livros Da Dou
trina Cbrijia chama ítala , ou Italiana..
PrefaçXo. V
O que se mostra i.° porque não he cri^
vel, que tendo os Apostolos dado aos
Christaos Gregos huma Versão Grega ,
não dessem ou elles , ou seus Discípu
los aos Chrístãos Latinos huma Versão
Latina. 2.° Porque com effeito Tertul-
liano , que florécia nos fins do segundo
seculo da Era Christã , cita já nos seus
Livros varios Textos da Escritura por
esta Versão , como por huma Versão
corrente. E desta Versão ítala primiti
va , e da que depois no quarto seculo
fez S.Jeronymo , se forrrtou a que hoje
temos conhecida pelo nome de Vulga
ta , e a qne em seu tempo chamava
S. Gregorio Magno a Translação No
va.
He outro Facto de notoriedade pú
blica : Que tanto no seculo dos Apos
tolos , como nos seguintes , que o Im
perio Romano se conservou livre da
dominação , e mistura de Povos bárba
ros , era a Lingua Grega a Lingua na
tiva , que todos entendião , ao menos
na Grecia propriamente dita : c era a
Lin-
Vï PrefaçXo.
Lingua Latina a Lingua nativa , que
todos entendião , ao menos dentro de
Italia.
Digo a respeito de Gregos , ao me
nos na Grecia propriamente dita : e a
respeito de Latinos, ao menos dentro de
Italia', porque para o nosso intento , que
he provar a utilidade das Versões da
Escritura Santa pelo uso da Igreja pri--
mitiva ; basta mostrar , como fica mostra
do , que no tempo dos Apostolos , as
sim como o Povo Grego de hum , e ou
tro sexo entendia as Escrituras , que
cantava , e ouvia cantar nos Templos
da Grecia ; aíiïm tambem o Povo La
tino de hum , e outro sexo entendia as
Escrituras , que cantava , e ouvia can
tar nos Templos de Roma ? e de toda
a Italia.
Mas a verdade he , ( e aíïïm o obT
servou Guilherme Estio na Prefação á
Epiftola de S. Paulo aos Hebreos) que
as conquistas de Alexandre Magno , e as
idos Seleucidas , e Ptolemeos seus Succes-
íores , -zerão a Lingua Grega tão vuU
Préfaça о. -vn
gar na Syria, enoEgypto, comoatélli
о fora a patria. Е a verdade he tam-
bem , (e aflim о affirma Jufto Lipfio no
feu Dialogo De ReSîa Pronuntiatione
Latina Lingua) que as conquiftas dos i
Romanos fizeráo a Lingua Latina táa
vulgar na Africa , ñas Gallias , na Hek
panha , na Pannonia , e noutras Pro*
yincias do Occidente ; que o mefmo Po
to nao fó a entendía , e fallava , mas
pouco a pouco foi largando pela Lati
na a Lingua do feu Paiz. Et induSio
novo paulatim abolit um iverunt veterem
fermonem , diz ofobredito Lipíio. Com
effeito quern crerá , que o Povo de Hip-
ponia nao entendía osSermoes Latinos,
que Ihe fazia Santo Agoftinho , quando
o Povo de Roma entendía fem dúvida
os que Ihe fazia S. Leao Magno ?
O cafo he pois , que como о mef
mo Santo Agoftinho efcreve no Livro
XÍX. pa Cidade de Deos , cap. y. aquel
la Cidade imperiofa nao ßfriiente fujeitoü
â fua dominaçao as Naçoe? , que vencê-,
ta y mas ïambem Ibes impoz huma.efpe-s
■ . ce
vin Prefação.
ce de necessidade de saberem a sua Lin*
gna.
Quanto á segunda parte da nossa
Proposição , que he que o uso das Ver-.
soes em Linguas vulgares se continuou
na Igreja des dos primeiros seculos até
estes ultimos : He hum Facto de noto
riedade pública , que além das Versões
Grega , e Latina , que eráo as Linguas
dominantes do Imperio Romano , to
das , ou quasi todas as Naç6es Chri-
stans, ainda as barbaras , tinhao já no
quarto seculo vertidas nas suas Linguas
as Escrituras do Velho, e Novo Testa
mento. Affim o affirmão expressamente
S.João Chrysostomo , e seu Discípulo
Theodoreto. O primeiro dos quaes na
Homilia Primeira sobre o Evangelho
de S.João escreve allim : Os Syros , os
Egypcios , os índios , os Persas , os Etbis
pes , tendo traduzido nas suas Linguas
os Dogmas de "soão , aprendérao- delle ,
senão huns homens barbaros , huma nova
Filosofia. O segundo no Livro Quinto ,
De como se devem curar as Paixões dos:
Gre-
Prefação. ix
Gregos , escreve aífim : Toda a terra es
tá cheia da doutrina dos Profetas , e dos
Apostolos , porje terem traduzido osseus
Livros não numa só Língua , mas na
Lingua dos Romanos , na dos Egypcios ,
na dos índios , na dos Armenios , na dos
Scythas , na dos Sdrmatas , e numa pa
lavra , em todas as Línguas , que então
estavão em uso em todas as Nações.
He outro Facto de notoriedade pó-»
blica : Que destas suas Versões se ser-f
viao todas aquellas Igrejas, até para a
celebração pública dos Divinos Officios.
O grande Arnault no seu Tratado De
la Lefîure de V Ecriture Sainte , Livro
II. cap. 8. e cap. 9. o prova de varies
Monumentos Authenticos da Antigui
dade. Eu apontarei sómente tres.
O primeiro he tirado da Vida ori
ginal de S. Marciano , Mordomo Mór
de Constantinopla , que florecia pelos
annos de Christo 460. A qual Vida vem
no Ada Sanflorum, a jo. de Janeiro.
E neJIa refere seu antigo Escritor , que
como osdous Generaes Godos, Aspar,
e Ar-
x P Re fa çX o.
e Ardabute tivessem feito varios Dona
tivos de valor á Igreja de Santa Anas-
tasia , que S. Marciano tinha edificado;
o mesmo S. Marciano em agradecimen
to , e memoria destas liberalidades or
denou , que nos dias solemnes se lessem
na dita Igreja as Escrituras em Lingua
Gothica. Não declara o Author da Vi
da de S. Marciano , que Versão Gothi
ca era esta. Mas como Socrates no Li
vro IV. cap. 17. e Sozomcno no Livro
VI. cap. 37. referem , que em tempo do
Emperador Valente , isto he, cem an-
nos antes deflorecer S. Marciano, tra
duzira Ulfilas , Bispo Godo na sua Lín
gua a Escritura Sagrada : podemos ter
por sem dúvida , que esta era a que São
Marciano instituio , que se lesse nos dias
solemnes na sua Igreja de Santa Anas-
tasia.
O segundo he tirado da Vida ori
ginal de S. Theodosio Abbade junto a
Jerusalem , contemporaneo de S. Sabas ,
(de quem tambem era vizinho) e con
sequentemente dos fins do quinto secu
PkefaçXo. XI
ïo , ou princípios do sexto : a qual Vi
da tambem anda no A6la SanUorum , a
u. de Janeiro. E nella escreve affim o
antigo Author. Tinha S. Theodojîo , co
ma S. Sabas , hum Mosteiro de Gregos ,
e outro de Armenìos , e hum tcrceìro de
Béjsos ; onde elles faziao o Officio das
Sete Horas Canonicas, cada hum na sua
Lingua. Mas nos dias , que elles haviao
de commungar , observava-se huma Regra
muitosabiamente injìruida , que era , que
até o Evangelho cada hum ouvia as Es
crit uras Divinas nasua Igreja , e nasua
Lingua ; e depôts ajuntavao-se todos na
Igreja Maior dos Gregos, e nella rece-
biao a Eucarijìia ; o que até o dia dljo-
je se observa. Erao os Béssos hnns Póvos
barbaros da Thracia , e dos Paizes vi-
zinhos. E a Lingua , èm que elles ce-
lebraváo os Officios Divinos , íìiípeita
Bollando que seria a Esclavonica.
O tercciro he tirado da Vida ori»
ginal do rcferido S. Sabas Abbade, es-
crita por hum de feus Discipulos , onr
de (e refère o seguinte. Nejìe mesmo tem
po
XII P R E F A q X O.
po hum chamado Jeremias , Armenio de
Nação , que era hum homem santíssimo ,
e a quem Deos tinha concedido muitos
dons extraordinarios \ veio com dous Dis
cípulos seus , Pedro , e Paulo , buscar a
S. Sabas. Alegrou se este muito com a
vinda destes excellentes Armemos , e deo-
Ihes a pequena cella , que elle habitava ,
quando estava jo , junto ao rio , como
tambem o pequeno Oratorio , que. estava
vizinho , para que elles cantajsem nelle
os louvores de Deos na sua Língua , Jab-
bados , e Domingos. Estes mesmos Arme
nios sorao causa de que outro da mesma
Região viessem augmentar o mimero dos
Solitarios da Laura de S. Sabas \ de sor
te , que como o Oratorio , que elle lhes
tinha dado , era mui pequeno , edificou o
Santo huma nova Igreja para os outros
Solitarios , e transferia os Armenios pa
ra a antiga , na qual elles lido o Evan
gelho , e sazião a Liturgia toda na sua
Língua, e depois vinhão commungar na
Igreja dos Gregos. A única cousa, que
S, Sabas lhesfazia cantar em Grego , era
P R E F A Ç X Ô. XIII
o Trisagio , ìsto he , o Vymno : Santo,
Santo , Santo , Sjnhor Deos de Sabaoth ;
e ijìo para ficar seguro , de que elles Ihe
nâo ajuntavao as palavras , Que pade-
ceste por nós , como Pedro Fullon , Bis-
po intruso de Antioquia , quizera que se
fizejse a favor da heresta de Eutyqites.
Atéqui o antigo Eícritor da Vida de
S. Sabas.
A estes primeiros fcculos reduzem
os homens doutos as Versòes Syriaca,
Arabica , Coptica , Persiana , c Ethio-
pica , que ainda hoje existem manuscri-
tas , e impressas. Da Versao Syriaca dá
hum notavel testemunho S. Baíìlio na
Homilia Segunda sobre o Hcxameron,
ou Obra dos Seis Dias : e conforme el-
]a escrevêráo doutamente sobre a Escri-
tnra, e Religião S. Jacques, Bispo de
Nisibi , na Mesopotamia ; e S. Efrem ,
Diacono da Tgreja de Edéssa , na Osrhoe-
na. A Versáo Coptica crem os meímos
Criticos que foi feita na antiga Lingua
Egypcia, eque della usáráo particular-
mente Oá Monges da Thebaida , entre
os
XIV P R E F A q S OÍ
os quaes , como se colhe das Vidas d'aï-
guns , não era corrente a Grega. Por
que pela não saberem , conta Santo Atha-
naíio, que Santo Antão fallára por In
terprete a certos Filosofos Gregos, que
o buscarão : e conta Palladio , que S.João
do Egypto fallára por Interprete ao
Emperador Theodofio. 1
Paísando dos primeiros seculos aos
mais checados a nós , em que nem na
Igreja Grega era já vulgar a Lingua Gre~
ga , nem na Igreja Latina era já vulgar
a Lingua Latina : são igualmente cer
ros , e constantes os seguintes Factos.
Que no seculo dccimoterceiro fez Jac
ques deVoragíne, Arcebispo de Geno
va , huma Versão das Sagradas Letras
em Italiano. Que no seculo decimoquar-
to fez Nicoláo Oresme , Bispo de Li-
íieux , outra em Francez , a rogos do
Rei João de França , pai do Rei Car
los V. de quem o dito Oresme era Mes
tre. Que no seculo decimoquinto pu
blicou Nicoláo Malermi , Monge Ca-
malcjulante , outra em Italiano , que foi
im-
PrefaçSo. XV
impressa á primeira vez em Veneza no
anno 147 1. Que no seculo decimosex-
to pnblicou Santos Marrochini , da Or-
dem dos Prégadores , outra tambem em
Italiano , que foi impressa em Veneza
no anno 15-38. Das primeiras duas me
deo noticia Arnault na sua Defense des
Versiones. Da terceira , e quarta selem-
bra Martini na Prefaçáo ao feu Novo
Testamento tambem em Italiano , de-
dicado ao Rei de Sardenha.
Item : Que no mefmo seculo deci-
mosexto traduzírão os Theologos de
Lovaina em Francez , e em Flamengo
toda a Biblia , que corn effeito se im-
primio no anno i$^6. com Privilegio
de Carlos V. Que no anno 154%. na
Dieta de Ausbourg publicou o mefmo
Emperador huma intitulada Formula Re-
formationis per Sacram Caesaream Maies
tatem, &c. naqual elle depois depro-
hibir ao Povo a lição dos Livros He-
reticos, ou sufpeitos de hereíia, ou ir-
risorios de Deos , dos Santos, da Re-
ligiáo , e das cousas sagradas , accrcs-
cen-
xvi PrëfaçXo.
centa: Legat atitem populus Lïbtos Sa
cros : O Povo leia os Livros Sagrados.
Que esta mesma Formula de Refor
mação , publicada pelo Emperador Car
los V. ainda quanto ao aconselhar , e
mandar ao Povo que lesse os Livros Sa
grados ; foi dahi a desasete annos ap-
provada , e confirmada pelo Concilio
Provincial de Cambray em \$ 6ç. O
qual Concilio no Titulo III. que he De
Libris Hœreticorum , sufpeftis r &• ve-
titis , cap. ï. ordena alCm: Qjio melius
Tridentini Concilii Decreto fiat satis ,
fcilicet ne libri vetiti , & suspeSìi (quo
rum leélione corrumpi rudiores facile
pojfunt) in Ecclestas impor tentur ; man
dat Santia Synodus , ut cum Magistrat i-
bus agant Epifcopi , ut pia memoria
Caroli V. Cafaris EdiBum aceurate ser-
vetur. Quer dizer : A fim de que me
lhor se cumpra o Decreto do Concilio
de Trento , sobre não se deixarem iiv
troduzir nas Igrejas os Livros prohibi-
dos~, e suspeitos ; manda esta Santa .Sy"
nodo , que os Bispos façáo com os Ma-?
P RE F A ÇX Ô. XVÏl
gistrados, que se observe o Edicto do
Cesar Carlos V. de pia memoria.
OsdousFactos proximos preceden*
tes , além de correrem irfipressos , hum
nas Collecçoes Diplomaticas , outro nás
Collecçóes dos Concilios , Opstraet os
trouxe ambos á memoria na sua Disser-
taçáo De Sacra Scriptura , Questáo XI.
§.ÎV. iium. 3.
Item : Que no mesmo secuío deci-
mosexto , e no seguinte fizeráo os Jd-
suitas muitas Versóes da Sagrada Ef-
critura em dirersas Linguas Europeasj
e Orientaes. A sabcr , o Padre Wiecki
por ordem do Papa GregorioXIII. hu
ma na Lingua Poláca , que depois da
morte do Traductor foi impressa cm
Cracovia com approvaçáo do Papa Cle
mente VIII. no anno de 155)9. O Pa
dre Kaldi outra na Lingua Hungara ,
que foi impressa cmVienna no anno de
1626. O Padre Luiz de Azevcdo Por-
tuguez outra na Lingua Ethiopica. Oti-
tros outras nas Linguas Ingleza , Pcr-
íiana, e Chineza. O que tudo ie faz
XVIII P R E F A Ç S O.
certo pela Bibliotheca dos Escritores
da Companhia , e da mesma o obser
vou tambem Arnault nas Dificuldades
Propostas a Mr. Steyaert , Dificulda
de LVI;
Item : Que no seculo passado se pu
blicarão em França pelo menos seis fa
mosas Versões da Sagrada Escritura na
mesma Lingua: a saber, a deMr. Go-
deau , Bispo de Vence ; a do Abbade .
Marolles; a do Padre Veron; a do Pa
dre Amelote ; a dos Theologos de Por
to Real , impressa em Mons ; a de Mr.
de Saci. E que do nosso seculo temos
em Francez as Versões de Mr. Huré,
de Mr. Le Gros, de Mr. Messengui, e.
a do famoso Benedictino da Helvecia
Agostinho Calmet ; e mais moderna que
todas em Italiano a de Martini , Pro
fessor de Turim.
De todas as antecedentes Premissas,
combinadas entre fi com a reflexão , e
candura, que pede a materia, fica evi
dente quanto a ambas as suas partes a
Propofição, por onde comecei , quehe:
Que
P R E F A Ç X Ó. XÍX
Que o uso das Versões da Sagrada Es
critura em Línguas vulgares , he na Igre
ja hum uso tão antigo , como a mesma
Igreja ; e he hum uso , que des dos pri
meiros seculos se continuou nella até es
tes ultimos.
Agora creio, que a ninguem virá á
cabeça , e que muito menos pretenderá
alguem sustentar , que tendo fido nos
primeiros seculos introduzidas pelos A-
postolos, e por seus Discípulos , como
respectivamente uteis a cada Nação, as
Versões Gregas , Latinas , Syriacas, Ara
bicas, Copticas, Armenias, Persianas,
Gothicas, eEthiopicas: Tendo sido nos
seculos posteriores introduzidas por tan
tos Bispos , e Doutores Cat-holicos , co
mo respectivamente uteis a cada Na
ção , as Versões Alemãs , Polácas $ Hun
garas , Flamengas , Francezas , e Italia
nas ; só a respeito da Nação Portngue-
za lhe serão perniciosas as Versões fei
tas nesta Língua : quando pelo contra
rio , fendo de Fé que todos os Livros
Sagrados forão escritos para instrucçãa,
** ii dos
xx PrefaçXo.
dosChristãos, a piedade, e devoção da
nossa Gente nos deve ao menos fazer espe
rar , que não fará nella a Palavra de
Deos menos frusto, do que nas outras
Nações da Communhão Romana.
Nós sabemos, segundo refere San
to Athanaíio na Vida de Santo Antão
Abbade , que hum dia indo o Santo Mo
ço , logo depois da morte de seus pais ,
para a Igreja; e considerando pelo ca
minho como os Apostolos largarão tu
do por seguir a Christo , e como os
Fieis da primitiva Igreja vendião todos
seus bens , para entregarem o preço del
les aos Apostolos; e viverem todos em
commum : Indo , digo , o Santo Moço
considerando estas cousas pelo caminho,
succedeo chegar elle á Igreja , e entrar
a tempo que se lia o Evangelho, onde
nosso Senhor diz a outro Mancebo ri
co : Se queres ser perfeito , vai , vende
tudo o que tens , e dá-o aos pobres , e
vem, e segue-me , e terás hum thejouro
no Ceo : e que isto conduzio a Antão a
deixar tudo por Jcsu Christo. Se Antão
P R E F A Ç S O. XXI
pois não entendêra a Escritura , talvez
não feriamos hoje hum Santo Antão. E
elle a entendeo , porque a lia , e ouvia
ler na Lingua Egypcia : que da Grega
já nós vimos que elle não entendia na
da. E então só aos Portuguezes será in
util a lição da Sagrada Escritura ?
Sabemos tambem , segundo refere
Severo Sulpicio na Vida de S. Marti
nho , que tendo fido tirado Martinho
do seu Mosteiro por artificio, e levado
-a Tours , huma incrível multidão de
Povo , que tinha concorrido das Aldeãs
vizinhas , o pédio por seu Bispo , con
tra o parecer d'alguns Prelados , e prin
cipalmente do Bispo d'Angers, cujo no
me era Defensor. Mas que , juntos os
Bispos com o Povo na Igreja por con
ta de se fazer a Eleição , e não tendo
podido entrar o Leitor por causa da
chusma, hum do Povo abrio o Salterio,
e leo o primeiro verso , que se encon
trou , que foi : Ex ore infantiura , ht-
cientium perfecifii laudem propter ini-
micos tuos , nt destruas inwúcum , &
de,*
xxh PrefaçXo.
desensorem. Que quer dizer : Da boca
dos meninos formaste hum louvor per
feito por causa âé teus inimigos , para
destruíres o inimigo , e o defensor. So
bre o que o Povo levantou huma gran
de grita , persuadindo- se que Deos ti
nha feito ler este verso , para confundir
áquelle Bispo , chamado besensor. Tam
bem aqui digo , se o Povo de Tours
não entendeste os Salmos , talvez não
teria a França Bispo de Tours a hum
S. Martinho. E então só aos Portugue-
zcs será prejudicial o ler a Escritura Sa
grada ?
Devemos logo concluir , que affim
como os Livros Sagrados forão escri
tos para instrucção de todos , affim tam
bem a todos pode ser muito util a sua
lição : porque se aífim não fosse , não
approvaria a Igreja tanta infinidade de
Versões dos mesmos Livros , comoaca-r
bamos de ver que ella approvára.

IN-
INDICE

C A P I T°U LOS,
que se contém neste Livro.

OS ACTOS DOS APÓSTOLOS.

CAP. L Ascensão de Jesu Christo ao Ceo :


oração dos Discípulos no Cenaculo :
eleição de Mathìas em lugar de ^ju
das. Pag. r.
CAP. II. Desce o Espirito Santo sobre os
Apostolos dia de Pentecostes. Fallão to
das as línguas. Os Judeos os.accusao de
estarem tomados do vinho. Pedro os re
futa , pregando- lljes a ìnnocencìa , e Re-
surreição de Jesus. Diz que elle he o
que lhes mandou o Espirito Santo , e que
he o Messias. Exhorta-os d penitencia ,
e converte a tres mil. -Vendem os conver
tidos todos osseus bens , e osfazem com
muns. ' .: ' 7.
CAP. III. Pedro , e 'João curao a hum co
xo de nascença. Concurso do povo a ver
3 milagre. Segunda Pregação de Pe-
àro. 1 7.
CAP. IV. Sinco mil homens. se convertem
ctm a prégação de Pedro. São mettidos-
eu prizao os daus Apostolos. O supremo
Can-
Indice
Conselho Ihes prohibe o annunciarem $
Respondem que
mais importa obedecer a Deos , que aot
homens. Tudo pojjuem os Discipulos en
commum. Barnabé vende seus bens , e
entrega o preço em mâos dos Apostt-
10S. 22.
CAP. V. Ananias , e Safira , por mentirem
ao Efpirito Santo , castigados por Pedro
corn morte subita. Fazem os Apostohs
muitos milagres. Asombra de Pedro et-
1 ra os enfermos. O Conselhosupremo mait
da prender aos Apojìolos. Hum Anjo is
liberta , e manda-lhes que préguem l\-
vremente a fe'. Pedro em presença dot
Juizes sustenta, quefesuLhristo refus
citâra , e que elle era o Mesfias. Gama-
liel os distùade , que os nao matem. O:
Apostohs açoutados se alegrao de ter pa-
decido por amor de Jesus. 29. e seg.
CAP. VI. Queixume dos Judeos Gregos,
de Ihes desattenderem as suas viuvar.
Elegem os Apostohs a fete Diaconos pz-
ra distribuirem as esmolas. Converten-
fe muitos dos mefmos Sacerdotes. Vms
disputas contra Santo Estevao , a que se
seguem muitos salsos testemunbos. OJeu
rosto parece aos mesmos Juizes cono 0
rosto fhum Anjo. V- 42.
CAP.
dos Capítulos. xxy
CAP. VII. Santo Ejlevao diante dos fui-
síes moflra , que elle nao fallou contra
Moyfés , пет contra o Templo. Mas que
os Judeos fe oppuzerao fempre aos Pro
fetas , e ao Efpirito Santo. Vê aoFilho
de Deas ajfentado d dextra do Padre. Os
Judeos о apedrejao , guardando-lhes Sau-
lo os veflidos. Santo Ejlevao de joelhos
ora a Déos por elles. 46.
CAP. VIII. Perfeguiçao contra os Pieis.
Todos fe defmantelao para diverfas par
tes , a excepçao dos Apoftolos. Saulo de-
vafla a Igreja. Filippe baptiza a mui-
tos em Samaría. Pedro , e foao sao alli
enviados para Ibes dar 0 Ffpirito San-
• to. Simao quer comprar por dinheiro о
poder de o dar aos outros. Pedro o re-
prebende diffo. Filippe he enviado a hum
Grande da Ethiopia. Elle o inflrue pelo
caminho , e o baptiza. Hum Anjo leva
Filippe a Azot. 5-9.
CAP. IX. Aconversao de Paulo. Оfeu ba-
ptifmo. Annuncía a Jefu Chriflo na Sy-
nagoga de Damafco. Déos o livra das
filadas dos Judeos. Barnabé o leva a Je-
rufalem aos Apoflolos. Paulo fe retira a
Tarfo. Pedro cura a hum paralytico , e
refufiita huma mulher defunta. yt.
CAP. X. Hum Anjo adverte a Cornelio , que
man
XXVI Indice
mande chamar Pedro a Joppe. Vê Ve-
dro defier do Ceo huma como grande toa-
Iha , sustida pelas p.ntas , em que ha-
via toda a cafta de animaes immundos.
Recusando Pedro corner delies , Deos Ihe
diz , que elle os tinha purificado. Da-
qui vem a conhecer Pedro , que se deviao
receber na Igreja os Gentios. Vai a ca
sa de Cornelio , e anhuncia-lhe a Jesu
Chrifto. Defie o Espirito Santo sobre
Cornelio , e fibre os feus. O que vendo
Pedro , baptiza a todos. 80.
CAP. XI. Disputa dos Judeos convertidos
contra S. Pedro , por elle ter tratado com
os Gentios. Convertem-se muitos emAn-
tioquia. Barnabé', ePàulo sao lá envia-
dos. Os Fieis se chamao allì Chrijlâos.
Huma grande forne he predita pelos Pro
fitas. A Igreja de Antioquia ajuda com
suas ejhiolas a de Jude'a. 90.
CAP. XII. Manda Herodes cortar a ca-
beça a Tiago Maior , e metter em pri-
zao a Pedro. Hum Anjo 0 livra delia.
Herodes falla ao povo ; e depois de per-
mittir que Ihe dem honras divinas , he
caftigado por Deos , e morre comìdo de
bichos. 97.
CAP. XIII. 0 Espirito Santo separa a Sao
Pau/o , e a S. Barnabé. Sao ambos en
via-
dos Catitulos. XXVII
viados aos Gentios. S. Paulo priva da
vista dos olhos a hum Magico. Com este
milagre se converse o Proconsul Sergio
Paulo. S. Paulo pre'ga em Antioquia de
Pistdia. Os Judeos combatem asua dou-
trina. Torna-se para os Gentios. Os Ju
deos levantâo contra elle huma sedi-
çao. 103.
CAP. XIV. Paulo , e Barnabé em Tconio.
Convertem aqui a muìtos. Os Judeos os ,
malquistao com os Gentios , e levantâo
contra elles humasediçao. Pogem os dous
para Lycaonia. Paulo cura a hum coxo
de nascença. Opovo Ihes offerece sacrifi-
cios , como se sojsem Deoses. Estabelecem
Igrejas em muitos lugares. Voltao para
Antioquia. 114.
CAP. XV. Os Judeos convertidos preten-
dem obrigar os Gentios d observancia da
Lei Mosaica. Paulo , e Barnabé vao a
Jerusalem , a que os Apostolos decidao
esta questao. Elles a decidem asavor dos
Gentios. Paulo dejèja ir vistar os luga
res , onde tinha prégado. Barnabé sesa-
para delie , por causa de Joao Mar-
cos. 120. e seg.
CAP. XVI. Paulo circumcida a Timotheo.
O EJpirito Santo 0 dejvia da Afia , e da
Bitbynia , e 0 chanta a Macedenia. Cher
ga
xxvni Indtce
ga a Filippes , onde converte a Lydia ,
mulher que vendia purpura , e expelle
de huma Pythonijfa o efpirito maligno.
Levanta-fe o povo contra elle. He acoli
tado , e mettido em prizao com Si las.
Abre-fe-lbe a prizao de mite. Converte-
fe o Carcereiro. Os Magißrados о тап-
dao ¡oltar. Е Paulo os obriga a ferem
elles mefinos os que o façao. 13 г.
CAP.XVÏI. Vai Paulo a thefalonica , de
po''s a Beréa. He perfeguido dos Judeos.
Vem a Athenas. Préga no Areopâgo , on
de converte a.Dionyßo Areopagita , e л
muitos ou tros. 141.
CAP. XVIII Paulo em Corintho trabalha de
maos. Deixa os Judeos por ir inßruir
os Gentíos. He levado ante o Proconful.
Vai á Syria , dahi a Jerufalem , dahi
à Galacia , e á Frygia. Apollo he infirui-
do de Prifcilla , e de Aquila. 149.
CAP. XIX. Гота Paulo a Efefo. Baptiza
os Difcipulos , que Jó tinhao recebido o
baptifmo de Joao. Faz curas extraor
dinarias. Exorciftas Judeos. Os Gregos
convertidos confefsao feus peccados , e
queimao os Livras da Arte Mágica. Os
ourives fublevao os Efefios contra Pau
lo. O Magißrado os aquieta. 15:6.
CAP. XX. Paulo em Tro'ade. Refufcita hum
dos Capítulos. xxk
Moço , que tinha cabido do terceiro an
dar. Préga o Evangelho em diversas par
tes. Sabe da Afia com grande sentimen
to dos Fieis. 166.
CAP. XXI. Viagem de Paulo d Fenícia , e
dahi a Jerusalem. Agabo lhe prediz o
que tem de lhe succeder naque11a Cida
de \ mas nem por isso deixa Paulo de lâ
ir. A Igreja de Jerusalem o aconselha ,
que com outros quatro cumpra no Tem
plo o seu voto. ôs Judeos o prendem. O
Tribuno lho tira das mãos. Pede Paulo
licença de fallar ao povo. O Tribuno lha
concede. 177.
CAP. XXII. Falia de Paulo , contando a
sua conversão , e a sua missão aos Gen
tios. Gritão os Judeos , que he necessa
rio tirar-lhe a vida. O Tribuno o man
da açoutar. Paulo se declara Cidadão
Romano. O Tribuno o manda desliar , e
chama os Judeos a ouvillo. 187.
CAP. XXIII; Paulo se justifica diante dos
Sacerdotes. O Summo Pontífice o manda
esbofetear. Dd-se a conhecer por Fariseo.
Descobre huma conjuração contra a sua
vida. He remettido aCesaréa ao Gover
nador Felis. 193.
CAP. XXIV. Tertullo Advogado dos Judeos
accusa a Paulo diante de Felis. Paulo
XXX Indice
fe défende , e refuta feu Adverfarlo. Fal
la da jufiiça , da caßidade , do Juizo
final , e faz tremer o Governador. Por-
cio Fefio fuccede a Felis. юг.
CAP. XXV. Fefio em Jerufalem. Reeufa
remetter-lhes Paulo , como os Judeos pe
dido.' Nova aceufaçao , e nova defenfa
de Paulo. Dá-fe-lhe a efeolher , fi quer
elle fer julgado em Jerufalem. Appélla
elle para o Cefar. Falla diante de Agrip
pa. 209.
CAP. ХХУ1. Falla de Paulo diante de A-
grippa. Refumo da, fuá conversao. Fefio
■ diz , que o muito faber Ihe tinha per
turbado ojuizo. Agrippa reconhece afuá
innocencia. 216.
CAP. XXVII. Paulo he remettido prezo a
Roma. O vento contrario o faz arribar
a Créta. Aconfelha que invernem alli.
Nao ejido pelo feu parecer , e huma fu-
riofa tempefiade faz naufragar o navio,
Alijdo toda a carga , e equipagem. Pau*
lo Ibes promette a vida a todos. Todos
fe falvao , ou a nado , ou jobre pran-
chas. 225.
CAP.XXVIII. Arriba Paulo a Malta. Mor-
de-o huma víbora , e nao o damna. Os
barbaros o tem por hum Heos. (Jura o
Senhor da liba , e outros mttitos. Paßa
das
dos Capítulos. XXXI
dos tres mezes chega Paulo aPuzzóIoy
e depots a Roma. Declara aos Jadeos o
motivo daJua v nda , epréga-lhes aje-
fu Cbrifio por ejpaço de dous amos. 232.

EPISTOLA DE S. PAULO
AOS ROMANOS.

CAP. I. Recommenda Paulo a excellen-


cia do feu Apofiolado. Defeja exerçi-
tallo em Roma. Os infléis säo inexcufa-
veis : porque conhecendo a Déos , näo o
glorifieárao como deviao. Por ijfo permit-
tio Déos , que elles cahiffem em abomi-
naveis torpezas de peccados contra a na-
tureza. 240.
CAP. II. Os Judeos, que condemnavao os
Gentíos , sao culpaveis , como elles , por
que os imitao ñas mefinas defordens. Déos
ha de retribuir a cada hum , fegundo o
merecerem as fuas obras. Os que sao
juflos fem a Lei , fiilvar-fi'hao fem a
Lei. Ella nao falvará aos que a viola-
rem. O Gentio guardando a Lei , flea
circumeidado. O Judeo nao a guardan-,
do , fica por circumeidar. A verdadeira
circumeisao he a do corafäo, e do efpi-
rito. 254.
CAP. III. Vantagens dos Judeos fobre es
Gen-
ixxiì Indicé
Gentios. A elles he que Deos fez assuas
promessas. A sua incredulidade não des
truirá a fidelidade de Deos. Todos são
peccadores , Judeos , e Gentios. A Lei
a ninguem justifica , mas Jim a fé em
JefuChristo. Ninguem logo se pode glo
riar. i6z.
CAP. IV. Abrahao justificado pelafé , ain
da antes de circumcidado. A sua circum-
cisao foi hum final da sua fé. As pro
messas forao feitas a Abrahao não pela
hei , mas pela fé. A justiça da fé vem
da graça. A fé fez a Abrahao pai de
todos. Elie creo contra o que se lhe re
presentava que devia esperar. A sua fé
lhe foi imputada a justiça. Ella o será
tambem aos que o imitarem. ?>75*
CAP. V. A justiça adquirida pela fé nos
faz esperar a gloria de filhos de Deos.
Jesu Christo , que morreo pelos impios ,
Jalvar-nos-ha , sendo justos. Todos são
mortos em Adão , e todos vivirdÔ por
Jesu Christo. Asua graça he mais abun
dante , do que o peccado. 285:. e ícg.
CAP. VI. Porfer a graça mais abundante
que o peccado , não devemos por ijso pec-
car por augmentar a graça. O baptismo
nosfaz morrer ao peccado , para este não
tornar a reviver em nós. A agua repre-
sen-
dos Capítulos. хххш
fenta tm nós o fepulcro de Jefu Cbrißo.
Por imitaçao defie nao devemos viver fe-
nao para Déos. O eflipendio , e paga do
peccado he a morte : o da jufiiça he a
vida eterna. 296.
CAP. VII. Nós fimos abfoltos da Lei pela
morte de Jefu Chrifio. A Lei augmenta
o peccado. Jefu Chrifio no-lo faz vencer
pelo feu Efpirito. A Lei era fianta \ mas
o hörnern carnal a violava. Ellafoi сaufa
de recrefcer o peccado. As paixoes do
jufio pelejdo contra elle. Elle nao faz o
bem que defija. Agrafa nos ha de li-
vrar defle cativeiro. 304.
CAP. VIII. Os que vivem em Jefu Chrifio
sao izentos da condemnaçao. Elles an-
dao fegundo o efpirito ; e os que säo le
vados pelo Efpirito de Déos , säo filhos
de Déos , e gozao da efperança da glo
ria futura. Tudo aos efcolhidos cede em
bem. Nenhuma coufa os pode feparar do
amor de Jefu Chrifio. 31 5". e feg.
CAP. IX. Afflige-fe Paulo com a perdifад
dos Judeos. Ella nao fruftra as divinas
promejfas : porque o objeílo das promeffas
de Déos sao osfilhos de Abrahäo , fegun
do a, eleifdo , e паиfegundo a carne. Ijaac ,
e Jacob forao osfilhos dapromeffa > e nao
Ijmael , пет os outros. Déos he Senhor
*** das
,xxxiv Indice
das suas vtiisericordias. Elle endurece a
quem quer. O que era povo seu , deixa
de o ser ; e o que o nao era , vent a ser
feu povâ. Os 'Judeos com a Lei perdê-
rao-fe : os Gentios pela fé eni Jesu Chri-
Jlo falvárao-se. 332.
CAP.X. OraPaulopelafalvaçao dos Judeos.
O zelo defies nao hesegundo afciencia. EU
les ignorao 0 fitn da Lei , que he Jesu
Cbrijìo. Ajujìica nao conjljìe nas obras ,
mas naféviva. Afé he para todos : mas
he neceffarìo que haja Mijfwnarìos , que
a preguem. Todos ouvírao a fé , mas fó
os Gentios a recebêrao. 349.
CAP. XI. Deos reservou para fi alguns
dos Judeos. JJìo foi pela eleiçaode Deos ,
e nao pelas obras dos homens. Os outros
• ficdrao na sua cegueira. A sua perda ,
que deo occafiao a se falvarem os Gen
tios , deve no exemplo de/ìes achar 0seu-
remedio. A sua conversao será util pa
ra todo oMundo. Os Gentios nao devem
desprezar osjudeos. Os Judeos sao ra
mas naturaes da olivcira : os Gentios ra-
mos enxertados do zambujeiro. Os jui-
zos de Deos sao incomprehenfiveis. 3 5 5.
CAP. XII. Exhorta Paulo os Komanos a
se offerecerem a Deos como viflimas ; a
nao se conformarem com este feculo. \ a
co-
dos Capítulos. xxxv
conhecerem o que Deos quer delies ; ase
rem sabios com moderação. Todos pois
se devem ajudar mutuamente como mem
bros d^hum mesmo corpo. Cada hum de
ve empregar os seus talentos a bem de
todos. Sobre tudo os exhorta o Apostolo
a caridade com os proximos , até chega
rem a fazer bem aos què lhes fazem
mal. 364.
CAP. XIII. Todos devem obedecer aos Prin
cipes. O seu poder vem de Deos. O que
lhes resiste , condemna-se. Elles não são
para temer , senão aos mãos. Deos lhes
deo a espada para castigar. A conscien
cia nos obriga a estarmos-lhes sujeitos.
Os tributos são devidos aos Principes
for ferem Ministros de Deos. Nãose lhes
devem negar osseus direitos. O amor do
proximo he o complemento da Lei. O tem
po da graça nos obriga particularmente
a este amor. Este tempo he o tempo da
luz , tempo inimigo do vicio , e destina
do ás virtudes , e á imitação de Jeftt
Çhristo. 370. e seg.
CAP. XIV. Os valentes devem supportar
osfracos , e osfracos não devem condem-
nar os valentes. Não devemos julgar a
nojfos irmãos. Jesu Christo he o Juiz de
nós todos. Importa não escandalizar a-
qud-
XXXVI Indice dos Capítulos.
quelles , por quem Jefa Chriflo morreo.
O Reino de Déos confifie na caridade. He
melhor abfler-fe hum das coufas permit-
tidas , do que ufar délias comperigo dou-
trem. Oque obra contra a fuá confeien-
cia , perde-fe. 375'
CAP. XV. Devemos a exemple de Jefu Chri-
flo compra zer ao proximo , e nao a nos
mefmos. Toda a Ejcritura he para nof/a
infirueçao. Exhorta Paulo os Romanos
d unidade <Tefpirito. Jefu Chrißo dado
aos Judeos , como promettido , e defeu-
berto aos Gentíos por graça. Progreffos
do Evangelho por meio de Paulo. Elle
efpera ir a Roma , e vir depois a Heß
panha. Encommenda a fuá viagem ás
oraçoes dos Romanos. - 384.
CAP. XVI. Reccmmenda o Apoflolo aos Ro
manos algumas peffoas , que tem férvido
bem a Igreja. Elle as manda faudar da
fuá parte. Exhorta-os afugirem dos au
thores do fcifma , e do erro. Diz que
efles sao huns hnmens intereffeiros . hi
pócritas , engañadores. Quer que os Fiéis
fejao fimples , e prudentes. Manda-lhes
recados da parte dos que eßao com elle.
Acaba louvando a beos. 39 1. e feg.

OS
о s
ACTOS DOS APOSTOLOS,
ESCRITOS PELO EVANGELISTA
S. LUCAS.

CAFITULO I.
AJcensao de Jefu Chrißo ao Ceo : oraçao
dos Difcipulos no Cenáculo : elezfäa
de Mathias em lugar de Judas.

O meu primeiro Li
vre, óTheofilo, fallci
en de todas as coufas,
que fez , e enfínou Je-
fus,
2 Defde que começou a apparecer
até o día , em que , tendo dado pelo
Efpirito Santo asfuas ordens aosApoC
tolos , que elegêra , foi aflumpto af-
lima.
3 Elle fe Ibes havia tambem mof-
trado depois dafuaPaixáo, dando-lhes
Tom. III. A mui-
a Os Actos dos Apostolos ,
muitas provas de que estava vivo , cem
lhes apparecer por espaço de quarenta
dias , e fallar-lhes (#) do Reino de
Deos. ,
4 E comendo com elles , lhes or
denou, que não sahissem de Jerusalem,
mas que esperassem a promessa do Pai ,
que vós ouvistes (disse elle) da minha
boca.
5 Porque João baptizou em agua ;
porém vós haveis de ser baptizados (b)
no Espirito Santo, passados não muitos
dias.
En-
(«) Do Reino de Deos. Isto he , da sua Igre
ja j e da Doutrina Evangelica , em que sc con
tem muitas verdades náo escritas , que o Se
nhor revelou «ntão aos Apostolos de viva voz ,
e que nos forão depois transmittidas pelo ca
nal da Tradiçáo Apostolica. Saci.
(#) No Espirito Santo. Os Apostolos já ti-
nháo recebido o baptismo de Christo. Faltava-
lhes porém aquella inundaçáo do Espirito San
to , que consistia no dom da confirmaçáo , c
que de todo os habilitasse para com toda co
ragem , e intrepidez exercitarem o Episcopa
do j até se sacrificarem pela Igreja. E este era
o segundo baptismo , ou eíFusão da divina gra
ça , que elles havião de receber dia de Pen
tecostes. Saci, Amelote, Duhamel. --
-y; Capitu lo t 3
6 Então os que tinhão concorrido
lhe perguntavão , dizendo : Senhor , a-
cafo será este o tempo , em que Vós res
tituais o Reino de Israel?
7 E elle lhes rcspondeo : Não he
da voíTa conta saber os tempos , nem
momentos , que o Pai reservou ao seu
poder.
8 Mas vós recebereis a virtude do
Espirito Santo , que descerá sobre vós ,
e me sereis testemunhas em Jerusalem ,
e em toda a Judéa , e Samaria , e até
as extremidades da terra.
9 Depois que aflìm lhcsfallou, el
les o virão (c) elevar-se em alto , até
que huma nuvem recolhendo-o em íl,
o occulton a seus olhos.
A ii E
(c) Elevar-se em alio. Severo Sulpicio , ,e
S. Paulino de Nola , Escritores do quinto se
culo , attestão , que ao subir Jesus do Monte
do Olival ao Ceo, deixara impressas na terra >
as suas divinas pegadas. Santo Agostinho , e
o Veneravel Beda acerescentão , que em seu
tempo hião muitos de romaria aviiìtallas. Ad
virto mais , que este monte, que os Evange
listas chamão do Olival , he o que adoptando
em Portuguez o mesmo nome Latino , chama
mos commummerite o Monte OUiiete. Pereira.
4 Os Actos fios Apostolos,
10 E como elles cstiveíTera atten-
tos avellosubiraoCeo, eis-que se Ihes
pozerao diante dos olhos dous homens
vcstidos de branco , que lhes disseráb :
11 Homens de Galiléa , por que es
tais vós olhando para o Ceo ? Este Je
sus , que separando-fe de vós, foi ele-
vado aoCeo, delá vira da níesma sor
te que vós o vistcs subir.
12 Entáo voltárao elles para Jeru
salem do Monte , chamado do Olival ,
que dista delia oespaço decaminho, (d)
que sepóde andar hum dia desabbado.
13 (e) E tendo entrado n'uma casa ,
subírão ao quarto de lima , onde ficá-
rao Pedro, e Joao ; Tiago, e André;
Filippe , e Thomé ; Bartholomeu , e
Mattheus ; Tiago , fîlho de Alfeo , e
Simao oZeloso, eJudas, irmáo de Tiago.
Os
00 Que se póde andar , érc. Era o espaço de
doixs.mil covados , ou de mil passos , que tan-
tos diíèava do campo dos Iíraelitas oTaberna-
culo no deserto. Amblote.
(j) E tendo entrado n'uma casa. Dizem, que
fora a de Maria , mái de João Marcos , de quem
adiarite se faz menjão neste Livxo , xii. 12.
Çalmet, -
Capitulo I. . O £
14 Os quacs todos perseverarão
orando n'um mesmo espirito , junta
mente com as mulheres , e com Ma
ria , Mãi de Jesus , e com os irmãos
delle.
15 Naquelles dias levantando-se Pe
dro no meio dos irmãos , que era© to
dos juntos perto de cento e vinte , dis-
se-lhes : o..
16 Meus irmãos , importa que se
cumpra o que o Espirito Santo predis
se na Escritura por boca de David á-
cerca de Judas, que foi oconductor dos
que prenderão a Jesus. . • > ;
17 Elle era hum do nosso Colle-
gio, e tinha parte nas funções do mes
mo ministerio.
1 8 Mas depois de possuir hum cam
po, adquirido do premio da sua iniqui
dade , elle se pendurou , e arrebentou
pelo meio da barriga , e todas as suas
entranhas se derramárão.
19 O que foi huma cousa tão no
toria a todos os habitantes de Jeru
salem , que aquelle campo se chama
na
6 Os Actos dos Apóstolos,
na lingua delles Haceldama ; isto he ,
o campo do sangue,
psaim. 10 Porque no Livro dos Salmos
pcvui. efá escrito : A sua habitação fique de
serta , e não haja quem nella more, e
tome outro o seu lugar no Episcopado.
21 Convem Jogo , que d'entre os
sogeitos , que estão em noíla companhia ,
des do tempo que o Senhor Jesus vi-
veo entre nós , :V- -'-
22 Começando pelo baptismo de
João , até o dia que o vimos subir ao
Ceo , se escolha delles hum , que com-
nosco seja testemunha da sua Resurrei-
çao.
23 Então propuzerao elles dous,
José chamado Barsabas , por sobreno
me o Justo , e Mathias.-
24 E pondo-se em oração , diíTerao:
Tu, Senhor, que conheces os corações
de todos , mostra-nos qual he destes dous
o que escolheste ,
25- Para entrar neste ministerio , e
no Apostolado , de que descahio Judas ,
para ir para o seu lugar.
Lo-
Capitulo I. e II. 7
a 6 Loge lançarão sortes sobre os
dous , e cahio a forte sobre Mathias ;, e
foi este associado com os onze Apostolos.

C A P I T U L O II.
Desce o Espirito Santo sobre os Jpostolos
dia de Pentecostes. Falido todas as ?in-
guas. Os Judeos os accusao de estarem
tomados do vinho. Pedro os refuta , pré-
gando-lhes a innocencia , e Resurreiçao
de Jesus. Diz que elle he o que lhes
mandou o Espirito Santo , e que he o
Mestias. Exborta-os d penitencia , e con
verte a tres mil. Vendem os convertidos
todos osseus bens , e os fazem communs.

1 Uando se completarão os dias


de Pentecostes , achavao-fe to
dos os Discípulos juntos n'uni
mesmo lugar.
2 Eis-que de repente se ouvio hum
som , como de hum vento rijo , e im
petuoso , que vinha do Ceo , que en-
cheo toda a casa , onde elles estavão.
3 Ao mesmo tempo virão appare-
cer humas como línguas de fogo , que
se
8 Os Actos dos Apostolos,
se repartírão , e pousárão sobre cada hum
delles.
4 Logo forão todos cheios dp Es-
pirito Santo, e comcçárao a fallar va
rias linguas ', segundo o Espiriro Santo
Ihes dava a fallar.
j Havia entao alli em Jerusalem
muitos Judeos de vida religiosa , que
tinháo concorrido de todas as Naçóes ,
que o Ceo cobre.
6 Tanropois quecorreo avoz des-
ta maravilha , se ajuntou em casa hum
grande número de peflbas, que ficáráo
espantadas , quando onvírão que cada
hum delles lhes fallava nasua lingua.
7 Estavao todos fóra de si , e di-
zião cheios de pasmo : Nao he asiìm ,
que todos estes que fallao , sao Gali-
leos ?
8 Como Wo os ouvimos nós fal-
lar cada hum a lingua do nosso paiz ?
9 Parthos , Médos , Elamitas ; os
da Mesopotamia , da Judéa , da Gap-
padocia , do Ponto , da Asia ;
10 Os da Frygia , da Pacnfylia , do
Egy
Capitulo II. o
Egypto , da Lybia junto a Cyrene ,
e os que são vindos de Roma ;
11 Judeos, e Proselytos , Creten
ses, e Arabios ; todos os ouvimos fal-
lar nas nossas linguas as maravilhas de
Deos.
12 Todos pois cheios de espanto,
e sem poderem comprehender o que
vião , diziao huns para os outros : Que
quer isto dizer?
13 Outros fazendo zombaria , di
ziao : He que estes devem de estar (a)
cheios de vinho doce.
En-
(a) Cbeios de vinba doce. He verdade que o
Texto Latino da Vulgata exprime este licor
por hum nome , que tomado á letra significa
mosto. E com effeito todos os Interpretes Fran-
cezes , de que uso, os deMons, Saci, Ame-
lote, Huré , Meffengui , vertem de vin nouveau.
Mas entáo náo era .tempo de vindimas , que
he quando o vinho está em mosto. Isto obrigou
alguns a entenderem por mosto hum vinbo do
ce , que Calmet por isso discorreo que feria
tnobado. Como depois de o ler em Calmet,
achei este sentido adoptado pelo moderno , e
douto Turinez Martini no corpo da lua Ver
são do Novo Testamento , dedicada a EIReL
dé Sardenha ; com elle me accommodei na mi
nha , tendo-o por mais provavel. J?£REira.
I
io Os Actos dos Apostolos,
14 Então Pedro posto em pé com
os onze Apostolos , levantou a voz , e
fallou-lhes na seguinte forma : PovoJu
daico , e todos vós , os que habitais era
Jerusalem , escutai o que vou a dizer-
vos , e estai attentos ás minhas pala
vras.
1 $ Nao estão tomados do vinho es
tes , como vós cuidais , (b) fendo esta
a terceira hora do dia.
16 Más isto he o que foi dito pe
lo Profeta Joel :
joei n. 17 Nos ultimos tempos, diz oSe-
a3' nhor , derramarei eu o meu Espirito so

bre toda a carne : os vossos filhos , e


as vossas filhas profetarao ; os vossos mo
ços terão visões ; e os vossos velhos te
rão sonhos.
18 Nesses dias derramarei eu o meu
Espirito sobre os meus servos, e sobre
as
JÊI
(b) A' terceira bora do dia. Esta terceira ho-
ïa correspondia entre nós ás nove da manhá.
Ji o arra?oamento de S. Pedro fundava-se , em
que ate o Meio dia náo costumavão os Judeos
comer, nem beber, principalmente cm dias dc
Festa. Saci, e Amelotb.
Capitulo II. ir
as minhas fervas , e elles serão profe
tas.
19 Farei ver prodigios no Ceo, e
íinaes na terra , sangue , fogo , e vapor
de fumo.
20 O Sol se converterá em trévas ,
e a Lua em sangue , antes que chegue
o grande, e terrivel dia do Senhor.
21 E todo aquelle , que invocar o
nome do Senhor, será salvo.
22 Israelitas , ouvi estas palavras :
Vós sabeis , que Jesus Nazareno foi hum
homem , a quem Deos fez célebre en
tre vós pelas maravilhas, prodigios, e
milagres, que obrou por elle á vossa vista;
23 Com tudo vós o cruciScastes,
e fizestes morrer ás máos de homens
malvados , depois que elle vos foi en
tregue por huma expressa ordem de
Deos > e por hum decreto da sua pre
sciencia.
24 Mas Deos o resuscitou , (c) sol
tas
(c) Soltas as dores do Inferno. Aílim á letra a
Vulgata Latina. 'Amelote verte por participio
do presente : V exentant des douleurs de l'en.-
str. Messcngui : En le delivrant. Saci com os
n Os Actos dos Apostolos,
tas as dores do Inferno , ( d) por fer
impoiSvel que elle foíTe delle retido.
Por-

de Mons : Est arrestant les douleurs de l' enser.


Tudo coincide no mesmo. Mas se o Inferno,
a que desceo Jesu Chriíto , era o seio de A-
brahão , ou o Limbo dos Padres ; e este lu
gar , como parece da Parabola de Lazaro , e do
Rico avarento , que lemos no Evangelho , era
lugar de descanço ; como se suppõe nelle do
res ï Responde Calmet com o Veneravel Be
da , que ainda que , em quanto seguras da sua
futura Bemaventurança , estavão as almas dos
Santos Padres em delcanço ; com tudo o es
tarem esperando que ella lhe vieíse , detidas
entre tanto naquelle lugar, como n'um carce
re , de hum certo modo as affligia. Accrelce ,
que náo saltáo Theologos graves , que sentem ,
que Jesu Christo tambem descêra ao Purga
torio. Huma , e outra cousa tinha já antes ad
vertido Saci. Porém seguindo o Original Gre
go, celsa toda a disticuldade ; porque em lu
gar de soltas as dores do Inserno , diz , soltas
as dores da morte ; que he como com effèito
vertêrão náo só os Heterodoxos Cafliodoro dela
Reina , e Joáo Ferreira de Almeida , mas tam
bem entre os Catholicos o modernissimo Mes-
sengui. E entáo está o presente lugar designan
do manifestamente a Resurreição de Jesu Chri
sto. Pereira.
(á) Porserimpofiivel , <&'c. A impoflibilidade
estava , em que sendo Jesu Christo , como Deos,
e Homens , o Libertador dos homens , e o
Capitulo II. 13
15 Porque David disse delle : Eu Pseim.
sempre tinha o Senhor diante de mim ^m'%*
porque elle está á minha mão direi
ta , para que eu não seja commovi-
do.
16 Por isso o meu coração se ale
grou , e a minha língua cantou cânti
cos de jubilo , e o meu corpo descan-
çará na esperança.
27 Porque tu não deixarás a mi
nha alma no Inferno, nem permittirás
que o teu Santo experimente corru
pção.
28 Tu me fizeste conhecer os ca
minhos da vida , e tu me encherás de
alegria, mostrando-me o teu rosto.
29 Meus irmãos , seja-me permit-
tido dizer-vos ousadamente do Patriar
ca David , que elle morreo , e foi se
pultado , e o seu sepulcro se vê entre
vós até o dia de hoje.
Co-
Vencedor da morre; não podia elle, segundo
a liçáo da Vulgata r, ser retido do Interno,
donde libertava os Justos; nem podia, segun
do a liçáo do Grego , ser retido da morte t
a quem vençèra. Pereira.
i4 Os Actos dos Apóstolos,
30 Como elle pois era Profeta , e
- - sabia que Deos lhe tinha promettido
com juramento, que do seu sangue nas
ceria hum filho , que viesse a assentar-
se no seu throno :
31 Segundo este conhecimento , que
tinha do futuro, fallou elle da Resur-
praim. reiçao de Jesu Christo , e disse : Qiie
xv. 10. a fua alma não foi deixada no Inferno ,
nem a sua carne experimentou corrupção.
3 2 Este Jesus he o a quem Deos
resuscitou , e nós fomos testemunhas da
sua Refurreiçao.
33 Tendo sido pois exaltado da mão
direita de Deos , e tendo recebido o
cumprimento da promessa , que o Pai
lhe fizera de mandar o Espirito Santo j
derramou a esse mesmo Espirito , que
vós estais vendo, e ouvindo.
psaim. 34 Porque David não subio ao Ceo.
cw. 1. jyjas ejje mesmo, disse : O Senhor disse
ao meu Senhor : Assenta-te á minha mão
direita.
351 Até que en ponha a teus ini
migos por escabéllo de teus pés.
Saí-
Capitulo II. ijr
3 6 Saiba logo toda a casa de Israel ,
e tenha por certiífimo , que Deos fez
Senhor , c fez Chrifio a este Jesus , que
vós crucificastes.
37 Depois que elles ouvirão estas
cousas, ficarão compungidos no seu co
ração , e diíserão a Pedro , e aos mais
Apostolos : Irmãos , que devemos nós
fazer?
38 Pedro lhes refpondeo : Fazei pe
nitencia , e cada hum de vós seja ba
ptizado em nome de Jesu Christo pa
ra remissão de voííbs peccados , e re
cebereis tambem o dom do Espirito
Santo.
39 Porque a vós, e a vossos filhos
se fez a promessa , e a todos os que se
achão alongados , quaesquer que forem ,
os que Deos nosso Senhor quizer cha
mar.
40 A estas ajuntou Pedro muitas
outras palavras em confirmação do que
dissera , e exhortava-òs , dizendo : Li-
vrai-vos desta geração perversa.
41 Os que receberão pois as suas
pa-
i6 Os Actos dos Apostolos,
palavras, sorão baptizados, eaíîìm so
rão perro de tres mil , os que naquel-
le dia se Ihes aggregárão.
42 Perseveravao estes em aíEítir aos
Sermóes dos Apostolos, (e) á commu
nhao do páo partido, e ás oraçóes.
43 Mas todos estaváo cheios de se
nior : e os Apostolos fazião cm Jerusa
lem muitos prodigios , e milagres , c
era geral em todos o espanto. ,1
44 Os que abraçaváo a crença, estaváo
todos juntos ; e tudo o que cada hum ti-
nha^ era poíTuido em commum por todos.
Ven-
(f) A' communbao do )>&> partido. Este ajuntar
S. Lucas a communhão do pão partido ccm
as Prégações , e Orações , raz que os Inter
pretes Sagrados entendão por ella a Commu
nhão do Corpo de Christo. E a Versão Syria-
ca , que todos reconhecem fer antiquiflîma , a
dà bera a entender , quando diz , ásracçao da
Eucaristia. Porém como isto não he exprefib
no Texco authentico , póde esta communhão
do pão partido , como adverte Calmer , enten-
cíer-se igualmente da communhão do sustento
ordinario. Porque naquelles bemaventurados
tempos s aflim como se pofluião os bens em
commum , tambem em commum íe tomava a
rereição corporal. E este foi 0 sentimento dos
Padres Gregos. Pbrbira.
CAPrTtrifo II. e III. 17
45- Vendião as suas fazendas, eros
Xeus bens, e distribuião-nos pelos fieis ,
segundo era a neceíîìdade de cada
hum.
46 Outro sim continuavão em ir
todos os dias ao Templo em união dç
espirito; e partindo o pão pelas casas,
tomavao o sustento com alegria , e sim
plicidade de coração;
47 Louvando a Deos , amados , e
estimados de todo o povo. E o Senhor
cada dia fazia crescer mais o número
dos que se havião de salvar. - .

CAPITULO III.
Pedro , e João curão a hum coxo de naj-
cença. Concurso do peva a ver o mila
gre. Segunda Prégaçao de Pedro.

1 T T" Um dia subirão Pedro , e João


JLjL ao Templo , ( a ) á oração da
hora das nove.
Tom. III. B Es-
(a) A' oração da bora das novr. Era a ultima
<hs tres , em que os Judeos repartião as suas
Preces , e ; cçrrespondia ás nolTas vesperas.
Amblotb.
18 Os Actos dos Apostolos,
2 Estava alli hum homem coxo des
do seu nascimento , que era levado, e
posto todos os dias á porta do Tem
plo , (F) chamada a especiosa , para pe
dir esmola aos que entravão no Tem
plo.
3 Este homem vendo a Pedro, e a
João , que hiao a entrar no Templo,
pedia-lhes que lhe delTem alguma cou
sa.
4 E Ped ro, que hia com João, pondo
os olhos no pobre, disse-lhe: Olha pa
ra nós.
5' Olhava elle para os dous , espe
rando que receberia alguma cousa delles.
6 Então lhe diste Pedro : Eu não
tenho ouro , nem prata ; mas o que te
nho , isso te dou. Em nome de Jesu
Christo Nazareno levanta-te, e anda.
7 E tendo-o tomado pela mão di
reita , o levantou : e no mesmo instan
te se lhe consolidárão as bafes , e as
plantas ;
* . De
(2>) Cbamada a especiosa. E chamava-se aífim ,
por fer a maior, a mais alta, e a mais sum
ptuosa. Amelote.
8 De sorte , que terido- dado hnm
sako, elle se tpve díreito> é andou : é
éntrando corn elles rìoTemplo , hiasal-
tando, e louvando a Deos.
9 'Todo ò povo viò que elle anda-
va , e que louvava a Deos.
10 E conhocendo que era aquelle
mesmo , que costumava estar á porta es-
peciosa doTemplo pedindo esmola ; fi-
cáráo cheios de pasmo , e de espanto
do que Ihe acontecêra.
11 E como elle tivesse pela mSo a
Pedro, e a Joáo, todo o povo attoni-
to desta maravilha correo a elles ao
Portico, que se chama de Salamâo.
iz O que vendo Pedro , disse ao
povo : Israelitas , por que vos espántais
vós do que vedes succeder; ou porqué
estais vós olhando para nós , como se
nós fossemos os que por nossa propria
virtude, ou poder fizessemos andar es
te homem ?
13 O Deos de Abrahao , o Deos
de Isaac , o Deos de Jacob , o Deos
de nossos pais , foi o que glorisicou a
B ii feu.
ao Os jactos dos Apostolos,
feu Filho Jesus , a quem vós entregas
tes , e renunciastes na presença de Pi
latos , que julgava que elle devia ser
solto.
14 Vós renunciastes o Santo , e o
Justo do Senhor, e pedistes que se vos
désse o que era, hum homicida.
iy Déstes a morte ao Author da
vida ; mas Deos o resuscitou , e nós so
mos testemunhas disso. -
16 Elle he p que pela fé do seu
nome consolidou os pés deste homem ,
que vós vistes , e conhecestes : e a fé,
que delle vem , he a que obrou em pre
sença de todos vós hum tão perfeito
restabelecimento.
17 Ora eu sei, irmãos, que o que
vós fizestes. contra elle, o fizestes por
ignorancia , como tambem os vossos Ma
gistrados. .
18 Mas desta forte, he que Deos
cumprio o que estava predicto pela bo
ca de tqdps os Profetas , que o seu Chri-
sto havia de morrer. . Vf '
ï o Por tanto arrependei-vos , e con
ver-
С а р i WOTft ьО ff
rertei-vos , para que os voflos peccados
fe apaguem , "»' '"-¡ — г
го (fiando chegarem ös^empos-dö
refrigerio, que o Senhor vos dará "com
a viíta da fuá face , (#) ê':quando ellê
enviar aquelle Jem Ghrifto , que vôâ
foi annunciado. - ■ r'Ur *A *•
2i Importa entretanto que ô Ceo
o receba , até о tempo da reftituiçao de
todas as coufäs, que Déos p-redíííe pe
la boca dos feus Santos Profetias des do"
principio do Mundo. --■ - .. j nA
2,2 Qiianto a Moyfés , elle diíTe : O neuter.
Senhor noflo Déos vos ha de Ínfcitar^'"'
hum Profeta d'entre vofíbs irmáos , fe&
raelhante a mim : ouvi-o em tudó o que
elle vos differ.4
23 Todo o que nao ouyjr a eftc Pro
feta , ferá exterminado do meio do povo.
- ' Da
(0 Quando enviar aJeJuCbriJto.. No fim .do
Mundo а julgar o Mundo , cómo he intelli-
gencía commum dos Interpretes com' S. 3oáo
Chryfoftomo. Ou no tempo da yingança do
Senhor contra os Judeos , üío he*, no tempo
<ta deftruiçâo de Jejuíalem. pelos »Romanos ,
como Calmet tem por igualmente piovavel.
ÏBRE1RA.
24 Os Actos dos Apostolos ,
( 8 Então Pedro cheio do Espirito
Santo lhes respondeo: Principes do po
vo, e vós os Sacerdotes, ouvi-me.
\ - 9 Pois que hoje fomos obrigados
a comparecer em juizo , por dar nelle
razão do beneficio feito a hum ho
mem, que se não podia ter nas pernas;
e de como clle foi curado :
io Seja notorio a todos vós , e a
todo o povo de Israel r Qiic em nome
de nosso Senhor Jesu Christo Nazare
no, aquem vós crucificastes, e aquém
Deos refuícitou dos mortos , he que es
te sarou , como vós o estais vendo.
,i li Elle he aquclla pedra , que vós
arquitectos rejeitastes , e que veio a ser
a primeira fundamental da esquina.
j2 E não ha salvação em nenhum
outro: porque do Ceo abaixo nenhum
outro nome foi dado aos homens, (b)
pelo qual nós devamos ser salvos.
Quan
ti) Pelo qual nós devamos ser salvos. Logo a
fé em Jesu Christo he de todo necessaria para
a.salvaçáo. Esta conclusáo deDuhamel he to-
ápi.p: asjsumprp do grande Tratado de Arnaulr ,
JPe ta iïecejsué de la Foy,.eu J.C . que occupa o
Capitulo IVr.

13 Quando elles virão a constancia


de Pedro, e de João, de quem por ou
tra parte conhecião que erão h uns ho
mens sem letras, e idiotas, e dos que
havião sido Discipulos de Jesus, ficárão
pasmados :
14 E como outrosim viãoalli presen
te o homem , que fora curado , não acha-*
vão cousa alguma que oppôr.
1 5- Mandárão-lhes pois .que sahiíTenr
do Conselho , e puzerão-se a deliberar
entre si , dizendo : ir' L
16 Que havemos de fazer destes
homens? pois elles obrárão hum mila
gre conhecido por todos os habitantes
de Jerusalem. Isto he certo , e nós o
não podemos negar.
17 Com tudo , para que o caso se
não divulgue cada vez mais entre o po
vo, defendamos-lhes sob graves penas,
que não tornem para o futuro a fallár
neste nome a pessoa alguma. f . . i
„ o-.- : . j t Lo-

principal lugar no Tomo X. da nova Ediçáo


«as suas Obras , feita agora em Láuianna. Íjb-
Rííira.
гб Os Actos dos Apostólos ,
1 8 Logo chamando-os , Ihes inti-
máráo , que de nenhuma forte tornaf-
fem mais a fallar , nem a enfinar em
nome de Jcfus.
19 Mas Pedro , ejoáo lhes refpon-
dêrao: Julgai vos mefmos, fe he julio
diante de Déos, obedecer antes a vós,
do que a Déos :
20 Porque da nofla parte nós nao
podemos deixar de fallar de coufas,
que vimos , с que ouvimos.
21 Elles repetindo as ameaças, os
defpedírao , nao achando modo de os
caftigar por medo do povo : porque to
dos celebravao o milagre , que fe fize-
ra, no que tinhao vifto acontecer.
22 Pois o hörnern , que táo mira-
culofariiente fora curado, tinha paflan»
te de quarenta annos^
23 Depoisque osdeixáráo ir, vie-
ráo elles para os feus , a quem contá-
ráo tudo , . o que os Principes dos Sa
cerdotes , e os Senadores lhes tinhao
dito.
24 ' O qué ouvindo elles , todos
com
Capitulo IV. а/
com hum mefmo efpirito levantáráo a
voz a Déos , e difleráo : Tu es о que
fizefte о Ceo, e a terra, o mar, e til
do quanto nelles ha.
2 s Tu о que pelo Efpirito Santo
diíTefte por boca de David noffo pai , e
voflb fervo : Por que fe embraveceráo рыш.
as gentes , e que caufa houve para os
póvos conceberem proje&os vaos?
26 Os Reis da terra fe levantáraojun-
tos, e os Principes le ajuntáráo em Confer
lho contra o Senhor.e contra o feu Chrifto.
27 Porque he verdade que nefta Ci-
dade fe ajuntáráo Herodes , e Poncio
Pilatos com os Gentíos, e povo de Ifrael ,
contra o teu fervoJefus,a quem tu ungifte;
28 Para executarem (c) oque oten
po-
(e) 0 que o teu poder , e o teu confelbo tiuba
àeterminado. Da parte de Déos foi fapientifli-
mo o confelho j que para redempcáo dos ho-
mens decretou a Morte de Chrifto. Da parte
dos homens foi perverfiflima a vontade , com
que os Judeos o crucificáráo. Sem querer , con-
corréráo os Judeos para ofira, que Deo;s in
tentara. Bem como fuccede , quando o Amo
com boa intençâo manda dar a efmola , que
o criado dá com vontade perverfa. Duhamel.
î8 Os Actos dos Apostolos,
poder , e o teu conselho tinha determi
nado que se fizesse.
29 Agora pois, Senhor, olha para
as suas ameaças; e concede a teus ser
vos a graça de annunciarem á tua pa
lavra com toda a liberdade.
v. 1 30 Estende tambem a tua mão, para
que se fação curas , prodígios , e maravi
lhas , em nome de Jesus teu santo Filho.
" 31 Tendo affim orado, eis-qite tre
me o lugar, onde elles estavão juntos:
e todos forao cheios do Espirito San-
to , e annunciavão a palavra de Deos
confiadamente.
32 Toda a multidão dos que crião
nao era mais que hum coração , e hu
ma alma: e não havia nenhum, que re
putasse seu proprio o que possuia ; (d)
mas tudo entrelles era commum.
Os
(á) Mas tudo entrelles era commum. Ninguem
deixa de ver neste modo de vida commum ,
instituido pelos Apostolos , o primeiro exem
plar da vida monastica , que nos primeiros se
culos exercitaráo nos Desertos os Cenobitas ,
nas Cathedraes os Bispos com o seu Clero; e
de que depois tomaráo a fórma os Santos Fun
dadores das Religiões. Píreira.
Caêitulo IV. 29
33 Os Apostolos com grande va-
Jor davao teltemiinho dà Reíurreiçáo
de Jesu Christo nosso Senhor : e a gra-
ça em todos os Fieis erâ grande.
34 Náo havia entrelles quem foíîe
pobre. Porque osquetinháo terras , ou
casas , vendidas ellas , trazião os feus
preços,
35 E os punháo aospés dos Apos
tolos. E daqui se repartia , o que cada
hum havia mister. • - t
36 O mesmo José , a quem os Apos
tolos puzerao o sobrenome de Barnabé,
(que quer dizer Filho da Gonsolaçao)
que era Levita da Ilha de Chipre; :
3 7 Vendeo tambem huma terra ,
que tinha ; e trazendo o feu preçp , O
poz aos pés dos Apostolos.

CAPITULO V.
Ananias , e Safira , por mentìrem ao EJpi-
rito Santo , casttgados por Pedro cent
morte subita. Fazem os Apostolos mut--
tos mïlagres. A sombra de Pedro curà
os ensermos. O Conselho supremo mand&
pren- ^
go Os- Actos dos Apostolos ,
. prender aos Apostolos. Hum Anjo vs li
berta , e manda-lhes que préguem livre
mente a fé. Pedro em presença dos Jui
zes sustenta , que Jesu Christa resusci-
. tara , e que elle era o Messias. Gama
liel os dijjuade , que os não matem. Os
' Apostolos açoutados se alegrão de ter pa-
! decido por amor de Jesus.

ï TV T Este tempo hum homem, cha-


\S\ macio Ananias, vendeo huma
terra de commum acordo com sua mu
lher Safira ; .
2 E de concerto com sua mulher,
reservou huma parte do preço , e trou
xe o resto aos pés dos Apostolos.
3 Mas Pedro lhe disse : Ananias,
como tentou Satahaz o teu coração (a)
a mentir ao Espirito Santo, e a reserr
var huma parte do preço da tua ter
ra? ' 'ï
. '. .Por
(*) A mentir ao Espirito Santo. A mentira es
teve em querer enganar os Apostolos , fazen-
do-lhes crer que elle trazia todo o preço. O
mentir ao Espirito Santo era , porque os que
Ananias quiz enganar, estavão cheios do Es
preito Santo. Pereira.
Capitulo V. 31
4 (b) Por ventura não te era livre
ficar com ella ? E ainda depois de ven
dida , não era teu o preço ? Como pu-
zeste logo em teu coração fazer tal?
Sabe que não mentiste aos homens , (s)
mas a Deos. ... .
Ana-
Qi) Por ventura não te era livre ficar com et-
la ? Se era livre ficar com a terra , ou reser*
var todo o preço da venda , como estranha tanto
S.Pedro a Ananias, o não ter trazido senáo huma
parte ? He certo que era livre a todos os Fieis
venderem , ou não venderem as suas fazendas ;
trazerem,ou não, aos pés dos Apostolos os preços
delias , quando as vendião. Mas huma vez terem-
se resolvido com voto ao menos implícito , a
vender as suas fazendas , e dedicar a Deos por
máos dos Apostolos todo o producto das ven
das ; era já num sacrilegio , e hum roubo do
sagrado, o reservar alguma parte do preço. Hè
porém commum sentir dos Santos Padres, que
a venda, que Ananias fizera, hia acompanha
da deste voto. Aflim S. Basilio no Sermáo I.
da Instituiçáo dos Monges. S. Chrysostomo a
este lugar dos Actos dos Apostolos. S. Jerony-
mo na Carta a Demetrias. Santo Agostinho no
Sermáo 148. da Ediçáo Mauriana. S. Gregorio
na Carta 54. do Livro 1. Desta forte foi o cri
me de Ananias hum crime complicado de rou*
bo sacrílego , de mentira , de hypocrisia. Cal-
MET.
(c) Mat a Deos. No verso precedente argui
31 Os Actos dos Apostolos,
f Ananias em ouvindo estas pala
vras cahio , e espirou. O que foi cau
sa de ficarem atordidos de medo , to
dos os que ouvirão fallar desta morte.
6 Logo huns certos moços levarão
dalli o seu corpo, e o enterrarão.
; Perto de tres horas depois entrou
sua mulher , ignorante do que tinha a-
con tecido.
8 E Pedro lhe fez esta pergunta :
Dize-me, mulher, vós não vendestes a
vossa terra por tanto? Sim, respondeo
ella , nós a vendemos por tanto ?
o Então proseguio Pedro , dizen
do: Como aííim conviestes vós (d) em
ten-
S. Pedro a Ananias de ter mentido ao Espiri
to Santo na pessoa dos Apostolos : agora nes
te accreicenta , que a mentira náo tora feita
aos homens, mas aDeos: logo o Eípirito San
to he Deos. Aflim argumentaráo no quarro,
e quinto seculo os Santos Padres contra os Ma-
cedonianos , que fazião o Espirito Santo crea-
fura. Perbira.
(<i) Em tentar o Espirito Santo. Estas palavras
nos descobrem novopeccado nos dous confor
tes. E era, o de querer sondar , se o Espirito
Santo nos Apóstolos conhecia a lua mentirai,
P que quando elles náo imentaslem por acto
CapitUlo V. 33
tentar o Espirito do Senhor ? Eis-ahî
eftáo á porta Os que vem de sepultar a
teu marido : elles te irão' tambem le-
var á cova.
10 Nomesmo ponto (e) cahio ella
a feus pés , e espirou. E aquelles mo-
ços entrando , a achárao mortá , e a le-
várao a enterrar jnnto a leu marido.
11 Este íuccesso diíìundia hum gran
de terror por toda a Igreja , e entre to-
dos os que ouvírao fallar delle.
12 Entretanto os Apostolos fazião
muitos milagres, e prodigios no mèió>
dopovo. E todos os Fieis , unidos nirm
mesino espirito , se ajuntaváo no Por-<
tico de Salamáo. - •- x
Tom. HT. G 1> Ne-

expreíïb , ao menos obrárão como se o tives-


sera. S. Thòmaz 2. 2. ouest, yrj. art. f .
(e) Cabio a seus pés , e espirnu. Não obstante
a prompridão , e severidade de hum rai casti-
go , he de crer da misericordia divina , (diz
Sanco Agostinho) que tanto Ananias » .como
Safira , morrêrão arrependidos , e. perdoados
do feu peccado, servindo-lhes a morte tempo*
ral de meio de escaparem da cterna. Outros
Padrcs comtudo são de opinião , que elles- íq
perdêrão. I3,erbira.- - .h r .„ . , iii
34 Os Actos dos Apostolos,
13 (/) Nenhum dos outros ousa-
va ajuntar-se com elles ; mas o povb
dava-lhes grandes louvores.
14 E cada vez era maior o núme-
ro dos crentes , aíÈmde homens , co-
mo de mulheres.
15' De maneira , que trazião os do-
entes ásruas sobre leìtos, eenxergóes,
a fim de que ao passar Pedro , cubrisse
sequer a sua sombra algum delles , e
ficassem livres das suas enfermidades.
1 6 Aflîm mesiho concorriáo enxames
délles das Cidades vizinhas a Jerusalem ,
trazendo os feus enfermes , e os vexa-
dos dos espiritos immundos , que todos
erao curados.
17 Entao o Summo Pontifice , e os que
erao do feu partido, a saber, os da feita dos
Sadduceos , (g) cheios de inveja, e ciume,
Fi-
(/) Nenbum dos outras . Nenhum dos que en
tre os Judeos seguião diveisas seitas: a saber,
Fariseos, Sadduceos, Herodianos. Calmet.
(|) Cbeios de iwveja , e ciume. He como en-
tendi aquelle repleti zelo do Original, seguin-
, do a Amelote , e a Calmer. Em feu lugar pa-
receo melhpr a Saci , e aos de Mons > cradu-
zir, cbeos de ira. Fereira.
Capitulo V. 3?
18 Fizerao prender aos Apostolos ,
e os mandáráo metter na cadeia públi-
ca.
19 Porém oAnjo do Senhor abrio
de noite as portas ; e dcpois de os ter
fóra , lhes disse :
20 Ide para o Templo , e prégai
alli resolutamente aopovo todas aspa-
lavras desta doutrina da vida.
21 O que depois que elles ouví-
ráo, forão-se aoamanhecerao Templo,
epuzerão-se aenlinar. Entre tanto vin-
do o Summo Pontifìce , e os que o a-
companhavao , ajuntárão o Conselho
com todos os Senadores do povo de
Iíraet , e mandáráo á cadeia , que lhes
trouxessem os Apostolos.
22 Chegados lá osOíKciaes, abrí-
rao acarcere ; e como os náo aeháraa
nelle , voltárão a da r conta.
23 Nós , disserao elles , (h) achá-
mos a cadeia muito bem fechada , e as
G ii Guar-

(b) Acbamas a cadeia muito bem fecbada. Sinaí


que oAnjo depois de a abrir, a to-hiqu a fe-
char. Calmst.
36 Os Actos dos Apostolos,
Guardas devigia ás portas; mas abrin-
do-a , náo achámos ninguem dentro.
24 Os Capitáes das Guardas do
Templo , e os Principes dos Sacerdo-
tes , quando isto ouvírão , achárão-se for-
temente perplexos sobre o negocio.
25- A este tempo chegou hum, que
lhes deo esta noticia : Eis-ahi que aquel-
les homens, que vós mandastes para a
cadeia , estáo no Templo , e estáo dou-
trinando o povo.
26 Entáo partio o Capitao das Guar
das do Templo com os feus Ofïïciaes,
e os trouxe sem ]hes fazer violencia;
porque temeo que a elle , e aos feus os
apedrejaíTe o povo.
27 E depois que os trouxe, apre-
fentou-os ao Confelho : e o Summo Pon-
tifice lhes fallou nestes termos :
28 Nao vosprohibimos nós expref-
samente , que náo eníìnasseis neste no
me ? E iflb náo obstante , eis-ahi esta
Jerusalem cheia da voíTa doutrina , e
vós quereis pôr-nos ás costas' 0 fangue
deste homcm.
Pe^
C APITULO V. 37
29 Pedro , e os Apostolos Ihe re-
spondêrao : Importa obedecer mais a
Deos, do que aos homens.
30 O Deos de nossos pais reíusci-
tou a Jesus, a qnem vós déstes a mor
te , pendurando-o num madeiro.
31 A este elevou Deos pelo feu po-
der, como a Principe , e Salvador que
era , para dar a Israël a graça da pe-
nitcncia , e a remissáo dos peccados.
33 Nós, nós mesmos sorhos teste-
munhas do que publicamos^ , c comnos-
co o Espirito Santo , que Deos deo aos
que Ihe sao obedientes.
33 Tendo ouvido estas cousas , el
les se desfaziao em raiva , e tinhao no
pensamento mandallos matar.
34 Mas humFariseo, (i) chamado .
Ga-
(i) Hum Fariseo , cbamado Gamaliel. S. Paulo
neste mesmo Livro, xxn. 3. chama aGaraa^
liel feu Mestre. S. ]oão Chrysostomo o sup-
póe eonvercido, ebaptizadp primeiro que Sáo
Paulo. A Relação authentica do miraculoso
descubrimento das Reliquias do Pioto-marryr
Santo Eíj:evj0j escrica, e dirigida a todos os
Fieis pelo Presbytero Luciano , á instancia do
nosso Avito de Braga , que então se achava
38 Os Actos dos Apostolos,
Gamaliel , Doutor da Lei , que logra
va as estimações de todo o povo, levan-
tando-se no Conselho , mandou , que fi
zessem retirar os Apostolos por hum
pouco de tempo.
35 E disse aos que estavão juntos:
Israelitas , vede , e attendei bem por vós ,
no que determinais fazer acerca destes
homens.
36 Porque tempos ha que se levan
tou hum Théodas , que pretendia o ti
vessem por homem grande ; unírão-fe-
lhe obra de quatrocentos homens; mas
elle foi morto , e todos os que crerão
nelle , forao desfeitos , e reduzidos a na^
da.
De-
em Jerusalem. Esta Relaçáo, di
re na Igreja desde quafi os princípios do quin
to seculo , e que refere , que no mesmo se
pulcro se acharáo as Relíquias de Gamaliel ,
e de seu filho Abibas, fendo o mesmo Gama
liel o que as revelou : Faz indubitavel a sua
conversáo ao Christianismo , e a sua persever
rança na fé , e caridade até à morte. Como
de Santo pois fazem delle honorifica mençáo
os Martyrologios de Âdon , Ufuardo , e ou-
rios antigos , a quem íeguio o Romano a 3
de Agosto. TlLLEMONT»
Capitulo V. 39
37 Depois deste levantou-se Judas
Galileo , no tempo que se fazia o Ar
rolamento do povo : levou muitos apôs
si : mas elle pereceo da mesma sorte 5
e todos os que tinhão entrado no seu
partido , forão postos em desbarato.
38 Eis-aqui pois o que eu vos acon
selho: Não vosmettais com o que res
peita a estes homens : deixai-os lá : (k)
por-
(fc) Porque se este conselbo , ou esta obra vem
ie Deos. Deste Princípio de Gamaliel poderá
alguem abusar , tirando delle a perniciosa con
sequencia , de que náo devem os Magistrados
Políticos, nem os Principes seculares punir os
ímpios , e sacrílegos ; e que affim mesmo se
nío deve ir á máo ás heresias , ás novidades ,
aos abusos, e a quaesquer attentados em ma
teria de Religiáo. O que feria abrir a porta
a todo o genero de desordens , e desaforos na
Igreja , e ainda no Estado. Porém responde-
se Primo: Que o Discurso referido por S. Lu
cas, he hum Discurso de Gamaliel, enão do
Espirito Santo ; referido sim na Escritura , mas
não inspirado.
Secundâ : Que Gamaliel não diz absoluta
mente , que se não deve impedir a pregaçáo
dos Apostolos ; mas só que na situaçáo , em
que os Judeos ao presente se achavão, subdi
tos de huma dominaçáo estrangeira, e priva
dos do direito da vida , e da morte ; não de^
4o Os Actos dos Apostolos ,
porque se este conselho , ou esta obra
vem dos homens, ella se desfará.
Po-

vião elles entremetter-sc neste negocio , mas


deixallo ao cuidado dos Governadores Roma
nos , a quem pertencia reprimir os máos , c
os que introduzião novidades. Que a Provi
dencia interessada em náo permitrir que pere
cesse a Religiáo antiga , suscitaria a esta taes
Adversarios , que ella fosse arruinada , antes
de estabelecida. ,
Tertiò: Que atélli não tinhão os Apostolos
attentado , nem feito nada contra as Leis , ou
contra os costumes da Naçáo. Que os seus pro
cedimentos erão irreprehensiveis , a sua doutri
na santa. Que os milagres, queobravão, eráo
evidentes. Que todo o povo admirava o seu
zelo, a sua uniáo, a sua asfabilidade , o seu
amor para todos. Entretanto nada apparecia,
que obrigasse a elles Judeos a suppor nos A-
postolos alguns mãos intentos. Elles ptégáo ,
dizia Gamaliel, a vinda doMeflias, e a Re-
surreição de Jesu Christo. Elles mostrão cjue
nelle se cumpriráo as antigas Profecias. Isto
he hum Facto, que merece ser examinado com
toda a madureza. Longe toda a precipita
çáo numa materia desta importancia. O temT
po nos descubrirá a verdade. Os prodígios,
de que elles acompanháo a sua pregaçáo , por
dem ser obra do eipiriro das trévas ; mas Deos
náo ha de permittir , que nós estejamos no
erro por muito tempo. Cedo se descubrirá a
.yalhaçaria , se algum* ha.
C-APITULO V. 41
3 9 Porém se ella vcm de Deos , náo
cabe nas vossas forças destruilla : e vós
expondes-vos ap damno de combater
contra Deos* Elles se accommodárao
com este aviíò.
30 E tendo feito vir aos Aposto-
Ios , lhes prohibírão , ( / ) depois de os
açoutar, que de nenhum modo tornas-
sem a fallar no nome de Jesus , e des-
pedírão-os.
41 Entao sahírao os Apostolos do
Confelho banhados degosta, na consi-
deraçao de haverem sido julgados di-
gnos de padecer affrontas pelo nome
de Jesus. ; - -.
42 Enáo cessaváo todos osdias de
eníìnar, e de annunciar a Jesu Christo
no Templo, e pelas casas.
.;; CA-
Eis-aqui como se póde entendes o Aria-?
zoamento de Gamaliel , para o trazer a hum
bom sentido , e prevenir todas as más conse-
quencias , que delie queira alguem tirar. £s-
tio, e Fromond.
(/) Depois de os aqoutar. Não se estendia a
mais a alçada dos Magistrados Judaicos , de
pois que esta Nacão íìcou fubdica dos Roma?
nos. Calme t. .'. , ; ... . ...
4» Os Actos dos Apostolos,

C A P I T U L O VI.
Queixume dos Judeos Gregos , de Ihes def-
attenderem assuas vìuvas. Elegem os A-
postolos a fete Diaconos para dìstribui-
rem as esmolas. Convertem-se muitos dos
mesmos Sacerdotes. Vans disputas con
tra Santo EJìevao , a que Jeseguem mui
tos falsos testemunhos. Oseu rojlo pare-
ce aos mesmos Juizes comoorojìo ethum
Anjo.

i TVT Aquelle tempo , como o nú-


]J\ mcro dos Discipulos se mul-
tiplicava , levantou-se huma murmura-
çao (a) dosjudeos Gregos contra os Ju
deos Hebreos , (b) de que as suas viu-
.. vas
(«) Dos Judeos Gregos contra es Judeos Hebreos.
Judeos Gregos se chamáo aqui os que não
fallavão senão Grego , como erão os do Egy-
pto , os das Ilhas do Arcepelago , os da Aiia
menor : Judeos Hebreos , os que fallavão o
Caldaico, ou Syriaco , que era o que então
se chamava Hebreo ; como eráo os da Pales-
tina, da Galiléa, da Syria. Caì,met com o
commum dos Interpretes.
(£) De que as suas iiiwvas erîîo desprezadas ,
&c. O desprezo estava , em que como a eco-
nomia usa administraçãg da vida commum,
Capitulo VI. 43
vas erao desprezadas na dispensaçao do
que se dava cada dia.
2 Pelo que os doze Apostolos , ten-
do feito ajuntar todos os Discípulos,
lhes disserao : (c) Não he justo que nós
deixemos a pregação da palavra de Deos,
por cuidar das mezas.
3 Por tanto , Irmãos , escolhei den
tre vós afete homens de probidade re
conhecida, cheios do Espirito Santo , e
de sabedoria , a quem encarreguemos
desta obra.
4 E nós applicar-nos-hemos á ora
ção, e á dispensaçao da palavra.
A-
<vue então professavão os novos convertidos ,
corria pelas mãos dos Fieis Hebreos , dequern.
os Apostolos a confiaráo : Estes se mostravão
mais largos com as viuvas dos seus, do que
com as de fóra. Pereira.
(c) Não be justo que nós deixemos a palavra
ie Deos , &c. Com esta mesma consideraçáo
ordenou a Igreja nos seus Canones , que os
bispos , para lhes ficar todo o tempo livre
para o estudo das Sagradas Letras , e para a
instrucçáo do Povo ; encarregaflem da admi
nistraçáo das Rendas Ecclesiasticas os seus Dia
conos , com o titulo de Ecónomos. Aflim o
Concilio de Çalcedonia. Pis re ira.
44 Os Actos dos Apostolos,
5- Aprouve este arrazoamento a to
da à assembléa. E elles escolherão a Es
tevão, homem cheio de fé, e do Espi
rito Santo , -a Filippe , a Prdcoro , â
Nicanor, a Timão, a Parménas, (d)
e a Nicoláo proselyto d'Antioquia.
6 Apresentárão-os ante os Aposto
los, e estes lhes impozerão as mãos
orando.
7 Entretanto a palavra do Senhor
crescia cada vez mais , e o número dos
Discípulos se augmentava grandemen
te em Jerusalem : e erão tambem mui
tos dentre os Sacerdotes, os que obe-
decião á fé. Ora
(á) E a Nicoláo proselyto d''Antioquia. A qua
lidade de proselyto mollra , que Nicoláo era
Gentio de origem , e que do Gentili imo pas
sou para o Judaísmo j do Judaísmo paraoChri-
stianismo. A origem gentílica faz duvidar , que
elle fosse hum dos setenta Discípulos de Chri-
sto , como o deixou escrito Santo Epifanio,
Fosse como fosse, e deixadas as diverlas opi
niões , que correm dos procedimentos peíToaes
deste Nicoláo pelo tempo adiante ; he certo
que os Nicolaitas , feita amais torpe, e abo
minavel , que tem havido na Igreja , se ja-
ctavão de o ter por Author , e Patriarca. PE
REIRA.

/
Capitulo VI. 45
8 Ora Estevao cheio de graça , e
de força , obrava grandes prodigios , e
grandes milagres entre o povo.
9 Mas algnns (e) da Synagoga
chamada dos Libertinos , e dos Cyre-
nenses , e dos Alexandrinos , e dos que
eráo da Cilicia , e da Afia , se levantá-
rao contra, e disputavao com elle.
10 E nao podião reíìstir á sabedo-
ria, e ao Espirito, que nelle fallava.
11 Entao suborna'rão a certos ho-
mens , para dizerem, que elles Ihe ti-
nhao ouvido blasfemias contra Moysés,
e contra Deos.
12 Seguio-se dahi commoverem ao
povo, aos Senadores , e aos Doutores
daLei; e arremettendo a elle, o arre-
batárao , e levárao ao Conselho :
13 E alli produzírão falsas teste-
munhas , que disserao : Este homem náo
cessa de fallar contra o lugar santo , e
contra a Lei. Por-
(f) Da Synagoga cbamada dos Libertinos. Isto
he , dos que depois de serem cativos , e fei-
tos escravos por Pompeo , e por outros Ca-
pitáes Romanos , vierão a alcançar liberdade
de suas peflbas , e religião. Amblote.
46 Os Actos dos Apostolos,
14 Porque nós o ouvimos dizer,
que este Jesu Nazareno ha de destruir
este lugar, e ha de tirar as tradições,
que Moysés nos deixou.
15- Entretanto , todos os que esta-
vao assentados no Conselho , quando
olhavão para elle, o seu rosto lhes pa
recia como o rosto d'hum Anjo.

CAPITULO VII.
Santo Estevão diante dos Juizes mostra ,
que elle não faliou contra Moysés , nem
contra o Templo. Mas que os Judeos se
oppuzerãosempre aos Profetas , e ao Es
pirito Santo. Vê ao Filho de Deos as
sentado â dextra do Padre. Os Judeos
o apedrejão , guardando lhes Saulo às ves
tidos. Santo Estevão de joelhos ora a
Deos por elles.

ï TT* Ntao lhe perguntou o Summo


SjJ Pontifice , se era verdade o que
delle dizião ?
2 Ao que elle respondeo : Meus Ir
mãos , e meus Padres , ouvi-me. O Deos
da Gloria appareceo a nosso pai Abra-
hão,
Capitulo VII. 47
hão, que estava em Mesopotâmia , an
tes de aífistir em Caran.
3 E disse-lhe : Sahe do teu paiz,
e da tua parentela, e vem para a ter
ra, que eu te mostrarei.
4 Então sahio elle da terra dos Cal-
deos , e veio morar em Caran. E de
pois que morreo seu pai , Deos o fez
passar a esta terra , que vós agora ha
bitais.
y Onde lhe não deo herança algu
ma , nem ainda onde assentar hum pé ;
mas prometteo dar-lhe a posse della a
elle , e depois delle á sua posteridade ,
quando ainda não tinha filho, -
6 E Deos lhe predisse , que a sua
posteridade iria viver n'um paiz estran
geiro , onde seria feita escrava , e pa
deceria muitos máos tratamentos (a)
por espaço de quatrocentos annos.
Mas
(sl) Por espaço de quatrocentos annos. Estes qua
trocentos annos devem-íe contar desde o nas
cimento de Isaac até a sahida dos Israelitas
do Egypto. He verdade que entre estes dous
termos mediaráo na realidade quatrocentos e
trinca, annos j como diz o Uvre do Êxodo,
48 Os Actos dos Apostolos,
7 Mas eu, disse o Senhor, exerci
tarei a minha justiça contra a gente,
que a retiver em escravidão : e ella al-
fim sahirá, e me servirá a mim neste lugar.
8 Depois fez com elle o Pacto da
Circumcisao; e aífim tendo gérado A-
brahão a Isaac , o circumcidou ao oita
vo dia. Isaac gérou a Jacob , e Jacob
aos doze Patriarcas. - : : .
q Os Patriarcas movidos de inve
ja, venderão a José para ser levado ao
Egypto; mas Deos era com elle, ; .
10 E o livrou de todas as suas tri
bulações. E com a sabedoria, que lhe
deo , o fez grato , e acceito a Faraó,
Rei do Egvpto, o qual lhe deo aPre-
poíitura de seu Reino, e de toda a sua
casa.-
11 Neste meio tempo todo o Egy
pto , e a terra de Canaan , padecêrão
huma grande fome : e nossos pais não
achavão de que viver.
E
xn. 40. e S. Paulo escrevendo aos Gálatas,
m. 13. Mas Santo Esteváo náo fez caso dos
trinta de mais , por dar hum número redon
do. Galmet.
Capitulo VII. 40
ií E Jacob ouvindo dizer , que no>
Egypto havia trigo, mandou lá a pri
meira vez noflbs pais.
13 E da segunda que elles lá fo-
rão, foi José conhecido de seus irmãos *
e Faraó soube de que família elle era.
14 Então mandou José buscar a seu
pai Jacob , e a toda a sua samilia , (£)
que constava de setenta e -nco pessoas.
Tom. III. D Des-
(£) Que confiava de setenta efinco pcfsoas. Se
gundo o Hebreo do Genesis , xt. vi. 27. e
do Êxodo j 1. 5. ellas não erão senáo seten
ta. Mas segundo aVersão dos Setenta Inter
pretes, erão setenta e finco. E esta (eguio San
to Esteváo, porque disputava contra osjudeos
Gregos, entre os quaes principalmente goza1-
va ella de todo o credito. Mas ainda com isto
senáo tira de todo a dúvida. Porque o núme
ro preciso de setenta almas , que o Hebreo
conta nos referidos lugares do Genesis , e do
Êxodo , he o mesmiihmo que o Grego traz
«oDeuteronomio, x. 22. A isto occorre S. Je-
ronynio , advertindo , que quando se trata de
contar quantas entraráo com Jacob no Egy
pto , ellas não erão mãis que setenta ; maâ
quando sc trata de contar a quantas chegaráo
em vida de José , forão setenta e finco. Que
he o que basta para conciliar o Hebreo com
o Grego , e a Santo Esteváo Com ambosv
Pt RE IR A,
Os Actos dos Apostolos,
15 Deíceo pois Jacob ao Egypto,
onde faleceo , e depois delle nossos
pais.
16 E elles forão trasladados a Si
quem , e póstos no moimento , (c) que
A-
CO Abrabao tinba comprado aos filbos de
Hemor , jtlbo de Siquem. O Vencravel Beda , e
Rabano Mauro depois delie , vendo cjue esta
narração de Santo Estevão parecia oppor-se ao
que refère o Livro do Genefis , nenhuma dú-
vida tiverão de elcrever , que Santo Estevão
por lapso de memoria confundíra numa duas
compras diversas : huma do campo , que A-
brahão comprou a Efron, filho de Seor, Gè
nes, xxm. 16. outra,do campo , que Jacob
comprou aos filhos de Hemor , pai de Siquem,
Gènes, xxxiii. 19. Melchior Cano foi domes-
mo parecer no Livro II. dos Lugares Theolo-
gicos , cap. ultimo : observando que com tan-
to que le não admitta erro , nem descuido nos
Efcritores Canonicos , como he S. Lucas , ne-
nhum inconveniente ha em conceder , que pu-
deiïem errar os particulares , cujas narrações
elles descrevem. Porém outros achando disso-
nancia em admittir faltas de memoria num
Diacono, de quem o mesmo S. Lucas attesta
Îue estava cheio do Espirito Santo ; huns com
Juhamel recorrem , a que nesta narração de
íanto Estevão são. huns mesmos os filhos de
Hemor i e os de Seor , tendo o mesmo ho-
mem dous nomes , e attribuindo-se a todos


Capitulo VII. $1
Abrahão tinha comprado em moeda de
prata aos filhos de Hemor, filho deSi-
quem.
17 Mas chegando-se o tempo da
promefla , que. Deos fizera a Abrahão ,
crcsceo , e se multiplicou rnuito o po
vo no Egypto,
18 Até o governo d'outro Rei , que
não conhecera a José.
19 Este Principe usando de hum
malicioso artificio contra a nossa gen
te, attribulou nossos pais, até o ponto
de os constranger a exporem as suas
crianças, para se extinguir a casta.
20 Neste tempo foi que nasceo Moy-
D ii sés ,
os filhos o que- em nome de todos vendera
Efron : outro! com Calmet discorrem , que
Santo Esteváo não tomara na boca a Abraháo a
mas a Jacob ; e que em lugar deste escapou
aos copiadores o nome daquèlle. E pelo que
toca á outra circumstancia , de se chamar aqui
a Hemor filbo de Siquem , quando no' Genesis
se diz que era seu pai : já advertio Cano, que
o Texto Grego de S. Lucas só diz Hemor de
Siquem , sem exprimir se era pai , ou se era
filho: e já tambem advertio Saci , que as Ver
sões Syriaca , e Arabiga náo trazem as pala
vras, filbo de Siquem, Pbrbira.
$í Os Actos dos Apóstolos,
fés , que era agradavel a Deos , e íb
criou tres stiezes em casa de seu pai.
2i Depois , como elle fosse expos
to , a filha de Faraó o levantou , e o
criou como filho.
ai Depois foi Moysés instruido em
toda a literatura dos Egypcios , e sa-
hio poderoso em palavras, e obras.
23 Mas quando elle completava os
quarenta annos da sua idade , veio-lhe
ao pensamento ir visitar os filhos de
Israel seus irmãos.
24 E vendo que se fazia injúria a
hum delles, elle odefendeo, e vingou,
matando ao Egypcio , que o ultrajava.
25 Ora Moysés cuidava que seus
irmãos estavão bem capacitados , de que
por sua mão òs havia de livrar Deos :
mas elles não o entenderão.
26 Ao dia seguinte deo-se-lhes Moy
sés a ver em occasião , que huns He-
breos pelejavão de palavra entre si. E
elle procurando apaziguallos , lhes dis
se : Homens, vós sois irmãos : Como
logo vos estais injuriando hum a outro?
- . ' . . . 'Eílr
Capitulo VII. 5-3
27 Então o que fazia injúria ao ou
tro , o repellio , dizendo : Quem te con-
ftituio a ti Principe > e Juiz sobre nós ?
28 Dar-se-ha caso que tu me quei
ras matar, affim como mataste hontem
aquelle Egypcio.
29 Moysés ouvindo esta palavra,
fugio, e esteve como estrangeiro na ter
ra de Madian , onde ouve dous filhos.
30 . Quarenta annos depois lhe ap-
pareceo hum Anjo no deserto do Mon
te Sina , na chamma d'huma çarça ,
que ardia em fogo.
31 O que tanto que Moysés per-
cebeo , ficou maravilhado do que via ;
échegando-se para considerar que feria,
ouvio a voz do Senhor , que lhe disse :
32 Eu sou o Deos de teus pais-, o
Deos de Abrahão , o Deos .de Isaac , o
Deos de Jacob. Moysés todo cheio de
medo, não ousava considerar.
33 Então lhe disse o Senhor: Des
calça osçapatos de teus pés; porque o
lugar, onde esta's , he huma terra sani
ta.
. Te
5'4 Os Actos dos Apostolos ,
34 Tenho visto , e considerado a
afflicção de meu povo , que reside no
Egypto , e tenho ouvido os seus ge
midos , e baixei a livrallos. Vem pois
agora , para eu te enviar ao Egy
pto.
35- Este Moysés , a quem elles ti-
nhão recusado , quando disserão : Quem
te constituio a ti Principe , e Juiz : es
te mesmo foi, o que Deos enviou por
Principe , e por Libertador debaixo da
conducta do Anjo , que lhe appareceo
na çarça.
3 6 Este o que os fez sahir , obran
do prodigios , e maravilhas no Egy
pto , no mar vermelho , e no deserto
por espaço de quarenta annos.
37 Este heaquelle Moysés , que dis
se aos filhos de Israel : Deos vos susci
tará dentre vossos irmãos hum Profeta,
como eu ; ouvi-o.
38 Este aquelle , que quando a con
gregação do povo estava no deserto, ti
nha trato com o Anjo , que lhe falla-
ya no Aíonte Sina. Este o que estava
eprn
Capitulo VII. 57
com nossos pais , e que recebeo as pa
lavras da vida para no-las dar.
39 Nossos pais não lhe quizerão
obedecer ; mas repellírão-no , tornando-
se com os seus corações para o Egy
pte,
40 E dizendo a Arão : Faze-nos
Deoses, que vão adiante de nós; por
que nós não sabemos que he feito da-
quelle Moyfés, que nos tirou da terra
do Egypto.
41 Em consequencia disto fizerão
elles hum bezerro , e osserecêrão sacri
fícios ao idolo , pondo a sua alegria nas
obras de suas mãos.
42 Então Deos se retirou delles,
e os desamparou de maneira , que ado
rarão (d) o exercito do Ceo , como es
tá escrito no Livro dos Profetas : Ca- Amós
fa de Israel, forão por ventura alguns v' n
os sacrifícios , e forão algumas as hos
tias, que vós me offerecestes no deser
to em quarenta annos ?
Mui-
(4) 0 exercito do Ceo. Isto he , a multidáo
dós Astros , e das Estrellas. Amblotb.
f6 Os ÁCTOS DOS Apostolos,
43 Miiito pelo contrario , (e) vós
tomastes o pavilháo de Moloch, e o
astro do vosso Deos Ramfam , que sáo
as figuras, que vós fizestes.
44 Tivcráo nossos pais comsigo no -
deserto oTabernaculo doTestemunho,
conforme lhes havia Deos ordenado,
dizendo a Moysés que o fizefle , segun-
do o modêlo que vira.
45- E nossos pais , depois de o te-
rem recebido , o levárao debaixo da con-
ducta de Joíué á terra , que havia lìdo
possuida das Naçóes , que Deos expul-
sou á vista delles. E alli perseverou até
o tempo de David,
46 O qual achou graça diante de
Deos , a quem pedio , que o deixaíTe
edi-
(e) Vós tomastes 0 pavilbão de Molocb. A Vul-
gata Latina de Amôs, v. 26. diz , nós levas
ses. E Moloch , que íìgnifica Rei , era huma
Estatua vasada , que tinha a cabeça de novi-
íhò , e as mãos estendidas a modo de quem
ueria receber alguma cousa. Os Sacerdoces
cppis de lhe metterem fogo nas fete conca-
vidaJeSj que tinha , punhão-lhe nas mãos por
offerta a feus filhos, que alli erão queimados
yivos. Amjeloxe.
Capitulo VII.
edificar huma morada fixa ao Deos de
Jacob.
47 Salamão com tudo he que foi,
o que edificou hum Templo.
48 Mas oAltislimo não habita em
Templos, feitos por mão cie homens,
conforme esta palavra do Profeta:
49 O Ceo he o meu Throno , e a
terra o escabéllo de meus pés. Que ca
sa me edificareis vós, diz o Senhor, e
qual poderá ser o lugar do meu des-
canço ?
5-o Não he a minha mão , a que
fez todas estas cousas?
51 Homens de dura cerviz, e que
estais por circumeidar no coração, e nas
orelhas : vós sempre resistis ao Espirito
Santo , e sois inteiramente como forão
vossos pais.
$2 Que Profeta houve, a quem vos.
sos pais não perseguissem ? Elles matá-
rao aos que lhes predizião a vinda do
Justo, a quem vós acabais de entregar,
e de quem vós fostes os homicidas.
53 Vós ? que recebestes a Lei por
mi-r
58 Os Actos dos Apostolos,
ministerio dosAnjos, eque anaoguar-
dastes.
54 Aoouvir estas palavras, enchê-
rao-se elles de raiva , que lhes despeda-
çava o coraçáo , e rangião com os den
tes contra elle.
5' <y Mas Estevao , cheio do Espiri-
to Santo , olhando para o Ceo vio a
Gloria deDeos, e ajesus empé ámao
direita de Deos. E disse : Eis estou eu
vendo os Ceos abertos, e o Filho do
homem em pé á máo direita de Deos*
$ 6 Entao elles levantando huma
grande grita , (/) tapárão as orelhas,
e todos juntos arremettêrão a elle com
su ria.
5-7 E tendo-o lançado fóra da Ci-
dade , o apedrejaváo ; e as testemunhas
(g) depozerao os feus vestidos aos pés
de hum moço, que sechamava Saulo,
58 E apedrejaváo a Estevao , que
in-
(f) Tapárao as orelbas. Acção de quem não
queria ouvir blasfemias. Phreira.
Cê) Depozerao os seus •vestidos. A fim de fi-
caiem mais desembaraçados para 0 apedreja-
rem. Calmet.
Capitulo VII. e VIII. S9
itivocava a Jesus , e dizia : Senhor Je
sus, recebe o meu espirito.
59 E tendo-se posto de joelhos , diC-
se gritando : Senhor, (h) náo lhes im
putes este peccado.
£o E ditas estas palavras, dormio
no Senhor. He de saber, que Saulo ti-
nha consentido na morte de Esteváo.

CAPITULO VIII.
Perseguiçao contra os Fieis. Todos se des
mantelao para diverjas partes , a exce-
pçaodos Apostolos. Saulo devasta algrt*
ja. Filippe baptiza a muitos em Sama-
ría. Pedro , e Joao sao allì enviados pa
ra lhes dar o Espirito Santo. Simao quer
comprar por dinheiro o poder de o dar
aosoutros. Pedro oreprehende dijso. Fi
lippe he enviado a hum Grande da Ethio-
pia. Elle o instrue pelo caminho , e o ba
ptiza. EumAnjo leva Filippe a Azot.

i A O mesmo tempo se levantou


JTJl huma grande perseguiçao con
tra
(i) Nao lbes imputes este peccado. Si Stcpbanui
nonoraffet , Ecclesia Paulum non baberet: Se Es
tevão não rivera orado , não teria a Igreja a
hum Paulo. S. Agostinho. .
6o Os A.CTOS DOS Apostolos,
tra a Igreja de Jerusalem : e todos os
Fieis, excepto os Apostolos , sedesman-
telárao para diversos lugares dejudéa,
e de Samaría.
2 (a) Todavia alguns homens timo-
ra-

Todavia alguns bomtns timoratos , <&c. Na


Relação , que corre authentica do Achado das
Reliquias do Santo Proto-martyr, diz Gama-
liel , apparecendo ao Presbytero Luciano , que
foi o que a escreveo : Que depois de mono
ciìivera o corpo de Santo Estevão por enter-
rar hum dia , e huma noite ; quando por di-
Iigencia do mesmo Gamaliel o levârão alguns
bons Christãos em hum coche feu a sepultar
numa casa de campo , que elle Gamaliel
tinha sete leguas de Jerusalem ; e que tam-
bem corrêrão por sua conta as exequias , que
se Ihe flzerão por quarenta dias. Neste mes
mo íepulcio forão depois depofitados com Ni-
codemos o mesmo Gamaliel , e feu fìlho Abi-
bas. E pordivina revelação, feita ao Presby
tero Luciano em Jerusalem , forão achadas as
ofladas de todos no anno 415. sendo Arcebis-
po daquella Cidade João , Successor de Pray-
lo, e Antecessor de Junenal ; e vivendo nel-
la havia annos o nosso Ávito , Presbytero de
Braga, quenesta mesma occasião escreveo ao
Arcebispo Balconio , e a todo o Clero Braca-
rense huma Carra , em que dá noticia do Acha-?
do das Reliquias do Proto-martyr , e manda
parte délias porOrosio, Presbytero 4a mefma
Capitulo VIII. 61
ratos tomarão ao seu cuidado , tildo
quanto pertencia ao funeral de Estevão,
(b) e fizerao sobrelle grandes pran
tos.
3 Entretanto devastava Saulo a Igre
ja , entrando nas casas, e tirando del-
las por força homens , e mulheres , pa
ra ferem aprizionados.
4 Mas os que andavão disper
sos , annunciavão a palavra de Deos em
toda a parte , por onde passavão.
5 Filippepois tendo vindo para as
Gi-
Igreja. Mas náo consta que ellas chegassem
effectivamente a Braga , por Orosio as levar
á Ilha de Menorca. A Relaçáo de Luciano an
da no Appendix do Tomo VII. das Obras de
Santo Agostinho da Ediçáo de S. Mauro. Ve-
ja-se Tillemont , Tomo II. em Santo Este
váo , Art. v. e vi. Pereira.
(o) E fzerffo sobrelle grandes prantos. Espece
de honra , que os Orientaes costumavão pra
ticar com os defuntos de qualidade. Maior hon-
la porém foi , a que Deos deo ao Proto-mai-
tyr , quando depois de descuberta a sua ossa
da , e trazida a Africa parte das suas Relí
quias , obrou o Senhor por ellas muitos , e
estupendos milagres , que Santo Agostinho re
fere , e celebra no Livro xxn. da Cidade At
Dtos, Cap. 8. e na Carta cm. Pereira.
6z Os Actos dos Apostolos,
Cidades de Samaría , prégava-lhes aje-
su Christo.
6 E os póvos estavao attentos ao
que Filippe lhes dizia , e o escutavao
corn hum mesmo ardor , vendo os pro-
digios que fazia.
7 Porque osespiritos immundos se
sahiãp dos córpos de muitos posséssos,
dando grandes gritos.
8 E muitos, que erão paralyticos,
e coxos , forão curados. .
o Isto encheo de íumma alegria a
Cidade. (c) Havia nella hum homem,
por nome Simáo , que antes tinha ex-
ercitado a mágica , e enganado ao po-
vo
(f) Havia nella bum bomem , por nome Simão.
Santo Epifanio o faz natural daAldea de Git-
ton na Samaría. E segundo refère S. Jerony-
mo, elle sejactava de fer aPalavra deDeos,
o Especioso dos Salmos de David , o Para-
cleto , o Omnipotente , o Tudo de Deos : Ego
sum Sermo Dei , ego Jum Speciosus , ego Paraclt»
tus , ego Omnipotens , ego Omnia Dei. Accrescen-
ta Santo Agoiìinho , que Simão se fazia fer
o Meflias , e tambem Jupiter ; e que huma
amiga que tinha , chamada Helena ,\era a Mi-
nerva, ou a primeira Intelligencia , ou o Es-
pirito Santo. P^reira.
Capítulo VEL' 63
vo Samaritano , dizendo , que elle era
huma cousa grande.
io De maneira, que o seguião to
dos, desde o maior até o mais pequeno,
dizendo : Este he a grande virtude de
Deos.
n E o que fazia que elles o se
guissem , era que Simão de muito tem-
to os tinha dementado com os seus en
cantos.
12 Porém depois que crerão o que
Filippe lhes annunciava do Reino de
Deos , (d) forão baptizados homens , e
mulheres em nome de Jesu Ghristo.
En-
(£) Forao baptizados em nome de Jesu Cbristo.
Ailim mesmo mais adiante no verso 16. Mas
[ámente tinbão Jido baptizados em nome do Senbor
Jesus. E no Cap. X.' verso 48. E mandou que st
baptizaffem em nome do Senbor JesuCbriJlo. E já
no Cap. II. verso 38. ouvimos de S. Pedro : £
caia bum de vós seja baptizado em nome de Jesu
Cbristo. Destes , e doutros semelhantes lugares
deite Livro colhêráo alguns Padres antigos ,
que não obstante a fórma do Baptismo em no
me do Padre, e do Filho, e do Espirito San
to , que Jesu Christo mandara usar na admi
nistraçáo deste Sacramento ; baptizaráo os A-.
postolos a muitos , dizendo fomente •' Eu te
64 Os Actos dos Apostolos,
13 Então creo tambem o mesmo
Simão: e depois que foi baptizado, an-
da-

baptizo em nome de Jesu Cbristo ^ ou em nome do


Senbor Jesm. Por este sentimento allega o Pa
pa Nicoláo I. na Resposta aos Bulgaros a San
to Ambrofio no Livro 1. do Espirito Santo ,
cap. 3. O que fez tanta força a Alexandre de
Hales , e depois delle a Santo Thomaz , que
dando ambos o fasto por certo , recorrem pa
ra tirar a diifìculdade , que logo pulsa , a dizer
que os Apostolos o fizeráo por dispensa , que
para isso tiverão , e pelo muito que entáo im
portava que folTe hontado , e respeitado o nome
de Jesu Christo. (DcHales, Parte IV. qu. 13.
ao 8. Santo Thomaz , Parte III. qu. 68. art. 6.)
Sem consideraçáo a dispensa alguma , e
fundados fomente na authoridade , e exemplo
dos Apostolos , ensinaráo antes , e depois de
Santo Thomaz muitos Escolasticos , que em
todo o tempo , e ainda hoje feria válido o
Baptismo conferido somente em nome de Jesu
Christo , sem exprimir o Pai , nem o Espiri
to Santo. Aflim Hugo de S. Victor no Livro I.
dos Sacramentos, cap. 13. o Mestre das Sen
tenças Pedro Lombardo no Livro IV. Dist, 3.
Hadriano a este lugar de Mestre das Senten
ças : Caetano ao lugar apontado de Santo Tho
maz , e outros. E o mais notavel he , que
do mesmo parecer forão os Padres do Conci
lio de Frejus , celebrado nos fins do seculo
oitavo ; o Papa Nicoláo I. na sobredita Re
sposta, ou Inltrucçáo Dogmatica , dada- aos..
. - . C A P I T U LO VIII. ' 6$
.dava unido a Filippe. E vendo os pro
dígios, e grandiíEmos milagres , que se
Tom. III. E ». , fa-

Consulentcs da Bulgaria; S. Bernardo na Epis


tola a Hentique Bispo de Orleans; e os Pa
dres do Concilio de Nismos do anno de 1284.
Isto não obstante , como por huma parte
parece incrível e ainda dissonante , que os
Apostolos começaflem a administrar o Sacra
mento mais necessario , alterando a forma , x}ue
Christo lhes prescrevêra , e que he expressa
no fim do Evangelho de S. Mattheus : Ê co
mo por outra parce todo o fundamento daquel-
les Padres , e Theologos, são os lugares aci
ma referidos , onde aquelle em nome de Jesu
Cbristo he naturaliffimo entender-se pelo mes
mo que , em virtude de "Jesu Cbristo , ou segun
do a sorma , que Jesu Cbristo instituira : Corre
hoje a doutrina contraria não só por mais se
gura , mas ainda por mais provavel , e mais
bem fundada. Sobre a qual me remetto a Gui
lherme Estio no iv. das Sent. Dist. 4. §. 5. a
Natal Alexandre na Dissertaçáo xni. sobre a
Historia Ecclesiastica do terceiro íeculo ; e aos
Benedictinos , que illustráráo de doutistìmas
.Notas as Obras de Santo Ambrosio , e de São
Bernardo. E só accrescento , que a opiniáo de
"Caetano foi riscada das suas Obras na segun
da Ediçáo , que delias se fez em Roma : se
bem que Hadriano imprimindo as suas na mes
ma Roma em 1522. em que era Summo Pon
tífice , náo lhe pareceo que deva emendar
nada. Pereira.
66 Os Actos dos Apóstolos,
faziao , estava por isso cheio de pasmo ,
e em extremo admirado.
14 Os Apostolos , que viviâb
em Jerusalem , tendo ouvido que a
Samaria recebera a palavra de Deos ,
mandarão- lhes lá a Pedro , e a
João. . '
15- Os quaes como chegarão , fize-
rão oração por elles , a fim de recebe
rem o Espirito Santo.
16 Porque elle ainda não tinha des
cido sobre nenhum ; mas fómente tinhão
lido baptizados em nome do Senhor Je
sus. .
17 Então lhes impozerao as mãos,
e elles receberão o Espirito Santo.
18 Quando Simão vio que se dava
o Espirito Santo por meio da imposição
da mão dos Apostolos , offereceo-lhes
dinheiro, e disse-lhes:
' 1 9 Dai-me tambem a mim este po
der , que os a quem eu impuzer as mãos^,
recebão o Espirito Santo. .Mas Pedro
lhe disse : ' ' i í'
.'ao.. O teu dinheiro pereça comti
Capitulo VIIL 67
go , huma vez que tu te persuadiste ,
que o dom de Deos se podia adquirir
com o dinheiro.
21 Tu não tens parte , nem forte
alguma, que pretender deste ministerio :
porque o teu coração não he leclo di
ante de Deos.
22 Fazepois penitencia desta mal
dade : e roga a Deos , que se he posfí-
tcI , te seja perdoado este máo pensa
mento de teu coração.
23 Porque eu vejo que tu estás num
fel de amargura, e prezo nos laços da
iniquidade.
24 A isto refpondeo Simão : Rogai
a Deos, que não venha sobre mim na
da do que me diííestes.
25- Pedro , e João tendo dado tes
temunho ao Senhor , e annunciado a
sua palavra , tornarão para Jerusalem ,
pregando o Evangelho cm muitos lu
gares de Samaria. - 0
26 Neste mesmo tempo o Anjo do
Senhor fajlon a Fili^pe , e lhe disse:
Levanta-te, e vai contra o Meio Dia,
..-.'« - Eii ca-
6*8 Os Actos DOS Apostolos,
camìnhO de Jerusalem a Gaza , (e) que
he deìerta.
27 Elle levantando-se, partio. Ora
hum Ethiope Eunuco , que era dos pri-
-nieiros Officiaes (/) deCandáce, Rai-
nha da Ethiopia , e^Superintendente Ge
ral do seu Erario, tinha vindo à Jeru
salem por fazer à sua àdoraçao.
28 Equando já voltava, hia aflen-
tado no feu coche lendo no Profeta
Isaias. . ; .
29 Entao disse o Efpirito a Filip-
pe: Chega , e aj un ta-te a este coche.
Cor-

(e) Que be deserta. Aílim as Versées de Sa-


ci , de Mons , de Cahnet , e outras. Amelote
porém seguindo ao Chrysostomo , applica o
deserta não á Cidade , mas ao caminho. Pe-
REÏRA.
(/) De Caniáce , Rainba da Etbiopia. Mujto
antes do que depois adoptárão os modcrnos
Expositores , notára o nofïò Barros na Tercet-
ra Decada, Livro ÍV. cap. z. que Ethiopia se
deve aqui tomar pela Ilna Méroe do Rio Ni-
,lo , ha parte mais meridional do Egypto : e
.que Caniáce não era entre aquellas Rainhas
rìome proprio, mas titulo commurh, como o
de Faraó entre os Reis Egypcios, e Cesar en
tre, os Emperadores Romanos. Pbreiba.
!
Capitulo VIII. 6$
30 Correo logo Filippe ; e ouvin
do que o Eunuco lia no Profeta Isaias
disse-lhe : Tu crês que entendes o que
estás lendo ? ,1 1 v-
31 Elle lhe respondeo : Como o po
derei eu entender , se não houver al
guem , que mo explique ! E rogou ai
Filippe que montasse , e se assentasse
com elle.
32 Ora a passagem da Escritura ,
que o Eunuco lia , era esta : Elle foi le- isii.
vado como huma ovelha ao matadou- 7'
ro: e elle como hum cordeiro, que es
tá mudo diante de quem o tosquia, não-
abrio a sua boca.
33 Elle na sua humiliação foi livre
do supplicio. Quem poderá contar a-
sua geração ? pois que a sua vida será
tirada da terra.
34 O Eunuco pois pegando na pa
lavra , disse para Filippe : Peço-te' que
me digas , de quem falla aqui o Profe
ta? Se de si meímo, ou de outrem?
3S- Então Filippe abrindo a boca,
começou por este lugar de Isaias a an-
nustciár-lhe a Jesus. Con-
jo. Os Actos dos Apostolos,
3 6 Continuando elles o feu cami
nho » chegarão onde havia agua , e dis
se o Eunuco : Eis-aqui temos agua : que
embaraço ha, para que eu não seja ba
ptizado ?
37 Nenhum, lhe respondeo Filip
pe , com tanto que tu creias de todo o
coração. Pois eu creio , disse elle, que
Jesu Christo he o Filho de Deos.
38 Logo mandou o Eunuco parar
o coche ; e tendo ambos descido á agua ,
Filippe o baptizou. .
3 9 Tanto que elles sahírão da agua ,
arrebatou o Espirito do Senhor a Filipa
pe , e o Eunuco o não vio mais ; po
rém continuava o seu caminho muito
alegre.
40 Entretanto Filippe se achou em
Azot , e prégava o Evangelho em to
das as povoações , por onde passava,
até que yeio a Çesaréa.
- 71
CAPITULO IX.
A conversão de Paulo. Oseu baptismo. An-
nuncta a Jesu Christo na Synagoga dg
Damasco. Deos o livra das filadas dos
fudeos. Barnabé o leva a "Jerusalem aos
Apostolos. Paulo se retira a Tarso, .Pe
dro cura a hum paralytico , e refuscità
huma mulher defunta.

ï TT* Ntretanto Saulo não respiran-i-


X^rf do ainda senão ameaças , e mor
tes contra os Discípulos do Senhor,
veio ter com o Summo Pontífice ,
2 E pedio-lhe cartas para as Syna*
gogas de Damasco : com o fim de que ,
se achasse alguns desta crença , ou fos
sem homens , ou mulheres , os trouxes
se prezos a Jerusalem.
3 Mas quando elle hia no caminho ,
e estava já perto de Damasco, eis-que
de repente o cercou huma luz do Ceo ,
4 A cujo golpe cahindo por terra ,
ouvio huma voz, que lhe dizia: Saulo,
Saulo, porque me persegues?
5- Perguntou elle : Quem es tu , Se
nhor? E o Senhor lhe respondeo : Eu
sou
72 Os Actos dos Apostolos,
fou Jesus , a quem tu persegues : (a)
Dura cousa he para ti recalcitrar cond
ira o aguilháo.
6 Então tremente , e attonito dis
se: Senhor, (b) que queres tu que eu
faça ?
7 E o Senhor lhe respondeo : Le-
vanta-te , e entra na Cidade , onde se
. tq dirá o que deves fazer. A este tem
po os homens , que o acompanhavão ,
es,"

(a) Dura cousa be para ti , <&c. Modo de


falíar , tomado- dos bois prezos a» jugo, e ti
rando do carro : os quaes ao picallos a agui-?
Ilíada, quanto majs estrabuxão, tanto mais se
ferem , e tanto mais o ferro se lhes crava per
lo couro. Aflim Saulo , quanto mais resistia
ao estabelecimento da Igreja , tanto mais a seu
pezar a fortalecia Deos. Calmbt.
Os) Que queres tu que eu faça ? Num instan
te fez a divina graça de hum perseguidor hum
Apostolo. Nas conversões ordinarias obra a gra*
ça por partes. Primeiramente começa pelo te
mor j que incute : ao temor seguc-se hum amor
imperfeito : por ultimo humà completa cari
dade dá fim á obra. Mas aqui de hum golpe
triunfa a graça do coraçáo de Saulo. E he es
te milagre da graça o effeito mais sensivel ^
que do seu poder , e efficacia nos offeiece ar
Escritura. S. Agostinho,
Capitulo IX.' 73
estavão espantados ; porque ouvindo a
voz, não vião a pessoa que fallava. :-, ;
8 Levantou-se pois Saulo da terra ;
e tendo os olhos abertos , não via na
da. Affim elles o levarão pela mão , e
o introduzirão em Damaíco.
9 Aqui esteve tres dias sem ver , sem
comer, e sem beber.
10 Ora em Damasco havia hum
Discípulo, chamado Ananias , ao qual
disse o Senhor em huma visão : Ana^-
nias; E elle acudio , dizendo : Eis-me
aqui, Senhor.
11 O Senhor ajuntou : Levanta-te ,
e vai á que se chama Rua Direita , e
procura em casa de Judas a hum ho
mem de Tarso, chamado Saulo , pois
elle lá está em oração.
12 Neste mesmo tempo via Saulo
que entrava hum homem , por nome
Ananias , e que lhe impunha as mãos
para recobrar vista.
13 Respondeo Ananias : Senhor,
eu tenho ouvido dizer a muitos, quão
cruamente este homem se tem havi-
do"
74 Os Actos dos Apostolos ,
do contra os vossos Santos em Jerusa
lem.. ... . :
14 E este he o que recebeo dos Prin
cipes dos Sacerdotes poder , de trazer
prezos todos quantos invocão o teu no
me. . . . !
if O Senhor lhe replicou : Vai,
(e) que este he hum vaso , que eu es
colhi, para levar o meu nome ante os
Gentios, ante os Reis, e ante os filhos
de Israel/ ; •
16 Porque eu lhe hei de mostrar,
quanto de tribulações , e de tormentos
importa que elle soffra , por amor do
meu nome.
17s - Partio pois Ananias: e entrado
que foi na tal casa, impoz-lhe asmãos,
e lhe disse : Irmão Saulo , o Senhor Je
sus me enviou, para que tu recobres a
vis-
.(e) Que este be bum vaso , que eu escolbi. As
sim o traduzi á letra , por conservar huma me
tafora consagrada pelo Espirito Santo neste,
e n'outros lugares do Testamento Novo. Ao
mesmo tempo reconheço , que os que por va
so vertem aqui instrumento, (que são todos os
que costumão allegar) dão toda a força ao sen
tido , em que falia o Senhor. Pbriíira.
.. . Capitulo IX. 75-
vista , e fiques cheio do Espirito San
to.
18 No mesmo ponto lhe cahírão
dos olhos humas como escamas , e elle
recuperou a vista ; e tendo-se erguido ,
recebeo o baptismo. . t
19 Depois comeo, e recobrou for
ças: e em companhia dos Discípulos se
deteve em Damasco alguns dias. , ; '
20 E logo se poz a pregar de Je
sus nas Synagogas , asseverando que elle
era o Filho de Deos. ',
21 Todos os que o ouviao ficavao
pasmados , e dizião : Não he este aquel-
le, que tão empenhadamente perseguia
em Jerusalem aos que invocavao este
nome , e que veio aqui para os levar
prezos aos Principes dos Sacerdotes?
22 Porém Saulo cada dia se fazia
mais forte , e punha em confusão aos
Judeos , que habitavão em Damasco,
provando-lhes que Jesus era o Qiristo.
23 Muitos tempos depois resolvéV
rão osjudeos de commum conselho ma-
íalío, '.
For
76 Os Actos dos Apostolos,
24 Forao entendidas de Saulo as
íìladas , que elles lhe armaváo. E por-
que de dia , e de noke o vigîavao ás
porras para o matarem;
25' - Tomárao os Discipulos conta
delle , e de noite o baldeárão pela mu-
ralha, mettido numa alcofa.
26 Tendo chegado a Jerusalem,
procurava Saulo ajuntar-se de compa-
nhia com os Discipulos ; mas rodos o
temião, nao crendo que elle fosse Dis-
cipulo.
27 Entao Barnabé levando-o com-
Jîgo , o apresentou aos Apostolos : e
contou-lhes como oSenhor lhe appare-
cêra no caminho ; o que este lhe disse
ra ; e como depois em Damasco fallára
com toda a liberdade emnome dejesus.
28 Ficou pois vivendo com elles
em Jerusalem , fallando com toda a con-
fiança em nome do Senhor.
29 Fallava assim mesino aos Gcn-
tios, e disputava com os Judeos Grc-
gos: e estes buscavao modo de dar ca-
bo delle.
O
Capitulo IX. ' 77
30 O que tendo sabido os irmãos,
fizerão-no conduzir a Cesaréa, e man-
dárão-no para Tarso.
31 Por este tempo estava a Igreja
em paz por toda a Judéa , Galiléa , e
Samaria : e ella se edificava , indo pelo
caminho do temor deDeos, eera cheia
da consolação do Espirito Santo.
32 Ora aconteceo , que como Pe
dro andava de Cidade em Cidade visi
tando a todos , veio tambem ver os San
tos, que habitavão em Lydda.
33 Aqui achou a hum homem cha
mado Enéas , que havia oito annos ja
zia na cama paralytico.
34 E Pedro lhe disse : Enéas , o Se
nhor Jesu Christo te cura : levanta-te,
e faze-te tu mesmo acama. E no mes
mo ponto elle se levantou.
35- Todos os que habitavão emLid-
da , eerh Sarona , virão curado este ho
mem, e se converterão ao Senhor.
36 Havia> tambem emjoppe entre
os Discípulos huma mulher , chamada
Tabitha, ou Dorcas, segundo os Gre
gos

1
78 Os Acros dos Apóstolos ,
gos explicáo este nome. Estava ella cheia
de boas obras , e de esmolas que fazia.
3 7 Neste tempo cahio enferma , c
morreo. (d) E depois de a lavarem,
pozerao-na em hum quarto alto.
38 E como Lydda estava perto de
Joppe, os Discípulos ouvindo que Pe
dro Ia' estava , enviárâo-lhe dous ho
mens , pedindo-Ihe que tivesse o traba
lho de vir a elles sem perda de tem
po.
3 9 Partio Pedro logo com os dons :
e chegado que foi , o conduzirão ao
quarto superior , onde todas as viuvas
se lhe apresenrirão chorando , e mos-
trando-lhe as faias, e os vestidos, que
Dorcas lhes fazia.
40 Neste passo mandou Pedro sa-
hir todos para fora , (e) e se poz de
joe-
(á) E depois de a lavarem. Segundo o costu
me , que então era geral entre os Hebreos ,
Gregos , e Romanos ; e que ainda hoje se pra
tica entre nós nalgumas partes , e principal
mente nos Mosteiros. Pbreira.
(e) E se por. de joelbos a sazer oraçãa. Pois -
que? Não he este o mesmo Pedro , que há-
via pouco tinha curada era Lidda a hum pa-
Capitulo IX. 79
joelhos a fazer oração. Depois voltan-
do-se para o corpo, disse: Tabitha, le-
vanta-te. Abrio ella os olhos ; e tendo
visto a Pedro, se assentou.
41 Pedro lhe deo logo a mão , e
ella se levantou. E havendo chamado
os Santos , e as viuvas , elle lha deo
viva. ,»..-.-
42 Este milagre foi sabido em to
da a Cidade î e forão muitos os que
crêrão no Senhor. ' '
43 E Pedro se deixou ficar emjop-
pe por muitos ,<JiasTí em casa de hum
curtidor de pelles, chamado Simão.

CA-
ralytico de oito annos ; e que só com a sua
sombra sarara de caminho outros muitos en
fermos ? Como logo aqui para obter de Deos
a resurreição de Tabitha , manda sahir todos
para fóra , e se põe de joelhos :a orar ? He
para que entendamos, que ó dom de milagres
náo he graça , que esteja sempre na mão dos
Santos; e que tudo o que elles obrão, he in
teiramente dependente da vontade de Deos.
Pereira.
8o Os Actos dos Apóstolos,

CAPITULO X. \ . '
Hum Jlnjo adverte a Cornelio , que mande
chamar Fedro a Joppe. Vê Pedro des
cer do Ceo buma como grande toalha ,
sustida pelas pontas , em que havia to-
1 da a casta de animaes immundos. Recu-
' sando Pedro comer dettes , Deos lhe diz ,
que elle os tinha purificado. Daqui -vem
fliconhecer Pedro , que se devido : rece-
. her na Igreja os Gentios. Vai a casa
de Cornelio , e annuncia-lhe a Jesu Chri-
sto. Desce o Espirito Santo sobre Corne-
' lio , e sobre os seus. O que vendo Pe
dro y baptiza a todos.

ï T T Avia (a) em Cesaréa hum ho-


X JL mem , (b) por nome Corne
lio ,
(/i) Em Cesarea. Como S. Lucas a nomea sim
plesmente Cesaréa , sem acerescentar de Filip-
j>e ; discorrem Amelote, e Calmer , que era a
Cesaréa Cidade marítima , que distava de Jeru
salem obra de vinte e finco leguas , e que de
pois foi Metropole Ecclesiastica da Palestina,
em quanto se náo erigio no quinto seculo o
Patriarcado.de Jerusalem. Pereira.
(£) Por nome Cornelio. Este nome per si mes
mo está dando a conhecer hum homem Ro
mano j ou. ao menos natural de Italia* Cal-
MET. ...M.- ,
Capitulo X. 8r
h'oj que era Centurião (c) na Cohorte
chamada Italiana.
2 Era este (d) hum homem religio*
so, e temente a Deos com toda a sua
família : fazia muitas esmolas ao povo ,
e erão incessantes as suas orações a Deos.
3 Hum dia quasi á hora de Noa
vio elle claramente . numa visão a hum
Anjo de Deos , que se lhe apresento»
diante , e lhe disse : Cornelio.
Tom. HL F En-

(í) Na Coborte cbamada Italiana* O exercito


Romano compunha-se de muitas Legiões , e
cada Legiáo de muitas Cohortes , e cada Co
horte de quinhentos' homens. Calmet.
(4) Hum boment religioso , é>'c. Daqui se co*
ahece , que Cornelio , ainda que era Gentio
de Naçáo , náo o era na crença ; mas conhe
cia, e adorava o verdadeiro Deos , sem cor»
tudo fazer Profissão do Judaísmo. E este? eráo
os que na frase dos Judeos le chamavão Pro-
silytos da porta ; porque para orarem no Tem*
pio de Jerusalem , tinháo nelle atrio separado.
E esta fé em Deos , que Cornelio tinha , era
sem dúvida fé sobrenatural. Doutra forte náor
seriáo agradaveis a Deos as suas orações , c
esmolas , como o Anjo attestou que o eráo.'
Porque como ensina S. Paulo na Carta aos He-
breos , sem sé he impoffwel agradar a Deos.' Pe4*
«eira. -. .
82 Os ÁCTOS dos Apostolos,
4 Entáo salteado de temor com a
vîsta do Anjo, disse elle: Senhor, que
he o que ordenas de mim? O Anjo lhe
respondeo: As tuas oraçóes, e as tuas
efmolas (e) subírao á presença de Deos ,
e elle se lembrou dellas.
5- Envia pois desde logo, quem te
vá buscar ajoppe hum Simao, por so
fa renom e Pedro,
6 Que esta hospedado cm caíà d'hurri
cnrtidor de pelles , chamado Simáo , cu-
ja casa he á borda do mar. Este te di-
rá o que importa que faças.
7 Retirado o Anjo, que Ihè fal la
va , chamou Cornelio a dous de feus
domesticos , e a hum soldado temente
a Dcos , do número dos que lhe obe-
deciao j E
(e) Subírao ápresença de Deos. Não dava Cor
nelio esmolas , nem fazia orações , sem ter al
luma fé ; mas se elle pudefíe fer salvo sem a
ié cm ]esu Christo , não seria mandadò por
arquitecto para o edificar o Apostolo Pedro.
Non, fine aliqua fide donabat , <é>- orabat Corne-
liust-sed fi poffet fine Jide Cbrifii effesalvus, non
ad eum eiìficandum mittereiur arcbiteflus Apojio-
lus Petrus, S. Agostinho no LiVro Da Pre-
deJii?iaçdo dos Santos , cap. 71.
\
Capitulo X. 83
8 E depois de lhes contar qrtanto
tinha passado , os enviou a Joppe.
o Ao dia seguinte , quando elles hião
no caminho, e se avizinhavão á Cida
de , subio Pedro aos altos da casa para
orar, perto da hora de Sexta.
io E como tivesse fome, quiz co
mer. Mas ao tempo que lho prepara
rão , sobreveio-lhe hum rapto de espi
rito:
u E vio os Ceos abertos , e hu->
ma como grande toalha de meza , (/)
que suspensa pelos quatro cantos , des
cia do Ceo á terra :
12 Na qual havia toda a casta de
animaes quadrupedes , de serpentes da
terra, e de aves do Ceo.
13 E ouvio huma voz , que lhe
disse: Levanta-te, Pedro, mata, e co8*
me.
14 Mas Pedro respondeo: Disperi-
F ii sa-
(/) ô?f suspensa peios quatro caritos. Por es
tes quatro cantos , ou quatro angulos da toa
lba se significava, que a graça do Evangelho
fe estendia às quatro partes do' Mundo. S. A-
GosTiNHO no Sermáo III. sobre o Salmo
84 Os Actos dos Apostolos,
sa-me , Senhor ; porque eu nunca comi
cousa , que fosse impura , nem sórdida.
15' E a voz tornou ainda a dizer-
Ihe segunda vez : Não chames impuro
ao que Deos purificou.
1 6 Succedeo isto pois tres vezes : de
pois do que , se recolheo a toalha ao Ceo.
17 Estando Pedro suspenso , sobre
que poderia significar esta visão ; eis-que
os mensageiros, que Cornelio enviara,
tendo inquirido onde era a casa de Si
mão, apparecêrão á porta.
18 Chamárão , e perguntarão , se
era alli , onde estava hospedado hum
Simão, por sobrenome Pedro.
19 Entretanto estando Pedro consi
derando na visão que tivera , disse-lhe
o Espirito Santo : Eis-ahi te procurão
frcs homens.
20 Levanta-te pois , desce , e não
ponhas difficuldade a ir com elles , por
que eu sou quem os mandei.
21 Defeco logo Pedro a ver os ho
mens , e disse-lhes : Eu sou aquelle , a
quem vós buscais j qual he a causa da
vofia vinda ? . Re-
Capitulo X. 85-
22 Responderão elles : Cornelio
Centurião , (g) homem justo , e temen
te a Deos , segundo o testemunho , que
delle dá toda a Nação dos Judeos , foi
advertido por hum santo Anjo, que te
mandasse chamar a sua casa , e que ou
visse as tuas palavras.
23 Pedro pois fazendo-os entrar,
os hospedou , e ao dia seguinte partio
. . com
(gf) Homem justo , e temente a Deos. Não de
vemos reprovar , que começasse hum homem
a ser justo , antes de ser incorporado na Igre-
ser Cornelio j primei-
Povo Christáo. Nem
se deve pois reprovar a sua justiça ; porque
se ella se deveíse reprovar , não lhe diria o
Anjo : Forão a Deos acceitas as tuas esmolas ,
e foráo ouvidas delle as tuas orações. Nem se
deve dar por suisíciente para alcançar o Rei
no dos Ceos ; porque se o fosse , não feria el
le avisado, que mandasse chamar a Pedro: Non
iebetws improbare juftitiam bominis , que prius
tjfe expit , quam conjungeretur Ecclefia , Jtcut effi
tteperat justitia Cornelii , priusquam ipse effet in
plebe Cbristiana. Que neque st improbaretur non dixis-
set ti Angelus , accepta sunt eleemosyne tua , ó'
exaudit£ sunt orationes tue; neque fi sufficeret ad
capeffendum Regnum Cœlorum , ut ad Petrum mi(-
teret , moneretur. S. Agostinho no Livro IV.
Ih Baptismo contra es Donatijìas , cap. il.
B6 Os Actos dos Apóstolos,
com elles : e alguns dos irmãos , que
vivião em Joppe, o acompanhárão.
24 Ao outro dia chegarão a Cesa
rea , onde Cornelio o estava esperando
com os seus parentes , e amigos mais
íntimos , que para isso tinha convoca
do.
25- Ao entrar Pedro, veio Corne
lio a recebello ; e lançando-se a seus
pés, o adorava.
26 Mas Pedro o levantou , dizen
do : Levanta-te , que eu tambem sou
homem :
27 E conversando com elle, entrou
na casa , onde achou muitas pessoas,
que tinhão concorrido.
2 8 Então lhes disse Pedro : Vós bem
sabeis , que para os Judeos he huma cou
sa de grande horror unirem-se com es
trangeiros , ou entrarem-lhes em caía.
Mas Dcos me mostrou, que eu não de
vo reputar impuro, nem sórdido a ho
mem nenhum.
29 Pelo que, como vós me cha
mastes, nãopuz eu dificuldade nenhu
Capitulo X. 87
ma em vir. E aíîìm peço-vos, que me
digais, por que me chamastes?
30 Entáo lhe disse Cornelio: Hoje
faz quatro dias , que estando eu oran
do em minha casa á hora de Noa , de
repente se me poz diante dos olhos hum
homem vestido de branco, que me dis
se:
31 Cornelio, a tua oração foi ou
vida , e Deos se lembrou das tuas es*
molas.
3i Manda pois ajoppe, efaze vir
a hum Simão , por sobrenome Pedro. El
le está hospedado em casa de Simão
cnrtidor de pelles , á borda do mar.
33 Em consequencia mandei sem
demora buscar-te , e tu me fizeste ã gra
ça devir. Aqui nos tens pois todos jun
tos, para ouvirmos da tua boca o que
o Senhor te mandou que nos dissesses.
34 Então Pedro começando a fat
lar , disse : Eu conheço fer huma ver
dade certiffima , que Deos não faz ac-
cepção de pessoas;
35- Mas que em toda a Nação ar
quei»
88 Os Actos dos Apostolos,
quelle , que o teme , e obra o que he
justo, esse lhe he acceiro.
,36 Deos se fez ouvir dos filhos de
Israel , annunciando-lhes a paz por meio
de Jesu Christo , que he o Senhor de
todos.
37 Vós tendes ouvido dizer o que
ha passado em toda a Judéa , e que co
meçou pela Galiléa , depois do baptis
mo que João pregou.
38 Como Deos ungio do Espirito
Santo, e de virtude a Jesus de Nazaré:
que andando dc lugar em lugar a to
dos fazia bem , e sarava a todos , os
que se achavão opprimidos do diabo ;
porque Deos era com elle.
39 E nós fomos testemunhas de to
das as cousas , que elle obrou na Ju^
déa , e em Jerusalem. Ainda affim el
les lhe derao a morte , pregando-o num
madeiro.
40 Mas Deos o resufeitou ao terr
ceiro dia , e quiz que elle se désse a ver,
41 Não a todo o povo , mas a hiir
mas testemunhas , que Deos, tinha esco
lhi-
Capitulo X. 8?
Ihido antes de todos os tempos ; a nós ,
que comemos , e que bebemos com el-*
le, depois que resurgio dos mortos.
4a E elle nos deo ordem que pré%
gassemos , e attestassemos diante do po
vo, que elle he o a quem Deos consti-
tuio Juiz de vivos , e mortos.
43 Todos os Profetas lhe dão te&
temunho, dè que todos os que crerem
nelle , receberão por meio do seu nome
remissão dos peccados.
44 Estando Pedro ainda fallando,
desceo o Espirito Santo sobre todos , os
que ouviao a palavra.
4$\ E os Fieis circumcidados , que
tinhão vindo com Pedro , ficárão pasma
dos , por verem que a graça do Espirw
to Santo se derramava tambem sobre os
Gentios.
46 Porque elles os ouviãofallar di»
versas linguas, e glorificar a Deos.
47 Então disse Pedro : Póde-se aca
so negar a agua do baptismo a huns
homens, que receberão o Espirito San^
to* como nós?
. \. ..ív
0o Os Actos dos Apostolos ,
48 E mandou qvie fossem baptiza
dos em nome do Senhor Jeíu Christo.
Depois do que lhe pedirão elles , que
ficasse com elles por alguns dias.

C A P I T U L O XI.
Disputa dos Judeos convertidos contra São
Fedro , por elle ter tratado com os Gen
tios. Convertem-se muitos em Antioquia.
Barnabé , e Paulo sao lá enviados. Os
Fieis se chamão alli Chrijlãos. Huma
grande fome he predita pelos Profetas.
A Igreja de Antioquia ajuda com suas
esmolas a de Judéa.

1 áT^\ S Apostolos , e os irmãos , que


estavão em Judéa , (d) tiverão
nova de que os Gentios haviaó recebi
do a palavra de Deos.
2 E quando Pedro voltou a Jeru
salem, (b) os Fieis circumcidados diC-
putavao contra elle, E
(a) Tiverão nova de que os Gentios , <ùrc. Con»
trapõe-se aqui Judéa a Cesarea ; porque ainda
que esta pertencia à Palestina, os seus habita
dores pela maior parte erão Gentios , e Gre
gos, òu Assyrios. Calmbt.
' ' Çb) Qs Fieis çircumcidados disputaiao tantra
Capitulo XI. qi
3 E dizião-lhe : Por que estiveste tu
em casa de homens , que não são cir-
cumcidados , e comeste com elles ?
4 (f) Mas Pedro lhes começou a
recontar por ordem, como a coníà ha
via passado.
5- Quando eu estava , disse elle , na
Cidade de Joppe posto em oração , me
sobreveio hum arrebatamento despiriro,
e tive huma visão , na qual vi descer
do Ceo huma como grande toalha de
me-
tlle. Santo Epifanio na Heresia xxviii. cap. 2.
attesta, que o Author desta dissensáo fora Ce-
rintho , aquelle , que depois foi Heresiarca. Pfi-
RBIRA.
(c) Mas Pedro lbes começou a recontar , <ò'C
Podéra S. Pedro com a authoridade de Cabeça
visivel da Igreja repôr a estes Fieis , que as
ovelhas náo deviáo reprehender a seu Pastor ;
mas a caridade , de que S. Pedro estava cheio ,
o fez como esquecer do alto gráo , que occu-
pava na Igreja , para praticar com estes subdi
tos j o que elle depois ensinou a todos na sua
primeira Epistola : Que importa estarmos sem
pre promptos para dar razáo da nossa fé , e da
nossa esperança a todo o que no-la pedir : Pa
rati semper adsatisfattionem omni \>oscenti ws ra?
tionem reddere de ea , qug in vobis eji spe,
Petr. m. 15.) Calme*.
92 Os Actos dos Apostolos,
meza, sustida pelas quatro pontas , que
baixava, e vinha ter a mim. E olhan
do para ella com attenção , vi que ti
nha dentro allimarias terrestres de qua
tro pés , e serpentes , e aves do Ceo.
7 Ouvi tambem huma voz, que me
difle : Levanta-te , Pedro , mata , e come.
8 Respondi eu : Diípensa-me , Se
nhor, que a mim nunca me entrou na
boca cousa impura , nem sórdida.
9 E a voz tornando a fallar do Ceo ,
disse : Não chames impuro ao que Deos
purificou.
10 Succedeo isto affim por tres ve
zes : e depois todas estas cousas torna
rão a recolher-se no Ceo.
n Ao mesmo tempo tres homens,
que tinhão fido dirigidos a mim desde
Cesaréa, se apresentárão aporta da ca
sa , onde eu estava.
12 E o Espirito me disse, que fos
se eu com elles , sem pôr a isso alguma
dúvida. Estes seis irmãos , que vedes,
forao tambem comigo , e entrámos na
icasa de certo homçm ,
Capítulo Xî. 93
13 O qual tambem da sua parte
referio , como elle tinha visto em sua
casa a hum Anjo , que se poz diante
delle , e lhe disse : Manda quem vá a
Joppe , e faze vir a Simão , por sobre
nome Pedro.
14 Elle te dirá as palavras , pelas
quaes tu sejas salvo com toda a tua casa.
1 y Como eu tivesse começado a fal-
lar , desceo o Espirito Santo sobre el
les , como tinha descido sobre nós no
princípio.
1 6 Então me lembrei desta palavra ,
que o Senhor tinha dito : João bapti
zou em agua ; mas vós sereis baptiza
dos no Espirito Santo.
v 1 7 Como pois Deos lhes deo a mes
ma graça que a nós, que cremos no Se
nhor Jesu Christo ; quem era eu , para
me oppôr a Deos ?
18 Elles tendo ouvido este arrazoa-
mento, aquietarão- se , e derão gloria a
Deos , dizendo : (d) Logo tambem aos
Gen-
(d) Logo tartUttm aos Gentios , &c. Atélli es-
taváo persuadidos os Judeos Christáos , que os
94 Os Actos dos Apostolos,
Gentios participou Deos o dom da pe
nitencia , que conduz á vida.
19 Entretanto aquelles, que seha-
vião desmantelado com a perseguição,
feita na morte de Estevão, erão passa
dos á Fenicia , a Chipre , e a Antio
quia ; e não tinhão annunciado a pala
vra , senão só aos Judeos.
ao Mas alguns dentrelles , que erão
de Chipre , e de Cyrene , tendo entra
do em Antioquia , fallárão da mesma
sorte aos Gregos , e lhes annnnciárão o
Senhor Jesus.
21 E a mão do Senhor era com el
les ; de maneira , que forão em grãojiii-
mero os que crerão , e se converterão
ao Senhor.
22 Como estas conversões soarão
na
Gentios sim se podiáo salvar convertendo-se ;
mas que era por meio da circumcisâo, e obri-
gando-se a observar a Lei de Moyscs. Agora
que vem a Cornelio passar do Paganismo ao
Christianismo sem alguma destas condições , e
receber sem ellas o baptismo , a remissáo dos
peccados , a graça do Espirito Santo : cahera
finalmente na conta , e dáo por isso gloria a
Deos. Calmbt.
Capitulo XI.
na Igreja de Jerusalem , enviárão Bar
nabé a Antioquia.
23 O qual como lá chegou, e vio
a graça de Deos , ficou banhado de gos
to , e os exhortou a perseverar no ser
viço do Senhor, com hum coração fir
me.
24 Porque era este hum homem ver-i
dadeiramente bom , cheio do Espirito
Santo , e de fé : e foi grande a multi
dão de pessoas , que crerão , e se derão
ao Senhor.
2j- Depois partio Barnabé para Tar
so em busca de Saulo ; e tendo-o acha
do, levou-o a Antioquia.
26 Nesta Igreja se dcmorárao am
bos todo hum anno , onde instruirão hum
grande número de pessoas ; de sorte,
que em Antioquia foi (e) onde primei-
ra-
(e) Onde primeiramente se nomearão Cbristãbs
os Discípulos. Se este nome lhes foi posto pe
los Apostolos, ou pelos Gentios , he cousa to
talmente incerta. lJorcm da Historia de Taci
to , e de Suctonio está averiguado , que em
tempo de Nero erão já conhecidos , e chama
dos Christãos em Roma , os que professavão 2
Lei de Christo t ou como elles dizião, Cbrtjo,
9 6 Os Actos dos Apostolos,
ramerttc se nomearão Christãos os DH*
cipulos.
27 Neste mesmo tempo vierão cer
tos Profetas de Jerusalem a Antio
quia :
28 Hum dos quaes , chamado Aga-
bo , predisse pelo Espirito Santo , que
haveria huma grande fome em todo o
Mundo, como dc feito se leguio (f) em
tempo de Claudio.
2Q Então determinárao os Discípu
los remetter cada hum o que pudesse
de esmolas , aos irmãos , que vivião na
Judéa.
O
que em Grego significa bom , ou doce. E isto
talvez, porque como ignoravão a causa de se
chamar Cbrijlo o Author da nova Profissáo ; cui
daráo pelo modo brando, e suave , que obser-
vavão nos Discípulos , ser Cbresto o seu nome.
Lactando no Livro IV. Da Verdadeira Sabedo
ria , cap. 7. diz allim : Cbristo não be nome pro
prio, mas appellação de poder , e de imperio. Por-
que afjim mesmo cbamavão osjudeos aos seus Reis.
Mas os Romanos , mudado o i em e , costumao ii-
%cr Cbresto. Pereira.
(/) Em tempo de Claudio. Desde o anno se-
fundo até o quarto do seu imperio. DiãoCaflio,
■ivroLX. e Eusebio na sua Chronica. Píim
Capitulo XI. e XIL 97
30 O que elles effectivamente fize-
ráo, (g) mandando-as aos Anciaos por
máos de Barnabé , e de Saulo.

CAPITULO XII.
Manda Herodes cortar a cabeça a Tiaga
Maior , e metter em prizâo a Pedro. Hum
Anjo 0 livra delia. Herodes falla aopo-
vo ; e depois de permittir que Ihe dent
honras divìnas , he cajìigado por Deos ,
e morre comido de bichos.

1 ~}VT Este meímo tempo (a) emprc-


Jl\ gou Herodes o feu poder em
maltratar a alguns da Igreja.
Tom.III. G E

(g) Mandando-os aos Anciaos. Como os Ex-


positores não concordão , que qualidade fosse
a dos que o Texto Grego chama aqui Presby
tères; cingi-me com Martini ao Seniores da Vul-
gata, que á letra significa os Anciaos. E o mes
mo observarei dacpui por diante noutros lu-
gares , em que se encontra a mesma pala-
vra Seniores , a quai os Traductores France*
zes explicâo ordinariamente pela de Frètes.

(*) Empregou Herodes 0 seu poder. Era Hero


des Agrippa , neco de Herodes o grande. Os
Suaes jh noutra parte distinguimos de Hero-
ís Antippas. Pjsrjìira..
98 Os Actos dos Apostolos,
ï E matou á espada a Tiago , ir»
mão de João.
3 E vendo que isto agradava aos
Judeos , fez tambem prender a Pedro.
Erao então os dias dos Aímos.
4 Tendo-o pois feito prender , met-
teo-o num carcere , e deo-o a guardar
a quatro esquadras, cada huma de qua
tro soldados , com tenção de o prescn-
tar ao povo depois dos dias da Pas
coa.
5T Em quanto Pedro estava affim
guardado na prizão, fazia a Igreja in
cessantemente orações a Deos \b) por
elle.
6 Mas quando Herodes estava pa
ra o apresentar, nessa mesma noite dor
mia Pedro entre dous soldados , liado
com duas cadeias , e as guardas á por
ta vigiavão a prizão.
7 Eis-que de repente apparecendo
hum Anjo do Senhor , a casa se encheo
de claridade : e elle dando a Pedro huma
pan-
(í) Por elle. Como Cabeça visivel da Igre
ja, e Principe dos Apostolos. Duhamel.
Capitulo XII. 99
pancada nas costas , o acordou , e lhe
disse: Levanta-te de pressa. E no mes
mo ponto as cadeias lhe cahírão das
mãos.
8 E o Anjo lhe disse : Toma a tua
cinta, e calça as tuas sandalhas. Fello
Pedro affím. E o Anjo continuou , di
zendo : Póe a tua capa , e scgue-me.
9 Sahio pois traz elle , sem sabes
que o que se fazia pelo Anjo , passava
na realidade ; mas antes imaginando,
que o que via era sonho.
10 Depois de passarem a primeira,
e a segunda guarda, chegárao á porta
de ferro , que guia para a Cidade , a
qual se lhes abrio per si mesma : e sa-
hindo , caminharãojuntos o comprimen
to de huma rua ; e logo depois o dei
xou o Anjo.
11 Então Pedro entrando em li)
disse : Agora he que eu conheço verda
deiramente , que mandou o Senhor o
seu Anjo , e me livrou da mão de Her
rodes , e de tudo o que esperava o po
vo dos Judeos.
G ii E
ido Os Actos dos Apóstolos,
12 E tendo considerado , foi ter
a casa de Maria , (c) mãi de João,
por sobrenome Marcos , onde mui
tos estavão congregados, e fazião ora
ção.
13 Quando elle bateo á porta , foi
huma moça , chamada Rhode , a que
veio ver quem era.
14 Ecomo conhecesse a voz de Pe
dro , ficou tão alvoroçada , que em lu
gar de lhe abrir , correo dentro a dar
a nova, que Pedro estava á porta.
15- Elles lhe disserao: Tu perdeste
o juizo. Mas ella asseverava que era
Pedro. E elles disserao : (d) Deve de
ser o seu Anjo.
1 6 Entretanto Pedro continuava em
ba-
(í) Mãi de João j por sobrenome Marco*. Mui
to differente de S. João Apostolo , e de S. Mar
cos Evangelista. Era pois João Marcos hurti
primo de S. Barnabé. E a casa de Maria sua
mái era o hospicio ordinario dos Apostolos,
quando se achavão em Jerusalem. Fromond.
(á) Deve de ser o seu Anjo. Boa prova da
periuasão, em que todos estavão , de que ca
da homem tem leu Anjo da Guarda. S. Grego
rio Magno , e delle Santo Isidoro de Sevilha.
Capitulo XII. 101
bater. E depois que abrindo-lhe o co
nhecerão , ficárão pasmados.
17 Mas elle tendo-lhcs feito sinal
com a mão, que se calassem , contou-
lhes como o Senhor o havia livrado da
prizão, e disse-lhes : Fazei saber isto a
Tiago, e aos irmãos. E sahío logo, e
foi-se a outra parte.
18 Quando foi dia, houve grande
turbação entre os soldados , sobre que
seria feito de Pedro.
19 E Herodes tendo-o feito bus
car , e não o achando , examinados os
guardas , mandou que fossem a pade
cer. E passando de Judéa a Çaliléa ,
deixou-se aqui ficar.
ao Ora Herodes estava irritado con
tra os de Tyro, e de Sidonia. Mas es
tes de commum acordo o forão buscar ,
e com o favor deBlasto, seu Camaris
ta , pedirão paz ; porque das terras do
Rei he que o seu paiz tirava a subíis-»
tencia.
21 Herodes pois no dia determi
nado appareceo vestido á realenga ; ç

/
102 Os Actos dos Apostolos,
assentado no feu throno , lhes fez huma
falla.
22 E o povo exclamava : (e) Voz
Jie esta de hum Deos , e náo de hum
homem.
23 Porém fubitamente o ferio o An-
jo do Senhor , por elle náo ter dado
gloria a Deos : e comido de bichos mor-
reo.
24 Entretanto a palavra de Deos
crefcia, e fc multiplicava.
25- E Barnabé com Saulo tendo
cóncluido o feu ministerio , tornárao a
sahir de Jerusalem , levando comsigo a
Joao , por sobrenome Marcos.

CA-
(?) lsto bt ^0% de bum Deos. José no Livro
XIX. das Antiguidades Judaicas , cap. 7. des-
creve com individuação estas , e outras nvui-
tas lisonjas, com que o povo fez evaporar-se
todo em Huma vaidade louca , e temeraria 0
coração do feu Principe ; que no fim conhe-
peo lem remedio a falsidade das lisonjas , e 0
castígo de as não ter reprimido. Pereira.
io3
CAPITULO XIII.
OEJpirito Santo fepara a S. Paulo , e a
S. Barnabe. Sao ambos enviados aos Gen
tíos. S. Paulo priva da vifla dos olhos
a hum Mágico. Com efle milagre fe con
verte o Proconful Sergio Paulo. S. Pau
lo préga em Antioquia de Pißdia. Os
Judeos combatem a fuá doutrina. Tor
na-fe para os Gentíos. Os Judeos levan-
täo contra elle huma fediçao.

i T T Avia entáo na Igreja de An-


X JL tioquia varios Profetas, e Doib
tores; entrelles Barnabé, eSimao, por
appellido o Negro , e Lucio de Cyre^
ne, e Manahen, collaço de Herodes о
ïetrarca, e Saulo.
2 A tempo porém que elles ofíe-
reciäo o Sacrificio ao Senhor , e je-
juaváo , difle-lhes o Efpirito Santo :
Separai-me a Saulo , e a Barnabé pa
ra a obra , a que eu os hei deftina-»
do.
3 Depois quejej uáráo , e orárao , (a)
el-
(ti) Elles Ibes impoxsrao as mäos. S. Joáo Chry-
íoliomo , a quem fegue Ecumcnio , o cntpijr


i©4 Os Actos DOS Apostolos,
elles Ihes impozerao as máos , e os des-?
pcdírão.
4 AflìmenviadospeloEspiritoSan-
ro , derão comsigo em Sefencia , e dalli
se embarcárao para paflàr a Ghipre.
5- Chegados que forao a Salamina ,
prégaváo a palavra de Deos nas Syna-
gogas dos Judeos : e tinháo comsigo a
Joao , por lhes servir de coadjutpr , e de
ministro.
6 Tendo discorrido por toda a Ilha
até Páfos , ( b ) encontrárão a hum Ju-
deoMagico, e falso Pròfeta, chamado
Barjesus ,
7 Queestava com o Proconsul Serv
gio Paulo , homem íìfudo. Este Procon
sul

dem de huma verdadeira prdenação em Bis-


pos. Outros com Caetano , de huma simples
destinação , ou missão para o ministerio de apps-
lolar. Pereira.
(b') Encontrárao a bum Judeo Magico. Dçsta
cn íta de ímpostores induzio então muitos o dia-
bo , para impedir com feus encantos o progres-
(o do Evangelhò , contrapondo milagres appa
rentes aos verdadeiros. 0 presente Livro dos
Astos dos Apostolos confirma assás este penía-
mento. Perbira.
Capitulo XIII. io?
sul tendo mandado chamar a Barnabé ,
e a Saulo , desejava ouvir a palavra de
Deos.
8 (c) Mas Elymas, isto he, o Magi
co , (que isto significa o nome Elymas) re-
fistia-lhes, fazendo todo o esforço por im
pedir que o Proconsul não abraçasse a fé.
9 Então Saulo, que tambem se cha
ma Paulo, cheio do Espirito Santo, e
olhando para elle com os olhos fitos, disse:
10 O homem cheio de toda a for
te de enganos, e de embustes, filho do
diabo, inimigo de toda a justiça ; quan
do deixara's tu de perverter os cami
nhos direitos do Senhor?
11 Mas açora he sobre ti a mão
do Senhor : Cego serás , para não ve
res o Sol até certo tempo. Logo cahí-
rão sobrelle as trévas , e os seus olhos
se escurecerão ; e de huma para outra
parte andava buscando quem lhe desse
a mão.
O
(e) Mas Elymas, isto bt , o Magico. Ainda
que S. Lucas náo declara a Lingua , em que
Elymas significa Magico ; os modernos Criti?
cos convem , que he a Arabiga. Pereira.
ioó Os Actos dos Apostolos,
12 O Proconsul tendo visto tal mi
lagre, (d) abraçou a fé, e admirava a
doutrina do Senhor.
13 Depois que Paulo, e os que
com elle estavão , defafferráráo de Pi
tos, vierão todos ter a Perge na Pam-
fylia. Mas João largando-os , tornou
para Jerusalem.
14 Elles porém de Perge vierão (e)
a Antioquia de Pisidia ; e tendo entra
do na Synagoga em dia de sabbado,
assentarão -se.
15- Depois da lição da Lei , e dos
Pro-
(<0 O Proconsul abraçou a sé. Alguns Marty-
rologios do seculo ix. a zz de Março fazem
primeiro Bispo de Narbona a este Paulo. Po
rém Bollaticlo neste dia , e Tillemont no To
mo IV. pag. 470. dáo por muito mal fundada
esta opiniáo: e querem que S. Paulo, primei
ro Bispo de Narbona , he muito mais moder
no , e que não veio a França senáo no meio
do terceiro seculo. Pereira.
(?) Vierão a Antioquia de Pistdia. Affim cha
mada para difterença doutras do mesmo nome,
que havia na Afia , das quaes a principal , e
mais famosa era a Antioquia Metropole daSy-
ria , sobre o rio Orontes. A Pifidia porém era
huma Província da Afia Menor , que jazia en-r
ire a Fiygia, c a Pamfylia. Calmet.
Capitulo XIII. 107
Profetas , mandárão-lhes dizer os Che
fes da Synagoga : Irmãos, se vós ten
des que fazer alguma exhortação ao po
vo , bem podeis falla r.
16 Paulo então levantando-se, fez
sinal com a mão que o escutasTem em
silencio , e disse : Israelitas , e vós os
que temeis a Deos, ouvi.
17 O Deos do povo de Israel efc
colheo a nossos pais , e exaltou a este
povo no tempo, que vivia noEgypto,
donde elle o tirou no poder de seu braço.
18 E por espaço de quarenta an-
nos soffreo os seus desregrados costumes
no deserta
19 E depois de destruir sete Na
ções no paiz de Canaan , distribuio por
elles em forte as suas terras,
20 Passados quasi quatrocentos c
sincoenta annos. Ao depois deo-lhes Jui
zes até o tempo do Profeta Samuel.
21 Então lhe pedirão elles hum
Rei : e Deos lhes dco a Saul , filho de
Cis, da Tribu de Benjamin , que rei
nou quarenta annos.
De-
io8 Os Actos dos Apostolos,
22 Depois tendo-o tirado do Mun
do , deo-lhes outro Rei , que foi Da
vid , do qual elle testificou , dizendo:
Achei a David, filho de Jessé, que he
' hum homem conforme ao meu coração,
e que me ha de fazer todas as vonta
des.
23 Do sangue deste he que Deos,
segundo a sua promessa , suscitou a Je
sus para ser o Salvador de Israel , -
24 Tendo João prégado antes del
le a todo o povo de Israel o baptismo
de penitencia , para se preparar para a
sua vinda. -• . .
25- E João, quando acabava a sua
carreira , dizia : Quem cuidais vós que eu
sou? Eu não sou quem vós cuidais. Mas
apôs mim virá outro , a quem eu não
sou digno de desatar os çapatos.
i(y Irmãos, avós, que sois os des
cendentes de Abrahão, e aos que den
tre vós são tementes a Deos , he que
foi enviada esta palavra de salvação.
- 27 Porque os habitantes em Jeru
salem j e os sens Principes , como o não
co-
Capitulo XIII. 105?
conhecerão por quem era , e como não
entenderão as palavras dos Profetas, . ,
que se lem todos os sabbados , derão-
Ihes cumprimento, condemnando-o.
28 E ainda que não achassem nel-
Je cousa , que o fizesse digno de mor- :
te , elles pedirão a Pilatos , que o ma
tasse.
29 E depois que confummárão tudo
o que estava escrito delle , descêrão-no
da Cruz, e pozerão-no no sepulcro.
30 MasDeos orefuscitou dos mor
tos ao terceiro dia ; e elle foi visto por
muitos dias daquelles,
31 Que com elle tinhão vindo de
Galiléa aJerusalem : os quaes até o pre
sente dão testemunho disso ao povo.
3z Aflim que , nós vos annunciamos
estar cumprida a promessa , que foi fei
ta a nossos pais ;
33 Tendo-nos Deos mostrado a nós, .
(s) que fomos seus filhos , o effeito del
la,
(f) A nós que somos seus filbos. Affim o Gre
go , e com elle Saci , os de Mons , e MeOen-
gui. Onde a Vulgata diz, a nojfos filbos. Pb-
mola.
no Os Actos dos Apostolos,
la , reíiiscitando a Jesiis , conforme ef-
pralm< tá escri;o no Salmo segundo : (g) Tu
». 7- es meu Filho, eu te gerei hoje.
34 E para que se soubesse , que o
resuscitou dos mortos para não tornar
isai.Lv. a morrer, disse: Eu cumprirei fielmen-
»• te as promessas, que fiz a David.
3y Por isso he que tambem diz
nou-
(g) Tu es meu Filbo, &c. O ter aqui expli
cado S. Paulo da Resurreiçáo de Jesu Christo
este lugar do Salmo segundo , náo se oppõe a
que os Padres do quarto , e quinto século,
argumentando contra os Arianos , provaflem
dclle a geraçáo eterna do Verbo da mesma
substancia do Padre. Porque he Theologia cor
rente , que já noutra parte tocámos , que hum
mesmo Texto pôde ter dous sentidos literaes
igualmente intentados pelo Espirito Santo,
guando os inspirou ao Escritor Canonico. Nós
ja vimos no quarto Evangelho , que o que Moy-
ses dissera do Cordeiro pascoal, Os non commi-
nuetis ex eo , o applicára S. Joáo a Christo mor
to na Cruz. S.Paulo neste mesmo Capitulo,
verso 40. e 41. entende literalmente do des
amparar Deos aos Judeos , o que Habacuc li
teralmente profetára do seu cativeiro a Baby-
lonia. O mesmo S. Paulo no princípio da Car
ta aos Hebreos mostra a eterna geraçáo , e
divindade de Christo deste mesmo lugar do
segundo Salmo. Pereira. /
Capitulo XIII. in
noDtxo lugar : Tu náo permittirás que Psoim.
o teu Santo experimente corrupçáo. xv IO'
3 6 Porque a fallar de David , elle
depois de ter servido em feus tempos
ao que Deos queria , morreo , e foi
sepultado com feus pais , e experimen-
tou corrupçáo.
3 7 Pelo contrario aquelle, que Deos
refufcitou dcntre os mortos, nao expe-
rimentou corrupçáo.
38 Sabeipois, irmaos, que por es
te he que eu vos annuncío a remifsáo
dos peccados:
39 Eque todo o que crê nclle, he
por elle justificado de todas as cousas,
de que vós náo podestes fer justificados
pela Lei de Moysés.
40 Affim guardai-vos , náo vos suc
ceda o que foi antes dito pelos Profe-
tas:
41 Vede , ó desprezadores , enchei- Habac.
vos de pasmo , e finai-vos ; pois eu fa-1, 5'
reî huma obra em vossos dias , huma
obra, que vós mefmos náo crereis, se
?o-la contarem.
Qiian-
jiz Os Actos dos Apostolos,
4z Quando elles sahírão, pedirão-
lhes, que no seguinte sabbado tornassem
a fallar do mesmo assumpto.
43 E despedido que foi o ajunta
mento, muitos dosjudeos, e dos Pro-
selytos tementes a Deos , forao seguin
do a Paulo , e a Barnabé , que os ex-r
hortaváo a perseverar na graça de
Deos.
44 Ao sabbado seguinte concorreo
quasi toda a Cidade a ouvillos prégar
a palavra de Deos.
45' Mas os Judeos vendo estes en
xames de povo , enchêrão-se de inveja ,
e de ira , e se oppozerão com palavras
de blasfemia ao que Paulo dizia.
46 Então Paulo , e Barnabé lhes dis-
serão resolutamente : Vós ereis os pri
meiros , a quem se devia annurtciar a
palavra deDeos: mas pois vós a rejei
tais, e a vós mesmos vos julgais indi
gnos da vida eterna , nós nos vamos
daqui para os Gentios.
. ; 47 Porque isto mesmo he o que
Deos nos mandou , segundo o que está
es-
Capitulo XÎIT. 113
escrito : Eu te constitui a luz dos Geri- isei.
tios, a fim de que tu sejas a sua salvação
até as extremidades da terra.
48 Os Gentios ouvindo isto , ale*
grárao-se , e glorificavão a palavra do
Senhor : (b) e todos os que havião sido
predestinados para avida eterna, abra*-
çárão a fé.
49 Affim por toda esta terra se dis
seminava a palavra do Senhor.
jso Mas os Judcos tendo animado
(*-) as mulheres devotas , e nobres , e
os principaes da Cidade , excitarão nu
ma perseguição contra Paulo, e Barna
bé, e cs lançárão fora do seu paiz.
5si Então Paulo,. e Barnabé $ ten*
Tom. III. H do
(i) E todos os que baviao sdo predestinados >
&c. Diz todos os predestinados , e náo diz sá os
fredestinados. Porque se bem nenhum he pre
destinado para a vida eterna , que o não seja
consequentemente para cremo Evangelho ; nem
todo o que crê no Evangelho , he predestina
do para a vida eterna : Multi sunt ntocati , pau-1
ei 'vero tletli. Amelotb , e Duhamel.
si) As mulberes devotas , e nobres. Que em
toda a parte costumáo íer as mais zelosas , e
activas contra as novidades em materia de Re-
ligtáo. Pereira.
1
114 Os Actos dos Apostolos,
tendo sacudido contra elles opó de feus
pés, forao para Iconio.
52 Entretanto estaváo os Discipu-
los cheios de gozo, e doEspirito San-
to.
C A P I T U L O XIV.
Paulo , e Barnabé em Iconio. Convertem aqui
a muitos. Os Judeos os malquijìao com
. os Gentios , e levantao contra elles hu
ma sediçâo. Fogem os dous para Dycao-
n'ta. Paulo cura a hum coxo de nafcen-
fa. O povo Ihes offerece sacrificios como
Jefoffèm Deoses. EJlabelecem Igrejas em
muitos lugares. Voltao para Antioquia.

1 A Chando-se elles em Iconio,


entrárao ambos na Synagoga
dos Judeos ; e prégárao nella com tal
íuccesso, (a) que huma grande multi-
dáo de Judeos , e de Gregos se conver-
terao á fé.
Mas
00 Qlie buma grande multidao de 'Judeos , e
de Gregos , <£yc. Hum destes convertidos cm
Iconio foi a gloriosa Virgem, e Martyr San
ta Tecla, celebradilfima nos Escritos dos Pa-
dres Gregos , e Latinos dos primeiros seculos.
Vcja-se Tillemont , Tom. II. pag. 65. e segg.
Capitulo XIV.
2 Mas os que dentre os Jndeos fi
carão na incredulidade , concitarão , e
irritarão contra os irmãos o animo dos
Gentios.
3 Foi pois longo o tempo, que se
demorárão, conduzindo-se com toda a
liberdade no que era serviço do Se
nhor ; o qual dava testemunho á pala
vra da sua graça , fazendo-os obrar pro
dígios , e milagres.
4 Desta forte toda a Cidade se di-
vidio; seguindo huns o partido dos Ju-
deos, outros o dos Apóstolos.
5- Porém como os Gentios , e Ju-
deos com as suas cabeças derao mostras
de que os intentavão affrontar, e ape
drejar ;
6 Os Apostolos tendo dislb noti
cia , fugirão para Listra , e Derbe , Ci
dades da Lycaonia , e para outros lugares
em torno , onde prégavão o Evangelho.
7 Ora em Listra havia hum homem ,
que se não tinha nas pernas, e des do
ventre de sua mãi era coxo , e nunca
tinha andado.
Hii Es-
116 Os Actos dos Apostolos ,
8 Este homem ouvio pregar a Pau
lo : e Paulo pondo os olhos nelle , e
vendo que elle tinha fé de que feria cu
rado ,
o Disse-lhe em alta voz : Levanta-
te, e tem-te direito nos pés. Elle sem
.demora se levantou saltando , e come
çou a andar.
10 O povo tendo visto o que fize
ra Paulo , levantou a voz , (b) e disse
em lingua Lycaonica : Estes são Deo-
ses , que baixarão a nós em figura de
homens. .
11 (c) E chamavão a Barnabé Ju-
pi-
(i) E diffe em lingua Lycaonica. Sendo aLy-
caonia huma das Provindas da Afia Menor ,
onde a Lingua Grega geralmente era a domi
nante ; o notar aqui S.Lucas a lingua Lycao
nica,' parece que foi para significar hum Dia
lecto , que entre os mais Gregos era algum
tanto corrompido, ou menos puro , como mes
clado talvez do Syriaco. Calmet.
(c) E cbamavão a- Barnabé Jupiter , &c. São
Barnabé devia de ser hum homem de bom pa
recer , e de hum talhe magestoso. S.Paulo dis-
tingúiá-se pela força, evehemencia de dizer,
e náo o recommendava a figura , como elle,
mcstno confessa que dizião alguns. ( 2. Cor.
Capitulo XIV. 117
piter, e a Paulo Mercurio, porque el
le era o que levava a palavra.
12 O mesmo Sacerdote do Tem
plo deJupiter, que estava perto da Ci
dade, fez vir touros, (d) e fez vir co
roas para diante da porta , querendo,
com o povo offerecer-lhes sacrifícios.
13 Mas os Apostolos Barnabé , e
Paulo, quando isto ouvirão, (e) rasga
rão
X. io.) A magestade pois do semblante cm
S. Barnabé , e o fer S. Paulo quem fallava
Îior elle , deo motivo a que os Gentios tivel-
èm ao primeiro por Jupiter , ao segundo por
Mercurio. Porque dos Authores Profanos , as-'
sim Gregos, como Latinos, he bem notorio,
Ïue Jupiter se servia de Mercurio , como de
Iensageiro , ou Lingua para com os homens.
Calmbt.
. (£) E sfz vir eoroas. Que houvessem de or
nar a cabeça ou do mesmo Sacerdote , ou das
victimas , ou as de huns , e outros. Plínio no
Liv. XVI. cap. 4. Postea deorum bonorisacrisean
tes sumpsere coronam , viãimis stmul coronatis. E
Mimicio Felis no Octavio : Viciime adsupplicium
saginantur , bostie adpœnam coronantur. Calmet.
CO Rasgarão as suas vestiduras. Costume dos
Hebreos, quando vião lazer algum grande sa
crilegio , ou ouvião dizer alguma grande blas
femia. Eu o notei já em S.Mattneus, xxvi.
65. Pereira.
118 Os Actos DOS Apostolos,
rao as suas vestiduras ; e lançando-se no
meio da mukidáo , gritárão , dizendo :
14 Araigos, que quereis vós fazer?
Nós nao iomos senáo homens mortaes
como vós ; e o que nós vos annuncia-
mos , he , que dessas vans superstiçócs
vos converrais ao Deos vivo , que fez
o Geo , e a terra , o mar , e tudo o que
nelles se contdm :
ijr Que nos seculos passados dei-
xou ir todas as Naçôes pelos feus ca-
minhos.
16 E ainda aílìm nunca cessou de
dar testemnnho em todos os tempos do
que elle he ; mandando a chuva do Ceo ,
e as sazÔes favoraveis á producçáo dos
fructos; dando-nos de que nos fustente-
mos em abundancia , eenchendo deale-
gria os nossos coraçôçs.
17 Mas naoobstante este difcurfo,
custoii'lhes muito embaraçar, que opo-
vo lhcs náo sizesse sacrificios.
18 Entáo fobrevierao de Antioquia ,
c de Iconio alguns Judeos , os quacs
tenho ganhado para li o povo , e ten-
do
Capitulo XIV. 119
do apedrejado a Saulo, o trouxerao fo
ra da Cidade , dando-o por morto. .' '<
19 Mas defendido dos Disciplinas ^
que o cercárão em roda r elle se levan-
tou , e entrou na Cidade ; e ao dia se-
guinte partio coin Barnabé para Der-^
be. , :. -:>ì
20 E depois de terem annunciado
0 Evangelho neíla Cidade , e instruidor
a miiitos, tornárao para Listra, e Ico-
nio, e Antioquia,- -'o
21 Fortalecendo os animos dos Dis-
cipulos 9 e exhortando-os a perseverar
nafé; e advertindo-os , dequepormeio
de muitas tribulaçóes , e penas , he
que nós devemos entrar no Reino de
Deos. -
22 Porfîm tendo ordenado em ca-
da Igreja feus Presbyteros (/) com ora-
ÇÓes, ejejunsj os deixárão cncommen-
da-
(/) Com oraçoess ejejum. Daqui aprendeo a
Igreja o santo costume de nxo dar Ordens ,
sem precederem orações , acompanhadas deje-
juns, para impetrar de Deos agraça , dos Or-
dinandos desempenharem ás obrigações de leu
fagrado ministerio. Pereira.
120 Os Actos DOS Apostolos, ,
dados ao Senhor , em quem tinháo cri-
do. : :- : !
. '23 Depois disto atravefla'rão aPilï-
icfia , e viecáò a Pamfylia ;
'24 E .como annunciárão a palavra
de Deos aos de Perge , descêrao a At-
talia :
r'a'f. Delá scfizerão ávela para An-
tióquia, donde os tinhão enviado entre-
gties á graça de Deos , por conta da
obra , que concluírão.
26 Tendo alli chegado, e feito a-
juntar algreja, elles lhcconrárao qulo
grandes cousas obrára Deos por elles,
e como haviáo aberto aos Gentios a por
ta da fé.
27 E demorárão-se com os Diíci-
pulos assas largo tempo?

G A P I T U \f O XV.
Os Judeos convertìdos pretendent obrigar
os Genths á observancia da Lei Mojai-
ca. Paulo , e Barnabé vao a Jerusalem y
à que os Apostolos decidao esta questao.
Hllles a decidem afavor dos Gentios. Pau
lo defeja ir visttar os lugares , onde ti-
Capitulo XV. 121
- nha prégaão. Barnabé se separa ãeJle ,
por cauja de João Marcos.

1 f\ Ra alguns, que tinhão vindo


de Judéa , davão esta doutri
na aos irmãos : Se vós não fordes cir-
cumcidados conforme a Lei de Moy-
fés, não podeis ser salvos.
2 Tendo-se pois originado daqui
huma grande contenda , e disputa , em
que Paulo, e Barnabé defeiídião a par
te contraria ; resolveo-se que Paulo , e
Barnabé com alguns dos outros fossem
a Jerusalem propor esta questão aos A-
postolos, e Anciãos.
3 (a) Acompanhados pois na sua
despedida dos daquella Igreja , atraves-
sárão a Fenicia , e a Samaria , recon
tando a conversão dos Gentios , e ale
grando em extremo com estas novas os
corações dos irmãos. ~
. . . E
(st) Acompanbados pois na sua despedida , <b'c.
Acompanhados até certa parte do caminho j por
honra , e amizade, que lhes quizerão fazer:
enão que os acompanhaflem a Jerusalem alguns
outros, que náo iorão Deputados, Frpmohu.
122 Os Actos DOS Apostolos ,
4 E tendo chegado a Jerusalem ,
sorao recebidos da Jgreja, e dos Apos
tolos , e dos Anciãos , aos quaes elles
referiao quáo grandes cousas tinha obra-
do Deos com elles.
5- {b) Mas alguns (diziao elles) da
seita dos Fariíeos , que tmháo abraça-
do a fé , levantáráo-íe , e sustentárão
que era nccessario circumcidar os Gen-
tios , e mandar-lhes que guardassem a
Lei de Moysés.
6 Ajunrárão-se pois em Concilio os
Apostolos, e os Anciáos a cxaminar, e
resolvcr este ponto.
7 (Y) E depois delle mui bem ex-
arrii-
(V) Mas alguns da seita dos Fariseos. E do
partido deCerintho, como nos informa Santo
Epifanio na Herefia xxvm. Calmet.
(c) E depois delie mui bem examinado , <b'c. Isto
he , depois de mui bem examinados, econfe-
ridos os fundamentos de huma , e outra fen-
tença. Como este Concilio havia de fer o mo-
dêlo dos que depois se havião de celebrar ,
quizerão os Apostolos eníìnar com o feu ex-
emplo aos Successores , que ainda que nestas
sagradas Assembléas promettêra Jesu Christo a
sua afíìstencia , e a luz indetestivel do Espiri-.
to Santo ; não dcvião por iiTo os Bifpos com
Capitulo XV. 123
aminado, e conferida , (d) levantou-se
Pedro , e disse : Irmãos , vós sabeis que
de muito tempo escolheo Deos dentre
nós, que tosse eu aquelle, de cuja bo
ca

o Summo Pontífice omittír estes exames , e


diligencias sobre o Dogma , que se houvesse
de definir. Todos os Apostolos , que aflistírão
a este primeiro Concilio, erão sem dúvida al
guma huns homens inspirados. E Deos tinha
declarado com muitos milagres , que o senti
mento de Paulo era o verdadeiro. Com tudo
isso Pedro com os mais Collegas examináò,
e conferem com todo o cuidado entre si a ma
teria proposta : Confultão as Escrituras , re*
coidão-se do que ouviráo ao Divino Mestre,
E só depois de feitas estas diligencias he que
procedem á definiçáo. Se isto pois fizeráo os
Apostolos , que deverão , ou que náo deveráõ
fazer seus Successores? Com effeito o que se
raticou neste primeiro Concilio de Jerusalem ,
e o que a Igreja sempre praticou , e ha de
praticar nos seus Concílios , tanto Geraes, co
mo Particulares. Pereira.
(á) Levantou-se Pedro , e diffe. Como Princi
pe dos- Apostolos , e como Cabeça visivel de
toda a Igreja , he Pedro o primeiro , que fal
ia , ainda antes de Tiago, que era o Bispo da
Cidade , em que se celebrava o Concilio. Da
qui vem aos Successores de Pedro , que sáo
osSummos Pontífices, a prerogativa de presi
direm nos Concílios Ecumenicos. Pereira,
Í24 Os Actos DOS Apostolos,
ca ouvissem os Gentios a palavra do
Evangelho, e cressem.
8 E Deos , que conhece os coraçôes ,
se declarou por elles, dando-lhes oEs-
pirito Santo, bem como a nós.
9 E náo fez differença alguma en
tre elles , e nós , (e) puríficando com a
fé os feus coraçôes.
10 Porque razao logo tentais vós
agora a Deos , impondo aos Discipulos
hum jugo , (/) que nem nossos pais,
nem nés pudémos fupportar?
11 Mas nós cremos , que pela gra-

: (í) Pariscando com a sé osseus coraçôes. Com


a fé , que he o fundamento , e princípio de
roda a justisicação , como lhe chama o Conci-
lio Tridentino. Pereira.
(/) QMe nsm nojfos pais , nem nós pudémos sup-
portar. Por causa do número quafi sem núme-
ro das ceremonias legaes , dorigor inexhoravel
da Lei , e da propria fraqueza dos homens. O
que tudo fazia moralmente impoflivel não ca-
hir em varias transgressées. Porque os que
contão menor número de preceitos ceremoniaes,
dão duzentos edezoito arfirmativos , etrezen-
ros e seíTenta e finco negactvos : que todos
juntos iommão quinhentos e oitenta e tres. Saci,
e Calme t. ,
Capitulo XV. uf
ça do Senhor Jesu Christo seremos sal
vos, aíïïm como elles.
1 2 Então toda a Assembléa se ca->
lou : e ouvião o que lhes contavao Bar
nabé , e Paulo , de quão grandes mih-
gres , e prodígios fizera Deos por elles
nos Gentios.
13 Depois que elles se calarão, (g)
entrou a fallar Tiago, e disse: Irmãos,
ouvi-me.
14 Simão tem contado , como do
princípio dispoz Deos fazer dos Gen-
. tios hum povo consagrado ao seu no
me.
1$ E com elle concordão tas pala
vras dos Profetas , segundo o que está
escrito :
16 Depois disto eu virei edificar de
novo a casa de David, que cahio: re-.Amô»
pararei as suas ruinas , e a levantarei ;,x- 11
17 Para que os outros homens , e
todos os Gentios , que serão chamados
.do
(g) Entrou a sallar Tiago. Sant-Iago o Me
nor , a quem como Bispo de Jerusalem com
petia fallar logo depois de S. Pedro. S.]oâo
Chrysostomo.
iz6 Os Actos dos Apostolos,
do meu nome, busquem ao Senhor. Isto
he o que diz o Senhor , que faz estas
cousas.
18 Deos conhece a sua obra des da
eternidade.
19 Avista do que, julgo que senão
devem inquietar, osque dentre os Gen
tios se converterem a Deos.
20 Mas que se lhes deve fomente
escrever, que seabstcnhão das contami
nações dos idolos , da fornicação, das
carnes suffocadas, e do sangue.
ar Porque Moysés de tempos an
tigos tem em cada Cidade homens , que
o prégão nas Synagogas , onde se lê
todos os sabbados.
22 Então aprouve aos Apostolos,
e aos Anciãos com toda a Igreja , que
fe escolhessem alguns dentrelles , para
os enviar a Antioquia com Paulo, e
Barnabé. E escolherão ajudas, por so
brenome Barsabas, e a Silas, que eráo
os mais consideraveis dentre os irmãos.
23 E entregárão-lhes nas mãos a
seguinte carta : Os Apostolos , e os An
ciãos •
1
Capitulo XV. 127
ciãos irmãos , aos irmãos dentre os Gen*
tios , que estão em Antioquia , na Sy-
ria , e na Cilicia , saude. .
24 Como soubemos que alguns vin
dos de nós ( sem terem para isso com-
missão alguma nossa) vos disserão cou
sas, que vos perturbarão, epozerão as
vossas almas em risco de se perderem :
' 25' - Aprouve a nós congregados em
Concilio , que era bem que vos desti
nassemos alguns sogeitos escolhidos , que,
fossem com os nossos carilíimos irmãos
Barnabé, e Paulo,
26 Que são huns homens, que tem
exposto as suas vidas pelo nome de nos
so Senhor Jesu Christo.
27 Enviamos por tanto ajudas, e
a Silas , que de palavra vos exporáÓ as
mesmas cousas.
28 Porque (b) parecco bem ao Es-
pi-
(i) Pareceo bem ao Espirito Santo , e a nós.
As diligencias , por averiguar o Dogma, po
derão ser feitas por hum modo humano ; mas
as Definições , que depois sahem dos Sagrados
Concílios , já náo são Definições só de homens ,
mas tambem , e principalmente do Espirito San
to, que nelles affiste. BossufiT. ' ... . ...
128 Os Actos dos Apóstolos,
pirîto Santo , e a nós , não vos impôr
mais encargos (*') do que os necessarios ,
que são estes:., .. r -
29 A saber, que vos abstenhais (/)
do que tiver sido lacrificado aosidolos,
(*») e do sangue, e das carnes suffoca-
das ,
(0 Qlfe os neceffarios. Necessarios , neceffitate
pracepti , como dizem os Theologos , e náo
neceffitate medii. Porque o seu objecto não era
já sobre o Dogma , mas de mera Economia,
e de mera Disciplina. Amhloth.
(/) Do que tiver fido sacrificado aos idolot. Es
tas são as que no verso 20. chamara Sant-Ia-
go contaminações dos idolos. Calmet.
(ní) E do sangue, &c. Para inspirar aos ho
mens hum grande horror a toda a effusão de
sangue humano , prohibíra Deos primeiramen
te por Noé, Genes. ix. 4. 5. depois porMoy-
ses , Levit. vu. 26» 27. que se não comesse san-
ue algum , ou elle estivesse ainda no corpo
os animaes , ou fosse já derramado. Que pa
ra se não comer nunca sangue , he que os A-
postolos quizeráo que fossem tambem prohibi-
das as carnes sufíbeadas , isto he , as. carnes de
animaes mortos , por se lhes tirar a respiraçáo.
A razáo, que obrigou laos Apostolos aper-
mittir , e ainda a mandar que se guardassem
estes preceitos da Lei velha , foi por conser
var em paz , e boa harmonia os Judeos com
os Gentios ; e com a observancia destes pou
cos enterrar (coma diz Santo Agostinho) noa*
Capitulo XV. 12?
das, e da fornicaçao : das quaes cousas
fareis bem de vos guardar. A Deos.
30 Enviados aíîìm , foráo elles a
Antioquia , onde , tendo feito ajuntar;
toda a AíTembléa dos Fieis , entregárão
acarta, que lida os encheo dealegria,
pela consolaçáo que lhes dava.
31 Judas, eSilas, como erao Pro-
fetas ? tambem consolárao, e confortá-
rao os irmaos com militas exhortaçtíes,
que lhes fizerao.
33 E tendo-se demorado alli por
algum tempo , forão remettidos era paz
pelos irmaos , aos que lhos tinhao en-
viado.
34 ASilas com tudo pareceo bem
Tom. III. I fi-
radamente a Synagoga , que com a Lei da Gra-
ça acabava. Porque de feito este Decreto só era
para obrigar até certo tempo. Pois já no de
Santo Agostinho (segundo elle attesta nos Li-
vros contra Fausto) se davão mufros Catholi-
cos por desobrigados delie , como ha muitos
seculos o estão todos. O mctterem os Apos-
tolos nesta classe a fornicaçao , não foi por
que ella não fosse sempre de sua natureza má,
esempre prohibida ; mas sim porque entre os
Gentios não passava a fornicaçao por hum gran»
de peccado. Perbira.
130 Os Actos dos Apostolos,
fìcar em Antioquia : e Judas foi 1b pa
ra Jerusalem.
3 y Alguns dias depois disse Pau-
lo a Barnabé : Tornemos a ir visitar
nossos irmáos por todas as Cidades,
erri que temos prégado a palavra de
Deos , para vermos em que estado se
acliáo.
36 Ora Barnabé queria levar tam-
bem comligo a Joao , por sobrenome
Marcos.
3 7 Mas Paulo lhe rogava que olhas-
se , que quem se havia aparrado delies
na Pamfylia , e náo tinha ido corn el
les áquella empreza , (n) náo devia fer
admit tido.
38 Daqui se seguio entrelles huma
contestaçáo, que cauíou apartarem-se am-
bos hum do outro. Gom que Barnabé
to-

Náo devia ser admittido. O intento de


S. Paulo era capacitar a S. Barnabé , do pou-
co que devia confia: da inconstancia de Joáo
Marcos , feu primo ; e caítigar a mesma in-
conltancia , com o não querer admiitir comfî-
go ao ministerio Apostolico. S. Joao Chrï-
sostomo.
Capitulo XV. e XVÎ.' t$i
tomando a Marcos , navegou para Chi
pre.
39 E Paulo tendo efcolhido a Silas j
partió com elic , encommendado pelos
irmáos á graça de Déos.
40 Afraveflou a Syria, ë aCilicia,
confirmando as Igrejas , с ordenando-
Ibes que guardaffem os Cañones dos
Apollólos, e dos Andaos.

CAPITULO XVL
Paulo circumeida a Timotheo. O Efpirjtj
Santo o defvia da Afia , e da Bithynia ,
e o chaina a Macedonia. Chega a Filip.
pes , onde converté a Lydia , mulhef que
vendía purpura ; e expelle de huma Py-
ihonijja o efpirito maligno. Levant a-fé
opovo contra elle. He açoutado , e met-
tido ent prizâo com Silas. Abre-fe-lhe à
prizâo de noite. Converte-fe 0 Carcerei-
ro. Os Magifirados 0 mandao foltar. Ë
Paulo os obriga aferem elles mefmos os
qué 0 façao.

1 Hegou Paulo a Derbë , e tîe-


V-i pois a Lyftra $ onde achou a
bam Difcipulo j chamado Timoíheo^
I ii que
131 Os Actos dos Apostolos,
que era filho (a) de mãi Judia, (b) e
de pai Gentio.
2 Delle davão excellentes informa
ções os irmãos, que vivião em Lystra,
e Iconio.
3 Este.pois quiz Paulo que o acom
panhasse nas jornadas , (ç) e circnmci-
dou-o por causa dos Judeos, que havia
naquelles lugares ; pois que todos sa-
bião que seu pai era Gentio.
4 E indo de Cidade em Cidade,
davão por regra aos Fieis , (d) que guar
dassem as Ordenações feitas pelos A-
pnstolos , e Anciãos , que erão em Je
rusalem. Des

fia) Filbo de mãi Judia. O mesmo S. Paulo


na segunda a Timotheo , 1. 5. nos declara,
que ella se chamava Eunice. Pereira.
(&) E de pai Gentio. Aflim verteo o Inter
prete Latino , o que o original Grego diz , e
de pai Grego. Pereira.
(í) E circumdou-o por causa dos "Judeos. Os
qoaes de addictos que erão ainda á Lei de
Woyiés , náo o quererião doutra forte por Bis
po. Saci.
00 Que guardassem as Ordenações , &c. Da-
3ui se confirma , ove os Bispos tem authori-
ade de fazer Coníriraições , a que os Fieis
fejão obrigados a obedecer. Pereira.
Capitulo XVI. 133
£ Deste modo as Igrejas se confir
marão na fé , e se faziao cada dia mais
numerosas.
6 Depois passada a Frygia , e a
Galacia, (e) o Espirito Santo lhes pro-
hibio annunciarem a palavra de Deos
(/) na Asia.
7 E tendo chegado a Mysia , dis-
punhao-se a passar a Bithynia ; (g) mas
o Espirito de Jesus não lho permit-
tio.
8 Pelo que atravessada a Myfia,
vierão a Tróade,
o Onde de noite teve Paulo esta visão.
A-
(e.) O Espirito Santo Ibct probibio , 1&c. Ou
porque huns nâo estavão ainda dispostos ; ou
porque outros merecião que Deos os deixado
morrer na infidelidade. S. Gregorio Magno.
(/) Na Afia. Na Afia Menor, tomada não
em toda a sua extensáo , que comprehendia a
Galacia, a Frygia, a Pisidia , a Lycaonia, a
Pamfylia , onde S. Paulo já tinha prégado ; mas
contrahida á Asia mais especial , cuja Metropo
le era Efeso , e a Província Ionia. Calmbt.
(g) Mas o Espirito de Jesus , &-c. Se o Es
pil iro Santo he como aqui diz S. Lucas, o Es
pirito de Jesus; logo o Espirito Santo tambem
procede do Filho. Pereira.
134 Os Actos dos Apostolos,
Apresentou-se diante delle (h) hum Ma
cedonio , e lhe fez esta íupplica : Passa
a Macedonia , e vem ajuda r-nos.
10 Tanto que elle teve esta visão,
logo nós nos dispuzemos a passar a Ma
cedonia, certificados de que Deos nos
chamava a lhe irmos prégar o Evange
lho.
11 Tendo-nos pois embarcado em
Troade, viemos em direitura a Samo-
thracia , (/) e a outro dia a Napoles ,
.12 E dahi a Filippes, (/) que he
a primeira Colonia, que nesta parte se
encontra da Macedonia , onde nos de
tivemos alguns dias.
13 Quando veio ao sabbado, sabi-
mos fora da porta vizinha ao rio, on
de
, (í>) Hum Macedonio, Isto he , hum, Anjo em
figura , e trajo de Macedonio , que os Inter*
pretes crem era o Anjo Tutelar desta Provín
cia Calmety - -
(>') E ao outro dia a Napoles. Não a Napoles
de Italia , mas a Napoles da Macedonia, na
raia da Thracia, Calmet.
CO Q^e be a primeira Colonia , érc. As Me
dalhas de Claudio a intitulão , COLÓNIA AU<
ÇrTJSTA , JULIA PHIL1PPENSÎS, Calmbt.
Capitulo XVI. ' 13?
de parecia que era o lngar da oração.
Assenta'mo-nos , e falíamos ás mulhe
res, que tinhão concorrido.
14 Havia entre ellas huma chama-
daLydia, da Cidade deThyatira, (m)
que vendia purpura , e servia a Deus.
ÕúVi-nos ella : e o Senhor lhe abriò o
coração, («) para attender ao que Pau
lo dizia.
1 5 Depois que foi baptizada , e com
ella a sua familia , rogou-nos Lydia ,
dizendo: Se he que vós me credes fiel
ao Senhor , peço-vos que entreis em
minha casa, enella fiqueis. E obrigou-
nos a affim o fazermos.
16 Ora indo nós huma vez á ora
ção , succedeo encontrarmos a huma mo
ça de servir , (0) que tinha, o espirito
. .• de

(m) Que vendia purpura. Isto he, sedas, ou


lans tintas dc purpura. Caljhet.
(») Para attender no que Paulo dizia. Istohe,
para se deixar penetrar da doutrina de Pau lo. Por
que ter ouvidos de ouvir , (como se diz no E-
vangelho) heeffeito, que só o pôde ser da di
vina graça , por ser só ella a que tira a nos
sa surdeza , e dureza. Pereira.
00 2í*e tinba o Espirito de Pytbon. Python
i%6 Os Actos dos Apostolos,
de Python , e que corn as suas adivi
nhações dava muito lucro a seus amos.
1 7 Esta seguindo a Paulo ,xe a nós ,
dizia em gritos: (p) Estes homens são
huns servos doDeos Altiffimo, que vos
annuncião o caminho da salvação.
18 E fez isto outros muito dias.
Até que Paulo não o podendo soffrer,
se
cm Hebreo significa serpente , ou aspide, E
este nome davão os Gregos a Apollo , em me
moria da serpente , que fabulavão que elle ma
tara. Como pelos idolos de Apollo , e princi
palmente pelo que se adorava em Delfos he
que o demonio costumava dar os seus oracu
los ; chamavão os Gentios Pytboniffas aquellas
mulheres , que à imitaçáo da Sacerdotiza de
Apollo Deifico , respondião como inspiradas ás
consultas que lhes fazião. Pereira.
(f») Estes bomens , <ò'C. Como fendo o demo
nio o pai da mentira , e hum inimigo decla
rado do Evangelho , louva elle agora de ser
vos deDeos , e de annunciadores da verdade,
aos dous Apostolos Paulo , e Silas ? Respon
dem os Santos Padres , que tudo fora artifi
cio do demonio para diversos fins : para ter
favoraveis os Apostolos ; para os tentar de van
gloria; para os fazer suspeitos de Arte Magi
ca} para excitar contra elles alguma persegui
çáo , com que foíTem obrigados a sahir daquel*
la Terra. Pereira.
Capitulo XVI. 137
se voltou para ella , e disse ao espirito :
Eu te mando era nome de Jésii Chri-
sto, que saias desta mulher. E elle na
mesma hora sahio.
19 Então os amos da moça , ven
do perdida a esperança do seu ganho ,
pegarão em Paulo , e em Silas , e os
levarão á praça aos Magistrados.
20 E tendo-os preíentado aos Ma
gistrados , disserão : Estes homens alvo-
roção a nossa Cidade , porque são Ju-
deos,
21 Que querem introduzir, nella
hum modo de vida , que nos não he
permittido acceitar , nem seguir , pois
fomos Romanos.
22 A isto acudio o povo pondo-se
contra elles : e os Magistrados , rasga
das as Togas , mandárão-nos açoutar
com varas.
23 E depois de muito bem fustiga
dos, mettêrao-nos numa prizão, e en
carregarão ao carcereiro , que os tivesse
a bom recado.
24 O carcereiro recebida esta or
dem ,
138 Os Actos dos Apostolos,
<3em, metteo-os num segredo , e atou-
lhcs os pés a hum páo.
2 $ La', pela meia noite Paulo , e Si
las póstos em oração , cantavao Hymnos
de louvor a Deos, e os prezos os ou-
viao. . .,
26 Eis-que de repente se sentio hum
grande tremor de terra , que fez aba
lar o carcere pelos alicesses : ao mesmo
tempo se abrirão todas as portas , e se
deíatárão as cadeias a todos os prezos.
27 O carcereiro tendo espertado,
e vendo abertas todas as portas do car
cere , tirou da sua espada, e quiz ma-
tar-se , cuidando que erão fugidos os
prezos.
28 Mas Paulo lhe bradou mui de
rijo, dizendo: Não te faças mal, por
que todos aqui estamos,
2 9 Então tendo ped ido luz , entrou
dentro: e todo tremendo se lançou aos
pés de Paulo, e de Silas.:
30 E depois de os tirar para fora,
disse-lhes : Senhores, que he necessario
<jue eu faça para me salvar ?
Re-
Capitulo XVI. 139
31 Responderão elles: Crê no Se
nhor Jesus , e serás salvo tu , e a tua
família.
32 Annunciárao a palavra do Se
nhor a elle , e aos que estavão em sua casa.
33 Naquella mesma hora da noite
elle lhes lavava as chagas : e logo im-
mediatamente foi baptizado eom toda
a sua familia.
34 Depois levou-os á sua habita
ção, poz-lhes de comer , e festejou o ter
crido em Deos com todos os seus.
35- Chegado o dia , mandarão os
Magistrados dizer pelos quadrilheiros ;
Põe em liberdade esses homens.
- 3 6 Foi logo o carcereiro dar a Pau
lo esta nova , dizendo : Os Magistrados
mandarão que fosseis soltos : sahi pois ,
e ide em paz.
37 Mas Paulo disse aos quadrilhei
ros : Que ? Elles fizerão-nos açoutar pu
blicamente sem conhecimento de causa ,
(2) sendo nós Cidadãos Romanos ; met-
tê-
(q) Sendo nós Cidadãos Romanos. Perguntão os
Interpretes , donde veio a S. Paulo o Foro de
140 Os Actos bos Apostolos,
têrão-nos era prizao; e agora mandao-
nos sahir em segredo. Náo ha de fer
aíiïm : (r) venhão elles raesmos tirar-nos.
38 Noticiárão isto os quadrilheiros
aOs Magistrados : (s) e estes temêrâo ao
saber que erão Cidadaos Romanos.
Vie-
Cidadão Romano. E huns julgáo , que erï
por fer natural de Tarso , que era Colonia Ro-
mana des do tempo de Julio Cesar. Outros j
que talvez feu pai , ou feu avô o teria com-
prado. Porque deste mesmo Livro consta , que
tambem este Foro se comprava. E o dizer 0
Apostolo, sendo nós Cidadaos Romanos , nãoobri-
§a a termos tambem por Cidadão Romano a
ilas ; fendo frequente nas Efcrituras o affir
mat de dous , o que he proprio de hum. Pe-
rbira..
(r) Nao ba de ser affim. Para que ninguera
repare neste procedimento de S. Paulo , nem
o tenha pos hum capricho mundano ; lembre-
se da Sentença de Santo Agostinho no Livro
Do Bem da Viuvez , cap. 22. Nobis neceffaría ist
mita no lira , aliis autem sama nostra. A nós he-
nos necelTaria a nolTa vida, aos outros a nos-
fa reputação. Pbreira.
(j) E estes temêrao. Porque segundo os Prin-
cípios da Legislação Romana , o prender a hum
Cidadão era hum peccado ; mas o mandallo
açoutar , era hum crime : Facinus est vinciri
civem Romanum , scelus -verberari , dizia Cicero
nas Veninas. Píreira.
Capitulo XVI. e XVII. 141
39 Vierãopois dar-Ihe suas efcusas ;
e tendo-os posto fóra da prizao , sup-
plicárao-lhes que sahissem da Cidade.
40 E elles sahindo da prizáo , de-
rao comsigo eni casa de Lydia ; e como
víráo aos irmáos , consolárao-os , e de-
pois partírão.

CAPITULO XVII.
Vai Paulo a Thejsalonica , depois a Beréa.
He perfeguido dos "Judeos. Vem a Athe-
nas. Préga no Areopágo , onde con-
verte a Dionyjìo Areopagita , e
a muitos outros.

1 I A Alli passárao por Amfipoli , e


JLJ por Apollonia, e vierão a Thes-
salonica , onde havia huma Synagoga de
Judeos.
2 Entrou nella Paulo, como costu-
mava , e por trcs sabbados disputou com
elles sobre as Efcrituras;,
3 Descubrindo-lhes , e mostrando-
lhes , que importára que o Christo pa-
decesse , e resurgisse dos mortos : e eC-
te
î4ì Os Actos dos Apóstolos,
te Christo , dizia elle , he o Jefu dm-
fto , que eu vos annuncío. y .
4 Alguns delles crêrão, e fe aggregá-
rao a Paulo , e a Silas ; como tambem
huma grande multidão de Proselytos,
e de Gentios j e não poucas mulheres
de qualidade.
5 Porém os Judeos (a) levados do
zelo, -zerao feus alguns máos homens
da escoria do vulgo, e corn esta gente
amotinarão a Cidade ; e bloqueando a
casa de Jason , procuravão haver á mão
a Paulo , e a Silas.
6 E como os não achassem , trou-'
xerão por força a Jason , e a alguns ir
mãos á presença dos Magistrados da Ci
dade , dizendo a gritos : Eis-aqui os
que perturbão a Cidade , e que para
isso vierão a ella.
7 E Jason os recolheo em sua
casa. (b) Elles todos são rebeldes aos
De-
(a) Levados de %eio. De zelo falso , de ciu
me, ou como verteo A melo te , de inveja. Pb-
reiua.
(b) Elles todos sao rebeldes aos Decretos do Ce
Sar* Para sahirem com a sua , náo tundáráo el
1

Capitulo XVII. 143


Decretos do Cesar, sustentando que ou
tro he o seu Rei , a saber , Jesus.
8 Com iito pois sublevarão a ple
be , e aos mesmos Magistrados , que ou-!
vião estas cousas.
9 Mas depois que Jason , e os ou
tros (c) derao caução, deixarão-os ir.
10 Então os irmãos logo naquella
mesma noite conduzirão fóra da Cida
de a Paulo , e a Silas , caminho de Be-
réa. Onde tanto que chegarão , entrá-
rao na Synagoga dos Judeos.
11 Erão estes mais generosos, do que
os de Thessalonica. E receberão a pa
lavra com grande vontade , examinan
do todos os, dias nas Escrituras , se a
cousa era aífim.
De
tes mãos Judeos a calúmnia sobre ponto de
Religiáo, porque esta desorezarião facilmente
os Gentios ; fundárão-na iobre hum crime de
Estado , crime íupposto , e facil de diluir , nfas
que podia revoltar o povo , e os Magistrados.
Calmet- v
(c) Derao caução. Istohe, obrigárão-se a das
conta de Paulo , e de Silas , em fendo neces
sario. O que o náo foi , porque clles se au
sentaráo para Beréa. Calmet.
i44 Os Actos dos Apostolos,
12 Deserte, que forao muitos dest-
trelles os que crêrão , e dos Gentios mui
tas mulheres nobres , e não poucos ho
mens.
13 Porém como os Judeos de Thes-
salonica soubessem, que tambem em Be-
\ réa prégava Paulo a palavra de Deos;
forão lá commover , e sublevar o povo.
14 E logo os irmãos derão modo
a que Paulo se retirasse, e fosse para a
parte do mar : c ficarão em Beréa Si
las, e Timotheo.
Os que porém conduzião a Pau
lo, levárao-no até Athenas ; e deixan-
do-o alli , partirão depois de receberem/
ordem para Silas , e Timotheo , em que
Paulo lhes dizia , que o mais cedo que
podesse ser, viessem a elle.
16 Em quanto Paulo os esperava
em Athenas , o seu espirito se sentio
commovido em si mesmo, vendo a Ci
dade toda entregue á idolatria.
17 Disputava portanto naSynago-
ga com os Judeos , e Proselytos , e na
praça todos os dias com os que se acha-
vão presentes. Ou-
Capítulo XVII. 145>
18 Òutrosim oatacavao (d) algims
Filosofos Epiciireos , e Estoicos : e huns
dizião , Que quer dizer (e) este Paro-
Tom.lII. K lei-
(<í) Alguns Filososos Epicureos , e EJìoicos. Sen-
do entáo igualmente célèbres em Atheqas as
outras duas Escolas de Academicos , e Peripa-
teticos ; S. Lucas só nomea os Epicureos , e
Estoicos j talvez porque estes erão os que mais
longe elíavão da Religião. Porqac os Epicu
reos não crião que Deos creasse o Mundo , nem
que o govemasse com a sua Ptovidencia , nem
que a aima folîe immortal, nem que houves-
se outra vida. Os Estoicos negavão toda a si»
berdade ao homem , crendo que tudo succedia
por fado. Não reconhecião aliìma de si , senáoi
a Jupiter. Antes de hum certo modo lhe án-
tepunhão o feu pretendido sabio , dizendo que
Deos o era por natureza , o Estoico por lua
propria virtude , e pelos feus esforços. Cal-
mêt.
(e) Este Paroleiro. O Texto Latino diz , _/>->
miniuerbius bic : nome composto de semen , e
de rierbum , que por falta de termos prôprios
vertem todós os Interpretes na sua Lingua,
pelo nome que em cada huma signifiea hum
homem muiro fallador , e de pouca , ou ne-
nhuma coníìderação no que diz. Castiodoro de
la Reyna no antigo Heipanhol , este palabrero.
Amclote , Saci , e os de Mons em Francez
ce discoureur. Martini em Italiano , questo cbiac-
cbitronc. João Ferreira de Almeida em Port u-
guez , este paroleiro. Ps-rbira.
146 Os Actos dos Apostolos ,
leiro ? Outros , Elle parece que annun-
cia novos Deoses : c isto era porque lhes
annunciava a Jesus, e a resurreição.
iq Em fim pegarão nelle, (/) ele-
várão-no ao Areopago , dizendo-lhe:
Podemos nós saber que nova doutrina
he essa, que prégas?
20 Porque tu nos dizes certas cou
sas , que nós nunca antes tínhamos ou
vido. Queremos pois saber o que isto he.
21 Ora todos os Athenienses , e os
estrangeiros , que vivião entrçlles , em
nada mais seoccupavão, que em dizer,
ou ouvir alguma novidade.
22 Vendo-sepois nomeio do Areo
pago , disse Paulo : Senhores Athenien
ses, pelo que eu vejo, vós sois em tu
do excessivamente religiosos.
23 Porque tendo eu visto ao passar
as
(/) E Icvárao-iio ao Areopago. Areopago em
Grego quer dizer, Outeiro de Marte : porque
no mais alto da Cidade de Achenas , junto ao
Templo daquelle falso Deos , era o Tribunal
Supremo , a que por isso derão o mesmo no
me. Os seus Juizes erão perpétuos , e nelle
se sentenceavão todos os grandes negocios da
Religiáo, e do Estado. Amblotí. -' ,
Capítulo XVil. 147
as vossas divirflades , até achei hum Al
tar, em que se lia esta Inscripção : (g)
Ao Deos desconhecido. Este Deos pois
que vós adorais sem o conhecer , he o
que euvos annuncío.
24 Deos, que fez o Mundo, e tu
do o que nelle ha , fendo o Senhor do
Ceo, e da terra, não habita ern Tem
plos feitos pelos homens.
2j Nem he adorado por obras de
mãos humanas, como se necessitasse de
alguem , quando elle he o mesmo que
a todos dá a vida , a respiração , e to
das as cousas.
26 Elle fez de hum só homem to
da a linhagem dos homens, e lhe deo
por habitação toda a face da terra , tendo
fixado os tempos , e limitado os luga
res , que cada povo devia habitar :
K ii A
(g) Ao Deos desconbecido. Deste Altas, e In
scripçáo ha memorias em Pansanias , Filostra-
to, e Luciano, aos quaes cita neíte lugar Hu
go Grocio. Como porém os Padres , e Exposi
tores Christãos não concordão , que Deos fos
se este na mente , e intençáo dos Athenien-
ses ; vejão os curiosos a Dissertaçáo , que so
bre este assumpto escreveo Calmec. Pjsríhu.
148 Os Actos dos Apostolos,
27 Afim de que buscassem aDcos,
e procurassem achallo como com a mão ,
e ás apalpadelas ; ainda que elle não
esta' longe de nós.
28 Pois nelle he que nós temos a
vida, o movimento, e o ser : (h) e co
mo disserao alguns de vossos Poetas , Nós
fomos os filhos , e a linhagem de Deos.
20 Sendo nós pois filhos, e linha
gem de Deos , não devemos crer , que
a divindade he semelhante ao ouro, ou
á prata , ou á pedra , de que a arte , e
industria dos homens faz certas figu
ras.
30 Mas Deos deixando passar, e como
diffimulando estes tempos de ignoran
cia , faz agora annunciar a todos os ho
mens, e em todos os lugares, que fa-
ção penitencia.
31 Porque elle tem determinado
hum dia , em que ha de julgar o Mun
do,
(b) E como differão alguns de noffos Poetas. Por
Enallage diz S. Paulo no plural alguns Poetas ,
ainda que o testemunho , que elle cita , he
só de Arato nos seus Fenomenos. S. Jbrony
I MO.
Capitulo XVII. e XVIII. 149
do , conforme a juitiça , por hum ho-
mem , que destinou para Juiz : do que elle
tem dado atodos oshomens humapro-
va certa , resuscitando-o dos mortos.
31 Qtiando elles ouvírao fallar da
reíurreiçáo dos mortos , huns fizerao
zombaria , outros disserao : Outra vez
te ouviremos sobre este aíTumpto.
3 3 Aíîìm Paulo se sahio da sua As-
sembléa.
34 Todavia alguns se lhe aggre~
gárao , e abraçárao a fé : entrelles Diô-
nysio Areopagita , e huma mulher, por
nome Damaris , e com elles outros.

CAPITULO XVIII.
Paulo emCorintho trabaïha demaos. Dei-
xa os Judeos por ir instruir os Gentios.
He levado ante 0 Proconsul. Vat á Sy-
ria , dahi a Jerusalem , dahi á Galacia ,
e d Frygia, Apóllo he injìruido de Pris-
cilla , e de Aquila.

1 1 Epois disto tendo sahido de


JL/ Athenas , entrou Paulo em Go-
rintho.
E
ijo Os Actos dos Apostolos,
t. (a) Ecomoachasse ahnmjudeo,
por nome Aquila , oriundo do Ponto,
que pouco havia era chegado de Italia
com Priscilla sua mulher ; (porquetinha
mandado o Emperador Claudio sahirde
Roma todos os Judeos) ajuntou-se a elles.
3, E porque era official do meí'mo
mister , ( b ) que era o de fazer tendas
de
(«) E como acbaffe a bum Judeo , por nome A?
qu'ila. Judeo convenido com sua mulher Pris
cilla, dosquaes faz honorifica menção S. Pau-
lô na Epistola aos Romanos , e na segunda a
Timotheo. O Martyrologio Romano os cele
bra a 8 de Julho. Calmet.
(Z>) Que era 0 de sazer tendas de campanba.
Este officio reconheceo Santo Agostinho no Li-
vro Da Obra dos Mo/iges , onde expõe affim p
presente Texto : Propter artis similitudinem man-
su apud illos , opus saciens : erant enitn taberUi
culorum artifices. A semelhança da arte o- fez
fìcar , e nabalhar com elles : porque eráó ar
tifices de fazer tendas. Estas tendas erão para
soldados , e viandantes. Nem a isto se oppóe
0 esciever S. João Chrysostomo , e Theodore-
to , que S. Pauio corrava , ou talhava pelles.
Porque de pelles comeffeito erão asbarracas,
que se faziào para o Inverno. Por onde na
frase de Tito Livio , effe sub peliibus , lie esta?
rem os loldadôs alojados cm barracas de In»
yerno. Perbira,
Capitulo XVIII. ijr
de campanha ; morava com elles , e tra
balhava.
4 Mas todos os sabbados prégava
naSynagoga; e tomando por asTumpto
ordinario de seus discursos o nome do
SenhorJesus, convencia Judeos , eGre-
sos-
y Depois que Silas , e Timotheo -
chegárão de Macedonia , empregava-se
Paulo com maior fervor na prédica ,
mostrando aos Judeos que Jesus era o
Christo.
6 Porém como elles o contradisses
sem com palavras de blasfemia , sacu-
dio os seus vestidos , e disse-lhes : O vos
so sangue seja sobre a vossa cabeça : eu
estou disso innocente : irei daqui para
os Gentios.
7 E sahindo dalli, entrou cm casa
de hum chamado Tito Justo , que era
temente a Deos , e cuja casa vizinhava
com a Synagoga.
8 Todavia Crispo , cabeça da Sy
nagoga , creo no Senhor com toda a sua
familia. E muitos dos Corinthios , ten
do
ijsi Os Actos dos Apóstolos,
do ouvido a Paulo , crerão , e forão bar
ptizados.
9 De noite em visão disse o Senhor
a Paulo : Não temas , mas falla , e não
te cales por nenhum respeito.
10 Porque eu sou comtigo, e nin
guem chegará a fazer-te mal ; porque
eu tenho nesta Cidade hum grande po
vo.
11 Al li pois -cou de assento anno
e meio, prégando-lhes a palavra de
Deos.
12 Mas fendo Proconsul de Acaia
Galliao , osJudeos de commum acordo
se lançarão sobre Paulo, e o levarão ao
Tribunal , dizendo :
13 Este perfgade aos homens hum
culto de Deos contrario á Lei.
14 E quando Paulo hia a respon
der por si, disse Galliao aosjudeos: Se
se tratasse, ójudeos, de alguma injus
tiça , ou de alguma acção muito ma,
eu me daria por obrigado a ouvir-vos
com paciencia.
15 Mas pois a questão toda he de
. Pa"
Capitulo XVIII. 15-3
palavras , e de nomes , e da vossa Lei ;
fede vós mesmos osqne a julgueis: por
que eu não quero tomar conhecimento
de taes cousas.
16 E aflim mandou que sahissem do
Tribunal.
17 E todos fazendo apprehensão
de Sóíthenes , cabeça da Synagoga , da-
vão nelle diante do Tribunal , lem que
Galliaõ se formalizasse por isso.
18 Paulo tendo-íè demorado ainda
muitos dias , al fim dizendo a Deos aos
irmãos , embarcou caminho da Syria ,
acompanhado de Priscilla , e de Áqui
la , (c) depois de se ter feito cortar o
ca-
(c) Depois de se sazer cortar o Cabello em Cen-
cbris. OnoíTo Santo Isidoro de Sevilha no Li
vro II. dos XDffic. Eccles. cap. 4. seguindo
a S. Joáo Chrysostomo na Homilia xl. sobre
os Actos dos Apostolos ; entendeo que quem
se fez cortar o cabcllo fora Áquila. O Texto
Grego , e ainda o Latino , soffrcm este enten
dimento 3 mas não o fazem necessario. Antes
S. Jeronymo, Santo Agostinho , e o Venera
vel Beda , que os cita , tiveiao por indubita
vel , que Paulo , e não Áquila , fora o que
se fizera cortar o cabello. E esta he a opiniáo
commum dos Expositores modernos. A cerer
4 Os Actos dos Apostolos,
cabello em Cenchris, por causa d'hunt
voto que fizera.
19 Chegou a Efeso , e alli deixou
os dous. E elle tendo entrado na Syna-
goga , disputou com os Judeos.
20 Os quaes tendo-lhe pedido que
se demorasse por mais tempo, elle não
veio nisso. 1
21 Mas despedio-se , dizendo : Ou
tra vez tornarei a ver-vos , se Deos qui»
zer. E partio-se de Efeso.
22 Tendo abordado a Cesaréa , foi
a Jerusalem; e depois de saudar a Igre
ja, defeco a Antioquia ,
23 Onde passou algum tempo : e
depois partio , atravessando com ordem ,
c de Cidade em Cidade a Galacia , e
a Frygia, e confortando todos os Dis
cípulos. Nes-
monia porém de cortar o cabello , quem se
consagrava a Deos por algum voto , era to
mada do que» se mandara aos Nazarenos.no
Livro dos Numeros, VI.. 18. O que S. Pau
lo j segundo os mesmos JPadres , executou em
si j para mostrar aos Judeos , que elle tanto
náo reprovava a Lei , que antes a observava,
ainda quando esta observancia era já desneces
saria. PEREIRA.
r . Capitulo XVIII. 15-jr
24 Neste tempo hum Judeo , cha-
mado Apóllo , originario de Alexan-
dria , homem eloquente , e poderoso nas
Eícrituras 7 veio a Efeso.
25 Este era instruido no caminho
do Senhor : e fallava corn zelo , e fer-
vor de espiríto , explicando , e ensinan-
do o que dizia respeito a Jesus ; ainda
que elle náo conhecia outro baptjsmo ,
que o de Joao.
26 Este pois começou a fallar re-
solutamente na Synagoga. Pelo que ten-
do-o ouvido Priscilla , e Aquila , ellea
0 recebêrão comsigo , e Ihe expozerao
mais ampla , e miudamente , qual era
0 caminho do Senhor.
27 Quiz depois pasiar a Acaia : e
os irmaos tendo-o exhortado , eícrevê-
rao aos Discipulos que o admittissem.
E a sua chegada servio de muito aos
Fieis.
'2 8 Porque Apóllo pnblicamente con-
vencia os Judeos com grande força , mos-
trando-lhes pelas Elçrituras , que Jesus
ira o Ghristo.
. . CA- .
i5 6 Os Actos dos Apostolos,

CAPITULO XIX.
Torna Paulo a Efefo. Baptiza os Discípu
los , que só tinhao recebido o baptismo
de João. Faz curas extraordinarias. Ex
orcistas Judeos. Os Gregos convertidos
confefsao seus peccados , e queimao os
Livros da Arte Magica. Os ourives sub-
levão os Efesios contra Paulo. O Magis
trado os aquieta.

ï TT^Stando Apóllo em Corintho,


1^ aconteceo , que Paulo tendo
atravessado as Províncias da Afia Alta,
veio ter a Efefo ; onde achando alguns
Discípulos , perguntou-lhes :
z (a) Vós recebestes já o Espirito
San-
(a) Vás recebestes já o Espirito Santo. S. Pau
lo vendo que estes homens faziáo profissáo do
Christianismo , náo entrou em dúvida do seu
Baptismo. Mas como a este se costumava se
guir a Confirmaçáo , e em Efeso náo havia
Apostolo, nem Bispo que a désse ; (porque só
Apostolos , ou Bispos a davão) íómente se in
forma , se tinhão já recebido este Sacramento.
E o significar o Apostolo o Sacramento da Con-r
íirmação pelo nome do Espirito Santo ; foi por
que nos primeiros tempos da Igreja era a re
cepçáo delle ordinariamente seguida degracas
Capitulo XIX. 15-7
Santo , depois que abraçastes a fé ? Re-
spondêrão elles : Nós nem se quer te-
mos ouvido, que ha hum Espirito San
to.
3 Replicou Paulo : (b) Em que ba-
ptismo logo folles vós baptizados? El
les respondêrão: No baptismo dejoao.
4 Entáo lhes disse Paulo :' Joao ba-
ptizou com o baptismo da penitencia,
dizendo ao povo , que deviao crer no
que vinha depois delle, istohe, em Je
sus.
5: Ouvido isto , forao baptizados em
nome do Senhor Jesus.
6 E depois que Paulo lhes impoz
as máos , desceo o Espirito Santo so-
brel-
sobrenaturaes , que servião como depenhores,
e symbolos da prefença interior do Divino Es
pirito. E muiras vezes descia o Espirito San
to Tifivelmentc sobre os Confirmados. Perei-
ra.
(b~) Em que baptismo logo , <ò-c. Aflim Amc-
lote , Saci , e os de Mons , guiados do Inter
prete Arabe, cujaversão se confirma da respos-
ta dos Discipulos. Eu accrescento , que Santo
Cptato de Milevi no Livro V. contra os Do-
natiítas , rambem aflìm lia dos feus Codices,
como advertio Sabatier neste lugar. Pereira.
i?8 Os Actos dos Apostolos,
brelles , e fallavão diversas linguas , e
profetavão.
7 Erão elles por todos alguns do
ze. . ;
8 Depois entrou Paulo na Synago-
ga , onde prégou com liberdade tres
mezes , disputando com os Judeos , e
convencendo-os do que tocava ao Rei
no de Deos. .
9 Mas como alguns feendurerião,
e ficavão na incredulidade , desacredi
tando de palavra o caminho do Senhor
diante de todo o povo ; elle se retirou ,
e separou delles os Discípulos , fazen
do doutrina todos os dias na Escola de
hum chamado Tyranno.
10 Neste exercicio continuou Pau
lo por dous annos : de maneira , que
todos t>s habitantes da Alia , quer Ju
deos, quer Gregos , ouvirão a palavra
do Senhor.
11 E Deos obrava por mãos de Pau
lo milagres extraordinários.
iz Chegando estes a tal extre
mo , que fendo applicados aos enfer-
' . mos
Capitulo XIX. 15-9
mos (c) os lenços , e aventaes, que ti-
nhão tocado no corpo de Paulo , (d) fu-
giao delles as doenças , e os espíritos
malignos se retiraváo.
13 (e) Ora alguns Exorcistas Ju-
dcos , que andavão de Cidade em Ci
dade, emprendêrão invocar o nome do
Senhor Jesus sobre os que se achavão
pos-

(c) Os lenços , e os aventaes. Lenços ou de


itar a cabeça , ou de alimpar o rosto. Aven
tais, dos que usão os artifices nas su3s Offi-
cinas para resguardo. Pereira. ;
(i) Pugiâo delies as doenças , eb'c. He forte
Texto este para convencer os Protestantes , dé
que a veneraçáo , que a Igreja Romana tribu
ta ás Relíquias dos Santos, nãohe algum cul
to supersticioso ; nem a esperança , que ella
põe no tocamento das mesmas Relíquias , he
alguma esperança vá. Porque vemos aqui os
Fieis da primitiva Igreja applicando aos. enfer
mos os lenços , e aventaes do uso. de Paulo ;
e Deos com estupendas curas premiando a de
voçáo de huns , e hontando a santidade de ou
tro. Pereira.
(f) Ora alguns Exòrcifías °]udeos , &c. Que
os houvesse já do tempo de Christo , conseí
pelo que o Senhor respondeo aos judeos , se
gundo vimos em S. Mattheus, xu. 27. e pe
lo que respondeo aos Apostolos , segundo vi-
ipos em S.Lucas, ix. 40. Pereira.
i6o Os Actos dos Apostolos,
posséflbs dos malignos espiritos , dizen-
do : Eu te efconjuro porJesus , a quem
Paulo préga.
1 4 Erao os Judeos que affim faziáo ,
fete filhos d'hum Principe dos Sacer-
dotes, chamado Scevas.
15- Mas oespirito maligno lhes re-
spondeo : Eu conheço a Jesus , e sei quem
he Paulo; mas vós quem sois?
1 6 Logo o homem , que estava pos-
sésso d'hum pesïïmo espirito , saltott
cm dous destes Exorcistas ; e feito íc-
nhor de ambos , alîlm os maltratou,
que elles se vírão constrangidos a fugir
daquella casa, nus, e feridos.
17 Tendo-se divulgado este caso
por todos os Judeos , e Gentios , que
vivião em Efeso, forão todos salteados
de temor , e engrandeciáo o nome do
Senhor Jesus.
18 E muitos dos que tinháo rece-
bido afé, (/) vinhão confeíTar, e ma
nifestas as suas obras peccaminosas.
Mui-
(/) Vinbao conseffar , <b>c. Não concordáo os
Theologos, de que qualidade fosse esta confit
Capitulo XIX. 16*1
19 Muitos tambem daquelles , (g)
que tinhâo seguido curiosidades vans,
trouxerao juntos os seus Livros, e os
queimarão diante de todos : e feita â
conta do que importaváo os preços , se
achou que chegava (h) a sincoenta mil
dinheiros.
20 Affim a palavra de Deos se es-
Tom. III. L pa-
sáo dois peccados ; se foi huma simples decla
raçáo pública , e feita em geral ; ou se foi
huma confissáo particular , e sacramental de
cada hum na sua espece , e número. O pri
meiro sentimento he de Caetano , e de Vei
ga. O segundo de Affonso de Castro , e de
Bellarmino , com os Theologos Gregos. E Gro-
cio mesmo, sendo Calvinista, reconhece aqui
huma verdadeira confissáo de A feita
aos homens , e a neceflidade delia para obter
o perdáo. Calmet.
- 00 Pi" tinbão seguido curiosidades vans. En-
tendem-se a Arte Magica , e aí outras , que
confináo com ella , como a Astrologia Judicia*-
ria, e a Genethliaca , condemnadas pelos nos
sos Santos Padres no primeiro Concilio de To
ledo, e no primeiro de Braga , e depois por
Santo Isidoro de Sevilha nas suas Origens. Pe
reira.
(b) Atésincoenta mil dinbeiros. Que pelos cál
culos de Amelote , e de Saci fazião da nossa
moeda alguns quinze mil cruzados. Pereira,
i6z Os Açtos dos Apostolos,
palhava cada vez mais, e tomava cada
dia novas forças.
21 Concluídas estas cousas , propoz
Paulo por instincto do Espirito Santo,
passar a Macedonia , e a Acaia , e dahi
a Jerusalem : e depois que eu alli tiver
estado , (disse elle) importa tambem ir
ver Roma.
22 E tendo enviado a Macedonia
dous dos que lhe ministraváo , que erão
Timotheo , e Erasto , ainda se demorou
algum tempo na Ásia.
23 Mas neste tempo se excitou hum
não pequeno tumulto a respeito do ca
minho do Senhor.
, 24 Porque hum artifice , chamado
Demetrio, (/) que fazia de prata huns
ni-
CO Q.us sa,zia, de prata bum nicbos de Diana.
Que representavão em pequeno o Templo , e
a Deosa. Este Templo de Efeío era huma das
Sete Maravilhas do Mundo , em cuja fábrica
se gastárão duzentos e vinte annos , correndo
rodas as despezas por conta da Afia Menor. Os
principaes Arquitectos forão Theodoro , e Que-
nifron. Tinha de comprido quatrocentos e vin
te e finco pés , e de largo duzentos e vime.
Dentro deste âmbito havia duas ordens de co*
Capitulo XIX. 163
nichos de Diana , e que dava muito que
ganhar aos deste mister ;
25- Ajuntou estes , e outros , que
trabalhavão no mesmo genero de ma
nufacturas , e disse-lhes : Amigos , vós
sabeis que o nosso ganho está nestas
obras.
26 Entretanto vós mesmos estais
vendo , e ouvindo , que este Paulo não
só em Efeso , mas em quasi toda a Asia ,
aparta deste culto com as suas persua
sões a hum grande número de pessoas,
dizendo: Que obras de mãos humanas
não são Deoses.
27 E não sómente corremos nós o
perigo, dever desacreditada a nossa ar
te, mas ainda devemos temer , que des
caia de reputação o Templo da gran-
L ii de
lumnas de 6o pés, que todas juntas fazião o
número de cento e vinte sete, dada cada hu
ma por seu Rei , e trinta e seis delias obra
d'alto relevo, com figuras excellentes. O que
era de madeira , tudo era de cedro. E estava
todo o Templo ornado de riquiHimos Donati
vos, e de primorosas Estatuas. Toda esta re
laçáo devemos a Vuruvio no Livro III. cap.
10. Pereira.
1 64 Os Actos dos Apóstolos ,
de Diana , e se arruine a magestade de
humaDeosa, a quem adora toda a A-a,
e todo o Mundo.
28 Ouvido este discurso , concebe
rão os homens grande ira , e exclamá-
rao , dizendo : Grande Diana dos Efesios.
29 Logo toda a Cidade se encheo
de confusão , e de tumulto : e levados
d'huma mesma furia , corrêrão de chus
ma ao theatro , arrebatando comsigo os
dous Macedonios , Gaio , e Aristarco ,
que tinhãò acompanhado Paulo na sua
viagem.
30 Querendo Paulo presentar-se ao
povo, os Discípulos o não deixarão.
31 E mesmo alguns Grandes da
Afia, que erão seus amigos , lhe man
darão pedir , que le não presentasse no
theatro.
32 Entretanto huns grítavão d'hu-
ma sorte , outros doutra ; não fendo to
do este concurso de gente , senão huma
multidão'confusa , de que a maior par
te nem mesmo íabia, porque se tinhão
ajuntado.
Capítulo XIX. i6?
3 3 Então foi tirado dentre a turba
Alexandre , empurrando-o para diante
os Judeos. E Alexandre fazendo final
com a mão que o escutassem , quiz jus-
tificar-se com o povo.
3 4 Mas elles tendo reconhecido que
era Judeo , todos a huma voz clama
rão por duas horas : Grande Diana dos
Efesios.
3 ^ Depois do que o Secretario , ten
do apaziguado o tumulto , disse : Se
nhores Efesios , que homem ha , que não
saiba que a Cidade de Efeso rende hum
culto particular á grande Diana , filha
de Jupiter ?
36 Como pois senão póde dcscon-
vir disto , deveis vós coníervar-vos em
paz , e não obrar nada com inconside
ração.
37 Porque estes homens , que vós
fizestes vir aqui , nem são sacrílegos,
nem são blasfemadores da vossa Dco-
sa.
38 E se Demetrio com os da sua
sociedade tem queixa d'algum , para isso
ha
i66 Os Actos DOS ÀPOSTOLOS,
ha Audiencias , para islb ha Proconíu-
les ; demandem-se huns a outras.
39 Ev6s se tendes outra negocio,
que propôr , este poderá termínar-se em
algnm Ajuntamento legítimo.
40 Porque nós estâmes em perigo
de sermos accusados da sediçao , que
houve hoje ; quando nenhum póde alle-
gar razáo, que ojustifique destetumul-
tuario concurso de gente. Dito isto , des-
pedio a Assembléa.

C A P I T U L O XX.
Paulo em Troade. Bjsuscita hum moço , qui
tinha cahido do terceìro andar. Préga
0 Evangelho em dìversas partes. Sa-
he da Asia corn grande sentimento
dos Fieis.

1 f ■ 1 Endo cessado o tumnlto , con-


JL vocou Panlo os Discipulos ; e
tendo-ps exhortado, se despedio delles,
e partio caminho de Macedonia.
2 Depois de haver corrido diversos
Ingares dclla , e feito muitas exhorta-
çóes aos Discipulos, veio á Grecia:
On-
Capitulo XX. i6>
3 Onde tendorse demorado tres me-
zes , resolveo tornar a Macedonia , vis
tas as filadas que os Jndeos lhe tinhão
armado, estando elle para se embarcar
para a Syria. -
4 Acompanhárão-no Sópatro , fi
lho de Pyrro deBeréa, Aristarco, e Se
gundo que erão de Thessalonica , Gaio
de Derbe , e Timotheo. E quanto a
Tyquico , e a Trófimo , que erão da
Asia,
y Estes tendo partido adiante, nos
esperárão em Tróade.
6 E nós passados os dias dos As-
mos, embarcámos em Filippes, e den
tro em finco dias viemos achallos em
Tróade , onde nos detivemos sete.
7 (a) No primeiro dia da semana ,
tendo- se ajuntado os Discípulos (b) a
partir o pão , Paulo, qiie havia de fa
zer jornada ao dia seguinte , lhes fez
hum
(a) No primeiro dia da semana. Isto he, no
Domingo. Calmet.
(b) A partir o pão. Ou usual , ou Eucaristi-
co j segundo o que fica notado no Capitulo II.
vers. 42. Pereira.
1 68 Os Actos DOS Apostolos ,
hum Sermáo , que durou até a meia
noite.
8 Havia muitas alampadas na sala
de íîma , onde nós nos tinhamos ajun-
tado.
9 E como o discurso dePaulo du
rou muito tempo, hum moço chamado
Eutyco , que esta va aíTentado sobre huma
janella, adormeceo ; c tomado d'hum
profundo somno , cahio do terceiro andar
abaixo, e foi levantado morto.
10 Mas Paulo tendo descîdo, dei-
tou- se sob relle ; etendo-oabraçado, dis
se : Náo vos turbeis , porque elle está
vivo.
ii Feitò isto , tornou a subir assi-
ma , partio páo , e comeo ; e rendo-lhes
ainda prégado até oromper damanhá,
partio.
12 Trazido vivo o moço , foi náo
pcquena a consolaçáo , que por isso ti-
verão.
13 Nós mettemo-nos numa'embar-
caçao , e navega'mos até Asson , onde
deviamos tomar a Paulo , scgundo a or-
! dem
Capitulo XX. 169
dem que delle tinhamos ; porque atélli
quiz Paulo ir por terra.
14 Quando pois nos ajunta'mos cm
Asson, recolhido Paulo no nosso navio,
passámos todos juntos a Mitylene.
15: E continuando a nossa derrota ,
chegámos ao outro dia bem defronte de
Chio , e ao seguinte abordámos a Sa
mos, e ao outro a Mileto.
j6 Porque tinha assentado Paulo
passar Efeso , sem alli tomar terra , por
fugir toda a occasião de se deter na
Aliaj fazendo toda a diligencia por achar-
se em Jerusalem , se poífível fosse , dia
de Pentecostes.
1 7 Estando em Mileto , enviou Pau
lo mensageiros a Efeso, (c) para fazer
vir os Anciãos da Igreja.
E
(c) Para fazer vir os Anciãos da Igreja. Os
que a Vulgata chama aqui Maiores natu , e 1
cu em Portuguez Anciãos , chama o Texto
Grego Presbyteros. E a estes mesmos no vers.
i8- chamão Bispos tanto o Grego , como a
Vulgata. A razáo dá-a o nosso Santo Isidoro
de Sevilha no Livro II. dos Offic. Eccles.
cap. 7. dizendo : Presbyteros interpretão-se An
ciáos , porque aos Anciáos na idade chamão
xyo Os Actos dos Apostolos,
18 E depois que elles chegarão, e
se virão juntos , diste-lhes Paulo : Vós
sabeis de que modo eu me tenho ha-
vi- .
os Gregos Presbyteros. Porque a estes , affim
como aos Bispos, foi commettida a dispensa-
ção dos Divinos Mysterios. Porque dos Pres
byteros he presidirem ás Igrejas de Christo,
e ferem consortes do ministerio dos Bispos
na consagraçáo do divino Corpo, e Sangue,
na instrucçáo dos póvos , e no officio depré-
gar. Só por causa da authoridade foi reserva
da ao Summo Sacerdote, que he o Bispo, a
ordenaçáo , e fagraçáo dos Clerigos ; e isto
para náo acontecer, que fendo muitos os que
se arrogassem a Disciplina da Igreja , destruis-
se esta pluralidade a concordia , e se seguis
sem dahi escandalos. Porque S. Paulo escre
vendo a Tito , claramente dá o nome de Bis
pos aos Presbyteros, como a verdadeiros Sa
cerdotes. Pois diz affim: Por esta causa eu te
deixei em Creta, para regulares o que falra,
e ordenares Presbyteros pelas Cidades, como
cu já te dei por ordem. E estes devem ser puros
de crime , casados huma só vez , e seus filbos
fieis, sem que delies haja queixa, de que sáo
de costumes dissolutos, e desobedientes. Por
que importa que o que ha de ser Bispo, rio
seja criminoso. Neste dito mostra o Apostolo,
que òs Presbyteros se designáo debaixo do no
me de Bispos. Por onde escrevendo tambem
a Timotheo sobre a ordenaçáo do Bispo , e
do Diacono , não< disse palavra dos Presbyte
Capitulo XX. 171
vido em todo o tempo comvosco , des
do primeiro dia , que entrei na Afia.
ip Que fervi ao Senhor com toda
a hu-
ros j porque os comprehendeo debaixo do no
me dos Bispos. Porque este segundo gráo de
ordem he conjuncto com o primeiro. Por iflb
tambem na Epistola aos Filippenses começa
allim : Aos Bispos , e Diaconos : fendo que
huma Cidade náo pôde ter muitos Bispos. Fi
nalmente nos Actos dos Apostolos , indo Sáo
Paulo para Jerusalem , convocou os Presbyte-
ros da Igreja, aquem fallou aflim : Olhai pa
ra o rebanho , sobre que o Espirito Santo vos
ordenou Bispos. Por onde o mesmo Apostolo
escrevendo aTiro, as mesmas qualidades que
pede nos Bispos , pede nos Presbyrçros : e o
mesmo restificão os Canones. O nome de Pres-
byteros porém náo lhes he daclo pela idade ,
mas pelo merecimento , e pela sabedoria.
Atéqui Santo Isidoro , cujo discurso he
tirado de S. Jeronymo , e de S. Joáo Chrysps-
tomo : e tão longe está de favorecer o erro
dos Calvinistas , ( que deste lugar dos Actos
dos Apostolos concluem não se distinguir o
Episcopado do Presbyterado) que antes o com
bate, e arruina ; ensinando claramente , ser a-
Îuelle superior a este no exercício de certas
unções ; ainda que quanto ao nome , os mes
mos que eráo Presbyteros se chamassem tam
bém Bispos.
Outros talvez mais provavelmente respon
dem , que tanto os que no vers. 17. se cha
i7i Os Actos dos Apostolos*,
a humildade , e com muitas lagrimas
entre os contratempos , e afflicções , que
me acontecerão , por effeito das embos
cadas dos Judeos : Que
máo Anciãos , como os que no vers. 28. se cha-
máo Bispos , erão na verdade Bispos propria
mente ditos , e contradistinstos dos simples
Presbytères. E á objecçáo que se faz , de
que numa Cidade náo tinha muitos Bispos>
mas hum só : occorrem bellamente , dizendo ,
que alfim he que cada Cidade tinha ló hum
Bispo ; porem que o Apostolo náo falia aqui
só com o de Efeso , mas com todos os da Afia
Proconsular , convocados na sua Metropole. E
quanto a chamar o Texto Grego no vers. 17.
Presbytcros , aos que no vers. 28. nomea Bispos ;
he porque então por serem ainda mui poucos
os Fieis , náo havia em cada Cidade senáo hum
Sacerdote, que era juntamente Presbytero, e
Bispo , affim como hoje todos os Bispos sáo
juntamente Presbytcros.
Com eflèito os nossos Padres congrega
dos no Duodecimo Concilio Nacional de To
ledo , quando no Canon iv. prohibíráo que se
creassem Bispos nas Aldeãs, alleeáráo o refe
rido lugar de S. Paulo , escrevendo a Tito : e
entenderáo que os Presbyteros , que elle man
dava ordenar pelas Cidades de Crera , eráo
Bispos contradistinstos dos simples Presbytc
ros. Confira-se o que obseuvou Arnault na
Nona Desensa do Novo Testamento de Mons
contra Mr. Mallet , Livro XI. cap. p. Tom.VH.
da nova Ediçá o , pag. 812. e legg. Pereira-
Capitulo XX. 173
îo Que não occultei ao vosso co
nhecimento cousa alguma , das que vos
podião ser uteis ; não deixando por ca
so algum de vo-la annunciar , e de vos
instrnir pública , e particularmente ;
21 Pregando tanto aos Judeos , co
mo aos Gentios a penitencia para com
Deos , e a fé em nosso Senhor Jesu Chri-
fto.
22 E agora eis-me aqui (d) liado
pelo Espirito, vou para Jerusalem , sem
saber o que me está para vir :
23 Se não he que em todas as Ci
dades j por onde passo , me diz , e me
assegura o Espirito Santo , que me es-
perão lá cadeias, e tribulações.
Po-

(d) Liado pelo Espirito. Affim venêrão os


de Mons , Amelote , Saci , e outros, o que
a Vulgata diz , alligatus spiritu : entendendo
pot este Espirito o Espirito Santo ; e pelas suas
ligaduras o seu impulso , e mandato , como
explica Martini. Outros com Duhamel ver
tem , ligado já em espirito : isto he , prevendo
já com o espirito as cadeias , qtie me espe-
rão ; ou ligado já com ellas , pela firme reso
luçáo , em que estou de as padecer por ]eíu
Christo. Pereira. -
i74 Os Actos dos Apostolos,
24 Porém eu nada disto temo : c
estou prompto a expor a minha vida,
com tanto que eu acabe a minha car»
reira , e cumpra o ministerio , que re
cebi do Senhor Jesus , que he pregar
o Evangelho da graça de Deos.
25- Eu sei que não tornareis mais
a ver a minha face todos vós , por en
tre os quaes passei prégando o Reino
de Deos.
2 6 Hoje pois vos protesto, que es
tou puro, e innocente do sangue de vós
todos.
27 Porque nunca fugi de vos an-
nunciar todas as vontades de Deos.
28 Attendei por vós, e por todo o
rebanho, (e) sobre que o Espirito San
to vos constituio Bispos , para governar
des a Igreja de Deos , (s) que elle adqui-
rio por seu próprio sangue.
Por-
(f) Sobre que o Espirito Santo vos constituio
Bispo!. Sc o Espirito Santo hc o que ordena
os Bispos y elle he tambem o que lhes da o
poder, ou jurdição annexa á sua ordem. Pe
reira.
(/) Qjt* tllt ainuirio por seu proprio sangud
C A PITU L O XX. 17s
29 Porque eu sei que depois da mi
nha despedida , hão de entrar avós cer
tos lobos arrebatadores , que não hão
de perdoar ao rebanho.
30 E que dentre vós mesmos hão
de fahir homens , que hão de publicar
doutrinas perversas , com o intento de
levarem apôs II muitos Discípulos.

Deste Texto se prova convincentemente con


tra os Socinianos , ser Jeíu Chriflo verdadeiro
Deos. Porque a Igreja, que se diz dc DcosJ
essa mesma se diz adquirida pelo seu sangue. É
claro está , que sangue só o derramou das tres
Pessoas aquella , que se fez Homem. Grocio,
que previo esta consequencia , quiz eludilla,
observando qiie alguns Manuscritos Gregos
em lugar de Igreja de Deos trazem , Igreja, do
Senhor , ou Igreja de Cbrijio. Como se em to
dos os tempos não tivesse havido corruptores
dos Textos , ou por descuido , ou por má in
tençáo. A liçáo da Vulgata , como attesta o
Protestante Inglez Milles , he de todos os Ma
nuscritos da mesma Vulgata , e de quasi to
dos os Padres Gregos , e Latinos. E delia se
confirma tambem , que não tem nada de mal
soante a expressáo , com que ao Corpo dc
Christo Sacramentado chamamos Corpo de Deos.
Porque no presente Texto temos a S. Paulo
dizendo , Sangue de Deos , como depois tam-,
bem disse Santo Ignacio Martyr escrevendo aos
Efesios. PíREIRA.
i7 6 Os Actos dos Apostolos ,
31 Por tanto vigiai , lembrando-
vos que por tres annos , que estive com-
vosco , não cessei de dia , e de noite , de
advertir com lagrimas a cada hum de vós.
32 E agora eu vos encommendo a
Deos , e á palavra da sua graça ; áquel-
le, que pode acabar oedificio, que nós
começámos , e fazer-vos participantes
da sua herança , em companhia de to
dos os seus Santos.
33 Eu de nenhum cubicei nunca
ouro , nem prata , nem vestido.
34 Evós mesmos sabeis, que para
as cousas , que me erão necessarias a
mim , e aos que estavão comigo , me
servirão estas mãos.
35- Eu vos mostrei em todas as cou
sas , que aúun trabalhando he que im
porta ajudar os fracos , e lembrar-se des
tas palavras , (g) que o Senhor Jesus
dis-
00 Sms o Senior Jesus. dijfe. Este dito àe
Christo não se acha nos Evangelhos. Mas po
dia S. Paulo tello sabido ou de algum outro
Apostolo , ou por immediata revelaçáo do mes
mo Senhor. Elie se acha no Livro IV. cap. }. das
ichaniadas Constituições Apostolicas. Calmât.
Capitulo XX. e XXI. 177
disse: Que maior felicidade he dar, do
que receber.
3 6 Depois de lhes ter assim fallado ,
poz-se de joelhos, e orou com todos elles.
37 Logo começárão todos a desfa-
zer-sc em lagrimas; e lança ndo-se sobre
0 pescoço de Paulo , o beijavão :
38 Sendo a principal causa da sua
dor oter-lhes dito Paulo, que não tor*
nariáo a ver mais a sua face. E elles
o conduzirão a bordo.

CAPITULO XXI.
Viagem de Paulo d Fenícia , e dahi a Je
rusalem. Agabo lhe prediz o que tem de
lhe succeder naqUella Cidade \ mas nem
for iffò deixa Paulo de lá ir. A Igreja
de Jerusalem o aconselha , que com ou
tros quatro cumpra no Templo o seu Do
to. Os Judeos o prendem. 0 Tribuno lho
tira das mãos. Pede Paulo licença de
faliar ao povo. O Tribuno lha concede.

1 1 *\ Epois que delles nos separá-


JLJ mos com assas repugnancia ,
fomos navegando, e chegámos direitos
Tom.IJL M a Cós,
178 Os Actos DOS Apostolos,
a Cós , e ao seguinte dia a Rhodes , e
dahi a Pátara.
2 E como achassemos hum navio,
que paslava á Fenicia, entrámos nelle,
e nos fizemos á véla.
3 Estando á vista de Chipre , dei-
xámo-la á csquerda ; e continuando a
nossa derrota para as partes da Syria,
chegámos a Tyro , onde se devia des-
carregar o navio.
4 E tendo achado Discipulos , ficâ'-
mos alli com elles fete dias : os quaes
infpirados dizião a Paulo , que nao fos
se a Jerusalem.
5- Passades aquelles dias , parfimos:
e elles com suas miilheres, efilhos nos
conduzírao até fóra da Cidade , onde
póstos de joelhos (a) fizemos oraçáo so
bre a praia.
6 E depois de nos termos dito a
Deos huns aos outros , encavalgámos 0
na-
(«) Fizemos oraçâo sobre a praia. Era entre
os Hebreos , e pritìieiros Christãos muito or-
dinaria a oração cm lugares descubertos , e so
bre o mar. Do que dão boas testemunhas os
Escritos de Tertulliano. Calmet.
Capitulo XXL 179
navio , e elles voltarão para suas ca
sas.
7 De Tyro viemos a Ptolemaida ,
onde se terminou a nossa navegação : e
saudados os irmãos , nos detivemos hum
dia com elles.
8 Partidos ao outro dia , viemos a
Cesaréa : e tendo entrado (b) em casa
de Filippe Evangelista , que era hum
dos sete Diaconos, ficámos com elle.
o (c) Tinha elle quatro filhas vir
gens, que profetavão.
10 Durando a nossa demora , que
foi de alguns dias , chegou da Judéa.
hum Profeta, chamado Agabo,
M ii O
(Jï) Em casa de Filippe Evangelista. Deste Tex
to, c doutro de S.Paulo aos Eteíios , e a Ti-
motheo sabemos, que na Ordem Ecclefiastica
tinhão seu proprio lugar os Evangelistas , ou
Annunciadores do Evangelho. E com este ti
tulo trata largamente deste S. Filippe oexactis-'
fimo Tillemont , Tom. II. pag. 70. e segg. Pe
reira.
(c) Tinha elle quatro filbas virgens , is-c. Es
tado bem raro entre os Hebreos , e que S. Je-
■onymo crè que ellas profellaváo por voto /
t <jue em pago delle lhes concedêra o Senhor
o dom de profecia. Tillïjvîont.
i8o Os Actos dos Apostolos,
11 O qual tendo-nos vindo ver,
tomou a cinta de Paulo ; e atando-se
com ella pés, e mãos , disse : Eis-aqui
o que diz o Espirito Santo : O homem ,
cuja he esta cinta , será liado desta ma
neira pelos Judeos em Jerusalem, e en
tregue ás mãos dos Gentios.
12 Como nós ouvimos estas pala
vras , nós , e os que erão daquelle la
gar^ lhe rogámos, que não fosse a Je
rusalem.
13 Mas Paulo refpondeo : Que fa
zeis vós chorando , e affligindo affim
o meu coração ? Eu estou prompto a
foffrer em Jerusalem , não só que me
liem, mas ainda que me tirem a vida
pelo nome do Senhor Jesus. -
14 E como nós vimos que o não po
díamos persuadir , accommodámo-nos ,e
dissemos : Faça- se a vontade do Senhor.
15- Tendo-se passado estes dias , dií-
pnzemo-nos a partir , e fomos a Jeru
salem.
16 Vierão tambem comnosco alguns
Discípulos de Cefaréa , quetrazião hum
an
Capitulo XXI. i8r
antigo Discípulo , por nome Mnason,
originario de Chipre, emcnja casa nos
havíamos de hospedar.
17 Chegados que fomos a Jerusa
lem , os irmãos nos receberão com gos
to.
18 E quando veio ao outro dia ,
(d) fomos com Paulo visitar a Tiago,
em cuja casa se tinhão congregado to
dos os Anciãos. -' 1.
19 Depois de os ter saudado , Pau
lo lhes contava muito por extenso , tu
do quanto Deos tinha feito nos Gentios
por ministerio seu.
20 E elles depois que ouvirão a sua
narração, glorificarão a Deos, e disses
rao-lhe: Bem vês, irmão, quantos mi
lhares de Judeos abraçarão a fé , ainda
que todos elles são zelosos pela Lei.
21 Ora elles tem dito , que tu a
todos os Judeos , que vivem entre os
Gentios, lhes ensinas que devem deixar
a Moy-

(d) Fomos com Paulo wfitar a Tiago. Era Tia»


go o Menor Bispo da me ima santa Cidade. P«'
KJS1SA, ... «.
i8 2 Os Actos dos Apostolos,
a Moysés ; dizendo , que não devera
circumcidar a seus filhos, nem viver se
gundo os costumes.
21 Que he logo o que se deve fa
zer ? Sem dúvida he necessario ajuntar
todos : pois que elles não hão de deixar
de saber que es chegado.
23 Faze logo o que te vamos a di
zer : Nós temos aqui quatro homens ,
que fi/.erao seu voto.
24 Toma-os comtigo, e purisica-te
com elles , (e) fazendo-lhes os gastos
da ceremonia ; a fim que elles rapem a$
cabeças , e saibao todos que o que ou
virão dizer de ti , he falso ; e que an
tes tu continuas em observar a Lei.
25- Quanto porém aos Gentios , que
crerão, nós lhes temos escrito ser deci
são nossa , que elles se abstenhão de vian
das immoladas aosidolos, e de sangue,
e de
(e) Fazendo-lbes es gastos da ceremonia. Estes
gastos fazião-íe com os sacrifícios de varias re
zes , e de páes asmos , que no Capitulo VI.
do Livro dos Numeros mandava Deos que lhe
fizessem os Nazarenos , por espaço de oito dias.
Capitulo XXI. 183
e de carnes íòffocadas , e da fornica
ção.
16 (/) Paulo pois tendo tomado
estes homens, c tendo-se purificado no
seguinte dia com elles , entrou no Tem
plo , dando parte de quando se com-
prírao os dias desta purificação , equan-
- ., do'
(/) Paulo pois tendo tomado estes bomens, <ò'c.
He muito para admirar , c louvar aqui a do
cilidade de S. Paulo. Elie tinha resistido pu
blicamente , e na sua mesma face a S. Pedro ,
por este , pelo modo com cjue se havia com
os Gentios convertidos, os obrigar a observa
rem ís ceremonias da Lei velha. Tinha repre-
hendido aos Gálatas, por quererem continuar
na circumeisão , dando-a por necessaria. Em
toda a parte , em que tinha pregado aos Gen
tios, os declarara desobrigados da observancia
da mesma Lei, mostrando que a nossa justifi
caçáo náo estava em ceremonias , mas no ex-
etcicio das virtudes christans, e principalmen
te no da caridade. E agora por evitar toda a
occafião de escandalo, e de dissensáo entre os
Christáos novos do Judaísmo , accommoda-se ,
e condescende com o que por huma lábia eco
nomia lhe aconselha que faça San-Tiago, com
os mais do Clero de Jerusalem. Para se veri
ficar com isto , o que o mesmo S. Paulo escre
via aos Corinthios ; que elle para ganhar a to
dos, se fazia Judeo com os Judeos, e Gentio
com, os Gentios. (i.Cor. lx, ao.) Calmet,

1
184 Os Actos dos Apostolos,
do se devia offerecer a oblação por ca-?
da hum.
27 Mas quando estavão a findar os
sete dias , como os Judeos da Asia o
virão no Templo , concitárão o povo to
do , e lança'rao as mãos a elle , gritando ,
28 Soccorro , ó Israelitas : Eis o
homem , que em toda a parte dogma
tiza contra o povo, contra alei, e con
tra este santo lugar : e què de mais a
mais introduzio Gentios no Templo , e
profanou este lugar santo.
29 Isto dizião elles , por conta de
que , como virão na Cidade (g) a Tro-
'
(g ) Como virão na Cidade aTrofmo dc Eseso.
A este Trofimo celebra a Igreja de Arfes em
França por seu primeiro Bispo: Opiniáo, que
sesão genuínas as Cartas do Papa Zozimo, que
do Arquivo da mesma Igreja publicou Sirmond,
era já constante naquelle Reino nos princípios
do seculo quinto. Mas dos mesmos Críticos
Nacionaes, huns com Launoy fustentão ferem
fupposiricias , tanto as Cartas de Zozimo aos
Bispos de França , como as dos Bispos da Pro
vença a S. Leáo Magno : outros comTillemont,
ainda admittidas as raes Cartas , duvidão da
verdade dos factos , que nellas se suppõem : e
náo querém reconhecer por. Bispo deArlés «b
Capitulo XXI. i8j
fimo de Efeso com Paulo , julgarão que
Paulo o tinha introduzido no Templo.
30 Seguio-se logo commover-se to
da a Cidade , e concorrer amotinado
o povo. E elles tendo lançado mão de
Paulo , o tirárão para fora do Templo ,
cujas portas ao mesmo tempo forão fe
chadas. . . .
31 quando elles se dispunhão a
matallo , (h) chegou aos ouvidos do Tri
buno da Cohorte , como toda Jerusa
lem estava posta em confusão.
32 O Tribuno logo, tomando
comsigo soldados , e CentUrióes , veio
a elles : os quaes vendo ao Tribu
no, e aos soldados, cessarão de ferir a
Paulo.
- 33 O Tribuno chegando-se , pegou
nelle ; e tendo-o feito liar com duas
ca-
gum Trofimo , que foíTe mais antigo , que o
que no meio do terceiro seculo veio a França
com S. Saturnino , segundo a Historia de S. Gre
gorio de Tours. Pereira.
(b) Cbegou aos ouvidos do Tribuno da Coborte.
~S.Lucas nos informa mais adiante, xxin. 26.
que elle se chamava Claudio Lyfias, PjjrbIi
iZ6 Os Actos dos Apostolos,
cadeias , perguntava quem era , e que
tinha feito.
34 Mas nesta confusão de gente,
huns gritavão d'huma forte , outros
doutra. Vendo pois que por causa do
tumulto não podia vir no conhecimen
to de cousa alguma ao certo, (/) man
dou que o levaífem á Cidadela.
35- Quando Paulo chegou ás es
cadas , foi necesTario tomarem-no os
soldados , de grande que era a violen
cia do povo.
36 Porque era grande o alluviáo,
que o seguia , dizendo a gritos : Ma-
ta-o.
37 Estando a ponto d'entrar na
Cidadela , diíTc Paulo ao Tribuno : Dás-
me licença que eu te diga huma pala
vra ? Refpondeo-lhe o Tribuno : Tu
sabes fallar Grego ?
3 8 Tu não es aquelle Egypcio , que
os dias passados sublevaste , e conduziste
ao deserto quatro mil aíFaíEnos?
* Pan-
(«) Mandou que o levaffem d Cidadela. Esta pa
rece fer a que José chama a Torre Antoni». JUp
LEMONT.
Capitulo XXI. e XXII. 187
39 Paulo lhe respondeo : Afleguro-
te que eu sou Judeo , natural de Tar
so na Cilicia , Cidadão desta Cidade ,
que he bem conhecida. Agora pois o
que te peço he, que me permittas fal-
lar ao povo.
40 Como lho permittisse o Tribu
no , poz-se Paulo em pé sobre os de-
gráos, e fez sinal com a mão ao povo.
E tendo-se feito hum grande silencio,
(/) fallou-lhes affim em Lingua Hebraica:

CAPITULO XXII.
falia de Paulo , contando asua conversão ,
e a sua missão aos Gentios. Gritão os
Judeos , que he necessario tirar-lbe a vi
da. O Tribuno o manda açoutar. Paulo
se declara Cidadão Romano. O Tribuno
0 manda desliar , e chamou os Judeos a
euvillo.

1 T Rmãos , e Padres , ouvi o que


Xvou a dizer-vos, para justificar o
meu procedimento.
Quan-
(0 Fallou-lbeí ajsim eto Lingua Hebraica. Tal
qual ella entáo se fallava , que era huma mis
tura do Hebraico, e doSyriaco. Tillemont,
i88 Os Actos dos Apostolos,
2 Quando elles entenderão que Pau
lo lhes fallava em Hebraico , ainda se
pozerao a ouvillo em maior silencio.
3 E elle proseguio , dizendo : Pelo
que toca á minha pessoa , cu sou Judeo ,
nascido em Tarso na Cilicia. Fui cria
do nesta Cidade aos pés de Gamaliel,
e instruido na mais exacta observância
da Lei de nossos Padres , zeloso pela
Lei , bem como vós o sois tambem ho
je todos. . :.'L.. . '.' .
4 Eu sou o que persegui os desta
feita , até os fazer morrer , carregan
do de cadeias homens , e mulheres , e
mettendo-os em prizóes,
5' Como o Summo Pontifice , e to
do o Syncdrio me são testemunhas : che
gando a tanto o meu excesso , que lhe
pedi cartas para os irmãos de Damas
co , e com ellas fui a trazer de lá pre-
zos para Jerusalem os deste partido,
para ferem por isso castigados.
6 Mas aconteceo , que indo eu no
caminho, eachando-me já perto de Da
masco d hora do meio dia ? de repen-
. te
Capitulo XXII. r 8o
te me cercou huma grande luz do
Ceo. i.
7 E cahindo por terra , ouvi huma
voz , que me dizia : Saulo , Sauló , por
que me períegues?
8 Reípondi eu : Qiiem es tu , Se
nhor ? E o que me fallava , me disse :
Eu fou Jesus de Nazareth , a quem tu
persegues.
9 Ora os que estavão comigo sim
virão a luz , mas não perceberão a voz
do que me fallava.
10 Então disse eu : Senhor , que fa
rei? E o Senhor me respondeo: Levan-
ta-te , e vai a Damasco, e lá se te di
rá tudo o que deves fazer.
11 E como pela vivacidade , e for
ça daquella luz' fiquei cego , os que co
migo estaváo me tomárao pela mão , e
me levárão a Damasco.
12 Havia alli hum homem , cha
mado Ananias , que , segundo o teste
munho de todos os Judeos da Cidade ,
era grande observador da Lei.
13 Este veio buscar-mej e chegan
do- ;
190 Os Actos dos Apostolos,
dose a mim , disse-me : Irmão Saulo,
recobra a vista : e no mesmo instante
eu o vi.
14 Eelle medisse: O Deos de nos
sos Padres te predestinou {a) para ve
res o Justo, e para ouvires as palavras
da sua boca:
15- Porque tu lhe servirás diante de
todos os homens , de testemunhar o que
viste, e ouviste.
16 Que tardas logo ? Levanta-te,
e recebe o baptismo, elava osteuspec-
cados, invocando o seu nome.
17 Tendo voltado depois a Jeru
salem , succedeo que estando eu orando
no Templo , (b) fui arrebatado fóra de
mim, E

(4) Para veres o Justo. O Justo por excel-


lencia , que he Jesu Christo , como o chamou
S. Pedro , Act. m. 14. e S. ]oão na sua primei
ra Carta. Amelote.
. (J>) Fui arrebatado sóra de mim. Habeis Inter
pretes tem para si , que esta fora huma daquel-
las extraordinarias revelações , de que S. Pau
lo falia na segunda Carta aos Corinthios, cap.iz-
e que lhe fora feita a primeira vez, que elle
foi a Jerusalem, tresannos depois da sua con
versáo. Calmbt.
Capitulo XXII. 191
18 Evi a Jesus, que medisse: Dá-
te pressa , e sahe promptamente de Je
rusalem ; porque elles não hão de ac-
ceitar o testemunho , que tu lhes dás
de mim.
19 Respondi eu : Senhor , elles bem
sabem , que eu era o que mettia em pri-
zao , e que fazia açoutar nas Synago-
gas, os que crião em ti.
20 E que quando se derramava o
sangue do teu Martyr Estevão , me acha
va eu presente , e consentia na sua mor
te , e guardava os vestidos dos que o
apedrejavão.
21 Mas elle medisse: Vai, que eu
te hei de enviar bem longe aos Gen
tios.
22 A esta palavra os Judeos , que
atélli o tinhão escutado , levantarão a
voz , e gritarão : Tira do Mundo a tal
homem , porque será hum crime deixal-
lo viver.
23 E como elles gritavão, e atira-
vao com os seus vestidos fora , e lan-
çavão pó ao arj
. c. . -.. .. . Man-,
102 Os Actos dos Apostolos,
24 Mandou o Tribuno , que Paulo
fosse levado á Cidadela , e que fosse a*
çoutado , por ver se á força dos torrnen*
tos lhe tirava da boca, que crime era
o porque affim gritavão contra elle.
25- Mas tendo-o liado com humas
correas, disse Paulo a hum Centurião, que
estava presente : (c) He-vos permittido
açoutar a hum Cidadão Romano , e que
não foi condemnado? 1
26 Tendo ouvido isto , foi o Cen
turião ter com o Tribuno , e disse-lhe:
Que determinas tu fazer ? pois este ho
mem he Cidadão Romano.,
27 Veio logo o Tribuno onde Pau
lo estava , e lhe disse : He aílim , que
tu es Cidadão Romano ? Respondeo
Paulo : He verdade que o sou..
28 Replicou o Tribuno : {d) A mim
cus-
(c) Ht-vos permittido açoutar , <b'C Cicero na
Oração pro Rabirio : Lex Porcia •virgas ab om
nium Cirium Romanorum corpore amovet. A Lei
Porcia prohibe, que as varas toquem o corpo
d'algum Cidadáo Romano. Pereira. -- . ; *
(á) A mim custou-me buma grande somma de
dinbeiro , &c. Diáo Chrysostomo escreve , que
o abuso de se vender o Foro de Cidadáo Ro*
CAPITULO XXII. E XXIII. 103
custou-me huma grande somma de dinhei
ro alcançar este Foro de Cidadão. Pois
cu, respondco Paulo, sou-o de nascimento.
29 Ao mesmo tempo se retirarão
delle , os que lhe devião dar os tratos»
E o Tribuno teve medo , vendo que
Paulo era Cidadão Romano , e que el
le ò tinha feito liar.
30 Ao dia seguinte querendo saber
ao certo , porque causa fora elle accusado
pelos Judcos , fez-lhe tirar as cadeias;
e tendo mandado que se ajuntasTem os
Sacerdotes , e todo o Conselho ,- tomou
a Paulo, e presentou-o diante delles.

CAPITULO XXIII.
Paulo se justifica diante dos Sacerdotes. O
Summo Pontífice o manda esbofetear. Dd-
Jè a conhecer por Fariseo. Descobre huma
conjuração contra a sua vida. He remet-
tido a Cesaréa ao Governador Felis.

1 T) Aulo pregando os olhos naAs-


Jl sembléa , disse : Irmãos , eu ate
Tom. III. N a
mano se tinha introduzido cm tempo deClaudio*
que era o em que isto succedeg. Fekeira.
i$>4 Os Actos dos Apostolos,
a presente hora tenho procedido diante
de Deos , com toda a sinceridade , e pu
reza de consciencia.
2 (a) A esta palavra , Ananias Sum-
mo Pontifice ordenou aos que estavão
junto dellc, que* lhe dessem na cara.
3 Então lhe disse Paulo : Deos te
ferirá , (b) parede branqueada. Que ? Tu
estás aqui assentado para me julgares se
gundo a Lei , e então contra a Lei man
das que me firão? . Os
(a) A esta. palavra , <ò'C. Póde-se discorrer
que o Pontifice se estimulou , ou porque o
exordio de Paulo não continha aquelle respeito ,
e submissáo , que elle esperava na sua fantasia >
ou porque começando Paulo pela sua fé , e
sinceridade de consciencia , com que sempre
obrara , pareceo ao Pontifice que isto era in-
sultallo ; ou finalmente porque teve por de- j
maziada confiança , que Paulo estando réo , e
fallando com os juizes , lhes não desse íenáo
o tratamento familiar de Irmáos. Cai.met.
(b) Parede branqueada. Por estes termos ar
gue S. Paulo a bypocrisia do Pontifice , que
debaixo do pretexto de zelo pela Lei de Moy-
sés , violava a Lei natural. Nem esta reprehen-
sáo se deve reputar injúria de palavra , mas
fim huma profecia : Minus intelligentibus cotrvi-
ciumdonat , intelligentibus vero propbetia est , dii-
fe Santo Agostinho no Livro I. do Sermáo da
Monte , cap. Saci , e Calmist.
C APITULO XXIII. I95'
4 Os que estaváo presentes diíTeiáa
aPaulo: Tu tens a ousadia de injuriar
de palavra ao Summo Pontisice de Deos ?
5 Paulo lhes respondeo : (c) Eu náo
sabia , irmáos , que este era o Summo
Pontisice. Porque eícrito esta : Nao di- EXOa.
ra's mal do Principe do teu Povo.
6 O ra Paulo , sabendo que huma
parte do Consclho era de Sadduceos,
outra de Fariseos , exclamou no meio
delles, dizendo : Irmáos, eu fou Fari-
seo , e filho de Fariseos : (d) e porque
N ii eu
(c) Eu nao sabia , <ù>-c. Como o Summo Pon
tisice aflistia sem os Ornamentos Pontificaes,
não deve ninguem maravilhar-se, de que Sào
Paulo , que havia vinte e finco annos não ti-
nha estado em Jerusalem senão alguns dias , e
de passada , não conhecefle por tal a Ananias.
Saci, e Calmet.
{£) E porque eu espero outra vida y e a resur-
rtiçâo , &c. O valerem-se os Santos alguma
vez de traças hunianas , e da prudencia de ser
pente, não seoppõe ao Espirito de Deos , nem
á íìmplicidade Évangelica. Ninguem deixa de
ver j que declarando-se do panido dos Fari
seos , e de sentimentos contrarios aos Saddu
ceos ácerca da vida eterna > e resurreição dos
mortos ; discorreo S. Paulo qi e podia conse-
guir fer absolto. Primà : Porcjue com esta Ishk
i<)6 Os Actos dos Apostolos,
eu espero outra vida , e a resurreiçao,
por iflb sou condemnado.
7 A estas palavras , que Paulo pro-
ferio, levantou- se entre Fariseos , e Sad-
duceos huma dissensão , que fez se di
vidisse o Ajuntamento.
8 Porque os Sadduceos dizem , que
não ha resurreiçao , nem Anjo , nem Es
pirito ; ao mesmo tempo que os Fari
seos reconhecem hum, e outro.
9 Seguio-se pois hum grande arroi-
do. E alguns dos Fariseos nesta contes
tação diziao: Nós não achamos mal al
gum neste homem : Quem nos diz a
nós , que lhe não fallou algum Espiri
to, ou algum Anjo?
Co
brança do partido , que seguia , fazia seus os
. Fariieos. Secundo : Porque fendo o ponto da
questáo em materia , em que os Sadduceos lbe
erão parte , mostrava que consequentemente
náo podião ser seus Juizes. Tertiò : Porque de
clarando que a causa toda versava sobre pon
tos especulativos , e problematicos entre os
mesmos que aquerião sentencear, era natural
que o Tribuno o desendelse. Mas a Providen
cia conduzio a cousa doutro modo, que o que
se podia esperar , como se vè de todo o con
texto da Historia. Calmst.
Capitulo XXIIL 197
10 Como o tumtilto crescia , e o
Tribuno teve medo não fosse Paulo es-
pedaçado; mandou que descessem os
soldados, que o tirassem dentrelles , e
o levassem á Cidadela.
11 A noite seguinte lhe appareceo
o Senhor , e lhe disse : Tem constancia :
porque affimeomo déste testemunho de
mim em Jerusalem , importa tambem
que mo dês em Roma.
12 Quando chegou o dia , houve
alguns Judeos , que fazendo liga entre
si , votárao com juramento , e impreca
ções , que elles não havião de comer ,
nem beber , em quanto não matassem a
Paulo.
13 Erao passante de quarenta , 05
que entrarão nesta conjuração,
14 E que se forão presentar aos Prin
cipes dos Sacerdotes, e aos Senadores ,
dizendo : Nós temo-nos obrigado por
voto , sob pena de maldição , a não pro
varmos bocado , até não matarmos a
Paulo.
iy Não tendes logo mais, que da
par-
jq8 Os Actos dos Apostolos,
parte do Syned rio fazerdes saber ao Tri
buno , que vós lhe pedis faça vir Pau
lo diante de vós, como que quereis in-
formar-vos mais particularmente da sua
causa : e nós estaremos prestes para o
matar, antes que elle chegue.
16 Mas o filho da irmã de Paulo,
tendo ouvido esta conjuração , veio ; c
entrando na Cidadela , o advertio do
que se passava.
1 7 Então Paulo chamando hum dos
Centurióes , disse-lhe : (e) Rogo-te , que
me leves este moço ao Tribuno , por
que tem cousa, que lhe communicar.
1 8 Tomou o Centurião o moço com-
íìgo , e levou-o ao Tribuno , a quem dis
se: O prezo Paulo me mandou pedir,
que
(í) Rogo-te que liroes efie meço ao Tribuno. Por
ser a causa de Deos , não deixa S. Paulo de
se valer dos meios humanos , que a bondade
do Senhor lhe offerecia. A sua confiança effl
ÌDeos náo era prelumptuosa , era fim sábia, era
prudente. Seria tentar a Deos o desprezar os
loccorros humanos , e esperar milagres para
evadir o perigo. S. João Chrysostomo na Ho
milia xlix. eS. Agostinho no Livro II. con
tra Petiliano, cap. ^7.
Capitulo XXIII. 199
que trouxesse eu á tua presença este mo
ço, que tem cousa que dizer-te.
19 O Tribuno tomando-o pela mão ,
e tirando-o á parte , perguntou-lhe , que
tinha elle que lhe dizer?
20 Respondeo o moço: Osjudeos
resolverão em Conselho pedir-te , que
i manhã faças ir Paulo á sua presença ,
como querendo inteirar-se mais exacta
mente do seu negocio.
21 Mas tu não os acredites : por
que deves saber , que mais de quaren
ta homens dentrelles lhe armão trai
ção , tendo-se compromettido entre si
com votos , e execrações , que não be
berão , nem comerão , em quanto o não
matarem :. e para isto estão já prestes , e
só esperão que tu faças o que elles de^
sejão.
li O Tribuno tendo ouvido isto,
despedio o moço , e defendeo-lhe que
a ninguem dissesse , que elle lhe tinha
dado este aviso.
23 Chamou logo dous Centuriões ,
epassoú-lhes esta ordem.: Tende prom-
-- . ptos
a oo Os Actos dos Apostolos,
ptos à terceíra hora da noire duzentos
infantes , e setenta de cavallo , (f) e
duzentos de lança, para marcharem até
Gesaréa.
2 4 Estejáo tambem prestes cavallos ,
em que Paulo monte , para fer levado
com legurança (g) aoGovernador Felis.
25- (h) Porque temeo o Tribuno,
que
(/) E duzentos de lança. As Versões Fran-
cezas dizem aqui , duzentos arebeiros , que em
Portuguez serião duzentos alabardeiros , porque
o Texto Grego parece íîgnificar Guardas da
Corpo d'hum Principe. Eu com Martini cin-
gi-me aos termos da Vulgata. Perbira.
(g) Ao Governador Felis. Escravo forro , que
tinha sido do Emperador Claudio , e de sua
mulher Antonia : por cujo respeito se chamou
Claudio Antonio Felis. Delle escreve Tacito no
LivroV- da sua Historia, quegovernára com
authoridatle de Rei , e com iníolencia de el-
cravo , sem nenhum temor , nem vergonha.
Felix peromnem stcvitiamy &• libidinem jus regium
sevvili ingenio exercuit. E no Livro XII. dos
Annaes açcrescenta , que como era irmão do ou-
tro Liberto Pallante , valído de Claudio, creo
Felis .que podia fazer na Judéa tudo quanro
quizelse : judeae imposttus , &• cunfla maìes&(!&
jíbi impune ratus tantd potentiâ jubnixo. P£-,
REIRA.
(b) .Porçjui temeo o Tribuno , <ù>'C Todo este
Capitulo XXIII. aoi
que os Judeos o arrebatassem , e o ma
tassem; e depois disto fosse elle accusa-
do de ter recebido dinheiro por lho en
tregar.
26 E ao mesmo tempo escreveo a
Felis a seguinte Carta : Claudio Lysias
ao Excellentiífimo Governador Felis,
saúde.
27 Tendo os Judeos lançado mão
deste homem , e estando a ponto de o
matar , acudi eu com soldados , e lho
tirei das mãos , por ter conhecido que
era Cidadão Romano.
28 E querendo saber de que crime
era elle accusado , levei-lho ao Conse
lho.
29 E achei que era accusado de cer
tas cousas pertencentes á sua Lei , sém
que nelle houvesse crime algum , que
fosse digno de morte, ou de prizão.
30 E avisado de que os Judeos an-
davão na empreza de o matarem á
trai-
yerso falta no Texto Grego impresso , e nos
Manuscritos , á excepçáo dos que forão do
parquez de los Veles, como por testemunho
«e Milles observa Sabatier. Pereira.
202 Os Actos dos Apostolos,
traição , por isso to remetti ; tendo
tambem mandado aos seus acctisadores
que vão elles propor diante de ti*, o
que tem que dizer contra elle. A Deos.
31 Os soldados pois em execução
do que se lhes havia ordenado , toma
rão a Paulo , e o levarão comfigo de
noite a Antipatride.
32 E ao dia seguinte voltarão os
infantes para a Cidadela , tendo-o dei
xado entregue nas mãos dos de caval-
lo.
CAPITULO XXIV.
Tertullo Advogado dos Judeos accusa a
Paulo diante deFe/is. Paulo se defende,
e refuta seu Adversario. Falia da justi
ça , da castidade , do Juízo final , e faz,
tremer o Governador. Porcio Festo suc
cède a Felis.

1 Ç Incó dias depois o Summo Pon-


w3 tifice Ananias veio a Cesarea
com alguns Senadores , e com hum cer
to orador, chamado Tertullo, (a) que
se
00 2.flf se constituirão aceusadores de Paulo W»
te o Governador. Allim a Versáo de Saci , a dc
I

Capitulo XXIV. 203


se constituirão accusadores de Paulo an
te o Governador.
2 E citado Paulo , começou Ter-
tullo a accusallo nestes termos : Como
pela tua grande authoridade, Excellen-
tiffimo Felis , he que nós gozamos de
huma profunda paz , e pela tua sábia
providencia se tem emendado muitos
abusos :
3 Nós o reconhecemos em todo o
lugar , e em todos os recontros ^ e te
damos por isso immortaes graças.
4 Mas por te não ter suspenso mui
to tempo , rogo-te , que ouças com a
tua equidade ordinaria , o que te vamos
a dizer em breves palavras.
5- (b) Nós temos achado , que este
ho-
Mons? a de Calmer, seguindo o Texro Gre
go. Amelote, e Martini, seguindo aVulgara,
traduzem , Que se presentdrão ao Governador
contra Paulo. Pereira.
(í>) Nós temos acbado , ò'c. Todo este arrazoa-
mento de Tercullo foi hum tecido de menti
ras , e de calumnias. Porque entendendo por
Nazarenos os Cbristãos , nem S. Paulo era , ou
se ostentava sua cabeça , nem esta seita (co
rno os Judcos a chamaváo ) era sediciosa. E
î©4 Os Actos dos Apostolos,
homem he huma peste pública ; que em
todo o Mundo excita perturbações , e
sedições entre osjudeos; que he cabe
ça da sediciosa seita dos Nazarenos;
6 Que tambem tem feito , quanto
pôde , por profanar o Templo : de ma
neira, que nós o prendemos, e o qui-
zemos jufgar segundo a noíTa Lei.
7 Mas sobrevindo o Tribuno Ly»
fias , elle no-lo tirou das mãos com gran
de violencia:
8 Ordenando que os seus aceusado-
res viessem comparecer diante de ti : e
tu mesmo fazendo-lhe perguntas , po
des conhecer delle a verdade de todos
os factos, de que nós o aceusamos.
9 Os Judeos acerescentárão , que
tudo isto era verdade.
iq Mas Paulo, tendo-lhe oGover-
na-

dar a S. Paulo o nome de peste pública , e de


homem turbulento , era outra injúria táo fal
ia , como atroz. Pois nenhum dos Apostolos
foi mais pacífico , nenhum mais attento aos
Principes , nenhum que mais inculcasse a su
jeiçáo , e obediência » que le lhes devia. Cal*
Capitulo XXIV. 20?
nador feito final que fallasse , respondeo
affim : O conhecimento , em que estou ,
de que ha muitos annos que governas
esta Província , me dá confiança para .
me justificar ante o teu acatamento.
11 Tu podes facilmente saber , que
não ha mais que doze dias , que eu che
guei a Jerusalem por adorar a Deos.
1 2 E elles não aehárão que eu dis
putasse com alguem , ou fizesse ajunta
mentos do povo , nem no Templo , nem
nas Synagogas, nem na Gidade.
13 Nem elles te podem provar al
gum dos Çapitulos , de que agora me
accusão.
14 He verdade , e eu to confesso,
que segundo a seita , que elles chamáo
heresia , sirvo eu (c) ao Deos de nossos
pais , crendo todas as cousas , que es
tão escritas na Lei, e nos Profetas: .
15- Esperando em Deos, como el
les mesmos tambem esperão , que to
dos
(í) Ao Dios de noffos pais. AíEm Saci com
os de Mons , seguindo o Original Grego. Em
lugar do que verte Meflengui , Ao Pai , t mtp
totos t que he o sentido da Vulgata. Pbrbira.
to6 Os Actos dos Apostolos,
dos os homens justos , e injustos hão de
resurgir hum dia.
1 6 Por isso he que en trabalho in-
» cessantemente , por conservar a minha
consciencia izenta de reprehensão dian
te de Deos , e diante dos homens.
17 Mas depois de muitos annos de
ausencia , tendo eu vindo a fazer esmo
las aos pobres da minha Nação, e of-
ferecer meus sacrifícios , e meus votos
a Deos:
18 Quando eu me occupava em os
cumprir , huns certos Jndeos da Afia me
acharão purificado no Templo, sem a-
juntamento de povo , e sem tumulto.
19 E estes he que devião compare
cer diante de ti , e sizerem-se accusa-
dores, se tinhão alguma cousa que di
zer contra mim.
20 Mas em sim já que me vejo nes
ta Assembléa , declarem estes mesmos
agora , se me tem achado culpavel de
alguma cousa, qualquer que ella seja.
21 Tudo o que podem dizer he,
que achando-me eu no meio delles , dis
se
Capitulo XXIV. -207
se em alta voz : Por causa da resurrei-
ção dos mortos he que vós me quereis
hoje condemnar.
21 O sobredito Felis , (á) que sa
bia perfeitamente que doutrina era es
ta , remetteo-os para outra Audiencia ,
dizendo : Quando vier o Tribuno Ly-
íias, então vos ouvirei.
E

00 Que sabia perseitamente , &c. He o que


soáo as palavras da Vulgata , e he como com
S. Joáo Chrylostomo as entendêráo Hugo, Ly-
ra, Cornelk) A Lapide, Fromond, Amelote ,
e Mellengui. Em verdade havendo oito , ou nove
annos que Felis residia na ]udéa , he sem dú
vida que havia de saber muito bem que mo
do de vida , e que doutrina era a que seguião
os Christãos. Com tudo Saci , e os de Mons
propõem hum sentido muito diverso, verten
do alhm : Felis porse insormar plenamente do íjuc
era esta Religião , <&c. E depois delies Calmer :
Por se insormar mais exaílamente desta seita. O
que o melmo Calmet porém adverte nas Nes
tas em baixo , que a Versáo ítala em lugar
de certiflimé sciens de via bac , traz certifjime
seiens de vi, isto he , informado da violencia,
que se lhe fazia : náo sei onde elle o achou.
Porque à Versáo ítala de Sabatier , que tenho
da legunda Ediçáo de Paris de 175 1. náo traz
de dí , mas de nia, como a Vulgata. Pírei*-
RA. - '
2o8 Os Actos dos Apostolos*
23 E mandou a hum CenturraOj»
que o tivesse em custodia , mas sem tan*
to aperto , e sem prohibir que os seus
o servissem.
14 Alguns dias depois, (e) tendo vin
do Felis (/) com sua mulher Drusilla,
que era Judia , chamou a Paulo , e o
esteve ouvindo fallar da fé em Jesu Chri-
sto.
^$ Mas como Paulo lhe fallava da
justiça , da castidade , e do Juizo futu
ro , Felis todo atemorizado lhe disse:
Por ora basta , vai-te : e quando tiver
vagar, eu te chamarei.
26 E porque esperava que Paulo
lhe désse algum dinheiro , mandava-o
chamar muitas vezes , e entretinha-se
com elle.
Pas-
sV) Tendo DÌnio Felis. Tendo voltado a Ce
sarea, talvez de alguma casa de campo, aon
de íora. Calmet.
(/) Com buma mulber Drusilla. Prineeza infa
me , filha do Rei Herodes Agrippa , que de
pois de casar com Aziz , Rei de Emessa , o
deixou por casar com hum Liberto do Erope-
ïador Claudio , qual era o Governador Felis.
Calmbt»
Capitulô XXIV. ë XXV. 109
17 Completos dous annos , teve Fe-
lis por successor a Porcio Festo : e que-
rendoobrigar osjudeos, deixou a Pau-1
lo na prizáo.
1
C A P 1 1 U L O XXV.
Fejìo em Jerusalem. Recusa remetter-lhes
Paulo , como os Judeos pediâo. Nova ac-
cusaçao , e nova desensa de Paulo. Dá-
se-lhe a escolher , se quer elle fer julga-
do em, Jerusalem. Appélla elle para 0
Cesar. Falla dìante dé Agrippa.

1 nr^Endo pois chegado Festo i


JL Provincia , veio passados tres
dias de Cesaréa a Jerusalem.
2 E os Principes dos Sacerdotes
com os primeiros dentre osjudeos , vie-4
rao accusa r a Paulo em sua presença :
3 E peclião-lhe Ihes fìzefle a mercê
de o mandar levar a Jerusalem , tendo em
propoíìto fazello aífaíïïnar por homens >
que elles tinháo dispostos nocaminho.
4 Mas Festo respondeo, que Paulo
seachava emcustodia em Cesaréa, para
onde elle partiria dentro de poucos dias.'
Tom.III. O * Pe-
aio Os Actos dos Apostolos,
5' Pelo que , ajuntou elle , os que
entre vós são os principaes , venhão co
migo ; e se este homem commetteo al
gum crime, accusem-no.
6 Tendo-se demorado em Jerusa
lem oito , ou dez dias , não mais,
veio Festo a Gesaréa , e ao seguinte dia
assentado no seu Tribunal mandou , que
trouxessem Paulo á sua presença.
7 E sendo elle trazido , todos os
Jndeos, que tinhão vindo deJerusalem,
o cercárão em roda , accusando-b de mui
tos, e graves crimes , de que não po-
dião dar nenhuma prova.
8 E Paulo se defendia , dizendo:
Eu não fiz nada contra a Lei, nem con
tra o Templo , nem contra o Cesar.
g Mas Festo , que desejava favore
cer os Judeos , disse para Paulo : Que
res tu ir para Jerusalem , e ser lá jul
gado ante mim , destas cousas , de que
te accusão?
io Paulo lhe respondeo : Eu estou
diante do Tribunal do Cesar; nelle he
que devo ser julgado. Eu não fiz mal
ne-
Capitulo XXV. ï1 1
nenhum aos Judeos , como tu mesmo
sabes muito bem.
ii Porque se tenho feito algum
mal , ou se tenho commettido algum
crime digno de morte , não recuso moií-
rer : mas se nada do que me' accusão
he verdade , ninguem me póde entre
gar nas suas mãos : (a) appéllo para o
Cesar.
O ii En-
60 -Appello para o Cesar. Pelo Direito Ro
mano podião , os que gozavão o Foro de Ci
dadáos , appellar para o Emperador nas causas
crimes, e prevenir a sentença , quando o Juiz
razia alguma cousa contra a Lei : Ante senten-
ùam appellari potest in criminali negetio , fi Jú-
iex contra Leges boc saciat. Ley Ante , D. De
.Appellationibus suscipiendis . Mas seS. Paulo co
mo Apostolo , e Bispo era izento da authorí-
dade , e jurdição do Principe secular j como
appellando agora para o Celar , reconhece por
seu superior a Nero? Vcjão-se osTheologos.
Quanto á prudencia , e discriçáo do facto de
S.Paulo, Santo Athanasio no Livro Dà Fuga,
cap. 72. parece dizer, que o que elle nesta oc-
cafião fez, foi poraViso da inspiraçáo do Ced.
S. ]oáo Chrysostpmo na Homilia Ml. sobre os
Actos dos Apostolos diz , que elle fez entáo
<> que estava da sua parre , deixando o mais
1 Providencia : e que nisso mesmo de appel
lar para o Cesar, mostrou S.Paulo a suâì'SQ-
au Os Actos dos Apôstolos,
12 Entáo Festo, depois de tercet
ferido o negocio ( b ) com o Conselho
de feus Assessores , respondeo : Como
appellaste para o Cesar , irás ao Ce
sar, t
13 Alguns dias depois vierão a Ce-
saréa (c) o Rei Agrippa , e Berenice , a
dar as emboras a Festo.
E
ragem , escolhendo por feu Juiz aquelle , de
quem os Judeos o accusavão de fer inimigo.
Santo Agostinho na Epistola 185- num. 28- dis-
corre aíhm: Naodwvidou S. Paulo implorar aseu
savor as Leis Rotnanas , declarando em alta do%,
que elle era Cidadão Romano , nos quaes entao «ao
tra, licito açoutar. E tambem querendo os Juieos
acolbellos ás mãos , recorreo ao auxilio do Cesar,
qpe stm era Principe , mas não Principe CbriJISo.
Com 0 que affis mostrou S. Paulo , como se dewo
ìiawr depois os Ministros de Cbrijio , quando nos
perigos da Igreja acbajsem Cbristaos os Empcrado-
res. Pbheira.
(b) Com 0 Conselbo de seus Affeffores. Estes ,
como observa Grocio , aflistião ás Audiencias
por detrás d'huma cortina , que se punha en-
trelles , e o Governador , que nem sempre era
grande Jurisconsulto. Cauwet.
(í) O Rei Agrippa , e Berenice. Este Agrip
pa era fílho de Herodes Agrippa , dequem fal-
lámos já auás. E Berenice era sua irmá. A-
grippa filho náo succède© ao pai no Reino de
, Capitulo XXV. 21 j
14 E como elles se detiverão alli
bastante «tempo, expoz Festo ao Rei o
negocio de Paulo , dizendo : Aqui ha
hum homem , que Felis deixou prezo ;
1$ Ao qual os Principes dos Sacer
dotes, e os Senadores dos Judeos vie-
rao aceusar perante mim , quando eu
estava em Jerusalem , pedindo-me que
o condemnasse.
16 Mas eu refpondi-lhes : Que não
era costume dos Romanos condemnar
a hum homem , antes do aceusado ter
presentes os seus aceusadores , e antes
de se lhe dar liberdade para elle se de
fender dos crimes , que se lhe imputao.
De-
Judéa ; mas o Empcrador Claudio lhe deo o
da Sarcaconite , com a guarda do Templo , e
com o direito de crear , e depôr os Sumrpos
Sacerdotes. Depois lhe acerescentou Nero os
Estados. E sobreviveo ainda a Vespasiano , c
a Tito. Berenice , sua irmá , depois de casar
a primeira vez com seu tio Herodes , Rei de
Calcide , deixado este , casou com Polémon ,
Rei do Ponto, a quem, tambem deixou. E a
fama , ou infamia , que corria por todo o Ori
ente, era, que Berenice era amiga do irmáo.
0 que até deo lugar ás fatvras de Juvenal.
Camiet,
sT4 Os Actos dos Apostolos,
17 Depois que elles aqui vierão,
logo sem mais dilação ao dia seguinte
me assentei no Tribunal , e mandei que
me trouxessem este homem.
18 Póstos diante delle os seus ac-
cusadores , não lhe oppozerão estes cri
me algum , dos de que eu desconfiava.
19 Mas fomente tiverão sua dispu
ta com elle sobre certas cousas relati
vas à sua superstição , e a hum certo
Jesus morto , de quem Paulo assevera
va que estava vivo.
20 Não sabendo pois que resolução
devia cu tomar sobre este caso , pergun-
tei-lhc se era elle contente de ir a Je
rusalem , e ser alli julgado dos pontos
da questão.
21 Mas como Paulo appellou disso ,
e quiz que a sua causa fosse reservada
(d) ao conhecimento do Augusto 5 dei
or-
(á) Ao conbecimento do Augusto. Era este en
tão o Emperador Nero, luccesibr de Claudio-
E rodos sabem , que o. Titulo de Augusto , bem
como o de Ccsdr , ficou sendo commum a to
dos os Emperadores. E Jefu Christo com os
seus Evangelistas , não obstante ferem estes
Capitulo XXV. 2ij
ordem que o guardassem , até o remon
ter ao Cesar.
22 Sobre isto disse Agrippa a Fes
to: Tempos ha , que eu desejava ouvir
fallar este homem. Pois á manhã o ou
vi ra's, respondeo Festo.
23 Ao outro dia pois vierão Agrip
pa , e Berenice com grande pompa ; e
tendo entrado na sala das Audiencias
com os Tribunos, e principaes da Ci
dade , foi trazido Paulo por ordem que
Festo dera. ;
24 E disse Festo para o Rei : Rei
Agrippa , e todos vós os que vos achais
aqui presentes comnosco , aqui tendes
este homem , que he contra quem todo
o Povo Judaico me veio buscar em Je
rusalem , representando-me com gran
des instancias , e grita , que não era jus
to que eu o deixasse viver mais tempo.
Rn-
Titulos huns Titulos inventados pela vaidade
mundana , não duvidaráo ainda aHim tratar por
elles aos Emperadores Ethnicos. Que será pois
dos Titulos de Religiáo, que a piedade depois
introduzio , de Rei Christianiffinio , de Rei
Catholicoj de Rei Fidelislimoi Pereira.
«iá Os Actos dos Apostolos,
a^r Entretanto cu achei que elle
não tinha commettido nada , que fosse
digno de morte : e como elle appella
para o Augusto , estou resoluto a remet-
ter-lho.
26 Mas porque eu não tenho coih,
fa , que ao certo poisa escrever ao Em-
perador; por isso o fiz vir diante desta
Assembléa , e principalmente diante de
ti , ó Rei Agrippa , para que, depois
de examinado o negocio , saiba eu o
que devo escrever.
27 Porque me parece huma cousa
desarrazoada , remetter hum prezo , e
não indicar a causa , por que foi pre-r
zo.
CAPITULO XXVI.
Falia de Paulo diante de Agrippa. Refi-
mo da sua conversão. Festo diz , que o
muito saber lhe tinha perturbado q
juízo. Agrippa reconhece a sua
innocencia.

1 W7\ Ntao disse Agrippa a Paulo i


.ly Dá-se-te licença para fallares
a teu favor. Logo Paulo estendida a
mão j
Capitulo XXVI, 317
mâo, começou a se justificar da manei
ra seguinte.
2 Rei Agrippa , eu me reputo di
toso, por poder hoje jnstilicar-me dian
te de ti , de tudo o de que os Judeos
me accusao.
3 Visto que tu estás inteiramente
informado de todos os costumes dos
Judeos , e de todas as questões , que ha
entrelles ; eu te supplico, que me ou
ças com paciencia.
4 Primeiramente, quanto ao modo
de vida , que eu observei em Jerusalem
entre os da minha Nação desde moço,
todos os Judeos o sabem.
y Porque se elles quizerem teste
munhar a verdade , elles sabem que eu
vivi Fariseo, fazendo profissão desta sei-r
ta , que he a mais approvada da nossa
Religião.
6 E ainda assim meobrigão hoje a
apparecer em Juizo , porque eu espero
na promessa, que Deos fez a nossos
pais:
7 Da qual os nossos doze Tribus ,
que
218 Os Actos dos Apostolos ,
que fervem a Deos de dia , e de noite ,
efperão alcançar oeffeito. Esta esperan
ça, óRei, he a porque me aceusão os
Judeos.
8 Parece-vos pois incrível, que Deos
reíìiscite os mortos?
9 (a) Eu no princípio tinha para
mim , que não devia haver cousa, que
eu não fizesse contra o nome de Jeiiis
Nazareno.
10 E isto he o que fiz em Jerusa
lem , onde metti em prizão a muitos
Santos, depois de ter recebido para isso
poder dos Principes dos Sacerdotes; e
quando os matavão , dava eu o meu
consentimento.
11 Eu muitas vezes nasSynagogas
os constrangi a blasfemar á força de
tormentos : e transportado de furor con
tra

(a) Eu no princípio tinba para mim , &e. To


da esta relaçáo da sua vida primeira vai diri
gida por S.Paulo a capacitar Agrippa , que elle
se náo resolvera a abraçar o Cntistianismo por
espirito de novidade , ou por inconstancia de
elpirito , mas por causas muito fortes 3 que adi»
ante expõe. Calmet , e Saci.
Capitulo XXVI. 219
tra elles , eu os persegui até nas Cida
des estrangeiras. :
12 Hum dia pois que eu hia com
este defignio para Damasco, com po
der , e permissão dos Principes dos Sa
cerdotes ;
13 Quando eu estava em caminho ,
vi , 6 Rei , no pino do meio dia bri
lhar do Ceo huma luz , que excedia na
viveza a do Sol , a qual me cercou a
mim, e a todos os que me acompanha
vas.
14 E como todos cahissemos por
terra , ouvi eu huma voz, que me di
zia (b) em Lingua Hebraica : Saulo ,
Saulo , porque me persegues ? Dura cou
sa te he recalcitrar contra o aguilhao.
15- Então disse eu : Quem es tu,
Senhor ? E o Senhor me relpondeo : Eu
sou Jesus , a quem tu persegues.
Mas
(b) Em Lingua Hebraica. Daqui tira OaJmet,
que a presente falia de S. Paulo diante de A-
grippa , fora em Grego. Porque naquelle tem
po era a Lingua Grega a Lingua do Commer-
t'o das Nações , como hoje o he a Franceza.
Pbreira. ' ...
2 2o Os Actos dos Apostolos,
16 Mas levanta-te , e põe-te em
pé : porque eu por isso te appareci , pa
ra te fazer ministro , e testemunha das
cousas que viste , e doutras , que te hei
de mostrar em novas appariçóes :
17 E eu te livrarei deste Povo , e
dos Gentios , aos quaes te envio ago
ra ,
18 A abrir-lhes os olhos , a fim de
que elles seconvertão das trévas áluz,
e do poder de Satanaz a Deos; e que
pela fé , que terão em mim , recebão a
remissão de feus peccados , e tenháo
parte na herança dos Santos.
19 Eu pois , ó Rei Agrippa , (ç)
não resisti á visão celestial.
20 Mas annunciei primeiramente
aos de Damasco, depois em Jerusalem,
em toda a Jadéa , e aos Gentios , que
fizeíTem penitencia , e se convertessem
a Deos, (d) fazendo dignas obras de
penitencia.
Eis-
(c) NSorestsii á visão celestial. Eis-aqui o que
me fez mudar de sentimento acerca da Reli
giáo de Jesu Christo. Calmet.
. (Vi) Fazem dignas obms de penitencia, No ver'»
Capitulo XXVI. 221
1 1 Eis-aqui o motivo , por que os
Judeos tendo-me prendido no Templo,
procurárão m atar- me.
22 Mas com a ajuda , que Deos me
deo, estou vivo até o dia d'hoje, dan
do testemunho de Jeííis a grandes , e
pequenos ; e não dizendo , senão o que
os Profetas , e Moysés tinhão predito
que havia de succeder.
23 Isto he , que o Christo padece
ria; (e) e que elle seria o primeiro, que
re-
so t8. tinha dito Jesu Christo , que pela fé
nelle receberião os homens remissáo de seus
peccados. Agora para que ninguem cuidafle,
<]ue bastava a fé para a justificaçáo do ímpio ;
ensina o Apostolo neste verso 20. que esta fé
não ha dé ser esteril , nem languida; mas fim
junra com a penitencia , com a dor , com a
mudança devida, com huma perfeita conver
sáo das creaturas para o Creador. Pereira.
(e) E que seria o primeiro, que resuscitaffe dos
mortos. Entende-se , para náo tornar mais a mor
rer. Porque antes de Christo , he certo pelas Es
crituras , que Eliseu resuscitou alguns mor
tos, e que o mesmo Christo resuscitou a Lz-
z*ro , e ao filho da viuva de Naim. Mas to
dos estes morreráo outra vez. Só Christo re
suscitou para náo morrer mais. E a sua Mor
te , e Relurreiçáo forão o fundarnento da pre
gaçáo do Evangelho. Calmet , e Saci.
12 2 Os Actos dos Apostolos,
resurgisse dos mortos ; e que annun-
ciaria a luz ao Povo, e aos Gentios.
24 Estando Paulo dizendo estas cou
sas em sua defensão, gritou Festo: Tu
es hum insensato , Paulo : o teu muito
saber te tira o juizo.
25- Paulo lhe respondeo : Não sou
insensato , Excellentiflimo Festo ; mas o
que acabo de dizer , são palavras de
verdade , e de bom senso.
26 Porque o Rei está bem informa
do de tudo isto ; e eu fallo diante delle
tanto mais desembaraçadamente, quan
to sei que elle não ignora nada do que
digo. Pois. isto não são cousas , que se
passassem em segredo.
27 Ó Rei Agrippa , não he aífim
que tu crês nos Profetas ? Eu sei que
crês.
28 E Agrippa respondeo a Paulo:
Por pouco, que tu me não persuades,
que me faça eu Ghristao.
29 Paulo lhe replicou: Provera a Deos
que nem pouco , nem muito faltasse , que
não só tu , mas todos os que me ou
vem,

1
Capitulo XXVI. e XXVII. 223
vem , se fizcssetn hoje taes , quaes eu fou ,
excepto estas prizóes.
30 Entao se levanta'rão oRei, e o
Governador , c Berenice , e os que es-
tavao assentados com elles.
31 E retiraiiòs à parte, fallárao huns
com outros , e disserâo : Este homem
náo fez cousa , que feja digna de mor
te, nem de prizao.
32 E Agrippa disse para Festo: Elle .
podia fer solto, se náo tivcsse appella-
do para o Cesar. .

CAPITULO XXVII.
Paulo he remettìdo prezo a Roma. O ven
ts contrario o faz arrihar a Creta.
Aconselha que invernem allì. Nao ejìao
pelo seu parecer , e huma furiosa tem
pestade faz naufragar o navio. AUjao
toda a carga , e equipagem. Paulo Ihes
promette a vida a todos. Todos se fal-
vao , ou a nado , ou sobre pranckas.

1 Omo se determinou que Pau-


lo fosse a Italia , e que fosse
entregue com outros prezos a hum Cen-
tu*
i-Láf Os Actos dos Apóstolos,
turião da Cohorte Augusta , chamado
Juliq :
2 Embarcámos num navio de Adru-
méte, e levantámos ancora por costear
as terras da Asia, fendo em nossa com
panhia Aristarco Macedónio de Thes-
salonica.
3 Ao dia seguinte chegámos a Si-
don: e Julio usando de humanidade com
Paulo , lhe facultou ir ver seus amigos, e
prover-se do que havia mister.
4 Feitos dalli á véla, fomos nave
gando abaixo de Chipre , por nos se
rem contrarios os ventos.
5- E tendo atravessado ornar da Ci-1
licia, e da Pamfylia, chegámos a Lis
tra da Lycia.
6 Alli achando o Centurião hum
navio , que fazia viagem para Italia,
fez-nos embarcar nelje.
7 Por muitos dias foi muito pouco
o que nos adiantámos, e com assas tra
balho chegámos bem defronte de Gni-
do : e porque nos era contrario o ven
to, costeámos a Ilha de Creta, junto a
Salmóna. E
Capitulo XXVIÍ. ii?
8 E caminhando com difficuldade
ao longo da costa * abordámos a hum
lugar , a que chamão os Bons Portos ,
com quem vizinha a Cidade de Thalassa.
9 Mas como passado muito tempo
se hia fazendo perigosa a navegação,
(a) e era já passado o tempo do jejum;
deo Paulo este conselho por os conso
lar, dizendo:
10 Amigos, (b) en vejo que a na*
vegação se vai pondo muito má , e cheia
de perigo , não sómente para o navio f
e sua carga , mas tambem para as nos
sas pessoas, e vidas.
Tom. III. P Po-
(«) E era jd pajsado o tcmpo ío jejum. O tem
po do jejum dos Jùdcos , conforme exprelTa-
mente o diz aqui a Versáo Syriaca. O quœ
S. Lucas advertio , para se entender que a
estaçáo de que faílava , era a do meado de
Outubro. Porque entáo he que acabava o je
jum dos Judeos , estabelecido no Livro dos
Numeros, xxv., 27. eque começa o mao tem
po paia navegar. Ambloté.
(i) Eu vejo que a navegaçifo , &c. S. Paulo1
o via náo só pela estaçáo, e disposiçáo do tem
po, mas, segundo S. Joáo Chrysostomo , tam
bem por especial revelaçáo' que dfsso tivera,-
ii6 Os Actos dos Apóstolos,
rr Porém o Centurião dava mais
credito ao Mestre , e ao Piloto , do que
ao que Paulo lhes dizia.
12 E como o porto não era azado
para invernar , forão os mais delles de
parecer que se passasse adiante , a ver
se dalguma sorte podião ganhar Feni-
ce , e invernar alli , por ser este hum
porto de Greta , posto ao Africo , e ao
Poente.
13 Começando a ventar branda
mente o Sul , cuidarão elles que ti-
nhão o que dcsejavão ; e tendo levan
tado ancora de Asson , hião costeando
Creta.
14 Porém não muito depois se le
vantou hum furioso Nordeste, que deo
contra a Ilha.
15 E sendo delle arrebatado o na
vio , sem que nós lhe podessemos resis
tir, deixámo-nos ir i toa.
1 6 Escorremos abaixo de huma ilhe
ta, que se chama Cauda, onde apenas
podiamos ser senhores do esquife.
17 Mas cm fim tendo-o trazido a
nós,
Capitulo XXVII. lis
nós , valêrão-se os marinheiros de to
dos os remedios poíllveis , e cingirão o
navio , com temor não dessem nos bancos
d'arêa ; (c) e abaixado o masto , foraq
affim andando á discrição das ondas.
18 E como nós nos achavamos já
mui atormentados da força da tempes
tade, ao seguinte dia lançarão as mer
cadorias ao mar.
10 E ao terceiro alijarão por suas
próprias mãos a equipagem do navio*
20 E como hia já por muitos dias ,
que não appareciao Sol, riem estrellas$
e a tormenta continuava rijamente so
bre nós ; de todo perdemos a esperan
ça de chegarmos a salvamento.
21 Neste aperto , a que se ajunta
va o não ter ninguem comido havia lar
go tempo , levantbu-se Paulo no meio
P ii del-
(d) E abaixado o masto. Alsirri os de Monsj
c com elles Saci, Calmet, e Messengui, pa
ra exprimirem o que a Vulgata Latina diz,
fubmijsovase , que traduzido ao pé da Letra quer
dizer, abaixado o vaso. Porém o Grego tem.
submiffis velis , abaixadas as vêlas. E aflim ver-
«o o nosso Joáo Ferreira de Almeida* Pjerbi*
KA.
iz% Os Actos dos Apostolos,
délles , e disse : Quanto melhor fora,
meus amigos, que vós me tivesseis da-
do credito , e não partísseis de Créta,
do que experimentar este contratempo ,
e huma tão grande perda.
22 Todavia eu vos exhorto a que
tenhais coração ; pois não perecerá pes
soa alguma, e só o navio se perderá.
23 Porque esta noite meappareceo
hum Anjo do Deos , a quem eu perten
ço , e a quem sirvo, que me disse:
24 Não temas , Paulo , importa que
compareças ante o Cesar ; e eu te an-
nuncío, (d) queDeos te ha dado todos
os que navegão comtigo.
2jr Affim que , meus amigos, ten
de bom animo : porque eu confio em
- í Deos,
00 £LBf ie ba dado todos. Este modo de
fallardoAnjo denota, que S. Paulo fizera ora
çáo a Deos pela vida de todos. E daqui se pô
de provar o Dogma da Intercessáo dos San
tos , e da efHcacia das suas Preces em nosso
proveito. Porque se o Apostolo estando ainda
em corpo mortal , alcançou de Deos vida pa
ra duzentas e setenta e leis pessoas ; que con
ceito náo devemos nós fazer da lua interces
são agora , que elle- reina glorioso no Ceo-
Psbeira,
. . Capitulo XXVII. 22?
Deos, que aflim ha de succeder, como
me foi dito.
16 Porém he necessario que vamos
dar a huma certa Ilha.
27 Chegada pois a quatorzena noi
te, como nós estavamos no Mar Adria
tico, lá pela meia noite (e) íuspeitárão
os marinheiros , que elles estaváo perto
d'alguma terra. .
28 E lançando o prumo , acharão
vinte braças ; e passando hum pouco
mais adiante, tornando a lançar opru-r
mo, acharão quinze.
29 Então temendo não fossem dar
nalguns cachopos , lançarão da popa
quatro ancoras , suspirando que viesse
já o dia. , ~ r ,
30 Mas porque os- marinheirqs, fa-
ziao diligencia por fugir do navio , e
tinhão lançado o esquife ao mar , fin
gindo que querião lançar ancoras hum
pouco mais longe da parte da proa :
Dis-
(0 Suspcittírão os marinbeiros , &-C. Vox on
de o suspeitárão áquellas horas ? Foi ou pelo
cheiro , ou pelo frio , ou pelo vento. Ç\l>-
MBT,
130 Os Actos dos Apostolos,
3 1 Disse Paulo ao Çenturião , e aos
soldados : Se esta gente não fica no m.-
vio, não podeis vós salvar-vos.
31 Então cortarão os soldados os
cabos ao esquife , e deixárão-no cahir.
33 E entretanto que o dia vinha ,
rogava Paulo a todos que comessem al-?
guma cousa, dizendo: Faz hoje já qua
torze dias , que estais á espera sem c(h
mer bocado.
3 4 Por tanto rogo-vos por vida vos
sa , que comais alguma cousa ; porque
nem hum cabello vos ha de cahir da
cabeça.
3 $ E tendo dito isto , tomou do pão ,
deo graças a Deos em presença de to
dos, partio-o, e começou a comer.
3 6 Todos com isto tomárão animo ,
e se pozerão tambem a comer.
37 Éramos nós por todos dtizen-?
tos e setenta e seis.
3 8 Depois que se refizerão com a
comida, alliviárão o navio, lançando o
grão ao mar.
35- Chegando o dia, nãoconhecião
que
Capitulo XXVII. 231
que terra era aquella ; observárão po
rém huma certa enseada, que tinha praia,
na qual forão de parecer que fossem dar
com o navio, se pudessem.
40 Pelo que tendo levantado anco
ras, se entregarão ao mar, largando ao
mesmo tempo as amarraduras dos le
mes; e levantada ao vento acevadeira,
encaminhárão-se á praia.
41 Mas dando numa lingua de ter
ra , (/) que d'ambos os lados era tor
neada de mar , deo o navio ao través ,
e aproa affincada permanecia immovel ;
ao mesmo tempo que a popa se abria
com a foiça das aguas.
42 Nestes termos a resolução dos
soldados era (g) matar os presos , por
te-
Cf) 2Ȓ d'ambos os lados , &c. He o que
significa o nome adjectivo Ditbalaffon , que o
Autbor da Vulgata conservou do Grego , po
dendo dizer com os Latinos Bimarem , como
Horacio chamou a Corintho. Pereira.
(g) Matar os prszos. Aífim traduzi aquelle
W custodias occiderent da Vulgata , como o tra
duzem todos. Porque o substantivo Latino cus-
'<"íi« tambem com frequencia significa os pre-
zos, como se colhe deSuetonio, e dos Juris
*3* Os Actos dos Apostolos,
rcmerem nao fugisse algum , salvando-
se a nado.
43 Mas oCenturião Iho prohibio,
porquc que ria salvar a Paulo : e marir
dou que os que podessem nadar , fos-
sem os primeiros que sahiíTem do lUr
vio, e se salvassem em terra.
44 Os mais, huns sepozerão sobre
taboas , outros sobre o que ficára do
destroçado navio. E deste modo todos
ganhárao terra , e se salvárao.

GAPITULO XXVIII.
Arrìba Paulo a Malta. Mordeo-o huma vi-
bora , e «ao o damna. Os barbaros ç
íem for hum Deos. Cura o Senbor da
ìlha, e outros muìtos. Pajsados fres me'
zes chega Paulo a Puzzólo , e desois a
Roma. Declara aos judees o motivo da
sua uinda , e fréga-lhes a Jesu Çhriflo
for effaço de deus annos.

i r | ^ Endo-nos affim falvado , co-


JL nheccmos entáo que a Ilha sc
cha-
cpnstiltos antigos , que aqui cita Calmer. E nes-
tc sentido o tinha já tomado o noílo Interprè
te no primeiro verso deste Capitulo. Pjìreir*
Capitulo XXVIII. aj3
e-hamava Malta. E osbarbaros nos tra-
tárao com muita huma nid ade.
2 Porque nao sómente nos recolhéV
ráo, mastambem accendêrão huma fo-
gueira, por conta dachuva que vinha,
e do frio que fazia.
3 Entao havendo Paulo ajuntado,
eposto sobreolume hum mólho de vi
des ; huma vibora , que fugíra do calor ,
lhe accommetteo huma mao.
4 Qiiando os barbaros vírjío a bi-
cha pendente da máo de Paulo , diziâQ
huns para os outros : Certamenre este
hornem he algum matador ; pois tendo
escapado do mar, a vingança o perses
gue, e nao o deixa viver.
5' Mas elle sacudindo a bicha no
fogo , nao experimentcm nenhum damno.
6 Os barbaros todavia estaváo es-
perando que elle inchasse , e que cahisr
se morto de repente. Mas depois dces-
perarem muito tempo, como vírao que
Ihenao succedia mal nenhum, mudárão
de parecer , e disserão que elle era al
gum Deos.
Ha-
134 Os Actos dos Apostolos,
7 Havia perto daquelle Iugar hu
mas herdades do Principe dallha, cha-
mado Publio , o qual nos recebeo , c
hospedou benignamente tres dias.
8 Succedeo achar-se entáo doente
de fcbre, e de dysenteria opai de Pu
blio. Foi Paulo vello : e como fizesse
oraçáo , e lhe impozesse as máos , &
rou-o.
o Depois do qual milagre , todos
os que ha Ilha se achavao doentes , vie-
rão a elle, e forão curados.
10 Fizerao-nos tambem grandes
honras ; e quando estavamos a ponto de
navegar , nos provêrao do que era ne-
ccssario.
11 Ao cabo de tres mezes embar-
cámos nnm navio de Alexandria , que
tinha invernado na Ilha , e que levava
por iníignia (a) Castor, e Pollux.
Ar-
(«) Castòr , e Pollux. Erão os dous Gemeos
filhos de Jupiter, e de Leda , que a Gentili-
dade cria presidirem á bonança , e aos quaes
por ilTo profelTavão os marinheiros grande de-
voção. E tendo çada hum feu ptoprio nome,
cpUumavão os Gentios dar a conhecer ambos
Capitulo XXVIII. 235-
12 Arribados a Syracusa , ficámos
alli tres dias.
13 De lá correndo a costa viemos
a Régio; e hum dia depois, ventando
o Sul , chegámos em dons a Pazzolo.
14 Onde como achámos irmãos,
elles nos rogarão , que ficassemos com
elles sete dias ; e passados elles , tomá
mos caminho de Roma.
iy Donde tendo novas que chegá
vamos, sahírão os irmãos a receber-nos
(b) á Praça de Appio , e ás Tres Ven-
* das.
pelo nome do mais velho , dizendo por exemr
Elo o Templo dos Castores", o Navio dos Castores.
'a mesma sorte que hoje dizemos, A Náo Pa
dre Eterno , o Navio Santo Antonio. No tocante
porém aferem os dous Gemeos Castor, ePol-
lux, os que a Gentilidade adorava, e invoca»
va , como Protectores da navegaçáo : Fr. Luiz
<te Sousa na Historia de S. Domingos , Tomo I.
Livro IV. cap. 2p. mostra com huma erudiçáo
nada vulgar, que o lugar, que entre os ma
rinheiros idólatras tiverão antigamente os fi
lbos de Leda , hc o que hoje entre os mari
nheiros Christáos logra o nosso S. Pedro Gon
çalves , invocado pelos Portuguezcs debaixo
do nome de Corpo Santo , pelos Italianos de
baixo do nome de S.Telmo. Pereira.
Q>) A' Praça de Appio j e as Tres Vendas. O

I
236 Os Actos dos Apostolos,
das. E Paulo como os vio, deo graças
a Dcos, e cobrou animo.
16 Chegados que fomos a Roma,
deo-se licença a Paulo que ficasse onde
quizesse com hum soldado , que o guar
dasse»
17 Passados tres dias, convocou Pau
lo os principaes dos Judeos : e depois
que elles chega'rao, disse-lhes: Meus ir
mãos, ainda que eu não commetti na
da contra o povo , nem contra os cos
tumes de nossos pais , fui com tudo pre
zo em Jerusalem, e entregue em mãos
dos Romanos.
18 Osquaes tendo-me examinado,
querião soltar-me , visto que não acl?a-
vão em mim crime algum , que mere
cesse morte.
Mas
primeiro lugar distava de Roma mais de sin-
cocnta milhas , e tomou o nome de Claudio
Appio, que nelle tinha sua Estatua, em me
moria da grande Estrada, que por alli fizera,
chamada por isso rambem Via Appia. O segun
do distava trinta e quatro milhas. E o virem
de tão longe os Fieis de Roma buscar a S. Pau
lo, mostra bem o amor, a devoçáo, c o refr
peito, que lhe tinhão todos, Perbira.
Capitulo XXVIII. 237
19 Mas oppondo-se a isso osJudeos,
vi-me obrigado a appellar para o Ce
sar , sem intentar com tudo accusar dal-
guma cousa os da, minha Nação.
20 Por esta causa pois he que vos
mandei chamar aqui , para vos ver, e
vos fallar: pois que pela esperança de
Israel he que estou prezo com esta ca
deia.
2 r Elles lhe responderão , dizendo :
Nós nem temos recebido carta de Ju-
déa , que falle em ti ; nem de lá tem
vindo irmão algum , que nos dissesse
mal da tua pessoa.
22 Porém quizeramos que tu nos
dissesses o que sentes : porque o que nós
sabemos desta feita , he que em toda a
parte a impugnão.
23 Tendo-lhe pois apprazado dia ,
vierão muitos vello ao seu hospício : aos
quaes elle expunha , e demostrava o Rei
no de Deos , convencendo-os do que
tocava a Jesus , pelos testemunhos da
Lei , e dos Profetas , des da manhã até
a tarde.
Huns
238 Os Actos DOS Apostolos,
24 Huns criao o que elle dizia , ou
tras não crião.
2S Ecomo náoconvinhao entre íì,
retiraváo-se : o que deo occafiáo a que
Paulo lhes diíTeiïe esta palavra : Corn
muita razáo o Efpirito Santo, que fal-
lou a noflbs pais por boca do Profeta
Iíaias, diíTe:
26 Vai ter com este povo, e dize-
»• lhe : Vós ouvireis de orelha , e náo en-
tendereis : vereis com os olhos , e náo
devisareis.
27 (c) Porque o coraçáo deste po
vo sefez pezado, e as suas orelhas fur-
das , e elles fcchárão os feus olhos ; pa
ra náo aconrecer verem com os olhos,
e ouvirem com as orelhas , e entende-
rem no coraçáo , e converterent-fe , e
serem por mim làrados.
2 8 Sabei pois que a salvaçáo de Deos
he enviada aos Gentios , e que estes a
háo de receber. Co-
(c) Porque 0 coraçáo de/le povo , &-c, Com es
te mesmo Texio delsaias amcaçou Christo Se-
nhor noffb o lJovo judaico , como vimos , e
observámos no tvangelho de S.Matcheus, xih»
X4. 15. i^BKJilKA.
Capitulo XXVIII. 239
29 Como elle lhes dissesse estas cou
sas , deixárão-no os Judeos , tendo en
tre si grandes altercações.
30 Dons annos permaneceo Paulo
num aposento , que allugára , onde re
cebia a todos os que o vinhao ver;
31 Prégando o Reino de Deos, e
ensinando o que respeitava ao Senhor
Jesu Ch riflo, com toda a liberdade, e
sem que ninguem lho prohibisse.

EPIS-
EPISTOLA
DE S. PAULO
APOSTOLO
AOS ROMANOS,
Escrita de Corintho no anno 5-8. da Era
vulgar , segundo do Imperio de Nero.

""capitulo I.
Recommenda Paulo a excellencia do seu
Apostolado. Deseja exercital/o em Roma.
Os infieis são inexcusaveis : porque co
nhecendo a Deos , não o glorificarão co
mo devião. Por ijso permittio Deos , que
elles cahiffèm em abominaveis torpezas
de peccados contra a natureza.

Aulo fervo de Jesii


Christo , chamado (a)
para Apostolo , escolhi
do , e destinado para
annunciar o Evange-
lho de Deosj 0

(st) Cbamado para Apostolo. Entende-se por


Deos y segundo o que já vimos nos Actos dos
Apostolos, IX. 15. e XHI. Z. rfiRBIKA.
aos Romanos. Cap. I. 241
2 O qual Evangelho tinha elle an
tes promettido pelos seus Profetas nas
Santas Escrituras,

4 (c) Que foi predestinado para ser


Tom. III Ct Fi-
(b) Jesus Cbrijío íwffo Senbos. Êstas quatro pa
lavras no Texto Grego j e Latino vem no fim
do verso 4. Porém como ellas quanto ao sen
tido se devem atar com as do princípio do
verso }. Sobre seu Pilbo : por evitar as addições ,
que aqui pozerão Saci , os de Mons , e Cal-
met ; e por escusar os parenthefis , de que se
valeo Martini : eu as ajuntei humas com ou
tras no mesmo verso 5. seguindo o exemplo de
Messengui. Pereira.
(0 Que sõi predestinado para ser Pilbo de Deot^
Para náo parecer estranho aos que não sáo
Theologos o dizer o Apostolo , que Jelu Chri-
sto Filho de David , segundo a carne , fora
predestinado para ser Filho de Deos : ou pa
ra que no caso que o não estranhem , não cui
dem que a Filiaçáo divina , para que Jesu
Cbristo foi predestinado , he como a dos mais
homens justos , que são pela graça filhos ado
ptivos de Deos : He de saber , que como em
Jesu Christo debaixo de huma só Pfcssoa, que
he a mesma do Verbo , se achão unidas duas
naturezas , divina , e humana ; segundo a di
versidade das mesmas naturezas a le vçxificáç
242. Epistola de S. Paulo
Filho de Deos (d) no poder , segundo
o Espirito de santificação , pela íua Re-
surreiçáo dentre os mortos.
Por
da mesma Pessoa de Jesu Christo predicados
diversos , e ainda oppostos. Porque em quan
to Deos , se verifica delle por exemplo , set
huma mesma cousa com o Pai: e em quanto
Homem, ser menor que o Pai. Que humaj
e outra cousa affirmou de si o meímo Senhor
no Evangelho de S. Joáo. Por semelhante mo
do em quanto Deos não foi , nem podia ser
Jesu Christo predestinado para ser Filho de
Deos , porque o era necessariamente, e desija
natureza dclde toda a eternidade : mas em quan
to Homem , podia fer , e foi por eleiçáo do
Eterno Padre livremente predestinado Jesu Cbri
sto para ser Filho de Deos ; em quanto a sua
sacratiflima Humanidade , sem precederem pa
ra isso merecimentos alguns seus , (como bem
pondera Santo Agostinho no seu Manual , cap.
36.) foi escolhida para a alta , e ineffavel dig
nidade , de que por meio da uniáo das duas
naturezas mim só Supposto Divino , ficasse fen
do hum mesmo o Filho da Virgem , e o Filbo
de Deos : que isto he o que Nestorio nunca
quiz entender, dizendo, que náo adorava por
Deos a hum Deos dedousmezes, ou de tres:
Deum bimestrem , aut trimestrem non adoro. Por
ultimo advirto , que em lugar de que soi st-
destínado para ser Filbo de Deos , traz aqui. o Ori
ginal Grego , que soi declarado ser Filbo de Deos.
Ë neste lentido ainda se desfazem melhor as
àos Romanos. Cap. I. 243
5- Por quem nós recebemos a graça, e
o Apostolado, para fazer que obedeção
á fé todas as Nações em virtude do
seu nome.
6 No numero das quaes sois vós
tambem, como chamados que fostes por
Jesu Christo.
7 A todos vós , que estais em Ro-
Q^ii ma
dificuldades , que deste Texto do Apostolo
fórmáo os Socinianos contra a Divindade de
Christo , ainda que tão decidida , e expressa
noutros. Pereira. - :
(á) .Ni» poder , segundo o Espirito de santificar-
tão , <& c. Depois de mostrar no verso 5. a na
tureza humana de Christo , dizendo que , se
gundo a carne , nascêra do sangue de David :
prosegue o Apostolo neste verso 4. a mostrar
no mesmo Christo a natureza divina , em que
he Filho de Deos. E são tres os princípios,
por onde o mostra. Primà : pelo seu poder no
obrar per si tantos , e tão estupendos milagres j
que o qualificavão de Omnipotente. Secundo :
pelo Espirito de santificaçáo , ou como tem o
Grego, de santidade , isto he , pelo Espirito
Santo , cujas graças-, e dons repartio Cnristo
primeiramente aos seus Apostolos , depois aos
outros Fieis. Tertiò: pela lua Resurreição den
tre os mortos , em quanto por virtude propria
se resuscitou a si mesmo. Affim entendêrão f
e explicaráo este lujar os Padres Gregos. Es
2,44 Epistola de S. Paulô
ma , queridos de Deos , (é) chamados
Santos , graça , e paz da parte de Deos
nosso Pai , e da de Jeiu Christo nosso
Senhor.
- 8 Primeiramente dou graças ao meu
Deos por Jeíu Christo na consideração
de vós todos : porque em todo o Mun
do he celebrada a vossa fé.
g Porque o Deos , a quem sirvo pe
lo culto de meu espirito no Evangelho
de seu Filho , me he testemunha , de que
incessantemente vos tenho na memoria :
io Pedindo-lhe de contínuo nas mi
nhas orações , que se essa he a sua von
tade , me conceda elle al fim alguma
boa aberta de vos ir ver.
Por-
(?) Cbamados Santos. Já vimos nos Actos dos
Apostolos, ix. 13. 32. 41. e xxvi. 10. 18- e
o tornaremos a ver outras muitas vezes nos
Capítulos oitavo , duodecimo , e decimo quin
to desta mesma Epistola ; que este nome de
Santos era na primitiva Igreja hum nome com-
mum a rodos os Fieis. Ë isto não porque to
dos foliem Santos ; mas porque tanto na Igre
ja Universal, como em qualquer Igreja Par
ticular , sáo os Santos os melhores , e mais
principaes membros delia, até para a sua de
nominaçáo. Estio.
Aos Romanos. Cap. I. 245s
11. Porque esse he o meu desejo ,
para repartir comvosco alguma cousa
da graça espiritual , que vos consorte :
12 Quero dizer, para me consolar
comvosco pela fé , que eu, e vós pro
fessamos.
13 Não quero pois que ignoreis,
irmãos, que muitas vezes propuz eu ir
ver-vos , por fazer em vós algum fru
to, como nas outras Nações : mas até-
gora sempre tenho tido obíiaculos.
14 Eu sou devedor a Gregos, e a
Barbaros, a sabios, e a ignorantes.
1 5- Affim quasito he em mim , eu es
tou prompto a annunciar tambem o
Evangelho, aos que viveis em Roma.
16 Porque eu não me envergonho
do Evangelho : pois a virtude de Deos
he (/) para salvar a todos os que crê,
pri-
(f) Para salvar a todos os que crem. Debaixo
4o nome de salvaçáo se deve entender aqui
náo só a vida eterna, que he a salvaçáo con-
summada; mas ainda a justificaçáo do homem,
<\uc he huma salvaçáo começada já nesta vida
presente. O dizer porém o Apostolo , que a
virtude de Deps , isto he , o seu poder , be pã-
ra salvar a todos os que crem ; náo he dizer que
246 Epistola de S. Paulo
(g) primeiramente aos Judeos , ' depois
aos Gentios.
17 E nelle nos he revelada (b) a
justiça de Deos , que vem da fé , e se
aperfeiçoa pela fé, segundo está escrito;
n.T CO O justo vive da fé. Nel-

todos os que de qualquer modo abração a fé


do Evangelho , conseguem a salvaçáo , ou a
justificaçáo: mas sim que a fé he orneio, por
que Deos ordenou que os homens alcancem a
justificaçáo, e a salvaçáo. Asquaes ambas to
davia alcançará certamente , todo o que à fé
do Evangelho ajuntar a observancia do que elle
manda. Estio.
(g) Primeiramente aos Judeos. Porque aos Ju
deos primeiro que todos , foráo feitas as pro
metias da salvaçáo ; e aos Judeos he que
Christo pregou : E só depois de desenganados
da obstinaçáo , e rebeldia dos Judeos , he que
os Apostolos foráo miflionar aos Gentios. Cal-
MET.
(A) A justiça de Deos. A que S. Paulo cha
ma aqui justiça de Deos y náohe a justiça , con?
que Deos he justo ; (que he o sentido , em que
este nome se toma adiante no verso 2.2.) mas
fim a justiça , com que o homem se faz jus
to diante de Deos. E esta justiça diz o Apos
tolo j que nos bt revelada no Evangelbo : por
que a justificaçáo do homem para o fim 1Ja
vida eterna , he hum myfterio , que só pelas
luzes da fc se pôde alcançar. Estio.
(í)-O justo vive da sé. Sáo palavras do Pro-
aos Romanos. Gap. I. 247
18 Nelle tambem se nos descobre
a ira de Deos , que sobrevirá do Ceo
contra toda a impiedade , e injustiça da--
quelles homens , ( / ) que retesn na in
justiça a verdade de Deos :
Por-
feta Habacuc , tt. 4. que S. Paulo tornou a
allegar na Epistola aos Gálatas , e na outra aos
Hebreos ; para mostrar , como aqui , que o prin
cípio da nossa justificação he a fé. E por isso
que he fé, com que o justo vive, he fé vi
va , isto he , fé com obras , fé com progresso ,
fé com caridade. E será bom tambem notar ,
que o Hebreo de Habacuc na Vulgata diz as
sim: Justus inside sua mvct. O justo vivirá na
sua fé. O Grego dos Setenta : Jusius in fide
mea nivet. O justo vivirá na minha fé. Ou se
lêa porém no presente vive , ou no futuro vi
virá ; sempre o intento do Apostolo he mos
trar , que sem fé nem podemos alcançar a jus
tificaçáo , que he a vida da graça ; nem con-
servalla, nem permanecer nella. Pereira.
(0 retem na injustiça a verdade de Deos.
Isto he , que tendo conhecimento de haver hum
Deos, e hum só Deos , fupprimem , e como
que retem cativo esse conhecimento pela de
pravaçáo da sua vontade ; quando nem o com-
municáo aos outros , nem o manifestáo em boas
obras. E isto he o que fizerão os Filosofos
Gentios, como Pythagoras , Socrates, Platáo,
Aristoteles , Zeno : os quaes tendo alcançado
Por discurso a noticia de hum só verdadeiro
248 Epistola' de S. Paulo
19 {m) Porque o que se pode co*
nhecer de Deos , isso lhes foi a elles
manifesto, fendo o mesmo Deos quem
lho manifestou.
ao Pois que as perfeições invisiVeis
de Deos, o seu eterno poder, a sua di
vindade (») se -zerao visíveis des da
crea-
Deos , em lugar de mostrarem ao povo ruce
a vaidade dos ralsos idolos , e de o tetrahiren
do seu culto supersticioso ; ou por medo , ou
por interesse , ou por outros reipeiros munda
nos j o confirmavão huns com as^doutrinas ,
outros com o exemplo , outros com ambas
as cousas no uso da idolatria. O que bem
mostra Santo Agostinho no Livro Da Vira
deira Religião, cap. 5. e no Livro VI. Da Ci
dade de Deos , cap. 10. onde fallando de Se
neca , diz : Coíebat quoi reprebendebat ; agefot
quod arguebat ; quod culpabat adorabat. Pereira.
1 (vi) Porque o que se pôde conbecer de Deos. En-
ténde-se pelo lume da razáo, ou pelo discur
so natural. E logo : Sendo o mesmo Deos qum
lbo manisestou. Porque esse lume da razáo, essa
faculdade de discorrer, Deos he que lha deo,
para por meio da contemplaçáo da creatura vi
rem no conhecimento do Creador. Pereira.
(«) Se fzerao visneis des da creaçãb do Mun
do. Fizeráo-se visiveis , em quanto o mesmo
Mundo, a ordem , e formosuYa das suas crear
tu ras , a sua variedade , e perfeiçáo per si mes
mas estáo dando a conhecer, a quem reflecte
aos Romanos. Cap. I. 249
creação do Mundo , pelo conhecimento
que delle nos dão as creaturas : e affim
são inexcusaveis estes homens.
21 (0) Porque tendo conhecido a
Deos , não o glorificarão como Deos,
nem lhe derão graças ; mas esvaírão-se
em
relias , huma Causa primeira de tudo o que
existe ; hum primeiro Motor de tudo o que
se move; hum Ente Creador, e Conservador ,
que tem por essencia o existir , e que como tal
existe necessariamente, e de si mesmo, e por
quem contingentemente existe , tudo o que não
he elle. E esta primeira Causa, este primeiro Mo--
tor , este Ente necessario , increado , indepen
dente , he o que chamamos Deos. Donde se
segue , que sem contradizer o lume da razáo ,
nenhum homem pôde negar a existencia de hum
Deos, Creador doCeo, e da terra. Pereira.
(o) Porque lendo conbecido a Deos , não o glo
rificarão como Deos. Dá o Apostolo a razáo de
ferem inexcusaveis os Filosofos Gentios, E a
razáo he ; porque tendo conhecido pelo lume
do entendimento , que hum só Deos era o Crea
dor , e Conservador do Mundo , náo o glori
ficaráo, nem lhe deráo graças, como a Crea
dor , e Conservador : antes o culto de reco
nhecimento , e de sujeiçáo, que devião tribu
tar a este Deos , e que deviáo ensinar ao po
vo ignorante; elles o tributaráo aos idolos , e
ensinaráo o povo a que lho tributasse.. Perei*
£a.
2^0 Epistola de S. Paulo
em seus vãos raciocínios , e o seu cora
ção insensato ficou cheio de trevas.
12 (p) Porque attribuindo-se o no
me de sabios , elles se tornarão huns
estultos.
23 E a honra , que deviao dar ao
Deos

Çp) Porque attribuindo-se o nome de sabios. Isto


he , fazendo profissáo dc sabios , e folgando
que os outros os tratassem por este nome , co
mo com effeito sabemos que trataráo a Socra
tes j a Platáo , e aos mais , que por excellen-
cia chamaráo os Sabios da Grecia. Em cujos Es
critos todavia se achio hoje erros táo feios,
e grosseiros contra a boa Moral , e contra os
mesmos Princípios da razáo ; que para acredi
tar o que o Apostolo diz delies neste verso,
náo era necessaria alua asseveraçáo inspirada,
mas bastava a liçáo do que aquelles Filosofos
deixaráo escrito. Porque Platáo deo por licita -
nalguns casos a bebedisse , e approvou que as
mulberes fossem commuas. Zeno com toda a sua
Escola dos Estoicos cnsinavão , e persuadião o
homem a se attribuir a fi mesmo a propria
virtude , e a se igualar aos Deoses ; do que
sáo boas testemunhas os versos de Horacio, e
os Escritos de Seneca. Aristoteles negou a di
vina Providencia , e a immortal idade da alma.
Todos, ou quasi todos estes Chefes da Litte-
ratura Gentílica deráo por huma cousa inno
cente a simples fornicaçáo. Pereira»
aos Romanos. Cap. I. 25' ï
Deos incorruptível, ) a transferirão
para a imagem do homem corruptível ,
e para as figuras das aves, e dos qua
drupedes, e das serpentes.
24 Pelo que os entregou Deos aos
desejos dos seus corações , aos vícios da
impureza, até o ponto de deshonrarem
elles mesmos aos seus proprios - cór- N

pos.
2^ Elles , que trocarão a verdade
de Deos pela mentira; e que mais- qui-
zerao adorar , e servir á creatura , do
que ao Greador, que he bemdito por
todos os seculos. Amen.
Por
(g) A transserirão para a imagem do bomem cor
ruptível. Porque homens forão , os que os Gen
tios adoravão com os nomes de Saturno , Ju
piter , Plutão , Marte , Mercurio , Apollo , Escu
lapio , Hercules : mulberes forão , as que ado
ravão com os nomes de Ceres , Proserpina , Ju
no j Venus j Diana. E não só a estes homens,
e mulheres , mas aos seus mesmos simulacros ;
e não só aos simulacros de homens corrompi
dos , e de mulheres prostitutas , mas tambem
aos dos animaes immuridos derão o nome , e
culto de Deoscs Nações inteiras , grandes, e
pequenos, e os mesmos sabios delias. íï&REir
JIA.
ifz Epistola de S. Paulo
26 (r) Por isso os entrcgou Deos
a paixóes vergonhosas. Porque entrel-
les as femeas mudárão o uso , que he
segiindo anatureza, emoutrouso, que
he contra a natureza.
27 Por semelhante modo os machos ,
deixada a uniao natural dos dous sexos ,
se abrazárão em mutuos desejos hu-ns
pelosoutros, commettendo homem corn
homem huma infame torpeza ; e rece-
bendo desta forte em si mesinos o justò
castigo , que era devido á sua cegueira.
28 E comoelles nao fizerão ufo do
conhecimento , que tinháo de Deos ; as-
sim Deos os entregou a hum sentimen-
to
(V) Por iffo es entregou Deos a paixoes vergo
nbosas. O entregar aqui , e noutros lugares a-
diante , he delamparar Deos da sua mão os
peccadores , deixando-os ir apôs os feus aspe
rites de abominação em abominação , atc se
precipitarem nas torpezas mais nerandas. E be
o que succedeo aos antigos Filoíofos , dentre
os quaes ainda os mais bem opinados , e mais
famolos , como Socrates , Platão , Zeno , e
Aristoteles , são notados por S. João Chrysot-
torao no segundo Sermão sobre S. Babylas Mar
tyr, do abominavel vicio , de que falla o A'
postolo no verso 27, Pjbreira.
aos R 0 m a no s. Cap. I. 25:3
to depravado , segundo o qual commet-
têráo cousas , que sao contra toda a or-
dem , c contra toda a razáo.
29 Cheios detodo ogenero dcin-
justiça , de malicia , de fornicaçáo, de
avareza , de maldade : cheios de inve-
ja, de homicidio, de contenda, dedó-
lo, de malignidade :
30 Mexeriqueiros , calumniadores ,
inimigos de Deos , contumeliosos , lo-
berbos , altivos , inventores de novos
modos de fazer mal , desobedientes a
feus pais , e mais :
31 Sem prudencia , sem compostu-
ra , sem affeiçao , (s) sem palavra , sem
misericordia.
32 E tendo conhecido a justiça de
Deos , (í) nao comprehendêrao , que os
que fazem senjelhant.es cotisas, sáo di-
gnos
(j) Sem palavra. Traduzindo todos os Fran-
cezes aqui , sem sé , e Martini Italiano , sem
W, o que no Latim diz a Vulgaia absque sœ-
itre ; cu singularmente verti jsem palavra ; mo-
vido da reflexão , de que aos que taltão aos
tratados , e ajustes , chamamos nós em bom
ïortuguez , boment sem palavra. Pbreira. /
(0 Nào comprebendêrao que os que sazem , <ò-c
25'4 Epistola de S. Paulo
gnos de morte ; e não fómente os que
as fazem , mas tambem os que appro-
vao, que as facão outros.

CAPITULO II.
Os Judeos , que condemnavao os Çentios,
são culpaveis , como elles , porque os imi-
tão nas mesmas desordens. Deos ha de
retribuir a cada hum , segundo o mere
cerem as suas obras. Os que são justos
sem a Lei , salvar-se-hão sem a Lei. El
la não salvará aos que a violarem. 0
Gentio guardando a Lei , fica circum-
cidado. OJudeo não a guardando , fica
por circumeidar. A verdadeira circum-
cisão he a do coração , e do espirito.

ï (d) Ty Elo que , ó homem , quem


JL quer que es , tu que con
de-
O Texto Grego diffère aqui notavelmente do
Latino j que propuz no corpo da Versáo. Por
que diz aflim : £ tendo conbecido que , segundo
a jujliça de Deos , são dignos de morte , os qui
sai.em semelbantes cousas i elles não somente as
commettem pnr si mesmos , mas tambem approvfo
aos que as commettem. E aUim meimo lião an
tigamente dos seus Codices Latinos S. Cypria-
no , Sanro Agostinho , e o Papa Symmaco>
como testifica kstio. Phreira.
\a) Pelo que , ó bomem y &c\ Depois dc mos
aos Romanos. Cap. II. a^y
demnas aos outros , a ti mesmo te fa
zes inexcusavel : porque naquillo mes
mo em que condemnas aos outros , te
condemnas a ti ; pois fazes as mesmas
cousas que condemuas.
2 Porque nós sabemos , que o juí
zo de Deos , que he segundo a verda
de, condemna aos que commettem taes
cousas.
3 Tu pois , ó homem , que conde
mnas aos que as commettem , e que as
commettes , julgas que poderás evitar
a condemnação de Deos.
4 Acaso desprezas tu as riquezas
da sua bondade , da sua paciencia , e
da sua longanimidade? Ignoras, que a
bon-
trar aos Gentios os erros , e abominações , em
que cahírão os seus Filosofos ; e isto para os
desenganar , de que náo forão as virtudes , e
íciencia de seus Maiores , as porque Deos os
chamou 'a fé , e á graça do Evangelho : Pasta
o Apostolo a convencer os Judeos , de que por
ferem o Povo escolhido de Deos , e terem re
cebido dclle a Lei , se não deyião elles ter por
mais dignos da vocaçáo divina , do que o erão
os Gentios ; e de que nem a Lei , nem a cir-
cumcisào os justificará , nem salvará , se as obras
tóo concordarem com a Profissáo. Pbrbira.
ï$6 Epistola de S. Pauloì
bondade de Deos te convida á peni
tencia ?
$ ' E tu entretanto pela tua dureza ,e
pela impenitencia do teu coraçáb , vas
ajuntando para ti hum theíòuro de ira
para o dia da ira , e da manifestação
do justo jnizo de Deos,
6 Que ha de retribuir a cada hum
segundo as suas obras:
7 Dando a vida eterna aos que pe
la sua paciencia nas boas obras buseàb
a gloria , a honra, e a immortalidadej
8 E derramando a sua ira , e a sua
indignação sobre os que tem hum es
pirito contencioso, e que se não aquie-
tão á verdade , mas abraçáo a iniquida
de.
9 A tribulação , e a angustia será a
recompensa de todo o homem , que obra
mal : primeiramente doJudeo , e depois
do Gentio.
10 A gloria , a honra , e a paz se
rá a recompensa de todo o homem , que
obra bem: primeiramente do Judeo, e
depois do Gentio,
Por-
aos Romanos. Cap. JI. t$y
u Porque Deos não faz accepção
de pessoas.
ï x E aflìm todos os que peccárâo ,
{b) sem terem recebido a Lei , perece-
i&ô sem serem julgados pela Lei: e to
dos os que peccárão estando debaixo da
Lei , serão julgados pela Lei.
13 Porque não são os ouvintes da
Lei , os que são justos diante de Deos ;
(c) mas os que fazem o que man-
Tom.III. R da
(0 Sem terem recebido a Lei. Entende- se a Lei
escrita nas duas Taboas. A qual ainda que quan
to aos Preceitos do Decálogo estava gravada
nos corações de todos os homens , e era neste
sentido geral ^>ara todos : o Apostolo com tu
do a considera aqui na accepção , cm que os
Judeos se gloriavão , de só elles a terem re
cebido escrita ; e afora os Preceitos do Deca
ído j continha outres muitos ceremoniaes , e
judiciaes. Pjíreira.
(0 Mas os que sazem o que manda a Lei , es-
fastrioy é>-c. Aqui temos a S.Paulo affirman-
•jo j que para os homens ferem justos aos olhos
« Deos , he necessario que observem a Lei *
e que á fé ajuntem as boas obras. Que he\o
mesmo que ensinara Christo , quando disse :
C-uc. xi. 28.) Bemaventurados os que ouvem
* ptlawa de Deos , e a guardão. Logo náo
°asta a sé para a justificaçáo , c salvaçáo. Pjí
2$2 Epistola de S. Paulo
da a Lei , esses serão os que se justifi
quem.
14 Quando pois os Gentios , que
não tem a Lei , (d) fazem naturalmen
te as cousas , que são da Lei ; esses taes
não tendo a Lei , a si mesmos servem
de Lei ;
Mos-
(á) Pazem naturalmente , &c. Por entender
mal este Texto, cahio Pelagio na sua heresia :
ensinando nos Commentarios a esta Epistola de
S. Paulo , e na Carta a Demetriade , que sem
a fé , e graça de Jesu Christo , e só pelas for
ças da natureza, e livre alvedrio, cumprirão
alguns Gentios a Lei de Deos. Erro conde-
mnado no Concilio de Milevi , cujas Defini
ções confirmou a Sé Apostolica , como he no-
rorio do Codex dos Canones da Igreja de Afri
ca.
A verdadeira intelligencia pois do Texto
do Apostolo he , que nelle falia S. Paulo náo
dos Gentios infieis , mas dos Gentios fieis:
isto he , daquelles , que não tendo recebido
Lei alguma escrita , como os Judeos , e vi
vendo entre idólatras ; Deos por intuito aos
merecimentos de Jesu Christo , os allumiou
para conhecerem o Medias futuro , e lhes deo
auxilios fobrenaturaes , com que observàráo a
Lei de Deos , e se fizerão justos , e agradá
veis aos seus olhos : como antes do tempo de
Moysés o forão Melquisedec , e Job ; depois
delie os Ninivhas , e Cornelio Centurião : dos

1
aos Romanos. Cap. II.
15: Mostrando que tem nos seus co
rações escrito o que a Lei manda , pe
lo testemunho , que lhes dá a sua propria
consciencia , e pelas diversas reflexões ,
que ora os accusao , ora os defen
dem , ,
R ii No
quaes todos por isso escreveo com razáo San
to Agostinho , que ainda que no nome não fo-
rão Christãos 9 o forão todavia na realidade:
tfondum nomine , sed reipsa cbristiani. Aflim o
entendem , e ensináo com S. Joáo Chrvsostomo
neste lugar , Santo Agostinho no Livro Do Es
pirito, e da Lttra , cap. 26. S. Prospero nò Li
vro contra Cafliano , cap. 22. S. Fulgencio no
Livro Da Graça de Cbristo , cap. 2$. e 26.
Mas se estes Gentios observaráo a Lei de
Deos illustrados da fé no Redemptor, e aju
dados da graça sobrenatural ; como diz o A-
postolo j que a observaráo naturalmente ì He
orque a observárão , náo tendo quem lha en-
nafle , senáo o lume da razáo natural , quan
do os Judeos a tinhão de mais a mais eicrita
nos Livros de Moysés : ou tambem porque a
observavão espontaneamente , de boa vonta
de , de coraçáo ; e náo como os Judeos , que
estavão debaixo delia , como debaixo dè hum
["S0 j e aflim a observaváo por coacçáo , è
servilmente , só pelo medo da pena. De sorte
^ue neste Texto de S. Paulo náó se deve en
tender a natureza contraposta à Graça y mas
•onuaposta á Lei escrita. Fb&bïúa.
aóo Epistola de S. Paulo
1 6 No dia , em que Deos ha de jul
gar por Jesu Christo , segundo o Evan
gelho, que eu prego , tudo o que está
escondido nos corações dos homens.
1 7 Porém tu , que tens o nome de
Judeo , que descanças na Lei , que te
glorias dos favores de Deos:
1 8 Tu , que conheces qual he a sua
vontade, eque instruído pela Lei sabes
discernir , o que he melhor :
19 Tu , que presumes de ser o con-
ductor dos cegos , e a luz dos que es
tão em trévas:
ao De ser o Doutor dos ignoran
tes, o Mestre das crianças , como quem
na Lei tem a regra da sciencia , e da
verdade:
21 Tu pois que ensinas o outro,
não enfinas a ti mesmo : tu , que pré-
gas que se não deve furtar, furtas;
22 Tu, que dizes que senão deve
commetter adulterio, commettes adul
terio : Tu , que abominas os idolos , fa
zes sacrilégios:
23 Tu , que te glorias da Lei , des-
hon
aos Romanos. Cap. II. 261
honras a Deos pela transgressão da
Lei.
^14 Porque, como diz a Escritura-, is»»-"*,
vós sois a causa , de que o nome de Deos 5jzeq.
seja blasfemado entre os Gentios. X*VI-
2j Isto não he dizer , que a circum- 20"
cisão não he util , se tu observares a Lei.
Mas se tu quebrantas a Lei , affim cir
cuncidado como es , vens a ser como
se o não fosses.
26 Se pois hiim homem, que não
he circumcidado , guarda os mandamen
tos da Lei j não he verdade , que assim
por circumeidar , será elle considerado
como circumcidado?
27 Equeí affim aquelle, que sendo
naturalmente incircumeidado cumpre a
Lei , te ha de condemnar a ti , que ten
do recebido a letra , e a circumeisao,
es hum transgressor da Lei ?
28 Porque o verdadeiro Judeo não
he aquelle , que o he por fóra : nem a
verdadeira circumeisao he a que se vê
na carne :
29 Mas o verdadeiro Judeo he o
que
2Ô2 Epistola de S. Paulo
que o he no interior : e a verdadeira
circumcisao he a do coração no espiri
to , e não segundo a letra : e este ver
dadeiro Judeo tem o seu louvor não dos
homens, mas de Deos.

CAPITULO III.
Vantagens dosjudeos sobre os Gentios. A
elles he que Deos fez assuas promejfas.
A sua incredulidade não destruirá a fi
delidade deDeos. Todos são peccadores,
Judeos , e Gentios. A hei a ninguemjus
tifiea , mas sim a fé em Jeju Lhristo.
Ninguem logo se pôde gloriar.

ï /~\ Ual he logo a vantagem dos


\£ Judeos, e qual he a utilidade
da circumeisão?
ï A vantagem he grande em todas
as maneiras : principalmente porque a
elles confiou Deos os seus oraculos.
3 Porque em j-m , se alguns delles
não crerão, por ventura a sua incredu
lidade destruirá a fidelidade de Deos?
Não por certo.
4 Deos he veraz , e todo o homem
he
áos Romanos. Cap. III. 263
he mentiroso , segundo o que David disse
a Deos : Para que tu sejas reconhecido sain»,
por fiel nas tuas palavras , e vencedor L' 5'

nos juizos, que deti farão os homens.


'y Se a nossa injustiça porém faz bri
lhar a justiça de Deos , que diremos?
Acaso Deos (por sal lar segundo o ho
mem) he elle injusto em nos punir?
6 Certo que não : porque doutra
forte como será Deos o Juiz do Mun
do?
7 Mas se pela minha infidelidade
recebeo a justiça de Deos maior lustre
para gloria sua : porque sou eu ainda
alfim condemnado como peccador?
8 E porque não faremos nós o mal ,
a fim de que venha o bem ? (Como al
guns por nos damnar, nosaccusão que
dizemos.) Os quaes justamente serão con-
demnados.
9 Que diremos pois ? Que devemos
ser preferidos aos Gentios? De nenhum
ma forte. Porque nós já convencemos
tanto aos Judeos , como aos Gentios ,
de que todos estão debaixo do peccado ,
Çon-
Epistola de S. Paulo
io (a) Conforme está escrito: Não
'ha ninguem que seja justo.
i.i Não ha ninguem que tenha in-
telligencia , ninguem que busque a Deos.
iz Todos se desviárão do caminho
direito: todos sefizerão inuteis: não ha
quem faça o bem , não ha nem se quer
hum. !
13 A sua garganta he hum sepul
cro aberto. Elles se valerão das suas
linguas para enganar , e debaixo dos
seus labios tem hum veneno de aspides.
14 A sua boca esta' cheia de mak
dição, e de amargura.
Os

00 Segund» está escrito. Os nove versos , que.


o Apostolo aqui cica , nem no Hebreo , nem
no Grego dos Setenta se achão num mesmo
Salmo- E ainda que a maior parte delies os
traz a Vulgata Latina reduzidos ao Salmo der
cimo terceiro ; S. Jcronymo presume que isso
procedêra de elles se acharem aflim mesmo jun
tos neste lugar da Epistola aos Romanos : mas
que na verdade huns foráo tirados de hum Sal
mo j outros doutro ; e que só os primeiros tres
pertencem ao Salmo decimo terceiro. Antes de
S. Jeronymo tinha Origencs reconhecido o mes
mo : e depois delle o reconhecèrão tambem
Caífiodoro, c Beda. Pereira.
aos Romanos. Cap. III. i6ç
i$ Os seus pés são ligeiros para
derramar sangue.
j6 A sua conducta não se encami
nha ï senão a opprimir os outros , e a
fazellos desgraçados.
17 Elles não conhecem o caminho
da paz,
18 Enão tem diante de sens olhos
o temor de Deos.
19 (b) Ora nós sabemos , que to
das as palavras da Lei se dirigem a'quel*
les , que estão debaixo da Lei ; (c) a fim
de
(i) Ora nós sabemos, &c. Para 'tirar aos Ju-
deos o subterfugio de poderem dizer , que o
que o Salmista escrevera da universal corru
pçáo do genero humano, se náo devia enten
der delies , mas fomente dos Gentios : Adver
te opportunamente o Apostolo , que fendo os
Salmos huma parte táo notavel , e principal da
Lei escrita ; náo podião negar , nem duvidar
os Judeos j que delies , e com elles fallava o
Real Profeta. Perjura.
(c) A fim de que a lodos se tape a boca. A to
dos , isto he , a Judeos , e a Gentios : a cujas
duas classes de homens se reduzião então to
dos os homens. E á vista da geral corrupçáo,
que lamentara o Salmista, diz o Apostolo que
a todos fe tapou aboca, para náo attribuirem
is suas obras , e merecimentos o beneficio da
i66 Epistola de S. Paulo

diante de Deos.
20 (d) Porque nenhum homem será
jus-
justificação. Porque do que se affirma , e ve
rifica dos Judeos pelo que delies eícreveo o
Salmista , conclue o Apostolo tacitamente o que
íuccedeo aos Gentios , por aquella espece de
argumento , que os Logicos cnamão Do maior
ao menor. Porque se os Judeos tendo recebido
a Lei com tanto apparato, e solemnidade , e
conservando-a escrita em caractères sensiveis,
Îiara ella lhes servir de Pedagogo; ainda affim
è deixaráo corromper do vicio , e do pecca-
do : Que seria dos Gentios , que se náo tinháo
a Lei natural apagada
ções, tinhào-na certamente muito escurecida;
e cegos com as suas idolatrias , e paixões , dif-
ficultosamente podião reflectir nos feus dictâ
mes? Pereira.
(á) Porque nenbum bomem será justificadõ dian
te de Deos pelas obras da Lei. No Capitulo II,
verso 15. aifirmou o Apostolo , que os que sa~
%em o que manda a Lei , effes serão os que se jus
tifiquem diante de Deos. Agora no Capitulo IH.
verso 20. diz, que nenbum bomem será justificado
diante de Deos pelas obras da Lei. E mais adi
ante no verso 28- que o bomem be justificado pe
la sé , sem as obras da Lei. Como se háò. oppóe
huma doutrina á outra ? Respondo : que no
primeiro lugar falia o Apostolo das obras da
|^ei , que tem por princípio a fé , e a divina
ias Romanos. Cap. III. 267
justificado diante de Deos pelas obras
da Lei ; pois que a Lei o que deo , foi
o conhecimento do peccado.
21 Agora porém sem a Lei , nos
foi manifestada a justiça , que vem de
Deos , da qual deráo testemunho a Lei ,
e os Profetas.
2z E esta justiça , (e) que Deos dá
pe-
graça , e que são por ultimo informadas da ca
ridade. No segundo porém, e no terceiro fal
ia das obras da Lei , que os homens fazem sem
oùtro soccorro , que o que lhes dá a melma
Lei pelo seu conhecimento , e pelo das suas
promessas , e ameaças. E todo o assumpto do
Apostolo nesta Epistola, he desenganar os Ju-
deos , e com o exemplo dos Judeos os Gen
tios , de que nem aos primeiros podia a Lei
escrita per si dar as forças , e diiposições , que
erão necessarias para obrarem de forte , que se
fizeíTem justos diante de Deos ; nem aos se
gundos podia a Lei natural per si dar as mes
mas forças , e disposições , para conseguirem
o mesmo fim : mas que esta virtude só a po-
dião, e devião attribuir huns , e outros á íé ,
e graça de Jefu Christo ; faltando as quaes ,
não servia a Lei senão de mostrar a todos o
peccado , e de os fazer por este mesmo conhe
cimento prevaricadores delia. Pbréira.
(«) Que Deos dd peia sé em Jesu Cbrisio. Sem
pre que o Apostolo diz, que a justiça he pe
to fé , ou que pela fé se fazem os homens jus
2Ó8 Epistola de S. Paulo
pela fé em Jesu Christo , he para todos
aquelles , e sobre todos aquelles , que
cretn nelle: porque não ha aqui distin
ção nenhuma.
Por-
tos ; se devem entender as suas palavras neste
sentido , que pela fé no Evangelho he que Deos
chama os homens á justificaçáo : Enão no sen
tido dos Protestantes, que para obter a justi
ficaçáo basta a fé , ou que a nossa justificaçáo
he a nossa fé. Porque começando por este se
gundo ponto , em dizer S. Paulo que a justi-
;ça de Deos vem a todos pela fé em Jesu Chri
sto , claramente dá elle a entender , que não
he o mesmo adequadamente a fé , que a jus
tificaçáo , ainda que seja princípio , e parte
delia. O mesmo se confirma do que o mesmo
S. Paulo disse aos de Efeso , Act. xx. 21. que
elle publica , e particularmente pregara aos "Judeos ,
e aos Gentios a penitencia para com Deos , e a sé
em JcsuCbriflo. Onde para a conversáo, e jus
tificaçáo põe o Apostolo a penitencia , como
importando mais alguma cousa, do que a fé.
E ia antes tinha dito S. Pedro aos Judeos, Act. 11.
38. Fazei penitencia, e cada bum de vós seja ba
ptizado. E outra vez , Act. Hl. iq. Fazei peni
tencia , è convertei-vos , para que os voffos ptc-
- eados se apaguem.
Passando ao segundo , Jesu Christo no
Evangelho diz a hum Judeo , que o consulta
va sobre o que lhe era necessario para a sal
vaçáo : Se queres entrar á vida , guarda os man-
damsntQs. E quando manda aos Apostolos , que
àòs Rom an os. Cap. III. 269
23 Porque todos peccárao , (/) e
necellìtáo da gloria de Deos;
M (s) Sendo jnstificados gratuita-
men-
preguem o Evangelho a toda a creatura , e
que baptizem aos que crerem , accrescenta,
«ïatth. xxviii. 20. que os enstnem a guardar ta
ins os seus mandamentos.
Por ultime» para que melhor se entenda
a razáo
tribue principalmente a fc a nossa justisicação ,
he admiravel , e terminante a seguinte senten-
ça de Santo Agostinho no Livro Da Graça , e
Do Livre Arbitrio , cap. 14. Ideo Aftoflolus affidue
kgi prteponit fidem , quoniant quod Le* jubet sa
tire non valemus , nifi per fidem rogando impeire-
ttus , ut sacere valeamus. Quer dizer : Por isso
tão frequentemente antepõe o Apostolo a fc
á Lei, porque nós não podemos fazer o que
a Lei manda , senão quando oramos pela te ,
e orando alcançamos de Deos o podello fazer.
Pereiha.
(O E neceffuâo da gloria de Deos. Affim cm
termos a Vulgata , &. egent gloria Dei , e corn
aVulgata os de Mons, c Saci. Outros expli-
cando o Apostolo pela interpretação de Santo
Agostinho , vertem aflim : £ neceffuão de dar
gjoria a Deos , entende-se, da sua graça.' As*
iìn> Calmet. Pbrbira.
(f) Sendo justificados gratuitamente , &-c. Em
«pie sentido se diga o homem gratuitamente jus-
"ficado , declara o mesmo Apostolo , quando
08 segunda a Timorheo , 1. o. escreve affim :
270 Epistola de S. Paul o
mente por sua graça , pela redempçáo
que tem em Jesu Ghristo ;
25: Ao qual propoz Deos para fer
vi-
Deos nos livrou , e ebamou por sua santa voca-
çâo , não segundo as noffas obras , mas segundo 0
seu decreto , e grasM , que nos soi dada em Jesu
Cbristo antes da creaçâo do Mundo. E na Episto
la a Tito, III. ç. Elle nos salvou , não pelas obras
de justiça , que nós fize(semos , mas segundo asua
tnisericordia. Diz-ie pois gratuits a justiíìcaçáo
do homem , em quanto como eníina o Conci-
lio Tridentino na Sessão vi. cap. 8. nada da-
quel las cousas , que precedem a justiíìcaçáo ,
quer seja a fé , quer sejão as obras , merece
esta graça da justiíìcação : visto que segundo
o mesmo Apostolo diz noutra parte, seliuma
cousa he graça, já não he pelas obras ; dou-
tra sorte a graça jà não será graça. Gratis au-
tem justificari ideo dicimur , quia nibil eorum ,
quiè justistcationem precedunt , ftve Jtdes , fwt
opera , ipsam jujlìficationis gratiam promeretur:
Si enim gratia est , jam non ex operibus : alioquin
ut idem Apostolus inquit , gratia jam non est gra
tia.
v.-.-Jï Como o Ccncilio no cap. 6. desta mcs-
ma Sessão vi. tinha já requerido nos adultos,
como disposiçóes necelTarias para a justificação ,
certos actos fobrenaturaes do homem , a fa-
ber , a té , a esperança , o amor de Deos ini-
cial , a dor, o proposito , ovoto doSacramen-
to : E estes actos ao penitente não podem fer
disposições para a justificação , fetn dalguma
aòs Romanos. Cap. III. 271
victima de propiciaçáo , pela fé no feu
sangue , para dar a conhecer a justiça ,
que elle mesmo dá ,
Per-

sorte a merecerem : Sentem graves Theologos,


entrelles Estio ao presente lugar , Morino na
sua Obra Da Penitencia , e Opstraet na Instf-
tuição Sobre o Merecimento ; que a entender pe
las obras , que o Concilio no Capitulo Oita-
vo exclue de poderem merecer ajustificação ,
as obras feitas com o auxilio da graça, quaes
são as diipoíìções pedidas no Capitulé Sexto;
le devem entender as suas palavras fomente
do merecimento , que cbamão de condigno. Por-
que se le fallar do merecimento , que chamão
de congruo , he muito conforme ás Efcriturasj
e á Tradição dos Padres , que os referidos actos
dopcniteme merecem de congruo ajustificação;
em quanto he muito decente á mifericordia
oivina , que Deos receba na sua graça ao que
sinceramente se arrepende. Ouça-fe por todos
Estio : Et de bujusmodi operibus , sicut &• de fi-
de invocante , ex qua procedunt ea opera , sate-
mur boc vert dici ... quatenus scilicet boc prò-
ferendi vocabuh meritum condignum significetur.
Nam quod eam ex congruo mereantur , Sacris Lit-
teris , e*>. Saníiorum Patrum attestationibus njalde
concentaneum est.
Disse ain ma , a entender pelas obras exclui-
das do merecimento , as obras seitas com o auxi
lio da graça : porque le por ellas se entende-
rem as obras teitas sem o auxilio da graça ,
272 Epistola de S. Pau^lo
26 Perdoando os peccados passa-
dos , que elle tinha soffrido com tanta
paciencia : para dar a conhecer , digo,
neste tempo a justiça , que vem delle:
mostrando fer ellc justo, e ser elle o que
justifica ao que tem a fé em Jesu Chri-
sto.
27 Onde está logo o motivo de te
gloriares ? Todo elle foi excluído. E
porque Lei ? Pela das obras ? Não y mas
pela Lei da fé.
28 Devemos logo reconhecer, ih)
que

isto he, as obras puramente naturaes ; fie , e


deve ser constante entre todos os Catholicos,
que estas nem de condigno , nem de côngruo,
nem de modo algum merecem a justificaçáo,
segundo a Igreja definio contra os Pelagianos.
Pereira.
CO Que o bomem be justificado- pela sé , sem m
obras da Lei. Quando S.Paulo diz, que ajus-
tifícaçáo do homem he pela fé , he porque»
como adverte o Concilio de Trento na Sessáo
vi. cap. 8. a fé he o princípio da salvaçáo , a
fundamento, e raiz de toda a justificação : ptt
fidem ideo justifican dicimur , quia fides est ini-
tium salutii , sundamentam , ó* radia omnis jitsï
ficationis. Quando diz , que não pelas obras da
Lei , mas pela fé , he que o homem, se justi
áõs Romanos. Cap. III. 273
que o homem he justificado pela fé , sem
as obras da Lei.
29 Por ventura Deos só o he dos
Judeos ? Não o he elle tambem dos Gen
tios ? Sim por certo , elle o he tambem
dos Gentios.
Tom. III. S Por-
fica , he porque , como ensinão os Padres , náo)
sáo as obras , que precedem a fé , mas he a
mesma fé , a que da princípio ao merecimen
to; istohe, a que nos dispõe , e habilita pa
ra alcançarmos de Deos todas as outras gra
ças. Santo Agostinho no Livro I. Das Rctra-
ilações , cap. 2$. Non opera Ssed Jides incboat me-
riium. E o outro Author da célebre Obra Da
Vocação dos Gentios , ( que huns attribuerft a
S. Prospero , outros a S. Leáo , outros a S. Ful
gencio) diz affim no Livro I. cap. 24. Abunde
demonstratum est , Jide m nullis pnecedentibvs meri-
tis tribwi , sed ad boc donari , ut principiam pos-
fit tffe meritorum , ut cum ipsa data suerit non
petita , ifsius jam petitionibui bona cetera conse-
quamur.
Segundo porém esta doutrina dos Padres ,
as obras da Lei , que S. Paulo exclue da jus
tificaçáo , sáo as obras S que precedem . a fé';
as obras j que nascem das forças nacuraes j aa
obras da justiça propria , como o mesmo A-
postolo lhe chama, quando escreve aos Fiíip-
penses , m. p. Para ser acbado nelle ,- não sendo
justo por buma justiça, que me seja propria -, eque
**« da Lei j mas fieraquella , que nasce da fé
374 Epistola de S. Paulo
30 Porque elle não ha senão hum
Dcos , que justifica pela fé os circum-
cidados , e que tambem pela fé justifica
os incircumcidados.
31 Logo destruimos nós a Lei pe
la fé? De nenhuma forte : (/) antes pelo
contrario a estabelecemos. CA-
em Jesu Cbriflo , por aquella justiça , que vem it
Beos pela sé. ;
Daqui se deve concluir , que as obras,
que o Apostolo contrapõe á fé , sáo as obras
feitas sem a graça do Novo Testamento , isto
he, sera a graça de Jesu Christo : a qual gra
ça porque principia pela fé, e porque pela fé
ie concebe a esperança, e a caridade; poriifo
á fé principalmente attribue S. Paulo na Epis
tola aos Hebreos todas as grandes acções , que
obrárão os antigos Santos Patriarcas ; « á.fé
principalmente attribue elle aqui na Epistola
aos Romanos a justificaçáo , e a salvaçáo. Por
que , como escreve S. Prospero na Resposta aos
Êxeerptos dos Getwve7.es , o que se confere pe
la graça , só he a fé a que o recebe : Quoi
consertur per gratiam , non accipit nisi fies. H
isto mesmo he o que duzentos annos antes ex
primira S. Cypriano numa das suas Cartas por
esta bella sentença: Que tantas são as graças
que Deos dá aos seus Fieis , quantas sáo as
que elles ciem que recebem : Dans creientibus
tantum , quantum credit capere qui sumit. Ph-
reira.
(í) Antes pelo contrario a estabelecemos. Por
- aos Romanos. 27 j

C APITUL O IV.
Abrahão justificado pela fé , ainda antes
de circumcidado. A sua circumcisão foi
hum final da sua fé. As promejsas forao
feitas a Abraháo não peta hei , mas pe
la fé. Ajustiça da fé vem da graça. À
fé fez a Abrahão pai de todos. Elie creo
contra o que fe lhe representava que de
via esperar. A sua fé lhe foi imputada
ajustiça. Élla o será tambem aos que o
imitarem.

1 í~\ Ue vantagem logo diremos


nós j (a) que teve segun
do a carne nosso pai Abra
hão? * '. / , '.
S ii Cer- .
que a fé hc a que impetra a graça- y com qúe
íc observa o que a Lei manda : Quod lex sa-
ciorum minando imperai , boc lexjtdei crtdendp im-
pnat , diz Santo Agostinho no Livxo Bo Es-.
tirito , e da Letra , cap. ij. Pereira.
00 Q?e segundo a carne noffo pai Abra-
? Este parece ser o sentido obvio do Ori
ginal Grego , e da Versáo Syriaca , que de
pois de Santo Thomaz , e Caetano seguiráo
has suas Versões Saci , os de JMons , Calmet %
e Martini. Outros querem , que no Grego ha-*
ja hyperbato , ou transposiçáo de palavras , as
pães elles construem deste modo :sg«* tev*
276 EpiSTOtA DE S. PAULO
1 Certamente se elle foi justificado
pelas obras, tem elle de que se gloriar,
mas não diante de Deos.
3 E com tudo que he o que diz a
Gêner. Escritura ? Ábrahão creo o que Deos Ihe
xv' '- disse , e a sua fé foi-lhe imputada a justiça.
4 Ora a recompensa y que se dá a
qualquer pelas suas obras , não fe lhe
imputa como huma graça , mas sim co
mo huma divida.
? E ao contrario, quando hum ho
mem sem fazer obras , crê naquelle, que
justifica o ímpio , he-lhe a fé imputada
a justiça , {b) segundo o decreto da gra
ça de Deos.
6 (c) Aífim he que David declara
bem-
Âbrabão noffo pai segundo a carne ? Assim Ame-
lote seguindo a Estio. E este parece ser o sen
tido que o Author da Vulgata quiz exprimir.
Pereira.
(í) Segundo o decreto da graça de Deos. Esta
çlauíula não se acha no Grego , nem no Sy-
riaco. Mas ella he antiquiflima nos Codices
Latinos , como se prova dos Commentarios de
Hilario Diacono do quarto seculo , e dos de
Pelagio do quinto. Pereira.
(c) Assim be que David declara betnawiturdo
mquslle y <&c. Daqui tiráo os Protestantes , co«
ãos Romanos. Cap. IV. 2.77.
bematenturado aquelle , a quem Deos
imputa a justiça sem obras :
7 Bemaventurados aquelles , a quem
as ,
fistir toda a justificaçáo do impio em Deos lhe
imputar a justiça de Jefu Christo , e em náo
lhe imputar a injustiça propria : de sorte , que
nosvstema destes Hereges a justificaçáo do ho
mem peccador toda he externa , e interpreta
tiva , sem obrar , nem mudar nada no interior
da alma , e deixando o homem táo máo , e
táo impio,: como era dantes.
Este erro , que he hum dos capitães dos
Protestantes , desvanece-se facilmente do mes
mo Apostolo. Porque pelo Capitulo III. ver
so 20. a justificaçáo , de que talla S. Paulo ,
he huma justificaçáo , com que o homem fica
justo diante de Deos : e o que he justo diante
ii Deos , he realmente justo.
Pelo verso 16. do mesmo Capitulo III.
perdoando os peceados , mostra Deos ser justo , e
ser elle o que justifica ao que tem a sé. E náo
mostraria Deos na remissáo dos peccados ler
elle justo , e ser justificador , se náo commu-
nicafle interiormente ao homem a lua justiça,
mas só lha imputasse de fóra.
Pelo Capitulo V. verso 5. quando Deos
nos justifica , be o amor de Deos derramado nos-
nofjos corações , e bc-nos dado o Espirito Santo. E
isto náo pôde estar com o aftècto aopeccado,
e muito menos com o mesmo peccado. Logo
na justificaçáo ficáo náo só náo imputados , mas,
ficáo de todo apagados o» noflos peccados.,
zjS Epistola de S. Paul o
as suas iniquidades forão perdoadas, e
cujos peccados forão cubertos.
8 Bemaventurado aquelle, aquem
o Senhor nao imputou o peccado.
Ora
Pcloverso8. ep. do mesmo CapituloV.
contrapõe o Apostolo o estado de peccadores
ao estado de justificados ; suppondo claramen-
te , que os que são justificados, deixão de fer
peccadores , e passão de injustos a fer justos.
Ultimamente pelo CapituloIV. verso 25.
e 24. a justiça de Àbrahão he o exemplar da
nossa justiça. Ora elle he evidente que a jus
tiça de Abrahão foi huma justiça , que o fa-
zia fer verdadeiramente justo , e agradavel a
Deos : porque foi huma justiça , como a que
a Efcritura louva em Noé , Gen. vi. p. e co
mo o Evangelho louva em Zacarias , e Ifa-
bel , pais do Baptista , Luc. 1.6. Dos quaes nin-
guem dirá que eráo justos diçinte de Deos > e que
andavao com Deos , (como delies diz a Efcritu
ra) sendo só justos por huma imputaçáo ex-
trinfeca , e injustos no fundo dos feus cora-
ções.
Gonsirma-fe tudo 0 fobredito, do que 0
roesmo Apostolo esereve na Primeira aos Co-
rinthios1, Capitulo VI. onde depois de referir
as diversas classes de peccadores , que feráo ex-
cluidos do Reino do Ceo , como os fornica-
rios , os adultères , os idolatras , os ladrões,
os avarentos , os que commettem rapinas : Pro-
scgue no verso it. dizendo : Taes forâo al
pins de fós ; mas em nome de nojfo Senbor Jesu
Aos Romanos. Cap. IV. 27s
9 Ora esta bemaventurança he s<5
para os circamcidados , ou he tambem
para os incircumcidados ? Nós acaba-
. mos
Cbristo sostes delias lavados , sostes santificados ,
sostes justificados. Que mais clararn,eure podia
dizer S. Paulo, que pela justificação fica o ho
mem toralmente mudado, e totalmente eutro,
do que era ?
O chamar David no Salmo xxxi. alle-
gado pelo Apostolo , (este he o Aquilles de
Calvino no Antídoto do Concilio de Trento)
bemavenmrado aquelle , a quem o Senbor não
imputou os peccados , e cujos peccàdos sorão cuber'
tos; He hum modo de fallar metaforico , on
de o cubrir he hum synonymo do que as Es
crituras noutros lugares chamão apagar , e ti
rar. (Salm. l. 2. n. Reg. xn. 15.) Segundo o
qual sentido querendo S. Pedro dizer , que a
caridade extingue todos os peccados , diz que
a caridade cobre a multidão dos peccados. (1. Pet.
IV. 8.)
De tudo o sobredito se conhece , que com
muita razáo anathematizou o Concilio Triden-
tino como heretica na Sessáo vi. Can. 11. 3
sobredita doutrina dos Protestantes: e isto em
consequencia do que o mesmo Concilio tinha
definido no Decreto do Capitulo VII. Que a jus
tificação do ímpio não consistia só na remissão dos
peccados , mas importaria tambem a santificação ,
e renovação do bomem interior , pela voluntaria
recepção da graça santificante , e inberente,

1
ï8o Epistola de S. Paulo
mos de dizer, que a fé deAbrahão lhe
foi imputada a justiça.
10 (d) Em que estado porém lhe
foi ella imputada ? No de circumeida-
do , ou no de incircumeidado ? Não foí
no estado.de circumeidado , mas no de
incircumeidado.
11 E elle recebeo o final da circum-
cisão , (»-) como sello da justiça , que
el-
(<í) Em que estado porém , &c. Tambem aqui
nos pareceo mais claro o Texto Grego , ao qual
porilTo seguimos a exemplo dos de Mons, de
Amclote , de Saci , de Calmet , de MetTcn-
gui : o que tambem primeiro que todos pre
ferira Estio. Porque onde a Vulgata Latina diz:
Quo modo ergo reputata, est \ in circumcistone , un
in preputio ? tem o Grego á letra : Reputata tf
in circumeistone existente , an in preputio, ì Pb-
REIRA.
(?) Como sello ia justiça , 4>c Para duas cou
sas ferve o sello : ou para conservar fechado,
e escondido o que se mune com elle; ou pa
ra ficar rato , e firme. Num , e noutro sentia
do se pôde dizer, que o sinal da circumeisáo
fora em Abrahão hum como sello da sua, jus
tiça : ou porque na circumeisão se occultou
a justiça da fé , para ser depois revelada no
tempo do Evangelho , como entende Orige-
nes : ou (o que he mais provavel , e çonior-
pie com a mente do Apostolo) porque pela
aos Romanos. Cap. IV. a8i
tlle tivera pela fé , estando ainda por
circumcidar ; para ses pai de todos os
que crem fendo incircumcidados , a fim
de que a sua fé lhes seja tambem im
putada a justiça ; . ...
12 E pai dos que são circumcida-
dos , que não fómente reccbêrão a cir-
cumcisão , mas tambem seguem as pi-
zadas da fé , que nosso pai Abrahão te
ve , quando ainda não era circumcida-
do.
13 Affimque, não he pela Lei , que
foi feita a Abrahão , ou á sua posteri
dade , a promessa de ter o Mundo por
herança , mas fim pela justiça da fé.
14 Porque se os que pertencem á
Lei , são os herdeiros j (/) fica fendo
in-
crrcumcislo ficou declarada , ratificada , e con
firmada a justiça antecedente de Abraháo, co
mo explica S. João Chrysostomo com o com-
mum de Gregos, e Latinos. Estio.
(/) Fica sendo inutil asé S ejem effeito apra-
mt(sa. O argumento do Apostolo he : Que se
os Hebreos descendentes de Abraháo insistem ,
em que a justiça y e; a herança lhes vem das
obras da Lei ; íegue-se o absurdo, que de na
da servio a fé a Abraháo , porque se suppóe
que náo foi contemplada neste negocio ; e que
28z Epístola de S. Paulo
inutil a fé , e sem effeito a promes
sa.
1$ {g) Porque a Lei , o que produz ,

a prometia ficou sem effeito , pois este se at
tribue às obras da Lei , e não á promessa de
Deos : quando pelo contrario he expresso no
Genefis , que pela fé , com que creo no que
Deos lhe disse , he que Abrahio alcançou a
justiça, e mereceo a promeiïa de ter por he
rança o Mundo. Elie mesmo argumento Te-
pete o Apostolo escrevendo aos Gaiatas , m.
i8- Estio.
Cs) Porque a Lei o que produz, be ira. Prova
o Apostolo o seu assumpto pelo esteito da Lei ,
Î|ue he obrar ira contra o transgressor. Como
e dissera S. Paulo : Tanto não he a Lei a
que dá a herança, que antes o que se alcan
ça pela Lei , he a ira, isto he , a pena, ou
o castigo. E a razáo aponta-a elle immediata-
mente : porque se náo houvesse Lei, não ha
veria transgressáo delia. Não porque a Lei di
rectamente produza a ira ; mas porque servin
do de occasião a que ella se quebrante , pro
duz indirectamente o castigo do transgressor.
Ora de tres modos dá a Lei occasião a que os
homens a quebrantem , e a que a transgressáo
lhes traga o castigo. Primo : porque mais gra
vemente pecca o que pecca conhecendo a Lei ,
do que o que pecca ignorando-a. Secundo: por
que por occasião da Lei cresce em nós o de-
lejo de a violar: pois fomos táo inclinados ao
ma.1 , que mais nos deleita o que he prohibi'
aos Romanos. Cap. IV. 283
lie ira : pois que onde não ha Lei , não
lia transgressão da Lei.
16 Por tanto , pela fé he que são
os herdeiros ; a fim de que elles o se-
jao por graça, e a promessa fique firme
para todos os descendentes de Abra-
hao ; não só para os que receberão a
Lei , mas tambem para os que seguem
a fé deAbrahão, (h) que he pai de nós
todos ,
17 (Segundo o que está escrito:
Eu

do , do que o que o não he , segundo o dito


do Poeta : Nitimur in letitum semper , cupimus-
que negatum. Tertiò : porque de observarmos al
guns preceitos da Lei , toma a nossa vaidade
motivos para confiarmos S e presumirmos de-
maziadamente das nossas boas obras , e para
concebermos delias huma satisfaçáo, e jactan
cia , como a do Fariseo , que dizia : Graças te
dou , Senbor, porque não sou como os mais bomens.
Quando porém se attribuem á Lei estes eflèi-
tos , he considerada a Lei separada da fé , e
da graça > como aqui a considera o Apostolo.
Estio.
(i) Que be pai de nós todos. Pai de todos os
crentes pela imitaçáo , e seguimento da sua
fé. !Qye neste sentido tambem no Sacrifício da
JVIissa chama o Sacerdote pai nosso a Abrahão.
284 Epistola de S. Paulo
Gènes. ( / ) Eu te constitni pai de muitas Na-
""-''çóes) (/) a exemplo deDeos, a quera
creo , o qual resuscita os mortos , e cha
rria as cousas , que náo sáo , como as
que sáo.
18 Porque esperando contra toda
a esperança , creo Abraháo que viria a
fer pai de muitas Naçoes , conforme lhe
GcneC fora predito: Affim fera a tua descen-
**• s- dencia.
19 Elle nao fraqueou na fé , nem
coníiderou que achando-fe cm idade de
cem annos , estava feu corpo como mor-
to , e estava extinta no de Sara a vir-
tude de conceber.
Náo
(s) Eu te constitui pai de muitat Naqoes. No
sentido literai , e historico foi Abrahão pai de
militas Nações por Ismaël, por Isaac, e pe-
los outros rìlhos , que teve de Cetlvura. Mas
no sentido moral , e profetico havia Abrabáo
de vir a fer pai de muitas Nações , pela con-
versáo do Gentililmo á fé de Jesu Chrísto.
Calmbt.
Q). A exemplo de Deos. Tambem aqui prese-
rimos o sentido do Original Grego ao da VuU
gâta Latina , seguindo a Amelote , e a Mar
tini. Porque onde o Latim diz , ante Deum)
tem 0 Grego ad ftmilitudinem Dei. Pbreira.
Àî>s Romanos. Cap. IV. 285-
2ò Não hesitou , nem teve a mais
leve desconfiança da promessa de Deos ;
mas foi fortificado pela fé , dando glo
ria a Deos :
a r- Como quem estava plenamente
capacitado , que Deos tinha poder pa
ra fazer tudo o que prometteo.
2 2 N Por isso a sua fé lhe foi impu
tada a justiça.
23 Ora não he só por elle que es
tá escrito, que a sua fé lhe foi imputa
da a justiça :
24 Más tambem por nòs , aos quaes
ella será igualmente imputada , se crer
mos naquelle , que resurgio dos mor
tos , Jesu Christo nosso Senhor ;
25' Que foi entregue á morte pe
los nossos peccados , eque resurgio por
amor da nossa justificação.

C A P I T ULO V.
4 justiça adquirida pela fé tios faz espe
rar a gloria defilhos de Deos. Jesu Chri
sto, que morreo pelos impios , fahar-nos-
ba , Jendo justos. Todos são mortos em
Adão ,.
i86 Epistola dë S. Paulo
Adão , e todos vivirdS por Jesu Chrislo,
Asua graça he mais abunda nde , do que
o peccado.

i (a) T' Ustificados pois pela fé , te-


J mos paz com Deos por meio
de nosso Senhor Jesu Ghristo j
O
(«) Jufiificadòspois peia sé. Osque aqui cha
ma o Apostolo jujlijicados pela sé , chama elle
escrevendo aos Efesios , 11. 8- salvos pela ff.. E
logo no verso 2. accrescenta , que pelasé nos dá
Deos acceffo d graça. De tudo abusáo os Pro
testantes, para estabelecerem sobre huma pes
sima intelligencia do Apostolo outro erro tam
bem capital , que consiste em reduzir toda a
obra da justiíìcação á fé. E a que fé ï A' fé ,
com que o homem crê, e se persuade firme
mente , que os seus peccados lhe sáo perdoa
dos.
Deste erro foi o primeiro Author Luthe-
ro , como consta da Prefação , que anda no
princípio das suas Obras , impressas em Jena ,
anno 1564. e das suas Actas com o Cardeal
Caetano , por onde ellas começão. Seguio-o
seu fiel amigo Melancthon nos Lugares Theo-
logicos , no Titulo De Vocabulo Fidei. Depois
delies abraçou o mesmo Calvino , tanto nas
suas Instituições , Livro I. cap. 2. n, 7. e n. 16.
como no Antídoto contra o Concilio Tridenti-
noj impresso no mesmo amio,' errì que foi ti
da a sexta Sessáo, que foi o de 1547'
aos Romanos. Cap. V. 287
a O qual nos deo tambem accesso
pela fé áquella graça , na qual perma
ne

ce grande Arnault , que no seu admira


vel Tratado, Le Renversement de la Morale de
"J. C. par les erreurs .des Calvinistes , impugnou
sem deixar lugar a réplicas todo o perverso
systema dos Calvinistas na materia da justifi
caçáo ; mostra ineluctavelmcnte no Livro IX.
cap. 5. que o presente Artigo , que os Calvi
nistas chamão da sé justific ante , ou da sé da mi
sericordia especial, além de ser manifestamente
opposto aos Princípios de S. Paulo , he de mais
a mais repugnante , e contradistorio nos seus
termos. Porque se os peccados são perdoados
ao homem , porque o homem crê que ell?s
lhe são perdoados ; temos que a mesma fé jus
tificante (como elles lhechamão) he anterior,
e posterior á remissáo dos peccados: anterior,
em quanto he causa delia ; posterior , porque
a presuppõe.
Com© he facil haver á mão o Tratado
de Arnault , eu só acerescento , que os nossos
Theologos seguindo a exposiçáo , que ás pa
lavras de S. Paulo dera o Concilio de Trento
na Sessáo vi. cap. 8. dizendo ser esta mesma
a íntelligencia , em que sempre estivera a Igre
ja Catholica , respondem : que com razão at
tribue o Apostolo principalmente á fé , o ne
gocio da justificaçáo , e da salvaçáo : porque
ainda que a fé he só huma parte da nossa jus
tificaçáo , he com tudo o princípio > e funda
mento delia } e he a porta , por onde entra
288 Epistola de S. Paulo
necemos firmes, e nos gloriamos na es
perança da gloria de filhos de Deos.
3 E não fomente nesta esperança,
mas tambem nas tribulações j ( b ) sa-
' ben-
mos á graça : em quanto pela fé conhecemos
a gravidade do peccado , a pena eterna , que
elle merece, anolTa imporencia para sahirraos
deste estado , a neceflidade do soccorro divino
para este effeito ; pela fé imploramos este soc
corro ; pela fé concebemos a esperança na mi
sericordia de Deos ; pela fé detestamos os pee-
cados , como offensas d'humDeos infinitamen
te bom ; pela fé em fim nos dispomos a que
elle nos reconcilie comsigo. Segundo esta Theo»
logia de S. Paulo , eícreve Santo Agostinbo
no Livro Da Natureza , e da Graça , cap. 44-
Que a mesma fé , que nos salva a nós , sal
vou aos antigos; isto he, a fé do Mediador,
a fé do seu langue , a fé da sua Cruz , a fé
da sua Morte, e Resurreição : Ea çuippe fiifí
justos salvanit antiquos , que salvat <Ò~ nos; ii
ejt , fides Mediatoris Dei , £>• bominum bominis Jt~
suCbriJii , fides sanguinis 'ejus , fides Crucis ejus,
fides Mortis', &- Refttrreflionis ejus. E no Livro
Da Verdadeira Justiça do Homem, cap. ip. pro
fere Santo Agostinho esta admiravel Scntençai
que a fé he o principio de emendar o coraçáo :
Initium corrigendi cor fides est. Pekeira.
(£) Sabendo que a tribulação produz paciencia,
&c. Porque na tribuiação tem a paciencia o
seu exercício : neste exercício da paciencia ex
perimenta a alma a protecção , « ajuda de Deos:
aos Romanos. Cap. V. 2X9
bendo que a tribulação produz pacien
cia ; '
4 A paciencia experiencia, a expe
riencia esperança.
y Ora esta esperança não nos he
falsa: pois que o amor deDeos se der
ramou nos nossos corações pelo Espiri
to Santo, que nos foi dado.
6 Doutra forte porque razão , quan
do nós estivamos ainda enfermos , mor-
reo Jefu Christo pelos impios no tem
po destinado ?
7 (c) Porque por hum homem juf>
Tom. III. T to,
com esta protecçáo , e ajuda deDeos, se alen
ta a alma a esperai delle o premio de seus tra
balhos. Pereira.
(c) Porque por bum bomem juflo , <&c. Mostra
o Apostolo a fineza da Redempção dos homens
por Jefu Christo, observando, que quando dif
icultosamente le acha no Mundo quem dê a
vida por hum homem bom, isto he , por hum
homem benefico ; e quando ainda he mais ra
ro achar-se quem dê a vida por hum homem
justo : Foi com tudo táo intenso , táo extre
moso o amorde Deos para com os homens;
que fendo estes máos , fendo ingratos , lendo
peccadores ; quiz clle morrer pelos homens, e
livrallos com a sua morte da condemnação eter*
na. Pbheika.
2po Epistola de S. Pàulo
to , escassamente morre alguem : ainda
que por hum bom talvez se acha, quem
tenha o valor de morrer.
8 O que faz porém mais recom-
mendavel o amor de Deos para cora-
nosco, he, que sendo nós ainda pecca-
dores , morreo Jesu Christo por nós o
tempo decretado.
9 Com muito maior razão logo,
estando nós agora justificados pelo seu
sangue , seremos por elle livres da ira.
10 Porque se quando nós eramos
inimigos de Deos, fomos reconciliados
com elle pela morte de seu Filho; com
muito maior razão estando nós recon
ciliados , seremos salvos pela sua vida.
11 E não sómente fomos reconci
liados: mas tambem nos gloriamos em
Deos por nosso Senhor Jesu Christo,
por quem agora recebemos esta recon
ciliação.
12 Porque como por hum homem
entrou o peccado neste Mundo,
pe-
E pelopeccado amorte. Daqui consta com
certeza de fé divina , como deiinio contra os
aos Romanos. Cap. V. 2$t
pelopeccado a morte j aslìm paflbu tam
bem a morte a todos os homens por
hum homem, (e) no qual todos peccá-
rão.
13 Porque ainda antes do tempo
da Lei havia no Mundo o peccado ; mas
como não havia Lei , (/) não era im
putado o peccado.
T ii En-
Pelagianos o Concilio segundo de Milevi,
Can. 1. que se Adáo não peecára , não haveria
morte nem para elle , nem para seus descen
dentes. Pereira.
(e) No qual todos peccárâo. Aqui temos reve
lado o grande Dogma do peccado original ; isto
he, do peccado de Adáo , transfundido por to
dos seus filhos ; que por isso todos nascemos
peccadores , inimigos de Deos, filhos da ira.,
e réos da condemnação eterna. Aslim o deri-
nio deste Texto o mesmo Concilio Milevitar
no, Can. 11. declarando juntamente, que este
era o sentido , em que sempre , e em toda a
parte o entendeo a Igreja Cathoíica : Quemadr
moium Ecclesta Catboíica ubique diffusa semper in-
tellcxit. E pelas mesmas palavras o tornou a
definir o Concilio de Trento, Sessáo v. Can. iv.
declarando todavia , que não era da sua ten
çáo comprehender neste Decreto a Santiflimã
Virgem Mái de Deos. Pereira.
(/) Não era imputado o peccado. A Lei , de
que falia o Apostolo, he a Lei escrita ^ a Lei
2$i Epistola de S. Paulo
14 Entretanto reinou a morte desde
Adão até Moysés , ainda sobre aquel-
les » (s) 4ue na° peccárão por huma
trans-
de Moysés. O dizer pois, que havia no Mun
do o peccado , mas que este se náo imputa
va , porque não havia ainda Lei : Deve-se en
tender no sentido, em que elle dissera no Ca
pitulo IV. verso 15. Que onde não ba Lei , nit
ba transgressão da Lei. Não se imputava pois
o peccado, como transgressáo da Lei escrita;
ainda que elle certamente fe imputava , como
transgressáo da Lei natural , que logo existio
com o primeiro homem. Pereira.
Cl) Ò.ue peccárão por buma transgressão fi'
meliante á de Adão. S. Jeronymo , e Santo A-
gostinho o entendem dos meninos , que nas
cendo peccadores , não peccáráo por vontade
propria, (pois antes do uso da razáo anáo ti-
nháo) mas pela de Adáo seu pai , com quem
moralmente forão huma mesma pesioa. (2""""
do omnes, Me unus bomo suerunt , diz o mesmo
Santo Agostinho na Obra Dos Merecimentos , 1
Remissão dos Peccados. Outros com tudo põem
esta differença , que aqui considera S. Paulo,
em que peccando Adáo contra huma Lei ex
pressa , e vocal de Deos , os homens antes da
Lei de Moysés peccáráo contra huma Lei, que
não era expressa , nem sensivel , qual era a
Lei natural, que só fallava interiormente pe
la razáo , e pela consciencia. Este entendimen
to he o dos Expositores Gregos , que Estio diz
ser o mais natural , e que Santo Agostinho
tambem approvára. Píbeira,
A Os Romanos. Cap. V. 293
transgressão semelhante á de Adão, (b)
o quat-eta figura do que havia de vir.
15- Mas não he affim a graça, co
mo foi o peccado. Porque se pelo pec-
cado de hum morrerão muitos ; a mi
sericordia , e o dom de Deos se diffun-
dio muito mais abundantemente por
muitos , pela graça de hum homem,
que he Jesu Christo.
16 E não he affim o dom , como
foi o peccado, que veio por hum. Por
que a sentença , que nos condemnou no
juizo de Deos, fundou-se num só pcc-
ca-

( b ) Que era figura do que bavia de uir. Isto


he , figura do Meflias futuro , ou figura de
Jesu Christo, aquem por isso o mesmo Apos
tolo noutro lugar chama o segundo Adão. A fi
gura porém consiste particularmente , segundo
o sentido do Apostolo , em que Adão he a ca
beça natural de todos os homens peccadores ,
bem como Jesu Christo he a Cabeça espiritual
de todos os Fieis : e em que Adão na quali
dade de peccador communicou o seu peccado
a todos seus descendentes por meio da geraçáo
carnal ; bem como Jesu Christo soberanamen
te justo communica a sua gr;iça, c a sua jus
tiça a todos os Fieis pela regeneraçáo do Ba-»
púsmo. Saci.
494 Epistola de S.Paulo
cado ; e a graça , que nos justifica , he
depois de muitos peccados.
17 Porque se pelo peccado de hum
reinou a morte por hum ; por muito
mais forte razão os que recebem a a-
bundancia da graça , e do dom , e da
justiça, hão de reinar na vida por hum,
que he Jesu Christo.
1 8 Logo como pelo peccado de hum
incorrerão todos os homens na conde-
mnação ; aíïïm pela justiça de hum re
cebem todos os homens a justificação da
vida.
19 E como pela desobediencia dc
hum homem forao muitos , os que se
tornárão peccadores ; aífim pela obedi
encia de hum serão muitos , os que se
tornem justos.
20 Ora a Lei com a sua entrada
(i) deo lugar a augmentar-se muito o
pec-
(i) Deo lugar a augmtntar-se muito o peccado.
Não porque a Lei faça o peccado , 011 o in
tente ; mas porque por huma parte onde nfo
\ia Lei, não ba transgressão da Lei -, como aífi-
ma ouvimos ao Apostolo : e por outra parte
onde falta a graça, dá a Lei occaíìáo a mui
aos Romancs. Gap. V. 295-
peccado. Mas onde abundou o pecca
do, íuperabundou a graça:
21 Para que affim como o peccado
rcinou para a morte , reine tambem a
graça pela justiça para a vida eterna , por
neio de Jesu Ghristo noílb Senhor.

CA-
tos peccados , em quanto com a sua mesma
proiibição accende a noíTa concupiscencia. Ubi
non est gratta liberatoris , auget peccandi destde-
riurt. probibitio peccatorum , diz Santo Agostinho
no Livro Bas Oitenta t Tres Qttestoes , Questão
LXVí. n. 1. E na Expofição do Salmo lxxxiii.
discorre aflîm o mesmo Santo Domor ; A Leì
soi dada ao bomem , para concerter o bomera , e
tara o sazer conseffar , que elle estava enserme ,
entâo mesmo quando o bomem cria que estava sao:
Foi-lbe dada para Ibe sazer ner o seu peccado , e
nw para o curar. E que produzio nelle o conbe-
ctmento do seu peccado ? Augmentou-se mais o sec*
cado , cobrou 0 peccado novas sorças ; de sorte ,
lue quando antes era o bomem peccador , depôts tor-
fpu-se 0 bomem prevuricador. No Capitulo VII.
je aclararà ainda muito mais esta domiina pe-
las mesmas palavias do Apostolo. Pbueira.
iy6 Epistola de S. Paulo

CAPITULO VI.
Forser a graça mais abundante que o pe
cado , nao devemos por isto peccar pff
augmentar a graça. O baptismo nos fas
morrer ao peccado , para este não tornar
arevher em nós. A agua representa tn
nós o sepulcro de Jesu Christo. Por irri
tação deste não devemos viver senão pi
ra Deos. O estipendio , e paga do peca
do be a morte : o da justiça be a vHa
eterna.

ï /~\ Ue diremos pois ? Permanecc-


remos nós no peccado , pira
darmos lugar a esta superabun
dância da graça ?
2 Deos nos livre. Porque huma vez
mortos ao peccado, como viveremos nós
ainda nelle?
3 Vós não sabeis , que todos os que
fomos baptizados em Jesu Christo , fo
mos baptizados na sua morte ?
4 Porque nós fom os sepu1tados com
elle pelo Baptismo para morrer : para
,que aflim como Jesu Christo resurgio
dos
aos Romanos. Cap. VI. 297
dos mortos pela gloria de seu Pai , as
sim nós tambem andemos em novidade
de vida.
5 Porque se nós com elle fomos sei-
tos huma mesma planta na conformi
dade da sua morte, tambem o seremos
na conformidade da sua Resurreiçáo.
6 (a) Sabendo que o nosso homem
velho foi crucificado com elle, para que
seja destruido o corpo do peccado , e
nós não tornemos mais a ser escravos
do peccado.
7 Porque aquelle, quemorreo, es
tá justificado do peccado.
8 Logo se nós já morremos com
Jesu Ghristo , cremos que tambem ha
vemos de viver com JeíuChristo.
Por-
(a) Sabendo que o noffo bomem velbo , fac. O
homem velho na trale do Apostolo he a ve
lhice , e corrupçáo do peccado , que o homem
contrahio em Adáo : ou he o melmo homem ,
em quanto assesto , ou infecto desta velhice ,
e corrupçáo. E na Epistola aos Efesios , cap. ï v.
verso 24. oppõe o Apostolo ao homem velho
o homem novo , que he o homem regenera
do pela graça a huma nova vida : isto he , a
huma vida , em que já náo reinem as antigas
paixões , mas o amor da justiça. Pereira.
2?8 Epistola de S. P Aulo
9 Porque nós sabemos , que tendo
Jesu Christo reíurgido dos mortos , já
não tornará a morrer , nem a morte
terá sobrelle mais domínio.
10 Porque quanto a que elle mor-
reo, (b) elle morreo huma só vez pelo
peccado : mas quanto á vida, que clle
tem agora , (c) elle vive por Deos.
11 Por este modo fazei vós tambem
conta que morrestes ao peccado , e que
viveis por Deos em Jesu Christo nosso \
Senhor. ;
12 (d) Não reine pois o peccado
no
(i) Elie morreo buma só ver. pelo peccado. Pa
ra expiaçáo do peccado morreo Jesu Christo
huma só vez, porque morreo para não tornar
a morrer. Aflim o peccado huma vez extincto
pelo Baptismo , não deve outra vez reviver
em nós. Duhamel.
(c) Elie vive por Deos., Outros vertem, de
Deos ; outros , em Deos. E de qualquer destas
tres sortes quer dizer o Apostolo , que Jeíu
Christo depois de resuscitado vive huma vida
roda divina , e celestial , que nada tem de com-
mum com esta vida corruptível , c terrestre.
Saci.
(£) Não reine pois o peccado no vojfo corpo mor
tal. Devé-se notar primeiramente , que o Apos
tolo introduz aqui o peccado , e a, justiça,
aos Romanos. Cap. VI, 299
no vosso corpo mortal , de maneira que
obedeçais aos seus appetites.
13 Nem tão pouco deis os vossos
membros ao peccado , para lhe servi
rem de instrumentos de iniquidade : mas
dai-

como se fossem dous senhores , tendo cada hum


seu Reino, e Domínio , hum contrario a ou
tro. Suppóe tambem que o Genero humano ,
tendo vivido sujeito ao reino do peccado , pou
co a pouco se foi livrando delle , e passando-
se para o reino da justiça. Livres porém hu
ma vez do reino do peccado , exhorta o Apos
tolo nas pessoas dos Romanos a todos os Fieis,
que se náo tornem outra vez a sujeitar a elle.
à segunda cousa, que se deve notar, he, que
por peccado neste lugar , e noutros dos se
guintes dous Capítulos , entende S. Paulo a
concupiscencia. E chama-lhe peccado, náo por-
3ue o seja propriamente j mas porque nos vem
o peccado, e nos inclina para elle , como com
Santo Agostinho no Livro I. Contra, as duas
Epiflolas dos Pelagianos , cap. 13. definio o Con
cilio de Trento na Sessão v. Can. v. A tercei-
ra. he, que náo diz o Apostolo, Não haja em
vos o peccado : mas diz , Não rerne em vós
0 peccado. E isto , porque no estado de via
dores , sabia o Apostolo que ninguem chega
va a ral perfeiçáo, que algumas vezes senáo
oeixasse arrastar da concupiscencia , succumbin-
'~j ainda que venialmentc , aos seus insultos.
joo Epistola de S. Paulo
dai-vos a Deos , como de mortos feitos
vivos ; e dai os vossos membros a Deos
por instrumentos de justiça.
1 4 Porque o peccado já vos não do
minará mais; (e) porque vós já não es
tais
( e ) Porque nós jd não estais debaixo da Lei ,
mas debaixo da graça. Santo Agostinho (sem cu
ja liçáo, como dizia o grande Dominicano Fr.
Luiz de Sotto-Maior , se não pôde entender
bem S. Paulo) distingue , segundo a doutrina
do Apostolo , quatro estados , em que o ho
mem se pôde considerar: Antes da Lei, debai
xo da Lei , debaixo da graça , na paz. Não ha
divisáo mais célebre , nem mais frequente em
Santo Agostinho. Elle a traz na Explicaçáo
d'algumas Proposições , tiradas da Epistola aos
Romanos : no Commemario sobre a Epistola
aos Gaiatas : no Livro Da Continencia : no Ma
nual a Lourenço : no Livro das Oitenta e Tres
Questões.
Como nesta ultima Obra se explica o
Santo Doutor mais concisamente , delia trans
creverei as suas palavras , como ellas se achão
na Questáo lxvi. O primeiro estado be antes da
Lei , o segundo debaixo da Lei , o terceiro debai
xo da graça , o quarto na paz. O estado antes ia
Lei , be quando nós nos entregamos ás concupifien-
cias da carne , sem sabermos que cousa be peccado.
O estado debaixo da Lei , be quando depois de se
nos probibir o peccado j nós não deixamos de o
commetter , por estarmos babituados a elle , por-
que ainda não temos osoccorro da sé. O estado der
Aos Romanos. Cap. VI. 301
tais debaixo da Lei , mas debaixo da
graça.
ij Pois que? Peccaremos nós lo
go , porque não estamos debaixo da
Lei , mas debaixo da graça ? De ne
nhuma maneira.
16 Vós sabeis , que seja qual for,
o de quem vós vos fazeis escravos pa
ra lhe obedecer, vós ficais fendo escra
vos
iaixo da graça , le quando nós temos buma sé ple
na , e inteira no noffo Libertador , e attribuindo
tudo á sua misericordia , e nada aos noffos mere
cimentos j nós resistimos aos deleites daquelle mdo
babito , que nos incita ao peccado , e não somos
mais delle vencidos , ainda que sem nos podermos
dessazer das suas importunas solicitações. O estado
na paz , be quando já não ba nada no bomem ,
que resista ao espirito : o que succedera , quando
o noffo corpo mortal sor revestido da immortali-
dade.
Segundo esta explicaçáo de Santo Agos
tinho á frase de S. Paulo , dizem-se estar de
baixo da Lei aquelles , que vivem debaixo do
jugo da Lei de Moylés , considerada nua , e
pura ; isto he , sem a fé , e sem a graça de Je-
lu Christo , que elles náo conhecem , e sem
as quaes lie forçoso que elles le deixem arras-
Jarj e vencer da concupiscencia carnal. E pe
lo contrario dizem-se estar debaixo da graça a-
fluellcs , que pela fé , e graça do Salvador,
302 Epistola de S, Paulo
vos daquelle , a quem obedeceis : ou se
ja do peccado para achar a morte , ou
seja da obediencia para achar a justi
ça.
17 Mas seja Deos louvado , que
tendo fido antes escravos do peccado,
obedecestes de coração áquella doutri
na , a cujo modelo fostes formados.
1 8 Assim tendo sido livres do pec-
ca-
tem , ou esperáo ter a verdadeira justiça , ou
elles vivão adstrictos á Lei de Moysés , ou náo
vivão.
Por onde os justos do Testamento Velho ,
ainda que obrigados a guardar a Lei , como
todavia não espcravão a justiça pelas obras da
Lei j mas pela fé do Melsias promettido ; não
se deve dizer (insistindo na fraie de S. Paulo)
que estiverão debaixo da Lei , mas sim debaixo
da graça. Porque entáo se diz estar o homem
debaixo da Lei , quando impondo-lhe a Lei os
preceitos , não lhe dá , nem lhe pôde dar a
Lei as forças , que lhe são necessárias para os
observar. E então se diz estar o homem debai
xo da graça , quando com os preceitos se lhe
dáo as forças para os cumprir. E esta he a dif-
scrença entre a Lei de Moysés , e a Lei Evan
gelica : aquella mandava , mas não ajudava :
esta manda , e ao mesmo tempo ajuda , para
fe observar o que manda : porque he a Lei
da graça, a Lei da caridade. Perjura.
aos Romanos. Cap. VI. 303
cado , ficastes sendo escravos da justi-
ça.
19 Fallo humanamentc , attenden-
do á fraqueza de vossa carne. Aílìm co-
mo vos fîzestes servir os membros de voflb
corpo á impureza , e á injustiça , para
commetterdes a iniquidade; aílìm ago
ra fazei-os servir á justiça , para santi-
ficaçâo vossa.
20 Porqtie quando vós ereis escra
vos do peccado , ereis livres da justi-

21 Que fructopois tirastes vós en-


táo daquellas cousas , de que agora vùs
envergonhais ? Porque o fim dellas he
a morte.
22 Pelo contrario agora , que vós
fostes livres do peccado , e vos tornas-
tes escravos de Deos ; he a vossa santi-
ficaçao ofructo que dahi tirais, e o fim
della a vida eterna.
23 Porque a morte he o soldo , e
a paga do peccado : (/) mas a vida eter
na
, Cf) Mas a vida eterna be buma graça. Pare-
eia <jue tendo dito.o Apoitolo , que a morte
\

304 Epistola de S. Paulò


na he huma graça , e hum dom de Deos ,
em Jesu Ghristo nosso Senhor.

CAPITULO VII.
Nds fmos absoltos da hei pela morte de
Jesu (.hrtsto. A hei augmenta o pecca-
do. Jesu Lhrijlo no-lo faz vencer pelo
seu Espirito. A hei era santa ; mas o
homem carnal a violava. Ella foi causa
de recrescer o peccado. As paixões às
justo peleja j contra elle. Elle não faz 9
bem que deseja. A graça nos ha de li-
vrar deste cativeiro.

1 T) Or ventura ignorais vós , ir>


JL mãos , (fallo com os que sabem
a Lei ) que a Lei só tem dominio so
bre

era o soldo , e a paga do peccado , se seguia


naturalmente dizer , que a vida eterna era o
soldo, e a paga da justiça, como com toda í
verdade podia dizer. Mas dilTe que a vida eter
na era huma graça, e hum dom de Deos : pa
ra que ^entendessemos , (escreve Santo Agosti
nho no seu Manual , cap. 107. ) que os mel'
mos merecimentos do julto sáo dons deDep^s i
e que quando Deos dá a vida eterna em ÌÉ-
compensa dos merecimentos , náo faz senáo w
huma graça por outra graça. P&rbira. .j
aos Romanos. Cap. VII. jof
bre o homem , por quanto tempo vi
ve?
^ Assim a mulher, que está sujeita:
ao marido , em quanto vive o marriío
está obrigada á Lei : mas tanto que d
marido morreo , ficou ella absolta da
Lei, que a tinha preza ao marido.
3 Logo se vivendo o marido , ca
iar a mulher com outro , será tida por
adultera : mas se o marido vem a mor-
rer , fica ella livre desta Lei ; e póde
casar com outro, sem ser adultera.
4 Pelo que , irmãos meus , vós tam
bem estais mortos á Lei pelo corpo de
Jesu Christo , para serdes doutro , que
resurgio dos mortos , a fim de fruste
ficarmos para Deos.
5- Porque quando nós estavamos na
carne, as paixões dos peccados, que se
excita vão pela Lei , obravão nos nossos '
membros, e os fazião produzir fructos
para a morte.
6 Porém agora estamos nós livres
da Lei da morte > em que estavamos re^
tidos ; de forte , que servimos em no-
Tom. IIL V . . - '- *. vi-
3o6 Epistola de S. Paulo
vidade do espirito , e não na velhice da
letra.
r1l7- Que diremos logo ? He a Lei
neçcado? Deos nos livre de tal cuidar
mos. Mas eu não conheci o peccado,
senão pela Lei : porque eu não conhe
ceria a concupiscencia , se a Lei não
dissesse : Não desejarás.
8 Mas o peccado , tendo tomado
occasião do mandamento , excitou era
mim toda a espece de máos desejos. Por
que sem a Lei, estava o peccado como
morto.
9 (a) Eu pois algum tempo vivia
sem Lei. Mas depois que veio o man
damento , reviveo o peccado , e eu mor
ri.
10 E achou-se que o mandamento,
que devia servir de me dar avida, ser
vio de me dar a morte.
11 Porque o peccado tomando oc-
ca-
(«) Eu pois algum tempo mvia sem Lei. To
ma aqui o Apostolo na lua pessoa a figura de
cada num dos homens, considerado no estado j
em que ie achava o Genero humano , antes
de haver a Lei escrita. Pereira.
aos Romanos. Cap. VII. 307
casião do mandamento , me enganou , e
me matou pelo mesmo mandamento.
1 2 Aífim que 7 a Lei he na verda
de santa , e o mandamento he santo,
justo, e bom.
13 Logo huma cousa , que he boa ,
tornou-se-me em morte? Não. Mas he
que o peccado tendo-me causado a mor
te por huma cousa , que he boa , fez
apparecer o que elle era ; de sorte , que
pelo mesmo mandamento (b) veio o pec
cado a fazer-se exceíHvamente pecca-
dor.
14 Porque nós sabemos , que a Lei
he espiritual : (r) mas eu sou carnal,
V ii ven-
(Z>) Veio o peccado a sazer-se excejsvvamente pec-
tador. Pela mesma prosopopeia, com que nos
versos antecedestes attribue S. Paulo ao pec
cado acções como d'huma peílba ; quaes são
fazer , reviver , enganar } matar : o considera
ellc aqui , e chama peccado peccador , que he
como Santo Agostinho nos Livros a Simplicia-
no j e no das Oitenta e Tres Questões « e nos
da Cidade de Deos , expee aquelle peccatum pec
cans da Vulgata. É o ajuntar-se exceflivamente ,
he para exprimir ofupra modum do Latim. Pe
reira.
(c) Mas eu sou carnal t vendido ao peccado.
308 Epistola dé S. Paulò
vendido para estar sujeito ao pecca-
do.
As-
Deste verso 14. até o fim do Capitulo , he
grande questáo , se S. Paulo falia do homem
debaixo da Lei , ou se do homem debaixo da
graça. Porque os Padres náo concordão entre
li neste ponto. Origenes , S. Basilio , S. Joáo
Chryíostomo , e com elles os mais Exposito
res Gregos , interpretão as palavras do Apos
tolo do homem existente debaixo da Lei , no
qual ainda reina o peccado , e que lucta fim
com o peccado, mas em fim por causa da fra
queza da carne succumbe , e he vencido. Do
melmo parecer foi Santo Agostinho nas suas
primeiras Obras sobre a materia da Graça : co
mo no Livro das Oitenta^ e Tres Questões,
nos a Simpliciano , e np Commentario sobre
a Epistola aos Gálatas. Depois de Santo Agos
tinho seguiráo o mesmo Nicoláo de Lyra , Dio-
nysio Cartuxo, e Francisco Toledo.
Segundo esta interpretaçáo , o que o A-
postolo diz no verso 15. e no verso ip. í»
não saço o btm que quero , mas saço o mal qut
não quero', entende-ie da resistencia do homem,
que por ultimo vem a cnhir no peccado , pa
ra o qual o incitava a concupiscencia.
Porem depois que as novidades de Pela-
gio obrigaráo Santo Agostinho a fazer novas
applicações , por alcançar bem a mente de Sáo
Paulo ; confeíTou o mesmo Santo Agostinbo
nos Livros das Retrafiaçhs , e nos outros con
tra Juliano, que elle ló tinha por verdadeira
aos Romanos. Cap. VIL 309
S intelligencia daquelles , que com Santo Hi
lario , S. Gregorio Nazianzeno , e Santo Am
brosio , entendiáo fallar o Apostolo do homem
considerado debaixo da graça, istohe, do ho
mem justo. E nesta segunda interpretaçáo se
guiráo a Santo Agostinho , entre os antigos
S. Prospero no Livro contra Cafliano , e Sáo
Gregorio nos Moraes : entre os modernos Joáo
Heflel , Adáo Sasboldo , Bento Pereira , e Gui
lherme Estio. Antes dos quaes já Pedro Lom
bardo , e Santo Thomaz tinhão referido am
bas as intelligencias , e preferido a segunda.
Nesta segunda intelligencia, o que o A-
postolo diz no verso 15. e no verso 19. deve
çntender-se da resistencia , que faz o justo con
tra os insultos da carne , lentindo as suas ti-
tillações, mas náo consentindo. E como nek
ta intelligencia infistio Santo Agostinho nos
Livros a Bonifacio, nos Livros. Dfls Nupcias,
e da Concupiscencia , nos Sermões sobre as Pa
lavras do Apostolo , e no Livro Da Predestina-
çãb dos Santos : Esta he a que seguiremos nas
Notas , que restão ao presente Capitulo.
Mas antes de paliarmos adiante , he de
summa importancia advertir aqui os Leitores
d'hum insigne erro , e d'huma insigne impos
tura dos Theologos Calvinistas. O erro he ;
Que convindo Calvinistas, e Lutheranos , em
que a justificaçáo do homem toda se fórma ,
e toda se conclue pela fé , com que elle crê ,
que os seus peccados lhe sáo perdoados , do
modo que aflima expuzemos, v. 1, os Calvi-
jiistas refinando a impiedade accrescentáo , que
3 justiça alcançada aflim pela fé , he inamis»
jid Epistola de S. Paulo
sivel , isto he, não se póde mais perder; nío
porque o homem huma vez justificado não
pofla cahír cm graves peccados , e ainda cm
peccados enormes , e atrozes ; mas porque pot
mais enormes , e atrozes que sejão os pecca
dos , em que elle caia , nenhum o priva , nem
póde privar da graça da adopção de fìlho de
Deos , que huma vez alcançou pela fé justi-
fìcante.
Aos que não tiverem lição dos Autho-
res Controverfistas , parecerá ralvez irìcrivel,
que a cegueira destes Hereges chegasse ao pon-
to de ensinar , e persuadir , que nos regenera-
dos erão compativeis com a amizade de Deos ,
e com o direito á gloria , os adulterios , os
incestos , os roubos , os falsos testemunhos ,
os homicidios , e todos os mais peccados , de
que S. Paulo na i. Epistola aos Corinthios,
vi. o. 10. e na Epistola aos Gálatas , v. t\,
affirma exprefiamente , que os que taes pecca
dos commetrem , não possuiráó o Reino de
Deos. Mas huma tão horrivel blasfemia acha-
se desinida no famoso Synodo de Dordrecht,
ensinada no Catecismo do Palarinado , que no
mesmo Synodo se approvou , e sustentada pe-
los mais doutos , e mais bem reputados Theo-
logos deste Parrido , quaes são Bucer , Zan-
quio , Rivet , Chamier , Windelin.
A impostura esta , em que para confir-
mar hum táo detestavel erro, se val Rivet da
authoridade de Santo Agostinho , em quanto
rejeirada a primeira intelligencia dos Textos
de S. Paulo aflîma referidos , abraça , e defenr
éde 0 Santo Doutor a segunda , expondo do
aos Romanos. Cap. VII. 311
i S (d) Affim eu nãoapprovo o que
faço : (e) porque não faço o bem , que
que-
homem justo , e constituído debaixo da gra
ça , tudo o que o Apostolo diz de fi des do
verso 14. até o fim deste Capitulo VII. E isto
quando pelos mesmos Escritos, em que San
to Agostinho retrata a primeira intelligencia ,
consta abertamente , que quando o Santo Dou
tor interpreta do justo as clausulas , que o A-
jostolo affirma defi, he entendendo- as não da-
quelles peccados , mas dos movimentos da con*
lupiscencia , dos quaes os justos nunca de ro
do sáo livres neste Mundo. Arnault no seu
trudito Tratado Le Renversement de la Morale ,
ifc. Livro V. cap. p. põe esta verdade na ul-
t ma evidencia , pelos Textos expreíios de San
to Agostinho no Livro VI. contra Juliano ,
cap. 22,. no Livro I. contra as duas EpiJIolas doi
Pelagianos , cap. 10. e no Livro I. Das Nupcias ,
e ia Concupiscencia, cap. 28. Peiìeira.
(i-) Affim eu nao approi)o , êrc. A Vulgata diz ,
no» intelligo , náo entendo. Mas este rià~o enten
der , segundo a frase das Escrituras , vertem
todos os bons Interpretes , nao approvar : e ei-
re não approvar he náo consentir para o ef-
feite. Pereira.
(?) Porque eu não saço o bem , que quero , mas
saço o mal , que aborreço. Esta he aquella pele
ja interior , que passa dentro do homem entre
a carne , e o espirito, a qual o Apostolo ex
plica mais claramente nos veríos 22. e 25. Nem
taça dúvida que S. Paulo explique peio verso
312 Epistola de S. Paulo
quero , mas faço o mal , que aborre
ço.
16 Sc eu porém faço ó que não
quero , consinto com a Lei , tendo-a por
boa.
17 (/) E neste caso não sou eu já
o que
sazer , o que na verdade lhe he involuntario ;
ou que chame /«wr o mal, o que náo he se
náo experimentar a concupiscencia , e sentir
as suas alliciações para o peccado. Porque eflei
mesmos movimentos , ou desejos da porçáo in
ferior , sáo na verdade operações do homerr
como fupposto , ainda quando elles náo estác
sujeitos ao imperio da alma , e da razáo. Po;
isso Santo Agostinho diz, que esse n esmo dtb
sejar involuntario , he sazcr : Ipsum concupiser
re , sace re est. Desta sorte vem o justo a fazer
contra a sua vontade aquellas operações , qie
contra a sua vontade experimenta : Quia eas ipsas
concupiscentias camis contra quas spiritu concuj>is-
cunt , quam"jis eis non consentiant ? nollent bibt
re st poffent , diz o mesmo Santo Agostinho np
Livro I. Das Retraûaçoes , cap. 24. Pereira.
(f) E neste caso não sou eu já o que saço isto,
mas fim o peccado , ô'c. Daqui se conhece, que
p peccado náo está em sentir a rebellião da
carne , mas em consentir com os seus mão?
desejos , passando a pôr por obra o para que
cila me convida. No qual caso de suecumbir
depois da lucta, he admiravel o seguinte lu
gar de Santo Agostinho , para convencer o abu?
ãos Romanos. Cap. VII. 313
o que faço isto , mas sim o peccado , que
habita em mim.:
1 8 Porque eu sei que em mim , (g)
quero dizer j na minha carne, não ha
bita o bem. (h) Porque o querer o bem ,
eu o acho em mim ; ( i) mas não acho
o meio de o fazer perfeitamente.
--1 0: - Por-
so , que da sua doutrina fazem os Calvinistas.
Diz aífim no Livro I. Das Nupcias , e da Con
cupiscencia , cap. 28. Muito se engana aquelle y
que consentindo com a concupiscência da sua carr
ne , e determinando-se a sazer o mal , para que
ella o sollicita, julga que ainda pôde dizer'. Não
sou eu já o que o faço : com o pretexto de que
elle se condemna a st por consentir. Porque tile
mesmo be o que saz buma , e outra cousa : elle
mesmo se condemna afi , porque bem sabe que saz
mal ; e elle^ mesmo o sa% , porque elle be o que
se determina a sazello. Pereira.
GO Quero dizer , na minha carne. Note-se,que
na frase de S. Paulo se toma a carne por to
do o homem , em quanto carnal , isto he , em
quanto de Adão corrupto nasce elle corrupto.
Estio.
(&) Porque o querer o bem, eu o acbo em mim,
Eni mim, náo de mim, como entendia Pela-
gi.Oj mas da graça , como contra Cassiano mos
tra S. Prospero. Porque falia o Apostolo do
homem já sarado , e renovado. Estio.
(í ) Mas não acbo o meio de o sazer perfeita-
mehte. Isto diz , porque em quanto vivem nes-
314 Epistola de S.Paulo
1 9 Porque eu não faço o bem , que
quero ; mas faço o mal, que não que
ro.
20 Se eu porém faço o que não
quero , não sou eu já o que o faço ; mas
he sim o peccado, que habita em mim.
21 Quando eu pois quero fazer o
bem, acho em mim huma Lei, que re
siste ; porque o mal reside em mim.
22 Porque eu me deleito na Lei
de Deos , segundo o homem interior :
23 Mas eu sinto nos meus membros
ou
re Mundo , como nunca os deixa a concupis
cencia , sempre os justos tem quem os retar
de, e quem os náo deixa fazer todo o bem,
que querem. Isto he procedendo na suppo-
sição , em que váo todos os meus Traducto-
res , de que o' verbo perficere , que aqui traz
a Vulgata , se deve tomar não na simples sig»
nificação àesazer , em que todos o tomão na
Epistola aos Filippenses , XI. 15. mas na sig
nificaçáo de sater com toda a perseição , que be
o que os Francezes dizem accumplir. Porque
Estio, que tambem affim expóc o presente lu
gar , he o mesmo que adverte , que se náo
deve fazer muita força nisso : pois o verbo
Grego, a que a Vulgata aqui substitue persi
cere , cila mesma no verso ip. o exprime pe»
lo verso optrari. PiíRJIRA.
aos Romanos. Cap.VIT. e VIII. 315:
outra Lei , que repugna á Lei do meu
espirito , e que me faz cativo da Lei
do peccado , que está nos meus mem
bros.
i4t (/) Infeliz homem eu! (m)
Quem me livrará do corpo desta mor
te ?
i$ A graça deDeos porJcfuChri-
sto nosso Senhor. Aífim que eu mesmo
sirvo á Lei de Deos, segundo o espiri
to ; e sirvo á Lei do peccado , segundo
a carne.
» -
CAPITULO VIII.
Os que vivem em Jefìt Chrijio são izentos
da condemnaçao. Elles andao segundo o
espirito ; e os que são levados pelo Espi
rito de Deos , são filhos de Deos , e go-
zão da esperança da gloria futura. Tu
do aos escolhidos cede em bem. Nenhuma
cou-
(t) Infeliz bomem eu ! Exclamaçáo de quem
geme debaixo do jugo , e servidáo do pecca
do , segundo acame, e de quem anhela a li
berdade, que só se alcançará no Ceo. Estio.
(w) Quem me livrará âo corpo iesta morte í O
corpo da morte- em frase dos Hebreos , he o
corpo mortal. Estiov
-$\6 E PISTOL A DE S. P AUtO
cousa os pôde separar do amor de Jesit
Chrislo.
x Á Gora pois (a) nenhuma con-
JTjl. demnação ha para aquelles ,
que estão em Jefu Christo , e que não
and ao segundo a carne.
2 Porque a Lei do espirito de vi
da , que he Jesu Christo , me livrou da
Lei do peccado, e da morte.
3 Porque o que era impofuVel í
Lei , por causa de que a carne a tor
nava fraca ; isso fez Deos , tendo en
viado a seu proprio Filho revestido de
huma carne semelhante á carne do pec
cado; e por causa do peccado con-
demnou o peccado na carne ;
A
(a) Nenbuma condemnaçao ba para aquelles , &c.
Fundado neste Texto do Apostolo , definio o
Concilio de Trento na Sessáo v. Can. 5. que
pelo Baptismo se tira , e extingue nos rege
nerados para a graça , tudo o que nelles ha
via , que propriamente se podesse chamar pec
cado ; e consequentemente que os' movimen
tos da concupiscencia (que todavia nos ficáo
ainda depois do Baptismo) são huns movimen*
tos involuntarios , que se não imputão a pec
cado , nem impedem a justiça. Pereira.
(b) E por causa do pecçado condemnou o peç*
aos Romanos. Cap. VIII. 317
4 (c) A fim de que a justiça da Lei
fosse cumprida em nós , que andamos
não
cado na carne. Já notámos , que o Apostolo
vai considerando o peccado , como se fosse hu
ma pessoa , ou hum supposto de más opera
ções. Dizer pois , que por causa do peccado
condemnou Deos o peccado na carne , (que aC-
Cm verte Saci com os de Mons aquelle , é>'
de peccato damnavit peccatum in carnt do Tex
to Latino) he dizer , que como o peccado de
pois de se fazer em excesïo peccador , accu-
mulando prevaricações sobre prevaricações no
genero humano , passou de mais a mais a dar
a morte a Jesu Christo innocente por mãos dos
Judeos : Deos com altiffima providencia con
demnou , e fez réo deste peccado o peccado ;
e condemnou-o na carne , isto he , por meio
da carne de seu Filho suspensa , e mona na
Cruz. Náo que de todo destruísse Deos o pec
cado pela morte de Jesu Christo ; porque ain
da na carne dos renascidos persiste a concupis
cencia , que nelles excita os máos desejos ; mas
porque lne tirou o dominio , e extinguio o
reato , até o abolir totalmente , quando os li
vrar do corpo desta morte. Esta intelligencia
he a commum dos Padres Gregos , e huma das
tres , que Santo Agostinho propõe no Livro III.
Contra as duas Epistolas dos Pelagianos , cap. 6.
Pereira.
- (c) Asm de que a justiça da Lei sosse cumpri*
da em nós. A justiça da Lei he a justiça, que
a Lei manda , e a que exercendo nós cum
318 Epistola de S. Paulo
não segundo a carne , mas segundo o
espirito.
Porque os que são carnaes, gos-
tão das cousas da carne : os que são es-
pirituaes, amão as do espirito.
6 Ora a prudencia da carne he mor
te : a prudencia do espirito he vida, e paz.
7 Porque a prudencia da carne he
inimiga de Deos ; porque não he sujei
ta á sua Lei , nem o póde ser.
Os
primos com a Lei de Deos. Esta justiça he a
que o Apostolo dissera affima , que no-la não
podia dar a Lei , quando disse , que o que
era impoíEvel à Lei , isso he o que Deos fez
pela Incarnaçáo , e Morte de seu Filho. Lo
go sem os íoccorros da graça , e só com as
forças naturaes , não pôde o homem cumprir
como deve a Lei de Deos , que he a Lei do
Decalogo. Porque se os Judeos aiíídavcom o
adminiculo desta Lei , quetinhão escrita, náo
poderáo observalla inteiramente j como desti
tuídos deste adminiculo, a poderiáo observar
os Gentios ? Desta impotencia da Lei , e da
neceflidade da graça para ella se observar , tra
ta excellentemente Santo Agostinho no Livro
Das Oitenta e Tres Questões , Questão txvi. e
na Epistola a Anastasio : allegando para i/ío
tambem o que o nosso Apostolo escreve aos
Gálatas : Si per legem justitia , ergo gratis Cbri-
stus mortuus est. Pbríira.
«tos Romanos. Cap. VIII. 319
8 Os que pois vivem segundo a car
ne, não podem agradar a Deos.
9 Vós porém não viveis segundo a
carne, mas segundo o espirito ; se to
davia habita em vós o Espirito de Deos.
Porque se algum não tem o Espirito de
Jesu Christo, não he delle.
10 Mas seJesu Christo está em vós ,
ainda que o corpo esteja morto por cau
sa dopeccado, o espirito está vivo por
causa da justiça.
11 Porque se o Espirito daquelle,
que resuscitou dos mortos a Jesus , ha
bita em vós ; aquelle , que resuscitou
dos mortos a Jesu Christo , tambem
dará vida aos vossos córpos mortaes ,
pelo seu Espirito , que habita em
vós.
12 Por tanto , irmãos , nós não so
mos devedores á carne, para vivermos
segundo a carne.
13 Porque se vós viverdes segundo
a carne , morrereis ; mas se vós pelo
espirito fizerdes morrer as obras da car
ne , vivireis.
Por-
320 Epistola de S. P AULO
1 4 (d) Porque todos os que são le
vados , e conduzidos pelo Espirito de
Deos, são filhos de Deos.
1 5- Porque vós não recebestes o es
pirito de eicravidão , para vos condu
zirdes ainda pelo temor: mas recebes
tes o espirito de adopção de filhos , se
gundo o qual clamamos, dizendo: (e)
Pai , Pai.
E
(£) Porque todos os que são levados , e condu
zidos peio Espirito de Deos , <ô'c. Não tem a
Lingua Portugueza verbo, que exprima cora
toda a propriedade , e energia, o que no Tex
to Latino ie significa pelo verbo passivo agun-
tur. Cassiodoro de la Reina , e Joáo Fçrreira.
de Almeida vertem , são guiados. Martini , sâi.
movidos. Amelote , Saci, e Calmet, são lesa
dos. Eu seguindo os de Mons verti , são leva
dos , e conduzidos , por me parecer que aflim
se exprime melhor o aguntur da Vulgata. Pe
reira.
(?) Pai, Pai. No Original exprime o Apos
tolo a qualidade de Pai a primeira vez por
hum nome Syriaco , que he Abba , a segunda
por hum nome Grego , que he Pater , usado
tambem dos Latinos. E isto para significar , que
pela adopçáo da graça recebida no Baptismo,
podião com igual direito chamar a Deos Pai
os Fieis Judeos, e os Fieis Geridos, que vi-
viáo em Roma. S. Açostinho.
Aos Romanos. Cap. VIII. 321
16 E este mesmo Espirito (/) dá
testemunho ao nosso espirito , de que
somos filhos de Deos.
17 Ora se nós somos filhos , tam
bem fomos herdeiros; herdeiros de Deos,
e coherdeiros de Jesu Christo : com tan
to porém que nós padeçamos com el
le, para sermos com elle glorificados.
18 Porque eu tenho para mim , que
Tom. III. X as
(f) Da testemunbo ao noffo espirita , &c. Nãó
diz o Apostolo , ao meu espirito , ou ao teu
espirito : mas ao nosso espirito , isto he , ao
espirito dos que fomos verdadeiros fieis. Por
que falia o Apostolo na pessoa dos justos , sem
determinar nenhum. E aflim não pôde este Tex-'
to al legar-se a favor do erro dos modernos
Sectarios , que delle abusão , para mostrar due
cada homem , que está em graça , pôde sem
revelaçáo elpecial saber de certo , que o es
tá , e que he predestinado ; conira o que defi
nie» o Concilio de Trento na Sessáo vi. Can;
16. e contra o que he manifesto de varios Lu
gares da Escritura , e determinadamente do que
escreve o mesmo S. Paulo , fallando de íi com
os Corinthios : Nibil mibi conscius sum , sed non '
in boc justificatus sum ; qui autem judicat me y Do-
minus est. De nada me accusa a minha consci
encia ; mas nem por isso me dou por justifica*
do; porque quem me julga, he o Senhor. Pb-
reira.
ï- Epistóla de S. Paulo
as penalidades , que se soffrem na vida
presente, (g) não tem proporção algu
ma com a gloria , que algum dia será
descuherta em nós.
v 19 Pelo que a expectação da
ereatura , he esperar anciosamente a ma
nifestação dos filhos de Deos. .
:io (i) Porque a ereatura está sujei-
: - f . ; -:. . - : :-^ .-. . ta
(g) Não tem proporçSo alguma com a gloria ,
&c. l Náo tem as penalidades soffridas por Deos
nesta vida proporçáo alguma com a gloria fu
tura , comparada a intenção , e duraçáo das
taes penalidades com a intençáo , e duraçáo
da gloria eterna. Mas tem a proporçáo , que
basta j para merecerem ds condigno (como di
zem os Theologos) essa gloria eterna , suppof-
ro ter ajustado, e promettida Deos dar a sua
gloria aos justos , como paga das suas boas obras.
Estio. { •.-'.> v: :-
. (/;) Pelo que a expeftjiçao da ereatura , &c. Pa
ra amplificar a grandeza da gloria, que espe
ra aos justos , ufa o Apostolo , conforme o
seu costume , da prosopopeia de fingir , que
a criatura , isto he , o Mundo corporeo , e
visivel , está com toda a attenção , e anciã es
perando , que appareça finalmente essa táo gran
de gloria. Estio.-. . . - ; . -,
-1 ( í\) Porque a ereatura está sujeita á vaidade ,
éitc. Esta vaidade y a.jjue a ereatura íestá sujei
ta , náo consiste só na instabilidade , e muta-t
los R o manòs. Cap. VIIÏ. 3 2 $
ta 4 vaidade , nao por feu querer , mas
pelo daquelle y que a siijeitou eom a efr
peraflça
Xii De
bilidadè das cotisas deste Mundo , que hùnca
persiftem no mesmq estado , mas semprç estáo
experimentando mudanças pelas geraçoes , cor-r
rupções , e alteras5es f que cada dia , e cada
momento padecem os individuos ~da natureza
corporea : mas lambem naquella instabilidade j
e mutabilidade , coin que o Mundo pelo pec?
cado do primeiro homem foi cada vez indò
parapeior, scgundo aquella sentença de Deos
a Adão : Maldita a terra na tua obra. (Gènes*
III. 17-)
Àinda por esta siljejção á vaidade se pó-
3e tambem entender a sujeição , em que por
permissão de Deos estáo as creatUras do uso
do homem ao imperio do principe deste Mun
do , <|ue he o diabo. Da quai sujeição são boas
testemunhas os exorcismos , e orações s qííe
faz a Igreja , quando benze a agíla , o âr , as
arvores * e outras creaturas : santijicando-as pe
la paldwa de Deos t e pela oraçttô-, (conto díz
o noflb Apostolo, I. Timoth. IV* 5.) para o
demonio Inès não fazer mal.
Infistindo na ìíiesma prosopopeia , accres-
çenta S. Paulo, nao porseu querer , istohe, hão
por inclinação da sua natureza ; porque toda
a creatura naturalmente appetece a sua perfeî-
ção, toda naturalmente toge da corrúpção , e
do defeito : mas pelo iaqutlh , que asujeiiou;
isto he, por ordenaçâo, e eomo por pceceito
3*4 Epístola dé S. Paulo
21 De que tambem ella será livre
desta sujeição á corrupção, para partir
cipar da liberdade da gloria dos filhos
de Deos.
22 Pois nós sabemos , que toda a
creatura suspira , e está nas dores do
parto atégora.
23 E não fomente ella, mas ainda
nós, que possuimos as primicias do Es
pirito, nós mesmos suspiramos no nos
so coração , esperando o effeito da ad
opção de filhos de Deos, a redempção
do nosso corpo.
24 Porque nós na esperança heque
fomos salvos. Ora quando se vê o que
se espera , isto não he esperança ; por
que ninguem espera o que vê.
Mas
de Deos > que por aflim o pedir a culpa do
homem , a sujeitou a esta vaidade.
E sujeitou Deos a creatura á vaidade ,
com a esperança de que tambem ella será Ifare des
ta sujeição á corrupção. O que se verificará ,
quando na Resurreição universal forem reno
vados os elementos , e todo o Mundo corpo
reo , segundo o que lemos na segunda Epis
tola de S. Pedro , e no Apocalypse de S. joão.
Estio.
aos Romanos. Cap. VIII. 325-
25- Mas se nós esperamos o que a-
inda não vemos , nós o esperamos com
paciencia.
26 Demais , que tambem o Espi
rito nos ajuda na nossa fraqueza. Por
que nós não sabemos o que devemos
pedir nas nossas orações, para orarmos
como convem : (/) mas o mesmo Es
pirito ora por nós (ni) com huns gemi
dos ineffaveis.
27 E aquelle , que esquadrinha os
corações, sabe qual he o desejo do Es
pirito : porque elle só pede segundo Deos
pelos Santos.
28 Ora nós sabemos, (») que tu
do
(/) Mas o mesmo Espirito ora por nós. Quan
do S. Paulo diz que o Espirito Santo ora por
nós , he neste sentido , (segundo a frase das
Escrituras) que o Espirito Santo he quem faz que
ofemos.S. Agostinho na Epistola cxxx.cap.14.
(w) Com buns gemidos inefaveis. Isto he , que
se náo podem explicar por palavras : e isto
ou porque procedem do desejo de huma cou
sa ineffavel , qual he a gloria celestial ; ou
porque os mesmos movimentos do coraçáo ,
*m quanto procedidos do Espirito Santo , sáo
inexplicaveis. S. Thomaz a este Lugar.
00 PjW tudo contribue para o bem dos jbí amaa
3n<í EpistgIa de S. Paulo\
do contribué paraobem dos que amao
a Deos ; dos que por elle sorap chama-
dos , (o) segundp o feu deeretp , para
íçreni Santps. : . .» « • , .. ' : r
.19 (p) Porque os que elle conhe*
;1....- '\ : ' ; . . ' CeO )
a Deos. Tanto be affm -, qtíe tudo contribue par*
p bem dos escolbidos , que até os peçcados èm qiì
(àbem , -tontribuem para, seu bem , etn quant 0 os
tornao:mais bumildes , emais instruidos. S. AgOS?
tinho no Livro Da Correpçâo , e da Graça~,
cap. 9. > - --' '- '. -~-
(0) Segundo' 0 seu deereto. Isto he , .conforme-
merite ao feu deereto, E a quai deereto ? Aq
decreto eterno , e immovel, còm que antece-
dentemente a toda a previsão de merecimen;
tos determtnou Deos íaîvar hum ejertp númer
ro de homení j e em confequencia do tal de
ereto determinou chamallos á fantificaçào por
meio da sua graça. Que por iffo »o verso ^o.
põe o Apostolo a yocação dps justos çomo.
esseito da sua predesti naçào. É eis-aqui a Dou-
trina da Predestinação gratuita para a gloria^
tão repetida , e inculcada no.s Eicritos de San->
to Agostinho. O quai no Livro I.; Das Retra
itaçoes , cap. 23. expressamente- affirma -, ^ue a
rvocaçao » que o Apostolo diz fer segundo p De-,
creto- de Deos , nâo he a vocação, de todos os
que sáo chamados , mas ìó a doselcolhidos :
ffon omnium , qui •vocantur , talis est vocatip ) sei
fantum eleclorum. Pekçira. -
, (f). Porque ,qs que elle conbeçeq na /ua friefci?
a o s R o m a n o s. Cap. V III. 317
cèo na sua presciencia , tambem os pre-;
destinou para serem conformes á irua-i
- - ..- gem

encia , eb-c. O Texto Latino diz , quos prescU


vit. A presciencia poréfn nestelugar não he.^píe»
ver os merecimentos futuros , como que* a eau*
fa da predestinação rosse a previsão dos m^rè*
cimentos : mas como depois de Estio observa
Saci j o mesmo he dizer , oj que elle conbeceo
na sua presciencia , que dizer, os que elle des-
de toda a eternidade escolheo , e como que
marcou , e separou do resto dos homens : que
aflim se toma overbo conbecer erh muitos ou-
tros Lugares da Escritura 5 isto he , na signi-.
ficação de approvar , ou amar antes. Gomo quan-
do o mesmo S. Paulo nesta mesma Epistolà t
Xi. 2. escreve affim : Non repulit Deus plebem
suam j quam prascivit. Não repellio Deos o feu
povo , ao quai conheceo na sua prescietKiaj
isto he , ao quai amou des da eternidade. E
S. Pedro dirige a sua primeira Epistola , Ele-
flií adivenissecundumprlescie?itiamSfiPatris:: Aos
estrangeiros efcolhidos , segundo a presciencia
de Deos Padre. Onde na intelligencia de to-
dos os bons Interpretes , a presciencia não sig-
nifica previsão do futuro , mas sim preordina-
ção para o futuro. E aflìm entendêrão tamberq
Santo Agostinho, e Santo' Thomaz esta presci
encia nonegocio da predestinação. Veja-fe Ar*
nault m Nova Desensa do Novo Testamcnto , imr
presfo em Mous oontta Mr. Malìet , Livro Vif,
cap. 8. TomoVH. da stov* Ediçáò , pag. 401',
Pbreira* -- • '- - - - -'- .
328 Epistola de S. Paulo
gem de seu Filho , para elle ser o prir
mogenito entre muitos irmãos.
30 (q) E os que elle predestinou,
tam-
(q) E os que elle predestinou , tambem os cba
mou , <&c. Clara , e exactamente nos ensina q
Apostolo nesta gradaçáo , a ordem dos divi
nos Decretos para o fim da salvaçáo dos es
colhidos : pondo primeiro a predestinaçáo pa
ra a gloria , depois a vocaçáo para a graça por
meio da fé , depois a justificaçáo por meio da
graça , e ultimamente a glorificaçáo como pre
mio da justificaçáo. Delta forte vem a fer a
predestinaçáo da parte de Deos causa de toda
a graça , e dc todo o merecimento , e de to
da a gloria dos escolhidos. Isto se confirma
admiravelmente , observando , que neste , e
nos seguintes Capítulos , em que S. Paulo tra
ta ex f>roseJso deste grande Ponto , sempre o
Apostolo attribue a justificaçáo, e salvação do
homem , ora ao decreto , ora á vocação , ou
chamamento , ora á eleição , ou escolha de Deos ;
e nunca às obras do homem , as quaes elle ex-
preiïamente exclue deste negocio. E isto para
3ue entendamos , que a cauia da predestinaçáo
e certos homens para a gloria eterna, náo o
foi a previsáo das obras, que elles haviáo de
.fazer , mas sim a benevola vontade de Deos
para com elles.
Esta he a Doutrina da Predestinaçáo grar
tuita , que Santo Agostinho táo nervosamente
desendeo, e mostrou das Escrituras, e princi
palmente destes dous Capítulos de S. Paulo,
aos Romanos. Cap. VIII. 329
tambem os chamou ; e os que elle
chamou , tambem os justificou ; e os
que

tanto no Livro Da Correpção, e da Graça, co


mo nos Livros contra Juliano, como no Livro
Da Pre destinação dos Santos. Esta a de que o
mesmo Santo Agostinho no Livro Do Dom da
Perseverança , cap. 18. affirma , que sempre a
Igreja de Jesu Christo a crêra de fé : Bane pre-
ieftinationis fidem nunquam Ecclefta Cbristi non
babuit. E no cap. 23. que clle labia , que só
errando podia alguem disputar contra esta pre
destinaçáo: Hoc scio neminem contra banc prœdes?
tinationem . . . nist errando disputare poluíffe..
Esta a de que S. Fulgencio no sim do Li
vro Da Incarnação , e da Graça escreve o se
guinte: Que todo o que a não crê, e confeffa, se
aytes da morte se não arrepende , bem pode ter por
certo, que não be do número daquelles , que Jesu
Cbristo predestinou para o seu Reino.
Esta a que depois de Santo Agostinho ,
S. Prospero, e S. Fulgencio , continuaráo a se
guir , e ensinar S. Gregorio Magno , Santo Isi
doro de Sevilha , S.Bernardo , o Mestre das
Sentenças , e Santo Thomaz.
Esta he finalmente a Doutrina , que o
Cardeal Bellarmino no Livro II. Da Graça, edo
Livre Arbítrio, cap. 11. e o Padre Amelote no
seu Compendio da Theologia , Livro I. cap. 16.
attestão , que ao menos por tres vezes a tem a Sé
-Apostolica canonizado : e que affim deve ella serrer
putada não comobuma opinião deste , cu dflquelle ,
was como a Fé da Igreja Catbolica.
33o Epistola de S. Paulo
que elle justificou, tambem os glorifi
cou.
31 Sendo isto aflìm , que devemos
nós dizer? Se Deos he por nós, quem
será contra nós ?
32 Se elle não perdoou a seu prr>
prio Filho , mas por nós todos o entre
gou á morte ; que cousa nos não dará
elle, depois dc no-lo ter dado?
33 Quem accusará os escolhidos de
Deos? O mesmo Deos he quem os jus
tifica.
3 4 Quem os condemnara? Jesu Chri-
sto he aquelle , que não somente mor-
reo , mas que tambem resurgio ; que
está á mão direita de Deqs , que tam
bem intercede por nós..
Quem
Sobre a. grande autoridade <te Santo A-
gostinho na materia da Graça , e da Predesti*
naçáo , he sobre tudo digna de se ler a Dis
sertaçáo de Mr. Bossuet sobre a Doutrina , e Cri
tica de Grocio , que anda no princípio da sua
segunda Instrucçáo Pastoral contra a Versáo,
de Trevoux : e ò que sobre o mesmo assuim
f'to escreve o Padre Petau no Tomo I. dos
dogmas Theologicos, Livro IX. cap. 6. Pb*
Peira. . .' . . - : -í
k o s R ò jvì a Nt) s. : Cap. VIII. 331
3? (r) Q}iem P°ís nos separará do
amor de Jesu Christo ? Será a tribula-
çao , ou a angustia ou a fome , 011 a
deínudez, ou o pcrigo, ou a persegui-
eáo, ou o ferro, ou a violencia? '. :
36 (Segundo eitá cícrito : Por amor saim.
de ri, Senhor, íòmos todos osdias eu-
tregues á morte ; íòmos reputados co?
mo ovelhas destinadas a morrer.)
37 Mas entre todos estes )males ,
nôs sahimos vencedores por aquelle,
que nos a mou. .
38 (j) Porque eu estou certo, que
": ^ 1 v - nem
ír) Pj*f« f><>" nos separartí do amor de Jesu Cbrir
sto ? O Grego tem , <<o slwçr <íí Deox. Où- lè
leia porém d'huma forte , ou d'outra , hç
mais natural , e mais conforme ao contexto. do
Apostolo entendes por este amo,r o amor , com
que Deqs ama os efçolhidos , do que o amor ,
,com que os esçolhidos amão a Deos. Caeta-
íNO, e EsTip/ . . ' - . '
'(0 Parque ' eu estou íifto , q#'e nem a moite ,
flem a vida ^ nem os Anjos ú-c. Deste modo
de fallar deS-PauJI0 fefaz manifesto, fer táo
poderofa y tão efficaz , e tão immutavel a di-
lecção de Deos para com os efçolhidos,, que
ïupposto o decreto absoluto de os falvar , he
impoflíyel que se peica algum delies. Pbréi-
£a. .. ' ' .' . '- -'•
Epistola de S. Paúlo
nem a morte , nem a vida , nem os An
jos , nem os Principados, nem as Vir
tudes , nem as cousas presentes , nem
as futuras , nem o que ha de mais al
to , ou de mais profundo , nem outra
alguma creatura , nos poderá separar
do amor de Deos em Jefu Ghristo nos
so Senhor.

CAPITULO IX.
Afflige-se Paulo com a perdição dosjudeos.
Ella não frustra as divinas promessas :
porque o objecto das promejsas de Deos
são osfilhos de Abrahão , segundo a elei
ção , e não segundo a carne. Isaac , e
Jacob forão vsfilhos da promejja > enao
Ismael , nem os outros. Deos he Senhor
das suas misericordias. Elie endurece a
quem quer. O que era povo seu , deixa
de o sèr ; e o que o não era , vem a ser
seu povo. Os fudeos com a Lei perdê-
1 rão-se : os Gentios pela fé em Jesu Chri-
fio falvárão-fe.

ï U digo a verdade cm Jefu Chri-


S~J sto : não minto : antes a minha
consciencia me dá testemunho pelo Es
pirito Santo, Quç
los Romanos. Cap. IX. 333
1 Que huma profunda tristeza me
occupa , e que huma viva dor me fere
incessantemente o coração :
3 Em termos (a) que eu mesmo
desejára (b) ser anáthema , e separado
. de
00 desejara. O Texto Latino tem
no preterito imperfeito, optabam , que eu de
sejava. O Grego porém diz no modo conjun-
ctivo ,. ou potencial , optarim , que eu deseja
ra. E este sentido he mais conforme a hum
desejo , que como nós veremos na seguinte
Nota j foi não absoluto , mas condicional no
Apostolo. Por isso tambem todos os Francezes
vertêrão , que j'euffe destrê : como se disseramos
cm Portuguez , que eu bouvera desejado. Pe-:
REIRA.
Ser anátbema, e separado de Jtsu Cbristo.-
O Latim, e o Grego diz, anátbema effe; que
vertido á letra soaria , ser excommungado. Por
que isso significa em ambas as Línguas o no
me anátbema. O qual nas Escrituras se costu
ma tomar pela pessoa , ou cousa apartada do
uso , e trato dos homens , não como sagrada ,
mas como execravel, e digna ide se extermi
nar. (Num. xxi. 5. Josué vi. 17.) E aíhm na
frase dos Canones da Igreja o mesmo he di
zer , seja anátbema , que , seja separado da so
ciedade dos Fieis , separado dos Sacramentos ;
que he o que por huma só palavra chamamos
excommungado. Como pois o ser separado de
Jesu Ghristo , soa ser separado do amor , da
companhia , da gloria de ]esu Christ© , e fi* *
5 3 4. E p ï sis òljl mm. S. JPif ííê*I
de Jesu Christo por amor de mens? ir
mãos , que são de, hum mesm o sangue
que eu, segundo a carne: :^
> 4 ^ Que são os Israelitas , a quem
pertencem a adopção: de. filhos , a glo
ria, o pacto, a data da Lei, o culto,
e as prpmeíTas: ' ;r . '- 1f!
S Que tem pof pais aquelles , de
quem tambem procedeo segundo a car
ne
car réo de pena eterna ; e este desejo sendo
absoluto , parece que pugna com as Regras
da Fé , e da Moral Christá j quanto mais com
as. luzes , e santidade de hum Paulo : Tem
Estio , e Duhamel por mais provavel , que as
palavras do Apostolo se devem considerar hu
ma hyperbole , com que elle quiz exaggerar,
quanto sentia no seu coraçáo , e quáo de vé*
ras desejava poder evitar a perdiçáo de seus
irmáos. (Da melma sorte que Moyscs levado
à& sua excessiva caridade para com os proxi
mos , dissera a Deos : Ou tu perdoa ao pom,, «a
senão risca-me do teu Livro.-) Ou que se devem
entender condicionalmente , como se o Apos
tolo dissefiíe : Tanta tristeza , e dor me causa
a consideraçáo j de que os que sáo do meu san-
gue , se hajáo de perder; que eu, se fosse li*
cito , ou se podelse ser , desejara ser separa
do de tudo o que tenho em Jesu Christo , a
troco de lhes evitar a condemnaçáo eterna.
Pereira. :
aos Romanos. Cap. IX. 335-
ne Jesu Christo , qtie he Deos sobre to
das as cousas , e bemdito por todos os
seculos. Amen.
6 Não que eu julgue, que a pala
vra de 'Deos ficou sem esseito. Porqueí
nem todos os que descendem de Israel ,
áão por iíTo Israelitas : ' • , -
7 Nem todos os que procedem de
Abrahão j são por isso seus filhos j mas
Isaac (lhe disse Deos) será o que se cha
me teu filho. ' \. . \ ' J.
8 Para significar , que os que são
filhos segundo a carne , não são esses
por isso os que são filhos de Deos : mas
que os que são filhos da promessa , et
ses são os que se reputão descenden
tes.
9 Porque eis-aqui os termos da pro
messa : Eu passado hum anno virei a es- Gener.
te mesmo tempo , e Sara . terá hum fi-
lho.
10 E isto se vê não somente emSá-
ra , mas tambem em Rebecca , que de Genec
hum coito concebeo dous filhos de Isaac *™
nosso pai. 1
Por-
336 Epistola de S. Paulo
11 (Y) Porque não tendo elles ain
da nascido , nem tendo ainda feito bem /
• ou

(c) Porque não tendo elles ainda nascido , nem


tendo ainda seito bem , ou mal algum. Todo o
assumpto do Apostolo neste altiflimo discurso,
he mostrar verificado no sentido profetico a
respeito do Povo Israelitico, e do Povo Gen
tílico, e consequentemente a respeito dos Es
colhidos , e dos Réprobos , o que a Escritura,
no sentido historico refere succedido aos dous
irmáos gemeos , Jacob , e Esaú , filhos de Isaac ,
e de Rebecca.
Este assumpto pela sua grandeza , e pro
fundidade, náo he para se tratar a fundo em
breves Notas, e muito menos em Notas fei
tas principalmente para gente leiga. Pelo que
remetto os Leitores , que nesta materia qui-
zerem adiantar os seus conhecimentos , para a
extensa , e exacta Analyse , que de todo este
discurso de S. Paulo fizerão os seus dous gran
des Interpretes , Santo Agostinho no fim do
Primeiro Livro da sua Obra Imperfeita con
tra Juliao, e Santo Thomaz na Liçáo Tercei
ra , e na Liçáo Quarta sobre o presente Ca
pitulo do Apostolo : e para o que sobre a mes
ma Analyse dos dous Santos Doutores da Gra
ça, reflectio judiciosamente Antonio Arnault,
na Nova Desensa do Noi1o Testamento , impreffo
em Mons , contra Mr. Mallet , Livro VIL cap. 10.
Tomo VIL da nova Ediçáo de Laulane, pag.
460. e segg.
Aqui aos que não sáo Theologos basta
aos Romanos. Cap. IX. 337
ou mal algum ; para que o decreto de
Deos ficasse firme, segundo a sua elei
ção, ,
Tom. III. Y Não
advertir-lhes , o que nesta importante materia
deixoU escrito o nosso Santo Isidoro de Sevi
lha, que seguindo as pizadas de Santo Agos
tinho , c as de seu fiel Discípulo S. Fulgencio
de Ruspe, discorre affim no Livro Das Diffe-
renças EJpirituaes , num. 28. aliás 32. Do so
bredito se colhe ser huma verdade manifestis-
lima , que o dom da graça náo se consegue
pela virtude humana, ou pelos merecimentos'
do Livre Alvedrio ; mas que só pela bondade
deDeos heque ella se despende. Porque huns
salvão-se , feitos vasos de misericordia , pot
hum puro beneficio da divina graça ; outros
perdem-se, feitos vasos de ira, por hum jus
to iuizo , que os condemnou á pena. Isto se
colhe do exemplo , que S.Paulo propõe, de
Jacob, e de Elaú : os quaes estando ainda no
ventre de sua mái concebidos de hum coito ,
e achando-se igualmente comprehendidos no
peccadp original ; a hum puxou para si a gra
tuita bondade da misericordia divina preveníen-
te ; a outro deixado na massa da perdiçáo a-
borreo huma severidade justa, como rambetri
pelo Profeta diz o Senhor por estas palavras :
Eu amei a Jacob , e aborreci a Esaú. Dende se
segue , que a graça se dá sem precederem al
guns merecimentos, mas só em virtude da vo
caçáo divina. E que ninguem se salva , ou
condemna, ninguem he clçolhido, ou repro-
338 Epistola de S. Paulo
12 ( d) Não por respeito ás suas
obras , mas por causa da vocação de
Deos, foi dito á mãi:
O
vado , senáo pelo decreto da vontade absolu
ta , e antecedente de Deos , que he justo nos
réprobos, e misericordioso nos escolhidos. Por
que todos os caminhos do Senhor sáo miseri
cordia , e verdade. Atéqui Santo Isidoro. Pí-
REIRA.
(£) Não por respeito ás suas obras. Deve-se
encender , tanto presentes , como passadas , co
mo futuras. Porque quanto ás duas primeiras,
náo tendo ainda nascido Jacob , e Esaú , náo
podião fazer, nem ter feito alguma: e quan
to ás futuras , Deos sabia perfeitamente, que
estes dous meninos não serião de si capazes de
fazer senáo obras más , por causa da corru
pçáo , que ambos tinháo contrahido , des do
momento da sua conceiçáo em peccado. Por
que ainda que Deos tambem previa , que Ja
cob algum tempo havia de fazer algumas boas
acções , com que obtivesse a execuçáo da es
colha , que delle se fizera para o direito da
primogenitura, e com que elle se fizesse dig
no de ser preferido a Esaú : Não se pôde por
isso dizer , que as suas boas obras foráo as que
lhe merecèráo esta escolha , nem que ellas ier-
víráo de motivo a Deos para o preferir ao ir
máo pelo seu eterno decreto : pois que ao tem
po que elle as fez , Deos foi o que lhas in-
ipirou , e que lhas inspirou como hum meio
necessário. , para Jacob obter o effeito da es-.
sa da vocação de Deot. Isto he , mas por cau
sa do decreto , que Deos formara desde toda
a eternidade , de chamar esficazmente a Jacob
ao direito da primogenitura, e de lhe dar es
ta vantagem de preferencia sobre Esaú.
Segundo este Discurso de Mr'. de Saci , que
he fundado em todo o contexto do Apostolo,
e authorizado por Santo Agostinho , exclue
S. Paulo da razáo de causa da Predestinaçáo
para a gloria , toda a previsáo de obras hu
manas futuras , quer ellas sejão naturaes , quer
sobrenaturaes. Porque quanto á se deverem
excluir as obras naturaes, he isto hum Dog
ma da Fé Catholica contra os Pelagianos , e
Semipelagianos. Quanto a se deverem excluir
tambem as sobrenaturaes , a razáo está distan
do , que a intençáo do fim sempre he primei
ro , do que a eleiçáo dos meios : e que aflim
fendo a graça o meio de se alcançar a glo
ria , primeiro se dá em Deos a Predestinaçáo
de taes , e taes homens para a gloria , do que
o decreto de lhes dar a graça , com que elles
a alcancem. Donde por ultimo se conclue , que
aflim as obras feitas pelo auxilio da graça ,
como a sua previsáo , tanto náo precedem a
Predestinaçáo para a gloria , que antes a pre-
suppõe : tanto náo sáo causa da Predestinaçáo ,
que antes sáo já effeito delia : Ideo quippe ta-,
les eramus suturi , çaia elegit ipse , prtde/línans
vt tales per gratiam ejus effemus , secuudum pia*
(hum •voluntatis sue. Santo Agostinho no Livro
Da Correpção , e da Graça , cap. 7. PfiRElRA, >
Y ii
34o Epistola de S. Paulò
Cènes. 13 (?) O mais velho servirá ao
mais moço , segundo o que está escri
to :
(e) O mais velbo sirvirá ao mais moço. Este
vaticínio a respeito da diversa fortuna dosdous
irmáos , no sentido historico verificou-se , quan
do David (como lemos no Segundo Livro dos
Reis , Capitulo oitavo) sujeitou ao seu domí
nio , e a do povo de Israel , descendente de
Jacob , os Idumeos , que cião descendentes de
Esaú. No sentido figurado representa de huma
parte os Judeos infieis, e os Christãos ; e da
outra os réprobos, e os escolhidos. No qual
patallclo os Judeos infieis, figurados nos Idu
meos , sáo como os mais velhos a respeito dos
Christãos , em quanto são os primeiros , que
íorão exteriormente adoptados , e os primei
ros , que receberáo o conhecimento do verda
deiro Deos ; mas que depois foráo privados
do seu direito de primogenitura a favor dos
Christãos , figurados nos Israelitas , e que a
respeito dos Judeos erão como os cadetes , e
os ultimos , que foráo allumiados da verda
de: vindo a ser os Christãos os que gozaflsem
da liberdade de filhos de Deos , e das pro
messas da sua graça ; e os Judeos , que foráo
excluídos delias , a viver entrelles como es
cravos , e a ficar sempre na servidáo da le
tra , e das observancias legaesy E pelo que
toca aos escolhidos , c réprobos , também se
pôde dizer com verdade , que estes são os
mais velhos daquelles ; em quanto a nature
za , segundo a qual se considerào huns , pre
cede a graça , que he particular aos outros»
aos Romanos. Cap. IX. 341
tp : (/) Eu amei a Jacob , e aborreci m ahq.
a Esaii. ' .
14 (g) Pois que diremos ? Ha em
Deos
e etn quanto os réprobos pertencem á primei
ra nascença , que ne a carnal , e os escolhi
dos á segunda , que hc toda espiritual. Ao que
se deve ajuntar para inteiro complemento da
figura , que os réprobos forão despojados pa
ra sempre em Adáo do seu direito de primo
genitura -, isto he , do direito , que elles ti-
nhão á vida eterna , segundo a ordem da sua
creação : eque este direito passou para os es
colhidos , segundo a ordem da graça , e da
redempção de Jesu Christo. Saci.
(f) Eu amei a Jacob, e aborreci a Esaú. Esta
doutrina da preferencia gratuita de Jacob a
Esaú , e dos Israelitas aos Idumeos , que he
a figura da preferencia do povo Gentio ao po^-
vo Judaico , e ao mesmo tempo dos escolhi
dos aos réprobos , não deve parecer nova aos
Judeos : porque Malaquias hum dos seus Pro
fetas a ensina claramente , referindo toda a ra-r
zão desta preferencia ao amor , que Deos te
ve a hum por pura misericordia sua, c á jus
ta aversáo , que teve pela corrupçáo original
do outro: o que mostra que ninguém a devç
fundar sobre seus proprios merecimentos. Saci.
(g) Pois que diremos ì Ha em Deos injustiça ì
Para te entender melhor a soluçáo , que o A-
postolo nos versos seguintes dá a difficuld-ade ,
Sue aqui propõe , ne tei minante , e clara a
, outrina, que traz Santo Thomaz no Commeij.
34* Epistola de S. Paulo
Deos injustiça ? Deos nos livre de tal
cuidar.
ixod. . Porque elle disse a Moysés: Eu
„. - terei misericordia , com quem me aprou
ver ter misericordia ; e eu terei pieda
de , com quem me aprouver ter pieda
de.
Lo
tario a este Texto de S. Paulo , onde diz as
sim: A justiça distributiva só tem lugar naquellas
cousas , que são devidas : como se alguns merecê?
táo certa paga pilo seu trabalbo , aos quaes bt
justo que elltt se dê , e que se dê tauto mais avan
tajada, quanto o trabalbo soi maior. Mas ella não
tem lugar nas cousas , que se dão voluntariamen
te y e de pura graça: tomo se bum bomem encon
trando dous pobres no caminbo , dá a bum dos dous
tudo o que tinba resolvido dar em esmolas; no quai
caso o bomem be misericordioso , e não be injusto.
O mesmo se deve dizer daquelle , que tendo sido
aggravado por duas peffoas , perdoa a buma o agr
gravo , que recebeo , e não o perdoa d outra ; no
qual caso o bomem aggravado trata a buma com
clemencia , a outra com justiça , e a nenbuma sa%
injúria. Como todos os bomens pois nascem sujeitos
d condemnação > por causa do primeiro bomem ; ar
quelles , que Deos livra pela sua graça , elle os
livra só por sua misericordia. Affm vem Deos a
ser misericordioso com os que livra , e vem a ser
justo com os que não livra , e para nenbum be in
justo. Atéqui Santo Thomaz na Liçáo III. Pe
reira,
Áos Romanos. Cap. IX. 343
16 Logo isto não depende do que
quer , nem do que corre ; mas de ter
Deos misericordia.
17 Por isso diz elle a Faraó na Es
critura : Eu para isto mesmo he que te E*od.
1 n • 1 j - ix. il.
puz , para moltrar em ti o meu poder ,
e para fazer célebre o meu nome em
toda a terra.
18 (h) He logo verdade , que elle
usa de misericordia com quem quer, e
que elle endurece a quem quer.
19 (i) Talvez me dirás tu : Sendo
isto
(i) He logo verdade que Deos , &C. Santo A-
gostinho na Epistola a Xisto , num. 5. Busca
mos o merecimento da obduração , e acbamo-lo : por
que pelo merecimento do peccado incorreo na con-
demnação toda a maffa do genero bumano : nem
Deos endurece inspirando a malícia , mas não dan
do a graça. Buscamos o merecimento da misericor
dia , e não acbamos nenbum , porque não ba ne
nhum. E isto para que se não evacue a graça , si
a misericordia se não dá gratuitamente , mas co
mo premio dos merecimentos. Pereira.
(f) Talvez me dirás tu : Sendo isto ajsim , por-
que se queixa logo Deos ì Propõe o Apostolo eí*
ta objecçáo em nome de hum Judeo obstina
do. Se he verdade que Deos tem abandonado
a nossa Naçáo á incredulidade , e que elle náo
a quiz chamar efficazmente á fç de Jeíu Chri
344 Epistola de S. Paulo
isto aflîm , porque se queixa logo Deos ?
Porque quem ha que resista á sua von?
tade ?
ao (/) Mas ó homem , quem es

sto; porque se queixa elle de nós sermos in


credulos j como se dependesse de nós náo o
sermos ? Porque quem ba que resista, á sua von
tade ? Como poderemos nós náo ser incredu
los , pois que elle resolveo não nos dar a fé,
e ninguem pôde resistir ao que elle huma vez
decretou ? Saci.
(s) Mas ó bomem , quem es tu , para replica
res a Deps ? Por ventura o vaso de barro , &C.
Santo Thomaz na Liçáo IV. Duas questões st
podem sazer sobre a eleição dos Sa?itos , e repro
vado dos ímpios. Huma geral , e absoluta : Dori-
de vem querer Deos endurecer flbuns, e usar de mi
sericordia com outros. Outra especial , e compara
tiva : Porque quer Deos usar de misericordia com
este , e endurecer aquelle. Da primeira questão pór
de-se dar razão. Mas da segunda nua se pôde dar
outra , senão unicamente ser ajsm vontade de Deos.
Ora S.Paulo não responde á segunda questão , ser
não nos versos n. e 23. Mas d primeira respon
de elle logo no verso 20. com bum Texto de Isaias
no Capitulo XLV. verso 9. que diz affim : Por vetv
tura o vaso de barro diz a quem o fez : Por
que me fizeste tu aflim ì Sobre o que se deve
v considerar: Que se bum artifice sar, bum vaso sor
moso , e proprio a se empregar em usos nobres , de
buma materia vil : tudo o que este vaso tem de
excellente ? se attribue á bondade do artifice. Po:
aos Romanos. Cap. IX. 345-
tu , para replicares a Deos ? Por venr *<-«•
tura o vaso de barro diz a quem o fez : XLV'9'

Por que me fizeste tu aíiïm?


2i (m) Ou não póde o oleiro fa- 6.
zer
rém se de buma materia vil , como be a terra , saz
tile bum vaso para servir em usos vis ; se este va
so tiveffe intelligencia , não poderia queixarse de
quem o fizera : mas poderia queixar-se d'alguma
sorte , s: a materia , em que trabalbou o artifice ,
soffe buma materia dl grande preço , como be o ou
ro, e as pedras preeiosas. Ora a natureza buma
na be vil pela sua materia , pois o bomem soi sor
mado por Deos do limo da terra : e ainda be mui
to mais vil pela corrupção do peccado , que de bum
se transsundio por todos. For esta razão tudo o que
tem de bom, deve o bomem attribuir d bondade di
vina , como á babilidade do artifice. E ajjim ou
Deos exalte o bomem , ou o deixe na sua baixe
za , c o destine a usos vis ; a nenbum saz Deos
injustiça , e nenbum tem direito para se queixar
delle. Da mesma sorte pois que o oleiro , que tra
balha numa materia vil , pôde , sem que baja lu
gar para a queixa , sormar da mesma maffa desta
vil matéria , bum vaso de bonra , isto be , desti
nado a usos nobres; e outro de ignominia , istobe ,
destinado a usos vis: Afim tambem be livre aDeos
sormar da mesma materia do genero bumano , cor
rompida pelo peccado , como de buma vil materia ,
bum bomens preparados para a gloria , outros dei
xados na sua miseria , sem que alguem se poffa
queixar, que elle lbe saz injúria. Pereira.
fan) Ou não pode o oleiro sazer da mesma mas-
7

34^ Epistola de S. Paulo


zer da mesma massa de barro hum va
so, que o seja de honra, e outro vaso,
- que o seja de ignominia ?
22 Quem se póde queixar, seDeos
querendo mostrar a sua ira , e dar a co
nhecer o seu poder , soffre com summa
paciencia os vasos de ira , preparados
para a perdição ?
23 Afim de manifestar as riquezas
da sua gloria sobre os vasos de miseri-
cor-
sa de barro , <ù>-c. Desta comparaçáo do oleiro,
fazendo da mesma massa de barro hum vaso,
que o seja de honra , e outro que o seja de
ignominia; (a qual comparaçáo tomou S.Pau
lo do Profeta Isaias) tem os Santos Padres , e
tem a Igreja Catholica com elles por hum Dog
ma certiflìmo , que aflim como pelo peccado
original se fizerão todos os homens rcos da ira
de Deos ; astim rambem se por este só pecca
do os condemnasse Deos a todos , a nenhum
fària Deos injustiça , para elles se poderem quei
xar. E que muito menos razáo de queixa tem
elles agora, quando, podendo Deos justamen
te perder a todos, salva por sua misericordia
a alguns. He o que doutamente ponderáo San
to Agostinho na Carta a Xisto , num. 4. e 5.
e seu Discípulo S. Prospero no Poema Dos In
gratos , cap. 52. e seguindo a ambos Santo Tho-
maz no lugar, que aflima transcrevemos. Pb*
reira.
aos Romanos. Cap. IX 34.7
cordia , que elle preparou para a glo
ria;
24 Sobre nós, que elle chamou não
só dentre os Judeos , mas tambem den
tre os Gentios,
25- Conforme o que elle mesmo dis
se por Oséas: Eu chamarei meu povo, osea»
ao que não era meu povo ; meu ama
do, ao que não era meu amado; obje
cto de minha misericordia , ao que não
era objecto de minha misericordia:
26 , E virá com isto a succeder, que
no mesmo lugar , onde eu lhes tinha
dito : Vós não sois povo meu : sejão el
les chamados filhos de Deos vivo.
27 (») E pelo que toca a Israel,
del-
(») E pelo que toca a Israel. A Vulgata La
tina diz , Isaias autem clamât pro Israel. O que
Calmet verte aJfim á letra : E Isaias cbama a
savor de Israel. Mas os que advertiráo corri'.
Erasmo , e Estio , que em lugar de f>ro Israel,
tem o Grego super Israel , que vai o mesmo
que de Israel ; e que o que o Apostolo inten
ta mostrar por Isaias , he a reprovaçáo do po
vo Judaico : vertêrão como eu , E pelo que to-
tâ « Israel, ou, E a respeito de Israel. Assim
Amelote , os de Mons , Saci , Huré , Meflertr
gui. Pereira. -
348 Epistola de S. Paulo
isaî. x. delle clama Isaias : Quando os filhos de
fl- Israel sejao tantos em número , como
a arêa do mar , hum só pequeno resto
delles será o que se salve.
28 Porque Deos na sua justiça re
duzirá o seu povo a hum pequeno nú
mero. O Senhor dará sobre a terra hum
grande corte.
29 E o mesmo Isaias tinha já an
isai. 1. tes dito: Se o Senhor dos exercitos nos
9' não deixasse alguns da nossa geração,
estariamos nós feitos semelhantes a So-
doma, e a Gomorra.
30 Que diremos pois ? Que os Gen
tios, que não buscavao a justiça , abra-
çárao a justiça, e a justiça, que vem da
fé:
31 E que pelo contrario os Israe
litas, que hião atrás da Lei da justiça,
não chegarão á Lei da justiça.
32 E porque ? porque a não busca
rão pela fé , (0) mas cómo se ella se
po-
(o) Mas como se ella se podeffe alcançar pe
las obras. Aflim Amelote , e Huré. Os mais
náo contemplaráo a partícula quasi , que vem
na Vulgata : ou porque a julgaráo redunda^
Aos Romanos. Cap. IX. e X. 349
podesse alcançar pelas obra.s : (p ) por*
que tropeçárão na pedra de tropeço,
33 Conforme o que está escrito:
Eis-ahi ponho eu em Sião o que he a
pedra de tropeço, apedra d'eicandalo:
e todos os que crerem nelle , não serão
confundidos.

CAPITULO X.
Ora Paulo pela salvação dos Judeos. O
zelo destes não he segundo asciencia. El
les ignorão o fim da hei , que he JeJu
Chriflo. Ajustiça não consiste nas obras >
mas nafé viva. Afé he para todos : mas
he necessario que haja Missionarios , que
a preguem. Todos ouvirão a fé , mas só
os Gentios a recebêrão.

1 T "T E verdade , irmãos , que eu


XTX sinto no meu coração hum
gran-
•* j ou porque a tomárão na significaçáo de
forque , como Estio reconhece que ella se po
de tomar. Pereira. \
Cf) Porque tropeçarão na pedra de tropeço. A
pedra de tropeço , em que tropeçárão os Ju
deos j foi Jefu Christo : porque não o queren
do reconhecer como Deos por seu Redemptor ,
o desprezaráo , e maltrataráo , tendo-o por hum
puro homem. E ninguem tropeça senáo na-
quiilo , para que náo attenta. Píírbira.
3^0 Epistola de S. Paulo
grande affccto pela salvação de Israel,
e que eu a peço a Deos nas minhas ora
ções.
2 Porque eu posso dar-lhes testemu
nho, de que elles tem zelo por Deos,
mas hum zelo , que náo he segundo a
sciencia.
3 (d) Porque não conhecendo a jus
tiça de Deos , e esforçando-se por esta
belecer a sua propria justiça , não se su
jeitarão á justiça de Deos.
4 (b) Porque Jesu Christo he o fim
da Lei , (c) para- justificar a todos os
que nelle crem.
t Ora
(«) Porque não conbecendo a justiça de Deu.
A justiça de Deos neste lugar não be a justiça,
com que Deos be justo ; mas fim a justiça , que
Deos dá ao bomem , para o bomem ser justo ptr
Deos. S. Agostinho no Traçado XXVI. sobre
S. joão. , ?
(i) Porque Jesu Cbristo be o sim da Lei. Se
gundo os Latinos he Jesu Christo o fim da Lei
Mosaica : porque esta ora na parte ceremonial
prefigurando-o , ora na parte moral arguindo
a Iraqueza do homem , toda tinha a Jesu Chri
sto por termo. Segundo os Gregos he elle o
fim da Lei , em quanto he o que a aperfeiçoa,
e faz observar. Estio.
(c) Para justificar a todos as qui nelle crem.
aos Romanos. Cap. X. 3 5-1
y Ora Moysés acerca da justiça , i-míc
que vem da Lei , (d) eícreveo que o
que observar os seus Mandamentos,
achará a vida nelles.
6 Mas no tocante á justiça , que vem
da fé , eis-aqui como elle falla : Não
dirás em teu coração : Quem poderá su- ^eut
bir até o Geo? isto he, por fazer des
cer de lá a Jesu Ghristo.
7 Ou quem poderá descer ao cora
ção
Não porque só a fé os justifique , mas porque
a jústificação começa pela fé , e a fé lbes en
sina o que devem fazer para se justificarem.
Estio.
(d) Escrcvco que o que observar os seus Mau-
iamentos s &c. Segui a exemplo dos de Mons ,
de Saci , de Calmet , e doutros o sentido do
Original Grego , que he o mesmo que no Le-
vitico trazem os Setenta Interpretes ; e o mes
mo que S. Paulo , allegando este mesmo lu
gar de Moysés , propoz na Epistola aos Gála
tas , ih. 12. E a differença aqui na Epistola
aos Romanos só está , em que a Vulgata en
tendendo por substantivo antecedente a Lei ,
diz no singular , vivet in ea , terá vida nella :
e o Grego entendendo por substantivo antece
dente os Mandamentos , diz no plural , vivet
in Mis , achará vida nelles. Que he tambem
como a Vulgata o traz no lugar apontado da
Epistola aos Gálatas. Pereira.
35sa Epistola de S. P AULO
ção da terra ? isto he , por fazer que
Jesu Christo resurja dos mortos?
8 Porém que diz a Escritura? A
D«ut. palavra , que eu te annuncío , não está
*• 14 longe de ti : ella está na tua boca , e
no teu coração. Tal he a natureza da
fé, que nós vôs prégamos.
9 Porque se tu confessas com a tua
boca a Jesu Christo por Senhor, e crês
no teu coração que Deos o refuscitou
dos mortos , serás salvo.
10 Porque com o coração , se crê
para alcançar a justiça , e com a boca
íe faz confissão da fé para alcançar a
salvação.
11 Por isso he que a Escritura diz :
Todo
XXVIII. _ ,. o que
* crê nelle '. não será con-
#6. fundido.
12 Nisto não ha distinção entre Ju-
deos , e Gentios. Porque para todos he
elle hum mesmo Senhor , que diffunde
as suas riquezas por todos , os que o
invocão.
*oel 13 Porque todo o que invocar o
nome do Senhor, será salvo..
Co-
aos R o fa a n o s. Gap. X. 3 5-3
14 Como o hão de elles porém in
vocar , se elles não crem nelle ? E co
mo hão de crer nelle , se delle não ou
virão fallar? Ecomo hão de Ouvir fal-
lar, se ninguem lho préga?
j«f E como lhes hão de elles pré
ga r, se não forem enviados? Segundo ^
o que está escrito: Que formosos são os 7.'
pés dos que dão a boa nova da paz,
dos que dão a boa nova dos verdadei
ros bens !
16 Mas nem todos obedecem ao
Evangelho. Que he o que fez dizer a
Isaias : Senhor , quem creo naquillo , que
nos ouvio pregar r - ,.
17 Logo a fé vem do que se ou
vio ; e o ter-se ouvido , he porque se
prégou a palavra de Jesu Christo.
18 Mas digo eu: E acaso elles não
a ouvirão ? Certo que a ouvirão '. por- Saint,
que o som da voz dos Pregadores se * '
diíFundio por toda aterra, e assuas pa
lavras chegarão até- ás extremidades dó
Mundo.
19 Pergunto mais : E acaso Israel
Tom. III. Z não
35-4 Epistola de S. Paulo
não o soube? Porém Moysés he o pri
meiro , que lhe diz : Eu vos metterei
Deut. em ciume ( e ) com huma Nação , que
"x"- não he Nação : e farei que huma Na
ção insensata venha a ser o objecto da
vossa indignação, e inveja.
2ò Depois Isaias ainda mais confia-
Isaî' damente diz: Eu fui achado pelos que
' me não buscavão : e eu me dei a ver
claramente aos que não cuidavão de
perguntar por mim.
isai. 21 E a respeito de Israel diz : Eu
utv a' todo o dia estive com os braços esten

didos para este povo incredulo , e re


belde ás minhas palavras.

GA-

(í) Com buma Nação , que não be Nação. Isto


he , com os Gentios , de quem os Judeos náo
faziáo caso ; e cuja vocaçáo á Fé , e Lei dc
Jesu Christo foi para os Judeos hum motivo
de indignaçáo , e de. inveja , como he ordina
rio nos que vem que se dá a outro , o que
elles desprezaráo , e rejeitarão. Estio.
aos Romanos* 357

CAPITULO XT.
T>eos reservou para st alguns dos Judeos,
Isto foi pela eleição de Deos , e não pe
las obras dos homens. Os outros ficdrãa
na sua cegueira. A sua perda , que deo
occasião a se salvarem os Gentios , deve
no exemplo destes achar oseu remedio. A
sua conversão será util para todo o Mun
do. Os Gentios não devem desprezar os
Judeos. Os Judeos são ramos naturaes
da oliveira : os Gentios ramos enxerta
dos do zambujeiro. Os juízos de Deos
são incomprehenstveis.

ï Ue direi logo ? Rejeitou Deos


o seu povo ? Não por certo.
Porque eu tambem sou Israe
lita , do sangue de Abrahao , e da tri
bu de Benjamin.
2 Não rejeitou Deos o seu povo ,
que elle conheceo na sua presciencia.
Por ventura não sabeis vós , o que a Es
critura refere de Elias , de que modo
pedio elle justiça a Deos contra Israel ?
3 Senhor , elles mata'rao os teus Pro- m Rej,
setas, arruinarão os teus Altares, e eu29'*"
Z ii fi-
Epistola de S.Paulo
fiquei sófinho , c elles me procurão
tirar a vida.
4 Mas que he o que Deos lhe re-
spondeo ? Eu reservei para mim sete mil
homens , que não dobrárão os joelhos
a fiaal.
5 Do mesmo modo pois ainda nes
te tempo , (a) segundo a eleição da sua
graça , salvou Deos a hum pequeno nú
mero, que elle reservou para si.
6 E se isto foi por graça , não foi
já pelas obras, (b) Doutra forte a gra
ça já não será graça.
Que
(a) Segundo a eleição da graça. Isto he, se
gundo a eleiçáo gratuita, com que Deos sem
olhar para algumas boas obras , escolheo para
st , e determinou salvar a hum certo número
de Judeos. Porque , como já advertimos nas
Notas ao Capitulo oitavo , sempre que se rra-
t'a da predestinaçáo dos justos, a refunde Sáo
Paulo na gratuita eleiçáo , ou escolha de Deos ,
e nunca na previsáo dos merecimentos futu
ros. Pereira.
(i) Doutra sort; a graça já não será graça. A
razáo do dito do Apostolo , he a que aponta
Santo Agostinho no Livro Das Aãas de Pels-
gio , cap. 14. dizendo : Quisquis ergo dignus eji1 ,
iebitum est ei ; ft autem debitum est , gratta non
est î gratta quippe donatur } d/kitum redditur. Gra-
aos Romanos. Cap. XI. 35-7
7 Que diremos logo , senáo que
Israël náo conseguio o que buscava , e
que os escolhidos o confeguírão , e que
os mais forao obcecados ?
8 Conforme o que esti eserito : Deos Isaî-
lhes deo hum espirito de estupìdez , e t0. '
de insenfibilidade : e até o presente dia Deut-
- • XXIX'
lhes náo deo olhos para verem , nem 4.
orelhas para ouvirem.í ' . ' -
9 David tambem diz : A sua meza
se lhes conversa em laço , e em prizáo , SaIm
e em pedra d'escandalo , e sejá esta a
recompensa de scus crimes. 2J'
10 Os feus olhos se lhes obscure-
çao de modo , que elles náo vejáo ; e
tu traze-os sempre incurvados.
11 Pergunto pois : ( c ) Acaso tro-
pe-
tia ergo douatur indignii , ut reddatur debitum
dignis. Quer dizer : Todo aqueile pois , que
he digno do que se lhe dâ , não he o-que se
lhe da gratuito , mas devido : se he porém
devido , não he gratuito ; porque o gratuito
dá-se, o devido paga-se. Logo a graça dá-se
aos indignos , para se pagar como divida aos
dignos. Pereira.
(e) Acaso tropeçdrâo elles de modo , que a qué-
da , que derão , <b-c. Affim expõem todos os bons
Interprètes , como Amelote , Saci , os de Mcns4
35S Epistola de S. Paulo
peçárão elles de modo , que a quéda , que
derao , fosse irreparavel ? Não. Mas a sua
quéda deooccasiao a se salvarem os Gen
tios , a fim de que o exemplo destes ex
citasse nelles emulação para os seguirem.
1 2 Ora se a quéda dos Judeos foi
a riqueza do Mundo, e a sua diminui
ção a riqueza dos Gentiòs ; quanto mais
enriquecerá ainda ao Mundo a sua ple
nitude ? , . -
, .13 Porque eu , 6 Gentios , vos de-
claro, que em, quanto for Apostolo dos
Gentios, hei de trabalhar por fazer il
lustre o meu ministerio;
14 Procurando ver sed'algum mo
do excito emulação nosjudeos , que são
huma mesma carne comigo, e se salvo
alguns delles.
15- Porque se a sua perda veio a
ser á reconciliação do Mundo ; que se
rá o seu novo chamamento , senão hum
tornar da morte á vida ?
Se

MeíTengui , e Duhamel o que na Vulgata se


diz Nuuquid stc offenderunt ut caderent. Pbrbi-
aos Romanos. Cap. XI. 35-9
16 (d) Se as primícias porém são
santas, tambem o he a massa : e se he
santa a raiz , tambem o são os ramos.
17 Se pois alguns ramos se quebra
rão , e tu sendo zambujeiro , foste en
xertado entre os que ficarão na olivei
ra, feito participante do humor, e do
sueco , que sobe da sua raiz ;
18 Não te eleves presumptuosamen-
re contra os ramos. E se te elevas as-
sima delles , sabe que não es tu o que
sustentas a raiz , mas a raiz he a que
te sustenta a ti..
19 Mas os ramos , dira's tu , que-
bra'i ão-se , para eu ser enxertado,
20 AlEm he : elles quebra'rão-se por
causa da sua incredulidade ; e tu perse
veras firme pela tua fé : não te ensober
beças com tudo, (e) mas teme.
Por-
(4) Se as primícias porém , <ò'c. Affim todos
os Traductores , de que uíb , sem exceptuar
Martini. Porque onde a Vulgata poz libação ,
traz o Grego primícias. Pereira.
(f) Mas teme. A razão para o temor , he a
que o Apostolo dá no verso 22. Se be que
todavia permaneces no estaio , em que a sua bon
dade te poz; porque senão , tambem tu serás cor-
3<5o Epistola de S. Paulo
21 Porque se Deos não perdoou aos
ramos naturaes , deves tu temer que elle
te não perdoe a ti.
22 Considera pois a bondade, e a
severidade de Deos : a sua severidade
com os que cahírão , e a sua bondade
para comtigo ; se he que todavia per
maneces firme no estado , em que a sua
bondade te poz : porque senão , tam
bem tu serás cortado.
23 Bem como tambem pelo contra
rio , se elles não persistirem na sua in
credulidade, serão enxertados de novo:
porque poderoso he Deos , para os tor
nar a enxertar.
24 Porque se tu foste cortado do
zambujeiro, que he o teu tronco natu
ral , para contra a tua natureza seres
enxertado na boa oliveira ; com quanto
ma-

taâo. Destes Textos, como tambem do outro


aos Filippcnses , it. 12. em que S. Paulo os
exhorta, a que cuidem em obrar a sua salva
çáo com temor , e tremor : se prova manifesta
mente contra os Calvinistas , que pôde o jus
to perder a fé , e descahir do estado da gra
ça. Perjsira.
aos Romanos. Cap. XI. 361
maior razão os que são ramos naturaes
da oliveira , serão enxertados no seu pró
prio tronco?
25- Porque eu não quero , irmãos ,
que vós ignoreis este mysterio : ( a fim
de que não sejais labios lá comvosco )
que he , que huma parte dos Judeos ca-
hio na cegueira , (/) até que a multi
dão das Nações tenha entrado.
26 (g) E depois disto será salvo to
do o Israel , conforme está escrito : Sa- isoí.
hirá de Sião hum Libertador , que Ian-
çará fóra a impiedade de Jacob :
27 E este será o pacto, que eu fa
rei com elles , quando eu tirar os seus
peccados.
He
(f) Até que a multidão das Nações tenba entra
do. Isto he, até que o Povo Gentílico tenha
entrado na Igreja. Pereira.
(g) E depois disto todo o Israel será safao. Da
qui inferem S. João Chrysostomo , Santo Tho-
maz , Caetano , e Soto , que depois de con
vertidos todos os Gentios no fim do Mundo ,
tambem todos os Judeos , que atélli erão in
credulos , hão de reconhecer a Jeíu Quisto,
e abraçar a lua fé. Todavia S. Gregorio Mag
no , e com elle Estio, o entendem só da mar
ior parte delies. Pereira.
3¿2 Epístola de S. Paulo
28 He verdade que quanto ao Evan-
gelho, (h) elles agora sao aborrecidos
por voíTa caufa; mas quanto á eleiçao,
elles sao queridos por amor de feus
pais.
20 Porque Déos nao fe arrepende
dos feus dons, nem da fuá vocaçao.
30 Bern como vos pois noutro tem
po nao creftes em Déos , e agora con-
íeguiftes mifericordia por caufa da in-
credulidade dos Judeos:
31 Affim tambem agora os Judeos
naocreräo que vos quizeíTe Déos fazer mi
fericordia ; para que a mifericordia , que
vos foi feita, Ihes firva a elles de con-
feguirèm mifericordia.
3 2 Porque Déos a todos fechou na
incredulidade , para exercitar a fuá mi
fericordia com todos.
33 {i) O profundidade das rique
zas
(6) Elles agora sao aborrecidos. Aborrecidos
de Déos , como depois de Eftio expóe Ame-
lote , e MefTengui. Pereira.
(Ú O' profundidade das rique%as , &~c. Aflím
o Original Orego , e dentre os Padres Lati
nos Tercqlliano , Samo Hilario , e S. Jerony
aos Romanos. CaTp. XI. 363
zas da sabedoria , e da seiencia de Deos !
(/) Quão incomprehenfiveis são os seus
juízos , e quão inexcrutaveis os seus ca
minhos ! -
34 Porque quem conheceo os desíg
nios de Deos? Ou quem entrou no iç-r
creto dos seus conselhos?
35- (tn) Ou quem1 lhe deo alguma
* '< cou-
mo. E affim vertêrão os de Mons , c Saci cora
os mais, que se seguiráo. A Vulgata Latina
diz , d altura das riquezas , £>-c.
(/) Quão incomprebenffveis são os Jeus juízos !
Toda esta exclamaçáo , com que o Apostolo
conclue o seu largo discurso sobre a reprova
çáo dos Judeos , e vocaçáo dos Gentios , mol-
tra bem que até np feu juizo he esta huma
materia superior a toda a comprehensáo crea-
da : e que aflim tanto da predestinaçáo , como
da reprovaçáo dos homens, náo se deve bus
car a causa na previsáo dos merecimentos ; mas
Î;ue toda ella está na vontade de Deos , na qual
e contém todas as razões das suas obras. Estio.
(tn) Quem lbe deo alguma cousa pr/wf/ro? Es
ta pergunta do Apostolo basta , para fazer emu
decer toda a presumpçáo humana. Aqui está
a chave, com que se nos patentea,, que o nos
so mesmo obrar bem , e o noflo mesmo me
recer obrando , o devemos nós reputar entre
os dons gratuitos de Deos : quanto mais o pre?
venir-nos elle para o bem, e'o ajudar-no? pa
ia o querer. Phrbira;
3<$4 Epistola de S. Paulo
cousa primeiro , para della pretender a
recompensa ?
3 6 Tudo he delle , tudo he por el
le, tudohenclle. A elle seja gloria por
todos os seculos. Amen.

CAPITULO XII.
Exhorta Paulo os Romanos a se offerece-
rem a Deos como viãimas ; a não se con
formarem com ejle seculo \ a conhecerem
o que Deos quer delies ; a serem sabios
com moderação. Todos pois se devem a-
judar mutuamente como membros cfhum
mesmo corpo. Cada hum deve empregar
os seus talentos a bem de todos. Sobre
tudo os exhorta o Apostolo A caridade
com os proximos , até chegarem afazer
bem aos que lhes fazem mal.

ï ti 1 U pois vos esconjuro , irmãos ,


m^j pela misericordia de Deos ,
que lhe offereçais vossos córpos, como
huma hostia santa , viva , e agradavel
a seus divinos olhos ; (a) que he o cul
to racional . que vós lhe deveis.
9^ Não
(st) Que be o culto racional , &c. Aflim tor
Jos os meus Traductores Francezes , e cora
piles o Ponuguez João Ferreira de Almeida.
Aos Romanos. Cap. XII. 365-
1 Não vos conformeis com o pre
sente seculo; mas haja em vós aquella
transformação, que se faz por meio da
renovação de vosso espirito ; a -m de
conhecerdes qual he a vontade de Deos ,
(b) o que he bom , o que lhe he' agra
davel , e o que he perfeito.
A
Porque o que a Vulgata Latina , seguindo a
frase do leu tempo , verte obsequio , he no Gre
go culto. E em chamar S. Paolo racional o cul
to , ou obsequio , que devemos a Deos , náo
he o seu intento persuadir-nos , que devemos
ter discriçáo, e modo nos nossos exercícios de
piedade , quaes sáo as orações , os jejuns t as
vigílias, as diciplinas : (como vulgarmente o
entendem os Escritores Asceticos , e ainda o
mesmo Santo Thomaz , e Caetano , expondo es
te lugar) mas sim que o culto, que devemos
dar a Deos , he hum culto da razáo , ou da
mente , isto he , hum culto espiritual , como •
de feito veneo aqui Messengui : para differen-
ça do culto externo , e corpóreo , qual fora
o dos Judeos , que consistia no sacrifício de re
zes mortas. Pereira.
(i) 0 que bi bom , o que lbe be agradarei , o
que be perseito. AHim Amelote, os de Mons ,
Saci , Huré , Le Gros , Calmet , Messengui.
Que he como do Grego vertêra tambem Eras
mo , e como nos seus Codices Latinos lia tam
bem Santo Agostinho nos Livros Da Cidade de
Eevt? e nos Das Confissões. Pbreira.
I
366 Epistola de S. Paulo
3 A todos vós pois recommendo,
segundo o ministerio, que me foi dado
pela graça : Que não queirais saber mais ,
do que importa saber ; senão que vos
contenhais nos limites da moderação,
segundo he a medida da fé, que Deos
repartio com cada hum.
4 Porque bem como num só corpo
temos nós muitos membros, e estes mem
bros não tem todos huma mesma fun
ção:
5- Affim ainda que nós fomos mui
tos , não fomos todavia mais que hum
só corpo em Jesu Christo , e todos re-
t ciprocamente membros huns <los ou
tros.
6 Por isso , como são differentes os
dons , que temos , segundo a graça , que
nos foi dada ; aquelle , que recebeo o
dom de profecia , use delle segundo a
regra , e congruencia da fé.
7 Aquelle , que foi chamado ao mi
nisterio da Igreja , entregue-se ao seu
ministerio. Aquelle, que recebeo o dom
de enílnar, applique-se a eníinar.
A-
aos Romanos. Cap. XII. 367
8 Aquelle, que recebeo o dom de
exhortar , occupe-se em exhortar. Aquel
le , que dá esmola , dê-a com simplici
dade. Aquelle, que governa , governe
com Vigilancia. Aquelle, que faz obras
de misericordia, faça-as com alegria.
9 Seja a vossa caridade sem fingi
mento, nem refolho. Tende horror ao
mal, e adheri ao bem.
10 Amai-vos huns aos outros com
huma caridade fraternal. Cada hum pre
vina ao outro em lhe -dar mostras de
honra , e de estimação.
11 Não sejais perguiçosos no que
he da vossa obrigação. Conservai-vos
no fervor d'espirito. Lembrai-vos que
a quem servis , he ao Senhor.
12 Alegrai-vos na esperança. Sede
pacientes na tribulação. Orai com per
severança. A
13 Caritativos em soccorrer asne-
ceífidades dos Santos : promptos a ex
ercitar a hospitalidade.
1 4 Abençoai os que vos perseguem :
abençoai-os , e não os amaldiçoeis.
Ale-
3^8 Epistola DE S. Pauls
i ? Alegrai-vos corn os que se ale-
grão: chorai com os que chorão.
16 Tende entre vos huns mesmos
sentimentos , e huns mesmos affectos.
Náo tenhais pensamentos altivos, mas
accommodai-vos ao que ha de mais bai-
xo, e de mais humilde. Náo sejais sa-
bios aos vossos olhos.
1 7 Náo torneis mal por mal a nin-
guem. Guidai em fazerdes o bem , (c)
náo fó diante de Deos , mas tambem
diante de todos os homens.
18 Tende paz, se aílîm he poíïïvel ,
e quanto em vós he, com toda a qua-
lidade jde pessoas.
19 '(d) Náo vosvingueis avosmek
mos,
(í) Náo só diante de Bsos , mas tambem , <ù>'C.
Ô Grego diz simplesmente : Cuidai em sazcrdet
0 bem diante de Deos. Mas nem por ilfo dire--
mos com Caetano , que o que a Vu 1 gata ac-
crescenta , he de mais. Porque aflïm mes-
mo o citárão S. Clemente Alexandrino , S. Je-
ronymo , Santo Agostinho , Lucifer de Calher ,
Fagundo de Hermia , e outros antigos. Pb-
reira.
(d) Nao vos wingueis a do'í mesmos.- Aflîm to
dos os Traductores aflima indicados. Porqus
ainda- que o Interprete Latino diz , Non vos
Aos Romanos. Cap. XII. 369
mos , cariffimos irmãos ; mas dai lugar
á ira , pois está escrito : A mim he que Dfut-
está reservada a vingança , e eu sou o } u
que a hei de tomar, diz o "Senhor.
20 Antes pelo contrario, se o teu
inimigo tem fome , dá-lhe tu de comer :
se tem sede , dá-lhe de beber, (e). Por
que fazendo-o astím , amontoarás bra-
zas vivas sobre a sua cabeça*
Tom. III. Aa Nao
éactipsos desendentes , que parece soar, Nao yss
desendais a vós mesmo : O Grego expressamen
te tem, Non vos metipsos •vindicantes , que quer
dizer oquepuzemos nò corpo. E fe o Author
da Vulgata usou aqui do verbo Defendeiites ,
foi porque no seu tempo se tomava ,o Desen
der tambem por Vingar , como se colhe dos Es
critos de Terculliano , e de S. Cyprian©. Por
isso ainda hoje noOfficio dos Santos Innocen
tes lemos* num Responsorio : Quare non de
sendis sanguìnem nostrum ì significando o que se
diz no Apocalypse , vi. 10. Quandiu non vin
dicas sanguiuem nostrum ì S. Paulo nós Actos dos
^Apostolos nos deo tantos exemplos , de que a
<adahum eralÍGito defender-se dain|úriaj que
ainda sem o soccorro do Original Grego , e
sem attenção ao ambiguo significado do verbo
Desender , era claro que o Apostolo aqui só
prohibia a vingança. Pereira.
(e) Porque sazendo-o affim , amontoaras bra%at
ninas sobre a sua cabeça. Náo para damno t «
I

37o Epistola de S.Paulo


2i (/) Não te deixes vencer do
mal ; mas trabalha por vencer o mal
com o bem. ; 1

CAPITULO XIII.

Todos devem obedecer aos Principes. Ose»


poder vem de Deos. O que lhes resiste ,
condemna-se. Elles não são para temer ,
senão aos mãos. Deos lhes deo a espada,
para cajligar. A consciencia nos obriga
a estarmos-lbes sujeitos. Os tributos são
devidos aos Principes por ferem Minis
tros de Deos. Não se lhes devem negar
os seus direitos. O amor do proximo he
o complemento da Lei. O tempo da gra»
ça nos obriga particularmente a este
amor. Este tempo he o tempo da luz , tem-

condemnação , mas para correcçáo , e arrepen
dimento : porque vencido dos benefícios , que
lhe fazes , e amollecido no fervor da tua ca
ridade j deixará de ser teu inimigo. S. ]erO-
Nyjwo no Dialogo contra os Pelagianos.
{/) Não te deixes vencer do mal. O vin-
gar-se náo he acção de animo fiprte , mas de
Tinimo baixo , e tiniido. O que se vinga,
náo vence ao inimigo, mas he por elle venct-
dó. Santo Ambrósio no Livro I. Doi Officios,
<ap. 36»
los Romanos. Cap.XIIÎ. 371
po inìmigo do vicio , e destinado ds vif-
tudes , e d imitafdo de Jejù Chrijìo.

1 (a) r I ^ Odo o homem esteja sujei-


JL to ás Potestades superio
res. (b) Porque náo ha Potestade , que
náo venha de Deos. E as que ha , es-
sas forão por Deos ordenadas.
z Aquellepois, que re-ste á Potes-
Aa ii ta-
(a) Todo 0 bomem esteja sujeito a's Potestades
superiores. Todo o homem , lem excepçáo aí-
guma de estados , ou condições, esteja ftïjei*
to ás Potestades superiores; isto he, aos Prin
cipes do seculo , e aos feus Magistrados : ain
da que seja hum Profera , ainda que seja hum
Apostolo , ainda que seja hum Evangeirsta ,
porque esta sujeição não destroe a piedade. E
se S. Paulo aflim o mandou , quando os Prin
cipes erão infieis ; comquanto maior razão se
lhes deve agora render esta obediencia, quan
do elles são fieis ? S. J0Á0 Chrysostomo , e
Theodorbto a este lugar.
Porque nao ba Potestade , que nao vtnba de
Deos. Aquelle , que deo o imperio a Augus-
to , esse o deo a Nero. Aquelle , que o deo
a Vespaíìano, e a Tito, Emperadores elemen-
tiíïïmos, esse o deo aDomiciano crudeliflìmo.-
Aquelle , que o deo a Constantinô Christãoj,-
este o deo a Juliano Apostata. S. Agostiiíro'
ho LivroV. Da Cjdade de Dsos , cap. 25.
37i Epistola de S. Paulo
tade , resiste á ordenação de Deos. E
os que lhe resistem , a li mesmos trazem
a condemnação.
3 Porque os Principes não são pa
ra temer , quando se faz o que He bom ,
mas quando se faz o que he máo. Que
res tu não temer a Potestade ? Obra bem ,
e terás louvor della mesma.
4 Porque o Principe he Ministro
de Deos para bem teu. Mas se tu obras
mal, tens razão de temer: porque não
he debalde que elle traz a espada. Por
que elle he Ministro deDeos, para ex
ercitar vingança , e castigo contra o
que obra mal.
$ He logo necessario que lhe este
jais sujeitos , não sómente pelo temor
do castigo, (c) mas tambem por obri
gação de consciencia.
Por
(c) Mas tambem por obrigação de consciencia.
Deste lugar íe segue manifestamente, que to
da a Lei , e todo o Preceito , que emana da
Potestade legitima dos homens , ou seja Poli
tica, (qual he a de que aqui trata o Aposto
lo) ou seja Ecclesiastica , obriga os subditos em
- consciencia , isto he , diante de Deos , e não
só no foro exterior. £ na verdade a doutrina
a os Romanos. Cap.XIIT. 373
6 Por isso tambem he , que vós pa-
gais tributos aos Principes. Porque el
les sao Ministros de Deos , applicados
lèmpre ás funçoes do feu cargo.
7 Pagai pois a cada hum o que Ihe
he devido: a quem tributo, tributo; a
quem imposto , imposto ; a quem remor ,
temor; a quem honra, honra.
8 A ninguem devais cousa algu-
aia. , ( d) se náo he o amor , com que
vos ameis huns aos outros. Porque a-
quelle, queama aoproximo, temcum-
prido a Lei.
9 Porque estes Mandamentos de
Deos : Náo commetterás adulteiio : Náo
matarás : Náo furtarás: Nao diras fal-
so teftemunho : Náo cubiçarás : E se ha
al-
contraria nâo fomente he falsa , e alheia do
sentido das Escrituras , mas tambem nociva ,
e inimiga da piedade : porque torna bypocritas
os homens , em quanto so servem a olho , e
não de coração , o que o Apostolo vitupera
eíçrevendo aos Éfesinos. Estio.
(á) Senao be o amor , é>>c. Todas as outras
dividas se extinguem , pagando-se ; só a dívi-
da do amor reciproco nunca se extingue , por
que sempre nos devemosamar huns aos outros.
Amelotb.
374 Epistola de S. Paulo
algum outro semelhante : Todos elles
vem a resumir-se nesta palavra : Ama
rás a teu proximo , como a ti mesmo.
io O amor ao próximo não soffre
que se lhe faça mal. E aílim o amor he
o complemento da Lei.
n E nós sabemos , que este he o
tempo: porque hejá chegada a hora de
espertarmos do somno : pois que ago
ra está mais perto de nós a salvação ,
do que quando nós recebemos a fé.
12 A noite he já mui avançada } e
o dia vem chegando. Deixemos logo
as obras das trevas , e reviftamo-nos
das armas da justiça.
. 13 Andemos como de dia honesta
mente : não em glotonarias , e borra
cheiras: não em deshonestidades , e dis
soluções : não em contendas, e emula
ções.
14 Mas revesti- vos de nosso Senhor
JesuChristo: e não procureis contentar
a vossa sensualidade , satisfazendo os seus
appetites.

CA-
AOS R O M A N O S. 37?

, CAPITULO XIV.
Os valentes devem support ar os fracos , e
osfracos nao devem condemnar os va len
tes. Nao devemos julgar a nojsos irmaos.
Jeju Chrifto he o Juiz de nós todos. Im
porta nao escandalizar aquelles, por qucm
Jesu Chrifto morreo. O Reino de Deos
consiste na carìdade. He melhor abfler-fe
hum das cousas permìttidas , do que ufar
delias com perigo doutrëm. O que óbrd
contra a sua conscìencìa , perde-se. ~

i "13 Ecebei com caridade ao que


XV. he ainda ,fraco na fé , fem vos
metterdes a disputar com elle.
3 (a) Porque hum crê que Ihe he
... '„> per-
- (/i) Porque bum crê , <&c. Outro nao come senaó
legumes. Este cra hum dos pontos controverti-
dos não entre os Fieis Judeos , e osFieisGen-
tios j (como fuppõe Martini) mas entre os con-
vertidos do Judaismo huns com outros, como
bem prova Estio. Os que pois dentre os Ju
deos estavão plenamente capacitados , que pe-
, la Redempção feita por Jelu Chrifto ficára de
iodo abrogada a Lei deMoylés naquelks Fre-
ceitos , que não erão da Lei natural; comião
de tudo fem escrupulo, não fazendo differen-
ça aigu ma de viandas a viandas. Outtos y. que
37^ E PISTOLA DE S. P AULO
permittido corner de tudo: outro, que
he fraco, (b) náo corne senáo legumes.
3 , O que corne de tudo , náo desA
preze aoque náo oufa corner de tudo:
e o que náo corne de tudo , náo con-
demne ao que corne de tudo : porque
Deos o recebeo a feu íerviço.
Quem
não erão tão bcm instruidos na plena liberda-
de j cjue a morte do Redemptor trouxera ao
Mundo ; abstinhão-fe ainda de comer carne,
esó comião legumes. Daqui nafcia que os se-
gundos consideravão os primeiros , como vio-
Jadores da Lci , e Tradição de feus Maiores :
e os primeiros tratavão os fegundos com def-
prezo , reputando-os huns homens ignorantes,
e materiaes. E não íó os desprezavão , mas
ainda lhes davão occasião d'escandalo , em quan-
to com o feu exemplo os provocavão a comer
talvez contra o dictame da propria conícíencia.
Para evitar o damno espiritual , que de parte
a parte se feguia , he que S. Paulo dirige o
presente Capitule Pbreira.
(i) Nao come senão legume;. OTextO Latino
tem no conjunctivo , coma. Eu verti no Judi-
cativo , come , guiado pelo Original Grego com
approvação de Estio. Advirto mais , que pe
lo que eu com todos os Francezes verti legu
mes , poz João Ferreira de Almeida , bortaliça :
porque talvez não previo , que o nome élus
não fó fìgnifica a rama , mas tambem o fructo
delia. Phreirà.

/
aos Romanos. Cap.XIV. 377
4 Quem es tu , para condemnares
o fervo d'outrem ? Se elle cahe , 011 se
elle se conserva firme , isso pertence lá
a seu Senhor. Mas elle conservar-le-ha
firme , (c) porque poderoso he Deos pa^
ra o segurar.
5- Por semelhante modo (d) hum
faz differença de dias , outro todos os
dias considera iguaes. (e) Cada hum obre
conforme a persuasão,. em que está.
O
(c) Porque poderoso be Deos para o segurar. Es
te Texto está consagrado por todos os Padres ,
e pelo Concilio de Trento, Sessáo vi. cap. 13.
para estabelecer o dom da perseverança. O que
eu noto aqui , para que ninguem se engane ,
lendo na Versáo de Ricardo Simáo , chamada
a Versáo de Trevoux , huma Nota , em que
este Theologo fendo Catholico , expõe o se*
gurar , por absolver , seguindo aos Socinianos.
Pjsreira.
(à) Hum saz differença dos dias , &c. Este era
outro ponto da discordia entre os Judeos con
vertidos : guardarem huns ainda certos dias,
como o sabbado , para náo fazerem nelles obras
servis , segundo ordenava a Lei de Movsés :
e náo fazerem outros differença de dez dias,
mas tendo por iguaes a todos. Pereira.
(e~) Cada bum obre segundo a persuasão em
que está. O abuso, que desta sentença do Aposr
tolo fazem os Protestantes, quando delia coiv
378 Epistola de S. Paulo
6 O que distingue os dias , diftin-
gue-os por agradar ao Senhor : o que
co
ei uem , que sem razáo prohibe a Igreja em
certos dias a comida de carne , e de lastici-
nios ; hc hum abuso tão grosseiro , e de tão
má fé , que basta qualquer simples reflexáo no
intento do Apostolo , para logo o convencer.
Porque he mais que evidente , que S. Paulo
náo falia senáo das abstinencias legaes : e a
Igreja mui longe de induzir os Fieis a estas
observancias da Lei de Moysés, lhes tem ab
solutamente prohibido toda a prática delias.
Nem ella tem outro objecto nas abstinencias,
que lhes impõe, que o de elevar os seus es
píritos a Deos , e dar-lhes occafiáo de mere
cerem , e impetrarem o perdáo de seus pecca-
dos , por meio deste exercício de penitencia ,
que tão recommendado se acha pelo exemplo
dos Varões santos do Velho , e Novo Testa
mento. E aflim a liberdade , que o Apostolo
aqui dá de comer de tudo , ou de se abster de
certas viandas ; por isso mesmo que he con-
trahida á observancia , ou náo observancia de
huma Lei , que já per si náo obrigava os Fieis,
só se pôde trazer em consequencia nos casos
semelhantes: istohe, naquelles casos , em que
a materia da acçáo humana he indifferente ou
de sua natureza , ou por falta de Lei , que
determine o que se deve fazer. Nos quaes ca-
"sos a regra de obrar com prudencia , e segu
rança , he seguir cada hum a sua consciencia,
e permittir aos outros que façãg o. mesmo.
PEREIRA*
aos Romanos. Cap. XIV. 379
come de tudo , fa-lo para gloria do Se
nhor , e dá por isso graças a Deos. E
o que não come de tudo , tambem o
faz por agradar ao Senhor , e tambem
dá por isso graças a Deos.
7 Porque nenhum de nós vive pa
ra si : e nenhum de nós morre para si.
8 Porque se vivemos , para o Se
nhor he que vivemos : se morremos , pa-
; ra o Senhor he que morremos. Ou vi
vamos pois, ou morramos, sempre so
mos do Senhor.
9 Porque por isso he que Jesu Chri-
sto morreo , e que resurgio , para ter
hum imperio soberano sobre mortos, e
vivos.
t 10 Tu pois porque condemnas a
t teu irmão? E tu lá porque desprezas o
i teu ? Porque todos nós havemos de com
parecer ante o Tribunal de Jesu Christo ,
f'( 1 1 Segundo este dito da Escritura : ir,;.
Eu juro por mim mesmo, diz o Senhor,
que todo o joelho se dobrará ante o meu 24'
t acatamento , e que toda a lingua me
-4 ^confessará por Deos.
* ; As-
380 Epístola de S. Paulo
12 Aflìm que, cada hum de nós
dará conta a Deos de si mesmo.
13 Não nos julguemos pois mais
huns aos outros ; mas antes julgai , que
não deveis dar a vosso irmão occafião
alguma de quéda, e d'escandalo.
14 Eu sei, e estou persuadido, se
gundo a doutrina do SenhorJesus , que
nenhuma cousa he immunda de si mes-,
ma , e que só he immunda para aquel-
le, que a crê immunda.
15 Porém se tu comendo huma cou
sa , qualquer que ella seja , entristeces
com isso a teu irmão , já te não condu
zes pela caridade. (/) Não queiras que
pe-
(/) Não queiras que pelo teu comer se perca,
aquelle , por quem Jesu Cbristo ntorreo. Este lu
gar mostra claramente 1. que Jesu Çhristo tam
bem morrcQ pelos réprobos , e não só pelos
predestinados. 2. Que não só morreo pelos ré
probos , quanto à 1'urRciencia do preço , que
por todos offereceo no leu sangue ao Padre
Eterno ; mas tambem quanto à applicação do
mesmo preço por alguns , em ordem a elles
obterem efectivamente a graça do Baptismo,
e da justificaçáo : porque o Apostolo talla de
terminadamente de réprobos , que chegaráo a
ser fieis,, e forão algum tempo justos ; o que
aos Romanos. Cap.XIV. 381
J>elo teu comer se perca aquelle , por
quem Jesu Christo morreo.
16 Guardai-vos pois, não exponhais
á maledicencia dos homens o bem, de
que gozamos.
17 Porque o Reino de Deos não
consiste em comer, e beber : mas con
siste na justiça , na paz , e na alegria ,
que vem do Espirito Santo.
18 E o que affim serve a Jesu Chri
sto , he agradavel a Deos, e approva-
do dos homens.
10. Appliquemo-nos pois ao que
póde servir de manter a paz entre nós ,
e de nos edificarmos huns aos outros.
20 Não seja o comer causa de des
truirdes a obra de Deos. Isto não he
que as viandas não sejão todas limpas :
senão que hum homem faz mal em co
mer
não podia ser sem Jesu Christo applicar por
elles o seu sangue , e sem lhes obter a graça
do Baptismo , e da justificaçáo. 3. Que mui
tos ainda dos Fieis , por cuja justificação eftè-
ctiva morreo Jesu Christo , se perdem por cau
sa, que para iflb dáo outros com os seus es
candalos : o que certamente he huma cousa
bem para. se lamentar, e temer. Pereira. .
382 Epistola de S. Paulo
mer dellas , quando fazendo-o , ferve
de tropeço aos outros.
21 E que he melhor não comer car
ne, nem beber vinho, nem outra cou
sa , que possa dar a teu irmão occasião
de cahir , ou de se escandalizar , ou de
se ferir, como fraco que he.
22 Tens tu huma fé illustrada ? (g)
Contenta-te de a ter no teu coração aos
olhos de Deos. (b) Bemaventurado a-
quel-
(g) Contenta-te de a ter no teu coração aos olbo?
de Deos. Quer dizer o Apostolo, que se hum
está plenamente persuadido , que os Christáos
estáo desonerados pelo Evangelho das obser-
vancias da Lei de Moyíés ; e que todas as vian
das são igualmente puras , e permittidas aos
Fieis ; mas ao mesmo tempo vè , que obrando
segundo esta persuasáo em comer de tudo , es
candaliza a outro irmáo , que he mais fraco
por menos illuttrado : Deve contentar-se de
ter a Deos por testemunha da sua fé, e sup-
primilla aos olhos do proximo. Náo que al
guma vez seja licito negar a fé ^>or palavra ,
ou obra ; mas porque n'alguns casos pede a
prudencia , e a caridade que a occultemos. Pb-
REIRA.
(í>) Bemaventurado a^uelle , <ò'c. Esta senten
ça deve- se entender somente daquellas cousas ,
que são simplesmente licitas , como he na Lei
da Graça comer carne de porco , eu de coe
jtos Romanos. Cap.XIV. 383
quelle , a quem a sua consciencia não
condem na no que quer fazer.
23 Mas se hum distinguindo hum
manjar doutro manjar , não deixa de
comer delle , condemna-se ; porque não
obra segundo a fé. (/) Tudo aquillo
porém que se não faz segundo a fé,
he peccado. CA-
Iho ; e não das que são prohibidas pela Lei
divina ,• ou humana. Porque nestas não se es
cusa do peccado o que as faz , cuidando que
não pecca. Estio com S. Thomaz.
(f) Tudo aquillo porém que se nao saz segundo
« sé , be peccado. A fé neste lugar do Aposto
lo , segundo a interpretaçáo mais commum,
toma-se pela consciencia , isto he , pela per
suasáo, com que hum obra , crendo que lhe
he licito o que obra. Aflim o entendèrão to
dos os Interpretes Gregos com S. Joáo Chry- j
sostomo. E dentre os Latinos os Padres do Quar
to Concilio Geral Lateranense , quando no
Canon xu. disseráo aflim : Porque tudo o que
se não saz segundo a sé , be peccado ; definimos
que sem boa sé não valba prescripção alguma , ou
seja canonica , ou civil. Nem por isso com tu
do se deve rejeitar a interpretaçáo de Santo
Agostinho , (que tambem he de S. Prospero,
e de S. Fulgencio) que entende por esta Fé a ,
Fé Theologal naquelle são , e irreprehensivel
sentido , que se pôde ver em seus Discípulos ,
principalmente em Noris nas Vindicias Àugustì-
uianat. Pereira.
384 Epistola de S. Paulo

CAPITULO XV.
Devemos a exemplo de Jeju Christo com
prazer ao proximo , e não a nós mesmos'.
Toda a Escritura be para nossa insìruc-
são. Exhorta Paulo os Romanos d uni
dade d?espirito. Jesu Christo dado aos jf»-
deos , como promettido , e descuberto aos
Gentios por graça. Progressos do Evan
gelho por meio de Paulo. Elie espera ir
a Roma , e vir depois a Hespanha. En-
commenda a sua viagem ás orações dos
Romanos.

1 I3 Or tanto nós , que fomos mais


Jl valentes, devemos supportar as
fraquezas dos que são débeis , e não
buscar a noísa própria satisfação.
2 Cada hum de vós procure agra
dar ao seu próximo no que he bom , e
no que o póde edificar.
3 Porque Jesu Christo nenhum res
peito se guardou a fi: mas segundo es-
Saim. tá escrito , elle disse a seu Pai : Os im-
properios dos que te ultrajavão , caht-
rão sobre mim»
Por-
aos Romano s. Cap. XV. 3 8£
4 Porque tudo o que está escrito
está escrito para ensino nosso : a fim dé
concebermos esperança pela paciencia,
e pela consolação, que as Escrituras nos
causão.
: jv O Deos de paciencia^ e de con
solação vos conceda a graça , de estardes
sempre mins com outros em união de
sentimentos, e de affectòs , segundo o
Espirito de Jesu Christo; , : ,
4> Para que com hum mesmo cora
ção , e com huma mesma boca , glorifi
queis a Deos Pai de Jesu Christo nos
so Senhor.
7 Pelo que, supportai-vos hunsaos
outros , como Jesu Christo vos suppor-
tou para gloria de Deos.
8 Porque eu vos declaro , que Jesu
Christo foi o Ministro do Evangelho,
a respeito dos Judeos circumcidados : a
fim de que Deos fosse reconhecido por
verdadeiro no cumprimento das promejf-
sas, que fizera a seus pais.
9 E no tocante aos Gentios , que
elles devem glorificar a Deos pela mie*
Tom.HI. Bb se-
286 Epistola de S. Paulo
sericordia , que lhes fez , segundo está
Sa!m. escrito : Por- esta razão , Senhor , publi-
xm- carei eu os teus louvores entre os Gen
tios , e cantarei canticos de gloria ao
teu nome.
io E outra vez diz: Alegrai-vos,
ó Gentios, com o seu povo.
Saim. ii E noutro lugar : Louvai aoSe-
CXVI,I'nhor todos os Gentios , e engrandecei-o

todos os póvos. «, . >:


isci.xi. I2 Iíàias tambem diz : Do tronco
IO' de Jessé se levantará aquelle, que ha de

reinar sobre os Gentios ; e os Gentios


eíperaráó nelle.
13 O Deos d'efperança vos encha
de paz , e de alegria na vossa fé ; para
que a vossa esperança cresça cada vez
mais pela virtude do Espirito Santo.
14 Quanto a mim , irmãos meus,
eu estou certo que todos vós estais cheios
dè caridade, cheios de toda a forte de
conhecimentos , e que aílim podeis vós
instruir-vos hfins aos outros.
'':-íf Todavia eu vos escrevi isto, ir
mãos , e talvez com alguma pouca de
li-
àos Romanos. Cap. XV. 387
liberdade, querendo-vos fómente fazer
lembrar do que já sabeis , segundo a
graça , que Deos me fez ,
16 De ser eu o Ministro de Jesu
Christo entre as Nações; (a) fazendo
sacrifício do Evangelho de Deos , a fim
de que a oblação dos Gentios lhe seja
grata , sendo santificada pelo Espirito'
Santo.
17 Eu pois tenho motivo de me
gloriar em Jesu Christo, pelo bom súc- ,
celso da obra de Deos.
18 Porque eu me não atreverei a
fallar-vos do que Jesu Christo tem fei
to por meio de mim , para trazer as
Naçóes á obediencia pela palavra , e
pelas obras;
1 9 Pela virtude dos milagres , e dos
prodígios , e pelo poder do Espirito San-
Bb ii to :
(a) Fazendo sacrifício do Evangelbo de Deos.
He huma impia inepcia de Calvino tirar di-
qui , que o Sacerdocio da Lei da Graça só
consiste na prégação Evangelica. Porque nin
guem deixa de ver, que por metafora he que
o Apostolo entende por humas victimas orEe-
recidas a Deos as almas , que o Pregador Evar>-
gelico converte á fé. Pereira.
388 Epistola de S. Paulo
to : de maneira , que tenho levado o
Evangelho de Jefu Christo a toda está
grande extensão de terra , que ha desde
Jerusalem até o Illyrico.
20 Efoi neste particular o meu cui
dado não prégar o Evangelho , senão em
lugares, onde se não tinha ainda ouvi
do fallar de Jesu Christo, por não edi
ficar sobre alicesses póstos por outrem;
verificando aíïïm o que diz a Escritu
ra :
21 Os a quem ellc não tinha sido
Uu >5'annunciado , vello-hão : e os que não
tinhão ouvido fallar delle , conhecello-
hão.
22 Isto he o que por muitas vezes
me tem impedido chegar a vós : e até
o presente o não tenho podido fazer.
2^ Mas não havendo já agora mo
tivo' algum de mais me demorar nestas
partes ; c desejando eu ha muitos annos
ir ver-vos :
24 (b) Espero que quando fizer
via-
(J) Espero que quando fi%er viagem a Hespa-
nka', éfc. Grande gloria para esta nossa Penin
aos Romanos. Cap. XV. 389
viagem a Hespanha , vos verei- de pas
sada ; e que depois de ter gozado por
algum tempo da vossa presença } serei
lá conduzido por vós.
2j Agora vou ajerusalem levar al
gumas esmolas aos Santos.
26 Porque as Igrejas de Macedo
nia , e de Acaia fizeráo muito goito de
contribuir com huma Collecta de feus
bens, a favor dos que entre os Santos
são Fpobres em Jerusalem.
J Fi-
fula , ter fido o principal objecto da viagem ,
que o grande Paulo , Doutor das Gentes , de
terminava fazer a estas partes , quando de Co-
rintho escrevia esta Carta aos Romanos. Se
Deos lhe cumprio os desejos , que tinha de
nos aproveitar , se com effeito veio o grande
Apostolo a Hespanha, he ponto, que, fallan-
do ingenuamente , se não pôde decidir , nem
por este , nem pelo outro lugar do verso 28.
Porque podia muito bem estar , que S. Paulo
tivesse determinado vir a Hespanha, eque por
Deos ter determinado outra cousa , não che
gasse a vir. Os nossos com tudo tem razáo de
se esforçarem pela parte, afirmativa contra os
modernos Críticos estrangeiros. Porque quan
do estes recorrão a dizer , que os Padres an-*
tigos , que derâo por certa a vinda de S. Pau
lo a Hespanha , (como a derão Santo Epifa
nio , S. Joáo Cntysostomo , S, Jeronymo , 9
39o Epistola de S. Paulo
27 Fizerao , digo, muito gosto disso,
e lho devem aílim fazer. Porque se os
Gentios forao feitos participantes das
riquezas efpirituaes dos Judeos , devem
aquelles tambem soccorrer a estes coro
os seus bens temporaes.
28 Logo pois que eu tiver concluí
do esta diligencia , e distribuído esta es
mola , passarei por vós-outros a Hesr
panha.
29 E eu sei , que quando vos for
ver,
Theodoreto) não tiverão outro fundamento pa
ra affim o escreverem , que lerem nestes dous
lugares a féria vontade , e firme resoluçáo,
que o Apostolo mostrara de vir a Hespanha:
Que podem aquelles Críticos responder ao tes
temunho do Papa S. Clemente I. que fendo
como foi contemporaneo , e conhecido de Sáo
Paulo , e escrevendo aos Corinthios huma car
ta em tempo , que em toda a Igreja haviáo
de ler notorias todas as viagens do Doutor das
Gentes ; affirmou nella por termos exprefibs ,
que este grande Apostolo chegara a vir ao
fim, ou ukimo extremo do occidente ; frase,
que em toda a Geografia se verifica só da nos
sa Península ? Veja-se o que neste particular
elcreveo em nossos dias o douto Augustinia-
no Hentique Flores no Tomo III. da Hespar
nba Sagrada, Tratado I. Pereira.

/
aos Romanos. Cap. XV. e XVI. 391
ver, será a minha chegada acompanha
da de huma abundancia de beução do
Evangelho de Jesu Christo.
30 Esconjuro-vos pois por Jefn Chri
sto nosso Senhor , e pela caridade do
Espirito Santo , que me ajudeis nas vos
sas orações , rogando por mim a Deos ,
31 Que me livre dos infieis , que
ha na Judéa ; e que fa,ça que a oblação
do meu ministerio seja acceita em Jeru
salem aos Santos ;
32 E que cheio aífim de gosto pas
se eu a ver-vos , se esta he a vontade de
Deos , e logre entre vós algum descan-

33 O Deos de paz seja com todos


vós. Amen.

CAPITULO XVI.
Recommenda o Apostolo aos Romanos algu
mas pessoas , que tem servido bem a lgre~
ja. Elle as manda saudar da sua par
le. Exhorta-os a fugirem dos authores
do scisma , e do erro. Diz que esles são
huns homens interejfiiros , hypocritãs ,
enganadores. Quer que os Fieis sejas
39* Epistola de S. Paulo
simples , e prudentes. Manâa-lhes reca
dos da parte dos que ejìao corn elle. Aca
ba louvando a Deos.

i ~Ty Ecommendo-vos (a) nossa ir-


XX. ma Febe , Diaconissa da Igre
ja de Cenchris,
2 Para que a recebais em nome do
Senhor , como se devem receber os San
tos j e lhe affiliais em todas as cousas,
em que ella poderá neceíììtar de vó$:
porque aífim tem ella tambem aífistico
a muitos ,-e particularmente a mim.
3 Saudai da minha parte (b) a Pris
ca , e a Áquila , que tem trabalhado
comigo no serviço de. Jesu Christo j
4 Que expozeraò as suas cabeças
por
(a) Noffa irmã Febe. No fim desta Carta tra
zem os Codices Gregos huma Nota , que diz,
que esta Febe fora a portadora da me lima Car
ta. Estio.
(F) A Prisca , e a Áquila. Sáo os dous con
fortes , de que se faz mençáo no Capitulo
dezoito dós Actos dos Apostolos, onde a mu
lher se chama por nome diminutivo PrisciUa,
como aqui tambem a nomeia S. Joáo Chrysof:
tomo. Estios
aos Romanos. Cap.XVI. 393
.por n>e salvar ávida; e aquem não só
ett , was ainda todas as Igrejas dos Gen
tios fomos obrigados.
- if Saudai tambem a Igreja de sua
casa. -Saudai ao meu amado Epéneto,
{ c ) que foi as primícias dos Christáos
da Afia. ...
6 Saudai a Maria , que trabalhou
muito entre vós.
7 Saudai a Andrônico , e a Junia ,
meus parentes , que forao companhei-;
ros das minhas cadeias; que tem gran
de nomeada entre os Apostolos; e que
forão Chriftãos primeiro do que eu.
8 Saudai a Ampliato , a quem eu
amo muito particularmente no Senhor,
- ^ Saudai a Urbano, meu Coadju
tor em Jefu Christo , eao meu amado
Staquys.
10 Saudai a Apelles, que he hum
fiel fervo de Jefu Christo.
v il Saudai aos da família de Arif-
to-
(0 2»f foi as primícias dos Cbriftãos. Isto he ,
que foi o primeiro , que abraçou a-Fé de Je
fu Christo. Saci. :
(d) Da Afta. O Grego tem x da Acqia,. Saci,
394 Epistola de S. Paulo
tobolo. Saudai a Herodião meu paren
te. Saudai aos da família de Narcizo,
(e) que são no Senhor.
12 Saudai a Tryfena , e a Tryfo-
sa , que trabalha no serviço do Senhor.
Saudai a nossa cariffima Perfida , que
tambem tem trabalhado muito no ser
viço do Senhor.
13 Saudai a Rufo , que he hum
Escolhido do Senhor ; e a sua mãi, que
eu respeito como minha.
14 Saudai a Asyncrito, a Flegon-
te, a Hermas, a Pátroba, a Hermes,
e aos irmãos, que estão com elles.
ijT Saudai a Filólogo, e a Julia, a
Nereo , e a sua irmã , e a Olympias,
e a todos os Santos , que com elles es
tão.
16 Saudai-vos huns aos outros com
hum santo osculo. Todas as Igrejas de
Jesu Christo vos saudão.
17 Rogo-vos porém , irmãos, que
vos guardeis dos que entre vós causão
di-
(j) Que s™ 110 Senbor. Isto he , que crem no
Senhor , como Christáos. Porque ralvez nem
todos os erão na família de Narcizo. Estio.
aos Romanos. Gap. XVI. 395'
divisões, e escândalos contra a doutri
na , que vós aprendestes ; e que fujais
de tratar com clles.
18 Porque esta casta d'homens não
servem a Jesu Christo nosso Senhor , mas
á sua gula : e com palavras doces , e
lisonjeiras enganão as almas simples.
19 A obediencia , que vós tendes
rendido á fé , tem-se feito célebre em
todo o Mundo. E nisso me dais vós
muito gosto. Mas eu desejo que sejais
sabios no bem, e simples no mal.
20 O Deos de paz esmague a Sar
tanaz debaixo de vossos pés. A graça
de nosso Senhor Jesu Christo seja com-
vosco.
21 Timotheo , meu Coadjutor , vos
sauda , como tambem Lucio , e Jason ,
e Sosipatro, que são meus parentes.
22 (/) Eu por nome Tercio, que
es-
(f) Eu por nome Tercio , que escrevi esta Car
ta. Entende- se , dictando-a Paulo ; por cuja
vontade tambem he que Tercio se metteo a
saudar os Romanos. Pelo que náo sáo menos
divinas estas palavras , do que as outras dp
Apostolo. Estio. " ;. .-.
39^ Epistola de S. Paulo
escrevi esta carta , vos saudo no nome
do Senhor.
23 Caio meu hospedeiro , e toda
* a Igreja vos saudao. Como tambem
Erasto Thesoureiro da Cidade, e Quar
to nosso irmão.
24 A graça de nosso Senhor Jesu
Christo seja com todos vós. Amen.
2f Gloria a'quelle, que he podero
so para vos fazer constantes na fé do
Evangelho, e da doutrina de Jesu Chri
sto , que eu prego , segundo a revela
ção do mysterio, que depois de ter es
tado occultò em todos os seculos pas
sados ,
26 Foi agora defeuberto (g) por
- meio
(5) Por mtio.dos oraculos dos Prosetas. Este
meio era confrontar com as Profecias do Tes
tamento Velho o que succedia na Igreja , e
por esta confrontaçáo fazer patente , que em
Jesu Christo se verificavão palpavelmente , o
que do futuro Meffias tinháo vaticinado tan
tos seculos antes hum Moyscs ,, hum David,
hum Isaias , hum jeremias , e aílim os mais
Profetas. Esta demonstraçáo da Divindade de
Jesu Christo , e da verdade da Lei Evangeli
ca pelos Profetas , mais ainda que a dos mi
lagres, era a demonstrasão de que ordinaria
aos Romanos. Cap. XVI. 397
meio dos oraculos dos Profeta», segun
do a ordem do eterno Deos ; e veio ao
conhecimento de todos os povos , a fim
de que elles obedeção i fé. ' „\
A
mente se valião os Apostolos , quando préga-
vão aos Judeos , como da mais concludente
para os convencer.
Isto se mostra ï. dos Sermões , que de
S. Pedro , e S. Paulo descreve S. Lucas nos
Actos dos Apostolos, cap. 2. cap. 3. e cap. 13.
e do que elle no cap. 28. vers. 23. affirma do
mesmo S. Paulo , pregando em Roma de Jesus
pela Lei deMoysês , e pelos Prosetas , des .de ma
nbã até a tarde. Mostra-se 2. do que no presen
te lugar escreve S. Paulo , quando aos orácu
los dos Prosetas , explicados por elle , e pelos
mais Apostolos , attribue principalmente a re
velaçáo do mysterio atélli occulto. Mostrarse
3. de que S. Pedro na sua segunda Epistola ,
cap. 1. allegando o insigne milagre da Trans
figuraçáo, e da voz ouvida doCeo, náo dei
xa de produzir , como mais firme s a palavra
dos Profetas.
Do que tudo. se concluem duas cousas de
íumma importancia. Huma contra a asserçáo
deGrocio, que no princípio do seu Commen-
tario a S. Mattheus , 1. 22. escreve : Que ot
Apostolos não pretenderão combater os Judeos por
tjlas Prosecias , como por buns tefiemunbos , qut
provaJsemserJesuCbriJlo o Mejp.as : porque dij?o al-
legão elles pouco , cnnteniando-se com os milagres.
O que Grocio tirou de Episcopio Xheologo
398 Epist. de S. Paulo aos Roman.
27 ADeos , digo, que hesó o que
he sabio, honra , e gloria porJesuChri-
ûo por todos os seculos dos seculos.
Amen.

Sociniano. Outra contra os modernos Incredu


los , que ou se ha de negar a antiguidade , e
authenticidade das Profecias do Testamento Ve
lho , où se deve crer o que se lè no Novo.
Si Jiuduerint intelligere , cogentur & eredere ,
dizia Tenulliano no seu Apologetico da Re
ligiáo Christã , dirigido ao Senado Roman».
P£R£IRA.

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