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Introdução
A disciplina e a prática da
pesquisa qualitativa*
A
pesquisa qualitativa revela uma longa, notá- educação (especialmente o trabalho de Dewey), a
vel e, por vezes, atribulada história nas disci- história, a ciência política, os negócios, a medicina,
plinas humanas. Na sociologia, o trabalho rea- a enfermagem, a assistência social e as comunica-
lizado pela “escola de Chicago” nas décadas de 1920 ções.
e 1930 determinou a importância da investigação qua- No primeiro capítulo da Parte I, Vidich e Lyman
litativa para o estudo da vida de grupos humanos. Na traçam muitos aspectos fundamentais dessa história.
mesma época, na antropologia, os estudos de Boas, Nessa análise agora clássica, eles observam, com cer-
Mead, Benedict, Bateson, Evans-Pritchard, Radcliffe- ta ironia, que a pesquisa qualitativa na sociologia e
Brown e Malinowski, que definiam a disciplina, tra- na antropologia “nasceu de uma preocupação em
çaram os contornos do método de trabalho de cam- entender o ‘outro’”. Além do mais, esse outro era o
po (Gupta e Ferguson, 1997; Stocking, 1986, 1989). outro exótico, uma pessoa primitiva, não-branca, pro-
A agenda era clara: o observador partia para um ce- veniente de uma cultura estrangeira considerada
nário estrangeiro a fim de estudar os costumes e os menos civilizada do que a cultura do pesquisador. É
hábitos de outra sociedade ou cultura (Vidich e claro que, muito antes dos antropólogos, já havia
Lyman, Capítulo 2; Tedlock, Volume 2,** Capítulo 6; colonialistas. No entanto, não fosse por essa menta-
Rosaldo, 1989, p. 25-45, em relação às críticas dessa lidade investigativa que transformou a figura do ou-
tradição). Em pouco tempo, a pesquisa qualitativa tro de pele escura no objeto do olhar do etnógrafo,
passou a ser empregada em outras disciplinas das não haveria uma história colonial, e, agora, nem uma
ciências sociais e comportamentais, incluindo a história pós-colonial.
*Agradecemos a todos que colaboraram com este capítulo, incluindo Egon Guba, Mitch Allen, Peter Labella, Jack Bratich e
Para mais detalhes sobre esses volumes, os leitores devem procurar as obras originais.
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E é assim que bell hooks (1990, p. 126-128) in- respeito da pesquisa qualitativa e da teoria crítica
terpreta a famosa fotografia que aparece na capa de da raça (veja também neste volume Ladson-Billings,
Writing Culture (Clifford e Marcus, 1986), como um Capítulo 9; e no Volume 3, Denzin, Capítulo 13).
exemplo dessa mentalidade (veja também Behar, 1995, Conforme indicamos em nosso prefácio, utilizamos
p. 8; Gordon, 1988). A foto retrata Stephen Tyler fa- a metáfora da ponte para estruturar o que vem a
zendo um trabalho de campo na Índia. Tyler está sen- seguir. Para nós, este volume é como uma ponte que
tado a uma certa distância de três pessoas de pele es- liga momentos históricos, métodos de pesquisa,
cura. Uma criança aparece dentro de um cesto, só com paradigmas e comunidades de estudiosos interpre-
a cabeça para fora. Uma mulher esconde-se nas som- tativos.
bras de uma cabana. Um homem, com um xale xadrez
em preto e branco enrolado nos ombros, apoiando
o cotovelo no joelho e o rosto sobre uma das mãos, Questões conceituais
olha fixamente para Tyler. Tyler está fazendo anota-
ções em um diário. Tem uma tira de pano branco A pesquisa qualitativa é, em si mesma, um cam-
amarrada aos óculos, talvez para protegê-lo do sol — po de investigação. Ela atravessa disciplinas, campos
um pedaço de branquidade que serve para caracteri- e temas.1 Em torno do termo pesquisa qualitativa, en-
zar Tyler como o autor branco do sexo masculino contra-se uma família interligada e complexa de ter-
que estuda esses indivíduos passivos pardos e negros. mos, conceitos e suposições. Entre eles, estão as tra-
Na verdade, o olhar do sujeito pardo comunica algu- dições associadas ao fundacionalismo, ao positivismo,
ma vontade, ou alguma ligação com Tyler. Já o olhar ao pós-fundacionalismo, ao pós-positivismo, ao pós-
da mulher é totalmente encoberto pelas sombras e estruturalismo e às diversas perspectivas e/ou méto-
pelas letras do título do livro, que atravessam seu rosto dos de pesquisa qualitativa relacionados aos estudos
(hooks, 1990, p. 127). E, assim, essa fotografia da capa culturais e interpretativos (os capítulos da Parte II
do livro que talvez seja a mais influente obra da abordam esses paradigmas).2 Existem literaturas in-
etnografia da segunda metade do século XX repro- dependentes e detalhadas sobre o grande número de
duz “duas idéias que estão bem vivas na imaginação métodos e de abordagens classificados como pesqui-
racista: a noção do indivíduo branco do sexo mascu- sa qualitativa, tais como o estudo de caso, a política e
lino como autor/autoridade (...) e a idéia do homem a ética, a investigação participativa, a entrevista, a
passivo pardo/negro [e da mulher e da criança] que observação participante, os métodos visuais e a aná-
não faz nada, apenas observa” (hooks, 1990, p. 127). lise interpretativa.
Neste capítulo introdutório, definiremos o cam- Na América do Norte, a pesquisa qualitativa opera
po da pesquisa qualitativa e então navegaremos na em um campo histórico complexo que atravessa sete
história da pesquisa qualitativa nas disciplinas hu- momentos históricos (esses momentos serão discu-
manas, traçando e revisando-a, o que nos possibili- tidos detalhadamente a seguir). Esses sete momen-
tará situar este volume e seus conteúdos dentro de tos sobrepõem-se e funcionam simultaneamente no
seus momentos históricos. (Tais momentos históri- presente.3 Nós os definimos como o tradicional
cos são, de certa forma, artificiais; são convenções (1900-1950); o modernista ou da era dourada (1950-
construídas socialmente, quase-históricas e sobrepos- 1970); gêneros (estilos) obscuros (1970-1986); a cri-
tas. Entretanto, permitem uma “representação” das se da representação (1986-1990); o pós-moderno, um
idéias em desenvolvimento, facilitando também uma período de etnografias novas e experimentais (1990-
sensibilidade e uma sofisticação cada vez maiores em 1995); a investigação pós-experimental (1995-2000);
relação às armadilhas e às promessas da etnografia e e o futuro, que é a atualidade (2000-). O futuro, séti-
da pesquisa qualitativa.) Apresentaremos um esque- mo momento, trata do discurso moral, com o desen-
ma conceitual para que o ato da pesquisa qualitati- volvimento das textualidades sagradas. O sétimo mo-
va seja interpretado como um processo multicultu- mento pede que as ciências sociais e as humanidades
ral, marcado pelo gênero, e então forneceremos uma tornem-se terrenos para conversas críticas em torno
breve introdução aos capítulos seguintes. De volta da democracia, da raça, do gênero, da classe, dos Es-
às observações de Vidich e Lyman, assim como às tados-nações, da globalização, da liberdade e da co-
de hooks, concluiremos com uma breve discussão a munidade.
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O momento pós-moderno foi definido, em par- sadores deram continuidade a esse processo de afas-
te, por um interesse pelos tropos retóricos e literários tamento dos critérios fundacionalistas e quase-fun-
e pela virada narrativa, pela narração de histórias, dacionalistas (veja no Volume 3, Smith e Deemer,
por novos processos de composição de etnografias Capítulo 12, e Richardson, Capítulo 14; e neste volu-
(Ellis e Bochner, 1996). Laurel Richardson (1997) me, Gergen e Gergen, Capítulo 13). Buscaram-se cri-
observa que esse momento foi influenciado por uma térios de avaliação alternativos, critérios que se mos-
nova sensibilidade, pela dúvida, pela recusa em privi- trassem evocativos, morais, críticos e enraizados em
legiar qualquer método ou teoria (p. 173). Porém ago- compreensões locais.
ra, no início do século XXI, ocorreu a virada narrati- Qualquer definição da pesquisa qualitativa deve
va. São muitos os que aprenderam a escrever de um atuar dentro desse complexo campo histórico. A pes-
modo diferente, e também a situar-se em seus textos. quisa qualitativa tem um significado diferente em cada
Nossa luta hoje é no sentido de relacionar a pesquisa um desses momentos. No entanto, pode-se oferecer
qualitativa às esperanças, às necessidades, aos objeti- uma definição genérica, inicial: a pesquisa qualitati-
vos e às promessas de uma sociedade democrática va é uma atividade situada que localiza o observador
livre. no mundo. Consiste em um conjunto de práticas
Ondas sucessivas de teorização epistemológica materiais e interpretativas que dão visibilidade ao
atravessam esses sete momentos. O período tradicio- mundo. Essas práticas transformam o mundo em uma
nal é associado ao paradigma positivista, fundacio- série de representações, incluindo as notas de cam-
nalista. Os momentos modernista ou da era dourada po, as entrevistas, as conversas, as fotografias, as gra-
e os gêneros (estilos) obscuros estão ligados ao apa- vações e os lembretes. Nesse nível, a pesquisa quali-
recimento de argumentos pós-positivistas. Ao mes- tativa envolve uma abordagem naturalista, interpre-
mo tempo, adotou-se uma variedade de novas pers- tativa, para mundo, o que significa que seus pesqui-
pectivas qualitativas, interpretativas, incluindo a sadores estudam as coisas em seus cenários naturais,
hermenêutica, o estruturalismo, a semiótica, a feno- tentando entender, ou interpretar, os fenômenos em
menologia, os estudos culturais e o feminismo.4 Na termos dos significados que as pessoas a eles confe-
fase dos gêneros (estilos) obscuros, as humanidades rem.5
tornam-se recursos centrais para a teoria crítica, in- A pesquisa qualitativa envolve o estudo do uso e
terpretativa, e para o projeto de pesquisa qualitativa a coleta de uma variedade de materiais empíricos —
imaginado em linhas gerais. O pesquisador passou a estudo de caso; experiência pessoal; introspecção;
ser um bricoleur (veja a seguir), aprendendo como ex- história de vida; entrevista; artefatos; textos e produ-
trair conteúdos de muitas disciplinas diferentes. ções culturais; textos observacionais, históricos, in-
A fase dos gêneros (estilos) obscuros foi respon- terativos e visuais — que descrevem momentos e sig-
sável pela etapa seguinte, a crise da representação. nificados rotineiros e problemáticos na vida dos
Nesse ponto, os pesquisadores lutaram para encon- indivíduos. Portanto, os pesquisadores dessa área uti-
trar maneiras de situarem a si mesmos e a seus sujei- lizam uma ampla variedade de práticas interpretati-
tos em textos reflexivos. Ocorreu um tipo de diáspo- vas interligadas, na esperança de sempre consegui-
ra metodológica, um êxodo de duas vias. Os rem compreender melhor o assunto que está ao seu
humanistas migraram para as ciências sociais, em alcance. Entende-se, contudo, que cada prática ga-
busca de uma nova teoria social, de novos métodos rante uma visibilidade diferente ao mundo. Logo,
para estudar a cultura popular e seus contextos et- geralmente existe um compromisso no sentido do
nográficos e locais. Os cientistas sociais voltaram-se emprego de mais de uma prática interpretativa em
para as humanidades, na esperança de aprenderem a qualquer estudo.
fazer leituras estruturais e pós-estruturais comple-
xas dos textos sociais. Com as humanidades, os cien- O pesquisador qualitativo como
tistas sociais também aprenderam a produzir textos bricoleur e confeccionador de
que se recusassem a ser interpretados em termos sim- colchas
plistas, lineares, incontrovertíveis. Houve um obscu-
recimento da linha que divide o texto do contexto. O pesquisador qualitativo pode assumir imagens
No momento experimental pós-moderno, os pesqui- múltiplas e marcadas pelo gênero: cientista, natura-
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lista, pesquisador de campo, jornalista, crítico social, técnicas sejam inventadas ou reunidas, assim o pes-
artista, atuador, músico de jazz, produtor de filmes, quisador o fará. As opções de práticas interpretativas
confeccionador de colchas, ensaísta. A diversidade de a serem empregadas não são necessariamente defi-
práticas metodológicas da pesquisa qualitativa pode nidas com antecedência. A “escolha das práticas da
ser vista como soft science *, jornalismo, etnografia, bri- pesquisa depende das perguntas que são feitas, e as
colage, confecção de colchas e montagem. O pesqui- perguntas dependem de seu contexto” (Nelson et al.,
sador, por sua vez, talvez seja visto como um bricoleur, 1992, p. 2), do que está disponível no contexto e do
um indivíduo que confecciona colchas, ou, como na que o pesquisador pode fazer naquele cenário.
produção de filmes, uma pessoa que reúne imagens Essas práticas interpretativas envolvem questões
transformando-as em montagens. (Para saber a res- estéticas, uma estética da representação que extra-
peito de montagem, ver discussão abaixo e também pola o pragmático, ou o prático. A esta altura, cabe
Cook, 1981, p. 171-177; Monaco, 1981, p. 322-328. definirmos o conceito de montagem (Cook, 1981, p.
Sobre esse processo da confecção de colchas, veja 323; Monaco, 1981, p. 171-172). A montagem é um
hooks, 1990, p. 115-122; Wolcott, 1995, p. 31-33.) método de edição de imagens cinemáticas. Na histó-
Nelson, Treichler e Grossberg (1992), Lévi- ria da cinematografia, a montagem é associada ao tra-
Strauss (1966) e Weinstein e Weinstein (1991) escla- balho de Sergei Eisenstein, especialmente de seu fil-
recem os significados de bricolage e de bricoleur.6 Um me O Encouraçado Potemkin (1925). Na montagem,
bricoleur é um pau-para-toda-obra ou um profissio- diversas imagens diferentes são sobrepostas para criar
nal do faça-você-mesmo” (Lévi-Strauss, 1966, p. 17). um quadro. De uma certa forma, a montagem é como
Existem muitos tipos de bricoleurs — interpretativo, o pentimento, no qual algo que havia sido pintado,
narrativo, teórico, político. O bricoleur interpretativo mas que não pertencia ao retrato (uma imagem da
produz uma bricolage — ou seja, um conjunto de re- qual o pintor “arrependeu-se”, ou a qual ele rejei-
presentações que reúne peças montadas que se en- tou), ganha novamente visibilidade, criando algo novo.
caixam nas especificidades de uma situação comple- O novo é o que havia sido obscurecido por uma ima-
xa. “A solução [bricolage] que é o resultado do método gem anterior.
do bricoleur é uma construção [emergente]” (Weins- A montagem e o pentimento, assim como o jazz,
tein e Weinsten, 1991, p. 161) que sofre mudanças e que é a improvisação, criam a sensação de que as
assume novas formas à medida que se acrescentam imagens, os sons e as compreensões estão se mistu-
diferentes instrumentos, métodos e técnicas de re- rando, se sobrepondo, formando um composto, uma
presentação e de interpretação a esse quebra-cabeça. nova criação. As imagens parecem dar forma e defi-
Nelson e colaboradores (1992) descreve a metodolo- nição umas às outras, havendo a produção de um
gia dos estudos culturais “como uma bricolage. Ou efeito gestalt, emocional. Muitas vezes essas imagens
seja, sua opção de prática é pragmática, estratégica e combinam-se em uma seqüência fílmica veloz que
auto-reflexiva” (p. 2). Podemos aplicar essa compre- produz uma coleção de diversas imagens que giram
ensão, com restrições à pesquisa qualitativa. vertiginosamente em torno de uma seqüência ou de
Como bricoleur ou confeccionador de colchas, o um quadro central ou focalizado; esses efeitos são
pesquisador qualitativo utiliza as ferramentas estéti- geralmente empregados para representar a passagem
cas e materiais do seu ofício, empregando efetivamen- do tempo.
te quaisquer estratégias, métodos ou materiais empí- Talvez o mais famoso exemplo de montagem seja
ricos que estejam ao seu alcance (Becker, 1998, p. 2). a seqüência da Escadaria de Odessa em O Encouraça-
Havendo a necessidade de que novas ferramentas ou do Potemkin.7 O clímax do filme é o momento em que
os cidadãos de Odessa estão sendo massacrados pe-
las tropas czaristas na escadaria de pedra que desce
até o porto. Eisenstein desvia o olhar para uma jo-
vem mãe que empurra o carrinho com seu bebê no
*N. de T. Termo que engloba áreas de estudos que interpre-
patamar entre os lances de escada em frente às tro-
tam o comportamento humano, as instituições, a sociedade,
com base em investigações científicas para as quais é difícil pas de fuzilamento. Os cidadãos passam correndo por
estabelecer critérios exatos. Ex.: psicologia, antropologia, so- ela, fazendo sacudir o carrinho. Ela fica com medo
ciologia, etc. de descer com o carrinho até o próximo lance de es-
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cada. As tropas encontram-se em um patamar acima Quanto aos textos baseados nas metáforas da
dela, atirando nos cidadãos. Ela fica encurralada en- montagem, da confecção de colchas, e da improvisa-
tre as tropas e as escadas. Ela grita. Só se vê a fumaça ção do jazz, muitas coisas diferentes vêm ocorrendo
da explosão dos fuzis apontando para o céu. Sua ca- ao mesmo tempo — diferentes vozes, diferentes pers-
beça inclina-se para trás. As rodas do carrinho vaci- pectivas, pontos de vista, ângulos de visão. Assim
lam à beira da escadaria. Ela agarra a fivela prateada como os textos de performance, os trabalhos que utili-
de seu cinto. Logo abaixo, as pessoas estão sendo es- zam a montagem conseguem ao mesmo tempo criar
pancadas pelos soldados. Pingos de sangue mancham e representar o significado moral. Deslocam-se do
as luvas brancas da mulher. O bebê coloca a mão pessoal para o político, do local para o histórico e
para fora do carrinho. A mulher move-se para frente para o cultural. São textos dialógicos. Presumem uma
e para trás. As tropas avançam. A mãe cai para trás audiência ativa. Criam espaços para a troca de idéias
contra o carrinho. Uma mulher assiste à cena horro- entre o leitor e o escritor. Fazem mais do que trans-
rizada ao ver as rodas traseiras do carrinho desliza- formar o outro no objeto do olhar das ciências sociais
rem cruzando a beira do patamar. O carrinho ganha (veja McCall, Capítulo 4, Volume 2).
velocidade despencando escada abaixo, passando O foco da pesquisa qualitativa possui inerente-
pelos corpos dos cidadãos. O bebê é jogado de um mente uma multiplicidade de métodos (Flick, 1998,
lado para o outro dentro do carrinho. Soldados dis- p. 229). No entanto, o uso de múltiplos métodos, ou
param seus fuzis contra um grupo de cidadãos feri- da triangulação, reflete uma tentativa de assegurar
dos. Uma estudante grita ao ver o carrinho lançar-se uma compreensão em profundidade do fenômeno em
sobre os degraus, inclinar-se e virar (Cook, 1981, p. questão. A realidade objetiva nunca pode ser capta-
167).8 da. Podemos conhecer algo apenas por meio das suas
A montagem emprega imagens breves a fim de representações. A triangulação não é uma ferramen-
criar uma noção bem-definida de urgência e de com- ta ou uma estratégia de validação, mas uma alternati-
plexidade. Ela convida os observadores a construir va para a validação (Flick, 1998, p. 230). A melhor
interpretações que se baseiam umas nas outras ao maneira então de compreendermos a combinação de
desenrolar da cena. Essas interpretações são cons- uma multiplicidade de práticas metodológicas, ma-
truídas sobre associações baseadas em imagens con- teriais empíricos, perspectivas e observadores em um
trastantes que se combinam entre si. Por trás da mon- único estudo é como uma estratégia que acrescenta
tagem, está a suposição de que a percepção e a rigor, fôlego, complexidade, riqueza e profundidade a
interpretação das cenas, por parte dos espectadores, qualquer investigação (Flick, 1998, p. 231).
em uma “seqüência de montagem, não ocorre seqüen- No Capítulo 14 do Volume 3, Richardson con-
cialmente, uma a cada vez, mas sim simultaneamente” testa o conceito de triangulação, declarando que, para
(Cook, 1981, p. 172). O espectador agrupa essas se- a investigação qualitativa, a imagem central é a do
qüências em um conjunto emocional significativo, cristal, e não a do triângulo. Os textos de gêneros
como se lançasse os olhos sobre esta, de uma só vez. (estilos) mistos do momento pós-experimental pos-
O pesquisador qualitativo que emprega a mon- suem mais de três lados. Assim como os cristais, a
tagem é como um confeccionador de colchas ou um montagem de Eisenstein, o solo de jazz, ou os reta-
improvisador no jazz. Esse confeccionador costura, lhos que compõem uma colcha, esse texto de gêne-
edita e reúne pedaços da realidade, um processo que ros mistos, como observa Richardson, “combina si-
gera e traz uma unidade psicológica e emocional para metria e substância com uma infinita variedade de
uma experiência interpretativa. Há muitos exemplos formatos, de substâncias, de transmutações (...) Os
de montagem na atual pesquisa qualitativa (Diversi, cristais crescem, mudam, alteram-se (...) Cristais são
1998; Jones, 1999; Lather e Smithies, 1997; Ronai, prismas que refletem externalidades e refratam-se
1998). Utilizando múltiplas vozes, diferentes forma- dentro de si mesmos, criando diferentes cores, pa-
tos textuais e vários tamanhos e estilos de caracteres, drões, exibições, que se lançam em diferentes dire-
Lather e Smithies (1997) tecem um texto complexo ções”.
sobre mulheres HIV-positivas e mulheres com AIDS. No processo de cristalização, o autor conta a
Jones (1999) cria um texto de performance utilizando mesma história a partir de diferentes pontos de vista.
letras de blues cantados por Billie Holiday. Por exemplo, em A thrice-told tale (1992), Margery Wolf
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utiliza a ficção, as notas de campo e um artigo cientí- pela raça e pela etnicidade dele e daquelas pessoas
fico para fornecer um relato do mesmo conjunto de que fazem parte do cenário. O bricoleur político sabe
experiências em um povoado nativo. De um modo que a ciência significa poder, pois todas as descober-
semelhante, em sua peça Fires in the Mirror (1993), tas da pesquisa têm implicações políticas. Não existe
Anna Deavere Smith apresenta uma série de textos nenhuma ciência livre de valores. O que se busca é
de performance baseados em entrevistas realizadas com uma ciência social cívica baseada em uma política da
pessoas envolvidas em um conflito racial em Crown esperança (Lincoln, 1999). O bricoleur narrativo, mar-
Heights, Brooklyn, em 19 de agosto de 1991 (Den- cado pelo gênero, também sabe que todos os pesqui-
zin, Capítulo 13, Volume 3). A peça conta com múl- sadores contam histórias sobre os mundos que estu-
tiplas falas, incluindo conversas entre membros de daram. Logo, as narrativas, ou as histórias, que os
gangues, policiais e meninas e meninos anônimos. cientistas contam são relatos expressos e montados
Não há nenhuma forma “correta” de se contar esse dentro de tradições específicas da narração de histó-
evento. Cada forma de narrá-lo, tal como a luz ao rias, muitas vezes definidas como paradigmas (p. ex.,
atingir o cristal, reflete uma perspectiva diferente so- positivismo, pós-positivismo, construtivismo).
bre o incidente. O produto do trabalho do bricoleur interpretativo
Observada como uma forma cristalina, como uma é uma bricolage complexa (que lembra uma colcha),
montagem, ou ainda como uma performance criativa uma colagem ou uma montagem reflexiva — um con-
em torno de um tema central, podemos ampliar as- junto de imagens e de representações mutáveis, in-
sim a triangulação como uma forma de validade, ou terligadas. Essa estrutura interpretativa é como uma
como uma alternativa a esta. A triangulação é a ex- colcha, um texto de performance, uma seqüência de
posição simultânea de realidades múltiplas, refrata- representações que ligam as partes ao todo.
das. Cada uma das metáforas “age” no sentido de criar
a simultaneidade, e não o seqüencial ou o linear. Os A pesquisa qualitativa como um
leitores e as audiências são então convidados a ex- terreno de múltiplas práticas
plorarem visões concorrentes do contexto, a se imer- interpretativas
girem e a se fundirem em novas realidades a serem
compreendidas. A pesquisa qualitativa, como um conjunto de ati-
O bricoleur metodológico é um perito na execu- vidades interpretativas, não privilegia nenhuma úni-
ção de diversas tarefas, que variam desde a entrevista ca prática metodológica em relação a outra. É difícil
até uma auto-reflexão e introspecção intensivas. O definir claramente a pesquisa qualitativa como um
bricoleur teórico lê muito e é bem-informado a res- terreno de discussão ou de discurso. Ela não possui
peito dos diversos paradigmas interpretativos (femi- uma teoria ou um paradigma nitidamente próprio.
nismo, marxismo, estudos culturais, construtivismo, Como revelam as contribuições para a Parte Il deste
teoria queer) que podem ser trazidos para um deter- volume, há múltiplos paradigmas teóricos que ale-
minado problema. Entretanto, ele talvez não ache que gam empregar os métodos e as estratégias da pesqui-
os paradigmas possam ser misturados ou sintetiza- sa qualitativa, desde os estudos construtivistas aos
dos. Ou seja, é difícil esse deslocamento entre os pa- culturais, passando pelo feminismo, pelo marxismo e
radigmas como sistemas filosóficos de maior abran- pelos modelos étnicos de estudo. A pesquisa qualita-
gência que denotam ontologias, epistemologias e tiva é empregada em muitas disciplinas distintas, con-
metodologias específicas. Eles representam sistemas forme discutiremos a seguir. Ela não pertence a uma
de crenças que vinculam os usuários a visões de única disciplina.
mundo particulares. Já as perspectivas são sistemas Nem possui um conjunto distinto de métodos
não tão bem desenvolvidos, e o deslocamento entre ou práticas que seja inteiramente seu. Os pesquisa-
elas é mais fácil. O pesquisador no papel de teórico dores qualitativos utilizam a análise semiótica, a aná-
bricoleur trabalha dentro de perspectivas e paradig- lise da narrativa, do conteúdo, do discurso, de arqui-
mas concorrentes e sobrepostos, e entre eles. vos e a fonêmica e até mesmo as estatísticas, as tabelas,
O bricoleur interpretativo entende que a pesquisa os gráficos e os números. Também aproveitam e uti-
é um processo interativo influenciado pela história lizam as abordagens, os métodos e as técnicas da et-
pessoal, pela biografia, pelo gênero, pela classe social, nometodologia, da fenomenologia, da hermenêuti-
Introdução 21
físicas. Seus praticantes têm compromissos diversos Os positivistas ainda alegam que os chamados
com as sensibilidades modernas, pós-modernas e pós- novos pesquisadores qualitativos experimentais es-
experimentais e com as abordagens à pesquisa social crevem ficção, e não ciência, e que tais pesquisado-
que tais sensibilidades implicam. res não dispõem de nenhum método para verificar o
que é declarado como verdade. A poesia e a ficção
As resistências em relação aos etnográficas indicam o fim da ciência empírica, e há
estudos qualitativos poucas vantagens ao se tentar um envolvimento com
a crítica moral. Esses críticos presumem uma reali-
As resistências em termos acadêmicos e discipli- dade estável, imutável, que possa ser estudada com a
nares à pesquisa qualitativa ilustram a política im- utilização dos métodos empíricos da ciência social
plantada nesse campo de discurso. São muitos os objetiva (Huber, 1995). A competência da pesquisa
desafios à pesquisa qualitativa. Os pesquisadores qualitativa é, portanto, o mundo da experiência vivi-
qualitativos são denominados jornalistas ou cientis- da, pois é nele que a crença individual e a ação e a
tas das áreas das soft sciences. Seu trabalho é conside- cultura entrecruzam-se. Dentro desse modelo, não
rado não-científico, ou apenas exploratório, ou sub- existe nenhuma preocupação com o discurso e com
jetivo. É chamado de crítica, e não de teoria, ou é o método como práticas interpretativas materiais que
interpretado politicamente como uma versão disfar- constituem a representação e a descrição. Dessa for-
çada do marxismo ou do humanismo secular (veja ma, a virada narrativa, textual, é rejeitada pelos posi-
Huber, 1995; Denzin, 1997, p. 258-261). tivistas.
Essas resistências refletem uma percepção incô- O fato de os pós-positivistas (veja a seguir) e os
moda de que as tradições da pesquisa qualitativa com- pós-estruturalistas oporem-se à ciência positiva é vis-
prometem o pesquisador com um crítica do projeto to então como um ataque à razão e à verdade. Ao
positivista ou pós-positivista. Porém, a resistência mesmo tempo, o ataque da ciência positivista à pes-
positivista à pesquisa qualitativa extrapola o “desejo quisa qualitativa é considerado uma tentativa de le-
sempre presente de manter uma distinção entre as gislar uma versão da verdade acima de outra.
hard sciences * e o saber das soft sciences” (Carey, 1989, Esse terreno político complexo define a diversi-
p. 99; Schwandt, Capítulo 7; no Volume 3, Smith e dade de tradições e de linhas de desenvolvimento da
Deemer, Capítulo 12). As ciências (positivistas) ex- pesquisa qualitativa: a tradição britânica e sua pre-
perimentais (física, química, economia e psicologia, sença em outros contextos nacionais; as tradições
por exemplo) são muitas vezes vistas como as gran- pragmáticas, naturalistas e interpretativas america-
des façanhas da civilização ocidental, supondo-se, em nas na sociologia, na antropologia, nas comunica-
suas práticas, que a “verdade” possa transcender a ções e na educação; as perspectivas estruturais e pós-
opinião e a tendenciosidade pessoal (Carey, 1989, p. estruturais, marxistas, semióticas, hermenêuticas,
99; Schwandt, 1997b, p. 309). A pesquisa qualitativa fenomenológicas alemãs e francesas; os estudos fe-
é vista como um ataque a essa tradição, cujos adep- ministas, os estudos afro-americanos, os estudos la-
tos geralmente refugiam-se em um modelo de “ciên- tinos, os estudos queer, os estudos das culturas indí-
cia objetivista livre de valores” (Carey, 1989, p. 104) genas e aborígenes. A política da pesquisa qualitativa
para defender sua postura. Raramente tentam expli- cria uma tensão que invade cada uma dessas tradi-
citar, ou criticar, os “compromissos morais e políti- ções citadas acima. Essa tensão propriamente dita é
cos em seu próprio trabalho contingente” (Carey, constantemente reexaminada e questionada à medi-
1989, p. 104; ver também Lincoln e Guba, no Capí- da que a pesquisa qualitativa defronta-se com um
tulo 6). mundo histórico inconstante, novas posturas inte-
lectuais e suas próprias condições institucionais e
acadêmicas.
Resumindo: a pesquisa qualitativa representa
muitas coisas para muitas pessoas. Tem uma dupla
*N. de T. Qualquer tipo de ciência na qual é possível quantifi- essência: um comprometimento com alguma versão
car dados com precisão e testar teorias. Ex.: física, geologia, da abordagem interpretativa, naturalista, com seu
astronomia, etc. tema e uma crítica contínua da política e dos métodos
Introdução 23
do pós-positivismo. Voltaremos nossa atenção agora Essas duas tradições da ciência positivista defendem
para uma breve discussão das principais diferenças posturas realistas críticas e ingênuas que dizem res-
entre as abordagens qualitativa e quantitativa à pes- peito à realidade e à sua percepção. Na versão positi-
quisa, para então discutirmos as diferenças e as ten- vista, afirma-se que existe uma realidade lá fora para
sões que ocorrem dentro da investigação qualitativa. ser estudada, captada e compreendida, ao passo que
os pós-positivistas defendem a idéia de que a reali-
Pesquisa qualitativa versus pesquisa dade nunca pode ser plenamente apreendida, apenas
quantitativa aproximada (Guba, 1990, p. 22). O pós-positivismo
confia em múltiplos métodos como forma de captar
A palavra qualitativa implica uma ênfase sobre as o máximo possível da realidade. Ao mesmo tempo, a
qualidades das entidades e sobre os processos e os ênfase recai sobre a descoberta e a verificação das
significados que não são examinados ou medidos teorias. São enfatizados os critérios de avaliação tra-
experimentalmente (se é que são medidos de alguma dicionais, como a validade interna e a externa, assim
forma) em termos de quantidade, volume, intensida- como o emprego de procedimentos qualitativos que
de ou freqüência. Os pesquisadores qualitativos res- se prestem à análise estruturada (às vezes estatística).
saltam a natureza socialmente construída da realida- Também podem ser empregados métodos de análise
de, a íntima relação entre o pesquisador e o que é que contam com o auxílio computacional, os quais
estudado, e as limitações situacionais que influenciam permitem as contagens de freqüência, as tabulações
a investigação. Esses pesquisadores enfatizam a e as análises estatísticas em níveis inferiores.
natureza repleta de valores da investigação. Buscam As tradições positivista e pós-positivista esten-
soluções para as questões que realçam o modo como dem-se como longas sombras sobre o projeto da pes-
a experiência social é criada e adquire significado. quisa qualitativa. A pesquisa qualitativa foi historica-
Já os estudos quantitativos enfatizam o ato de medir mente definida dentro do paradigma positivista, no
e de analisar as relações causais entre variáveis, e qual os pesquisadores qualitativos tentavam realizar
não processos. Aqueles que propõem esses estudos uma pesquisa positivista de boa qualidade utilizando
alegam que seu trabalho é feito a partir de um esque- métodos e procedimentos menos rigorosos. Alguns
ma livre de valores. pesquisadores qualitativos de meados do século XX
(p. ex., Becker, Geer, Hughes e Strauss, 1961) relata-
ram resultados da observação participante em termos
Estilos de pesquisa: Fazendo as mesmas de quase-estatística. Recentemente, em 1998, Strauss
coisas de um modo diferente? e Corbin, dois líderes da abordagem tipo grounded
Não há dúvidas de que tanto os pesquisadores theory à pesquisa qualitativa tentaram modificar os
qualitativos quanto os quantitativos “imaginam que cânones usuais da boa ciência (positivista) para ade-
sabem alguma coisa a respeito da sociedade que vale quá-los a sua própria concepção pós-positivista de
a pena contar para os outros, e empregam uma vari- uma pesquisa rigorosa (entretanto, ver Charmaz, Ca-
edade de formas, de veículos e de meios de comuni- pítulo 8, Volume 2; Glaser, 1992). Alguns pesquisa-
car suas idéias e descobertas” (Becker, 1986, p. 122). dores na linha da pesquisa aplicada, ao mesmo tem-
A pesquisa qualitativa difere da pesquisa quantitati- po em que alegavam serem ateóricos, muitas vezes
va em cinco aspectos significativos (Becker, 1996). Es- encaixavam-se automaticamente dentro do esquema
ses pontos de divergência giram em torno de dife- positivista ou pós-positivista.
rentes formas de abordar o mesmo conjunto de Flick (1998, p. 2-3) resume de uma maneira efi-
questões. Sempre retornam à política da pesquisa e a caz as diferenças entre essas duas abordagens à in-
quem tem o poder de legislar as soluções corretas vestigação. Ele observa que a abordagem quantitati-
para esses problemas. va tem sido empregada com a finalidade de isolar “as
causas e os efeitos (...) operacionalizando as relações
Os usos do positivismo e do pós-positivismo. Em pri- teóricas (...) [e] medindo e (...) quantificando os fe-
meiro lugar, essas duas perspectivas são influencia- nômenos (...) permitindo a generalização das desco-
das pelas tradições positivistas e pós-positivistas nas bertas” (p. 3). Mas, atualmente, esses projetos são
ciências físicas e sociais (veja a discussão a seguir). postos em dúvida, pois “a mudança social acelerada
24 O PL ANEJAMENTO DA PESQUISA QUALITATIVA
e a conseqüente diversificação dos mundos de vida quisadores procuram métodos alternativos para ava-
estão cada vez mais fazendo com que os pesquisado- liarem seu trabalho, incluindo a verossimilhança, a
res sociais defrontem-se com novos contextos e no- emocionalidade, a responsabilidade pessoal, uma ética
vas perspectivas sociais (...) metodologias dedutivas do cuidar, a práxis política, os textos de múltiplas vozes
tradicionais (...) estão fracassando (...) e assim a pes- e os diálogos com sujeitos. Em resposta a essa ques-
quisa é cada vez mais obrigada a utilizar estratégias tão, os positivistas e os pós-positivistas afirmam que
indutivas em vez de partir de teorias e testá-las (...) o o que eles fazem é uma ciência de boa qualidade, li-
conhecimento e a prática são estudados como co- vre da tendenciosidade individual e da subjetividade.
nhecimento e prática locais” (p. 2). Como se pôde observar acima, eles vêem no pós-
Spindler e Spindler (1992) resumem sua aborda- modernismo e no pós-estruturalismo ataques à ra-
gem qualitativa para os materiais quantitativos: “A zão e à verdade.
instrumentação e a quantificação são simplesmente
procedimentos empregados para ampliar e reforçar Uma forma de captar o ponto de vista do indivíduo.
certos tipos de dados, interpretações e para testar hi- Tanto os pesquisadores qualitativos quanto os quan-
póteses através de amostras. Ambas devem ser man- titativos preocupam-se com o ponto de vista do in-
tidas em seu devido lugar. Como um mecanismo de divíduo. No entanto, os investigadores qualitativos
segurança, é preciso evitar seu emprego prematuro imaginam que tenham condições de se aproximar
ou excessivamente amplo” (p. 69). mais da perspectiva do ator através da entrevista e da
Ainda que muitos pesquisadores qualitativos na observação detalhadas. Eles argumentam que os pes-
tradição pós-positivista venham a utilizar as medi- quisadores quantitativos raramente conseguem cap-
das, os métodos e os documentos estatísticos como tar as perspectivas dos sujeitos que estudam, pois
forma de localizar os grupos de sujeitos dentro de precisam confiar em materiais e métodos empíricos
populações mais amplas, raramente relatarão suas mais ilativos, remotos. Muitos pesquisadores quan-
descobertas em termos dos tipos de medidas ou mé- titativos consideram não-confiáveis, impressionísti-
todos estatísticos complexos para os quais os pes- cos e não-objetivos os materiais empíricos produzi-
quisadores quantitativos são atraídos (ou seja, cami- dos pelos métodos interpretativos.
nhos, regressão, ou análises log-lineares).
Um exame das limitações do cotidiano. É mais prová-
A aceitação das sensibilidades pós-modernas. O uso dos vel que os pesquisadores qualitativos venham a en-
métodos e das suposições positivistas, quantitativas, frentar e a deparar-se com as limitações do mundo
foi rejeitado por uma nova geração de pesquisadores social cotidiano. Eles vêem esse mundo em ação e
qualitativos ligados às sensibilidades pós-estruturais nele inserem suas descobertas. Os pesquisadores
e/ou pós-modernas (veja também Vidich e Lyman, quantitativos desviam sua atenção desse mundo e
no Capítulo 2; e no Volume 3, Richardson, Capítulo raras vezes estudam-no diretamente. Eles buscam
14). Esses pesquisadores argumentam que os méto- uma ciência nomotética ou ética baseada em proba-
dos positivistas são apenas uma forma de contar his- bilidades resultantes do estudo de grandes números
tórias sobre a sociedade ou sobre o mundo social. Es- de casos selecionados aleatoriamente. Esses tipos de
ses métodos talvez não sejam nem melhores nem piores declarações encontram-se acima e fora das limita-
do que quaisquer outros métodos; eles apenas con- ções da vida cotidiana. Os pesquisadores qualitati-
tam diferentes tipos de histórias. vos, por outro lado, têm um compromisso com uma
Nem todos têm essa mesma visão tolerante (Hu- postura baseada em casos, idiográfica, êmica, que di-
ber, 1995). Muitos membros das escolas de pensa- reciona sua atenção para os aspectos específicos de
mento da teoria crítica, construtivista, pós-estrutu- determinados casos.
ral e pós-moderna rejeitam os critérios positivistas e
pós-positivistas ao avaliarem seu próprio trabalho. Garantia da riqueza das descrições. Os pesquisado-
Eles entendem que esses critérios são irrelevantes para res qualitativos acreditam que descrições ricas do
seu trabalho e afirmam que tais critérios reprodu- mundo social são valiosas, ao passo que os pesquisa-
zem apenas um certo tipo de ciência, uma ciência dores quantitativos, com seus compromissos éticos,
que silencia um enorme número de vozes. Esses pes- nomotéticos, preocupam-se menos com esse tipo de
Introdução 25
detalhe. Os pesquisadores quantitativos são delibe- performance, textual. Snow e Morril (1995) afirmam
radamente indiferentes à riqueza das descrições, pois que “essa reviravolta da performance, assim como a
esse tipo de detalhe interrompe o processo de desen- preocupação com o discurso e com a narração de
volvimento das generalizações. histórias, nos afastará ainda mais do campo da ação
Os cinco pontos de divergência descritos ante- social e dos dramas reais da vida cotidiana, anuncian-
riormente (usos do positivismo e do pós-positivis- do, assim, o fim da etnografia enquanto iniciativa
mo, do pós-modernismo, a forma de captar o ponto empiricamente embasada” (p. 361). É claro que dis-
de vista do indivíduo, o exame das restrições da vida cordamos dessa idéia.
cotidiana e a garantia das descrições densas) refle- Munidos dessas diferenças entre essas duas tra-
tem compromissos com diferentes estilos de pesqui- dições, e dentro delas, cabe a nós discutirmos breve-
sa, diferentes epistemologias e diferentes formas de mente a história da pesquisa qualitativa. Dividimos
representação. Cada tradição de trabalho é controla- essa história em sete momentos históricos, atentan-
da por seu próprio conjunto de gêneros (estilos); cada do ao fato de que qualquer história é sempre de certa
uma delas tem seus próprios clássicos, suas próprias forma arbitrária e, ao menos parcialmente, sempre
formas preferenciais de representação, de interpreta- uma construção social.
ção, de fidedignidade e de avaliação textual (Becker,
1986, p. 134-135). Os pesquisadores qualitativos em-
pregam a prosa etnográfica, as narrativas históricas, os A história da pesquisa qualitativa
relatos em primeira pessoa, as imagens congeladas, as
histórias da vida, os “fatos” transformados em ficção e Como nos lembram Vidich e Lyman, no Capítu-
os materiais biográficos e autobiográficos, entre ou- lo 2, a história da pesquisa qualitativa revela que as
tros. Os pesquisadores quantitativos utilizam os mo- disciplinas das ciências sociais modernas assumiram
delos matemáticos, as tabelas estatísticas e os gráficos, a missão da “análise e da compreensão da conduta
e geralmente empregam uma prosa impessoal, em ter- padronizada e dos processos sociais da sociedade”. A
ceira pessoa, ao escreverem sobre sua pesquisa. noção de que essa tarefa poderia ser executada pres-
supunha a habilidade dos cientistas sociais de obser-
As tensões dentro da pesquisa varem o mundo objetivamente. Os métodos qualita-
qualitativa tivos foram uma das principais ferramentas para essas
observações.11
É um erro presumir que todos os pesquisadores Ao longo da história da pesquisa qualitativa, os
qualitativos tenham as mesmas suposições em rela- investigadores sempre definiram seu trabalho em ter-
ção aos cinco pontos de divergência descritos acima. mos de esperanças e valores, “fés religiosas, ideologias
Como revelará a discussão a seguir, as diferenças ocupacionais e profissionais” (Vidich e Lyman, no
positivistas, pós-positivistas e pós-estruturais definem Capítulo 2). A pesquisa qualitativa (assim como toda
e influenciam os discursos da pesquisa qualitativa. a pesquisa) sempre foi avaliada quanto ao “padrão
Os realistas e os pós-positivistas dentro da tradição que define se o trabalho nos comunica ou “diz” algo”
da pesquisa qualitativa interpretativa criticam os pós- (Vidich e Lyman, no Capítulo 2), com base no modo
estruturalistas por terem seguido a reviravolta narra- como conceitualizamos nossa realidade e nossas ima-
tiva, textual. Esses críticos sustentam que esse tipo gens do mundo. A epistemologia é a palavra que tem
de trabalho é incapaz de enxergar a sua volta, geran- definido historicamente esses padrões de avaliação.
do as condições “para um diálogo de surdos entre Neste período contemporâneo, como afirmamos aci-
esse mesmo trabalho e a comunidade” (Silverman, ma, muitos discursos geralmente aceitos sobre a epis-
1997, p. 240). Aqueles que tentam captar o ponto de temologia agora estão sendo reavaliados.
vista do sujeito em interação no mundo são acusa- A história de Vidich e Lyman abrange os seguin-
dos de um humanismo ingênuo, de reproduzirem tes estágios (de certa forma) sobrepostos: a primeira
“um impulso romântico que eleva o experimental ao etnografia (até o século XVII); a etnografia colonial
nível do autêntico” (Silverman, 1997, p. 248). (exploradores dos séculos XVII, XVIII e XIX); a et-
Outros ainda argumentam que a experiência vi- nografia do índio americano como “outro” (antro-
vida é ignorada por aqueles que seguem a virada da pologia do final do século XIX e início do século XX);
26 O PL ANEJAMENTO DA PESQUISA QUALITATIVA
a etnografia do “outro cívico”, ou os estudos da co- águas pós-moderno” exige “o abandono de todas as
munidade, e as etnografias dos imigrantes america- teorias e perspectivas e de todos os valores estabele-
nos (início do século XX até a década de 1960); os cidos e pré-concebidos (...) e dos preconceitos como
estudos da etnicidade e da assimilação (meados do recursos para o estudo etnográfico”. Nessa nova era,
século XX até a década de 1980); e a atualidade, a o pesquisador qualitativo faz mais do que observar a
qual denominamos de sétimo momento. história; ele desempenha um papel nessa história.
Em cada uma dessas eras, os pesquisadores foram Novas histórias extraídas do campo serão escritas, que
e continuam sendo influenciados por suas esperanças refletirão o engajamento direto e pessoal do pesqui-
e ideologias políticas, fazendo descobertas em suas sador com esse período histórico.
pesquisas que confirmam teorias ou crenças anterio- A análise de Vidich e Lyman cobre todo o âmbi-
res. Os primeiros etnógrafos confirmaram a diversida- to da história etnográfica. Já a nossa limita-se ao sé-
de racial e cultural dos povos em todo o globo, e tenta- culo XX, complementando muitas de suas divisões.
ram fazer com que essa diversidade se encaixasse em Começamos com o primeiro trabalho fundacionalis-
uma teoria sobre as origens da história, das raças e das ta dos britânicos e dos franceses e também de Chica-
civilizações. Antes da profissionalização da etnografia go, Columbia, Harvard, Berkeley e das escolas britâ-
no século XX, os etnógrafos coloniais promoveram nicas de sociologia e de antropologia. Esse primeiro
um pluralismo colonial que deixou os nativos por sua período fundacionalista estabeleceu as normas da
própria conta desde que seus líderes pudessem ser pesquisa etnográfica e da pesquisa qualitativa clássi-
cooptados pela administração colonial. ca (Gupta e Ferguson, 1997; Rosaldo, 1989; Stocking,
Os etnógrafos europeus estudaram os africanos, 1989).
os asiáticos e outros povos não-brancos do Terceiro
Mundo. Os primeiros etnógrafos americanos estu-
daram o índio americano a partir da perspectiva do Os sete momentos da pesquisa
conquistador, que via o mundo de vida do primitivo qualitativa
como uma janela para o passado pré-histórico. A
missão calvinista de salvar o índio logo foi transferi- Conforme sugerimos anteriormente, nossa his-
da para a missão de salvar as “hordas” de imigrantes tória da pesquisa qualitativa na América do Norte
que entravam nos Estados Unidos nos primórdios neste século divide-se em sete fases, e cada uma de-
da industrialização. Os estudos comunitários qualita- las é descrita a seguir.
tivos sobre o outro étnico proliferaram a partir do iní-
cio do século XX até a década de 1960, e incluíram o O período tradicional
trabalho de E. Franklin Frazier, Robert Park e de Ro-
bert Redfield e seus alunos, bem como de William Foote Chamamos esse primeiro momento de período
Whyte, dos Lynds, de August Hollingshead, de Herbert tradicional (o qual abrange a segunda e a terceira fa-
Gans, Stanford Lyman, Arthur Vidich e Joseph ses de Vidich e Lyman). Começa no início do século
Bensman. Os estudos da etnicidade após a década de XX, continuando até a Segunda Guerra Mundial.
1960 contestaram a hipótese do “melting pot” de Park e Nesse período, os pesquisadores qualitativos escre-
seus seguidores, e corresponderam ao surgimento dos veram relatos colonialistas, “objetivos”, das expe-
programas de estudos étnicos que viam os nativo-ame- riências de campo que refletiam o paradigma dos
ricanos, os latinos, os ásio-americanos e os afro-ame- cientistas positivistas. Sua preocupação estava em ofe-
ricanos tentarem assumir o controle sobre o estudo e recer interpretações válidas, confiáveis e objetivas em
seus próprios povos. seus escritos. O “outro” estudado era forasteiro, es-
O desafio pós-moderno e pós-estrutural surgiu trangeiro e estranho.
em meados dos anos de 1980. Questionou as supo- Temos aqui a discussão de Malinowski (1967) so-
sições que haviam organizado essa primeira parte da bre as experiências de campo na Nova Guiné e nas
história em cada um de seus momentos colonialis- Ilhas Trobriand nos anos de 1914 a 1915 e de 1917 a
tas. Como argumentam Vidich e Lyman no Capítulo 1918. Ele oferece seus hábitos em troca de dados de
2, a pesquisa qualitativa que atravessa o “divisor de campo:
Introdução 27
Não há absolutamente nada que me atraia aos estu- objetivo da cultura estudada. Esses relatos foram es-
dos etnográficos (...) De um modo geral, a impres- truturados pelas normas da etnografia clássica. Essa
são que tive do povoado foi bastante desfavorável. coleção sagrada de termos (Rosaldo, 1989, p. 31) or-
Notei uma certa desorganização (...) a balbúrdia e a ganizou os textos etnográficos como quatro crenças
insistência das pessoas que ficavam rindo, olhando e e compromissos: um compromisso em relação ao
mentindo de certa forma me desestimulou (...) Fui objetivismo, uma cumplicidade com o imperialismo,
até o povoado na esperança de fotografar alguns es- uma crença no monumentalismo (a etnografia cria-
tágios da dança bara. Distribuí ramos de tabaco, de- ria um retrato como o de um museu para registrar a
pois assisti a algumas danças e então tirei algumas cultura estudada) e uma crença no intemporal (o que
fotos — mas tive poucos resultados (...) eles não po- foi estudado nunca mudaria). O outro era um “obje-
savam o tempo necessário para concluir a fotografia. to” a ser mantido em um arquivo. Esse modelo do
Em alguns momentos, fiquei furioso com eles, espe- pesquisador, o qual também podia escrever teorias
cialmente quando, depois de eu lhes dar suas por- complexas, densas, sobre o que era estudado ainda
ções de tabaco, todos foram embora. (citado em existe nos dias de hoje.
Geertz, 1988, p. 73-74) O mito do Etnógrafo Solitário retrata o nasci-
mento da etnografia clássica. Os textos de Mali-
Em outro trabalho, esse pesquisador de campo nowski, Radcliffe-Brown, Margaret Mead e Gregory
solitário, isolado, frustrado, descreve seus métodos Bateson ainda são cuidadosamente examinados em
com as seguintes palavras: relação às informações que podem passar ao novato
quanto às formas de conduzir o trabalho de campo,
Quando se está em campo, é preciso enfrentar uma de registrar as notas de campo e de escrever a teoria.
confusão de fatos (...) nessa forma bruta, esses fatos Hoje essa imagem se quebrou. Muitos enxergam os
não são, de forma alguma, científicos; são absoluta- trabalhos dos etnógrafos clássicos como relíquias do
mente elusivos, e só podem ser determinados pela passado colonial (Rosaldo, 1989, p. 44). Embora mui-
interpretação (...) Somente as leis e as generalizações são tos sintam uma nostalgia por esse passado, outros
fatos científicos, e o trabalho de campo consiste ape- celebram sua passagem. Rosaldo (1989) cita Cora Du
nas e exclusivamente na interpretação da realidade Bois, uma professora aposentada de antropologia da
social caótica e na sua subordinação a regras gerais. Harvard, que lamentou essa passagem em uma con-
(Malinowski, 1916/1948, p. 328, citado em Geertz, ferência realizada em 1980, que refletia sobre a crise
1988, p. 81) na antropologia: “[Sinto que há uma distância] em
relação à complexidade e à desordem do que antes
As observações de Malinowski são provocativas. eu considerava uma disciplina justificável e contes-
Por um lado, depreciam o trabalho de campo, porém, tadora (...) É como deixar um famoso museu de arte
por outro, falam desse trabalho dentro da glorificada para ir para um bazar de garagem” (p. 44).
linguagem da ciência, com leis e generalizações mol- Para Du Bois, as etnografias clássicas são peças
dadas a partir dessa mesma experiência. do intemporal acervo de arte mantido por um mu-
Durante esse período, o pesquisador de campo seu. Ela se sente desconfortável no caos do bazar de
foi tratado como uma celebridade, transformado em garagem. Já Rosaldo (1989) volta-se para esta metá-
uma figura exagerada que ia para o campo e dele re- fora: “[O bazar de garagem] oferece uma imagem pre-
tornava trazendo histórias sobre pessoas estranhas. cisa da situação pós-colonial na qual os artefatos cul-
Rosaldo (1989, p. 30) descreve esse período como o turais circulam entre lugares improváveis, e nada é
do Etnógrafo Solitário, a história de um homem cien- sagrado, permanente, ou lacrado. A imagem da an-
tista que parte à procura do nativo que irá estudar tropologia como um bazar de garagem representa
em um país distante. Lá essa figura “encontrou o nossa atual situação global” (p. 44). Na verdade, mui-
objeto de sua busca (...) [e] enfrentou seu ritual de tos tesouros valiosos podem ser encontrados, haven-
passagem suportando a provação definitiva do ‘tra- do o desejo de se realizar uma longa e árdua busca
balho de campo’” (p. 30). Após retornar para casa com em lugares inesperados. Os velhos padrões não mais
seus dados, o Etnógrafo Solitário redigiu um relato se mantêm. As etnografias não produzem verdades
28 O PL ANEJAMENTO DA PESQUISA QUALITATIVA
intemporais. O compromisso com o objetivismo agora 1995; Taylor e Bogdan, 1998).12 O etnógrafo moder-
foi posto em dúvida. Hoje, contesta-se abertamente nista e o observador participante sociológico fizeram
a cumplicidade com o imperialismo, e a crença no experiências com rigorosos estudos qualitativos de
monumentalismo pertence ao passado. importantes processos sociais, incluindo o desvio e o
Os legados deste primeiro período começam no controle social em sala de aula e na sociedade. Foi
final do século XIX, quando o romance e as ciências um momento de efervescência criativa.
sociais passaram a se distinguir como sistemas isola- Nas disciplinas humanas, uma nova geração de
dos de discurso (Clough, 1992, p. 21-22; veja tam- alunos de graduação encontrou novas teorias inter-
bém Clough, 1998). No entanto, a escola de Chica- pretativas (etnometodologia, fenomenologia, teoria
go, com sua ênfase sobre a história de vida e o modo crítica, feminismo). Eles foram atraídos para as práti-
de abordar os materiais etnográficos retratando de- cas da pesquisa qualitativa as quais permitiriam-lhes
talhes da vida real, procurou desenvolver uma meto- dar uma voz à classe baixa da sociedade. O pós-posi-
dologia intepretativa que mantivesse a centralidade tivismo funcionou como um poderoso paradigma
da abordagem da história da vida narrada. Esse fato epistemológico. Os pesquisadores tentaram encaixar
levou à produção de textos que conferiram ao pes- o modelo de Campbell e Stanley (1963) da validade
quisador no papel de autor o poder de representar a interna e externa às concepções construcionistas e
história do sujeito. Escritos sob o manto do realismo interacionistas do ato da pesquisa. Eles retornaram
social livre de sentimentos, direto, esses textos utili- aos textos da escola de Chicago como fontes de ins-
zavam a linguagem das pessoas simples. Eles articu- piração (Denzin, 1970, 1978).
laram uma versão do naturalismo literário feita pela Boys in white continua sendo um texto canônico
ciência social, que muitas vezes produziu a agradável desse momento (Becker et al., 1961; Becker, 1998).
ilusão de encontrar soluções para problemas sociais. Firmemente entrincheirado no discurso metodoló-
Assim como os filmes que retratavam a delinqüência gico de meados do século XX, esse trabalho tentou
juvenil da era da Depressão e outros “problemas so- tornar a pesquisa qualitativa tão rigorosa quanto sua
ciais” (Roffman e Purdy, 1981), esses relatos roman- equivalente quantitativa. As narrativas causais ocu-
tizaram o sujeito. Transformaram o desviado em uma param papel central nesse projeto. Esse trabalho que
versão sociológica de um herói das telas. Essas histó- reúne múltiplos métodos combinou entrevistas aber-
rias sociológicas, assim como seus equivalentes ci- tas e quase-estruturadas com a observação partici-
nematográficos, geralmente tinham finais felizes ao pante e a análise criteriosa desses tipos de materiais
acompanharem os indivíduos por meio dos três es- em um molde estatístico, padronizado. Em um artigo
tágios da narrativa da moralidade clássica: estar em clássico, “Problems of Inference and Proof in Partici-
um estado de graça, ser seduzido pelo mal e a ele pant Observation” (Os problemas da inferência e da
sucumbir e, por fim, alcançar a redenção através do prova na observação participante), Howard S. Becker
sofrimento. (1958/1970) descreve o uso da quase-estatística:
um apoio aos argumentos que dizem respeito ao que rotulação, etnometodologia, teoria do conflito, feno-
se espera quanto a efetiva aplicação da conclusão em menologia, análise dramatúrgica.
um situação específica, e à freqüência com que ela se
aplica (Becker, 1998, p. 166-170). E assim, o trabalho E assim acabou a fase modernista.
no período modernista, de fato, revestiu-se da lin-
guagem e da retórica do discurso positivista e pós- Gêneros (estilos) obscuros
positivista.
Essa foi a era dourada da análise qualitativa rigo- No início do terceiro estágio (1970-1986), o qual
rosa, que na sociologia aparece encerrada por parên- denominamos o momento dos gêneros (estilos) obs-
teses de um lado por Boys in white (Becker et al., 1961) curos, os pesquisadores qualitativos já haviam esgo-
e de outro por The discovery of grounded theory (Glaser tado a cota de paradigmas, métodos e estratégias a
e Strauss, 1967). Na educação, a pesquisa qualitativa ser empregada em sua pesquisa. As teorias variavam
desse período foi definida por George e Louise Spin- do interacionismo simbólico ao construtivismo, pas-
dler, Jules Henry, Harry Wolcott e John Singleton. Essa sando pela investigação naturalista, o positivismo e o
forma de pesquisa qualitativa ainda está presente no pós-positivismo, a fenomenologia, a etnometodolo-
trabalho de pessoas como Strauss e Corbin (1998) e gia, a teoria crítica, a teoria neomarxista, a semiótica,
Ryan e Bernard (ver Capítulo 7, Volume 3). o estruturalismo, o feminismo e diversos paradigmas
A “era dourada” reforçou o retrato dos pesquisa- raciais/étnicos. Crescia a reputação da pesquisa qua-
dores qualitativos como românticos culturais. Imbuí- litativa aplicada, e a política e a ética da pesquisa qua-
dos de poderes humanos prometéicos, eles valoriza- litativa — implicada como estavam em várias aplica-
ram os vilões e os outsiders, considerando-os heróis ções desse trabalho — eram tópicos que despertavam
da sociedade dominante. Incorporaram uma crença um interesse considerável. As estratégias de pesquisa
na contingência do eu e da sociedade, e mantiveram- e os formatos de relatório de pesquisa variavam da
se fiéis aos ideais emancipatórios pelos quais “o indi- grounded theory ao estudo de caso e aos métodos de
víduo vive e morre”. Colocaram em ordem uma vi- pesquisa histórica, biográfica, etnográfica, clínica e
são trágica e muitas vezes irônica da sociedade e do de pesquisa-ação. Também havia diversas formas dis-
eu, e aderiram a uma longa linha de românticos cul- poníveis de coleta e de análise de materiais empíri-
turais de esquerda que incluía Emerson, Marx, Ja- cos, incluindo as entrevistas qualitativas (abertas e
mes, Dewey, Gramsci e Martin Luther King, Jr. (West, quase-estruturadas) e os métodos observacionais, vi-
1989, Capítulo 6). suais, da experiência pessoal e documentários. Os
À medida que esse momento vai chegando ao fim, computadores começaram a ser empregados, atingin-
a Guerra do Vietnã já se fazia presente em toda a do seu pleno desenvolvimento na década seguinte
sociedade americana. Em 1969, ao lado dessas cor- como ferramentas de auxílio à análise dos dados qua-
rentes políticas, Herbert Blumer e Everett Hughes litativos, ao lado da narrativa, do conteúdo e dos
encontraram-se com um grupo de jovens sociólogos métodos semióticos de leitura das entrevistas e dos
chamado de os “Irregulares de Chicago”, nas reuniões textos culturais.
da American Sociological Association realizadas em Dois livros de Geertz, The interpretation of culture
San Francisco, e com eles relembraram seus “tempos (1973) e Local knowledge (1983) definiram o início e o
de Chicago”. Lyn Lofland (1980, p. 253) descreve as final desse momento. Nessas duas obras, Geertz de-
reuniões de 1969 como um fendeu a idéia de que as velhas abordagens funcio-
nais, positivistas, comportamentais, totalizadoras às
momento de efervescência criativa — em termos disciplinas humanas estavam cedendo lugar a uma
políticos e de estudos. As reuniões de San Francisco perspectiva mais pluralista, interpretativa, aberta. Essa
testemunharam não apenas o evento Blumer-Hu- nova perspectiva tomou como ponto de partida as
ghes, mas uma “contra-revolução”. (...) quando, pela representações culturais e seus significados. Em um
primeira vez, um grupo chegou a (...) discutir os pro- apelo pelas “descrições densas” de certos eventos, ri-
blemas inerentes à condição de sociólogo e de mu- tuais e costumes, Geertz sugeriu a idéia de que todos
lher (...) parecia que havia literalmente uma explo- os escritos antropológicos são interpretações de in-
são de novas idéias nessa disciplina: teoria da terpretações.13 O observador não tem nenhuma voz
30 O PL ANEJAMENTO DA PESQUISA QUALITATIVA
privilegiada nas interpretações que são escritas. A ta- (Clifford, 1988). Essas obras tornaram a pesquisa e a
refa central da teoria é chegar à compreensão a partir redação mais reflexivas, e colocaram em dúvida as
de uma situação local. questões do gênero, da classe e da raça. Articularam
Geertz chegou a propor que os limites entre as as conseqüências da interpretação “gêneros obscu-
ciências sociais e as humanidades haviam se tornado ros” de Geertz para o campo no início da década de
obscuros. Os cientistas sociais agora voltavam sua 1980.14
atenção às humanidades em busca de modelos, de Novos modelos de verdade, de método e de re-
teorias e de métodos de análise (semiótica, herme- presentação foram buscados (Rosaldo, 1989). Houve
nêutica). O que estava ocorrendo era uma forma de um completo desgaste das normas clássicas na an-
diáspora dos gêneros: documentários sendo interpre- tropologia (objetivismo, cumplicidade em relação ao
tados como ficção (Mailer), parábolas que se fazem colonialismo, vida social estruturada por rituais e cos-
passar por etnografias (Castañeda), tratados teóricos tumes fixos, etnografias como monumentos para uma
que parecem diários de viagem (Lévi-Strauss). Ao cultura) (Rosaldo, 1989, p. 44-45; Jackson, 1998, p.
mesmo tempo, surgiam mais outras abordagens: o 7-8). As epistemologias críticas, feministas e não-
pós-estruturalismo (Barthes), o neopositivismo (Phi- brancas agora competiam por atenção nessa arena.
lips), o neomarxismo (Althusser), o descritivismo Questões como a validade, a confiabilidade e a obje-
micro-macro (Geertz), as teorias rituais do drama e tividade, que anteriormente eram consideradas está-
da cultura (V. Turner), o desconstrucionismo (Derri- veis, mais uma vez passaram a ser problemáticas. As
da), a etnometodologia (Garfinkel). A era dourada das teorias do padrão e as teorias interpretativas, em opo-
ciências sociais havia acabado, e uma nova era dos gê- sição às teorias lineares, causais, tornaram-se mais
neros interpretativos, obscuros, já se aproximava. O comuns à medida que os autores continuaram a con-
ensaio como forma de arte substituía o artigo científi- testar antigos modelos de verdade e de significado
co. No momento, o que está em questão é a presença (Rosaldo, 1989).
do autor no texto interpretativo (Geertz, 1988). Como Em seu trabalho de campo entre os Songhay do
é possível o pesquisador falar com autoridade em uma Níger, Stoller e Olkes (1987, p. 227-229) descrevem
era na qual não mais existe nenhuma regra estabeleci- como a crise da representação foi sentida. Stoller faz
da no que diz respeito ao texto, incluindo o lugar do a seguinte observação: “Quando comecei a escrever
autor neste, seus padrões de avaliação e seu tema? textos antropológicos, seguia as convenções de meu
Nesse período, os paradigmas naturalistas, pós- treinamento. ‘Coletava dados’, e uma vez que estes
positivistas e construcionistas ganharam força, espe- estivessem organizados em pilhas bem-definidas, ‘eu
cialmente na educação, nas obras de Harry Wolcott, os registrava’. Certa vez, eu reduzi os insultos dos
Frederick Erickson, Egon Guba, Yvonna Lincoln, Songhay a uma série de fórmulas claras e lógicas” (p.
Robert Stake e Elliot Eisner. Até o final da década de 227). Stoller ficou insatisfeito com essa forma de es-
1970, já havia diversos periódicos qualitativos, inclu- crever, em parte porque aprendeu que “todos tinham
indo Urban Life and Culture (atual Journal of Contempo- mentido para mim e (...) que os dados que eu havia
rary Ethnography), Cultural Anthropology, Anthropology me esmerado tanto para coletar eram inúteis. Apren-
and Education Quarterly, Qualitative Sociology e Symbolic di uma lição: os informantes geralmente mentem para
Interaction, bem como a série de livros Studies in sym- os antropólogos” (Stoller e Olkes, 1987, p. 9). Essa
bolic interaction. descoberta levou a uma segunda descoberta — de
que ele, ao seguir as convenções do realismo etno-
A crise da representação gráfico, omitiu sua presença em seu texto. Essa pos-
tura o fez produzir um tipo diferente de texto, uma
Em meados dos anos de 1980, ocorre uma pro- memória, na qual ele tornou-se personagem princi-
funda ruptura. O que denominamos de quarto mo- pal da história que contou. Essa história, um relato
mento, ou crise da representação, aparece com An- de suas experiências no mundo dos Songhay, trans-
thropology as cultural critique (Marcus e Fischer, 1986), formou-se em uma análise do choque entre seu mun-
The anthropology of experience (Turner e Bruner, 1986), do e o mundo da feitiçaria dos Songhay. Logo, a jor-
Writing culture (Clifford e Marcus, 1986), Works and nada de Stoller representa uma tentativa de confrontar
Lives (Geertz, 1988) e The predicament of culture a crise da representação no quarto momento.
Introdução 31
Clough (1992) descreve em detalhes essa crise e 15) e Ellis e Bochner (Volume 3, Capítulo 6) desen-
critica aqueles que argumentariam que novas formas volvem os argumentos expostos acima, examinando
de redação representam um caminho para sair da a redação como um método de investigação que se
crise. Ela afirma: desloca por meio de estágios sucessivos de auto-re-
flexão. Como uma série de representações escritas,
Embora muitos sociólogos que agora fazem comen- os textos do pesquisador de campo fluem da expe-
tários sobre a crítica da etnografia enxerguem na re- riência de campo, passando por trabalhos inter-
dação um ponto “completamente central para a ini- mediários, até o trabalho mais recente, chegando, por
ciativa etnográfica” [Van Maanen, 1988, p. xi], os fim, ao texto da pesquisa, que consiste na apresenta-
problemas da redação ainda são considerados dife- ção pública da experiência etnográfica e narrativa.
rentes dos problemas do método ou do próprio tra- Assim, perde-se a nitidez entre o que é trabalho de
balho de campo. Assim, a solução que geralmente se campo e o que é redação. Em última análise, não existe
oferece é a das experiências na redação, ou seja a auto- nenhuma diferença entre a redação e o trabalho de
consciência em relação à redação. (p. 136) campo. Essas duas perspectivas invadem-se ao longo
de cada capítulo destes volumes. Nesses aspectos, a
É necessário analisar essa insistência quanto à crise da representação desloca a pesquisa qualitativa
diferença entre a redação e o trabalho de campo. (Ri- para novas e críticas direções.
chardson é bastante articulado em relação a esse tema
no Capítulo 14 do Volume 3.) Uma tripla crise
Na redação, o pesquisador de campo reivindica a
autoridade moral e científica, o que permite aos tex- Atualmente, a autoridade do etnógrafo continua
tos etnográficos realistas e experimentais funciona- sendo atacada (Behar, 1995, p. 3; Gupta e Ferguson,
rem como fontes de validação para uma ciência em- 1997, p. 16; Jackson, 1998; Ortner, 1997, p. 2). Os
pírica. Eles mostram que o mundo da verdadeira pesquisadores qualitativos defrontam-se com uma
experiência vivida ainda pode ser apreendido, ao me- tripla crise de representação, legitimação e práxis nas
nos nas memórias do escritor, nas experiências ficcio- disciplinas humanas. Implantadas nos discursos do
nais, ou nas leituras dramáticas. Porém, esses traba- pós-estruturalismo e do pós-modernismo (Vidich e
lhos correm o risco de afastar a atenção das formas Lyman, no Capítulo 2; e Richardson, Capítulo 14,
pelas quais o texto constrói indivíduos situados se- Volume 3), essas três crises são codificadas em múl-
xualmente em um campo de diferença social. Tam- tiplos termos, possuindo múltiplas denominações e
bém perpetuam a “hegemonia da ciência empírica” associações com as reviravoltas crítica, interpretativa,
(Clough, 1992, p. 8), já que essas novas tecnologias lingüística, feminista e retórica na teoria social, as quais
de redação do sujeito transformam-se no terreno problematizam duas suposições essenciais da pesqui-
“para a produção do conhecimento/poder (...) [ali- sa qualitativa. A primeira, de que os pesquisadores
nhado] ao (...) eixo capital/Estado” (Aronowitz, 1988, qualitativos não podem mais captar diretamente a
p. 300; citado em Clough, 1992, p. 8). Esse tipo de experiência vivida. Essa experiência, acredita-se, é
experiência primeiro depara-se com a diferença en- criada no texto social escrito pelo pesquisador. Esta é
tre a ciência empírica e a crítica social, e depois afas- a crise representacional, a qual defronta-se com o
ta-se dessa diferença. Muitas vezes, deixa de envol- inescapável problema da representação, porém assim
ver-se plenamente em uma nova política da textuali- o faz dentro de uma esquema que problematiza o elo
dade que “rejeitaria a identidade da ciência empíri- direto entre a experiência e o texto.
ca” (Clough, 1992, p. 135). Essa nova crítica social A segunda suposição torna problemáticos os cri-
“interferiria na relação da economia da informação, térios tradicionais para a avaliação e a interpretação
da política do Estado-nação e das tecnologias de co- da pesquisa qualitativa. Essa é a crise da legitimação,
municação em massa, especialmente em termos das que envolve uma séria reconsideração de termos
ciências empíricas” (Clough, 1992, p. 16). E esse ter- como a validade, a capacidade de generalização e a confia-
reno, sem dúvida, é ocupado pelos estudos culturais. bilidade, termos que já foram reteorizados nos discur-
Richardson (Volume 3, Capítulo 14), Tedlock sos pós-positivistas (Hammersley, 1992), constru-
(Volume 2, Capítulo 6), Brady (Volume 3, Capítulo cionistas-naturalistas (Guba e Lincoln, 1989, p. 163-
32 O PL ANEJAMENTO DA PESQUISA QUALITATIVA
183), feministas (Olesen, Capítulo 8), interpretativos momentos históricos anteriores ainda está em ação
(Denzin, 1997), pós-estruturais (Lather, 1993; Lather nos dias de hoje, seja na forma de um legado ou como
e Smithies, 1997) e críticos (Kincheloe e McLaren, um conjunto de práticas que os pesquisadores con-
Capítulo 10). Essa crise propõe a seguinte pergunta: tinuam a seguir ou a contestar. As múltiplas e frag-
como os estudos qualitativos devem ser avaliados no mentadas histórias da pesquisa qualitativa agora pos-
momento contemporâneo, pós-estrutural? As duas sibilitam que qualquer pesquisador vincule um
primeiras crises influenciam a terceira, a qual questio- projeto a um texto canônico de qualquer um dos mo-
na se é possível realizar mudanças no mundo se a mentos históricos descritos acima. Múltiplos critérios
sociedade é apenas e sempre um texto? É evidente de avaliação tentam chamar a atenção neste campo
que essas crises entrecruzam-se e confundem-se, (Lincoln, no prelo). Segundo, o campo da pesquisa
assim como as soluções para as questões que elas qualitativa agora caracteriza-se por um embaraço de
suscitam (Schwandt, Capítulo 7; Ladson-Billings, Ca- opções. Nunca houve tantas estratégias de investiga-
pítulo 9; e no Volume 3, Smith e Deemer, Capítulo ção, tantos paradigmas, ou métodos de análise, para
12). os pesquisadores utilizarem. Terceiro, estamos em um
O quinto momento, o período pós-moderno da momento de descoberta e de redescoberta, à medi-
redação etnográfica experimental, empenhou-se em da que se debatem e se discutem novas formas de
entender essas crises. Foram exploradas novas for- observar, de interpretar, de argumentar e de escrever.
mas de compor a etnografia (Ellis e Bochner, 1996). Quarto, o ato da pesquisa qualitativa não pode mais
As teorias passaram a ser interpretadas como narra- ser visto a partir de dentro de uma perspectiva posi-
tivas do campo. Os autores empenharam-se de dife- tivista neutra ou objetiva. A classe, a raça, o gênero e
rentes maneiras para representar o “outro”, ainda que a etnicidade influenciam o processo de investigação,
agora novos interesses representacionais os acom- fazendo da pesquisa um processo multicultural. E é
panhassem (Fine et al., Capítulo 4). De grupos ante- para esse tópico que agora voltamos nossa atenção.
riormente silenciados, surgiram epistemologias tra-
zendo soluções para esses problemas. Abandonou-se
o conceito do observador distante. No horizonte, deli- A pesquisa qualitativa enquanto
nearam-se os contornos de uma pesquisa mais volta- processo
da para a ação, para a participação e para o ativismo. A
busca pelas grandes narrativas está sendo substituída Três atividades genéricas, interligadas, definem o
por teorias mais locais, de pequena escala, que se ajus- processo da pesquisa qualitativa. Elas seguem uma
tem a problemas específicos e a situações particulares. variedade de rótulos diferentes, incluindo os de teo-
Estamos entrando no sexto momento (pós-ex- ria, método, análise, ontologia, epistemologia e metodologia.
perimental) e no sétimo (o futuro). Hoje, as etnogra- Por trás desses termos, está a biografia pessoal do
fias ficcionais, a poesia etnográfica e os textos de pesquisador, o qual fala a partir de uma determinada
multimídia são incontestáveis. Os autores pós-expe- perspectiva de classe, de gênero, de raça, de cultura e
rimentais procuram vincular seus escritos às neces- de comunidade étnica. Esse pesquisador marcado
sidades de uma sociedade democrática livre. As exi- pelo gênero, situado em múltiplas culturas, aborda o
gências de uma ciência social qualitativa sagrada e mundo com um conjunto de idéias, um esquema (teo-
moral vêm sendo efetivamente exploradas por inú- ria, ontologia) que especifica uma série de questões
meros autores recentes provenientes de várias disci- (epistemologia) que ele então examina em aspectos
plinas diferentes (Jackson, 1998; Lincoln e Denzin, específicos (metodologia, análise). Ou seja, o pesqui-
Capítulo 6). sador coleta materiais empíricos que tenham ligação
com a questão, para então analisá-los e escrever a
Uma leitura da história seu respeito. Cada pesquisador fala a partir de uma
comunidade interpretativa distinta que configura, em
A partir desse breve período da história, tiramos seu modo especial, os componentes multiculturais,
quatro conclusões — observando que estamos dian- marcados pelo gênero, do ato da pesquisa.
te de uma história de certa forma arbitrária, assim Neste volume, trataremos dessas atividades ge-
como o são todas as histórias. Primeiro, cada um dos néricas em cinco tópicos, ou fases: o pesquisador e o
Introdução 33
pesquisado como sujeitos multiculturais, os princi- perene sobre os métodos interpretativos, qualita-
pais paradigmas e as perspectivas interpretativas, as tivos.
estratégias de pesquisa, os métodos de coleta e de Recentemente, conforme se observou acima, essa
análise dos materiais empíricos, além da arte, das prá- postura e suas crenças foram atacadas. Os pós-es-
ticas e das políticas de interpretação. Por trás de cada truturalistas e os pós-modernistas contribuíram para
uma dessas fases, e dentro delas, está o pesquisador a compreensão de que não existe nenhuma janela
situado biograficamente. Esse indivíduo entra no pro- transparente de acesso à vida íntima de um indiví-
cesso de pesquisa a partir de dentro de uma comuni- duo. Qualquer olhar sempre será filtrado pelas lentes
dade interpretativa. Essa comunidade possui suas da linguagem, do gênero, da classe social, da raça e
próprias tradições históricas de pesquisa, as quais da etnicidade. Não existem observações objetivas,
compõem um ponto de vista distinto. Essa perspec- apenas observações que se situam socialmente nos
tiva leva o pesquisador a adotar determinadas visões mundos do observador e do observado — e entre esses
do “outro” que é estudado. Ao mesmo tempo, a polí- mundos. Os sujeitos, ou indivíduos, dificilmente con-
tica e a ética da pesquisa também devem ser conside- seguem fornecer explicações completas de suas ações
radas, já que essas preocupações permeiam cada fase ou intenções; tudo o que podem oferecer são relatos,
do processo de pesquisa. ou histórias, sobre o que fizeram e por que o fizeram.
Nenhum método é capaz de compreender todas as
variações sutis na experiência humana contínua.
O outro enquanto sujeito de Conseqüentemente, os pesquisadores qualitativos
pesquisa empregam efetivamente uma ampla variedade de
métodos interpretativos interligados, sempre em bus-
Desde seu surgimento na forma interpretativa, ca de melhores formas de tornar mais compreensí-
moderna, no início do século XX, a pesquisa quali- veis os mundos da experiência que estudam.
tativa tem sido assombrada por um fantasma de duas A Tabela 1.1 representa as relações que vemos
caras. Por um lado, os pesquisadores qualitativos su- entre as cinco fases que definem o processo de pes-
punham que os observadores competentes, qualifi- quisa. Por trás de praticamente todas essas fases, está
cados, pudessem relatar com objetividade, com cla- o pesquisador situado biograficamente. Esses cinco
reza e precisão suas próprias observações do mundo níveis de atividade, ou de prática, introduzem-se gra-
social, incluindo as experiências dos outros. Em se- dativamente por meio da biografia do pesquisador.
gundo lugar, os pesquisadores mantiveram-se fiéis à Começaremos a estudá-las brevemente aqui; discu-
crença em um sujeito real, ou em um indivíduo real, tiremos essas fases em mais detalhes nas introduções
que está presente no mundo e que, de certa forma, de cada parte deste volume.
tem a habilidade de relatar suas experiências. Muni-
dos dessas idéias, os pesquisadores puderam mistu- Fase 1: O pesquisador
rar suas próprias observações com os auto-relatos
fornecidos pelos sujeitos através de entrevistas e da As observações que expusemos acima indicam a
história de vida, da experiência pessoal, do estudo de profundidade e a complexidade das perspectivas da
caso e de outros documentos. pesquisa qualitativa tradicional e aplicada nas quais
Essas duas crenças levaram pesquisadores quali- ingressa um pesquisador socialmente situado. Essas
tativos de várias disciplinas a buscarem um método tradições situam o pesquisador na história, nortean-
que lhes permitisse fazer um registro preciso de suas do e ao mesmo tempo restringindo o trabalho a ser
próprias observações ao mesmo tempo em que reve- feito em cada estudo específico. A diversidade e o
lavam os significados que seus sujeitos traziam para conflito sempre caracterizaram esse campo, e consti-
suas experiências de vida. Esse método confiaria nas tuem suas tradições mais duradouras (ver Greenwood
expressões escritas e verbais subjetivas do significa- e Levin, no Capítulo 3 deste volume). Portador dessa
do trazidas pelos indivíduos estudados como janelas história complexa e contraditória, o pesquisador tam-
que se abrem para a vida íntima dessas pessoas. Des- bém deve defrontar-se com a ética e a política da pes-
de Dilthey (1900-1976) que essa busca por um mé- quisa (Christians, no Capítulo 5). A era da investiga-
todo nas disciplinas humanas tem levado a um foco ção livre de valores para as disciplinas humanas
34 O PL ANEJAMENTO DA PESQUISA QUALITATIVA
A Tabela 1.2 apresenta esses paradigmas e suas do trabalham juntos na criação das compreensões) e
suposições, incluindo seus critérios para avaliar a um conjunto naturalista (no mundo natural) de pro-
pesquisa, e a forma que uma declaração interpretati- cedimentos metodológicos. As descobertas são nor-
va ou teórica geralmente assume em cada paradig- malmente apresentadas como critérios da grounded
ma.16 Esses paradigmas são explorados em muitos theory ou das teorias do padrão (Lincoln e Guba, Ca-
detalhes na Parte II por Lincoln e Guba (Capítulo 6), pítulo 6; no Volume 2, Charmaz, Capítulo 8; e no
Schwandt (Capítulo 7), Olesen (Capítulo 8), Ladson- Volume 3, Ryan e Bernard, Capítulo 7). Termos como
Billings (Capítulo 9), Kincheloe e McLaren (Capítu- credibilidade, transferibilidade, confiança e confirma-
lo 10), Frow e Morris (Capítulo 11) e Gamson (Capí- bilidade substituem os critérios positivistas usuais da
tulo 12). Já discutimos os paradigmas positivistas e validade interna e externa, da confiabilidade e da ob-
pós-positivistas. Eles funcionam a partir de uma on- jetividade.
tologia realista e crítico-realista e de epistemologias Os estudos feministas, étnicos, marxistas e cul-
objetivas, e dependem de metodologias qualitativas turais e os modelos da teoria queer privilegiam uma
experimentais, quase-experimentais, de levantamen- ontologia materialista-realista; ou seja, o mundo real
tos e rigorosamente definidas. Ryan e Bernard (Capí- faz uma diferença material em termos de raça, de
tulo 7, Volume 3) desenvolvem elementos desse pa- classe e de gênero. Também são empregadas episte-
radigma. mologias subjetivistas e metodologias naturalistas (ge-
O paradigma construtivista supõe uma ontolo- ralmente etnografias). Os materiais empíricos e os ar-
gia relativista (existem realidades múltiplas), uma epis- gumentos teóricos são avaliados quanto às suas
temologia subjetivista (o conhecedor e o entrevista- implicações emancipatórias. Talvez apliquem-se cri-
Paradigma/
teoria Critérios Forma de teoria Tipo de narração
Estudos culturais práticas culturais, práxis crítica social teoria cultural como
textos sociais, subjetividades crítica
térios (emocionalidade e sentimento, cuidados, res- quisa, o qual, imaginado em linhas gerais, envolve
ponsabilidade pessoal, diálogo) do gênero e das co- um nítido foco sobre a questão da pesquisa, os obje-
munidades raciais (p. ex., afro-americanas). tivos do estudo, “que informações responderão me-
As teorias feministas pós-estruturais enfatizam lhor as questões específicas da pesquisa, e quais es-
os problemas encontrados no texto social, em sua tratégias são mais eficazes para obtê-las” (LeCompte
lógica, e em sua eterna incapacidade de representar e Preissle, 1993, p. 30; ver também no Volume 2, Ja-
plenamente o mundo da experiência vivida. Os crité- nesick, Capítulo 2; Cheek, Capítulo 3). Um planeja-
rios positivistas e pós-positivistas de avaliação são mento de pesquisa descreve um conjunto flexível de
substituídos por outros termos, incluindo o texto re- diretrizes que vinculam os paradigmas teóricos pri-
flexivo, de múltiplas vozes, embasado nas experiên- meiro às estratégias de investigação e, em segundo
cias dos oprimidos. lugar, aos métodos para a coleta de materiais empíri-
Os paradigmas dos estudos culturais e da teoria cos. Um planejamento de pesquisa serve para situar
queer têm múltiplos focos, aproveitando muitas linhas os pesquisadores no mundo empírico, relacio-
diferentes do marxismo, do feminismo e da sensibili- nando-os a terrenos, a pessoas, a grupos, a institui-
dade pós-moderna (ver Frow e Morris, Capítulo 11; ções específicos e a grandes volumes de materiais in-
Gamson, Capítulo 12; e no Volume 3, Richardson, terpretativos relevantes, incluindo documentos e ar-
Capítulo 14). Há uma tensão entre os estudos cultu- quivos. Um planejamento de pesquisa também
rais humanísticos, os quais enfatizam as experiências especifica como o investigador abordará as duas crí-
vividas (significado), e um projeto mais estrutural da ticas questões da representação e da legitimação.
área dos estudos culturais, que enfatiza os determi- Uma estratégia de investigação também com-
nantes estruturais e materiais (a raça, a classe e o gê- preende um monte de habilidades, suposições e prá-
nero) e os efeitos da experiência. É claro que toda a ticas que o pesquisador emprega ao deslocar-se do
moeda tem dois lados, e que esses dois lados são ne- paradigma para o mundo empírico. As estratégias de
cessários e, na verdade, críticos. Os paradigmas dos investigação dão início aos paradigmas da interpre-
estudos culturais e da teoria queer empregam os mé- tação. Ao mesmo tempo, as estratégias de investiga-
todos estrategicamente — ou seja, como recursos para ção também ligam o pesquisador a métodos específi-
compreender as estruturas locais de dominação e para cos de coleta e de análise de materiais empíricos. Por
produzir resistências a estas. Os estudiosos podem exemplo, o estudo de caso depende de entrevistas, de
fazer leituras textuais cuidadosas e análises de discur- observação e da análise de documentos. As estratégias
so dos textos culturais (ver Olesen, no Capítulo 8; Frow de pesquisa implementam e ancoram paradigmas em
e Morris, no Capítulo 11; e no Volume 3, Silverman, terrenos empíricos específicos, ou em práticas meto-
Capítulo 9), e também conduzir etnografias locais, en- dológicas específicas, tais como a transformação de
trevistas abertas e observação participante. O foco está um caso em objeto de estudo. Entre essas estratégias,
no modo como a raça, a classe e o gênero são produ- estão o estudo de caso, as técnicas fenomenológicas
zidos e representados em situações historicamente es- e etnometodológicas e o emprego da grounded theory,
pecíficas. bem como os métodos biográficos, auto-etnográfi-
Munido do paradigma e da história pessoal, con- cos, históricos, de ação e clínicos. Cada uma dessas
centrando-se em um problema empírico concreto para estratégias está vinculada a uma literatura complexa,
examinar, o pesquisador agora passa para o estágio sendo que cada uma tem sua própria história, suas
seguinte do processo de pesquisa — isto é, trabalhar obras exemplares e seus modos preferenciais de dar
com uma estratégia específica de investigação. início à estratégia.
artefatos, documentos e registros culturais e pelo uso pretativa. Como afirmamos anteriormente, o que exis-
de materiais visuais ou da experiência pessoal. O pes- tem são múltiplas comunidades interpretativas, cada
quisador também pode empregar uma variedade de qual com seus próprios critérios para avaliar uma
métodos diferentes de leitura e de análise das entre- interpretação.
vistas ou dos textos culturais, incluindo as estratégias A avaliação de programas é um dos principais
do conteúdo, da narrativa e semióticas. Deparando- terrenos da pesquisa qualitativa, e os pesquisado-
se com grandes volumes de materiais qualitativos, o res qualitativos podem influenciar as políticas so-
investigador busca formas de administrar e de inter- ciais em importantes aspectos. As contribuições de
pretar esses documentos, e é nesse ponto que os Greenwood e Levin (Capítulo 3), Kemmis e
métodos de controle de dados e os modelos de aná- McTaggart (Volume 2, Capítulo 11), Miller e Crabtree
lise auxiliados por recursos computacionais podem (Volume 2, Capítulo 12), Chambers (Volume 3, Ca-
ter utilidade. Ryan e Bernard (Volume 3, Capítulo 7) pítulo 11), Greene (Volume 3, Capítulo 16) e Rist
e Weitzman (Volume 3, Capítulo 8) discutem essas (Volume 3, Capítulo 17) traçam e discutem a riqueza
técnicas. da história da pesquisa qualitativa aplicada nas ciên-
cias sociais. É nesse terreno crítico que a teoria, o
Fase 5: A arte e a política da método, a práxis, a ação e as políticas se juntam. Os
interpretação e da avaliação pesquisadores qualitativos podem isolar as popula-
ções-alvo, mostrar os efeitos imediatos de certos pro-
A pesquisa qualitativa é infinitamente criativa e gramas sobre esses grupos e isolar as restrições que
interpretativa. A tarefa do pesquisador não se resu- agem contra as mudanças das políticas nesses cená-
me a deixar o campo levando pilhas de materiais rios. Os pesquisadores qualitativos voltados para a
empíricos e então redigir facilmente suas descober- ação e para a área clínica também podem criar espa-
tas. As interpretações qualitativas são construídas. Em ços para que quem é estudado (o outro) fale. O avalia-
primeiro lugar, o pesquisador cria um texto de cam- dor transforma-se no canal através do qual essas vo-
po que consiste em observações de campo e em do- zes podem ser escutadas. Chambers, Greene e Rist
cumentos provenientes do campo, o que Roger Sanjek desenvolvem explicitamente esses tópicos em seus
(1990, p. 386) denomina “indexação” e David Plath capítulos.
(1990, p. 374) chama de “trabalho de arquivo”*. No
papel de intérprete, o autor passa desse texto para o
texto da pesquisa: as notas e as interpretações feitas Uma ponte que liga momentos
com base no texto de campo. Esse texto é então re- históricos: o que vem depois?
criado como um documento interpretativo de traba-
lho que contém as primeiras tentativas do autor de Ellis e Bochner (Volume 3, Capítulo 6), Gergen e
compreender o que ele aprendeu. Por fim, o autor Gergen (Capítulo 13) e Richardson (Volume 3, Capí-
produz o texto público que chega ao leitor. Essa últi- tulo 14) sustentam a idéia de que nós já estamos no
ma narrativa extraída do campo pode assumir diver- “pós” -pós-período — pós-pós-estruturalista, pós-
sas formas: confessional, realista, impressionista, crí- pós-modernista, pós-pós-experimental. Ainda não
tica, formal, literária, analítica, grounded theory e assim está claro o que isso significa para as práticas etno-
por diante (Van Maanen, 1988). gráficas interpretativas, mas o certo é que nada mais
A prática interpretativa de entender as descober- será como antes. Estamos em uma nova era na qual
tas do indivíduo é tanto artística quanto política. Hoje os textos confusos, incertos, de múltiplas vozes, a crí-
existem múltiplos critérios para avaliar a pesquisa tica cultural e os novos trabalhos experimentais se
qualitativa, e aqueles que enfatizamos realçam as es- tornarão mais comuns, assim como o serão as for-
truturas situadas, relacionais e textuais da experiên- mas mais reflexivas de trabalho de campo, de análise
cia etnográfica. Não existe uma única verdade inter- e de representação intertextual. O tema de nosso en-
saio final neste volume é o quinto, o sexto e o sétimo
momentos. Como já disse o poeta, é verdade que o
*N. de T. “Trabalho de arquivo” (filework) em contraste com ponto central não mais se mantém. Podemos refletir
“trabalho de campo” (fieldwork). sobre o que passará a ocupar destaque central.
38 O PL ANEJAMENTO DA PESQUISA QUALITATIVA
E, assim, voltamos no tempo. Retornando a nos- 3. Jameson (1991, p. 3-4) nos lembra que qualquer hi-
sa metáfora da ponte, os capítulos a seguir condu- pótese de periodização é sempre suspeita, mesmo
zem o pesquisador em um vaivém através de cada aquela que rejeita modelos lineares como os de está-
fase do ato da pesquisa. Como uma ponte, os capítu- gios. Nunca fica claro a qual realidade um estágio se
refere, e é sempre discutível o que separa um estágio
los proporcionam um movimento de duas vias, um ir
de outro. Nossos sete momentos destinam-se a indi-
e vir entre os momentos, as formações e as comuni- car mudanças discerníveis em estilo, gênero, episte-
dades interpretativas. Cada capítulo examina as his- mologia, ética, política e estética.
tórias relevantes, as controvérsias e as atuais práticas 4. Também organizamos algumas outras definições. O
que estão associadas a cada paradigma, estratégia e estruturalismo considera que qualquer sistema é com-
método. Cada um dos capítulos também traz proje- posto por um conjunto de categorias opositivas im-
ções para o futuro, informando onde um paradigma, plantadas na linguagem. A semiótica é a ciência dos
uma estratégia ou um método específicos estará da- signos e dos sistemas de signos — um projeto estru-
qui a 10 anos, aprofundando-se nos anos formado- turalista. De acordo com o pós-estruturalismo, a lingua-
gem é um sistema instável de referentes, logo, é sem-
res do século XXI.
pre impossível captar totalmente o significado de uma
Ao ler os capítulos a seguir, é importante lem- ação, de um texto ou de uma intenção. O pós-moder-
brar que o campo da pesquisa qualitativa é definido nismo é uma sensibilidade contemporânea, que vem
por uma série de tensões, contradições e hesitações. se desenvolvendo desde a Segunda Guerra Mundial,
Essa tensão age em um vaivém entre a ampla e incer- sem privilegiar nenhuma autoridade, nenhum méto-
ta sensibilidade pós-moderna e as concepções posi- do ou paradigma. A hermenêutica é uma abordagem à
tivistas, pós-positivistas e naturalistas mais definidas, análise de textos que enfatiza o modo como compre-
mais tradicionais, desse projeto. Todos os capítulos a ensões e preconceitos anteriores influenciam o pro-
seguir envolvem-se nessa tensão e a articulam. cesso interpretativo. A fenomenologia é um complexo
sistema de idéias associado às obras de Husserl, Hei-
degger, Sartre, Merleau-Ponty e Alfred Schutz. Os es-
tudos culturais são um campo interdisciplinar, comple-
Notas xo, que funde teoria crítica, feminismo e pós-estrutu-
ralismo.
1. A pesquisa qualitativa tem histórias independentes e 5. É evidente que todos os cenários são naturais — ou
distintas nas áreas da educação, do trabalho social, seja, locais onde se desenrolam as experiências do
das comunicações, da psicologia, da história, dos es- cotidiano. Os pesquisadores qualitativos estudam pes-
tudos organizacionais, da ciência médica, da antro- soas que fazem coisas juntas nos lugares em que es-
pologia e da sociologia. sas atividades acontecem (Becker, 1986). Não existe
2. Organizamos aqui algumas definições. O positivismo nenhum terreno de campo ou um local natural onde
declara a possibilidade de se fornecer relatos objeti- o indivíduo vai fazer esse tipo de trabalho (veja tam-
vos do mundo real. Para o pós-positivismo, é possível bém Gupta e Ferguson, 1997, p. 8). O terreno é cons-
produzir relatos apenas parcialmente objetivos do tituído por meio das práticas interpretativas do pes-
mundo, pois todos os métodos para examiná-los são quisador. Os analistas normalmente traçam distinções
imperfeitos. De acordo com o fundacionalismo, pode- entre os cenários de pesquisa experimental (labora-
mos ter um fundamento último para nossas alega- tório) e os de pesquisa de campo (natural), de onde
ções de conhecimento em relação ao mundo, e este provém o argumento de que a pesquisa qualitativa é
envolve o emprego de epistemologias empíricas e po- naturalista. A teoria da atividade elimina essa distin-
sitivistas (Schwandt, 1997a, p. 103). O não-fundaciona- ção (Keller e Keller, 1996, p. 20; Vygotsky, 1978).
lismo acredita que podemos fazer declarações sobre o 6. De acordo com Weinstein e Weinstein (1991), “o sig-
mundo sem “recorrermos a uma prova definitiva ou nificado de bricoleur no francês popular é “alguém que
aos fundamentos para esse conhecimento” (p. 102). utiliza suas próprias mãos em seu trabalho e emprega
Segundo o quase-fundacionalismo, podemos alegar cer- meios tortuosos se comparados aos do artesão” (...) o
tos conhecimentos sobre o mundo com base em cri- bricoleur é prático e conclui seu trabalho” (p. 161). Os
térios neo-realistas, incluindo o conceito da corres- autores fornecem uma história do termo, relacionan-
pondência da verdade; existe uma realidade indepen- do-o às obras do sociólogo e teórico social alemão
dente que pode ser mapeada (veja Smith e Deemer, Georg Simmel, e, por implicação, a Baudelaire. Ham-
Capítulo 12, Volume 3). mersley (no prelo) contesta o modo como emprega-
Introdução 39
mos esse termo. Na mesma linha de Lévi-Strauss, ele 14. Essas obras acabaram marginalizando e minimizan-
vê no bricoleur um criador de mitos. Ele sugere que o do as contribuições da teoria e da pesquisa feminista
termo seja substituído pela idéia de um construtor de do ponto de vista para esse discurso (veja Behar, 1995,
barcos. Hammersley também critica nosso modelo de p. 3; Gordon, 1995, p. 432).
“momentos” da pesquisa qualitativa, argumentando 15. Olesen (Capítulo 8 deste volume) identifica três li-
que este implica uma noção de progresso. nhas de desenvolvimento da pesquisa feminista: em-
7. Brian De Palma reproduziu essa cena do carrinho de pírica dominante; do ponto de vista e dos estudos
bebê em seu filme Os Intocáveis, de 1987. culturais; e pós-estrutural, pós-moderna. Ela classifi-
8. No porto, os bocais dos dois canhões do Potemkin vol- ca os modelos afrocêntricos e outros modelos não-
tam-se lentamente em direção à câmera. Na tela, lê- brancos nas categorias pós-moderna e dos estudos
se a seguinte informação: “Os canhões do navio de culturais.
guerra são uma resposta do poder militar brutal”. Uma 16. É claro que estas são as nossas interpretações para
famosa seqüência de montagem de três tomadas mos- esses paradigmas e esses estilos interpretativos.
tra primeiro uma escultura de um leão adormecido, 17. Materiais empíricos é o termo escolhido para o que
depois um leão despertando de seu sono, e, por últi- normalmente se descreve como dados.
mo, o leão rugindo, como um símbolo da raiva do
povo russo (Cook, 1981, p. 167). Nessa seqüência,
Eisenstein utiliza a montagem para expandir o tem- Referências
po, criando uma duração psicológica para esse horrí-
vel evento. Ao prolongar essa seqüência, ao mostrar o Aronowitz, S. (1988). Science as power: Discourse and ideology in
bebê no carrinho, os soldados atirando nos cidadãos, modern society. Minneapolis: University of Minnesota Press.
o sangue nas luvas da mãe, o carrinho descendo os Bateson, G. (1972). Steps to an ecology o f mind. New York:
degraus, ele sugere um nível de destruição de grande Ballantine.
magnitude. Becker, H. S. (1970). Problems of inference and proof in
9. Aqui é relevante traçar uma distinção entre as técni- participant observation. In H. S. Becker, Sociological work:
cas utilizadas através das disciplinas, e os métodos que Method and substance. Chicago: Aldine. (Reimpressão de
são utilizados dentro das disciplinas. Os etnometo- American Sociological Review, 1958, 23, 652-660)
dologistas, por exemplo, empregam sua abordagem Becker, H. S. (1986). Doing things together. Evanston: Nor-
como um método, ao passo que outros selecionam thwestern University Press.
esse método tomando-o emprestado como técnica Becker, H. S. (1996). The epistemology of qualitative rese-
para suas próprias aplicações. Harry Wolcott (comu- arch. In R. Jessor, A. Colby, & R. A. Shweder (Eds.),
nicação pessoal, 1993) sugere essa distinção. Também Ethnography and human development: Context and meaning
é relevante fazermos distinções entre tópico, método in social inquiry (pp. 53-71). Chicago: University of Chi-
e recurso. Os métodos podem ser estudados como cago Press.
tópicos de investigação; ou seja como se conclui um Becker, H. S. (1998). Tricks of the trade: How to think about
estudo de caso. Nesse sentido etnometodológico, irô- your research while you’re doing it. Chicago: University of
nico, o método é tanto um recurso quanto um tópico Chicago Press.
de investigação. Becker, H. S., Geer, B., Hughes, E. C., & Strauss, A. L. (1961).
10. Na verdade, qualquer tentativa de se oferecer uma Boys in white: Student culture in medical school. Chicago:
definição essencial da pesquisa qualitativa exige uma University of Chicago Press.
análise qualitativa das circunstâncias que produzem Behar, R. (1995). Introduction: Out of exile. In R. Behar &
esse tipo de definição. D. A. Gordon (Eds.), Women writing culture (pp. 1-29).
11. Nesse sentido, toda a pesquisa é qualitativa, visto que Berkeley: University of California Press.
“o observador encontra-se no centro do processo de Bogdan, R. C., & Taylor, S. J. (1975). Introduction to qualitati-
pesquisa” (Vidich e Lyman, Capítulo 2 deste volume). ve research methods: A phenomenological approach to the so-
12. Para ver uma ampliação e um detalhamento dessa tra- cial sciences. New York: John Wiley.
dição em meados dos anos de 1980, consulte Lincoln Campbell, D. T, & Stanley, J. C. (1963). Experimental and
e Guba (1985), e, para ampliações mais recentes veja quasi-experimental designs for research. Chicago: Rand
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