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Obra coletiva Mediação de conflitos - 2a. edição


- versão digital

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1 author:

Luciane Moessa de Souza


Banco Central do Brasil
12 PUBLICATIONS 1 CITATION

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Available from: Luciane Moessa de Souza


Retrieved on: 04 September 2016
Luciane Moessa de Souza
(Coordenadora)

Mediação
de conflitos
Novo paradigma de acesso à justiça

2ª edição

De acordo com o novo CPC (Lei 13.105/2015) e a


nova Lei de Mediação e Conflitos (Lei 13.140/2015)

1
Luciane Moessa de Souza
(Coordenadora)

Mediação
de conflitos
Novo paradigma de acesso à justiça

De acordo com o novo CPC (Lei 13.105/2015) e a


nova Lei de Mediação e Conflitos (Lei 13.140/2015)

2ª edição

Santa Cruz do Sul

2015

2
CONSELHO EDITORIAL
Prof. Dr. Alexandre Morais da Rosa – Direito – UFSC e UNIVALI/Brasil
Prof. Dr. Alvaro Sanchez Bravo – Direito – Universidad de Sevilla/Espanha
Profª. Drª. Angela Condello – Direito - Roma Tre/Itália
Prof. Dr. Carlos M. Carcova – Direito – UBA/Argentina
Prof. Dr. Demétrio de Azeredo Soster – Ciências da Comunicação – UNISC/Brasil
Prof. Dr. Doglas César Lucas – Direito – UNIJUI/Brasil
Prof. Dr. Eduardo Devés – Direito e Filosofia – USACH/Chile
Prof. Dr. Eligio Resta – Direito – Roma Tre/Itália
Profª. Drª. Gabriela Maia Rebouças – Direito – UNIT/SE/Brasil
Prof. Dr. Gilmar Antonio Bedin – Direito – UNIJUI/Brasil
Prof. Dr. Giuseppe Ricotta – Sociologia – SAPIENZA Università di Roma/Itália
Prof. Dr. Gustavo Raposo Pereira Feitosa – Direito – UNIFOR/UFC/Brasil
Prof. Dr. Humberto Dalla Bernardina de Pinho – Direito – UERJ/UNESA/Brasil
Prof. Dr. Ingo Wolfgang Sarlet – Direito – PUCRS/Brasil
Prof.ª Drª. Jane Lúcia Berwanger – Direito – UNISC/Brasil
Prof. Dr. João Pedro Schmidt – Ciência Política – UNISC/Brasil
Prof. Dr. Jose Luis Bolzan de Morais – Direito – UNISINOS/Brasil
Profª. Drª. Kathrin Lerrer Rosenfield – Filosofia, Literatura e Artes – UFRGS/Brasil
Profª. Drª. Katia Ballacchino – Antropologia Cultural – Università del Molise/Itália
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Prof. Dr. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão – Direito – Universidade de Lisboa/Portugal
Prof. Dr. Luiz Rodrigues Wambier – Direito – UNIPAR/Brasil
Profª. Drª. Nuria Belloso Martín – Direito – Universidade de Burgos/Espanha
Prof. Dr. Sidney César Silva Guerra – Direito – UFRJ/Brasil
Profª. Drª. Silvia Virginia Coutinho Areosa – Psicologia Social – UNISC/Brasil
Prof. Dr. Ulises Cano-Castillo – Energia e Materiais Avançados – IIE/México
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Prof. Me. Theobaldo Spengler Neto – Direito – UNISC/Brasil

3
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M489 Mediação de conflitos: novo paradigma de acesso à justiça [recurso


Eletrônico] / coordenadora: Luciane Moessa de Souza – Santa
Cruz do Sul: Essere nel Mondo, 2015.

345 p.

Texto eletrônico
Modo de acesso: World Wide Web.

1. Mediação. 2. Acesso à justiça. 3. Resolução de disputa (Direito).


4. Conciliação (Processo civil). 5. Justiça restaurativa. 6. Direito
comparado. I. Souza, Luciane Moessa.

CDD-Dir: 341.4625

Prefixo Editorial: 67722


Número ISBN: 978-85-67722-42-9

Bibliotecária responsável: Fabiana Lorenzon Prates - CRB 10/1406


Bibliotecária responsável: Fabiana Lorenzon Prates - CRB 10/1406
Catalogação: Fabiana Lorenzon Prates - CRB 10/1406
Catalogação: Fabiana Lorenzon Prates
Correção ortográfica: pelos autores
Revisão gramatical: Luciane Moessa de Souza
Diagramação: Daiana Stockey Carpes
Diagramação: Daiana Stockey Carpes

4
Sumário

Apresentação 12

PARTE I 16
Noções Gerais

Fatores de efetividade de processos de resolução de disputas: uma 17


análise sob a perspectiva construtivista
André Gomma de Azevedo

1 Introdução 17
2 Processos construtivos de resolução de disputas e fatores de efetividade de 18
processos de resoluçãode disputas
3 Constatações empíricas referentes à efetividade processual 21
4 A perspectiva construtivista da resolução de disputas como forma de assegurar 25
maior efetividade processual
5 Conclusão 26
Referências 30

Mediação, acesso à justiça e desenvolvimento institucional: análise 34


histórico-crítica da legislação brasileira sobre mediação
Luciane Moessa de Souza

1 Introdução 34
2 Desenvolvimento institucional e crescimento econômico 35
2.1 Conceito de desenvolvimento e interdependência entre os diversos aspectos 35
2.2 Correlação entre desenvolvimento institucional e atividade econômica 37
3 Obstáculos para o acesso à justiça no Brasil 42
3.1 Conceito de acesso à justiça 42
3.2 Os principais obstáculos para o acesso à justiça 42
3.3 Meios alternativos de resolução de controvérsias: incremento na celeridade e na 48
qualidade dos serviços jurisdicionais
4 A legislação brasileira sobre mediação 51
4.1 Conflitos a que se aplica a mediação 54
4.2 Espécies de mediação 55
4.3 Quem pode ser mediador 60
4.4 Fiscalização das atividades de mediação 62
4.5 Prazo para realização da mediação e tutela de urgência 63
4.6 Incompatibilidades com a função de mediador 64
4.7 A figura do co-mediador 64
4.8 A participação do advogado na mediação 64
4.9 O conteúdo do acordo 65
4.10 Eficácia do acordo 66

5
4.11 Suspensão da prescrição 67
5 Medidas necessárias para viabilizar a mediação no Brasil 67
5.1 As mudanças na cultura dos operadores jurídicos 67
5.2 Pontos a serem regulamentados 68
5.2.1 Capacitação dos mediadores 68
5.2.2.Definição dos valores a serem cobrados e da responsabilidade pelo pagamento dos 70
mediadores nas causas de justiça gratuita
6 Importante inovação: mediação on-line ou a distância 71
7 Considerações finais: o potencial da mediação 71
Referências 72

Sustentabilidade do Poder Judiciário e a mediação na sociedade 74


brasileira
Roberto Portugal Bacellar

1 Introdução 74
2 Um serviço judiciário com qualidades interdisciplinares 76
3 O poder jurisdicional típico e o dos métodos complementares 77
4 Conclusão 78
Referências 78

Mediação e conciliação: dois paradigmas distintos, duas práticas 80


diversas
Tania Almeida

1 Considerações iniciais 80
2 A construção de acordos proposta pela conciliação e o privilégio da desconstrução 81
de conflitos pretendida pela mediação
3 A busca da satisfação individual pretendida na conciliação e a procura da satisfação 81
mútua demandada pela mediação
4 A repercussão das soluções sobre si mesmos cuidada pela conciliação e a repercussão 82
das soluções sobre terceiros, investigada pela mediação
5 A coautoria de soluções construídas pelas partes com o conciliador e a privilegiada 83
autoria das partes perseguida pelo mediador
6 A ótica monodisciplinar utilizada pela conciliação e a abordagem multidisciplinar 83
proposta pela mediação
7 O presente e a culpa focados na conciliação; o futuro e a responsabilidade social 84
objetivados pela mediação
8 A pauta objetiva destacada pela conciliação e a pauta subjetiva privilegiada pela 84
mediação
9 A publicidade que caracteriza a conciliação e a confidencialidade proposta pela 85
mediação
10 Os pareceres técnicos na conciliação e na mediação 85
11 Os advogados das partes na conciliação e na mediação 86
12 Considerações finais 87
Referências 87

6
Ser um mestre em mediação? 89
Gladys Stella Álvarez

1 Conceito de maestria 89
2 Os estágios da profissão 89
3 Alguns indicadores de qualidade 90
4 Da teoria à prática e da prática à teoria 92
5 Conclusão 94
Referências 95

A ética na mediação 96
Tânia Lobo Muniz

1 Apresentação 96
2 A ética 96
3 A eticidade 97
4 Código de Ética 97
5 Valores a serem positivados 98
6 A atuação do mediador, a questão ética, o comprometimento de sua atuação e os 100
reflexos na aceitação e permanência do instituto
7 Conclusão 105
Referências 105

Diretrizes éticas, capacitação, credenciamento e supervisão da 107


atuação de mediadores e conciliadores: contribuições preliminares
Luciane Moessa de Souza

1 Introdução 107
2 Diretrizes éticas 108
2.1 Imparcialidade 110
2.2 Dever de respeitar a autonomia das partes 114
2.3 Deveres de competência e diligência 115
2.4 Dever de alertar as partes sobre a necessidade de perícia técnica ou assessoramento 116
de terceiros
2.5 Dever de zelar pelo equilíbrio de poder entre as partes 118
2.6 Confidencialidade 118
2.7 Transparência na condução do processo 121
2.8 Dever de zelar pela viabilidade do cumprimento do acordo 122
2.9 Dever de zelar pelos interesses de terceiros afetados 122
2.10 Remuneração do mediador 124
3 As qualidades necessárias para um bom mediador 125
4 Sobre a regulamentação (ou não) da atividade 126
4.1 Cadastro, registro ou certificação de mediadores – critérios apropriados 127
4.2 A capacitação de mediadores 130
5. Supervisão e aplicação de penalidades por desvio ético 136
6 Conclusões 141
Referências 142

7
PARTE II 144
Aplicação da Mediação

A mediação de conflitos no contexto empresarial 145


Adolfo Braga Neto

1 Introdução 145
2 Mediação comercial 146
3 Mediação organizacional 149
4 Mediação ambiental 150
5 Mediação trabalhista 151
6 Aspectos gerais e legais 153
7 Conclusão 154
Referências 155

Mediação e Estatuto da Criança e do Adolescente: práticas e 157


possibilidades
Alexandre Morais da Rosa

1 Introdução 157
2 Quando se fala de criança e adolescente, de quem se fala? 157
3 O ato infracional 159
4 A Justiça Restaurativa 162
Referências 163

O componente de mediação vítima-ofensor na Justiça Restaurativa: 166


uma breve apresentação de uma inovação epistemológica na
autocomposição penal
André Gomma de Azevedo

1 Introdução 166
2 Justiça Restaurativa e mediação vítima-ofensor: conceitos 172
3 Características procedimentais da mediação vítima-ofensor 176
3.1 Pré-seleção de casos 176
3.2 Preparação para a mediação 176
3.3 Mediação vítima-ofensor 177
4 Conclusão 180
Referências 181

Mediação em relações de trabalho no Brasil 184


Antônio Rodrigues de Freitas Jr.

1 O papel da mediação na solução de conflitos de justiça 184


2 Conceituação de conflito 185
3 Conflitos aos quais se aplica a mediação 189
3.1 Relações entre sujeitos constitutivamente desiguais não comportam mediação? 190
4 Considerações finais 195
Referências 195

8
Programa de mediação de Conflitos: uma experiência comunitária 197
como política pública em Minas GeraisAriane Gontijo Lopes Leandro,
Giselle Fernandes Corrêa da Cruz
1 Apresentação 197
2 Pressupostos conceituais: a base teórica da metodologia 199
3 O mediador 205
4 Mediação atendimento 205
5 Eixo Atendimento Coletivo 210
6 Organização da prática do Programa Mediação de Conflitos 213
7 Resultados alcançados pelo Programa Mediação de Conflitos 215
8 Conclusão 222
Referências 222

A Defensoria como agente na mediação de conflitos 224


Eduardo Antônio de Andrade Villaça, Michele Cândido Camelo

1 Introdução 224
2 Mediação de conflitos 226
3 A Defensoria Pública 229
4 A Defensoria Pública tutelando a mediação comunitária 230
5 A Defensoria Pública atuando como mediadora em conflitos coletivos 236
6 Considerações finais 241
Referências 242

Conflitos societários e empresariais: a conveniência da adoção da 244


cláusula de mediação e arbitragem (“med-arb”)
Henrique Gomm Neto

1 Apresentação 244
2 Origem da cláusula “med-arb” 244
3 Conflitos societários: ênfase na empresa familiar 245
4 Inconveniência do recurso ao procedimento judicial 246
5 Aspectos positivos do processo de mediação para os conflitos societários 247
6 Objetivos que se pretendem alcançar com a aplicação da técnica de mediação 248
6.1 Construir um novo espaço adequado para uma negociação produtiva 248
6.2 Despersonalizar o conflito 249
6.3 Transformar uma negociação baseada em “posições” em uma negociação baseada 250
em interesses
6.4 Adotar uma orientação com vistas ao futuro 250
7 Conclusão: a importância do “design” da cláusula med-arb. 251
Referências 254

9
A mediação no direito de família e o acesso à justiça 256
Ivan Aparecido Ruiz

1 Introdução 256
2 Evolução histórica dos meios consensuais de resolução de conflitos 256
3 Notas introdutórias sobre a mediação 260
4 Processo judicial (ganha/perde) versus mediação (ganha/ganha) 262
5 Conceito de mediação 264
6 Mediação nas questões de família 269
6.1 Mediação e ações de estado 270
6.2 A separação consensual extrajudicial e o divórcio consensual extrajudicial 278
7 A contribuição dos meios consensuais de resolução de conflitos no acesso à justiça 279
8 Conclusões 281
Referências 282

Agir contra si – acrasia – e a mediação de conflitos 288


Célia Regina Zapparolli

1 Introdução 288
2 Akrasia ou acrasia 288
3 Caso em estudo no. 1 290
4 Caso em estudo no. 2 291
4.1 Reflexões técnicas preliminares 292
4.2 Seguimento do relato do caso em estudo no. 2 e outras considerações técnicas 292
5 Análise dos casos concretos 1 e 2 à luz da Teoria da Acrasia em Elster 293
6 Instrumentos propostos para superação da Acrasia 295
Referências 299

Mediação de conflitos envolvendo entes públicos 300


Luciane Moessa de Souza

1 Introdução 300
2 Fundamentos para a adoção de métodos consensuais de resolução de conflitos na 301
esfera pública
2.1 Fundamentos constitucionais 301
2.2 Fundamentos infraconstitucionais 302
3 Os princípios constitucionais que regem a atuação do Poder Público e suas 304
consequências na resolução consensual de conflitos
4 As medidas necessárias para a viabilização da resolução consensual de conflitos 306
individuais envolvendo o Poder Público
5 As medidas necessárias para a viabilização da resolução consensual de conflitos 307
coletivos envolvendo o Poder Público
6 O capítulo dos conflitos que envolvem o Poder Público na nova Lei sobre Mediação 309
de Conflitos
6.1 Seção I - Disposições comuns às três esferas federativas 310
6.2 Seção II - Conflitos envolvendo entes públicos federais 312
7 Conclusões 316

10
PARTE III 317
Direito Comparado

Mediação: estudo comparativo 318


Déborah Lídia Lobo Muniz

1 Introdução 318
2 A mediação no direito alienígena 318
2.1 A mediação na União Européia 320
2.2 A mediação na América Latina 320
3 Estruturas selecionadas e variáveis de comparação 321
3.1 A legislação da França 321
3.2 A legislação de Portugal 326
3.3 A legislação da Costa Rica 328
4 Elementos passíveis de recepção pelo projeto de lei brasileiro 329
5 O projeto de lei 4827/1998 331
6 Resultados práticos da mediação 333
7 Conclusão 336
Referências 338

Mediação na China: passado, presente e futuro 340


Wei Dan

1 Apresentação 340
2 Evolução histórica da mediação na China tradicional 340
3 Mediação na República Popular da China: classificação e fontes 342
4 Regime legal da mediação popular 344
4.1 Histórico e desenvolvimento 344
4.2 Princípios básicos 346
4.3 Âmbito de aplicação 346
4.4 Procedimentos e características 348
4.5 Efeitos jurídicos do acordo obtido na mediação 348
5. Da mediação judicial 350
5.1 Vários ajustamentos da legislação e de políticas judiciais 350
5.2 Princípios básicos 351
5.3 Âmbito de aplicação 351
5.4 Procedimentos e características 352
5.5 Efeitos jurídicos 353
6 Problemas existentes nas diversas espécies de mediação 354
7 Futuro da mediação na China 355
Referências 356

Síntese curricular dos autores 357

11
Apresentação

Apresentação

A mediação se inscreve em diversas culturas e tradições legais como


expediente ao mesmo tempo singelo e eficaz de resolução pacífica de conflitos.
Sua regulação por meio de instrumentos legais formais pode ou não ser
considerada apropriada.
No Brasil, na esteira da bem sucedida regulação da arbitragem, por meio
da Lei nº 9.307/96 1, bem como da jurisprudência e da prática subsequentes,
entendeu-se que seria oportuna equivalente ordenação da mediação. Diante de
tantas iniciativas de mediação já existentes tanto na seara judicial quanto no
âmbito extrajudicial, durante muito tempo a comunidade que trabalha com o
tema debateu se seria de fato necessária uma lei específica para fomentar a
institucionalização da mediação no Brasil, sendo que o primeiro projeto de lei
a respeito foi apresentado nos idos de 1998, pela deputada federal paulista
Zulaiê Cobra (PL 4827/1998). A ele se seguiram diversos outros2 e agora, com a
edição da Lei 13.140, de 26 de junho de 2015, esta questão resta prejudicada.
Vale ressaltar que também o novo Código de Processo Civil contém um capítulo
tratando da mediação e da conciliação de conflitos na esfera judicial.
Resta-nos agora, além de continuar a estudar e divulgar o instituto, sua
importância e modo de funcionamento, analisar de forma crítica o conteúdo da
lei que veio a disciplinar o tema, além das bases culturais que permitem melhor
compreender e aplicar este instituto. A ideia dessa obra coletiva, nos idos de
2006, partiu do Professor Paulo Borba Casella, um dos coordenadores de sua
primeira edição, que por este motivo merece um agradecimento especial3.
A mediação deve ser compreendida no que concerne aos tipos de

1 Recentemente, foi aprovada legislação atualizando a lei de arbitragem – por sinal recheada de
polêmicas, tal como ocorreu quando a Lei 9.307 foi promulgada em 1996. A nova lei veio a so-
lucionar algumas dúvidas quanto à abrangência da arbitragem, mas faltou maior diálogo com a
comunidade afetada no que concerne aos conflitos de natureza trabalhista e consumerista, para
se chegar a um consenso quanto a uma solução viável e aceitável para todos. Também perdeu-se
a oportunidade de avançar em alguns temas necessários, ensejando possivelmente nova reforma
para breve.
2 No Senado, merece destaque o projeto de lei de autoria do Senador capixaba Ricardo Ferraço
(PLS 517/2011), que contou com a assessoria de alguns especialistas no assunto na sua elabora-
ção (Prof. Humberto Dalla Bernardina de Pinho, mediadora Gabriela Asmar e Juíza Trícia Navarro).
Esse projeto foi aproveitado em parte na redação final da nova lei. Existe também na Câmara
um projeto de lei (PLC 4891/2005) que cria as profissões de mediador e árbitro, com parecer do
relator favorável à sua aprovação, com exceção de alguns dispositivos eivados de inconstituciona-
lidade formal. Além destes, há diversos outros projetos de lei propondo a utilização da mediação
para conflitos específicos.
3 Agradeço também de modo especial aos autores que, como eu, atualizaram seus artigos para
esta edição: Tania Almeida, Roberto Bacellar, Adolfo Braga Neto, Wei Dan, Henrique Gomm Neto,
Ariane Gontijo e Giselle Cruz e Ivan Ruiz. Já a mediadora Célia Zapparolli passou a integrar o gru-
po de coautores desta obra a partir desta segunda edição.

12
Apresentação

conflitos que por meio desta possam ser solucionados, assim como no que diz
respeito à adequação da obrigatoriedade de realização da mediação em diversas
situações, ou, ainda, no que tange a participação de advogados no processo —
para mencionar apenas algumas das questões mais controvertidas e necessárias
para que se compreenda a natureza da mediação e a suas possíveis aplicações.
As vicissitudes por que passaram os diferentes projetos de lei a respeito da
matéria em nada mudam o interesse e a relevância do tema. De fato, proliferam
há muitos anos no Brasil, muitas vezes com grandes limitações, programas
patrocinados por entidades, públicas e privadas, dispostos a trabalhar com a
mediação, a qual acarreta grande mudança na compreensão do acesso à justiça,
bem assim multiplicam-se as pesquisas acadêmicas que têm se dedicado ao
estudo do instituto.
Afinal, os problemas que afligem os brasileiros carentes de meios eficazes
de solução de “conflitos de justiça”, como os denomina o Professor Antônio
Rodrigues de Freitas Jr. (USP), continuam presentes. O Judiciário se vê acuado
por demanda crescente, ante a evidente impossibilidade do sistema contencioso
tradicional sustentar, a longo prazo, tal volume de expectativas e necessidades
sociais, como ressalta o Professor Roberto Portugal Bacellar (PUC/PR) em seu
artigo.
O dado mais grave da situação, imperativo salientar, é que os problemas
da solução judicial de conflitos não se restringem ao aspecto da morosidade,
pois, muitas vezes, ao final do processo tradicional, não se obtém nenhuma
pacificação social, não se resolve o problema que levou os envolvidos ao
Judiciário, os quais são apenas substituídos e, algumas vezes, agravados,
como mostra o Professor André Gomma de Azevedo (UnB) em seu trabalho, ao
confrontar a perspectiva destrutiva dos métodos contenciosos tradicionais com
a perspectiva construtiva dos métodos consensuais de resolução de conflitos.
Todavia, como também demonstra este mesmo autor, se não adequadamente
manejados, também os novos meios podem falhar em sanear o déficit de justiça
que acomete os envolvidos em conflitos de natureza jurídica.
Meu primeiro artigo nesta obra busca mostrar como a mediação pode
contribuir para sanear os diversos obstáculos para acesso à justiça em sentido
pleno e como contribuição determinante para o desenvolvimento institucional
– aspecto indispensável para qualquer país cujo desenvolvimento se entenda
como criação de oportunidades para que as pessoas realizem o seu potencial.
Nele, realizo ainda uma descrição crítica dos projetos de lei que tramitaram
perante o Poder Legislativo no Brasil tratando da institucionalização da mediação,
confrontando-os com a legislação argentina sobre o assunto, bem assim com
a legislação colombiana sobre conciliação. Nesta nova edição, abordo, além
do primeiro projeto de lei sobre o tema (PLC 4827/1998), os dois projetos
que foram apresentados no Senado Federal bem mais tarde (PLC 517/2011 e
405/2013), assim comoo anteprojeto elaborado por Comissão de Especialistas
criada pelo Ministério da Justiça também em 2013 – culminando pela análise da
redação final que constou na nova Lei de Mediação de Conflitos. Além disso,
abordo os dispositivos do novo Código de Processo Civil que versam sobre
o tema e, ainda, a Resolução 125, de 2010, do Conselho Nacional de Justiça,
ressaltando que estes dois últimos diplomas normativos dispõem tanto sobre

13
Apresentação

mediação quanto sobre conciliação de conflitos.


Também é importantíssimo distinguir, como faz muito bem o trabalho
da mediadora Tania Almeida (Mediare), a mera obtenção do acordo, objetivo
principal da conciliação, da pacificação do conflito, objetivada pela mediação.
Não se trata de tarefa fácil, dada a relevância da formação ética e do
desenvolvimento de habilidades, necessárias no mediador, que a experiência na
atividade pode vir a proporcionar, como se pode concluir da leitura dos capítulos
da Professora Tânia Lobo Muniz (Universidade Estadual de Londrina), e da
Professora Gladys Stella Álvarez (Universidade de Buenos Aires), uma de nossas
convidadas internacionais da obra, ambas autoras de teses de doutoramento
sobre mediação. O tema das diretrizes éticas e da capacitação de mediadores
e conciliadores é também enfrentado ainda por mim em artigo acrescentado
a esta segunda edição, que também enfoca os controversos assuntos do
credenciamento e da supervisão da atuação destes profissionais, à luz sobretudo
da farta experiência estadunidense.
É imprescindível analisar, ainda, a aplicabilidade da mediação a diferentes
tipos de conflitos, como fazem os autores na Parte II da obra, dentre os quais
o Professor Antônio Rodrigues de Freitas Jr., ao comprovar esta possibilidade
na esfera trabalhista, o Professor Alexandre Morais da Rosa, ao enfocar a
adequação da mediação aos conflitos envolvendo atos infracionais praticados
por adolescentes, numa interessante abordagem que implica também a ótica
psicanalítica, o Professor Ivan Aparecido Ruiz (Universidade Estadual de Maringá),
que é autor de Tese de Doutorado sobre o tema e aqui explora o potencial da
mediação nos conflitos que envolvem o direito de família, o Professor André
Gomma de Azevedo, ao enfocar a mediação na área penal, e os mediadores
Adolfo Braga Neto (CONIMA) e Henrique Gomm Neto (ARBITAC), os quais, sob
diferentes prismas, mostram a ampla possibilidade de utilização da mediação
no âmbito empresarial. Eu não poderia deixar de incluir também, ao final desta
Parte, um artigo por mim escrito sobre a utilização da mediação no que se refere
aos numerosos conflitos envolvendo o Poder Público, já que esse tema é recheado
de controvérsias e, além de ter sido objeto de minha pesquisa de Doutorado, foi
tratado em capítulo próprio pela nova Lei de Mediação de Conflitos.
Do ponto de vista da aplicação prática da mediação, convidei para
apresentar à comunidade jurídica o seu trabalho duas mediadoras que integraram
por muitos anos o Programa Mediação de Conflitos, desenvolvido no âmbito da
Secretaria de Defesa Social do Estado de Minas Gerais, Ariane Gontijo Lopes
Leandro e Giselle Fernandes Corrêa da Cruz, que descrevem aqui as diretrizes e
a metodologia adotada numa experiência de inegável sucesso, como demonstra
pesquisa de campo realizada por entidade externa contratada para este fim. Da
mesma forma, os Defensores Públicos do Estado do Ceará Eduardo Antônio
de Andrade Villaça e Michele Cândido Camelo narram a experiência pioneira
de sua instituição na mediação comunitária e também os primeiros passos na
mediação de conflitos coletivos. Também a experiente mediadora Célia Zapparolli
apresenta em seu artigo suas recentes reflexões acerca da complexidade inerente
à mediação de conflitos em situações de violência de gênero.
Por fim, contamos também com dois artigos que descrevem experiências
de mediação em outros países: um de autoria da Professora Déborah Lídia Lobo
Muniz, que estudou os sistemas de mediação de Portugal, França e Costa Rica,

14
Apresentação

comparando os sistemas ali existentes com o primeiro projeto de lei brasileiro


que propôs a institucionalização da mediação (PLC 4827/1998), e outro da
Professora Wei Dan (Universidade de Macau), outra convidada internacional, no
qual descreve a secular utilização da mediação para solução de conflitos na
China.
Esperamos, assim, contribuir para difundir maior conhecimento e mais
adequada implementação deste singelo mas revolucionário instrumento de
realização do acesso à justiça que é a mediação, que se caracteriza sobretudo
por seu caráter democrático (por buscar uma solução criada pelas próprias
partes em conflito), pedagógico (por possibilitar às partes aprenderem a se
comunicar e administrar os problemas em comum) e preventivo (ao evitar o
surgimento de novos conflitos, em situações similares, por meio do aprendizado
obtido pelas partes).
Fica cada vez mais evidente que a solução contenciosa deve ser evitada ao
máximo: o processo judicial tradicional está para a realização de direitos como a
cirurgia está para a conservação da saúde — trata-se de caminho caro, arriscado
e ao qual somente se recorre quando falhou a prevenção e o diagnóstico do
problema chegou muito tarde, não havendo mais condições de trabalhar nas
causas. Aprender a exercer direitos de forma pacífica seria, assim, um pouco
como aprender a cuidar da própria saúde: algo que se aprende um pouco mais
a cada problema, e exige monitoramento constante, mas consiste em condição
fundamental para o desenvolvimento pessoal, ao qual todos os seres humanos
estão destinados — afinal, sem saúde e paz, é impossível alcançar a felicidade.

Brasília, julho de 2015.

A coordenadora

15
PARTE I
Noções Gerais

16
Fatores de efetividade de
processos de resolução de disputas:
uma análise sob a perspectiva
construtivista4

André Gomma de Azevedo

Sumário: 1 Introdução - 2 Processos construtivos de resolução de disputas e fatores de


efetividade de processos de resolução de disputas - 3 Constatações empíricas referentes
à efetividade processual - 4 A perspectiva construtivista da resolução de disputas como
forma de assegurar maior efetividade processual - 5 Conclusão - Referências

1 Introdução

Refletindo característica de um moderno ordenamento jurídico (CARREIRA


ALVIM, 1993, p. 14; CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2002, p. 20; COUTURE,
1958, p. 10), o direito processual brasileiro, na sua vocação preponderante de
servir como instrumento para a efetiva realização de direitos materiais (GRINOVER,
1990, p. 7) e a pacificação social, tem gradativamente se aproximado de novos
instrumentos de composição de disputas, inserindo-os nas tradicionais formas
de resolução de conflitos: autocomposição (e.g., mediação) e heterocomposição
(e.g., arbitragem). Todavia, como reflexo do amadurecimento no Brasil desses
novos mecanismos de resolução de disputas, há crescente preocupação com
a efetividade desses processos. Em alguns casos, há arbitragens cujos custos
excederam aqueles projetados para a eventualidade da disputa ser conduzida
no processo judicial, em outros as arbitragens são conduzidas por pessoas que
se apresentam como “juízes arbitrais” conduzindo procedimentos de arbitragem
travestidos de processos judiciais e há casos em que o desenvolvimento da
arbitragem se elastece excessivamente.5 Há também alguns artigos doutrinários
(FISS, 1984; HENSLER, 1994; KAKALIK, 1996; ASHWORTH, 2002; CARVER;

4 Texto elaborado a partir de palestras proferidas no Curso de pós-graduação lato sensu em Arbi-
tragem e Mediação da Fundação Getúlio Vargas/SP (GVLaw), em 7.7.2004, e no 2º Congresso do
Instituto Brasileiro de Estudos do Direito da Energia, em 9.11.2004, na Federação das Indústrias
do Estado de São Paulo (FIESP), bem como em artigos publicados na Revista dos Juizados Espe-
ciais, do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, e na obra Estudos em arbitragem, mediação e
negociação, v. 3. Meus agradecimentos especiais ao Professor Ivan Machado Barbosa pelas críticas
e comentários, bem como pelo trabalho de revisão de texto.
5 Recentemente, a Petróleo Brasileiro S/A (Petrobras) firmou termo de conciliação encerrando
uma arbitragem, conduzida pela Corte de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional (CCI),
movida em desfavor de país do continente africano e que durava quase uma década. Os termos
dessa conciliação não podem ser reproduzidos em razão da política de confidencialidade da CCI.

17
Fatores de efetividade de processos de resolução de disputas

VONDRA, 1994) que começam a surgir em crítica à arbitragem e à mediação. De


outro lado, há diversos programas de soluções “alternativas”6 de disputas que,
mesmo ligados a tribunais estaduais e federais (AZEVEDO, 2004, p. 137), têm
apresentado notáveis índices de satisfação de usuários.7 Neste contexto, mostra-
se necessária breve análise de alguns dos fatores que conduzem à efetividade
de processos de resolução de disputas.
Referindo-se ao processo judicial, o mexicano Niceto Alcalá-Zamora Y
Castillo (1991, p. 238) sustentava que este processo rende, com frequência,
muito menos do que deveria, pois, em “função dos defeitos procedimentais,
resulta muitas vezes lento e custoso, fazendo com que as partes, quando possível,
o abandonem”. Cabe acrescentar a esses “defeitos procedimentais” o fato de
que, em muitos casos, o processo, ao tratar exclusivamente daqueles interesses
juridicamente tutelados, exclui aspectos do conflito que são possivelmente
tão importantes quanto ou até mais relevantes do que aqueles juridicamente
tutelados.

2 Processos construtivos de resolução de disputas e fatores


de efetividade de processos de resolução de disputas
Quanto a interesses que não são necessariamente juridicamente tutelados,
mas ainda assim permanecem relevantes no conflito, Morton Deutsch (1973),
em sua obra The Resolution of Conflict: Constructive and Destructive Processes,8
apresentou importante classificação de processos de resolução de disputas, ao
indicar que esses podem ser construtivos ou destrutivos. Para Deutsch (1973, p.
351), um processo destrutivo se caracteriza pelo enfraquecimento ou rompimento
da relação social preexistente à disputa em razão da forma pela qual esta é
conduzida. Em processos destrutivos, há a tendência de o conflito se expandir
ou se tornar mais acentuado no desenvolvimento da relação processual. Como
resultado, tal conflito frequentemente torna-se “independente de suas causas
iniciais”, assumindo feições competitivas nas quais cada parte busca “vencer” a
disputa e decorre da percepção, na mais das vezes errônea, de que os interesses
das partes não podem coexistir. Em outras palavras, quando as partes estão em
processos destrutivos de resolução de disputas, concluem tal relação processual
com esmaecimento da relação social preexistente à disputa e acentuação da
animosidade decorrente da ineficiente forma de conduzir o conflito.
Por sua vez, processos construtivos, segundo Deutsch (1973), seriam

6 Cabe registrar que, segundo uma perspectiva tradicional de direito processual, a jurisdição é
considerada como uma “atividade secundária”, sendo definida, portanto, como poder estatal atri-
buído a uma determinada autoridade para aplicar a norma ao fato concreto, visando à composição
de lides em razão da inexistência dessa resolução de controvérsia ter sido alcançada espontanea-
mente pelas partes. Assim, o dever principal ou primário de resolução de conflito é considerado
como sendo das próprias partes — devendo o Estado intervir tão somente quanto as partes não
são bem sucedidas nesta atividade. Sob esta ótica da “substitutividade da jurisdição” (CHIOVEN-
DA, 2000, p. 17), pode-se afirmar que a principal forma de resolução de disputas é a negociação
entre as partes e a forma “alternativa” seria a intervenção estatal por meio da jurisdição.
7 Cf. relatório de atividades do Programa de Estímulo à Mediação do Tribunal de Justiça do Distrito
Federal e Territórios. Disponível em: <http://www.tjdf.gov.br>.
8 Cabe destacar que três capítulos desse trabalho foram traduzidos, e podem ser encontrados
em: Azevedo (2003, v. 3).

18
André Gomma de Azevedo

aqueles em razão dos quais as partes concluiriam a relação processual com


um fortalecimento da relação social preexistente à disputa. Para esse professor,
processos construtivos caracterizam-se:
a) pela capacidade de estimular as partes a desenvolverem
soluções criativas que permitam a compatibilização dos interesses
aparentemente contrapostos;
b) pela capacidade das partes ou do condutor do processo (e.g.
magistrado, árbitro ou mediador) de motivar todos os envolvidos
para que prospectivamente resolvam as questões sem atribuição de
culpa ou ao menos sem a percepção da existência de um vencido e um
vencedor;
c) pelo desenvolvimento de condições que permitam a reformulação
das questões diante de eventuais impasses; (DEUTSCH, 1973, p. 360) e
d) pela disposição das partes ou do condutor do processo para
abordar, além das questões juridicamente tuteladas, todas e quaisquer
questões que estejam influenciando a relação (social) das partes.9
Em outros termos, as partes, quando em processos construtivos de
resolução de disputas, concluem tal relação processual com fortalecimento
da relação social preexistente à disputa e, em regra, robustecimento do
conhecimento mútuo e empatia. Exemplificativamente, mesmo um casal em
via de separação pode ser orientado por meio de um processo construtivo,
na medida em que o condutor desse procedimento estiver apto a motivar
as partes para que, diante da inevitável ruptura do vínculo conjugal, estas
possam desenvolver a melhor relação possível na fase posterior à separação —
presumindo-se, no exemplo, que as partes manterão algum vínculo em razão
da existência de filhos.
Assim, retornando ao conceito apresentado no início do século XX por
Alcalá-Zamora Y Castillo (1991), o processo, de fato, rende com frequência
menos do que poderia, em parte porque se desenvolve, quanto ao seu
escopo social (DINAMARCO, 2000) (a pacificação), fazendo uso, em grande
parte, de mecanismos destrutivos de resolução de disputas, a que esse
autor mexicano denominou “defeitos procedimentais”. Diante disso, pode-
se afirmar que há patente necessidade de que os novos mecanismos de
resolução de disputas, como a arbitragem, permitam que as partes possam,
por intermédio de um procedimento participativo, resolver suas disputas
construtivamente, ao fortalecer relações sociais, identificar interesses
subjacentes ao conflito, promover relacionamentos cooperativos, explorar
estratégias que venham a prevenir ou resolver futuras controvérsias (RHODE,
2000, p. 132) e educar as partes para uma melhor compreensão recíproca
(BARUCH BUSH; FOLGER, 1994).
A discussão acerca da introdução de mecanismos que permitam que os

9 Por esse motivo, muitas instituições de arbitragem recomendam que, antes de iniciado o pro-
cedimento heterocompositivo propriamente dito, as partes sejam direcionadas a uma breve fase
autocompositiva ou a um mediador para que estas possam dirimir eventuais questões que não
sejam juridicamente tuteladas (e.g., falha de comunicação) ou especificamente objeto da arbitra-
gem, mas que tenham contribuído para o agravamento do conflito ou — na melhor das hipóteses
— as próprias partes possam dirimir sua disputa, prescindindo do regular desenvolvimento da
arbitragem.

19
Fatores de efetividade de processos de resolução de disputas

processos de resolução de disputas tornem-se progressivamente construtivos


necessariamente deve ultrapassar a simplificada e equivocada conclusão de
que, abstratamente, um processo de resolução de disputas é melhor do que
outro. Devem ser desconsideradas também soluções generalistas, como se a
mediação ou a arbitragem fossem panacéias para um sistema em crise.10 Da
mesma forma, conclui-se que não há como impor um único procedimento
de mediação ou arbitragem, ante patentes diferenças nas realidades fáticas
(fattispecie) (CARNELUTTI apud DINAMARCO, 2003, p. 21) do público alvo de cada
centro. Vale ressaltar que frequentemente se encontram centros com diversos
procedimentos distintos, que variam de acordo com o objeto da demanda ou a
matéria central a ser debatida.
A experiência, aliada a pesquisas metodologicamente adequadas (RHODE,
2000, p. 132), tem demonstrado que o que torna um procedimento efetivo
depende das necessidades das partes em conflito, dos valores sociais ligados
às questões em debate e, principalmente da qualidade dos programas ou das
instituições. Um recente trabalho do instituto de pesquisa RAND constatou que não
houve vantagens significativas para a mediação quando comparada ao processo
heterocompositivo judicial e concluiu que esses resultados insatisfatórios
decorreram de programas que não foram adequadamente desenvolvidos para
atender os objetivos específicos que os usuários de tal processo buscavam.
Esses projetos examinados pelo Instituto RAND tiveram, como conclui essa
pesquisa, insuficiente treinamento de mediadores e oportunidades inadequadas
para a participação dos envolvidos (HENSLER, 1997, p. 9).11
Segundo a professora Deborah Rhode (2000, p. 135), a maioria dos
estudos existentes indica que a satisfação dos usuários com o devido processo
legal depende fortemente da percepção de que o procedimento foi justo.
Outra importante conclusão foi no sentido de que alguma participação do
jurisdicionado na seleção dos processos a serem utilizados para dirimir suas
questões aumenta significativamente essa percepção de justiça. Da mesma
forma, a incorporação pelo Estado de mecanismos independentes e paralelos de
resolução de disputas aumenta a percepção de confiabilidade (accountability)
no sistema (LIND; TYLER, 1988, p. 64-67; STEMPEL apud RHODE, 2000, p. 135).
No Brasil, os resultados colhidos em alguns projetos-piloto de
mediação forense demonstram que, após serem submetidas a esse processo
autocompositivo, a maioria das partes acredita que a mediação as auxiliará
a melhor dirimir conflitos futuros. Exemplificativamente, na pesquisa
realizada no Programa de Mediação Forense do TJDFT com partes que não
alcançaram acordo na mediação forense, constatou-se que mais de 85% dos
entrevistados12 acreditam que o processo do qual participaram os ajudará
a melhor resolver questões semelhantes no futuro.13 Programas similares

10 De fato, há diversas situações em que a mediação ou a arbitragem podem não ser recomen-
dadas, como demandas que versem sobre interesses coletivos ou que requeiram elevado grau
de publicização (e.g. Ações Civis Públicas ou ações de indenização decorrentes de danos à saúde
causados pelo uso do amianto como isolante térmico).
11 No mesmo sentido, cf. Hensler (2003); Hensler (1999).
12 Na pesquisa realizada com partes que conseguiram transacionar, todos responderam acreditar
que o processo do qual participaram os ajudará a melhor resolver questões semelhantes no futuro.
13 Para maiores detalhes quanto a esses resultados, vide relatório do Projeto Piloto em Mediação Fo-
rense do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Disponível em: <http://www.tjdft.jus.br>.

20
André Gomma de Azevedo

em outros países (PLAPINGER, 1992; RHODE, 2000) também apresentam


resultados semelhantes — dos quais se pode concluir marcante tendência
nos ordenamentos jurídico-processuais de direcionar procedimentos para
que tratem do futuro da relação social das partes em disputa (i.e., para que
sejam prospectivos na forma de abordagem de questões) e para que sejam
mais do que conjuntos de atos coordenados lógica e cronologicamente
segundo brilhantes modelos teóricos que lamentavelmente se projetam na
prática como morosos, ineficientes e, em relação à classificação de Deutsch,
em regra, destrutivos.

3 Constatações empíricas referentes à efetividade processual


Em relevante artigo publicado na Harvard Business Review de maio/junho
de 1994, os autores Todd B. Carver e Albert A. Vondra (1994)14 apresentam
interessante perspectiva empírica quanto à efetividade dos novos mecanismos
de resolução de disputas. Os autores indicam que a arbitragem e a mediação
podem apresentar significativa probabilidade de fracasso quando:
a) as partes em conflito e respectivos advogados não tiverem
adequada compreensão de como os processos de arbitragem ou
mediação são distintos do processo judicial;
b) as partes em conflito adotarem RADs como uma alternativa
secundária para tratar de questões de menor importância;
c) as partes considerarem uma vitória sobre a outra como a única
opção adequada; e
d) as partes constituírem advogados excessivamente litigiosos.

a) As partes em conflito e respectivos advogados não têm adequada


compreensão de como os processos de arbitragem ou mediação são distintos
do processo judicial. No que concerne à adequada compreensão das partes e
advogados quanto às características intrínsecas de cada um dos mecanismos
de resolução de disputas, cumpre registrar que há uma prática profissional
específica para cada um desses processos. Exemplificativamente, no processo
judicial há o princípio da eventualidade,15 segundo o qual às partes compete
alegar tudo o que pretendem no primeiro momento possível, sob pena de
exaurirem-se suas oportunidades em razão da preclusão temporal. Como
corolário lógico do princípio da eventualidade, há uma prática recorrente de
advogados de apresentarem pedidos que excedem o que realmente acreditam
que podem (e devem) receber. Da mesma forma, são suscitados incidentes que,
segundo alguns causídicos, se mostrariam necessários tão somente em razão do
dever de exaurir todas as possibilidades de defesa (e.g., falsidade documental).
A adoção dessa conduta em uma arbitragem provoca uma elevação acentuada
dos custos (e.g., honorários do árbitro e eventuais peritos) desse processo. A
compreensão de que a arbitragem seria um processo judicial privatizado ou

14 Este artigo encontra-se traduzido para o português em: Azevedo (2005, v. 4).
15 Também conhecido como Princípio da Imutabilidade ou Princípio da Concentração ou ainda
Princípio da Preclusão. Sobre esse tema, cf. Carreira Alvim (1993); e Cintra, Grinover e Dinamarco
(2002).

21
Fatores de efetividade de processos de resolução de disputas

“disfarçado” (litigation in disguise) (CARVER; VONDRA, 1994, p. 123) somente


contribui para a imprópria condução da arbitragem e, por conseguinte, elevados
custos, excessiva litigiosidade e, naturalmente, insatisfação das partes com seu
desenvolvimento.
Cabe ressaltar que, além de cursos de capacitação em advocacia na
arbitragem e na mediação, há substancial doutrina (BARBADO, 2003; COOLEY,
2001; COOLEY; LUBET, 2001; AZEVEDO; SILVA, 2003) acerca da adequada técnica
e conduta profissional do advogado nesses citados mecanismos de resolução de
disputas.
b) As partes em conflito adotam RADs como uma alternativa
secundária para tratar de questões de menor importância. A experiência
dos últimos 20 anos tem mostrado que o comprometimento com a forma
de resolução de disputa adotada (com respectivas características) influi
significativamente para o adequado desenvolvimento do processo e,
por conseguinte, para a satisfação das partes com a solução alcançada.
Empresas e escritórios de advocacia que tratam arbitragem ou mediação
como uma “forma secundária” de resolução de disputas tendem a não
investir em treinamento de seus advogados e administradores. Como
consequência, há o exercício intuitivo desses processos, que, em regra, se
resume a aplicar a conduta profissional característica do processo judicial
à mediação ou à arbitragem. Naturalmente, como visto acima, essa prática
intuitiva em regra leva ao desvirtuamento da arbitragem e consequentes
custos mais elevados (ou redução dos níveis de satisfação dos usuários).
No que concerne à mediação, como registrado em outra oportunidade
(AZEVEDO, 2003, p. 160), quando a autocomposição é desenvolvida
intuitivamente, em razão da falta de técnica adequada, em regra, há por
parte do mediador ou conciliador a imposição de um juízo de valor. Como
consequência, há perda de legitimidade nessa “autocomposição intuitiva”,
pois as partes muitas vezes não se sentem estimuladas a comporem seus
conflitos e sim coagidas a tanto.
Destarte, mostra-se necessário o efetivo engajamento tanto por
parte do departamento jurídico da empresa quanto por parte de advogados
externos com a arbitragem e a mediação. Nesse intuito, algumas
organizações têm desenvolvido projetos notáveis de conscientização
quanto às novas formas de resoluções de disputas e seus resultados. O
Centro de Recursos Públicos (Center for Public Resources), uma instituição
sem fins lucrativos sediada em Nova Iorque, tem reunido, desde 1979,
diretores de departamentos jurídicos de empresas, sócios de escritórios
de advocacia, juízes, professores universitários e outras autoridades
para identificarem, desenvolverem e aplicarem formas apropriadas de
resolução de disputas que alcancem resultados melhores do que aqueles
atingidos no processo judicial. Um dos principais projetos do Centro de
Recursos Públicos consiste em reunir aproximadamente 4.000 empresas e
escritórios de advocacia para subscreverem o “Pacto de RADs” (ADR Pledge),
um acordo interinstitucional que moralmente obriga (e formalmente
estimula) tais signatários a explorarem o uso de mediação, arbitragem e
outros processos de resolução de disputas quando em conflito com outros

22
André Gomma de Azevedo

signatários. 16
c) As partes consideram uma vitória sobre a outra como a única opção
adequada. Segundo John Von Neumann, que primeiramente introduziu com
adequada cientificidade o conceito de teoria dos jogos (ALMEIDA, 2003; 2009),
dentre as várias classificações das diversas dinâmicas, relações ou jogos nos
quais partes em conflito podem se encontrar, há uma que merece especial
atenção: aquela que divide as relações (ou jogos) em “jogos de soma zero” e
“jogos de soma não-zero”. Jogos de soma zero são aqueles em que há dois
jogadores cujos interesses são absolutamente antagônicos (RAPOPORT apud
ALMEIDA, 2003). Estas relações são aquelas nas quais o ganho de uma parte
acarreta necessariamente a derrota da outra — não pode haver, por exemplo,
em um jogo de xadrez, a vitória por parte dos dois lados. Em campeonatos, um
empate equivale a uma meia derrota (ou meia vitória). Segundo Almeida (2003,
p. 186):

[...] uma característica importante destes jogos é que eles são, necessariamente, jogos
não-cooperativos — isto é, um jogador não agregará valor algum de utilidade se cooperar
com o outro. Aliás, uma eventual cooperação é impossível, já que significa que o jogador
cooperativo está colaborando para a vitória do outro, tendo em vista a impossibilidade de
ambos ganharem.

Segundo esse mesmo autor, “Jogos de soma não-zero, por sua vez,
representam a maior parte dos conflitos reais [...]”. Nestes jogos, os participantes
têm interesses comuns e, concomitantemente, interesses antagônicos. O
contrato de compra e venda pode ser apresentado como um exemplo de relação
de soma não-zero — pois o comprador e o vendedor têm, em parte, interesses
antagônicos, haja vista que o comprador quer adquirir o bem a um preço reduzido
e o vendedor alienar a um preço elevado. Todavia, há um interesse comum:
ambos querem concluir o negócio jurídico para com isso auferir seus ganhos

16 O Centro de Recursos Públicos apresenta o Pleito de RADs por meio da seguinte proposta de
política interna para empresas:
“Nós reconhecemos que para muitas disputas há um método mais eficiente e menos oneroso do
que o processo judicial tradicional. Procedimentos de Resoluções Alternativas de Disputas (RADs)
envolvem técnicas colaborativas que podem frequentemente proporcionar significativas economias
para as empresas. Em reconhecimento ao que segue acima, nós subscrevemos a seguinte declara-
ção de princípios em nome de nossa empresa e suas subsidiárias domésticas: No caso de haver uma
disputa comercial entre nossa e outra empresa que fez ou fará semelhante declaração, estamos
preparados para explorar com a outra parte a resolução da disputa por intermédio da negociação
ou alguma outra técnica de RAD antes de buscar a tutela estatal tradicional. Se alguma das partes
acreditar que determinada disputa não se mostra adequada para RAD ou se tal mecanismo não
produzir resultado satisfatório, qualquer parte poderá proceder com o processo judicial”.
De forma semelhante, essa mesma instituição promoveu semelhante pleito de RADs para escritó-
rios de advocacia:
“Nós reconhecemos que para muitas disputas há um método mais eficiente e menos oneroso do
que o processo judicial tradicional. Procedimentos de Resoluções Alternativas de Disputas (RADs)
— usados em conjunto com o processo judicial ou independentemente — podem reduzir signifi-
cativamente os custos e perdas decorrentes do processo judicial, bem como podem resultar em
soluções não disponíveis em juízo estatal. Em reconhecimento ao que segue acima, nós subscre-
vemos a seguinte declaração de princípios em nome de nosso escritório de advocacia: Inicialmen-
te, adequados advogados de nosso escritório serão capacitados acerca de RADs. Ainda, quando
apropriado, o advogado responsável discutirá com o cliente a disponibilidade de procedimentos
de RADs para que o cliente possa tomar uma decisão informada referente à resolução da disputa”
(Disponível em: <http://www.cpradr.org>).

23
Fatores de efetividade de processos de resolução de disputas

individuais. Uma característica deste tipo de relação consiste na possibilidade de


comunicação e cooperação, que, se desenvolvida adequadamente, proporciona
ganhos mútuos.
Ao tratar o conflito como um jogo de soma zero, frequentemente as partes
em conflito inadvertidamente abdicam de diversos interesses que possuem,
como a manutenção do relacionamento social pré-existente com a outra parte
ou a resolução dos pontos controvertidos como objetivamente apresentados
no início do conflito e não em razão de um acirramento do conflito que se
expandiu, tornando-se “independente de suas causas iniciais” (DEUTSCH, 1973,
p. 351). A percepção de que se faz necessário em um determinado conflito que
uma parte “vença a outra” (jogo de soma zero) — e não “objetivamente resolva
os pontos em relação aos quais as partes divergem” — faz com que as partes
envidem esforços para prejudicar uma à outra e não necessariamente apenas
para resolver os pontos controvertidos.
Em processos privados, como a mediação e a arbitragem, que envolvem
profissionais liberais que, em regra, estipulam honorários por hora trabalhada (ou
considerando uma projeção de horas a serem trabalhadas), a abordagem pelas
partes desses processos como se fossem relações de soma zero produz, em regra,
dispêndio de tempo e, por consequência, elevação desnecessária de custos.
d) Os advogados adotam postura excessivamente litigiosa e adversarial.
Muitos advogados, ao ponderarem sobre suas práticas profissionais,
concluem que o efetivo “empenho” previsto no preâmbulo do Código de Ética
e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil17 requer que desenvolvam o
maior número de atividades dentro de suas relações processuais em curso,
desde que estas não sejam expressamente proibidas em lei. Essa conduta
estimula advogados a litigar de forma enfática, buscando auferir todas as
formas possíveis de ganhos para seus clientes. Em regra, esta relação ocorre
sob forma de jogo de soma zero — isto é, busca-se vencer determinada lide,
derrotando a parte contrária.
Todavia, sob a ótica do próprio Código de Ética e Disciplina, constata-
se que a advocacia zelosa resume-se a buscar os meios mais eficientes para
atender da melhor forma possível aos interesses da parte que está a representar
(MNOOKIN; PEPPET; TULUMELLO, 2000, p. 292). A presunção de que este meio
mais eficiente equivale ao exercício profissional por intermédio de litigiosidade
excessiva contraria esse próprio Código de Ética e Disciplina que, em seu artigo
2º, parágrafo único, VI, estabelece o dever de “estimular a conciliação entre os
litigantes, prevenindo, sempre que possível, a instauração de litígios”.
Percebe-se, assim, que os advogados detêm bastante flexibilidade ao
definir qual conduta reflete a “advocacia zelosa”, podendo estes optar tanto
por uma que reflita uma “litigiosidade eficiente” quanto por uma que apresente
uma litigiosidade excessiva (e ideofrênica). Os interesses do cliente (tanto
aqueles juridicamente tutelados como aqueles outros que não o são) podem ser
melhor atendidos por uma perspectiva mais racional e planejada sobre a forma
de resolução do conflito. Segundo William Ury (1991), trata-se de “atacar” as
questões controvertidas e não a pessoa com quem se interage.

17 Publicado pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil no Diário da Justiça,
Seção I, 1º.3.1995, p. 4.000-4.001.

24
André Gomma de Azevedo

4 A perspectiva construtivista da resolução de disputas


como forma de assegurar maior efetividade processual
Possivelmente uma das mais importantes atribuições de qualquer terceiro
imparcial atuante em processos de resolução de disputas (juiz de direito,
mediador ou árbitro) consiste precisamente em contribuir para que um processo
destrutivo de resolução de conflitos se transforme em um processo construtivo.
Para tanto, mostra-se fundamental a adequada preparação quanto às técnicas
de resolução de disputas necessárias para estimular as partes a desenvolverem
soluções criativas que permitam a compatibilização dos interesses aparentemente
contrapostos e para motivar todos os envolvidos para que prospectivamente
resolvam as questões sem atribuição de culpa. Da mesma forma, mostra-se
necessário o desenvolvimento de condições que permitam a reformulação das
questões diante de eventuais impasses (DEUTSCH, 1973, p. 360) e a abordagem
de, além das questões juridicamente tuteladas, todas e quaisquer questões que
estejam influenciando a relação (social) das partes.
Como exemplo de uma dessas técnicas construtivistas, tanto no processo
de mediação como no de arbitragem (quando desenvolvidos adequadamente),
recomenda-se a identificação de questões controvertidas e o estabelecimento
de meios de prova a serem utilizados para dirimi-las. Desta forma, o mediador
ou árbitro deve estimular as partes a abordarem os pontos em relação aos quais
há real controvérsia. Assim se evita que as partes ataquem umas às outras ou
estabeleçam como causa do conflito a personalidade, a etnia, a religião, a raça, o
gênero, a conduta social ou qualquer outro fator personalíssimo na outra parte.
Cumpre registrar que, no nosso ordenamento jurídico processual, há
previsão dessa técnica específica no artigo 331, §2º, do Código de Processo
Civil, segundo o qual “se, por qualquer motivo, não for obtida a conciliação, o
juiz fixará os pontos controvertidos, decidirá as questões processuais pendentes
e determinará as provas a serem produzidas, designando audiência de instrução
e julgamento, se necessário”. Todavia, cabe mencionar que esta é uma técnica
fortemente recomendada também para processos autocompositivos, não
havendo motivo para proceder-se a essa organização de questões a serem
debatidas somente após a conciliação mostrar-se frustrada.
Ademais, a moderna doutrina (GOLANN, 1995; COOLEY, 2000; SLAIKEU,
2004; MOORE, 1998) recomenda a identificação não somente de questões,
mas também de interesses e sentimentos. Essa corrente tem sustentado que a
identificação de interesses permite que se explorem aspectos não jurídicos do
conflito (e.g., vizinhos que têm o interesse de manter uma adequada ou cordial
relação ou um casal que está a se separar e que tem o interesse de proceder a
tal rompimento da relação sem prejudicar a imagem que seus filhos terão do
casamento enquanto instituição familiar). Da mesma forma, faz-se necessário
também identificar quais são as disposições emocionais das partes em conflito,
pois frequentemente seus sentimentos alteram suas percepções a ponto de
impedi-las de apreciar objetivamente os pontos controvertidos (PERRONI, 2003;
BIRKE; FOX, 1999).
A partir dos novos desenvolvimentos em arbitragem e mediação e em
razão dos resultados das pesquisas de avaliação de qualidade de programas de
RADs (e pesquisas de satisfação dos usuários quanto a esses novos processos)

25
Fatores de efetividade de processos de resolução de disputas

(BARUCH BUSH, 2003-2004; ROLPH; MOLLER, 1995; RESNIK, 1994-1995;


AZEVEDO, 1998), pode-se afirmar que há crescente tendência das instituições
provedoras de arbitragem e mediação em direcionar seus esforços para capacitar
árbitros e mediadores a conduzir seus procedimentos estimulando as partes a
transformá-los em processos construtivos.

5 Conclusão

Diante da significativa contribuição de Morton Deutsch (1973) ao


apresentar a definição de processos construtivos de resolução de disputas,
pode-se afirmar que ocorreu uma recontextualização acerca do conceito
de conflito, na medida em que se registrou ser este um elemento da vida
que inevitavelmente permeia todas as relações humanas e contém potencial
de contribuir positivamente nessas relações. Nesse sentido, com base em
construções teóricas de caráter multidisciplinar corroboradas por projetos-
piloto existentes no Brasil, pode-se afirmar que, se conduzido construtivamente,
o conflito pode proporcionar crescimento pessoal, profissional e organizacional
(DEUTSCH; COLEMAN; MARCUS, 2000). A abordagem do conflito no sentido de
que este pode, se conduzido com técnica adequada, ser um importante meio de
conhecimento, amadurecimento e aproximação de seres humanos, impulsiona
relevantes alterações quanto à ética e a responsabilidade profissional.
Semelhantes alterações ocorreram em meados do século XIX, período
no qual muitos médicos ainda vestiam, no exercício de seus ofícios, pesados
casacos de pele e roupa preta como sinal de distinção. Nesta época, o médico
húngaro Ignaz Semmelweis, ao perceber que muitos profissionais saíam da
sala de autópsia para a sala de parto do Hospital Geral da Viena sem trocar
de roupa ou sequer lavar as mãos, concluiu que algum desconhecido “material
cadavérico” causava a elevadíssima taxa de mortalidade em parturientes de
aproximadamente 13% (GILLESPIE, 1980). Ao propor que os médicos lavassem
as mãos com uma solução a base de cloro, Semmelweis constatou queda de
aproximadamente 85% na taxa de mortalidade, reduzindo esta para 2% dos casos.
Posteriormente, quando voltou para a Hungria e conseguiu persuadir colegas
médicos a abandonarem os trajes de peles escuras e utilizarem roupas brancas,
alcançou nova redução do índice de mortalidade de cerca de 60%, chegando a
níveis de letalidade de 0,85% dos casos. As ideias acerca da transmissibilidade
de microorganismos patogênicos (germes) por intermédio dos médicos foram
recebidas com muito cepticismo na Áustria onde Semmelweis desenvolveu tal
teoria. Em parte, muitos médicos resistiram à ideia de terem que mudar diversas
convenções sociais e utilizarem roupas brancas — vestimentas inusitadas para
a época. Por outro lado, muitos não acreditavam que poderiam estar servindo
como meio de transmissão de doenças.
Semelhantemente à relação de médicos com agentes patológicos, no
Direito moderno, em especial diante do conceito apresentado por Morton Deutsch
de processos construtivos de resolução de disputas, constata-se que em grande
parte o ordenamento jurídico processual, que se dirige predominantemente à
pacificação social, organiza-se, em especial na sua feição pública (i.e., processo
judicial), em torno de processos destrutivos, lastreados em procedimentos

26
André Gomma de Azevedo

fundados, em regra, somente no direito positivo. Pode-se afirmar que, mesmo


na iniciativa privada (i.e., mediação e arbitragem), em função da falta de
preparo técnico e desnecessária judicialização desses processos,18 ainda há
com frequência processos destrutivos. As partes, quando buscam, para solução
de seus conflitos, auxílio do Poder Judiciário ou de entes privados que servem
para resolver litígios “sob os auspícios do Estado”19 frequentemente têm o
conflito acentuado ante procedimentos que abstratamente se apresentam como
brilhantes modelos de lógica jurídico-processual, mas que na prática acabam por
se mostrar ineficientes e enfraquecer os relacionamentos sociais preexistentes
entre as parte em conflito.
Quando um árbitro sentencia, determinando quem deve indenizar
e o quantum a ser indenizado a título de danos materiais, põe fim, sob a
perspectiva do direito positivado, a um determinado litígio. Todavia, pode não
estar resolvendo a relação conflituosa se, e.g., deixar de suscitar o debate de
como eventual falha de comunicação poderia ser evitada para que as partes
possam evitar novos problemas no futuro ou deixar de estimular o debate sobre
pontos que não sejam juridicamente tutelados. De fato, ainda há com frequência
julgadores que, inadvertidamente, acirram o próprio conflito, criando novas
dificuldades para as partes em disputa (COSTA, 2004). Torna-se claro que o
conflito, em muitos casos, não pode ser completamente resolvido tão somente
por abstrata aplicação da técnica de subsunção. Ao considerar que sua função
consiste somente em examinar quais fatos encontram-se demonstrados para,
em seguida, indicar o direito aplicável à espécie (subsunção), o operador do
direito muitas vezes deixa de fora um componente fundamental ao conflito e
sua resolução: o ser humano.
Com a incorporação de diversos processos ao sistema processual,
constata-se que o operador do direito deve passar também a:
a) preocupar-se com a litigiosidade remanescente — aquela que pode
persistir entre as partes após o término de um processo de composição
de conflitos em razão da existência de conflitos de interesses que não
foram tratados no processo judicial — seja por não se tratar de matéria
juridicamente tutelada (e.g., vizinhos que permanecem em posições
antagônicas em razão de comunicação ineficiente entre ambos), seja
por não se ter aventado tal matéria juridicamente tutelada no curso do
processo;
b) voltar-se, em atenção ao princípio do empoderamento (BARUCH
BUSH; FOLGER, 1994), a um modelo preventivo de conflitos, na medida
em que capacita as partes a melhor comporem seus conflitos educando-
as com técnicas de negociação e mediação; e

18 No Brasil, há diversas instituições autodenominadas de “Tribunais Arbitrais” que, compostas


por “juízes arbitrais”, insistem em judicializar a arbitragem. De um lado, seguindo a linha de Car-
ver e Vondra, essas instituições se encontram desenvolvendo técnica imprópria, por não terem a
adequada compreensão de como os processos de arbitragem ou mediação são distintos do pro-
cesso judicial. De outro lado, se seus usuários forem induzidos ou mantidos em erro, mediante
intimações ou citações obscuras, poderá restar caracterizado o crime de estelionato (artigo 171
do Código Penal).
19 Mauro Cappelletti e Bryant Garth (1988, p. 8), ao conceituarem o “Acesso à Justiça”, apresen-
taram “duas finalidades básicas do sistema jurídico — o sistema pelo qual as pessoas podem
reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado”.

27
Fatores de efetividade de processos de resolução de disputas

c) atuar como instrumento de pacificação social para que haja


uma maior humanização do conflito (i.e., compreensão recíproca),
em atenção ao princípio da validação ou princípio do reconhecimento
recíproco de sentimentos (BARUCH BUSH; FOLGER, 1994, p. 191).
Na medida em que esse novo paradigma de ordenamento jurídico se
desenvolve, nota-se a necessidade da adequação do exercício profissional de
árbitros, mediadores e magistrados, para que estes assumam cada vez mais
uma função de gerenciamento de disputas (ou gestão de processos de resolução
de disputas). Naturalmente, a mudança de paradigma decorrente dessa nova
sistemática processual atinge, além de magistrados, todos os operadores do
direito, já que, quando exercerem suas atividades profissionais, devem se
voltar para uma atuação cooperativa enfocada na solução de controvérsias de
maneira mais eficiente e construtiva. Criou-se a necessidade de um operador
de processos de RADs que aborde questões como um efetivo pacificador ou no
mínimo como um solucionador de problemas (ou questões).
A análise da efetividade de processo de resolução de disputas reflete uma
crescente tendência de se observar o operador de processos de RADs como um
pacificador — mesmo em processos heterocompositivos, pois começa a existir a
preocupação com o meio mais eficiente de compor certa disputa, na medida em
que esta escolha passa a refletir a própria efetividade do trabalho do profissional.
A composição de conflitos “sob os auspícios do Estado”, de um lado, impõe um
ônus adicional ao magistrado, que deverá acompanhar e fiscalizar seus auxiliares
(e.g., mediadores e árbitros), ainda que somente quando requisitado — como no
exemplo da demanda anulatória de arbitragem.
Por outro lado, a adequada sistematização e desenvolvimento de
mecanismos voltados a aumentar a eficiência desses processos e o estímulo
para que estes se tornem processos construtivos é marcante tendência do
direito processual, na medida em que “vai ganhando corpo a consciência de que,
se o que importa é pacificar, torna-se irrelevante que a pacificação venha por
obra do Estado ou por outros meios, desde que eficientes” (CINTRA; GRINOVER;
DINAMARCO, 2002, p. 29).
Ao se proceder alegoricamente ao conceito de higiene pessoal apresentado
por Semmelweis, conclui-se que se de um lado os operadores da área de saúde
têm a responsabilidade profissional voltada ao prolongamento da vida, por outro,
os operadores da área do direito estão deontologicamente ligados à pacificação
social e à preservação e aperfeiçoamento de relações sociais. Ainda, da mesma
forma com que muitos médicos, principalmente no passado, a despeito da
evidente boa intenção de preservar a vida, infectavam pacientes com agentes
patológicos, operadores do direito — na maior parte das vezes muito bem
intencionados — têm grandes dificuldades (por falta de treinamento técnico) em
auxiliar as partes em disputa a construtivamente resolverem disputas. Como
exemplificado em outra oportunidade (COSTA, 2004, p. 161), quando um juiz
de direito sentencia determinando com quem ficará a guarda de um filho ou
os valores a serem pagos a título de alimentos, encerra, para fins do direito
positivado, um determinado litígio. Todavia, além de não resolver a relação
conflituosa, muitas vezes acirra o próprio conflito, criando novas dificuldades
entre os divorciandos/separandos, bem como para os filhos.
Conclui-se dos resultados em pesquisas de mensuração de qualidade

28
André Gomma de Azevedo

de programas de mediação e arbitragem (DEUTSCH, 1973) que as instituições


provedoras desses serviços com notáveis índices de satisfação dos usuários têm
em comum:
a) árbitros e mediadores adequadamente formados que exercem
suas funções em instituições que planejaram seus procedimentos para
a satisfação de todos os seus usuários;
b) foram utilizadas, mesmo em arbitragens, algumas
técnicas autocompositivas próprias por intermédio de operadores
adequadamente treinados;20
c) muitos programas foram desenvolvidos com claras orientações
qualitativas (i.e., dirige-se o processo não apenas visando elevado
número de sentenças ou transações, mas sim elevada satisfação dos
usuários quanto ao processo e ao seu resultado) (DEUTSCH, 1973);
d) houve direcionamento para que a satisfação de usuários fosse
um dos principais fatores de divulgação da instituição; e
e) houve a aproximação de técnica própria para que todos os
operadores de processos de resolução de disputas efetivamente
atuassem como agentes catalisadores de pacificação social e fossem
capazes de resolver lides construtivamente ao fortalecer relações sociais,
identificar interesses subjacentes ao conflito, promover relacionamentos
cooperativos, explorar estratégias que venham a prevenir ou resolver
futuras controvérsias (RHODE, 2000, p. 132), e educar as partes para
uma melhor compreensão recíproca (BARUCH BUSH; FOLGER, 1994).
No que concerne ao papel de magistrados, árbitros e mediadores diante
dessa nova realidade do ordenamento jurídico processual, cabe mencionar que
essa nova conduta profissional está tão somente adequando-se à nova concepção
de Direito apresentada contemporaneamente por diversos autores, entre eles
Boaventura de Sousa Santos (1988, p. 72), segundo o qual:
[...] concebe-se o direito como o conjunto de processos regularizados e de princípios
normativos, considerados justificáveis num dado grupo, que contribuem para a
identificação e prevenção de litígios e para a resolução destes através de um discurso
argumentativo, de amplitude variável, apoiado ou não pela força organizada.

No atual ordenamento jurídico processual brasileiro e, por conseguinte,


nas diversas instituições provedoras de serviços de mediação e arbitragem no
Brasil, há amplas oportunidades de melhoria e concretas demonstrações de
que processos construtivos são não apenas viáveis, mas determinantes para
a efetividade do sistema processual e dessas instituições individualmente.
Aos diligentes e engenhosos operadores de tais processos, tal como feito
por Semmelweis na área de saúde, compete examinar com muita atenção o
quanto suas atuações e técnicas estão produzindo resultados construtivos,
ao aproximar as partes em disputa e melhorar a relação social entre estas
existentes, ou destrutivos, ao aplicar cruamente as normas processuais a ponto

20 Como indicado acima, sobre as diversas técnicas existentes, cf. o endereço eletrônico do Gru-
po de Pesquisa e Trabalho em Resolução Apropriada de Disputas na Faculdade de Direito da Uni-
versidade de Brasília (disponível em: <http://www.unb.br/fd/gt>, seção Bibliografia) onde poderá
ser encontrada lista detalhada de obras. Destacam-se, contudo, os seguintes trabalhos: Moore
(1998); Slaikeu (2004); Cooley (2000); Goldberg et al. (1992); e Golann (1995).

29
Fatores de efetividade de processos de resolução de disputas

de eventualmente permitir que entre as partes em conflito subsista litigiosidade


após a prolação de uma sentença, o que seguramente produz o enfraquecimento
da relação social que vincula as partes.
Diante da teoria de conflito existente (DEUTSCH, 1973; DEUTSCH;
COLEMAN; MARCUS, 2000; BUNKER; RUBIN, 1995; MAYER, 2000; 2004) não
cabe mais aos operadores desses processos de resolução de disputas (nem a
magistrados, promotores ou advogados) se posicionarem atrás de togas escuras
e agir sob um manto de tradição, mas sim permitirem que partes, quando
busquem auxílio (do Estado ou de uma instituição que atue sob seus auspícios)
para a solução de conflitos, recebam tratamento voltado a estimular maior
compreensão recíproca, humanização da disputa, manutenção da relação social
e, por consequência, maior realização pessoal, bem como melhores condições
de vida.

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33
Mediação, acesso à justiça e
desenvolvimento institucional: análise
histórico-crítica da legislação brasileira
sobre mediação

Luciane Moessa de Souza

Sumário: 1 Introdução - 2 Desenvolvimento institucional e crescimento econômico -


2.1 Conceito de desenvolvimento e interdependência entre os diversos aspectos - 2.2
Correlação entre desenvolvimento institucional e atividade econômica - 3 Obstáculos
para o acesso à justiça no Brasil - 3.1 Conceito de acesso à justiça - 3.2 Os principais
obstáculos para o acesso à justiça - 3.3 Meios alternativos de resolução de controvérsias:
incremento na celeridade e na qualidade dos serviços jurisdicionais - 4 A legislação
brasileira sobre mediação - 4.1 Conflitos a que se aplica a mediação - 4.2 Espécies de
mediação - 4.2.1 Mediação judicial - 4.2.2 Mediação extrajucial - 4.3 Quem pode ser
mediador - 4.4 Fiscalização das atividades de mediação - 4.5 Prazo para realização da
mediação e tutela de urgência - 4.6 Incompatibilidades com a função de mediador - 4.7 A
figura do co-mediador - 4.8 A participação do advogado na mediação - 4.9 O conteúdo do
acordo - 4.10 Eficácia do acordo - 4.11 Suspensão da prescrição - 5 Medidas necessárias
para viabilizar a mediação no Brasil - 5.1 As mudanças na cultura dos operadores
jurídicos - 5.2 Pontos a serem regulamentados - 5.2.1 Capacitação dos mediadores -
5.2.2 Definição dos valores a serem cobrados e da responsabilidade pelo pagamento dos
mediadores nas causas de justiça gratuita - 6 Importante inovação: mediação on-line ou a
distância 7 Considerações finais: o potencial da mediação - Referências

1 Introdução

O presente artigo busca esclarecer o potencial do método de solução


de conflitos conhecido como mediação para a efetividade do acesso à justiça,
ou seja, se este pode contribuir como meio de tutela de direitos dos cidadãos
e entidades em geral, bem assim, e diretamente relacionado ao primeiro
objetivo, como instrumento de desenvolvimento institucional, o qual parece
estar diretamente ligado ao crescimento econômico e, em última instância, ao
desenvolvimento em sentido amplo.
Assim, começo por elucidar a correlação apontada pelos estudiosos do
tema entre o crescimento econômico e o desenvolvimento institucional (muito
embora não esteja claro se existe uma relação de causa e efeito, efeito e causa, ou
ambas), mostrando a importância deste num quadro amplo de desenvolvimento.
Num segundo momento, pretendo fornecer uma visão também abrangente
(qualitativa e quantitativa) de acesso à justiça, assim como dos principais
obstáculos reconhecidos para a sua efetivação e do potencial da mediação para
minimizar tais obstáculos.
Num terceiro momento, o objetivo é descrever e analisar criticamente o

34
Luciane Moessa de Souza

conteúdo da recém-promulgada legislação brasileira sobre mediação de conflitos21,


fazendo referência histórica aos principais projetos de lei enfocando o tema que
tramitaram no Congresso Nacional , comparando-os com a legislação argentina a
respeito, assim como com a legislação colombiana sobre conciliação, buscando
sempre apontar medidas essenciais para viabilizar a mediação no Brasil.

2 Desenvolvimento institucional e crescimento econômico


2.1 Conceito de desenvolvimento e interdependência entre os
diversos aspectos

Quando se afirma que a mediação pode contribuir para o desenvolvimento


institucional e este para o desenvolvimento em sentido amplo, é preciso
esclarecer de que desenvolvimento estamos falando. A concepção desenvolvida
por Amartya Sem (2005, p. 10), vencedor do prêmio Nobel de Economia, na obra
Desenvolvimento como liberdade, enquadra-se à perfeição nesta finalidade. Para
ele, o “desenvolvimento consiste na eliminação de privações de liberdade que
limitam as escolhas e as oportunidades das pessoas de exercer ponderadamente
sua condição de agente”.22
Para chegar ao maior grau de liberdade possível, ele salienta que é
necessário criar condições políticas, econômicas e sociais integradas, com a
participação de todos os interessados, já que os diferentes aspectos da liberdade
(política, econômica, social, individual) são interdependentes.
Ele cita diversos exemplos em prol de sua tese, demonstrando como
os critérios econômicos tradicionais (tais como elevação da renda per capita
ou do Produto Interno Bruto) não implicam necessariamente no alcance do
desenvolvimento como ampliação da liberdade das pessoas:
1. nos EUA, os negros têm uma renda per capita bastante superior
à média dos países do Terceiro Mundo, mas têm uma expectativa de
vida inferior à de muitos desses países;
2. a educação das mulheres tem um impacto muito maior na
redução das taxas de fecundidade e da mortalidade infantil que uma
renda per capita mais alta ou políticas públicas coercitivas;
3. a situação comparativa entre Índia e China, em que ambos os
países propiciaram ampliação da liberdade de mercado nas últimas
décadas, mas a última, por ter investido antes (e continuar investindo)
na prestação de serviços sociais (nomeadamente saúde e educação) de
qualidade, tem obtido crescimento muito maior.
Ele derruba alguns mitos, como o de que a liberdade política deve vir
depois de um desenvolvimento político mínimo, apontando, por exemplo,
que os maiores episódios de fomes coletivas da história nunca se deram em

21 Diante da complexidade do tema, deixo de tratar neste artigo da mediação de conflitos envol-
vendo o Poder Público, que contou com capítulo específico na nova lei. Trato do assunto mais
adiante, em artigo dedicado exclusivamente a ele, inserido na Parte II desta obra.
22 Também Joseph Stiglitz (1998, p. 3), ex-presidente do Banco Mundial, adota uma concepção
ampliada de desenvolvimento, que ele entende como “transformação social”, que deve propiciar
ao indivíduo e à sociedade maior controle sobre seu próprio destino (ou seja, mais liberdade),
ampliando ao mesmo tempo seus horizontes e sua vitalidade.

35
Mediação, acesso à justiça e desenvolvimento institucional

democracias, mas sim em regimes ditatoriais. Também salienta que as pessoas,


muitas vezes, dão um valor maior à liberdade de escolha que à renda mínima
garantida, citando como exemplo o estudo comparativo entre os escravos do
sul dos Estados Unidos e os trabalhadores agrícolas livres da mesma época, que
tinham uma renda média inferior àqueles e, no entanto, os escravos fugiam e
optavam pelo risco da liberdade.
Com o propósito de sistematizar os diferentes aspectos inter-relacionados
que conduzem ao desenvolvimento como liberdade, Sen (2005, p. 25) estabelece
cinco categorias de liberdades instrumentais:
a) liberdades políticas;
b) facilidades econômicas;
c) oportunidades sociais;
d) garantias de transparência; e
e) segurança protetora.
As liberdades políticas “referem-se às oportunidades que as pessoas têm
para determinar quem deve governar e com base em que princípios, além de
incluírem a possibilidade de fiscalizar e criticar as autoridades, de ter liberdade
de expressão política e uma imprensa sem censura, de ter a liberdade de escolher
entre diferentes partidos políticos, etc.” (SEN, 2005, p. 55). As facilidades
econômicas “são as oportunidades que os indivíduos têm para utilizar recursos
econômicos com propósitos de consumo, produção ou troca” (SEN, 2005, p. 55).
Ele salienta aqui a importância dos critérios relativos à distribuição da renda,
sendo que a “disponibilidade de financiamento e o acesso a ele podem ser uma
influência crucial”, no sentido de permitir a criação efetiva de um ambiente de
liberdade de mercado e de livre concorrência. Oportunidades sociais “são as
disposições que a sociedade estabelece nas áreas de educação, saúde, etc., as
quais influenciam a liberdade substantiva de o indivíduo viver melhor” (SEN, 2005,
p. 56), bem como as próprias liberdades políticas e econômicas. As garantias de
transparência, para o autor, “referem-se às necessidades de sinceridade que as
pessoas podem esperar: a liberdade de lidar uns com os outros sob garantias
de dessegredo e clareza. [...] Essas garantias têm um claro papel instrumental
como inibidores da corrupção, da irresponsabilidade financeira e de transações
ilícitas” (SEN, 2005, p. 56). Em realidade, quando se refere às garantias de
transparência, Sen parece estar tratando da construção de uma ética social, de
um compromisso coletivo com o bem-estar geral, já que as liberdades políticas
e os meios de controle delas decorrentes podem ser claramente ineficazes se
ao menos a maioria das pessoas não compartilharem alguns valores básicos
neste sentido. Por fim, a segurança protetora seria, para ele, “necessária para
proporcionar uma rede de segurança social, impedindo que a população afetada
seja reduzida à miséria abjeta e, em alguns casos, até mesmo à fome e à morte”
(SEN, 2005, p. 57). Quer nos parecer que a segurança protetora de que trata Sen
consiste na atuação social voltada não à criação de condições de desenvolvimento
individual (como as oportunidades sociais), mas ao amparo ao indivíduo em
situação de precariedade permanente ou temporária, correspondendo, assim,
ao que se convencionou chamar de assistência e previdência social.
Permeia ainda a construção de Sen a percepção da importância que o
Estado tem na condução de todo esse processo de formulação de políticas
integradas em busca do desenvolvimento como liberdade, desde que exista

36
Luciane Moessa de Souza

permanente abertura à participação individual, já que as pessoas não devem ser


vistas como meras beneficiárias do desenvolvimento, mas como seus agentes.23
O direito de acesso à justiça — pode-se afirmar — possui caráter
instrumental em relação às cinco categorias de liberdades identificadas por Sen,
já que todas elas envolvem direitos que podem ser violados, de modo especial
pelo Poder Público. Ademais, como ressalta Sen (2005, p. 298):
O funcionamento de mercados bem-sucedidos deve-se não só ao fato de as trocas
serem “permitidas”, mas também ao sólido alicerce de instituições (como por exemplo
estruturas legais eficazes que defendem os direitos resultantes de contratos) e da ética
de comportamento (que viabiliza os contratos negociados sem a necessidade de litígios
constantes para obter o cumprimento do que foi contratado).

É dessa relação entre esses dois aspectos do desenvolvimento —


crescimento econômico e bom funcionamento das instituições — que passo a
tratar no item seguinte.

2.2 Correlação entre desenvolvimento institucional e


atividade econômica
A estreita correlação entre desenvolvimento institucional e crescimento
econômico já foi identificada, há muito tempo, pelas instituições multilaterais
que financiam projetos de desenvolvimento, nomeadamente o Banco Mundial
e o Banco Inter-Americano de Desenvolvimento (BID).24 Como nos relata
Richard Messick (1999, p. 118-119), os projetos de reforma do sistema judicial,
geralmente, estão focados em 4 objetivos gerais:
a) garantir a independência do Poder Judiciário, assegurando que
as decisões sejam devidamente isoladas de influências impróprias;
b) acelerar a tramitação dos processos;
c) aumentar o acesso a mecanismos alternativos de solução de
litígios; e
d) investir em treinamento dos magistrados e demais operadores
jurídicos.
Segundo Messick (1999, p. 120), Hobbes já afirmava que “sem um
sistema judicial eficiente, os participantes do mercado ficariam relutantes em
realizar transações, com receio de que os acordos não fossem cumpridos”. Esta

23 “Com oportunidades sociais adequadas, os indivíduos podem efetivamente moldar seu próprio
destino e ajudar uns aos outros” (SEN, 2005, p. 26).
24 Segundo Richard Messick (1999, p. 117), “desde 1994, o Banco Mundial, o Banco Inter-America-
no de Desenvolvimento (BID) e o Banco de Desenvolvimento da Ásia aprovaram ou iniciaram mais
de 500 milhões de dólares empréstimos destinados a financiar projetos de reformas no sistema
judicial em 26 países” (Tradução nossa). O autor enfatiza, todavia, a existência de diferentes moti-
vos por parte do Banco Mundial e do BID para financiar tais projetos: enquanto este último encara
a reforma do sistema judicial como “um elemento indispensável na consolidação das instituições
democráticas na América Latina, através da proteção de direitos humanos básicos e da promoção
de relações sociais harmônicas” (MESSICK, 1999, p. 119), além de ser importante para o desen-
volvimento de uma economia de mercado, o Banco Mundial enfoca somente este último aspecto,
o que significa, na prática, que ele não financia projetos “para reformar códigos criminais, treinar
policiais ou juízes criminais ou administrar instituições penitenciárias”, o que torna muitos destes
projetos ineficazes (MESSICK, 1999, p. 119).

37
Mediação, acesso à justiça e desenvolvimento institucional

visão foi retomada com grande ênfase por Douglass North, um dos expoentes
do que os economistas têm chamado de “Nova Economia Institucional”,25
o qual chega a assegurar que “a ausência de meios de baixo custo que
assegurem o adimplemento dos contratos é a ‘fonte mais determinante tanto
de estagnação histórica quanto do subdesenvolvimento contemporâneo no
Terceiro Mundo’” (NORTH apud MESSICK, 1999, p. 120). Da mesma forma,
Williamson apud Messick (1999, p. 120) atesta que “uma ‘economia de alta
performance’ é aquela que se caracteriza por um número significativo de
contratos de longo prazo — justamente o tipo de relação comercial que é
improvável de ocorrer na ausência de um sistema judiciário eficiente”. No
Brasil, Armando Castelar Pinheiro (2003, p. 1) reforça essa ideia ao ressaltar
que, “no limite, alguns tipos de investimentos e transações comerciais e
financeiras podem ficar simplesmente inviáveis se esses direitos não forem
suficientemente definidos e protegidos”.
Vale a pena sumariar as lições de Rachel Sztajn, Décio Zylbersztajn e Paulo
Furquim de Azevedo (2005, p. 118-120) sobre a importância dos contratos no
que diz respeito às interações entre os agentes econômicos:
Sem qualquer restrição ao comportamento de interesse individual ou incentivo ao
comportamento de interesse coletivo, a ação esperada para ambas as partes é a não-
cooperação. [...] Para que o ganho coletivo possa ser realizado, é necessário que haja
alguma restrição ou orientação ao comportamento das partes, de tal modo que as
ações não-cooperativas sejam eliminadas. Está aqui um importante ganho do uso
de contratos, particularmente do comprometimento com deveres em uma relação
plurilateral. [...]
Como as partes desejam que seu acordo resulte em efetivo direcionamento de
comportamentos, elas também acordam sobre aspectos do contrato que têm o papel de
forçar o cumprimento de seus deveres fundamentais.

Desenhar um contrato adequado, assim, como demonstra Sztajn,


Zylbersztajn e Azevedo (2005, p. 127), não é tarefa fácil, em razão de
ser comum a assimetria de informação entre as partes. O problema se
torna ainda mais grave quando estão envolvidos ativos específicos,
isto é, aqueles em que “uma fração relevante de seu retorno depende,
para a sua realização, da continuidade de uma transação específica”, 26
gerando dependência econômica de uma das partes. Na prática,
“contratos são intrinsecamente incompletos, apresentando lacunas que
abrem a possibilidade de ocorrência de custos derivados da dependência
econômica”. Assim, “as partes devem criar mecanismos para lidar com as
contingências inesperadas, sendo essa, na perspectiva de alguns autores,
uma das mais importantes características de um contrato” (SZTAJN;
ZYLBERSZTAJN; AZEVEDO, 2005, p. 128).
Tudo isso demonstra que se trata de um campo fértil para a ocorrência de
litígios, sendo indispensável, portanto, a existência de um ambiente institucional

25 Pode-se dizer que esse movimento foi inaugurado por Ronald Coase, ganhador do prêmio
Nobel de Economia, que “demonstrou como a introdução de custos de transação na análise eco-
nômica determina as formas organizacionais e as instituições do ambiente social” (ZYLBERSZTAJN;
SZTAJN, 2005, p. 1).
26 É o caso, por exemplo, de um fabricante de autopeças que desenvolve toda uma linha de pro-
dução para atender a um determinado modelo de veículo de uma montadora.

38
Luciane Moessa de Souza

capaz de dar conta desses desafios.27


É importante salientar a contribuição de North (2001) no estudo
das relações entre as instituições e as transações econômicas, porque este
autor lembra que, na realidade, aquelas não influem apenas nos “custos
de negociação ou de transação” (custos de avaliar economicamente os bens
e serviços no mercado, bem como de fazer cumprir à força os contratos,
inclusive monitorando o seu cumprimento), mas afetam também os “custos de
produção ou de transformação”, já que a inovação tecnológica está diretamente
relacionada ao grau de proteção legal de que desfrute a propriedade intelectual.
“A insegurança nos direitos de propriedade”, salienta North (2001, p. 90), “trará
como resultado o uso de tecnologias que empregam pouco capital fixo e que
não exigem acordos a longo prazo”. É equivocado afirmar, portanto, como faz
a literatura tradicional, que as instituições só afetam os custos de transação,
enquanto os custos de transformação apenas são afetados pelo desenvolvimento
tecnológico. Muitas vezes, os empresários podem preferir trabalhar com menos
inovação tecnológica para poder utilizar mão-de-obra menos qualificada e, assim,
mais barata e menos organizada. O rendimento do trabalho, por outro lado, é
influenciado pelos critérios de seleção e pelas necessidades de monitoramento
dos operários, de modo que os custos de negociação também afetarão desta
forma a produtividade.
Estudos estimam que o nível de investimentos privados no Brasil
subiria 10% se o nosso Judiciário tivesse desempenho similar ao de economias
desenvolvidas (CASTELAR PINHEIRO apud MESSICK, 1999, p. 121). Messick
(1999, p. 122) também relata que, em uma pesquisa recente envolvendo 3.600
empresas de 69 países, 70% delas responderam que um Judiciário “imprevisível”
era o maior problema em suas operações.
Conforme apregoa Messick (1999, p. 121), uma visão ainda mais ampla
correlaciona o desenvolvimento institucional ao desempenho econômico em
razão de outros dois fatores (além da garantia de cumprimento dos contratos):
a) o respeito aos direitos de propriedade dos investidores;
b) a garantia de que os poderes Executivo e Legislativo operem
dentro dos ditames de um Estado de Direito.
Messick (1999, p. 121-122) também faz um retrospecto desse pensamento,
que nasceu já na Idade Média:
O jurista do século XV John Fortescue ([1471?] 1979) asseverava que a prosperidade da
Inglaterra medieval se devia à qualidade das instituições legais inglesas. Quase 300 anos
mais tarde, Adam Smith ([1755] 1980:322) observou que “uma administração da justiça
tolerável”, ao lado da paz e baixos impostos, era tudo que era necessário para “levar um
Estado ao mais alto grau de opulência”. Max Weber, o sociólogo alemão do século XIX,
foi o primeiro a observar atentamente a relação entre segurança jurídica, um Judiciário
eficiente e o desenvolvimento econômico (Trubek 1972), mas, segundo Hayek (1960), o
crédito pelo reconhecimento da importância do Judiciário na garantia da segurança jurídica
pertence aos autores da Constituição americana, bem como aos filósofos alemães que
elaboraram o conceito de Estado de Direito. Os primeiros demonstraram por que a revisão
judicial dos atos do Poder Legislativo era essencial, enquanto os últimos demonstraram a
importância da sujeição das ações do Executivo e seus órgãos ao escrutínio do Judiciário

27 Como ressalta Sztajn, Zylbersztajn e Azevedo (2005, p. 125-126), “o Judiciário e o modo com
que ele utiliza as informações disponíveis no julgamento dos processos são também elementos
relevantes no desenho dos contratos”.

39
Mediação, acesso à justiça e desenvolvimento institucional

No que diz respeito aos direitos de propriedade, não é muito difícil


vislumbrar a correlação, apresentada de forma sucinta por Rachel Sztajn, Décio
Zylbersztajn e Bernardo Mueller (2005, p. 92):
Direitos de propriedade que não são perfeitamente seguros desestimulam os investimentos
[...] direitos de propriedade contribuem para afetar o comportamento econômico dos
agentes e o desenvolvimento de mercados [...] direitos de propriedade seguros e bem
definidos, incluindo o direito de vender ou transferir a propriedade, farão com que o
recurso venha a ser alocado ao uso que gere mais bem-estar.

Ocorre que “na vida real, direitos de propriedade frequentemente não


são bem definidos e custos de transação raramente são baixos” (SZTAJN;
ZYLBERSZTAJN; MUELLER, 2005, p. 98). Assim, afirmam Sztajn, Zylbersztajn e
Mueller (2005, p. 99), “a lei deve dar incentivos para que os agentes ajam da
forma que resulte na mesma alocação de recursos que resultaria caso os custos
de transação fossem baixos”.
Por último, importa ressaltar que desenvolvimento institucional
não se reduz apenas às dimensões aqui exemplificadas (proteção da
propriedade; sistema de resolução de conflitos eficaz, entre outras), mas
envolve diversos aspectos, como aponta Luis Miguel Castilla (2002) em
estudo sobre o tema, destacando-se: império da lei (abrangendo eficiência
do sistema de segurança pública, poder do crime organizado, confiança
dos agentes econômicos nos políticos e influência das atividades ilícitas),
controle da corrupção, qualidade do marco regulatório (garantia da livre
concorrência e dos direitos dos consumidores) e eficiência da administração
pública. Para ele, há também outros fatores que medem o desenvolvimento
institucional, repercutindo de forma ainda mais direta na esfera econômica,
quais sejam: a autonomia dos bancos centrais (favorecendo a estabilidade
monetária), uma política fiscal sustentável, a existência de redes de
segurança financeira, que protejam os pequenos depositantes e evitem
a propagação de crises financeiras, um quadro normativo que proteja os
investidores nas sociedades de capital aberto (“governo corporativo”),
regras fiscais e orçamentárias que garantam o equilíbrio fiscal e, ao mesmo
tempo, a necessária flexibilidade para as decisões governamentais nesta
área e, por fim, um quadro regulatório de serviços públicos e um sistema
de resolução de conflitos eficiente.
É evidente, ainda, que, assim como o desenvolvimento das instituições
jurídicas contribui para o desenvolvimento econômico, a recíproca é verdadeira,
daí porque Messick (1999, p. 122) afirma não estar clara a direção de causalidade
entre ambos. Da mesma maneira, o desenvolvimento institucional está
diretamente correlacionado ao que se tem chamado de “capital social”, ou seja,
o conjunto de atitudes e crenças disseminadas na sociedade em geral.
Também Maria Dakolias (1999) elucida como o nível de
desenvolvimento institucional afeta outros aspectos igualmente importantes
do desenvolvimento, levando diversos países a adotarem reformas de seus
sistemas judiciais:
Muitos países ao redor do mundo estão implementando reformas na legislação e no
Poder Judiciário como parte dos seus programas de desenvolvimento global. Isto
resultou do crescente reconhecimento de que o progresso social e econômico não pode

40
Luciane Moessa de Souza

ser alcançado de forma sustentável sem a garantia de segurança jurídica, democracia


consolidada e efetiva proteção dos direitos humanos, sendo que tudo isso requer
um Judiciário que funcione bem e que possa interpretar e garantir o cumprimento
das leis de forma equitativa e eficiente. Um Judiciário eficiente é previsível, resolve
os casos em um prazo razoável e é acessível ao público. [...] O atraso afeta tanto a
justiça quanto a eficiência do sistema judiciário; isso obstaculiza o acesso à justiça, o
que, com efeito, enfraquece a democracia, a segurança jurídica e a habilidade de fazer
respeitar os direitos humanos.28

Em outro artigo, a mesma autora ressalta uma vez mais o papel de


um sistema eficiente de resolução de conflitos em vários setores, bem como
o quanto esse papel tem se tornado mais relevante com a globalização
econômica:
Um governo eficiente requer instituições jurídicas que funcionem de forma a contribuir
para os objetivos correlatos de promoção do desenvolvimento do setor privado, estímulo
ao desenvolvimento de todas as outras instituições sociais, redução da pobreza e
consolidação da democracia. O reconhecimento da necessidade de reforma do Judiciário
está crescendo, devido ao crescente reconhecimento de que as reformas política e do
sistema judicial são a chave da reforma do sistema econômico. Um mercado livre e robusto
só pode germinar em um sistema político onde as liberdades individuais e os direitos de
propriedade são consensualmente respeitados e onde as reclamações de violações de tais
direitos podem ser levadas a tribunais justos e eficientes. [...]
Como as economias da América Latina têm se tornado mais sofisticadas, os conflitos jurídicos
daí decorrentes têm demandado mais atenção. A transição de negócios familiares, que não
se fundavam nas leis e nos mecanismos formais para resolver conflitos, para transações
entre atores que não se conhecem criou a necessidade de um sistema formal de resolução
de conflitos. O desenvolvimento de transações mais complexas não é possível, contudo, sem
que exista confiança no sistema judicial enquanto árbitro de disputas. De fato, em muitos
casos as partes interessadas ficam mais à vontade “confiando em laços informais, como
os familiares ou pessoais, para fazer negócios.” Se não for adequadamente abordada, esta
relutância em realizar transações com estranhos vai retardar o desenvolvimento econômico
e “conduzir a uma alocação ineficiente de recursos”. Esta situação adiciona custos e riscos
às transações comerciais e reduz o tamanho e, consequentemente, a competitividade do
mercado. (DAKOLIAS, 1995, p. 167-168).29

Em suma, o ambiente institucional define tanto as condições de


funcionamento do mercado quanto o quadro de respeito aos direitos dos cidadãos
em geral, estando, por essa razão, diretamente ligado ao fortalecimento da
democracia, entendida esta em sentido material (como igualdade de oportunidades
sociais), e não meramente formal (como igualdade nos direitos políticos).

3 Obstáculos para o acesso à justiça no Brasil


3.1 Conceito de acesso à justiça
Em primeiro lugar, é preciso esclarecer o conceito de acesso à justiça que
proponho adotar. Quando se pensa em acesso à justiça, muitas vezes, tem-se uma
visão estreita do tema, limitando-se apenas ao seu aspecto formal, qual seja, o
de ter a possibilidade de ingressar em juízo para defender um direito de que se é
titular. Este aspecto, de inegável importância — pois, sem ingressar com a ação,

28 Tradução nossa.
29 Tradução e grifos nossos.

41
Mediação, acesso à justiça e desenvolvimento institucional

é impossível obter a realização do direito ameaçado ou violado — corresponde


ao conceito de acesso à justiça em sentido formal, mas não abarca o seu sentido
material, qual seja, o acesso a um processo e a uma decisão justas. Há quem
fale, ainda, como Kazuo Watanabe apud Marinoni (1997, p. 25), em acesso a uma
ordem jurídica justa, numa visão mais ampla de efetividade do direito.
Como é sabido, todo o direito processual nada mais é do que um instrumental
posto a serviço da realização do direito material, de modo que não basta termos
normas de natureza material extremamente avançadas, como são, por exemplo, no
Brasil, de um modo geral, as normas previstas na Constituição Federal em matéria
de proteção a direitos, ou a legislação ambiental em vigor ou, ainda, o Código de
Defesa do Consumidor ou o Estatuto da Criança e do Adolescente. Todas estas
normas jurídicas têm conteúdo bastante avançado, buscando a transformação da
sociedade brasileira em uma sociedade mais justa e solidária. Entretanto, de nada
adianta a existência dessas normas se não existirem mecanismos aptos a atuarem
em caso de sua violação. É aí que entra o acesso à justiça, pois precisamos de
instrumentos que nos garantam que, em caso de violação ou simples ameaça de
violação a nossos direitos, temos aonde nos socorrer, podemos exigir o cumprimento
forçado da norma violada ou a atuação da sanção pelo descumprimento. Nesse
sentido, a lição de Cappelletti e Garth (1988, p. 11-12):
[...] o direito ao acesso efetivo tem sido progressivamente reconhecido como sendo de
importância capital entre os novos direitos individuais e sociais, uma vez que a titularidade
de direitos é destituída de sentido na ausência de mecanismos para sua efetiva reivindicação.

É intuitivo, neste sentido, que não é suficiente ter a mera possibilidade de


reclamar pela violação de um direito, mas é necessário que a apreciação desta
questão seja feita de forma ágil e justa, sem macular, contudo, a garantia do
contraditório, isto é, dando-se oportunidade à outra parte no litígio de apresentar
suas alegações e provas correspondentes. É daí que decorre a noção de acesso
a um processo e a uma decisão justas. De nada adianta poder exercer o direito
de ação se a solução reclamada vier tarde demais ou for uma decisão injusta,
insatisfatória para resolver o litígio.

3.2 Os principais obstáculos para o acesso à justiça


Os estudiosos do tema, como Mauro Cappelletti e Bryant Garth (1988),
em sua obra clássica, e, no Brasil, entre outros, Luiz Guilherme Marinoni (1997),
apontam, basicamente, quatro ordens de obstáculos para o acesso à justiça:
a) obstáculos de natureza financeira, consistentes nos altos
valores praticados para a cobrança de custas processuais e honorários
advocatícios, bem como configurados pela economia de escala que os
litigantes habituais têm se comparados aos litigantes eventuais;
b) obstáculos temporais, consubstanciados na grande morosidade
característica do Poder Judiciário, seja por dificuldades institucionais,
relacionadas à má administração, falta de modernização tecnológica
e/ou insuficiência do número de magistrados e de servidores, seja em
razão da complexidade do nosso sistema processual, que permite a
interposição infindável de recursos;
c) obstáculos psicológicos e culturais, consistentes na extrema

42
Luciane Moessa de Souza

dificuldade para a maioria da população no sentido de até mesmo


reconhecer a existência de um direito, especialmente se este for de
natureza coletiva, na justificável desconfiança que a população em
geral (e em especial a mais carente) nutre em relação aos advogados
e ao sistema jurídico como um todo e, ainda, na também justificável
intimidação que as pessoas em geral sentem diante do formalismo do
Judiciário e dos próprios advogados; e
d) obstáculos institucionais, referentes aos direitos de natureza
coletiva, em que “a insignificância da lesão ao direito, frente ao custo e
à morosidade do processo, pode levar o cidadão a desistir de exercer
o seu direito por ser a causa antieconômica” (MARINONI, 1997, p. 40).
Sem sombra de dúvida, a primeira e a terceira ordens de obstáculos
elencadas são as que impedem até mesmo o acesso formal ao Judiciário, ao
passo que os obstáculos de natureza temporal impedem, certamente, que se
obtenha um processo justo e geram, poderíamos acrescentar, a descrença da
população em relação ao aparato jurisdicional como um todo. Esta decorre
também — é preciso salientar — de problemas de conteúdo, qualidade ou
justiça das decisões, seja por questões estruturais (falta de tempo e de
recursos para se dedicar aos processos como seria necessário), seja por
questões de falhas na formação dos magistrados, que não são treinados para
buscar em primeiro plano a prestação de um serviço jurisdicional de qualidade
à população, mas têm, em boa parte, uma bagagem jurídica eminentemente
formalista e desvinculada dos aspectos éticos e sociais da função judicial,
seja ainda por problemas de corrupção ou falta de independência do
Judiciário, especialmente no que diz respeito aos processos envolvendo o
Poder Público.30
É interessante mencionar dados específicos da realidade brasileira a este
respeito, levantados por Castelar Pinheiro (2003, p. 4):
Pesquisa realizada pela Vox Populi em abril de 1999 mostrou que 58% dos entrevistados
considerava a Justiça brasileira incompetente, contra 34% que a julgavam competente.
Mais significativo ainda, 89% afirmaram ser a Justiça demorada, em contraste com 7%
dos entrevistados que responderam ser a Justiça rápida. De fato, uma pesquisa publicada
pelo IBGE em 1990 já mostrava que dois em cada três brasileiros envolvidos em conflitos
preferiam não recorrer à justiça. Numa outra pesquisa do Ibope em 1993, 87% dos
entrevistados diziam que “o problema do Brasil não está nas leis, mas na justiça, que
é lenta” e 80% achavam que “a justiça brasileira não trata os pobres e ricos do mesmo
modo”. (Grifos nossos).

O mesmo autor enfatiza, ainda, os fatores culturais internos ao próprio

30 O Judiciário brasileiro, se comparado à maioria dos países da América Latina, goza de elevado
grau de independência institucional, com a totalidade dos membros da primeira instância ingres-
sando mediante concurso e 80% dos membros da segunda instância sendo oriundos da primeira
instância, além de autonomia administrativa e orçamentária. Ademais, a remuneração alta dos
magistrados, bem como sua vitaliciedade, os põe relativamente a salvo tanto de pressões políticas
quanto de corrupção. Cf. DAKOLIAS (1999): “In contrast to other Latin American countries, how-
ever, corruption does not seem to be a major problem”. Todavia, a população ainda se ressente de
um tratamento igualitário em juízo, existindo a percepção difusa de que existe uma tendência ao
favorecimento do Poder Público tanto no que diz respeito ao mérito das decisões, quanto no que
diz respeito à agilização do procedimento. Trata-se de interessantes hipóteses a serem pesquisa-
das na prática judiciária. Note-se que, para ter acesso aos tribunais superiores, a participação do
Poder Executivo é tanto mais determinante quanto mais alta a Corte.

43
Mediação, acesso à justiça e desenvolvimento institucional

meio jurídico que impedem a boa prestação dos serviços jurisdicionais:

[...] no que se refere ao caso brasileiro, é consensual que as deficiências do Judiciário


decorrem de causas profundamente arraigadas [...] os problemas decorrentes dessa
matriz histórica são acentuados pela instabilidade do arcabouço jurídico do país, pelo
arcaísmo e excessivo formalismo dos códigos de processo e pela má formação de boa
parte da magistratura e de todos aqueles que, mais amplamente, se poderia designar
como “operadores do direito” [...] a lentidão e o caráter pesadamente burocrático e
formalista de seu funcionamento teriam hoje a permanência praticamente de um traço
cultural, com baixa probabilidade de mudança com base somente em fatores endógenos.
Uma consequência da aceitação quase fatalista desse alegado traço cultural pelos
magistrados e operadores do direito seria o excessivo recurso a argumentos processuais,
em detrimento de decisões substantivas sobre o mérito das questões — tendência esta que
reforça a descrença de grande parte da sociedade quanto a resolver seus conflitos pela via
judicial. (CASTELAR PINHEIRO, 2003, p. 4-5). (Grifos nossos).

Castelar Pinheiro (2003, p. 39) conduziu interessante pesquisa com 741


magistrados brasileiros, das diversas instâncias do Judiciário, em 12 Unidades
da Federação e a pesquisa demonstrou que, segundo os próprios magistrados,
“a morosidade é o principal problema do Judiciário, com o alto custo de acesso
(custas judiciais e outros custos) vindo em segundo, seguido pela falta de
previsibilidade das decisões judiciais”. Os magistrados apontam, por outro lado,
como principal aspecto positivo do Judiciário brasileiro, a imparcialidade.
Quanto às causas da morosidade, os magistrados apontaram que ela “é
frequentemente agravada por indivíduos, firmas e grupos de interesse usarem
a justiça não para pleitear direitos, mas para postergar o cumprimento de
suas obrigações. O Estado, em particular, é visto como fazendo um mau uso
contumaz da justiça, utilizando-a como instrumento quase-fiscal”. Além disso,
eles apontam problemas infra-estruturais, nas regras processuais e na prática
dos advogados:
[...] o número insuficiente de juízes, as muitas possibilidades existentes para se protelar
uma decisão e o grande número de recursos possíveis a instâncias superiores. Em
um segundo grupo, em ordem descendente de importância, os juízes incluem a falta
de equipamentos de informática, a preferência dos advogados por estender a duração
dos litígios, a falta de treinamento dos advogados, a ênfase excessiva no formalismo
processual e a precária situação das instalações judiciárias. (CASTELAR PINHEIRO, 2003,
p. 39).

No que diz respeito especificamente ao sistema recursal, entendem os


magistrados que
o grande número de recursos possíveis a instâncias superiores também prejudica
o Judiciário por reduzir a importância das decisões dos juízes de primeira instância
e por vezes também de segunda instância, já que a grande maioria de suas decisões
sofre apelação por uma das partes. Uma consequência negativa desse fenômeno é
a desmotivação dos magistrados, que vêem diminuída a importância do seu trabalho.
(CASTELAR PINHEIRO, 2003, p. 40).

Eles apontam ainda que a dificuldade de alterar essa situação é causada,


primeiramente, pelo “interesse dos advogados, que têm seu mercado de trabalho
ampliado pela complexidade processual e as muitas oportunidades de recurso
abertas pela legislação brasileira”; segundo, por uma “desconfiança da elite
do Judiciário com relação à politização das decisões judiciais, mantendo-se a

44
Luciane Moessa de Souza

possibilidade de recurso aos Tribunais Superiores como uma forma de limitar o


efeito final de decisões politizadas”. Como nota Castelar Pinheiro (2003, p. 40),
“esse é um problema que seria muito reduzido se houvesse um efeito vinculante
nas decisões”. A questão fica ainda mais gritante quando se recorda o fato
registrado por Maria Dakolias (1999) de que em 90% dos casos as cortes de
segunda instância confirmam a decisão que foi proferida em primeira instância.
A questão da falta de interesse dos advogados na realização de mudanças
que abreviem o andamento processual tem magnitude que não deve ser
desprezada, mas existe também dentro do próprio Judiciário, como relata
Richard Messick (1999, p. 123):
As reformas do Judiciário podem ameaçar aqueles que têm interesse na manutenção
do status quo. Como tanto Eyzaguirre (1996) quanto Blair e Hansen (1994) observam,
ineficiências nos procedimentos e administração das cortes frequentemente propiciam
oportunidades de renda extra para juízes, promotores e o pessoal de apoio do Judiciário
em geral. Na Argentina, por exemplo, os escrivães judiciais protestaram contra uma
proposta da Fundação de Investigações Econômicas Latino-americanas (FIEL 1996) de
que eles trabalhassem mais do que os atuais 132 dias por ano. (O aumento seria para
no mínimo 163 dias, a média do pessoal no Poder Executivo, ou os 231 dias que são
a média dos empregados do setor privado na Argentina). O pessoal de apoio também
está desafiando uma recomendação de aprimoramento da administração de casos e do
agendamento de audiências.
As reformas também podem enfrentar oposição do órgão de classe dos advogados.
No Uruguai, advogados objetaram contra a introdução de novos procedimentos que
acelerariam os julgamentos civis e criminais, temendo que isso reduziria sua quantidade
de trabalho (Vargas 1996). As reformas também ameaçam os rendimentos dos advogados
de outras formas. (...) No Peru, por exemplo, advogados e notários públicos se opuseram
vigorosamente às medidas que reduziriam os custos do registro imobiliário urbano para as
pessoas carentes porque seria permitido a engenheiros, arquitetos e outros profissionais
que também prestassem serviços numa área que costumava ser exclusiva dos operadores
jurídicos (World Bank 1997).31

A ineficiência administrativa, embora apontada como tendo uma


importância secundária, também é reconhecida pelos magistrados como uma
das causas da morosidade, o que é agravado pelo fato de que os magistrados
brasileiros gastam boa parte de seu tempo (entre 30 e 50%, aproximadamente)
com atividades administrativas. Eles apontam como principais fatores:
a) a ausência de uma administração ativa de casos;
b) má gestão do fluxo físico de processos;
c) lentidão nas notificações às partes;
d) arcaísmo das práticas administrativas; e
e) falta de preparo dos funcionários e de treinamento dos juízes
neste tipo de atividade. (CASTELAR PINHEIRO, 2003, p. 17).
Neste passo, é oportuno mencionar que a Emenda Constitucional nº
45/2004, que iniciou a implantação da Reforma do Judiciário, acrescentou ao rol
de direitos fundamentais o direito à “razoável duração do processo e os meios
que garantam a celeridade da sua tramitação”,32 demonstrando a relevância
que o constituinte atribui à celeridade na tramitação processual e servindo de
fundamento para uma série de reformas ainda não implementadas.
Quanto ao problema de falta de previsibilidade das decisões judiciais,

31 Tradução nossa.
32 Inciso LXXVIII, acrescentado ao artigo 5º da Constituição Federal pela referida emenda.

45
Mediação, acesso à justiça e desenvolvimento institucional

apontam os magistrados como causas:


a) falhas na legislação, gerando dificuldades de interpretação;
b) uso frequente de liminares; e
c) tendência a que as decisões sejam tomadas com base em
detalhes processuais, sem enfrentar o mérito da questão. (CASTELAR
PINHEIRO, 2003, p. 41).
Ressalta o pesquisador que “a maioria desses problemas poderia ser
corrigida com mudanças de leis e incentivos, sem a necessidade de aportar-se
mais recursos orçamentários”. (CASTELAR PINHEIRO, 2003, p. 42).
Por fim, a pesquisa de Castelar Pinheiro (2003, p. 41) também colocou
interessantes questões atinentes ao impacto econômico das decisões judiciais.
73,1% dos magistrados respondeu que “a busca da justiça social justifica decisões
que violem os contratos”, de modo que “a politização das decisões judiciais
frequentemente resulta da tentativa dos magistrados de proteger a parte mais
fraca na disputa que lhe é apresentada”. Note-se que o grau de politização varia
conforme o assunto:
As áreas em que a “politização” é menos comum são as que envolvem questões comerciais
e de propriedade industrial, isto é, as mais diretamente ligadas às relações entre empresas.
Note, porém, que ela é significativamente mais frequente em casos envolvendo operações
de crédito do que outras operações comerciais, o que ratifica a visão de que o mercado
de crédito é particularmente afetado por esse posicionamento dos juízes. (CASTELAR
PINHEIRO, 2003, p. 21).

O autor aponta os impactos desse posicionamento na atividade econômica:

A não-neutralidade do magistrado tem duas consequências negativas importantes


do ponto de vista da economia. Primeiro, os contratos se tornam mais incertos, pois
podem ou não ser respeitados pelos magistrados, dependendo da forma com que ele
encare a não-neutralidade e a posição relativa das partes. Isso significa que as transações
comerciais ficam mais arriscadas, já que não necessariamente “vale o escrito”, o que faz
com que se introduza prêmios de risco que reduzem salários e aumentam juros, aluguéis
e preços em geral. Segundo, ainda que (...) a magistratura não esteja “comprometida com
a representação de interesses”, a não-neutralidade do magistrado significa que este se
alinha claramente com os segmentos sociais menos privilegiados da população: entre
o inquilino e o senhorio, ele se inclina a favor do primeiro; entre o banco e o devedor,
ele tende a ficar com o último, e assim por diante. Isso faz com que, nos casos em
que essa não-neutralidade é clara e sistemática, esses segmentos menos privilegiados
sejam particularmente afetados com prêmios de risco (isto é, preços) mais altos, ou então
simplesmente alijados do mercado, pois a outra parte sabe que o dito e assinado na hora
do contrato dificilmente será respeitado pelo magistrado, que buscará redefinir ex post os
termos da troca contratada. Isso significa que são exatamente as partes que o magistrado
buscava proteger que se tornam as mais prejudicadas por essa não-neutralidade.
(CASTELAR PINHEIRO, 2003, p. 25).

O estudo de Maria Dakolias (1999) assim resume os principais problemas


do Judiciário brasileiro:

Além da morosidade e da falta de credibilidade, os problemas com o Judiciário brasileiro


incluem falta de acesso à justiça, recrutamento e treinamento de juízes inadequados,
legislação desatualizada e defeituosa e a ausência de um sistema de precedentes
vinculantes.33

33 Tradução nossa.

46
Luciane Moessa de Souza

Como ponto positivo, a autora ressalta os altos salários (DAKOLIAS, 1999)


34
, desestimulando a corrupção, e a autonomia administrativa e orçamentária do
nosso Judiciário, bem como o ingresso por concurso público, garantindo alto
grau de independência aos nossos magistrados. Ressalta ela, contudo, que é
preciso, a par da autonomia, que o Judiciário tenha capacitação técnica para
realizar as previsões orçamentárias com precisão (DAKOLIAS, 1999). Ademais,
“o controle judicial do orçamento, todavia, não significa necessariamente uma
alocação orçamentária centralizada”, pois, de fato, “a administração centralizada
resulta em uma alocação assimétrica de recursos do Judiciário” (DAKOLIAS,
1995, p. 176)35.
Neste particular, Dakolias (1995, p. 176) aborda a questão de uma possível
fixação constitucional ou legal de um percentual de recursos orçamentários a
serem destinados ao Judiciário, o que ela considera inadequado:
Em primeiro lugar, regras processuais específicas e diferenças na propensão cultural da
população a demandar os serviços jurisdicionais fazem com que se torne inadequado
afirmar que uma maior proporção de gastos orçamentários no Judiciário necessariamente
melhoraria o funcionamento do sistema judicial.

Permito-me, todavia, discordar em parte deste posicionamento, pois,


se é certo que algumas das medidas necessárias para reformar a prestação
de serviços jurisdicionais não exigem grande montante de recursos, mas,
sobretudo, competência para implementá-las, muitas dessas medidas exigem,
sim, recursos, e, no caso particular da realidade brasileira, a realização de
direitos fundamentais dos cidadãos (tais como o direito de acesso à justiça) nem
sempre tem sido prioridade dos diferentes governos (normalmente não tem
sido, diga-se de passagem), de modo que, apesar de evidentemente o montante
de recursos necessários variar com o tempo, seria absolutamente desejável que
se previsse — de preferência a nível constitucional — um mínimo de recursos
orçamentários a serem destinados ao Judiciário, a exemplo do que já ocorre com
educação e saúde.
Dakolias (1999) também salienta que uma razoável liberdade de
imprensa, como temos aqui, está diretamente relacionada à independência dos
magistrados:
A liberdade de imprensa é uma questão tão crucial para uma democracia quanto os
direitos humanos. Em países em que a liberdade de imprensa foi classificada como
pior que boa ou como pequena, o público normalmente questiona a independência do
Judiciário.36

Para se garantir o acesso à justiça em sentido material, é necessário,


portanto, enfrentar todas as ordens de obstáculos que foram aqui mencionadas.
E é preciso ter em mente, sempre, que a melhoria de qualidade e eficiência na

34 Dos 11 países estudados na mostra, o Brasil é aquele em que o valor da remuneração dos ma-
gistrados comparada à média da população é o mais alto: 33 vezes o salário médio, enquanto na
Alemanha, por exemplo, o valor é de apenas duas vezes o salário médio. A proporção, contudo,
é três vezes maior do que o país que paga os melhores salários, dentre os estudados (ressalte-se
que a mostra trouxe apenas dois países desenvolvidos: Alemanha e França).
35 Tradução nossa.
36 Tradução nossa.

47
Mediação, acesso à justiça e desenvolvimento institucional

prestação dos serviços jurisdicionais, muitas vezes, faz aumentar o número


de litígios, por trazer à tona a chamada “litigiosidade contida”, ou seja, todos
aqueles litígios que esperavam solução, mas que não eram levados ao Poder
Judiciário em razão da existência dos citados obstáculos.37 Maria Dakolias
(1999) relata isso em seu levantamento sobre o desempenho do Judiciário
em 11 países: “O Judiciário brasileiro em geral experimentou um aumento de
dez vezes no número de casos ajuizados anualmente durante o período de
1988 a 1996”.

3.3 Meios alternativos de resolução de controvérsias:


incremento na celeridade e na qualidade dos serviços
jurisdicionais
A exemplo de algumas outras medidas (como a educação continuada
de operadores jurídicos), a implementação de meios alternativos de resolução
de controvérsias pode impactar favoravelmente tanto a eficiência no tempo da
prestação jurisdicional quanto a qualidade da resolução do conflito.
Dentre os meios alternativos mais utilizados, salientam-se a conciliação,
a mediação e a arbitragem. Os dois primeiros podem ou não ser prestados no
próprio seio do Judiciário, assim como está prevista, na legislação brasileira,
a possibilidade de utilização da arbitragem no âmbito dos Juizados Especiais
Estaduais 38.
A conciliação, embora sempre possível a nível extrajudicial, para
adquirir a eficácia de coisa julgada, deve ser realizada em juízo, normalmente
por ocasião da audiência preliminar, prevista tanto na legislação dos juizados
especiais (em que o comparecimento pessoal das partes é obrigatório e a
tentativa de conciliação poderá ser promovida por juiz ou conciliador), 39
quanto no procedimento ordinário do processo civil — a qual hoje é
realizada sempre pelo juiz (resultando quase sempre infrutífera, já que
estes não receberam o adequado treinamento para tanto, mas, no projeto
de lei 4827/1998, que versa sobre mediação, está prevista a possibilidade
de sua realização por conciliador 40 —) e, ainda, desde que este foi criado,
no processo do trabalho.
A arbitragem, não obstante as evidentes vantagens que traz para as partes
— seja no que se refere ao sigilo do procedimento, informalismo, possibilidade
de escolherem um árbitro de sua confiança e com comprovado conhecimento
técnico na área do litígio, bem como, sobretudo, no que tange à celeridade e

37 Isso se tornou claro com a implantação dos Juizados Especiais, tanto a nível estadual, quanto a
nível federal, os quais, depois de um período de grande agilidade na resolução dos litígios, foram
inundados com tal número de demandas que o período para solução aumentou sensivelmente.
38 Assim dispõe o artigo 24 da Lei nº 9.099/95: “Não obtida a conciliação, as partes poderão op-
tar, de comum acordo, pelo juízo arbitral, na forma prevista nesta Lei. §1º O juízo arbitral conside-
rar-se-á instaurado, independentemente de compromisso, com a escolha do árbitro pelas partes.
Se este não estiver presente, o juiz convocá-lo-á e designará, de imediato, a data para a audiência
de instrução. §2º O árbitro será escolhido dentre os juízes leigos”.
39 Artigos 7º, 21 e 22 da Lei nº 9.099/95.
40 Nova redação do §2º do artigo 331 do CPC, cf. previsto no artigo 43 do projeto (PLC nº
94/2002 no Senado e nº 4.827/1998 na Câmara).

48
Luciane Moessa de Souza

maior probabilidade de cumprimento espontâneo da decisão — e, não obstante


também permitir a conciliação entre as partes no curso do procedimento, não
deixa de ser um procedimento semelhante ao judicial no que se refere ao seu
resultado: um julgamento feito por terceiro, uma sentença que proclamará um
vencedor e um perdedor, a qual, desde a Lei nº 9.307/96, não precisa mais ser
homologada pelo Poder Judiciário, possuindo a mesma eficácia de uma sentença
judicial definitiva.
Já a mediação, por fim, costuma ser distinguida da conciliação
porque nesta o conciliador buscaria apenas obter o acordo, ou seja,
estaria focado na resolução do conflito tal como levado pelas partes, ao
passo que, naquela, o objetivo é restaurar a comunicação entre as partes,
a fim de que estas percebam por si mesmas qual é a melhor solução
para ambas. Trata-se, portanto, a mediação de um procedimento que, ao
mesmo tempo em que resolve o litígio, restaura o relacionamento entre
as partes e as educa para a resolução autônoma de seus litígios, sendo,
portanto, bastante democrático e fortalecedor da cidadania, além de
agregar todas as vantagens já apontadas para a arbitragem; o acordo é
uma consequência natural destes objetivos mais amplos. Pode-se dizer,
assim, que a mediação costuma ir mais fundo, descer às raízes do conflito,
trabalhando em todo o seu contexto, ao passo que a conciliação costuma
trabalhar apenas nos limites do litígio inicialmente descrito pelas partes.
Discordo porém da outra distinção tradicionalmente apontada 41, e aliás
acolhida pelo projeto de novo Código de Processo Civil até o momento
(ao menos na versão aprovada no Senado), no sentido de que a mediação
e a conciliação se distinguiriam pelo fato de que nesta última o terceiro
propõe soluções para o conflito, ao passo que o mediador jamais formularia
propostas de possíveis acordos. Minha experiência prática de atuação
nesta seara, bem como a pesquisa de campo que realizei durante o meu
Doutorado demonstraram claramente que a postura mais ou menos pró-
ativa do terceiro (seja ele chamado de mediador ou de conciliador) depende
fundamentalmente de dois fatores: a) estilo pessoal e grau de capacitação
de cada mediador/conciliador; b) postura assumida pelas partes envolvidas
no conflito: quanto mais o diálogo flui entre elas, menos necessário se
torna que o terceiro proponha alternativas que possam estimular o debate
de possíveis soluções; quando este se revela “emperrado”, porém, a
apresentação de sugestões pelo terceiro imparcial funciona como pretexto
para as partes começarem a pensar na efetiva solução do problema,
julgando as propostas apresentadas e começando a deixar de julgar-se
mutuamente. Ademais, a questão da autoria das propostas de solução
consensual tem importância claramente secundária ( em especial quando

41 Posição com a qual já concordei em edição anterior desta obra, produzida em momento
no qual eu tinha apenas conhecimento teórico sobre o tema e que revi depois de ter con-
tato prático com trabalhos de mediação e conciliação, bem como me aprofundar nas dife-
renças entre as diversas escolas de mediação, sendo que a escola predominante nos EUA,
por exemplo, em muito se aproxima da conciliação. Para saber mais, vide a obra de minha
autoria “Meios consensuais de solução de conflitos envolvendo entes públicos: negociação,
mediação e conciliação na esfera administrativa e judicial”, no capítulo em que exponho as
escolas.

49
Mediação, acesso à justiça e desenvolvimento institucional

se pensa em efeitos jurídicos, a relevância é nenhuma), pois o que importa


efetivamente é que a aquiescência ao que foi pactuado tenha se dado de
maneira informada, consciente e responsável, viabilizando assim o efetivo
cumprimento do acordo.
Maria Dakolias (1995, p. 180) não deixa de abordar a importância dos
meios alternativos para um incremento na eficácia e qualidade da prestação
dos serviços jurisdicionais, bem como a inevitável resistência dos operadores
jurídicos tradicionais à sua implementação:
Os meios alternativos de resolução de controvérsias [em inglês, ADR] estão
se tornando cada vez mais populares na América Latina porque oferecem uma
alternativa para os atrasos e corrupção que caracterizam o sistema judiciário. Ao
mesmo tempo, o incremento desses aumenta o acesso à justiça para uma grande
porcentagem da população. Isto tem sido especialmente importante para os mais
pobres. Inicialmente, juízes e advogados podem sentir-se ameaçados por sua perda de
poder devido às opções que passam a ser oferecidas aos litigantes. Os juízes podem
encontrar consolo, contudo, no fato de que sua carga de trabalho fica reduzida em
quantidade, além do que casos de grande complexidade e visibilidade são afastados
do Judiciário. Embora os advogados também possam temer os meios alternativos
porque eles requerem que eles adquiram novas habilidades e joguem sob novas
regras, eles podem acabar percebendo que, a longo prazo, os meios alternativos
são úteis não apenas para seus clientes como também para si mesmos. Em muitos
casos, as partes se mostram mais propostas a cumprir acordos obtidos pela via da
mediação do que decisões provenientes do Judiciário. No Chile, por exemplo, há um
índice de 70% de sucesso nos procedimentos de mediação.42

Ao decidir institucionalizar estes métodos extrajudiciais de solução de


controvérsias, contudo, existem uma série de questões a serem decididas, como
aponta Dakolias (1995, p. 181):
Por exemplo, é preciso decidir se a arbitragem e a mediação serão profissões
regulamentadas, se haverá um treinamento obrigatório, e como serão fixados os padrões
éticos para a atuação de mediadores e árbitros. Há vários sistemas de resolução alternativa
de controvérsias que podem ser estabelecidos seja sob forma privada, seja sob a forma
de um sistema anexado ao judicial. Os sistemas anexados ao judicial são oferecidos ou
autorizados pelos órgãos do Judiciário. Os sistemas privados normalmente são oferecidos
na América Latina pelas associações comerciais ou outras entidades sem fins lucrativos.
Sob o sistema anexado ao judicial, os meios alternativos podem ser voluntários, quando as
partes decidem se querem participar, ou compulsórios, quando as partes são compelidas
pelo órgão competente.

Além dessas, existem diversas outras questões polêmicas, ressaltando-


se, no caso da mediação, a questão dos tipos de conflitos a que se pode
aplicá-la, a obrigatoriedade ou não da adoção desta, a possibilidade ou
obrigatoriedade da participação do advogado. Ademais, existem alguns
pontos que sequer foram tratados pelos projetos de lei em trâmite no
Congresso Nacional propondo a institucionalização da mediação. É o que
enfocarei nos próximos itens.

42 Tradução nossa.

50
Luciane Moessa de Souza

4 A legislação brasileira sobre mediação


O fato de atravessarmos uma época marcada pela complexidade, pela
interdependência, pela velocidade das mudanças e das comunicações se faz
refletir no quadro da resolução de conflitos. Como vimos, é necessário construir
métodos que dêem conta dos novos desafios de uma economia globalizada e
de uma sociedade cada vez mais consciente de seus direitos e cada vez mais
sedenta de canais que viabilizem a resolução célere e pacífica de seus conflitos
de interesses.
Neste contexto, ganham relevância os métodos consensuais de resolução
de controvérsias, como aponta com impecável lucidez a mediadora Tania
Almeida (2006, p. 9-11):
A tendência mundial de privilegiar a atitude preventiva e a celeridade na solução de
desacordos contribui para que ratifiquemos como negativa e indesejável a experiência
da resolução de divergências por meio da litigância. Em seu lugar, o diálogo ganha
importância na composição de diferenças. O lugar de destaque dos diálogos somente
pôde advir depois que o homem precisou abandonar a ideia de certeza e necessitou tornar
tênues as fronteiras entre as culturas. Ele não pôde mais deixar de olhar o mundo global
e sistemicamente e, portanto, não pôde mais abrir mão de soluções e ações cooperativas,
sob pena de ameaçar a própria sobrevivência.

É inevitável reconhecer que os mecanismos institucionais tradicionalmente


disponíveis para a resolução de conflitos não têm dado conta desses desafios,
seja no aspecto quantitativo, quando se pensa no direito à razoável duração do
processo, seja no aspecto qualitativo, quando se pensa na pacificação social
que deve ser atingida com a resolução de um conflito, seja ainda no que diz
respeito às necessidades de tornar o sistema acessível para todos os titulares de
direitos, superando os diferentes obstáculos de ordem econômica e cultural que
impedem a realização do acesso à justiça.
A mediação é uma dessas novas formas de resolução de conflitos sempre
lembrada quando se fala no congestionamento do nosso Poder Judiciário. Fala-
se nela como uma das possíveis soluções para os problemas de acesso à justiça.
Entretanto, quando se pensa apenas na questão de desafogar o Judiciário ou de
diminuir o tempo de “solução” de um conflito, é evidente que se está enfocando
apenas o aspecto quantitativo. E a mediação é muito mais do que isso. Ela oferece
muito também sob o aspecto qualitativo aos envolvidos em um conflito jurídico.
Pode-se dizer que ela é uma forma autônoma de resolução de conflitos, pois
a solução encontrada para o conflito através de mediação não é uma decisão
imposta por um terceiro, mas sim alcançada consensualmente pelas partes
através de um processo em que cada uma delas tem oportunidade de expor
seus interesses e necessidades e descobrir assim um caminho que atenda, tanto
quanto possível, aos legítimos interesses e necessidades de ambas.
A mediação difere da negociação, em que as partes dialogam diretamente
para esclarecer seus reais interesses e necessidades e encontrar uma solução
de consenso, apenas em que existe a figura de um facilitador, que facilita este
processo de identificação dos interesses relevantes e legítimos das partes em
conflito, revelando, muitas vezes, que eles são perfeitamente harmonizáveis,
havendo casos em que sequer há necessidade de ceder. O mediador não tem
como foco propor um acordo específico, apresentando uma solução para o

51
Mediação, acesso à justiça e desenvolvimento institucional

conflito, e não deve tomar posição, mas simplesmente ajudar as partes a “colocar
as cartas na mesa”, facilitar a retomada da comunicação que se rompera entre
elas e trazer à luz uma solução reconhecida por ambas as partes, em que ambas
saem satisfeitas. A mediação é especialmente recomendada para os conflitos
envolvendo partes que têm uma relação continuada entre si, como vizinhos,
condôminos, familiares, sócios de um mesmo empreendimento, cidadãos e entes
públicos, entes públicos entre si, para citar apenas alguns exemplos. Também é
recomendável para conflitos que exijam, sobretudo, uma solução rápida e que
seja mantida a confidencialidade. A principal diferença da mediação em relação
à decisão judicial é que ela busca a solução do conflito com os olhos voltados
para o futuro, ao passo que o julgamento leva em conta, normalmente, apenas
os fatos passados levantados e comprovados em juízo.
Para Rosemary Damaso Padilha (2004, p. 66), que estudou a mediação
em seu Mestrado e preside uma organização que atua e capacita em mediação
em Curitiba:

O processo de mediação visa promover o diálogo entre as partes, propiciar a escuta


diferenciada dos pontos de vista e razões da outra parte, num ambiente de respeito,
levando à conscientização do realismo das próprias exigências. Tal conscientização gera
responsabilidade, aumentando o compromisso com o acordo. Leva os envolvidos na disputa
a saírem do círculo vicioso de vítima e bandido, da busca de culpados, e envolverem-se
na tarefa de encontrar soluções, criando alternativas e chegando a acordos criativos para
satisfazer as necessidades de todos os envolvidos no processo. Do padrão adversarial, no
qual para que um ganhe é necessário que o outro perca, passa-se a um padrão cooperativo,
no qual todos saem ganhando, ou seja, de uma negociação distributiva, de ganhar x
perder, passa-se a uma negociação integradora, de ganhar x ganhar.

No Brasil, o primeiro projeto de lei foi apresentado em 1998 na Câmara


dos Deputados pela Deputada Zulaiê Cobra (PLC 4827/1998), tendo sido
remetido ao Senado Federal em 2002 (PLS 94/2002) e aprovado nesta última casa
durante o mês de julho de 2006, onde, graças ao trabalho do relator, Senador
Pedro Simon, sofreu substanciais modificações, acrescentando-se diversos
dispositivos ao texto original, de forma que se apresentou um substitutivo.
Devido às emendas que sofreu no Senado, o projeto foi devidamente remetido
à Câmara para apreciação das alterações, onde foi relatado pelo então deputado
José Eduardo Cardozo, que opinou favoravelmente à aprovação do substitutivo.
Após um período de “dormência”, sua tramitação voltou a ser retomada em
maio de 2011, sendo que o relator à época, deputado Arthur de Oliveira Maia,
também opinou pela aprovação do projeto, ressalvando apenas que existe
inconstitucionalidade formal na previsão de competências para os Tribunais de
Justiça, OAB e Defensorias Públicas no que tange ao credenciamento e supervisão
da atuação de mediadores 43.
O projeto em questão se inspirou, em certa medida, na legislação argentina
sobre a mediação, que data de 1995, muito embora dela se afaste por algumas
peculiaridades, como a permissão para profissionais que não sejam advogados
realizarem a mediação, bem como pela ausência de penalidades para a falta de
comparecimento à audiência onde se realizará a tentativa de mediação. Registre-

43 Tais matérias não poderiam estar contidas em projeto de lei de iniciativa de parlamentar, pois
são de iniciativa reservada.

52
Luciane Moessa de Souza

se que também a Colômbia possui legislação específica sobre conciliação


obrigatória, desde 1991, razão pela qual a legislação colombiana, do mesmo
modo, servirá como um dos parâmetros para análise do projeto.
Posteriormente ao PL 4827/1998, foi apresentado na Câmara dos
Deputados em 2005, o PL 4891/2005 (autor Deputado Nelson Marquezelli),
que propõe a criação das profissões de árbitro e mediador, ainda não apreciado
naquela casa, e atualmente tem como relator o Deputado Federal Vicentinho.
Em agosto de 2011, foi apresentado pelo Senador Ricardo Ferraço um
novo projeto de lei sobre mediação (PLS 517/2011), o qual detalha alguns
aspectos sobre o procedimento de mediação que não eram tratados no projeto
anterior, mas deixa, por outro lado, de tratar de outros aspectos (como as
incompatibilidades para atuação posterior de mediadores) que são tratados pelo
PL que tramita na Câmara. Em alguns pontos, os dois projetos divergiam (sendo
que o segundo, de um modo geral, apresenta maior apuro técnico, e explorava
muito melhor o potencial da mediação), mas o que se verifica é que eles se
complementavam em alguma medida, apesar de determinados assuntos muito
relevantes ainda ficarem de fora de ambos.
Por fim, deve-se registrar que, em 2013, foi elaborado um novo anteprojeto
sobre mediação, um abarcando tanto a mediação judicial quanto a extrajudicial,
tendo sido formulado por Comissão de especialistas no tema nomeados pelo
Ministério da Justiça, que veio a ser apresentado no Senado por um parlamentar
ligado ao governo federal (PLS 434/2013), bem assim um novo projeto de lei que
disciplinava apenas a mediação extrajudicial, este último redigido por Comissão
de especialistas instituída no âmbito do Senado Federal (PLS 405/2013).
Estes três últimos projetos (517/2011, 405/2013 e 434/2013) vieram
a ser aglutinados no Senado Federal, tendo a sua redação sofrido diversas
alterações e culminado na promulgação da nova Lei sobre Mediação de Conflitos,
Lei 13.140, de 26 de junho de 2015.
Ainda, o novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015) contém um
capítulo dedicado à disciplina da mediação e conciliação na esfera judicial.
Muitas destas matérias podem vir a ser tratadas em nível regulamentar.
Algumas já foram, inclusive, abordadas pela Resolução do Conselho Nacional de
Justiça nº 125, de 2010, que trata da mediação e da conciliação de conflitos. Por
esse motivo, também realizo uma análise crítica do conteúdo deste relevante
ato normativo.
A grande omissão que me permito desde logo apontar, contudo, tanto
da nova legislação brasileira sobre mediação de conflitos quanto do novo
CPC e da Resolução do CNJ 125/2010, diz respeito à ausência de regras
específicas que considerem o regime jurídico próprio daquele que é, de longe,
o maior litigante em juízo neste país: o Poder Público. Todos eles preveem a
possibilidade de mediação de conflitos envolvendo entes públicos, mas não
trazem regras específicas, que adequem a resolução consensual de conflitos
aos princípios que caracterizam o regime jurídico da Direito Público. Não
examinarei o tema, porém, neste artigo, pois trato dele mais adiante na Parte
II da obra.

53
Mediação, acesso à justiça e desenvolvimento institucional

4.1 Conflitos a que se aplica a mediação


A legislação que criou a mediação institucionalizada na Argentina
estabeleceu que esta seria obrigatória nos processos civis e comerciais, exceto
em ações envolvendo o Estado ou qualquer de seus entes, falências, ações
cautelares, inventários, ações de estado (interdição, etc.), bem como em matéria
de família (divórcio e separação judicial, anulação de casamento, investigação
de paternidade), devendo, porém, as questões patrimoniais derivadas destas
últimas ser remetidas à mediação. Nos processos de execução, a tentativa de
mediação é facultativa para o exequente.
O PLC 4827/1998 também previa que a mediação seria “lícita” (portanto,
possível) em “toda matéria que admita conciliação, reconciliação, transação ou
acordo de outra ordem” (artigo 4º.). Estabeleceu, porém, o projeto que ela seria
obrigatória no “processo de conhecimento” (leia-se processo de conhecimento
cível), com exceção das ações de interdição, inventário e arrolamento, falência,
recuperação judicial e insolvência civil, imissão de posse, reivindicatória e
usucapião, retificação de registro civil e nas ações em que for parte pessoa de
direito público, desde que a causa versasse sobre direitos indisponíveis, bem como
quando as partes optassem pelo juizado especial ou pela arbitragem (artigo 34).
Vale mencionar que, a rigor, sequer caberia processo de conhecimento quando
houver opção pela arbitragem. O projeto também mencionava como exceçãoas
ações cautelares, que, obviamente, não instauram processo de conhecimento.
Nota-se que o projeto excluía determinadas ações em que existisse interesse
público ou social envolvido (falência, recuperação judicial, retificação de registro
público, ações envolvendo direitos indisponíveis), além de causas envolvendo
controvérsia sobre a capacidade da pessoa (interdição), bem como aquelas
sobre propriedade imóvel (ação reivindicatória, imissão de posse, usucapião).
De forma, a meu ver, inteiramente equivocada, o projeto também excluía
as ações que tivessem como parte pessoa de direito público, embora tenha
feito isto apenas quando “a controvérsia versar sobre direitos indisponíveis”,
admitindo, assim, que nas relações de caráter privado entabuladas pelo Poder
Público, seria possível a mediação44. Ressalte-se que, contrariamente ao que
dispunha o projeto, já há várias experiências pioneiras de utilização de métodos
consensuais para solução de conflitos envolvendo entes públicos no Brasil, dentre
as quais merecem menção, pelo menos, a experiência da celebração de termos
de compromisso (ou ajuste de conduta) no curso de processos administrativos
sancionadores, prevista em diversas leis, desde a Lei 7.347/1985 (com a redação
vigente a partir de 1990), e a experiência da Câmara de Conciliação e Arbitragem
da Advocacia-Geral da União, criada em 2007, que atua em conflitos envolvendo
entes públicos entre si, não importando se a temática envolvida concerne a
direitos disponíveis ou disponíveis.
Não se entende bem, por outro lado, as razões de excluir as ações de
inventário e arrolamento, já que, quando não houver interesse de menores
envolvido, a mediação seria um espaço bastante interessante para solucionar
controvérsias entre herdeiros. De todo modo, a mediação aqui não estaria

44 O assunto vem causando muita polêmica em matéria de arbitragem, justamente pela falta de
um dispositivo semelhante na Lei nº. 9.307/96. De qualquer modo, vem a ser mais um argu-
mento a favor da admissibilidade da arbitragem sobre o tema.

54
Luciane Moessa de Souza

proibida, já que se trata de direitos passíveis de transação, apenas não se


revestiria de obrigatoriedade.
É imprescindível ressaltar, no entanto, que essa concepção da mediação
prevista no PL 4827/1998 como destinada apenas à solução de conflitos cíveis
que envolvam direitos negociáveis não decorre da natureza da mediação em
si. Parecia tratar-se talvez de uma opção no sentido de começar com a adoção
da mediação para este tipo de conflito, já que não temos tradição na utilização
da mediação no Brasil. Na prática, contudo, a mediação já vem sendo utilizada
também na área penal (normalmente para conflitos de pequena monta), em
projetos/programas que trabalham com a chamada “justiça restaurativa”. Em
outros países (e no Brasil a tendência é a mesma), a mediação é bastante utilizada
tambémpara a resolução de conflitos ambientais, sem falar na sua utilização
crescente pelo setor privado para resolução de conflitos na área educacional e
também corporativa.
Jáo PLS 517/2011, apresentado treze anos mais tarde, não padecia do
mesmo vício, tendo previsto de forma inteiramente diversa: em seu artigo 1º.,
estipula que a mediação de conflitos é cabível “em quaisquer matérias em que
a lei não proíba as partes de negociar”; já no artigo 7º., dispunha ser “possível a
mediação em todo e qualquer litígio submetido ao Poder Judiciário, desde que
as partes a desejem de comum acordo ou que sua realização seja recomendada
pelo magistrado, pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública ou por outro
sujeito do processo”.
Como já dito, o PL em questão veio a ser agrupado com outros dois no
Senado Federal, sendo que a redação final do artigo 3º. da lei que deles resultou
admite a utilização da mediação para todo “conflito que verse sobre direitos
disponíveis ou sobre direitos indisponíveis que admitam transação.” Prevaleceu
o bom senso e a concepção mais avançada sobre o potencial da mediação.

4.2 Espécies de mediação


A primeira diferença que se nota entre as espécies de mediação diz
respeito a sua obrigatoriedade ou facultatividade. Tanto na Argentina quanto
na Colômbia, a tentativa de mediação (na Argentina) ou de conciliação (na
Colômbia) é obrigatória para determinadas classes de processos, sendo
chamada inclusive de “requisito de procedibilidade” pelo legislador colombiano.
E esta obrigatoriedade se revela bem claramente pela previsão de aplicação de
sanção para o não-comparecimento a audiência. Sabe-se que, em Direito, só se
pode falar efetivamente de obrigação quando exista uma consequência, uma
penalidade para o seu descumprimento. Pois bem, em nossos países “hermanos”,
ela existe efetivamente: na Argentina, a legislação prevê a aplicação de uma
multa equivalente ao dobro dos honorários do mediador no caso de ausência e,
na Colômbia, a multa corresponde a nada menos do que dez salários mínimos
mensais e pode ser aplicada quer em caso de ausência, quer na hipótese de
recusa a discutir as propostas formuladas.
No PLC 4827/1998, apesar de constar a obrigatoriedade, não estava
prevista a aplicação de qualquer sanção para o não-comparecimento à audiência,
dispondo o projeto apenas que, em caso de não comparecimento das partes,

55
Mediação, acesso à justiça e desenvolvimento institucional

estaria frustrada a mediação.45


É bem verdade que a questão da obrigatoriedade sempre foi um
dos grandes pontos polêmicos acerca da mediação, havendo muitas vozes
que entendem que a imposição da tentativa de mediação revela-se de todo
incompatível com o espírito da mediação. Ponderemos. A obrigatoriedade de
comparecimento à audiência preliminar já vem prevista na legislação processual
trabalhista e na legislação dos juizados especiais brasileiras desde a sua
criação, sendo certo que o índice de acordos nestas duas searas do Judiciário
é enormemente superior ao índice de acordos nos processos cíveis em que o
acordo é possível, mas não existe obrigatoriedade da tentativa. Por outro lado,
se se deseja implementar a mediação em larga escala, não se pode esperar que
uns poucos demandantes de boa vontade se disponham a comparecer para a
audiência de mediação e passem a relatar sua boa experiência às pessoas em
geral para que então aumentem os índices de comparecimento. Infelizmente,
temos uma maioria da população pouquíssimo educada, com limitações
no discernimento e conhecimentos necessários para sopesar o custo de um
comparecimento a uma audiência com os benefícios de uma possível solução
através da mediação. As pessoas costumam raciocinar apenas a curto prazo e
concentrar-se no incômodo de ter que comparecer e, ainda por cima, encontrar
o adversário com quem já desistiram de dialogar a partir do momento em que
decidiram recorrer ao Judiciário. Não sabem como funciona a mediação, e, com
exceção dos litigantes habituais, tampouco conhecem (até se verem envolvidas
como partes) a alternativa tradicional de solução de litígios: o processo judicial.
Ignoram quanto tempo costuma demorar, quais as etapas, quais os critérios
de julgamento em um processo judicial. Fica claro, assim, que, normalmente,
não estão em condições de ponderar as vantagens e desvantagens da tentativa
de mediação. Pode parecer paternalista, mas temos que considerar a nossa
realidade social. O importante é que, ao comparecerem, as pessoas sejam
tratadas de acordo com suas necessidades e seja realizada uma tentativa de
mediação efetivamente capaz de propiciar a solução definitiva daquele conflito.
No entanto, para que uma estrutura de obrigatoriedade como essa possa ser
implementada, é evidente que precisamos contar com quadros de mediadores
capacitados em número suficiente — o que certamente é uma realidade ainda
inexistente no Brasil.
É interessante mencionar a experiência norte-americana neste sentido,
pois, nos EUA, não existe uma regra que obrigue de antemão a submeter
determinados conflitos à mediação, mas sim a possibilidade de que o juiz, no
caso concreto, remeta as partes a um meio alternativo de resolução de litígios,
se entender que esse método é o mais apropriado para manejar o caso delas.46
Essa análise casuística, que toma em conta a especificidade de cada conflito,

45 Artigo 30, § 5º (mediação prévia), e artigo 37, § 4º (mediação incidental).


46 Segundo Edward P. Davis apud Delagado (2003, p. 25): “A forma mais aceita de ADR [Alter-
native Dispute Resolution = meio alternativo de resolução de conflitos] em quase todo o país é
uma forma de mediação, que é a chave entre gerenciamento de caso e mediação. É o resultado
do gerenciamento de caso, quando o juiz assume o controle do caso e diz, geralmente no início
do caso, ‘Litigantes, vocês têm de escolher um ADR. Eu não posso forçá-los a resolver o caso,
mas vocês devem empregar algum meio alternativo de resolução de litígios’. E o mecanismo
escolhido pela grande maioria dos litigantes nos Estados Unidos é a mediação”.

56
Luciane Moessa de Souza

aliada ao fato de que naquele país a produção de provas é toda realizada


numa fase preparatória, que antecede a propositura do litígio — o que faz com
que o resultado de um eventual julgamento seja bastante previsível — torna
a possibilidade de acordo bastante grande, de modo que a maior parte dos
conflitos acabam sendo resolvidos desta maneira.
O PLS 517/2011 adotava orientação diametralmente oposta à do PLC
4827/1998, optando claramente pela facultatividade, como se verificava em
seus artigos 3º, inciso III (voluntariedade em participar da mediação como um
dos princípios básicos da mediação), e 8º., parágrafos 1º. e 2º. Temperando um
pouco esta facultatividade, dispunha o artigo 12 que:
O juiz deverá recomendar a mediação judicial, preferencialmente, em conflitos nos quais
haja necessidade de preservação ou recomposição de vínculo interpessoal ou social, ou
quando as decisões das partes operem consequências relevantes sobre terceiros.

Já a legislação que resultou do PLS 517/2011 e dos outros dois projetos


de lei apresentados no Senado (405 e 434/2013) optou pela obrigatoriedade
da mediação extrajudicial quando houver cláusula contratual nesse sentido,
deixando de disciplinar o tema quanto à mediação judicial, como se vê do seu
artigo 2º.:

§ 1º. Na hipótese de existir previsão contratual de cláusula de mediação, as partes deverão


comparecer à primeira reunião de mediação.
§ 2º. Ninguém será obrigado a permanecer em procedimento de mediação. (grifei) 47

Quanto à mediação extrajudicial, optou-se por sancionar claramente o


desrespeito a eventual cláusula compromissória preexistente na qual se fazia
a opção pela mediação em contrato livremente firmado entre as partes – uma
concepção inteligente e apropriada ao verdadeiro sentido de obrigatoriedade. É
o que se depreende da redação de alguns dispositivos constantes dos artigos 21
a 23 (grifei as previsões de penalidades):

Art. 21. O convite para iniciar o procedimento de mediação extrajudicial poderá ser
feito por qualquer meio de comunicação e deverá estipular o escopo proposto para a
negociação, a data e o local da primeira reunião.
[...]
Art. 22. A previsão contratual de mediação deverá conter, no mínimo:
I – prazo mínimo e máximo para realização da primeira reunião de mediação, contado a
partir da data de recebimento do convite;
II – local da primeira reunião de mediação;
III – critérios de escolha do mediador ou equipe de mediação;
IV – penalidade em caso de não comparecimento da parte convidade à primeira
reunião de mediação.
§1º. A previsão contratual pode substituir a especificação dos itens acima enumerados
pela indicação de regulamento, publicado por instituição idônea prestadora de serviços
de mediação, no qual constem critérios claros para a escolha do mediador e realização da
primeira reunião de mediação.
§2º. Não havendo previsão contratual completa, deverão ser observados os seguintes
critérios para a realização da primeira reunião de mediação:
I – prazo mínimo de dez dias úteis e prazo máximo de três meses, contados a partir do
recebimento do convite;

47 No mesmo sentido dispõe o art. 18 da nova lei: “Iniciada a mediação, as reuniões posteriores
com a presença das partes somente poderão ser marcadas com a sua anuência.”

57
Mediação, acesso à justiça e desenvolvimento institucional

II – local adequado a uma reunião que possa envolver informações confidenciais;


III – lista de cinco nomes, informações de contato e referências profissionais de mediadores
capacitados; a parte convidada poderá escolher, expressamente, qualquer um dos cinco
mediadores e, caso a parte convidada não se manifeste, considerar-se-á aceito o primeiro
nome da lista;
IV – o não comparecimento da parte convidada à primeira reunião de mediação
acarretará a assunção por parte desta de cinquenta por cento das custas e
honorários sucumbenciais caso venha a ser vencedora em procedimento arbitral
ou judicial posterior, que envolva o escopo da mediação para a qual foi convidada.
[...]
Art. 23. Se, em previsão contratual de cláusula de mediação, as partes se comprometerem
a não iniciar procedimento arbitral ou processo judicial durante certo prazo ou até o
implemento de determinada condição, o árbitro ou o juiz suspenderá o curso da
arbitragem ou da ação pelo prazo previamente acordado ou até o implemento
dessa condição.
Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica às medidas de urgência em que o
acesso ao Poder Judiciário seja necessário para evitar o perecimento de direito.

No PLC 4827/1998, existia também uma distinção quanto ao momento


em que se realiza a mediação, em mediação prévia e mediação incidental. Poder-
se-ia falar, em realidade, em mediação voluntária — pois a voluntariedade é o
que caracteriza a mediação prévia, à qual a parte recorreria antes mesmo de
ajuizar qualquer ação, mas que produz os mesmos resultados do ajuizamento
de uma ação, para efeitos de prescrição — e em mediação obrigatória — pois
a obrigatoriedade é o que, nos termos do projeto, caracterizaria a mediação
incidental, a ser intentada logo após o ajuizamento de uma ação de conhecimento
na área cível (exceto se já tivesse sido tentada a mediação prévia). O PLS
517/2011 mantinha esta mesma terminologia, ao passo que a Resolução do CNJ
125/2010 prefere falar em mediação pré-processual e mediação processual. O
novo CPC trata apenas desta última. Já a Lei 13.140, de 26 de junho de 2015,
preferiu, de forma bastante didática, distinguir apenas entre mediação judicial e
mediação extrajudicial. Alguns profissionais da área, entretanto, sentiram falta
da diferenciação entre essa tentativa prévia de mediação quando o conflito já
chegou à esfera do Judiciário, mas ainda não foi distribuída a ação – a chamada
mediação pré-processual.
O PLC 4827/1998 distinguia ainda entre mediação judicial e mediação
extrajudicial, sendo a primeira feita por advogados e a segunda por outros
profissionais. A terminologia era bastante inadequada, já que deixa a impressão
de que a mediação judicial seria aquela feita em juízo e a extrajudicial a feita
fora do Judiciário (exatamente a concepção adotada pela nova lei). Na realidade,
no Brasil, tanto a mediação feita em juízo (seja prévia, seja incidental, vale
dizer, antes ou depois de iniciado o processo) quanto aquela feita por entidades
especializadas (seja prévia, seja incidental) podem ser feitas por advogados ou
por outros profissionais, ao contrário do que ocorre na Argentina, por exemplo,
em que somente aqueles podem fazê-la.48 Vale mencionar, contudo, que, nos
termos do projeto em questão, quando a mediação prévia fosse feita em juízo e as
partes optassem pelo sorteio (e não pela escolha consensual do mediador), este
sorteio seria feito dentre os mediadores judiciais, ou seja, dentre os advogados

48 A legislação argentina prevê que o mediador deve ser advogado com pelo menos três anos de
experiência profissional. O mediador pode ser escolhido diretamente pelas partes ou mediante
sorteio dentre os mediadores cadastrados.

58
Luciane Moessa de Souza

cadastrados como mediadores.49 Uma terminologia mais adequada talvez fosse


“mediação jurídica” (ou advocatícia”) para a primeira e “mediação por equidade”
(ou “extra-jurídica”)para a segunda. De todo modo, esta reserva da atividade de
mediação para advogados, que também constava da versão original do projeto
de novo CPC, sempre foi extremamente criticada – e com toda razão. Voltarei
a tratar do tema no artigo sobre diretrizes éticas, capacitação e supervisão da
atuação de mediadores e conciliadores.
O PLS 517/2011 não entrava nesta questão da qualificação profissional de
mediadores, exigindo apenas que fossem capacitados, e já utilizavaos termos
mediação judicial para a mediação realizada em juízo e mediação extrajudicial
para aquela que se realize no âmbito privado (artigo 6º.). Note-se que o projeto
em referência admitia a mediação extrajudicial inclusive quando já houvesse
processo judicial em curso, ou seja, mediação extrajudicial incidental. Também
admitia a mediação judicial mesmo quando não exista processo judicial em
curso (artigo 5º.). O mesmo projeto trazia regras específicas para a mediação
judicial e a extrajudicial, inclusive dispondo sobre a forma de instituição e a
forma de escolha do mediador nesta última (artigos 14 a 19), bem como sobre
o procedimento respectivo, a ser previsto no regulamento de cada entidade
(artigo 20). Essas distinções todas, infelizmente, não foram mantidas na
redação final da lei.
O que o PL em questão não tratava era da mediação realizada no âmbito
do Poder Executivo, no curso, por exemplo, de processo administrativo, e que
poderia ser chamada de mediação administrativa. O tema veio a ser (mal)tratado
pela Lei 13.140, de 26 de junho de 2015. Já a Resolução 125/2010 do CNJ
nada dispõe acerca da mediação extrajudicial (muito embora seja plenamente
possível que as partes por esta optem mesmo no curso de um processo judicial).
Indo além da questão normativa, deve-se fazer referência, por fim, às
diferentes concepções que embasam a ideia de mediação, que se distinguem,
basicamente, em duas vertentes:
a) aquela que vê a mediação apenas como a técnica voltada à
obtenção de um acordo, encerrando assim o conflito (caso em que ela
muito se assemelha à conciliação); e
b) aquela que concebe a mediação como técnica que, a par de
possibilitar a solução do conflito, deve possibilitar às partes que
aprendam com ele a se relacionar melhor, superando as posturas que
levaram ao surgimento daquele conflito e evitando, assim, que venham
a se envolver em novos conflitos da mesma natureza.

Relata Rosemary Padilha (2004, p. 67):


SUARES (1997, p. 58-63) cita três modelos de mediação nos Estados Unidos, provenientes de
diferentes epistemologias: o Modelo Tradicional Linear de Harvard, o Modelo Transformativo
de Bush e Folger e o Modelo Circular-Narrativo de Sara Cobb. A autora considera que
existem diferenças fundamentais entre o modelo de Harvard e os outros dois quanto à

49 Dispunha o artigo 30, caput, do projeto: “O interessado poderá optar pela mediação prévia
judicial”. Mais adiante, o § 1º estabelecia: “Distribuído ao mediador, o requerimento ser-lhe-á en-
caminhado imediatamente”. E o § 4º do mesmo artigo previa: “Os interessados, de comum acordo,
poderão escolher outro mediador, judicial ou extrajudicial”.

59
Mediação, acesso à justiça e desenvolvimento institucional

conceitualização da comunicação e a meta do processo. Enquanto a escola de Harvard tem


como meta o acordo, a transformativa busca a transformação da relação entre as partes
envolvidas na disputa e a Circular-Narrativa foca tanto no acordo quanto nas relações.

O PLC 4827/1998 acolhia implicitamente a orientação que vê na mediação


um método para que as próprias partes aprendam a administrar seus conflitos,
já que proibia expressamente que o mediador fizesse uma proposta específica
de acordo para as partes.50 Como resquício dessa concepção mais tradicional, o
novo Código de Processo Civil brasileiro dispõe, em seu artigo 165:
§ 1º. O conciliador, que atuará preferencialmente nos casos em que houver vínculo
anterior entre as partes, poderá sugerir soluções para o litígio, sendo vedada a utilização
de qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem.
§ 2º. O mediador, que atuará preferencialmente nos casos em que houver vínculo anterior
entre as partes, auxiliará aos interessados a compreender as questões e os interesses em
conflito, de modo que eles possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar,
por si próprios, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos.

O PL 7169/2014 estabelece caber ao mediador conduzir “o procedimento


de comunicação entre as partes, buscando o entendimento e o consenso e
facilitando a resolução do conflito”, deixando claro que ele não protagoniza a
construção do acordo, mas sem assumir uma postura dogmática que impeça o
mediador de colocar propostas na mesa para serem discutidas entre as partes.
Minha opinião é que conciliação e mediação somente devem ser diferenciadas
quanto ao escopo ou enfoque, não quanto ao procedimento do terceiro imparcial
- o qual, desde que respeite os princípios éticos aplicáveis, se caracteriza pela
flexibilidade. Entender que uma mediação se transforma em conciliação apenas
porque o terceiro formula eventual proposta de solução do conflito é uma visão
extremamente rasa e que ignora a diferença de essência entre as duas técnicas:
a primeira (mediação), trabalhando todo o contexto subjacente ao conflito e
com caráter altamente pedagógico; a segunda (conciliação), trabalhando em um
nível superficial, com objetivo claro de solucionar o problema da forma que ele
foi inicialmente desenhado.

4.3 Quem pode ser mediador


Na Colômbia, a conciliação pode ser levada a cabo por determinadas
classes de funcionários públicos ou por conciliadores de centros de conciliação
privados (estas duas categorias deverão ser devidamente treinadas), por notários
(titulares de cartórios extrajudiciais) e, ainda, por advogados. Em nenhum caso,
porém, exige-se um tempo mínimo de experiência profissional. Somente os
advogados podem conciliar baseados no direito, ao passo que todos os demais
podem conciliar com base na equidade.
No Brasil, o PLC 4827/1988 previa a mediação feita por advogados com
pelo menos três anos de atuação profissional ou por profissionais de outras
áreas, mas todos eles devem ser previamente capacitados em mediação ou ter

50 Dispõe o artigo 24 do projeto: “Considera-se conduta inadequada do mediador ou do co-me-


diador a sugestão ou recomendação acerca do mérito ou quanto aos termos da resolução do con-
flito, assessoramento, inclusive legal, ou aconselhamento, bem como qualquer forma explícita ou
implícita de coerção para a obtenção de acordo”.

60
Luciane Moessa de Souza

“experiência prática adequada à natureza do conflito”,51 todos eles devidamente


inscritos nos Registros de Mediadores que funcionarão junto à OAB e ao Tribunal
de Justiça.52 O projeto não deixava claro se o Poder Público deveria contratar
mediadores ou se a atividade seria prestada majoritariamente por entidades
da sociedade civil. Já o novo Código de Processo Civil prevê que os mediado-
res, conciliadores e câmaras privadas de conciliação e mediação que atuarem
em processos judiciais sejam devidamente capacitados e inscritos em cadastro
nacional e cadastros mantidos por cada Tribunal de Justiça e Tribunal Regional
Federal (artigo 167), sendo o principal requisito para credenciamento a capaci-
tação mínima realizada junto a entidade credenciada. Registre-se, também, que
o CPC deixa claro que os tribunais poderão optar pela criação de quadro próprio
de mediadores e conciliadores, a ser preenchido por concurso público de provas
e títulos (artigo 167, parágrafo 6º.).
A Lei 13.140, de 26 de junho de 2015, admite que atue como mediador
extrajudicial “qualquer pessoa capaz, que tenha a confiança das partes e seja
capacitada para fazer mediação, independentemente de integrar qualquer tipo
de conselho, entidade de classe ou associação, ou nele inscrever-se” (artigo 9º. –
grifei). Já o mediador judicial deve ser “pessoa capaz, graduada há pelo menos
dois anos em curso superior e que tenha recebido capacitação em curso reco-
nhecido pela Escola Nacional de Formação de Magistrados – ENFAM, observados
os requisitos mínimos estabelecidos pelo Conselho Nacional de Justiça, em con-
junto com o Ministério da Justiça” (art. 11).
Quanto à escolha do terceiro, no que concerne à mediação ou conciliação
realizada no curso de um processo judicial, o novo CPC estipula:

Artigo 168. As partes podem escolher, de comum acordo, o conciliador, o mediador ou a


câmara privada de conciliação e mediação.
§ 1o. O conciliador ou mediador escolhido pelas partes poderá ou não estar cadastrado
no tribunal.
§ 2o.. Inexistindo acordo quanto à escolha do conciliador ou mediador, haverá distribuição
entre aqueles inscritos no registro do tribunal, observada a respectiva formação.

Já que a escolha do mediador ou conciliador é sempre a primeira alterna-


tiva, ressalta-se a importância das regras contidas no artigo 167 do novo CPC
a respeito da experiência e desempenho dos mediadores e conciliadores cadas-
trados:
§ 3o. Do credenciamento das câmaras e do cadastro de conciliadores e mediadores cons-
tarão todos os dados relevantes para a sua atuação, tais como o número de processos de
que participou, o sucesso ou o insucesso da atividade, a matéria sobre a qual versou a
controvérsia, bem como quaisquer outros dados que o tribunal julgar relevantes.
§ 4o. Os dados colhidos na forma do § 3o. serão classificados sistematicamente pelo tri-
bunal, que os publicará, ao menos anualmente, para conhecimento da população e para

51 Estabelecia o artigo 9º: “Pode ser mediador qualquer pessoa capaz, de conduta ilibada e com
formação técnica ou experiência prática adequada à natureza do conflito, nos termos desta lei”.
52 Veja-se o texto do projeto:
“Artigo 11. São mediadores judiciais os advogados com pelo menos três anos de efetivo exercício
de atividades jurídicas, capacitados, selecionados e inscritos no Registro de Mediadores, na forma
desta lei.
Artigo 12. São mediadores extrajudiciais aqueles independentes, selecionados e inscritos no res-
pectivo Registro de Mediadores, na forma desta lei.”

61
Mediação, acesso à justiça e desenvolvimento institucional

fins estatísticos e de avaliação da conciliação, da mediação, das câmaras privadas de


conciliação e de mediação, dos conciliadores e dos mediadores.

A exemplo do que ocorre em outros países, a atividade de mediação


no Brasil tanto será prestada no seio do Judiciário como por mediadores
independentes ou entidades com ou sem fins lucrativos que se dediquem
à atividade – desde que estes últimos sejam cadastrados perante os entes
públicos competentes. As experiências de mediação, na prática brasileira, já
vêm se desenvolvendo, em diversos Estados, seja dentro de órgãos judiciários,
seja através de centros de mediação privados, com predominância, porém,
dos primeiros. A qualidade da capacitação varia bastante, tendo sofrido, na
esfera judicial, algum impulso a partir da vigência da Resolução CNJ 125/2010,
que trouxe um conteúdo e carga horária mínimos para capacitação - ainda
passível de aprimoramento. Volto a tratar do assunto no artigo específico
sobre diretrizes éticas, capacitação e supervisão da atuação de mediadores
e conciliadores.

4.4 Fiscalização das atividades de mediação


Na Argentina, o Registro de Mediadores é de responsabilidade do
Ministério da Justiça. Além disso, funciona uma Comissão de Seleção e
Fiscalização dos Mediadores, constituída por representantes dos Poderes
Executivo, Legislativo e Judiciário.
De acordo com o PLC 4827/1998, a OAB ficaria encarregada de exercer
a fiscalização da conduta dos mediadores judiciais (advogados), ao passo
que aos Tribunais de Justiça é incumbida a tarefa de fiscalizar os mediadores
extrajudiciais (demais profissionais capacitados em mediação).53 Também
atuaria como fiscal, no caso da mediação incidental, o juiz da causa, que
pode afastar o mediador e comunicar a irregularidade por ele praticada à OAB
ou ao Tribunal de Justiça, conforme o caso. Entretanto, como já foi dito, estes
dispositivos padecem de inconstitucionalidade formal.
Como visto acima, o novo CPC determina que os tribunais mantenham
um cadastro de conciliadores e mediadores a serem utilizados na mediação
ou conciliação realizada no curso de processo judicial. Determina também
que seja realizada uma avaliação da atuação de mediadores e conciliadores.
A Resolução CNJ 125/2010 estabelece, em seu artigo 9o., que a
supervisão da atuação de mediadores e conciliadores compete aos centros
judiciários de solução de conflitos e cidadania (os quais são subordinados
aos núcleos permanentes de métodos consensuais de solução de conflitos,
que ela determinou fossem criados em cada um dos tribunais brasileiros).
Ela também traz um Código de Ética cujas diretrizes devem nortear esta
supervisão.
O novo CPC, no mesmo compasso da Resolução do CNJ, estipula causas
para exclusão do registro de mediadores e conciliadores, a serem apuradas
em processo administrativo: I – atuação com dolo ou culpa em procedimento

53 Conforme artigos 18 e 19 do projeto.

62
Luciane Moessa de Souza

de mediação ou conciliação; II – violação dos princípios da mediação ou


conciliação; III – atuação em procedimento de mediação ou conciliação em
situação de impedimento ou suspeição (art 173). Está previsto o afastamento
temporário do mediador ou conciliador de suas atividades, por decisão do
juiz do processo ou coordenador do centro de conciliação e mediação, por
até 180 dias, no curso do processo administrativo (parágrafo 2º.).
No artigo que escrevi e que consta mais adiante nesta obra, eu me
aprofundo no tema da supervisão da atuação de mediadores, sobretudo à luz
da experiência estadunidense de algumas décadas.

4.5 Prazo para realização da mediação e tutela de urgência


Na Argentina, o prazo para concluir a tentativa de mediação é de 90
dias a contar do registro da reclamação e de 30 dias quando se tratar de
processo de execução. Na Colômbia, o prazo é também de 90 dias a contar
do registro da solicitação de conciliação.
No PLC 4827/1998, o prazo previsto é de 90 dias a contar do
requerimento da mediação, sendo ela prévia.54 No caso da mediação incidental,
não está claro no projeto qual o termo inicial do prazo.
A Lei 13.140, de 26 de junho de 2015, não estipula prazo para a
mediação extrajudicial, apenas para a judicial, de 60 dias, dispondo que as
partes, de comum acordo, podem requerer a sua prorrogação (artigo 28).
No que diz respeito à competência para conceder tutela de urgência,
o PLS 517/2011, de forma inovadora, contava com uma previsão a respeito,
incluída a partir de uma provocação minha aos três colegas que assessora-
ram o parlamentar na redação do anteprojeto55, em seu artigo 8º., que trata,
a partir do quarto parágrafo, da suspensão do processo judicial em razão da
instauração de mediação:
§ 6º. Durante o prazo de suspensão, o juiz pode conceder medidas de urgência, na
forma estabelecida pelo Código de Processo Civil.

Ressalto, porém, que minha sugestão incluía a previsão de que, haven-


do uma mediação em curso, fosse tentada em primeiro lugar a composição
amigável também no que concerne a medidas de urgência.
Na mesma linha, a Lei 13.140, de 2015, dispõe que apenas que a
suspensão de processo judicial ou arbitral em curso, em razão da instala-
ção de mediação, não obsta a concessão de medidas de urgência pelo juiz
ou pelo árbitro (artigo 16, § 2º.) – infelizmente, nada dispôs, portanto,
acerca de uma tentativa prévia de composição amigável também no que
concerne a questões urgentes, que não podem aguardar o desenrolar da
negociação.

54 Artigo 29, parágrafo único, do projeto.


55 Mediadora Gabriela Asmar, Professor Humberto Dalla Bernardina de Pinho e magistrada Trícia
Navarro.

63
Mediação, acesso à justiça e desenvolvimento institucional

4.6 Incompatibilidades com a função de mediador


O assunto, que visa garantir a imparcialidade do mediador ou do concilia-
dor, é tratado nas legislações argentina e colombiana.
No Brasil, foi tratado pelo PLC 4827/1998 (arts. 21 e 23), e pelo novo CPC
(arts. 167, § 5º., 170 e 172), tendo sido tratado de forma algo tímida pelo PLS
517/2011 (artigo 4º, §§ 1º. e 2º.). A Resolução CNJ 125/2010 também trata do
assunto (artigo 7º. do Código de Ética anexo à resolução). A Lei 13.140, de
2015, tratou do tema nos artigos 5º., 6º. e 7º.
Exponho e me posiciono acerca do conteúdo de tais normas e propostas
normativas no artigo que escrevi especificamente sobre diretrizes éticas na
atuação de mediadores e conciliadores, mais adiante nesta mesma obra, no item
que trata da imparcialidade.

4.7 A figura do co-mediador


A legislação colombiana sobre conciliação prevê que os estudantes do
último ano de Psicologia, Serviço Social, Psicopedagogia e Comunicação Social
poderão realizar seus estágios em centros de conciliação, apoiando o trabalho
do conciliador e o desenrolar das audiências. As legislações estadunidense e
argentina sobre mediação, em geral, não tratam do assunto, muito embora a co-
mediação seja bastante utilizada nos dois países.

O PLC 4827/1998 já previa a figura da co-mediação, sempre que fosse
recomendável pela natureza ou complexidade do conflito, a qual deverá ser realizada
por profissional especializado na área de conhecimento a que concerne o litígio (artigos
16, caput e 33 do projeto), podendo ser requerida por qualquer dos interessados ou
pelo próprio mediador (artigo 16, § 2º.). Estava prevista ainda a figura da co-mediação
obrigatória nas controvérsias “que versem sobre o estado da pessoa e direito de família”,
casos em que o co-mediador deveria ser um psiquiatra, psicólogo ou assistente social
(artigo 16, § 1º.). A previsão merece aplauso. O PLS 517/2011 não tratava do assunto.
Já Lei 13.140, de 26 de junho de 2015, resultante, como visto, da fusão
do anteprojeto elaborado em 2013 pela Comissão do Ministério da Justiça
com o PL 517/2011 também consagrou expressamente a possibilidade de co-
mediação, mediante “requerimento das partes ou do mediador [...] quando isso
for recomendável em razão da natureza e da complexidade do conflito” (art. 15).
No que pertine aos conflitos de dimensão coletiva, é bastante comum,
nos países que utilizam a mediação, a utilização de ao menos dois mediadores,
em especial quando o grupo de participantes envolve grande número de
pessoas ou as questões envolvidas no conflito possam se beneficiar da atuação
de mediadores com formações distintas.

4.8 A participação do advogado na mediação


A legislação argentina prevê que a assistência do advogado é obrigatória.
A legislação colombiana prevê como facultativa a participação do procurador na
audiência de conciliação.
O PLC 4827/1998, por seu turno, estabelecia, de forma bastante obscura,

64
Luciane Moessa de Souza

que “a cientificação ao requerido conterá a recomendação de que deverá


comparecer à sessão acompanhado de advogado, quando a presença deste
for indispensável”.56 Mais adiante, dispunha que “a intimação deverá conter a
recomendação de que as partes deverão se fazer acompanhar de advogados,
quando indispensável a assistência judiciária”.57 Ora, não existe legislação dispondo
sobre a indispensabilidade da presença do advogado na mediação! O projeto, de
forma dissimulada, simplesmente deixava o assunto em aberto, o que representa
uma grande dificuldade prática na implementação do mesmo, já que aindaexiste
grande desconhecimento e, portanto, resistência quanto à implementação de meios
alternativos de resolução de litígios entre boa parte dos advogados.
O PLS 517/2011 seguia o exemplo da Lei 9.307/1996 (Lei da Arbitragem)
e dispunha que, nos processos de mediação, “as partes poderão ser assistidas
por advogados” (artigo 4º., § 3º.), e, mais adiante, no artigo 10, detalhava:
Parágrafo único. Durante as sessões de mediação judicial, as partes podem comparecer
com ou sem advogado. Deve ser solicitado defensor público ou advogado dativo para
aquela que o requerer.

A Lei 13.140, de 26 de junho de 2015, veio a prever, de forma adequada


para a tomada de decisões consensuais em caráter definitivo, que a participação
do advogado é obrigatória na mediação judicial, ressalvados os procedimentos
de competência dos Juizados Especiais (art. 26), assegurada a assistência da
Defensoria Pública no caso dos hipossuficientes. Resta agora a tarefa de educar os
advogados, públicos e privados, a respeito da importância do alcance de soluções
consensuais para as partes que eles representam – e qual o relevante papel nesse
procedimento.

4.9 O conteúdo do acordo


O PLS 517/2011 trazia, em seu artigo 23, um conteúdo mínimo para o
termo de acordo ou de mediação sem acordo obtido na mediação, qual seja:

I. identificação das partes;


II. domicílio das partes nas quais receberam notificação das reuniões de mediação;
III. comparecimento ou não do requerido e de terceiros notificados na forma desta lei ou
não localizados no endereço informado;
IV. objeto da controvérsia;
V. se houve acordo total ou parcial, ou não;
VI. assinatura das partes, de seus advogados e do mediador;
VII. habilitação do mediador, na forma da lei.

O anteprojeto elaborado pela Comissão de especialistas nomeados pelo


Ministério da Justiça trazia previsão semelhante, acrescentando a qualificação de
procuradores e prepostos e a data e local, e excluindo a habilitação do mediador
(artigo 24).
Já o PLS 405/2013, que tratou da mediação extrajudicial, previa apenas
que constasse a qualificação das partes e o resumo do conflito, os termos do

56 Artigo 30, § 3º, do projeto.


57 Artigo 37, §1º, do projeto.

65
Mediação, acesso à justiça e desenvolvimento institucional

acordo ou declaração de tentativa infrutífera, data e local (artigo 22).


Lamentavelmente, a Lei 13.140, de 26 de junho de 2015, não trouxe
qualquer previsão de conteúdo para o termo de acordo resultante da mediação.
Não resta a menor dúvida de que que o mais adequado seria estabelecer um
conteúdo mínimo para os termos de acordo, abrangendo:
a) descrição clara das obrigações pactuadas e/ou das declarações/
reconhecimentos obtidos;
b) prazo específico para cumprimento das obrigações, quando for
o caso;
c) sanções para eventual descumprimento de cada uma das
obrigações estipuladas;
d) previsão de recurso à mediação em caso de nova dificuldade de
diálogo no futuro.
No caso de conflito envolvendo o Poder Público, seria necessário ainda fazer
constar expressamente a motivação fática e jurídica do acordo, que servirá de critério
seja para a homologação judicial, seja para a aferição da legalidade e legitimidade
do ato pelos órgãos de controle. Cabe ressaltar que existe grande receio de fraudes
nos acordos envolvendo o Poder Público, razão pela qual a fundamentação se
reveste de fundamental relevância, já que somente através dela se dá transparência
ao processo e se garante que o acordo celebrado é aquele que melhor atende aos
interesses legítimos (e não de outra natureza) envolvidos no conflito.

4.10 Eficácia do acordo


Por fim, é importante salientar a diferença de eficácia entre a mediação que
passe ou não pela homologação de um juiz. Lamentavelmente, diversamente do que
estabeleceu o legislador em relação à arbitragem, o PLC 4827/1998 prevê que o
termo de mediação (de onde constará o acordo obtido) somente terá eficácia de título
executivo judicial (equivalente a uma sentença judicial definitiva, portanto) quando
homologado pelo juiz competente. Nos demais casos, terá eficácia de título executivo
extrajudicial (como qualquer contrato particular assinado por duas testemunhas...).58
Já o PLS 517/2011, trilhando um outro caminho, também distinguia entre
os efeitos do acordo firmado na mediação judicial e extrajudicial, mas, em ambos
os casos, acaba por conferir maior eficácia jurídica ao mesmo.
Quanto ao acordo judicial, dispunha:
Artigo 24. O termo de acordo obtido em mediação judicial ou em mediação extrajudicial
incidental deverá ser necessariamente homologado pelo magistrado para que possa
produzir seus efeitos processuais.
§ 1º. O juiz ouvirá o Ministério Público sobre o termo de acordo, nas hipóteses de sua
intervenção como fiscal da ordem jurídica.
§ 2º. O juiz apenas homologará os acordos que estejam em harmonia com o ordenamento
jurídico pátrio e que não violem direitos indisponíveis.
§ 3º. A decisão de não homologação é irrecorrível. Contudo, a matéria não preclui e pode
ser suscitada por ocasião de recurso.
§ 4º. A homologação importa em extinção do processo com resolução de mérito e só
poderá ser objeto de recurso caso seja alegado e provado vício de consentimento ou
ilicitude do objeto.
§ 5º. É lícito às partes renunciar ao prazo recursal no próprio termo de acordo.

58 Cf. artigos 7º e 8º do projeto.

66
Luciane Moessa de Souza

Ou seja, para proporcionar segurança jurídica e eficácia jurídica máxima


aos acordos obtidos pela via da mediação, no caso de conflitos judicializados,
determina-se que todos eles sejam devidamente homologados – solução que,
sem dúvida, seria bastante apropriada, sob o prisma da segurança jurídica, para
as partes envolvidas no conflito.
Já no caso dos conflitos não judicializados, a regra era outra:

Artigo 21. O termo do acordo obtido em mediação extrajudicial prévia equipara-se a título
executivo judicial desde que o mediador que assina o termo de acordo seja reconhecido
por instituição idônea, que atenda aos requisitos do Conselho Nacional de Justiça e do
Tribunal de Justiça do Estado em que exerça a mediação extrajudicial.

Assim, também o acordo firmado na mediação extrajudicial, desde


que preenchesse requisitos mínimos atinentes ao controle da qualificação e
supervisão da atividade do mediador, adquiriria eficácia jurídica de título judicial
- portanto, definitivo.
Já o anteprojeto elaborado em 2013 pela Comissão de especialistas nomeada
pelo Ministério da Justiça consagrava critério distinto – e bastante interessante:
sempre que o conflito envolver direitos indisponíveis, mesmo que se trate de
mediação extrajudicial, deverá ser submetido à homologação judicial. No caso dos
demais conflitos, se houver homologação (para que haja, bastará solicitação das
partes), terá eficácia de título executivo judicial; se não houver, será título executivo
extrajudicial (artigo 25). Idêntico critério foi previsto pelo artigo 23 do PLS 405/2013.
A redação final da Lei 13.140, de 26 de junho de 2015, na mesma linha,
previu a eficácia de título executivo judicial para o acordo homologado em
juízo e de título executivo extrajudicial para o que não for homologado (art.
20, parágrafo único), exigindo a homologação judicial (assim como a oitiva do
Ministério Público) para os conflitos envolvendo direitos indisponíveis, sem fazer
distinção caso o acordo seja celebrado na esfera extrajudicial (art. 3º., § 2º.).

4.11 Suspensão da prescrição


O anteprojeto elaborado pela Comissão nomeada pelo Ministério da
Justiça previu expressamente que a instauração do procedimento de mediação
judicial suspende o curso da prescrição (artigo 26). O PLS 405/2013 previu regra
semelhante quanto à mediação extrajudicial (artigo 8º, parágrafo 2º).
A previsão foi mantida na redação final da Lei 13.140, de 26 de junho
de 2015 (art. 17, parágrafo único), sendo válida tanto para a mediação judicial,
quanto para a extrajudicial.

5 Medidas necessárias para viabilizar a mediação no Brasil

5.1 As mudanças na cultura dos operadores jurídicos


Qualquer estudante ou Bacharel em Direito no Brasil sabe que temos —
e sempre tivemos — uma formação jurídica baseada na cultura do litígio. Não
somos capacitados para a solução pacífica ou democrática de controvérsias.

67
Mediação, acesso à justiça e desenvolvimento institucional

Quando se usa o termo “pacífica”, aqui, se quer enfatizar que a solução judicial
não deixa de ser, como se sabe, uma solução violenta, a violência monopolizada
e institucionalizada pelo Estado. Trata-se sempre de uma solução autoritária, já
que imposta e não resultante da vontade das partes.
Nós, operadores jurídicos, somos formados predominantemente para litigar,
temos a cultura adversarial, do enfrentamento, não somos treinados para ouvir, para
dialogar, para identificar as prioridades e os reais interesses. Somos acostumados a
pensar que, necessariamente, alguém vai ganhar e alguém vai perder.
Naturalmente, esta não é a cultura da mediação. O advogado que resolver
se dedicar a esta atividade terá que rever seus paradigmas, suas técnicas e
passar por profunda transformação profissional e quiçá pessoal.
E aqueles que não resolverem se dedicar a esta atividade terão a obrigação ética
de explicar aos seus clientes que existe essa possibilidade de resolução de conflitos,
como ela funciona, quais as suas vantagens, bem assim de orientá-los e assisti-los,
colaborando com eles e com os mediadores, durante o processo de mediação.
Para que a atividade efetivamente se expanda e produza os frutos que a
população brasileira, tão carente de justiça, necessita, será preciso, ainda, que seja
revisto o currículo mínimo dos cursos jurídicos, incluindo-se estas temáticas como
conteúdo obrigatório, a nível teórico e prático. Naturalmente, depende também de
nós, sobretudo os professores de Direito e operadores jurídicos, procurar nos inteirar
desse novo assunto e contribuir para a realização dos seus objetivos, já que é nosso
dever contribuir — seja implementando, seja criticando e aperfeiçoando a proposta
— com a realização de mecanismos mais eficazes de acesso à resolução de conflitos.
Registre-se que o PLS 405/2013 previa que o Ministério da Educação
deveria incentivar as instituições de ensino superior a incluírem em seus
currículos a disciplina de “mediação como método extrajudicial consensual de
prevenção e resolução de conflitos”. Desnecessária a referência a “extrajudicial”,
já que a mediação também se desenvolve em juízo, mas era muito relevante a
proposta. Infelizmente, a proposta não prevaleceu na redação final da lei.
Vale ressaltar, quanto à difusão da cultura da resolução consensual de conflitos,
o importante papel que vem sendo desempenhado pela Escola Nacional de Mediação
e Conciliação (ENAM), ligada à Secretaria de Reforma do Judiciário do Ministério
da Justiça. Esse órgão promove cursos on-line dirigidos a advogados (públicos e
privados), magistrados, membros do Ministério Público, membros da Defensoria
Pública, servidores públicos em geral e todos os potenciais interessados em conhecer
mais a fundo as diferentes metodologias de resolução consensual de conflitos,
abrangendo desde os conflitos que são submetidos aos Juizados Especiais, passando
pela Mediação Comunitária e englobando mesmo os complexos conflitos coletivos
que envolvem políticas públicas (como os conflitos socioambientais, fundiários, etc.).

5.2 Pontos a serem regulamentados

5.2.1 Capacitação dos mediadores

O PLC 4827/1998 estabelecia que caberia à OAB, aos Tribunais de


Justiça e às pessoas jurídicas especializadas em mediação a realização de

68
Luciane Moessa de Souza

cursos para formação e também a seleção de mediadores 59, em texto cuja


inconstitucionalidade já foi, com razão, apontada pelo atual relator do projeto,
por conta do vício de iniciativa.
O PLC 4891/2005 prevê, em seu artigo 3o (redação do substitutivo), que o
exercício da função de mediador seria reservado aos “portadores de diplomas de
conclusão de cursos de […] mediação, expedidos por escolas oficiais ou reconhecidas
no País devidamente registrados no órgão competente” ou “por instituição estrangeira
de ensino devidamente revalidados”, bem como aos que comprovarem pelo menos
dois anos de experiência à época da entrada em vigor da lei. Não estipula qualquer
conteúdo mínimo nem que instituições poderiam oferecer tais cursos.
Caberia a atos normativos regulamentares, naturalmente, a definição dos
critérios de aprovação em tais cursos, bem assim, implicitamente, a questão da
duração e dos conteúdos mínimos dos cursos em questão. Estes temas devem
ser muito bem pensados para que a atividade de mediação se desenvolva com
eficiência, ética e em benefício de um acesso à justiça no sentido mais amplo do
termo. Faz-se necessária a uniformização de conteúdos básicos para tais cursos
a nível nacional, o estabelecimento de critérios sérios para seleção do corpo
docente, a inclusão de períodos de prática supervisionada e, evidentemente,
critérios instrumentais de avaliação dos conhecimentos teóricos e das atividades
práticas desenvolvidas a fim de selecionar apenas aqueles que efetivamente
estejam em condições de exercer a desafiante atividade de mediador.
A Resolução CNJ 125/2010 veio a incumbir os tribunais da realização
dos cursos de capacitação de mediadores e conciliadores, em observância ao
conteúdo programático previsto em um dos anexos deste ato normativo (artigo
9o.), sendo que cabe especificamente aos Núcleos Permanentes de Métodos
Consensuais de Solução de Conflitos de cada tribunal realizar e incentivar tais
cursos (artigo 7º., V e VIII). Penso, porém, que ela deveria ter trazido conteúdos
específicos para cada tipo de conflito, ainda que houvesse um conteúdo básico
comum. Não é possível imaginar que o conteúdo de um curso de mediadores
na área de família ou de conflitos envolvendo atos infracionais praticados por
adolescentes há de ser o mesmo de um curso de formação de mediadores
de conflitos empresariais, trabalhistas, ambientais ou que envolvam políticas
públicas. Embora louvável a iniciativa do CNJ, ainda há muito que evoluir e
detalhar neste aspecto.
O PLS 507/2011 também exigia “capacitação adequada” de mediadores
(artigo 4º.), assim como o fez o anteprojeto elaborado pela Comissão do Ministério
da Justiça (artigo 6º), inclusive prevendo reconhecimento desta capacitação pela
Escola Nacional de Mediação ou pelo Conselho Nacional de Justiça (artigo 14,
II) – a ideia foi mantida, com poucas alterações, na redação final da Lei 13.140 –
porém apenas para a mediação judicial, causando receio a ausência de controle
quanto à qualidade das capacitações para a mediação extrajudicial. Voltarei a
tratar desse assunto no artigo dedicado especificamente ao tema, mais adiante.

59 Este era o texto do artigo 15 do projeto: “Caberá, em conjunto, à Ordem dos Advogados do Bra-
sil, aos Tribunais de Justiça dos Estados e às pessoas jurídicas especializadas em mediação, nos
termos de seu estatuto social, desde que, no último caso, devidamente autorizadas pelo Tribunal
de Justiça do Estado em que estejam localizadas, a formação e seleção de mediadores, para o que
serão implantados cursos apropriados, fixando-se os critérios de aprovação, com a publicação do
regulamento respectivo”.

69
Mediação, acesso à justiça e desenvolvimento institucional

5.2.2 Definição dos valores a serem cobrados e da


responsabilidade pelo pagamento dos mediadores nas
causas de justiça gratuita
O PLC 4827/1998 já estabelecia que a atividade de mediador seria
remunerada60. Dispunha ainda que o valor pago a título de honorários do mediador
seria abatido das custas do processo, caso não houvesse acordo61. Não resolvia,
porém, a questão da responsabilidade pelo pagamento do mediador nos conflitos
envolvendo beneficiários da justiça gratuita62, o que é uma questão das mais
significativas, já que não se pode depender apenas da atuação de voluntários
para que o sistema funcione de forma a atender a demanda e, evidentemente,
se o sistema funcionar bem, o maior número de interessados, possivelmente,
será de pessoas carentes, hoje predominante excluídas do sistema judicial de
resolução de litígios.
O PLS 517/2011 não tratava do tema, que também não é disciplinado
pela nova Lei de Mediação de Conflitos, tendo sido tratado pelo novo Código de
Processo Civil (apenas no que se refere à mediação judicial, naturalmente):
Artigo 169. Ressalvada a hipótese do art. 167, § 6º, o conciliador e o mediador perceberão
por seu trabalho remuneração prevista em tabela fixada pelo tribunal, conforme parâmetros
estabelecidos pelo Conselho Nacional de Justiça.
§ 1º. A mediação e a conciliação podem ser realizadas como trabalho voluntário, observada
a legislação pertinente e a regulamentação do tribunal.
§ 2º. Os tribunais determinarão o percentual de audiências não remuneradas que
deverão ser suportadas pelas câmaras privadas de conciliação e mediação, com o fim de
atender aos processos em que deferida gratuidade da justiça, como contrapartida de seu
credenciamento.

Desde 2010, a Resolução CNJ 125/2010 já dispôs, de forma lacônica,


caber aos Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos
de cada tribunal “regulamentar, se for o caso, a remuneração de conciliadores e
mediadores, nos termos da legislação específica” (artigo 7º., VII).
Trata-se de assunto que é ainda uma incógnita, em especial pela tendência
que tem se verificado entre os órgãos judiciais brasileiros de utilizar seus próprios
servidores para atuarem como voluntários na mediação e conciliação, ou seja,
acumulando estas atribuições com as que já possuem ordinariamente, sem
perceber nenhum acréscimo por isso. Se esta alternativa tem se mostrado viável
quando ainda é proporcionalmente bastante pequeno o número de casos em que
se utiliza a mediação ou a conciliação no Brasil, ela parece pouco sustentável
caso se pretenda realmente difundir a utilização dos caminhos consensuais
de solução de conflitos, generalizando efetivamente um acesso à justiça de
qualidade. Entretanto, nenhum tribunal brasileiro regulamentou a matéria até

60 Artigo 42 do projeto: “Os serviços do mediador serão sempre remunerados, nos termos e se-
gundo os critérios fixados pela norma local”.
61 Assim estabelecia o parágrafo único do artigo 38 do projeto: “O valor pago a título de honorá-
rios do mediador, na forma do artigo 19 do Código de Processo Civil, será abatido das despesas
do processo”.
62 Note-se que o § 1º do artigo 42 supra transcrito dispunha: “Nas hipóteses em que for concedi-
do o benefício da assistência judiciária, estará a parte dispensada do recolhimento dos honorários,
correndo as despesas às expensas de dotação orçamentária do respectivo Tribunal de Justiça”.

70
Luciane Moessa de Souza

o momento. A boa – e muito recente – notícia é que no Estado de São Paulo foi
recentemente promulgada a primeira lei brasileira atinente à remuneração de
mediadores e conciliadores judiciais – Lei estadual 15.804, de 23 de abril de
2015. Embora tenha estabelecido uma remuneração bastante módica, sendo
que o ideal seria diferenciar a remuneração de acordo com o grau de experiência
e qualificação do mediador, bem assim de acordo com a complexidade do
conflito (número de partes, matéria envolvida, etc), já é ao menos um primeiro
passo, que foi muito comemorado pelos inúmeros mediadores e conciliadores
que vinham atuando voluntariamente há anos na Justiça Estadual de São Paulo.
Esperemos que novas normas, muito mais avançadas que esta, sejam editadas
em breve não só em São Paulo, mas também na esfera federal, assim como no
âmbito do Poder Judiciário das demais Unidades da Federação.

6 Importante inovação da nova lei: mediação on-line ou a


distância
Uma regra bastante interessante que constou na nova lei brasileira sobre
mediação (Lei 13.140, de 2015) está presente justamente em um dos seus
últimos dispositivos (artigo 46): a previsão de que a mediação poderá ser feita
pela internet ou qualquer outro meio de comunicação que permita a celebração
de transação à distância, desde que as partes assim o decidam. A mediação on-
line já é uma realidade há muitos anos nos EUA – e certamente podemos tirar
lições da experiência daquele país.
Numa era em que muitos relacionamentos (sejam eles pessoais,
comerciais ou profissionais de qualquer natureza) se iniciam, se desenvolvem e
eventualmente se desfazem on-line, não há nada mais lógico do que a correlata
possibilidade de utilização da mediação para solucionar os inevitáveis conflitos
daí decorrentes.

7 Considerações finais: o potencial da mediação


É inevitável reconhecer que os princípios da mediação são os mais
adequados a uma solução definitiva dos conflitos. A mediação é também uma
prática que tem sido experimentada, com mais ou menos sucesso, na solução
pacífica de conflitos internacionais, com os enormes benefícios que isto acarreta
neste âmbito, em que as soluções heterônomas são praticamente destituídas de
força coercitiva.
São interessantes as ponderações de Rosemary Padilha (1999) a respeito da
posição que deve ser ocupada pela mediação no sistema de resolução de conflitos:
Para cumprir com o objetivo de agilizar a Justiça, a mediação deveria ser o primeiro
serviço prestado ou disponível às pessoas que, não conseguindo chegar a um consenso
por si mesmas, buscam a ajuda de um terceiro. A meu ver, não deveria ser uma alternativa
de resolução de conflitos, mas a forma natural, normal dentro da cultura, a primeira
opção. Caso não fosse possível resolver o conflito com a ajuda de um terceiro imparcial,
o mediador, cuja função é facilitar a comunicação, favorecer o diálogo na busca de um
acordo amigável, então sim, se buscaria uma alternativa adversarial em que o poder
decisório fosse delegado ao terceiro.

71
Mediação, acesso à justiça e desenvolvimento institucional

Além de seu potencial para o fortalecimento quantitativo e qualitativo


do sistema de resolução de litígios, vimos o quanto a existência de instituições
confiáveis para fazer valer as regras do jogo democrático e preservar os
direitos prometidos pelo sistema é um dos fatores diretamente ligados ao
desenvolvimento de uma sociedade: é o chamado desenvolvimento institucional.
Por fim, é evidente também seu potencial educativo, contribuindo, assim,
para um maior grau de efetividade da ordem jurídica e para a difusão de valores
éticos que criem uma cultura que se caracterize, ao mesmo tempo, por valorizar
a responsabilidade individual e pelo seu compromisso com o bem-estar coletivo.
Quero concluir com as palavras de Mary Parker Follett, uma americana
que estudou o assunto em meados da década de 1920, e que não poderia ter
comparado melhor os princípios da solução litigiosa e violenta com os da solução
pacífica e negociada de conflitos, convidando-nos a raciocinar a longo prazo em
termos de relações humanas e crescimento pessoal, finalidade última, pode-se
dizer, de todo processo de desenvolvimento:

Al hacer un alegato para algún experimento de cooperación internacional, yo recuerdo con


humillación que hemos luchado porque esa es la manera fácil. No se resuelven problemas
peleando. Los problemas que provocaron la guerra estarán todos allí esperando para
arreglarse cuando la guerra termine. Pero tenemos a guerra como la línea de menor
resistencia. Tenemos guerra quando la mente abandona su trabajo de acordar y convenir
por ser demasiado difícil. Se dice frequentemente que el conflicto es una necesidad del
alma humana, y que si el conflicto alguna vez desapareciera entre nosotros, los individuos
se deteriorarán y la sociedad se derrumbaría. Pero el esfuerzo de acordar es tanto más
difícil que la posición comparativamente fácil de pelear, que podemos endurecer nuestros
músculos espirituales mucho más eficientemente con lo primero que con lo segundo.
(DAVIS, 1999).

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73
Sustentabilidade do Poder Judiciário
e a mediação na sociedade brasileira

Roberto Portugal Bacellar

Sumário: 1 Introdução - 2 Um serviço judiciário com qualidades interdisciplinares - 3 O


poder jurisdicional típico e o dos métodos complementares - 4 Conclusão - Referências

1 Introdução
Muito se falou em sustentabilidade nas discussões ambientais e a própria
Constituição da República, em seu artigo 225, destaca a necessidade de um
meio ambiente equilibrado para as presentes e futuras gerações. Resta o desafio
de pensar em desenvolvimento fundado em uma ética do futuro, que equilibre
o tempo da produção de mercadorias e o da reprodução das condições naturais
da existência humana.
Com a ampliação e as novas aplicações do conceito de sustentabilidade,
surgiu a ideia de lançar reflexões sobre o Poder Judiciário e a mediação nesse
contexto.
A judicialização ou jurisdicização das relações sociais é uma realidade.
Mais de 17 milhões de causas ingressam nos juízos brasileiros anualmente.
Abriram-se as portas da justiça ao cidadão comum (a partir dos juizados
de pequenas causas, depois com os juizados especiais estaduais, seguidos pelos
juizados especiais federais...). Porém, além do acesso, há necessidade de saída
da justiça. O índice de congestionamento dos tribunais é alarmante e a cada
ano aproximadamente quatro milhões de causas se acumulam sem chegarem
ao julgamento.
Mesmo sendo grande o número de processos iniciados, pesquisas indicam
haver uma imensa parcela de “renúncia aos direitos”. Fica represada nos corações
brasileiros uma “litigiosidade contida”,63 tal qual uma panela de pressão, que,
não aliviada na maioria das vezes, pode levar o cidadão a praticar condutas anti-
sociais e conduzi-lo à criminalidade. O custo político dessa renúncia ao Poder
Judiciário não pode ser desprezado. Abrir as portas da justiça é uma prioridade;64
entretanto, incentivar a saída da justiça com soluções pacíficas gerais (“dentro”
e “fora” do processo) é uma necessidade.

63 Expressão utilizada inicialmente por Kazuo Watanabe (1985) e hoje consagrada.


64 Em 1983, quando houve a divulgação em Curitiba da existência do que o povo chamava “Tri-
bunal de Pequenas Causas”, dezenas de pessoas se acumulavam com “fome” de Justiça, algumas
vezes, apenas para buscar assistência jurídica para, por meio de uma orientação básica sobre
direito, aliviar seus anseios. Naqueles dias, tive a sensação de que, pela primeira vez, estávamos
realmente “abrindo as portas da Justiça para o povo”.

74
Roberto Portugal Bacellar

Falta ao brasileiro a denominada cultura mediacional.65 A solução dos


conflitos, primeiramente, deveria ser buscada diretamente pelos interessados
e só excepcionalmente deveriam ser apresentadas divergências ao Poder
Judiciário.
O embate judicial pela via litigiosa, heterocompositiva, pela via conflitual,
infelizmente, é a regra. As soluções autocompositivas — via consensual — são
exceções.
O aumento populacional é inevitável, como será inevitável a proliferação
de novos conflitos.
Como uma das condições de sustentabilidade tanto dos métodos
autocompositivos, como do próprio Poder Judiciário, está a mudança de
mentalidade não só dos operadores do direito, mas também da população.
A professora Ada Pellegrini Grinover (1990) já há algum tempo enfatiza esse
problema cultural que, além de abarrotar os tribunais, não permite o vicejar da
mediação.
Na exposição de motivos do projeto de lei que trata da mediação
paraprocessual — versão consensuada — consta ser essencial para o êxito da
ideia, a obrigatoriedade da mediação: descreve-se a importância de estimular a
sedimentação de uma cultura que permita o avanço da mediação e sustenta-se
que a ideia da mediação obrigatória seria o único caminho para alimentar essa
cultura.
Embora pessoalmente não seja favorável à ideia da mediação obrigatória,66
é inegável a necessidade de que as pessoas em seus relacionamentos diários
solucionem um maior número de conflitos de maneira direta. É mesmo uma
questão cultural.
Em vista dessa cultura do litígio, o Poder Judiciário está abarrotado de
processos e seu desafio de dar o mais amplo acesso à justiça (ordem jurídica
justa), com rápida, eficaz e segura solução dos litígios, muitas vezes não tem
sido cumprido.
Ademais, ainda que a solução venha rápida, em muitas delas não tem
havido pacificação, em face de que o modelo tradicional de jurisdição (pelo
Poder Judiciário)67 ainda carrega consigo a característica da conflituosidade
(ganha/perde), enquanto novas experiências, no mundo todo, propõem modelos
consensuais (ganha/ganha) para solução das demandas.
O fato de tratar das controvérsias como uma disputa entre “partes”68
(modelo conflitual – ganha/perde) gera prejuízo aos laços fundamentais e
eventualmente afetivos existentes entre elas.

65 Utilizei a expressão para indicar uma maior participação das pessoas na solução pacífica das con-
trovérsias, tal qual ocorre no Japão e na China, onde — guardadas as suas tradições — buscar o Poder
Judiciário em alguns casos pode até indicar motivo de desonra e incapacidade de autodeterminação.
66 Estimo ser necessário um número muito grande de mediadores e não há ainda pessoas capa-
citadas em número suficiente, de modo que com a obrigatoriedade haverá uma maior demora
na prestação jurisdicional, com prejuízo à já desgastada imagem do Poder Judiciário. Ademais,
contraria a própria essência da mediação a obrigatoriedade de participar da sessão, mesmo que
o acordo não seja obrigatório.
67 Carlos Alberto Carmona (1993), dentre outros doutrinadores, defende a existência de jurisdi-
ção mesmo fora do Poder Judiciário.
68 Quando se fala em “partes” já se está a indicar juridicamente os sujeitos ativos ou passivos de
uma lide no sistema conflitual. A expressão “interessados” melhor se ajusta ao sistema consensual.

75
Sustentabilidade do Poder Judiciário e a mediação na sociedade brasileira

2 Um serviço judiciário com qualidades interdisciplinares


Para solucionar adequadamente os conflitos, no contexto da ideia de
sustentabilidade, são essenciais algumas qualidades que vão mais além da
disciplina do direito. Justiça é uma matéria demasiadamente extensa e complexa
para ser acessada só na disciplina do direito. Em uma visão interdisciplinar, são
necessárias qualidades técnicas, humanas, sociais, ambientais, éticas, dentre
outras, destinadas à solução de conflitos. A solução técnico-jurídica “mata
processos” e vende a falsa ideia de que soluciona conflitos.
A postura do solucionador de conflitos deve ser adequada ao
relacionamento com o povo e a comunicação deve fluir em linguajar simples;
sua visão deve ser interdisciplinar.
É imprescindível, para todos que se proponham a tratar da resolução de
conflitos, a assimilação de novas ferramentas, técnicas e o desenvolvimento de
conceitos mais amplos do que os conceitos técnico-jurídicos.
O conflito de interesses, o dissenso, o litígio, dentre outras desavenças,
fazem parte do dia-a-dia do Juiz, do Advogado, do Promotor de Justiça, do
Defensor, do Procurador, do Delegado de Polícia. Para melhor resolver conflitos,
é preciso conhecer a teoria da negociação, a própria teoria do conflito e sua
escalada (espiral do conflito), a teoria da mediação. Repete-se: a solução jurídica,
por si só, não pacifica os contendores.
Nessa perspectiva é que vejo com bons olhos o estímulo ao mais amplo
conhecimento de técnicas emprestadas da ciência da administração, da psicologia,
da matemática, da antropologia, da física, da filosofia, da sociologia, dentre outras,
que auxiliem na solução pacífica das controvérsias. São técnicas que podem ser
ensinadas para o povo, podem ser aprendidas por todos quantos se interessem.
Um programa de Justiça Comunitária poderá propiciar o vicejar de
conhecimentos que não têm dono e, uma vez descobertos, cada cidadão, em
sua comunidade, poderá utilizá-los como melhor desejar.
Os psicólogos, por exemplo, já há muito tempo, trabalham no estudo de
técnicas segundo suas concepções em torno das quais se identifica o conflito e as
melhores formas de administrá-lo e prospectivamente crescer com seu tratamento.
É possível, como em um passe de mágica, aplicar técnicas 69 e com
elas evitar ofensas mútuas, manter o respeito e, principalmente, preservar
relacionamentos, ainda assim, com satisfação recíproca. Segundo a nossa
concepção jurídica tradicional, estas assertivas se afigurariam como improváveis.
Utilizando-se de técnicas de negociação e mediação (em uma visão interdisciplinar),
as pessoas podem alcançar resultados que realmente solucionem o litígio com ganhos
recíprocos, bastando para tanto uma investigação dos verdadeiros interesses 70.
Devemos lembrar que milhares de indivíduos, empresas e órgãos têm

69 Eis algumas recomendações: estabelecer rapport; ouvir ativamente; separar as pessoas dos
problemas; concentrar-se nos interesses e não nas posições; trabalhar junto para criar opções,
comprometendo os interessados (partes) na solução do problema; procurar padrões objetivos in-
dependentes da vontade de qualquer dos lados (não confio no valor estimado por ele, quero saber
o valor real); inventar opções de benefícios mútuos; dentre outras.
70 É interessante a história de duas irmãs que brigavam por uma laranja. Depois de concordarem
em dividi-la ao meio, a primeira pegou sua metade, comeu a “fruta” e jogou fora a casca, enquanto
a outra jogou a “fruta” e usou a casca para fazer um doce.

76
Roberto Portugal Bacellar

valores a preservar e que necessitam manter relacionamentos. Algumas vezes,


não será suficiente uma decisão (solução heterocompositiva) e esta, dependendo
de seu teor, gerará um rompimento indesejado de relações.
A mediação procura valorizar esses laços fundamentais de relacionamento,
incentivar o respeito à vontade dos interessados, ressaltando os pontos
positivos de cada um dos envolvidos na solução da lide, para ao final extrair,
como consequência natural do processo, os verdadeiros interesses em conflito.
Tudo isso é alcançado com o auxílio de um terceiro — mediador — que, se
utilizando desses conhecimentos, conduz as pessoas, por meio de indagações e
abordagens criativas, a refletir e achar soluções próprias e, portanto, ideais para
a causa em conflito (modelo consensual).
Sócrates, considerado o fundador da filosofia moral, utilizava-se da
Maiêutica, tida como método que, em apertada síntese, consiste em responder
perguntas com outras perguntas e indagações, para obrigar à reflexão.
Na forma de abordagens criativas, nas perguntas elaboradas pelo
mediador (abertas, circulares, fechadas, enfocadas), está um dos segredos do
sucesso da mediação.
Trata-se, no Brasil, de um instituto novo, embora bastante utilizado nos
Estados Unidos, no Japão, na China, na Austrália, em alguns Países da Europa e,
entre nós, notadamente na Argentina.

3 O poder jurisdicional típico e o dos métodos comple-


mentares
Concomitantemente ao monopólio jurisdicional que é indispensável à
segurança jurídica com a resolução de alguns conflitos por sentença produzida
em processo judiciário (quando não alcançadas soluções conciliatórias) —, é
necessário e recomendável o incentivo aos meios complementares e extrajudiciais
de resolução das controvérsias.
Sem a necessidade de afastar o monopólio da atividade jurisdicional,
desprestigiá-lo ou criticá-lo para valorizar as ditas “soluções alternativas” — como
tem acontecido comumente —, deve-se reconhecer a incapacidade estrutural
do Estado-Juiz de acompanhar o crescimento populacional e a consequente
multiplicação e complexidade dos litígios.
Falta ainda cultura nacional no sentido de resolver pendências
independentemente do Poder Judiciário. Até problemas tipicamente familiares e
educacionais, por vezes, são trazidos à apreciação do juiz, como se ele, integrante do
Poder Judiciário, com seus julgamentos, pudesse livrar as pessoas de seus problemas
independentemente de suas responsabilidades e de seus verdadeiros interesses.
O estímulo aos meios complementares poderá mudar a concepção dos brasileiros
de que “só a Justiça” pode solucionar todos os seus problemas.71 Urge, pois, incentivar
métodos autocompositivos em um modelo consensual de resolução de controvérsias,
com objetivo de alcançar a emancipação da sociedade e a efetividade do direito.

71 Quando judicava na Comarca de Catanduvas/PR, uma mãe me apresentou seu filho entre 10 e 12 anos,
desabafando na sua simplicidade: “eu não dô conta do moleque, por isso eu troxe pro senhor dá um jeito
nele”. O exemplo indica um de tantos casos que não podem livrar responsabilidades próprias e exclusivas
dos pais e de certa forma confirma a falta de cultura nacional em resolver diretamente seus problemas.

77
Sustentabilidade do Poder Judiciário e a mediação na sociedade brasileira

4 Conclusão
É preciso encontrar soluções pacíficas e harmônicas que apresentem
resultados efetivos. A simples verdade formal é fácil de ser descoberta, porém a
justiça desejada, querida e esperada pelos interessados como suficiente e eficaz
à pacificação integral do conflito é o maior desafio da geração presente.
A sustentabilidade do Poder Judiciário depende de incentivar uma Justiça
Comunitária onde a própria sociedade local esteja capacitada, preparada e
empoderada a solucionar seus conflitos. Não é possível que todos os conflitos
sejam levados ao conhecimento do Poder Judiciário.
A sustentabilidade dos métodos extrajudiciais, fora do ambiente do
Poder Judiciário, depende fundamentalmente da preservação das qualidades
éticas, combatendo os denominados “tribunais de carteirinha”, onde se anuncia
a criação da profissão de árbitro e ilude-se a comunidade prometendo ganhos
inalcançáveis tanto ao árbitro quanto às partes. Tal sustentabilidade também
passa pelo prisma econômico, na medida em que muitas das câmaras arbitrais
que estão trabalhando de maneira ética (sem vender ilusões) não estão
conseguindo se auto-sustentar.
Resta o desafio de formar uma cultura mediacional (empoderando e
emancipando a comunidade a solucionar seus conflitos), fundada em qualidades
éticas que possam equilibrar a procura pelo Poder Judiciário aos casos em que
ele efetivamente seja indispensável.

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79
Mediação e conciliação:
dois paradigmas distintos,
duas práticas diversas

Tania Almeida

Sumário: 1 Considerações iniciais - 2 A construção de acordos proposta pela conciliação


e o privilégio da desconstrução de conflitos pretendida pela mediação - 3 A busca da
satisfação individual pretendida na conciliação e a procura da satisfação mútua demandada
pela mediação - 4 A repercussão das soluções sobre si mesmos cuidada pela conciliação
e a repercussão das soluções sobre terceiros, investigada pela mediação - 5 A co-autoria
de soluções construída pelas partes com o conciliador e a privilegiada autoria das partes
perseguida pelo mediador - 6 A ótica monodisciplinar utilizada pela conciliação e a
abordagem multidisciplinar proposta pela mediação - 7 O presente e a culpa focados na
conciliação; o futuro e a responsabilidade social objetivados pela mediação - 8 A pauta
objetiva destacada pela conciliação e a pauta subjetiva privilegiada pela mediação - 9 A
publicidade que caracteriza a conciliação e a confidencialidade proposta pela mediação
- 10 Os pareceres técnicos na conciliação e na mediação - 11 Os advogados das partes
na conciliação e na mediação - 12 Considerações finais - Referências

1 Considerações iniciais
A chegada da mediação à cultura brasileira vem se fazendo gradativa-
mente. Um dos desafios deste percurso é estabelecer uma adequada distinção
em relação à conciliação, instrumento de resolução de conflitos praticado há
mais tempo. Por contemplarem ambas a construção de acordos, mediação e
conciliação são, por vezes, tomadas como sinônimos.
Como a cultura mundial caminha em direção à ampliação de métodos de
acesso à justiça, é interessante que possamos então conhecer esta diferenciação
com clareza. Visa o sistema multiportas72 de acesso à justiça – disponibilização
de distintos métodos de resolução de conflitos – poder ampliar o número de
portas de que dispomos e, sobretudo, adequar o encaminhamento de nossas
questões à que for mais apropriada.
Esse é um dos benefícios dos sistemas multiportas de acesso à justiça e
resolução de controvérsias: possibilitar o encaminhamento da questão existente
para o instrumento de resolução que ofereça maior eficácia e, conseqüentemen-
te, maior eficiência. Se tivermos dois ternos no armário, precisamos eleger um
ou outro para ocasiões que demandem o uso de traje formal. Se ampliarmos o
número de ternos, podemos adequar o modelo ao evento, à temperatura e ao
horário da ocasião, assim como à maior ou menor formalidade exigida.

72 Termo cunhado por Frank Sander - MultiDoors CourtHouse - 1985, para designar a possibilida-
de de oferta e de escolha de diferentes métodos de resolução de conflitos integrados ao Judiciário.

80
Tania Almeida

Apesar da finalidade conciliatória em comum, mediação e conciliação guar-


dam distinções tão nítidas em seus propósitos e em seu alcance social que vale a
pena, nesse momento em que ambas se encontram no mesmo cenário, destacá-las.
O caráter transdisciplinar da mediação – recurso que articula desseme-
lhantes saberes de forma a potencializar o diálogo autocompositivo voltado à
construção de consenso – é o principal responsável pelas inúmeras distinções
com a conciliação e com outros meios de resolução de conflitos. Os aportes teó-
ricos oriundos de distintas disciplinas conferiram à condução da mediação uma
significativa complexidade, exigindo capacitação específica dos mediadores; em
contrapartida, conferiram ao seu ritual negocial uma especial informalidade.

2 A construção de acordos proposta pela conciliação e o privi-


légio da desconstrução de conflitos pretendida pela mediação
Tanto a mediação como a conciliação têm por objetivo auxiliar pessoas a
construírem consenso sobre uma determinada desavença. A conciliação tem nos
acordos o seu objetivo maior e, por vezes, único. A mediação não tem na constru-
ção de acordos a sua vocação primaz e, de maneira alguma, seu único objetivo.
A mediação privilegia a desconstrução do conflito (CALCATERRA, 2002)73
e a conseqüente restauração do diálogo e da convivência pacífica entre pessoas.
Sabemos que a construção de acordos não garante que seja efetivamente
dirimido o conflito entre as partes e, por vezes, chega a acirrá-lo. Todavia, a
base da pacificação social reside no restauro da relação social e na desconstru-
ção do conflito entre litigantes. A permanência do conflito possibilita a cons-
trução de novos desentendimentos ou de novos litígios; esgarça o tecido social
entre as pessoas envolvidas em uma discordância e entre as redes sociais que
as apóiam e das quais fazem parte. A permanência do conflito é, portanto, ter-
reno fértil para manter latente a possibilidade de novas discórdias e o ânimo de
desavença entre os grupos sociais de pertinência dos litigantes.
Por dedicar-se ao restauro da relação social e à desconstrução do confli-
to – o que lhe confere caráter preventivo de amplo alcance social –, a mediação
vem sendo considerada o método de eleição ideal ou mais apropriado para de-
sacordos entre pessoas cuja relação vai perdurar no tempo – seja por vínculos
de parentesco, trabalho, vizinhança ou parceria.

3 A busca da satisfação individual pretendida na conciliação


e a procura da satisfação mútua demandada pela mediação
A mediação propõe uma mudança paradigmática no contexto da resolu-
ção de conflitos: sentar-se à mesa de negociações para trabalhar arduamente no
atendimento das demandas de todos os envolvidos no desacordo. Na concilia-

73 Rubén Calcaterra é um autor argentino que defende a descontrução do conflito como condição
para a autocomposição e o restauro da relação social. Em sua visão, os métodos genuinamente
autocompositivos devem incluir três passos consecutivos: desconstrução do conflito, reconstru-
ção da relação social e co-construção da solução. Para o autor, os métodos que trabalham com su-
gestão ou determinação da solução prescindem desse passo a passo e têm alcance social distinto.

81
Mediação e conciliação

ção, as partes sentam-se à mesa em busca, exclusivamente, do atendimento de


suas demandas pessoais.
A conciliação guarda ainda uma sintonia com o paradigma adversarial que
rege toda disputa, recebendo partes voltadas a encontrar uma solução que melhor
as atenda, sem se importar ou, ao menos, considerar o nível de satisfação que o ou-
tro lado venha a ter. Algumas vezes, até, os sujeitos das mesas de conciliação en-
tendem como ganho a insatisfação que o resultado possa provocar na outra parte.
As pessoas envolvidas nas mesas de mediação são convidadas, antes mes-
mo do início do processo (pré-mediação), a trabalharem em busca de satisfação e
benefício mútuos. Por se tratar de instrumento recente, e pautado na autonomia
da vontade, a mediação é antecedida por uma etapa universalmente chamada de
pré-mediação – que esclarecerá sobre os procedimentos e os princípios éticos,
assim como sobre as mudanças paradigmáticas propostas pelo instrumento.
Na pré-mediação, um mediador ouve os envolvidos sobre os motivos que
os trazem à mediação, a fim de identificar se a escolha do instrumento é perti-
nente e de eleger um mediador que guarde independência com relação às partes
e ao tema. Nesta etapa, é feito o convite para um trabalho que visa atender in-
teresses e necessidades de ambas as partes e atingir uma consequente postura
de diálogo – não de debate -, e de colaboração – não de competição. Iniciam a
mediação apenas aqueles que apresentem disponibilidade para essa mudança
paradigmática (SCHNITMAN; LITTLEJOHN, 1999)74.

4 A repercussão das soluções sobre si mesmos cuidada


pela conciliação e a repercussão das soluções sobre tercei-
ros, investigada pela mediação
A busca da satisfação própria pretendida pela conciliação favorece uma
postura que analisa, objetiva e subjetivamente, custos e benefícios do acorda-
do apenas em relação a si mesmo. É nessa avaliação, primordialmente, que se
baseia o grau de satisfação obtido com o resultado do processo de conciliação.
Já os mediadores devem auxiliar os mediandos a avaliar, de modo objetivo
e subjetivo, a relação custo-benefício sobre si mesmos e também sobre terceiros
direta e indiretamente envolvidos, todos aqueles não presentes à mesa de nego-
ciações – filhos, empregados, parceiros afetivos ou comerciais, comunidade – que
terão que administrar, também, custos e benefícios do que for acordado.
Diferentemente da conciliação, a realização do processo de mediação em
mais de uma reunião é prática usual e permite que os mediandos possam refletir
e conversar com seus pares e com sua rede social (SLUZKI, 1997)75 para com eles
avaliar o alcance dessas repercussões.
As redes sociais oferecem suporte de diferentes naturezas. São solidárias
às nossas angústias e insatisfações. Com elas construímos idéias e soluções a
respeito dessas angústias; com elas estabelecemos compromisso de fidelidade
sobre como as coisas devem ser conduzidas; com elas necessitamos negociar

74 Novos Paradigmas em Mediação é obra coordenada por Dora Fried Schitman que reúne vários
artigos relativos a mudanças paradigmáticas propostas pela mediação.
75 Carlos Sluzky é um psiquiatra argentino, casado com Sara Cobb, uma referência mundial para
a mediação, que se debruçou sobre o tema das redes sociais e suas repercussões.

82
Tania Almeida

eventuais mudanças ocorridas no percurso das negociações, de forma a não


comprometermos a relação de cumplicidade e suporte construída.

5 A co-autoria de soluções construída pelas partes com o


conciliador e a privilegiada autoria das partes perseguida
pelo mediador
Há condutas que são esperadas e desejadas na prática de um conciliador
e que, para um mediador, têm veto ético. A partir do que está sendo negociado,
espera-se que o conciliador ofereça sugestões e propostas de acordo, assim
como marcos legais. O acordo construído mediante conciliação tem, portanto, a
co-autoria do conciliador e das partes.
A mediação foi pensada de modo a devolver às pessoas envolvidas o pro-
tagonismo sobre suas vidas no que concerne à solução de suas contendas. Dis-
tancia-se do modelo paternalista, que fomenta a idéia de que um terceiro, com
maior conhecimento ou poder, encarregar-se-á de solucionar desavenças entre
aqueles que não conseguirem fazê-lo por conta própria, e procura restaurar a
capacidade de autoria das partes na solução de seus conflitos.
O propósito de auxiliar os sujeitos a exercerem a autoria obstina a prá-
tica da mediação nesta direção. As partes deverão ser autoras da escolha da
mediação como recurso e da permanência no processo (ou não), bem como ser
co-autoras das soluções de suas contendas.
Esse propósito está regido pelo princípio da autonomia da vontade e seu
descumprimento representa infração ética. Está vedado aos mediadores sugerir,
opinar ou propor qualquer possibilidade de solução. Eles são treinados na arte
de perguntar com o objetivo primaz de gerar informações para as partes, uma
vez que serão elas as autoras das soluções.
A exemplo do diálogo socrático, um mediador precisa auxiliar os envol-
vidos a parirem suas idéias e a se darem conta de que a solução que melhor as
atende pode – e deve – ser construída a partir do próprio saber e conhecimento
sobre as suas reais necessidades.
Essa é uma característica que legitima o termo negociação assistida, fre-
qüentemente usado para se referir à mediação. O mediador atua como um facili-
tador do diálogo entre pessoas a fim de que a negociação direta entre elas possa
ser restabelecida.

6 A ótica monodisciplinar utilizada pela conciliação e a


abordagem multidisciplinar proposta pela mediação
Na conciliação, atuam como terceiro imparcial, primordialmente, os pro-
fissionais da área do Direito. Em função disso e dos propósitos que norteiam a
conciliação, a análise e abordagem do conflito e, inevitavelmente, a condução
desses diálogos tendem a ser regidas por enfoques monodisciplinares.
A mediação propõe o trabalho em dupla de mediadores (co-mediação), visan-
do favorecer a complementariedade de conhecimentos e de gênero, tanto no que
diz respeito à análise do conflito quanto no que se refere à condução do diálogo.

83
Mediação e conciliação

Por ser um tema transdisciplinar – perpassando o Direito, a Psicologia,


a Antropologia, a Filosofia e a Sociologia –, a mediação apregoa que o olhar de
análise para os desentendimentos deva ser multidisciplinar, mesmo quando a
condução dos trabalhos se dê por um único mediador - mediação solo. Dessa
forma, convida os mediadores a atuarem regidos por uma lente multifocal que
viabilize reconhecer e articular os diversos fatores – sociais, emocionais, legais,
financeiros, entre outros – que componham as desavenças.
As nuances multifatoriais dos desentendimentos deverão também orientar
as perguntas dos mediadores, de modo a auxiliar os mediandos a identificarem
prevalências temáticas a serem atendidas e a articulá-las nas soluções propostas.

7 O presente e a culpa focados na conciliação; o futuro e a


responsabilidade social objetivados pela mediação
A conciliação tem sua realização e sua condução motivadas pela identifi-
cação de responsabilidades por evento(s) datado(s) no passado e pela correção
presente de suas conseqüências. Ela explora o ocorrido, atribui juízo de valor
ao fato e à participação dos atores envolvidos, assim como propõe a criação de
soluções reparadoras e corretivas.
A mediação não se volta à culpa pelo ocorrido, mas sim à visão prospec-
tiva: como fazer para evitar que a motivação do evento passado volte a ser ma-
nejada como foi e passe a ser, então, administrada de maneira que as relações
permaneçam preservadas – como atacar as questões sem atacar as pessoas.
A proposta de olhar para o futuro sem atribuir juízo de valor ao acon-
tecido nem a seus atores auxilia os envolvidos a perceberem suas diferentes
contribuições na construção do desacordo ou problema e suas possíveis ações
futuras em direção contrária. Distancia as pessoas das idéias cartesianas de
correto e incorreto e de autor e réu, fomentadoras de uma postura adversarial
e conseqüentemente punitiva, e as convida para ações cooperativas, regidas
pela co-responsabilidade no trato cuidadoso de fatos futuros e fomentadoras da
pacificação social e da preservação do diálogo.

8 A pauta objetiva destacada pela conciliação e a pauta


subjetiva privilegiada pela mediação
Coerente com a proposta de obter acordos entre as partes, a conciliação
privilegia a pauta objetiva – a matéria, a substância – que o conflito entre elas pro-
duziu. As questões que tenham tutela jurídica e as propostas materiais são foco
de especial atenção na conciliação, contexto que estimula os envolvidos a terem,
também, nestes temas o objeto de sua atenção, ao aderirem ao instrumento.
Conflitos são produzidos por pessoas em interação e incluem, na totali-
dade dos casos, a emoção – a necessidade de demonstrar que se tem razão, de
receber do outro um pedido de desculpas, de cuidar da auto-estima maculada
pelo destrato que a postura do outro provocou, tudo isso de parte a parte. Esse
é o cenário que produzirá os desentendimentos futuros, portanto, novas dis-
putas, se não for incluído como objeto de trabalho e desconstrução. Cuidar da

84
Tania Almeida

substância e do cenário interativo que motivou o desentendimento, da matéria


e da relação entre os mediandos, é a proposta inclusiva da mediação.
Assim, ganha destaque a desconstrução do conflito na mediação e, conse-
qüentemente, a pauta subjetiva sempre incutida nele. Mediadores atentos a isso
sabem que a construção de uma solução que conte com co-autoria das partes, nor-
teada por ação colaborativa que possibilite criar alternativas de satisfação e bene-
fício mútuos, somente será possível se o conflito for anteriormente desconstruído.
A jovialidade em relação à conciliação permite que a mediação tenha um
escopo mais atualizado, pautado pela transdisciplinaridade – norteador contem-
porâneo dos instrumentos de ação social. Menos voltada para a aparente urgên-
cia das questões materiais e mais atenta para uma análise global dos desenten-
dimentos, a mediação pode usufruir de todos os saberes que constituem sua
base e construir um espectro mais abrangente de atuação. Relacionamentos e
questões objetivas caminham lado a lado na mesa de mediação.

9 A publicidade que caracteriza a conciliação e a confiden-


cialidade proposta pela mediação
A publicidade do processo judicial estende-se à conciliação, seu instru-
mento-parceiro na composição de controvérsias e de desentendimentos. Já a
mediação nasceu regida pelo princípio da confidencialidade – por meio do qual
ficam vedadas a divulgação e a utilização das explanações e informações trazi-
das à mediação, em qualquer outro fórum.
O pilar da confidencialidade na mediação confere uma moldura de con-
fiança para as partes, possibilitando-lhes aceitar o convite de ter na boa fé e na
transparência de propósitos norteadores para a sua postura durante o processo.
Está sob tutela dos mediandos a extensão da confidencialidade na media-
ção. São eles que decidirão, no início do processo e a cada reunião, conjunta ou
privada, o que deverá ser mantido sob sigilo.
O princípio da confidencialidade não só favorece o desnudamento neces-
sário às negociações e às conversas pautadas pela boa fé como permite que pes-
soas físicas e jurídicas sejam preservadas em razão do sigilo. Sabemos o quanto
a publicidade de desentendimentos e acordos pode ser, por si só, desfavorável
para a continuidade da relação social ou empresarial entre partes, ou até mes-
mo, para a propositura de determinadas soluções.

10 Os pareceres técnicos na conciliação e na mediação


Do conciliador, espera-se o aporte legal sobre a matéria que for objeto da
conciliação e a busca de outras informações técnicas que o alimentem na con-
dução do processo conciliatório.
Na mediação, há o impedimento ético da oferta de visão técnica, de qual-
quer natureza, sobre o(s) tema(s) mediado(s). Mesmo que a profissão de origem
do mediador lhe confira o conhecimento técnico relativo à matéria trazida à
mediação, ele está eticamente impedido de oferecê-lo.
Este especial cuidado com a prática da imparcialidade ativa do mediador
não o impede, no entanto, de assinalar a necessidade de pareceres técnicos quan-

85
Mediação e conciliação

do identificar que eles são fundamentais para auxiliar os mediandos na constru-


ção de decisões qualificadas, ou seja, bem informadas. Neste caso, o mediador
estaria eticamente obrigado a cuidar do nível balanceado de informações de todas
as partes, uma vez que serão as autoras da solução. O parecer técnico-legal – as-
sessoramento e revisão legal do que foi acordado – é sempre recomendado pelos
mediadores e imprescindível quando a matéria inclui aspectos legais.
Na mediação, a interlocução com os técnicos de qualquer natureza – advoga-
dos, contadores e demais especialistas – é feita pelos mediandos e não pelo media-
dor. Esse procedimento obedece ao mesmo princípio que alimenta a autoria: equipar
as partes com as informações necessárias rumo a uma boa qualidade decisória.

11 Os advogados das partes na conciliação e na mediação


Na conciliação, os advogados mantêm a mesma postura antagônica que
norteia suas condutas nos processos judiciais, aos quais a conciliação está atre-
lada. Atuam como defensores dos interesses dos seus clientes e como seus por-
ta-vozes. Mantendo coerência com o cenário da conciliação, conforme descrito
anteriormente, os advogados buscam obter a satisfação de um interesse imedia-
to de seu cliente, independentemente do ônus que isso provoque na outra parte
ou da possibilidade de a outra parte atender à demanda.
A mediação propõe uma mudança de paradigmas, tanto na postura das par-
tes como na dos advogados (COOLEY, 2001; CÁRDENAS, 2004) 76. Como se preten-
de que sejam as partes as autoras da solução, transfere-se para elas a voz na me-
diação. Senta-se à mesa quem tem poder decisório, representando a própria voz.
A mediação solicita que a representação por terceiro seja exceção. Quando a voz
é transferida para os mediandos, também é preciso transferir para eles o conheci-
mento sobre a matéria mediada. O conhecimento sobre a pauta subjetiva, anterior-
mente referida, somente os envolvidos têm. O especial conhecimento técnico sobre
a pauta objetiva será buscado com aqueles que o detêm – advogados ou outros
técnicos – de forma a bem qualificar as soluções construídas pelos mediandos.
Para manter coerência com essa proposta, os advogados passam de de-
fensores a assessores legais de seus clientes, oferecendo os parâmetros jurí-
dicos para aquilo que está sendo negociado – a lei como margem a não ser
transposta e não como diretriz das soluções. Advogados também atuam como
assessores técnicos no auxílio da escolha do mediador no âmbito privado; e
como consultores, na identificação dos interesses e necessidades da outra parte,
visando propor soluções de benefício e satisfação mútuos.
Essa e outras mudanças paradigmáticas que caracterizam a mediação são le-
vadas ao conhecimento das partes, e de seus advogados, na pré-mediação – fase em
que os pressupostos de participação no processo são apresentados. O entendimento
acerca dos princípios e da ética que regem a mediação possibilita que partes e ad-
vogados identifiquem sua disponibilidade para atuarem segundo seus parâmetros.

76 É crescente o interesse dos autores pela necessária mudança de postura dos advogados quan-
do assessores de seus clientes em processos de mediação.

86
Tania Almeida

12 Considerações finais
Pela competição, mantemo-nos tão assertivos em busca da satisfação pes-
soal que desconsideramos necessidades, pontos de vista e interesses do outro.
Pela concessão, fazemos o oposto: atendemos aos interesses e às necessidades
do outro mais do que aos nossos, cedendo e concedendo. Pela colaboração, man-
temos a assertividade em direção aos nossos interesses e necessidades e fazemos
o mesmo em direção aos interesses e às necessidades do outro, na intenção de
atendê-los. A colaboração é a postura de atuação solicitada na mediação.
Construir uma solução pautada na satisfação mútua não implica em ceder
ao que o outro deseja, mas sim atuar de modo cooperativo, mantendo a asser-
tividade em duplo sentido.
A ação colaborativa solicitada pela mediação convida as partes a pen-
sarem, simultaneamente, em si mesmas e no outro e viabiliza a construção de
acordos pautados no benefício mútuo.
Por sua contemporaneidade, a mediação se aproxima com vigor dos prin-
cípios da construção de consenso, instrumento pautado na autocomposição com
preservação das diferenças. A construção de consenso possibilita criar soluções
de mútuo benefício, tendo como regra primeira a possibilidade de manter-se em
discordância – mesmo em desacordo, necessitamos criar uma solução que nos
atenda mais e melhor do que a situação vigente. É instrumento de eleição para
os mercados comuns, as políticas públicas e a política internacional. As relações
continuadas no tempo se beneficiam significativamente de seus princípios 77.
São os princípios – aquilo que serve de base, de pilar, de raiz, proposição
fundamental – que diferenciam conciliação e mediação, não os seus propósitos. Na
mediação, os princípios regem as intervenções oferecidas – técnicas e procedimentos
– e distinguem seus propósitos daqueles advindos de outras práticas conciliatórias.
A leitura comparativa oferecida ao longo deste artigo está pautada nas
distintas peculiaridades que regem ambas as práticas – conciliação e mediação
– a partir da elucidação de alguns princípios da mediação.
Reconhecer uma clara distinção entre conciliação e mediação possibilita
que nossa cultura integre mais um instrumento de acesso à justiça ao seu sis-
tema multiportas, assim como possibilita que nos beneficiemos de ambos os
recursos com seus diferentes propósitos, suas distintas aplicabilidades e desse-
melhante alcance social.

Referências
ÁLVAREZ, Gladys Stella; HIGHTON, Elena I.; JASSAN, Elias. Mediación y justicia. Buenos Aires:
Depalma, 1996.

BARUCH BUSH, Robert A.; FOLGER, Joseph P. The promise of mediation: the transformative

77 A construção de consenso – instrumento especialmente voltado para as composições que


envolvem múltiplas partes e múltiplos interesses – ganha privilégio na contemporaneidade em
função de ter como princípio fundamental o respeito às diferenças na convivência, competência
social necessária ao homem deste século. Consensus Building Institute (<http://cbuilding.org/>)
é instituição dedicada a esse tema que motiva crescente produção literária. Uma obra síntese de
seus múltiplos aspectos é: Susskind, Mckearnan e Thomas-Larmer (1999).

87
Mediação e conciliação

approach to conflict. San Francisco: Jossey-Bass, 2005.

CAIVANO, Roque J.; GOBBI, Marcelo; PADILLA, Roberto E. Negociación y mediación: instru-
mentos apropiados para la abogacía moderna. Buenos Aires: Ad-Hoc, 1997.

CALCATERRA, Rubén Alberto. Mediación estratégica. Barcelona: Gedisa, 2002.

CALMON, Petrônio. Fundamentos da mediação e da conciliação. Rio de Janeiro: Forense,


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CÁRDENAS, Eduardo José. El cliente negocia y el abogado lo asesora: una variante poco usa-
da en los conflictos de familia. Buenos Aires: Lumen, 2004.

COOLEY, John W. A advocacia na mediação. Brasília: Universidade de Brasília, 2001.

FIORELLI, José Osmir; MALHADAS JÚNIOR, Marcos Júlio Olivé; MORAES, Daniel Lopes de.
Psicologia na mediação: inovando a gestão de conflitos interpessoais e organizacionais. São
Paulo: LTr, 2004.

LEITE, Eduardo de Oliveira (Coord.). Grandes temas da atualidade. Rio de Janeiro: Forense,
2008. v. 7.

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conflitos. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 1998.

SCHNITMAN, Dora Fried; LITTLEJOHN, Stephen (Org.). Novos paradigmas em mediação. Por-
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SUSSKIND, Lawrence; McKEARNAN, Sarah; THOMAS-LARMER, Jennifer. The consensus build-


ing handbook: a comprehensive guide to reaching agreement. Thousand Oaks, CA: Sage,
1999.

88
Ser um mestre em mediação?78

Gladys Stella Álvarez

Sumário: 1 Conceito de maestria - 2 Os estágios da profissão - 3 Alguns indicadores de


qualidade - 4 Da teoria à prática e da prática à teoria - 5 Conclusão - Referências

Nosotros debemos cultivar la intuición para anticipar cambios antes de que ellos ocurran;
empatía para entender lo que no puede ser claramente expresado; sabiduría para ver las
conexiones entre los hechos que aparentemente no están relacionados, y creatividad para
descubrir nuevas formas de definir problemas, nuevas reglas que posibiliten adaptarse a
lo inesperado (CSIKSZENTMIHALYI, 1996).

1 Conceito de maestria
Definimos a maestria como o nível mais alto da arte e da ciência da
mediação. Trata-se de um grau permanente de habilidade que se compõe
basicamente da retroalimentação entre as diversas teorias, as múltiplas práticas
e a reflexão sobre ambas. Para alcançá-la, deve-se ter a habilidade de sintetizar
o conhecimento e as destrezas no momento da interação, de integrar teoria e
técnica em uma série de estratégias e intervenções.
Nem todos os profissionais chegam a adquirir este grau de desenvolvimento
profissional. Podem ser bem-informados, competentes, especializados, eficazes e
inclusive realizar intervenções brilhantes, sem alcançar às vezes o mais alto nível de
qualidade profissional, que foi denominado de estágio do artista (LANG; TAYLOR, 2000).
A maestria é a manifestação de uma pessoa que usa todo seu conhecimento
e suas habilidades de tal maneira que se diferencia dos demais não apenas no
resultado mas também no processo pelo qual chega àquele. Requer mais que
competência na prática das habilidades essenciais e mais que capacidade para aplicar
a teoria de forma consciente e analítica. É a forma como um profissional responde
às circunstâncias únicas, aos fatos imprevistos que emergem na prática profissional,
o que distingue o mestre do praticante. E pode ser aprendida, e pode ser ensinada.

2 Os estágios da profissão
Cada profissional pode construir seu caminho rumo a níveis de alta
qualidade. Segundo o modelo de Lang e Taylor (2000), passa-se por quatro
etapas ou dinâmicas. No primeiro nível de aprendizagem, costuma-se colocar
ênfase no “como” (mediar, facilitar, negociar). É o estágio do iniciante. O iniciante
está interessado em adquirir conhecimentos e habilidades, compreender a
natureza da prática. Para desenvolver a competência nesta etapa, os mediadores
necessitam de marcos conceituais, teorias, modelos, treinamento, simulações,
estudo de casos, observação e retroalimentação que permitem ao iniciante

78 Tradução: Luciane Moessa de Souza.

89
Ser um mestre em mediação?

adquirir noções de como funciona a mediação.


Finalizada esta etapa de capacitação básica e, em seguida, de avaliação
de desempenho e certificação, que alguns sistemas prevêem, começa a etapa do
aprendiz. O mediador neste estágio deseja colocar em prática seus conhecimentos
e habilidades. É o momento de ter acesso a uma prática supervisionada, seja em
co-mediação, monitoramento ou supervisão e aí aparecem as necessidades e o
potencial da prática.
O terceiro estágio é o do praticante, no qual se inicia o caminho para
a profissionalização. O trabalho do mediador está sustentado por teorias e
habilidades. Espera-se que tenha adquirido a habilidade de utilizar o conhecimento
e as destrezas no momento da interação, que seja capaz de integrar a teoria e a
técnica em uma série de estratégias e intervenções. A capacitação contínua e a
clínica de mediação (ARÉCHAGA; BRANDONI; FINKELSTEIN, 2004) são os meios
para enriquecer-se profissionalmente.
Para avançar até o estágio do mestre ou do artista, requer-se mais que
competência na prática das habilidades essenciais e mais que capacidade para
aplicar a teoria de forma consciente e analítica. A maestria, reiteramos, é o como
se responde às circunstâncias únicas, aos fatos imprevisíveis que emergem na
prática profissional.
Aqueles que praticam a mediação e aspiram a níveis de alta qualidade
necessitam examinar seus princípios e valores, questionar suas crenças e práticas
de forma tal que os ajude a identificar, conscientemente, o que é essencial, o que
deve ser abandonado e o que merece ser investigado. A menos que os mediadores
compreendam os princípios teóricos que subjazem, influenciam e moldam suas
práticas, correm o risco de serem talentosos mecânicos testando uma ferramenta
atrás da outra sem compreender porque uma ferramenta determinada pode
ser útil, e que resultados cabe esperar desta intervenção, a respeito da qual é
necessário, ademais, ter a habilidade de avaliar o êxito ou fracasso.
No estágio de maestria se refocaliza a aprendizagem, e o foco se volta para
pensar o conflito e sua resolução de forma criativa e aplicar estes pensamentos
nas múltiplas situações que a prática apresenta. O resultado é o aprendizado
deixado pela experiência e que permite pensar produtivamente o tratamento e
manejo das disputas.

3 Alguns indicadores de qualidade


a) Atenção aos detalhes – resposta imediata
Os mediadores demonstram maestria quando observam os pequenos
detalhes do comportamento das partes e nas reações de um em relação ao outro
e se dão conta de sutis mudanças na linguagem ou tom de voz.

b) Curiosidade – estar aberto a novas perspectivas


Muitas partes em conflito estão tão absorvidas e presas a seus argumentos
que não querem ou não conseguem dar ouvidos a qualquer informação nova ou
diferente que possa alterar ou ampliar o entendimento que têm da situação. Às
vezes, os mediadores correm o risco de também passar por isto. As partes que
se encerram em uma visão estreita da disputa e da outra parte bloqueiam toda
informação que possa contradizê-las, ignoram tudo que poderia ajudá-las a encarar
o conflito com outros olhos e reiteram a visão dos fatos que confirma sua versão.
O mediador de qualidade, alerta a cada detalhe da interação, se dá conta quando
ocorre este mecanismo de estreitamento de visão e, observando o comportamento
e a linguagem, reconhece a oportunidade para ajudar as partes a ampliarem suas
perspectivas. Realiza intervenções estratégicas para alertar as partes a entenderem
as perspectivas da outra parte, incorporar novas ideias, fatos ou experiências que

90
Glady Stella Álvarez

possam modificar seu entendimento do conflito, questionar as crenças acerca deles


mesmos e da outra parte e estimular a exploração de soluções criativas.

c) Exploração e descobrimento – não fechar-se em categorizações


Na dinâmica do conflito, os litigantes tendem a simplificar e a fazer
generalizações de si mesmas (justo, receptivo, responsável, direito) e do outro
(injusto, fechado, irresponsável, equivocado). Isto costuma vir acompanhado de
uma visão rígida do problema ou da situação. O mediador sensível aos valores
dos litigantes pode ajudá-los motivando-os a rever sua perspectiva egoística e a
ter uma visão mais ampla do problema.

d) Desenvolver e testar as hipóteses


As hipóteses equivalem às conceituações que o mediador faz do caso. A
hipótese está composta pelas características dos litigantes, o contexto, o tipo
de disputa e a metodologia de mediação que pode ser mais útil para intervir
em cada disputa e com cada tipo de litigante. É formulada pelo mediador nos
primeiros estágios da mediação.
É vital para o êxito de uma mediação a habilidade do mediador para
formular e reformular suas hipóteses e diagnósticos do caso em conjunto
com e em resposta à visão que as partes tenham da disputa. Esta disciplina de
desenvolver hipóteses e sustentá-las deve vir acompanhada da decisão de não
aferrar-se a elas e de abandoná-las quando seja comprovada sua falsidade.79
O mediador com maestria é flexível, dúctil, fornece respostas imediatas e
é capaz de variar seu enfoque sem perder de vista os objetivos e propósitos do
processo de mediação.

e) Conhecer o grau de profundidade com o qual se deve trabalhar


A arte da resolução de conflitos assenta-se em descobrir o nível no qual
um conflito está realmente operando e encontrar um caminho para trabalhar
neste nível. É possível equivocar-se tanto indo demasiado profundo como se
resumindo à superfície.

f) Interpretação – ductilidade 80 e flexibilidade


Os mestres interpretam, usam seu conhecimento, habilidades e experiência
para responder às circunstâncias únicas de cada situação a fim de criar um
desempenho que seja por sua vez distintivo e individual. Assim, eles fazem uma
interpretação de suas práticas. Não é questão de estilo pessoal, o mediador de
qualidade cria intervenções que são adequadas à situação e às partes, tem a
habilidade de observar e responder às circunstâncias imprevistas e a capacidade
de ser dúctil e flexível sem perder de vista os objetivos e propósitos do processo.

g) Paciência e visão – equilíbrio entre processo e resultado


Para muitos mediadores, o conseguir um acordo é o objetivo mais
importante e o indicador para o êxito. As partes também costumam estar ansiosas
para chegar a um acordo. Os mestres não estão alheios a este propósito, é parte
de seu desempenho. Sem embargo, eles estão preocupados com o processo
pelo qual se obtém o acordo e não o descumprem deixando-se seduzir pelo

79 John Haynes, Jornadas e Oficinas de Mediação, preparadas e organizadas pela Fundação Libra no
Colégio de Escrivãos de Buenos Aires, em 1999. As perguntas reveladoras seriam: Estou enredado na de-
sesperança das partes? Que informação me falta para poder provocar um reenquadramento da situação?
80 A palavra usada por Lang e Taylor (2000) na obra citada é resiliência. Não é uma palavra de uso
corrente. Em inglês, abrange como metáfora certas qualidades humanas. Segundo Martín Wains-
tein (2000, p. 138), em nosso idioma, o chamaríamos de plasticidade... Talvez o conceito, em si
mesmo, não seja demasiado original, mas pragmaticamente orienta o pensamento em direção à
criatividade construtiva, tirando-nos das soluções padrão.

91
Ser um mestre em mediação?

resultado. A mediação de qualidade requer paciência e perseverança, atenção


aos detalhes e um claro sentido de direcionalidade.

4 Da teoria à prática e da prática à teoria


A conexão entre teoria e prática é central para transitar em direção a
níveis de alta qualidade que requerem a disciplina da prática reflexiva (GRECO;
VECCHI, 2000) e o propósito de sua aplicação no processo interativo. Embora
as possibilidades sejam amplas, no momento de perguntar-nos, preferimos
segmentar as controvérsias de acordo com os campos de conhecimento com os
quais alimentamos a prática revisando as teorias. Por exemplo, para mostrar como
a teoria da negociação poderia incidir em alguma intervenção, o mediador se
perguntaria em diversas oportunidades: o que está ocorrendo com estas partes é
algo repetitivo? Este é o único tema envolvido ou há algo mais? Há outras pessoas
que não estão aqui, mas que seria conveniente trazer de alguma forma à mesa? A
percepção do transcurso do tempo, no que diz respeito a oportunidades a serem
aproveitadas, a urgências que resolver ou emergências que atender, a decisões
que tomar, verifica-se de forma relativamente similar para as partes?
Estas perguntas se alimentam da observação da situação conflitiva,
acrescidas do olho (mente) do observador que está treinado pela experiência.
Mas, ademais, está indissoluvelmente unido a seu esquema mental, o que, por
sua vez, está influenciado, neste preciso caso, por um segmento da teoria da
negociação no qual se tratam determinados tipos de questões diante de situações
de impasse ou estancamento das partes cuja situação se está buscando destravar.
É possível esperar que, dentre a grande constelação de teorias observáveis:
da comunicação humana, sistemas, de grupos, do conflito, de jogos, de tomada
de decisões, entre outras, a partir do estudo e vontade do praticante, aquelas
passem a integrar um repertório de ideias, conceitos e técnicas a ser levado
em conta tanto em sua formação como no exercício profissional. A capacidade
de empregar toda a gama possível de recursos teóricos e práticos, junto com
a clareza na escolha do momento e forma de utilizá-los, é totalmente pessoal.
Pode-se afirmar que se alcançou um desenvolvimento considerável no
campo da mediação quando o conhecimento adquirido é posto em prática com
tal grau de maturidade que pode ser percebido tanto pelos olhos dos pares
quanto pelos clientes e profissionais letrados que necessitam do profissional
capacitado. Tal grau de segurança se consegue — ainda que sempre se busque
superá-lo — quando a teoria e prática, a ciência e a arte podem cooperar entre
si, produzindo uma desejável sinergia.
Dentre as teorias, podemos encontrar uma gama que vai desde as
mais abstratas — teoria das decisões, com seus cálculos matemáticos — até
as mais compreensíveis, como o comportamento das pessoas dentro de um
grupo. No que concerne aos recursos práticos, encontramos táticas, estratégias,
guias, protocolos, conselhos, recomendações, procedimentos e métodos em
um espectro que vai desde os meios mais evidentes e diretos até os caminhos
indiretos e mais sutis.
Alguns mestres vão além da teoria e da prática e difundem suas crenças
acerca do que para eles é tarefa do mediador. Por trás de cada postura está
o sustento ideológico acerca do que se entende por situação de conflito, que
importância este reveste na vida das pessoas, que papel desempenha o terceiro
mediador, qual é o valor social e de trocas que encerra.
Não é possível pensar numa atuação dos academicamente denominados
neutrais dentro de situações conflitivas sem que eles não se coloquem determinadas
questões acerca do poder para resolver conflitos. Assim, por exemplo, se um
mediador mantém como crença, princípio ou valor a autonomia das pessoas, a
capacidade que elas têm e se reservam para dar-se suas próprias normas, ser as

92
Glady Stella Álvarez

donas do “sim” e do “não” mantendo o controle e tomando as rédeas de suas vidas,


suas intervenções girarão sobre esse valor que opera como eixo e, portanto, terá que
haver congruência entre as ideias que sustenta e as práticas que realiza. Em outras
palavras, sentirá a necessidade de nutrir-se de elementos teóricos e práticos conformes
com suas valorações. Estas também deveriam cair sob a lupa da reflexão, já que não
são princípios inamovíveis e sabe-se o quanto é difícil construir a neutralidade no
mediador; daí que a revisão das próprias crenças seja também útil, eis que ativa o
aspecto ético de que tampouco devem descuidar os terceiros facilitadores no conflito.
Paradoxalmente, a obtenção de um considerável quantum de informação
pelos mediadores acerca das mais variadas técnicas da arte, assim como também
de princípios que sustentam os diversos enfoques teóricos, se realiza com o
objetivo de ir paulatinamente aperfeiçoando a prática. Dita melhora se manifesta,
por exemplo, desde uma postura de mediação facilitativa, na mínima, mas eficiente,
intervenção do terceiro, logrando efetividade e simplicidade por sua vez. É aí que
parece a maestria fazer com que o complexo se torne simples. Não seria lógico nem
tampouco justo que aqueles que se apresentam frente às partes como facilitadores
compliquem as coisas ainda mais e conduzam seus clientes por caminhos sem
saída possível devido ao emaranhado de seus pensamentos e ao rebuscado de
seus conceitos, linguagem e ações. Vale dizer que se pode ser complexo, profundo,
medular e inquisitivo quando se está em um contexto de estudo, avaliação e
análise solitária ou com um parceiro de profissão, quando se está realizando uma
co-mediação. Mas resulta desnecessário, e até contraproducente, se os mediadores
não aliviarem a carga que representa o conflito e que as partes trazem de per si. Isto
não significa realizar uma prática irresponsável, senão, pelo contrário, mediante a
revisão reflexiva sobre a mesma, ir conseguindo o desempenho profissional que
jamais chega a ser intrusivo com as partes ou dependente dos advogados que as
acompanham nas hipóteses de mediações com assistência jurídica.
A revisão da própria experiência requer tempo, mas garante conclusões
depuradas. Indicaremos a seguir algumas pistas breves, que nos deixaram nossos
mestres. Cada um verá, na medida de sua afinidade, se pode valer-se delas total
ou parcialmente, desde que não lhes cause nenhuma resistência pessoal.
Como princípio, indica-se que não seria conveniente assumir uma atitude
de rejeição a priori ao novo e ser conscientes de que a mudança em geral
assusta as pessoas por muitos motivos: segurança, comodidade, afinidade;
depois, estar atentos de que se está levando a cabo uma experimentação, se
está colocando à prova algo (seja um conceito teórico ou ferramenta técnica)
que influirá na atitude e aptidão profissional e que, no momento de empregá-
la, se está diante de outros. Finalmente, um profissional motivado a melhorar e
crescer dedicará um tempo de reflexão sobre isto para poder dar-se conta e dar
conta a outros (por exemplo, se se estiver em uma instância de estágio) sobre
que coisas funcionaram para si e quais não.
Se o aprendizado de habilidades se realiza segundo um modelo reflexivo
de prática, poderia dar como fruto:
a) confirmar e portanto compartilhar uma determinada postura ou
enfoque;
b) fazer uso ou descartar alguma ferramenta comunicacional; ou,
então,
c) seguir ou descartar um método de procedimento, entre
outras. Quaisquer que forem as conclusões alcançadas, devem ser
suficientemente plausíveis. Somente a partir daí se podem esgrimir
argumentos suficientemente sólidos para justificar a utilização de
algum conhecimento teórico-prático.
Mas ficaremos na metade do caminho se não nos dermos conta da parte
mais interessante, segundo nosso ponto de vista, e não se trata apenas de
adotar ou desterrar saberes, senão também de recriar novos através de múltiplas
combinações. Sinteticamente, assinalamos:

93
Ser um mestre em mediação?

a) Preferir um campo de conhecimento e tomar seus corpos


teóricos dando-lhe uma nova estrutura, mais conforme ao contexto
atual. Sobre este ponto, basta observar que quase todas as correntes
clássicas do pensamento foram renovadas, antepondo-se a partícula
“neo” à escola em questão.
b) Tomar parte daquela estrutura teórica para depois assinar-lhe o
valor de “base” sobre o qual se construirão outros conceitos.
c) Fazer cruzamentos entre distintos corpos teóricos, criando
pontes ou construindo transversalidades e movendo-se dentro delas.
d) Selecionar alguns aspectos parciais de teorias e saberes e ir
integrando-os em um novo repertório mais amplo e abarcativo (Teoria
Geral) ou mais específico e concreto (especialização).
e) Recomendar um repertório de táticas ou ferramentas sob algum
critério pessoal de eficácia ou impessoal por afinidade com determinada
escola.
f) Estabelecer um protocolo de procedimentos ou estratégias sob
os mesmos critérios mencionados no item anterior.
Enfim, a possibilidade de criar (recriar) e de realizar combinatórias são
vastíssimas e é preciso que tal exercício seja alentado, seja por mero crescimento
pessoal, seja também para dar riqueza participativa a um aspecto tão complexo
da realidade social como são os conflitos interpessoais.
Deveríamos ter presente que o que está em jogo não é apenas que os
mediadores tornem sua prática eficaz e responsável, mas que também, além de
demonstrar congruência em seu exercício profissional, sejam generosos na hora
de devotar ao manejo e resolução de conflitos algo de sua criatividade pessoal
para seguir dando-lhe o impulso tão necessário.

5 Conclusão
A arte da mediação se aprende. Seus princípios podem ser identificados,
aprendidos, integrados e recriados para que possam ser experimentados.
Cada pessoa é capaz de experimentar a arte da mediação em suas práticas.
O processo de ensino-aprendizagem tem sua metodologia para desenvolver o
conhecimento necessário, as habilidades e hábitos para converter-se em artista,
um profissional de alta qualidade.
Muitas das habilidades básicas para a prática que se identificam como
essenciais para o desenvolvimento profissional são comuns; a maioria dos
mediadores as aprende na capacitação básica e nos treinamentos avançados.
O coração das áreas de conhecimento é também familiar, são os princípios e
crenças fundamentais que dão suporte à prática.
O que é único na aprendizagem da arte da mediação é a sintetização
do conhecimento e das habilidades através da prática reflexiva e do processo
interativo.
Os praticantes podem continuar descobrindo novos enfoques através
do processo reflexivo, mas, para muitos mediadores, o nível e a paixão pela
exploração pode ter diminuído. Pensamos que os mediadores não passarão
do estágio de praticante a menos que desenvolvam a disciplina e a prática da
reflexão.
A habilidade de aprender de cada experiência, de refinar, ajustar e
incrementar as destrezas e de responder apropriadamente a questões singulares
e imprevistas na prática profissional pode ser ensinada e aprendida durante a
aplicação consciente e intencional dos métodos e princípios da prática reflexiva.
A fusão entre esta e o processo interativo ilumina a capacidade para a maestria.
No caminho até a maestria, a arte e a excelência, esta etapa de auto-
reflexão se institui como a metodologia de capacitação preponderante dentro
de um modelo dinâmico de desenvolvimento pessoal. A maestria requer um

94
Glady Stella Álvarez

processo contínuo de reflexão, aprendizagem, compreensão e exploração. Pode


ser definida em termos de comportamentos, qualidades e práticas.
Embora o termo maestria possa dar a ideia de haver alcançado um
determinado ponto, o certo é que o verdadeiro mestre sabe que não é assim,
que nunca se chega e que o desafio está em seguir buscando e às vezes se
encontra o que sempre esteve ali: a si mesmo, mas já alguém distinto desde que
se iniciou o caminho. O trânsito e a transformação podem ser mais vívidos se se
adota uma atitude sensível e focalizada no que se está fazendo, conservando a
mística que tem toda origem, inclusive a de uma nova profissão.
Poderíamos classificar os mestres segundo suas atitudes em comparação
com os demais, e seguramente concluiríamos que são mais capacitados,
mais reflexivos, mais criativos, mais colaborativos, porém somente o são
verdadeiramente aqueles que, apesar de haverem transitado por longo caminho
e serem conscientes da grande experiência adquirida, são capazes de seguir
conservando a mente do principiante, o que os converte em mestres do aprender.

Referências
ARÉCHAGA, Patricia; BRANDONI, Florencia; FINKELSTEIN, Andrea. Acerca de la clínica de
mediación: relato de casos. Buenos Aires: Librería Histórica, 2004.

CSIKSZENTMIHALYI, Mihaly. Creativity: flow and the psychology of discovery and invention.
New York: Harper Collins, 1996.

GRECO, Silvana; VECCHI, Silvia. Diseño reflexivo en la práctica de la mediación. In: FÓRUM
MUNDIAL DE MEDIAÇÃO, 3., Sardenha, 2000.

LANG, Michael D.; TAYLOR, Alison. The making of a mediator: developing artistry in
practice. San Francisco: Jossey-Bass, 2000.

WAINSTEIN, Martín. Intervenciones con individuos, parejas, familias y organizaciones.


Buenos Aires: Eudeba, 2000.

95
A ética na mediação

Tânia Lobo Muniz

Sumário: 1 Apresentação - 2 A ética - 3 A eticidade - 4 Código de Ética - 5 Valores a


serem positivados - 6 A atuação do mediador, a questão ética, o comprometimento
de sua atuação e os reflexos na aceitação e permanência do instituto - 7 Conclusão -
Referências

Ética é daquelas coisas que todo mundo sabe o que são, mas que não são fáceis de
explicar, quando alguém pergunta (VALLS, 1993, p. 7).

Ética, já sabemos de que se trata. Há quem saiba mais, quem menos, mas todo ser
humano tem sua noção básica. Alguns a levam mais a sério, outros nem tanto como seria
desejável (IASI, 2002).

1 Apresentação
A presente exposição aborda a questão da importância de se delimitar
parâmetros, standards de comportamento e de procedimento para o instituto da
mediação e o comprometimento entre o cumprimento desses valores estabelecidos
e a seleção, formação e atuação dos mediadores, que proporcionarão uma maior
credibilidade, aceitação e consequente crescimento de sua utilização. Explana, então,
sobre ética e eticidade, a importância de um código e seu conteúdo, a relevância da
personalidade do terceiro interventor e sua formação e os reflexos destes em relação
aos princípios atinentes ao mediador e aos mediados e à própria mediação.

2 A ética
Antes de falar em um Código de Ética para mediação, deve-se delimitar
primeiramente o que se entende por ética e por eticidade, quais as vantagens de
se estabelecer um padrão de comportamento e quais os parâmetros que devem
dele fazer parte.
O que é ética? As citações ao início já demonstram que parece ser fácil
identificar do que estamos falando, porém, na sua concretização, grande
complexidade se faz presente.
Ética é uma palavra de origem grega, que pode ser entendida como costume
e/ou propriedade do caráter. Está presente nesta e em todas as sociedades,
inclusive, aceitando-se hoje como encontrável nas não humanas (SINGER, 1994,
p. 4-6). Nessa análise, tomaremos como seu objeto material somente o ato
humano e como seu objeto formal a moralidade desse ato. Portanto, a ética lida
com questões do bem, do direito, da justiça, da honestidade, da sinceridade,
do bem comum, etc. Ela é o elemento fundamental de retroação social, ou seja,

96
Tânia Lobo Muniz

é o componente que coloca o relacionamento recíproco pleno como referencial


absoluto da evolução humana e social rumo à sua finalidade (IASI, 2002).
A ética pode ser compreendida, então, como o estudo sistemático da
argumentação sobre como nós devemos agir (filosofia moral), mas também como
um conjunto de regras, princípios ou maneiras de pensar que guiam ou chamam
a si a autoridade de guiar as ações de um grupo em particular (moralidade)
(SINGER, 1994, p. 4-6). São os costumes concretos, as tradições das formas de
agir de um povo ou de uma civilização.

3 A eticidade
O que é eticidade? O que determina o comportamento ético do indivíduo?
No pensamento de Hegel, exposto por Thadeu Weber (1999, p. 97-118),
a eticidade está ligada à adequação da vontade individual aos conceitos e
parâmetros identificados como éticos. A vontade, por sua vez, só se determina
pela decisão que a individualiza em relação ao outro. Toda decisão é, então, uma
escolha que leva à renúncia das demais possibilidades estabelecendo limites.
Essa escolha é determinada pelas:

[...] circunstâncias históricas, a cultura, os hábitos e costumes. Todo esse movimento


de concretização, limitação, mediação social da liberdade é o âmbito da eticidade. [...]
A eticidade trata das determinações objetivas ou da mediação social da liberdade. Tem,
portanto, um conteúdo e uma existência que se situa num nível superior ao das opiniões
subjetivas e caprichos pessoais: “as instituições e leis existentes em si e para si”. [...] Como
membro (Mitglied) de uma comunidade ética é qualificado, a partir das determinações
objetivas — dos resultados e consequências — de suas ações.

Como ética e eticidade dependem do comportamento humano, vale lembrar


que comportamento é uma decisão exclusivamente pessoal, e que o entendimento
de um conceito não implica sua aplicação prática81. Assim, a execução de quaisquer
atividades se desenvolve em uma sucessão de escolhas e de práticas de virtude
que nada mais são do que os valores transformados em ação.

4 Código de Ética
Por que um Código de Ética? Quais as vantagens de se positivar valores?
Porque tais documentos, nas diferentes atividades, em especial na
mediação, têm a função de proporcionar parâmetros ou diretrizes para que os
envolvidos se sintam seguros ao adotarem formas éticas de se conduzir, de garantir
homogeneidade na forma de encaminhar as questões específicas e de incrementar
a integração entre os que desempenham a atividade (WHITAKER, 2002).
Têm a capacidade de favorecer o ambiente para o desenvolvimento dos
trabalhos de mediação, o que desencadeia a boa qualidade da comunicação, alto
rendimento e, por via de consequência, ampliação nas soluções dos conflitos
mediados e dos acordos alcançados, com maior satisfação para os envolvidos
no processo, facilitando o acesso à justiça.

81 Todos sabemos o que é empatia, o que é respeito — mas, no dia-a-dia, não reservamos muito
tempo para aplicar tais conceitos às nossas relações... (SERRA, 2005).

97
A ética na mediação

Esses instrumentos têm, ainda, o dom de criar nos participantes maior


sensibilidade, o que lhes permite procurar o bem-estar de todos e, como
resultado, sua satisfação; têm o dom de estimular o comprometimento e
consolidar a lealdade de todos os envolvidos na mediação, ocasionando uma
maior proteção aos interesses de todos os que contribuem para a mediação,
favorecendo a inclusão e pacificação social.
Através disso, têm o poder de dar maior prestígio, credibilidade e valor,
fortalecendo a imagem do instituto e garantindo a sobrevivência da atividade
de mediação, assim como, em relação aos envolvidos, têm o condão de gerar a
credibilidade, necessária e essencial, na possibilidade de explorar um caminho que
abre espaço para que os mediados busquem juntos, sem antagonismo, os valores e os
resultados pretendidos, redundando em prevenção da má administração dos conflitos.

5 Valores a serem positivados


Para estabelecer parâmetros (BENJAMIN, 2004; PORTUGAL, 2002) para a
mediação, devemos questionar, dentre outros aspectos: Por que estabelecer estes
padrões? Quais linhas de pensamento deverão ser adotadas? Quais ações dos
mediadores precisam ser evitadas ou resguardadas? Quem vai ser protegido de
quem ou do que? Como proteger os próprios mediadores deles mesmos e de suas
melhores intenções em benefício do processo de mediação? É possível assegurar
a autodeterminação das partes? Os negociadores devem participar de boa-fé?
Não se pretende neste trabalho responder a todos estes questionamentos,
mas analisar e levantar alguns pontos a serem abordados por estes documentos.
Durante muito tempo, por questões estruturais, políticas e sociais, o
Estado tomou para si a solução de conflitos de forma paternalista, retirando do
indivíduo o poder de gerir seus litígios fora do albergue estatal.
Movimentos contrários a essa postura encontram-se em marcha, pelos
quais se pretende devolver à sociedade a responsabilidade, o exercício cidadão
de participação na administração da justiça e de construção da paz social,
fomentando a utilização dos mecanismos alternativos de resolução de conflitos.
As últimas décadas, no cenário internacional, trouxeram a expectativa
de que a prática da negociação continuará a ser um modo viável e aceitável
de administração de conflitos, modificando um quadro histórico em que os
negociadores eram vistos como não confiáveis.
Esta mudança envolveu uma importante lição: para traçar um caminho
realista para o desenvolvimento deste campo, fez-se necessária a formulação de
padrões de comportamento práticos e éticos, essenciais para modelar e estruturar
essa área da administração de conflitos e, para estabelecer um parâmetro, uma
fundação para a atividade profissional da mediação.
No Brasil, este mecanismo está em estágio embrionário, tanto como modelo
de pacificação de conflitos quanto como atividade profissional. Porém, pelas suas
características e pela tendência mundial de utilização deste mecanismo, antevê-se
a necessidade do estabelecimento de normas que tracem as diretrizes norteadoras
dos procedimentos a serem desenvolvidos e que padronizem a atuação dos
mediadores, tendo objetivos educacionais e consultivos importantes.
A necessidade de criação de um regulamento ou modelo é inquestionável.
Este é um ato político que define a natureza do campo da mediação,

98
Tânia Lobo Muniz

diferenciando-a de outros modelos. Porém, ao fazê-lo, corre-se o risco de se ater


com muito afinco aos limites éticos, num esforço de garantir a confiabilidade do
instituto e perder-se o senso do que é necessário para uma prática competente,
e arrisca-se, ainda, alcançar um resultado que na prática pode ser visto como
bem intencionado, mas irregular, diferente e antiético. Deve-se tomar cuidado
para não ser pretensioso e subjetivo a ponto de encorajar o estabelecimento
de uma linha de batalha entre os vários métodos, técnicas, estilos e práticas da
mediação, ao invés de um modelo utilizável de comportamento.
O equilíbrio é necessário para que não se constranja a flexibilidade
e os movimentos do mediador para realizar seu trabalho de facilitador da
negociação, pois os padrões não implicam no engessamento da mediação, o que
a descaracterizaria, mas no estabelecimento de normas básicas que possibilitem
aos órgãos de mediação, públicos ou privados, institucionais ou cidadãos,
desenvolverem seus procedimentos sem se desviar da essência do mecanismo.
O objetivo destes parâmetros é proteger a sociedade do mau profissional e das
más instituições — proteger-nos de nós mesmos —, assegurando assim uma melhor
utilização do instituto e garantindo os interesses das pessoas que dele se socorrerem,
como também daqueles que atuarão como intervenientes no processo. Há, então, a
necessidade de ser claro, focado e limitado no estabelecimento dos modelos, tendo
em mente comportamentos específicos e a proteção das partes e da integridade do
processo. Valem as máximas: “Quanto menos melhor”; “menos é mais”;
A necessidade de normas de conduta como delineadoras da atuação
profissional é indiscutível, mas estas não garantem ou proporcionam um melhor
desempenho do mediador, o que depende de suas características pessoais.
O código de ética, estabelecendo um conjunto de normas deontológicas
e éticas, designa critérios para as mais variadas condutas, desde fixação de
honorários, princípios relativos à atuação profissional até sanções disciplinares;
padronizando a atuação profissional e protegendo o mediador, tanto nas
relações com os demais profissionais da área e correlatos quanto com as partes
e, essencialmente, assegurando os interesses dos mediados que acreditaram
no instituto, servindo como proteção para a sociedade e como promotor do
crescimento da mediação.
Entre outros elementos, o Código de Ética poderia versar sobre (PORTUGAL,
2002):
a) reconhecimento da autonomia da vontade, garantindo a
autodeterminação das partes;
b) atribuições ou deveres do mediador na condução do processo;
c) princípios éticos fundamentais da atividade, como: a
imparcialidade como critério subjetivo, a independência, a competência,
a diligência e discrição, pela qual também se obriga ao sigilo;
d) imparcialidade como critério técnico, objetivo de atuação,
permitindo a igualdade entre as partes;
e) confidencialidade, assegurando-lhe direito/dever de manter o
sigilo das informações que lhe forem reveladas e a consequente proibição
de intervenção em processos subsequentes à mediação a qualquer título;
f) a nomeação;
g) os limites de sua participação como facilitador e não como
julgador, devendo o acordo refletir a vontade das partes e não as

99
A ética na mediação

determinações do interventor;
h) a condução do processo;
i) o perfil, as qualidades ou as características do mediador;
j) os honorários;
k) a participação das instituições especializadas;
l) o mediador face ao Judiciário.
Pode-se resumir este conteúdo a quatro (BENJAMIN, 2004) comportamentos
específicos para proteger as partes e a integridade do processo de mediação.
Deve o mediador conservar a imparcialidade, revelando e evitando os conflitos de
interesses. Deve o mediador previdente divulgar às partes todo e qualquer contato
ou relacionamento com qualquer uma delas ou com seus associados, organizações,
familiares; devem evitar manter contato ou impropriedades que possam causar aos
mediados o questionamento da parcialidade ou favorecimento do mediador a um
dos negociadores, não somente ao tempo da negociação, mas no futuro.
Deve-se sustentar a clareza de papéis de facilitador e não de julgador, não
devendo jamais fazer recomendações ou apegar-se a uma opção de solução do
problema sem a concordância, por escrito, das partes interessadas. Ele tem o
dever adicional de esclarecer às partes os riscos e vantagens de se fazer certas
escolhas, mas não de induzir as partes ou fazê-lo por elas. O mediador deve
permanecer em sua função e não cruzar a linha de facilitador para a de julgador.
O mediador deve manter o direito de terminação das partes, ligado à sua
autodeterminação. As partes devem ter garantido seu poder de decidir se dão
ou não continuidade ao processo, independente de justificativa ou explicações.
Depende da atuação do profissional a maior ou menor motivação dos envolvidos
para participar da mediação. Se ele não oferecer razões adequadas às partes
para que permaneçam engajadas no processo, elas podem decidir retirar-se ou
procurar outros mecanismos para a solução de seu conflito, sem que possam ser
compelidas a participar por qualquer corte ou outra autoridade.
E ainda, deve ser mantida a confidencialidade, pela qual o mediador se
obriga a não revelar para outrem, perante os tribunais ou outras autoridades
qualquer informação, atitude, motivação ou ação a qualquer tempo das partes;
ele deve manter o dever de lealdade para com os envolvidos.

6 A atuação do mediador, a questão ética, o comprome-


timento de sua atuação e os reflexos na aceitação e
permanência do instituto

Ater-se aos comportamentos acima referidos viabiliza o estabelecimento


de um elo de confiança entre terceiro interventor e mediados, facilitando a
condução do processo e o alcance de suas expectativas e metas.
O mediador, como administrador 82 do conflito entre as partes, tem a
função de exercer a gestão do processo, o governo com controle, pois quem
quer “conduzir” bem deve saber onde quer chegar, o que quer realizar (governo)
e não deve perder o rumo traçado (controle).
A administração do conflito pressupõe traçar as estratégias que darão

82 Administração (Governo ou fins) + Gerenciamento (Controle ou meios) = Gestão (IASI, 2002).

100
Tânia Lobo Muniz

o rumo ao processo a partir da visão de uma meta — a comunicação entre os


litigantes — e, a partir desta, estabelecer a tática a ser aplicada, para saber o que
fazer e como fazer para atingi-la.
O mediador, pela sua função, deve assumir toda responsabilidade pela ética
do processo, pois esta é uma questão filosófica, subjetiva, de responsabilidade
de quem está na administração do conflito, desde os fins aos quais almeja até a
coerência destes fins com os meios utilizados, o que denota a natureza técnica
da atuação pela qual lhe incumbe escolher as melhores técnicas e tecnologias
suficientes para atingir os fins previamente programados.
Em sua atividade, o mediador encontra como maior dificuldade desarmar o
espírito competitivo adversarial das partes, que associam a mediação a um processo
litigioso em decorrência da vivência de uma cultura adversarial; nesse contexto, é
preciso fazer ver aos envolvidos a necessidade de colaborar no desenvolvimento do
processo, para que este alcance o fim almejado. Não é tarefa fácil. Contudo, cabe ao
terceiro interveniente desmontar esse pensamento reinante de oposição e competição,
substituindo-o por cooperação e colaboração, operando uma revolução na mentalidade,
implantando uma forma diferente de intervenção, sem a qual não é viável a aplicação
do método, pois as partes não conseguiriam abandonar suas posições.
Além desta transformação cultural, cabe ao mediador o papel de difusor
das vantagens e objetivos desta forma alternativa de composição de conflitos,
que, por ser uma atividade inovadora, gera insegurança, esclarecendo as dúvidas
daqueles que optam por ela ou que desejam fazer a opção.
Para que esta revolução na cultura adversarial se concretize, faz-se
necessário que o mediador seja profissional conhecedor das técnicas e métodos
a ela inerentes e, além disto, tenha treinamento e vivência específicos nesta área
e, sobretudo, que tenha um comportamento ético, não procurando induzir as
partes a um acordo que elas não estejam prontas a cumprir ou que não esteja
conforme suas vontades e necessidades. Sem estes elementos, não conseguirá
conduzir as partes de forma a alcançarem seus objetivos — acesso à justiça,
proximidade, informalidade e economia processual —, fazendo com que a
sociedade não lhe atribua credibilidade. Pois, se a proposta de utilização do
mecanismo é a de obter uma verdadeira pacificação, fazendo uma transposição
para uma cultura de paz, sua má utilização geraria desconfiança em sua
factibilidade, colocando obstáculos à sua aceitação e desenvolvimento.
Mas para que serve um Código de Ética se não for respeitado? O problema
é que “a ética é eminentemente pessoal. De nada serve a norma ética, escrita
num código, se antes o indivíduo não for ético... não são as normas que fazem
o homem ético”. A chave está na excelência pessoal, na vontade individual de
ser gente, de ser uma pessoa boa, de ser um cidadão, no que se pode chamar
de qualidade humana, colocando-se o acento mais nas virtudes pessoais do que
nas normas éticas (ALONSO, 2002).
Como a ética é antes interna do que externa, flui do interior da pessoa
e não das normas positivas, é essencial que os padrões éticos sejam mantidos
potencializados ao máximo. O grande desafio está, então, na formação ética
pessoal do indivíduo (ALONSO, 2002).
Daí decorre a importância de se adequar os processos de formação e seleção
de mediadores na busca daqueles que tenham o perfil do mediador (DAVIS, 2003, p.
15-26; DIAS, 2003, p. 52-59; MOORE, 1998; SIX, 2001; URY, 2000; PORTUGAL, 2002).

101
A ética na mediação

As características daquele indivíduo, cidadão que “pensa que modificando a si mesmo


é possível mudar sua relação com o outro, com o grupo e por isso mesmo que é
possível mudar um pouco da sociedade” (SIX, 2001, p. 118). O melhor profissional tem
a alma de um humanista, a mente de um estrategista e o coração de um negociador,
oprimido pela fraude, somente para lhe dar a justa medida (BENJAMIN, 2004).
Assim, o bom mediador deve ter algumas características que o habilitem
a desenvolver sua função, tais como: confiabilidade e imparcialidade, paciência e
tenacidade, conhecimento e capacidade, habilidade de comunicação e flexibilidade.
A imparcialidade, da qual trataremos mais adiante, se manifesta na retidão,
na justiça, no equilíbrio de julgamento, sem se deixar dominar pelas paixões,
próprias ou dos envolvidos no processo; sem imparcialidade e neutralidade, não
há confiabilidade que se faça perceptível na habilidade de transmitir às partes
segurança em relação ao seu comportamento, ao seu talento e à sua discrição,
pois, se elas não confiarem na pessoa que desempenhará o papel de terceiro,
não haverá ambiente para a condução da mediação.
A paciência consiste na virtude de suportar os infortúnios, as idas e vindas
e o passar do tempo necessários para a consecução do acordo, uma vez que nem
sempre as coisas se conduzem da maneira como as partes e o mediador imaginaram
e é preciso ter resignação para fazer com que os envolvidos cheguem a um
acordo satisfatório, aliada à tenacidade, que proporciona ao mediador a coerência,
pertinência e firmeza de propósito para chegar até a resolução da questão.
O conhecimento não exige a erudição, mas que tenha relações, convívio,
vivência com os métodos e técnicas necessários ao desenvolvimento da
mediação, que seja versado, que saiba sobre seu conteúdo, assim como sobre o
tema atinente ao objeto do litígio, mas, além da teoria, que tenha a capacidade,
a destreza mental, a agudeza de pensamento, a perspicácia, a inteligência
para apreender e compreender o significado das questões apresentadas e para
adaptar-se aos acontecimentos com facilidade, fazendo a transferência das
técnicas ao conflito e à relação com os mediados.
A habilidade de comunicação diz respeito à capacidade de ouvir e de fazer fluir
as ideias, o diálogo e a conversa entre as partes, propiciando o bom entendimento,
permitindo manter a flexibilidade, exercendo uma verdadeira liderança, fora de
posições radicais e da parcialidade dos discursos elaborados ou apaixonados
das partes, mas próximo da realidade do conflito e das questões sobrejacentes,
permitindo o redimensionamento dos fatos e a transformação da situação conflituosa,
conduzindo os negociadores à melhor solução para a questão e para os envolvidos.
Estas são características difíceis de serem encontradas em conjunto, porém,
quanto mais traços a personalidade do mediador apresentar, tanto melhor seu
desempenho, pois elas possibilitam que o mediador possa atuar de acordo com os
princípios reguladores basilares a todo terceiro interventor de um conflito. Este perfil
ideal se baseia em um código de ética 83 em relação à sua atuação como facilitador da
comunicação e da resolução do litígio, obrigando-o a pautar seu comportamento pelos
princípios da imparcialidade, independência, competência, diligência e discrição.
Muitas dúvidas podem ser levantadas relativamente à garantia e
sustentação do comportamento ético dos mediadores, porém, em defesa da

83 Sobre os princípios reguladores da atuação dos mediadores, Sales (2004); Moore (1998);
Vezzulla (2003); e Portugal (2002).

102
Tânia Lobo Muniz

segurança da mediação, podemos lembrar manifestação de Célio Borja, que,


apesar de dirigida a outro instituto, faz-se adequada para o mecanismo em tela.
Ele expõe que nem sempre estas qualidades são vistas no juiz estatal e que, por
serem “atributos morais”, podem mais facilmente ser encontradas no terceiro,
podemos dizer nos mediadores, escolhidos pelas partes, conscientes de seus
conhecimentos e procedimentos (BORJA, 1995, p. 99-100).
O atributo de imparcialidade 84 pressupõe que o mediador deve agir de
forma neutra 85 e equidistante, sem deixar que sua conveniência ou a de outrem
interfiram em sua atuação, conduzindo as partes de forma justa, sem pender
para qualquer dos lados, mas atendendo igualmente a posição de ambos.
A imparcialidade pode ser analisada sob dois prismas:
a) o objetivo, como princípio técnico na condução do procedimento
que determina ao interveniente proporcionar oportunidades iguais às
partes para que possam conhecer as questões, não beneficiando a
nenhuma; e
b) o subjetivo, como princípio ético, que pressupõe seja o mediador
um estranho à causa e às partes.86
O prisma subjetivo está relacionado aos motivos que comprometem a
atuação isenta do mediador, a exemplo das causas de impedimento e suspeição dos
juízes e árbitros. Estes incidentes podem acarretar a nulidade do acordo firmado
pelos negociadores por interferirem na livre manifestação da vontade, não devendo
atuar no processo de mediação aquele que não possua a isenção necessária.
Decorrendo do fato de que deve imperar a confiança dos envolvidos no
terceiro, a imparcialidade determina o impedimento de atuar como mediadores
àqueles que tenham relação com a causa ou com os litigantes e, ocorrendo
tais situações, assim como o juiz e o árbitro têm o dever de manifestar-se a
respeito, revelando os casos que possam levar a dúvidas justificadas quanto
à sua imparcialidade e independência, antes da aceitação do encargo ou no
desenvolvimento das atividades, abstendo-se de atuar no caso e deixando as
partes cientes de sua condição, o mediador também deverá fazê-lo.
Em se tratando de motivos anteriores à nomeação, quando à parte é dado
conhecer que o mediador não preenchia as condições para intermediar o litígio
após tê-lo indicado, ou seja, apesar de anterior, a causa somente foi conhecida
posteriormente, a parte pode pôr fim à mediação. Nesse mesmo sentido, em
qualquer fase do processo, se os negociadores, em conjunto ou separadamente,

84 Quanto à imparcialidade e neutralidade do mediador: [...] a intervenção do terceiro por mais in-
dependente e imparcial que seja não deixa de ser modificadora, pois a neutralidade inexiste já que
o mediador ao formular questões diversas aos mediados o faz dentro de sua bagagem pessoal e
profissional, porém com um limite de isenção, já que não poderá ultrapassar o terreno fronteiriço
dos valores demarcados e trazidos pelas partes. Marines Suares afirma que se “a neutralidade é
um meio”, acrescentar-se-ia uma finalidade também, “o mediador deverá atuar de maneira impar-
cial e equidistante durante todo o processo, como se fosse de pedra e sem seus valores, precon-
ceitos, crenças, etc. [...]”. Na verdade, é um exercício de isenção, esforço que deverá adotar para
que sua intervenção atinja o ideal da neutralidade necessária (BRAGA NETO, 2003, p. 30).
85 Apesar de a neutralidade ser considerada um mito, uma vez que ninguém é neutro, pois possuímos
uma visão cósmica, convicções, crenças e ideologias e com estes pré-conceitos vivemos e nos rela-
cionamos na vida, deve o mediador procurar manter-se distante das partes e da causa, evitando com-
prometer a decisão das partes e com isso a mediação realizada e o próprio instituto como um todo.
86 A respeito da imparcialidade, Greco Filho (1996, p. 232-235); Santos (1993, p. 170-171); e
Cintra, Grinover e Dinamarco (1997, p. 51-52).

103
A ética na mediação

acharem que não há mais imparcialidade do terceiro, podem dar por finda a
mediação, pois a confiabilidade é essencial ao desenvolvimento de suas atividades.
A independência significa que o mediador, ao atuar na condução do
processo de mediação, não se vincula a nada, somente se limita pela vontade das
partes que são os detentores do poder de decisão quanto ao objeto em litígio e
quanto aos atos a serem praticados. Isto importa em ter a aptidão de perceber e se
ater à real controvérsia e não ao direcionamento apresentado pelos negociadores,
podendo, assim, reconduzi-los aos rumos mais apropriados à questão.
A competência, aqui, deve ser entendida na concepção subjetiva, como
aptidão que varia de mediador para mediador, de caso para caso. Significa avaliar as
condições individuais do terceiro interveniente em relação às suas características
pessoais, como equilíbrio e maturidade, ao aprofundamento do assunto, à prática
como mediador e sua correspondência com a questão a ser mediada, como
personalidade e envolvimento das partes, complexidade do conflito. Deve, para o
correto desempenho deste encargo, utilizar toda sua capacidade e conhecimento
das técnicas, dos métodos de mediação e, se necessário, da matéria em questão,
razões pelas quais foi escolhido. Ser competente é utilizar seu conhecimento e
sua capacidade para efetivamente aplicar conceitos e habilidades de mediação na
prevenção e pacificação do conflito.
Diligência, leciona De Plácido e Silva, “exprime a própria prudência adotada
na execução de todos os atos e negócios jurídicos” (SILVA, 1987, p. 73). Implica em
todo cuidado, empenho e exatidão que o mediador deve ter no desempenho de sua
função, para que esta se cumpra com a devida regularidade, assegurando às partes
a qualidade na intervenção e o desenvolvimento natural do processo, sem demoras
ou abreviações. Não importa em tentar cumprir prazos, pois a mediação não se
desenvolve baseada no tempo e sim na transformação do conflito, mas se trata de
utilizar toda sua capacidade para restabelecer a comunicação e para conduzir os
negociadores ao consenso com a rapidez necessária, possível e razoável.
Deve ainda haver discrição, no sentido de agir com decência, reserva e
prudência, guardando para si os segredos que lhe são revelados em confiança
pelas partes, permitindo aos mediados sentirem-se seguros para revelar questões
as mais variadas sabendo que não serão divulgadas, em juízo ou fora dele, o
que facilita a comunicação e a transformação do conflito. Além do mediador,
obrigam-se a este princípio as partes, os assistentes que intervierem no processo
a qualquer título e os advogados.
Esses valores permitem ao mediador agir de forma a estimular e a manter
as reações adequadas aos vetores de conduta entre os partícipes do processo de
mediação, cujos paradigmas de atuação são: respeito; cooperação; solidariedade;
boa-fé; privacidade; voluntarismo; e autocomposição 87.
O respeito determina que se aceite as pessoas como elas são, tendo
consideração por seus aspectos, emoções, antecedentes, valores, pontos de
vista, referências e motivos, o que possibilita a cooperação entre as partes.
A cooperação envolve escutar ativamente o outro e colocar-se em seu
lugar, estando aberto a ajudar, auxiliar e trabalhar em conjunto na busca da
melhor solução para todos os envolvidos, direta e indiretamente.

87 Sobre os princípios norteadores da conduta dos participantes, Sales (2004); Moore (1998);
Vezzulla (2003); e Portugal (2002).

104
Tânia Lobo Muniz

O respeito e a colaboração levam à solidariedade, ao estabelecimento


de vínculos, laços recíprocos que geram o apoio, o comprometimento com as
necessidades e os interesses do grupo, dos envolvidos e não mais os individuais ou
parciais, buscando a resolução do conflito da forma mais harmoniosa para todos.
A boa-fé envolve o comportamento ético, transparente e honesto dos
participantes, permitindo a visão do objeto litigioso e de seus entornos, voltado
a propiciar a eficácia da negociação.
A privacidade pressupõe que o procedimento deva ser fechado ao público
e sigiloso, preservando a intimidade das partes e suas emoções, facilitando a
formação da confiança entre os participantes e a manifestação de suas emoções
e da comunicação e a abertura à cooperação.
O voluntarismo refere-se à espontaneidade e à prevalência da vontade
das partes em relação à participação, permanência ou término do procedimento.
Pressupõe a atuação ética, competente e diligente do mediador na condução do
processo para que motive os envolvidos a permanecer na mediação, possibilitando,
se assim desejarem, que se retirem sem maiores explicações da mediação.
A autocomposição determina que as partes devem encontrar por si
a solução, escolhendo as melhores opções e os melhores ajustes a serem
acatados por elas. Portanto, é necessário que o terceiro interventor atue de
forma ética e diligente para motivar os envolvidos a se abrirem efetivamente
ao diálogo e para que, através da comunicação e da análise de seus interesses,
motivações e opções, possam atingir a harmonia de sentimentos e ideias e um
acordo satisfatório para todos, não aquele determinado pelo mediador ou por
um dos envolvidos, mas o alcançado responsavelmente, em conjunto e sem a
interferência da vontade, sem a resolução ou a decisão da questão pelo terceiro.

7 Conclusão
Para que um Código de Ética seja um instrumento de realização da
filosofia da atividade, de sua visão, missão e valores, deve ser concebido pela
própria classe e expressar a sua cultura e finalidade, orientar as ações de seus
participantes e colaboradores e explicitar a postura do mediador em face dos
diferentes litígios com os quais interage. É essencial que haja consistência e
coerência entre o que nele está disposto e o que se vive na atividade de mediação.
Se o código de conduta de fato cumprir o seu papel, sem dúvida significará um
diferencial que trará o aperfeiçoamento do instituto e sua maior credibilidade
traduzida no incremento de sua utilização (WHITAKER, 2002).

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106
Diretrizes éticas, capacitação,
credenciamento e supervisão da atuação
de mediadores e conciliadores:
contribuições preliminares

Luciane Moessa de Souza

Sumário. Introdução. 1. Diretrizes éticas. 1.1 Imparcialidade. 1.2 Dever de respeitar a


autonomia das partes. 1.3 Deveres de competência e diligência. 1.4 Dever de alertar as
partes sobre a necessidade de perícia técnica ou assessoramento de terceiros. 1.5 Dever
de zelar pelo equilíbrio de poder entre as partes. 1.6 Confidencialidade. 1.7 Transpa-
rência na condução do processo. 1.8 Dever de zelar pela viabilidade do cumprimento
do acordo. 1.9 Dever de zelar pelos interesses de terceiros afetados. 1.10 Remuneração
do mediador. 2. As qualidades necessárias para um bom mediador. 3. Sobre a regula-
mentação (ou não) da atividade. 3.1 Cadastro, registro ou certificação de mediadores
– critérios apropriados. 3.2 A capacitação de mediadores. 4. Supervisão e aplicação de
penalidades por desvio ético. 6. Conclusões. Referências.

1 Introdução
São pontos cruciais no que concerne ao funcionamento de programas
de solução consensual de conflitos a definição das diretrizes éticas que devem
conduzir a atuação dos profissionais encarregados de tais atividades, bem
assim as condições exigidas para o exercício de tal atividade, seja no que se
refere à qualificação, seja no que concerne ao credenciamento destes profis-
sionais ou à supervisão de sua atuação.
Preliminarmente, cabe, todavia, mencionar a distinção que Jean-François
Six elabora entre “mediadores institucionais”, normalmente integrantes dos qua-
dros de órgãos públicos, e “mediadores cidadãos”, normalmente voluntários que
atuam em programas de mediação comunitária.
Segundo Six (2001, p. 33), os mediadores institucionais são, “essencial-
mente, especialistas formados para atender a um problema específico, bem de-
finido, pelo qual vão responder.” Para esse autor, o “aumento dos conhecimentos
necessários à decisão e uma grande virtuosidade para se encontrar no emara-
nhado da lei os tornaram pouco a pouco imprescindíveis”. Todavia, o “perigo da
burocratização da mediação institucional existe.” (SIX, 2001, p. 30).
Já os mediadores cidadãos “fazem então apelo aos recursos próprios das
pessoas que os procuram. Apóiam-se sobre o que essas pessoas dispõem e que
não se atrevem a utilizar: seus próprios recursos” (SIX, 2001, p. 34). E prosse-
gue: “o mediador cidadão é aquele a quem se procura porque se sabe – ou se
pressente – que tem um dom, o de suscitar ligações, reconciliar as pessoas, de
trazer uma pequena luz a um momento opaco.” (SIX, 2001, p. 35).

107
Diretrizes éticas, capacitação, credenciamento e supervisão da atuação de mediadores e conciliadores

Um outro ponto relevante na distinção da metodologia adotada por cada


um dos dois perfis, que, para Six (2001, p. 35), podem perfeitamente coexistir,
diz respeito ao ritmo dos trabalhos:
O mediador institucional é apressado, pelo organismo que o colocou no lugar, para encon-
trar resultados, para chegar a soluções o mais rapidamente possível; ele deve apresentar
rendimento, o que é compreensível. O mediador cidadão deve tomar tempo, afastar o
simplismo, os atalhos, a precipitação, deve guardar o senso da duração e do recuo, da
paciência e da distância.

Não obstante as diferenças na metodologia ou nos enfoques, creio ser


possível identificar pontos comuns entre todos aqueles que desempenham fun-
ções de mediação e mesmo funções de conciliação, seja no que tange às diretri-
zes éticas de conduta, seja no que tange à capacitação, credenciamento e super-
visão de sua atuação. Passo, assim, a descrever e opinar sobre as proposições e
discussões que se travam sobre o tema em sede doutrinária, de um lado, bem
como relatar e opinar sobre as normas (ou propostas de normas) existentes a
respeito no Brasil e nos Estados Unidos da América, país onde o desenvolvimen-
to dos métodos consensuais de solução de conflitos encontra-se pelo menos
duas décadas à frente do nosso. Vale observar, contudo, que o aprendizado
com a experiência estadunidense não implica, por evidente, trilhar necessária
e exatamente os mesmos caminhos, dadas as peculiaridades que apartam os
dois sistemas jurídicos, mas certamente é uma reflexão útil para um país como
o Brasil, que ainda está iniciando a caminhada nesta seara.

2 Diretrizes éticas
O rol de deveres de mediadores e conciliadores que se apontará a seguir
se pauta pela necessidade de melhor explicitar os limites éticos para a atuação
destes profissionais, tendo em vista os objetivos de resolução pacífica e ao mes-
mo tempo adequada dos conflitos que lhes são submetidos.
Apesar de pairar grande controvérsia, como abordarei mais adiante, so-
bre se a atividade de mediação constitui ou não uma profissão, não existe dúvi-
da quanto ao fato de que ela envolve responsabilidades tanto do ponto de vista
positivo, isto é, deveres de fazer algo durante o processo, quanto do ponto
de vista negativo, ou seja, deveres de não adotar determinadas condutas. Em
simpósio realizado em 1995 nos EUA com o propósito específico de discutir
os padrões de conduta de mediadores e outros profissionais na resolução de
conflitos, uma das falas de abertura já salientou: “há um crescente consenso de
que os métodos alternativos de resolução de controvérsias suscitam questões
de conduta profissional distintas, que não têm como ser totalmente abarcadas
pelos códigos de outras profissões.” (FEERICK et al. 1995, p. 1).
Tânia Lobo Muniz (2009, p. 107), ao tratar da utilidade e importância dos
Códigos de Ética na atuação de mediadores, resume bem a finalidade destes
preceitos de comportamento:
O objetivo destes parâmetros é proteger a sociedade do mau profissional e das más ins-
tituições - proteger-nos de nós mesmos -, assegurando assim uma melhor utilização do
instituto e garantindo os interesses das pessoas que dele se socorrerem, como também
daqueles que atuarão como intervenientes no processo.

108
Luciane Moessa de Souza

É importante registrar, contudo, a advertência da mesma autora, para que


não haja excessos na regulação da prática:
O equilíbrio é necessário para que não se constranja a flexibilidade e os movimentos do
mediador para realizar seu trabalho de facilitador da negociação, pois os padrões não im-
plicam no engessamento da mediação, o que a descaracterizaria, mas no estabelecimento
de normas básicas que possibilitem aos órgãos de mediação, públicos ou privados, insti-
tucionais ou cidadãos, desenvolverem seus procedimentos sem se desviar da essência do
mecanismo. (MUNIZ, 2009, p. 107).

Como lembra Craig McEwen (2005), o estabelecimento de diretrizes éticas


de conduta é apenas o ponto inicial de partida: “Sua utilidade vem dos proble-
mas que eles colocam e dos intercâmbios que eles estimulam entre mediadores
no que diz respeito aos problemas que se apresentam na prática.” É indispensá-
vel que a criação de tais códigos, contudo, seja acompanhada de “discussões on
line, bem como debates presenciais entre mediadores em nível local, regional e
nacional”88 que suplementem a criação das regras. Além disso, lembra ele, “Có-
digos de conduta ou rol de melhores práticas mais particularizados que captem
os desafios de campos diversos devem servir como complementos essenciais
de códigos genéricos”. Este é, sem dúvida, o caso da mediação de conflitos que
envolvem o Poder Público, a qual, sem dúvida, envolve particularidades que não
estão presentes em todos os tipos de mediação.
Antes de examinar cada um dos deveres comumente elencados para me-
diadores, inclusive aqueles pertinentes aos conflitos que envolvem entes pú-
blicos, cabe referir o rol de “princípios fundamentais que regem a atuação de
conciliadores e mediadores judiciais, nos termos do Código de Ética anexo à Re-
solução nº. 125, do Conselho Nacional de Justiça: “confidencialidade, competên-
cia, imparcialidade, neutralidade, independência e autonomia, respeito à ordem
pública e às leis vigentes.” (artigo 1º. do referido código). O PLC 4827/1998
estabelece que o mediador deverá desempenhar suas funções “com imparcia-
lidade, independência, aptidão, diligência e confidencialidade, salvo, no último
caso, por expressa convenção das partes” (artigo 14). Já o novo Código de
Processo Civil brasileiro dispõe, em seu artigo 166, que “a conciliação e a me-
diação são informadas pelos princípios da independência, da neutralidade, da
autonomia da vontade, da confidencialidade, da oralidade, da informalidade e
da decisão informada”. Já o PL 517/2011 dispunha que são princípios básicos
da mediação: “I. imparcialidade do mediador; II. autodeterminação das partes
no que tange ao conteúdo do acordo ou não acordo; III. voluntariedade em
participar da mediação; IV. igualdade das partes e de seu poder decisório; V.
confidencialidade na forma desta lei; VI. comunicação direta entre as partes na
busca de soluções, sempre que possível; VII. eticidade; VIII. potencialização do
acesso à justiça.” (artigo 7º.). Por fim, o PL 7169/2014, versão mais atualizada
dos projetos de lei originados e aprovados no Senado Federal, estatui serem
princípios da mediação: I – imparcialidade do mediador; II – isonomia entre as
partes; III – oralidade; IV – informalidade; V – autonomia da vontade das partes;
VI – busca do consenso; VII – confidencialidade; VIII – boa fé.

88 Tradução desta autora.

109
Diretrizes éticas, capacitação, credenciamento e supervisão da atuação de mediadores e conciliadores

2.1 Imparcialidade
O primeiro dever elencado nos Códigos de Ética de Mediadores costuma
ser a imparcialidade. Nos EUA, às vezes é também chamado de neutralidade e,
por vezes, uma de suas facetas é elencada como um dever autônomo, qual seja,
o dever de evitar conflitos de interesse 89. Trata-se de um debate que conhece-
mos muito bem no Brasil, no campo da Filosofia do Direito, onde o pensamento
crítico já deixou claro, há muito tempo, que a neutralidade, além de impossível,
implicaria a simples manutenção do status quo. No campo da mediação, como
visto, um dos objetivos, segundo parte considerável da doutrina, é transformar
o padrão destrutivo de relacionamento entre as partes, muitas vezes marcado
por considerável desequilíbrio de poder, substituindo-o por um novo padrão,
caracterizado por autêntico equilíbrio, justamente para fazer com que as partes
aprendam a gerenciar seus conflitos de forma natural e construtiva.
Essa postura, que vê na mediação esse caráter pedagógico e transforma-
tivo, somente se coaduna com um dever de imparcialidade que se desdobra no
dever, do qual trataremos mais adiante, de buscar um maior equilíbrio de poder
entre as partes, quando a assimetria é muito significativa.
Segundo Suzanne McCorkle (2005, p. 171),

Muito embora os autores que escrevem sobre mediação diferenciem entre neutrali-
dade (não tomar partido nem ter preconceito em relação a nenhuma das partes) e
imparcialidade (não ter nenhum interesse no desfecho do processo), a maioria dos
Códigos usam os termos de forma intercambiável.

O dever de imparcialidade, em realidade, traz consigo uma série de di-


lemas, que são bem resumidos em cinco perguntas colocadas por McCorkle
(2005, p. 166):
[...] num sentido filosófico global, é de fato possível que um mediador, que tem sua pró-
pria experiência de vida e conhecimentos, seja neutro com relação ao mérito do conflito
e à personalidade ou estilo das partes?
Segundo, [...] técnicas como busca de equilíbrio de poder entre as partes ou o auxílio a
elas em sessões privadas implicam alguma espécie de parcialidade com relação a um dos
lados ou com relação a um determinado desfecho? [...]
Terceiro, modelos de mediação que permitem ao mediador sugerir propostas de solução
do problema conflitam com o papel puramente facilitador do mediador?
Quarto, são éticos os modelos que mantêm a neutralidade e a recusa a interferir, mesmo
que as partes estejam tomando uma decisão de baixa qualidade para ambas? [...]
Quinto, os Códigos permitem alguma flexibilidade?

O Código de Mediadores do Estado de Illinois, por exemplo, aponta Mc-


Corkle (2005, p. 171), dispõe que, “caso as partes cheguem a um acordo que o

89 É interessante observar que aquilo que costumamos chamar no Brasil de neutralidade correspon-
de ao que, nos EUA, se entende por imparcialidade – e vice-versa. Vejamos o que diz Carole Silver
(1996) ao definir imparcialidade: “Impartiality also can be defined as equal treatment; one who
is impartial treats both parties the same, regardless of whether their circumstances indicate that
equivalent results would be produced only by different or unequal treatment.” A mesma autora cita
a definição que Leda M. Cooks e Claudia L. Hale dão a neutralidade: “neutrality involves the idea of
fairness; where differences in power or sophistication of the parties result in one party needing the
mediator’s participation in order to equalize the two sides, neutrality is obtained by such mediation
participation.” Para Silver (1996), “Impartiality may appear compromised in achieving neutrality.”

110
Luciane Moessa de Souza

mediador entende ser inerentemente injusto, ele deve indicar sua não concor-
dância com o desfecho por escrito”.
Voltando, porém, aos pontos sobre os quais não paira grande controvérsia,
no que tange à imparcialidade, esta envolve a proibição de que o mediador atue de
forma tendenciosa ou preconceituosa. Segundo a mais recente versão do Código de
Ética para Mediadores elaborado pela Ordem dos Advogados estadunidense (em ní-
vel federal), pela Associação Americana de Arbitragem e pela Association for Conflict
Resolution, principal entidade profissional de mediadores de âmbito federal naquele
país, “o mediador deverá conduzir a mediação de forma imparcial e evitar conduta
que dê a aparência de parcialidade”90. Trata-se da velha máxima de que “à mulher de
César não basta ser correta, há também que parecer correta”, de maneira que “um
mediador não deverá jamais dar ou aceitar um presente, favor, empréstimo ou outro
item de valor que possa levantar suspeita sobre a imparcialidade real ou percebida
do mediador.”91. A única exceção admitida a esta proibição diz respeito à situação
em que práticas culturais permitam aceitar presentes de pequeno valor econômico.
Decorrência direta do dever de imparcialidade, que prefiro entender como
dela fazendo parte, é o dever de o mediador recusar a função quando presentes
conflitos de interesse entre ele e ao menos uma das partes (standard III, E, do
mencionado Código-modelo) e, em caso de dúvida, deixar às partes a decisão
sobre sua atuação no caso, após revelado o potencial conflito.
A par de todas as regras definindo situações que ameaçam a imparciali-
dade, não posso deixar de realçar o ponto levantado por Carole Silver (1996):

é virtualmente impossível eliminar todas as conexões entre as partes e o terceiro. As partes,


em geral, escolhem um terceiro para cada conflito, e esta seleção, frequentemente, é baseada
em relações prévias entre uma ou ambas as partes, ou seus advogados, e o terceiro.

Deste modo, como resume ela, “as restrições somente se aplicam em cir-
cunstâncias em que o relacionamento entre o terceiro e uma das partes (ou seu
advogado) é tão próximo que provoca em qualquer pessoa razoável a crença de
que ele terá um impacto na conduta do terceiro” 92. Daí a importância de revelar
estas conexões a todas as partes logo no início do procedimento.
O standard III, A, do principal Código de Ética dos EUA assim dispõe a
respeito:
Um conflito de interesse pode surgir a partir de um envolvimento do mediador com a ma-
téria objeto do conflito ou de qualquer relacionamento, passado ou presente, pessoal ou
profissional, que suscite dúvida razoável sobre a imparcialidade do mediador.93

Para evitar os problemas daí decorrentes, segundo o mesmo standard III, C,

o mediador deverá revelar, tanto quanto praticável, todos os reais e potenciais conflitos
de interesse que sejam razoavelmente conhecidos do mediador e possam ser vistos como
suscetíveis de causar dúvida sobre a sua imparcialidade. Após a revelação, se todas as
partes concordarem, o mediador poderá prosseguir com a mediação. 94

90 Standard II, B, caput, do referido Código-modelo de 2005. Tradução desta autora.


91 Standard II, B, 2, do mesmo Código. Tradução desta autora.
92 Tradução desta autora.
93 Tradução desta autora.
94 Tradução desta autora.

111
Diretrizes éticas, capacitação, credenciamento e supervisão da atuação de mediadores e conciliadores

O mesmo vale, segundo o item D deste standard III, para fatos ocorridos
ou conhecidos do mediador apenas após o início do processo de mediação. Já
outros Códigos, como os dos Estados de Massachussetts, Illinois e o do Ca-
lifornia Judicial Council, conforme relata McCorkle (2005, p. 175), estipulam
que, quando houver potencial conflito de interesses, o mediador deve deixar de
atuar, ainda que as partes consintam em que ele continue. Muitos dos Códigos
estaduais, segundo a mesma autora, elencam claramente quais são os tipos de
relacionamento que devem ser revelados pelo mediador às partes, sendo eles:
[...] relações financeiras ou associações; relações familiares ou sociais; relações sociais
ou de negócios com membros da família do mediador ou das partes; relações pessoais,
financeiras ou de negócios com o advogado de alguma das partes; ter atuado como ad-
vogado ou representante de alguma das partes; interesses pecuniários; fazer parte da
mesma Diretoria de algum órgão que alguma das partes; fazer parte do mesmo quadro
de acionistas que alguma das partes; estar envolvido no conflito interesse do escritório
do qual o mediador que é advogado faz parte; estar envolvido no conflito interesse do
empregador do mediador; relações íntimas entre mediador e alguma das partes; visões
fortes com relação a alguma das questões envolvidas no conflito; relações sexuais com
alguma das partes. (MCCORKLE, 2005, p. 177).

Quanto aos conflitos de interesse que podem decorrer de situações poste-


riores ao desfecho, dispõe o item F do standard III do Código-modelo americano
que: “após a mediação, o mediador não deverá estabelecer outro relacionamento
com nenhum dos participantes em qualquer matéria que possa levantar dúvidas
sobre a integridade do processo de mediação” (tradução da autora). A regra é,
porém, flexível, não estabelecendo prazo certo nem que tipo de relacionamento
estaria proibido, deixando a critério do mediador julgar se o relacionamento
poderia gerar a percepção de ter havido um conflito de interesses. No caso dos
Códigos estaduais americanos, segundo McCorkle (2005, p. 178), alguns deles
permitem a atuação profissional do mediador para alguma das partes, caso as
demais assim consintam (caso do Alabama).
No Brasil, o Código de Ética para Mediadores do Conselho Nacional das
Instituições de Mediação e Arbitragem (CONIMA), em seu subitem III, 2, dispõe
que o mediador “revelará, antes de aceitar a indicação, interesse ou relaciona-
mento que possa afetar a imparcialidade, suscitar aparência de parcialidade ou
quebra de independência, para que as partes tenham elementos de avaliação e
decisão sobre a sua continuidade.”
Neste compasso, estabelece o mesmo Código, no subitem IV (Do mediador
frente às partes), 5, que cabe ao mediador “dialogar separadamente com uma
parte somente quando for dado o conhecimento e igual oportunidade à outra.”
Já no subitem IV, 10, estabelece caber ao mediador “observar a restrição
de não atuar como profissional contratado por qualquer uma das partes para
tratar de questão que tenha correlação com a matéria mediada.”
Esta proibição, que, no caso do Código do CONIMA, é limitada sob o
ponto de vista material (só vale para matéria correlata com a mediação), mas
ilimitada sob o prisma temporal, é absolutamente relevante no caso em que uma
das partes constitui o que se chama nos EUA de “repeat players” e no Brasil de
“litigantes habituais”, ou seja, aqueles entes (públicos ou privados) que se veem
envolvidos em grande número de conflitos semelhantes, gerando grande pos-

112
Luciane Moessa de Souza

sibilidade de o mediador vir a atuar novamente para uma delas, que é também
a parte mais poderosa, tanto do ponto de vista econômico quanto do ponto de
vista do acesso a informações e assessoria técnica relevantes.
As legislações argentina e colombiana sobre o assunto também cuidaram
de trazer proibições com o propósito de garantir a imparcialidade do mediador ou
do conciliador. Na Argentina, o mediador fica impedido de atuar para qualquer das
partes até um ano após a cessação de sua atuação como mediador, não no caso
concreto, mas do exercício da atividade de mediador. A proibição é definitiva no que
diz respeito às causas em que atuou como mediador – disposição que parece bas-
tante adequada. Na Colômbia, da mesma forma, os conciliadores ficam impedidos,
em definitivo, de atuar como árbitros, consultores ou procuradores de qualquer das
partes em assuntos relacionados ao conflito em que tenham atuado, porém não
existe proibição de trabalhar ou se relacionar com as partes em outros assuntos.
Prevê ainda a legislação que os centros de conciliação ficam impedidos de atuar em
casos nos quais eles ou seus membros sejam diretamente interessados.
O PLC 4827/1998 previa que o mediador ficaria impedido por dois anos (a
contar do encerramento da atuação no caso) de prestar qualquer serviço às par-
tes; e, em se tratando de matéria correlata à mediação, o impedimento é definitivo
(artigo 23 do projeto). Naturalmente, havia também previsão de que os casos de
impedimento e suspeição de juízes estendem-se a mediadores (artigo 21).
O PLS 517/2011 previa o seguinte acerca do tema, em seu artigo 4º.:
§ 1º. Além de todas as hipóteses legais de impedimento de juízes e árbitros, o mediador
deve afastar-se da condução do caso sempre que tenha conhecimento de qualquer fato ou
circunstância que possa dificultar sua imparcialidade na condução da mediação.
§ 2º. Caso o mediador tome conhecimento de qualquer fato ou circunstância que possa
ser percebida pelas partes e seus advogados como conflito de interesses, deverá revelá-lo
imediatamente a todos, podendo afastar-se do caso ou permanecer como mediador com
a concordância expressa de todas as partes.

O PLS 517/2011 não previa, porém, qualquer impedimento para a atua-


ção posterior de mediadores.
Já o texto do novo Código de Processo Civil prevê, em seu artigo 172, que
o conciliador ou mediador “fica impedido, pelo prazo de um ano contado a partir
da última audiência em que atuaram, de assessorar, representar ou patrocinar
qualquer das partes”. Além de estipular prazo curto, não se estabelece qualquer
proibição adicional de atuar em matéria correlata à do litígio, estabelecendo
autêntico retrocesso em relação ao conteúdo do projeto de lei anterior sobre o
assunto. Dispõe também que os conciliadores e mediadores judiciais que sejam
advogados estão impedidos de exercer a advocacia nos juízos em que desem-
penhem suas funções (art. 167, § 5º.). A redação original, mais restritiva, falava
em “limites da competência do respectivo tribunal” (o que abrangeria toda a
Justiça Federal, estadual ou trabalhista de uma dada região ou Estado) e da proi-
bição de integrar escritório de advocacia que atuasse na mesma área.
O PLS 405/2013, que tratava apenas da mediação extrajudicial, dispunha
que as “pessoas indicadas para funcionar como mediador têm o dever de revelar,
antes da aceitação da função, qualquer fato que denote dúvida justificada quanto
à sua imparcialidade em relação às partes e ao conflito” (artigo 12), e também
proibia o mediador de atuar como árbitro em conflito no qual tenha atuado como
mediador, salvo acordo em sentido contrário entre as partes (artigo 13).

113
Diretrizes éticas, capacitação, credenciamento e supervisão da atuação de mediadores e conciliadores

Já o anteprojeto elaborado pela Comissão de Especialistas do Ministério


da Justiça, que veio a se converter no PLS 434/2013, estipulava que os mediado-
res ficariam impedidos “pelo prazo de dois anos, contados do término da última
sessão de mediação em que tenha atuado, de assessorar, representar ou patro-
cinar qualquer das partes” (artigo 11), além de estabelecer que se aplicam aos
mediadores as mesmas hipóteses legais de impedimento e suspeição de juízes,
“devendo o mediador revelar, antes da aceitação da função, qualquer fato que
comprometa sua imparcialidade em relação às partes e ao conflito” (artigo 10).
A redação final da lei que se originou de tais projetos, Lei 13.140, de 26 de
junho de 2015, , inclui norma (art. 6º.) que repete a mesma regra do artigo 172
do novo CPC, com o prazo de apenas um ano, além de proibição da atuação como
árbitro ou como testemunha em processo arbitral ou judicial em que tenha atuado
como mediador (art. 7º. da nova lei). Também estão mantidas a aplicação das cau-
sas de suspeição e impedimento de juízes e o dever de revelar às partes qualquer
situação que possa suscitar dúvida quanto a sua imparcialidade (art. 5º.).
Já o Código de Ética de Conciliadores e Mediadores Judiciais constante da
Resolução nº. 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça dispõe, em seu artigo
7º., que o “conciliador/mediador fica absolutamente impedido de prestar servi-
ços profissionais, de qualquer natureza, pelo prazo de dois anos, aos envolvidos
em processo de conciliação/ mediação sob sua condução”.
O mesmo Código define a imparcialidade como “dever de agir com au-
sência de favoritismo, preferência ou preconceito, assegurando que valores e
conceitos pessoais não interfiram no resultado do trabalho, compreendendo a
realidade dos envolvidos no conflito e jamais aceitando qualquer espécie de
favor ou presente” (artigo 1º.). Sobre a neutralidade, define-a como o “dever de
manter equidistância das partes, respeitando seus pontos de vista, com atri-
buição de igual valor a cada um deles” (artigo 1º.). Estabelece ainda um dever
que em muito favorece também a manutenção da imparcialidade: o dever de
“independência e autonomia”, que consistiria no “dever de atuar com liberdade,
sem sofrer qualquer pressão interna ou externa, sendo permitido recusar, sus-
pender ou interromper a sessão se ausentes as condições necessárias para seu
bom desenvolvimento, tampouco havendo obrigação de redigir acordo ilegal ou
inexequível.” (artigo 1º.)
Cabe, por fim, mencionar que o mesmo Código de Ética dispõe, em seu
artigo 5º, que:
Aplicam-se aos conciliadores/mediadores os mesmos motivos de impedimento e suspei-
ção dos juízes, devendo, quando constatados, serem informados aos envolvidos, com a
interrupção da sessão e sua substituição.

2.2 Dever de respeitar a autonomia das partes


O Código-modelo americano de 2005 cuida, em primeiro lugar, do princí-
pio da auto-determinação das partes. Dispõe ele que: “As partes podem exercer
sua auto-determinação em qualquer estágio da mediação, incluindo a seleção do
mediador, a definição de cada etapa do processo, sua participação ou retirada
do processo e o desfecho deste.”
O Código do CONIMA dispõe, em seu subitem IV, 9, caber ao mediador: “9.
Eximir-se de forçar a aceitação de um acordo e/ou tomar decisões pelas partes.”

114
Luciane Moessa de Souza

Os deveres em questão apenas reforçam a ideia de que a mediação é um


rocesso que devolve às partes o poder para construir a solução mais apropriada
para o seu conflito.
Cabe registrar, neste particular, que o projeto de novo Código de Proces-
so Civil brasileiro dispõe, em seu artigo 146, que “O conciliador ou o mediador
poderá ser escolhido pelas partes de comum acordo, observada a legislação
pertinente.”
Já o Código de Ética de Conciliadores e Mediadores Judiciais, constante da
Resolução nº. 125/2010 do CNJ, inclui entre as regras que regem o procedimen-
to de conciliação/mediação (artigo 2º.) a seguinte:

§ 2º. Autonomia da vontade – Dever de respeitar os diferentes pontos de vista dos


envolvidos, assegurando-lhes que cheguem a uma decisão voluntária e não coercitiva,
com liberdade para tomar as próprias decisões durante ou ao final do processo, podendo
inclusive interrompê-lo a qualquer momento.
§ 3º. Ausência de obrigação de resultado – Dever de não forçar um acordo e de não tomar
decisões pelos envolvidos, podendo, quando muito, no caso da conciliação, criar opções,
que podem ou não ser acolhidas por elas.

2.3 Deveres de competência e diligência


Em seu subitem II (Princípios Fundamentais), o Código do CONIMA defi-
ne competência como “a capacidade para efetivamente mediar a controvérsia
existente”. Assim, o mediador “somente deverá aceitar a tarefa quando tiver as
qualificações necessárias para satisfazer as expectativas razoáveis das partes.”
Mais adiante, em seu subitem V, 4, estabelece ser dever do mediador:
“Assegurar a qualidade do processo, utilizando todas as técnicas disponíveis e
capazes de levar a bom termo os objetivos da mediação.”
O Código-modelo americano já referido assim dispõe a respeito: “O me-
diador deverá mediar apenas quanto tiver a competência necessária para satis-
fazer as expectativas razoáveis das partes.” 95.
Dois desmembramentos do dever em questão pelo mesmo Código mere-
cem menção:
2. O mediador deverá frequentar programas educacionais e atividades relacionadas para
manter e aprimorar seus conhecimentos e habilidades relativos à mediação.
3. O mediador deverá ter disponíveis para as partes informações relevantes quanto ao
seu treinamento, educação formal, experiência e abordagem preferida ao conduzir uma
mediação.96.

O dever de diligência também tem especial relevância no que diz respeito


à duração do processo de mediação. O Código-modelo americano cuida do tema:
“O mediador somente deverá aceitar casos quando possa satisfazer às razoáveis
expectativas das partes no que diz respeito à duração do processo de mediação.” 97.
O Código de Ética de Conciliadores e Mediadores Judiciais constante da
já referida Resolução do CNJ define o dever de competência como: “dever de
possuir qualificação que o habilite à atuação judicial, com capacitação na forma

95 Standard IV, caput, tradução desta autora.


96 Idem.
97 Standard VI, A, 2, tradução desta autora.

115
Diretrizes éticas, capacitação, credenciamento e supervisão da atuação de mediadores e conciliadores

desta Resolução, observada a reciclagem periódica obrigatória para formação


continuada.” (artigo 1º.)
2.4 Dever de alertar as partes sobre a necessidade de perí-
cia técnica ou assessoramento de terceiros
O dever em questão está diretamente relacionado aos deveres de impar-
cialidade e de respeitar a autonomia das partes, podendo ser entendido como
implícito naqueles ou como deles decorrente. O que importa é reconhecer a sua
necessidade, a partir do momento em que é inevitável haver diferenças no grau
de informações e preparo das partes presentes numa mediação. Essas diferen-
ças, por evidente, podem afetar o grau de discernimento de cada uma delas com
relação a uma eventual proposta de solução do seu problema.
O Código-modelo americano, ao tratar do princípio da auto-determinação
das partes, assim estabelece:
O mediador não pode garantir pessoalmente que cada parte tenha feito escolhas livres e
informadas para alcançar cada decisão, mas, sempre que apropriado, o mediador deverá
alertar as partes sobre a importância de consultar outros profissionais para ajudá-las a
fazer escolhas informadas. 98

Não podendo o mediador, porque não é sua função (de modo que, muitas ve-
zes, sequer estará qualificado para tanto), prestar assessoria jurídica, psicológica ou de
qualquer natureza técnica às partes – o que, ademais, poderia mesmo colocar em risco
a sua imparcialidade –, o mediador pode e mesmo deve alertar qualquer uma das par-
tes sobre a necessidade de uma assessoria em área profissional especializada quando
perceber que esta é necessária e não está sendo buscada espontaneamente pela parte.
O Código de Ética para Mediadores do CONIMA, em seu subitem V, 6, tam-
bém dispõe caber ao mediador: “Sugerir a busca e/ou a participação de especia-
listas na medida em que suas presenças se façam necessárias a esclarecimentos
para manutenção da equanimidade”.
Da mesma forma, no subitem IV, 7 e 8, o mesmo Código dispõe caber ao
mediador:

7. Assegurar-se de que as partes tenham suficientes informações para avaliar e decidir.


8. Recomendar às partes uma revisão legal do acordo antes de subscrevê-lo.

O Código-modelo americano, supra mencionado, também alerta sobre a


necessidade de separar o papel do mediador do de um consultor técnico espe-
cializado em matéria afeta ao conflito:

O papel do mediador difere substancialmente de outros papeis profissionais. Misturar o papel de


mediador e o papel de uma outra profissão é problemático e, assim, o mediador deve distinguir
entre os papeis. O mediador poderá prestar informações que esteja qualificado pela sua forma-
ção ou experiência a fornecer apenas se puder fazer isso sem violar as regras deste código.
[...]
O mediador não deverá desempenhar um papel adicional na resolução do conflito sem o
consentimento das partes. Antes de prestar tal consultoria, o mediador deve informar às
partes das implicações da mudança para o processo e obter delas o consentimento para a
mudança. O mediador que assumir tal papel assume diferentes obrigações e responsabi-

98 Standard I, A, 2, tradução desta autora.

116
Luciane Moessa de Souza

lidades que podem ser governadas pelas regras de outras profissões. 99

É interessante notar que, neste particular, o Código-modelo anterior, de


1994, era ainda mais restritivo:
O principal propósito de um mediador é facilitar um acordo voluntário entre as partes.
Esse papel difere substancialmente de outras relações entre profissional e clientes. Mis-
turar o papel de mediador e o papel de um profissional que presta consultoria (aconse-
lhamento) a um cliente é problemático e mediadores precisam distinguir entre os papeis.
O mediador deve abster-se de prestar consultoria profissional às partes. [...] O mediador
que, a requerimento das partes, assume um outro papel na resolução de seu conflito as-
sume responsabilidades e obrigações profissionais adicionais, que podem ser governadas
pelas regras de outras profissões. 100

O Código-modelo americano deixa claro, desta maneira, que o mediador


que presta consultoria em matéria técnica afeta ao conflito, seja ela jurídica, psi-
cológica ou de outra natureza, somente pode fazer isso com o consentimento
das partes, pois, do contrário, estaria extrapolando indevidamente o seu papel
de mediador. Ainda assim, passa a sujeitar-se às regras profissionais da catego-
ria à qual compete prestar consultoria na matéria, seja mediante eventual exer-
cício ilegal de profissão (se aquela não for área para a qual o mediador esteja
habilitado a atuar), seja respondendo simplesmente por eventual consultoria
inadequada (caso, estando o mediador habilitado a atuar na matéria, a orienta-
ção seja acatada pela parte que recebeu a consultoria e se comprove posterior-
mente que a orientação estava equivocada).
É importante lembrar, contudo, que, em determinadas situações, uma das
partes, ainda que alertada pelo mediador, pode não querer ou não ter condições
de pagar pela assessoria profissional apropriada ou, mais delicado ainda, pode
ocorrer de a assessoria profissional contratada ignorar ou se equivocar sobre
ponto essencial acerca da proposta de acordo. O tema foi objeto de debate em
simpósio nos EUA em 1995 e a posição externada pela Professora Lela Love
(1995, p. 10), uma das painelistas, parece oferecer uma boa solução:

[...] o mediador deverá suscitar questões específicas e formular perguntas acerca de pon-
tos que as partes não examinaram, alertando-as sobre a imperativa necessidade de obter
maiores informações ou aconselhamento jurídico e/ou alertando seus advogados para
fazerem seu dever de casa com respeito a questão específica levantada pelo mediador,
bem como outras questões que podem ter passado despercebidas ao mediador.[...] o
mediador, em sessões privadas com cada uma das partes, deverá verificar se cada uma
delas considerou o possível desfecho em um processo judicial e avaliou os pontos fracos
e fortes de suas respectivas posições. [...] Fazer perguntas cabe perfeitamente dentro do
papel do mediador, mas dar ou sugerir respostas não cabe.

Outro dos painelistas, Dean Feerick (1995, p. 13), também defendeu a


possibilidade de trabalhar com as partes em sessões privadas para se assegurar
de que elas estão tomando decisões bem-informadas, sendo que, se ainda assim
não for possível se assegurar disso, segundo ele, cabe encerrar a mediação.
No Brasil, o Código de Ética de Conciliadores e Mediadores Judiciais cons-
tante da já referida Resolução do CNJ estabelece, como uma das regras que
regem o procedimento de conciliação/mediação, a “desvinculação da profissão
de origem”, que consiste no dever que possui o mediador ou conciliador de
99 Standard VI, item 5, tradução desta autora.

100 Standard VI, comentários, tradução desta autora.

117
Diretrizes éticas, capacitação, credenciamento e supervisão da atuação de mediadores e conciliadores

“esclarecer aos envolvidos que atua desvinculado de sua profissão de origem,


informando que, caso seja necessária orientação ou aconselhamento afetos a
qualquer área do conhecimento, poderá ser convocado para a sessão o profis-
sional respectivo, desde que com o consentimento de todos.” (artigo 2º., § 4º.)

2.5 Dever de zelar pelo equilíbrio de poder entre as partes


Demonstrando mais uma vez que a concepção prevalecente quanto ao pro-
cesso de mediação não se reduz a uma igualdade formal entre as partes, a maioria
dos Códigos de Ética menciona um dever do mediador de zelar pela manutenção
de um equilíbrio adequado no que tange à participação das partes no processo.
O Código de Ética de Mediadores do CONIMA, em seu subitem IV, 6, tam-
bém dispõe caber ao mediador: “6. Assegurar-se que as partes tenham voz e
legitimidade no processo, garantindo-se assim equilíbrio de poder.”
Mais adiante, no subitem V, 8, dispõe caber a ele: “Suspender ou finalizar
a mediação quando concluir que sua continuação possa prejudicar qualquer dos
mediados ou quando houver solicitação das partes.”
Já o Código-modelo americano assim estabelece:
Se uma das partes aparentar ter dificuldades em compreender o processo, as questões
nele envolvidas ou as possíveis opções de acordo que se apresentam, ou dificuldades em parti-
cipar do processo, o mediador deverá explorar as circunstâncias e possibilidades de ajuste ou
modificações que tornem possível a esta parte compreender, participar e exercer sua auto-deter-
minação.

No âmbito da legislação dos Estados americanos, o Código do Estado de


Iowa, segundo McCorkle (2005, p. 174), estabelece o seguinte dever: “O media-
dor dará a devida consideração a todas as partes e pode empregar diferentes
técnicas para assisti-las, baseado em suas distintas necessidades.”

2.6 Confidencialidade
Outro item sempre presente nos Códigos de Ética de Mediadores é a con-
fidencialidade.
O Código-modelo americano já mencionado, em seu standard V, estabe-
lece o dever de confidencialidade tanto quanto ao que foi ventilado na sessão
conjunta quanto nas sessões individuais, estipulando como únicas exceções o
consentimento das partes ou a existência de legislação em contrário.
O Código do CONIMA dele trata em diversos pontos:
V. DO MEDIADOR FRENTE AO PROCESSO
O mediador deverá:
[...]
3. Esclarecer quanto ao sigilo.
[...]
5. Zelar pelo sigilo dos procedimentos, inclusive no concernente aos cuidados a serem
tomados pela equipe técnica no manuseio e arquivamento dos dados.

O subitem IV, 5, dispõe ser dever do mediador: “esclarecer a parte, ao fi-


nalizar uma sessão em separado, quais os pontos sigilosos e quais aqueles que

118
Luciane Moessa de Souza

podem ser do conhecimento da outra parte.”


Existem, contudo, diversas exceções à regra da confidencialidade, con-
forme se pode verificar na legislação de vários Estados americanos. No painel
realizado em 1995 durante um simpósio nos EUA acerca da conduta profissional
de mediadores, a Professora Carol Izumi (1995, p. 14) fornece um valioso inven-
tário a respeito:
a) a primeira exceção é a autorização das partes;
b) a segunda possibilidade de quebra da confidencialidade é a si-
tuação de apuração da atuação profissional do mediador, num possível
processo disciplinar;
c) a terceira é para assegurar a integridade do processo, ou seja,
para fazer valer o acordo pelo qual se estipulou a utilização da media-
ção, para fazer cumprir o acordo resultante da mediação ou ainda para
provar a validade do acordo referido;
d) a quarta diz respeito às informações discutidas durante o pro-
cesso de mediação que poderiam ser descobertas de outra forma;
e) a quinta abrange as situações em que, durante o processo de
mediação, alguma das partes revela ao mediador a intenção de praticar
um crime;
f) a sexta possibilidade envolve a proteção da administração da
justiça, isto é, para provar a suspeição de uma testemunha, para inva-
lidar um esforço de obstruir investigação criminal ou caso o mediador
tenha razões para crer que uma das partes fez afirmação falsa que
constituiria perjúrio caso feita em juízo;
g) a sétima diz respeito às situações em que houver ente público
envolvido e em que, de acordo com as legislações acerca da transpa-
rência dos atos administrativos, a confidencialidade não se aplica.
Não obstante o entendimento externado pela Professora seja o mais ade-
quado para a esfera pública 101, como se pôde apurar durante pesquisa de cam-
po realizada durante meu Doutoramento 102, não foi este o entendimento que
prevaleceu na prática da mediação envolvendo entes públicos nos EUA, seja na
mediação em juízo, seja naquela realizada no seio de processos administrativos,
ao menos no que concerne a conflitos de dimensão individual.
No sistema brasileiro, contudo, à luz do princípio da publicidade inscul-
pido no artigo 37, caput, da nossa Constituição Federal, não me parece haver
outra solução jurídica admissível senão o reconhecimento da inaplicabilidade
de confidencialidade, como regra, no processo de mediação envolvendo entes
públicos – ao menos no que diz respeito às sessões conjuntas, em que efeti-
vamente se debate e se decide a melhor solução para o problema. No que diz
respeito às sessões individuais, que são meramente preparatórias do diálogo e

101 O mesmo entendimento é defendido, entre outros trabalhos, no artigo “Keeping public me-
diation public: exploring the conflict between confidential mediation and open government”, de
Thomas Leatherbury e Mark A. Cover, publicado na SMU Law Review (n. 46, 1992-1993, p. 2221-
2234). Também sobre as diversas exceções à confidencialidade, ver: HOBBS, Karin S. Mediation con-
fidentiality and enforceable settlements: deal or not deal? Utah Bar Journal. N. 20, 2007, p. 37-41.
102 A tese foi convertida nas obras “Meios consensuais de solução de conflitos envolvendo entes
públicos: negociação, mediação e conciliação na esfera administrativa e judicial” e “Mediação de con-
flitos coletivos: a aplicação dos meios consensuais à solução de controvérsias que envolvem políticas
públicas de concretização de direitos fundamentais”, ambas recém publicadas pela Editora Fórum.

119
Diretrizes éticas, capacitação, credenciamento e supervisão da atuação de mediadores e conciliadores

da deliberação, não parece fazer sentido, de outra parte, pensar em quebra de


confidencialidade, sob pena de se limitar em demasia a possibilidade de intera-
ção entre mediador e partes e a relação de confiança daí decorrente – ressalvada
a hipótese, por evidente, de o mediador ter conhecimento, durante as sessões
privadas, de ato criminoso ou claramente contrário ao interesse público.
Por ora, é importante referir que o novo Código de Processo Civil brasileiro
contém previsão expressa acerca da confidencialidade, não trazendo, porém, ne-
nhuma exceção a ela, nem estabelecendo qualquer regra especial para os conflitos
que envolvem entes públicos. Segundo o parágrafo 1º. do artigo 166, a “confiden-
cialidade se estende a todas as informações produzidas ao longo do procedimento,
cujo teor não poderá ser utilizado para fim diverso daquele previsto por expressa
deliberação das partes”. No mesmo compasso, o parágrafo seguinte dispõe:
§ 2º. Em razão do dever de sigilo, inerente à sua função, o conciliador e o mediador e
sua equipe não poderão divulgar ou depor acerca de fatos ou elementos oriundos da
conciliação ou da mediação.

É preciso enfatizar que as duas omissões do texto do projeto, quais seja,


quanto à previsão de exceções aplicáveis à regra da confidencialidade, e quanto
à explicitação da abrangência desta nos processos envolvendo entes públicos,
certamente trarão incontáveis dificuldades na aplicação da confidencialidade,
por um lado, e enorme resistência para utilização da mediação nos processos
envolvendo entes públicos, por outro.
Já o PLS 507/2011 estipulava três exceções à confidencialidade, que de-
vem ser informadas pelo mediador às partes na primeira reunião de mediação:
I – dispensa expressa de todas as partes; II – quando a mediação envolva o Poder
Público na qualidade de parte ou terceiro interveniente; III – quando o mediador
tiver informações acerca de um crime ou da iminência de um crime.
O PLS 434/2013 manteve estas três hipóteses, acrescentando à última
delas a situação em que o mediador receber informações acerca de atos de im-
probidade e de infração administrativa (artigo 18).
Por seu turno, o PLS 405/2013, que tratou da mediação extrajudicial, es-
tipulava como exceções à confidencialidade apenas a situação em que “as partes
decidirem de forma diversa ou quando sua divulgação for exigida por lei ou for
necessária para o cumprimento do acordo de mediação”, proibindo o mediador,
as partes e outros envolvidos no procedimento de mediação de informar ou tes-
temunhar sobre tudo que se passou no procedimento de mediação (artigos 17 e
18). Como este projeto de lei estabelecia expressamente a possibilidade de uti-
lização da mediação extrajudicial também pela Administração Pública, eviden-
temente faltou a ressalva para os procedimentos envolvendo o Poder Público.
A Lei 13.140, de 26 de junho de 2015, que resultou da tramitação dos
três projetos de lei em questão, não traz, lamentavelmente, qualquer ressalva
quanto à confidencialidade. Em tempos de tentativa de implantação de uma cul-
tura da transparência no espaço público, sobretudo após a promulgação da Lei
de Acesso à Informação, a grave omissão tanto do novo CPC quanto da nova lei
causa espanto e exige uma reação muito séria da comunidade jurídica.
Por outro lado, o vigente Código de Ética constante da já mencionada
Resolução do CNJ cuida de estabelecer algumas exceções, conceituando confi-
dencialidade da seguinte forma:

120
Luciane Moessa de Souza

Dever de manter sigilo sobre todas as informações obtidas na sessão, salvo autorização
expressa das partes, violação à ordem pública ou às leis vigentes, não podendo ser
testemunha do caso, nem atuar como advogado dos envolvidos, em qualquer hipótese
(artigo 1º. - grifei).

2.7 Transparência na condução do processo


O Código de Ética para Mediadores do CONIMA estabelece, em seu subi-
tem IV, ser dever do mediador:
1. Garantir às partes a oportunidade de entender e avaliar as implicações e o desdobra-
mento do processo e de cada item negociado nas entrevistas preliminares e no curso da
mediação.

No subitem V, itens 1 e 2, o mesmo Código dispõe que o mediador deverá:

1. Descrever o processo da mediação para as partes.

2. Definir, com os mediados, todos os procedimentos pertinentes ao processo.

Tais regras parecem fazer muito sentido, basicamente por duas razões:
a) sendo o processo de mediação algo pouco familiar para a grande maioria das
pessoas que dele se utilizam, parece útil e necessário, para torná-lo mais produ-
tivo, explicar às partes os caminhos que se pretende tomar, até para deixá-las
mais à vontade com o que ainda não conhecem; b) uma das mais relevantes jus-
tificativas e propósitos da mediação é o “empoderamento” das partes em confli-
to, de modo que não parece adequado que elas sejam simplesmente conduzidas
ao longo de um processo que não compreendem.
Michael Moffitt (1998, p. 1) coloca muito bem a questão:
Transparência do mediador envolve compartilhar com as partes aquilo que o mediador
acredita ser o melhor passo a ser dado em seguida e porque ele ou ela acredita que este
passo é o mais apropriado. [...] Transparência no processo envolve dizer às partes que
atividades elas desenvolverão em seguida.

Além de esclarecer as partes o que é que se pretende fazer em cada etapa


do processo, para o mesmo autor, é fundamental deixar claro também as razões
para cada passo, respondendo à questão: “Por que é que passaremos nosso
tempo fazendo isso?” e revelando a motivação do mediador para cada escolha
(MOFFITT, 1998, p. 2).
Moffitt (1998, p. 3) aponta diversos benefícios em tal conduta:

Primeiro, transparência ajuda a garantir que as partes têm clareza sobre o processo, sobre
seus objetivos e sobre seus papeis nele. Partes que estão esclarecidas sobre o processo
e seus objetivos também costumam sentir-se mais donas dos desfechos do processo e
capazes de contribuir mais efetivamente na realização dos impactos desejados.
Segundo, transparência pode oferecer aos mediadores retorno imediato das partes acerca
das decisões estratégicas que ele está tomando. [...]
Terceiro, embora ser transparente possa parecer requerer tempo extra, essa postura pode,
na realidade, poupar tempo ao reduzir atrasos decorrentes da incerteza das partes.
Finalmente, transparência fornece uma abertura para o que o mediador está pensando,
sua análise e decisões sobre o processo. Essa abertura pode ser uma ferramenta útil para
aqueles que estão supervisionando ou treinando outros mediadores. E, de forma ainda

121
Diretrizes éticas, capacitação, credenciamento e supervisão da atuação de mediadores e conciliadores

mais significativa, na medida em que um dos objetivos da mediação é ajudar as partes a


aprenderem a gerenciar suas próprias disputas, transparência pode servir para incremen-
tar este aprendizado.

Ele não sugere, contudo, que o mediador discuta com as partes cada
pequena decisão que ele toma durante o processo, o que poderia comprometer
inclusive a efetividade da mediação, mas recomenda que cada mediador avalie,
em cada circunstância, em que medida maior transparência pode ser útil para o
desfecho do processo e o aprendizado das partes.
Na esfera dos conflitos envolvendo entes públicos, em especial aqueles de
dimensão coletiva, o dever do mediador de garantir a adequada transparência
ao processo é ainda mais essencial.
O já referido Código de Ética de Conciliadores e Mediadores Judiciais
constante da Resolução 125/2010 do CNJ inclui entre as regras que regem o
procedimento de conciliação/mediação o dever de informação, qual seja: “De-
ver de esclarecer os envolvidos sobre o método de trabalho a ser empregado,
apresentando-o de forma completa, clara e precisa, informando sobre os princí-
pios deontológicos referidos no capítulo I, as regras de conduta e as etapas do
processo” (artigo 2º., § 1º.).

2.8 Dever de zelar pela viabilidade do cumprimento do acordo

Um importante dever do mediador ou conciliador, que nem sempre vem


mencionado expressamente em Códigos de Ética, consiste na obrigação de ve-
rificar se os termos do acordo redigido pelas partes representam um acordo
exequível, se é possível monitorar o seu cumprimento e se as eventuais pena-
lidades estabelecidas para o seu descumprimento são de montante suficiente
a estimular o cumprimento espontâneo. Em outras palavras, o acordo deve es-
tabelecer de forma clara quais são as obrigações, a quem compete cada uma
delas, onde, quando e de que forma devem ser cumpridas, quem vai monitorar
este cumprimento e o que acontece caso ocorra descumprimento.
Neste sentido, cabe referir que o Código de Ética de Conciliadores e Me-
diadores Judiciais anexo à Resolução nº. 125/2010, do CNJ, inclui entre as re-
gras que regem o procedimento de conciliação/mediação o chamado “teste de
realidade”, qual seja, o “dever de assegurar que os envolvidos, ao chegarem a
um acordo, compreendam perfeitamente suas disposições, que devem ser exe-
quíveis, gerando o comprometimento com seu cumprimento.” (artigo 2º., § 5º.).

2.9 Dever de zelar pelos interesses de terceiros afetados
Por fim, considerando que a mediação constitui instrumento útil, neces-
sário e apropriado também para a resolução de conflitos de dimensão coletiva,
não seria possível deixar de mencionar um dever que tem especial relevância
nesse tipo de conflito, da mesma forma que também tem nos conflitos envol-
vendo interesses de menores.
Trata-se da responsabilidade do mediador perante “as partes não presen-
tes à mesa” (“parties not at the table”), conforme o denomina Lawrence Susskind
(2004), mas que proponho chamar de “dever de zelar pelos interesses de tercei-

122
Luciane Moessa de Souza

ros afetados”.
O reconhecimento de tal dever, como aponta Susskind (2004, p. 513), de
certa forma, vai de encontro à teoria tradicional de que o mediador não deve
opinar sobre os méritos da solução encontrada pelas partes, ou seja, “espera-
se que os mediadores mantenham suas preferências pessoais para si e foquem
apenas naquilo que as partes à mesa dizem que elas querem e precisam”. Não é
isso, porém, afirma ele, que ocorre na prática, pois
[...] mediadores raramente permanecem indiferentes aos termos dos acordos, eles fre-
quentemente argumentam contra ou a favor de elementos específicos de um acordo (em
suas conversações privadas com as partes), ainda que elas estejam muito inclinadas em
favor destes elementos, e eles normalmente defendem uma determinada solução não
apenas com base em questões estratégicas, mas também com base em fundamentos éti-
cos. (SUSSKIND, 2004, p. 514).

O exemplo clássico fornecido por Susskind é o do acordo de divórcio que


pode não ser homologado pelo juízo se este entender que os interesses das crian-
ças não foram adequadamente protegidos ou houve violação de norma legal.
No que pertine aos conflitos envolvendo políticas públicas, aponta ele, ou
se consideram também os interesses daqueles que não estão presentes à mesa,
ou o cumprimento do acordo pode facilmente se revelar inviável (SUSSKIND,
2004, p. 514).
Susskind (2004) aponta três razões, além da possível inviabilidade do
acordo (que, a meu ver, é uma das mais importantes), para se levarem em conta
os interesses de terceiros no conteúdo do acordo: 1) a primeira é a de que não se
pode olvidar que os acordos firmados em procedimentos de mediação estabele-
cem “precedentes informais” cujos efeitos devem ser levados em consideração
no momento de celebrar o acordo; 2) a segunda é a de que as partes presentes
à mesa devem ter em conta suas “responsabilidades de liderança”, ou seja, sua
obrigação de tomar decisões “que evitem desperdício, sendo tão criativas quan-
to possível e levando em conta todas as informações relevantes e pareceres
técnicos competentes”; 3) por fim, a
[...] terceira justificativa para os mediadores desempenharem um papel mais pró-ativo
ao modelarem acordos de ‘alta qualidade’ é a necessidade de ‘publicizar os benefícios da
mediação’ e educar as pessoas sobre as vantagens da mediação sobre outros meios alter-
nativos de resolver o conflito. (SUSSKIND, 2004, p. 515-516).

Para ele, cabe, assim, ao mediador “direcionar as partes para além da


solução mais óbvia”, de modo a “maximizar os ganhos conjuntos” (SUSSKIND,
2004, p. 516), fazendo um “esforço consciente para maximizar a justiça, efi-
ciência, estabilidade e sabedoria de qualquer acordo.” (SUSSKIND, 2004, p. 517).
A proposta de Susskind (2004) contempla a responsabilidade ética que falta
incluir de forma expressa nos Códigos de Conduta de mediadores. Entendo que ela
deve ser incluída por fundamentos similares, porém não exatamente idênticos aos
apontados por ele, até porque originados de um sistema jurídico distinto do nosso.
Os acordos firmados em processos de mediação, notadamente aqueles
que envolvem o Poder Público, não podem, de forma alguma, descurar dos
interesses, que muitas vezes são múltiplos, de todos aqueles que podem estar
sub-representados na mesa de negociação e o mediador está na posição ideal
para lembrar às partes ali presentes o que esse acordo pode representar no

123
Diretrizes éticas, capacitação, credenciamento e supervisão da atuação de mediadores e conciliadores

complexo tecido social em que ele se insere. Seus efeitos sobre terceiros devem
ser levados em conta, por três razões: a) respeito ao princípio da eficiência, já
que acordo inviável possivelmente se torna acordo descumprido; b) necessidade
de respeito a todos os direitos fundamentais que possam ser afetados por seu
conteúdo; c) efeitos do acordo em termos de precedentes, já que sua possível
e provável repetição é uma decorrência inevitável do princípio da isonomia, um
dos pilares de nosso ordenamento jurídico.
Sobre esse tema, é importante mencionar que o Código de Ética de Conci-
liadores e Mediadores Judiciais anexo à Resolução nº. 125/2010, do CNJ, inclui
entre os princípios que regem a atuação destes profissionais o “respeito à ordem
pública e às leis vigentes”, que consiste no “dever de velar para que eventual
acordo entre os envolvidos não viole a ordem pública nem contrarie as leis vi-
gentes” (artigo 1º., § 6º.).

2.10 Remuneração do mediador


O Código-modelo americano assim dispõe a respeito:

A. O mediador deverá fornecer a cada uma das partes ou seus representantes informações
precisas e completas sobre os custos da mediação, despesas e qualquer outras potenciais
taxas que possam ser incorridas em conexão com uma mediação.
1. Se o mediador cobra pelos seus serviços, ele deverá fazê-lo à luz de todos os fatores
relevantes, incluindo o tipo e complexidade da matéria, as suas qualificações, o tempo
requerido e as tarifas costumeiras para tais serviços.
2. O acordo referente aos honorários do mediador deverá ser escrito, a menos que as
partes o requeiram de outra forma.
B. O mediador não deverá cobrar honorários de uma forma que possa afetar sua impar-
cialidade.
1. O mediador não deverá fazer acordo de honorários baseado no resultado da mediação
ou no valor de eventual acordo.
2. Embora o mediador possa aceitar pagamentos desiguais pelas partes, ele não poderá
permitir que este arranjo impacte de forma adversa sua habilidade de conduzir a media-
ção de forma imparcial. 103

Percebe-se que o dever em questão, além de relacionar-se à transparência


para as partes quanto aos custos do processo, bem como a uma definição de va-
lores cobrados pelo mediador que seja baseada na proporcionalidade do tempo
dispendido, da qualificação e experiência do mesmo e à complexidade do tema,
tem especial relevância também para a garantia de imparcialidade do mediador.
Embora a situação ideal, em termos de imparcialidade, seja aquela em que
os honorários do mediador possam ser rateados pelas partes, nos EUA, é comum,
entre os órgãos públicos que mantêm programas na esfera administrativa, que
o Poder Público arque com o pagamento integral dos mediadores, em especial
quando estes pertencem ao seu quadro de servidores – solução que, além de
eliminar os custos para os particulares, também se revela compensadora para os
cofres públicos, dada a economia de recursos gerada ao evitar a instauração de
um litígio formal. Tal formato tem sido bem visto na prática, já que, sendo a utili-
zação da mediação (bem como, por óbvio, a celebração do acordo) sempre volun-
tária para os particulares, se estes não confiarem na imparcialidade do mediador

103 Standard VIII, tradução desta autora.

124
Luciane Moessa de Souza

ou não entenderem que foi possível construir um acordo que atenda aos seus
interesses, basta não participarem do procedimento ou não firmarem o acordo.
Já na esfera judicial, em que a utilização da mediação pode ter caráter
obrigatório e não existe uma outra alternativa de solução de conflito à qual
se possa depois recorrer, costuma-se adotar o efetivo rateio dos honorários, a
menos que o particular não tenha condições tampouco de arcar com as custas
processuais, sendo beneficiário de justiça gratuita.
Como visto, o novo Código de Processo Civil brasileiro contém disposição
a respeito do tema, em seu artigo 169. Espera-se que este dispositivo seja efetiva-
mente regulamentado pelo Conselho Nacional de Justiça e por todos os tribunais.
O PLS 434/2013 dispunha que a mediação deve ser gratuita para os ne-
cessitados, regra que foi mantida na redação final da lei (art. 4º., § 2º.). Não
se estabeleceu, porém, de onde virá a remuneração dos mediadores no caso de
gratuidade – provavelmente será decorrente de atuação voluntária, nos termos
do art. 169, § 2º., do novo CPC, que atribui este encargo de desempenhar a me-
diação gratuitamente às câmaras de mediação e conciliação credenciadas pelos
tribunais. Essa regra gera receios quanto à qualidade da atuação dos mediado-
res nesses casos em que não existe remuneração. Embora hoje a tendência seja
de a área estar repleta de pessoas idealistas e extremamente comprometidas
com o trabalho, quando os mediadores tiverem causas remuneradas e outras
não para atuar, e uma carga de trabalho eventualmente muito elevada, é eviden-
te que existe o risco de perda de qualidade, afetando em primeiro lugar para as
causas gratuitas (ressalvados, naturalmente, os fatores individuais).
Vale registrar que, no Brasil, existe ainda uma tendência de subvalori-
zação do trabalho do mediador, que pode acabar influenciando na atração ou
repulsão dos melhores profissionais para se dedicarem à tarefa, podendo refle-
tir certamente na qualidade dos resultados da prática de mediação. É preciso
ir além do mero voluntarismo, pois trata-se, sem dúvida, de um trabalho que
exige, além do devido treinamento, talento, dedicação e experiência.

3 As qualidades necessárias para um bom mediador


Além de tratar das proibições e inadequações na conduta de um media-
dor, faz-se necessário, por óbvio, apontar também quais são as qualidades ne-
cessárias para um bom desempenho.
Entre as características normalmente elencadas, destacam-se: a) capaci-
dade de escuta; b) atenção aos detalhes no comportamento das partes; c) fle-
xibilidade e criatividade; d) paciência; e) visão (capacidade de aprofundar os
níveis latentes ao conflito)104; f) empatia e capacidade de não julgamento; g)
confiabilidade/ credibilidade. Eu acrescentaria ainda: pró-atividade e compro-
misso com a solução pacífica do conflito.
Bowling e Hoffman (2003) descrevem de forma bastante consistente e
original uma qualidade essencial para um bom mediador, que eles chamam de
“presença”. Baseados na observação de que a simples presença do mediador
afeta o comportamento das partes em conflito, e também de que, durante o pro-
cesso de mediação, desenvolve-se um relacionamento entre as partes, de modo

104 Ver, por exemplo, ÁLVAREZ, Gladys. Ser um mestre em mediação?, nesta obra.

125
Diretrizes éticas, capacitação, credenciamento e supervisão da atuação de mediadores e conciliadores

que “as qualidades pessoais das partes podem influenciar o mediador, da mes-
ma forma que as qualidades pessoais do mediador afetam as partes” (BOWLING;
HOFFMAN, 2003, p. 21)105, eles proclamam que a presença do mediador deve
ser “integradora”, qualidade que abrange os seguintes componentes: “- estar
centrado; - estar conectado com os próprios valores e crenças e com objetivos
elevados; - estar em contato com a humanidade das partes; - ser coerente”.106 A
coerência carrega consigo, segundo eles, autenticidade, mas também a capaci-
dade de adaptar o próprio comportamento à condição vivenciada pelas partes.
Uma questão sempre aventada quando se trata de qualidades desejáveis
em mediadores diz respeito ao peso que deve ser dado à familiaridade do me-
diador com a matéria envolvida no conflito. Sob o prisma das vantagens, con-
forme Carole Silver (1996), aponta-se que o processo normalmente será mais
rápido – e, de consequência, mais barato, graças ao conhecimento prévio do
mediador, que fará com que rapidamente ele entenda o que está em disputa.
Sob o prisma das desvantagens, levanta-se a preocupação de que excessivas co-
nexões ou familiaridade com uma determinada área profissional podem acarre-
tar preconceitos e tendências, com prejuízo para a imparcialidade do mediador.
Trata-se de preocupação semelhante à decorrente do fato de o mediador
atuar profissionalmente, e não eventualmente, o que, para a mesma autora, tam-
bém ocasiona riscos para a imparcialidade, já que, quando se trata de litigantes
habituais, o mediador tende a buscar se assegurar de que seja escolhido novamen-
te em outros processos. Para Silver (1996, p. 52), a combinação de conhecimento
sobre a matéria do conflito com a atuação profissional como mediador apresentaria
seríssimos riscos para a imparcialidade – cabe ressaltar, porém, que este risco só
existe, por evidente, no caso dos conflitos que envolvem litigantes habituais.
De outra parte, como ela mesma lembra, o mediador profissional precisa estar
mais “atento a manutenção de uma reputação de integridade, de modo a sustentar
sua carreira, de maneira que se pode argumentar que ele tem mais razões para man-
ter sua imparcialidade do que o mediador eventual, que não depende desta carreira
para o seu sustento.” (SILVER, 1996, p. 46)107, o que acaba minimizando o risco de
parcialidade – ao menos nos conflitos que não envolvem litigantes habituais.
Na seara dos conflitos envolvendo políticas públicas, conforme apurei em
pesquisa de campo realizada nos EUA para elaboração de minha Tese de Doutora-
do108, existe uma clara preferência dos entes públicos por mediadores com conhe-
cimento ou familiaridade com a matéria envolvida no conflito, o que se explica pela
complexidade destes, mas também pode, evidentemente, acarretar riscos para a
imparcialidade, já que entes públicos são litigantes habituais por excelência.

4 Sobre a regulamentação (ou não) da atividade


A regulamentação da atividade de mediador envolve diversos aspectos
inter-relacionados: a) em primeiro lugar, existem os mecanismos para autorizar
o exercício da atividade, envolvendo cadastro, credenciamento ou certificação
de mediadores, seja em geral, seja no âmbito de um determinado programa; b)

105 Tradução desta autora.


106 Tradução desta autora.
107 Tradução desta autora.
108 Publicada pela Editora Fórum, em 2012, sob o título “Mediação de conflitos coletivos”.

126
Luciane Moessa de Souza

em segundo, a partir do momento que se opte por este credenciamento e que


este envolva a necessidade de alguma forma de capacitação, é preciso definir
quais os conteúdos necessários para a capacitação em mediação; c) em tercei-
ro, existem os mecanismos de monitoramento ou supervisão da atividade com
objetivo de manutenção de um padrão mínimo de qualidade; d) em quarto, é
possível a instituição de mecanismos de apuração de faltas éticas, que podem
culminar, nos casos mais graves, no impedimento da atuação como mediador,
desde que existente alguma forma de certificação ou cadastro.
Além de todos estes mecanismos, é possível pensar, sem sombra de dúvi-
da, em responsabilização civil e/ou criminal por má atuação de mediadores, ao
menos na modalidade subjetiva, isto é, sempre que ficar evidenciado o descum-
primento de uma norma de conduta pelo mediador, sendo que, na esfera civil,
deve ficar demonstrado também o dano decorrente da má atuação.

4.1 Cadastro, registro ou certificação de mediadores –


conveniência ou não de sua existência e critérios apropriados
A existência ou não de mecanismos de cadastro, registro ou certificação de
mediadores é um assunto altamente controvertido tanto no Brasil, onde a ativida-
de de mediação ainda não é regulamentada por lei, quanto nos EUA, onde a prá-
tica da mediação já está muito mais difundida, mas tampouco existe norma geral
no âmbito federal ou estadual dispondo sobre credenciamento de mediadores.
É bom lembrar que, a exemplo do que ocorre em muito maior escala
nos Estados Unidos, ou em países como a Argentina e a Colômbia, no Brasil, a
atividade de mediação se desenvolve tanto no seio do Judiciário (prestada por
mediadores contratados, voluntários ou mesmo provenientes do setor privado
remunerado) como no âmbito de entidades privadas, com ou sem fins lucrati-
vos, que se dedicam à atividade.
A regulamentação da atividade apresenta, assim, como aponta Craig McEwen
(2005, p. 6), “um enorme desafio de engajar ativamente milhares de mediadores –
alguns em tempo parcial e outros em tempo integral, alguns voluntários e outros
remunerados – que atuam em campos práticos bastante variados entre si” 109.
São diversos os argumentos favoráveis e contrários à certificação, mas
o fato é que, nos EUA, muito embora não se tenha logrado consenso no que
concerne à necessidade ou conveniência da certificação, quando se trata de
programas de mediação no âmbito do Poder Judiciário ou de órgãos públicos,
cada esfera judicial ou administrativa tem tratado de estabelecer seus próprios
critérios, mais ou menos restritivos, para admitir a participação de mediadores
nos conflitos que se resolvem em seu âmbito.
Um dos primeiros argumentos favoráveis à certificação seria, assim, a
possibilidade de homogeneizar os critérios para atuação de mediadores, se não
por completo (pois cada programa pode e deve manter suas peculiaridades), ao
menos em um determinado grau de consenso quanto a competências básicas a
serem exigidas do mediador.
Um argumento que sempre se levanta em contrário à certificação, por outro
lado, é o que diz respeito à possibilidade de que esta iniba a diversidade de aborda-

109 Tradução desta autora.

127
Diretrizes éticas, capacitação, credenciamento e supervisão da atuação de mediadores e conciliadores

gens e técnicas na mediação. Como já visto no início deste capítulo, existe grande
debate sobre se, por exemplo, a atuação do mediador deve ser mais avaliadora ou
mais facilitadora, sendo que, para alguns 110, cada programa, ao estabelecer seus
critérios de certificação de mediadores, deveria esclarecer qual a visão de mediação
que lhe é subjacente. Parece evidente a honestidade e eticidade de tal pensamento,
que busca desvendar o suporte teórico “implícito” em cada programa de mediação,
porém não se deve descartar a possibilidade de que os programas de mediação
acolham mediadores que se inclinem por diferentes técnicas ou correntes ou ainda
que exijam dos mediadores que dele participam o domínio de todas as diversas
técnicas ou abordagens, a fim de aplicar aquela que seja mais apropriada em cada
tipo de conflito ou situação específica. Esta política de diversidade, assim como
eventual política que acolha apenas uma espécie de técnica de mediação, deve,
todavia, ser explícita, tal como propugnam Bush e outros (2002-2003).
No Brasil, o novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015) posiciona-se acer-
ca da controvérsia dispondo que cada tribunal deverá manter um cadastro de concilia-
dores e mediadores, tendo liberdade para definir seus próprios requisitos adicionais,
porém estabelecendo desde logo que os mediadores deverão ter passado por capa-
citação sobre o assunto. É o que se depreende dos dispositivos que tratam do tema:

Art. 167. Os conciliadores, os mediadores e as câmaras privadas de conciliação e mediação se-


rão inscritos em cadastro nacional e em cadastro de tribunal de justiça ou de tribunal regional fe-
deral, que manterá registro de profissionais habilitados, com indicação de sua área profissional.
§ 1º Preenchendo o requisito da capacitação mínima, por meio de curso realizado por
entidade credenciada, conforme parâmetro curricular definido pelo Conselho Nacional
de Justiça em conjunto com o Ministério da Justiça, o conciliador ou o mediador, com o
respectivo certificado, poderá requerer sua inscrição no cadastro nacional e no cadastro
de tribunal de justiça ou de tribunal regional federal.
§ 2º Efetivado o registro, que poderá ser precedido de concurso público, o tribunal remeterá
ao diretor do foro da comarca, seção ou subseção judiciária onde atuará o conciliador ou
o mediador os dados necessários para que seu nome passe a constar da respectiva lista,
a ser observada na distribuição alternada e aleatória, respeitado o princípio da igualdade
dentro da mesma área de atuação profissional.
[...]
Art. 173. Será excluído do cadastro de conciliadores e mediadores aquele que:
I – agir com dolo ou culpa na condução da conciliação ou da mediação sob sua responsa-
bilidade ou violar qualquer dos deveres decorrentes do art. 166, §§ 1º e 2º;
II – atuar em procedimento de mediação ou conciliação, apesar de impedido ou suspeito.
§ 1º Os casos previstos neste artigo serão apurados em processo administrativo.
§ 2º O juiz do processo ou o juiz coordenador do centro de conciliação e mediação, se
houver, verificando atuação inadequada do mediador ou conciliador, poderá afastá-lo de
suas atividades por até 180 (cento e oitenta) dias, por decisão fundamentada, informando o
fato imediatamente ao tribunal para instauração do respectivo processo administrativo.111

110 Ver, por exemplo, Noce, Bush e Folger (2002-2003).


111 A versão anterior do projeto (PLS 166/2010) trazia a exigência de que os mediadores fossem advo-
gados, o tema envolve grande polêmica entre estes profissionais e os de outras categorias que já atuam
com mediação em diversos programas existentes. Entendo assistir razão a Humberto Dalla Bernardina
de Pinho (2009, p. 289) quando este afirma que o debate não tem sido desinteressado e sim dominado
por interesses corporativistas da classe advocatícia, bem como quando o autor defende que o mediador
não precise ser necessariamente um advogado, muito embora, em determinados conflitos, certamente
seja importante a existência ao menos de um co-mediador advogado, tudo a depender do peso que
a legalidade desempenhe na solução do conflito (o que, em qualquer caso, pode ser suprido também
pela presença dos advogados das partes que participam da mediação). Esta é, aliás, a experiência dos
Estados Unidos, bem assim de vários países onde a mediação já está bem mais desenvolvida que no Bra-
sil – com exceção da Argentina, onde a reserva de mercado para os advogados acabou por prevalecer.

128
Luciane Moessa de Souza

Com relação à possibilidade de exclusão do cadastro de mediadores e


conciliadores, prevista no texto, há que se ressaltar que este é certamente um
mecanismo necessário inclusive para assegurar a observância de diretrizes éti-
cas. Uma outra decisão crucial necessária no que diz respeito à certificação
geral 112 para atuação de mediadores concerne ao caráter desta: deve ela ser
voluntária ou compulsória? Num país onde impera o pensamento liberal, como
os EUA, tem prevalecido o entendimento de que esta deve ser voluntária 113 – o
que torna a certificação bastante inócua, já que é bastante pequeno o percentual
de mediadores que terminam por buscá-la.
Entre os critérios que têm sido adotados para credenciamento ou certifi-
cação de mediadores nos EUA (a qual se realiza apenas no âmbito de programas
específicos de mediação), os mais comuns são: a) número de horas de treina-
mento; b) número de horas de atuação, demonstrando a experiência do media-
dor; c) grau de escolaridade; d) exames escritos.
A crítica mais comum que se faz a tais critérios é a de que eles tendem a
excluir da prática da mediação aqueles menos favorecidos economicamente (de-
vido aos custos do treinamento ou grau de escolaridade) e socialmente (devido
à dificuldade de fazer contatos que levem à aquisição de experiência em grande
número de casos). Sarah Rudolph Cole (2004), uma das autoras que faz esta
crítica, propõe, ao revés, que seja realizada uma “avaliação holística” do perfil
de cada candidato a atuar como mediador, a fim de contrabalançar treinamento
e experiência, de maneira a permitir uma seleção mais aberta à diversidade.
Embora a proposta pareça bastante interessante, o fato é que o simples fato de
sopesar treinamento e experiência, embora amenize o problema, dificilmente
garante de forma significativa maior acesso àqueles que são econômica e social-
mente desfavorecidos, já que, como argumenta a própria autora, ambos (trei-
namento e experiência) são mais difíceis de adquirir por este grupo. De outra
parte, é preciso lembrar que, a par de garantir acessibilidade à certificação de
mediadores, não se pode jamais perder de vista a necessidade de garantir a qua-
lidade da atuação, a fim de proteger os interesses daqueles que dela se utilizam.
Ainda entre os argumentos favoráveis à certificação, ao lado da uniformidade
e da garantia da qualidade dos serviços aos usuários, coloca-se a possibilidade de
supervisão da atuação dos mediadores e aplicação de penalidades quando for o caso.
Desta se tratará no item seguinte, mas é evidente que a supervisão pressupõe o ca-
dastro ou certificação de mediadores, já que as principais consequências que podem
advir de mau comportamento são justamente o registro de tal informação no cadas-
tro de mediadores ou, em última instância, a exclusão do mediador de tal cadastro.
Como salienta Carole Silver (1996), se, em alguns cenários, parece ser
possível confiar no mercado e sua capacidade de auto-regulação para assegurar

112 Quando utilizo o termo “certificação geral”, refiro-me à certificação para atuar como mediador
em qualquer programa, em oposição à certificação que atende a critérios de programas específi-
cos, que, quando existente, é sempre compulsória.
113 Um bom exemplo desse pensamento aplicado à mediação pode ser visto no artigo de Michael
Moffitt (2009), em que ele, apesar de afirmar, logo no início do trabalho, que “Mediadores atuam
hoje com poucas restrições de mercado, poucos controles de sua conduta e poucas consequências
de conduta inadequada. Esta condição não vai persistir.”, acaba concluindo, ao final, que a “regu-
lação diminuiria a inovação e diversidade nas abordagens de mediação”, de modo que ele aposta
no mercado privado para assegurar maior controle da qualidade de tais serviços.

129
Diretrizes éticas, capacitação, credenciamento e supervisão da atuação de mediadores e conciliadores

a qualidade dos serviços, em muitas outras, em que, pela sua dimensão, não
existem suficientes informações e monitoramento da atuação de seus membros,
parece bastante arriscado não realizar uma regulação da atividade.
De outra parte, um dos argumentos sempre aventados em desfavor da
certificação diz respeito aos custos dela advindos, não apenas para administrar
o processo seletivo e a supervisão, encarecendo de consequência a utilização da
mediação, mas também com a potencial exclusão de mediadores voluntários que
não estariam dispostos a suportar os custos da certificação (ROBINSON, 2007).
Parece evidente ser necessário, sim, evitar que os processos de certifi-
cação e supervisão de mediadores venham a gerar custos que inviabilizem o
processo, de modo que um dos critérios na escolha dos métodos pode e deve
ser o custo de sua implementação. Para Michelle Robinson (2007), os benefícios
podem compensar os custos de tal sistema desde que estes últimos sejam man-
tidos num patamar mínimo. Vale mencionar que, a par de mensurar tais custos,
deve-se decidir por quem estes serão pagos, se com fundos públicos ou pelos
próprios mediadores – ou ambos.
Além dos métodos já acima descritos, há que se mencionar os métodos
pelos quais se garante que um mediador continue atuando, quais sejam: a) atua-
lização nos treinamentos; b) avaliação de desempenho.
Michelle Robinson (2007), ao realizar uma análise dos diferentes métodos
para certificar mediadores e seus respectivos custos, acaba por concluir que os que
apresentam menos custos são também os menos precisos: “Enquanto os sistemas
de reconhecimento de horas (de treinamento ou experiência) e de exames escritos
têm as vantagens de serem objetivos e de baixo custo, avaliações de desempenho e
avaliações holísticas são mais acuradas.” Assim, para ela, “Para manter flexibilidade
e diversidade, alguma dose de avaliação de desempenho e de avaliação holística são
essenciais”.
A avaliação de desempenho, sobre a qual discorrerei mais no item seguin-
te, parece ser, indubitavelmente, o método, ao mesmo tempo, que apresenta
mais custos e maior precisão 114.
Uma das discussões que surge no que diz respeito à atuação de mediadores
envolve a questão de se ela deve ser reservada a alguma categoria profissional já
existente – o que, muitas vezes, é um pleito da classe dos advogados, dada sua
vocação para atuar em conflitos de natureza jurídica. Este pleito, contudo, não tem
encontrado eco nas legislações no mundo todo, dado o simples fato de que, como
visto, a mediação não busca resolver conflitos com base apenas em critérios ju-
rídicos, mas sim com base em todos os interesses relevantes para as partes. No
âmbito de alguns programas, contudo, a mediação é reservada à classe advocatícia.

4.2 A capacitação de mediadores

Como lembra com pertinência McEwen (2005, p. 7), “qualquer movimen-


to no sentido de certificar mediadores precisa ser acompanhado de um sistema

114 Um estudo a respeito realizado pela Society of Professionals in Dispute Resolution (SPIDR)
concluído em 1989 concluiu que os melhores critérios para qualificação de mediadores são os ba-
seados no desempenho, muito mais que em critérios de credenciamento. Cf. FEERICK et al. (1995).

130
Luciane Moessa de Souza

para certificar programas de treinamento de mediadores” 115.


Nos EUA, costuma-se exigir, no âmbito dos diferentes programas de media-
ção judicial ou em órgãos públicos, que os mediadores tenham sido capacitados em
cursos de mediação com carga horária mínima de 40 horas 116. Na opinião, contudo,
de alguns estudiosos, como Kimberlee Kovach (1995), o treinamento em mediação
deveria durar ao menos um ano, sendo que a maior parte do curso deveria contem-
plar atuação prática (que ela chama de “desenvolvimento de habilidades”), ao lado de
teoria da mediação e temas de Direito relevantes para o procedimento de mediação,
tais como confidencialidade do procedimento e responsabilidade civil do mediador.
O conhecimento da parte teórica, para ela, pode ser aferido por testes escritos, ao
passo que a atuação prática deve contemplar a observação da atuação do estudante
pelo instrutor, a filmagem de sessões reais ou simuladas, bem como uma técnica
criada por ela, um exame em que é exibido um vídeo de uma sessão de mediação e,
em determinados momentos, a fita para e uma pergunta aparece para o estudante
responder qual o passo a ser dado pelo mediador. Além disso, ela entende que, para
ser admitido em tais cursos, o candidato a mediador deveria ter um curso superior
ou ao menos alguns anos de experiência profissional em determinadas áreas.
Sob o ponto de vista da metodologia de ensino, como asseveram Lieberman,
Foux-Levy e Segal (2005), “existe consenso no que diz respeito à necessidade de in-
corporar a prática de mediação em casos reais como um componente integral do pro-
grama de treinamento”117, normalmente supervisionada por um mediador experiente.
Antes de se pensar em conteúdo e metodologia, porém, parece evidente
a necessidade de serem bem definidos os objetivos do treinamento. Para Roselle
Wissler (2004), estes objetivos recaem em três categorias: dimensões cogniti-
vas, aquisição de habilidades e resultados “afetivos”.
As dimensões cognitivas, diz ela no mesmo trabalho, “podem ser avalia-
das ao se aplicar aos participantes do treinamento um exame escrito ou pedir
a eles que descrevam como é que eles reagiriam em determinadas situações
hipotéticas” 118, nas quais, naturalmente, fosse exigida a aplicação dos conheci-
mentos adquiridos (WISSLER, 2004).
Já a avaliação da aquisição de habilidades precisa verificar

[...] se estas se tornaram relativamente automáticas e se os participantes do treinamento


são capazes de aplicar as habilidades e adaptá-las a situações distintas. Estas habilidades,
tipicamente, são avaliadas através da observação do desempenho, seja em situações si-
muladas de complexidade variada ou em ação durante o trabalho real propriamente dito
(WISSLER, 2004). 119

Por fim, os resultados “afetivos” envolvem determinar “se os participan-
tes do treinamento desenvolveram capacidade de auto-avaliação, auto-confiança
e motivação para aprimorar suas habilidades” (WISSLER, 2004)120. Esta avaliação

115 Tradução desta autora.


116 Esta é a descrição, por exemplo, que faz Kimberlee Kovach, no painel de que participou
no Simpósio “Standards of professional conduct in Alternative Dispute Resolution”, publicado no
Journal of Dispute Resolution, N. 95, 1995.
117 Tradução desta autora.
118 Tradução desta autora.
119 Tradução desta autora.
120 Tradução desta autora.

131
Diretrizes éticas, capacitação, credenciamento e supervisão da atuação de mediadores e conciliadores

normalmente se realiza através de questionários respondidos após o treinamento.


Não se deve ignorar, ainda, segundo ressalta Wissler (2004), que o ambiente de
trabalho no qual se inserem os participantes do treinamento é crucial para sua capaci-
dade de aplicar e aprimorar as habilidades adquiridas, dada a grande relevância de ob-
ter apoio, supervisão e avaliação constantes de sua atuação por pares e supervisores.
Em realidade, alguns programas, como o desenvolvido no âmbito do Mi-
nistério da Justiça em Israel, descrito por Lieberman, Foux-Levy e Segal (2005),
também se utilizam destes mecanismos de auto-avaliação e avaliação do de-
sempenho em casos reais por pares e instrutores durante o próprio treinamento.
Outra técnica, bastante empregada em treinamentos de mediação nos EUA,
é a utilização de vídeos mostrando exemplos de casos e atuação de mediadores,
bem como a filmagem da atuação de participantes em treinamentos em casos
reais ou simulados, a fim de propiciar uma posterior revisão e comentários por
parte de instrutores, bem assim auto-observação e avaliação pelos treinandos.
Conforme sugere Golann (2006-2007), a utilização de vídeos pode mesmo servir
para introduzir um caso simulado, em que os estudantes assumem, a partir de
uma certa altura, o papel das partes e mediador(es) no vídeo apresentado 121.
Uma técnica inovadora, descrita em trabalho singular neste sentido, é a utili-
zação de video-games para o ensino de técnicas de resolução de disputas. Goodrich
e Schneider (2010) escreveram um interessante artigo sobre o potencial pedagógico
do video-game Peacemaker, que coloca os jogadores na posição de líderes israelense
e palestino, no ensino de tais técnicas. Elas dão notícia de que a utilização de simu-
lações propiciadas por jogos eletrônicos por professores, políticos, economistas e
militares em técnicas de treinamento ou previsão de cenários não é nova, sendo o
jogo em questão uma interessante ferramenta não apenas pela grande familiaridade
com o cenário que há de ser comum entre jovens estudantes, mas também porque
ele “propicia uma oportunidade de experimentar uma série de diferentes técnicas
de uma forma que as simulações de casos baseadas em desempenho de papeis por
estudantes não são capazes de fornecer” (GOODRICH; SCHNEIDER, 2010)122. Apre-
sentando uma situação com alto grau de complexidade, tendo em vista os diferentes
interesses internos de cada grupo e internacionais (e a correlação entre eles) e uma
série de episódios concretos em que o jogador deve tomar a decisão mais adequada
à construção da paz, além de exigir uma postura pró-ativa neste sentido, o jogo bus-
ca “desafiar indivíduos a desenvolver estratégias cooperativas e avaliar os resultados
através de tentativa e erro à medida que trabalham para a paz.” (idem)123.
Sob o prisma do conteúdo, Cheryl Picard (2003) lembra que a capacidade de
formular perguntas é uma das ferramentas essenciais a ser ensinada ao mediador:
As ferramentas mais poderosas do mediador no processo de facilitação são perguntas,
que levem a investigar, refletir, perguntar-se, resolver problemas, fazer conexões, des-
fazer conexões, reenquadrar, empoderar. Perguntas chamam a atenção das partes para
aspectos relevantes que podem ter passado despercebidos. Pelo fato de o mediador ofe-
recer possibilidades às partes, mais do que afirmações, o poder sobre o processo perma-
nece nas mãos das partes. São elas que deverão ter insights e aprender a partir deles.124

121 Este autor explora de forma abrangente as potencialidades da utilização de vídeos no ensino
de mediação e negociação, não só apontando as finalidades pedagógicas, mas também ensinando
até mesmo como evitar problemas técnicos e produzir seus próprios vídeos.
122 Tradução desta autora.
123 Tradução desta autora.
124 Tradução desta autora.

132
Luciane Moessa de Souza

É importante mencionar, por fim, que algumas das mais recentes tendên-
cias exploratórias no ensino da mediação atentam, de um lado, para os aspectos
emocionais do aprendizado e, de outro, para a importância de um determinado
grau de maturidade emocional no desempenho das atividades do mediador, o
qual, se não preexistir ao treinamento, pode e deve ser ensinado.
Quanto ao primeiro aspecto, vale dizer, a conexão entre as emoções do
participante do treinamento e seu rendimento, Stains Jr. (2003, p. 475) cita es-
tudos que demonstraram que a “emoção está portanto imbricada com os pro-
cessos racionais de aprendizado, intencionalmente ou não.”125. Assim, para ele,
“nós precisamos desempenhar um trabalho melhor ao preparar mediadores para
reconhecerem e desenvolverem seus recursos cognitivos, comportamentais,
emocionais e espirituais”, o que ele sugere seja feito criando “canais de mo-
tivação” ou de “propósito”, mediante “conversas durante as aulas e exercícios
escritos, reflexão individual, parcerias de aprendizado, diários de aprendizado”
(STAINS JR., 2003, p. 476) 126, entre outras.
Já Leonard Riskin (2004) aponta o fato de que,

[...] para uma pessoa implementar, de forma apropriada, as estratégias associadas com
as novas técnicas de mediação, negociação e advocacia, ela precisa ter um conjunto de
habilidades de fundo, como consciência, maturidade emocional e compreensão. Mas os
cursos de capacitação em negociação e mediação – em especial aqueles voltados para
advogados e estudantes de Direito – não propiciam este treinamento. Professores e ins-
trutores tendem a assumir, ao revés, que advogados e estudantes de Direito já possuem
capacidades de atenção e consciência suficientes para habilitá-los não apenas a com-
preender as novas abordagens, mas também a implementá-las 127.

Para desenvolver tais habilidades, que a prática demonstra não serem pos-
suídas por todos os que se dispõem a atuar em mediação, ele propõe uma pos-
sível solução: “mindfulness meditation”, uma técnica de meditação budista que
desenvolve a auto-consciência, concentração no presente, senso de equilíbrio,
capacidades de empatia e compaixão – todas características desejáveis num me-
diador, sem falar nos benefícios adicionais para o crescimento pessoal128. Ele re-
lata vários programas bastante reconhecidos, no âmbito de Faculdades de Direito
(inclusive o Programa de Negociação de Harvard), que já estão oferecendo tais
cursos, mas deixa claro que muitas questões devem ser respondidas ao pensar no
ensino destas técnicas, tais como: qual a metodologia adequada (simples ensino
teórico ou exercícios práticos?); se este conteúdo deve ser obrigatório nos cursos
de mediação; se práticas provenientes de outras tradições espirituais ou filosófi-
cas podem substituí-la ou devem ser ensinadas em conjunto; entre outras.
A visão de Riskin é compartilhada por Bowling e Hoffman (2003, p. 38),
que afirmam: “Existem currículos bem desenvolvidos com foco nos dois pri-

125 Tradução desta autora.


126 Tradução desta autora.
127 Tradução desta autora.
128 Para Riskin (2004), “Mindfulness allows mediators to make better judgments about how the mediation
process should work because it enables them to keep a focus on goals and to maintain a moment-to-mo-
ment awareness (to be ‘present’ with themselves and others). In addition, a mediator’s presence, especially
her degree of calm, can dramatically affect the participant’s moods and conduct.”

133
Diretrizes éticas, capacitação, credenciamento e supervisão da atuação de mediadores e conciliadores

meiros estágios do desenvolvimento do mediador – habilidades e teoria – mas


não conhecemos qualquer treinamento em mediação que esteja focado no de-
senvolvimento pessoal.” Para estes autores, “da mesma forma que há diversas
abordagens para o treinamento nas áreas de técnicas e teorias sobre mediação,
podemos imaginar muitas abordagens possíveis para um treinamento focado
no terceiro estágio de desenvolvimento do mediador”129. Eles parecem, contudo,
acenar de forma contrária à inclusão de tais conteúdos de forma padronizada ou
obrigatória nos treinamentos sobre mediação:
As qualidades pessoais que auxiliam a nos tornarmos mediadores melhores não são as
mesmas para cada um de nós, nem nossos caminhos para alcançar tais qualidades são os
mesmos. [...] Desenvolver estas qualidades é um processo que envolve tempo, propósito
e disciplina, e que vem, em nossa visão, não da investigação intelectual ou estudos, mas
da experiência. (BOWLING; HOFFMAN, 2003, p. 44) 130.

Não obstante o valor inegável da experiência em qualquer modalidade de


atuação profissional, cabe observar, contudo, que: a) nem todos os profissionais
acompanham sua própria experiência de uma reflexão crítica, que potencializa-
ria em grande parte o aprendizado, mas muitas vezes terminam por atuar de
forma automática e pouco criativa; b) é sem dúvida verdadeira a afirmação de
que há diferentes caminhos para o desenvolvimento pessoal, mas estes podem
passar, sobretudo num estágio inicial, pelo conhecimento teórico e treinamen-
tos, para em seguida se refletirem na prática, quando a pessoa se deparar com
problemas e necessidades reais. Daí não parecerem desarrazoadas propostas
como a de Riskin (desde que isto não ocorra de forma fechada), nem de outros
teóricos que vêm atentando para as dimensões espirituais da mediação de con-
flitos, já que conflitos, para muitos, são nada mais que oportunidades de cresci-
mento pessoal – e isso pode e deve envolver partes e mediadores.
Um dos pontos sobre os quais existe certo consenso nos EUA diz respeito
à não exigência de treinamento formal para mediadores com grande experiência
serem credenciados no âmbito de programas de mediação. A mesma linha de
pensamento parece se aplicar ao caso dos “notáveis”, isto é, pessoas que gozam
de grande prestígio junto às partes e à comunidade e que são escolhidas tanto
por sua credibilidade ética quanto por sua autoridade no assunto do conflito.
Como aponta Carole Silver (1996, p. 49):

O risco de um notável atuar como terceiro imparcial numa situação em que ele carece da expe-
riência ou do conhecimento necessário para guiar sua conduta, contudo, é relativamente peque-
no. A conduta do notável, em resolução alternativa de disputas como em geral, é guiada pelo seu
intento de preservar e engrandecer sua reputação, tanto no que concerne ao seu papel na resolu-
ção de disputas quanto em geral. Esse interesse fará com que o notável se auto-regule e restrinja
sua participação a situações em que ele possa se assegurar de que seus serviços sejam apro-
priados. Em decorrência disso, requerer treinamento específico dos notáveis que atuam como
terceiros imparciais em resolução de disputas pode ser desnecessário, já que podemos confiar
em que eles vão obter o treinamento necessário para preservar sua reputação nesta área.131


Quero concluir transcrevendo as pertinentes observações de Humberto

129 Tradução desta autora.


130 Tradução desta autora.
131 Tradução desta autora.

134
Luciane Moessa de Souza

Dalla Bernardina de Pinho (2009, p. 247-248) acerca do peso que a capacitação


tem na atuação do mediador:
Obviamente chegar a um acordo por meio do processo de mediação não é tarefa fácil.
Exige tempo, dedicação e preparação adequada do mediador.
Seria um erro grave pensar em executar mediações em série, de forma mecanizada, como
hoje, infelizmente, se faz com as audiências prévias ou de conciliação, nos juizados espe-
ciais e na justiça do trabalho.
A mediação é um trabalho artesanal.
Cada caso é único. Demanda tempo, estudo, análise aprofundada das questões sob os
mais diversos ângulos. O mediador deve se inserir no contexto emocional-psicológico do
conflito. Deve buscar os interesses por trás das posições externas assumidas, para que
possa indicar às partes o possível caminho que elas tanto procuravam.

Para atuar com mediação, portanto, pressupõe-se habilidade e domínio


de suas técnicas, o que se obtém, em regra, mediante capacitação adequada.
No Brasil, a Resolução nº. 125, de 29 de novembro de 2010, do Conse-
lho Nacional de Justiça (CNJ), previu a criação, no âmbito de todos os tribunais
brasileiros, de “Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de
Conflitos”, entre cujas atribuições se incluem, consoante o artigo 7º.:

[...] V – promover capacitação, treinamento e atualização permanente de magistrados,


servidores, conciliadores e mediadores nos métodos consensuais de solução de conflitos;
[...]
VIII – incentivar a realização de cursos e seminários sobre mediação e conciliação e outros
métodos consensuais de solução de conflitos;
IX – firmar, quando necessário, convênios e parcerias com entes públicos e privados para
atender aos fins desta Resolução.

Mais adiante, o artigo 12 da mesma Resolução estabeleceu:

Nos Centros, bem como em todos os demais órgãos judiciários nos quais se realizem
sessões de conciliação e mediação, somente serão admitidos mediadores e conciliadores
capacitados na forma deste ato (Anexo I), cabendo aos Tribunais, antes de sua instalação,
realizar o curso de capacitação, podendo fazê-lo por meio de parcerias.
§ 1º. Os Tribunais que já realizaram a capacitação referida no caput poderão dispensar
os atuais mediadores e conciliadores da exigência do certificado de conclusão do curso
de capacitação, mas deverão disponibilizar cursos de treinamento e aperfeiçoamento, na
forma do Anexo I, como condição prévia de atuação nos Centros.
§ 2º. Todos os conciliadores, mediadores e outros especialistas em métodos consensuais de
solução de conflitos deverão submeter-se a reciclagem permanente e à avaliação do usuário.
§ 3º. Os cursos de capacitação, treinamento e aperfeiçoamento de mediadores e conciliadores
deverão observar o conteúdo programático e carga horária mínimos estabelecidos pelo CNJ
(Anexo 1) e deverão ser seguidos necessariamente de estágio supervisionado.

O referido Anexo I da Resolução em questão previa um módulo I de 12 au-


las teóricas (Introdução aos Meios Alternativos de Solução de Conflitos), compos-
to por quatro disciplinas: Política Pública de Tratamento Adequado de Conflitos
(1 hora); Comunicação e Conflito (8 horas); Métodos Alternativos de Solução de
Conflitos (2 horas); e Enfoque normativo e ético da conciliação e suas aplicações
no Poder Judiciário (1 hora). Cabe observar que estabelecer carga horária de uma
hora para determinadas disciplinas parece, no mínimo, surreal... Prevê um mó-
dulo II, de 16 aulas teóricas, intitulado “Conciliação e suas técnicas”, composto
de duas disciplinas de 7 horas cada (Introdução e Conciliação e suas técnicas) e
duas disciplinas de uma hora cada (Finalização da conciliação e O papel do conci-

135
Diretrizes éticas, capacitação, credenciamento e supervisão da atuação de mediadores e conciliadores

liador e sua relação com os envolvidos no processo de conciliação). O módulo III,


também com 16 aulas teóricas, intitulado “Mediação e suas técnicas”, composto
de cinco disciplinas (A mediação e sua origem – 1 hora; Escolas ou modelos de
mediação – 4 horas; Mediação e suas técnicas – 8 horas; Áreas de utilização da
mediação – 1 hora; Mediação judicial – 2 horas). Ressalte-se que a disciplina “áreas
de utilização da mediação” simplesmente não inclui os conflitos envolvendo en-
tes públicos (maior número de conflitos em trâmite no Judiciário), abrangendo
apenas, em sua parca hora-aula, conflitos na área de família, penal e empresarial.
O módulo II deverá ser seguido de um estágio supervisionado de 12 ho-
ras e o módulo III deverá ser seguido por estágio de 24 horas, nos termos da
Justificativa que antecede o referido anexo.
Existe também um módulo dirigido a magistrados, com carga horária de
8 horas, composto de cinco disciplinas (Política Pública de Tratamento Adequa-
do de Conflitos, Métodos Alternativos de Solução de Conflitos, Funcionamento
dos Centros de Resolução de Disputas, Da relação dos magistrados com os con-
ciliadores/mediadores e Da rede de cidadania) e outro dirigido a servidores, com
carga horária de 4 horas teóricas, com quatro disciplinas (Procedimento no Cen-
tro de Resolução de Disputas, Práticas administrativas, Fiscalização dos serviços
de conciliadores e mediadores e Rede de cidadania), de 1 hora cada.
Muito embora, como conteúdo genérico e base comum, o programa se
revelasse apropriado (podendo apenas ser eventualmente questionada a adequa-
ção da carga horária atribuída a cada item), nota-se que, em nenhum momento,
se prevê uma capacitação específica para qualquer tipo de conflito, o que se re-
velaria necessário em quase todas as áreas, v. g.: conflitos na área de família, na
esfera trabalhista, no âmbito societário, na esfera empresarial, nas relações de
consumo, na área penal (a chamada “justiça restaurativa”) e, sobretudo, na esfera
pública, que nos interessa mais de perto. Todas estas áreas têm peculiaridades
que demandam um treinamento focado nelas, o que não chegou ainda, como
regra, a ser enfrentado pelos diversos programas no âmbito do Poder Judiciário.
Vale registrar, porém, que esse anexo I foi revogado, sendo que a nova re-
gra estipula apenas que os treinamentos deverão seguir as diretrizes constantes
do “Portal da Conciliação”, gerenciado pelo Conselho Nacional de Justiça.

5 Supervisão da qualidade e aplicação de penalidades por


desvio ético

A supervisão dos serviços de mediação envolve dois aspectos distintos:


a) monitoramento da qualidade dos serviços prestados, mediante
alguma espécie de avaliação e/ou exigência de treinamento continuado;
b) monitoramento do cumprimento dos códigos de conduta de
mediadores e subsequente aplicação de penalidades quando houver
descumprimento.
A par disso, é preciso criar também um sistema de divulgação das infor-
mações obtidas mediante os dois sistemas de controle.
Nos EUA, segundo a maioria dos autores que se debruçaram sobre o tema,

136
Luciane Moessa de Souza

[...] há poucas reclamações sobre os serviços de mediação, mas isso pode não indicar a
alta qualidade de tais serviços, mas apenas o fato de que as partes frequentemente não
estão conscientes de seus direitos ou não são capazes de avaliar a qualidade da atuação
de um mediador devido a uma ausência de conhecimento técnico (SILVER, 1996)) – .

No que tange à aplicação de penalidades por desvio ético na conduta dos


mediadores, como lembra McEwen (2005), os sistemas de supervisão adminis-
trados por entidades de filiação voluntária são claramente insuficientes, já que
“as reclamações tendem a ser pouco frequentes, além de não alcançarem media-
dores que não são membros da organização.” 132
Quanto ao primeiro aspecto (monitoramento da qualidade), existe uma
certa clareza quanto à necessidade de avaliar periodicamente o desempenho
dos mediadores a fim de assegurar a qualidade dos procedimentos. Dentre os
métodos de avaliação da competência de mediadores, como aponta a pesquisa-
dora estadunidense Roselle Wissler (2004, p. 33),

Há um consenso geral de que avaliações baseadas no desempenho fornecem melhores
informações sobre a competência dos mediadores do que outros métodos, como creden-
ciamento, exames escritos, reclamações de usuários e taxas de obtenção de acordos. Há
menos consenso, porém, no que diz respeito a como e se as habilidades dos mediadores
podem ser medidas de forma confiável.133

No que diz respeito ao formato dessa avaliação de desempenho, exis-


tem basicamente dois métodos que vêm sendo utilizados: a) preenchimento de
questionários pelos próprios usuários da mediação e seus advogados; b) super-
visão da atuação dos mediadores iniciantes em casos reais por mediadores mais
experientes, que atuem como capacitadores.
Para Wissler (2004, p. 33), “usar questionários dos participantes para ava-
liar o desempenho dos mediadores pode fornecer mais retorno, com maior di-
versidade e em menos tempo do que ter mediadores experientes observando
sessões reais ou simuladas.”134 Porém, é preciso indagar, diz ela, se “participan-
tes que não são eles próprios mediadores têm condições de discernir e avaliar
de forma significativa as habilidades dos mediadores e se eles podem fazer isso
sem serem influenciados pelo desfecho da mediação”. Ela afirma que seu recente
estudo empírico sugere que os participantes apresentam, sim, estas condições.
O estudo referido pela autora foi feito num tribunal de segunda instância em
uma das jurisdições da Justiça Federal estadunidense (6º. Circuito). O departamento
encarregado de administrar a mediação enviou um questionário a todos os advoga-
dos que haviam participado de mediações entre setembro de 2000 e fevereiro de
2001, sendo que 405 advogados (61% do total) os responderam. Nesse período, os
cinco mediadores contratados pelo tribunal haviam sido sorteados para atuar nos
diferentes casos. Da mesma forma, foi feita uma avaliação do desempenho dos cin-
co mediadores pela administração do programa e cada um deles também fez uma
auto-avaliação, sempre em sete aspectos diferentes. A pesquisadora relata que “as
notas atribuídas pelos advogados e pelos administradores do programa revelaram
um padrão bastante similar quanto à habilidade dos mediadores. Em contraste, a

132 Tradução desta autora.


133 Tradução desta autora.
134 Tradução desta autora.

137
Diretrizes éticas, capacitação, credenciamento e supervisão da atuação de mediadores e conciliadores

auto-avaliação dos mediadores produziu um padrão bem diferente”, demonstrando


“as limitações de se confiar na auto-avaliação dos mediadores.” ( 2004, p. 34) 135.
Não obstante este estudo específico realizado pela autora demonstre um
índice bastante alto de participação dos advogados na avaliação, é preciso ressaltar
que, na grande maioria dos programas, conforme apurou minha pesquisa de cam-
po durante o Doutorado136, tanto no Brasil como no exterior, sendo a avaliação da
mediação voluntária, é bastante pequeno o percentual de respostas pelos usuários.
Assim, a fim de se confiar nesse tipo de mecanismo, seria necessário es-
tabelecer algum tipo de incentivo para os participantes realizarem a avaliação,
ou talvez a obrigatoriedade da avaliação como parte do procedimento. O risco
da obrigatoriedade é o preenchimento sabotador por usuários insatisfeitos com
a compulsoriedade da avaliação. Para garantir que a avaliação dos usuários seja
expressiva em termos de quantidade e séria em termos de qualidade, parece
fundamental um trabalho educativo e conscientizador por parte da equipe ad-
ministradora de cada programa de mediação.
No caso da avaliação da mediação de conflitos que envolvem políticas pú-
blicas, o programa do Estado de Maryland, nos EUA, desenvolveu um questioná-
rio específico que é exemplar no que diz respeito a esta modalidade de conflito
e cuja tradução foi incluída no último capítulo.
Cabe referir, ainda, um exemplo do outro sistema de avaliação, qual seja,
o proposto por Dorothy Della Noce e outros autores (2008), baseado na avalia-
ção ao vivo da atuação de mediadores iniciantes por mediadores mais experien-
tes encarregados da sua capacitação e monitoramento. Os pesquisadores ameri-
canos em questão são partidários da mediação dita transformativa e defendem
que a avaliação ao vivo é mais econômica para os programas e menos invasiva
para as partes do que aquela que se baseia na filmagem das sessões, sendo
também mais eficiente que a mediação de casos simulados.
Para viabilizar sua proposta, os autores defendem, em primeiro lugar, a
necessidade de esclarecer o pressuposto teórico que guiará a avaliação, já que
aquilo que é considerado “boa prática” em um determinado modelo não o será
em outro (NOCE et al., 2008, p. 200)137. Feito isso, é possível identificar, segun-
do eles, cinco momentos num procedimento de mediação nos quais “a escolha
pelo mediador de seu próximo movimento indica se ele está orientado para os
princípios e objetivos da mediação transformativa ou de alguma outra aborda-
gem de mediação.” (NOCE et al., 2008, p. 202)138. Para melhor avaliar cada um
destes movimentos, é fundamental, segundo eles, considerar o contexto, já que:

Nenhum movimento do mediador é competente ou incompetente em si mesmo.


A competência de qualquer movimento do mediador depende de:
- definição de sucesso do mediador;
- propósito da intervenção;
- contexto das interações anteriores durante a sessão;

135 Tradução desta autora.


136 A tese se intitula “Meios consensuais de solução de conflitos envolvendo entes públicos e a
mediação de conflitos coletivos”, tendo sido defendida em dezembro de 2010 perante a Universi-
dade Federal de Santa Catarina e aprovada com louvor.
137 “In fact, there is empirical evidence that the very actions that are defined as ‘good practice’
for mediators oriented to one framework are considered ‘bad practice’ for mediators oriented to a
different framework.” (NOCE et al., 2008, p. 200).
138 Tradução desta autora.

138
Luciane Moessa de Souza

- impacto nas interações seguintes. (NOCE et al., 2008, p. 205) .


139

O modelo funciona, então, da seguinte forma:


Na parte 1, o avaliador observa o desempenho do mediador em sessão e analisa suas
escolhas em momentos cruciais do procedimento. Na parte 2, o avaliador analisa a com-
preensão do mediador do quadro teórico em que ele está atuando e sua habilidade para
aplicá-lo mediante análise das próprias descrições e explicações do mediador sobre sua
prática. Aqui, a voz do próprio mediador é introduzida no processo de avaliação através
de uma entrevista entre o avaliador e o mediador. (NOCE et al., 2008, p. 206) 140.

Antes dessa entrevista, porém, “o processo requer um período de reflexão tan-


to para o avaliador quanto para o mediador imediatamente após a conclusão da ses-
são de mediação.” (NOCE et al., 2008, p. 207)141. Espera-se do avaliador que ele aponte
tendências globais para dar um retorno ao mediador, de modo que pontos de menor
importância podem e devem ser ignorados. Ao final da entrevista, o avaliador deve
fornecer ao mediador indicações de três áreas específicas para maior aprimoramento.
Os pesquisadores que formularam esta proposta aplicaram a avaliação
em questão e compararam seus resultados com outro mecanismo de avaliação
com objetivos similares, qual seja, o da filmagem e posterior discussão da ses-
são de mediação, acompanhado de ensaios auto-reflexivos escritos pelo media-
dor e entrevista entre este e o avaliador. Segundo eles,
[...] revisores independentes que acompanharam o processo alcançaram conclusões si-
milares (confiabilidade) e os desfechos da avaliação se aproximaram bastante daqueles
alcançados mediante o outro processo de avaliação da competência de um mediador
transformativo (validação) (NOCE et al., 2008, p. 209) 142.

A validade e precisão da proposta parece evidenciada, sendo de se lem-


brar, porém, que seus custos não podem ser ignorados, de maneira que uma
solução razoável seria utilizar esta forma de avaliação ou supervisão apenas
para mediadores iniciantes.
Não é possível deixar de lembrar, contudo, que, tão importante quanto a
existência de um sistema confiável de avaliação de desempenho de mediadores
é a disponibilização desta informação (assim como de informação referente a re-
clamações por faltas éticas ou disciplinares contra mediadores) para os usuários
dos serviços de mediação, combinada ao fato de estes poderem selecionar os
mediadores em seus conflitos. Como pontua Carole Silver (1996, p. 73),
[...] informações sobre a atuação anterior em outros conflitos precisa estar disponível de
forma a criar um mercado de informações sobre mediadores e este mercado de informa-
ções precisa estar conectado ao processo de seleção de mediadores. A informação dis-
ponível precisa indicar o grau de satisfação das partes e seus advogados com os serviços
de mediação [...], incluindo-se a identidade das partes e seus advogados, a natureza do
conflito e seu desfecho e o papel do mediador.143

Assim, todas as partes envolvidas na seleção de um mediador teriam

139 Tradução desta autora.


140 Tradução desta autora.
141 Tradução desta autora.
142 Tradução desta autora.
143 Tradução desta autora.

139
Diretrizes éticas, capacitação, credenciamento e supervisão da atuação de mediadores e conciliadores

acesso ao conteúdo das avaliações anteriores de cada um dos mediadores que


pode ser por elas escolhido. Além disso, sugere ela,
[...] estas informações também poderiam ser disponibilizadas para uma agência indepen-
dente [...], organizada para receber e filtrar as informações e participar na seleção e certifi-
cação de mediadores em cada tipo de conflito. A agência poderia desenvolver uma série de
funções ao receber tais informações, incluindo-se programas de treinamento para mediado-
res, monitoramento de sua atuação, revisão de procedimentos para apurar conflitos de inte-
resse e recebimento de reclamações sobre atuação de mediadores. (SILVER, 1996, p. 73) 144.

Já no que concerne ao segundo aspecto do controle da atuação de me-


diadores, qual seja, a supervisão do cumprimento das normas éticas, cabe in-
teira razão a McEwen (2005, p. 8) quando este sustenta não ser possível contar
apenas com as reclamações iniciadas por usuários, que muitas vezes inclusive
desconhecem quais são as normas de conduta de mediadores. Para ele, é ne-
cessário um
[...] forte sistema informal de controle e intervenção pelos próprios pares. [...]. Organiza-
ções locais, regionais e nacionais precisam assumir a tarefa de estruturar e apoiar a inter-
venção informal pelos pares a fim de conversar e trabalhar com os colegas cuja conduta
possa gerar questionamentos. 145.

Cabe referir, contudo, que, se a proposta de intervenção informal feita


por McEwen (2005) parece bastante adequada para os casos de mediadores
iniciantes e/ou de violações de pequena gravidade, não se deve descartar, de
forma alguma, a instauração de procedimentos disciplinares de ofício quando
houver indício de apuração de falta grave ou reiteração de conduta inadequada
por parte de algum mediador. Toda forma de intervenção, todavia, depende,
por óbvio, de que exista um efetivo monitoramento do que se passa durante as
sessões de mediação – tarefa árdua quando presente a confidencialidade e que,
sem dúvida, precisa contar com a colaboração das partes. Para isso, portanto,
é preciso um sério trabalho educativo a fim de que os usuários da mediação
conheçam as regras éticas de conduta de mediadores, mediante cartilhas ou ví-
deos explicativos, a fim de que estas possam identificar, em seu caso concreto,
quando houve eventual conduta inadequada por parte do mediador. No caso
dos conflitos envolvendo o Poder Público, em que a confidencialidade é a exce-
ção, e não a regra, esta fiscalização fica sobremaneira facilitada.
Como visto, de acordo com o PLC 4827/1998, caberia à OAB exercer a
fiscalização da conduta dos “mediadores judiciais” (advogados), ao passo que
aos Tribunais de Justiça seriam incumbidos da tarefa de fiscalizar os “mediado-
res extrajudiciais” (demais profissionais capacitados em mediação)146. Também
atuaria como fiscal, no caso da mediação incidental, o juiz da causa, que poderia
afastar o mediador e comunicar a irregularidade por ele praticada à OAB ou ao
Tribunal de Justiça, conforme o caso. Não se previu no texto do projeto, con-
tudo, nenhum mecanismo de avaliação de desempenho dos mediadores, quais
seriam as penalidades aplicáveis em caso de descumprimento das normas éticas
(exceto no caso da imparcialidade e da confidencialidade, cuja violação importa-

144 Tradução desta autora.


145 Tradução desta autora.
146 Conforme artigos 18 e 19 do projeto.

140
Luciane Moessa de Souza

ria exclusão) e o procedimento para apuração de sua violação, muito menos de


que forma seriam divulgadas as informações decorrentes de eventuais sistemas
de controle de qualidade e disciplinar.
O texto do novo Código de Processo Civil, como visto, foi mais adiante
neste aspecto, pois, além de prever o registro de dados relevantes sobre a atua-
ção de mediadores e conciliadores, explicita, ainda que de forma não exaustiva,
que informações são reputadas relevantes, bem como estabelece forma de pu-
blicidade para tais dados, como se lê em seu artigo 167:
§ 3º. Do registro de conciliadores e mediadores constarão todos os dados relevantes para
a sua atuação, tais como o número de causas de que participou, o sucesso ou o insucesso
da atividade, a matéria sobre a qual versou a controvérsia, bem como quaisquer outros
dados que o tribunal julgar relevantes.
§ 4º. Os dados colhidos na forma do § 3º. serão classificados sistematicamente pelo
tribunal, que os publicará, ao menos anualmente, para conhecimento da população e
fins estatísticos, bem como para o fim de avaliação da conciliação, da mediação, dos
conciliadores e dos mediadores.

A norma, que depende, por evidente, de uma série de medidas adminis-


trativas e opções técnicas para sua adequada concretização, adota dois critérios
essenciais, que são a realização de avaliações da efetividade dos processos con-
sensuais e da atuação de seus condutores, e a disponibilização de tais dados
para os usuários de tais serviços.
Cabe registrar que a Resolução nº. 125 do CNJ previu, em seu artigo
12, parágrafo 2º., que os mediadores e conciliadores que atuam em programas
judiciais deverão submeter-se à “avaliação do usuário”. Não cuidou, ainda, de
estabelecer, contudo, quais os critérios que constarão de tal avaliação nem de
que forma ela será aplicada e utilizada.

6 Conclusões
Os métodos consensuais de solução de conflitos têm, recentemente, recebido
grande aceitação tanto por parte do Poder Judiciário quanto pelos jurisdicionados
que a eles vêm tendo acesso. A utilização do diálogo como caminho para a solução
de problemas se insere muito bem em nossa cultura e, sobretudo, no contexto de
sobrecarga do Poder Judiciário – a qual se verifica tanto do ponto de vista quantitativo
quanto sob o prisma da complexidade dos litígios que a ele têm sido levados.
Todavia, é preciso alertar que tais métodos não devem ser utilizados sem
a adequada preparação e os profissionais que os aplicam, como quaisquer ou-
tros, necessitam de parâmetros éticos para nortear sua atuação, bem assim de
supervisão apropriada, notadamente em respeito aos usuários de tais serviços.
O desrespeito a diretrizes éticas básicas, tais como a imparcialidade e o
dever de zelar pelo equilíbrio de poder entre as partes, para ficar apenas em
duas essenciais, bem assim a ausência de mecanismos institucionais claros a se-
rem acionados quando houver uma atuação deficiente por parte de mediadores
e conciliadores, colocam em xeque a validade e em risco a eficácia de qualquer
programa de mediação ou conciliação.
Da mesma forma, para estimular a qualificação adequada, é importan-
te reconhecer a necessidade de remuneração adequada para tais profissionais,
quando estes atuam no setor privado, e a necessidade de uma adequação da

141
Diretrizes éticas, capacitação, credenciamento e supervisão da atuação de mediadores e conciliadores

capacitação ao tipo de conflito que se pretende resolver, seja para profissionais


que integram os quadros do serviço público, seja para os que atuam no mer-
cado. A preparação para resolver conflitos de natureza familiar, por exemplo, é
totalmente distinta daquela para resolver conflitos na seara empresarial, sendo
ambas bastante diferenciadas daquela necessária para quem atue em conflitos
envolvendo entes públicos.
A importância destes aspectos não pode ser subestimada, como lamenta-
velmente vem ocorrendo em alguns programas. O grande risco é comprometer
a aceitação e a credibilidade de um caminho (o consensual) que é ainda bastante
incipiente, mas extremamente necessário, em nosso país, por conta de seu ma-
nejo inadequado. Embora existam muitas controvérsias envolvendo a matéria,
existem alguns consensos básicos que podem e devem ser considerados na es-
truturação de programas que trabalham com a solução consensual de conflitos.
Espero, com este trabalho, ter contribuído com o aprimoramento da re-
flexão acerca da capacitação, credenciamento e supervisão ética da atuação de
mediadores e conciliadores, para que possamos avançar neste caminho com a
seriedade, a responsabilidade e o profissionalismo que a atuação em resolução
de conflitos exige.
O conflito é da natureza humana e a paz é um anseio natural, mas não
menos essencial é o anseio por justiça. Da mesma maneira que justiça sem paz
não funciona, não se pode perder de vista que obter paz sem justiça é fazer
triunfar a opressão. Paz e justiça é o que todos merecemos como resultado final
do enfrentamento de nossos problemas – não menos do que isso.

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143
PARTE II
Aplicação da Mediação

144
A mediação de conflitos
no contexto empresarial

Adolfo Braga Neto

Sumário: 1 Introdução - 2 Mediação empresarial entre empresas - 3 Mediação empresarial


intra-organizacional - 4 Mediação empresarial na área do meio ambiente - 5 Mediação
trabalhista - 6 Aspectos gerais e legais - 7 Conclusão - Referências

1 Introdução

Hoje no Brasil amplia-se cada vez mais o interesse sobre a mediação de


conflitos. Profissionais de diferentes áreas têm buscado informações sobre a
atividade e ao mesmo tempo em nela se capacitar. O Poder Judiciário, por inter-
médio do Conselho Nacional de Justiça a consagrou como método adequado de
resolução de conflitos, adotando-a como política pública. Por isso, magistrados
de primeira, segunda e terceira instâncias, com o advento da Resolução CNJ nº
125/2010, vêm se utilizando dos serviços de mediadores para auxiliar as pes-
soas físicas ou jurídicas a buscarem a autocomposição indireta ou triangular.
Instituições especializadas e mediadores independentes têm aumentado
o número de casos solucionados por mediação. O mesmo tem acontecido no
segmento empresarial, onde homens de negócios têm se utilizado do método
para resolver conflitos internos em suas organizações, dirimir pendências en-
tre empresas ou grupo de empresas, solucionar disputas societárias ou mesmo
questões trabalhistas, bem como promover soluções criativas para questões
ambientais e também criar instituições voltadas a administrar este procedimen-
to, com enfoque especial em questões empresariais. Enfim, assiste-se hoje a
uma crescente evolução da atividade, inclusive no segmento empresarial.
O presente artigo pretende oferecer breves reflexões sobre a mediação de
conflitos na área acima descrita, que possui características específicas e demanda
encaminhamentos e tratamentos diferenciados. Para efeitos de melhor compreen-
são sobre a mediação no mundo empresarial, há que se determinar fronteiras no
sentido de pontuar questões decorrentes de relações contratuais ou não, comer-
ciais ou não, entre empresas e grupos de empresas. Já as questões ligadas às
inter-relações dos diversos agentes e indivíduos que integram internamente uma
empresa ou organização, derivados das interações profissionais ou sócio-afetivas,
a mediação de conflitos é conhecida como mediação empresarial organizacional.
Além disso, existem também os conflitos relativos a problemas ambientais que
são resultantes da inserção da empresa em uma determinada comunidade ou am-
biente, onde a mediação de conflitos é utilizada. E, por último, existem os confli-
tos relativos ao vínculo empregatício fruto de um contrato de trabalho regido pela

145
A mediação de conflitos

legislação contida na CLT e outras normas, chamada de mediação trabalhista, a


qual impende observar que foi incluída nestas reflexões por ser uma realidade em
vários países do mundo, já que a doutrina internacional dessa forma a apresenta,
muito embora no Brasil tal inclusão não receba total respaldo por estar descon-
forme com a realidade brasileira, sobretudo face à legislação nacional em vigor.

2 Mediação comercial

A intervenção de um terceiro facilitador do diálogo entre duas ou mais


pessoas jurídicas parte da premissa da gestão da controvérsia por intermédio
do pressuposto óbvio de que o passado não tem como ser modificado, mas o
presente, com o advento do conflito, e o futuro ou não daquela inter-relação de-
penderá de uma maior reflexão das mesmas. São oferecidos neste momento es-
paços de diálogo que evitam desgastes e desperdício de tempo com discussões
estéreis, onde muitos falam e quase ninguém se escuta, durante horas e horas
improdutivas. Em alguns casos, o cansaço de alguns leva à apresentação de
propostas favoráveis para um lado em detrimento de outro. E, muitas vezes, não
se procede a uma análise mais detalhada das questões envolvidas, tomando-se
por base unicamente os aspectos econômicos e objetivos da controvérsia. Isto
resulta em acertos superficiais sem muita consistências, o que poderá ter como
conseqüência o descumprimento dos compromissos assumidos, acarretando o
agravamento da controvérsia ou o surgimento de outras até então latentes.
É justamente sobre o aspecto citado no parágrafo anterior que a interven-
ção do mediador nas relações empresariais é fundamental. Ao aportar o questio-
namento da inter-relação existente entre os empresários, sejam decorrentes de
crédito/débito, transações comerciais, financeiras ou imobiliárias, empreitadas,
relações de franquia (que serão objeto de um tratamento diferenciado pelas pró-
prias características a serem apontadas neste artigo mais adiante), operações
com seguros, questões societárias, fornecedor/cliente, prestador de serviço/
usuário, quer contratuais, quer informais sem a existência de um contrato que
a regule, o mediador o faz oferecendo elementos de reflexão baseados em fatos
daquela relação no passado e no presente, com vistas a construir um futuro seja
com a continuidade daquela relação, seja com o fim.
A intervenção do mediador acaba por promover o reenquadramento da
questão controversa, pela integração de perspectivas diferenciadas, estimulando a
cooperação entre os empresários e a busca de opções que culminarão com a melhor
ou melhores e mais criativas soluções, resultando no cumprimento espontâneo das
obrigações assumidas ao longo da mediação e após seu encerramento. Em outras
palavras, o mediador, em sua intervenção, coordena um processo de positivação
do conflito, que nada mais é do que fruto da estrutura relacional existente entre
eles no passado e presente, com a conscientização de que o futuro está em suas
próprias mãos. É a devolução do poder aos empresários de gerir e posteriormente
resolver o conflito, se o desejarem e efetivamente tiverem condições para tanto.
A ansiedade e a pressão por um resultado rápido e imediato é um ele-
mento constante e fator decisivo e prioritário nas questões empresariais, por
isso o mediador busca a conscientização acerca de se o que está em jogo são
ou foram relações importantes para a consecução de seus negócios, mesmo em

146
Adolfo Braga Neto

operações que envolvam pequenas quantias. Assim, cabe-lhe estar alerta para
os discursos fechados das posições apresentadas pelos empresários ou execu-
tivos representantes de empresas comerciais, industriais, financeiras, agrícolas,
etc., os quais estão impregnados de fortes argumentos de convencimento, que
encobrem os efetivos interesses, valores pessoais, institucionais, corporativos
e missões das próprias empresas ou organizações. Tal posicionamento, no en-
tanto, não visa confundir o outro lado. Pelo contrário, deve ser lido no sentido
de que está baseado na visão ilusória de um discurso estruturado de maneira
defensiva, por constituir-se na falsa premissa de que é a melhor opção para a si-
tuação existente ou para as duas ou mais empresas envolvidas na controvérsia.
Convém lembrar que a mediação lida com pessoas, as quais possuem sua
própria visão a respeito do objeto da controvérsia. Por isso, os empresários, ao de-
fenderem suas posições, expõem aspectos subjetivos que afloram no conflito que
estão enfrentando, criando uma perspectiva pessoal parcializada e limitadora. Este
fato acaba por dificultar ainda mais a resolução da controvérsia. Por isso, é impor-
tante delimitar nestes procedimentos todas as questões subjetivas, não no sentido
de separá-las da negociação para facilitar o acordo, como defendem alguns especia-
listas estrangeiros, mas sim de identificá-las, acolhê-las e, com a devida relevância,
oferecer um encaminhamento no âmbito do processo de mediação.
Há que se destacar que muitas controvérsias nestas relações são resultantes
do descumprimento de cláusulas contratuais. Cabe lembrar, por oportuno, que o
contrato, ao ser elaborado, atendeu, no passado, a uma situação econômica espe-
cífica e a determinadas expectativas dos contratantes ou mesmo a determinados
interesses. A economia, por seu turno, avança sempre, quer seja de maneira posi-
tiva, quer seja de maneira negativa. Por isso, eventuais descumprimentos contra-
tuais ocorrem por força de não atenderem ao dinamismo exigido pela economia a
que estão intrinsecamente ligados. Por esse motivo, a mediação, nestes casos, tem
resultado na elaboração de uma nova relação e no nascimento de um novo contrato
tendo como premissa básica novas perspectivas das partes, incluindo-se na maioria
dos casos elementos relativos a fatores mutáveis da economia. E o mediador, neste
caso, oferece seus serviços apontando a exigência da abertura dos empresários e
suas empresas a estas mudanças, bem como para a eventual elaboração de um
novo contrato que regerá a relação. Por exemplo, eventuais conflitos societários,
se submetidos à mediação de conflitos, poderão resultar na elaboração de um novo
contrato social ou um novo estatuto e, com isso, o surgimento de uma nova empre-
sa. Foi o que ocorreu num caso em que atuamos em que um sócio desejava sair
da sociedade por considerar que o relacionamento com os demais sócios estava
desgastado de maneira irreversível. A mediação neste caso levou todos a repensa-
rem a inter-relação existente diante da economia em permanente mutação, o que
resultou na elaboração de um novo contrato social, com a continuidade de todos os
sócios em suas participações societárias na proporção iniciada há mais de 30 anos.
Com relação a estas particularidades, a mediação no setor de franchising
bem exemplifica o que foi observado. Para tanto, há que se ressaltar peculiarida-
des destes tipos de operações empresariais, em que o sucesso almejado depende
muito da capacidade de oferta de produtos e equipamentos, assistência técnica
rotineira, política de marketing agressiva e treinamento constante. Estas ações
conjuntas demonstram que ambos os pólos da relação franqueado/franqueador,
em qualquer de suas operações, possuem distintos e relevantes papéis. Assim é

147
A mediação de conflitos

que ao franqueador cabe trazer nova tecnologia, permanente apoio através de


orientação e assistência, marketing para rede como um todo, propostas de ex-
pansão, proteção da marca e, sobretudo, parceria nos negócios com transparên-
cia em suas operações. Ao franqueado, por seu turno, cabe o dever de operar e
administrar sua própria unidade, obedecer a regras de sua rede, motivar sua equi-
pe como multiplicador da tecnologia e ferramentas, respeitando a marca e outros
itens relativos ao próprio negócio, bem como transparência em suas operações.
Além disso, há que se destacar ainda que franquia é uma atividade empre-
sarial que envolve relacionamento de parceria complexa entre franqueador e fran-
queado, em um contrato que estabelece regras de conduta de ambas as partes, no
qual a ética, o respeito mútuo, o compromisso, a transparência e o profissionalis-
mo deverão estar presentes em todas as operações estruturais da própria rede.
Em outras palavras, é um contrato de complementariedade ímpar, talvez até de
maneira audaciosa poder-se-ia afirmar que constitui um contrato de cumplicidade
no sentido positivo do termo, no qual os dois lados possuem papéis específicos,
que interagem de forma muito dinâmica e constante ao longo de toda a vigência
daquele contrato, o que é essencial para a continuidade e sucesso de todas as
operações inerentes ao negócio. Por isso, é natural a existência de conflitos que
se manifestam de diversas formas, os quais acabam sendo levados para o Judiciá-
rio, demandando tempo, desgaste do relacionamento franqueador/franqueado,
sem falar nos efeitos econômicos extremamente negativos para ambos os lados.
A mediação, quando empregada na gestão e resolução de conflitos em fran-
quia, desenvolve adequações nos papéis que cabem a todos os agentes envolvi-
dos naquelas relações e, ao mesmo tempo, atende diretamente às dificuldades dos
empresários e executivos em expressar seus interesses livres de formalismos e de
desconfiança. Outro elemento fundamental que merece grande destaque e do qual,
em muitos casos, os principais atores envolvidos nestas controvérsias se esquecem
é o fator econômico. Como atividade empresarial, o franchising está muito ligado à
evolução da economia. É fundamental que os parâmetros, regras e obrigações acor-
dados no passado sejam objeto de revisões permanentes. Este elemento também é
gerador de inúmeros conflitos, que podem ser resolvidos pela sua simples identifica-
ção e posterior inclusão dos temas a serem objeto de resolução e encaminhamento.
Em suma, o papel do mediador no âmbito deste processo junto ao setor de
franquia é o de incentivar uma comunicação mais fluida entre eles, auxiliar cada
parte a esclarecer seus reais interesses, preocupações, valores, necessidades e
intenções atribuídas e não contempladas, melhor compreender os objetivos dos
negócios, incentivar a criatividade, bem como gerar opções de ganhos mútuos.
Este é o papel desempenhado pelo profissional, terceiro facilitador, que, através
da utilização de suas ferramentas durante o processo de mediação, permite que
um franqueado saia de uma rede sem qualquer perda econômica do capital in-
vestido tanto pela rede quanto pelo empresário, pelo simples fato de haver ter-
minado o contrato e inexistir interesse na continuidade do negócio para ambas
as partes. Ou daquele empresário franqueador que sempre enfrentou obstácu-
los oriundos de um grupo de franqueados de uma determinada região do país
que apontavam dificuldades no pagamento do fundo de propaganda da rede,
mas que, pela mediação, percebeu o alcance das dificuldades regionais e criou
conjuntamente mecanismos próprios para corrigir as distorções com o apoio de
toda a rede. Ou ainda daquele empresário que, por ser o melhor franqueado da

148
Adolfo Braga Neto

rede, celebrou um contrato de master franquia com 5 unidades e que acabou en-
frentando muitas dificuldades nestas unidades e optou por rescindir o contrato
da máster-franquia e se manter na rede sem qualquer prejuízo para o franquea-
dor. Estes são alguns exemplos dos resultados atingidos graças à utilização da
mediação na resolução de conflitos no setor de franquias.

3 Mediação organizacional
As empresas, de maneira geral, possuem uma organização interna que cons-
titui-se em uma complexa rede de conexões e interações entre as pessoas que
dela fazem parte. Com isso, geram entre si inúmeras inter-relações, algumas delas
decorrentes da própria atividade profissional e outras resultantes das afinidades
pessoais e/ou sociais. Este quadro acaba por transformá-las, não importando seu
porte, quer seja micro, pequeno, médio ou grande, em um ambiente onde ocorrem
diversos conflitos, relativos às inúmeras e intensas atividades internas no dia-a-dia.
Tais conflitos, caso alcancem número muito elevado, comprometem o cresci-
mento e a evolução positiva da própria empresa, podendo resultar na perda da com-
petitividade da empresa, grupo de empresas ou corporações. Tal fato é decorrente da
forma negativa em que, internamente, o conflito não somente é percebido, mas so-
bretudo como é administrado. Além disso, em alguns casos, é comum a negação de
que ele exista. Ao mesmo tempo, perde-se muito tempo na sua resolução, por inter-
médio de reuniões infrutíferas, exigindo de seus dirigentes decisões impositivas ou
terceirizadas para as autoridades responsáveis por fazer valer o respeito à hierarquia
e ao poder. Na verdade, todos estes fatos tendem a agravar ainda mais os conflitos.
Empresas com número grande de descumprimento de cláusulas contra-
tuais, elevado grau de rotatividade de seus funcionários, reclamações traba-
lhistas, recusa ou devolução de produtos em altos níveis, absenteísmo, custos
operacionais muito altos, baixa produtividade, constituem-se exemplos de si-
tuações em que o conflito passa a ser uma ameaça a sua própria sobrevivência.
Tudo isso, na maioria dos casos, é resultante de um sistema de comunicação im-
pregnado de ruídos, desmotivação na execução de tarefas de seus funcionários,
não somente agravando a situação conflituosa, mas também comprometendo o
desempenho da própria organização e onerando-a.
A mediação de conflitos nas organizações tem se monstrado eficaz método
para reverter este quadro e responder aos anseios dos executivos responsáveis
pelas empresas ou organizações. Estimula a criação de sistemas que possibilitem
a seus integrantes passar a encarar o conflito de maneira natural, com vistas à sua
resolução dentro de parâmetros mais pacíficos e equilibrados. Prioriza o reconhe-
cimento dos papéis que cada participante deverá desempenhar na organização. E
privilegia o diálogo cooperativo, não somente entre os envolvidos, mas também
entre eles e a própria organização. Sob este aspecto, a elaboração de um socio-
grama (descrição das distintas e inúmeras inter-relações existentes entre todos os
integrantes) face ao tradicional organograma, em muitos casos, facilita a identifica-
ção dos diversos níveis de atuação para a resolução do conflito. Amplia-se, assim,
o auto-conhecimento das diversas inter-relações existentes. O resultado é a imple-
mentação de um plano específico, que aos poucos permite a evolução natural da re-
solução dos conflitos. Transfere-se, automaticamente, da estrutura impositiva para
a colaborativa. Além disso, é relevante asseverar que os objetivos e as missões das

149
A mediação de conflitos

organizações constituem-se norteadores e sustentáculos do sistema, sendo respei-


tados e identificados como impulsionadores da gestão e resolução dos conflitos.
Assim é que disputas surgidas nas organizações, entre departamentos, entre
funcionários do mesmo departamento ou distintos (desde os menos qualificados até
os de mais alto nível), entre diretoria e departamento, entre funcionário ou funcioná-
rios e diretoria e seus membros, fusões, incorporações e cisões podem ser objeto de
resolução pacífica de seus conflitos. Isto graças à intervenção de um terceiro inde-
pendente e imparcial, cujo resultado final será sem dúvida a diminuição dos custos
diretos e indiretos causados pelos conflitos, aliada ao crescimento da organização.
A mediação organizacional, portanto, é um instrumento para a compreen-
são da importância das relações interpessoais nas organizações, que será melhor
desenvolvida a partir da fluidez na comunicação interpessoal. Exemplo disso foi
a disputa entre dois diretores de uma multinacional, o primeiro responsável pela
área comercial e o segundo pela área administrativa. Buscaram a mediação a
fim de tentar solucionar uma questão pontual pela utilização de funcionários da
equipe de um sem o conhecimento do outro. Com todas as suas ferramentas,
o mediador auxiliou-os a detectar as expectativas, necessidades, desejos, com-
petências profissionais, questões operacionais e emocionais que envolviam o
dia-a-dia deles. Estabeleceu então com mais clareza os papéis que cabem a cada
um deles, maior respeito recíproco e dinamismo. Com esta experiência, ambos
sugeriram que a mediação fosse implementada como um projeto para toda a
empresa, que hoje usufrui de amplos ganhos e destacado nome no mercado.

4 Mediação ambiental

Ao se tratar de questões ambientais, há que se fazer obrigatoriamente refe-


rência à legislação da área e, de imediato, vem à tona a Política Nacional do Meio
Ambiente prevista para o país de maneira pioneira em 1981 pela Lei nº 6.938,
sendo posteriormente, em 1988, ampliada pela Carta Magna com a previsão de
um capítulo próprio, o de número VI, no âmbito do Título VIII (Da Ordem Social).
Esta previsão constitucional estabelece que a todos cabe o direito ao meio am-
biente ecologicamente equilibrado, considerado um “bem de uso comum do povo
e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade
o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”
Estes deveres constitucionais, face ao gigantismo do território nacional, aca-
baram por criar uma legislação caracterizada por uma complexa gama de leis, de-
cretos, portarias, instruções normativas, enfim, um complexo universo de textos
legais inspirados no referido preceito constitucional, que consagrou, ao mesmo
tempo, o princípio fundamental da competência de legislar e fiscalizar de maneira
concorrente entre os diversos órgãos e poderes da nação brasileira, no âmbito mu-
nicipal, estadual e federal, e também direitos por parte dos cidadãos eventualmente
prejudicados por um dano ambiental. O resultado de tudo isso é um emaranhado
de obrigações para os diversos setores econômicos da nação brasileira, exigindo-
se-lhes permanente atenção aos distintos objetivos por elas previstos.
Como espécie do gênero direito difuso, o direito ao meio ambiente equi-
librado é caracterizado pela indeterminação dos sujeitos, indivisibilidade de seu
objeto, existência de vínculos fáticos entre os titulares, transição e mutação no
tempo e no espaço e, por derradeiro e não menos importante, intensa litigiosi-

150
Adolfo Braga Neto

dade interna. Constitui-se, assim, de direitos dispersos por toda a sociedade,


que poderão se contrapor entre si. Nesse sentido, ao se pensar na proteção de
determinado recurso hídrico, por exemplo, se opõe o interesse de uma indústria
em manter sua atividade econômica, ao mesmo tempo em que seus emprega-
dos buscarão a manutenção de seus empregos e, por outro lado, a população
ribeirinha buscará garantir a possibilidade de usufruir daquele recurso hídrico.
Percebe-se claramente a ampla gama de interesses contrapostos, todos eles le-
gítimos, ao se fazer uma análise prima facie da questão.
Com todo este cenário acima apresentado e tendo como pressuposto que
se trata de um tema que demanda respostas imediatas, sob pena de colocar em
risco até mesmo a sobrevivência de um determinado território ou população, de-
vem-se buscar mecanismos ágeis de resolução de conflitos, que permitam vislum-
brar soluções criativas e mais adequadas às necessidades de todos os envolvidos,
bem como o dever prioritário de preservação do meio ambiente. A mediação de
conflitos nestas questões tem se mostrado um sistema adequado, pois possibilita
o diálogo entre todos os atores envolvidos, proporciona a conservação e melhoria
da inter-relação existente e, num segundo momento, permite a prevenção de futu-
ras disputas, ao mesmo tempo em que leva à conscientização ecológica daqueles
atores pelos compromissos assumidos ao longo do processo.
Nos últimos anos, tem se notado a valorização de condutas que privilegiam
soluções negociadas por parte dos agentes públicos responsáveis pela fiscalização e
preservação do meio ambiente. O Ministério Público Federal e Estadual e os órgãos
estaduais e municipais ligados ao meio ambiente têm desempenhado importante pa-
pel ao priorizarem o diálogo para as questões ambientais, baseado na cooperação.
Seu objetivo é construir compromissos a serem efetivamente cumpridos, por estarem
identificados os interesses reais de todos os envolvidos, dentro dos limites impostos
pela norma jurídica e adequados à prioridade de preservar o meio ambiente.
Na realidade, a iniciativa daqueles órgãos deve ser incentivada e pode
contar com o auxílio de órgãos especializados em conflitos e mediadores inde-
pendentes, para que possam em conjunto proceder a uma análise mais detalha-
da da questão ambiental controversa. Assim é que a abordagem integrada das
múltiplas variáveis que compõem os conflitos ambientais permite orientar à re-
flexão para conscientização ecológica de todos, parâmetros fundamentais para
a construção de estratégias de futuro, as quais devem estar em sintonia com os
imperativos do desenvolvimento e em bases mais sustentáveis e coerentes com
a legislação em vigor, cujo objetivo fundamental é a preservação de todos os
recursos ambientais naturais, não como uma tentativa de substituir a prestação
jurisdicional estatal, mas como um auxílio a esse serviço prestado pelo Estado.

5 Mediação trabalhista
A mediação nas relações capital/trabalho remonta à própria história da
atividade no Brasil. Convém lembrar que, no Brasil, auditores do Ministério do
Trabalho, já em meados da década de oitenta, conscientes de que sua responsa-
bilidade social extrapolava a simples função de fiscalização, vivenciaram expe-
riências que primavam pelo equilíbrio entre aqueles dois pólos, por intermédio
da flexibilização da aplicação da lei, com a utilização do diálogo entre os pro-
tagonistas. Muitas dessas experiências eram empíricas e objetivavam a pacifi-

151
A mediação de conflitos

cação daquelas relações, por intermédio de um convívio mais harmonioso, que


primasse pelo reconhecimento e respeito do papel que cabe a cada um.
Tendo em vista estas experiências, tentou-se implementar no país um papel
mais ativo na gestão e resolução de maneira mais pacífica das controvérsias traba-
lhistas pelo Ministério do Trabalho. Com este propósito é que a Lei 10.101/2000
foi sancionada. Ela dispõe sobre a participação dos trabalhadores nos lucros e re-
sultados das empresas, prevendo, nesses tipos de negociações entre empregado e
empregador, que, caso ocorra impasse, se estabeleça a possibilidade de utilização
da mediação, coordenada por mediador independente, mediador pertencente ao
quadro oficial do Ministério do Trabalho e Emprego ou, ainda, mediador vinculado
a alguma instituição privada ou independente, escolhido de comum acordo entre
as partes. Esta lei, repetindo a experiência dos anos 40, levou o Ministério do Tra-
balho e Emprego a responder pelas tentativas mais pacíficas de resolução daquelas
controvérsias. Este texto legal, por outro lado, tem sido interpretado, na maioria
dos casos, pelas categorias econômicas e profissionais sem seu principal norteador,
qual seja, um programa de envolvimento entre capital e trabalho em prol do de-
senvolvimento sustentado da empresa. Seu objetivo é alavancar as atividades das
empresas e, com isso, a própria remuneração de seus empregados, auxiliado por
um sistema inovador de resolução de disputas, o que não tem ocorrido na prática.
Além disso, com o advento do Plano Real no ano de 1994, foram adotadas
medidas complementares, dentre elas a desindexação da economia, o expurgo do
reajuste automático de salários, com o reajuste anual dos salários com base na varia-
ção do IPC-r acumulado dos últimos 12 meses até a data-base anterior. Esta previsão
legal está estabelecida na Lei 10.192/2001, que manteve a data base das diversas
categorias econômicas, porém exige que sejam entabuladas negociações para regra-
mento das relações capital-trabalho da categoria. Mais especificamente, o artigo 11
estabelece a possibilidade de, uma vez frustrada a negociação, as partes utilizarem
mediador, inclusive do Ministério do Trabalho, para estimular uma solução negociada
para as partes, devendo este fazê-lo no prazo máximo de 30 dias. E, caso não che-
guem a um consenso, deverá ser lavrada ata negativa com as causas motivadoras do
conflito e as reivindicações econômicas, documento este que instruirá a representa-
ção para ambas as partes para instauração do dissídio coletivo. Estes dispositivos fo-
ram regulamentados posteriormente pelo Decreto nº 1.572, de 28 de julho de 1995,
e pelas Portarias do Ministério do Trabalho nºs 817 e 818, de 30 de agosto de 1995.
Como resultado de tudo isso, o Ministério do Trabalho e Emprego, assim
como o Ministério Público do Trabalho, exerceram e exercem hoje um papel muito
importante na administração daqueles conflitos, muito embora, por estarem à fren-
te da função pública, se encontrem limitados à rigidez prevista na legislação, suas
próprias interpretações sobre as determinações legais e a restrição a eventuais par-
celamentos de débitos trabalhistas. E, com isso, portanto, por não responderem de
maneira imparcial e independente, não poderão instalar a mediação de conflitos den-
tro de seus preceitos básicos, mas sim estimular as soluções negociadas para os con-
flitos nesta área. Ademais, as vantagens oferecidas pela mediação, como a análise
da própria relação, hoje não são aproveitadas em sua plenitude. Exemplos positivos
são os de um empregado portador do vírus HIV, após utilizar a mediação, manifestar
sua grande alegria em poder ser readmitido na empresa que havia lhe demitido por
justa causa, ou de um outro empregado acometido de um acidente de trabalho estar
satisfeito por não receber o total indenizatório solicitado, pelo fato de estar prestan-

152
Adolfo Braga Neto

do seus serviços a outra empresa indicada por aquela em que se acidentou.


Infelizmente, os exemplos acima são poucos, justamente em razão da des-
confiança mútua entre os atores envolvidos nas relações capital/trabalho, que
ainda é pautada por muito enfrentamento em disputas coletivas e individuais,
o que acarreta a busca do Judiciário para se valer de seus direitos, sem pensar
na efetiva solução do conflito que passa pelos dois pólos da relação. Até hoje,
ambos os lados não reconhecem que são interdependentes. Em outros termos,
capital não existirá se não existir trabalho e trabalho não existirá sem capital,
muito embora possuam interesses, valores e necessidades distintos. Esta inter-
dependência é pouco valorizada, motivo pelo qual o Brasil é um dos países do
mundo com um dos maiores volumes de demandas judiciais na área trabalhista.

6 Aspectos gerais e legais


À luz dos comentários oferecidos, seria importante enfatizar que a media-
ção parte de uma premissa de devolução às partes do poder de gerir e resolver
ou transformar o conflito, no sentido de que são elas as mais indicadas para so-
lucionar suas questões. Elas sabem o que é melhor para elas próprias e enfren-
tam momentaneamente dificuldades em administrá-lo de maneira mais pacífica
por força da confusão de papéis que o conflito acaba provocando.
Costuma-se afirmar que a mediação de conflitos parte de uma atitude de
humildade do mediador em sua intervenção junto às pessoas envolvidas em con-
trovérsias. A atuação do mediador, portanto, é, na vertente do auxílio na admi-
nistração do conflito, a fim de promover como resultado a responsabilidade, não
somente gerada na inter-relação existente ou que existia, mas, sobretudo, no que
poderá ser construído no futuro a partir dele. Estas características oferecem uma
ferramenta muito eficiente para a gestão positiva, resolução e/ou transformação do
conflito no segmento empresarial e, em especial, nas áreas citadas anteriormente.
A celeridade é uma característica marcante do processo, que é extrema-
mente rápido se forem feitas comparações com o processo judicial e a arbitra-
gem. Cabe lembrar que a determinante com relação ao tempo é decorrente das
decisões tomadas pelos participantes antes, durante ou após o processo a que
se submeteram. Com base no princípio da voluntariedade, desde seu início, ao
longo do mesmo e até com a possibilidade de ser interrompido caso as partes
assim decidam, preserva-se permanentemente em seu patamar máximo o prin-
cípio da autonomia das vontades, consagrado na área contratual. Às partes cabe
determinar suas disponibilidades, possibilidades e interesses para o mesmo,
podendo, como dito anteriormente, ser inclusive interrompido.
O processo consiste em média em 5 (cinco) reuniões, de duas a três horas
cada, ou durante o período de tempo que as partes considerarem como neces-
sário. Esta característica se refere à intervenção do mediador em questões pon-
tuais e não quando se tratar de um projeto que envolva toda uma organização,
como citado anteriormente na mediação empresarial intra-empresas, ou mesmo
que envolvam questões ambientais, como se verifica na mediação ambiental, o
qual demanda todo um processo em que o mediador ou talvez uma equipe de
mediadores intervirá por um determinado tempo negociável entre as partes.
A confidencialidade é outra importante marca caracterizadora do proces-
so. Permite proporcionar aos empresários o necessário conforto em expressar

153
A mediação de conflitos

suas opiniões de maneira aberta, sobretudo relativas à inter-relação existente.


Com isso, promove-se o controle total do processo pelo qual optaram além de
permitir-se a previsibilidade do resultado a ser alcançado, podendo ou não, se o
desejarem, dar conhecimento ao mercado futuramente daquilo que deliberaram.
Convém enfatizar que a legislação brasileira não prevê a mediação formal-
mente, posto estar mencionada nas leis citadas anteriormente, especialmente da
área trabalhista. Tramita, por seu turno, desde 1998, no Congresso Nacional um
projeto de lei que a regula, sobretudo no âmbito judicial. Independentemente dis-
to, diante dos aspectos mencionados, se pode afirmar que a natureza jurídica da
mediação de conflitos é contratual, posto se originar de duas ou mais vontades
orientadas para um fim comum, no sentido de contratar um profissional para que
este as auxilie a produzir conseqüências jurídicas, extinguindo ou criando direi-
tos, baseadas nos princípios da boa fé e da autonomia das vontades, preservando
durante seu procedimento a igualdade das partes.
Como contrato, a mediação pode ser classificada como plurilateral, por esta-
rem ajustadas, no mínimo, 3 (três) pessoas físicas ou jurídicas, isto é, as partes (pes-
soas físicas ou jurídicas) e o mediador (sempre pessoa física). É consensual, uma vez
que nasce do consenso entre as partes envolvidas na controvérsia, que contratam
um terceiro independente e imparcial. É também informal, visto pressupor regras
flexíveis, de acordo com os interesses das partes. E oneroso, posto ser objeto de
remuneração ao profissional que colaborará com as partes. Na verdade, caracteriza-
se como um contrato de prestação de serviços, o qual, de comum acordo, as partes
contratam um mediador para que as auxilie na busca de soluções para o conflito
que estão enfrentando. Ele possibilita, portanto, a criação de um contrato futuro ou
compromissos a serem assumidos no futuro, constituindo-se seu objetivo principal.
E, como contrato, ainda, há que se pensar, a partir de seus princípios nor-
teadores, nos seguintes requisitos mínimos:
a) qualificação completa das partes e dos seus advogados, de-
vendo estes apresentarem os documentos que lhes conferem poderes
de representação, nos termos da lei;
b) qualificação completa do mediador e do co-mediador, se for
o caso de co-mediação;
c) regras claras estabelecidas para o procedimento;
d) número indicativo de reuniões para o bom andamento do
processo de mediação;
e) valor dos honorários, bem como das despesas incorridas
durante a mediação e formas de pagamento, os quais, na ausência de
estipulação expressa em contrário, serão suportadas na mesma pro-
porção pelas partes;
f) previsão de que qualquer das partes, assim como o media-
dor, pode, a qualquer momento, retirar-se da mediação, comprometen-
do-se a dar um pré-aviso desse fato ao mediador e vice-versa;
g) inclusão da confidencialidade absoluta em relação a todo
o processo e conteúdo da mediação, nos termos da qual as partes e
o mediador se comprometem a manter em total sigilo a realização da
mediação e a não utilizar qualquer informação, documental ou não,
oral, escrita ou informática, produzida ao longo de todo o processo de
mediação, posteriormente em juízo arbitral ou judicial.

154
Adolfo Braga Neto

7 Conclusão
Nos momentos atuais as mudanças na ordem social, política, econômica e cul-
tural tem demonstrado ser cada vez mais profundas, impactantes e paradigmáticas.
Os imaginários, ilusórios, preconceitos e paradigmas sociais existentes são substituí-
dos por outros de uma maneira tão rápida que os empresários em muitas vezes se
surpreendem pelo dinamismo e radicalismo. Resulta em um convívio diversificado
oferecido pelas múltiplas interrelações entre as pessoas e acaba por se constituir em
fatos geradores de conflitos que exigem respostas imediatas para que a convivência
seja baseada no respeito, reconhecimento mútuo de diferenças e harmonia.
A mediação de conflitos no contexto empresarial, como observado nas áreas
apontadas neste trabalho, promove a busca de respostas e contribui para a criação
de espaços de diálogo em que se apresentam as diferenças e se redesenham de
maneira participativa, dinâmica e pacífica os papeis que cabe a cada um nas inú-
meras inter-relações existentes. Permite também estabelecer canais facilitadores da
articulação e ao mesmo tempo convida a todos para uma reflexão responsável so-
bre a diversidade das temáticas da realidade atual, constituindo-se num verdadeiro
desafio a preservação das relações de maneira equitativa e integradora.

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156
Mediação e Estatuto da Criança
e do Adolescente: práticas e possibilidades
Alexandre Morais da Rosa

Sumário: 1 Introdução - 2 Quando se fala de criança e adolescente, de quem se fala?


- 3 O ato infracional - 4 A Justiça Restaurativa - Referências

1 Introdução
Apresentar a mediação no campo do Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA) parece, ainda, ser uma novidade. Embora inexista regulamentação específica
no Brasil, diversos Juizados da Infância e Juventude espalhados pelo país instituíram
serviços desta ordem. De regra, a atuação se dá no campo do “ato infracional”, con-
soante se verifica nos projetos de São Caetano do Sul, Brasília, Porto Alegre e Join-
ville, este último que coordenei até recentemente, quando optei pela Vara Criminal.
O tema produziu alentada bibliografia recente, a qual não pode ser desconsiderada
147
. Este artigo, pois, de maneira sumária, procura explicitar uma das possibilidades
de implementação no campo do ECA, especialmente do “ato infracional”, em projeto
que dialoga com a psicanálise e seu sujeito do desejo (MORAIS DA ROSA, 2007).

2 Quando se fala de criança e adolescente, de quem se fala?


De início, acolhem-se as dificuldades na compreensão do sujeito, especial-
mente no diálogo entre Direito e Psicanálise, uma vez que o sujeito, para o Direito,
acaba sendo o consciente, capaz de dominar pelo eu suas ações, enquanto para a
psicanálise encontra-se, desde uma leitura lacaniana, submetido ao inconsciente
freudiano, estruturado como se fosse linguagem. Neste diálogo é que se busca
seguir, marcando-se a situação atual desta interlocução nos denominados atos in-
fracionais. Apesar de o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90) esta-
belecer que a adolescência inicia-se aos doze anos e termina aos 18 (ECA, artigo 2º),
somente os que sofrem do que já se chamou de “Complexo de Prazo de Validade”148

147 Indica-se, dentre muitas outras, a seguinte bibliografia para consulta: Amaral (2005); Barros
(2008); Aréchaga, Brandoni e Risolía (Org.) (2005); Leal (2005); Mendonça (2006); Neuman (2005);
Nordenstahl (2005); Sica (2007); Spengler (2008); Prudente (2008); VasconceloS (2008); Vezzulla
(2004); e WARAT (2001). Cf., também, os artigos de Adriana Barbosa Sócrates, Ester Kosovski, Leo-
nardo Sica, Neemias Moretti Prudente e Renato Sócrates Gomes Pinto, todos disponíveis em: <http://
www.ibjr.justicarestaurativa.nom.br/arquivos/artigos.htm>. Último acesso em: 29 jun. 2009.
148 “O positivista ferrenho vai ao supermercado e confere — na forma da lei — os prazos de vali-
dade e somente consome o produto até o dia fatídico, ou seja, se o prazo de validade é hoje, so-
mente pode consumir até às 24h; às 00h01 o produto está fora do prazo de validade e, portanto,
inservível ao consumo. Para este, no exato minuto que se transpôs o dia, as bactérias, em Assem-
bléia Geral Ordinária — adrede convocada — decidiram, à unanimidade, avançar (estragar) sobre
o produto. O prazo fatal é 24h. Somente rindo! E o pior é que essa ingenuidade mesclada com
astúcia é reproduzida pelo senso comum teórico dos juristas” (MORAIS DA ROSA. 2001, p. 73-74).

157
Mediação e Estatuto da Criança e do Adolescente

é que podem acreditar que isto corresponde à realidade. Cada adolescência é úni-
ca, singular, e como tal deve ser respeitada em sua alteridade. Aí reside a ética de
respeito ao desejo do sujeito e dos atores jurídicos. Sem esta compreensão, o mero
fato biológico de se completar a idade respectiva significaria o início da adolescên-
cia, situação, de fato, ilusória.
Neste contexto, Alberti (1999, p. 10) aponta que na fase da adolescência se dá,
em regra, o encontro com o real do sexo e também o trabalho de desligamento dos
pais, necessitando, todavia, que algo neles (pais) falhe, isto é, deixe a desejar para
que a função paterna se instaure. Realinhar seu papel social é um desafio, mormente
porque o véu do período de latência se esvai. A diferença de gerações e o processo
de identificação sexual implicam em escolhas singulares, situadas na dinâmica das
pressões sociais (família, etc.). As mudanças estão aí e, no trabalho de elaboração, as
regras universais são insuficientes. Dando-se conta, na maioria dos casos, de que foi
objeto do desejo do Outro, de quem exerce as funções paternas, surge uma encruzi-
lhada. Independentemente de ser uma crise ou um processo, a adolescência implica,
necessariamente, um acertamento subjetivo em que os trilhamentos do complexo de
Édipo estarão presentes. As relações do sujeito adolescente com seu entorno, então,
ganham novos matizes, cujo enfrentamento depende, em muito, da maneira como o
sujeito foi estruturado. A intervenção nesta seara, para ser ética, demanda o reconhe-
cimento da singularidade e da procura individual de atribuição de sentido.
Podem ocorrer, assim, dificuldades neste momento, culminando em
construções defensivas em que o sintoma não compromete o sujeito, podendo
se dar a simbolização. Dentre as saídas, aponta Cahn (1999, p. 30), existe a
possibilidade de dificuldades banais, baixo rendimento escolar (RPUDINESCO,
2005, p. 87), problemas de relacionamento com o entorno, inibição, distúrbios
de comportamento, drogas, ansiedade, pequenos delitos, condutas masoquistas
ou auto-punitivas, conflitos com os pais e irmãos, onde prepondera a angústia
por sua identidade e identificações. Depende fundamentalmente do trilhamento
do Complexo de Édipo a maneira pela qual o adolescente poderá enfrentar os
desafios deste momento conflituoso do estabelecimento da subjetividade.
Por esta estrutura de acertamento se explica, assim, a resoluta tendência
ao agir, de não pensar duas vezes (CAHN, 1999, p. 156; COSTA, 2004), já que
se sabe — apesar de se negar — que o sentido é a posteriori 149. Entendido
o ato infracional como (possível) sintoma de que algo não está acertado
subjetivamente, desde que haja demanda, porque impor é violador da ética do
desejo e não se sustenta no Estado Democrático de Direito de cariz garantista
(FERRAJOLI, 2002), pode-se, caso a caso, constituir-se caminhos que demandam
a participação dos sujeitos envolvidos, especificamente o adolescente, vítimas,
os pais e a sociedade. Caso não haja demanda, sem eufemismos, é puro ato de
poder, já que o fundamento da medida socioeducativa é agnóstico (ZAFFARONI et
al., 2003; CARVALHO, 2002). Neste sentido, deve-se acreditar em novas formas
de engajamento ao laço social. Porque, se isto não ocorrer, na seara da infância
e juventude, entrega-se o bilhete da imputabilidade, deixando-o à mercê do
nefasto sistema penal.

149 “Porque nessa época ondulante da vida é-se apenas fantasia, crédula fantasia. Vem depois o
raciocínio, a lucidez, a desconfiança — e tudo se esvai... Só nos resta a certeza — a desilusão sem
remédio...” (SÁ-CARNEIRO. 1998, p. 14).

158
Alexandre Morais da Rosa

3 O ato infracional
Desde a mirada da Criminologia Crítica, Cirino dos Santos (2002, p. 122)
aprofunda o questionamento e destaca que o “desvio” pode fazer parte de sua
construção subjetiva, descabendo a intervenção estatal, principalmente nos
casos de bagatela e pequenas questões comportamentais. Assim é que a (dita)
agressividade não significa sempre a dita “delinquência”, mas um momento
da vida do sujeito — sujeito este adolescente, protagonista de um momento
de passagem, sem ritos sociais de apoio, lançado aos seus próprios mitos, na
eterna tentação de existir, se constituir como sujeito, numa sociedade complexa.
Rejeitando-se, pois, os discursos positivistas fáceis e fascistas, deve-se buscar
entender este possível movimento agressivo como o sintoma de que algo não vai
bem e buscar construir um caminho com o outro e o Outro (VEZZULLA, 2005). Sem
esperança, a agressividade é mais que esperada, mormente diante das condições
sociais dos sujeitos frequentadores das Varas Criminais e da Infância e Juventude:
a pobreza (BARROS, 2003, p. xii-xiii). Percebe-se, assim, que a estrutura psíquica
condiciona o sujeito nas suas relações com o meio, constituindo-se a adolescência,
no caso do ato infracional, numa possibilidade de intervenção em Nome-do-Pai,
na perspectiva de trazer o adolescente para o laço social, sabendo-se, ademais,
que a maneira como será significada depende de cada singularidade do sujeito
adolescente, sem que haja, portanto, uma regra universal de ouro.
De qualquer forma, a resposta estatal brasileira em face da verificação de um
ato infracional é a aplicação de uma medida socioeducativa (advertência, reparação
do dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade
e internação). A postura adotada, de regra, todavia, é a de salvação moral-
comportamental dos adolescentes, via “conserto” de sua subjetividade, “como se
algo não funcionasse bem”. Busca-se, na grande maioria dos casos, movimentar
o aparelho de controle social com a finalidade de “normatizar” o adolescente
(FOUCAULT, 1989), desconsiderando-o como sujeito para torná-lo objeto de atuação.
Assim é que, após a queda, isto é, o ato infracional, organiza-se uma cruzada
pela salvação moral do adolescente. Longe de buscar estabelecer um limite, como
substituto paterno, a função materna acaba sendo incorporada pela Justiça da
Infância e da Juventude brasileira. Assim, lotados de boas intenções, claro, o juiz,
o promotor de justiça, os advogados, a equipe interprofissional, todos, de regra,
buscam agarrar o cajado e indicar o caminho da redenção ortopedicamente.
Desconsidera-se, imaginariamente, que a adolescência é o momento do reencontro
sempre traumático com o real do sexo, do desligamento dos pais, do conflito de
gerações, num mundo em que impera a ausência de limites, naquilo que Melman
(2003) denomina “Nova Economia Psíquica”, ou seja, em que, sem Lei, gozar do
objeto passa a ser o padrão social de atuação. Em um mundo de satisfação plena,
felicidade eterna,150 cuja maior dificuldade é “ser humano”, possuir angústia, o
ato infracional pode significar a pretensão de existir do adolescente. Pode ser o
sintoma de que ali, no ato, o sujeito procurar resistir ou se fazer ver. A questão se
agrava, de fato, no Brasil, porque, à extragrande maioria, as condições mínimas

150 “Faz da psicanálise uma escola de escuta das paixões da alma e do mal-estar da civilização, única
capaz de frustrar os ideais filantrópicos e enganadores das terapias da felicidade que pretendem tratar
o eu e cultivar o narcisismo mascarando a desintegração da identidade” (ROUDINESCO, 2006, p. 49).

159
Mediação e Estatuto da Criança e do Adolescente

de subsistência não existem e, o agir, muito mais tranquilo para os adolescentes, é


fomentado pelo laço social frágil (BAUMAN, 2004), cada vez mais horizontalizado,
no qual o Estado, que ainda exercia alguma função paterna, resta aniquilado pelo
levante neoliberal (HAYEK, 1985).
Esta sustentação do lugar adolescente, então, pode ser o indicativo de
que o sujeito resiste. Evidentemente que demanda uma compreensão em sua
singularidade. De qualquer forma, pode significar pelo menos duas vias:
1) a pretensão de gozar do objeto sem limites, conforme indicado
por Melman (2003) e Lebrun (2004), a saber, numa estrutura perversa;
2) a resistência à estrutura que lhe determina gozar sem limites. No
primeiro caso, o laço social encontra-se, de regra, frouxo, livre, próprio
do “Homem sem Gravidade”, na mais ampla perversão, entregue ao
consumo compulsivo do objeto indicado — pela propaganda que sorri
— na pretensão sempre falha de se completar. No segundo caso, contra
tudo e todos, o sujeito busca um limite.
Talvez encontre um substituto paterno interditando, se tiver sorte, como
aponta Legendre (1994), com o cabo Lortie.
Entretanto, independentemente do que busca, na estrutura dos Juízos
da Infância e Juventude brasileiros acaba encontrando uma maternagem sem
limites. Entenda-se que, neste aspecto, longe de se buscar ouvir o adolescente,
apontar um limite que não se pode transpassar, acontece um acolhimento deste
na condição de vítima, com direito à exclusão de responsabilidade. E sem a
responsabilidade de seus atos pouco resta a fazer para que sustente um lugar. É
que, desconsiderando-o como sujeito de seu próprio futuro e sem responsabilidade
pelo acontecido, a posição da Justiça é a de chancelar o excesso.
A medida socioeducativa, ou seja, a resposta estatal brasileira, ao
promover uma finalidade pedagógica, fomenta a normatização e a disciplina
(FOUCAULT, 1989), no que pode ser chamado de “McDonaldização” das medidas
socioeducativas, a saber, por propostas padrões que desconsideram, por óbvio,
o sujeito e, especialmente, a existência de demanda, para, em nome da salvação
moral, do bem do adolescente, proceder-se ao fomento de sua dessubjetivação
(MORAIS DA ROSA, 2007). Comumente impõe-se tratamento, educação,
disciplina, independentemente do sujeito, então objetificado. Logo, sem ética! Na
maternagem ilimitada e, muitas vezes, perversa, ao se buscar imaginariamente o
sujeito, culmina-se com o afogamento de qualquer resto de sujeito que pretenda
se constituir. Assim é que o estabelecimento de engajamento ao laço social
exige, primeiro, que o sujeito enuncie seu discurso, situação intolerada pelo
modelo fascista aplicado no Brasil. Sabe-se, com efeito, que qualquer postura
democrática não pode pretender melhorar, piorar ou modificar o sujeito, como
bem demonstra Ferrajoli (2002). Caso contrário, ocupará sempre o lugar do
Outro, do canalha.
Portanto, no Brasil, qualquer pretensão pedagógico-ortopédica será
sempre charlatã, de boa ou má-fé. Resta, pois, no limite do possível eticamente,
contra o senso comum social, respeitar o sujeito e com ele, se houver demanda,
construir um caminho, sempre impondo sua responsabilidade pelo ato e o
relembrando, ou mesmo advertindo, de que existe algo de impossível, algo que
se não pode gozar. Nem nós, nem eles. Daí o papel, função e lugar da mediação!
A cruzada pela salvação moral é estranha à democracia, como o inconsciente o

160
Alexandre Morais da Rosa

é do orgulhoso cidadão da Modernidade. Senão, como diz Agostinho Ramalho


Marques Neto (1994, p. 50),151 “quem salva os adolescentes da bondade dos bons?”
Neste mundo sem limites, sem gravidade (Melman), cabe indagar nosso desejo de
continuar e encontrarmos um caminho singular pelo Direito, o qual tem se tornado
um instrumento da satisfação perversa do objeto, não para tornar o adolescente
mais feliz, sob pena de se cair na armadilha do discurso social padrão, mas de
resistir apontando o impossível. Este é o desafio: articular ética e singularmente os
limites, num mundo sem limites, pelo menos, em países do terceiro mundo, como
o Brasil, àqueles que não os encontram na realidade da miséria.
Assim é que, seguindo Agamben (2005, p. 52-53), é necessário se buscar
parar esta máquina, para que os adolescentes não se transformem — mais
ainda — na figura do “musulmán” de Auschwitz retratada por Agamben (2002).
Embalados pela necessidade de conter a escalada de atos infracionais, ou seja,
a estrutura cria a exclusão e depois sorri propondo a exclusão novamente,
via sistema infracional (SALAS, 2005), e os excelentes funcionários públicos
nefelibatas — tal qual Eichmann (ARENDT, 1999) —, na melhor expressão
kantiana, cumprem suas funções, sem limites. Existe uma co-responsabilidade
social, da qual somente se pode tangenciar — como de costume — cinicamente.
Para estes, no interesse do adolescente, há necessidade de se derrubar qualquer
barreira processual, pois, seguindo Agamben (2003, p. 40), a necessidade não
tem lei, isto é, não reconhece qualquer lei limitadora, criando sua própria lei. A
construção fomentada e artificial de um estado de risco faz com o que o discurso
se autorize, em face das ditas necessidades, a suspender o Estado Democrático
de Direito, promovendo uma incisão de emergência e total.
No Brasil, atualmente, existem diversos projetos em fase de experimentação.
O Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e
Tratamento do Delinquente (Ilanud) elaborou um relatório consistente apontando os
aspectos positivos e negativos destes projetos, o qual não foi muito bem recebido.
Tal relatório apontou que existem dificuldades de compreensão da mediação e da
Justiça Restaurativa 152. Comprova-se que, cada vez mais, as perspectivas da Justiça
Restaurativa no mundo precisam ser estudadas e discutidas (VERDE, 2005).
No projeto que se levou a cabo no Juizado da Infância e Juventude de
Joinville/SC, desde 2003, por exemplo, a perspectiva é a de buscar com o sujeito
a emancipação, como bem demonstrou Juan Carlos Vezzulla (2004). Assim é que,
dentro da atuação da instituição, abre-se uma possibilidade de diálogo com o
adolescente, seus familiares, seu grupo e a vítima, via procedimento de mediação.
Com isto, o adolescente pode discutir o acontecido, ter responsabilização e
perceber as consequências de sua conduta.
Desloca-se, também, desde a mirada da Criminologia Crítica e da
Vitimologia, o papel da vítima. Partindo-se da perspectiva de que a vítima não
pode continuar a ser tratada como um “não sujeito” do ato infracional, inverte-
se a lógica exclusiva da resposta estatal. Ao invés de somente estabelecer-se a
medida socioeducativa aplicada ao adolescente, dá-se um lugar de fala para a

151 “Uma vez perguntei: quem nos protege da bondade dos bons? Do ponto de vista do cidadão co-
mum, nada nos garante, a priori, que nas mãos do Juiz estamos em boas mãos, mesmo que essas mãos
sejam boas [...]. Enfim, é necessário, parece-me, que a sociedade, na medida em que o lugar do Juiz é um
lugar que aponta para o grande Outro, para o simbólico, para o terceiro” (MARQUES NETO, 1994, p. 50).
152 Relatório disponível em: <http://www.ilanud.org.br>. Último acesso em: 29 jun. 2009.

161
Mediação e Estatuto da Criança e do Adolescente

vítima, que, pelo modelo de direito penal herdado da Modernidade, acaba sendo
um resíduo do processo. Neste modelo, a preocupação é defenestrar o “mal”,
representado pelo infrator, sem que haja preocupação com o dano.153 Invertem-
se os papéis, de maneira que a ela se dá a palavra e, depois de uma preparação,
possa ser colocada com o adolescente. Os resultados são animadores. Há uma
preocupação, também, contra o perigo da monetarização dos relacionamentos
intersubjetivos, a saber, de se quitar as culpas com dinheiro, uma vez que a
psicanálise bem sabe o que significa: te pago para que não nos relacionemos.

4 A Justiça Restaurativa

O que se dá, de regra, são atores sociais que amam o Direito, a Justiça
Restaurativa, mas odeiam gente, contato, proximidade, como fala Luís Alberto
Warat (2001). Amam as pessoas à distância, nos seus lugares, desde que os deixem
em paz. A paz muitas vezes do discurso consciente contracena com o desprezo,
a intolerância em relação ao outro. O encontro é similar à lógica do “amor cortês”,
no sentido de evitar o encontro com a “coisa”, enfim, como no “amor cortês” é
um falso amor, aqui, no caso dos adolescentes, é um falso respeito. Por detrás do
discurso esconde-se, não raro, uma intolerância primordial. Evita-se o encontro
ao máximo, com medo do trauma que daí advém, sempre. E, quando acontece o
encontro, por exemplo, com a violência, o conflito, a intolerância impera soberana.
Por isso é que Lacan (ética da psicanálise), ao afirmar que o Real existe, mas é
impossível, refere-se ao axioma: “ama o teu próximo”, porque ele, para ser amado,
deve permanecer a certa distância, sem encontro, porque, quando isto se dá, o
trauma acontece. É sobre este trauma que muitas vezes a Justiça Restaurativa
é chamada a se manifestar. A sociedade vive numa convivência à distância, um
contato sem contato, e os contatos são traumáticos por definição.
Daí o perigo dos discursos de “Paz por Paz”, alienados da dimensão humana,
na esperança metafísica — e muitas vezes religiosa — de uma perenidade de
humanos tornados em anjos, imaginariamente. Este é um projeto inalcançável e que
fomenta — muito de boa-fé — as atividades sociais totalitárias. Procura-se, neste
pensar, uma dessubjetivação, com o apagamento da dimensão de negatividade do
sujeito, de sua pulsão de morte. E aos adolescentes procura-se impor um padrão
de subserviência alienada ao desejo dos adultos, tornando-os marionetes de um
discurso opressivo sem sentido. Procura-se eliminar o sujeito humano que molesta.
Aceitar o sujeito é admitir que age sem o saber, movido por uma estrutura
subjetiva singular, própria, embalada pelo princípio de morte, na eterna tentação

153 “Ao direito penal não interessa, segundo esta interpretação, eliminar o sofrimento [da vítima], mas
eliminar o mal (cuja definição se encontra nos distintos tipos delitivos). E é tanta a inquietude para
eliminar o mal que simboliza o dano resultante do delito, que o sofrimento da vítima fica postergado,
ou mesmo esquecido. Não obstante, pouco a pouco foi-se desenvolvendo uma sensibilidade diante do
sofrimento, que revela, entre outras coisas, a preocupação para descobrir o indivíduo por detrás das
máscaras que lhe haviam sido atribuídas na concepção da imagem do mundo. Na medida em que vai
se ‘encarnando’ o sujeito de direito no indivíduo de carne e osso, o sofrimento que este pode padecer
vai despertando uma sensibilidade antes sufocada por outras considerações. Somente incorporando o
indivíduo, poderá o direito determinar a importância que o sofrimento merece. Porque este é uma expe-
riência profundamente individual. À medida que se interesse pelo sofrimento individual, ir-se-á interes-
sando cada vez mais pela vítima do delito, pelas formas de evitar se sofrimento” (MESSUTI, 2003, p. 76).

162
Alexandre Morais da Rosa

de existir. Pode ser que ali, no ato infracional, exista uma tentativa de o sujeito
adolescente se fazer ver, aparecer. A abordagem tradicional busca calar esta voz,
não deixar o sujeito dizer de si, de suas motivações, previamente etiquetadas e
formatadas por tipo penal. Há um sujeito no ato infracional. E a Justiça Restaurativa
possibilita que ele se faça ver, dando-lhe a palavra, sempre. É com a palavra,
com a voz, que o sujeito pode aparecer. A violência em nome da lei, imposta,
simplesmente, realimenta uma estrutura de irresignação que (re)volta mais e mais.
Nesta abordagem, se pretende mostrar que não se pode gozar tudo, pois
há um impossível a se gozar em sociedade. Busca-se, ao inverso do discurso
padrão, construir laço social, e não a imposição de um respeito incondicional
kantiano que, por básico, opera na lógica: não discuta, cumpra. Busca-se que
o sujeito enuncie seu discurso e não despeje enunciados, como diz Lebrun,
ocupando um lugar e uma função. A aposta que se faz, neste contexto, pois,
é a de reconhecer o outro, a alteridade, na medida em que se descobre sujeito.
Dito de outra forma, aceitar o outro sob a forma de uma relação conflituosa, pois
somente assim ocorre laço social. Do contrário, há intolerância. Sempre. Zizek
(2006, p. 116) afirma que é preciso de alguma maneira aceitar a violência, porque
a tolerância à distância, própria do modelo liberal, é muito mais cínica. Enfim,
trata-se de arriscar o impossível: aceitar e se relacionar com o outro singular. Daí a
necessidade de estudar o que se anda fazendo no Brasil com a mediação na área da
Infância e Juventude, especialmente no campo do ato infracional, apresentando-
se um balanço atual, bem assim propostas adequadas ao Estado Democrático de
Direito e que atendam, principalmente, aos direitos e garantias dos adolescentes.

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165
O componente de mediação
vítima-ofensor na Justiça Restaurativa:
uma breve apresentação
de uma inovação epistemológica
na autocomposição penal 154

André Gomma de Azevedo

Sumário: 1 Introdução - 2 Justiça Restaurativa e mediação vítima-ofensor: conceitos


- 3 Características procedimentais da mediação vítima-ofensor - 3.1 Pré-seleção de
casos - 3.2 Preparação para a mediação - 3.3 Mediação vítima-ofensor - 4 Conclusão -
Referências

1 Introdução

A moderna doutrina tende a criticar o antigo modelo epistemológico que


propugnava um sistema positivado puramente técnico e formal do ordenamento
jurídico processual, pois se passou a perseguir o chamado aspecto ético do
processo: a sua conotação deontológica (BAGOLINI apud DINAMARCO, 2000, p. 22).
Entende-se que a principal proposição de uma estrutura processual de resolução
de conflitos consiste precisamente em se desenvolver um sistema que atenda
ao principal escopo de um sistema processual: a pacificação social. No âmbito
penal, as “inquietações de muitos juristas, sociólogos, antropólogos, economistas,
cientistas políticos e psicólogos” (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 8), entre outros
que conclamam alterações no ordenamento jurídico, direcionam-se, sobretudo, para
que se abandone uma estrutura formalista centrada em componentes axiológicos
dos próprios representantes do Estado (e.g., juízes ou promotores) para se prover
o “Acesso à Justiça” — um modelo cuja valoração do justo decorre da percepção do
próprio jurisdicionado (e.g., comunidade, vítima e ofensor155) estabelecida diante de

154 Texto elaborado a partir de palestra proferida no 2º Congresso do Instituto Brasileiro de Es-
tudos do Direito da Energia, em 9.11.2004, na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo
(FIESP), e de artigo publicado na Revista dos Juizados Especiais: Doutrina e Jurisprudência, Brasí-
lia, v. 5, n. 11, p. 13-24, jul./dez. 2001.
Meus agradecimentos especiais ao pesquisador Sérgio Antônio Garcia Alves Júnior pelas críticas e
comentários, bem como pelo trabalho de revisão de texto.
155 No presente trabalho, a palavra “ofensor” é utilizada para englobar os diversos termos refe-
rentes àquele que se encontra em pólo passivo em inquéritos, termos circunstanciados ou pro-
cessos (i.e. investigado, indiciado, autor do fato ou réu). Procede-se desta forma em atenção às
Regras de Tóquio (United Nations Minimum Rules for Non-custodial Measures - Resolução 45/110
de 14.12.1990 da Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas) que, no item 2.1 do seu
anexo, estabelece esta mesma uniformização terminológica.

166
André Gomma de Azevedo

padrões amplos fixados pelo Estado156. Nesse contexto, surge a chamada “Justiça
Restaurativa”, uma nova tendência sistêmica na qual “as partes envolvidas em
determinado crime [e.g. vítima e ofensor] conjuntamente decidem a melhor
forma de lidar com os desdobramentos da ofensa e suas implicações futuras”
(MARSHALL apud ASHWORTH, 2002, p. 578).
Assim, pela Justiça Restaurativa se enfatizam as necessidades da vítima, da
comunidade e do ofensor, sob patente enfoque de direitos humanos, consideradas
as necessidades de se reconhecerem os impactos sociais e de significativas
injustiças decorrentes da aplicação puramente objetiva de dispositivos legais
que frequentemente desconsideram as necessidades das vítimas. Desta forma,
busca-se reafirmar a responsabilidade de ofensores por seus atos ao se permitirem
encontros entre estes e suas vítimas e a comunidade na qual estão inseridos.
Em regra, a Justiça Restaurativa apresenta uma estrutura mais informal, em
que as partes têm maior ingerência quanto ao desenvolvimento procedimental
e ao resultado. Existem diversos processos distintos que compõem a Justiça
Restaurativa, como a mediação vítima-ofensor (Victim Offender Mediation), a
conferência (conferencing), os círculos de pacificação (peacemaking circles),
círculos decisórios (sentencing circles), a restituição (restitution), entre outros
que merecem ser oportunamente examinados 157.
O acesso à justiça foi definido por Mauro Cappelleti e Bryant Garth (1988,
p. 8) como uma expressão para que sejam determinadas “duas finalidades básicas
do sistema jurídico — o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus
direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado”. Cumpre ressaltar
que a corrente que preconiza o estímulo ao acesso à justiça o faz considerando não
apenas disputas cíveis, mas também conflitos no âmbito penal. Nesse sentido, há
relevante preocupação no sentido de que o sistema penal não se transforme em
um mecanismo de marginalização de hipossuficientes (CUESTA AGUADO, 1997).
Isto porque alguns autores chegam a indicar que já “fazem parte do sistema
penal — inclusive em sentido limitado — os procedimentos contravencionais de
controle de setores marginalizados da população, as faculdades sancionatórias
policiais arbitrárias, as penas sem processo, as execuções sem processo, etc.”
(ZAFFARONI; PIERANGELLI, 2004, p. 69).
Precisamente em razão de o ordenamento jurídico penal ser um sistema

156 Nota-se, assim, a tendência de mitigação de corrente excessivamente positivista que impõe o
predomínio da norma sobre a vontade consentida. Por essa corrente, encontrada em autores como
Hobbes, “não existe outro critério do justo e do injusto fora da lei positiva” (BOBBIO apud DINA-
MARCO, 2003, p. 12). Atualmente, a posição consentânea é de que o justo enquanto valor pode
e deve ser estabelecido pelas partes consensualmente e que, caso estas não consigam atingir tal
consenso, um terceiro as substituirá nessa tarefa, indicando, com base na lei, o justo diante de cada
caso concreto. Por meio da autocomposição, o conceito de justiça se apresenta em umas de suas
acepções mais básicas: a de que a justiça da decisão é adequadamente alcançada em razão de um
procedimento equânime que auxilie as partes a produzir resultados satisfatórios considerando o
pleno conhecimento destas quanto ao contexto fático e jurídico em que se encontram. Portanto, na
autocomposição a justiça se concretiza na medida em que as próprias partes foram adequadamente
estimuladas à produção de tal consenso e, tanto pela forma como pelo resultado, estão satisfeitas
com seu termo. Constata-se de plano que, nesta forma de resolução de disputas, o polissêmico
conceito de justiça ganha mais uma definição, passando a ser considerado também em função da
satisfação das partes quanto ao resultado e ao procedimento que as conduziu a tanto.
157 Para maiores informações acerca desses instrumentos e processos restaurativos, cf. Umbreit
(2000). Recomenda-se, ainda, a visita ao sítio: <http://www.restorativejustice.org>.

167
O componente de mediação vítima-ofensor na Justiça Restaurativa

(SANTOS, 2000, p. 159; ANTUNES, 1998, p. 1276) e, como tal, em constante


evolução (SENGE, 1990; AXELROD, 1984; SMITH, 1989), aceitar que o sistema
penal cumpra apenas uma função substancialmente simbólica (ZAFFARONI;
PIERANGELLI, 2004, p. 76) ou ainda meramente punitiva seria contrariar sua
própria essência sistêmica. Como parte dessa evolução, buscam-se novos (e
mais eficientes) mecanismos de resolução de litígios voltados não apenas a
transformar o ordenamento processual penal em um mecanismo retributivo
mais eficiente, mas também voltado à ressocialização, prevenção, redução dos
efeitos da vitimização, educação, empoderamento e humanização do conflito.
Nesse sentido, dentro do contexto evolutivo dos sistemas processuais
existentes até meados do século XX, a resolução de conflitos penais deveria ser
desenvolvida exclusivamente pelo Estado e não “sob os auspícios do Estado”.
Nota-se, assim, tendência de se incluir o cidadão no processo de resolução de
conflitos a ponto de este auxiliar o Estado nesse intuito. O Estado, por sua
vez, acompanha tal auxílio para assegurar a adequada preeminência de valores
coletivos indisponíveis.
Cabe mencionar que, na evolução do Direito Público nos países de
orientação romano-germânica e principalmente no desenvolvimento de seus
sistemas processuais, houve um fortalecimento do Estado na sua função de
pacificação de conflitos, a ponto de praticamente se excluir o cidadão do processo
de resolução de suas próprias controvérsias (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO,
2002).
Essa quase absoluta exclusividade estatal (CINTRA; GRINOVER;
DINAMARCO, 2002, p. 29) do exercício de pacificação social, por um lado,
frequentemente mostra-se necessária, na medida em que a autotutela pode,
excluídas as exceções legais (e.g., legítima defesa – artigo 25 do Código
Penal), prejudicar o desenvolvimento social (e.g., crime de exercício arbitrário
das próprias razões – artigo 345 do Código Penal). Por outro lado, a própria
autocomposição, que pode ser um meio muito eficiente de composição de
controvérsias, não vinha sendo, até pouco tempo atrás, no Brasil adequadamente
estimulada pelo Estado. Naturalmente, há exceções, como os projetos de Justiça
Restaurativa nos Tribunais de Justiça do Distrito Federal, do Rio Grande do Sul
e do Paraná.
Nota-se, portanto, que a autocomposição penal, com o seu conjunto
de processos, técnicas e princípios, é praticamente desconhecida no Brasil. A
experiência tem indicado que a iniciativa prevista na Lei nº 9.099/95 e reiterada
na Lei nº 10.259/01 mostrou-se bastante eficaz sob a perspectiva de redução
de pauta para julgamentos, bem como acarretou redução da “absolvição por
ineficiência estatal”, tradicionalmente referida como prescrição. Por outro lado,
se a Lei nº 9099/95 proporcionou ganhos quanto à desobstaculização de pauta
e redução de crimes prescritos, de outro lado, houve diversas críticas quanto
à forma da realização das audiências preliminares, que, frequentemente, por
falta de formação em técnicas autocompositivas de parte de magistrados
e seus auxiliares, eram percebidas como coercitivas. Isto porque o artigo 73
da Lei nº 9099/95 dispõe que: “A conciliação será conduzida pelo Juiz ou por
conciliador sob sua orientação. Parágrafo único. Os conciliadores são auxiliares
da Justiça, recrutados, na forma da lei local, preferentemente entre bacharéis
em Direito, excluídos os que exerçam funções na administração da Justiça

168
André Gomma de Azevedo

Criminal”. Contudo, esta lei nada dispôs acerca do treinamento necessário a


essa autocomposição penal — tratando-a como se intuitivamente pudesse ser
desenvolvida de modo adequado.
Merecem registro os diversos ensaios e tentativas de implementar
intuitivamente mecanismos autocompositivos dentro de sistemas processuais
na segunda metade do século XIX e na primeira metade do século XX. Não há,
contudo, quaisquer registros fidedignos de bom êxito desses ensaios e tentativas.
De fato, há indicações de que, quando a autocomposição se desenvolve sem
técnica adequada, em regra há a imposição do acordo e, com isso, a perda de
sua legitimidade, na medida em que as partes muitas vezes não são estimuladas
a comporem seus conflitos e sim coagidas a tanto.
Nesse contexto, cumpre ressaltar que o sucesso das modernas iniciativas
autocompositivas penais (e.g., programas de mediação vitima-ofensor) se deu
em função do desenvolvimento de pesquisas aplicadas e voltadas a assegurar
maior efetividade a esses processos. Exemplificativamente, desenvolveu-se, no
campo da psicologia cognitiva, uma série de projetos voltados à compreensão
do modo por intermédio do qual as partes percebem a realidade quando se
encontram em conflito (DEUTSCH, 1973). No campo da matemática aplicada,
desenvolveram-se estudos em aplicação de algoritmos 158 para a resolução de
disputas (BRAMS; TAYLOR, 1996). No campo da economia, passaram-se a aplicar
conceitos como Teoria dos Jogos e Equilíbrio de Nash, que, quando aplicados
à resolução de disputas, sugerem possibilidades para que as partes consigam
alcançar acordos sem que haja necessariamente a submissão a interesses de
outrem ou a concessão mútua 159. Nota-se, portanto, o abandono da prática
intuitiva da conciliação em favor de uma técnica específica desenvolvida para
esses novos instrumentos 160.
De fato, estes “novos instrumentos” autocompositivos, com a aplicação
dessa metodologia específica, devem ser considerados atualmente como novos
processos, pois cada um destes passou a consistir em um conjunto de atos
coordenados lógica e cronologicamente para a composição de um conflito.
Alcalá-Zamora Y Castillo (1991, p. 62), em seu livro de 1947, já falava da
processualização de outras formas de composição de conflitos.
Seguindo este mesmo fundamento, na medida em que a mediação
passou a ser tratada, em razão de sua técnica 161, como um conjunto de
atos coordenados lógica e cronologicamente visando a atingir escopos pré-
estabelecidos, possuindo fases e pressupondo a realização da prática de
determinados atos para se atingirem, com legitimidade, fins esperados, este

158 Entende-se por algoritmo o processo de resolução de um grupo de questões semelhantes,


em que se estipulam, com generalidade, regras formais para a obtenção de resultados, ou para a
solução dessas questões.
159 Acerca desses novos conceitos desenvolvidos, cf. artigos dos pesquisadores Fábio Portela
Almeida (2003), Otávio Perroni (2003) e Gustavo Trancho Azevedo (2003).
160 Para maiores detalhes acerca da metodologia de formação de mediadores e advogados, cf.
Schmitz (2001); Henning (1999); Nolan-Haley (1996, p. 47).
161 Para referências bibliográficas acerca dessas técnicas e processos de resolução de disputas reporta-
mo-nos ao endereço eletrônico do Grupo de Pesquisa e Trabalho em Resolução Apropriada de Disputas
na Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (disponível em: <http://www.unb.br/fd/gt>, seção
Bibliografia) onde poderá ser encontrada lista detalhada de obras. Destacam-se, contudo, os seguintes
trabalhos: Moore (1998); Slaikeu (2004); Cooley (2000); Goldberg et al.; e Golann (1995).

169
O componente de mediação vítima-ofensor na Justiça Restaurativa

instrumento deve ser considerado um processo. Apesar de o professor Francesco


Carnelutti (2000b), que primeiro cunhou o termo autocomposição, definir a
conciliação como equivalente jurisdicional e não como processo, isto se dá em
função da própria maneira intuitiva pela qual se conduzia a autocomposição à
época da conceituação desses institutos. Pode-se afirmar, em função da própria
definição (CARNELUTTI, 2000a, p. 72) desse processualista do que vem a ser um
processo162, que, considerando a forma procedimentalizada da autocomposição
moderna, este autor provavelmente também a classificaria como um processo.
Nota-se, portanto, que ordenamentos jurídico-processuais modernos
são compostos, atualmente, de vários processos distintos. Esse espectro de
processos (e.g., processo judicial, arbitragem, conciliação, mediação vítima-
ofensor, entre outros), forma o que denominamos de sistema pluriprocessual.
Com o pluriprocessualismo, busca-se um ordenamento jurídico processual
no qual as características intrínsecas de cada contexto fático (fattispecie)
(CARNELUTTI apud DINMARCO, 2003, p. 21) são consideradas na escolha do
processo de resolução de conflitos. Com isso, buscam-se reduzir as ineficiências
inerentes aos mecanismos de solução de disputas, na medida em que se escolhe
um processo que permita endereçar da melhor maneira possível a solução
da disputa no caso concreto. A doutrina registra que essa característica de
afeiçoamento do procedimento às peculiaridades de cada litígio decorre do
chamado princípio da adaptabilidade 163.
Em grande parte, esses processos já estão sendo aplicados por tribunais
como forma de emprestar efetividade ao sistema. A chamada institucionalização
(GOLDBERG et al. 1992, p. 432) desses instrumentos iniciou-se ainda no final da
década de 1970, em razão de uma proposta do professor Frank Sander (1979),
posteriormente denominada Multi-Door Courthouse (Fórum de Múltiplas Portas)
(STIPANOWICH, 1998, p. 303). A organização judiciária proposta pelo Fórum de
Múltiplas Portas (FMP) se compõe de um poder judiciário como um centro de
resoluções de disputas, com processos distintos, baseado na premissa de que
há vantagens e desvantagens de cada processo que devem ser consideradas em
função das características específicas de cada conflito. Assim, ao invés de existir
apenas uma “porta” — o processo judicial — que conduz à sala de audiência,
o FMP trata de um amplo sistema, com vários tipos distintos de processo que
formam um “centro de justiça”, organizado pelo Estado, no qual as partes
podem ser direcionadas ao processo adequado a cada disputa. Nesse sentido,
nota-se que o magistrado, além da função jurisdicional que lhe é atribuída,
assume também uma função gerencial (RESNIK, 1982, p. 435), pois, ainda que

162 Carnelutti (2000a, p. 72)define processo como um “conjunto de atos dirigidos à formação
ou à aplicação dos preceitos jurídicos cujo caráter consiste na colaboração para tal finalidade das
pessoas interessadas com uma ou mais pessoas desinteressadas [...] a palavra processo serve,
pois para indicar um método para a formação ou para a aplicação do direito que visa a garantir o
bom resultado, ou seja, uma tal regulação do conflito de interesses que consiga realmente a paz
e, portanto, seja justa e certa [...] para o objetivo de alcançar a regulamentação justa e certa é ne-
cessária uma experiência para conhecer os termos do conflito, uma sabedoria para encontrar seu
ponto de equilíbrio, uma técnica para aquilatar a fórmula idônea que represente esse equilíbrio,
a colaboração das pessoas interessadas com pessoas desinteressadas está demonstrada para tal
finalidade como um método particularmente eficaz”.
163 Ver princípio da adaptabilidade do órgão às exigências do processo, in: Calamandrei apud
Dinamarco (2000, p. 290).

170
André Gomma de Azevedo

a orientação ao público seja feita por um serventuário, ao magistrado cabe a


fiscalização e acompanhamento (ELLIOTT, 1986, p. 323), para assegurar a efetiva
realização dos escopos pretendidos pelo ordenamento jurídico processual, ou,
no mínimo, que os auxiliares (e.g., mediadores) estejam atuando dentro dos
limites impostos pelos princípios processuais constitucionalmente previstos.
Pode-se mencionar que a recente busca da autocomposição como meio
de composição de controvérsias é decorrente, principalmente, de dois fatores
básicos do desenvolvimento da cultura jurídico-processual:
a) de um lado, cresce a percepção de que o Estado tem falhado
na sua missão pacificadora em razão de fatores como, dentre outros,
a sobrecarga dos tribunais, as elevadas despesas com os litígios e o
excessivo formalismo processual (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 83);
b) por outro lado, tem se aceitado o fato de que o escopo social
mais elevado das atividades jurídicas do Estado é eliminar conflitos
mediante critérios justos (DINAMARCO, 2000, p. 161), e, ao mesmo
tempo, apregoa-se uma “tendência quanto aos escopos do processo e
do exercício da jurisdição que é o abandono de fórmulas exclusivamente
positivadas” (DINAMARCO, 2000, p. 157)164.
Ao se desenvolver esse conceito de “abandono de fórmulas
exclusivamente positivadas”, de fato, o que se propõe é a implementação no
nosso ordenamento jurídico-processual de mecanismos paraprocessuais ou
metaprocessuais que efetivamente complementem o sistema instrumental,
visando ao melhor atingimento de seus escopos fundamentais ou, até mesmo,
que se atinjam metas não pretendidas originalmente no processo judicial
(BARUCH BUSH; FOLGER, 1994).
Nota-se, portanto, que, se a autocomposição penal, em modernos
ordenamentos processuais, se mostra como uma categoria de “portas”
disponíveis, a Justiça Restaurativa consiste em um movimento para se estimular
a utilização dessas portas para, assim, “proporcionar uma oportunidade para
que vítimas possam obter reparações, sentirem-se mais seguras, e encerrar
um ciclo psicológico”, bem como permitir que “ofensores tenham melhor
compreensão acerca das causas e efeitos de seus comportamentos e que sejam
responsabilizados de uma forma significativa” 165. Paralelamente, a Justiça
Restaurativa busca também “proporcionar à comunidade melhor compreensão
acerca das causas subjacentes ao crime, bem como promover o bem estar da
comunidade e prevenir crimes” 166.
Como será tratado a seguir, cumpre destacar ainda que a Justiça

164 A expressão original do autor é “abandono de fórmulas exclusivamente jurídicas”, contudo,


não entendemos adequada a indicação de que a autocomposição não seria, com sua adequada
técnica, um instrumento exclusivamente jurídico. Isto porque se consideram as novas concepções
de Direito apresentadas contemporaneamente por diversos autores, dos quais se destaca Boa-
ventura de Sousa Santos (1988, p. 72), segundo o qual “concebe-se o direito como o conjunto de
processos regularizados e de princípios normativos, considerados justificáveis num dado grupo,
que contribuem para a identificação e prevenção de litígios e para a resolução destes através de
um discurso argumentativo, de amplitude variável, apoiado ou não pela força organizada”.
165 Preâmbulo da Resolução nº 2002/12 do Conselho Econômico e Social da Organização das
Nações Unidas.
166 Preâmbulo da Resolução nº 2002/12 do Conselho Econômico e Social da Organização das
Nações Unidas.

171
O componente de mediação vítima-ofensor na Justiça Restaurativa

Restaurativa, com seu principal instrumento — a mediação restaurativa — não


visa a substituir o tradicional modelo penal retributivo. Trata-se de iniciativa
voltada a complementar o ordenamento processual penal para, em circunstâncias
específicas, proporcionar resultados mais eficientes da perspectiva do
jurisdicionado.

2 Justiça Restaurativa e mediação vítima-ofensor: conceitos


Como indicado acima, a Justiça Restaurativa pode ser definida como
um “movimento por intermédio do qual busca-se estimular a utilização de
processos nos quais a vítima e o ofensor e, quando adequado, quaisquer outros
indivíduos ou membros da comunidade afetados pelo crime, participem ativa
e conjuntamente na resolução de questões originárias do crime, em regra com
o auxílio de um facilitador”.167 Todavia, ante a recenticidade do tema, não há
consenso quanto à conceituação da Justiça Restaurativa. Algumas definições
baseiam-se em procedimentalizações dos encontros entre a vítima, o ofensor e
alguns representantes da comunidade. O Professor Tony Marshall apud Ashworth
(2002, p. 578), como citado acima, define a Justiça Restaurativa como um sistema
pelo qual “as partes envolvidas em determinado crime [e.g., vítima e ofensor]
conjuntamente decidem a melhor forma de lidar com os desdobramentos da
ofensa e suas implicações futuras”.
Por outro lado, há uma corrente mais abrangente que define a Justiça
Restaurativa a partir de seus valores, princípios e resultados pretendidos
(BAZEMORE; WALGRAVE, 1999). Exemplificativamente, o Prof. Gordon Bazemore
a apresenta como o processo no qual a reparação do dano ou o restabelecimento
consiste no principal valor. Segundo Bazemore, a Justiça Restaurativa se propõe
também a promover outros valores, como a participação, reintegração e
deliberação, que também formam seu corpo axiológico central. Ao procedermos
a uma fusão dessas duas correntes e fazendo uso de outras definições 168,
entendemos que a Justiça Restaurativa pode ser conceituada como a proposição
metodológica por intermédio da qual se busca, por adequadas intervenções
técnicas, a reparação moral e material do dano, por meio de comunicações
efetivas entre vítimas, ofensores e representantes da comunidade, voltadas a
estimular:
a) a adequada responsabilização por atos lesivos;
b) a assistência material e moral de vítimas;
c) a inclusão de ofensores na comunidade;
d) o empoderamento das partes;
e) a solidariedade;
f) o respeito mútuo entre vítima e ofensor;
g) a humanização das relações processuais em lides penais; e
h) a manutenção ou restauração das relações sociais subjacentes
eventualmente preexistentes ao conflito.

167 Cf. Terminologia da Resolução nº 2002/12 do Conselho Econômico e Social da Organização das
Nações Unidas.
168 E.g., Gomes Pinto (2005); Umbreit (2000); Ashworth (2002); Morris (2002); Van Ness (2001);
Bazemore e Walgrave (1999); e Roche (2001).

172
André Gomma de Azevedo

Cabe registrar que a Justiça Restaurativa apresenta uma estrutura


conceitual substancialmente distinta da chamada justiça tradicional ou Justiça
Retributiva. A Justiça Restaurativa enfatiza a importância de se elevar o papel das
vítimas e membros da comunidade, ao mesmo tempo em que os ofensores (réus,
acusados, indiciados ou autores do fato) são efetivamente responsabilizados
perante as pessoas que foram vitimizadas, restaurando as perdas materiais e
morais das vítimas e providenciando uma gama de oportunidades para diálogo,
negociação e resolução de questões. Isto, quando possível, proporciona uma
maior percepção de segurança na comunidade, efetiva resolução de conflitos e
saciedade moral por parte dos envolvidos (UMBREIT, 2000, p. xxv)..
Cumpre registrar que a conceituação da Justiça Restaurativa mostra-se
necessária para o próprio planejamento de novas práticas ou políticas públicas
segundo esta nova corrente. Nesse sentido, como bem exposto por Gomes
Pinto (2005), sabe-se que a Lei nº 9.099/95 estabeleceu, em casos de crimes
de menor potencial ofensivo, a autocomposição penal. Todavia, ante a ausência
de foco:
a) em restauração das relações sociais subjacentes à disputa;
b) em humanização das relações processuais; e
c) em razão da ausência de técnica autocompositiva adequada,
pode-se afirmar que a transação penal como atualmente desenvolvida não
se caracteriza como instituto da Justiça Restaurativa.
Naturalmente, isto não impede que Tribunais de Justiça estabeleçam
programas de Justiça Restaurativa com base na própria lei de Juizados
Especiais. Nesse sentido, destaca-se o trabalho que se inicia no Tribunal de
Justiça do Distrito Federal e Territórios, que visa a instituir comissão para
o estudo da adaptabilidade da Justiça Restaurativa à Justiça do Distrito
Federal e desenvolvimento de ações para a implantação de um projeto-
piloto na comunidade do Núcleo Bandeirante169 (cidade satélite de Brasília).
Nesse projeto, nota-se marcante tendência a se iniciar a implementação da
Justiça Restaurativa por intermédio de um programa-piloto que desenvolva
mediações vítima-ofensor.
Como examinado acima, a mediação vítima-ofensor (MVO) é apenas um
dos diversos processos da Justiça Restaurativa. Dentre outras práticas, como a
conferência (conferencing), as câmaras restaurativas (restorative conferences), os
círculos de pacificação (peacemaking circles), os circulos decisórios (sentencing
circles), a restituição (restitution) 170, a mediação vítima-ofensor se caracteriza
como a prática mais antiga, havendo registros (UMBREIT, 2000, p. xiii) das
primeiras MVOs no Canadá em 1974.
A mediação vítima-ofensor é definida por Mark Umbreit (2000, p. xxxviii)
como
o processo que proporciona às vítimas de crimes contra a propriedade (property crimes)
e crimes de lesão corporal leve (minor assaults) a oportunidade de encontrar os autores
do fato (ofensores) em um ambiente seguro e estruturado com o escopo de estabelecer
direta responsabilidade dos ofensores enquanto se proporciona relevante assistência e

169 Artigo 1º da Portaria Conjunta nº 15 de 21.6.2004 da Presidência, Vice-presidência e Correge-


doria do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios.
170 Para maiores informações acerca desses instrumentos e processos restaurativos, cf. Umbreit
(2000). Recomenda-se ainda a visita ao sítio <http://www.restorativejustice.org>.

173
O componente de mediação vítima-ofensor na Justiça Restaurativa

compensação à vítima. Assistidos por um mediador 171 treinado, a vítima é capacitada a


demonstrar ao ofensor como o crime a afetou, recebendo uma resposta às suas questões e
estará diretamente envolvida em desenvolver um plano de restituição para que o ofensor
seja responsabilizado pelo dano causado.

Cumpre destacar que a definição apresentada por Umbreit (2000) restringe


a aplicação da mediação vítima-ofensor tão somente a alguns crimes de menor
potencial ofensivo e a crimes contra a propriedade. Todavia, nota-se tendência
mundial, retratada na Resolução nº 2002/12 do Conselho Econômico e Social
da Organização das Nações Unidas, no sentido de se estabelecerem estudos em
políticas públicas referentes à aplicação dos princípios da Justiça Restaurativa
em crimes de médio e acentuado potencial ofensivo.
Cabe ressaltar que, a despeito de ser um dos institutos da Justiça
Restaurativa, a MVO permanece sendo espécie do gênero autocompositivo
denominado de “mediação” – definida como o processo segundo o qual as
partes em disputa escolhem uma terceira parte, neutra ao conflito ou um
painel de pessoas sem interesse na causa (co-mediação), para auxiliá-las a
chegar a um acordo, pondo fim à controvérsia existente. Nesse espírito, são
as próprias partes que são estimuladas a encontrar uma solução para suas
questões, auxiliadas, em menor ou maior escala, pelo mediador 172. Cabe
mencionar que, tal como os outros diversos tipos de mediação (e.g., familiar,
comunitária, empresarial, institucional entre outros), a mediação vítima-
ofensor possui uma série de características intrínsecas que a distinguem das
demais.
Inicialmente, cabe registrar que há distinções procedimentais significativas
entre as diversas espécies de mediação. Exemplificativamente, em mediações
cíveis há, em regra, a contraposição de interesses e resistência quanto a pedidos
recíprocos. Já na mediação vítima-ofensor, o fato de uma parte ter cometido
um crime e outra ter sido a vítima deve ser incontroverso. Assim, a questão de
culpa ou inocência não é mediada.
Enquanto algumas outras formas autocompositivas são claramente
direcionadas ao acordo 173, a MVO direciona-se preponderantemente a estabelecer
um diálogo (UMBREIT, 2000, p. xl) efetivo entre vítima e ofensor, com ênfase em
restauração da vítima, responsabilização do ofensor e recuperação das perdas
morais, patrimoniais e afetivas. Naturalmente, há diversas orientações distintas
dentro da doutrina em mediação vítima-ofensor. Nesse sentido, Umbreit (2000,
p. xli) apresenta a seguinte tabela acerca da “restauratividade” da mediação
vítima-ofensor:

171 Da conceituação desenvolvida na Resolução nº 2002/12 do Conselho Econômico e Social da


Organização das Nações Unidas conclui-se que o “facilitador”, definido por esta resolução como
“todo aquele que facilite de forma justa e imparcial a participação das partes em um processo
restaurativo”, é gênero, do qual o “mediador” seria espécie. Isto porque a mediação vítima-ofensor
consiste tão somente em um dos diversos processos da Justiça Restaurativa.
172 Glossário – Métodos de Resolução de Disputas (RADS). In: Azevedo (2002-2205, v.3).
173 Cabe registrar que novas tendências autocompositivas têm direcionado o processo de me-
diação a uma orientação mais transformadora do que meramente voltada ao acordo. Sobre esse
tema, cf. Folger e Jones (1994); e Baruch Bush e Folger (1994).

174
André Gomma de Azevedo

Menor Potencial Restaurativo Maior Potencial Restaurativo


Mediação voltada ao acordo e centrada no Mediação voltada ao restabelecimento do diálogo e mais
ofensor sensível à vítima

Menor Potencial Restaurativo Maior Potencial Restaurativo


Mediação voltada ao acordo e centrada no Mediação voltada ao restabelecimento do diálogo e mais
ofensor sensível à vítima

1. O enfoque da mediação direciona-se a proporcionar uma


1. O enfoque da mediação direciona-se a oportunidade para vítimas e ofensores se comunicarem
determinar a quantificação da reparação civil diretamente permitindo que aquelas se expressem acerca
a ser paga com menos oportunidade para do integral impacto do crime nas suas vidas e para ouvir
comunicações diretas sobre o impacto integral respostas às perguntas que eventualmente tenham. Nesse
do crime na vítima, na comunidade ou no enfoque busca-se estimular os ofensores para que percebam
próprio ofensor. o real impacto humano de seu comportamento e para que
assumam responsabilidade por buscar reparação dos danos.

2. Às vítimas não é apresentada a opção de foro


ou local onde sentir-se-iam mais confortáveis
2. Às vítimas são apresentadas continuamente as opções
e seguras para se encontrarem com o ofensor.
de onde gostariam de se encontrar com o ofensor e com
Da mesma forma não lhes é apresentada
quem gostariam de manter a sessão de mediação.
a opção das pessoas que gostariam que
estivessem presentes à sessão de mediação.

3. Às vítimas é apresentada somente uma


solicitação escrita para comparecimento à sessão 3. Além dos debates acerca da reparação civil de danos,
de mediação. Em regra, não há preparação há marcante enfoque no diálogo sobre o impacto do crime
acerca desse procedimento e do que ocorrerá no nas pessoas envolvidas.
desenvolver da mediação.

4. Há prévios encontros individuais entre vítimas e ofensores


antes da primeira sessão conjunta. Nessas sessões prévias à
4. Não há prévia preparação individual com
mediação há ênfase em se debater como o crime afetou as
a vítima e o ofensor antes da sessão de
partes, bem como em se identificar interesses, necessidades
mediação.
bem como outros pontos preparatórios à sessão (conjunta)
de mediação.

5. O mediador ou facilitador descreve a ofensa


5. O estilo não diretivo do mediador ou facilitador
ou o crime e posteriormente o ofensor tem
faz com que as partes assumam posição mais ativa
a oportunidade de se manifestar. O papel da
na mediação e se expressem com mais frequência do
vítima restringe-se a apresentar ou responder a
que o próprio mediador ou facilitador. Há acentuada
algumas perguntas por intermédio do mediador.
tolerância ao silêncio e uso de modelos humanísticos ou
Em regra não há tolerância a longos períodos de
transformadores da mediação.
silêncio ou expressão de sentimentos.

6. Com a orientação diretiva do mediador 6. Há acentuada tolerância quanto à expressão de


ou facilitador, o mediador se expressa na sentimentos e debates acerca do integral impacto do crime
maior parte da mediação, continuamente com ênfase no diálogo direto entre as partes envolvidas
perguntando à vítima e ao ofensor, com pouco com o mediador conduzindo o processo para se evitarem
diálogo entre estes. excessos.

7. Membros da comunidade são utilizados como


7. Agentes públicos são usados como
mediadores voluntários independentemente ou
mediadores.
monitorados por agentes públicos.

8. Voluntário para vítimas e compulsório


para ofensores, independentemente destes 8. Voluntário para vítima e ofensor.
assumirem autoria ou não.

9. A mediação é voltada ao termo de


9. A mediação é voltada para o restabelecimento do
composição civil de danos (acordo). Em regra,
diálogo. Em regra, a sessão demora pelo menos uma hora.
a sessão demora de 10 a 15 minutos.

175
O componente de mediação vítima-ofensor na Justiça Restaurativa

3 Características procedimentais da mediação vítima-ofensor

3.1 Pré-seleção de casos


A pré-seleção de casos direciona-se a otimizar o trabalho de mediadores
ou facilitadores, para que somente as disputas que efetivamente tenham o
potencial de resolutividade por meio da MVO sejam encaminhadas a este
processo. Como indicado acima, esta é uma característica marcante do sistema
pluriprocessual que busca examinar características intrínsecas de cada contexto
fático (fattispecie) para que sejam consideradas na escolha do processo de
resolução de conflitos.
Assim, em regra, são estabelecidos critérios para encaminhamento de
casos à mediação. A resolutividade por mediação vítima-ofensor está geralmente
ligada a fatores como:
a) gravidade do ato infracional ou crime (e.g., crimes de menor
potencial ofensivo ou sujeitos à suspensão condicional do processo);
b) individuação da(s) vítima(s);
c) assunção ou indícios de assunção de responsabilidade pelo ato
por parte do autor do fato ou ofensor;
d) primariedade ou histórico de reincidência do ofensor; sanidade
mental da vítima e do ofensor, entre outros.
Cumpre registrar que a mediação vítima-ofensor deve ocorrer em um ambiente
adequado tanto para a vítima como para o ofensor. Nesse sentido, na entrevista
preliminar faz-se necessária a indicação de que eventual assunção de responsabilidade
pelo fato (i.e., assunção de culpa) não será comunicada ao juiz competente para julgar
a lide penal, salvo se houver autorização do ofensor. Esta mesma informação acerca
da confidencialidade deve constar da carta ou ofício a ser encaminhado às partes
interessadas quando se indica que determinado caso foi encaminhado ao programa
de Justiça Restaurativa e nessa mesma comunicação devem-se apresentar de forma
clara os objetivos desse projeto, bem como o seu funcionamento.

3.2 Preparação para a mediação


Segundo Umbreit (2000), existem duas importantes etapas na preparação das
partes para a mediação. Inicialmente, há o contato telefônico inicial com cada um dos
envolvidos para que se agende um primeiro encontro individual. Em seguida, há essa
sessão individual preliminar à mediação, onde discutir-se-ão aspectos fundamentais
da mediação vítima-ofensor. Como indicado acima, no primeiro contato telefônico
recomenda-se que se faça uma apresentação acerca do que vem a ser mediação
vítima-ofensor e quais os benefícios geralmente auferidos por vítimas e ofensores em
razão desse encaminhamento. Como resultado desse contato telefônico inicial, uma
sessão individual preliminar à mediação poderá ser agendada.
O propósito predominante da sessão individual preliminar à mediação,
também denominada de entrevista pré-mediação (UMBREIT, 2000, p. 39), consiste
em aferir a perspectiva de cada um dos envolvidos quanto ao ato criminoso em
questão. Nesta oportunidade, frequentemente se explica o processo de mediação
vítima-ofensor às partes e se apresentam as vantagens e desvantagens de se

176
André Gomma de Azevedo

participar desse meio autocompositivo penal. Naturalmente, ao mediador compete


verificar a percepção das partes quanto ao fato e seus efeitos, bem como verificar
se os envolvidos encontram-se preparados para a mediação (quanto às suas
expectativas, à forma de comunicação não agressiva e quanto ao procedimento).
Para adequadamente tocar todos os pontos necessários nesta fase, em regra, essa
entrevista pré-mediação se estende por aproximadamente uma hora. Em síntese
174
, na sessão individual preliminar, o mediador (ou os co-mediadores):
a) abre os trabalhos com apresentações pessoais;
b) expõe o processo de mediação, seus princípios e suas diretrizes;
c) ouve ativamente a perspectiva da parte;
d) responde a eventuais questionamentos da parte;
e) identifica sentimentos da parte para que estes possam ser
adequadamente endereçados na mediação; e
f) estimula a parte a elaborar um roteiro do que será debatido na
sessão conjunta ao elencar questões controvertidas e interesses.

3.3 Mediação vítima-ofensor


Um dos escopos da mediação consiste precisamente no empoderamento das
partes (e.g., educação sobre técnicas autocompositivas) para que estas possam,
cada vez mais, por si mesmas compor parte de seus conflitos futuros e realizar o
reconhecimento mútuo de interesses e sentimentos visando a uma aproximação
real e consequente humanização do conflito decorrente da empatia. Nesse sentido,
na mediação vítima-ofensor, busca-se desenvolver, nos contextos concretos nos
quais tal medida se mostra adequada, a oportunidade de aprendizado da vítima e
seu ofensor. Considerando que a MVO conta com uma fase prévia à mediação, essa
oportunidade de aprendizado deve ter sido aproveitada ainda naquelas sessões
individuais preliminares. Isto é, considerando que a Justiça Restaurativa tem como
pressuposto de desenvolvimento procedimental a confissão do ofensor, pode-se
afirmar que há, nesse contexto, significativo potencial para aprendizado.
Ao início da sessão de mediação, recomenda-se que se faça novamente
uma breve apresentação acerca do processo, de suas diretrizes fundamentais ou
regras. Autores como Cooley (2000), Umbreit (2000), Dubler e Liebman (2004)
recomendam que nesta declaração de abertura se tratem dos seguintes pontos:
a) que se indique que o mediador não estará atuando como juiz —
não competindo a este qualquer julgamento;
b) que o processo de mediação é informal, contudo estruturado a
ponto de permitir que cada parte tenha a oportunidade de se manifestar,
sem interrupções;
c) que as partes terão a oportunidade de apresentar perguntas
umas às outras, bem como aos acompanhantes, que também poderão
se manifestar, desde que resumidamente e que não tirem o enfoque do
contato direto entre vítima e ofensor;
d) que as partes, em seguida, terão a oportunidade de debater
formas de resolver a situação e reparar os danos;
e) que o acordo somente será redigido se as partes estiverem

174 Para maiores detalhes quanto aos procedimentos referentes a essa fase, cf. Umbreit (2000, p. 41).

177
O componente de mediação vítima-ofensor na Justiça Restaurativa

satisfeitas com tal resolução e sem que haja qualquer forma de coerção
para o atingimento dessa resolução por parte do mediador;
f) que todos os debates ocorridos na mediação e nas sessões
preliminares serão mantidos na mais absoluta confidencialidade e não
poderão ser utilizados como prova em eventuais processos cíveis ou
criminais;
g) que, caso haja advogados presentes na mediação, estes são
importantes para a condução desse processo, na medida em que
bons advogados auxiliam o desenvolvimento da mediação e, por
consequência, o alcance dos interesses de seu cliente, pois apresentam
soluções criativas aos impasses que eventualmente surjam em
mediações 175;
h) que, havendo necessidade, o mediador poderá optar por
prosseguir com a mediação fazendo uso de sessões individuais (ou
privadas) — nas quais as partes se encontram separadamente com o
mediador; e
i) que o papel das partes na mediação consiste em ouvirem
atentamente umas às outras, escutarem sem interrupções, utilizarem
linguagem não agressiva, e efetivamente trabalharem em conjunto
para acharem as soluções necessárias.
Após a declaração de abertura, oportuniza-se às partes que exponham suas
perspectivas. A definição de quem irá iniciar depende da vítima, que deverá se
manifestar quanto a esse ponto na sua sessão preliminar. Cumpre ressaltar que essa
decisão é transmitida à vítima em razão da preocupação constante da mediação
vítima-ofensor em empoderá-la. Estudos indicam que uma das consequências do
crime e da vitimização pode ser constatada na frequente percepção de vítimas de
terem menos poder de autodeterminação e estarem mais fragilizadas perante a
sociedade. Nesse sentido, ao se estabelecer que a vítima somente participa do
processo de MVO se quiser e que a esta compete a escolha da ordem de manifestações
na mediação, busca-se iniciar a reconstrução de um senso de autodeterminação da
vítima — para que esta tenha progressivamente a percepção de empoderamento.
Iniciada a manifestação das partes, caso uma venha a interromper a outra
ou caso seja utilizada uma linguagem agressiva, o mediador deverá com firmeza e
tato manifestar-se para que não haja outras interrupções e para que a comunicação
se desenvolva construtivamente. Nesta fase, a principal preocupação do mediador
deve ser em transformar comunicações ineficientes (prévias à mediação) em
eficientes e construtivas manifestações de interesses e necessidades. De acordo
com o modelo espiral de Rubin (RUBIN; PRUITT; KIM, 1994), o conflito responde a
círculos viciosos (ou virtuosos) de ação e reação. Considerando que cada reação em
regra é mais severa e intensa do que a antecedente, uma reação agressiva tenderá
a produzir uma reação ainda mais agressiva, o que por sua vez proporcionará nova
ação ainda mais agressiva — produzindo-se assim o círculo vicioso denominado
de espiral de conflito destrutiva (BUNKER; RUBIN, 1995). De igual forma, quando há
eficiente participação do mediador nesta fase, as partes são estimuladas a agirem
de forma construtiva ao fazerem uso de linguagem neutra e não agressiva. Como
resultado, essa ação produz uma reação construtiva, que por sua vez proporciona

175 Sobre esse tema, cf. Barbado (2003); e Cooley (2001).

178
André Gomma de Azevedo

nova ação ainda mais construtiva — produzindo-se assim um círculo virtuoso


denominado de espiral de conflito construtiva.
Ao ouvir ativamente (BINDER; PRICE, 1977, p. 20) a perspectiva das partes, o
mediador deve acrescer à lista de pontos objetos da mediação, originalmente elaborada
na sessão individual preliminar, questões relevantes, interesses e sentimentos. Após
a feitura de tal lista, recomenda-se que se apresente um breve resumo, usando
linguagem neutra e apontando as questões e os interesses identificados (em regra, os
sentimentos são tratados somente em sessões individuais para preservar as partes).
Com isso, o mediador consegue recontextualizar os fatos pertinentes ao conflito e
estimular o desenvolvimento de uma espiral de conflito construtiva. Desta forma,
naturalmente serão escolhidas, pelo mediador, as questões a serem prioritariamente
endereçadas na mediação. Cumpre registrar que esta escolha consiste em opção
individual do mediador, que, em regra, opta por iniciar a “comunicação construtiva”
pelas questões que tratem de aspectos relacionados à comunicação entre as partes
(uma vez que esta, se adequadamente endereçada, auxiliará na resolução das demais
questões). Critérios frequentemente utilizados na escolha da ordem de abordagem
de questões a serem tratadas na mediação são, entre outros:
a) aqueles que se reportam a histórico de relacionamento positivo
das partes;
b) os que evocam interesses comuns;
c) aqueles em que a solução já foi implicitamente indicada pelas
partes nas suas exposições iniciais (e.g., conversarem com urbanidade); e
d) os que proporcionam maior aprofundamento da compreensão
recíproca acerca das necessidades e interesses de cada parte.
Naturalmente, ao se desenvolver, na mediação, a comunicação acerca
das questões controvertidas, a relação entre as partes aos poucos começa a
ser restaurada ou estabelecida em patamares aceitáveis por estas. Nesse
sentido, cumpre frisar que compete exclusivamente às partes (re)construir esta
relação, na medida em que estabelecem adequada comunicação. Cabe destacar,
ainda, que a atribuição do mediador não é secundária ou passiva, pois, se de
um lado não compete a este apresentar soluções às partes, de outro lado, o
estabelecimento de um ambiente adequado para que as partes encontrem
suas soluções, bem como o esclarecimento de questões e interesses reais e
a identificação e endereçamento adequado de sentimentos que venham a
obstaculizar o andamento produtivo da resolução do conflito são atribuições do
mediador que requerem a devida capacitação, supervisão e treinamento.
Pode-se afirmar que a mediação aproxima-se de uma resolução em bons
termos quando as partes começam a se comunicar diretamente sem se referirem
ou se reportarem ao mediador. De igual forma, constatam-se alterações no tom
de voz e na postura corporal, que passam a ser mais suaves (WEIL; TOMPAKOW,
1986). Ademais, constata-se que as percepções negativas quanto ao conflito e à
parte com que se está interagindo passam a ser mais positivas, com planos de
médio ou longo prazo sendo debatidos entre as partes.
Cumpre registrar que o presente trabalho se destina tão somente a
exemplificar um procedimento de mediação vítima-ofensor baseado em algumas
obras doutrinárias acerca do tema176 e na experiência do Grupo de Pesquisa

176 Umbreit (2000), Morris (2002), Cooley (2000; 2001), Azevedo (2002-2005), entre outros.

179
O componente de mediação vítima-ofensor na Justiça Restaurativa

e Trabalho em Arbitragem, Mediação e Negociação na Faculdade de Direito


da Universidade de Brasília (GT Arbitragem). Naturalmente, para o adequado
treinamento de facilitadores ou mediadores, faz-se necessário um curso de
capacitação com estágio supervisionado.

4 Conclusão
Em razão do aperfeiçoamento contínuo do ordenamento jurídico processual
penal, constata-se o desenvolvimento de corrente genericamente denominada
de “Justiça Restaurativa”, com enfoque predominante nas necessidades da
vítima, da comunidade e do ofensor. Nesse contexto, mostra-se imperativo o
reconhecimento dos impactos sociais do ato infracional ou crime e a redução
das injustiças significativas decorrentes da aplicação puramente objetiva de
dispositivos legais que frequentemente desconsideram as necessidades das
vítimas. Por meio da Justiça Restaurativa, busca-se reafirmar a responsabilidade
de ofensores por seus atos, ao se permitirem encontros entre estes e suas
vítimas e a comunidade na qual estão inseridos.
O acesso à justiça mostra-se cada vez mais como um sistema de melhoria
contínua, não apenas no tocante a disputas cíveis, mas também a conflitos no
âmbito penal. Nesse sentido, cabe realizar as normas positivadas de forma a que
o sistema penal não promova a marginalização e sim a aproximação de seres
humanos, por meio da ressocialização, prevenção, educação, empoderamento
e humanização do conflito.
No que concerne à autocomposição penal prevista na Lei nº 9.099/95 e
na Lei nº 10.259/01, pode-se afirmar que lentamente vem se formando no Brasil
a compreensão de que a autocomposição, quando desenvolvida sem a técnica
adequada, em regra gera a imposição do acordo e com isso a perda de sua
legitimidade. Isto porque as partes muitas vezes não são estimuladas a comporem
seus conflitos e sim coagidas a tanto. Como indicado acima, o sucesso das
modernas iniciativas autocompositivas penais decorre do desenvolvimento de
pesquisas aplicadas e voltadas a assegurar maior efetividade a esses processos
por intermédio do desenvolvimento de técnica adequada.
Nota-se, portanto, que a autocomposição penal, em ordenamentos
processuais modernos, se compõe de uma categoria de opções processuais ou
“portas”. Nesse sentido, a Justiça Restaurativa consiste em um movimento para se
estimular a utilização dessas portas para, assim, “proporcionar uma oportunidade
para que vítimas possam obter reparações, sentirem-se mais seguras, e encerrar
um ciclo psicológico”, bem como permitir que “ofensores tenham melhor
compreensão acerca das causas e efeitos de seus comportamentos e que sejam
responsabilizados de uma forma significativa” 177. Isto porque estas alterações,
tendências e melhorias destinam-se exclusivamente a (progressivamente)
assegurar a efetividade do sistema processual.
Naturalmente, cumpre ressaltar que a Justiça Restaurativa e seu
componente procedimental da mediação vítima-ofensor encontram-se em
estágios preliminares. Nesse sentido, o procedimento de mediação acima

177 Preâmbulo da Resolução nº 2002/12 do Conselho Econômico e Social da Organização das


Nações Unidas.

180
André Gomma de Azevedo

descrito retrata apenas algumas décadas de desenvolvimento de técnicas e


mecanismos apropriados. Todavia, a partir das respostas obtidas em projetos-
piloto em desenvolvimento no Brasil e em outros ordenamentos jurídicos
(AZEVEDO, 2004), pode-se afirmar que a Justiça Restaurativa não se apresenta
como experiência passageira e sim como projeto em plena sedimentação.

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183
Mediação em relações de trabalho no Brasil

Antônio Rodrigues de Freitas Jr.178

Sumário: 1 O papel da mediação na solução de conflitos de justiça - 2 Conceituação


de conflito - 3 Conflitos aos quais se aplica a mediação - 3.1 Relações entre sujeitos
constitutivamente desiguais não comportam mediação? - 4 Considerações finais -
Referências

1 O papel da mediação na solução de conflitos de justiça


Tem sido frequente reconhecer que o crescente emprego da mediação
e de outros meios alternativos de administração de conflitos, em princípio,
seja capaz de produzir efeitos saudáveis para a atuação de Judiciário — quer
sob o ângulo da sua funcionalidade, quer sob o de sua eficácia. Nesse sentido,
trazendo, como subproduto, a redução do fenômeno a que os juristas lusitanos
batizaram de “tempo de justiça”.
A aceitação dessa hipótese, porém, não autoriza nem tampouco
justifica o viés ideológico, presente em certa política de justiça judiciária, que
preconiza a mediação como um instrumento destinado à redução do problema
da insuficiência de oferta de jurisdição, pela constrição da demanda. E assim
sustento por quatro principais motivos:
1. óbvias restrições éticas;179
2. discutível impacto prático;
3. imprescindibilidade de Estado e de Judiciário, fortes e ágeis,
como condição necessária à pacificação social e à própria “alternativa”
da mediação; e
4. não menos importante, porque se essas barreiras ao acesso à
jurisdição produzissem algum efeito significativo para a redução da
morosidade do Judiciário (induvidosamente grave fator de injustiça), nenhum
ganho traria à promoção da justiça, vista na acepção de acesso à fruição do
bem da vida e de pacificação das relações intersubjetivas, particularmente
no que pertine à promoção dos direitos humanos no mundo do trabalho.
Firmadas essas premissas, a estratégia que tenciono propor consiste em

178 O autor registra que para muitas das asserções constantes deste estudo, sem embargo de
sua responsabilidade individual por seu conteúdo, muito contribuiu a interlocução com a advo-
gada, mediadora e consultora do PNUD em segurança e mediação, Célia Regina Zapparolli, cuja
reflexão e experiência encontram-se parcialmente documentadas nos seus trabalhos referidos nas
indicações bibliográficas, ao final; bem assim com os alunos do programa de Pós-Graduação da
Faculdade de Direito da USP – Largo de São Francisco.
179 Numa perspectiva convergente com a que sustento aqui, Lagrasta Neto (2007, p. 11), ocupando-
se especificamente dos Juizados Especiais (e, portanto de política judiciária em sentido estrito), enalte-
ce a seguinte advertência: “o que queremos de um sistema alternativo de solução de litígios? Uma so-
lução que privilegie o acesso à Justiça para os mais humildes; ou a solução para a crise de Judiciário?”

184
Antônio Rodrigues de Freitas Jr.

debater os limites e as possibilidades entreabertas para o emprego da mediação,


no âmbito das relações de trabalho. Enfatizo: não como política judiciária,
mas como política pública de justiça para o aperfeiçoamento dos mecanismos
destinados à promoção do bem da vida.
Por outro lado, necessito ainda deixar claro que tudo o que se dirá aqui
não se aplica ao modelo das assim chamadas Comissões de Conciliação Prévia, tal
como instituído pela legislação brasileira ora vigente. Diversas são as insuficiências
do sistema de “conciliação” de tais Comissões, mas, por brevidade e porque não
constituem objeto deste estudo, reservarei minhas objeções e restrições a seu
respeito para outra oportunidade; conquanto reconheça que, aqui e acolá, por
uma exceção que apenas confirma a regra, algumas experiências de Comissões
de “Conciliação Prévia” vêm apresentando resultados não de todo desprezíveis.

2 Conceituação de conflito
Indo direto ao que importa para estas reflexões, ocupemo-nos inicialmente
dos predicados que permitam convencionar um conceito operativo para o fenômeno
sócio-jurídico do conflito, em especial, de conflito intersubjetivo de justiça.
São ao menos três as dimensões em que se projeta o fenômeno conflito, a
saber: cognitiva, emocional e comportamental. Seguindo Mayer (2000, p. 5), conflitos
existem em virtude da circunstância de que alguém se sinta em conflito com outro,
muito embora esse sentimento não seja necessariamente recíproco nem reconhecido
pelo outro. Para que esse fenômeno, não reciprocamente perceptível, possa caracterizar-
se como conflito intersubjetivo (não como conflito intrapsíquico), é também necessário
não perder de vista sua dimensão objetiva. Não apenas para isso. Também para que
não se confunda mediação com terapia relacional — conquanto não se tencione
negar à mediação a possibilidade, por sinal virtuosa, de eventualmente produzir
efeitos terapêuticos, nem tampouco à mediação o benefício de se socorrer do auxílio
terapêutico, quando necessário para a mediação ou quando aconselhável às partes.
Mas que elementos podem ser apontados como indispensáveis e
necessários para um conceito operativo de conflito intersubjetivo de justiça?
Como distinguir conflito de controvérsia ou litígio; conflito de contradição
ou contraposição de interesses; conflito de desajuste no relacionamento
intersubjetivo?
Surpreende que a maior parte dos autores que se ocupam de mediação e
de outros processos de administração de conflitos não ofereça uma predicação
clara para conflito.
Um clássico no assunto prefere afirmar que “existe conflito quando quer
que ocorram atividades incompatíveis” (DEUTSCH, 1973, p. 10).180 Ao prometer
uma definição para conflito, Mayer (2000, p. 4) resolve-se pelo seguinte atalho:
“O que é conflito? Conflito pode ser visto como ocorrendo em dimensões
cognitivas (percepção), emocionais (sentimentos) e comportamentais (ações)”. E

180 “At this point it would be well do define some of the key terms used in this text. A conflict
exists whenever incompatible activities occur. [...] An action that is incompatible with another ac-
tion prevents, obstructs, interferes, injures, or in some way makes the latter less likely or less ef-
fective. The terms competition and conflict are often used synonymously or interchangeably. This
reflects a basic confusion. Although competition produces conflict, not all instances of conflict
reflect competition” (DEUTSCH, 1973, p. 10).

185
Mediação em relações de trabalho no Brasil

fica por aí. Marinés Suares (1996, p. 78) vai mais além, e, ao tratar da distinção
entre disputa e conflito, propõe:

No campo da mediação entenderemos por conflito: – um processo interacional, que como


tal nasce, cresce, desenvolve-se e pode às vezes se transformar, desaparecer e/ou se
dissolver, e outras vezes permanecer relativamente estacionário; – que se dá entre duas
ou mais partes [...];– em que predominam as interações antagônicas sobre as interações
atraentes ou atrativas; – interações nas quais as pessoas que intervêm o fazem como seres
totais [...] — por vezes, porém não obrigatoriamente, agressivas; – que se caracteriza por
ser um processo co-construído pelas partes; – um processo complexo e como tal não pode
ser abarcado totalmente por uma definição.

Maria Inês Targa (2004, p. 28) apóia-se no dicionário e chama de conflito


o “embate dos que lutam. Discussão acompanhada de injúrias e ameaças;
desavença. Guerra. Luta, combate. Colisão”. Num dos competentes trabalhos
acadêmicos realizados no Brasil sobre o tema, Lília Sales (2004, p. 23-27) reúne
ao menos nove diferentes definições para mediação de conflito, mas não se ocupa
de explicitar o que entende, ela própria, por conflito. Um enunciado próximo que
é proposto neste estudo encontra-se em Sampaio e Braga Neto (2007, p. 31),
para os quais, enfatizando a finalidade didática da proposição, “pode-se definir
(conflito) como um conjunto de propósitos, métodos ou condutas divergentes,
que acabam por acarretar um choque de posições antagônicas, em um momento
de divergências entre as pessoas, sejam físicas, sejam jurídicas”.
Compreensível dificuldade. Com efeito, por ser o conflito um fator que
recorta toda a aventura existencial humana, constitui um fenômeno que pode ser
capturado por diversos ângulos, tanto sob a dimensão valorativa, quanto sob a
fenomênica. Isso parece explicar não apenas as dificuldades, como, sobretudo,
a variedade das proposições conceituais que se ocupam do conflito.
Não ambiciono aqui propor uma formulação exaustiva para conceituar
conflito. Menos ainda tenciono oferecer uma proposição conceitual universalmente
adequada a toda e qualquer espécie de fenômeno social suscetível de designação
pelo termo genérico “conflito”.
Creio importante realçar: não me ocupo, neste estudo, de propor uma
definição endereçada a toda espécie de conflito; mas apenas àqueles que se
projetam nas relações intersubjetivas entre atores sociais — individuais ou
institucionais — que sejam portadores de valores distintos de justiça; razão
pela qual eu os chamarei, à falta de melhor expressão, conflito de justiça. E
assim, seja entre pessoas ou outros entes a quem o direito confere a natureza
de sujeitos não personalizados.
Também enfatizo que a formulação que apresento, para conceituar
conflito, é função do propósito de investigar e debater a possibilidade e a eficácia
no seu emprego, enquanto um problema de justiça. Exemplifico: considero
plenamente aceitável que se afirme, a partir de premissas diversas daquelas aqui
fixadas, a existência de conflito entre dois sujeitos, numa relação hipotética em
que ambos porventura 1. sequer se reconheçam numa atmosfera de disputa; 2.
não se comportem de modo colidente; nem 3. tampouco se identifiquem como
portadores de diferentes percepções de justiça quanto à resolução de um problema
concreto. Esse conflito hipotético, conquanto plausível, é, todavia, insusceptível
de intervenção externa e por esse motivo reservarei a expressão conflito, ainda
que sob o ângulo estritamente teórico e conceitual, para situações hipotéticas 1.

186
Antônio Rodrigues de Freitas Jr.

em que seja possível a intervenção prática dos envolvidos e/ou de terceiros; 2. e


que para tanto, adquiram visibilidade e relevância enquanto problema alocativo,
comportamental e motivacional (vale dizer, enquanto problema de justiça e paz).
Esses são, como vejo, os fenômenos conflituais que mais importam para os
assim chamados meios “alternativos” de solução ou administração de controvérsias,
bem como são esses que interessam ao direito, à sociologia, às políticas públicas
em geral, e às políticas de justiça (judiciária ou não), em particular.
Nessa perspectiva, chamo aqui de conflito as situações em que estejam
presentes, simultaneamente:
1. no plano objetivo: um problema alocativo incidente sobre bens tidos
por escassos ou encargos tidos como necessários, sejam os bens e os
encargos de natureza material ou imaterial;
2. no plano comportamental: consciente ou inconsciente, intencional ou
não, contraposição no vetor de conduta entre dois sujeitos; e
3. no plano anímico ou motivacional: sujeitos portadores de percepções
diferentes sobre como tratar o problema alocativo, como função de
valores de justiça.
Aproximemo-nos um pouco mais da ideia de problema alocativo. Como
dito, duas são as circunstâncias em que emerge o que chamo aqui de problema
alocativo: na hipótese de escassez de bens ou na de inevitabilidade de atuação
de um encargo (ônus, perda, exclusão, v.g.).
Dita situação de escassez de bens pode ocorrer numa circunstância de
ausência absoluta de bens necessários a todos os integrantes de um dado grupo
ou comunidade, como por exemplo, uma situação de desabastecimento alimentar
decorrente de um evento natural e incontornável de graves proporções, do que
resulta uma situação inevitável de fome a ser alocada entre seus membros. Nesse
caso de escassez absoluta ou objetiva, que se diga de passagem não é o mais
frequente, o problema alocativo consiste na dificuldade (e daí o substantivo
problema) de se estabelecerem critérios universalmente concertados entre os seus
destinatários, uma vez que em situações ordinárias ninguém preferirá a fome ao
alimento e, por outro lado, a escolha que a situação objetiva impõe implica eleger
quem serão aqueles que receberão e especialmente os que não receberão alimentos.
Mais frequentes são os problemas alocativos decorrentes da ausência relativa
de bens, vale dizer, da ausência de bens suficientes à satisfação do que os sujeitos
consideram “necessidade” (e nesse caso, talvez mais adequado fosse falar em
expectativa, desejo, apetite ou ambição, em lugar propriamente de necessidade).
O simples fato de que haja bens em quantidade ou qualidade insuficiente para
satisfazer o que os sujeitos, destinatários da escolha (ou decisão) alocativa,
consideram necessário, mesmo que dita “necessidade” seja apenas função de
expectativa, apetite, desejo ou ambição, não torna mais administrável a atmosfera
da relação entre eles, nem tampouco, por esse e outros motivos, mais fácil a
solvibilidade do problema. Eis o porquê, no que pertine à administração pacífica
dos problemas alocativos, a natureza absoluta ou relativa (objetiva ou subjetiva) da
“necessidade” conferida aos bens é, em geral, de importância secundária. Até porque
os sujeitos se comportam conforme cálculos, cenários, prospecções, receios, etc.,
sempre balizados pela “necessidade” aferida segundo suas respectivas percepções;
pouco importando, nesse particular, a acuidade dessas últimas. Desse modo,
retornando ao exemplo do desabastecimento de alimentos: nada está a indicar que

187
Mediação em relações de trabalho no Brasil

as dificuldades alocativas do problema sejam substancialmente diversas, quer na


hipótese de ausência concreta, quer na de ausência presumida de alimentos.
Sob o ângulo lógico, a alocação positiva de um bem escasso é o equivalente
matemático da alocação negativa de um encargo. Assim, por exemplo, o problema
alocativo consistente na identificação de critérios de justiça mediante os quais se
seleciona um receptor de órgão ou um calouro no ensino universitário é logicamente
equivalente àquele presente na alocação de carga tributária, de dispensa no
emprego, de overbooking no embarque em um vôo internacional. Entretanto, devo
registrar que, de minhas investigações voltadas ao problema da justiça alocativa,
em decisões relativas à dispensa de empregados,181 resultou a forte impressão
de que, nos problemas de alocações positivas, em comparação com a atmosfera
presente naqueles de alocações negativas, é mais facilmente concertável a fixação
dos critérios de justiça alocativa; conquanto nada esteja a indicar que os conflitos
decorrentes dos respectivos problemas produzam ambientes de administração
simetricamente diversos. Minha hipótese de explicação para esse fenômeno é
meramente aproximativa e de índole inercial: no que concerne à intensidade das
expectativas e à assimilação das frustrações, parece mais fácil emular o despojamento
numa situação de não aquisição que numa de perda, observada, naturalmente,
alguma correspondência na valoração (atribuída por critérios patrimoniais e/ou
emocionais, conforme o caso) reservada aos bens objeto da decisão alocativa.
Falemos um pouco mais do segundo ingrediente conceitual que proponho
seja identificado como imprescindível à noção de conflito: a circunstância de que
os sujeitos se comportem por vetores contrapostos, num dado problema alocativo.
Em outros termos, um problema alocativo hipotético somente exibe grandeza
de conflito se, e na medida em que, os sujeitos nele envolvidos inclinem-se por
reproduzir comportamento de antagonismo; caso contrário, estaríamos tão-somente
diante de uma situação de contradição abstrata e não propriamente de relação
de conflito. Por outro lado, interessa notar que a maior ou menor consciência ou
intencionalidade, por parte dos sujeitos, acerca da contraposição vetorial de seus
comportamentos, não é essencial para a caracterização do conflito, embora seja
de grande importância como fator a ser considerado na intervenção mediadora.
Assim, por exemplo: ao se mover em direção à conquista da posse de um terreno,
pode o ocupante acreditar-se em comportamento despojado de resistência por
parte do legítimo possuidor, por hipótese, um terreno público sem aproveitamento
econômico. Pode não ter consciência da violência que pratica ao direito do proprietário
escudando-se, conjecturemos, no exercício de um suposto direito natural de acesso
à posse fundiária sobre terrenos economicamente improdutivos, e por esse motivo,
acreditar mesmo que sua atitude não colide com o comportamento do proprietário,
porque esse não teria oposto resistência imediata nem tampouco estaria respaldado
eticamente para tanto. Se, na medida e no momento em que o poder público, num
caso assim, decidisse opor resistência à ocupação, realizada ou ainda que somente
anunciada, estaríamos diante de uma situação de conflito.
Com isso, podemos a esta altura nos aproximar do terceiro fator conceitual
do conflito: o ingrediente motivacional ou anímico. Tenho presentes relações

181 Refiro-me à pesquisa desenvolvida enquanto projeto temático sob patrocínio da FAPESP, que,
no Brasil, foi coordenada por Argelina Figueiredo, e no plano internacional por Jon Elster. V., assim,
Freitas Junior (1994, p. 160-173).

188
Antônio Rodrigues de Freitas Jr.

entre sujeitos que sejam portadores de percepções diferentes acerca de como


decidir, com justiça, um dado problema alocativo. Em outras palavras, somente
ensejam relações de conflito de justiça os problemas alocativos a cujo tratamento
os sujeitos enderecem percepções diferentes quanto à mais justa decisão para o
caso. A existência de um hipotético problema alocativo, mesmo que associado a
comportamentos vetorialmente contrapostos, não alcança a predicação de conflito
de justiça na proporção em que consista apenas na disfunção entre comportamento
e decisão. A não-coincidência entre a percepção dos sujeitos acerca da forma justa de
tratar o problema alocativo é que baliza, nesses casos, a disputa, manifesta ou tácita,
pacífica ou violenta, por decisões alocativas distintas. E aqui é bom ressaltar: refiro-
me a justiça na acepção mais trivial de convicção acerca da equidade de
possíveis escolhas e decisões no terreno alocativo; não, necessariamente,
relacionado e, com frequência, sem nenhuma correspondência direta, com
o repertório objetivamente positivado da legalidade. Faço gosto em realçar
uma vez mais essa proposição: a mera contraposição vetorial no comportamento,
quando não legitimado pela convicção da justeza em cada particular percepção sobre
a decisão alocativa, embora potencialmente relevante e carecedora de intervenção
estatal ou de terceiro, não alcança grandeza de conflito de justiça porque não enseja,
a rigor, nem problema alocativo, nem tampouco disputa por conteúdos distintos da
respectiva decisão. Para o que importa em matéria de solução de conflito, quando
não há disputa veiculando percepções de justiça distintas, o fato de dois sujeitos se
comportarem de modo contraposto constitui fenômeno a merecer apenas adequação,
unilateral ou bilateral, de conduta, dispensando, desse modo, a necessidade de co-
construção de pautas justas para o enfrentamento do problema alocativo, até porque,
como dito, de rigor não se cuidaria, aqui, de “problema alocativo” nem de disputa em
função de percepções distintas de justiça. Note-se que aqui me refiro não à ausência
de consciência nem de intencionalidade na contraposição comportamental: refiro-me
a comportamentos de colisão entre os sujeitos, porém despojados de dissonância
entre eles e os valores de justiça de que são portadores. Desse modo, ainda que se
tencione ou que se considere apropriado adjetivar o desajuste comportamental como
“conflito”, estaríamos ante um fenômeno que, se tanto, reclamaria políticas públicas,
estatais ou não-estatais, de higidez e contenção comportamental, não de justiça.
Nessa medida, mais um problema de saúde ou segurança pública que de justiça
pública ou de cultura da paz (que é do que me ocupo no presente trabalho).

3 Conflitos aos quais se aplica a mediação


Ora bem, todo o presente esforço em delimitar com a precisão possível
uma noção de conflito justifica-se em nome da identificação do campo de
incidência da mediação. Em outros termos, se a mediação constitui ferramenta
destinada à administração do conflito, antes de qualquer outra digressão a seu
respeito, é necessário que se explicitem as especificidades do fenômeno que se
designa por conflito.
Mas não é só por isso. Em boa parte, se não na totalidade, da literatura de
ADR , está presente uma forte preocupação em identificar que fenômeno, em
182

182 Ou, como preferem alguns no equivalente em vernáculo, RDA; objetivando designar os assim
chamados meios alternativos de resolução de disputas.

189
Mediação em relações de trabalho no Brasil

que região temática, em que espécie de situação-problema é cabível e adequada


tentativa do emprego da mediação. Em que situações melhor se prestará o
recurso a meios não-judiciários de intervenção e, também, mas não menos
importante, que situações-problema devem ser reservadas exclusivamente ao
tratamento jurisdicional?
Não são questões fáceis e, à toda evidência, os autores divergem
grandemente a seu respeito.
Apenas para exemplificar:
1. há autores que descartam a mediação para todo fenômeno
conflitivo que venha a emergir no interior de relações entre sujeitos
constitutivamente desiguais;
2. outros há que consideram substancialmente injusto, quando não
manifestamente lesivo e inadequado, promover a intervenção mediadora
em situações de conflito em que estejam presentes disputas que recaiam
sobre direitos indisponíveis, vale dizer, direitos acerca dos quais o sistema
jurídico-positivo não valida nenhuma pretensão de renúncia ou transação.
Em meu ver, e como constato em diversas experiências tentativas em
curso, há muito equívoco conceitual, ruídos de compreensão derivados de falta
de explicitação terminológica, além, o que é pior, de um oceano de preconceitos e
vieses ideológicos que resultam de posições doutrinárias apriorísticas, sectárias,
quando não se trate de objeções motivadas por fantasmas e temores corporativos.
O enfrentamento das questões aqui apresentadas requer, antes de tudo,
certo despojamento analítico, sem o que o tema permanecerá constituindo
cenário propício a diálogos de surdos — entendidos esses como insuficientes
comunicativos, antes que meramente auditivos.
Nesse diapasão, passo ao exame das objeções pela ordem em que
aparecem acima indicadas.

3.1 Relações entre sujeitos constitutivamente desiguais


não comportam mediação?
Os que assim acreditam partem da premissa, em meu ver um tanto
pueril, de que a co-construção de pautas de entendimento, havidas como
justas em situação de plena liberdade e consciência, pressupõe a remoção das
desigualdades — o que seria impossível em circunstâncias em que se relacionem
sujeitos que guardam entre si uma desigualdade constitutiva.
Em primeiro lugar, conquanto aparentemente sedutora, a proposição
desses críticos prova demais em nome da tutela de uma igualdade conceitual
inatingível. E assim por que:
1. é da essência dos seres humanos a predicação singular e
inimitável, sendo, por isso mesmo, também seus produtos, de regra,
assimétricos e heterogêneos;
2. se em outras sociedades essa proposição não fora verdadeira
(o que pessoalmente acredito que o seja), em especial a sociedade
capitalista globalizada, mais que qualquer outra formação social
até mesmo no interior da hegemonia capitalista, engendra sujeitos
constituídos na, para, quando não em virtude da desigualdade.

190
Antônio Rodrigues de Freitas Jr.

Não é preciso ser marxista nem weberiano, tampouco ostentar outros broches
na lapela, para perceber que a sociedade capitalista, ela própria coessencialmente
heterogênea e assimétrica, está radicada não apenas na desigualdade natural
entre os seres, mas deita raízes na produção social de desigualdades, para o que
é necessário não apenas constituir sujeitos desiguais, como também qualificar
e legitimar a desigualdade produzida pelas relações intersubjetivas. Disso
resulta não apenas a tendência à manutenção da desigualdade, como a retro-
alimentação do sistema de que e em que se origina. Ora bem, se relações entre
sujeitos constituídos desigualmente não comportassem intervenção mediadora,
mediação não teria lugar em nenhum tipo de relação intersubjetiva concreta. Bem
ao contrário do que afirmam esses céticos, é precisamente a intervenção direta
do mediador no equilíbrio entre os protagonistas do conflito, por intermédio de
técnicas a que se convencionou denominar de “empoderamento”,183 que permite
o tratamento menos desigual na confecção comum de uma pauta reconhecida
pelos sujeitos enquanto substancialmente justa e equilibrada. Por outro lado, a
dogmática processual predominante, caudatária do enaltecimento do princípio-
regra da “ampla defesa” e da “igualdade formal” dos contendores, em lugar de
atenuar, tende para o aprofundamento das assimetrias intersubjetivas. E não me
refiro apenas à existência de patrocínio técnico (advogado, peritos, etc.), nem
tampouco às desigualdades radicadas nos efeitos, produzidos assimetricamente
entre os litigantes, pela demora da “solução jurisdicional”. Tenho presente a
própria desigualdade que permeia o olhar de cada qual sobre o conteúdo do
justo e os recursos e ônus que lhes assistem na sua persecução, por via das
ferramentas e itinerários judiciais. Nem se diga que isso se resolveria mediante
a sofisticação da dogmática processual, tendente a conferir “tratamento desigual
aos desiguais”, de que é exemplo paradigmático o processo do trabalho. Sem
que se ignorem os méritos dos experimentos e políticas nessa direção, o fato é
que o processo e o Judiciário não são constituídos nem tampouco aparelhados
suficientemente para produzir igualdade material entre os sujeitos — do que
resulta que, por melhores que sejam suas iniciativas nessa direção, nada faz
supor que decidirá num cenário de erradicação das desigualdades. Mitigá-las, se
tanto, parece o mais sensato a ambicionar a esse respeito. Não desejo, com isso,
reproduzir o mesmo excesso, que critico nos céticos da mediação aqui referidos,
desqualificando a imprescindível função do Judiciário e do processo na produção
da justiça, nem tampouco desqualificá-los adjetivando-os de “instrumentos de
perpetuação e aprofundamento da desigualdade socialmente produzida pelo
capitalismo”. Desejo apenas realçar que é imperioso caminhar na diversificação
das ferramentas disponibilizadas ao tratamento justo do conflito, para o que
considero útil também a intervenção mediadora, apesar da ou talvez, sobretudo
à vista das assimetrias presentes nas relações intersubjetivas, em particular na
sociedade capitalista contemporânea. Por tais motivos, também não formo com
certa defesa da mediação, muito difundida entre ativistas sociais norte-americanos
nos anos sessenta, de que a mediação, como substitutivo da “jurisdição do
Estado burguês”, seria a melhor ferramenta para produzir justiça suplantando a
desigualdade da sociedade capitalista. Reconheço que as melhores experiências
de administração de conflitos contribuem para a formação de uma sociedade

183 À falta de melhor vocábulo, no vernáculo, para traduzir o termo inglês empowerment.

191
Mediação em relações de trabalho no Brasil

mais justa e de atores sociais mais conscientes. Em outros termos, é constatável e


considero mesmo desejável a obtenção do potencial transformador da mediação.
Apenas pondero que, se essa ambição não for sempre alcançável, não será por
isso defensável desprezar a necessidade de tratamento aos conflitos, até porque
a ausência de políticas públicas destinadas à composição dos conflitos é sinônimo
de injustiça elevada à sua maior grandeza: a do império do mais forte.
Disputas que recaiam sobre direitos indisponíveis comportam mediação?
Relações em que um dos sujeitos seja ou esteja sob regime jurídico de direito
público admitem intervenção mediadora? Passo a tratar de ambas as objeções
nesta mesma linha de proposições, até porquanto constituem desdobramento
das mesmas premissas.
Trago aleatoriamente uma resposta a essa questão, externada por Lília
Maia de Morais Sales (2004, p. 57), para quem “a priori, também não podem
ser objeto de mediação os conflitos nos quais o Estado faça parte com jus
imperii, como é o caso dos conflitos de natureza administrativa, tributária e
previdenciária”; temperando a radicalidade do apriorismo logo a seguir, ao
asseverar: “Ressalta-se, no entanto, que, quando houver previsão legal para
transação ou conciliação em controvérsias que tenham por objeto essas matérias,
será possível a mediação”.
À semelhança do que se disse relativamente à primeira das objeções tratada,
aqui estamos uma vez mais ante arautos bem-intencionados, que acreditam
estar a promover a nobre tutela pública de direito a que o “hipossuficiente”, em
seu próprio prejuízo, não pode renunciar.
A linha de inferências expressa por Lília Sales (2004), é de se dizer,
orienta-se pela formulação ainda dominante na dogmática jurídica dos países de
tradição romano-germânica, e de predominância latina. Se nos voltarmos para
a literatura norte-americana ou canadense, por exemplo, notaremos que essa
ortodoxia publicista, já em declínio até mesmo entre os autores mais recentes no
direito público brasileiro, não integra sua agenda de interrogações. Mayer (2000,
p. 123-125), por exemplo, relata em detalhes uma de suas experiências como
mediador em conflitos políticos, num caso entre defensores da vida selvagem
e proprietários agrícolas. Em outra passagem (MAYER, 2000, p. 65), relata
como atuou enquanto mediador durante o ano de 1992 em Boulder, Colorado,
num conflito acerca da destinação orçamentária da receita proveniente de um
tributo sobre fato de comércio, trazendo notícias de como os grupos sociais
organizados podem interferir na formulação de políticas públicas, de modo mais
eficaz, na medida em que preconizem uma agenda legitimada pelo interesse
público, antes que por vieses corporativos.
Diga-se, nessa perspectiva, que a mediação pode constituir um
extraordinário instrumento de calibração responsável na implementação da
agenda da democracia participativa, compondo, por exemplo, um quadro de
viabilidade para experimentos análogos aos do chamado orçamento participativo
e outros de semelhante inspiração.
Quanto aos assim chamados “direitos indisponíveis”, tenha-se presente
que a mediação, assim como a jurisdição, constituem intervenções públicas
que se projetam no interior da ordem jurídica, de sorte que, se por direitos
indisponíveis entendemos aqueles cuja renúncia a ordem jurídica tem por
necessariamente inválida, há evidentes indícios de truísmo ao se postular que

192
Antônio Rodrigues de Freitas Jr.

direitos indisponíveis não podem ser renunciados nem transacionados em sede


de mediação. Está claro que não. Nem em processo de mediação, nem em sede de
decisão judicial ou arbitral. E aí emerge um não dito que necessita ser enfrentado,
especialmente quando se trate de direitos sociais e trabalhistas: que direitos são
mesmo indisponíveis? O que vem a ser “dispor” de um direito? Todos sabemos
que essa é uma região temática largamente polêmica, mas algum consenso creio
que seja possível alcançar a seu respeito. E assim, portanto:
1. o mesmo direito que não pode ser renunciado na mediação não
poderá sê-lo em jurisdição, do que resulta que, entre o que postulo aqui
e o que postulam esses críticos da mediação, podemos divergir quanto
ao objeto da renúncia, não acerca da (im)pertinência da mediação vis-
à-vis à jurisdição;
2. se estivermos de acordo quanto à proposição anterior, resta
enfrentar a identificação do “direito”.
Para tanto, não é necessário entrarmos em detalhes, mas tão só traçarmos
delineamentos conceituais um tanto mais precisos. É comum afirmar-se que, no
direito de família e nos terrenos dos direitos sociais fundamentais, predomina a
regra da indisponibilidade. Nada mais correto, como vejo.
Contudo, é necessária uma aproximação adicional para distinguir
indisponibilidade de direito da composição consensual de uma pauta para seu
exercício. Explico-me. Estou para ver, ao menos em conta da experiência brasileira
e de outros países de sistema jurídico assemelhado, região temática em que
haja mais acordo do que em conflitos de família e de trabalho — somente para
falar das composições praticadas dentro do judiciário mediante práticas lícitas e
moralmente induvidosas. E assim porque há uma larga distinção entre “renunciar
à proteção alimentar” e dispensar pensão (especialmente quando desnecessária
ou juridicamente incabível), entre renunciar aos direitos/deveres de “paternidade/
maternidade – poder familiar” e definir um regime de guarda em que apenas um
dos pais o exerça; entre renunciar ao direito/dever de visita e a definição de um
regime de visita que seja compatível com a preservação das rotinas co-essenciais
à formação da criança e do adolescente. Ora bem, esses parecem ser exemplos
eloquentes de que o conflito comporta intervenção mediante a confecção
harmoniosa de uma pauta de exercício de direitos indisponíveis, tendo em vista
cada situação concreta de possibilidade e de necessidade.
O mesmo ocorre com os direitos sociais, em especial os direitos
trabalhistas. Tomemos o exemplo da proteção ao meio-ambiente do trabalho
e à saúde do trabalhador. Ninguém haverá de negar tratar-se de matéria de
tutela indisponível. Por outro lado, todos sabemos quão numerosos são os
entendimentos sindicais e os termos de ajuste de conduta (firmados perante o
Ministério Público), que têm por objeto o diferimento, no tempo e na métrica,
de observância das disposições legais indisponíveis voltadas à tutela da saúde
e do meio ambiente. E assim não por conta de uma morosidade da Justiça,
que hoje dispõe de uma ampla, ágil e sofisticada variedade de modalidades de
tutela específica. Ocorre que a implantação de certas medidas importa tempo,
prioridades, procedimentos, etapas, etc., que nem mesmo por força da mais
célere e imperativa decisão judicial podem ser ignoradas; até porque decorrem
de limitações de fato e da necessidade de observância de procedimentos técnicos
que, não raro, requerem tempo e implicam escolha de prioridades e decisões

193
Mediação em relações de trabalho no Brasil

de compromisso. Mesmo que o responsável pelo empreendimento reconheça e


se disponha sinceramente à observância das regras (não raro com sinceridade
maior do que quando ordenados judicialmente a fazê-lo), seu cumprimento
poderá vir a se efetivar de diferentes modos, e é precisamente na definição
desses modos de exercício do direito que emerge o cenário para uma agenda
consensuável para sua implementação (não, é claro, para seu desrespeito).
Outro exemplo de direito social indisponível: a tutela da honra e da
dignidade da pessoa do trabalhador. Numa hipotética ocorrência de assédio
moral, praticado por um empregado contra outro empregado, na qual emerge a
responsabilização da empresa,184 a possível judiciarização da demanda tenderá
a induzir a empresa à refutação judicial do direito. Nesse caso, uma intervenção
mediadora eficaz, entre vítima e agressor (esse último não necessariamente
agindo por incitação nem com o endosso da alta direção da empresa), poderia
em tese produzir uma reparação para a vítima que fosse considerada, por ela
e pelo agressor, de forma e medida satisfatórias — e assim, também, com a
vantagem de contribuir para a (re)construção de uma atmosfera harmoniosa para
a futura relação intersubjetiva entre ambos, com efeitos proveitosos para aqueles
que pertencem ao mesmo ambiente de trabalho, possibilitando a preservação
do emprego de ambos e a promoção de uma cultura institucional produtiva e
motivadora. E o que é mais importante: sem que o trabalhador vítima em nenhum
momento venha a renunciar à tutela jurídica de sua honra e dignidade 185, nem

184 Para o que importa em meu argumento, é irrelevante discernir se se trata de responsabilidade obje-
tiva, culpa presumida, inversão do ônus da prova, ou outra figura jurídica de efeito análogo. Importa ter
presente que, demandada judicialmente, porque de regra responsável por fatos que seus empregados
pratiquem no curso da prestação laboral, a empresa e todo seu poder de persuasão judicial tenderá a
desqualificar a pretensão declaratória/reparatória da vítima, e a sair na defesa do apontado agressor. Não
raro, configurando um quadro recorrente em que a empresa deduz judicialmente sua defesa pela negativa
do fato e desqualificação da queixa do ofendido. Fosse um cenário não adversarial em que a queixa viesse
a ser formulada (um processo de mediação empregado-empregado), talvez o empregador se abrisse para
aferir a medida da materialidade do fato e da autoria; promovendo até mesmo — porque não? — uma so-
lução reparadora equilibrada para restabelecer a harmonia do ambiente de trabalho, evitar a reincidência
e promover o aperfeiçoamento das relações interpessoais de seus trabalhadores. Até porque, como não
é difícil supor, muitos assédios são praticados sem e mesmo contra o comando e o aval institucional do
empregador; e deles pode resultar não apenas sua responsabilização patrimonial como também efeitos
profundamente perniciosos à higidez psíquica e motivacional de seus prestadores.
185 Há pouco fiz alusão à diferença entre o olhar dos países de tradição romano-germânica e de origem
latina, comparativamente àqueles de matriz diversa. Em matéria de relações de trabalho essa diferença
adquire manifesto contorno. Leonardo Schvarstein, prefaciando Marinés Suares (1997, p. 28-32), é
enfático ao afirmar que “las organizaciones que se estructuran jerárquicamente no constituyen ámbitos
propícios para la utilización de la mediación”. Para Schvarstein, “lo que definitivamente no vamos a
encontrar en el jefe es um tercero capaz de ayudar a las partes a construir historias alternativas, porque
él tiene su propria historia, la de estar obligado a poner límites a la disputa en tanto lo comprometa en la
obtención de sus resultados. Esto lo descalifica como mediador y al mismo tiempo inhibe la inclusión de
otro tercero como mediador, ya que ello sigificaría um menoscabo a su autoridade”. Contrastemos, por
exemplo, as asserções de Schvarstein, corroboradas por autores como Mello (2004, p. 241-255), que
não admite sequer arbitragem em conflitos trabalhistas, com as já referidas narrativas de Mayer (2000),
ou mesmo com capítulos inteiros de Ury, Brett e Goldberg (1988, p. 134 et seq.), v.g., intitulado “Cutting
Dispute Costs for an Industry: The Grievance Mediation Program”, em que a mediação é ricamente pre-
conizada para conflitos trabalhistas. No Brasil, divergindo, como o faço, da dogmática predominante,
porém a partir de fundamentos teóricos e de premissas metodológicas diversas, q.v., Targa (2004), que
reconhece e aplaude o emprego de meios alternativos de administração de conflitos no âmbito das
relações do trabalho; e Michelon (1999, p. 156-161), encorajando-os por via de um balanço bastante
favorável da experiência do Plantão Especial para Denúncias e Mediação dos Conflitos Individuais Tra-
balhistas da Delegacia Regional do Trabalho de Rio Grande do Sul, criada em 1990.

194
Antônio Rodrigues de Freitas Jr.

tampouco se tenha sujeitado à exposição pública de sua história e de sua dor 186.

4 Considerações finais

Em conclusão, proponho que, na promoção da cultura da paz, inclusive


no âmbito das relações interpessoais no mundo do trabalho, ferramentas não-
adversariais como a mediação constituem importantes instrumentos a serem
consideradas na perspectiva da administração, justa e eficaz, dos conflitos.
Especialmente daqueles em que seus protagonistas comportem-se por vetores
contrapostos e o façam porque portadores de valores distintos de justiça. De
justiça! Como enfatizei acima, não de correspondência entre o conteúdo da decisão
alocativa e aquele do ordenamento jurídico positivo. Para tanto, é necessário que
nos despojemos — sobretudo nós de formação jurídica — do vezo de reproduzir,
de modo não crítico e irrefletido, a equação: justiça = legalidade.
Caso contrário, permitindo que o conteúdo do justo deixe-se aprisionar pelo
continente do “ legal” ou “ jurídico”, as já bem conhecidas veredas da adversidade
e da litigância em sede judiciária parecem mais apropriadas. Pena que não dão
conta de acolher indistintamente toda a crescente variedade de conflitos que
se manifesta na sociedade contemporânea: uma sociedade marcada, seja pela
explosão da litigiosidade, seja pela disseminação do desencanto com o direito e
com os sistemas convencionais de administração do dissenso e de pacificação
social (FARIA, 1983; GIDDENS, 1990; IANNI, 1996).
Proponho-me a contribuir sugerindo que, em lugar de enfatizar os óbvios
limites e inadequações da mediação, redirecionemos nossas atenções para
reconhecer e qualificar as já sabidas virtudes da mediação para a reconstrução
da relação vítima-agressor (especialmente no âmbito das relações de trabalho,
na relação empregado-empregador em que tenha ocorrido assédio moral), para a
recomposição pacífica das relações continuadas (próprias à maioria das situações
trabalhistas em que a extinção do vínculo possa configurar uma punição adicional à
vítima), para o desenvolvimento de políticas de democratização e de promoção da
higidez no ambiente de trabalho (tendo por eixo sobretudo a proteção do empregado
no âmbito da relação empregado-empregador) — sem falar em sua possível, ainda
que incipiente e errática, utilização no terreno das relações sindicais.

Referências
DEUTSCH, Morton. The resolution of conflict: constructive and destructive processes. New
Haven, CT: Yale University Press, 1973.

FARIA, José Eduardo Campos de Oliveira. Retórica política e ideologia democrática: a


legitimação do discurso jurídico liberal. Rio de Janeiro: Graal, 1983.

FREITAS JUNIOR, Antônio Rodrigues de. Legal norms, local norms and bargaining
procedures in layoff: the case of Brazil. In: ELSTER, Jon; ENGESLTAD, Fredrik (Ed.). Layoffs
and local justice. Oslo: Institutt for samfunnsforskning, 1994.

186 Bem ao contrário da regra da publicidade do processo judiciário, um dos princípios basila-
res da mediação é a observância da confidencialidade do processo.

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196
Programa Mediação de Conflitos:
uma experiência de mediação comunitária
como política pública em Minas Gerais

Ariane Gontijo Lopes Leandro


Giselle Fernandes Corrêa da Cruz

Sumário: 1. Apresentação. 2. Pressupostos conceituais: base teórica e metodológica. 3.


O mediador no Programa Mediação de Conflitos. 4. Eixo Atendimento Individual. 5. Eixo
Atendimento Coletivo. 6. Organização da prática do Programa Mediação de Conflitos. 7.
Resultados alcançados. 8. Conclusão. 9. Referências bibliográficas.

1 Apresentação
O presente trabalho versa sobre os pressupostos teóricos e metodológicos
que embasam a formulação e execução do Programa Mediação de Conflitos (PMC),
desenvolvido pela Diretoria do Núcleo de Resolução Pacífica de Conflitos da Coor-
denadoria Especial de Prevenção à Criminalidade, órgão da Secretaria de Estado de
Defesa Social do Governo de Minas Gerais. O Programa Mediação de Conflitos é
atualmente uma política pública alocada à agenda da política de segurança pública
do Estado de Minas Gerais, com recorte territorial. O programa se enquadra no “gê-
nero” Mediação Comunitária, por se tratar de uma prática que envolve mecanismos
garantidores dos direitos humanos calcados na filosofia da paz, representando um
marco central das propostas de mediação no Brasil, pois congrega uma densidade
sensível, profunda e crítica, avançando quanto aos rumos democráticos do país.
Cultiva e agrega novos atores diante do desafio de transformar os dados de vio-
lência em dados de paz, especialmente quando focamos no reconhecimento dos
modos de sociabilidade local, evidenciando o capital social local e o engajamento
de grupos e sujeitos sociais na participação e solução dos próprios conflitos.
O Programa Mediação de Conflitos, como Programa de mediação comuni-
tária, visa empreender ações em mediação de conflitos, orientações sociojurídi-
cas, articulação e fomento à organização comunitária e institucional. Busca-se,
sobretudo, agregar valores ao capital social preexistente nas comunidades em
que atua, promovendo uma cultura de paz baseada no exercício da cidadania e na
garantia dos direitos humanos. O programa é considerado uma forma de acesso à
justiça. Os conflitos são compreendidos como decorrentes das situações cotidia-
nas dos indivíduos e grupos em suas relações sociais, como também da carência,
insuficiência e privação de acessos aos bens e serviços essenciais à sobrevivência
em comunidade. O Programa Mediação de Conflitos está alocado nos espaços físi-

197
Programa Mediação de Conflitos

cos dos Centros de Prevenção à Criminalidade localizado em 24 comunidades nos


Municípios de Belo Horizonte, Região Metropolitana e interior de Minas Gerais. 
O Programa Mediação de Conflitos parte da valorização e reconhecimento
dos conflitos, elegendo métodos capazes de administrá-los com vistas à constitui-
ção de espaços democráticos e dialógicos. Tal exercício se dá no contexto de uma
política de segurança pública para a qual a prevenção às violências deve ser situa-
cional e social. Soma-se a essa abordagem a percepção de que a violência e o crime
não são os únicos problemas em questão, pois existem diversas outras formas de
desvantagens e riscos sociais vivenciados pelas populações das comunidades que
sofrem com as maiores taxas de criminalidade violenta e com elevados índices de
vulnerabilidade social no Estado. Para que seja revertido este cenário de desvanta-
gens e para que os processos de criminalização sejam minimizados, é primordial o
foco do Programa Mediação de Conflitos na intervenção dos fatores de riscos. Fo-
menta-se, portanto, o desenvolvimento de fatores de proteção, possibilitando a ad-
ministração de conflitos potenciais e concretos, evitando que estes sejam propulso-
res de ações violentas e delituosas entre os envolvidos. O Programa é composto por
profissionais com formações diversificadas das áreas de Ciências Sociais, Humanas
e Sociais Aplicadas, cuja atuação é supervisionada técnica e metodologicamente de
modo contínuo e sistemático, garantindo a capacitação, qualificação e aperfeiçoa-
mento para a atuação nos Centros de Prevenção à Criminalidade (CPC). Para este
artigo, será enfatizado o caráter participativo, dialógico e inovador do programa.
Neste sentido, o Programa Mediação de Conflitos fundamenta a sua atua-
ção em níveis interpessoais e comunitários. Abordaremos o marco teórico que
sustenta o desenvolvimento dos quatro eixos orgânicos ou frentes de atuação do
programa, assim denominados: atendimentos individuais, atendimentos coleti-
vos, projetos temáticos e projetos institucionais, conforme organograma abaixo.
Esses eixos, com base no organograma, são capazes de orientar as demandas
apresentadas pelas populações moradoras dos aglomerados urbanos, bairros,
vilas e favelas, no que diz respeito às questões que se relacionam diretamente
ao exercício da cidadania, bem como à garantia dos direitos humanos.

Figura 1 - Organograma

198
Ariane Gontijo Lopes Leandro e Giselle Fernandes Corrêa da Cruz

O organograma acima surge a partir da experiência do Programa Media-


ção de Conflitos no contexto das políticas de prevenção à violência, mas para
este ensaio apresentaremos os conceitos que foram formulados desde a sua
origem, por meio da atuação do Programa Pólos de Cidadania 187, que funda sua
proposta de trabalho e desenvolve metodologias capazes de atuar em contextos
de exclusão social. Assim afirma Miracy Gustin (2005, p. 10):

Todos os problemas e necessidades fundamentais dessas populações de extrema pobreza


levaram o Programa a procurar alternativas para minimização ou superação dos riscos e da-
nos que acometem esses segmentos sociais diuturnamente, além das inúmeras violências
que conturbam a tranquilidade das famílias, grupos sociais e indivíduos dessas localidades.

O Programa Pólos de Cidadania pauta-se nos postulados teóricos de Boa-


ventura de Sousa Santos (2005), Jurgen Habermas (1989) e M. Thiolent (2000).
Com base nos fundamentos teóricos e práticos do Programa Pólos, é que se tor-
nou possível o desenvolvimento do Programa Mediação de Conflitos, no contex-
to das políticas públicas de prevenção à criminalidade desde 2005 até os dias
atuais, no âmbito do Governo do Estado de Minas Gerais. Um elemento impor-
tante que vale ser ressaltado diz respeito à necessária reavaliação da metodolo-
gia, mais adequada à estrutura política do governo, ou seja, esta ganhou novos
arranjos institucionais que aperfeiçoam a prática do programa para a leitura e
enfrentamento da(s) violência(s) social(is).

2 Pressupostos conceituais: a base teórica da metodologia


O marco teórico que sustenta a concepção do Programa Mediação de Confli-
tos está fundamentalmente ligado à construção de sua metodologia. Para Thiollent
(2000, p. 25), metodologia é a disciplina ou mesmo o instrumento que estuda os
métodos; e é também considerada a forma indicada de se conduzir o processo de
determinada ação e/ou atividade. Os conceitos de pesquisa e métodos adotados
pelo Programa são escolhidos a partir da concepção elaborada pelo autor citado,
que apresenta a pesquisa-ação no campo das ciências humanas e sociais. Esta é de-
finida como um tipo de pesquisa social com base empírica, cuja concepção baseia-
se na estreita relação (associação) com uma atividade (ação) por meio da resolução
de um problema (interpessoal, coletivo ou comunitário), na qual os pesquisadores
(ou mesmo o próprio mediador) e os participantes da situação ou problema se en-
volvem de modo cooperativo ou participativo. Este conceito de pesquisa-ação é o
que orienta o cunho participativo e dinâmico do programa.
Estudos de teóricos das ciências humanas, sociais e econômicas nos apre-
sentam outro norte conceitual que está estreitamente ligado à fundamentação
metodológica do Programa, a Teoria do Capital Social. São muitos os autores
que se debruçam sobre a concepção de Capital Social, portanto apresentaremos
um delineamento do conceito, bem como de seu incremento à metodologia do
Programa Mediação de Conflitos.
A maioria das abordagens sobre capital social toma como referência as con-
tribuições de Bourdieu (1998), Coleman (1990), Putnam (2000), além de outras mais

187 Programa de Pesquisa e Extensão desenvolvido no âmbito da Faculdade de Direito da ostos


conceitos: a base de uma metodologiaUniversidade Federal de Minas Gerais.

199
Programa Mediação de Conflitos

recentes de autores como Fukuyama (2000) e estudos elaborados por organismos


internacionais, como o Banco Mundial e a Comisión Económica para la América Lati-
na y el Caribe (CEPAL). Mas sabe-se que autores anteriores a estes experimentaram
o conceito de capital social e ousaram captá-lo e expressá-lo de maneiras distintas.
Podemos nos referir a Lyda Hanifan (1920), quando a autora utiliza o termo pela
primeira vez em 1916, para descrever centros comunitários de escolas rurais. Já na
década de 60, Jane Jacobs (2000) utiliza a expressão em uma de suas obras para
analisar as redes que existiam nas áreas urbanas e que constituíam uma forma de ca-
pital social que, por assim dizer, encorajava a segurança pública. Entretanto, mesmo
com a ampliação da discussão do conceito de capital social e sua vasta expressão
em contexto mais atual, Fukuyama (apud STEIN, 2003, p. 173) afirma que “Talvez o
maior teórico do capital social tenha sido alguém que nunca usou a expressão, mas
compreendia sua importância com muita clareza: o aristocrata e viajante Aléxis de
Tocqueville”. Para Fukuyama (apud STEIN, 2003, p. 181), na medida em que atitudes
de autonomia materializam-se em forma não-hierárquica de relacionamento humano
e, à medida que atitudes democráticas correspondem a modos não-autocráticos de
regulação de conflitos, sendo marcados pela horizontalização das relações, o capital
social encontra campo propício para sua produção, acumulação e reprodução.
Um dos autores que identificamos pela proximidade com o marco meto-
dológico do Programa Mediação de Conflitos é Bourdieu (1998). Este autor nos
ensina que, diante de uma linguagem comum, denomina-se capital social ao con-
junto de relações que se estabeleçam e que se mantenham nos fatos sociais mais
importantes e relevantes. Para o autor, é nas instituições, sejam elas associações,
clubes ou mesmo famílias, que se mantém, transmite e acumula o estoque de
capital aqui referido. Então, diante desta definição, podemos analisar o conceito
de capital social a partir do contexto das relações e das redes sociais que um ou
vários atores mobilizam em proveito próprio e ao mesmo tempo mútuo.
Teremos, segundo Gustin (2005), o conceito de capital social aplicado a uma
diversidade de variáveis que contribuirão para seu incremento em um sentido eman-
cipador. A autora descreve a construção de capital social aplicado aos estratos sociais
de pobreza ou indigência, como capaz de possibilitar oportunidades de participação,
diminuição e minimização de danos e privações, o que propiciará o engajamento de
modo autônomo, bem como ampliará os leques de criatividade e interatividade de
pessoas, grupos e comunidades em situações de desvantagem social. Para tanto, o
Programa Mediação de Conflitos se atém a um entendimento deste conceito aliando-
se à percepção do Programa Pólos de Cidadania, onde se afirma que Capital Social
significa: “A existência de relações de solidariedade e de confiabilidade entre indi-
víduos, grupos e coletivos, inclusive a capacidade de mobilização e de organização
comunitária, traduzindo um senso de responsabilidade da própria população sobre
seus rumos e sobre a inserção de cada um no todo.” (GUNTIN, 2005, p. 11).
Como dito anteriormente, as áreas de atuação do Programa Mediação de
Conflitos caracterizam-se pelo alto nível de exclusão social, carências de aces-
sos a bens e serviços públicos. É nesse contexto de exclusão econômica e social
que nos deparamos com um panorama de violações cotidianas dos direitos hu-
manos e fundamentais, que, por sua natureza, são invioláveis e irrenunciáveis.
Segundo Alexandre de Moraes apud Chiarini Junior (2003, p. 2),

O conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que tem por finalida-
de básica o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder

200
Ariane Gontijo Lopes Leandro e Giselle Fernandes Corrêa da Cruz

estatal e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da persona-


lidade humana pode ser definido como direitos humanos fundamentais.

Para que esses direitos e garantias fundamentais sejam efetivamente


exercidos, o Poder Público deve assegurar e disponibilizar mecanismos que os
garantam tanto no âmbito do Poder Judiciário, quanto no Legislativo e no Execu-
tivo. Uma das formas de possibilitar tal garantia é justamente a implementação
de políticas públicas pautadas pela igualdade de acesso a bens e serviços, assim
como a atuação das populações dessas localidades no sentido de conhecer seus
direitos, reconhecê-los em meio ao cenário de exclusão e ainda, exercê-los e
reivindicá-los sempre que necessário. Nas palavras de Gustin (2005, p. 40),

O resgate dos direitos humanos em localidades de extrema exclusão (favelamentos)


e de periferias e, inclusive, de países também periféricos, exige que seja atribuído às
populações dessas localidades o status de sujeito de sua própria história, no interior de
um processo pedagógico edificante e emancipador. Há que se instaurar um processo onde
as pessoas tornam-se atores conscientes de sua exclusão e de seus riscos e danos e das
suas possibilidades de solução. Só assim, e exclusivamente assim, é que a adversidade
pode ser superada ou minimizada.

A autora compreende que o resgate dos direitos humanos em tais contex-


tos é possível através de ações que estimulem processos de conscientização de
pessoas, grupos e comunidades em contexto de exclusão social. Dessa forma,
torna-se possível o empoderamento de suas organizações e redes sociais para a
viabilização, fomento e incremento de capital social e humano, visando à mini-
mização de misérias, violências e riscos sociais.
É a partir destes pilares que a metodologia se pauta, baseando-se na
proposta de constituição de capital social, da formação de redes mistas e da
resolução de conflitos pela via da mediação. A mesma autora afirma que toda
esta proposta, que permeia o marco metodológico do programa, estrutura-se
a partir de “três núcleos temáticos fundamentais: cidadania, subjetividade e
emancipação”. É nesse sentido que o programa desenvolve junto a estas po-
pulações suas ações, que se desdobram no acesso a informações, nos meca-
nismos de efetivação dos direitos humanos através do exercício dos mesmos,
na ampliação do acesso aos serviços e bens públicos. Fomentam-se também as
formas associativas, abordagem dos conflitos individuais, coletivos e comuni-
tários, abertura de espaços para conscientização, discussão e enfrentamento
dos fatores que expõem pessoas aos riscos sociais através das diversas formas
de violações e violências. Tudo isso se dá através do estímulo à participação da
comunidade em seu próprio meio social como protagonista das proposições e
das alternativas para minimização das carências e resolução de seus problemas
comunitários, políticos e sociais.
Os fundamentos teóricos descritos acima norteiam todas as ações desen-
volvidas pelo programa, somando as técnicas de mediação, que dá nome ao pro-
grama e cujos princípios perpassam todas as suas frentes de atuação. A técnica
de mediação, apesar de recentemente estar sendo estudada e discutida no Brasil,
apresenta um histórico amplo de desenvolvimento e aplicação em outros países,
culturas e contextos. Nas palavras de Vezzulla (1995, p. 15): “A mediação é uma
técnica de resolução de conflitos não adversarial que, sem imposições de senten-
ças ou laudos e com um profissional devidamente formado, auxilia as partes a

201
Programa Mediação de Conflitos

acharem seus verdadeiros interesses e a preservá-los num acordo criativo onde


as duas partes ganham.” Trata-se de uma alternativa, não no sentido de ser subja-
cente ou substitutivo ao sistema judiciário em sua função de resolução de confli-
tos e promoção da justiça, mas de compor outra forma de encontro das soluções
para os conflitos e questões relacionadas ao acesso à justiça e aos direitos. Sales
(2004) apresenta a mediação como resposta aos questionamentos que tratam do
meio de solucionar problemas individuais e coletivos, mediante o fomento à par-
ticipação ativa da sociedade exigindo maior responsabilidade daqueles envolvi-
dos nos problemas. Para tanto, a mediação baseia-se na comunicação dialógica e
colaborativa, em que as soluções possam ser construídas pelas próprias pessoas
envolvidas em determinada situação, baseando-se na composição do diálogo en-
tre grupos culturais, associações, dentre outras entidades comunitárias.
Especificamente no contexto em que se desenvolvem as ações do Programa
Mediação de Conflitos, um dos objetivos é a disseminação do que chamamos de cul-
tura de mediação. Esta pode ser entendida como uma saída mais solidária, pacífica,
eficaz e responsável, possibilitando vivenciar os conflitos interpessoais e coletivos,
transcendendo a “solução de controvérsias, visto que exterioriza a visão positiva e
transformadora do conflito, facilitando o diálogo entre os indivíduos, prevenindo con-
trovérsias e contribuindo para a inclusão e a paz social.” (SALES, 2004, p. 14).
Outra dimensão estratégica que facilita o entendimento sobre os conceitos
já mencionados acima é a ideia de organização comunitária e coletivização de de-
mandas. Para a organização comunitária, é utilizado um método de pesquisa que
identifica o grau de protagonismo local, bem como de solidariedade entre pessoas
que constroem e reconstroem os modos de vida de cada realidade. A metodologia
adotada para esse mapeamento, já citada acima, se baseia na pesquisa-ação, o que,
segundo Thiollent (apud Neves 2006, p. 11), envolve três momentos fundamentais: o
conhecimento da realidade, visando à sua compreensão e transformação dos proble-
mas vividos pelos grupos excluídos; a participação coletiva de todos os envolvidos; e
a ação de cunho educacional e político destes grupos. Esta pesquisa desenvolve uma
ferramenta primordial para garantir o conhecimento acerca das comunidades, deno-
minado “Diagnóstico Organizacional Comunitário”, que tem por objetivo geral traçar
o perfil comunitário e mapear o grau de organização da comunidade, ou seja, este
procedimento permite conhecer e reconhecer os atores locais, identificados por meio
das lideranças comunitárias, das associações comunitárias, dos grupos organizados,
das entidades comunitárias e religiosas, dentre outros agrupamentos e segmentos
que se organizam naquela localidade. Após este mapeamento, são apresentadas es-
tas informações para o reconhecimento dos atores locais acerca dos processos de
organização dos grupos comunitários, lideranças comunitárias, associações comuni-
tárias, dentre outros. É proposta uma apresentação participativa para que os grupos
e segmentos locais se organizem em torno dos problemas diagnosticados. É neste
intuito que o Programa Mediação de Conflitos trabalha com o processo de animação
e constituição de redes sociais mistas, ou seja, esta organização se dará por território
e não por serviços, e seu objetivo é potencializar a participação cidadã dos segmen-
tos sociais e também estimular as interfaces entre os diferentes atores sociais comu-
nitários locais, grupos populares, entidades variadas e os diversos órgãos públicos.
Um dos elementos que constituem o fomento à organização comunitária é o
que denominamos mobilização social, que são estratégias que permitem viabilizar
todo este processo de articulação comunitária que se dará por meio de ações dire-

202
Ariane Gontijo Lopes Leandro e Giselle Fernandes Corrêa da Cruz

cionadas ou mesmo coordenadas. De acordo com o autor Henriques (2002, p. 3):

A mobilização acontece em um contexto interativo, dialógico, que se define e se concre-


tiza a partir das relações estabelecidas entre os sujeitos, ou seja, em situações de comu-
nicação. O desafio da comunicação em projeto de mobilização social é o de ultrapassar
os fluxos lineares de informações e a simples divulgação. A comunicação só será capaz
de potencializar o trabalho de mobilização se for concebida de uma maneira mais ampla,
despindo-se do caráter estritamente instrumental e operacional e revestindo-se de uma
função ética. Ela deve ser um instrumento de coordenação de ações e não um meio
de controle de ações.

Todo este processo garante um potencial contínuo de trabalho na(s) e com


a(s) comunidade(s). Este pilar é fundamental para garantir o marco teórico e prá-
tico do Programa Mediação de Conflitos e contribui diretamente na ação conjunta
das diretrizes da política de prevenção à criminalidade. Esta noção de organiza-
ção comunitária é basilar no conceito de capital social, pois é a partir do contexto
das relações sociais e das redes sociais que um ou mais atores se mobilizam em
proveito próprio e ao mesmo tempo mútuo e que, assim, são extraídos o acúmu-
lo e estoque de capital social, geradores de uma sociedade mais democrática e
igualitária na qual os atores sociais se reconhecem enquanto sujeitos de direitos
e protagonizam as ações dos espaços público-comunitários. Vale ressaltar que a
articulação comunitária e a mobilização social fazem parte de um processo de
intervenção, e não são fins em si mesmas. Além disso, não se caracterizam pela
eventualidade e sim decorrem de um modo sistemático e contínuo de atuação.
O entendimento sobre a noção de coletivização de demandas é fundamental,
pois sua função é unificar valores, forças e estratégias de mobilização de dado con-
texto, com o intuito de fomentar o surgimento de novos atores sociais ou fortalecer
os já existentes. Trata-se de toda e qualquer ação decorrente de questões que per-
passam o envolvimento de mais de um indivíduo no que diz respeito ao sentimento
de pertença a determinada demanda. Estes vários atores envolvidos pactuam da via
coletiva para transformar dada circunstância, compartilhando saberes e almejando
o acesso aos direitos garantidos a todos, fomentando o exercício da cidadania.
A coletivização de demandas, de acordo com o marco metodológico do
Programa Mediação de Conflitos, se dará de modo integrado às ações do Pro-
grama e será uma via condutora capaz de qualificá-lo com vistas à mediação
comunitária. Existem algumas hipóteses de coletivização de demandas, que di-
zem respeito à recorrência de casos individuais advindos de atores diferentes.
Portanto, sendo percebida uma reiterada busca das pessoas pelos mediadores
para trabalhar suas questões (que a princípio podem se apresentar como de
interesses somente privados), desenvolvem-se assim as possibilidades de se
coletivizar as demandas “passíveis” de serem ampliadas 188. Concordamos com

188 Podemos citar como exemplo de coletivização as demandas relacionadas à violência de gênero.
Ao fazermos um estudo dos perfis dos atendimentos realizados pelo programa ao longo dos anos, foi
observada a recorrência dos casos individuais relacionados a tal temática. Ao percebermos o volume
de tais demandas e a inadequação da abordagem de forma pontual, planejamos uma ação de coletivi-
zação de tais demandas. Foi desenvolvido um Projeto Institucional entre a Coordenadoria Especial de
Prevenção à Criminalidade (através de dois programas de prevenção: Programa Mediação de Conflitos
e a Central de Penas Alternativas) e um instituto especialista no assunto, no intuito de abordarmos tal
temática de forma coletiva, através de trabalhos com grupos nas comunidades. Dessa forma, esse fator
de risco social (violência de gênero) poderá ser trabalhado de forma a aumentar sua eficiência dentro da
perspectiva de prevenção social à violência e criminalidade.

203
Programa Mediação de Conflitos

Henriques (2002, p. 8) quando o mesmo define o processo de coletivização


como fator de “mudanças coletivas” e “fonte de novas informações”:
A coletivização pode ser alcançada pelo sentimento e certeza de que não se está sozinho na
luta pela mudança, há outros atuando com o mesmo sentido e propósito. Distingue-se da
simples divulgação porque há um compromisso com os resultados – espera-se que as pes-
soas não apenas tomem conhecimento da informação, mas incorporem-na de alguma for-
ma, utilizem-na, compartilhem-na e tornem-se elas próprias fontes de novas informações.

É importante salientar que muitas das demandas que são coletivizadas são
desenvolvidas por meio de parcerias com organizações especializadas no tema,
através de Projetos Institucionais que buscam envolver os diversos atores do
Sistema de Defesa Social e a sociedade civil de modo geral. Importante destacar
que nem todas as demandas são passíveis de serem coletivizadas e que há que
se pensar a estratégia específica para cada processo de coletivização.
O Programa Mediação de Conflitos, conforme mencionado acima, é com-
posto por eixos orgânicos denominados: atendimentos individuais, atendimen-
tos coletivos, projetos temáticos e projetos institucionais. Quanto aos atendi-
mentos individuais e coletivos, temos dois procedimentos capazes de atender
as demandas apresentadas pelas populações moradoras dos aglomerados urba-
nos, bairros, vilas e favelas: o procedimento da mediação e o procedimento da
orientação (Figura 2). Em seguida, apresentaremos com detalhes a metodologia
aplicada em nossa experiência, mas antes iniciaremos, para melhor compreen-
são do leitor, com a definição do agente estratégico desta política, o “mediador”.

Figura 2 – Fluxograma dos Atendimentos Individuais

Fonte: Arquivos de orientação metodológica do Programa Mediação de Conflitos.

204
Ariane Gontijo Lopes Leandro e Giselle Fernandes Corrêa da Cruz

3 O mediador
Todas as ações propostas pelo Programa Mediação de Conflitos, como apre-
sentaremos no decorrer do artigo, são desempenhadas localmente nos Centros de
Prevenção à Criminalidade por profissionais graduados e por estagiários das áreas
das ciências humanas e sociais, tais como: Direito, Psicologia, Ciência Social, Peda-
gogia e Serviço Social. Para a realização e desempenho das ações do Programa, as
equipes de trabalho recebem formação contínua sobre a técnica de mediação adapta-
da ao contexto específico das comunidades nas quais o programa atua e na perspec-
tiva da prevenção social às violências e criminalidade. Contamos com a qualificação
destes profissionais para o exercício do papel do “mediador”. Podemos dizer que
enquanto os participantes, também chamados de demandantes ou mediandos, são
os principais atores e elementos do processo de mediação, o mediador é o elemento
essencial no que diz respeito à caracterização da mediação. Não existe mediação
sem a figura da terceira pessoa, o mediador, ou mesmo não há mediação em espaços
em que as pessoas não legitimam a proposta figurada pelo lugar do mediador, o que
pode ser visto nas palavras de Sales (2004, p. 79): “O condutor da mediação de confli-
tos é denominado mediador – terceiro imparcial que auxilia o diálogo entre as partes
com o intuito de transformar o impasse apresentado, diminuindo a hostilidade, pos-
sibilitando o encontro de uma solução satisfatória pelas próprias partes do conflito.”
Nas palavras de Six (2001, p. 220), o papel do mediador é o de estabelecer
ligações entre aqueles que suscitam juntos uma nova maneira de ser ou agir. En-
contramos sempre na literatura a caracterização do mediador como um terceiro
imparcial. Há, porém, uma definição que consideramos mais apropriada ao papel
do mediador na prática do programa, que, embora agregue valor à compreensão do
terceiro imparcial, trará uma singularidade na condução dos trabalhos do programa
com ênfase em mediação comunitária. Referimo-nos ao mediador como um terceiro
multiparcial 189. Isso significa que o mediador desenvolve um potencial de habilida-
des onde são reconhecidas as versões e razões de cada um dos participantes, sem
“tomar partido” de qualquer uma das pessoas envolvidas, mas devemos mencio-
nar que o mediador multiparcial reconhecerá os territórios (contextos) de vida dos
mesmos, devendo assegurar o espaço mútuo de um e de outro ponto de vista, con-
duzindo o caminho para as saídas e soluções apresentadas e pactuadas por eles,
sempre pautado no princípio do respeito aos direitos humanos. O mediador, neste
contexto, é um catalisador dos discursos enunciados pelos participantes, uma vez
que ele auxilia os mesmos a descobrirem seus reais interesses, abrindo espaço
para o diálogo, para intercompreensão dos envolvidos no conflito e motivando a
criatividade na busca de soluções para a questão. Por fim, a importância dada ao
mediador multiparcial dá-se em razão do contexto social em que os participantes
ou mediandos estão inseridos, sendo necessária a visão central do Programa Me-
diação de Conflitos, que se orienta pela garantia e promoção dos direitos humanos.

4 Eixo Atendimento Individual


Um dos eixos de atuação do Programa Mediação de Conflitos, o Atendimen-

189 Conceito adotado e desenvolvido pela experiência prática do Programa Mediação de Conflitos
da Secretaria de Estado de Defesa Social, desde sua implantação como política pública orientada
pela pesquisa-ação.

205
Programa Mediação de Conflitos

to Individual consiste, como o próprio nome sugere, no atendimento às pessoas


que procuram o Centro de Prevenção à Criminalidade com uma ou mais deman-
das, sendo estas caracterizadas por um cunho e tratamento mais individualizado,
que envolve aspectos e objetos que em princípio não são coletivizáveis, mas que
no máximo tratam de relações interpessoais ou acesso aos direitos básicos e fun-
damentais. É em seu objeto que o Atendimento Individual se define.
O Atendimento Individual ocorre no espaço físico dos Centros, engloban-
do desde a recepção e acolhimento da pessoa que procura o Centro, a escuta e
registro do caso, o agendamento do retorno, as pesquisas realizadas para o co-
nhecimento acerca de determinado direito ou acesso a informações. Após essas
etapas, parte-se para tentativa de contato com a(s) outra(s) pessoa(s) envolvida(s),
a escuta destas, o convite para o encontro dos participantes no centro, os aten-
dimentos em conjunto com todos os envolvidos, a elaboração dos acordos e o
encaminhamento para a rede de proteção social parceira, caso seja necessário.
Várias são as temáticas que compõem o objeto das mediações, como por
exemplo: questões relacionadas à paternidade, alimentos, separação e divórcio,
guarda de filhos, conflitos entre vizinhos, regularização fundiária, questões pe-
nais, questões com o Poder Público, violência e conflitos intra-familiares, ques-
tões trabalhistas, acesso a serviços públicos de saúde mental, acesso aos di-
versos bens e serviços públicos, informações sobre benefícios previdenciários,
dentre outros diversos temas que fazem parte da dinâmica social local.
O amplo leque de temáticas que podem ser objeto das demandas trazidas
aos Atendimentos Individuais nos remete à reflexão de que no Programa compreen-
demos a expressão conflito como aquele que decorre das relações interpessoais, mas
também num sentido mais amplo. Conflito refere-se também aos sintomas que de-
correm da falta de acesso a informações sobre gozo dos direitos humanos, exercício
da cidadania, acesso a bens e serviços públicos. Tal abordagem ampla baseia-se no
estabelecimento do programa enquanto parte da política de prevenção à violência e
criminalidade, com a adoção de um modelo ecológico de prevenção prescrita no Pla-
no Estadual de Segurança Pública do Estado de Minas Gerais. Segundo este modelo,
os conflitos geradores de violências não possuem causas isoladas, mas decorrem de
uma soma de fatores e desvantagens sociais que expõem determinadas comunida-
des aos riscos e violências. Tais fatores e desvantagens abordados pelo programa
podem ser classificados de acordo com as temáticas citadas acima, dentre outras.
Dessa forma, as demandas interpessoais podem ser classificadas como casos de me-
diação e casos de orientação, cada qual com procedimentos específicos.
Os casos de mediação interpessoais são trazidos ao Atendimento Individual
por uma ou mais pessoas, apresentando uma questão, um assunto, ou mesmo
um conflito em relação a uma ou mais pessoas físicas ou jurídicas, ou com algu-
ma entidade ou grupo. As orientações, por sua vez, podem versar sobre os mais
diversos temas como os que citamos e ainda sobre muitos outros, não prescindin-
do necessariamente de um conflito num sentido estrito da palavra. Geralmente,
as orientações referem-se a demandas de acesso a informações, ao exercício de
direitos e a encaminhamentos para outros serviços públicos e rede parceira.
O atendimento, seja ele de um caso de orientação ou de mediação, for-
nece elementos para que os próprios envolvidos se comprometam na busca da
solução das questões trazidas. Estes objetivos são alcançados a partir da aber-
tura do espaço e da comunicação para a efetivação do acesso à justiça social,

206
Ariane Gontijo Lopes Leandro e Giselle Fernandes Corrêa da Cruz

uma vez que todo este procedimento representa a oportunidade para resolução
pacífica, dialógica, participativa, compreensiva e cidadã dos problemas e confli-
tos nos quais se encontram os atendidos.
O registro de cada caso é feito na ficha de atendimento, um instrumento que
permite a identificação dos participantes da mediação, a coleta dos dados sócio-eco-
nômicos dos atendidos pelo programa, a indicação do procedimento a ser adotado
(mediação ou orientação), a classificação da demanda trazida, os relatos de todos os
atendimentos. A ficha também identifica o mediador de referência responsável pelo
andamento do caso, assim como permite o registro de relatos de violência vivencia-
do pelos participantes, para que estes sejam orientados quanto às violações de seus
direitos e encaminhados para as redes especializadas de enfrentamento a situações
de violência. Com base no estudo sistemático das fichas de atendimentos a partir dos
dados coletados pelos mediadores, é possível o reconhecimento dos perfis das de-
mandas trazidas e do público atendido em cada localidade. A metodologia aplicada
aos Atendimentos Interpessoais, para os casos de mediação, se organiza conforme
Figura 3 e também a partir dos elementos que destacaremos em seguida.

Figura 3 – Fluxograma Casos Mediação


1ªparte
parteaceita
aceitaparticipar
participardo
doprocesso
processode
demediação
mediação
Convite a 2ª parte

2ª parte aceita participar do processo 2ª parte não comparece após 2 2ª parte não aceita participar do
Marca-se a data da Pré-mediação tentativas processo

Pré-mediação Discussão do caso em equipe Orientação

Abertura
Equipe acolhe a primeira
parte e faz as orientações e
Investigação encaminhamentos
necessários

Discussão
do caso Agenda
em equipe

Monitoramento do caso dentro do prazo de 1 (um) mês,


Criação de opções após o último atendimento

Avaliação das opções

Mediação Formal / Escrita


Escolha das opções
Monitoramento do caso após 2
meses a partir do último
atendimento
Mediação Verbal/Periférica
Soluções

Desistência do procedimento
de mediação

Fonte: Arquivos de orientação metodológica do Programa Mediação de Conflitos.

Os participantes: chamados também de envolvidos ou demandantes ou me-


diandos, são os principais atores no processo de mediação. Antes que a demanda
apareça, seja esclarecida e que haja qualquer abertura para que a dupla de media-
dores se apresente como “terceira pessoa” no processo de mediação, os participan-
tes já existem. Via de regra, quando uma pessoa procura o programa, ela apresenta
sua demanda, sua versão sobre os fatos a respeito do conflito. Após a escuta inicial,
o participante retorna ao centro uma ou quantas vezes forem necessárias, em horá-
rio pré-agendado com a equipe, para ser ouvido novamente, convidando a segun-
da parte e tratando da demanda da mesma maneira. Nestas ocasiões de retornos,

207
Programa Mediação de Conflitos

vários pontos são esclarecidos tanto para o participante quanto para a dupla de
atendimento, implicando-se no processo rumo à composição e resolução da ques-
tão como consequência da transformação do conflito. Na mediação, o mediador
deve primar pela preservação da igualdade entre os participantes. Nas palavras de
Sales (2004, p. 48), “deve-se esclarecer a importância dos indivíduos em conflito
encontrarem-se em igualdade de condições de diálogo. Não é possível o encontro de
decisão justa e satisfatória se houver manipulação do diálogo por uma das partes”.
A demanda: a demanda apresenta-se na própria explanação da questão pe-
los envolvidos na mediação e, como vimos acima, geralmente é apresentada pela
pessoa que primeiro procura o programa. Porém, na técnica da mediação, o discur-
so proferido pelo primeiro participante não encerra a questão, pois, quando inicia-
da a pré-mediação é que são trabalhadas de fato as demandas, que no decorrer do
processo de mediação passarão por transformações. Segundo Six (2001, p. 237), a
mediação é um processo dinâmico, aberto, que permite novas relações e a regula-
ção de tensões e conflitos. Isso só é possível por meio do diálogo entre os partici-
pantes e o mediador, e entre os próprios participantes. A condução do diálogo pelo
mediador permite aos participantes a reflexão sobre seus reais interesses, o que
chamamos de conflito real. Geralmente, o conflito trazido inicialmente não passa de
um conflito aparente. O papel do mediador é o de conduzir os demandantes a refle-
tirem sobre os diferentes aspectos que compõem aquele conflito, levando-os a um
processo de auto-reflexão sobre os reais interesses que motivam suas pretensões.
Sales (2004, p. 49) afirma que: “Para descobrir os reais interesses das partes [...],
o mediador deve realizar o trabalho de escuta e de questionamentos que auxilie a
reflexão e que abra o discurso para novas possibilidades de abordagem.” Toda essa
prática permite trazer à tona os reais conflitos sobre os quais os participantes deve-
rão se debruçar para a construção de uma solução. A desconstrução e reconstrução
da demanda fazem-se essenciais para que o acordo proposto e pactuado pelos
participantes não se detenha em elementos superficiais, fazendo com que o real
conflito permaneça e se manifeste em outras oportunidades, perpetuando a rela-
ção de tensão quanto aos conflitos. Outro aspecto relevante e que norteia as ações
dos mediadores em relação à demanda trazida é que o conflito aparente deve ser
sempre retirado da cena principal, abrindo-se, assim, um leque de possibilidades de
tratamento da questão. A competição deve ser evitada, afastada, e deve ser exal-
tado o interesse em harmonizar os participantes, buscando-se sempre a percepção
da importância de uma solução pacífica para as questões.
Diálogo: Na introdução de sua obra, Six (2001) faz uma reflexão sobre o
mito da comunicação-total que impera no tempo atual, em que as informações
circulam de maneira rápida e sem fronteiras, em que, porém, há a negação de toda
a interioridade e toda a profundidade. Ele caracteriza o tempo em que há espaço
para a mediação como um tempo de diálogo e silêncio verdadeiros. O mediador é a
ponte de ligação entre pessoas ainda desconexas em suas pretensões antagônicas
ou divergentes. Ele é quem suscita entre os participantes o diálogo construtor e ver-
dadeiro, sem o qual não há possibilidades de se chegar a um acordo que responda
aos anseios de justiça e solução do problema. Ele se utiliza da arte de estabelecer
ligações entre os envolvidos no conflito, através do diálogo e da abertura de opor-
tunidades para que os mesmos se percebam mutuamente em seus anseios e senti-
mentos. É a partir deste movimento que os próprios participantes suscitam saídas
e soluções colaborativas, não-violentas, criativas, participativas, co-responsáveis,

208
Ariane Gontijo Lopes Leandro e Giselle Fernandes Corrêa da Cruz

solidárias, respeitadoras de suas diferenças e que sejam duradouras.


Tempo: Todo o processo de mediação está intimamente ligado ao fator
tempo. Desenvolve-se com o tempo a seu favor e não contra ele. Na mediação,
não se pode prever um padrão ideal de tempo no qual ela se desenvolva. Esse
tempo dependerá de cada caso e do estágio em que os demandantes se encon-
tram na percepção e entendimento das questões que trazem, assim como da
disposição, da vontade dos mesmos em convergirem para um acordo. Quando
não há a observância do fator tempo, há grandes possibilidades de as partes
não chegarem a um acordo ou do resultado ser superficial quanto ao objeto da
demanda ou do conflito propriamente dito, não respondendo assim ao objetivo
de condução dos envolvidos ao acordo legítimo, duradouro e justo, em relação
aos qual os participantes se impliquem no compromisso de cumpri-lo.
Conforme exposto acima, as equipes de atendimento atuam no espaço fí-
sico do Centro de Prevenção à Criminalidade, reconhecido pela comunidade como
um espaço de referência e de convivência. Quando uma pessoa procura o Progra-
ma Mediação de Conflitos, ela traz uma demanda, um problema, um conflito, uma
dúvida ou mesmo a curiosidade de conhecer o que funciona naquele local. Dá-se
então a recepção desta pessoa e um agendamento para o atendimento com a
dupla de mediadores disponível. No primeiro atendimento, se a pessoa ainda não
conhece o programa, este é apresentado pela dupla que realiza o atendimento
esclarecendo as ações desenvolvidas, conforme apresentamos na Figura 2 acima.
Muitos procuram o Programa demandando assistência jurídica gratuita, pelo
fato de ter conhecimento de que um advogado compõe a equipe. Da mesma forma,
ocorre também a procura pelos serviços terapêuticos do psicólogo. Na ocasião do
primeiro atendimento, a dupla explica como funciona o programa, esclarece que os
profissionais não advogam e nem realizam psicoterapia. Após a explicação sobre
o programa e a abordagem ali realizada, o participante voluntariamente decide (ou
não) pelo início do procedimento da mediação. Caso sua demanda seja de orientação
ou de encaminhamento para outro serviço público, a dupla realiza esta orientação,
fazendo os encaminhamentos necessários para a rede parceira 190. Alguns casos de
orientação, especialmente aqueles que tratam de alguma violência ou violação de
direitos sofrida pelas populações, exigem uma intervenção imediata da equipe, pois
podem tratar de situações de ameaça de morte, de violência doméstica e contra a
mulher, entre outras urgências. Os atendimentos dos casos de orientação podem de-
mandar retornos dos atendidos para a realização das ações acima descritas.
Nos casos de mediação 191, o primeiro participante relata o caso e sua versão
sobre a questão trazida. Esse relato geralmente demanda mais de um atendimento
com a mesma pessoa para que seja possível a auto-compreensão e a compreensão
do real conflito em questão. O mesmo procedimento é realizado a partir do momento
em que este participante autoriza o convite para que a(s) outras(s) pessoa(s) envol-
vida(s) participe(m) da mediação. A outra pessoa é também ouvida individualmente
pelos mediadores, o que também pode demandar mais de um atendimento. Após
essa fase, o ideal é que os participantes se encontrem para o estabelecimento de um
diálogo mediado pela dupla de atendimento. Neste momento, iniciamos o que com-

190 A rede parceira é composta por instituições do poder público municipal, estadual e federal e
pelas organizações não-governamentais que atuam na prestação de serviços à população.
191 Sobre este procedimento, ver Gustin (2005, p. 36) e ver Figura 3 acima.

209
Programa Mediação de Conflitos

preendemos como pré-mediação, conforme Figura 3. O papel do mediador é de fun-


damental importância para o sucesso da mediação. Ele deve conduzir o encontro de
tal forma que o diálogo seja claro, sem manipulações ou ofensas, sem a monopoliza-
ção da argumentação por um ou outro participante, ressaltando em que pontos eles
divergem e em quais eles convergem, sempre abrindo espaço para que eles mesmos
apresentem saídas ou soluções para o caso. Esses encontros com os participantes
muitas vezes são tensos e demandam mais de um atendimento em conjunto e, se
for necessário, em separado novamente com cada pessoa, o chamado caucus, até
que eles estejam maduros para a composição do conflito, tomando o cuidado de não
pressioná-los para a conclusão do acordo. O trabalho em conjunto com os participan-
tes é fundamental e de grande contribuição para o processo de mediação e constru-
ção de acordos legítimos para ambos. Após a realização do acordo, a equipe ainda
acompanha o caso durante meses para observar se está havendo o cumprimento ou
não do acordo. Após esse período, o caso é encerrado. Nos casos em que o acordo
não é realizado, apesar das tentativas, o mediador não deve perceber tal situação
como uma tentativa frustrada, muito menos deixar que os participantes se retirem
do procedimento com este sentimento. Devem ficar claros para todos os envolvidos
os avanços alcançados no processo, pois este envolve a auto e a inter-compreensão
do conflito real, e abre espaços de diálogo que não estavam sendo explorados. Este
“meio do caminho”, apesar de não poder ser mensurado, representa muitos ganhos,
que são, por sua vez, fundamentais e indispensáveis para a transformação do confli-
to. As técnicas utilizadas em cada etapa do procedimento de mediação constituem,
segundo Gustin (2005, p. 17), um movimento pedagógico de transformação da si-
tuação conflituosa, envolvendo todos na co-construção da solução para o problema:
Sabe-se que todo processo pedagógico é sempre edificante, ou seja, ele é sempre trans-
formador, ele ‘edifica’ porque constrói novos parâmetros para a decodificação da situação
problemática. Por ser um processo pedagógico, onde se aprende na argumentação-con-
vencimento, ele é essencialmente libertador, pois qualquer processo de aprendizagem
emancipa os seres das amarras do desconhecimento e da desinformação. Enfim, por ser
um processo pedagógico, a mediação é não só uma abordagem informativa, mas, tam-
bém, formativa. Por isso, cidadã, isto é, constitutiva de novas cidadanias.

Por isso, a mediação não se resume à realização do acordo. Ela representa


o processo de composição das relações sociais. Em alguns casos, as partes re-
tornam posteriormente ao programa para a retomada da mediação, numa clara
demonstração de parceria e de abertura à mediação e ao diálogo.

5 Eixo Atendimento Coletivo


Os Atendimentos Coletivos estão diretamente ligados à noção e intervenção
em dada coletividade, consistindo no eixo do programa cujas ações abrangem as de-
mandas relacionadas à esfera mais comunitária, que em sua maioria são questões de
âmbito público. Para o Eixo Atendimento Coletivo, utilizamos tanto o procedimento
de mediação quanto de orientação. Assim, toda a realização do trabalho acontece
de acordo com a dinâmica social de determinada localidade e não necessariamente
serão utilizados os recursos e espaços físicos dos Centros de Prevenção à Criminali-
dade, buscando-se privilegiar também os espaços já existentes na(s) comunidades(s),
fomentando a organização comunitária local. O objetivo desse eixo é atender aos ca-

210
Ariane Gontijo Lopes Leandro e Giselle Fernandes Corrêa da Cruz

sos em que há prevalência dos interesses coletivos sobre os individuais e que exigem
adaptações ao processo de mediação ou orientação por conter um elemento de cole-
tividade. Entende-se, no entanto, que não é apenas a natureza coletiva da demanda
que faz com que se classifique o caso de tal forma. Como já mencionado, Projetos e
Coletivizações de Demandas também possuem esse caráter, porém a procura espon-
tânea dos envolvidos na busca de soluções para os conflitos intra ou inter-grupais é
o critério utilizado para diferenciar esses casos de outras ações.
Por caso coletivo, entende-se como as demandas de mediação ou orientação trazi-
das pela comunidade, seja por meio de uma liderança comunitária, seja pelos demais
atores da comunidade, em que são utilizadas as técnicas de mediação e seus prin-
cípios. (Programa Mediação de Conflitos, 2009, p. 81, destaque nosso).

Como desafio desse eixo, as equipes procuram desconstruir a compreen-


são inicial dos atendidos de que os problemas se apresentam exclusivamente
na esfera individual. Torna-se, assim, importante fomentar o reconhecimento
de que o problema considerado individual interfere na vida de outros e que as
decisões não devem ser tomadas isoladamente. Para alteração da dinâmica do
conflito, requer-se análise conjunta e compartilhada de um grupo de moradores,
por exemplo, que precisam identificar um objetivo comum.
Assim como descrito no Eixo Atendimento Individual, o Programa Me-
diação de Conflitos traz à pessoa atendida a proposta de auxiliá-la na busca da
melhor solução ou administração da demanda apresentada, envolvendo-a en-
quanto sujeito atuante, para que seja alcançado o objetivo esperado.
Neste sentido, é importante frisar que a metodologia segue uma estrutura básica, com-
posta pelos princípios e elementos que devem ser observados em um caso coletivo, mas
não há como propor uma forma fechada, única e linear, já que falar em coleti-
vidade significa preparar-se para lidar com a diversidade, onde a criatividade
das equipes é constantemente exigida. (Programa Mediação de Conflitos, 2009, p. 87,
destaque nosso).

O trabalho no âmbito coletivo pressupõe lidar com o sentimento de per-


tencimento à comunidade, fomentar a constituição de capital social e estimular
o potencial local comunitário para fins associativos. Assim, quanto mais se esti-
mula o potencial local comunitário para fins associativos e para composição de
confiança mútua, mais se contribui para o engajamento, emancipação e efetiva-
ção dos seus direitos, constituindo relações sociais capazes de gerar sentimento
de pertença, gerando a minimização em situações de violência e violação de
direitos, propiciando o acesso às alternativas de administração de conflitos pela
via pacífica e fomentando a constituição e o incremento de capital social.
A seguir, trataremos de expor mais elementos e procedimentos metodo-
lógicos utilizados pelo Eixo Atendimento Coletivo na mediação de demandas de
cunho estritamente comunitário ou coletivo. Ressalta-se que muitas das questões
pertinentes ao programa se definem in loco, por isso a metodologia não pretende
“fechar” ou mesmo “compor uma forma única e linear” de trabalho, mas sim intro-
duzir um marco teórico-conceitual e instrumental adequado para o manejo de tais
questões, respeitando as diversidades e as dinâmicas próprias das realidades so-
ciais. É importante salientar que os procedimentos metodológicos utilizados pelo
Eixo Atendimento Individual na condução dos casos individuais são os mesmos

211
Programa Mediação de Conflitos

utilizados no Eixo Atendimento Coletivo para a condução dos casos co-


munitários, devendo-se apenas observar o que é peculiar e estratégico para se
trabalhar cada caso dentro de sua especificidade, seja ele individual ou coletivo.
O papel dos mediadores no que diz respeito à condução das demandas co-
munitárias decorre de um processo intenso de mediação, que se dá de diversas for-
mas, não existindo uma única maneira de se conduzir e sim um leque diversificado.
É pressuposto fundamental perceber que cada demanda é única e se organiza de
modos diferentes. Os demandantes são sujeitos que percebem a realidade social de
acordo com suas noções de contexto e, em especial, de direito. Para clarear a leitura
acerca do acompanhamento de cada caso coletivo, é necessária a identificação de
algumas etapas que fazem parte do processo de mediação comunitária.
Mostraremos a seguir como os demais processos que permeiam o Eixo
Atendimento Coletivo são entendidos, dinamizados e desenvolvidos pelos me-
diadores. Não se tem uma sequência necessária dos mesmos, mas sabe-se que
todas estas ferramentas são cruciais para o andamento do trabalho.

1º - (Re) conhecimento de quem são os participantes


Tem-se o propósito de conhecer quem são os participantes que demandam
a intervenção do Eixo Atendimento Coletivo. Para isto, é necessário ouvir todos os
envolvidos e junto com os mesmos “(re)conhecerem” novos e outros atores que
estão implicados na questão, sejam atores locais ou agentes externos, transfor-
mando a capacidade potencial dos mesmos em reais alternativas de envolvimento
e engajamento diante da situação. São várias as formas escolhidas (ora indicadas)
de se trabalhar com estes participantes. Para tanto, o programa tem um viés e
conhecimento próprio do trabalho com grupos, como meio suposto para se tra-
balhar as relações e papeis de vários atores diante de um objeto comum. Mesmo
quando estes não se veem enquanto grupo, são utilizadas as ferramentas pró-
prias da Mediação para trabalhar a administração de conflitos quando necessário.
O processo de (re)conhecimento de quem são os participantes de dada situação
se dará ora no início, ora durante ou até mesmo ao final da resolução da deman-
da. Isto é variável, mas o importante é perceber que este processo é fundamental
para o desenvolvimento da mediação ou mesmo da orientação.

2º - (Re)conhecimento, desconstrução e reconstrução da demanda


Este processo referente à desconstrução e reconstrução da demanda é
identificado de acordo com todas as versões apresentadas pelos atores envolvi-
dos em um caso coletivo. Sabe-se que muitos serão os discursos e que a visão da
demanda será também uma variável importante e bastante complexa. Mas há que
se conduzir a mediação ou orientação coletiva de modo a aprimorar o (re)conhe-
cimento contínuo da demanda. Assim, o mediador diante deste processo atua-
rá como facilitador de novas (re)elaborações da versão inicialmente passada por
cada ator envolvido. Este processo consiste numa tentativa de (des)construir o
discurso inicial apresentado pelos envolvidos, procurando encontrar no relato dos
mesmos elementos que permitam identificar algo para além e diferente daquilo
que se apresenta, algo que seja relevante e consensual entre todos os participan-
tes. Para isto, esta tarefa de mediar questões comunitárias leva em consideração
todas as nuances pertinentes a cada participante, o que caracteriza o processo de
desconstrução de demandas para as alternativas de co-construção da demanda,

212
Ariane Gontijo Lopes Leandro e Giselle Fernandes Corrêa da Cruz

que se dará pelo sentimento de pertencimento de todos envolvidos, respeitando


as individualidades e pactuando uma identidade coletiva.

3º - Diálogo entre os envolvidos


A composição do diálogo entre todos os envolvidos em um caso coletivo,
seja de mediação ou orientação, é fator primordial e essencial na condução dos
casos, pois o diálogo é que proporcionará as alternativas cabíveis na administração
dos conflitos. Como já exposto anteriormente, Six (2001) sustenta que é a partir
do diálogo verdadeiro entre os participantes que poderemos alcançar os anseios de
justiça e solução de problemas. Através do diálogo abrem-se oportunidades para
que as pessoas se apropriem dos discursos enunciados e a partir deles pactuem
resoluções, bem como proposições de ideias criativas para suas demandas.

4º - Papel do mediador
O programa dispõe deste agente para ser o condutor que proporcionará
a todos os envolvidos a resolução da demanda por eles mesmos apresentada. O
mediador, em todas as suas faces, nas mediações individuais e nas mediações co-
munitárias, é o co-protagonista que levará em consideração as adversidades nos
discursos de cada ator participante. O mediador, diante do caso coletivo, seja de
mediação ou orientação, desenvolverá habilidades múltiplas, adequadas à comple-
xidade dos casos comunitários, habilidades estas que proporcionarão uma reflexão
contínua a cada participante e também ao próprio mediador. Há que se lembrar, na
atuação comunitária, que o mediador deverá levar em conta os níveis de poder e
hierarquias presentes na ação de cada participante envolvido no processo de me-
diação coletiva, bem como perceber as complexidades e especificidades existentes
diante dos atores institucionais envolvidos e suas relações perante os grupos. É
importante perceber que o mediador, frente aos casos coletivos, será um elo impor-
tante de acesso aos bens públicos e serviços essenciais para os grupos, bem como
um ator que contribuirá no fomento, organização e emancipação destes grupos.

5º - Fator tempo
Este fator levará sempre em consideração o determinante do coletivo, ou
seja, deverá ter sempre o cuidado de aperfeiçoar a relação e a noção de tempo entre
todos os envolvidos em questões comunitárias. Em todos os momentos, devemos
estar atentos ao nosso objetivo principal – que pode ser amplamente compreen-
dido como o processo de construção e criação de acesso a direitos de pessoas,
grupos, segmentos sociais destituídos de direitos fundamentais e, assim, sermos
capazes de proporcionar a efetivação de direitos humanos, incrementando noções
de cidadania e viabilizando ações de participação ético-político-social.

6 Organização da prática do Programa Mediação de Conflitos


Para a realização de todas as ações desenvolvidas pelo Programa Mediação
de Conflitos, faz-se necessária uma organização da agenda de trabalho, a fim de que
todas as ações propostas sejam bem orientadas, igualmente contempladas e articu-
ladas entre si. No intuito de organizar o desenvolvimento das ações do programa,
mas tendo em vista as dinâmicas, complexidades e especificidades próprias de cada
localidade, adotou-se uma diretriz gerencial para a organização das agendas de tra-

213
Programa Mediação de Conflitos

balho. Dessa forma, as equipes se organizam para realizar as ações dos quatro eixos
orgânicos do programa, sejam eles, atendimentos individuais, atendimentos coleti-
vos, projetos temáticos e projetos institucionais. Para a execução destas atividades,
são dedicados, pelas equipes de trabalho, três dias da semana, o que não é neces-
sariamente uma regra, pois a dinâmica de horários das comunidades muitas vezes
apresentará para o programa a sua melhor maneira de funcionamento.
Para um bom desempenho das ações, tendo em vista toda a dinâmica e
especificidades locais, é necessária a previsão de momentos para diagnosticar,
analisar, avaliar, capacitar e planejar todo o trabalho desenvolvido pelas equipes,
portanto, o programa destina dois dias da semana para desenvolver momentos
de reflexão e coordenação das ações. Um desses momentos é entendido como o
espaço de reunião local de discussão de casos, onde as equipes do programa, em
sua base local em cada região específica do Estado de Minas Gerais, analisam todas
as ações do programa, sejam os atendimentos individuais, os atendimentos coleti-
vos, os projetos temáticos e os projetos institucionais. A equipe completa participa
destas reflexões e discussões sobre os retornos e novos casos atendidos e sobre as
ações desenvolvidas. Estas discussões têm por objetivo ampliar o olhar do media-
dor sobre as demandas apresentadas e sobre as conduções das atividades propos-
tas pelo programa. Essas discussões internas, como as chamamos, envolvem todos
os componentes da equipe de cada centro, que juntos discutem, de forma técnica e
interdisciplinar, os casos do atendimento e da mediação comunitária, qualificando
ainda mais o trabalho e as decisões quanto à condução de cada caso.
Nos três dias da semana designados para os atendimentos, as equipes do
programa, em cada centro, realizam os atendimentos ou reuniões comunitárias
e com a rede parceira, fazem também os encaminhamentos necessários de cada
caso, desenvolvem as ações próprias dos projetos, ações temáticas, coletiviza-
ções de demandas, reuniões com policiais e comunidade local, além das ações
correspondentes à articulação da rede do Centro de Prevenção à Criminalidade.
Além das discussões internas que descrevemos acima, são realizadas
ações de supervisão metodológica dos eixos do programa, que consistem em to-
das as ações voltadas à orientação e condução técnica, gerencial e metodológica
das atividades propostas. Essas atividades vão desde as visitas dos supervisores
metodológicos aos centros, passam pela organização e preparo das capacitações
técnicas e encontros metodológicos que ocorrem semanalmente e pelas discus-
sões coletivas de casos. As visitas técnicas aos núcleos são periódicas e objetivas,
visando o acompanhamento e supervisão local no desenvolvimento das ações de
todos os eixos, a percepção das dificuldades e facilidades, entre outros.
As reuniões semanais externas aos centros contam com a participação de
todas as equipes (técnicos e estagiários) e com a supervisão da coordenação/
diretoria do programa. Envolvem discussões coletivas de casos e de ações, com
o intuito de possibilitar a troca de experiências entre as equipes, ampliar o en-
tendimento das possibilidades em mediação para cada caso apresentado, e su-
pervisionar de forma coletiva a metodologia adotada pelas equipes. A discussão
coletiva é também uma forma de contínua capacitação com base nas reflexões
sobre os próprios casos concretos e ações.
Outro momento que faz parte do encontro semanal com todas as equipes
refere-se às exposições com temas técnicos, gerenciais e metodológicos, cujo ob-
jetivo é capacitar e orientar as equipes em temas relacionados a todas as ativida-

214
Ariane Gontijo Lopes Leandro e Giselle Fernandes Corrêa da Cruz

des cotidianas do programa, como, por exemplo, os temas relacionados à técnica


de mediação, à violência de gênero, benefícios previdenciários, questões traba-
lhistas, pensão de alimentos e questões relacionadas à paternidade, trabalho com
grupos, redes sociais, associativismo, capital social, mobilização, temas em segu-
rança pública, orientação sobre a elaboração de projetos, temas sobre gerencia-
mento do programa, interface e ações conjuntas com os parceiros institucionais e
com os outros programas que compõem o Centro de Prevenção à Criminalidade.

7 Resultados alcançados pelo Programa Mediação de Conflitos


Ao longo dos anos de 2005, 2006, 2007, 2008, 2009, 2010 e até maio de
2011 o programa Mediação de Conflitos desenvolveu atividades e ações que corres-
pondem aos quatro eixos de atuação de sua metodologia: atendimentos individuais,
atendimentos coletivos, projetos temáticos e projetos institucionais. Chegamos à casa
dos quase 100 mil atendimentos no decorrer desse período, ressaltando-se que os
atendimentos tratam de casos de mediação e orientação, com ênfase individual e
coletiva, conforme podemos observar pela escala do Gráfico 1 abaixo.

Gráfico 1 – Número de Atendimentos realizados pelo Programa Mediação de


Conflitos

Fonte: Arquivo do Núcleo de Resolução Pacífica de Conflitos, órgão responsável pela execução
Programa Mediação de Conflitos da Coordenadoria Especial de Prevenção à Criminalidade - Secretaria
de Estado de Defesa Social - Governo de Minas Gerais.

Para os atendimentos do Programa Mediação de Conflitos, ao longo dos


últimos seis anos, foi possível perceber uma diferenciação quantitativa e, sobre-
tudo, qualitativa com relação aos casos de mediação e aos casos de orientação.
Durante os anos de 2006, 2007 e 2008, o percentual de casos de mediação
era em torno de 65% e o de casos de orientação em torno de 35%. Porém, ao
analisarmos o processo contínuo de qualificação do Programa, quanto ao uso
das técnicas e princípios de mediação, percebemos que esse percentual vem se
equilibrando em termos proporcionais nos últimos três anos, já que, durante o

215
Programa Mediação de Conflitos

ano de 2010, o percentual de casos de mediação foi de 47% e os casos de orien-


tação 52%. Atualmente no Programa, os casos de orientação têm sido centrais e
estratégicos, haja vista o contexto de ausência de acesso a direitos e dos níveis
elevados quando tratamos das taxas de criminalidade violenta em que as co-
munidades das localidades onde os Centros estão implantados vivenciam. Para
tanto, quanto aos temas envolvidos nos casos atendidos, as maiores demandas
do Programa Mediação de Conflitos, em casos de atendimentos individuais, se
referem a relações intrafamiliares, envolvendo pensão de alimentos, separação
e divórcio, conforme demonstra a Figura 4.

Figura 4 – Principais temas das Demandas Iniciais dos Atendimentos Individuais

Casos de Mediação e casos de Orientação (%)

Fonte: Arquivo do Núcleo de Resolução Pacífica de Conflitos, órgão responsável pela execução
Programa Mediação de Conflitos da Coordenadoria Especial de Prevenção à Criminalidade -
Secretaria de Estado de Defesa Social - Governo de Minas Gerais.

Estas demandas apresentadas demandam supervisão específica e


capacitações orientadas ao foco sistêmico e familiar, bem como nas técnicas de
mediação de conflitos aplicadas no âmbito familiar. A qualificação continuada dos
mediadores que atuam no Programa é de fundamental importância, pois orienta o
êxito das mediações e orientações realizadas, garantindo, portanto, a execução do
método de mediação e propiciando aos participantes a capacidade de gestão de seus
próprios conflitos e demandas apresentadas. Sabemos, portanto, que nem todos os
casos de mediação são passíveis de serem mediados e adotamos para esses casos
a intervenção da orientação. Conforme visto na Figura 5, existe um percentual
muito elevado de relatos de violência e de violações de direitos humanos. Para

216
Ariane Gontijo Lopes Leandro e Giselle Fernandes Corrêa da Cruz

estes casos, utilizamos ferramentas que atuem na defesa, proteção e promoção dos
direitos humanos das pessoas que estão vivenciando determinadas manifestações
da violência. Muitas vezes, atuamos em parceria com as redes especializadas de
atenção a determinadas violências, como é a situação dos casos que apresentam
relatos de violência contra a mulher, contra a criança, contra o idoso, de jovens
ameaçados de morte, entre outros. Quanto ao sexo preponderante das pessoas
que buscam pela primeira vez o Programa Mediação de Conflitos, cerca de 78% são
do sexo feminino, caracterizando a classificação do caso e os relatos de violência.

Figura 5 – Registro dos relatos de violência nos casos de mediação e


orientação atendidos pelo Programa Mediação de Conflitos durante o 1º

Quadrimestre de 2011

Fonte: Arquivo do Núcleo de Resolução Pacífica de Conflitos, órgão responsável pela execução
Programa Mediação de Conflitos da Coordenadoria Especial de Prevenção à Criminalidade -
Secretaria de Estado de Defesa Social - Governo de Minas Gerais.

Quanto aos atendimentos coletivos em casos de mediação e orientação,


a maior parte deles é referente ao associativismo local, as relações entre os mo-
radores e outras instituições, as questões relacionadas à infra-estrutura urbana,
regularização fundiária, conforme Figura 6. Por se tratar de uma política pública
de prevenção à criminalidade, e pelo fato do Programa Mediação de Conflitos
localizar-se em áreas marcadas pelo reduzido acesso aos direitos básicos, como
já mencionado anteriormente, as pessoas e grupos comunitários, através do
Programa, constituem mecanismos e estratégias de organização e mobilização
social para o enfrentamento das condições relacionadas às ausências de bens
materiais refletindo no acesso a direitos, sobretudo, fomentando a minimização
dos efeitos das violências, propiciando um aumento do capital social preexisten-
te em cada comunidade.

217
Programa Mediação de Conflitos

Figura 6 – Temas das Demandas Iniciais dos Atendimentos Coletivos, casos de


Mediação e casos de Orientação (%)

Fonte: Arquivo do Núcleo de Resolução Pacífica de Conflitos, órgão responsável pela execução
Programa Mediação de Conflitos da Coordenadoria Especial de Prevenção à Criminalidade -
Secretaria de Estado de Defesa Social - Governo de Minas Gerais.

Apresentaremos alguns dos principais dados que foram analisados como


resultado da Pesquisa de Avaliação e Qualidade do Programa Mediação de Conflitos
realizado pela Fundação Guimarães Rosa, por meio da Superintendência de Ava-
liação e Qualidade da Atuação do Sistema de Defesa Social. A pesquisa objetivou
verificar o cumprimento das finalidades institucionais do Programa de Mediação de
Conflitos (com base nos princípios da eficiência, eficácia e efetividade), produzindo
uma compreensão dos preceitos teórico-metodológicos que subsidiam a sustenta-
ção do Programa de Mediação de Conflitos. A avaliação da efetividade dessa políti-
ca pública no âmbito da Pesquisa obteve variações quanto à “qualidade do gasto”
dos recursos (incluindo os técnicos) empregados no procedimento de mediação,
do grau de execução das soluções dos conflitos (incluindo os encaminhamentos à
Rede) e dos “sentimentos” das pessoas que tenham participado da mediação. Em
linhas gerais, podemos concordar com a seguinte menção à pesquisa:

A Pesquisa de Avaliação da Qualidade do PMC, a qual se vincula este Relatório, não deixa
dúvidas de que se trata de uma ação exemplar. Pode-se afirmar que o Programa de Mediação
de Conflitos alcançou, em apenas quatro anos, ótimos resultados. E, muito provavelmente,
alcançará nos próximos anos um desempenho de excelência, constituindo-se como uma refe-
rência nacional no desenvolvimento de políticas públicas de proteção e promoção de direitos
humanos. Para tanto, numa síntese introdutória, basta reforçar as atividades de qualificação
em serviço da equipe técnica, investir no aprimoramento das instalações (sobretudo, com in-
crementos tecnológicos próprios à prática da mediação), instituírem mecanismos de interação
com a “Rede de Apoio” e adotar mecanismos de avaliação periódica capazes de identificar defi-
ciências pontuais e corrigi-las sem prejuízo do funcionamento normal do Programa. (Fundação
Guimarães Rosa, Pesquisa de Avaliação e Qualidade do Programa Mediação de Conflitos, 2009)

Uma das conclusões que a pesquisa aponta é a satisfação com o resultado


dos casos de mediação (percentual de situações em que as partes entenderam
o processo como “justo”), ou seja, grande parte dos entrevistados se mostrou
“satisfeita” com a resolução do conflito, o que é retratado por 72,4%. Contudo,
a minoria dos entrevistados enfatizou que o resultado não foi justo (18,4%), ou

218
Ariane Gontijo Lopes Leandro e Giselle Fernandes Corrêa da Cruz

que foi parcialmente justo (9,2%). Veremos na Figura 7, entre aqueles que consi-
deraram “justo” o resultado da demanda, as principais justificativas atribuídas.

Figuras 7 – Justificativas das partes que consideraram a resolutividade do pro-


blema como justa

Fonte: Pesquisa de Avaliação e Qualidade do Programa Mediação de Conflitos, 2009.

Quanto ao tipo de solução de conflitos adotada pelas partes, conforme


Figura 8, cerca de 60% chegaram a um acordo, sendo que em torno de 40% não
chegaram a um acordo ao final do procedimento de mediação, mas relatam que
a condução da mediação ajudou nas soluções periféricas, abrindo possibilidades
de diálogo e que não necessariamente seria aquele o momento das partes para
obter algum acordo. Ressaltamos que os conceitos e princípios da mediação
não visam o acordo, a mediação visa o processo de transformação das partes
com base no diálogo, e que não necessariamente essa transformação levará a
acordos, sejam formais ou verbais.

Figura 8 – Classificação quanto à solução de conflitos entre as partes


envolvidas nos casos de mediação

Fonte: Pesquisa de Avaliação e Qualidade do Programa Mediação de Conflitos, 2009.

219
Programa Mediação de Conflitos

Outro resultado obtido pela pesquisa que cabe salientar diz respeito à
seguinte questão: caso as partes precisassem novamente de ajuda na solução dos
conflitos, se elas buscariam novamenteo Programa Mediação de Conflitos. Como
podemos perceber na Figura 9, grande parte das pessoas, além de atribuírem
uma avaliação satisfatória quanto à resolução de seus conflitos, também diz que
recorreria novamente ao Programa Mediação de Conflitos.

Figura 9 – As partes recorreriam novamente ao Programa Mediação de Conflitos

Fonte: Pesquisa de Avaliação e Qualidade do Programa Mediação de Conflitos, 2009.

Quanto ao tempo de duração dos processos de mediação (ver figura 10),


82% das partes relatam que os casos foram finalizados em até 6 meses. Como já
dito, o tempo é uma estratégia fundamental do Programa Mediação de Conflitos,
mas sabemos que devemos usá-lo a favor da mediação e não contra. O fato,
portanto, do tempo de duração dos casos de mediação não ser tão longo poderia
trazer complicações se as partes mencionassem insatisfação com o trabalho do
Programa Mediação de Conflitos, mas de fato não podemos afirmar isso, uma vez
que os dados da pesquisa indicam uma ampla satisfação, ou seja, uma eficácia e
também eficiência na execução dos seus objetivos. Podemos verificar, conforme
Figura 11, que as partes (80%) afirmam que o processo foi rápido ou muito rápido.

Figura 10 – Tempo de Duração dos Casos de mediação

Fonte: Pesquisa de Avaliação e Qualidade do Programa Mediação de Conflitos, 2009.

220
Ariane Gontijo Lopes Leandro e Giselle Fernandes Corrêa da Cruz

Figura 11 – Avaliação das partes quanto à agilidade da duração do processo


nos casos de mediação

Fonte: Pesquisa de Avaliação e Qualidade do Programa Mediação de Conflitos, 2009.

Por fim, um dado interessante que a pesquisa aponta é a relação do


mediador com as partes, quanto ao favorecimento de algum dos demandantes.
Podemos verificar que grande parte (72%) informou que o mediador não favoreceu
ninguém (Figura 12). Parece-nos uma avaliação central para métodos, tais como
o da mediação, que preconizam o papel do mediador e a sua imparcialidade
quanto às partes.

Figura 12 – Avaliação das partes quanto ao favorecimento do mediador na


relação com as partes

Fonte: Pesquisa de Avaliação e Qualidade do Programa Mediação de Conflitos, 2009.

Embora os dados analisados e resultantes da pesquisa sejam mais com-


pletos do que os descrito neste artigo, sabemos que a pesquisa consegue apon-
tar algumas deficiências na execução dos objetivos institucionais do Programa
Mediação de Conflitos, mas em suma a Pesquisa de Avaliação da Qualidade
do Programa Mediação de Conflitos identificou não apenas o desenvolvimento
“ótimo” quanto aos aspectos positivos de um programa estatal novo e inovador,

221
Programa Mediação de Conflitos

mas o desenvolvimento consistente (inclusive em termos teóricos) de uma po-


lítica pública legítima, com reconhecimento popular capaz de contribuir para a
consolidação de um modelo de gestão pública pautada no Estado Democrático
de Direito fiscal e socialmente responsável.

8 Conclusão
Ao propor apresentar a metodologia adotada pelo Programa Mediação
de Conflitos e alguns de seus resultados alcançados, nos engajamos em uma
tarefa nada fácil. Diante da inovadora e recente perspectiva da prevenção social
à criminalidade no campo das políticas públicas do Sistema de Defesa Social,
nos deparamos com o desafio de desenvolver ações em contextos marcados
pelas altas taxas de criminalidade e exclusão econômica e social, consistindo
em um objeto complexo. Não bastasse esse desafio, outro se apresenta quando
nos deparamos com a incumbência de aplicar a metodologia de mediação e de
orientação ao campo desta política pública, originada por meio de um importan-
te projeto de extensão, o Programa Pólos de Cidadania da Universidade Federal
de Minas Gerais, que visa à promoção dos direitos humanos por meio da cons-
tituição de capital social junto a grupos vulneráveis em situação de exclusão,
práticas ainda pouco difundidas no Brasil.
Este cenário, que alia teoria e prática frente aos desafios apresentados,
orientou a construção de uma prática de seis anos, um trabalho árduo, constan-
te e progressivo, de todos os mediadores que compuseram e compõem as equi-
pes do programa Mediação de Conflitos e, o mais importante, com a participa-
ção das comunidades que nos auxiliam no delineamento da política. Ao mesmo
tempo em que a construção dessa metodologia é tarefa cotidiana e difícil, ela é
extremamente proveitosa, justamente pelo fato de poder ser construída, vivida,
pensada e aprimorada pelos próprios mediadores e por aqueles que participam
da mediação.
No presente registro, demos enfoque aos dois eixos que originaram o
programa, no intuito de contribuir com estabelecimento da teoria, o aprimo-
ramento da prática e proporcionar o conhecimento de toda essa construção
inovadora. E por fim, vale ressaltar que esta teorização é uma das formas de se
pautar a legitimidade da metodologia. Sabemos que, mesmo com o intuito de
garantir esta elaboração teórica a partir da prática realizada, não se tem a in-
tenção, neste artigo, de sintetizar o que venha a ser nosso trabalho. A tentativa
é de lançar a ideia de uma prática inovadora que apresenta uma concepção de
mundo que cultiva uma noção ampliada de acesso a direitos pautada em uma
cultura de paz.

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223
A Defensoria como agente
na mediação de conflitos

Eduardo Antônio de Andrade Villaça


Michele Cândido Camelo

Sumário: 1 Introdução - 2 Mediação de conflitos - 3 A Defensoria Pública - 4 A


Defensoria Pública tutelando a mediação comunitária - 5 A Defensoria Pública atuando
como mediadora em conflitos coletivos - 6 Considerações finais - Referências

Põe quanto és no mínimo que fazes


Assim, em cada lago a lua toda brilha, porque alta vive.
Fernando Pessoa

1 Introdução

A sociedade de mercado possui duas marcas: a liberdade e a igualdade. Esses


valores, aparentemente contraditórios, constituem a realidade contemporânea. O
capitalismo requer que vigore a liberdade para contratar, porém exige que as pessoas
estejam em situação de igualdade, ao menos potencial, para que haja possibilidade
de negociação. Em meio à busca pela inclusão nas leis do mercado, existem diferentes
realidades, pessoas plenamente adaptadas, grupos completamente excluídos,
outros em processo de inclusão, alguns negando a aderência às mudanças, enfim,
há desigualdade de inclusão neste universo chamado mercado.
Como restou a esfera pública diante das características peculiares da
contemporaneidade? Hannah Arendt (2003, p. 50) conceitua espaço público como
um espaço físico de reunião, com aparência de ambiente para coletividade, no qual as
atividades realizadas deixam rastro para a posteridade. Neste meio, os cidadãos são
iguais em termos de oportunidades de participação e exercem sua individualidade
tratando de negócios coletivos. As questões são decididas por meio de conversa
incessante, sendo, pois, o consenso o que sustenta a própria esfera pública.
Sem dúvida houve uma mudança na relação público-privado. Arendt
(2003) mostra que os indivíduos modernos são vaidosos, possuindo como
preocupação básica objetos fúteis e consumíveis, e tais necessidades não
podem ser permutadas com outros, o que torna impossível o que ela denomina
de “mundo comum”. Desde que a ciência natural tomou força, houve um salto
da fé para a dúvida, ou seja, o que antes estava justificado pela fé perdeu força,
e nada mais é certo, salvo o que for provado, e:

224
Eduardo Antônio de Andrade Villaça e Michele Cândido Camelo

[...] ao perder a certeza de um mundo futuro, o homem moderno foi arremessado para
dentro de si mesmo, e não de encontro ao mundo que o rodeava; longe de crer que este
mundo fosse potencialmente imortal, ele não estava sequer seguro do que fosse real.
(ARENDT, 2003, p. 334)

Assim sendo, o homem não retira mais valores homogêneos da sociedade,


se espelhando nestes, porque a sociedade não oferece mais um senso comum,
oriundo de uma discussão do que seriam valores básicos. Estes são retirados do
próprio indivíduo, ou do grupo do qual participe e se identifique, e estes grupos
sociais têm se tornado cada vez mais específicos. Como ressaltou Bottomore,
em 1967, “um dos principais problemas da vida social foi estabelecer e manter
a solidariedade social em grandes grupos, onde as relações íntimas dos grupos
primários são impossíveis” (apud ARENDT, 2003, p. 35). De fato, a especificidade
é marca desta fase pela qual passamos.
Os conflitos do ser humano estão cada vez mais complexos, e a forma de
solucioná-los, portanto, deve acompanhar esta diversidade.
Nossa proposta é, assim, enfocar a mediação de conflitos, forma
extrajudicial de solução de controvérsias que desenvolve a alteridade, ao
passo que estimula o diálogo enquanto forma de se colocar como ser dotado
de necessidades e capaz de expor sua concepção de mundo. Dispensa-se um
terceiro impositor de uma vontade e concepções pessoais, alheias à realidade
do interessado real na resolução da questão e passa-se a valorizar a pessoa que
discute seu problema.
A Defensoria Pública é inserida no contexto da mediação de conflitos por
dois fatores: inicialmente, é ela a instituição criada pelo constituinte de 1988 para
promover a defesa judicial e extrajudicial daqueles desprovidos de Justiça Social,
o que hoje representa significativa parcela da população. Segundo, a Defensoria
Pública possui não só o dever, mas a obrigação de promover o acesso à justiça
daqueles. Então, deve a mesma se adequar aos conflitos e formas de resolvê-los,
de forma a permitir que seus assistidos nutram o sentimento de cidadania.
A Constituição Federal de 1988 prevê uma longa lista de direitos
fundamentais que viriam orientar todo o ordenamento jurídico vigente, e, para
garantir que aqueles fossem realmente vividos, criou instituições de defesa
desses direitos para os cidadãos, sendo a Defensoria Pública uma das mais
importantes neste contexto, conforme comenta a socióloga Maria Tereza Sadek
apud Frischeisen, 2007, p. 15):
O reconhecimento formal de direitos, contudo, não implica diretamente sua efetivação.
Daí a tão apontada distância entre a legalidade e a realidade. O fato, porém, das relações
concretas não espelharem a igualdade prevista em lei não diminui o valor da legalidade.
Ao contrário, indica a existência de um desafio assumido pelos grupos sociais que tiveram
força política suficiente para conferir para tais direitos o estatuto legal. Em consequência,
ainda que não respeitados, não dá no mesmo a presença ou não de direitos formalizados
em diplomas legais. A não coincidência entre o mundo real e o legal adverte para a
necessidade de se construir mecanismos que garantam a sua aproximação. Dentre estes
mecanismos, a Defensoria Pública se constitui na mais importante instituição.

Assim, discutiremos a mediação de conflitos sob uma perspectiva de


fomento à cidadania e, como promovedora desta forma de administração de
conflitos, a Defensoria Pública. Dividimos, por conseguinte, este documento em
quatro partes: a primeira explica a mediação de conflitos, a segunda analisa a

225
A Defensoria como agente na mediação de conflitos

Defensoria Pública, e a terceira e quarta partes versarão sobre esta instituição


participando da mediação comunitária e coletiva, respectivamente.

2 Mediação de conflitos
O acesso à justiça não está umbilicalmente ligado ao Poder Judiciário,
embora seja ele essencial na resolução de alguns conflitos, especialmente nos
que dizem respeito a direitos em que a lei expressamente não admite transação.
A mediação em nenhum momento busca contrapor-se ou substituir aquele órgão
estatal, o que pretende é oferecer um procedimento diverso para que todos, sem
exceção, possam usufruir dos benefícios da justiça e da conscientização de seus
direitos. Aqui falamos em justiça em sentido amplo, daí a ideia de um pluralismo
jurídico, pois cada grupo social, como um bairro, pode possuir normas próprias
que são desconhecidas pelo Judiciário.
O mais importante é que, neste processo, o diálogo é estimulado. Não
é um terceiro alheio aos problemas quotidianos de cada um que impõe uma
decisão, mas as próprias partes chegam a um acordo.
Muitas vezes, o acordo é difícil de ser alcançado, pois existem mágoas,
ressentimentos, no entanto, o bom mediador consegue apaziguar os ânimos
e sugerir diversos caminhos, consoante o Direito e a moral. Assim, além de
estimular o diálogo, as partes saem conhecendo um pouco mais do Direito em
sentido amplo, se sentindo mais cidadãs, inclusas em uma forma de perceber
o mundo que era, muitas vezes, alheia à sua realidade. Os mediados se sentem
capazes de resolver seus próprios conflitos, daí a semente da cidadania, da
inclusão social. E a cidadania, como bem explicitou a professora Teresa Maria
Frota Haguette (1992, p. 67):
[...] não tem vida própria; qual peste ou epidemia; ela avança inexoravelmente contagiando
a todos com o vírus da igualdade, deixando-lhes a sequela da aversão a toda sorte de
iniquidade. Por isso ela impregna a todos com o sentimento da rainha das virtudes: a
justiça, que representa o sangue circulante do seu ser, necessitando de invólucros para
materializar-se: os atores sociais, os indivíduos.

Esse vírus que a mediação pretende inserir em cada mediado é a sensação


de inclusão a que se propõe tal instituto, bem como seu objetivo imediato, que
é a pacificação social.
Warat (2004a, p. 58) argumenta que:

As práticas sociais de mediação se configuram num instrumento ao exercício da


cidadania, na medida em que educam, facilitam e ajudam a produzir diferenças e a
realizar tomadas de decisões sem a intervenção de terceiros que decidem pelos afetados
por um conflito. Falar de autonomia, de democracia e de cidadania, em um certo sentido,
é se ocupar da capacidade das pessoas para se autodeterminarem em relação e com
os outros; autodeterminarem-se na produção da diferença (produção do tempo com o
outro). A autonomia como forma de produzir diferenças e tomar decisões com relação a
conflitividade que nos determina e configura, em termos de identidade e cidadania.

Se formos definir mediação, de forma simples, diríamos que é espécie


de resolução de conflitos, na qual o mediador servirá como pacificador e canal
de discussão, em nada interferindo nas decisões a serem tomadas, apenas
auxiliando as partes a alcançar uma decisão satisfatória para ambas.

226
Eduardo Antônio de Andrade Villaça e Michele Cândido Camelo

Ainda segundo Warat (2004a, p. 67):

A mediação é:
A inscrição do amor no conflito
Uma forma de realização da autonomia
Uma possibilidade de crescimento interior através dos conflitos
Um modo de transformação dos conflitos a partir das próprias identidades
Uma prática dos conflitos sustentada pela compaixão e pela sensibilidade
Um paradigma cultural e um paradigma específico do Direito
Um modo particular de terapia
Uma nova visão da cidadania, dos direitos humanos e da democracia.

Relutamos ao termo “forma alternativa de solução dos conflitos”, por


entendermos que tal expressão pressupõe que haja uma forma padrão básica de
resolver controvérsias, que seria a intermediada pelo Estado, por meio do processo
judicial tradicional. Considerar o processo contencioso como forma primeira de se
solucionar um impasse significa subestimar a capacidade inerente ao ser humano
de organizar seu pensamento em palavras e resolver suas pendências.
Tocqueville (1969) percebeu que, nos Estados Unidos, as pessoas, diante
de uma divergência, buscavam imediatamente resolver entre si o embate, e, em
não sendo possível, recorriam ao aparelho estatal. Não o faziam antes porque
não se fazia necessário, existia uma cultura de cidadania.
Mediação é forma de solução de conflitos baseada no diálogo. É forma
amigável e colaborativa, na medida em que as próprias partes procuram a
melhor solução, assim como Tocqueville visualizou. Por meio da mediação,
buscam-se laços entre as partes que possam vir a amenizar a discórdia e facilitar
a comunicação (SALES, 2004). É uma autocomposição assistida.
Não é todo conflito, contudo, que pode ser submetido ao processo de
mediação, seja porque há um impedimento legal, seja porque seria inviável do
ponto de vista psicológico, tendo em vista a diversidade de conflitos.
Os tipos de conflito dependerão do tipo de agir dos discordantes. Assim,
o confronto será adequado a esse ou àquele método de solução, dependendo da
postura de um ou de ambos conflitantes. Esclareça-se: nem todos os agentes do
conflito são adversários, buscando o máximo de prazer com o mínimo de renúncia
e sofrimento, ou seja, nem todos os sujeitos do embate têm interesse exclusivo
em sua satisfação pessoal, desprezando completamente o bem-estar do outro.
Muitas vezes, as partes buscam a mediação para solucionar determinada
pendenga, entretanto, o interesse é outro. Quando o mediador tem sensibilidade
para perceber qual o real conflito, consegue desarmar a posição de confronto
assumida pelas partes, facilitando o diálogo. Os conflitantes devem concluir
quais seus problemas e achar suas soluções, entretanto, neste esforço o
mediador atua como agente hábil, sagaz, imparcial e diligente, fazendo com
que as partes, por si sós, cheguem a um acordo.
Não podemos deixar de mencionar o papel do Estado neste processo, seja
de forma direta ou indireta. Não há como negar a descrença no Estado, como
forma de socorrer-se dos males causados pela própria sociedade. Isso ocorre,
como explica Haguette (1992), pela herança autoritária que, intrincada no íntimo
dos brasileiros, tanto mais velhos, como mais novos, faz refletir um sentimento
anômalo e disfarçado de repúdio a toda sorte de regras e normas; este fenômeno
propiciou o imbróglio entre as concepções de autoridade e autoritarismo,

227
A Defensoria como agente na mediação de conflitos

com a consequente rejeição da primeira, tida como assemelhada ao segundo,


provocando uma crise de autoridade cuja jurisdição lícita se encontra no âmago
das instituições sociais, que dita autora vê especialmente na família e na escola.
Carlos Montaño (2002), fundamentadamente, ressalta a questão
da escassez de recursos como um pretexto para afastar o Estado de sua
responsabilidade social, transferindo esta obrigação para o terceiro setor.
Ressalta que a justificativa estatal se baseia em uma pretensa nova questão social.
Ocorre, como argumenta o autor, que o que se passa são novas manifestações
da velha questão social. Montaño (2002, p. 55) destaca que

[...] o projeto neoliberal, que elabora esta nova modalidade de resposta à “questão social”,
quer acabar com a condição de direito das políticas sociais e assistenciais, com seu caráter
universalista, com a igualdade de acesso, com a base de solidariedade e responsabilidade social
e diferencial. [...] Assim, tais respostas não constituiriam direito, mas uma atividade filantrópica/
voluntária ou um serviço comercializável; também a qualidade dos serviços responde ao poder
de compra da pessoa, a universalização cede lugar à centralização e focalização, a “solidariedade
social” passa a ser localizada, pontual, identificada à auto ajuda e ajuda mútua.

A mediação não se coloca como mero método de solução de disputas, mas


como forma de emancipação social, tendo em vista que promove a manutenção dos
valores do grupo beneficiado pela sua implementação, mantendo, assim, a harmonia
entre seus integrantes. A inserção da Defensoria Pública como agente nesta forma
de pacificação de pendengas, seja comunitária, seja coletiva, permite o crescimento
da comunidade, ao mesmo tempo em que insere uma figura estatal autônoma e
permanente para fortalecer e tutelar o instituto, conforme adiante discutiremos. Isso
afasta a ideia de repasse das obrigações do Estado, preocupação de Montaño.
A independência do cidadão em relação ao Estado não é aspecto negativo,
ao contrário, como esclarece Tocqueville (1969, p. 30), já no século XIX:

O governo da democracia leva a noção de direitos políticos ao nível dos cidadãos mais
humildes, do mesmo modo que a disseminação da riqueza leva a noção de propriedade ao
alcance de todos os homens; na minha opinião essa é uma de suas vantagens maiores. Não
digo que seja fácil ensinar aos homens o exercício dos direitos políticos; mas afirmo que,
quando for possível, os efeitos que disso resultam são altamente importantes; e acrescento
que, se jamais chegou a ocasião de disso se tentar, esta ocasião é agora. Não se vê que a
crença religiosa está abalada, e a noção divina de direito, declinando? [...] Quando me dizem
que as leis são fracas e o povo turbulento, que as paixões estão excitadas e a autoridade da
virtude paralisada, e que, portanto, não se devem tomar medidas que aumentem os direitos
da democracia, respondo que, por essas mesmas razões, é que devem tais medidas serem
tomadas [...] pois os governos podem perecer, mas a sociedade não pode morrer.

Assim, a mediação, em especial a mediação promovida na comunidade,


tendo como participantes membros desta, favorece o empoderamento192
da mesma. O cidadão se vê possuidor de direitos e deveres que ele mesmo
reconhece, e, para chegar à melhor solução, dialoga, ainda que intermediado
por alguém, mas discute qual a melhor estratégia de resolução da diferença. O
agente é co-responsável pelo acordo, não mero espectador.
É fato que, com a complexidade da sociedade moderna, o sistema de

192 O termo empoderamento é tradução da palavra empowerment, que possui bastante utiliza-
ção na área de psicologia. A expressão passa a ideia da capacidade que possui a comunidade de
apoderar-se de sua autonomia, de depender cada vez menos de políticas assistencialistas.

228
Eduardo Antônio de Andrade Villaça e Michele Cândido Camelo

justiça clama por diversidade nas formas de resolvê-la.


Aspecto importante a ser frisado refere-se ao mediador. Quem realizará a
mediação dos interesses impostos e colaborará na administração da controvérsia? A
assistência é feita por um terceiro, como já mencionado. Este nada deve ter de interesse
na solução das diferenças, devendo atuar como investigador da situação exposta.
A proposta que se faz é o próprio Estado, por meio da Defensoria Pública,
realizar mediação, seja tutelando a mediação comunitária, seja como mediador
em conflitos coletivos.

3 A Defensoria Pública
A Assembléia Constituinte de 1988, a qual deu origem à Carta Magna
vigente nos dias atuais, diante do sistema de justiça formulado, optou pela
formação de algumas instituições vocacionadas à tutela de direitos básicos pelo
mesmo texto garantidos.
Tais instituições são as denominadas, pela própria Constituição da
República de 1988, como “Funções Essenciais à Justiça”,193 enumerando como
tais o Ministério Público,194 a Advocacia Pública195 e, por fim e conjuntamente, a
Advocacia e a Defensoria Pública.196
Para garantir o acesso à Justiça da população de baixa renda, ou
seja, das pessoas que não possuem condições de pagar um advogado sem
prejuízo de seu sustento e do sustento de sua família, a Constituição Federal
de 1988 pensou a Defensoria Pública. Para que esta instituição fosse forte o
suficiente para lutar pelos direitos humanos da maior parte da população, que,
infelizmente, se enquadra no perfil exposto, o constituinte originário garantiu-
lhe autonomia, permanência, além de prerrogativas necessárias para sua boa
atuação, tal como “autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua
proposta orçamentária, dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes
orçamentárias e subordinação ao disposto no artigo 99, §2º”.197
Em 1994, a Defensoria Pública teve sua atividade regulamentada pela Lei
Complementar nº 80, sendo esta, hoje, objeto de reforma, a fim de se coadunar
com sua importância no contexto constitucional, ou seja, como garantidora do
Estado Democrático de Direito.
Como o tema do presente trabalho é dar ênfase à atuação da Defensoria
Pública, especialmente na atuação da mediação de conflitos comunitários
e coletivos, passaremos a tratar do tema em espécie no contexto a que nos
propusemos estudar.

4 A Defensoria Pública tutelando a mediação comunitária


É preciso, antes de se discutir a mediação comunitária e a atuação da Defensoria
Pública neste contexto, bem como a proposta emancipatória deste projeto, relembrar
assunto comentado anteriormente e retomar o debate: é possível se estabelecer uma

193 Título IV, Capítulo IV, CF 1988.


194 Seção I, CF 1988.
195 Seção II, CF 1988.
196 Seção III, CF 1988.
197 §2º do artigo 134.

229
A Defensoria como agente na mediação de conflitos

verticalidade e linearidade de normas em sociedades heterogêneas como as das


democracias contemporâneas? É preciso e possível delegar a autonomia — de ser
agente de pacificação social — dos cidadãos, ao Estado, minimizando a potencialidade
que existe em cada ser humano de se mostrar sujeito de seu direito?
Pensar nesta verticalidade é pensar no sistema jurisdicional enquanto
modelo predominante de pacificação social nas democracias ocidentais. Nesse
sentido, defendeu a magistrada Gláucia Falsarella (2003, p. 62):

A jurisdição formal é, por excelência, palco da justiça da Modernidade, já que inspirada em


princípios universais baseados em imperativos de uma razão profundamente intrínseca a
todos os seres humanos. Essa é a justiça que, codificada, aplica o mesmo procedimento
a casos tão diferentes, com base em deduções racionais advindas das autoridades da lei
ou dos precedentes.
Nas democracias ocidentais, a legitimidade do parlamento está no procedimento democrático
por meio do qual os membros são eleitos. O pressuposto é que os indivíduos são livres
e racionais, capazes de eleger seus representantes. Essa lógica, quando transferida para
resolução de disputas, é a de que, quando em conflito, os indivíduos — sujeitos de direitos
— provocam o Estado para “dizer o direito” no caso concreto. Nessa esfera, os representantes
desse Estado legítimo são os juízes que, com imparcialidade e saber jurídico, aplicarão a lei,
que fora expedida pelo parlamento democrático, ao caso concreto.

Nas palavras acima, traduz-se a visão de jurisdição. Em nossa concepção,


a maior falha deste sistema adversarial está em limitar às situações distintas um
padrão de lei igual, desrespeitando a diversidade cultural, linguística e étnica.
O Direito não pode servir ao monoculturalismo, sob pena de tornar-se
um sistema contraditório em si mesmo. A contemporaneidade é marcada por
uma realidade multicultural, que necessita de várias alternativas para resolver
as diversas demandas sociais.
Nesse contexto, a Mediação Comunitária se mostra uma delas, não a única,
destaque-se, como meio pacífico de solucionar conflitos. Com suas especificidades,
apresenta alguns aspectos que a diferenciam dos demais meios de autocomposição
mediada. São eles: o momento de inserção no conflito, a flexibilidade processual, a
presença do mediador na comunidade, o estímulo à autonomia e ao empoderamento
da comunidade, bem como a execução dos acordos obtidos.
Em regra, quando se recorre a qualquer meio heterocompositivo de
solução de conflitos, já se tem chegado a um estágio de incômodo tamanho
que torna-se difícil a possibilidade de diálogo. Se a opção for recorrer ao Poder
Judiciário, a espera é tanta que desestimula o próprio ingresso. Como disseram
Mauro Capelletti e Bryant Garth (1988, p. 8): “[...] da ruptura da crença tradicional
na confiabilidade de nossas instituições jurídicas e inspirando-se no desejo de
tornar efetivos — e não meramente simbólicos — os direitos do cidadão comum,
ele exige reformas de mais amplo alcance e uma nova criatividade.”
No mesmo passo, Santos (2007, p. 78) trata do tema:
O direito e a justiça, para serem exercidos democraticamente, têm de assentar numa
cultura democrática, e esta é tanto mais preciosa quanto mais difíceis são as condições
em que ela se constrói. [...]
Em geral, o sistema judiciário não corresponde à expectativa e, rapidamente, passa de
solução a problema. A terceira razão para a reforma judicial está no impulso democrático
dos cidadãos que tomam consciência dos seus direitos. Essa consciência revela que a
procura efetiva de direitos é a ponta do iceberg. Para além dela há a procura suprimida.
É a procura dos cidadãos que têm consciência de seus direitos, mas que se sentem

230
Eduardo Antônio de Andrade Villaça e Michele Cândido Camelo

impotentes para reivindicá-los quando violados. Intimidam-se ante as autoridades judiciais


que os esmagam com a linguagem esotérica, o racismo e o sexismo mais ou menos
explícitos, a presença arrogante, os edifícios esmagadores, as labirínticas secretarias. Se
a procura suprimida for considerada, levará a uma grande transformação do Judiciário.

O fato do Poder Judiciário ser estruturado de forma a não parecer tão


confortável ao leigo e ao menos favorecido economicamente pode representar,
de fato, um obstáculo à Justiça estatal. Em relação às críticas elencadas por
Santos (2006), em trecho descrito anteriormente, a mediação comunitária se
apresenta mais convidativa a boa parcela da demanda dos que a procuram.
Analisemos, pois, os pontos que distanciam o Poder Judiciário do cidadão,
gerando a chamada demanda reprimida. Inicialmente, a linguagem falada pelos
magistrados, advogados, promotores e defensores não facilita o entendimento
e a participação da chamada “parte”. Um exemplo clássico de linguagem comum
no âmbito judicial é “execução”. O processo de execução se presta a compelir o
devedor a honrar seu débito. No caso da dívida alimentícia, a Constituição Federal
admite a prisão civil, e o Superior Tribunal de Justiça restringe a possibilidade
aos casos de atrasos por, no mínimo, três meses. Assim, quando o juiz esclarece
ao devedor, em audiência, que, se o mesmo não pagar o que deve, poderá ser
executado, esta advertência pode soar como uma ameaça de morte... Pior ainda,
pode ser que se procure esclarecer que em uma execução o devedor poderá
se defender por meio de embargos ou exceção de pré-executividade, que é
espécie excepcional de defesa em processo de execução. Convenhamos que,
para um leigo, estas expressões, tão comuns para um operador do Direito, são
incompreensíveis. Nos corredores do fórum, até mesmo na sala de audiência ou
nas secretarias das varas, não há outro vocabulário que não este. Na hipótese
descrita acima, o magistrado adverte as partes, contudo, o mais comum é que o
diálogo exista somente entre os operadores do Direito. O processo não foi feito,
regra geral, para que os mais interessados na solução, as “partes”, interajam.
A palavra parte simboliza dois ou mais lados contrapostos, quando, na
realidade, deveriam ser pessoas, na busca de um interesse comum: a solução do
conflito. Aliás, conforme já dito aqui, a mediação busca a mudança do conceito
tradicional de conflito como algo negativo, passando a ser encarado como
natural, positivo.
O formalismo judicial, sem dúvida, é ponto a desestimular o acesso ao
Poder Judiciário. Existem leis que disciplinam o processo, tanto cível, quanto
criminal, quanto administrativo. O rito que irá ser adotado para solucionar os
conflitos apresentados varia de acordo com a matéria envolvida, o valor da
causa, as pessoas que litigam. Em regra, as normas são rígidas. Assim, mesmo
que para melhor solução da pendenga precise haver uma variação, não há como
alterar o procedimento.
A longa duração do processo também é fator que desestimula o acesso ao
Judiciário. O brocardo popular que diz que “a Justiça tarda, mas não falha” está
errado. Se tardou, se não solucionou em tempo breve o conflito, falhou, constrangeu
as pessoas envolvidas, frustrou expectativas, ampliou o conflito. Daí uma grande
vantagem na mediação, o momento de inserção no conflito, que ocorre no início.
Muitas vezes o que as pessoas procuram quando recorrem a um terceiro para
resolver suas pendências, conforme já explicitado neste trabalho, não se trata da

231
A Defensoria como agente na mediação de conflitos

solução do conflito aparente, mas de um incômodo oculto. Por exemplo, uma mãe
que aparentemente busca uma pensão alimentícia aos filhos muitas vezes quer
ser escutada, quer voltar à convivência com o companheiro. O mediador deve ser
pessoa sensível para perceber qual o conflito mediato e real existente.
A mediação comunitária é forma de resolução pacífica dos conflitos
em que tanto as pessoas envolvidas na controvérsia quanto o mediador são
pessoas da mesma comunidade, o que facilita a comunicação e a compreensão
das especificidades do conflito.
Como disse Falsarella (2003, p. 86), o mediador comunitário atua como
um pastor, em uma comunidade religiosa, que reúne técnicas de controle
direcionadas para os detalhes da vida de cada membro da comunidade:

Tal qual um pastor que, em sua tarefa religiosa, dedica-se a atender às necessidades
espirituais, o mediador comunitário deve ouvir as partes, reconhecer os seus clamores
e suas emoções e, ao fornecer um ambiente seguro, permitir que as raízes do conflito
floresçam. Nesse sentido, há um aspecto restaurativo na justiça comunitária, pelo qual
os disputantes podem reconhecer uns aos outros e, desenvolvendo aptidões para a
comunicação, trabalham na direção de cura dos danos causados pelo conflito, assim como
na aptidão para evitar problemas futuros. O empowerment é resultado de um processo que
proporciona autoconhecimento e reconstrução das auto-identidades por meio do conflito.

Como um pastor, o mediador, inserido numa comunidade, tem a tarefa


de escutar e, somente quando a escuta findar, passará à mediação propriamente
dita, com a facilitação do diálogo entre as pessoas envolvidas no conflito. Tira-
se o foco de si mesmo, proporcionando um sentimento de alteridade, como
explica a Professora Lília Maia de Morais Sales (2004, p. 44):

Tirar o foco de si mesmo e colocá-lo no todo (família, empresa, vizinhança) é fundamental


para facilitar a compreensão da responsabilidade de cada um para solução do problema.
Busca-se aqui a percepção da relação existente entre os atos individuais e o seu resultado
na relação como um todo. As pessoas agem sem a percepção real do impacto de sua
atitude para o relacionamento. (...)
Se o diálogo se mantiver apenas nas posições, no “egoísmo” de cada um, ficará difícil a
cooperação. Além de buscar os interesses e as posições, o mediador deve conseguir que
as partes percebam a importância do todo envolvido nesse conflito — como fica a “nossa”
família? O que é importante para “nossa” família?

Em virtude do vocabulário, das roupas, do ambiente físico, o magistrado


se distancia do povo que atende. A democratização do Judiciário é uma tendência
real, mas lenta. No Município de Cascavel, Paraná, um trabalhador rural não pôde
permanecer na audiência de seu interesse porque calçava chinelos, segundo o
magistrado. Posturas como esta afastam os menos favorecidos economicamente.

O juiz da 3ª Vara do Trabalho de Cascavel/PR, Bento Luiz de Azambuja Moreira, decidiu não
realizar uma audiência, em 13/06, porque o reclamante, um trabalhador rural, usava chinelo
de dedos. No termo de audiência, ressaltou o magistrado que “o calçado é incompatível
com a dignidade do Poder Judiciário”, e marcou nova audiência para o próximo dia 14 de
agosto. O advogado Olímpio Marcelo Picoli protestou, aduzindo que seu cliente é pessoa
humilde, analfabeta e desempregada, e que “foi com a melhor roupa que tinha”, mas seus
argumentos não modificaram o entendimento do julgador (POLÍZIO JUNIOR, 2007).

Na mediação comunitária, o mediador é pessoa da própria comunidade,

232
Eduardo Antônio de Andrade Villaça e Michele Cândido Camelo

que entende e fala como todos os que auxilia, que se veste de forma compatível
com o local, ambiente simples, limpo, organizado.
Além do local, da linguagem, da informalidade, à mediação comunitária
ainda é acrescentada uma característica de fundamental importância: a
valorização do homem enquanto ser dotado de características culturais próprias.
Esta forma de resolução de conflitos, na medida em que se baseia no
diálogo horizontal e na percepção do outro, valoriza as especificidades de cada
comunidade, de cada bairro, de cada família. Pedro Demo (2005, p. 20), com
propriedade, disse que:

[...] a graça da sociedade não está em compor indivíduos justapostos e apenas replicados,
mas individualmente polarizados. [...] Assim como não somos capazes de copiar uma
cultura — ao contrário, geramos culturas diferentes — não somos capazes de reproduzir
simplesmente as pessoas, mesmo quando são gêmeos ditos idênticos.

O quadro que se desencadeia é bastante claro. Numa sociedade onde


dominam as relações tradicionais e comunitárias, ou em que, pelo menos, boa
parte dos seus membros não se enquadra no perfil moderno, pode não se mostrar
interessante o recurso às vias judiciais, por todas as dificuldades já apresentadas.
Quando a sociedade faz um esforço para a inclusão social, isso significa
transferir a lógica do mercado para as relações sociais. A contemporaneidade é
marcada pelo individualismo e a exclusão, e esta é uma nova linguagem que o
setor tradicional não conhece e tem que aprender. Essa nova gramática coloca
o Judiciário numa situação de instância de resolução de conflitos de forma
legítima, mas padronizar seria excluir.
Nesse contexto é que a mediação comunitária se apresenta como forma que
ultrapassa a simples eficácia na resolução de conflitos, sendo capaz de gerar o diálogo
cidadão, uma justiça cidadã. A percepção do diferente, a alteridade, a simplicidade,
a informalidade, a possibilidade de se estabelecer um diálogo em um meio no qual o
individualismo é marca, a organização que pressupõe ser ouvido, são características
que garantem a viabilidade de uma justiça baseada no fomento à cidadania.
A facilidade com que se chega ao grupo, e a facilidade que tem o mediador
em reconhecer o problema e identificar o cerne da questão incentiva a busca pelo
programa. É justiça sem jurisdição, porém justiça. Daí o menor lapso temporal
entre o desentendimento e a procura pela solução.
Os programas de mediação comunitária também se destacam por
sua flexibilidade quanto ao processo. Interessante observar que o rito tende
a se repetir, mas cada comunidade aplica ao procedimento as características
peculiares ao local. Sintetiza Vedana (2003, p. 269):

Tradicionalmente, o processo de mediação inicia com uma declaração de abertura por


parte do mediador, que serve para estabelecer as regras que deverão ser respeitadas
na mediação. Posteriormente a esta, segue-se uma etapa em que ambas as partes têm
liberdade para expor as questões em disputa. Nesse momento, o mediador identifica as
questões, os interesses e os sentimentos de cada parte e, a partir de então, começa a
aplicar técnicas específicas visando à resolução do conflito. Uma das técnicas de aplicação
frequente é a das sessões privadas. Nestas o mediador se reúne individualmente com
cada uma das partes para esclarecer as questões e estimular a geração de opções para um
eventual acordo. A grande maioria dos programas segue esse modelo, notadamente nos
Estados Unidos. Há, todavia, outros modelos.

233
A Defensoria como agente na mediação de conflitos

A imparcialidade pode ser comprometida pelo contato inicial com o


mediador, daí a importância da escolha do facilitador. Em regra, este é escolhido
entre membros da própria comunidade.
Outra relevante distinção da Mediação Comunitária é o fato de que esta
estimula a autonomia e o empoderamento da comunidade. Esse fato pode ser
constatado não apenas porque a comunidade passa a perceber o poder que
possui de, com seus próprios meios, e de forma justa, promover a pacificação
social. Disso resulta o fato de que se fortificam laços pessoais e a alteridade,
reação inversa à tendência pós-moderna de isolacionismo.
A mediação, conforme já explanado, não se presta, contudo, à resolução de
todos os tipos de conflitos. Em parte deles, se vê necessária a participação do Estado,
tendo em vista que não é possível somente à sociedade civil resolver conflitos que
envolvam riscos para ela própria, como é o caso da maioria dos crimes.
Acerca da balança de competências possíveis, Rousseau apud Machado
(1999, p. 196) , já no século XVIII, tratava do contrato social:

Unamo-nos para defender os fracos da opressão, conter os ambiciosos e assegurar a


cada um a posse daquilo que lhe pertence, instituamos regulamentos de justiça e de paz,
aos quais todos sejam obrigados a conformar-se, que não abram exceção para ninguém
e que, submetendo igualmente a interesses mútuos o poderoso e o fraco, reparem de
certo modo o capricho da fortuna. Numa palavra, em lugar de voltar nossas forças contra
nós mesmos, reunamo-nos no poder supremo que nos governe segundo sábias leis, que
protejam e defendam todos os membros da associação, expulsem os inimigos comuns e
nos mantenham em concórdia eterna.

Segundo Rousseau, o Estado é o espaço de “soberania popular”, espaço


este onde parte da liberdade do cidadão é cedida em prol da felicidade, formando
uma sociedade para o povo. Assim, os espaços de mediação comunitária fazem
parte da parcela de liberdade inerente à sociedade civil, e os direitos tutelados
pelo Estado, à parcela de direitos administrados pela própria sociedade.
Mas quais são os direitos que podem ser administrados pela sociedade
por meio da mediação comunitária? Não existe uma norma198 que discipline o
tema. Assim, cabe analisar cada ramo do Direito e sua maleabilidade.
Acredita-se que a mediação pode ter como objeto conflitos que versem sobre:

- questões familiares, separação ou divórcio, alimentos, revisão de pensão e guarda de filhos,


conflitos entre pais e filhos adolescentes, conflitos entre irmãos; para dar validade jurídica,
deve o acordo ser encaminhado ao Poder Judiciário para apreciação do juiz (homologação);
- conflitos escolares: entre professores e diretores, professores e alunos, professores e
professores, alunos e alunos, enfim, todos os problemas vivenciados pelos indivíduos no
ambiente escolar;
- conflitos de vizinhança: questões de convivência, conflitos variados que perturbem a
convivência pacífica;
- questões cíveis: situações patrimoniais, como aluguel, recálculo de dívida, financiamentos,
indenizações em acidentes de veículos automotores;
- comercial: títulos de crédito, frete, seguro e entregas de mercadorias, comércio, cheques;
- consumidor: revisão de compra e venda de mercadoria, etc.;
- questões ambientais: poluição sonora, poluição ambiental, etc.;

198 Há, contudo, dois projetos de lei que regulamentam a mediação, o PL nº 4.827, de 1998, e
sua versão mais atualizada, o PL nº 94, de 2002 – Anexo B.

234
Eduardo Antônio de Andrade Villaça e Michele Cândido Camelo

- conflitos em matéria de saúde: conflitos entre todos os segmentos (médicos, enfermeiros,


funcionários) do meio médico-hospitalar;
- questões empresariais: conflitos entre pessoas que formam a empresa (SALES, 2004, p. 121).

De que forma e em que momento a Defensoria Pública pode se inserir no


contexto da mediação comunitária? Como é viável a colaboração desta de forma
a não quebrar o nexo do fortalecimento social?
Inicialmente, é necessário relembrar o grande escopo da Defensoria
Pública: promover o direito humano ao acesso à justiça dos hipossuficientes
economicamente. A promoção da defesa judicial e extrajudicial deve ser exercida
de forma a promover a pacificação social.
É sabido que os acordos extrajudiciais referendados pela Defensoria
Pública têm força de título executivo extrajudicial, conforme o artigo 585, inciso
II, do Código de Processo Civil.

Artigo 585. São títulos executivos extrajudiciais: [...]


II - a escritura pública ou outro documento público assinado pelo devedor; o documento particular
assinado pelo devedor e por duas testemunhas; o documento de transação referendado pelo
Ministério Público, pela Defensoria Pública ou pelos advogados dos transatores.

Assim, a Defensoria Pública atuaria de três formas na mediação


realizada na e pela comunidade: capacitando permanentemente os mediadores,
oferecendo aos mesmos cursos de conhecimentos jurídicos básicos para atuação
em resolução de conflitos; colaborando na elaboração dos termos de acordos;
e, por fim, nos casos em que não houvesse consenso, ou mesmo quando fosse
descumprido o termo, promovendo a medida adequada à satisfação do direito.
Desta forma, a mediação seria realizada por pessoas da comunidade,
mantendo todas as características e qualidades especificadas acima, contudo,
uma instituição estatal tutelaria o projeto. A atuação do Estado não se daria de
forma invasiva e, em momento algum, se propõe a intervenção no processo de
mediação, pois este cabe ao mediador comunitário.
Sem esta parceria, o centro de mediação comunitária poderia realizar as
mediações, de fato, mas e o que aconteceria com as pessoas que não chegassem
a um consenso, seja pela ausência do outro conflitante, seja pela impossibilidade
de realização amigável do acordo? Teria que, necessariamente, recorrer ao
Judiciário, mas como faria isso?
A Defensoria Pública é indicada constitucionalmente como “instituição
essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica
e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do artigo 5º, LXXIV”.199
Assim, aqueles que não pudessem arcar com as custas de um processo
e com os honorários de um advogado teriam que recorrer à Defensoria Pública
para solucionar a controvérsia pendente. Então, se esta instituição atuará em
caso de uma mediação frustrada, sob o ponto de vista da satisfação efetiva de
um acordo, promovendo a orientação jurídica e a defesa da questão em juízo,
esta se mostra, mais do que adequada, necessária no processo da resolução de
conflitos por meio da mediação comunitária.
Sendo assim, a proposta de realizar capacitações permanentes para os

199 Artigo 134.

235
A Defensoria como agente na mediação de conflitos

mediadores comunitários, bem como colaborar na formalização dos termos de


acordo e promover a demanda judicial cabível quando o acordo for frustrado se
apresenta não somente como função interessante à mediação comunitária, mas
como função institucional da Defensoria Pública, no que tange à orientação e
defesa de seus assistidos.
A Defensoria Pública do Estado do Ceará, em parceria com a Secretaria
de Reforma do Judiciário, em uma ação do Programa Nacional de Segurança
Pública com Cidadania (Pronasci), desenvolve, em dois órgãos de atuação, um
projeto chamado “Justiça Comunitária”. A proposta deste é realizar experiências
de formas extrajudiciais de resolução de conflitos, tornando mais rápidas as
decisões e desafogando o Judiciário.
Atualmente, o projeto encontra-se em fase de implementação, com a
seleção dos mediadores comunitários e, posteriormente, com a capacitação dos
mesmos, para, somente após, realizar a entrada em exercício.
Esta parceria entre Defensoria Pública e comunidade não descaracteriza
o potencial emancipador da mediação, tendo em vista que se mantém nesta
a administração dos conflitos. Nem a comunidade, nem a Defensoria Pública
são coadjuvantes neste processo, apenas possuem papéis distintos a serem
desempenhados.

5 A Defensoria Pública atuando como mediadora em


conflitos coletivos
O direito processual coletivo é ramo do direito regulado de forma
assistemática, vale dizer, através de um microssistema jurídico não codificado.
As principais normas que regem esse importante subsistema do Direito
Processual Brasileiro encontram-se no Código de Defesa do Consumidor (Lei n.
8.078/90) e na Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85). A teoria do microssistema
está assentada na doutrina e na jurisprudência, conforme se demonstra através
de julgado exemplar do Superior Tribunal de Justiça, a seguir colacionado:

Administrativo e processual. Improbidade administrativa. Ação civil pública. [...]


8. A lei de improbidade administrativa, juntamente com a lei da ação civil pública, da ação
popular, do mandado de segurança coletivo, do Código de Defesa do Consumidor e do
Estatuto da Criança e do Adolescente e do Idoso, compõem um microssistema de tutela
dos interesses transindividuais e sob esse enfoque interdisciplinar, interpenetram-se e
subsidiam-se. (REsp nº 510150, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 29. 3.2004).

Como se sabe, a nota característica dos dois direitos transindividuais


revelados nas espécies difuso e coletivo stricto sensu é a sua indivisibilidade. Já os
individuais homogêneos, que não se situam no âmbito dos direitos essencialmente
coletivos, e sim no dos acidentalmente coletivos (inseridos no âmbito dos coletivos
lato sensu por questões de política judiciária), são marcados pela divisibilidade.
A seguir, vejamos os conceitos dos direitos transindividuais, encartados
no CDC:

Artigo 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser
exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

236
Eduardo Antônio de Andrade Villaça e Michele Cândido Camelo

I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os


transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e
ligadas por circunstâncias de fato;
II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os
transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de
pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;
III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de
origem comum.

Ressalte-se, dentre todas estas considerações, a possibilidade de uma


única combinação de fatos, amparada por uma única relação jurídica, poder
gerar interesses transindividuais de mais de uma das categorias enumeradas,
podendo, inclusive, ser defendidos numa mesma ação coletiva.
Neste sentido veja-se a exemplar lição de Mazzilli (2004, p. 55):

O que pode ocorrer é que uma única combinação de fatos, sob uma única relação
jurídica, venha a provocar o surgimento de interesses transindividuais de mais de uma
categoria, os quais podem até mesmo ser defendidos na mesma ação civil pública ou
coletiva. Assim, de um único evento fático e de uma única relação jurídica consequente, é
possível advirem interesses múltiplos.

Restam, assim, pelo menos superficialmente, estabelecidos os parâmetros


dos direitos coletivos, bem como os meios de identificação de cada uma de suas
espécies no sistema legislativo vigente no ordenamento jurídico brasileiro.
Nesse contexto, faz-se necessário enquadrar o papel da Defensoria Pública
enquanto instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe
a assistência jurídica integral e gratuita dos necessitados, no que tange aos
direitos coletivos lato sensu.
A imprecisa técnica empregada na sistematização do arcabouço normativo
da instituição Defensoria Pública, notadamente na fixação de suas funções
institucionais em nível infraconstitucional, cujas normas nem sempre convergem
para o vetor “hipossuficiência”, associada a recentes inovações legislativas, que
ampliaram o feixe de atribuições do Defensor Público, tornam forçoso rever
essa concepção restritivista.
A Defensoria vem se delineando no ordenamento jurídico nacional como
instituição vocacionada não só à proteção dos direitos dos desvalidos no plano
individual, como também dos direitos humanos e dos direitos da sociedade
como um todo.
Nessa esteira de entendimento, a legitimidade ativa da Defensoria Pública,
por exemplo, para propositura de Ação Civil Pública, há muito, está sedimentada
na jurisprudência das Cortes Superiores pátrias. Vale dizer, a omissão legislativa
no que pertine à previsão expressa no direito adjetivo não se mostrou obstáculo
à veiculação de pretensões em nível coletivo pela instituição, uma vez que,
sendo-lhe conferidas funções institucionais significativas, não há que se negar
os instrumentos de operacionalização correspondentes.
A título de ilustração, colacionamos trecho do voto do Ministro Sepúlveda
Pertence proferido no julgamento da ADI nº 558-8:

A própria Constituição da República giza o raio de atuação institucional da Defensoria Pública,


incumbindo-a da orientação jurídica e da defesa, em todos os graus, dos necessitados. Daí,

237
A Defensoria como agente na mediação de conflitos

contudo, não se segue a vedação de que no âmbito da assistência judiciária da Defensoria


Pública se estenda ao patrocínio dos direitos e interesses coletivos dos necessitados [...] é obvio
que o serem direitos e interesses coletivos não afasta, por si só, que sejam necessitados os
membros da coletividade [...]. A Constituição impõe, sim que os Estados prestem Assistência
Judiciária aos necessitados, daí decorre a atribuição mínima compulsória da defensoria pública.
Não, porém, o impedimento a que os seus serviços de estendam ao patrocínio de outras
iniciativas processuais em que se vislumbre interesse social que justifique esse subsídio estatal.

Seguindo o mesmo entendimento, o Superior Tribunal de Justiça


manifestou seu entendimento em julgado sobre o tema. Eis a decisão:

Ação civil pública. Legitimidade. Defensoria pública. Interesse. Consumidores.


A Turma, por maioria, entendeu que a defensoria pública tem legitimidade para propor
ação civil pública na defesa do interesse de consumidores. Na espécie, o Nudecon, órgão
vinculado à Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, por ser órgão especializado que
compõe a administração pública direta do Estado, perfaz a condição expressa no artigo
82, III, do CDC. Precedente citado: REsp 181.580-SP, DJ 22/3/2004. (REsp nº 555.111-RJ,
Rel. Min. Castro Filho, julg. 5.9.2006).

Atentos à inovação consolidada nas principais cortes judiciárias do país,


o Poder Legislativo atentou para a necessidade e conveniência de se inserir,
através de preceito legal modificador, a legitimidade da Defensoria Pública para
propositura da Ação Civil Pública.
Consolidando este reconhecimento já estabelecido pelo Supremo
Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça, como visto, o legislador
infraconstitucional, através da Lei nº 11.448/2007, dando nova redação ao artigo
5º da Lei nº 7.347/85, positivou a legitimidade da Defensoria Pública.
Diante de referida legitimidade, reconhecida originariamente pela Corte
Constitucional, reafirmada pelo legislador infraconstitucional, que a consolidou
em inovação legislativa, vê-se que a Defensoria Pública tem a possibilidade — e o
dever — de, diante de um caso de possível violação de direitos transindividuais,
propor a Ação Civil Pública pertinente, mas tem também o dever institucional
de ir mais além: de desenvolver as virtudes e os institutos das resoluções
extrajudiciais de conflitos coletivos.
Fixadas as premissas do instituto da mediação, como acima fora feito,
bem como aquelas que se deve ter em mente quando se discutir a legitimidade
da Defensoria Pública na resolução de conflitos coletivos, vale a pena tentar
estabelecer tais ideias para o que seria a “mediação coletiva”. Não se pretende,
com isto, fixar um conceito, vez que tal atividade demandaria estudo mais
aprofundado acerca das possibilidades do tema.
Neste sentido fundamentam-se os ensinamentos de Warat, o qual qualifica
a atividade da mediação como instrumento para o exercício da cidadania, posto
que educa os envolvidos em lide, além de promover a produção das diferenças,
ajudando que as mesmas sejam compreendidas e, por fim, possibilita que a
solução da pendenga existente seja encontrada pelos interessados, através do
diálogo promovido e facilitado.
No que diz respeito aos direitos coletivos, vê-se que sua violação termina
por envolver número maior de pessoas, ligadas entre si ou por uma situação de
fato ou de direito, conforme o âmbito da violação perpetrada.
A mediação coletiva, então, se realiza mediante a promoção e facilitação

238
Eduardo Antônio de Andrade Villaça e Michele Cândido Camelo

de diálogo entre as partes envolvidas, através de seus representantes legalmente


constituídos, os quais devem se mostrar capazes e legítimos para resolver e
implementar eventuais soluções vislumbradas neste diálogo.
A ideia da legitimidade da Defensoria Pública é fundamentalmente ressaltada,
uma vez que várias instituições estão previstas na Constituição Federal para
resguardar os direitos fundamentais e, caso violados, promover sua reparação.
No contexto das figuras a se fazerem presentes na sessão de mediação,
destaque-se o autor da ameaça ou da conduta violadora do direito transindividual.
Tratando-se de espécie de direito coletivo lato sensu em que a coletividade interessada
seja pelo menos determinável, facilidade maior existe para que sejam identificados
os possíveis representantes. Por fim, o mediador, que deve ser pessoa imparcial à
causa, não exercendo a representação de nenhum dos interesses em questão.
Estas são, pois, as premissas da mediação coletiva, instrumento de
utilidade e virtudes indiscutíveis, embora ainda pouco explorado pelas
instituições capazes e legitimadas a desenvolvê-la.
Reconhecemos, inicialmente, não só a possibilidade, mas o dever da
Defensoria Pública de promover a tutela dos direitos transindividuais e, com mais
pertinência ainda, promover os institutos pacíficos de resolução de conflitos,
judicial ou extrajudicialmente, também no âmbito coletivo. Vê-se no instituto da
mediação, por todas as vantagens que apresenta (estímulo ao diálogo, maior grau
de satisfação das partes, celeridade, economicidade, etc.), sua plena possibilidade.
A Defensoria Pública do Estado do Ceará, a fim de solucionar conflitos
coletivos, passou a aplicar o instituto da mediação, com seus princípios e
procedimentos a tais questões, de forma a promover com efetividade e celeridade o
pleno acesso à Justiça. Passaremos aqui a tratar de duas situações exemplificativas
da utilização da mediação coletiva como forma de resolução de disputas.
O primeiro caso decorreu de notícia televisiva no qual se deu conta da
morte de um paciente na fila de espera para transplante de coração, em hospital na
capital cearense. Afirmou-se que tal fato decorreu da não renovação de contrato
com a Cooperativa dos Cirurgiões Cardiovasculares do Estado (COOPICARDIO)
com as Secretarias de Saúde do Estado e do Município, em razão da política
pública implementada pelos entes públicos envolvidos, não havendo consenso
quanto ao valor a ser pago a título de honorários médicos.
Sem ser provocada por nenhum dos envolvidos citados, nem mesmo qualquer
interessado, mas percebendo que os prejudicados pela controvérsia eram os
hipossuficientes economicamente, a Defensoria Pública determinou a realização de
Audiência Pública para discutir o caso, convocando-se todos os possíveis interessados,
quais sejam: Poder Executivo Municipal, Poder Executivo Estadual e suas respectivas
Procuradorias, Conselho Regional de Medicina, Cooperativa dos Médicos envolvidos
e Diretoria dos Hospitais em que se realizavam as cirurgias cardiovasculares. Neste
ato, tomou-se conhecimento de que os pólos estavam discutindo resolução para o
problema há vários meses, sem, contudo, chegar a um acordo.
Facilitando o diálogo entre os mesmos, a Defensoria Pública ressaltou
o grave problema de saúde pública que a falta de acerto entre os interessados
estava provocando, inclusive com o fato gravíssimo do falecimento de paciente,
e, possivelmente, de tantos outros que não haviam se pronunciado na mídia local.
Neste sentido, os presentes, percebendo a necessidade de se resolver o
problema, fixaram o acordo numa proposta que ficava a meio termo daquelas

239
A Defensoria como agente na mediação de conflitos

formuladas durante as tratativas até então frustradas. Este fato promoveu a


retomada imediata das cirurgias cardiovasculares no hospital, que é referência
nacional neste tipo de procedimento.
A segunda situação que merece destaque ocorreu envolvendo a
concessionária de energia elétrica no Estado do Ceará, com a unidade hospitalar
responsável pelo cadastro dos pacientes que desenvolvem tratamento domiciliar
de oxigenoterapia, fornecendo o equipamento para tanto.
Aos pacientes aos quais era prescrito o tratamento domiciliar desta
natureza, o hospital promovia a instalação de todo o equipamento necessário para
o seu desenvolvimento adequado, na residência do mesmo. Tal fato promovia
aumento substancial no consumo de energia elétrica daquelas moradias.
Noticiou-se, certa vez, em jornal televisivo, que paciente teria falecido em
decorrência do corte da energia em sua residência, apesar de devidamente advertido
o funcionário da concessionária de sua existência naquela unidade consumidora.
Promovida a demanda individual cabível, através de advogado particular
contratado pela família do paciente falecido, restou à Defensoria Pública, em postura
proativa, sem ter sido provocada por nenhuma das partes envolvidas, nem sequer
indiretamente interessada, tratar de resolver o problema detectado, uma vez que
mais vidas de hipossuficientes economicamente poderiam se perder por tal razão.
Assim, se instaurou, no âmbito do Núcleo de Ações Coletivas da Defensoria
Pública do Estado do Ceará, um Procedimento Preparatório, no qual se convocou
o hospital responsável pelo tratamento em questão e os representantes legais
da concessionária fornecedora de energia elétrica.
Nos encontros promovidos, os quais totalizaram três para a conclusão
do termo de conduta, foram detectados vários problemas em razão do elevado
consumo de energia promovido, tais como:
1. inadequado uso do equipamento, pois o paciente passava a
usar horas a menos do que as necessárias para o tratamento, para
assim evitar que a conta de energia fosse tão maior;
2. alto índice de inadimplência; e
3. ineficácia do tratamento, diante do grau de angústia e
depressão, em razão da situação de inadimplência e da possibilidade
de ver cessado o fornecimento, só para citar os principais.
Diante deste quadro, com os encontros promovidos pela Defensoria
Pública, a qual figurou como facilitadora do diálogo entre as partes, algumas
soluções foram propostas pelos envolvidos: o hospital sugeriu que fosse
procedida, individualizadamente, a aferição, por parte da concessionária,
do consumo dos equipamentos dedicados ao tratamento de oxigenoterapia
domiciliar, para que assim fosse abonado das contas respectivas.
Ressaltou-se à concessionária grande vantagem: o adimplemento do
consumidor diante de consumos compatíveis com sua renda. Estaria ela, a fornecedora
de energia elétrica, renunciando a parcela dos lucros sobre o consumo, em razão
do tratamento médico em curso. Em compensação, teria um índice de devedores
reduzido, uma vez que a falta de pagamento somente se dava em razão da completa
incapacidade financeira dos pacientes. Não se pretendia, com tal proposta formulada
pelo hospital, conceder aos pacientes benefícios excessivos, como o não pagamento
do consumo, sem que houvesse vinculação ao tratamento empreendido.
Após exposta e discutida a proposta no âmbito administrativo da empresa,

240
Eduardo Antônio de Andrade Villaça e Michele Cândido Camelo

a mesma, além de aceitá-la, trouxe de livre e espontânea vontade a disposição


de se implementar, nas residências dos pacientes, o programa denominado
“eficientização energética”.
Tal benefício consistiria na análise e reparo da rede elétrica da unidade
consumidora, bem como a substituição das luzes por lâmpadas mais eficientes
em consumo (lâmpadas “frias”), além da substituição da geladeira por uma nova.
Todas estas medidas servem para que o consumo seja “eficientizado”, reduzindo
o desperdício e, consequentemente, diminuindo a parcela da conta que deveria
ser paga pelo paciente.
Neste quadro de obrigações, a concessionária, em contrapartida, propôs
que o hospital responsável a auxiliasse na fiscalização e aferição do consumo
dos equipamentos, bem como enviasse periodicamente a lista das unidades
consumidoras inseridas no programa de tratamento domiciliar em questão,
atuando a Defensoria Pública como fiscalizador de todas as condutas descritas,
tendo em vista os beneficiários desta serem hipossuficientes economicamente.
Diante de tal quadro, tendo sido aceitas as propostas sugeridas pelos
envolvidos, foi lavrado o compromisso de conduta. Para citar como exemplo da
plena vigência e eficiência do acordo firmado, foi enviado à Defensoria Pública
conta de consumidor na qual constava o valor de R$482,24, a qual, com o abono
do consumo do equipamento de tratamento médico, foi reduzida para R$120,56.

6 Considerações finais
Analisou-se nesse trabalho de que forma a Defensoria Pública, em que
pese sua juventude, poderia realizar seu mister de orientação e defesa judicial
e extrajudicial dos hipossuficientes economicamente, de forma a proporcionar
um real direito fundamental ao acesso à justiça.
Refletiu-se acerca da mediação enquanto forma de resolução de conflito
em que se proporciona o fomento da cidadania e a inclusão social.
Por fim, analisou-se de que formas a Defensoria Pública poderia participar
da mediação comunitária e desenvolver a mediação coletiva.
Com as reflexões expressas, concluímos que a mediação é instituto capaz
de promover a democratização do acesso à Justiça, proporcionando não somente
a pacificação social, como também o conhecimento e apropriação de seus
direitos. Nesse contexto, a Defensoria Pública atua amplamente, destacando-
se por não se reduzir à simples assistência jurídica, exercendo as funções de
indicadora dos direitos de cada um.
No âmbito da mediação comunitária, presente em alguns Estados,
atua mediante a promoção de uma capacitação constante dos mediadores
comunitários, bem como com a colaboração na feitura dos termos de acordo e,
em caso de descumprimento do mesmo ou não realização, a defesa dos interesses
dos assistidos. Assim, a comunidade conta com uma instituição permanente e
autônoma na administração dos conflitos, promovendo celeridade na resolução
dos mesmos e assistência ampla. Em nenhum momento aquela coletividade se
sentirá desprotegida sob a perspectiva de proteção dos direitos, porque, além de
contar consigo mesma, manifestando sua autonomia na mediação comunitária,
se mantém próxima da Defensoria Pública, que atuará de acordo com todos os
preceitos constitucionalmente ditados.

241
A Defensoria como agente na mediação de conflitos

No que tange aos conflitos coletivos, a Defensoria Pública, além de ser


legitimada para o ajuizamento de ações coletivas, possui o dever de promover a
solução consensual dos mesmos quando os atingidos, direta ou indiretamente,
pela controvérsia se enquadrarem em seu perfil de atendimento.
Comprovamos, assim, que a mediação coletiva é forma não somente
viável de se solucionar conflitos, como também eficaz, sob o ponto de vista da
efetivação do direito.
Por fim, concluímos que a Defensoria Pública, seja tutelando a mediação
comunitária, seja mediando conflitos coletivos, atua de forma condizente com
sua função institucional, e se adequa aos meios de resolução de conflitos
compatíveis com as necessidades da sociedade contemporânea.

Referências

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243
Conflitos societários e empresariais:
a conveniência da adoção da cláusula
de mediação e arbitragem (“med-arb”)

Henrique Gomm Neto

Sumário: 1 Apresentação - 2 Origem da cláusula “med-arb” - 3 Conflitos societários:


ênfase na empresa familiar - 4 Inconveniência do recurso ao procedimento judicial - 5
Aspectos positivos do processo de mediação para os conflitos societários - 6 Objetivos
que se pretendem alcançar com a aplicação da técnica de mediação - 6.1 Construir
um novo espaço adequado para uma negociação produtiva - 6.2 Despersonalizar o
conflito - 6.3 Transformar uma negociação baseada em “posições” em uma negociação
baseada em interesses - 6.4 Adotar uma orientação com vistas ao futuro - 7 Conclusão:
a importância do design da cláusula “med-arb” - Referências

1 Apresentação
Julgamos apropriado tecer algumas considerações sobre a conveniência de
se introduzir nos contratos sociais e estatutos sociais, em conjunto com a cláusula
arbitral, a cláusula de mediação, constituindo assim a chamada cláusula “med-arb”.
A cláusula “med-arb” tem por finalidade estabelecer entre as partes
contratantes um compromisso: na hipótese de surgir qualquer disputa entre os
sócios ou entre estes e a sociedade, de submeter a controvérsia primeiramente
à mediação e, em não havendo uma solução total da disputa, encaminhá-la
posteriormente para ser resolvida por arbitragem.
Trata-se da aplicação de uma modalidade de step clause ou escalation
clause, muito utilizada no campo das ADR (Alternative Dispute Resolution) no
comércio internacional.

2 Origem da cláusula “med-arb”


As últimas décadas se caracterizaram pelo desenvolvimento do comércio
internacional em escala global. Como decorrência deste fenômeno econômico,
proliferaram empresas transnacionais (stateless corporations), que operam
globalmente.
Essas empresas transnacionais, submetidas à forte concorrência
internacional, buscam desenvolver pesquisas e inovações, diminuir custos de
manufatura e distribuição de produtos, através de alianças estratégicas que
induzem a absorção de uma gama diversa de atores de diferentes nacionalidades,
idiomas e culturas. A procura de obtenção dessa sinergia requer uma necessária
cooperação e se constitui em um significativo potencial de conflitos. Esse

244
Henrique Gomm Neto

potencial de conflitos manifesta-se, sobretudo, nos contratos de longa duração


e em formas associativas como joint ventures e consórcios reunidos para a
execução de grandes obras, porque estabelecem entre as empresas participantes
uma relação: relação que se projeta no futuro e que está sujeita às modificações
de fatores econômicos, financeiros, legais e culturais. Essas mudanças afetam a
mútua cooperação necessária na execução do cronograma da obra.
O recurso ao procedimento judiciário para sanar conflitos dessa natureza,
principalmente quando envolve partes de diversas nacionalidades, revelou-se
inapropriado para resolver as controvérsias inerentes ao comércio internacional.
Com efeito, questões sobre jurisdição, regras aplicáveis à disputa,
falta de especialização do julgador, morosidade que implica em risco de
comprometimento do cronograma físico-financeiro do projeto, não recomendam
a apreciação de litígios internacionais pelo Poder Judiciário nacional, na ausência
de um tribunal supranacional para resolução de disputas comerciais.
Tornou-se imperioso, então, adotar mecanismos ágeis que prevenissem
que as eventuais divergências se transformassem em disputas que quebrassem
a estabilidade das relações empresariais, comprometidas a trabalharem juntas
por um longo período de tempo.
Os mecanismos de resolução de conflitos passaram a se constituir em um
significativo instrumento de gestão de riscos corporativos, o que ocasionou o
surgimento do que se convencionou chamar Technology of Conflict Management
(tecnologia aplicada à resolução de conflitos) (BUHRING-UHLE, 1996, p. 16), que
deu origem aos mais variados métodos e, sobretudo, à utilização da mediação
como procedimento preliminar à constituição da arbitragem, através da
implantação da cláusula “med-arb”.
A título de exemplo: para a construção do aeroporto de Hong Kong,
foram instituídas quatro escalation clauses — duas instâncias preliminares
que previam a solução das disputas de forma consensual com a presença de
superiores técnicos e, por fim, a cláusula “med-arb”.
Essas escalation clauses funcionam como um filtro para que se chegue,
preferencialmente, a uma solução consensual, instalando-se o Tribunal Arbitral como
último recurso para impor e obrigar as partes ao cumprimento de uma decisão.
O sucesso dessa estrutura de resolução de conflitos levou à adoção da cláusula
“med-arb” nos Estados Unidos e em outros países da comunidade internacional para
ser aplicada a uma gama imensa de contratos, não apenas na construção civil, onde
é norma-padrão, mas também em contratos de franquia e de sociedades. Portanto,
a experiência internacional no gerenciamento de conflitos presentes em contratos
complexos de longa duração passou a ser absorvida por todos os tipos de relações
contratuais que estabelecem uma espécie de relação contínua no tempo entre as
partes contratantes. Como anota Richard Flake, “Devido ao inegável sucesso da
arbitragem e mediação, foi inevitável que esses dois processos se fundissem, no
que foi denominado por alguns, como um procedimento híbrido” (FLAKE, 1998).

3 Conflitos societários: ênfase na empresa familiar


A experiência exitosa no uso da mediação, como preliminar da arbitragem,
já assimilada pelos países desenvolvidos, não foi ainda apropriada pelo nosso
universo empresarial, onde possui um vasto campo de aplicação, principalmente

245
Conflitos societários e empresariais

junto às empresas familiares, que representam um número estimado superior a


quatro milhões de empresas brasileiras.
As empresas familiares constituem um exemplo vivo das vantagens e da
importância da criação de um sistema eficiente de resolução de disputas com a
adoção da cláusula “med-arb”.
Essas organizações se caracterizam por ter um ciclo de vida da sociedade
distinto dos membros que a compõem. Por outro lado, mantêm uma teia de
relações empresariais e afetivas, comunitárias e societárias.
Nessas sociedades, o aspecto relacional e as vicissitudes que essa
relação sofre ao longo do tempo têm importância vital. Na empresa familiar, a
mútua comunicação entre as situações geradas no seio da família empresária
e as situações criadas na empresa familiar são inevitáveis fontes de conflitos.
Desconfianças, desentendimentos, animosidades pessoais acentuam a dinâmica
do conflito.
A necessidade de coesão deste contexto social requer a adoção de
mecanismos eficientes de resolução de conflitos, que atuem de modo a prevenir
e evitar a escalada do conflito e o consequente rompimento da estabilidade das
relações sociais e familiares.
Pode-se afirmar que o sucesso empresarial dependerá da habilidade de as
partes manejarem o conflito.

4 Inconveniência do recurso ao procedimento judicial


O remédio do recurso ao processo judicial tem se apresentado como uma
terapia que produz efeitos nocivos no tratamento das desavenças societárias,
pelas seguintes razões:
1. porque não atende à velocidade dos fatos econômicos;
2. porque acentua o litígio e a adversarialidade e, como
consequência, deteriora a relação entre os sócios e a saúde da empresa.
Essa situação é agravada com a eventual publicidade da luta intestina
na sociedade. Muitas vezes, a empresa necessita continuar as suas
atividades e se vê paralisada pelo conflito interno que consome as suas
energias - perdem todos, sócios e sociedade;
3. porque os conflitos decorrentes de uma relação constituída
dentro de uma estrutura organizada, qualquer que seja — social,
familiar, empresarial — assumem na maioria das vezes o perfil de um
conflito interpessoal, isto é, o problema passa a ser o outro e não o
problema em si; a disputa assume um caráter personalista; e
4. as partes envolvidas neste tipo de conflitos tendem a construir
uma dinâmica destrutiva, voltada ao passado e focada na culpa. A
empresa, por sua vez, necessita ter uma orientação com vistas ao futuro.
Os advogados que lidam com as questões societárias percebem, quando
os clientes direcionam as suas queixas aos sócios focando as suas agressões
na pessoa do sócio, que possivelmente estão vendo apenas a ponta do iceberg.
Debaixo deste, vicejam em águas profundas emoções, sentimentos, algumas
vezes inconscientes, que denotam uma luta pelo poder, necessidade de estima,
processos de rejeição que não decorrem do objeto da controvérsia.
O advogado pode socorrer o aflito cliente com remédios jurídicos, tais

246
Henrique Gomm Neto

como pedido judicial de prestação de contas, exibição judicial de livros, pedido


de exclusão de sócio e outras medidas judiciais que servirão apenas para
municiar o ódio do seu cliente contra o adversário e vice-versa.
O conflito se reforça, toma o seu destino e os acontecimentos ganham
uma dinâmica própria e incontrolável. Rompem-se as relações entre os sócios
e a sociedade perece. No entanto, as verdadeiras razões, os reais interesses
permanecem encobertos pela disputa e sem solução.
Situações como essa evidenciam o contraste entre a abordagem do conflito
apenas pelo ângulo jurídico, com as restrições decorrentes do formalismo
processual, e a abordagem orientada pela técnica de mediação, que propicia
uma visão ampla da controvérsia e oferece instrumentos adequados para a
construção de soluções para o conflito.

5 Aspectos positivos do processo de mediação para os


conflitos societários
O processo de mediação apresenta algumas vantagens importantes,
como a flexibilização das suas regras em função da autonomia de vontade das
partes, que detêm o controle do processo. Igualmente é positivo o sigilo do
processo, de modo que os fatos trazidos à mediação não possam servir de prova
na hipótese de eventuais processos futuros.
Também a rapidez do procedimento e o custo razoável do processo
contribuem para a sua adoção.
É importante ressaltar que, quando falamos em mediação, não estamos
nos referindo à mediação tradicional, assim entendida como aquela mediação
feita por um terceiro com base em sua experiência pessoal.
Muitas pessoas são levadas circunstancialmente a mediar disputas no
âmbito da família, da comunidade ou mesmo em suas atividades profissionais.
E muitas vezes obtêm sucesso, mercê de aptidões e qualidades pessoais. No
entanto, quando nos referimos à mediação, estamos especificando a mediação
empresarial moderna, que se estrutura como uma técnica interdisciplinar que
abrange conhecimentos de Psicologia, Direito, Sociologia, Comunicação e
Teorias da Negociação.
O procedimento de mediação procura restabelecer um canal de
comunicação adequado entre as partes e, sobretudo, preservar as relações.
Quando acoplada a uma cláusula compromissória, pode “limpar” a matéria do
litígio através de acordos parciais, deixando para o juízo arbitral apenas as
questões que não obtiveram consenso.
Além do mais, o processo de mediação não traz nenhum prejuízo às partes
na hipótese de insucesso, uma vez que não ficam impedidas de utilizarem outros
meios, como o juízo arbitral, processo judicial ou administrativo, conforme o caso.
Mas o aspecto que se nos afigura mais relevante, e que nos permitimos
explicar adiante, é a possibilidade de se criar uma instância permanente de
resolução de conflitos que atue de forma preventiva, de modo a evitar que opiniões
contrárias sobre determinados fatos, desinformações, animosidades pessoais,
interesses antagônicos e outras questões se transformem em crises na empresa.
Este é o exemplo que nos ensina a experiência dos contratos internacionais

247
Conflitos societários e empresariais

que deram origem à constituição da cláusula “med-arb”.

6 Objetivos que se pretendem alcançar com a aplicação da


técnica de mediação

6.1 Construir um novo espaço adequado para uma


negociação produtiva
O que se apresenta na mediação é uma negociação frustrada. As pessoas que
recorrem à mediação trazem problemas que não puderam resolver por si próprias.
Com a introdução de um terceiro, o mediador, pretende-se constituir um
novo espaço de negociação, não apenas físico, mas também relacional, tendo
em vista o princípio da circularidade da comunicação.
Esse importante axioma comunicacional estabelece que a comunicação
humana se constrói a partir de uma relação de ida e volta entre emissor e receptor.
Assim, “toda pessoa é causa de comportamento de uma segunda pessoa e, esta
por sua vez, é causa de comportamento da primeira pessoa” (WATZLAWICK;
BEAVIN; JACKSON, 2007).
A introdução da figura do mediador vai acrescentar um novo nível de
comunicação junto aos mediados. Assim, além da comunicação existente entre os
mediados, a presença do mediador vai instaurar um novo nível de comunicação:
entre os mediados e o mediador. E o que é mais importante, o processo de
mediação se desenvolverá num ambiente neutro e de respeito mútuo.
Nestes dois níveis de comunicação, por força do princípio da circularidade da
comunicação, os participantes do processo de mediação — as partes e o mediador
— se afetarão mútua e continuamente no desenrolar da mediação. É justamente
essa constante mobilização que permite ao mediador remover os mediados da
situação de impasse em que se encontravam anteriormente à mediação.
O objetivo básico do processo de mediação é oferecer às partes um lugar
e um modo eficiente de trabalharem os seus conflitos. Não significa transformar,
necessariamente, uma negociação competitiva em colaborativa, mas, sobretudo,
criar condições para uma negociação produtiva.
O que é uma negociação produtiva? É aquela em que as pessoas podem
se expressar livremente, sem receios, daí porque o processo de mediação é
confidencial. É aquela em que as pessoas podem, respeitosamente, ser escutadas
e compreendidas. Por isso, o mediador estabelece uma pauta de comportamento
e exerce a “escuta ativa”.
Uma negociação produtiva é aquela em que as partes podem se informar,
avaliar, refletir sobre uma gama de opções que criaram para resolução da
disputa e, livremente, escolher a solução que melhor atenda aos seus legítimos
interesses. Por essa razão, a mediação é um processo voluntário que permite
aos mediados se tornarem juízes dos seus problemas.
A mediação deve operar um fortalecimento da confiança de cada parte
em si própria, uma vez que são elas que têm que tomar decisões a respeito dos
seus problemas. Elas devem se sentir capazes de tomar essas decisões. É o que
na teoria da mediação se convencionou chamar de empowerment.

248
Henrique Gomm Neto

Empowerment é, em suma, a ampliação da consciência de uma pessoa


acerca de si própria e do que é capaz de fazer. Na mediação, se reflete na
capacidade de se comunicar, entender, analisar, refletir e decidir como atender
aos seus interesses.

6.2 Despersonalizar o conflito


Sabe-se que, em síntese, o conflito resulta do reconhecimento de que
duas ou mais partes têm interesses divergentes.
A característica fundamental que sustenta o conflito é a percepção que as
partes têm das suas diferenças. E o fato do conflito se apresentar como resultado
da percepção de interesses divergentes produz a conexão direta da pessoa com
o problema (BIANCHI, 1996, p. 14).
Mesmo quando se trata de conflitos entre empresas, instituições,
sindicatos, etc., esses grupos se constituem de pessoas que exercem os seus
papéis e poderes, como patrões e empregados. As pessoas têm nacionalidades,
professam credos, enfim, possuem atributos pessoais, de modo que podemos
constatar que a conexão direta da pessoa com o problema leva, muitas vezes, à
personalização do conflito.
A mediação, como técnica de resolução de conflito, abordará o conflito a
partir deste aspecto fundamental: a percepção que as partes têm quanto às suas
diferenças e a conexão direta entre as pessoas e os problemas.
Como decorrência deste fenômeno, a prática da mediação evidencia
alguns efeitos relevantes:
a) Não existe uma realidade única. As pessoas percebem a realidade
de maneira distinta. Assim, as partes na mediação percebem o conflito
a partir dos seus enfoques particulares, da compreensão que têm da
vida, das pessoas e circunstâncias, isto é, em função dos seus valores,
aprendizagem e experiências pessoais.
b) A reação de cada parte ao conflito dependerá de fatores internos,
como grau de instrução e educação, e de fatores externos, tais como
fatores sócio-econômicos e culturais.
c) As pessoas sentem dificuldade de se desapegar dos seus pontos
de vista e, consequentemente, assumir a posição do outro.
Isso exige do mediador uma investigação exploratória para compreender
como cada uma das partes percebe o problema e identificar os aspectos afetivos
e as necessidades envolvidas.
O mediador deve compreender o conflito interpessoal, que ocorre quando
cada parte, com sua própria dinâmica, enfrenta-se com a outra. Neste sentido,
deve fazer uma releitura do relacionamento das partes, os antecedentes do
conflito, os momentos significativos, as soluções tentadas e as perspectivas
futuras da relação.
Esse trabalho do mediador é necessário para produzir novas percepções
acerca do conflito e, igualmente, ajudar as partes a acordarem critérios objetivos
para solucionar a disputa. E o que é mais importante: mutualizar o conflito, ou
seja, cada parte admitir que a solução do problema envolve o reconhecimento
das necessidades de cada uma delas.
Deve-se ter em conta que a mediação possibilita às partes construírem

249
Conflitos societários e empresariais

uma história alternativa àquela que trouxeram à mediação. E, para tanto, não se
requer a modificação dos fatos, mas a mudança da percepção e dos significados
que emprestam aos fatos.

6.3 Transformar uma negociação baseada em “posições”


em uma negociação baseada em interesses
A escola de negociação da Universidade de Harvard (EUA) (FISHER; URY;
PATTON, 994) conceitua “posição” como: afirmação, pedido, oferta que as partes
fazem durante uma negociação.
O nome “negociação posicional” deriva da prática que consiste em eleger
uma série de alternativas como proposta de solução do problema. Esse esquema
de barganha faz com que o que uma parte ganha seja justamente o que outra
parte perde.
O impasse surge quando as “posições” expressas em ofertas e pedidos
não podem ser satisfeitas simultaneamente. Uma vez que isso ocorra, cada
parte tentará mudar a opinião da outra, utilizando diferentes argumentos para
persuadir. Se a outra parte não ceder, a tendência é tornar as “posições” mais
rígidas, cada qual se entrincheirando nelas para obrigar o outro a ceder. Como
consequência, deteriora-se a relação entre as partes.
O início da sessão de mediação se caracteriza pela apresentação das
“posições” por cada uma das partes. Embora elas não saibam, o mediador
está consciente que essa é uma etapa transitória que deverá superar (CARAM;
EILBAUM; RISOLÍA, 2006, p. 164, 312). É necessária essa apresentação inicial
das partes, porque elas querem ansiosamente expressar os seus discursos,
preparados para a ocasião.
O mediador sabe que é preciso acolher com respeito e atenção a versão
inicial dos fatos, elaborada e construída por cada uma das partes, para então
começar uma exploração investigatória rumo aos “interesses”.
Assim, o conflito se expressa inicialmente através de “posições”, mas o
que está em jogo é uma divergência de interesses.
O que são os “interesses”? Os “interesses” são as motivações que levam
alguém a assumir uma “posição”. Podem ser desejos, temores ou preocupações,
metas ou necessidades. Trata-se do que a pessoa quer obter.
Portanto, a matéria-prima que compõe os “interesses” é variada: pode ser
temores, sentimentos, necessidades, propósitos, metas.
Por que devemos buscar os “interesses” encobertos pelas “posições”?
Porque a compreensão dos “interesses” de cada uma das partes abre as portas
para a construção de uma gama de opções e também permite identificar os
interesses que são opostos, os comuns e os complementares.
Como diz Christopher Moore (1995), “passa-se de um esquema bipolar de
opções para um esquema multipolar de opções”.

6.4 Adotar uma orientação com vistas ao futuro

Na maioria das vezes as pessoas que vêm à mediação após terem


vivenciado negociações fracassadas comparecem com um sentimento de

250
Henrique Gomm Neto

frustração e desesperança. Quase sempre culpam a outra parte pela difícil


situação em que se encontram.
As partes tendem a construir uma dinâmica destrutiva focada na culpa. E
o foco na culpa nunca leva à resolução do conflito.
A tarefa do mediador é desmontar essa armadilha e adotar uma orientação
com vistas ao futuro. Como fazer? É preciso trabalhar no sentido de reconhecer
as emoções, os sentimentos das partes. O que é verdadeiro está abaixo da
superfície, isto é, o que se sente e pensa e não o que se diz.
Reconhecer significa aceitar que a parte expresse os seus sentimentos,
a sua emoção, para que ela possa dar um segundo passo: desconectar-se da
exclusividade da sua situação para considerar também a situação do outro.
Quando a parte se sente aliviada pela expressão dos seus sentimentos,
ela pode passar a “mutualizar” o conflito, ou seja, admitir a existência das
necessidades da outra parte e que elas são parte do problema.
Em vez de focar a discussão das partes nas alegações que trazem
à mediação, o mediador dirige a sua atenção para entender as percepções e
interpretações dos sentimentos. Aí estão os verdadeiros temas.
Assim, em vez de focar na culpa (“quem é o responsável?”), o mediador
coloca o foco de atenção dos mediados na mútua contribuição: “como cada um
contribuiu para a situação atual?”; “agora que sabemos o que cada um fez, como
podemos fazer para melhorar, crescer e aprender com essa situação?”.
Para conduzir o processo de mediação nesse percurso, o mediador
capacitado, imparcial no que diz respeito às partes, neutro no que toca às
convicções pessoais dos mediados, utiliza todo instrumental que a técnica de
mediação oferece, tais como: “escuta ativa”, a certificação através da paráfrase,
reformulação dos conteúdos expressos e, sobretudo, o uso adequado das várias
espécies de perguntas que funcionam como um “bisturi” que lhe permite obter
informações e realizar movimentos estratégicos.

7 Conclusão: a importância do design da cláusula “med-arb”


Tendo em vista que o contrato de sociedade submete os signatários a uma
relação que se projeta no futuro e que está sujeita a incertezas e modificações no
tempo, acreditamos que a assimilação da experiência de aplicação da cláusula
“med-arb” será de grande utilidade na gestão de conflitos na empresa.
Escrevendo o presente artigo, fomos desenvolvendo a ideia de sugerir às
empresas a instituição de uma instância permanente de gestão de conflitos mais
ampla, que não se restrinja apenas às controvérsias no âmbito societário, mas
que possa ser aplicada aos conflitos internos na organização empresarial, bem
como para as disputas com clientes e fornecedores. Porque a litigância não deve
ser o primeiro recurso para a resolução de conflitos, mas o último.
Assim, a empresa pode contar com um método adequado aplicado por
profissionais capacitados no sentido de favorecer soluções rápidas através do
consenso em negociações críticas.
O uso efetivo deste mecanismo, por certo, favorecerá uma importante
transformação na cultura da empresa, possibilitando uma integração harmoniosa
entre os elementos que a constituem.
Amalia B. Salzman e Adriana C. Aprea (2003) ressaltam que, embora

251
muitos empresários possam ser hábeis negociadores, na maioria das vezes
utilizam essas habilidades com clientes e fornecedores, mas poucas vezes com
os membros de suas organizações.
Essas autoras, em interessante trabalho sobre gestão de conflitos na
empresa familiar apresentado na IV Conferência Internacional do Foro Mundial
de Mediação, em 2003, também sugerem a introdução da função de gestor de
conflitos na empresa familiar para intervir nas situações conflituosas através do que
denominaram mediación multiparte dinamica (mediação multipartes dinâmica).
Por outro lado, o mecanismo de resolução de conflitos não pode ser
operacionalizado pelos integrantes da organização. Deve ser conduzido
por profissionais neutros e independentes. Com efeito, a instituição de uma
instância de gestão de conflitos evita o desvio de função dos administradores e
o consequente desgaste desses profissionais, ao mesmo tempo que preserva a
estabilidade das relações empresariais.
Sabe-se hoje que importantes empresas americanas contam com a atua-
ção de uma consultoria terceirizada para intervirem em conflitos dentro da em-
presa, como disputas sobre projetos. Essa consultoria, denominada equipe de
integração (LEWICKI; HIAM, 2003), ajuda as partes em disputa a procederem a
uma reavaliação das questões, de modo a encontrar uma solução eficaz para a
empresa e que, igualmente, afasta a possibilidade de prolongadas discussões
internas que possam vir a comprometer atrasos na execução de projetos.
Essa postura inovadora na gestão de conflitos sugere aos escritórios de
advocacia que se dedicam ao Direito das Empresas uma mudança de perfil no sentido
de incluir nas suas equipes profissionais capacitados para atuarem como mediadores.
Assim procedendo, os escritórios que prestam consultoria às empresas
ampliam a sua prestação de serviço e podem atuar preventivamente no sentido
de evitar que os inevitáveis conflitos se transformem em crise. E a utilização das
técnicas de mediação por profissionais capacitados pode ser aplicada não apenas
aos conflitos societários, mas também dentro da organização empresarial e fora
dela, nas relações comerciais com fornecedores e clientes.
A cláusula “med-arb” pode estar inserida no contrato ou estatuto social,
nos acordos de quotistas ou acionistas. Entretanto, os administradores podem
prescrever a mediação para o âmbito das relações internas e externas da empresa.
É neste sentido que nos referimos à instância permanente de gestão de conflitos.
É interessante verificar que essa tendência favorável às soluções
extrajudiciais tem se firmado também entre as empresas que comercializam
produtos e ou serviços destinados a um universo grande de consumidores
(como por exemplo: instituições financeiras, empresas de telefonia), exigindo
dos advogados que as atendem a participação de equipes de negociadores.
A título de ilustração e curiosidade, atualmente há instituições
especializadas na resolução de disputas on-line (Resolution Dispute On-Line –
RDO), destinadas, principalmente, ao comércio internacional.
Finalmente, recomendamos especial atenção na elaboração da cláusula
“med-arb”, para que contenha todos os detalhes sobre a execução do processo
de mediação, de modo que, na hipótese de posterior arbitragem, não se possa
alegar o não cumprimento da etapa preliminar de mediação.
Para tanto, é necessário que se explicite no teor da cláusula “med-arb”
como se fará a solicitação de mediação, os meios acordados de comunicação,

252
os modos de verificação do não consentimento ou recusa à mediação, lugar,
idioma, nomeação de mediador, enfim, todas as regras aplicáveis ao processo
de mediação como preliminar da arbitragem.
A Lei nº. 13.140, de 26 de junho de 2015, regulou o procedimento da
mediação extrajudicial e inseriu dispositivos legais que impactam significativa-
mente os subscritores da cláusula de mediação.
Assim, o § 1º. do artigo 2º. determina a obrigatoriedade das partes signa-
tárias de cláusula de mediação comparecerem à primeira reunião de mediação.
A pena, estabelecida no artigo 22, § 2º., IV, pelo não comparecimento da parte
convidada à primeira reunião de mediação “acarretará a assunção por parte desta
de cinquenta por cento das custas e honorários sucumbenciais caso venha a ser
vencedora em procedimento arbitral ou judicial posterior, que envolva o escopo
da mediação para a qual foi convidada”. Acrescenta-se a possibilidade de se esti-
pular no âmbito da cláusula de mediação outra penalidade em caso de não com-
parecimento da parte convidada à primeira reunião de mediação (artigo 22, IV).
Por certo o comparecimento da parte convidada à primeira reunião de
mediação não implica na realização de um acordo na mediação. O objetivo da
lei foi assegurar o cumprimento da obrigação assumida de se criar uma etapa
preliminar de mediação na hipótese de surgimento de resistência, mas, por se
tratar de um procedimento de natureza voluntária, qualquer das partes envolvi-
das pode recusar o prosseguimento do processo de mediação após comparecer
à primeira reunião de mediação.
A referida lei teve também a preocupação de evitar as chamadas cláusulas
vazias, prescrevendo no artigo 22 que a previsão contratual de mediação deverá
conter, no mínimo: “I – prazo mínimo e máximo para a realização da primeira
reunião de mediação, contado a partir do da data do recebimento do convite; II
– local da primeira reunião de mediação; III – critérios de escolha do mediador ou
equipe de mediação; IV – penalidade em caso de não comparecimento da parte
convidada à primeira reunião de mediação.”
As partes podem optar por seguir um Regulamento de Mediação de uma
Câmara de Mediação e Arbitragem, cujo Regulamento especifique critérios cla-
ros para a escolha do mediador e realização da primeira reunião de mediação.
A lei determina, no artigo 22, § 2º., que, na ausência de previsão contra-
tual completa, se observe os seguintes critérios para a realização da primeira
reunião de mediação: I – prazo mínimo de dez dias úteis e prazo máximo de três
meses, contados a partir do recebimento do convite; II- local adequado a uma
reunião que possa envolver informações confidenciais; III – lista de cinco nomes,
informações de contato e referências profissionais dos mediadores capacitados.
A parte convidada poderá escolher, expressamente, qualquer um dos cinco me-
diadores e, caso a parte convidada não se manifeste, considerar-se-á aceito o
primeiro nome da lista.
A intenção do legislador foi evitar que eventuais lacunas na redação da
cláusula compromissória de mediação comprometessem a sua exequibilidade.
Recomendamos que na elaboração da cláusula “med-arb” sejam observados os
seguintes aspectos:
1 – o modo como será feita a solicitação de mediação;
2 – os meios acordados de comunicação;
3 – modo de verificação do não consentimento ou recusa de participar da

253
Conflitos societários e empresariais

mediação;
4 – fixação de um limite temporal para duração do processo de mediação;
5 – regras aplicáveis para a escolha do mediador;
6 – confidencialidade do procedimento;
7 – lugar do procedimento de mediação;
8 – idioma;
9 – responsabilidade pelo pagamento dos custos e despesas do processo
de mediação;
10 – aplicação do Regulamento de uma instituição especializada em me-
diação e arbitragem.
A atividade empresarial tem enfrentado alguns obstáculos na adoção do
mecanismo “med-arb”.
Algumas vezes, a adoção do processo de mediação prévio a arbitragem
serve para dilação injustificada da instalação da arbitragem e, outras vezes, se
transforma em meio escuso de obter conhecimento de documentos confiden-
ciais que possam ser objeto do processo arbitral.
Essas hipóteses, contrárias ao principio da boa fé, servem para reforçar a
litigiosidade em um posterior processo de arbitragem.
Por essa razão, a elaboração da cláusula “med-arb” se reveste de suma
importância para impedir o mau uso dessa opção de resolução de controvérsia.
Embora muitas instituições de mediação e arbitragem, nacionais e interna-
cionais, de grande prestígio, apresentem nos seus Regulamentos cláusulas mo-
delos de mediação e arbitragem, deve-se evitar a sua utilização, pois a redação
dessas cláusulas deve ser cuidadosamente e detalhadamente confeccionada con-
forme cada situação específica para não causarem problemas na sua execução.
Procura-se, assim, afastar eventuais entraves que possam obscurecer os
benefícios da instância prévia de mediação na resolução de uma controvérsia.
Outra questão concernente à clausula “med-arb” diz respeito à possibili-
dade de o mediador se tornar árbitro na hipótese de não se alcançar um acordo
na fase de mediação.
Essa eventualidade tem sido majoritariamente rejeitada pelo fato de que
o mediador usualmente recorre a reuniões privadas com as partes e toma co-
nhecimento de informações que não são repassadas a outra parte e pode, na
qualidade de árbitro, decidir com base nessas informações.
A despeito dos problemas apontados na execução da cláusula “med-arb”,
que podem ser evitados mediante o correto design da metodologia adotada pela
cláusula de mediação e arbitragem, essa opção pelas partes contratantes tem
efeitos positivos, como possibilitar às partes a oportunidade de resolver as dis-
putas nos seus próprios termos, como também determinar que a disputa terá
um fim, quer pela via da mediação, quer pela via da arbitragem.

Referências

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reglamentación. Buenos Aires: Zavalía, 1996.

BUHRING-UHLE, Christian. Arbitration and mediation in international business: designing


procedures for effective conflict management. Boston: Kluwer Law International, 1996.

254
Henrique Gomm Neto

CARAM, María Elena; EILBAUM, Diana Teresa; RISOLÍA, Matilde. Mediación: diseño de una
práctica. Buenos Aires: Librería Histórica; Emilio J. Perrot, 2006.

FISHER, Roger; URY, William; PATTON, Bruce. Como chegar ao sim: negociação de acordos
sem concessões. Rio de Janeiro: Imago, 1994.

FLAKE, Richard P. The med/arb process: a view from the neutral’s perspective. The Newslet-
ter of Dispute Resolution Law and Practice, Jun. 1998. Disponível em: <http://www.cbylaw.
com/publications/rpf-medarbprocess.pdf>. Acesso em: 1 jul. 2009.
LEWICKI, Roy J.; HIAM, Alexander. MBA compacto, estratégias de negociação e fechamento.
Rio de Janeiro: Campus, 2003.

MOORE Christopher W. El proceso de mediación: métodos prácticos para la resolución de


conflictos. Traducción Aníbal Leal. Buenos Aires: Granica, 1995.

SALZMAN, Amalia B.; APREA, Adriana C. Gestión de conflictos en la empresa familiar. In:
CONGRESO DE LA PEQUEÑA Y MEDIANA EMPRESA. Buenos Aires: Consejo Profesional de
Ciencias Económicas de la Ciudad Autónoma de Buenos Aires, 2003.

WATZLAWICK, Paul; BEAVIN, Janet Helmick; JACKSON, Donald de Avila. Pragmática da comu-
nicação humana: um estudo dos padrões, patologias e paradoxos da interação. São Paulo:
Cultrix, 2007.

255
A mediação no direito de família
e o acesso à justiça

Ivan Aparecido Ruiz

Sumário: 1 Introdução - 2 Evolução histórica dos meios consensuais de resolução de


conflitos - 3 Notas introdutórias sobre a mediação - 4 Processo judicial (ganha/perde)
versus mediação (ganha/ganha) - 5 Conceito de mediação - 6 Mediação nas questões de
família - 6.1 Mediação e ações de estado - 6.2 A separação consensual extrajudicial e o
divórcio consensual extrajudicial - 7 A contribuição dos meios consensuais de resolução
de conflitos no acesso à justiça - 8 Conclusões - Referências

1 Introdução
O presente texto tem por objetivo analisar a contribuição dos meios
consensuais de solução de conflitos para a universalização do acesso à justiça,
mormente quando se trabalha com questões tão delicadas como as que se
referem ao direito de família, por exemplo a separação consensual extrajudicial
e o divórcio consensual extrajudicial, bem como a dissolução da união estável
por intermédio de escritura pública.
Inicialmente, buscar-se-á enfocar a evolução histórica dos métodos
consensuais de resolução de conflitos de interesses, para em seguida abordar o
conceito e vantagens da mediação até chegar à análise de sua ampla aplicabilidade
no âmbito do direito de família, inclusive à luz das recentes reformas da
legislação, com o ingresso da chamada separação consensual extrajudicial e do
divórcio consensual extrajudicial, por intermédio de escritura pública.

2 Evolução histórica dos meios consensuais de resolução


de conflitos
Presente no seio social o conflito de interesses, a sua resolução se
impõe. Não é próprio dos agrupamentos de pessoas conviver com os conflitos
de interesses sem resolução, porquanto a persistência dos litígios provoca a
intranquilidade e desestabilização na sociedade. É motivo de angústia no seio
social. A sociedade, como um todo, sempre almeja a pacificação social.
Ao longo da história do Direito, vários foram os métodos ou formas de solução
dos conflitos de interesses conhecidos — autotutela, autocomposição (conciliação,
mediação e negociação) e heterocomposição (arbitragem e processo judicial). Daí
poder-se falar, nesse quadro, numa evolução da autotutela à jurisdição.200

200 Acerca da autotutela à jurisdição, cf. Cintra; Grinover; Dinamarco (2006, p. 26-40).

256
Ivan Aparecido Ruiz

Como afirma Alfredo Buzaid (1989, p. 8-9) a “conciliação é um instituto antigo


de direito processual civil, cujas origens remontam às fontes romanas. Conheceu-a
e praticou-a o direito intermédio e mereceu a mais cuidadosa atenção da doutrina”.
Aliás, em momento anterior, já se utilizava da conciliação como meio de
solucionar desavenças, tal qual na ordem religiosa. José Rogério Cruz e Tucci e
Luiz Carlos de Azevedo asseveram (2001, p. 83):

No que concerne à conciliação, o próprio Cristo teria afirmado: “aquele que traz uma
oferenda, mas que tem uma contenda com seu irmão, deve, antes, reconciliar-se com ele,
para somente depois completar a oferenda” [...]. Na verdade, [...] o instituto da conciliação,
ignorado pelas fontes do direito romano, teria surgido na esfera do direito canônico.

No Brasil, antes da Independência, e mesmo logo após esta, o país


continuava a ser regido pelas Ordenações do Reino, visto que não rejeitou
totalmente a legislação lusa. E, pelo decreto de 20.10.1823, em tudo que não
contrariasse a soberania nacional e o regime brasileiro, seria aplicável aquela
legislação. De início, adotaram-se as Ordenações Filipinas e as leis portuguesas
avulsas no processo comercial. Mais tarde, também o foram no processo civil. E
o instituto da conciliação era conhecido do velho direito português, como atesta
a Ordenação do Livro III, Título XX, §1º: “No comêço da demanda dirá o juiz a
ambas as partes, que antes que façam despesas, e se sigam entre elas os ódios
e dissensões, se devem concordar, e não gastarem suas fazendas por seguirem
suas vontades, porque o vencimento da causa sempre é duvidoso”.
Nesse período, a tentativa de conciliação das partes era facultativa (e não
obrigatória) no início do processo ou, como diziam as Ordenações, no começo
da demanda.
A Constituição do Império de 1824, em seu art. 161, tratava da tentativa de
conciliação, ao revés do que ocorria com as Ordenações, como ato obrigatório (não
facultativo), tanto que tal dispositivo preconizava: “Sem se fazer constar que se tem
intentado o meio de reconciliação, não se começará processo algum”. Funcionava a
tentativa de conciliação, assim, como condição para o ingresso em juízo.
A Consolidação de Ribas (Consolidação das Leis do Processo Civil), no art.
185, cuidou da conciliação, quando assim estatuiu: “Art. 185. Em regra nenhum
processo póde começar sem que se faça constar que se tem intentado o meio de
conciliação perante o Juiz de Paz”.
A Lei nº 968, de 10.12.1949, em matéria de família, quando do antigo
desquite, também estabelecia a fase preliminar de conciliação ou acordo nas
causas de desquite litigioso ou de alimentos, inclusive provisionais, conforme
se vê de seu artigo 1º.201
A conciliação, como método autocompositivo, ultimamente, tem sido
incentivada, no desenvolvimento do processo, de forma endoprocessual, com a
finalidade de solucionar os conflitos de interesses amigavelmente, sem imposição
da resolução por um terceiro, tanto que o Código de Processo Civil de 1973 trata
da matéria em vários de seus artigos, consoante se pode constatar: art. 125,
inc. IV, art. 331 e parágrafos, art. 447 a 449. A Constituição Federal de 1988

201 “Art. 1º. Nas causas de desquite litigioso e de alimentos inclusive os provisionais, o juiz, antes de
despachar a petição inicial, logo que esta lhe seja apresentada promoverá todos os meios para que as
partes se reconciliem, ou transijam, nos casos e segundo a forma em que a lei permite a transação”.

257
A mediação no direito de família e o acesso à justiça

também prestigia a conciliação, elevando-a, atualmente, a status constitucional,


nos termos do art. 98, inc. I.202 Em atendimento a essa regra constitucional, foi
editada a Lei nº 9.099, de 26.9.1995, dispondo sobre os Juizados Especiais Cíveis.
Esta lei, como se pode observar do art. 2º, dispõe: “O processo orientar-se-á
pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e
celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação”.
Na Justiça Especializada do Trabalho também se encontra a figura da
conciliação, conforme se pode constatar do art. 846, parágrafos, e art. 852-
E da CLT. Além disso, no âmbito do Direito do Trabalho, por força da Lei nº
9.958, de 12.1.2000, que incluiu na CLT os arts. 625-A a 625-H, foram criadas
as chamadas Comissões de Conciliação Prévia.
O outro método autocompositivo é a mediação. Esta, segundo Elena I.
Highton e Gladys Stella Álvarez (1995, p. 195):

[...] es un procedimiento no adversarial en el que un tercero neutral, que no tiene poder


sobre las partes, ayuda a éstas a que en forma cooperativa encuentren el punto de armonía
en el conflicto. El mediador induce a las partes a identificar los puntos de la controversia,
a acomodar sus intereses a los de la contraria, a explorar fórmulas de arreglo que
trascienden el nivel de la disputa, a tener del conflicto una visión productiva para ambas.

A mediação, no Brasil, ainda não foi objeto de regulamentação por parte do


legislador. Atualmente, porém, encontra-se em trâmite no Congresso Nacional,
precisamente no Senado Federal, entre outros, o Projeto de Lei nº 94, de 2002
(Projeto de Lei nº 4.827, de 1998, na casa de origem), de relatoria do senador
Pedro Simon, sobre mediação.
O Brasil, se comparado com a Argentina e outros países da América Latina,
nesse tema, encontra-se bastante atrasado. Veja-se que, na Argentina, pela Lei
nº 24.573, publicada no Boletim Oficial de 27.10.1995, a matéria já foi objeto
de tratamento jurídico. Naquele país, a mediação é prévia e obrigatória, como
se conclui do art. 1º da citada lei:

Instituyese con carácter obligatorio la mediación previa a todo juicio, la que se regirá por
las disposiciones de la presente ley. Este procedimiento promoverá la comunicación directa
entre las partes para la solución extrajudicial de la controversia. Las partes quedarán
exentas del cumplimiento de este trámite si acreditaren que antes del inicio de la causa,
existió mediación ante mediadores registrados por el Ministerio de Justicia.

Assim, na Argentina, o tema é objeto de estudo há mais de duas décadas.


Em razão desse fato, inúmeras obras já foram editadas naquele país 203. No Brasil,
apesar de os estudiosos do Direito só mais tarde terem começado a estudar
essa matéria, tanto no âmbito da pós-graduação (RUIZ, 2003; CALMON, 2007),

202 “Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão: I - juizados
especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o
julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor
potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses
previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau”.
203 Cf. Aloisio (1997); Álvarez, Highton e Jassan (1996); Caivano, Gobbi e Padilla (1997); Colerio e
Rojas (1998); Gozaíni (1996); Highton e Álvarez (1995); Highton, Álvarez e Gregorio (1998); Lascala
(1999); Rodríguez Fernández (2000); Rufino (1999); Schnitman (2000); Slaikeu e Zadunaisky (1996);
e Yanieri (1994).

258
Ivan Aparecido Ruiz

quanto fora dela, inúmeras obras doutrinárias já foram editadas 204.


A tendência universal que se constata é de que não se pode mais tratar o Poder
Judiciário como única forma de acesso à justiça. Esta locução — acesso à justiça — é bem
mais ampla, compreendendo não somente o acesso obtido pelas mãos do Poder Judiciário,
mas também por intermédio de outros mecanismos, como ocorre com a conciliação,
mediação e arbitragem 205. Estamos em uma nova fase. Fala-se em universalização do
acesso à justiça. Pode-se, conforme faz Carlos Eduardo de Vasconcelos (2008, p. 44):

[...] afirmar que, atualmente, um movimento universal pela efetividade do acesso à justiça
engloba pelo menos as seguintes matérias: [...]
d) A adoção da mediação paraprocessual voluntária, ampliação das oportunidades da conciliação
e da própria arbitragem no curso dos processos judiciais, inclusive medidas alternativas
reparadoras no campo penal, com fundamento nos conceitos da justiça restaurativa;
e) A difusão da mediação, da arbitragem e de outras abordagens extrajudiciais, como
procedimentos da sociedade civil enquanto protagonista da solução de conflitos, inclusive por
intermédio de núcleos comunitários e/ou instituições administradoras de mediação e arbitragem.

Dessa forma, utiliza-se aqui o termo acesso à justiça num sentido bem mais
amplo, abrangendo uma ordem de valores e direitos sublimes e fundamentais
(RODRIGUES, 1994, p. 28). Isto faz com que o acesso ao Poder Judiciário esteja
compreendido no acesso à justiça. O acesso ao Poder Judiciário, nessa relação,
estaria para o acesso à justiça numa relação de meio e fins, porém sem exclusividade.
Osmétodosautocompositivosdesoluçãodeconflitosdeinteresses,principalmente
a mediação e a conciliação, são vistos hoje como uma forma de universalização do
acesso à justiça. Atualmente, como ensina Heliana Maria Coutinho Hess (2004, 158),
“a ampla possibilidade de solucionar o litígio de forma mais flexibilizada, simplificada
e agilizada pode ser cada vez mais regulamentada por instrumentos autorizados pelo
Estado e pela descentralização da jurisdição para órgãos privados”.
Assim, deve-se, sempre, antes de utilizar um método heterocompositivo
(arbitragem e processo judicial), onde a solução dos conflitos de interesses
é imposta, tentar a autocomposição, objetivando viabilizar uma solução
consensual, principalmente quando o conflito de interesses tiver por matéria o
Direito de Família. Nesse sentido, a mediação se mostra totalmente adequada
e pertinente à espécie. Aliás, John M. Haynes (1995), ao trabalhar o conceito de
mediação, sustenta que a mesma é uma forma adequada para a resolução dos
conflitos de separação e divórcio 206.
Em verdade, quando o legislador, alterando o Código de Processo Civil
de 1973, pela Lei nº 11.441, de 4.1.2007, introduziu a separação consensual
extrajudicial e o divórcio consensual extrajudicial, como adiante se demonstrará,

204 Cf. Amaral (1994); Araújo (1999); Azevedo (2002-2005); Braga Neto (1999); Caetano (2002);
Colaíacovo e Colaíacovo (1999); Cooley (2001); Galano (1999); Garcez (2002); Grunspun (2000);
Haynes e Marodin (1996); Morais e Spengler (2008); Oliveira (1999); Serpa (1999a); Serpa (1999b);
Tavares (2002); Vezzulla (1999); e Warat (2001).
205 Não é por outra razão que se encontram, tanto na doutrina estrangeira, quanto brasileira,
várias obras que tratam os meios alternativos como uma forma de acesso à justiça. Cf., a título de
exemplo: Álvarez (2003); Lima Filho (2003); Torres (2005); e Vasconcelos (2008).
206 Veja-se o conceito do citado autor: “La mediación es un proceso en virtud del un tercero,
el mediador, ayuda a los participantes en una situación conflictiva a su resolución mutuamente
aceptable y estructurada de manera que permita, de ser necesario, la continuidad de las relacio-
nes entre las personas involucradas en el conflicto. Esta es la razón por la que la mediación es
tan adecuada para la resolución de los conflictos de separación o divorcio” (HAYNES, 1995, p. 9).

259
A mediação no direito de família e o acesso à justiça

nada mais fez do que privilegiar os métodos autocompositivos, porquanto estes


são realizados fora das asas do Poder Judiciário.

3 Notas introdutórias sobre a mediação


No processo tradicional, como método de solução dos conflitos, sempre
resultarão um vencedor e um vencido ou, pelo menos, dois vencedores em parte
e vencidos em parte.
Nem poderia ser diferente, pois, sendo o processo um método
heterocompositivo 207, onde se verifica a presença de um terceiro, o Estado-juiz,
a solução do conflito de interesses é imposta por este. Trata-se de um método
adversarial. A solução, nesse caso, é dada por esse terceiro e, muitas vezes, não
é a melhor solução, apesar de estar assentada no ordenamento jurídico. É que
nem sempre a solução proferida será justa e isenta de erro.
Mesmo assim, utiliza-se atualmente em larga escala desse método, não
obstante a crise que se presencia não só nesse instrumento, mas também no
próprio Poder Judiciário.
A sociedade, atualmente, vive em crise e, juntamente com ela, as instituições
estatais 208. O Estado abarcou uma série de atribuições, mas não está conseguindo,
com eficiência e como era de se esperar, desvencilhar-se das mesmas, cumprindo o
seu dever legal. Não é à toa que muito se fala em mudanças de paradigmas. O modelo
atual não mais responde às aspirações da população 209. Presencia-se, hodiernamente,
uma avalanche de organizações não-governamentais (ONGs). Concomitantemente,
com elas, emerge a figura do “voluntariado”, sendo que ambos vêm exercendo um
papel que até então era exercido ou pelo menos devia ser exercido pelo Estado. É o
cidadão, o particular exercendo uma atividade pública, típica do Estado. Essa mudança
pode ser constatada no âmbito do Estado-administração, contando, inclusive, com
tratamento legislativo. Observam-se, pois, mudanças e aberturas no Estado, que vem

207 A respeito dos processos heterocompositivos, cf. Martins (1986).


208 Portanto, “num momento em que toda a sociedade e também as suas instituições estão em crise,
em face das mudanças tecnológicas e comunicacionais que significaram a decadência do período que
se convencionou chamar de sociedade industrial, é mais que oportuno refletir sobre os fatores que
na prática são responsáveis pelo complexo normativo que rege a atividade e a interação humana. É
justamente em face dessas mudanças que nos perguntamos se a advocacia e o direito no qual se ba-
seia podem manter, hoje, a mesma configuração que se mostrou adequada nos períodos de relativa
estabilidade, quando essas mudanças ocorrem num ritmo quase frenético” (PONIEMAN, 1999, p. 121).
209 Oportuna, nesse contexto, a observação de Alejandro Ponieman (1999, p. 124): “É hora de assu-
mir com preocupação as indicações que a sociedade está oferecendo (leia-se desconformidade com a
Justiça, com os advogados, etc.). Perguntamos se diante do hiperdinamismo e instabilidade que, via
globalização, mostram-se em diferentes países, o direito deveria mudar na forma e no fundo. Assim
como o sistema jurídico, que após a Revolução Francesa, sofreu uma transformação, não é possível
pensar que a sociedade do século XXI exigirá sistemas e métodos também substancialmente dife-
rentes dos atuais? É notório que os mecanismos adaptativos do direito, em especial em sua versão
continental, são particularmente lentos e manifestam uma resistência estrutural à mudança. Esta é a
conjuntura e o desafio do momento e a pertinência de nos dispormos a repensar integralmente tanto
o direito como a advocacia. A opinião pública contrária é uma mensagem que não pode nem deve
ser ignorada na atual conjuntura mundial, pois, como outros setores advertiram, a globalização não
perdoa a quem se prende ao passado. [...] Uma sociedade tão hiperdinâmica requer imperiosamente
um sistema jurídico e métodos de resolver controvérsias igualmente ágeis e atualizados e além disso
idôneos para pacificar uma sociedade convulsionada. A mediação reaparece então não por acaso, mas
porque está funcionalmente apta para tanto, pois contrariamente ao que ocorre nos casos dos litígios
contribui para restaurar as relações e o necessário consenso de modo geral”.

260
Ivan Aparecido Ruiz

deixando de ser um Estado administrador e tornando-se um Estado gerenciador. O


Poder Judiciário não está imune a esses efeitos nocivos ou estranhos à funcionalidade
do seu sistema, ou seja, a esse mal que ronda a sociedade contemporânea. A
abertura do Estado também no tocante ao papel do Poder Judiciário não pode deixar
de repercutir na melhoria da Justiça, o que vem acontecendo com a expansão dos
chamados meios alternativos de solução de conflitos, onde o cidadão é chamado a
participar e contribuir para o alcance da Justiça e da paz social. Dentre esses meios,
aqui merecerá maior destaque, ainda que de forma sucinta, a mediação.
A mediação, vista como método ou procedimento alternativo, não tem a
finalidade de afastar a utilização do processo judicial e tampouco pretende-se
enfocá-la como concorrente do mesmo.210 A mediação deve ser incentivada e
utilizada ao lado do processo tradicional, funcionando como verdadeiro filtro.
Somente quando as partes não se compõem por si sós, aí sim, deverão utilizar-
se do processo.211 A intenção não é privatizar a justiça. Não se deve olvidar,
ainda, que o juiz, no exercício da jurisdição, conta com o poder de imperium, ou
seja, poderá utilizar-se da coação para cumprir os comandos judiciais. Ademais,
tem-se ciência de que os meios alternativos de resolução de conflitos não
solucionarão todos os problemas.212 Mas por que estes meios são tão defendidos
então? Basicamente dois fatores justificam o manejo da mediação, quais sejam:
1) possibilitará amenizar a crise por que passa o processo e,
consequentemente, o Poder Judiciário; e
2) a solução é encontrada pelas próprias partes, ainda que sejam
auxiliadas nesse sentido, e com a vantagem de ser uma solução não-
adversarial, alcançando-se para as partes a verdadeira justiça.
Em amparo ao que aqui se pretende sustentar, ou seja, a utilização da mediação,
inicialmente se reproduzirá o conhecido caso da disputa da laranja. Alcira Ana Yanieri
(1994, p. 1-2), ao tratar do conceito primário da mediação, relata esse caso:

Dos hermanas pequeñas discuten por una naranja, ambas la quieren y dice la menor: “es
para mí”, la otra dice: “no, es mía”. La madre cansada pone fin a la disputa. Llama a las
dos hijas, y divide la naranja cuidadosamente en dos partes exactamente iguales y las
entrega. Satisfecha la madre, vuelve a sua tarea pensando haber solucionado con justicia
el conflicto. Esta situación muestra la generalizada idea de lo que significa una solución

210 Alcira Ana Yanieri (1994, p. 126), em uma de suas conclusões a respeito do assunto, afirma
que: “La mediación es complementaria de la Justicia, no es una técnica competitiva, se cree que
estos modos alternativos de solución de conflictos son una respuesta posible al disfuncionamien-
to del servicio público de Justicia, por su lentitud, falta de eficacia, costos, etc.”.
211 Alcira Ana Yanieri (1994, p. 47), a respeito da utilização de métodos alternativos anteriormente ao
processo judicial, assim se expressa: “los métodos autocompositivos como la conciliación y la mediación
pueden actuar como filtro, reteniendo aquellas situaciones litigiosas en que aun — necesitando de auxilio
externo — pueda lograrse una solución que parta de los mismos interesados, dejando el arbitraje para
cuando no sea posible un acuerdo directo, pero exista, al menos, un grado de entendimiento mínimo, que
les permita convenir el sometimiento de diferencias al arbitraje. La justicia ordinaria quedará como re-
ducto final, reservado para los conflictos que no admitan soluciones total o parcialmente consensuadas”.
Mais adiante, prossegue ela: “Con estas técnicas — como es obvio — no se busca ‘privatizar la Justicia’,
ni se pretende quitar y/o restar protagonismo a los jueces, ni menoscabar su labor. Se procura sola-
mente complementarla, ayudando de alguna manera para que la Justicia (como un todo) sea eficiente.
El buscar nuevas alternativas para afrontar la crisis, pueden ser autocompositivos como la mediación
— tema del presente —, o bien heterocompositivos como el arbitraje” (YANIERI, 1994, p. 46-47).
212 Como acentuaM J. S. Fagundes Cunha e José Jairo Baluta (1997, p. 22), abordando a crise por
que passa a administração da justiça, não se pode perder de vista “a perspectiva de que a institui-
ção da mediação não seria o remédio suficiente para pôr fim à crise”.

261
A mediação no direito de família e o acesso à justiça

justa: un tercero neutral que reparta equitativamente aquello que está en disputa.
A primera vista, la solución parece acertada. Pero la historia no termina aquí, porque la
menor de las hermanas pela su mitad, tira la cáscara y come la pulpa; la otra al contrario,
tira la pulpa y guarda la cáscara para sazonar su torta. Vemos que la solución, aunque fue
equitativa, no fue un buen remedio.
Si la madre hubiese indagado los reales intereses, en vez de limitarse exclusivamente a
cuestiones de procedimientos (cortar la fruta en exactas mitades) o de posiciones (las dos
hermanas querían la única naranja porque tenían el mismo derecho), sin dudas averían
llegado a una solución satisfactoria para ambas, pelaba ella la naranja y entregaba toda la
pulpa a una y toda la cáscara a otra, por ejemplo.
Es más, si las partes hubiesen sabido negociar cooperativamente entre ellas, evitando el
reparto, habrían llegado a un resultado más satisfactorio.
Este ejemplo, conocido como “La disputa de la naranja”, es mencionado frecuentemente en la
literatura norteamericana relativa a la solución de conflictos para mostrar métodos alternativos.

O exemplo mostra que a Justiça foi realizada, observando-se o princípio


da igualdade, já que a decisão foi tomada buscando a equivalência de valores.
Porém, a estória deixa claro que não foi a melhor resposta dada ao caso. Se as
partes tivessem elas mesmas procurado uma solução, utilizando-se da negociação
direta, comunicando-se entre si, a solução seria outra, na qual ambas sairiam
ganhando, inclusive com mais vantagens. A decisão dada pela mãe poderia até
estar prevista na lei, mas não foi a melhor solução para o problema. Solução justa
é apenas aquela que está amparada no princípio da igualdade, no sentido de
equivalência de valores? Seria, ainda, a solução justa aquela pautada em texto de
lei? E se a lei foi editada para favorecer determinados “grupos”, para determinadas
classes detentoras do poder (econômico, político, etc.), com endereço certo?
Como se pode perceber, nas situações de conflito, a comunicação é tudo.
Se a mediação é um método de solução de conflitos não-adversarial, em que as
próprias partes chegam a um consenso, é evidente que a comunicação e a forma
dessa comunicação entre elas têm grande importância.
Delfina Linck (1997, p. 21-22), ao discorrer sobre el conflicto y su transformación,
relata duas situações nas quais se constata que a comunicação é tudo num método
não-adversarial. Refere-se a autora à colisão de dois automóveis num cruzamento
com semáforo. Na primeira situação, os condutores descem dos veículos gritando
e se insultando, ao passo que, na segunda, o comportamento é totalmente diverso,
pois, ao saírem de seus veículos, os condutores passam a questionar acerca do
estado de saúde um do outro. Retrata, assim, nesse quadro do acidente, as diversas
condutas que podem ter os envolvidos no acidente de trânsito, mostrando que a
forma de comunicação no ambiente posto é muito importante para o acirramento
ou não dos ânimos, podendo até mesmo evitar um litígio, bem como o processo.
Na verdade, deixa-se claro que a comunicação se mostra fator decisivo, pois com ela
as partes poderão, ambas, sair ganhando, diferentemente do que ocorre no método
adversarial, em que haverá necessariamente ganhador e perdedor.

4 Processo judicial (ganha/perde) versus mediação (ganha/ganha)

No processo judicial, a solução é imposta pelo Estado-juiz. Trata-se de uma


solução impositiva. Verifica-se, pois, uma ação de impor, de estabelecer, de obrigar,
de infligir. O resultado consubstancia-se numa determinação, numa ordem, numa
injunção. O juiz, ao pronunciar uma decisão ou proferir um julgamento, ou acolherá
ou rejeitará o pedido formulado pelo autor. Quando muito, poderá acolher e rejeitar

262
Ivan Aparecido Ruiz

em parte. Jamais terá, pela sistemática vigente, a possibilidade de julgar empatada a


demanda. Assim, verifica-se que sempre haverá um ganhador e um perdedor. Estar-
se-á, pois, diante do que se costuma chamar de ganha/perde. A atitude desenvolvida
nesse contexto é baseada em somente um dos lados, sendo, por isso, negativa. Toda
vez que se adota essa teoria do ganha/perde, ela acaba se deteriorando para a teoria
do perde/perde, pois o perdedor fatalmente não dará continuidade nas relações, e
aquele que foi ganhador nesse primeiro momento, na continuidade pode passar a ser
um perdedor. Tem-se, nesse caso, uma solução adversarial.
Aqui, talvez, resida a grande dificuldade em aceitar o processo judicial
como meio ideal de se solucionar os conflitos de interesses. Entende-se, pois,
não se tratar o processo judicial de meio ideal, insubstituível, muito embora nos
Estados organizados seja ele o mais utilizado, até mesmo pela autoridade de
que se reveste o Estado, e acabe sendo aceito pelas pessoas envolvidas.
De outro lado, existem outros meios para solução dos conflitos de interesses,
e, com um pouco de ousadia, entende-se que a solução a que se chega nos meios
autocompositivos de resolução de conflitos de interesses atende muito mais aos
interesses das partes, já que se está diante do que se chama de teoria do ganha/ganha.
Quando se trabalha com o ganha/ganha, a energia é positiva, favorecendo os dois lados,
criando, também, uma energia positiva para o universo. A aceitação da solução, aqui,
é muito maior, até mesmo porque são as próprias partes que chegam a esse resultado.
Trata-se, nesse caso, de uma autêntica solução não-adversarial. Ao que se percebe,
a solução dos conflitos pelos próprios interessados é o caminho a ser perseguido
pelas próximas e futuras gerações, já que se reveste de maior importância, mormente
levando-se em conta o aspecto da comunicação, o diálogo 213. A comunicação entre as
pessoas é a chave que abrirá as portas para uma vida em sociedade mais harmônica
e mais esperançosa. As pessoas, hodiernamente, não mais suportam as intrigas, as
discórdias, as imposições. Não é à toa que os métodos alternativos, em especial a
mediação, vêm ganhando foros de destaque no cenário jurídico internacional.
A doutrina vem apontando a instância judicial como o último recurso,
apresentando, para tanto, várias razões 214. Aqui nos valemos dos ensinamentos de

213 Aqui, realmente, há que se fazer uma distinção entre o ideal e o real. Pensa-se que o ideal seja
uma solução arquitetada voluntariamente pelas próprias partes interessadas. Ninguém melhor do
que as partes interessadas sabe o que é melhor para elas. No entanto, nem sempre o que muitas
vezes é o ideal é o que vige no mundo da realidade. A realidade, muitas vezes, difere do ideal. Não
se pode deixar de mencionar os litigantes contumazes, que se utilizam do processo e das regras
procedimentais para levar vantagens e aproveitar-se da parte mais fraca.
214 Um dos problemas que se tem presenciado refere-se à morosidade na entrega da prestação juris-
dicional. Essa situação delicada não é peculiaridade do Brasil, ou dos países da América Latina, mas
também ocorre em países europeus com tradição no cenário político mundial. Refiro-me ao caso espe-
cífico de Portugal. Carlos Manuel Ferreira da Silva (2002, p. 204), em recente Art. publicado na Revista
de Processo, a certa altura, assim se expressa: “O maior problema com que a Justiça Portuguesa se
debate desde há alguns anos é certamente o da morosidade causada pelo incremento exponencial do
número de processos que são introduzidos nos tribunais. Neste contexto, muitos vêm entendendo —
e nesse sentido acaba de pronunciar-se, p. ex., a Associação Sindical dos Juízes Portugueses — que a
única solução está em retirar da jurisdição comum um número substancial dos assuntos que lhe são
confiados, configurando-se a conciliação e a arbitragem como meios de obter este desideratum. [...]
Falta tradição em Portugal no sentido da arbitragem e da conciliação extrajudicial e o aumento da sua
importância prática não pode obter-se com a mera afirmação da sua necessidade, mas, sim, como a
experiência vem demonstrando, com a existência de claras vantagens para quem delas se socorra”.
Esse mesmo autor aponta os seguintes dados estatísticos, que, pela sua importância no presente
contexto, merecem aqui ser registrados: “O número de processos cíveis movimentados por ano
aumentou de 613.256 em 1993 para 1.214.190 em 1998” (SILVA, 2002, p. 204).

263
A mediação no direito de família e o acesso à justiça

Juan Pedro Colerio e Jorge A. Rojas (1998, p. 10), quando enumeram essas razões:

Varias son las razones que llevan a esta conclusión. Una de ellas es el colapso por el que
atraviesa la administración de justicia, con procesos que se dilatan interminablemente y
en los que, cuando por fin se llega a sentencia definitiva, siempre ambas partes pierden
en gastos, tiempo y esfuerzos.
Otro motivo no menos importante, reside en que muchas de las veces los verdaderos
intereses de los sujetos no llegan a ser debidamente debitados en el proceso judicial,
perdidos en una maraña de cuestiones, tales como planteos de incompetencia, incidentes de
nulidades, acuses de negligencias y caducidades, interposición de recursos, notificaciones,
etcétera, que hacen perder de vista el concreto problema real que afecta a los litigantes.
La tercera razón que ponderamos valedera para impulsar los medios de negociación asistida,
es que se trata de métodos de resolución de conflictos no adversariales. Esto es que, mientras
en el proceso judicial se agudiza el enfrentamiento, pues cada parte debe de extremar su
posición a un máximo para en definitiva tratar de obtener el mayor beneficio posible, en
la autocomposición asistida, como es la mediación, se trabaja exclusivamente sobre los
intereses de los sujetos, tratando de afirmar las coincidencias y acercar las diferencias.

5 Conceito de mediação
Conceituar a mediação não é tarefa simples, porquanto ela tem aplicação
em diversas áreas do conhecimento 215 e varia até mesmo dentro do próprio
direito. Na seara da educação, por exemplo, fala-se também em mediação
(AFONSO, 1996), assim como na esfera da psicologia. A mediação, no âmbito
do direito, quanto à sua incidência, ao contrário do que se possa pensar no
primeiro momento, a nosso ver, não é cabível somente em conflitos envolvendo
direitos disponíveis e patrimoniais. Tem ela aplicação até mesmo em casos
que envolvam direitos indisponíveis e não patrimoniais. A doutrina sustenta
a sua possibilidade em matéria de direito de família (FARINHA; LAVADINHO,
1997; GRUNSPUN, 2000; HAYNES, 1995; HAYNES, MARODIN, 1996; RIOS, 2001;
SCHNITMAN, 2000; SERPA, 1999a, YANIERI, 1994), direito ambiental, direito
penal (COSTA, 1985; HIGHTON; ÁLVAREZ; GREGORIO, 1998; MAIER, 2000),
direito do consumidor 216, conflitos empresariais (BENÍTEZ PARODI, 2006), entre
outros. Assim, elaborar um conceito estrito, preciso, é tarefa quase impossível.
Talvez em razão disso, com efeito, não há uniformidade de tratamento
quanto ao seu conceito. Este varia conforme o momento em que a mediação é
realizada (extraprocessual e endoprocessual)217 e até mesmo conforme a maneira
de o mediador agir para a solução dos conflitos de interesses (podendo apontar
ou não solução). A mobilidade e o modo de agir do mediador, no procedimento
da mediação, poderão influenciar na conceituação.
César Fiuza (1995, p. 51) afirma que:

215 A mediação, como afirma Susana Figueiredo Bandeira: “[...] é uma realidade multidisciplinar, reu-
nindo, nos seus princípios, conhecimentos a vários níveis, de Direito, Psicologia, Sociologia, no fundo
de todas as ciências sociais e humanas, daí ser a mediação tão rica e eficaz na resolução de litígios, e
por causa disso, acolhida já por inúmeros ordenamentos jurídicos” (BANDEIRA, 2002, p. 116).
216 Ada Pellegrini Grinover (1988, p. 291), tratando das controvérsias submetidas com mais
frequência aos conselhos ou juizados de conciliação, dentre outras, aponta a relativa à defesa do
consumidor.
217 Entende-se que a mediação seja sempre extraprocessual, pois, como meio alternativo que é,
jamais poderia sê-lo no curso do processo (rectius = procedimento). Se é um meio alternativo ao
processo, como método de solução dos conflitos de interesses, não se compreende que a mediação
possa ser endoprocessual. Contudo, registre-se que há quem defenda a mediação endoprocessual.

264
Ivan Aparecido Ruiz

[...] mediação é palavra polissêmica, utilizada tanto como sinônimo de corretagem,


enquanto intermediação mercantil, quanto como equivalente jurisdicional, na solução de
conflitos de interesses. Enquanto equivalente jurisdicional, a mediação ocorre quando
terceiro intervém na disputa, a fim de propor-lhe solução, ou seja, a fim de promover
acordo entre os contendores.

O presente texto não abordará a mediação como contrato instrumental da


circulação de bens ou colocação de um serviço, ou como a intervenção de uma
pessoa em negócios alheios. Nesse contexto, tem-se o contrato de mediação, o
qual vem tratado no âmbito do direito civil 218. O presente trabalho limitar-se-á
a desenvolver a mediação sob o aspecto de um equivalente jurisdicional, como
um método alternativo de solução de conflito de interesses.
Maria Celia De La Cruz Quirosa (1999, p. 21), a respeito do conceito de
mediação no direito argentino, assim se expressa: “Mediación es una negociación
colaborativa, asistida por un tercero neutral. También puede decirse que la
mediación es un procedimiento no adversarial, en que un tercero neutral ayuda
a las partes a negociar para llegar a un acuerdo satisfactorio para ambas”.
Como se percebe do conceito supra, a autora coloca em destaque a
presença de um terceiro, a sua neutralidade, atuação colaborativa, tudo no
intuito de que as partes em contenda solucionem o conflito de interesses de
uma forma satisfatória para ambos os lados. Vê-se, assim, que o mediador
nada decide. Ao contrário, por ser a mediação um método não-adversarial, o
mediador colabora, assiste as partes, a fim de que as mesmas entrem em acordo.
São as próprias partes que, cada uma valorando a sua posição, chegam a uma
composição que satisfaça a pretensão de ambas.
John M. Haynes (1995, p. 11), ao discorrer sobre o conceito, afirma que:
La mediación es un proceso en virtud del cual un tercero, el mediador, ayuda a los participantes
en una situación conflictiva a su resolución, que se expresa en un acuerdo consistente en una
solución mutuamente aceptable y estructurada de manera que permita, de ser necesario, la
continuidad de las relaciones entre las personas involucradas en el conflicto.

Catarina Araújo Ribeiro (2002, p. 38) assim se expressa acerca do conceito


de mediação no direito português:

A mediação é uma modalidade extrajudicial de resolução de litígios, informal, confidencial,


voluntária e de natureza não contenciosa, em que as partes, com a sua participação activa
e directa, são auxiliadas por um mediador a encontrarem, por si próprias, uma solução
negociada e amigável para o conflito que as opõe.

Susana Figueiredo Bandeira (2002, p. 116), também no direito português,


assim conceitua:

A mediação é uma modalidade extrajudicial de resolução de litígios, de natureza privada,


informal, confidencial, não adversarial, voluntária e de natureza não contenciosa, em que
as partes, com a sua participação activa e directa, são auxiliadas por um Mediador que
apenas assume o encargo de as aproximar, de as ajudar a encontrar, por si próprias, uma
solução negociada e amigável para o conflito que entre elas emergiu.

218 Para uma análise mais aprofundada sobre esse tema, cf., na doutrina italiana, Troisi (1995); e,
na doutrina brasileira, Carvalho Neto (1956).

265
A mediação no direito de família e o acesso à justiça

A mediação é uma realidade multidisciplinar, reunindo, nos seus princípios, conhecimentos


a vários níveis, de Direito, Psicologia, Sociologia, no fundo de todas as ciências sociais e
humanas, daí ser a mediação tão rica e eficaz na resolução de litígios, e, por causa disso,
acolhida já por inúmeros ordenamentos jurídicos.

Veja-se que a autora coloca a mediação como sendo facultativa e não


obrigatória, porquanto afirma tratar-se de método voluntário, ou seja, de um agir
espontâneo, derivado da vontade das próprias partes, não havendo imposição
de quem quer que seja.
Elena I. Highton e Gladys S. Álvarez (1995, p. 122), acerca do conceito de
mediação, assim se manifestam:

La mediación es un procedimiento no adversarial en el cual un tercero neutral ayuda a


las partes a negociar para llegar a un resultado mutuamente aceptable. Constituye un
esfuerzo estructurado para facilitar la comunicación entre los contrarios, con lo que las
partes pueden voluntariamente evitar el sometimiento a un largo proceso judicial — con
el desgaste económico y emocional que éste conlleva — pudiendo acordar una solución
para su problema en forma rápida, económica y cordial.

Roque J. Caivano, Marcelo Gobbi e Roberto E. Padilla (1997, p. 209-210),


ao discorrerem sobre o conceito de mediação, afirmam que se tem caracterizado:

[...] sencillamente como una “negociación asistida”. Con algo más de detalle podríamos
describirla como un método de gestión de conflictos en el que uno o más terceros
imparciales asisten a las partes para que éstas intenten un acordo recíprocamente
aceptable. Al carecer de autoridad para dirimir la controversia, el mediador debe aplicar
una serie de técnicas destinadas a superar las barreras de comunicación.

Marco A. Rufino (1999, p. 21), a respeito do conceito da mediação, na


jurisprudência argentina, apresenta a seguinte decisão:

Se ha definido a la mediación como un procedimiento no adversarial en el cual un tercero


neutral ayuda a las partes a negociar para llegar a un resultado mutuamente aceptable.
– Del dictamen Del fiscal de Câmara – (CNCiv., sala H, 27/10/97- Aguero, Mario O. c.
Gilberto, Cláudio A.). ED, 179, p. 506.

A mediação é um meio extrajudicial de solução de conflitos de interesses.


Costuma ter caráter confidencial 219 e a responsabilidade pela construção das
decisões cabe às partes envolvidas. É um meio autocompositivo de resolução
de conflitos, uma vez que a solução é alcançada pelas próprias partes,
amigavelmente. Consiste ela numa técnica, num método para solução de
conflitos de interesses. Nesse método, no entanto, há a presença de um terceiro,
chamado de mediador, imparcial e neutro, que nada decide. O mediador age
no sentido de aproximar as partes, mostrando a elas o que é a mediação, as
suas vantagens, auxiliando-as no sentido de que encontrem a melhor solução
220
. O terceiro, assim, funciona como um catalisador, ou seja, tem a finalidade

219 Alguns também inserem um caráter facultativo. No entanto, defende-se no presente texto o
caráter obrigatório.
220 Como ensina Susana Figueiredo Bandeira (2002, p. 116): “O Mediador é apenas um facilitador
do diálogo e da autocomposição que as partes desejam, ao tentarem chegar ao acordo, e se é certo
que nenhuma das partes ‘perde’, na realidade, pode-se dizer até que, na Mediação, ambas ‘ganham’”.

266
Ivan Aparecido Ruiz

de imprimir, na busca de solução do conflito pelas partes, maior velocidade em


suas reações, sem que se altere o processo entre elas.
Entende-se que o mediador não tem que sugerir a solução para as partes.
Elas é que deverão, dentro do contexto que se estabeleça no decorrer da mediação,
buscar a melhor alternativa para ambas. Há autores que sustentam o entendimento
de que o mediador, além de desenvolver essa técnica de aproximação, também pode
apontar eventuais soluções (RUPRECHT, 1979, p. 212; DEVEALI, 1957, p. 209; GARCIA,
1973). Contudo, assim não se pensa, porquanto se entende que essa possibilidade —
apontar soluções para as partes — é própria da conciliação e não da mediação.
O procedimento de mediação implica, como já dito, a intervenção de uma
terceira pessoa imparcial, que guia as partes, estabelece a comunicação entre elas,
para que encontrem por si mesmas a base do acordo, que porá fim ao conflito.
Trata-se de uma atividade prática, destinada a facilitar o diálogo com o objetivo de
redefinir e resolver os pontos divergentes, como uma forma de atribuir aos próprios
protagonistas do conflito a tomada de decisões a seu respeito. Para além do acordo
em certos tipos de mediação, por exemplo familiar, também se visa melhorar a
relação entre as partes envolvidas. A mediação, aqui, não só procura solucionar
o conflito de interesses existente, mas também estabelecer uma convivência
harmônica no futuro. Aí reside uma das grandes vantagens da mediação.
É a forma mais popular de solução alternativa de conflitos de interesses.
É um processo vocacionado para uma comunicação mais efetiva e utilização de
mecanismos de negociação.
Na mediação, depois de se alcançar um acordo, por natureza favorável
a ambas as partes 221, estão reunidas condições para que se mantenham as
relações que as unem, sejam elas de caráter familiar, comercial ou obrigacional.
É um processo de solução de litígios em que uma pessoa com formação
específica em mediação ajuda as partes envolvidas em um conflito a chegarem
a um acordo acerca do modo como irão solucioná-lo. O mediador, ao contrário
de um juiz estatal ou de um árbitro, não decide sobre o conflito de interesses. A
mediação é um processo não-adversarial de solução de conflitos de interesses.
A experiência tem demonstrado em diversos países, nomeadamente na
Argentina, que na mediação os adversários convertem-se em colaboradores e a equação
não é um perde/outro ganha, porquanto as duas partes ganham. Desse modo, devemos
reconhecer que não existe melhor decisão do que a vontade das próprias partes.
Não se pode perder de vista que a mediação é entendida também como um
procedimento. Aliás, é justamente nessa vertente que se pretende ver inserida a
mediação em nosso país. Nesse sentido, Luís Alberto Warat (2000, p. 4) expressa seu
conceito nos seguintes termos: “Entiendo la mediación en el derecho, en una primera
aproximación como un procedimiento indisciplinado de auto-eco-composición
asistida de los vínculos conflictivos con el otro en sus diversas modalidades”.
Uma vez fixado o seu conceito, o referido autor passa a elucidá-lo: “Es un
procedimiento, en la medida en que responde a determinados rituales, técnicas,
principios y estrategias, que en nombre de la producción de un acuerdo intentan
revisitar, psicosemioticamente, los conflictos para introducir una novedad en los
mismos”. Continuando na análise de seu conceito, esclarece:

221 Tem-se, aqui, a teoria do ganha/ganha.

267
A mediação no direito de família e o acesso à justiça

La mediación es, en segundo lugar, indisciplinada por su heterodoxia, puesto que del
mediador se exige que sepa moverse entre teorías, sin la obligación de defender un feudo
intelectual o la ortodoxia de una capilla de clase o de saber. [...]
La autocomposición de los procedimientos de mediación es asistida porque se necesita
siempre la presencia de un tercero imparcial, aunque implicado, que ayude a las partes en
su proceso de asumir “los riesgos” de su autodecisión transformadora del conflicto. Lo que
se busca con la mediación, que es un trabajo de reconstrucción simbólica, imaginaria e
sensible de producción de diferencias que permitan superar las divergencias, lo que exige
siempre la presencia de un tercero que cumpla las funciones de un terapeuta emocional. [...]
El proceso es de autocomposición en la medida en que son las mismas partes de un
conflicto las que tratan de llegar a la producción, con el otro adversario, de una diferencia
que pueda recomponer, a través de una mirada interior, los ingredientes afectivos,
jurídicos, patrimoniales o de otros tipos y generar, así, lo nuevo en el conflicto.
[...] la mediación es una forma ecológica de autocomposición en la medida en que, al
procurar una negociación transformadora de las divergencias, facilita una considerable
mejoría en la calidad de vida (WARAT, 2000, p. 5-8).

Para nós, mediação é um procedimento autocompositivo extraprocessual,


consistente num método alternativo de solução de conflitos de interesses, dotado
de técnicas, desenvolvido anexo ao Poder Judiciário, de forma obrigatória,
como requisito para o ajuizamento de futura e eventual ação judicial, com a
interferência de um terceiro, imparcial e neutro. A este cabe restabelecer o canal
de comunicação entre as partes, a fim de facilitar uma negociação entre elas, para
que possam, por si sós, chegar a um acordo a ambas favorável, não podendo o
mediador sugerir, propor ou impor nenhuma solução para a controvérsia.
Trata-se de um procedimento, uma vez que responde a determinados
ritos, ou seja, aponta as formas a que está subordinado o cumprimento dos atos
e trâmites previstos na legislação, com vistas a obter um resultado. Descreve,
em verdade, o comportamento a ser observado, o modo como se deve proceder.
Também consiste a mediação em um método que aponta o caminho pelo
qual se atinge um objetivo.
Cuida-se, ainda, de uma técnica. Nessa técnica se prevê a maneira, o
jeito ou a habilidade especial de executar a mediação, além de se incluírem
estratégias e táticas para o desenvolvimento desse meio alternativo. Desde
o primeiro contato entre as partes e o mediador, durante o desenvolvimento
do procedimento da mediação, até a conclusão dos trabalhos, é de extrema
importância o emprego de técnicas, com a finalidade de facilitar a comunicação,
a identificação dos interesses antagônicos e as possíveis opções para solução
do conflito de interesses. Um ambiente adequado, agradável, no seu aspecto
físico e geográfico, e o primeiro contato com as partes, a maneira de introduzir
o diálogo, são fatores que facilitarão em muito não só o desenvolvimento de
todo o procedimento da mediação, mas, sobretudo, o alcance de resultados
profícuos. A técnica da preparação de uma agenda organizada, com propósitos
bem delineados, favorece, igualmente, a condução dos trabalhos. Com a
utilização dessas técnicas, que parecem simples, cria-se um contexto psicológico
extremamente favorável ao procedimento da mediação como um todo.
Por fim, não é demais lembrar que todo ser humano busca evitar o
sofrimento, procurando o prazer. O conflito de interesses gera um sofrimento, o
qual deixa de existir tão logo a solução seja atingida, pois, nesse momento, se
restabelece o prazer. E o prazer será ainda maior se o conflito de interesses for

268
Ivan Aparecido Ruiz

solucionado por um método não-adversarial, posto que, nesse caso, ambas as


partes, de comum acordo, encontraram a solução. O prazer, aqui, é mútuo, já que
ambas as partes saíram ganhando. A solução não foi imposta por um terceiro.
No processo, somente uma das partes teria alcançado o prazer, permanecendo a
outra com o sofrimento, pois a decisão ditada poderia não ter sido aceita.

6 Mediação nas questões de família


Nas questões de família, que envolvem separação e divórcio, e hoje, nos casos
de dissolução de união estável, por exemplo, a mediação é de extrema utilidade,
conveniência, proveito e vantagens para as partes. É de se observar que a simples
instauração de um processo judicial nessa seara de conflitos é suficiente para a
exaltação e acirramento dos ânimos para a disputa. O ajuizamento da ação toma a
forma de uma autêntica “declaração de guerra” — a partir de então, só se fala em
ganhar ou perder, o estresse e o sofrimento são inevitáveis e as marcas indeléveis.
A questão sempre dolorosa de uma separação ou divórcio estará definitivamente
registrada nos anais do Judiciário, o que a ninguém beneficia. E isto é tão verdade
que o legislador de 1946 bem previu e quis evitar essa situação de desconforto
e prejuízo emocional quando da edição da Lei nº 968, onde se previu que o juiz,
antes de despachar a petição inicial, logo que esta lhe fosse apresentada, deveria
promover todos os meios para que as partes se reconciliassem ou transigissem
e, caso obtido um acordo, o mesmo seria anotado na própria petição inicial, que
seria devolvida ao autor, mandando-se cancelar a distribuição, de modo que nada
constaria nos arquivos do Poder Judiciário.
Em nossa proposta para o procedimento de mediação, entendemos que,
diante da situação de desentendimento conjugal, onde se tenciona a separação,
o divórcio ou a dissolução da união estável, o casal deve ficar obrigatoriamente
“convidado” a sentar-se diante do mediador, numa mesa redonda, cuja figura
solícita de pronto se diferencia da imagem austera e intimidadora do juiz,
quando então, sob o resguardo da confidencialidade (princípio da publicidade
restrita ou sigilo), ambos partirão em busca de uma solução que potencialize as
condições mais favoráveis e minimize o desgaste e o prejuízo.
Wilson José Gonçalves (1998, p. 152-154), em tese de Doutorado
apresentada perante a PUC/SP, sob a orientação de Maria Helena Diniz, aborda o
tema de forma incisiva:

A mediação na seara do direito de família tende a encontrar um profícuo terreno fértil, uma
vez que viabiliza soluções do conflito. Ou mesmo, pode detectar o seu início e dizimá-lo
por profissionais que estejam próximos aos fatos e à vida do casal. Sem contar que as
resoluções e o restabelecimento da paz efetiva-se num tempo mais rápido, obtendo-se
um menor desgaste nas relações familiares e, principalmente, evitando traumas quando
há filhos. [...]
Por tais características, a mediação familiar vem reforçar as tendências atuais em permitir
uma realização de justiça nesse campo, pois propicia um diálogo sem bloqueio, verdadeiro
entre as partes, cada qual confiando seus motivos e razões aos mediadores, com maior
autenticidade e abertura para negociação de propostas e contrapropostas, podendo
atingir um consenso satisfatório.
A mediação imbuída desse espírito, que se pauta pela mais absoluta informalidade e
simplicidade dos procedimentos das decisões em que soluções não são impostas mas
negociadas entre as partes, por autocomposição, elimina em grande parte os traumas

269
A mediação no direito de família e o acesso à justiça

gerados por decisões judiciais.


Dessa forma, a mediação no âmbito do direito de família poderia ser instituída de
modo a se transformar em condição sine qua non ao ajuizamento de qualquer ação
dessa natureza, sem retirar o mérito da conciliação promovida pelo magistrado. O que
viabilizaria uma reflexão mais profunda e detalhada, evitando o volume grande de ações
que são propostas e que se findam por vontade das partes, exatamente por se terem
iniciado de forma imatura. [...]
Esse espaço representa uma abertura no monopólio estatal da jurisdição. O que permite
um acesso facilitado para compor soluções da regularização dos conviventes, uma vez
que o Judiciário, nos moldes como se apresenta hoje, significa um poder, via de regra,
traumático para quase a totalidade das questões que envolvem a família.
O Judiciário representa uma decisão de fora para dentro, que deve ser aceita. Nos meios
não judiciais, a solução surge de dentro para fora e deve ser aceita pelos envolvidos, uma
vez que foram eles que buscaram, em seu meio uma solução para o conflito. Incentivar
que as questões privadas sejam resolvidas nessa esfera, significa, além de uma economia
de tempo e dinheiro do Poder Público, uma solução com maior aceitação e eficácia social.

6.1 Mediação e ações de estado

Em se tratando de ações de estado, ao contrário do que prescrevem os


textos da lei argentina e do projeto de lei da Escola Nacional da Magistratura
sobre mediação, entende-se e concebe-se a mediação obrigatória nos casos de
separação judicial, divórcio e guarda dos filhos 222.
Ora, a exemplo do que acontece no direito americano, com a adoção do
chamado “divórcio multidimensional” 223, dá-se por pacífica a conscientização
das limitações, restrições ou insuficiências da lei e do processo tradicional para
dirimir conflitos conjugais e disputas pela guarda de filhos. Nesse sentido, tais
questões recebem um tratamento holístico, onde se conjugam a lei, a psicologia e
a sociologia, de forma a ultrapassar e transcender a frieza e rigidez dos comandos
normativos. Afinal, trata-se de questões essencialmente humanas, que, por
conseguinte, não prescindem de um tratamento humanístico 224. É nesse contexto
que surge a figura do mediador, a propugnar pela busca de um entendimento, de
um consenso, de uma negociação, em detrimento da utilização direta do processo
judicial propriamente dito, que aqui deve ser considerado como a ultima ratio. Isso
pelas razões de seu alto custo, de sua morosidade, sem contar, principalmente,

222 Lei do Divórcio, Art. 9º: “No caso de dissolução da sociedade conjugal pela separação
judicial consensual (art. 4º), observar-se-á o que os cônjuges acordarem sobre a guarda dos
filhos”.
223 “As últimas décadas propiciaram um avanço em estudos psicológicos. A ciência criança, como
é chamada a Psicologia, passou a ser instrumento de auxílio para elementos de famílias em desa-
juste, mas o divórcio, propriamente dito, permanece visto por profissionais da saúde mental como
um processo legal, além do contexto terapêutico. Ao mesmo tempo, profissionais do direito cons-
cientizam-se, cada vez mais, das limitações da lei, para tratar dos conflitos entre cônjuges, e vêem,
na psicoterapia, um recurso de primeira linha, para a resolução de disputa. A teoria do divórcio
movimentou também estudos sociológicos. De uma visão dimensional, como um processo legal,
expandiram o divórcio para uma visão mais integrada, como um processo multidimensional, que
demanda o envolvimento de ambas as matérias, legal e psicológica, além da Sociologia” (SERPA,
1999a, p. 22).
224 Aliás, como sustenta a psicóloga Ângela Oliveira, deve-se lembrar que os separandos ou di-
vorciandos são seres humanos em sofrimento, sendo muito difícil o comportamento como seres
humanizados (OLIVEIRA, 1999, p. 136).

270
Ivan Aparecido Ruiz

com o espírito de animosidade, de “briga” 225, que a “arena judicial” 226 suscita, o
que só faz afastar o escopo precípuo do processo, que é a pacificação social227.
Por outro lado, a ausência dessa consciência da importância de uma
“negociação” 228 constitui-se na primordial barreira para a resolução do litígio ou do
conflito em si. Ora, como se alcançar uma solução pacífica partindo-se de premissas
“bélicas”, tais como a agressividade, os ataques pessoais, o desprezo pela parte
contrária, ao invés de se procurar a empatia, a qual demanda a tendência de se
colocar na posição do outro, de tentar sentir como se se estivesse na situação alheia?
Não há como se alcançar a paz despido de um comportamento ou atitudes pacíficas
— fórmula já concebida pelo consagrado e genial Albert Einstein: “Não é sábio
pretender obter resultados distintos aplicando-se o mesmo comportamento”, bem
como por um conhecido ditado popular inglês: “the more you do what you’ve always
done, the more you get what you’ve always got” 229. Torna-se mesmo despiciendo
citar gênios e provérbios para se concluir que a solução pacífica de qualquer litígio
é sempre o melhor caminho. Todavia, novamente lembramos Einstein, sem dúvida
um dos maiores ícones do raciocínio lógico e analítico, e isso não somente no
universo matemático, mas também no das relações humanas, quando sustenta
que a paz não pode ser defendida pela força, só pode ser alcançada através do
entendimento. Nossa ânsia pelo entendimento é eterna.
Tudo isso reforça a noção de que a busca pela mediação deverá, sempre
que possível, preceder o processo judicial 230. Não se pode esquecer, em
momento algum, que a predisposição para negociar deve ser permanente,
tanto para o advogado quanto para as partes, incluindo terceiros sujeitos
no processo. Cabe principalmente ao advogado, o legítimo procurador dos
interesses das partes, roborar pelo seu efetivo alcance e concretude, pois não
é outro o comando que deflui do Código de Ética e Disciplina da Ordem dos
Advogados do Brasil, nitidamente resplandecendo no caput de seu art. 2º e

225 Talvez não seja por outra razão que, no passado, autores de nomeada, como é o caso de Un-
ger, conceituavam o direito de ação como um direito em pé de guerra, reagindo contra sua ameaça
ou violação. (SANTOS, 2002, p. 148). Gabriel José Rodrigues de Rezende Filho (1965, p. 144), a
propósito do assunto, afirma: “Unger compara a ação ao direito em pé de guerra, no seio marcial,
em oposição ao direito em estado de paz, na toga.”
226 “Existe a crença de que quando dois lados opostos se confrontam na arena judicial, cada
lado apresentando sua própria versão dos fatos, a ‘verdade será revelada e a justiça será servida’”
(SERPA, 1999a, p. 68).
227 Cf. Dinamarco (1993, p. 159-167), quando trata dos escopos sociais do processo.
228 Entendida, aqui, como mediação assistida.
229 “Quanto mais você faz o que você sempre fez, mais você obtém o que sempre obteve” (Tra-
dução livre).
230 Não se deve olvidar que, no desenvolvimento do processo judicial, como lembra Ângela Oliveira,
o advogado usa de “estratégias legais que muitas vezes fomentam o litígio, no legítimo dever da
melhor defesa ao seu cliente”. Essa mesma autora, na continuidade, afirma, com muita propriedade,
que “a solução judicial pode resolver o processo, mas não interrompe a demanda nem tampouco
o deslocamento sintomático a novas lides, durante o procedimento principal, por lides marginais,
ou pelas várias revisionais, ao longo de anos”. A aludida autora vai mais longe, ao expor: “[...] é
necessário uma leitura que extrapole o âmbito legal e permita uma compreensão mais abrangente
e humanizada, que inclua o sofrimento e outros aspectos emocionais e interrelacionais. [...] Mais do
que um outro meio de solução de controvérsias, ventilado na mídia como alternativa mais rápida
ao judiciário, inegavelmente sobrecarregado e estatisticamente incapaz de processar a projetada
demanda do futuro, a mediação tem que ser ressaltada como uma mudança paradigmática e ser
promovida como a cultura de humanização de vínculos e de pacificação social, sejam estes na
separação e divórcio, ou em qualquer outro contexto” (OLIVEIRA, 1999, p. 138-140).

271
A mediação no direito de família e o acesso à justiça

parágrafo único, inc. VI 231.


Na grande maioria das vezes, lamentavelmente, o próprio advogado
figura como o principal obstáculo à realização da solução do conflito pela via
alternativa ou mesmo judicial, quando, ao invés de buscar o consenso e a
negociação, insiste em defender seu discurso legal e jurídico com o objetivo
maior de derrotar o do outro e, ao final, brilhar como vitorioso na causa,
enquanto nem sempre vitoriosas foram as pazes ou as soluções melhores para
as partes 232 233. Isso se deve à ausência de uma formação mais humanística,
em que, em lugar do estrito tecnicismo legal, fosse trabalhada e estimulada
a busca por técnicas não-adversariais. Ora, nem sempre o discurso legal do
advogado corresponde ou reflete, com autenticidade, o interesse real de seu
cliente, e é nesse descompasso que se verifica, muitas vezes, o triunfo da lei em
detrimento da própria justiça em si 234. E daí advém a ácida indagação, ou seja,
o que se alcançou efetivamente com o processo: alcançou-se a justiça? Fez-se a
justiça? Pacificou-se o conflito? Ou mais uma vez foi fomentado o voraz mercado
das causas jurídicas, onde impera o entendimento de que, quanto mais atos se
pratiquem no processo (requerimentos, audiências, incidentes, recursos, etc.),
maior será o retorno de ordem financeira para o seu operador, com absoluto
desprezo pelas íntimas pretensões das partes e pelo interesse do Estado, que,
afinal, é o legítimo patrocinador e prestador da tutela jurisdicional?
Tanto é flagrante esse contexto que espocam as observações dos analistas
jurídicos, tais como Alessandra Gomes do Nascimento Silva (2002, p. 22-23),
que aponta:

A primeira barreira que encontramos numa negociação difícil somos nós mesmos. É
bastante árduo defrontar-se com um colega advogado que não tem a mínima noção do
que vem a ser negociar. Chega a ser irritante ouvi-lo alardeando todas as medidas judiciais

231 “Art. 2º. O advogado, indispensável à administração da Justiça, é defensor do estado demo-
crático de direito, da cidadania, da moralidade pública, da Justiça e da paz social, subordinando
a atividade de seu Ministério Privado à elevada função pública que exerce. Parágrafo único. São
deveres do advogado: [...] VI - estimular a conciliação entre os litigantes, prevenindo sempre que
possível a instauração de litígios.”
232 Fernando da Costa Tourinho Filho (1982, p. 302), noutro contexto (do Ministério Público,
natureza de sua funções), mas que tem inteira aplicação no raciocínio que ora se desenvolve, traz
interessante lição que merece ser aqui transcrita: “O Ministério Público é o representante da lei. É
a encarnação do espírito da lei. E por que se diz isso? Responde Alcalà-Zamora: ‘Lo que con ello
se quiere significar más bien, es la objetividad e imparcialidad con que el Ministerio Público deve
actuar’. De fato, a verdadeira norma de conduta de um Promotor não é a de converter a desgraça
alheia em pedestal para os seus êxitos e ‘cartaz para a sua vaidade’. ‘No: la verdadera norma de
conduta de un Fiscal (Promotor) debe ser la de comportase como un Juez’”.
233 É sabido que “os advogados cultivam mais a postura litigiosa do que a consensual” (Trecho
da Exposição de Motivos do Anteprojeto de Lei sobre a mediação no processo civil do Instituto
Brasileiro de Direito Processual e da Escola Nacional da Magistratura).
234 E é nesse foco que se destaca a observação de Corinne M. Davis (2001, p. 127): “O estilo
informal da mediação permite às partes discutirem seus conflitos usando um discurso não-legal.
O’Barr e Conley examinaram os efeitos do uso de um discurso legal (dedutivo, testando alguma
hipótese) versus um discurso não-legal (indutivo, conversacional). Chegaram à conclusão que,
embora a satisfação do litigante possa ser maior, a efetividade do discurso não-legal no ambiente
legal era menor. Isto se deve ao fato de os agentes legais (juízes, advogados e mediadores) esta-
rem treinados a usar um discurso legal e casos apresentados num discurso não-legal serem menos
convincentes para estes agentes. Então, argumentam que a estrutura informal da mediação pode
prover mais satisfação para o litigante, dado que os litigantes podem usar um discurso não-legal,
mas que pode ultimamente ser uma desvantagem na apresentação do caso a um agente legal”.

272
Ivan Aparecido Ruiz

que poderá intentar, fazendo do encontro uma oportunidade para unicamente enfatizar
o poder de sua tese jurídica. Isso sem falar nos ataques pessoais, a você e seu cliente.
Esse tipo de ataque pessoal é a primeira coisa que deve ser esquecida pelo negociador
como ferramenta. Não há como se chegar a uma solução negociada atacando as pessoas
envolvidas no processo. Assim agindo só se conseguem a represália e a retaliação, não o
acordo. [...] Nunca ignore que a negociação é um processo que envolve seres humanos.
Ainda que esteja em jogo uma transação empresarial, são pessoas que estão ali sentadas
em volta da mesa tentando chegar a um acordo.

Em face dessa realidade, o nosso entendimento e proposta são de que o


germe dessa nova concepção jurídica deve partir das escolas ou academias de
Direito 235. Deveriam, obrigatoriamente, constar das suas grades curriculares
disciplinas tais que efetivamente delimitassem, de forma nítida, essas noções
na formação do profissional do Direito, em especial do advogado, no sentido da
indeclinável valorização da harmonia social, acima de tudo.
Nesse contexto, menciona-se a crítica elaborada por Cláudio Lemes Fonteles
(1996, p. 262-263):

18. De plano impõe-se a atenção à formação universitária do advogado.


19. As faculdades de direito deixam muito a desejar.
20. Em sua maioria entregues a “empresários do ensino”, fornecem — fornecem mesmo?
— reduzidíssima aptidão profissional. [...]
22. Os bons propósitos, todavia, conturbam-se com o excessivo número de alunos em
sala de aula: 70; 80; 90; 100; e mais de 100 alunos numa única classe!!! [...]
25. Hoje, o fraco ensino, teórico e personalista, desvirtua claramente o fundamental papel
reservado a esses profissionais, como operadores de transformação social na linha de
formação de sociedade autenticamente democrática.

Todavia, em que pese o exposto, não se pode afirmar que o nosso


direito esteve totalmente alheio a essa forma de solução dos conflitos
(autocomposição) na órbita do direito de família, se bem que se fala em
conciliação e não em mediação. Quando do tratamento da ação de separação
judicial litigiosa e de alimentos, previu a Lei nº 968, de 10.12.1949 236, em
especial no seu art. 1º, que: “Nas causas de desquite litigioso e de alimentos,
inclusive os provisionais, o juiz, antes de despachar a petição inicial, logo
que esta lhe seja apresentada promoverá todos os meios para que as partes
se reconciliem, ou transijam, nos casos e segundo a forma em que a lei
permite a transação”. Também o Código de Processo Civil vigente não se
mostrou afastado dessa possibilidade, tanto que, no parágrafo único do art.
447237, admitiu, em causas relativas à família, a conciliação, nos casos e para
os fins em que a lei consente a transação.
Nas causas de família, a mediação, principalmente nos processos de

235 Nos EUA, por exemplo, essa preocupação de ensinar e estudar as ADR não se limitou somente
às faculdades de Direito, mas também teve ensinança nas escolas secundárias e primárias (HIGH-
TON; ÁLVAREZ, 1995, p. 152).
236 Estabelece a fase preliminar de conciliação ou acordo nas causas de desquite litigioso ou de
alimentos, inclusive provisionais, e dá outras providências.
237 “Art. 447. Quando o litígio versar sobre direitos patrimoniais de caráter privado, o juiz, de
ofício, determinará o comparecimento das partes ao início da audiência de instrução e julgamen-
to. Parágrafo único. Em causas relativas à família, terá lugar igualmente a conciliação, nos casos
e para os fins em que a lei consente a transação”.

273
A mediação no direito de família e o acesso à justiça

separação judicial 238 e de divórcio, constitui-se em alternativa ao processo


litigioso, quando as partes buscam encontrar, por si mesmas, as bases de uma
transação duradoura e mutuamente aceitável, tendo em conta as necessidades e
interesses não só dos cônjuges, mas, sobretudo, da própria família, em especial
dos filhos, com o espírito de co-responsabilidade parental 239.
Com a mediação familiar, assim, as partes podem chegar a acordos
seguindo suas próprias normas, ou nos termos em que elas decidam e aceitem
a ajuda de uma pessoa neutra e sem capacidade para decidir, mas a serviço do
alcance da melhor solução para todos.
Sendo a mediação um método não-adversarial de gestão de conflitos de
interesses, onde figura um terceiro neutro — o mediador — com a função de ajudar
as partes a negociar a partir de uma colaboração recíproca, conclui-se tratar de um
excelente e eficaz método para solucionar querelas no âmbito familiar. Atenua o litígio,

238 Há bastante divergência, em sede doutrinária e jurisprudencial, acerca do entendimento sobre a


eliminação ou não da separação no Direito Brasileiro, mas parece que a tese que vai predominando é a
de que não mais há que se falar em separação no Direito brasileiro, tese à qual o signatário do presente
artigo se filia. A propósito, confira-se: “Apelação Cível – Direito de Família – Separação Judicial Litigiosa
– Conversão em Divórcio – Emenda Constitucional nº 66/2010 – Possibilidade – Regime de Comunhão
Parcial – Artigos 1.658 e 1.659 do Código Civil – Bens Adquiridos Após a Separação de Fato – Incomu-
nicabilidade – Litigância de Má-Fé – Não Configurada.- Embora permaneçam, ainda, no Código Civil,
alguns dispositivos que tratam da separação judicial (arts. 1.571 e 1.578), a partir da edição da Emenda
Constitucional nº 66/2010, não há mais a possibilidade de se buscar o fim da sociedade conjugal por
meio deste instituto, mas, tão somente, a dissolução do casamento pelo divórcio.- Verificando que o
bem objeto do litígio foi adquirido após a separação de fato do casal, e, considerando o disposto nos ar-
tigos 1.658 e 1.659 do Código Civil, que tratam do regime da comunhão parcial de bens, não há que se
falar em partilha.- O abuso do direito de demandar resta configurado, apenas, quando patente a vontade
de causar prejuízo à parte contrária”. (TJMG, Apelação Cível nº 1.0487.06.021825-1/001(1), Relator:
Des. DÁRCIO LOPARDI MENDES, data do julgamento: 20/01/2011, data da publicação: 07/02/2011).
“SEPARAÇÃO CONSENSUAL – AJUIZAMENTO ANTERIOR À EC 66/2010 – ADAPTAÇÃO DO PEDIDO À
NOVA ORDEM CONSTITUCIONAL – POSSIBILIDADE – OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDA-
DE, ECONOMIA, CELERIDADE E EFETIVIDADE PROCESSUAIS - INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO CPC. A EC
66/2010 não revogou as disposições contidas na Lei 6.515/77 e aquelas do Código Civil, permitin-
do, apenas, às partes optarem pela forma de pôr fim à vida em comum, ou seja, o divórcio não está
mais condicionado à comprovação de anterior separação de fato ou judicial. As disposições contidas
no Código Civil e na Lei 6.515/77 continuam, no entanto, vigorando e tendo aplicabilidade. À luz
do princípio da razoabilidade, da celeridade e da economia processuais, bem como da efetividade
do processo, deve o Juiz, nos processos em andamento, proporcionar às partes a oportunidade de
emendarem a inicial, adaptando-se o pedido ao novo comando constitucional - EC 66/2010 - sem que
tal solução constitua ofensa ao art. 264 do CPC”. (TJMG, APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0011.10.000370-3/001,
Relator: Des. WANDER MAROTTA, data do julgamento: 09/11/2010, data da publicação: 26/11/2010).
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO QUE NÃO RECEBEU A INICIAL DA AÇÃO DE DIVÓRCIO CONSEN-
SUAL, DETERMINANDO A SUA EMENDA, SOB PENA DE INDEFERIMENTO, TRANSFORMANDO-A EM AÇÃO
DE SEPARAÇÃO JUDICIAL. EMENDA CONSTITUCIONAL 66/2010. NOVA REDAÇÃO AO § 6º DO ARTIGO
226 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. VIGÊNCIA DA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL (ARTIGO 1.580
DO CÓDIGO CIVIL). REQUISITOS PRESERVADOS, POR ORA. 1. A aprovação da Emenda Constitucional nº
66/2010, ao dar nova redação ao § 6º do artigo 226 da Constituição Federal, que dispõe sobre a disso-
lubilidade do casamento civil pelo divórcio, efetivamente suprimiu, do texto constitucional, o requisito
de prévia separação judicial por mais de 1 (um) ano ou de comprovada separação de fato por mais de
2 (dois) anos. 2. Não houve, porém, automática revogação da legislação infraconstitucional que regu-
lamenta a matéria. Para que isso ocorra, indispensável seja modificado o Código Civil, que, por ora,
preserva em pleno vigor os dispositivos atinentes à separação judicial e ao divórcio. Inteligência do art.
2º, § 1º, da Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-Lei nº 4.657/42). Por maioria, vencido o relator,
negaram provimento ao Agravo de Instrumento”. (Agravo de Instrumento Nº 70040086829, Oitava Câ-
mara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 24/02/2011).
239 A respeito da mediação no Direito de Família, Barbosa (1998); Cima de Esteve (1999); Fan-
zolato (1999); Martínez I Camps (2001); Pasquet (2002); Valle Ariza (1999); Vecchi; Greco (1999).

274
Ivan Aparecido Ruiz

satisfaz as necessidades das partes, reforça a cooperação e o consenso, evitando o


tremendo desgaste psico-emocional que de rotina acontece em tais contextos.
A mediação, além de buscar uma solução mutuamente aceitável,
está estruturada de modo a manter a continuidade das relações das pessoas
envolvidas no conflito (HAYNES; MARODIN, 1996, p. 11). Ora, se a mediação
está assim estruturada, em se tratando de direito de família 240, mais do que em
qualquer outra matéria ela se mostra mais apropriada como meio de solução
do litígio. Nesses tipos de causas, por existir um forte vínculo de parentesco
ou afetividade, mormente no que se refere aos filhos, essa continuidade nas
relações das pessoas se constitui num louvável imperativo 241.
Apesar de essa colocação parecer tão óbvia e clara, o nosso direito
permanece ainda inerte à provocação que a mediação inspira, sendo que, mesmo
considerando-se o avanço jurídico ilustrado pelo projeto de lei da Escola Nacional
da Magistratura, as questões de família encontram-se excluídas do aconchegante
agasalho oferecido pelo instituto da mediação. Saliente-se, também, que o Projeto
do Novo Código de Processo Civil, elaborado pela Comissão de Juristas instituída
pelo Ato do Presidente do Senado Federal n. 379, de 2009, destinado a elaborar
anteprojeto de Novo Código de Processo Civil, que, inclusive, já tramitou no Senado
Federal (Projeto de Lei n. 166/2010), tendo logrado aprovação, e que, atualmente,
tramita na Câmara dos Deputados, pouca atenção deu ao tema Mediação, limitando
o tratamento do Mediador, ao lado do Conciliador, como Auxiliares da Justiça
(arts. 144 usque 153). Acredita-se que o Legislador está perdendo uma grande
oportunidade para avançar no tema da Mediação e, em particular, na Mediação
Familiar 242. É o que vem cada vez mais reforçar a nossa proposta de urgência da
humanização da tutela jurisdicional, principalmente no direito de família, traduzida
na obrigatoriedade da aplicação da mediação como condição da ação.
Na Argentina, pela Lei nº 24.573, art. 2º, nº 2, foi afirmado que o
procedimento da mediação obrigatória não se aplica às ações de separação,
divórcio, nulidade de matrimônio, filiação e pátrio poder. Osvaldo Alfredo Gozaíni
(1996, p. 55), comentando esse art. 2º, afirma que “La supresión en la ley de
llevar a mediación estas cuestiones parece incongruente, toda vez que resulta
uno de los campos más propicios para intentar el ensayo que se propone”.
Mas, felizmente, não é o que ocorre no direito comparado. Na Espanha, a

240 Direito de família entendido, aqui, como o direito constituído pelo direito matrimonial, o di-
reito do parentesco e o direito assistencial. Cf., a respeito, Gomes (1994, p. 2-3). Acrescente-se,
ainda, o direito oriundo das relações estáveis e monoparentais, conforme preceitua o Art. 226,
parágrafos 3º e 4º, da CF/88.
241 Como ensinam John M. Haynes e Marilene Marodin (1996, p. 11), a mediação é idealmente apro-
priada para os conflitos familiares. A essa conclusão, esses autores chegam após teceram o conceito
de mediação. Afirmam os citados autores: “A mediação é um processo no qual uma terceira pessoa
estranha — o mediador — auxilia os participantes na resolução de uma disputa. O acordo final re-
solve o problema com uma solução mutuamente aceitável e será estruturado de modo a manter a
continuidade das relações das pessoas envolvidas no conflito. Para resolver a disputa os participan-
tes devem negociar uma solução e esta etapa já faz parte do processo das negociações. Como a re-
solução do problema envolve mais do que uma pessoa, a solução escolhida deve satisfazer todos os
participantes na disputa. Os participantes devem negociar qual solução ou combinação de soluções
são aceitáveis para todos. Por isso a mediação é idealmente apropriada para disputas familiares.”
242 Em Portugal, conforme se vê do Despacho n. 18.778/2007, do Ministério da Justiça, Gabinete
do Secretário de Estado da Justiça, foi regulada a atividade do Sistema de Mediação Familiar (SMF).
Aliás, a propósito do tema, no âmbito da Doutrina, no Direito Português, consulte-se Silva (2009).

275
A mediação no direito de família e o acesso à justiça

respeito da mediação familiar, encontram-se leis específicas, como é o caso da


Ley nº 1/2001, de 15.3, de mediación familiar de Cataluña, da Ley nº 2/2001,
de 31.5, reguladora da mediación familiar da comunidad autónoma de Galicia,
e da Ley nº 7/2001, de 26.11, normatizadora da mediación familiar no ámbito
da comunidad de Valencia.
A Ley nº 1/2001, de mediación familiar de Cataluña, no capítulo das
disposições gerais, art. 1º, trata do objeto. Diz o texto da referida lei:

Artículo 1. Objeto.
1. La presente Ley tiene por objeto regular la mediación familiar como medida de apoyo
a la familia y como método de resolución de conflictos en los supuestos que recoge la
presente ley, para evitar la apertura de procedimientos judiciales de carácter contencioso
y poner fin a los ya iniciados o reducir su alcance.

Em Portugal, atualmente, desenvolvem-se estudos preliminares para uma


regulamentação legal da mediação familiar, consoante se constata do artigo
intitulado Mediação familiar, de Paula Luca Rios (2001).
Entendendo ser a mediação cabível e altamente proveitosa no âmbito do
direito de família, importante destacar que teria de ser introduzida nos estudos
do bacharelado em Direito como disciplina curricular obrigatória para a formação
do advogado.
A esse respeito, confira-se:

La otra cuestión a tener en cuenta es la predisposición de los abogados que asisten al requirente
y al requerido en la etapa prejudicial de mediación. La formación del abogado en nuestras
universidades está prevista, en general, para el litigio. Él es el experto que en el proceso judicial,
de neto corte adversarial, mejor elabora la estrategia procesal para defender el derecho de su
cliente frente al contrario. Y como la mediación es otra cosa, los protagonistas son los propios
interesados y se trabaja sobre sus intereses, muchas veces sucede que el abogado, celoso
protector de su cliente, pretende in voce frente al mediador, explicar los hechos como si se
tratara de una demanda, frustrando así la espontaneidad del cliente y la búsqueda de sus
verdaderos intereses. De allí, como señala Bianchi (1996, p. 162), el abogado deberá adaptarse
a este nuevo entorno en el que pude encontrar muchas posibilidades de realización humana y
profesional, donde con discreción y sin ceder un ápice de lo que conoce teórica y prácticamente,
estará haciendo un aprendizaje de modestia y humanidad. Por eso dice Moore (1995, p. 181)
que, en general, los abogados están adiestrados para desarrollar una defensa en relación con
determinada solución o posición, y es posible que clasifiquen las alternativas de solución en
términos de acertadas o equivocadas, o que formulen opciones en las cuales puede responderse
por sí o por no. El éxito de la negociación depende, en cambio, de las decisiones basadas en
la cooperación y la integración, más que en las alternativas que imponen rígidamente una
elección en determinado sentido. Los mediadores pueden atenuar el antagonismo recibiendo a
los abogados como asesores legales pero no como negociadores subrogados.
1.7 La necesidad del cambio de las pautas culturales
En realidad, se trata de una cuestión cultural y de educación, que debe comenzar en las
universidades preparando al futuro abogado en técnicas no adversariales, para que limite
su papel en la mediación al asesoramiento, cuando éste le es requerido, al control de la
neutralidad del mediador y a que la solución a la que se arribe contemple adecuadamente
los derechos e intereses de su cliente, conforme con la ley aplicable al caso. (COLERIO;
ROJAS, 1998, p. 13-14).

Na separação ou divórcio por órgãos do Poder Judiciário,

Comumente, o processo se inicia com um dos cônjuges procurando um advogado,


dando seu relato do por que querem se separar. São depoimentos vários, carregados
de sentimentos de mágoas, raivas, dúvidas, medos, desejos não correspondidos, outros

276
Ivan Aparecido Ruiz

tantos a serem conquistados, ou ressarcidos, pela atuação do advogado. O impacto


emocional do cliente e sua história atingem o advogado e o influenciam em condutas
futuras, a saber da orientação jurídica e proposição de estratégias de ação.
Ademais do fato de ser a separação um período altamente sofrido, este sofrimento é
potencializado ao extremo pelo sistema jurídico.
O sistema, conduzido pelas estratégias dos advogados e somado pelo formalismo dos
procedimentos e pela sobrecarga dos processos que abarrotam os tribunais, tomando-se
como referencial a experiência vivida pelos clientes (os separandos) no decorrer das ações,
adiciona grande parcela de sofrimento à dor da separação, é responsável pelo aumento de
litígio entre as partes e por sequelas no futuro da família binuclear. (OLIVEIRA, 1999, p. 137).

As causas de família — separação judicial litigiosa e divórcio judicial litigioso


— são de jurisdição necessária. Sendo de jurisdição necessária, como se falar,
então, em procedimento de mediação para as mesmas? O procedimento prévio de
mediação, pela nossa proposta, além de obrigatório, é anterior ao processo judicial.
Então, como compatibilizar essas causas com o procedimento de mediação? O
procedimento de mediação em tais casos funcionaria como um excelente meio,
método eficaz, mecanismo preventivo, e até mesmo como um remédio para
restabelecer a sociedade conjugal, logrando-se, porventura, uma reconciliação.
Havendo reconciliação, pacificou-se o conflito de interesses e, portanto, não
há que se cogitar de processo judicial, felizmente. Assim, o procedimento de
mediação teria funcionado como verdadeira “medicina preventiva”.
Se as partes, com o auxílio do mediador, chegaram a um acordo, acredita-
se perfeitamente na possibilidade de se documentar tal ato perante o próprio
mediador, remetendo o termo de mediação ao cartório competente para os registros
e averbações necessárias. Isso implicaria, de plano, em diminuição de despesa para
o Estado e, também, de processos que tramitam perante o Poder Judiciário, que, se
convenha, faria melhor em manter-se fora de tais questões tão íntimas.
Aliás, vale a pena destacar os ensinamentos de Alfredo de Araújo Lopes
da Costa (1954, p. 71), quando escreve sobre os órgãos públicos da jurisdição
voluntária:

33. Os feitos da chamada jurisdição voluntária estão distribuídos entre autoridades


administrativas e autoridades judiciárias, sem embargo de sua natureza permanecer a
mesma — administrativa.
O critério de distribuição é mais político do que jurídico. A prova está em que, por exemplo,
em algumas legislações, como a do México, o expediente do desquite amigável corre perante
o oficial do Registro Civil, enquanto em outras, como a nossa, a competência é de juiz.

A inserção da mediação em causas dessa natureza é, de maneira


inquestionável, sinônimo de avanço social, maturidade legislativa e incremento
na efetividade e na pacificação social. Tanto isso é verdade que, como se
demonstrará a seguir, entre nós já houve um avanço significativo, pois foram
introduzidos no ordenamento jurídico brasileiro a separação consensual
extrajudicial e o divórcio consensual extrajudicial, se bem que por meio de
escritura pública (Lei nº 11.441, de 4.1.2007). Registre-se que, em parte, essa
postura foi objeto de nossa defesa, quando do Doutorado perante a Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), no ano de 2003, já que se defendeu
a possibilidade de se registrar o próprio termo de mediação junto ao cartório
de registro civil, não havendo, porém, a necessidade de lavratura de escritura
pública, e o seu posterior registro. É a redução do montante das despesas, para

277
A mediação no direito de família e o acesso à justiça

tornar o acesso à justiça ainda mais efetivo.

6.2 A separação consensual extrajudicial243 e o divórcio


consensual extrajudicial
A Lei nº 11.441, de 4.1.2007, por meio de seu art. 3º 244, alterou
dispositivos da Lei nº 5.869, de 11.1.1973 (Código de Processo Civil),
possibilitando a realização da separação consensual e do divórcio consensual
por via administrativa. Cunham-se, dessa forma, em nossa legislação, a chamada
separação consensual extrajudicial e o divórcio consensual extrajudicial. É, pois,
a chamada “separação extrajudicial” e “divórcio extrajudicial”. O preâmbulo da
lei mencionada utiliza-se da locução “separação ou divórcio administrativo” 245.
Apesar de tratada a matéria no âmbito do Código de Processo Civil, a
“separação consensual extrajudicial” ou o “divórcio consensual extrajudicial” não
se caracterizam como ato processual, processado em juízo, já que o ato jurídico
é realizado perante um cartório do foro extrajudicial. Poder-se-ia, diante disso,
pensar numa ofensa ao princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional,
por força do inc. XXXV do art. 5º da Constituição Federal de 1988, porquanto
a Lei nº 11.441/2007 estaria excluindo da apreciação do Poder Judiciário tal
matéria. Mas isso não ocorre e, consequentemente, não há que se falar em
ofensa ao dispositivo constitucional, uma vez que essa nova modalidade de pôr
fim à sociedade conjugal ou ao próprio casamento, pela citada lei, é facultativa e
não obrigatória, ou seja, não se fecharam as portas do Poder Judiciário, e aquele
que pretender utilizar dos serviços do Poder Judiciário para tal finalidade poderá
fazê-lo. Consoante ensina Misael Montenegro Filho (2008, p. 962):

Os procedimentos de separação e de divórcio extrajudicial não ferem o direito de ação


(de logo afastando a possibilidade do ingresso da ação de inconstitucionalidade por
esse fundamento), uma vez que não são de uso obrigatório, mas faculdade conferida
aos separandos ou aos divorciandos, que podem rejeitar a instauração do processo de
separação ou de divórcio (por lógico, amigável) no seu modo tradicional, preferindo
realizá-los no cartório, através de escritura pública, de forma simplificada.

243 Ante a divergência nos tribunais acerca da coexistência da separação judicial no ordenamen-
to jurídico, mesmo após o advento da Emenda Constitucional n. 66/2010, entende-se oportuno,
ainda, o tratamento da matéria dessa forma, como está no texto. Aliás, pensa-se que esta forma
de exposição possibilita uma maior reflexão e compreensão por parte do leitor sobre a temática.
244 O texto do art. 3º da lei mencionada é o seguinte: “Art. 3º. A Lei nº 5.869, de 1973 – Código
de Processo Civil passa a vigorar acrescida do seguinte artigo 1.124-A: ‘Art. 1.124-A. A separação
consensual e o divórcio consensual, não havendo filhos menores ou incapazes do casal e observa-
dos os requisitos legais quanto aos prazos, poderão ser realizados por escritura pública, da qual
constarão as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns e à pensão alimentícia
e, ainda, ao acordo quanto à retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou à manutenção do
nome adotado quando se deu o casamento. §1º A escritura não depende de homologação judicial
e constitui título hábil para o registro civil e o registro de imóveis. §2º O tabelião somente lavrará
a escritura se os contratantes estiverem assistidos por advogado comum ou advogados de cada
um deles, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial. §3º A escritura e demais atos
notariais serão gratuitos àqueles que se declararem pobres sob as penas da lei’.”
245 Essa locução, entende-se, não é a mais adequada. Não se realiza a separação ou divórcio con-
sensual na via administrativa, mas sim, perante um órgão estatal, vinculado ao Poder Judiciário, do
foro extrajudicial. Com efeito, o mais adequado é falar-se em “separação consensual extrajudicial
ou divórcio consensual extrajudicial”.

278
Ivan Aparecido Ruiz

7 A contribuição dos meios consensuais de resolução de


conflitos no acesso à justiça

Surgindo no âmbito de família os conflitos de interesses, como em todo e


qualquer tipo de conflito de interesses, a resolução se impõe. Como já afirmado
anteriormente, a autocomposição, seja pela conciliação, seja pela mediação, é a
forma que deve ser preferencialmente utilizada e incentivada, ante as inúmeras
vantagens dela decorrentes.
A conciliação nunca é jurisdição (RUPRECHT, 1979, p. 201), com esta
não se confundindo. Na jurisdição, a solução do conflito é imposta por ato de
terceiro, no caso, o Estado-juiz. Há, nesse caso, decisão, julgamento, enfim,
pronunciamento judicial. Na conciliação, ao revés, não obstante a presença de
terceiro,246 que não será necessariamente o Estado-juiz, ou um representante
deste, a solução depende da vontade dos sujeitos envolvidos na controvérsia.
Daí resultar a sua natureza contratual, pois se trata de meio de solução, mas por
vontade das próprias partes. A conciliação difere da transação247 e da mediação,248
249
pois nestas não há necessidade da autoridade do juiz, enquanto a conciliação
é atividade do juiz.250 Entende-se que a conciliação só pode ocorrer de forma
endoprocessual, ou melhor, no curso do processo, ao passo que a mediação
deve ocorrer somente fora do processo, extrajudicialmente. Também pode ser
apontada uma outra diferença entre ambas, qual seja, o fato de o conciliador
poder sugerir, apontar o modo de solucionar os conflitos de interesses, enquanto,
na mediação, o mediador não poderá fazer qualquer sugestão, devendo as

246 Observe-se que esse terceiro simplesmente presta uma ajuda às partes, a fim de que estas
possam se entender por sua própria vontade.
247 No entanto, é de se observar que a transação, quando judicial, é consequência da conciliação.
Resulta, pois, a transação, nesse caso, da conciliação.
248 Esta, dependendo do tratamento legislativo, poderá ser extrajudicial ou judicial. A extrajudicial
será realizada por um terceiro que, necessariamente, não precisa ter conhecimentos jurídicos. Quan-
do realizada judicialmente, deverá ser realizada também por um terceiro, no caso, por um auxiliar da
justiça. Na Argentina, por exemplo, a mediação é sempre extrajudicial. No Brasil, pelo projeto de lei
que tramita no Congresso Nacional, a mediação tanto poderá ser judicial, quanto extraprocessual.
249 Mozart Victor Russomano (1960, p. 1463-1464), no âmbito do direito do trabalho, a respeito
dessa diferenciação, assim se manifesta: “A conciliação distingue-se da transação e da mediação. A se-
melhança que possa existir entre a conciliação e a transação não as identifica. Na transação, atuam as
vontades das partes; na conciliação, como diz Villarreal, interfere a vontade do Estado, representado
pelo juiz que a propõe aos litigantes. Dessa forma, enquanto a transação é medida espontânea e vo-
luntária, a conciliação é proposta, obrigatoriamente, a todos quantos comparecerem perante a Justiça
do Trabalho, sendo sugerida pelos representantes do Estado. Por outro lado, enquanto a mediação
pode ser espontânea ou provocada, a conciliação será, sempre, obtida mediante certos atos judiciais,
como a interposição da demanda — diz ainda Villarreal. Aponta, também, Carnelutti uma diferença
entre a conciliação e a mediação com base na finalidade a que ambas se destinam, relativamente à
ideia da justiça. Aquela tende a uma composição justa; esta se limita a resolver a controvérsia”.
250 José Eduardo Carreira Alvim (1995, p. 46), tratando dos conciliadores privados e atividade
jurisdicional, afirma: “A mim me parece que, antes que a lei disponha a respeito, conciliação conti-
nua sendo ato jurisdicional e, portanto, atribuição do juiz, que não pode delegá-la a outrem, ainda
que serventuário da justiça”.
A conciliação tanto é ato do juiz que Marcos Afonso Borges a conceitua como “[...] meio através
do qual, no processo, as partes encerram a lide, mediante provocação do juiz” (LIMONGI FRANÇA,
1977, p. 113-114).
José Celso de Mello Filho (1975, p. 238) também afirma que a “[...] tentativa de conciliação, que
constitui ato privativo do juiz, deverá realizar-se antes de iniciada a instrução”.

279
A mediação no direito de família e o acesso à justiça

próprias partes envolvidas nos conflitos de interesses gerarem as possíveis


formas de solução. No entanto, se se analisar pelos aspectos teleológicos, não se
vislumbrará diferença entre conciliação e mediação, porquanto as duas têm como
missão resolver consensualmente os conflitos de interesses, restabelecendo a
pacificação social. Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e
Cândido Rangel Dinamarco (2006, p. 34), ao tratarem dos meios alternativos de
pacificação social, assim se manifestam:

A mediação assemelha-se à conciliação: os interessados utilizam a intermediação de um


terceiro, particular, para chegarem à pacificação de seu conflito. Distingue-se dela somente
porque a conciliação busca, sobretudo, o acordo entre as partes, enquanto a mediação
objetiva trabalhar o conflito, surgindo o acordo como mera consequência. Trata-se mais
de uma diferença de método, mas o resultado acaba sendo o mesmo.

Por outro lado, já se afirmou que o advogado, indispensável à administração


da justiça,251 aquele que tem contato num primeiro momento com a(s) parte(s),
é o primeiro juiz da causa.
O Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil, no Título
I – Da ética do Advogado, Capítulo I – Das regras deontológicas fundamentais,
precisamente no art. 2º, parágrafo único, inciso VI,252 afirma que é dever do
advogado estimular a conciliação entre os litigantes, prevenindo, sempre que
possível, a instauração de litígios.
No caso específico da separação, do divórcio ou da dissolução da união
estável, presente o conflito de interesses, deve o advogado, nesse momento,
tentar a mediação, evitando o ajuizamento de demanda. Não havendo a
possibilidade de reconciliação, ao menos deve ele tentar a mediação, no sentido
de que a separação, o divórcio, ou a dissolução da sociedade conjugal se deem
da forma menos traumática para os cônjuges, apontando como caminho a via
extrajudicial, por intermédio da escritura pública.
Observe-se que a reconciliação não se confunde com a conciliação. A
reconciliação tem por finalidade fazer com que os cônjuges separandos reflitam
sobre a separação e venham a evitá-la.
Em juízo, na fase de tentativa de reconciliação, o juiz deverá ouvir os
cônjuges separandos, isoladamente, a fim de observar se há alguma possibilidade de
reconciliação, ou se os mesmos ainda continuam no firme propósito inicial, qual seja,
de pôr fim a sociedade conjugal. Registre-se que, pela nossa legislação, essa atividade
— tentativa de reconciliação —, no processo, é do juiz e de ninguém mais, porquanto
constitui um dever seu. Nesse momento, se o magistrado sentir qualquer vacilação
ou dúvida de uma das partes, denotando uma conduta passageira, deverá sobrestar
o curso do procedimento, porque ainda não é o momento para dar continuidade à
relação jurídica processual. Deverá, assim, designar nova audiência, com período de

251 Confira-se o art. 133, primeira parte, da Constituição Federal de 1988: “Art. 133. O advoga-
do é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no
exercício da profissão, nos limites da lei”.
252 “Art. 2º O advogado, indispensável à administração da Justiça, é defensor do Estado demo-
crático de direito, da cidadania, da moralidade pública, da Justiça e da paz social, subordinando
a atividade do seu Ministério Privado à elevada função pública que exerce. Parágrafo único. São
deveres do advogado: [...] VI - estimular a conciliação entre os litigantes, prevenindo, sempre que
possível, a instauração de litígios.”

280
Ivan Aparecido Ruiz

tempo suficiente para possibilitar às partes refletirem sobre a separação.


Perceba-se que a tentativa de reconciliação é um momento para evitar
separações precipitadas, irrefletidas. Aliás, o art. 226 da CF/88 estatui que é dever
do Estado tutelar a família. Assim, antes de ir decidindo e pondo fim à sociedade
conjugal, deve-se oportunizar a reconciliação entre as partes. Ao juiz não é
permitido simplesmente determinar a separação pleiteada por uma das partes, no
caso de pedido de separação judicial litigiosa. A lei do divórcio (Lei nº 6.515/77)
não lhe permite tal postura 253. Sempre deverá ele tentar junto às partes que estas
se reconciliem, ou seja, voltem ao lar, dando continuidade à vida de casados.
Hoje, no entanto, face ao advento da Lei nº 11.441/2007, que introduziu
no Direito brasileiro a separação e o divórcio extrajudicial, essa tentativa de
reconciliação e ou conciliação deve ser do mediador, no caso o próprio advogado,
psicólogo, religioso, etc. Não havendo a reconciliação na mediação e mostrando
o casal o firme propósito de pôr fim à sociedade conjugal ou a dissolução do
casamento, que se faça, então, consensualmente, adotando a escritura pública
254
. Com essa conduta, utilizando-se de um dos meios alternativos de solução dos
conflitos de interesses, que é a mediação, se estará resolvendo uma situação até
então conflituosa, alcançando a tão propalada paz social. Trata-se, sem dúvida,
de realização da justiça pelos meios consensuais de solução de conflitos.

8 Conclusões
1 A sociedade contemporânea, crê-se não ser novidade para ninguém,
vive em crise, cujos reflexos incidem direta e verticalmente sobre as instituições
estatais. Em razão dessa crise, vive-se momento hiperdinâmico, de mudança de
paradigmas. É crise funcionando como corante para dar nova cor, nova vida e
moldura ao quadro societário. Nessa mudança de modelos, observa-se que o
Estado vem deixando de ser um Estado administrador para tornar-se um Estado
gerenciador. Nessa contextualização, no campo da Justiça surge no horizonte
a mediação. Esta, como meio alternativo e pacífico de solução de conflitos de
interesses que é, não tem como alvo principal afastar a utilização do “processo
judicial” e, tampouco, utilizá-lo como seu concorrente, mas, ao revés, ser sua
aliada e prestar bem-vinda contribuição ao Poder Judiciário. Por isso mesmo, o
procedimento da mediação deve ser incentivado e manejado ao lado do processo,
agindo como um necessário filtro às incontáveis demandas que dele muito bem
podiam prescindir, tudo no afã de se agilizar a paz social, com maior efetividade.
2 No processo judicial, observa-se a visão ganha/perde, enquanto que,
na mediação, tem-se a visão do ganha/ganha. Naquele, a solução é imposta, é
adversarial, vem de fora para dentro. Nesta, ao invés, a solução é encontrada pelas
próprias partes envolvidas no conflito de interesses, é não-adversarial, vem de
dentro para fora. Na mediação, não há perdedor, ou vencido, como sói acontecer no
processo tradicional. A solução não-adversarial tem, sem sombra de dúvida, maior

253 “Art 3º [...] §2º O juiz deverá promover todos os meios para que as partes se reconciliem ou
transijam, ouvindo pessoal e separadamente cada uma delas e, a seguir, reunindo-as em sua pre-
sença, se assim considerar necessário.”
254 O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou e editou a Resolução nº 35, de 24.4.2007, que
disciplina a aplicação da Lei nº 11.441/07 pelos serviços notariais e de registro.

281
A mediação no direito de família e o acesso à justiça

carga de efetividade, o que se deve ao seu espírito pacífico, simples e ágil, voltado
para atender às esperanças fundadas nos supostos direitos dos envolvidos no litígio.
3 O conceito de mediação não guarda uma uniformidade na doutrina,
até mesmo porque a mediação é uma palavra polissêmica. Assim, ora encontra-
se com o significado de corretagem, de intermediação mercantil, ora com
o de solução de conflitos de interesses. Mesmo sob o enfoque de solução de
conflitos de interesses, verificam-se discórdias dentro da doutrina, porquanto
uns entendem que ela pode ser tanto endoprocessual quanto extraprocessual,
ou que o mediador pode apresentar sugestões às partes, enquanto outros não
admitem tais possibilidades. No entanto, verificam-se também muitos pontos
convergentes, como, por exemplo, a presença de um terceiro neutro e que
este nada decide. A nosso ver, a mediação é um procedimento autocompositivo
extraprocessual, consistente num método alternativo de solução de conflitos
de interesses, dotado de técnicas específicas e desenvolvido anexo ao Poder
Judiciário. Tal procedimento será utilizado de forma obrigatória, como requisito
para a propositura de ação judicial, e se desenvolverá mediante a presença de um
terceiro imparcial e neutro, ao qual caberá restabelecer o canal de comunicação
entre as partes, a fim de facilitar uma negociação entre elas, para que possam,
por si sós, chegar a um acordo a ambas favorável, não podendo o mediador
sugerir, propor ou impor nenhuma decisão a respeito da controvérsia.
4 A proposta de inserção do procedimento obrigatório prévio da mediação no
ordenamento jurídico brasileiro almeja semelhantes resultados, ou seja, pretende-se
oportunizar as soluções não-adversariais aos litigantes para que, de maneira simples,
desembaraçada e sem custos, seja alcançada a paz entre as partes, dispensando,
para isso, a forma lenta, emaranhada e onerosa oferecida pelo sistema vigente (lei
processual e Poder Judiciário). Assim, antes de ajuizarem demanda perante o foro
judicial, as partes em controvérsia devem se permitir a chance de lograr êxito no
desfecho da mesma por intermédio de um acordo perante os órgãos mediadores.
5 A universalização do acesso à justiça por meio da separação consensual
extrajudicial e do divórcio consensual extrajudicial (escritura pública) é um dos
caminhos da abertura e da flexibilização da jurisdição, apontando, ainda, os
meios alternativos de solução dos conflitos de interesses como uma das formas
de minimizar a crise por que passa o Poder Judiciário.
6 A possibilidade da impropriamente chamada separação consensual
ou divórcio consensual “administrativo” — porquanto entende-se que deveriam
ser tratados como extrajudiciais (fora do Poder Judiciário) — serem realizadas
perante tabelionatos, não é exclusividade da separação consensual ou do divórcio
consensual, como formas de dissolução de entidades familiares, mas, também, da
dissolução da união estável, já que esta também foi equiparada a entidade familiar.

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Agir contra si – Acrasia –
e a Mediação de Conflitos
Célia Regina Zapparolli

Sumário. 1 Introdução - 2 Akrasia ou acrasia - 3 Caso em estudo no. 1 - 4 Caso em estudo


no. 2 - 4.1 Reflexões técnicas preliminares - 4.2 Seguimento do relato do caso em estudo
no. 2 e outras considerações técnicas - 5 Análise dos casos concretos 1 e 2 à luz da teoria
da acrasia em Elster - 6 Instrumentos propostos para superação da acrasia – Referências

1 Introdução

O presente artigo foi objeto de debates em minha aula na Associação de


Advogados de São Paulo - AASP, no curso de formação de conciliadores e media-
dores judiciais, na parceria da AASP com o Tribunal de Justiça de São Paulo, em
cumprimento à Resolução 125 do Conselho Nacional de Justiça.
O interesse pelo tema surgiu de pesquisa em 2012 que viabilizou o conta-
to com as palestras proferidas no Collège de France, a respeito do “Agir Contre
Soi- La Faiblesse de Volonté”, por Jon Elster, cientista político norueguês, publi-
cadas em 2007, por Odile Jacob, em Paris.
Jon Elster (2007), nessas palestras, ao trazer o tema “Agir Contra Si e
a Fraqueza da Vontade”, trata, em última análise, da acrasia. E, apesar de não
se voltar especificamente ao processo de mediação, a delicadeza do trabalho
de Elster proporcionou-me reflexão acerca da problemática do “agir contra si”
durante e nos espaços de gestão de conflitos por meios não adjudicatórios, em
suas distintas modalidades.

2 Akrasia ou Acrasia
Faiblesse de volonté, akrasia ou acrasia, segundo Elster (2007), consiste no
agir do sujeito contra seu próprio e melhor julgamento, quer pela falta de forças,
por impotência para se governar, por intemperança ou falta de autocontenção e
em nada se confunde com capacidade do agente, nem com a livre manifestação de
vontade previstas em lei, erro de fato ou de direito, tampouco com a ausência de
viabilidade prática das alternativas levantadas e pactuadas através da mediação.
Segundo Elster, o agente tem razões para fazer “a”; o agente tem razões
para praticar “b”; as razões para praticar “a” são mais fortes do que aquelas re-
lativas a “b”, mas o agente decide e pratica “b”.
Em outra modalidade, a acrasia decorre da influência do tempo: o agente
tem razões para praticar “a”; o agente tem razões para fazer “b”; as razões para
praticar “a” são mais fortes que aquelas relativas a “b”, mas, no momento da
ação, apesar de sua decisão por “a”, o agente pratica “b”.
Assim, não serão dados de realidade, nem um simples teste de realidade,
tampouco apenas a observância dos requisitos legais durante os espaços de gestão
de conflitos, demandas, problemas e disputas que terão o condão de superar a

288
Célia Regina Zapparolli

acrasia. O agente é capaz, livre, tem informações suficientes, dimensiona o alcance


das alternativas, mas, ao decidir, perpetra ato contra o seu melhor julgamento.
Estou em pesquisa da acrasia nos espaços de gestão de conflitos, em suas
distintas modalidades e, neste artigo, optei por trabalhá-la através do estudo de
casos, voltados ao contexto da mediação em ambiências de violência e crimes
de gênero e família, já que, ao mediar em situações de violências intrafamiliares
desde 1997, constatei a elevada incidência de hipóteses de acrasia nesses espa-
ços, passando a estudar e testar instrumentos para superá-la.
Registre-se que a mediação no contexto de violências e crimes de gênero e fa-
mília não é justiça restaurativa 255 nem objetiva a simples transação ao fim do processo
penal, mas, sim, a transformação de padrões de conduta e relação, busca as mudan-
ças de segunda ordem da Teoria Geral dos Sistemas (BERTALANFFY, 1972), visando a

255 Mediação Criminal não é Justiça Restaurativa, visto não se destinar à aplicação de sanções,
nem à execução penal. A intervenção, de regra, ocorre antes da primeira audiência criminal, no inter-
valo compreendido entre a chegada do inquérito ou termo circunstanciado ao Fórum e a sua realiza-
ção ou, em situações de urgência, antes mesmo de sua distribuição, já feito o Boletim de Ocorrência
ou o Termo Circunstanciado e, também quando já extinto o processo, questões jurídicas, relacionais,
comunicativas, adições e de saúde ainda são fatores de risco a novos episódios de violência.
Nas Políticas Públicas de Justiça, sejam elas não Judiciárias ou Judiciárias, a mediação pode ser metodolo-
gicamente adaptada e aplicada a conflitos de natureza civil, penal, comercial, laboral etc, no âmbito comu-
nitário, técnico, técnico-comunitário e empresarial, entre outros. Seu foco não é o pacto isolado, fragmen-
tário, mas a funcionalidade comunicativa e relacional, independentemente da apuração de culpa ou dolo.
O uso da mediação na seara criminal implica adaptação metodológica para proporcionar equi-
líbrio de poderes, contenção, reflexão, transformação, redução da reincidência. Sua aplicação
independe da fixação prévia da autoria, tampouco a identificação do fato ilícito/típico
criminal/contravencional/infracional, da culpa, do dolo. Na área penal, a mediação pode
ser utilizada em espaços policiais e, nos processos, antes mesmo das audiências preli-
minares ou já extinto o feito, inclusive com a absolvição do réu. Constatando-se que o uso
nos espaços policiais e fora do Fórum (ambos testados) tendem a levar ao sub-registro de B.Os e
T.C.s, com a retomada posterior da dinâmica violenta em patamares mais agravados.
O objetivo da mediação criminal é o redimensionamento de relações conflituosas conti-
nuadas e violentas que chegaram a patamares da prática de crime, mesmo extintas pela
separação, mas que de alguma forma mantem alguma ligação, quer pela prole, quer
por aspectos intrapsíquicos das mais variadas ordens. De regra, relações previamente
existentes ao fato típico criminal.
No Brasil, há hipóteses estudadas e testadas de aplicação da mediação em praticamente todas as
lei penais, inclusive em júri, Lei 11.340/2006, tráfico de crianças para fins de restabelecimento de
relação entre o genitor e a criança traficada, não apenas nas leis 9099/95 e 8069/90. E também
em contextos penitenciários e à reinserção de egressos na sociedade/família- Vide Projeto Íntegra.
Como se vê, não tem caráter restaurativo entre vítima e agressor.
Nela, mediação criminal, é identificada existência de uma relação de natureza continuada, um conflito in-
tersubjetivo de justiça que já tenha atingido patamares de violências e de crimes, buscando gerar, atra-
vés desse instrumental, além da contenção, do pacto (por meio de estratégias avaliativas ou facilita-
tivas), essencialmente a transformação do padrão comunicativo, relacional e cultural violentos,
não necessariamente apenas entre partes diretas presentes no processo criminal, mas outros
envolvidos com suas influências e exercícios de poderes, como ocorre nas relações de vizinhança,
trabalho, família, comunitárias, escolares etc violentas. Seu objetivo final volta-se à transformação, à fun-
cionalidade comunicacional relacional, assim, além da contenção, evitando-se as reincidências.
Além da inter-relação, também trabalham-se os fatores de morbidade, inclusive adições, patolo-
gias, efeitos dos problemas estruturais e dos conflitos sociais que venham influenciar os indiví-
duos e os relacionamentos, ao ponto de atingirem patamares de violências e fatos típicos crimi-
nais. Viabiliza as ações de Justiça Terapêutica, mas não se confunde com ela.
O arcabouço técnico que reveste a mediação e suas vertentes avaliativa e facilitativa também po-
dem ser utilizadas com vistas ao pacto pontual em relações não continuadas e acordos
definitivos ou provisórios, durante o trabalho transformativo, a se evitar a necessida-
de de ações em sede Cível/Família, para fixação de alimentos, guarda, divórcio, parti-
lha, reparação de danos entre outros. (ZAPPAROLLI, 2003).

289
Agir contra si - Acrasia - e a Mediação de Conflitos

funcionalidade comunicativa e relacional e a gestão do conflito de forma global, em


todas as suas dimensões jurídicas e judiciárias. Para isso, consideram-se: a) o vínculo
perpetuado pela situação fática com a manutenção da relação conjugal, apesar das vio-
lências, dos eventos tipificados como crime e do processo criminal; b) a manutenção
de vínculos parentais, pela existência de prole e de vínculos patrimoniais, mesmo com
o evento da separação; c) a possibilidade da interface com morbidades psiquiátricas e;
d) a possibilidade da interface com vícios: drogas, apego, jogo entre outras.

3 Caso em Estudo no. 1


Para introduzir a relevância do tema, antes de iniciar a discussão do principal
caso em estudo, optei por preliminarmente transcrever o trecho de um atendimento
conjunto em mediação de um casal, o marido J.S. e a mulher, M.S.. O encaminhamento
para mediação decorreu de um processo criminal instaurado pelo procedimento da Lei
9.099/1995, ainda não em vigor a Lei 11.340/2006 (“Lei Maria da Penha”), a qual, pela
experiência prática, constata-se, também não deu conta da situação da acrasia.
Em maio de 2005, M.S., vítima de violência intrafamiliar, foi internada na UTI,
por agressões de seu marido J.S., mas, mesmo assim, reconciliou-se com J.S. antes
da primeira sessão conjunta de mediação, e voltou a manter relação conjugal com
J.S., não desejando o prosseguimento do processo criminal, razão do encaminha-
mento do feito à mediação – in verbis um fragmento da sessão de mediação:
“...
M.S.:- Estamos juntos, não quero que siga o processo.
Mediador dirigindo-se a M.S.: - Você chegou a se machucar?
M.S.- É, foi. Eu fui até para a UTI.
Mediadora- E quanto a isso, você quer falar alguma coisa?
M.S.- Eu não gosto nem de lembrar. Porque é uma coisa que machuca.
Não gosto de lembrar.
Mediadora dirigindo-se a J.S.: - E você? Tem algo a dizer para ela?
J.S.: - Quanto ao que?
Mediadora: Quanto a esse fato que estamos conversando. O fato descrito
no B.O., e o fato da ida dela para a UTI.
J.S.:- Eu errei. O que eu fiz não merecia perdão. Ficar relembrando... Ma-
goa... Machuca... Dizem que quem bate esquece, quem apanha lembra, mas não
é bem assim...
Mediadora dirigindo-se a M.S.: - E você o perdoa por esse fato?
M.S.: - Perdoo. Por isso estou com ele hoje.
J.S.- Só hoje? – com ar de indignação.
Mediadora intervindo e dirigindo-se a M.S.:- Pelo que entendi, “hoje” quer
dizer desde a sua reconciliação? É isso?
M.S.- Sim. Sabe, nunca tinha ouvido dele o pedido de perdão. Antes ele
tinha só pedido desculpas.
Mediadora dirigindo-se a M.S.: E perdão é diferente de desculpas?
M.S.- É. É mais profundo.
Mediadora dirigindo-se a J.S.: - Vocês está pedindo perdão?
J.S.- Sim, já pedi a ela.
M.S.- Mas eu nunca tinha ouvido a palavra perdão.
Mediadora dirigindo-se a M.S.: - E você o perdoa? O que ele poderia fazer

290
Célia Regina Zapparolli

para te reparar?
M.S.: - Sim. Ah, ele nunca beber. Por na cabeça que ele nunca vai beber.
Eu tenho medo dele ter uma recaída e de beber. Ele nunca pode beber na vida.
Porque ele assim, conversa comigo. Ele é um bom marido. É um bom pai... Mas
quando ele bebe o primeiro copo, ele muda.
Mediadora: - Mas parece que isso está sob controle, não?
M.S.: Até agora está.
Mediadora dirigindo-se a J.S.:- Como está a situação da bebida? Ela é um
problema?
J.S.:- Parei. Tudo o que faço na vida é o que eu quero. Não fiz isso por
causa dela, nem por causa do processo.
Mediadora: - Você reconheceu que deveria parar?
J.S.:- O que tá bom para mim eu faço. Como está me prejudicando eu faço.
Eu paro. De 14 carros eu bati 16... Começava com um copo de cerveja e termi-
nava com dois litros de whisky...
Mediadora: - Isso não acontece desde quando?
J.S.:- Desde que eu não quero.
Mediadora: - Isso não acontece desde quando? Quer dizer há quanto tempo?
J.S.:- Desde setembro.
M.S.:- Parou mesmo em março.
...”
O que leva uma pessoa que foi lesada, machucada, física, moral e psicologi-
camente, a manter relação conjugal com seu algoz e agir em seu próprio prejuízo,
insistindo na revisão de medidas protetivas, mesmo sem a menor coação? Essa situa-
ção implica acrasia? Que instrumentos estão disponíveis para uso durante a mediação
para superar situações como a supra-referida ou ao menos viabilizar meios para tanto?

4 Caso em estudo no. 2


Passemos ao estudo do caso principal, analisando-o passo a passo segun-
do as lições de Elster, correlacionando-o à sessão de mediação supratranscrita
do caso 1 e procurando responder essas e outras questões:
J.A.B. e F.L.B., por encaminhamento da Vara de Violência Doméstica, vie-
ram à mediação.
J.A.B. procurou a delegacia de polícia para lavratura de boletim de ocor-
rência, com pedido de medidas protetivas, por ameaças de seu companheiro
F.L.B., segundo ela, adicto ao álcool.
Quando já deferidas as medidas protetivas para a mulher J.A.B, de afastamen-
to forçado e manutenção de distância pelo companheiro F.L.B, o caso foi encami-
nhado à mediação, para organização de aspectos relacionais, comunicacionais, pela
existência de prole e jurídicos de forma amigável: divórcio, guarda, visita e alimentos
à prole, partilha de bens, organização do patrimônio partilhado, já que nem sempre
a partilha jurídica dá conta dos aspectos como uso, posse, manutenção, venda, etc.
No primeiro atendimento de pré-mediação, em 22.10.12, apenas compa-
receu J.A.B, que aderiu à mediação. Pela ausência de F.L.B. (justificada pela falta
de um endereço atualizado para contato), ele foi contatado por telefone forneci-
do por J.A.B., para convite a uma sessão de pré-mediação. F.L.B. comprometeu-
se a participar da sessão de pré-mediação e da conjunta de mediação com J.A.B.,

291
Agir contra si - Acrasia - e a Mediação de Conflitos

ambas agendadas para 12.11.12, uma após a outra.


Na pré-mediação de 22.10.12, J.A.B. noticiou existirem, além do feito cri-
minal, outros feitos sob condução da Defensoria Pública (diferentes Defensores
Públicos para cada feito, um problema para a gestão global do conflito): Divórcio
na Vara de Família e Reparação por Danos Materiais e Morais pelos atos de vio-
lência em processamento em Vara Cível.
Nessa oportunidade, J.A.B. também trouxe uma gravação que indicava o
descumprimento da medida protetiva de distância, com invasão do lar familiar
e novas agressões verbais por F.L.B., gravação essa ouvida pela mediadora que,
após a sessão de pré-mediação, encaminhou J.A.B. para informações jurídicas e
eventuais providências necessárias à sua proteção, tanto pela Defensoria quan-
to pela Vara de Violência Doméstica, informando a mediadora que, em caso de
qualquer urgência quanto a novas violências, o caminho a ser observado por
J.A.B. seria o contato com a autoridade policial, via telefone 190.

4.1 Reflexões técnicas preliminares


Aqui cabem algumas reflexões, ressaltando-se ser a situação em tela de
violência e de crime: I) Não se discute a possibilidade da mediação em contextos
de violência e crime, mas o encaminhamento de um ou ambos os mediandos, em
hipótese de risco, para informações, providências protetivas e à autoridade poli-
cial em possível situação limite, mesmo em curso o processo de mediação. Seriam
essas ações incompatíveis com a mediação e infrações às regras éticas da media-
ção? II) Esses encaminhamentos indicam a inviabilidade da mediação e/ou a falta
de “imparcialidade/equidistância/neutralidade” do mediador? III) Pode ser consi-
derada indevida a escuta de gravação ou leitura de documento pelo mediador?

4.2 Seguimento do relato do caso em estudo no. 2 e outras


considerações técnicas
Em 12.11.12, J.A.B e F.L.B chegam juntos à sessão de mediação, com atraso
de 2 horas, devido às fortes chuvas e ao trânsito. Por esses motivos, foi viabilizado
o atendimento, mesmo com o relevante atraso dos mediandos. Antes de iniciar-se a
sessão, J.A.B pediu para falar em separado com a mediadora. Com anuência de F.L.B,
a mediadora atendeu J.A.B em “caucus”. J.A.B. comunicou à mediadora a sua reconci-
liação com F.L.B. e, assim, pediu para registrar o seu interesse na extinção de todos
os feitos ajuizados. A mediadora trouxe dados de realidade quanto a impossibilidade
de renúncia à representação criminal quando há violência física (decisão do STF) e
certificou-se que J.A.B não estava se reconciliando com F.L.B. por pressão, ameaças,
nem por questões materiais. J.A.B. tem condições de sustentar-se e à casa. E teve de-
feridos alimentos para a filha em ação própria. Portanto, a questão não era material.
Feita a pré-mediação em separado com F.L.B., em seguida, iniciou-se a
sessão conjunta de mediação.
Durante a sessão conjunta de mediação, J.A.B., evasiva, tentou esconder
parte de suas demandas e denúncias feitas na sessão anterior de pré-mediação
e, também, tentou criar aliança com a mediadora na condução da mediação,
para não deixar F.L.B. nervoso e visivelmente proteger-se dele.

292
Célia Regina Zapparolli

Assim, a mediadora deixou claras as regras da mediação para J.A.B e F.L.B., es-
pecialmente quanto a criar meios apara eles falassem por si e no sentido de manter a
isenção. Seguindo a mediação, com anuência de J.A.B., a mediadora releu o termo do
atendimento anterior, em que havia a referencia quanto a reiteração dos episódios de
violência, a notícia do descumprimento da medida protetiva, assim como os encami-
nhamentos realizados pela mediadora. E, para que não houvesse comunicação envolta
em denúncias mutuas, a mediadora, ato contínuo, indagou a ambos (F.L.B. e J.A.B)
como estava naquele novo momento a situação de convívio familiar. F.L.B insistiu em
que nada de grave houve entre o casal, inclusive no dia de aludido descumprimento da
ordem judicial. Ocorre que a mediadora já havia ouvido a gravação trazida por J.A.B.
em 22.10.12, que visivelmente expunha contexto de grave violência de F.L.B. à J.A.B.
J.A.B., mais uma vez, sempre colocando-se para evitar embates com
F.L.B., insistiu na extinção dos feitos, falando que F.L.B. não bebia há 7 meses.
Mas as datas eram contraditórias: Veja que estávamos em 12.11.12 e havia uma
denúncia de J.A.B. de 22.10.12 quanto ao descumprimento da ordem judicial,
com pedido de proteção face a F.L.B., em que J.A.B. alegou que F.L.B fizera uso
de álcool e invadira o lar familiar.
Novamente usando de técnicas de comunicação, sem assumir o discurso de
nenhuma das partes, a mediadora indagou às partes se o álcool seria um aspecto a
ser considerado por elas nas dificuldades havidas na relação. E com a resposta eva-
siva de ambos, indagou a mediadora se o “tema álcool” era algo que aparecia nas
conversas de J.A.B e F.L.B e se, ao tratarem desse “tema álcool”, havia algum descon-
forto pessoal e/ou problema na relação de ambos. Somente então, com essa última
questão é que F.L.B. reconheceu o seu alcoolismo, o vício como um problema pes-
soal e para a relação, passando a verbalizar seu esforço em tentar parar de beber e
se tratar. Inclusive noticiou sua inserção no serviço de saúde pública no CAPS-AD.
F.L.B. deixou claros os esforços para superar a adição, o que J.A.B. ma-
nifestou apoiar. E J.A.B, mesmo reconhecendo a violência praticada por F.L.B.,
manteve sua veemente intenção de reconciliação, ressaltando ser em benefício
da prole (apenas uma filha menor de 14 anos residia então com ambos, os de-
mais maiores não mais habitavam com os pais).

5 Análise dos casos concretos 1 e 2 à luz da Teoria da Acrasia


em Elster
Analisemos os casos concretos relatados à luz da temática da acrasia em
Elster (2007).
No caso no. 2, J.A.B. tem razões para fazer “a”: separar-se de F.L.B. pelas
violências sofridas, já tendo obtido medida protetiva para isso; J.A.B. tem razões
para praticar “b”: ficar com F.L.B. pela prole. As razões para praticar “a” racio-
nalmente são mais fortes que aquelas relativas a “b”, tanto que J.A.B. procura e
consegue a tutela protetiva do Estado. Mas J.A.B. decide e pratica “b”.
A situação nos leva à segunda hipótese de acrasia trazida por Elster, que
decorre da influência do tempo: o agente tem razões para fazer “a”; o agente tem
razões para praticar “b”; as razões para praticar “a” são mais fortes que aquelas
relativas a “b”. Mas, no momento da ação, apesar de sua decisão por “a”, o agente
pratica “b”. No contexto de violências intrafamiliares, é muito comum essa hipótese
concreta. A demora do Estado ou a ineficiência em suas práticas, por vezes, é fator

293
Agir contra si - Acrasia - e a Mediação de Conflitos

para retrocesso e desistência dos feitos e medidas pelas vítimas. Mas veja que J.A.B.
já tinha deferida a medida protetiva e dela abriu mão ao se reconciliar com F.L.B.
Como um exemplo de acrasia pela influência do tempo, relembremos também
do desastroso “Caso Eloá”: Lindemberg, ex-namorado de Eloá, uma menor absolutamen-
te incapaz, após invasão do apartamento dos pais da menina, manteve Eloá e amigos em
cárcere privado, entre eles a melhor amiga de Eloá. Seguiu-se uma longa semana de co-
bertura televisiva ao vivo. Libertada do cativeiro a melhor amiga de Eloá, ela foi colocada
pela polícia a poucos metros da porta do apartamento para conversar com Lindemberg.
E, num ato intempestivo, tanto em lá ser colocada uma vítima resgatada para negociar
com o sequestrador, como por ela própria, a menina sai correndo e retorna ao cativeiro
para estar com a amiga Eloá. Ao final, Eloá é morta e a amiga resgatada viva com alguns
ferimentos. Veja que o tempo influenciou toda a sorte de decisões nesse caso.
Seguindo em Elster (2007), ele traz exemplos de ações e inações que reve-
lam a acrasia. São elas: paixão; tentação; procrastinação; atitude de descumprimen-
to ou não observância; impaciência; adições; rigidez de comportamentos, etc.
Segundo Donald Davidson, citado por Elster (2007), não se trata de pa-
radoxo ou irracionalidade sincrônica. O problema da acrasia está em o agente
alinhar suas ações em relação ao seu julgamento.
Os dois cases acima descritos, o primeiro de M.S./ J.S. e o segundo de
J.A.B./F.L.B. não gravitam em torno de um conflito intrapsíquico, numa dúvida
íntima entre duas ou mais saídas possíveis que as impedem de tomar uma de-
cisão. Há uma decisão efetiva entre ao menos duas opções. Nada obstante, as
situações de J.A.B e de M.S. diferenciam-se de forma sutil, vejamos:
Como é possível constatar, J.A.B. teme concretamente pela violência de
F.L.B., diferentemente do caso preliminarmente transcrito de M.S. e J.S., em que
M.S. perdoa J.S. e veementemente acredita que, quando J.S. não bebe, o que ele
já não faz há algum tempo, ele efetivamente é um bom marido e um bom pai.
J.A.B., por sua vez, não vê F.L.B. como um bom pai, nem um bom mari-
do, nem quando ele não bebe, não há um perdão real, sabe e denuncia as suas
violências, mas não tem forças para decidir pela opção de se separar definitiva-
mente de F.L.B., justificando-se na prole.
Em ambos os casos, as vítimas, ao ponderarem entre duas opções, deci-
dem em acrasia, mas M.S. apenas ao olhar externo, pois M.S. perdoa e acredita
na mudança de J.S., portanto acha ser a sua a melhor decisão entre distintas
possibilidades. Já J.A.B. tem a consciência de que sua decisão não é a melhor,
mas, mesmo assim, decide por ficar com F.L.B.
No caso M.S. e J.S., veja que M.S. perdoa e acredita ter feito a melhor opção,
não há uma falta de sincronia entre suas ações e seu julgamento. Ela não está
decidindo contra o seu melhor juízo. M.S. não tem o alcance de que a condição
de J.S. não beber não é simplesmente racional, mas está decidida em relação ao
perdão e a viabilidade da vida em comum. E, por mais que se tragam dados reais
a esse respeito, ela fecha-se rigidamente em sua posição. Assim, a avaliação de
ser a decisão de M.S. em seu prejuízo é externa, não configurando acrasia.
O interessante é que J.A.B., como na música Saigon 256, pensa em deixar F.L.B
pelas violências, tem meios para isso, mas ela esquece-se de si mesma, decide contra
si: “Tantas palavras, meias palavras, nosso apartamento, um pedaço de Saigon... E

256 Música de Emílio Santiago. Disponível em: <http://www.vagalume.com.br/emilio-santiago/


saigon.html#ixzz2os2YwgEq>.

294
Célia Regina Zapparolli

quase sempre eu penso em te deixar. E é só você chegar, pra eu esquecer de mim...”


Assim, o que deveria fazer o mediador, considerando que F.L.B. e J.A.B já estão
reconciliados, mesmo J.A.B. temendo as violências por F.L.B.? E sabendo o mediador
que, ao recebê-los em mediação, ambos já morando juntos, não haveria a curto prazo
qualquer espaço para mudanças, como deveria trabalhar para não acirrar o conflito
e não deixar que os mediandos exponham-se ou exponham a prole a riscos, até por-
que visivelmente J.A.B. tinha decidido contra o seu melhor juízo? Como proporcionar
meios à reflexão, às mudanças de primeira ordem, à contenção, até que haja espaços
e meios para mudanças de segunda ordem da teoria Geral dos Sistemas?

6 Instrumentos propostos para superação da Acrasia


Note-se que os instrumentos a serem usados pelo mediador, a evitar a
acrasia, diferenciam-se nos dois casos de mediação relatados, por configurarem
dois contextos distintos.
Pensando em Elster (2007), a mediadora tentou reverter a intenção da de-
sistência dos feitos por J.A.B. Atuou em um nível de pactos provisórios 257e seu
monitoramento, encaminhando questões reflexivas para trabalhar a possibilidade
da suspensão de todos os feitos por 6 meses e não a sua extinção definitiva, como
inicialmente proposto por J.A.B. Assim, foi pactuada a comunicação aos Defensores
Públicos e também nos feitos criminal, cível e de família, quanto à reconciliação e
a intenção de suspensão dos feitos por 6 meses, evitando-se a extinção dos feitos
cível e de família por abandono. Agora, além do Divórcio e Reparação de Danos,
referiram-se as partes à ação de alimentos, com expresso interesse por F.L.B.
Trouxe a mediadora a consideração proposta de encaminhamento para psico-
terapia de casal, visando meios para reflexão e mudanças mais efetivas, com o que
concordaram J.A.B e F.L.B. Também, a pedido dos mediandos, viabilizou-se a inclusão
da filha do casal de 14 anos na psicoterapia breve 258 no próprio Projeto Íntegra 259.
Cabe aqui uma outra reflexão: Em que medida essas providências tomadas
pela mediadora implicam direcionamento a um resultado determinado, vislum-
brado por ela, distanciando-se de sua isenção e do dever de não definir soluções
para os mediandos? Mais à frente, talvez sejam possíveis alguns elementos para
solucionar mais essa questão. Essa, dentre outras indagações acima formuladas e
os encaminhamentos abaixo, demonstram clara atuação interventiva, avaliativa,
do mediador, contextualizada num sistema envolto por violências e crimes.
Segundo Elster (2007), há quatro maneiras de enfrentamento ou resposta à fra-

257 Pactos Provisórios: pactos globais ou fragmentários não definitivos, utilizados para experi-
mentação pelos mediandos, com vistas à identificação, na concretude, de sua viabilidade antes da
homologação do acordo final. Também podem ser utilizados quando o mediador tem por hipótese
contextos de decisões em acrasia.
258 Psicoterapia Breve: Intervenção psicoterapêutica focal, com objetivos delimitados e tempo
pré-definido. Permite que o psicoterapeuta lance mão de diferentes recursos, adaptados às ne-
cessidades de cada paciente, casal ou grupo familiar. Prioriza as necessidades presentes, dando
maior importância para a experiência, a relação do “aqui-e-agora”, com vistas a um futuro possí-
vel. Tem origem na Psicanálise, na década de 1930, na discussão da aplicação da teoria e técnica,
em dissidência a Freud. Vide Referências Bibliográficas: Gillièron (1983); Fiorini (2004) e; Santeiro
(2005); vide também os estudos de Melanie Klein e Winnicott.
259 Para saber sobre o Projeto Íntegra, consultar: Zapparolli (2013). O projeto recebeu o PRÊMIO
INNOVARE: <http://www.premioinnovare.com.br/praticas/projeto-integra-mediacao-em-crimes-
de-genero-e-familia-leis-113402006-e-90991995-1782/>.

295
Agir contra si - Acrasia - e a Mediação de Conflitos

queza de vontade: a) respostas individuais, sem suporte institucional; b) respostas in-


dividuais, assistidas por uma instituição: c) respostas institucionais, endereçadas aos
indivíduos; d) respostas institucionais, endereçadas à coletividade, como as normas.
Indica Elster (2007) que a sociedade e o Estado devem observar estra-
tégias para fins de superação da acrasia. Segundo Elster (2007), a resposta
estatal por excelência é a lei: penal, civil, trabalhista, constitucional etc, que,
em seu limite, em vez de gerar reflexão, ao enrijecer, pode burocratizar, levar
a paternalismos, ao intervencionismo e à infantilização, entre outros aspectos.
Uma hipótese de resposta estatal voltada à coletividade por meio da nor-
matização é a fixação de condição ou tempo legal mínimo para propositura de
ações judiciais, como a de um ano mínimo de vigência do casamento que a Lei
do Divórcio, agora revogada, previa como condição para a separação, a gerar
as “devidas” e “naturais” adaptações ao casamento, antes de seu advento; assim
também o prazo de 2 anos da separação de fato e de 1 ano da homologação da
separação judicial para a ação de divórcio.
Outra hipótese de intervenção institucional, por delegação do Estado, à
superação da acrasia, é a previsão da autorização escrita para extração de ór-
gãos e/ou realização de cirurgias, que poderia ser verbal, mas os protocolos e
normas do CFM – Conselho Federal de Medicina indicam deva ser escrita, assim
possibilitando ao paciente e sua família, na concretude do ato da redação e da
leitura do termo, a reflexão acerca do ato médico a ser praticado.
Como exemplo de resposta estatal endereçada à coletividade e que en-
volve os meios não adjudicatórios de gestão de conflitos e disputas traz-se o de
Quebec, no Canadá. Para o ajuizamento de ações na esfera de família, as partes
são obrigadas a submeterem-se a sessões informativas a respeito da mediação,
sendo facultativa a sua adesão a ela.
Nesse sentido, também, há o exemplo de Portugal, citado no Congresso
de Mediação Judicial no Tribunal de Justiça de Sergipe (2011) por João Leal Ama-
do (Professor de Direito da Universidade de Coimbra). Naquele país, é fixado
um lapso de tempo de alguns dias entre o acordo objeto das mediações e conci-
liações trabalhistas e a efetiva assinatura do pacto celebrado, que em nada equi-
para-se à Política Judiciária Nacional Brasileira vigente, do (I) “acordômetro”, das
(II) semanas de conciliação em massa, realizadas proximamente às (III) festas
de fim de ano. Estes são três fatores “jabuticabas”, nefastos a ensejar decisões
precipitadas e em acrasia, com toda a sua sorte de efeitos reversos e perversos.
Nas ambiências de violências intrafamiliares, os fatores como transições
psicossociais/luto 260, vínculo afetivo, vícios, as patologias e seus efeitos trazem

260 Transição Psicossocial e Luto: De acordo com Parkes (1996), o primeiro esforço do sujeito, diante de
uma mudança, é o de interpretá-la à luz dos modelos internos e das concepções até então existentes. É co-
mum a negação da realidade, manifestada na incredulidade da nova situação. E, segundo Reginandrea Gomes
Vicente (in curso de Mediação Técnica CDHU 2008), a despeito do modelo de mundo ser imperfeito e não se
encaixar mais na situação agora posta, é o único modelo conhecido, o melhor que se acredita ter. Abandoná-lo
significa a troca do certo pelo incerto. Assim, é natural surgirem resistências às mudanças.Nessas circunstân-
cias, as certezas desaparecem. Em consequência, tem-se manifestações e prejuízos de diversas ordens:
1) sentimentos de medo, insegurança, incompreensão, tristeza, anseio, culpa, raiva, hostilidade,
solidão, desamparo, e alívio.
2) prejuízo nas habilidades cognitivas, tais como a capacidade de concentração, percepção, ava-
liação e tomada de decisões;
3) prejuízo nas habilidades comportamentais, como o controle da agressividade, da tolerância,
das emoções de maneira geral;

296
Célia Regina Zapparolli

situações imponderáveis, de pouca racionalidade. Assim, o Supremo Tribunal


Federal (STF), em mais recente posicionamento sobre a temática, nos processos
judiciais processados sob a Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), decidiu pela
impossibilidade da renúncia à representação criminal pela mulher que chegou
às vias de fato e que sofreu efetiva violência física, reduzindo as hipóteses de
composição e transação criminal nos crimes processados sob essa Lei. Conside-
rando o caráter normativo das decisões do Supremo Tribunal Federal, ela pode
ser classificada entre as respostas estatais de caráter coletivo, citadas por Elster,
ao enfrentamento à acrasia ou “fraqueza de vontade”.
Embora seja uma louvável preocupação do STF, entendo que a medida leva
ao direcionamento de conduta e não à solução da acrasia. Além do mais, colide
com a garantida constitucional de igualdade entre homens e mulheres, além de ser
infantilizadora e de pouca eficácia prática. Explico-me: é infantilizadora, pois foi
tirado da mulher o poder de decidir o destino do próprio processo a que deu início,
considerado que ao homem e até mesmo a uma criança legalmente representada
é viável a renúncia à representação criminal. É também de pouca eficácia prática,
pois, num paralelo, tal qual as recaídas nas situações de vício, as reconciliações
são naturais na vida fática das relações de afeto, apesar das violências. E, portan-
to, numa total falta de sincronia entre a vida fática e os espaços processuais e de
mediação/conciliação, ao restringir-se à mulher o poder de renunciar, transacionar
e compor-se, responsavelmente, não abstraindo as competências do Ministério Pú-
blico, este entendimento implica validar um cenário que engendra situações de
mentiras e humilhações sobre as relações e a violência, acabando por não viabilizar
aos agressores e às vítimas a mínima reflexão quanto à sua situação e seus atos.
As medidas estatais, institucionais e dispositivos políticos de autolimitação
contra a acrasia, como indica Elster (2007), podem gerar efeitos paternalistas do Es-
tado ou o autopaternalismo coletivo, como acima tratado. Essas medidas não supe-
ram o problema da acrasia em si, não trabalham na esfera decisória, mas sim, dire-
cionam, apenas balizam a expressão da decisão do sujeito. Em dados contextos, as
medidas institucionais e dispositivos políticos de autolimitação contra a acrasia são
imprescindíveis, mas em outros podem levar ao agravamento do problema central,
ao empobrecimento reflexivo, privar instrumentos de transformação e, ainda, gerar
efeitos colaterais. Foi, por exemplo, a hipótese da “Lei Seca” americana que, não
conseguiu brecar a ingestão de álcool e, ainda, fomentou o crime organizado.
A vivência profissional diária, no atendimento a 300 famílias/ano, há 18 anos,
em mediação em situações de violências e crimes, demonstra serem muito menos

4) prejuízos no físico, como os sintomas típicos de quadros de estresse.


Nessas ocasiões de mudança, há a inaptidão interna aos sujeitos para lidarem com o novo, com
respostas emocionais, a redução da escuta, além da desarticulação social. Contexto que leva à
carência, à necessidade de suporte, para que haja gradativamente a aceitação da nova realidade
e, com ela, o sentido de uma nova identidade individual ou coletiva.
Para o sujeito ajustar-se às transições psicossociais é preciso um período de elaboração do luto, análogo
ao processo de passar pela morte de um ente querido. É necessária uma reinterpretação dos objetivos
e apegos, para o sujeito recompor-se e construir uma nova rede de significados, reformulando os seus
modelos internos e externos.
Culturalmente, muitas das transições psicossociais são objeto de rituais de passagem, como aqueles
da infância para a maturidade, da solteirice ao casamento, justamente para superar situações de adoe-
cimento pelo luto. Rituais inexistentes de regra, nas separações, nos divórcios. A mediação pode ser-
vir de ritual de passagem, facilitando as transições psicossociais e os processos de luto. Contudo, só
servirá a essa finalidade caso objetive transformações efetivas e crie meios para superação da acrasia.

297
Agir contra si - Acrasia - e a Mediação de Conflitos

eficazes tais direcionamentos e autolimitações estatais que o uso de instrumentos


autocompositivos que, mesmo por meio renúncias, composições e transações, gerem
proteção, contenção e transformação por meio da reflexão, de modo a identificarem
os envolvidos o que sejam as violências, seus gatilhos, as armadilhas da acrasia e
seus efeitos, de maneira a levar ao redimensionamento de poderes, num olhar cons-
trutivista como o da mediação, com metodologia específica pensada e desenhada
para o contexto dessas violências e do crime, sempre encadeados e em complemen-
tariedade a ação estatal eficaz, em respostas céleres e com justeza. Esta discussão
inclusive mereceria mais aprofundamento e não deve desviar o foco deste artigo.
Com isso, identificamos que a mediação e conciliação em ambiências de
violência, exigem atuação mais interventiva, avaliativa, pelo mediador, na inter-
face com a ação judiciária, sempre a gerar espaços reflexivos aos mediandos,
proporcionando segurança, sem expô-los, e ao mediador, a violências e riscos.
Portanto, apesar de não recomendada a coleta de provas ou sua análise,
nada impede que o mediador para sua informação, tenha acesso a elas, sem ser o
portador de considerações, pareceres ou sua juntada aos autos, sendo, sim, viável
que encaminhe os mediandos para que os atores jurídicos promovam as medidas
jurídicas pertinentes, em suas esferas de competência, seguindo a mediação com
objetivos a curto, médio e longo prazos: de contenção, transformação, uma comu-
nicação e uma relação mais funcionais, além de pactos de efeitos jurídicos globais.
E aqui talvez esteja a trilha para resposta à última questão supra. A recon-
ciliação foi trazida como um fato consumado que coloca os envolvidos J.A.B. e
F.L.B. em risco potencial. A atuação da mediadora no caso concreto citado veio
como uma resposta institucional, de caráter provisório, que não maculou, nem
impediu a intenção dos mediandos à sua reconciliação, e proporcionou espaços
à reflexão e futuras mudanças de segunda ordem.
O mediador deve utilizar de estratégias para viabilizar proteção, contenção e
transformação, para que os sujeitos cheguem à respostas individuais em que a expres-
são de sua vontade não esteja contaminada ou venha contra o seu julgamento. Assim,
medidas de preparação, o mapeamento da situação concreta e a imersão na temática
central se fazem imprescindíveis, antes da atuação em mediação propriamente dita.
Como referência, são trazidas as estratégias observadas no Projeto Ínte-
gra de mediação em contextos de crimes de gênero e família (vide nota 8), que
não se limitam à sessão de mediação, havendo todo um preparo metodológico e
dos mediandos até o seu advento. São elas: a) interdisciplinaridade no processo
de mediação; b) espaços de terapia breve no projeto, voltados à mediação a pro-
porcionar acolhimento, suporte e reflexão encadeados com o processo de me-
diação; c) encaminhamentos monitorados para a rede 261, o tratamento de saúde
e por vícios (a drogas, jogo etc); d) o envolvimento da rede familiar, comunitária
e social; e) outros encaminhamentos monitorados à rede que proporcionem au-

261 Rede: As redes são a somatória de todas as relações que cada sujeito estabelece e percebe como
significativas. Rede diz respeito ao nicho interrelacional e contribui para o reconhecimento do sujeito
e sua autoimagem. Possibilita a capacidade de adaptação e superação em situações de crise. Há diver-
sas definições de rede, como a de Franco (2009) e durante as transições psicossociais, as redes sociais
e pessoais são reduzidas. Acontece uma sobrecarga na pequena rede remanescente (ZAPPAROLLI,
2003; 2013; VICENTE; BIASOTO, 2003; FREITAS JUNIOR, 1994; SOUZA; RAMIRES, 2006). E essa des-
compensação, que pode ser decorrente de conflitos interpessoais e intrapsíquicos, costuma deflagrar
outros e novos conflitos intrapsíquicos e interpessoais, num círculo vicioso que tende a gerar precipi-
tações e equívocos nas decisões. A mediação que pensa os mediandos em seu contexto trabalha-os
considerando as redes existentes e a possibilidade de sua ampliação para suporte.

298
Célia Regina Zapparolli

tonomia do sujeito, da família e inclusão social e; f) espaços e grupos reflexivos


temáticos sobre violência, gênero, parentalidade, conjugalidade e vícios. Existe
um encadeamento com ações institucionais que geram respostas individuais
para que os sujeitos não decidam contra seu melhor julgamento, não se subme-
tam às pressões externas, nem lhes falte repertório ou “força” para decidir.
Na experiência também há outras ações institucionais, endereçadas aos indiví-
duos, para que, se os sujeitos vierem a tomar decisões contra seu melhor julgamento,
tenham possibilidade de sua reversão, calibração e minoração dos efeitos dessas deci-
sões. São elas: a) observância de pactos provisórios; b) espaços de redimensionamento
de pactos provisórios; c) monitoramento da eficiência dos pactos em vigor; d) monito-
ramento dos encaminhamentos à rede pública, todos antes da homologação e extinção
definitiva dos processos, para que se garanta a melhor e eficaz decisão homologada.
Esse tema instigante não está esgotado neste breve artigo. Ele serve como
subsídio para debates, para se refletir a respeito da mediação, diante dos de-
mais instrumentos não adjudicatórios de administração de conflitos, disputas,
problemas, prevenção e gestão de crises.

Referências

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FIORINI, H. J. Teoria e técnicas de psicoterapia. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

FRANCO, A.  Apresentação TEDxSP. 2009. Disponível em: <www.tedxsaopaulo.com.br/au-


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case of Brazil. In: ENGELSTAD, F. et al. Layoffs and local justice. Oslo: Institutt for sam-
funnsforsking, 1994. p. 160-173.

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SOUZA, R. M.; RAMIRES, V. R. R. Amor, casamento, família, divórcio... e depois, segundo as


crianças. São Paulo: Ed Summus, 2006.

VICENTE, R. G.; BIASOTO, L. G. A. P. O conhecimento psicológico e a mediação familiar. In:


MUSZKAT, M. (org.). Mediação de conflitos: pacificando e prevenindo a violência. São Paulo:
Summus Editorial, 2003.

ZAPPAROLLI, C. R. A Experiência pacificadora da Mediação. Muszkat, M. (org.). Mediação de


conflitos: pacificando e prevenindo a violência. São Paulo: Summus Editorial, 2003.

_________. Mediação de Conflitos de gênero e família, em contextos de violências e crimes pro-


cessados pelas Leis n. 11.340/2006 e 9.099/1995. A Experiência desenvolvida no Projeto Íntegra
de 2001 a 2011. In: SILVA, L. A.M. G. da (Org.). Mediação de Conflitos. São Paulo: Atlas, 2013.

ZAPPAROLLI, C. R.; KRAHENUHL, M. C. Negociação, mediação, conciliação, facilitação assistida,


prevenção, gestão de crises nos sistemas e suas técnicas. São Paulo: LTr, 2012.

299
Mediação de conflitos envolvendo
entes públicos262

Luciane Moessa de Souza

Sumário: 1. Introdução. 2. Fundamentos para a adoção de métodos consensuais de reso-


lução de conflitos na esfera pública. 2.1. Fundamentos constitucionais. 2.2. Fundamentos
infraconstitucionais. 3. Os princípios constitucionais que regem a atuação do Poder Público
e suas consequências na resolução consensual de conflitos. 4. As medidas necessárias para
a viabilização da resolução consensual de conflitos individuais envolvendo o Poder Público.
5. As medidas necessárias para a viabilização da resolução consensual de conflitos coleti-
vos envolvendo o Poder Público. 6. O Capítulo dos conflitos que envolvem o Poder Público
na nova lei sobre mediação de conflitos. 6.1. Seção I - Disposições comuns às três esferas
federativas. 6.2. Seção II - Conflitos envolvendo entes públicos federais. 7. Conclusões.

1 Introdução
Não obstante, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o
Poder Público seja parte em mais da metade dos processos judiciais em curso
em nosso país 263, pouco ainda se produziu, seja em nível normativo (vide a Re-
solução 125, de 2010, do próprio CNJ), seja em nível doutrinário, seja em nível
jurisprudencial, sobre as peculiaridades da resolução consensual de conflitos na
esfera pública. E esta necessidade é evidente por conta do regime jurídico dife-
renciado da Administração Pública em face dos particulares, o qual lhe coloca li-
mites muito claros e relevantes no momento de negociar para resolver conflitos.
Ao analisar o capítulo que trata da “composição de conflitos no âmbito da
Administração Pública” na Lei 13.140/2015, a primeira observação que cabe fa-
zer diz respeito à falta de transparência que caracterizou a sua elaboração. Não
houve, como ocorreu com os demais capítulos do projeto de lei que terminou
sendo aprovado, discussão aberta que contasse com a participação de todos os
atores essenciais e, ao mesmo tempo, dos especialistas na matéria. Assim, em-
bora as regras deste capítulo abranjam os conflitos entre Administração Pública
(nas três esferas federativas) e particulares, e não apenas os conflitos internos
da Administração Pública, o seu conteúdo somente foi discutido internamente,
ainda assim sem uma participação ampla dos próprios membros da Advocacia

262 Parte deste artigo está publicada também na obra “Transformações e tendências do Direito
Administrativo”, coordenada pelo Professor Thiago Marrara, pela Editora Almedina, e na obra “De-
senho de sistemas e mecanismos consensuais de solução de conflitos na Justiça Federal”, coorde-
nada pela Professora Daniela Gabbay e pelo magistrado Bruno Takahashi, pela Editora Gazeta Ju-
rídica. Ambos os artigos foram escritos antes da aprovação da nova Lei de Mediação de Conflitos,
promulgada em junho de 2015. Esse artigo é uma versão revista tendo em conta o texto final da
lei e foi publicado também na obra coletiva coordenada por Humberto Dalla Bernardina de Pinho,
Trícia Navarro e Durval Hale, recém lançada pela Editora Atlas, versando sobre o “Marco legal da
mediação – anotações, comentários e interface com o novo Código de Processo Civil”.
263 Vale registrar também que o número de processos judiciais em curso no Brasil ultrapassa os
90 milhões.

300
Luciane Moessa de Souza

Pública Federal, sem nenhuma participação dos Estados-membros, dos Municí-


pios e do Distrito Federal, muito menos do Judiciário ou do Ministério Público,
seja em nível federal, seja em nível estadual.
O resultado desse processo defeituoso está claro no conteúdo do capítulo
em questão – seja pelas falhas técnicas, seja pelas omissões, seja por algumas
inconstitucionalidades.
Se, por um lado, existe alguma utilidade na introdução de um capítulo sobre
o tema na primeira lei que veio a disciplinar a mediação de conflitos em nosso país,
o capítulo em questão, como se verá, não dá conta das peculiaridades atinentes aos
conflitos que envolvem o Poder Público e peca principalmente por omissões muito
relevantes, notadamente no que diz respeito aos conflitos de natureza coletiva – o
que poderá vir a ser sanado, oxalá, mediante a edição de legislação específica so-
bre o tema. De um modo geral, o texto traz poucos avanços em relação ao que já
estava previsto na Lei 9.469, de 1997, sobretudo pela excessiva remissão à neces-
sidade de regulamentação, já que não são estabelecidos quaisquer parâmetros ou
diretrizes para nortear a celebração de acordos ou transações nos conflitos envol-
vendo o Poder Público, sob o aspecto dos critérios materiais.
Comentarei cada uma das seções, mas, preliminarmente, discorrerei sobre
os fundamentos já existentes, em nível constitucional e infraconstitucional, para
a utilização dos métodos consensuais nos conflitos envolvendo entes públicos.

2 Fundamentos para a adoção de métodos consensuais de


resolução de conflitos na esfera pública
2.1 Fundamentos constitucionais
Os três grandes fundamentos jurídico-constitucionais para a adoção de méto-
dos consensuais na resolução de conflitos em que se vê envolvido o Poder Público, seja
na esfera administrativa, seja na esfera judicial, são: a) o princípio do acesso à justiça
(art. 5º., XXXV, da Const. Federal), que exige a disponibilização de métodos adequados
(sob os aspectos temporal, econômico e de resultados) de resolução de conflitos, não
se subsumindo a uma simples garantia de acesso formal ao sistema judicial – princípio
do qual decorre o também positivado princípio da razoabilidade na duração do proces-
so administrativo e judicial (art. 5º, LXXIV); b) o princípio da eficiência (art. 37, caput),
que demanda sejam os conflitos resolvidos da forma que apresente a melhor relação
entre custo e benefício, ou seja, menores custos, menos tempo, menos desgaste para
a relação entre as partes e melhores resultados para ambas; c) o princípio democrático,
fundamento de nossa ordem constitucional (art. 1º.), que decorre de o Estado não ser
um fim em si mesmo e reclama portanto que, quando o Poder Público se veja envolvi-
do em conflitos com particulares, ele se disponha, em primeiro lugar, a dialogar com
estes para encontrar uma solução adequada para o problema.
Por tais razões, entendo – e defendi tal posicionamento em minha Tese
de Doutoramento264 – que o Poder Público deve necessariamente disponibilizar

264 A Tese em questão, defendida perante a UFSC, resultou na publicação de duas obras de minha
autoria pela Editora Fórum em 2012: “Meios consensuais de resolução de conflitos envolvendo
entes públicos: negociação, mediação e conciliação nas esferas administrativa e judicial” e “Me-
diação de conflitos coletivos: a aplicação dos meios consensuais à solução de controvérsias que
envolvem políticas públicas de concretização de direitos fundamentais”. Tive a honra de contar

301
Mediação de conflitos envolvendo entes púbicos

métodos de resolução consensual de conflitos para as situações em que estiver


litigando com particulares. Tal não significa, por evidente, que sejam os parti-
culares obrigados a tomar parte nestes processos consensuais, podendo optar,
se assim entenderem mais apropriado, pelo processo contencioso tradicional.
Da mesma forma, nos conflitos que envolvem entes públicos entre si, a solução
consensual deve ser buscada sem cessar até que se alcance sucesso, por decor-
rência lógica do princípio da eficiência.

2.2 Fundamentos infraconstitucionais


A par dos fundamentos constitucionais, nosso ordenamento infraconsti-
tucional conta, desde 1990265, com diversas previsões de resolução consensual
de conflitos envolvendo o Poder Público, a maioria inclusive versando sobre
direitos indisponíveis.
A primeira grande inovação neste sentido foi feita pelo Código de Defesa do
Consumidor (Lei 8.078, de 1990), ao alterar a Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347,
de 1985) e acrescentar o parágrafo 6º. ao seu artigo 5º., o qual prevê a celebração
de “ajustes de conduta” em todos os temas que podem ser objeto da referida ação,
vale dizer, meio ambiente, patrimônio cultural, histórico e paisagístico, ordem eco-
nômica, defesa do consumidor, entre outros. Muito embora haja quem afirme que
não existe autêntica negociação antecedendo a celebração de termo de ajustamen-
to de conduta (já que a lei não faz esta exigência expressa), nada impede que tal
aconteça, pois a lei tampouco a proíbe – e há membros do Ministério Público que,
pioneiramente, assim procedem. O ideal, naturalmente, é que exista a negociação,
até porque o mais comum é que diferentes direitos fundamentais colidam entre si
nos conflitos de natureza coletiva, devendo-se buscar, pelo caminho do diálogo, a
solução que seja capaz de compatibilizá-los de forma ótima – resultado, por sinal,
improvável de ser alcançado mediante a prolação de uma decisão unilateral.
No mesmo ano de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei
8.069) também previu, em seu artigo 211, a possibilidade de celebração de
ajuste de conduta.
Tal exemplo foi seguido pela legislação de defesa da concorrência (Lei
8.884, de 1994), cujo artigo 53 admitiu a celebração de compromisso de cessa-
ção de conduta para suspender processo administrativo sancionador. Este mo-
delo segue sendo adotado pela nova lei que disciplina o assunto (Lei 12.519,
de 2011), cujos artigos 9º., V, e 85 continuam a dispor sobre o compromisso de
cessação de conduta lesiva à concorrência.
Em 1997, a Lei 6.385, de 1976, que disciplinou o mercado de capitais e
criou a Comissão de Valores Mobiliários para regulá-lo, foi alterada pela Lei 9.457,
que incluiu os parágrafos 5º. a 12 em seu artigo 11, que trata do processo admi-
nistrativo sancionador. Os novos parágrafos 5º. a 9º. tratam da possibilidade de
suspensão do processo punitivo mediante celebração de termo de compromisso
de ajustar a conduta às prescrições legais. Alguns destes parágrafos tiveram sua
redação alterada pelo Decreto 3.995, de 31 de outubro, mas a tônica foi mantida.

com o organizador dessa obra coletiva, Prof. Humberto Dalla, na Banca Examinadora.

265 Isto se não se considerar o Código Tributário Nacional, de 1966, que já admitia a extinção do crédito
tributário por meio de transação – norma que, por seu turno, demanda detalhamento por lei específica.

302
Luciane Moessa de Souza

Tais dispositivos foram regulamentados pelas Deliberações CVM 390, de 2001, e


486, de 2005. Na prática, somente após a regulamentação, que criou o Comitê de
Termo de Compromisso, é que a norma passou efetivamente a ser levada a efeito,
produzindo-se percentuais altíssimos de cumprimento de acordos.
Em matéria ambiental, a Lei 9.605/1998 (art. 79-A), o Decreto 99.274/1990
(art. 42) e o Decreto 6.514/2008 (arts. 139 a 148) também admitem a celebra-
ção de compromisso de ajuste de conduta, reforçando e detalhando o permissi-
vo já contido na Lei da Ação Civil Pública.
O Estatuto do Idoso (Lei 10.741, de 2003) também contém, em seu artigo
74, X, previsão de possibilidade de celebração de ajuste de conduta.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, igualmente, admite pro-
cedimento desta natureza no exercício das atividades de fiscalização das insti-
tuições de ensino superior (Lei 9.394/1996, art. 46, § 1º.; Decreto 5.773/2006,
arts. 47 a 50). No mesmo compasso, a Consolidação das Leis do Trabalho foi
alterada em 2001, com acréscimo do artigo 627-A e alteração do artigo 876,
para se prever a possibilidade de celebração de termo de compromisso ou de
ajuste de conduta em matéria de saúde e segurança do trabalho. Tais regras fo-
ram regulamentadas pelo Decreto 4.552/2002 (art. 28).
A legislação de quase todas as agências reguladoras contém norma se-
melhante: a) ANEEL – artigo 3º., V, da Lei 9.427, de 1996, e Resolução ANEEL
333, de 2008; b) ANATEL – artigo 19, XVII, da Lei 9.472, de 1996; c) ANP – artigo
20 da Lei 9.478, de 1997 e Portaria ANP 69/2011, art. 54; d) ANTT – Resolução
442/2004; e) ANTAQ – Resolução 987/2008; f) ANS – Lei 9.656, de 1998, art.
29, § 1º. e Lei 9.961, de 2000, art. 4º., XXXIX; g) PREVIC – Lei 12.154, de 2009,
art. 2º., VIII; Instruções PREVIC 3 e 7/2010 266.
Vê-se, assim, que quase todas as normas referidas tratam de direitos indis-
poníveis – o que não é grande novidade, já que o Código de Processo Civil (artigo
447, parágrafo único), a Lei de Divórcio e outros diplomas sempre admitiram a
celebração de acordos em conflitos na área de direito de família, onde abundam os
direitos indisponíveis (guarda e visita a filhos, por exemplo). Da mesma forma, a
transação já é admitida em matéria de infrações penais leves desde a Lei 9.099, de
1995, que criou os Juizados Especiais Criminais, tendo sido ampliada com a edição
da Lei 10.259, que criou os Juizados Especiais Federais (a pena máxima para os cri-
mes cuja persecução pode ser “negociada”, que era de um ano, passou a dois anos).
Não se pode, portanto, de forma alguma confundir indisponibilidade com
intransigibilidade, pois esta somente se afigura nas situações em que a lei ex-
pressamente veda a transação – como se vê do artigo 17, parágrafo 1º, da Lei
8.429, de 1992, que versa sobre improbidade administrativa.
Constituem ainda fundamentos legais para a utilização de meios consensuais
no curso do processo administrativo o princípio da proporcionalidade, previsto no
artigo 2º., VI, da Lei 9.784, de 1999, e a previsão do artigo 2º., IV, da Lei 9.873, de
1999, no sentido de que a instauração de alguma espécie de conciliação interrompe

266 Uma observação à parte merece ser feita ao cabo desta descrição de tantas normas que
admitem a resolução consensual de conflitos em temas sensíveis: nem sempre a previsão norma-
tiva tem sido acompanhada da devida implementação de programas pelos entes públicos com-
petentes. A pesquisa de campo que realizei no Brasil revela que são ótimos programas, que já
produziram excelentes resultados, os do CADE, o da CVM e o da ANEEL. Muitas destas normas,
infelizmente, ainda não “saíram do papel”.

303
Mediação de conflitos envolvendo entes púbicos

o curso da prescrição para fins de processo administrativo na esfera federal.


Ainda na esfera administrativa, vale registrar que a previsão constante
da legislação de diversas agências reguladoras, de realização de consultas e
audiências públicas para a elaboração de seus atos normativos, e que é adotada
mesmo por entes que não contam com tal previsão legal (como o Banco Central
do Brasil, cuja legislação básica é a Lei 4.595/1964), é um reforço muito impor-
tante para a ideia de consensualidade na tomada de decisões na Administração
Pública. Muito embora no direito brasileiro as manifestações apresentadas não
vinculem a Administração, nos EUA, a partir desta previsão, em muitos casos
se adota o procedimento do “negotiated rulemaking”, buscando-se alcançar um
consenso entre os setores regulados e os usuários dos serviços regulados, que
é levado em conta pelo ente regulador competente ao elaborar a norma 267.
Já na esfera judicial, temos, além da já citada legislação dos Juizados
Especiais Federais, a lei que criou os Juizados Especiais da Fazenda Pública,
dispondo sobre o processamento especial dos litígios de pequena monta envol-
vendo os Estados, Distrito Federal e Municípios – Lei 12.153, de 2009. Note-se
que esta lei necessita de complementação por legislação de cada Unidade da
Federação, nos termos de seu artigo 8º. Na esfera federal, a legislação básica
sobre transações é a Lei 9.469, de 1997, que admite transação sem diferenciar
ou restringir a matéria, para os litígios que envolvem a União ou outro ente fe-
deral. Esta norma está regulamentada por diversas Portarias da Advocacia-Geral
da União e seus órgãos vinculados. Da mesma forma, vale mencionar que o Có-
digo Tributário Nacional admite a transação como forma de extinção do crédito
tributário (artigo 156, III).

3 Os princípios constitucionais que regem a atuação do Po-


der Público e suas consequências na resolução consensual
de conflitos

A defesa das possibilidades que a resolução consensual de conflitos oferece


não implica, naturalmente, negar as cautelas adicionais que esta requer em face das
especificidades atinentes ao regime jurídico da Administração Pública. Estas especi-
ficidades acarretam limitações ao poder/dever de transigir e decorrem basicamente
dos princípios da legalidade (ou da juridicidade), da isonomia e da publicidade.
O princípio da legalidade é um dos primeiros argumentos apresentados por
aqueles que se opõem à utilização da consensualidade na esfera pública. Pretende-
se extrair do princípio da legalidade a consequência de que o ordenamento jurídico
não deixa nenhum espaço para a negociação no momento de aplicação da lei ao caso
concreto. Ora, não é necessário sequer ter conhecimentos jurídicos especializados
para se ter ouvido falar das múltiplas interpretações possíveis acerca de cada norma.
Também é fato notório e frequente (embora evidentemente indesejável) a presença
de lacunas e contradições em nossa ordem jurídica, nem todas solucionáveis pelos
critérios hierárquico, temporal e de especialidade. A isto pode se acrescentar o fenô-

267 Eu trato do assunto na obra “Meios consensuais...”, já referida (no item “elaboração negociada
de regulamentos administrativos”), e também Sérgio Varella Bruna, na obra “Agências reguladoras:
poder normativo, consulta pública, revisão judicial”, publicada pela Editora Revista dos Tribunais,
explora bastante bem o tema.

304
Luciane Moessa de Souza

meno ineliminável da colisão entre direitos fundamentais, da qual decorre a potencial


colisão entre políticas públicas. Forneço exemplos: pense-se na presença de recursos
minerais estratégicos e valiosos em terras indígenas ou territórios quilombolas. Ora,
a Constituição Federal assegura, a um só tempo, o reconhecimento de territórios a
tais comunidades, e o interesse público na exploração de nossos recursos minerais.
Pense-se ainda na coincidência geográfica parcial (e tais exemplos não são exercícios
de imaginação, mas sim extraídos de minha atuação como Conciliadora na Câmara
de Conciliação e Arbitragem da Advocacia-Geral da União em 2010 e 2011) entre
territórios de populações remanescentes de quilombos e os limites de unidades de
conservação, cuja proteção também é um mandamento constitucional. O potencial
de conflitos é imenso – e o recurso à legalidade pura e simples não fornece nenhuma
solução. É preciso encontrar maneiras criativas de compatibilizar as políticas públi-
cas que devem garantir tais direitos fundamentais. Para este fim, a verificação das
normas jurídicas aplicáveis ao caso é apenas o ponto de partida da negociação, a
moldura que lhe traça os limites. Por tal razão, todos os acordos envolvendo o Poder
Público devem ser devidamente fundamentados, já que os atos administrativos (e aí
se inclui a autorização de acordos, mesmo em juízo) se sujeitam a controle interno e
externo de juridicidade, e tal fundamentação deve ser fática e jurídica, de modo a dei-
xar claro porque uma determinada solução é o caminho mais adequado para resolver
o conflito, sob o ponto de vista da legalidade, da economicidade e todos os demais
parâmetros que devem reger a atuação de entes públicos.
Uma segunda “limitação” igualmente relevante é o princípio da isonomia. O
Poder Público, quando firma um acordo, assim como se dá em qualquer outro ato
administrativo, está estabelecendo um precedente – ou seja, todo aquele que se
veja em conflito com ente público na mesma situação ou em outra muito similar
terá pleno direito de invocar para si a mesma solução, por decorrência evidente
do princípio da isonomia. Por tal razão, antes de firmar um determinado acordo, é
necessário que o Poder Público busque averiguar se o conflito em questão é uma
situação única ou um conflito repetitivo no qual milhares de pessoas também se
enquadram. Em seguida, deve levar isso em conta não apenas por saber que terá
que firmar o mesmo acordo em situações semelhantes, mas também para verificar
se será viável, técnica e financeiramente, o cumprimento de tais acordos.
Por fim, a terceira peculiaridade da resolução consensual de conflitos na
esfera pública se deve à incidência do princípio da publicidade. Quando se ana-
lisa, por exemplo, a doutrina, seja brasileira, seja alienígena, sobre mediação de
conflitos, muito se ouve falar sobre ser a confidencialidade essencial ao desenvol-
vimento da mediação. Assim não me parece, nem sequer na esfera privada. Na
realidade, o que se busca com a confidencialidade é que as partes fiquem mais à
vontade para negociar – e a confidencialidade não é o único fator relevante para
chegar a este resultado. Todavia, o que nos interessa aqui é a esfera pública. Não
se pode negar que, havendo um terceiro como facilitador da negociação (no caso,
o mediador), é fundamental que as partes envolvidas no conflito nele confiem e é
também bastante salutar para o progresso da negociação que ele tenha sessões
separadas com cada uma das partes – de cuja existência todas elas devem ter co-
nhecimento. Neste espaço (sessões privadas), é eventualmente possível que en-
tes públicos ou os particulares revelem ao mediador alguma informação que não
desejem que chegue ao conhecimento da(s) outra(s) parte(s), normalmente por
enfraquecer sua posição na negociação. Admite-se, nestes casos, que o mediador

305
Mediação de conflitos envolvendo entes púbicos

mantenha sigilo sobre tais informações – desde que elas não se enquadrem nas
exceções à confidencialidade da mediação que são reconhecidas inclusive na es-
fera privada (intenção de praticar um crime, revelação da violação a direitos de
menores ou outras normas de ordem pública, etc.).
Não se pode admitir, contudo, a ideia de confidencialidade para as ses-
sões conjuntas de mediação, muito menos para a documentação produzida du-
rante o procedimento de resolução consensual do conflito, a menos que se trate
de informação acobertada por sigilo comercial, industrial, bancário, que coloque
em jogo a intimidade ou a vida privada de particulares ou, ainda, que se trate de
algum segredo de Estado. Vale dizer, quando se pensa em resolução consensual
de conflitos envolvendo o Poder Público, a publicidade é a regra; a confidencia-
lidade é a exceção e precisa ser juridicamente justificada.
Vale registrar que esta diferenciação (não aplicação da confidencialidade)
é tão relevante que, justamente por conta dela, defendo que não existe, na
esfera pública, como existe nos conflitos na esfera privada, a necessi-
dade de separação das figuras do terceiro que facilita o diálogo (o me-
diador) e do terceiro julgador (que decidirá o conflito se o acordo não
for alcançado). Por tal razão, se forem devidamente capacitados, entendo que
também os magistrados podem conduzir o processo de resolução consensual
de conflito que envolva entes públicos, sendo de certa maneira artificial aqui a
distinção que se costuma fazer entre mediação e conciliação 268.
O tema é simplesmente ignorado pela nova lei, cujo artigo 30 deveria
conter parágrafos com o seguinte conteúdo, a fim de dissipar qualquer contro-
vérsia:

§ 5º. A confidencialidade não se aplica às sessões conjuntas nem à documentação


produzida no curso de processos de mediação de conflitos coletivos envolvendo políticas
públicas, nos quais deve ser garantida a transparência do processo e devem ser criados
canais para participação e manifestação de terceiros interessados.
§ 6º. A confidencialidade não se aplica, em regra, aos conflitos envolvendo o Poder
Público, ressalvadas as hipóteses legalmente previstas de sigilo.

4 As medidas necessárias para a viabilização da resolução


consensual de conflitos individuais envolvendo o Poder
Público

A primeira etapa para se avaliar inclusive se é o caso de resolução consen-


sual de conflitos na seara pública reside na avaliação de risco jurídico nas ações

268 Existem várias diferenças apontadas pela doutrina brasileira entre os dois métodos, sendo uma
das mais comuns a de que o mediador não pode sugerir soluções para o conflito, ao passo que o
conciliador pode. Esta distinção já caiu claramente por terra nos EUA, eis que um estilo mais ativo
de mediação (conhecido como “mediação avaliativa” e que é muito utilizado) admite claramente que
o mediador desempenhe um papel de condutor do acordo, sendo que, na prática, nem sequer se
registra (aqui ou nos EUA) no acordo de onde partiram as propostas de solução – pois isto é irrele-
vante. A distinção mais relevante é a que diz respeito à abordagem, mais rasa ou mais aprofundada,
do conflito e suas razões. Enquanto na conciliação esta abordagem é mais superficial, na mediação
deve ser mais profunda, valorizando-se seu papel pedagógico, pois esta deve ser usada quando as
partes têm um relacionamento entre si que querem preservar (exemplo: sócios de uma empresa,
Fisco e contribuinte, indústria e órgão ambiental), ao passo que aquela (a conciliação) serve para os
conflitos em que não há relacionamento entre elas (exemplo: acidente de trânsito).

306
Luciane Moessa de Souza

judiciais e representações administrativas em face do Poder Público. Vale dizer, é


necessário um exame sério e abrangente da consistência dos argumentos fáticos e
jurídicos invocados por cada cidadão, empresa ou entidade que esteja a questionar
um ato do Poder Público ou a pleitear algo em face deste. Algumas vezes, se pode-
rá concluir preliminarmente que não é caso de contestar o pedido, porque assiste
razão ao particular, no todo ou em parte. E se a ele assiste razão, a medida mais
econômica (porque evita gastos maiores posteriores, inclusive com a utilização da
máquina administrativa e/ou jurisdicional) e a única admissível juridicamente para
um ente público, vinculado que está ao princípio da legalidade, é atender ao pleito.
Não há, nestas hipóteses, espaço para uma negociação propriamente dita, mas sim
para o reconhecimento total ou parcial da procedência do pedido.
Outras vezes, a conclusão que deflui desta análise, ainda que preliminar, é
de que o pleito do particular não tem fundamento fático e/ou jurídico, de modo
que tampouco resta outra alternativa senão contestá-lo, protegendo assim tan-
to ao interesse público primário, de que as regras sejam cumpridas, quanto ao
secundário, de que o patrimônio público não seja afetado por pleitos abusivos.
Outras tantas vezes, porém, se verificará que existe algum grau de proba-
bilidade de que o particular tenha razão, mas ainda não existe certeza fática (por
ser eventualmente necessária a instrução ou as provas já existentes não serem
conclusivas) ou jurídica (por serem admitidas diversas interpretações das normas
jurídicas aplicáveis e/ou porque a própria jurisprudência está dividida acerca do
tema). E aí reside o espaço para a utilização da resolução consensual de conflitos.
Quando se verifica a incerteza, deve-se proceder a uma avaliação de risco,
de modo que se verifiquem quais são as chances de o particular ter êxito em seu
pleito num processo adversarial, à luz das provas e do direito aplicável. Se estas
chances forem significativas, valerá a pena buscar uma solução consensual.
Para viabilizar a adoção deste caminho, entretanto, é desejável que existam
parâmetros prévios estabelecidos em normas legais ou administrativas, que estipu-
lem critérios para a celebração de acordos ou transações, bem como as autoridades
encarregadas de realizar a análise de risco e, por fim, de autorizar os acordos em
cada caso. Convém que tais decisões sejam tomadas de forma colegiada, com a
participação de pessoas ligadas à área jurídica bem como à área técnica afetada.
De outra parte, em consonância com o princípio da isonomia, como já
dito, este colegiado deverá verificar a eventual ocorrência de conflitos repetiti-
vos, de maneira a analisar de forma plena a viabilidade técnica e financeira de
cumprir acordos com outros que se encontrem em situação semelhante (por
conta do efeito precedente), inclusive, se for o caso, para propor regras para
eventuais pagamentos parcelados.

5 As medidas necessárias para a viabilização da resolução


consensual de conflitos coletivos envolvendo o Poder Público
Normalmente, será necessária a utilização de mediadores para viabilizar a
negociação entre particulares e Poder Público, dada a desigualdade de poder. Tal
necessidade é ainda maior em conflitos multipartes, nos quais existem diversos en-
tes públicos envolvidos, e grupos distintos também na sociedade civil, nem sempre
organizados. A primeira necessidade que se coloca, assim, é a de que exista um
quadro de mediadores previamente capacitados a que o Poder Público possa recorrer.

307
Mediação de conflitos envolvendo entes púbicos

Também é necessário definir de onde virão os recursos para pagar pelos serviços de
mediação, quando os mediadores já não sejam servidores remunerados pelos cofres
públicos para tal fim, bem como para pagar por eventuais estudos técnicos.
Existente este quadro, a escolha do mediador (ou equipe de mediadores,
como é mais comum em se tratando de conflitos coletivos) deve ficar preferen-
cialmente a cargo das partes envolvidas. Se se tratar de um conflito judicializado,
admite-se que o juiz da causa faça a escolha, mas é evidente que mediadores po-
derão ser recusados por razões de suspeição e há que se sopesar se vale a pena
o ganho de tempo decorrente da escolha unilateral com a perda de autonomia e
confiança das partes no(s) mediador(es) escolhido(s) sem a sua participação. Nos
EUA, costuma-se permitir às partes que façam esta escolha, sempre havendo, con-
tudo, uma proposta inicial de nomes constantes de um cadastro, de mediadores
que se sabe serem previamente capacitados e experientes na matéria.
Escolhidos os mediadores, devem estes proceder ao diagnóstico do conflito,
com a identificação de todos os interessados e/ou afetados, bem assim de todos
os atores necessários para a resolução efetiva do problema. Este conjunto de atores
envolverá desde os órgãos do Poder Executivo com competência para atuar na ma-
téria, representantes do Legislativo, quando for o caso (por exemplo, nos conflitos
acima referidos envolvendo limites de unidades de conservação ou mineração em
terras indígenas, a participação do Poder Legislativo é essencial para viabilizar o
acordo), Ministério Público (por vezes tanto o Federal quanto o Estadual e, dentro
de ambos, pode haver mais de uma área envolvida, como no caso de conflito entre
comunidades tradicionais e órgãos ambientais), Defensoria Pública (quando houver
pessoas hipossuficientes), o(s) empreendedor(es), quando for o caso, a comunida-
de diretamente afetada, quando for possível identificá-la, as entidades do terceiro
setor que atuem na matéria naquela região, quando existentes.
Nesta fase, os mediadores deverão buscar entender os antecedentes do
conflito, conversar com as partes sobre o funcionamento do processo de resolu-
ção consensual de conflitos, entender suas principais preocupações, expectativas
e receios quanto ao mérito do conflito, bem assim verificar quais são as infor-
mações já disponíveis sobre o problema, quais os pontos de convergência e de
divergência. Também deverão ajudar cada uma das partes a indicar seus repre-
sentantes à mesa de negociação, já que estes deverão ser o elo permanente entre
os demais participantes do processo e o grupo representado, desde o início dela
até a celebração do acordo. Da mesma forma, deve-se investigar como funciona e
quanto tempo levará o processo de ratificação de eventual acordo no seio de cada
órgão público, empresa ou grupo de pessoas representado na mediação.
Com este quadro desenhado, devem os mediadores traçar um planejamen-
to do processo, com cronograma de sessões privadas e conjuntas de mediação,
local e datas para sua realização, proposta de duração e horário das sessões, bem
assim de protocolo de conduta das partes, e até mesmo formas de dar publici-
dade ao processo, incluindo-se o relacionamento com a imprensa. Este planeja-
mento poderá eventualmente já incluir formas de participação e interação com
a sociedade em geral, mediante realização de audiências públicas, recebimento
de sugestões, críticas e informações, etc. Também poderá incluir a identificação
da necessidade de compartilhamento de informações entre os envolvidos, bem
assim da realização de estudos técnicos conjuntos durante o procedimento de
mediação. Estes estudos devem envolver uma deliberação consensual das partes

308
Luciane Moessa de Souza

sobre a sua abrangência (aspectos fáticos e técnicos a serem investigados), sobre


quem dispõe de imparcialidade e competência para realizá-los, sobre a metodolo-
gia a ser adotada e sobre como seus resultados serão utilizados.
Este planejamento (e suas adaptações posteriores) deve ser submetido a to-
dos os participantes da mediação na primeira sessão conjunta de mediação, realizan-
do-se as alterações que se reputarem adequadas após ouvidos todos os interessados.
Aprovadas as regras do jogo, devem ter início as sessões de mediação pri-
vadas e conjuntas, assegurando-se sempre a maior transparência possível, e cons-
truindo-se gradualmente acordos parciais, notadamente quando houver questões
urgentes que não possam aguardar o fim do processo. Naturalmente, quando não
houver consenso acerca de questões urgentes, o juiz competente é que deverá
decidir, prosseguindo-se a mediação sobre os demais pontos, inclusive com a possi-
bilidade de as partes chegarem a um consenso diverso sobre a questão já decidida.
Ao final das negociações, quando as partes e os mediadores avaliarem
que já foram exploradas as alternativas possíveis de consenso, ainda que ele
não tenha sido plenamente alcançado, deve-se proceder à redação conjunta do
acordo, sempre conduzida pelos mediadores. Este deve conter um relato de
quem participou do processo, das informações levantadas e uma justificativa
(jurídica e técnica) do consenso alcançado, as quais servirão como fundamenta-
ção do acordo, bem como uma descrição resumida do processo, a fim de que o
juiz competente para homologá-lo possa assegurar-se de que o “contraditório”
foi observado ou, melhor dizendo, de que oportunidades idênticas foram dadas
às partes para expressarem seus interesses legítimos e preocupações relevan-
tes, sempre dando-se maior atenção aos grupos hipossuficientes.
Além disso, o termo de acordo deve conter, naturalmente: a descrição de
cada uma das obrigações assumidas, quem deverá cumpri-las, em que prazo, e
quem ficará responsável pelo seu monitoramento; também convém que estejam
previstas sanções específicas para o descumprimento de cada uma das obri-
gações, de modo que seja mais econômico para o responsável pela obrigação
cumpri-la do que descumpri-la.
Ainda que o conflito não esteja judicializado, a homologação judicial do
acordo pode ser recomendável para dar mais segurança jurídica a todas as par-
tes envolvidas. Notadamente quando se trata de conflitos envolvendo o Poder
Público, em razão da alternância periódica no comando dos poderes políticos
(os agentes políticos exercem mandato limitado no tempo), por decorrência do
sistema democrático, e subsequente alteração na titularidade de cargos comis-
sionados, é fundamental garantir eficácia executiva ao acordo celebrado, co-
roando assim todos os esforços realizados para a obtenção do consenso.

6 O capítulo dos conflitos que envolvem o Poder Público na


nova Lei de Mediação de Conflitos
Em dezembro de 2013, foi aprovado no Senado Federal um substitutivo
que aglutinou três diferentes projetos de lei sobre mediação269. O projeto tra-
mitou exclusivamente na Comissão de Constituição e Justiça e foi remetido à

269 PLS 517/2011, PLS 405/2013 e PLS 434/2013.

309
Mediação de conflitos envolvendo entes púbicos

Câmara dos Deputados sem passar por nenhuma outra Comissão.


O substitutivo originalmente apresentado pelo Senador Vital do Rego, apro-
veitando-se das previsões dos PLs 405 e 434/2013, tratava dos conflitos que envol-
vem o Poder Público apenas nos artigos 30 e 31, dispondo claramente ser possível
a mediação em tais conflitos – o que já seria um avanço, dada a resistência que
ainda existe sobre o tema entre alguns publicistas, devido a uma interpretação
equivocada dos princípios da indisponibilidade e da supremacia do interesse públi-
co. Também dispunha, em obediência ao princípio constitucional da publicidade,
que a confidencialidade não se aplica à mediação de conflitos envolvendo o Poder
Público, salvo quando se tratar de hipótese de segredo de justiça.
Este texto foi, entretanto, não foi o que prevaleceu ao final, sendo que o texto
que chegou à Câmara dos Deputados se desdobrava em onze artigos (30 a 40). Com
as diversas alterações realizadas na Câmara (infelizmente, muito poucas nesse capí-
tulo), a numeração final dos artigos na Lei 13.140, de 26 de junho de 2015, veio a ser
32 a 40 – tendo havido uma condensação no texto. Passo a comentar cada um deles.

6.1 Seção I – Disposições comuns às três esferas federativas

Em primeiro lugar, o artigo 32 prevê a possibilidade (não a obrigação) de


União, Estados, Distrito Federal e Municípios criarem “câmaras de prevenção e re-
solução administrativa de conflitos”. Muito embora se fale em “prevenção”, não se
inclui entre as competências ali incluídas nenhuma que a ela se relacione – mesmo
porque tal seria inviável, já que a prevenção deve se dar no âmbito de cada órgão
integrante da Administração Pública, mediante uma atuação que prime pelo diá-
logo e pela transparência, além de uma atuação efetiva da Consultoria Jurídica, e
não no âmbito de um órgão específico que atenda a toda a Administração.
As competências de resolução de conflitos se desdobram em três:

“I – dirimir conflitos entre órgãos e entidades da Administração Pública” – aí incluídos,


portanto, os conflitos internos;
“II – avaliar a admissibilidade dos pedidos de resolução de conflitos, por meio de composição,
no caso de controvérsia entre particular e pessoa jurídica de direito público” – nota-se aqui
uma falha técnica, pois, quando se diz “composição” (que abrange autocomposição e hetero-
composição – esta última sendo a resolução por terceiro), o que se pretende dizer é “autocom-
posição”, ou seja, resolução por acordo. O mais curioso é a menção a esta etapa de “avaliação
da admissibilidade”, sem que se estipulem quais seriam os critérios para tal admissão, e
sem que se preveja, também, caso admitido o pedido, onde tramitaria a negociação, já que
“avaliar a admissibilidade” é bem diferente de conduzir o processo de resolução consensual;
“III – promover, quando couber, a celebração de termo de ajustamento de conduta” – trata-se
do único dispositivo que faz referência a este instrumento, que é utilizado, como visto, em
uma série de conflitos envolvendo direitos indisponíveis, de modo que a necessidade de
uma regulamentação séria e completa é bastante evidente. A omissão aqui é muito grave.

Restringindo o campo de abrangência acima descrito, o parágrafo quarto


exclui os conflitos em que seja necessária a prática de ato de competência do
Poder Legislativo (o que é compreensível em certa medida, já que o limite da
negociação será o quadro normativo vigente, neste caso).
O parágrafo primeiro estipula que “O modo de composição e funcionamen-
to das câmaras de que trata o caput será estabelecido em regulamento de cada
ente federado.” Não há, neste ou nos dispositivos seguintes, qualquer referência aos
parâmetros para a negociação, nem mesmo a menção de que os integrantes de tais
câmaras deverão ser previamente capacitados em resolução consensual de conflitos.

310
Luciane Moessa de Souza

Tampouco existe a previsão de um conteúdo mínimo para o acordo que


vier a ser celebrado, com a previsão de obrigações e seus responsáveis, prazos,
sanções, responsáveis pelo monitoramento de cada uma delas, necessidade de
fundamentação fática e jurídica do acordo – nenhuma palavra a respeito. A única
previsão concernente ao acordo (contida no parágrafo terceiro) é de que ele de-
verá ser escrito (“reduzido a termo”) e constituirá título executivo extrajudicial.
Faltou, assim, a previsão de que o acordo (ou “termo final de mediação”,
como o denomina a lei) deve necessariamente incluir a adequada fundamenta-
ção (fática e jurídica) para os acordos celebrados. Este item é fundamental tanto
para fins de homologação (no caso dos conflitos judicializados, o juiz sempre
há de verificar se o acordo não viola norma de ordem pública) quanto para fins
de controle interno (exercido no âmbito da própria Advocacia Pública) e externo
(exercido pelo Tribunal de Contas) da atuação da Administração Pública, inclu-
sive para dar segurança jurídica às autoridades que firmam o acordo. O tema
poderia ser objeto de um novo parágrafo no artigo 32, com a seguinte redação:

“Os termos finais de negociação, mediação e conciliação envolvendo o Poder Público deve-
rão conter fundamentação fática e jurídica dos acordos celebrados, identificando as nor-
mas aplicáveis ao caso e os fatos relevantes que levaram à pactuação de cada transação.”

Ainda, cabe ressaltar, mais uma vez, que é impossível viabilizar a celebração de
acordos no âmbito público enquanto não forem previstos procedimentos claros (so-
bretudo quem autoriza, como são identificados os casos semelhantes, etc) e critérios
para celebração de acordos. Estes procedimentos e critérios podem, como estipula
o projeto, ser estabelecidos por atos normativos editados pelos órgãos de Advocacia
Pública competentes. Todavia, a lei já poderia prever desde logo os critérios gerais para
a celebração de acordos (atos normativos aplicáveis ao caso, fatos comprovados du-
rante o procedimento, jurisprudência administrativa e judicial sobre o tema, pareceres
da própria Advocacia Pública, custos e duração da instrução e do processo judicial,
interesses legítimos dos envolvidos no conflito), que poderiam ser detalhados, para
cada matéria, por esses atos normativos da Advocacia Pública, de modo a fornecerem
parâmetros para os advogados públicos que atuarem em cada conflito concreto. O
ideal, assim, seria que houvesse um dispositivo com a seguinte redação:

Os órgãos de Advocacia Pública de cada ente público, da Administração direta ou indireta,


deverão estipular, mediante atos normativos próprios, procedimentos e critérios para a
celebração de acordos envolvendo o ente público.
Parágrafo primeiro. Estes critérios deverão incluir:
a) atos normativos aplicáveis ao caso;
b) fatos comprovados durante o procedimento de negociação;
c) jurisprudência administrativa e judicial sobre o tema;
d) pareceres da própria Advocacia Pública;
e) custos e duração da instrução e do processo judicial;
f) interesses legítimos dos envolvidos no conflito, positivados ou não em atos normativos.
Parágrafo segundo. Além de atos normativos gerais sobre a celebração de transações,
poderão ser editados atos normativos específicos, para os casos de matérias em que seja
adequado estipular uma faixa de negociação possível, estipulando parâmetros e procedi-
mentos para autorização de acordos em determinados conflitos repetitivos.

Cabe comentar, ainda, a inadequação e inconstitucionalidade da regra do


parágrafo segundo do artigo 32, que torna facultativa para os entes públicos a
utilização do caminho consensual, submetendo o conflito às câmaras referidas.

311
Mediação de conflitos envolvendo entes púbicos

Pelas razões já expostas no item 2 acima, uma regra como esta fere de morte o
princípio constitucional da eficiência.
O artigo 33, por seu turno, já contando com o decurso de um lapso temporal
que certamente será significativo para a criação das tais câmaras administrativas
(cuja existência no seio da própria Administração Pública traz o risco evidente de não
serem garantidas condições de imparcialidade dos mediadores), dispõe ser aplicável
o procedimento de mediação previsto na Subseção I da Seção III do Capítulo I da Lei.
Ora, as disposições ali previstas são aplicáveis a todo e qualquer tipo de mediação –
seja ela administrativa, judicial ou extrajudicial! Absolutamente desnecessária tal pre-
visão. Se o que o legislador pretendeu foi excluir de tal subseção a mediação que vier
a ser desenvolvida no seio das câmaras administrativas, após a sua criação, temos
aí uma perigosa exceção que pode vir a comprometer alguns princípios basilares da
mediação. Como já deve ter ficado claro no início desse artigo, as exceções somente
se justificam em razão do regime jurídico próprio da Administração Pública. Fora dis-
so, corre-se o risco de entrar no perigoso terreno da falta de técnica (comprometendo
os bons resultados da mediação) ou, pior ainda, da arbitrariedade.
Quanto ao artigo 34, que trata da suspensão da prescrição, a regra pouco
acrescenta em face do que já previam os artigos 2º., IV, e 2º.-A, V, da Lei 9.873, ex-
ceto pelo fato de que esta última estabelecia a interrupção, ao invés da suspensão.
Interessante a previsão do parágrafo único do artigo 33, por seu turno, que
pretende atribuir papel de mediador à Advocacia Pública, no que se refere a “confli-
tos relacionados à prestação de serviços públicos.” Certamente poderão ser susci-
tadas sérias dúvidas quanto à imparcialidade, já que os entes públicos defendidos
pela Advocacia Pública serão partes em tais conflitos. Faria muito mais sentido falar
em “procedimentos de negociação”, já que a imparcialidade aqui é inviável.
O que realmente faltou nesta Seção com as regras gerais sobre mediação
de conflitos envolvendo entes públicos foi uma regra prevendo a necessidade
de fundamentação dos acordos, algo com o seguinte conteúdo:

Nos conflitos envolvendo entes públicos, o acordo deverá sempre ser fundamentado, com
a demonstração dos fatos específicos, considerações técnicas e normas jurídicas que le-
varam à sua celebração.

Já no que se refere aos conflitos coletivos envolvendo políticas públicas,


abrangidos pela nova lei seja por conta da regra do parágrafo 2º. Do artigo 1º.,
seja por conta do art. 32, III, certamente uma previsão específica também seria
necessária – sendo que a redação poderia ser a seguinte:

Nos conflitos coletivos envolvendo políticas públicas, judicializados ou não, deverá ser garan-
tida a participação na mediação de todos os entes públicos (do Poder Executivo ou Legislativo)
que tenham competências relativas à matéria envolvida no conflito, dos entes privados dire-
tamente afetados, e de todos os grupos sociais também diretamente afetados pelo conflito,
bem assim do Ministério Público, e, quando houver interesse de hipossuficientes, também
da Defensoria Pública. Quando houver uma ou mais entidades do terceiro setor que sejam
representativas e atuem na matéria afeta ao conflito, estas também deverão ser convidadas.

6.2 Seção II – Conflitos envolvendo entes públicos federais


A nova lei traz normas específicas para os conflitos que envolvam ao menos um
ente público federal, basicamente dividindo-os em quatro categorias: a) conflitos entre

312
Luciane Moessa de Souza

entes públicos federais e particulares que poderão ser objeto de “transação por ade-
são” (artigo 35); b) conflitos administrativos envolvendo entes federais (artigo 36) ou
entre entes federais e entes de outra esfera federativa (art. 37); c) conflitos em matéria
tributária (art. 38); d) conflitos judicializados entre entes públicos federais (artigo 39).
Quanto à primeira modalidade, trata-se de categoria que abrange os chama-
dos “conflitos repetitivos”, que envolvem matéria de direito e em que, a partir da
pacificação da jurisprudência em nível de tribunais superiores, são traçadas condi-
ções para a celebração de acordos, bastando ao particular que comprove estar en-
quadrado na situação fática correspondente. Trata-se de caminho que, sem dúvida,
prestigia o princípio da isonomia e facilita a celebração de transações em massa,
mas, por outro lado, perde a oportunidade de melhorar o diálogo entre Poder Públi-
co e cidadão e de propiciar a consideração de situações peculiares eventualmente
não pensadas pelo ato normativo que estipular as condições dos acordos.
No que tange à segunda categoria de conflitos, estipula-se a obrigatorie-
dade de utilização do caminho consensual, no caso mediante procedimento de
composição extrajudicial do conflito conduzido pela Advocacia-Geral da União,
observados os regulamentos a serem emitidos pelo Advogado-Geral da União,
que também solucionará a controvérsia mediante decisão unilateral caso não
seja alcançado o acordo. Esse artigo simplesmente alça a nível legislativo dispo-
sições já em pleno vigor, desde 2007, no âmbito da Advocacia-Geral da União,
com base simplesmente em normas de nível regulamentar.
Já vem sendo praticado no âmbito da Câmara de Conciliação e Arbitragem
da Advocacia-Geral da União, criada por ato regulamentar do Advogado-Geral da
União em fevereiro de 2007.
Se, por um lado, as normas ali previstas são bastante adequadas aos confli-
tos de natureza individual, como os que concernem meramente a questões tribu-
tárias, como aqueles referidos pelo artigo 38, ou outras questões orçamentárias, é
preciso registrar que, no âmbito da referida Câmara de Conciliação, muitos equívo-
cos já foram cometidos quando se pretende resolver conflitos coletivos, que afetam
diretamente setores da comunidade ou outros atores do setor privado (inclusive
grandes empresas), sem que estes participem da negociação.
Já houve inclusive questionamento da 6ª. Câmara do Ministério Público
Federal, com base na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho,
acerca da obrigação de se ouvir as comunidades tradicionais (no caso brasilei-
ro, principalmente, mas não apenas, comunidades indígenas ou quilombolas) em
procedimentos de conciliação nos quais seus direitos estão sendo discutidos. Este
questionamento resultou inclusive numa Portaria do Consultor-Geral da União (no.
3, de dezembro de 2009), determinando a realização de audiências públicas com
tais comunidades em tais procedimentos, mas a boa técnica, como visto acima,
recomenda que, em caso de conflito coletivo, todos os atores afetados pelo con-
flito participem da negociação, ainda que por meio de representantes – e isto não
se restringe aos conflitos que envolvam comunidades tradicionais.
Tal procedimento não tem sido seguido pelo órgão em questão 270 e, de

270 Eu atuei na Câmara de Conciliação e Arbitragem da AGU de outubro de 2010 a agosto de 2011
e realizei as primeiras (e, segundo tive notícia, únicas) audiências públicas envolvendo comuni-
dades quilombolas. Em outros conflitos onde atuei como Conciliadora, como aquele envolvendo
cerca de 600 famílias que vivem em imóvel de titularidade da União na vizinhança do Instituto de
Pesquisas Jardim Botânico (que é uma autarquia federal), cheguei a ser repreendida pelos superio-
res por seguir a metodologia apropriada aos conflitos coletivos e dialogar com as associações de

313
Mediação de conflitos envolvendo entes púbicos

forma reflexa, vê-se que a redação proposta para o projeto de lei ignora por com-
pleto a questão dos conflitos coletivos, dando margem a que estes possam vir a
ser tratados como conflitos internos ao âmbito da Administração Pública – e está
bem longe de ser o caso.
A “inovação” nesse artigo 36 fica por conta dos parágrafos 2º. a 4º., que
preveem: a) a participação do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão
quando houver o reconhecimento de créditos de um ente federal em face de
outro; b) a responsabilidade disciplinar de servidor público que tiver dado causa
à dívida; c) a necessidade de anuência do juiz da causa, em caso de ação de im-
probidade (como se não fosse suficiente prever a necessidade de homologação
– pretende-se transformar o juiz em parte na negociação) ou do Ministro Relator,
quando a matéria estiver em curso no Tribunal de Contas da União. Vale notar
que todos estes parágrafos poderiam muito bem ser objeto de norma regula-
mentar, pois trazem detalhes que nada agregam ao conteúdo que seria de se
esperar desse capítulo.
O artigo 37 causa grande estranheza, pois pretende que as demais enti-
dades federadas submetam seus conflitos com ente federal à Advocacia-Geral
da União, que também é ente federal. A par do desrespeito ao princípio consti-
tucional federativo, a norma é de nenhuma utilidade, pois é pouco provável que
Estados, Distrito Federal e Municípios dela façam uso. Teria caminhado muito
melhor o legislador se previsse a criação de um órgão com tal incumbência no
qual houvesse também a participação dos entes federados, por suas Procura-
dorias dos Estados e dos Municípios. Falha técnica, jurídica e administrativa ao
mesmo tempo. Enquanto esta entidade mista não existir, o que se tem nestes
conflitos é uma Câmara de Negociação federal, sendo possível que cada Estado,
o Distrito Federal ou o Município também criem câmaras equivalentes, fazendo
surgir problemas de “competência” quando estiverem envolvidos no conflito
entes públicos estaduais, distritais e municipais (característica comum aos con-
flitos em questões ambientais e/ou de moradia, por exemplo). Não obstante a
redação preveja a participação facultativa das unidades federadas, não é este o
modelo adequado em um Estado federativo, como o nosso.
O artigo 38 exclui os conflitos de natureza tributária da competência das
câmaras administrativas previstas no artigo 32, no que se refere à celebração
de acordos em conflitos envolvendo particulares e à celebração de termos de
ajustamento de conduta. Os conflitos em matéria tributária, normalmente, por
óbvio, envolvem particulares (os contribuintes), mas estes ficaram de foram da
nova lei. Supõe-se que o assunto será tratado em legislação própria, já que em
2009 a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional elaborou projeto de lei sobre
transação tributária, que foi apresentado pela Presidência da República à Câma-
ra dos Deputados. No que se refere à competência remanescente, ou seja, a de
dirimir conflitos envolvendo a Administração Pública, quando houver ente fede-
ral envolvido, a submissão do caso à Advocacia-Geral da União implica renúncia
do direito de recorrer ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais.
Por fim, o artigo 39 contém previsão bastante salutar (que também já
constava de norma regulamentar da Advocacia-Geral da União) no sentido de
evitar a judicialização de conflitos entre entes federais: qualquer ente público
federal somente poderá propor ação em face de outro ente público federal com
moradores e de defesa ambiental que atuam na área.

314
Luciane Moessa de Souza

autorização expressa do Advogado-Geral da União ou autoridade a quem ele


delegar esta competência,
Por último, mas não menos importante, cabe referir a inaceitável norma
do artigo 40, de constitucionalidade altamente duvidosa, que pretende excluir
do regime constitucional de responsabilidade do agente público por todos os
seus atos dolosos e culposos (conforme artigo 37, parágrafo 6º.) os atos pratica-
dos por servidores e empregados públicos em processo de “composição” (leia-se
“autocomposição”) extrajudicial do conflito, salvo se comprovado: a) dolo ou
fraude; b) percepção de vantagem indevida pelo próprio agente ou por terceiro.
Ficam excluídas daí, portanto: a) os erros técnicos, por ação ou por omissão,
não importa o grau; b) a negligência. Ao que parece, não se pretende tratar com
a seriedade necessária o processo de resolução consensual de conflitos. Ora, o
mesmo grau de responsabilidade que se exige em qualquer ato praticado por
agente público há de ser exigido aqui – daí a necessidade, que defendo vee-
mente, de fundamentação muito clara, sob os prismas fático e jurídico, de cada
acordo celebrado. Entender-se de modo diverso é abrir as portas para o descaso
e os equívocos de todo tipo, sem falar na própria fraude – em casos nos quais
exista dificuldade de prova desta ou da percepção de vantagem indevida.
Alteram-se também alguns artigos da Lei 9.469, de 1997, a qual traz
normas de alçada e alguns poucos parâmetros para celebração de acordos em
conflitos judicializados envolvendo entes públicos federais.
No artigo 1º., elimina-se a previsão de necessidade de participação do
Ministro de Estado da pasta correspondente para o Advogado-Geral da União
autorizar acordos em conflitos envolvendo entes federais, a partir de um cer-
to valor. Quanto ao valor máximo a partir do qual é necessária a autorização
do Advogado-Geral da União, era estabelecido em quinhentos mil reais, com a
redação do novo parágrafo 4º., esse passará a ser previsto em regulamento (o
que é bastante adequado); só não se estipula qual será a autoridade competente
para emitir o regulamento... À falta de previsão expressa, entendo que deve ser
Decreto federal, expedido pela Presidência da República.
Já o parágrafo 5º. traz a previsão de que os acordos “poderão” prever a
responsabilidade pelo pagamento de honorários advocatícios – como se antes
isto não fosse possível... Ora, a regra deveria ter previsto a obrigação, no caso,
até para evitar conflitos posteriores envolvendo os advogados.
Além disso, estipula-se, no novo parágrafo 1º, a possibilidade de criação
de “câmaras especializadas, compostas por servidores públicos ou empregados
públicos efetivos, com o objetivo de analisar e formular propostas de acordos
ou transações”. Dada sua composição (conforme parágrafo 3º.), caracterizam-se
mais como câmaras de negociação.
Altera-se também o artigo 2º. da mesma lei em dois pontos: a) substitui-
se o “dirigente máximo” (leia-se, o Presidente) do Banco Central do Brasil pelo
seu Procurador-Geral, de maneira similar aos demais dirigentes da advocacia pú-
blica federal, como autoridade competente para celebrar acordos até um certo
patamar; b) elimina-se a previsão de que este teto máximo é de R$ 100.000,00
(cem mil reais), remetendo a fixação do valor a norma regulamentar; c) passa-se
a prever que estes acordos podem constituir meros parcelamentos de débitos,
mas não se limitam a estes, como consta na redação atual.
Sobre estes valores máximos para efeitos de autorização do acordo, vale

315
Mediação de conflitos envolvendo entes púbicos

dizer que esta fixação é claramente inadequada quando se pensa nos conflitos
repetitivos, em que deveria ser considerado o valor global envolvido em todos
eles e não os valores individuais envolvidos em cada caso. Muito embora, se
houver jurisprudência pacificada em tribunais superiores, seja possível (mas
não obrigatória) a expedição de ato do Advogado-Geral da União estipulando
condições para “transações por adesão”, quando a jurisprudência ainda não es-
tiver pacificada ou quando o Advogado-Geral da União não expedir o ato que
lhe cabe, fica aberta a porta para celebração de acordos díspares em situações
idênticas, desde que os valores fiquem abaixo do teto estipulado em norma
regulamentar para cada conflito individualmente considerado. Para resolver o
problema, bastaria que houvesse um parágrafo com o seguinte conteúdo:

“No caso de conflitos idênticos (judicializados ou não), todos aqueles que estiverem envol-
vidos em conflitos com o Poder Público terão direito a celebrar acordos idênticos aos já
celebrados; deverão ser estipuladas normas que prevejam objetivamente os critérios para
celebração de acordos em conflitos de idêntica natureza.”

7 Conclusões
Não obstante seja necessário reconhecer a peculiaridade dos conflitos en-
volvendo o Poder Público, ainda assim o caminho da consensualidade se revela,
em muitos casos – e aí eu saliento a situação daqueles conflitos que envolvem
políticas públicas – a solução mais adequada para o problema, para não dizer a
única possível, notadamente em situações em que os impasses criados geram
autênticas paralisações do aparato estatal.
Os métodos consensuais podem ser utilizados seja para prevenir con-
flitos, seja para resolvê-los, tudo a depender do momento em que se está na
escalada do problema. Não podem, contudo, ser manejados sem consideração
com os princípios constitucionais mais caros ao funcionamento de um Estado
Democrático de Direito.
A estruturação de um quadro normativo bem elaborado pode contribuir
em muito para a expansão, com qualidade e segurança, da utilização de tais
métodos em nosso país. Entretanto, como procurei deixar claro ao longo deste
trabalho, a redação atual do capítulo que trata dos conflitos envolvendo o Po-
der Público na nova lei sobre mediação de conflitos está muito aquém das ne-
cessidades do país, contendo vícios e omissões graves que, indubitavelmente,
demandam aprimoramento.

316
PARTE III

Direito Comparado

317
Mediação: estudo comparativo

Déborah Lídia Lobo Muniz

Sumário: 1 Introdução - 2 A mediação no direito alienígena - 2.1 A mediação na União


Européia - 2.2 A mediação na América Latina - 3 Estruturas selecionadas e variáveis de
comparação - 3.1 A legislação da França - 3.2 A legislação de Portugal - 3.3 A legislação
da Costa Rica - 4 Elementos passíveis de recepção pelo projeto de lei brasileiro - 5 O
projeto de lei 4827/1998 - 6 Resultados práticos da mediação - 7 Conclusão - Referências

1 Introdução

O presente artigo traz as abordagens adotadas em diferentes Estados


em relação à mediação e a forma como o projeto de lei brasileiro sobre o tema
pretende viabilizar sua utilização no sistema pátrio.
Procura-se demonstrar que o emprego do instituto da mediação é uma
alternativa que possibilita o acesso à justiça e atende às necessidades de
celeridade, além de promover uma mudança nos participantes, que trabalham
as diferenças e promovem o crescimento e a assunção de responsabilidades
pelos seus atos, o que propicia o desenvolvimento de uma cultura de paz
e de cooperação na resolução dos conflitos, produzindo uma mudança de
paradigmas e de ideais, compelindo os cidadãos a aceitar a substituição dos
velhos parâmetros pelos novos. Explana-se a atualidade e importância do
instituto, sem perder de vista tratar-se, não de uma alternativa para todos
os conflitos, mas de uma via possível para a pacificação e resolução mais
apropriada de uma série de litígios, assim como de um importante veículo
de transformação, de conscientização, de formação, de inclusão social e de
educação para a paz.
Dentre as muitas questões levantadas acerca de sua implantação, a
pesquisa faz uma exposição, por meio de um paralelo entre os modelos de sua
implantação em outros países e o controle previsto nas legislações acerca da
qualidade e da extensão de sua aplicação, declinando alguns resultados obtidos
nos Estados que já a aplicam e os efeitos auferidos nas experiências no Brasil,
evidenciando os aspectos comparativos entre estes e as legislações vigentes em
Portugal, na França e na Costa Rica.

2 A mediação no direito alienígena

A mediação tem sido utilizada e aceita como forma de solução de litígios

318
Déborah Lídia Lobo Muniz

no Direito Internacional.271 Nesses casos, o mediador será constituído na


pessoa de um representante estatal ou de organismo internacional, imparcial,
idôneo e comprometido com o sigilo para auxiliá-los. É um auxílio oferecido ou
solicitado a um ou vários Estados da comunidade internacional, que se colocam
à disposição para esse fim.
Nas práticas modernas, o instituto não está confinado à cultura ocidental,
muito pelo contrário, pois as culturas orientais costumam encarar o conflito
como algo normal, que faz parte do dia-a-dia, sem medo do confronto e se
sentindo a vontade em dialogar, mesmo que sobre as discordâncias. Christopher
W. Moore (1998, p. 41), evidenciando as diferenças, expõe que os membros
das populações ocidentais “tentam evitar o conflito aberto, esforçam-se para
evitar o enfrentamento consigo mesmos e aos outros, e utilizam amplamente
intermediários, tanto informais quanto formais”.
Na região da Ásia, do Pacífico e na Oceania, a prática de mediação tem se
desenvolvido em larga escala e de maneira bastante eficaz.
Na China, há comitês e tribunais populares de conciliação criados pelo
governo que têm tratado de disputas interpessoais, comunitárias e cíveis e,
mais recentemente, de disputas ambientais, comerciais e familiares; sua função
é proporcionar serviços de mediação primários e, em geral, tal papel é exercido
pelos líderes locais que gozem de prestígio.
No Japão, o uso da mediação tem uma longa história, havendo um sistema
de mediação muito elaborado, usado amplamente para a resolução de conflitos,
que já está incorporado no sistema empresarial e, para a maioria das questões
envolvendo família, a mediação é obrigatória.
Na Coréia, a mediação tem sido utilizada em disputas familiares e questões
ambientais. Na Tailândia e na Malásia, a mediação também é largamente utilizada.
“A Tailândia tem experiência na mediação primariamente em termos regionais.
A Malásia desenvolveu um processo de conciliação formal, centralizado em
mediadores indicados pelo governo, para as relações comerciais e industriais.”
(MOORE, 1998, p. 41).
Na Austrália e na Nova Zelândia, o desenvolvimento da mediação é
bastante grande. Na Austrália, desenvolveram-se inicialmente centros de
mediação comunitária que oferecem mediação com um mediador só ou co-
mediação, a qual tem tratado de pequenas disputas cíveis e de vizinhança. Nos
tribunais, foram desenvolvidas mediações no caso de disputas familiares, para
solucionar questões envolvendo danos pessoais, propriedades hipotecadas,
litígios contratuais mais simples, raciais, industriais, culturais entre os povos
aborígines, serviços sociais e recursos naturais. Na Nova Zelândia, os serviços
de mediação lidam com causas cíveis, comerciais, trabalhistas, habitacionais,
agrárias, ambientais, familiares e pequenas questões criminais.

271 Na história, muitos são os exemplos de mediação bem sucedida. Apenas para ilustrar, a
mediação da Inglaterra entre Brasil e Portugal para reconhecimento da independência em 1825,
quando a Inglaterra mediou a disputa entre Brasil e Argentina durante a guerra da Cisplatina, o
Papa Leão XIII em 1885 na disputa entre Alemanha e Espanha pelas Ilhas Carolinas, e de Brasil,
Uruguai, Peru, Argentina, EUA e Chile de 1935 a 1938 para pôr fim à guerra do Chaco entre Bolívia
e Paraguai. Ou seja, é prática comum e de longa data, nas relações internacionais, e regulamenta-
das através de Convenções Internacionais.

319
Mediação: estudo comparativo

2.1 A mediação na União Europeia

Na União Europeia, vem-se incentivando a adoção dos métodos alternativos


de solução de conflitos, em especial a utilização da mediação como forma de
solucionar litígios havidos em questões de família, em casos envolvendo menores,
sempre que a situação permitir, nas ocorrências de seguros, nas situações ligadas
às relações de consumo, promovendo uma ampliação do acesso dos consumidores
a esse sistema como forma mais célere de resolução de conflitos.
Esse estímulo ocorreu, principalmente, a partir de março de 1998,
com a Recomendação nº 98/257/CE, que versa sobre o que os organismos
responsáveis pela resolução extrajudicial de conflitos poderiam aplicar aos casos,
inicialmente em relação ao consumo, propiciando a implantação de um sistema,
baseado em princípios, que promovesse a garantia de um direito fundamental
consagrado na Convenção Européia para a Proteção dos Direitos do Homem e
das Liberdades Fundamentais, em seu artigo 6º: trata-se do acesso à justiça,
com um menor tempo para a solução de conflitos e uma melhor adaptação dos
métodos utilizados aos conflitos apresentados.
A União Européia vai mais adiante e, em seu Livro Verde — sobre os
modos alternativos de resolução de litígios em matéria cíveis e comerciais de
19.4.2002 —, propõe, em seu artigo 16º, que, nos casos de assistência judiciária
gratuita, sejam os benefícios estendidos também aos casos de resolução por
meios extrajudiciais nas ocorrências que sejam devidamente encaminhadas
pelo juízo.
Moore (1998, p. 47) destaca que: “Na Europa toda, a mediação tem-se
desenvolvido de forma bastante consistente, porém nem todos os Estados a
têm implementado de maneira satisfatória ou igual”.272 Alguns se encontram
em estágio mais avançado, outros em fase de implantação; a partir de 2003, a
mediação passa a ter maior difusão entre os membros da União Européia. Mais
à frente, abordar-se-á um pouco mais dois países que foram objeto de nosso
estudo: França e Portugal.

2.2 A mediação na América Latina


Na América Latina, a cultura indígena e espanhola tem utilizado a mediação
desde muito tempo, e a usam, no presente, no Equador e em Honduras, mais
especificamente como auxílio nas disputas por recursos naturais. Na Argentina,
desenvolve-se nas áreas de direito de família e trabalhista.
Na Colômbia, encontra-se regulamentada desde 1998 pelo Estatuto dos
Mecanismos Alternativos de Solução de Conflitos. Esse estatuto possibilita
que indivíduos particulares possam, de forma transitória, ser investidos na
administração da justiça como conciliadores, mediadores ou árbitros; e são
passíveis de serem mediados os bens suscetíveis de transação, desistência ou
conciliação conforme previstos em lei. Há, ainda, a previsão da mediação na
esfera trabalhista, de família, cível, administrativa, comercial, agrária, penal,
internacional e nas situações relacionadas a indenizações por violação dos

272 Tem-se, por exemplo, os serviços de Mediação Familiar na Irlanda, os serviços de mediação
comercial na Itália, Espanha, Reino Unido.

320
Déborah Lídia Lobo Muniz

direitos humanos.
Na Costa Rica, desde 1997, a mediação tem sido implementada não
apenas como forma de solucionar os conflitos, mas como forma de educar e
promover a paz.
No Paraguai, há as oficinas de Mediação, regulamentadas pela Lei nº 1.879/02,
que tem como objetivo desafogar o Judiciário, sendo facultada sua utilização nas
questões envolvendo criança e adolescente, cíveis, comerciais ou do trabalho.
No Brasil, há um projeto de regulamentação da mediação de autoria da
Deputada Zulaiê Cobra, tramitando desde 1998 e a implementação de alguns
projetos por parte do poder público e de organizações não-governamentais.
Entretanto, neste trabalho abordaremos apenas o projeto de lei.

3 Estruturas selecionadas e variáveis de comparação


No presente estudo, optou-se por se estabelecer uma comparação entre
o projeto de lei 4827/1998, sobre mediação, e os modelos vigentes na França,
em Portugal e na Costa Rica.
A opção pela França deu-se porque a mediação vem sendo praticada
desde 1978 nas áreas imobiliária, de seguros e de negócios, em especial entre
empresas internacionais, tendo sido editada legislação aplicável à área penal em
1993 e na área cível em 1997. Essas normas vêm sendo aplicadas com sucesso
desde sua entrada em vigor, como se relatará mais adiante.
Portugal foi escolhido por ter uma relação cultural com o Brasil e por
terem os Julgados de Paz como modelo e inspiração os Juizados Especiais
brasileiros. Entretanto, no instituto português, o procedimento adotado é o
da mediação e não o julgamento por juízes togados, como vemos ocorrer nos
juizados especiais do Brasil.
Já a Costa Rica, sendo um país latino-americano que enfrenta dificuldades
semelhantes às brasileiras, onde também se busca dar acesso aos direitos fundamentais,
houve a adoção da mediação como forma de garantir à população o direito a uma
educação para a paz, apresentando uma nova visão do que é o conflito, de suas
consequências, da necessidade de respeito aos outros indivíduos e a si mesmo, da
possibilidade de uma solução para os conflitos surgidos de forma a produzir não
apenas um resultado, mas também uma compreensão do que está envolvido.
O estudo destes três modelos poderá contribuir para o aperfeiçoamento
do projeto de lei 4827/1998 sobre mediação, através do levantamento das
semelhanças e diferenças em cada um dos modelos, com atenção especial aos
pontos em comum, pois já empregados com sucesso.

3.1 A legislação da França


Na França, já há longo tempo, a mediação é utilizada como forma de
resolução de situações conflituosas, contando, inclusive, com incentivo dos
tribunais. Sua utilização e incentivo na década de 1980 proporcionaram a
experiência e os fundamentos necessários para sua atual implementação. Os
dados colhidos através de sua utilização, os acertos e os erros proporcionaram
elementos para dar à mediação um caráter instrumental, quando utilizada como
meio de reinserção social, de reparação de danos, como forma de acesso mais

321
Mediação: estudo comparativo

rápido à justiça e de desobstrução da via jurisdicionada.


Nesse início, sua prática restringia-se à área penal, mais especialmente
aos casos ligados a menores, à esfera trabalhista e comercial — por meio de
organizações profissionais —, e nas questões comunitárias.
Esse tempo “de semeaduras e implantações foram os anos 80” (SIX, 2001,
p. 11) para, nos anos 1990, desenvolverem-se dois tipos de mediação: uma que
buscou a autonomia da mediação e a outra que buscou sua institucionalização:

a primeira pode ser percebida pelo seu modo de ação e a segunda pela origem dos
mediadores que são instituídos pelo Estado e pelas empresas e, por outro lado, temos
aqueles que são propostos por associações livres e por cidadãos a outros cidadãos. Temos
de um lado a institucional, que vem de um poder estabelecido e de outro a comunitária
ou cidadã (SIX, 2001, p. 11).

A mediação institucional tem como característica ser desenvolvida por


um poder estabelecido. Os mediadores devem ter uma formação específica e
“cumprem um trabalho específico, ao mesmo tempo que o de sua instituição
e de seus clientes” (SOUZA NETO, 2000, p. 39). A função desses mediadores
é restabelecer a comunicação e auxiliar a encontrar uma solução que pode
ser desenvolvida pelas partes nas questões ligadas, sobretudo, ao direito do
consumidor e ao direito ambiental ou desenvolvida pelo próprio Estado através
do mediador da República, ligado aos órgãos administrativos, por meio de
mediadores judiciais, que atendem o grande volume de processos dos tribunais
com a finalidade de atenuar o congestionamento dessa via, propiciando sua
solução amigável antes de tramitar pela via jurisdicionada.
Há os mediadores-cidadãos ou a mediação comunitária. Os mediadores
cidadãos, inicialmente, eram aqueles que nasciam naturalmente da necessidade
da comunidade; com o crescimento das cidades, houve a substituição desses
mediadores naturais pelos das associações de mediadores da cidade, que
desenvolvem seus trabalhos com o objetivo de facilitar as relações entre os
membros da comunidade. Esse é o tipo de mediação tida como cidadã, origina-
se nos grupos sociais e baseia-se na autonomia, na participação de mediadores
ligados à sociedade, conhecedores de suas questões e problemáticas. Nela,
cidadãos intervêm por cidadãos, facilitando as relações.
A institucionalização da mediação operou-se pela Lei nº 93-2/93, de
4.1.1993, e pela nº 95-125/95, de 8.2.1995. No âmbito cível, está regulada
pela Lei nº 95-125/95, em seus artigos 21 a 26. Essa lei passou por atualização
através da Lei nº 2002-1138, de 9.9.2002.
O artigo 21 da Lei nº 95-125/95 estabelece a possibilidade de mediação e
conciliação em relação aos direitos patrimoniais e ao direito de família, com uma
exceção: as questões de divórcio e separação de corpos.
A designação da negociação pode se dar após a aceitação das partes,
cabendo ao juízo determinar o terceiro interventor; fixar o valor necessário
para prover a remuneração do mediador, além de designar qual parte ou
se ambas devem contribuir para tal provisão, uma vez que a atividade é
onerosa e os litigantes devem proceder ao pagamento do valor determinado
no prazo pelo juízo estabelecido. Caso as partes não o façam, a designação
do mediador caducará. Nesse mesmo artigo 21, 2º, a lei prevê que o peso
dos resultados da mediação será o mesmo de uma sentença provisória dada

322
Déborah Lídia Lobo Muniz

pelo juízo en référé.273


O artigo 22 diz que as partes podem determinar livremente a proporção
que caberá a cada uma nas despesas da mediação; porém, se as partes não
chegarem a um acordo, as despesas são repartidas de forma igual, exceto
nos casos em que o juízo considere impossível para uma das partes fazer
tal pagamento. Nesse caso, pode ele prover o pagamento da parte menos
capaz economicamente através da assistência judiciária, que é regulada pelas
disposições dos artigos 45 e 46 da Lei nº 91-647, de 10.7.1991.
No artigo 23, essa lei trata da duração da mediação, esclarecendo que
ela é fixada pelo juiz, que pode, inclusive, conceder mais prazo, porém faz uma
ressalva quando observa que esse tempo não exceder aquele fixado por decreto
do Conselho de Estado. Estabelece, ainda, que, terminando antes do prazo
concedido, a pedido do conciliador ou do mediador, ela pode ser encerrada. No
Código de Processo Civil da França (artigo 131, 1 a 6, 8 a 10, 13 e 15, e artigo
1071), conforme as alterações mais recentes e implementadas em 21 de fevereiro
de 2005, estabelece-se o prazo máximo para duração da mediação de três meses,
podendo ser prorrogado por uma vez pelo mesmo período de tempo.
No artigo 24 da lei francesa, impõe-se a obrigatoriedade do mediador de
manter o sigilo das declarações e conclusões de suas atuações nos casos que
lhe são confiados. Apenas com a autorização das partes é que se pode falar, até
mesmo em juízo, das declarações dadas, e, em havendo concordância, não podem
estes dados ser utilizados em outras instâncias. Caso não haja concordância das
partes, o mediador apenas poderá informar ao juiz a conclusão do caso, ou seja,
se houve ou não acordo.
Com o previsto no artigo 25 da Lei nº 95-125/95, ao juiz cabe o poder
de encerrar previamente a mediação ou conciliação, podendo fazê-lo de ofício,
a requerimento do mediador ou conciliador ou a requerimento das partes, mas
o poder de homologar os acordos, se assim desejarem os envolvidos e para que
ganhe força executiva, é do juízo.
O artigo 26 da lei francesa deixa claro que a mediação não pode ser

273 Loi 95-125 du 8 fevriér 1995; Loi relative à l’organisation des juridictions et à la procédure
civile, pénale et administrative version consolidée au 27 septembre 2003, TITRE II: Dispositions
de procédure civile.
CHAPITRE Ier: La conciliation et la médiation judiciaires, Article 21, Modifié par Loi nº2002-1138
du 9 septembre 2002, art. 8 (JORF 10 septembre 2002 Le juge peut, après avoir obtenu l’accord
des parties, désigner une tierce personne remplissant les conditions fixées par décret en Conseil
d’Etat pour procéder: 1º Soit aux tentatives préalables de conciliation prescrites par la loi, sauf en
matière de divorce et de séparation de corps; 2º Soit à une médiation, en tout état de la procédure
et y compris en référé, pour tenter de parvenir à un accord entre les parties. Le juge fixe le montant
de la provision à valoir sur la rémunération du médiateur et désigne la ou les parties qui consigne-
ront la provision dans le délai qu’il détermine. La désignation du médiateur est caduque à défaut de
consignation dans le délai et selon les modalités impartis. L’instance est alors poursuivie. Si le juge
n’a pas recueilli l’accord des parties pour procéder aux tentatives de conciliation prévues au 1º, il
peut leur enjoindre de rencontrer une personne qu’il désigne à cet effet et remplissant les conditions
fixées au premier alinéa. Celle-ci informe les parties sur l’objet et le déroulement de la mesure de
conciliation. Article 22, Les parties déterminent librement la répartition entre elles de la charge des
frais de la médiation. A défaut d’accord, ces frais sont répartis à parts égales, à moins que le juge
n’estime qu’une telle répartition est inéquitable au regard de la situation économique des parties.
Lorsque l’aide juridictionnelle a été accordée à l’une des parties, la répartition de la charge des frais
de la médiation est établie selon les règles prévues à l’alinéa précédent. Les frais incombant à la
partie bénéficiaire de l’aide juridictionnelle sont à la charge de l’Etat, sous réserve des dispositions
des articles 45 et 46 de la loi nº 91-647 du 10 juillet 1991 relative à l’aide juridique.

323
Mediação: estudo comparativo

aplicada em casos penais. Para tal, há a Lei nº 93-2/93 e, no que diz respeito à
remuneração dos mediadores e conciliadores, há a necessidade de um decreto
do Conselho de Estado que regule esse aspecto.
Em 21.2.2005, mais uma atualização da legislação pertinente à mediação
foi realizada, desta vez no Código de Processo Civil daquele país, sendo tratada
nos artigos 131 e 1071.
O Código de Processo Civil da França regulamentou o que segue nos
artigos citados, onde se:

- prevê a possibilidade de a mediação ser realizada em parte ou sobre todo o litígio, sem
tolher o juízo de que, em acreditando necessário, tome as medidas cabíveis;
- estabelece prazo para a conclusão da mediação;
- dispõe que a mediação pode ser confiada a mediador ad hoc, ou a associação, que, neste
caso, deverá apresentar, quando da designação, o nome do mediador que realizará a tarefa;
- estabelece requisitos a serem preenchidos pelos mediadores particulares, como não ter
sido objeto de condenação por incapacidade, ter reputação ilibada, não ter sido demitido por
sanção administrativa, não ter sido punido com cassação de licença de exercício profissional,
exercer ou ter exercido atividade profissional que o capacite a apreciar o litígio que lhe é
dado mediar, ter uma formação em mediação que possa ser comprovada pela experiência,
e demonstrar capacidade de independência e imparcialidade para o exercício da mediação.

O Código Civil francês prevê ainda que, na mesma decisão do juízo que
determina a mediação, se deve determinar quem ou qual instituição fará a
mediação, a sua duração e deve também indicar a data de retorno do caso para
audiência em juízo.
No que diz respeito à remuneração a ser percebida pelo mediador, a
mesma decisão deve designar os prazos, a provisão e a consignação dessa
remuneração pelas partes e determinar também que, no caso das partes não o
consignarem dentro dos prazos estabelecido os referidos valores, o caso deva
retornar para ser julgado pelo Judiciário.
Esclarece-se que o mediador não tem poderes de instrução, mas faculta-
se-lhe, com o consentimento das partes e dependendo da necessidade do caso,
ouvir terceiros, bem como pôr o juízo a par de seus progressos e dificuldades.
Ao final do trabalho, o valor da remuneração do mediador é arbitrado de
acordo com a dificuldade e o empenho no trabalho, em conformidade com as
disposições do artigo 22 da Lei nº 95-125, de 8.2.1995, relativa à organização
dos órgãos jurisdicionais e ao procedimento civil, penal e administrativo.
Autoriza-se ainda o mediador a fazer a retirada das somas consignadas até
o valor arbitrado. Se os valores consignados não forem suficientes, o juízo
determina uma complementação e quem deve fazê-la; pode ainda emitir um
título executivo em favor do mediador se este assim requerer. Em caso de sobra
dos valores consignados, estes são devolvidos às partes. Também deixa-se clara
a impossibilidade de recurso das decisões em casos de mediação.
O artigo 1071 trata especificamente dos casos de Direito de Família,
dispondo que o juízo pode “ordenar” que as partes busquem um mediador
familiar e que esta não é suscetível também de recursos. Mas ainda fica claro, à
exceção do artigo 1071, que os princípios que regem a mediação são a liberdade
das partes, que devem concordar com o estabelecimento da negociação, a
celeridade e o sigilo das informações.
Na esfera penal, a Lei nº 93-2/1993 alterou o artigo 41 do Código de

324
Déborah Lídia Lobo Muniz

Processo Penal francês, dispondo que:

O Procurador da República pode, enfim, previamente à sua decisão sobre a ação pública
e com o acordo das partes, decidir recorrer a uma mediação quando entender que uma
tal medida é suscetível de assegurar a reparação do dano causado à vítima, de pôr fim à
perturbação resultante da infração e de contribuir para a reinserção do autor da infração.

Dessa forma ampla, pode-se entender que a mediação é aplicável a


qualquer infração como forma alternativa ao processo judicial, com base no
princípio da oportunidade de exercício da ação pelo Ministério Público (FARINHA,
2004; SILVA, 2004).
Quando, em 1996, a mediação penal foi institucionalizada pelo Decreto nº
96-305, de 10.4.1996, este, da mesma forma que a Lei nº 93-2, provocou alterações
no Código de Processo Penal, que definiu, em seu artigo 1º, quais os requisitos
para a habilitação de mediadores e que foi também adotada pelas modificações de
2005 do Código de Processo Civil. As condições para habilitação como mediadores
estabelecidos no Código Penal Francês são as que seguem: serem pessoas físicas,
que não exerçam atividades judiciais a qualquer título, não ter sofrido condenação
e apresentar garantias de competência, independência e imparcialidade.
A mediação penal delegada, na qual se decide o conflito através de uma
terceira pessoa ou associação, realiza-se por decisão do Ministério Público,
antes da propositura da ação. Ao fazê-lo, designa-se um mediador particular ou
entidade para a execução. A esses escolhidos caberá a incumbência de convocar
as partes a fim de expor os trâmites e objetivos do procedimento e recolher o seu
consentimento para a realização dos trabalhos. Essa tarefa deverá se desenvolver
num prazo de dois a seis meses, a partir da data da infração. Esses prazos têm
por objetivo, segundo António Farinha (2004, p. 17), “conseguir garantir não
apenas a celeridade, mas a eficácia da intervenção”, onde o indivíduo de imediato
enfrenta as consequências de seus atos e, ao estar ali de livre vontade, participa
da determinação do como irá reparar o ato danoso praticado. É esse participar,
pensar, que leva à responsabilidade e à eficácia da reparação que for estipulada.
Findo o processo, o mediador comunicará o resultado ao Ministério Público,
sem, contudo, quebrar seu compromisso de confidencialidade. Em havendo
sucesso, os danos serão ressarcidos através de reparação financeira, material ou
simbólica, de acordo com o dano produzido, e sua execução dar-se-á de duas
formas: imediata ou continuada. Em existindo acordo ou insucesso, o Ministério
Público decidirá pelo arquivamento, suspensão ou exercício da ação penal.
Ainda na área penal, relativamente a infrações praticadas por menores, a Lei
nº 93-2, de 4.1.1993, facultou não apenas ao Ministério Público, mas também ao juiz
que proponha a esse menor formas alternativas de reparação tanto à vítima quanto
à coletividade. Essas formas podem consistir no auxílio à vítima e à sociedade,
como é o caso da prestação de serviços em creches, hospitais, etc. Com esse tipo de
intervenção, pretende-se promover a responsabilização não apenas do menor, mas
de seus pais ou guardiões e valorizar os sentimentos da vítima também, propiciando
uma relação em que todos dêem seu consentimento e se comprometam com seu
cumprimento. Tais medidas são passíveis de serem tomadas em qualquer fase do
processo, com fins educativos e pedagógicos, resultantes do confronto vítima-infrator
e do propósito de promover a responsabilização efetiva pelo ato praticado.
A aplicação desse tipo de medida não exige a mediação, mas a mediação leva

325
Mediação: estudo comparativo

a uma reflexão e ao estabelecimento de vias de comunicação importantes nesses


casos. O que ocorre é que geralmente isto as precede, pois, para sua aplicação, o
consentimento do infrator, dos pais ou responsáveis e da vítima é necessário.
A partir de 1990, com a tripla finalidade de administrar com mais eficiência
e celeridade as questões de delinquência e ainda atuar na prestação de serviços
de acesso ao direito e de ajuda às vítimas, foram criadas as maisons de Justice et
du Droit. Nessas casas, desenvolve-se um processo — a mediação — destinado
a aproximar as partes em conflito nos casos de litígios da vida diária. A sua
instalação se deu como forma de responder às necessidades da população
mais desfavorecida e atingida por crimes ou outros ilícitos, seja como vítima,
seja como agressor. As casas de Justiça e do Direito são implantadas em zonas
urbanas sensíveis e afastadas da sede dos diferentes órgãos jurisdicionais.274
Seu principal papel é dar respostas alternativas na luta contra a delinquência
pequena e média. Como exemplo, podem-se citar: perturbação da vizinhança,
pequenos furtos, “bate-boca” acalorado, emissão de cheques sem provisão de fundos,
ou nos casos de natureza familiar, como o não pagamento de pensão alimentar, não
apresentação ou devolução de criança. O papel do magistrado é lembrar às partes a
lei, e o do mediador é de ajudá-las a encontrar e concretizar um acordo.
Um magistrado ou um membro do Ministério Público confronta o
delinquente e a sua vítima e, na mesma audiência, procede a uma recordação
imediata da lei. A mediação penal entra não apenas como forma de promover a
reparação à vítima, mas, mais importante, leva os indivíduos ao respeito da lei.
Apesar de toda sua atuação nessas casas de justiça, o processo a que chamam
mediação não se chega a se configurar como tal, sendo considerada uma mediação
mitigada, pois, sendo realizada pelos membros do Ministério Público, estes, até
por força de sua posição, não apresentam as características de neutralidade e
imparcialidade necessárias a quem exerce tal função. Além desse, atuam também
magistrados, advogados, membros de associações de apoio à vítima, assistentes
sociais que controlam o cumprimento dos acordos, e um educador que acompanha
a execução das medidas impostas aos adolescentes. Nesses casos, o arquivamento
de processos chegou a 95,5% em 1995, e em 1997, na comunidade de Pontoise, em
90% dos casos houve mediação e reparação do dano e o percentual de insucesso na
reparação foi de apenas 2% (FARINHA, 2004, p. 18-19).
Ainda na França, Jean-François Six (2001, p. 37) relata que, a partir de 23 de
fevereiro de 1995, a mediação passou a ser desenvolvida nos serviços públicos,
por determinação do primeiro-ministro M. Balladur, objetivando melhorar a
relação entre estes e os cidadãos, permitindo ouvir melhor as necessidades
e queixas dos usuários destes serviços e servindo como um instrumento de
participação social.

3.2 A legislação de Portugal


A Lei 78, de 13.7.2001, instituiu em Portugal os Julgados de Paz, inspirados
na experiência brasileira dos juizados especiais. Porém, nessa mesma lei, deu-se
um passo ousado: ao invés da previsão da existência de conciliadores, como no

274 Fonte: Service-Public: Le portail de l’administration française. Disponível em: <http://www.


service-public.fr>. Acesso em: 3 jul. 2009.

326
Déborah Lídia Lobo Muniz

caso que a inspirou, previu-se a pré-mediação e a mediação, tendo como principal


vocação permitir o exercício da cidadania e a composição pacífica e justa dos
litígios orientados pelos princípios que a regem, a saber: a informalidade, a
economia processual absoluta, o sigilo, a simplicidade e a adequação.
No que se refere à competência, estabelecem seus artigos 6º a 11 que estes
abrangeriam, em razão do objeto, apenas a fase de conhecimento e que, para os
casos de execução, seriam aplicáveis as regras do Código de Processo Civil português.
As questões relativas à incompetência podem ser declaradas de oficio ou
a pedido das partes, havendo neste caso sua remessa ao juízo competente.
A previsão em razão do valor é a mesma proporção que seria dos
valores de alçada dos tribunais de primeira instância e os julgados de paz são
competentes para julgar ações patrimoniais e questões disponíveis, como ações
possessórias, de usucapião, de direito de uso, de obrigações em geral.
A lei portuguesa previu a possibilidade de julgar ações de responsabilidade
civil e a indenização de danos sofridos em alguns casos da área penal, como
nos casos de injúria, calúnia, difamação, lesões corporais leves, furto simples.
Impõe, no entanto, para que o procedimento de indenização possa ocorrer,
a inexistência ou desistência de ação criminal pelo motivo cuja reparação se
busca, esclarecendo ainda que, nesses casos de indenização, há preclusão de
seu direito quanto à esfera criminal.
No que diz respeito à atuação do mediador, a lei deixa claro: a onerosidade,
a ser suportada pelas partes, o dever de sigilo, a independência, a neutralidade
e a imparcialidade, além de, nas suas atuações, ser o mediador desprovido de
poder decisório, cabendo este às partes litigantes.
O mecanismo é caracterizado como extrajudicial, privado, informal,
voluntário e não-contencioso, e seu objeto está delimitado não apenas na esfera
cível, como em algumas situações da esfera penal.
A Lei nº 78/2001 estabelece as regras para os serviços de mediação:

Artigo 16º. Serviço de mediação


1 - Em cada julgado de paz existe um serviço de mediação que disponibiliza a qualquer
interessado a mediação, como forma de resolução alternativa de litígios.
2 - O serviço tem como objetivo estimular a resolução, com caráter preliminar, de litígios
por acordo das partes.
3 - O serviço de mediação é competente para mediar quaisquer litígios, ainda que
excluídos da competência do julgado de paz, com exceção dos que tenham por objeto
direitos indisponíveis.
4 - O regulamento, as condições de acesso aos serviços de mediação dos julgados de paz
e custas inerentes são aprovadas por portaria do Ministro da Justiça.

A mediação foi concebida para ser implementada no início do procedimento,


através da pré-mediação. Nesse momento, um profissional cadastrado expõe
às partes os objetivos, as vantagens e o processo e, em caso de os litigantes
aceitarem, colhe seu assentimento. A partir daí tem início, com outro mediador,
o procedimento da mediação, cujo termo de acordo será homologado pelo
magistrado, alcançando o valor de sentença. Se as partes não concordarem com
a mediação ou não chegarem a um acordo, retorna-se ao processo judicial.
Estabelece a lei, em sua seção III, artigos 30 a 36, regras sobre a conduta
dos mediadores, sua formação, sua prestação de serviço aos julgados de paz de

327
Mediação: estudo comparativo

forma eventual e não-vinculada, o impedimento, em caso de operador do direito,


de exercer naquele julgado suas funções profissionais; prevê como é realizada a
seleção, a remuneração, as listas, o regime e as funções do mediador.
Os artigos 49 a 54 tratam detalhadamente da pré-mediação e da mediação,
no que diz respeito a objetivos, marcação das audiências, confidencialidade e
falta de comparecimento às audiências previstas.
Fora do âmbito dos Julgados de Paz, há também a Câmara de Mediação
Familiar, Câmara de Mediação de Consumo e a Câmara de Mediação de Acidentes
de Trânsito, as Câmaras de Seguros e Imobiliários.

3.3 A legislação da Costa Rica


Desde dezembro de 1997, a Costa Rica institucionalizou a mediação pela
Lei nº 7.727, não apenas como forma de solução de conflitos, mas também de
promoção da paz.
Em seu enunciado, a lei não trata de pronto da solução dos litígios, mas
sim do direito dos indivíduos a uma educação para a paz. Autoriza também o
Conselho de Educação a incluir programas educativos, oficinas e elementos que
fomentem o diálogo, a negociação, a mediação, a conciliação e mecanismos
similares para a solução de conflitos.
Prevê esta legislação normas para realização das mediações judiciais,
cujas regras encontram-se elencadas nos artigos 4º a 17, que regulam tanto a
mediação quanto a conciliação; e as extrajudiciais, nas quais a lei prevê plena
liberdade dos particulares para seu exercício, observadas as limitações impostas
pela lei. Quanto à mediação extrajudicial, o âmbito de atuação permitido na Costa
Rica é o dos conflitos que recaiam sobre direitos patrimoniais e disponíveis. Os
acordos realizados nas mediações extrajudiciais não carecem de homologação e
os ajustes firmados fazem coisa julgada material e têm força executiva.
A mediação judicial pode ser proposta pelo tribunal em qualquer fase do processo.
Nestes casos, o mediador/conciliador poderá ser o juiz condutor da ação ou um juiz
conciliador nomeado pela Corte Suprema para tal fim. Em havendo a negociação e a
transação, o acordo deverá ser homologado pelo juiz conciliador, em três dias a contar
da realização da audiência que concluiu o acordo. Nos casos da mediação judicial, a
legislação prevê ainda a possibilidade do acordo ser parcial, quando se homologará
para imediata execução essa decisão e se prosseguirá com a ação na parte em que
não houve possibilidade de acordo. Traz, como princípios norteadores, a liberdade, a
confidencialidade, a neutralidade e a imparcialidade do mediador, permitindo, inclusive,
que se discuta casos que já tenham sentença proferida (Lei nº 7.727/2005).
A legislação costa-riquenha proíbe, em seu artigo 10º, a recusa do
magistrado ou mediador em razão das opiniões e propostas que tenha emitido
durante as audiências que tenha realizado e esclarece que não se lhes pode
atribuir responsabilidade cível ou penal, porque são as partes que tomam a
decisão final e por esta são responsáveis.
Impõe-se, no artigo 11, aos advogados que atendam casos que possam
ser solucionados por meios alternativos o dever de informar a seus clientes
dessa possibilidade.
Nos artigos 13 e 14, esclarece-se quanto aos deveres do mediador de
imparcialidade, sigilo e não-interferência, e reforça-se mais enfaticamente a

328
Déborah Lídia Lobo Muniz

questão do segredo profissional a que está submetido o mediador.


A constituição e organização de entidades para fins de mediação necessitam
da autorização prévia do Ministério da Justiça, à exceção dos casos em que haja
previsão expressa em lei própria. Para ilustrar, cita-se a legislação que trata das
questões trabalhistas. Essa autorização depende da verificação da existência
de regulamento, recursos humanos e de infra-estrutura adequados e se estão
presentes todos os elementos necessários para o funcionamento de um centro
destinado a tais funções. Mesmo com a autorização, o Ministério da Justiça tem
poder de controlar e fiscalizar seu funcionamento, podendo, inclusive, revogar as
autorizações para funcionamento, desde que baseado em decisão fundamentada
e realizadas as diligências e o processo devido para tal cassação.

4 Elementos passíveis de recepção pelo projeto de lei


brasileiro

Pode-se perceber que, na legislação portuguesa e na costa-riquenha,


bem assim no primeiro projeto brasileiro sobre o tema, do qual trataremos mais
adiante, há o estabelecimento de que, na esfera cível, são passíveis de mediação
apenas os conflitos envolvendo bens disponíveis.
Há o respeito à liberdade de escolha das partes, o que, no projeto de
lei 4827/1998 sobre o assunto, encontra-se prejudicado, uma vez que este
estabelece a obrigatoriedade de utilização da mediação para determinados
conflitos. Porém, em toda legislação estudada e no projeto de lei mencionado,
há a previsão de respeito aos princípios informadores da mediação, a saber:
1. Princípio da confidencialidade;
2. Princípio da informalidade;
3. Princípio do equilíbrio entre as partes;
4. Princípio da imparcialidade do mediador;
5. Princípio da liberdade das partes.
As legislações estabelecem a formação mínima dos mediadores, bem como
seu devido registro. Também faz parte das legislações que regulam a mediação a
possibilidade desta ser realizada por associações, por mediadores ad hoc, ou por
mediadores do próprio Judiciário, o próprio magistrado, entre outros.
Os mediadores, em todos os casos, serão remunerados pelas partes, salvo
quando existam funcionários do Poder Judiciário designados para tal exercício,
bem como quando houver previsão de gratuidade. No caso da legislação da
França, de Portugal e Costa Rica, os interessados, desde que devidamente
capacitados, deverão inscrever-se para a função nos tribunais e serão chamados
para a função quando necessário.
As condições para participação como mediadores é a de não estarem ou
terem sido processados penalmente, e, no caso de advogados, que também
sejam mediadores e exerçam suas funções como aplicadores do direito. Para que
não haja conflito de interesses, não poderão atuar em mediações de clientes, não
podem ter sido cassados por incompetência e devem demonstrar capacidade de
independência e imparcialidade para o exercício da mediação.
Clara está a falta de poder decisório e de poderes de instrução do mediador,
mas existe a possibilidade de que, em certos casos, se possa ouvir terceiros, caso

329
Mediação: estudo comparativo

seja necessário. Essa posição encontra-se expressa na Lei Francesa no artigo 22


da Lei nº 95-125/95 e subentendida na legislação de Portugal, da Costa Rica e
no projeto de lei brasileiro 4827/1998.
É interessante ressaltar que há previsão de prazos para término do
processo, o que leva a uma expectativa em torno do mediador, do qual se espera
produção, sendo que o procedimento é voluntário e deve o mediador orientar as
partes para que elas cheguem a uma conclusão. Em realidade, o tempo máximo
deveria ser aquele que elas necessitem para conseguir chegar ao acordo final
ou mesmo optar pela via judicial por não o conseguirem. Estabelecer limites de
tempo é desvirtuar as características e finalidades da mediação (artigo 23 da Lei
nº 95-125/95 – França; artigo 6º, inc. IX, do PL nº 4.827/98 – Brasil).
Essas legislações visam atender à população em geral, priorizando aos
mais carentes e com vistas a desafogar o Judiciário, proporcionando ao cidadão
experimentar em primeira mão o controle da administração da Justiça e assumir
responsabilidade pelos fatos em que se veja envolvido. Pretende-se também
tratar através da mediação questões familiares.
Como diferenças específicas a serem ressaltadas entre as legislações,
podem-se citar:
1. A possibilidade de utilização na esfera penal prevista na lei francesa
e aplicada aos casos de pequeno e médio potencial ofensivo. Nesses casos,
vítima e agressor têm a oportunidade de ficar frente a frente e negociar a forma
de reparação do dano provocado. Também o Procurador da República negocia
a forma de reparação à sociedade. Ainda nestes casos, o réu toma contato com
as consequências de seus atos e assume a responsabilidade de repará-los, o
que poderá ser feito com a prestação de serviços à comunidade, reparação
pecuniária ou outra acordada (Lei nº 93-2/93 França).
2. Na legislação francesa, no artigo 25 da Lei nº 95-125/95, existe a
previsão de o juiz poder encerrar a mediação previamente de ofício; no mesmo
artigo, também se deixa claro que tal também poderá ocorrer a pedido das
partes ou do mediador.
3. A Lei nº 95-125/95 preconiza, para maior segurança do instituto, que
as decisões de mediação tenham o mesmo valor que uma sentença provisória
prolatada pelo juízo, ou seja, apenas após a homologação é que terá força de
coisa julgada material.
4. No mesmo artigo acima, se determina que as partes procedam ao
depósito dos valores previstos para a mediação, e, caso não o façam no prazo
estipulado, a nomeação da mediação caducará.
5. A legislação francesa ainda prevê que, ao arbítrio do juízo, em se
percebendo a hipossuficiência das partes ou de uma delas, deverão ser aplicados
os artigos 45 e 46 da Lei nº 91-647 de 10.7.1991, que trata da assistência
judiciária naquele país.
6. Também no artigo 1071 do Código Civil Francês há a possibilidade de,
em casos de família, o juízo “ordenar” a busca de mediador familiar.
7. Prevê-se a impossibilidade de aplicação de sanção penal ou cível ao
mediador, uma vez que responsabilidade pelo acordo é das partes, o que encontra
previsão nas legislações da Costa Rica e de Portugal. No projeto brasileiro, se
prevê, no artigo 14, a possibilidade de se atingir o profissional penalmente.
8. A Lei nº 78/2001 de Portugal não prevê a aplicação na esfera penal,

330
Déborah Lídia Lobo Muniz

porém prevê a possibilidade de julgar ações de indenizações para casos pontuais,


como o caso de lesões corporais simples (leves), ofensa à integridade física por
negligência, furto e dano simples, injúria e difamação desde que não se tenha
proposto ação na esfera criminal; frisa-se que, ao entrar com tal ação, ocorre a
preclusão do direito de ação na área penal.
9. A legislação portuguesa fixa competências de atuação dos Julgados de
Paz em razão do objeto (artigo 6º), em razão do valor (artigo 8º), em razão do
território (artigo 10), da situação dos bens (artigo 11) e, ainda, em função do
local de cumprimento da obrigação (artigo 12).
10. A legislação portuguesa estipula, ainda, regras para as pessoas
coletivas (artigo 14) e a possibilidade de utilização da informática para quaisquer
atos ou peças processuais (artigo 18).
11. Na lei da Costa Rica, há previsão de que, se alcançado o acordo
parcialmente, este poderá ser homologado e se dará continuidade ao processo
quanto aos pontos em que não houve acordo (artigo 8º).
12. Na mesma lei acima citada, está previsto que os acordos judiciais e
extrajudiciais homologados farão coisa julgada material, no artigo 9º.
13. Aos advogados cabe a obrigatoriedade de informar seus clientes
dessa opção e de instruí-los, conforme artigo 11 da Lei nº 7.727, da Costa Rica.
14. A lei acima citada também prevê, em sua abertura, que o Estado é
obrigado a proporcionar e o cidadão tem o direito a uma educação para a paz.

5 O projeto de lei 4827/1998


A necessidade de novas formas de resolução de conflitos que sejam
solucionados fora do âmbito do Poder Judiciário na sociedade brasileira tem-se sentido
a cada dia que passa. Os órgãos desse poder, encarregados da solução dos litígios,
encontram-se cada vez mais sobrecarregados, mais morosos e dando soluções que
passam longe da pacificação das partes e, em inúmeras vezes, só chegam muito
depois do prazo que era necessário. A insatisfação com os resultados e com a
demora tem deixado a população mais e mais descrente do Judiciário. A necessidade
de novas medidas que proporcionem um acesso mais fácil, barato e rápido à justiça
levaram à discussão o projeto patrocinado pela Deputada Zulaiê Cobra, de nº 4.827
de 1998, depois convertido no substitutivo Projeto de Lei nº 94/2002, no Senado.
Esse projeto recebeu propostas de emendas apresentadas pela Escola da Magistratura
e pelo Instituto Nacional de Direito Processual, entre outros.
Em linhas gerais, o projeto prevê a obrigatoriedade da mediação incidental,
mas faz exceções a essa obrigatoriedade, como no caso de arrolamento, ação
cautelar, nas insolvências, entre outras. Também isenta dessa obrigatoriedade
os casos em que tenha havido mediação prévia do caso antes do ajuizamento
da ação, porém o prazo entre o ajuizamento e procedimento de mediação
não pode passar de 90 dias. Essa obrigatoriedade, contida na exposição de
motivos, objetiva mudar a mentalidade dos aplicadores do direito. Traz, ainda,
a proposta da necessidade de se submeter às partes a escolha do mediador;
impõe a participação do advogado e faculta às partes a homologação ou não do
acordo firmado. Se optarem pela homologação, o acordo será constituído título
executivo judicial. O projeto prevê a manutenção da informalidade do instituto,
sem condicionar a apresentação de provas, de argumentos ou interesses, porém

331
Mediação: estudo comparativo

estipula prazo para o término das negociações. Prevê, ainda, a atuação como
mediadores de advogados e algumas exceções, onde outros profissionais
poderão exercê-la, obriga que se proceda ao cadastro junto ao Tribunal de Justiça
e deixa a fiscalização a cargo da Ordem dos Advogados do Brasil.
Ao estipular a obrigatoriedade da mediação, o projeto está reeditando um
erro, pois incorre outra vez no mesmo erro da obrigatoriedade. Quando os indivíduos
podem escolher e tomar a decisão de voluntariamente buscar a solução através
do estabelecimento da cooperação e da confiança no procedimento escolhido,
aumentam as vias de comunicação e assumem responsabilidades e riscos pelo
desenrolar da mediação. Essa é a maior crítica ao presente projeto, pois esta não seria
a forma mais eficaz de divulgar e de ensinar a utilização de meios não-adversariais.
A verdade é que o procedimento de mediação não pode nem mesmo pela lei ser
obrigatório. Em todo momento que esse procedimento foi utilizado, o que levou ao
êxito na solução e da permanência das partes na negociação foi a sua vontade, já
que apenas ela é capaz de possibilitar a sua instauração efetiva e a continuidade.
Tal obrigatoriedade poderá colocar mais um obstáculo a ser transposto para se
chegar à justiça, mesmo quando não se tem interesse em usar essa alternativa.
Além disso, existirá mais um ônus para quem busca a justiça, pois a mediação gera
custas, que devem ser suportadas pelas partes.
A determinação da utilização compulsória do advogado como mediador,
presente no projeto original, nos remetia à falta de formação destes profissionais,
que, na maioria dos cursos de Direito, são treinados apenas para o contencioso.
Apenas na virada do milênio é que a disciplina Mediação e Arbitragem começa
a fazer parte dos currículos dos cursos de graduação e, na melhor das
hipóteses, apenas a médio e longo prazo se conhecerá mais profundamente o
procedimento da mediação. Como desempenhar tão complexa função que, em
nada, se confunde com a atividade dos profissionais de Direito, uma vez que, na
academia, sua formação é voltada para a adversariedade?
Felizmente, o texto acabou sendo alterado para possibilitar que
profissionais especializados e com formação para tal possam realizar o processo
de mediação. Jean François Six (2001, p. 62-63) nos lembra que o mediador, ao
exercer sua função:

[...] é estritamente independente do advogado; ele não tem um trabalho de jurista, nem o
de desbastar o terreno para o advogado e o juiz. Que um mediador, que não tem poder,
receba conselho de um advogado ou de um especialista, sim; que ele saiba que não é sua
atribuição realizar uma regulamentação legal, sim, é claro e evidente. Mas é necessário
evitar toda confusão, é preciso agir com precisão, de modo que aqueles que se engajam em
uma mediação não possam, em momento algum, pensar que o mediador e o advogado, ou
o mediador e o juiz, sejam parceiros em conivência, parceiros que encontrariam a vítima. É
estritamente necessário evitar a fluidez que daria a sensação de se estar ao léu.

Refletir sobre isso leva ao questionamento da imposição que traz o


projeto concernente à inevitável participação do advogado no processo, o que
na mediação é dispensável.
O papel fundamental e preponderante que têm os advogados é como
assistentes de seus mandantes e como auxiliares na perspectiva de se alcançar à
justiça. Na mediação, não se pretende substituir o advogado e nem eles podem
substituir o mediador. Ao primeiro cabe a defesa do seu representado, a sugestão,
o aconselhamento jurídico, a intervenção e a negociação de soluções para seu

332
Déborah Lídia Lobo Muniz

cliente; ao mediador assiste o papel de facilitador da comunicação, a ele não cabe


defender esta ou aquela parte, mas sim ouvir com isenção, manter-se neutro e
imparcial, conduzindo a situação através do emprego de técnicas apropriadas
na busca de acordos, que devem ser facilitados por ele, mas não negociados
por ele. Aos advogados cabe a promoção da cooperação, empenhando-se, mais
do que em conseguir vantagens para seus clientes, sobretudo em alcançar um
acordo justo e equilibrado.
A proposta cria a expectativa de resultado em torno do mediador,
colocando-o como um especialista para atender a um problema específico,
definido, pelo qual devem responder, ou seja, devem apresentar rendimento
e rapidez. Contudo, nem todos os conflitos levados à mediação chegam a
um acordo e nem sempre se abrevia o decurso do tempo. Não se pode usar o
instituto para alcançar aquilo que a estrutura estatal não alcançou, desvirtuando
suas características e finalidades (MUNIZ, 2005).
Essa proposta, ao proibir o trato das questões de direito público, em nada
inova, muito pelo contrário, demonstra certa timidez e obsolescência, pois a lei
que rege os Juizados Especiais Federais trata essas questões de maneira avançada,
permitindo que lhe sejam submetidos acordos em litígios que envolvam entes
federais em causas cujo valor envolvido seja de até 60 salários mínimos.
Pode-se afirmar que o projeto, ao estabelecer esta vedação, perdeu a
chance de ampliar a possibilidade de sua utilização, em especial em uma esfera
que tanto carece de novos e mais livres caminhos, não apenas deixando de
assoberbar o Judiciário com seus intrincados meandros, mas proporcionando ao
cidadão, ao exercer seus direitos, a possibilidade de vê-los atendidos, como são
os casos que envolvem o Estado.
Deixa ainda de contemplar a esfera penal, onde o cunho educativo da
mediação poderia fazer tanta diferença nas questões de pequeno e médio porte,
como furtos, lesões corporais leves, etc.

6 Resultados práticos da mediação


Os resultados obtidos com a implantação da mediação nos países citados,
como se verá a seguir, estão em fases diferentes.
Na Costa Rica, em 2003, buscou-se fortalecer as ações orientadas para
a fiscalização e capacitação dos centros autorizados para a administração dos
meios alternativos de resolução de conflitos, concentrando seus esforços em
promover e difundir o conhecimento acerca desses centros com o intuito de
expandir uma cultura de paz e não-violência.
Para garantir um bom atendimento aos cidadãos, realizaram-se visitas
destinadas à fiscalização desses centros, destinadas a verificar se estes
cumpriam os requisitos mínimos previstos em lei para seu funcionamento.
Ainda nos centros, realizou-se diagnóstico para avaliar os programas das casas
de justiça ou maisons du Justice et du Droit, e foram promovidas ações para
fortalecimento da aprovação do método. Tem se promovido também o acesso
gratuito da população à mediação, promovendo palestras e cursos e igualmente
tem sido agilizada a abertura das casas de justiça.
A divulgação foi realizada por meio de boletins informativos, endereçados a
líderes sociais interessados no assunto. Definiram-se e disponibilizaram-se matérias na

333
Mediação: estudo comparativo

página do Ministério da Justiça na internet;275 fez-se a sistematização da jurisprudência


relativa à mediação, promoveu-se a atualização das listas de mediadores e árbitros,
bem como criou-se uma biblioteca para consulta dos usuários.
Em 2004, implementou-se a criação em larga escala de Casas de Justiça em todo
o país, com a finalidade de oferecerem serviços gratuitos à população. Essa implantação
foi realizada com base na identificação dos lugares chaves, preferencialmente através
de convênios com Centros Universitários e com o Município. Com essas parcerias as
instituições forneciam o prédio e o Ministério da Justiça equipamento e capacitação
aos mediadores e formadores que fariam parte das casas. Ainda em 2004, implantou-
se o cadastro nacional e se promoveram algumas alterações no regulamento do
capítulo IV da Lei nº 78/2001, a respeito de regulamentos que prevejam sanções
aplicáveis aos casos de violações legais por parte de funcionários e administradores.
Em Portugal, os dados foram obtidos através do relatório do Conselho
da OAPT (Ordem dos Advogados de Portugal), que é responsável pelo
acompanhamento da criação, instalação e funcionamento dos Julgados de Paz,
onde se avalia o andamento dos meios alternativos de resolução de conflitos.
A OAPT aconselha que se continue a divulgação e a disseminação desses
meios, bem como que se esclareçam e até ampliem as competências dos Julgados
de Paz. Expressa serem opções para os tempos de hoje justificadas e necessárias
à cidadania e à justiça, pois têm como principal característica a humanização da
administração da lei, bem como sua eficiência e rapidez. Recomenda-se que se
procedam a algumas alterações de ordem processual, que deverão aumentar
as competências dos Julgados de Paz, afirmar outras e trazer maior agilidade e
maleabilidade, recomendando, ainda, uma revisão na legislação vigente.
Na França, desde a criação das maisons du Justice et du Droit (casas de
Justiça e Direito) em 1990, foram desenvolvidas ações em três frentes diferentes:
a atividade judicial, o acesso à justiça e o suporte às vítimas.
No aspecto judicial, há predomínio das intervenções penais, em particular
o exercício das medidas alternativas, iniciando com uma rememoração das
previsões legais e mediação penal. Depois de realizadas, faz-se o acompanhamento
da aplicação das penalidades e o controle judicial. Essa atividade se complementa
pela intervenção cível, correspondendo a uma evolução no atendimento das
necessidades da população.
Nessas casas também são realizadas conciliações em ações relativas a
menores, com a atuação de intervenientes externos ao sistema judiciário, que
ampliam os domínios dessa atividade. O atendimento à vítima, bem como o
acesso ao direito que ela tenha é desenvolvido paralelamente e graças a consultas
jurídicas efetuadas por profissionais do direito e por associações.276
A aposta feita pelos dispositivos legais que prevêem a possibilidade de
adoção de métodos alternativos de solução de conflitos foi um grande sucesso,
proporcionando à justiça avançar em relação às necessidades da população e
fortalecer o Estado que, na atualidade, tem uma justiça muito mais próxima dos
seus cidadãos.
Segundo o relatório de 2003 do Ministério da Justiça, na França, foram
realizadas 470.391 intervenções das maisons du Justice et du Droit, sendo

275 Disponível em: <http://www.mj.go.cr>. Acesso em: 3 jul. 2009.


276 Fonte: Service-Public: Le portail de l’administration française. Disponível em: <http://www.
service-public.fr>. Acesso em: 3 jul. 2009.

334
Déborah Lídia Lobo Muniz

379.776 acessos ao direito, onde foram atendidos 8.325 casos por mediadores.
Na esfera penal, foram atendidos 49.007 casos, aplicadas 41.123 medidas
alternativas, 4.938 aplicações de penas e 2.946 medidas de acompanhamento;
na esfera cível foram atendidos 10.994 casos, sendo conciliados 8.373 casos,
mediados 2.621 e tratados diretamente nas cortes 3.819 casos.
Existem, nos dias atuais, 116 maisons du Justice et du Droit na França,
que se desenvolveram sobretudo após 1998. Elas asseguram uma presença
judicial mais próxima, concorrem para a diminuição e prevenção dos índices
de violência, bem como promovem o auxílio às vítimas e seu acesso ao direito.
No Brasil, os Tribunais de Justiça dos Estados têm experimentado essa
forma de composição de litígios através de meios alternativos de resolução
de conflito há algum tempo. Entre os exemplos, pode-se citar o projeto Casa
da Cidadania de Santa Catarina, que utiliza juízes leigos para dizer o direito.
Esses “juízes” são escolhidos entre os moradores das comunidades atendidas,
nas Igrejas, nas Associações Comunitárias, nos movimentos populares; são
posteriormente capacitados para essa finalidade, recebem noções de Direito e
de técnicas apropriadas para solução de litígios e têm como finalidade agilizar
o acesso à justiça, prevenir os conflitos e pacificar os ânimos, introduzindo uma
cultura de paz. As resoluções são feitas de forma rápida e na própria comunidade.
Da mesma forma, o Distrito Federal vem desenvolvendo o Projeto Justiça
Comunitária, com a finalidade de resolver os conflitos nas comunidades, utilizando
pessoas daquele local que conheçam os problemas e as pessoas. É desenvolvido
o trabalho em parceria com a Defensoria Pública e o Ministério Público, levando-
se para as comunidades debates sobre seus próprios problemas, estimulando a
elaboração e implementação de projetos, incentivando e ensinando o exercício da
cidadania e capacitando os mediadores comunitários, com noções de Direito de
Família, Direito do Consumidor, Direitos e Garantias fundamentais, Organização
do Estado, Direito de Moradia e das Minorias, e Mediação.
Com os mesmos objetivos já citados, foram desenvolvidos projetos
pelo Estado do Ceará, que, através da sua Secretaria da Ouvidoria Geral e Meio
Ambiente (SOMA), criou as casas de mediação comunitária, pelo Estado do
Mato Grosso do Sul, que implantou a Justiça Comunitária, a Prefeitura de Belo
Horizonte criou um atendimento jurídico para moradores de favela com ênfase
em conciliação e mediação e o Estado do Rio de Janeiro, com seus balcões de
Direitos, também buscou facilitar o acesso do cidadão à justiça. No Estado do Rio
Grande do Sul, os projetos de mediação vêm sendo implantados pela organização
não-governamental THEMIS, mais voltada para solução de problemas relativos
às mulheres e família, bem como de direitos humanos.
O que se pode perceber é que, onde está sendo aplicada a mediação
como forma de resolução de conflitos, tem-se introduzido, ao mesmo tempo,
uma percepção de que é possível resolver os litígios de forma pacífica e sem que
ninguém tenha que perder, ambas as partes saem da mediação fortalecidas, pela
própria característica do instituto e não com a sensação de fracasso por ser a parte
vencida. Outro ponto importante é que as partes assumem a responsabilidade pela
solução de seus problemas e aprendem a comunicar-se, sem deixar que um conflito
pernicioso se instale. Com isso, tem-se uma justiça mais próxima, mais ágil, mais
eficiente, uma justiça que antes de punir previne conflitos futuros, cria vias de
comunicação e conscientiza o cidadão de suas responsabilidades e direitos.

335
Mediação: estudo comparativo

O projeto brasileiro pode não estar dentro dos parâmetros ideais e, se a


implementação de alterações no ordenamento jurídico não fosse tarefa tão árdua,
poder-se-ia até confiar em que, caso necessário, à medida que se percebessem
os equívocos e as deficiências, as mudanças seriam implementadas. Na realidade,
porém, da forma que está o projeto de lei, é possível afirmar que, sendo aprovado, a
lei já entrará em vigor mais uma vez deixando à margem uma parcela daqueles que
dela poderiam beneficiar-se. Não contemplando a área penal, acabará por deixar de
contribuir para a diminuição da violência, para o desenvolvimento de uma maior
consciência e responsabilidade por parte daqueles que cometem o primeiro ilícito e
para o desenvolvimento de uma sociedade mais pacífica e atuante.
A mediação, mais que um método de solução de conflitos, tem demonstrado
nos países que a vêm adotando ser um eficiente método de conscientização,
educação e estímulo à população em buscar e ver atendidas suas necessidades. A
disseminação desse instituto tem propiciado uma maior aproximação dos indivíduos
e uma possibilidade de compreensão dos fatos de forma mais racional e eficiente,
pois os envolvidos, que no contencioso vêem apenas o seu lado, nela são levados
a pesar e avaliar a situação do outro, podendo, mais que entender, compreender a
ocorrência e deixar os conteúdos emocionais mais facilmente à margem.

7 Conclusão
Chegar à paz é um exercício social que ultrapassa o discurso legal e o
político, pois deve refletir um complexo de atitudes que dão suporte a uma
sociedade voltada para a paz.
A implantação de meios alternativos de solução de conflitos introduz
modificações nos comportamentos enraizados em uma sociedade que baseia
a solução de seus litígios no método da adversariedade de posições, onde se
confere a outrem a responsabilidade pela resolução das questões. Ao fazê-lo,
deixa-se de assumir a parcela de responsabilidade que cabe a cada um, deixa-se
não apenas de enxergar o outro como a ele se imputa toda a culpa, permitindo
que as emoções interfiram. Faz-se um mal ainda maior, desencadeia-se e
encoraja-se uma subcultura de litígios que contribui para a deterioração das
relações e para o aumento da violência.
É possível modificar esse quadro que vem se desenrolando ao longo do
tempo, mas faz-se necessária a mudança de paradigmas, deve-se abandonar a
visão que até o momento temos acerca da solução de litígios e nos voltarmos
para novos valores, novos conceitos e novas formas de atuação.
Essa modificação deve trazer consigo um comprometimento da sociedade
e do Estado em promover uma educação para a cooperação e para a paz,
propiciando a vivência das diferenças e da cooperação. Essa nova visão da
solução de conflitos promoverá a percepção destes de forma impessoal, despida
da conotação de bem e mal, de certo e errado, de ganhador e perdedor, que a
solução atual do Judiciário nos dá.
Está certo afirmar que os conflitos fazem parte do cotidiano humano,
como também é correto afirmar que os próprios envolvidos deveriam solucionar
suas questões. Ao Judiciário deveria caber a missão de fazer cessar o abuso de
direito e deveres e aquelas questões de maior profundidade e que ultrapassam
o âmbito dos interesses privados e vão de encontro ao bem da coletividade, ao

336
Déborah Lídia Lobo Muniz

Estado caberia a intervenção em questões realmente necessárias.


A mediação é um meio eficaz para agilizar a disseminação dos novos
paradigmas, devendo ser implantada de forma mais ampla que a proposta no
projeto brasileiro em tramitação. Assim fazendo, se promoverá a atuação de
forma a propiciar a comunicação e a administração eficiente das peculiaridades
inerentes a cada situação apresentada e evitando que estas se transformem em
disputas efetivas que em nada contribuem para a pacificação social.
Cada indivíduo seria responsável pela solução de suas pendências, teria
a oportunidade de compreender que podemos nos modificar e promover a
transformação do outro, que solucionar as questões envolve a disposição de
olhar a dificuldade por outro ângulo; para que tal ocorra, é necessária educação
e amadurecimento, tanto individual como da própria sociedade.
É papel do Estado ser cada vez mais eficiente nas tarefas que lhe competem,
seja promovendo o acesso à justiça, o exercício da cidadania ou traçando diretrizes e
estruturando sua atuação essencial. A liderança é indispensável e o poder do Estado
é que deve desempenhar a condução e a orientação, propiciando a transformação e
a implantação desses novos paradigmas voltados para a pacificação da sociedade,
para a cooperação, compreensão e o crescimento individual e coletivo.
A mediação não é e não pode ser encarada como uma maneira milagrosa
de resolver todos os conflitos, nem de modernizar, desafogar e reconstruir a
administração da justiça. Não tem também a finalidade de substituí-la, pois, na
realidade, são formas diferentes de se enfrentar os conflitos, mas nada impede
que sejam complementares. O que realmente ela propõe é devolver às partes,
por meio de sua conscientização, o poder de decidir o que for melhor para elas,
por sua própria consciência e vontade.
Apresenta-se como uma forma de apoio e reforço aos mecanismos já
existentes, permitindo sua descentralização e propiciando sua proximidade com
a sociedade, favorecendo o acesso material à justiça e garantindo o exercício da
cidadania, contribuindo para a harmonização entre os valores e os princípios e
para sua efetiva concretização.
A mediação é uma maneira de desenvolver a democracia instigando os
indivíduos a tornarem-se cidadãos no seu sentido mais amplo, pela tomada de
consciência de suas responsabilidade para consigo e com aqueles que estão a seu
redor, pelos seus litígios, pela comunidade onde vive, levando-os a distanciarem-
se do seu ponto de vista individual para que atentem para o bem comum. Propicia
aos indivíduos uma participação política, quando participa da discussão acerca
dos melhores caminhos para a solução dos conflitos, um desenvolvimento da
cidadania, quando passa a ser responsável pela administração da justiça; uma
educação para a paz, quando aprende a lidar com os conflitos sem permitir que
as emoções interfiram, o que proporcionará maior eficácia e efetividade dos
acordos pactuados; o desenvolvimento pessoal, pois os litigantes não apenas
aprenderão a lidar com seus conflitos naquele momento, mas levarão pela vida
o aprendido e o transferirão a outras situações. Favorece a ponderação e a
integração dos direitos, conduzindo a um equilíbrio entre direitos e deveres,
preparando os cidadãos para exercê-los em relação ao outro e à sociedade;
valoriza e preserva a dignidade humana, através da realização de uma justiça
eficaz, rápida e informal, sem burocracia e aplicada de forma imparcial.
A aplicação da mediação, bem como de outros institutos de formas

337
Mediação: estudo comparativo

alternativas de resolução de conflitos, pode ser percebida como jurisdição. Por


ser uma forma de administração da justiça, porém limitada dentro dos parâmetros
legais, alcança os anseios da sociedade de realização da justiça e deverá ser
reforçada essa posição com a aprovação do projeto de lei em tramitação.
Seu ensino é fundamental para que se promova a educação da sociedade para
a paz, propiciando a divulgação e a propagação de valores, o desenvolvimento de
uma consciência critica, o exercício da democracia e a formação da cidadania ativa.
Por não estar ligado diretamente a apenas um ou outro ramo do conhecimento,
é um processo que se aplica a diversos assuntos e que se utiliza também de diversas
áreas que compõem sua base teórica, exigindo preparo específico e contínuas
atualizações para que se possa propiciar a realização da justiça.

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Déborah Lídia Lobo Muniz

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339
Mediação na China: passado, presente e
futuro

Wei Dan

Sumário: 1 Apresentação - 2 Evolução histórica da mediação na China tradicional - 3


Mediação na República Popular da China: classificação e fontes - 4 Regime legal da
mediação popular - 4.1 Histórico e desenvolvimento - 4.2 Princípios básicos - 4.3
Âmbito de aplicação - 4.4 Procedimentos e características - 4.5 Efeitos jurídicos do
acordo obtido na mediação - 5. Da mediação judicial - 5.1 Vários ajustamentos da
legislação e de políticas judiciais - 5.2 Princípios básicos - 5.3 Âmbito de aplicação -
5.4 Procedimentos e características - 5.5 Efeitos jurídicos - 6 Problemas existentes nas
diversas espécies de mediação - 7 Futuro da mediação na China - Referências

1 Apresentação

A China de ontem foi um grande país que criou uma civilização brilhante.
O direito chinês tem uma longuíssima história e fontes muito ricas. A concepção
tradicional chinesa do direito e justiça foi influenciada em grande parte pela
literatura das escolas filosóficas, designadamente o confucionismo e o legalismo.
Apesar do impacto do legalismo, o confucionismo teve uma influência dominante
e permanente sobre o pensamento e as instituições jurídicos da China feudal,
a partir da dinastia Han (206 a.C.). Na perspectiva do confucionismo, os litígios
devem resolver-se fora dos tribunais oficiais, através de um processo de
compromisso, mediação e arbitragem. A mediação, sendo uma das alternativas
para a resolução de conflitos, remonta a tempos muito antigos na China.
A mediação não se assemelha a remédios judiciais tradicionais. Na era
moderna, na medida em que a China passa por profundas transições sociais
e amplas reformas econômicas, legislativas e institucionais, a mediação pode
ser, e sempre é, extremamente imaginativa e tem o efeito de restabelecer boas
relações entre as partes e a harmonia social. Na China, numerosos indivíduos,
instituições e órgãos têm contribuído para o seu desenvolvimento.
O presente estudo pretende fazer uma retrospectiva da mediação na
China no passado, expor relevantes instituições vigentes, observar problemas
existentes e olhar para o rumo de desenvolvimento no futuro.

2 Evolução histórica da mediação na China tradicional


A mediação chinesa seguia uma evolução própria e baseava-se na filosofia
social e moral específica.
Na dinastia Zhou de Oeste, cerca de 3.000 anos atrás, foram instituídos
postos oficiais designados como “Tiao Ren” (mediador) e “Xu Li” (Petty Official, um
cargo de baixo nível para resolver conflitos de pequenas causas) especializados

340
Wei Dan

no acalmamento de conflitos através de conciliação e mediação.


A partir do primeiro império unificado e centralizado pela dinastia Qin (221 a.C.), a
mediação passou a ser mais institucionalizada, foram criadas organizações de mediação
para tratar de disputas populares não contenciosas nas unidades administrativas de base,
onde os funcionários governamentais com títulos de “Qiang Fu” se responsabilizavam
por cobrar impostos e mediar conflitos. No apogeu da prosperidade da China feudal,
a dinastia Tang (Império Médio, 618-907 d.C.), a mediação começou a ser uma
tramitação processual anterior à ação judicial. Isto é, quer as disputas populares, quer
os contenciosos deveriam ser mediados primeiro pelos chefes administrativos locais.
Somente quando a mediação não era frutuosa é que as pessoas interessadas podiam
demandar nos tribunais. Na dinastia Ming (1368-1644 d.C.), a mediação foi formulada
e consagrada pela Lei de Grande Ming — o código mais importante desta dinastia —
tornando-se formalmente uma instituição jurídica. Cada aldeia estabelecia um “Pavilhão
de Expressar Opiniões” (Shenming Ting, em chinês), onde os idosos, chefes de clãs e
oficiais administrativos277 ouviam atentamente posições diversas das partes, presidiam
a mediação neutral e procuravam soluções pacíficas (ZHANG, 1997, p. 291). Na última
dinastia feudal, dinastia Manchu, encontravam-se oficiais administrativos nomeados
para cada unidade administrativa na base de famílias (sistema de Bao Jia)278 para mediar
conflitos populares. Verificavam-se normalmente três etapas da mediação na Dinastia
Manchu. A primeira procurava voluntariamente um acordo entre as partes antes do
contencioso. Tradicionalmente, as partes preferiam resolver conflitos com a ajuda
do chefe do seu clã ou do chefe da sua aldeia (ZHANG, 1997, p. 292). Na segunda
etapa, após terem recebido dossiês e conhecido a petição inicial, os funcionários locais
devolviam o caso aos chefes da aldeia para que eles presidissem à mediação. Este
processo era utilizado para pequenas disputas ou ofensas entre parentes e vizinhos. Na
terceira etapa da mediação, os funcionários governamentais mediavam pessoalmente
as partes. Ao longo de três mil anos de desenvolvimento, a mediação complementava
eficazmente o sistema judicial e era favorável à continuidade de clãs. Assim sendo,
foram formadas gradualmente diversas modalidades de mediação na sociedade
tradicional chinesa: a mediação oficial e a mediação não-oficial por vizinhos e amigos,
por clãs e tribos ou por chefes de aldeias.
Como se sabe, a tradição da mediação na China deve-se em grande
medida à influência do confucionismo. A Escola Confucionista surgiu na época
“Primavera-Outono” (770-476 a.C.) e tornou-se, a partir da dinastia Han, uma
doutrina que predominou em todo o período feudal.
Esta escola descreve uma sociedade ideal e desejada, regulada pelo Li (Ritos)
— um código não escrito de comportamento. Cada indivíduo desempenha as suas
funções sociais em conformidade com a sua respectiva posição social nas cinco
relações principais: a relação entre o súdito e o governante, as relações domésticas
entre marido e mulher, entre pais e filhos, entre irmãos e a relação de amizade. A
relação entre o súdito e o governante é análoga àquela entre o pai e os filhos e a
relação de amizade pode ser vista como a relação entre irmãos. A concepção da
família é uma chave para o confucionismo, pois a concepção do Estado é uma mera

277 Não havia distinção entre o órgão administrativo e o judicial na China tradicional. Os poderes
administrativos e judiciais concentravam-se num mesmo órgão. O poder de aplicação da justiça
estava nas mãos dos oficiais administrativos.
278 Trata-se de um sistema administrativo antigo organizado na base de famílias, cada Jia con-
sistindo de 10 famílias e cada Bao consistindo de 10 Jias.

341
Mediação na China: passado, presente e futuro

extensão do conceito de família. O sistema familiar chinês é um sistema hierárquico.


Os membros são diferenciados de acordo com os critérios de idade, parentesco e
sexo, com cada posição correspondendo aos seus deveres. Os cidadãos, como se
fossem membros numa família alargada, são classificados em nobres e humildes.
Os indivíduos não são mais do que membros de uma família ou de um grupo social
e não tem muita importância a sua existência separada e independente, já para não
falar dos direitos individuais. O sentimento entre parentes num clã patriarcal é mais
valioso do que os direitos e interesses particulares.
Por outro lado, o confucionismo tem uma convicção de que a ordem
social ideal repousa essencialmente sobre a observância das regras morais e
não sobre qualquer disciplina que seja importada autoritariamente do exterior.
A educação moral constitui uma prioridade para manter a ordem social ideal.
Segundo Confúcio, “Quando ouço ações, sou igual às outras pessoas, entretanto,
o importante é que não haja contenciosos!” Neste sentido, as leis são inúteis,
até prejudiciais. A sanção é apenas a ameaça da perda do respeito social. A
harmonia “sem contenciosos” é a ordem social ideal.279 Todas as pessoas são
condicionadas eticamente pela instrução da moral, deve reinar a harmonia e a
concórdia entre os familiares e conhecidos, pois seria vergonhoso litigar. Por
isso, quando surgia qualquer conflito, todos faziam o possível para resolver o
problema entre si, de modo a não “ferir a face” fosse de quem fosse.
Na sociedade tradicional chinesa, a mediação desenvolvia-se assim com base
na própria estrutura econômica e social da época, isto é, quando a economia chinesa
era dominada principalmente pela agricultura de escala muito pequena, o comércio
e a indústria se desenvolviam muito lentamente. As pessoas estavam fixadas na sua
terra ao longo da sua vida e os laços de sangue eram muito fortes. As suas maneiras
de viver o dia-a-dia eram baseadas no confucionismo. Estes foram os fatores que
contribuíram para o desenrolar contínuo da mediação na China tradicional.

3 Mediação na República Popular da China: classificação e


fontes
A República Popular da China fundou-se em 1º.10.1949. Atualmente,
o sistema mediador chinês é composto pelas mediações judicial, popular e
administrativa. Todas as mediações mencionadas se referem às atividades
de superação de divergências e resolução de disputas, através da educação
e persuasão, de acordo com o princípio da participação voluntária e em
conformidade com as leis e políticas do Estado (ZHANG, B., 2002, p. 356).
A mediação judicial, como uma tramitação processual no decurso
do conhecimento da causa,280 é presidida pelos tribunais populares para os

279 É importante registrar que a Escola do Taoísmo também defende a harmonia: “Man is to
follow, or abide by, Earth. Earth to follow heaven. Heaven to follow Tao. Tao follows only itself,
i.e., the Self-so. Or, the what-is-so-of-itself”.
280 A mediação judicial é um procedimento indispensável nas ações de divórcio. Nos termos
do artigo 32 da Lei do Casamento da República Popular da China, aprovada na 3ª Sessão do 5º
Congresso Nacional Popular de 10.9.1980, alterada pela decisão relativa à alteração da “Lei do
Casamento da RPC”, tomada pela 21ª Reunião da Comissão Permanente do 9º Congresso Nacional
Popular de 28.4.2001: “O Tribunal Popular, na apreciação da petição deve proceder à mediação...”
(tradução livre do chinês para o português).

342
Wei Dan

processos civis, comerciais e os casos penais leves (quando o procedimento


penal depende de acusação particular). Trata-se de uma mediação realizada ao
longo do contencioso. Se o termo de acordo obtido na mediação for elaborado
e lavrado pelo tribunal e for efetuada a citação pessoal, tem o mesmo efeito
jurídico que a sentença judicial e é vinculativo para as partes.
A mediação popular é de caráter privado e não contencioso. É presidida
pelas organizações mediadoras das massas nas tentativas de resolução das
controvérsias civis (disputas de vizinhança) em geral. Mesmo que não tenha força
obrigatória, pois as partes litigantes podem se desdizer e proceder à entrega
judicial de uma petição inicial em seguida, a mediação popular constitui a forma
de intervenção social mais ampla e em relação à qual se verifica maior utilização.
A mediação administrativa, não contenciosa e sem a força obrigatória, refere-
se à mediação realizada pelos órgãos administrativos de base 281 nas disputas
de vizinhança ou pelos órgãos administrativos encarregados da mediação em
determinadas disputas civis e econômicas 282 de acordo com uma disposição legal.
Já que a mediação administrativa não possui o significado nem pertence
à abordagem judicial, o presente trabalho concentra-se essencialmente na
mediação popular e na mediação judicial na China.
A mediação popular é regida principalmente pelos seguintes atos e
dispositivos legais:
- artigo 111º (2) da Constituição da China;283
- artigo 16º da Lei de Processo Civil;284
- artigo 25º da Lei Orgânica das Comissões de Habitantes das Aldeias;285
- artigo 13º da Lei Orgânica das Comissões de Moradores nas Zonas
Urbanas;286
- Lei da Mediação Popular da China;287
- Regulamento Orgânico da Comissão Mediadora Popular;288
- Normas Relativas ao Trabalho da Mediação Popular;289
- Interpretação judicial proferida pelo Supremo Tribunal Popular: “Regras do
Conhecimento da Causa Civil respeitantes ao Convênio da Mediação Popular”;290
- Interpretação judicial proferida pelo Supremo Tribunal Popular: “Regras

281 Na divisão administrativa da China, existem vários níveis: o nível central, o nível provincial,
o nível municipal, o nível distrital e o nível da aldeia. Os governos populares das aldeias podem
mediar conflitos da vizinhança.
282 Por exemplo, casos relacionados com o direito de propriedade de terreno e recursos mineiros,
disputas acerca de indenização em consequência de poluição ambiental ou controvérsias respei-
tantes à violação de direitos, tais como patentes, marcas e direitos de autor, entre outros.
283 Adotada a 4.12.1988, a 29.3.1993, a 15.3.1999 e a 14.3.2004.
284 Adotada a 9.4.1991 pela 4ª Sessão da Comissão Permanente do 7º Congresso Nacional Popular.
285 Adotada a 4.11.1988 pela 5ª Sessão da Comissão Permanente do 9º Congresso Nacional
Popular.
286 Adotada a 26.12.1989 pela 11ª Sessão da Comissão Permanente do 7º Congresso Nacional
Popular, entrada em vigor em 1º.1.1990.
287 Adotada a 28.8.2010 pela 16ª Sessão da Comissão Permanente do 11º Congresso Nacional
Popular.
288 Adotado a 5.5.1989 pela 40ª Reunião Permanente do Conselho de Estado, com entrada em
vigor em 17.6.1989.
289 Trata-se da norma regulamentadora elaborada pelo Ministério da Justiça a 26.9.2002, com
entrada em vigor em 1º.11.2002.
290 Adotada a 5.5.1989 pela 1240ª Reunião do Comitê de Julgamento do Supremo Tribunal Popu-
lar, publicitada a 16.9.2002, entrada em vigor em 1º.11.2002.

343
Mediação na China: passado, presente e futuro

sobre o Procedimento da Confirmação Judicial para Acordos Obtidos na


Mediação”;291
- artigo 15º da Lei da Sucessão;292
- artigos 32º e 44º da Lei do Casamento.293
De igual forma, a mediação judicial está regulamentada principalmente
pelas seguintes fontes legais:
- Lei do Processo Civil;
- Interpretação Judicial proferida pelo Supremo Tribunal Popular “Opiniões
sobre a Aplicação da Lei do Processo Civil”;294
- Regras relativas às Audiências de Disputas Econômicas Aplicadas aos
Processos Sumários;295
- Interpretação judicial proferida pelo Supremo Tribunal Popular: “Regras
sobre o Conhecimento da Causa aplicadas ao Processo Sumário”;296
- Interpretação judicial proferida pelo Supremo Tribunal Popular: “Regras
acerca da Mediação pelos Tribunais Populares”;297
- Normas respeitantes à Cobrança de Despesa Contenciosa pelos Tribunais
Populares.298

4 Regime legal da mediação popular


Na China contemporânea, a mediação popular é um regime auxiliar do
sist
ema judiciário e um regime autogestionário com características
democráticas. Os regimes legais da mediação popular, da ação cível e da
arbitragem fazem parte do regime processual da matéria civil.

4.1 Histórico e desenvolvimento


Na década de vinte do século passado, durante a revolução da nova
democracia e o período da primeira Guerra Civil, surgiu uma forma muito

291 Adotada a 21.3.2011 pela 1515ª Reunião do Comité de Julgamento do Supremo Tribunal
Popular, publicada em 23.3.2011, entrada em vigor em 30.3.2011.
292 Adotada a 10.4.1985 pela 3ª Sessão do 6º Congresso Nacional Popular, entrada em vigor em
1º.10.1985. Nos termos do artigo 15º desta Lei: “Os herdeiros devem tratar o problema da suces-
são através de acordos mútuos e com espírito de harmonia, compreensão e concessão mútua. No
momento da partilha, o método e a quota-parte da herança devem ser divididos pelos herdeiros,
através de mútuo acordo. Caso não haja acordo, poderá o conflito ser resolvido pelo comitê po-
pular de mediação ou ser intentado no tribunal popular”.
293 Adotada na 3ª Sessão do 5º Congresso Nacional Popular de 10.9.1980, alterada pela decisão
relativa à alteração da “Lei do Casamento da RPC” tomada pela 21ª Reunião da Comissão Perma-
nente do 9º Congresso Nacional Popular de 28.4.2001. O artigo 32º prevê que: “(...) Tratando-se
de divórcio pedido por um dos cônjuges, o respectivo departamento procederá à mediação ou o
próprio cônjuge intentará diretamente ação de divórcio ao Tribunal Popular”. Nos termos do artigo
44º, “O membro da família afetada tem o direito de peticionar; a comissão de desaconselhar a
pessoa que abandonou e proceder à mediação”.
294 Adotada a 14.7.1992.
295 Adotada a 16.11.1993.
296 Adotada a 4.7.2003 pela 1280ª Reunião do Comitê de Julgamento do Supremo Tribunal Po-
pular, publicada em 10.9.2003, entrada em vigor em 1º.12.2003.
297 Adotada a 18.8.2004 pela 1321ª Reunião do Comitê de Julgamento do Supremo Tribunal
Popular, publicada em 16.9.2004, entrada em vigor em 1º.11.2004.
298 Adotada a 29.6.1989 pela 411ª Reunião Comitê de Julgamento do Supremo Tribunal Popular.

344
Wei Dan

preliminar de mediação em algumas associações de camponeses e em vários


poderes regionais sob a liderança do Partido Comunista Chinês. Foi adotada
neste período a denominação de “mediação popular”. Tratava-se de um conceito
político àquela altura. Os camponeses foram libertados e tornaram-se senhores
de si, designando esta forma autônoma e democrática como “mediação popular”
para se diferenciar da mediação não-oficial da China feudal.
Depois da fundação da República Popular da China, foram instituídas
gradualmente organizações de mediação popular em vários níveis a partir de 1953.
Em 1954, o regime legal da mediação popular foi formalmente implantado. O Gabinete
de Administração do Governo Central Popular promulgou a “Regra Geral Temporária
das Comissões Mediadoras Populares”, uniformizando a natureza, a designação e a
instituição da mediação popular, regularizando as suas missões e formas de atividade.
Com este ato legislativo, foram consagrados três princípios básicos da mediação popular:
o princípio da legalidade e da moral social, o princípio da igualdade e voluntariedade e
o princípio da não-privação do direito de ação (ZHANG, F., 2002, p. 3).299
A mediação popular passou a ter garantia constitucional em 1982. De
acordo com o artigo 111 da Constituição vigente, “As comissões de moradores e
de habitantes das aldeias instituem comissões para mediação popular, segurança
pública, saúde pública e outros assuntos públicos e serviços sociais das
respectivas áreas, atuam como mediadores em conflitos civis, ajudam a manter
a ordem pública e transmitem ao governo popular as opiniões, solicitações e
sugestões dos moradores” (grifos nossos).
O Regulamento Orgânico da Comissão Mediadora Popular, promulgado
em 1989 pelo Conselho de Estado, revogando a Regra Geral Temporária das
Comissões Mediadoras Populares de 1954, aperfeiçoa o regime legal da mediação
popular, provendo detalhadamente a composição da comissão mediadora e
regras de trabalho.
Pelo exposto, após um desenvolvimento de meio século na China,
a mediação popular é atualmente regida por diversos diplomas legais e
constitui já uma das alternativas da resolução de conflitos com caráter popular,
autogestionário e judicial. Segundo estatística feita em 2001, o número total de
conflitos resolvidos pela mediação popular na China somou mais de 6 milhões,
enquanto o número dos casos concluídos pelos tribunais populares de todos os
níveis atingiu 4,7 milhões (entre os quais 1,6 milhões foram concluídos devido
à mediação judicial) (ZHANG, F., 2002, p. 4). No mesmo ano, a mediação popular
evitou efetivamente a intensificação de controvérsias, tais como cerca de 20.000
suicídios e 50.000 casos criminais (ZHANG, F., 2002, p. 6-7). Até o fim de 2004,
existiam mais ou menos 900.000 organizações de mediação popular na China,
entre as quais 700.000 eram comissões para mediação popular estabelecidas
pelas comissões de habitantes das aldeias (99% das comissões de habitantes das
aldeias instituíram a comissão para mediação popular), 85.000 correspondiam
às comissões para mediação popular das comissões de moradores (90% das
comissões de moradores instituíram a comissão para mediação popular) e mais
de 100.000 comissões da mediação popular pertenciam às grandes e médias
empresas.300 De acordo com estatística feita em 2008, a taxa de sucesso da

299 Veja também Wang (2005, p. 649).


300 Vide artigo 11º do Regulamento Orgânico da Comissão Mediadora Popular.

345
Mediação na China: passado, presente e futuro

mediação popular atingiu 96,9%, menos de 1% dos conflitos resolvidos pela


mediação popular foram novamente julgados pelos tribunais populares e 90,6%
dos ajuizamentos das ações judiciais confirmaram os acordos previamente
obtidos na mediação popular.301 Atualmente, há aproximadamente 8 milhões
de mediadores populares na China. Os números demonstram que a mediação
popular é um meio eficaz de autotutela, é mais utilizada pelo povo e é uma força
significativa para a estabilidade social. A mediação popular revela uma grande
dinâmica na China e possui vivas características locais.
É de salientar que, a fim de possibilitar um papel ainda mais ativo da
mediação popular na resoulção de diversos conflitos sociais e aperfeiçoar a
sua institucionalização, a Lei da Mediação Popular foi aprovada pela Comissão
Permanente do Congresso Nacional Popular em 28 de agosto de 2010 e entra
em vigor a partir de 1 de janeiro de 2011. A promulgação desta lei representa
uma nova etapa do desenvolvimento da mediação popular.

4.2 Princípios básicos


Segundo o artigo 3º da Lei da Mediação Popular e o artigo 6º do Regulamento
Orgânico da Comissão Mediadora Popular, a mediação realizada pela comissão
mediadora popular deve conformar-se com os seguintes princípios.
Em primeiro lugar, a mediação deve ser conduzida com base na lei e
políticas estatais e, nos casos de omissão, pela moral social. Assim, através
das experiências ganhas com a mediação, os cidadãos compreendem melhor
as regras de conduta e a importância de defender os seus direitos e interesses
legítimos com “ferramentas jurídicas”.
Em segundo lugar, a mediação alicerça-se na voluntariedade e na igualdade
das partes em causa.
Em terceiro lugar, deve respeitar-se o direito de ação das pessoas litigantes;
não se pode impedi-las de proteger os seus direitos por meio de arbitragem,
meios administrativos ou judiciais devido à ausência da mediação ou ao seu
fracasso. Mesmo que a mediação popular seja cômoda e flexível, diminuindo
os encargos dos tribunais, custos judiciais do Estado e recursos econômicos
dos cidadãos (visto que a mediação levada a cabo pelas comissões da mediação
popular é gratuita na China) (WANG, 2005, p. 651; ZHANG, F., 2002, p. 6), 302 o
direito de acesso ao tribunal constitui um direito fundamental dos cidadãos. Este
princípio assegura justamente o papel fidedigno e sólido da mediação popular.

4.3 Âmbito de aplicação


Além das comissões para a mediação popular instituídas por comissões
de moradores e de habitantes das aldeias, existem também na China comissões
mediadoras pertencentes a associações profissionais (por exemplo, à Ordem
dos Advogados, à Associação das Indústrias Ligeiras, à Associação dos

301 Congresso Nacional Popular (2010), “Notas sobre o Projeto da Lei da Mediação Popular”,
versão em Língua Chinesa, disponível em: <http://www.npc.gov.cn/npc/xinwen/lfgz/flca/2010-
07/01/content_1580323.htm>.
302 Vide também o artigo 4º da Lei da Mediação Popular da China.

346
Wei Dan

Têxteis, etc.), a organizações populares (por exemplo, à Confederação dos


Sindicatos, à Federação das Mulheres, à Liga da Juventude, etc.) e a associações
de consumidores. Todas estas comissões mediadoras, sendo organizações
de massas autogestionárias sob a orientação dos governos populares e dos
tribunais populares de base,303 oferecem serviços gratuitos.
Cada comissão de mediação popular compõe-se de, no mínimo, 3 e, no
máximo, 9 vogais, estatuindo um diretor.304 Os adultos que sejam decentes
e entusiastas em promover a mediação popular, mantenham contatos com
as massas e possuam bastantes conhecimentos jurídicos e sobre políticas
estatais são elegíveis. A nova Lei da Mediação Popular prevê ainda que cada
comissão de mediação popualr deve ter membros do sexo feminino e, numa
área de população multiétnica, ter membros das minorias étnicas.305 Quando um
mediador popular mostrar favoritismo para uma parte interessada, ou insultar
uma parte interessada, ou pedir ou aceitar dinheiro ou bens ou procurar outros
benefícios ilícitos ou divulgar privacidade individual ou segredo comercial de
uma parte interessada, a comissão de mediação popular a que ele pertence
deve censurá-lo e educá-lo e mandá-lo corrigir-se. Se as circunstâncias forem
graves, a entidade que o recomenda ou o nomeia deve demiti-lo do cargo ou
do emprego.306 O seu mandato é de 3 anos, sendo renovável.307 Os vogais, de
acordo com as circunstâncias, podem ser subsidiados apropriadamente.308
Nos termos do artigo 22º das Normas Relativas ao Trabalho da Mediação
Popular, a comissão mediadora popular não pode aceitar um processo quando:
(1) a lei prevê que determinadas disputas possam somente ser tratadas por
órgãos especiais ou a lei simplesmente proíbe o uso da mediação popular; (2)
o tribunal popular, o órgão de segurança pública ou outro órgão administrativo
qualquer já despachou ou resolveu o assunto.
Por via de regra, o âmbito de atuação da mediação popular abrange todos
os conflitos cíveis e comerciais entre os cidadãos, entre os cidadãos e as pessoas
coletivas e entre as pessoas coletivas e as associações sociais. Trata-se de um vasto
campo abrangido, o qual é muito difícil de sintetizar. Desde que haja a participação
voluntária das partes litigantes e que não se violem as disposições compulsórias do
Estado, todas as contendas relacionadas com direitos pessoais, direitos patrimoniais,
a economia, administração e moral, entre outros, podem ser resolvidas pela mediação
popular. É importante ter em mente que a China é um país enorme que passa por
uma profunda transição social, onde se encontra o pluralismo de interesses e a
intensificação dos conflitos. Segundo as estatísticas, hoje em dia, as contradições
dos interesses diferenciados entre os cidadãos correspondem já aproximadamente
a 70-80% de todas as contendas sociais na China (WANG, 2005, p. 653). A mediação
popular, muitas vezes, reflete bem os problemas sociais que requerem urgentemente

303 Vide arts. 5º-7º da Lei da Mediação Popular e artigo 2º do Regulamento Orgânico da Comissão
Mediadora Popular e artigo 16 da Lei do Processo Civil. Os governos populares de base referem-se
àqueles estabelecidos nas aldeias e nas vilas.
304 Vide artigo 8º da Lei da Mediação Popular.
305 Vide artigo8º da Lei da Mediação Popular.
306 Vide artigo 15 da Lei da Mediação Popular.
307 Vide artigo 9º da Lei da Mediação Popular e artigo 3º do Regulamento Orgânico da Comissão
Mediadora Popular.
308 Vide artigo 16º da Lei da Mediação Popular e artigo 14 do Regulamento Orgânico da Comissão
Mediadora Popular.

347
Mediação na China: passado, presente e futuro

soluções na China, em particular a expropriação de terrenos e despesas de remoção


no processo de urbanização, a indenização por acidentes médicos, disputas entre
o assalariado e o patronato, a contratação de terras cultiváveis, os empregados
afastados em consequência das reformas de empresas estatais, o planejamento
familiar e a qualidade dos produtos, entre outros. Tendo em conta isso, a nova lei
alargou o âmbito de aplicação da mediação popular, pois, de acordo com o artigo
34º, se for necessário, as vilas, cidades, subdistritos, organizações sociais e outras
organizações podem formar comissões de mediação popular, sob a orientação da
referida lei, para mediar disputas entre as pessoas.

4.4 Procedimentos e características


A nova lei de 2010 tem consolidado as práticas da mediação popular nas
últimas décadas. Em particular, os procedimentos da mediação popular foram
institucionalizados.
Sobre os procedimentos do requerimento, as partes envolvidas num
conflito podem requerer a mediação a uma comissão de mediação popular, e a
comissão de mediação popular também pode, por iniciativa própria, oferecer-se
para mediar. No entanto, nenhuma mediação pode ser feita se uma das partes
tiver expressamente se recusado a resolver o diferendo através da mediação.
Quanto aos métodos da seleção de mediadores, baseada nas necessidades,
a comissão da mediação popular pode designar um ou mais mediadores
populares, ou os interessados podem escolher um ou mais mediadores
populares. A lei chinesa permite ao mediador popular convidar os parentes,
vizinhos, colegas das partes envolvidas ou pessoas com conhecimentos ou
experiências especializadas para participar do processo de mediação, mediante
o consentimento das partes envolvidas.309
Os conflitos entre as pessoas devem ser mediados em tempo útil e de
imediato, de modo a evitar a intensificação das disputas. Na mediação popular,
as partes interessadas têm direito a selecionar ou aceitar mediadores populares,
aceitar ou recusar a mediação ou requerer o fim da mesma, requerer que a
mediação seja realizada publicamente ou em particular e expressar livremente
suas vontades e chegar a um acordo de mediação de livre vontade.
Nos termos do artigo 27º da Lei da Mediação Popular, as comissões de
mediação popular devem criar arquivos para o trabalho de mediação, e colocar
os documentos de registro da mediação, os registros de mediação e os acordos
de mediação no arquivo.

4.5 Efeitos jurídicos do acordo obtido na mediação


Antes da entrada em vigor da Lei da Mediação Popular, tanto a doutrina
quanto os tribunais judiciais consideravam que o acordo obtido pelas partes
em consequência da mediação popular tem efeitos jurídicos e era, em princípio,
vinculativo para as partes.
Segundo o artigo 1º das Regras do Conhecimento da Causa Civil
respeitante ao Convênio da Mediação Popular, “o acordo alcançado através da

309 Vide artigo 20º da Lei da Mediação Popular.

348
Wei Dan

mediação popular, o qual contém conteúdos de direitos e deveres civis, estando


devidamente assinado ou carimbado pelas partes em causa, possui o caráter
de contrato civil. As partes devem assegurar o cumprimento das obrigações
nos termos do estipulado no acordo e não o podem modificar nem revogar
indevidamente”.310 Isto é, o Supremo Tribunal Popular tem já firmados os efeitos
jurídicos do “contrato civil” produzidos pelo acordo resultante de mediação. A
nosso ver, o convênio, mesmo que fosse celebrado devido à ajuda do mediador
popular, no fundo não se diferencia do contrato civil ordinário baseado na
autonomia privada. Em outras palavras, o mediador popular desempenha um
papel de testemunha neste processo.
De acordo com o disposto na Lei Geral de Direito Civil da República Popular
da China,311 o Supremo Tribunal Popular também levou em consideração a validade,
a nulidade e a anulabilidade do convênio celebrado pela mediação popular.312
O acordo celebrado é válido se satisfizer as seguintes condições: (1) as
partes devem ter a plena capacidade civil de exercício; (2) devem manifestar a
vontade real; e (3) não podem violar a lei nem interesses públicos.
Consideram-se inválidas as seguintes situações: (1) as práticas que
prejudiquem os interesses do Estado, da coletividade ou de terceiro; (2) o
encobrimento de escopo ilegal pela forma legal; (3) as práticas que prejudiquem
interesses sociais e públicos; e (4) as práticas contra o disposto coercitivamente
pela lei ou por regulamento administrativo. O acordo de mediação é inválido
quando a comissão da mediação popular tiver obrigado as partes a se submeter
a uma determinada forma e a mesma não tenha sido respeitada.
Uma das partes pode recorrer ao tribunal popular com vista à alteração
ou anulação do acordo celebrado quando (1) a parte que recorre se enganou
gravemente; ou (2) aparentemente existe injustiça.
É importante consignar que Regras do Conhecimento da Causa Civil
respeitantes ao Convênio da Mediação Popular, como a interpretação judicial
destinada aos tribunais populares quando julgam ações cíveis, confirmam o efeito
jurídico contratual do acordo celebrado pela mediação popular, promovendo
assim resultados instrutivos.
Uma das novidades trazidas pela Lei da Mediação Popular é justamente
a confirmação dos seus efeitos jurídicos. A Lei da Mediação Popular confirma
expressamente que o acordo de mediação alcançado através da mediação de uma
comissão de mediação popular é obrigatório para todos os interessados e as partes
interessadas devem cumpri-lo conforme acordado.313 Além disso, o legislador chinês
estabeleceu um mecanismo a fim de conectar a mediação popular com outros meios

310 Os assuntos que merecem atenção são os seguintes: em primeiro lugar, em termos de requisitos
substanciais, o acordo celebrado tem de conter direitos e deveres cíveis. Geralmente, é considerado que
os direitos e deveres envolvem a prestação patrimonial, não incluindo aqueles acordos sobre condutas
criminais leves que não implicam conteúdos patrimoniais; em segundo lugar, na perspectiva processual,
o artigo 1º da Regras do Conhecimento da Causa Civil respeitante ao Convênio da Mediação Popular limi-
ta-se à mediação realizada pela comissão mediadora popular e não por membros familiares ou amigos.
311 Adotada a 12.4.1986 pela 4ª Sessão do 6º Congresso Nacional Popular, entrada em vigor a
1º.1.1987. Esta Lei Geral funciona como a parte geral de um “código civil”, pois existem outras leis avul-
sas, como por exemplo a Lei das Coisas, visto que ainda não existe até hoje um Código Civil na China.
312 Vide respectivamente os artigos 4º, 5º e 6º das Regras do Conhecimento da Causa Civil res-
peitantes ao Convênio da Mediação Popular.
313 Vide artigo 31º da Lei da Mediação Popular.

349
Mediação na China: passado, presente e futuro

da solução de disputas. Desde logo, para uma disputa que pode ser resolvida por
mediação, o tribunal popular de base ou o órgão de segurança pública em causa
podem, antes de aceitar o caso, notificar os interessados que podem requerer a
uma comissão de mediação popular que seja mediada a disputa.314 Depois de ser
alcançado um acordo através da mediação por uma comissão de mediação popular,
quando necessário, os interessados podem, em conjunto, requerer ao tribunal
popular a confirmação judicial, no prazo de 30 dias depois do acordo de mediação
ser celebrado, e o tribunal popular deve analisar o acordo e confirmar o seu efeito
em tempo útil.315 Depois de o tribunal popular confirmar o efeito do acordo obtido
por mediação, se uma parte interessada recusar cumprir ou deixar de cumpri-
lo plenamente, a outra parte pode requerer a execução ao tribunal popular. Se o
tribunal popular confirmar que o acordo de mediação é inválido, os interessados
podem alterar o acordo original ou alcançar um novo acordo através da mediação
popular ou propor uma ação no tribunal popular.

5 Da mediação judicial

5.1 Vários ajustamentos da legislação e de políticas judiciais


A mediação presidida pelos tribunais na China moderna iniciou-se no
período da revolução democrática da guerra sino-japonesa. Antes da implantação
da República Popular da China, um juiz chamado Ma Xiwu, que trabalhava numa
base de apoio da revolução do Partido Comunista Chinês, adotava um modo
combinado de julgamento e mediação e gozava assim de boa aceitação. O seu
modo de julgamento foi denominado “modo de Ma Xiwu” e elogiado pelo Sr. Mao
Zedong. Naquela altura, o sistema judicial chinês ainda não era consolidado, o
que permitiu o uso geral da mediação. Por outro lado, o povo de então esperava
resolver disputas ao menor custo e com maior eficiência, através da intervenção
neutral e justa do quadro judicial localizado nas zonas de convívios harmônicos
por civis e militares do Partido Comunista Chinês.
Depois de 1949, diversos diplomas legais têm estipulado o regime da
mediação judicial. Desde o modelo “Ma Xiwu”, essas medidas regulamentadoras
podem enquadrar-se em três fases distintas.
A primeira fase, compreendida entre 1949 e 1979 (ano em que se iniciou a
elaboração da Lei do Processo Civil), corresponde à “predominância da mediação
judicial”. Nos anos 50 e 60 do século passado, os tribunais populares, antes de
proferirem a sentença, presidiam ao processo necessário de mediação para a maioria
das ações cíveis. Aproximadamente 75% ou 80% dos casos eram concluídos graças
à mediação. Segundo uma interpretação judicial do Supremo Tribunal Popular em
2.2.1979 (Regra do Regime Processual de Ações Cíveis no Período de Ensaio): “Em
qualquer ação que possa ser concluída através da mediação, não será proferida
sentença; todas as ações que requeiram sentenças passam primeiro pela mediação”.
A segunda fase, que decorre ao longo dos anos oitenta do século XX,
reflete-se no velho princípio adotado e pondera sobre a melhor proteção dos

314 Vide artigo 18º da Lei da Mediação Popular.


315 Vide artigo 33º da Lei da Mediação Popular.

350
Wei Dan

direitos processuais, modificando a orientação política de “predominância da


mediação” existente no passado para “dar ênfase à mediação” pela Lei do Processo
Civil (Regime Experimental) de 1982,316 de modo a evitar o papel secundário do
julgamento e a mediação coercitiva.
A terceira fase, compreendida dos anos noventa até os nossos dias, diz
respeito à implantação da orientação da “mediação voluntária e legal”. Com a
promulgação da vigente Lei do Processo Civil em 1991, a mediação judicial
constitui uma forma do exercício da competência por parte dos tribunais
populares e também uma combinação da competência dos tribunais e do direito
processual gozado pelas partes.

5.2 Princípios básicos


De acordo com a Lei do Processo Civil (designadamente os artigos 9º e
85º) e a interpretação judicial proferida pelo Supremo Tribunal Popular (“Regras
acerca da Mediação pelos Tribunais Populares”), a mediação deve conformar-se
com os três seguintes princípios.
Antes de mais, com o princípio da voluntariedade. Quer adotem a forma da
mediação para resolver a disputa, quer não, quer tenham um acordo mediador,
quer não, a adoção da mediação dependerá da própria vontade das partes. Em
caso de ineficácia da mediação, carência de condições ou persistência em não
adotar tal processo, os tribunais populares devem proferir sentenças ou decisões
oportunamente.
A seguir, temos o princípio que consiste em averiguar fatos e distinguir
claramente o correto do errado. Isto é, no processo em que presidir à mediação,
o juiz deve averiguar os fatos básicos da causa, fazer uma clara distinção entre
o certo e o errado, definir bem os direitos e os deveres e assim chegar a um
entendimento entre as partes.
Além disso, a mediação segue o princípio da legalidade. Por um lado,
o processo mediador deve conformar-se com o disposto na Lei do Processo
Civil, inclusive com as suas formas, a elaboração do expediente, a citação e a
notificação, entre outros. Por outro lado, o conteúdo do acordo deve corresponder
ao disposto nas leis civis substanciais, sem prejuízo dos interesses do Estado e
da coletividade e dos interesses públicos sociais e de terceiro.

5.3 Âmbito de aplicação


Para as causas que são passíveis de serem resolvidas através da mediação,
os tribunais populares devem presidir à mesma, com exceção dos casos aplicáveis
aos processos especiais, processos de mandado de citação para a exortação,
processos de pagamento aos credores nas falências, entre outros, e dos casos
matrimoniais e de relações pessoais fora do âmbito de disposição das partes.
A mediação das causas cíveis no tribunal pode ser realizada depois da
expiração do prazo da contestação, mas antes da elaboração da sentença, na primeira
instância, na segunda instância e no procedimento de fiscalização do julgamento.

316 Segundo o artigo 6º da Lei do Processo Civil de 1982: “Os tribunais populares, no conheci-
mento da causa, devem dar ênfase à mediação”.

351
Mediação na China: passado, presente e futuro

Parece importante referir que o julgamento, via de regra, passa no máximo


por duas instâncias na China, e a segunda funciona como a última. Perante uma
sentença ou decisão da primeira instância proferida por um tribunal local, as partes
podem recorrer ao tribunal popular de nível superior, segundo os procedimentos
legais.317 Entretanto, se se descobrirem erros sobre a verificação dos fatos ou a
aplicação das leis nas sentenças e decisões já com eficácia jurídica, o Presidente
do tribunal popular onde a sentença ou decisão foi proferida tem que apresentá-
las ao respectivo Comitê de Julgamento. Se o Supremo Tribunal Popular descobrir
erros nas sentenças e decisões já com eficácia jurídica levadas a cabo por tribunais
populares de outros níveis, ou se os tribunais populares superiores descobrirem
erros nas sentenças ou decisões dos outros tribunais populares, têm o direito de
julgar a ação de novo ou de mandar ao tribunal imediatamente inferior para julgá-
la novamente. Neste sentido, o regime de fiscalização do julgamento constitui
uma exceção ao regime normal de duas instâncias.
Na primeira instância, a mediação pode ocorrer antes, durante ou depois
da audiência. Na segunda instância, o tribunal popular pode presidir à mediação
segundo o princípio da voluntariedade. O âmbito da mediação abrange todas as
questões materiais, quer interpostas no recurso, quer não. Uma vez obtido um
acordo, o tribunal de segunda instância deve elaborar uma convenção mediadora,
que se tornará efetiva quando for feita a citação pessoal. A sentença ou decisão
do tribunal de primeira instância será assim anulada. No procedimento de
fiscalização do julgamento, o tribunal pode aceitar o pedido feito pelas partes e
presidir à mediação. Depois de os citandos confirmarem pessoalmente a citação,
as sentenças ou decisões anteriores serão anuladas.

5.4 Procedimentos e características


Na China, a mediação no seio dos tribunais não é um procedimento
antecedente, e pode ser utilizada em todas as fases do processo judicial.
Para fazer entrar em funcionamento a mediação, há duas hipóteses:
as partes apresentam um pedido ou o tribunal popular toma a iniciativa de
sugerir uma proposta, segundo a sua competência estabelecida por lei, e com a
autorização das partes.
A mediação pode ser presidida pelo tribunal singular quando os casos
de pouca importância forem julgados pelos tribunais de base ou pelos juízos-
delegações criados,318 ou pelo tribunal coletivo para resolver ações complexas de
natureza civil julgadas em primeira instância e em segunda instância. Nos termos
do artigo 87 da Lei do Processo Civil, os tribunais populares podem convidar
instituições de empreendimentos, associações sociais, outras organizações ou
indivíduos com conhecimentos específicos e experiências que tenham relações
com as causas para auxiliar nos trabalhos mediadores. O acordo atingido graças

317 As ações julgadas diretamente pelo Supremo Tribunal Popular e as ações às quais é aplicável
o processo especial segundo a lei do Processo Civil só têm uma instância.
318 A estruturação dos tribunais populares na China encontra-se em quatro níveis, sendo os tribu-
nais populares de base, os tribunais populares intermediários, os tribunais populares superiores e o
Supremo Tribunal Popular. Segundo o artigo 20 da Lei Orgânica dos Tribunais Populares da República
Popular da China: “Os tribunais populares de base podem criar vários juízos delegações consoante a
localização, a população ou as circunstâncias das ações. Os juízos são elementos componentes dos
tribunais populares de base cuja sentença e decisão constituem as dos tribunais populares de base”.

352
Wei Dan

a estas instituições ou indivíduos deve ser homologado por tribunal popular.


Conforme o regime atual, as partes não têm a liberdade de escolher
o mediador. O terceiro que, em relação ao objeto da causa, tem o direito de
intervir na causa não pode entrar diretamente no processo mediador antes de
ter admitida formalmente a sua intervenção para participar no processo judicial.
A mediação é considerada na China como sendo a combinação do poder de
disposição das partes e da intervenção estatal. Por isso, a mediação judicial segue
o princípio da audiência pública, salvo quando as partes solicitarem o contrário.
Segundo as “Normas respeitantes à Cobrança de Despesa Contenciosa
pelos Tribunais Populares”, as despesas para a mediação e os gastos da sentença
são os mesmos.
Vale recordar que existem algumas semelhanças e diferenças entre a
mediação judicial no direito chinês e o regime de transação ou a tentativa de
conciliação nos outros países. Quer a mediação judicial, quer a transação podem
ocorrer em qualquer estado do processo. Ambas podem fazer cessar a causa e o
processo; ambas se baseiam na autonomia privada em consequência de direitos
disponíveis. Contudo, devido às diferenças decorrentes da tradição cultural e do
conceito processual, a mediação judicial tem um papel extremamente importante
no processo civil chinês, de modo que um dos caracteres do estilo de julgamento
chinês é a importância dada à mediação. A mediação judicial tem como objetivo
resolver disputas. Não obstante a transação ou a tentativa de conciliação dos
outros países seja utilizada frequentemente, trata-se apenas de um subproduto
do processo judicial. Além disso, nos outros países, os juízes que presidem a
tentativa de conciliação não são necessariamente as mesmas pessoas que julgam
a causa e proferem a sentença, porém, na China, os juízes são os mesmos.

5.5 Efeitos jurídicos


Quando a mediação judicial tem êxito, as partes chegam a um acordo
e comprometem-se a ser vinculadas, segundo procedimentos legais, pelas
consequências jurídicas da mediação.
Nos termos dos artigos 89 e 90 da Lei do Processo Civil, o documento
elaborado pelo tribunal popular onde consta o acordo de mediação celebrado
pelas partes tem eficácia jurídica quando a citação pessoal for efetuada e
entregue e os citandos assinem o documento. Se uma parte se recusar a assinar
o documento ou a receber o duplicado, considera-se como estando arrependida
do acordo celebrado. Assim sendo, o documento não terá efeitos jurídicos.
Aqueles acordos que não requerem a elaboração do termo de acordo de mediação
pelos tribunais populares nos termos da lei devem ser registrados nos autos, assinados
ou carimbados pelas partes, juízes e funcionários para terem efeitos jurídicos.
De acordo com o artigo 12º das Regras acerca da Mediação pelos Tribunais
Populares, não são reconhecidos os acordos celebrados pelos tribunais quando
forem: (1) contra os interesses do Estado e os interesses públicos sociais; (2)
contra os interesses de terceiro; (3) contra a vontade real das partes; e (4) contra
disposições imperativas da lei e de regulamento administrativo.
Depois de o documento da mediação elaborado pelo tribunal popular se
tornar efetivo, possuirá o mesmo efeito jurídico que a sentença. Isto significa
que a ação judicial estará concluída e as partes não poderão mais recorrer com

353
Mediação na China: passado, presente e futuro

base no mesmo fato e fundamento. O documento de mediação feito pelo tribunal


é definitivo, e, se visa a exigir a prestação de uma coisa ou de um fato, terá a
força da execução coativa.

6 Problemas existentes nas diversas espécies de mediação


Atualmente, tanto na mediação popular como na mediação judicial,
encontram-se alguns problemas que afetam negativamente o desempenho
devido das funções mediadoras.
No que se refere à mediação popular, mesmo que seja uma modalidade
efetiva para resolver conflitos sociais, verifica-se uma tendência da diminuição
do seu uso, comparado com os anos oitenta do século passado. Várias causas
se têm atribuído à presente situação.
Em primeiro lugar, a falta de domínio de conhecimentos jurídicos
por parte dos mediadores populares constitui uma barreira para o êxito da
mediação. A regulamentação atual na China não prevê claramente quais são
as qualidades requeridas em termos do conhecimento jurídico. Em nosso
entender, as qualificações do mediador popular constituem a base da mediação
e determinam também o seu desenvolvimento. Não basta ter o grande prestígio
social e o grande entusiasmo em promover a mediação, pois o mediador tem
de compreender bem o espírito da lei e as demandas das partes, fazendo a
paz com habilidade. Ele atua como um catalisador, ajuda as partes a trocarem
ideias diferentes, explorarem as suas necessidades e os interesses de cada
uma, identifica opiniões, escolhe a solução mais adequada e redige um acordo
detalhado apresentando a forma como as partes pretendem resolver as
disputas. Os órgãos administrativos competentes devem aperfeiçoar a eleição e
a contratação de mediadores populares e promover a sua formação profissional.
O mais importante é que o acordo de mediação alcançado através da
comissão de mediação popular tem o caráter vinculativo, nos termos do artigo 31º
da Lei da Mediação Popular, mas, por outro lado, a mesma lei no artigo 33º prevê
que, quando necessário, as partes podem requerer em conjunto ao tribunal popular
a confirmação judicial. Na realidade, antes de o tribunal tomar qualquer decisão, o
cumprimento do acordo de mediação poderá ser afetado negativamente. Suponha
que uma parte requeira a confirmação judicial mas a outra parte a recuse, será
que o tribunal tem de rejeitar o pedido? Neste caso, à mediação popular faz falta
o papel prestigioso e as partes terão de requerer a arbitragem ou intentar a ação
judicial, com procedimentos mais complicados e custos mais altos.
Quanto à mediação judicial, os problemas existentes concentram-se nos
seguintes aspectos: antes de mais, a mediação popular é atualmente consagrada
como um dos princípios básicos do processo civil, de acordo com o 1º Capítulo
(“Objetivos, âmbito de aplicação e princípios básicos”) do Título I da Lei do Processo
Civil da China, designadamente o artigo 9º. Na verdade, a mediação presidida pelo
tribunal para as partes que participam voluntariamente é uma ação judicial concreta,
cujo âmbito de aplicação é limitado. A mediação judicial não possui a generalidade de
abrangência presente nos demais princípios básicos que orientam todo o processo
contencioso, tais como o princípio da igualdade das partes (artigo 8º), o princípio do
julgamento imparcial (artigo 6º), o princípio do contraditório (artigo 12º), o princípio
dispositivo (artigo 13º), entre outros, por isso, do ponto de vista doutrinário, não há

354
Wei Dan

a necessidade de definir a mediação judicial como um princípio básico.


Na realidade, existe frequentemente a coercibilidade dissimulada de mediação.
Normalmente, os tribunais contam com a maior taxa de conclusão dos casos julgados.
Considera-se que o processo de recurso é um mecanismo de apreciação dos casos
julgados na primeira instância; no entanto, as válidas mediações judiciais implicam
que as partes já não podem recorrer mais. Alguns juízes inclinam-se para a mediação,
substituindo-a ao julgamento. Para evitar a mediação judicial compulsória, no futuro,
o tribunal popular pode nomear outro juiz qualquer que não julgue a causa ou as
partes podem nomear um mediador (que tanto pode ser um juiz ou não) para presidir
à mediação junto do tribunal popular.
Em segundo lugar, no momento atual, parece que o princípio de averiguar
fatos e distinguir claramente o correto do errado na mediação judicial (artigo
85º da Lei do Processo Civil) é contraditório com relação ao princípio dispositivo
e ao princípio da autonomia privada e da liberdade contratual. A mediação
habilita as partes a comunicarem, negociarem e resolverem eventualmente
seus conflitos de forma amigável e evita a tensão e o conflito num sistema
adversarial. Geralmente, no processo de mediação, as partes não acentuam a
posição legal, mas tomam uma atitude modesta, cordial e flexível. Neste sentido,
esta exigência afeta a eficiência e vantagens da mediação.
Em terceiro lugar, a Lei do Processo Civil prevê atualmente diferentes
regimes quanto ao tempo da vigência da mediação judicial. Para aqueles casos
que requerem a elaboração de um documento de mediação pelo juiz, o mesmo
expediente começa a ter eficácia jurídica a partir do momento que os citandos
recebem o documento e o assinam devidamente. No caso em que uma das
partes se tenha arrependido antes da citação ou se tenha recusado a receber o
expediente, o documento de mediação não tem efeitos jurídicos. No entanto, para
aqueles casos que não requerem a elaboração de um documento de mediação, o
acordo alcançado pelas partes é anotado nos autos e tem efeitos jurídicos logo
depois de as partes, os juízes e os funcionários o assinarem ou carimbarem. Por
um lado, esta previsão permite “o abuso do poder dispositivo” pelos interessados,
isto é, as partes podem arrepender-se livremente e de forma descuidada, sendo
contrário ao princípio da eficiência processual; por outro lado, os dispositivos não
uniformizados sobre a vigência do expediente afetam negativamente a seriedade
do expediente jurídico. Parece que, para se assegurarem as funções da mediação
e o princípio da boa-fé, seria necessária a modificação da Lei do Processo Civil.

7 Futuro da mediação na China


Na filosofia tradicional chinesa, uma palavra-chave é a “harmonia”. Segundo
a cultura chinesa de grande harmonia, que é uma filosofia que procura o comum
e mantém o diferente, não só é necessária uma harmonia entre os homens e a
natureza, mas também uma harmonia entre os homens no sentido de procurar o
consenso através da conciliação, educação, persuasão e evitar a sanção e a coerção.
Atualmente, uma nova estratégia de desenvolvimento para fundar uma sociedade
harmoniosa tem sido defendida pelo governo chinês. Esta nova estratégia fornece
uma solução para a sociedade em transição, onde existem contradições sociais
rompendo, ao mesmo tempo, com os conceitos e sistemas antigos. A reforma
econômica e a abertura ao exterior trazem novos desafios para a sociedade em

355
transição, no sentido de se adaptar às novas realidades e reforçar a coesão social.
A mediação é justamente um bom caminho para a sociedade harmoniosa.
Conduzida num ambiente amistoso, calmo e construtivo, a mediação constitui
uma forma inteligente para as partes darem-se as mãos e ficarem enfim satisfeitas.
Além disso, a mediação resulta muitas vezes em soluções que ultrapassam os
remédios legais que os tribunais podem permitir.
A mediação está enraizada no solo chinês e tem uma longuíssima
história. Hoje em dia, com o objetivo de realizar a harmonia social e desenvolver
plenamente as vantagens da mediação, há muito por fazer para melhorar a sua
institucionalização.

Referências
WANG, Gongyi. People’s Mediation is an Important Legal System to Resolve Social Disputes.
In: CAO, Jianming (Ed.). The 22nd Congress on the Law of the World: The Rule of Law and
Harmony of International Society Working Papers. Pequim: The People’s Court Press, 2005.

ZHANG, Baifeng (Ed.). Judicial System in China. 2. ed. Pequim: Law Press, 2002.

ZHANG, Fusen. Strengthen and Improve the System of People’s Mediation with Chinese
Characteristics. Chinese Judicial Review, n. 4, outono 2002.

ZHANG, Jinfa. Zhongguo Falv de Chuantong yu Jindai Zhuanxing [Tradição do direito chinês
e a transição moderna]. Pequim: Law Press, 1997.

356
Síntese curricular dos autores

Adolfo Braga Neto


Advogado, Mediador, Professor Consultor da ONU, PNUD e do Banco Mundial. Presidente
do Conselho de Administração do IMAB (Instituto de Mediação e Arbitragem do Brasil, baseado em
São Paulo). Supervisor na segunda edição do curso Resolução Consensual de Conflitos Coletivos
envolvendo Políticas Públicas, oferecido pela Escola Nacional de Mediação e Conciliação (ENAM)
do Ministério da Justiça em 2014. Autor de diversos artigos e obras na área de mediação de
conflitos. E-mail: <adolfobraga@uol.com.br>.

Alexandre Morais da Rosa


Pós-Doutor em Direito (FDC-PT e UNISINOS). Doutor em Direito (UFPR). Professor de
Programas de Mestrado e Doutorado em Direito (UFSC e UNIVALI). Juiz de Direito (TJ-SC). Autor
de diversas obras e artigos científicos nas áreas de Direito Processual Penal, Filosofia do Direito e
Mediação de Conflitos. E-mail: <alexandremoraisdarosa@gmail.com>.

André Gomma de Azevedo


Juiz de Direito (TJ-BA). Professor Pesquisador Associado da Faculdade de Direito da
Universidade de Brasília, Mestre em Direito pela Universidade de Columbia em Nova Iorque –
EUA. Professor Visitante do Strauss Institute for Dispute Resolution da Faculdade de Direito da
Universidade de Pepperdine (California, EUA). Juiz Auxiliar da Presidência do Conselho Nacional
de Justiça (2014-2016). Autor de diversos artigos científicos na área de mediação de conflitos.

Antônio Rodrigues de Freitas Jr.


Mestre, Doutor e Livre-Docente pela Universidade de São Paulo. Professor Associado da
Faculdade de Direito da USP - Largo de São Francisco, em que oferece disciplinas de Graduação
e Pós-graduação em solução não-adjudicatória de conflitos. Foi Secretário Nacional de Justiça e,
no presente, é advogado, Procurador Legislativo do Município de São Paulo e Diretor-Executivo
da Escola do Parlamento da Câmara Municipal de São Paulo. Advogado. Autor e coordenador de
diversas obras e artigos científicos nas áreas de Direito do Trabalho e Mediação de Conflitos.

Ariane Gontijo Lopes Leandro


Graduada em Psicologia (PUC-MG). Mestre em Bens Culturais e Projetos Sociais (CPDOC-
FGV/RJ). Especialista em Políticas Públicas (UFMG). Especialista em História e Culturas Políticas
(UFMG). Formação em Mediação de Conflitos pelo IMAB/SP e pelo Programa Pólos de Cidadania
(UFMG). Foi Diretora do Núcleo de Resolução Pacífica de Conflitos, órgão responsável pela coorde-
nação do Programa Mediação de Conflitos do Programa de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas
do Governo do Estado de Minas Gerais. Supervisora do curso de Mediação Comunitária da Escola
Nacional de Mediação do Ministério da Justiça. Professora convidada de Mediação Comunitária no
Mediare. E-mail: <arianegontijo@yahoo.com.br>.

Célia Regina Zapparolli


Advogada, Mediadora de Conflitos desde 1997. Consultora para mediação de Conflitos em Po-
líticas Públicas desde 2005.  Coordenadora e Docente no Curso de Formação de Mediadores e Concilia-
dores da AASP, em parceria com o TJ-SP. Docente  convidada nos TRTs SP e PR, Direito USP, PUC-SP, FGV-SP
e UNIP-Psicologia.  Presidente da RIMI - Rede Internacional de Mediação Interdisciplinar. Co-fundadora do
Fórum Nacional de Mediação - FONAME. Foi consultora em mediação do PNUD (Programa das Nações

357
Unidas para o Desenvolvimento), para projetos e ações nacionais e do MERCOSUL que envolviam o ins-
trumental da mediação nos Programas Segurança Cidadã - SENASP, SRJ, SENAD- Ministério da Justiça e no
Programa Justiça Comunitária -TJDFT. Idealizadora do Projeto Íntegra de Mediação em Crimes de Gênero
e Família - Varas Criminais de Santana - TJ-SP.  Autora do Plano de Gestão de Conflitos e Controvérsias 
e Coordenadora Técnico-Metodológica em Gestão de Conflitos no Programa Serra do Mar do Governo
do Estado de São Paulo, em parceria com o BID. Autora de diversos artigos a respeito de ADRs e da obra
“Negociação, mediação, conciliação, facilitação assistida, prevenção, gestão de crise nos sistemas e suas
técnicas”, publicada pela Editora LTr.   Email: <crzapparolli17@uol.com.br>.

Déborah Lídia Lobo Muniz


Mestre em Direito pela Universidade Gama Filho (UGF). Professora convidada na Pós-Graduação
em Direito na UEL (Universidade Estadual de Londrina). E-mail: <deborahlidia@gmail.com>.

Eduardo Antônio de Andrade Villaça


Defensor Público do Estado do Ceará. E-mail: <eduardo.villaca@defensoria.ce.gov.br>.

Giselle Fernandes Corrêa da Cruz


Advogada. Mestre em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Profes-
sora do curso de Direito do Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix - BH. Formação em
Mediação de Conflitos pelo IMAB. Atuou como Supervisora Metodológica do Programa Mediação
de Conflitos – Superintendência de Prevenção à Criminalidade, desenvolvido pela Secretaria do
Estado de Defesa Social do Governo de Minas Gerais. E-mail: <giselle_fc@yahoo.com.br>.

Gladys Stella Álvarez


Foi Juíza na Câmara Nacional de Apelações Cíveis da Argentina até dezembro de 2004.
É fundadora da Libra, entidade cujo objetivo primordial é a institucionalização dos mecanismos
alternativos de solução de controvérsias no Judiciário e em diversos cenários da sociedade civil. Integrou
a comissão que elaborou o Plano Nacional de Mediação para Argentina e a Experiência Piloto de Mediação
conectada com os Julgados Nacionais Cíveis. É Diretora dos cursos de Atualização e Negociação em
Meios Alternativos de Solução de Controvérsias (MASCs) na Pós-Graduação da Faculdade de Direito da
Universidade de Buenos Aires (UBA). Por sua atuação impulsionando o movimento MASCs na Argentina
e América Latina, recebeu três prêmios internacionais outorgados por instituições dos Estados Unidos e
Canadá. É autora de diversas obras e artigos sobre MASCs. E-mail: <libra@fundacionlibra.org.ar>.

Henrique Gomm Neto


Advogado. Mestrando do Máster Latino Americano Europeo organizado pelo Institut
Universitaire Kurt Bosch, Universitat de Barcelona, Universidad de Buenos Aires e Universidad Católica
de Salta, em Buenos Aires, Argentina. Coordenador do Departamento de Mediação da Câmara de
Mediação e Arbitragem da Associação Comercial do Paraná – ARBITAC. Diretor Jurídico do CONIMA
– Conselho Nacional das Instituições de Mediação e Arbitragem. E-mail: <henrique@gomm.com.br>

Ivan Aparecido Ruiz

Pós-Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL). Doutor


em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Mestre
em Direito das Relações Sociais pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), Professor Associado
do Curso de Graduação em Direito da Universidade Estadual de Maringá (UEM) e do Programa de
Mestrado em Ciências Jurídicas do Centro Universitário de Maringá (UNICESUMAR). Advogado no
Paraná. E-mail: <ivanaparecidoruiz@gmail.com>.

358
Luciane Moessa de Souza
Mestre em Direito do Estado (Universidade Federal do Paraná). Doutora em Direito, Estado
e Sociedade (Universidade Federal de Santa Catarina), com estágio como Pesquisadora Visitante
(Visiting Scholar) na Universidade do Texas, campus de Austin. Procuradora do Banco Central do
Brasil. Professora de cursos de especialização em Direito Público e de cursos sobre resolução
consensual de controvérsias na esfera pública destinados a advogados públicos, servidores do
Poder Executivo, magistrados e servidores do Judiciário, membros e servidores do Ministério
Público. Coordenadora de cursos da Escola Nacional de Mediação e de Conciliação do Ministério
da Justiça (ENAM-MJ) sobre Resolução Consensual de Conflitos Coletivos envolvendo Políticas
Públicas (2014). Pós-Doutoranda em Direito na Universidade de São Paulo (USP), com estágio como
Pesquisadora Visitante na Università Luigi Bocconi, em Milão (2015). Atuou como Conciliadora
da Câmara de Conciliação e Arbitragem da Advocacia-Geral da União de 2010 a 2011. Autora
de diversas obras individuais (Editoras Fórum e Revista dos Tribunais), coordenadora de duas
obras coletivas e autora de diversos artigos científicos nas áreas de Direito Público e Mediação de
Conflitos. E-mail: <lumoessa@hotmail.com>.

Michele Cândido Camelo


Defensora Pública do Estado do Ceará. Mestre em Política Pública e Sociedade pela
Universidade Estadual do Ceará (UECE). E-mail: <michele.camelo@defensoria.ce.gov.br>.

Roberto Portugal Bacellar


Desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná. Professor. Mestre em Direito pela PUC-
PR. Especialista em Direito Civil e Processo Civil (UNIPAR). MBA em gestão empresarial (UFPR).
Presidente da Comissão Estadual de Justiça Restaurativa do Tribunal de Justiça do Paraná. Professor
da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados Ministro Salvio de Figueiredo
Teixeira - Enfam. Autor de várias publicações, dentre elas “Mediação e Arbitragem” (Coleção
Saberes do Direito), publicada pela Editora Saraiva. E-mail: <portugalbacellar@uol.com.br>.

Tania Almeida
Médica. Pós-graduada em Neuropsiquiatria, Psicanálise e Sociologia. Mestre em Mediação
de Conflitos. Pós-graduada em Neuropsiquiatria, Sociologia e Gestão Empresarial. Docente em
Mediação de Conflitos e Facilitação de Diálogos. Fundadora e Presidente do Mediare – Diálogos e
Processos Decisórios (baseado no Rio de Janeiro). Autora da obra “Caixa de Ferramentas em Me-
diação – aportes práticos e teóricos”, publicada pela Editora Dash. Supervisora na primeira edição
do curso Resolução Consensual de Conflitos Coletivos envolvendo Políticas Públicas, oferecido
pela Escola Nacional de Mediação e Conciliação (ENAM) do Ministério da Justiça em 2014. E-mail:
<mediare@mediare.com.br>.

Tânia Lobo Muniz


Mestre e Doutora em Direito (PUC-SP). Professora efetiva de Graduação e Pós-graduação da
Universidade Estadual de Londrina (UEL). E-mail: <prof.muniz@gmail.com>.

Wei Dan
Doutora e Mestre em Direito pela Universidade de Coimbra. Licenciada em Direito pela
Universidade de Pequim. Professora Titular e Diretora do Instituto para Estudos Jurídicos Avançados
da Faculdade de Direito da Universidade de Macau. Redatora-Chefe da Macau Law Review. Árbitro
do China International Economic and Trade Arbitration Commission (CIETAC). Árbitro do Centro de
Arbitragem do World Trade Center em Macau, da Comissão de Arbitragem em Guangzhou, China e
do Centro Internacional de Mediação e Arbitragem em Nansha, China. E-mail: <danwei@umac.mo>.

359
Esta obra coletiva está em sua segunda edição, con-
tando com autores de todo o país, e duas convidadas inter-
nacionais, a experiente mediadora e magistrada aposentada
Gladys Alvarez, da Argentina, e a Profa. Wei Dan, da Univer-
sidade de Macau, na China.
A proposta é analisar os contornos deste fascinan-
te método de resolução consensual de conflitos (primeira
parte), apresentar os distintos campos de aplicação da me-
diação (desde os conflitos na área de família, trabalhistas,
empresariais em geral, até os pequenos conflitos criminais,
os conflitos comunitários, os conflitos que envolvem o Poder
Público (segunda parte) e, por fim, aprender um pouco com
algumas experiências estrangeiras no tema (terceira parte).
A coordenadora, Luciane Moessa, autora de Tese de
Doutorado sobre o tema (tendo desenvolvido a maior parte
da pesquisa nos EUA), também cuida de analisar o conteúdo
da recém promulgada nova Lei de Mediação de Conflitos, as-
sim como o tratamento do tema no novo CPC.
A publicação é extremamente oportuna nesse momen-
to em que devemos avançar na aplicação adequada do ins-
tituto no Brasil.

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