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Mediação de Conflitos - Luciane Moessa PDF
Mediação de Conflitos - Luciane Moessa PDF
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0 134
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SEE PROFILE
Mediação
de conflitos
Novo paradigma de acesso à justiça
2ª edição
1
Luciane Moessa de Souza
(Coordenadora)
Mediação
de conflitos
Novo paradigma de acesso à justiça
2ª edição
2015
2
CONSELHO EDITORIAL
Prof. Dr. Alexandre Morais da Rosa – Direito – UFSC e UNIVALI/Brasil
Prof. Dr. Alvaro Sanchez Bravo – Direito – Universidad de Sevilla/Espanha
Profª. Drª. Angela Condello – Direito - Roma Tre/Itália
Prof. Dr. Carlos M. Carcova – Direito – UBA/Argentina
Prof. Dr. Demétrio de Azeredo Soster – Ciências da Comunicação – UNISC/Brasil
Prof. Dr. Doglas César Lucas – Direito – UNIJUI/Brasil
Prof. Dr. Eduardo Devés – Direito e Filosofia – USACH/Chile
Prof. Dr. Eligio Resta – Direito – Roma Tre/Itália
Profª. Drª. Gabriela Maia Rebouças – Direito – UNIT/SE/Brasil
Prof. Dr. Gilmar Antonio Bedin – Direito – UNIJUI/Brasil
Prof. Dr. Giuseppe Ricotta – Sociologia – SAPIENZA Università di Roma/Itália
Prof. Dr. Gustavo Raposo Pereira Feitosa – Direito – UNIFOR/UFC/Brasil
Prof. Dr. Humberto Dalla Bernardina de Pinho – Direito – UERJ/UNESA/Brasil
Prof. Dr. Ingo Wolfgang Sarlet – Direito – PUCRS/Brasil
Prof.ª Drª. Jane Lúcia Berwanger – Direito – UNISC/Brasil
Prof. Dr. João Pedro Schmidt – Ciência Política – UNISC/Brasil
Prof. Dr. Jose Luis Bolzan de Morais – Direito – UNISINOS/Brasil
Profª. Drª. Kathrin Lerrer Rosenfield – Filosofia, Literatura e Artes – UFRGS/Brasil
Profª. Drª. Katia Ballacchino – Antropologia Cultural – Università del Molise/Itália
Profª. Drª. Lilia Maia de Morais Sales – Direito – UNIFOR/Brasil
Prof. Dr. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão – Direito – Universidade de Lisboa/Portugal
Prof. Dr. Luiz Rodrigues Wambier – Direito – UNIPAR/Brasil
Profª. Drª. Nuria Belloso Martín – Direito – Universidade de Burgos/Espanha
Prof. Dr. Sidney César Silva Guerra – Direito – UFRJ/Brasil
Profª. Drª. Silvia Virginia Coutinho Areosa – Psicologia Social – UNISC/Brasil
Prof. Dr. Ulises Cano-Castillo – Energia e Materiais Avançados – IIE/México
Profª. Drª. Virgínia Appleyard – Biomedicina – University of Dundee/ Escócia
Profª. Drª. Virgínia Elizabeta Etges – Geografia – UNISC/Brasil
COMITÊ EDITORIAL
Profª. Drª. Fabiana Marion Spengler – Direito – UNISC e UNIJUI/Brasil
Prof. Me. Theobaldo Spengler Neto – Direito – UNISC/Brasil
3
Essere nel Mondo
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Cep: 96810-034 - Santa Cruz do Sul
Fones: (51) 3711.3958 e 9994. 7269
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www.facebook.com/esserenelmondo
345 p.
Texto eletrônico
Modo de acesso: World Wide Web.
CDD-Dir: 341.4625
4
Sumário
Apresentação 12
PARTE I 16
Noções Gerais
1 Introdução 17
2 Processos construtivos de resolução de disputas e fatores de efetividade de 18
processos de resoluçãode disputas
3 Constatações empíricas referentes à efetividade processual 21
4 A perspectiva construtivista da resolução de disputas como forma de assegurar 25
maior efetividade processual
5 Conclusão 26
Referências 30
1 Introdução 34
2 Desenvolvimento institucional e crescimento econômico 35
2.1 Conceito de desenvolvimento e interdependência entre os diversos aspectos 35
2.2 Correlação entre desenvolvimento institucional e atividade econômica 37
3 Obstáculos para o acesso à justiça no Brasil 42
3.1 Conceito de acesso à justiça 42
3.2 Os principais obstáculos para o acesso à justiça 42
3.3 Meios alternativos de resolução de controvérsias: incremento na celeridade e na 48
qualidade dos serviços jurisdicionais
4 A legislação brasileira sobre mediação 51
4.1 Conflitos a que se aplica a mediação 54
4.2 Espécies de mediação 55
4.3 Quem pode ser mediador 60
4.4 Fiscalização das atividades de mediação 62
4.5 Prazo para realização da mediação e tutela de urgência 63
4.6 Incompatibilidades com a função de mediador 64
4.7 A figura do co-mediador 64
4.8 A participação do advogado na mediação 64
4.9 O conteúdo do acordo 65
4.10 Eficácia do acordo 66
5
4.11 Suspensão da prescrição 67
5 Medidas necessárias para viabilizar a mediação no Brasil 67
5.1 As mudanças na cultura dos operadores jurídicos 67
5.2 Pontos a serem regulamentados 68
5.2.1 Capacitação dos mediadores 68
5.2.2.Definição dos valores a serem cobrados e da responsabilidade pelo pagamento dos 70
mediadores nas causas de justiça gratuita
6 Importante inovação: mediação on-line ou a distância 71
7 Considerações finais: o potencial da mediação 71
Referências 72
1 Introdução 74
2 Um serviço judiciário com qualidades interdisciplinares 76
3 O poder jurisdicional típico e o dos métodos complementares 77
4 Conclusão 78
Referências 78
1 Considerações iniciais 80
2 A construção de acordos proposta pela conciliação e o privilégio da desconstrução 81
de conflitos pretendida pela mediação
3 A busca da satisfação individual pretendida na conciliação e a procura da satisfação 81
mútua demandada pela mediação
4 A repercussão das soluções sobre si mesmos cuidada pela conciliação e a repercussão 82
das soluções sobre terceiros, investigada pela mediação
5 A coautoria de soluções construídas pelas partes com o conciliador e a privilegiada 83
autoria das partes perseguida pelo mediador
6 A ótica monodisciplinar utilizada pela conciliação e a abordagem multidisciplinar 83
proposta pela mediação
7 O presente e a culpa focados na conciliação; o futuro e a responsabilidade social 84
objetivados pela mediação
8 A pauta objetiva destacada pela conciliação e a pauta subjetiva privilegiada pela 84
mediação
9 A publicidade que caracteriza a conciliação e a confidencialidade proposta pela 85
mediação
10 Os pareceres técnicos na conciliação e na mediação 85
11 Os advogados das partes na conciliação e na mediação 86
12 Considerações finais 87
Referências 87
6
Ser um mestre em mediação? 89
Gladys Stella Álvarez
1 Conceito de maestria 89
2 Os estágios da profissão 89
3 Alguns indicadores de qualidade 90
4 Da teoria à prática e da prática à teoria 92
5 Conclusão 94
Referências 95
A ética na mediação 96
Tânia Lobo Muniz
1 Apresentação 96
2 A ética 96
3 A eticidade 97
4 Código de Ética 97
5 Valores a serem positivados 98
6 A atuação do mediador, a questão ética, o comprometimento de sua atuação e os 100
reflexos na aceitação e permanência do instituto
7 Conclusão 105
Referências 105
1 Introdução 107
2 Diretrizes éticas 108
2.1 Imparcialidade 110
2.2 Dever de respeitar a autonomia das partes 114
2.3 Deveres de competência e diligência 115
2.4 Dever de alertar as partes sobre a necessidade de perícia técnica ou assessoramento 116
de terceiros
2.5 Dever de zelar pelo equilíbrio de poder entre as partes 118
2.6 Confidencialidade 118
2.7 Transparência na condução do processo 121
2.8 Dever de zelar pela viabilidade do cumprimento do acordo 122
2.9 Dever de zelar pelos interesses de terceiros afetados 122
2.10 Remuneração do mediador 124
3 As qualidades necessárias para um bom mediador 125
4 Sobre a regulamentação (ou não) da atividade 126
4.1 Cadastro, registro ou certificação de mediadores – critérios apropriados 127
4.2 A capacitação de mediadores 130
5. Supervisão e aplicação de penalidades por desvio ético 136
6 Conclusões 141
Referências 142
7
PARTE II 144
Aplicação da Mediação
1 Introdução 145
2 Mediação comercial 146
3 Mediação organizacional 149
4 Mediação ambiental 150
5 Mediação trabalhista 151
6 Aspectos gerais e legais 153
7 Conclusão 154
Referências 155
1 Introdução 157
2 Quando se fala de criança e adolescente, de quem se fala? 157
3 O ato infracional 159
4 A Justiça Restaurativa 162
Referências 163
1 Introdução 166
2 Justiça Restaurativa e mediação vítima-ofensor: conceitos 172
3 Características procedimentais da mediação vítima-ofensor 176
3.1 Pré-seleção de casos 176
3.2 Preparação para a mediação 176
3.3 Mediação vítima-ofensor 177
4 Conclusão 180
Referências 181
8
Programa de mediação de Conflitos: uma experiência comunitária 197
como política pública em Minas GeraisAriane Gontijo Lopes Leandro,
Giselle Fernandes Corrêa da Cruz
1 Apresentação 197
2 Pressupostos conceituais: a base teórica da metodologia 199
3 O mediador 205
4 Mediação atendimento 205
5 Eixo Atendimento Coletivo 210
6 Organização da prática do Programa Mediação de Conflitos 213
7 Resultados alcançados pelo Programa Mediação de Conflitos 215
8 Conclusão 222
Referências 222
1 Introdução 224
2 Mediação de conflitos 226
3 A Defensoria Pública 229
4 A Defensoria Pública tutelando a mediação comunitária 230
5 A Defensoria Pública atuando como mediadora em conflitos coletivos 236
6 Considerações finais 241
Referências 242
1 Apresentação 244
2 Origem da cláusula “med-arb” 244
3 Conflitos societários: ênfase na empresa familiar 245
4 Inconveniência do recurso ao procedimento judicial 246
5 Aspectos positivos do processo de mediação para os conflitos societários 247
6 Objetivos que se pretendem alcançar com a aplicação da técnica de mediação 248
6.1 Construir um novo espaço adequado para uma negociação produtiva 248
6.2 Despersonalizar o conflito 249
6.3 Transformar uma negociação baseada em “posições” em uma negociação baseada 250
em interesses
6.4 Adotar uma orientação com vistas ao futuro 250
7 Conclusão: a importância do “design” da cláusula med-arb. 251
Referências 254
9
A mediação no direito de família e o acesso à justiça 256
Ivan Aparecido Ruiz
1 Introdução 256
2 Evolução histórica dos meios consensuais de resolução de conflitos 256
3 Notas introdutórias sobre a mediação 260
4 Processo judicial (ganha/perde) versus mediação (ganha/ganha) 262
5 Conceito de mediação 264
6 Mediação nas questões de família 269
6.1 Mediação e ações de estado 270
6.2 A separação consensual extrajudicial e o divórcio consensual extrajudicial 278
7 A contribuição dos meios consensuais de resolução de conflitos no acesso à justiça 279
8 Conclusões 281
Referências 282
1 Introdução 288
2 Akrasia ou acrasia 288
3 Caso em estudo no. 1 290
4 Caso em estudo no. 2 291
4.1 Reflexões técnicas preliminares 292
4.2 Seguimento do relato do caso em estudo no. 2 e outras considerações técnicas 292
5 Análise dos casos concretos 1 e 2 à luz da Teoria da Acrasia em Elster 293
6 Instrumentos propostos para superação da Acrasia 295
Referências 299
1 Introdução 300
2 Fundamentos para a adoção de métodos consensuais de resolução de conflitos na 301
esfera pública
2.1 Fundamentos constitucionais 301
2.2 Fundamentos infraconstitucionais 302
3 Os princípios constitucionais que regem a atuação do Poder Público e suas 304
consequências na resolução consensual de conflitos
4 As medidas necessárias para a viabilização da resolução consensual de conflitos 306
individuais envolvendo o Poder Público
5 As medidas necessárias para a viabilização da resolução consensual de conflitos 307
coletivos envolvendo o Poder Público
6 O capítulo dos conflitos que envolvem o Poder Público na nova Lei sobre Mediação 309
de Conflitos
6.1 Seção I - Disposições comuns às três esferas federativas 310
6.2 Seção II - Conflitos envolvendo entes públicos federais 312
7 Conclusões 316
10
PARTE III 317
Direito Comparado
1 Introdução 318
2 A mediação no direito alienígena 318
2.1 A mediação na União Européia 320
2.2 A mediação na América Latina 320
3 Estruturas selecionadas e variáveis de comparação 321
3.1 A legislação da França 321
3.2 A legislação de Portugal 326
3.3 A legislação da Costa Rica 328
4 Elementos passíveis de recepção pelo projeto de lei brasileiro 329
5 O projeto de lei 4827/1998 331
6 Resultados práticos da mediação 333
7 Conclusão 336
Referências 338
1 Apresentação 340
2 Evolução histórica da mediação na China tradicional 340
3 Mediação na República Popular da China: classificação e fontes 342
4 Regime legal da mediação popular 344
4.1 Histórico e desenvolvimento 344
4.2 Princípios básicos 346
4.3 Âmbito de aplicação 346
4.4 Procedimentos e características 348
4.5 Efeitos jurídicos do acordo obtido na mediação 348
5. Da mediação judicial 350
5.1 Vários ajustamentos da legislação e de políticas judiciais 350
5.2 Princípios básicos 351
5.3 Âmbito de aplicação 351
5.4 Procedimentos e características 352
5.5 Efeitos jurídicos 353
6 Problemas existentes nas diversas espécies de mediação 354
7 Futuro da mediação na China 355
Referências 356
11
Apresentação
Apresentação
1 Recentemente, foi aprovada legislação atualizando a lei de arbitragem – por sinal recheada de
polêmicas, tal como ocorreu quando a Lei 9.307 foi promulgada em 1996. A nova lei veio a so-
lucionar algumas dúvidas quanto à abrangência da arbitragem, mas faltou maior diálogo com a
comunidade afetada no que concerne aos conflitos de natureza trabalhista e consumerista, para
se chegar a um consenso quanto a uma solução viável e aceitável para todos. Também perdeu-se
a oportunidade de avançar em alguns temas necessários, ensejando possivelmente nova reforma
para breve.
2 No Senado, merece destaque o projeto de lei de autoria do Senador capixaba Ricardo Ferraço
(PLS 517/2011), que contou com a assessoria de alguns especialistas no assunto na sua elabora-
ção (Prof. Humberto Dalla Bernardina de Pinho, mediadora Gabriela Asmar e Juíza Trícia Navarro).
Esse projeto foi aproveitado em parte na redação final da nova lei. Existe também na Câmara
um projeto de lei (PLC 4891/2005) que cria as profissões de mediador e árbitro, com parecer do
relator favorável à sua aprovação, com exceção de alguns dispositivos eivados de inconstituciona-
lidade formal. Além destes, há diversos outros projetos de lei propondo a utilização da mediação
para conflitos específicos.
3 Agradeço também de modo especial aos autores que, como eu, atualizaram seus artigos para
esta edição: Tania Almeida, Roberto Bacellar, Adolfo Braga Neto, Wei Dan, Henrique Gomm Neto,
Ariane Gontijo e Giselle Cruz e Ivan Ruiz. Já a mediadora Célia Zapparolli passou a integrar o gru-
po de coautores desta obra a partir desta segunda edição.
12
Apresentação
conflitos que por meio desta possam ser solucionados, assim como no que diz
respeito à adequação da obrigatoriedade de realização da mediação em diversas
situações, ou, ainda, no que tange a participação de advogados no processo —
para mencionar apenas algumas das questões mais controvertidas e necessárias
para que se compreenda a natureza da mediação e a suas possíveis aplicações.
As vicissitudes por que passaram os diferentes projetos de lei a respeito da
matéria em nada mudam o interesse e a relevância do tema. De fato, proliferam
há muitos anos no Brasil, muitas vezes com grandes limitações, programas
patrocinados por entidades, públicas e privadas, dispostos a trabalhar com a
mediação, a qual acarreta grande mudança na compreensão do acesso à justiça,
bem assim multiplicam-se as pesquisas acadêmicas que têm se dedicado ao
estudo do instituto.
Afinal, os problemas que afligem os brasileiros carentes de meios eficazes
de solução de “conflitos de justiça”, como os denomina o Professor Antônio
Rodrigues de Freitas Jr. (USP), continuam presentes. O Judiciário se vê acuado
por demanda crescente, ante a evidente impossibilidade do sistema contencioso
tradicional sustentar, a longo prazo, tal volume de expectativas e necessidades
sociais, como ressalta o Professor Roberto Portugal Bacellar (PUC/PR) em seu
artigo.
O dado mais grave da situação, imperativo salientar, é que os problemas
da solução judicial de conflitos não se restringem ao aspecto da morosidade,
pois, muitas vezes, ao final do processo tradicional, não se obtém nenhuma
pacificação social, não se resolve o problema que levou os envolvidos ao
Judiciário, os quais são apenas substituídos e, algumas vezes, agravados,
como mostra o Professor André Gomma de Azevedo (UnB) em seu trabalho, ao
confrontar a perspectiva destrutiva dos métodos contenciosos tradicionais com
a perspectiva construtiva dos métodos consensuais de resolução de conflitos.
Todavia, como também demonstra este mesmo autor, se não adequadamente
manejados, também os novos meios podem falhar em sanear o déficit de justiça
que acomete os envolvidos em conflitos de natureza jurídica.
Meu primeiro artigo nesta obra busca mostrar como a mediação pode
contribuir para sanear os diversos obstáculos para acesso à justiça em sentido
pleno e como contribuição determinante para o desenvolvimento institucional
– aspecto indispensável para qualquer país cujo desenvolvimento se entenda
como criação de oportunidades para que as pessoas realizem o seu potencial.
Nele, realizo ainda uma descrição crítica dos projetos de lei que tramitaram
perante o Poder Legislativo no Brasil tratando da institucionalização da mediação,
confrontando-os com a legislação argentina sobre o assunto, bem assim com
a legislação colombiana sobre conciliação. Nesta nova edição, abordo, além
do primeiro projeto de lei sobre o tema (PLC 4827/1998), os dois projetos
que foram apresentados no Senado Federal bem mais tarde (PLC 517/2011 e
405/2013), assim comoo anteprojeto elaborado por Comissão de Especialistas
criada pelo Ministério da Justiça também em 2013 – culminando pela análise da
redação final que constou na nova Lei de Mediação de Conflitos. Além disso,
abordo os dispositivos do novo Código de Processo Civil que versam sobre
o tema e, ainda, a Resolução 125, de 2010, do Conselho Nacional de Justiça,
ressaltando que estes dois últimos diplomas normativos dispõem tanto sobre
13
Apresentação
14
Apresentação
A coordenadora
15
PARTE I
Noções Gerais
16
Fatores de efetividade de
processos de resolução de disputas:
uma análise sob a perspectiva
construtivista4
1 Introdução
4 Texto elaborado a partir de palestras proferidas no Curso de pós-graduação lato sensu em Arbi-
tragem e Mediação da Fundação Getúlio Vargas/SP (GVLaw), em 7.7.2004, e no 2º Congresso do
Instituto Brasileiro de Estudos do Direito da Energia, em 9.11.2004, na Federação das Indústrias
do Estado de São Paulo (FIESP), bem como em artigos publicados na Revista dos Juizados Espe-
ciais, do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, e na obra Estudos em arbitragem, mediação e
negociação, v. 3. Meus agradecimentos especiais ao Professor Ivan Machado Barbosa pelas críticas
e comentários, bem como pelo trabalho de revisão de texto.
5 Recentemente, a Petróleo Brasileiro S/A (Petrobras) firmou termo de conciliação encerrando
uma arbitragem, conduzida pela Corte de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional (CCI),
movida em desfavor de país do continente africano e que durava quase uma década. Os termos
dessa conciliação não podem ser reproduzidos em razão da política de confidencialidade da CCI.
17
Fatores de efetividade de processos de resolução de disputas
6 Cabe registrar que, segundo uma perspectiva tradicional de direito processual, a jurisdição é
considerada como uma “atividade secundária”, sendo definida, portanto, como poder estatal atri-
buído a uma determinada autoridade para aplicar a norma ao fato concreto, visando à composição
de lides em razão da inexistência dessa resolução de controvérsia ter sido alcançada espontanea-
mente pelas partes. Assim, o dever principal ou primário de resolução de conflito é considerado
como sendo das próprias partes — devendo o Estado intervir tão somente quanto as partes não
são bem sucedidas nesta atividade. Sob esta ótica da “substitutividade da jurisdição” (CHIOVEN-
DA, 2000, p. 17), pode-se afirmar que a principal forma de resolução de disputas é a negociação
entre as partes e a forma “alternativa” seria a intervenção estatal por meio da jurisdição.
7 Cf. relatório de atividades do Programa de Estímulo à Mediação do Tribunal de Justiça do Distrito
Federal e Territórios. Disponível em: <http://www.tjdf.gov.br>.
8 Cabe destacar que três capítulos desse trabalho foram traduzidos, e podem ser encontrados
em: Azevedo (2003, v. 3).
18
André Gomma de Azevedo
9 Por esse motivo, muitas instituições de arbitragem recomendam que, antes de iniciado o pro-
cedimento heterocompositivo propriamente dito, as partes sejam direcionadas a uma breve fase
autocompositiva ou a um mediador para que estas possam dirimir eventuais questões que não
sejam juridicamente tuteladas (e.g., falha de comunicação) ou especificamente objeto da arbitra-
gem, mas que tenham contribuído para o agravamento do conflito ou — na melhor das hipóteses
— as próprias partes possam dirimir sua disputa, prescindindo do regular desenvolvimento da
arbitragem.
19
Fatores de efetividade de processos de resolução de disputas
10 De fato, há diversas situações em que a mediação ou a arbitragem podem não ser recomen-
dadas, como demandas que versem sobre interesses coletivos ou que requeiram elevado grau
de publicização (e.g. Ações Civis Públicas ou ações de indenização decorrentes de danos à saúde
causados pelo uso do amianto como isolante térmico).
11 No mesmo sentido, cf. Hensler (2003); Hensler (1999).
12 Na pesquisa realizada com partes que conseguiram transacionar, todos responderam acreditar
que o processo do qual participaram os ajudará a melhor resolver questões semelhantes no futuro.
13 Para maiores detalhes quanto a esses resultados, vide relatório do Projeto Piloto em Mediação Fo-
rense do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Disponível em: <http://www.tjdft.jus.br>.
20
André Gomma de Azevedo
14 Este artigo encontra-se traduzido para o português em: Azevedo (2005, v. 4).
15 Também conhecido como Princípio da Imutabilidade ou Princípio da Concentração ou ainda
Princípio da Preclusão. Sobre esse tema, cf. Carreira Alvim (1993); e Cintra, Grinover e Dinamarco
(2002).
21
Fatores de efetividade de processos de resolução de disputas
22
André Gomma de Azevedo
signatários. 16
c) As partes consideram uma vitória sobre a outra como a única opção
adequada. Segundo John Von Neumann, que primeiramente introduziu com
adequada cientificidade o conceito de teoria dos jogos (ALMEIDA, 2003; 2009),
dentre as várias classificações das diversas dinâmicas, relações ou jogos nos
quais partes em conflito podem se encontrar, há uma que merece especial
atenção: aquela que divide as relações (ou jogos) em “jogos de soma zero” e
“jogos de soma não-zero”. Jogos de soma zero são aqueles em que há dois
jogadores cujos interesses são absolutamente antagônicos (RAPOPORT apud
ALMEIDA, 2003). Estas relações são aquelas nas quais o ganho de uma parte
acarreta necessariamente a derrota da outra — não pode haver, por exemplo,
em um jogo de xadrez, a vitória por parte dos dois lados. Em campeonatos, um
empate equivale a uma meia derrota (ou meia vitória). Segundo Almeida (2003,
p. 186):
[...] uma característica importante destes jogos é que eles são, necessariamente, jogos
não-cooperativos — isto é, um jogador não agregará valor algum de utilidade se cooperar
com o outro. Aliás, uma eventual cooperação é impossível, já que significa que o jogador
cooperativo está colaborando para a vitória do outro, tendo em vista a impossibilidade de
ambos ganharem.
Segundo esse mesmo autor, “Jogos de soma não-zero, por sua vez,
representam a maior parte dos conflitos reais [...]”. Nestes jogos, os participantes
têm interesses comuns e, concomitantemente, interesses antagônicos. O
contrato de compra e venda pode ser apresentado como um exemplo de relação
de soma não-zero — pois o comprador e o vendedor têm, em parte, interesses
antagônicos, haja vista que o comprador quer adquirir o bem a um preço reduzido
e o vendedor alienar a um preço elevado. Todavia, há um interesse comum:
ambos querem concluir o negócio jurídico para com isso auferir seus ganhos
16 O Centro de Recursos Públicos apresenta o Pleito de RADs por meio da seguinte proposta de
política interna para empresas:
“Nós reconhecemos que para muitas disputas há um método mais eficiente e menos oneroso do
que o processo judicial tradicional. Procedimentos de Resoluções Alternativas de Disputas (RADs)
envolvem técnicas colaborativas que podem frequentemente proporcionar significativas economias
para as empresas. Em reconhecimento ao que segue acima, nós subscrevemos a seguinte declara-
ção de princípios em nome de nossa empresa e suas subsidiárias domésticas: No caso de haver uma
disputa comercial entre nossa e outra empresa que fez ou fará semelhante declaração, estamos
preparados para explorar com a outra parte a resolução da disputa por intermédio da negociação
ou alguma outra técnica de RAD antes de buscar a tutela estatal tradicional. Se alguma das partes
acreditar que determinada disputa não se mostra adequada para RAD ou se tal mecanismo não
produzir resultado satisfatório, qualquer parte poderá proceder com o processo judicial”.
De forma semelhante, essa mesma instituição promoveu semelhante pleito de RADs para escritó-
rios de advocacia:
“Nós reconhecemos que para muitas disputas há um método mais eficiente e menos oneroso do
que o processo judicial tradicional. Procedimentos de Resoluções Alternativas de Disputas (RADs)
— usados em conjunto com o processo judicial ou independentemente — podem reduzir signifi-
cativamente os custos e perdas decorrentes do processo judicial, bem como podem resultar em
soluções não disponíveis em juízo estatal. Em reconhecimento ao que segue acima, nós subscre-
vemos a seguinte declaração de princípios em nome de nosso escritório de advocacia: Inicialmen-
te, adequados advogados de nosso escritório serão capacitados acerca de RADs. Ainda, quando
apropriado, o advogado responsável discutirá com o cliente a disponibilidade de procedimentos
de RADs para que o cliente possa tomar uma decisão informada referente à resolução da disputa”
(Disponível em: <http://www.cpradr.org>).
23
Fatores de efetividade de processos de resolução de disputas
17 Publicado pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil no Diário da Justiça,
Seção I, 1º.3.1995, p. 4.000-4.001.
24
André Gomma de Azevedo
25
Fatores de efetividade de processos de resolução de disputas
5 Conclusão
26
André Gomma de Azevedo
27
Fatores de efetividade de processos de resolução de disputas
28
André Gomma de Azevedo
20 Como indicado acima, sobre as diversas técnicas existentes, cf. o endereço eletrônico do Gru-
po de Pesquisa e Trabalho em Resolução Apropriada de Disputas na Faculdade de Direito da Uni-
versidade de Brasília (disponível em: <http://www.unb.br/fd/gt>, seção Bibliografia) onde poderá
ser encontrada lista detalhada de obras. Destacam-se, contudo, os seguintes trabalhos: Moore
(1998); Slaikeu (2004); Cooley (2000); Goldberg et al. (1992); e Golann (1995).
29
Fatores de efetividade de processos de resolução de disputas
Referências
ALCALÁ-ZAMORA Y CASTILLO, Niceto. Proceso, auto composición y autodefensa:
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33
Mediação, acesso à justiça e
desenvolvimento institucional: análise
histórico-crítica da legislação brasileira
sobre mediação
1 Introdução
34
Luciane Moessa de Souza
21 Diante da complexidade do tema, deixo de tratar neste artigo da mediação de conflitos envol-
vendo o Poder Público, que contou com capítulo específico na nova lei. Trato do assunto mais
adiante, em artigo dedicado exclusivamente a ele, inserido na Parte II desta obra.
22 Também Joseph Stiglitz (1998, p. 3), ex-presidente do Banco Mundial, adota uma concepção
ampliada de desenvolvimento, que ele entende como “transformação social”, que deve propiciar
ao indivíduo e à sociedade maior controle sobre seu próprio destino (ou seja, mais liberdade),
ampliando ao mesmo tempo seus horizontes e sua vitalidade.
35
Mediação, acesso à justiça e desenvolvimento institucional
36
Luciane Moessa de Souza
23 “Com oportunidades sociais adequadas, os indivíduos podem efetivamente moldar seu próprio
destino e ajudar uns aos outros” (SEN, 2005, p. 26).
24 Segundo Richard Messick (1999, p. 117), “desde 1994, o Banco Mundial, o Banco Inter-America-
no de Desenvolvimento (BID) e o Banco de Desenvolvimento da Ásia aprovaram ou iniciaram mais
de 500 milhões de dólares empréstimos destinados a financiar projetos de reformas no sistema
judicial em 26 países” (Tradução nossa). O autor enfatiza, todavia, a existência de diferentes moti-
vos por parte do Banco Mundial e do BID para financiar tais projetos: enquanto este último encara
a reforma do sistema judicial como “um elemento indispensável na consolidação das instituições
democráticas na América Latina, através da proteção de direitos humanos básicos e da promoção
de relações sociais harmônicas” (MESSICK, 1999, p. 119), além de ser importante para o desen-
volvimento de uma economia de mercado, o Banco Mundial enfoca somente este último aspecto,
o que significa, na prática, que ele não financia projetos “para reformar códigos criminais, treinar
policiais ou juízes criminais ou administrar instituições penitenciárias”, o que torna muitos destes
projetos ineficazes (MESSICK, 1999, p. 119).
37
Mediação, acesso à justiça e desenvolvimento institucional
visão foi retomada com grande ênfase por Douglass North, um dos expoentes
do que os economistas têm chamado de “Nova Economia Institucional”,25
o qual chega a assegurar que “a ausência de meios de baixo custo que
assegurem o adimplemento dos contratos é a ‘fonte mais determinante tanto
de estagnação histórica quanto do subdesenvolvimento contemporâneo no
Terceiro Mundo’” (NORTH apud MESSICK, 1999, p. 120). Da mesma forma,
Williamson apud Messick (1999, p. 120) atesta que “uma ‘economia de alta
performance’ é aquela que se caracteriza por um número significativo de
contratos de longo prazo — justamente o tipo de relação comercial que é
improvável de ocorrer na ausência de um sistema judiciário eficiente”. No
Brasil, Armando Castelar Pinheiro (2003, p. 1) reforça essa ideia ao ressaltar
que, “no limite, alguns tipos de investimentos e transações comerciais e
financeiras podem ficar simplesmente inviáveis se esses direitos não forem
suficientemente definidos e protegidos”.
Vale a pena sumariar as lições de Rachel Sztajn, Décio Zylbersztajn e Paulo
Furquim de Azevedo (2005, p. 118-120) sobre a importância dos contratos no
que diz respeito às interações entre os agentes econômicos:
Sem qualquer restrição ao comportamento de interesse individual ou incentivo ao
comportamento de interesse coletivo, a ação esperada para ambas as partes é a não-
cooperação. [...] Para que o ganho coletivo possa ser realizado, é necessário que haja
alguma restrição ou orientação ao comportamento das partes, de tal modo que as
ações não-cooperativas sejam eliminadas. Está aqui um importante ganho do uso
de contratos, particularmente do comprometimento com deveres em uma relação
plurilateral. [...]
Como as partes desejam que seu acordo resulte em efetivo direcionamento de
comportamentos, elas também acordam sobre aspectos do contrato que têm o papel de
forçar o cumprimento de seus deveres fundamentais.
25 Pode-se dizer que esse movimento foi inaugurado por Ronald Coase, ganhador do prêmio
Nobel de Economia, que “demonstrou como a introdução de custos de transação na análise eco-
nômica determina as formas organizacionais e as instituições do ambiente social” (ZYLBERSZTAJN;
SZTAJN, 2005, p. 1).
26 É o caso, por exemplo, de um fabricante de autopeças que desenvolve toda uma linha de pro-
dução para atender a um determinado modelo de veículo de uma montadora.
38
Luciane Moessa de Souza
27 Como ressalta Sztajn, Zylbersztajn e Azevedo (2005, p. 125-126), “o Judiciário e o modo com
que ele utiliza as informações disponíveis no julgamento dos processos são também elementos
relevantes no desenho dos contratos”.
39
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40
Luciane Moessa de Souza
28 Tradução nossa.
29 Tradução e grifos nossos.
41
Mediação, acesso à justiça e desenvolvimento institucional
42
Luciane Moessa de Souza
30 O Judiciário brasileiro, se comparado à maioria dos países da América Latina, goza de elevado
grau de independência institucional, com a totalidade dos membros da primeira instância ingres-
sando mediante concurso e 80% dos membros da segunda instância sendo oriundos da primeira
instância, além de autonomia administrativa e orçamentária. Ademais, a remuneração alta dos
magistrados, bem como sua vitaliciedade, os põe relativamente a salvo tanto de pressões políticas
quanto de corrupção. Cf. DAKOLIAS (1999): “In contrast to other Latin American countries, how-
ever, corruption does not seem to be a major problem”. Todavia, a população ainda se ressente de
um tratamento igualitário em juízo, existindo a percepção difusa de que existe uma tendência ao
favorecimento do Poder Público tanto no que diz respeito ao mérito das decisões, quanto no que
diz respeito à agilização do procedimento. Trata-se de interessantes hipóteses a serem pesquisa-
das na prática judiciária. Note-se que, para ter acesso aos tribunais superiores, a participação do
Poder Executivo é tanto mais determinante quanto mais alta a Corte.
43
Mediação, acesso à justiça e desenvolvimento institucional
44
Luciane Moessa de Souza
31 Tradução nossa.
32 Inciso LXXVIII, acrescentado ao artigo 5º da Constituição Federal pela referida emenda.
45
Mediação, acesso à justiça e desenvolvimento institucional
33 Tradução nossa.
46
Luciane Moessa de Souza
34 Dos 11 países estudados na mostra, o Brasil é aquele em que o valor da remuneração dos ma-
gistrados comparada à média da população é o mais alto: 33 vezes o salário médio, enquanto na
Alemanha, por exemplo, o valor é de apenas duas vezes o salário médio. A proporção, contudo,
é três vezes maior do que o país que paga os melhores salários, dentre os estudados (ressalte-se
que a mostra trouxe apenas dois países desenvolvidos: Alemanha e França).
35 Tradução nossa.
36 Tradução nossa.
47
Mediação, acesso à justiça e desenvolvimento institucional
37 Isso se tornou claro com a implantação dos Juizados Especiais, tanto a nível estadual, quanto a
nível federal, os quais, depois de um período de grande agilidade na resolução dos litígios, foram
inundados com tal número de demandas que o período para solução aumentou sensivelmente.
38 Assim dispõe o artigo 24 da Lei nº 9.099/95: “Não obtida a conciliação, as partes poderão op-
tar, de comum acordo, pelo juízo arbitral, na forma prevista nesta Lei. §1º O juízo arbitral conside-
rar-se-á instaurado, independentemente de compromisso, com a escolha do árbitro pelas partes.
Se este não estiver presente, o juiz convocá-lo-á e designará, de imediato, a data para a audiência
de instrução. §2º O árbitro será escolhido dentre os juízes leigos”.
39 Artigos 7º, 21 e 22 da Lei nº 9.099/95.
40 Nova redação do §2º do artigo 331 do CPC, cf. previsto no artigo 43 do projeto (PLC nº
94/2002 no Senado e nº 4.827/1998 na Câmara).
48
Luciane Moessa de Souza
41 Posição com a qual já concordei em edição anterior desta obra, produzida em momento
no qual eu tinha apenas conhecimento teórico sobre o tema e que revi depois de ter con-
tato prático com trabalhos de mediação e conciliação, bem como me aprofundar nas dife-
renças entre as diversas escolas de mediação, sendo que a escola predominante nos EUA,
por exemplo, em muito se aproxima da conciliação. Para saber mais, vide a obra de minha
autoria “Meios consensuais de solução de conflitos envolvendo entes públicos: negociação,
mediação e conciliação na esfera administrativa e judicial”, no capítulo em que exponho as
escolas.
49
Mediação, acesso à justiça e desenvolvimento institucional
42 Tradução nossa.
50
Luciane Moessa de Souza
51
Mediação, acesso à justiça e desenvolvimento institucional
conflito, e não deve tomar posição, mas simplesmente ajudar as partes a “colocar
as cartas na mesa”, facilitar a retomada da comunicação que se rompera entre
elas e trazer à luz uma solução reconhecida por ambas as partes, em que ambas
saem satisfeitas. A mediação é especialmente recomendada para os conflitos
envolvendo partes que têm uma relação continuada entre si, como vizinhos,
condôminos, familiares, sócios de um mesmo empreendimento, cidadãos e entes
públicos, entes públicos entre si, para citar apenas alguns exemplos. Também é
recomendável para conflitos que exijam, sobretudo, uma solução rápida e que
seja mantida a confidencialidade. A principal diferença da mediação em relação
à decisão judicial é que ela busca a solução do conflito com os olhos voltados
para o futuro, ao passo que o julgamento leva em conta, normalmente, apenas
os fatos passados levantados e comprovados em juízo.
Para Rosemary Damaso Padilha (2004, p. 66), que estudou a mediação
em seu Mestrado e preside uma organização que atua e capacita em mediação
em Curitiba:
43 Tais matérias não poderiam estar contidas em projeto de lei de iniciativa de parlamentar, pois
são de iniciativa reservada.
52
Luciane Moessa de Souza
53
Mediação, acesso à justiça e desenvolvimento institucional
44 O assunto vem causando muita polêmica em matéria de arbitragem, justamente pela falta de
um dispositivo semelhante na Lei nº. 9.307/96. De qualquer modo, vem a ser mais um argu-
mento a favor da admissibilidade da arbitragem sobre o tema.
54
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Mediação, acesso à justiça e desenvolvimento institucional
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Luciane Moessa de Souza
Art. 21. O convite para iniciar o procedimento de mediação extrajudicial poderá ser
feito por qualquer meio de comunicação e deverá estipular o escopo proposto para a
negociação, a data e o local da primeira reunião.
[...]
Art. 22. A previsão contratual de mediação deverá conter, no mínimo:
I – prazo mínimo e máximo para realização da primeira reunião de mediação, contado a
partir da data de recebimento do convite;
II – local da primeira reunião de mediação;
III – critérios de escolha do mediador ou equipe de mediação;
IV – penalidade em caso de não comparecimento da parte convidade à primeira
reunião de mediação.
§1º. A previsão contratual pode substituir a especificação dos itens acima enumerados
pela indicação de regulamento, publicado por instituição idônea prestadora de serviços
de mediação, no qual constem critérios claros para a escolha do mediador e realização da
primeira reunião de mediação.
§2º. Não havendo previsão contratual completa, deverão ser observados os seguintes
critérios para a realização da primeira reunião de mediação:
I – prazo mínimo de dez dias úteis e prazo máximo de três meses, contados a partir do
recebimento do convite;
47 No mesmo sentido dispõe o art. 18 da nova lei: “Iniciada a mediação, as reuniões posteriores
com a presença das partes somente poderão ser marcadas com a sua anuência.”
57
Mediação, acesso à justiça e desenvolvimento institucional
48 A legislação argentina prevê que o mediador deve ser advogado com pelo menos três anos de
experiência profissional. O mediador pode ser escolhido diretamente pelas partes ou mediante
sorteio dentre os mediadores cadastrados.
58
Luciane Moessa de Souza
49 Dispunha o artigo 30, caput, do projeto: “O interessado poderá optar pela mediação prévia
judicial”. Mais adiante, o § 1º estabelecia: “Distribuído ao mediador, o requerimento ser-lhe-á en-
caminhado imediatamente”. E o § 4º do mesmo artigo previa: “Os interessados, de comum acordo,
poderão escolher outro mediador, judicial ou extrajudicial”.
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Mediação, acesso à justiça e desenvolvimento institucional
60
Luciane Moessa de Souza
51 Estabelecia o artigo 9º: “Pode ser mediador qualquer pessoa capaz, de conduta ilibada e com
formação técnica ou experiência prática adequada à natureza do conflito, nos termos desta lei”.
52 Veja-se o texto do projeto:
“Artigo 11. São mediadores judiciais os advogados com pelo menos três anos de efetivo exercício
de atividades jurídicas, capacitados, selecionados e inscritos no Registro de Mediadores, na forma
desta lei.
Artigo 12. São mediadores extrajudiciais aqueles independentes, selecionados e inscritos no res-
pectivo Registro de Mediadores, na forma desta lei.”
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Luciane Moessa de Souza
Artigo 21. O termo do acordo obtido em mediação extrajudicial prévia equipara-se a título
executivo judicial desde que o mediador que assina o termo de acordo seja reconhecido
por instituição idônea, que atenda aos requisitos do Conselho Nacional de Justiça e do
Tribunal de Justiça do Estado em que exerça a mediação extrajudicial.
67
Mediação, acesso à justiça e desenvolvimento institucional
Quando se usa o termo “pacífica”, aqui, se quer enfatizar que a solução judicial
não deixa de ser, como se sabe, uma solução violenta, a violência monopolizada
e institucionalizada pelo Estado. Trata-se sempre de uma solução autoritária, já
que imposta e não resultante da vontade das partes.
Nós, operadores jurídicos, somos formados predominantemente para litigar,
temos a cultura adversarial, do enfrentamento, não somos treinados para ouvir, para
dialogar, para identificar as prioridades e os reais interesses. Somos acostumados a
pensar que, necessariamente, alguém vai ganhar e alguém vai perder.
Naturalmente, esta não é a cultura da mediação. O advogado que resolver
se dedicar a esta atividade terá que rever seus paradigmas, suas técnicas e
passar por profunda transformação profissional e quiçá pessoal.
E aqueles que não resolverem se dedicar a esta atividade terão a obrigação ética
de explicar aos seus clientes que existe essa possibilidade de resolução de conflitos,
como ela funciona, quais as suas vantagens, bem assim de orientá-los e assisti-los,
colaborando com eles e com os mediadores, durante o processo de mediação.
Para que a atividade efetivamente se expanda e produza os frutos que a
população brasileira, tão carente de justiça, necessita, será preciso, ainda, que seja
revisto o currículo mínimo dos cursos jurídicos, incluindo-se estas temáticas como
conteúdo obrigatório, a nível teórico e prático. Naturalmente, depende também de
nós, sobretudo os professores de Direito e operadores jurídicos, procurar nos inteirar
desse novo assunto e contribuir para a realização dos seus objetivos, já que é nosso
dever contribuir — seja implementando, seja criticando e aperfeiçoando a proposta
— com a realização de mecanismos mais eficazes de acesso à resolução de conflitos.
Registre-se que o PLS 405/2013 previa que o Ministério da Educação
deveria incentivar as instituições de ensino superior a incluírem em seus
currículos a disciplina de “mediação como método extrajudicial consensual de
prevenção e resolução de conflitos”. Desnecessária a referência a “extrajudicial”,
já que a mediação também se desenvolve em juízo, mas era muito relevante a
proposta. Infelizmente, a proposta não prevaleceu na redação final da lei.
Vale ressaltar, quanto à difusão da cultura da resolução consensual de conflitos,
o importante papel que vem sendo desempenhado pela Escola Nacional de Mediação
e Conciliação (ENAM), ligada à Secretaria de Reforma do Judiciário do Ministério
da Justiça. Esse órgão promove cursos on-line dirigidos a advogados (públicos e
privados), magistrados, membros do Ministério Público, membros da Defensoria
Pública, servidores públicos em geral e todos os potenciais interessados em conhecer
mais a fundo as diferentes metodologias de resolução consensual de conflitos,
abrangendo desde os conflitos que são submetidos aos Juizados Especiais, passando
pela Mediação Comunitária e englobando mesmo os complexos conflitos coletivos
que envolvem políticas públicas (como os conflitos socioambientais, fundiários, etc.).
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Luciane Moessa de Souza
59 Este era o texto do artigo 15 do projeto: “Caberá, em conjunto, à Ordem dos Advogados do Bra-
sil, aos Tribunais de Justiça dos Estados e às pessoas jurídicas especializadas em mediação, nos
termos de seu estatuto social, desde que, no último caso, devidamente autorizadas pelo Tribunal
de Justiça do Estado em que estejam localizadas, a formação e seleção de mediadores, para o que
serão implantados cursos apropriados, fixando-se os critérios de aprovação, com a publicação do
regulamento respectivo”.
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Mediação, acesso à justiça e desenvolvimento institucional
60 Artigo 42 do projeto: “Os serviços do mediador serão sempre remunerados, nos termos e se-
gundo os critérios fixados pela norma local”.
61 Assim estabelecia o parágrafo único do artigo 38 do projeto: “O valor pago a título de honorá-
rios do mediador, na forma do artigo 19 do Código de Processo Civil, será abatido das despesas
do processo”.
62 Note-se que o § 1º do artigo 42 supra transcrito dispunha: “Nas hipóteses em que for concedi-
do o benefício da assistência judiciária, estará a parte dispensada do recolhimento dos honorários,
correndo as despesas às expensas de dotação orçamentária do respectivo Tribunal de Justiça”.
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Luciane Moessa de Souza
o momento. A boa – e muito recente – notícia é que no Estado de São Paulo foi
recentemente promulgada a primeira lei brasileira atinente à remuneração de
mediadores e conciliadores judiciais – Lei estadual 15.804, de 23 de abril de
2015. Embora tenha estabelecido uma remuneração bastante módica, sendo
que o ideal seria diferenciar a remuneração de acordo com o grau de experiência
e qualificação do mediador, bem assim de acordo com a complexidade do
conflito (número de partes, matéria envolvida, etc), já é ao menos um primeiro
passo, que foi muito comemorado pelos inúmeros mediadores e conciliadores
que vinham atuando voluntariamente há anos na Justiça Estadual de São Paulo.
Esperemos que novas normas, muito mais avançadas que esta, sejam editadas
em breve não só em São Paulo, mas também na esfera federal, assim como no
âmbito do Poder Judiciário das demais Unidades da Federação.
71
Mediação, acesso à justiça e desenvolvimento institucional
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73
Sustentabilidade do Poder Judiciário
e a mediação na sociedade brasileira
1 Introdução
Muito se falou em sustentabilidade nas discussões ambientais e a própria
Constituição da República, em seu artigo 225, destaca a necessidade de um
meio ambiente equilibrado para as presentes e futuras gerações. Resta o desafio
de pensar em desenvolvimento fundado em uma ética do futuro, que equilibre
o tempo da produção de mercadorias e o da reprodução das condições naturais
da existência humana.
Com a ampliação e as novas aplicações do conceito de sustentabilidade,
surgiu a ideia de lançar reflexões sobre o Poder Judiciário e a mediação nesse
contexto.
A judicialização ou jurisdicização das relações sociais é uma realidade.
Mais de 17 milhões de causas ingressam nos juízos brasileiros anualmente.
Abriram-se as portas da justiça ao cidadão comum (a partir dos juizados
de pequenas causas, depois com os juizados especiais estaduais, seguidos pelos
juizados especiais federais...). Porém, além do acesso, há necessidade de saída
da justiça. O índice de congestionamento dos tribunais é alarmante e a cada
ano aproximadamente quatro milhões de causas se acumulam sem chegarem
ao julgamento.
Mesmo sendo grande o número de processos iniciados, pesquisas indicam
haver uma imensa parcela de “renúncia aos direitos”. Fica represada nos corações
brasileiros uma “litigiosidade contida”,63 tal qual uma panela de pressão, que,
não aliviada na maioria das vezes, pode levar o cidadão a praticar condutas anti-
sociais e conduzi-lo à criminalidade. O custo político dessa renúncia ao Poder
Judiciário não pode ser desprezado. Abrir as portas da justiça é uma prioridade;64
entretanto, incentivar a saída da justiça com soluções pacíficas gerais (“dentro”
e “fora” do processo) é uma necessidade.
74
Roberto Portugal Bacellar
65 Utilizei a expressão para indicar uma maior participação das pessoas na solução pacífica das con-
trovérsias, tal qual ocorre no Japão e na China, onde — guardadas as suas tradições — buscar o Poder
Judiciário em alguns casos pode até indicar motivo de desonra e incapacidade de autodeterminação.
66 Estimo ser necessário um número muito grande de mediadores e não há ainda pessoas capa-
citadas em número suficiente, de modo que com a obrigatoriedade haverá uma maior demora
na prestação jurisdicional, com prejuízo à já desgastada imagem do Poder Judiciário. Ademais,
contraria a própria essência da mediação a obrigatoriedade de participar da sessão, mesmo que
o acordo não seja obrigatório.
67 Carlos Alberto Carmona (1993), dentre outros doutrinadores, defende a existência de jurisdi-
ção mesmo fora do Poder Judiciário.
68 Quando se fala em “partes” já se está a indicar juridicamente os sujeitos ativos ou passivos de
uma lide no sistema conflitual. A expressão “interessados” melhor se ajusta ao sistema consensual.
75
Sustentabilidade do Poder Judiciário e a mediação na sociedade brasileira
69 Eis algumas recomendações: estabelecer rapport; ouvir ativamente; separar as pessoas dos
problemas; concentrar-se nos interesses e não nas posições; trabalhar junto para criar opções,
comprometendo os interessados (partes) na solução do problema; procurar padrões objetivos in-
dependentes da vontade de qualquer dos lados (não confio no valor estimado por ele, quero saber
o valor real); inventar opções de benefícios mútuos; dentre outras.
70 É interessante a história de duas irmãs que brigavam por uma laranja. Depois de concordarem
em dividi-la ao meio, a primeira pegou sua metade, comeu a “fruta” e jogou fora a casca, enquanto
a outra jogou a “fruta” e usou a casca para fazer um doce.
76
Roberto Portugal Bacellar
71 Quando judicava na Comarca de Catanduvas/PR, uma mãe me apresentou seu filho entre 10 e 12 anos,
desabafando na sua simplicidade: “eu não dô conta do moleque, por isso eu troxe pro senhor dá um jeito
nele”. O exemplo indica um de tantos casos que não podem livrar responsabilidades próprias e exclusivas
dos pais e de certa forma confirma a falta de cultura nacional em resolver diretamente seus problemas.
77
Sustentabilidade do Poder Judiciário e a mediação na sociedade brasileira
4 Conclusão
É preciso encontrar soluções pacíficas e harmônicas que apresentem
resultados efetivos. A simples verdade formal é fácil de ser descoberta, porém a
justiça desejada, querida e esperada pelos interessados como suficiente e eficaz
à pacificação integral do conflito é o maior desafio da geração presente.
A sustentabilidade do Poder Judiciário depende de incentivar uma Justiça
Comunitária onde a própria sociedade local esteja capacitada, preparada e
empoderada a solucionar seus conflitos. Não é possível que todos os conflitos
sejam levados ao conhecimento do Poder Judiciário.
A sustentabilidade dos métodos extrajudiciais, fora do ambiente do
Poder Judiciário, depende fundamentalmente da preservação das qualidades
éticas, combatendo os denominados “tribunais de carteirinha”, onde se anuncia
a criação da profissão de árbitro e ilude-se a comunidade prometendo ganhos
inalcançáveis tanto ao árbitro quanto às partes. Tal sustentabilidade também
passa pelo prisma econômico, na medida em que muitas das câmaras arbitrais
que estão trabalhando de maneira ética (sem vender ilusões) não estão
conseguindo se auto-sustentar.
Resta o desafio de formar uma cultura mediacional (empoderando e
emancipando a comunidade a solucionar seus conflitos), fundada em qualidades
éticas que possam equilibrar a procura pelo Poder Judiciário aos casos em que
ele efetivamente seja indispensável.
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79
Mediação e conciliação:
dois paradigmas distintos,
duas práticas diversas
Tania Almeida
1 Considerações iniciais
A chegada da mediação à cultura brasileira vem se fazendo gradativa-
mente. Um dos desafios deste percurso é estabelecer uma adequada distinção
em relação à conciliação, instrumento de resolução de conflitos praticado há
mais tempo. Por contemplarem ambas a construção de acordos, mediação e
conciliação são, por vezes, tomadas como sinônimos.
Como a cultura mundial caminha em direção à ampliação de métodos de
acesso à justiça, é interessante que possamos então conhecer esta diferenciação
com clareza. Visa o sistema multiportas72 de acesso à justiça – disponibilização
de distintos métodos de resolução de conflitos – poder ampliar o número de
portas de que dispomos e, sobretudo, adequar o encaminhamento de nossas
questões à que for mais apropriada.
Esse é um dos benefícios dos sistemas multiportas de acesso à justiça e
resolução de controvérsias: possibilitar o encaminhamento da questão existente
para o instrumento de resolução que ofereça maior eficácia e, conseqüentemen-
te, maior eficiência. Se tivermos dois ternos no armário, precisamos eleger um
ou outro para ocasiões que demandem o uso de traje formal. Se ampliarmos o
número de ternos, podemos adequar o modelo ao evento, à temperatura e ao
horário da ocasião, assim como à maior ou menor formalidade exigida.
72 Termo cunhado por Frank Sander - MultiDoors CourtHouse - 1985, para designar a possibilida-
de de oferta e de escolha de diferentes métodos de resolução de conflitos integrados ao Judiciário.
80
Tania Almeida
73 Rubén Calcaterra é um autor argentino que defende a descontrução do conflito como condição
para a autocomposição e o restauro da relação social. Em sua visão, os métodos genuinamente
autocompositivos devem incluir três passos consecutivos: desconstrução do conflito, reconstru-
ção da relação social e co-construção da solução. Para o autor, os métodos que trabalham com su-
gestão ou determinação da solução prescindem desse passo a passo e têm alcance social distinto.
81
Mediação e conciliação
74 Novos Paradigmas em Mediação é obra coordenada por Dora Fried Schitman que reúne vários
artigos relativos a mudanças paradigmáticas propostas pela mediação.
75 Carlos Sluzky é um psiquiatra argentino, casado com Sara Cobb, uma referência mundial para
a mediação, que se debruçou sobre o tema das redes sociais e suas repercussões.
82
Tania Almeida
83
Mediação e conciliação
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Tania Almeida
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Mediação e conciliação
76 É crescente o interesse dos autores pela necessária mudança de postura dos advogados quan-
do assessores de seus clientes em processos de mediação.
86
Tania Almeida
12 Considerações finais
Pela competição, mantemo-nos tão assertivos em busca da satisfação pes-
soal que desconsideramos necessidades, pontos de vista e interesses do outro.
Pela concessão, fazemos o oposto: atendemos aos interesses e às necessidades
do outro mais do que aos nossos, cedendo e concedendo. Pela colaboração, man-
temos a assertividade em direção aos nossos interesses e necessidades e fazemos
o mesmo em direção aos interesses e às necessidades do outro, na intenção de
atendê-los. A colaboração é a postura de atuação solicitada na mediação.
Construir uma solução pautada na satisfação mútua não implica em ceder
ao que o outro deseja, mas sim atuar de modo cooperativo, mantendo a asser-
tividade em duplo sentido.
A ação colaborativa solicitada pela mediação convida as partes a pen-
sarem, simultaneamente, em si mesmas e no outro e viabiliza a construção de
acordos pautados no benefício mútuo.
Por sua contemporaneidade, a mediação se aproxima com vigor dos prin-
cípios da construção de consenso, instrumento pautado na autocomposição com
preservação das diferenças. A construção de consenso possibilita criar soluções
de mútuo benefício, tendo como regra primeira a possibilidade de manter-se em
discordância – mesmo em desacordo, necessitamos criar uma solução que nos
atenda mais e melhor do que a situação vigente. É instrumento de eleição para
os mercados comuns, as políticas públicas e a política internacional. As relações
continuadas no tempo se beneficiam significativamente de seus princípios 77.
São os princípios – aquilo que serve de base, de pilar, de raiz, proposição
fundamental – que diferenciam conciliação e mediação, não os seus propósitos. Na
mediação, os princípios regem as intervenções oferecidas – técnicas e procedimentos
– e distinguem seus propósitos daqueles advindos de outras práticas conciliatórias.
A leitura comparativa oferecida ao longo deste artigo está pautada nas
distintas peculiaridades que regem ambas as práticas – conciliação e mediação
– a partir da elucidação de alguns princípios da mediação.
Reconhecer uma clara distinção entre conciliação e mediação possibilita
que nossa cultura integre mais um instrumento de acesso à justiça ao seu sis-
tema multiportas, assim como possibilita que nos beneficiemos de ambos os
recursos com seus diferentes propósitos, suas distintas aplicabilidades e desse-
melhante alcance social.
Referências
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Mediação e conciliação
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SLUZKI, Carlos E. A rede social na prática sistêmica: alternativas terapêuticas. São Paulo:
Casa do Psicólogo, 1997.
88
Ser um mestre em mediação?78
Nosotros debemos cultivar la intuición para anticipar cambios antes de que ellos ocurran;
empatía para entender lo que no puede ser claramente expresado; sabiduría para ver las
conexiones entre los hechos que aparentemente no están relacionados, y creatividad para
descubrir nuevas formas de definir problemas, nuevas reglas que posibiliten adaptarse a
lo inesperado (CSIKSZENTMIHALYI, 1996).
1 Conceito de maestria
Definimos a maestria como o nível mais alto da arte e da ciência da
mediação. Trata-se de um grau permanente de habilidade que se compõe
basicamente da retroalimentação entre as diversas teorias, as múltiplas práticas
e a reflexão sobre ambas. Para alcançá-la, deve-se ter a habilidade de sintetizar
o conhecimento e as destrezas no momento da interação, de integrar teoria e
técnica em uma série de estratégias e intervenções.
Nem todos os profissionais chegam a adquirir este grau de desenvolvimento
profissional. Podem ser bem-informados, competentes, especializados, eficazes e
inclusive realizar intervenções brilhantes, sem alcançar às vezes o mais alto nível de
qualidade profissional, que foi denominado de estágio do artista (LANG; TAYLOR, 2000).
A maestria é a manifestação de uma pessoa que usa todo seu conhecimento
e suas habilidades de tal maneira que se diferencia dos demais não apenas no
resultado mas também no processo pelo qual chega àquele. Requer mais que
competência na prática das habilidades essenciais e mais que capacidade para aplicar
a teoria de forma consciente e analítica. É a forma como um profissional responde
às circunstâncias únicas, aos fatos imprevistos que emergem na prática profissional,
o que distingue o mestre do praticante. E pode ser aprendida, e pode ser ensinada.
2 Os estágios da profissão
Cada profissional pode construir seu caminho rumo a níveis de alta
qualidade. Segundo o modelo de Lang e Taylor (2000), passa-se por quatro
etapas ou dinâmicas. No primeiro nível de aprendizagem, costuma-se colocar
ênfase no “como” (mediar, facilitar, negociar). É o estágio do iniciante. O iniciante
está interessado em adquirir conhecimentos e habilidades, compreender a
natureza da prática. Para desenvolver a competência nesta etapa, os mediadores
necessitam de marcos conceituais, teorias, modelos, treinamento, simulações,
estudo de casos, observação e retroalimentação que permitem ao iniciante
89
Ser um mestre em mediação?
90
Glady Stella Álvarez
79 John Haynes, Jornadas e Oficinas de Mediação, preparadas e organizadas pela Fundação Libra no
Colégio de Escrivãos de Buenos Aires, em 1999. As perguntas reveladoras seriam: Estou enredado na de-
sesperança das partes? Que informação me falta para poder provocar um reenquadramento da situação?
80 A palavra usada por Lang e Taylor (2000) na obra citada é resiliência. Não é uma palavra de uso
corrente. Em inglês, abrange como metáfora certas qualidades humanas. Segundo Martín Wains-
tein (2000, p. 138), em nosso idioma, o chamaríamos de plasticidade... Talvez o conceito, em si
mesmo, não seja demasiado original, mas pragmaticamente orienta o pensamento em direção à
criatividade construtiva, tirando-nos das soluções padrão.
91
Ser um mestre em mediação?
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Glady Stella Álvarez
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Ser um mestre em mediação?
5 Conclusão
A arte da mediação se aprende. Seus princípios podem ser identificados,
aprendidos, integrados e recriados para que possam ser experimentados.
Cada pessoa é capaz de experimentar a arte da mediação em suas práticas.
O processo de ensino-aprendizagem tem sua metodologia para desenvolver o
conhecimento necessário, as habilidades e hábitos para converter-se em artista,
um profissional de alta qualidade.
Muitas das habilidades básicas para a prática que se identificam como
essenciais para o desenvolvimento profissional são comuns; a maioria dos
mediadores as aprende na capacitação básica e nos treinamentos avançados.
O coração das áreas de conhecimento é também familiar, são os princípios e
crenças fundamentais que dão suporte à prática.
O que é único na aprendizagem da arte da mediação é a sintetização
do conhecimento e das habilidades através da prática reflexiva e do processo
interativo.
Os praticantes podem continuar descobrindo novos enfoques através
do processo reflexivo, mas, para muitos mediadores, o nível e a paixão pela
exploração pode ter diminuído. Pensamos que os mediadores não passarão
do estágio de praticante a menos que desenvolvam a disciplina e a prática da
reflexão.
A habilidade de aprender de cada experiência, de refinar, ajustar e
incrementar as destrezas e de responder apropriadamente a questões singulares
e imprevistas na prática profissional pode ser ensinada e aprendida durante a
aplicação consciente e intencional dos métodos e princípios da prática reflexiva.
A fusão entre esta e o processo interativo ilumina a capacidade para a maestria.
No caminho até a maestria, a arte e a excelência, esta etapa de auto-
reflexão se institui como a metodologia de capacitação preponderante dentro
de um modelo dinâmico de desenvolvimento pessoal. A maestria requer um
94
Glady Stella Álvarez
Referências
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LANG, Michael D.; TAYLOR, Alison. The making of a mediator: developing artistry in
practice. San Francisco: Jossey-Bass, 2000.
95
A ética na mediação
Ética é daquelas coisas que todo mundo sabe o que são, mas que não são fáceis de
explicar, quando alguém pergunta (VALLS, 1993, p. 7).
Ética, já sabemos de que se trata. Há quem saiba mais, quem menos, mas todo ser
humano tem sua noção básica. Alguns a levam mais a sério, outros nem tanto como seria
desejável (IASI, 2002).
1 Apresentação
A presente exposição aborda a questão da importância de se delimitar
parâmetros, standards de comportamento e de procedimento para o instituto da
mediação e o comprometimento entre o cumprimento desses valores estabelecidos
e a seleção, formação e atuação dos mediadores, que proporcionarão uma maior
credibilidade, aceitação e consequente crescimento de sua utilização. Explana, então,
sobre ética e eticidade, a importância de um código e seu conteúdo, a relevância da
personalidade do terceiro interventor e sua formação e os reflexos destes em relação
aos princípios atinentes ao mediador e aos mediados e à própria mediação.
2 A ética
Antes de falar em um Código de Ética para mediação, deve-se delimitar
primeiramente o que se entende por ética e por eticidade, quais as vantagens de
se estabelecer um padrão de comportamento e quais os parâmetros que devem
dele fazer parte.
O que é ética? As citações ao início já demonstram que parece ser fácil
identificar do que estamos falando, porém, na sua concretização, grande
complexidade se faz presente.
Ética é uma palavra de origem grega, que pode ser entendida como costume
e/ou propriedade do caráter. Está presente nesta e em todas as sociedades,
inclusive, aceitando-se hoje como encontrável nas não humanas (SINGER, 1994,
p. 4-6). Nessa análise, tomaremos como seu objeto material somente o ato
humano e como seu objeto formal a moralidade desse ato. Portanto, a ética lida
com questões do bem, do direito, da justiça, da honestidade, da sinceridade,
do bem comum, etc. Ela é o elemento fundamental de retroação social, ou seja,
96
Tânia Lobo Muniz
3 A eticidade
O que é eticidade? O que determina o comportamento ético do indivíduo?
No pensamento de Hegel, exposto por Thadeu Weber (1999, p. 97-118),
a eticidade está ligada à adequação da vontade individual aos conceitos e
parâmetros identificados como éticos. A vontade, por sua vez, só se determina
pela decisão que a individualiza em relação ao outro. Toda decisão é, então, uma
escolha que leva à renúncia das demais possibilidades estabelecendo limites.
Essa escolha é determinada pelas:
4 Código de Ética
Por que um Código de Ética? Quais as vantagens de se positivar valores?
Porque tais documentos, nas diferentes atividades, em especial na
mediação, têm a função de proporcionar parâmetros ou diretrizes para que os
envolvidos se sintam seguros ao adotarem formas éticas de se conduzir, de garantir
homogeneidade na forma de encaminhar as questões específicas e de incrementar
a integração entre os que desempenham a atividade (WHITAKER, 2002).
Têm a capacidade de favorecer o ambiente para o desenvolvimento dos
trabalhos de mediação, o que desencadeia a boa qualidade da comunicação, alto
rendimento e, por via de consequência, ampliação nas soluções dos conflitos
mediados e dos acordos alcançados, com maior satisfação para os envolvidos
no processo, facilitando o acesso à justiça.
81 Todos sabemos o que é empatia, o que é respeito — mas, no dia-a-dia, não reservamos muito
tempo para aplicar tais conceitos às nossas relações... (SERRA, 2005).
97
A ética na mediação
98
Tânia Lobo Muniz
99
A ética na mediação
determinações do interventor;
h) a condução do processo;
i) o perfil, as qualidades ou as características do mediador;
j) os honorários;
k) a participação das instituições especializadas;
l) o mediador face ao Judiciário.
Pode-se resumir este conteúdo a quatro (BENJAMIN, 2004) comportamentos
específicos para proteger as partes e a integridade do processo de mediação.
Deve o mediador conservar a imparcialidade, revelando e evitando os conflitos de
interesses. Deve o mediador previdente divulgar às partes todo e qualquer contato
ou relacionamento com qualquer uma delas ou com seus associados, organizações,
familiares; devem evitar manter contato ou impropriedades que possam causar aos
mediados o questionamento da parcialidade ou favorecimento do mediador a um
dos negociadores, não somente ao tempo da negociação, mas no futuro.
Deve-se sustentar a clareza de papéis de facilitador e não de julgador, não
devendo jamais fazer recomendações ou apegar-se a uma opção de solução do
problema sem a concordância, por escrito, das partes interessadas. Ele tem o
dever adicional de esclarecer às partes os riscos e vantagens de se fazer certas
escolhas, mas não de induzir as partes ou fazê-lo por elas. O mediador deve
permanecer em sua função e não cruzar a linha de facilitador para a de julgador.
O mediador deve manter o direito de terminação das partes, ligado à sua
autodeterminação. As partes devem ter garantido seu poder de decidir se dão
ou não continuidade ao processo, independente de justificativa ou explicações.
Depende da atuação do profissional a maior ou menor motivação dos envolvidos
para participar da mediação. Se ele não oferecer razões adequadas às partes
para que permaneçam engajadas no processo, elas podem decidir retirar-se ou
procurar outros mecanismos para a solução de seu conflito, sem que possam ser
compelidas a participar por qualquer corte ou outra autoridade.
E ainda, deve ser mantida a confidencialidade, pela qual o mediador se
obriga a não revelar para outrem, perante os tribunais ou outras autoridades
qualquer informação, atitude, motivação ou ação a qualquer tempo das partes;
ele deve manter o dever de lealdade para com os envolvidos.
100
Tânia Lobo Muniz
101
A ética na mediação
83 Sobre os princípios reguladores da atuação dos mediadores, Sales (2004); Moore (1998);
Vezzulla (2003); e Portugal (2002).
102
Tânia Lobo Muniz
84 Quanto à imparcialidade e neutralidade do mediador: [...] a intervenção do terceiro por mais in-
dependente e imparcial que seja não deixa de ser modificadora, pois a neutralidade inexiste já que
o mediador ao formular questões diversas aos mediados o faz dentro de sua bagagem pessoal e
profissional, porém com um limite de isenção, já que não poderá ultrapassar o terreno fronteiriço
dos valores demarcados e trazidos pelas partes. Marines Suares afirma que se “a neutralidade é
um meio”, acrescentar-se-ia uma finalidade também, “o mediador deverá atuar de maneira impar-
cial e equidistante durante todo o processo, como se fosse de pedra e sem seus valores, precon-
ceitos, crenças, etc. [...]”. Na verdade, é um exercício de isenção, esforço que deverá adotar para
que sua intervenção atinja o ideal da neutralidade necessária (BRAGA NETO, 2003, p. 30).
85 Apesar de a neutralidade ser considerada um mito, uma vez que ninguém é neutro, pois possuímos
uma visão cósmica, convicções, crenças e ideologias e com estes pré-conceitos vivemos e nos rela-
cionamos na vida, deve o mediador procurar manter-se distante das partes e da causa, evitando com-
prometer a decisão das partes e com isso a mediação realizada e o próprio instituto como um todo.
86 A respeito da imparcialidade, Greco Filho (1996, p. 232-235); Santos (1993, p. 170-171); e
Cintra, Grinover e Dinamarco (1997, p. 51-52).
103
A ética na mediação
acharem que não há mais imparcialidade do terceiro, podem dar por finda a
mediação, pois a confiabilidade é essencial ao desenvolvimento de suas atividades.
A independência significa que o mediador, ao atuar na condução do
processo de mediação, não se vincula a nada, somente se limita pela vontade das
partes que são os detentores do poder de decisão quanto ao objeto em litígio e
quanto aos atos a serem praticados. Isto importa em ter a aptidão de perceber e se
ater à real controvérsia e não ao direcionamento apresentado pelos negociadores,
podendo, assim, reconduzi-los aos rumos mais apropriados à questão.
A competência, aqui, deve ser entendida na concepção subjetiva, como
aptidão que varia de mediador para mediador, de caso para caso. Significa avaliar as
condições individuais do terceiro interveniente em relação às suas características
pessoais, como equilíbrio e maturidade, ao aprofundamento do assunto, à prática
como mediador e sua correspondência com a questão a ser mediada, como
personalidade e envolvimento das partes, complexidade do conflito. Deve, para o
correto desempenho deste encargo, utilizar toda sua capacidade e conhecimento
das técnicas, dos métodos de mediação e, se necessário, da matéria em questão,
razões pelas quais foi escolhido. Ser competente é utilizar seu conhecimento e
sua capacidade para efetivamente aplicar conceitos e habilidades de mediação na
prevenção e pacificação do conflito.
Diligência, leciona De Plácido e Silva, “exprime a própria prudência adotada
na execução de todos os atos e negócios jurídicos” (SILVA, 1987, p. 73). Implica em
todo cuidado, empenho e exatidão que o mediador deve ter no desempenho de sua
função, para que esta se cumpra com a devida regularidade, assegurando às partes
a qualidade na intervenção e o desenvolvimento natural do processo, sem demoras
ou abreviações. Não importa em tentar cumprir prazos, pois a mediação não se
desenvolve baseada no tempo e sim na transformação do conflito, mas se trata de
utilizar toda sua capacidade para restabelecer a comunicação e para conduzir os
negociadores ao consenso com a rapidez necessária, possível e razoável.
Deve ainda haver discrição, no sentido de agir com decência, reserva e
prudência, guardando para si os segredos que lhe são revelados em confiança
pelas partes, permitindo aos mediados sentirem-se seguros para revelar questões
as mais variadas sabendo que não serão divulgadas, em juízo ou fora dele, o
que facilita a comunicação e a transformação do conflito. Além do mediador,
obrigam-se a este princípio as partes, os assistentes que intervierem no processo
a qualquer título e os advogados.
Esses valores permitem ao mediador agir de forma a estimular e a manter
as reações adequadas aos vetores de conduta entre os partícipes do processo de
mediação, cujos paradigmas de atuação são: respeito; cooperação; solidariedade;
boa-fé; privacidade; voluntarismo; e autocomposição 87.
O respeito determina que se aceite as pessoas como elas são, tendo
consideração por seus aspectos, emoções, antecedentes, valores, pontos de
vista, referências e motivos, o que possibilita a cooperação entre as partes.
A cooperação envolve escutar ativamente o outro e colocar-se em seu
lugar, estando aberto a ajudar, auxiliar e trabalhar em conjunto na busca da
melhor solução para todos os envolvidos, direta e indiretamente.
87 Sobre os princípios norteadores da conduta dos participantes, Sales (2004); Moore (1998);
Vezzulla (2003); e Portugal (2002).
104
Tânia Lobo Muniz
7 Conclusão
Para que um Código de Ética seja um instrumento de realização da
filosofia da atividade, de sua visão, missão e valores, deve ser concebido pela
própria classe e expressar a sua cultura e finalidade, orientar as ações de seus
participantes e colaboradores e explicitar a postura do mediador em face dos
diferentes litígios com os quais interage. É essencial que haja consistência e
coerência entre o que nele está disposto e o que se vive na atividade de mediação.
Se o código de conduta de fato cumprir o seu papel, sem dúvida significará um
diferencial que trará o aperfeiçoamento do instituto e sua maior credibilidade
traduzida no incremento de sua utilização (WHITAKER, 2002).
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106
Diretrizes éticas, capacitação,
credenciamento e supervisão da atuação
de mediadores e conciliadores:
contribuições preliminares
1 Introdução
São pontos cruciais no que concerne ao funcionamento de programas
de solução consensual de conflitos a definição das diretrizes éticas que devem
conduzir a atuação dos profissionais encarregados de tais atividades, bem
assim as condições exigidas para o exercício de tal atividade, seja no que se
refere à qualificação, seja no que concerne ao credenciamento destes profis-
sionais ou à supervisão de sua atuação.
Preliminarmente, cabe, todavia, mencionar a distinção que Jean-François
Six elabora entre “mediadores institucionais”, normalmente integrantes dos qua-
dros de órgãos públicos, e “mediadores cidadãos”, normalmente voluntários que
atuam em programas de mediação comunitária.
Segundo Six (2001, p. 33), os mediadores institucionais são, “essencial-
mente, especialistas formados para atender a um problema específico, bem de-
finido, pelo qual vão responder.” Para esse autor, o “aumento dos conhecimentos
necessários à decisão e uma grande virtuosidade para se encontrar no emara-
nhado da lei os tornaram pouco a pouco imprescindíveis”. Todavia, o “perigo da
burocratização da mediação institucional existe.” (SIX, 2001, p. 30).
Já os mediadores cidadãos “fazem então apelo aos recursos próprios das
pessoas que os procuram. Apóiam-se sobre o que essas pessoas dispõem e que
não se atrevem a utilizar: seus próprios recursos” (SIX, 2001, p. 34). E prosse-
gue: “o mediador cidadão é aquele a quem se procura porque se sabe – ou se
pressente – que tem um dom, o de suscitar ligações, reconciliar as pessoas, de
trazer uma pequena luz a um momento opaco.” (SIX, 2001, p. 35).
107
Diretrizes éticas, capacitação, credenciamento e supervisão da atuação de mediadores e conciliadores
2 Diretrizes éticas
O rol de deveres de mediadores e conciliadores que se apontará a seguir
se pauta pela necessidade de melhor explicitar os limites éticos para a atuação
destes profissionais, tendo em vista os objetivos de resolução pacífica e ao mes-
mo tempo adequada dos conflitos que lhes são submetidos.
Apesar de pairar grande controvérsia, como abordarei mais adiante, so-
bre se a atividade de mediação constitui ou não uma profissão, não existe dúvi-
da quanto ao fato de que ela envolve responsabilidades tanto do ponto de vista
positivo, isto é, deveres de fazer algo durante o processo, quanto do ponto
de vista negativo, ou seja, deveres de não adotar determinadas condutas. Em
simpósio realizado em 1995 nos EUA com o propósito específico de discutir
os padrões de conduta de mediadores e outros profissionais na resolução de
conflitos, uma das falas de abertura já salientou: “há um crescente consenso de
que os métodos alternativos de resolução de controvérsias suscitam questões
de conduta profissional distintas, que não têm como ser totalmente abarcadas
pelos códigos de outras profissões.” (FEERICK et al. 1995, p. 1).
Tânia Lobo Muniz (2009, p. 107), ao tratar da utilidade e importância dos
Códigos de Ética na atuação de mediadores, resume bem a finalidade destes
preceitos de comportamento:
O objetivo destes parâmetros é proteger a sociedade do mau profissional e das más ins-
tituições - proteger-nos de nós mesmos -, assegurando assim uma melhor utilização do
instituto e garantindo os interesses das pessoas que dele se socorrerem, como também
daqueles que atuarão como intervenientes no processo.
108
Luciane Moessa de Souza
109
Diretrizes éticas, capacitação, credenciamento e supervisão da atuação de mediadores e conciliadores
2.1 Imparcialidade
O primeiro dever elencado nos Códigos de Ética de Mediadores costuma
ser a imparcialidade. Nos EUA, às vezes é também chamado de neutralidade e,
por vezes, uma de suas facetas é elencada como um dever autônomo, qual seja,
o dever de evitar conflitos de interesse 89. Trata-se de um debate que conhece-
mos muito bem no Brasil, no campo da Filosofia do Direito, onde o pensamento
crítico já deixou claro, há muito tempo, que a neutralidade, além de impossível,
implicaria a simples manutenção do status quo. No campo da mediação, como
visto, um dos objetivos, segundo parte considerável da doutrina, é transformar
o padrão destrutivo de relacionamento entre as partes, muitas vezes marcado
por considerável desequilíbrio de poder, substituindo-o por um novo padrão,
caracterizado por autêntico equilíbrio, justamente para fazer com que as partes
aprendam a gerenciar seus conflitos de forma natural e construtiva.
Essa postura, que vê na mediação esse caráter pedagógico e transforma-
tivo, somente se coaduna com um dever de imparcialidade que se desdobra no
dever, do qual trataremos mais adiante, de buscar um maior equilíbrio de poder
entre as partes, quando a assimetria é muito significativa.
Segundo Suzanne McCorkle (2005, p. 171),
Muito embora os autores que escrevem sobre mediação diferenciem entre neutrali-
dade (não tomar partido nem ter preconceito em relação a nenhuma das partes) e
imparcialidade (não ter nenhum interesse no desfecho do processo), a maioria dos
Códigos usam os termos de forma intercambiável.
89 É interessante observar que aquilo que costumamos chamar no Brasil de neutralidade correspon-
de ao que, nos EUA, se entende por imparcialidade – e vice-versa. Vejamos o que diz Carole Silver
(1996) ao definir imparcialidade: “Impartiality also can be defined as equal treatment; one who
is impartial treats both parties the same, regardless of whether their circumstances indicate that
equivalent results would be produced only by different or unequal treatment.” A mesma autora cita
a definição que Leda M. Cooks e Claudia L. Hale dão a neutralidade: “neutrality involves the idea of
fairness; where differences in power or sophistication of the parties result in one party needing the
mediator’s participation in order to equalize the two sides, neutrality is obtained by such mediation
participation.” Para Silver (1996), “Impartiality may appear compromised in achieving neutrality.”
110
Luciane Moessa de Souza
mediador entende ser inerentemente injusto, ele deve indicar sua não concor-
dância com o desfecho por escrito”.
Voltando, porém, aos pontos sobre os quais não paira grande controvérsia,
no que tange à imparcialidade, esta envolve a proibição de que o mediador atue de
forma tendenciosa ou preconceituosa. Segundo a mais recente versão do Código de
Ética para Mediadores elaborado pela Ordem dos Advogados estadunidense (em ní-
vel federal), pela Associação Americana de Arbitragem e pela Association for Conflict
Resolution, principal entidade profissional de mediadores de âmbito federal naquele
país, “o mediador deverá conduzir a mediação de forma imparcial e evitar conduta
que dê a aparência de parcialidade”90. Trata-se da velha máxima de que “à mulher de
César não basta ser correta, há também que parecer correta”, de maneira que “um
mediador não deverá jamais dar ou aceitar um presente, favor, empréstimo ou outro
item de valor que possa levantar suspeita sobre a imparcialidade real ou percebida
do mediador.”91. A única exceção admitida a esta proibição diz respeito à situação
em que práticas culturais permitam aceitar presentes de pequeno valor econômico.
Decorrência direta do dever de imparcialidade, que prefiro entender como
dela fazendo parte, é o dever de o mediador recusar a função quando presentes
conflitos de interesse entre ele e ao menos uma das partes (standard III, E, do
mencionado Código-modelo) e, em caso de dúvida, deixar às partes a decisão
sobre sua atuação no caso, após revelado o potencial conflito.
A par de todas as regras definindo situações que ameaçam a imparciali-
dade, não posso deixar de realçar o ponto levantado por Carole Silver (1996):
Deste modo, como resume ela, “as restrições somente se aplicam em cir-
cunstâncias em que o relacionamento entre o terceiro e uma das partes (ou seu
advogado) é tão próximo que provoca em qualquer pessoa razoável a crença de
que ele terá um impacto na conduta do terceiro” 92. Daí a importância de revelar
estas conexões a todas as partes logo no início do procedimento.
O standard III, A, do principal Código de Ética dos EUA assim dispõe a
respeito:
Um conflito de interesse pode surgir a partir de um envolvimento do mediador com a ma-
téria objeto do conflito ou de qualquer relacionamento, passado ou presente, pessoal ou
profissional, que suscite dúvida razoável sobre a imparcialidade do mediador.93
o mediador deverá revelar, tanto quanto praticável, todos os reais e potenciais conflitos
de interesse que sejam razoavelmente conhecidos do mediador e possam ser vistos como
suscetíveis de causar dúvida sobre a sua imparcialidade. Após a revelação, se todas as
partes concordarem, o mediador poderá prosseguir com a mediação. 94
111
Diretrizes éticas, capacitação, credenciamento e supervisão da atuação de mediadores e conciliadores
O mesmo vale, segundo o item D deste standard III, para fatos ocorridos
ou conhecidos do mediador apenas após o início do processo de mediação. Já
outros Códigos, como os dos Estados de Massachussetts, Illinois e o do Ca-
lifornia Judicial Council, conforme relata McCorkle (2005, p. 175), estipulam
que, quando houver potencial conflito de interesses, o mediador deve deixar de
atuar, ainda que as partes consintam em que ele continue. Muitos dos Códigos
estaduais, segundo a mesma autora, elencam claramente quais são os tipos de
relacionamento que devem ser revelados pelo mediador às partes, sendo eles:
[...] relações financeiras ou associações; relações familiares ou sociais; relações sociais
ou de negócios com membros da família do mediador ou das partes; relações pessoais,
financeiras ou de negócios com o advogado de alguma das partes; ter atuado como ad-
vogado ou representante de alguma das partes; interesses pecuniários; fazer parte da
mesma Diretoria de algum órgão que alguma das partes; fazer parte do mesmo quadro
de acionistas que alguma das partes; estar envolvido no conflito interesse do escritório
do qual o mediador que é advogado faz parte; estar envolvido no conflito interesse do
empregador do mediador; relações íntimas entre mediador e alguma das partes; visões
fortes com relação a alguma das questões envolvidas no conflito; relações sexuais com
alguma das partes. (MCCORKLE, 2005, p. 177).
112
Luciane Moessa de Souza
sibilidade de o mediador vir a atuar novamente para uma delas, que é também
a parte mais poderosa, tanto do ponto de vista econômico quanto do ponto de
vista do acesso a informações e assessoria técnica relevantes.
As legislações argentina e colombiana sobre o assunto também cuidaram
de trazer proibições com o propósito de garantir a imparcialidade do mediador ou
do conciliador. Na Argentina, o mediador fica impedido de atuar para qualquer das
partes até um ano após a cessação de sua atuação como mediador, não no caso
concreto, mas do exercício da atividade de mediador. A proibição é definitiva no que
diz respeito às causas em que atuou como mediador – disposição que parece bas-
tante adequada. Na Colômbia, da mesma forma, os conciliadores ficam impedidos,
em definitivo, de atuar como árbitros, consultores ou procuradores de qualquer das
partes em assuntos relacionados ao conflito em que tenham atuado, porém não
existe proibição de trabalhar ou se relacionar com as partes em outros assuntos.
Prevê ainda a legislação que os centros de conciliação ficam impedidos de atuar em
casos nos quais eles ou seus membros sejam diretamente interessados.
O PLC 4827/1998 previa que o mediador ficaria impedido por dois anos (a
contar do encerramento da atuação no caso) de prestar qualquer serviço às par-
tes; e, em se tratando de matéria correlata à mediação, o impedimento é definitivo
(artigo 23 do projeto). Naturalmente, havia também previsão de que os casos de
impedimento e suspeição de juízes estendem-se a mediadores (artigo 21).
O PLS 517/2011 previa o seguinte acerca do tema, em seu artigo 4º.:
§ 1º. Além de todas as hipóteses legais de impedimento de juízes e árbitros, o mediador
deve afastar-se da condução do caso sempre que tenha conhecimento de qualquer fato ou
circunstância que possa dificultar sua imparcialidade na condução da mediação.
§ 2º. Caso o mediador tome conhecimento de qualquer fato ou circunstância que possa
ser percebida pelas partes e seus advogados como conflito de interesses, deverá revelá-lo
imediatamente a todos, podendo afastar-se do caso ou permanecer como mediador com
a concordância expressa de todas as partes.
113
Diretrizes éticas, capacitação, credenciamento e supervisão da atuação de mediadores e conciliadores
114
Luciane Moessa de Souza
115
Diretrizes éticas, capacitação, credenciamento e supervisão da atuação de mediadores e conciliadores
Não podendo o mediador, porque não é sua função (de modo que, muitas ve-
zes, sequer estará qualificado para tanto), prestar assessoria jurídica, psicológica ou de
qualquer natureza técnica às partes – o que, ademais, poderia mesmo colocar em risco
a sua imparcialidade –, o mediador pode e mesmo deve alertar qualquer uma das par-
tes sobre a necessidade de uma assessoria em área profissional especializada quando
perceber que esta é necessária e não está sendo buscada espontaneamente pela parte.
O Código de Ética para Mediadores do CONIMA, em seu subitem V, 6, tam-
bém dispõe caber ao mediador: “Sugerir a busca e/ou a participação de especia-
listas na medida em que suas presenças se façam necessárias a esclarecimentos
para manutenção da equanimidade”.
Da mesma forma, no subitem IV, 7 e 8, o mesmo Código dispõe caber ao
mediador:
116
Luciane Moessa de Souza
[...] o mediador deverá suscitar questões específicas e formular perguntas acerca de pon-
tos que as partes não examinaram, alertando-as sobre a imperativa necessidade de obter
maiores informações ou aconselhamento jurídico e/ou alertando seus advogados para
fazerem seu dever de casa com respeito a questão específica levantada pelo mediador,
bem como outras questões que podem ter passado despercebidas ao mediador.[...] o
mediador, em sessões privadas com cada uma das partes, deverá verificar se cada uma
delas considerou o possível desfecho em um processo judicial e avaliou os pontos fracos
e fortes de suas respectivas posições. [...] Fazer perguntas cabe perfeitamente dentro do
papel do mediador, mas dar ou sugerir respostas não cabe.
117
Diretrizes éticas, capacitação, credenciamento e supervisão da atuação de mediadores e conciliadores
2.6 Confidencialidade
Outro item sempre presente nos Códigos de Ética de Mediadores é a con-
fidencialidade.
O Código-modelo americano já mencionado, em seu standard V, estabe-
lece o dever de confidencialidade tanto quanto ao que foi ventilado na sessão
conjunta quanto nas sessões individuais, estipulando como únicas exceções o
consentimento das partes ou a existência de legislação em contrário.
O Código do CONIMA dele trata em diversos pontos:
V. DO MEDIADOR FRENTE AO PROCESSO
O mediador deverá:
[...]
3. Esclarecer quanto ao sigilo.
[...]
5. Zelar pelo sigilo dos procedimentos, inclusive no concernente aos cuidados a serem
tomados pela equipe técnica no manuseio e arquivamento dos dados.
118
Luciane Moessa de Souza
101 O mesmo entendimento é defendido, entre outros trabalhos, no artigo “Keeping public me-
diation public: exploring the conflict between confidential mediation and open government”, de
Thomas Leatherbury e Mark A. Cover, publicado na SMU Law Review (n. 46, 1992-1993, p. 2221-
2234). Também sobre as diversas exceções à confidencialidade, ver: HOBBS, Karin S. Mediation con-
fidentiality and enforceable settlements: deal or not deal? Utah Bar Journal. N. 20, 2007, p. 37-41.
102 A tese foi convertida nas obras “Meios consensuais de solução de conflitos envolvendo entes
públicos: negociação, mediação e conciliação na esfera administrativa e judicial” e “Mediação de con-
flitos coletivos: a aplicação dos meios consensuais à solução de controvérsias que envolvem políticas
públicas de concretização de direitos fundamentais”, ambas recém publicadas pela Editora Fórum.
119
Diretrizes éticas, capacitação, credenciamento e supervisão da atuação de mediadores e conciliadores
120
Luciane Moessa de Souza
Dever de manter sigilo sobre todas as informações obtidas na sessão, salvo autorização
expressa das partes, violação à ordem pública ou às leis vigentes, não podendo ser
testemunha do caso, nem atuar como advogado dos envolvidos, em qualquer hipótese
(artigo 1º. - grifei).
Tais regras parecem fazer muito sentido, basicamente por duas razões:
a) sendo o processo de mediação algo pouco familiar para a grande maioria das
pessoas que dele se utilizam, parece útil e necessário, para torná-lo mais produ-
tivo, explicar às partes os caminhos que se pretende tomar, até para deixá-las
mais à vontade com o que ainda não conhecem; b) uma das mais relevantes jus-
tificativas e propósitos da mediação é o “empoderamento” das partes em confli-
to, de modo que não parece adequado que elas sejam simplesmente conduzidas
ao longo de um processo que não compreendem.
Michael Moffitt (1998, p. 1) coloca muito bem a questão:
Transparência do mediador envolve compartilhar com as partes aquilo que o mediador
acredita ser o melhor passo a ser dado em seguida e porque ele ou ela acredita que este
passo é o mais apropriado. [...] Transparência no processo envolve dizer às partes que
atividades elas desenvolverão em seguida.
Primeiro, transparência ajuda a garantir que as partes têm clareza sobre o processo, sobre
seus objetivos e sobre seus papeis nele. Partes que estão esclarecidas sobre o processo
e seus objetivos também costumam sentir-se mais donas dos desfechos do processo e
capazes de contribuir mais efetivamente na realização dos impactos desejados.
Segundo, transparência pode oferecer aos mediadores retorno imediato das partes acerca
das decisões estratégicas que ele está tomando. [...]
Terceiro, embora ser transparente possa parecer requerer tempo extra, essa postura pode,
na realidade, poupar tempo ao reduzir atrasos decorrentes da incerteza das partes.
Finalmente, transparência fornece uma abertura para o que o mediador está pensando,
sua análise e decisões sobre o processo. Essa abertura pode ser uma ferramenta útil para
aqueles que estão supervisionando ou treinando outros mediadores. E, de forma ainda
121
Diretrizes éticas, capacitação, credenciamento e supervisão da atuação de mediadores e conciliadores
Ele não sugere, contudo, que o mediador discuta com as partes cada
pequena decisão que ele toma durante o processo, o que poderia comprometer
inclusive a efetividade da mediação, mas recomenda que cada mediador avalie,
em cada circunstância, em que medida maior transparência pode ser útil para o
desfecho do processo e o aprendizado das partes.
Na esfera dos conflitos envolvendo entes públicos, em especial aqueles de
dimensão coletiva, o dever do mediador de garantir a adequada transparência
ao processo é ainda mais essencial.
O já referido Código de Ética de Conciliadores e Mediadores Judiciais
constante da Resolução 125/2010 do CNJ inclui entre as regras que regem o
procedimento de conciliação/mediação o dever de informação, qual seja: “De-
ver de esclarecer os envolvidos sobre o método de trabalho a ser empregado,
apresentando-o de forma completa, clara e precisa, informando sobre os princí-
pios deontológicos referidos no capítulo I, as regras de conduta e as etapas do
processo” (artigo 2º., § 1º.).
122
Luciane Moessa de Souza
ros afetados”.
O reconhecimento de tal dever, como aponta Susskind (2004, p. 513), de
certa forma, vai de encontro à teoria tradicional de que o mediador não deve
opinar sobre os méritos da solução encontrada pelas partes, ou seja, “espera-
se que os mediadores mantenham suas preferências pessoais para si e foquem
apenas naquilo que as partes à mesa dizem que elas querem e precisam”. Não é
isso, porém, afirma ele, que ocorre na prática, pois
[...] mediadores raramente permanecem indiferentes aos termos dos acordos, eles fre-
quentemente argumentam contra ou a favor de elementos específicos de um acordo (em
suas conversações privadas com as partes), ainda que elas estejam muito inclinadas em
favor destes elementos, e eles normalmente defendem uma determinada solução não
apenas com base em questões estratégicas, mas também com base em fundamentos éti-
cos. (SUSSKIND, 2004, p. 514).
123
Diretrizes éticas, capacitação, credenciamento e supervisão da atuação de mediadores e conciliadores
complexo tecido social em que ele se insere. Seus efeitos sobre terceiros devem
ser levados em conta, por três razões: a) respeito ao princípio da eficiência, já
que acordo inviável possivelmente se torna acordo descumprido; b) necessidade
de respeito a todos os direitos fundamentais que possam ser afetados por seu
conteúdo; c) efeitos do acordo em termos de precedentes, já que sua possível
e provável repetição é uma decorrência inevitável do princípio da isonomia, um
dos pilares de nosso ordenamento jurídico.
Sobre esse tema, é importante mencionar que o Código de Ética de Conci-
liadores e Mediadores Judiciais anexo à Resolução nº. 125/2010, do CNJ, inclui
entre os princípios que regem a atuação destes profissionais o “respeito à ordem
pública e às leis vigentes”, que consiste no “dever de velar para que eventual
acordo entre os envolvidos não viole a ordem pública nem contrarie as leis vi-
gentes” (artigo 1º., § 6º.).
A. O mediador deverá fornecer a cada uma das partes ou seus representantes informações
precisas e completas sobre os custos da mediação, despesas e qualquer outras potenciais
taxas que possam ser incorridas em conexão com uma mediação.
1. Se o mediador cobra pelos seus serviços, ele deverá fazê-lo à luz de todos os fatores
relevantes, incluindo o tipo e complexidade da matéria, as suas qualificações, o tempo
requerido e as tarifas costumeiras para tais serviços.
2. O acordo referente aos honorários do mediador deverá ser escrito, a menos que as
partes o requeiram de outra forma.
B. O mediador não deverá cobrar honorários de uma forma que possa afetar sua impar-
cialidade.
1. O mediador não deverá fazer acordo de honorários baseado no resultado da mediação
ou no valor de eventual acordo.
2. Embora o mediador possa aceitar pagamentos desiguais pelas partes, ele não poderá
permitir que este arranjo impacte de forma adversa sua habilidade de conduzir a media-
ção de forma imparcial. 103
124
Luciane Moessa de Souza
ou não entenderem que foi possível construir um acordo que atenda aos seus
interesses, basta não participarem do procedimento ou não firmarem o acordo.
Já na esfera judicial, em que a utilização da mediação pode ter caráter
obrigatório e não existe uma outra alternativa de solução de conflito à qual
se possa depois recorrer, costuma-se adotar o efetivo rateio dos honorários, a
menos que o particular não tenha condições tampouco de arcar com as custas
processuais, sendo beneficiário de justiça gratuita.
Como visto, o novo Código de Processo Civil brasileiro contém disposição
a respeito do tema, em seu artigo 169. Espera-se que este dispositivo seja efetiva-
mente regulamentado pelo Conselho Nacional de Justiça e por todos os tribunais.
O PLS 434/2013 dispunha que a mediação deve ser gratuita para os ne-
cessitados, regra que foi mantida na redação final da lei (art. 4º., § 2º.). Não
se estabeleceu, porém, de onde virá a remuneração dos mediadores no caso de
gratuidade – provavelmente será decorrente de atuação voluntária, nos termos
do art. 169, § 2º., do novo CPC, que atribui este encargo de desempenhar a me-
diação gratuitamente às câmaras de mediação e conciliação credenciadas pelos
tribunais. Essa regra gera receios quanto à qualidade da atuação dos mediado-
res nesses casos em que não existe remuneração. Embora hoje a tendência seja
de a área estar repleta de pessoas idealistas e extremamente comprometidas
com o trabalho, quando os mediadores tiverem causas remuneradas e outras
não para atuar, e uma carga de trabalho eventualmente muito elevada, é eviden-
te que existe o risco de perda de qualidade, afetando em primeiro lugar para as
causas gratuitas (ressalvados, naturalmente, os fatores individuais).
Vale registrar que, no Brasil, existe ainda uma tendência de subvalori-
zação do trabalho do mediador, que pode acabar influenciando na atração ou
repulsão dos melhores profissionais para se dedicarem à tarefa, podendo refle-
tir certamente na qualidade dos resultados da prática de mediação. É preciso
ir além do mero voluntarismo, pois trata-se, sem dúvida, de um trabalho que
exige, além do devido treinamento, talento, dedicação e experiência.
104 Ver, por exemplo, ÁLVAREZ, Gladys. Ser um mestre em mediação?, nesta obra.
125
Diretrizes éticas, capacitação, credenciamento e supervisão da atuação de mediadores e conciliadores
que “as qualidades pessoais das partes podem influenciar o mediador, da mes-
ma forma que as qualidades pessoais do mediador afetam as partes” (BOWLING;
HOFFMAN, 2003, p. 21)105, eles proclamam que a presença do mediador deve
ser “integradora”, qualidade que abrange os seguintes componentes: “- estar
centrado; - estar conectado com os próprios valores e crenças e com objetivos
elevados; - estar em contato com a humanidade das partes; - ser coerente”.106 A
coerência carrega consigo, segundo eles, autenticidade, mas também a capaci-
dade de adaptar o próprio comportamento à condição vivenciada pelas partes.
Uma questão sempre aventada quando se trata de qualidades desejáveis
em mediadores diz respeito ao peso que deve ser dado à familiaridade do me-
diador com a matéria envolvida no conflito. Sob o prisma das vantagens, con-
forme Carole Silver (1996), aponta-se que o processo normalmente será mais
rápido – e, de consequência, mais barato, graças ao conhecimento prévio do
mediador, que fará com que rapidamente ele entenda o que está em disputa.
Sob o prisma das desvantagens, levanta-se a preocupação de que excessivas co-
nexões ou familiaridade com uma determinada área profissional podem acarre-
tar preconceitos e tendências, com prejuízo para a imparcialidade do mediador.
Trata-se de preocupação semelhante à decorrente do fato de o mediador
atuar profissionalmente, e não eventualmente, o que, para a mesma autora, tam-
bém ocasiona riscos para a imparcialidade, já que, quando se trata de litigantes
habituais, o mediador tende a buscar se assegurar de que seja escolhido novamen-
te em outros processos. Para Silver (1996, p. 52), a combinação de conhecimento
sobre a matéria do conflito com a atuação profissional como mediador apresentaria
seríssimos riscos para a imparcialidade – cabe ressaltar, porém, que este risco só
existe, por evidente, no caso dos conflitos que envolvem litigantes habituais.
De outra parte, como ela mesma lembra, o mediador profissional precisa estar
mais “atento a manutenção de uma reputação de integridade, de modo a sustentar
sua carreira, de maneira que se pode argumentar que ele tem mais razões para man-
ter sua imparcialidade do que o mediador eventual, que não depende desta carreira
para o seu sustento.” (SILVER, 1996, p. 46)107, o que acaba minimizando o risco de
parcialidade – ao menos nos conflitos que não envolvem litigantes habituais.
Na seara dos conflitos envolvendo políticas públicas, conforme apurei em
pesquisa de campo realizada nos EUA para elaboração de minha Tese de Doutora-
do108, existe uma clara preferência dos entes públicos por mediadores com conhe-
cimento ou familiaridade com a matéria envolvida no conflito, o que se explica pela
complexidade destes, mas também pode, evidentemente, acarretar riscos para a
imparcialidade, já que entes públicos são litigantes habituais por excelência.
126
Luciane Moessa de Souza
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Diretrizes éticas, capacitação, credenciamento e supervisão da atuação de mediadores e conciliadores
gens e técnicas na mediação. Como já visto no início deste capítulo, existe grande
debate sobre se, por exemplo, a atuação do mediador deve ser mais avaliadora ou
mais facilitadora, sendo que, para alguns 110, cada programa, ao estabelecer seus
critérios de certificação de mediadores, deveria esclarecer qual a visão de mediação
que lhe é subjacente. Parece evidente a honestidade e eticidade de tal pensamento,
que busca desvendar o suporte teórico “implícito” em cada programa de mediação,
porém não se deve descartar a possibilidade de que os programas de mediação
acolham mediadores que se inclinem por diferentes técnicas ou correntes ou ainda
que exijam dos mediadores que dele participam o domínio de todas as diversas
técnicas ou abordagens, a fim de aplicar aquela que seja mais apropriada em cada
tipo de conflito ou situação específica. Esta política de diversidade, assim como
eventual política que acolha apenas uma espécie de técnica de mediação, deve,
todavia, ser explícita, tal como propugnam Bush e outros (2002-2003).
No Brasil, o novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015) posiciona-se acer-
ca da controvérsia dispondo que cada tribunal deverá manter um cadastro de concilia-
dores e mediadores, tendo liberdade para definir seus próprios requisitos adicionais,
porém estabelecendo desde logo que os mediadores deverão ter passado por capa-
citação sobre o assunto. É o que se depreende dos dispositivos que tratam do tema:
128
Luciane Moessa de Souza
112 Quando utilizo o termo “certificação geral”, refiro-me à certificação para atuar como mediador
em qualquer programa, em oposição à certificação que atende a critérios de programas específi-
cos, que, quando existente, é sempre compulsória.
113 Um bom exemplo desse pensamento aplicado à mediação pode ser visto no artigo de Michael
Moffitt (2009), em que ele, apesar de afirmar, logo no início do trabalho, que “Mediadores atuam
hoje com poucas restrições de mercado, poucos controles de sua conduta e poucas consequências
de conduta inadequada. Esta condição não vai persistir.”, acaba concluindo, ao final, que a “regu-
lação diminuiria a inovação e diversidade nas abordagens de mediação”, de modo que ele aposta
no mercado privado para assegurar maior controle da qualidade de tais serviços.
129
Diretrizes éticas, capacitação, credenciamento e supervisão da atuação de mediadores e conciliadores
a qualidade dos serviços, em muitas outras, em que, pela sua dimensão, não
existem suficientes informações e monitoramento da atuação de seus membros,
parece bastante arriscado não realizar uma regulação da atividade.
De outra parte, um dos argumentos sempre aventados em desfavor da
certificação diz respeito aos custos dela advindos, não apenas para administrar
o processo seletivo e a supervisão, encarecendo de consequência a utilização da
mediação, mas também com a potencial exclusão de mediadores voluntários que
não estariam dispostos a suportar os custos da certificação (ROBINSON, 2007).
Parece evidente ser necessário, sim, evitar que os processos de certifi-
cação e supervisão de mediadores venham a gerar custos que inviabilizem o
processo, de modo que um dos critérios na escolha dos métodos pode e deve
ser o custo de sua implementação. Para Michelle Robinson (2007), os benefícios
podem compensar os custos de tal sistema desde que estes últimos sejam man-
tidos num patamar mínimo. Vale mencionar que, a par de mensurar tais custos,
deve-se decidir por quem estes serão pagos, se com fundos públicos ou pelos
próprios mediadores – ou ambos.
Além dos métodos já acima descritos, há que se mencionar os métodos
pelos quais se garante que um mediador continue atuando, quais sejam: a) atua-
lização nos treinamentos; b) avaliação de desempenho.
Michelle Robinson (2007), ao realizar uma análise dos diferentes métodos
para certificar mediadores e seus respectivos custos, acaba por concluir que os que
apresentam menos custos são também os menos precisos: “Enquanto os sistemas
de reconhecimento de horas (de treinamento ou experiência) e de exames escritos
têm as vantagens de serem objetivos e de baixo custo, avaliações de desempenho e
avaliações holísticas são mais acuradas.” Assim, para ela, “Para manter flexibilidade
e diversidade, alguma dose de avaliação de desempenho e de avaliação holística são
essenciais”.
A avaliação de desempenho, sobre a qual discorrerei mais no item seguin-
te, parece ser, indubitavelmente, o método, ao mesmo tempo, que apresenta
mais custos e maior precisão 114.
Uma das discussões que surge no que diz respeito à atuação de mediadores
envolve a questão de se ela deve ser reservada a alguma categoria profissional já
existente – o que, muitas vezes, é um pleito da classe dos advogados, dada sua
vocação para atuar em conflitos de natureza jurídica. Este pleito, contudo, não tem
encontrado eco nas legislações no mundo todo, dado o simples fato de que, como
visto, a mediação não busca resolver conflitos com base apenas em critérios ju-
rídicos, mas sim com base em todos os interesses relevantes para as partes. No
âmbito de alguns programas, contudo, a mediação é reservada à classe advocatícia.
114 Um estudo a respeito realizado pela Society of Professionals in Dispute Resolution (SPIDR)
concluído em 1989 concluiu que os melhores critérios para qualificação de mediadores são os ba-
seados no desempenho, muito mais que em critérios de credenciamento. Cf. FEERICK et al. (1995).
130
Luciane Moessa de Souza
131
Diretrizes éticas, capacitação, credenciamento e supervisão da atuação de mediadores e conciliadores
121 Este autor explora de forma abrangente as potencialidades da utilização de vídeos no ensino
de mediação e negociação, não só apontando as finalidades pedagógicas, mas também ensinando
até mesmo como evitar problemas técnicos e produzir seus próprios vídeos.
122 Tradução desta autora.
123 Tradução desta autora.
124 Tradução desta autora.
132
Luciane Moessa de Souza
É importante mencionar, por fim, que algumas das mais recentes tendên-
cias exploratórias no ensino da mediação atentam, de um lado, para os aspectos
emocionais do aprendizado e, de outro, para a importância de um determinado
grau de maturidade emocional no desempenho das atividades do mediador, o
qual, se não preexistir ao treinamento, pode e deve ser ensinado.
Quanto ao primeiro aspecto, vale dizer, a conexão entre as emoções do
participante do treinamento e seu rendimento, Stains Jr. (2003, p. 475) cita es-
tudos que demonstraram que a “emoção está portanto imbricada com os pro-
cessos racionais de aprendizado, intencionalmente ou não.”125. Assim, para ele,
“nós precisamos desempenhar um trabalho melhor ao preparar mediadores para
reconhecerem e desenvolverem seus recursos cognitivos, comportamentais,
emocionais e espirituais”, o que ele sugere seja feito criando “canais de mo-
tivação” ou de “propósito”, mediante “conversas durante as aulas e exercícios
escritos, reflexão individual, parcerias de aprendizado, diários de aprendizado”
(STAINS JR., 2003, p. 476) 126, entre outras.
Já Leonard Riskin (2004) aponta o fato de que,
[...] para uma pessoa implementar, de forma apropriada, as estratégias associadas com
as novas técnicas de mediação, negociação e advocacia, ela precisa ter um conjunto de
habilidades de fundo, como consciência, maturidade emocional e compreensão. Mas os
cursos de capacitação em negociação e mediação – em especial aqueles voltados para
advogados e estudantes de Direito – não propiciam este treinamento. Professores e ins-
trutores tendem a assumir, ao revés, que advogados e estudantes de Direito já possuem
capacidades de atenção e consciência suficientes para habilitá-los não apenas a com-
preender as novas abordagens, mas também a implementá-las 127.
Para desenvolver tais habilidades, que a prática demonstra não serem pos-
suídas por todos os que se dispõem a atuar em mediação, ele propõe uma pos-
sível solução: “mindfulness meditation”, uma técnica de meditação budista que
desenvolve a auto-consciência, concentração no presente, senso de equilíbrio,
capacidades de empatia e compaixão – todas características desejáveis num me-
diador, sem falar nos benefícios adicionais para o crescimento pessoal128. Ele re-
lata vários programas bastante reconhecidos, no âmbito de Faculdades de Direito
(inclusive o Programa de Negociação de Harvard), que já estão oferecendo tais
cursos, mas deixa claro que muitas questões devem ser respondidas ao pensar no
ensino destas técnicas, tais como: qual a metodologia adequada (simples ensino
teórico ou exercícios práticos?); se este conteúdo deve ser obrigatório nos cursos
de mediação; se práticas provenientes de outras tradições espirituais ou filosófi-
cas podem substituí-la ou devem ser ensinadas em conjunto; entre outras.
A visão de Riskin é compartilhada por Bowling e Hoffman (2003, p. 38),
que afirmam: “Existem currículos bem desenvolvidos com foco nos dois pri-
133
Diretrizes éticas, capacitação, credenciamento e supervisão da atuação de mediadores e conciliadores
O risco de um notável atuar como terceiro imparcial numa situação em que ele carece da expe-
riência ou do conhecimento necessário para guiar sua conduta, contudo, é relativamente peque-
no. A conduta do notável, em resolução alternativa de disputas como em geral, é guiada pelo seu
intento de preservar e engrandecer sua reputação, tanto no que concerne ao seu papel na resolu-
ção de disputas quanto em geral. Esse interesse fará com que o notável se auto-regule e restrinja
sua participação a situações em que ele possa se assegurar de que seus serviços sejam apro-
priados. Em decorrência disso, requerer treinamento específico dos notáveis que atuam como
terceiros imparciais em resolução de disputas pode ser desnecessário, já que podemos confiar
em que eles vão obter o treinamento necessário para preservar sua reputação nesta área.131
Quero concluir transcrevendo as pertinentes observações de Humberto
134
Luciane Moessa de Souza
Nos Centros, bem como em todos os demais órgãos judiciários nos quais se realizem
sessões de conciliação e mediação, somente serão admitidos mediadores e conciliadores
capacitados na forma deste ato (Anexo I), cabendo aos Tribunais, antes de sua instalação,
realizar o curso de capacitação, podendo fazê-lo por meio de parcerias.
§ 1º. Os Tribunais que já realizaram a capacitação referida no caput poderão dispensar
os atuais mediadores e conciliadores da exigência do certificado de conclusão do curso
de capacitação, mas deverão disponibilizar cursos de treinamento e aperfeiçoamento, na
forma do Anexo I, como condição prévia de atuação nos Centros.
§ 2º. Todos os conciliadores, mediadores e outros especialistas em métodos consensuais de
solução de conflitos deverão submeter-se a reciclagem permanente e à avaliação do usuário.
§ 3º. Os cursos de capacitação, treinamento e aperfeiçoamento de mediadores e conciliadores
deverão observar o conteúdo programático e carga horária mínimos estabelecidos pelo CNJ
(Anexo 1) e deverão ser seguidos necessariamente de estágio supervisionado.
135
Diretrizes éticas, capacitação, credenciamento e supervisão da atuação de mediadores e conciliadores
136
Luciane Moessa de Souza
[...] há poucas reclamações sobre os serviços de mediação, mas isso pode não indicar a
alta qualidade de tais serviços, mas apenas o fato de que as partes frequentemente não
estão conscientes de seus direitos ou não são capazes de avaliar a qualidade da atuação
de um mediador devido a uma ausência de conhecimento técnico (SILVER, 1996)) – .
137
Diretrizes éticas, capacitação, credenciamento e supervisão da atuação de mediadores e conciliadores
138
Luciane Moessa de Souza
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Diretrizes éticas, capacitação, credenciamento e supervisão da atuação de mediadores e conciliadores
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Luciane Moessa de Souza
6 Conclusões
Os métodos consensuais de solução de conflitos têm, recentemente, recebido
grande aceitação tanto por parte do Poder Judiciário quanto pelos jurisdicionados
que a eles vêm tendo acesso. A utilização do diálogo como caminho para a solução
de problemas se insere muito bem em nossa cultura e, sobretudo, no contexto de
sobrecarga do Poder Judiciário – a qual se verifica tanto do ponto de vista quantitativo
quanto sob o prisma da complexidade dos litígios que a ele têm sido levados.
Todavia, é preciso alertar que tais métodos não devem ser utilizados sem
a adequada preparação e os profissionais que os aplicam, como quaisquer ou-
tros, necessitam de parâmetros éticos para nortear sua atuação, bem assim de
supervisão apropriada, notadamente em respeito aos usuários de tais serviços.
O desrespeito a diretrizes éticas básicas, tais como a imparcialidade e o
dever de zelar pelo equilíbrio de poder entre as partes, para ficar apenas em
duas essenciais, bem assim a ausência de mecanismos institucionais claros a se-
rem acionados quando houver uma atuação deficiente por parte de mediadores
e conciliadores, colocam em xeque a validade e em risco a eficácia de qualquer
programa de mediação ou conciliação.
Da mesma forma, para estimular a qualificação adequada, é importan-
te reconhecer a necessidade de remuneração adequada para tais profissionais,
quando estes atuam no setor privado, e a necessidade de uma adequação da
141
Diretrizes éticas, capacitação, credenciamento e supervisão da atuação de mediadores e conciliadores
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143
PARTE II
Aplicação da Mediação
144
A mediação de conflitos
no contexto empresarial
1 Introdução
145
A mediação de conflitos
2 Mediação comercial
146
Adolfo Braga Neto
operações que envolvam pequenas quantias. Assim, cabe-lhe estar alerta para
os discursos fechados das posições apresentadas pelos empresários ou execu-
tivos representantes de empresas comerciais, industriais, financeiras, agrícolas,
etc., os quais estão impregnados de fortes argumentos de convencimento, que
encobrem os efetivos interesses, valores pessoais, institucionais, corporativos
e missões das próprias empresas ou organizações. Tal posicionamento, no en-
tanto, não visa confundir o outro lado. Pelo contrário, deve ser lido no sentido
de que está baseado na visão ilusória de um discurso estruturado de maneira
defensiva, por constituir-se na falsa premissa de que é a melhor opção para a si-
tuação existente ou para as duas ou mais empresas envolvidas na controvérsia.
Convém lembrar que a mediação lida com pessoas, as quais possuem sua
própria visão a respeito do objeto da controvérsia. Por isso, os empresários, ao de-
fenderem suas posições, expõem aspectos subjetivos que afloram no conflito que
estão enfrentando, criando uma perspectiva pessoal parcializada e limitadora. Este
fato acaba por dificultar ainda mais a resolução da controvérsia. Por isso, é impor-
tante delimitar nestes procedimentos todas as questões subjetivas, não no sentido
de separá-las da negociação para facilitar o acordo, como defendem alguns especia-
listas estrangeiros, mas sim de identificá-las, acolhê-las e, com a devida relevância,
oferecer um encaminhamento no âmbito do processo de mediação.
Há que se destacar que muitas controvérsias nestas relações são resultantes
do descumprimento de cláusulas contratuais. Cabe lembrar, por oportuno, que o
contrato, ao ser elaborado, atendeu, no passado, a uma situação econômica espe-
cífica e a determinadas expectativas dos contratantes ou mesmo a determinados
interesses. A economia, por seu turno, avança sempre, quer seja de maneira posi-
tiva, quer seja de maneira negativa. Por isso, eventuais descumprimentos contra-
tuais ocorrem por força de não atenderem ao dinamismo exigido pela economia a
que estão intrinsecamente ligados. Por esse motivo, a mediação, nestes casos, tem
resultado na elaboração de uma nova relação e no nascimento de um novo contrato
tendo como premissa básica novas perspectivas das partes, incluindo-se na maioria
dos casos elementos relativos a fatores mutáveis da economia. E o mediador, neste
caso, oferece seus serviços apontando a exigência da abertura dos empresários e
suas empresas a estas mudanças, bem como para a eventual elaboração de um
novo contrato que regerá a relação. Por exemplo, eventuais conflitos societários,
se submetidos à mediação de conflitos, poderão resultar na elaboração de um novo
contrato social ou um novo estatuto e, com isso, o surgimento de uma nova empre-
sa. Foi o que ocorreu num caso em que atuamos em que um sócio desejava sair
da sociedade por considerar que o relacionamento com os demais sócios estava
desgastado de maneira irreversível. A mediação neste caso levou todos a repensa-
rem a inter-relação existente diante da economia em permanente mutação, o que
resultou na elaboração de um novo contrato social, com a continuidade de todos os
sócios em suas participações societárias na proporção iniciada há mais de 30 anos.
Com relação a estas particularidades, a mediação no setor de franchising
bem exemplifica o que foi observado. Para tanto, há que se ressaltar peculiarida-
des destes tipos de operações empresariais, em que o sucesso almejado depende
muito da capacidade de oferta de produtos e equipamentos, assistência técnica
rotineira, política de marketing agressiva e treinamento constante. Estas ações
conjuntas demonstram que ambos os pólos da relação franqueado/franqueador,
em qualquer de suas operações, possuem distintos e relevantes papéis. Assim é
147
A mediação de conflitos
148
Adolfo Braga Neto
rede, celebrou um contrato de master franquia com 5 unidades e que acabou en-
frentando muitas dificuldades nestas unidades e optou por rescindir o contrato
da máster-franquia e se manter na rede sem qualquer prejuízo para o franquea-
dor. Estes são alguns exemplos dos resultados atingidos graças à utilização da
mediação na resolução de conflitos no setor de franquias.
3 Mediação organizacional
As empresas, de maneira geral, possuem uma organização interna que cons-
titui-se em uma complexa rede de conexões e interações entre as pessoas que
dela fazem parte. Com isso, geram entre si inúmeras inter-relações, algumas delas
decorrentes da própria atividade profissional e outras resultantes das afinidades
pessoais e/ou sociais. Este quadro acaba por transformá-las, não importando seu
porte, quer seja micro, pequeno, médio ou grande, em um ambiente onde ocorrem
diversos conflitos, relativos às inúmeras e intensas atividades internas no dia-a-dia.
Tais conflitos, caso alcancem número muito elevado, comprometem o cresci-
mento e a evolução positiva da própria empresa, podendo resultar na perda da com-
petitividade da empresa, grupo de empresas ou corporações. Tal fato é decorrente da
forma negativa em que, internamente, o conflito não somente é percebido, mas so-
bretudo como é administrado. Além disso, em alguns casos, é comum a negação de
que ele exista. Ao mesmo tempo, perde-se muito tempo na sua resolução, por inter-
médio de reuniões infrutíferas, exigindo de seus dirigentes decisões impositivas ou
terceirizadas para as autoridades responsáveis por fazer valer o respeito à hierarquia
e ao poder. Na verdade, todos estes fatos tendem a agravar ainda mais os conflitos.
Empresas com número grande de descumprimento de cláusulas contra-
tuais, elevado grau de rotatividade de seus funcionários, reclamações traba-
lhistas, recusa ou devolução de produtos em altos níveis, absenteísmo, custos
operacionais muito altos, baixa produtividade, constituem-se exemplos de si-
tuações em que o conflito passa a ser uma ameaça a sua própria sobrevivência.
Tudo isso, na maioria dos casos, é resultante de um sistema de comunicação im-
pregnado de ruídos, desmotivação na execução de tarefas de seus funcionários,
não somente agravando a situação conflituosa, mas também comprometendo o
desempenho da própria organização e onerando-a.
A mediação de conflitos nas organizações tem se monstrado eficaz método
para reverter este quadro e responder aos anseios dos executivos responsáveis
pelas empresas ou organizações. Estimula a criação de sistemas que possibilitem
a seus integrantes passar a encarar o conflito de maneira natural, com vistas à sua
resolução dentro de parâmetros mais pacíficos e equilibrados. Prioriza o reconhe-
cimento dos papéis que cada participante deverá desempenhar na organização. E
privilegia o diálogo cooperativo, não somente entre os envolvidos, mas também
entre eles e a própria organização. Sob este aspecto, a elaboração de um socio-
grama (descrição das distintas e inúmeras inter-relações existentes entre todos os
integrantes) face ao tradicional organograma, em muitos casos, facilita a identifica-
ção dos diversos níveis de atuação para a resolução do conflito. Amplia-se, assim,
o auto-conhecimento das diversas inter-relações existentes. O resultado é a imple-
mentação de um plano específico, que aos poucos permite a evolução natural da re-
solução dos conflitos. Transfere-se, automaticamente, da estrutura impositiva para
a colaborativa. Além disso, é relevante asseverar que os objetivos e as missões das
149
A mediação de conflitos
4 Mediação ambiental
150
Adolfo Braga Neto
5 Mediação trabalhista
A mediação nas relações capital/trabalho remonta à própria história da
atividade no Brasil. Convém lembrar que, no Brasil, auditores do Ministério do
Trabalho, já em meados da década de oitenta, conscientes de que sua responsa-
bilidade social extrapolava a simples função de fiscalização, vivenciaram expe-
riências que primavam pelo equilíbrio entre aqueles dois pólos, por intermédio
da flexibilização da aplicação da lei, com a utilização do diálogo entre os pro-
tagonistas. Muitas dessas experiências eram empíricas e objetivavam a pacifi-
151
A mediação de conflitos
152
Adolfo Braga Neto
153
A mediação de conflitos
154
Adolfo Braga Neto
7 Conclusão
Nos momentos atuais as mudanças na ordem social, política, econômica e cul-
tural tem demonstrado ser cada vez mais profundas, impactantes e paradigmáticas.
Os imaginários, ilusórios, preconceitos e paradigmas sociais existentes são substituí-
dos por outros de uma maneira tão rápida que os empresários em muitas vezes se
surpreendem pelo dinamismo e radicalismo. Resulta em um convívio diversificado
oferecido pelas múltiplas interrelações entre as pessoas e acaba por se constituir em
fatos geradores de conflitos que exigem respostas imediatas para que a convivência
seja baseada no respeito, reconhecimento mútuo de diferenças e harmonia.
A mediação de conflitos no contexto empresarial, como observado nas áreas
apontadas neste trabalho, promove a busca de respostas e contribui para a criação
de espaços de diálogo em que se apresentam as diferenças e se redesenham de
maneira participativa, dinâmica e pacífica os papeis que cabe a cada um nas inú-
meras inter-relações existentes. Permite também estabelecer canais facilitadores da
articulação e ao mesmo tempo convida a todos para uma reflexão responsável so-
bre a diversidade das temáticas da realidade atual, constituindo-se num verdadeiro
desafio a preservação das relações de maneira equitativa e integradora.
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156
Mediação e Estatuto da Criança
e do Adolescente: práticas e possibilidades
Alexandre Morais da Rosa
1 Introdução
Apresentar a mediação no campo do Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA) parece, ainda, ser uma novidade. Embora inexista regulamentação específica
no Brasil, diversos Juizados da Infância e Juventude espalhados pelo país instituíram
serviços desta ordem. De regra, a atuação se dá no campo do “ato infracional”, con-
soante se verifica nos projetos de São Caetano do Sul, Brasília, Porto Alegre e Join-
ville, este último que coordenei até recentemente, quando optei pela Vara Criminal.
O tema produziu alentada bibliografia recente, a qual não pode ser desconsiderada
147
. Este artigo, pois, de maneira sumária, procura explicitar uma das possibilidades
de implementação no campo do ECA, especialmente do “ato infracional”, em projeto
que dialoga com a psicanálise e seu sujeito do desejo (MORAIS DA ROSA, 2007).
147 Indica-se, dentre muitas outras, a seguinte bibliografia para consulta: Amaral (2005); Barros
(2008); Aréchaga, Brandoni e Risolía (Org.) (2005); Leal (2005); Mendonça (2006); Neuman (2005);
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www.ibjr.justicarestaurativa.nom.br/arquivos/artigos.htm>. Último acesso em: 29 jun. 2009.
148 “O positivista ferrenho vai ao supermercado e confere — na forma da lei — os prazos de vali-
dade e somente consome o produto até o dia fatídico, ou seja, se o prazo de validade é hoje, so-
mente pode consumir até às 24h; às 00h01 o produto está fora do prazo de validade e, portanto,
inservível ao consumo. Para este, no exato minuto que se transpôs o dia, as bactérias, em Assem-
bléia Geral Ordinária — adrede convocada — decidiram, à unanimidade, avançar (estragar) sobre
o produto. O prazo fatal é 24h. Somente rindo! E o pior é que essa ingenuidade mesclada com
astúcia é reproduzida pelo senso comum teórico dos juristas” (MORAIS DA ROSA. 2001, p. 73-74).
157
Mediação e Estatuto da Criança e do Adolescente
é que podem acreditar que isto corresponde à realidade. Cada adolescência é úni-
ca, singular, e como tal deve ser respeitada em sua alteridade. Aí reside a ética de
respeito ao desejo do sujeito e dos atores jurídicos. Sem esta compreensão, o mero
fato biológico de se completar a idade respectiva significaria o início da adolescên-
cia, situação, de fato, ilusória.
Neste contexto, Alberti (1999, p. 10) aponta que na fase da adolescência se dá,
em regra, o encontro com o real do sexo e também o trabalho de desligamento dos
pais, necessitando, todavia, que algo neles (pais) falhe, isto é, deixe a desejar para
que a função paterna se instaure. Realinhar seu papel social é um desafio, mormente
porque o véu do período de latência se esvai. A diferença de gerações e o processo
de identificação sexual implicam em escolhas singulares, situadas na dinâmica das
pressões sociais (família, etc.). As mudanças estão aí e, no trabalho de elaboração, as
regras universais são insuficientes. Dando-se conta, na maioria dos casos, de que foi
objeto do desejo do Outro, de quem exerce as funções paternas, surge uma encruzi-
lhada. Independentemente de ser uma crise ou um processo, a adolescência implica,
necessariamente, um acertamento subjetivo em que os trilhamentos do complexo de
Édipo estarão presentes. As relações do sujeito adolescente com seu entorno, então,
ganham novos matizes, cujo enfrentamento depende, em muito, da maneira como o
sujeito foi estruturado. A intervenção nesta seara, para ser ética, demanda o reconhe-
cimento da singularidade e da procura individual de atribuição de sentido.
Podem ocorrer, assim, dificuldades neste momento, culminando em
construções defensivas em que o sintoma não compromete o sujeito, podendo
se dar a simbolização. Dentre as saídas, aponta Cahn (1999, p. 30), existe a
possibilidade de dificuldades banais, baixo rendimento escolar (RPUDINESCO,
2005, p. 87), problemas de relacionamento com o entorno, inibição, distúrbios
de comportamento, drogas, ansiedade, pequenos delitos, condutas masoquistas
ou auto-punitivas, conflitos com os pais e irmãos, onde prepondera a angústia
por sua identidade e identificações. Depende fundamentalmente do trilhamento
do Complexo de Édipo a maneira pela qual o adolescente poderá enfrentar os
desafios deste momento conflituoso do estabelecimento da subjetividade.
Por esta estrutura de acertamento se explica, assim, a resoluta tendência
ao agir, de não pensar duas vezes (CAHN, 1999, p. 156; COSTA, 2004), já que
se sabe — apesar de se negar — que o sentido é a posteriori 149. Entendido
o ato infracional como (possível) sintoma de que algo não está acertado
subjetivamente, desde que haja demanda, porque impor é violador da ética do
desejo e não se sustenta no Estado Democrático de Direito de cariz garantista
(FERRAJOLI, 2002), pode-se, caso a caso, constituir-se caminhos que demandam
a participação dos sujeitos envolvidos, especificamente o adolescente, vítimas,
os pais e a sociedade. Caso não haja demanda, sem eufemismos, é puro ato de
poder, já que o fundamento da medida socioeducativa é agnóstico (ZAFFARONI et
al., 2003; CARVALHO, 2002). Neste sentido, deve-se acreditar em novas formas
de engajamento ao laço social. Porque, se isto não ocorrer, na seara da infância
e juventude, entrega-se o bilhete da imputabilidade, deixando-o à mercê do
nefasto sistema penal.
149 “Porque nessa época ondulante da vida é-se apenas fantasia, crédula fantasia. Vem depois o
raciocínio, a lucidez, a desconfiança — e tudo se esvai... Só nos resta a certeza — a desilusão sem
remédio...” (SÁ-CARNEIRO. 1998, p. 14).
158
Alexandre Morais da Rosa
3 O ato infracional
Desde a mirada da Criminologia Crítica, Cirino dos Santos (2002, p. 122)
aprofunda o questionamento e destaca que o “desvio” pode fazer parte de sua
construção subjetiva, descabendo a intervenção estatal, principalmente nos
casos de bagatela e pequenas questões comportamentais. Assim é que a (dita)
agressividade não significa sempre a dita “delinquência”, mas um momento
da vida do sujeito — sujeito este adolescente, protagonista de um momento
de passagem, sem ritos sociais de apoio, lançado aos seus próprios mitos, na
eterna tentação de existir, se constituir como sujeito, numa sociedade complexa.
Rejeitando-se, pois, os discursos positivistas fáceis e fascistas, deve-se buscar
entender este possível movimento agressivo como o sintoma de que algo não vai
bem e buscar construir um caminho com o outro e o Outro (VEZZULLA, 2005). Sem
esperança, a agressividade é mais que esperada, mormente diante das condições
sociais dos sujeitos frequentadores das Varas Criminais e da Infância e Juventude:
a pobreza (BARROS, 2003, p. xii-xiii). Percebe-se, assim, que a estrutura psíquica
condiciona o sujeito nas suas relações com o meio, constituindo-se a adolescência,
no caso do ato infracional, numa possibilidade de intervenção em Nome-do-Pai,
na perspectiva de trazer o adolescente para o laço social, sabendo-se, ademais,
que a maneira como será significada depende de cada singularidade do sujeito
adolescente, sem que haja, portanto, uma regra universal de ouro.
De qualquer forma, a resposta estatal brasileira em face da verificação de um
ato infracional é a aplicação de uma medida socioeducativa (advertência, reparação
do dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade
e internação). A postura adotada, de regra, todavia, é a de salvação moral-
comportamental dos adolescentes, via “conserto” de sua subjetividade, “como se
algo não funcionasse bem”. Busca-se, na grande maioria dos casos, movimentar
o aparelho de controle social com a finalidade de “normatizar” o adolescente
(FOUCAULT, 1989), desconsiderando-o como sujeito para torná-lo objeto de atuação.
Assim é que, após a queda, isto é, o ato infracional, organiza-se uma cruzada
pela salvação moral do adolescente. Longe de buscar estabelecer um limite, como
substituto paterno, a função materna acaba sendo incorporada pela Justiça da
Infância e da Juventude brasileira. Assim, lotados de boas intenções, claro, o juiz,
o promotor de justiça, os advogados, a equipe interprofissional, todos, de regra,
buscam agarrar o cajado e indicar o caminho da redenção ortopedicamente.
Desconsidera-se, imaginariamente, que a adolescência é o momento do reencontro
sempre traumático com o real do sexo, do desligamento dos pais, do conflito de
gerações, num mundo em que impera a ausência de limites, naquilo que Melman
(2003) denomina “Nova Economia Psíquica”, ou seja, em que, sem Lei, gozar do
objeto passa a ser o padrão social de atuação. Em um mundo de satisfação plena,
felicidade eterna,150 cuja maior dificuldade é “ser humano”, possuir angústia, o
ato infracional pode significar a pretensão de existir do adolescente. Pode ser o
sintoma de que ali, no ato, o sujeito procurar resistir ou se fazer ver. A questão se
agrava, de fato, no Brasil, porque, à extragrande maioria, as condições mínimas
150 “Faz da psicanálise uma escola de escuta das paixões da alma e do mal-estar da civilização, única
capaz de frustrar os ideais filantrópicos e enganadores das terapias da felicidade que pretendem tratar
o eu e cultivar o narcisismo mascarando a desintegração da identidade” (ROUDINESCO, 2006, p. 49).
159
Mediação e Estatuto da Criança e do Adolescente
160
Alexandre Morais da Rosa
151 “Uma vez perguntei: quem nos protege da bondade dos bons? Do ponto de vista do cidadão co-
mum, nada nos garante, a priori, que nas mãos do Juiz estamos em boas mãos, mesmo que essas mãos
sejam boas [...]. Enfim, é necessário, parece-me, que a sociedade, na medida em que o lugar do Juiz é um
lugar que aponta para o grande Outro, para o simbólico, para o terceiro” (MARQUES NETO, 1994, p. 50).
152 Relatório disponível em: <http://www.ilanud.org.br>. Último acesso em: 29 jun. 2009.
161
Mediação e Estatuto da Criança e do Adolescente
vítima, que, pelo modelo de direito penal herdado da Modernidade, acaba sendo
um resíduo do processo. Neste modelo, a preocupação é defenestrar o “mal”,
representado pelo infrator, sem que haja preocupação com o dano.153 Invertem-
se os papéis, de maneira que a ela se dá a palavra e, depois de uma preparação,
possa ser colocada com o adolescente. Os resultados são animadores. Há uma
preocupação, também, contra o perigo da monetarização dos relacionamentos
intersubjetivos, a saber, de se quitar as culpas com dinheiro, uma vez que a
psicanálise bem sabe o que significa: te pago para que não nos relacionemos.
4 A Justiça Restaurativa
O que se dá, de regra, são atores sociais que amam o Direito, a Justiça
Restaurativa, mas odeiam gente, contato, proximidade, como fala Luís Alberto
Warat (2001). Amam as pessoas à distância, nos seus lugares, desde que os deixem
em paz. A paz muitas vezes do discurso consciente contracena com o desprezo,
a intolerância em relação ao outro. O encontro é similar à lógica do “amor cortês”,
no sentido de evitar o encontro com a “coisa”, enfim, como no “amor cortês” é
um falso amor, aqui, no caso dos adolescentes, é um falso respeito. Por detrás do
discurso esconde-se, não raro, uma intolerância primordial. Evita-se o encontro
ao máximo, com medo do trauma que daí advém, sempre. E, quando acontece o
encontro, por exemplo, com a violência, o conflito, a intolerância impera soberana.
Por isso é que Lacan (ética da psicanálise), ao afirmar que o Real existe, mas é
impossível, refere-se ao axioma: “ama o teu próximo”, porque ele, para ser amado,
deve permanecer a certa distância, sem encontro, porque, quando isto se dá, o
trauma acontece. É sobre este trauma que muitas vezes a Justiça Restaurativa
é chamada a se manifestar. A sociedade vive numa convivência à distância, um
contato sem contato, e os contatos são traumáticos por definição.
Daí o perigo dos discursos de “Paz por Paz”, alienados da dimensão humana,
na esperança metafísica — e muitas vezes religiosa — de uma perenidade de
humanos tornados em anjos, imaginariamente. Este é um projeto inalcançável e que
fomenta — muito de boa-fé — as atividades sociais totalitárias. Procura-se, neste
pensar, uma dessubjetivação, com o apagamento da dimensão de negatividade do
sujeito, de sua pulsão de morte. E aos adolescentes procura-se impor um padrão
de subserviência alienada ao desejo dos adultos, tornando-os marionetes de um
discurso opressivo sem sentido. Procura-se eliminar o sujeito humano que molesta.
Aceitar o sujeito é admitir que age sem o saber, movido por uma estrutura
subjetiva singular, própria, embalada pelo princípio de morte, na eterna tentação
153 “Ao direito penal não interessa, segundo esta interpretação, eliminar o sofrimento [da vítima], mas
eliminar o mal (cuja definição se encontra nos distintos tipos delitivos). E é tanta a inquietude para
eliminar o mal que simboliza o dano resultante do delito, que o sofrimento da vítima fica postergado,
ou mesmo esquecido. Não obstante, pouco a pouco foi-se desenvolvendo uma sensibilidade diante do
sofrimento, que revela, entre outras coisas, a preocupação para descobrir o indivíduo por detrás das
máscaras que lhe haviam sido atribuídas na concepção da imagem do mundo. Na medida em que vai
se ‘encarnando’ o sujeito de direito no indivíduo de carne e osso, o sofrimento que este pode padecer
vai despertando uma sensibilidade antes sufocada por outras considerações. Somente incorporando o
indivíduo, poderá o direito determinar a importância que o sofrimento merece. Porque este é uma expe-
riência profundamente individual. À medida que se interesse pelo sofrimento individual, ir-se-á interes-
sando cada vez mais pela vítima do delito, pelas formas de evitar se sofrimento” (MESSUTI, 2003, p. 76).
162
Alexandre Morais da Rosa
de existir. Pode ser que ali, no ato infracional, exista uma tentativa de o sujeito
adolescente se fazer ver, aparecer. A abordagem tradicional busca calar esta voz,
não deixar o sujeito dizer de si, de suas motivações, previamente etiquetadas e
formatadas por tipo penal. Há um sujeito no ato infracional. E a Justiça Restaurativa
possibilita que ele se faça ver, dando-lhe a palavra, sempre. É com a palavra,
com a voz, que o sujeito pode aparecer. A violência em nome da lei, imposta,
simplesmente, realimenta uma estrutura de irresignação que (re)volta mais e mais.
Nesta abordagem, se pretende mostrar que não se pode gozar tudo, pois
há um impossível a se gozar em sociedade. Busca-se, ao inverso do discurso
padrão, construir laço social, e não a imposição de um respeito incondicional
kantiano que, por básico, opera na lógica: não discuta, cumpra. Busca-se que
o sujeito enuncie seu discurso e não despeje enunciados, como diz Lebrun,
ocupando um lugar e uma função. A aposta que se faz, neste contexto, pois,
é a de reconhecer o outro, a alteridade, na medida em que se descobre sujeito.
Dito de outra forma, aceitar o outro sob a forma de uma relação conflituosa, pois
somente assim ocorre laço social. Do contrário, há intolerância. Sempre. Zizek
(2006, p. 116) afirma que é preciso de alguma maneira aceitar a violência, porque
a tolerância à distância, própria do modelo liberal, é muito mais cínica. Enfim,
trata-se de arriscar o impossível: aceitar e se relacionar com o outro singular. Daí a
necessidade de estudar o que se anda fazendo no Brasil com a mediação na área da
Infância e Juventude, especialmente no campo do ato infracional, apresentando-
se um balanço atual, bem assim propostas adequadas ao Estado Democrático de
Direito e que atendam, principalmente, aos direitos e garantias dos adolescentes.
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165
O componente de mediação
vítima-ofensor na Justiça Restaurativa:
uma breve apresentação
de uma inovação epistemológica
na autocomposição penal 154
1 Introdução
154 Texto elaborado a partir de palestra proferida no 2º Congresso do Instituto Brasileiro de Es-
tudos do Direito da Energia, em 9.11.2004, na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo
(FIESP), e de artigo publicado na Revista dos Juizados Especiais: Doutrina e Jurisprudência, Brasí-
lia, v. 5, n. 11, p. 13-24, jul./dez. 2001.
Meus agradecimentos especiais ao pesquisador Sérgio Antônio Garcia Alves Júnior pelas críticas e
comentários, bem como pelo trabalho de revisão de texto.
155 No presente trabalho, a palavra “ofensor” é utilizada para englobar os diversos termos refe-
rentes àquele que se encontra em pólo passivo em inquéritos, termos circunstanciados ou pro-
cessos (i.e. investigado, indiciado, autor do fato ou réu). Procede-se desta forma em atenção às
Regras de Tóquio (United Nations Minimum Rules for Non-custodial Measures - Resolução 45/110
de 14.12.1990 da Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas) que, no item 2.1 do seu
anexo, estabelece esta mesma uniformização terminológica.
166
André Gomma de Azevedo
padrões amplos fixados pelo Estado156. Nesse contexto, surge a chamada “Justiça
Restaurativa”, uma nova tendência sistêmica na qual “as partes envolvidas em
determinado crime [e.g. vítima e ofensor] conjuntamente decidem a melhor
forma de lidar com os desdobramentos da ofensa e suas implicações futuras”
(MARSHALL apud ASHWORTH, 2002, p. 578).
Assim, pela Justiça Restaurativa se enfatizam as necessidades da vítima, da
comunidade e do ofensor, sob patente enfoque de direitos humanos, consideradas
as necessidades de se reconhecerem os impactos sociais e de significativas
injustiças decorrentes da aplicação puramente objetiva de dispositivos legais
que frequentemente desconsideram as necessidades das vítimas. Desta forma,
busca-se reafirmar a responsabilidade de ofensores por seus atos ao se permitirem
encontros entre estes e suas vítimas e a comunidade na qual estão inseridos.
Em regra, a Justiça Restaurativa apresenta uma estrutura mais informal, em
que as partes têm maior ingerência quanto ao desenvolvimento procedimental
e ao resultado. Existem diversos processos distintos que compõem a Justiça
Restaurativa, como a mediação vítima-ofensor (Victim Offender Mediation), a
conferência (conferencing), os círculos de pacificação (peacemaking circles),
círculos decisórios (sentencing circles), a restituição (restitution), entre outros
que merecem ser oportunamente examinados 157.
O acesso à justiça foi definido por Mauro Cappelleti e Bryant Garth (1988,
p. 8) como uma expressão para que sejam determinadas “duas finalidades básicas
do sistema jurídico — o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus
direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado”. Cumpre ressaltar
que a corrente que preconiza o estímulo ao acesso à justiça o faz considerando não
apenas disputas cíveis, mas também conflitos no âmbito penal. Nesse sentido, há
relevante preocupação no sentido de que o sistema penal não se transforme em
um mecanismo de marginalização de hipossuficientes (CUESTA AGUADO, 1997).
Isto porque alguns autores chegam a indicar que já “fazem parte do sistema
penal — inclusive em sentido limitado — os procedimentos contravencionais de
controle de setores marginalizados da população, as faculdades sancionatórias
policiais arbitrárias, as penas sem processo, as execuções sem processo, etc.”
(ZAFFARONI; PIERANGELLI, 2004, p. 69).
Precisamente em razão de o ordenamento jurídico penal ser um sistema
156 Nota-se, assim, a tendência de mitigação de corrente excessivamente positivista que impõe o
predomínio da norma sobre a vontade consentida. Por essa corrente, encontrada em autores como
Hobbes, “não existe outro critério do justo e do injusto fora da lei positiva” (BOBBIO apud DINA-
MARCO, 2003, p. 12). Atualmente, a posição consentânea é de que o justo enquanto valor pode
e deve ser estabelecido pelas partes consensualmente e que, caso estas não consigam atingir tal
consenso, um terceiro as substituirá nessa tarefa, indicando, com base na lei, o justo diante de cada
caso concreto. Por meio da autocomposição, o conceito de justiça se apresenta em umas de suas
acepções mais básicas: a de que a justiça da decisão é adequadamente alcançada em razão de um
procedimento equânime que auxilie as partes a produzir resultados satisfatórios considerando o
pleno conhecimento destas quanto ao contexto fático e jurídico em que se encontram. Portanto, na
autocomposição a justiça se concretiza na medida em que as próprias partes foram adequadamente
estimuladas à produção de tal consenso e, tanto pela forma como pelo resultado, estão satisfeitas
com seu termo. Constata-se de plano que, nesta forma de resolução de disputas, o polissêmico
conceito de justiça ganha mais uma definição, passando a ser considerado também em função da
satisfação das partes quanto ao resultado e ao procedimento que as conduziu a tanto.
157 Para maiores informações acerca desses instrumentos e processos restaurativos, cf. Umbreit
(2000). Recomenda-se, ainda, a visita ao sítio: <http://www.restorativejustice.org>.
167
O componente de mediação vítima-ofensor na Justiça Restaurativa
168
André Gomma de Azevedo
169
O componente de mediação vítima-ofensor na Justiça Restaurativa
162 Carnelutti (2000a, p. 72)define processo como um “conjunto de atos dirigidos à formação
ou à aplicação dos preceitos jurídicos cujo caráter consiste na colaboração para tal finalidade das
pessoas interessadas com uma ou mais pessoas desinteressadas [...] a palavra processo serve,
pois para indicar um método para a formação ou para a aplicação do direito que visa a garantir o
bom resultado, ou seja, uma tal regulação do conflito de interesses que consiga realmente a paz
e, portanto, seja justa e certa [...] para o objetivo de alcançar a regulamentação justa e certa é ne-
cessária uma experiência para conhecer os termos do conflito, uma sabedoria para encontrar seu
ponto de equilíbrio, uma técnica para aquilatar a fórmula idônea que represente esse equilíbrio,
a colaboração das pessoas interessadas com pessoas desinteressadas está demonstrada para tal
finalidade como um método particularmente eficaz”.
163 Ver princípio da adaptabilidade do órgão às exigências do processo, in: Calamandrei apud
Dinamarco (2000, p. 290).
170
André Gomma de Azevedo
171
O componente de mediação vítima-ofensor na Justiça Restaurativa
167 Cf. Terminologia da Resolução nº 2002/12 do Conselho Econômico e Social da Organização das
Nações Unidas.
168 E.g., Gomes Pinto (2005); Umbreit (2000); Ashworth (2002); Morris (2002); Van Ness (2001);
Bazemore e Walgrave (1999); e Roche (2001).
172
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173
O componente de mediação vítima-ofensor na Justiça Restaurativa
174
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175
O componente de mediação vítima-ofensor na Justiça Restaurativa
176
André Gomma de Azevedo
174 Para maiores detalhes quanto aos procedimentos referentes a essa fase, cf. Umbreit (2000, p. 41).
177
O componente de mediação vítima-ofensor na Justiça Restaurativa
satisfeitas com tal resolução e sem que haja qualquer forma de coerção
para o atingimento dessa resolução por parte do mediador;
f) que todos os debates ocorridos na mediação e nas sessões
preliminares serão mantidos na mais absoluta confidencialidade e não
poderão ser utilizados como prova em eventuais processos cíveis ou
criminais;
g) que, caso haja advogados presentes na mediação, estes são
importantes para a condução desse processo, na medida em que
bons advogados auxiliam o desenvolvimento da mediação e, por
consequência, o alcance dos interesses de seu cliente, pois apresentam
soluções criativas aos impasses que eventualmente surjam em
mediações 175;
h) que, havendo necessidade, o mediador poderá optar por
prosseguir com a mediação fazendo uso de sessões individuais (ou
privadas) — nas quais as partes se encontram separadamente com o
mediador; e
i) que o papel das partes na mediação consiste em ouvirem
atentamente umas às outras, escutarem sem interrupções, utilizarem
linguagem não agressiva, e efetivamente trabalharem em conjunto
para acharem as soluções necessárias.
Após a declaração de abertura, oportuniza-se às partes que exponham suas
perspectivas. A definição de quem irá iniciar depende da vítima, que deverá se
manifestar quanto a esse ponto na sua sessão preliminar. Cumpre ressaltar que essa
decisão é transmitida à vítima em razão da preocupação constante da mediação
vítima-ofensor em empoderá-la. Estudos indicam que uma das consequências do
crime e da vitimização pode ser constatada na frequente percepção de vítimas de
terem menos poder de autodeterminação e estarem mais fragilizadas perante a
sociedade. Nesse sentido, ao se estabelecer que a vítima somente participa do
processo de MVO se quiser e que a esta compete a escolha da ordem de manifestações
na mediação, busca-se iniciar a reconstrução de um senso de autodeterminação da
vítima — para que esta tenha progressivamente a percepção de empoderamento.
Iniciada a manifestação das partes, caso uma venha a interromper a outra
ou caso seja utilizada uma linguagem agressiva, o mediador deverá com firmeza e
tato manifestar-se para que não haja outras interrupções e para que a comunicação
se desenvolva construtivamente. Nesta fase, a principal preocupação do mediador
deve ser em transformar comunicações ineficientes (prévias à mediação) em
eficientes e construtivas manifestações de interesses e necessidades. De acordo
com o modelo espiral de Rubin (RUBIN; PRUITT; KIM, 1994), o conflito responde a
círculos viciosos (ou virtuosos) de ação e reação. Considerando que cada reação em
regra é mais severa e intensa do que a antecedente, uma reação agressiva tenderá
a produzir uma reação ainda mais agressiva, o que por sua vez proporcionará nova
ação ainda mais agressiva — produzindo-se assim o círculo vicioso denominado
de espiral de conflito destrutiva (BUNKER; RUBIN, 1995). De igual forma, quando há
eficiente participação do mediador nesta fase, as partes são estimuladas a agirem
de forma construtiva ao fazerem uso de linguagem neutra e não agressiva. Como
resultado, essa ação produz uma reação construtiva, que por sua vez proporciona
178
André Gomma de Azevedo
176 Umbreit (2000), Morris (2002), Cooley (2000; 2001), Azevedo (2002-2005), entre outros.
179
O componente de mediação vítima-ofensor na Justiça Restaurativa
4 Conclusão
Em razão do aperfeiçoamento contínuo do ordenamento jurídico processual
penal, constata-se o desenvolvimento de corrente genericamente denominada
de “Justiça Restaurativa”, com enfoque predominante nas necessidades da
vítima, da comunidade e do ofensor. Nesse contexto, mostra-se imperativo o
reconhecimento dos impactos sociais do ato infracional ou crime e a redução
das injustiças significativas decorrentes da aplicação puramente objetiva de
dispositivos legais que frequentemente desconsideram as necessidades das
vítimas. Por meio da Justiça Restaurativa, busca-se reafirmar a responsabilidade
de ofensores por seus atos, ao se permitirem encontros entre estes e suas
vítimas e a comunidade na qual estão inseridos.
O acesso à justiça mostra-se cada vez mais como um sistema de melhoria
contínua, não apenas no tocante a disputas cíveis, mas também a conflitos no
âmbito penal. Nesse sentido, cabe realizar as normas positivadas de forma a que
o sistema penal não promova a marginalização e sim a aproximação de seres
humanos, por meio da ressocialização, prevenção, educação, empoderamento
e humanização do conflito.
No que concerne à autocomposição penal prevista na Lei nº 9.099/95 e
na Lei nº 10.259/01, pode-se afirmar que lentamente vem se formando no Brasil
a compreensão de que a autocomposição, quando desenvolvida sem a técnica
adequada, em regra gera a imposição do acordo e com isso a perda de sua
legitimidade. Isto porque as partes muitas vezes não são estimuladas a comporem
seus conflitos e sim coagidas a tanto. Como indicado acima, o sucesso das
modernas iniciativas autocompositivas penais decorre do desenvolvimento de
pesquisas aplicadas e voltadas a assegurar maior efetividade a esses processos
por intermédio do desenvolvimento de técnica adequada.
Nota-se, portanto, que a autocomposição penal, em ordenamentos
processuais modernos, se compõe de uma categoria de opções processuais ou
“portas”. Nesse sentido, a Justiça Restaurativa consiste em um movimento para se
estimular a utilização dessas portas para, assim, “proporcionar uma oportunidade
para que vítimas possam obter reparações, sentirem-se mais seguras, e encerrar
um ciclo psicológico”, bem como permitir que “ofensores tenham melhor
compreensão acerca das causas e efeitos de seus comportamentos e que sejam
responsabilizados de uma forma significativa” 177. Isto porque estas alterações,
tendências e melhorias destinam-se exclusivamente a (progressivamente)
assegurar a efetividade do sistema processual.
Naturalmente, cumpre ressaltar que a Justiça Restaurativa e seu
componente procedimental da mediação vítima-ofensor encontram-se em
estágios preliminares. Nesse sentido, o procedimento de mediação acima
180
André Gomma de Azevedo
Referências
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183
Mediação em relações de trabalho no Brasil
178 O autor registra que para muitas das asserções constantes deste estudo, sem embargo de
sua responsabilidade individual por seu conteúdo, muito contribuiu a interlocução com a advo-
gada, mediadora e consultora do PNUD em segurança e mediação, Célia Regina Zapparolli, cuja
reflexão e experiência encontram-se parcialmente documentadas nos seus trabalhos referidos nas
indicações bibliográficas, ao final; bem assim com os alunos do programa de Pós-Graduação da
Faculdade de Direito da USP – Largo de São Francisco.
179 Numa perspectiva convergente com a que sustento aqui, Lagrasta Neto (2007, p. 11), ocupando-
se especificamente dos Juizados Especiais (e, portanto de política judiciária em sentido estrito), enalte-
ce a seguinte advertência: “o que queremos de um sistema alternativo de solução de litígios? Uma so-
lução que privilegie o acesso à Justiça para os mais humildes; ou a solução para a crise de Judiciário?”
184
Antônio Rodrigues de Freitas Jr.
2 Conceituação de conflito
Indo direto ao que importa para estas reflexões, ocupemo-nos inicialmente
dos predicados que permitam convencionar um conceito operativo para o fenômeno
sócio-jurídico do conflito, em especial, de conflito intersubjetivo de justiça.
São ao menos três as dimensões em que se projeta o fenômeno conflito, a
saber: cognitiva, emocional e comportamental. Seguindo Mayer (2000, p. 5), conflitos
existem em virtude da circunstância de que alguém se sinta em conflito com outro,
muito embora esse sentimento não seja necessariamente recíproco nem reconhecido
pelo outro. Para que esse fenômeno, não reciprocamente perceptível, possa caracterizar-
se como conflito intersubjetivo (não como conflito intrapsíquico), é também necessário
não perder de vista sua dimensão objetiva. Não apenas para isso. Também para que
não se confunda mediação com terapia relacional — conquanto não se tencione
negar à mediação a possibilidade, por sinal virtuosa, de eventualmente produzir
efeitos terapêuticos, nem tampouco à mediação o benefício de se socorrer do auxílio
terapêutico, quando necessário para a mediação ou quando aconselhável às partes.
Mas que elementos podem ser apontados como indispensáveis e
necessários para um conceito operativo de conflito intersubjetivo de justiça?
Como distinguir conflito de controvérsia ou litígio; conflito de contradição
ou contraposição de interesses; conflito de desajuste no relacionamento
intersubjetivo?
Surpreende que a maior parte dos autores que se ocupam de mediação e
de outros processos de administração de conflitos não ofereça uma predicação
clara para conflito.
Um clássico no assunto prefere afirmar que “existe conflito quando quer
que ocorram atividades incompatíveis” (DEUTSCH, 1973, p. 10).180 Ao prometer
uma definição para conflito, Mayer (2000, p. 4) resolve-se pelo seguinte atalho:
“O que é conflito? Conflito pode ser visto como ocorrendo em dimensões
cognitivas (percepção), emocionais (sentimentos) e comportamentais (ações)”. E
180 “At this point it would be well do define some of the key terms used in this text. A conflict
exists whenever incompatible activities occur. [...] An action that is incompatible with another ac-
tion prevents, obstructs, interferes, injures, or in some way makes the latter less likely or less ef-
fective. The terms competition and conflict are often used synonymously or interchangeably. This
reflects a basic confusion. Although competition produces conflict, not all instances of conflict
reflect competition” (DEUTSCH, 1973, p. 10).
185
Mediação em relações de trabalho no Brasil
fica por aí. Marinés Suares (1996, p. 78) vai mais além, e, ao tratar da distinção
entre disputa e conflito, propõe:
186
Antônio Rodrigues de Freitas Jr.
187
Mediação em relações de trabalho no Brasil
181 Refiro-me à pesquisa desenvolvida enquanto projeto temático sob patrocínio da FAPESP, que,
no Brasil, foi coordenada por Argelina Figueiredo, e no plano internacional por Jon Elster. V., assim,
Freitas Junior (1994, p. 160-173).
188
Antônio Rodrigues de Freitas Jr.
182 Ou, como preferem alguns no equivalente em vernáculo, RDA; objetivando designar os assim
chamados meios alternativos de resolução de disputas.
189
Mediação em relações de trabalho no Brasil
190
Antônio Rodrigues de Freitas Jr.
Não é preciso ser marxista nem weberiano, tampouco ostentar outros broches
na lapela, para perceber que a sociedade capitalista, ela própria coessencialmente
heterogênea e assimétrica, está radicada não apenas na desigualdade natural
entre os seres, mas deita raízes na produção social de desigualdades, para o que
é necessário não apenas constituir sujeitos desiguais, como também qualificar
e legitimar a desigualdade produzida pelas relações intersubjetivas. Disso
resulta não apenas a tendência à manutenção da desigualdade, como a retro-
alimentação do sistema de que e em que se origina. Ora bem, se relações entre
sujeitos constituídos desigualmente não comportassem intervenção mediadora,
mediação não teria lugar em nenhum tipo de relação intersubjetiva concreta. Bem
ao contrário do que afirmam esses céticos, é precisamente a intervenção direta
do mediador no equilíbrio entre os protagonistas do conflito, por intermédio de
técnicas a que se convencionou denominar de “empoderamento”,183 que permite
o tratamento menos desigual na confecção comum de uma pauta reconhecida
pelos sujeitos enquanto substancialmente justa e equilibrada. Por outro lado, a
dogmática processual predominante, caudatária do enaltecimento do princípio-
regra da “ampla defesa” e da “igualdade formal” dos contendores, em lugar de
atenuar, tende para o aprofundamento das assimetrias intersubjetivas. E não me
refiro apenas à existência de patrocínio técnico (advogado, peritos, etc.), nem
tampouco às desigualdades radicadas nos efeitos, produzidos assimetricamente
entre os litigantes, pela demora da “solução jurisdicional”. Tenho presente a
própria desigualdade que permeia o olhar de cada qual sobre o conteúdo do
justo e os recursos e ônus que lhes assistem na sua persecução, por via das
ferramentas e itinerários judiciais. Nem se diga que isso se resolveria mediante
a sofisticação da dogmática processual, tendente a conferir “tratamento desigual
aos desiguais”, de que é exemplo paradigmático o processo do trabalho. Sem
que se ignorem os méritos dos experimentos e políticas nessa direção, o fato é
que o processo e o Judiciário não são constituídos nem tampouco aparelhados
suficientemente para produzir igualdade material entre os sujeitos — do que
resulta que, por melhores que sejam suas iniciativas nessa direção, nada faz
supor que decidirá num cenário de erradicação das desigualdades. Mitigá-las, se
tanto, parece o mais sensato a ambicionar a esse respeito. Não desejo, com isso,
reproduzir o mesmo excesso, que critico nos céticos da mediação aqui referidos,
desqualificando a imprescindível função do Judiciário e do processo na produção
da justiça, nem tampouco desqualificá-los adjetivando-os de “instrumentos de
perpetuação e aprofundamento da desigualdade socialmente produzida pelo
capitalismo”. Desejo apenas realçar que é imperioso caminhar na diversificação
das ferramentas disponibilizadas ao tratamento justo do conflito, para o que
considero útil também a intervenção mediadora, apesar da ou talvez, sobretudo
à vista das assimetrias presentes nas relações intersubjetivas, em particular na
sociedade capitalista contemporânea. Por tais motivos, também não formo com
certa defesa da mediação, muito difundida entre ativistas sociais norte-americanos
nos anos sessenta, de que a mediação, como substitutivo da “jurisdição do
Estado burguês”, seria a melhor ferramenta para produzir justiça suplantando a
desigualdade da sociedade capitalista. Reconheço que as melhores experiências
de administração de conflitos contribuem para a formação de uma sociedade
183 À falta de melhor vocábulo, no vernáculo, para traduzir o termo inglês empowerment.
191
Mediação em relações de trabalho no Brasil
192
Antônio Rodrigues de Freitas Jr.
193
Mediação em relações de trabalho no Brasil
184 Para o que importa em meu argumento, é irrelevante discernir se se trata de responsabilidade obje-
tiva, culpa presumida, inversão do ônus da prova, ou outra figura jurídica de efeito análogo. Importa ter
presente que, demandada judicialmente, porque de regra responsável por fatos que seus empregados
pratiquem no curso da prestação laboral, a empresa e todo seu poder de persuasão judicial tenderá a
desqualificar a pretensão declaratória/reparatória da vítima, e a sair na defesa do apontado agressor. Não
raro, configurando um quadro recorrente em que a empresa deduz judicialmente sua defesa pela negativa
do fato e desqualificação da queixa do ofendido. Fosse um cenário não adversarial em que a queixa viesse
a ser formulada (um processo de mediação empregado-empregado), talvez o empregador se abrisse para
aferir a medida da materialidade do fato e da autoria; promovendo até mesmo — porque não? — uma so-
lução reparadora equilibrada para restabelecer a harmonia do ambiente de trabalho, evitar a reincidência
e promover o aperfeiçoamento das relações interpessoais de seus trabalhadores. Até porque, como não
é difícil supor, muitos assédios são praticados sem e mesmo contra o comando e o aval institucional do
empregador; e deles pode resultar não apenas sua responsabilização patrimonial como também efeitos
profundamente perniciosos à higidez psíquica e motivacional de seus prestadores.
185 Há pouco fiz alusão à diferença entre o olhar dos países de tradição romano-germânica e de origem
latina, comparativamente àqueles de matriz diversa. Em matéria de relações de trabalho essa diferença
adquire manifesto contorno. Leonardo Schvarstein, prefaciando Marinés Suares (1997, p. 28-32), é
enfático ao afirmar que “las organizaciones que se estructuran jerárquicamente no constituyen ámbitos
propícios para la utilización de la mediación”. Para Schvarstein, “lo que definitivamente no vamos a
encontrar en el jefe es um tercero capaz de ayudar a las partes a construir historias alternativas, porque
él tiene su propria historia, la de estar obligado a poner límites a la disputa en tanto lo comprometa en la
obtención de sus resultados. Esto lo descalifica como mediador y al mismo tiempo inhibe la inclusión de
otro tercero como mediador, ya que ello sigificaría um menoscabo a su autoridade”. Contrastemos, por
exemplo, as asserções de Schvarstein, corroboradas por autores como Mello (2004, p. 241-255), que
não admite sequer arbitragem em conflitos trabalhistas, com as já referidas narrativas de Mayer (2000),
ou mesmo com capítulos inteiros de Ury, Brett e Goldberg (1988, p. 134 et seq.), v.g., intitulado “Cutting
Dispute Costs for an Industry: The Grievance Mediation Program”, em que a mediação é ricamente pre-
conizada para conflitos trabalhistas. No Brasil, divergindo, como o faço, da dogmática predominante,
porém a partir de fundamentos teóricos e de premissas metodológicas diversas, q.v., Targa (2004), que
reconhece e aplaude o emprego de meios alternativos de administração de conflitos no âmbito das
relações do trabalho; e Michelon (1999, p. 156-161), encorajando-os por via de um balanço bastante
favorável da experiência do Plantão Especial para Denúncias e Mediação dos Conflitos Individuais Tra-
balhistas da Delegacia Regional do Trabalho de Rio Grande do Sul, criada em 1990.
194
Antônio Rodrigues de Freitas Jr.
tampouco se tenha sujeitado à exposição pública de sua história e de sua dor 186.
4 Considerações finais
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Mediação em relações de trabalho no Brasil
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196
Programa Mediação de Conflitos:
uma experiência de mediação comunitária
como política pública em Minas Gerais
1 Apresentação
O presente trabalho versa sobre os pressupostos teóricos e metodológicos
que embasam a formulação e execução do Programa Mediação de Conflitos (PMC),
desenvolvido pela Diretoria do Núcleo de Resolução Pacífica de Conflitos da Coor-
denadoria Especial de Prevenção à Criminalidade, órgão da Secretaria de Estado de
Defesa Social do Governo de Minas Gerais. O Programa Mediação de Conflitos é
atualmente uma política pública alocada à agenda da política de segurança pública
do Estado de Minas Gerais, com recorte territorial. O programa se enquadra no “gê-
nero” Mediação Comunitária, por se tratar de uma prática que envolve mecanismos
garantidores dos direitos humanos calcados na filosofia da paz, representando um
marco central das propostas de mediação no Brasil, pois congrega uma densidade
sensível, profunda e crítica, avançando quanto aos rumos democráticos do país.
Cultiva e agrega novos atores diante do desafio de transformar os dados de vio-
lência em dados de paz, especialmente quando focamos no reconhecimento dos
modos de sociabilidade local, evidenciando o capital social local e o engajamento
de grupos e sujeitos sociais na participação e solução dos próprios conflitos.
O Programa Mediação de Conflitos, como Programa de mediação comuni-
tária, visa empreender ações em mediação de conflitos, orientações sociojurídi-
cas, articulação e fomento à organização comunitária e institucional. Busca-se,
sobretudo, agregar valores ao capital social preexistente nas comunidades em
que atua, promovendo uma cultura de paz baseada no exercício da cidadania e na
garantia dos direitos humanos. O programa é considerado uma forma de acesso à
justiça. Os conflitos são compreendidos como decorrentes das situações cotidia-
nas dos indivíduos e grupos em suas relações sociais, como também da carência,
insuficiência e privação de acessos aos bens e serviços essenciais à sobrevivência
em comunidade. O Programa Mediação de Conflitos está alocado nos espaços físi-
197
Programa Mediação de Conflitos
Figura 1 - Organograma
198
Ariane Gontijo Lopes Leandro e Giselle Fernandes Corrêa da Cruz
199
Programa Mediação de Conflitos
O conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que tem por finalida-
de básica o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder
200
Ariane Gontijo Lopes Leandro e Giselle Fernandes Corrêa da Cruz
201
Programa Mediação de Conflitos
202
Ariane Gontijo Lopes Leandro e Giselle Fernandes Corrêa da Cruz
188 Podemos citar como exemplo de coletivização as demandas relacionadas à violência de gênero.
Ao fazermos um estudo dos perfis dos atendimentos realizados pelo programa ao longo dos anos, foi
observada a recorrência dos casos individuais relacionados a tal temática. Ao percebermos o volume
de tais demandas e a inadequação da abordagem de forma pontual, planejamos uma ação de coletivi-
zação de tais demandas. Foi desenvolvido um Projeto Institucional entre a Coordenadoria Especial de
Prevenção à Criminalidade (através de dois programas de prevenção: Programa Mediação de Conflitos
e a Central de Penas Alternativas) e um instituto especialista no assunto, no intuito de abordarmos tal
temática de forma coletiva, através de trabalhos com grupos nas comunidades. Dessa forma, esse fator
de risco social (violência de gênero) poderá ser trabalhado de forma a aumentar sua eficiência dentro da
perspectiva de prevenção social à violência e criminalidade.
203
Programa Mediação de Conflitos
É importante salientar que muitas das demandas que são coletivizadas são
desenvolvidas por meio de parcerias com organizações especializadas no tema,
através de Projetos Institucionais que buscam envolver os diversos atores do
Sistema de Defesa Social e a sociedade civil de modo geral. Importante destacar
que nem todas as demandas são passíveis de serem coletivizadas e que há que
se pensar a estratégia específica para cada processo de coletivização.
O Programa Mediação de Conflitos, conforme mencionado acima, é com-
posto por eixos orgânicos denominados: atendimentos individuais, atendimen-
tos coletivos, projetos temáticos e projetos institucionais. Quanto aos atendi-
mentos individuais e coletivos, temos dois procedimentos capazes de atender
as demandas apresentadas pelas populações moradoras dos aglomerados urba-
nos, bairros, vilas e favelas: o procedimento da mediação e o procedimento da
orientação (Figura 2). Em seguida, apresentaremos com detalhes a metodologia
aplicada em nossa experiência, mas antes iniciaremos, para melhor compreen-
são do leitor, com a definição do agente estratégico desta política, o “mediador”.
204
Ariane Gontijo Lopes Leandro e Giselle Fernandes Corrêa da Cruz
3 O mediador
Todas as ações propostas pelo Programa Mediação de Conflitos, como apre-
sentaremos no decorrer do artigo, são desempenhadas localmente nos Centros de
Prevenção à Criminalidade por profissionais graduados e por estagiários das áreas
das ciências humanas e sociais, tais como: Direito, Psicologia, Ciência Social, Peda-
gogia e Serviço Social. Para a realização e desempenho das ações do Programa, as
equipes de trabalho recebem formação contínua sobre a técnica de mediação adapta-
da ao contexto específico das comunidades nas quais o programa atua e na perspec-
tiva da prevenção social às violências e criminalidade. Contamos com a qualificação
destes profissionais para o exercício do papel do “mediador”. Podemos dizer que
enquanto os participantes, também chamados de demandantes ou mediandos, são
os principais atores e elementos do processo de mediação, o mediador é o elemento
essencial no que diz respeito à caracterização da mediação. Não existe mediação
sem a figura da terceira pessoa, o mediador, ou mesmo não há mediação em espaços
em que as pessoas não legitimam a proposta figurada pelo lugar do mediador, o que
pode ser visto nas palavras de Sales (2004, p. 79): “O condutor da mediação de confli-
tos é denominado mediador – terceiro imparcial que auxilia o diálogo entre as partes
com o intuito de transformar o impasse apresentado, diminuindo a hostilidade, pos-
sibilitando o encontro de uma solução satisfatória pelas próprias partes do conflito.”
Nas palavras de Six (2001, p. 220), o papel do mediador é o de estabelecer
ligações entre aqueles que suscitam juntos uma nova maneira de ser ou agir. En-
contramos sempre na literatura a caracterização do mediador como um terceiro
imparcial. Há, porém, uma definição que consideramos mais apropriada ao papel
do mediador na prática do programa, que, embora agregue valor à compreensão do
terceiro imparcial, trará uma singularidade na condução dos trabalhos do programa
com ênfase em mediação comunitária. Referimo-nos ao mediador como um terceiro
multiparcial 189. Isso significa que o mediador desenvolve um potencial de habilida-
des onde são reconhecidas as versões e razões de cada um dos participantes, sem
“tomar partido” de qualquer uma das pessoas envolvidas, mas devemos mencio-
nar que o mediador multiparcial reconhecerá os territórios (contextos) de vida dos
mesmos, devendo assegurar o espaço mútuo de um e de outro ponto de vista, con-
duzindo o caminho para as saídas e soluções apresentadas e pactuadas por eles,
sempre pautado no princípio do respeito aos direitos humanos. O mediador, neste
contexto, é um catalisador dos discursos enunciados pelos participantes, uma vez
que ele auxilia os mesmos a descobrirem seus reais interesses, abrindo espaço
para o diálogo, para intercompreensão dos envolvidos no conflito e motivando a
criatividade na busca de soluções para a questão. Por fim, a importância dada ao
mediador multiparcial dá-se em razão do contexto social em que os participantes
ou mediandos estão inseridos, sendo necessária a visão central do Programa Me-
diação de Conflitos, que se orienta pela garantia e promoção dos direitos humanos.
189 Conceito adotado e desenvolvido pela experiência prática do Programa Mediação de Conflitos
da Secretaria de Estado de Defesa Social, desde sua implantação como política pública orientada
pela pesquisa-ação.
205
Programa Mediação de Conflitos
206
Ariane Gontijo Lopes Leandro e Giselle Fernandes Corrêa da Cruz
uma vez que todo este procedimento representa a oportunidade para resolução
pacífica, dialógica, participativa, compreensiva e cidadã dos problemas e confli-
tos nos quais se encontram os atendidos.
O registro de cada caso é feito na ficha de atendimento, um instrumento que
permite a identificação dos participantes da mediação, a coleta dos dados sócio-eco-
nômicos dos atendidos pelo programa, a indicação do procedimento a ser adotado
(mediação ou orientação), a classificação da demanda trazida, os relatos de todos os
atendimentos. A ficha também identifica o mediador de referência responsável pelo
andamento do caso, assim como permite o registro de relatos de violência vivencia-
do pelos participantes, para que estes sejam orientados quanto às violações de seus
direitos e encaminhados para as redes especializadas de enfrentamento a situações
de violência. Com base no estudo sistemático das fichas de atendimentos a partir dos
dados coletados pelos mediadores, é possível o reconhecimento dos perfis das de-
mandas trazidas e do público atendido em cada localidade. A metodologia aplicada
aos Atendimentos Interpessoais, para os casos de mediação, se organiza conforme
Figura 3 e também a partir dos elementos que destacaremos em seguida.
1ª
1ªparte
parteaceita
aceitaparticipar
participardo
doprocesso
processode
demediação
mediação
Convite a 2ª parte
2ª parte aceita participar do processo 2ª parte não comparece após 2 2ª parte não aceita participar do
Marca-se a data da Pré-mediação tentativas processo
Abertura
Equipe acolhe a primeira
parte e faz as orientações e
Investigação encaminhamentos
necessários
Discussão
do caso Agenda
em equipe
Desistência do procedimento
de mediação
207
Programa Mediação de Conflitos
vários pontos são esclarecidos tanto para o participante quanto para a dupla de
atendimento, implicando-se no processo rumo à composição e resolução da ques-
tão como consequência da transformação do conflito. Na mediação, o mediador
deve primar pela preservação da igualdade entre os participantes. Nas palavras de
Sales (2004, p. 48), “deve-se esclarecer a importância dos indivíduos em conflito
encontrarem-se em igualdade de condições de diálogo. Não é possível o encontro de
decisão justa e satisfatória se houver manipulação do diálogo por uma das partes”.
A demanda: a demanda apresenta-se na própria explanação da questão pe-
los envolvidos na mediação e, como vimos acima, geralmente é apresentada pela
pessoa que primeiro procura o programa. Porém, na técnica da mediação, o discur-
so proferido pelo primeiro participante não encerra a questão, pois, quando inicia-
da a pré-mediação é que são trabalhadas de fato as demandas, que no decorrer do
processo de mediação passarão por transformações. Segundo Six (2001, p. 237), a
mediação é um processo dinâmico, aberto, que permite novas relações e a regula-
ção de tensões e conflitos. Isso só é possível por meio do diálogo entre os partici-
pantes e o mediador, e entre os próprios participantes. A condução do diálogo pelo
mediador permite aos participantes a reflexão sobre seus reais interesses, o que
chamamos de conflito real. Geralmente, o conflito trazido inicialmente não passa de
um conflito aparente. O papel do mediador é o de conduzir os demandantes a refle-
tirem sobre os diferentes aspectos que compõem aquele conflito, levando-os a um
processo de auto-reflexão sobre os reais interesses que motivam suas pretensões.
Sales (2004, p. 49) afirma que: “Para descobrir os reais interesses das partes [...],
o mediador deve realizar o trabalho de escuta e de questionamentos que auxilie a
reflexão e que abra o discurso para novas possibilidades de abordagem.” Toda essa
prática permite trazer à tona os reais conflitos sobre os quais os participantes deve-
rão se debruçar para a construção de uma solução. A desconstrução e reconstrução
da demanda fazem-se essenciais para que o acordo proposto e pactuado pelos
participantes não se detenha em elementos superficiais, fazendo com que o real
conflito permaneça e se manifeste em outras oportunidades, perpetuando a rela-
ção de tensão quanto aos conflitos. Outro aspecto relevante e que norteia as ações
dos mediadores em relação à demanda trazida é que o conflito aparente deve ser
sempre retirado da cena principal, abrindo-se, assim, um leque de possibilidades de
tratamento da questão. A competição deve ser evitada, afastada, e deve ser exal-
tado o interesse em harmonizar os participantes, buscando-se sempre a percepção
da importância de uma solução pacífica para as questões.
Diálogo: Na introdução de sua obra, Six (2001) faz uma reflexão sobre o
mito da comunicação-total que impera no tempo atual, em que as informações
circulam de maneira rápida e sem fronteiras, em que, porém, há a negação de toda
a interioridade e toda a profundidade. Ele caracteriza o tempo em que há espaço
para a mediação como um tempo de diálogo e silêncio verdadeiros. O mediador é a
ponte de ligação entre pessoas ainda desconexas em suas pretensões antagônicas
ou divergentes. Ele é quem suscita entre os participantes o diálogo construtor e ver-
dadeiro, sem o qual não há possibilidades de se chegar a um acordo que responda
aos anseios de justiça e solução do problema. Ele se utiliza da arte de estabelecer
ligações entre os envolvidos no conflito, através do diálogo e da abertura de opor-
tunidades para que os mesmos se percebam mutuamente em seus anseios e senti-
mentos. É a partir deste movimento que os próprios participantes suscitam saídas
e soluções colaborativas, não-violentas, criativas, participativas, co-responsáveis,
208
Ariane Gontijo Lopes Leandro e Giselle Fernandes Corrêa da Cruz
190 A rede parceira é composta por instituições do poder público municipal, estadual e federal e
pelas organizações não-governamentais que atuam na prestação de serviços à população.
191 Sobre este procedimento, ver Gustin (2005, p. 36) e ver Figura 3 acima.
209
Programa Mediação de Conflitos
210
Ariane Gontijo Lopes Leandro e Giselle Fernandes Corrêa da Cruz
sos em que há prevalência dos interesses coletivos sobre os individuais e que exigem
adaptações ao processo de mediação ou orientação por conter um elemento de cole-
tividade. Entende-se, no entanto, que não é apenas a natureza coletiva da demanda
que faz com que se classifique o caso de tal forma. Como já mencionado, Projetos e
Coletivizações de Demandas também possuem esse caráter, porém a procura espon-
tânea dos envolvidos na busca de soluções para os conflitos intra ou inter-grupais é
o critério utilizado para diferenciar esses casos de outras ações.
Por caso coletivo, entende-se como as demandas de mediação ou orientação trazi-
das pela comunidade, seja por meio de uma liderança comunitária, seja pelos demais
atores da comunidade, em que são utilizadas as técnicas de mediação e seus prin-
cípios. (Programa Mediação de Conflitos, 2009, p. 81, destaque nosso).
211
Programa Mediação de Conflitos
212
Ariane Gontijo Lopes Leandro e Giselle Fernandes Corrêa da Cruz
4º - Papel do mediador
O programa dispõe deste agente para ser o condutor que proporcionará
a todos os envolvidos a resolução da demanda por eles mesmos apresentada. O
mediador, em todas as suas faces, nas mediações individuais e nas mediações co-
munitárias, é o co-protagonista que levará em consideração as adversidades nos
discursos de cada ator participante. O mediador, diante do caso coletivo, seja de
mediação ou orientação, desenvolverá habilidades múltiplas, adequadas à comple-
xidade dos casos comunitários, habilidades estas que proporcionarão uma reflexão
contínua a cada participante e também ao próprio mediador. Há que se lembrar, na
atuação comunitária, que o mediador deverá levar em conta os níveis de poder e
hierarquias presentes na ação de cada participante envolvido no processo de me-
diação coletiva, bem como perceber as complexidades e especificidades existentes
diante dos atores institucionais envolvidos e suas relações perante os grupos. É
importante perceber que o mediador, frente aos casos coletivos, será um elo impor-
tante de acesso aos bens públicos e serviços essenciais para os grupos, bem como
um ator que contribuirá no fomento, organização e emancipação destes grupos.
5º - Fator tempo
Este fator levará sempre em consideração o determinante do coletivo, ou
seja, deverá ter sempre o cuidado de aperfeiçoar a relação e a noção de tempo entre
todos os envolvidos em questões comunitárias. Em todos os momentos, devemos
estar atentos ao nosso objetivo principal – que pode ser amplamente compreen-
dido como o processo de construção e criação de acesso a direitos de pessoas,
grupos, segmentos sociais destituídos de direitos fundamentais e, assim, sermos
capazes de proporcionar a efetivação de direitos humanos, incrementando noções
de cidadania e viabilizando ações de participação ético-político-social.
213
Programa Mediação de Conflitos
balho. Dessa forma, as equipes se organizam para realizar as ações dos quatro eixos
orgânicos do programa, sejam eles, atendimentos individuais, atendimentos coleti-
vos, projetos temáticos e projetos institucionais. Para a execução destas atividades,
são dedicados, pelas equipes de trabalho, três dias da semana, o que não é neces-
sariamente uma regra, pois a dinâmica de horários das comunidades muitas vezes
apresentará para o programa a sua melhor maneira de funcionamento.
Para um bom desempenho das ações, tendo em vista toda a dinâmica e
especificidades locais, é necessária a previsão de momentos para diagnosticar,
analisar, avaliar, capacitar e planejar todo o trabalho desenvolvido pelas equipes,
portanto, o programa destina dois dias da semana para desenvolver momentos
de reflexão e coordenação das ações. Um desses momentos é entendido como o
espaço de reunião local de discussão de casos, onde as equipes do programa, em
sua base local em cada região específica do Estado de Minas Gerais, analisam todas
as ações do programa, sejam os atendimentos individuais, os atendimentos coleti-
vos, os projetos temáticos e os projetos institucionais. A equipe completa participa
destas reflexões e discussões sobre os retornos e novos casos atendidos e sobre as
ações desenvolvidas. Estas discussões têm por objetivo ampliar o olhar do media-
dor sobre as demandas apresentadas e sobre as conduções das atividades propos-
tas pelo programa. Essas discussões internas, como as chamamos, envolvem todos
os componentes da equipe de cada centro, que juntos discutem, de forma técnica e
interdisciplinar, os casos do atendimento e da mediação comunitária, qualificando
ainda mais o trabalho e as decisões quanto à condução de cada caso.
Nos três dias da semana designados para os atendimentos, as equipes do
programa, em cada centro, realizam os atendimentos ou reuniões comunitárias
e com a rede parceira, fazem também os encaminhamentos necessários de cada
caso, desenvolvem as ações próprias dos projetos, ações temáticas, coletiviza-
ções de demandas, reuniões com policiais e comunidade local, além das ações
correspondentes à articulação da rede do Centro de Prevenção à Criminalidade.
Além das discussões internas que descrevemos acima, são realizadas
ações de supervisão metodológica dos eixos do programa, que consistem em to-
das as ações voltadas à orientação e condução técnica, gerencial e metodológica
das atividades propostas. Essas atividades vão desde as visitas dos supervisores
metodológicos aos centros, passam pela organização e preparo das capacitações
técnicas e encontros metodológicos que ocorrem semanalmente e pelas discus-
sões coletivas de casos. As visitas técnicas aos núcleos são periódicas e objetivas,
visando o acompanhamento e supervisão local no desenvolvimento das ações de
todos os eixos, a percepção das dificuldades e facilidades, entre outros.
As reuniões semanais externas aos centros contam com a participação de
todas as equipes (técnicos e estagiários) e com a supervisão da coordenação/
diretoria do programa. Envolvem discussões coletivas de casos e de ações, com
o intuito de possibilitar a troca de experiências entre as equipes, ampliar o en-
tendimento das possibilidades em mediação para cada caso apresentado, e su-
pervisionar de forma coletiva a metodologia adotada pelas equipes. A discussão
coletiva é também uma forma de contínua capacitação com base nas reflexões
sobre os próprios casos concretos e ações.
Outro momento que faz parte do encontro semanal com todas as equipes
refere-se às exposições com temas técnicos, gerenciais e metodológicos, cujo ob-
jetivo é capacitar e orientar as equipes em temas relacionados a todas as ativida-
214
Ariane Gontijo Lopes Leandro e Giselle Fernandes Corrêa da Cruz
Fonte: Arquivo do Núcleo de Resolução Pacífica de Conflitos, órgão responsável pela execução
Programa Mediação de Conflitos da Coordenadoria Especial de Prevenção à Criminalidade - Secretaria
de Estado de Defesa Social - Governo de Minas Gerais.
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Programa Mediação de Conflitos
Fonte: Arquivo do Núcleo de Resolução Pacífica de Conflitos, órgão responsável pela execução
Programa Mediação de Conflitos da Coordenadoria Especial de Prevenção à Criminalidade -
Secretaria de Estado de Defesa Social - Governo de Minas Gerais.
216
Ariane Gontijo Lopes Leandro e Giselle Fernandes Corrêa da Cruz
estes casos, utilizamos ferramentas que atuem na defesa, proteção e promoção dos
direitos humanos das pessoas que estão vivenciando determinadas manifestações
da violência. Muitas vezes, atuamos em parceria com as redes especializadas de
atenção a determinadas violências, como é a situação dos casos que apresentam
relatos de violência contra a mulher, contra a criança, contra o idoso, de jovens
ameaçados de morte, entre outros. Quanto ao sexo preponderante das pessoas
que buscam pela primeira vez o Programa Mediação de Conflitos, cerca de 78% são
do sexo feminino, caracterizando a classificação do caso e os relatos de violência.
Quadrimestre de 2011
Fonte: Arquivo do Núcleo de Resolução Pacífica de Conflitos, órgão responsável pela execução
Programa Mediação de Conflitos da Coordenadoria Especial de Prevenção à Criminalidade -
Secretaria de Estado de Defesa Social - Governo de Minas Gerais.
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Programa Mediação de Conflitos
Fonte: Arquivo do Núcleo de Resolução Pacífica de Conflitos, órgão responsável pela execução
Programa Mediação de Conflitos da Coordenadoria Especial de Prevenção à Criminalidade -
Secretaria de Estado de Defesa Social - Governo de Minas Gerais.
A Pesquisa de Avaliação da Qualidade do PMC, a qual se vincula este Relatório, não deixa
dúvidas de que se trata de uma ação exemplar. Pode-se afirmar que o Programa de Mediação
de Conflitos alcançou, em apenas quatro anos, ótimos resultados. E, muito provavelmente,
alcançará nos próximos anos um desempenho de excelência, constituindo-se como uma refe-
rência nacional no desenvolvimento de políticas públicas de proteção e promoção de direitos
humanos. Para tanto, numa síntese introdutória, basta reforçar as atividades de qualificação
em serviço da equipe técnica, investir no aprimoramento das instalações (sobretudo, com in-
crementos tecnológicos próprios à prática da mediação), instituírem mecanismos de interação
com a “Rede de Apoio” e adotar mecanismos de avaliação periódica capazes de identificar defi-
ciências pontuais e corrigi-las sem prejuízo do funcionamento normal do Programa. (Fundação
Guimarães Rosa, Pesquisa de Avaliação e Qualidade do Programa Mediação de Conflitos, 2009)
218
Ariane Gontijo Lopes Leandro e Giselle Fernandes Corrêa da Cruz
que foi parcialmente justo (9,2%). Veremos na Figura 7, entre aqueles que consi-
deraram “justo” o resultado da demanda, as principais justificativas atribuídas.
219
Programa Mediação de Conflitos
Outro resultado obtido pela pesquisa que cabe salientar diz respeito à
seguinte questão: caso as partes precisassem novamente de ajuda na solução dos
conflitos, se elas buscariam novamenteo Programa Mediação de Conflitos. Como
podemos perceber na Figura 9, grande parte das pessoas, além de atribuírem
uma avaliação satisfatória quanto à resolução de seus conflitos, também diz que
recorreria novamente ao Programa Mediação de Conflitos.
220
Ariane Gontijo Lopes Leandro e Giselle Fernandes Corrêa da Cruz
221
Programa Mediação de Conflitos
8 Conclusão
Ao propor apresentar a metodologia adotada pelo Programa Mediação
de Conflitos e alguns de seus resultados alcançados, nos engajamos em uma
tarefa nada fácil. Diante da inovadora e recente perspectiva da prevenção social
à criminalidade no campo das políticas públicas do Sistema de Defesa Social,
nos deparamos com o desafio de desenvolver ações em contextos marcados
pelas altas taxas de criminalidade e exclusão econômica e social, consistindo
em um objeto complexo. Não bastasse esse desafio, outro se apresenta quando
nos deparamos com a incumbência de aplicar a metodologia de mediação e de
orientação ao campo desta política pública, originada por meio de um importan-
te projeto de extensão, o Programa Pólos de Cidadania da Universidade Federal
de Minas Gerais, que visa à promoção dos direitos humanos por meio da cons-
tituição de capital social junto a grupos vulneráveis em situação de exclusão,
práticas ainda pouco difundidas no Brasil.
Este cenário, que alia teoria e prática frente aos desafios apresentados,
orientou a construção de uma prática de seis anos, um trabalho árduo, constan-
te e progressivo, de todos os mediadores que compuseram e compõem as equi-
pes do programa Mediação de Conflitos e, o mais importante, com a participa-
ção das comunidades que nos auxiliam no delineamento da política. Ao mesmo
tempo em que a construção dessa metodologia é tarefa cotidiana e difícil, ela é
extremamente proveitosa, justamente pelo fato de poder ser construída, vivida,
pensada e aprimorada pelos próprios mediadores e por aqueles que participam
da mediação.
No presente registro, demos enfoque aos dois eixos que originaram o
programa, no intuito de contribuir com estabelecimento da teoria, o aprimo-
ramento da prática e proporcionar o conhecimento de toda essa construção
inovadora. E por fim, vale ressaltar que esta teorização é uma das formas de se
pautar a legitimidade da metodologia. Sabemos que, mesmo com o intuito de
garantir esta elaboração teórica a partir da prática realizada, não se tem a in-
tenção, neste artigo, de sintetizar o que venha a ser nosso trabalho. A tentativa
é de lançar a ideia de uma prática inovadora que apresenta uma concepção de
mundo que cultiva uma noção ampliada de acesso a direitos pautada em uma
cultura de paz.
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VEZZULLA, Juan Carlos. Teoria e prática da mediação. Curitiba: Instituto de Mediação, 1995.
223
A Defensoria como agente
na mediação de conflitos
1 Introdução
224
Eduardo Antônio de Andrade Villaça e Michele Cândido Camelo
[...] ao perder a certeza de um mundo futuro, o homem moderno foi arremessado para
dentro de si mesmo, e não de encontro ao mundo que o rodeava; longe de crer que este
mundo fosse potencialmente imortal, ele não estava sequer seguro do que fosse real.
(ARENDT, 2003, p. 334)
225
A Defensoria como agente na mediação de conflitos
2 Mediação de conflitos
O acesso à justiça não está umbilicalmente ligado ao Poder Judiciário,
embora seja ele essencial na resolução de alguns conflitos, especialmente nos
que dizem respeito a direitos em que a lei expressamente não admite transação.
A mediação em nenhum momento busca contrapor-se ou substituir aquele órgão
estatal, o que pretende é oferecer um procedimento diverso para que todos, sem
exceção, possam usufruir dos benefícios da justiça e da conscientização de seus
direitos. Aqui falamos em justiça em sentido amplo, daí a ideia de um pluralismo
jurídico, pois cada grupo social, como um bairro, pode possuir normas próprias
que são desconhecidas pelo Judiciário.
O mais importante é que, neste processo, o diálogo é estimulado. Não
é um terceiro alheio aos problemas quotidianos de cada um que impõe uma
decisão, mas as próprias partes chegam a um acordo.
Muitas vezes, o acordo é difícil de ser alcançado, pois existem mágoas,
ressentimentos, no entanto, o bom mediador consegue apaziguar os ânimos
e sugerir diversos caminhos, consoante o Direito e a moral. Assim, além de
estimular o diálogo, as partes saem conhecendo um pouco mais do Direito em
sentido amplo, se sentindo mais cidadãs, inclusas em uma forma de perceber
o mundo que era, muitas vezes, alheia à sua realidade. Os mediados se sentem
capazes de resolver seus próprios conflitos, daí a semente da cidadania, da
inclusão social. E a cidadania, como bem explicitou a professora Teresa Maria
Frota Haguette (1992, p. 67):
[...] não tem vida própria; qual peste ou epidemia; ela avança inexoravelmente contagiando
a todos com o vírus da igualdade, deixando-lhes a sequela da aversão a toda sorte de
iniquidade. Por isso ela impregna a todos com o sentimento da rainha das virtudes: a
justiça, que representa o sangue circulante do seu ser, necessitando de invólucros para
materializar-se: os atores sociais, os indivíduos.
226
Eduardo Antônio de Andrade Villaça e Michele Cândido Camelo
A mediação é:
A inscrição do amor no conflito
Uma forma de realização da autonomia
Uma possibilidade de crescimento interior através dos conflitos
Um modo de transformação dos conflitos a partir das próprias identidades
Uma prática dos conflitos sustentada pela compaixão e pela sensibilidade
Um paradigma cultural e um paradigma específico do Direito
Um modo particular de terapia
Uma nova visão da cidadania, dos direitos humanos e da democracia.
227
A Defensoria como agente na mediação de conflitos
[...] o projeto neoliberal, que elabora esta nova modalidade de resposta à “questão social”,
quer acabar com a condição de direito das políticas sociais e assistenciais, com seu caráter
universalista, com a igualdade de acesso, com a base de solidariedade e responsabilidade social
e diferencial. [...] Assim, tais respostas não constituiriam direito, mas uma atividade filantrópica/
voluntária ou um serviço comercializável; também a qualidade dos serviços responde ao poder
de compra da pessoa, a universalização cede lugar à centralização e focalização, a “solidariedade
social” passa a ser localizada, pontual, identificada à auto ajuda e ajuda mútua.
O governo da democracia leva a noção de direitos políticos ao nível dos cidadãos mais
humildes, do mesmo modo que a disseminação da riqueza leva a noção de propriedade ao
alcance de todos os homens; na minha opinião essa é uma de suas vantagens maiores. Não
digo que seja fácil ensinar aos homens o exercício dos direitos políticos; mas afirmo que,
quando for possível, os efeitos que disso resultam são altamente importantes; e acrescento
que, se jamais chegou a ocasião de disso se tentar, esta ocasião é agora. Não se vê que a
crença religiosa está abalada, e a noção divina de direito, declinando? [...] Quando me dizem
que as leis são fracas e o povo turbulento, que as paixões estão excitadas e a autoridade da
virtude paralisada, e que, portanto, não se devem tomar medidas que aumentem os direitos
da democracia, respondo que, por essas mesmas razões, é que devem tais medidas serem
tomadas [...] pois os governos podem perecer, mas a sociedade não pode morrer.
192 O termo empoderamento é tradução da palavra empowerment, que possui bastante utiliza-
ção na área de psicologia. A expressão passa a ideia da capacidade que possui a comunidade de
apoderar-se de sua autonomia, de depender cada vez menos de políticas assistencialistas.
228
Eduardo Antônio de Andrade Villaça e Michele Cândido Camelo
3 A Defensoria Pública
A Assembléia Constituinte de 1988, a qual deu origem à Carta Magna
vigente nos dias atuais, diante do sistema de justiça formulado, optou pela
formação de algumas instituições vocacionadas à tutela de direitos básicos pelo
mesmo texto garantidos.
Tais instituições são as denominadas, pela própria Constituição da
República de 1988, como “Funções Essenciais à Justiça”,193 enumerando como
tais o Ministério Público,194 a Advocacia Pública195 e, por fim e conjuntamente, a
Advocacia e a Defensoria Pública.196
Para garantir o acesso à Justiça da população de baixa renda, ou
seja, das pessoas que não possuem condições de pagar um advogado sem
prejuízo de seu sustento e do sustento de sua família, a Constituição Federal
de 1988 pensou a Defensoria Pública. Para que esta instituição fosse forte o
suficiente para lutar pelos direitos humanos da maior parte da população, que,
infelizmente, se enquadra no perfil exposto, o constituinte originário garantiu-
lhe autonomia, permanência, além de prerrogativas necessárias para sua boa
atuação, tal como “autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua
proposta orçamentária, dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes
orçamentárias e subordinação ao disposto no artigo 99, §2º”.197
Em 1994, a Defensoria Pública teve sua atividade regulamentada pela Lei
Complementar nº 80, sendo esta, hoje, objeto de reforma, a fim de se coadunar
com sua importância no contexto constitucional, ou seja, como garantidora do
Estado Democrático de Direito.
Como o tema do presente trabalho é dar ênfase à atuação da Defensoria
Pública, especialmente na atuação da mediação de conflitos comunitários
e coletivos, passaremos a tratar do tema em espécie no contexto a que nos
propusemos estudar.
229
A Defensoria como agente na mediação de conflitos
230
Eduardo Antônio de Andrade Villaça e Michele Cândido Camelo
231
A Defensoria como agente na mediação de conflitos
solução do conflito aparente, mas de um incômodo oculto. Por exemplo, uma mãe
que aparentemente busca uma pensão alimentícia aos filhos muitas vezes quer
ser escutada, quer voltar à convivência com o companheiro. O mediador deve ser
pessoa sensível para perceber qual o conflito mediato e real existente.
A mediação comunitária é forma de resolução pacífica dos conflitos
em que tanto as pessoas envolvidas na controvérsia quanto o mediador são
pessoas da mesma comunidade, o que facilita a comunicação e a compreensão
das especificidades do conflito.
Como disse Falsarella (2003, p. 86), o mediador comunitário atua como
um pastor, em uma comunidade religiosa, que reúne técnicas de controle
direcionadas para os detalhes da vida de cada membro da comunidade:
Tal qual um pastor que, em sua tarefa religiosa, dedica-se a atender às necessidades
espirituais, o mediador comunitário deve ouvir as partes, reconhecer os seus clamores
e suas emoções e, ao fornecer um ambiente seguro, permitir que as raízes do conflito
floresçam. Nesse sentido, há um aspecto restaurativo na justiça comunitária, pelo qual
os disputantes podem reconhecer uns aos outros e, desenvolvendo aptidões para a
comunicação, trabalham na direção de cura dos danos causados pelo conflito, assim como
na aptidão para evitar problemas futuros. O empowerment é resultado de um processo que
proporciona autoconhecimento e reconstrução das auto-identidades por meio do conflito.
O juiz da 3ª Vara do Trabalho de Cascavel/PR, Bento Luiz de Azambuja Moreira, decidiu não
realizar uma audiência, em 13/06, porque o reclamante, um trabalhador rural, usava chinelo
de dedos. No termo de audiência, ressaltou o magistrado que “o calçado é incompatível
com a dignidade do Poder Judiciário”, e marcou nova audiência para o próximo dia 14 de
agosto. O advogado Olímpio Marcelo Picoli protestou, aduzindo que seu cliente é pessoa
humilde, analfabeta e desempregada, e que “foi com a melhor roupa que tinha”, mas seus
argumentos não modificaram o entendimento do julgador (POLÍZIO JUNIOR, 2007).
232
Eduardo Antônio de Andrade Villaça e Michele Cândido Camelo
que entende e fala como todos os que auxilia, que se veste de forma compatível
com o local, ambiente simples, limpo, organizado.
Além do local, da linguagem, da informalidade, à mediação comunitária
ainda é acrescentada uma característica de fundamental importância: a
valorização do homem enquanto ser dotado de características culturais próprias.
Esta forma de resolução de conflitos, na medida em que se baseia no
diálogo horizontal e na percepção do outro, valoriza as especificidades de cada
comunidade, de cada bairro, de cada família. Pedro Demo (2005, p. 20), com
propriedade, disse que:
[...] a graça da sociedade não está em compor indivíduos justapostos e apenas replicados,
mas individualmente polarizados. [...] Assim como não somos capazes de copiar uma
cultura — ao contrário, geramos culturas diferentes — não somos capazes de reproduzir
simplesmente as pessoas, mesmo quando são gêmeos ditos idênticos.
233
A Defensoria como agente na mediação de conflitos
198 Há, contudo, dois projetos de lei que regulamentam a mediação, o PL nº 4.827, de 1998, e
sua versão mais atualizada, o PL nº 94, de 2002 – Anexo B.
234
Eduardo Antônio de Andrade Villaça e Michele Cândido Camelo
235
A Defensoria como agente na mediação de conflitos
Artigo 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser
exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
236
Eduardo Antônio de Andrade Villaça e Michele Cândido Camelo
O que pode ocorrer é que uma única combinação de fatos, sob uma única relação
jurídica, venha a provocar o surgimento de interesses transindividuais de mais de uma
categoria, os quais podem até mesmo ser defendidos na mesma ação civil pública ou
coletiva. Assim, de um único evento fático e de uma única relação jurídica consequente, é
possível advirem interesses múltiplos.
237
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Eduardo Antônio de Andrade Villaça e Michele Cândido Camelo
239
A Defensoria como agente na mediação de conflitos
240
Eduardo Antônio de Andrade Villaça e Michele Cândido Camelo
6 Considerações finais
Analisou-se nesse trabalho de que forma a Defensoria Pública, em que
pese sua juventude, poderia realizar seu mister de orientação e defesa judicial
e extrajudicial dos hipossuficientes economicamente, de forma a proporcionar
um real direito fundamental ao acesso à justiça.
Refletiu-se acerca da mediação enquanto forma de resolução de conflito
em que se proporciona o fomento da cidadania e a inclusão social.
Por fim, analisou-se de que formas a Defensoria Pública poderia participar
da mediação comunitária e desenvolver a mediação coletiva.
Com as reflexões expressas, concluímos que a mediação é instituto capaz
de promover a democratização do acesso à Justiça, proporcionando não somente
a pacificação social, como também o conhecimento e apropriação de seus
direitos. Nesse contexto, a Defensoria Pública atua amplamente, destacando-
se por não se reduzir à simples assistência jurídica, exercendo as funções de
indicadora dos direitos de cada um.
No âmbito da mediação comunitária, presente em alguns Estados,
atua mediante a promoção de uma capacitação constante dos mediadores
comunitários, bem como com a colaboração na feitura dos termos de acordo e,
em caso de descumprimento do mesmo ou não realização, a defesa dos interesses
dos assistidos. Assim, a comunidade conta com uma instituição permanente e
autônoma na administração dos conflitos, promovendo celeridade na resolução
dos mesmos e assistência ampla. Em nenhum momento aquela coletividade se
sentirá desprotegida sob a perspectiva de proteção dos direitos, porque, além de
contar consigo mesma, manifestando sua autonomia na mediação comunitária,
se mantém próxima da Defensoria Pública, que atuará de acordo com todos os
preceitos constitucionalmente ditados.
241
A Defensoria como agente na mediação de conflitos
Referências
ARENDT, Hannah. A condição humana. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003.
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: S.A. Fabris, 1988.
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Petrópolis: Vozes, 1992.
MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente,
consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 17. ed. rev., ampl.
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242
Eduardo Antônio de Andrade Villaça e Michele Cândido Camelo
WARAT, Luís Alberto. A mediação. Disponível em: <www.almed.org.br>. Acesso em: 25 nov.
2004a.
______. Surfando na pororoca: o ofício mediador. Coordenação de Orides Orides Mezzaroba
et al. Florianópolis: Boiteux, 2004b.
243
Conflitos societários e empresariais:
a conveniência da adoção da cláusula
de mediação e arbitragem (“med-arb”)
1 Apresentação
Julgamos apropriado tecer algumas considerações sobre a conveniência de
se introduzir nos contratos sociais e estatutos sociais, em conjunto com a cláusula
arbitral, a cláusula de mediação, constituindo assim a chamada cláusula “med-arb”.
A cláusula “med-arb” tem por finalidade estabelecer entre as partes
contratantes um compromisso: na hipótese de surgir qualquer disputa entre os
sócios ou entre estes e a sociedade, de submeter a controvérsia primeiramente
à mediação e, em não havendo uma solução total da disputa, encaminhá-la
posteriormente para ser resolvida por arbitragem.
Trata-se da aplicação de uma modalidade de step clause ou escalation
clause, muito utilizada no campo das ADR (Alternative Dispute Resolution) no
comércio internacional.
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Conflitos societários e empresariais
uma história alternativa àquela que trouxeram à mediação. E, para tanto, não se
requer a modificação dos fatos, mas a mudança da percepção e dos significados
que emprestam aos fatos.
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251
muitos empresários possam ser hábeis negociadores, na maioria das vezes
utilizam essas habilidades com clientes e fornecedores, mas poucas vezes com
os membros de suas organizações.
Essas autoras, em interessante trabalho sobre gestão de conflitos na
empresa familiar apresentado na IV Conferência Internacional do Foro Mundial
de Mediação, em 2003, também sugerem a introdução da função de gestor de
conflitos na empresa familiar para intervir nas situações conflituosas através do que
denominaram mediación multiparte dinamica (mediação multipartes dinâmica).
Por outro lado, o mecanismo de resolução de conflitos não pode ser
operacionalizado pelos integrantes da organização. Deve ser conduzido
por profissionais neutros e independentes. Com efeito, a instituição de uma
instância de gestão de conflitos evita o desvio de função dos administradores e
o consequente desgaste desses profissionais, ao mesmo tempo que preserva a
estabilidade das relações empresariais.
Sabe-se hoje que importantes empresas americanas contam com a atua-
ção de uma consultoria terceirizada para intervirem em conflitos dentro da em-
presa, como disputas sobre projetos. Essa consultoria, denominada equipe de
integração (LEWICKI; HIAM, 2003), ajuda as partes em disputa a procederem a
uma reavaliação das questões, de modo a encontrar uma solução eficaz para a
empresa e que, igualmente, afasta a possibilidade de prolongadas discussões
internas que possam vir a comprometer atrasos na execução de projetos.
Essa postura inovadora na gestão de conflitos sugere aos escritórios de
advocacia que se dedicam ao Direito das Empresas uma mudança de perfil no sentido
de incluir nas suas equipes profissionais capacitados para atuarem como mediadores.
Assim procedendo, os escritórios que prestam consultoria às empresas
ampliam a sua prestação de serviço e podem atuar preventivamente no sentido
de evitar que os inevitáveis conflitos se transformem em crise. E a utilização das
técnicas de mediação por profissionais capacitados pode ser aplicada não apenas
aos conflitos societários, mas também dentro da organização empresarial e fora
dela, nas relações comerciais com fornecedores e clientes.
A cláusula “med-arb” pode estar inserida no contrato ou estatuto social,
nos acordos de quotistas ou acionistas. Entretanto, os administradores podem
prescrever a mediação para o âmbito das relações internas e externas da empresa.
É neste sentido que nos referimos à instância permanente de gestão de conflitos.
É interessante verificar que essa tendência favorável às soluções
extrajudiciais tem se firmado também entre as empresas que comercializam
produtos e ou serviços destinados a um universo grande de consumidores
(como por exemplo: instituições financeiras, empresas de telefonia), exigindo
dos advogados que as atendem a participação de equipes de negociadores.
A título de ilustração e curiosidade, atualmente há instituições
especializadas na resolução de disputas on-line (Resolution Dispute On-Line –
RDO), destinadas, principalmente, ao comércio internacional.
Finalmente, recomendamos especial atenção na elaboração da cláusula
“med-arb”, para que contenha todos os detalhes sobre a execução do processo
de mediação, de modo que, na hipótese de posterior arbitragem, não se possa
alegar o não cumprimento da etapa preliminar de mediação.
Para tanto, é necessário que se explicite no teor da cláusula “med-arb”
como se fará a solicitação de mediação, os meios acordados de comunicação,
252
os modos de verificação do não consentimento ou recusa à mediação, lugar,
idioma, nomeação de mediador, enfim, todas as regras aplicáveis ao processo
de mediação como preliminar da arbitragem.
A Lei nº. 13.140, de 26 de junho de 2015, regulou o procedimento da
mediação extrajudicial e inseriu dispositivos legais que impactam significativa-
mente os subscritores da cláusula de mediação.
Assim, o § 1º. do artigo 2º. determina a obrigatoriedade das partes signa-
tárias de cláusula de mediação comparecerem à primeira reunião de mediação.
A pena, estabelecida no artigo 22, § 2º., IV, pelo não comparecimento da parte
convidada à primeira reunião de mediação “acarretará a assunção por parte desta
de cinquenta por cento das custas e honorários sucumbenciais caso venha a ser
vencedora em procedimento arbitral ou judicial posterior, que envolva o escopo
da mediação para a qual foi convidada”. Acrescenta-se a possibilidade de se esti-
pular no âmbito da cláusula de mediação outra penalidade em caso de não com-
parecimento da parte convidada à primeira reunião de mediação (artigo 22, IV).
Por certo o comparecimento da parte convidada à primeira reunião de
mediação não implica na realização de um acordo na mediação. O objetivo da
lei foi assegurar o cumprimento da obrigação assumida de se criar uma etapa
preliminar de mediação na hipótese de surgimento de resistência, mas, por se
tratar de um procedimento de natureza voluntária, qualquer das partes envolvi-
das pode recusar o prosseguimento do processo de mediação após comparecer
à primeira reunião de mediação.
A referida lei teve também a preocupação de evitar as chamadas cláusulas
vazias, prescrevendo no artigo 22 que a previsão contratual de mediação deverá
conter, no mínimo: “I – prazo mínimo e máximo para a realização da primeira
reunião de mediação, contado a partir do da data do recebimento do convite; II
– local da primeira reunião de mediação; III – critérios de escolha do mediador ou
equipe de mediação; IV – penalidade em caso de não comparecimento da parte
convidada à primeira reunião de mediação.”
As partes podem optar por seguir um Regulamento de Mediação de uma
Câmara de Mediação e Arbitragem, cujo Regulamento especifique critérios cla-
ros para a escolha do mediador e realização da primeira reunião de mediação.
A lei determina, no artigo 22, § 2º., que, na ausência de previsão contra-
tual completa, se observe os seguintes critérios para a realização da primeira
reunião de mediação: I – prazo mínimo de dez dias úteis e prazo máximo de três
meses, contados a partir do recebimento do convite; II- local adequado a uma
reunião que possa envolver informações confidenciais; III – lista de cinco nomes,
informações de contato e referências profissionais dos mediadores capacitados.
A parte convidada poderá escolher, expressamente, qualquer um dos cinco me-
diadores e, caso a parte convidada não se manifeste, considerar-se-á aceito o
primeiro nome da lista.
A intenção do legislador foi evitar que eventuais lacunas na redação da
cláusula compromissória de mediação comprometessem a sua exequibilidade.
Recomendamos que na elaboração da cláusula “med-arb” sejam observados os
seguintes aspectos:
1 – o modo como será feita a solicitação de mediação;
2 – os meios acordados de comunicação;
3 – modo de verificação do não consentimento ou recusa de participar da
253
Conflitos societários e empresariais
mediação;
4 – fixação de um limite temporal para duração do processo de mediação;
5 – regras aplicáveis para a escolha do mediador;
6 – confidencialidade do procedimento;
7 – lugar do procedimento de mediação;
8 – idioma;
9 – responsabilidade pelo pagamento dos custos e despesas do processo
de mediação;
10 – aplicação do Regulamento de uma instituição especializada em me-
diação e arbitragem.
A atividade empresarial tem enfrentado alguns obstáculos na adoção do
mecanismo “med-arb”.
Algumas vezes, a adoção do processo de mediação prévio a arbitragem
serve para dilação injustificada da instalação da arbitragem e, outras vezes, se
transforma em meio escuso de obter conhecimento de documentos confiden-
ciais que possam ser objeto do processo arbitral.
Essas hipóteses, contrárias ao principio da boa fé, servem para reforçar a
litigiosidade em um posterior processo de arbitragem.
Por essa razão, a elaboração da cláusula “med-arb” se reveste de suma
importância para impedir o mau uso dessa opção de resolução de controvérsia.
Embora muitas instituições de mediação e arbitragem, nacionais e interna-
cionais, de grande prestígio, apresentem nos seus Regulamentos cláusulas mo-
delos de mediação e arbitragem, deve-se evitar a sua utilização, pois a redação
dessas cláusulas deve ser cuidadosamente e detalhadamente confeccionada con-
forme cada situação específica para não causarem problemas na sua execução.
Procura-se, assim, afastar eventuais entraves que possam obscurecer os
benefícios da instância prévia de mediação na resolução de uma controvérsia.
Outra questão concernente à clausula “med-arb” diz respeito à possibili-
dade de o mediador se tornar árbitro na hipótese de não se alcançar um acordo
na fase de mediação.
Essa eventualidade tem sido majoritariamente rejeitada pelo fato de que
o mediador usualmente recorre a reuniões privadas com as partes e toma co-
nhecimento de informações que não são repassadas a outra parte e pode, na
qualidade de árbitro, decidir com base nessas informações.
A despeito dos problemas apontados na execução da cláusula “med-arb”,
que podem ser evitados mediante o correto design da metodologia adotada pela
cláusula de mediação e arbitragem, essa opção pelas partes contratantes tem
efeitos positivos, como possibilitar às partes a oportunidade de resolver as dis-
putas nos seus próprios termos, como também determinar que a disputa terá
um fim, quer pela via da mediação, quer pela via da arbitragem.
Referências
254
Henrique Gomm Neto
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nicação humana: um estudo dos padrões, patologias e paradoxos da interação. São Paulo:
Cultrix, 2007.
255
A mediação no direito de família
e o acesso à justiça
1 Introdução
O presente texto tem por objetivo analisar a contribuição dos meios
consensuais de solução de conflitos para a universalização do acesso à justiça,
mormente quando se trabalha com questões tão delicadas como as que se
referem ao direito de família, por exemplo a separação consensual extrajudicial
e o divórcio consensual extrajudicial, bem como a dissolução da união estável
por intermédio de escritura pública.
Inicialmente, buscar-se-á enfocar a evolução histórica dos métodos
consensuais de resolução de conflitos de interesses, para em seguida abordar o
conceito e vantagens da mediação até chegar à análise de sua ampla aplicabilidade
no âmbito do direito de família, inclusive à luz das recentes reformas da
legislação, com o ingresso da chamada separação consensual extrajudicial e do
divórcio consensual extrajudicial, por intermédio de escritura pública.
200 Acerca da autotutela à jurisdição, cf. Cintra; Grinover; Dinamarco (2006, p. 26-40).
256
Ivan Aparecido Ruiz
No que concerne à conciliação, o próprio Cristo teria afirmado: “aquele que traz uma
oferenda, mas que tem uma contenda com seu irmão, deve, antes, reconciliar-se com ele,
para somente depois completar a oferenda” [...]. Na verdade, [...] o instituto da conciliação,
ignorado pelas fontes do direito romano, teria surgido na esfera do direito canônico.
201 “Art. 1º. Nas causas de desquite litigioso e de alimentos inclusive os provisionais, o juiz, antes de
despachar a petição inicial, logo que esta lhe seja apresentada promoverá todos os meios para que as
partes se reconciliem, ou transijam, nos casos e segundo a forma em que a lei permite a transação”.
257
A mediação no direito de família e o acesso à justiça
Instituyese con carácter obligatorio la mediación previa a todo juicio, la que se regirá por
las disposiciones de la presente ley. Este procedimiento promoverá la comunicación directa
entre las partes para la solución extrajudicial de la controversia. Las partes quedarán
exentas del cumplimiento de este trámite si acreditaren que antes del inicio de la causa,
existió mediación ante mediadores registrados por el Ministerio de Justicia.
202 “Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão: I - juizados
especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o
julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor
potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses
previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau”.
203 Cf. Aloisio (1997); Álvarez, Highton e Jassan (1996); Caivano, Gobbi e Padilla (1997); Colerio e
Rojas (1998); Gozaíni (1996); Highton e Álvarez (1995); Highton, Álvarez e Gregorio (1998); Lascala
(1999); Rodríguez Fernández (2000); Rufino (1999); Schnitman (2000); Slaikeu e Zadunaisky (1996);
e Yanieri (1994).
258
Ivan Aparecido Ruiz
[...] afirmar que, atualmente, um movimento universal pela efetividade do acesso à justiça
engloba pelo menos as seguintes matérias: [...]
d) A adoção da mediação paraprocessual voluntária, ampliação das oportunidades da conciliação
e da própria arbitragem no curso dos processos judiciais, inclusive medidas alternativas
reparadoras no campo penal, com fundamento nos conceitos da justiça restaurativa;
e) A difusão da mediação, da arbitragem e de outras abordagens extrajudiciais, como
procedimentos da sociedade civil enquanto protagonista da solução de conflitos, inclusive por
intermédio de núcleos comunitários e/ou instituições administradoras de mediação e arbitragem.
Dessa forma, utiliza-se aqui o termo acesso à justiça num sentido bem mais
amplo, abrangendo uma ordem de valores e direitos sublimes e fundamentais
(RODRIGUES, 1994, p. 28). Isto faz com que o acesso ao Poder Judiciário esteja
compreendido no acesso à justiça. O acesso ao Poder Judiciário, nessa relação,
estaria para o acesso à justiça numa relação de meio e fins, porém sem exclusividade.
Osmétodosautocompositivosdesoluçãodeconflitosdeinteresses,principalmente
a mediação e a conciliação, são vistos hoje como uma forma de universalização do
acesso à justiça. Atualmente, como ensina Heliana Maria Coutinho Hess (2004, 158),
“a ampla possibilidade de solucionar o litígio de forma mais flexibilizada, simplificada
e agilizada pode ser cada vez mais regulamentada por instrumentos autorizados pelo
Estado e pela descentralização da jurisdição para órgãos privados”.
Assim, deve-se, sempre, antes de utilizar um método heterocompositivo
(arbitragem e processo judicial), onde a solução dos conflitos de interesses
é imposta, tentar a autocomposição, objetivando viabilizar uma solução
consensual, principalmente quando o conflito de interesses tiver por matéria o
Direito de Família. Nesse sentido, a mediação se mostra totalmente adequada
e pertinente à espécie. Aliás, John M. Haynes (1995), ao trabalhar o conceito de
mediação, sustenta que a mesma é uma forma adequada para a resolução dos
conflitos de separação e divórcio 206.
Em verdade, quando o legislador, alterando o Código de Processo Civil
de 1973, pela Lei nº 11.441, de 4.1.2007, introduziu a separação consensual
extrajudicial e o divórcio consensual extrajudicial, como adiante se demonstrará,
204 Cf. Amaral (1994); Araújo (1999); Azevedo (2002-2005); Braga Neto (1999); Caetano (2002);
Colaíacovo e Colaíacovo (1999); Cooley (2001); Galano (1999); Garcez (2002); Grunspun (2000);
Haynes e Marodin (1996); Morais e Spengler (2008); Oliveira (1999); Serpa (1999a); Serpa (1999b);
Tavares (2002); Vezzulla (1999); e Warat (2001).
205 Não é por outra razão que se encontram, tanto na doutrina estrangeira, quanto brasileira,
várias obras que tratam os meios alternativos como uma forma de acesso à justiça. Cf., a título de
exemplo: Álvarez (2003); Lima Filho (2003); Torres (2005); e Vasconcelos (2008).
206 Veja-se o conceito do citado autor: “La mediación es un proceso en virtud del un tercero,
el mediador, ayuda a los participantes en una situación conflictiva a su resolución mutuamente
aceptable y estructurada de manera que permita, de ser necesario, la continuidad de las relacio-
nes entre las personas involucradas en el conflicto. Esta es la razón por la que la mediación es
tan adecuada para la resolución de los conflictos de separación o divorcio” (HAYNES, 1995, p. 9).
259
A mediação no direito de família e o acesso à justiça
260
Ivan Aparecido Ruiz
Dos hermanas pequeñas discuten por una naranja, ambas la quieren y dice la menor: “es
para mí”, la otra dice: “no, es mía”. La madre cansada pone fin a la disputa. Llama a las
dos hijas, y divide la naranja cuidadosamente en dos partes exactamente iguales y las
entrega. Satisfecha la madre, vuelve a sua tarea pensando haber solucionado con justicia
el conflicto. Esta situación muestra la generalizada idea de lo que significa una solución
210 Alcira Ana Yanieri (1994, p. 126), em uma de suas conclusões a respeito do assunto, afirma
que: “La mediación es complementaria de la Justicia, no es una técnica competitiva, se cree que
estos modos alternativos de solución de conflictos son una respuesta posible al disfuncionamien-
to del servicio público de Justicia, por su lentitud, falta de eficacia, costos, etc.”.
211 Alcira Ana Yanieri (1994, p. 47), a respeito da utilização de métodos alternativos anteriormente ao
processo judicial, assim se expressa: “los métodos autocompositivos como la conciliación y la mediación
pueden actuar como filtro, reteniendo aquellas situaciones litigiosas en que aun — necesitando de auxilio
externo — pueda lograrse una solución que parta de los mismos interesados, dejando el arbitraje para
cuando no sea posible un acuerdo directo, pero exista, al menos, un grado de entendimiento mínimo, que
les permita convenir el sometimiento de diferencias al arbitraje. La justicia ordinaria quedará como re-
ducto final, reservado para los conflictos que no admitan soluciones total o parcialmente consensuadas”.
Mais adiante, prossegue ela: “Con estas técnicas — como es obvio — no se busca ‘privatizar la Justicia’,
ni se pretende quitar y/o restar protagonismo a los jueces, ni menoscabar su labor. Se procura sola-
mente complementarla, ayudando de alguna manera para que la Justicia (como un todo) sea eficiente.
El buscar nuevas alternativas para afrontar la crisis, pueden ser autocompositivos como la mediación
— tema del presente —, o bien heterocompositivos como el arbitraje” (YANIERI, 1994, p. 46-47).
212 Como acentuaM J. S. Fagundes Cunha e José Jairo Baluta (1997, p. 22), abordando a crise por
que passa a administração da justiça, não se pode perder de vista “a perspectiva de que a institui-
ção da mediação não seria o remédio suficiente para pôr fim à crise”.
261
A mediação no direito de família e o acesso à justiça
justa: un tercero neutral que reparta equitativamente aquello que está en disputa.
A primera vista, la solución parece acertada. Pero la historia no termina aquí, porque la
menor de las hermanas pela su mitad, tira la cáscara y come la pulpa; la otra al contrario,
tira la pulpa y guarda la cáscara para sazonar su torta. Vemos que la solución, aunque fue
equitativa, no fue un buen remedio.
Si la madre hubiese indagado los reales intereses, en vez de limitarse exclusivamente a
cuestiones de procedimientos (cortar la fruta en exactas mitades) o de posiciones (las dos
hermanas querían la única naranja porque tenían el mismo derecho), sin dudas averían
llegado a una solución satisfactoria para ambas, pelaba ella la naranja y entregaba toda la
pulpa a una y toda la cáscara a otra, por ejemplo.
Es más, si las partes hubiesen sabido negociar cooperativamente entre ellas, evitando el
reparto, habrían llegado a un resultado más satisfactorio.
Este ejemplo, conocido como “La disputa de la naranja”, es mencionado frecuentemente en la
literatura norteamericana relativa a la solución de conflictos para mostrar métodos alternativos.
262
Ivan Aparecido Ruiz
213 Aqui, realmente, há que se fazer uma distinção entre o ideal e o real. Pensa-se que o ideal seja
uma solução arquitetada voluntariamente pelas próprias partes interessadas. Ninguém melhor do
que as partes interessadas sabe o que é melhor para elas. No entanto, nem sempre o que muitas
vezes é o ideal é o que vige no mundo da realidade. A realidade, muitas vezes, difere do ideal. Não
se pode deixar de mencionar os litigantes contumazes, que se utilizam do processo e das regras
procedimentais para levar vantagens e aproveitar-se da parte mais fraca.
214 Um dos problemas que se tem presenciado refere-se à morosidade na entrega da prestação juris-
dicional. Essa situação delicada não é peculiaridade do Brasil, ou dos países da América Latina, mas
também ocorre em países europeus com tradição no cenário político mundial. Refiro-me ao caso espe-
cífico de Portugal. Carlos Manuel Ferreira da Silva (2002, p. 204), em recente Art. publicado na Revista
de Processo, a certa altura, assim se expressa: “O maior problema com que a Justiça Portuguesa se
debate desde há alguns anos é certamente o da morosidade causada pelo incremento exponencial do
número de processos que são introduzidos nos tribunais. Neste contexto, muitos vêm entendendo —
e nesse sentido acaba de pronunciar-se, p. ex., a Associação Sindical dos Juízes Portugueses — que a
única solução está em retirar da jurisdição comum um número substancial dos assuntos que lhe são
confiados, configurando-se a conciliação e a arbitragem como meios de obter este desideratum. [...]
Falta tradição em Portugal no sentido da arbitragem e da conciliação extrajudicial e o aumento da sua
importância prática não pode obter-se com a mera afirmação da sua necessidade, mas, sim, como a
experiência vem demonstrando, com a existência de claras vantagens para quem delas se socorra”.
Esse mesmo autor aponta os seguintes dados estatísticos, que, pela sua importância no presente
contexto, merecem aqui ser registrados: “O número de processos cíveis movimentados por ano
aumentou de 613.256 em 1993 para 1.214.190 em 1998” (SILVA, 2002, p. 204).
263
A mediação no direito de família e o acesso à justiça
Juan Pedro Colerio e Jorge A. Rojas (1998, p. 10), quando enumeram essas razões:
Varias son las razones que llevan a esta conclusión. Una de ellas es el colapso por el que
atraviesa la administración de justicia, con procesos que se dilatan interminablemente y
en los que, cuando por fin se llega a sentencia definitiva, siempre ambas partes pierden
en gastos, tiempo y esfuerzos.
Otro motivo no menos importante, reside en que muchas de las veces los verdaderos
intereses de los sujetos no llegan a ser debidamente debitados en el proceso judicial,
perdidos en una maraña de cuestiones, tales como planteos de incompetencia, incidentes de
nulidades, acuses de negligencias y caducidades, interposición de recursos, notificaciones,
etcétera, que hacen perder de vista el concreto problema real que afecta a los litigantes.
La tercera razón que ponderamos valedera para impulsar los medios de negociación asistida,
es que se trata de métodos de resolución de conflictos no adversariales. Esto es que, mientras
en el proceso judicial se agudiza el enfrentamiento, pues cada parte debe de extremar su
posición a un máximo para en definitiva tratar de obtener el mayor beneficio posible, en
la autocomposición asistida, como es la mediación, se trabaja exclusivamente sobre los
intereses de los sujetos, tratando de afirmar las coincidencias y acercar las diferencias.
5 Conceito de mediação
Conceituar a mediação não é tarefa simples, porquanto ela tem aplicação
em diversas áreas do conhecimento 215 e varia até mesmo dentro do próprio
direito. Na seara da educação, por exemplo, fala-se também em mediação
(AFONSO, 1996), assim como na esfera da psicologia. A mediação, no âmbito
do direito, quanto à sua incidência, ao contrário do que se possa pensar no
primeiro momento, a nosso ver, não é cabível somente em conflitos envolvendo
direitos disponíveis e patrimoniais. Tem ela aplicação até mesmo em casos
que envolvam direitos indisponíveis e não patrimoniais. A doutrina sustenta
a sua possibilidade em matéria de direito de família (FARINHA; LAVADINHO,
1997; GRUNSPUN, 2000; HAYNES, 1995; HAYNES, MARODIN, 1996; RIOS, 2001;
SCHNITMAN, 2000; SERPA, 1999a, YANIERI, 1994), direito ambiental, direito
penal (COSTA, 1985; HIGHTON; ÁLVAREZ; GREGORIO, 1998; MAIER, 2000),
direito do consumidor 216, conflitos empresariais (BENÍTEZ PARODI, 2006), entre
outros. Assim, elaborar um conceito estrito, preciso, é tarefa quase impossível.
Talvez em razão disso, com efeito, não há uniformidade de tratamento
quanto ao seu conceito. Este varia conforme o momento em que a mediação é
realizada (extraprocessual e endoprocessual)217 e até mesmo conforme a maneira
de o mediador agir para a solução dos conflitos de interesses (podendo apontar
ou não solução). A mobilidade e o modo de agir do mediador, no procedimento
da mediação, poderão influenciar na conceituação.
César Fiuza (1995, p. 51) afirma que:
215 A mediação, como afirma Susana Figueiredo Bandeira: “[...] é uma realidade multidisciplinar, reu-
nindo, nos seus princípios, conhecimentos a vários níveis, de Direito, Psicologia, Sociologia, no fundo
de todas as ciências sociais e humanas, daí ser a mediação tão rica e eficaz na resolução de litígios, e
por causa disso, acolhida já por inúmeros ordenamentos jurídicos” (BANDEIRA, 2002, p. 116).
216 Ada Pellegrini Grinover (1988, p. 291), tratando das controvérsias submetidas com mais
frequência aos conselhos ou juizados de conciliação, dentre outras, aponta a relativa à defesa do
consumidor.
217 Entende-se que a mediação seja sempre extraprocessual, pois, como meio alternativo que é,
jamais poderia sê-lo no curso do processo (rectius = procedimento). Se é um meio alternativo ao
processo, como método de solução dos conflitos de interesses, não se compreende que a mediação
possa ser endoprocessual. Contudo, registre-se que há quem defenda a mediação endoprocessual.
264
Ivan Aparecido Ruiz
218 Para uma análise mais aprofundada sobre esse tema, cf., na doutrina italiana, Troisi (1995); e,
na doutrina brasileira, Carvalho Neto (1956).
265
A mediação no direito de família e o acesso à justiça
[...] sencillamente como una “negociación asistida”. Con algo más de detalle podríamos
describirla como un método de gestión de conflictos en el que uno o más terceros
imparciales asisten a las partes para que éstas intenten un acordo recíprocamente
aceptable. Al carecer de autoridad para dirimir la controversia, el mediador debe aplicar
una serie de técnicas destinadas a superar las barreras de comunicación.
219 Alguns também inserem um caráter facultativo. No entanto, defende-se no presente texto o
caráter obrigatório.
220 Como ensina Susana Figueiredo Bandeira (2002, p. 116): “O Mediador é apenas um facilitador
do diálogo e da autocomposição que as partes desejam, ao tentarem chegar ao acordo, e se é certo
que nenhuma das partes ‘perde’, na realidade, pode-se dizer até que, na Mediação, ambas ‘ganham’”.
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Ivan Aparecido Ruiz
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A mediação no direito de família e o acesso à justiça
La mediación es, en segundo lugar, indisciplinada por su heterodoxia, puesto que del
mediador se exige que sepa moverse entre teorías, sin la obligación de defender un feudo
intelectual o la ortodoxia de una capilla de clase o de saber. [...]
La autocomposición de los procedimientos de mediación es asistida porque se necesita
siempre la presencia de un tercero imparcial, aunque implicado, que ayude a las partes en
su proceso de asumir “los riesgos” de su autodecisión transformadora del conflicto. Lo que
se busca con la mediación, que es un trabajo de reconstrucción simbólica, imaginaria e
sensible de producción de diferencias que permitan superar las divergencias, lo que exige
siempre la presencia de un tercero que cumpla las funciones de un terapeuta emocional. [...]
El proceso es de autocomposición en la medida en que son las mismas partes de un
conflicto las que tratan de llegar a la producción, con el otro adversario, de una diferencia
que pueda recomponer, a través de una mirada interior, los ingredientes afectivos,
jurídicos, patrimoniales o de otros tipos y generar, así, lo nuevo en el conflicto.
[...] la mediación es una forma ecológica de autocomposición en la medida en que, al
procurar una negociación transformadora de las divergencias, facilita una considerable
mejoría en la calidad de vida (WARAT, 2000, p. 5-8).
268
Ivan Aparecido Ruiz
A mediação na seara do direito de família tende a encontrar um profícuo terreno fértil, uma
vez que viabiliza soluções do conflito. Ou mesmo, pode detectar o seu início e dizimá-lo
por profissionais que estejam próximos aos fatos e à vida do casal. Sem contar que as
resoluções e o restabelecimento da paz efetiva-se num tempo mais rápido, obtendo-se
um menor desgaste nas relações familiares e, principalmente, evitando traumas quando
há filhos. [...]
Por tais características, a mediação familiar vem reforçar as tendências atuais em permitir
uma realização de justiça nesse campo, pois propicia um diálogo sem bloqueio, verdadeiro
entre as partes, cada qual confiando seus motivos e razões aos mediadores, com maior
autenticidade e abertura para negociação de propostas e contrapropostas, podendo
atingir um consenso satisfatório.
A mediação imbuída desse espírito, que se pauta pela mais absoluta informalidade e
simplicidade dos procedimentos das decisões em que soluções não são impostas mas
negociadas entre as partes, por autocomposição, elimina em grande parte os traumas
269
A mediação no direito de família e o acesso à justiça
222 Lei do Divórcio, Art. 9º: “No caso de dissolução da sociedade conjugal pela separação
judicial consensual (art. 4º), observar-se-á o que os cônjuges acordarem sobre a guarda dos
filhos”.
223 “As últimas décadas propiciaram um avanço em estudos psicológicos. A ciência criança, como
é chamada a Psicologia, passou a ser instrumento de auxílio para elementos de famílias em desa-
juste, mas o divórcio, propriamente dito, permanece visto por profissionais da saúde mental como
um processo legal, além do contexto terapêutico. Ao mesmo tempo, profissionais do direito cons-
cientizam-se, cada vez mais, das limitações da lei, para tratar dos conflitos entre cônjuges, e vêem,
na psicoterapia, um recurso de primeira linha, para a resolução de disputa. A teoria do divórcio
movimentou também estudos sociológicos. De uma visão dimensional, como um processo legal,
expandiram o divórcio para uma visão mais integrada, como um processo multidimensional, que
demanda o envolvimento de ambas as matérias, legal e psicológica, além da Sociologia” (SERPA,
1999a, p. 22).
224 Aliás, como sustenta a psicóloga Ângela Oliveira, deve-se lembrar que os separandos ou di-
vorciandos são seres humanos em sofrimento, sendo muito difícil o comportamento como seres
humanizados (OLIVEIRA, 1999, p. 136).
270
Ivan Aparecido Ruiz
com o espírito de animosidade, de “briga” 225, que a “arena judicial” 226 suscita, o
que só faz afastar o escopo precípuo do processo, que é a pacificação social227.
Por outro lado, a ausência dessa consciência da importância de uma
“negociação” 228 constitui-se na primordial barreira para a resolução do litígio ou do
conflito em si. Ora, como se alcançar uma solução pacífica partindo-se de premissas
“bélicas”, tais como a agressividade, os ataques pessoais, o desprezo pela parte
contrária, ao invés de se procurar a empatia, a qual demanda a tendência de se
colocar na posição do outro, de tentar sentir como se se estivesse na situação alheia?
Não há como se alcançar a paz despido de um comportamento ou atitudes pacíficas
— fórmula já concebida pelo consagrado e genial Albert Einstein: “Não é sábio
pretender obter resultados distintos aplicando-se o mesmo comportamento”, bem
como por um conhecido ditado popular inglês: “the more you do what you’ve always
done, the more you get what you’ve always got” 229. Torna-se mesmo despiciendo
citar gênios e provérbios para se concluir que a solução pacífica de qualquer litígio
é sempre o melhor caminho. Todavia, novamente lembramos Einstein, sem dúvida
um dos maiores ícones do raciocínio lógico e analítico, e isso não somente no
universo matemático, mas também no das relações humanas, quando sustenta
que a paz não pode ser defendida pela força, só pode ser alcançada através do
entendimento. Nossa ânsia pelo entendimento é eterna.
Tudo isso reforça a noção de que a busca pela mediação deverá, sempre
que possível, preceder o processo judicial 230. Não se pode esquecer, em
momento algum, que a predisposição para negociar deve ser permanente,
tanto para o advogado quanto para as partes, incluindo terceiros sujeitos
no processo. Cabe principalmente ao advogado, o legítimo procurador dos
interesses das partes, roborar pelo seu efetivo alcance e concretude, pois não
é outro o comando que deflui do Código de Ética e Disciplina da Ordem dos
Advogados do Brasil, nitidamente resplandecendo no caput de seu art. 2º e
225 Talvez não seja por outra razão que, no passado, autores de nomeada, como é o caso de Un-
ger, conceituavam o direito de ação como um direito em pé de guerra, reagindo contra sua ameaça
ou violação. (SANTOS, 2002, p. 148). Gabriel José Rodrigues de Rezende Filho (1965, p. 144), a
propósito do assunto, afirma: “Unger compara a ação ao direito em pé de guerra, no seio marcial,
em oposição ao direito em estado de paz, na toga.”
226 “Existe a crença de que quando dois lados opostos se confrontam na arena judicial, cada
lado apresentando sua própria versão dos fatos, a ‘verdade será revelada e a justiça será servida’”
(SERPA, 1999a, p. 68).
227 Cf. Dinamarco (1993, p. 159-167), quando trata dos escopos sociais do processo.
228 Entendida, aqui, como mediação assistida.
229 “Quanto mais você faz o que você sempre fez, mais você obtém o que sempre obteve” (Tra-
dução livre).
230 Não se deve olvidar que, no desenvolvimento do processo judicial, como lembra Ângela Oliveira,
o advogado usa de “estratégias legais que muitas vezes fomentam o litígio, no legítimo dever da
melhor defesa ao seu cliente”. Essa mesma autora, na continuidade, afirma, com muita propriedade,
que “a solução judicial pode resolver o processo, mas não interrompe a demanda nem tampouco
o deslocamento sintomático a novas lides, durante o procedimento principal, por lides marginais,
ou pelas várias revisionais, ao longo de anos”. A aludida autora vai mais longe, ao expor: “[...] é
necessário uma leitura que extrapole o âmbito legal e permita uma compreensão mais abrangente
e humanizada, que inclua o sofrimento e outros aspectos emocionais e interrelacionais. [...] Mais do
que um outro meio de solução de controvérsias, ventilado na mídia como alternativa mais rápida
ao judiciário, inegavelmente sobrecarregado e estatisticamente incapaz de processar a projetada
demanda do futuro, a mediação tem que ser ressaltada como uma mudança paradigmática e ser
promovida como a cultura de humanização de vínculos e de pacificação social, sejam estes na
separação e divórcio, ou em qualquer outro contexto” (OLIVEIRA, 1999, p. 138-140).
271
A mediação no direito de família e o acesso à justiça
A primeira barreira que encontramos numa negociação difícil somos nós mesmos. É
bastante árduo defrontar-se com um colega advogado que não tem a mínima noção do
que vem a ser negociar. Chega a ser irritante ouvi-lo alardeando todas as medidas judiciais
231 “Art. 2º. O advogado, indispensável à administração da Justiça, é defensor do estado demo-
crático de direito, da cidadania, da moralidade pública, da Justiça e da paz social, subordinando
a atividade de seu Ministério Privado à elevada função pública que exerce. Parágrafo único. São
deveres do advogado: [...] VI - estimular a conciliação entre os litigantes, prevenindo sempre que
possível a instauração de litígios.”
232 Fernando da Costa Tourinho Filho (1982, p. 302), noutro contexto (do Ministério Público,
natureza de sua funções), mas que tem inteira aplicação no raciocínio que ora se desenvolve, traz
interessante lição que merece ser aqui transcrita: “O Ministério Público é o representante da lei. É
a encarnação do espírito da lei. E por que se diz isso? Responde Alcalà-Zamora: ‘Lo que con ello
se quiere significar más bien, es la objetividad e imparcialidad con que el Ministerio Público deve
actuar’. De fato, a verdadeira norma de conduta de um Promotor não é a de converter a desgraça
alheia em pedestal para os seus êxitos e ‘cartaz para a sua vaidade’. ‘No: la verdadera norma de
conduta de un Fiscal (Promotor) debe ser la de comportase como un Juez’”.
233 É sabido que “os advogados cultivam mais a postura litigiosa do que a consensual” (Trecho
da Exposição de Motivos do Anteprojeto de Lei sobre a mediação no processo civil do Instituto
Brasileiro de Direito Processual e da Escola Nacional da Magistratura).
234 E é nesse foco que se destaca a observação de Corinne M. Davis (2001, p. 127): “O estilo
informal da mediação permite às partes discutirem seus conflitos usando um discurso não-legal.
O’Barr e Conley examinaram os efeitos do uso de um discurso legal (dedutivo, testando alguma
hipótese) versus um discurso não-legal (indutivo, conversacional). Chegaram à conclusão que,
embora a satisfação do litigante possa ser maior, a efetividade do discurso não-legal no ambiente
legal era menor. Isto se deve ao fato de os agentes legais (juízes, advogados e mediadores) esta-
rem treinados a usar um discurso legal e casos apresentados num discurso não-legal serem menos
convincentes para estes agentes. Então, argumentam que a estrutura informal da mediação pode
prover mais satisfação para o litigante, dado que os litigantes podem usar um discurso não-legal,
mas que pode ultimamente ser uma desvantagem na apresentação do caso a um agente legal”.
272
Ivan Aparecido Ruiz
que poderá intentar, fazendo do encontro uma oportunidade para unicamente enfatizar
o poder de sua tese jurídica. Isso sem falar nos ataques pessoais, a você e seu cliente.
Esse tipo de ataque pessoal é a primeira coisa que deve ser esquecida pelo negociador
como ferramenta. Não há como se chegar a uma solução negociada atacando as pessoas
envolvidas no processo. Assim agindo só se conseguem a represália e a retaliação, não o
acordo. [...] Nunca ignore que a negociação é um processo que envolve seres humanos.
Ainda que esteja em jogo uma transação empresarial, são pessoas que estão ali sentadas
em volta da mesa tentando chegar a um acordo.
235 Nos EUA, por exemplo, essa preocupação de ensinar e estudar as ADR não se limitou somente
às faculdades de Direito, mas também teve ensinança nas escolas secundárias e primárias (HIGH-
TON; ÁLVAREZ, 1995, p. 152).
236 Estabelece a fase preliminar de conciliação ou acordo nas causas de desquite litigioso ou de
alimentos, inclusive provisionais, e dá outras providências.
237 “Art. 447. Quando o litígio versar sobre direitos patrimoniais de caráter privado, o juiz, de
ofício, determinará o comparecimento das partes ao início da audiência de instrução e julgamen-
to. Parágrafo único. Em causas relativas à família, terá lugar igualmente a conciliação, nos casos
e para os fins em que a lei consente a transação”.
273
A mediação no direito de família e o acesso à justiça
274
Ivan Aparecido Ruiz
240 Direito de família entendido, aqui, como o direito constituído pelo direito matrimonial, o di-
reito do parentesco e o direito assistencial. Cf., a respeito, Gomes (1994, p. 2-3). Acrescente-se,
ainda, o direito oriundo das relações estáveis e monoparentais, conforme preceitua o Art. 226,
parágrafos 3º e 4º, da CF/88.
241 Como ensinam John M. Haynes e Marilene Marodin (1996, p. 11), a mediação é idealmente apro-
priada para os conflitos familiares. A essa conclusão, esses autores chegam após teceram o conceito
de mediação. Afirmam os citados autores: “A mediação é um processo no qual uma terceira pessoa
estranha — o mediador — auxilia os participantes na resolução de uma disputa. O acordo final re-
solve o problema com uma solução mutuamente aceitável e será estruturado de modo a manter a
continuidade das relações das pessoas envolvidas no conflito. Para resolver a disputa os participan-
tes devem negociar uma solução e esta etapa já faz parte do processo das negociações. Como a re-
solução do problema envolve mais do que uma pessoa, a solução escolhida deve satisfazer todos os
participantes na disputa. Os participantes devem negociar qual solução ou combinação de soluções
são aceitáveis para todos. Por isso a mediação é idealmente apropriada para disputas familiares.”
242 Em Portugal, conforme se vê do Despacho n. 18.778/2007, do Ministério da Justiça, Gabinete
do Secretário de Estado da Justiça, foi regulada a atividade do Sistema de Mediação Familiar (SMF).
Aliás, a propósito do tema, no âmbito da Doutrina, no Direito Português, consulte-se Silva (2009).
275
A mediação no direito de família e o acesso à justiça
Artículo 1. Objeto.
1. La presente Ley tiene por objeto regular la mediación familiar como medida de apoyo
a la familia y como método de resolución de conflictos en los supuestos que recoge la
presente ley, para evitar la apertura de procedimientos judiciales de carácter contencioso
y poner fin a los ya iniciados o reducir su alcance.
La otra cuestión a tener en cuenta es la predisposición de los abogados que asisten al requirente
y al requerido en la etapa prejudicial de mediación. La formación del abogado en nuestras
universidades está prevista, en general, para el litigio. Él es el experto que en el proceso judicial,
de neto corte adversarial, mejor elabora la estrategia procesal para defender el derecho de su
cliente frente al contrario. Y como la mediación es otra cosa, los protagonistas son los propios
interesados y se trabaja sobre sus intereses, muchas veces sucede que el abogado, celoso
protector de su cliente, pretende in voce frente al mediador, explicar los hechos como si se
tratara de una demanda, frustrando así la espontaneidad del cliente y la búsqueda de sus
verdaderos intereses. De allí, como señala Bianchi (1996, p. 162), el abogado deberá adaptarse
a este nuevo entorno en el que pude encontrar muchas posibilidades de realización humana y
profesional, donde con discreción y sin ceder un ápice de lo que conoce teórica y prácticamente,
estará haciendo un aprendizaje de modestia y humanidad. Por eso dice Moore (1995, p. 181)
que, en general, los abogados están adiestrados para desarrollar una defensa en relación con
determinada solución o posición, y es posible que clasifiquen las alternativas de solución en
términos de acertadas o equivocadas, o que formulen opciones en las cuales puede responderse
por sí o por no. El éxito de la negociación depende, en cambio, de las decisiones basadas en
la cooperación y la integración, más que en las alternativas que imponen rígidamente una
elección en determinado sentido. Los mediadores pueden atenuar el antagonismo recibiendo a
los abogados como asesores legales pero no como negociadores subrogados.
1.7 La necesidad del cambio de las pautas culturales
En realidad, se trata de una cuestión cultural y de educación, que debe comenzar en las
universidades preparando al futuro abogado en técnicas no adversariales, para que limite
su papel en la mediación al asesoramiento, cuando éste le es requerido, al control de la
neutralidad del mediador y a que la solución a la que se arribe contemple adecuadamente
los derechos e intereses de su cliente, conforme con la ley aplicable al caso. (COLERIO;
ROJAS, 1998, p. 13-14).
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A mediação no direito de família e o acesso à justiça
243 Ante a divergência nos tribunais acerca da coexistência da separação judicial no ordenamen-
to jurídico, mesmo após o advento da Emenda Constitucional n. 66/2010, entende-se oportuno,
ainda, o tratamento da matéria dessa forma, como está no texto. Aliás, pensa-se que esta forma
de exposição possibilita uma maior reflexão e compreensão por parte do leitor sobre a temática.
244 O texto do art. 3º da lei mencionada é o seguinte: “Art. 3º. A Lei nº 5.869, de 1973 – Código
de Processo Civil passa a vigorar acrescida do seguinte artigo 1.124-A: ‘Art. 1.124-A. A separação
consensual e o divórcio consensual, não havendo filhos menores ou incapazes do casal e observa-
dos os requisitos legais quanto aos prazos, poderão ser realizados por escritura pública, da qual
constarão as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns e à pensão alimentícia
e, ainda, ao acordo quanto à retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou à manutenção do
nome adotado quando se deu o casamento. §1º A escritura não depende de homologação judicial
e constitui título hábil para o registro civil e o registro de imóveis. §2º O tabelião somente lavrará
a escritura se os contratantes estiverem assistidos por advogado comum ou advogados de cada
um deles, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial. §3º A escritura e demais atos
notariais serão gratuitos àqueles que se declararem pobres sob as penas da lei’.”
245 Essa locução, entende-se, não é a mais adequada. Não se realiza a separação ou divórcio con-
sensual na via administrativa, mas sim, perante um órgão estatal, vinculado ao Poder Judiciário, do
foro extrajudicial. Com efeito, o mais adequado é falar-se em “separação consensual extrajudicial
ou divórcio consensual extrajudicial”.
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246 Observe-se que esse terceiro simplesmente presta uma ajuda às partes, a fim de que estas
possam se entender por sua própria vontade.
247 No entanto, é de se observar que a transação, quando judicial, é consequência da conciliação.
Resulta, pois, a transação, nesse caso, da conciliação.
248 Esta, dependendo do tratamento legislativo, poderá ser extrajudicial ou judicial. A extrajudicial
será realizada por um terceiro que, necessariamente, não precisa ter conhecimentos jurídicos. Quan-
do realizada judicialmente, deverá ser realizada também por um terceiro, no caso, por um auxiliar da
justiça. Na Argentina, por exemplo, a mediação é sempre extrajudicial. No Brasil, pelo projeto de lei
que tramita no Congresso Nacional, a mediação tanto poderá ser judicial, quanto extraprocessual.
249 Mozart Victor Russomano (1960, p. 1463-1464), no âmbito do direito do trabalho, a respeito
dessa diferenciação, assim se manifesta: “A conciliação distingue-se da transação e da mediação. A se-
melhança que possa existir entre a conciliação e a transação não as identifica. Na transação, atuam as
vontades das partes; na conciliação, como diz Villarreal, interfere a vontade do Estado, representado
pelo juiz que a propõe aos litigantes. Dessa forma, enquanto a transação é medida espontânea e vo-
luntária, a conciliação é proposta, obrigatoriamente, a todos quantos comparecerem perante a Justiça
do Trabalho, sendo sugerida pelos representantes do Estado. Por outro lado, enquanto a mediação
pode ser espontânea ou provocada, a conciliação será, sempre, obtida mediante certos atos judiciais,
como a interposição da demanda — diz ainda Villarreal. Aponta, também, Carnelutti uma diferença
entre a conciliação e a mediação com base na finalidade a que ambas se destinam, relativamente à
ideia da justiça. Aquela tende a uma composição justa; esta se limita a resolver a controvérsia”.
250 José Eduardo Carreira Alvim (1995, p. 46), tratando dos conciliadores privados e atividade
jurisdicional, afirma: “A mim me parece que, antes que a lei disponha a respeito, conciliação conti-
nua sendo ato jurisdicional e, portanto, atribuição do juiz, que não pode delegá-la a outrem, ainda
que serventuário da justiça”.
A conciliação tanto é ato do juiz que Marcos Afonso Borges a conceitua como “[...] meio através
do qual, no processo, as partes encerram a lide, mediante provocação do juiz” (LIMONGI FRANÇA,
1977, p. 113-114).
José Celso de Mello Filho (1975, p. 238) também afirma que a “[...] tentativa de conciliação, que
constitui ato privativo do juiz, deverá realizar-se antes de iniciada a instrução”.
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A mediação no direito de família e o acesso à justiça
251 Confira-se o art. 133, primeira parte, da Constituição Federal de 1988: “Art. 133. O advoga-
do é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no
exercício da profissão, nos limites da lei”.
252 “Art. 2º O advogado, indispensável à administração da Justiça, é defensor do Estado demo-
crático de direito, da cidadania, da moralidade pública, da Justiça e da paz social, subordinando
a atividade do seu Ministério Privado à elevada função pública que exerce. Parágrafo único. São
deveres do advogado: [...] VI - estimular a conciliação entre os litigantes, prevenindo, sempre que
possível, a instauração de litígios.”
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8 Conclusões
1 A sociedade contemporânea, crê-se não ser novidade para ninguém,
vive em crise, cujos reflexos incidem direta e verticalmente sobre as instituições
estatais. Em razão dessa crise, vive-se momento hiperdinâmico, de mudança de
paradigmas. É crise funcionando como corante para dar nova cor, nova vida e
moldura ao quadro societário. Nessa mudança de modelos, observa-se que o
Estado vem deixando de ser um Estado administrador para tornar-se um Estado
gerenciador. Nessa contextualização, no campo da Justiça surge no horizonte
a mediação. Esta, como meio alternativo e pacífico de solução de conflitos de
interesses que é, não tem como alvo principal afastar a utilização do “processo
judicial” e, tampouco, utilizá-lo como seu concorrente, mas, ao revés, ser sua
aliada e prestar bem-vinda contribuição ao Poder Judiciário. Por isso mesmo, o
procedimento da mediação deve ser incentivado e manejado ao lado do processo,
agindo como um necessário filtro às incontáveis demandas que dele muito bem
podiam prescindir, tudo no afã de se agilizar a paz social, com maior efetividade.
2 No processo judicial, observa-se a visão ganha/perde, enquanto que,
na mediação, tem-se a visão do ganha/ganha. Naquele, a solução é imposta, é
adversarial, vem de fora para dentro. Nesta, ao invés, a solução é encontrada pelas
próprias partes envolvidas no conflito de interesses, é não-adversarial, vem de
dentro para fora. Na mediação, não há perdedor, ou vencido, como sói acontecer no
processo tradicional. A solução não-adversarial tem, sem sombra de dúvida, maior
253 “Art 3º [...] §2º O juiz deverá promover todos os meios para que as partes se reconciliem ou
transijam, ouvindo pessoal e separadamente cada uma delas e, a seguir, reunindo-as em sua pre-
sença, se assim considerar necessário.”
254 O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou e editou a Resolução nº 35, de 24.4.2007, que
disciplina a aplicação da Lei nº 11.441/07 pelos serviços notariais e de registro.
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carga de efetividade, o que se deve ao seu espírito pacífico, simples e ágil, voltado
para atender às esperanças fundadas nos supostos direitos dos envolvidos no litígio.
3 O conceito de mediação não guarda uma uniformidade na doutrina,
até mesmo porque a mediação é uma palavra polissêmica. Assim, ora encontra-
se com o significado de corretagem, de intermediação mercantil, ora com
o de solução de conflitos de interesses. Mesmo sob o enfoque de solução de
conflitos de interesses, verificam-se discórdias dentro da doutrina, porquanto
uns entendem que ela pode ser tanto endoprocessual quanto extraprocessual,
ou que o mediador pode apresentar sugestões às partes, enquanto outros não
admitem tais possibilidades. No entanto, verificam-se também muitos pontos
convergentes, como, por exemplo, a presença de um terceiro neutro e que
este nada decide. A nosso ver, a mediação é um procedimento autocompositivo
extraprocessual, consistente num método alternativo de solução de conflitos
de interesses, dotado de técnicas específicas e desenvolvido anexo ao Poder
Judiciário. Tal procedimento será utilizado de forma obrigatória, como requisito
para a propositura de ação judicial, e se desenvolverá mediante a presença de um
terceiro imparcial e neutro, ao qual caberá restabelecer o canal de comunicação
entre as partes, a fim de facilitar uma negociação entre elas, para que possam,
por si sós, chegar a um acordo a ambas favorável, não podendo o mediador
sugerir, propor ou impor nenhuma decisão a respeito da controvérsia.
4 A proposta de inserção do procedimento obrigatório prévio da mediação no
ordenamento jurídico brasileiro almeja semelhantes resultados, ou seja, pretende-se
oportunizar as soluções não-adversariais aos litigantes para que, de maneira simples,
desembaraçada e sem custos, seja alcançada a paz entre as partes, dispensando,
para isso, a forma lenta, emaranhada e onerosa oferecida pelo sistema vigente (lei
processual e Poder Judiciário). Assim, antes de ajuizarem demanda perante o foro
judicial, as partes em controvérsia devem se permitir a chance de lograr êxito no
desfecho da mesma por intermédio de um acordo perante os órgãos mediadores.
5 A universalização do acesso à justiça por meio da separação consensual
extrajudicial e do divórcio consensual extrajudicial (escritura pública) é um dos
caminhos da abertura e da flexibilização da jurisdição, apontando, ainda, os
meios alternativos de solução dos conflitos de interesses como uma das formas
de minimizar a crise por que passa o Poder Judiciário.
6 A possibilidade da impropriamente chamada separação consensual
ou divórcio consensual “administrativo” — porquanto entende-se que deveriam
ser tratados como extrajudiciais (fora do Poder Judiciário) — serem realizadas
perante tabelionatos, não é exclusividade da separação consensual ou do divórcio
consensual, como formas de dissolução de entidades familiares, mas, também, da
dissolução da união estável, já que esta também foi equiparada a entidade familiar.
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282
Ivan Aparecido Ruiz
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287
Agir contra si – Acrasia –
e a Mediação de Conflitos
Célia Regina Zapparolli
1 Introdução
2 Akrasia ou Acrasia
Faiblesse de volonté, akrasia ou acrasia, segundo Elster (2007), consiste no
agir do sujeito contra seu próprio e melhor julgamento, quer pela falta de forças,
por impotência para se governar, por intemperança ou falta de autocontenção e
em nada se confunde com capacidade do agente, nem com a livre manifestação de
vontade previstas em lei, erro de fato ou de direito, tampouco com a ausência de
viabilidade prática das alternativas levantadas e pactuadas através da mediação.
Segundo Elster, o agente tem razões para fazer “a”; o agente tem razões
para praticar “b”; as razões para praticar “a” são mais fortes do que aquelas re-
lativas a “b”, mas o agente decide e pratica “b”.
Em outra modalidade, a acrasia decorre da influência do tempo: o agente
tem razões para praticar “a”; o agente tem razões para fazer “b”; as razões para
praticar “a” são mais fortes que aquelas relativas a “b”, mas, no momento da
ação, apesar de sua decisão por “a”, o agente pratica “b”.
Assim, não serão dados de realidade, nem um simples teste de realidade,
tampouco apenas a observância dos requisitos legais durante os espaços de gestão
de conflitos, demandas, problemas e disputas que terão o condão de superar a
288
Célia Regina Zapparolli
255 Mediação Criminal não é Justiça Restaurativa, visto não se destinar à aplicação de sanções,
nem à execução penal. A intervenção, de regra, ocorre antes da primeira audiência criminal, no inter-
valo compreendido entre a chegada do inquérito ou termo circunstanciado ao Fórum e a sua realiza-
ção ou, em situações de urgência, antes mesmo de sua distribuição, já feito o Boletim de Ocorrência
ou o Termo Circunstanciado e, também quando já extinto o processo, questões jurídicas, relacionais,
comunicativas, adições e de saúde ainda são fatores de risco a novos episódios de violência.
Nas Políticas Públicas de Justiça, sejam elas não Judiciárias ou Judiciárias, a mediação pode ser metodolo-
gicamente adaptada e aplicada a conflitos de natureza civil, penal, comercial, laboral etc, no âmbito comu-
nitário, técnico, técnico-comunitário e empresarial, entre outros. Seu foco não é o pacto isolado, fragmen-
tário, mas a funcionalidade comunicativa e relacional, independentemente da apuração de culpa ou dolo.
O uso da mediação na seara criminal implica adaptação metodológica para proporcionar equi-
líbrio de poderes, contenção, reflexão, transformação, redução da reincidência. Sua aplicação
independe da fixação prévia da autoria, tampouco a identificação do fato ilícito/típico
criminal/contravencional/infracional, da culpa, do dolo. Na área penal, a mediação pode
ser utilizada em espaços policiais e, nos processos, antes mesmo das audiências preli-
minares ou já extinto o feito, inclusive com a absolvição do réu. Constatando-se que o uso
nos espaços policiais e fora do Fórum (ambos testados) tendem a levar ao sub-registro de B.Os e
T.C.s, com a retomada posterior da dinâmica violenta em patamares mais agravados.
O objetivo da mediação criminal é o redimensionamento de relações conflituosas conti-
nuadas e violentas que chegaram a patamares da prática de crime, mesmo extintas pela
separação, mas que de alguma forma mantem alguma ligação, quer pela prole, quer
por aspectos intrapsíquicos das mais variadas ordens. De regra, relações previamente
existentes ao fato típico criminal.
No Brasil, há hipóteses estudadas e testadas de aplicação da mediação em praticamente todas as
lei penais, inclusive em júri, Lei 11.340/2006, tráfico de crianças para fins de restabelecimento de
relação entre o genitor e a criança traficada, não apenas nas leis 9099/95 e 8069/90. E também
em contextos penitenciários e à reinserção de egressos na sociedade/família- Vide Projeto Íntegra.
Como se vê, não tem caráter restaurativo entre vítima e agressor.
Nela, mediação criminal, é identificada existência de uma relação de natureza continuada, um conflito in-
tersubjetivo de justiça que já tenha atingido patamares de violências e de crimes, buscando gerar, atra-
vés desse instrumental, além da contenção, do pacto (por meio de estratégias avaliativas ou facilita-
tivas), essencialmente a transformação do padrão comunicativo, relacional e cultural violentos,
não necessariamente apenas entre partes diretas presentes no processo criminal, mas outros
envolvidos com suas influências e exercícios de poderes, como ocorre nas relações de vizinhança,
trabalho, família, comunitárias, escolares etc violentas. Seu objetivo final volta-se à transformação, à fun-
cionalidade comunicacional relacional, assim, além da contenção, evitando-se as reincidências.
Além da inter-relação, também trabalham-se os fatores de morbidade, inclusive adições, patolo-
gias, efeitos dos problemas estruturais e dos conflitos sociais que venham influenciar os indiví-
duos e os relacionamentos, ao ponto de atingirem patamares de violências e fatos típicos crimi-
nais. Viabiliza as ações de Justiça Terapêutica, mas não se confunde com ela.
O arcabouço técnico que reveste a mediação e suas vertentes avaliativa e facilitativa também po-
dem ser utilizadas com vistas ao pacto pontual em relações não continuadas e acordos
definitivos ou provisórios, durante o trabalho transformativo, a se evitar a necessida-
de de ações em sede Cível/Família, para fixação de alimentos, guarda, divórcio, parti-
lha, reparação de danos entre outros. (ZAPPAROLLI, 2003).
289
Agir contra si - Acrasia - e a Mediação de Conflitos
290
Célia Regina Zapparolli
para te reparar?
M.S.: - Sim. Ah, ele nunca beber. Por na cabeça que ele nunca vai beber.
Eu tenho medo dele ter uma recaída e de beber. Ele nunca pode beber na vida.
Porque ele assim, conversa comigo. Ele é um bom marido. É um bom pai... Mas
quando ele bebe o primeiro copo, ele muda.
Mediadora: - Mas parece que isso está sob controle, não?
M.S.: Até agora está.
Mediadora dirigindo-se a J.S.:- Como está a situação da bebida? Ela é um
problema?
J.S.:- Parei. Tudo o que faço na vida é o que eu quero. Não fiz isso por
causa dela, nem por causa do processo.
Mediadora: - Você reconheceu que deveria parar?
J.S.:- O que tá bom para mim eu faço. Como está me prejudicando eu faço.
Eu paro. De 14 carros eu bati 16... Começava com um copo de cerveja e termi-
nava com dois litros de whisky...
Mediadora: - Isso não acontece desde quando?
J.S.:- Desde que eu não quero.
Mediadora: - Isso não acontece desde quando? Quer dizer há quanto tempo?
J.S.:- Desde setembro.
M.S.:- Parou mesmo em março.
...”
O que leva uma pessoa que foi lesada, machucada, física, moral e psicologi-
camente, a manter relação conjugal com seu algoz e agir em seu próprio prejuízo,
insistindo na revisão de medidas protetivas, mesmo sem a menor coação? Essa situa-
ção implica acrasia? Que instrumentos estão disponíveis para uso durante a mediação
para superar situações como a supra-referida ou ao menos viabilizar meios para tanto?
291
Agir contra si - Acrasia - e a Mediação de Conflitos
292
Célia Regina Zapparolli
Assim, a mediadora deixou claras as regras da mediação para J.A.B e F.L.B., es-
pecialmente quanto a criar meios apara eles falassem por si e no sentido de manter a
isenção. Seguindo a mediação, com anuência de J.A.B., a mediadora releu o termo do
atendimento anterior, em que havia a referencia quanto a reiteração dos episódios de
violência, a notícia do descumprimento da medida protetiva, assim como os encami-
nhamentos realizados pela mediadora. E, para que não houvesse comunicação envolta
em denúncias mutuas, a mediadora, ato contínuo, indagou a ambos (F.L.B. e J.A.B)
como estava naquele novo momento a situação de convívio familiar. F.L.B insistiu em
que nada de grave houve entre o casal, inclusive no dia de aludido descumprimento da
ordem judicial. Ocorre que a mediadora já havia ouvido a gravação trazida por J.A.B.
em 22.10.12, que visivelmente expunha contexto de grave violência de F.L.B. à J.A.B.
J.A.B., mais uma vez, sempre colocando-se para evitar embates com
F.L.B., insistiu na extinção dos feitos, falando que F.L.B. não bebia há 7 meses.
Mas as datas eram contraditórias: Veja que estávamos em 12.11.12 e havia uma
denúncia de J.A.B. de 22.10.12 quanto ao descumprimento da ordem judicial,
com pedido de proteção face a F.L.B., em que J.A.B. alegou que F.L.B fizera uso
de álcool e invadira o lar familiar.
Novamente usando de técnicas de comunicação, sem assumir o discurso de
nenhuma das partes, a mediadora indagou às partes se o álcool seria um aspecto a
ser considerado por elas nas dificuldades havidas na relação. E com a resposta eva-
siva de ambos, indagou a mediadora se o “tema álcool” era algo que aparecia nas
conversas de J.A.B e F.L.B e se, ao tratarem desse “tema álcool”, havia algum descon-
forto pessoal e/ou problema na relação de ambos. Somente então, com essa última
questão é que F.L.B. reconheceu o seu alcoolismo, o vício como um problema pes-
soal e para a relação, passando a verbalizar seu esforço em tentar parar de beber e
se tratar. Inclusive noticiou sua inserção no serviço de saúde pública no CAPS-AD.
F.L.B. deixou claros os esforços para superar a adição, o que J.A.B. ma-
nifestou apoiar. E J.A.B, mesmo reconhecendo a violência praticada por F.L.B.,
manteve sua veemente intenção de reconciliação, ressaltando ser em benefício
da prole (apenas uma filha menor de 14 anos residia então com ambos, os de-
mais maiores não mais habitavam com os pais).
293
Agir contra si - Acrasia - e a Mediação de Conflitos
para retrocesso e desistência dos feitos e medidas pelas vítimas. Mas veja que J.A.B.
já tinha deferida a medida protetiva e dela abriu mão ao se reconciliar com F.L.B.
Como um exemplo de acrasia pela influência do tempo, relembremos também
do desastroso “Caso Eloá”: Lindemberg, ex-namorado de Eloá, uma menor absolutamen-
te incapaz, após invasão do apartamento dos pais da menina, manteve Eloá e amigos em
cárcere privado, entre eles a melhor amiga de Eloá. Seguiu-se uma longa semana de co-
bertura televisiva ao vivo. Libertada do cativeiro a melhor amiga de Eloá, ela foi colocada
pela polícia a poucos metros da porta do apartamento para conversar com Lindemberg.
E, num ato intempestivo, tanto em lá ser colocada uma vítima resgatada para negociar
com o sequestrador, como por ela própria, a menina sai correndo e retorna ao cativeiro
para estar com a amiga Eloá. Ao final, Eloá é morta e a amiga resgatada viva com alguns
ferimentos. Veja que o tempo influenciou toda a sorte de decisões nesse caso.
Seguindo em Elster (2007), ele traz exemplos de ações e inações que reve-
lam a acrasia. São elas: paixão; tentação; procrastinação; atitude de descumprimen-
to ou não observância; impaciência; adições; rigidez de comportamentos, etc.
Segundo Donald Davidson, citado por Elster (2007), não se trata de pa-
radoxo ou irracionalidade sincrônica. O problema da acrasia está em o agente
alinhar suas ações em relação ao seu julgamento.
Os dois cases acima descritos, o primeiro de M.S./ J.S. e o segundo de
J.A.B./F.L.B. não gravitam em torno de um conflito intrapsíquico, numa dúvida
íntima entre duas ou mais saídas possíveis que as impedem de tomar uma de-
cisão. Há uma decisão efetiva entre ao menos duas opções. Nada obstante, as
situações de J.A.B e de M.S. diferenciam-se de forma sutil, vejamos:
Como é possível constatar, J.A.B. teme concretamente pela violência de
F.L.B., diferentemente do caso preliminarmente transcrito de M.S. e J.S., em que
M.S. perdoa J.S. e veementemente acredita que, quando J.S. não bebe, o que ele
já não faz há algum tempo, ele efetivamente é um bom marido e um bom pai.
J.A.B., por sua vez, não vê F.L.B. como um bom pai, nem um bom mari-
do, nem quando ele não bebe, não há um perdão real, sabe e denuncia as suas
violências, mas não tem forças para decidir pela opção de se separar definitiva-
mente de F.L.B., justificando-se na prole.
Em ambos os casos, as vítimas, ao ponderarem entre duas opções, deci-
dem em acrasia, mas M.S. apenas ao olhar externo, pois M.S. perdoa e acredita
na mudança de J.S., portanto acha ser a sua a melhor decisão entre distintas
possibilidades. Já J.A.B. tem a consciência de que sua decisão não é a melhor,
mas, mesmo assim, decide por ficar com F.L.B.
No caso M.S. e J.S., veja que M.S. perdoa e acredita ter feito a melhor opção,
não há uma falta de sincronia entre suas ações e seu julgamento. Ela não está
decidindo contra o seu melhor juízo. M.S. não tem o alcance de que a condição
de J.S. não beber não é simplesmente racional, mas está decidida em relação ao
perdão e a viabilidade da vida em comum. E, por mais que se tragam dados reais
a esse respeito, ela fecha-se rigidamente em sua posição. Assim, a avaliação de
ser a decisão de M.S. em seu prejuízo é externa, não configurando acrasia.
O interessante é que J.A.B., como na música Saigon 256, pensa em deixar F.L.B
pelas violências, tem meios para isso, mas ela esquece-se de si mesma, decide contra
si: “Tantas palavras, meias palavras, nosso apartamento, um pedaço de Saigon... E
294
Célia Regina Zapparolli
257 Pactos Provisórios: pactos globais ou fragmentários não definitivos, utilizados para experi-
mentação pelos mediandos, com vistas à identificação, na concretude, de sua viabilidade antes da
homologação do acordo final. Também podem ser utilizados quando o mediador tem por hipótese
contextos de decisões em acrasia.
258 Psicoterapia Breve: Intervenção psicoterapêutica focal, com objetivos delimitados e tempo
pré-definido. Permite que o psicoterapeuta lance mão de diferentes recursos, adaptados às ne-
cessidades de cada paciente, casal ou grupo familiar. Prioriza as necessidades presentes, dando
maior importância para a experiência, a relação do “aqui-e-agora”, com vistas a um futuro possí-
vel. Tem origem na Psicanálise, na década de 1930, na discussão da aplicação da teoria e técnica,
em dissidência a Freud. Vide Referências Bibliográficas: Gillièron (1983); Fiorini (2004) e; Santeiro
(2005); vide também os estudos de Melanie Klein e Winnicott.
259 Para saber sobre o Projeto Íntegra, consultar: Zapparolli (2013). O projeto recebeu o PRÊMIO
INNOVARE: <http://www.premioinnovare.com.br/praticas/projeto-integra-mediacao-em-crimes-
de-genero-e-familia-leis-113402006-e-90991995-1782/>.
295
Agir contra si - Acrasia - e a Mediação de Conflitos
260 Transição Psicossocial e Luto: De acordo com Parkes (1996), o primeiro esforço do sujeito, diante de
uma mudança, é o de interpretá-la à luz dos modelos internos e das concepções até então existentes. É co-
mum a negação da realidade, manifestada na incredulidade da nova situação. E, segundo Reginandrea Gomes
Vicente (in curso de Mediação Técnica CDHU 2008), a despeito do modelo de mundo ser imperfeito e não se
encaixar mais na situação agora posta, é o único modelo conhecido, o melhor que se acredita ter. Abandoná-lo
significa a troca do certo pelo incerto. Assim, é natural surgirem resistências às mudanças.Nessas circunstân-
cias, as certezas desaparecem. Em consequência, tem-se manifestações e prejuízos de diversas ordens:
1) sentimentos de medo, insegurança, incompreensão, tristeza, anseio, culpa, raiva, hostilidade,
solidão, desamparo, e alívio.
2) prejuízo nas habilidades cognitivas, tais como a capacidade de concentração, percepção, ava-
liação e tomada de decisões;
3) prejuízo nas habilidades comportamentais, como o controle da agressividade, da tolerância,
das emoções de maneira geral;
296
Célia Regina Zapparolli
297
Agir contra si - Acrasia - e a Mediação de Conflitos
261 Rede: As redes são a somatória de todas as relações que cada sujeito estabelece e percebe como
significativas. Rede diz respeito ao nicho interrelacional e contribui para o reconhecimento do sujeito
e sua autoimagem. Possibilita a capacidade de adaptação e superação em situações de crise. Há diver-
sas definições de rede, como a de Franco (2009) e durante as transições psicossociais, as redes sociais
e pessoais são reduzidas. Acontece uma sobrecarga na pequena rede remanescente (ZAPPAROLLI,
2003; 2013; VICENTE; BIASOTO, 2003; FREITAS JUNIOR, 1994; SOUZA; RAMIRES, 2006). E essa des-
compensação, que pode ser decorrente de conflitos interpessoais e intrapsíquicos, costuma deflagrar
outros e novos conflitos intrapsíquicos e interpessoais, num círculo vicioso que tende a gerar precipi-
tações e equívocos nas decisões. A mediação que pensa os mediandos em seu contexto trabalha-os
considerando as redes existentes e a possibilidade de sua ampliação para suporte.
298
Célia Regina Zapparolli
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299
Mediação de conflitos envolvendo
entes públicos262
1 Introdução
Não obstante, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o
Poder Público seja parte em mais da metade dos processos judiciais em curso
em nosso país 263, pouco ainda se produziu, seja em nível normativo (vide a Re-
solução 125, de 2010, do próprio CNJ), seja em nível doutrinário, seja em nível
jurisprudencial, sobre as peculiaridades da resolução consensual de conflitos na
esfera pública. E esta necessidade é evidente por conta do regime jurídico dife-
renciado da Administração Pública em face dos particulares, o qual lhe coloca li-
mites muito claros e relevantes no momento de negociar para resolver conflitos.
Ao analisar o capítulo que trata da “composição de conflitos no âmbito da
Administração Pública” na Lei 13.140/2015, a primeira observação que cabe fa-
zer diz respeito à falta de transparência que caracterizou a sua elaboração. Não
houve, como ocorreu com os demais capítulos do projeto de lei que terminou
sendo aprovado, discussão aberta que contasse com a participação de todos os
atores essenciais e, ao mesmo tempo, dos especialistas na matéria. Assim, em-
bora as regras deste capítulo abranjam os conflitos entre Administração Pública
(nas três esferas federativas) e particulares, e não apenas os conflitos internos
da Administração Pública, o seu conteúdo somente foi discutido internamente,
ainda assim sem uma participação ampla dos próprios membros da Advocacia
262 Parte deste artigo está publicada também na obra “Transformações e tendências do Direito
Administrativo”, coordenada pelo Professor Thiago Marrara, pela Editora Almedina, e na obra “De-
senho de sistemas e mecanismos consensuais de solução de conflitos na Justiça Federal”, coorde-
nada pela Professora Daniela Gabbay e pelo magistrado Bruno Takahashi, pela Editora Gazeta Ju-
rídica. Ambos os artigos foram escritos antes da aprovação da nova Lei de Mediação de Conflitos,
promulgada em junho de 2015. Esse artigo é uma versão revista tendo em conta o texto final da
lei e foi publicado também na obra coletiva coordenada por Humberto Dalla Bernardina de Pinho,
Trícia Navarro e Durval Hale, recém lançada pela Editora Atlas, versando sobre o “Marco legal da
mediação – anotações, comentários e interface com o novo Código de Processo Civil”.
263 Vale registrar também que o número de processos judiciais em curso no Brasil ultrapassa os
90 milhões.
300
Luciane Moessa de Souza
264 A Tese em questão, defendida perante a UFSC, resultou na publicação de duas obras de minha
autoria pela Editora Fórum em 2012: “Meios consensuais de resolução de conflitos envolvendo
entes públicos: negociação, mediação e conciliação nas esferas administrativa e judicial” e “Me-
diação de conflitos coletivos: a aplicação dos meios consensuais à solução de controvérsias que
envolvem políticas públicas de concretização de direitos fundamentais”. Tive a honra de contar
301
Mediação de conflitos envolvendo entes púbicos
com o organizador dessa obra coletiva, Prof. Humberto Dalla, na Banca Examinadora.
265 Isto se não se considerar o Código Tributário Nacional, de 1966, que já admitia a extinção do crédito
tributário por meio de transação – norma que, por seu turno, demanda detalhamento por lei específica.
302
Luciane Moessa de Souza
266 Uma observação à parte merece ser feita ao cabo desta descrição de tantas normas que
admitem a resolução consensual de conflitos em temas sensíveis: nem sempre a previsão norma-
tiva tem sido acompanhada da devida implementação de programas pelos entes públicos com-
petentes. A pesquisa de campo que realizei no Brasil revela que são ótimos programas, que já
produziram excelentes resultados, os do CADE, o da CVM e o da ANEEL. Muitas destas normas,
infelizmente, ainda não “saíram do papel”.
303
Mediação de conflitos envolvendo entes púbicos
267 Eu trato do assunto na obra “Meios consensuais...”, já referida (no item “elaboração negociada
de regulamentos administrativos”), e também Sérgio Varella Bruna, na obra “Agências reguladoras:
poder normativo, consulta pública, revisão judicial”, publicada pela Editora Revista dos Tribunais,
explora bastante bem o tema.
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Luciane Moessa de Souza
305
Mediação de conflitos envolvendo entes púbicos
mantenha sigilo sobre tais informações – desde que elas não se enquadrem nas
exceções à confidencialidade da mediação que são reconhecidas inclusive na es-
fera privada (intenção de praticar um crime, revelação da violação a direitos de
menores ou outras normas de ordem pública, etc.).
Não se pode admitir, contudo, a ideia de confidencialidade para as ses-
sões conjuntas de mediação, muito menos para a documentação produzida du-
rante o procedimento de resolução consensual do conflito, a menos que se trate
de informação acobertada por sigilo comercial, industrial, bancário, que coloque
em jogo a intimidade ou a vida privada de particulares ou, ainda, que se trate de
algum segredo de Estado. Vale dizer, quando se pensa em resolução consensual
de conflitos envolvendo o Poder Público, a publicidade é a regra; a confidencia-
lidade é a exceção e precisa ser juridicamente justificada.
Vale registrar que esta diferenciação (não aplicação da confidencialidade)
é tão relevante que, justamente por conta dela, defendo que não existe, na
esfera pública, como existe nos conflitos na esfera privada, a necessi-
dade de separação das figuras do terceiro que facilita o diálogo (o me-
diador) e do terceiro julgador (que decidirá o conflito se o acordo não
for alcançado). Por tal razão, se forem devidamente capacitados, entendo que
também os magistrados podem conduzir o processo de resolução consensual
de conflito que envolva entes públicos, sendo de certa maneira artificial aqui a
distinção que se costuma fazer entre mediação e conciliação 268.
O tema é simplesmente ignorado pela nova lei, cujo artigo 30 deveria
conter parágrafos com o seguinte conteúdo, a fim de dissipar qualquer contro-
vérsia:
268 Existem várias diferenças apontadas pela doutrina brasileira entre os dois métodos, sendo uma
das mais comuns a de que o mediador não pode sugerir soluções para o conflito, ao passo que o
conciliador pode. Esta distinção já caiu claramente por terra nos EUA, eis que um estilo mais ativo
de mediação (conhecido como “mediação avaliativa” e que é muito utilizado) admite claramente que
o mediador desempenhe um papel de condutor do acordo, sendo que, na prática, nem sequer se
registra (aqui ou nos EUA) no acordo de onde partiram as propostas de solução – pois isto é irrele-
vante. A distinção mais relevante é a que diz respeito à abordagem, mais rasa ou mais aprofundada,
do conflito e suas razões. Enquanto na conciliação esta abordagem é mais superficial, na mediação
deve ser mais profunda, valorizando-se seu papel pedagógico, pois esta deve ser usada quando as
partes têm um relacionamento entre si que querem preservar (exemplo: sócios de uma empresa,
Fisco e contribuinte, indústria e órgão ambiental), ao passo que aquela (a conciliação) serve para os
conflitos em que não há relacionamento entre elas (exemplo: acidente de trânsito).
306
Luciane Moessa de Souza
307
Mediação de conflitos envolvendo entes púbicos
Também é necessário definir de onde virão os recursos para pagar pelos serviços de
mediação, quando os mediadores já não sejam servidores remunerados pelos cofres
públicos para tal fim, bem como para pagar por eventuais estudos técnicos.
Existente este quadro, a escolha do mediador (ou equipe de mediadores,
como é mais comum em se tratando de conflitos coletivos) deve ficar preferen-
cialmente a cargo das partes envolvidas. Se se tratar de um conflito judicializado,
admite-se que o juiz da causa faça a escolha, mas é evidente que mediadores po-
derão ser recusados por razões de suspeição e há que se sopesar se vale a pena
o ganho de tempo decorrente da escolha unilateral com a perda de autonomia e
confiança das partes no(s) mediador(es) escolhido(s) sem a sua participação. Nos
EUA, costuma-se permitir às partes que façam esta escolha, sempre havendo, con-
tudo, uma proposta inicial de nomes constantes de um cadastro, de mediadores
que se sabe serem previamente capacitados e experientes na matéria.
Escolhidos os mediadores, devem estes proceder ao diagnóstico do conflito,
com a identificação de todos os interessados e/ou afetados, bem assim de todos
os atores necessários para a resolução efetiva do problema. Este conjunto de atores
envolverá desde os órgãos do Poder Executivo com competência para atuar na ma-
téria, representantes do Legislativo, quando for o caso (por exemplo, nos conflitos
acima referidos envolvendo limites de unidades de conservação ou mineração em
terras indígenas, a participação do Poder Legislativo é essencial para viabilizar o
acordo), Ministério Público (por vezes tanto o Federal quanto o Estadual e, dentro
de ambos, pode haver mais de uma área envolvida, como no caso de conflito entre
comunidades tradicionais e órgãos ambientais), Defensoria Pública (quando houver
pessoas hipossuficientes), o(s) empreendedor(es), quando for o caso, a comunida-
de diretamente afetada, quando for possível identificá-la, as entidades do terceiro
setor que atuem na matéria naquela região, quando existentes.
Nesta fase, os mediadores deverão buscar entender os antecedentes do
conflito, conversar com as partes sobre o funcionamento do processo de resolu-
ção consensual de conflitos, entender suas principais preocupações, expectativas
e receios quanto ao mérito do conflito, bem assim verificar quais são as infor-
mações já disponíveis sobre o problema, quais os pontos de convergência e de
divergência. Também deverão ajudar cada uma das partes a indicar seus repre-
sentantes à mesa de negociação, já que estes deverão ser o elo permanente entre
os demais participantes do processo e o grupo representado, desde o início dela
até a celebração do acordo. Da mesma forma, deve-se investigar como funciona e
quanto tempo levará o processo de ratificação de eventual acordo no seio de cada
órgão público, empresa ou grupo de pessoas representado na mediação.
Com este quadro desenhado, devem os mediadores traçar um planejamen-
to do processo, com cronograma de sessões privadas e conjuntas de mediação,
local e datas para sua realização, proposta de duração e horário das sessões, bem
assim de protocolo de conduta das partes, e até mesmo formas de dar publici-
dade ao processo, incluindo-se o relacionamento com a imprensa. Este planeja-
mento poderá eventualmente já incluir formas de participação e interação com
a sociedade em geral, mediante realização de audiências públicas, recebimento
de sugestões, críticas e informações, etc. Também poderá incluir a identificação
da necessidade de compartilhamento de informações entre os envolvidos, bem
assim da realização de estudos técnicos conjuntos durante o procedimento de
mediação. Estes estudos devem envolver uma deliberação consensual das partes
308
Luciane Moessa de Souza
309
Mediação de conflitos envolvendo entes púbicos
310
Luciane Moessa de Souza
“Os termos finais de negociação, mediação e conciliação envolvendo o Poder Público deve-
rão conter fundamentação fática e jurídica dos acordos celebrados, identificando as nor-
mas aplicáveis ao caso e os fatos relevantes que levaram à pactuação de cada transação.”
Ainda, cabe ressaltar, mais uma vez, que é impossível viabilizar a celebração de
acordos no âmbito público enquanto não forem previstos procedimentos claros (so-
bretudo quem autoriza, como são identificados os casos semelhantes, etc) e critérios
para celebração de acordos. Estes procedimentos e critérios podem, como estipula
o projeto, ser estabelecidos por atos normativos editados pelos órgãos de Advocacia
Pública competentes. Todavia, a lei já poderia prever desde logo os critérios gerais para
a celebração de acordos (atos normativos aplicáveis ao caso, fatos comprovados du-
rante o procedimento, jurisprudência administrativa e judicial sobre o tema, pareceres
da própria Advocacia Pública, custos e duração da instrução e do processo judicial,
interesses legítimos dos envolvidos no conflito), que poderiam ser detalhados, para
cada matéria, por esses atos normativos da Advocacia Pública, de modo a fornecerem
parâmetros para os advogados públicos que atuarem em cada conflito concreto. O
ideal, assim, seria que houvesse um dispositivo com a seguinte redação:
311
Mediação de conflitos envolvendo entes púbicos
Pelas razões já expostas no item 2 acima, uma regra como esta fere de morte o
princípio constitucional da eficiência.
O artigo 33, por seu turno, já contando com o decurso de um lapso temporal
que certamente será significativo para a criação das tais câmaras administrativas
(cuja existência no seio da própria Administração Pública traz o risco evidente de não
serem garantidas condições de imparcialidade dos mediadores), dispõe ser aplicável
o procedimento de mediação previsto na Subseção I da Seção III do Capítulo I da Lei.
Ora, as disposições ali previstas são aplicáveis a todo e qualquer tipo de mediação –
seja ela administrativa, judicial ou extrajudicial! Absolutamente desnecessária tal pre-
visão. Se o que o legislador pretendeu foi excluir de tal subseção a mediação que vier
a ser desenvolvida no seio das câmaras administrativas, após a sua criação, temos
aí uma perigosa exceção que pode vir a comprometer alguns princípios basilares da
mediação. Como já deve ter ficado claro no início desse artigo, as exceções somente
se justificam em razão do regime jurídico próprio da Administração Pública. Fora dis-
so, corre-se o risco de entrar no perigoso terreno da falta de técnica (comprometendo
os bons resultados da mediação) ou, pior ainda, da arbitrariedade.
Quanto ao artigo 34, que trata da suspensão da prescrição, a regra pouco
acrescenta em face do que já previam os artigos 2º., IV, e 2º.-A, V, da Lei 9.873, ex-
ceto pelo fato de que esta última estabelecia a interrupção, ao invés da suspensão.
Interessante a previsão do parágrafo único do artigo 33, por seu turno, que
pretende atribuir papel de mediador à Advocacia Pública, no que se refere a “confli-
tos relacionados à prestação de serviços públicos.” Certamente poderão ser susci-
tadas sérias dúvidas quanto à imparcialidade, já que os entes públicos defendidos
pela Advocacia Pública serão partes em tais conflitos. Faria muito mais sentido falar
em “procedimentos de negociação”, já que a imparcialidade aqui é inviável.
O que realmente faltou nesta Seção com as regras gerais sobre mediação
de conflitos envolvendo entes públicos foi uma regra prevendo a necessidade
de fundamentação dos acordos, algo com o seguinte conteúdo:
Nos conflitos envolvendo entes públicos, o acordo deverá sempre ser fundamentado, com
a demonstração dos fatos específicos, considerações técnicas e normas jurídicas que le-
varam à sua celebração.
Nos conflitos coletivos envolvendo políticas públicas, judicializados ou não, deverá ser garan-
tida a participação na mediação de todos os entes públicos (do Poder Executivo ou Legislativo)
que tenham competências relativas à matéria envolvida no conflito, dos entes privados dire-
tamente afetados, e de todos os grupos sociais também diretamente afetados pelo conflito,
bem assim do Ministério Público, e, quando houver interesse de hipossuficientes, também
da Defensoria Pública. Quando houver uma ou mais entidades do terceiro setor que sejam
representativas e atuem na matéria afeta ao conflito, estas também deverão ser convidadas.
312
Luciane Moessa de Souza
entes públicos federais e particulares que poderão ser objeto de “transação por ade-
são” (artigo 35); b) conflitos administrativos envolvendo entes federais (artigo 36) ou
entre entes federais e entes de outra esfera federativa (art. 37); c) conflitos em matéria
tributária (art. 38); d) conflitos judicializados entre entes públicos federais (artigo 39).
Quanto à primeira modalidade, trata-se de categoria que abrange os chama-
dos “conflitos repetitivos”, que envolvem matéria de direito e em que, a partir da
pacificação da jurisprudência em nível de tribunais superiores, são traçadas condi-
ções para a celebração de acordos, bastando ao particular que comprove estar en-
quadrado na situação fática correspondente. Trata-se de caminho que, sem dúvida,
prestigia o princípio da isonomia e facilita a celebração de transações em massa,
mas, por outro lado, perde a oportunidade de melhorar o diálogo entre Poder Públi-
co e cidadão e de propiciar a consideração de situações peculiares eventualmente
não pensadas pelo ato normativo que estipular as condições dos acordos.
No que tange à segunda categoria de conflitos, estipula-se a obrigatorie-
dade de utilização do caminho consensual, no caso mediante procedimento de
composição extrajudicial do conflito conduzido pela Advocacia-Geral da União,
observados os regulamentos a serem emitidos pelo Advogado-Geral da União,
que também solucionará a controvérsia mediante decisão unilateral caso não
seja alcançado o acordo. Esse artigo simplesmente alça a nível legislativo dispo-
sições já em pleno vigor, desde 2007, no âmbito da Advocacia-Geral da União,
com base simplesmente em normas de nível regulamentar.
Já vem sendo praticado no âmbito da Câmara de Conciliação e Arbitragem
da Advocacia-Geral da União, criada por ato regulamentar do Advogado-Geral da
União em fevereiro de 2007.
Se, por um lado, as normas ali previstas são bastante adequadas aos confli-
tos de natureza individual, como os que concernem meramente a questões tribu-
tárias, como aqueles referidos pelo artigo 38, ou outras questões orçamentárias, é
preciso registrar que, no âmbito da referida Câmara de Conciliação, muitos equívo-
cos já foram cometidos quando se pretende resolver conflitos coletivos, que afetam
diretamente setores da comunidade ou outros atores do setor privado (inclusive
grandes empresas), sem que estes participem da negociação.
Já houve inclusive questionamento da 6ª. Câmara do Ministério Público
Federal, com base na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho,
acerca da obrigação de se ouvir as comunidades tradicionais (no caso brasilei-
ro, principalmente, mas não apenas, comunidades indígenas ou quilombolas) em
procedimentos de conciliação nos quais seus direitos estão sendo discutidos. Este
questionamento resultou inclusive numa Portaria do Consultor-Geral da União (no.
3, de dezembro de 2009), determinando a realização de audiências públicas com
tais comunidades em tais procedimentos, mas a boa técnica, como visto acima,
recomenda que, em caso de conflito coletivo, todos os atores afetados pelo con-
flito participem da negociação, ainda que por meio de representantes – e isto não
se restringe aos conflitos que envolvam comunidades tradicionais.
Tal procedimento não tem sido seguido pelo órgão em questão 270 e, de
270 Eu atuei na Câmara de Conciliação e Arbitragem da AGU de outubro de 2010 a agosto de 2011
e realizei as primeiras (e, segundo tive notícia, únicas) audiências públicas envolvendo comuni-
dades quilombolas. Em outros conflitos onde atuei como Conciliadora, como aquele envolvendo
cerca de 600 famílias que vivem em imóvel de titularidade da União na vizinhança do Instituto de
Pesquisas Jardim Botânico (que é uma autarquia federal), cheguei a ser repreendida pelos superio-
res por seguir a metodologia apropriada aos conflitos coletivos e dialogar com as associações de
313
Mediação de conflitos envolvendo entes púbicos
forma reflexa, vê-se que a redação proposta para o projeto de lei ignora por com-
pleto a questão dos conflitos coletivos, dando margem a que estes possam vir a
ser tratados como conflitos internos ao âmbito da Administração Pública – e está
bem longe de ser o caso.
A “inovação” nesse artigo 36 fica por conta dos parágrafos 2º. a 4º., que
preveem: a) a participação do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão
quando houver o reconhecimento de créditos de um ente federal em face de
outro; b) a responsabilidade disciplinar de servidor público que tiver dado causa
à dívida; c) a necessidade de anuência do juiz da causa, em caso de ação de im-
probidade (como se não fosse suficiente prever a necessidade de homologação
– pretende-se transformar o juiz em parte na negociação) ou do Ministro Relator,
quando a matéria estiver em curso no Tribunal de Contas da União. Vale notar
que todos estes parágrafos poderiam muito bem ser objeto de norma regula-
mentar, pois trazem detalhes que nada agregam ao conteúdo que seria de se
esperar desse capítulo.
O artigo 37 causa grande estranheza, pois pretende que as demais enti-
dades federadas submetam seus conflitos com ente federal à Advocacia-Geral
da União, que também é ente federal. A par do desrespeito ao princípio consti-
tucional federativo, a norma é de nenhuma utilidade, pois é pouco provável que
Estados, Distrito Federal e Municípios dela façam uso. Teria caminhado muito
melhor o legislador se previsse a criação de um órgão com tal incumbência no
qual houvesse também a participação dos entes federados, por suas Procura-
dorias dos Estados e dos Municípios. Falha técnica, jurídica e administrativa ao
mesmo tempo. Enquanto esta entidade mista não existir, o que se tem nestes
conflitos é uma Câmara de Negociação federal, sendo possível que cada Estado,
o Distrito Federal ou o Município também criem câmaras equivalentes, fazendo
surgir problemas de “competência” quando estiverem envolvidos no conflito
entes públicos estaduais, distritais e municipais (característica comum aos con-
flitos em questões ambientais e/ou de moradia, por exemplo). Não obstante a
redação preveja a participação facultativa das unidades federadas, não é este o
modelo adequado em um Estado federativo, como o nosso.
O artigo 38 exclui os conflitos de natureza tributária da competência das
câmaras administrativas previstas no artigo 32, no que se refere à celebração
de acordos em conflitos envolvendo particulares e à celebração de termos de
ajustamento de conduta. Os conflitos em matéria tributária, normalmente, por
óbvio, envolvem particulares (os contribuintes), mas estes ficaram de foram da
nova lei. Supõe-se que o assunto será tratado em legislação própria, já que em
2009 a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional elaborou projeto de lei sobre
transação tributária, que foi apresentado pela Presidência da República à Câma-
ra dos Deputados. No que se refere à competência remanescente, ou seja, a de
dirimir conflitos envolvendo a Administração Pública, quando houver ente fede-
ral envolvido, a submissão do caso à Advocacia-Geral da União implica renúncia
do direito de recorrer ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais.
Por fim, o artigo 39 contém previsão bastante salutar (que também já
constava de norma regulamentar da Advocacia-Geral da União) no sentido de
evitar a judicialização de conflitos entre entes federais: qualquer ente público
federal somente poderá propor ação em face de outro ente público federal com
moradores e de defesa ambiental que atuam na área.
314
Luciane Moessa de Souza
315
Mediação de conflitos envolvendo entes púbicos
dizer que esta fixação é claramente inadequada quando se pensa nos conflitos
repetitivos, em que deveria ser considerado o valor global envolvido em todos
eles e não os valores individuais envolvidos em cada caso. Muito embora, se
houver jurisprudência pacificada em tribunais superiores, seja possível (mas
não obrigatória) a expedição de ato do Advogado-Geral da União estipulando
condições para “transações por adesão”, quando a jurisprudência ainda não es-
tiver pacificada ou quando o Advogado-Geral da União não expedir o ato que
lhe cabe, fica aberta a porta para celebração de acordos díspares em situações
idênticas, desde que os valores fiquem abaixo do teto estipulado em norma
regulamentar para cada conflito individualmente considerado. Para resolver o
problema, bastaria que houvesse um parágrafo com o seguinte conteúdo:
“No caso de conflitos idênticos (judicializados ou não), todos aqueles que estiverem envol-
vidos em conflitos com o Poder Público terão direito a celebrar acordos idênticos aos já
celebrados; deverão ser estipuladas normas que prevejam objetivamente os critérios para
celebração de acordos em conflitos de idêntica natureza.”
7 Conclusões
Não obstante seja necessário reconhecer a peculiaridade dos conflitos en-
volvendo o Poder Público, ainda assim o caminho da consensualidade se revela,
em muitos casos – e aí eu saliento a situação daqueles conflitos que envolvem
políticas públicas – a solução mais adequada para o problema, para não dizer a
única possível, notadamente em situações em que os impasses criados geram
autênticas paralisações do aparato estatal.
Os métodos consensuais podem ser utilizados seja para prevenir con-
flitos, seja para resolvê-los, tudo a depender do momento em que se está na
escalada do problema. Não podem, contudo, ser manejados sem consideração
com os princípios constitucionais mais caros ao funcionamento de um Estado
Democrático de Direito.
A estruturação de um quadro normativo bem elaborado pode contribuir
em muito para a expansão, com qualidade e segurança, da utilização de tais
métodos em nosso país. Entretanto, como procurei deixar claro ao longo deste
trabalho, a redação atual do capítulo que trata dos conflitos envolvendo o Po-
der Público na nova lei sobre mediação de conflitos está muito aquém das ne-
cessidades do país, contendo vícios e omissões graves que, indubitavelmente,
demandam aprimoramento.
316
PARTE III
Direito Comparado
317
Mediação: estudo comparativo
1 Introdução
318
Déborah Lídia Lobo Muniz
271 Na história, muitos são os exemplos de mediação bem sucedida. Apenas para ilustrar, a
mediação da Inglaterra entre Brasil e Portugal para reconhecimento da independência em 1825,
quando a Inglaterra mediou a disputa entre Brasil e Argentina durante a guerra da Cisplatina, o
Papa Leão XIII em 1885 na disputa entre Alemanha e Espanha pelas Ilhas Carolinas, e de Brasil,
Uruguai, Peru, Argentina, EUA e Chile de 1935 a 1938 para pôr fim à guerra do Chaco entre Bolívia
e Paraguai. Ou seja, é prática comum e de longa data, nas relações internacionais, e regulamenta-
das através de Convenções Internacionais.
319
Mediação: estudo comparativo
272 Tem-se, por exemplo, os serviços de Mediação Familiar na Irlanda, os serviços de mediação
comercial na Itália, Espanha, Reino Unido.
320
Déborah Lídia Lobo Muniz
direitos humanos.
Na Costa Rica, desde 1997, a mediação tem sido implementada não
apenas como forma de solucionar os conflitos, mas como forma de educar e
promover a paz.
No Paraguai, há as oficinas de Mediação, regulamentadas pela Lei nº 1.879/02,
que tem como objetivo desafogar o Judiciário, sendo facultada sua utilização nas
questões envolvendo criança e adolescente, cíveis, comerciais ou do trabalho.
No Brasil, há um projeto de regulamentação da mediação de autoria da
Deputada Zulaiê Cobra, tramitando desde 1998 e a implementação de alguns
projetos por parte do poder público e de organizações não-governamentais.
Entretanto, neste trabalho abordaremos apenas o projeto de lei.
321
Mediação: estudo comparativo
a primeira pode ser percebida pelo seu modo de ação e a segunda pela origem dos
mediadores que são instituídos pelo Estado e pelas empresas e, por outro lado, temos
aqueles que são propostos por associações livres e por cidadãos a outros cidadãos. Temos
de um lado a institucional, que vem de um poder estabelecido e de outro a comunitária
ou cidadã (SIX, 2001, p. 11).
322
Déborah Lídia Lobo Muniz
273 Loi 95-125 du 8 fevriér 1995; Loi relative à l’organisation des juridictions et à la procédure
civile, pénale et administrative version consolidée au 27 septembre 2003, TITRE II: Dispositions
de procédure civile.
CHAPITRE Ier: La conciliation et la médiation judiciaires, Article 21, Modifié par Loi nº2002-1138
du 9 septembre 2002, art. 8 (JORF 10 septembre 2002 Le juge peut, après avoir obtenu l’accord
des parties, désigner une tierce personne remplissant les conditions fixées par décret en Conseil
d’Etat pour procéder: 1º Soit aux tentatives préalables de conciliation prescrites par la loi, sauf en
matière de divorce et de séparation de corps; 2º Soit à une médiation, en tout état de la procédure
et y compris en référé, pour tenter de parvenir à un accord entre les parties. Le juge fixe le montant
de la provision à valoir sur la rémunération du médiateur et désigne la ou les parties qui consigne-
ront la provision dans le délai qu’il détermine. La désignation du médiateur est caduque à défaut de
consignation dans le délai et selon les modalités impartis. L’instance est alors poursuivie. Si le juge
n’a pas recueilli l’accord des parties pour procéder aux tentatives de conciliation prévues au 1º, il
peut leur enjoindre de rencontrer une personne qu’il désigne à cet effet et remplissant les conditions
fixées au premier alinéa. Celle-ci informe les parties sur l’objet et le déroulement de la mesure de
conciliation. Article 22, Les parties déterminent librement la répartition entre elles de la charge des
frais de la médiation. A défaut d’accord, ces frais sont répartis à parts égales, à moins que le juge
n’estime qu’une telle répartition est inéquitable au regard de la situation économique des parties.
Lorsque l’aide juridictionnelle a été accordée à l’une des parties, la répartition de la charge des frais
de la médiation est établie selon les règles prévues à l’alinéa précédent. Les frais incombant à la
partie bénéficiaire de l’aide juridictionnelle sont à la charge de l’Etat, sous réserve des dispositions
des articles 45 et 46 de la loi nº 91-647 du 10 juillet 1991 relative à l’aide juridique.
323
Mediação: estudo comparativo
aplicada em casos penais. Para tal, há a Lei nº 93-2/93 e, no que diz respeito à
remuneração dos mediadores e conciliadores, há a necessidade de um decreto
do Conselho de Estado que regule esse aspecto.
Em 21.2.2005, mais uma atualização da legislação pertinente à mediação
foi realizada, desta vez no Código de Processo Civil daquele país, sendo tratada
nos artigos 131 e 1071.
O Código de Processo Civil da França regulamentou o que segue nos
artigos citados, onde se:
- prevê a possibilidade de a mediação ser realizada em parte ou sobre todo o litígio, sem
tolher o juízo de que, em acreditando necessário, tome as medidas cabíveis;
- estabelece prazo para a conclusão da mediação;
- dispõe que a mediação pode ser confiada a mediador ad hoc, ou a associação, que, neste
caso, deverá apresentar, quando da designação, o nome do mediador que realizará a tarefa;
- estabelece requisitos a serem preenchidos pelos mediadores particulares, como não ter
sido objeto de condenação por incapacidade, ter reputação ilibada, não ter sido demitido por
sanção administrativa, não ter sido punido com cassação de licença de exercício profissional,
exercer ou ter exercido atividade profissional que o capacite a apreciar o litígio que lhe é
dado mediar, ter uma formação em mediação que possa ser comprovada pela experiência,
e demonstrar capacidade de independência e imparcialidade para o exercício da mediação.
O Código Civil francês prevê ainda que, na mesma decisão do juízo que
determina a mediação, se deve determinar quem ou qual instituição fará a
mediação, a sua duração e deve também indicar a data de retorno do caso para
audiência em juízo.
No que diz respeito à remuneração a ser percebida pelo mediador, a
mesma decisão deve designar os prazos, a provisão e a consignação dessa
remuneração pelas partes e determinar também que, no caso das partes não o
consignarem dentro dos prazos estabelecido os referidos valores, o caso deva
retornar para ser julgado pelo Judiciário.
Esclarece-se que o mediador não tem poderes de instrução, mas faculta-
se-lhe, com o consentimento das partes e dependendo da necessidade do caso,
ouvir terceiros, bem como pôr o juízo a par de seus progressos e dificuldades.
Ao final do trabalho, o valor da remuneração do mediador é arbitrado de
acordo com a dificuldade e o empenho no trabalho, em conformidade com as
disposições do artigo 22 da Lei nº 95-125, de 8.2.1995, relativa à organização
dos órgãos jurisdicionais e ao procedimento civil, penal e administrativo.
Autoriza-se ainda o mediador a fazer a retirada das somas consignadas até
o valor arbitrado. Se os valores consignados não forem suficientes, o juízo
determina uma complementação e quem deve fazê-la; pode ainda emitir um
título executivo em favor do mediador se este assim requerer. Em caso de sobra
dos valores consignados, estes são devolvidos às partes. Também deixa-se clara
a impossibilidade de recurso das decisões em casos de mediação.
O artigo 1071 trata especificamente dos casos de Direito de Família,
dispondo que o juízo pode “ordenar” que as partes busquem um mediador
familiar e que esta não é suscetível também de recursos. Mas ainda fica claro, à
exceção do artigo 1071, que os princípios que regem a mediação são a liberdade
das partes, que devem concordar com o estabelecimento da negociação, a
celeridade e o sigilo das informações.
Na esfera penal, a Lei nº 93-2/1993 alterou o artigo 41 do Código de
324
Déborah Lídia Lobo Muniz
O Procurador da República pode, enfim, previamente à sua decisão sobre a ação pública
e com o acordo das partes, decidir recorrer a uma mediação quando entender que uma
tal medida é suscetível de assegurar a reparação do dano causado à vítima, de pôr fim à
perturbação resultante da infração e de contribuir para a reinserção do autor da infração.
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Mediação: estudo comparativo
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Mediação: estudo comparativo
estipula prazo para o término das negociações. Prevê, ainda, a atuação como
mediadores de advogados e algumas exceções, onde outros profissionais
poderão exercê-la, obriga que se proceda ao cadastro junto ao Tribunal de Justiça
e deixa a fiscalização a cargo da Ordem dos Advogados do Brasil.
Ao estipular a obrigatoriedade da mediação, o projeto está reeditando um
erro, pois incorre outra vez no mesmo erro da obrigatoriedade. Quando os indivíduos
podem escolher e tomar a decisão de voluntariamente buscar a solução através
do estabelecimento da cooperação e da confiança no procedimento escolhido,
aumentam as vias de comunicação e assumem responsabilidades e riscos pelo
desenrolar da mediação. Essa é a maior crítica ao presente projeto, pois esta não seria
a forma mais eficaz de divulgar e de ensinar a utilização de meios não-adversariais.
A verdade é que o procedimento de mediação não pode nem mesmo pela lei ser
obrigatório. Em todo momento que esse procedimento foi utilizado, o que levou ao
êxito na solução e da permanência das partes na negociação foi a sua vontade, já
que apenas ela é capaz de possibilitar a sua instauração efetiva e a continuidade.
Tal obrigatoriedade poderá colocar mais um obstáculo a ser transposto para se
chegar à justiça, mesmo quando não se tem interesse em usar essa alternativa.
Além disso, existirá mais um ônus para quem busca a justiça, pois a mediação gera
custas, que devem ser suportadas pelas partes.
A determinação da utilização compulsória do advogado como mediador,
presente no projeto original, nos remetia à falta de formação destes profissionais,
que, na maioria dos cursos de Direito, são treinados apenas para o contencioso.
Apenas na virada do milênio é que a disciplina Mediação e Arbitragem começa
a fazer parte dos currículos dos cursos de graduação e, na melhor das
hipóteses, apenas a médio e longo prazo se conhecerá mais profundamente o
procedimento da mediação. Como desempenhar tão complexa função que, em
nada, se confunde com a atividade dos profissionais de Direito, uma vez que, na
academia, sua formação é voltada para a adversariedade?
Felizmente, o texto acabou sendo alterado para possibilitar que
profissionais especializados e com formação para tal possam realizar o processo
de mediação. Jean François Six (2001, p. 62-63) nos lembra que o mediador, ao
exercer sua função:
[...] é estritamente independente do advogado; ele não tem um trabalho de jurista, nem o
de desbastar o terreno para o advogado e o juiz. Que um mediador, que não tem poder,
receba conselho de um advogado ou de um especialista, sim; que ele saiba que não é sua
atribuição realizar uma regulamentação legal, sim, é claro e evidente. Mas é necessário
evitar toda confusão, é preciso agir com precisão, de modo que aqueles que se engajam em
uma mediação não possam, em momento algum, pensar que o mediador e o advogado, ou
o mediador e o juiz, sejam parceiros em conivência, parceiros que encontrariam a vítima. É
estritamente necessário evitar a fluidez que daria a sensação de se estar ao léu.
332
Déborah Lídia Lobo Muniz
333
Mediação: estudo comparativo
334
Déborah Lídia Lobo Muniz
379.776 acessos ao direito, onde foram atendidos 8.325 casos por mediadores.
Na esfera penal, foram atendidos 49.007 casos, aplicadas 41.123 medidas
alternativas, 4.938 aplicações de penas e 2.946 medidas de acompanhamento;
na esfera cível foram atendidos 10.994 casos, sendo conciliados 8.373 casos,
mediados 2.621 e tratados diretamente nas cortes 3.819 casos.
Existem, nos dias atuais, 116 maisons du Justice et du Droit na França,
que se desenvolveram sobretudo após 1998. Elas asseguram uma presença
judicial mais próxima, concorrem para a diminuição e prevenção dos índices
de violência, bem como promovem o auxílio às vítimas e seu acesso ao direito.
No Brasil, os Tribunais de Justiça dos Estados têm experimentado essa
forma de composição de litígios através de meios alternativos de resolução
de conflito há algum tempo. Entre os exemplos, pode-se citar o projeto Casa
da Cidadania de Santa Catarina, que utiliza juízes leigos para dizer o direito.
Esses “juízes” são escolhidos entre os moradores das comunidades atendidas,
nas Igrejas, nas Associações Comunitárias, nos movimentos populares; são
posteriormente capacitados para essa finalidade, recebem noções de Direito e
de técnicas apropriadas para solução de litígios e têm como finalidade agilizar
o acesso à justiça, prevenir os conflitos e pacificar os ânimos, introduzindo uma
cultura de paz. As resoluções são feitas de forma rápida e na própria comunidade.
Da mesma forma, o Distrito Federal vem desenvolvendo o Projeto Justiça
Comunitária, com a finalidade de resolver os conflitos nas comunidades, utilizando
pessoas daquele local que conheçam os problemas e as pessoas. É desenvolvido
o trabalho em parceria com a Defensoria Pública e o Ministério Público, levando-
se para as comunidades debates sobre seus próprios problemas, estimulando a
elaboração e implementação de projetos, incentivando e ensinando o exercício da
cidadania e capacitando os mediadores comunitários, com noções de Direito de
Família, Direito do Consumidor, Direitos e Garantias fundamentais, Organização
do Estado, Direito de Moradia e das Minorias, e Mediação.
Com os mesmos objetivos já citados, foram desenvolvidos projetos
pelo Estado do Ceará, que, através da sua Secretaria da Ouvidoria Geral e Meio
Ambiente (SOMA), criou as casas de mediação comunitária, pelo Estado do
Mato Grosso do Sul, que implantou a Justiça Comunitária, a Prefeitura de Belo
Horizonte criou um atendimento jurídico para moradores de favela com ênfase
em conciliação e mediação e o Estado do Rio de Janeiro, com seus balcões de
Direitos, também buscou facilitar o acesso do cidadão à justiça. No Estado do Rio
Grande do Sul, os projetos de mediação vêm sendo implantados pela organização
não-governamental THEMIS, mais voltada para solução de problemas relativos
às mulheres e família, bem como de direitos humanos.
O que se pode perceber é que, onde está sendo aplicada a mediação
como forma de resolução de conflitos, tem-se introduzido, ao mesmo tempo,
uma percepção de que é possível resolver os litígios de forma pacífica e sem que
ninguém tenha que perder, ambas as partes saem da mediação fortalecidas, pela
própria característica do instituto e não com a sensação de fracasso por ser a parte
vencida. Outro ponto importante é que as partes assumem a responsabilidade pela
solução de seus problemas e aprendem a comunicar-se, sem deixar que um conflito
pernicioso se instale. Com isso, tem-se uma justiça mais próxima, mais ágil, mais
eficiente, uma justiça que antes de punir previne conflitos futuros, cria vias de
comunicação e conscientiza o cidadão de suas responsabilidades e direitos.
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Mediação: estudo comparativo
7 Conclusão
Chegar à paz é um exercício social que ultrapassa o discurso legal e o
político, pois deve refletir um complexo de atitudes que dão suporte a uma
sociedade voltada para a paz.
A implantação de meios alternativos de solução de conflitos introduz
modificações nos comportamentos enraizados em uma sociedade que baseia
a solução de seus litígios no método da adversariedade de posições, onde se
confere a outrem a responsabilidade pela resolução das questões. Ao fazê-lo,
deixa-se de assumir a parcela de responsabilidade que cabe a cada um, deixa-se
não apenas de enxergar o outro como a ele se imputa toda a culpa, permitindo
que as emoções interfiram. Faz-se um mal ainda maior, desencadeia-se e
encoraja-se uma subcultura de litígios que contribui para a deterioração das
relações e para o aumento da violência.
É possível modificar esse quadro que vem se desenrolando ao longo do
tempo, mas faz-se necessária a mudança de paradigmas, deve-se abandonar a
visão que até o momento temos acerca da solução de litígios e nos voltarmos
para novos valores, novos conceitos e novas formas de atuação.
Essa modificação deve trazer consigo um comprometimento da sociedade
e do Estado em promover uma educação para a cooperação e para a paz,
propiciando a vivência das diferenças e da cooperação. Essa nova visão da
solução de conflitos promoverá a percepção destes de forma impessoal, despida
da conotação de bem e mal, de certo e errado, de ganhador e perdedor, que a
solução atual do Judiciário nos dá.
Está certo afirmar que os conflitos fazem parte do cotidiano humano,
como também é correto afirmar que os próprios envolvidos deveriam solucionar
suas questões. Ao Judiciário deveria caber a missão de fazer cessar o abuso de
direito e deveres e aquelas questões de maior profundidade e que ultrapassam
o âmbito dos interesses privados e vão de encontro ao bem da coletividade, ao
336
Déborah Lídia Lobo Muniz
337
Mediação: estudo comparativo
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Déborah Lídia Lobo Muniz
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Mediação na China: passado, presente e
futuro
Wei Dan
1 Apresentação
A China de ontem foi um grande país que criou uma civilização brilhante.
O direito chinês tem uma longuíssima história e fontes muito ricas. A concepção
tradicional chinesa do direito e justiça foi influenciada em grande parte pela
literatura das escolas filosóficas, designadamente o confucionismo e o legalismo.
Apesar do impacto do legalismo, o confucionismo teve uma influência dominante
e permanente sobre o pensamento e as instituições jurídicos da China feudal,
a partir da dinastia Han (206 a.C.). Na perspectiva do confucionismo, os litígios
devem resolver-se fora dos tribunais oficiais, através de um processo de
compromisso, mediação e arbitragem. A mediação, sendo uma das alternativas
para a resolução de conflitos, remonta a tempos muito antigos na China.
A mediação não se assemelha a remédios judiciais tradicionais. Na era
moderna, na medida em que a China passa por profundas transições sociais
e amplas reformas econômicas, legislativas e institucionais, a mediação pode
ser, e sempre é, extremamente imaginativa e tem o efeito de restabelecer boas
relações entre as partes e a harmonia social. Na China, numerosos indivíduos,
instituições e órgãos têm contribuído para o seu desenvolvimento.
O presente estudo pretende fazer uma retrospectiva da mediação na
China no passado, expor relevantes instituições vigentes, observar problemas
existentes e olhar para o rumo de desenvolvimento no futuro.
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277 Não havia distinção entre o órgão administrativo e o judicial na China tradicional. Os poderes
administrativos e judiciais concentravam-se num mesmo órgão. O poder de aplicação da justiça
estava nas mãos dos oficiais administrativos.
278 Trata-se de um sistema administrativo antigo organizado na base de famílias, cada Jia con-
sistindo de 10 famílias e cada Bao consistindo de 10 Jias.
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Mediação na China: passado, presente e futuro
279 É importante registrar que a Escola do Taoísmo também defende a harmonia: “Man is to
follow, or abide by, Earth. Earth to follow heaven. Heaven to follow Tao. Tao follows only itself,
i.e., the Self-so. Or, the what-is-so-of-itself”.
280 A mediação judicial é um procedimento indispensável nas ações de divórcio. Nos termos
do artigo 32 da Lei do Casamento da República Popular da China, aprovada na 3ª Sessão do 5º
Congresso Nacional Popular de 10.9.1980, alterada pela decisão relativa à alteração da “Lei do
Casamento da RPC”, tomada pela 21ª Reunião da Comissão Permanente do 9º Congresso Nacional
Popular de 28.4.2001: “O Tribunal Popular, na apreciação da petição deve proceder à mediação...”
(tradução livre do chinês para o português).
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281 Na divisão administrativa da China, existem vários níveis: o nível central, o nível provincial,
o nível municipal, o nível distrital e o nível da aldeia. Os governos populares das aldeias podem
mediar conflitos da vizinhança.
282 Por exemplo, casos relacionados com o direito de propriedade de terreno e recursos mineiros,
disputas acerca de indenização em consequência de poluição ambiental ou controvérsias respei-
tantes à violação de direitos, tais como patentes, marcas e direitos de autor, entre outros.
283 Adotada a 4.12.1988, a 29.3.1993, a 15.3.1999 e a 14.3.2004.
284 Adotada a 9.4.1991 pela 4ª Sessão da Comissão Permanente do 7º Congresso Nacional Popular.
285 Adotada a 4.11.1988 pela 5ª Sessão da Comissão Permanente do 9º Congresso Nacional
Popular.
286 Adotada a 26.12.1989 pela 11ª Sessão da Comissão Permanente do 7º Congresso Nacional
Popular, entrada em vigor em 1º.1.1990.
287 Adotada a 28.8.2010 pela 16ª Sessão da Comissão Permanente do 11º Congresso Nacional
Popular.
288 Adotado a 5.5.1989 pela 40ª Reunião Permanente do Conselho de Estado, com entrada em
vigor em 17.6.1989.
289 Trata-se da norma regulamentadora elaborada pelo Ministério da Justiça a 26.9.2002, com
entrada em vigor em 1º.11.2002.
290 Adotada a 5.5.1989 pela 1240ª Reunião do Comitê de Julgamento do Supremo Tribunal Popu-
lar, publicitada a 16.9.2002, entrada em vigor em 1º.11.2002.
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Mediação na China: passado, presente e futuro
291 Adotada a 21.3.2011 pela 1515ª Reunião do Comité de Julgamento do Supremo Tribunal
Popular, publicada em 23.3.2011, entrada em vigor em 30.3.2011.
292 Adotada a 10.4.1985 pela 3ª Sessão do 6º Congresso Nacional Popular, entrada em vigor em
1º.10.1985. Nos termos do artigo 15º desta Lei: “Os herdeiros devem tratar o problema da suces-
são através de acordos mútuos e com espírito de harmonia, compreensão e concessão mútua. No
momento da partilha, o método e a quota-parte da herança devem ser divididos pelos herdeiros,
através de mútuo acordo. Caso não haja acordo, poderá o conflito ser resolvido pelo comitê po-
pular de mediação ou ser intentado no tribunal popular”.
293 Adotada na 3ª Sessão do 5º Congresso Nacional Popular de 10.9.1980, alterada pela decisão
relativa à alteração da “Lei do Casamento da RPC” tomada pela 21ª Reunião da Comissão Perma-
nente do 9º Congresso Nacional Popular de 28.4.2001. O artigo 32º prevê que: “(...) Tratando-se
de divórcio pedido por um dos cônjuges, o respectivo departamento procederá à mediação ou o
próprio cônjuge intentará diretamente ação de divórcio ao Tribunal Popular”. Nos termos do artigo
44º, “O membro da família afetada tem o direito de peticionar; a comissão de desaconselhar a
pessoa que abandonou e proceder à mediação”.
294 Adotada a 14.7.1992.
295 Adotada a 16.11.1993.
296 Adotada a 4.7.2003 pela 1280ª Reunião do Comitê de Julgamento do Supremo Tribunal Po-
pular, publicada em 10.9.2003, entrada em vigor em 1º.12.2003.
297 Adotada a 18.8.2004 pela 1321ª Reunião do Comitê de Julgamento do Supremo Tribunal
Popular, publicada em 16.9.2004, entrada em vigor em 1º.11.2004.
298 Adotada a 29.6.1989 pela 411ª Reunião Comitê de Julgamento do Supremo Tribunal Popular.
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Mediação na China: passado, presente e futuro
301 Congresso Nacional Popular (2010), “Notas sobre o Projeto da Lei da Mediação Popular”,
versão em Língua Chinesa, disponível em: <http://www.npc.gov.cn/npc/xinwen/lfgz/flca/2010-
07/01/content_1580323.htm>.
302 Vide também o artigo 4º da Lei da Mediação Popular da China.
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303 Vide arts. 5º-7º da Lei da Mediação Popular e artigo 2º do Regulamento Orgânico da Comissão
Mediadora Popular e artigo 16 da Lei do Processo Civil. Os governos populares de base referem-se
àqueles estabelecidos nas aldeias e nas vilas.
304 Vide artigo 8º da Lei da Mediação Popular.
305 Vide artigo8º da Lei da Mediação Popular.
306 Vide artigo 15 da Lei da Mediação Popular.
307 Vide artigo 9º da Lei da Mediação Popular e artigo 3º do Regulamento Orgânico da Comissão
Mediadora Popular.
308 Vide artigo 16º da Lei da Mediação Popular e artigo 14 do Regulamento Orgânico da Comissão
Mediadora Popular.
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Mediação na China: passado, presente e futuro
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310 Os assuntos que merecem atenção são os seguintes: em primeiro lugar, em termos de requisitos
substanciais, o acordo celebrado tem de conter direitos e deveres cíveis. Geralmente, é considerado que
os direitos e deveres envolvem a prestação patrimonial, não incluindo aqueles acordos sobre condutas
criminais leves que não implicam conteúdos patrimoniais; em segundo lugar, na perspectiva processual,
o artigo 1º da Regras do Conhecimento da Causa Civil respeitante ao Convênio da Mediação Popular limi-
ta-se à mediação realizada pela comissão mediadora popular e não por membros familiares ou amigos.
311 Adotada a 12.4.1986 pela 4ª Sessão do 6º Congresso Nacional Popular, entrada em vigor a
1º.1.1987. Esta Lei Geral funciona como a parte geral de um “código civil”, pois existem outras leis avul-
sas, como por exemplo a Lei das Coisas, visto que ainda não existe até hoje um Código Civil na China.
312 Vide respectivamente os artigos 4º, 5º e 6º das Regras do Conhecimento da Causa Civil res-
peitantes ao Convênio da Mediação Popular.
313 Vide artigo 31º da Lei da Mediação Popular.
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Mediação na China: passado, presente e futuro
da solução de disputas. Desde logo, para uma disputa que pode ser resolvida por
mediação, o tribunal popular de base ou o órgão de segurança pública em causa
podem, antes de aceitar o caso, notificar os interessados que podem requerer a
uma comissão de mediação popular que seja mediada a disputa.314 Depois de ser
alcançado um acordo através da mediação por uma comissão de mediação popular,
quando necessário, os interessados podem, em conjunto, requerer ao tribunal
popular a confirmação judicial, no prazo de 30 dias depois do acordo de mediação
ser celebrado, e o tribunal popular deve analisar o acordo e confirmar o seu efeito
em tempo útil.315 Depois de o tribunal popular confirmar o efeito do acordo obtido
por mediação, se uma parte interessada recusar cumprir ou deixar de cumpri-
lo plenamente, a outra parte pode requerer a execução ao tribunal popular. Se o
tribunal popular confirmar que o acordo de mediação é inválido, os interessados
podem alterar o acordo original ou alcançar um novo acordo através da mediação
popular ou propor uma ação no tribunal popular.
5 Da mediação judicial
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316 Segundo o artigo 6º da Lei do Processo Civil de 1982: “Os tribunais populares, no conheci-
mento da causa, devem dar ênfase à mediação”.
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Mediação na China: passado, presente e futuro
317 As ações julgadas diretamente pelo Supremo Tribunal Popular e as ações às quais é aplicável
o processo especial segundo a lei do Processo Civil só têm uma instância.
318 A estruturação dos tribunais populares na China encontra-se em quatro níveis, sendo os tribu-
nais populares de base, os tribunais populares intermediários, os tribunais populares superiores e o
Supremo Tribunal Popular. Segundo o artigo 20 da Lei Orgânica dos Tribunais Populares da República
Popular da China: “Os tribunais populares de base podem criar vários juízos delegações consoante a
localização, a população ou as circunstâncias das ações. Os juízos são elementos componentes dos
tribunais populares de base cuja sentença e decisão constituem as dos tribunais populares de base”.
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Mediação na China: passado, presente e futuro
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transição, no sentido de se adaptar às novas realidades e reforçar a coesão social.
A mediação é justamente um bom caminho para a sociedade harmoniosa.
Conduzida num ambiente amistoso, calmo e construtivo, a mediação constitui
uma forma inteligente para as partes darem-se as mãos e ficarem enfim satisfeitas.
Além disso, a mediação resulta muitas vezes em soluções que ultrapassam os
remédios legais que os tribunais podem permitir.
A mediação está enraizada no solo chinês e tem uma longuíssima
história. Hoje em dia, com o objetivo de realizar a harmonia social e desenvolver
plenamente as vantagens da mediação, há muito por fazer para melhorar a sua
institucionalização.
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ZHANG, Jinfa. Zhongguo Falv de Chuantong yu Jindai Zhuanxing [Tradição do direito chinês
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356
Síntese curricular dos autores
357
Unidas para o Desenvolvimento), para projetos e ações nacionais e do MERCOSUL que envolviam o ins-
trumental da mediação nos Programas Segurança Cidadã - SENASP, SRJ, SENAD- Ministério da Justiça e no
Programa Justiça Comunitária -TJDFT. Idealizadora do Projeto Íntegra de Mediação em Crimes de Gênero
e Família - Varas Criminais de Santana - TJ-SP. Autora do Plano de Gestão de Conflitos e Controvérsias
e Coordenadora Técnico-Metodológica em Gestão de Conflitos no Programa Serra do Mar do Governo
do Estado de São Paulo, em parceria com o BID. Autora de diversos artigos a respeito de ADRs e da obra
“Negociação, mediação, conciliação, facilitação assistida, prevenção, gestão de crise nos sistemas e suas
técnicas”, publicada pela Editora LTr. Email: <crzapparolli17@uol.com.br>.
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Luciane Moessa de Souza
Mestre em Direito do Estado (Universidade Federal do Paraná). Doutora em Direito, Estado
e Sociedade (Universidade Federal de Santa Catarina), com estágio como Pesquisadora Visitante
(Visiting Scholar) na Universidade do Texas, campus de Austin. Procuradora do Banco Central do
Brasil. Professora de cursos de especialização em Direito Público e de cursos sobre resolução
consensual de controvérsias na esfera pública destinados a advogados públicos, servidores do
Poder Executivo, magistrados e servidores do Judiciário, membros e servidores do Ministério
Público. Coordenadora de cursos da Escola Nacional de Mediação e de Conciliação do Ministério
da Justiça (ENAM-MJ) sobre Resolução Consensual de Conflitos Coletivos envolvendo Políticas
Públicas (2014). Pós-Doutoranda em Direito na Universidade de São Paulo (USP), com estágio como
Pesquisadora Visitante na Università Luigi Bocconi, em Milão (2015). Atuou como Conciliadora
da Câmara de Conciliação e Arbitragem da Advocacia-Geral da União de 2010 a 2011. Autora
de diversas obras individuais (Editoras Fórum e Revista dos Tribunais), coordenadora de duas
obras coletivas e autora de diversos artigos científicos nas áreas de Direito Público e Mediação de
Conflitos. E-mail: <lumoessa@hotmail.com>.
Tania Almeida
Médica. Pós-graduada em Neuropsiquiatria, Psicanálise e Sociologia. Mestre em Mediação
de Conflitos. Pós-graduada em Neuropsiquiatria, Sociologia e Gestão Empresarial. Docente em
Mediação de Conflitos e Facilitação de Diálogos. Fundadora e Presidente do Mediare – Diálogos e
Processos Decisórios (baseado no Rio de Janeiro). Autora da obra “Caixa de Ferramentas em Me-
diação – aportes práticos e teóricos”, publicada pela Editora Dash. Supervisora na primeira edição
do curso Resolução Consensual de Conflitos Coletivos envolvendo Políticas Públicas, oferecido
pela Escola Nacional de Mediação e Conciliação (ENAM) do Ministério da Justiça em 2014. E-mail:
<mediare@mediare.com.br>.
Wei Dan
Doutora e Mestre em Direito pela Universidade de Coimbra. Licenciada em Direito pela
Universidade de Pequim. Professora Titular e Diretora do Instituto para Estudos Jurídicos Avançados
da Faculdade de Direito da Universidade de Macau. Redatora-Chefe da Macau Law Review. Árbitro
do China International Economic and Trade Arbitration Commission (CIETAC). Árbitro do Centro de
Arbitragem do World Trade Center em Macau, da Comissão de Arbitragem em Guangzhou, China e
do Centro Internacional de Mediação e Arbitragem em Nansha, China. E-mail: <danwei@umac.mo>.
359
Esta obra coletiva está em sua segunda edição, con-
tando com autores de todo o país, e duas convidadas inter-
nacionais, a experiente mediadora e magistrada aposentada
Gladys Alvarez, da Argentina, e a Profa. Wei Dan, da Univer-
sidade de Macau, na China.
A proposta é analisar os contornos deste fascinan-
te método de resolução consensual de conflitos (primeira
parte), apresentar os distintos campos de aplicação da me-
diação (desde os conflitos na área de família, trabalhistas,
empresariais em geral, até os pequenos conflitos criminais,
os conflitos comunitários, os conflitos que envolvem o Poder
Público (segunda parte) e, por fim, aprender um pouco com
algumas experiências estrangeiras no tema (terceira parte).
A coordenadora, Luciane Moessa, autora de Tese de
Doutorado sobre o tema (tendo desenvolvido a maior parte
da pesquisa nos EUA), também cuida de analisar o conteúdo
da recém promulgada nova Lei de Mediação de Conflitos, as-
sim como o tratamento do tema no novo CPC.
A publicação é extremamente oportuna nesse momen-
to em que devemos avançar na aplicação adequada do ins-
tituto no Brasil.
360