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Introdução
Para se ter uma idéia da importância do ato de brincar na construção do conhecimento
é preciso que se observe uma criança brincando. É possível aprender muito desta observação.
Se formos atentos e sensíveis, veremos os caminhos que ela trilha ao aprender sem a
intervenção direta do adulto. Brincando, a criança aprende a lidar com o mundo e forma sua
personalidade, recria situações do cotidiano e experimenta sentimentos básicos.
Hoje estamos numa sociedade de produção capitalista e isto tem levado as instituições
educacionais a desenvolverem um modelo de educação massificante, em que as atividades
lúdicas, espontâneas, têm espaço tão limitado que não surtem efeito. Crianças transformadas
em miniaturas de adultos, reduzidas a seguir uma rotina eficaz para os adultos, mas sem
sentido para elas, estão sendo privadas de um de seus direitos básicos.
O mundo da criança difere qualitativamente do mundo adulto, nele há o encanto da
fantasia, do faz-de-conta, do sonhar e do descobrir. É através das brincadeiras, atividade mais
nobre da infância, que a criança irá se conhecer e terá a oportunidade de se constituir
socialmente. É também a partir da espontaneidade do brincar que a criança poderá expressar as
diferentes impressões vivenciadas em seu contexto familiar e social.
A afinidade da brincadeira infantil com a natureza da própria criança tem
reconhecimento histórico, por isso, vem sendo tema de inúmeras pesquisas e estudos ao longo
dos anos. É interessante destacar que em todas as concepções teóricas sobre o
desenvolvimento e educação da criança pequena e na literatura em geral, a brincadeira aparece
como um importante recurso na construção de conhecimentos e desenvolvimento integral. A
brincadeira é a atividade que faz parte do cotidiano de qualquer criança, independente do local
onde vive, dos recursos disponíveis, do grupo social e da cultura da qual faça parte, todas as
crianças brincam. Dentro dessa perspectiva, este artigo tem a finalidade de refletir sobre o
grande valor do ato de brincar na construção do conhecimento, pois permite que a criança
*
Alunos do terceiro semestre de Pedagogia das Faculdades Integradas do Vale do Ribeira – SCELISUL.
Trabalho orientado pela professora Ms. Flávia da Silva Ferreira Asbahr, na disciplina Psicologia da Educação
III.
explore seu mundo interior e descubra os elementos externos em si, exercite a socialização e
adquira qualidades fundamentais para seu desenvolvimento físico e mental. Queremos
proporcionar a reflexão sobre a necessidade dos educadores tirarem o máximo de proveito do
potencial educativo das brincadeiras tornando o processo educativo natural e agradável.
Para Vygotsky (1998) e Leontiev (1998), o brinquedo tem intrínseca relação com o
desenvolvimento infantil, especialmente na idade pré-escolar. Embora os autores não o
considerem como o único aspecto predominante na infância, é o brinquedo que proporciona o
maior avanço na capacidade cognitiva da criança. É por meio do brinquedo que a criança se
apropria do mundo real, domina conhecimentos, se relaciona e se integra culturalmente. Ao
brincar e criar uma situação imaginária, a criança pode assumir diferentes papéis: ela pode se
tornar um adulto, outra criança, um animal, ou um herói televisivo; ela pode mudar o seu
comportamento e agir e se comportar como se ela fosse mais velho do que realmente é, pois
ao representar o papel de “mãe”, ela irá seguir as regras de comportamento maternal, porque
agora ela pode ser a “mãe”, e ela procura agir como uma mãe age. É no brinquedo que a
criança consegue ir além do seu comportamento habitual, atuando num nível superior ao que
ela realmente se encontra.
No entender de Vygotsky, é no brinquedo que a criança aprende a agir numa esfera
cognitiva que depende de motivações internas. Para uma criança muito pequena os objetos têm
força motivadora, determinando o curso de sua ação, já na situação de brinquedo os objetos
perdem essa força motivadora e a criança, quando vê o objeto, consegue agir de forma
diferente em relação ao que vê, pois ocorre uma diferenciação entre os campos do significado
e da visão, e o pensamento que antes era determinado pelos objetos do exterior, passa a ser
determinado pelas idéias. A criança pode, por exemplo, utilizar um palito de madeira como
uma seringa, folhas de árvore como dinheiro, enfim, ela pode utilizar diversos materiais que
venham a representar uma outra realidade.
Ao observarmos uma criança em idade pré-escolar exercendo algum tipo de atividade,
é fácil perceber que o brincar de faz-de-conta é constante em suas ações e atitudes. Como essa
atividade surge na criança?
De acordo com Leontiev (1998a, 1998b), o brinquedo surge na criança no início da
idade pré-escolar, no momento em que ela sente a necessidade de agir não apenas com os
objetos que fazem parte de seu ambiente físico e que são acessíveis a ela, mas com objetos a
que ela ainda não tem acesso, e que são objetos pertencentes ao mundo dos adultos. Para
superar essa necessidade a criança brinca, e durante a atividade lúdica ela vai compreendendo a
sua maneira o que faz parte desse mundo, esforçando-se para agir como um adulto, por
exemplo, dirigir um carro, andar a cavalo, preparar uma comida, ou atender um paciente. A
contradição existente entre a necessidade da criança agir com os objetos do mundo adulto e a
impossibilidade de operar de acordo com tais ações, vem a ser solucionada pela criança através
de suas brincadeiras. É na atividade e, sobretudo, no brinquedo que a criança supera os limites
da manipulação dos objetos que a cercam e se insere num mundo mais amplo.
O brinquedo cria na criança uma zona de desenvolvimento proximal, que é por ele definida
como a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através
da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado
através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com
companheiros mais capazes. (VYGOTSKY, 1998, p.112).
Para esse autor, o nível de desenvolvimento real refere-se a tudo aquilo que a criança já
tem consolidado em seu desenvolvimento, e que ela é capaz de realizar sozinha sem a
interferência de um adulto ou de uma criança mais experiente. Já a “zona de desenvolvimento
proximal” refere-se aos processos mentais que estão em construção na criança, ou que ainda
não amadureceram. A “zona de desenvolvimento proximal” é, pois, um domínio psicológico
em constantes transformações, aquilo que a criança é capaz de fazer com a ajuda de alguém
hoje, ela conseguirá fazer sozinha amanhã. É nesse sentido que a brincadeira pode ser
considerada um excelente recurso a ser usado quando a criança chega na escola, por ser parte
essencial de sua natureza, podendo favorecer tanto aqueles processos que estão em formação,
como outros que serão completados.
Visto dessa forma, não há dúvidas do quanto o brinquedo influencia o desenvolvimento
da criança. Ainda que não seja, conforme Vygotsky (1998), é através da brincadeira que a
criança obtém as suas maiores aquisições.
A brincadeira de faz-de-conta também foi tema de valiosos estudos do autor russo
Elkonin (1998).
A base do jogo de faz-de-conta, também denominado por ele de jogo de papéis ou jogo
protagonizado, é de natureza e origem social, tornando-se um meio pelo qual a criança
assimila e recria a experiência sócio-cultural dos adultos. Para ele, os temas dos jogos das
crianças são extremamente variados e são os reflexos das condições concretos vivenciadas
pelas crianças (ELKONIN, 1998).
Verifica-se, portanto, que para o autor o jogo protagonizado está vinculado às relações
pessoais e não simplesmente à percepção direta dos objetos.
Quando a criança brinca (e o adulto não interfere) muitas coisas sérias acontecem.
Quando ela mergulha em sua atividade lúdica, organiza-se todo o seu ser em função da sua
ação. O interesse provoca o fenômeno, reúnem-se potencialidades num exercício mágico e
prazeroso. E quanto mais a criança mergulha, mais estará exercitando sua capacidade de
concentrar a atenção de descobrir, de criar e, especialmente de permanecer em atividade. É a
aprendizagem pelo sentir, e não para obter determinado resultado ou para possuir alguma
coisa. A criança estará aprendendo a engajar-se seriamente, gratuitamente, pela atividade em
si. Estão sendo cultivadas aí, qualidades raras e fundamentais tais como a autonomia e
socialização. Sem brincar, ela não vive a infância.
A brincadeira, como atividade dominante na infância, tendo em vista as condições
concretas da vida da criança e o lugar que ela ocupa na sociedade, é, primordialmente, a forma
pela qual esta começa a aprender. Secundariamente, é onde tem início a formação de seus
processos de imaginação ativa e, por último, onde ela se apropria das funções sociais e das
normas de comportamento que correspondem a certas pessoas.
Para Vygotsky (1998), a aprendizagem configura-se no desenvolvimento das funções
superiores através da apropriação e internalização de signos e instrumentos em um contexto de
interação. A aprendizagem humana pressupõe uma natureza social específica e em processo
mediante o qual as crianças acedem à vida intelectual daqueles que as rodeiam. É por isso, que,
para ele, a brincadeira cria na criança uma nova forma de desejos. Aprende-se a desejar,
relacionando os seus desejos, a um “eu” fictício, ao seu papel na brincadeira e suas regras.
Dessa maneira, as maiores aquisições, no futuro irão tornar-se, seu nível básico de ação real e
moral.
Portanto, a brincadeira é uma situação privilegiada de aprendizagem infantil onde o
desenvolvimento pode alcançar níveis mais complexos, exatamente pela possibilidade de
interação entre os pares em uma situação imaginária e pela negociação de regras de
convivência e de conteúdos temáticos.
Brincando as crianças recriam o mundo, refazem os fatos, não para mudá-los
simplesmente para contestá-los, mas para adequá-los aos filtros da compreensão. E há dois
tipos de filtros: o cognitivo e o afetivo. Algo pode caber ao cognitivo, mas não no afetivo. O
brinquedo e o jogo facilitam o trânsito do cognitivo para o afetivo. Segundo Vygotsky, o
brinquedo fornece a estrutura básica para as mudanças das necessidades da consciência. O
desenvolvimento da criança é determinado pela ação na esfera imaginativa, pela criança de
intenções voluntárias, pela formação de planos da vida real e pelas motivações. Do ponto de
vista psicológico, pode-se observar que as crianças que não têm oportunidade de brincar, não
conseguem conquistar o domínio sobre o mundo exterior. O brincar assume, pois, duas
facetas: a de passado, através da resolução simbólica de problemas não-resolvidos; e a de
futuro, na forma de preparação para a vida.
Muitos confundem brincadeiras com “jogos didáticos”. Estes últimos, usados nas
escolas para servir de auxiliares na aprendizagem de determinados conteúdos, ou para
promover a memorização de uma seqüência de dados (um exemplo é o baralho de fatos
fundamentais, usado por muitos professores), não pode ser considerado um brinquedo, apenas
simula um, pois não é espontâneo, nem usa o faz-de-conta. No jogo didático o adulto cria as
regras, comanda a atividade e define o objetivo, seu valor como instrumento de aprendizagem
é indiscutível, a criança realmente podem aprender com ele, mas não substitui a brincadeira, e
confundir essas duas coisas pode fazer o professor pensar que usa o brinquedo em sala de aula
quando não faz mais do que apresentar jogos didáticos.
A brincadeira é organizada pela própria criança de forma espontânea e autônoma. A
participação do adulto é mínima, ele jamais interfere no papel que o aluno assume, na
linguagem que usa ou no rumo que a fantasia toma. O papel do adulto é criar condições para
que as crianças brinquem, incentivar e propor o que se fará para que a brincadeira tenha início,
mas se as crianças se desviarem da atividade inicialmente proposta, isto não constitui problema
algum: a liberdade de mudar de rumo durante a brincadeira é uma característica importante da
atividade. Cabe assim o professor organizar a sala com brinquedos e organiza-los de forma
que possa estimular a criança ao início de uma brincadeira com uma história, fornecer
informações, ajudar e incentivar mesmo quando as crianças não os pedem e dar assistência
àqueles que não entram na brincadeira para participar.
A professora deverá ter cuidado ao propor brincadeiras. Determinados alunos
simplesmente ficam de fora. Alguns são agressivos e atrapalham o brinquedo enquanto outros,
apáticos, ficam quietos e apenas olhando. Essas crianças não podem ser forçadas a participar,
senão a atividade perde seu objetivo. Elas precisam do apoio do professor para que, por
exemplo, fiquem sentados juntos e que se diversifique o tema das brincadeiras, com a
finalidade de atrair sua atenção. Esse cuidado tem como objetivo não desacertar o caráter de
socialização do momento da brincadeira.
As brincadeiras não devem ser adaptadas a conteúdos. Na verdade, o paradoxo do uso
da brincadeira em sala de aula é que os objetivos da atividade não podem ser determinados de
antemão. Diferente do jogo didático, a brincadeira não é dirigida, é apenas assistida e é com
base nessa observação que o professor determinará objetivos que serão alcançados em outras
atividades.
A brincadeira é uma atividade informal que se desenvolve sem que haja investimento de
objetivos pedagógicos. Mas a brincadeira também se desenvolve no quadro familiar, no quadro
das relações de comunicação, das relações de prazer na construção de um universo de vida
cotidiana entre as crianças e os pais.
Considerações finais
Referências Bibliográficas: