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~ ;c. :UJ,~,().vJ)4 _
rbL#//l ,,(.~/J(j
,L Política e administração colonial: mo se pode dizer acerca ele um t.rabalho rna is r<.:n'll!t' (. 1IIIIitu
;'-'problemas e perspectivas importante, Fiscais e meirinhos, de Graça Salgaoo, (}1~ri!:í;III')ri()
, sobretudo pelo caráter de obra de referêncj;], mas dcsli IlIlclo til'
A reflexão acerca
divideridox,.'
dos sentidos e, significados d~s t'sllltlds
sobre administração remete a problemas limito interessantes, ijll('
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30
nãose podia apenas bater, havia também que soprar, e com fre-
qüência. Em colônias, separadas dos centros decisórios do poder'
.~as metrópoles - por r11eSeSde navegação marítima e habitadas retratada em capítulos muito importan tcs, mesmo se bastante dis-
por grandes contingentes de escravos, o mando estava fadado a ser cutíveis.' O que ali escreveu sobre a administração colonial tor-
conternporizador, pois caso vestisse apenas a máscara da dureza, o nou-se ponto de referência durante décadas, pois conseguia um
certo' equilíbrio entre a demonstração ernpírica e a análise, ultra-
.. edifício todo se esboroava, a perda do controle levando à da 1'r6-
/;"~ria colônia. Administração, portanto, só podia ser entendida à passando tanto os trabalhos meramente descritivos - como os
<iluzda política: separar uma da. o urra condenava o observa~or à indicados na abertura desta reflexão -- quanto os eminentemen-
yipreensão mecânica e funcionalisra do fenômeno, impondo a te analíticos e generalizantes -- como o de Caio Prado [r., que se
,perqa do. seu sentido dialético, examinará a seguir.
. Segundo a interpretação ele Faoro, o sistema administrativo
., Duas das principais interpretações que a historiografia brasi-
português foi transposto. com sucesso par~ suas colônias graças a
.~:,l~irahavia elaborado sobre a administração até aquela época _
um Estad~ que cedo se centralizou e soube.com maestria, cooptar
!o;Analdos anos 1970 - coadunavam-se perfeitamente com o que
as. elites, inclusive ~s locais, corno os "bandeirantes" paulistas.
'"srirgia nos documentos, mas absolutizando ora um aspecto, ora
Nesse processo, contudo, manietou os funcionários, que se torna-
:'~utro,e perdendo dessa forma a ambigüidade, a nuance e a contra-
ram meras sombras, e se superpós à realidade local, alheio à pró-
,\:i:díção;
.:
\~ ,"
Abordei o assunto no capítulo 3 de Desclassificados do ouro,
, pria dinâmica histórica:
;f<'j;hamado de "Nas redes do poder", e ali indiquei duas formas pos-
'\síveis, mas igualmente extremadas, de se examinar o problema da
o,,dministração: aquela escolhida por Raymundo
,/'donos cio poder (1959 e 1975), e a aclotadapor Caio Prado J r. em
Faoro em Os
ordenações, prestigiada pelos batalhões, atravessa o -r:
A ordem pública portuguesa, imobilizada nos alvarás, regimentos e
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;',
~:;
-:-'--'-
.33 34
-vErn segundo lugar, Faoro bebeu no pensamento liberal por-
!Ltuguês do fim do século XIX e inicio do século xx, representado pôr
do.já que Lisboa, a "cabeça pensante" da ad m inistração, situava-se
i<btiveira Martins, Antero de Quental e, posteriormente, Antonio
. "a centenas de léguas que se percorrem em lentos barcqs à vela":
"·';&4gio.13Não foi o único a sofrer tal influência, decisiva em boa
j
.~àrtedo pensamento brasileiro da primeira metade do século xx,
[...] tudo isto.] .._] não poderia resultar noutra coisa senão naquela
~,in1eI1topara as críticas ao atraso de Portugal e suas colônias ante
monstruosa, ernperrada e ineficiente máquina burocrática que é a
;{::b'iJ;ttospovos colonizadores, à rotina e ignorância de suas elites, ao
administração colonial E com toda aquela complexidade e variedade
};pt'econceito imperante contra o trabalho manual. O pessimismo
de órgãos e funções, não há, pode-se dizer, nenhuma especialização.
'f:iherente a essa visão impediu, muitas vezes, perceber especificida-
Todos eles abrangem sempre o conjunto dos negócios relativos a
F'4és próprias à história de Portugal e de seu império, forçando os
determinado setor, confundindo assuntos os mais variados e que as
·''';':\Ytliz6s negativos e fazendo prevalecer a pe rspectiva liberal. Não é de
mesmas pessoas não.podiam por natureza exercer com eficiência."
Y>\'e'estranhar, portanto, °
anticlericalismo, a identificação rnecâni-
i:\-~a;entre força da Igreja e atraso e, no outro pólo, a valorização per- Prado JI. alerta para a impossibilidade de Se pensar a admin is-
,. .
:'<'irtanente, nas comparações, da América inglesa e da Inglaterra
tração daquele tempo tornando-se por base a do. nosso: os princí-
;?i/;ê~mómetTó pele ideal ..
pios eram diversos, o público não se distinguia claramente do pri-
. ":><' Nesse ponto, Rayrnundo Faoro e Caio Prado )1'., marxixt« de
vado, não' havia a unidade e a simetria que hoje se observam,
::;>:ftIrmação, aproximam-se bastante. Mas suas perspectivas <lClTCil
discriminando funções, definindo competênciase atribuições.
~'::dliadministração foram, em quase todo o resto, opostas. M.li~de Percebe, portanto, que há uma diferença essencial, mas a vê como
;}/:4{ünze anos antes, num dos capítulos de Formação riu !lrusil t:OIJ
caótica, e não como específica: "um amontoado", "um cipoal", um
.h::,:-Í'imlporâneo, de 1942, Prado) r. qualificara a adrninistruç.iu portu- "caos imenso de leis", uma "confusão inextricável" que sempre ',:'
.•...
;
ditória. Sendo assim, ecomo é esta prática que mais n05 interessa aqui, .
;;:'.·:l3.AnaLúcidNcrní chamr.n/ ..me a atenção P,l!8 o fato de que, influenciados pelo.
·.liberalismo, muitos dos,componentes dessa geração [oram sinceros socialistas no
e não a teo"'ia: temos que recorrer com a.maior cautela àqueles textos
.,plap.o da política.
14. Caio Prado Ir., forlllaçiio do Brasil colltemporlÍneo, 13' ed., São Paulo,
Brasiliense, 1973, capítulo "Administração", pp. 298- 340, citação à p. 333.
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se
legais, e procura- ele prcferêl1ârl outra, [ont . fi .
" . . j( e.' para xarmos a vida
admInIstrativa da rolÔllirl. ".
fisco, condu i, com certo espanto, Caio Prado J r. PorL'Il I, lIem;a ree-
ela
.: '. ,,(\posiÇão do autor é portanto muito peCll!l'ar Reco 1
dição dos part\1 ncrros administrativos metropol i! ~III()S em terras
';.. ',' ... ' .' '. '. n 1ece que coloniais, IWIll crnpcnhoemrepensar o fisco devcri.un causar
;.~~<!3stá diante ele um SIS tema distin to D1a' d 'd li
de ·····;··h . . . ' s eSconSl era que este
,auma lógica PI'Ópri'1 À 1 i. . espécie ;11) uu to r de. "Sentido da colonização", () notável capítulo
ia. .,.... . ,., •. LlZ ( a perspectIva do Estad lib 1
~t d b . o I era inicial do mesmo livro. Afinal, a colonização portuguesa não visa-
la ,'" a. o SO Te a teo:'ja dos trés poderes, ressalta a irracionalida:
,mundo do AntIgo Regime --" . d ,. va, primordialmente, criar unia sociedade original na América,
as . .. passa o caotlCO por nature ..
t • .j e nao leva em conta que, nele o Estado port ês r _ mas explorar ao máximo a cÇllônia:-- daí () empenho ernaperfei-
.;' .' ., -. ugues nao ero.
ao,mcorrcndo nesse i çoar o sistema fiscal - e, ao mesmo tempo, nela estabelecer "um
.. . , .. e .ocante, em Jllacronismo}VI ' b
car outro' . as Cd e
',i " ~Ol1tO, muito positivo: a cOIlstatação da irracionali_ outro Portugal", como observou, no fim do século XVI, o padre
s-
{7' que e dlscutível-·_ o leva a perccb . fi . jesuíta Fernão Cardim."
í- ".
hca.e em últin . . â . er o osso entre a teori: e ti
.'. . ' 1,1 lllst, 110a, a mostrar (lUC o texto n . Para fechar a.análise desse primeiro momento, quando certos
1- '1 d . . "ormatlvo
1,
\ ',~. o ~ ~e natu.re~~ jurídica, não poclesenomado ao pé da letra~ historiadores brasileiros começavam a buscar um sentido na
s.
a.,sltuaçao especlhca conta,levanclo_o a valorizar não se t' administração portuguesa da.colónia, é preciso invocar ainda Sér-
~. d' . -< o a Il 1- n
(}
.oe outras f:ontes, de tipo variado, como também _ ma ._ gio Buarque de Holanda, que não entrara em minhas cogitações
. era-a di," . rXIS
n ". . Il,lm1Casoclal, capaz de transformar as teorias toda iniciais quando da realização de Desclassifzwdos do ouro. Antes de
';,,~e se mostrassem distantes da realidade C·' , ' ,
''':1: .... ' . . . orno se procurara Caio Prado] r. eu de Rayrnundo Faoro, em 1933, ele havia tratado u
.' :har adlante, () alerta de Prad J' te .: ]' . .' "
1;.,\;!p', . . o 1. em SlC o negllgenclado . tangencialmente do problema em Raizes do Brasil, iluminando-o, ~:
.. ,:. '".orúltlnlO, háamda um a' t··.·· .
~(::;\f~"'··:, .;: ..' . c spec o IDtrJgante a invocar. a insis- como sempre fazia, com uma interpretação instigante, c ihserin-
"',...•nela.com que o autor recnm·· E .d ,-
,.....:.: .... :..•:... . ma o. .st» o portugues par te rid do-o no escopo comparativo tão inovador que caracteriza.o livro,
LS .tb,capaz de cnar I .... I . . r SI o
.
·.1I",' '..
-. a gOO.llg1!1d na ad111lI1Istraçl0 .,
da cole0111a . "'.oi gaos _
1.-
.\;~1le~elttescadal)tad· di --. " no qual a América espanhola fornece a cada passo os elementos de
", '. osaC011 lçoespccultares<1uenão ..
··t.!.oR· "16F . seencontla_ aproximação e de oposição para a análise da América portuguesa.
" . emo. 'orçados nelas círc r" .
..·;;·::··d· ..·, '.'
:·!tIJ:a '0tes"b't / .. .,»' r\..UI1S .allClas eS1)êcíficas
t,-
govcr Segundo Buarque de Holanda, da mesma forma como dirigiu a
'.':':.' .,' ar 1 rdrlOS puderam eventuill -r c te '1' ..
c ·;,··.·;·õ.· .. '..
:;'Ç. es:metropoltta·
. .' .
. . ' , fllcn c, d terar as Cl!SPOSI'-
fundação das cidades com "um zelo minucioso e 'previdente",
:úii.·..,... . . nas, [nas nunca de modo sistemático
'1 F . d,
O'
. Ul1lCo
.
-<l'\I\lf:iQJ;(10n Castela impôs sobre a América, desde cedo, "a mão forte do Es-
ii;.::..:· .. , oqua o JSla. oportuguesprocurousaird<lrotinafoiodo
i" 1:~.':,,>,,;' I •
tado". Contraste flagrante com o "empreendimento [...] tímido e
.,}bld:,pp.,300_1, citaçâp·ne.lta última Nessa J' ..- I" mal aparelhado para vencer" dos portugueses, feitorizadores que
da,.......·'~as.leis não .16não eram" __ '. ., e 1,20 1<1 um erro: na passagem
.... , ., Omlte-se o segundo- .I
·'/Ilj~,aa;gumentaç5o. Conferir id _'.._ . -' nao, iltterando toda a
'.!::'~
...l{.Ó.'{JDa\>tlÓ r .M arnns. Iodaora,
~.'i·V";··· .': .. ,lYrana
• .'! FOI maVIO do Brasil cnnlr.mporàneo - Colônia
1942, ., 99 '
17. Cf. Fernando Novais, "Condições na colônia'; in La ur a de
da privacidade
,~,J~;q,btd,,.p.301. . p. - . Mello e Souza (org.), História da vida privada Brasil. Cotidiano e-vida privada
1/0
:'~.·~{fY·:'. na América portuguesa; São Paulo, Companhia das Letras, 1997, pp. 13-39: vol, I;
Evaldo Cabra Ide Meio, Um imenso Portugal-:« história e historiogratia, São Paulo,
Ed, 34, 2002, notadarnente o ensaio do mesmo nome, pp. 24-34.
37 I
I !
:~~~:frxavamna costa e relutavam ern.adentrar Cl territóri~ em inicia-
,....
':'.ttias'.mais .
propriarnente co Ionizac
. leras
01 s, semeando ..' cidades sem desconsolado ante os pendores administrativos dos portugueses,
'i1ejá-las com o rigor dos quadriláteros-espanhóis ..~aJs fIluda e rotinei ros.e fal tos de imaginação, O exame desses três autores mos-
.'.m.als
. lib
I era, I a colonização
"' portuguesa
L
deveu tal feição à centra-
•
tra, porta nto, que o melhor elo ensaismo brasileiro IJOS'anO.'i 19.10,
'Ção precoce do Estado, que na explicação de S,érglO assume . 1940 () LI I <J50 <ljlldo li ,I fi finar LIJ1l,1visü o ncgntivn d:1 ad III i 11ix] I'il\',io
eloposto ao desempenhado na deFaoro._ S~ aEspan~,a ~::: porlugucs,lll<l t\Jll(·ril·i1. '\xplil:<I~-ao dn Hl'asil" lliíos(:despn'lldia,
á/!:fi.í.ría centralizadora,
codificado: 3, unitoi rnizadora' q nesses t'll.o.;;lius, do I't'SSl' I 1I iuu-n ltl <L111'<•.• i\ u n I i!-í<llllclrópole, ("I JIlil
';iféstava "no gosto dos regulam entes meticulosos", projetando gcsfiío li" ('X (( )J(llli" .ilinhuv» '.~(' eUlll oul 1'1lS"il('(illl(.;,~" C dOL'II~'iIS,
'0Império arnoriarquia do Escorial, isto se devia porque,. () cscrav ix11li) SVlld!)'u maior deles. (;!)fllU obscrVOlUC()lll ilgudcz<I
" namente, o país era formado cIc par tcs desconexas e asplrav~ SllI,lrl SchWitrtz, Cilberlo lreyre foi, na sua geração, o único a ter
~rhauriidade quase sempre impossível: "O amor exasperado a li mil visão otimistado Brasil e de seus prirnórdios, boa parte das crí-
.....
:.:. . '.. .. . o no un1 resultado da ticas que recebeu decorrendo dessa perspectiva antes rósea.'?
%rf~i:rrijdade e à Simetria surge, pOIS, c I . _ .
\it~nciadeverdadeira unidade"." A precoce centralização do Por outro lado, sendo au tores de ensaios explicativos, busca-
'''>~doportuguês teria decorrências opostas, e a ausência de pro- ram o enquadramento geral c deixaram para segundo plano o
~~assê.tios nesse campo permitiu gue as "situações concretas e exame elos fenômenos especificas, muitas vezes eluddativos,
l'
<'4uais" levassem a melhor e propiciassem o al1oramento do Faoro é um caso à parte, já que invoca particu la r icl;ldc~ COJ)l ma ior
. " 'S!l10" e do "naturalismo" tão portugueses. freqüência mas, ao fazê-to, contradiz a" cxplic;l~(>CSpropostas.
Apesar de datadas, entretanto, essas explicações ~a()!l! >rl!O:; dl' rc/l'"
{i~:"~~lica-se como, por outro lado', o natural conservantismo, o deixar rência obrigatórios e não podem Ser esquecidas: h,\ que cul(ld .1;1:;
"
e ;;;C.:';:·;:·...est·ar- O "desleixo" - pudessem sobrepor-se tantas vezes entre eles no seu tempo, entender suas implicações ideológicas e, last /11I./1101
l_ t}T\.;;los portugueses I 11 ambição de arquitetar o futuro, de s~jeitar o pIo- least, considerar corn mais cuidado as evidências em[)íricas e as
:;~::~~;;:;:tíhgênciashumanas. Restava, sem dúvida, uma forç~ suficienternen- 20. Stuart Schwarrz, ':0 país do presente", entrevista it veja, n" 1594, 21·de abril de
1999: "Gilberto Preyre [oi 11m raro .otimista deste século. Havia nos anos r 19J30
':~:fi>:t~poderosa e arraigada nos corações para imprimir coesão e sentido
um pessimismo racial que dizia que a miscigenação era urna coisa negativa.
e ;i;~:?~spiritual à simples ambição de riquezas." Gilberto Freyre dizia que não, que a mistura era positiva. Repare que de sempre
.': o:: ~.:
e foi um autor festejado mas nào fez discípulos. Viveu e morreu isolado" Com ',.
;!;;:;(~ómo ocorreria alguns anos depois Da obra de Caio Prado [r., modificações, a entrevista foidep,ois )Jublic<lda:cOLno artigo: id., "Gilberto Ereyre
e a história colonial: lima visão otimista elo Brasil" in Joaquim Falcão c Rosa
e ~t(r;r~tação
, . ~. .' . ,
de Sérgio Buarque de Holancla é rnarcada pelo tom
Maria Barbosa de Araújo (orgs.), O [mperador das idéias, Rio de Janeiro, Top ..
Ia
books, 2001, pp. 102-20; Gilberto Freyre, Casa-grande & senzala, org. de
1; \~é~~O'BUarqUe de Holanda, Raizes do Brasil, 9' cd., Rio de Ianeiro.Iosé ÓlYl11- Guillermo Giucci et al., Paris, AIJca xx, 2002, pp. 909-1. Para lima interprctaçae,
),
:;~Wi.976,·p. 83. Para as citações anteriores, ver pp: 62, 64 e 82. matizada da obra de Frcyre, especialmente Casa-grande &- senzala, ver Ricardo
.
iii!9.:'I5id:
~:~
.' : .
,p.
,,-
83 . Benzaquém de Araújo, Guerra e paz. Cma-grande & senzala e {/obra de Gilberto
Freyre 110.1 anos 30, 2' edição, São Paulo, Ed. 34, 2005. . .
40
.~ituações particulares, já que, como observou E. P. Thompson em
![6rmwação consagrada, a história é <l c1isci pl ina do contexto."
tível originalidade, Trato dos viventes inspira-se no clássico de
Charles Boxer, Salvaâ~r de Sá e a luta pelo Brasil eAl1gol~, e a reper-
.cussão que alcançou serviu também para relernbrar a Importân-
fMPÉRlO
cia desse grande historiador britânico do império luso, recente-
mente falecido.
Na última década, intensificou-se no Brasil o interesse peja
;~stÓria.do império português e da administração colonial. Talvez
Boxer vinha sendo presença cada ve~ mais Ircqüen te nu
.'.o.sedeva em parte à expansão elos programas de pós-graduação bibliografia das' teses sobre.irrnandadese câma.ras ~\U.lli~ip<1~s,c a
àprosaica necessidade de escolher temas de pesquisa, mas o sua conhecida teoria da importância dessas lDstJt\:llÇ.o~s como
.;11[0 XVII, passou a constituir um sistema próprio dentro do Prado J r., considerara a reprodução de instituições metropolitanas
,
nas colônias como elemento positivo e fecundo, capaz de assegu- .r
-"perio português. De modo mais 0).1 menos incisivo, vários tra-
:@i9~começaram a veicular essa idéia, e se O trato dos viventes rar a existência do império português por tempo tão longo: ,.•...
f,
y
"::,$~va,Manolo Florentino, Marina de Mello e Souza." Alencastro Maranhão até Macau. Ela~ garantiam wna continuidade qu~ os
.,m,afirmado ser impossível compteender o Brasil como expres- governadores, os bispos e os magistrados transitórios não pod~al11
")0 peculiar dentro do Império, impondo-se a comparação com assegurar. Seu S membros provinham
'. de estratos sociais idênticos
. .
~s.outr(lsp(lrtes, inclusive as.do Orien.te." Malgrado Sua indiscn- ou semelhantes e constituíam, até certo ponto, elites coloniais, Um
:~:.~. '.' . "
::,~:~:.:E.~,Th'ompsol1, "L'<\ntropologia e Ia disciplina de! contesto", in id., Società trará como os portugueses reagiram às diferentes condições SOClalS
'i~t1iízia, culturaplebea, Turim, Einaudi, 1981;pp. 251.71.
que encontraram na A·fric:
l Câ , na Ásia
. e na..América, . medida.
e em que
·~2.Alherto da Costa c Silva, Um Rio chamado A tlrlllNCO _ a Afriw no Brasil e o
conseguiram transplantar essas instituições metropolitanas para
$tali/l1aAfrica, Rio de Janeiro, Nova FrOI! teira, 2003; id .. Francisco Félix de Souza,
iIft.úcoCtor.d·eescruvos, Rio de Jal1~iru, Educrj/Nol'a Fronteira, 200'1; ~1anoJo I'lo- meios exóticos e adaptá-Ias com êxito .. ,
. jJJjo;~m.costas negras--·1./l11a história du trdficode escraV05 entrea Africa e o Rio
. jáneii:o (sééu/osXVIJJ eXrX), São Paulo, Companhia das Letras, 1997; Marina Além de apelar para a necessidade da comparação, conectan-
.Q'eMello e Souza, Reis negros no Brasil esctavism - história da festa de coroaçiio de
~êipmgo, Belo Horizonte, UFMG,2002, do histórias espacialmente distintas.Boxer não se esquecia de uma
,i
I
- ._-_._--_._---,-----------.
:~;lt>~:. 2R. Em comunicação ainda inédita, Maria Feruanda Bicalho destacou essa asso-
;;;~6,:l4-,Boxcr, O império marltimo português ..., p. 286, ciação. Cf. "Historicgrafia e Império", comunicação feita no sirnpósio "O gover- .~s
.
~'~,t'~s; lbid., p, 299. no dos povos", Parary, l' de setembro, 2005.
'29, A. j, R. Russell Wood, "Gover nantes e agentes": Fra ncisco Bethencourt, "A
;(i6:..CarlosMalbeiro Dias, Hisioria da
colonizaçt1o pOT'tugucsb do Br~sii, Porto,
América portuguesa", in Francisco Berhencourt c Kirti Chaudhur i (orgs.),
j~;~itQgra~a Nacional, 1921, 1.923, 1924,3 vols.
I listária da expa/lSãO port/.Igtlcsa. O Brasilrla b(/{{/n~(/ do Império (I (,97, IH08), Lis-
boa, Círculo de Leirores. 1999, respectivamente, pp. I(i9-92, 221\-49, vol, 111.
. .
43
44
,...,...,....----_._------------------ ...•. ...~,. "
.
- .-
":~$ell:';WQod deixa vislumbrar a presença da matriz explicativa situações específicas impunham a flexibilidade na "interpretação
(2;aii?.Prado Ir.Ao insistir, contuclo,sobre o aspecto sistêmico da das ordens ou decretos metropolitanos". Sem cxplicitá-lo desta
;:c:~~itralização administrativa e as numerosas atribuições e res- m~neira, Russell-Wood sugere a existência de um eixo vertical que,
"sabJl~dades do "homem no local" remete a outro paradigma de Macau a Minas Gerais, permitiaaos colonos tornarem suas
'çativo, tributário dos estudos de lack P.Greene, como se verá vozes auclíveis junto ao centro decisório de) 'p?r.ler (Lisboa), bem
. '
{
~?t~,;col1Sideravelmente popular entre os estudos mais recen-: como de um eixo hor izontalpassível, no plano local, de aproximá-
~~pbréo assunto." los dos agentes e governa-ntes,n Corn base erri'seu capítu~o-;-épossí-.--~-v------I
.Russell- Wood fornece importantes subsídios para se detectar vel concluir-que a eficácia 'c duração do império português decor-
:':'~$-Pectofundamental, ainda mais explícito no capítulo de reram da combinação desses dois eixos.
,}hencourt: as lógicas próprias do sistema adrnmistrativo do O capitulo de Bethencourt preocupa-se de modo mais explí- ,
'·J~.~rio" Isso fica evidente q uando mostra que a duração dos cito com a análise de um sistema administrativo, e aí reside sua -;
f"
,,,.':·,·)n05 era mais ou menos uniforme, ocorrendo certa flutuação maior contribuição, Destacando, de início, a conflitualidadc cons-
~:~,:<:!9tejoentrea Índia e o Brasil; ou que havia "qualidades desejá- tante das colônias portuguesas na Amé rica, passa a analisar a orga-
.*;~!J.\lD:lv~ce-rei,capitão-geral ou governador", capazes ele nor- nização que permitiu enfrentar essa situação, e desvenda suas lógi- .
::~i~,:.~-escolha para o cargo ~ tais corno sangue nobre, pertenci- cas de modo mais sistemático que Russell- Wood! Analisando.os
·m,~n~oaredes familiares, idade madura, exper icncia militar. Não é comportamentos e decisõe,~ mctropolitan'as ante as diferentes
',::~~pecto sistêrnico, n~1ll essa lúgica específica, contudo, que capitanias, mostra corno a estrutura administrativa e organiza cio-
is.mobilizarn Russell- Woocl, mas a atuação dos agen tes locais e, na! respondia a conjunturas históricas c a necessidades específicas,
. ~.C;lI?àcidade de flexibilizarem o sistema', "Urna história insti- .alterando-se quando necessário." O exame dos cargos, por sua-vez, ::."
:.
}1I~aldo império ultramarino português" afirma, poderia dar indica haver os qve eram patrirnonializáveis c os que não o eram,
:,.,..,:,·pres~ão de que el: cru muito centralizado e que "existiam Aqui, cabe ressalvar que a questão é polêmica: trabalhos mais
::~4'eiàs.de comando e áreas de jurisdição bem definidas, de acordo recentes indicam a generalização da venda clec,argos em todo o
::.~~Osregimentos e instruções entregues aos vic~-reis, governa- Império, incluindo-se a América portuguesa."
I':..':',::
.~ :<" •.
",:3d,,;itussdJ-Wood, "Govcnia(1tcs".:', pp. 169-72, sobretudo ).l. 171. Iack P.Grcene, 31. Russell-wood, "Governantes..", p. 192.
..:;~~gp,t1.~(edauthoruies. Essays in colo/'li(ll,politicul and constitutionnl history, Char 32. Bethencourt, "A América portuguesa'; p. 241.
)ottesvilJe. Londres University Press ofVirginia, 1994. 33.Ibid"p. Olival," Pagamentos ele ;cr~
247. Para posições distintas, ver: Fernanda
~;.. .
viços e formas de comunicação entre o império português e a metrópole (século
xvu)'; exemplar datiloscriro, 2004; id., As ordens militares e oEstaâo moderno-
45
::i
·. _ .. _ ... _-_ __
.. ..... _ __ ._-- ------------'----_._--..-
..
--_._-_._-------,.-------~------
~j;;::., ,', . .
;::',I:Outro aspectr, importante do capítulo de Bethencourt éo
::~dbem indicar no que a comparação entre a América por-
5sa e a Américil espanhola pode trazer benefícios para a aná-
trole. Na India, ao contrário, () "iSUI dI' ,,(' I'dOI\;1I'l:1l1 ;1., solidarie-
50
1, :,~~fustituci0Ilais de onde o poder pode ser construido" como
ia >si~a:fragili~ade do poder central, é a desco nsideração de século xvm.para a História dePortugal dirigida por José Mattoso,
1- :ó:fiine ao cabo, tudo se fazia em nome do rei e de Portugal. "
o UlllCO caplít U·.10. que dedicou ao Jmpério~
.
"Os poderes num
tO i
. h~entes Mopteiro deixou claro qual era o processo de cons- império oceânico" ~ é curtíssimo, o que na época provocou cer:a
ia .da,jmagem real na ausência do rei, a autoridade régia sendo estranheza devido ao fato de o Hrasil ser, conforme
exp,ressao
z; .
.t-á8~c~mo
'.
elemento mantenedor da ordem na América ) con h eo id a, a "vaca de leite" de DOl~
João v, De modo'
resu,mido,
Ia '-"'à:dadoque temida" e, ao mesmo tempo, capaz de preser- Hespanha reiterava ali a teoria da estrutura polisinodal, svgerin-
as .~: ridade territorial da América portuguesa:" Hespanha do que alógica do império português se assentava 113 "modular~-
io ~~'tazãoao s~stentar que o Império não era "centrado, diri- dade das parles componentes e sobre a economm dos custos poli-
a- ,{lii'e:nadoun~ateralmellte pela metrópole", mas não conse- ticos da administração dos territórios". O último período do
Ll- \it-ÚÚi ver.ir fundo na análise elas peculiaridades do poder capítulo reforça o sentimento de que oimpério de suas cogitações
,er , undo distinto do nosso, caindo, por isso, na própria arma- era sobretudo, o oriental:
,~ei'como ensinou, a anatomia do poder era, então, distinta
.. 'je, nem por isso havia "ausência do Estado", mas um Além do'mais, esta ecol~omia da ocupação territorial (com excepção
ter
01.-
.. rnque as racionalidades eram outras, O Estado esteve
.' ivelmente presente na colonização e na adrninistracão das
do Bl'asil e, muito mais tarde, da África) explica ainda o relativo
igualitarismo das relações raciais 110 império orienta:: pois, no \
cr-
as
;;~?~sultramarinas: o que se deve perscrutar é a expre~são e a
.:-<l:essa
presença, pois podem, constantemente, nos iludir. Se
'efa:, corno afirma o autor, uma sociedade de Antigo Regime,
,:i"?'Priç. essência, assentada na h icrrnquia e no privilégio,
Oriente, os contacros permanentes
51
:adapara a revisão daquilo que se convencionou chamar de
',O'n1oderno- tem por objeto as manifestações eminentemen- dl'~llWI\I,() dclnl,lli nunte na questão, os irnpasses sofridos pelo Estado
",opéiáS do fenômeno, O que lhcs interessa, muitas vezes na nncio na111:1 J :,11J'nf);l de Imjt' nju d8 m :1 entender a voga desses estudos,
ciência de análisl;!s jurídicas tributárias dos escritos de O tto i 1li('1IS1,,'Ssobl'rl tido 0111n: () i I1k i(l dil dl'Cldil dei \)7{) t! a de 11J1J(), e que,
er"é evidenciar a indistitJ<r~o entre público e privado própria na sua versar» r.ul i\iil
111: 11.<; " I,(,s 'I1H)( kruu, i 1\\plotlel 1\ ,I própria pos-
, i:lp do Antigo Regime, bem como as especificiclades de urna sibilidade de cx i,~ll'I Icia d\' lIlll I':~ilild()ilbsollllo, solapando o "para-
'.:~Çáos~ciales,tamentalcc()rp()ratiYa," Na Itália, onde a discus- , digma estatalista" c cnlilli'/,ilJldu "os elementos não absolutistas do
~8l'c::o;Estaclo,alcançou IIm de seus ápices nos estudos de Fe- absolutismo'l=Nessa vertente, sequer cabe o conceito mais genérico
a
,l1 bod," o assllntoconti.nua na ordem do dia, girando em de um "Estado moderno", "brilhante construção historiogrãfica for-
,p'~rplexidade quanto ao rato de os italianos terem organiza- 'jada pela necessidade de legitirnação ele uma burguesia eUfopéia
,erno"momento ideal egcnélico" dos Principados,scm con- nem sempre revol ucionária e q uasc sempre nacionalista"," A pecu-
,~óliuzi.rem''formaçôcs monárquú;as absolutistas" Sem ser liaridade do cenário italiano fornece, mais u ma vez, munição para
.. ' ".. .
o-debute: I.. Milllllori OP()t! il,idéi:1 de, um "lI,slado- ..arena" -- em que
",l/p'arte da obra do austríaco Otto brunncr ,~tencontra em alemão, A
se hllSGI hill'I))()l1i>':II' "
il 111()l1il,l"'!lIi;1
-
udministrntiv»
,., ,
c il sociedade de
',~?h:é, talvez, data de 1939 e se acha traJuzida em italiano e inglês, Ver
t'()J'jlm p!ll' IIlt'i() tI;1 vigil;IIICi<l(OIlI(II\I<I ollllH: u (ultíli,tu<ilidildc dos
, ~~r;, Teira e potere, intr. de,P Schicra, Milão, 1983; Land and lordship:
ôf'governance j1'J medieval /vustria; Philaddphia, University of Pennsyl- St Ijei t os ,h (I<-" i ,:stildn 'I)('S,~();)", [liltl t :,d,~ n:1 concepção de absolu-
s~; l~92, Sobre a influência do autor na hisloriografia poiítica do pós- iism». ['<Itil ,'k, i\ 11()~i\(' ,I:\ssica dL' LsJ.ado moderno tende a se res-
,t611 1(') Manuel Hcspanha avali» que foi grande,sobretudo na Alcman hn i· .
{'
(ri llt\ i r: "Mot lcrno éilJ 1(' 11;1"(] I~slildl) doi :ldo de vocação para proje-
ate a~ha'paradox<ll que tenha incídido menos sobre a historiogrilfia con- ! tar; mudemo é ilpl'llil~ () ,1\Slildo-adn1inistr;lllor contemporâneo'."
~ema'is sobre "historiadores críticos em relação aos modelos políticos I
ldos~,qu,ese encontravam com Dru nner na sua crítica implJcita ao para- Nessa discussão),,) cxistéucin de r:,sLllIos 1'11111 impériox coloniais
"ltl,9crátJco"reprcsentativo", Hespanha reconhece t.ratar-se de u m "estra-
,enio, típico da nova vagJ de historiadores do poder e do direito dos 50, Aurélio Musi, "Umassolutismo pr~riforll1alorc?'; in Cit"li,/ dei lIic'crc, ,,'iutc-
,,' taJdo século xx]', a cavaleiro de influénci8s rnar xistas e ~io~ escritos de gmúolle r resi5terl2Q nel si5Ie/t/n sp agnuoto, 2' eu" Salcrno, Avagtiuuu, 200 I, PI',
,;~r,;."insPJIados'por uma visão polítka muito conservadorn" Cf Hespanha, 223-4,\, (ita~ãf.l à p. 234, Alguns exemplos dessa historiogr afia: L. Blanco, "Note
~Ne'Rcrerca do Estado moderno" INurki/lj;
"iy'ersi<l~de Nova de Lisboa, 1999, p. 5,
Popeis, ri' 1, Paculdade de Direi- sulla piú recente storiogrufia in terna di 'Stato moderno", in Storiaamministra- I
ziane costitllziotJe.Annal~ ISAi' 2, 1994, pp, 259-97; C. }, Hcr nando Sanchez,
tudci"Esiste un Estado dei Rc.naômicnto!': ;nas também toda a terceira ' "Repensar el poder, Estado, C()rt~ y Monarquia Católica en Ia hisroriografia ita-
Escritos sobre el Rcnacimimco, denominada "ias origenes dei Estado liana", in Diezanos de ';'ist'OT'iografia t/wderniJw, Bellaterra, Universitat Autonorna
;;YÇf, Fcderico'Chabod, Esrri tos sobre cl Re;Jaci miCrI to, México, Fendo de de Barcelona, 1997, pp, 103-39; Elcn'a Fasano Guarini, "'Etat Modcrne' et anciens
llcon6mica, 1990, pp, 523-93,
éta 15 italiens: élérncnts d'Histoirccomparée'; Revuc d' Histoirc moderne et contem-
Aeblng~lo Schiera, "Lcgitimità, disciplina, istituzioni: tre presupposti per poraine, n' 45,1998, pp, 15-41. '
:~dcll~ Staro moderno'; in G, Chittolini, A, Molho e P Schiera (orgs.), 51, P, Fernánde:LAlbala<iejo, Fragmentos de MOt'lfJrquirl, '/falia)().' ri" /-lisi"t'irll/o/f
,:",ella,,l,taro, Ptocessi di [orma zione statale in ltnlia [ra Medioevo ed età tica; Madri.Alianza, 1992,
,~~'BoloÍlha, Il Muliuo, 1994, Ciusq.'pe Perrnlia, '''S,laro' c 'mocler rio' in 52, Comentário de Aurélio Musi ao livro de Man nori, /I suvraru»! I,for/'" /'lumlist'J//I
:..""anelf(hascimcnto", Storica, n' 8,1997, pj.l, 7-48, , istituzionale e accentramento fJ/Illl1Í1,istmtivo lIel Principato dei Mediei (s/'es, X IIJ.
'~:'~
.:
53
54
. )~,ptoduÇãO) hierarquia social, confli tualidnde, exercíci o do
t •
·/v~tudoteve, no Brasil, que se medir com o escravismo. Adrni-
"i·uma sociedade composta predominantemente por brancos
mais importantes que tenham sido as análises sobre as teorias con- iá.amesma coisa que fazê-Io quando o contingente escravo
tratualistas subiacentes à constituição do poder político na Época ..··e~ai:- como chegava em algumas regiões - a 50% da
; Moderna," o mundo das colônias -- e aqui, lembrem-se as ressal- -O: Mesmo que a lei vigente na primeira -- a européia, a
r.:
vas feitas por Caio' Prado Ir. - não pode ser visto predominante- ,.,Titana ou ambas-- fosse igual à que se tinha para a segunda.
mente pela ótica da norma, ela teoria ou da lei, qlle 11111il·'ISV<'I.\'S :~W:tU:â.o
isto, parece-me que os pressupostos teóricos abraça-
permanecia letra morta e outras tantas se inviahil iZ<lva,1I1!e a C()lll . bt Antonio Manuel Hespanha funcionam bem no estudo do
plexidade c a dinâmica das situações espccíJ.ic;l:;. I\li,\s, 1);11",1 uru.t ·~osp'ortuguês, mas deixam a desejar quando aplicados ao
das maiores expressões do pensamento político, Sl'<lUl'!" () 111lllld" '··'od·o Império setecentista em geral, c das terras brasílicas
do Antigo Regime poderia ser visto sob tal ótica: caracrcriza mio-o ··ecífico.Olhar para os estudos sobre.o Império espanhol tal-
por "uma regra rígida" e "uma prática flácida" Aléx is d\' Toe- . ssa.rnais uma vez, trazer benefícios: se ali, até os Bourbon,
queville ensinou: "Quem quisesse julgar o governo daquele tempo ·:,al1tesum sistema imperiaique um Império." a Restauração
pelo conjunto de suas leis incorreria nos erros os mais ridículos"." ·ortugal da égide dos Austrias e impôs desenho novo, Ao
Em terceiro lugar, mas nem por isso menos importante, porque ··:~empo,a Europa pós-WestfáÚa tornava-se crescentemen-
.,. a América portuguesa se assentou na escravidão. Durante cem anos .i,ipolar e atropelava, no percurso, o p~queno Portugal." A
, no mínimo, de Joaquim Nahuco a Florestan Fernandes e Fernando
t Novais, os historiadores e pensadores brasileiros chamaram atenção :I:LElliott, o relativo sucesso do sistema imperial dos Habsburgo residi-
Ngáçâo de um governo regional efetivà e de urna centralização elevada
para o fato de o Brasil ler tido urna sociedade escravista." Leis, rela-
,pótenc1a. Cf. Imperial Spain, Londres, 1~63. Já Ceoffrey Parker sugeriu
,i~:f:elações entre as diferentes políticas regionais dos Habsburgo. Cf. The
.' áiiâers ó.nd theSpa/1ish'Road -1567-1659. Tlie lcgistics ofSpanish vrc-
culiuru en Ia cdlldrnorlaria, Madri, Centro de Estudios Constitucionales, 1993, p. :'defeáti/I the Low Countries' war, Cambridge, lY72. Sigo neste tocante as
176. .~e$;:dé Musi, "L'Italia ncl sistema irnpcriale spagnuolo', in L'Italia dei
°
57. Para Portugal, o trabalho decisivo, neste sentido, é de Luís Reis TorgaJ, Ideo- i?p!13iIS.
logia polftica e teoria do ESfado lia Restauraçüo, Coirnbra, Biblioteca Geral da Uni- ··~dibde Europa rnultipolar se opõe ao da "balança de puderes" e ao das
versidade, 1981,2 vois. .,.,n.iã.~.!'!Stistcntaque se formaram, então, três pólos: um rneditcrrànico,
58. De 'Iccqucvillc, "Les moeurs adrninistr atives sous l'Ancien Régime", in id., .'c;;~.·'.·Ça!ÍQcentro.um pólo centro-europeu, cujo coração é a Inglaterra, mas
J..'Ancien Régimc er Ia RévolutioJ1, Paris, Flamrnarion, 1988, livro n, capo VI, p. 160 . ;7f~~i!l'~·ériergência do Brandernburgo/Prússia e, pur fim, um pólo que,no
..•..
~~
. Comentando esta passagem, diz Puret: "[Tocqueville] viu-se diante do dilema r,$avlta'em torno da Suécia e da Rússia. Esse sistema constituído por vários
bem conhecido de todos os historiadores do Antigo Regime: no alto, a rninúcia Ç!jj)liflnêriciaformou-se no bojo da crise do sistema imperial espanhol que,
extraordinária na regulamentação de tudo; em baixo, desobediência crônica". ··.é:ij.:até ogoverno do Conde-Duque de Olivares.rcpresentcu "não apenas
Prançois Furet, Penser Ia Révolution [rançaise, nova edição revista c corrigida, ,.:efo·'de·organização interna de urna formação 'política su pra-esrarai c
Paris, Gailimard,.J983, p. 186. )i"<;i~naljcomo também um centro em lama do qualgravitou toda a políti-
59, Joaquim Nabuco, O abolicionisnlo - discurses c conferências abolicionista5,
São Paulo, Instituto Progresso Editorial, 1949; Plorestan Fernandes, "A sociedade
escravista no Brasil", in id., Circuiro feclj(ldo, São Paulo, 1976. Fernando Novais, 57
Portugal e Brasil lia crise do antigo sistema colonial, 550 Paulo, Hucitec, 1979.
o',,:
':;w,Can1!;ntc, outros historiadores que trataram do Brasil no
"~9rtugllês em chave analítica mais estrutural, como Ken-
, _' ell, nem seq ucr são mencionados.lsso não invalida, por
'relativa autonomia das partes, efetiva no sistema espanhol, foi
~rav~ualidadedas análises ali presentes, que trazem questões
assim sendo substituída por controle maior: a culminância Jo
.,.ç,nteressantes e, sobretudo, exibem magníficas contribui-
processo Foio Consulado pombalino.
. ]:Hricas.O cuidado com a pesquisa documental e a utiliza •.
dos arquivísticos até agora pouco freqüentados talvez
- jaliás, o ponto alto do livro. O mesmo destaque não pode
o PROOLEMA DO ANTIGO REGIME
,,:>a:oaspecto mais conceitual, que-contudo se apresenta
WSpj os próprios autores considerando o livro "fruto de uma
Na coletânea organizada. por Fragoso, Bicalho e Gouvcia - ()
,'~d,Y~historiográficainovadora".64 Além de formulações
Antigo Regime nos trôpicos-«. a atração por trabalhos que, como o
::~pr.e·cla'raso suficiente, como' economia do bem comum e '
-de Antonio. Manuel Hespanha, minimizarn o alcance do Estado 'tflii:(polítlca de privilégios'5 ~ contaminadas, talvez, por uma
'.'soma-se a-um relativo abandono da problemática da escravidão
i.: .
enquanto elemento constitutivo da sociedade luso-americana no OS'o,Bicalho e Gouveia, "Introdução", in ido (orgs.), O Antigo regime 1/05
século .x'V][].62 O poder local, as redes clientelares, os arranjos infor- ,;,'p: 21. A mesma crença no potencial inovado!' do grupo revela-se em
i'\;u:ado Brasil colonial- bases da materialidade e da governabilídade do
'mais, os "bandos" -- para citar expressão cara a Fragoso em vários'
}PeÍiél~pe,n' 23, Oeiras, Celta Editora, 2000, pp. 67 -8~, que conclui, à p.
de seus trabalhos --, a capacidade de negociação direta com a »procurou abordar alguns aspectos-e- econômicos e adm inistrativos
Corte dissolvem amarrações que, por muito tempo, se acreditou " -Colónia, a partir de um novo enfoque; qual seja, apreende-Ia [sic]
sustentarem a estrutura do mundo colonial - entre elas, o escra- ,R':~:artecomponente do Império ultramarinoportugués, enfati;.ando as
.:p,~Uticasdo Antigo Regime". '
vismc, ou seja, o sistema complexo que articulava as relações !õ'ilt,o escrito, João Fragoso explica mais detidamente o que entende por
sociai.~ naquela formação histórica." Sendo também autor do ....ià.do bem comum: "Um outro lado da questão, é que tanto o Senado da
:~'~Coróa (como cabeças da República) retiravam do mercado e da livre
livro, Hespanha é, nele, o campeão das referências ali presentes: a
..·;~cii!:'hens e serviços indispensáveis ao público, passando a ter sobre eles
,bibliogpfia arrola vinte trabalhos diferentes de sua autoria. Sin- ,'!ii~{aagestão. Em outras palavras, entremeando c interferindo nas lavou-
".&ctO.e'attesanato dos moradores dos conselhos/súditos do rei teríamos,
,:gd:Regime português, um conjunto de bens e serviços que poderiam ser
ca internacional" Musi, "L'evoluzione polítiro-costituzionalc dcll'ltalia nell'Eu- tt;.aospelo nome.d~ economia do, bem comum, ou de economia da
ropa multipolare'; in L'Ita/ia dei vlreré ... , pp. 207-23, citação à p. 211. 'uc~~'.João'Fragos~, "Ariobreza da República: notas sobre a formação da pri-
,.
62. Em escrito posterior, Maria I'crnanda Bicalho matizou sua posição pessoal: 'elitesenhorial do Rio de Janeiro (séculos XVI e XV)!)", Topoi, n° I, Rio de
"No entantu,o que a colônia, no Gl$O do Brasil, ou o império atlântico português o;.7.letras; 2000, pp. 45-122, citação ~ p. 94. Se, conforme o trecho citado, a
possuíam de especifico _... c que dotava igualmente suas elites de uma singulari- ádep~;ece tender a um jogo econômico livre c auto- regulado, o Senado e o
dade em relação às elites européias do Antigo Rq~in1e - era o fito de terem-se 1.
punham o monopólio. Seria possível talsituação anres do liberalismo eco-
gerado numa sociedade escravista, que se gerou por sua vez na dinâmica do tráfi- ~ico1 Cf. Eli F. Heckshcr, La rpnca mercantilista, México, Fouclo de Cultura
co negreiro", "Elites coloniais: ,I rW!Jfew da terra c o governo das conquistas", in
Nuno G. F. Monteiro e: al., O{JlilllO 1'",·s ... , pp. 73-97, citação nesta última página.
59
63, Cf. Fernando Novais, Povtuga! e I3rasil Mn crise do ... , op. cit., passirn.
-ca ",Antigo Regime nos trópicos, porque eles têm se manifesta-o
. ,0- '~I?em outras interpretações sobre política e administra-
imprecisão do próprio Hespanha, a economia do do/ti, que desloca
as " eu-ver, implicam alguns equívocos que cabe evitar ou,
a análise feita por Mauss com base sobretudo num mundo desmo-
de ,: es, discutir. Realimentados pela perspectiva analítica de
netarizado e a lança no universo do capitalismo nascente -, as
ise :'Manuel Hespanha, esses pressupostos retomam, aliás,
diferenças entre metrópole e colônia são irrelevantcx il pon to de
'no
,justificarem a abordagem da América portugucsa L'.lIIlHl quase ,quejá vinha se esboçando entre nós, e conforme a qual
uma versão tropical do Antigo Regime europeu. Se nuo, como \Estado e o antagonismo dos interesses de colonos e rei-
se
explicar o título? ~,:);iam.diminuídos. Tornando corno exemplo a historio-
'ra,
Em que pese a importância do estabelecimento dl' n'la~'()es c '.Fb~~Mjnas Gerais, com a qual tenho maior familiaridade,
.na
ela comparação na análise dos fenômenos hisróricox.« l l istó riu, ,ç'"ap,óso peso considerável dado ao controle da Coroa
Ias
como lembrou Thompson na passagem já invocado, C';I d j.~dpJiuu :'imandades religiosas -'penso em Os leigos e o poder, de
1<1-
,do contexto, a indistinção sendo, conseqüentemente, \I r11:1 de :~1I{\~ '\"'Boschi -, ou ao .dcsraque que eu mesma conferi aos
irn
maiores ameaças. Não me parece que a questão seja, C(1Il111 assi 1111 ' tes do poder enquanto agentes que intensificavam os
16-
laram os autores de O Amigo Regime 7l0S trópicos, romper "Ç(}Jl1 "dêsclassificadores, J únia Ferreira Furtado procurou des-
-se
uma visão dualista e contraditória das relações mctrópolc-coló ,1újeíçào do Distrito Diamantino ao poder real-- em O
)11-
nia", mesmo porque a contradição, enquanto princípio, define-se "ilpal'erde- e valorizar as redes de solidariedade que for-
ou ~. . .
como a antítese do dualisrno. Em situação colonial, onde as con-
,"ia:tuação dos comerciantes e, de certa forma, os autono-
tradições são, particularmente exacerbadas, a convergência ou
:'~","teo controle estatal da economia - em Homens de negó-
coincidência de práticas e interesses é não raro antes forma que
or- ',sanas 1990, po rtanto, foi se deli neando tendência oposta
conteúdo.
inara nos vinte anos anteriores," e na qual o papel do
t. importante tentar compreender os pressupostos que nor-
60
>~hfasedada ao poder local. à autonomia crescente das
tom relação ao centro, na busca dos interstícios que pos-
::~anegação do poder,enfeixado a partir da metrópole,
Estado foi, em certos aspectos, hipertrofiado: reação, portanto,
sal u lar e com preensível."
:9uiloique [ack P. Greene qualifico u de";utoridadesnego-
tempo depois-- seu livro foi publicado em 1856 _, Tocqueville t~constitutivodo Antigo Regime: "O Antigo Regime
.pôde ver além: o An tigo Regime era algo comum a toda a Europa, e fmada autoridade: poder centralarbitrár io/indiví-
sua ruína mostrava-se geral: "não S3.0 homens diferentes, são, por :;,partir da qual se moldarão as instituições revolucio-
que aFu;et, a essên~ia do Estado do Antigo Regime é J us-
toda parte, praticamente os mesmos homens". O que entrava em
crise era, portanto, um' verdadeiro sistema, o do Antizo Regime que
' o l.. )
·"iens, O Ancíen Régill1e, Lisboa, Verbo, 1967, p. 9.l\·1.arc Fumaroli,
ele se propunha compreender."
··parlait[rançais, Paris, De Pallois, 2001. É vasta a produção sobre a
, . Entre os historiadores, 13ehrens considerou que o Antigo . edo seu empenho em se ver como unidade. A título de exemplo, ver
Regime correspondeu ao período no qual a Europa foi dominada ~
.r
". 6d,$19riadel1'idead'Ellropa [J 961 l.Rorna.Laterzu, t 995; Lo specchio
1()!\ Jin~lagine P-immagi/)Çlrio di U/I cont irlen te, Rirnini, li Cerchio, 1999;
73. Citado por Tocqueville, L'Ancien Régime et Ia Révolutiol1, livro I, capo 2, p. 104.
;Iilll ~ri'(brg.), The idea oiliurope-« [romAntiquityto lhe European Union,
''''nCcnter Press e CarnbridgcUniversity Press, 2002; Robert Darn-
74 ..•Id., "Cornm enr presque toute I'Europi- avait précisémentles mêrnes instíru-
~dltÉur~pa: cultura e civilidade", in id., o; rlwtes falsos de George
tions et cornment ccs institlltions tombaient eu ruine partout", in L'Al1cien
rcvo- '.ã~;p~uio;~mpanhia das Letras, 2005, pp. 91-101.
Regime ... , livro I, cap, rv, p. 111. No "Avanl-Propos': Tocquevüíe escreve.a passa-
cstu- - ::i1éloriiQ "Préface" a Tocqueville, L'Ancien Regime ..., p. 25.
:" . gem freqUentemente citada." Este livro que publico não ~ uma história da revo-
·..~d..j~R~olution [mnçaísc .... p.iS?. Cabe lembrar que Puret, cornu-
lUÇãO, o que foi feito CO.!l1 brilho suficiente para que eu almeje refazê-Ia; é um estu-
do sobre.essa revoll1çã~", op. ci t., p. 87.
..~:v.-:!.,!'~';,;",,::," '., ~.:.' .. ._-
- ~_.
.•... .
.
~.' .
. 9i:ti!ria ela sido "pienarnenr-" recriada f I
;,:;.". . _.- na o r ma c a escra-
~:afnc~nos-apenas nocontexto de sociedades européias
tarnente li 5\1 pressão dos poderes concorrcn tes: ','Amonarquia abso-
.:'.Reglme que, ademais, tinham colôn.ias - Portugal,
luta não é senão essa vitória cio poder central sobre as autoridades
.1trança Holandá
.:~.:'.,
.. _' .
I 1t
,ng a erra -~., e não em outras _
locais", di/ .. 7
tradicionais dos senhores e das comunidades " \ Jc falo,
~sla, Rússia, Polônia? Em outros termos: seria histori-
Tocquevillc acreditava que o Antigo Regime I"r,ll\ds havia CllIlSl'·
. q uecedor considerar eq uivalentes o u até iguais as lógí-
guido levar a cabo a centralização adrnin istr.uivu, ",I (1IIi(·'1 pa rte du
. sde Portugal, Espanha e suas colônias, por'um l<Jdo~e
constituição política" ela época capaz de sobreviver ü Rcvoluçno,
.:,.~~ Prússia e da Ausrria -:-cste país, indiscutjvelme~~
por ser a única compatível com o novo Estado social então criado." ,.1S tIpIcamente Ancien Régimeda Europa?
Esbater o papel do Estado, valorizando os poderes interme-
.;)~emi~ propor o ab~ndono do conceito de Anügo..v
diários, e rnan ter, sem nuances, a designação de Antigo Regime sacredIto que, ao u til'rza-
'1 0, deve-se ter clareza quanto
:/... ..
para um ~undo que, como o luso-americano, não conheceu o feu c.
'.••~.subJa~elltes ao seu uso, e sobretudo quanto à relação
dalisrno, traz portanto problemas consideráveis. Nesse sentido, a as socledadesassin~ qualificadas estabeleceram COm
coletânea que se vem aqui discutindo propõe um Antigo Regime fDas à órbita européia, O que houve nos nossos t1"6- .
i:
i-;
totalmente atípico ao mesmo tempo que afirma a sua tipicidade: ,,;:da, foi uma·:expressão muito peculiar da sociedade
me ,. .
! ele é também atlântico e escravista, já que" [a) escravidão foi uma ;~i; .... europela, que se combinou, conforme análise
I
i.'- instituição plenamente incluída na lógica societár ia do Anli!!.(I r}·de O Antigo regime nos trópicos buscaram progra ma-
I'·
j:
t·
Regime"," De fato, numa sociedade hierarquizada e assentada CI11 }~r,com °escravismo, o capitalismo. comercial, a pro ..
i. ordens que se distinguiam conforme o privilégio, a honra e a esti- .gi! escala de gêneros coloniais - que nunca excluiu a
ma social-v- na Península Ibérica distinguiam-se ~inda pelos esta- .",,'0arnente -, com a ex.istência de uma condição. colo-
tutos de pureza de sal1gLle---·, a escravidão vinha a calhar." Por que, ,..;.'íjl:UItosaspectos e contextos, opunha-se à reino] equ >
s(fúJ .. e,
,/' o :XVIl1, teve ainda de se ver com mecanisllJos de con-
·:fnk6 nem.sempre eficaz c·efetivo, mas que integravam,
nista de formação, migrou para o neolibcralisrno e alvejou, na passagem citada, o ~~"edefimamasrdaçôes~ntre urn e outro lado do Atlân
terror e" vanguarda leninisra revol ucionáriu.
.1VO ~OIDercial. Em. sUJ1'lJa, o en tendÍl,nento da socieda,
78. Ibid., p. [44.
79. Tocqueville, L'Anciell Régime ..., livro 11, capo 2, "Que Ia centralisaticn adrninis ,PReg1.me nos trópicos bl'rjeficia-se quando considera-
rrarivc cst une institution de l'Ancicn Regime, et non pas l'o euvre de Ia Révolu ~~s.relações com o antigo sistema colonial."
-tion ni de l'Ernpire, comrne 01\ Ic dit" pp. 127-36, citação à p. 127.
; '.. .;" . '1'
80. Hebc Mattos, ''A escravidão moderna nos quadros da império português:,
An ligo Regime em perspectiva atlântica", iJ1 Fragoso, Gouveia e Bicalho (orgs.), ( 'd:~·'~ovais,Portugal e Btasi! na crise do alltJ~r;O~is;ema colonial.: Valho-
Antigo Regime nos tropicos, Pi'o 1·1J -62., citação :11'.162. Italico meu. ,,)lalmente, das re[Jexéie.,de Leila !\-(c;:anAlgruntí na aula dada durante
81. Cf. Maria Luiza Tucci Carneiro, Preconceito racial em Portvga! e Brasil Colón; ··.C.'·; . .D d~ Llvre-DocencJa na Unicarnp. ·'Monocultura e diversidade eco ..
1§í:novasVisões da eco norní 1 . I'" . .
- 05 cri,tilo5-lJoyOS r o mito da pureza de SOllgue, Silo Paulo, Perspecliva,"2005 ( .. -:.::<::. mia co orua ,Campmas, 3 de maio, 2002.
edição: Preconcrito raciall~o Brasil Colõ"i" - os crislão.HiOVOS, São Paul,
Brasil iense, l ;/tl3). ;{'i 67
66·
Ao contrário do que se afirma com alguma freqüência, Por- ','1i.etrasbrasílicasintegraramo mundo doAntigoRegime por
tugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial não aborda apenas 'antigo sistema colonial. Enxergar os dois lados do sistema
, questões econômicas-c- o que é objeto sobretudo do capítulo 2, ",frópole e, no caso, as colônias americanas r-r- por meio de
«A crise do antigo sistema colonial" -, mas procura esmiuçar «o ' 't#vàem, que a hornologia tende a dominar enquanto a espe-,
conjunto das relações entre as metrópoles e suas respectivas colô- ~éâcaba circunscrevendo -se ao caráter tropical parece-me
nias, num dadoperíodo da história da colonização"." Na verdade, ;':<nscutível
.. ,.. - ,
e; no limite, perigoso, A idéia: de um Antigo
.O livro é uma história da "política econômica colonial da metró- bdstrópicos ameniza as contradições e privilegia olhares
pole portuguesa, relativa ao Brasil'," e dá grande ênfase às pecu- ";;inclusive no campo da historiografia.
lia.ridades da Ilustração em Portugal, mostrando como os signifi- ':\::seassim O risco de cair no que hoje é engodo e que, no
cados cio movimento na Europa podiam se transformar uma vez ;:",~;ioimesmoideologia, enxerga rido-se a relaçãoentre os
ern solo colonial." Não trata diretamente de questões administra- t~sdemodo análogo a Gianbattista Tiepolo quando pin-
tivas, mas fornece uma perspectiva analítica riquíssima p ara se "o dei palácio dos bispos príncipes dc Wurzburg, Iarníliu
-,'; ."
entender as relações contraditórias entre a metrópole e sua colô- aescasem nenhum contato com navegação e comércio tran-
. ", ~I·:·- . " ' . ~
nia americana, sensível, por um lado, à cspecitlcidade do mundo ,',os,Representando a .Asia, a América.a Africae a Europa,
que se construiu nos trópicos e, por outro, à-sua inextricável liga- ",,' forma que, estando onde ~stiver, o observador s6 pode
1: ,ção com a metrópole e, além dela, com a África e a Europa. adas alegorias em relação à Europa. A figura alegórica
A especificidade da América portuguesa não re~icliu'i1a assi- está sentada num elefante, a África num camelo e a
milação pura e ?imples do mundo do Antigo Regime, mas na sua ai.num crocodilo, ameaçador, lânguido e anfíbio,
, recriação perversa, alimentada pelo tráfico, pelo trabalho escravo ,~ ,
de negros african~ls, pela inuoduçâo, na velha sociedade, de um 'a,Europa está sentada num trono e não num animal, e em vez de
novo elemento, estrutural e não instituciorial: o escravismo, Su- '::'.at~seidentifi~ada por meio dos produtos naturais do continen-
hordinadas à monarquia portuguesa, que entre a Restauração e o 'j "'~'\erepresenta, só eJ~ se encontra rodeada por aquilo que seus'
,período po mbalino tornou-se cresce ntemente centralizadora,
:"\criáram, pelos atributos das artes, da música, da pintura, das'
tendo assim que recriar suas relações com os domínios ultrarnari-
~~'da tecnoJogiada guerra. Além disso, a Europa é o ponto a
63 69
..' igoRegime 1105 trópicos, lança luz sobre o papel desernpe-
cadorias sobre o resto do globo, permanecendo incólume e impo-
'~elolmpério na remuneração elos serviços de funcionários
luta ante qualquer contaminação externa. ,
;.s,~ostranelo que, após a Restauração, quando as vias de
. Os impérios, afinal, se construíram sobr« rcla çfies de dorni-
~;iJ.obreza foram se estreitando, os vice-reinados da India e
nação mas rarnbém de intercâmbio, como frisou Russell-vvood
'fiveram papel nobilitador de destaque, Num trabalho
num trabalho recente."
';Monteiro havia relativizado, talvez ele modo excessivo, o
.' :colônias no enriquecimenlo das casas nobres, mas ulti-
....' tende a concordar que isso ocorreu sobretudo entre os
PERSPECTIV/lS "" I(!I,NOVII<;:;\O
:~tÜtos das grandes casas, para ele os grandes beneficiá-
~·t~inadas carreiras imperiais duran te o século XVllI. 89
Há rn uito que r.l'f.CI'li u.iu! () " <ln<Ílisc da política e da adminis-
iiás contribuições mais substantivas se anuncia em nota
tração nos tempos culoninis. aqui tecida~ têm p_or
único objetivo contribui
t' ;IS JlIIIHll'r'I~·lles
87, Russell- vvood, Ulll Illtlllllu e/r: IliOVi/l1fllf(l. (h portugueses na Africa, Asia e
')~~paço da monarquia", Não foi, a seu ver, o en raizarnen-
América - J 41 )-1 808, Lisboa, Difcl, 1998. . QS;igentes do poder que possibilitou a integração das
1~:~:~:ú<
". '. , .
-
H8. Nuno G,onça IO r.c M (inteiro
- , "Traje crias S1l(i;li, c govcrIlo
. . das .conqursias: .
notas prc I·'Imlnares 'h'50 IC o'" vice-rcis - e <lowrnadorcs-l'<'r;lIs
I.' ' '.. do l\r;I.~11 e da (11.1"1. ':1G~m~a1o'F. Monteiro, O crepúsculo dos gralldes - 1750-1832, Lisboa,
os sé .ulos X.VII e XVIll'~ in Fragoso, Bicalho e Gouvcia, () /lI/ligo lIt'gl/lIr ""~ 11 . ,à,éiónall Casa da Moeda, s/d.
"I' "
/1'1
n J <c , " .
. - 2° 1-83 Mafalda Soares da Cunha e Nuno (;Ot1\·"IIlI·,lV!nilICll'O, .1\1-
"0'.." pp, J . ,_ , . ... denomina -se Optima Pars - As elites tia sociedade portuguesa do
I
vcrníHorcsecap
~ itãe
<H:s-rn
ores. do império atlànuco') portllgllC" lI<" ''''.ul\>" XVII ': l 'Ir') 'i?i'e, financiado pela Fundação para a Ciência eTecoologia desde 2000,
XVIII", in Monteiro, Cardim C Cunha (orgs.), Opl/1/1l/11lrs ... , I'P· I ) I ,•. '-,
71
70
""'"")1
..... .,~~~-~
,
.
,
- .
.- '
~:l'. , .to:n Além da verticalização da análise, a novidade trazida
' ..o-português residiu ~111associar a remuneração dos servi-
periferias e o "equilíbrio dos poderes no Império", mas o "fato de as
ieral, e a concessão de hábitos militares, em particular, à
distintas instâncias, e as respectivas cl itcs, muruumcnte se tutela-
:'ktOIn, ou dádiva, de inspiração maussiana.assim dbfinin-
rem e manterem vínculos de COI11\1 Il ica~,\(} (()) II o centro'." A con-
f~iinpério português, uma economia da graça, do do~ ou,
tr ibuiçào principal reside; contudo, IlO mapcarncnro das lógicas
"'iQlhval, das mercês, por ela considerada o sistema mais
que presidiam il escolha cios govcrn.\llIl's cojoJli.\is: qual a hierar-
", ':;de todos," Reconhecendo o potencial interpretativo
quia dos cargos--·como, quando e por que os g()VCrIH1S da l nd i;\ f()·
l1i.1I11 quem governava o Império, mesmo que houvesse pressões ".'):.110 valor." No século XVIII, portanto, dom,.graça'ou
próximas - da Corte - ou distantes - das Conquistas. !te;f(im a ser substituídos por valores mais pragmáticos,
72
I·
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'~""':""I";ll.""_"" _. . .
. ".'fi'"'~\l''f:,,''' ''''; '. : . . .
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.t. " .. ~ ", . .. . .'. . '. . '. .
\1.
cular, e o escopo comparativo pode ser, neste sentido, um dos mais '::fOrma, mocencla,. de modo particular.
interessantes: tanto no interior do Império português - como fez .. ' .' tos ideo16glCos pesaram ,
·.qsiclOnamen os 1. .' . ortâncía dos estudos
.... .Ó.Ó» • • oltar a ínsisnr na lmp ,
Boxcr -- quanto externamente a ele, comparando-se impérios difc- ",~:fim,epreciso V. . , . ens deste capitulo. Eles
. rentes c-, os ibéricos, mas também o inglês, o holandês, e o frilI1cê~:'" .... 1 brados em vanas passag .
twos, em . \ es ao mesmo tempo
· .... . . das sit .ões partiCUlar
·.. '-~jrt:a.:nqueza as 51 uaç ._ idado com
·".,'.:', . d .validação.lInpoem o eu
. -.anroproblema .esua l r das relações.
ra inteligente da obra de Mauss - além do ensaio clássico de Lévi-Str.auss _ ver '
.... d mesma forma, .LnV- ocam o va o ".
.._
GQdelier, O enigma do dOn!, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 200.1,
..o.mas, a . ítica analítica no pas
Maurice '.. t.: • • d .s exemplos dessa pra , .
em que ficam claras as limitações de se aplicar indistintamente _ e anistorica- 'p'aq~llapenas 01 .. b SérgiorBuarque de Ho-
, :.:'. de b a parte.de sua obr a, .
mente - o modelo explicativo da dádiva. Para o oposto, ou seja, como modelo 'oJongo e o. . , Aménca portu-
\ ·,'1 . do que nüo deve ser feito, ver Iacques T Codboui, O espírito da dddiva, Rio de
.C.:..... comparatlvoS entre c\, .
';persegmu os nexos h . C presenteestetalvczsep
,;- .,:
.,. Ianeiro, Fundação Getúlio Vergas, 1999. Para a passagem do sistema atributivoao
, .' .',. contrilnaivo, ver o instigante artigo de Alain Cuéry, "Lc roi dépensier-Ie don, Ia
<. espimhola,eemumautor o)e. aoI .: 050 Con'trapunteo
.' ",, . i Num ensaIO umm. ,
'. '.c. :.;. contrainre et l'originc du systérne financier de ia monarchie française d'Ancien '~tomenos uwoca~ o. '1 o e pensador cubano
-0.:': II 'ar o antropo og . _
.~'. Regirnc":in Ali naics - E.5. C, 39' an née, 6, 1984, pp. 1241-69. Agradeço a Luciano 'o-del tabaco y c e azue, . di • ica da transculturaçao
Raposo de Almeida Figueiredo por esta indicação e ainda por ter me franqueado -'c' . . . a teoria marru , .
'â·n<l.óOJtiz ilustrou su: . -por meio
a consulta de suas anotações sobre o ussun to. C.-:. . da por estudiosos norte-amencano5
"e:aprqpna '-
95. Um bom exemplo das possibilidade, de estudos lJ1oJlográllcOs sobre institui-
çõcs - no caso, a Provcdoria da Fazenda - (,a tese recente de Mozarr Vergetti de
~t~f: .
Mcnezcs, C;oloniplisl//(l em açuo -fiscalisIIlO, economia c sociedade na capitania da i
.t ;, "1 estudoS históricos, Lisboa, Difel,
Paraíba (1647 ..·1755), 'lese de Doutorado apresentada ao Programa de História '. c capim \ nier -
':Da·América portllg~(o'sa (10 IJrasl ' -- .. I d veres nobres
Econ6rnica, fFLCI·I-l.lW, 2005. .. ' d . los: poder rcai, e .
. . tudo"Ajornada os vassa .. . 1 dias' a ameaça [lorlugllc-
.' .. ,,_ 143_B3,e"Pâlllconas n .
96. Nesse sentido, Dillgll Ramada Curto organizou, de 1'1 a 13 de dezembro de aRestauraçao ,pI'. s
2003, um s im pósio '.11tJ ito interessante no lrtst ituro Univcrsitár.io Europeu de ',lOcesp anho
, I, 1640-1650",1'p. U\5-2L.
...:;) Ficsolc- Florcl1\:a, The mllkillg of lhe over.<['(/s careci, Ver também St uarr B.
7',
74
':',
~-!~'~'~lt~~~:;':~\·~·lt'.I
.. '.;1~. '.... • _
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'Ji., ••y.
.••~i"",;o,': ..--,J;."',
_,(.:'p ..,,-:r"·,'I
. .. •,
J.
"
::.~RSideradaameaçadora. Procuro ainda ilustrar ernpiri-
,.
; de um diálogo entre o tabaco e oaçúcar: o negro africano, o ócio, a
:\~ses aspectos mais abstratos, rastreando
. carne e ossatura ao que, sem as.personagens ._, fossem
as trajetórias j
natureza, o específico, a América a se contrapor ao branco curo-
i
...'~.istr adores reconhecidos ou servidores obscuros - I
p.~u, ao trabalho, à transformação, ao geral,'à Europa mercantil:' ~as elucubração. '
Mais do que 9 diálogo, a análise da administração imperial impõe
a perspectiva dialógica: há perguntas e respostas, mas, entre urnn c
outra, entre um lado e outro do oceano - ou entre os vários lados
.dos vários oceanos-, a massa líqüida que com freqüência unia as
.. partes diferentes servia também para.veicular e transformar, tanto
na ida quanto na volta, as práticas, as concepções e os significados
que viajavam sobre ela.
Creio ainda ser este um dos aspectos da obra de Femando
·Navais que merece ser revisitado: o sentido que as relações entre as
partes do sistema colonial adquirem no plano específico e 110 geral,
·e corno se transformam e se ressignificarn. Se insisti na necessida-
de ela comparação entre sistemas coloniais distintos para melhor
·cqmpreender políticas administrativas; se destaquei o benefício de
se olhar para os vizinhos hispânicos de nosso continente, não
.: quero, entretanto, deixar a impressão que, neste livro, emprego o
método comparativo ou considero o império português num sen-
; tido alargado. Permaneço no Atlântico sul, sobretudo na América ,,~e:tra,:ers~o deste texto, mt;ito reduzida, foi apresentada no serni-
portuguesa setecentista, que, hoje, creio conhecer razoavelmente, /B.r~U1ski na Ecole des Haures Etudes en Sciences Sociales (feverci-
" r.adeço os comentários então feitos pelo próprio Gruzinski Fran _
· Procuro desvendar alguns dos aspectos estruturais que constituí- .• ,t.. . )
· e-volta dos levantes e da repressão; o nascimento de urna socieda- co rnentãrios de João Paulo Garrido Pimenta, Maria Helena
el Marquese, Em setern bro desse mesJn?ano, apresen tei pela ter-
de plunétnica e pluricultural, tributária de moldes europeus ma: ?, ago[~ no se:nlTlário O Governo dosPovos, em Paraty, e p.rocur~i
fadada a buscar.arranjos novos c a camuflar sua natureza, qua~l :ntános então feitos pOI: FranciscoCosentino, Antonio Manuel
,!r0·Monttiro. Por fim, sou grata a todos 0'5 meus colçg~s de Pro-
/.., 97. r. Ortiz, CfJllll'cl/ml1l:eo cubalJo âel iabnco y dcl azúcar l19481, prefácio de B .J.~m particular a Sérgio Alcides Amaral- por terem me passado
tos eacxiíiado no refinamento da argumentação.
Maliuowski, Havana, Consejo Nacional de Cultura. 1963. Uma das expressões d.
voga atual ele Ortiz é o trabalho de Mary Lcuise Pratt, Imperial eyes - travei writ .
· . ing arzd trallswlwmti01I. Londres I .ova York. Rourledge, 1992.
77