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,L Política e administração colonial: mo se pode dizer acerca ele um t.rabalho rna is r<.:n'll!t' (. 1IIIIitu
;'-'problemas e perspectivas importante, Fiscais e meirinhos, de Graça Salgaoo, (}1~ri!:í;III')ri()
, sobretudo pelo caráter de obra de referêncj;], mas dcsli IlIlclo til'

iA ~A~~MLU..o~·O~i.u~~~: maiores preocupações com o sentido, ou melhor, os sentidos da


administração. IA exceção que confirma a regra ôeri;1 () t rn balho de
?r}Olí~~ e. l~~"AÀ()~ 'Y-tN~~<fo-/
Edrnundo Zenha, O município 110Brasil, ernque o cll(oqut' !lIais
:t;1>:~~ cl-7 .~~ Xli~~ 170v0Vv
;.r~ ~~l>v /.:k; ~kv;/
empírico acabou por render

A reflexão acerca
divideridox,.'
dos sentidos e, significados d~s t'sllltlds
sobre administração remete a problemas limito interessantes, ijll('

trazem à tona a dificuldade de separar uma produção historiogr("


fica do tempo no qual ocorreu.Isso pode parecer chavão ou tug;rr
comum na era pós-Anl1ales em que vivemos, ainda tributária til'

muitos dos corolários fixados por Bloch e Febvre no 'primeiro b


[... ) e como este Governo lodo é de engonços, por
quartel do século passado, entre eles o de que "a história é filha de l',
ora se nito deve obrar cOllsa alguma que não seja
seu tempo". Olhando mais detidamente o objeto, contudo, fica
por jeito, principalmente aonde não hiÍ [oiças, e
claro o quanto tem sido contaminado por cnfoques profunda-
airida que as houvesse, 1)(1 cor/Juntura presente
mente comprometidos, em intensidade maior, talvez, do que
consegue mais o modo que Cl indústria, que assim
temas considerados mais dignos.ou nobres, com os quais, por isso
m'o tem mostrado a experiência, I .•. )
mesmo, há maior cuidado em refinar argumentos.
Rodrigo César de Menezes, govern,\dm l' l,ll'i
Tome-se, como primeiro exemplo, o sentido da aWjéncia. Por
tão- general de São Paulo, 1721-1728,
r que, durante tanto tempo, a administração não suscitou'trabalhos
interessantes, ao Contrário do que aconteceu em outros país'cts? Por
que motivo alguns dos principais marcos no assunto são fruto da \i
TRADIÇÕES ANALÍTICAS URASILEIRAS
.'!I'
,,,'
Durante muito tempo, o estudo da administração pori ligue ..
L Rodolfo Garcia, Ensaio sobre a bistorie política P. administl'atil"l do lJm.lil (1500 ..
1810), Rio de farieiro,Jos{Olympio, I 956; ViçenleTapaj6s (org.), Histúrin admi-
." .,
11,
/sa-no Brasil dos tempos coloniais foi relegado a um segundo plano nistrativa do Brasil, 2' ed. São Paulo, DASP, J 965-197.4, 7 vols., Augusto '14Iv<lrcs de
~:p.~uco honroso. Alguns trabalhos já antigos, como os de Rodolfo Lira, Organização política e admil1istmtiva do Brasil (Calúnia, Imp«ri() e Rc-.
".I
t li
.~;,Garciii, Vicente Tapajós e Auguslo Tavares de Lira dedicaram-se pública), São Paulo.Editora Nacional, J 941~ Graça Salgado (coord.), Fiscais r.111";-
rinhos - a administração 110 Brasil colonial; Rio de Ji\~\eiro, INijNova; Fronteira,
:"i:xclusiva.mcn te ao assu n to, sem contudo co IItrib uir de fo rma mais 1985.
<\::incisiva para uma reflexão consistente sobre o problema. O mes- 2. Edmundo Zenha, O município 110 Brasil, i 532-1700, S8u Paulo, lns'l, Progresso
Editorial, 1948.
( 0"
'27
.'.investigação de historiadores estrangeiros, lodos pertencentes à
municipais.irmandades, misericórdias - ou gerais ~ conselhos,
tradição anglo-saxónicC1: Char\es R. Boxer, Stuart B. Schwartz,
como o Ultramarino; tribunais, como a Relação ~.- era atividade
Dauril Alden, Iohn Russell-Wood?' Talvez haja uma só resposta
para os empoeiradíssimos Institutos Históricos, e quase inevita-
. para essas indagaçóes preliminares: a necessidade de uma jovem
velrnente redundava em obras apologéticas ou encomiáslicas.
, nação - a lndependência é de 1822 mas a Rcpú blica, que rompeu Na versão mais ligeira, o ranço pós-colonial acabava em discus-
elevez as ligações com a dinastia portuguesa, é ele 1889 - em se sões intermináveis sobre a dor e o azar de ter feito parte do império
afi;mar ante a metrópole de ontem, opressora, incompetente e iní- português-No limite, lamentava-se o fracasso do empreendimento
qua, r~sponsabiJizando-a por vícios e equívocos. O ressentimento colonizador dos holandeses no Nordeste.pois.se bem-sucedidos, os
. pós-colonial deixou livre o caminho para que historiadores batavos possivelmente teriam sido capazes de:nos dotar de adrninis-
estrangeiros traçassem suas bi póteses e preenchessem lacunas tração mais competente; ou olhava-se com uma pontade.despeito
óbvias:d~~impedidos que estavam do peso de um passado que não para as colônias hispânicas, melhor conduzidas por um Estado que,
era o seu e'contra o qual não precisavam acertar contas. Cabe lem- apesar de tão burocrático quanto o português, soubera lidar com a.
brar: ainda que entre os anglo-sax:ões existia uma forte tradição de desccntralização, atribuindo papéis às elites locais e não temendo a
estudos.s~bre impérios, tanto o deles quanto os dos outros.Para os criação ÍI! loco de instituições de vários tipos, como as universidades
brasileiros, inclusive alguns de minha geraç~~o,a ad m inistracão era e os tribunais regionais do Santo Ofício ..~.
temasern nobreza nenhuma, bem ao gosto elehistoriadores afeitos Objeto negado, incapaz de merecer dos brasileiros estudos
,à tradição e ao coriser vad or isrno, numa senda em tudo oposta à monográficos,a administração foi contudo alvo de algumas inter-
.'quelevava ao estudo do sistema escravista ou da formação da clas- pretações preocupadas com o desvendarnento do seu significado
se operária. O luso-tropicalismo de Gilberto Freyre só fazia COjJl- mais fundo. Antes pela escassez no GlmpO do que pe.l:1força pró"
, plicar ainda mais 33 coisas, prova evidente de que O campo estava pria que eventualmente apresentassem, acabaram por se tornar
minado.; Estudar governadores, instituições locais -- câmaras pon tos de referência e por se perpetu ar, sem que com isso o melhor
conhecimento do assunto ganhasse muito em qualidade .__.. e eu
3.Charles R. Boxer, o império nuuitimo portt'guó,São Paulo, Companhia das Letras, mesma tenho minha parte nessa história.
2002; l;orwgLlese society in tne tropics - rl,e mwúcipalcouncils oiCoo, Alacao, Bania
Intrigada, há: cerca de 25 anos) com o aspecto contraditório
and Lua/Ida, 1510·1 ROG,Madison, Universiry ofWisconsln Press, 1965; Stuart B.
Schwart?, Dtlrocracic, e socie'dadf noBtasil culuuial, Sdo Paulo, Perspectiva, 19'79; que ressaltava dos documentos sobre a administração portuguesa
Dauril' Aldctl, Rv,yal Govcmmcnl in anonia! 8mzil ~- with special reierence to the na região de Minas Gerais durante o século xvin, comecei a.pensar
admillistration o/I!le Már(jl./is ofLavradio. I'ice-roy, 1769-1779, BcrkeleylLos Angeles, sobre a natureza do mando na colônia. Meu objeto era outro, apa-
Univer~\ity 01' Cal ifornia Press, 1961:\;A. J. R. Russell- Wood, fidalgos e filantropos A
rentemente muito distinto: os homens livres pobres que, na eco-
Santa' Cascl rldvliscricórdia d" Bahia (1550-1755), trad., Brasilia, uns, 1981.
'I. Para uma interpretação que limita o papel de Frcyre na constituição da teoria nomia do 'ouro, viviam nos interstícios do sistema escravista. A
do lUSl.l-lrupicalisrnü, ver Yves Leonard, "lrnmuable et challgcant, leJusotropica- ambigüidade dos papéis por eles desempenhados imbricava-sena
lismeau portugal", in Le Portllgal ct l'Atlantiqt<e~· Arquivos do Centro Cuiiurai ambigüidade das práticas políticas e administrativas adoradas
Caloustc G~lbenki(m, vol. XLII, Lisboa e Paris, 2001, p p. 107 ·17.
com relação a eles, deixando claro que; naquela região nevrálgíca,

29
30
nãose podia apenas bater, havia também que soprar, e com fre-
qüência. Em colônias, separadas dos centros decisórios do poder'
.~as metrópoles - por r11eSeSde navegação marítima e habitadas retratada em capítulos muito importan tcs, mesmo se bastante dis-

por grandes contingentes de escravos, o mando estava fadado a ser cutíveis.' O que ali escreveu sobre a administração colonial tor-

conternporizador, pois caso vestisse apenas a máscara da dureza, o nou-se ponto de referência durante décadas, pois conseguia um
certo' equilíbrio entre a demonstração ernpírica e a análise, ultra-
.. edifício todo se esboroava, a perda do controle levando à da 1'r6-
/;"~ria colônia. Administração, portanto, só podia ser entendida à passando tanto os trabalhos meramente descritivos - como os
<iluzda política: separar uma da. o urra condenava o observa~or à indicados na abertura desta reflexão -- quanto os eminentemen-

yipreensão mecânica e funcionalisra do fenômeno, impondo a te analíticos e generalizantes -- como o de Caio Prado [r., que se
,perqa do. seu sentido dialético, examinará a seguir.
. Segundo a interpretação ele Faoro, o sistema administrativo
., Duas das principais interpretações que a historiografia brasi-
português foi transposto. com sucesso par~ suas colônias graças a
.~:,l~irahavia elaborado sobre a administração até aquela época _
um Estad~ que cedo se centralizou e soube.com maestria, cooptar
!o;Analdos anos 1970 - coadunavam-se perfeitamente com o que
as. elites, inclusive ~s locais, corno os "bandeirantes" paulistas.
'"srirgia nos documentos, mas absolutizando ora um aspecto, ora
Nesse processo, contudo, manietou os funcionários, que se torna-
:'~utro,e perdendo dessa forma a ambigüidade, a nuance e a contra-
ram meras sombras, e se superpós à realidade local, alheio à pró-
,\:i:díção;
.:
\~ ,"
Abordei o assunto no capítulo 3 de Desclassificados do ouro,
, pria dinâmica histórica:
;f<'j;hamado de "Nas redes do poder", e ali indiquei duas formas pos-
'\síveis, mas igualmente extremadas, de se examinar o problema da
o,,dministração: aquela escolhida por Raymundo
,/'donos cio poder (1959 e 1975), e a aclotadapor Caio Prado J r. em
Faoro em Os
ordenações, prestigiada pelos batalhões, atravessa o -r:
A ordem pública portuguesa, imobilizada nos alvarás, regimentos e

rupta, carapaça impostaao corpo sem que as medidas deste a recla-


incor-

Bormaçã« do Brasil contemporânea (1942),; É preciso retomá-Ias


mem. O Estado sobrepôs-se, estranho.alheio, distante à sociedade,
para recoloca r o argumento da presente reflexão.
amputando todos os membros que resistissem ao domínio, [...J Ao
Rayruurulo Pau!'o é autor de uma interpretação marcante
sul e ao norte, os centros de autoridade são sucursais obedientes de
.sobre ()Brusil.rn: que ressalta o papel central do Estado no l' roces ..
Lisboa: o Estado, imposto à. colônia antes que ela tivesse povo, p'cr-: (
,80 de col1stitlli\',lq do país e wa capacidade de moldar uma criatu- ,.
rnanece íntegro, reforçado pela espada ultramarina, quando a
'./ra~:..o cstumrn;»
":c; ••.
/1"1'0(1'111 ini que sempre reproduzisse ti ordem
sociedade americana ousa romper a casca do ovo que a aprisiona.'
;\··:":domil1,mll'sem ,dit:r,lrllit';1 l's.~(ll1ci;J.No p!'il1wiro volume de Os
"~'~""donos do podcr, U autor r~CU(1 ,;05 telllpOS de frH'lll,H':0n do Estado
<'·POl'l.UgIJt\~(~se d('lé'll IIOS l'J'illi<'ll'llills d;1 cololúza,,;ío li" América,
~~':' 6. Sobretudo os de número 4,5 e 6,. reSflectlvamente: "O Brasil até o governo
geral", "A obra da centralização colonial" c "Traços gerais da organização.adrnl-
~:::'·::S.Laurude Mcllo c ~()lIZH, "Nas redes do poder" i11 id., I )l'sclussijhmll!J do ouro- nisttativa, social, econômica c financeira da colônia", in Raymundo Faoro, Os
:·.:a:pobrezllmineira 1/0 século XVIII, Rio de Janeiro. Gr aul. 1902, pp. 91 sx. donos do poder -- [ormação do patronato politico brasileiro, 2' ed., Porto Alegre/
São Paulo, Globo/Edusp, 1975, pp, 97-234, vol. l.
7. Ibid., pp, 164-5.
:lI

32

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Faoro ressaltou o papel elo Estado também porque deseja'va


Brasil (1920), a administração não tillha sido, como na América
'relativízar a poderosa inte~pretação de Gilberto Freyre em Casa-
inglesa, uma criação consciente dos indivídu'os,nemhavia emana-
",'grande & senzala (1933), segundo a q 11 ai a família marcava a colo-
do da própria sociedade, mas se impusera a ela como "l1T1Ja esp~cie
~;nização desde o início c orientava toda a formação da sociedade.'
de carapaça disforme". Para Oliveira Víana, a ad'lllinístração por-
'.,:Conseguiu desse modo fornecer uma alternativa analítica para a
:':cpmpreensão do Brasil c de suas elites, mas negligenciou o matiz tuguesa que amordaçou a colônia era em tudo díspa'r dasocieda-
'/:,:!dassituações específicas ou desviantes c, exagerando o papel do de, então rarefeita, dispersa e gangIionar.JO Curiosamente, conru-
'i~'Estado,disseminou a idéia perigosa de que, independentemente do ' d~,Faoro descontextualizou e como que illv~rteu' a explicação de
';\;ontexto, ele antecedeu a sociedade: "As vilas Se criavam antes da Viana, que havia tab1bém se dado conta do "conflito il1teressantís_
:TPPYOaçãO"aorganização administrativa precedia ao afluxo das sirno" entre "o espírito peninsular e O novo meio'; ou seja,entre "a
;t~opulaçõ~(,a'realidade era gerada pela lei e pelo regulamento c, em velha tendência européia, de caráter vihvelmente centrípetQ, e a
';{orte contraste com o ocorrido nas colônias inglesas ao norte, "a nova tendência americana, de caráter visivelmente centrífugo".JJ
' '. érica seria um reino a moldar, na forma dos padrões ultramari- De Oliveira Viana, portanto, Faoro pinçou urna afirmação que
.':~s,nãoum mundoa criar"? O papel da dinâmica social e das con- confirmasse sua tese da hipertrofia do Estado, e minimizou odes-
,radições.viu-se, assim, minimizado: não houve lugar, em sua aná- taque dado pelo autor ao mando local, àruralização e ao papel dos
:<se, para as tensas e complexas relações entre os administradores grandes proprietários locais, esvaziando a~omplexjdade das 1'(;la-
;~61oniaise as.oligarquias, amiúde documentadas nas fontescoevas. . cões ali evidenciadas entre administração, políticil e sociedade.
,', ' Paoro escreveu a primeira versão de Os donos do poderduran- Procedimentos como este acabaT'im por gerar uma série de distor-
i,,), governo de Juscelino Kubitscheck, quando o Brasil vivia sob ções fatais na obra de Faoro: se o autor apela para a' onipresença e
::,:f~gime
democrático, mas publicou R segunda versão em 1975, em o peso excessivo ,do Estado, fornece, a cada momento; evidências
":iÍlenaditadura militar. Não por acaso, o tamanho da obra dupli- empíricas que inviabilizam sua tese, indicando os processos de
':":'u, buscando:exemplificar de modo exaustivo a presença secular centrifugação presentes na sociedade, Em artigo recente e muito
\id'eumEstado sufocador e de um estamento burocrático que se des- sugestivo, AntoniO Map.ll,el Hespanha npto~ Com acuídade essa
distorção. J1 . ,
\çollilvada sociedade para gerir o governo em benefício próprio,
.•• eio às necessidades nacionais. A r~atriz teórica mais reconheci-
·é Max Wcber, mas há outras, menos evidentes, Em primeiro 10. ~itado em ibid.,p.165. Cf:OJiveira Vinua, "Populações meridionais do Br<1sij";
in S!lVJallO SantJago (org.), Intérpretes do Brasil, Rio de Janeiro, Nova AguiiJr,
\g;!r,Faor~ reeditou uma idéia expressa de Olivei ra Viana, um dos 2000, p. 1139, vol. l. . . ,
ritndes expoentes do pensamclltoconservador no Brasil dos anos li. Oliveira Viana, "Populações ..., p. 938.
'}.o, para quem, numa passagem de Populações meridionais do 12.AIJtonio Manuel Hespanha, "Aconstituição do império portLIgllês.l~eyisão de
alguns envlesamentos correntes", in João Fragoso, Maria J'errlanc1a Bicalho e
'".. Cf ibid. por exemplo, pp. 110 e 114. Ma"na de Fátima Gouvêa (orgs.), O Antigo Regime 710! tropiw5: n dinâmica imp« ..
. ,,:Ibid., pp. 120-1. riai portuguesa (séculos )(VJ·X l'7Il), Rio de Janeiro, CiviJil~çJo I3ra~iJejra, 2001,
pp. 163·8.8, notadamente p. 168.

.33 34
-vErn segundo lugar, Faoro bebeu no pensamento liberal por-
!Ltuguês do fim do século XIX e inicio do século xx, representado pôr
do.já que Lisboa, a "cabeça pensante" da ad m inistração, situava-se
i<btiveira Martins, Antero de Quental e, posteriormente, Antonio
. "a centenas de léguas que se percorrem em lentos barcqs à vela":
"·';&4gio.13Não foi o único a sofrer tal influência, decisiva em boa
j
.~àrtedo pensamento brasileiro da primeira metade do século xx,
[...] tudo isto.] .._] não poderia resultar noutra coisa senão naquela
~,in1eI1topara as críticas ao atraso de Portugal e suas colônias ante
monstruosa, ernperrada e ineficiente máquina burocrática que é a
;{::b'iJ;ttospovos colonizadores, à rotina e ignorância de suas elites, ao
administração colonial E com toda aquela complexidade e variedade
};pt'econceito imperante contra o trabalho manual. O pessimismo
de órgãos e funções, não há, pode-se dizer, nenhuma especialização.
'f:iherente a essa visão impediu, muitas vezes, perceber especificida-
Todos eles abrangem sempre o conjunto dos negócios relativos a
F'4és próprias à história de Portugal e de seu império, forçando os
determinado setor, confundindo assuntos os mais variados e que as
·''';':\Ytliz6s negativos e fazendo prevalecer a pe rspectiva liberal. Não é de
mesmas pessoas não.podiam por natureza exercer com eficiência."
Y>\'e'estranhar, portanto, °
anticlericalismo, a identificação rnecâni-
i:\-~a;entre força da Igreja e atraso e, no outro pólo, a valorização per- Prado JI. alerta para a impossibilidade de Se pensar a admin is-
,. .
:'<'irtanente, nas comparações, da América inglesa e da Inglaterra
tração daquele tempo tornando-se por base a do. nosso: os princí-
;?i/;ê~mómetTó pele ideal ..
pios eram diversos, o público não se distinguia claramente do pri-
. ":><' Nesse ponto, Rayrnundo Faoro e Caio Prado )1'., marxixt« de
vado, não' havia a unidade e a simetria que hoje se observam,
::;>:ftIrmação, aproximam-se bastante. Mas suas perspectivas <lClTCil
discriminando funções, definindo competênciase atribuições.
~'::dliadministração foram, em quase todo o resto, opostas. M.li~de Percebe, portanto, que há uma diferença essencial, mas a vê como
;}/:4{ünze anos antes, num dos capítulos de Formação riu !lrusil t:OIJ
caótica, e não como específica: "um amontoado", "um cipoal", um
.h::,:-Í'imlporâneo, de 1942, Prado) r. qualificara a adrninistruç.iu portu- "caos imenso de leis", uma "confusão inextricável" que sempre ',:'

.'-: .·~uesa de caótica, irracional, contraditória e rotineira, 1\'ssidlilUdo


atrapalhava e quase nunca esclarecia:
!cá complexidade dos órgãos, ~confusão de funções c CllI11 pctêucia;
~·.áusênciade método e clareza na confecção das leis" e estranhan- Como reSUltado', as leis não só não eram uniformemente aplicadas
}~\16a "verborragia abundante em que não faltam às vezes até disser- no tempo e 110 espaçu, CÇJffiO freqüentemen te se desprezavam intei-
L::.t'açôes literárias". Os órgãos centrais pareciam-lhe excessivamente rarnente.havendo sempre, caso fosse necessário, um ou outro moti-
'Y:':buroc'ráticos, o funcionalismo era "inútil e numeroso", merarnen- vo justificado para a desobediência. E daí, a relação que encontra-
1'•••.•,.,
y~te··deliberativo, sem haver, por outro lado, agentes que bastassem mos entre aquilo que lem?5 nos textos legais e o'que efetivamente se
';~f::\:para executar as decisões, O cen tra lisrno excessivo não tinha senti- pratica é muitas vezes remota e vaga, se não redondamente contra-
,.,;;-.~;.~;.:'. .:

.•...
;

ditória. Sendo assim, ecomo é esta prática que mais n05 interessa aqui, .
;;:'.·:l3.AnaLúcidNcrní chamr.n/ ..me a atenção P,l!8 o fato de que, influenciados pelo.
·.liberalismo, muitos dos,componentes dessa geração [oram sinceros socialistas no
e não a teo"'ia: temos que recorrer com a.maior cautela àqueles textos
.,plap.o da política.
14. Caio Prado Ir., forlllaçiio do Brasil colltemporlÍneo, 13' ed., São Paulo,
Brasiliense, 1973, capítulo "Administração", pp. 298- 340, citação à p. 333.
35
se
legais, e procura- ele prcferêl1ârl outra, [ont . fi .
" . . j( e.' para xarmos a vida
admInIstrativa da rolÔllirl. ".
fisco, condu i, com certo espanto, Caio Prado J r. PorL'Il I, lIem;a ree-
ela
.: '. ,,(\posiÇão do autor é portanto muito peCll!l'ar Reco 1
dição dos part\1 ncrros administrativos metropol i! ~III()S em terras
';.. ',' ... ' .' '. '. n 1ece que coloniais, IWIll crnpcnhoemrepensar o fisco devcri.un causar
;.~~<!3stá diante ele um SIS tema distin to D1a' d 'd li
de ·····;··h . . . ' s eSconSl era que este
,auma lógica PI'Ópri'1 À 1 i. . espécie ;11) uu to r de. "Sentido da colonização", () notável capítulo
ia. .,.... . ,., •. LlZ ( a perspectIva do Estad lib 1
~t d b . o I era inicial do mesmo livro. Afinal, a colonização portuguesa não visa-
la ,'" a. o SO Te a teo:'ja dos trés poderes, ressalta a irracionalida:
,mundo do AntIgo Regime --" . d ,. va, primordialmente, criar unia sociedade original na América,
as . .. passa o caotlCO por nature ..
t • .j e nao leva em conta que, nele o Estado port ês r _ mas explorar ao máximo a cÇllônia:-- daí () empenho ernaperfei-
.;' .' ., -. ugues nao ero.
ao,mcorrcndo nesse i çoar o sistema fiscal - e, ao mesmo tempo, nela estabelecer "um
.. . , .. e .ocante, em Jllacronismo}VI ' b
car outro' . as Cd e
',i " ~Ol1tO, muito positivo: a cOIlstatação da irracionali_ outro Portugal", como observou, no fim do século XVI, o padre
s-
{7' que e dlscutível-·_ o leva a perccb . fi . jesuíta Fernão Cardim."
í- ".
hca.e em últin . . â . er o osso entre a teori: e ti

.'. . ' 1,1 lllst, 110a, a mostrar (lUC o texto n . Para fechar a.análise desse primeiro momento, quando certos
1- '1 d . . "ormatlvo
1,
\ ',~. o ~ ~e natu.re~~ jurídica, não poclesenomado ao pé da letra~ historiadores brasileiros começavam a buscar um sentido na
s.
a.,sltuaçao especlhca conta,levanclo_o a valorizar não se t' administração portuguesa da.colónia, é preciso invocar ainda Sér-
~. d' . -< o a Il 1- n

(}
.oe outras f:ontes, de tipo variado, como também _ ma ._ gio Buarque de Holanda, que não entrara em minhas cogitações
. era-a di," . rXIS
n ". . Il,lm1Casoclal, capaz de transformar as teorias toda iniciais quando da realização de Desclassifzwdos do ouro. Antes de
';,,~e se mostrassem distantes da realidade C·' , ' ,
''':1: .... ' . . . orno se procurara Caio Prado] r. eu de Rayrnundo Faoro, em 1933, ele havia tratado u
.' :har adlante, () alerta de Prad J' te .: ]' . .' "
1;.,\;!p', . . o 1. em SlC o negllgenclado . tangencialmente do problema em Raizes do Brasil, iluminando-o, ~:
.. ,:. '".orúltlnlO, háamda um a' t··.·· .
~(::;\f~"'··:, .;: ..' . c spec o IDtrJgante a invocar. a insis- como sempre fazia, com uma interpretação instigante, c ihserin-
"',...•nela.com que o autor recnm·· E .d ,-
,.....:.: .... :..•:... . ma o. .st» o portugues par te rid do-o no escopo comparativo tão inovador que caracteriza.o livro,
LS .tb,capaz de cnar I .... I . . r SI o
.
·.1I",' '..
-. a gOO.llg1!1d na ad111lI1Istraçl0 .,
da cole0111a . "'.oi gaos _
1.-
.\;~1le~elttescadal)tad· di --. " no qual a América espanhola fornece a cada passo os elementos de
", '. osaC011 lçoespccultares<1uenão ..
··t.!.oR· "16F . seencontla_ aproximação e de oposição para a análise da América portuguesa.
" . emo. 'orçados nelas círc r" .
..·;;·::··d· ..·, '.'
:·!tIJ:a '0tes"b't / .. .,»' r\..UI1S .allClas eS1)êcíficas
t,-
govcr Segundo Buarque de Holanda, da mesma forma como dirigiu a
'.':':.' .,' ar 1 rdrlOS puderam eventuill -r c te '1' ..
c ·;,··.·;·õ.· .. '..
:;'Ç. es:metropoltta·
. .' .
. . ' , fllcn c, d terar as Cl!SPOSI'-
fundação das cidades com "um zelo minucioso e 'previdente",
:úii.·..,... . . nas, [nas nunca de modo sistemático
'1 F . d,
O'
. Ul1lCo
.
-<l'\I\lf:iQJ;(10n Castela impôs sobre a América, desde cedo, "a mão forte do Es-
ii;.::..:· .. , oqua o JSla. oportuguesprocurousaird<lrotinafoiodo
i" 1:~.':,,>,,;' I •
tado". Contraste flagrante com o "empreendimento [...] tímido e
.,}bld:,pp.,300_1, citaçâp·ne.lta última Nessa J' ..- I" mal aparelhado para vencer" dos portugueses, feitorizadores que
da,.......·'~as.leis não .16não eram" __ '. ., e 1,20 1<1 um erro: na passagem
.... , ., Omlte-se o segundo- .I
·'/Ilj~,aa;gumentaç5o. Conferir id _'.._ . -' nao, iltterando toda a
'.!::'~
...l{.Ó.'{JDa\>tlÓ r .M arnns. Iodaora,
~.'i·V";··· .': .. ,lYrana
• .'! FOI maVIO do Brasil cnnlr.mporàneo - Colônia
1942, ., 99 '
17. Cf. Fernando Novais, "Condições na colônia'; in La ur a de
da privacidade
,~,J~;q,btd,,.p.301. . p. - . Mello e Souza (org.), História da vida privada Brasil. Cotidiano e-vida privada
1/0

:'~.·~{fY·:'. na América portuguesa; São Paulo, Companhia das Letras, 1997, pp. 13-39: vol, I;
Evaldo Cabra Ide Meio, Um imenso Portugal-:« história e historiogratia, São Paulo,
Ed, 34, 2002, notadarnente o ensaio do mesmo nome, pp. 24-34.
37 I

I !
:~~~:frxavamna costa e relutavam ern.adentrar Cl territóri~ em inicia-
,....
':'.ttias'.mais .
propriarnente co Ionizac
. leras
01 s, semeando ..' cidades sem desconsolado ante os pendores administrativos dos portugueses,
'i1ejá-las com o rigor dos quadriláteros-espanhóis ..~aJs fIluda e rotinei ros.e fal tos de imaginação, O exame desses três autores mos-
.'.m.als
. lib
I era, I a colonização
"' portuguesa
L
deveu tal feição à centra-

tra, porta nto, que o melhor elo ensaismo brasileiro IJOS'anO.'i 19.10,

'Ção precoce do Estado, que na explicação de S,érglO assume . 1940 () LI I <J50 <ljlldo li ,I fi finar LIJ1l,1visü o ncgntivn d:1 ad III i 11ix] I'il\',io

eloposto ao desempenhado na deFaoro._ S~ aEspan~,a ~::: porlugucs,lll<l t\Jll(·ril·i1. '\xplil:<I~-ao dn Hl'asil" lliíos(:despn'lldia,

á/!:fi.í.ría centralizadora,
codificado: 3, unitoi rnizadora' q nesses t'll.o.;;lius, do I't'SSl' I 1I iuu-n ltl <L111'<•.• i\ u n I i!-í<llllclrópole, ("I JIlil

';iféstava "no gosto dos regulam entes meticulosos", projetando gcsfiío li" ('X (( )J(llli" .ilinhuv» '.~(' eUlll oul 1'1lS"il('(illl(.;,~" C dOL'II~'iIS,

'0Império arnoriarquia do Escorial, isto se devia porque,. () cscrav ix11li) SVlld!)'u maior deles. (;!)fllU obscrVOlUC()lll ilgudcz<I

" namente, o país era formado cIc par tcs desconexas e asplrav~ SllI,lrl SchWitrtz, Cilberlo lreyre foi, na sua geração, o único a ter
~rhauriidade quase sempre impossível: "O amor exasperado a li mil visão otimistado Brasil e de seus prirnórdios, boa parte das crí-
.....
:.:. . '.. .. . o no un1 resultado da ticas que recebeu decorrendo dessa perspectiva antes rósea.'?
%rf~i:rrijdade e à Simetria surge, pOIS, c I . _ .

\it~nciadeverdadeira unidade"." A precoce centralização do Por outro lado, sendo au tores de ensaios explicativos, busca-
'''>~doportuguês teria decorrências opostas, e a ausência de pro- ram o enquadramento geral c deixaram para segundo plano o
~~assê.tios nesse campo permitiu gue as "situações concretas e exame elos fenômenos especificas, muitas vezes eluddativos,
l'
<'4uais" levassem a melhor e propiciassem o al1oramento do Faoro é um caso à parte, já que invoca particu la r icl;ldc~ COJ)l ma ior
. " 'S!l10" e do "naturalismo" tão portugueses. freqüência mas, ao fazê-to, contradiz a" cxplic;l~(>CSpropostas.
Apesar de datadas, entretanto, essas explicações ~a()!l! >rl!O:; dl' rc/l'"
{i~:"~~lica-se como, por outro lado', o natural conservantismo, o deixar rência obrigatórios e não podem Ser esquecidas: h,\ que cul(ld .1;1:;
"
e ;;;C.:';:·;:·...est·ar- O "desleixo" - pudessem sobrepor-se tantas vezes entre eles no seu tempo, entender suas implicações ideológicas e, last /11I./1101

l_ t}T\.;;los portugueses I 11 ambição de arquitetar o futuro, de s~jeitar o pIo- least, considerar corn mais cuidado as evidências em[)íricas e as

a 3:::·.!:ces·so histórico a leis rígidas, ditadas por motivos supcnores às COIl-

:;~::~~;;:;:tíhgênciashumanas. Restava, sem dúvida, uma forç~ suficienternen- 20. Stuart Schwarrz, ':0 país do presente", entrevista it veja, n" 1594, 21·de abril de
1999: "Gilberto Preyre [oi 11m raro .otimista deste século. Havia nos anos r 19J30
':~:fi>:t~poderosa e arraigada nos corações para imprimir coesão e sentido
um pessimismo racial que dizia que a miscigenação era urna coisa negativa.
e ;i;~:?~spiritual à simples ambição de riquezas." Gilberto Freyre dizia que não, que a mistura era positiva. Repare que de sempre
.': o:: ~.:

e foi um autor festejado mas nào fez discípulos. Viveu e morreu isolado" Com ',.
;!;;:;(~ómo ocorreria alguns anos depois Da obra de Caio Prado [r., modificações, a entrevista foidep,ois )Jublic<lda:cOLno artigo: id., "Gilberto Ereyre
e a história colonial: lima visão otimista elo Brasil" in Joaquim Falcão c Rosa
e ~t(r;r~tação
, . ~. .' . ,
de Sérgio Buarque de Holancla é rnarcada pelo tom
Maria Barbosa de Araújo (orgs.), O [mperador das idéias, Rio de Janeiro, Top ..
Ia
books, 2001, pp. 102-20; Gilberto Freyre, Casa-grande & senzala, org. de
1; \~é~~O'BUarqUe de Holanda, Raizes do Brasil, 9' cd., Rio de Ianeiro.Iosé ÓlYl11- Guillermo Giucci et al., Paris, AIJca xx, 2002, pp. 909-1. Para lima interprctaçae,
),
:;~Wi.976,·p. 83. Para as citações anteriores, ver pp: 62, 64 e 82. matizada da obra de Frcyre, especialmente Casa-grande &- senzala, ver Ricardo
.
iii!9.:'I5id:
~:~
.' : .
,p.
,,-
83 . Benzaquém de Araújo, Guerra e paz. Cma-grande & senzala e {/obra de Gilberto
Freyre 110.1 anos 30, 2' edição, São Paulo, Ed. 34, 2005. . .

40
.~ituações particulares, já que, como observou E. P. Thompson em
![6rmwação consagrada, a história é <l c1isci pl ina do contexto."
tível originalidade, Trato dos viventes inspira-se no clássico de
Charles Boxer, Salvaâ~r de Sá e a luta pelo Brasil eAl1gol~, e a reper-
.cussão que alcançou serviu também para relernbrar a Importân-
fMPÉRlO
cia desse grande historiador britânico do império luso, recente-
mente falecido.
Na última década, intensificou-se no Brasil o interesse peja
;~stÓria.do império português e da administração colonial. Talvez
Boxer vinha sendo presença cada ve~ mais Ircqüen te nu

.'.o.sedeva em parte à expansão elos programas de pós-graduação bibliografia das' teses sobre.irrnandadese câma.ras ~\U.lli~ip<1~s,c a

àprosaica necessidade de escolher temas de pesquisa, mas o sua conhecida teoria da importância dessas lDstJt\:llÇ.o~s como

:-.tivQprincipal foi a percepção de que o Atlântico sul, a partir do


.
cimento doo Irnné
mpeno voltou à baila. Em sentido contrário .ao de .

.;11[0 XVII, passou a constituir um sistema próprio dentro do Prado J r., considerara a reprodução de instituições metropolitanas
,
nas colônias como elemento positivo e fecundo, capaz de assegu- .r
-"perio português. De modo mais 0).1 menos incisivo, vários tra-
:@i9~começaram a veicular essa idéia, e se O trato dos viventes rar a existência do império português por tempo tão longo: ,.•...
f,

,~9Ó6),de Luís Felipe Alencastro, alcançou justa notoriedade,



F'
-:J~.é.destacar os de outros especialistas há m ui to empenhados em A Câmara e a Misericórdia podem ser descritas, com algum exage-

:w,ostrar a estreita conexão entre África e Brasil: Alberto da Costa


1 ro, como os pilares gêmeos da sociedade colonial portuguesa do
;.,

y
"::,$~va,Manolo Florentino, Marina de Mello e Souza." Alencastro Maranhão até Macau. Ela~ garantiam wna continuidade qu~ os

.,m,afirmado ser impossível compteender o Brasil como expres- governadores, os bispos e os magistrados transitórios não pod~al11

")0 peculiar dentro do Império, impondo-se a comparação com assegurar. Seu S membros provinham
'. de estratos sociais idênticos
. .
~s.outr(lsp(lrtes, inclusive as.do Orien.te." Malgrado Sua indiscn- ou semelhantes e constituíam, até certo ponto, elites coloniais, Um
:~:.~. '.' . "

:'~"':'. estudo comparativo de seu desenvolvimento e de suas funções m~~-


',I'

::,~:~:.:E.~,Th'ompsol1, "L'<\ntropologia e Ia disciplina de! contesto", in id., Società trará como os portugueses reagiram às diferentes condições SOClalS
'i~t1iízia, culturaplebea, Turim, Einaudi, 1981;pp. 251.71.
que encontraram na A·fric:
l Câ , na Ásia
. e na..América, . medida.
e em que
·~2.Alherto da Costa c Silva, Um Rio chamado A tlrlllNCO _ a Afriw no Brasil e o
conseguiram transplantar essas instituições metropolitanas para
$tali/l1aAfrica, Rio de Janeiro, Nova FrOI! teira, 2003; id .. Francisco Félix de Souza,
iIft.úcoCtor.d·eescruvos, Rio de Jal1~iru, Educrj/Nol'a Fronteira, 200'1; ~1anoJo I'lo- meios exóticos e adaptá-Ias com êxito .. ,
. jJJjo;~m.costas negras--·1./l11a história du trdficode escraV05 entrea Africa e o Rio
. jáneii:o (sééu/osXVIJJ eXrX), São Paulo, Companhia das Letras, 1997; Marina Além de apelar para a necessidade da comparação, conectan-
.Q'eMello e Souza, Reis negros no Brasil esctavism - história da festa de coroaçiio de
~êipmgo, Belo Horizonte, UFMG,2002, do histórias espacialmente distintas.Boxer não se esquecia de uma

.:~·~kEmJecen(e entrevista, Alencastro lembrou que Macau foi fundada poucos


.:~#.9sdepois de São Paulo e afirnlou:"nãod;í' para fazer hislórin do Brasil sem situa-
~:.~~~.n:avértentedoAtlânlico·!illl. E o I\tlilntico sul não é só Angola, é a Costa da Mina, b em
- J3uenos. AJ' ·cs e 00 século XIX, Moçarnbique, cujo tráfico é dpuxado para
é tam ( , ~ . "" . '_
. . é "1,"UmbistoriadQrnacsqu(\]udu(11un 11,~ntr~Y(s
o RIOde janeiro nessa poca. 1 .' ".. 5) o'. >15-(,.
ta à Reviota de Histcíria d(; Bibiioreca Nacional. "no I, n 'J, outubro 200 ,~}. ,
41

,i
I
- ._-_._--_._---,-----------.

.~~;principais"peculiaridade$ daquele império, e, invocando o


Ar;avismo,completava:
aspectos condenáveis do'Esrado Novo." l'rCl~l1chl:l1d() uma lacuna
considerável, portanto, Francisco !klhl:IICUlIrl c Kini Chuudhuri .\
<;<·~Dcssemodo, podemos também testar a validade de algumas gene- publicaram, em 1998, os cinco VOlllI11C~ LI" Histáría ria expansão ~.

~:<.;r.alliaçõesamplamente aceitas, como, por exemplo, a afirmação de


portuguesa, para a qual, além de portugueses e de um brasileiro-
:}>.;)3'i!bertoFreyre de que portugueses e brasileiros sempre tenderam,
Caio Cesar Boschi -, contribuíram autores de nacionalidades
~}~:~~'fa
medida do possível, a favorecer a ascensão social do negro."
várias, entre eles um dos mais conhecidos discípulos de Boxer, A. J.
R Russell-Wood. Escapando, no título, da associação ideologica-
.. :Jrifenso às dores do passado colonial, própria aos brasileiros,
mente comprometida - afinal, Império teimava ~,minvocar o
"~à.!niáconsciência de senhores de um Império, comum entre os
Estado Novo" -, a História daexpansão portuguesa procurava ;:.

'kf?~eses mais críticos ~ afinal, (1 seu Império era outro ... -,
assim aliar duas tradições de estudos sobre impérios: a portuguesa
,::~~~nfatizava com naturalidade o que havia de comum e parti-
e a britânica, representada ali por Kirti Chaudhuri. O que ressalta
~~d.oentreambos, e em outro trecho conhecido lembrou que,
daobra corno um todo é a preocupação em buscar os ne~os com uns
~:';~.fl'lrmerezava um provérbio alen tcjan o," Quem I1ã.O está na
do Império e, ao mesmo tempo, destacar as especificidades.
... 4raestá na Miserico l;dia [... J e isso também valia para as duas
No que diz respeito ao Brasil, e dentro ,do assunto tratado
·tit.diçõcsno ultramar'?' ;.
,. aqui, cabe destacar dois capítulos: "Covemantes e agentes", de A. J.
"::,~,~ni.
Portugal, o estudo cio império português colocava, da
R Russell- Wood, e "América Portuguesa", de autoria de Francisco
..,;;;:forma, problemas complexos, e as gerações recentes PIO~U-
Bethenccurt." Ambos indicam a necessidade de estudar as carrei-
l
.<." ifugir da história mais oficial e presa a celebrações que, inde- .
i
:A~éhteda qualidade (muitas vezes boa), mostra-se em obras 27, Cf. Vitorino Magalhães Godinho, "Portugal, as frotas do açúcar e as frotas do
""h,a História da colonização portuXllcsa 110 Brasil, organizada ouro (1670- I 770)'~ Revista de Históric." rr' 15, Sáo Paulo, 1950, pp. 69-88; Prix et
rl10llllaies ali Portugal (J 750-1850), Paris, Ar mand COIU1, 1955; Mito e mercadoria,
$.tt~lnl e 1924por Carlos Malheiro Dias, ou nos vários trabalhos
u topia eprática de navegar. Séculos XlII- XVI IT,Lisboa, Difel, 1990. Sobre a dimen-
i,~ij~#d~dossob incentivo da Agência Geral do-Ultram~rnosallos de são atlântica do império português, particularmente nas relações com o Brasil,'
~~~rit~·o
da ditad ura salazarista. u. Nesse sentido, os estudos de ver Prédéric Mauro, Le Portugal et I 'Adalltiq1<eau XVII' si~cle(1570-1670) - Étude

,.:....,rino Magalhães Godinho caíram num certo vazio: de qualida-


économique, Paris, 1960, e, ainda, id., Études économique,; sur l'e:cpansion portu-
gai\«, 1500-1900, Paris, Centro Cultural Português da Fundação Calouste Gul-
~~~ihq:iscutlve1, não-ccnseguiram entusiasmar as gerações mais bcnkian, 1970. Ao lado da de Boxer, a obra de MalHO também influenciou o tra-
",j~v~ilS,para quem estudar o Império sign ificava compactuar com ., balhodc Luis Pelipe de Alencastro.

:~;lt>~:. 2R. Em comunicação ainda inédita, Maria Feruanda Bicalho destacou essa asso-
;;;~6,:l4-,Boxcr, O império marltimo português ..., p. 286, ciação. Cf. "Historicgrafia e Império", comunicação feita no sirnpósio "O gover- .~s
.
~'~,t'~s; lbid., p, 299. no dos povos", Parary, l' de setembro, 2005.
'29, A. j, R. Russell Wood, "Gover nantes e agentes": Fra ncisco Bethencourt, "A
;(i6:..CarlosMalbeiro Dias, Hisioria da
colonizaçt1o pOT'tugucsb do Br~sii, Porto,
América portuguesa", in Francisco Berhencourt c Kirti Chaudhur i (orgs.),
j~;~itQgra~a Nacional, 1921, 1.923, 1924,3 vols.
I listária da expa/lSãO port/.Igtlcsa. O Brasilrla b(/{{/n~(/ do Império (I (,97, IH08), Lis-
boa, Círculo de Leirores. 1999, respectivamente, pp. I(i9-92, 221\-49, vol, 111.
. .
43

44
,...,...,....----_._------------------ ...•. ...~,. "

.
- .-

:,?;asdeadministradores para melhor entendero funcionamento do


.~péi:io, e realizam um ótimo trabalho sisternatizador cios níveis
Y~'aQrrinist,raçãO colonial, aliando, assim, a ernp iria e o enquadra- dores e capitães". O "estudo da dimensão humana, principalmen-
~énto mais analítico, Quando reconhece, nas páginas iniciais, a te governadores e agentes", aponta contudo para, uma realidade
;;~ir(,\:hiada distância" e o caráter impreciso das áreas de jurisdição, distinta, que nega a "rigidez adrni nist rative'I'c mostra corno U$

":~$ell:';WQod deixa vislumbrar a presença da matriz explicativa situações específicas impunham a flexibilidade na "interpretação
(2;aii?.Prado Ir.Ao insistir, contuclo,sobre o aspecto sistêmico da das ordens ou decretos metropolitanos". Sem cxplicitá-lo desta
;:c:~~itralização administrativa e as numerosas atribuições e res- m~neira, Russell-Wood sugere a existência de um eixo vertical que,
"sabJl~dades do "homem no local" remete a outro paradigma de Macau a Minas Gerais, permitiaaos colonos tornarem suas
'çativo, tributário dos estudos de lack P.Greene, como se verá vozes auclíveis junto ao centro decisório de) 'p?r.ler (Lisboa), bem
. '
{
~?t~,;col1Sideravelmente popular entre os estudos mais recen-: como de um eixo hor izontalpassível, no plano local, de aproximá-
~~pbréo assunto." los dos agentes e governa-ntes,n Corn base erri'seu capítu~o-;-épossí-.--~-v------I
.Russell- Wood fornece importantes subsídios para se detectar vel concluir-que a eficácia 'c duração do império português decor-
:':'~$-Pectofundamental, ainda mais explícito no capítulo de reram da combinação desses dois eixos.
,}hencourt: as lógicas próprias do sistema adrnmistrativo do O capitulo de Bethencourt preocupa-se de modo mais explí- ,
'·J~.~rio" Isso fica evidente q uando mostra que a duração dos cito com a análise de um sistema administrativo, e aí reside sua -;
f"

,,,.':·,·)n05 era mais ou menos uniforme, ocorrendo certa flutuação maior contribuição, Destacando, de início, a conflitualidadc cons-
~:~,:<:!9tejoentrea Índia e o Brasil; ou que havia "qualidades desejá- tante das colônias portuguesas na Amé rica, passa a analisar a orga-
.*;~!J.\lD:lv~ce-rei,capitão-geral ou governador", capazes ele nor- nização que permitiu enfrentar essa situação, e desvenda suas lógi- .
::~i~,:.~-escolha para o cargo ~ tais corno sangue nobre, pertenci- cas de modo mais sistemático que Russell- Wood! Analisando.os
·m,~n~oaredes familiares, idade madura, exper icncia militar. Não é comportamentos e decisõe,~ mctropolitan'as ante as diferentes
',::~~pecto sistêrnico, n~1ll essa lúgica específica, contudo, que capitanias, mostra corno a estrutura administrativa e organiza cio-
is.mobilizarn Russell- Woocl, mas a atuação dos agen tes locais e, na! respondia a conjunturas históricas c a necessidades específicas,
. ~.C;lI?àcidade de flexibilizarem o sistema', "Urna história insti- .alterando-se quando necessário." O exame dos cargos, por sua-vez, ::."
:.
}1I~aldo império ultramarino português" afirma, poderia dar indica haver os qve eram patrirnonializáveis c os que não o eram,
:,.,..,:,·pres~ão de que el: cru muito centralizado e que "existiam Aqui, cabe ressalvar que a questão é polêmica: trabalhos mais
::~4'eiàs.de comando e áreas de jurisdição bem definidas, de acordo recentes indicam a generalização da venda clec,argos em todo o
::.~~Osregimentos e instruções entregues aos vic~-reis, governa- Império, incluindo-se a América portuguesa."
I':..':',::
.~ :<" •.

",:3d,,;itussdJ-Wood, "Govcnia(1tcs".:', pp. 169-72, sobretudo ).l. 171. Iack P.Grcene, 31. Russell-wood, "Governantes..", p. 192.
..:;~~gp,t1.~(edauthoruies. Essays in colo/'li(ll,politicul and constitutionnl history, Char 32. Bethencourt, "A América portuguesa'; p. 241.
)ottesvilJe. Londres University Press ofVirginia, 1994. 33.Ibid"p. Olival," Pagamentos ele ;cr~
247. Para posições distintas, ver: Fernanda
~;.. .
viços e formas de comunicação entre o império português e a metrópole (século
xvu)'; exemplar datiloscriro, 2004; id., As ordens militares e oEstaâo moderno-
45
::i
·. _ .. _ ... _-_ __
.. ..... _ __ ._-- ------------'----_._--..-
..
--_._-_._-------,.-------~------
~j;;::., ,', . .
;::',I:Outro aspectr, importante do capítulo de Bethencourt éo
::~dbem indicar no que a comparação entre a América por-
5sa e a Américil espanhola pode trazer benefícios para a aná-
trole. Na India, ao contrário, () "iSUI dI' ,,(' I'dOI\;1I'l:1l1 ;1., solidarie-

dades horizontais era mais C11YICI<,:,1c!()l", 1;lzC'qdn):ulll que fosse


'~tomando a tradição, bastante esq uecida, de Sérgio Buarque
necessário encurtar as estadias dos gOYCrI1;lllll'S."
Janda.Isso acontece não apenas na questão ela venalidade,
A pouca atenção dadaà cspecilicid;ldl' dI l~ d i/Crcllles contex-
.'" érn quando aborda o problema da amplitude de poder
tos imperiais -·ou mesmo o descuido q 11;11110,IUS('(uilcxtos irnpe-
à4ministradorcs.O Estado português mantinha um contato
riais - é o calcanhar-de-aquiles dos estudos de Antonio Manuel
ô\dôm os governadores das capitanias -- os capitães-gener8is
Hespanha.hoj- bastante influentes entre (),~'hísl()riadon:1i brasilei-
""'lhe havia interesse em enfraq uecer o governo central- os
ros. Conhecendo muito bem as lógicas interll,l,) d;r ;llllllillistração
,lidares-gerais ou vicc-reis. ror outro lado, o cerimonial de
'portuguesa quinhentista e sciscentista, a obru de 1Icspanha tem
. ~~ãOdos vice-reis portugueses revestia-se de maior formali-
sido decisiva no sentido de chamar atenção para a irn portáncia de
-'qui! o dosde Castela: "Dir-se-ia que o maior investimento
se olhar o passado como "um, país estrangeiro", sem incorrer nos
~Hco na nomeação dos vice- reis portugueses funcionava
anacronismos que pontuam a obrá de Caio Prado jr. e, em menor
-. ;.:,e1emento de comparação para competências mais reduzi-
'/idbretudo no que diz respeito às relações hierárquicas"."
escala, a de Rayrnundo Faoro. OquE; hoje soa confusão ele atribui-
ções ou superposiçao de juriscjições é elemento COIlSti tutivo e
;~:""~orfil11,
Bethencourt mostra-se atento às diferenças entre o
característico do Estado europeu entre os séculos xv c XVIII, do
!:":io português no Atlântico e no Oriente, Seria possível pen-
período que, de modo talvez impreciso, se convencionou chamar
:~"o padrão de lo ngevidade elos v ice-reis da América espa-
de Antigo Regime." Além disso, aquele era um mundo onde os
;ê?I1taminou a prática portuguesa de exercício dos altos car- "atos informais" importavam tanto ou mais do que os formais,
'mas os motivos sào diversos, Na América portuguesa os onde os ','poderes senhoriais", a "autonomia municipal", "os órgãos
'rú.dôres podiam ficar mais tempo, porque a distância da i
',. periféricos da administração real" eram decisivos. l? O "complexo I;.

~6poIeera menor, sendo assim maior a possibilidade


I •.:' •
de con- orgânico da administração central" da época se caracterizava,

34, Bcthenccurt, "A América portuguesa", jl, 24l.


'Wercê.e venalidade em Portugal (1641 - J 78Y). Lisboa, Estar, 2001, parte 11. 35.1bid.,p,243.
icrrfl, "O mercado de hábitos - I, A Coroa c o estatuto da vcnalidade em '36, É preciso lembrar que Aléxis de 'Jccqueville chamou de An ligo Regirnc a
";,pp, 237-82, Ernst Pijning,Conrrol/itJg coritroband: mentality, economy ordem desaparecida com a Revolução Francesa, e, pensando-a sobretudo com
.tyinEightecnth-Cel1tuty Rio de lanciro, Tese ele Doutorado apresentada base na história de seu país, reconlJ~ccu que era iden titicável nas diversas regiões
s,1iopkíns University, Baltimore, Maryland, 16 de maio de 1997, pp, 294-6, européias, Crasso modo', rcferia"e ao sistema vigente .uo século xvn: europeu.
~6autor mostra que cargos como escrivão de alrnoxarife e outros ligados à Estudos mais recentes sobre o Es't1do moderno sugerem contudo que ele teve
·~tIaç,ãodas alfândegas eram vendidos, Para um quadro sobre a venalida- várias faces: renascenrista, barro.cJ,·xepubJicJnà: Seria pertinente considerar que
çapitania do Rio de, Janeiro, ver Apêndice 2, página não numerada, formas políticas específicas se ;]lterria$.s,~n·lSüburna ordem mais geral que perma-
",;.e~hencoürt, "A América portllgl\esa", 1'.,24 J. necia a mesma - o aludido Antigo'Regime? Voltarei it questão Jogo a seguir.'
37, Hespuuha.A, vésperas do Leviathan. lnstituiçôes e poderpoiitico. Portugal, sécu
IU'X \I] I, Co imbra, Livraria Alrncdina, 1994, pp. 33 5S.
47
~r------~--------~;;------------------------------ . --
. sim, por um "paradigma ele ação po\ítiCO-adl:üni~t:,ativa", que
·.jurisdicio.nalista; por li m "modelo de o rgamzaçao ,;,ue era .0
sobretudo no capítulo que escreveu para LImacoletânea brasileira,
:":verno pulioi,~()(hd'.'; por um "estilo de processamento , :ue ela
O Antigo Regime nos trópicos, organizada por João Pragoso, Maria
"'~cesso burlluMico.'" No mundo ibérico, o paradlgma Junsell-
de Fátima Couvêa e Maria Pernanda Bicalho. Ali, há insightsorigi-
"···~l;ista
teria Ú[\lili\~I() mu ito a ação da Coroa, e o esquema poli-
nais, como a já referida crítica a· Rayrnundo Faoro e a observação
dalfez com (1uc cudu um defemlesse veementemente a sua
de que"a imagemdeum Império centralizado er~a única que fazia
'~:~ecompetência, gcn\I1do conflitos cotidianos c contribuin-
jus ao gênio colonizador da metrô pole", mostrando, mais uma vez,
~'modo decisivo ':p:1 ra a paralisia e a ineflcácia ela administra-
.:..'.:. d C"'" a permanente contaminação ideológica sofrida pelo tema da
·~tral a- oroa. .
administração, conforme destaquei no início deste capítulo. Mas
::':~,contribui significativamente para entender o Estado por-
há também certo descuido quanto à especificidade do império
B·ea administr<\ç:io do império em chave renovada, fome-
português na América, que o leva a generalizar com base em situa-
';·~:amaLriz.teÓrica elas lógicas de um outro tempo e aproxi-
ções próprias ao Oriente. Um exemplo: para fortalecer sua argu-
. mais a politica da análise ela administração, o enfoque de
mentação de que os "nichos de poder" contam mais do que o poder
nha apresenta problemas a contornar. Como já observou
central, invoca, entre outros, o argumento da distância:
.(1onçaloMonteiro, sua análise vale sobretudo para o século
:;eixando de funcionar no mundo complexo do século XVlIi,
os governadores ultramarinos estavam isolados da fonte ele poder
"~oequilibrio ,do império c as políticas metropolitanas se
por viagens que chegavam a leva~anos, tendo necessidade de resol-
'),1i~mprofunda01ente -- seja no meado do governo de Dom
ver sem ter de esperar a demorada resposta às suas demoradas per-
êPi~;:'s'e)'a com o consulado pombalino: O apreço ao esquema
'kV·~). . ~
1

.r.p.~dale à m icrofisica do poder levam- no a enfraque~er exc~s- guntas."

':,::v= o papel do Estado e a criar armadilhas para SI própno,


Em que pese o argumento.as distâncias entre o Centro e as
diversas partes do Império tinham escalas distinta~, e não podem
;,p,278.
,;:pp. 286, 28A-9. . . . ser consideradas em termos absolutos: nunca, no caso da Arnériéa
;Gonçalo F,Mon\.eiro, "Trajetórias sociais e governo das conquistas: notas ou da Africa Ocidental, uma viagem levaria mais do que alguns
: ~\ ·'.a:~essobre osvice-reis e governadores gerais do Brasil e da Índia nos sécul~s
,lI ··,'\inFrugoso,BlculhoeGouveii1(orgs.), OA/ltigo RegiJl1eno.l rróplcos,p.2B).
meses, as viagens ao Oriente, por sua vez, podendo durar até um .
[ta.coisa mudou com Pomb~l, sobretudo nas colómus, mas há quem dIga, ano. Como se viu acima, Bethencourtanalisou a distância em
I\. ...:'. b . '. . H S no meio do rernado Joant-
"ãô;quemudançassu stantlvaSVlelarn,u es, :" . chave totalmente diversa, diferenciando, em função dela, a dura- .
VI-
-':âfalda So~ucs.da Cunha e Nuno Gonçalo E MonterIO. Govcr,~ado~es e
ção dos governos no império Atlântico e no do Oriente.
llt' -. -inores do império atlântico portugl\e,; nos séculos \"111 e X'VIIl
.'m Nuno
11\' '~.r.i.! Mo,nteiro
.... 0 . .
Pedro Cardirn e Mafalda Soares ela Cunha (orgs.). Optl/llCl
..' b J r nsa de Cién-
Outro problema, advindo
.
tanto ela importância dada aos .

~ elites ibero-Qrneric"/'Ia~ rio Alltlgo lIe811l1e,LI$ oa,I$C, mp e


:11' 42. Nuno Gonçalo F.Monteiro, "Aconstiruição do império português. Revisão de
:~'~ciais,2005, pp.191-252. .
.:J' .
'alguns enviesamcntos correntes", in Fragoso. Bicalho e Couveia (orgs.), O ,1lltigo
Regime riOS trópicos, pp. 163-88, aqui, p.175.
49

50
1, :,~~fustituci0Ilais de onde o poder pode ser construido" como
ia >si~a:fragili~ade do poder central, é a desco nsideração de século xvm.para a História dePortugal dirigida por José Mattoso,
1- :ó:fiine ao cabo, tudo se fazia em nome do rei e de Portugal. "
o UlllCO caplít U·.10. que dedicou ao Jmpério~
.
"Os poderes num
tO i
. h~entes Mopteiro deixou claro qual era o processo de cons- império oceânico" ~ é curtíssimo, o que na época provocou cer:a
ia .da,jmagem real na ausência do rei, a autoridade régia sendo estranheza devido ao fato de o Hrasil ser, conforme
exp,ressao
z; .
.t-á8~c~mo
'.
elemento mantenedor da ordem na América ) con h eo id a, a "vaca de leite" de DOl~
João v, De modo'
resu,mido,
Ia '-"'à:dadoque temida" e, ao mesmo tempo, capaz de preser- Hespanha reiterava ali a teoria da estrutura polisinodal, svgerin-
as .~: ridade territorial da América portuguesa:" Hespanha do que alógica do império português se assentava 113 "modular~-

io ~~'tazãoao s~stentar que o Império não era "centrado, diri- dade das parles componentes e sobre a economm dos custos poli-
a- ,{lii'e:nadoun~ateralmellte pela metrópole", mas não conse- ticos da administração dos territórios". O último período do
Ll- \it-ÚÚi ver.ir fundo na análise elas peculiaridades do poder capítulo reforça o sentimento de que oimpério de suas cogitações
,er , undo distinto do nosso, caindo, por isso, na própria arma- era sobretudo, o oriental:
,~ei'como ensinou, a anatomia do poder era, então, distinta
.. 'je, nem por isso havia "ausência do Estado", mas um Além do'mais, esta ecol~omia da ocupação territorial (com excepção
ter
01.-
.. rnque as racionalidades eram outras, O Estado esteve
.' ivelmente presente na colonização e na adrninistracão das
do Bl'asil e, muito mais tarde, da África) explica ainda o relativo
igualitarismo das relações raciais 110 império orienta:: pois, no \
cr-

as
;;~?~sultramarinas: o que se deve perscrutar é a expre~são e a
.:-<l:essa
presença, pois podem, constantemente, nos iludir. Se
'efa:, corno afirma o autor, uma sociedade de Antigo Regime,
,:i"?'Priç. essência, assentada na h icrrnquia e no privilégio,
Oriente, os contacros permanentes

Apesar disso, as análises de Hespanha


na terr~ tinham finahdades que
teriam sido destruídas com uma estnltégia de violência,"

VêI~ alcanç~n,do consi-


I
~
.,
em '~irrah1que fosse diferente, derável ressonância entre a produção acadêmica brasüena recen-
ica .:i\::aná!ise do. mundo colonial em geral c da América portu- te, das teses e dissertações ainda inéditas à coletânea Qra~qeira já .
, Ins .,eirt:particular havia estado, até o capítulo que se acabou de mencionada." Por outro lado, não são poucos os pr9~1emasquç a
.1111 ., ionar, quase ausente das preocupações de Hespanha. Na aplicação indiscrimin~da da análise de Hespanhaao contexto bra-
:111 -t
ç'ioaAs vésperas do Leviathan (1994), o autor deixou claro sileiro pode trazer,' . ,
ra- Primeiro, porq,ue a corrente à qual se filia -dos estudos dahis-
....cibi,etôdo livro era "o Portugal continental, o 'Reino'" e que, '\
,toriografia constitúcional alemã à discussão mais, contemporânea,· 1
:~4ilehternente, "as dependências atlânticas c ultramarinas !
aos '~:fÇli:a'do seu alc<l,I1CC","Novolume que organizou sobre o
45, Id, "Os poderes num império occánico", in id. (coord.}, I-1isrória de porw~aL
. R . (1620 1807' obra sob a direçao de Jorge Mattoso, LIsboa, Edi-
a Antlgo ~grme .. I> c .
,hd,\goBentesMon rciro, o rei 110 espelho-a rnonarquiaponuguesa e a colo- torial Estampa, 1998, pp, 35]-64, citaçiio 3 F' 361, vol. IV. . . '
'pdodà.América (I 640-17?O), São Paulo, T-Iucilec,2002, p. 329. 46.Apçnas um exemplo: Marilda S"ntana da Silva; Podercslocars enl MInas Gerars
espanhn, As vésperas du Leviatnan..., p, 11. setecentista _ a repr'eswtarividadc do Senado riu Câmara c VIla RIca (J 760-18q8),
Tesede DO\1torado em Histúria,lFtlC-UI1,kamp, 2003,

51
:adapara a revisão daquilo que se convencionou chamar de
',O'n1oderno- tem por objeto as manifestações eminentemen- dl'~llWI\I,() dclnl,lli nunte na questão, os irnpasses sofridos pelo Estado
",opéiáS do fenômeno, O que lhcs interessa, muitas vezes na nncio na111:1 J :,11J'nf);l de Imjt' nju d8 m :1 entender a voga desses estudos,
ciência de análisl;!s jurídicas tributárias dos escritos de O tto i 1li('1IS1,,'Ssobl'rl tido 0111n: () i I1k i(l dil dl'Cldil dei \)7{) t! a de 11J1J(), e que,
er"é evidenciar a indistitJ<r~o entre público e privado própria na sua versar» r.ul i\iil
111: 11.<; " I,(,s 'I1H)( kruu, i 1\\plotlel 1\ ,I própria pos-
, i:lp do Antigo Regime, bem como as especificiclades de urna sibilidade de cx i,~ll'I Icia d\' lIlll I':~ilild()ilbsollllo, solapando o "para-
'.:~Çáos~ciales,tamentalcc()rp()ratiYa," Na Itália, onde a discus- , digma estatalista" c cnlilli'/,ilJldu "os elementos não absolutistas do
~8l'c::o;Estaclo,alcançou IIm de seus ápices nos estudos de Fe- absolutismo'l=Nessa vertente, sequer cabe o conceito mais genérico
a
,l1 bod," o assllntoconti.nua na ordem do dia, girando em de um "Estado moderno", "brilhante construção historiogrãfica for-
,p'~rplexidade quanto ao rato de os italianos terem organiza- 'jada pela necessidade de legitirnação ele uma burguesia eUfopéia
,erno"momento ideal egcnélico" dos Principados,scm con- nem sempre revol ucionária e q uasc sempre nacionalista"," A pecu-
,~óliuzi.rem''formaçôcs monárquú;as absolutistas" Sem ser liaridade do cenário italiano fornece, mais u ma vez, munição para
.. ' ".. .
o-debute: I.. Milllllori OP()t! il,idéi:1 de, um "lI,slado- ..arena" -- em que
",l/p'arte da obra do austríaco Otto brunncr ,~tencontra em alemão, A
se hllSGI hill'I))()l1i>':II' "
il 111()l1il,l"'!lIi;1
-
udministrntiv»
,., ,
c il sociedade de
',~?h:é, talvez, data de 1939 e se acha traJuzida em italiano e inglês, Ver
t'()J'jlm p!ll' IIlt'i() tI;1 vigil;IIICi<l(OIlI(II\I<I ollllH: u (ultíli,tu<ilidildc dos
, ~~r;, Teira e potere, intr. de,P Schicra, Milão, 1983; Land and lordship:
ôf'governance j1'J medieval /vustria; Philaddphia, University of Pennsyl- St Ijei t os ,h (I<-" i ,:stildn 'I)('S,~();)", [liltl t :,d,~ n:1 concepção de absolu-
s~; l~92, Sobre a influência do autor na hisloriografia poiítica do pós- iism». ['<Itil ,'k, i\ 11()~i\(' ,I:\ssica dL' LsJ.ado moderno tende a se res-
,t611 1(') Manuel Hcspanha avali» que foi grande,sobretudo na Alcman hn i· .
{'
(ri llt\ i r: "Mot lcrno éilJ 1(' 11;1"(] I~slildl) doi :ldo de vocação para proje-
ate a~ha'paradox<ll que tenha incídido menos sobre a historiogrilfia con- ! tar; mudemo é ilpl'llil~ () ,1\Slildo-adn1inistr;lllor contemporâneo'."
~ema'is sobre "historiadores críticos em relação aos modelos políticos I
ldos~,qu,ese encontravam com Dru nner na sua crítica implJcita ao para- Nessa discussão),,) cxistéucin de r:,sLllIos 1'11111 impériox coloniais
"ltl,9crátJco"reprcsentativo", Hespanha reconhece t.ratar-se de u m "estra-
,enio, típico da nova vagJ de historiadores do poder e do direito dos 50, Aurélio Musi, "Umassolutismo pr~riforll1alorc?'; in Cit"li,/ dei lIic'crc, ,,'iutc-
,,' taJdo século xx]', a cavaleiro de influénci8s rnar xistas e ~io~ escritos de gmúolle r resi5terl2Q nel si5Ie/t/n sp agnuoto, 2' eu" Salcrno, Avagtiuuu, 200 I, PI',
,;~r,;."insPJIados'por uma visão polítka muito conservadorn" Cf Hespanha, 223-4,\, (ita~ãf.l à p. 234, Alguns exemplos dessa historiogr afia: L. Blanco, "Note
~Ne'Rcrerca do Estado moderno" INurki/lj;
"iy'ersi<l~de Nova de Lisboa, 1999, p. 5,
Popeis, ri' 1, Paculdade de Direi- sulla piú recente storiogrufia in terna di 'Stato moderno", in Storiaamministra- I
ziane costitllziotJe.Annal~ ISAi' 2, 1994, pp, 259-97; C. }, Hcr nando Sanchez,
tudci"Esiste un Estado dei Rc.naômicnto!': ;nas também toda a terceira ' "Repensar el poder, Estado, C()rt~ y Monarquia Católica en Ia hisroriografia ita-
Escritos sobre el Rcnacimimco, denominada "ias origenes dei Estado liana", in Diezanos de ';'ist'OT'iografia t/wderniJw, Bellaterra, Universitat Autonorna
;;YÇf, Fcderico'Chabod, Esrri tos sobre cl Re;Jaci miCrI to, México, Fendo de de Barcelona, 1997, pp, 103-39; Elcn'a Fasano Guarini, "'Etat Modcrne' et anciens
llcon6mica, 1990, pp, 523-93,
éta 15 italiens: élérncnts d'Histoirccomparée'; Revuc d' Histoirc moderne et contem-
Aeblng~lo Schiera, "Lcgitimità, disciplina, istituzioni: tre presupposti per poraine, n' 45,1998, pp, 15-41. '
:~dcll~ Staro moderno'; in G, Chittolini, A, Molho e P Schiera (orgs.), 51, P, Fernánde:LAlbala<iejo, Fragmentos de MOt'lfJrquirl, '/falia)().' ri" /-lisi"t'irll/o/f
,:",ella,,l,taro, Ptocessi di [orma zione statale in ltnlia [ra Medioevo ed età tica; Madri.Alianza, 1992,
,~~'BoloÍlha, Il Muliuo, 1994, Ciusq.'pe Perrnlia, '''S,laro' c 'mocler rio' in 52, Comentário de Aurélio Musi ao livro de Man nori, /I suvraru»! I,for/'" /'lumlist'J//I
:..""anelf(hascimcnto", Storica, n' 8,1997, pj.l, 7-48, , istituzionale e accentramento fJ/Illl1Í1,istmtivo lIel Principato dei Mediei (s/'es, X IIJ.
'~:'~
.:

XVIII), Mllão, 19':14,Aurélio Musi,"Un ussoiutisrno preriformatore!'; p, 236,

53
54
. )~,ptoduÇãO) hierarquia social, confli tualidnde, exercíci o do
t •
·/v~tudoteve, no Brasil, que se medir com o escravismo. Adrni-
"i·uma sociedade composta predominantemente por brancos
mais importantes que tenham sido as análises sobre as teorias con- iá.amesma coisa que fazê-Io quando o contingente escravo
tratualistas subiacentes à constituição do poder político na Época ..··e~ai:- como chegava em algumas regiões - a 50% da
; Moderna," o mundo das colônias -- e aqui, lembrem-se as ressal- -O: Mesmo que a lei vigente na primeira -- a européia, a
r.:
vas feitas por Caio' Prado Ir. - não pode ser visto predominante- ,.,Titana ou ambas-- fosse igual à que se tinha para a segunda.
mente pela ótica da norma, ela teoria ou da lei, qlle 11111il·'ISV<'I.\'S :~W:tU:â.o
isto, parece-me que os pressupostos teóricos abraça-
permanecia letra morta e outras tantas se inviahil iZ<lva,1I1!e a C()lll . bt Antonio Manuel Hespanha funcionam bem no estudo do
plexidade c a dinâmica das situações espccíJ.ic;l:;. I\li,\s, 1);11",1 uru.t ·~osp'ortuguês, mas deixam a desejar quando aplicados ao
das maiores expressões do pensamento político, Sl'<lUl'!" () 111lllld" '··'od·o Império setecentista em geral, c das terras brasílicas
do Antigo Regime poderia ser visto sob tal ótica: caracrcriza mio-o ··ecífico.Olhar para os estudos sobre.o Império espanhol tal-
por "uma regra rígida" e "uma prática flácida" Aléx is d\' Toe- . ssa.rnais uma vez, trazer benefícios: se ali, até os Bourbon,
queville ensinou: "Quem quisesse julgar o governo daquele tempo ·:,al1tesum sistema imperiaique um Império." a Restauração
pelo conjunto de suas leis incorreria nos erros os mais ridículos"." ·ortugal da égide dos Austrias e impôs desenho novo, Ao
Em terceiro lugar, mas nem por isso menos importante, porque ··:~empo,a Europa pós-WestfáÚa tornava-se crescentemen-
.,. a América portuguesa se assentou na escravidão. Durante cem anos .i,ipolar e atropelava, no percurso, o p~queno Portugal." A
, no mínimo, de Joaquim Nahuco a Florestan Fernandes e Fernando
t Novais, os historiadores e pensadores brasileiros chamaram atenção :I:LElliott, o relativo sucesso do sistema imperial dos Habsburgo residi-
Ngáçâo de um governo regional efetivà e de urna centralização elevada
para o fato de o Brasil ler tido urna sociedade escravista." Leis, rela-
,pótenc1a. Cf. Imperial Spain, Londres, 1~63. Já Ceoffrey Parker sugeriu
,i~:f:elações entre as diferentes políticas regionais dos Habsburgo. Cf. The
.' áiiâers ó.nd theSpa/1ish'Road -1567-1659. Tlie lcgistics ofSpanish vrc-
culiuru en Ia cdlldrnorlaria, Madri, Centro de Estudios Constitucionales, 1993, p. :'defeáti/I the Low Countries' war, Cambridge, lY72. Sigo neste tocante as
176. .~e$;:dé Musi, "L'Italia ncl sistema irnpcriale spagnuolo', in L'Italia dei
°
57. Para Portugal, o trabalho decisivo, neste sentido, é de Luís Reis TorgaJ, Ideo- i?p!13iIS.
logia polftica e teoria do ESfado lia Restauraçüo, Coirnbra, Biblioteca Geral da Uni- ··~dibde Europa rnultipolar se opõe ao da "balança de puderes" e ao das
versidade, 1981,2 vois. .,.,n.iã.~.!'!Stistcntaque se formaram, então, três pólos: um rneditcrrànico,
58. De 'Iccqucvillc, "Les moeurs adrninistr atives sous l'Ancien Régime", in id., .'c;;~.·'.·Ça!ÍQcentro.um pólo centro-europeu, cujo coração é a Inglaterra, mas
J..'Ancien Régimc er Ia RévolutioJ1, Paris, Flamrnarion, 1988, livro n, capo VI, p. 160 . ;7f~~i!l'~·ériergência do Brandernburgo/Prússia e, pur fim, um pólo que,no
..•..
~~
. Comentando esta passagem, diz Puret: "[Tocqueville] viu-se diante do dilema r,$avlta'em torno da Suécia e da Rússia. Esse sistema constituído por vários
bem conhecido de todos os historiadores do Antigo Regime: no alto, a rninúcia Ç!jj)liflnêriciaformou-se no bojo da crise do sistema imperial espanhol que,
extraordinária na regulamentação de tudo; em baixo, desobediência crônica". ··.é:ij.:até ogoverno do Conde-Duque de Olivares.rcpresentcu "não apenas
Prançois Furet, Penser Ia Révolution [rançaise, nova edição revista c corrigida, ,.:efo·'de·organização interna de urna formação 'política su pra-esrarai c
Paris, Gailimard,.J983, p. 186. )i"<;i~naljcomo também um centro em lama do qualgravitou toda a políti-
59, Joaquim Nabuco, O abolicionisnlo - discurses c conferências abolicionista5,
São Paulo, Instituto Progresso Editorial, 1949; Plorestan Fernandes, "A sociedade
escravista no Brasil", in id., Circuiro feclj(ldo, São Paulo, 1976. Fernando Novais, 57
Portugal e Brasil lia crise do antigo sistema colonial, 550 Paulo, Hucitec, 1979.

o',,:
':;w,Can1!;ntc, outros historiadores que trataram do Brasil no
"~9rtugllês em chave analítica mais estrutural, como Ken-
, _' ell, nem seq ucr são mencionados.lsso não invalida, por
'relativa autonomia das partes, efetiva no sistema espanhol, foi
~rav~ualidadedas análises ali presentes, que trazem questões
assim sendo substituída por controle maior: a culminância Jo
.,.ç,nteressantes e, sobretudo, exibem magníficas contribui-
processo Foio Consulado pombalino.
. ]:Hricas.O cuidado com a pesquisa documental e a utiliza •.
dos arquivísticos até agora pouco freqüentados talvez
- jaliás, o ponto alto do livro. O mesmo destaque não pode
o PROOLEMA DO ANTIGO REGIME
,,:>a:oaspecto mais conceitual, que-contudo se apresenta
WSpj os próprios autores considerando o livro "fruto de uma
Na coletânea organizada. por Fragoso, Bicalho e Gouvcia - ()
,'~d,Y~historiográficainovadora".64 Além de formulações
Antigo Regime nos trôpicos-«. a atração por trabalhos que, como o
::~pr.e·cla'raso suficiente, como' economia do bem comum e '
-de Antonio. Manuel Hespanha, minimizarn o alcance do Estado 'tflii:(polítlca de privilégios'5 ~ contaminadas, talvez, por uma
'.'soma-se a-um relativo abandono da problemática da escravidão
i.: .
enquanto elemento constitutivo da sociedade luso-americana no OS'o,Bicalho e Gouveia, "Introdução", in ido (orgs.), O Antigo regime 1/05

século .x'V][].62 O poder local, as redes clientelares, os arranjos infor- ,;,'p: 21. A mesma crença no potencial inovado!' do grupo revela-se em
i'\;u:ado Brasil colonial- bases da materialidade e da governabilídade do
'mais, os "bandos" -- para citar expressão cara a Fragoso em vários'
}PeÍiél~pe,n' 23, Oeiras, Celta Editora, 2000, pp. 67 -8~, que conclui, à p.
de seus trabalhos --, a capacidade de negociação direta com a »procurou abordar alguns aspectos-e- econômicos e adm inistrativos
Corte dissolvem amarrações que, por muito tempo, se acreditou " -Colónia, a partir de um novo enfoque; qual seja, apreende-Ia [sic]

sustentarem a estrutura do mundo colonial - entre elas, o escra- ,R':~:artecomponente do Império ultramarinoportugués, enfati;.ando as
.:p,~Uticasdo Antigo Regime". '
vismc, ou seja, o sistema complexo que articulava as relações !õ'ilt,o escrito, João Fragoso explica mais detidamente o que entende por
sociai.~ naquela formação histórica." Sendo também autor do ....ià.do bem comum: "Um outro lado da questão, é que tanto o Senado da
:~'~Coróa (como cabeças da República) retiravam do mercado e da livre
livro, Hespanha é, nele, o campeão das referências ali presentes: a
..·;~cii!:'hens e serviços indispensáveis ao público, passando a ter sobre eles
,bibliogpfia arrola vinte trabalhos diferentes de sua autoria. Sin- ,'!ii~{aagestão. Em outras palavras, entremeando c interferindo nas lavou-
".&ctO.e'attesanato dos moradores dos conselhos/súditos do rei teríamos,
,:gd:Regime português, um conjunto de bens e serviços que poderiam ser
ca internacional" Musi, "L'evoluzione polítiro-costituzionalc dcll'ltalia nell'Eu- tt;.aospelo nome.d~ economia do, bem comum, ou de economia da
ropa multipolare'; in L'Ita/ia dei vlreré ... , pp. 207-23, citação à p. 211. 'uc~~'.João'Fragos~, "Ariobreza da República: notas sobre a formação da pri-
,.
62. Em escrito posterior, Maria I'crnanda Bicalho matizou sua posição pessoal: 'elitesenhorial do Rio de Janeiro (séculos XVI e XV)!)", Topoi, n° I, Rio de
"No entantu,o que a colônia, no Gl$O do Brasil, ou o império atlântico português o;.7.letras; 2000, pp. 45-122, citação ~ p. 94. Se, conforme o trecho citado, a
possuíam de especifico _... c que dotava igualmente suas elites de uma singulari- ádep~;ece tender a um jogo econômico livre c auto- regulado, o Senado e o
dade em relação às elites européias do Antigo Rq~in1e - era o fito de terem-se 1.
punham o monopólio. Seria possível talsituação anres do liberalismo eco-
gerado numa sociedade escravista, que se gerou por sua vez na dinâmica do tráfi- ~ico1 Cf. Eli F. Heckshcr, La rpnca mercantilista, México, Fouclo de Cultura
co negreiro", "Elites coloniais: ,I rW!Jfew da terra c o governo das conquistas", in
Nuno G. F. Monteiro e: al., O{JlilllO 1'",·s ... , pp. 73-97, citação nesta última página.
59
63, Cf. Fernando Novais, Povtuga! e I3rasil Mn crise do ... , op. cit., passirn.
-ca ",Antigo Regime nos trópicos, porque eles têm se manifesta-o
. ,0- '~I?em outras interpretações sobre política e administra-
imprecisão do próprio Hespanha, a economia do do/ti, que desloca
as " eu-ver, implicam alguns equívocos que cabe evitar ou,
a análise feita por Mauss com base sobretudo num mundo desmo-
de ,: es, discutir. Realimentados pela perspectiva analítica de
netarizado e a lança no universo do capitalismo nascente -, as
ise :'Manuel Hespanha, esses pressupostos retomam, aliás,
diferenças entre metrópole e colônia são irrelevantcx il pon to de
'no
,justificarem a abordagem da América portugucsa L'.lIIlHl quase ,quejá vinha se esboçando entre nós, e conforme a qual
uma versão tropical do Antigo Regime europeu. Se nuo, como \Estado e o antagonismo dos interesses de colonos e rei-
se
explicar o título? ~,:);iam.diminuídos. Tornando corno exemplo a historio-
'ra,
Em que pese a importância do estabelecimento dl' n'la~'()es c '.Fb~~Mjnas Gerais, com a qual tenho maior familiaridade,
.na
ela comparação na análise dos fenômenos hisróricox.« l l istó riu, ,ç'"ap,óso peso considerável dado ao controle da Coroa
Ias
como lembrou Thompson na passagem já invocado, C';I d j.~dpJiuu :'imandades religiosas -'penso em Os leigos e o poder, de
1<1-
,do contexto, a indistinção sendo, conseqüentemente, \I r11:1 de :~1I{\~ '\"'Boschi -, ou ao .dcsraque que eu mesma conferi aos
irn
maiores ameaças. Não me parece que a questão seja, C(1Il111 assi 1111 ' tes do poder enquanto agentes que intensificavam os
16-
laram os autores de O Amigo Regime 7l0S trópicos, romper "Ç(}Jl1 "dêsclassificadores, J únia Ferreira Furtado procurou des-
-se
uma visão dualista e contraditória das relações mctrópolc-coló ,1újeíçào do Distrito Diamantino ao poder real-- em O
)11-
nia", mesmo porque a contradição, enquanto princípio, define-se "ilpal'erde- e valorizar as redes de solidariedade que for-
ou ~. . .
como a antítese do dualisrno. Em situação colonial, onde as con-
,"ia:tuação dos comerciantes e, de certa forma, os autono-
tradições são, particularmente exacerbadas, a convergência ou
:'~","teo controle estatal da economia - em Homens de negó-
coincidência de práticas e interesses é não raro antes forma que
or- ',sanas 1990, po rtanto, foi se deli neando tendência oposta
conteúdo.
inara nos vinte anos anteriores," e na qual o papel do
t. importante tentar compreender os pressupostos que nor-

.on- ",a;IBoschi, Os leigos eo poder, São Paulo,Atica, 1986; Laura de Mello


ores :'~s'~fassificados do ouro; [únia Ferreira Furtado, O livro da Capa Verde
Econômica. 1943. Para o mutlo bastante livre com que Pragoso utiliza certos con- mpo , to djamantino de J 77] e a vida 710 Distrito Diamantino 1<0 perlodo da
ceitos, ver ainda ",\ nobreza vive crn bandos: a economia política das melhores lima i!o,São Paulo, Annablurne, 1996; id., H071lerlS de negócio-a interio-
famílias da terra do Rio dc laneiro.século XVII. Algumas notas de pesquisa", Tempo uiva ..etrôpole e do comércio nas Minas setecentistas, São Paulo, Hucitec,
,:~',
15, Rio de Janeiro, 7 Letras, 2003, pp.II-35. em que, às pp. 33-5. refere-se a uma .tido
"economia plebéia" C;] um "açúcar plebeu", cabendo mencionar ainda a relativa .srna '!iediz respeito aos estudos sobre escravidão, lcvan tei esse problemanum
facilidade com que associa nobreza ,1 riqueza ou poder, descuidando do sentido .iais: Ib'liográfico, "O escravismo brasileiro nas redes do poder: comentário de
sociológico do conceito e da diferenciação entre nobreza e aristocracia. A mesma G,E abalhos recentes sobre cscrnvidão" (resenha dos livros de Leila Mezan
indistinçáo aparece em outro ar-I igo, "Potentados coloniais c circuitos imperiais: leste "', 0fp.itarauscnte; (:uio Cesur llochi, Os leigos e o poder, Ronaldo Vainfas,
notas sobre uma nobreza da terra, supracapitanius, no Setecen os'; in Nuno G. F. .'1,Úlcmvirlão; Sflvia II\lrlrlltll,l,ara; C(/mpo\ ria Vi(){(1rrr.ia),t:swdos Históri-
Monteiro ~t ~I., Crptuuu Pars.,., pp, 133,,68, ao qual voltarei no capítulo 4 deste :fl'ilA, 3, Rio de 1:IIIl·i,.", I'!lI'I, 1'1', ! :l:l-~(,.
livro. Já para a expressão eC0110111i<1 política de privile.gias, ver Fragoso, Gouveia e

Bicalho, "Uma leitura do Brasil colonial..", passirn.

60
>~hfasedada ao poder local. à autonomia crescente das
tom relação ao centro, na busca dos interstícios que pos-
::~anegação do poder,enfeixado a partir da metrópole,
Estado foi, em certos aspectos, hipertrofiado: reação, portanto,
sal u lar e com preensível."
:9uiloique [ack P. Greene qualifico u de";utoridadesnego-

PoÜtizando a análise no pólo das relações horizontais - o


~egoriaele Antigo Regime é privilegiada porque, para os
empenho dos bar/dosem controlar as C{1D1uasc <l governançu, 011
:.:~hota um mundo onde a política predominava sobre a
ainda a desenvoltura com que atuavam ju n to aox ;Igcnl t'S IIH'II'<I '
·.~itMas há implicações mais tundas. Mesmo que, acatan-
poJitanos do poder, alinhavando illtcn:~sc.'i «()IlIlIII.\ ()tI t'lllIlPIc,
'.'.)selimite o alcance do conceito de An tigo Sistema Colo-
men tares-, essa perspectiva despolilizu II-<l- ()II, melhor, rOI) 1'('-
~ülo XVI[[ ou) quando muito, ao período posterior à
riu-lhe uma conotação política dijeren te - IIt) !()CIIl!t' ns l'eJ.lçOt:S
.1?de 16<10;ou ainda que se pense na sua acepção plural
verticais, distendendo as relações de dorninuçno <]11(' ,<;(' vcrifiru-
,:sColoniais expressaria melhor relações tão distintas
varn de cima para baixo e enfatizando a capacidade til: h'lbit'lIltt'.~
i~stabelecidas, através dos séculos, entre a França, a
da colônia comunicarem-se diretament.e com a mctrópnl.-. Neste
~~Inglaterra e suas respectivas possessões -, é significa-
ponto, tal perspectiva se ins pira não apenas 110 rcc'1 uacio numcnto
,'coJ,1ceito venha sendo eclipsado pelo de Antigo Regime,
,. ,

elas análises sobre o escravisrno - que passam a valorizar os estra-


ra designar a ordem imediatamen te anterior à Revolução
tagemas dos escravos e sua capacidade de negociação - como nos
estudos desenvolvidos por Russell- Wood desde os anos 1980. vol-
igo Regime foi definido e circunscrito a partir de um
tados para as formas peculiares de comunicação com a metrópole
encontradas pelos COI01105.'9 Aliás, a influência de RusseU-Wood
neste volume - para o qual escreveu (1 Prefácio - nota-se igual- ~?i8.n' 36,pp.187c249, 1998;"Autoridades arnbivalemes: o Estado do
'rihibÚiçiiO africana para â 'boa ordem na República"; in Maria Bea-
68. Além das obras já citadas nas notas acima, remeto a Nicholas Henshall, The piSiJva (org.), Brasil: colonizaçiio eescmvidõ». Rio de Janeiro,Nova
~9.99)pp. 105-23.
myti: ojabsolutism - cllIwge (> continuityin Eariy Modern EuropclllllvfollaTchy,
Londres e Nova York, Longrnaus, 1992. De certa forma, também François Furet, ;.:'.eU-Wood."Centros e periferias ...", PI>. 242 ss. Iack 1'. Greene, Periph-
em seu célebre estudo.já minimizava·- ou, pelo menos.relativizava -. em 1978, ·,ter.. Constitucional development i" tlie extended politie« o] lhe British
o absolutismo enquanto concentração suprema de poder, ressaltando seu caráter phe United States, 1607-1788, Ar.hem/Londre" Univcrsity of Gcorgia
de compromisso. Penser Ia Révolution ji-rwçaise ... , pp.145 $5. Ser. ainda: id.• "O governo local nn América Portuguesa: um estudo
69. O principal representante da tendência que discute c idéia da escravidão-cár- ia cultural'; Revista de História, vol. LV. n' 108. ano XX"VIlI,j 977, pp.
cere e do escravo-coisa, destacando seu papel como agente histórico. é, entre nós,
Icão José Reis; ver. sobretudo. Reheliiio escrava 110 Bmsil-a história do levante dos .."•.in Nunq G. F.Moriteiro etal., Oprima P,IrS... , pp. 165.
nUl{es (1835), são Paulo, Brasiliense, 1986; com Eduardo Silva, Negociaçao e con-
flito - <1 resisténcia cscmva nc>Brasil escrav.ista.São Paulo. Companhia das Letras. 'qui;.evidentemente.no livro de Fernando Novais, Portugal e Brasil lia
" ~istemacolof/;al. . .
1989; com Flávio Gomes. Liberdade por um fio - história dos q!lilombos brasilei-
ros, São Paulo, Companhia das Letras, 19%, De Russell-wcod, veja-se sobretudo
Escravos «libertos no Brasil colo/li<1l.Rio de janeiro, Civilização Brasileira, 2005;
"Centros e periferias 110 mundo luso-brasilei ro, 1500-1808'; .Revist(2Brasileira de
-------------

'·;·p:,.Prússia, Rússia e França: ao século XVIll, portanto,


:ZQIDqdisse Marc Fumaro1i, "a Europa falava francês", e
contexto histórico específico. lnicialmenr- referido às formas de I aos
vida e de governo 1i-anceses destruídos pela Revolução, passou, aos . 1no ,·'i.ndaidentidade nacional que se antepusesse à auto-
-~. . - .
poucos, a quaLifjcar um fenômeno mais geral, europeu. Um ano '~a>e~f6ricae triunfante de um lequede povos distintos
...;;. .unidade." .
após eclodir a rcvoluçiío,Mirabeau teria sido, segundo Tocqueville,
um dos primeiros ausar a expressão: "Comparai o novo estado das ;:'-:'Pierre Goubert - como para muitos conternporâ-
coisas com o Antigo Regime'; escreveu secretamen te ao rei, "é onde ::~~~o; a exemplo de Mirabeau - o regime feudal, abo- . I
residem os consolos e as esperanças" Agen te do processo que ia sub- ~:ci~'4deagosto de 1789, constituía um dos fundarnen-
vertendo a velha ordem, Mirabeau ellxergava-o como reforço da o-Regime. Outro de seus elementos constitutivos,
monarquí«, e considerava que "a idéia de não fcrrnar senão uma ocqueville, era o absolutismo monárquico, que, na
.Única classe de cidadã()s teria agradado n Richelieu: essa superfície ouinútil o feudalismo, na medida em que chamou
toda.igual facilita o exercício do poder. Inúmeros reinados de um s:~sfunçõe:; da poütica."TocqueviLle explicará tudo por
governo absoluto não poderiam fazer tanto pela autoridade real ";&~:6'desteagente único de subversão, a emer_gênci~ do
quanto este único ano de Revolução'~7; Mais que a ceIltraÚdade do ecomposição da sociedade an nga; a revolução política
te: o social. Num movimento único, ele elaborará uma
poder, portanto, Mira beau iden tíficava o An tigo Regime à sociedade
desigual dos privilégios: em suma, ao feudalismo, sem se dar conta de :'litica do absolutismo e uma história social do Antigo
.' . ançois Fvret, grande admirador e, em muitos pontos,
. que opovo não se compunha mais de súditos, e sim de cidadãos; a
soberania não mais emanava do rei, e sim cio povo. Escrevendo muito ocqueville, também glosou o papel do absolutismo

tempo depois-- seu livro foi publicado em 1856 _, Tocqueville t~constitutivodo Antigo Regime: "O Antigo Regime

.pôde ver além: o An tigo Regime era algo comum a toda a Europa, e fmada autoridade: poder centralarbitrár io/indiví-
sua ruína mostrava-se geral: "não S3.0 homens diferentes, são, por :;,partir da qual se moldarão as instituições revolucio-
que aFu;et, a essên~ia do Estado do Antigo Regime é J us-
toda parte, praticamente os mesmos homens". O que entrava em
crise era, portanto, um' verdadeiro sistema, o do Antizo Regime que
' o l.. )
·"iens, O Ancíen Régill1e, Lisboa, Verbo, 1967, p. 9.l\·1.arc Fumaroli,
ele se propunha compreender."
··parlait[rançais, Paris, De Pallois, 2001. É vasta a produção sobre a
, . Entre os historiadores, 13ehrens considerou que o Antigo . edo seu empenho em se ver como unidade. A título de exemplo, ver
Regime correspondeu ao período no qual a Europa foi dominada ~
.r
". 6d,$19riadel1'idead'Ellropa [J 961 l.Rorna.Laterzu, t 995; Lo specchio
1()!\ Jin~lagine P-immagi/)Çlrio di U/I cont irlen te, Rirnini, li Cerchio, 1999;

73. Citado por Tocqueville, L'Ancien Régime et Ia Révolutiol1, livro I, capo 2, p. 104.
;Iilll ~ri'(brg.), The idea oiliurope-« [romAntiquityto lhe European Union,
''''nCcnter Press e CarnbridgcUniversity Press, 2002; Robert Darn-
74 ..•Id., "Cornm enr presque toute I'Europi- avait précisémentles mêrnes instíru-
~dltÉur~pa: cultura e civilidade", in id., o; rlwtes falsos de George
tions et cornment ccs institlltions tombaient eu ruine partout", in L'Al1cien
rcvo- '.ã~;p~uio;~mpanhia das Letras, 2005, pp. 91-101.
Regime ... , livro I, cap, rv, p. 111. No "Avanl-Propos': Tocquevüíe escreve.a passa-
cstu- - ::i1éloriiQ "Préface" a Tocqueville, L'Ancien Regime ..., p. 25.
:" . gem freqUentemente citada." Este livro que publico não ~ uma história da revo-
·..~d..j~R~olution [mnçaísc .... p.iS?. Cabe lembrar que Puret, cornu-
lUÇãO, o que foi feito CO.!l1 brilho suficiente para que eu almeje refazê-Ia; é um estu-
do sobre.essa revoll1çã~", op. ci t., p. 87.
..~:v.-:!.,!'~';,;",,::," '., ~.:.' .. ._-
- ~_.
.•... .
.

~.' .
. 9i:ti!ria ela sido "pienarnenr-" recriada f I
;,:;.". . _.- na o r ma c a escra-
~:afnc~nos-apenas nocontexto de sociedades européias
tarnente li 5\1 pressão dos poderes concorrcn tes: ','Amonarquia abso-
.:'.Reglme que, ademais, tinham colôn.ias - Portugal,
luta não é senão essa vitória cio poder central sobre as autoridades
.1trança Holandá
.:~.:'.,
.. _' .
I 1t
,ng a erra -~., e não em outras _
locais", di/ .. 7
tradicionais dos senhores e das comunidades " \ Jc falo,
~sla, Rússia, Polônia? Em outros termos: seria histori-
Tocquevillc acreditava que o Antigo Regime I"r,ll\ds havia CllIlSl'·
. q uecedor considerar eq uivalentes o u até iguais as lógí-
guido levar a cabo a centralização adrnin istr.uivu, ",I (1IIi(·'1 pa rte du
. sde Portugal, Espanha e suas colônias, por'um l<Jdo~e
constituição política" ela época capaz de sobreviver ü Rcvoluçno,
.:,.~~ Prússia e da Ausrria -:-cste país, indiscutjvelme~~
por ser a única compatível com o novo Estado social então criado." ,.1S tIpIcamente Ancien Régimeda Europa?
Esbater o papel do Estado, valorizando os poderes interme-
.;)~emi~ propor o ab~ndono do conceito de Anügo..v
diários, e rnan ter, sem nuances, a designação de Antigo Regime sacredIto que, ao u til'rza-
'1 0, deve-se ter clareza quanto
:/... ..
para um ~undo que, como o luso-americano, não conheceu o feu c.
'.••~.subJa~elltes ao seu uso, e sobretudo quanto à relação
dalisrno, traz portanto problemas consideráveis. Nesse sentido, a as socledadesassin~ qualificadas estabeleceram COm
coletânea que se vem aqui discutindo propõe um Antigo Regime fDas à órbita européia, O que houve nos nossos t1"6- .
i:
i-;
totalmente atípico ao mesmo tempo que afirma a sua tipicidade: ,,;:da, foi uma·:expressão muito peculiar da sociedade
me ,. .
! ele é também atlântico e escravista, já que" [a) escravidão foi uma ;~i; .... europela, que se combinou, conforme análise
I
i.'- instituição plenamente incluída na lógica societár ia do Anli!!.(I r}·de O Antigo regime nos trópicos buscaram progra ma-
I'·
j:


Regime"," De fato, numa sociedade hierarquizada e assentada CI11 }~r,com °escravismo, o capitalismo. comercial, a pro ..
i. ordens que se distinguiam conforme o privilégio, a honra e a esti- .gi! escala de gêneros coloniais - que nunca excluiu a
ma social-v- na Península Ibérica distinguiam-se ~inda pelos esta- .",,'0arnente -, com a ex.istência de uma condição. colo-
tutos de pureza de sal1gLle---·, a escravidão vinha a calhar." Por que, ,..;.'íjl:UItosaspectos e contextos, opunha-se à reino] equ >

s(fúJ .. e,
,/' o :XVIl1, teve ainda de se ver com mecanisllJos de con-
·:fnk6 nem.sempre eficaz c·efetivo, mas que integravam,
nista de formação, migrou para o neolibcralisrno e alvejou, na passagem citada, o ~~"edefimamasrdaçôes~ntre urn e outro lado do Atlân
terror e" vanguarda leninisra revol ucionáriu.
.1VO ~OIDercial. Em. sUJ1'lJa, o en tendÍl,nento da socieda,
78. Ibid., p. [44.
79. Tocqueville, L'Anciell Régime ..., livro 11, capo 2, "Que Ia centralisaticn adrninis ,PReg1.me nos trópicos bl'rjeficia-se quando considera-
rrarivc cst une institution de l'Ancicn Regime, et non pas l'o euvre de Ia Révolu ~~s.relações com o antigo sistema colonial."
-tion ni de l'Ernpire, comrne 01\ Ic dit" pp. 127-36, citação à p. 127.
; '.. .;" . '1'
80. Hebc Mattos, ''A escravidão moderna nos quadros da império português:,
An ligo Regime em perspectiva atlântica", iJ1 Fragoso, Gouveia e Bicalho (orgs.), ( 'd:~·'~ovais,Portugal e Btasi! na crise do alltJ~r;O~is;ema colonial.: Valho-
Antigo Regime nos tropicos, Pi'o 1·1J -62., citação :11'.162. Italico meu. ,,)lalmente, das re[Jexéie.,de Leila !\-(c;:anAlgruntí na aula dada durante
81. Cf. Maria Luiza Tucci Carneiro, Preconceito racial em Portvga! e Brasil Colón; ··.C.'·; . .D d~ Llvre-DocencJa na Unicarnp. ·'Monocultura e diversidade eco ..
1§í:novasVisões da eco norní 1 . I'" . .
- 05 cri,tilo5-lJoyOS r o mito da pureza de SOllgue, Silo Paulo, Perspecliva,"2005 ( .. -:.::<::. mia co orua ,Campmas, 3 de maio, 2002.
edição: Preconcrito raciall~o Brasil Colõ"i" - os crislão.HiOVOS, São Paul,
Brasil iense, l ;/tl3). ;{'i 67

66·
Ao contrário do que se afirma com alguma freqüência, Por- ','1i.etrasbrasílicasintegraramo mundo doAntigoRegime por
tugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial não aborda apenas 'antigo sistema colonial. Enxergar os dois lados do sistema
, questões econômicas-c- o que é objeto sobretudo do capítulo 2, ",frópole e, no caso, as colônias americanas r-r- por meio de
«A crise do antigo sistema colonial" -, mas procura esmiuçar «o ' 't#vàem, que a hornologia tende a dominar enquanto a espe-,
conjunto das relações entre as metrópoles e suas respectivas colô- ~éâcaba circunscrevendo -se ao caráter tropical parece-me
nias, num dadoperíodo da história da colonização"." Na verdade, ;':<nscutível
.. ,.. - ,
e; no limite, perigoso, A idéia: de um Antigo
.O livro é uma história da "política econômica colonial da metró- bdstrópicos ameniza as contradições e privilegia olhares
pole portuguesa, relativa ao Brasil'," e dá grande ênfase às pecu- ";;inclusive no campo da historiografia.
lia.ridades da Ilustração em Portugal, mostrando como os signifi- ':\::seassim O risco de cair no que hoje é engodo e que, no
cados cio movimento na Europa podiam se transformar uma vez ;:",~;ioimesmoideologia, enxerga rido-se a relaçãoentre os
ern solo colonial." Não trata diretamente de questões administra- t~sdemodo análogo a Gianbattista Tiepolo quando pin-
tivas, mas fornece uma perspectiva analítica riquíssima p ara se "o dei palácio dos bispos príncipes dc Wurzburg, Iarníliu
-,'; ."
entender as relações contraditórias entre a metrópole e sua colô- aescasem nenhum contato com navegação e comércio tran-
. ", ~I·:·- . " ' . ~
nia americana, sensível, por um lado, à cspecitlcidade do mundo ,',os,Representando a .Asia, a América.a Africae a Europa,
que se construiu nos trópicos e, por outro, à-sua inextricável liga- ",,' forma que, estando onde ~stiver, o observador s6 pode
1: ,ção com a metrópole e, além dela, com a África e a Europa. adas alegorias em relação à Europa. A figura alegórica
A especificidade da América portuguesa não re~icliu'i1a assi- está sentada num elefante, a África num camelo e a
milação pura e ?imples do mundo do Antigo Regime, mas na sua ai.num crocodilo, ameaçador, lânguido e anfíbio,
, recriação perversa, alimentada pelo tráfico, pelo trabalho escravo ,~ ,

de negros african~ls, pela inuoduçâo, na velha sociedade, de um 'a,Europa está sentada num trono e não num animal, e em vez de
novo elemento, estrutural e não instituciorial: o escravismo, Su- '::'.at~seidentifi~ada por meio dos produtos naturais do continen-
hordinadas à monarquia portuguesa, que entre a Restauração e o 'j "'~'\erepresenta, só eJ~ se encontra rodeada por aquilo que seus'
,período po mbalino tornou-se cresce ntemente centralizadora,
:"\criáram, pelos atributos das artes, da música, da pintura, das'
tendo assim que recriar suas relações com os domínios ultrarnari-
~~'da tecnoJogiada guerra. Além disso, a Europa é o ponto a

~j ..Fernando Nova is, Portugal e 8rc1.lil..., p, :,7,


';~?r4o qual as outras figuras ~êJll de ser vistas."

, 84, Ibid .. p. 5, 'ft."::: '


85. "A política colou 1;11portuguesa relativa ao Brasil na última etapa do Antigo 'a-cosrnopolita, triunfadora, capaz de impor leis, línguas;
Regime articula-se de forma sistemática com a política econômica executada na
'~politicos, formas societárias e religiosas, costumes e rner-
metrópole, e configuram arnbas uma manifestação muito clara da.Época das
~l "
Luzes, Na maneira de focalizar os problemas, na tcor.ização que lastreia o seu tjj··:~"
esquema de ação, nas próprias hesitações com qlle foi levada à prática revelam-se , " yPagden, "Europe: ccnceptuallzing a com inent", in ido (org.), Tffe. idea
. as marcas características das incidênciasela Ilustração." lbid., p. 299, ";':iPp.33-54, citação à. P: 51 .
':t"""

63 69
..' igoRegime 1105 trópicos, lança luz sobre o papel desernpe-
cadorias sobre o resto do globo, permanecendo incólume e impo-
'~elolmpério na remuneração elos serviços de funcionários
luta ante qualquer contaminação externa. ,
;.s,~ostranelo que, após a Restauração, quando as vias de
. Os impérios, afinal, se construíram sobr« rcla çfies de dorni-
~;iJ.obreza foram se estreitando, os vice-reinados da India e
nação mas rarnbém de intercâmbio, como frisou Russell-vvood
'fiveram papel nobilitador de destaque, Num trabalho
num trabalho recente."
';Monteiro havia relativizado, talvez ele modo excessivo, o
.' :colônias no enriquecimenlo das casas nobres, mas ulti-
....' tende a concordar que isso ocorreu sobretudo entre os
PERSPECTIV/lS "" I(!I,NOVII<;:;\O
:~tÜtos das grandes casas, para ele os grandes beneficiá-
~·t~inadas carreiras imperiais duran te o século XVllI. 89
Há rn uito que r.l'f.CI'li u.iu! () " <ln<Ílisc da política e da adminis-
iiás contribuições mais substantivas se anuncia em nota
tração nos tempos culoninis. aqui tecida~ têm p_or
único objetivo contribui
t' ;IS JlIIIHll'r'I~·lles

r n o I'vl i11;1111('111 () ,1 >11l't' 1111,11<.1:1 J iscussao,


:~erecoloca-de modo um tanto tautológico -a "cen-
.pcentro", ou seja, de Lisboa, que, após a Restauração e
lembrando que, ao lado de Cl'i'];1 (,~;(;IS;;("f. 110 ItW;tJIIP;1 (,,~I.udos
~\i~étUlo XVllI, manteve-se como núcleo de onde emanava
moncgráficos, há, entre nós, lr;ldj~(I('.'i;t t'(ll1.,id~I;H, l'vil;lndn n
',~o'~sistema de poderes" que caracterizou o Império, "a
vício um lanto infantil de, a cada P;ISS(l, jl>p,UI';1 trlilll~'il loru junto
'. ão política quase universal com a Corte" foi "pr essu-
com a água elo banho, . ,
."vo da flexibilidade do sistema": é ela, para além da cen-
Não se trata, evidentemente, de dcfcn.k-r 11111;1 hi,'itOi'LOgl'ill.la
;t:>rçpriamente dita, que cabe considerar,
mais. naClor
. ial:, II1U'lto pelo contrário,
. Entre os lIlt·IIItIl't's I rah;llh().~
:timo balanço publicado sobre seu projeto de pesquisa,"
escritos recentemente sobre aspectos da aJlTlinislr;lt;f1\1 l\ll 1111'
':eSoares ela Cunha avançam substancialmente na análi-
pér io estão os de Nuno Gonçalo Monteiro, historiador p()n\l~u0s,
'~aadministração imperial, reiterando a importância do
, Com base numa investigação ernpir ica cxaust rva. - <\\lt' ve-m
.;isório e mostrando como ele mudou ao longo dos sécu-
c\csenvoIYend~, cabe destacar, juntamente com Mafalda Soares da
Cunha-c--, o autor elabora de modo criativo algumas das idéias de
\o:.de uma "monarquia pluricont inentul caracterizada
;;'icação permanente e pela negociação com as elites da'
Antonio Manuel Hespanha e traz subsídios decisivos para o estu-
perial", cresceu a diferenciação entre as esferas institu-
do da administração imperial." o capítulo publicado na coletâ-
é tinham lógicas' específicas e "distintos padrõesde cir-

87, Russell- vvood, Ulll Illtlllllu e/r: IliOVi/l1fllf(l. (h portugueses na Africa, Asia e
')~~paço da monarquia", Não foi, a seu ver, o en raizarnen-
América - J 41 )-1 808, Lisboa, Difcl, 1998. . QS;igentes do poder que possibilitou a integração das
1~:~:~:ú<
". '. , .
-
H8. Nuno G,onça IO r.c M (inteiro
- , "Traje crias S1l(i;li, c govcrIlo
. . das .conqursias: .
notas prc I·'Imlnares 'h'50 IC o'" vice-rcis - e <lowrnadorcs-l'<'r;lIs
I.' ' '.. do l\r;I.~11 e da (11.1"1. ':1G~m~a1o'F. Monteiro, O crepúsculo dos gralldes - 1750-1832, Lisboa,
os sé .ulos X.VII e XVIll'~ in Fragoso, Bicalho e Gouvcia, () /lI/ligo lIt'gl/lIr ""~ 11 . ,à,éiónall Casa da Moeda, s/d.
"I' "
/1'1
n J <c , " .
. - 2° 1-83 Mafalda Soares da Cunha e Nuno (;Ot1\·"IIlI·,lV!nilICll'O, .1\1-
"0'.." pp, J . ,_ , . ... denomina -se Optima Pars - As elites tia sociedade portuguesa do
I
vcrníHorcsecap
~ itãe
<H:s-rn
ores. do império atlànuco') portllgllC" lI<" ''''.ul\>" XVII ': l 'Ir') 'i?i'e, financiado pela Fundação para a Ciência eTecoologia desde 2000,
XVIII", in Monteiro, Cardim C Cunha (orgs.), Opl/1/1l/11lrs ... , I'P· I ) I ,•. '-,

71
70
""'"")1
..... .,~~~-~
,
.
,

- .
.- '
~:l'. , .to:n Além da verticalização da análise, a novidade trazida
' ..o-português residiu ~111associar a remuneração dos servi-
periferias e o "equilíbrio dos poderes no Império", mas o "fato de as
ieral, e a concessão de hábitos militares, em particular, à
distintas instâncias, e as respectivas cl itcs, muruumcnte se tutela-
:'ktOIn, ou dádiva, de inspiração maussiana.assim dbfinin-
rem e manterem vínculos de COI11\1 Il ica~,\(} (()) II o centro'." A con-
f~iinpério português, uma economia da graça, do do~ ou,
tr ibuiçào principal reside; contudo, IlO mapcarncnro das lógicas
"'iQlhval, das mercês, por ela considerada o sistema mais
que presidiam il escolha cios govcrn.\llIl's cojoJli.\is: qual a hierar-
", ':;de todos," Reconhecendo o potencial interpretativo
quia dos cargos--·como, quando e por que os g()VCrIH1S da l nd i;\ f()·

rarn mais importantes Cjue os do Brasil e Árric<l, 0\1 vicc-vcrsu --i


:9,:0 por esse viés, cabe lem brar, contudo, que, à medida que
:~gime foi se aproximando do termo, o sistema atributivo
qual o rnccan isrno das escolhas - por quais Conselhos elas passa-
vam; quais os cargos Cjue enobreciam, e de que categorias sociais
.,.'itinamente solapado por um sistema contributivo, eo
saiu l1l os seus ocupan teso Por trás de tudo, o rei e os conselhos de fi- ·~.:ilivo:da liberalidade foi sendo recoberto pela sua nega-

l1i.1I11 quem governava o Império, mesmo que houvesse pressões ".'):.110 valor." No século XVIII, portanto, dom,.graça'ou

próximas - da Corte - ou distantes - das Conquistas. !te;f(im a ser substituídos por valores mais pragmáticos,

O cuidado com o sistema de recompensas vigente na moriar-


, ~'erde Albuquerque, A rCl1wJlCraçiiode serviços da guerra holarule-
'qnia lusitana e ~e grande repercussão em âmbito imperial -- o
}~ersidade Federal de Pernambuco, Imprensa Universitária, 1968.
pagamento ou remuneração de serviços - é outra contribuição
'iGónsalves de Mello, Henrique Dias -- governarlor dos "rioulos,
decisiva dada pela histor iog rafia portuguesa aos estudos do. .:.'·s'do Brasil, Recife, Massangana/Pundução Joaquim Nabuco, 1988;
Império, cabendo destacar os trabalhos de Antônio MJllUe1 Hcs- . ~(..Vitira -'-- Mestre-de-campo do terço de Infantaria de Pernarnbuco,
panha, Ãngela Barrete Xavier e Pernanda Olival. O terna já figura- .\ssâ.ôNacional para a Comemoração dos Descobrimentos Por:
:.,~6.deEstudos de Históri'a cio Atlântico, 2000, sobretudo pp. 305 ,5,
va na nossa hisroricgrafia, sobretudo nas análises da Guerra de
:~ção dos serviços de João Pernandes Vicira"): Evaldo Cabral de
. Restauração pernambucana: Cleon ir Xavier de Albuquerque escre- ".··ee'osanglle - uma frallde.gellCill6gica no Pernambuco colonial, São
veu sobre o assunto um estudo específico no final dos anos 1960, e ...., hia-dàs Letras, 1989; A [ronda dos 1'/1azombos - nobres contra mas-
• 0, i666~ 1715. São Paulo, Companhia das Letras, t995, .
tanto José Antonio Go nsalves de Mello como Evaldo Cabral de
Via':economia de Ia gracia", in id., La gra'cia dei Dere~ho ... , pp. 15 i-
Mello estiveram, em boa parte de seus escritos, atentos à questão,
:',:efo Xavier.e Antônio Manuel Hespanha.t'As redes clientelares", in
recorrendo sistematicamente aos fundos arquivísticos específicos a :~lij-eção),História dep(Jrt~gal-.- o Amigo Regime (coordenação de
'.'. }.Espan:ha),lisboa, Estampa, i998, pp. 339-49; Fernanda Olival,
9l. "Governadores c capitães-mores do irr.pér io atlântico português nos século: .t'fiz.res·e o Estado Moderno; passirn, sobretudo parte I, cap, 2, "/\s
XVII e xviu'; p. 194, A "central idade do centro" aparece, de certa forma, no intcrcs ".~S!l1iTJ.:fortc pilar do Estado Moderno", item 2,2, "A organização da
sante capítulo que João Fragoso escreveu para a mesma coletânea e que reprcscn nercé" pp. 10 7- 31.
ta certa revisão de seus pressupostos anteriores, A idéia de UT:1'; "nobreza da tcrr. \!i;· acima, que Mauss pCB5011 a dádiva para um contexto em que a
supracapitanias'' deve bastante, na concepção; à engenhosa lese de Mari ~bmbaseemvaloressimb6licos, e não materiais. O advento elo capi-
Verónica Campos; Covemo de mineiros- de como meteras Minas numa moeml ',)la marxista' ela reificaçao, parece-me,Jimitam fundamentalmente
e beher-íhe ()caldo dourada, Tese de Doutorado em História, FFLCH-USi', 2002. N .~di!dutcoria de Mauss para sociedades complexas. Para uma rclcitu-
tocante 11 conccituação, nobrezil da rerm continua, J meu ver, merecendo maic ·.~~·f~···
cuidado, Cf Fragoso, "Potentado, ..,",pussir».

72

. .
'~""':""I";ll.""_"" _. . .
. ".'fi'"'~\l''f:,,''' ''''; '. : . . .
',~
.t. " .. ~ ", . .. . .'. . '. . '. .

\1.

;:'., - bi . nálises específicas e enqua-


":'. . issor com mal a. d 1
';\;Cousldero plom ~. . questionar mo e QS
Se a complexidade das questões levantadas pela análise do -.' . o prob\ematlzar e
ntos ger3Js,bem com di d procurou mostrar
Império e.da administraç~o impõe não perder de vista o enquadra- : .-. b 1 o aqui' empreen 1 o d
ativos. O. a anç . . _ . c 'tas ora ao papel o
rnen to teórico, os escritos ma is rcccn tcs -- de Russc]] ..Wood, Hei h (1) .. .. . . po Vlsoes mals alei
:se-alternaram, no tem J .' _ invocando a incoe-
court, Nuno Monteiro, Maria Fcrnanda l3icaihn, i\tI,ll'ia de hít imn ~.. '. . \ ra à sua reJatlYIZaçaO, .
: (como Faolo h o . 'cen1;emel1te, a sua
Couveia, João Fragoso - insistiram na irnporti\nci,! de se estudar '. . p ado J r ) ou mais re . , .
'··:-.,a·desordem(como ra .. 'c. áci da agêi'lCialocal, da
casos particulares, e creio que isto vale tanto para indivíduos (os "I. . rrentes, a enc cia .
'çâo em poderes conco O Antigo Regime
agentes) quan 1"0 instituições (conselhos, tribunais, câmaras, secreta- .: d r ntelares (como em
dade de tecer re es c te . . licações definitivas
.•.... - . t m em nístóna. exp
rias)." O consórcio entre ernpiria ê teoria deve possibilitar o desen-
.picos).Nao existe ,. . h ,- que examinei trouxe-
,. volvimento de uma história renovada da política e da administração . d t das as lin agens
". -'idades acaba as, e o .' _ d Não existe, da
no Império português em geral e na América portuguesa em parti- ',. . ntribuições e peso. . .
I. ".; longo do tempo, :co d d lítica e da admmlstra-.
, •••.• '. • Ae no estu o a po

cular, e o escopo comparativo pode ser, neste sentido, um dos mais '::fOrma, mocencla,. de modo particular.
interessantes: tanto no interior do Império português - como fez .. ' .' tos ideo16glCos pesaram ,
·.qsiclOnamen os 1. .' . ortâncía dos estudos
.... .Ó.Ó» • • oltar a ínsisnr na lmp ,
Boxcr -- quanto externamente a ele, comparando-se impérios difc- ",~:fim,epreciso V. . , . ens deste capitulo. Eles
. rentes c-, os ibéricos, mas também o inglês, o holandês, e o frilI1cê~:'" .... 1 brados em vanas passag .
twos, em . \ es ao mesmo tempo
· .... . . das sit .ões partiCUlar
·.. '-~jrt:a.:nqueza as 51 uaç ._ idado com
·".,'.:', . d .validação.lInpoem o eu
. -.anroproblema .esua l r das relações.
ra inteligente da obra de Mauss - além do ensaio clássico de Lévi-Str.auss _ ver '
.... d mesma forma, .LnV- ocam o va o ".
.._
GQdelier, O enigma do dOn!, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 200.1,
..o.mas, a . ítica analítica no pas
Maurice '.. t.: • • d .s exemplos dessa pra , .
em que ficam claras as limitações de se aplicar indistintamente _ e anistorica- 'p'aq~llapenas 01 .. b SérgiorBuarque de Ho-
, :.:'. de b a parte.de sua obr a, .
mente - o modelo explicativo da dádiva. Para o oposto, ou seja, como modelo 'oJongo e o. . , Aménca portu-
\ ·,'1 . do que nüo deve ser feito, ver Iacques T Codboui, O espírito da dddiva, Rio de
.C.:..... comparatlvoS entre c\, .
';persegmu os nexos h . C presenteestetalvczsep
,;- .,:
.,. Ianeiro, Fundação Getúlio Vergas, 1999. Para a passagem do sistema atributivoao
, .' .',. contrilnaivo, ver o instigante artigo de Alain Cuéry, "Lc roi dépensier-Ie don, Ia
<. espimhola,eemumautor o)e. aoI .: 050 Con'trapunteo
.' ",, . i Num ensaIO umm. ,
'. '.c. :.;. contrainre et l'originc du systérne financier de ia monarchie française d'Ancien '~tomenos uwoca~ o. '1 o e pensador cubano
-0.:': II 'ar o antropo og . _
.~'. Regirnc":in Ali naics - E.5. C, 39' an née, 6, 1984, pp. 1241-69. Agradeço a Luciano 'o-del tabaco y c e azue, . di • ica da transculturaçao
Raposo de Almeida Figueiredo por esta indicação e ainda por ter me franqueado -'c' . . . a teoria marru , .
'â·n<l.óOJtiz ilustrou su: . -por meio
a consulta de suas anotações sobre o ussun to. C.-:. . da por estudiosos norte-amencano5
"e:aprqpna '-
95. Um bom exemplo das possibilidade, de estudos lJ1oJlográllcOs sobre institui-
çõcs - no caso, a Provcdoria da Fazenda - (,a tese recente de Mozarr Vergetti de
~t~f: .
Mcnezcs, C;oloniplisl//(l em açuo -fiscalisIIlO, economia c sociedade na capitania da i
.t ;, "1 estudoS históricos, Lisboa, Difel,
Paraíba (1647 ..·1755), 'lese de Doutorado apresentada ao Programa de História '. c capim \ nier -
':Da·América portllg~(o'sa (10 IJrasl ' -- .. I d veres nobres
Econ6rnica, fFLCI·I-l.lW, 2005. .. ' d . los: poder rcai, e .
. . tudo"Ajornada os vassa .. . 1 dias' a ameaça [lorlugllc-
.' .. ,,_ 143_B3,e"Pâlllconas n .
96. Nesse sentido, Dillgll Ramada Curto organizou, de 1'1 a 13 de dezembro de aRestauraçao ,pI'. s
2003, um s im pósio '.11tJ ito interessante no lrtst ituro Univcrsitár.io Europeu de ',lOcesp anho
, I, 1640-1650",1'p. U\5-2L.
...:;) Ficsolc- Florcl1\:a, The mllkillg of lhe over.<['(/s careci, Ver também St uarr B.
7',

74
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. .. •,

',., .t.~·· " -,. _... .

J.
"
::.~RSideradaameaçadora. Procuro ainda ilustrar ernpiri-

,.
; de um diálogo entre o tabaco e oaçúcar: o negro africano, o ócio, a
:\~ses aspectos mais abstratos, rastreando
. carne e ossatura ao que, sem as.personagens ._, fossem
as trajetórias j
natureza, o específico, a América a se contrapor ao branco curo-
i
...'~.istr adores reconhecidos ou servidores obscuros - I
p.~u, ao trabalho, à transformação, ao geral,'à Europa mercantil:' ~as elucubração. '
Mais do que 9 diálogo, a análise da administração imperial impõe
a perspectiva dialógica: há perguntas e respostas, mas, entre urnn c
outra, entre um lado e outro do oceano - ou entre os vários lados
.dos vários oceanos-, a massa líqüida que com freqüência unia as
.. partes diferentes servia também para.veicular e transformar, tanto
na ida quanto na volta, as práticas, as concepções e os significados
que viajavam sobre ela.
Creio ainda ser este um dos aspectos da obra de Femando
·Navais que merece ser revisitado: o sentido que as relações entre as
partes do sistema colonial adquirem no plano específico e 110 geral,
·e corno se transformam e se ressignificarn. Se insisti na necessida-
de ela comparação entre sistemas coloniais distintos para melhor
·cqmpreender políticas administrativas; se destaquei o benefício de
se olhar para os vizinhos hispânicos de nosso continente, não
.: quero, entretanto, deixar a impressão que, neste livro, emprego o
método comparativo ou considero o império português num sen-
; tido alargado. Permaneço no Atlântico sul, sobretudo na América ,,~e:tra,:ers~o deste texto, mt;ito reduzida, foi apresentada no serni-
portuguesa setecentista, que, hoje, creio conhecer razoavelmente, /B.r~U1ski na Ecole des Haures Etudes en Sciences Sociales (feverci-
" r.adeço os comentários então feitos pelo próprio Gruzinski Fran _
· Procuro desvendar alguns dos aspectos estruturais que constituí- .• ,t.. . )

~O:UH.~·LuísFelipe de Alencastro, Em agosto de 2005, apresentei


: rum a especificidadc desse espaço num dado momento hist?rico: ..~or em Bogotá, no âmbito do I Encontro de Historiadares Col01l1-
a natureza da, política e da prática administrativa, talhada no bate- I~ros, organi.zado pelo Instituto Cultural Brasil Colõrnbia-Hbraco),

· e-volta dos levantes e da repressão; o nascimento de urna socieda- co rnentãrios de João Paulo Garrido Pimenta, Maria Helena
el Marquese, Em setern bro desse mesJn?ano, apresen tei pela ter-
de plunétnica e pluricultural, tributária de moldes europeus ma: ?, ago[~ no se:nlTlário O Governo dosPovos, em Paraty, e p.rocur~i
fadada a buscar.arranjos novos c a camuflar sua natureza, qua~l :ntános então feitos pOI: FranciscoCosentino, Antonio Manuel
,!r0·Monttiro. Por fim, sou grata a todos 0'5 meus colçg~s de Pro-

/.., 97. r. Ortiz, CfJllll'cl/ml1l:eo cubalJo âel iabnco y dcl azúcar l19481, prefácio de B .J.~m particular a Sérgio Alcides Amaral- por terem me passado
tos eacxiíiado no refinamento da argumentação.
Maliuowski, Havana, Consejo Nacional de Cultura. 1963. Uma das expressões d.
voga atual ele Ortiz é o trabalho de Mary Lcuise Pratt, Imperial eyes - travei writ .
· . ing arzd trallswlwmti01I. Londres I .ova York. Rourledge, 1992.
77

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