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História do Pensamento

Político e Econômico
Prof. André Marcos Vieira Soltau
Prof. Edison Lucas Fabrício

2012
Copyright © UNIASSELVI 2012

Elaboração:
Prof. André Marcos Vieira Soltau
Prof. Edison Lucas Fabrício

Revisão, Diagramação e Produção:


Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri


UNIASSELVI – Indaial.

909.829
S691h Soltau, André Marcos Vieira
História do pensamento político e econômico / André Marcos Vieira
Soltau e Edison Lucas Fabrício. Indaial : Uniasselvi, 2012.
192 p. : il

ISBN 978-85-7830- 586-4

1. Políticas mundiais – Economia; 2. História.


I. Centro Universitário Leonardo da Vinci.

Impresso por:
Apresentação
Olá, acadêmico/a!

Iniciamos os estudos da disciplina História do Pensamento Político


e Econômico.

No intuito de alcançar os objetivos estabelecidos no plano de estudo


da disciplina, utilizamos uma linguagem que ousou quebrar a sisudez do
tema. Pesquisamos filmes apropriados para cada temática estudada, bem
como, utilizamos muitas citações retiradas dos originais, permitindo que
você, acadêmico/a, amplie seus horizontes de estudo e pesquisa.

Organizamos seu livro em três unidades, assim distribuídas:

Unidade 1 – Recorte Histórico: origens do Pensamento Político e


Econômico.
Unidade 2 – O Liberalismo Político.
Unidade 3 – Teorias Políticas e Econômicas Contemporâneas.

Quer uma dica para sua formação profissional? Procure assistir aos
filmes indicados, ler os livros citados e faça perguntas aos nossos professores-
tutores, durante sua leitura. Um bom historiador é curioso e procura novos
caminhos para perceber melhor os contextos históricos em estudo.

Então, vamos aos estudos e que esse caderno contribua para sua
formação.

Prof. André Marcos Vieira Soltau


Prof. Edison Lucas Fabrício

III
NOTA

Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para
você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há
novidades em nosso material.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é


o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um
formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura.

O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova
diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também
contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.

Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente,


apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade
de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador.
 
Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para
apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto
em questão.

Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas
institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa
continuar seus estudos com um material de qualidade.

Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de


Desempenho de Estudantes – ENADE.
 
Bons estudos!

IV
V
VI
Sumário
UNIDADE 1 – RECORTE HISTÓRICO: ORIGENS DO PENSAMENTO POLÍTICO E
ECONÔMICO................................................................................................................ 1

TÓPICO 1 – DEBATES NA GRÉCIA ANTIGA E EM ROMA......................................................... 3


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 3
2 SURGIMENTO DO TERMO POLÍTICA.......................................................................................... 4
3 INSTITUIÇÕES POLÍTICAS GRECO-ROMANAS....................................................................... 5
3.1 ATENAS............................................................................................................................................. 5
3.2 ESPARTA............................................................................................................................................ 8
3.3 ROMA................................................................................................................................................. 9
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 10
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 11

TÓPICO 2 – PLATÃO, ARISTÓTELES E OS SOFISTAS................................................................. 13


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 13
2 PLATÃO................................................................................................................................................... 13
3 ARISTÓTELES....................................................................................................................................... 15
4 SOFISTAS................................................................................................................................................ 17
5 A EMERGÊNCIA DA NOÇÃO DE “ECONOMIA”....................................................................... 19
6 MODO DE PRODUÇÃO ESCRAVISTA.......................................................................................... 20
6.1 INSTAURAÇÃO............................................................................................................................... 20
6.2 CARACTERIZANDO O MODO DE PRODUÇÃO ESCRAVISTA............................................ 21
LEITURA COMPLEMENTAR 1............................................................................................................. 23
LEITURA COMPLEMENTAR 2............................................................................................................. 25
RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 28
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 29

TÓPICO 3 – PENSAMENTO POLÍTICO E ECONÔMICO NA IDADE MÉDIA....................... 31


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 31
2 SANTO AGOSTINHO......................................................................................................................... 33
3 MODO DE PRODUÇÃO FEUDAL.................................................................................................... 35
3.1 DINÂMICA DO MODO DE PRODUÇÃO FEUDAL.................................................................. 35
4 AS TRÊS ORDENS SOCIAIS NO IMAGINÁRIO FEUDAL........................................................ 37
5 A DESINTEGRAÇÃO DO FEUDALISMO...................................................................................... 39
6 A TRANSIÇÃO DO FEUDALISMO PARA O CAPITALISMO................................................... 41
RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 43
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 44

TÓPICO 4 – FILOSOFIA, ECONOMIA E POLÍTICA NA MODERNIDADE............................. 45


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 45
2 NICOLAU MAQUIAVEL..................................................................................................................... 46
2.1 MAQUIAVEL: INTERPRETAÇÕES . ............................................................................................ 49
3 THOMAS HOBBES............................................................................................................................... 52
3.1 THOMAS HOBBES: INTERPRETAÇÕES..................................................................................... 54

VII
4 MERCANTILISMO............................................................................................................................... 57
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................................ 59
RESUMO DO TÓPICO 4........................................................................................................................ 62
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 63

UNIDADE 2 – O LIBERALISMO POLÍTICO..................................................................................... 65

TÓPICO 1 – CONTEXTO HISTÓRICO DO SEU SURGIMENTO................................................ 67


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 67
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 70
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 71

TÓPICO 2 – O LIBERALISMO POLÍTICO......................................................................................... 73


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 73
2 JOHN LOCKE......................................................................................................................................... 73
2.1 JOHN LOCKE: INTERPRETAÇÕES.............................................................................................. 74
3 VOLTAIRE.............................................................................................................................................. 77
4 MONTESQUIEU.................................................................................................................................... 79
5 JEAN-JACQUES ROUSSEAU............................................................................................................. 81
5.1 ROUSSEAU: INTERPRETAÇÕES.................................................................................................. 82
6 A DEMOCRACIA MODERNA........................................................................................................... 84
RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 86
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 87

TÓPICO 3 – OS PENSADORES DA POLÍTICA: DOS MODERNOS AOS


CONTEMPORÂNEOS..................................................................................................... 89
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 89
2 EDMUND BURKE................................................................................................................................. 90
3 IMMANUEL KANT.............................................................................................................................. 93
4 GEORG WILHELM FRIEDRICH HEGEL........................................................................................ 97
5 ALEXIS DE TOCQUEVILLE................................................................................................................ 100
RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 105
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 106

TÓPICO 4 – REVOLUÇÃO INDUSTRIAL E TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS.......................... 109


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 109
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................................ 114
RESUMO DO TÓPICO 4........................................................................................................................ 116
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 117

UNIDADE 3 – TEORIAS POLÍTICAS E ECONÔMICAS CONTEMPORÂNEAS..................... 119

TÓPICO 1 – O LIBERALISMO ECONÔMICO.................................................................................. 121


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 121
2 OS FISIOCRATAS E O LAISSEZ-FAIRE........................................................................................... 121
3 ADAM SMITH....................................................................................................................................... 123
4 MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA......................................................................................... 125
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 129
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 130

VIII
TÓPICO 2 – OS PENSADORES DA ECONOMIA: DOS CLÁSSICOS AOS
CONTEMPORÂNEOS..................................................................................................... 131
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 131
2 THOMAS MALTHUS E O PROBLEMA DA POPULAÇÃO........................................................ 131
3 DAVID RICARDO E O VALOR DO TRABALHO NA ECONOMIA LIBERAL...................... 134
4 JOHN STUART MILL E A LIBERDADE MERCANTIL................................................................ 136
5 KARL MARX E O PRINCÍPIO AUTODESTRUTIVO DO CAPITALISMO............................. 138
6 JOHN MAYNARD KEYNES E A VIABILIDADE DO CAPITALISMO..................................... 140
LEITURA COMPLEMENTAR 1............................................................................................................. 145
LEITURA COMPLEMENTAR 2............................................................................................................. 147
RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 149
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 150

TÓPICO 3 – O SOCIALISMO................................................................................................................ 151


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 151
2 O SOCIALISMO CIENTÍFICO........................................................................................................... 152
3 O SOCIALISMO REAL........................................................................................................................ 155
4 LENINISMO........................................................................................................................................... 157
5 A ERA STALIN....................................................................................................................................... 159
6 ANARQUISTAS..................................................................................................................................... 161
RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 165
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 166

TÓPICO 4 – REGIMES TOTALITÁRIOS............................................................................................ 167


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 167
2 FASCISMO.............................................................................................................................................. 168
3 NAZISMO............................................................................................................................................... 171
RESUMO DO TÓPICO 4........................................................................................................................ 174
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 175

TÓPICO 5 – POLÍTICA E ECONOMIA NA HISTÓRIA RECENTE.............................................. 177


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 177
2 NEOLIBERALISMO.............................................................................................................................. 178
3 GLOBALIZAÇÃO.................................................................................................................................. 180
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................................ 183
RESUMO DO TÓPICO 5........................................................................................................................ 186
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 187
REFERÊNCIAS.......................................................................................................................................... 189

IX
X
UNIDADE 1

RECORTE HISTÓRICO: ORIGENS


DO PENSAMENTO POLÍTICO E
ECONÔMICO

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você será capaz de:

• compreender o processo histórico de surgimento das discussões e refle-


xões políticas na Antiguidade Clássica;

• entender as primeiras ideias fundadoras do pensamento ocidental acerca


da política;

• analisar e refletir a respeito da formação política da humanidade ocidental


e o surgimento dos estados e governos;

• compreender os modos de produção escravista e feudal, bem como suas


relações com o pensamento político de sua época.

• compreender o surgimento das primeiras instituições políticas na Grécia e


em Roma;

• analisar a desintegração do feudalismo e a transição para o capitalismo;

• entender as filosofias de Maquiavel e Hobbes como fundadoras do pensa-


mento político moderno.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está organizada em três tópicos. Em cada um deles você
encontrará diversas atividades que o(a) ajudarão na compreensão das
informações apresentadas.

TÓPICO 1 – DEBATES NA GRÉCIA ANTIGA E EM ROMA

TÓPICO 2 – PLATÃO, ARISTÓTELES E OS SOFISTAS

TÓPICO 3 – PENSAMENTO POLÍTICO E ECONÔMICO NA IDADE MÉDIA

TÓPICO 4 – FILOSOFIA, ECONOMIA E POLÍTICA NA MODERNIDADE

1
2
UNIDADE 1
TÓPICO 1

DEBATES NA GRÉCIA ANTIGA E EM ROMA

1 INTRODUÇÃO
O que hoje compreendemos por política é resultado de um processo
histórico, que define nossas concepções contemporâneas, nossos significados,
dando consistência às atividades políticas, como algo fundamental na vida social
dos seres humanos. Ao compreendermos o surgimento das ideias políticas e
percebermos as mudanças que essas tiveram, podemos refletir acerca de uma
atividade que está sempre em movimento e, consecutivamente, é construída em
diversos momentos históricos do ocidente.

As formas pelas quais a política se apresenta em alguns momentos –


debates, organizações de Estado ou partidos políticos – foram, pouco a pouco,
constituindo elementos de sua existência e dando contornos a manifestações
políticas importantes na história. Mesmo que atualmente percebamos uma
descrença diante da política, é fundamental que historiadores em formação
analisem o processo histórico que tornaram as manifestações políticas um dos
caminhos para a solução de diversos problemas em muitos agrupamentos
humanos.

A política, diante dessa descrença generalizada, começa a se concentrar


em ações que estão fora das instituições aceitas como representantes dessa
ação organizacional. São em organizações não governamentais, organizações
trabalhistas e patronais, clubes e em diversas instâncias do cotidiano que as ações
políticas têm concentrado seu trabalho e atuação. Isto é o que podemos afirmar
ser um caminho de constituição de um futuro transformador, diante da trajetória
histórica das organizações políticas do ocidente.

O estudo que você, caro(a) acadêmico(a), fará, nessa unidade, será sobre
o processo histórico que aponta o pensamento político em sua trajetória no
mundo ocidental, bem como, perceberá que as instituições e organizações sociais
surgem vinculadas às ideias políticas ricas em argumentos e capazes de constituir
movimentos sociais e agentes de atuação tão necessários quanto os governos ou
partidos políticos.

Estudemos as teorias políticas, percebendo que a compreensão de sua


história é fundamental para que entendamos a multiplicidade de políticas
existentes.

3
UNIDADE 1 | RECORTE HISTÓRICO: ORIGENS DO PENSAMENTO POLÍTICO E ECONÔMICO

2 SURGIMENTO DO TERMO POLÍTICA


Para começarmos nossa conversa sobre o tema, é conveniente estudarmos a
origem do termo política. Sua origem está vinculada às atividades desenvolvidas
na polis grega.

A polis, ou seja, a cidade-estado, foi o espaço social onde se utilizou, pela


primeira vez, o termo política. Filósofos e escritores da Grécia Antiga utilizavam
o termo para designar as regras de organização da vida em comum, ou melhor,
tratava dos cuidados e decisões sobre problemas e interesses da cidade. Política
seria a arte e a ciência de governar, decidir sobre os destinos da cidade.

É na polis que os gregos começavam as discussões em torno dos


problemas da cidade. Essas discussões iniciavam a delinear os fundamentos
do conceito política. A cidade era considerada a unidade da vida social sendo,
portanto, o espaço privilegiado, pelos gregos, para o exercício do pensamento e
de questionamentos diante de problemas comuns.

Anterior às organizações em cidades-estado (século VI a.C.), a Grécia era


organizada, social e politicamente, em realezas com características tradicionais
e feudais. Grandes famílias definiam os princípios políticos, religiosos, jurídicos
e econômicos diante de pequenos agricultores. Nessa organização, um pequeno
grupo dominava absoluto, com apoio de militares, sacerdotes e funcionários
administrativos. Os conflitos eram inevitáveis, diante de tamanha tensão entre
essas famílias, os agricultores e os moradores das cidades que começavam a crescer.
Essas relações eram marcadas pela crença em mitos e, segundo essa concepção de
mundo, os deuses interferiam diretamente na vida humana, por meio de leis que
determinavam o comportamento humano. As leis e determinações sobre a vida
tinham origem divina sendo, assim, inquestionáveis.

Os conflitos constantes geraram a necessidade de legisladores que


definiram textos tornados públicos e chamados de leis – expressão do bem
comum. Aristóteles, filósofo grego, definia o homem como um animal que possui
capacidade de refletir sobre seus atos. As primeiras leis apontavam as cidades
como uma organização fundada sobre interesses coletivos e o espaço onde os
homens podem enfrentar a força e tutela de clãs familiares, as quais os cidadãos
gregos estavam submetidos.

As mudanças na organização social vêm acompanhadas de outras, como:


o surgimento da escrita, circulação de moedas e de leis escritas, além, da filosofia
que contribuiu diretamente para uma nova perspectiva de mundo, desvinculado
da mitologia e das definições consideradas divinas para uma ordem social mais
próxima da racionalidade.

Essa dinâmica social define os primeiros espaços de discussão política e


tem reflexo direto na vida pessoal do cidadão grego e na organização coletiva

4
TÓPICO 1 | DEBATES NA GRÉCIA ANTIGA E EM ROMA

da polis grega. O desenvolvimento da discussão, diante de problemas comuns,


discursos e retóricas de convencimento delineiam o termo política e seus
desdobramentos.

NOTA

politikós
Termo grego que indicava os procedimentos relativos às cidades-estado. Termo que
dá origem à palavra política – palavra que, etimologicamente origina de polis (cidade).
Poderíamos afirmar, portanto, que política é a arte de gerir os destinos da cidade.

Concepções de cidadania e democracia começam a ocupar as conversas,


ao mesmo tempo, gregos começam a discutir a participação e o direito de todos,
no exercício de decisões coletivas, independente da origem familiar. Aqueles que
antes recebiam esse direito, por serem aristocratas ou guerreiros, agora o recebe
por serem cidadãos.

3 INSTITUIÇÕES POLÍTICAS GRECO-ROMANAS

3.1 ATENAS
Como vimos anteriormente, o termo “política” tem uma relação íntima com
a cultura grega. Era a arte de administrar, gerenciar e discutir os rumos e destinos
da polis (cidade). Como a Grécia chegou a esse ideal, quais foram os caminhos e
instituições que levaram os gregos a criar o sistema político democrático?

Primeiramente, devemos analisar aquilo que os gregos entendiam ser


a cidade (polis). A cidade para os gregos não era somente o espaço urbano,
compreendia também os campos ao redor e até alguns povoados urbanos
menores. A cidade era caracterizada e formada pela população que a compõe, o
povo (demos).

Segundo Funari (2002, p. 25), demos são grupos de indivíduos que estão:

submetidos aos mesmos costumes fundamentais e unidos por um culto


comum às mesmas divindades protetoras. Em geral, uma cidade, ao formar-se,
compreende várias tribos. A tribo está dividida em diversas fratrias e estas em
clãs; estes, por sua vez, compostos de muitas famílias, no sentido estrito do termo
(pai, mãe e filhos). A cada nível, os membros desses agrupamentos acreditam
descender de um ancestral comum, e se encontram ligados por estreitos laços de
solidariedade. As pessoas que não fazem parte destes grupos são estrangeiras na
cidade e não lhes cabem nem direitos, nem proteção.
5
UNIDADE 1 | RECORTE HISTÓRICO: ORIGENS DO PENSAMENTO POLÍTICO E ECONÔMICO

UNI

Você deve ter notado a palavra demos. É justamente desta palavra que deriva
a palavra “democracia” (poder do povo). Portanto, a democracia é uma invenção grega. Mas
nem sempre a Grécia foi democrática.

A seguir, veremos como se chegou a essa concepção de governo.

Por muito tempo a cidade grega de Atenas viveu um regime político


aristocrático (aristoi = nobre, “melhor”). A aristocracia grega era definida pela
linhagem de sangue, ou seja, nascia-se nobre. Mas com o passar do tempo,
as classes populares, chamadas de “demos”, principalmente os comerciantes
enriquecidos através do comércio mediterrânico, começaram a lutar por mais
direitos políticos.

Por volta do século VIII a. C., muitos cidadãos de classe média e pobres
começaram a integrar as forças militares que faziam a defesa das cidades. Desta
forma, começaram a questionar a restrição de direitos e buscaram ampliar sua
participação política.

Conforme Funari, isso levou a muitas guerras civis, e como medida


emergencial para conter os conflitos, muitas cidades deixaram a cargo de certos
homens, chamados “tiranos” (senhores, em grego), a redação de leis para
amenizar a situação.

Várias cidades, por volta de 650 a 500, foram governadas por


homens autoritários que se colocavam contra a “nobreza”, dizendo-
se defensores dos direitos do povo — os tiranos —, que ampliaram
os direitos políticos dos cidadãos e permitiram que os indivíduos
se desligassem do poderio dos grupos familiares. Entretanto, tais
transformações que tendiam para a democracia (governo do povo)
ocorreram principalmente nas cidades marítimas e mais voltadas
para o comércio. Em outros lugares, nessa mesma época, prevalecia o
regime aristocrático (“governo dos melhores”, os nobres). (FUNARI,
2002, p. 27).

A aristocracia ateniense governou por muitos séculos. Neste período,


a propriedade das terras estava nas mãos dos nobres, também chamados de
eupátridas (bem-nascidos). Eles se reuniam numa colina chamada Areópago e
legislavam segundo aquilo que achavam justo e de acordo com seus interesses.

Ficavam de fora das decisões políticas os agricultores pobres, os pequenos


comerciantes e os artesãos. Neste período, entre os séculos IX e VI, os mais pobres
ainda poderiam ser escravizados por dívidas.

6
TÓPICO 1 | DEBATES NA GRÉCIA ANTIGA E EM ROMA

De acordo com Funari, “foi Sólon, arconte ateniense, em 594 a.C., que
aboliu o sistema de escravidão por endividamento”. (FUNARI, 2002, p. 33).

Sólon foi uma figura muito importante na política ateniense. Em seu tempo
a democracia vai ganhando centralidade na política ateniense, e a Eclésia ganha
mais poder de decisão nas questões da cidade. Eclésia? Sim. Parece familiar essa
palavra? Ela quer dizer assembleia, uma instituição que congregava todos os
cidadãos para discutir e propor soluções para os problemas da cidade.

Sólon buscou desvincular os privilégios políticos da linhagem de sangue


dos nobres e das riquezas, ou seja, os cidadãos pobres que não eram de linhagem
nobre também tiveram acesso às decisões políticas.

Sólon instituiu também um novo conselho, a Boulé, também conhecida


como “Conselho dos Quinhentos”. A Boulé era uma espécie de senado, que
reunia 500 homens sorteados anualmente de uma lista prévia de candidatos de
cidadãos. Este conselho era formado por homens com idade mínima de 30 anos.
A eles cabia analisar os projetos de lei vindos da assembleia dos cidadãos, fazer
alterações, emendar quando necessário e remetê-los novamente à apreciação da
assembleia. Mas quem eram os cidadãos atenienses?

Na época, no século V a. C., Atenas tinha cerca de 42 mil cidadãos, filhos


homens, de pais e mães atenienses maiores de 18 anos. Portanto, ficavam de fora
as mulheres, aproximadamente 28 mil estrangeiros e cerca de 110 mil escravos.

Você deve estar se perguntando como é que duas instituições


aparentemente tão díspares, como a democracia e a escravidão, podiam conviver
num mesmo ambiente.

Perry Anderson nos responde essa questão. Segundo este autor, foi
justamente a formação de uma população escrava que liberou os cidadãos para
a vida pública, “que elevou a cidadania grega a alturas até então desconhecidas
de liberdade jurídica consciente. A escravidão e a liberdade helênicas eram
indivisíveis: uma era condição estrutural da outra [...]”. (ANDERSON, 1989, p.
23).

Embora a democracia ateniense fosse limitada em muitos aspectos, ela nos


faz refletir sobre temas relevantes para nossa atualidade. Primeiro, a democracia
ateniense era “direta”, e não meramente representativa. Qualquer cidadão poderia
pronunciar-se publicamente na assembleia, propor leis e discussões importantes
para a polis. O cidadão gozava de liberdade individual e do direito de igualdade
perante a lei e seus concidadãos.

Ainda segundo Funari (2002), com o decorrer do tempo passou-se a


pagar para os cidadãos participar das assembleias. Porque estava havendo
uma disparidade na participação dos cidadãos ricos, que poderiam deixar seus
afazeres para discutir livremente as questões políticas, em prejuízo dos cidadãos
mais pobres, que ficavam impossibilitados de assim proceder.
7
UNIDADE 1 | RECORTE HISTÓRICO: ORIGENS DO PENSAMENTO POLÍTICO E ECONÔMICO

A ideia era que cidadãos de menos posses, que trabalhavam para


garantir seu sustento, pudessem assistir às reuniões e usufruir dos
direitos políticos do mesmo modo que os mais abastados. O que era,
sem dúvida, mais democrático. Uma democracia direta que ainda paga
para os cidadãos exercerem o poder político só é possível em estados
pequenos e com recursos econômicos suficientes para proporcionar
aos seus cidadãos disponibilidade e tempo livre. (FUNARI, 2002, p.
38).

A democracia ateniense inspira nosso pensamento político há mais de


dois milênios e meio. Mas ao lado de Atenas havia a cidade grega de Esparta, sua
rival e uma das mais importantes do mundo antigo.

A seguir veremos como eram as suas instituições políticas.

3.2 ESPARTA
Segundo a tradição, Esparta foi fundada no século IX a.C. Ao
conquistarem os territórios, os espartanos também dominavam seus habitantes e
os transformavam em hilotas, que quer dizer “aprisionados”. Desta forma, cada
espartano tinha uma fração de terra e também hilotas que a cultivavam, embora
estes não fossem escravos. Por diversas vezes os hilotas se revoltaram por causa
da sua condição de submissão.

Os espartanos eram proibidos de cultivar a terra, pois eram essencialmente


guerreiros e pertenciam ao chamado grupo dos “iguais” que se dedicavam às
questões e problemas da cidade.

Esparta, como todas as cidades-estado, tinha seu próprio regime de


governo. A instituição política mais importante de Esparta era a Gerusia, uma
espécie de senado ou conselho de anciãos. A Gerusia era formada por dois reis de
famílias rivais e mais 28 membros com mais de 60 anos, escolhidos entre os mais
nobres de nascimento.

Havia também uma assembleia de homens adultos, que embora não


tendo tanto poder político, escolhia por aclamação cinco éforos, espécie de cargo
executivo, próximo ao que conhecemos como prefeito, que permaneciam no
cargo por um ano.

Há uma dificuldade em conhecermos as particularidades do sistema


político espartano, por causa da escassez de fontes históricas. O que podemos
afirmar é que se trata de uma cidade cujas características mais importantes eram
a aristocracia e o militarismo. Por causa de suas conquistas militares, conseguiam
subjugar povos e fazer com que produzissem para o sustento dos cidadãos
espartanos, que assim podiam livremente se dedicar à guerra e à política.

8
TÓPICO 1 | DEBATES NA GRÉCIA ANTIGA E EM ROMA

3.3 ROMA
Os romanos também contribuíram com importantes instituições e
conceitos para a história do pensamento político. Uma das mais caras é a noção
de “república”, em latim res publica, que quer dizer “coisa pública, coisa do
povo”, ou seja, aquilo que é do interesse coletivo. Em Roma havia dois cônsules
ou magistrados, eleitos anualmente por um conselho de anciãos chamado de
senado. Estamos notando muitas palavras familiares. Isso faz parte do legado
greco-romano para a civilização ocidental. Foi a herança sobre a qual construímos
nosso pensamento político.

A história política em Roma foi muito parecida com a da Grécia, pois por
muito tempo o poder político esteve nas mãos de uma pequena aristocracia. Mas
com o passar dos anos, a plebe, aqueles que não tinham uma nobreza de sangue,
passou a fazer valer seu poder econômico na pressão por direitos políticos.
Nesta luta, conseguiram criar um cargo de magistratura chamado de “tribuno
da plebe”, que defendia os interesses e tinha poder de veto ante as decisões do
senado e dos cônsules, se porventura viessem a prejudicar os interesses da plebe.

Segundo Funari, a democracia romana foi bem mais ampla que a ateniense.

Tornavam-se romanos, por exemplo, os ex-escravos alforriados, chamados


libertos, ainda que os plenos direitos políticos só fossem adquiridos pelos filhos
de libertos, já nascidos livres. Os romanos concediam, também, a cidadania a
indivíduos aliados e, até mesmo, a comunidades inteiras. (FUNARI, 2002, p. 84).

Assim como os gregos tinham suas poleis, os romanos cunharam


expressões muito caras até os nossos dias para designar suas cidades. É de Roma
que ganhamos a noção de cidade como espaço urbano, de urbs e também como
civitas (cidade). Palavra da qual derivaram tantas outras expressões, como civil,
civilidade, civilização etc.

Por essas e outras razões, a cultura greco-romana tem uma importância


capital para a história do pensamento político.

TUROS
ESTUDOS FU

No segundo tópico, da primeira unidade, deste caderno, iremos analisar mais


profundamente as principais ideias de pensadores gregos, como: Platão, Aristóteles e os
sofistas. Filósofos que despontam nos debates políticos da antiguidade.

9
RESUMO DO TÓPICO 1

Neste tópico você estudou que:

• A polis grega é considerada o princípio da organização política.

• Política é a arte e a ciência de governar.

• Leis são textos que definem a expressão do bem comum.

• As instituições políticas greco-romanas foram um legado importante para a


história política ocidental.

• As noções de democracia, cidadania, república são heranças importantes da


cultura política greco-romana.

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AUTOATIVIDADE

1 Afirma-se que é na polis que nasce e se desenvolve o princípio do pensamento


político. Explique essa afirmação, com base no que acabamos de estudar.

2 Escreva um texto relacionando os dois significados do termo política, ou


seja, sua origem grega e o seu uso nos dias atuais.

3 Assinale a alternativa que melhor caracteriza a democracia ateniense.

a) ( ) A democracia ateniense era um regime político em que havia uma


participação maciça de toda a população nas decisões políticas.
b) ( ) A democracia ateniense foi gestada lentamente. Ela significou a conquista
de direitos políticos pelos cidadãos que formavam os demos e que não
possuíam uma nobreza de sangue.
c) ( ) A democracia desenvolvida em Atenas era bem ampla. Dela participavam
os escravos que conseguiam a alforria e também as mulheres das classes
mais abastadas.
d) ( ) A escravidão e a democracia eram instituições díspares e contraditórias.
Por isso, a noção de democracia buscou questionar a escravidão e logo os
escravos passaram a ter direitos políticos.

4 Complete as lacunas da sentença a seguir:

a) Apesar de a democracia ateniense ser extremamente excludente, ela tinha


uma característica muito importante, ela oportunizava a participação política
“direta” e não apenas ______________.
b) A ___________ foi uma das instituições mais importantes da política romana,
ela significava que a política não pode servir a interesses particulares,
privados, pelo contrário, deve ser o espelho dos interesses coletivos e
públicos.
c) Em Esparta, assim como em Grécia e Roma, durante muito tempo a discussão
das questões políticas era tarefa de uma pequena ___________. Atualmente,
o modelo democrático iniciado com os atenienses prevalece, mas por muito
tempo uma pequena minoria decidia os destinos da maioria da população.

Agora, assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) eletiva – democracia - burguesia.
b) ( ) representativa – república - aristocracia.
c) ( ) participativa – monarquia - assembleia.

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12
UNIDADE 1
TÓPICO 2

PLATÃO, ARISTÓTELES E OS SOFISTAS

1 INTRODUÇÃO
Duas das mais importantes cidades-estado gregas – Esparta e Atenas –
tiveram um longo envolvimento na Guerra do Peloponeso. O resultado desse
processo foi a derrota de Atenas (século IV a.C.), cidade que acolhia, em sua
população, Platão e Aristóteles, filósofos que levantavam polêmicas diante de
temas políticos, sempre em busca de uma verdade e, muitas vezes, criticando
os poderosos na política Grega. Ambos, diferentes dos sofistas, donos de uma
retórica e defensores de muitos argumentos.

Vejamos as principais ideias desses filósofos a respeito do pensamento


político.

2 PLATÃO

FIGURA 1 – A ACADEMIA DE PLATÃO

FONTE: Disponível em: <www.educ.fc.ul.pt>. Acesso em: 10 set. 2008.

13
UNIDADE 1 | RECORTE HISTÓRICO: ORIGENS DO PENSAMENTO POLÍTICO E ECONÔMICO

Oriundo de famílias aristocráticas e considerado um tipo conservador, o


jovem Platão presencia as discussões políticas entre aristocratas e democratas,
bem como os excessos cometidos por ambos. Crítico da democracia – como seu
mestre Sócrates, que foi, inclusive, condenado por suas ideias –, dizia que a
corrupção da classe política em Atenas era incorrigível.

Platão foi pensador de uma época conturbada e presenciou as primeiras


discussões sobre democracia, queda das aristocracias, tiranias após guerras.

O filósofo Platão, na sua trajetória, defendeu que as decisões políticas


deveriam ser de responsabilidade de pessoas preparadas para ocupar cargos. Não
era, portanto, qualquer pessoa que poderia assumir o compromisso de decidir os
destinos da cidade. Argumentava, também, que uma sociedade deveria possuir
apenas três grupos: os filósofos, os guerreiros e os artesãos.

Para administrar uma cidade ideal, deveriam escolher, entre os filósofos,


aqueles que poderiam ser representantes, com alto grau de formação. O restante
da população deveria se ocupar de problemas concretos do cotidiano da cidade,
tais como: agricultura, comércio e defesa do território da cidade-estado. Para
Platão, os filósofos são pessoas capazes de dar uma ordem possível na sociedade,
por sua procura constante pela verdade, pela pesquisa e pelo bem discernir.

Suas ideias políticas estão, sobretudo, na obra A República. Ele mostra,


nessa obra, uma possibilidade de constituição perfeita, definida por uma política
defensora de um elevado sentimento de justiça, onde predominasse a Ideia do
Bem. Por meio de diálogos entre seus personagens, ele escreve um texto profundo
que define ideias sobre o relacionamento entre os cidadãos e o governo. Utiliza
frases do seu mestre Sócrates, para fazer proposições sobre modelos ideais de
cidade, estado, nação, justiça e cidadania. Seu texto aborda questões sobre a
organização do estado e a elevação espiritual do homem e é, sem dúvida, uma
obra completa sobre o pensamento platônico. Seu livro aspira a um Estado ideal,
completamente baseado na justiça.

Escreveu Platão (1996, p. 39) “Um Estado nasce das necessidades dos
homens, ninguém basta a si mesmo, mas todos nós precisamos de muitas coisas.”
E continua sua reflexão com uma pergunta: “se procurássemos uma base comum
de acordo [...] qual deve ser o principal objetivo do legislador ao ditar suas leis
com vistas na organização de cidade – qual o maior bem e qual é o maior mal?”.
(PLATÃO, 1996, p. 113).

Platão, respondendo por meio de diálogos, diz que é a unidade o maior


bem da cidade, sendo a discórdia o maior mal, e conclui dizendo que os males
humanos só terão fim quando os filósofos – aqueles que buscam a verdade –
receberem o poder soberano das cidades ou, em outra hipótese, que os poderosos
das cidades – mediante algumas providências – se tornem filósofos.

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TÓPICO 2 | PLATÃO, ARISTÓTELES E OS SOFISTAS

Platão fundou a Academia, uma escola filosófica (Figura 1). Este era um
espaço onde dialogava com seus discípulos, procurando a verdade sobre temas
diversos. Esse espaço de diálogos manteve suas atividades do ano IV a.C. até o
ano de 529 d.C., quando foi fechada por ordem de Justiniano, imperador.

3 ARISTÓTELES

FIGURA 2 – PÁGINA DA OBRA POLÍTICA DE ARISTÓTELES

FONTE: Disponível em: <http://www.educ.fc.ul.pt>. Acesso em: 15 set. 2008.

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UNIDADE 1 | RECORTE HISTÓRICO: ORIGENS DO PENSAMENTO POLÍTICO E ECONÔMICO

Discípulo de Platão e crítico das ideias do mestre, Aristóteles desenvolve


a divisão do governo nas seguintes formas: monarquia, aristocracia e democracia.
Podemos, assim, resumir suas ideias, no seguinte conceito:

• A forma de governar tornou-se outra questão de debate entre os cidadãos


gregos que se distinguiam, segundo Aristóteles, em três regimes de governo:
monarquia, aristocracia e democracia. Era o número de pessoas que exerciam
o poder que diferenciavam um de outro.

Observem as características principais:

QUADRO 1 – OS TRÊS REGIMES DE GOVERNO SEGUNDO ARISTÓTELES

Forma de governo Etimologia Caracterização


Monarquia Mono + arquia Poder exercido apenas por
(poder de um só) um soberano.

Aristocracia Aristoi + arquia Poder exercido pelos que


(poder dos melhores) têm arete, a capacidade dos
heróis.
Democracia Demo + kratos Poder exercido por todos.
(Autoridade do povo) Regime onde todos são
iguais.
FONTE: O autor

Aristóteles defende que o governo deve promover a justiça e uma “vida


boa”, para que os cidadãos possam viver numa cidade feliz. Porém, para que
a cidade tenha possibilidades de oferecer isso aos seus cidadãos, é necessário
que as formas de governo não sejam corrompidas. Por exemplo, quando uma
monarquia se torna tirania ou quando aristocratas se transformam em oligarcas
e, também, quando a democracia torna-se demagogia.

E
IMPORTANT

Aristóteles, mesmo apontando diferentes formas de governo, é um defensor


de que existem homens capazes de governar. Ele exclui, dessa capacidade, os artesãos e
comerciantes. Como pensador, defendeu que a educação é o caminho para a formação da
juventude, na qual estaríamos preparando o bom cidadão e o bom governante.

16
TÓPICO 2 | PLATÃO, ARISTÓTELES E OS SOFISTAS

Sendo aluno da Academia de Platão, ele se destacou como estudioso


profundo. Após sair dos estudos, tornou-se tutor de Alexandre da Macedônia.
Quando esse assumiu o trono (336 a.C.), Aristóteles voltou para Atenas e
fundou o Liceu. Defendeu, nesse espaço, ideias distintas de seu mestre Platão,
considerado, por ele, como um idealista. Aristóteles (1991, p. 51) diz que “aquele
que não precisa dos outros homens, ou não pode resolver-se a ficar com eles, ou é
um deus, ou um bruto [...] assim como homem civilizado é o melhor de todos, os
animais, aquele que não conhece nem justiça, nem leis é o pior de todos.”

Aristóteles deixou sua obra mais conhecida na área, A Política. Um texto


escrito durante muitos anos, abordando seus estudos e observações sobre a polis.
O filósofo fortalece essa estrutura, dando fundamento teórico para a organização
política, tornando-se um texto clássico para o estudo das bases de organização
das Cidades-Estado. Sua obra é considerada um marco de passagem do idealismo
platônico ao mundo real, quando se trata de ciência política.

Afirma Aristóteles (1991, p. 1) que:

Todo Estado é uma sociedade, a esperança de um bem, seu princípio,


assim como de toda associação, pois todas as ações dos homens têm
por fim aquilo que consideram um bem. Todas as sociedades, portanto,
têm como meta alguma vantagem e aquela que é a principal e contém
em si todas as outras se propõe a maior vantagem possível. Chamamo-
la Estado ou sociedade política.

O trabalho de Aristóteles tem um caráter de observação, feito por um


pesquisador da realidade socioeconômica e das ações políticas.

4 SOFISTAS
FIGURA 3 – OS SOFISTAS

FONTE: Disponível em: <http://www.educ.fc.ul.pt>. Acesso em: 20 set. 2008.

17
UNIDADE 1 | RECORTE HISTÓRICO: ORIGENS DO PENSAMENTO POLÍTICO E ECONÔMICO

Os sofistas eram considerados retóricos muito respeitados na Grécia


Antiga, por trabalharem com jovens ambiciosos que almejavam sucesso na vida
pública da cidade. Seu objetivo não era a formação educativa da mente, mas dar a
esses jovens meios para que atinjam grupos maiores, com o uso da palavra. Suas
técnicas eram chamadas de sofística. Afirmavam que a influência e o poder eram
conquistados pela retórica.

Eram chamados de mestres itinerantes, pois viajavam pelas cidades


vendendo seus conhecimentos. Suas ideias defendiam que os valores morais não
eram universais e sim relativos a cada sociedade de onde eles se originavam.
Os conhecimentos são individuais e, portanto, não são originários de critérios
objetivos e universais.

Sendo assim, os sofistas defendiam suas ideias, afirmando ser necessário


usar a arte de bem falar para persuadir os outros, por meio da palavra. Afinal,
como não existem verdades universais, é impossível comprovar o que está sendo
dito. Podem existir duas ideias aceitas sobre um mesmo assunto, mas se uma delas
for persuasiva o bastante para convencer um grupo, esta será a verdadeiramente
aceita e aplaudida.

NOTA

O termo sofista é utilizado para designar alguém que não fala completamente a
verdade, mas utiliza de retórica para seduzir um grupo sobre suas ideias, utilizando-se de um
argumento enganador.

No entanto, os sofistas podem ser considerados os primeiros a utilizar


técnicas para falar em público, muito conhecido por meio das palavras de
políticos. A utilização do diálogo, como método, é um dos recursos da retórica
para o convencimento, prática em voga no mundo da política.

DICAS

O rei Leônidas e seus 300 guerreiros lutam até a morte


contra o exército persa. Dirigido por Zack Snyder
Com Gerard Butler, Rodrigo Santoro e Dominic West no elenco.
Gênero: Aventura
Tempo de Duração: 117 minutos
Ano de Lançamento (EUA): 2007

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TÓPICO 2 | PLATÃO, ARISTÓTELES E OS SOFISTAS

5 A EMERGÊNCIA DA NOÇÃO DE “ECONOMIA”


A palavra economia é de origem grega e tem um significado bem diferente
daquele que atribuímos ao termo hoje. Um dos primeiros registros da palavra
economia é encontrado nos escritos do ateniense Xenofonte. Este autor viveu na
Grécia clássica, no século IV antes da era cristã. Foi contemporâneo de Sócrates e
Platão e produziu uma vasta obra literária.

Na enorme obra de Xenofonte, o livro chamado “Econômico” é destaque.


Ele se encontra na categoria dos escritos socráticos, ou seja, foi concebido como
um diálogo com Sócrates. Mesmo Xenofonte não tendo sido um dos discípulos
de Sócrates, ele registrou várias lembranças e diálogos com Sócrates em seus
escritos. São exemplos “A apologia de Sócrates” e o próprio “Econômico”.

Mas vamos ao texto de Xenofonte. Por que sua forma de conceber a


economia difere tanto da nossa?

Quando falamos em economia hoje, logo pensamos nas flutuações das


bolsas de valores, nos efeitos globais das crises econômicas etc. Mas a obra
“Econômico”, de Xenofonte, era um tratado prático daquilo que hoje chamaríamos
de “economia doméstica”. Pois, para os gregos a palavra economia é a junção do
termo oikos = casa, moradia, espaço familiar, doméstico; e nomos = lei, regulamento
e norma.

Desta forma, a economia na Grécia clássica era a arte de bem gerenciar ou


administrar a casa. Mas não era somente isso, a palavra oikos tem um significado
bem mais amplo. Ele é entendido em oposição ao termo polis (cidade). Enquanto
a polis é o espaço público, da cidadania, da política, da comunidade de cidadãos,
o oikos é o espaço familiar, dos membros da família, dos interesses privados,
particulares.

Nesta perspectiva:

Como membro de uma família, o indivíduo insere-se em seu oikos


como o cidadão em sua polis e, assim, pode-se dizer que o indivíduo
está para o seu oikos, assim como o cidadão está para sua polis. O oikos,
portanto, é muito mais que a oikía, a casa onde reside uma família. É
tudo o que a família possui, a oikía em si com seu mobiliário e adorno.
Os bens, quer em dinheiro, quer em terras e, mais que tudo, os seus
valores éticos e tradições. (XENOFONTE, 1999, p. X)

Dessa forma, o escrito de Xenofonte é uma espécie de manual para bons


administradores do patrimônio familiar. Tal como a polis necessita de bons
políticos, a casa necessita de bons administradores. No âmbito da casa, os papéis
são bem divididos. Esposa é a dona de casa, que cuida e administra o lar, já o
homem governa a propriedade como chefe de família.

Sigamos o trecho do diálogo socrático em que ele define o que entende


por economia:
19
UNIDADE 1 | RECORTE HISTÓRICO: ORIGENS DO PENSAMENTO POLÍTICO E ECONÔMICO

Bem, então!, disse Sócrates. Pensamos que economia, administração


do patrimônio familiar, é o nome de um saber, e esse saber parece
ser aquele pelo qual os homens são capazes de fazer crescer seus
patrimônios. E patrimônio parece-nos ser o mesmo que o total de
uma propriedade, e, para nós, propriedade é o que para cada um é
proveitoso para a vida e dá-se como proveitoso tudo quanto se saiba
usar. (XENOFONTE, 1999, p. 30-31).

6 MODO DE PRODUÇÃO ESCRAVISTA


A Grécia Antiga e, sobretudo Roma, tinha cerca de 80% de sua população
composta de escravos. Todos os trabalhos manuais e burocráticos eram
executados por escravos que recebiam moradia, alimentação e roupas permitindo
sua sobrevivência.

Esse modo de produção surgiu na Grécia Antiga, mas sua expansão foi
com os romanos, após a conquista desses sobre os gregos. Esse Modo de Produção
foi justificado no pensamento grego e ampliado e praticado em todo o Império
Romano.

A economia desses povos era predominantemente agrícola. Nessas


propriedades, os senhores viviam com muito conforto e luxo. O controle e
vigilância dos escravos eram rígidos, incluindo escritos filosóficos brilhantes
para justificar a escravidão. Platão e Aristóteles consideravam a escravidão
um fenômeno natural que seria eterno por sua perfeição. Acreditavam, esses
filósofos, que alguns seres humanos nasciam para serem escravos, sendo
considerados inferiores. As ideias que justificassem a escravidão estavam em
voga na antiguidade.

A escravidão, na antiguidade, construiu a ideia de que alguns trabalhos são


indignos e reservado aos considerados inferiores, segundo algumas sociedades.
Como funcionou o modo de produção escravista? Vejamos a seguir.

6.1 INSTAURAÇÃO
O modo de produção escravista resultou em guerras constantes, nas quais
um povo conquistava o outro. Diante desse contexto de conflitos e pilhagens, o
escravismo permitiu que o trabalho de um grupo fosse apropriado por outro.

Grécia Antiga e Roma foram edificadas economicamente tendo, como


base, guerras de conquistas e pilhagens sobre povos conquistados. Os donos de
escravos, grupo dominante que acumulava grandes lucros e privilégios, podem
ser considerados o motor do desenvolvimento das forças produtivas, vinculado
ao aumento do número de escravos resultantes de novas conquistas.

A economia escravista romana é fundada sobre a pilhagem e a exploração


dos povos conquistados, fornecendo aos romanos os seus meios de subsistência

20
TÓPICO 2 | PLATÃO, ARISTÓTELES E OS SOFISTAS

(comida, tributos e escravos). O poder político é confundido com o poder que


os militares adquirem a cada triunfo. O mesmo podemos dizer da prosperidade
econômica, que está intimamente vinculada com as capacidades militares da
civilização romana.

6.2 CARACTERIZANDO O MODO DE PRODUÇÃO


ESCRAVISTA
A sociedade escravista é demarcada pela propriedade dos meios de produção
(Terra e instrumentos de produção) e tudo isto era propriedade do senhor. Assim
sendo, o escravo era um instrumento de produção, como os animais e as ferramentas
utilizadas. O escravo não era diferente de uma enxada ou de um boi.

As relações de produção são demarcadas pelo controle e sujeição


dos escravos por seus senhores. As pilhagens e conquistas aumentavam
consideravelmente a quantidade de terras para produção, pois as terras dos
povos conquistados eram divididas entre os nobres. Os povos conquistados
eram escravizados e considerados propriedade do Estado, sendo cedidos aos
nobres para a produção em suas terras. Por meio do escravismo, o mundo antigo
conheceu um período de grande desenvolvimento, tendo as obras de irrigação
em lavouras, portos e estradas feitas com mão de obra escrava.

O trabalho de produção era feito exclusivamente pelos escravos. Sua mão


de obra era fundamental para a economia de gregos e romanos. Em números,
podemos dar uma ideia dessa importância utilizando a cidade-estado de Atenas.
Havia uma média de 20 escravos para cada cidadão.

As revoltas escravas eram constantes contra a exploração (veja dica de


filme ao final dessa unidade, que trata de uma das mais conhecidas que ocorreram
no mundo antigo) e o desinteresse dos povos escravizados em aumentar a
produção, bem como as guerras constantes que o império romano impunha,
foram arruinando a economia e, consecutivamente, os domínios imperiais.

Veja o texto que segue sobre como tratar o escravo, sua importância na
economia e modo de perceber sua condição, o material data dos século II e III
escrito por Gaio:

Os escravos devem ser submetidos ao poder de seus amos. Esta espécie


de domínio já é consagrada no direito dos povos pois podemos observar que,
de um modo geral, em todos os povos, o amo tem sobre os escravos poder
de vida e morte, e tudo aquilo que se adquire por intermédio do escravo
pertence ao amo. Mas hoje em dia não é permitido nem aos cidadãos romanos,
nem a nenhum dos que se acham sob o império do povo romano, castigar
excessivamente e sem motivos os escravos [...] não devemos fazer mau uso de
nossos direitos; é em virtude do mesmo princípio, que se proibiu ao dissipador
a administração dos próprios bens. (PINSKI, 1980).

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UNIDADE 1 | RECORTE HISTÓRICO: ORIGENS DO PENSAMENTO POLÍTICO E ECONÔMICO

DICAS

O diretor Stanley Kubrick traz às telas a história de Spartacus,


gladiador que se revolta contra a opressão dos nobres romanos e
organiza uma rebelião de escravos. Com Kirk Douglas, Laurence Olivier
e Peter Ustinov. Vencedor de 4 Oscars.
Direção: Stanley Kubrick

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TÓPICO 2 | PLATÃO, ARISTÓTELES E OS SOFISTAS

LEITURA COMPLEMENTAR 1

OS PROBLEMAS DE DEFINIÇÃO DA ESCRAVIDÃO ANTIGA

Moses I Finley

Num trabalho sobre a escravidão no mundo greco-romano, Lauffer


escreveu: “A palavra Sklave, esclave, schiavo, originada na Idade Média, e que a
princípio designava os cativos da guerra eslava da Europa oriental, só pode ser
transferida para a Antiguidade de um modo anacrônico, o que suscita equívocos.
Além do mais, essa palavra lembra a escravidão negra da América do Norte e
das regiões coloniais nos séculos mais recentes, o que dificulta ainda mais sua
aplicação nas relações da Antiguidade. “O ‘escravo’ antigo é um tipo social
completamente diferente”.

Poucos (ou nenhum) dos historiadores da Antiguidade que participaram


da discussão do trabalho de Lauffer viram com bons olhos essa sugestão radical
de abandonar a palavra “escravo”, o que, na verdade, representa uma omissão
diante das dificuldades, não uma solução. Se um rótulo induz a sérios erros, ele
talvez possa ser substituído por um outro, neutro.

A opção óbvia para o historiador da Grécia é a palavra grega doulos, que


não dá margem a associações não gregas. Mas isso é pretensão. Todas as palavras
ensejam associações, e estas não podem ser eliminadas por decreto. [...] Doulos,
como palavra isolada, pode não ter sentido para um historiador moderno, mas
assim que lê e pensa sobre os douloi em Atenas, ele, sendo humano, inevitavelmente
a associará à servidão, e daí a escravos. [...].

“O ‘escravo’ da Antiguidade é um tipo social completamente diferente”,


pressupõe que o escravo da Antiguidade é um tipo social. Mas os gregos usavam
regularmente a palavra doulos (e o substantivo abstrato douleia) para abranger
uma ampla gama de condições sociais. Mesmo se ignorarmos os usos mais
metafóricos — “os aliados tornaram-se douloi dos atenienses” —, ainda nos resta
o famoso problema dos hilotas espartanos.

Os gregos contemporâneos não tinham escrúpulos em chamá-los de douloi.


A maioria dos historiadores, hoje, opõe-se à tradução de “escravos” por hilotas.
Embora a empreguem para os douloi de Atenas e, curiosa e incoerentemente, para
o escravo por dívida da Ática pré-solônica ou da Roma primitiva.

São inegáveis as diferenças significativas existentes entre essas categorias


sociais antigas. Portanto, devemos questionar a linha de raciocínio de Lauffer
e concluir que o escravo da Antiguidade não é absolutamente um tipo social
único, e sim apenas um escravo no sentido geral. Devemos insistir na eliminação
desse conceito, usando palavras diferentes para hilota, escravo por dívida, e assim
por diante.

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UNIDADE 1 | RECORTE HISTÓRICO: ORIGENS DO PENSAMENTO POLÍTICO E ECONÔMICO

Esse processo, levado a extremos, tornaria impossível todo discurso


histórico: mesmo o analista mais parcimonioso encontraria problemas, pois ele
seguramente não poderia mais dizer que o indivíduo X executou a ação Y em
determinado lugar e em certo dia. Tal procedimento pelo menos seria coerente.
O que ocorre com frequência na prática corrente não tem nem essa virtude nem
outra qualquer. Em vez de enfrentarem as dificuldades que Lauffer observou —
e elas são sérias —, os estudiosos da Antiguidade esquivam-se frequentemente
delas, abrigando-se na segurança ilusória do termo “servo”, que em geral aplicam
aos hilotas espartanos, chegando mesmo a empregá-lo para os escravos por dívida
da Ática pré-solônica e a outros grupos que não eram de escravos propriamente
ditos.

Deveria ser óbvio que esse procedimento simplesmente transfere o


problema de um termo para outro, de “escravo” para “servo”. Não soluciona
nada. Em conclusão, podemos demonstrar que, atualmente, com relação a este
tópico em particular, o uso de rótulos e conceitos classificatórios encontra-se num
estágio insatisfatório, no qual a terminologia incongruente reflete uma confusão
mais profunda quanto à interpretação das próprias instituições.

FONTE: FINLEY, Moses I. Generalizações em história antiga. In: Uso e abuso da história. São
Paulo: Martins Fontes, 1989, p. 60-62.

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TÓPICO 2 | PLATÃO, ARISTÓTELES E OS SOFISTAS

LEITURA COMPLEMENTAR 2

NA SOCIEDADE GREGA, OS ESCRAVOS CONSTITUÍAM UMA CLASSE?

Pierre Vidal-Naquet

Na sociedade grega, os escravos constituíam uma classe? A ques­tão


é menos trivial do que talvez pareça, e colocá-la sob esta forma exige alguns
esclarecimentos da parte do historiador da Grécia.

A meu ver, nossa concepção moderna de classe social está ligada a três
ordens de fenômenos bem distintos que enumerarei aqui bem empiricamente e
sem escolher:

1. Uma classe é um grupo de homens que ocupa um lugar bem definido na escala
social. É o que exprimimos em linguagem comum quando falamos da “grande
burguesia” ou da “pequena burguesia”, da pretensa “classe média” ou das
“classes inferiores”. [...]

2. Uma classe social ocupa um lugar definido nas relações de produção; esta é a
principal contribuição do marxismo, e é inútil insistir nesse ponto.

3. Finalmente, uma classe social supõe a tomada de cons­ciência de interesses


comuns, o emprego de uma linguagem co­mum, uma ação comum no jogo
político e social. [...].

Seria evidentemente fácil pegar essas três noções de nível, relações de


produção e de consciência e tentar aplicá-las à Anti­guidade clássica e aos escravos,
mas antes de nos dedicarmos a es­se joguinho, talvez para torná-lo inútil, convém
fazer um desvio. Meu primeiro ponto pode ser resumido desta forma: estamos
acos­tumados a imaginar a sociedade antiga como composta de senhores e
escravos - e é o que o próprio Marx diz na abertura do Manifesto Comunista -, mas
é preciso observar o seguinte:

1) nem sempre foi assim;


2) mesmo na época clássica, confrontam-se dois tipos de so­ciedade, dentre as
quais apenas uma pode ser considerada como “escravista” no sentido preciso
que se deve dar ao termo.

Em grego, o escravo é o doulos, e essa palavra aparece já nas tabuinhas


micênicas sob a forma doero, mas a presença do termo não significa que de fato a
sociedade micênica assumia uma oposição clara e decisiva entre homens livres e
escravos. [...]

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UNIDADE 1 | RECORTE HISTÓRICO: ORIGENS DO PENSAMENTO POLÍTICO E ECONÔMICO

Na sociedade homérica ou mais exatamente naquilo que chamamos tão


impropriamente por esse nome, na sociedade evoca­da e imaginada pelos poemas
homéricos, há certamente escravos, mulheres raptadas, prisioneiros de guerra,
escravos adquiridos por um embrião de comércio, mas o escravo não é o único
embaixo da escala social e nem está tão mal situado.

Muitos disseram e M. I. Finley mostrou melhor do que ninguém que o


miserável por ex­celência não é o escravo: é o trabalhador agrícola que só dispõe
de seus braços, não tendo qualquer ligação permanente com o domí­nio, o oikos,
é o tete. Em suma, tanto na sociedade homérica quanto na micênica, existe toda
uma gama de estatutos entre o ho­mem livre e o escravo.

Saltemos agora alguns séculos e consideremos a época clássica. Nela


temos dois modelos antagônicos que se enfrentam pública e também socialmente
– digamos: o modelo ateniense e o modelo espartano. Aproximação decerto
grosseira, pois há em Es­parta características totalmente excepcionais que não
permitem transformá-la num Estado oligárquico, mas, assim mesmo, o que é
verdadeiro para Esparta é, muitas vezes, verdade, grosso modo, para a Tessália ou
para Creta.

Em Atenas reinava uma grande simplicidade que nos é familiar desde


a primeira série ginasial. Existe o cidadão, o meteco, o escravo, com, é claro,
distinções de acordo com o nível de fortu­na, distinções entre a cidade e o campo,
distinções também, acres­centarei, de acordo com as idades, pois a “Constituição”
ateniense opõe os “jovens” aos “velhos”.

É evidente que, no interior do mundo dos escravos, exis­tem enormes


diferenças. Não é a mesma coisa ser gendarme, fun­cionário ou mineiro, ter uma
barraca ou ser operário agrícola. Mas juridicamente, do ponto de vista do estatuto
pessoal, essas distin­ções não representam muita coisa, pelo menos no século V.

[...] Em suma, é claro, simples e radical, e isso mostra ao mesmo tempo que
as três cate­gorias da sociedade ateniense, cidadão, estrangeiro residente e escravo
– esse estrangeiro absoluto, esse outsider, como diz Finley – são efetivamente
vividas como tal em Atenas. [...]

Nossos manuais de história também falam de uma divisão em três partes


da sociedade em Esparta: os pares (os homoioi), os periecos e os hilotas, mas essa
divisão em nada corresponde à de Atenas. O hilota e o homoioi são dois extremos,
sem que possamos dizer que a categoria da liberdade se aplique perfeitamente
aos pares, nem a do escravo aos hilotas. [...] Apesar de seu nome, os homoioi não
formam absolutamente, mesmo no século V, um grupo social homogêneo.

[...] Além disso, todo jovem espartano que sofreu o agôgê, a educação
espartana, pode tornar-se homoioi, mas nem todos tornam-se e constata-se, no
século V, uma multiplicação de intermediários, uma profusão de categorias,
dentre as quais algumas remontam a uma época muito antiga. [...]

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TÓPICO 2 | PLATÃO, ARISTÓTELES E OS SOFISTAS

Do lado dos hilotas, a simplicida­de também não reina mais. Um hilota


pode ser um mothax, e as fontes antigas explicam esse termo ora como designando
o escravo nascido em casa, ora como o hilota, criado com os espartanos e tendo
passado pelo agôgê dos futuros pares. Libertado, o hilota irá tornar-se neodamodo,
novo membro do damos, sem por isso tornar-se homoioi. Em suma, a sociedade
espartana caracteriza-se por uma gama de estatutos sem que se possa definir
muito claramente onde começa a liberdade e onde acaba a escravidão, pois mesmo
os “iguais”, no fundo, não são homens livres no sentido ateniense do termo.

FONTE: VIDAL-NAQUET, Pierre. Os escravos gregos constituíam uma classe? In: VERNANT,
Jean Pierre; VIDAL-NAQUET, Pierre. Trabalho e Escravidão na Grécia Antiga. Campinas: Papirus,
1989, p. 86-91.

27
RESUMO DO TÓPICO 2

Neste tópico você estudou que:

l Platão, Aristóteles
e os sofistas foram considerados os estudiosos que deixaram
contribuições sobre política desde a Grécia Antiga aos dias atuais.

l Platãodeixou suas ideias políticas na obra A República, escrevendo sobre


modelos ideais de cidade, estado, nação, justiça e cidadania.

l Aristótelesdeixou, como legado, a obra A Política. Considerado fundamental


para o estudo das organizações políticas, bases das Cidades-Estado.

l Os sofistas defendiam suas ideias, afirmando ser necessário usar a arte de bem
falar para persuadir os outros por meio da palavra.

l OModo de Produção Escravista era a base de sustentação econômica da Grécia


Antiga e, sobretudo, do Império Romano.

l A noção de economia na Grécia Clássica era bastante diferente do que veio


a ser entendido posteriormente. Inicialmente, designava a administração do
patrimônio familiar.

28
AUTOATIVIDADE

1 A concepção de política grega pressupõe que existem modelos ideais de


governantes. Homens que devem ser educados para o exercício de funções
públicas. Escreva um texto, evidenciando sua opinião e comentários sobre
esse tema.

29
30
UNIDADE 1
TÓPICO 3

PENSAMENTO POLÍTICO E ECONÔMICO


NA IDADE MÉDIA

1 INTRODUÇÃO

FIGURA 4 – UNIVERSIDADE NA IDADE MÉDIA

FONTE: Disponível em: <http://www.brasilescola.com/historia/universidades-na-idade-media.


htm>. Acesso em: 15 out. 2008.

Sabemos o quanto a Idade Média é ainda considerada como um período


obscuro, na qual a civilização ocidental teria adormecido diante do jugo da
Igreja Católica. No campo do pensamento científico e filosófico, teríamos vivido
um momento de ausência total de pensadores que fugiram aos domínios do
Cristianismo.

Esse contexto foi chamado, por séculos, de Idade das Trevas e associado
à tirania da Igreja, intolerância, fome, pestes, guerras, domínio das ideias
sobrenaturais, irracionalidade. Esse processo seria rompido apenas com o
Renascimento, no qual a humanidade retoma o pensamento da antiguidade
clássica e prepara os fundamentos para o Iluminismo.

Como surge esse estigma? Os pensadores humanistas do Século XVI,


querendo exaltar as mudanças profundas apresentadas no Renascimento,
chamaram o período anterior de Idade Média ou das Trevas. Essa denominação

31
UNIDADE 1 | RECORTE HISTÓRICO: ORIGENS DO PENSAMENTO POLÍTICO E ECONÔMICO

carregou a conotação de período estagnado em matéria de pensamentos e


mudanças significativas. As instituições do período medieval e suas organizações,
bem como os pensadores do período, serviram para afirmar o poder renovador
da burguesia e suas instituições e pensadores alinhados com o novo tempo.

Filmes hollywoodianos contribuíram muito para reforçar a ideia de que do


período medieval restaram trevas no pensamento, aventuras de heróis e romances
cavalheirescos, nos quais o cavaleiro e seu cavalo buscam a justiça em nome da
fé, honrando seu reino e defendendo sua amada. Rei Arthur e seus cavaleiros
da Távola Redonda foram recontados nas telas e transformados em personagens
épicos de uma época bucólica, mas vazia de produção intelectual.

Na Idade Média, o livro referencial foi a Bíblia, sem dúvida. O que se


produziu em termos de pensamento e reflexões relacionavam-se com os preceitos
cristãos interpretados de diferentes maneiras. As universidades e escolas
monásticas eram controladas pela Igreja que mantém sob seu controle, inclusive,
a escrita até o século XII.

Senhores feudais eram, na maioria, analfabetos que mantinham um


controle social e político sobre os homens. A Igreja ficava com o controle
administrativo dos reinos ao fornecer funcionários que trabalhavam diretamente
com os reis.

Como detentora da cultura, a Igreja praticava ensinamentos nos sermões


e controlava moralmente as comunidades com sistemas de ensino, reuniões
dominicais, confissões e definindo a organização do tempo de trabalho por meio
dos toques do sino: tempo de repouso, tempo de trabalho, tempo de orações, de
festas. Tempo de vida controlado rigorosamente pelo sino. Controle que perdurou
até o surgimento dos relógios mecânicos, que substituíram os sinos. Seu poder
era absoluto em várias formas de saber.

NOTA

O surgimento do relógio mecânico foi na Europa, final do século XIII, por volta do
ano de 1271. Os relógios eram considerados como símbolo do equilíbrio, virtude e sabedoria.

32
TÓPICO 3 | PENSAMENTO POLÍTICO E ECONÔMICO NA IDADE MÉDIA

2 SANTO AGOSTINHO

FIGURA 5 – SANTO AGOSTINHO

FONTE: Disponível em: <http://br.geocities.com>. Acesso em: 18 out. 2008.

O texto que segue para você, caro(a) acadêmico(a), é uma tentativa de


mostrar a originalidade e a riqueza de um pensador medieval ocupado em
construir uma concepção universal, relacionando Deus, o mundo terreno e as
bases racionais. Seus pensamentos sobre Estado e governo são dignos de estudo
considerando-se que Santo Agostinho é o filósofo mais marcante deste período.

Antes chamado Aurelius Augustinus, Santo Agostinho defendeu uma


concepção de que o Estado tem a função de controlar e vigiar o povo, evitando,
assim, que este ceda às paixões, pecados e erros. Não há, em seus escritos, uma
preocupação em separar a fé e a razão visto que acreditava que a razão auxilia
os homens a atingirem a fé. E a fé, por sua vez ilumina a razão que esclarece os
conteúdos mais profundos da fé. Ao deixar as fronteiras da fé e razão, assegura
que as revelações divinas e o pensamento racional se complementam.

Para Agostinho, o Estado ideal é o que procura imitar a perfeição


divina. Em sua obra A cidade de Deus, descreve uma cidade ideal, organizada
segundo a perfeição divina e tomando como base o amor divino, abolindo
todas as formas de pecado. Seus pensamentos são dignos de análise e estudo,
considerando-se que influenciaram todo o pensamento político medieval
assentado na superioridade do poder espiritual sobre os homens.

33
UNIDADE 1 | RECORTE HISTÓRICO: ORIGENS DO PENSAMENTO POLÍTICO E ECONÔMICO

Em sua obra Cidade de Deus, o pensador diz existirem muitos povos


com religiões e costumes diversos em línguas e maneiras de vestir, mas afirma
que existem apenas duas espécies de sociedade humana, ou como diz, cidades:
uma comandada por homens que querem viver sob o jugo da carne e do pecado;
outra que é orientada pelo espírito.

Nessa obra, o pensador diz ser impossível o Estado chegar à justiça se


não optar pela orientação em torno dos princípios morais cristãos. Ao dizer,
deixa claro que no seu ponto de vista, a Igreja é superior ao Estado. Deixa
transparecer que para compreendermos a história da humanidade, deveríamos
levar em consideração a luta constante entre duas sociedades: uma fundada
pelos impulsos humanos e terrenos considerados inferiores – a cidade terrena;
e outra fundada nos princípios da paz celestial e espiritual – a cidade de Deus.

Claro que para Santo Agostinho, o domínio deveria ser da Cidade de


Deus, pois só nela é possível a paz permanente típica de reinos espirituais. A
cidade terrena está vinculada ao reino do Diabo e de todos os males. Percebemos,
em seu legado, que não há discussão sobre a condição de existência do Estado.
Esse deveria ser cristão e comandar uma comunidade reunida nos princípios
da fé cristã, tendo os interesses espirituais acima de todos os outros, mantendo
a fé pura, garantindo, assim, a salvação humana.

Sua obra foi decisiva para a história do pensamento cristão. Por viver
em um contexto no qual duas épocas se interpõem, Santo Agostinho trouxe, em
seus escritos, o registro do seu tempo, com bases fixadas no pensamento antigo,
mas preocupado em transformar o que já estava em decadência e apontar para
o que ainda estava por vir. Seu pensamento dominou a cultura medieval ao
descrever o encontro entre a fé e a razão, Estado e Igreja tendo como objetivo a
pureza da fé. Diríamos que seu pensamento ainda persistiu por parte da Idade
Moderna e ainda é fonte de debate em grupos cristãos pelo mundo.

Podemos apontar então três legados da obra de Agostinho:

● um ideal de cultura vinculado à fé, promovendo e apresentando as bases de


organização de um possível Estado;
● uma síntese da doutrina cristã muito importante para o período em que
viveu;
● é uma orientação filosófica para seus contemporâneos.

FONTE: Disponível em: <http://br.geocities.com>. Acesso em: 18 out. 2008.

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TÓPICO 3 | PENSAMENTO POLÍTICO E ECONÔMICO NA IDADE MÉDIA

DICAS

O Nome da Rosa

Um monge franciscano é encarregado de investigar uma série


de estranhas mortes que passam a ocorrer em um mosteiro, em
plena Idade Média. Dirigido por Jean-Jacques Annaud e com Sean
Connery e Christian Slater no elenco.
Título Original: Der Name Der Rose
Gênero: Suspense
Tempo de Duração: 130 minutos

3 MODO DE PRODUÇÃO FEUDAL


Com as revoltas internas e os ataques de povos estrangeiros (os chamados
povos bárbaros), o Império Romano começa a conhecer sua ruína por volta do
século V d.C. E, com ele, o Modo de Produção Escravista também começa a
deteriorar tendo pequenos agricultores uma força maior na economia.

Diante desse quadro, um novo Modo de Produção começa a desenhar sua


base econômica: o Modo de Produção Feudal. Foi a partir do século V d.C. que
começa o que denominamos Idade Média. Contudo, o sistema feudal começa a
vigorar em parte da Europa somente após o século IX d.C.

O Modo de Produção Feudal tinha, como base, a economia agrária


com escassa circulação monetária. A propriedade das terras era de um grupo
privilegiado: os senhores feudais, o clero e alguns descendentes de chefes tribais.

Na Idade Média, as forças produtivas continuavam seu desenvolvimento


com o surgimento de novas tecnologias, tais como: a tipografia e a tecelagem,
que contribuíram no desenvolvimento de algumas profissões muito importantes,
para o desenvolvimento das pequenas cidades, em torno do artesanato e do
comércio. Locais que, em época posterior, viriam a se tornar centros comerciais
importantes na Europa.

3.1 DINÂMICA DO MODO DE PRODUÇÃO FEUDAL


As relações de produção, no Modo de Produção Feudal, estavam baseadas
na propriedade dos senhores feudais sobre a terra e no grande controle sobre os
servos. O servo era quem cultivava um pedaço de terra cedido pelo proprietário
e, para tanto, pagava impostos e cultivava parte desta, em que o resultado da
produção pertencia ao senhor.

35
UNIDADE 1 | RECORTE HISTÓRICO: ORIGENS DO PENSAMENTO POLÍTICO E ECONÔMICO

O senhor, por sua vez, não poderia castigar o servo, mas poderia, por
exemplo, vender as terras com o servo e sua família juntos. O servo, portanto,
tinha usufruto da terra. Parte do que ele produzia era para seu sustento, se
utilizasse um tempo do seu trabalho para seu senhor.

Leiamos o que Hubermann (1998, p. 17) diz sobre a relação senhores e


servos:

Os camponeses eram mais ou menos dependentes. Acreditavam os


senhores que existiam para servi-los. Jamais se pensou em termos
de igualdade entre senhor e servo. O servo trabalhava a terra e o
senhor manejava o servo. E no que se relacionava ao senhor, este
pouca diferença fazia entre o servo e qualquer cabeça de gado de sua
propriedade.

Outro aspecto importante que o autor chama atenção é sobre o sistema de


deveres que um servo deveria ter com seu senhor. Observem:

A posse da terra não significava que pudéssemos fazer dela o que


nos agradasse, como hoje. A posse implicava deveres que tinham que
ser   cumpridos. Caso contrário, a terra seria tomada. As obrigações
que os servos tinham para com os senhores, e as que o senhor devia
ao servo - por exemplo, proteção em   caso de guerra - eram todas
estabelecidas e praticadas de acordo com o costume. (HUBERMANN,
1998, p. 18)

Além das grandes propriedades feudais, havia o sistema de propriedade


dos camponeses, que possuíam suas próprias terras, e dos artesãos, que eram
donos dos seus próprios instrumentos de produção. Essas formas de produção
estavam baseadas no trabalho familiar e de autossustentação.

Foi essa pequena brecha no sistema feudal que ampliou o poder das
cidades, habitadas por artesãos e mercadores. As vilas, ou pequenas cidades,
estavam sob o jugo do senhor das terras onde ficava, mas, gradativamente, foram
aperfeiçoando o sistema de comércio e produção de matéria-prima, permitindo
o aparecimento de novas maneiras de produção diferentes do sistema feudal.
Serrarias, cutelaria, fabricação de armas, cordoarias e ferrarias foram o motor
do desenvolvimento das vilas, tornando-as importantes centros comerciais. As
relações de produção começaram a mudar.

TUROS
ESTUDOS FU

Você estudará, em outra Unidade, o Modo de Produção Capitalista. O conteúdo


dessa unidade será fundamental para compreendermos a importância das cidades e o
comércio na mudança das relações de produção feudal.

36
TÓPICO 3 | PENSAMENTO POLÍTICO E ECONÔMICO NA IDADE MÉDIA

DICAS

O SENHOR DA GUERRA

(1965.direção Franklin J. Schaffner)


Filme clássico com Charlton Heston que narra as relações de poder
na Idade Média tendo o norte da França como local. A história trata
de um cavaleiro a serviço do duque da Normandia.

4 AS TRÊS ORDENS SOCIAIS NO IMAGINÁRIO FEUDAL


Para compreendermos como o feudalismo acontecia na prática, é
importante que comecemos pela própria definição do termo.

Segundo Paulo Miceli, o termo “feudal” vem de fief e feodum, que são
palavras de origem germânica ou celta e designam “o direito de desfrutar qualquer
bem, geralmente uma terra: não se trata de uma propriedade no sentido atual,
mas de seu usufruto, um direito de uso. Assim, o feudo poderia ser considerado
como uma forma de posse sobre alguns bens reais”. (MICELI, 1994, p. 29).

Portanto, ainda que houvesse as feiras e algum comércio nos burgos


medievais, a preponderância da economia medieval era feudal, essencialmente
agrícola. Este modo de produção era bastante diferente do modo de produção
escravista, predominante na história greco-romana. Na Grécia e Roma, as
guerras, as pilhagens e aprisionamentos justificavam a escravização dos povos
dominados.

Devemos nos questionar como era justificada ideologicamente a


exploração do trabalho servil na Idade Média?

No seu livro “As três ordens ou o imaginário do feudalismo”, Georges


Duby encara o feudalismo não apenas como um sistema econômico ou um modo
de produção, mas como uma categoria que abarca toda a sociedade, que produz
uma explicação para a ordem social, econômica e religiosa.

Segundo Duby (1994), havia na Idade Média uma teoria da trifuncionalidade


social. Nesta teoria, a sociedade era vista como uma instituição perfeita. Nela
havia três categorias sociais: aqueles que rezam (oratores), os que fazem a guerra
(bellatores) e os que trabalham (laboratores).

Nesta ordem hierárquica descendente estava o clero, a nobreza e os servos.


Nesta perspectiva, o clero representa aqueles que devem rezar pela salvação de
todos os homens. São os homens da Igreja, são intermediários entre Deus e os

37
UNIDADE 1 | RECORTE HISTÓRICO: ORIGENS DO PENSAMENTO POLÍTICO E ECONÔMICO

homens, os oratores. A nobreza deve combater. É responsável pela proteção e


segurança, são bellatores, belicosos, homens da guerra. E na parte mais inferior
estão os servos, aqueles que com seu trabalho devem sustentar a si mesmos e ao
restante da sociedade, como a própria palavra diz, eram laboratores. Dedicavam
sua vida ao labor, à labuta, ao trabalho pesado.

Essa hierarquização do mundo social em três ordens era ideologicamente


justificada. Assim deveria ser, pois a ordem terrestre seria o espelho da ordem
celestial. Os mais superiores na hierarquia terrestre, o clero, estariam em contato
com os mais inferiores na hierarquia celestial, os anjos, e no topo da escala estaria
Deus.

Assim como a crença que inspirava a religião cristã – para a qual o pai,
o filho e o Espírito Santo compõem uma divindade una –, a sociedade
que se formara durante e após a lenta e violenta acomodação dos povos
também deveria projetar sua unidade baseada em três componentes.
Nesse caso, as pessoas que rezavam, as pessoas que combatiam e as
pessoas que trabalhavam. (MICELI, 1994, p. 32).

Esta ideologia busca legitimar a dominação, naturaliza e eterniza as


desigualdades sociais.

Veja como dois bispos expunham a questão.

Tripla é, pois, a casa de Deus que se crê una: embaixo, uns rezam
(orant), outros combatem (pugnant), outros ainda trabalham (laborant);
os três grupos estão juntos e não suportam ser separados; de forma
que sobre a função (officium) de um repousam os trabalhos (opera) dos
outros dois, todos por sua vez entreajudando-se. [...] Demonstrou que,
desde a origem, o gênero humano se dividiu em três: as gentes de
oração (oratoribus), os agricultores (agricultoribus) e as gentes de guerra
(pugnatoribus); fornece evidente prova de que cada um é o objeto, por
parte dos outros dois, de um recíproco cuidado. (DUBY, 1994, p. 16,
17).

O discurso acima, citado por Duby (1994), foi formulado por Adalberão,
bispo de Laon, e por Gerardo, bispo de Cambrai, nos anos vinte do século XI.
Ele também é um indício importante do poder que a Igreja havia conquistado na
época.

Desde a desintegração do Império Romano, o cristianismo vinha


conquistando terreno na Europa e ganhando cada vez mais prestígio. Mas é
ao longo da Idade Média que a Igreja se estrutura e passa a ser uma das mais
importantes instituições.

Neste período, a Igreja era a principal depositária do conhecimento


clássico. Mas também era a instituição mais poderosa da Europa. Ainda que os
reis tivessem autoridade, quem realmente detinha o poder era a Igreja, pois sem
o apoio da Igreja era impossível governar.

38
TÓPICO 3 | PENSAMENTO POLÍTICO E ECONÔMICO NA IDADE MÉDIA

No período medieval a Igreja ficou conhecida como a grande “senhora


feudal”. Segundo Paulo Miceli, “enquanto o rei e a nobreza tinham suas
propriedades divididas por casamentos, heranças, favores e lutas constantes, a
Igreja pôde acumular entre 20% e 35% de todas as terras”. (MICELI, 1994, p. 22).

A Igreja ainda teve um papel importante na mudança ou transição do


sistema feudal para o capitalismo. É o que vamos ver a seguir.

5 A DESINTEGRAÇÃO DO FEUDALISMO
O feudalismo começou a entrar em decadência quando as cidades
começaram a se fortalecer. Mesmo no auge do feudalismo havia grupos de
artesãos e comerciantes que permaneciam à margem dos feudos. Esses grupos
habitavam os burgos, lugares fortificados onde se concentravam pessoas livres,
com os mesmos objetivos e que não eram constrangidos pelas obrigações feudais.

Os burgueses, como ficaram conhecidos, passaram a organizar-se em


comunas, e nelas prestavam um juramento de solidariedade e de ajuda mútua.
Foi entre os burgueses que o capitalismo germinou. Eles não eram apenas
comerciantes e artesãos, com o passar do tempo os mais ricos começaram a
emprestar dinheiro e a exigir juros no momento da devolução.

No século XIII, o dinheiro passou a ser largamente utilizado nas trocas


comerciais. É neste contexto que surge a atividade dos banqueiros e o problema
da usura (cobrança de juros). E neste aspecto, a Igreja terá um papel fundamental.

A Igreja entendia que o empréstimo a juros era imoral. “Entendia-se que


um usurário, ao exigir no pagamento uma importância maior e proporcional à
duração do empréstimo, estava vendendo algo que pertencia somente a Deus (o
tempo)”. (MICELI, 1994, p. 54).

O historiador Jacques Le Goff trata do tema no livro “A bolsa e a vida:


economia e religião na Idade Média”. Segundo Le Goff (1989), durante muito
tempo a usura era um dos pecados mais graves para a Igreja Medieval. A usura
era considerada um roubo. Como vimos acima, o usurário era considerado um
“ladrão de tempo”.

A usura é um roubo, portanto o usurário, um ladrão. E antes de tudo,


como todos os ladrões, um ladrão de propriedade. Thomas de Chobham o
diz bem: “O usurário comete um furto (furtum) ou uma usura (usurum) ou
uma rapina (rapinam), pois recebe um bem alheio (rem alienam) contra a
vontade do ‘proprietário’ (invito domino), isto é, Deus. O usurário é um ladrão
particular; mesmo que não a ordem pública (nec turbat rem publica), seu roubo
é particularmente odioso na me­dida em que rouba a Deus.

FONTE: Disponível em: <pt.scribd.com/doc/57111297/3/O-ladrao-de-tempo>. Acesso em: 2 jul.


2012.

39
UNIDADE 1 | RECORTE HISTÓRICO: ORIGENS DO PENSAMENTO POLÍTICO E ECONÔMICO

Que vende ele, de fato, senão o tempo que passa en­tre o momento em
que empresta e aquele em que é reembolsado com juros? Ora, o tempo pertence
somente a Deus. Todos os contemporâneos o dizem, depois de Santo An­selmo e
de Pedro Lombardo: “O usurário não vende ao de­vedor nada que lhe pertença,
somente o tempo, que per­tence a Deus. Ele, portanto, não pode tirar proveito da
ven­da de um bem alheio”.

Mais explícito, mas expressando um lugar comum da época, a Tabula


exemplorum relembra: “Os usurários são ladrões, pois vendem o tempo, que não
lhes pertence, e vender o bem alheio, contra a vontade do possuidor, é um roubo”.
(LE GOFF, 1989, p. 39).

Para Le Goff (1989), o problema da usura está no centro das discussões


sobre o surgimento do capitalismo. A posição de condenação por parte da Igreja
teria postergado o desenvolvimento do capitalismo. Mas é o abrandamento do
pecado da usura que vai libertar o impulso inicial do capitalismo. Mas vejamos
como a Igreja passa a tolerar ou até mesmo justificar ideologicamente o pecador
usurário.

A usura era um pecado e todo pecador, ao morrer sem arrependimento,


iria teoricamente para o inferno. Daí o feliz título do livro de Le Goff, “A bolsa e a
vida”, pois era esse o dilema do usurário: a bolsa de dinheiro e a danação eterna
no inferno ou a renúncia da usura e a vida eterna.

A saída encontrada era a confissão e a devolução de todo o lucro


advindo da usura. Mas, neste período, há também uma novidade no interior da
doutrina católica, é a invenção do purgatório. O purgatório é uma criação da
Igreja Medieval, através dele o usurário poderia se redimir (purgar) através dos
castigos e penas pelos pecados cometidos. Se isso ocorresse, segundo a Igreja, o
pecador não iria chegar até o inferno. Curiosamente, o purgatório removeu um
dos últimos entraves para o triunfo do capitalismo.

40
TÓPICO 3 | PENSAMENTO POLÍTICO E ECONÔMICO NA IDADE MÉDIA

FIGURA 6 - O TRABALHO NO REGIME FIGURA 7 - CAMPONESES CULTIVANDO A


FEUDAL TERRA

FONTE: Disponível em: <http://upload. FONTE: Disponível em: <http://www.


wikimedia.org/wikipedia/commons/ saibadisso.com/wp-content/uploads/2012/04/
thumb/b/ba/Breviarium_Grimani_-_Juni. fotos-feudalismo.jpg>. Acesso em: 3 maio
jpg/449px-Breviarium_Grimani_-_Juni.jpg>. 2012.
Acesso em: 3 maio 2012.

6 A TRANSIÇÃO DO FEUDALISMO PARA O CAPITALISMO


A transição do feudalismo para o capitalismo é um processo que ocorreu
em vários séculos.

Segundo o historiador Pierre Vilar:

a desintegração do modo de produção feudal ocorre por causa de uma


série de fatores: das trocas comerciais que ocorrem externamente aos
feudos, devido à crescente circulação monetária, por causa também do
crescimento do número de homens livres dos compromissos feudais,
pela importância que as cidades adquirem ao la­do das propriedades
feudais. Outro fator é a cobrança de impostos pelo Estado, que rivaliza
com os tributos dos senhores feudais e a crescente relevância do
Estado frente à nobreza. (VILAR, 1999, p. 37).

Todos os fatores acima citados começam a surgir a partir do século XI.


Mas só podemos falar realmente em capitalismo quando as revoluções políticas
provocam uma mudança estrutural no sistema político e econômico. Quando a
burguesia assume um papel consciente e organizado enquanto classe social.

41
UNIDADE 1 | RECORTE HISTÓRICO: ORIGENS DO PENSAMENTO POLÍTICO E ECONÔMICO

A formação da burguesia é um dos pontos mais polêmicos no processo de


transição do feudalismo para o capitalismo. Segundo Villar, devemos empregar
os termos “burguesia” e “capitalismo” com precaução, “enquanto não se trate
da so­ciedade moderna, onde a produção maciça de mercadorias repousa sobre
a exploração do trabalho assalariado, daquele que nada possui, realizada pelos
possuidores dos meios de produção”. (VILAR, 1999, p. 38).

Outro fator importante na transição do feudalismo para o capitalismo é o


renascimento das cidades. Mas esse renascimento deve ser relativizado. A maioria
da população europeia continuava sendo camponesa. Todavia, aos poucos,
cidades como Veneza, Flandres e Sevilha, principalmente aquelas portuárias e as
localizadas às margens do Mediterrâneo, ganham uma importância muito grande
no processo de desintegração da economia feudal.

É no período de crise do feudalismo que ocorrem as grandes navegações


e o surgimento de vários inventos que revolucionam as formas de produção. É o
momento do surgimento da imprensa, da intensificação da produção de metais
por causa das armas de guerra, das grandes navegações que ampliam o comércio
e consolidam o poder econômico da burguesia e dos reis. Neste contexto já é
possível falar em um mercado mundial, e isso afeta profundamente o sistema
produtivo europeu.

A transição para o capitalismo é muito visível em países como a


Inglaterra, a partir do século XV. Como veremos na próxima unidade, o processo
de “cercamentos” das terras antes comunais força milhares de camponeses a
emigrar para as cidades e a vender sua mão de obra como trabalho assalariado.
É o início do processo de proletarização dos camponeses e a consolidação do
sistema capitalista.

42
RESUMO DO TÓPICO 3

Neste tópico, você estudou que:

• A Idade Média possui o estigma de ser a Idade das Trevas. Ideia cunhada
no período renascentista, em que os pensadores, para reafirmarem as novas
ideias, menosprezam o pensamento anterior.

• A Idade Média é marcada pelo controle cultural da Igreja Católica.

• Santo Agostinho foi um importante pensador para a cultura cristã do período


medieval, por defender ideias que estavam de acordo com as exigências do
contexto da época.

• Os ideais agostinianos estavam associados à ideia de que a cultura ideal deveria


estar vinculada à fé.

• O modo de produção feudal era um sistema econômico baseado na propriedade


das terras e estava organizado na produção agrária.

• Na Idade Média a ordem feudal era justificada pela ideologia da


trifuncionalidade social: uns oram, alguns lutam e a maioria trabalha para o
sustento dos demais.

• A Igreja era a grande “Senhora Feudal” no medievo.

• A usura teve um papel importante no processo de transição para o capitalismo.

• O renascimento das cidades, a monetarização da economia, a revitalização do


comércio e as descobertas marítimas foram fatores importantes no processo de
desintegração do sistema feudal e na emergência do capitalismo.

43
AUTOATIVIDADE

1 Quais as duas sociedades existentes no pensamento de Santo Agostinho? O


que caracteriza cada uma?

2 A obra Cidade de Deus faz uma alusão às necessidades de fé, para que
o Estado exerça a justiça verdadeira. Escreva a sua opinião sobre esse
postulado.

3 Analise as sentenças sobre o período medieval e o modo de produção feudal


e classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas.

( ) A servidão no período medieval se justificava de maneira distinta da


escravidão greco-romana. Na Idade Média, a ideologia da trifuncionalidade
naturalizava a exploração do trabalho dos camponeses pelas outras duas
categorias sociais: a nobreza e o clero.

( ) A usura não chegou a ser um entrave ao desenvolvimento do capitalismo


na Europa, pois a usura era considerada um pecado somente entre os
católicos e, portanto, desconhecida entre protestantes e muçulmanos que
já viviam na maior parte da Europa.

( ) O processo de desintegração do feudalismo ocorre por uma série de


fatores, entre eles podemos citar: o renascimento das cidades, a circulação
monetária que revitalizou as trocas comerciais, as grandes navegações,
fortalecimento dos burgueses e das monarquias.

( ) Podemos afirmar que o capitalismo já estava consolidado no início do


século XVI, através do fortalecimento e da tomada de consciência da classe
burguesa. Esta classe foi a maior responsável pela derrocada do modo de
produção feudal.

Agora, assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) F- F- V- V.
b) ( ) F- V- F- V.
c) ( ) V- V- F- F.
d) ( ) V- F- V- F.

44
UNIDADE 1
TÓPICO 4

FILOSOFIA, ECONOMIA E POLÍTICA NA MODERNIDADE

1 INTRODUÇÃO
O período da história considerado como uma transição grandiosa,
visto que a humanidade ocidental sofre mudanças econômicas – transição do
feudalismo para o capitalismo – e culturais, é chamado Renascimento.

A derrocada da economia feudal, o princípio do capitalismo e o


surgimento dos Estados Nacionais vão desenhando a centralidade progressiva
das instituições políticas. Um Estado absolutista, assegurado na burguesia
ascendente, controla a economia, sujeitando a igreja à sua autoridade. Podemos
definir que, politicamente, a constituição dos Estados Nacionais coincidem com
os interesses capitalistas em emergência.

A humanidade ocidental viveu um período de grandes progressos


técnicos e mudança nos sistemas de produção. Essa é a época em que o progresso
científico, a revolução industrial e enormes mudanças políticas, econômicas e
sociais afetaram a vida e pensamentos dos europeus ocidentais. E, sem dúvida,
não podemos deixar de apontar que é um período, no qual as conquistas
territoriais levaram a cultura ocidental a outras partes do planeta.

As nações europeias, envoltas em profundas mudanças, crescem


comercialmente e permitem longas viagens marítimas de descobertas. Essas
conquistas aumentam a produção de alimentos e transformam, significativamente,
os métodos de fabricação. As forças militares das nações europeias colonizaram
muitos lugares do mundo por meio de colônias e protetorados.

Essas mudanças, sem dúvida, não deixaram de afetar o pensamento social


e cultural. Abrangeram os séculos XIV até XVI, chamado assim de  renascimento
cultural. Assunto que você, caro(a) acadêmico(a), já deve ter estudado em outras
disciplinas desse curso. Aqui cabe conhecermos melhor alguns pensadores que
dedicaram seus estudos e observações sobre a organização política nesse contexto
de mudanças profundas na sociedade ocidental.

45
UNIDADE 1 | RECORTE HISTÓRICO: ORIGENS DO PENSAMENTO POLÍTICO E ECONÔMICO

E
IMPORTANT

A palavra Estado só começa a ser utilizada no Renascimento, na Idade Moderna.


Estado, na acepção que lhe damos hoje, ou seja, o conjunto de poderes políticos em uma
nação específica.
Os gregos utilizavam a palavra polis; Roma Antiga e Idade Média utilizavam a palavra civitas.
Na Modernidade, a palavra Estado aponta uma nova realidade, significando a posse de um
determinado território. Os moradores desse espaço territorial estavam sob o comando de
um governo estruturado, dentro de uma centralidade cada vez mais intensa.

2 NICOLAU MAQUIAVEL

FIGURA 8 – NICOLAU MACHIAVEL

FONTE: Disponível em: <http://www.educ.fc.ul.pt>. Acesso em: 20 out. 2008.

Falar desse pensador exige que lembremos sempre que ele nasceu e viveu
em Florença, cidade Italiana, onde iniciou o processo de questionamento ao
pensamento estável da Idade Média. O chamado Renascimento Italiano rejeitou
o pensamento voltado para uma fé em torno das decisões da Igreja e promoveu a
criatividade, a livre expressão, estimulou descobertas e o individualismo.

No final do século XV, a cidade de Florença vivia o apogeu do


Renascimento, por ser um local onde se encontravam, reunidos, muitos
intelectuais e pensadores. Citemos escritores e artistas que viviam em Florença:
Leonardo da Vinci, Rafael, Ticiano, Tintoreto, Veronese dentre tantos.

46
TÓPICO 4 | FILOSOFIA, ECONOMIA E POLÍTICA NA MODERNIDADE

O período também é marcado pelo desenvolvimento das cidades e


fortalecimento de uma classe burguesa vinculada ao comércio e às monarquias
nacionais. Essa nova realidade exige outros instrumentos teóricos que repensem
e interpretem as mudanças profundas. Maquiavel foi, sem dúvida, um marco
nessa nova realidade. Suas obras estavam desligadas das preocupações filosóficas
dos gregos e distantes do apego moral cristão e da exacerbada fé na Idade Média.

Nicolau foi um estadista que se destacou em seus estudos sobre política,


sobretudo a italiana. Seus estudos deixaram muitos escritos, mas convém
destacarmos o livro O Príncipe (escrito em 1513 e publicado em 1532), no qual o
autor descreve o governo sob o ponto de vista de um absolutista. Governo que o
governante (o príncipe) teria a centralidade do poder, sempre pensando no bem
comum.

Sua obra é de suma importância a ponto de alguns estudiosos destacarem-


no como o pai da moderna ciência política. O Príncipe é escrito em um contexto
inquietante e, sem dúvida, é um apontamento da época na qual está em andamento
uma reforma política, econômica e cultural. Maquiavel, ao atacar a tradição da
Idade Média, amplia o conceito de ciência política ao definir um estado forte
eminentemente moderno. Vejamos por quê:

No livro O Príncipe, Maquiavel descreve como um governante deve


conduzir suas ações para alcançar seus objetivos. Aconselha que um governante
não deva se preocupar com os meios para alcançar o seu intento. Habilmente,
define que devem ser empregados os meios mais perversos para vencer seus
inimigos. Aconselha Maquiavel (2001, p. 43) “para conservar uma república
conquistada, o caminho mais seguro é destruí-la ou habitá-la pessoalmente.”

Seu reconhecimento, como fundador do pensamento político moderno,


é pela habilidade em descrever as artimanhas do Estado e do Governo. Num
livro dedicado a Lourenço de Médice (membro de família poderosa e príncipe em
Florença), ele descreve regras a serem seguidas para preservar o poder. Defende
normas éticas próprias de assuntos políticos. No momento histórico em que
Maquiavel emite seus pensamentos, era necessária uma teoria que justificasse o
fortalecimento dos Estados que surgiam distantes da religião.

Afirmou Maquiavel (2001, p. 90) ser “ necessário a um príncipe, para


se manter, que aprenda a poder ser mau e se valha ou deixe de valer-se disso
segundo a necessidade.”

Seu livro mais controverso sem dúvida é O Príncipe. Este teve, na história,
defensores e críticos, sendo, inclusive, incluído no Index ( Livros proibidos da
Igreja Católica).

47
UNIDADE 1 | RECORTE HISTÓRICO: ORIGENS DO PENSAMENTO POLÍTICO E ECONÔMICO

NOTA

Popularmente, maquiavelismo é sinônimo de astuto, ardiloso e diabólico.


Alguns autores, como Bertrand Russel, chamaram a obra O Príncipe de um ‘compêndio para
gangsters’.
Cuidado: compreenda o processo de sua construção como obra para não cair nas tentações
do pensamento comum.

É fundamental definirmos alguns tópicos importantes no pensamento de


Nicolau Maquiavel. Observe:

• Uma das primeiras preocupações é apresentar uma classificação diferente de


forma de governo. Maquiavel utiliza a expressão Estado definindo por aqueles
que ocupam o poder.

• Maquiavel acreditava que o passado deveria servir de referência para que


compreendamos o presente e repensemos as ações futuras. Afirmava que os
homens são passageiros, mas a natureza humana permanece. Assim, o passado
pode desenhar caminhos para o presente, permitindo aos homens enfrentar,
com maiores conhecimentos, os problemas existentes.

• Outro aspecto importante na obra de Maquiavel é a teoria da força. Acreditava,


e assim defendia, que o Estado deve ser organizado com leis bem pensadas e
armas. As leis podem garantir um Estado de direito, mas não assegurar o bem
governar, que só é assegurado pelo uso da força.

• Um dos tópicos mais importantes, e não menos polêmicos na obra de Maquiavel,


é o conceito de Realismo. Um governante deve se preocupar com a conquista
do poder bem como com sua conservação. Colocando, em seu livro mais
conhecido, um código moral do príncipe, no qual transparece um conjunto
de normas a serem observadas na ação política. Normas essas que almejam a
eficácia do Estado e não a aceitação pública das decisões do governante.

Alguns conselhos deixados por Maquiavel para os governantes modernos:

I- O exercício prático da política consiste em escolher a solução menos ruim.


II- O governante não está sujeito aos mesmos padrões éticos de um governado.
III- O governante não deve se deixar inibir pelo respeito à paz e boa-fé. Caso
assim proceda poderá perder sua reputação.
IV- O governante deve delegar a outras pessoas decisões impopulares.
V- Cabe ao governante conceder favor pessoalmente.
VI- Um governante nunca deve se deixar mover pela gratidão.
VII- Em um conflito, o governante deve dividir as opiniões para se impor.

48
TÓPICO 4 | FILOSOFIA, ECONOMIA E POLÍTICA NA MODERNIDADE

VIII- A política é a lógica da força, é impossível governar sem fazer uso da


violência.
IX- Política não está vinculada a utopias e abstrações, mas ao jogo de forças.

DICAS

Quer saber mais sobre Nicolau Maquiavel?


BATH, Sérgio. Maquiavelismo – A prática Política segundo Nicolau Maquiavel. São Paulo.
Editora Ática,1992.

A Rainha Margot
Na França do século XVI o casamento entre uma católica e
um protestante, feito para acabar com as disputas religiosas
locais, acaba desencadeando um violento massacre. Com
Isabelle Adjani, Daniel Auteuil e Virna Lisi. Recebeu uma
indicação ao Oscar.
Título Original: La Reine Margot
Gênero: Drama
Tempo de Duração: 136 minutos
Ano de Lançamento (França): 1994
Direção: Patrice Chéreau

2.1 MAQUIAVEL: INTERPRETAÇÕES


Maquiavel se tornou um pensador muito popular nos dias atuais, embora
a maioria das pessoas que evocam o termo “maquiavélico” ou “maquiavelismo”
não conheça o pensamento do autor. Geralmente, falam “fulano é maquiavélico” ou
“sicrano agiu com maquiavelismo” para desqualificar alguém. Para caracterizar
alguém que age com astúcia, sem escrúpulos, que por vezes é traiçoeiro ou até
usa de artimanhas consideradas diabólicas. Em uma palavra, o maquiavelismo “é
a própria encarnação do mal”.

E isso tem contribuído para um desconhecimento da obra e pensamento


de Maquiavel. Maquiavel tem sido interpretado como o mestre da perversidade
e da maldade. Aquele que aconselha os príncipes a conquistar e manter o poder
político de forma tirânica. Por outro lado, há quem veja em Maquiavel alguém
que, “fingindo dar lições aos príncipes, deu grandes lições ao povo”, uma vez
que mostrou os mecanismos de dominação política. (ROUSSEAU apud SADEK,
2001, p. 14).

Maquiavel é um pensador capaz de despertar o amor e o ódio, a admiração


e a rejeição ao mesmo tempo. Mas vamos ao seu pensamento. O centro de todas
as suas reflexões é o Estado e como governá-lo. Como foi dito anteriormente, o
pensamento de Maquiavel sobre o Estado é essencialmente realista. Maquiavel
rejeita toda a tradição filosófica idealista, que vai de Platão, passa por Aristóteles

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UNIDADE 1 | RECORTE HISTÓRICO: ORIGENS DO PENSAMENTO POLÍTICO E ECONÔMICO

e encontra seu auge em São Tomás de Aquino. Para Maquiavel, o essencial é


perseguir a verdade (verità) dos fatos, tal como eles ocorreram e não como
deveriam ou como gostaríamos que tivessem ocorrido.

Segundo Sadek, Maquiavel marca uma ruptura com o pensamento antigo,


pois rejeita a ideia

de uma ordem natural e eterna. A ordem, produto necessário


da política, não é natural, nem a materialização de uma vontade
extraterrena, tampouco resulta do jogo de dados do acaso, como, ao
contrário, a ordem tem um imperativo: deve ser construída pelos
homens para se evitar o caos e a barbárie, e, uma vez alcançada, ela
não será a definitiva, pois há sempre em germe o seu trabalho em
negativo, isto é, a ameaça de que seja desfeita. (SADEK, 2001, p. 18).

Para Maquiavel, a política é o resultado das relações de poder que se


estabelecem de forma concreta entre os indivíduos na sociedade. Essas relações
nem sempre são estabelecidas de forma racional, por isso mesmo são instáveis e
transitórias. Todavia, Maquiavel acredita que existe algo de imutável: a natureza
humana. Segundo o pensador florentino, os homens “geralmente são ingratos,
volúveis, simuladores e dissimuladores, esquivados aos perigos, cobiçosos de
ganho”. (MAQUIAVEL, 2009, p. 171).

Mas, como o príncipe pode se tornar um hábil político? Para Maquiavel, o


príncipe deve desenvolver uma sensibilidade para compreender a instabilidade
da natureza humana. Na sua visão, isso ocorre através do conhecimento histórico,
que é pedagógico, pois a história não é um encadeamento de fatos do passado,
mas, sobretudo, uma fonte inesgotável para conhecer as particularidades da
natureza humana. Para ser um bom governante é necessário conhecer os instintos
e as paixões humanas, aquilo pelo qual os homens lutam e chegam a dar a vida.

O livro "O príncipe", de Maquiavel, foi relacionado no Índice de Livros


Proibidos (Index Librorum Prohibitorum) da Igreja Católica, no contexto da
Inquisição. A Inquisição e o Tribunal do Santo Ofício tinham como uma de
suas tarefas principais defender a ortodoxia católica, ou seja, tudo aquilo que
contradizia a doutrina da Igreja era perseguido e censurado. É muito simples
compreender a razão do livro de Maquiavel integrar a lista de livros proibidos. “O
príncipe” evidencia que a história não é governada por uma providência divina
até que se chegue ao juízo final, como argumentava o pensamento eclesiástico,
mas construída pelos sujeitos da história através de suas ações humanas, com
seus instintos, paixões e sede pelo poder.

Desta forma, para Maquiavel, o governo ideal é aquele que consegue


estabilizar as forças antagônicas presentes na sociedade, ou seja, aquele que
equilibra o desejo daqueles que querem impor o domínio e a resistência daqueles
que não se deixam dominar.

50
TÓPICO 4 | FILOSOFIA, ECONOMIA E POLÍTICA NA MODERNIDADE

Conforme Maquiavel, o governante deve possuir duas características


principais: Fortuna e Virtù. Maquiavel busca fazer essa reflexão através de uma
retomada do pensamento clássico greco-romano. E nesse ponto ele se revela um
grande pensador renascentista, pois se filia a um grupo seleto de pensadores que
buscavam fazer uma releitura da herança greco-romana.

Mas por que Fortuna e Virtù? Na cultura greco-romana, Fortuna é uma


divindade que simboliza a riqueza e a glória, o poder e a honra que dela advêm.
Para conquistar a deusa Fortuna era necessário que o homem possuísse a coragem
e a virilidade advinda da virtude. Segundo Maquiavel, somente a virtude seria
capaz de controlar a força e o poder da Fortuna.

Neste sentido, o governante deve ser sábio e virtuoso o bastante para


domesticar a Fortuna, “não se tratar apenas da força bruta, da violência, mas
da sabedoria no uso da força, na utilização virtuosa da força. [...] sendo assim
capaz de manter o domínio adquirido e, se não o amor, pelo menos o respeito dos
governados”. (SADEK, 2001, p. 22).

Como profundo estudioso da natureza humana, Maquiavel aconselha


que “quando o governante tiver que escolher entre ser amado ou temido, deve
preferir ser temido, pois isso é mais seguro, justamente por causa da instabilidade
da natureza humana”. (MAQUIAVEL, 2009, p. 170).

No entanto, Maquiavel (2009) não é um defensor inconsequente do uso


da força. A força sem a virtude não poderá gerar instituições e leis respeitáveis.
Segundo Sadek, “a força explica o fundamento do poder, porém é a posse de virtù
a chave por excelência do sucesso do príncipe". (SADEK, 2001, p. 23).

Mas a virtude que Maquiavel (2009) propõe que o governante cultive


não tem relação com a moralidade apregoada pelo cristianismo, em oposição a
certos vícios. O governante idealizado por Maquiavel joga com os valores de seus
governados. Nas suas metáforas, Maquiavel assevera que o governante deve agir
como leão para afugentar os lobos, mas também deve ser astuto como a raposa
para conhecer também os lobos. Trata-se de usar do jogo da aparência para manter
o poder. Por essa razão, Maquiavel não se enquadra no moralismo piedoso, mas
vive a frieza dos interesses e das paixões, próprias daquilo que entende ser a
“natureza humana”.

Maquiavel tornou-se um pensador fundamental para compreendermos


nossa história política. Não é apenas mais um filósofo importante da história
do pensamento político, mas imprescindível para iluminar todo e qualquer
entendimento de nossa própria condição histórica e política.

51
UNIDADE 1 | RECORTE HISTÓRICO: ORIGENS DO PENSAMENTO POLÍTICO E ECONÔMICO

3 THOMAS HOBBES

FIGURA 9 – PRIMEIRA PÁGINA DA OBRA LEVIATÃ (1651)

FONTE: Disponível em: <http://www.britannica.com>. Acesso em: 21 out. 2008.

O século XVII é marcado por discussões em torno da legitimidade do


poder do soberano. Os pensadores desse século preocupavam-se em investigar a
origem do Estado. Hobbes é um desses pensadores, que conclui, em seus estudos,
que o caminho para a paz duradoura é entregar o poder absoluto a um soberano.

Thomas Hobbes, teórico político e filósofo, é considerado um dos primeiros


a construir uma teoria do Estado Moderno. Autor da obra Leviatã foi acusado de
ser um dos que antecipou os preceitos de um Estado Totalitário por alguns e o
teórico que antecipou o Estado Liberal.

Vejamos o que diz Hobbes (2008, p. 15) na introdução de sua obra:

A arte vai mais longe ainda, imitando a criatura nacional, a mais


excelente obra da natureza, o homem. Porque, pela arte, é criado aquele grande
Leviatã a que se chama Estado que nada mais é senão um homem artificial, de
maior estatura e força do que o homem natural, para cuja proteção e defesa foi
projetado.

O que podemos fixar de Hobbes é que a tese central do seu pensamento


define uma unidade do Estado, dando a esse um caráter secular à política. Nas
palavras de Hobbes (2008, p. 15) “No Estado, a soberania é uma alma artificial,
pois dá vida e movimenta a todo o corpo.”

52
TÓPICO 4 | FILOSOFIA, ECONOMIA E POLÍTICA NA MODERNIDADE

Em sua obra mais conhecida e publicada em 1651, o filósofo desenvolveu


conceitos sobre a natureza humana, afirmando que essa necessita de governos.
Ele considera que o único caminho para os homens saírem da anarquia natural
– própria de sua natureza – e estabelecer a paz entre as nações, é a afirmação de
uma instituição poderosa chamada Estado.

O sistema político, para Hobbes, está fundado em uma grande dicotomia:


de um lado o estado natural, no qual os homens vivem sem leis e assim sendo,
não se respeitam; por outro lado há o estado civil, já demarcado por um poder
comum que cria obrigações diante de leis necessárias para assegurar a convivência
pacífica.

Seus pensamentos são considerados dentro das Teorias Contratualistas,


por defender que são os próprios homens que dão consentimento para a
instauração do poder, mediante um pacto, ou melhor, um contrato que garante a
eles sociedades pacíficas.

Assim diz Hobbes ( 2001, p. 132):

Estado instituído é quando uma multidão de pessoas concordam


e pactuam que a qualquer homem ou assembleia de homens a quem seja
atribuído pela maioria o direito de representar a pessoa de todos eles [...] todos
deverão autorizar todos os atos e decisões desse homem [...] tal como se fossem
seus próprios atos e decisões a fim de viverem em paz uns com os outros.

De acordo com Hobbes, a paz só será alcançada se a sociedade tiver uma


força maior do que as outras, um império. O soberano ou monarca é chamado
de leviatã pelo filósofo, pois é uma autoridade impossível de ser questionada,
visto que o poder centralizado garante a paz e os homens concordam com a sua
existência. A soberania do Estado é ilimitada, pois o contrato que estabelece não
o sujeita a nenhuma obrigação, apenas assegurar a tranquilidade e o bem estar
de todos.

NOTA

Leviatã é um animal marinho, monstro de uma lenda fenícia, evocado no antigo


Testamento bíblico para chamar uma fera que ninguém ousa enfrentá-lo. Hobbes volta a
essa metáfora para designar o Estado.

53
UNIDADE 1 | RECORTE HISTÓRICO: ORIGENS DO PENSAMENTO POLÍTICO E ECONÔMICO

Os textos de Hobbes deixam muitos direitos ao leviatã – seja ele monárquico,


oligárquico ou democrático. A partir do momento em que é instituído, não pode
ser contestado por aqueles que permitiram sua institucionalização. O leviatã tem
o papel de juiz para julgar questões necessárias que garantam a paz e a defesa
dos seus súditos. O próprio Hobbes considerou que suas opiniões eram um tanto
exageradas, mas assegurou aos seus leitores que mesmo sendo repressivo, o
poder do Estado é menos prejudicial do que a ausência deles.

Sua concepção política tem um caráter individualista, ou seja, a sociedade


é uma somatória de indivíduos e cabe ao Estado garantir que os interesses
particulares convivam sem conflitos. A condição fundamental para que a harmonia
perdure é que cabe aos cidadãos respeitarem as leis civis e se submeterem às
decisões que o poder do soberano definir.

Sua teoria política veio num período de grandes guerras e trouxe aos
homens algumas respostas possíveis. De um lado, apresentou uma solução aos
problemas resultantes das guerras e conflitos, sobretudo religiosos, que viviam na
Europa Ocidental; noutra situação, suas ideias apresentaram um projeto possível
de sociedade, que deixasse aos indivíduos o direito de cuidarem de suas vidas
privadas e desenvolverem suas capacidades pessoais.

DICAS

A Letra Escarlate

Condenada por ter vivido um amor adúltero com o reverendo


local, uma mulher é obrigada a usar em sua roupa uma letra
vermelha bordada, símbolo de sua vergonha. Com Demi Moore,
Gary Oldman e Robert Duvall.
Título Original:  The Scarlet Letter
Gênero: Drama
Tempo de Duração: 136 minutos
Ano de Lançamento (EUA): 1995
Direção: Roland Joffé

3.1 THOMAS HOBBES: INTERPRETAÇÕES


Como vimos anteriormente, a preocupação principal de Hobbes é formular
uma teoria geral do Estado e nisso ele faz uma contribuição essencial para a
História do Pensamento Político. Suas noções de “estado de natureza”, “estado
civil” e “contrato social” permanecem fundamentais para compreendermos todo
o percurso da nossa história política ocidental.

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TÓPICO 4 | FILOSOFIA, ECONOMIA E POLÍTICA NA MODERNIDADE

Comecemos por desfazer alguns mal-entendidos ou interpretações


errôneas do pensamento de Hobbes. Primeiro, quando ele fala em “homem
natural” ou “Estado de natureza”, não está se referindo às “sociedades selvagens”,
mas àquilo que ele acredita que todo ser humano tem: “uma natureza”. A
“natureza humana” em Hobbes é algo a-histórico, não muda com o tempo e as
circunstâncias sociais.

E é nisto, na noção de natureza humana que reside a ideia de igualdade.


Pois é justamente por serem iguais que lutam entre si para impor sua vontade e
dominar uns aos outros, e desta forma o conflito se generaliza. Segundo Hobbes,
nesse momento nasce a necessidade do Estado, pois, para os indivíduos, “se
não há um Estado controlando e reprimindo, fazer a guerra contra os outros é a
atitude mais racional”. (RIBEIRO, 2001, p. 55).

Neste sentido, muitos interpretaram as frases “guerra de todos contra


todos” ou “o homem é o lobo do próprio homem” como sintomas de selvageria
irracional, mas, para Hobbes, é justamente neste ponto, quando o homem
consegue calcular suas ações, que está sendo racional no Estado de Natureza.

Segundo Hobbes, o estado de natureza é sempre marcado pelo conflito.


Sigamos seu raciocínio: “De modo que na natureza do homem encontramos três
causas principais de discórdia. Primeiro, a competição; segundo, a desconfiança;
e terceiro, a glória. A primeira leva os homens a atacar os outros tendo em vista
o lucro; a segunda, a segurança; e a terceira, a reputação”. (HOBBES, 1999, p. 76).

Para Hobbes, no Estado de Natureza tudo é permitido, todos têm direito


a tudo, desde que se imponham pela força. Mas Hobbes não confunde o direito
com a noção de lei. Vejamos o que ele entende ser o direito no estado de natureza.

O direito de natureza, a que os autores geralmente chamam jus


naturale, é a liberdade que cada homem possui de usar seu próprio
poder, da maneira que quiser, para preservar sua própria natureza,
ou seja, sua vida; e consequentemente de fazer tudo aquilo que seu
próprio julgamento e razão lhe indiquem como meios adequados a
esse fim. (HOBBES, 1999, p. 78).

Mas como fazer para que o homem saia do Estado de Natureza? Para
Hobbes, é através da lei que o homem verá seu direito regulamentado. Mas o
elemento jurídico por si só não é capaz de regular a conduta humana. É preciso
que haja o Estado e com ele o aparato militar para impor a ordem, o respeito e a
lei.
No entanto, qual é o tipo de Estado que preconiza Hobbes? Para Hobbes,
o Estado deve ser soberano e absoluto. Não deve haver forças que rivalizem com
o poder do Estado, sejam elas aristocráticas, eclesiásticas, parlamentares etc.

Segundo Hobbes, a sociedade existe pelo Estado e no Estado. Ele é o


fundamento de sua existência. E foi justamente neste ponto que a maioria dos
críticos de Hobbes acusou seu pensamento de fundamentar os estados totalitários,

55
UNIDADE 1 | RECORTE HISTÓRICO: ORIGENS DO PENSAMENTO POLÍTICO E ECONÔMICO

o nazismo e o fascismo. Pois argumentavam que a falta de autonomia da sociedade


era resultado de uma interpretação do Estado como instância dominadora e
reguladora da conduta dos indivíduos.

Conforme Hobbes, a sociedade só é possível pelo contrato social, pelo


pacto entre os indivíduos, que delegam seus direitos e sua liberdade para serem
governados. Vejamos como ele narra a construção do pacto ou contrato social.

Isto é mais do que consentimento, ou concórdia, é uma verdadeira


unidade de todos eles, numa só e mesma pessoa, realizada por um
pacto de cada homem com todos os homens, de um modo que é como
se cada homem dissesse a cada homem: Cedo e transfiro meu direito
de governar-me a mim mesmo a este homem, ou a esta assembleia de
homens, com a condição de transferires a ele teu direito, autorizando
de maneira semelhante todas as suas ações. Feito isto, à multidão
assim unida numa só pessoa se chama Estado, em latim civitas. É esta
a geração daquele grande Leviatã, ou antes (para falar em termos mais
reverentes), daquele Deus Mortal, ao qual devemos, abaixo do Deus
Imortal, nossa paz e defesa. (HOBBES, 1999, p. 106).

Desta forma, a instituição do Estado é a maneira de garantir os direitos


dos indivíduos, a paz e a proteção. Mas qual será então a relevância da liberdade
e da igualdade em um Estado absoluto e soberano?

No pensamento de Hobbes, a liberdade não é um valor em si mesmo.


Segundo Renato Janine Ribeiro, o que Hobbes faz é “desmontar o valor retórico
que atribuímos a palavras capazes de gerar tanto entusiasmo – e, dirá ele, tanta
ambição, descontentamento e guerra. A igualdade, já vimos, é o fator que leva à
guerra de todos”. (RIBEIRO, 2001, p. 66).

Para Hobbes, o indivíduo, ao renunciar ao direito de natureza pelo


contrato social, ele também renuncia à sua liberdade. Mas é justamente o contrato
social, instaurador da autoridade do soberano, que garante a preservação da paz
e da vida dos súditos. A liberdade do súdito somente surge quando o soberano
deixa de cumprir com os compromissos assumidos no pacto, pois o governado
já não tem a obrigação moral e jurídica de obedecer ao governante. Segundo
Hobbes, essa é a “verdadeira liberdade do súdito”.

Por mais que o Estado pensado por Hobbes seja absoluto e soberano, ou
seja, sem nenhuma força que rivalize seu poder, há o direito à vida. O indivíduo
tem o direito de lutar pela conservação de sua vida. Mas é um Estado marcado
pelo medo. O próprio nome do livro, “O Leviatã”, que ele compara ao Estado
moderno, como vimos anteriormente, é uma referência a um monstro descrito na
Bíblia, capaz de amedrontar e impor sua vontade pela violência.

No entanto, devemos relativizar o terror imposto pelo Leviatã, pois para


Hobbes o verdadeiro terror instituído era aquele vigente no Estado de natureza.
No Estado originado do contrato social há o compromisso do governante em
manter a paz e proteção. Portanto, se agir corretamente o cidadão não deve temer
a ação do Estado.
56
TÓPICO 4 | FILOSOFIA, ECONOMIA E POLÍTICA NA MODERNIDADE

Mas qual o legado, qual a contribuição fundamental de Hobbes para


o pensamento político? Segundo Ribeiro (2001), Thomas Hobbes se tornou,
juntamente com Maquiavel, um pensador maldito. Sua filosofia política não
apenas mostrou a monstruosidade do poder do Estado, mas também limitou o
poder da Igreja frente à soberania do governo constituído pelo contrato social.

Thomas Hobbes mostrou que os indivíduos são o fundamento da


sociedade e do próprio Estado, pois “o homem é o artífice de sua condição, de
seu destino”. (RIBEIRO, 2001, p. 77)

4 MERCANTILISMO
A partir do século XIV, a Europa enfrentou uma profunda crise que
determinou a derrocada do Sistema Feudal. Crise essa superada apenas no final
do século XV, com a expansão marítima e comercial.

Dentre os fatores dessa crise, podemos enumerar pestes resultantes das


precárias condições de higiene e qualidade de vida nas cidades medievais; guerras
que desorganizavam a produção agrícola e, consecutivamente, geravam fome e
destruição dos campos de cultivo (a Chamada Guerra dos Cem anos entre França
e Inglaterra é um exemplo); as revoltas populares oriundas das guerras, fome,
pestes obrigaram os senhores feudais a recuar em seu sistema de exploração.

Esse contexto aterrador pôs fim ao Modo de Produção Feudal e, sobretudo,


começou a desenhar um novo período demarcado pelo surgimento de um grupo
vinculado ao comércio, gerando uma nova classe social que saiu fortalecida das
crises do século XIV. O enfraquecimento dos monarcas feudais e os burgueses
(comerciantes moradores dos burgos) apoiando um sistema de monarquia
centralizada definem um período de unificação política e, principalmente,
econômica.

Nessa dinâmica do período, as grandes navegações tomam o pensamento


da época, tendo o grande desenvolvimento científico com o surgimento da
bússola, do astrolábio, do quadrante e da cartografia. Outras tecnologias como
relógio mecânico e lunetas contribuíam para o espírito aventureiro das ideias,
que surgem em todas as áreas, ampliando o pensamento e a compreensão de
mundo.

A expansão marítima serviu também para resolver o que já estava sendo


sentido na economia do período: a falta de metais preciosos, a ampliação da
capacidade de produção e novos mercados para vender o que se produzia na
Europa.

Foi durante o século XV, com as expansões marítimas e comerciais, que


os Estados nacionais, em franca ampliação de suas ações econômicas, começaram
as atividades voltadas para o enriquecimento das nações e reforçar o poder dos
Estados Nacionais.
57
UNIDADE 1 | RECORTE HISTÓRICO: ORIGENS DO PENSAMENTO POLÍTICO E ECONÔMICO

Nessa época, o interesse estava em acumular, dentro dos Estados Nacionais,


uma grande quantidade de ouro e prata. Esses eram oriundos, principalmente,
da exploração colonial. Por dar privilégios às atividades mercantis, essa política
econômica foi denominada de mercantilismo.

O que é, então, mercantilismo?

É um conjunto de práticas e ideias econômicas desenvolvidas por


administradores e comerciantes de várias nações europeias, que durou,
aproximadamente, até o século XVIII.

Podemos resumir, da seguinte forma, as características gerais do


Mercantilismo:

l forte intervenção do Estado na Economia com políticas protecionistas e forte


monopólio;
l ideia de que a riqueza de uma nação era medida pela quantidade de metais
preciosos existentes no país;
l balança comercial favorável, ou seja, exportar mais do que importar;
l protecionismo, para assegurar a ampliação e reforçar o mercado interno. Ideia
garantida pela elevação dos impostos alfandegários;
l monopólio sobre mercadorias, reduzindo impostos e concessões às empresas
nacionais;
l as colônias deveriam assegurar, às nações europeias, o fornecimento de
produtos, matéria-prima e metais preciosos, além de serem um mercado
consumidor dos produtos fabricados na Europa.

Podemos dizer que essas ideias asseguraram as bases do Modo de


Produção, que teria como base a burguesia comercial, a ser estudada na sequência
de nossos estudos.

58
TÓPICO 4 | FILOSOFIA, ECONOMIA E POLÍTICA NA MODERNIDADE

LEITURA COMPLEMENTAR

DAS TRÊS ESPÉCIES DE GOVERNO: DEMOCRACIA,


ARISTOCRACIA E MONARQUIA

Thomas Hobbes

Já nos referimos a uma cidade por instituição enquanto gênero: trataremos


agora sobre as espécies em que ela pode se dividir. As cidades dividem-se
conforme a diferença das pessoas a quem o poder supremo é confiado. Esse poder
é concedido seja a um homem, ou a um conselho, ou a uma grande corte da qual
muitos homens fazem parte. Além disso, pode ser que este conselho formado
por muitos homens compreenda todos os cidadãos (enquanto cada um possua o
direito a voto e o interesse na ordenação dos assuntos públicos, se este for o seu
desejo) ou em apenas uma parte deles.

Aqui surgem três diferentes espécies de governo: quando a residência do


poder se encontra em um conselho, no qual é dado ao cidadão o direito ao voto,
é chamado democracia. Outro, quando o poder é atribuído a um conselho, onde
nem todos, mas somente uma parte tem direito ao voto, chamamos de aristocracia.
A terceira espécie é quando a autoridade suprema reside em apenas um homem,
e recebe o nome de monarquia. No primeiro, o governo é exercido pelo que é
chamado de demos, o povo; no segundo pelos nobres e, no terceiro, pelo monarca.

Apesar de que alguns antigos teóricos políticos tenham introduzido outros


três tipos de governo que se opõem a estes (opondo a anarquia, ou a confusão,
à democracia; a oligarquia, ou o governo de poucos, à aristocracia; e a tirania
à monarquia), note-se que não se tratam de formas distintas de governo, mas
apenas de três nomes atribuídos a estes pelos descontentes com a atual forma
de governo, ou com aquele que exerce o poder. Isso ocorre porque os homens,
ao atribuírem nomes, não significam de maneira usual apenas as coisas em si
mesmas, mas também suas afeições próprias, como, por exemplo: o amor, o ódio,
a ira e muitas mais.

Em decorrência disso, aquilo que é chamado de democracia por um é


dito anarquia por outro; o que um considera como aristocracia, outro julga ser
oligarquia; e aquele que é chamado rei por um, é nomeado tirano por outro.

Como percebemos, estas denominações não caracterizam espécies


distintas de governo, mas sim as opiniões distintas dos súditos em relação àquele
que detém o poder supremo, pois, primeiro, quem não percebe que a anarquia
é oposição a todas as formas que nomeamos? Tal palavra significa a inexistência
de governo, ou seja, não existe sequer Estado. Como pode ser então que um “não
governo” esteja entre as espécies de governo?

59
UNIDADE 1 | RECORTE HISTÓRICO: ORIGENS DO PENSAMENTO POLÍTICO E ECONÔMICO

Além disto, qual é a diferença entre a oligarquia, que é o governo de


uns poucos ou dos maiores, e uma aristocracia, governo dos principais ou dos
primeiros, a não ser o fato de que existem tantas diferenças entre os homens que a
mesma coisa não pareça boa a todos eles? Em decorrência disso, aquelas pessoas
que são vistas por alguns como sendo os melhores, são avaliadas como as piores
do gênero humano por outros.

Em decorrência das paixões, será muito difícil convencer os homens de


que um reino e uma tirania não são espécies distintas de governo; até mesmo
aqueles que preferem ter a cidade sujeita a um único homem do que a muitos,
não acreditará que ela possa ser bem governada a não ser pelo seu juízo. Mas nós
temos que descobrir (por argumentos, e não pela paixão) qual diferença existe
entre um rei e um tirano.

Primeiramente, eles não diferem em que um tirano tenha um maior poder,


pois não existe poder maior que o do governante supremo; tampouco no fato de
que o poder de um seja limitado, e o outro ilimitado: pois aquele que tem seu poder
limitado não é rei, mas súdito daquele que detém um poder que limita o seu. Por
fim, tampouco são diferentes seus poderes na forma como foram adquiridos; pois
se em um governo democrático ou aristocrático o poder supremo for adquirido
pela força por algum cidadão, ele tornar-se-á um monarca legítimo caso obtenha
o consentimento de todos os cidadãos, ao contrário, será um inimigo ao invés de
um tirano.

A única diferença entre eles consiste, portanto, na forma como seu poder
é exercido, dizendo-se que é rei aquele que bem governa, e àquele que não
governa chama-se tirano. Chegamos assim à conclusão de que, em um governo
constituído legitimamente, se aos súditos parecer que o príncipe governe bem, e
de forma que lhes seja agradável, lhe será dado por eles o nome de rei; e, se não
lhes parecer desta maneira, irão chamá-lo tirano.

Assim, notamos que reino e tirania não são formas distintas de governo,
mas que o nome conferido ao mesmo monarca é: rei, quando em sinal de
honra e reverência; e tirano, a fim de que este seja censurado. Além disto, o que
frequentemente é encontrado nos livros escritos contra os tiranos tem sua origem
naqueles autores gregos e romanos, cujo governo era em parte democrático e em
parte aristocrático, de maneira.

Existem ainda aqueles que, apesar de concordar com a necessidade de


um poder supremo para a cidade, receiam caso ele esteja em posse de um único
homem (não importando em se tratar de um único homem ou de um conselho),
que consequentemente todos os cidadãos tornem-se escravos (assim eles dizem).
Para que esta condição seja evitada, imaginaram a possibilidade de haver uma
forma de governo composta pelas três espécies das quais tratamos, porém
diferente de cada uma delas particularmente.

60
TÓPICO 4 | FILOSOFIA, ECONOMIA E POLÍTICA NA MODERNIDADE

A esta forma chamamos monarquia mista, ou aristocracia mista, ou ainda


democracia mista, de acordo com a forma mais evidente frente às outras.

Por exemplo, se pertencem ao rei a nomeação dos magistrados e a


decisão de guerra e paz, e ao conjunto todo a judicatura aos nobres, os decretos
de impostos ao povo e o poder de fazer leis, tal Estado deverá ser certamente
chamado de monarquia mista. Mas, mesmo que fosse possível a existência de
tal Estado, nenhuma vantagem seria oferecida por ele à liberdade do súdito.
Efetivamente, enquanto o rei, os nobres e o povo concordarem, a sujeição de cada
cidadão, considerado de forma individual, é a maior que pode existir; ao mesmo
tempo em que, se não concordarem, o Estado retornará ao estado de guerra civil
e ao direito da espada particular, o que é certamente pior do que qualquer espécie
de sujeição.

Vejamos um pouco, dentro de cada forma de governo, como é o


procedimento daqueles que o constituem (constituintes). Os homens que se
encontraram com a intenção de fundar uma cidade formavam, quase no mesmo
ato de seu encontro, uma democracia: pois, no fato de sua reunião voluntária,
supõe-se que estivessem obrigados a observar o que fosse determinado pela sua
maioria, o que, enquanto a assembleia perdurar, ou mesmo que esta suspenda a
reunião, estabelecendo data e local para sua continuidade, constitui de maneira
clara uma democracia. Isso porque tal assembleia, cuja vontade e expressão da
vontade de todos os cidadãos possuem a autoridade suprema; e, como se supõe
que nesta assembleia o direito de voto pertença a cada um, configura-se ela sendo
uma democracia, conforme a definição dada por nós no primeiro parágrafo deste
capítulo.

Porém, se eles se separam, pondo fim à assembleia, sem indicarem lugar


ou data onde e quando deverão se reunir novamente, retorna novamente a
anarquia à coisa pública e à mesma condição em que se encontravam antes da
reunião, ou seja, ao estado de guerra de todos contra todos. O povo, portanto,
só conserva o poder supremo enquanto existir um dia e lugar determinados,
decididos e conhecidos publicamente, ao qual possa recorrer à vontade de cada
homem. Se tal dia não for conhecido e determinado, ou eles bem se reúnem em
lugares e datas distintas, divididos em facções, ou de maneira alguma se reúnem;
assim, não existirá mais o demos, o povo, e sim uma multidão confusa a quem
não podemos atribuir quaisquer tipos de ação ou direito. Portanto, duas coisas
constituem uma democracia, onde uma (a convocação perpétua de assembleias)
forma o demos (povo) e outra (a maioria dos votos) consiste no tò krátos (poder).

FONTE: HOBBES, Thomas. Do cidadão. São Paulo: Martin Claret, 2006, p. 66-68.

61
RESUMO DO TÓPICO 4

Neste tópico, você estudou que:

• Do século XIV ao XVI, a humanidade ocidental viveu um período de mudanças


profundas, chamado de Renascimento Cultural.

• A palavra Estado só começa a ser utilizada na Idade Moderna.

• Nicolau Maquiavel pode ser considerado um dos fundadores do pensamento


político moderno, por suas ideias de Estado e soberania.

• Thomas Hobbes é considerado um pensador dentro das Teorias Contratualistas,


na qual defende que são os homens que permitem a existência de um Estado
forte, mediante um contrato.

• O Mercantilismo foi o sistema econômico assegurado em ideias protecionistas


e um forte monopólio das nações europeias sobre suas colônias.

• Maquiavel é considerado um dos pensadores mais importantes da filosofia


política.

• Maquiavel rejeita todo o pensamento político idealista, de Platão a Tomás de


Aquino. O pensamento político de Maquiavel é realista e busca estabelecer a
política como uma atividade essencialmente humana.

• Thomas Hobbes, assim como Maquiavel, foi um dos maiores contribuintes para
a formação do pensamento político moderno. São dele as noções de “Estado de
Natureza” e “Contrato Social”.

62
AUTOATIVIDADE

1 Pesquise e escreva um breve texto, abordando as principais características


do Renascimento em seus múltiplos aspectos.

2 Construa um quadro comparativo entre as ideias de Maquiavel e Hobbes


sobre: Estado, soberania e sistema político.

3 Com base nas interpretações do pensamento político de Maquiavel e


Hobbes, complete as lacunas da sentença a seguir:
a) O pensamento de Maquiavel sobre a política supera toda a filosofia idealista
greco-romana e medieval. Para Maquiavel, todo pensamento político deve
aspirar a busca da verdade (verità), portanto deve ser __________.
b) Levando em conta que o pensamento político de Maquiavel é essencialmente
realista, podemos afirmar que ele entende a política como resultado das
______________ que se constituem no interior da sociedade. Essas relações
sempre são resultados de interesses e paixões da natureza humana.
c) Para Hobbes, no Estado de natureza os homens vivem em uma situação
de conflito generalizado, pois não há uma lei que regulamente as ações
dos indivíduos. A solução para este problema está na instauração do
___________ que poderá controlar e reprimir a violência.
d) O Estado pensado por Hobbes é absoluto e soberano. Sua imagem é a
do “Leviatã”, monstro descrito na Bíblia, que impõe sua vontade pela
violência. Porém, para Hobbes, o Estado não é essencialmente mau,
medo e terror havia no Estado de natureza, superado pelo firmamento do
_______________ entre os indivíduos e o governante.

Agora, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) humanista - relações econômicas – socialismo - pacto democrático.


b) ( ) racionalista - disputas ideológicas – parlamento - termo de compromisso.
c) ( ) realista - relações de poder – Estado - contrato social.
d) ( ) dialético - disputas eleitorais – absolutismo - acordo de paz.

63
64
UNIDADE 2

O LIBERALISMO POLÍTICO

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você será capaz de:

• analisar o processo histórico do surgimento do liberalismo e sua relação


com as revoluções na Europa;

• compreender as principais teorias políticas que definem o liberalismo;

• relacionar as teorias estudadas com os fatos históricos do período.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em quatro tópicos. Ao final de cada um deles,
você terá atividades específicas que contribuirão para a fixação dos conteú-
dos estudados.

TÓPICO 1 – CONTEXTO HISTÓRICO DO SEU SURGIMENTO

TÓPICO 2 – O LIBERALISMO POLÍTICO

TÓPICO 3 – OS PENSADORES DA POLÍTICA: DOS CLÁSSICOS AOS


CONTEMPORÂNEOS

TÓPICO 4 – REVOLUÇÃO INDUSTRIAL E TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS

65
66
UNIDADE 2
TÓPICO 1

CONTEXTO HISTÓRICO DO SEU SURGIMENTO

1 INTRODUÇÃO
Foi nos séculos XVII e XVIII que podemos apontar a origem do Liberalismo
com as primeiras ideias divulgadas na Europa, tomada pelo pensamento burguês
que altera, significativamente, a maneira de pensar as relações com o mundo.
O que, em época anterior, estava sob o jugo religioso, agora aponta o espírito
empreendedor dos seres humanos.

Como já estudamos, a sociedade feudal compunha-se de três classes


sociais, em que os compromissos com a ordem pública estavam nas mãos de
nobres e do clero. Com o desenvolvimento comercial a partir das cidades e o
princípio do capitalismo mercantil, as transformações na sociedade europeia
foram inevitáveis.

A burguesia emergente foi responsável pelas grandes mudanças.


Concentradas em cidades, os burgueses estavam excluídos do processo de decisões
políticas e econômicas. Críticas aos estados centralizadores e a ordem feudal
que mantinha parte do domínio ainda foi frequente. Desse descontentamento,
surgiram ideias filosóficas, políticas e econômicas que defendiam a liberdade
individual e pregavam as limitações do poder dos Estados nacionais.

Umas das características fundamentais dos movimentos liberais que


iniciavam eram basicamente:

• restrições do poder do Estado;


• defesa da livre concorrência na economia;
• declaração dos direitos fundamentais dos indivíduos, tais como: liberdade de
ideias e crenças e livre expressão.

É nesse período que diversos pensadores repensam o mundo e defendem


pontos de vista que transformam as relações entre os indivíduos e as instituições
políticas. Um dos aspectos mais marcantes do pensamento liberal é a ideia de que
todo ser humano tem sua individualidade, mesmo antes de estar em sociedade. É
direito dos humanos repensar seus valores próprios em sociedade.

O caminho para que os indivíduos pudessem regular sua relação entre


os princípios pessoais e a realidade social seria a razão. As possibilidades de
experimentação do mundo à sua volta seria chamado de empirismo. É pela
razão, portanto, que os indivíduos podem construir as melhores instituições e
organizar as maneiras de viver em sociedade.
67
UNIDADE 2 | O LIBERALISMO POLÍTICO

Para os pensadores liberais, essa é a característica universal que permite


a constituição de uma sociedade igual para todos. A defesa das liberdades passa
pelo uso da razão e, ao menos em teoria, o pensamento liberal é contra toda e
qualquer dinâmica social que promova a desigualdade e prive os indivíduos da
liberdade.

Muitos pensadores liberais, em suas diversas perspectivas, defendiam


teorias que tinham como ponto comum a defesa das liberdades individuais, o
uso da razão e a igualdade entre todos, como princípios fundamentais para a
felicidade humana.

Todo o movimento liberal desponta como uma alternativa para a política


e economia nas últimas décadas do século XVIII, quando os burgueses assumem
o controle do Estado. Após esses movimentos revolucionários, as ideias liberais
afetaram profundamente os princípios e as maneiras de fazer política nas
sociedades modernas.

E
IMPORTANT

As revoluções Inglesas (século XVII), Francesa (século XVIII) e Industrial (final do


século XVIII) tiveram forte influência das ideias liberais, vinculadas à burguesia emergente.
Estudaremos, especificamente as transformações ocorridas após a Revolução Industrial,
ainda nessa unidade.

Quais são as características da sociedade da época, na qual as ideias liberais


começavam a ser divulgadas? As ideias liberais sofreram quais adversidades?
Teoricamente, defendem os interesses comuns e sua prática?

As teorias do liberalismo surgem no momento em que esgotavam os


preceitos mercantilistas na economia, a Europa era tomada por guerras religiosas
e de controle territorial. Todos os conflitos dos séculos XVI ao XVIII, sejam eles
religiosos ou políticos, demonstravam a incapacidade das ideias tradicionais
em resolver questões que surgiam, tais como: abusos do Estado, do clero e
determinações de fronteiras territoriais entre os Estados nacionais que apareciam.
O liberalismo surgiu como uma alternativa que defendia o bem comum, sem o
uso de força, torturas ou conflitos armados.

68
TÓPICO 1 | CONTEXTO HISTÓRICO DO SEU SURGIMENTO

TUROS
ESTUDOS FU

Na continuação desse Caderno de Estudos (Unidade 3), você, caro(a)


acadêmico(a), estudará as críticas feitas aos princípios liberais, bem como seus desdobramentos
contemporâneos como o Neoliberalismo.

69
RESUMO DO TÓPICO 1

Neste tópico, você estudou que:

• Nos séculos XVII e XVIII, apontamos a origem do Liberalismo com as primeiras


ideias divulgadas na Europa, tomada pelo pensamento burguês que altera,
significativamente, a maneira de pensar as relações com o mundo.

• No Liberalismo, o caminho para que os indivíduos se relacionassem com


o mundo passava pela razão. Era também pela razão que os indivíduos
organizavam as instituições e os modos de viver em sociedade.

• Para os pensadores liberais, essa é a característica universal que permite a


constituição de uma sociedade igual para todos.

• O século XVIII foi marcado por revoluções de caráter burguês e princípios


liberais que alteram profundamente as maneiras de pensar e fazer política no
mundo moderno.

70
AUTOATIVIDADE

Caro(a) acadêmico(a), nessa autoatividade, você escreverá um breve


texto crítico sobre uma das principais revoluções burguesas ocorridas na
Europa do século XVIII, respondendo à seguinte questão:

● Podemos argumentar que as ideias liberais foram colocadas em prática após


os movimentos revolucionários? Por quê?

71
72
UNIDADE 2 TÓPICO 2
O LIBERALISMO POLÍTICO

1 INTRODUÇÃO
Enquanto doutrina política e econômica, o Liberalismo defendia
as limitações do poder do Estado para ampliação da liberdade individual.
Fundamentava-se, sobretudo, nas teorias racionalistas e empiristas oriundas do
Iluminismo, servindo de base para as ações revolucionárias de uma burguesia
emergente, que se opunha às tradições feudais.

Historicamente, as ideias liberais foram consequências das lutas burguesas


que buscavam a superação da ordem feudal sob jugo religioso. A defesa do livre
desenvolvimento da economia teve importância fundamental na vida política,
econômica e social da modernidade que surgia. Essas ideias liberais foram uma
continuidade dos princípios Iluministas amplamente aceitos pela burguesia.

Vejamos alguns nomes que fundamentaram as ideias que, posteriormente,


seriam a base para as revoluções que mudaram os rumos da história no período
moderno.

2 JOHN LOCKE
FIGURA 10 – JOHN LOCKE

FONTE: Disponível em: <http://ideiaslivres.files.wordpress.com/2008/02/john_locke.jpg>.


Acesso em: 20 dez. 2008.

73
UNIDADE 2 | O LIBERALISMO POLÍTICO

De origem inglesa, Locke é considerado um empirista (acredita que todo


conhecimento origina-se da experiência). Apesar de ter atuado como médico,
suas ideias foram conhecidas quando começou a escrever e ser respeitado por ser
um liberal moderado.

Suas ideias ficaram conhecidas pela sua obra Segundo Tratado do


Governo Civil (1690), na qual defende que o governo deve ter atuação limitada.
Condenou, em seu texto, o absolutismo e fez sérias denúncias às monarquias.

O ideal, segundo Locke, é que fossem abolidos os Estados, mas pondera


dizendo que a inexistência do Estado permitiria a exploração de uns sobre outros.
O Estado é, para o pensador, um mal necessário. Ou como afirma Touchard
(1970, p. 34), ao dizer que para Locke “os governantes são administradores a
serviço da comunidade; a missão destes consiste em assegurar o bem-estar e a
prosperidade”.

Assim sendo, acredita que o Estado deve se preocupar com o direito à


vida, saúde, defesa dos bens e da liberdade dos indivíduos.

Diz Touchard (1970, p. 33):

Para Locke, o homem é um ser racional e a liberdade não se pode


separar da felicidade. A finalidade da política é idêntica à da filosofia,
ou seja, a busca duma felicidade que reside na paz, na harmonia, na
segurança. Desta forma, não existe felicidade sem garantias políticas,
nem política que não deva ter como objetivo espalhar uma felicidade
racional.

Convém lembrar que essas ideias foram fundamentais para os argumentos


revolucionários na França revolucionária e também na revolução americana
contra o domínio europeu.

A influência política de Locke está no fato de que defende a propriedade,


apela para a moral e tem um caráter individualista. Todos os argumentos
próprios para as necessidades de uma época, na qual os burgueses precisam de
argumentos para reivindicar mudanças significativas na sociedade, almejando
claro direito de ampliar negócios e lucros.

2.1 JOHN LOCKE: INTERPRETAÇÕES


John Locke nasceu em uma família burguesa de Bristol, em 1632, era filho
de um comerciante puritano e foi um pensador profundamente influenciado
por seu contexto histórico. Neste período, século XVIII, a Inglaterra estava
profundamente dividida entre a Coroa, legítima representante do absolutismo, e
o Parlamento, o principal defensor do liberalismo.

74
TÓPICO 2 | O LIBERALISMO POLÍTICO

No ano de 1640, o antagonismo chegou ao ponto de uma guerra civil,


opondo as forças militares do Parlamento e as forças da Coroa. O conflito teve seu
fim em 1649, quando o Rei Carlos I, da dinastia Stuart, foi executado e a República
foi implantada. Os anos seguintes foram marcados pela ferrenha ditadura do
Lorde Cromwell, que com o apoio da burguesia e do exército, transformou a
Inglaterra numa das maiores potências marítimas e comerciais. Com a morte
de Cromwell, em 1660, a Inglaterra viu-se novamente num contexto de crise e
instabilidade política. E para evitar o retorno da guerra civil, buscou-se restaurar
a monarquia, com a volta dos Stuart ao poder.

No contexto da restauração da monarquia, as disputas entre a Coroa e o


Parlamento foram reavivadas. Havia uma oposição clara ao reinado de Carlos II.
O Parlamento dividiu-se em dois partidos, os Tories e os Whigs, representantes,
respectivamente, de grupos conservadores e liberais. O período da restauração
durou aproximadamente 28 anos, de 1660 até 1688, quando o absolutismo de
Jaime II não foi mais tolerado pelo Parlamento, que se aliou com Guilherme de
Orange, governante da Holanda e genro de Jaime II. No ano de 1688 ocorreu a
deposição de Jaime II através da Revolução Gloriosa, que através da coroação de
Guilherme de Orange fez triunfar o liberalismo sobre o absolutismo.

Mas como John Locke aparece neste contexto? Locke foi criado numa
família burguesa e liberal, seu pai havia lutado ao lado das forças do Parlamento na
Revolução Puritana que culminou com a deposição e execução de Carlos I. Locke
formou-se em Medicina na Universidade Oxford, tornando-se posteriormente
professor nesta mesma universidade. No ano de 1666 foi chamado para trabalhar
como médico e conselheiro do lorde Shaftesbury, um dos mais importantes
líderes liberais do Parlamento, opositor do Rei Carlos II. Em 1681, Locke teve que
exilar-se na Holanda, juntamente com lorde Shaftesbury, que havia sido acusado
de conspiração contra o rei.

Foi neste contexto que Locke escreveu suas obras mais importantes. No
campo da filosofia política, os “Dois tratados sobre o governo” é a sua obra-prima.
O Primeiro Tratado é uma rejeição à ideia do direito divino dos reis. Segundo esta
teoria, os reis teriam sua autoridade fundamentada e outorgada por Deus, pois
os reis da era moderna seriam descendentes da linhagem de Adão, considerado
o primeiro rei.

O Segundo Tratado é, certamente, a obra mais importante de Locke, nela o


autor investiga a “origem, a extensão e o objetivo do governo civil. Locke sustenta
a tese de que “nem a tradição nem a força, mas apenas o consentimento expresso
dos governados, é a única fonte do poder político legítimo”. (MELLO, 2001, p.
84).

Locke, juntamente com Rousseau e Hobbes, é um dos principais


pensadores do jusnaturalismo, uma teoria que advoga a existência de direitos
naturais, ou seja, direito à vida, à liberdade e à propriedade privada.

75
UNIDADE 2 | O LIBERALISMO POLÍTICO

O pensamento de Locke (1999) se assemelha muito ao de Hobbes. Ele


parte da ideia de um Estado de natureza que finda com o contrato social, que
por sua vez institui o estado civil. Todavia, Locke se afasta de Hobbes em muitos
aspectos.

Locke (1999) é um dos formuladores do individualismo liberal. Na


acepção aristotélica, o indivíduo é fruto da sociedade, que o precede. Para Locke,
o indivíduo precede a sociedade e o Estado é o indivíduo, o próprio fundamento
da sociedade.

O Estado de natureza de Locke difere do descrito por Hobbes. Para Locke


(1999), o Estado de natureza não é caracterizado pela violência e pela luta de
todos contra todos, como descrevia Hobbes. Mas era um estágio pré-político, onde
existe harmonia, liberdade e igualdade. Neste Estado de natureza os indivíduos
eram dotados de razão e desfrutavam da propriedade, que era a posse da vida,
da liberdade e os bens.

Aqui reside outra diferença entre Locke e Hobbes. Para Hobbes, não
existe propriedade no Estado de natureza, somente a partir da constituição do
Estado é que ela passa a existir, e o Estado pode suprimi-la a qualquer momento.
Para Locke, a propriedade é anterior ao Estado, portanto é um direito natural do
indivíduo e não pode ser violado.

O contrato social descrito por Locke também difere em muito daquele


de Hobbes. Para Hobbes, o contrato social é um “pacto de submissão”, para
preservar a vida da violência generalizada. Para Locke, o contrato social é um:

pacto de consentimento, em que os homens concordam livremente


em formar a sociedade civil para preservar e consolidar ainda mais
os direitos que possuíam originalmente no Estado de natureza. No
Estado civil os direitos naturais inalienáveis do ser humano, à vida, à
liberdade e aos bens, estão protegidos sob amparo da lei, do arbítrio e
da força comum de um corpo político unitário. (MELLO, 2001, p. 86)

Conforme Locke (1999), ao firmar o contrato social, a comunidade dá


origem ao Estado civil e escolhe a forma de governo. Este processo de escolha
difere da unanimidade do contrato social. Na escolha da forma de governo
prevalece a vontade da maioria e não a unanimidade.

Para Locke, existem três poderes: o Poder Executivo, centrado no monarca,


o Poder Federativo, que cuida das relações exteriores (as guerras, os processos de
paz e acordos) e o Poder Legislativo, que ele também chama de poder supremo,
pois está acima dos dois anteriormente citados.

Segundo o filósofo, o objetivo maior de todo o governo é manter o direito


de propriedade (vida, liberdade e bens). Desta forma, quando o governo deixa de
proteger ou viola esse direito, torna-se ilegal e tirano. Quando deixa de cumprir o

76
TÓPICO 2 | O LIBERALISMO POLÍTICO

objetivo e o propósito a que fora criado, esta violação coloca o governo em estado
de guerra contra a sociedade. Cabe o “direito legítimo de resistência à opressão e
à tirania”. (MELLO, 2001, p. 88).

A teoria do direito à resistência inspirou as diversas revoluções liberais


na França, América do Norte e justificou a posteriori a Revolução Gloriosa na
Inglaterra. O legado de Locke também pode ser observado nas ideias dos filósofos
iluministas franceses e na Declaração dos direitos do homem e do cidadão, fruto
da Revolução Francesa.

3 VOLTAIRE
FIGURA 11 – FRANÇOIS MARIE AROUET, CHAMADO VOLTAIRE

FONTE: Disponível em: <http://ebooks.adelaide.edu.au/v/voltaire/voltaire.jpg>. Acesso em: 20


dez. 2008.

Francês polêmico e profundo crítico da Igreja e das monarquias, Voltaire


deixou grande quantidade de material escrito, defendendo a filosofia racionalista,
a liberdade de expressão e criticando especificamente a Igreja Católica. Para esse
pensador, religião sempre foi sinônimo de superstição e fanatismo.

Seus textos têm um tom sarcástico e não poupam críticas para a ausência
de liberdade de expressão. Dizia: “Não concordo com nada do que dizes, mas
defenderei até a morte o direito de dizeres”.

Acreditava que os indivíduos deveriam temer algo e, para tanto, mesmo


que criticasse a igreja, defendia a ideia de um ser supremo. Dizendo que se Deus
realmente não existe, seria necessário que inventássemos algo que segurasse as
massas. Voltaire não crê na igualdade.

77
UNIDADE 2 | O LIBERALISMO POLÍTICO

Citado por Touchard (1970, p. 67-68) ao escrever sobre a relação entre


liberdade e propriedade: “A igualdade é ao mesmo tempo a coisa mais natural
e ao mesmo tempo a mais quimérica”. Assim sendo, considerou a hierarquia de
classes necessária tendo uma clara postura burguesa.

Voltaire defendeu o direito da propriedade privada, um governo regulado


pelo parlamento, combatendo o absolutismo. Suas ideias ridicularizavam os
funcionários do Estado e, como consequência de seus eloquentes textos, foi preso
e deportado da França.

Leia a seguir o verbete do Dicionário Filosófico sobre a “tirania” e conheça


um pouco mais sobre o pensamento de Voltaire.

TIRANIA

Chamamos tirano ao soberano que não conhece por leis senão o próprio
capricho, que se apodera dos bens de seus súditos e que em seguida os arrola
para ir tomar os dos vizinhos. Não existe tal espécie de tiranos na Europa.

Distingue-se a tirania de um só e a de vários. Essa tirania de vários


seria a de um corpo que invadisse os direitos dos outros corpos e exercesse o
despotismo a favor das leis por ele corrompidas. Tampouco existe essa espécie
de tiranos na Europa.

Sobre qual tirania gostaríeis de viver? Sob nenhuma; mas se fosse preciso
escolher, eu detestaria a tirania de um só do que a de vários. Um déspota tem
sempre alguns bons momentos; uma assembleia de déspotas jamais. Se um
tirano me faz uma injustiça, poderei desarmá-lo por intermédio de sua amante,
por seu confessor ou por seu pajem; mas uma companhia de graves tiranos é
inacessível a todas as deduções. Quando não é injusta é no mínimo impiedosa
e jamais concede favores.

Se tenho apenas um déspota, salvo-me com o simples colar-me a um


muro à sua passagem; ou me prosternar, ou por bater a fronte no solo, segundo
o costume do país. Mas se houver uma companhia de cem déspotas, estarei
exposto a repetir essa cerimônia cem vezes por dia, o que é exaustivo, quando
não se tenha os fundilhos reforçados. Se eu tiver uma pequena herdade nas
vizinhanças de um de nossos senhores, serei esmagado; se reclamar contra
um parente dos parentes de nossos senhores, estarei arruinado. Que fazer?
Temo que neste mundo estejamos reduzidos a um triste dilema: ser bigorna ou
martelo. Feliz de quem escapar a essa alternativa!

FONTE: VOLTAIRE. Dicionário filosófico. (1764). Edição Ridendo Castigat Mores. Disponível em:
<www.jahr.org> Acesso em: 5 jun. 2012.

78
TÓPICO 2 | O LIBERALISMO POLÍTICO

4 MONTESQUIEU

FIGURA 12 – CHARLES LOUIS DE SECONDAT

FONTE: Disponível em: <https://images.fineartamerica.com/images-medium-large-5/


montesquieu-charles-louis-de-secondat-everett.jpg>. Acesso em: 29 out. 2018.

Escritor francês, barão de La Brède et de Montesquieu, nasceu no castelo de


La Bride, perto de Bordéus (1689).

Seus estudos humanísticos e jurídicos tornaram-no um famoso escritor.


Declarava-se influenciado pela obra de Maquiavel, definindo três formas de
governo: democracia, monarquia e despotismo. Em sua obra O espírito das
leis (1748), defende a ideia de tripartição dos poderes (executivo, legislativo e
judiciário) e que esses sejam independentes e governem em harmonia. Acreditava,
assim, que o próprio poder limitaria as ações do poder do Estado pela divisão de
decisões.

As ideias deste pensador sobre a sociedade não são propriamente


revolucionárias visto que para Montesquieu, a igualdade é uma utopia sendo,
inclusive direito dos governos recusar direito ao voto para os que estão abaixo
do um determinado nível social.

Dizia Montesquieu (2004): “É uma verdade eterna: qualquer pessoa que


tenha o poder tende a abusar dele. Para que não haja abuso, é preciso organizar
as coisas de maneira que o poder seja contido pelo poder”.

79
UNIDADE 2 | O LIBERALISMO POLÍTICO

O Estado “deve a todos os cidadãos uma segura subsistência, a alimentação,


vestuário adequado e um gênero de vida que não seja contrário à saúde”. (in
TOUCHARD, 1970, p. 62). Para Montesquieu, portanto, o Estado deve manter e
atender aos doentes, velhos e órfãos e manter uma luta constante contra a fome e
miséria. Defesa que muitos consideram um ‘socialismo patriarcal’.

Leia a seguir um pequeno extrato do livro “O espírito das leis” e conheça


um pouco mais sobre o pensamento de Montesquieu.

COMO AS LEIS ESTABELECEM A IGUALDADE NA DEMOCRACIA

[...] Ainda que na democracia a igualdade real seja a alma do Estado,


ela é, no entanto, tão difícil de ser estabelecida com extrema exatidão. Neste
sentido, nem sempre seria conveniente. Basta que se estabeleça um censo
que reduza ou que fixe as diferenças num certo ponto. Depois é função das
leis particulares igualar, por assim dizer, as desigualdades, com os encargos
que impõem aos ricos e com alívio que dão aos pobres. Apenas as fortunas
medíocres podem dar ou sofrer este tipo de compensação, pois as fortunas
desmedidas consideram uma injúria tudo o que não lhes é dado como poder e
como honra.

Toda desigualdade na democracia deve ser tirada da natureza da


democracia e do próprio princípio da igualdade. Por exemplo: pode-se temer
que pessoas que precisem de um trabalho contínuo para viver fossem muito
empobrecidas por uma magistratura, ou negligenciassem suas funções; que
artesãos se tornassem orgulhosos; que libertos demasiado numerosos se
tornassem mais poderosos do que antigos cidadãos. Nestes casos, a igualdade
entre os cidadãos pode ser suprimida da democracia em proveito da democracia.

Mas é apenas uma igualdade aparente que se suprime, pois um homem


arruinado por uma magistratura estaria em pior situação do que os outros
cidadãos, e este mesmo homem, que se veria obrigado a negligenciar suas
funções, colocaria os outros cidadãos numa situação pior do que a sua; e assim
por diante.

FONTE: MONTESQUIEU, Charles. O espírito das leis. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

80
TÓPICO 2 | O LIBERALISMO POLÍTICO

5 JEAN-JACQUES ROUSSEAU
FIGURA 13 – ROUSSEAU

FONTE: Disponível em: <http://www.duplipensar.net/images/filosofia/jj-rousseau.jpg>. Acesso


em: 20 dez. 2008.

Nascido na Suíça, e conhecido pela sua influência na França, foi um dos


mais polêmicos pensadores. Suas ideias tiveram grande influência na Revolução
Francesa, pois provocaram impactos de mudanças na educação, literatura e
política.

Rousseau escreveu sobre diversos assuntos, tais como: música, educação e


arte. Contudo, é, principalmente, na política que suas obras têm maior influência
nos destinos do país em que viveu.

Em sua obra O Contrato Social (1762), ele defende a tese de que a


soberania reside no povo e, para que isso ocorra, é necesário que haja o voto, para
respeitar o desejo da maioria. O livro foi um marco histórico na ciência política,
por declarar opiniões claras sobre formas de governar e os direitos do indivíduo.

Afirma Touchard (1970, p. 88) sobre esse pensador:

Rousseau escolheu a democracia numa época em que a democracia


não existia nem nos fatos nem nas ideias. Não estando reunidas
as condições históricas da democracia, Rousseau encontrava-se
constrangido ou a aceitar a ideologia do liberalismo burguês que era
então a ideologia dominante (liberdade, desigualdade, propriedade),
ou a constituir uma cidade de utopia. Utopia, mas utopia racional.

O pensador acreditava que o ser humano não era social por natureza.
Defendia que a sociedade é que corrompia os indivíduos, permitindo inclinações
à agressividade e ao egoísmo.

81
UNIDADE 2 | O LIBERALISMO POLÍTICO

Dizia Rousseau, na sua obra sobre a origem e os fundamentos da


desigualdade entre os homens, que os verdadeiros fundadores da sociedade civil
foram os que cercaram um terreno e disseram ser deles, encontrando pessoas
que acreditaram nisso. Os crimes, guerras e misérias teriam sua origem a partir
da propriedade. Tema bastante criticado por ele, que acreditava ser a origem da
infelicidade humana.

5.1 ROUSSEAU: INTERPRETAÇÕES


Rousseau é um filosofo do século das luzes, o que equivale dizer que
viveu num contexto de profundas transformações políticas e sociais. É a época
de uma crença irredutível no progresso do espírito humano, na ciência, no saber,
e de luta contra a superstição, a ignorância e as instituições que perpetuavam o
domínio sobre o acesso ao conhecimento.

Suas ideias, assim como as dos demais filósofos iluministas, prepararam o


caminho para o processo revolucionário, ou melhor, produziram uma revolução
de valores, ideias e concepções de mundo antes de produzir uma revolução
política e social. As palavras célebres da época eram: liberdade, igualdade e
fraternidade, que rivalizavam e contestavam todos os valores do antigo regime
absolutista.

Jean Jacques-Rousseau era um dos 15 filhos de um relojoeiro e não teve


uma trajetória fácil, pois ao ingressar no mundo das letras teve que dividir
espaços com filhos de burgueses abastados, como Voltaire e outros. Rousseau se
manteve à margem do mundo dos salões e da corte, mas não deixou de participar
das polêmicas intelectuais de seu tempo, inclusive chegou a escrever artigos, a
convite de Diderot, para a famosa Enciclopédia.

Mas Rousseau não era um arauto, um simples porta-voz da classe


burguesa. Rousseau era contrário aos valores da civilização burguesa, aos excessos
de riquezas, à artificialidade e ao luxo que produziam as desigualdades sociais.

Vejamos como ele chegou a esse julgamento.

No livro “Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade


entre os homens”, Rousseau assinala que “o homem nasce livre, mas se encontra
a ferros por toda a parte". (NASCIMENTO, 2001, p. 198).

Neste livro, o autor busca compreender como surgiram as desigualdades


entre os homens. No princípio, no Estado de natureza não havia desigualdade,
pois todos os seres humanos viviam em perfeita harmonia. A única preocupação
do homem era produzir sua própria subsistência. Contudo, ao construir as
primeiras habitações e as primeiras comunidades, começam a surgir as primeiras
desigualdades. A competição entre os homens faz surgir a guerra de todos contra
todos.

82
TÓPICO 2 | O LIBERALISMO POLÍTICO

Neste contexto, surge a divisão social do trabalho e a noção de propriedade


privada, que divide os homens em ricos e pobres, senhores e escravos e faz surgir
o despotismo.

Para Rousseau, no Estado de natureza, ao contrário do que afirma


Locke, não há propriedade privada, tudo é comunal. A propriedade privada,
para Rousseau, está na origem das desigualdades, pois estimula o egoísmo e a
dominação dos mais fortes. Por isso, é tão necessário o “contrato social”, pois ele
poderá evitar a perpetuação das desigualdades.

Segundo Rousseau, o objetivo do pacto ou contrato social é a troca da


liberdade natural pela liberdade civil. Segundo Rousseau, a partir do pacto social
todos se tornam iguais, todos alienam seu direito em nome da vontade coletiva. O
contrato social torna possível a liberdade civil, pois somente um povo que é livre
tem condições de criar suas leis em um ambiente de igualdade.

Desta forma, a liberdade anda lado a lado com a obediência, pois a


liberdade significa a submissão às próprias regras criadas pela vontade geral da
comunidade.

O conceito de soberania é um dos mais importantes no pensamento de


Rousseau. Para o filósofo, o corpo administrativo do Estado deve estar limitado
pelo poder soberano do povo. Não é autônomo e com poderes ilimitados. Desta
forma, Rousseau entende que, independente da forma de governo, monarquia,
aristocracia ou democracia, a vontade do povo deve manter-se como soberana e
o governante como um funcionário do povo.

Todavia, Rousseau reconhece que a tendência é o povo tornar-se submisso


ao governo e não o contrário. Desta forma, deve haver um esforço contínuo de
manter a soberania do povo.

Para Rousseau, deve haver uma democracia direta, as assembleias de


cidadãos devem ser periódicas para evitar a usurpação do poder. Somente a
democracia direta pode manter a igualdade e a liberdade da coletividade. Por
isso, Rousseau é um crítico ácido da ideia de representação política.

Vejamos sua acepção sobre o tema.

Segundo Rousseau, quando se trata de soberania não há representação,


não há como representar a vontade soberana do povo.

Uma vontade não se representa. “No momento em que um povo se


dá representantes, não é mais livre, não mais existe”. O exercício da
vontade geral através de representantes significa uma sobreposição de
vontades. Ninguém pode querer por um outro. Quando isto ocorre, a
vontade de quem a delegou não mais existe ou não mais está sendo
levada em consideração. Donde se segue que a soberania é inalienável.
(NASCIMENTO, 2001, p. 198).

83
UNIDADE 2 | O LIBERALISMO POLÍTICO

Por essa razão, Rousseau é um crítico do liberalismo. Para o autor, não há


divisão rígida entre Estado e indivíduo, pois deve haver uma participação efetiva
dos cidadãos na construção do Estado e na manutenção da soberania popular. No
entanto, Rousseau não nega a necessidade de representantes quando se trata de
governo, mas assevera o rigor da vigilância para não agirem em benefício próprio
em detrimento da vontade coletiva e soberana do povo.

6 A DEMOCRACIA MODERNA
Na antiguidade clássica, o termo democracia foi sendo moldado pela
aspiração dos cidadãos gregos. Suas manifestações foram múltiplas, mas
podemos dizer que foram poucas e raras as experiências que viveram conforme
a denominação e ideal teórico.

No final do século XVIII, com as revoluções burguesas, surgem repúblicas


e parlamentos que discursam em torno de um ideal democrático e definem seus
caminhos de implantação de regimes democráticos. Os primeiros fundamentos
da democracia moderna começam, nesse período, a serem elaborados por
pensadores sintonizados com os ideais liberais já trabalhados anteriormente.

Um desses pensadores é o inglês John Locke que afirmou ser essa a origem
do poder dos governos, exigindo a separação dos poderes. Já Montesquieu, outro
filósofo do período, distinguia ações de um déspota – fundamentadas no temor; de
um monarca – poder assegurado pela honra; e governo republicano – garantido
pela virtude. Suas ideias foram os fundamentos da democracia moderna.

Podemos afirmar que a burguesia emergente, nesse contexto, foi a


responsável pela formulação dos princípios de organização e ações, tendo como
objetivos: derrubar o poder absoluto e estabelecer nova ordem política.

A França foi o palco de múltiplos conflitos alimentados pela ideia de


liberdade, igualdade e fraternidade, enfrentando o governo dos Bourbon e da
aristocracia que o cercava. A Revolução Francesa (século XVIII) possibilitou
uma ampla discussão das ideias democráticas que expandiram em movimentos
sociais, na América inclusive. A revolução ocorrida na França foi uma revolução
burguesa clássica que podemos caracterizar como o ponto de partida da sociedade
capitalista.

Um dos primeiros sistemas nos moldes da democracia moderna foi o


implantado nos Estados Unidos, após Guerra da Independência (julho de 1776),
com a declaração claramente fundamentada em ideais burgueses e influenciada
por pensadores iluministas. Diz um dos trechos da Declaração da Independência:

84
TÓPICO 2 | O LIBERALISMO POLÍTICO

Nós consideramos como evidentes as seguintes verdades: todos


os homens foram criados iguais e dotados pelo Criador de certos direitos
inalienáveis, entre esses direitos se encontram a vida, a liberdade e a busca de
felicidade, e os governos foram estabelecidos pelos homens para garantir esses
direitos.

FONTE: Disponível em: <www.saberhistoria.hpg.ig.com.br/nova_pagina_131.htm>. Acesso em:


30 jan. 2009.

Os libertadores dos países americanos trouxeram juntos os ideais de


independência e democracia, colocando um fim no domínio das potências
europeias, bem como o poder absoluto dos monarcas.

DICAS

Sobre o período estudado acima, sugerimos os


seguintes filmes:

MARIA ANTONIETA
(2006, Direção: Sofia Coppola) 
O filme mostra a vida de Maria Antonieta (Kirsten Dunst), uma
jovem vienense que, em 1774, tornou-se a rainha da França.
Às vésperas da Revolução Francesa, ela ficou conhecida entre
a população por seu desinteresse político, um dos fatores que
culminaram na violenta revolta popular contra a família real
francesa.

DICAS

DANTON, O PROCESSO DA REVOLUÇÃO (1982.


DIREÇÃO: Andrzej Wajda)
Durante a fase popular da Revolução Francesa, instala-se o
período do "terror", quando a radicalização revolucionária
dos jacobinos, encabeçada por Robespierre, inicia um
violento processo político com expurgos, manipulação de
julgamentos e uma rotina de execuções pela guilhotina.
Danton, líder revolucionário, critica os rumos do movimento,
tornando-se mais uma vítima do terror instalado por Robespierre.

85
RESUMO DO TÓPICO 2

Neste tópico estudamos que:

• Enquanto doutrina política e econômica, o Liberalismo defendia as limitações


do poder do Estado para ampliação da liberdade individual.

• John Locke acreditava que o Estado devia se preocupar com o direito à vida,
saúde, defesa dos bens e da liberdade dos indivíduos.

• Voltaire deixou grande quantidade de material escrito, defendendo a filosofia


racionalista, a liberdade de expressão e criticando, especificamente, a Igreja
Católica.

• Montesquieu acreditava, assim, que o próprio poder limitaria as ações do


poder do Estado pela divisão de decisões.

• Rousseau acreditava que o ser humano não era social por natureza. Defendia
que a sociedade é que corrompia os indivíduos, permitindo inclinações à
agressividade e ao egoísmo.

• No final do século XVIII, com as revoluções burguesas, surgiram repúblicas e


parlamentos que discursavam em torno de um ideal democrático e definiam
seus caminhos de implantação de regimes democráticos.

• John Locke rejeição a doutrina do direito divino dos reis e afirma que a única
fonte do poder legítimo é o consentimento expresso dos governados.

• Para Locke, a propriedade é anterior ao Estado, portanto é um direito natural


do indivíduo e não pode ser violado.

• Locke é um dos primeiros filósofos a formular a noção de “direito legítimo de


resistência”, que poderia ser exercido num contexto de opressão e tirania.

• Rousseau acredita que a propriedade privada está na origem das desigualdades


entre os homens.

• Rousseau é um dos maiores críticos da noção de representação política. Para


Rousseau, deve haver uma democracia direta para evitar a usurpação do poder.

86
AUTOATIVIDADE

Descreva uma comparação entre os principais pensadores liberais


apresentados nesse tópico, fazendo um quadro. Nesse quadro, você deve
abordar os conteúdos sobre o pensamento desses teóricos, no que diz respeito
ao papel do Estado na sociedade.

A partir do pensamento político estudado neste tópico, classifique V


para as sentenças verdadeiras e F para as falsas.
( ) John Locke é um dos maiores críticos da teoria jusnaturalista, que defende
a existência de direitos naturais. Para Locke, o direito à propriedade
privada é a causa da decadência das sociedades modernas.
( ) Locke é um dos formuladores do individualismo liberal e dos principais
defensores do direito natural do indivíduo à propriedade (vida, liberdade
e bens materiais).
( ) Rousseau é um dos pensadores do contratualismo. Para Rousseau,
somente o “contrato social” pode evitar a perpetuação das desigualdades,
pois através dele pode-se produzir a igualdade e a liberdade civil.
( ) Rousseau, ao lado de Montesquieu, é um dos maiores pensadores liberais,
pois acredita que a democracia deve ser um processo de delegação do
poder decisório a representantes legítimos. A democracia deve ser
representativa.

Agora, assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) F – F – V –V.
b) ( ) F – V – F –V.
c) ( ) V – V – F – F.
d) ( ) F – V – V – F.

87
88
UNIDADE 2 TÓPICO 3

OS PENSADORES DA POLÍTICA: DOS MODERNOS


AOS CONTEMPORÂNEOS

1 INTRODUÇÃO
Caro(a) acadêmico(a), neste tópico veremos mais detalhadamente as ideias
de alguns pensadores políticos dos séculos XVIII e XIX. Estes pensadores fizeram
suas reflexões num contexto conturbado, marcado por mudanças profundas,
ocasionadas pelas revoluções inglesa, francesa e americana.

Há um diálogo com os filósofos liberais e com os críticos do liberalismo,


com o pensamento de Maquiavel, Hobbes, Locke, Montesquieu, Voltaire e
Rousseau.

O primeiro pensador que veremos é o irlandês Edmund Burke, político


profundamente envolvido com seu contexto histórico e um dos maiores críticos
do processo revolucionário francês. Nesta mesma linha de raciocínio, a revolução
e a construção do Estado prussiano também são uma das preocupações centrais
do pensamento político hegeliano.

Neste tópico ainda veremos em detalhes as contribuições de Kant,


Tocqueville e Stuart Mill para a história do pensamento político. Estes autores
realizaram reflexões relevantes sobre seu tempo e continuam sendo uma referência
imprescindível para todos aqueles que desejam compreender a trajetória do
pensamento político ocidental.

89
UNIDADE 2 | O LIBERALISMO POLÍTICO

2 EDMUND BURKE
FIGURA 14 - EDMUND BURKE

FONTE: Disponível em: <http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/e/e2/AduC_042_


Burke_%28E%2C_1730-1797%29.JPG>. Acesso em: 5 jun. 2012.

Edmund Burke nasceu em 1729, em Dublin, na Irlanda, era filho de pai


protestante e mãe católica. Em 1765, Burke ingressou na Câmara dos Comuns
e tornou-se um dos mais importantes pensadores políticos do contexto
revolucionário. Embora não tenha escrito um tratado sobre teoria política, fez
muito sucesso como parlamentar liberal do partido Whig, com o qual rompe
quando publica sua obra mais importante, “Reflexões sobre a Revolução em
França”, de 1790.

Burke (1982) foi um dos parlamentares mais importantes no contexto da


Revolução Gloriosa, defendeu o papel do Parlamento e dos valores liberais diante
das investidas absolutistas da Coroa. Na sua época, as colônias inglesas na América
se desenvolveram economicamente e reclamavam a independência do império
inglês. Burke assumiu uma política conciliatória para evitar o desmembramento
das colônias, argumentava que os imigrantes e descendentes ingleses também
tinham o espírito de liberdade que caracterizava as instituições inglesas, por isso
havia a necessidade de encontrar uma solução harmônica.

No entanto, Burke não mostrou a mesma condescendência com o


processo revolucionário francês. A análise de Burke é uma das primeiras sobre
a Revolução Francesa, escrita ainda no calor dos acontecimentos (1790). A
obra “Reflexões sobre a Revolução em França” é uma tentativa de combater a
expansão dos valores da Revolução Francesa para o solo inglês. Segundo Burke,
o que ocorreu na França, após a Queda da Bastilha foi a irrupção de um poder

90
TÓPICO 3 | OS PENSADORES DA POLÍTICA: DOS MODERNOS AOS CONTEMPORÂNEOS

arbitrário e nocivo à sociedade. Em seu ponto de vista, o movimento francês teve


um caráter racionalista e idealista, e destruía os valores arduamente conquistados
pela sociedade.

Burke foi um duro crítico do racionalismo francês. Segundo ele, princípios


abstratos como liberdade e igualdade não poderiam solucionar problemas
políticos reais. Burke é considerado o pai do conservadorismo moderno, pois
rejeita as rupturas políticas em nome da tradição. Através de seus escritos e
discursos, buscava alertar para o perigo das mudanças repentinas e drásticas,
principalmente para instituições tradicionais como a Igreja e a família.

Para Burke, a religião é base da sociedade e o homem é um animal religioso


por excelência.
Estado e sociedade fazem parte da ordem natural do universo, que é
uma criação divina. Segundo Burke, Deus criou um universo ordenado,
governado por leis eternas. Os homens são parte da natureza e estão sujeitos
às suas leis. Estas leis eternas criam suas convenções e o imperativo de
respeitá-las; regulando a dominação do homem pelo homem e controlam
os direitos e obrigações dos governantes e governados. Os homens, por
sua vez, dependem uns dos outros, e sua ação criativa e produtiva se
desenvolve através da cooperação. Esta requer a definição de regras e a
confiança mútua, o que é desenvolvido pelos homens, com o passar do
tempo, através da interação, da acomodação mútua e da adaptação ao
meio em que vivem. É desse modo que eles criam os princípios comuns
que formam a base de uma sociedade estável. (KINZO, 2001, p. 20)

Note que, para Burke, as desigualdades fazem parte da natureza das


coisas. Desta forma, a hierarquização e desigualdade não são vistas como um
problema a ser superado. Para o autor, a ideia de igualdade, esta “monstruosa
ficção” apregoada pela Revolução Francesa, só serve para subverter a ordem
e “para agravar e tornar mais amarga a desigualdade real que nunca pode ser
eliminada e que a ordem da vida civil estabelece, tanto para benefício dos que
têm de viver em uma condição humilde” como o dos privilegiados. (KINZO,
2001, p. 21).

Acompanhe o texto a seguir extraído de “Reflexões sobre a revolução em


França”, para conhecer melhor o pensamento de Burke.

SOBRE A DEMOCRACIA E SE ELA CONVÉM A UM GRANDE PAÍS.


SEUS EFEITOS SOBRE A LIBERDADE DOS CIDADÃOS

Eu não saberia qualificar a autoridade que atualmente governa a


França. Ela se crê uma democracia pura, apesar de eu crer que ela em breve
se tornará uma ignóbil e malévola oligarquia. Procuraremos, entretanto,
analisá-la segundo os princípios que ela diz seguir. Não reprovo nenhuma
forma de governo por simples princípios abstratos. Pode haver casos em que
uma democracia pura seja um governo necessário. Pode haver casos também
(poucos e em circunstâncias bem particulares) em que ela seja claramente

91
UNIDADE 2 | O LIBERALISMO POLÍTICO

desejável. Não creio, entretanto, que esse seja o caso da França ou de qualquer
outro grande país. Até o presente, nunca tivemos exemplos de democracias
dignas de nota.

Os antigos a conheceram bem melhor do que nós. Não sendo eu


totalmente ignorante sobre os autores que já analisaram essas constituições e
que melhor as compreenderam, não posso deixar de me colocar ao lado deles e
afirmar que, assim como a democracia absoluta, a monarquia absoluta também
não pode ser posta entre as formas legítimas de governo.

Longe de considerar a democracia absoluta como uma forma sadia de


república, eles a encaram como uma forma de degenerescência e de corrupção.
Se bem me recordo, Aristóteles observava que a democracia apresenta, em
muitos aspectos, uma grande semelhança com a tirania. Estou certo, entretanto,
que em uma democracia a maioria dos cidadãos é capaz de exercer, sobre a
minoria, a mais cruel das opressões, todas as vezes que ocorram (o que pode
ocorrer frequentemente) grandes divisões.

Acredito, também, que essa dominação exercida sobre a minoria se


estenderá sobre um número maior de indivíduos e será conduzida com muito
mais severidade do que, de modo geral, poderia ser esperado da dominação
de uma só coroa. Os indivíduos que sofrem uma perseguição popular dessa
ordem merecem muito mais piedade do que as vítimas de outra espécie de
perseguição.

Pois aqueles que sofrem a perseguição de um príncipe veem o fogo de


suas feridas ser aplacado pelo bálsamo que é a compaixão da humanidade – o
aplauso do povo reanima suas forças –, enquanto aqueles que são maltratados
pela multidão são privados de toda consolação externa. Eles parecem estar
abandonados pela humanidade, esmagados por uma conjuntura criada pelos
de sua espécie.

Admitamos, entretanto, que a democracia não possua essa tendência


inevitável que a leva a uma tirania de partido; admitamos que ela possua,
na sua forma pura, aspectos tão benéficos quanto ela possuiria ao entrar em
composição com outras formas de governo; será, então, que a monarquia
não tem, por seu lado, algo que a possa recomendar? Eu não cito muito
frequentemente Boligbroke, já que suas obras não deixaram nenhuma
impressão maior em mim. Ele é um escritor superficial e pretensioso, mas fez,
entretanto, uma observação que é profunda e sólida. Ele afirmou que prefere a
monarquia a outras formas de governo, porque é mais fácil imprimir aspectos
republicanos em uma monarquia do que qualquer coisa monárquica em formas
republicanas.

Eu creio que ele tem toda razão, pois a história ratifica esse fato, que se
coaduna muito bem com a teoria.
FONTE: BURKE, Edmund. Reflexões sobre a revolução em França. Brasília: EdUnb, 1982, p. 135-136.

92
TÓPICO 3 | OS PENSADORES DA POLÍTICA: DOS MODERNOS AOS CONTEMPORÂNEOS

3 IMMANUEL KANT

FIGURA 15 - IMMANUEL KANT

FONTE: Disponível em: <http://upload.wikimedia.org/wikipedia/en/3/3f/Immanuel_Kant_3.jpg>.


Acesso em: 5 jun. 2012.

Immanuel Kant nasceu em Königsberg, na Prússia, em 1724. Viveu por 79


anos, dos quais dedicou muitos ao ensino universitário na disciplina de Filosofia.
Kant nasceu em uma família modesta. Seu pai era seleiro, com uma rígida
religiosidade protestante. Desde sua infância foi educado a manter uma conduta
irrepreensível e disciplinada.

Kant não chegou a ser um homem do mundo político (não pertencia à


aristocracia ou a movimentos revolucionários), mas como um acadêmico, um
intelectual de enorme erudição. Ele acompanhou atentamente as mudanças
profundas pelas quais a Europa passou em seu século: as convulsões políticas e o
processo revolucionário que sacudia o continente.

O pensamento de Kant é bastante complexo. Pretendemos tão somente


colher os elementos mais importantes para refletirmos sobre sua contribuição
para o pensamento político. Kant não escreveu nenhum tratado sobre governo,
seus trabalhos mais conhecidos são os livros “Crítica da Razão Pura” e “Crítica
da Razão Prática”. Em Kant, a política tem um papel secundário, sua preocupação
é muito mais com o pensamento lógico e ético. Suas obras propriamente políticas
são “A fundamentação metafísica dos costumes” (1785), “A metafísica dos
costumes” (1797) e “A paz perpétua” (1795).

Um de seus princípios mais importantes é o de liberdade humana. Para


Kant, sem a ideia de liberdade não podemos conceber o ser humano como
um ser moral e racional. Como seres morais, os humanos devem organizar-se
politicamente segundo os princípios da justiça, observando as leis da República e
seguir os preceitos racionais.

93
UNIDADE 2 | O LIBERALISMO POLÍTICO

Em Kant, a liberdade é a liberdade de agir segundo as leis, mas isso está


longe de ser uma coação externa ao indivíduo, pois as leis não são uma imposição
externa aos cidadãos. As leis são autoimpostas como dever moral, pois é na
liberdade que reside a autonomia. Ou seja, somos autônomos quando temos a
capacidade de legislar sobre nós mesmos.

Daí a famosa máxima kantiana sobre a universalidade moral de nossas


ações: “Aja sempre em conformidade com o princípio subjetivo, tal que, para
você, ele deva ao mesmo tempo transformar-se em lei universal”. (KANT citado
por ANDRADE, 2001, p. 52).

Por isso, Kant é considerado o mais sólido filósofo do liberalismo, pois


seu pensamento é irredutível sobre a questão do exercício da liberdade humana.
De acordo com o autor, há uma universalidade da liberdade e da legalidade,
independente da classe social, das condições de nascimento, riqueza. Todos
devem respeitar a liberdade dos outros e não violar tal direito.

Kant, assim como Hobbes, Locke e Rousseau, não fogem ao tema do


“contrato social”. Todavia, Kant difere bastante de seus contemporâneos. Para
ele, a passagem do Estado de natureza para o Estado civil é a realização da
própria ideia de liberdade.

Neste Estado civil há um legislador encarregado de zelar pelo bem


comum e indivíduos que se submetem voluntariamente às leis do Estado. Desta
forma, Kant rejeita toda ideia de desobediência à autoridade soberana e qualquer
direito de revolução. Para Kant, qualquer constituição que resguarde ao povo
o direito de revolta contradiz a si mesma, pois não prezava pela justiça. Para o
autor, o Estado deve ser “um instrumento (necessário) da liberdade dos sujeitos
individuais”. (ANDRADE, 2001, p. 60).

Qual seria então a função do Estado no pensamento político de Kant?


O Estado deve promover o bem público e a manutenção da legalidade que
fundamenta a liberdade.

Mas o bem público, que deve ser atendido acima de tudo, é precisamente
a constituição legal que garante a cada um sua liberdade através da lei.
Com isso, continua lícito a cada um buscar sua felicidade como lhe
aprouver, sempre que não viole a liberdade geral em conformidade
com a lei e, portanto, o direito dos outros consorciados. (KANT apud
ANDRADE, 2001, p. 60).

De acordo com Kant, a esfera política é a expressão da vontade coletiva,


portanto deve manter-se imune a qualquer investida de interesses particulares.
Neste ponto, ele insere a divisão entre o público e o privado.

94
TÓPICO 3 | OS PENSADORES DA POLÍTICA: DOS MODERNOS AOS CONTEMPORÂNEOS

Para Kant, o estado ideal é a república. A república é o modelo que mais


se aproxima da ideia ou do espírito do “contrato” originário. Este contrato
é a manifestação da vontade e da soberania popular e não apenas de grupos
ou parcelas da sociedade. Todavia, a república não se opõe à monarquia, à
aristocracia ou democracia. O regime republicano pressupõe a separação dos
poderes Executivo e Legislativo.

Neste sentido, o republicanismo, em seu sentido estrito, é a oposição ao


despotismo, visto que a vontade popular deve ser soberana, e não a vontade do
governante.

Para o filósofo Immanuel Kant, a liberdade e a igualdade são direitos


inatos. Desta forma, a escravidão é absolutamente incompatível com os princípios
de justiça. A todos os membros de uma comunidade é facultado o direito natural
de ser cidadão, livre e igual.

Quando unidos para legislar, os membros da sociedade civil são


denominados cidadãos. São características do cidadão a autonomia
(capacidade de conduzir-se segundo seu próprio arbítrio), a igualdade
perante a lei (não se diferenciam entre si quanto ao nascimento ou
fortuna) e a independência (capacidade de sustentar-se a si próprios).
(ANDRADE, 2001, p. 62, grifos do autor).

Na filosofia política de Kant, o Estado sempre passará por um processo


de aperfeiçoamento e racionalização. Em seu ensaio sobre a paz perpétua, Kant
argumenta que, se a sociedade civil passa por um processo de racionalização
e seus indivíduos aderem aos valores morais de não hostilidade, os estados
também devem construir um pacto de paz, a fim de construir uma ordem jurídica
internacional. Aqui, o contrato social inspira o contrato internacional.

Veja a seguir algumas ideias de Kant sobre a liberdade e o esclarecimento.

O DIREITO UNIVERSAL

Se, portanto, minha ação ou minha condição em geral pode coexistir com
a liberdade de todos de acordo com uma lei universal, então, quem me impedir
de realizar essa ação ou de manter minha condição comete uma injustiça contra
mim, na medida em que esse impedimento (essa oposição) não pode coexistir
com a liberdade segundo leis universais. [...] Segue-se que a lei universal do
direito é: aja externamente de maneira que o livre uso de seu arbítrio possa
coexistir com a liberdade de todos segundo uma lei universal.

Liberdade: direito inato

A liberdade (independência de constrangimento exercido pelo arbítrio


de outrem), na medida em que possa coexistir com a liberdade de cada um
dos demais de acordo com uma lei universal, é o direito único e original que
pertence a cada ser humano em virtude de sua humanidade.

95
UNIDADE 2 | O LIBERALISMO POLÍTICO

O que é o esclarecimento?

A ilustração [Anfklärung] é a saída do homem de sua menoridade, da


qual ele é o próprio responsável. A menoridade é a incapacidade de fazer uso
do entendimento sem a condução de um outro. O homem é o próprio culpado
dessa menoridade quando sua causa reside não na falta de entendimento, mas
na falta de resolução e coragem para usá-lo sem a condução de um outro. Sapere
aude! “Tenha coragem de usar seu próprio entendimento!” - esse é o lema da
ilustração.

Preguiça e covardia são as razões pelas quais uma tão grande parcela da
humanidade permanece na menoridade mesmo depois que a natureza a liberou
da condução externa (naturaliter maiorennes); e essas são também as razões pelas
quais é tão fácil para outros manterem-se como seus guardiões. É cômodo ser
menor. Se tenho um livro que substitui meu entendimento, um diretor espiritual
que tem uma consciência por mim, um médico que decide sobre a minha dieta
e assim por diante, não preciso me esforçar. Não preciso pensar, se puder pagar:
outros prontamente assumirão por mim o trabalho penoso.

Que a passagem à maioridade seja tida como muito difícil e perigosa


pela maior parte da humanidade (e por todo o belo sexo) deve-se a que os
guardiões de bom grado se encarregam da sua tutela. Inicialmente os guardiões
domesticam o seu gado, e certificam-se de que essas criaturas plácidas não
ousarão dar um único passo sem seus cabrestos; em seguida, os guardiões
lhes mostram o perigo que as ameaça caso elas tentem marchar sozinhas.
Na verdade, esse perigo não é tão grande. Após algumas quedas, as pessoas
aprendem a andar sozinhas. Mas cair uma vez as intimida e comumente as
amedronta para as tentativas ulteriores.

É muito difícil para um indivíduo isolado libertar-se da sua menoridade


quando ela tornou-se quase a sua natureza [...]. Mas que o público se esclareça
a si mesmo é muito perfeitamente possível; se lhe for assegurada a liberdade, é
quase certo que isso ocorra...

Talvez a destruição de um despotismo pessoal ou da opressão


gananciosa ou tirânica possa ser realizada pela revolução, mas nunca uma
verdadeira reforma nas maneiras de pensar. [Enquanto essa reforma não
ocorre], novos preconceitos servirão tão bem quanto os antigos, para atrelar as
grandes massas não pensantes.

Entretanto, nada além da liberdade é necessário à ilustração; na


verdade, o que se requer é a mais inofensiva de todas as coisas às quais esse
termo pode ser aplicado, ou seja, a liberdade de fazer uso público da própria
razão a respeito de tudo [...].

FONTE: Textos de Kant. In: ANDRADE, Régis de Castro. Kant: a liberdade, o indivíduo e a
república. In: WEFFORT, Francisco Carlos (org.). Os clássicos da política. 13. ed. São Paulo:
Ática, 2001 (volume 2).

96
TÓPICO 3 | OS PENSADORES DA POLÍTICA: DOS MODERNOS AOS CONTEMPORÂNEOS

4 GEORG WILHELM FRIEDRICH HEGEL


FIGURA 16 - GEORG WILHELM FRIEDRICH HEGEL

FONTE: Disponível em: <http://3.bp.blogspot.com/6uP8_lkluY/TzZMojDMl9I/AAAAAAAAAAo/


TiPhiLjQWhI/s1600/Hegel.jpg>. Acesso em: 7 jun. 2012.

Georg Wilhelm Friedrich Hegel é um filósofo alemão, nascido em


Stuttgart, em 1770. Hegel viveu até 1830. Portanto, presenciou os grandes eventos
que inauguram a história contemporânea europeia, a Revolução Francesa, a
expansão do Império Napoleônico, o Iluminismo, a racionalismo, a secularização
da sociedade etc.

Quando jovem, Hegel cursou teologia em Tübingen, onde conheceu


Schelling e Hölderlin, com os quais nutriria grande amizade intelectual. Depois
de abandonar o ofício pastoral, Hegel dedicou-se ao ensino universitário,
trabalhando nas universidades de Jena, Heildeberg e Berlim. Nesta última chegou
a ser reitor, em 1829.

A filosofia hegeliana tem como ponto de partida e inspiração uma certa


idealização da Grécia Antiga. Para Hegel, a civilização grega era a que melhor
representava a busca de um ideal de liberdade. Todavia, não era uma liberdade
tal como os modernos entendiam (individualista, privada e subjetiva), mas sim
uma liberdade plena, em todos os domínios da vida.

Para Hegel, na Grécia Antiga havia uma harmonia primordial entre


governantes e governados, entre os homens e os deuses, política e religião,
natureza e cultura. Na modernidade havia ocorrido uma ruptura desses vários
domínios da vida em sociedade. Portanto, esse retorno ou reconhecimento do
valor do ideal grego de vida era também uma tentativa de restabelecer essa
“juventude perdida” da civilização ocidental.

97
UNIDADE 2 | O LIBERALISMO POLÍTICO

No ano de 1802 ele produziu um de seus trabalhos mais importantes,


“Princípios da filosofia do direito”, onde busca refletir sobre a constituição da
sociedade e do Estado. O sistema filosófico de Hegel é inspirado na filosofia grega
e nos filósofos modernos: Descartes, Rousseau, Kant etc. Hegel buscou entre os
gregos a ideia de dialética, ou seja, o entendimento de que o pensamento e a
realidade estão estruturados sempre de forma contraditória.

A dialética é uma forma de pensamento que enfatiza a contraposição ou


contradição de ideias. Os três componentes do método dialético são: a tese, a
antítese e a síntese. Desta forma, Hegel compreendia a história da humanidade
como um processo dialético, sendo que o período da Revolução Francesa e
da formação do Estado moderno seria a coroação do processo dialético, sua
realização definitiva.

Hegel é o primeiro filósofo a construir o conceito de sociedade civil como


algo distinto do Estado político. Em Hegel, a sociedade política:

é definida como um sistema de carecimentos, estrutura de


dependências recíprocas onde os indivíduos satisfazem as suas
necessidades através do trabalho, da divisão do trabalho e da troca;
e asseguram a defesa de suas liberdades, propriedades e interesses
através da administração da justiça e das corporações. Trata-se da
esfera dos interesses privados, econômico-corporativos e antagônicos
entre si. (BRANDÃO, 2001, p. 105).

Já o Estado político é a esfera dos interesses públicos e universais. O Estado


torna possível a concretização da liberdade. “O Estado é a totalidade orgânica de
um povo [...] a força associativa do conjunto, da relação do todo com as partes”.
(BRANDÃO, 2001, p. 106).

Desta forma, Hegel, inspirado em Aristóteles, assinala que o viver


coletivamente, tendo consciência do todo, torna o indivíduo um animal social
ou político. Hegel, a partir da Revolução Francesa, acreditou que era possível
restaurar a antiga polis grega, essa esfera do viver bem, do viver junto e do viver
virtuoso.

Hegel via na República de Platão não um Estado ideal, mas uma realidade
a ser alcançada. Na sua concepção, a derrocada da cidade-estado é fruto da
expansão da individualidade e da propriedade privada. É justamente a ideia de
uma liberdade subjetiva e autônoma do indivíduo privado, introduzida com o
cristianismo e que ganhou status universalista no período da modernidade.

Hegel busca em Aristóteles a ideia da sociedade como um todo orgânico.


Conforme Hegel, o princípio da democracia não é o individualismo, como
queriam os filósofos liberais, mas o coletivo, a soma de todas as partes, tal como
um organismo.

98
TÓPICO 3 | OS PENSADORES DA POLÍTICA: DOS MODERNOS AOS CONTEMPORÂNEOS

Em Hegel não há liberdade em si. Na sua dialética, o conceito de liberdade


sempre traz consigo o seu contrário, ou seja, a existência de uma determinada
coerção. Portanto, a liberdade é sempre uma conquista. De acordo com Hegel, a
liberdade é um estado em que o homem pode realizar-se como homem e construir
um mundo a partir de sua própria razão.

Hegel é o ponto culminante de um movimento que se inicia com Maquiavel.


Desde Maquiavel, o Estado é uma realização humana, uma realidade construída
historicamente, pela ação dos homens no tempo. Em Hegel são sepultadas todas
as concepções de um Estado originado por uma providência divina ou de um
poder político fundamentado no sagrado.

Por isso, Hegel é um dos pais da modernidade, pois fundamentou a


separação entre política e religião. Desta forma, Hegel não apenas busca construir
uma teoria do Estado, mas uma justificação racional para o Estado.

UNI

Caro(a) acadêmico(a), veja a seguir como Hegel compreende o Estado e a


função da liberdade e da igualdade.

O ESTADO

O Estado é a substância ética consciente de si, a reunião do princípio


da família e da sociedade civil; a mesma unidade que existe na família como
sentimento do amor, é a essência do Estado; a qual, porém, mediante o segundo
princípio da vontade que sabe e é ativo por si, recebe também a forma de
universalidade sabida. Esta, como as suas determinações e que se desdobram
no saber, tem por conteúdo e escopo absoluto a subjetividade que conhece; isto
é, quer para si esta racionalidade.

A Constituição é tal organização do poder do Estado. Ela contém as


determinações acerca do modo pelo qual o querer racional – tanto quanto nos
indivíduos é apenas em si aquele universal – de uma parte atinge a consciência
e a consciência de si mesmo e é achado; de outra parte, mediante a eficácia do
governo e dos seus ramos particulares, é posto em ato e é mantido e protegido,
tanto contra a subjetividade acidental do governo quanto contra a subjetividade
dos particulares.

99
UNIDADE 2 | O LIBERALISMO POLÍTICO

A Constituição é a justiça existente, como realidade da liberdade no


desenvolvimento de todas as suas determinações racionais. Liberdade e
igualdade são as simples categorias nas quais muitas vezes é epilogado o que
deveria constituir a determinação fundamental e o escopo e resultado último
da Constituição. [...]

FONTE: Textos de Hegel. In: BRANDÃO, Gildo Marçal. Hegel: o estado como realização histórica
da liberdade. In: WEFFORT, Francisco Carlos (org.). Os clássicos da política. 13. ed. São Paulo:
Ática, 2001 (volume 2)

5 ALEXIS DE TOCQUEVILLE
FIGURA 17 - ALEXIS DE TOCQUEVILLE

FONTE: Disponível em: <http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/5/57/Alexis_de_


Tocqueville.jpg>. Acesso em: 7 jun. 2012.

Alexis de Tocqueville nasceu em 1805, na cidade de Paris, e é um dos


filósofos políticos mais importantes do século XIX. Os principais temas tratados
em seus trabalhos são a liberdade, a igualdade e a democracia. A própria vida de
Tocqueville é um exemplo de como se deve buscar a manutenção da liberdade.
Era membro de uma família aristocrata. Durante o período da Revolução
Francesa teve seus avós guilhotinados e os pais presos. Tocqueville viu de perto
a construção do império napoleônico e sua desagregação, a revolução de 1830 e
1848.

Tocqueville foi eleito deputado em 1839 e foi bastante coerente com as


ideias que expunha em seus livros. Em suas atividades parlamentares buscou
garantir a liberdade de imprensa, a libertação dos escravos nas colônias francesas,
o ensino laico etc.

100
TÓPICO 3 | OS PENSADORES DA POLÍTICA: DOS MODERNOS AOS CONTEMPORÂNEOS

Todavia, Tocqueville não era um pensador abstrato. Quando busca


refletir sobre a igualdade e a liberdade, ele foge das teorizações sobre esses
conceitos e procura na realidade o fundamento para eles, como esses conceitos se
materializaram nos países europeus e na América. Seus livros mais importantes
são “A democracia na América”, em dois volumes (1835-1840), e “O antigo
regime e a revolução” (1856).

Tocqueville está preocupado em estudar as realidades concretas, ou


seja, como determinados povos se organizam socialmente e politicamente, suas
estruturas políticas, as relações entre a sociedade civil e o Estado. Sua questão
principal é: “O que fazer para que esse envolvimento da igualdade irrefreável
não seja um inibidor da liberdade, podendo por isso vir a destruí-la? (QUIRINO,
2001, p. 152).

De acordo com Tocqueville, igualdade é sinônimo de democracia. Por


outro lado, o filósofo assinala que a liberdade não é uma ideia contraditória à
igualdade. Ele compreende que quanto mais a igualdade cresce, mais a liberdade
é preservada. Isto Tocqueville via que estava acontecendo nos Estados Unidos a
partir dos anos de 1830.

Quando Tocqueville investiga a política americana, ele está interessado


em realizar e construir um conceito de democracia, ou um modelo. A sua obra
A democracia na América, publicada em 1835 e 1840, é resultado de um trabalho
árduo de um ano de andanças pelos Estados Unidos para coletar e analisar hábitos,
costumes e valores relacionados às instituições políticas do povo americano.

Veja o que Tocqueville escreve em uma carta a John Stuart Mill: “Partindo
de noções que me forneciam as sociedades americanas e francesas, eu quis pintar
os traços gerais das sociedades democráticas, das quais não existe ainda nem um
modelo completo”. (QUIRINO, 2001, p. 153).

Para Tocqueville, a democracia ocorre num processo de caráter universal,


ou seja, diz respeito a toda a humanidade. A democracia é um processo
inevitável e providencial, seria a realização de uma vontade divina na história
da humanidade. “Querer parar a democracia pareceria então lutar contra Deus”.
(TOCQUEVILLE apud QUIRINO, 2001, p. 154).

Desta forma, Tocqueville acredita que, independente dos caminhos, todas


as nações rumarão à democracia, ou seja, o processo igualitário seria necessário e
inevitável para todas as nações. Uma das preocupações centrais do pensamento
de Tocqueville é a possibilidade da democracia tornar-se tirânica. Segundo este
autor, o processo igualitário poderia trazer também alguns desvios, entre eles a
perda das liberdades. Como isso ocorreria?

De acordo com Tocqueville, o desenvolvimento da democracia poderia


fazer com que surgisse uma sociedade de massa. Desta forma, ocorreria a tirania de
uma maioria ou mesmo de um Estado autoritário. A preocupação de Tocqueville

101
UNIDADE 2 | O LIBERALISMO POLÍTICO

é que a cultura da igualdade da maioria obstrua os valores e as manifestações


da minoria. “Todavia, curiosamente, investe também contra o individualismo,
que chama de pernicioso. Individualismo que, para ele, é criado e alimentado
pelo desenvolvimento do industrialismo capitalista, onde o interesse mais alto é
o lucro, a riqueza”. (QUIRINO, 2001, p. 155).

Tocqueville assinala que à medida que os cidadãos se dedicam ao


enriquecimento, acabam por abandonar os interesses públicos. Desta forma,
o Estado passa a decidir por si mesmo todas as questões que dizem respeito
à coletividade, justamente porque há um desinteresse dos cidadãos com as
atividades políticas.

É justamente aqui que reside a importância do exercício da cidadania,


para que se evite a tirania do Estado:

se a cidadania não se ocupar de coisas públicas e se aliar a um crescente


aumento do poder do Estado, chegar-se-á facilmente a um Estado
despótico. Um Estado que comandará um povo massificado, apenas
preocupado com suas pequenas atividades particulares de caráter
enriquecedor para os mais abastados ou apenas de sobrevivência para
os mais pobres. (QUIRINO, 2001, p. 156).

Segundo Tocqueville, as instituições são extremamente importantes na


manutenção das liberdades. Mas somente através das ações políticas os cidadãos
podem garantir a plena existência da democracia. Conforme Tocqueville, a
liberdade é um direito muito frágil, portanto deve ocorrer um processo contínuo
de luta pela manutenção da liberdade.

Tocqueville também foi um combatente do socialismo, não porque via


nele um perigo à igualdade, mas sim um perigo à liberdade, o perigo de um
Estado intervencionista e despótico.

Para Tocqueville, a revolução na América e na França é apenas parte de


um processo democrático. Na sua visão, todas as nações poderiam construir
a democracia. “As nações de hoje não poderiam impedir que no seu seio as
condições não fossem iguais; mas depende delas que a igualdade as conduza
à servidão ou à liberdade, às luzes ou à barbárie, à prosperidade ou à miséria”.
(TOCQUEVILLE citado por QUIRINO, 2001, p. 160).

Não podemos deixar de registrar uma das críticas mais recorrentes


ao pensamento de Tocqueville e ao seu conceito de democracia. Os críticos
de Tocqueville enfatizam os limites do seu conceito de democracia, já que ele
entendia a democracia apenas como igualdade de condições políticas e culturais,
e não levava em conta a exclusão do processo democrático por fatores econômicos
e raciais.

102
TÓPICO 3 | OS PENSADORES DA POLÍTICA: DOS MODERNOS AOS CONTEMPORÂNEOS

UNI

Leia a seguir como Tocqueville interpretou a Revolução Americana e a


Revolução Francesa, os princípios da liberdade e igualdade e o papel da democracia nestes
países.

O desenvolvimento gradual da igualdade é um fato providencial e


tem deste as seguintes características principais: é universal, durável, escapa
dia a dia ao controle humano, e todos os acontecimentos, bem como todos os
homens, favorecem o seu desenvolvimento. Seria sensato acreditar que um
movimento social que vem de tão longe pudesse ser detido por uma geração?

Pode-se imaginar que após haver destruído o feudalismo e vencido os


reis, a democracia recue diante dos burgueses e dos ricos? Deter-se-á ela justo
agora que se tornou tão forte e seus adversários tão fracos? [...]

Desejar deter a democracia seria então como lutar contra o próprio


Deus, e não restaria às nações senão conformarem-se à condição social que a
Providência lhes impõe [...].

Existe um país no mundo onde a grande revolução social à qual me


refiro parece ter quase atingido seus limites naturais; ela foi realizada de uma
maneira simples e cômoda, ou melhor, pode-se dizer que este país obtém os
resultados da revolução democrática que se realiza entre nós, sem ter tido a
revolução em si mesma.

Os imigrantes que vieram se fixar na América no começo do século


XVII de alguma forma libertaram o princípio da democracia dentre todos
aqueles contra os quais se opunha no seio das velhas sociedades europeias,
e o transplantaram único às margens do novo mundo. Lá, ele pôde crescer
em liberdade e, em companhia dos costumes, se desenvolver pacificamente
nas leis. Parece-me fora de dúvida que, cedo ou tarde, chegaremos, como os
americanos, à igualdade quase completa de condições. [...]

Na América, o princípio da soberania popular não estava oculto nem


estéril como em certas nações; ele é reconhecido pelos costumes, proclamado
pelas leis; ele se espalha com liberdade e atinge sem obstáculos suas últimas
consequências. Se existe um único país no mundo onde é provável que se possa
avaliar devidamente o dogma da soberania popular, estudá-lo na sua aplicação
aos afazeres da sociedade e julgar suas vantagens e seus perigos, este país é
seguramente a América.

Qual foi a obra própria da Revolução Francesa?

103
UNIDADE 2 | O LIBERALISMO POLÍTICO

[...] A revolução absolutamente não foi feita, como se tem acreditado,


para destruir o império das crenças religiosas; apesar das aparências, ela foi
essencialmente uma revolução social e política; e, no círculo das instituições
deste tipo, absolutamente não se inclinou a perpetuar a desordem, a torná-la de
alguma forma estável, a metodizar a anarquia, como dizia um de seus principais
adversários, mas antes, a aumentar o poder e os direitos da autoridade pública.

Ela não devia mudar o caráter que nossa civilização até então possuía,
como pensaram outros, deter-lhe os progressos e nem mesmo alterar, em sua
essência, nenhuma das leis fundamentais sobre as quais se baseiam nossas
sociedades humanas ocidentais.

Quando se a separa de todos os acidentes que momentaneamente


alteraram sua fisionomia em diferentes épocas e em diversos países, para
considerá-la apenas em si mesma, vê-se claramente que esta revolução não teve
por efeito senão abolir estas instituições políticas que, durante muitos séculos,
tinham reinado integralmente na maior parte dos países europeus e que
comumente são designadas pelo nome de instituições feudais, para substituí-
las por uma ordem social e política mais uniforme e mais simples e que tinha
como base a igualdade de condições. [...]

FONTE: Textos de Tocqueville. In: QUIRINO, Célia Galvão. Tocqueville: sobre a liberdade e a
igualdade. In: WEFFORT, Francisco Carlos (org.). Os clássicos da política. 13. ed. São Paulo:
Ática, 2001 (volume 2).

104
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico você viu que:

• Edmund Burke é considerado o pai do conservadorismo moderno, pois rejeita


as rupturas políticas em nome da tradição.

• Burke é um dos primeiros analistas e críticos da Revolução Francesa. Seu objetivo


é combater a expansão dos valores da Revolução Francesa para o solo inglês.

• Kant é um dos filósofos que mais teorizou sobre a liberdade. Para Kant, sem
a ideia de liberdade não podemos conceber o ser humano como um ser moral
e racional. Para este pensador, o Estado deve promover o bem público e a
manutenção da legalidade que fundamenta a liberdade.

• Para Kant, o Estado ideal é a república. A república é o modelo que mais se


aproxima da ideia ou do espírito da vontade e da soberania popular. Para o
filósofo Immanuel Kant, a liberdade e a igualdade são direitos inatos.

• A filosofia hegeliana tem como ponto de partida e inspiração uma certa


idealização da Grécia Antiga. Para Hegel, a civilização grega era a que melhor
representava a busca de um ideal de liberdade.

• Hegel é o primeiro filósofo a construir o conceito de sociedade civil como


algo distinto do Estado político. Conforme Hegel, o Estado torna possível a
concretização da liberdade.

• Tocqueville é um dos filósofos mais importantes do século XIX. Para Tocqueville,


a democracia ocorre num processo de caráter universal, ou seja, diz respeito a
toda a humanidade, é um processo inevitável e providencial, seria a realização
de uma vontade divina na história da humanidade.

• Tocqueville assinala que à medida que os cidadãos se dedicam ao


enriquecimento, acabam por abandonar os interesses públicos. Desta forma,
o Estado passa a decidir por si mesmo todas as questões que dizem respeito
à coletividade, justamente porque há um desinteresse dos cidadãos com as
atividades políticas.

• De acordo com Tocqueville, as instituições são extremamente importantes


na manutenção das liberdades, mas somente através das ações políticas os
cidadãos podem garantir a plena existência da democracia.

• Conforme Tocqueville, a revolução na América e na França é apenas parte de


um processo democrático. Na sua visão, todas as nações poderiam construir a
democracia.
105
AUTOATIVIDADE

1 Com base nas leituras sobre o pensamento político de Edmund Burke e


Alexis de Tocqueville, complete as lacunas das sentenças a seguir:

a) O pensamento de Burke é uma reação aos valores da Revolução Francesa.


Através de seu livro “Reflexões sobre a revolução em França”, Burke ficou
conhecido como um dos formuladores do _______________, pois rejeitava
as rupturas políticas revolucionárias.

b) Levando em conta que o pensamento político de Burke é conservador e


tradicionalista, podemos afirmar que ele reserva um papel de destaque
para a religião. Para Burke, a religião é o fundamento da sociedade. Desta
forma, a Revolução Francesa, ao condenar a religião, acaba por criar uma
tirania _________________.

c) Podemos dizer que o pensamento político de Tocqueville é diametralmente


oposto ao de Burke. Enquanto Burke naturaliza as desigualdades,
Tocqueville assinala que existe um caminho inexorável para a democracia,
a igualdade e a ______________.

d) Para Tocqueville, a democracia possui um valor universal, mas o fundamento


da democracia se encontra na liberdade e na igualdade. Para manter a
democracia não bastam instituições, é preciso que ela seja garantida através
da __________ dos cidadãos.

Agora, assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) humanismo – idealista- fraternidade - representação política.
b) ( ) liberalismo – parlamentarista – civilização - militância.
c) ( ) conservadorismo – racionalista – liberdade - ação política.
d) ( ) socialismo – fundamentalista – república - participação direta.

2 Analise as sentenças sobre o pensamento político de Kant e Hegel e


classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas.

( ) Kant é considerado um dos filósofos sólidos do liberalismo. Para Kant,


a liberdade é um valor universal, por isso, em qualquer contexto de
despotismo e tirania cabe o direito de resistência e rebelião contra a
opressão.
( ) Para Kant, o Estado ideal é a república. Segundo este pensador, a república
é a oposição ao despotismo, pois garante a liberdade e igualdade, base da
soberania popular.
( ) O pensamento político de Hegel tem como ponto de partida e inspiração os
valores da Grécia Antiga. Na sua visão, o processo revolucionário francês
era a síntese do processo dialético da civilização ocidental e a possibilidade
de reeditar a antiga polis.
106
( ) Hegel tem uma visão negativa do Estado. Influenciado por Hobbes, Hegel
vê no Estado uma instituição coercitiva e cerceadora da liberdade. Para
Hegel, somente através de uma revolução seria possível destruir o Estado
e caminhar para uma sociedade harmônica, racional e comunal.

Agora, assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) F – F – V – V.
b) ( ) F – V – V – F.
c) ( ) V – V – F – F.
d) ( ) V – F – V – F.

107
108
UNIDADE 2
TÓPICO 4

REVOLUÇÃO INDUSTRIAL E TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS

1 INTRODUÇÃO
Compreendamos que o movimento histórico responsável pelo
desencadeamento da conhecida Revolução Industrial no mundo ocidental,
definindo condições para que ela produzisse mudanças significativas, teve início
durante a Idade Moderna, sendo resultado de múltiplas transformações que
ocorreram na Europa.

Podemos resumir, brevemente, as principais e significativas mudanças:

• o trabalho, que antes era cumprido pelo servo, passa a ser pensado como mão
de obra assalariada;
• o trabalho ficou mais dividido e segmentado em muitos setores oriundos,
principalmente, das cidades;
• as propriedades e atividades que antes eram principalmente agrícolas foram
modificadas;
• as muitas revoluções no domínio da técnica permitiram uma infinidade de
transformações tecnológicas;
• as reformas religiosas liberaram os indivíduos dos compromissos com a igreja
católica – em se falando de economia, podemos apontar a usura e acúmulo de
dinheiro;
• o Estado Nacional fortalece as fronteiras e os mercados internos;
• o processo de revoluções que eclodiram na Europa muda a maneira dos
indivíduos se relacionarem com as instituições;
• ocorre, também, um acúmulo grande de riqueza nas mãos da burguesia
europeia, advindas dos lucros com metais vindos da América e do comércio.

Todos esses fatores contribuíram para que na metade do século XVIII


houvesse um significativo desenvolvimento industrial na Inglaterra – país onde
inicia essa revolução tecnológica, que altera profundamente as relações sociais.

A Inglaterra vinha acumulando capital por meio de sua atuação no


comércio de escravos e desenvolvimento de manufaturas no mercado interno.
Com a situação econômica interna fortalecida, a Inglaterra ocupou-se de expandir
seu mercado externo a partir do século XVIII. Foi esse capital acumulado pela
burguesia inglesa, determinante para seu fortalecimento político e econômico,
que desencadeou a Revolução Industrial; bem como o aumento da produção
agrícola, as transformações tecnológicas e mecânicas das primeiras indústrias,
o surgimento de uma mão de obra assalariada foram fundamentais para as
mudanças profundas que ocorreram.
109
UNIDADE 2 | O LIBERALISMO POLÍTICO

Politicamente, a Inglaterra passou de uma pequena potência comercial


para a grande potência mundial no começo do século XVIII. Para compreender
como ocorre essa mudança significativa no papel inglês diante do mundo,
devemos voltar um pouco ao século XVII, quando o absolutismo e os setores
conservadores, vinculados aos monarcas e seus interesses econômicos defasados
para o período, perderam força para a burguesia inglesa fortificada que chegava
ao poder como uma monarquia parlamentar, provocando as alterações políticas
necessárias para que esse país se afirmasse no momento que estava por vir.

Uma das transformações sociais importantes para a consolidação da


Revolução Industrial foi a concentração das propriedades rurais. As pequenas
propriedades rurais (característica feudal) foi, aos poucos, desaparecendo diante
do cercamento (no inglês enclosures) das terras que eram utilizadas por um grande
grupo de trabalhadores. Essas terras tornaram-se, aos poucos, propriedade
privada.

Canêdo (1987, p. 50) descreve assim esse momento:

[...] alguma coisa grave acontecia no campo. Grave o suficiente para


forçar famílias inteiras a sair do local onde viviam e onde viveram
por vários séculos seus antepassados. Dizemos forçar, porque a vida
rural era lenta [...] dominada pelo hábito e pela tradição. Homens e
mulheres do campo com vida ordenada por Deus e pelo destino só
abandonariam a única vida que conheciam – e que podiam imaginar
que existisse – se algo os obrigasse. E este algo aconteceu e obrigou:
foi o movimento de cercamento das terras, os enclosures, ou melhor,
a lenta liquidação do cultivo comunal, com seu campo aberto e seu
pasto comum.

Nas pequenas propriedades, o trabalhador rural produzia para seu


sustento e de sua família ou para pequenos mercados da vila. Já no século XVIII,
com o cercamento das terras, a produção de alimentos era feito em grande escala,
graças às novas tecnologias e inovações que permitiam um melhor aproveitamento
do solo. Os alimentos produzidos nas grandes propriedades eram direcionados
para os mercados das cidades. As relações, que antes eram diminutas e familiares,
passam a ser estritamente comerciais. Esse é um dos apontamentos do novo
sistema: o capitalismo.

O que significou esse processo? Canêdo (1987, p. 50-51) afirma:

O cercamento significou a transformação dos campos antes comuns


ou abertos, em unidades fundiárias particulares e fechadas, ou divisão
de terras antes comuns, mas não cultivadas (bosques, pastagens, terras
abandonadas etc.) em propriedade privada. (grifo nosso)

Não precisamos dizer que o Modo de Produção Capitalista altera com


grande rapidez as relações de trabalho. Abordaremos esse tema em outro tópico.

110
TÓPICO 4 | REVOLUÇÃO INDUSTRIAL E TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS

As relações de trabalho nessa fase de concentração das terras por poucos


dão, aos trabalhadores do campo, o caráter de trabalhadores livres. Com a
mecanização no campo, muitos dos trabalhadores praticam o êxodo rural,
aumentando a população das cidades e possibilitando uma grande mão de obra
disponível para as indústrias que surgiam, aumentando os problemas sociais
como fome, miséria, habitação e doenças.

DICAS

O Livro Londres e Paris no Século XIX: O espetáculo da pobreza (Editora


Brasiliense), de Maria Estela Bresciani, desenvolve um texto fácil, que permite uma melhor
compreensão dos impactos causados pela Revolução Industrial nas duas mais importantes
cidades europeias do período estudado.

A realidade econômica e política da Inglaterra estava preparada para


o estopim de uma revolução tecnológica: a matéria-prima e a mão de obra
alimentavam o interesse dos burgueses industriais; as cidades eram alimentadas
pela grande produção de alimentos e os setores sociais viviam agora à mercê dos
interesses burgueses. As condições políticas, econômicas e sociais da Inglaterra
permitiam que a indústria tivesse seu desenvolvimento acelerado, inaugurando
uma nova era de produção: o capitalismo industrial.

O modo e as forças de produção foram profundamente afetados com


a Revolução Industrial. O trabalho sofre divisões rápidas e amplia-se durante
o século XVIII. Não podemos deixar de chamar a atenção para a rapidez com
que os produtos eram oferecidos, visto que a mecanização e a especialização do
trabalhador da indústria dinamizavam a oferta, ao mesmo tempo, alienava os
trabalhadores, não permitindo que esse conheça todo o processo de produção,
mas apenas a parte que lhe cabia fazer mecanicamente.

Vejam o que Canêdo (1987, p. 55) descreve sobre esse processo após
analisar muitas leis direcionadas para a nova realidade da mão de obra:

[...] o que ocorreu foi a concentração de trabalhador em locais de trabalho


fixo, nem sempre em condições de recebê-los. Nestes locais, era dado a cada
operário um trabalho determinado, inculcando-lhe o sentido de regularidade
e da docilidade [...] multas e leis em favor do empregador [...] permitia o
encarceramento do operário que abandonasse o trabalho e o pagamento de um
salário tão ínfimo que obrigava o operário a trabalhar sem parar – a semana
inteira – para obter o mínimo de sobrevivência.

111
UNIDADE 2 | O LIBERALISMO POLÍTICO

Um dos desdobramentos dessa nova realidade social é a representação


do trabalho na vida social. O trabalho passa a ser um meio de sobrevivência e
controle, dando, aos indivíduos, outro papel social: agora era um trabalhador
assalariado, surgindo, juntamente com a indústria, a classe de operários.

E
IMPORTANT

O Modo de Produção Capitalista tem como característica fundamental


a produção mecânica. Essa mecanização leva ao controle da natureza e ao controle
econômico, político e cultural de nações europeias sobre outras partes do mundo.
Na segunda metade do século XIX, o capitalismo expandiu suas forças para grandes
monopólios que controlam grande parte do planeta, economicamente. A essa etapa do
capitalismo, chamamos de Imperialismo.

Os desdobramentos sociais pós-industrialização foram grandes. A


inexistência de leis que protegessem o trabalhador proporcionava condições
insalubres de trabalho, salários muito baixos e jornadas de trabalhos que se
estendiam por quase 20 horas.

Os movimentos de reação dos operários eram direcionados às máquinas,


pois, ingenuamente, consideravam que eram essas que escravizavam seus
corpos e mentes. Os ludistas – como eram conhecidos – provocavam estragos na
máquina, parando a produção.

Diz Canêdo (1987, p. 56):

Os operários reagiram, horrorizados com a fábrica. Denunciando-a


como um acontecimento ilegal e imoral, segundo suas antigas tradições
e novas experiências, eles quebraram as máquinas que simbolizavam
a desqualificação de seu trabalho (Movimento Ludista 1811-1812). O
que levou a primeira fase da revolução industrial a ser marcada pela
utilização do trabalho de uma massa de crianças e mulheres. Uma fase
onde a jornada de trabalho durava entre doze e dezenove horas, onde
a disciplina era de um rigor extremado, onde as multas e brutalidades
eram a norma conhecida para se conseguir o acúmulo de capital
necessário para a manutenção do ritmo industrial.

Com a intencionalidade de ampliar lucros e ver a produção crescer, os


industriais contratavam crianças que trabalhavam aproximadamente 10 horas
por dia recebendo menos do que os homens, que faziam o mesmo trabalho.

As transformações na vida humana foram grandiosas e não ficaram restritas


à Inglaterra, mas foram tomando conta de toda a Europa durante o século XIX.
O crescimento urbano foi um dos primeiros impactos sentidos considerando-se

112
TÓPICO 4 | REVOLUÇÃO INDUSTRIAL E TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS

que, aumentando a população, aumentavam os problemas sociais, visto que não


havia uma infraestrutura apropriada e, muito menos, um planejamento urbano
que atendesse às necessidades básicas.

O pensamento sobre o mundo altera-se com a indústria e a crescente


urbanização, sobretudo, com a racionalização de toda forma de expressão, ou seja,
a relação com o tempo muda a maneira das pessoas se relacionarem socialmente.
Esse tempo era agora definido pelo relógio mecânico que se popularizava. Não
mais se mede o movimento pelo sino da igreja, mas pelo apito da fábrica ou pelo
relógio que demarca os movimentos.

Os centros urbanos tomam o interesse dos indivíduos que é habitado por


ricos, pobres e miseráveis. A grande massa de moradores de ruas, marginalizados
de todas as mudanças ocorridas nos últimos tempos, sofriam com pestes,
fome, saneamento, epidemias, variando as cidades e tornando-se motivos de
preocupação das autoridades sendo repelidos, presos ou mortos.

Podemos situar, nesse período, o trabalhador que se adapta com trabalho


industrial baseado no trabalho segmentado: o operário. Esses trabalhadores
definem outra luta política com movimentos que expandem sua atuação na
segunda metade do século XIX e, sobretudo, no início do século XX.

Esses movimentos de operários chamaram a atenção para algo que os


liberais sempre fizeram discurso contrário, ou seja, a industrialização deveria ter
possibilitado melhores condições de vida a todos, mas por mais paradoxal que
pareça, concentrou a riqueza nas mãos de poucos e aumentou, consideravelmente,
a miséria e diminuiu a qualidade de vida da população.

DICAS

Os Miseráveis.

(1998. Direção Bille August)


Condenado a dezenove anos de prisão, por roubar um pedaço de
pão, um homem (Liam Neeson) foge da cadeia e recomeça a vida
em uma pequena cidade. Mas um policial (Geoffrey Rush), transferido
para o vilarejo, o reconhece e começa a persegui-lo.

113
UNIDADE 2 | O LIBERALISMO POLÍTICO

LEITURA COMPLEMENTAR

Texto 1

O texto que segue foi escrito por um dono de siderúrgica na Inglaterra do


século XVIII:

Com a finalidade de detectar a preguiça e a vilania, bem como recompensar


os justos e os diligentes, achei conveniente criar um registro de tempo feito por
um supervisor; assim determino, e fica pelo presente determinado, que das cinco
às oito e das sete às dez horas são quinze horas das quais se tira 1,5 para o café da
manhã, o almoço etc. Haverá, portanto, treze horas e um serviço semirregular. [...]
toda manhã, às cinco horas, o diretor deve tocar o sino para o início do trabalho, às
oito horas para o café da manhã, depois de meia hora para o retorno ao trabalho,
ao meio-dia para o almoço, à uma hora para o trabalho e às oito para o fim do
expediente, quando tudo deve ser trancado.

FONTE: THOMPSON, E. P. Costumes Comuns. São Paulo: Cia das Letras, 1999.

Texto 2

O conceito de classe operária, ou proletariado, se refere basicamente ao


conjunto de pessoas desprovidas de propriedade ou de qualquer fonte de renda
e que, por isso, são obrigadas a alugar sua capacidade de trabalhar, isto é, vender
a sua força de trabalho para poder sobreviver. São os trabalhadores assalariados.

FONTE: SINGER, Paul. A Formação da Classe Operária. São Paulo: Ática,1998. p. 5.

Texto 3

Muitos autores definem a classe operária quase matematicamente: uma


quantidade de homens que não possuem os meios de produção e precisam
trabalhar como assalariados. Contudo, essa definição tenta transformar em coisa
estática um processo que é dinâmico. A classe operária faz-se a si própria quando
alguns homens, como resultado de experiências comuns, sentem e organizam
a identidade de seus interesses entre si e lutam contra outros homens cujos
interesses são opostos aos seus, os burgueses.

FONTE: THOMPSON, E. P. A Formação da Classe Operária Inglesa. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1987. p. 9-11.

Texto 4

O que havia de tão revolucionário na Revolução Francesa? À primeira vista


é bastante fácil aceitar abstratamente a ideia de uma transformação fundamental
na vida cotidiana, mas poucos de nós conseguem realmente entender [...]. Os
revolucionários imprimiram suas ideias na consciência da época, ao mudarem

114
TÓPICO 4 | REVOLUÇÃO INDUSTRIAL E TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS

os nomes de todas as coisas. Em Paris, mil e quatrocentas ruas receberam nomes


novos, pois os antigos nomes estavam relacionados com a nobreza ou com a
igreja católica, contra os quais os revolucionários tinham lutado. As peças do
xadrez foram renomeadas, pois um bom revolucionário não iria jogar com o rei,
a rainha, os cavaleiros e bispos. O mesmo aconteceu com as cartas do baralho: os
reis, rainhas e valetes foram substituídos por liberdade, igualdade e fraternidade,
os lemas da revolução. [...] depois de 1789, a moda também mudou. O cabelo foi
abaixado, as saias se esvaziaram, os decotes subiram e as bainhas desceram. Todos
esses conflitos se fundavam em algo maior: uma convicção de que a condição
humana é maleável, não fixa, e que as pessoas comuns podem fazer a história, ao
invés de sofrê-la.

FONTE: DANTON, Robert. O Beijo de Lamoourette. São Paulo: Cia das Letras, 1990.

115
RESUMO DO TÓPICO 4

Neste tópico, você estudou que:

l Muitos fatores contribuíram para que na metade do século XVIII houvesse um


significativo desenvolvimento industrial na Inglaterra – país onde inicia essa
revolução tecnológica, que altera profundamente as relações sociais.

l A inexistência de leis que protegessem o trabalhador dava a esses, condições


insalubres de trabalho, salários muito baixos e jornadas de trabalhos que se
estendiam de 12 a 14 horas.

l Politicamente,a Inglaterra passou de uma pequena potência comercial para a


grande potência mundial no começo do século XVIII.

l A concentração da propriedade das terras, mecanização das lavouras e grande


escala de produção de alimentos provocaram o êxodo rural e causaram grandes
problemas urbanos.

l O Modo de Produção Capitalista altera, significativamente, a vida em sociedade,


colocando os trabalhadores em um sistema de produção alienante.

l As transformações na vida humana foram grandiosas e não ficaram restritas à


Inglaterra, mas foram tomando conta de toda a Europa durante o século XIX.

l Podemos situar, nesse período, o trabalhador que se adapta com trabalho


industrial, baseado no trabalho segmentado: o operário.

116
AUTOATIVIDADE

Quais eram os principais fatores que contribuíram para a eclosão da


Revolução Industrial na Inglaterra do século XVIII?

117
118
UNIDADE 3

TEORIAS POLÍTICAS
E ECONÔMICAS
CONTEMPORÂNEAS

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você será capaz de:

• compreender as principais teorias econômicas contemporâneas e suas in-


fluências na história da humanidade ocidental;

• entender os conceitos básicos de cada uma das teorias, sua aplicabilidade


e consequências;

• analisar e refletir acerca de regimes totalitários e seus desdobramentos his-


tóricos;

• compreender o pensamento político e econômico na história recente do


ocidente e seus desdobramentos em todo o planeta.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em cinco tópicos. Ao final de cada um deles, você
terá atividades específicas que contribuirão para a fixação dos conteúdos es-
tudados.

TÓPICO 1 – O LIBERALISMO ECONÔMICO

TÓPICO 2 – OS PENSADORES CLÁSSICOS DA ECONOMIA

TÓPICO 3 – O SOCIALISMO

TÓPICO 4 – REGIMES TOTALITÁRIOS

TÓPICO 5 – POLÍTICA E ECONOMIA NA HISTÓRIA RECENTE

119
120
UNIDADE 3
TÓPICO 1
O LIBERALISMO ECONÔMICO

1 INTRODUÇÃO
Como já estudamos anteriormente, os pensadores iluministas
desenvolveram ideias em torno da economia. Essas ideias originaram duas
grandes correntes de pensamento, no final do século XVIII com os fisiocratas; e o
liberalismo que influencia o pensamento político e econômico do mundo até os
dias atuais.

2 OS FISIOCRATAS E O LAISSEZ-FAIRE
O processo inicial do capitalismo teve a política mercantilista aplicando a
forte intervenção dos Estados Nacionais na economia. Essas intervenções tinham
como objetivo principal garantir elevados lucros para companhias de comércio e
tornar volumosas as fontes de renda dos governos nacionais, acumulando metais
preciosos para os países em formação.

As críticas feitas ao sistema mercantilista couberam aos fisiocratas. Esses


pensadores criticavam a perspectiva de exploração e acúmulo de metais preciosos,
um dos princípios básicos do mercantilismo. No ponto de vista fisiocrata, essas
práticas mercantilistas não poderiam promover a riqueza de uma nação, pois
estavam vinculadas à terra. Outras atividades econômicas, como a manufatura e
comércio, seriam resultado da produção vinda da agricultura.

Contribui, nesse sentido, Hubermann (1998, p. 150) ao dizer que “Os


fisiocratas abordavam todos os problemas sob o ângulo de seus efeitos na
agricultura. Argumentavam se a terra a única fonte de riqueza, e o trabalho na
terra o único trabalho produtivo [...] somente a agricultura fornece as matérias-
primas essenciais à indústria e comércio.”

Podemos afirmar que a teoria do liberalismo econômico surge nesse


contexto de conflitos entre o mercantilismo e novos paradigmas de pensamentos
sobre a economia. O capitalismo, ainda incipiente, exigia novos pensamentos que
estavam em ebulição e formação.

Essa nova concepção, ainda em formação no final do século XVIII, defendia


que a economia deveria eliminar qualquer tipo de interferência.

121
UNIDADE 3 | TEORIAS POLÍTICAS E ECONÔMICAS CONTEMPORÂNEAS

Dentre os principais teóricos estavam François Quesnay, ao afirmar que


as atividades verdadeiramente produtivas estavam na produção agrícola. Outro
pensador era Vincent de Gournay, defendendo que as atividades comerciais
e industriais deveriam atuar livremente para assim, e só assim, acumularem
capitais.

A denominação fisiocratas vem de fisio = natureza e cratos = poder.


A etimologia da palavra nos remete à força econômica que eles davam para
a pecuária, agricultura e mineração. Em contraponto com os mercantilistas,
deixavam o comércio como forma de intermédio das reais produções de riquezas
vindas da agricultura.

Afirma assim Hubermann (1998, p. 149-150):

[...] acreditavam na liberdade – o direito do indivíduo fazer de sua


propriedade o que melhor lhe agradasse, desde que não prejudicasse
a outros. Atrás de sua argumentação a favor do comércio livre está a
convicção de que o agricultor devia ter a permissão para produzir o
que quisesse, para vender onde desejasse [...] é impossível pensar o
direito de propriedade sem liberdade.

Segundo os fisiocratas, a economia possuía leis próprias, que naturalmente


poderia regular os relacionamentos nessa área. Sua principal bandeira foi sempre
laissez-faire, laissez-passer (deixai fazer, deixai passar). Concepção que demarca
uma forte oposição às políticas intervencionistas e protetoras do mercantilismo.

Portanto, é importante afirmarmos que as críticas desses pensadores


não estavam restritas aos aspectos econômicos, mas se estendiam aos aspectos
políticos do absolutismo e ao grande número de privilégios que a nobreza
acumulava. Muitos desses pensadores associavam a política mercantilista como
um dos principais entraves para o desenvolvimento da sociedade.

Podemos observar a influência dos fisiocratas no pensamento econômico,


considerando a observação feita por Hubermann (1998, p. 151): “Embora os
economistas de hoje discordem de muitos aspectos da teoria fisiocrata, atribuem-
lhe o mérito de mostrar que a riqueza de um país não deve ser estimulada como
uma soma fixa de mercadorias acumuladas, mas sim pela sua renda, não como
um estoque, mas como um fluxo”.

O pensamento fisiocrata influenciou muito os economistas liberais e,
principalmente, Adam Smith – um dos fundadores da economia clássica e muito
influente com suas ideias no liberalismo econômico, que afetou o pensamento até
meados do século XX.

122
TÓPICO 1 | O LIBERALISMO ECONÔMICO

E
IMPORTANT

O que é LAISSEZ-FAIRE?
A expressão que demonstra o princípio do liberalismo, que defende a menor intervenção
possível do Estado na economia, deixando que os mecanismos do mercado atuem livremente.
“Laissez faire, laissez passer, lê monde va de lui même” (Deixe fazer, deixe passar, o mundo
vai por si mesmo).
Gournay (1712–1759)

3 ADAM SMITH
FIGURA 18 – ADAM SMITH

FONTE: Disponível em: <http://www.brasilescola.com/>. Acesso em: 13 nov. 2008.

Considerado o fundador do liberalismo econômico, Adam Smith ficou


conhecido pela defesa de seus pensamentos no livro A Riqueza das Nações,
publicado em 1776, continua sendo uma referência para o estudo da economia.

Em sua obra, Smith enuncia alguns preceitos fundamentais para a


compreensão do liberalismo econômico bem como foi contundente na intervenção
do Estado na economia. Para o pensador, cabia ao Estado guardar a segurança
pública, preservar a ordem e garantir a todos o direito da propriedade.

Poderíamos considerar em suas ideias que uma das mais significativas


e influentes defesas foi o fato de afirmar que a prosperidade e riqueza de uma
nação não é resultado de atividades agrícolas ou comerciais, mas, sim, por meio
do trabalho feito sem intervenções ou controle.

O Estado não era necessário na regulação de leis de mercado, pois o que


ele chama de mão invisível regularia a economia com seus próprios mecanismos.

123
UNIDADE 3 | TEORIAS POLÍTICAS E ECONÔMICAS CONTEMPORÂNEAS

Esses mecanismos promoveriam a qualidade de vida para todos, possibilitando


a evolução da sociedade.

Um dos legados que Smith deixa é o fato de tratar a economia como uma
Ciência que possui suas leis próprias. Dentre os liberais que seguem suas ideias,
está a defesa da livre concorrência, a lei da oferta e da procura e a divisão do
trabalho como caminho para o desenvolvimento econômico de uma nação.

Hunt & Sherman (1987, p. 66) citam trecho do livro de Adam Smith. Nele,
podemos analisar melhor a função que o autor dá ao Estado:

Proteger o país contra invasores estrangeiros, proteger os cidadãos


contra ‘injustiças’ cometidas por outros cidadãos e o dever de erigir
e manter as instituições e obras públicas que, embora altamente
vantajosas para toda grande sociedade, são de natureza tal que os
lucros jamais compensariam as despesas se estas estivessem a cargo
de um indivíduo ou de um pequeno número de indivíduos. Por essa
razão, não se pode esperar que venham a ser erigidas ou mantidas por
um indivíduo ou por um pequeno número de indivíduos.

Como podemos perceber, suas ideias ainda foram foco de discussões


durante todo o século XX e motivo de críticas por movimentos sociais contrários
às políticas econômicas dos liberais.

Novamente recorremos a Hunt e Sherman (1987, p. 66) para considerarmos


algo fundamental aos nossos estudos que seguem sobre o Modo de Produção
Capitalista. Veja o que dizem os autores sobre as ideias de Adam Smith: “[...]
Os capitalistas não deixam de recorrer aos argumentos de Adam Smith para
investirem contra os últimos óbices governamentais de caráter paternalista, que
impediam plena realização do princípio do lucro”.

Suas ideias serviam como parte de justificativa diante das desigualdades


promovidas a partir da Revolução Industrial, considerando-se que os capitalistas
procuravam o lucro sobre todas as coisas e, portanto, estavam em sintonia com as
ideias de Smith. Além disso, ajudou, também, para que a iniciativa privada agisse
livremente sobre o jugo de governos e o aspecto competitivo deveria, ao menos
teoricamente, para reduzir preços, baratear os produtos e beneficiar a todos.

Sendo o comércio livre desejado pelos burgueses, como podemos resumir


suas ideias operando na prática? Huberman (1998, p. 153) contribui para que
compreendamos melhor. Vejam:

Isto está meio complicado. Eis uma simplificação:


1 O aumento da produtividade ocorre com a divisão do trabalho.
2 A divisão do trabalho aumenta ou diminui segundo o tamanho do
mercado.
3 O mercado se amplia ao máximo possível pelo comércio livre.
Portanto, o comércio livre proporciona a maior produtividade.

124
TÓPICO 1 | O LIBERALISMO ECONÔMICO

A quais conclusões podemos chegar?

O liberalismo econômico clássico, aqui analisado diante das ideias dos


fisiocratas e de Adam Smith, forma críticos às ideias mercantilistas de interferência
direta dos governos na economia, mas se esses interesses viessem a contribuir
com os interesses burgueses eram passíveis de análise e aceitação, quando os
lucros e a estabilidade nos negócios estivessem em jogo.

Compete, portanto, aos governantes assumirem o compromisso de criar e


manter as estruturas que permitam a livre concorrência e o lucro.

TUROS
ESTUDOS FU

Caro(a) acadêmico(a)!
Teremos a oportunidade de estudar, durante toda essa unidade, os desdobramentos das
ideias econômicas e seus efeitos sociais. Algumas das ideias que se opuseram às perspectivas
liberais de compreensão da economia serão, por nós, analisadas a seguir.

4 MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA


FIGURA 19 – BATATAS, BACON E CHÁ QUENTE ERAM A BASE DA ALIMENTAÇÃO DAS FAMÍLIAS
DE TRABALHADORES QUE ACORDAVAM ÀS 5 DA MANHÃ. COTIDIANO RETRATADO POR
VINCENT VAN GOGH EM 1885

FONTE: Disponível em: <www.rainhadapaz.g12.br/projetos/artes/vangogh>. Acesso em: 16 nov.


2008.

125
UNIDADE 3 | TEORIAS POLÍTICAS E ECONÔMICAS CONTEMPORÂNEAS

Cabe a nós analisarmos, nesse item, os desdobramentos das ideias


liberais, sua aplicabilidade e os resultados sociais após as grandes transformações
observadas no sistema produtivo.

O progresso técnico já analisado, a introdução das máquinas na agricultura


e indústrias e o grande êxodo rural ocorrido com as consequentes mudanças na
vida urbana trouxeram uma grande e significativa mudança nas relações sociais. A
sociedade que passou pelo cercamento de campos no século XVII, pela Revolução
Industrial no século seguinte e foi acompanhada por ideias que justificam essas
mudanças – muitas vezes a favor dos que detêm o controle do capital – agora é
polarizada pela burguesia e proletariado.

O Modo de Produção Capitalista tem como principal aspecto a produção


mecânica que transforma as relações sociais. Como vimos anteriormente, do
artesanato de subsistência passamos para a manufatura. As manufaturas são
substituídas pelas grandes fábricas na sociedade capitalista.

O trabalho na sociedade capitalista não é mais de propriedade do


trabalhador que passa a vender sua força de trabalho em troca de salário.
Assim como o tempo de trabalho agora é medido pelo relógio que disciplina as
atividades. As atividades tornam-se mecânicas e repetitivas.

No sistema capitalista, os meios de produção são de propriedade da


burguesia. Fábricas, sistema de transporte, propriedades rurais e sistema
bancários estão sob controle burguês. Os trabalhadores ficam livres para buscar
emprego onde melhor lhe convier. O que devemos considerar é que ele não está
livre com relação ao controle burguês, visto que é privado dos meios de produção
e o seu meio de vida é a venda de sua força de trabalho.

O lucro dos capitalistas é o centro do interesse que move o desenvolvimento


da força de produção, ou seja, para obter maiores lucros, no desenvolvimento
de novas tecnologias, transformações no processo de produção industrial ou
agrícola servem.

No século XIX, o capitalismo apresentou novas características, constituindo


uma das mais significativas e marcantes etapas: a fase imperialista. O domínio
do comércio, ou monopólios, alterou a antiga defesa liberal que afirmava ser a
livre concorrência a alternativa para o mercado. Grandes monopólios em diversas
áreas foram concentrando a produção e venda de variadas mercadorias.

Grandes empresas e bancos concentraram o capital industrial e bancário


constituindo o capital financeiro – que passa a controlar a economia de diversos
países. Esse foi o transformador do Modo de Produção Capitalista – que
estimulava o comércio externo via exportação de mercadorias – em imperialismo
– que amplia o comércio de capitais. Circulam moedas que mantêm o monopólio
internacional.

126
TÓPICO 1 | O LIBERALISMO ECONÔMICO

O comércio de capitais e o monopólio internacional desenham as fronteiras


econômicas do mundo, definindo a influência econômica e política dos países
subdesenvolvidos pelos países capitalistas desenvolvidos. Diante desse quadro
exploratório que promove a alienação, os trabalhadores não reagiram?

Num primeiro momento, os trabalhadores reagiram contra as máquinas,


por considerar que essas eram responsáveis pela sua condição de trabalho. Os
ludistas tinham um método de ação direta e violenta que, espontaneamente,
destruíam as máquinas. No século XVIII eram frequentes os ataques, fazendo
com que as leis fossem mais severas, condenando, inclusive, à morte.

No final do século XVIII temos notícias das primeiras greves. A luta era
contra as profundas alterações nos modos de produção. Esses movimentos,
considerados perigosos, eram banidos com o uso da força.

As discussões em torno de leis que regulamentassem as condições de


trabalho são também desse período. O número de horas excessivo, a fixação de
salários e as normas que regulamentassem a ação de homens, mulheres e crianças
eram reivindicadas. A necessidade de mudanças em legislações e as discussões
para tal fizeram com que surgissem as primeiras associações de trabalhadores.

Os burgueses industriais e o Estado reuniram-se com a igreja para


controle, também, do lazer e relações pessoais dos trabalhadores. Bebidas e jogos
bem como tipos de festas eram regulados. A garantia da disciplina expandia-se
do espaço das fábricas e tomava a vida privada.

As resistências dos trabalhadores às mudanças que o Modo de Produção


Capitalista trouxe foram o estopim para organizações coletivas que substituíam
as ações individuais contra as máquinas. A consciência de classe leva a milhares
de trabalhadores para movimentos organizados que se contrapunham aos donos
dos meios de produção.

Cita Mantoux (1988) uma carta escrita em 1779 sobre as reações contra a
nova realidade:

[...] encontramos na estrada um bando de várias centenas de homens,


creio que eram uns 500; e como perguntássemos a um deles por que
motivos estavam assim reunidos em grande número, eles responderam
que acabavam de destruir algumas máquinas e que pretendiam
fazer o mesmo em todo o país [...] os operários das vizinhanças já
reuniram todas as armas que puderam encontrar e estão empenhados
na fundição de balas e no aprovisionamento de pólvora para atacar
amanhã de manhã.

Portanto, durante o século XVIII e metade do século XIX, uma nova classe
social começa a surgir: a classe operária.

127
UNIDADE 3 | TEORIAS POLÍTICAS E ECONÔMICAS CONTEMPORÂNEAS

O Modo de Produção Capitalista, com a mecanização sem precedentes,


aumentou consideravelmente a produção. Fato que deveria melhorar as condições
de vida de todos. Porém, esse processo demonstrou que não foi o que ocorreu,
pois a concentração das riquezas aumentava na mesma proporção que a miséria
crescia nas cidades.

DICAS

O Filme TEMPOS MODERNOS (1936, Charles Chaplin)


mostra, com humor, a alienação dos trabalhadores das fábricas,
a formação de movimentos grevistas, a situação de miséria e
desemprego que o Modo de Produção Capitalista origina e suas
repercussões no início do século XX com o sistema de produção
em série nas linhas de montagem idealizadas por Henry Ford.

128
RESUMO DO TÓPICO 1

Neste tópico, você estudou que:

• Os pensadores iluministas originaram duas correntes de pensamento


econômico: os fisiocratas e os liberais.

• Os fisiocratas foram críticos ao sistema mercantilista contra argumentando que


a riqueza de um país origina-se da produção agrícola.

• A denominação fisiocratas vem de fisio = natureza e cratos = poder.

• Adam Smith é considerado o fundador do liberalismo econômico.

• Para esse pensador, o Estado não deveria intervir nas leis do mercado.

• Os fisiocratas e os pensadores liberais contribuíram para que os interesses


burgueses predominassem.

• O Modo de Produção Capitalista tem como principal aspecto a transformação


mecânica e origina duas classes: os operários e os burgueses industriais.

• No século XIX, o imperialismo é caracterizado como a última fase do Modo de


Produção capitalista.

• É nos séculos XVIII e XIX que surgiram organizações de operários que


reivindicavam melhores condições de vida.

129
AUTOATIVIDADE

Escreva um texto sobre a importância histórica da Revolução Industrial,


relacionando as principais consequências econômicas desse fato, ocorrido no
século XVIII.

130
UNIDADE 3
TÓPICO 2

OS PENSADORES DA ECONOMIA: DOS CLÁSSICOS AOS


CONTEMPORÂNEOS

1 INTRODUÇÃO
Caro(a) acadêmico(a), neste tópico veremos mais detidamente as ideias
de alguns pensadores da economia dos séculos XVIII ao XX. Estes pensadores
fizeram suas reflexões num contexto marcado por mudanças profundas. Era o
momento da ascensão e consolidação do capitalismo industrial. No plano político,
as revoluções burguesas e liberais tinham afastado os entraves tradicionais da
economia. O livre comércio e a concorrência se tornaram as grandes reivindicações
e conquistas da classe burguesa.

Neste contexto, as formulações e ideias econômicas de não mais que uma


dúzia de pensadores cooperaram para mudar profundamente a fisionomia do
mundo. Embora estes homens não sejam tão famosos e talvez em seu tempo
fossem meros desconhecidos, eles colaboraram para mudanças profundas na
vida de milhares de pessoas, governos, estados etc.

Nossa história econômica é tributária de pensadores como Thomas


Malthus, David Ricardo, Stuart Mill, Karl Marx, John Maynard Keynes e tantos
outros. Neste tópico, estudaremos um pouco mais sobre a vida e a obra destes
pensadores da economia.

2 THOMAS MALTHUS E O PROBLEMA DA POPULAÇÃO


A economia política clássica cobre um período de aproximadamente um
século, entre 1750 e 1850. O primeiro grande expoente é Adam Smith, com o livro
“A riqueza das nações”, e o coroamento dessa “escola” é a obra “Princípios de
Economia Política”, de John Stuart Mill.

Vejamos quais os principais temas tratados.

Os temas fundamentais da economia política clássica foram: o


crescimento econômico a longo prazo, a acumulação de capital, a
centralidade do trabalho, a distribuição da renda entre as classes sociais,
a descoberta e a afirmação de leis econômicas como “leis naturais” da
economia e a defesa do credo liberal, que logo foi se transformando no
fundamento ideológico da economia política. (CORAZZA, 2005, p. 2).

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UNIDADE 3 | TEORIAS POLÍTICAS E ECONÔMICAS CONTEMPORÂNEAS

O pensamento econômico de Malthus e Ricardo encontra-se no período


intermediário de duas grandes obras de economia política: a obra de Adam
Smith, considerado o pai da economia política moderna, e a obra de John Stuart
Mill, um dos maiores representantes desta disciplina.

Thomas Robert Malthus é um economista inglês do século XVIII, nasceu


em 1766. Malthus era de uma família abastada. Seu pai era um advogado e grande
proprietário de terras. Malthus foi aluno em Cambridge e quando se formou
tornou-se sacerdote da Igreja Anglicana. A partir de 1805 passou a lecionar a
disciplina de Economia Política no East India College de Heileyburry, um colégio
da Companhia de Jesus. Malthus faleceu em 1834.

As preocupações centrais da economia política clássica eram a produção


agrícola e os problemas trazidos pela Revolução Industrial. A Revolução
Industrial, por causa dos “cercamentos” e do fim das propriedades comunais,
tinha produzido um enorme contingente de migrantes do campo para a cidade,
pessoas pobres, doentes, que habitavam lugares de condições precárias e
insalubres e que acabavam criando mão de obra abundante e barata.

Para Malthus, a pobreza não era problema dos ricos e dos proprietários de
terras. Na sua visão, as leis que impunham tributos aos ricos para prover auxílios
aos pobres eram injustas. O único responsável por sua pobreza era o próprio
pobre e, portanto, ele deveria encontrar um caminho para solucioná-la.

Mas, como solucionar o problema da pobreza? É diante desta questão que


o pároco Malthus vai elaborar a sua teoria da população, inicialmente anunciada
no Ensaio Sobre a População, de 1798.

Segundo Malthus (1982), o principal desafio é gerir o crescimento


demográfico, a partir da capacidade de produção de alimentos. Malthus foi um dos
primeiros pensadores a analisar dados estatísticos e econômicos para argumentar
sobre a incompatibilidade entre crescimento demográfico e desenvolvimento
econômico. Ele parte de dois princípios fundamentais: o ser humano não subsiste
sem alimentos e o ser humano também não interrompe a multiplicação de sua
espécie. E isso, para Malthus, era um grave problema.

Adotando meus postulados como certos, afirmo que o poder de


crescimento da população é infinitamente maior do que o poder
que tem a Terra de produzir meios de subsistência para o homem.
[...] A população, quando não controlada, cresce a uma progressão
geométrica. Os meios de subsistência crescem apenas numa progressão
aritmética. (MALTHUS, 1982, p. 282).

Para Malthus (1982), prenunciavam-se dias sombrios. A sociedade poderia


entrar em colapso por causa da falta de alimentos. Na sua época, a Inglaterra
tinha cerca de sete milhões de habitantes. Eram sustentados com alimentos, mas
segundo seus cálculos, nos próximos 25 anos a população chegaria a 14 milhões
e em mais 25 anos a 56 milhões. Enquanto isso, a produção de alimentos poderia
sustentar apenas 21 milhões de pessoas, deixando 35 milhões na miséria.
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TÓPICO 2 | OS PENSADORES DA ECONOMIA: DOS CLÁSSICOS AOS CONTEMPORÂNEOS

Em seu diagnóstico, Malthus (1982) constata que o excesso de população é


o fator principal para a existência da pobreza. Portanto, não há meios de extinguir
a pobreza. Nem mesmo reformas sociais e redistribuições de renda poderiam
amenizar o problema da pobreza. Mesmo havendo melhoria na qualidade de
vida dos trabalhadores, essa melhoria seria sempre temporária, porque logo a
população aumentaria e os níveis de qualidade de vida iriam declinar. Malthus é
extremamente pessimista quanto ao futuro, pois encara as desigualdades sociais
como naturais.

Um homem, que nasce num mundo já ocupado, não tem o direito


de reivindicar seu lugar; na festa da natureza não há lugar vago
para ele; pelas leis da natureza, algumas pessoas tiraram bilhete em
branco na loteria da vida; nenhum sacrifício dos ricos poderá aliviar
o sofrimento dos pobres, pois eles são os próprios culpados pela sua
pobreza; o único direito de um homem é o de ter o que o seu salário
lhe permite adquirir; a fome é um estímulo ao trabalho. (MALTHUS
apud CORAZZA, 2005, p. 5).

Embora Malthus (1983) traga para o debate um problema realmente


relevante, ou seja, o aumento populacional e a pobreza, ele não apresenta dados
empíricos que comprovem sua argumentação. Nenhum dado estatístico sobre o
período pode comprovar sua teoria.

A produção de alimentos cresceu consideravelmente graças à utilização de


adubos químicos e através da melhoria das sementes. Novas técnicas agrícolas e
de tratamento do solo permitiram um aumento da produtividade. Por outro lado,
a utilização de métodos anticoncepcionais não causou um aumento populacional
como previra Malthus.

No entanto, Malthus argumenta que sua teoria é tão óbvia que dispensa
até mesmo dados empíricos para comprová-la. Conforme Malthus (1982), a
própria natureza corrigiria o problema do aumento demográfico, através de
epidemias, guerras etc.

Qual era a proposta de Malthus para amenizar o problema da pobreza?


Para Malthus (1982), uma das medidas que poderia aumentar a “demanda
efetiva” e desta forma absorver o excedente de mão de obra seria a realização de
obras públicas. Através desta proposta, Malthus foi um precursor das ideias de
Keynes sobre o papel dos gastos públicos como medida para tirar uma economia
do estado de recessão.

De acordo com Malthus (1982), a principal medida para reduzir a


pobreza era o governo incentivar a produção agrícola mais que a produção
industrial. Em sua opinião, se a enorme massa de desempregados dos centros
urbanos estivesse ocupada na agricultura, haveria melhor qualidade de vida e
produtos indispensáveis para a subsistência humana mais baratos. A mudança
de emprego do rural ao industrial era a causa de danos à saúde do trabalhador.
Menor produção agrícola e maior pobreza. Neste aspecto, Malthus se aproxima
das ideias dos fisiocratas.

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UNIDADE 3 | TEORIAS POLÍTICAS E ECONÔMICAS CONTEMPORÂNEAS

3 DAVID RICARDO E O VALOR DO TRABALHO NA ECONOMIA


LIBERAL
David Ricardo nasceu em 1772 na cidade de Londres. Ricardo era um dos
17 filhos de um comerciante judeu que havia imigrado da Península Ibérica para
a Holanda e depois para a Inglaterra. Ricardo cresceu no mundo dos negócios.
Foi operador da Bolsa de Valores de Londres e quando jovem já era proprietário
de uma fortuna considerável.

A obra mais importante de David Ricardo é “Princípios de Economia


Política e Tributação”, publicada em 1817, que também o tornou um dos maiores
herdeiros do pensamento de Adam Smith e o colocou entre os clássicos da
Economia Política. Seus principais temas são: a política monetária, a teoria do
valor, a teoria dos lucros e o comércio internacional.

Um das primeiras contribuições de David Ricardo, foi na área de política


monetária. Quando a moeda inglesa começou a desvalorizar-se muitos ingleses se
apressaram em converter suas economias em ouro. Mas o governo inglês logo viu
nisso um perigo para a instabilidade econômica e tratou de restringir a conversão
de libras (moeda inglesa) em ouro. Segundo Ricardo, a desvalorização da libra
em relação ao ouro era consequência da própria emissão exagerada da moeda, na
sua visão o governo deveria rever essa medida. Como um dos pensadores mais
importantes do liberalismo econômico e defensor da não intervenção do Estado na
economia. Ricardo advogou que essa restrição só auxiliava aos maus devedores e
penalizava injustamente os credores. Para Ricardo, o mercado deveria estar livre
da ação do Estado.

Uma das contribuições mais significativas de Ricardo foi na área


tributária. Para Malthus (1982), contemporâneo e amigo pessoal de Ricardo, o
governo deveria manter o protecionismo agrícola, elevando as taxas de cereais
importados e protegendo o interesses dos proprietários rurais da concorrência
externa.

Segundo Ricardo (1982), essa medida prejudicava os industriais, pois


seus empregados tinham que comprar produtos importados encarecidos, já que
a agricultura inglesa era ineficiente e não produzia o suficiente para abastecer os
centros urbanos. Para Ricardo, essa situação aumentava a renda dos proprietários
de terra e diminuía o capital dos industriais, que tinham que elevar os salários
dos trabalhadores. Na sua visão, a indústria era o setor econômico mais dinâmico
e não a agricultura. Ao priorizar esta, o governo acabava por inviabilizar o
crescimento econômico.

Desta forma, Ricardo foi um dos maiores defensores do liberalismo


econômico nas transações comerciais internacionais. A “Teoria das Vantagens
Comparativas” formulada por Ricardo foi, por muito tempo, a base de muitas
teorias do comércio exterior.

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TÓPICO 2 | OS PENSADORES DA ECONOMIA: DOS CLÁSSICOS AOS CONTEMPORÂNEOS

Vejamos um exemplo dado por Ricardo a partir de Inglaterra e Portugal.

Portugal e Inglaterra são produtores de vinho e tecidos. Em Portugal, para


produzir os dois produtos era necessária uma quantidade menor de horas de
trabalho de um homem do que na Inglaterra, mas o custo de produção de tecidos
era maior do que a produção de vinhos. Assim, era mais viável especializar-se na
produção de vinhos e comprar tecidos da Inglaterra. Já para a Inglaterra era mais
viável abrir mão da produção de vinhos, especializar-se na produção de tecidos
e importar o vinho português a um preço menor. Desta forma, em situações
de livre concorrência, ambos os países teriam mais vantagens comparativas e
aumentariam suas receitas.

Na verdade, o princípio das vantagens comparativas, formulado


por Ricardo para justificar o livre-comércio internacional, na prática
representava também a defesa dos interesses da indústria britânica,
que, por ser mais desenvolvida do que a de outros países, exigia a
eliminação de qualquer proteção, e a liberdade de comércio era uma
via natural para o seu efetivo domínio do comércio internacional. Ela
dispensava qualquer proteção, fato que não necessariamente seria
verdadeiro para os produtos de outros países menos desenvolvidos
do ponto de vista industrial. (CORAZZA, 2005, p. 13).

Outra contribuição de Ricardo (1982) foi na discussão da teoria do valor.


Adam Smith foi o primeiro a formular a teoria do valor-trabalho. Na sua obra, o
valor de uma determinada mercadoria é determinado pela quantidade de trabalho
investida na produção e pelo valor de troca e de uso, ou seja, de utilidade. Ricardo
amplia um pouco esta teoria.

De acordo com Ricardo (1982), é preciso rejeitar a utilidade como medida


de valor, pois nem todos os bens ou mercadorias são da mesma natureza. Há
bens que podem ser reproduzidos indefinidamente e bens não suscetíveis de
reprodução (uma obra de arte, por exemplo). Neste caso, a utilidade já não é o
parâmetro para medir o valor de uma mercadoria. O trabalho é a única fonte de
valor de um determinado bem.

A partir do valor do trabalho, Ricardo vai ampliar a discussão para a


questão do produto gerado pelo trabalho. Segundo o autor, o produto do trabalho
é o resultado de três elementos: a maquinaria, o capital que alimenta o processo
produtivo e o trabalho.

Para Ricardo, a principal tarefa da Economia Política é pensar a


distribuição do produto gerado pelo trabalho, ou seja, como ele se divide entre
os trabalhadores, os proprietários das máquinas ou das terras e os arrendatários
capitalistas, aqueles que investem o capital para o empreendimento.

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UNIDADE 3 | TEORIAS POLÍTICAS E ECONÔMICAS CONTEMPORÂNEAS

O produto da terra [...] se divide entre três classes da sociedade, a saber:


o proprietário da terra, o dono do capital necessário para seu cultivo
e os trabalhadores cujos esforços são empregados no seu cultivo.
Em diferentes estágios da sociedade, no entanto, as proporções do
produto total da terra destinadas a cada uma dessas classes, sob os
nomes de renda, lucro e salário, serão essencialmente diferentes, o
que dependerá, principalmente, da fertilidade do solo, da acumulação
de capital e de população, e da habilidade, da engenhosidade e dos
instrumentos empregados na agricultura. Determinar as leis que
regulam essa distribuição é a principal questão da Economia Política.
(RICARDO, 1982, p. 39).

Veja que, neste trecho que citamos de Ricardo, já aparecem os termos


renda, lucro e salário. Estes são temas centrais em toda a análise econômica do
século XIX e XX, principalmente a partir de Marx, um dos herdeiros e principais
críticos do pensamento de Ricardo.

4 JOHN STUART MILL E A LIBERDADE MERCANTIL


John Stuart Mill nasceu em 1806, na cidade de Londres, Inglaterra. Mill
foi um dos pensadores ingleses mais influentes da era vitoriana. Sua importância
excede o campo da economia. Sua relevância foi sentida nas mais diversas áreas,
seja discutindo as questões do governo representativo, do liberalismo e até do
voto feminino.

A educação de John Stuart Mill é algo que impressiona. Seu pai, o


filósofo escocês James Mill, elaborou um programa próprio de
educação para seu filho. Desta forma, Stuart Mill nunca frequentou
nenhuma escola ou universidade. Todavia, aos 13 anos, Stuart Mill
já teria o equivalente a uma formação universitária. Com três anos
Stuart Mill teria começado a aprender grego e aritmética, aos oito
lido Heródoto e Platão. Aos 12 anos já conhecia praticamente toda a
poesia greco-latina, álgebra, lógica aristotélica e aos 13 teria começado
a estudar economia política. (EKERMAN, 1996, p. 5).

Os livros mais importantes de Stuart Mill são: Princípios de Economia


Política (1848); Da Liberdade (1861); Considerações Sobre o Governo Representativo
(1861) e Utilitarismo (1863). No contexto do século XIX e da política imperialista
britânica sobre a Índia, com seus 17 anos, Stuart Mill começou a trabalhar para a
Companhia das Índias Ocidentais, trabalho que desempenhou por 20 anos.

O livro “Princípios de Economia Política” de John Stuart Mill é a


cristalização do pensamento econômico clássico inglês, que teve seu início com a
obra de Adam Smith. O livro de Stuart Mill é uma espécie de manual de economia
política. Não é tão original quanto os livros de Adam Smith e David Ricardo, mas
tem o mérito de condensar ideias econômicas mais importantes desde o século
XVI até o século XIX.

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TÓPICO 2 | OS PENSADORES DA ECONOMIA: DOS CLÁSSICOS AOS CONTEMPORÂNEOS

O livro está dividido em cinco partes: produção; distribuição; troca;


influência do progresso da sociedade sobre a produção e a distribuição; e
influência do governo.

Segundo Stuart Mill (1996), há leis naturais, universais e imutáveis de


produção de riqueza. Na sua teoria, a produção é formada por dois requisitos
básicos: o trabalho e os meios de produção (terra, maquinários). Para Stuart Mill,
“o trabalho, no mundo físico, é sempre e exclusivamente utilizado para colocar
objetos em movimento; as propriedades da matéria, as leis da Natureza, fazem o
resto”. (MILL, 1996, p. 82).

Mas se a produção obedece a leis universais e naturais, o mesmo não se pode


dizer da distribuição da riqueza. Para Stuart Mill (1996), os critérios e princípios
de distribuição dependem das instituições, que são humanas e temporais, que
variam conforme o local e tempo. Desta forma, o trabalhador recebe seu salário
sobre seu trabalho no processo produtivo e o dono do capital recebe seu lucro.

Segundo Stuart Mill:

A distribuição da riqueza depende das leis e dos costumes da sociedade.


As normas que regem essa distribuição são aquelas que as opiniões
e os sentimentos dos governantes da comunidade criarem, variando
elas muito conforme a diversidade de época e países; poderiam ser
mais diferentes, se a humanidade assim o quisesse. (MILL, 1996, p.
260).

Na teoria de Stuart Mill, o próximo estágio é a troca. As mercadorias ou


bens são produzidos de forma natural. Essa mesma produção é distribuída de
forma convencional, mas a troca ocorre através da compra e venda, com base
em valores monetários. O espaço da troca é o mercado e essa troca é sempre por
valores equivalentes. Para fixar o valor ou preço do produto é essencial quantificar
o valor do trabalho e do investimento de capital.

Segundo Stuart Mill (1996), o estabelecimento de um mercado é onde


ocorrem as trocas, a compra e a venda, contribuindo para o progresso econômico
geral. A produção aumenta, a distribuição se fortalece e a propriedade privada se
torna mais sólida. Mas qual seria o papel do governo neste processo?

Para Stuart Mill:

A interferência do governo tem aspectos bons e aspectos ruins;


portanto, a interferência deve ocorrer de forma a maximizar os aspectos
bons e a minimizar os aspectos ruins. Um critério fundamental de
“bom” e “ruim” é o efeito sobre a “liberdade do indivíduo”; se esta
é restringida, é ruim; se ampliada, é bom. (EKERMAN, 1996, p. 21).

Veja que o pensamento de Stuart Mill é o coroamento da tradição liberal.


Na sua visão, a democracia e a economia liberal eram os modelos ideais e acabados
de liberdade mercantil, ou seja, da liberdade de vender e comprar sem restrições.

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UNIDADE 3 | TEORIAS POLÍTICAS E ECONÔMICAS CONTEMPORÂNEAS

5 KARL MARX E O PRINCÍPIO AUTODESTRUTIVO DO


CAPITALISMO
A contribuição de Karl Marx para a história do pensamento econômico é
extraordinária. Na verdade, o pensamento de Marx é um dos mais brilhantes e
originais do século XIX. Sua obra é extensa, com destaque para a filosofia política
e economia. É difícil dividir o pensamento de Marx, mas achamos mais didático
discuti-lo neste tópico enquanto pensador da economia e, no próximo tópico,
como teórico do socialismo.

Karl Marx nasceu em 1818 na cidade de Trier, no sul da atual Alemanha, na


época uma província da antiga Prússia, na fronteira com a França revolucionária.
Marx era um dos nove filhos de uma família de origem judaica. As obras mais
importantes de Marx são: “O 18 Brumário de Luís Bonaparte”, “Contribuição
para a Crítica da Economia Política”, “Crítica da Filosofia do Direito de Hegel”,
“A Ideologia Alemã”, “Manifesto Comunista” e “O Capital”.

O livro “O Capital”, publicado em 1867, é a obra fundamental de Marx.


Nas mais de duas mil e quinhentas páginas, o filósofo alemão apresenta uma
obra madura, fruto de mais de 20 anos de trabalho. A obra “O Capital” é uma
das análises mais exaustivas e severas do sistema capitalista. Não poderemos
esgotá-la no limite de poucas páginas, mas vamos enunciar seus principais temas
e discussões.

O primeiro ponto a assinalar em Marx é a sua herança do pensamento


de David Ricardo, principalmente sua teoria do valor. Para Marx (1996), toda
mercadoria, ou o produto do trabalho, tem um valor, um preço. O valor de uma
mercadoria deve equivaler à quantidade de trabalho investido para confeccioná-
la. Por exemplo: “Se fazer um chapéu requer duas vezes mais trabalho do que
fazer um sapato, o chapéu deverá ser vendido por duas vezes o preço do sapato”.
(HEILBRONER, 1996, 149).

Segundo Marx (1996), a sociedade capitalista é formada por dois


personagens principais: o trabalhador ou proletário e o capitalista ou patrão. Neste
contexto do século XIX, o proprietário de terras já ocupava um lugar secundário.
O capitalista é o dono dos meios de produção, dos equipamentos, maquinários,
instalações etc. O proletário é o trabalhador assalariado, que vende sua mão de
obra. Portanto, alguém desprovido dos meios de produção da riqueza.

No sistema capitalista, até a força de trabalho é vendida como mercadoria.


O trabalho do proletário está condicionado às variações da oferta e da procura no
mercado. Quanto maior for a oferta de mão de obra e menor for a procura por ela,
por parte do empregador, mais barata será essa mão de obra. Isso era muito claro
para Marx quando escrevia sua obra na Inglaterra. A pobreza dos trabalhadores
urbanos, que haviam sido expulsos dos campos, era algo assustador.

Veja como Marx conceitua o trabalho e a força de trabalho.

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TÓPICO 2 | OS PENSADORES DA ECONOMIA: DOS CLÁSSICOS AOS CONTEMPORÂNEOS

Todo trabalho é, por um lado, dispêndio de força de trabalho do


homem no sentido fisiológico, e nessa qualidade de trabalho humano
igual ou trabalho humano abstrato, gera o valor da mercadoria. Todo
trabalho é, por outro lado, dispêndio de força de trabalho do homem
sob forma especificamente adequada a um fim, e nessa qualidade de
trabalho concreto útil produz valores de uso. [...] Por força de trabalho
ou capacidade de trabalho entendemos o conjunto das faculdades
físicas e espirituais que existem na corporalidade, na personalidade
viva de um homem e que ele põe em movimento toda vez que produz
valores de uso de qualquer espécie. (MARX, 1996, p. 175-285).

Para Marx (1996), é justamente da exploração do trabalho do proletário


que o capitalista obtém seus lucros. Pois a força de trabalho do proletário é a
única mercadoria que pode ter seu valor reduzido, maximizando os lucros do
capitalista. “O valor de um operário é o dinheiro de que ele precisa para existir. É
o seu salário de subsistência”. (HEILBRONER, 1996, p. 149).

Desta forma, surge a teoria da “Mais-Valia” de Marx.

Se são necessárias seis horas do trabalho da sociedade para manter


vivo um trabalhador, então (se o preço do trabalho for fixado em um
dólar por hora) ele ‘vale’ seis dólares por dia. Não mais que isso.
Mas o trabalhador que arranja um emprego não é contratado para
trabalhar apenas seis horas por dia. Isso daria apenas para sustentar
a si próprio. Na verdade, ele concorda em trabalhar oito horas
completas ou, no tempo de Marx, dez a onze horas por dia. Portanto,
ele irá produzir durante dez a onze horas completas por dia e será
pago apenas por seis horas. O salário irá cobrir sua subsistência, que é
o seu ‘valor’ real, mas em troca ele estará passando para o capitalista
o valor que gera um dia inteiro de trabalho. É assim que o lucro entra
no sistema. Marx denominou mais-valia a esta fração de trabalho não
pago. (HEILBRONER, 1996, p. 151).

Veja o que o próprio Marx diz sobre a mais-valia:

O segundo período do processo de trabalho, em que o trabalhador


labuta além dos limites do trabalho necessário, embora lhe custe
trabalho, dispêndio de força de trabalho, não cria para ele nenhum
valor. Ele gera a mais-valia, que sorri ao capitalista com todo o encanto
de uma criação do nada. Essa parte da jornada de trabalho chamo de
tempo de trabalho excedente, e o trabalho despendido nela: mais-
trabalho (surplus labour). (MARX, 1996, p. 331).

A consequência inevitável da exploração da força de trabalho dos


proletários pelos capitalistas é a formação de uma consciência de classe entre os
trabalhadores e o estabelecimento da luta de classes. Na visão de Marx, inspirado
na dialética de Hegel, as próprias contradições inerentes ao sistema capitalista
decretariam sua falência. A concorrência entre os capitalistas e a luta de classes
acabariam sendo os germes destruidores do edifício capitalista.

Segundo o materialismo histórico e dialético de Marx, o fim do capitalismo


era um processo inevitável. Como vimos, isso não ocorreu. O capitalismo
demonstrou possuir uma enorme capacidade de adaptação. Os anos que se
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UNIDADE 3 | TEORIAS POLÍTICAS E ECONÔMICAS CONTEMPORÂNEAS

seguiram à publicação da primeira versão da obra “O Capital”, em 1867, foram


anos de florescimento do capitalismo. A Europa havia estabelecido uma política
imperialista na África e na Ásia e vivia seus dias da Belle Époque às custas das
riquezas das colônias. Na América, os Estados Unidos despontavam como uma
das nações mais prósperas do Novo Mundo.

Tudo parecia negar as previsões catastróficas de Marx, exceto a tomada do


poder na Rússia pelos sovietes. Mas o abalo principal viria no final dos anos 1920,
com o crash da Bolsa de Nova Iorque, símbolo da crise do Liberalismo Econômico,
dos princípios de livre concorrência, de livre comércio e de não intervenção na
economia por parte dos governos.

A crise de 1929 produziu uma enorme massa de desempregados e


miseráveis.
- Seria este o estopim da Revolução Proletária anunciada por Marx?
- Seria neste momento que os trabalhadores enfim formariam sua consciência
de classe e abdicariam da alienação produzida e imposta a eles pelo sistema
capitalista?
- Olhariam os trabalhadores para o exemplo russo?

DICAS

Para entender um pouco mais da teoria econômica de Marx, leia os textos


introdutórios à sua obra escritos por Jacob Gorender e Florestan Fernandes.
GORENDER, Jacob. Apresentação. In: MARX, Karl. O Capital. São Paulo. Editora Nova Cultural,
1996.
FERNANDES. Florestan. Introdução. In: MARX, Karl. Contribuição à crítica da economia
política. São Paulo: Expressão Popular, 2008.

6 JOHN MAYNARD KEYNES E A VIABILIDADE DO


CAPITALISMO
Desde a publicação da obra de Marx, em fins do século XIX, até as primeiras
décadas do século XX, não havia surgido nenhum pensador relevante no cenário
da história do pensamento econômico. Mas a crise de 1929 faz despontar o nome
de John Maynard Keynes.

Keynes foi um economista inglês. Nasceu em Cambridge no ano de 1883


e faleceu logo após o final da II Guerra Mundial, em 1946. Keynes era um dos
filhos da elite inglesa. Sua família era uma das mais ilustres de Cambridge. O pai
era administrador e professor universitário em Cambridge e sua mãe ocupava

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TÓPICO 2 | OS PENSADORES DA ECONOMIA: DOS CLÁSSICOS AOS CONTEMPORÂNEOS

importantes cargos públicos na cidade, inclusive o de prefeita. Keynes foi aluno do


renomado economista Alfred Marshall e teve a melhor educação que a Inglaterra
vitoriana poderia oferecer.

Keynes, em seu começo de carreira, foi diretor de uma companhia de


seguros. Posteriormente, assumiu funções no Tesouro Britânico, Banco da
Inglaterra e Banco Central Inglês. Mas o que notabilizou Keynes foi sua obra
acadêmica, principalmente “A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda”,
publicada em 1936.

Keynes viveu os anos áureos do capitalismo de fins do século XIX e início


do século XX. Era o momento da chamada Segunda Revolução Industrial, que
se deu por meio da energia elétrica, da indústria química, do petróleo e do aço.
Keynes também viu eclodir a Primeira Guerra Mundial e a crise do capitalismo
na década seguinte, que produziu a Grande Depressão depois de 1929.

O problema do desemprego e, por conseguinte, a escassez de poder de


compra era uma das discussões mais importantes do livro de Keynes. Após o crash
de 1929, o desemprego chegou à cifra de 25%. Segundo Silva, há uma profunda
queda na produção industrial. “A produção industrial americana correspondia a
58%, a alemã a 65% e a inglesa a 90% da verificada em 1913”. (SILVA, 1996, p. 9).

O que houve, neste contexto, foi uma profunda crise da capacidade


de consumo e uma consequente superprodução de mercadorias. Com isso, as
máquinas pararam e muitos empregados foram demitidos. Para Keynes, este
cenário derrubava por terra a “Lei de Say”, segundo a qual a própria oferta cria a
demanda, ou seja, a produção de mercadorias sempre encontrará consumidores
e com isso não haveria uma superprodução de mercadoria. Era a “mão invisível”
do mercado, de Smith, produzindo o equilíbrio e evitando uma crise generalizada
do sistema capitalista.

NOTA

Jean-Baptist Say (1767-1832), economista francês, importante intérprete da obra


de Adam Smith. Autor de Tratado de Economia Política (1803).

Keynes foi um dos primeiros economistas a perceber o quanto era


infundada a “Lei de Say”. O que estava ocorrendo nos anos vinte era justamente
o contrário daquilo previsto por Say, uma superprodução de mercadorias e a
diminuição do poder de compra das pessoas. Keynes percebeu que o sistema
capitalista era mais instável do que os economistas do liberalismo clássico

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UNIDADE 3 | TEORIAS POLÍTICAS E ECONÔMICAS CONTEMPORÂNEAS

admitiam. Ele não chega a pensar como Marx, que o capitalismo tem um caráter
intrinsecamente destrutivo, mas admite que ele deva ser regulado pelo Estado
para tornar-se viável e não entrar em recessão.

Segundo Keynes, o sistema capitalista enfrentava um dilema fundamental.


Não existe a sonhada harmonia e equilíbrio do sistema capitalista. As crises do
nível de consumo são reflexos da queda da renda, da geração de emprego e da
falta de investimentos por parte dos proprietários capitalistas.

Em crescimento, com expectativas otimistas de lucro futuro, os


investimentos geram mais emprego, maior nível de produto e de
renda e, portanto, maior nível de consumo e poupança. Em depressão,
perspectivas pessimistas de lucro geram frustração de lucro da
indústria de bens de capital, queda de emprego e de renda e, portanto,
queda nos níveis de consumo e poupança. (SILVA, 1996, p. 12).

Para Keynes, a solução estava na ação interventora do Estado para regular


a economia e fazer com que ela saia das fases recessivas. Mas como fazer isso? Para
Keynes, havia duas formas de enfrentar as crises: emitir títulos aos investidores
capitalistas e investir em obras públicas.

Quando a economia atingisse um estágio de superprodução, o Estado


deveria estimular a demanda ou o consumo de mercadorias. Para chegar a esse
estágio, o governo deveria criar empregos através de obras públicas. Assim, os
gastos públicos em geração de empregos criariam renda para os trabalhadores,
aumentariam o consumo e estimulariam os capitalistas a investir na ampliação da
produção. E o sistema capitalista voltaria a recuperar-se.

Assim, em tempos de desemprego rigoroso, as obras públicas, ainda


que de duvidosa utilidade, podem ser altamente compensadoras,
mesmo que apenas pelo menor custo dos gastos de assistência, desde
que se possa admitir que a parte poupada da renda seja menor quanto
mais intenso for o desemprego; porém a validade desta proposição
torna-se cada vez mais contestável à medida que nos aproximamos do
pleno emprego. (KEYNES, 1996, p. 143).

Outra forma encontrada pelo Estado para sair da recessão é contrair a


“poupança” dos investidores capitalistas através da emissão de títulos. Desta
forma, o Estado eliminaria a carência por demanda “emitindo títulos para extrair
a ‘renda não gasta’ do setor privado e com ela garantir que as máquinas ociosas
voltem a operar”. (SILVA, 1996, p. 15).

Esta medida é de certa forma complementar à primeira, pois, para Keynes


(1996), a causa das crises e das recessões era a falta de investimentos. Na sua
interpretação, o egoísmo dos agentes capitalistas levava-os a poupar e não a
investir. Neste sentido, o Estado tem um papel fundamental no funcionamento
do sistema econômico. É através da emissão de títulos que o governo recebe a
renda poupada pelos capitalistas e investe em obras públicas e infraestrutura.

142
TÓPICO 2 | OS PENSADORES DA ECONOMIA: DOS CLÁSSICOS AOS CONTEMPORÂNEOS

Ao contrário dos economistas clássicos que atestavam ser a poupança


imprescindível para a realização do investimento e, por conseguinte, o
crescimento tanto da produção quanto do emprego, Keynes argumenta
que poupança não precede o investimento. (FERRARI FILHO, 2005, p.
14).

Desta forma, em situações de crises e desemprego, os gastos do governo


são medidas para fazer o sistema voltar a funcionar novamente. No entanto,
a proposta de Keynes ia além. Ele acreditava que juntamente com as medidas
acima, o Estado deveria reduzir a carga tributária, para assegurar os investimentos
capitalistas.

A proposta de Keynes (1996) foi vista inicialmente como uma heresia pela
ortodoxia econômica. Ao emitir títulos, o Estado contraía dívidas, e com uma
reduzida carga tributária o Estado correria o risco de quebrar. O orçamento do
Estado estaria desequilibrado. O governo gastaria mais do que arrecadaria. Mas
segundo Keynes, somente com um endividamento consciente e um déficit público
programado a economia sairia da recessão num médio prazo.

As medidas de Keynes encontram muitas resistências, mas logo começaram


a ser implementadas pelos Estados Unidos da América. O programa econômico
americano se chamou “New Deal” e preconizava um maciço investimento em
usinas hidrelétricas, aeroportos, barragens, hospitais, escolas e outros. “Na maior
nação capitalista do mundo, os Estados Unidos da América do Norte, as compras
de bens e serviços do Governo Federal passam de 2,5%, em 1929, para 10% do
Produto Nacional Bruto em 1939”. (SILVA, 1996, p. 16).

“Embora tais medidas tivessem gerado muitos empregos, não resolveram


totalmente o problema. A solução definitiva para o problema do emprego viria
com o investimento na indústria bélica durante a II Guerra Mundial”. (KOPELKE,
2007, p. 60).

A maior lição de Keynes é que a humanidade não pode ficar à mercê


da “mão invisível” do mercado. O Estado deve intervir para evitar a recessão
econômica e promover o pleno funcionamento do sistema capitalista, e,
consequentemente, a geração de empregos, renda e consumo.

Keynes propõe um capitalismo administrado, em que as disfunções


do mercado fossem supridas pela intervenção do Estado, por meio
de políticas públicas e de naturezas normativas imprescindíveis para
a construção de um ambiente institucional favorável às tomadas de
decisão dos agentes econômicos. (FERRARI FILHO, 2005, p. 18).

Keynes (1996) se mostrou o grande responsável pela reestruturação das


economias capitalistas abaladas pela crise de 1929. A ele também é atribuído o
sucesso da política de Bem-Estar Social e a grande prosperidade e desenvolvimento
econômico das três décadas que se seguiram ao período da Pós-Segunda Guerra
Mundial.

143
UNIDADE 3 | TEORIAS POLÍTICAS E ECONÔMICAS CONTEMPORÂNEAS

A partir dos anos de 1970 há um esgotamento do modelo explicativo


keynesiano. As crises do capitalismo internacional colocaram em evidência
a incapacidade do Estado em gerir os momentos de instabilidade. A máquina
pública tinha ficado extremamente onerosa. Os gastos públicos revelavam a
fragilidade do Estado de Bem-Estar Social de Keynes.

Neste período começa a tomar corpo uma nova doutrina econômica, que
reafirmava os princípios liberais e que preconizava o “enxugamento” da máquina
pública através do corte de gastos e privatização das empresas estatais. Já eram
tempos de Neoliberalismo, tema que estudaremos nos próximos tópicos.

144
TÓPICO 2 | OS PENSADORES DA ECONOMIA: DOS CLÁSSICOS AOS CONTEMPORÂNEOS

LEITURA COMPLEMENTAR 1

MALTHUS E O PROBLEMA DA POPULAÇÃO

Thomas Malthus

Penso que posso elaborar adequadamente dois postulados. Primeiro: que


o alimento é necessário para a existência do homem. Segundo: que a paixão entre
os sexos é necessária e que permanecerá aproximadamente em seu atual estágio.
Essas duas leis, desde que nós tivemos qualquer conhecimento da humanidade,
evidenciam ter sido leis fixas de nossa natureza e, como nós não vimos até aqui
nenhuma alteração nela, não temos o direito de concluir que elas nunca deixarão
de existir como existem agora, sem um pronto ato de poder daquele Ser que
primeiro ordenou o sistema do universo e que para proveito de suas criaturas
ainda faz, de acordo com leis fixas, todas estas variadas operações.

Não conheço nenhum escritor que tenha admitido que nesta terra,
o homem, fundamentalmente, seja capaz de viver sem alimento. Mas o Sr.
Godwin prognosticou que a paixão entre os sexos pode ser extinta com o tempo.
Contudo, como ele considera esta parte de seu trabalho um desvio para o campo
da conjectura, não insistirei mais sobre isso agora, a não ser em afirmar que os
melhores argumentos para provar a perfectibilidade do homem provêm de um
estudo do grande progresso que ele já realizou desde o estado bárbaro e da
dificuldade de dizer onde ele se detém. Mas, com relação à extinção da paixão
entre os sexos, nenhum progresso, qualquer que ele seja, foi feito até aqui. Ela
parece existir com tanto ímpeto agora como existia há dois ou há quatro mil anos.
Existem exceções hoje como sempre existiram.

Mas, como essas exceções não parecem crescer numericamente, decerto


seria uma demonstração antifilosófica inferir, simplesmente a partir da existência
de uma exceção, que a exceção com o tempo se tornaria a regra e a regra a
exceção. Então, adotando meus postulados como certos, afirmo que o poder de
crescimento da população é indefinidamente maior do que o poder que tem a
terra de produzir meios de subsistência para o homem. A população, quando
não controlada, cresce numa progressão geométrica. Os meios de subsistência
crescem apenas numa progressão aritmética.

Um pequeno conhecimento de números demonstrará a enormidade do


primeiro poder em comparação com o segundo. Por aquela lei da nossa natureza
que torna o alimento necessário para a vida humana, os efeitos desses dois poderes
desiguais devem ser mantidos iguais. Isso implica um obstáculo que atua de
modo firme e constante sobre a população, a partir da dificuldade da subsistência.
Esta dificuldade deve diminuir em algum lugar e deve, necessariamente, ser
duramente sentida por uma grande parcela da humanidade.

145
UNIDADE 3 | TEORIAS POLÍTICAS E ECONÔMICAS CONTEMPORÂNEAS

Por todo o reino animal e vegetal a natureza espalhou largamente as


sementes da vida, com a mão a mais generosa e pródiga. Ela foi relativamente
parcimoniosa quanto ao espaço e à alimentação necessários para criá-los. As
células vitais contidas nesta parte da terra, com bastante alimento e espaço para
se expandir, preencherão milhões de mundos no decurso de uns poucos milhares
de anos. A miséria que despoticamente permeia toda a lei da natureza limita estes
mundos, mediante determinadas restrições.

Os reinos vegetal e animal se reduzem sob esta grande lei limitadora. E


a espécie humana não pode, por simples esforços racionais, escapar dela. Entre
as plantas e os animais suas consequências são a perda do sêmen, a doença e a
morte prematura. Na espécie humana, a miséria e o vício. O primeiro, a miséria é
uma consequência absolutamente necessária da lei. O vício é uma consequência
altamente provável e, por essa razão, o vemos predominar largamente, mas não
pode, talvez, ser chamado de consequência absolutamente necessária.

A provação da virtude é resistir a toda tentação do mal. Essa desigualdade


natural dos dois poderes, da população e da produção da terra, e essa grande lei da
nossa natureza que deve manter constantemente uniformes suas consequências,
constituem a grande dificuldade, que a mim me parece insuperável no caminho
da perfectibilidade da sociedade. Todos os outros argumentos são de importância
pequena e secundária em comparação com este. Não vejo nenhuma forma pela
qual o homem possa escapar da influência desta lei que impregna toda a natureza
viva.

Nenhuma igualdade fantasista, nenhuma norma agrária, no seu maior


alcance, pode remover a sua pressão mesmo por apenas um século. E, por essa
razão, a lei se mostra decisiva contra a possível existência de uma sociedade
em que todos os membros viveriam em tranquilidade, prosperidade e num
relativo ócio, e não sentiriam nenhuma angústia para providenciar os meios de
subsistência para si e para os filhos. Consequentemente, se as premissas estão
corretas, o argumento é conclusivo contra a perfectibilidade do conjunto da
humanidade. Assim, esbocei as linhas gerais do argumento, e o examinarei mais
particularmente, mas penso que será fundamentado na experiência, a verdadeira
fonte e base de todo o conhecimento que invariavelmente comprova sua verdade.

FONTE: MALTHUS, Thomas. Ensaio sobre a população. São Paulo: Abril Cultural, 1996, p. 246-
247. Disponível em: <www.each.usp.br/rvicente/LendoStuartMill.pdf>. Acesso em: 20 abr. 2012.

146
TÓPICO 2 | OS PENSADORES DA ECONOMIA: DOS CLÁSSICOS AOS CONTEMPORÂNEOS

LEITURA COMPLEMENTAR 2

O VALOR DO TRABALHO

Karl Marx

Devemos voltar agora à expressão “valor ou preço do trabalho”. Vimos que,


na realidade, esse valor nada mais é que o da força de trabalho, medido pelos
valores das mercadorias necessárias à sua manutenção. Mas, como o operário
só recebe o seu salário depois de realizar o seu trabalho e como, ademais, sabe
que o que entrega realmente ao capitalista é o seu trabalho, ele necessariamente
imagina que o valor ou preço de sua força de trabalho é o preço ou valor do seu
próprio trabalho.

Se o preço de sua força de trabalho é 3 xelins, nos quais se materializam


6 horas de trabalho, e ele trabalha 12 horas, forçosamente o operário considerará
esses 3 xelins como o valor ou preço de 12 horas de trabalho, se bem que estas 12
horas representem um valor de 6 xelins. Donde se chega a um duplo resultado:
Primeiro: O valor ou preço da força de trabalho toma a aparência do preço ou valor
do próprio trabalho, ainda que a rigor as expressões de valor e preço do trabalho
careçam de sentido. Segundo: Ainda que só se pague uma parte do trabalho diário
do operário, enquanto a outra parte fica sem remuneração, e ainda que esse trabalho
não remunerado ou sobretrabalho seja precisamente o fundo de que se forma a
mais-valia ou lucro, fica parecendo que todo o trabalho é trabalho pago.

Essa aparência enganadora distingue o trabalho assalariado das outras


formas históricas do trabalho. Dentro do sistema do assalariado, até o trabalho não
remunerado parece trabalho pago. Ao contrário, no trabalho dos escravos parece ser
trabalho não remunerado até a parte do trabalho que se paga. Claro está que, para
poder trabalhar, o escravo tem que viver, e uma parte de sua jornada de trabalho
serve para repor o valor de seu próprio sustento. Mas, como entre ele e seu senhor
não houve trato algum, nem se celebra entre eles nenhuma compra e venda, todo
o seu trabalho parece dado de graça.

Tomemos, por outro lado, o camponês servo, tal como existia, quase
diríamos ainda ontem mesmo, em todo o oriente da Europa. Este camponês, por
exemplo, trabalhava três dias para si, na sua própria terra, ou na que lhe havia
sido atribuída, e nos três dias seguintes realizava um trabalho compulsório e
gratuito na propriedade de seu senhor.

Como vemos aqui, as duas partes do trabalho, a paga e a não paga,


aparecem visivelmente separadas, no tempo e no espaço, e os nossos liberais
podem estourar de indignação moral ante a ideia disparatada de que se obrigue
um homem a trabalhar de graça. Mas, na realidade, tanto faz uma pessoa trabalhar
três dias na semana para si, na sua própria terra, e outros três dias de graça na
gleba do senhor, como trabalhar diariamente na fábrica, ou na oficina, 6 horas

147
UNIDADE 3 | TEORIAS POLÍTICAS E ECONÔMICAS CONTEMPORÂNEAS

para si e 6 horas para o seu patrão; ainda que nesse caso a parte do trabalho pago
e a do não remunerado apareçam inseparavelmente confundidas e o caráter de
toda a transação se disfarce por completo com a interferência de um contrato e o
pagamento recebido no fim da semana.

No primeiro caso, o trabalho não remunerado é visivelmente arrancado


pela força; no segundo, parece entregue voluntariamente. Eis a única diferença.
Sempre que eu empregue, portanto, a expressão “valor do trabalho”, empregá-la-ei
como termo popular, sinônimo de “valor de força de trabalho”.

FONTE: MARX, Karl. O valor do trabalho. In: O Capital. São Paulo. Editora Nova Cultural, 1996, p.
103-104 (grifos do autor). Disponível em: <www.pstu.org.br/biblioteca/marx_salario.rtf>. Acesso
em: 25 jul. 2012.

148
RESUMO DO TÓPICO 2

Neste tópico você viu que:

• O princípio fundamental da economia em Malthus é gerir o crescimento


demográfico a partir da capacidade de produção de alimentos. Segundo Malthus,
há uma incompatibilidade entre crescimento demográfico e desenvolvimento
econômico, pois a população cresce em progressão geométrica enquanto que a
produção de alimentos cresce em progressão aritmética.

• Os principais temas discutidos por David Ricardo são a política monetária, a


teoria do valor, a teoria dos lucros e o comércio internacional. Ricardo foi um
dos maiores defensores do liberalismo econômico nas transações comerciais
internacionais. Uma de suas maiores contribuições foi a Teoria das Vantagens
Comparativas.

• Ricardo também foi um dos pioneiros na discussão da Teoria do Valor. Para


Ricardo, a principal tarefa da Economia Política é pensar a distribuição do
produto gerado pelo trabalho.

• Stuart Mill foi um dos pensadores mais importantes da Economia. Segundo


Mill, o papel do governo na economia deve ser limitado, pois, na sua visão, há
leis naturais, universais e imutáveis de produção de riqueza.

• Para Marx, a sociedade capitalista é formada por dois personagens principais:


o trabalhador ou proletário e o capitalista ou patrão. O capitalista é o dono
dos meios de produção, dos equipamentos, maquinários, instalações etc. O
proletário é o trabalhador assalariado, que vende sua mão de obra. Portanto,
alguém desprovido dos meios de produção da riqueza.

• Marx formulou a teoria da “Mais-Valia” para explicar o processo de acumulação


capitalista.

• Keynes foi um dos economistas que mais estudou o problema do desemprego


e, por conseguinte, a escassez de poder de compra dos trabalhadores. Para
Keynes, a solução para o desemprego e recessão econômica estava na ação
interventora do Estado para regular a economia. O investimento em obras
públicas geraria empregos e renda para os trabalhadores, aumentaria o
consumo e estimularia os capitalistas a investir na ampliação da produção.

149
AUTOATIVIDADE

1 Com base nas interpretações do pensamento econômico de Thomas Malthus


e Karl Marx, complete as lacunas da sentença a seguir:

a) Para Malthus, há uma incompatibilidade entre a eliminação da pobreza


através do desenvolvimento econômico e a capacidade de produzir
alimentos, pois a _________ cresce em progressão geométrica, enquanto que
a produção de alimentos cresce em progressão ___________.
b) Para Malthus (1983), o principal responsável por sua condição de pobreza
é o próprio pobre. Mas havia uma forma de amenizar a pobreza, era a
realização de obras públicas. Mas a solução seria _________, uma vez que a
população cresceria e os níveis de vida logo declinariam.
c) Para Marx (1996), a única mercadoria no sistema capitalista que não recebe
seu devido valor é o trabalho. A exploração do trabalho do proletário,
através da _________, é a principal fonte da acumulação capitalista.
d) Para Marx, o capitalismo tem um princípio autodestrutivo. Inspirado na
dialética de Hegel, Marx assinalou que a concorrência entre os capitalistas e
a ______________ seriam os germes destruidores do edifício capitalista.

Agora, assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) taxa de desemprego – geométrica – definitiva – dialética - insurreição.
b) ( ) população – aritmética – temporária - mais-valia - luta de classes.
c) ( ) comunidade – matemática – mercadoria – opressão - revolução.
d) ( ) economia – estatística – relativa – concorrência - guerra.

2 Analise as sentenças sobre a Economia Clássica em Ricardo e Mill e o pensamento


de Keynes. Classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas.

I- Para David Ricardo (1982), a agricultura é a única fonte de valor. Somente


a produção agrícola seria capaz de amenizar o problema demográfico.
II- John Stuart Mill (1996) foi um dos filósofos que mais contribuiu para o
embasamento do pensamento econômico liberal, pois argumentava que o
governo deveria interferir o mínimo possível na economia.
III- Um dos principais problemas tratados na obra de Keynes é a Revolução
Comunista. Para Keynes (1996), somente a supressão do sistema capitalista
poderia resolver o problema do desemprego.
IV- Segundo Keynes (1996), não havia harmonia e equilíbrio no sistema
capitalista. As crises do nível de consumo eram reflexos da queda de
renda, da geração de emprego. Por isso, aconselhava a criação de empregos
através de obras públicas.

Agora, assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) F- V – V – F.
b) ( ) V – V – F –F.
c) ( ) F – V – F –V.
d) ( ) V – F – V – F.
150
UNIDADE 3
TÓPICO 3

O SOCIALISMO

1 INTRODUÇÃO
As ideias socialistas têm um profundo impacto nos movimentos sociais
que eclodem pelo mundo ocidental, tendo as divisão de classes e as profundas
desigualdades sociais como foco de seus questionamentos.

Foram as condições desiguais geradas pelo capitalismo que levantaram


polêmicas e longas discussões em torno das maneiras de eliminar as desigualdades
sociais. Os grupos diversos, que procuravam novas e igualitárias maneiras de
viver, surgiram a partir da segunda metade do século XIX, discutindo maneiras
de superar o capitalismo ou transformá-lo de maneira que todos pudessem viver
em condições dignas.

Mesmo com o progresso científico e tecnológico, os pensadores socialistas


acreditavam ser esse progresso o responsável por grande parte da exploração de
uns sobre outros, criando uma sociedade desigual e injusta. Muitos dos teóricos
que se dedicaram a essas análises se empenharam em criar instrumentos de
análise que apresentassem caminhos de transformação social, mediante o estudo
das contradições do capitalismo.

Havia, no século XIX, um forte embate entre os defensores do progresso


e razão como o caminho para a libertação humana e os que consideravam a
estrutura da sociedade capitalista assentada no progresso como injusta. De um
lado, o liberalismo ainda era uma forte corrente de pensamento e assegurada pela
burguesia defensora da liberdade humana e da propriedade privada; de outro
lado os socialistas denunciavam as contradições do capitalismo.

Nesse tópico, iremos estudar os principais pensadores da teoria socialista.


Como você acadêmico(a) poderá perceber, dividimos em Socialismo Científico
– desenvolvimento dos princípios básicos das ideias – e o Socialismo Real –
aplicado em revoluções e sistemas de governo já na primeira metade do século
XX e anarquismo – pregando a abolição total de poderes sobre os indivíduos.

151
UNIDADE 3 | TEORIAS POLÍTICAS E ECONÔMICAS CONTEMPORÂNEAS

2 O SOCIALISMO CIENTÍFICO
Os principais pensadores dos princípios básicos do socialismo foram Karl
Marx (1818 -1883) e Friedrich Engels (1820-1895). Foram ambos que se dedicaram
a formular ideias sobre as relações entre sociedade e natureza, relações sociais,
movimentos históricos e formas de organização da sociedade.

Foram esses pensadores que fundaram, com base em discussões filosóficas


e históricas, o materialismo dialético, com grande influência de Hegel (filósofo
alemão). Marx e Engels ocuparam-se de analisar múltiplas questões da sociedade
capitalista, com intuito de chamar atenção para os mecanismos de funcionamento
dessa e apontar as suas contradições.

Em 1848, Marx e Engels publicaram uma teoria que revolucionaria o


pensamento. Chamado O Manifesto Comunista, essa obra revolucionária aponta
o que nos anos seguintes seria chamado de Marxismo. Os pensadores escreveram
tendo como base os estudos dos socialistas utópicos, como Fourier e Sant-Simon,
que muito influenciaram revoltas em anos anteriores; e também com a influência
profunda da dialética de Hegel.

FIGURA 20 – KARL MARX

FONTE: Disponível em: <http://www.infed.org/walking/wa-marx.htm>. Acesso em: 16 nov.


2008.

Afirmavam, esses pensadores, que as estruturas econômicas eram a base


para toda a vida em sociedade. Também afirmavam que a evolução da história
acontecia por meio da luta de classes. Isto é, o conflito existente entre as classes
sociais é que seria o motor da história.

Citam Hunt e Sherman (1987, p. 93), em seu livro, um trecho do Manifesto


Comunista:

152
TÓPICO 3 | O SOCIALISMO

Na produção social de sua existência, os homens contraem


relações determinadas, necessárias, independentes de sua vontade,
relações de produção que correspondem a um grau determinado
de desenvolvimento das forças produtivas materiais, o conjunto
dessas estruturas de produção, constitui a estrutura econômica da
sociedade, a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura
jurídica e política, e à qual correspondem determinadas formas de
consciência social. [...] a transformação da base econômica altera, mais
ou menos rapidamente, toda imensa superestrutura. Ao considerar
tais alterações, é necessário sempre distinguir as alterações materiais
ocorridas nas condições econômicas de produção, e que podem ser
comprovadas com a exatidão que é própria das ciências naturais,
das formas jurídicas, políticas e religiosas, artísticas ou filosóficas,
em resumo, as formas ideológicas pelas quais os homens tomam
consciência desse conflito, levando-o às suas últimas consequências.

Deram uma ênfase muito grande na perspectiva histórica da economia,


demonstrando que toda evolução histórica e social começa pelas mudanças
econômicas. Sendo as classes sociais produto das relações econômicas da época,
a base da sociedade é a produção econômica. É sobre essa base econômica
que estaria uma superestrutura (ideias econômicas, sociais, políticas, morais,
filosóficas e artísticas). O que Marx propunha? Uma inversão da pirâmide social.
Entregando o poder àqueles que seriam a maioria – os proletários. Considerava,
assim, que a sociedade capitalista seria destruída e uma nova ordem poderia ser
erguida.

FIGURA 21 – FRIEDRICH ENGELS

FONTE: Disponível em: <http://www.galizacig.com>. Acesso em: 16 nov. 2008.

153
UNIDADE 3 | TEORIAS POLÍTICAS E ECONÔMICAS CONTEMPORÂNEAS

Na concepção do Materialismo, as forças políticas capazes de vencer e


transformar o capitalismo estavam no próprio sistema. Cabia aos proletários
transformar a sociedade, buscando igualdade. Para tanto, os movimentos
deveriam ser revolucionários e organizados no sentido de chegar a uma sociedade
que superaria as condições desiguais geradas pelo capitalismo: o socialismo ou
comunismo.

Seria nessa sociedade que as soluções de problemas seriam coletivos e


não mais individuais – como apregoava o liberalismo. O materialismo desloca
a perspectiva individualista para uma coletividade. Para tanto, a frase, bastante
conhecida, escrita em 1848 pelos teóricos foi: trabalhadores de mundo, uni-vos.

As ideias de Marx e Engels ganharam força na Europa do século XIX. Tanto


que em 1864 foi fundada a I Internacional Socialista, reunindo simpatizantes,
associações de operários, sindicalistas e muitos intelectuais que compactuavam
com o pensamento socialista. Dentro desses movimentos, as ideias socialistas
encontram força e apresentaram divergências debatidas nas quatro Internacionais
Socialistas que aconteceram, até a primeira metade do século XX.

Podemos resumir em duas tendências as ideias que divergiam nas


maneiras de colocar em prática as ideias socialistas:

l A social-democracia ou socialismo democrático – que defendia o caminho de


participação em parlamentos para afirmar reformas.
l O marxismo revolucionário – abrangia várias correntes de pensamento, mas
que convergiam em um ponto: acreditavam no caminho revolucionário para
chegar ao socialismo.
l Um dos conceitos muito importante desenvolvido por Marx foi o de Modo de
Produção. Escrevem Hunt e Sherman (1987, p. 92) sobre esse conceito:

O modo de produção compunha-se de dois elementos: 1) as forças


produtivas e 2) as relações de produção. As forças produtivas
englobavam as ferramentas, fábricas, equipamentos, o conjunto de
habilidades e conhecimentos adquiridos pela força de trabalho, os
recursos naturais e o nível tecnológico. As relações de produção
constituíam as relações sociais que os homens mantinham entre si.

Os pensadores socialistas identificam quatro sistemas econômicos, ou


modos de produção:

l Comunismo primitivo.
l Escravismo.
l Feudalismo.
l Capitalismo.

154
TÓPICO 3 | O SOCIALISMO

E
IMPORTANT

Para entender melhor os conceitos do Materialismo Histórico, em contraposição


com o positivismo, sugerimos o livro:
LÖWY, Michael. As aventuras de Kark Marx contra o Barão de Münchhausen: marxismo e
positivismo na sociologia do conhecimento. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2003.

3 O SOCIALISMO REAL
FIGURA 22 – MARCHA DOS SOLDADOS REVOLUCIONÁRIOS – 1917/MOSCOU

FONTE: Disponível em: <http://br.geocities.com/mcrost00/20040713a_comunismo.htm>.


Acesso em: 17 nov. 2008.

Falamos do início do século XX e a Rússia era ainda um sistema absolutista


concentrando o poder nas mãos do Czar. Os camponeses russos estavam sem as
tecnologias que outros países utilizavam na lavoura, bem como, submetidos a
altos impostos que sustentavam as regalias da nobreza do país.

Essa estrutura retrógrada era apoiada pela igreja ortodoxa, tendo os


burgueses russos desejando que as ideias liberais tomassem o governo além de
ser um país muito grande em extensões povoadas por diversas etnias (ucranianos,
georgianos, armenos, letões, dentre outros), que estavam submetidos a um
processo de controle cultural russo. Havia um processo de descontentamento
geral que tornava a Rússia uma realidade prestes a eclodir em muitas revoltas.

155
UNIDADE 3 | TEORIAS POLÍTICAS E ECONÔMICAS CONTEMPORÂNEAS

Esse estágio de descontentamento da população foi terreno fértil para


que as ideias marxistas fossem colocadas em prática. Já em 1895 é fundada a
União para a Libertação da ClasseTrabalhadora transformada depois em Partido
Operário Social-Democrata Russo.

Organização que ganha simpatizantes diante do caos social em que está o


país. Havia, nessa organização, os bolcheviques vinculados às defesas de Lênin
– acreditavam em uma revolução socialista; e os Mencheviques, opositores de
Lênin – acreditavam que as mudanças se dariam por lutas grevistas e busca de
melhorias econômicas. Outras lideranças também entraram para a história dos
movimentos sociais na Rússia. Podemos citar além de Lênin, Trosky, Mártov e
Plekhânov.

E
IMPORTANT

O significado dos dois lados do movimento pode ilustrar o grau de


descontentamento do povo russo com a situação política, econômica e social do seu país.
Bolcheviques = majoritários.
Mencheviques= minoritários.

Nos primeiros anos do século XX, a Rússia – então em guerra com Japão –
sente o estágio de descontentamento, após passar uma crise política que provoca
um movimento grandioso na cidade de São Petesburgo – sede do governo e
lugar onde morava o Czar Nicolau II. Os confrontos foram catastróficos e muitas
pessoas morreram. Esse confronto resultou em greves organizadas em todo o
país e, somado a isso, a tripulação de marinheiros do Encouraçado Potemkin
atraca nos portos para apoiar os grevistas contra seu próprio governo.

Já nesse estágio, os bolcheviques e mencheviques organizam os chamados


soviets – conselhos de operários – que demonstram clara oposição ao governo
czarista. Esse processo de oposição e confrontos exigia alterações na jornada de
trabalho, eleições e votos para escolha dos representantes.

A situação agrava-se mais quando a Rússia entra na Primeira Guerra


Mundial, com um exército despreparado, provocando muitas mortes e
contribuindo para piorar a situação econômica, ou seja, fábricas fechando,
aumento do desemprego, da fome e da miséria de sua população. No início de
1917, greves eclodem, mulheres vão às ruas pedindo “paz e pão”. Estudantes e
operários recebem o apoio dos soldados russos.

Em abril de 1917, Lênin publica as teses de abril, propondo mudanças na


postura do governo. Diz Lênin nesse documento:

156
TÓPICO 3 | O SOCIALISMO

O povo precisa de paz, o povo precisa de pão, o povo precisa de terras.


E eles lhe dão guerra, fome, nada de pão – deixam os proprietários controlando
a terra. Precisamos lutar pela revolução social, lutar até o fim, até a vitória
completa do proletariado.

FONTE: WILSON, Edmund. Rumo à Estação Finlândia. São Paulo: Cia das Letras, 1989.

Em outubro de 1917, tendo Lênin como líder, São Petesburgo é controlada


pelos revolucionários, que formam um governo provisório, controlado pelos
bolcheviques, que tomam as seguintes decisões imediatas:

l assinatura do Tratado de Brest-Litóski, declarando paz com a Alemanha;


l confisco das terras de nobres e da igreja ortodoxa, para entregá-las aos
camponeses;
l nacionalização das indústrias;
l racionalização de artigos de primeira necessidade;
l proibição do lucro;
l permissão para que os povos controlados pela Rússia tenham uma determinada
autonomia.

Esse processo interessa aqui, pois vamos pensar melhor as determinações


e defesas de dois dos principais líderes políticos pós-revolução de 1917: Lênin e
Stalin.

DICAS

Encouraçado Potemkin
(1974. Direção: Sergei Eisenstein)
O filme é considerado um marco na montagem cinematográfica.
Filmado em 1925 e feito sob encomenda para comemorar os vinte
anos da Revolução Russa, o filme parte de um fato histórico de 1905
- rebelião de marinheiros de navio de guerra - para criar uma obra
universal que fala contra a injustiça e sobre o poder coletivo que há
nas revoluções populares.

4 LENINISMO
Lênin, um marxista russo, publicou, em 1902, um livro intitulado
Chto dielat? (Que fazer?), dando as diretrizes daquele que seria o movimento
revolucionário que mudaria a história do seu país, bem como influenciaria os
movimentos de esquerda pelo mundo.

157
UNIDADE 3 | TEORIAS POLÍTICAS E ECONÔMICAS CONTEMPORÂNEAS

FIGURA 23 – VLADIMIR ILITCH ULIANOV, CONHECIDO COMO LÊNIN

FONTE: Disponível em: <http://www.meusestudos.com/system/fotos/lenin.jpg>. Acesso em: 17


nov. 2008.

Podemos apontar, como principais contribuições no aspecto teórico


e, sobretudo, prático, na implementação das mudanças políticas, econômicas
e sociais, que os russos esperavam, com a afirmação de Lênin, que as lutas
revolucionárias devessem ser apresentadas aos proletários. Distinguindo entre
movimentos operários e revolucionários, considerando que esses deveriam atuar
no meio do proletariado. Nas observações de Lênin, o movimento revolucionário
e os proletários estão em posição e localizações diferentes no mundo.

Essa é uma afirmação que ecoa em debates infinitos que causam diferenças
nas maneiras de conduzir o processo revolucionário na Rússia pós 1917. Porém,
foram as teses de Lênin que conduziram o país para o desejado socialismo.

Ao assumir o governo em 1917, Lênin aboliu a propriedade privada,


entregando as terras aos camponeses e o controle das indústrias aos seus operários.
Considerava, assim, que reergueria a produção e a economia russa. Sua política
foi denominada comunismo de guerra, pois assumia os seguintes preceitos:

• nacionalização de todos os meios de produção e transporte;


• abolição do dinheiro e sua substituição por símbolos de permuta e bens e
serviços gratuitos;
• imposição de um único plano para toda a economia nacional;
• introdução do trabalho compulsório.

Parte dos revolucionários discordavam de Lênin pela sua defesa em aplicar


medidas capitalistas que fortalecessem a economia russa como um primeiro passo
para a posterior implementação do regime socialista. Dentre as ações que tinham
caráter capitalista, podemos citar a entrada de capital estrangeiro e a iniciativa de
pequenas e médias empresas privadas.

158
TÓPICO 3 | O SOCIALISMO

Era o chamado NEP – Nova Política Econômica – um planejamento estatal


sobre a economia, que combinava elementos socialistas e capitalistas. Outro
exemplo desse misto de economias estava no campo. Os camponeses podiam
vender o excedente livremente nos mercados, assim como concedia o direito de
arrendar terras e contratar mão de obra.

Esse planejamento durou até 1928, quando a economia russa permitiu o


crescimento de setores fundamentais, ocasionando o crescimento da produção
industrial e agrícola.

Mesmo com o planejamento e metas específicas amplas, a presença do


governo na economia era forte. Ficavam sob o controle do Estado Russo, o sistema
bancário e as indústrias de base.

5 A ERA STALIN
FIGURA 24 – IOSSIF DJUGACHVILLI , CONHECIDO COMO STALIN

FONTE: Disponível em: <http://www.ibrp.org/files/2002-12-01-stalin.jpg>. Acesso em: 17 nov.


2008.

Em 1924, após a morte de Lênin, foi desencadeada, na URSS, a disputa


pelo poder entre Stalin, secretário-geral do Partido Comunista, e Trotski, um dos
líderes da revolução e comissário do partido. Distante de ser uma luta física, era
uma luta por concepções revolucionárias.

159
UNIDADE 3 | TEORIAS POLÍTICAS E ECONÔMICAS CONTEMPORÂNEAS

Trotski defendia que a revolução e suas ideias fossem estendidas para


outras partes do mundo, permitindo a continuidade da revolução socialista e
evitando, assim, que a União Soviética ficasse isolada num combate constante
contra países capitalistas. Defendia assim, o caráter internacional da revolução
ou, como dizia o próprio Trotski, uma revolução permanente. Noutro campo de
defesa estava Stalin, defendendo a consolidação do Socialismo na própria União
Soviética para, posteriormente, estender a outros países.

Em 1925, essa disputa encontrou o vitorioso. Trotski foi destituído do


cargo, expulso do partido e, posteriormente, deportado da URSS. Foi viver seu
exílio no México, local onde morreu em 1940.

Stalin assume o poder levando a URSS para a elevação de potência


mundial, tanto militar como econômica, mas nada foi comparado ao seu
centralismo excessivo e ao culto a um governante que é considerado sanguinário,
por perseguir seus adversários, bem como autoritário.

Seu governo altera o NEP, colocando em funcionamento os Planos


Quinquenais, estimulando indústrias de base e a coletivização da produção
agrícola. Esses planos, com duração de cinco anos, foram a base para a mudança
de cenário na economia do país. Depois de dois planos (1928-1932 / 1933-1937) a
URSS entra na Segunda Guerra Mundial e sua produção volta-se para a indústria
bélica.

O que marcou mesmo seu governo foram as atrocidades cometidas a partir


dos anos 30. Excesso de burocracia levou o governo a perder a originalidade da
causa revolucionária, executando adversários e centralizando o poder no Partido
Comunista, comandado por Stalin. Sobre este assunto, estudaremos em outro
tópico, com maior aprofundamento, considerando-se que se tornou um regime
totalitário.

FIGURA 25 – IMAGENS DE REBELIÃO POPULAR EM OPOSIÇÃO AO STALINISMO (1956)

FONTE: Disponível em: <http://ciml.250x.com/country/hungary/images/counterrevolution_


hungary_1956_60.jpg>. Acesso em: 29 out. 2018.

160
TÓPICO 3 | O SOCIALISMO

Gradativamente, uma parcela pequena da população acumulava riquezas


e concentrava poder econômico com a burocratização do Estado, as perseguições
políticas e o crescimento econômico. Stalin levou seu plano de governo burocrático
até 1953 e deixou um país com características totalitárias com membros do
governo, militares elitizados e uma economia forte, mas fechada.

E
IMPORTANT

Como você deve ter percebido, caro(a) acadêmico(a), o texto acima fala
da Rússia e, à medida que a período histórico avança, falamos de União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas (URSS). Por quê?
O que antes era chamado Rússia (formado por várias etnias) passa a ser rediscutida em
constituição de 1918, quando é chamada República Federativa Socialista. As dificuldades
internas do país impediram, na prática, a efetivação da República. Em 1922, surge uma nova
constituição e como ela o nome de União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS)
formada por Rússia, Ucrânia, Bielo-rússia e Transcaucásia. Mais tarde seriam anexados o
Uzbequistão, Turcomênia e Tadjiquistão.

6 ANARQUISTAS

FIGURA 25 – BAKUNIN E KROPOTKIN - PENSADORES ANARQUISTAS

FONTE: Disponível em: <http://memoriasyminutos.files.wordpress.com/2008/05/miguel-


bakunin.jpg>. Acesso em: 18 nov. 2008.

161
UNIDADE 3 | TEORIAS POLÍTICAS E ECONÔMICAS CONTEMPORÂNEAS

Os ideais anarquistas são contrários ao capitalismo, principalmente, pelo


fato de o sistema capitalista definir os caminhos do indivíduo, enquanto que os
libertários defendem que o ser humano é, por natureza, capaz de viver em paz
com seus semelhantes, independente dos sistemas governamentais que acabam
assumindo o que, espontaneamente, poderia ser solucionado entre as partes, sem
interferência nenhuma do Estado.

Os libertários foram forte oposição às ideias do marxismo nos debates das


Internacionais Socialistas, gerando uma divisão nos movimentos em defesa do
socialismo.

Para os anarquistas, a verdadeira luta deve ser sempre a favor da liberdade,


em que uma sociedade livre não estabeleça restrições à liberdade de escolhas
dos indivíduos (é deste pensamento que se origina a expressão libertários
para designar o movimento). Dizia Kropotkin (In. COSTA, 1990, p. 43), sobre
o socialismo anarquista: “de cada um segundo suas possibilidades, a cada um
segundo seus desejos”.

Sua principal luta é, portanto, contra o poder e controle de uns sobre


outros. Esses poderes podem ser assim enunciados:

• Ideológicos – pensamentos filosóficos, políticos e religiosos.


• Políticos – de Estado, partidos e burocracias governamentais.
• Sociais – de uma classe social sobre outra.
• Jurídicos – as determinações de leis sobre nossas vidas.

E
IMPORTANT

ANARQUISMO é, muitas vezes, sinônimo de bagunça, desordem. Parte desse


erro é da defesa anarquista que prega a abolição de qualquer tipo de governo formal.
A palavra anarquismo origina-se do sufixo archon=governante; e an=sem. Seu significado
seria então sem governo.
Para os anarquistas, o governo é totalmente desnecessário sendo, inclusive, nocivo às formas
de organização espontâneas.

Poderíamos pensar que uma sociedade anarquista seria desorganizada e


completamente impensada para vivermos em harmonia com os outros. Porém,
uma comunidade anarquista está assentada na autodisciplina e na cooperação
entre seus membros. O que não se tolera é a hierarquia entre os indivíduos.

Para os principais pensadores libertários, a sociedade, tal como a


concebemos, é uma ordem artificial e piramidal. As decisões são de cima para
baixo. Alguns comandam, outros trabalham. Na perspectiva desses pensadores,

162
TÓPICO 3 | O SOCIALISMO

a sociedade é um organismo vivo que deve funcionar como tal. Eis o motivo
porque os anarquistas abominam organizações partidárias, considerando que
esses burocratizam a organização social e atuam com poder de imposição sobre
a maioria.

Costa (1990, p. 54) diz sobre o assunto, parafraseando Kropotkin:

A ajuda mútua que nada mais foi do que a clássica formulação das
ideias comuns e quase todos os anarquistas de que a sociedade não
passa de um fenômeno natural existente antes da aparição do homem
que por sua vez e por sua natureza respeitaria as leis sem precisar de
regulamentos artificiais, onde as pessoas se solidarizariam ajudando-
se umas às outras.

Os anarquistas não se denominam uma doutrina, pois suas ideias são


dinâmicas e exigem um fluxo possível para que sempre mudem e permitam sua
discussão. Sendo doutrina, possui uma rigidez. Dessa sua defesa, poderíamos
analisar como um dos pontos frágeis das ideias libertárias.

Sua proposição é, portanto, de uma sociedade descentralizada, permitindo


que os relacionamentos entre seus membros definam os rumos coletivos. O
que deve ser assegurado é, sem discussões, a possibilidade de participação e
aprovação de todos os envolvidos no grupo.

O que colocaria fim ao capitalismo? Defendem que a liberdade e igualdade


só aconteceriam com o fim do capitalismo. Em concordância com os socialistas,
acreditavam que a propriedade privada é como um câncer que corroe qualquer
possibilidade de igualdade. Como exemplo, defende que a terra é um recurso
natural, portanto, deve estar disponível a todos para produzir, morar e viver
melhor.

O modo de produção capitalista causou a miséria e a exploração da


maioria, para o enriquecimento de poucos. O capitalismo, afirmam os libertários,
tem suas bases teóricas assentadas em necessidades de uma classe exploradora e
não serve para o bem de todos.

Dividir as propriedades privadas sem acabar com governos – essa é


uma das críticas que fazem aos marxistas – seria criar meios para que um grupo
privilegiado fosse mantido. Assim sendo, defendem que todas as formas de
governo privam os indivíduos de liberdade ao mesmo tempo em que privilegiam
uns poucos. Suas armas, para manter privilégios, vão desde força militar às leis,
passando por retóricas e discursos evasivos. Sobre as leis, são pontuais, servem
apenas para legitimar tiranias.

Utilizam como exemplos a atuação policial sobre movimentos grevistas.


Os grevistas são parte da população que pagam impostos para manter os órgãos
militares e judiciais. E, paradoxalmente, são esses que atuam na repressão contra
os trabalhadores, exigindo direitos.

163
UNIDADE 3 | TEORIAS POLÍTICAS E ECONÔMICAS CONTEMPORÂNEAS

Outros pontos são necessários de análise sobre as ideias anarquistas:


religião e educação. Sobre religião, dizem ser essa uma arma burguesa importante
para pacificar e apaziguar os trabalhadores diante da miséria e exploração.
Direcionar-se a Deus para pedir ajuda sem protestar contra aqueles que são os
responsáveis pela sua exploração: os patrões. O trabalhador ficaria à espera de
sua liberdade, quando fosse elevado aos céus. Já sobre escolas, ensinam em seus
currículos o que as instituições, que os sustentam, querem, ou seja, a obediência ao
seu país mesmo que para isso sejam explorados e espoliados de suas liberdades.

Portanto:

l eliminar o Estado;
l acabar com a propriedade privada;
l defender a autodisciplina e cooperação;
l dar direito de decisões a todos;
l mudar a dinâmica do currículo escolar;

Poderia pôr fim às explorações e subjugações de uns sobre outros.

DICAS

Para saber mais sobre história da educação


libertária e suas ideias, leia o seguinte livro:
GALLO, Silvio. Pedagogia do Risco. Editora Papirus.

FILME
“Liberdade” (1996) Direção Vicente Aranda.
Em meio a Revolução Espanhola, o grupo de mulheres,
chamado “Mulheres Livres”, está recrutando um batalhão
feminino para irem para Zaragoza, para o campo de batalha,
ajudar as tropas revolucionárias anarquistas. Entre as
guerrilheiras estão operárias, donas de casa, prostitutas e uma
freira.
Além de retratar o papel das mulheres na revolução, o diretor
Vicente Aranda mostra o descrédito na religião, representado
através do padre que adere à revolução.

164
RESUMO DO TÓPICO 3

A partir do estudo desse tópico, você viu que:

l Os pensadores socialistas acreditavam ser o progresso capitalista


o responsável
por grande parte da exploração de uns sobre outros, criando uma sociedade
desigual e injusta.

l Dividimos o pensamento socialista em socialismo científico – Marx e Engels;


socialismo real – Lênin e Stalin e anarquismo.

l Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895) foram os pensadores


que fundaram, com base em discussões filosóficas e históricas, o materialismo
dialético.

l O desenvolvimento das ideias de Marx e Engels se deu com a Revolução Russa


(1917).

l O Leninismo assume o governo russo em 1917 e promove mudanças como:


nacionalização de todos os meios de produção e transporte, abolição do
dinheiro e sua substituição por símbolos de permuta e bens e serviços gratuitos,
imposição de um único plano para toda a economia nacional, introdução do
trabalho compulsório.

l Em 1925, Stalin assume o poder, levando a URSS para a elevação de potência


mundial, tanto militar como econômica. Contudo, nada foi comparado ao seu
centralismo excessivo e o culto a um governante que é considerado sanguinário
por perseguir seus adversários, bem como autoritário.

l Os anarquistas defendem que a verdadeira luta deve ser sempre a favor


da liberdade e uma sociedade livre não estabelece restrições à liberdade de
escolhas dos indivíduos (originando a expressão libertários, para designar o
movimento). Sua principal luta é, portanto, contra o poder e controle de uns
sobre outros.

165
AUTOATIVIDADE

Para Marx e Engels, as sociedades estão baseadas em contradições. Isso


se denomina materialismo dialético, com grande influência de Hegel (filósofo
alemão). Qual o papel dos trabalhadores nesse processo?

166
UNIDADE 3
TÓPICO 4

REGIMES TOTALITÁRIOS

1 INTRODUÇÃO
FIGURA 26 – DISCURSO NAZISTA DO LÍDER ADOLF HITLER

FONTE: Disponível em: <http://www.mythinglinks.org/Hitler>. Acesso em: 19 nov. 2008.

O período denominado entreguerras vai do final da Primeira Guerra


Mundial (1918) até 1939, quando inicia a Segunda Guerra Mundial. Esse momento
da história é demarcado econômica e politicamente por profundas crises.

O panorama histórico construído durante o século XIX, em que países da


Europa distribuíam os territórios mundiais nos quais exerciam seu controle, foi
destruído após a Primeira Guerra. As potências europeias perderam sua influência
política e, com isso, novas potências mundiais surgiram: Estados Unidos, que
saíram da guerra com força política e com seu território intacto; e União Soviética,
já vivenciando as mudanças que sua revolução de 1917 estabeleceu.

O sistema capitalista também passa por uma crise que teve início em 1929
(o chamado Crack da Bolsa nos EUA), que afetou a economia do mundo inteiro
e provocou a falência de grandes empresas, bancos e indústrias, causando uma
queda na produção de alimentos. Situação que acarretou desempregos, protestos
e aumento dos problemas sociais.

167
UNIDADE 3 | TEORIAS POLÍTICAS E ECONÔMICAS CONTEMPORÂNEAS

Após essa crise, o capitalismo mundial sofre remodelações que dão força
ao Estado – contrariando inclusive os preceitos liberais – nas definições dos rumos
da economia. Essa crise econômica mundial provoca, é claro, mudanças nos
rumos políticos do mundo e gera uma instabilidade. Nesse contexto complicado
para a economia e política, surgem sentimentos de nacionalismo e cuidados com
os interesses de cada país, com animosidades que provocam o fortalecimento de
ideias e movimentos totalitários começando pela Europa.

2 FASCISMO
FIGURA 27 – MUSSOLINI ( ESQ.) AO LADO DE HITLER

FONTE: Disponível em: <http://saravejar.blogspot.com>. Acesso em: 19 set. 2008.

Como muitos países europeus, a Itália estava destroçada. As suas


indústrias e produção agrícola estavam estagnadas pela inflação e desvalorização
da moeda. Muitas regiões acumulavam resíduos e mortos.

A Itália estava econômica e socialmente destruída, com uma dívida


externa, diante de outros países vizinhos que saíram fortificados após a guerra.
Esse quadro desanimador fortaleceu ideologias nacionalistas e conservadoras.
Ideias essas já em organização desde a formação dos Estados Nacionais, no século
XIX.

168
TÓPICO 4 | REGIMES TOTALITÁRIOS

Internamente, a Itália sofria com revoltas de agricultores e greves de


trabalhadores urbanos. Essa situação caótica somava-se à força política de
partidos de esquerda que ampliavam os movimentos populares, provocando
reações burguesas e de setores de extrema direita italiana. De um lado, os
movimentos populares; de outro os conservadores desacreditavam na capacidade
dos governantes para resolver essa instabilidade presente.

Nesse contexto histórico, o Fascismo cresce e recebe o apoio dos burgueses


e conservadores o que permite que, em 1919, essa organização tenha força e
capacidade suficiente para enfrentar a insurgência das esquerdas. Sob a liderança
de Benito Mussolini, o movimento reúne em torno de si muitos segmentos
descontentes com sua situação de miséria, além da classe média italiana.

O movimento Fascista apresenta-se como uma alternativa contra o avanço


comunista tal como ocorrera na Rússia. Em 1921, Mussolini funda o Partido
Nacional Fascista. O apoio a Mussolini cresce e repercute em protestos nas ruas e
enfrentamentos entre Fascistas e movimentos populares, o que enfraquece ainda
mais o governo italiano que não consegue pôr fim aos conflitos e estabelecer a
ordem.

O ano de 1922 foi um marco político, quando Fascistas organizam uma


marcha sobre Roma, exigindo postura firme do governo de Emanuel II. O
temor do governo diante do movimento levou o rei a empossar Mussolini como
primeiro-ministro. Diante de importante cargo, Mussolini compôs um governo
com ampla participação (inclusive liberais), ao mesmo tempo em que reforça o
movimento nacionalista e amplia a ação dos chamados camisas negras (milícia
defensora das ideias de uma elite italiana) que perseguiram e mataram opositores
a Mussolini.

Em 1925, Mussolini assume seu caráter ditatorial quando institui a Lei de


Excessão, o que dá mais força e poder a ele próprio. Jornais e partidos políticos
de oposição foram fechados, seus opositores – os que não foram mortos – foram
deportados ( Antonio Gramsci, conhecido teórico marxista, foi vítima dessa
violência).

Os poderes do legislativo foram reduzidos, as liberdades dos italianos


foram restringidas e as propagandas de seu partido enunciavam Mussolini como
o único caminho para a destroçada Itália. As escolas implantaram currículos que
formavam novos seguidores fascistas e o conhecido lema voltado para os jovens
era acredite, obedeça e lute.

O Estado Fascista é caracterizado como totalitário pelo personalismo e


autoritarismo reforçado por leis impostas e também pelas resoluções tomadas
diante dos outros poderes: Mussolini dissolveu a Câmara dos Deputados e
a substituiu pela Câmara dos Fáscios e Corporações; suspendeu as liberdades
individuais, a imprensa foi duramente censurada e criou uma polícia repressora.
Portanto, o caráter totalitário apresenta-se pelo controle social sobre todos os
segmentos italianos.
169
UNIDADE 3 | TEORIAS POLÍTICAS E ECONÔMICAS CONTEMPORÂNEAS

No plano econômico, o Estado Fascista estimulou a indústria nacional e a


produção agrícola. Criou um banco eminentemente Italiano e assumiu o controle
total da economia do país, causando intervenções em todas as decisões do
mercado financeiro e definindo prioridades. Em relação aos direitos trabalhistas,
Mussolini estimulou as corporações de trabalhadores e empresários, colocando o
Estado como o responsável direto pelas decisões diante de conflitos.

Impossível deixar de destacar o personalismo do governo Fascista que fez


da propaganda uma arma política, conquistando inclusive apoio dos italianos para
atrocidades cometidas em nome do expansionismo contra países africanos, por
exemplo. Mussolini ainda firma o pacto com Hitler (ditador alemão) e envolve-se
em conflitos de outros países europeus, como a Guerra Civil Espanhola, em apoio
às tropas de Franco, para a tomada do poder nesse país.

DICAS

Filme 1900 (1976, Direção Bernardo Bertolucci)


O filme faz uma retrospectiva histórica da Itália, desde o início
do século XX até o término da Segunda Guerra Mundial,
com base na vida de Olmo, filho bastardo de camponeses, e
Alfredo, herdeiro de uma rica família de latifundiários. Apesar
da amizade desde a infância, a origem social fala mais alto e
os coloca em polos políticos e ideologicamente antagônicos.
Através da vida de Olmo e Alfredo, o filme retrata o intenso
cenário político que marcou a Itália e o mundo nas primeiras
décadas daquele século, representado pelo fortalecimento
das lutas trabalhistas, ligadas ao socialismo, em oposição à
ascensão do fascismo.

170
TÓPICO 4 | REGIMES TOTALITÁRIOS

3 NAZISMO
FIGURA 28 – MORTOS PELOS NAZISTAS ENTERRADOS EM COVAS COLETIVAS

FONTE: Disponível em: <http://www.internext.com.br/valois/pena/nazismo.jpg>. Acesso em: 20


nov. 2008.

A grande derrota, após a I Guerra Mundial, deixou uma Alemanha


destroçada economicamente. Os problemas políticos e sociais internos –
proclamação da república (1918) e recessão econômica – somados às imposições
dos países vencedores na guerra – mediante o Tratado de Versalhes em 1919 –
impunham restrições ao seu povo.

Diante da intensificação dos conflitos sociais, o cenário político alemão


permitia o crescimento de ideias muito diversas e antagônicas. De um lado, surge
o Partido Comunista Alemão, sob a liderança de Rosa de Luxemburgo; de outro
os grupos ultranacionalistas originam partidos novos, dentre esses o Partido
Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães (Partido Nazista), liderado por
um ex-cabo, chamado Adolf Hitler.

O governo social-democrata – que assumiu em 1918 – não conseguiu


resolver os problemas sociais e econômicos do país. A produção industrial e
agrícola parada, índices de desemprego altíssimo (eram aproximadamente 6
milhões), desvalorização da moeda alemã, fome e miséria alimentavam oposições
ao governo diante do contexto de instabilidade.

Internamente, a Alemanha sofre adversidades políticas e econômicas.


No plano mundial, a Crise de 1929 reflete duramente na economia do país,
estagnando a produção, acentuando ainda mais o desemprego e elevando os
índices inflacionários. Nesse caos, o Partido Nazista conseguiu a simpatia de
grande parte da população e, em 1932, conquistava a vitória nas eleições, elevando
Hitler a chefe de governo.

171
UNIDADE 3 | TEORIAS POLÍTICAS E ECONÔMICAS CONTEMPORÂNEAS

No poder, Hitler compõe um governo com maioria de direita, aprova


leis que permitem sua atuação, sem satisfações ao parlamento. Em 1934, morre
Hindenburg (presidente alemão), e Hitler assume o governo, concentrando todo
o poder em suas mãos. Iniciou a formação do III Reich – parlamento e partidos
políticos são fechados, mantém o controle completo da economia, formam polícias
repressoras (Gestapo, SS, SA), implanta a obrigatoriedade do trabalho em alguns
setores e aprova leis raciais que consideram diferenças entre raças superiores e
inferiores.

Cabe ressaltar a importância do Ministério da Educação do Povo e da


Propaganda, dirigido por Joseph Goebbles – autor da celebre frase: “uma imagem
vale mais do que mil palavras”. Esse órgão era responsável por controlar os
meios de comunicação, escolas e universidades e de produzir discursos, hinos,
símbolos, saudações e palavras de ordem nazista. A capacidade de manipular
e definir os movimentos do povo foram decisivos para a ascensão nazista. O
documentário O Triunfo da Vontade (1934), indicado a seguir, é uma mostra do
seu poder de persuasão.

A propaganda nazista – além de exaltar seu líder Adolf Hitler e as


ideias nazistas – fazia apologia ao racismo, determinando a superioridade
ariana, atacando os comunistas e afirmando um radical nacionalismo alemão.
Essa propaganda era direcionada principalmente para o jovem como aposta de
continuidade das ideias nazistas.

Principais características do Estado Totalitário Nazista:

• Defender uma raça superior ariana – considerando ser essa a única na história
que havia contribuído para o progresso da humanidade.
• Dissolver partidos políticos – menos o Partido Nazista.
• Reforçar a indústria bélica, instituindo o serviço militar obrigatório.
• Reivindicar regiões perdidas na I Guerra Mundial e habitadas por alemães,
como na Polônia e Áustria – um dos fatores que desencadeou a II Guerra
Mundial.
• Além de perseguir minorias raciais, também combateu socialistas, comunistas
e liberais.
• Promover propagandas que incitavam o ódio aos judeus e seus descendentes,
negros, ciganos, mestiços, deficientes físicos e mentais.
• Promover uma economia direcionada para a indústria bélica, estimulando a
produção agrícola. Essa dinâmica diminuiu o desemprego, conquistando os
alemães para a causa nazista.

No mundo contemporâneo crescem os adeptos dos ideais nazistas,


através dos grupos neonazistas, a partir da década de 80 do século XX. Esses
grupos organizaram-se contra os imigrantes vindos de outras partes do mundo
para trabalhar em países europeus, considerando serem eles os responsáveis pelo
crescente desemprego e recessão que o continente europeu estava passando.

172
TÓPICO 4 | REGIMES TOTALITÁRIOS

Esses movimentos, profundamente conservadores, retornam aos ideais


nazistas de raça pura e nacionalista. Sua atuação é violenta tendo, em alguns
parlamentos europeus, voz e voto (na França – Frente Nacional; na Itália –
somando-se ao Movimento Social Fascista). Países como Alemanha, Áustria,
França e Itália encontram adeptos, principalmente entre jovens.

No Brasil, o movimento tem atuação com os chamados ‘carecas’, ou


skinheads, sobretudo, em grande centros urbanos. Sempre usando de violência,
atacam as comunidades judaicas e nordestinas, com o mesmo argumento do
movimento europeu, ou seja, consideram que esses ocupam seus empregos e
promovem a desordem social nas grandes cidades.

DICAS

173
RESUMO DO TÓPICO 4

Com o estudo desse tópico, você viu que:

• O período denominado entreguerras vai do final da Primeira Guerra Mundial


(1918) até 1939, quando inicia a Segunda Guerra Mundial. Esse momento da
história é demarcado econômica e politicamente por profundas crises.

• A Itália sofre as adversidades mundiais e encontra no Fascismo uma alternativa.


O Estado Fascista é caracterizado como totalitário, pelo personalismo e
autoritarismo reforçado por leis impostas e também pelas resoluções tomadas
diante dos outros poderes: Mussolini dissolveu a Câmara dos Deputados e a
substituiu pela Câmara dos Fáscios e Corporações; suspendeu as liberdades
individuais, a imprensa foi duramente censurada e criou uma polícia repressora.
Portanto, o caráter totalitário apresenta-se pelo controle social sobre todos os
segmentos italianos.

• O mesmo contexto repete-se na Alemanha pós-guerra. No poder, Hitler compõe


um governo com maioria de direita, aprova leis que permitem sua atuação sem
satisfações ao parlamento. Em 1934, com a morte de Hindenburg (presidente
alemão), Hitler assume o governo, concentrando todo o poder em suas mãos.
Iniciou a formação do III Reich – parlamento e partidos políticos são fechados,
mantém-se o controle completo da economia, formam-se polícias repressoras
(Gestapo, SS,SA), implanta-se a obrigatoriedade do trabalho em alguns setores
e aprova-se leis raciais que fazem diferenças entre raças superiores e inferiores.

• No mundo contemporâneo, crescem os adeptos dos ideais nazistas, com os


grupos neonazistas a partir da década de 80, do século XX. Esses grupos se
organizaram contra os imigrantes vindos de outras partes do mundo, para
trabalhar em países europeus, considerando serem eles os responsáveis pelo
crescente desemprego e recessão que o continente europeu passava.

174
AUTOATIVIDADE

O que caracteriza um regime totalitário? Ilustre a sua opinião, dando


exemplos de outros regimes que aconteceram no mundo, no contexto do
século XX.

175
176
UNIDADE 3
TÓPICO 5

POLÍTICA E ECONOMIA NA HISTÓRIA RECENTE

1 INTRODUÇÃO
FIGURA 29 – CENA CONTROVERSA EM UM MUNDO GLOBALIZADO

FONTE: Disponível em: <http://www.naincerteza.com/wp-uploads/cavalo-globalizacao.jpg>.


Acesso em: 24 nov. 2008.

Falamos e contribuímos com conversas e debates sobre uma nova ordem


na economia e política mundial. O que muitos chamam de uma nova revolução
tecnológica caracteriza o movimento de globalização da economia, apresentando-
se como um caminho sem volta, que direciona e organiza a vida social no mundo.

Dentre as maneiras de discursar sobre um mesmo fenômeno, chama-


se de aldeia global o que seria a internacionalização do capitalismo. O Modo
de Produção Capitalista já se apresentava universal quando tomou o lugar da
sociedade feudal, visto que os discursos do capitalismo emergente apontavam
uma sociedade igualitária baseada na razão, ou seja, o que hoje presenciamos
parece ser uma remodelação capitalista com vistas a se tornar hegemônico.

Podemos apontar esse movimento, chamado de globalização pela mídia,


como uma nova etapa de acúmulo de capital, via especulação no mercado
financeiro. Para tanto, a produção automatizada, a dinamização do processo de
comunicação, permitindo a troca de informações no mercado financeiro, definem
o interesse primeiro dos capitalistas em se utilizar da revolução tecnológica
para que as trocas de papéis determinem outra maneira de comércio: troca de
informações e controle do mercado, sem movimento de moeda ou mercadorias.

177
UNIDADE 3 | TEORIAS POLÍTICAS E ECONÔMICAS CONTEMPORÂNEAS

Outro fator importante a destacar, nesse movimento de


internacionalização da economia, é o predomínio das ideias liberais. Ou melhor
dizendo, a perspectiva política desenhada num mundo que nos aproxima dos
iluministas, como defensores de uma sociedade sem conflitos, baseada na razão
e no progresso. Poderíamos dizer que cresce em simpatizantes essas ideias a
partir da crise do socialismo e as necessidade que os capitalistas encontram
para reorganizar o mercado e, consecutivamente, seus lucros e manutenção do
status.

Muitos discursos, diferentes maneiras de dizer. Nessa unidade iremos


falar sob dois pontos de vista da internacionalização da economia e da política: o
neoliberalismo e a globalização.

2 NEOLIBERALISMO
O que chamamos de neoliberalismo aqui é o retorno a alguns princípios
liberais do século XIX.

E
IMPORTANT

Neo – novo
Liberalismo – ideologia que justifica e defende os princípios do capitalismo, baseado na
propriedade privada.

O chamado neoliberalismo assume uma prática política e econômica


baseada em pensadores que defendem a retirada da ação governamental da
economia. Seu principal argumento estava centrado no aumento do deficit
público, taxas inflacionárias e balanças comerciais prejudicadas, após a década
de 70, com a crise instalada devido à falta de petróleo no mundo. Dentre estes, os
principais seriam Milton Friedman, dos EUA, e Friedrich August von Hayek, da
Grã Bretanha.

Diz Comblin (1999, p. 10) sobre essa nova ordem:

No primeiro mundo, a ideologia neoliberal prefere o nome


‘globalização’ ou ‘mundialização’. Na América Latina, ela se
apresentou como ‘ajuste’ ou ‘reajuste’, porque, na sua convicção, se
tratava de reerguer uma economia destroçada pela fase anterior, a fase
de substituição das importações.

178
TÓPICO 5 | POLÍTICA E ECONOMIA NA HISTÓRIA RECENTE

Os principais países capitalistas ocupam-se, portanto, em manter a ordem


política e econômica, deixando o mercado sob responsabilidade de grandes
conglomerados privados. Os Estados capitalistas começam um grande processo
de privatização de atividade antes consideradas prioritárias, como: educação e
saúde. E, claro, isolar aqueles prejudicados por essas ações: “A política neoliberal
tende a destruir todos os ‘coletivos’ que servem para defender os indivíduos. A
meta é deixar o indivíduo isolado no mercado, entregue as forças do mercado,
sem possibilidade de resistência”. (COMBLIN,1999, p. 21).

A defesa está em uma política econômica que não possua limitadores


impostos pelos Estados. Um dos principais defensores dessa perspectiva é Hayer.
Esse pensador econômico é taxativo quando se trata de manter um Estado que
atenda os interesses de atenção aos indivíduos. Afirma, em seus escritos, que a
desigualdade social é positiva para manter o desenvolvimento econômico, assim
como, defende que um mundo desigual é fundamental para que a sociedade se
beneficie com a concentração de riqueza e prosperidade. Eis uma das principais
defesas neoliberal: Estado Mínimo. Comblin (1999, p. 22) diz que na prática, o
que acontece é a privatização dos lucros e a coletivização das perdas.

A prática neoliberal ocupa-se de promover uma aceitação diante do que


seria inevitável ou inadiável. Falou-se, em décadas atrás, no fim da história e
na irredutibilidade da nova ordem. Comblin (1999, p. 155) diz que: “Criou-se,
na opinião pública, a ideia de que o capitalismo e a democracia são uma coisa
só. Os capitalistas aparecem como os maiores defensores da democracia e os
esquerdistas devem sempre defender-se como se fossem suspeitos de carecer de
fervor na defesa da democracia”.

Essa dinâmica econômica e política afetam, sobretudo, as questões sociais.


O Estado, retirando-se, ou melhor, descomprometendo-se com políticas sociais,
causa grandes problemas mundiais, como: fome, violência e desigualdades
sociais.

Esse processo teve seu início no final da década de 70 e ampliou sua ação
nas décadas de 80 e 90. Observemos que, a partir dessa década, muitos fatores
sociais eclodem pelo mundo, considerando que, para o neoliberalismo, a moeda
só estabilizará se os gastos com políticas sociais forem contidas. Os investimentos
com saúde, educação, moradia e outra necessidades básicas devem ser
segurados, além de considerar que certa quantidade de desempregados é parte
natural do processo de reajuste do capitalismo. Lembrando-nos sempre de que a
concentração de riquezas é que garante o acúmulo de capital e os desempregados
são necessários para que a economia neoliberal esteja equilibrada.

Ou melhor dizendo, o que se apresenta como cordeiro pode ser o lobo,
pois “a teoria liberal apresenta-se como globalização. Este conceito serve para
esconder o que acontece na realidade. A globalização fornece justificativa da
dominação econômica dos Estados Unidos”. (COMBLIN, 1999, p. 19)

179
UNIDADE 3 | TEORIAS POLÍTICAS E ECONÔMICAS CONTEMPORÂNEAS

DICAS

FILME
O Corte (2005. Direção Costa-Gravas)
Após quinze anos de leais serviços como executivos de uma fábrica
de papel, Bruno D. é despedido com centenas dos seus colegas
devido a corte de despesas.Três anos se passam sem que ele
encontre um novo emprego. Agora ele está disposto a tudo para
conseguir um novo posto, inclusive a partir para a ofensiva.

3 GLOBALIZAÇÃO
FIGURA 30 – MARCAS DE UMA ALDEIA GLOBAL: EXCLUSÃO SOCIAL

FONTE: Disponível em: <http://farm1.static.flickr.com/44/159244608_26361b7871.jpg>. Acesso


em: 25 nov. 2008.

Nas últimas décadas do século XX, as mudanças na ordem econômica e


política do mundo têm, como argumento principal, a integração dos mercados
mundiais e as grandes empresas como as protagonistas nesse movimento
denominado pelo capitalismo de globalização.

A perspectiva de que todos os países abram suas fronteiras e permitam a


livre circulação de mercadorias é parte de um discurso que serve, em sua maior
parte, para o fortalecimento de adversidades e, sobretudo, desigualdades.

Define assim Ianni (1995, p. 13-14) essa sociedade global:

180
TÓPICO 5 | POLÍTICA E ECONOMIA NA HISTÓRIA RECENTE

Ocorre que o globo não é mais exclusivamente um conglomerado


de nações, sociedades nacionais, estado-nação, em suas relações
de interdependência, dependência, colonialismo, imperialismo,
bilateralismo. Ao mesmo tempo, o centro do mundo não é mais
voltado só ao indivíduo, tomado singular e coletivamente como povo,
classe, grupo, minoria, maioria, opinião pública. Ainda que a nação e
o indivíduo continuem a ser muito reais, inquestionáveis e presentes
todo o tempo, em todo lugar, povoando a reflexão e a imaginação,
ainda assim já não são ‘hegemônicos’. Foram subsumidos, real e
formalmente pela sociedade global.

Contudo, o que esperar da globalização?

Pensemos que, sob o ponto de vista da globalização, há um processo


de internacionalização da dinâmica capitalista, considerando-se que existe a
perspectiva de desaparecimento das fronteiras, ou seja, a dinâmica do mercado
capitalista estaria livre para atuar sem a preocupação com os limitadores impostos
por alguns países.

Outra questão que podemos apontar é a homogeneização das práticas


culturais. Como podemos observar na prática de jovens contemporâneos que
consomem os mesmos produtos em diferentes recantos do mundo. Um modelo
de calça é usado pelo jovem norte-americano, desejado pelo jovem da periferia
brasileira ou comprado como moda recente por um jovem indiano. Há assim, um
desdobramento que está além dos limites de definições políticas ou econômicas,
mas que afeta os costumes dos povos via interferência da mídia no seu dia a dia.

Afirma Ianni (1995, p. 16):

Aldeia global sugere que, afinal, formou-se a comunidade mundial,


concretizada com as realizações e as possibilidades de comunicação,
informação e fabulação abertas pela eletrônica. [...] em pouco tempo, as
províncias, nações e regiões, bem como as culturas e civilizações, são
atravessadas e articuladas pelo sistema de informação, comunicação e
fabulação agilizados pela eletrônica.

Consideremos mais um aspecto no processo de globalização dos costumes,


política ou economia: há certa fragilidade no processo democrático tão propalado
pelos liberais (ou neoliberais, como vimos acima), considerando-se que os
indivíduos estão alijados do processo de decisões em seus países. As definições
estão aquém dos desejos, quando o indivíduo vota em seus representantes.
Vota-se, mas não há o controle sobre entrar ou não no processo de globalização
econômica. Vota-se, mas não há uma intervenção sobre os rumos econômicos que
o país deve tomar diante das decisões mundiais. Podemos falar de democracia em
países ocidentalizados em costumes e práticas econômicas? Podemos dizer que
temos países libertos economicamente, quando o mercado econômico mundial
atua livremente nas decisões internas dos países?

181
UNIDADE 3 | TEORIAS POLÍTICAS E ECONÔMICAS CONTEMPORÂNEAS

Ianni (1995, p. 75) contribui ao dizer que:

Desde que a civilização ocidental passou a predominar nos quatro


cantos do mundo, a ideia de modernização passou a ser o emblema
do desenvolvimento, crescimento, evolução ou progresso. As mais
diversas formas de sociedade, compreendendo tribos e nações, culturas
e civilizações, passaram a ser influenciadas ou desafiadas pelos
padrões e valores sócio culturais característicos da ocidentalidade.

Todo o processo globalizador de nosso comportamento faz com que as


fronteiras espaciais sejam revistas e questionadas. Podemos estar na sala de nossa
casa e acessar as informações do mundo inteiro. Fazermos transações comerciais
ou transferências de dinheiro. Vivemos em um constante shopping? Parece que o
mundo é menor.

Assim conclui Ianni (1995, p. 47)

Na base da internacionalização do capital estão a formação, o


desenvolvimento e a diversificação do que se denomina ‘fábrica
global’. O mundo transformou-se na prática em uma imensa e
complexa fábrica, que se desenvolve conjugadamente com o que se
pode denominar ‘shopping Center global’.

182
TÓPICO 5 | POLÍTICA E ECONOMIA NA HISTÓRIA RECENTE

LEITURA COMPLEMENTAR

PARTE 2 - PROLETÁRIOS E COMUNISTAS

Karl Marx
Friedrich Engels

Qual a posição dos comunistas diante dos proletários em geral? Os


comunistas não formam um partido à parte, oposto aos outros partidos operários.
Não têm interesses que os separem do proletariado em geral. Não proclamam
princípios particulares, segundo os quais pretenderiam modelar o movimento
operário. Os comunistas só se distinguem dos outros partidos operários em dois
pontos:

1) Nas diversas lutas nacionais dos proletários, destacam e fazem prevalecer os


interesses comuns do proletariado, independentemente da nacionalidade.
2) Nas diferentes fases por que passa a luta entre proletários e burgueses,
representam, sempre e em toda parte, os interesses do movimento em seu
conjunto.

Praticamente, os comunistas constituem, pois, a fração mais resoluta dos


partidos operários de cada país, a fração que impulsiona as demais; teoricamente
tem sobre o resto do proletariado a vantagem de uma compreensão nítida
das condições, da marcha e dos resultados gerais do movimento proletário. O
objetivo imediato dos comunistas é o mesmo que o de todos os demais partidos
proletários: constituição dos proletários em classe, derrubada da supremacia
burguesa, conquista do poder político pelo proletariado.

As concepções teóricas dos comunistas não se baseiam, de modo


algum, em ideias ou princípios inventados ou descobertos por este ou aquele
reformador do mundo. São apenas a expressão geral das condições reais de uma
luta de classes existente, de um movimento histórico que se desenvolve sob os
nossos olhos. A abolição das relações de propriedade que têm existido até hoje
não é uma característica peculiar exclusiva do comunismo. Todas as relações
de propriedade têm passado por modificações constantes em consequência das
contínuas transformações das condições históricas.

A Revolução Francesa, por exemplo, aboliu a propriedade feudal em


proveito da propriedade burguesa. O que caracteriza o comunismo não é a
abolição da propriedade geral, mas a abolição da propriedade burguesa. Ora,
a propriedade privada atual, a propriedade burguesa, é a última e mais perfeita
expressão do modo de produção e de apropriação baseado nos antagonismos de
classes, na exploração de uns pelos outros. Neste sentido, os comunistas podem
resumir sua teoria nesta fórmula única: a abolição da propriedade privada.
Censuram-nos, a nós comunistas, o querer abolir a propriedade pessoalmente
adquirida, fruto do trabalho do indivíduo, propriedade que se declara ser

183
UNIDADE 3 | TEORIAS POLÍTICAS E ECONÔMICAS CONTEMPORÂNEAS

base de toda liberdade, de toda atividade, de toda independência individual.


A propriedade pessoal, fruto do trabalho e do mérito! Pretende-se falar da
propriedade do pequeno burguês, do pequeno camponês, forma de propriedade
anterior à propriedade burguesa? Não precisamos aboli-la, porque o progresso da
indústria já a aboliu e continua a aboli-la diariamente. Ou por ventura pretende-se
falar da propriedade privada atual, da propriedade burguesa? Mas, o trabalho do
proletário, o trabalho assalariado cria propriedade para o proletário? De nenhum
modo. Cria o capital, isto é, a propriedade que explora o trabalho assalariado e
que só pode aumentar sob a condição de produzir novo trabalho assalariado, a
fim de explorá-lo novamente. Em sua forma atual, a propriedade se move entre
os dois termos antagônicos: capital e trabalho assalariado. Examinemos os dois
termos dessa antinomia.

Ser capitalista significa ocupar não somente uma posição pessoal, mas
também uma posição social na produção. O capital é um produto coletivo: só
pode ser posto em movimento pelos esforços combinados de muitos membros
da sociedade, e mesmo, em última instância, pelos esforços combinados de
todos os membros da sociedade. O capital não é, pois, uma força pessoal; é uma
força social. Assim, quando o capital é transformado em propriedade comum,
pertencente a todos os membros da sociedade, não é uma propriedade pessoal
que se transforma em propriedade social. O que se transformou foi apenas o
caráter social da propriedade. Esta perde seu caráter de classe.

Passemos ao trabalho assalariado. O preço médio que se paga pelo


trabalho assalariado é o mínimo de salário, isto é, a soma dos meios de
subsistência necessária para que o operário viva como operário. Por conseguinte,
o que o operário obtém com o seu trabalho é o estritamente necessário para mera
conservação e reprodução de sua vida. Não queremos nenhum modo abolir essa
apropriação pessoal dos produtos do trabalho, indispensável à manutenção e
à reprodução da vida humana, pois essa apropriação não deixa nenhum lucro
líquido que confira poder sobre o trabalho alheio. O que queremos é suprimir
o caráter miserável desta apropriação que faz com que o operário só viva para
aumentar o capital e só viva na medida em que o exigem os interesses da classe
dominante. Na sociedade burguesa, o trabalho vivo é sempre um meio de
aumentar o trabalho acumulado. Na sociedade comunista, o trabalho acumulado
é sempre um meio de ampliar, enriquecer e melhorar, cada vez mais a existência
dos trabalhadores. Na sociedade burguesa, o passado domina o presente; na
sociedade comunista, é o presente que domina o passado. Na sociedade burguesa,
o capital é independente e pessoal, ao passo que o indivíduo que trabalha não
tem nem independência nem personalidade.

É a abolição de semelhante estado de coisas que a burguesia verbera


como a abolição da individualidade e da liberdade. E com razão. Porque se trata
efetivamente de abolir a individualidade burguesa, a independência burguesa, a
liberdade burguesa. Por liberdade, nas condições atuais da produção burguesa,

184
TÓPICO 5 | POLÍTICA E ECONOMIA NA HISTÓRIA RECENTE

compreende-se a liberdade de comércio, a liberdade de comprar e vender. Mas,


se o tráfico desaparece, desaparecerá também a liberdade de traficar. Além disso,
toda a fraseologia sobre a liberdade de comércio, bem como todas as bazófias
liberais de nossa burguesia só têm sentido quando se referem ao comércio tolhido
e ao burguês oprimido da Idade Média; nenhum sentido tem quando se trata da
abolição comunista do tráfico, das relações burguesas de produção e da própria
burguesia.

FONTE: MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista – 1848.

185
RESUMO DO TÓPICO 5

Com o estudo desse tópico, você viu que:

• Uma nova ordem mundial configurou-se no final do século XX. Muitos chamam
de globalização. Outros, de práticas neoliberais.

• Podemos apontar esse movimento, chamado de globalização pela mídia, como


uma nova etapa de acúmulo de capital, via especulação no mercado financeiro.

• Essa nova ordem econômica e política desenha um mundo que nos aproxima
dos iluministas como defensores de uma sociedade sem conflitos e baseada na
razão e no progresso.

• O chamado neoliberalismo assume uma prática política e econômica baseada


em pensadores que defendem a retirada da ação governamental na economia.

• Os principais países capitalistas ocupam-se, portanto, em manter a ordem


política e econômica, deixando o mercado sob responsabilidade de grandes
conglomerados privados.

• Nas últimas décadas do século XX, as mudanças, na ordem econômica e


política do mundo, têm, como argumento principal, a integração dos mercados
mundiais e as grandes empresas como as protagonistas nesse movimento
denominado pelo capitalismo de globalização.

• Sob o ponto de vista da globalização, há um processo de internacionalização


da dinâmica capitalista, considerando-se que existe a perspectiva de
desaparecimento das fronteiras.

186
AUTOATIVIDADE

Em entrevista concedida em 2001, o escritor português José Saramago


afirmou:

“A globalização é incompatível com os direitos humanos. Não tem


sentido continuar a falar em democracia quando se sabe que o poder real,
efetivo, o poder que determina de forma autoritária nossas vidas não é
democrático. Estamos nas mãos de corporações desenfreadas que não têm
outra ideia em mente que não seja o lucro rápido.”

Feita esta leitura, explique a comparação que o autor fez entre


globalização, democracia e direitos humanos.

187
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