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REFERÊNCIA 1
NÓVOA, António. Em busca da liberdade nas universidades: para que serve a pesquisa em
educação? Educação e Pesquisa, v. 41, n. 1, São Paulo, jan./mar. 2015. Disponível em:
http://dx.doi.org/10.1590/S1517-97022015400100301. Acesso em: 10 fev. 2019.
“Cada dia se publica mais. Cada dia se lê menos. Há pressões cada vez maiores para impor
uma cultura de produtivismo. Não podemos ser cúmplices dessa corrupção da ciência e das
universidades que está a destruir a vida acadêmica” (p. 267).
“É necessário reconstruir uma cultura de debate e de crítica, marcada pela interação, pelo
diálogo, pela leitura conjunta dos nossos trabalhos, pela capacidade de nos envolvermos numa
conversa intelectual com os outros. Não podemos nos resignar perante a tirania dos números,
perante dispositivos quantitativos de avaliação que estão a pôr em causa a criatividade e a
liberdade. Precisamos reinventar a pesquisa como uma práxis coletiva aberta e colaborativa”
(p. 270).
“Para transformar as universidades, é necessário haver confiança em nós e nos outros, “dentro”
(nas instituições) e “fora” (na sociedade)” (p. 270).
“Não há um caminho único e, certamente, não podemos esperar que se obtenha um consenso
na forma de organizar e de orientar o campo científico em educação. Mas podemos trabalhar
para que a pesquisa acolha a diversidade e procure a convergência. Não nos podemos fechar
no interior de uma “disciplina” única. Precisamos trabalhar nas fronteiras de vários
conhecimentos, juntar perspectivas diferentes na compreensão dos fenômenos educativos” (p.
270).
“Se acreditamos, como gostamos de dizer, que a educação e o conhecimento são elementos
centrais para o desenvolvimento dos países, então temos de repensar a forma como os fundos
europeus de ciência estão a ser distribuídos” (p. 271).
REFERÊNCIA 2
NÓVOA, António. Desafios do trabalho do professor no mundo contemporâneo. São
Paulo: Sindicato dos Professores, SINPRO, 2007.
“[...] Durante muito tempo nas escolas normais foi ensinado que numa turma há sempre um
terço de crianças boas, um terço de crianças “assim assim” e um terço de crianças más.
Portanto, um terço estava condenado ao insucesso inevitavelmente. Isto é impossível de aceitar
dentro de um processo de inclusão. A idéia de que se pode alcançar um patamar comum de
conhecimentos, que se pode atingir verdadeiramente sucesso, deve ser uma exigência dos
docentes, é uma exigência civilizatória conseguir isso” (p. 8).
“[...] um dilema que terá de ser enfrentado no futuro dentro das discussões sobre as políticas
públicas de educação. As políticas de privatização e liberalização do ensino, a idéia de que não
se deve financiar as escolas e, sim, os pais, e eles colocam as crianças na escola em que
quiserem, vai certamente arrastar esse princípio de que cada grupo social vai ter a sua própria
escola, que vai ser mais disciplinada, mais coerente, mais ordeira, mas vai ser uma escola
infinitamente mais pobre [do que] onde há um diálogo entre vários grupos” (p. 11).
“[...] A escola tem que dar a esses jovens mais sociedade, mais regras de vida em comum, mais
regras do diálogo, de vida em sociedade. A escola deve ser mais crítica a essa comunitarização.
Isso se faz com a escola como sociedade e não como comunidade” (p. 11).
“[...] Os professores têm perdido prestígio, a profissão docente é mais frágil hoje do que era há
alguns anos. Eis um enorme paradoxo. Como é possível a escola nos pedir tantas coisas,
atribuir-nos tantas missões e, ao mesmo tempo, fragilizar nosso estatuto profissional” (p. 12).
“A profissão tem um déficit grande de organização no interior das escolas. Enquanto que
outras profissões conseguiram manter as duas camadas, uma mais macro, a exemplo das
grandes ordens dos médicos, dos farmacêuticos ou engenheiros, [que] conseguiram manter um
nível de debate político macro muito forte, mas isso não os impediu de terem modelos de
organização nas instituições muito mais fortes do que os nossos. Os modelos de organização
dentro das escolas são muito débeis, muito burocráticos. E isso nos tem prejudicado muito” (p.
12).
“[...] a formação dos professores continua hoje muito prisioneira de modelos tradicionais, de
modelos teóricos muito formais, que dão pouca importância a essa prática e à sua reflexão.
Este é um enorme desafio para profissão, se quisermos aprender a fazer de outro modo. Da
mesma maneira que é difícil mudar de práticas para práticas de outro tipo, o caminho contrário
é muito difícil de fazer. Se pedirem a um professor da Escola da Ponte, por exemplo, para dar
uma aula tradicional ele é totalmente incapaz, não consegue, não sabe como é que se faz. Esse
caminho uma vez ultrapassado, como se atravessado uma ponte para o outro lado, torna difícil
voltar ao lado de cá das margens” (p. 16).
“[...] uma escola focada na aprendizagem deve ser um local onde as crianças aprendem a
estudar, aprendem a trabalhar. Hoje há um déficit claro: nossas crianças aprendem pouco a
estudar e a trabalhar. É um problema que se pode verificar nos países do sul da Europa, nas
escolas portuguesas, italianas, gregas, em parte das francesas, e também nos países da América
do Sul, diferentemente do que se vê nos países do norte da Europa, cujas escolas estão bastante
focadas na aprendizagem do estudo, do trabalho, do trabalho autônomo, em grupo, no trabalho
cooperativo. É central dispormos dessas ferramentas, principalmente quando se discute a
importância da aprendizagem por toda a vida” (p.10).
“[...] Os professores precisam se apropriar de um conjunto de novas áreas científicas que são
muito mais estimulantes das que serviram de base e fundamento para a pedagogia moderna.
Como, por exemplo, todas as descobertas das neurociências, sobre o funcionamento do
cérebro, as questões dos sentimentos e da aprendizagem, sobre a maneira de produzir a
memória, sobre as questões da consciência. Trata-se de um conjunto de temas que temos
integrado mal à pedagogia” (p. 7).
REFERÊNCIA 3
REFERÊNCIA 4
CHARLOT, Bernard. A relação com o saber nos meios populares: uma investigação nos
liceus profissionais de subúrbio. Porto: Livpsic, 2009.
PRINCIPAIS CONCEITOS/INFORMAÇÕES UTILIZADOS PELO AUTOR
“[...] A relação com o saber é indissociavelmente social e singular. É o conjunto (organizado)
de relações que um sujeito humano (logo singular e social) mantém com tudo o que depende
da “aprendizagem” e do saber: objecto, “conteúdo de pensamento”, actividade, relação
interpessoal, lugar, pessoa, situação, ocasião, obrigação, etc., ligadas de certo modo à
aprendizagem e ao saber” (p. 15).
“É em referência ao emprego que a escola faz sentido para os estudantes de meio popular, mas
um bom emprego. Ora, o bom emprego é aquele em que se terá “ido o mais longe possível”, o
que implica, no sistema escolar Francês, que se entre no secundário e não num liceu
profissional. Dito de outra forma, este último inscreve-se na lógica do aluno (ele é
profissional), ao mesmo tempo que a contradiz (ele não é visto pelo aluno que o frequenta
como um bom caminho para um bom emprego)” (p. 15).
“Os balanços de saber não nos indicam o que o aluno aprendeu (objectivamente) mas o que ele
diz ter aprendido no momento em que lhe colocamos a pergunta, nas condições em que a
questão é colocada. Por um lado, isto significa que nós apreendemos não aquilo que o aluno
aprendeu (o que seria aliás impossível), mas o que, para ele, apresenta de forma suficiente a
importância, o sentido, o valor para que ele o evoque no seu relato; essa triagem feita pelo
aluno de forma mais ou menos inconsciente não nos incomoda, pelo contrário, uma vez que a
investigação assenta sobre a relação do aluno com o saber” (p. 19).
“Aprender significa adquirir saberes, mas também, de forma mais genérica, controlar
actividades, objectos da vida corrente, formas relacionais. O universo da “aprendizagem” é
muito mais amplo que o do saber, se entendermos por saber um conteúdo de consciência
enunciável através da linguagem. Aprender é apropriar-se de saberes (o teorema de Pitágoras,
o complemento directo, quem foi Robespierre, qual é a capital do Brasil, o que é o magnetismo
ou um relatório de contas...), mas é também controlar actividades (apertar os sapatos, conduzir
um carro, nadar, dançar, ler...) e iniciar relações com os outros e consigo próprio (ser bem
educado, respeitar os pais, ser útil, seduzir, lutar, mentir, roubar, ser autónomo, ser senhor de
si, ultrapassar dificuldades, divertir-se...)” (p. 25).
“[...] o universo da “aprendizagem” é dominado pela questão da relação com os outros. Para
eles, aprender é, em primeiro lugar e sobretudo, desenvolver relações com os outros, ser capaz
de se desenvencilhar no mundo, compreender a vida e as pessoas e, se for necessário, saber
defender-se. Para eles, trata-se de aprender a ser “alguém” (segundo um termo que reaparece
com frequência nas entrevistas), mas isto passa pela aprendizagem das relações com os outros
mais do que por um trabalho de introspecção do eu – e mais ainda do que por um trabalho de
apropriação dos saberes escolares ou mesmo de saberes e savoir-faire específicos de uma
profissão” (p. 34).
“A esfera profissional, pouco evocada nos balanços de saber, parece regida pela mesma lógica
que a esfera escolar. Aí, mais uma vez, a realidade é pouco nítida, o essencial é estudar e obter
os diplomas para ter uma boa profissão; nos balanços de saber, a especificidade dos conteúdos
e das actividades da profissão não é mais asseverada que a dos conteúdos e das actividades da
escola – e, por isso, ela não oferece ponto de apoio suficiente para uma nova mobilização
destes jovens para os estudos” (p. 34).
“[...] os balanços de saber fazem surgir uma complementaridade entre a família e a escola, uma
repartição das tarefas que correspondem muito bem ao que cada uma destas instâncias exibe
como sendo a sua especificidade. A família é o lugar das aprendizagens básicas, quotidianas,
afectivas, relacionais, pessoais; ela é também, como veremos, o espaço onde se aprende a “boa
educação”. A escola, para os jovens, é antes de mais o lugar das aprendizagens intelectuais e
profissionais. A família e a escola são dois mundos nitidamente diferentes” (p. 38).
“[...] a escola não conta muito para este tipo de aprendizagens. Inversamente, a escola é
essencial para as aprendizagens intelectuais e escolares, que pesam menos nos balanços de
saber. Dito de outra forma, para estes jovens a escola conta pouco, lá onde a aprendizagem faz
mais sentido (e aí conta mais como um espaço de colegas do que como instituição oficial) e
está muito presente no que toca às aprendizagens que menos sentido fazem. A relação destes
jovens com o saber permite concluir que, na escola, existe um défice de sentido para eles” (p.
39).
“Se a escola padece de um défice de sentido é também porque ela não se esforça
suficientemente para fazer pensar, reflectir, imaginar e ajudar os alunos a melhor compreender
a vida, as pessoas, o mundo. A relação com o saber que nós apreendemos através destes relatos
não é o efeito de uma “natureza” dos alunos, ela construiu-se na intersecção a partir da sua
relação (social) com o mundo e das práticas da instituição escolar” (p. 40).
“[...] A escola é certamente portadora de esperanças que fazem profundamente sentido (os
estudos, o diploma, a boa profissão) mas, em matéria de aprendizagens, ela está do lado do
saber enquanto os estágios estão do lado da actividade e, novamente, do relacional” (p. 40).
“[...] a família é, por excelência, para estes jovens, a instância onde se aprende a ser conforme
e a ser bem-educado. Aqui, estamos muito distantes dos discursos sobre a demissão da família
que, muitas vezes, se ouve no mundo docente. Nós estamos ainda mais longe dela quando o
voluntarismo surge como a terceira característica mais importante da família, depois da
conformidade e da autonomia” (p. 41).
“[...] para estes jovens, de todos os lugares, a escola é onde se aprende menos a conhecer a
vida e as pessoas (ainda menos que “em outros lugares”). Nós já tínhamos ressalvado que estes
jovens não atribuem um papel à escola no plano da socialização política, ideológica, religiosa:
de uma maneira geral, a escola não surge nestes relatos como uma instância de construção do
sentido da existência” (p. 44).
“Se os agentes de aprendizagem são, antes de mais, evocados de forma genérica, o mais
importante, sem dúvida, é reter que existem diferenças significativas grandes entre a família,
formada por pessoas, a escola, enquanto instituição e os amigos que constituem um grupo
etário. A ligação ao outro enquanto agente de aprendizagem toma formas diferentes nestes três
casos. A relação consigo próprio enquanto estudante terá, então, também for mas distintas. Na
família, o “Eu” que aprende é mais sujeito que no bairro ou na escola. Na escola, ele é mais
objecto da acção da instituição. Com os amigos, ele aprende enquanto membro do grupo” (p.
49).
“[...] a escola e os estudos são importantes mas é a escola enquanto instituição que distribui
diplomas, e então um passaporte para o emprego, que é aqui evocada, muito mais do que a
escola enquanto lugar de aquisição de saberes. Da mesma maneira, o trabalho é mais pensado
como actividade social do que como realização de saberes e de competências profissionais. O
tema do trabalho, o facto de aprender mais, a cultura só encontram nesta configuração um
lugar marginal e mesmo quando o saber é evocado é sempre sem grandes laços com o
trabalho” (p. 53).
“[...] O importante para eles é frequentar a escola e, mais tarde, ter um bom contrato, sem que
uma relação forte se estabeleça entre escola e saber, saber e trabalho. A sua relação com a
escola não se articula sobre um eixo saberes-actividades profissionais definidos nos seus
conteúdos específicos, mas sobre um eixo estudos-emprego, apreendidos em termos de nível”
(p. 53).
“[...] os alunos que não evocam o saber e a actividade nos seus balanços respondem em
seguida que os estudos e o trabalho são as coisas mais importantes. Mas não são os estudos e o
trabalho, no seu conteúdo específico que contam: é o diploma e o emprego no seu significado
social. Por detrás do paradoxo aparente, os jovens são lógicos e coerentes: o que eles retêm das
aprendizagens que merecem ser citadas nos seus balanços é o mesmo que esperam da vida. O
importante, nos dois casos, é a relação com os outros, a família, os amigos, é o mundo, a vida,
as pessoas, e eles próprios no meio de tudo isto. Eles aspiram a encontrar aquilo que foi
importante para eles na sua juventude – ou a construir o que, por vezes, não tiveram” (p. 56).
“A maioria dos balanços de saber referem aprendizagens que advêm de diversos domínios mas
alguns, num número apreciável, são construídos em torno de uma dominante de tema ou de
tom. Esta última interessa-nos porque ela remete para uma forma dominante de relação com o
mundo” (p. 71).
“A relação com o outro é o vector de todas as alegrias mas também de todos os perigos, o
outro é recurso face à existência, mas também risco de má influência e de traição. Por fim, só
aquele que sente desconfiança, que é capaz de se desenrascar sozinho e que quer ser bem
sucedido (através da escola ou de outros meios, legais ou não) está um pouco protegido contra
a adversidade. Mas é uma posição instável por que estes jovens continuam a acreditar que a
ajuda dos outros é necessária. É também uma posição de grande tensão psicológica e até de
sofrimento porque estes jovens, ao mesmo tempo, valorizam a relação com os outros, onde
parecem ir buscar a força e as alegrias da existência, e devem ser desconfiados e só contar
consigo próprios para “se desenrascarem” na vida. Os balanços muito voluntaristas transmitem
o sentimento de uma energia capaz de mover montanhas, mas também, com frequência, de
uma grande solidão um pouco triste” (p. 74).
“[...] o saber é importante, é ele que faz a mediação entre o presente e o futuro, a duração dos
estudos e o nível do diploma só estão lá para comprovar que se aprendeu muita coisa. Ou então
o aluno considera que é a duração dos estudos e o nível do diploma que, embora o penalizem,
lhe permitem encontrar uma boa profissão e, logo, fazem a mediação entre o presente e o
futuro, e o saber não é mais do que aquilo que é preciso exibir no momento dos testes e dos
exames. Neste caso, um saber mínimo, aquele que é requerido pela instituição avaliadora na
altura em que ela o requer, é suficiente. No primeiro caso, é o saber que é importante; no
segundo caso são os “estudos” e o diploma” (p. 79).
“O que é importante para estes jovens, já o vimos, não é tanto o saber ou as atividades
profissionais em si mas mais o facto de ter um “bom” emprego e as condições relacionais nas
quais se trabalha. No fundo a sua posição não é muito diferente da dos alunos do collège: o
importante é ter uma “boa” profissão para levar uma vida ‘normal’” (p. 83).
“Aprender é reter o que os professores vos ensinam (isto é, deste ponto de vista, expõem e
explicam), vos transmitem. Assim, o que é aprendido são os “saberes”, os “conhecimentos”, as
“coisas” – conteúdos de consciência que são transmitidos pela palavra [...] Quando o que é
ensinado tem assim um estatuto de objecto intelectual, a aprendizagem é quase sempre
apresentada como transmissão e retenção. Mas não são só os saberes escolares que são
transmitidos e retidos desta forma. Também são os princípios e os conselhos – eles também
têm forma de enunciados mas remetem para “regras” e não para “coisas”. Para designar esta
transmissão de regras, os alunos usam com frequência o verbo “inculcar” – que surge várias
vezes nos balanços, ainda que pertença a um registo mais elaborado de linguagem. Aprender é,
então, reter os princípios que nos foram inculcados.” (p. 88).
“[...] aprender é reter o que nos foi ensinado ou inculcado. Quando se trata de saberes
escolares, os alunos, na sua grande maioria, ficam-se por aí. A aprendizagem é, então,
entendida como uma transferência de um conteúdo intelectual e linguístico da consciência do
professor para a do aluno; é o professor que faz a transferência, o aluno só tem a tarefa de reter
o conteúdo transferido, para que este não se esvaneça. Mas quando se trata de regras de vida,
surge a questão da apropriação: o aluno assume ou não o que lhe foi inculcado, interpreta-o
eventualmente, aceita ou não torná-lo seu. Por um lado, a actividade da aprendizagem já não é
exactamente a mesma: o aluno tem um papel mais activo, para além da simples retenção. Por
outro lado, o que foi aprendido enriquece-se e muda, em parte, de estatuto: é uma regra (logo
um conteúdo de consciência) mas também o domínio de uma situação (que está para além de
um conteúdo de consciência)” (p. 89).
“Aprender com a vida, sozinho é observar e reflectir. É relacionar coisas que vimos ou
acontecimentos que vivemos com princípios que permitem interpretá-los. É por isso, ao
mesmo tempo, que relacionar coisas e acontecimentos entre eles é submetê-los a princípios
disponíveis, articular os princípios entre eles. É construir uma rede de factos, de
acontecimentos e de princípios que é uma rede de sentido” (p. 90).
“[...] aprender significa “fazer”, no sentido mais lato do termo e assim ser capaz de dominar
uma operação ou um conjunto de operações. Esta operação pode assentar num objecto material
ou ser uma operação simbólica. Então, o que é aprendido não é um objecto enunciável (um
“saber”) mas um acto ou um conjunto de actos – inscritos no corpo (operação sobre um
objecto material) ou constituindo o sujeito cognitivo (operação simbólica). O que é aprendido
faz-se numa actividade em situação e não pode ser realiza do ou até evocado de forma
reflexiva sem referência a uma actividade em situação” (p. 94).
“Os filhos de comerciantes e de artesãos também carregam a marca do seu meio: são eles que
parecem atribuir mais importância às aprendizagens profissionais e à conquista da autonomia.
Os filhos de operários especializados, mais que todos os outros (mas menos que os
precedentes), são os que mais evocam as aprendizagens profissionais. Parece que para estes
dois grupos, mais do que para os outros, a remobilização escolar pode apoiar-se no conteúdo
profissional das aprendizagens. Mas é preciso não esquecer que, apesar deste facto, também
eles estão centrados, em primeiro lugar, nas aprendizagens relacionais: mais que os outros, os
filhos de comerciantes aspiram à autonomia, mais que os outros, os filhos de operários
especializados são confrontados com a questão da conformidade e da transgressão” (p. 120).
“Os alunos que reprovam responsabilizam o liceu por ter um nível fraco, mesmo quando se
poderia pensar que são precisamente alunos como estes que reduzem o nível do
estabelecimento e que eles são por isso os últimos a poder responsabilizar o LP pelo seu nível”
(p. 153).
“[...]se o liceu não me ensina é porque não desempenhou bem a sua função ou porque não tem
um nível bom. Conjugam-se aqui um processo de vitimização (ver-se como vítima), uma
grande causalidade externa (eu não sou responsável pelo que me acontece, isso é fruto de
coincidência, do azar ou de má vontade) e um processo epistémico (aprender é ser objecto de
uma acção mais ou menos eficaz por parte dos professores e da escola)” (p. 153).
“Alguns alunos levam muito a sério o adjectivo profissional: é naquilo que toca a referência
à prática, à experiência, aos estágios, à empresa, que eles dão um sentido à sua frequência no
LP118. Esta forte referência àquilo que eles designam com frequência por “a prática” é
ambivalente: ela induz simultaneamente à valorização do liceu profissional (que conduz ao
trabalho) e à sua desvalorização (pois é menos “profissional” que a própria empresa)” (p. 158).
“Nos estágios, os alunos são confrontados com a questão do saber e da formação num universo
radicalmente diferente daquele que conheciam até aqui, o universo escolar. De facto, trata-se
de um mundo muito diferente e não apenas no que toca a outras modalidades de formação.
Trata-se de um mundo mais complexo e mais contraditório, onde não há espaço para reflectir
usando a simples referência à “prática” por oposição à ‘teoria’” (p. 165).
“[...]o desafio da formação é então o de se ser si próprio, de vir a ser. O motor da mobilização
é o desejo de si – sem esquecer que este si, como já vimos nos capítulos precedentes, não é
uma mónada isolada mas um sujeito envolvido em redes sócio-afectivas. O motor da
mobilização para aprender é o desejo de si envolvido nas redes de desejo tecidas com a
família, os amigos, por vezes alguns professores, muitas vezes a antecipação dos seus futuros
filhos. Os alunos que chegam ao liceu profissional trazem uma ferida narcísica, é este desejo
de si que foi destruído pelo insucesso ou humilhação” (p. 204).
“Aprender significa ler durante horas, para memorizar, para saber fazer os exercícios e
responder às perguntas, o que permitirá obter os diplomas e um trabalho: tudo acontece como
se Sébastien não conhecesse outra coisa para lá da tarefa, da atividade exterior, sem que vá um
pouco mais além nesta tarefa a nível intelectual” (p. 228).
“[...] aprender é memorizar o que se percebeu daquilo que o professor explicou, sem que uma
actividade autónoma de reconstrução do discurso permita “tapar os buracos”, produzir a
compreensão a posteriori. Se o professor não explica, o aluno não pode compreender, o
professor não foi útil, ele só veio para falar e “só pensa no seu salário”. Um aluno até antecipa
uma definição simples e directa do valor profissional do professor: o bom prof. explica, o mau
escreve no quadro” (p. 238).
“Para aprender, é preciso querer, querer verdadeiramente. É necessário que o aluno queira
porque ouvir e memorizar o que dizem os professores é difícil. Mas também é necessário que o
professor queira: que queira explicar, sem se enervar, até que todos tenham percebido, que
queira, de facto, que todos sejam bons alunos. Para estes alunos, o sucesso escolar, inclusive
no LP, passa muito mais por querer muito do que por poder – ou mais exactamente ele exige
que se consiga querer. A situação ideal é aquela em que a vontade do aluno é confortada pela
vontade de toda a turma e que é posta em prática pela vontade do professor. Inversamente, se o
aluno reprova é porque “não estudou”, porque se deixou levar pelos colegas” (p. 239).
“A relação instaurada desta forma é uma relação pedagógica, diferente de uma relação familiar.
Trata-se de aprender, mesmo quando os alunos evocam a vida, para lá das disciplinas
escolares. E é no campo do saber que esta relação tem consequências: por um lado, não ter
medo de pedir explicações suplementares e, por outro, o aluno é considerado um ser humano,
capaz de perceber se lhe for explicado outra vez, e merece que percam um pouco de tempo
com ele nesta tarefa” (p. 242).
“Também não é surpreendente que os alunos evoquem não só a proximidade com o bom
professor, mas também, com a mesma frequência, a necessidade de um respeito recíproco –
que permite manter as distâncias. A relação com o outro, este outro que como eu é um ser
humano, implica um regulamento da distância. O outro é uma outra forma singular deste ser
humano que sou e por isso somos próximos” (p. 243).
“[...] aprender é memorizar o que os professores ensinam; aprender, na vida, significa observar
e reflectir. A análise das entrevistas confirma estas conclusões e permite ir mais longe no que
diz respeito a “aprender na escola”. Aprender é enfiar coisas na cabeça: o modelo básico destes
jovens é um modelo apanhar-armazenar. Para aprender é preciso em primeiro lugar ouvir,
eventualmente olhar, em seguida memorizar. Este modelo de referência por vezes é explícito:
eu sou muito receptivo, o meu cérebro é como uma cassete” (p. 245).
“Aprender é ir de uma ponta à outra, seguir um caminho e, se nos perdermos, ser capazes de o
reencontrar voltando atrás: existe aqui uma lógica sequencial, que só funciona onde o
sequencial é possível. Não se trata de entrar num sistema de saber, mas num caminho, num
modo de proceder, num método, no sentido etimológico do termo” (p. 250).
“[...] O papel do aluno é ouvir (o que supõe que ele esteja presente e que não esteja a divertir-
se demasiado com os colegas) e ou memorizar (disciplina scrabble) ou seguir o professor passo
a passo para saber “por onde entrar e por onde sair” (disciplina puzzle). Percebe-se assim
porque é que o bom professor é, antes de mais, alguém que impõe a ordem na sala de aula
(sem ordem não é possível ouvir de forma eficaz) e que explica e volta a explicar (é o processo
que permite fazer com que o saber entre directamente na cabeça do aluno). É o professor que
me ensina (e não eu que aprendo graças ao professor): esta ideia ressurge com frequência nas
entrevistas, sob uma forma ou outra” (p. 253).
“[...] Ninguém pode apreender sozinho, a partir de material de consulta – “a menos que se
queira moer o juízo”. A partir de então, ou eu percebi e não serve de nada fazer os trabalhos de
casa ou não percebi e isso também não serve de nada porque não consigo perceber sozinho.
Claro que ainda falta “estudar” no sentido de fazer um esforço para memorizar. Mas se é
lógico, se eu percebi, isto entra directamente na cabeça e não preciso de fazer este esforço” (p.
254).
“É interessante uma aula que ensina coisas sobre a vida. Voltamos a encontrar aqui o processo
“explicitação da experiência através de princípios e ilustração de princípios através da
experiência” que analisei extensamente nos capítulos precedentes. O que é interessante para os
jovens de meio popular é em primeiro lugar aquilo que ensina coisas sobre a vida e as pessoas
– e logo, indissociavelmente, sobre a minha vida e sobre mim próprio” (p. 255).
“Os balanços de saber também recomendam que se tomem algumas reservas em relação à
representação das famílias populares (e imigrantes) veiculada pela classe média. Para estes
jovens, a família não representa um deserto cultural: é ela a mais referida quando são
questionados sobre as coisas que aprenderam desde que nasceram. A família também não é o
espaço da “demissão dos pais”: ela é para os jovens o lugar-chave onde aprendem a comportar-
se bem, a serem autónomos e darem provas de voluntarismo” (p. 263).
“[...] a escola surge nos balanços de saber como sendo pouco individualizada, muito menos
que a família. Ela actua enquanto instituição. Esta ausência de laços singulares entre o aluno e
aqueles que o formam contribui, sem dúvida, para tornar a escola difícil de suportar aos olhos
destes jovens, para quem a relação figura no centro do seu universo” (p. 263).
“[...] Na escola, aprender significa ouvir o professor e memorizar o que ele explica – por vezes
olhar para ele e memorizar o que ele mostrou. Aprender através da vida, na vida, a vida é fazer
dela experiência, observá-la e reflectir. É relacionar uma experiência, um princípio, construir
uma rede de factos, acontecimentos, de regras e de princípios que constitui uma rede de
sentido” (p. 264).
“[...] os alunos de liceu profissional, e de forma mais geral, de meio popular, o bom professor
deve impor a ordem na sala de aula, explicar e voltar a explicar. Ele também deve,
fundamentalmente, estar ao lado do aluno, encorajá-lo, acreditar que ele pode ser bem
sucedido, “ser próximo”. Os professores dos bairros populares (no collège ou liceu) entrevêem
estas exigências mas eles vêem-nas como carências afectivas: os alunos de meios populares
teriam, mais do que outros, carências afectivas não satisfeitas na sua família e canalizariam
essas carências para os professores” (p. 268).
“A relação com o saber dos liceais de meios populares com dificuldades escolares é a mesma,
quer estejam escolarizados nos liceus gerais, tecnológicos ou profissionais. Contudo, ela surge
sob uma forma ainda mais radical (mais “dura” e mais “pura”) nos liceus profissionais.
Provavelmente, existe aqui uma combinação entre um efeito de selecção (para o LP são
enviados os alunos mais arredados da lógica da instituição escolar), um efeito de interacção
(entre os alunos que alimentam a mesma relação com o saber, o que tende a reforçar em cada
um deles a legitimidade desta relação) e um efeito de formação (é verdade que no liceu
profissional se se ouvir bem o que o professor explica de forma correcta, existem grandes
probabilidades de se ter boas notas – enquanto no liceu geral e tecnológico esta postura não é
suficiente)” (p. 271).
REFERÊNCIA 5
TRÓPIA, Guilherme; CALDEIRA, Ademir Donizeti. A Relação com o Saber de Bernard
Charlot e seu vínculo com a epistemologia de Gaston Bachelard. Universidade Federal de
Santa Catarina, p.1-9, 2007. IMCOMPLETA ...
PRINCIPAIS CONCEITOS/INFORMAÇÕES UTILIZADOS PELO AUTOR
“Saber, no sentido estrito da palavra significa um conteúdo intelectual, enquanto aprender tem
um significado mais amplo, já que existem várias formas de aprender. Aprender pode ser
adquirir um saber (aprender fisiologia, matemática), dominar um objeto ou uma atividade
(aprender a escrever, a andar de bicicleta), entrar em formas relacionais (aprender a
cumprimentar, a mentir). Nesse contexto, o aprender não fica estrito a obtenção do conteúdo
intelectual, mas abrange todas as relações que o sujeito estabelece para adquiri-lo. Assim,
quando Charlot coloca a questão da relação com o saber ele amplia essa noção para uma
relação com o aprender” (p. 3).
“[...] três dimensões da relação com o saber: a relação epistêmica, social e de identidade, que
permitem compreender que relações com o saber são as que o autor trabalha. A relação
epistêmica com o saber parte de que “aprender” não significa a mesma coisa para os alunos.
Entender a relação epitêsmica que um aluno possui com o saber é entender a natureza da
atividade que se denomina “aprender” para esse sujeito” (p. 3).
“A relação com o saber também é uma relação de identidade com o saber. Todo processo de
“aprender” constitui uma construção de si mesmo, uma construção da identidade do sujeito. A
relação de identidade com o saber também é construída na relação com o outro, que é o outro
fisicamente presente que o ajuda a aprender algo ou um outro virtual que compõe a
comunidade daqueles que possuem um saber determinado” (p. 4).
“[...] analisar a relação de um sujeito com o saber é entender as relações epistêmicas, sociais e
identitárias do sujeito imerso no processo de aprendizagem, sendo que essas dimensões não
estão fragmentadas nesse processo. Essas relações ocorrem simultaneamente e é assim que
Charlot e sua equipe promovem suas pesquisas a fim de compreender que sentidos os alunos
de classes sociais diferentes atribuem ao saber/aprender e à escola, dando uma nova
perspectiva entre as desigualdades sociais e o sucesso ou fracasso escolar” (p. 4).
“[...] nesse contexto de desconstrução e construção do saber que se forma o espírito científico.
Dentro do processo de desconstrução e construção do saber estão em jogo a própria construção
do cientista e a noção da natureza da atividade do saber/aprender que ele possui. Assim, na
medida em que falamos do formar o espírito científico reformando-se, falamos das relações do
sujeito (espírito) com o saber científico que estão em jogo nesse processo” (p. 7).
“[...] o autor procura demonstrar que entre as duas formas de cultura existem diferenças, mas
estas não criam entre as duas uma total separação. Pelo contrário, a cultura escolar,
representada pelo professor, encontra-se em continuidade com a cultura primeira, que é a
cultura do aluno. Assim, a escola tem que realizar o movimento de fazer passar da cultura
primeira à cultura elaborada sem que seja necessário negar ou abandonar a primeira, mas
sabendo aprofundar o que nesta era só uma opinião não sistematizada” (p. 7).
“[...] perspectiva para a questão do fracasso e sucesso escolar, em que a posição social que o
sujeito ocupa não é o que determina seu desempenho escolar, mas sim, a interpretação dessa
posição. Tomando as dimensões sociais e singulares do sujeito, Charlot traz o conceito de
relação com o saber para o campo educacional, tentando entender como o sujeito dá sentido à
sua experiência escolar e que sentidos ele atribui ao saber/aprender e à escola” (p. 8).
REFERÊNCIA 6
CHARLOT, Bernard. Relação com o Saber e com a escola entre estudantes de periferia.
Caderno de Pesquisa, São Paulo, n.97, p. 47-63, maio 1996.
PRINCIPAIS CONCEITOS/INFORMAÇÕES UTILIZADOS PELO AUTOR
“Praticar uma “leitura positiva” da realidade social e escolar é, em termos mais teóricos, tentar
identificar os processos que estruturam essa realidade. Um processo é “o que acontece”
quando, numa determinada situação, um indivíduo, uma instituição, um sistema, se
transformam, sem que essa transformação resulte de uma determinação casual linear, cujo
efeito poderia ser previsto a priori. Um processo produz, no tempo, um estado que pode
ocorrer, sem que é possível mas não inelutável: a qualquer momento, o processo pode parar,
bifurcar, se inverter. Compreender um processo, é compreender que uma transformação não é
efeito e um determinismo nem de imprevisto” (p. 51).
“A relação com o trabalho escolar é bom diferenciador dos tipos de aluno. Identificamos
quatro grandes tipos. Para os primeiros, estudar é obvio, e eles estudam mesmo durante
pequenas férias escolares. Para o segundo tipo, o estudo é uma conquista, um habito que se
deve aprender muito cedo e cultivar dia após dia. Para o terceiro tipo, o mais numeroso, o
estudo é uma estratégia: é preciso dosar os esforços para “passar” [...] para um último tipo de
aluno, é tarde demais, eles esperaram muito, e já não podem fazer mais nada: “Quando não se
entende nada, agora a gente pensa ‘pronto, acabou’, sei lá” (p. 54).
“[...] estudar, compreender, gostar da matéria, gostar do professor, ter boas notas, e, para os
melhores, rivalizar com os colegas: essa constelação mantem a mobilização escolar dos alunos,
evita que eles se percam e delirem com os amigos. A figura ideal-típica que corresponde a essa
constelação é o aluno “sério” que, por sua vez, de diferencia do “intelectual” (o germanista de
Massy, por exemplo, que não tem a mesma “mentalidade” e as mesmas conversas- não fala,
por exemplo, de “cursos”) e daqueles que saem muito, que grafitam, ou seja, que frequentam a
“marginalia”. Ser sério, significa não bagunçar muito e estudar, dosar seu estudo para
“passar”” (p.55).
“Os processos de mobilização na escola não são suficientes para compreender as histórias
escolares. É preciso identificar os processos de mobilização em relação à escola. A
mobilização em relação à escola. A mobilização na escola é investimento no estudo. A
mobilização em relação À escola é investimento no próprio fato escolar; implica que se atribua
um sentido ao próprio fato de ir à escola e aprender coisas” (p. 55).
“[...] o sentido da escola se constrói também na própria escola através das atividades que se
desenvolvem. Inversamente, uma criança que vê sentido na escola pode ser mobilizada em
função daquilo que vive nela. Que a mobilização na escola depende da mobilização em relação
à escola (que o investimento no estudo depende do sentido que o aluno dá ao fato de ir à
escola) não significa, portanto, que o que acontece no exterior da escola determina aquilo que
se passa no interior, Processo de mobilização em relação à escola e processo de mobilização na
escola funcionam articuladamente” (p. 55)
“Esses jovens que ligam escola e profissão sem referência ao saber tem uma relação magica
com a escola e a profissão. Além disso, sua relação cotidiana com a escola é particularmente
frágil na medida em que aquilo que se tenta ensinar-lhes na escola não faz sentido em si
mesmo mas somente para um futuro distante” (p. 56).
“Parece que a mobilização mais forte se produz quando o sucesso escolar dos alunos é vivido
pelos pais como a conquista, por outras vias, do projeto de sucesso que provocou sua própria
migração, e quando as crianças assumem e retomam por sua vez o mesmo projeto. Ou seja, a
condição de imigrado pode ser também fator de sucesso. Mas isso não acontece, certamente,
sem rupturas culturais, rupturas que requerem um sucesso escolar que assegure a continuidade
do projeto familiar. O sucesso implica então que cada geração dê à outra autorização para ser
diferente. Os processos de mobilização escolar se enraízam também no psiquismo, inclusive
no inconsciente” (p. 57).
“Essa diversidade de práticas familiares mostra que não é pertinente falar de maneira global,
das famílias populares ou das famílias imigradas, “razão” do fracasso escolar. Sem dúvida, o
que se passa na família não é sem efeito na história escolar dos jovens, mas esses efeitos só
operam articulados com outros processos: contribuem para estruturar a história escolar dos
jovens, mas jamais a determinam” (p. 57).
REFERÊNCIA 5
IMBERNÓN, Francisco. Formação docente e profissional: forma-se para mudança e a
incerteza. 9. Ed. São Paulo: Cortez, 2011.
PRINCIPAIS CONCEITOS/INFORMAÇÕES UTILIZADOS PELO AUTOR
“A instituição que educa deve deixar de ser “um lugar” exclusivo em que se aprende apenas o
básico (as quatro operações, socialização, uma profissão) e se reproduz o conhecimento
dominante, para assumir que precisa ser também uma manifestação de vida em toda sua
complexidade, em toda sua rede de relações e dispositivos com uma comunidade, para revelar
um mundo e todas as suas manifestações” (p. 8).
“[...] a formação assume um papel que transcende o ensino que pretende uma mera atualização
cientifica, pedagógica e didática e se transforma na possibilidade de criar espaços de
participação, reflexão e formação para que as pessoas aprendam e se adaptem para poder
conviver coma mudança e a incerteza” (p. 15).
“[...] o professor e as condições de trabalho em que exerce sua profissão são o núcleo
fundamental da inovação nas instituições educativas; mas talvez o problema não esteja apenas
nos sujeitos docentes, e sim nos processos políticos, sociais e educativos. Não se tratou o
bastante da função do profissional da educação no campo da inovação, talvez devido ao
predomínio do enfoque que considera o professor ou a professora como um mero executor do
currículo e como uma pessoa dependente que adota a inovação criada por outros, e à qual,
portanto, não se concede nem a capacidade nem a margem de liberdade para aplicar o processo
de inovação em seu contexto especifico” (p. 21).
“O tipo de formação inicial que os professores costumam receber não oferece preparo
suficiente para aplicar uma nova metodologia, nem para aplicar métodos desenvolvidos
teoricamente na pratica de sala de aula. Além disso, não se tem a menor informação sobre
como desenvolver, implantar e avaliar processos de mudança. E essa formação inicial é muito
importante já que é o inicio da profissionalização, um período em que as virtudes, os vícios, as
rotinas etc. são assumidos como processos usuais da profissão” (p.43).
“O professor precisa de novos sistemas de trabalhos e de novas aprendizagens para exercer sua
profissão, e concretamente daqueles aspectos profissionais e de aprendizagem associados às
instituições educativas como núcleos em que trabalha um conjunto de pessoas. A formação
será legitima então quando contribuir para o desenvolvimento profissional do professor no
âmbito de trabalho e de melhoria das aprendizagens profissionais” (p. 47).
“A formação permanente, que tem como uma de suas funções questionar ou legitimar o
conhecimento profissional posto em prática. A formação permanente tem o papel de descobrir
a teoria para ordená-la, fundamentá-la, revisá-la e combatê-la, se for preciso. Seu objetivo é
remover o sentido pedagógico comum, para recompor o equilíbrio entre os esquemas práticos
e os esquemas teóricos que sustentam a prática educativa” (p. 61).
“[...] as instituições ou cursos de preparação para a formação inicial deveriam ter um papel
decisivo na promoção não apenas do conhecimento profissional, mas de todos os aspectos da
profissão docente, comprometendo-se com o contexto e a cultura em que esta se desenvolve.
Devem ser instituições “vivas”, promotoras da mudança e inovação” (p. 64).
“Os futuros professores e professoras também devem estar preparados para entender as
transformações que vão surgindo nos diferentes campos e para ser receptivos e abertos a
concepções pluralistas, capazes de adequar suas atuações às necessidades dos alunos e alunas
em cada época e contexto. Para isso é necessário aplicar uma nova metodologia e, ao mesmo
tempo, realizar uma pesquisa constante ( o professor é capaz de gerar conhecimento
pedagógico em sua prática) que faça mais do que lhes proporcionar um amontoado de
conhecimentos formais e formas de culturais preestabelecidas, estáticas e fixas, incutindo-lhes
uma atitude de investigação que considere tanto a perspectiva teórica como pratica, a
observação, o debate, a reflexão, o contraste de pontos de vista, a analise da realidade social, a
aprendizagem alternativa por estudo de casos, simulações e dramatizações” (p. 64).
“A eleição da pesquisa como base da formação tem um substrato ideológico, ainda que
implícito. Parte-se da constatação de que, nas condições de mudança continua em que se
encontra a instituição escolar o professor deve analisar e interiorizar a situação de incerteza e
complexidade que caracteriza sua profissão e deve renunciar a qualquer forma de dogmatismo
e de síntese pré-fabricada” (p. 81).
“Quando os professores trabalham juntos, cada um pode aprender com o outro. Isso os leva a
compartilhar evidencias e informação e a buscar soluções. A partir daqui os problemas
importantes das escolas começam a ser enfrentados com a colaboração entre todos,
aumentando as expectativas que favorecem os estudantes e permitindo que os professores
reflitam sozinhos ou com os colegas sobre os problemas que os afetam” (p. 82).
“[...] nos últimos tempos não apenas os profissionais da educação, mas também as instituições
educativas deem uma sensação de desorientação que faz parte do desconcerto que envolve o
futuro da escola e o conjunto da profissão. Pois os sistemas tendem a se burocratizar, impondo
modelos mais intervencionistas e formalizados, dificultando a autonomia e a democracia real e
obstaculizando os processos de formação colaborativos” (p. 112).
“Deve-se superar a dependência profissional. Basta de esperar que outros façam por nós as
coisas que não farão. A melhoria da formação e do desenvolvimento profissional do professor
reside em parte em estabelecer os caminhos para ir conquistando melhorias pedagógicas,
profissionais e sociais, e também no debate entre o próprio grupo profissional” (p. 116).
“[...] a formação do professor deve adotar uma metodologia que fomente os processos
reflexivos sobre a educação e a realidade social através das diferentes experiências. Além
disso, deveria ocorrer no interior das instituições educacionais para obter a mudança individual
e institucional” (p. 120).
“O contato da formação com a pratica educativa faz com que o conhecimento profissional se
enriqueça com outros âmbitos: moral e ético, além de permitir que se fomente a análise e a
reflexão sobrea prática educativa, tentando uma recomposição deliberada dos esquemas,
concepções e crenças que o conhecimento pedagógico tem sobre o ensino e a aprendizagem.
Permitirá trabalhar em benefício do professor e da educação da humanidade” (p. 121).
REFERÊNCIA 6
NÓVOA, António. Professores: imagens do futuro presente. EDUCA, Lisboa, 2009.
PRINCIPAIS CONCEITOS/INFORMAÇÕES UTILIZADOS PELO AUTOR
“[...] é preciso passar a formação de professores para dentro da profissão – soa de modo
estranho. Ao recorrer a esta expressão, quero sublinhar a necessidade de os professores terem
um lugar predominante na formação dos seus colegas. Não haverá nenhuma mudança
significativa se a “comunidade dos formadores de professores” e a “comunidade dos
professores” não se tornarem mais permeáveis e imbricadas” (p.6).
“Quanto mais se fala da autonomia dos professores mais a sua acção surge controlada, por
instâncias diversas, conduzindo a uma diminuição das suas margens de liberdade e de
independência. O aumento exponencial de dispositivos burocráticos no exercício da profissão
não deve ser vista como uma mera questão técnica ou administrativa, mas antes como a
emergência de novas formas de governo e de controlo da profissão” (p.7).
“[...] é preciso reconhecer que falta ainda elaborar aquilo que tenho designado por uma teoria
da pessoalidade que se inscreve no interior de uma teoria da profissionalidade. Trata-se de
construir um conhecimento pessoal (um auto-conhecimento) no interior do conhecimento
profissional e de captar o sentido de uma profissão que não cabe apenas numa matriz técnica
ou científica. Toca-se aqui em qualquer coisa de indefinível, mas que está no cerne da
identidade profissional docente” (p. 8).
“Muitos programas de formação contínua têm-se revelado inúteis, servindo apenas para
complicar um quotidiano docente já de si fortemente exigente. É necessário recusar o
consumismo de cursos, seminários e acções que caracteriza o actual “mercado da formação”
sempre alimentado por um sentimento de “desactualização” dos professores. A única saída
possível é o investimento na construção de redes de trabalho colectivo que sejam o suporte de
práticas de formação baseadas na partilha e no diálogo profissional” (p. 8).
“[...] a formação deve contribuir para criar nos futuros professores hábitos de reflexão e de
auto-reflexão que são essenciais numa profissão que não se esgota em matrizes científicas ou
mesmo pedagógicas, e que se define, inevitavelmente, a partir de referências pessoais” (p. 16).
“[...] a ideia da escola como o lugar da formação dos professores, como o espaço da análise
partilhada das práticas, enquanto rotina sistemática de acompanhamento, de supervisão e de
reflexão sobre o trabalho docente. O objectivo é transformar a experiência colectiva em
conhecimento profissional e ligar a formação de professores ao desenvolvimento de projectos
educativos nas escolas” (p. 16).
“O trabalho escolar tem duas grandes finalidades: por um lado, a transmissão e apropriação
dos conhecimentos e da cultura; por outro lado, a compreensão da arte do encontro, da
comunicação e da vida em conjunto. É isto que a Escola sabe fazer, é isto que a Escola faz
melhor. É nisto que ela deve concentrar as suas prioridades, sabendo que nada nos torna mais
livres do que dominar a ciência e a cultura, sabendo que não há diálogo nem compreensão do
outro sem o treino da leitura, da escrita, da comunicação, sabendo que a cidadania se
conquista, desde logo, na aquisição dos instrumentos de conhecimento e de cultura que nos
permitam exercê-la” (p. 25).
“As escolas resistem à avaliação e à prestação de contas sobre o seu trabalho. E, sobretudo, há
uma ausência da voz dos professores nos debates públicos. É necessário comunicar para fora
da escola. O “novo” espaço público da educação chama os professores a uma intervenção
política, a uma participação nos debates sociais e culturais, a um trabalho continuado junto das
comunidades locais” (p. 27).
“[...] o Estado deveria abster-se de intervir no mercado dos serviços educacionais, limitando-se
apenas: por um lado, a criar e divulgar indicadores de qualidade das escolas, permitindo assim
a cada família fazer uma escolha informada da melhor escola para os seus filhos; por outro
lado, a financiar supletivamente os mais desfavorecidos, por exemplo através do vale-educação
(vale escolar ou cheque-ensino), a fim de assegurar uma certa equidade no acesso à educação”
(p. 31).
“O conceito de educação integral é aquele que melhor simboliza este movimento e as suas
desmesuradas ambições. A escola deveria encarregar-se da formação da criança em todas as
dimensões da sua vida. A escola assumiu este programa impossível e acreditou que o podia
cumprir. Ao longo do século XX, foi alargando as suas missões, ficando de tal maneira
atravancada que perdeu a noção das prioridades” (p. 32).
“Uma nova perspectiva de aprendizagem deve ser enriquecida com uma série de estudos e
contributos que têm a vindo a ser formuladas em diversos campos científicos e culturais, mas
que, em grande parte, não chegaram ainda às teorias educativas e, muito menos, às práticas
escolares: os trabalhos recentes das neurociências sobre a importância das emoções, dos
sentimentos e da consciência na aprendizagem; as pesquisas que têm posto em destaque o
papel da memória e da criatividade; os desenvolvimentos da psicologia cognitiva,
designadamente sobre as diferentes formas de inteligência; as teorias da imprevisibilidade
sobre o carácter inesperado e até “desorganizado” de muitas aprendizagens e a importância de
lhes atribuir sentido e significado; as consequências para a aprendizagem das novas
tecnologias, das distintas formas de navegação e de processamento da informação” (p. 37).
REFERÊNCIA 7
CHARLOT, Bernard. Da relação com saber às práticas educativas. São Paulo: Cortez, 2014.
PRINCIPAIS CONCEITOS/INFORMAÇÕES UTILIZADOS PELO AUTOR
“Do ponto de vista escolar, a ambição é construir a escola fundamental, escola de nove anos
que começa aos seis anos e vai até os quinze. Prolonga-se a escolaridade obrigatória, abre-se o
primeiro segmento do que era o ensino secundário e acontece uma massificação da escola, com
efeitos de reprodução social, mas também de democratização. Aparecem novos problemas
materiais e financeiros, muito difíceis de serem superados nos países do sul, a tal ponto que,
nos países pobres, ainda não se tenha atingido o objetivo da escola fundamental para todos” (p.
21).
“[...] muitas coisas mudam na década de 1970. Transforma-se bastante a relação pedagógica: a
forma como os alunos relacionam-se com os seus professores não tem nada a ver com o que
acontecia na década de 1950. Também os métodos de ensino e os livros didáticos mudam aos
poucos. O que permanece igual é a chamada “forma escolar”, isto é, o tempo e o espaço da
escola, o modo de distribuição dos alunos em séries/idades, os processos básicos do ato de
ensino-aprendizagem” (p. 21).
“Só que há cada vez mais alunos que vão à escola apenas para passar de ano e que nunca
encontraram o saber como sentido, como atividade intelectual, como prazer. A ideia básica da
teoria do capital humano, de que a educação é um capital que traz benefícios para a vida
profissional, não é apenas uma ideia dos capitalistas, é também a ideia predominante na mente
dos jornalistas, dos políticos, quer de esquerda, quer de direita, dos pais e dos próprios alunos.
Assim cresce o descompasso entre o que a escola oferece e o que os alunos e os pais esperam
dela e, portanto, aumentam as dificuldades dos docentes” (p. 21).
“[...] a escola há de encarar novos desafios culturais e educativos, decorrentes dos encontros
entre as culturas, da divulgação mundial de informações e imagens e da ampla difusão de
produtos culturais em língua inglesa. Entretanto, talvez o desafio seja até mais profundo: a
interdependência crescente entre os homens, gerada pela globalização, e, ainda mais, o ideal de
solidarização entre os seres humanos e entre estes e o planeta, permeando o altermundialismo,
requerem uma nova dimensão da educação, em que se combinem uma sensibilidade
universalista e o respeito à homodiversidade” (p. 29-30).
“Educar é livrar a alma do mundo sensível, da dominação pelo apetite e, portanto, afastá-la do
trabalho utilitário. Por conseguinte, a quem é educado não cabe trabalhar, pelo menos no
sentido comum da palavra. Essa postura para com o trabalho reflete a realidade
socioeconômica” (p. 32-33).
“Esse modo de articulação entre educação e trabalho induz também efeitos no mercado de
trabalho. Hoje em dia, a formação, que era e permanece um direito fundamental do ser
humano, e o diploma, que supostamente protege o trabalhador contra uma exploração
exagerada da sua força de trabalho, viraram a maldição dos mais fracos: quem pouco
frequentou a escola ou nela fracassou, quem não completou o ensino médio, quem não tem
diploma não consegue emprego. E, na sociedade urbanizada desenvolvida, quem não encontra
emprego não tem como se sustentar, criar uma família, manter uma “vida normal” ” (p. 40).
“[...] a relação atual entre trabalho e educação não remete apenas a novas representações do
trabalho; ela leva também a questionar a validade dos métodos educacionais. A esse respeito,
três assuntos estão sendo debatidos. Discute-se o significado exato da “sociedade do saber”, ou
“sociedade do conhecimento”. Não há dúvida de que os processos de produção e consumo
contemporâneos incorporam cada vez mais conhecimentos. Todavia, pode ser sustentada
também a ideia de que não precisamos de muito conhecimento para utilizar os objetos e
serviços da vida moderna: não é necessário conhecer Eletrônica para usar um computador ou
um cartão bancário, bem como não é útil estudar Ótica para olhar através de óculos. Há muito
saber incorporado no mundo em que vivemos, mas temos com ele uma relação mais mágica do
que cognitiva. Do mesmo modo, por mais evidente que seja o fato de vivermos em uma
sociedade da informação, há de distinguir a informação, que apenas enuncia um dado, e o
saber, que organiza dados em redes de sentido” (p. 41).
“[...] a escola não cumpre um papel importante na distribuição das posições sociais e no futuro
da criança e, consequentemente, a vida dentro da escola fica calma, sem fortes turbulências.
Alunos fracassam, mas esse fracasso é apenas um problema pedagógico, não acarreta
consequências dramáticas e, sendo assim, não é objeto de debate social. Não se fala de
“violência escolar”; decerto, há atos de indisciplina e pequenas violências entre as crianças,
mas estão na “ordem das coisas” e não preocupam a opinião pública e os professores” (p. 45).
“A nota, o diploma medem o valor da pessoa e prenunciam o futuro do filho. Não basta tirar
uma nota boa e obter um bom diploma; é preciso conseguir notas e diplomas superiores aos
dos demais alunos para conquistar as melhores vagas no mercado de trabalho e ocupar as
posições sociais mais lucrativas e prestigiosas. A escola vira espaço de concorrência entre
crianças” (p. 45).
“[...] os professores sofrem novas pressões sociais. Já que os resultados escolares dos alunos
são importantes para as famílias e para “o futuro do país”, os professores são vigiados,
criticados. Vão se multiplicando os discursos sobre a escola, mas também sobre os professores.
No entanto, os salários dos professores permanecem baixos e, no Brasil, muito baixos. Com
efeito, o salário auferido por uma categoria profissional não depende apenas da importância
social da sua função e da competência requerida para cumprila, mas, ainda, da raridade das
pessoas aptas a ocupar a mesma vaga” (p. 46).
“[...] é preciso redefinir a função do professor, para que este não seja desvalorizado. Mas esse
trabalho de redefinição ainda não foi esboçado. Ademais, o interesse dos alunos pela
comunicação por Internet e por celular faz com que eles leiam cada vez menos textos
impressos, enquanto nesses tipos de texto permanece a base da aprendizagem escolar da língua
e da cultura escolar, e inventem novas formas linguísticas em uma comunicação “pingue-
pongue”” (p. 47).
“Só pode aprender quem desenvolve uma atividade intelectual para isso e, portanto, ninguém
pode aprender em vez do outro. Quando um aluno não entende as explicações, a professora
tem vontade de poder entrar no seu cérebro para fazer o trabalho. Mas não pode: por mais
semelhantes que sejam os seres humanos, são também singulares e, logo, diferentes. Quem
aprende é o aluno. Se não quiser, recusando-se a entrar na atividade intelectual, não aprenderá,
seja qual for o método pedagógico da professora” (p. 50).
“Ensinar é, ao mesmo tempo, mobilizar a atividade dos alunos para que construam saberes e
transmitir-lhes um patrimônio de saberes sistematizados legado pelas gerações anteriores de
seres humanos. Conforme os aportes de Bachelard, o mais importante é entender que a
aprendizagem nasce do questionamento e leva a sistemas constituídos. É essa viagem
intelectual que importa. Ela implica que o docente não seja apenas professor de conteúdos, isto
é, de respostas, mas também, e em primeiro lugar, professor de questionamento. Quanto aos
alunos, às vezes, andarão sozinhos, com discreto acompanhamento da professora e, outras
vezes, caminharão com a professora de mãos dadas. O mais importante é que saibam de onde
vêm, por que andam e, ainda, que cheguem a algum lugar para o qual valha a pena ter feito a
viagem” (p. 53).
“[...] A escola democrática é aquela onde o professor ensina e educa todos os alunos, incluídos
os de quem não gosta e os que não gostam dele. Claro que a situação é melhor quando
professor e aluno gostam um do outro, mas isto não é obrigação nenhuma, nem fundamento da
escola. A escola não é lugar de sentimento, mas lugar de direitos e deveres. Esta escola é que
pode ensinar a cidadania” (p. 58).
“[...] a escola fala aos alunos de objetos que não se encontram no mundo cotidiano deles e, às
vezes, em nenhum mundo sensível, e leva-os para universos que apenas existem no
pensamento e na linguagem. Sendo assim, a escola é fundamentalmente um espaço de palavras
que possibilitam a objetivação do mundo e o distanciamento para com ele e que abrem janelas
para outros espaços e tempos, para o imaginário e o ideal” (p. 58).
“Só aprende quem encontra alguma forma de prazer no fato de aprender. Quando digo
“prazer” não estou opondo prazer a esforço. Não se pode aprender sem esforço; não se pode
educar uma criança sem fazer-lhe exigências. Não há contradição entre prazer e esforço. Quem
faz esporte sabe que pode, por meio dele, obter prazer” (p. 73).
“O que aparece de imediato é a questão da relação com o saber. Na escola, quem aprende não é
o eu empírico, não é o eu da experiência cotidiana; quem aprende na escola é o eu epistêmico,
o que os filósofos chamam de Razão, o eu pensante. Por isso, muitas vezes, a didática não
serve para nada, porque a didática supõe um aluno que já quer aprender. Mas há sempre alunos
que não estão interessados em ingressar em uma atividade intelectual. Para esses, a didática
tradicional tem pouco a dizer” (p. 74).
“[...] fora da escola aprendemos muitas coisas (e coisas muito importantes) e temos uma forma
de relação com o mundo, com os outros, com o saber, com a linguagem, com o tempo, que é
diferente daquela que se encontra na escola. O “aprender”, ou seja, o processo pelo qual
aprendemos uma coisa, seja ela qual for, apresentasse sob formas várias e heterogêneas.
Aprender na escola é uma dessas formas, específica, valiosa, mas não única. Devemos
respeitar a forma escolar de aprender, mas reconhecer, também, que existem outras” (p. 75).
“A educação é o movimento pelo qual uma geração recebe as criações culturais das gerações
antecedentes e as transmite, ampliadas, às gerações seguintes, continuando, desse modo, o
processo de criação da espécie. Mas, ao receber esse legado, cada um de nós, ao mesmo
tempo, se constrói como um ser singular. Isso é fundamental para compreender a educação” (p.
77).
“Se o professor não oferecer um ensino (pedagogia mais tradicional) ou uma situação
(pedagogia mais construtivista) que possibilite ao aluno se apropriar de um saber ou construí-
lo, o processo de ensino-aprendizagem fracassa. Reciprocamente, se o aluno não quiser entrar
em uma atividade intelectual, apesar de todos os esforços do professor e da utilização de
qualquer que seja a pedagogia, o processo fracassa também” (p. 82).
“Não se pode aprender se não se é ensinado, de uma forma ou de outra; ninguém pode ser
ensinado, seja qual for a pedagogia, se não se mobiliza a si mesmo em uma atividade. O ato de
ensino-aprendizagem não é unicamente um encontro entre dois indivíduos, professor e aluno;
é, mais profundamente, um processo antropológico que embasa a especificidade da espécie
humana” (p. 82).
“A educação é o processo pelo qual se realiza essa apropriação, ou, considerando a situação
pelo outro termo, é o processo pelo qual uma geração transmite à seguinte o que ela mesma
recebeu da precedente, às vezes com alguns acréscimos” (p. 86).
“A pedagogia nova não desconfia da natureza da criança, bem pelo contrário. Respaldada em
certa interpretação de Rousseau e na relação romântica com[4] a natureza, ela contribuiu para
construir e divulgar a ideia de que tudo quanto é natural é bom e a representação atual da
criança como inocente e criativa” (p. 90).
“A educação é o processo que “termina” um ser que nasce inacabado, prematuro. A educação é
um triplo processo de humanização, pelo qual a cria da espécie humana se apropria da
humanitude, de socialização e enculturação, que faz com que o ser humano entre em uma
cultura, e de singularização e subjetivação, sendo cada um de nós um ser singular. Desse ponto
de vista, o homem não é produto da natureza; é produto da educação” (p. 107).
“A escola há de mudar para contribuir para a construção desse outro mundo possível. A
sociedade, os pais, os professores devem aliviar a pressão hoje exercida sobre os jovens,
desapertar os parafusos de uma máquina escolar que, atualmente, machuca por demais os
alunos, inclusive os “bons”. A lógica da concorrência deve ser substituída pela lógica da
excelência, democrática, desde que se considere a variedade das formas de excelência” (p.
126).
REFERÊNCIA 8
NÓVOA, António. Regresso dos professores. Pinhais: Melo, 2011.
PRINCIPAIS CONCEITOS/INFORMAÇÕES UTILIZADOS PELO AUTOR
“Os professores reaparecem, neste início do século XXI, como elementos insubstituíveis não
só na promoção das aprendizagens, mas também na construção de processos de inclusão que
respondam aos desafios da diversidade e no desenvolvimento de métodos apropriados de
utilização das novas tecnologias” (p. 14).
“Muitos programas de formação contínua têm-se revelado inúteis, servindo apenas para
complicar um quotidiano docente já de si fortemente exigente. É necessário recusar o
consumismo de cursos, seminários e acções que caracteriza o actual “mercado da formação”
sempre alimentado por um sentimento de “desactualização” dos professores. A única saída
possível é o investimento na construção de redes de trabalho colectivo que sejam o suporte de
práticas de formação baseadas na partilha e no diálogo profissional” (p. 23).
“O ideal da Educação Nova é o internato no campo, “pois apenas a influência total do meio no
qual a criança cresce permite realizar uma educação plenamente eficaz”. Aqui, retirada do
mundo, a criança pode desenvolver-se em contacto com a natureza, “que constitui o seu meio
natural” ” (p. 32).
“A escola era chamada a tomar conta das crianças, também para as proteger da sociedade, de
tal maneira que passou a ocupar a quase totalidade do espaço educativo. A imagem da escola
ao lado da igreja como as duas instituições da “aldeia” simboliza bem um processo histórico
que tende a transformar a educação em educação escolar” (p. 32-33).
“A escola não é apenas um lugar de vida; é sobretudo um lugar de aprendizagem. A escola não
é apenas um espaço de desenvolvimento pessoal; é o espaço onde se constrói o diálogo social.
Aprender a viver com, a conviver: nas sociedades deste início do século XXI a escola continua
a ser uma instituição insubstituível” (p. 42).
“O registo escrito, tanto das vivências pessoais como das práticas profissionais, é essencial
para que cada um adquira uma maior consciência do seu trabalho e da sua identidade como
professor. A formação deve contribuir para criar nos futuros professores hábitos de reflexão e
de auto-reflexão que são essenciais numa profissão que não se esgota em matrizes científicas
ou mesmo pedagógicas, e que se define, inevitavelmente, a partir de referências pessoais” (p.
57).
“[...] a ideia da escola como o lugar da formação dos professores, como o espaço da análise
partilhada das práticas, enquanto rotina sistemática de acompanhamento, de supervisão e de
reflexão sobre o trabalho docente. O objectivo é transformar a experiência colectiva em
conhecimento profissional e ligar a formação de professores ao desenvolvimento de projectos
educativos nas escolas” (p. 58).
“As escolas são lugares da relação e da comunicação. Mas as escolas comunicam mal com o
exterior. Os professores explicam mal o seu trabalho. As escolas resistem à avaliação e à
prestação de contas sobre o seu trabalho. E, sobretudo, há uma ausência da voz dos professores
nos debates públicos. É necessário aprender a comunicar com o público, a ter uma voz pública,
a conquistar a sociedade para o trabalho educativo comunicar para fora da escola” (p. 59).
“O conhecimento profissional docente é difícil de apreender, tem uma dimensão teórica, mas
não é só teórico, tem uma dimensão prática, mas não é só prático, tem uma dimensão
experiencial, mas não é apenas produto da experiência. É um conjunto de saberes, de
disposições e de atitudes mais a sua mobilização em acção” (p. 75).
“É preciso que a formação de professores contribua para promover uma educação inclusiva.
Sempre com a consciência de que a inclusão se define pela capacidade de aprender e de
dominar os instrumentos básicos do conhecimento e da vida em sociedade. São os mais
desprotegidos que necessitam de mais e de melhor escola. A educação para todos só faz
sentido se se traduzir na aprendizagem de todos” (p. 76).