Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
São Paulo
Junho de 2007
Ficha catalográfica
___________________________________
Prof.ª Ms. Tatiana Fecchio Gonçalves
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho a todos os sentimentos, sensações, pensamentos e atos que não puderam,
não podem e não poderão ser expressos através de nenhum meio...
Dedico este estudo àqueles que jazem na dor, no sofrimento, na amargura, na desesperança,
no medo, no terror, no pânico...
Dedico aos que tiveram, têm e terão dor – física, mental e espiritual...
Dedico a todas as “doenças mentais”...
Dedico esta pesquisa às vozes que apavoram quem as ouve, e que muitas vezes, não lhes
deixam em paz, nem na vida, nem na morte...
Dedico esta monografia aos delírios...
Dedico à S. e a L., que tanto me ensinaram como tratar quem está com sofrimento psíquico:
que eles possam ser felizes e alcançar a paz...
Dedico à indústria farmacêutica, aos remédios que ainda hão de ser descobertos e
consumidos...
Dedico ao SILÊNCIO...
Silêncio...
Silêncio...
Silêncio...
S...
Espero,
Que se encontrem tratamentos mais eficazes, e mesmo cura para todo o tipo de sofrimento
humano...
Que no fundo do poço possa haver realmente uma “MOLA”, que não deixe quem caia nele,
morrer...
Que as famílias, amigos, comunidade e sociedade possam rapidamente ajudar, se
conscientizar, amparar, se solidarizar, respeitar e amar quem é diferente e luta por sua
singularidade e valor.
Que o dinheiro um dia seja como a água, as estrelas do céu, a areia do mar, ou que
simplesmente ele não exista.
Que medidas pragmáticas sejam rapidamente tomadas por órgãos, instituições e profissionais
na luta pelos direitos dos que apresentam sofrimento psíquico, e que o mercado de trabalho
abra as portas para eles terem um mínimo de qualidade e perspectiva de vida.
Que as pedras preciosas mencionadas neste presente estudo nunca percam a esperança...
Esperança etimologicamente significa esperar com ação, ou seja, não esperar, mas agir,
segundo o desejo, a fé; lutar... Lutar contra qualquer tipo de abuso, violência e preconceito,
aos que estão sofrendo, nem que seja para morrer em justa causa! Para que no futuro outros
possam conseguir sobreviver e viver... Plenamente e em paz!
Que um dia todas as doenças sejam varridas da face da terra e que só haja o bem, a paz, a
alegria, a compreensão, o amor, o respeito e a plenitude...
AGRADECIMENTOS
Primeiramente agradeço a Deus: “Bendito sejas Tu, Eterno, nosso Deus, Rei do
Universo, que nos conservaste em vida, nos amparaste e nos fizeste chegar a este momento de
júbilo”.
Ao meu avô paterno: Mehir Eliezer (Luiz), de abençoada memória, que com sua
história de vida nos ensinou muito...
A minha avó materna: Guitel Peirel (Guita), de abençoada memória, que mesmo na
dor mais forte, nos ensinou a: “Nunca deixar a vaca cair”, passando sempre muita leveza,
força e serenidade a todos...
Ao meu avô paterno: Yeshayahu (Isaias), que me ensinou que o potencial do ser
humano é ilimitado, mas também que depende muito do desejo e do livre-arbítrio de cada um,
podendo ele mesmo, transformar sua vida num paraíso ou num inferno...
A minha avó paterna: Mirke (Mina) que me ensinou na prática, palavras como:
organização e responsabilidade, e que me cedeu um espaço em sua casa para realizar este
estudo, sempre fazendo comidas deliciosas...
A minha mãe: por ter, junto com minha irmã Débora e avó Mina, ter acompanhado e
incentivado meu percurso neste estudo.
Ao meu pai: pelo apoio material e por ter me ensinado muito sobre doença mental.
A minha irmã Débora: pelos livros e dicas.
Aos meus outros irmãos: Jonas e Rebeca, que estão em pleno trajeto de maturação.
Ao CAPS-Adulto, onde realizei esta pesquisa, que sem esta instituição, provavelmente
esta pesquisa não se realizaria.
A G., M., L, F., e a todos os profissionais e usuários do CAPS.
A todos os que passaram, passam e passarão por sofrimento psíquico e que tanto me
ensinaram...
As professoras: J. e I. pela orientação e às amigas de especialização: Glauce e Priscila.
A minha estimada orientadora: Profª Ms. Tatiana Fecchio Gonçalves, pela atenção e
orientação.
Por fim, as “pedras preciosas”: Ouro, Marfim, Diamante, Rubi, Topázio, Jade, Água-Marinha,
Turmalina, Ametista, Pérola, Safira, Esmeralda e Prata – que sem elas esta pesquisa não
ocorreria – e que iluminam este trabalho!
“Pintei e desenhei tanto que no fim já nem sabia mais onde estava. Levei
um susto ao ver lá embaixo, nos pés, aquelas terríveis botas de guerra”.
Paul Klee, 1990 (Anotações dos seus diários durante a primeira Guerra
Mundial).
LISTA DE ILUSTRAÇÕES.......................................................................................................8
ÍNDICE DE FIGURAS...........................................................................................................8
TABELA DAS PATOLOGIAS DOS PACIENTES SEGUNDO O CID-10...................... 12
TABELA DE GÊNERO, IDADE E FREQÜÊNCIA NAS OFICINAS............................. 13
RESUMO..................................................................................................................................14
1. INTRODUÇÃO................................................................................................................... 15
2. REVISÃO DA LITERATURA........................................................................................... 22
2.1 UMA BREVE REVISÃO HISTÓRICO-CULTURAL DA LOUCURA................. 22
2.2 HISTÓRICO............................................................................................................. 23
2.3 A REFORMA PSIQUIÁTRICA............................................................................. 39
2.4 A REABILITAÇÃO PSICOSSOCIAL.................................................................... 41
2.5 - OS CENTROS DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL – CAPS................................... 44
3. MÉTODO............................................................................................................................. 60
3.1 – SUJEITOS.............................................................................................................. 62
3.2 – MATERIAL........................................................................................................... 63
3.3 – PROCEDIMENTOS.............................................................................................. 63
4. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS................................................................................... 66
4.1 DESCRIÇÃO E ANÁLISE DAS OFICINAS DE ARTETERAPIA............................ 66
4.2 - A ATENÇÃO À SAÚDE MENTAL – VISÕES DO CAPS, DAS OFICINAS DE
ARTETERAPIA E DE SEUS USUÁRIOS........................................................................119
5. CONCLUSÃO................................................................................................................... 158
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................... 163
ANEXOS............................................................................................................................... 171
ANEXO I - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO............. 172
ANEXO II - ALGUNS PRONTUÁRIOS RESUMIDOS DOS PACIENTES QUE
PARTICIPARAM DAS OFICINAS DE ARTETERAPIA............................................... 173
ANEXO III - QUESTIONÁRIO DA ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA......... 182
ENTREVISTAS COM AS “PEDRAS PRECIOSAS” QUE PARTICIPARAM DAS
OFICINAS DE ARTETERAPIA...................................................................................... 184
ANEXO IV – ENTREVISTA COM OURO.................................................................... 184
ANEXO V – ENTREVISTA COM ESMERALDA....................................................... 197
ANEXO VI – ENTREVISTA COM PRATA.................................................................. 204
ANEXO VII – ENTREVISTA COM MARFIM.............................................................. 214
ANEXOVIII – ENTREVISTA COM TURMALINA...................................................... 225
ANEXO XI – ENTREVISTA COM PÉROLA.............................................................. 238
ANEXO X – ENTREVISTA COM TOPÁZIO............................................................. 245
ANEXO XI – ENTREVISTA COM SAFIRA................................................................ 268
ANEXO XII – ENTREVISTA COM DIAMANTE........................................................ 282
ANEXO XII - RUBI........................................................................................................ 294
ANEXO XIII – ÁGUA-MARINHA................................................................................. 295
ANEXO XIV – JADE....................................................................................................... 296
ANEXO XV – AMETISTA.............................................................................................. 297
ÍNDICE DE FIGURAS
Este estudo tem como objetivo entender como pacientes que apresentam sofrimento
psíquico severo e persistente, vivenciaram oficinas de Arteterapia em um Centro de Atenção
Psicossocial para Adultos (CAPS), e como estas oficinas terapêutico-expressivas puderam
contribuir para suas vidas. O método utilizado foi em uma abordagem qualitativa aos moldes
do construtivismo social, onde a verdade é relativa e própria de cada sujeito. A epistemologia
é subjetivista dialógica. O método pressupôs a análise do significado da fala, ou da produção
não verbal (desenho, pintura, modelagem, etc.) dos pacientes do grupo das oficinas de
Arteterapia, dentro de uma abordagem gestáltica - embasada nos princípios da fenomenologia.
As produções dos pacientes das oficinas foram expostas ao público, tendo ocorrido uma visita
à 27ª Bienal de Artes de São Paulo. Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com
alguns pacientes, sendo que as produções de todo o grupo, inclusive a dos entrevistados,
estavam expostas na mesma sala onde se deu o estudo. Verificou-se que a Arteterapia e os
recursos terapêutico-expressivos ajudam significativamente na prevenção, no tratamento e na
melhora geral do estado geral destes pacientes, sugerindo um bom prognóstico. Isto ocorre de
forma ainda mais significativa caso a Arteterapia seja utilizada adjunta a outros tratamentos,
tais como: medicamentoso, psicológico, de terapia ocupacional, entre outros, dentro de uma
proposta de reabilitação psicossocial destes pacientes que passam e passaram por histórias de
vida muito sofridas, tendo muitos deles passado, inclusive, por internações psiquiátricas.
1 - INTRODUÇÃO
É interessante notar que os limites entre fenômenos como arte, religião, ciência e
loucura, são muito tênues. Todos estes fenômenos mesclam-se de tal forma que torna-se
16
difícil se estudar um deles, sem a ajuda do outro. Por isto recorri a diversas fontes
bibliográficas, filmes, palestras, entrevistas e congressos.
Sendo assim penso que a Arteterapia pode possibilitar a mudança de pensamentos,
emoções e comportamentos, integrando o ser humano, ajudando-lhe a realizar-se mais
plenamente, interagir melhor consigo e com mundo – resgatando e criando vínculos;
reconstruir um sentido a sua vida, muitas vezes alquebrada pelos sofrimentos vividos. A arte
tem um potencial profilático, terapêutico, curativo, homeostático (de harmonia e equilíbrio),
paliativo, bioenergético, além de poder ser utilizado em técnicas preventivas,
psicodiagnósticas e em prognósticos. Pode possibilitar uma maior rapidez na recuperação e
cura do paciente, servindo-lhe como um meio de expressão, comunicação, alívio de sintomas
e dores, e aumento da auto-estima. Segundo Fabietti (2004, p. 17):
A arte pode revitalizar o paciente, dando-lhe maior suporte para enfrentar a vida e
vivenciá-la de modo mais pleno. Fornece o resgate da auto-estima e dos vínculos. Além de
uma melhoria na autopercepção, tanto no que se refere ao meio interno, tanto quanto com o
meio externo, proporcionando assim, um maior autoconhecimento. É uma linguagem
científica, universal, mágica, poética, eficaz, mas infelizmente, ou, felizmente, pouco
mensurável; mas que tem seus efeitos indiscutíveis.
Para Jung apud Tommasi, 2005, a psique possui potencial criativo inesgotável. A
teoria dos arquétipos em muito contribui para a compreensão do ser humano em nível pessoal
e universal. Utilizando-se de recursos expressivos em seu trabalho terapêutico, Jung
objetivava o desenvolvimento criativo, que, muitas vezes, manifesta-se somente pelas mãos.
Nise da Silveira, em seus trabalhos, sublinhou a importância desse método com
pacientes com sofrimento psíquico intenso e severo, principalmente para aqueles que estão
mergulhados nas profundezas do inconsciente e impossibilitados de elaboração cognitiva e
verbal. As técnicas artísticas viraram mais um veículo de comunicação entre pacientes e
técnicos.
17
Afim de que a arte possa atingir seus objetivos mais eficazes e terapêuticos, deve ser
operacionalizada por um profissional competente que saiba manejar o trabalho terapêutico
junto ao paciente - com afeto e muito método, experiência e sensibilidade.
Como ator, autor, pintor, cantor, etc. o indivíduo pode deixar a unicidade de
ser louco, para a qual parecem convergir todos os aspectos de sua vida a
partir do diagnóstico, ocupando outro lugar no mundo, que, como qualquer
‘‘lugar artístico”, pressupõe o reconhecimento de um público.
As oficinas de Arteterapia bem como as outras oficinas, desejam oferecer mais do que
uma “prescrição do tratamento”, todavia, constituir-se como um espaço de exercício de
subjetividade e cidadania, onde o paciente possa circular primeiramente nas oficinas diversas
que o CAPS lhe oferece, e assim, escolher quando e qual oficina deseje participar. A função
dos profissionais de saúde mental nas oficinas, é terapêutica, expressiva, interventiva quando
necessário, trabalhando os conteúdos psíquicos que emergem; vivenciando e trocando
21
2 - REVISÃO DA LITERATURA
Este capítulo tem por objetivo elucidar uma revisão histórico-cultural da loucura e dos
denominados “loucos”.
Segundo Frayze-Pereira (1985) durante séculos, o louco foi caracterizado de diversas
formas: bêbado, delinqüente, arruaceiro, vagabundo, imprestável e outros. Assim, para que a
sociedade não fosse “contaminada” por esse tipo de pessoa, o isolamento fazia-se necessário.
A princípio, não havia distinção entre o doente mental propriamente dito e o doente
mental “rotulado”, ou seja, tanto os doentes mentais como os não doentes mentais, conviviam
num mesmo espaço e recebiam os mesmos tratamentos.
Os asilos, que hoje denominamos hospitais psiquiátricos, tinham uma única função:
isolar, encarcerar e excluir.
A recuperação e a reintegração dentro da sociedade era algo que nem sequer era
cogitado.
É fato que, muitos séculos se passaram e que modificações ocorreram e ocorrem para
possibilitar um tratamento mais digno e humano para os pacientes que sofrem com doenças
mentais como, por exemplo, a esquizofrenia, a depressão e o transtorno bipolar.
Atualmente, no tratamento do doente mental, o uso de medicamentos se faz presente
juntamente com as terapias, como por exemplo, a Arteterapia, a terapia ocupacional, a de
reabilitação, a comportamental ou a psicanalítica, dentre outras.
É claro que apesar das mudanças, existem ainda mesmo que em menor número,
instituições que utilizam o método da reclusão, pois o fator monetário tem grande influência
nestas instituições que não visam o doente e nem a sua recuperação, visam apenas o capital,
mesmo que este seja através de um ato desumano.
2.2 - HISTÓRICO
Segundo o autor, em fins da Idade Média a loucura é ainda uma experiência possível
para cada um, antes exaltada do que dominada, fazendo parte do dia-a-dia, não tendo um
caráter médico. O grande mal que assolava a Europa até as Cruzadas era a lepra, e os leprosos
são banidos da cidade, envolvendo-se num círculo sagrado. A lepra torna-se sofrimento que
“purifica e castiga o pecador”. Outros personagens, com o fim das Cruzadas, quando a lepra
desaparece, ocupam este “espaço sagrado”: os pobres, os vagabundos e os “cabeças
alienadas”. Com o Renascimento muitos loucos são confinados em navios, levando-os de uma
cidade para outra, criando assim uma espécie de exílio ritual, sendo sua viagem de caráter
simbólico. Embarcar os loucos é assegurar-se de que partirão para longe e serão prisioneiros
de sua própria partida, tornando-se o prisioneiro da mais livre das rotas. O louco, encerrado
no navio de onde não escapa, é entregue à correnteza infinita do rio, á fluidez instável e
misteriosa do mar, não pertencendo a nenhuma terra firme. Tornam-se figuras importantes por
sua ambigüidade, ameaçando e surpreendendo o mundo, invadindo a imaginação do homem
europeu.
Já no Renascimento a loucura apresenta-se de formas diversas, expressando-se em
ritos populares, nas artes plásticas (Bosch, Breughel), nas obras de filosofia ou de crítica
moral (Brant; Erasmo) e nos textos literários (Shakespeare; Cervantes). Na França loucos
célebres escrevem livros que são lidos por um público culto como obras de loucura. Mas é só
até o começo do século XVII que a cultura ocidental mostra-se hospitaleira com estas formas
de experiência. A arte permanece profundamente religiosa até o século XV, e a fascinação
que as imagens da loucura exercem sobre o homem do século XV, manifestam-se
primeiramente pela figura dos animais. Esses animais fantásticos (nos quadros de Bosch)
revelam a verdade do homem, constituem a sua natureza secreta. A animalidade escapa à
domesticação e fascina o homem por seu furor, por sua desordem. Ela revela a monstruosa
loucura que se oculta no interior dos homens, tudo que neles existe de impossível, de
inumano. No entanto, sob essa aparente desordem, a loucura fascina porque ela é saber. A
loucura é um saber difícil, esotérico, constituído por formas estranhas. É um saber inacessível
ao homem de razão e que o louco detém em sua inocência. São muitas as imagens que os
simbolizam. Por exemplo, conforme observa Foucault, ao observar o quadro os “Cavaleiros
25
espaço da ética”. A razão oculta uma escolha contra o abandono preguiçoso aos
encantamentos do desatino. No entanto, nessa época, a exclusão da loucura não se deu apenas
ao nível de uma “experiência filosófica”. Há a criação de todo um conjunto de instituições
através do qual a dominação da loucura, a sua condenação ao silêncio, acabará por se efetivar.
Com efeito, em 1656, funda-se por decreto em Paris, o Hospital Geral, isto é, uma
instituição que engloba diversos estabelecimentos sob uma administração única e destinada a
recolher todos os pobres da cidade e não os loucos ou doentes, não tendo assim nenhum
caráter médico. Na França a partir de 1676, cada cidade passa a comportar o estabelecimento
de um Hospital Geral. Muitas das novas casas são antigos leprosários reativados pelo clero ou
por mando real. Entre a preocupação burguesa de ordenar a miséria e a tradição da Igreja de
assistência aos pobres, tem lugar uma prática ambígua: no interior dessas casas ela é uma
prática comprometida com o desejo de ajudar e a necessidade de punir.
O trabalho forçado é imposto dentro desses hospitais, mais voltado para a repressão do
que para a produção, a regra era mantê-los brutalmente ocupados. É que a exigência do
trabalho se encontra subordinada à do castigo, pois a origem da pobreza localiza-se, segundo
a percepção da Idade Clássica, na libertinagem, isto é, no enfraquecimento da disciplina e na
desordem dos costumes. Cabe ao internamento dominá-la e castigá-la, prática que não visa à
cura, mas arrancar dos internos “um sábio arrependimento”. Isto significa que o internamento
tem um sentido de administração da moralidade que é imposta pela força e coagida
fisicamente. Há que se ordenar a vida e a consciência dos internos através da vigilância dos
costumes e da educação religiosa.
Os internos são os pobres e os ociosos, são aqueles que em relação à ordem
dominante, isto é, da razão, da moral e da sociedade burguesa, mostram indícios de
inadequação. A sociedade moderna do século XVII percebe e isolam todo um conjunto
variado de personagens que põem em jogo as proibições sexuais e religiosas, as liberdades do
pensamento e dos afetos: devassos, alquimistas, suicidas, blasfemadores, portadores de
doenças venéreas, libertinos de toda a espécie. O internamento que representa o Bem contra o
Reino do Mal e encerra uma cumplicidade entre a polícia e a religião, realiza a idéia burguesa
segundo a qual a virtude é adequada à ordem. Ele é o emblema visível do triunfo da razão
sobre uma desrazão à qual a Renascença havia concedido liberdade de expressão.
Detido junto com todos os acusados de imoralidade, o louco transforma-se. Na Idade
Média, o louco havia adquirido significações simbólicas que o definiam como um
personagem. Agora, essas significações se dissipam na multidão internada. Ligada ao crime, à
libertinagem, à desordem, isto é, as diferentes formas do Mal, a loucura incorpora-se numa
28
sua punição. A forma ideal do castigo é o escândalo. A reativação da prática dos castigos
públicos dá-se como um modo de mostrar a imoralidade à consciência cotidiana. Portanto, se
agora há vergonha, ela deverá ser vivida pêlos culpados.
Nesse mundo liberal em que a liberdade e a racionalidade constituem o que é
naturalmente próprio do homem, o louco é aquele que por sua irresponsabilidade inocente (o
que o distingue do criminoso, a grosso modo) abole a liberdade, comprometendo a razão.
Dessa maneira, o autor entende o internamento como: 1) resposta ao dever de
assistência para com aqueles que não podem livremente prover a si mesmos e 2) como medida
de segurança social contra os horrores e os perigos que os loucos representam, torna-se lugar
de cura. Não o internamento entendido na sua função de repressão, mas como meio que
organiza a liberdade. Através dele o erro será conduzido à verdade, a loucura à razão. A casa
de internamento vai transformar-se em asilo. E neste, finalmente, a medicina vai encontrar um
lugar – um lugar que lhe garantirá a possibilidade de apropriação da loucura como seu objeto
de conhecimento. A loucura ganhará um valor de doença.
A loucura que fascina, atrai e causa curiosidade, também gera medo, preconceito,
repulsa e exclusão. Talvez o “ar” de mistério e de desconhecido exerça esse papel de
fascinação sobre as pessoas ditas “normais”.
Mas o medo e principalmente a repulsa e exclusão, se sobrepõe meio a esse “ar” de
fascinação, afinal, a história da loucura retrata o doente mental como estando fora do limite do
normal e como transgressor das normas sociais, e mesmo hoje, no mundo contemporâneo, os
doentes mentais carregam o estigma de periculosidade para a sociedade.
Segundo Serrano (1992), “Nos albores de nossa época, o louco é visto como alguém
que já perdeu a razão [...] teoricamente ele é alguém que está por fora de tudo, que não sabe
nada, que é incapaz de pensar” ( p.25).
A história da assistência aos portadores de doença mental é conhecida mais pelos seus
erros do que por modelos assistenciais efetivos, como assinala – Nasciutti (1992).
A princípio, os asilos que hoje são chamados de hospitais psiquiátricos recebiam
pessoas leprosas, com sífilis, alcoólatras, desempregados e também os doentes mentais, ou
seja, todos aqueles que não se enquadravam dentro da sociedade representando uma ameaça à
mesma.
Se fizermos uma comparação entre o louco entregue ao marinheiro, e o louco entregue
ao asilo, torna-se evidente a função desta instituição.Assim, para o estabelecimento da ordem
da cidade, se faz necessário o encarceramento destas pessoas, em especial o doente mental.
31
Assim, “ao formular a primeira teoria médica sobre a loucura, Pinel propõe também
que o manicômio se torne parte essencial do tratamento, deixando de ser apenas o lugar onde
se abrigam ou enclausuram os loucos, para se tornar um instrumento de cura” (SILVA, 2001,
p.84).
Pinel, conforme o citado autor, empreendeu uma verdadeira revolução no conceito de
doença mental e nos métodos de tratamento desses doentes. Retirou as doenças mentais do
terreno das crendices e superstições, segundo as quais os loucos eram possuídos pelo
demônio, ao demonstrar que os comportamentos estranhos dos alienados estavam associados
a alterações patológicas do cérebro, constituindo, portanto, enfermidades que deviam ser
tratadas com métodos humanitários.
Dentro desta perspectiva, procurou explicar cientificamente tais alterações
patológicas, caracterizando-as como provenientes de fatores hereditários, lesões fisiológicas
ou excesso de pressões sociais e psicológicas.
Até aqui, foi apresentada a história da loucura e das instituições psiquiátricas de uma
forma geral, e num contexto mundial, a partir deste ponto, focalizar-se-á o olhar para as
instituições psiquiátricas brasileiras.
Segundo Serrano (1992), no Brasil, as construções dos manicômios, se deram na
época do Imperador Pedro II. Ele relata que:
Mesmo com a tentativa de dar uma melhor condição para os doentes mentais, esses
hospitais ainda serviam como prisões que isolavam e excluíam.
contrariamente às internações de longo prazo, que deixam e deixaram muitos, senão a maioria
dos internos, crônicos, sem muita perspectiva de vida futura, ou mínima qualidade de vida.
Silveira (1992) pensa na terapia ocupacional como forma de resgatar a identidade dos
enfermos, e como forma terapêutica:
Ainda segundo a autora, Jung compara o indivíduo que emergiu de uma condição
esquizofrênica a um terreno que, depois de uma guerra, guardasse ainda sob o solo explosivos
dentro de cápsulas. Portanto, não seria difícil tropeçar em massas condensadas de afetos. Um
choque, embora pequeno, poderia levantar labaredas que atingiriam outros núcleos
possuidores de maiores cargas afetivas e produziriam uma ativação intensa do inconsciente,
colocando em perigo o equilíbrio a duras penas conquistado.
As atividades expressivas mostraram-se de enorme valor nessas situações, como
medida preventiva contra recaídas na condição psicótica.
As observações do Núcleo de Terapia-Ocupacional do Centro Psiquiátrico de Engenho
de Dentro no Rio de Janeiro, comprovaram que a oportunidade que o indivíduo teve, durante
o tratamento, de descobrir as atividades expressivas e criadoras, poderá abrir-lhe novas
perspectivas de aceitação social através da expressão artística ou simplesmente muni-lo de um
meio ao qual poderá recorrer sozinho, para manter seu equilíbrio psíquico.
Face ao que foi acima exposto, poder-se-ia pensar que a loucura e seu tratamento
ainda é um fenômeno complexo - que precisa ser mais bem compreendido, estudado e
avaliado – sem perder de vista a singularidade, a história de vida e a reabilitação psicossocial
do paciente. Cada cultura, dependendo de seus valores históricos, caracteriza a loucura e suas
diversas formas de expressão, segundo seu próprio olhar. O que poder-se-ia considerar
patológico, desviante, anômalo ou mesmo louco, é extremamente relativizado dentro de seu
contexto sócio-histórico-cultural. A “loucura” quando bem encaminhada poderia gerar frutos
extremamente inovadores, tornando-se uma crítica aos fundamentos, valores e alicerces da
própria sociedade que lhe “pariu”. Penso que temos uma responsabilidade histórica, social,
37
econômica, ideológica para com estes “loucos”, que foram e são tratados de modo terrível
pela sociedade, que marginaliza, teme, segrega e desvaloriza o sujeito que está por trás desta
“loucura temível”. Penso que temos parte e somos parceiros na fabricação das patologias
mentais, não creio que isto seja apenas um fator genético. A doença mental, talvez, em sua
maioria, seja fruto de uma mescla de fatores: hereditário, social-político-econômico-
ideológico, familiar, algumas vezes, fruto de uma escolha pessoal e fruto de outras causas
ainda estudadas e não descobertas. Mas de fato, há muito que se aprender com estes “loucos”,
que possuem em sua singulariadade e história de vida, muito a nos ensinar, pelo que
passaram, sofreram e foram privados de dizer e se expressar o que pensavam e sentiam – do
modo único como é cada sujeito. Em muitos casos, possuem um saber, uma sensibilidade e
uma fineza anímica e espiritual muito forte, além de uma criatividade e força admiráveis.
Tornam-se assim, verdadeiros exemplos de vida e inspiração de resistência contra a aceitação
dos valores sociais, econômicos, políticos, ideológicos e religiosos impostos pela sociedade
selvagem capitalista, pensando que muitos “loucos” lutam até o fim pelo direito de ser
singular: em seu agir, sentir, pensar e se relacionar com os outros e com o seu mundo interno
e externo. Portanto, faço algumas indagações: Será que esta “loucura” também em certa
medida não nos pertence, e, por conseguinte, tememos tanto ela, por quais razões, sejam elas
conscientes e/ou inconscientes? Será que já não passou da hora, de se tomar uma posição
madura e ouvir o que representa o silêncio, a fala, a expressão, os sintomas e os delírios destes
“loucos”, que durante tantos séculos foram privados de se expressar, desvalorizados,
ridicularizados e animalizados? Uma outra indagação é: quando, como e o quanto somos
responsáveis por gerar “loucura”, e o quanto nos comprometemos em fazer de fato algo para
ajudar aqueles que sofrem? Lembrando que qualquer um de nós pode ter uma recaída, um
surto, uma descompensação emocional em algum período de vida, se assim for, como
seremos tratados? Quem serão os profissionais? Qual a instituição e o “lugar” que teremos
para nossa loucura – seja na família, entre os amigos, profissionais, comunidade, sociedade?
Já que esta sociedade em que vivemos dita normas, regras e padrões rígidos do que pensar,
sentir, expressar, se comportar e se relacionar? Já que o que vale mesmo, e só isto o que vale,
é o dinheiro, a produção, a alimentação do mercado que aliena, coisifica e destrói pouco a
pouco, ou rapidamente, nossa possibilidade criativa, singular e expressiva?
Pelegrino (2006) acredita que a loucura é:
Uma dimensão criadora que existe no ser humano, uma dimensão que é
inapagável, ela nunca será silenciada, ela nunca será aniquilada. É uma
38
Ele ainda acrescenta que instituições como a Casa das Palmeiras, são “cultivadoras
dessa força criadora”, sendo os profissionais que atuam nestas instituições “jardineiros dessa
força”.
Gostaria de finalizar com a fala de uma “pedra preciosa” que quis expressar o que
pensava e sentia, e foi privada disto: Estamira é seu nome.
Segundo o documentário “Estamira”, de Marcos Prado (2004), que narra a trajetória
de uma senhora esquizofrênica pobre, que vivia e trabalhava no lixão de Jardim Gramacho,
situado no município de Duque de Caxias, perto da cidade do Rio de Janeiro - representação
irônica e trágica da própria condição do homem:
habilitação, ou capacidade, versus incapacidade, é uma estratégia global, que implica numa
mudança total dos serviços de saúde mental.
Para ele, A reabilitação deve abarcar todos os profissionais e pessoas envolvidas no
processo de saúde-doença – todos os pacientes, pacientes, famílias, comunidade e sociedade.
Penso como ele em relação a importância do nível alto de contratualidade ( nível de
espaço de troca entre o sujeito e o meio em que vive) que devemos ter perante a sociedade,
produzindo um valor social reconhecido e que faça sentido para quem o produz, como, por
exemplo, a profissão que se escolhe.
Para o autor, atuamos em três cenários básicos: habitat, mercado e trabalho, e é dentro
destes que fazemos nossas trocas, expressamos nossos afetos, anseios, desejos, sonhos,
comportamento e atitudes frente à vida.
Clarificando ainda mais a contratualidade:
A partir deste ponto terei como base, o Manual publicado em 2004, pelo Ministério da
Saúde sobre a Saúde Mental no SUS – Os Centros de Atenção Psicossocial: O primeiro CAPS
do Brasil foi inaugurado em março de 1986, na cidade de São Paulo, conhecido como CAPS
da Rua Itapeva. A criação deste CAPS e de tantos outros, com outros nomes e lugares, fez
parte de um intenso movimento social, inicialmente de trabalhadores de saúde mental, que
buscavam a melhoria da assistência no Brasil e denunciavam a situação precária dos hospitais
psiquiátricos, que ainda eram o único recurso destinado aos portadores de transtorno mental.
Nessa conjuntura, os serviços de saúde mental, surgem em várias cidades do país, que
vão se consolidando como dispositivos dinâmicos, na diminuição de internações e na
mudança do modelo assistencial. Os NAPS/CAPS foram criados oficialmente a partir da
Portaria GM224/92, sendo definidos como unidade de saúde locais/regionalizados que contam
47
com uma população adstrita, definida pelo nível local e que oferecem atendimentos de
cuidados intermediários entre o regime ambulatorial e a internação hospitalar, em um ou dois
turnos de quatro horas, por uma equipe multiprofissional.
Os CAPS assim como os NAPS (Núcleos de Atenção Psicossocial), os CERSAMs
(Centro de Referência em Saúde Mental) e outros tipos de serviços substitutivos que têm se
configurado no país, são atualmente regulamentados pela Portaria nº 336/GM, de 19 de
fevereiro de 2002, e integram a rede do Sistema Único de Saúde, o SUS. Essa Portaria
reconheceu e ampliou o funcionamento e a complexidade do CAPS, que têm a missão
oferecer um atendimento diuturno aos pacientes com transtornos mentais severos e
persistentes, num dado território, proporcionando cuidados clínicos e de reabilitação
psicossocial, com o intuito de substituir o modelo hospitalocêntrico, tentando evitar as
internações, favorecendo o exercício da cidadania da inclusão social, dos pacientes e de seus
familiares.
As práticas realizadas nos CAPS se caracterizam por acontecerem em ambiente aberto,
acolhedor e inserido na cidade, no bairro. Os projetos desses serviços, muitas vezes,
ultrapassam a própria estrutura física, em busca da rede de suporte social, potencializadora de
suas ações, atentando para o sujeito e sua singularidade, sua história, sua cultura e sua vida
diária.
Os pacientes atendidos nos CAPS são aquelas que estão passando por intenso
sofrimento psíquico, que lhes impossibilita de viver e concretizar seus projetos de vida. São,
preferencialmente, pacientes com transtornos mentais severos e/ou persistentes, ou seja,
pacientes com grave comprometimento psíquico, incluindo os transtornos relacionados às
substâncias psicoativas (álcool e outras drogas) e também crianças e adolescentes com
transtornos mentais.
Os pacientes dos CAPS podem ter tido uma longa história de internações psiquiátricas,
podem nunca ter sido internados ou podem já ter sido atendidos em outros serviços de saúde
(ambulatório, hospital-dia, consultórios etc.). O importante é que esses pacientes saibam que
podem ser atendidas e saibam o que são e o papel dos CAPS.
Para ser atendido num CAPS pode-se procurar diretamente esse serviço ou ser
encaminhado pelo Programa de Saúde da Família ou por qualquer serviço de saúde. O
paciente pode ir sozinho ou acompanhado, devendo procurar, preferencialmente, o CAPS que
atende à região onde reside.
Quando o paciente chega deverá ser acolhida e escutada em seu sofrimento. Esse
acolhimento poderá ser de diversas maneiras, de acordo com a organização do serviço. A
48
meta nesse primeiro contato é compreender a situação, de forma mais global possível, do
paciente que procura o serviço e iniciar um vínculo terapêutico e de confiança com os
profissionais que lá trabalham. Estabelecer um diagnóstico é importante, mas não deverá ser o
único nem o principal alvo desse momento de encontro do paciente com o serviço.
A partir daí irá se arquitetando, conjuntamente, uma estratégia ou um projeto
terapêutico para cada paciente. Caso esse paciente não queira ou não possa ser beneficiado
com o trabalho oferecido pelo CAPS, ele deverá ser encaminhado para outro serviço de saúde
mais adequado para sua necessidade. Se um paciente está isolado, sem condições de acesso ao
serviço, ele poderá ser atendido por um profissional da equipe do CAPS em sua residência, de
forma articulada com as equipes de saúde da família da região, quando um familiar ou vizinho
solicitar ao CAPS. Por isso, é importante que o CAPS procurado, seja o mais próximo
possível da região de residência do paciente.
Todo o trabalho desenvolvido no CAPS deve ser realizado em um “meio terapêutico”,
isto é, tanto as sessões individuais ou grupais como a convivência no serviço têm finalidade
terapêutica. Isso é obtido através da construção permanente de um ambiente facilitador,
estruturado e acolhedor, abrangendo várias modalidades de tratamento. Como dissemos
anteriormente, ao iniciar o acompanhamento no CAPS se traça um projeto terapêutico com o
paciente e, em geral, o profissional que o acolheu no serviço passará a ser uma referência para
ele. Esse profissional poderá seguir sendo o que chamamos de Terapeuta de Referência (TR),
mas não necessariamente, pois é preciso levar em conta que o vínculo que o paciente
estabelece com o terapeuta é fundamental em seu processo de tratamento.
O Terapeuta de Referência (TR) terá sob sua responsabilidade monitorar junto com o
paciente o seu projeto terapêutico, (re)definindo, por exemplo, as atividades e a freqüência de
participação no serviço. O TR também é responsável pelo contato com a família e pela
avaliação periódica das metas traçadas no projeto terapêutico, dialogando com o paciente e
com a equipe técnica dos CAPS.
Cada paciente de CAPS deve ter um projeto terapêutico individual, isto é, um conjunto
de atendimentos que respeite a sua particularidade, que personalize o atendimento de cada
pessoa na unidade e fora dela e proponha atividades durante a permanência diária no serviço,
consoante suas necessidades. A depender do projeto terapêutico do paciente do serviço, o
CAPS poderá oferecer, conforme as determinações da Portaria GM 336/02:
• Atendimento Intensivo: trata-se de atendimento diário, oferecido quando o paciente
se encontre com grave sofrimento psíquico, em situação de crise ou dificuldades intensas no
49
convívio social e familiar, precisando de atenção contínua. Esse atendimento pode ser
domiciliar, se necessário;
• Atendimento Semi-Intensivo: nessa modalidade de atendimento, o paciente pode ser
atendido até 12 dias no mês. Essa modalidade é oferecida quando o sofrimento e a
desestruturação psíquica da pessoa diminuíram, melhorando as possibilidades de
relacionamento, mas a pessoa ainda necessita de atenção direta da equipe para se estruturar e
recuperar sua autonomia. Esse atendimento pode ser domiciliar, se necessário;
• Atendimento Não-Intensivo: oferecido quando o paciente não precise de suporte
contínuo da equipe para viver em seu território e realizar suas atividades na família e/ou no
trabalho, podendo ser atendido até três dias no mês. Esse atendimento também pode ser
domiciliar.
Cada CAPS, por sua vez, deve ter um projeto terapêutico do serviço, que leve em
consideração as diferentes contribuições técnicas dos profissionais dos CAPS, as iniciativas
de familiares e pacientes e o território onde se situa, com sua identidade, sua cultura local e
regional.
Os CAPS podem oferecer diferentes tipos de atividades terapêuticas. Esses recursos
vão além do uso de consultas e de medicamentos, e caracterizam o que vem sendo
denominado clínica ampliada. Essa idéia de clínica vem sendo (re)construída nas práticas de
atenção psicossocial, provocando mudanças nas formas tradicionais de compreensão e de
tratamento dos transtornos mentais.
O processo de construção dos serviços de atenção psicossocial também tem revelado
outras realidades, isto é, as teorias e os modelos prontos de atendimento vão se tornando
insuficientes frente às demandas das relações diárias com o sofrimento e a singularidade desse
tipo de atenção. É preciso criar, observar, escutar, estar atento à complexidade da vida das
pessoas, que é maior que a doença ou o transtorno. Para tanto, é necessário que, ao definir
atividades, como estratégias terapêuticas nos CAPS, se repensem os conceitos, as práticas e as
relações que podem promover saúde entre as pessoas: técnicos, pacientes, familiares e
comunidade. Todos precisam estar envolvidos nessa estratégia, questionando e avaliando
permanentemente os rumos da clínica e do serviço.
Os CAPS devem oferecer acolhimento diurno e, quando possível e necessário,
noturno. Devem ter um ambiente terapêutico e acolhedor, que possa incluir pessoas em
situação de crise, muito desestruturadas e que não consigam, naquele momento, acompanhar
as atividades organizadas da unidade. O sucesso do acolhimento da crise é essencial para o
cumprimento dos objetivos de um CAPS, que é de atender aos transtornos psíquicos graves e
50
vimos, muitas coisas podem ser feitas num CAPS, desde que tenham sentido para promover
as melhores oportunidades de trocas afetivas, simbólicas, materiais, capazes de favorecer
vínculos e interação humana.
Os CAPS funcionam, pelo menos, durante os cinco dias úteis da semana (2ª a 6ª feira).
Seu horário e funcionamento nos fins de semana dependem do tipo de CAPS:
Os pacientes que permanecem um turno de quatro horas nos CAPS devem receber
uma refeição diária; os assistidos em dois períodos (oito horas), duas refeições diárias; e os
que estão em acolhimento noturno nos CAPS III e permanecem durante 24 horas contínuas
devem receber quatro refeições diárias. A freqüência dos pacientes nos CAPS dependerá de
52
seu projeto terapêutico. É necessário haver flexibilidade, podendo variar de cinco vezes por
semana com oito horas por dia a, pelo menos, três vezes por mês.
O que também determina a freqüência dos pacientes no serviço é o acesso que têm ao
CAPS, o apoio e/ou o acompanhamento familiar e a possibilidade de envolvimento nas
atividades comunitárias, organizativas, de geração de renda e trabalho. Já os CAPS III
funcionam durante 24 horas e podem oferecer acolhimento noturno.
O acolhimento noturno e a permanência nos fins de semana devem ser entendidos
como mais um recurso terapêutico, visando proporcionar atenção integral aos pacientes dos
CAPS e evitar internações psiquiátricas. Ele poderá ser utilizado nas situações de grave
comprometimento psíquico ou como um recurso necessário para evitar que crises emirjam ou
se aprofundem. O acolhimento noturno deverá atender preferencialmente aos pacientes que
estão vinculados a um projeto terapêutico nos CAPS, quando necessário, e no máximo por
sete dias corridos ou dez dias intercalados durante o prazo de 30 dias.
A necessidade de medicação de cada paciente do CAPS deve ser avaliada
constantemente com os profissionais do serviço. Os CAPS podem organizar a rotina de
distribuição de medicamentos e/ou assessorar pacientes e familiares quanto à sua aquisição e
administração, observando-se o uso diferenciado e de acordo com o diagnóstico e com o
projeto terapêutico de cada um.
Os CAPS poderão também ser uma central de regulação e distribuição de
medicamentos em saúde mental na sua região. Isso quer dizer que os CAPS podem ser
unidades de referência para dispensação de medicamentos básicos 1 e excepcionais 2 ,
conforme decisão da equipe gestora local. Os CAPS poderão dar cobertura às receitas
prescritas por médicos das equipes de Saúde da Família e da rede de atenção ambulatorial da
sua área de abrangência e, ainda, em casos muito específicos, àqueles pacientes internados em
hospitais da região que necessitem manter o uso de medicamentos excepcionais de alto custo
no seu tratamento.
Caberá também, a esses serviços e à equipe gestora, um especial empenho na
capacitação e supervisão das equipes de saúde da família para o acompanhamento do uso de
medicamentos e para a realização de prescrições adequadas, tendo em vista o uso racional dos
medicamentos na rede básica. O credenciamento dos CAPS na rede de dispensação de
medicamentos não é automático e deverá estar sujeito às normas locais da vigilância sanitária,
da saúde mental e da assistência farmacêutica, esperando-se que o princípio de fazer chegar os
medicamentos aos pacientes que precisam deva prevalecer, em detrimento de normas ideais
dissociadas da realidade concreta.
53
As oficinas terapêuticas são uma das principais formas de tratamento oferecido nos
CAPS. Os CAPS têm, freqüentemente, mais de um tipo de oficina terapêutica. Essas oficinas
são atividades realizadas em grupo com a presença e orientação de um ou mais profissionais,
monitores e/ou estagiários. Elas realizam vários tipos de atividades que podem ser definidas
através do interesse dos pacientes, das possibilidades dos técnicos do serviço, das
necessidades, tendo em vista a maior integração social e familiar, a manifestação de
sentimentos e problemas, o desenvolvimento de habilidades corporais, a realização de
atividades produtivas, o exercício coletivo da cidadania.
De um modo geral, as oficinas terapêuticas podem ser:
• Oficinas expressivas: espaços de expressão plástica (pintura, argila, desenho etc.),
expressão corporal (dança, ginástica e técnicas teatrais), expressão verbal (poesia, contos,
leitura e redação de textos, de peças teatrais e de letras de música), expressão musical
(atividades musicais), fotografia, teatro.
• Oficinas geradoras de renda: servem como instrumento de geração de renda através
do aprendizado de uma atividade específica, que pode ser igual ou diferente da profissão do
paciente. As oficinas geradoras de renda podem ser de: culinária, marcenaria, costura,
fotocópias, venda de livros, fabricação de velas, artesanato em geral, cerâmica, bijuterias,
brechó, etc.
• Oficinas de alfabetização: esse tipo de oficina contribui para que os pacientes que
não tiveram acesso ou que não puderam permanecer na escola possam exercitar a escrita e a
leitura, como um recurso importante na (re)construção da cidadania.
Os CAPS também, muitas vezes, oferecem outras oficinas, atividades e tratamento,
tais como:
• Tratamento medicamentoso: tratamento realizado com remédios chamados
medicamentos psicoativos ou psicofármacos.
• Atendimento a grupo de familiares: reunião de famílias para criar laços de
solidariedade entre elas, discutir problemas em comum, enfrentar as situações difíceis, receber
orientação sobre diagnóstico e sobre sua participação no projeto terapêutico.
• Atendimento individualizado a famílias: atendimentos a uma família ou a membro de
uma família que precise de orientação e acompanhamento em situações rotineiras, ou em
momentos críticos.
• Orientação: conversa e assessoramento individual ou em grupo sobre algum tema
específico, por exemplo, o uso de drogas.
54
como álcool e outras drogas. Esse tipo de CAPS possui leitos de repouso com a finalidade
exclusiva de tratamento de desintoxicação.
Rede e território são dois conceitos fundamentais para o entendimento do papel
estratégico dos CAPS e isso se aplica também à sua relação com a rede básica de saúde. A
Reforma Psiquiátrica consiste no progressivo deslocamento do centro do cuidado para fora do
hospital, em direção à comunidade, e os CAPS são os dispositivos estratégicos desse
movimento. Entretanto, é a rede básica de saúde o lugar privilegiado de construção de uma
nova lógica de atendimento e de relação com os transtornos mentais.
A rede básica de saúde se constitui pelos centros ou unidades de saúde locais e/ou
regionais, pelo Programa de Saúde da Família e de Agentes Comunitários de Saúde, que
atuam na comunidade de sua área de abrangência. Esses profissionais e equipes são pessoas
que estão próximas e que possuem a responsabilidade pela atenção à saúde da população
daquele território. Os CAPS devem buscar uma integração permanente com as equipes da
rede básica de saúde em seu território, pois têm um papel fundamental no acompanhamento,
na capacitação e no apoio para o trabalho dessas equipes com os pacientes com transtornos
mentais.
Esta integração, faz com que o CAPS tenha as seguintes prioridades:
a) conhecer e interagir com as equipes de atenção básica de seu território;
b) estabelecer iniciativas conjuntas de levantamento de dados relevantes sobre os
principais problemas e necessidades de saúde mental no território;
c) realizar apoio matricial às equipes da atenção básica, isto é, fornecer-lhes orientação
e supervisão, atender conjuntamente situações mais complexas, realizar visitas domiciliares
acompanhadas das equipes da atenção básica, atender casos complexos por solicitação da
atenção básica;
d) realizar atividades de educação permanente (capacitação, supervisão) sobre saúde
mental, em cooperação com as equipes da atenção básica.
Este “apoio matricial” é completamente diferente da lógica do encaminhamento ou da
referência e contra-referência no sentido estrito, porque significa a responsabilidade
compartilhada dos casos. Quando o território for constituído por uma grande população de
abrangência, é importante que o CAPS discuta com o gestor local a possibilidade de
acrescentar a seu corpo funcional uma ou mais equipes de saúde mental, destinadas a realizar
essas atividades de apoio à rede básica. Essas atividades não devem assumir características de
uma “especialização”, devem estar integradas completamente ao funcionamento geral do
CAPS.
56
• 2 médicos psiquiatras
• 1 enfermeiro com formação em saúde mental
• 5 profissionais de nível superior de outras categorias profissionais: psicólogo,
assistente social, terapeuta ocupacional, pedagogo ou outro profissional necessário de nível
superior
• 8 profissionais de nível médio: técnico e/ou auxiliar de enfermagem, técnico
administrativo, técnico educacional e artesão
CAPSi
• 1 médico psiquiatra, ou neurologista ou pediatra com formação em saúde mental
• 1 enfermeiro
• 4 profissionais de nível superior entre as seguintes categorias profissionais:
psicólogo, assistente social, enfermeiro, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo, pedagogo ou
outro profissional necessário ao projeto terapêutico
• 5 profissionais de nível médio: técnico e/ou auxiliar de enfermagem, técnico
administrativo, técnico educacional e artesão
CAPSad
• 1 médico psiquiatra
• 1 enfermeiro com formação em saúde mental
• 1 médico clínico, responsável pela triagem, avaliação e acompanhamento das
intercorrências clínicas
• 4 profissionais de nível superior entre as seguintes categorias profissionais:
psicólogo, assistente social, enfermeiro, terapeuta ocupacional, pedagogo ou outro
profissional necessário ao projeto terapêutico
• 6 profissionais de nível médio: técnico e/ou auxiliar de enfermagem, técnico
administrativo, técnico educacional e artesão
paciente até o projeto terapêutico traçado, e a rede de apoio familiar e social que se pode
estabelecer. O importante é saber que o CAPS não deve ser um lugar que desenvolve a
dependência do paciente ao seu tratamento por toda a vida. O processo de reconstrução dos
laços sociais, familiares e comunitários, que vão possibilitar a autonomia, deve ser
cuidadosamente preparado e ocorrer de forma gradativa.
Para isso, é importante lembrar que o CAPS precisa estar inserido em uma rede
articulada de serviços e organizações que se propõem a oferecer um continuum de cuidados. É
importante ressaltar que os vínculos terapêuticos estabelecidos pelos pacientes com os
profissionais e com o serviço, durante a permanência no CAPS, podem ser parcialmente
mantidos em esquema flexível, o que pode facilitar a trajetória com mais segurança em
direção à comunidade, ao seu território reconstruído e re-significado.
O protagonismo dos pacientes é fundamental para que se alcancem os objetivos dos
CAPS, como dispositivos de promoção da saúde e da reabilitação psicossocial. Os pacientes
devem ser chamados a participar das discussões sobre as atividades terapêuticas do serviço. A
equipe técnica pode favorecer a apropriação, pelos pacientes, do seu próprio projeto
terapêutico através do Terapeuta de Referência, que é uma pessoa fundamental para esse
processo e precisa pensar sobre o vínculo que o paciente está estabelecendo com o serviço e
com os profissionais e estimulá-lo a participar de forma ativa de seu tratamento e da
construção de laços sociais.
Os pacientes devem procurar os técnicos para tirar dúvidas e pedir orientação sempre
que precisarem, entrando direta ou indiretamente em contato com o CAPS mesmo quando não
estiverem em condições de ir ao serviço. A participação dos pacientes nas Assembléias muitas
vezes é um bom indicador da forma como eles estão se relacionando com o CAPS. As
associações de pacientes e/ou familiares muitas vezes surgem dessas assembléias que vão
questionando as necessidades do serviço e dos pacientes. Os pacientes devem ser incentivados
a criar suas associações ou cooperativas, onde possam, através da organização, discutir seus
problemas comuns e buscar soluções coletivas para questões sociais e de direitos essenciais,
que ultrapassam as possibilidades de atuação dos CAPS.
As organizações de pacientes e/ou familiares têm cumprido um importante papel na
mudança do modelo assistencial no Brasil, participando ativamente da discussão sobre os
serviços de saúde mental e promovendo atividades que visam a maior inserção social, a
geração de renda e trabalho e a garantia de seus direitos sociais.
Um dos objetivos do CAPS é incentivar que as famílias participem da melhor forma
possível do quotidiano dos serviços. Os familiares são, muitas vezes, o elo mais próximo que
59
os pacientes têm com o mundo e por isso são pessoas muito importantes para o trabalho dos
CAPS. Os familiares podem participar dos CAPS, não somente incentivando o paciente a se
envolver no projeto terapêutico, mas também participando diretamente das atividades do
serviço, tanto internas como nos projetos de trabalho e ações comunitárias de integração
social. Os familiares são considerados pelos CAPS como parceiros no tratamento.
A presença no atendimento oferecido aos familiares e nas reuniões e assembléias,
trazendo dúvidas e sugestões, também é uma forma de os familiares participarem,
conhecerem o trabalho dos CAPS e passarem a se envolver de forma ativa no processo
terapêutico. Os familiares também têm criado associações, com outros familiares e/ou
pacientes, que podem ser um importante instrumento de promoção da saúde e da cidadania de
todos os envolvidos.
A comunidade é um conjunto de pessoas, associações e equipamentos que fazem
existir a vida numa certa localidade. A articulação entre CAPS e comunidade é, portanto,
fundamental. A comunidade – serviços públicos das áreas da educação, do esporte e lazer, do
trabalho, associações de moradores, clube de mães, associações comunitárias, voluntários –
poderá ser parceira dos CAPS através de doações, cessão de instalações, prestação de
serviços, instrução ou treinamento em algum assunto ou ofício, realização conjunta de um
evento especial (uma festa, por exemplo), realização conjunta de projeto mais longo,
participação nas atividades rotineiras do serviço.
Com essas parcerias e ações, a comunidade produz um grande e variado conjunto de
relações de troca, o que é bom para a própria comunidade e para todos do CAPS. As parcerias
ajudam a toda a comunidade a reforçar seus laços sociais e afetivos e produzem maior
inclusão social de seus membros. Por isso a participação da comunidade é muito importante
para a criação de uma rede de saúde mental. O CAPS deve ser parte integrante de sua
comunidade, de sua vida diária e de suas atividades culturais.
60
3 - MÉTODO
3.1 - SUJEITOS
3.2 - MATERIAL
Os materiais utilizados foram: papéis de diferentes tipos, texturas, cores e brilho; lápis
e lápis de cor; caneta hidrográfica, giz de cera; folhas sulfites, cartolinas, papel-cartão, argila,
jornal, revistas, pincéis e trinchas, tinta, verniz vitral, isopor, pedrinhas, água, panos e tecidos,
esponjas, tesouras, barbante, música (rádio-toca-fitas e cds), papel-cartão, papel crepom,
papel kraft, papel carbono, papel de seda, retalhos e sucata; cola, palitos de sorvete, botões,
livros, obras de artistas famosos e não famosos, cola-glíter (com purpurina), aquarela, fita
adesiva e Durex, câmera-fotográfica, caneta, azulejos, argila, rolo compressor entre outros
materiais.
O lugar onde se realizavam as oficinas de arteterapia era constituído de uma sala
relativamente grande, usada também para as oficinas de terapia ocupacional. Havia uma mesa
grande rodeada de cadeiras. Dependendo da proposta da oficina, eram retiradas as mesas e as
produções eram realizadas em pé. Na sala havia também os materiais necessários, desde
64
3.3 - PROCEDIMENTO
Este capítulo tem como objetivo apresentar como foram realizadas as oficinas de
Arteterapia neste CAPS-Adulto, de setembro à dezembro de 2006, com comentários, e análise
pessoais e de F. – estagiária de T.O. (terapeuta ocupacional), que participou conjuntamente
comigo e com G. – T.O. do CAPS, na elaboração, realização e discussão das atividades para
as oficinas, que foram realizadas todas às quintas-feiras. Consta também neste capítulo, os
comentários tecidos a respeito dos pacientes que participaram das oficinas e suas produções.
tendo terminado a produção, disse estar bem melhor, pois apresenta um quadro depressivo.
Turmalina apresenta-se sempre muito comunicativa e gosta de contar fatos que ocorrem em
sua vida para todo o grupo escutar, diz gostar muito de arte. Ouro e Marfim geralmente
apresentam-se mais calados durante as atividades. Pérola fala pouco também, muitas vezes
fala num tom de voz muito baixo, difícil de se entender o que relata, pois não verbaliza direito
as palavras. Traz sempre a questão do desejo de voltar para sua terra, seus parentes e casa no
nordeste, e sempre usa pedaços/retalhos de tecido/pano para executar as suas produções.
Safira dependendo do dia, de seu estado geral, verbaliza mais ou menos, mas sempre realiza
produções com afinco, assim como os outros participantes.
PRODUÇÕES ELABORADAS:
O objetivo foi o de cada um poder expressar algo que gostasse na natureza, pois na
atividade anterior apareceu muito na Cartolina dos Nomes, temas ligados à natureza, além da
proposição do uso de materiais além do giz de cera, lápis de cor, caneta hidrográfica e tinta-
guache (explorar novos materiais). Estavam presentes: M. (que participou somente desta
oficina – sexo masculino), Safira, Esmeralda, Ouro, Marfim e Pérola e Turmalina. A cor
escolhida da cartolina foi a cor rosa. Já partimos para a realização de uma produção (uma
cartolina) para todos, tendo em vista a proposta de fortificar a articulação da formação grupal.
Primeiramente foi tocado uma música com sons da natureza, como o barulho do vento, dos
animais, da água, etc. para que eles imaginassem com os olhos fechados, situações, vivências,
lugares, experiências e temas ligados à natureza, das quais eles gostassem ou gostavam. Após
cerca de 10 minutos, o volume da música foi diminuído, e um foi compondo o desenho do
outro. O primeiro desenho foi o de Safira: uma cachoeira que desembocava num rio e daí
surgiram os outros desenhos. A música continuou a tocar durante toda a atividade, como
música de fundo, com efeito meditativo e introspectivo. A cartolina ficou exposta na sala de
televisão, e eles disseram que gostaram muito de realizar esta atividade. Eu não estava, pois
fui participar no Rio de Janeiro do: “I Encontro Nacional de Arte e Saúde Mental” na U.E.R.J.
Eles perguntaram de mim, e foi-lhes informado que eu não estava devido ao Encontro, e que
nas próximas oficinas estaria presente. F.(TO) e G.(TO) estavam presentes. A cartolina ficou
muito bonita e criativa, tendo um sol, rio, peixes, pessoas, rochas, cachoeira, flores, pássaros,
árvore e outros temas naturais. Foram utilizados: papel crepom, tesoura, cola, recortes,
tecidos, lápis, lápis de cor e canetas hidrográficas. Eles geralmente escolhem a cor da
cartolina, e os materiais são fornecidos por nós, mas caso queiram algum outro que não esteja
na mesa, se possível, é fornecido o material. Segundo relato de F., apareceram nas imagens na
cartolina, figuras que lhes lembraram a infância e juventude, lugares e situações vividas
ligadas à natureza (vide entrevistas). O Ouro fez os pássaros. Esmeralda fez os bonecos e as
flores. Pérola as roupas de tecido para os bonecos, com a ajuda de Esmeralda. Pérola fez
também as flores de tecido, recortadas e coladas por ela mesma na cartolina. Marfim fez as
rochas de papel crepom. Turmalina desenhou, pintou, recortou e colou, todos os bonecos na
cartolina. O que cada um executou está descrito em maiores detalhes nas entrevistas.
Esmeralda disse que teve vontade de chorar devido à música. Safira disse ter gostado porque
73
gosta de água. Pérola relatou ter gostado da atividade porque trabalhou com tecido e isto é o
material que ela gosta e gostava de trabalhar. A maioria gostou muito da atividade, segundo
relato de F.
PRODUÇÕES REALIZADAS:
Objetivou-se usar tinta têmpera guache, sem a utilização de pincéis. Foram utilizadas
trinchas, os dedos, materiais de modelagem (instrumentos), buchas, esponjas, palitos de
sorvete, espátulas, marcadores, e instrumentos que demarcavam a tinta no papel através de
uma determinada forma, e outros materiais e técnicas sem o uso de pincéis, para estimular a
criatividade, originalidade e busca de técnicas pessoais e improvisos. Estavam presentes:
Marfim, Pérola, Safira e Esmeralda. Foram realizados cerca de 12 trabalhos artísticos.
PRODUÇÕES REALIZADAS:
Foram utilizadas folhas, divididas ao meio, onde cada um jogava um pouco de tinta
(pintura abstrata) na metade da folha, sem o uso de pincéis. A outra metade em branco era
dobrada e assim saía uma pintura abstrata espelhada – figuras iguais nas duas partes da folha.
Eles se surpreendiam quando abriam a folha e vislumbravam a pintura criada através da
técnica do espelho. Estavam presentes: Safira, Pérola, Ouro, Marfim, Esmeralda e Turmalina?
Foram produzidas seis pinturas. Os nomes das produções foram dadas pelos pacientes. Houve,
assim como em outras atividades, produções sem título, e produções que nós não
conseguimos lembrar o nome de seus produtores.
PRODUÇÕES:
O objetivo foi a realização de produções feitas com a fricção de vela de cera nas
folhas a fim de serem banhadas num recipiente onde havia água com um pouco de verniz
vitral colorido pingado, que impregnava os lugares onde havia vela nas folhas e os
85
demarcavam com tinta verniz, formando manchas de tinta colorida nas folhas. Cada um
escolheu a cor da folha e as cores das tintas-verniz para pingar no recipiente e cada paciente
molhava delicadamente com a ajuda de dois pregadores de roupa, pregados nas extremidades
da folhas, as produções no recipiente e retirava logo á seguir. Eles ficavam admirados com o
que saia (as formas e as cores), e quiseram repetir e fazer mais de um trabalho embebido nas
tintas-verniz. O objetivo foi trabalhar as formas abstratas, as cores, as formas com a vela e o
verniz. Quem desejasse, depois, pintaria sobre o verniz o que quisesse. Estavam presentes:
Pérola, Esmeralda, Safira, Ouro e Marfim. Foram produzidas cerca de oito (8) pinturas. A
verniz vitral marrom não estava muito boa, por este motivo, ela predominou nas pinturas (a
cor marrom, quando foi escolhida para uso).
PRODUÇÕES:
A proposta foi preencher com os materiais que estavam sobre a mesa os azulejos
brancos, da forma que quisessem. Estavam presentes seis (6) pacientes: o Jade, o Ouro, o
Marfim, a Pérola, a Esmeralda e o Diamante.
Todos os pacientes demonstram-se introspectivos no início de todas as atividades, e
geralmente expressam-se pouco através da fala, mas à medida que as atividades iam
ocorrendo, o cenário mudava: observava-se uma riqueza, uma elaboração criativa e expressiva
maravilhosa.
O Ouro mostrou-se sempre muito criativo, produzindo trabalhos lindos, foi apelidado
pelo grupo de “O Artista”. Ele fez um caminhão no azulejo, com o uso de retalhos de pano, e
no outro azulejo, recortou recortes de figuras geométricas de retalhos de tecido, coladas no
mesmo. Realizou outra produção artística, muito bonita, em uma cartolina amarela. Foi
elogiado pelo grupo, devido às suas produções e chamado de: “O Artista”. O grupo
perguntou-lhe quando seria sua exposição em tom de brincadeira. Ele respondeu que seria em
breve, brincando também. Ouro expressou seu desejo de pintar em tela, mas G. (a T.O.
veterana do CAPS) acha que seria melhor que isso ocorresse nas últimas oficinas, pois
concluiu que seria melhor aos pacientes, adquirirem mais domínio sobre as técnicas artísticas.
A Esmeralda produziu dois trabalhos, um em cada azulejo. Em um deles fez uma menina
numa paisagem, usando retalhos de pano e fios de lã e cola glíter, sendo a única a assinar seus
trabalhos, sei que a ela foi lhe sugestionado assinar as suas produções, mas não me recordo,
(penso que sim) se foi sugestionado a todos que dessem um tema para a sua produção e que
assinassem. Perguntei a ela se estava faltando algo, e ela respondeu que faltava um menino,
mas não o fez, mas desenhou com cola glíter uma nuvem, o sol e colou flores de retalho de
tecido, e tracejou uma linha verde com cola glíter que passava por trás, na altura um pouco
abaixo da cintura da menina. Os trabalhos foram realizados em cima de azulejos com pintura,
desenho, e colagem de retalhos de pano, recortes de revista, bolas de isopor, palitos de sorvete
e pedrinhas. F. (estagiária de T.O.) pensa que Esmeralda produz trabalhos um pouco
infantilizados e que o grupo ainda está um pouco tímido. O Jade assim como o Diamante,
apresenta uma agitação psicomotora muito intensa, quer logo sair da sala, quando acaba de
realizar as suas produções, sendo que F. e eu, tentamos fazer com que ele fique o máximo de
tempo que conseguisse na sala, ele é extremamente agitado e sem paciência, mas gosta das
oficinas, ele comentou. Foi a primeira vez que o Diamante veio e disse que era bipolar, ele
89
fala muito e conversa com todos, chegando muitas vezes a ser inconveniente com as pessoas,
como quando agiu, perturbando a realização da produção de Esmeralda. A Pérola, que estava
ao lado de Esmeralda, colou retalhos de pano coloridos em azulejo, mas ela não estava bem,
estava confusa mentalmente, talvez devido ao agravamento de sua doença senil. Ela sempre
entra na sala de oficinas com sua bolsa e só depois de muita insistência nossa, ela deixa a
bolsa num canto. Ela estava tão confusa que, quando se encerrou a atividade, saiu da sala,
levando parte dos materiais da oficina embora. Foi chamada a sua atenção, e ela devolveu o
material. O Diamante comentou que iria viajar para fora de São Paulo, para a casa de uma
menina que ele estava de “rolo”, que conheceu pela Internet, relatou que sempre viaja e que
gosta muito de viajar e conhecer lugares e pessoas novas, e que adora Curitiba, que tinha uma
namorada lá. Reclamou que não lhe davam alta do tratamento no CAPS, questionando o
motivo, pois já estava há muito tempo em tratamento no CAPS, há sete anos, e que já deram
alta para muitos, e só ele não recebia alta. Ele relatou que em sua casa não havia numeração
para a chegada de cartas do correio, que as cartas sempre chegam no vizinho, então fez no
azulejo o número de sua casa: 39 (feito de pedrinhas coladas no azulejo), pois queria pendurar
o azulejo demarcador na frente de sua casa, mas esqueceu de levá-lo para sua residência.
Diamante falou muito, como sempre ocorre durante as oficinas. Ele demandava muita a
atenção e a ajuda da estagiária F. Pérola disse que precisava ir para o Paraná (Diamante estava
contando a história de sua viagem ao Paraná), então ele explicou todos os detalhes como o
ônibus, a companhia, a rodoviária, etc... de como ela chegaria até o Paraná. O grupo
comentou que os loucos vêm parar no CAPS, num tom de brincadeira. Veio também pela
primeira vez a Prata, que ficou muito quieta, quase não falava e não tomava nenhuma atitude,
não conversava com ninguém, quando eu e F. falávamos com ela, ela sorria e ficava
pensando, mas produziu dois trabalhos no azulejo. Não interagia verbalmente com o grupo, e
relatou várias vezes que não sabia fazer nada, estimulamos-na a produzir algo, oferecendo
material para olhar e decidir o que retrataria nos azulejos, ela demorou muito, até que fez uma
colagem com pedaços de pano no azulejo, onde figurou uma mulher, mas que tinha só a parte
inferior do corpo – a parte superior era um retângulo de retalho de tecido, com dois fios
prateados, pintados com cola glíter, saindo do retângulo. As extremidades dos fios acabavam
em duas bolas amarelas floridas, uma de cada lado da mulher. Achei muito intrigante o que
fez, mas não sabia explicar o que tinha feito. Depois escolheu a foto de uma mãe com a filha,
numa revista, ambas sorrindo, recortou a foto e colou no azulejo, pintando um sorriso na boca
de ambas com cola glíter vermelha, depois produziu outros trabalhos nos azulejos. Depois de
feito o azulejo da mãe e filha, Prata disse não querer mais realizar mais nada, e lhe foi
90
oferecido revistas. Ela ficou folheando as revistas, e me chamou para que eu visse como era
bonita a Nicole Kidman, seu vestido de casamento e seu casamento. Os materiais utilizados
foram: azulejos, bolinhas de isopor granuladas de vários tamanhos, cola glíter (com
purpurina), papel, caneta esferográfica, botões, revistas e recortes, tesoura, cola, pedrinhas
coloridas, pedaços pequenos de tecidos, mosaicos de azulejos, palito de sorvete, lápis de cor,
lápis, entre outros materiais. O objetivo da atividade não foi trabalhar com lápis e papel, mas
como seguimos também a demanda do desejo dos pacientes, a Esmeralda pediu lápis e papel.
O objetivo foi trabalhar recortes e colagem e outros matérias nos azulejos. A Pérola pegou os
pedaços de panos, porque adora fazer roupas e vestidos com eles, disse querer voltar para a
sua terra no nordeste, como sempre diz. O Jade participa de vários torneios esportivos, entre
os CAPS também, e relatou sobre o torneio de futebol que participou, e que já ganhou várias
medalhas. Ele, como já conhecia F., interagia bem com ela, havendo muito diálogo entre os
dois, e entre Jade e o grupo, pois Jade adorar falar muito. Jade usou a cola glíter verde, palitos
de sorvete e as bolas de isopor no azulejo. O Marfim fez algo parecido com as produções de
Jade em dois azulejos, atestando a influência de um trabalho de um paciente sobre a produção
do outro. Quando a proposta da atividade arteterapêutica é oferecida aos pacientes, eles ficam
durante um certo tempo pensando no que executar e expressar, e um pouco tímidos e
receosos, penso eu – por mais que seja dito no início e repetido, que não há certo ou errado,
bonito ou feio, que o objetivo é poder expressar livremente o que pensam, sentem e desejam,
da maneira que quiserem com os materiais que estão à disposição. Sempre são elogiados pelos
trabalhos produzidos, e cientes que estamos ao lado, ou perto deles, para auxiliá-los no que
desejarem. Quando finalizam as produções, peço permissão para mostrar as produções
acabadas ao grupo, e indago se alguém deseja tecer algum comentário, o que muitas vezes
ocorre, com elogios do grupo. Quando convidamos os pacientes para participarem da oficina
de Arteterapia, eles estão dormindo, conversando, assistindo televisão, tomando sol, fumando
ou não fazendo nada mesmo, a maioria aceita o convite pessoal. Há na mesma hora, uma
outra oficina grupal denominada “Grupo Verbal” e após a oficina, a “Atividade de Culinária”.
O grupo está interagindo mais, mas eles não são de falar muito entre eles, a disposição dos
materiais e a necessidade de seu uso também estimulam a comunicação entre o grupo.
Perguntamos sempre se alguém quer trabalhar algum tema ou material específico nesta
oficina ou para as próximas. O Ouro se manifestou quanto ao desejo de pintar em tela.
Perguntamos também, em todas as oficinas, se alguém não está gostando de algo e
questionamos se estão gostando das atividades. A Pérola relatou que: “O que mandarem fazer
eu faço!” (sic). A maioria dos pacientes das oficinas não se manifestam em relação às
91
inovações, ou pedidos ou desejos pessoais, o que houver de atividade ou material, eles usam e
se expressam através da atividade proposta. Houve na semana passada uma apresentação de
atividades realizadas pelos pacientes do CAPS. Todas ás quintas, eles fazem um passeio para
algum lugar da cidade durante a parte da manhã. Um dia foram para o CAPS X, outro para o
CECCO do Ibirapuera, outra vez para um determinado shopping, etc. A G. (T.O. do CAPS)
teve que sair no meio da atividade para resolver algo importante, relatando que uma psicóloga
do CAPS, iria iniciar a participar das oficinas de Arteterapia conosco.
AZULEJOS PRODUZIDOS:
fazer algo mais elaborado, mas estava sem condições. Jade relatou que um paciente do CAPS
havia falecido enquanto jogava futebol. Marfim fez um animal de quatro patas que chamou de
elefante com dois chifres e rabo, depois seus colegas falaram para ele que não havia tromba,
então não poderia ser um elefante, que estava mais parecido com uma espécie de cachorro ou
vaca (todos deram gargalhadas, o ambiente estava bem descontraído, e os pacientes bem
integrados) e relatou que iria pintar na próxima semana as suas produções. Relatou não querer
pintar, pois a argila ainda estava mole. O Jade estava muito agitado e ansioso, como nas
outras atividades, relatou estar com angústia e queria sair logo da sala, saiu e entrou na sala
várias vezes. Mas fez um fogão à lenha, bem elaborado, com forno e quatro bocas para o
fogo, além de uma tampa para o fogão. Fez mais algumas outras figuras com argila, como
tachos (vaso de metal ou de barro) coloridos com tinta guache, verde e rosa, com alguns
alimentos em seu interior, e pintou todas as suas produções. Os três conversaram bastante,
havendo uma boa integração entre o grupo, o ambiente estavam bem descontraído, eles até
brincaram e contaram piadas. Uma enfermeira entrou no meio da atividade para dar um
remédio para Jade. Marfim riu muitas vezes das histórias que Diamante contava. Diamante
falou muito em morte e morrer, e que hoje era para ser o dia do enterro dele (sic), pois
acordou com arritmia cardíaca e torporoso. Sua mãe disse a ele que era para ele tomar café
para acordar, mas ele só queria dormir, pois não se sentia bem. Disse que tomou este remédio
para dormir e esquecer este pesadelo ruim que veio em sua mente. Como foi trazido o tema da
morte, conversamos um pouco a este respeito, mas queríamos falar sobre outros assuntos
também, devido ao “clima pesado” que se estabelecia na sala, quando ele falava sobre este
tema, e em respeito aos demais integrantes do grupo que não se mostraram desejosos em ficar
falando ou ouvindo muito tempo sobre este tema. O Jade sempre faz suas produções
rapidamente para poder ir embora logo. Foi-nos recomendado pela equipe do CAPS, tentar
estimulá-lo a permanecer mais tempo durante as atividades. Qualquer mulher que passasse no
lado de fora da sala, Diamante fazia alguma brincadeira, ria e aproximava-se da janela para
conversar com ela, e Marfim achava muito engraçado. Diamante fala sobre vários assuntos,
cuja veracidade às vezes parece duvidosa, ele não gostou da atividade (não gosta de trabalhar
com argila), pois segundo seu relato, sujam suas mãos, gruda, etc. Jade gostou bastante da
atividade.
98
PRODUÇÕES REALIZADAS:
estilos artísticos da história; “LASAR SEGALL” – O Pintor de Almas, livro sobre as obras e
história do pintor, “ARTESANATO PARA CRIANÇAS” – Com Tintas e Pincéis, livro sobre
técnicas e produções para crianças; “Chagall” – livro sobre a história de vida e obras do
pintor; um livro sobre obras e textos sobre a arte bizantina; “Calendário 2004” – Reproduções
de pinturas originais realizadas por artistas sem mãos; pinturas rupestres/primitivas em
cavernas; livros que retratam a arte do impressionismo, surrealismo, expressionismo, dentre
outras escolas de arte e outras produções. Estavam presentes eu e F., G. teve que sair para
uma reunião de equipe. De pacientes estavam: a Ametista, pela primeira vez, o Diamante, o
Marfim, o Ouro, a Esmeralda e a Safira, que demorou a decidir se aceitava o convite, e no
final aceitou e aproveitou muito a atividade. O Jade foi convidado, mas disse não querer, pois
estava com dor de cabeça, não se sentindo bem, ficando numa das salas dormindo. Jade,
devido à medicação, apresenta um pouco de tremor no corpo e nas mãos. Marfim é fumante, e
parou de fumar para participar da atividade, e na maior parte das atividades ficava em
silêncio. O Diamante estava, como sempre, muito falante, um falar compulsivo. Ametista se
irritou com o falar compulsivo de Diamante, pedindo para ele parar de perturbá-la e parar de
falar um pouco. Primeiramente pedimos que olhassem as revistas e livros que trouxemos para
poderem reproduzi-los e se prepararem para a pintura em tela. Depois de escolhidas as obras
de arte, passaram os seus entorno para o papel vegetal, para repassarem através do carbono
para um papel-cartão colorido, cuja cor foi escolhida por eles, para poderem pintarem e
criarem uma produção com estilo próprio, tendo as obras de arte como referência. Cada um
escolheu uma cor diferente de papel-cartão. Informamos que poderiam acrescentar ou retirar o
que queriam das obras de arte originais, e que era o objetivo que a nova “obra” (pessoal de
cada um) não necessariamente fosse idêntica à original, mas que tivesse a criatividade e a
marca pessoal de cada um. Ouro demorou um pouco para escolher o que queria reproduzir até
que escolheu araras, pousadas em galhos de árvore, obra de um pintor que realizou a pintura
com pincéis na boca, cujo autor é Johnny A. Y. Kwang – “Araras”. Ouro como Marfim, é
muito calado, embora ambos sejam muito educados e solícitos com o grupo e com os
profissionais. Quando Ouro terminou de pintar sua reprodução, perguntei a ele se não queria
pintar algo ao redor da figura pintada, pois havia sobrado um espaço grande na folha. Ele me
respondeu que não, porque da forma como pintou, as araras estavam bem seguras e assim não
poderiam voar do papel. Sua pintura ficou muito bonita e foi muito elogiada pelo grupo.
Expressou novamente sua vontade em pintar em tela. Ametista escolheu reproduzir uma obra
de arte do livro da história dos judeus, chamada: “Aharon pondo óleo em uma das lamparinas
da Menoráh (lamparina judaica de sete braços, usada no Grande Templo judaico de
101
Jerusalém)”. Esta obra é do nordeste francês do século XIII. Após reproduzir o desenho, ela
pintou e perguntou como se fazia a cor marrom. Foi-lhe ensinado, e ela relatou ter gostado
muito da atividade. O grupo estava muito dinâmico e articulado, os indivíduos muito
comunicativos, criativos e concentrados em seus trabalhos, embora se comunicassem com
freqüência entre si. O Diamante estava muito bem, brincando com todos, inclusive conosco.
Contou como fazia seus biscuits. Retratou uma mulher do pintor Bernard Peltriaux, obra de
uma mulher sentada, cheirando uma flor. Diamante disse que era a F. cheirando uma flor. F.
disse a ele, se quisesse colocar o nome de sua produção de F. poderia colocar, pois assim ele
pediu a ela. A mulher retratada estava sem um chão (sem apoio), então perguntei a Diamante
onde estava esta mulher. Então ele fez um chão em verde, preenchendo a pintura com mais
detalhes. Ao ver o que Diamante fez, Ametista também pintou um chão para apoiar o sujeito
pintado. Diamante relatou que a mulher estava nas nuvens e que ela estava morta. Então ele
pintou as nuvens. Relatou que esta mulher tinha um namorado/marido. Safira retratou uma
obra de Marc Chagall, denominada “Eu e a Aldeia” - de 1911, onde há duas figuras grandes
se olhando, a primeira, uma vaca, e a outra, um homem, e no fundo da tela a imagem de seu
pequeno vilarejo de origem. Ficou muito bonito. Ela cantava quando pintava. Usou as
técnicas das oficinas de Arteterapia anteriores, como o uso dos instrumentos de esponja para
dar um efeito de borrifagem (espargiu a tinta). Relatou ter adorado criar esta produção.
Ametista ficou até o final da atividade e quis ajudar a guardar o material, disse ter adorado a
atividade. Foram mostradas as produções de cada um para o grupo, que elogiava quando
observava cada uma, e tecia algum comentário positivo. Marfim tentou reproduzir uma obra
de um pintor que retratou três mulheres, mas não conseguiu uma boa elaboração final,
escolhendo a cor azul claro. Esmeralda chegou bem atrasada, mas se concentrou na atividade,
realizando uma pintura de duas mulheres seminuas de Di Cavalcanti, mas não deu tempo para
terminar a produção, mesmo assim, relatou estar satisfeita e feliz com o que fizera, achando
bonita sua produção. O CAPS estava em obras e dentre duas semanas, a próxima atividade
seria realizada na sub-prefeitura, no mesmo bairro.
Penso que a atividade foi muito produtiva, e eles utilizaram-se de vários recursos e
técnicas para o desenho, como a cópia e a pintura. Foram muito criativos e inovadores. O
grupo estava muito harmônico e dinâmico. Os sujeitos muito concentrados e participativos. O
grupo mostrou interesse e expectativa para a visita à Bienal de Artes que ocorreria na semana
seguinte. Foram produzidas seis pinturas.
102
PRODUÇÕES REALIZADAS:
Alguns pacientes de várias oficinas do CAPS foram à Bienal de ônibus fretado, foi
feito o convite a todos os pacientes do CAPS, e foi quem desejou. Foram para a Bienal
aproximadamente 15 pacientes, acompanhadas de G., F., M. - a psicanalista-educadora, uma
outra funcionária do CAPS, acho que dois técnicos, sendo um enfermeiro, e eu já estava lá
esperando por eles. Foram do nosso grupo: o Diamante, o Ouro, o Marfim, o Topázio, e a
Esmeralda e acho que a Pérola. Durante a viagem de ônibus, a maioria sentou sozinho, o
ônibus era muito grande e nem houve lotação. Alguns poucos ficaram juntos, e outros com os
técnicos da enfermagem que também os acompanharam. Mas não houve uma grande
interação grupal, mesmo porque isto é difícil de ocorrer. Não houve monitoria. Como eles
chegaram 40 minutos após o horário combinado comigo, só pude ficar com eles cerca de 15
minutos. Primeiro eles passaram no CECCO do Ibirapuera, quem quis entrou para conhecer o
local. O., um dos pacientes, relatou que queria ir para o passeio só para ver as fontes do
Ibirapuera. Percebi que eles estavam muito curiosos, mas não saberia dizer se a Bienal seria
boa para eles, porque tratava de temas muito fortes de uma maneira muito explícita. Havia
uma parte em que a guerra era retratada com membros e cabeças de pessoas esfaceladas,
fome, miséria, etc. Diamante levou sua câmera digital e tirou muitas fotos da Bienal.
Esmeralda parece ter gostado e se separou do grupo, querendo apreciar sozinha as obras de
arte, pareceu estar muito entretida na observação das obras, relatando não ter paciência para
esperar o grupo. Perguntou-me sobre a obra que retratava uma mesa de ponta cabeça,
pendurada no teto de um abrigo, pensamos juntos à respeito: talvez o objetivo desta obra fosse
retratar os valores humanos que estão de cabeça para baixo, virados, como as relações entre as
pessoas e a falência das instituições como a família, as comunidades, as sociedades, as
utopias, as amizades, as nações, etc. Hoje se valoriza mais o que você tem, e não o que você é.
A mesa, que deveria ser um lugar para acolher, se discutir, onde as pessoas se reuniriam em
torno, está virada. Ouro quando viu uma obra de arte que era metade pássaro, metade humana,
G. acredita que isto gerou nele uma angústia muito forte e que a obra remeteu-lhe às suas ave-
montros que o perseguem (delírio persecutório). Ouro não agüentou a angústia e teve que sair
da Bienal, esperando no lado de fora.
Atividade realizada numa sala da sub-prefeitura do mesmo bairro, pois o CAPS está
em reforma. Cerca de 15 pacientes estavam presentes na sala, sentados, dispostos numa roda
aberta a fim de discutir como foi a visita à Bienal. Estavam presentes G., a educadora-
psicanalista (M.), F. e eu. Havia na sala pacientes que não foram à Bienal. Dos que
geralmente freqüentam as oficinas de Arteterapia estavam: Marfim, Esmeralda e Topázio. A
maior parte são integrantes do grupo aberto de M. A maioria não gostou da Bienal, acharam-
na estranha, feia, pornográfica, pois acharam que iriam encontrar coisas belas, verdadeiras
obras de arte (como nas galerias de arte e nos museus tradicionais) e segundo a maioria deles,
encontraram coisas muito feias: sangue, pedaços de corpos e membros de pessoas mutiladas
pelas guerras e pelas torturas, morte, miséria, etc. Penso que estes temas lhes afetaram muito,
pois lhes remeteram ao sofrimento e as vivências difíceis que passam e passaram na vida,
embora houvesse na Bienal obras que não retratassem desgraças que ocorreram na
humanidade. A 27ª Bienal Internacional de São Paulo – trouxe um tema político que gerou
muita controvérsia para a sociedade: “Como Viver Junto”, - as diferentes formas de se viver
junto, que teve entre os seus objetivos levar a arte contemporânea ao conhecimento do grande
público. Essa lacuna, que a 27ª Bienal buscou preencher, foi cuidadosamente pensada para se
efetivar através de diversas ações sócio-educativas. Apresentou obras de 118 artistas
brasileiros e estrangeiros, baseado nos projetos construtivos de Hélio Oiticica. G., durante a
discussão, pontuou que havia obras que remetessem a sentimentos positivos. Nisto, um dos
pacientes citou a bicicleta revestida de palha/bambu. Um dos participantes do grupo relatou
que via estas desgraças que estavam expostas através das obras de arte, todos os dias nos
noticiários da televisão e no jornal, portanto ele disse não ter gostado da visita. Outro
participante relatou achar um absurdo que cenas tão impactantes, fortes e obras pornográficas
fossem expostas a todos, inclusive para crianças. Relataram que queriam ver obras belas e
clássicas, como nos museus. Na Bienal havia obras, no início impactantes, fortes, que
retratavam as desgraças da humanidade, mas, à medida que as pessoas iam subindo pela
construção da Bienal, havia obras que retratavam temas mais “positivos” da humanidade,
como numa espiral (as relações entre as pessoas poderiam melhorar e evoluir, assim também a
humanidade como um todo). Como a maioria não gostou da Bienal, foi sugerido, já que um
dos participantes disse ter gostado do passeio no ônibus e do caminho até a Bienal, que ficou
observando a paisagem de dentro do ônibus, de se fazer um ônibus de forma artística, escrito
CAPS, dentro de uma tela de cinema, já que vídeo, cinema e arte mesclavam-se na Bienal. É
interessante e importante pontuar, que para este paciente, o importante, o que fez sentido para
ele, não foram as obras de arte da Bienal, mas o trajeto, o caminho, o passeio de ônibus com o
109
grupo, o estar junto e não estar só, já que nas entrevistas apareceu freqüente o tema da
solidão. Outra idéia, suscitada foi a de que os próprios participantes da atividade, eles
mesmos, estivessem dentro desta tela de cinema, eles fossem os protagonistas, portanto, no
lugar de pintar o rosto dos passageiros do ônibus, foram recortados os lugares onde ficariam
as cabeças, e tiraríamos fotos do ônibus com as cabeças dos pacientes dentro do ônibus (pois
na Bienal eles gostaram de uma obra de arte interativa, onde eles puseram as cabeças e
tiraram fotos – todos assim fizeram). Eles adoraram também na Bienal, uma obra interativa,
onde eles entraram (era uma espécie de caixote grande) e ficavam assistindo numa tela de
cinema, barulhos fortes e estrondosos da natureza, como o som do vento, do mar, de trovões,
de animais. (Uma das usuárias, idosa, bem comprometida mentalmente, que nunca foi ao
cinema, se assustou muito com o barulho, e todos acharam engraçado o fato, mas depois
Diamante disse que iria levá-la ao cinema - em tom de brincadeira. Diamante também brincou
com ela falando; Olha lá C., é você no cinema!). Eles adoraram a idéia de fazer um ônibus na
tela do cinema/televisão, que ficou muito criativo, bonito e muito bem elaborado (os
profissionais também ajudaram na execução). Daí surgiu a idéia de um passeio/atividade onde
os pacientes fossem assistir a um filme no cinema. Os materiais utilizados foram: papel
cartão, cola glíter, tesoura, tinta guache, pincéis e trinchas, régua, canetas, canetas-
hidrográficas, lápis. Metade do grupo participou fazendo o ônibus, e metade do grupo ficou
observando a execução do ônibus, por mais que fossem convidados a participar, diziam que
estavam gostando de observar a realização da produção artística. Topázio, que estava
fumando no lado de fora da sala, com outros participantes da atividade, resolveu entrar e
ajudar na confecção do ônibus. Ele desenhou o ônibus e ajudou a pintar um pouco. Uma das
participantes, uma senhora, ao ser perguntada sobre o que achou da Bienal (pergunta feita
para o grupo todo), relatou que não sabia interpretar, que não gosta de museus, mas gosta
muito de teatro, de atores interpretando, e se recusou todo o tempo, como outros pacientes da
oficina, a participar da execução artística do ônibus. Esta senhora disse não saber desenhar,
pintar, que não gostava, embora sua filha sempre a convidasse a realizar atividades artísticas.
Marfim como estava apenas observando, mas parecendo querer participar, foi sugerido a ele
que fizesse a tinta marrom e pintasse as rodas do ônibus, e assim foi. Esmeralda pintou a
borda da tela do cinema, onde passaria o filme do ônibus do CAPS: uma espécie de moldura
preta sobre o papel, pintou e fez alguns outros detalhes criativos na paisagem do ônibus. G.
(T.O.) fez a árvore verde á direita do ônibus, eu, o sol e a lua e lhes ajudei a fazerem outros
detalhes. A. (sexo feminino) fez algumas flores rosas. No final F. levou sua câmera digital e
levamos a produção do ônibus concluída para o lado de fora da sala, e cada um, se quisesse,
110
colocou sua cabeça no lugar das janelas do ônibus para tirarmos fotos, inclusive os oficineiros
e profissionais tiraram fotos também. A atividade foi muito boa e terapêutica. Material
utilizado: Espécie de cartolina (só que um pouco maior que a cartolina), tinta têmpera guache,
rolo compressor, cola glíter, lápis, borracha, lápis de cor, tesoura, cola, fita crepe e câmera
fotográfica digital. Foi produzido pelo grupo o “Ônibus do CAPS na Tela do Cinema”.
111
PRODUÇÃO:
anexo está no acesso bruto a relatos, onde cada um relata a sua experiência singular e seu
processo expressivo durante as vivências nas oficinas de Arteterapia no CAPS.
Alguns dos participantes das oficinas já se conheciam de outras oficinas ou do espaço
aberto/área de convivência (pátio) do CAPS, outros não. Segundo F. (estagiária de T.O.), o
grupo começou a conversar mais entre si, com a entrada de Diamante, que gostava de falar
muito, incentivando os outros a falarem também. F. concluiu que foi muito bom ter as
oficinas de Arteterapia no CAPS, pois foi mais uma ferramenta/meio possível de expressão,
cura, satisfação para os pacientes do CAPS. F. relata ter gostado muito de ter participado,
tendo aprendido muito com as oficinas. Relata que neste CAPS, que tem como uma das
características - a repetição dos mesmos pacientes nos mesmos grupos há mais de cinco anos,
foi bom ter se mesclado e ter se oferecido a possibilidade de novos pacientes se conhecerem
em outro grupo, com outras propostas e técnicas, e em uma oficina onde se uniriam visões da
terapia ocupacional, psicologia e Arteterapia, com objetivos terapêuticos e expressivos,
vivenciados através da arte. Acredito que foi de grande valia para estes pacientes, conviverem
em um novo espaço, participarem de uma nova proposta, interagindo com pacientes novas e
com novos recursos expressivos.
Trabalhou-se através das atividades: as questões ligadas à convivência e a aceitação do
desejo do outro, do respeito ao outro e a sua produção, de limites de tempo e espaço, a
necessidade de ouvir o outro, calar-se às vezes, criar, dentre outras habilidades, que são
essenciais para uma possível reabilitação psicossocial, contratualidade, reinserção social e
reinserção no mercado de trabalho.
Este é o principal objetivo do CAPS – a reabilitação psicossocial. As atividades
também proporcionaram conjuntamente com os limites de tempo, espaço, trabalho, produção
e expressão, a possibilidade dos pacientes, através do que acontecia a cada instante nas
atividades, um aprendizado para uma possível volta aos estudos e ao trabalho, devido à
fixação de normas e regras antes, durante e após as atividades. Regras de comportamento, do
que e como falar, do momento do outro, de respeito ao espaço e produção do outro e do
grupo, de uma maneira não coerciva ou impositiva.
Quando era necessário intervir e pontuar, ou negar algum pedido, ou estimular o
pensar, o sentir e agir, isto era feito de forma muito cuidadosa, terapêutica e sensível,
respeitando-se os desejos e necessidades dos pacientes, tendo-se em vista o processo e a
história de vida de cada um. A vida de cada paciente das oficinas é e foi, em sua maioria,
muito difícil, sofrida, traumática, com muitas perdas. Isto é importante destacar, pois a
sociedade, a comunidade, as famílias, o mercado de trabalho e o “viver com”, impõem muitas
117
regras de conduta, comportamento, fala, etc., dificultando ainda mais as possíveis relações
estabelecidas entre estes pacientes que sofrem e a sociedade (nível de contratualidade). Esta
reflexão é essencial, para uma mudança de paradigma de atenção à Saúde Mental e mudança
de postura frente aos portadores de sofrimento psíquico (transtorno mental), já que eles foram
e são segregados, discriminados, marginalizados, não valorizados e não escutados pela
sociedade. O presente trabalho ilustra bem isso nas entrevistas com os pacientes, onde estas
questões emergem de maneira clara no discurso dos mesmos.
O respeito ao outro, desde o reaprender ao entrar na sala de atividades: cumprimentar
o próximo, pedir material emprestado para o colega, saber o que, quando e como falar com os
membros do grupo e com os profissionais, saber, e poder expressar o que sente, pensa, sabe
ou não sabe e faz, através da fala ou da expressão artística, saber ouvir a opinião alheia, que
muitas vezes, não é a sua, não passar por cima, rasgar, recortar, rabiscar, estragar, invadir ou
destruir a produção e o espaço do colega, ou seja, coisas básicas, mas que são fundamentais, e
que muitas vezes precisam ser reaprendidas ou aprendidas pelos pacientes (readaptação ou
adaptação, padrões de conduta a um determinado contexto regido por regras e normas
estabelecidas ou subliminarmente fixadas), que podem auxiliá-los no presente e no futuro,
para contextos e situações vivenciais diversas.
Isto tudo foi feito através: de cada atividade, da leitura dos prontuários, no diálogo
com os outros profissionais do CAPS e familiares, quando possível, tendo-se em vista a
singularidade de cada um, sua história pessoal de vida, sua patologia, seus recursos,
potencialidades e possibilidades, as metas e objetivos das atividades (propostas), os desejos e
anseios, os limites nossos e deles, objetivando-se sempre a melhora do paciente, seja
profilaticamente, promovendo saúde, cuidando, acolhendo, escutando, estando de forma
intensa e atenta com cada um, para que o trabalho em Arteterapia seja um recurso/canal
possível a mais no tratamento, melhora do paciente. Isto não significa que eles não deixarão,
muitas vezes, de ter de tomar a medicação ao longo da vida, e estar em acompanhamento
medicamentoso ou outro tipo de tratamento permanente ao longo da vida, todavia, isto
também não significa que eles não possam estar juntando e reencaixando, as peças de seu
mosaico de vida aquebrantado, para levarem uma vida com reduzido sofrimento mental,
explorando todas as efetivas potencialidades. Uma vida normal para eles, não necessariamente
seja, a vida da maioria da sociedade, ou a vida cem por cento estabelecida pelas normas e
padrões sociais de hoje.
A média de idade dos pacientes das oficinas foi de aproximadamente 38 anos,
contabilizado mesmo àqueles que participaram apenas de uma oficina. Esmeralda – 25 anos e
118
Diamante – 27 anos foram os mais jovens, sendo os mais idosos: Ametista – 55 anos e Pérola
– 64 anos. Contando com a visita à Bienal de Artes de São Paulo e com a última atividade –
discussão da visita à Bienal e criação do “Ônibus do CAPS na Tela do Cinema” – foram dez
atividades. Marfim veio a todas as atividades e esmeralda esteve presente em nove atividades
(Foram os pacientes que tiveram maior freqüência). Os que menos vieram: Topázio (duas
atividades) e Jade (três atividades). Ametista, Água-Marinha e Rubi, vieram em apenas uma
atividade. Em arte, Arteterapia é difícil se ter uma precisão e se mensurar. Portanto se mesmo
eu cogitasse em avaliar o quanto cada paciente aproveitou as oficinas de Arteterapia, seria
tarefa ingrata e não realista com o método e com a abordagem deste estudo e com o
pesquisador, razão pela qual fiz questão de dar voz aos pacientes, colocando as entrevistas na
íntegra, com a permissão dos mesmos. Com isto será possível cada leitor tecer suas análises
críticas e reflexões. As realidades e as vivências nas oficinas de Arteterapia são subjetivas a
cada participante das mesmas e o desdobramento dos efeitos das oficinas se dão de acordo
com o processo singular de cada um, seja a curto, médio ou a longo prazo.
Não se objetivou interpretar muito as produções, falas e expressões dos pacientes, pois
na abordagem fenomenológica a busca da essência, da verdade é subjetiva a cada um, isto
também ocorre dentro da epistemologia do construtivismo social, utilizada como método de
investigação na pesquisa.
Como a inércia para se fazer, criar, se expressar, era muito presente nos pacientes,
durantes as oficinas, foi trabalhado o estímulo, a não-dependência, a autonomia, o tentar, o
ousar, o arriscar, pois muitos tinham receio, ou mesmo não tinham estímulo necessário para
criar algo, pois toda criação é algo, às vezes, difícil, pois encerra uma busca, uma elaboração
no plano mental, cognitivo, afetivo e motor. Em conseqüência dos traumas, perdas, história
familiar e a história de vida sofrida dos pacientes, isto tudo, influenciavam-nos no criar, na
expressão livre do que sentiam, pensavam e vivenciaram. Devido ao fato, da maioria dos
pacientes das oficinas terem um sentimento de desvalorização pessoal e baixa auto estima,
isto também os prejudicava, quando eram solicitados a criar, devido a estas razões, nós,
profissionais da saúde, tentávamos trabalhar com esta demanda coletiva e pessoal, singular,
que ia aparecendo ao longo das atividades. Um exemplo é o da Pérola, que mostrou interesse
em trabalhar com panos/retalhos de tecido, outro é o de Ouro, que mostrou desejo e vontade
em pintar em tela.
O potencial artístico, expressivo, autocurativo, criativo, estava latente, dentro dos
pacientes das oficinas; fomos como facilitadores destes processos e ao mesmo tempo
cúmplices e coadjuvantes por permissão. Como muito bem expressa Jung (1991) apud Franz
119
(1996, p.37): “a loucura nada mais é – em certo sentido – do que a manifestação de uma
condição oculta, mas em geral existente.”
Mas, a vivência, a expressão, a criação, o desejo de cada um, durante, antes e após as
oficinas de Arteterapia, podem ser vislumbrados na fala de cada pedra preciosa (nas
entrevistas de cada sujeito, que estão em anexo), e em suas produções, que para mim,
independentemente de qualquer fator, brilhará, para sempre... Oxalá que cada leitor deste
estudo possa vislumbrar um pouco do brilho destas pedras, que tanto têm a nos ensinar...
120
Este capítulo tem como objetivo elucidar a história e a presente situação deste CAPS-
Adulto (onde foi realizado esta pesquisa e meu voluntariado), segundo a visão de três
profissionais atuantes neste CAPS, e que atendem os pacientes das oficinas de Arteterapia: 1)
uma terapeuta ocupacional; 2) uma assistente social e 3) uma socióloga e psicanalista-
educadora. Elas abordaram a entrevista segundo uma análise crítica deste CAPS, das oficinas
de Arteterapia e dos resultados para os pacientes das oficinas de Arteterapia.
- G., conte-nos um pouco de sua formação e como você veio parar aqui neste CAPS.
nós não podemos trabalhar como cooperativa, então todos os trabalhos que têm uma geração
de renda em algum CECCO, é via alguma ONG ou alguma associação, então esta pessoa
tinha contato com a UBS e retornava ao Centro de Convivência, que tem muitas atividades
artísticas de fato. Em muitos CECCOS há os oficineiros contratados para exercer alguma
atividade, seja artística, seja em música, artes-plásticas, professor de educação física, alguma
dança, e havia as emergências psiquiátricas onde poderia se ficar 72 horas sob observação, e
esta emergência, a idéia é que fosse dentro do hospital geral, a idéia central era a de incluir a
pessoa e não separar, esta é a diferença com o CAPS, aqui nós tínhamos uma dificuldade, ia
para o Hospital Dia e ia para a emergência, porque aqui no CAPS o paciente criava um
vínculo, e esta era a grande dificuldade dos pacientes, e com este vínculo, ele melhorava e ia
para a UBS, e mudava de profissional, o que dificultava esta transição, tanto é que nenhum
HD, funcionava de um à três meses, era muito difícil em três meses sair da crise e vincular na
UBS, então não havia uma referência única de técnica, e o CAPS tem isso, desde que a pessoa
entra aqui e está em crise, até o momento de ambulatório, que seria o máximo, ela fica com a
mesma referência, o mesmo médico, a mesma equipe, mas centraliza toda a saúde mental num
lugar só, o que dificulta a inclusão social também, porque um dos objetivos do CAPS é a
reabilitação psicossocial, mas se tem muita dificuldade em se fazer esta passagem, e há várias
dificuldades como: o número de técnicos que se tem neste CAPS; o número de pacientes, há
um ambulatório que não haveria necessidade de funcionar no local, pois abriga pacientes
leves, nesta região voltou a ter psiquiatras em duas unidades básica, e agora estes pacientes
estão sendo transferidos para os chamados pólos. Os pólos foram implantados no meio do ano
passado, nesta região há três pólos, que são três postos de saúde que têm equipe de saúde
mental (psicólogo, terapeuta ocupacional, psiquiatra) que dão conta dos atendimentos menos
complexos, que exigem menos intensidade, além de serem referência para postos de saúde
que não têm equipe de saúde mental e encaminham os pacientes mais graves, complexos, com
transtorno mental mais graves e persistentes para cá, ou para outros lugares adequados a eles.
Esta idéia dos pólos foi uma idéia da região centro-oeste. Na administração anterior, se
entendeu a proposta CAPS, e se retirou todos os psiquiatras das unidades básicas e os
colocaram aqui, e muitos saíram, mas concentrou-se os psiquiatras numa unidade só, e a idéia
era que o médico clínico-geral pudesse fazer o atendimento dos pacientes leves, que em
termos de saúde está certo, você não precisa de um psiquiatra para tratar de por exemplo, uma
ansiedade, um clínico-geral daria conta, mas isso de nossa história da medicina deveria já se
prever que seria impossível de se instalar, mas eles arriscaram e retiraram os psiquiatras, e
esta administração voltou a ter esta idéia de que não se daria mais para atender aqui, com isto
122
você tira metade do tempo dos médicos para atender ambulatório, de pacientes que não são
CAPS. Se conseguisse encaminhar todos os pacientes que não são CAPS e ficarmos só com
os nossos pacientes CAPS, mesmo assim teríamos muita dificuldade de fazer esta
reabilitação, porque temos um número pequeno de equipe e os médicos não estão até agora
participando das atividades no geral, e eles ficam só nas consultas.
- Mas eles deveriam por lei ficar nas atividades?
- Nos HDs eles participavam de todas as atividades, faziam grupos, podiam até fazer
grupos terapêuticos com os pacientes deles, como o grupo de papel reciclado, quanto mais
oportunidades de atividades e contatos os pacientes tinham nos HDs, para se poder entender
melhor o paciente e entender qual crise ele estaria passando, melhor seria, então temos esta
cisão de médico e não-médico. Pela lei é proposto que o médico participe das atividades, pois
o CAPS configura-se como uma atividade em equipe, mas isso não acontece. A médica X,
que era de um HD, que se juntou, faz uma atividade aqui denominada Jornal Mural, uma vez
por semana, em grupo, então um dia que ela faria CAPS, ela priorizou fazer este grupo, mas
ela já fazia lá esta atividade, neste HD, antes. Os outros médicos não participam por
dificuldades, ou porque querem atender ambulatório, e eu diria na minha visão que não
entendem muito bem o que é um tratamento ampliado, e talvez acreditem que uma consulta
médica poderia dar conta, ou que os outros problemas os outros resolvam, um pouco de
comodismo e outros fatores também.
- Por que da importância tanto para a equipe multiprofissional e para os pacientes do
CAPS, da participação médica além sala de consulta médica (tratamento ampliado)?
- Primeiro porque existe uma cisão de importância: “meu médico”, “meu
medicamento” e às vezes, parece que isto é o tratamento. Há também a desimportância que se
dá, porque nós somos poucos e não agilizamos o tanto que poderíamos, por exemplo, para um
grupo de convivência ou para um grupo de TO ou de Arteterapia, e muitas vezes o que
aparece nestes grupos não aparece muitas vezes nem nos grupos verbais (grupos fechados),
nem nas consultas e também não é questionado isso. A questão nas consultas médicas é: Você
está bem, está mal? Nenhum médico pergunta como está sendo os grupos, por exemplo, não
há esta integração; se houvesse esta integração nas consultas, melhoraria, mas tem um cisão
mesmo, eu acho. Dificulta a idéia de que nós temos um técnico de referência técnico e um
técnico de referência médico para cada paciente; geralmente todos os problemas com horário,
disciplina, com a família, com falta, com a adesão, é responsabilidade do outro técnico, que é
muito solitário, porque o médico só está preocupado com a consulta, e para você ter uma
idéia, não se tem uma regularidade de atendimento para pacientes intensivos, se eles vêm aqui
123
pelo menos a cada três dias, eles continuam a ter consultas a cada dois meses ou mensais, não
são marcadas as consultas, não há um contato direto, então os pacientes vêm aqui para ficar
aqui, não há um objetivo terapêutico, eles vêm aqui para ver televisão, ninguém vê muito o
que seria tratamento aqui, acho que distorce a idéia principal do CAPS que é a reintegração, e
acaba se focando muito na doença, no sintoma, no remédio. Eu acredito que se o médico tem
uma visão mais ampla da clínica na saúde mental é muito mais fácil, como tivemos em outras
experiências, a formação do médico brasileiro está muito longe deste ideal que estamos
falando, eu acho que estou sendo bem realista, acho que há poucos médicos com boa
formação, assim como aqui em nossa equipe, dos técnicos, somente vinte porcento têm
formação em saúde mental, então há muitas dificuldades mesmo, por ser um serviço público,
tem muita gente aqui porque é mais perto de sua casa, mas não há uma visão do que seria
saúde mental, não estou nem dizendo de sintomas, mas de compensar os trabalhos.
- Você sabe que há muitos médicos, médicos psiquiatras que nem sabem o que é um
CAPS e um CECCO?
- Porque têm uma visão clínica, por exemplo, médicos que são psicanalistas, eles têm
uma visão que não seja medicamentosa, mas desde que seja a psicanálise, e mesmo o
diagnóstico que é centrado ou na medicina tradicional ou na psicanálise, que é fechada,
engessante e tradicional. Também é difícil eles encaminharem para outro serviço porque se
muda o médico.
- Aí entra a razão econômica?
- É, mas também há um descrédito, eu sempre trabalhei em instituição que eu nunca
indicaria para um parente meu, mas eu já trabalhei em equipe muito boa.
- Mas também há a briga de mercado de trabalho, de poder e de saber, entre os
profissionais da saúde e a hierarquia médica sobre os outros profissionais não médicos, além
da máfia dos laboratórios e da indústria farmacêutica que gera um rendimento estrondoso e
que incentiva somente a medicalização.
- É, mas mesmo dentro desta ideologia e desta política, a gente já viu muitos médico
aqui medicarem muito, mas não perder de vista a questão social. Medicou muito porque a
família não está mais agüentando, ou porque o paciente está muito angustiado, e não em razão
do sintoma.
- Eles têm uma visão mais ampla e não somente a do sujeito como sinônimo de
doença, sintoma, entendem o contexto singular.
- Porque também há outro pólo, tem profissionais não-médicos que acham que o
remédio é o de menos... Uma conversa, por exemplo, bastaria; só que não podemos pensar na
124
psicanálise aqui dentro, mesmo porque institucionalmente a psicanálise não tem recurso para
isso, não é que a gente não pode colocar a psicanálise assim, ela não foi pensada para uma
instituição assim, na CASA (Instituto) eles tentam fazer isso, uma pessoa que já trabalhou lá,
que hoje em dia ela é mais winnicottiana do que freudiana, se diagnosticava em função do
complexo de Édipo, se tratava o paciente nesta referência, sendo que a técnica não foi feita
para este tipo de contexto, Winnicott, por exemplo, entende a psicose de outra forma, que se
você conversar com psiquiatras winicottianos, eles concordam mais com uma idéia CAPS,
que a pessoa precisa de um cotidiano, que precisa de uma referência, que se precisa focalizar
mais o tratamento para o dia a dia do paciente...
- Mas você sabe que há dentro da psicologia outras abordagens, como a
fenomenologia, a gestalt, a visão rogeriana, a transpessoal, Reich...
- É, eu sei, mas quem trabalha com uma dessas abordagens geralmente tem uma outra
visão também, então, por exemplo, nós tivemos um médico aqui que era psicodramatista e
fazia um grupo de psicodrama aberto a quem quisesse aderir, era uma visão que ele tinha e
aproveitava, se eu tenho uma visão corporal, eu posso introduzir aqui, é isso que estou falando
que é muito difícil, se você fica no tradicional fica no esquema consulta e só. Então hoje o
CAPS, eu serei bem crítica, não que eu não acredite no CAPS, mas eu vou lhe trazer a visão
que eu tenho hoje deste CAPS. Aqui neste CAPS hoje, temos duas psicólogas, uma está de
licença desde junho e a outra é educadora e psicanalista. Eles remanejaram os serviços da
região, no CECCO havia mais psicólogas do que aqui, uma precisava sair lá e qual foi o
critério? Quem chegou por último e ela já não gostava da atender no CECCO pacientes com
problemas de saúde mental, ela teve que vir obrigada para cá, e ela era de Recursos Humanos,
então quando veio para cá, ela quase pediu demissão, até que chamaram ela para atender em
RH na coordenadoria. Porque contratação de psicólogos está fechado e dispomos de poucos
psicólogos na rede e a outra psicóloga, saiu do CAPS Q. e veio para cá, e lógico que ela odiou
isso, pois ela já estava lá havia um tempo e estava montando um trabalho lá que é parecido
com esse, e pelo que ela fala a equipe lá tinha coisas mais interessantes do que aqui, ela
passou em outro concurso e saiu daqui, ela era uma pessoa que deu muitas idéias interessantes
para cá, ela fazia aquela terapia comunitária, ela tinha uma visão mais ampla, não era
psicanálise, porque ela achava que deveria se ter uma escuta mais voltada para o cotidiano.
- Mas você estava falando da visão que você tem hoje bem crítica e realista do CAPS.
- É, entre o CAPS hoje e o outro sistema antigo, há críticas nos dois, no CAPS a idéia
é ter níveis de intensidade diferentes, aqui, então teríamos que ser uma unidade bem ágil para
que isso não se cronifique, o que é muito fácil ocorrer, é muito fácil perder-se o sentido
125
terapêutico inicial, por exemplo, nós fazemos uma triagem aqui, fora às dificuldades de
adesão, vou contar um caso: fizemos a triagem de uma pessoa que eu atendi junto a uma
médica, ela tem história antiga de saúde mental, morava com a mãe, que faleceu no início do
ano, onde ela teve uma crise, então um irmão que não morava na mesma cidade, trouxe-na e
veio morar com ela, a médica a medicou para um mês, ela veio do pronto-socorro e eu na
minha visão, tentei que ela viesse para o grupo de música - que era uma coisa que ela gostava
de fazer, mas ela se negava, mas como ela tomava injeção de decanoato e a referência dela era
a psicóloga, que ligou para ela algumas vezes e ela não quis vir, esse irmão, embora meio
atrapalhado, mas eu o via de vez em quando, foi muito bem atendido no pronto-socorro pelo
N., que já foi nosso psiquiatra, mas ele tinha dificuldade com a médica dela (de sua irmã),
mas, todas as vezes que ele (o irmão desta paciente) vinha aqui, eu conversava com ele, eu a
via (sua irmã) e insistia para ela participar de algum grupo, até que um dia ela ligou para cá
perguntando se poderia ter uma consulta comigo. Então havia uma dificuldade de inserção,
mas, como começou com um medicamento, porque eu acho que você deve fazer uma triagem
e medicar para uma semana, depois se revê, medica-se para outra semana, enquanto isso o
paciente vai ficar aqui algumas semanas, vai ajeitando de acordo com a dificuldade que a
pessoa tem e a família tem, então essa nossa agilidade é muito precária. Então essa nossa
paciente, se eu não eu tivesse visto ela mais um pouco e insistido mais, ela estaria na casa
dela. Então não há agilidade, há pacientes nossos aqui que só vêm para almoçar, têm
pacientes de todos os tipos, mas eu acho que se oferece pouco para eles, na minha visão. Nós
discutimos numa jornada, quais seriam as referências para um projeto terapêutico. Como
detectar o nível de intensidade dos pacientes. Quando o paciente está em crise não há muito
problema, mas e quando sai da crise? Vou dar um exemplo, a Safira, quando ela chegou aqui,
ela estava em crise, mas estava muito melhor do que hoje, agora ela está constantemente
deitada dormindo, constantemente se recusando em fazer as coisas, para mim isso é um mau
sinal, pode ser que ela não estava bem no começo, e pode ter saído de um estado de mania que
ela estava, sei lá... Se formos pensar visualmente, acho que ela já cronificou, ela era uma
paciente da psicóloga que saiu, e, portanto ela teve que trocar de psicóloga... Então esta
questão da agilidade é gritante.
- Fica bem mais difícil o tratamento com esta troca de profissionais.
- E discussão de casos também, só temos uma reunião semanalmente para discutir
tudo, desde casos até questões administrativas, o que é inviável, acho que deveria se ter outra
forma.
- Mas, no caso da Safira, ela não está medicada, ou o que acontece?
126
- Está, mas o que se faz: a ex-psicóloga dela achou que a médica tinha errado na
dosagem do medicamento, se revê o medicamento, mas não se vê melhora. Será que é mesmo
muita medicação? Será que não teria que se trocar de medicação, ou se rever o diagnóstico?
Essas questões básicas não são pensadas... Pensa-se em trocar o medicamento, mas também
ela não tem feito muitas atividades... Ela tenta fugir e vai ficando, vai ficando. Porque eu
acredito que temos poucos profissionais, muitos pacientes e uma equipe que se articula
com muitas dificuldades. Nós ficamos oito anos com o PAS, quando o Maluf entrou na
prefeitura, manteve o HD e o CECCO, mas, com outros profissionais, todos os profissionais
da saúde mental, foram espalhados por aí, ficaram oito anos jogados, quando veio a Marta
Suplicy, eles voltaram e eu voltei para o HD, e na época eu preferia atender criança, mas
como eu havia tido uma criança, e criança dá muito trabalho, eu preferi vir trabalhar no CAPS
adulto, e eu estava gostando da idéia, e o meu intuito, em promover possibilidades, a
impossibilidade do fazer... As maiorias dos nossos pacientes ficam mesmo deitados, não
querem sair da cama, não têm vontade de fazer nada, não participam, só querem assistir
televisão, a maioria é assim, mas eu tinha até o ano passado, até quando a sua irmã estava aqui
como estagiária de TO, uma esperança que a partir do fazer, isso ia se refazendo, porque eu
creio muito na TO, que as atividades podem ser terapêuticas, desde que se crie um vínculo,
mas hoje em dia, eu vejo que só isso não sustenta, acho que tem que haver um atendimento a
partir do fazer, mas muito mais próprio do que é próprio daquela pessoa, por exemplo, temos
um grupo de TO, em que cada um faz uma coisa, até hoje eu não achei que nenhuma
atividade foi terapêutica, a não ser a última que fizemos uma atividade em grupo, porque não
deu para perceber em nenhum desses atendimentos o que é singular daquela pessoa, o que a
sua irmã percebeu do M., ela ficou indignada de uma pessoa não ter a mínima perspectiva de
vida futura, e ele não entrava em nenhum grupo, então foi um trabalho que ela fez fora dos
grupos, e hoje eu vejo que os pacientes que deram certo, porque eu era a única T.O. da
instituição, era muito difícil trabalhar em equipe, foram àqueles que conviveram... Então eu
fazia todos os dias dois grupos e tinham grupos abertos, tinha gente que chegava lá, essas
pessoas que ficavam comigo todos os dias e que iam fazendo, e ficavam comigo pelo menos
duas, três vezes por semana, e que a gente descobriu alguma atividade que de fato lhe trazia
algum significado, estes pacientes deram certo. Então, hoje em dia, em que eu acredito? Que a
gente não vai dar conta de todos, que alguns se beneficiariam mais da T.O., outros mais do
grupo verbal, acho que não tem que ser concomitante, então eu acho que o paciente quando
chega aqui não tem que fazer todas as atividades e participar de todos os grupos, ele tem que
circular e ver onde ele se insere melhor, essa intensidade não é ficar aqui todos os dias ou o
127
dia inteiro, todos os dias ele ter contato com aquela pessoa ou com aquela atividade, isso é
para o ano que vem. Eu comecei a ficar muito mal... Eu fui assistir a uma palestra de
pacientes psicóticos, atendidos em consultório, e fiquei pensando se nossos pacientes são
psicóticos, porque tudo que elas falavam que faziam em consultório, não daria para fazer aqui,
então a questão é a seguinte: nós temos pacientes muito graves, com gravidade de
cronificação, com famílias muito desestruturadas, quando têm família, com uma vida social e
cultural econômica muito pobre, e com uma instituição que não dá conta, se tivéssemos dez
T.O.s e dez psiquiatras, talvez daríamos conta.
- Mas há o problema macro, o problema político-social-econômico e ideológico.
- Mas eu comecei a achar muito difícil trabalhar com os nossos pacientes, essa
esperança que eu tinha era muita mais minha, de que: Vamos! Vai dar certo!... Do que deles.
Se eu olhar para os pacientes que tiveram aproveitamento, foram os que eu fiquei mais
perto, ou pela técnica, ou pelo profissional, a gente se liga mais em alguns, por isso que
uma equipe tinha que ser mais diversificada possível, fazer mais atividades diversas, que
os pacientes circulem, porque com as estagiárias de T.O. e de psicologia, os pacientes
contam coisas da infância, recuperam coisas da saúde, falam de coisas que não só
concernentes à doença. Então eu acho que a gente cronifica neste sentido, quando
oferecemos falarem somente do problema deles.
- Vocês já mandaram algum projeto para o município, relatando as dificuldades e
pedindo mais verbas e mais profissionais?
- Isso é um papel que a H., responsável pelo CAPS, até conseguiu bastante coisa, ela
conseguiu instalar nestas discussões os pólos, e de garantir o encaminhamento de nossos
ambulatórios para esses pólos. Só que, perspectivas políticas, nós não podemos contratar
ninguém, não há médico nem psicólogo na rede e a tendência é privatizar, as parceiras são as
universidades. O CAPS foi uma forma que o governo achou de ter dinheiro federal,
transformou o HD em CAPS, então o federal repassa a verba, essa verba não é pouca, o nosso
trabalho é de alta complexidade, custa. Só para você ter idéia, a refeição aqui dos pacientes
custa 16 reais, a parceira se interessaria muito pelo CAPS, porque ela lucraria, então não é
questão de verba, é questão de política mesmo, eles querem privatizar e fazer parcerias com
universidades, o que se está se rediscutindo que é inconstitucional, mas tem esta tendência.
Um exemplo disso é que entraram aqui duas psicólogas, e já saíram, não foi por culpa da
política, foi azar nosso, sei lá... Porque o trabalho do CAPS é um trabalho difícil, faltaria uma
supervisão que a gente não tem, enfim, uma ajuda para a equipe. O CAPS quando se
transformou, juntou o Hospital Dia (HD) deste bairro com o ambulatório de saúde mental
128
deste mesmo bairro, que tinha 20 anos de existência, e era um ambulatório que tinha muitos
pacientes, não era regionalizado, eu não sei dizer o número, mas eram muitos pacientes,
quando juntou, qual foi a primeira estratégia? Regionalizar, então encaminhar todos os
pacientes que não eram da região. A segunda estratégia: ver quem era CAPS e quem não era,
mas, mesmo assim não tínhamos para onde encaminhar, então, ficamos com grande número
de pacientes de ambulatório aqui, então o nosso CAPS tem essa história hoje que é marcada
pela divisão entre médico e equipe, dessa falta de agilidade na definição dos projetos, por
causa deste ambulatório que herdamos, embora hoje bem diminuído ainda é um problema
para nós, mas isso já está quase para acabar, então podemos, desta forma, pensar num CAPS,
onde os profissionais foquem sua atenção nos pacientes mais graves, quando juntou, viemos
para cá, este prédio não é um lugar apropriado para CAPS, a estrutura dele não tem cara nem
de casa, nem de nada, uma coisa de ambulatório mesmo, um monte de salinhas, mas enfim...
Nós temos tocado o trabalho, temos tido algumas reformas para melhorar o prédio, mas em
termos físicos, temos uma dificuldade grande, porque o espaço de convivência também é
muito ruim, porque não ajuda as pessoas a interagirem, em 2003 fusionou o HD e o
ambulatório de saúde mental deste mesmo bairro, e se manteve a partir daí, a tentativa de se
reestruturar um CAPS.
- Como todos os outros CAPS?
- É, mas nem todos os CAPS tiveram essa fusão, são poucos os CAPS que herdaram
assim, isso é trágico, esse fusionamento.
- Por exemplo, o CAPS X, a nossa região tem dois CAPS, somos região Y, fazem
parte desta regional Z, o CAPS X era o antigo ambulatório daqui, onde eu trabalhei, quando
eu saí em 1992, ainda sendo do estado, ele se transformou já em CAPS, assim como o CAPS
W, que era ambulatório e virou CAPS, e este CAPS funciona, da forma que funcionava
anteriormente, ele não tem todos estes problemas que a gente tem, pelo contrário, ele tem um
trabalho de geração de renda com várias tentativas, que funciona até hoje, eles têm uma
associação, a nossa associação AW funcionou até o ano retrasado, o ano passado quase
ninguém participava, o que é outra coisa que deveríamos agilizar, porque sem uma associação
ou sem uma O.N.G., não podemos pensar em nada relativo à geração de renda.
- O que era essa associação AW?
- Era uma associação de pais, de familiares, pacientes e funcionários que formavam
esta associação aqui no CAPS. Eu acho que a participação do CAPS seria no atendimento, a
gente não deveria formar uma associação, porque quando existia o ambulatório, quem tocava
essa associação eram os próprios técnicos, então tem outra questão aí para a gente pensar.
129
- Agora partindo do momento que você chegou, você queria conhecer um paciente
grave com tratamento em saúde mental, a gente aqui não trabalha com diagnóstico, mas sim
com gravidade, e ter uma experiência em Arteterapia, para poder ter uma experiência prática
disso, coincidiu que havia uma psicóloga nova aqui e nós montarmos uma parceria, porque
uma coisa é nós termos um grupo só de T.O., outra coisa é montar uma oficina com outro
técnico, e quando você chegou com esta solicitação eu achei bem interessante, porque a
gente tem uma dificuldade aqui, os profissionais que não são T.O.s, geralmente não
fazem oficinas, quem procura fazer mais são os auxiliares, os enfermeiros, os assistentes
sociais, mas os psicólogos mesmos, têm dificuldade em fazer oficinas, e a oficina é um
recurso, nós podemos chamá-la de grupo aberto, porque oficina tem um sentido um
pouco mais específico, mas eu gosto deste termo oficina, porque sai desta coisa de
doença, oficina quer dizer você ter a oportunidade de ter uma experiência, uma
vivência, e quando você falou em arte, eu fiz um curso na U.S.P., no núcleo de T.O., que
chamava: interfaces entre arte e terapia, e foi um curso muito mais, para mim, de ligar a arte
do que em relação às técnicas de saúde mental, então nós tivemos uma parceria com o S., que
é professor no MAC, que foi muito interessante, então eu tive muitas experiências em arte,
mas não a idéia de se trabalhar isso em Arteterapia, tinha a idéia de ver a arte e a saúde e o
que este confronto poderia gerar, porque a T.O. tem a questão da atividade que pode ser
artística ou não, mas é focada mais na questão da saúde, e este curso me ajudou muito.
Quando você veio propor, porque eu pensei que seria bom para quebrar o ritmo nosso, porque
esta questão da cronificação, de falta de atividades mesmo, porque eu pensei numa atividade
que tivesse princípio, meio e fim e que fosse uma atividade aberta, vinha quem quisesse.
Então a gente iria lá (nos espaços onde os pacientes se encontravam dentro do CAPS) todas as
quintas-feiras, e convidávamos, púnhamos cartazes e perguntávamos aos pacientes, se eles
queriam participar de uma atividade de arte, expressão... Vamos lá! E no decorrer do tempo
não foi isso que ocorreu, se estruturou como um grupo, e hoje eu penso, esta estratégia foi
nossa, ou é como eles funcionam? Então se um paciente participa da oficina uma vez, então
ele acaba tendo que participar sempre? Eu tenho pensado que, quando a gente convida,
aqueles que vão sempre: o Marfim, o... O Ouro e o Diamante, a Turmalina e a Esmeralda, a
Pérola, são os únicos que não, a Safira e outros, eram como sair da inércia, vamos fazer
qualquer coisa (esta idéia, penso eu, acho que desta forma, eles muitas vezes pensavam). A
Turmalina e a Esmeralda eram pacientes da psicóloga L., quem as convidou para participar
deste grupo. A Esmeralda só faz este grupo. A F. (psicóloga) participou conosco também de
algumas oficinas de Arteterapia, antes de ser chamada para trabalhar em outro lugar (a
130
psicóloga). A Turmalina não aderiu a nada, ela só vem neste grupo. A Esmeralda vem, como
comprometimento, todas às quintas-feiras, e ela tem o atendimento individual com a L. que é
a educadora-psicanalista. A Turmalina vem apenas para a consulta médica, a não ser nessa, e
mesmo assim ela falta, mas ela criou um compromisso de vir todas as quintas. E, por mais que
tivéssemos um começo, meio e fim das atividades, nós fomos propondo uma seqüência, sem
querer fomos propondo uma seqüência, a partir do que eles faziam, e daí gerava um interesse
de querer continuar. O Ouro aproveitou muito o grupo, para ele, em todos os níveis, como
experiência, porque ele tem a questão das imagens alucinatórias dele, muito fortes e intensas,
ele vê muitos monstros, pássaros, e ele conseguiu traduzir isto lá nas oficinas de Arteterapia,
desenhando passarinhos, pássaros, mas estavam lá (os monstros).
- Você sabe que numa das últimas atividades o Ouro pintou e desenhou araras, e ele
sempre foi muito elogiado pelo grupo, e chamado de “o artista” porque realmente ele criou
produções lindas. Mas, sobrou um espaço grande na cartolina, onde estavam as araras, e eu
perguntei a ele se gostaria de pintar algo neste espaço grande que sobrou, e ele me respondeu
negativamente, afirmando que este espaço destinava-se às aves estarem seguras e não voarem.
- É (risos). A história do Ouro é muito singular, ele quando chegou aqui, me parece
que ele era guarda de banco, e essas aves não são passarinhos, não são araras, são monstros,
aves-monstro, e ele chegou a atirar em uma desta ave-monstros que ele via, só que ele atirou
para o alto e não feriu ninguém aqui, e quando ele chegou, ele fazia atendimento comigo, e
trabalhávamos com pintura, e ele ia contando a sua história, desenhando pássaros-monstro,
gaviões, aves enormes.. e juntando outra parte do Ouro com a Bienal, que eu acho que foi
muito rica, que foi uma experiência de arte mesmo, porque até então nós não estávamos
falando de arte, e ele quando viu àquela ave meio humana enjaulada... Àquilo para ele foi
demais, não agüentou ficar e saiu da Bienal, porque ele tem isso como uma referência, eu
acho que no final, nós conseguimos montar uma seqüência...
- Você acha que ele saiu porque ele não agüentou...?
- Porque ele não agüentou o que as imagens e obras trouxeram para ele, mexeu com
ele, deve ter aumentado muito sua angústia, era uma mescla de animal com pessoa e ele, acho
eu, visualizou isso muito realmente (concretamente), e aquela coisa das luvas, porque na
história dele, ele ficou três anos no mato, fugido, escondido, ele já foi capinador e havia
material de carpintaria, luvas e pedaço de membros de pessoas sangrando... e seu eu fosse
pensar numa análise pela seqüência, nós poderíamos ter explorado melhor isso nas atividades.
Da minha parte, como eu assumi ser auxiliar, eu creio que em razão de fatores internos eu
poderia ter me dedicado mais, eu fiquei pouco, tive que sair muitas vezes para resolver
131
da comunicação, da fala, isto não quer dizer que ele não seja psicótico, que ele não tenha as
crises dele, então no grupo eu acho que ele foi um elemento importante porque ele valorizou
as oficinas, já a Pérola desvalorizava um pouco, dizia que não sabia fazer, mas no final fazia,
são os significados próprios para cada um...
- Talvez, esta atitude da Pérola, pode ter sido uma defesa que ela demonstrava, falando
que não sabia fazer, não querendo participar, mas que foram importantes a ela, em seu
processo nas oficinas.
- Nós exploramos várias técnicas e materiais nas atividades, até reproduzimos uma
obra de arte juntos... Porque o que eles acham que é arte: aquelas coisas tradicionais, como a
Monalisa, eles preferiram ir a um museu, do que ir à Bienal, mas como já estava fechado e
reservado o ônibus, fomos à Bienal...
- Eu creio que talvez, a maioria não gostou da Bienal porque mexeu com o drama da
vida pessoal deles, com a ferida, o sofrimento, as lembranças das situações trágicas que
passaram e passam a cada dia, a Bienal fala da realidade trágica da humanidade, das guerras,
dos conflitos, das relações entre as pessoas, das comunidades de uma maneira escancarada,
realista, mostrando o lado negro dos fatos, e isto os remeteu para suas vivências, história e
presente difíceis que vivem.
- Eu também acho, e acho que isto ocorreu, segundo a visão deles, de uma forma
muito concreta, no caso do D., na discussão em grupo após a Bienal, ele falou muito sobre as
doenças, as guerras, e ficou só nisso, ele não aceitou o convite de ir pintar, nem de expressar
artisticamente o que ele estava sentindo, pensando, e isso faz parte desta inércia deles, desta
falta de tomada de atitude, mas eu creio que, analisando o período que trabalhamos (duração
da oficina de Arteterapia) juntos, foi um sucesso, mas se fôssemos trabalhar mais tempo,
teríamos que ter uma freqüência maior, uma vez por semana eu acho pouco, e canalizar para
um objetivo só, seja pintura ou outro material, ou explorar materiais, ou ir no parque buscar
plantas, sei lá... Mas, uma coisa mais objetiva. Penso que fazer uma atividade grupal para
eles foi muito importante porque eles fazem poucas atividades grupais, e eles
conseguiram fazer atividades grupais, sem ser cada um no seu pedacinho, no seu canto
com sua obra; apareceram coisas muito bonitas e criativas, visualmente se formos
explorar o conteúdo das obras também! Acho que faltou um pouco mais de avaliação nossa
diária e mais planejamento (embora eu e a F. - a estagiária de T.O. que estava comigo em
todas as oficinas - planejamos, e conversamos bastante sobre as obras e sua execução,
articulando com a singularidade de cada paciente, pois G. não participou de muitas atividades,
ou não podia ficar até o final), mas nós não tivemos no início esta idéia, mas fiquei
133
preocupada se vocês pudessem a vir a ter algumas questões. Foi também nossa idéia inicial,
de poder ver o que a arte produziria por si só.
- Mas G., o que você pensa que as atividades puderam contribuir para a vida dos
participantes?
- É difícil você mensurar quando se fala em arte e esta é uma questão que me
intriga muito também, não só em relação às oficinas de Arteterapia, como em todas as
outras. Por exemplo, os pacientes, muito do tempo, ficam sentados assistindo televisão,
ou dormindo, às vezes, se sentindo mal, e de repente, eles levantam e se sentem melhor, o
que fez eles levantarem, e sentirem melhor? Pode ter sido um grupo verbal, ou a fala de
alguém, um medicamento, outra oficina, um afeto, uma palavra, uma companhia, a
gente nunca sabe, eu não sei se isto é típico da clínica da psicose, porque é muito difícil
trabalhar com eles, porque os nossos pacientes são muito graves mesmo, mas não é
gravidade só de cronicidade, vamos pegar o caso de M.: ele não teve a oportunidade de
entrar no grupo, ele é jovem, tem 18 anos, ele se ensimesmou de um jeito, então lidar com
emoções com a psicose já é muito difícil, lidar com expressão já é muito difícil e ainda
juntar a arte?! Eu acredito que todos se beneficiaram, mas eu não sei te dizer em que
nível.
- Talvez seja algo que nem dê para avaliar, pois é algo muito singular de cada um
e que pode reverberar positivamente no futuro.
- E às vezes, eu acho, que é uma coisa acumulativa, não é salto, pode ser que
tenha um salto de repente, mas é uma coisa de pouquinho em pouquinho, o H., por
exemplo, gosta muito de trabalhar com argila, ele veio com isto de outra instituição, se é
proposto a ele fazer algo com argila, ele não faz, só faz na hora que ele quer, como ele quer, e
isto tem um significado para ele, pode ser que ele tenha a mesma coisa com o amendoim, ele
adora paçoca, então eu não sei te dizer o que a arte interfere na saúde, mas o que eu vi
neste curso, é a possibilidade destas pessoas mostrarem o que fazem, por exemplo, a
exposição que promovemos, das produções artísticas dos pacientes das oficinas de
Arteterapia, que queríamos colocar em outro lugar fora do CAPS, mas não deu e ela acabou
ficando dentro do CAPS (as produções foram expostas dentro do CAPS, qualquer um que
entrava, poderia vislumbrar os trabalhos expostos, pois a exposição ficou num lugar
estratégico dentro do CAPS, a fim de que quem entrasse no CAPS, pudesse apreciar a
exposição).
- Mas mesmo esta “pequena” exposição foi grandiosa, pois eles viram que suas
produções ficaram durante um certo tempo expostas e vistas (apreciadas) por qualquer
134
um que entrasse no CAPS. Isto é muito importante, pois é um valor que se dá a eles
próprios, eles se sentem valorizados, e isto aumenta a auto-estima e pode produzir
efeitos a curto, médio e longo prazo positivos para o estado geral dos pacientes.
- É um valor que não é para vender, para dar dinheiro, às vezes é para dar, doar, é um
valor estético, e isto não é só para a arte, os grupos de T.O. que eu vejo produção, são pessoas
que descobriram o que fazem com a produção com o sentido de lidar com a vida, porque a
vida deles é um sofrimento mesmo, mas é lugar que está garantido, que é o lugar da saúde,
tudo bem que eles tenham uma doença, têm alucinações, precisam tomar remédio para lidar
com isto, mas eles cozinham, são bons pais, é preciso saber diferenciar o que é vida do que é
doença, o esquizofrênico para mim já é uma grande questão, será que não sobra nada? Porque
é uma doença que degenera muito rápido, veja a Safira ela não está aqui nem há seis meses e
já está com um comportamento de quem já está aqui há cinco anos, então eu acho que tem que
se analisar tudo isso: a gravidade, o ritmo de cotidiano que eles têm aqui na instituição, na
família então, nem se fala, então o que fizemos foi dar um pinguinho, talvez uma experiência
que fosse diária, talvez, um mês, todos os dias, fazer uma atividade, teríamos um outro tipo de
resultado, porque no caso da Nise da Silveira, que é uma referência para a T.O. e para a
Arteterapia também, o que fazia de lá um lugar de possibilidades, porque lá era o único lugar
de possibilidades, em nenhum outro lugar do hospital eles tinham isso, e eles estavam
internados, e eu sei, por exemplo, que a Nise que era ligada ao Jung, selecionou as obras que
eram ligadas a esta idéia, mas no acervo eles descobriram um monte de obras abstratas, que
para muitos artistas que têm esta visão, é muito importante também, não é só o inconsciente,
em relação à Nise, eu acho que ganhou vida porque era o único lugar possível, assim como o
Bispo do Rosário sozinho criou o seu lugar lá, e a partir da loucura, ele criava, e criou arte
depois de morto, porque até então eram objetos dele, que ele levaria para o céu.
- Eu sei que vocês não gostam de ficar restrito no trabalho através do diagnóstico
psiquiátrico, embora se faça o diagnóstico, e fique registrado em cada prontuário de cada
paciente. Quais eram os diagnósticos deles?
- A maioria dos pacientes são psicóticos, a Esmeralda tem episódios de... Na verdade
ela tem uma perversão, eu acho que é neurose sim, porque nós atendemos neuróticos graves; o
Marfim eu não sei te dizer, a Turmalina é esquizofrenia, porque ela fica infantilizada, a Safira
era risco de suicídio, depressão, a Pérola, está se readignosticando, pois ela tem um provável
diagnóstico de senilidade, e seus delírios são em decorrência da idade e não são em
conseqüência só da psiquiatria, a maioria dos pacientes das oficinas de Arteterapia têm
transtorno afetivo grave, mas para confirmar veja os prontuários; e eu acho que foi um grupo
135
legal porque entrou gente nova, a Esmeralda, a Turmalina e a Pérola eram pacientes novos e
você e a F. (estagiária de T.O.) também, e isso achei que foi bom também, o Ouro e o Marfim
já eram pacientes mais antigos, porque de minha experiência, quando você monta uma oficina
e chama as pessoas, elas geralmente vão, a maioria vai porque você chamou, e o que ficou de
tudo isso que abordamos, é um processo singular que cada paciente vai construindo, segundo
suas possibilidades, potencialidades e limites, que ocorre no decorrer do tempo...
- É importante pontuar que cada um expressou aquilo que sentia e pensava no
momento.
- E dentro também daquilo que a gente propôs, porque se a gente tivesse proposto algo
mais elaborado, poderia ter saído mais, porque sabe àquelas madeirinhas?! Eu me surpreendi
com aquilo! Pensamos em colagem e dali saiu, não esteticamente, mas o fato do E. ter a idéia
de passar das bordas, a outra idéia de uma usuária de colar os paninhos, naquele dia eu vi
sentido, se você perguntar porquê eu não sei, mas naquele dia todas as produções foram com
sentido, não sei se você teve a mesma impressão, porque em muitas eu não participei.
- Em relação às perspectivas de vida que estes pacientes possam ter?
- Em minha avaliação, quando eu pensei nestas atividades, juntando o seu interesse, eu
achei a idéia muito boa, eu queria recuperar um valor social, pode ser arte, pode ser atividade
de expressão, aqui dentro porque eu acho que o que eles falam ou fazem tem pouco valor,
mesmo porque eles fazem pouco, eles ficam fumando, fazendo estas coisas que a gente acha
que é nada, e quando pensamos em fazer a exposição, e usar as pessoas que estão expondo e
tirar as fotos delas naquele ônibus que fizemos, junto com as fotos das pessoas que foram á
Bienal, era um jeito de dar um valor social. A exposição não necessariamente precisaria ser
fora do CAPS, pensamos na secretaria, na biblioteca, mas aqui dentro mesmo do CAPS, em
razão da reforma que estava ocorrendo aqui no CAPS (reforma na construção e reformulação
dos espaços/salas e no prédio), poderíamos um outro dia expor fora, para melhor recuperar o
valor daquilo que os pacientes do CAPS fazem, então uma outra coisa que as estagiárias de
T.O. fizeram sozinhas: recuperar este muro que eles deixaram aqui, que já deixaram barrado
em cimento para eu fazer mosaico nele com os pacientes (colar os mosaicos no muro), então
elas pensaram em fazer esta atividade com convivência (grupo de), e apesar de todos olharem
e falarem, não ficou um valor social ainda, não sei se é porque não terminou... Acho que
depois que terminar a reforma, seria bom terminar este muro para ter um valor social, para ter
um valor social de fato: isto permitiria a eles sentirem e pensarem que este lugar está bonito,
melhorado, este muro eu ajudei a terminar a fazer, faz parte da instituição, a gente faz coisas
bonitas aqui e não ficar nesta coisa só rançosa, então a perspectiva, o ideal, é que estas
136
pessoas não tenham esperança mesmo de vida, perderam, mas que se acendesse uma luzinha
aí... De dar vontade de fazer uma tela, o Ouro, por exemplo, a próxima atividade com ele, será
provavelmente isso, mesmo que ele não esteja num grupo, propor para ele, e aí chamar outras
pessoas também, recuperar um valor de reinserção, mas primeiro aqui dentro, porque eu acho
que a gente não trabalha reabilitação social aqui dentro, trabalhamos muito clinicamente,
dando regras, que fica mais no controle do comportamento, não incentivamos muito a
convivência, deixamos eles um pouco à mercê, e eles não sabem conviver, é uma coisa que
deveríamos re-ensinar, e tentar conviver com outras pessoas, como isso se dá, e não se
isolarem, se fizéssemos isto, o CAPS ficaria bem, bem melhor.
- Como são os horários e as atividades aqui?
- Nós temos uma grade de horários, como temos poucos profissionais, tem dias que
não tem atividades, mas temos atividades que “fazem parte de CAPS”, como fazia parte do
Hospital Dia (HD), todas às segundas-feiras, tem o grupo de famílias, onde todos os
familiares são convidados a vir, que é coordenado por uma psicóloga e uma assistente-social,
no mesmo momento ocorre o grupo que denominamos de Reencontro, onde as pessoas vão
começar a semana aqui, contando como foi o fim de semana, ou o que elas estão preparando
para a semana, e tem um grupo fechado que é uma psicóloga que faz. Na terça, há dois grupos
fechados, denominamos assim porque é um grupo verbal, que as pessoas vêm todas as
semanas, constituindo um grupo, onde elas conversam e falam, e tem um grupo de música,
não num sentido técnico, mas um grupo de cantoria, alguém toca o violão e as pessoas
escolhem as músicas e vão fazendo uma dinâmica, e tem o grupo de jornal escrito, editado, de
três em três meses, ou de quatro em quatro meses, eles optaram pela forma de fazer o jornal
assim: cada um escreve seu artigo e apresenta e faz-se uma seleção, uma diagramação, não
fazem juntos os artigos. Na terça-feira à tarde tinha um grupo de movimento, mas a psicóloga
entrou de licença e não tem mais, ela tem uma formação reichiana e ela fazia um grupo de
movimento aberto, mexer com o corpo, não tinha nenhum objetivo aprimorado, era um
objetivo de se mover, e um grupo de terapia-ocupacional (T.O.), que eu coordeno, é fechado,
cada um escolhe uma atividade, às vezes pode ser em grupo, mas chamamos de Grupo de
Atividades, uma forma clínica de atendimento, na quarta de manhã tem o Jornal Mural, onde
eles escolhem um tema em conjunto e escolhem na revista que coisas estão relacionadas a este
tema e discutem como planejarão, e escrevem alguma coisa; quarta à tarde, não havia
atividade devido as nossas reuniões, atualmente estamos fazendo um intercâmbio com o
CECCO X, que é o nosso de referência, para estreitar as nossas relações que são muito
distantes, levando alguns pacientes para conhecer as atividades lá, e um grupo verbal; quinta
137
de manhã, temos a atividades dos passeios para fora do CAPS, que eles gostam muito; à tarde
tem um grupo fechado e tinha o nosso grupo de Arteterapia e expressão, e a atividade de
culinária; sexta de manhã tem um grupo de filmagem onde eles propõem um tema, fazem um
roteiro e filmam, e esta filmagem é por dias, às vezes eles apresentam ou vêm antes de
terminar e depois vêem o filme pronto; e tem o grupo de Cuidados Pessoais, onde um faz a
unha do outro, na verdade, uma interação entre eles, fazem barba, e a enfermagem ajuda às
vezes, e tem um grupo fechado de psicologia, e á tarde tem um grupo de T.O. que
denominamos Grupo de Produção, que tem uma proposta de geração de renda, mas não é um
grupo de trabalho e tem o Grupo de Final de Semana, onde conversam sobre o final de
semana, ou como foi a semana, e tem o grupo que montamos agora chamado de Chá das
Sextas, que a idéia é que aos poucos outras pessoas que não fazem parte deste convívio
venham participar destas atividades: famílias, amigos, porque é o único espaço que estamos
conseguindo abrir um grupo para a comunidade, mas como fizemos apenas durante dois
meses, não deu para avaliar, isto devido às reformas no CAPS, vamos ver se no ano que vem,
conseguimos dar continuidade a este grupo.
- Qual é o quadro de funcionários?
- A nossa equipe: uma assistente social, uma terapeuta ocupacional, um enfermeiro,
quatro psicólogas, quatro médicos, porque temos uma de duplo vínculo, todos psiquiatras, só
temos psiquiatras, isto a equipe técnica. No setor administrativo temos quatro profissionais;
auxiliar de enfermagem: oito - uma na farmácia, e outra na recepção, e dentro destes oito,
temos um farmacêutico, porque o CAPS tem que ter uma farmácia, mas o trabalho dele é só
na farmácia, isto são os funcionários. O pessoal de apoio terceirizado: um vigia, que na
verdade ele não tem a função de vigiar os pacientes, mas de vigiar o patrimônio, duas
funcionárias de limpeza, e a D. que é a copeira e o L. que é auxiliar de serviços gerais e que
ajuda na copa também.
- Como é dividido o CAPS, em relação ao espaço físico?
- O CAPS na verdade deveria funcionar como um espaço terapêutico onde as pessoas
convivessem como num cotidiano, então deveria parecer mais como uma casa, deveria ter
uma sala, que tivesse uma televisão, se possível alguns jogos, alguns instrumentos musicais,
aqui a gente tem computador, aparelho de som, então teria que ser uma sala de convivência,
que não precisaria ser uma só, poderia ser uma sala de t.v., assim como criamos aqui, como as
pessoas passam o dia aqui, tem um refeitório, não necessariamente uma cozinha, porque a
comida não é feita aqui, é terceirizada, pelo menos temos que ter um espaço para organizar e
dividir as refeições e um refeitório. Precisaríamos de uma sala grande de grupo, uma sala de
138
T.O., também razoavelmente grande para caber materiais, temos tudo isso, mas o espaço de
convivência que dispomos é esta área externa (pátio), que é muito pequena, tem a sala de t.v,
a sala de computador e a sala de som, e não é muito agregador, porque quando está muito sol
e quando chove é um problema devido ao calor e à ausência de bancos para sentarem. Mas
temos um refeitório, temos tudo, mas não em condições ideais, precisamos de uma sala
grande de grupos, só não temos uma área livre para, por exemplo, fazermos um jogo, uma
quadra; não temos um jardim, onde poderíamos fazer uma horta, seria legal ter; e consultórios
que temos bastante, salas pequenas para conversas individuais, o que falta mesmo aqui é
espaço aberto e materiais específicos, para a culinária, precisamos de batedeira, um fogão,
instrumentos, coisas específicas para a saúde mental, como é padronizado, vem o que todo
mundo pede: guache, cartolina, e é o que dificulta o nosso trabalho, pois não conseguimos nos
aproximar muito... como no caso da arte, da expressão, você só vai trabalhar com guache?
Não vai chegar a nada!
- Quais são os regimes de estadia aqui no CAPS?
- Intensivo, para àqueles pacientes que ficam mais do que quatro períodos, semi-
intensivo, destinado àqueles que vêm mais de três vezes ao mês, e o não-intensivo, para os
que vêm uma vez ao mês, geralmente para quem vem só para a consulta médica e a maioria é
semi-intensivo, embora haja muitos intensivos.
- A maioria dos pacientes tem a participação familiar no acompanhamento do
tratamento?
- Temos o Grupo de Famílias e algumas famílias nucleares que atendemos, e a maioria
das famílias não adere ao tratamento, a maioria das famílias nem vem junto na triagem, é
muito difícil o trabalho com as famílias, as que vêm, vemos que aceitam o tratamento, mas
não chega a ser nem dez porcento. Geralmente quando o paciente está em crise, estas famílias
que vêm, quando o paciente começa a melhorar, deixam de vir, e se apóiam muito no remédio
e na consulta médica apenas.
G., muito obrigado e saiba que vocês foram maravilhosos comigo e tomara que eu
possa ter dado alguma contribuição aos pacientes das oficinas de Arteterapia, a vocês –
profissionais do CAPS e para a própria instituição.
- Obrigado a você pelo trabalho e pela ajuda.
139
- L., conte-nos um pouco de sua trajetória e como veio parar aqui neste CAPS.
- Meu nome é L., sou assistente social, com especialização em saúde mental, fiz
especialização no SEDES, na PUC, fiz formação em Grupos Operativos, de Pichon Rivière
durante quatro anos também. Fiz um laboratório de Arteterapia gestáltica, que foram muito
mais vivências, do que a parte teórica, trabalho com saúde mental desde 1985, trabalhei em
São Paulo e em Osasco. Coloco-me junto com àqueles trabalhadores que defendem a Reforma
Psiquiátrica. Anos atrás eu era mais engajada na política e hoje mais na assistência direta.
Faço análise pessoal que eu acredito ser muito importante devido ao trabalho que
desenvolvemos, como um suporte a mais, sendo a psicanálise a linha que eu mais me
identifico e me engajei. Tive uma formação em psicanálise também e trabalho com grupos de
família, que tenho uma formação também nesta área. Passei pela experiência do modelo de
assistência à saúde mental, desde 1989, com a prefeita Luiza Erundina, que trouxe um modelo
mais integrado e uma proposta mais completa e uma vontade política maior de se implantar
um modelo de assistência à saúde mental em São Paulo. Isso já vinha ocorrendo há anos, mais
com a Luiza Erundina foi um marco muito grande tanto na implantação do pessoal, quanto na
abertura de Hospitais Dias (HD), e dos Centros de Convivência, que foram dois serviços
novos que abriram naquele momento, que equipe de saúde mental em postos de saúde, alguns
postos já dispunham, mas naquela época começou-se se utilizar mais destes serviços nos
postos de saúde, e se contratou mais gente. Este modelo deveria ter equipes de saúde mental
nas redes básicas de saúde, nos postos de saúde, e os Hospitais Dia para momentos de crise, a
fim de se evitar internações em hospitais fechados, os Centros de Convivência e Cooperativas
(CECCOS), abertos a toda à comunidade, no sentido de ampliar a convivência e se conviver
com a diferença e vislumbrar a geração de renda, através das Cooperativas, a proposta de se
ter os Lares Abrigados, que naquele momento não se conseguiu se concretizar, e as
enfermarias dos hospitais gerais, pois a saúde mental poderia estar dentro de um hospital geral
também, já se tinha a experiência do Mandaqui, na época da Erundina foi implementado no
hospital do Campo Limpo, uma enfermaria de saúde mental dentro do hospital geral do
Campo Limpo e em Ermelino Matarazzo, fora as emergência de saúde mental em vários
pronto-socorros, além do HD, que tem este suporte de internação dia, para atender a crise,
para conter a crise num sistema dia, naquela época o que havia de CAPS era o Itapeva, foi o
140
primeiro, de 1987, se não me engano. Depois da gestão da Erundina, tivemos Maluf, Pitta,
então teve um modelo de atenção: o PAS, modelo de cooperativas, de terceirização que
mudou muito a assistência no município de São Paulo. Quem não aderiu a este modelo, fomos
parar em vários lugares, espalhados por aí, eu tive sorte, fui parar num grupo de pessoas com
AIDS, que foram implantados alguns serviços de atendimentos aos portadores de HIV/AIDS,
aqui nesta mesma região deste CAPS, foi uma experiência muito boa, aproveitei muito, um
trabalho muito rico, aprendi muito, que era da responsabilidade da prefeitura. Quando o PAS
foi implementado eu estava num HD de saúde mental de um certo bairro. Resistimos, fizemos
o que pudemos, mas não teve jeito, tivemos que sair de lá. Foi muito complicado inclusive em
lidar com os pacientes naquele momento, não havia datas e foi doloroso tanto para eles,
quanto para a equipe. Até que eu fui transferida de lugar para lugar, até que consegui me
estabelecer no serviço aos portadores de HIV/AIDS, que não era ligado ao PAS. Retornei para
a saúde mental em 2000, foi convidada e voltei, isto na gestão da Marta Suplicy. Fiquei até
em dúvida, pois estava num trabalho muito legal, nos serviços de HIV/AIDS.
- O que te fez retornar?
- Acho que é devido ao meu trabalho com saúde mental, meu percurso, eu tive uma
experiência e queria retomar, é um outro recorte, eu retomei por querer retomar meu percurso.
- Por que razão saúde mental?
- Na verdade eu fui procurando a saúde mental porque eu fui fazendo estágios na
área da saúde e fui me interessando pela saúde mental. Eu tinha uma curiosidade, me
instigava a saúde mental. Desde o terceiro ano de faculdade fui fazer estágio na área de saúde,
e a saúde mental foi a que foi mais me capturando, e fui atrás disso. Nós tínhamos o HD
daqui, desta região, e aqui funcionava o ambulatório de saúde mental, que tinha oito anos de
história, foi referência para este bairro e porque também atendia uma área bem grande,
vinculado ao governo do estado. O ambulatório foi municipalizado, e naquela época havia a
proposta dos CAPS, você não tem mais os HDs, mas sim os Centros de Atenção Psicossocial
(CAPS), que é uma proposta também do governo federam e financiado por ele, e a gente até
questiona se este modelo é o melhor modelo... eu era mais simpática ao modelo da Erundina,
achava ele mais interessante, e tivemos uma fusão do HD com o ambulatório de saúde mental,
que se tinha aqui para a formação de um CAPS, que foi um processo muito complicado para a
equipe, sendo um processo muito traumático, muito difícil, ainda hoje está se formando o
CAPS, até hoje temos uma herança de um ambulatório muito grande, com uma história das
pessoas que trabalham aqui, que fizeram o que puderam, junto com a história de cada um, mas
do jeito que as coisas foram feitas, isto foi muito complicado. Do jeito que foi feito a junção
141
dos serviços, foi complicado. Os grupos foram muito dolorosos durante um tempo, saiu muita
gente neste percurso, muitas mágoas, foi muito confuso durante um período porque se retirou
da rede tudo o que se tinha de psiquiatras, então tínhamos muito serviço, era referência, ficava
lotado, eram muitas triagens e atendimentos voltados para uma atenção mais ambulatorial,
não se desconsiderando o sofrimento, mas, a idéia de CAPS é atender portadores de doenças
mentais severas e persistentes, é um caso mais complexo, então ficamos um tempo com
muitas pessoas, com muitas diferenças de sofrimento, de necessidades de intensidade, até hoje
temos um ambulatório. Até hoje temos os pólos, os postos de saúde com equipe de saúde
mental, que é um processo mais lento, assim como a efetiva estruturação dos CAPS,
atendendo àqueles pacientes com sofrimento psíquico severo e persistentes, sendo os outros
casos, encaminhados para outros serviços de saúde mental. Em 2000 eu fui para onde era o
HD, que hoje é o CAPS referência daqui para crianças e adolescentes desta região e para
casos com transtorno mental mais grave. Em 2003, acho, viemos para cá, e ficamos com o
CAPS de adultos, que até hoje estamos formando este nosso CAPS desta região. Os pólos
foram implementados no meio do ano passado, se não me engano, que nesta região tem três,
que são postos de saúde, que têm equipes de saúde mental: psicólogos, terapeutas-
ocupacionais, psiquiatras, que dão conta dos atendimentos menos complexos, de menos
intensidade, e são referência para alguns postos de saúde que não têm uma equipe de saúde
mental. Eu não sei se todas as coordenadorias dos CAPS, têm instalado estas equipes de saúde
mental nos postos de saúde (em outras regiões do município de São Paulo).
- Os pólos têm ajudado o trabalho de vocês?
- Têm ajudado no sentido de não ficarmos como ambulatório, de sofrimentos que
possam ser cuidados em outro espaço e possa retomar, mas de fato ter um CAPS, que é um
atendimento a sofrimentos mais complexos e graves que temos, e para isto demanda maior
intensidade, é um trabalho de outra ordem; a nossa equipe também é pequena em relação ao
trabalho a ser feito, considerando tudo: desde o atendimento até a reabilitação psicossocial.
- Em relação às verbas que vocês recebem para trabalhar?
- Elas vêm do governo federal, que são repassadas para os municípios... Temos ainda
de fato uma inadequação: uma parte insuficiente de material, nossa equipe é pequena, tem
gente que sai e não se consegue repor, temos falta de recursos humanos, falta uma supervisão
regular, e isto demanda dinheiro, temos falta de algumas outras estruturas, de qualificação –
as pessoas poderem ser qualificadas com mais regularidade, porque acabamos procurando por
iniciativa própria – quem recebe um salário insatisfatório, ou acaba bancando do próprio
bolso, mas eu acho que temos que ter a participação de toda a equipe, desde o porteiro até a
142
direção, e principalmente uma supervisão para dar conta, pois é um trabalho muito difícil,
muito duro, precisamos de uma supervisão semanal para dar conta das situações institucionais
e clínicas. Isto deveria ser colocado no tempo do trabalho, seria um investimento no trabalho.
- Não se tem contratado novos profissionais?
- Não, faz tempo que não são abertos concursos.
- E quando, por exemplo, sai um psicólogo daqui?
- Ficamos sem (risos). Se alguém, por ventura, entra em licença por um tempo mais
prolongado, acabamos ficando sem profissionais durante um certo período de tempo.
Tentamos um remanejamento de profissionais, quando saíam profissionais daqui, mas estes
novos profissionais vinham, mas não ficavam muito tempo aqui, não dispomos de uma
autonomia direta para isso.
- No que a arte e a Arteterapia em suas múltiplas expressões, pode contribuir para os
pacientes do CAPS?
- Eu creio que tem tudo a ver, pois pensando a arte como uma ferramenta mais ampla,
como mais uma possibilidade de expressão. Nós fazemos a maioria das atividades e dos
grupos, pensando nesta possibilidade de expressão, quer que seja, para a pessoa poder
escrever algo, poder ter uma idéia, poder pensar nela, cantar, tocar um instrumento, ler um
livro, contar a história dela, pintar um desenho, eu acredito que são formas de expressão que
ajudam a viver melhor. Para mim isto também é promoção de saúde mental. Eu acho que
aqui, você usar este tipo de recurso, isto ajuda as pessoas a se colocarem, a se expressarem, eu
faço o “Jornal Mural”, que a partir de uma idéia que é eleita no dia, as pessoas vão atrás de
uma gravura, tentando expressar o que elas sentem e pensam, e depois construímos uma
história, o grupo escreve uma história de acordo com o recurso dele próprio. Penso que isto é
terapêutico, e ajuda a viver, a se organizar a vida, uma possibilidade de se integrar e
reagregar. Sinto que é importante se colocar profissionais qualificados para se oferecer um
bom trabalho, boas oficinas, aos pacientes. Isto gera agregação de conhecimento e
possibilidade de expressão. A arte aqui não tem esta preocupação de produção de obras boas
ou ruins, certas ou erradas, mas sim a possibilidade de expressão. Houve um curso de arte em
um CECCO com a equipe da Moreira Salles, em parceria com este CAPS, que fizeram um
trabalho, que durou alguns meses, de produções artísticas, com material e técnicas variadas, e
foi um trabalho muito bom e interessante e houve uma aula de vivência e o grupo que foi
daqui, que eu acompanhei, aproveitou muito o trabalho, agregou conhecimento, dando a
possibilidade terapêutica de expressão. Quem ministrou este curso foi uma arte-terapeuta e eu
também ajudei, intervindo, quando necessário. Isto me ajudou em minha vida particular e na
143
elaboração das oficinas aqui. O Marfim, nesta oficina, aprendeu muito bem, começou a levar
o papel para casa e começou a desenhar! Levava os desenhos para a professora ver, e isto foi
bom porque ele teve pouca possibilidade de acesso à escolaridade formal, ele além de
desenhar, pintar, tinha uma característica de observar o que os outros faziam nas oficinas e
fazer algo semelhante, mas teve muita coisa que saiu dele mesmo, era muito bom e
interessante, ele fazia aviões... Foi bom para todos que participaram, pois além de poderem
sair do CAPS e interagir em outro espaço, com uma outra proposta, com outros profissionais e
pacientes, possibilitou-lhes sair do que eles acreditavam ser certo/erado ou bom/ruim em
relação às obras que produziam. Isto faz parte do campo da reabilitação psicossocial, você
ampliar as possibilidades de vida, mas sempre é um ganho, se ter a arte como um meio de
expressão.
- Você acredita que em algum momento a arte/arterapia pode prejudicar ou trazer
algum tipo de dano ao paciente?
- Não vejo prejuízo, mas o que às vezes acontece, quando a pessoa esta numa crise,
muito desorganizada, ela não quer tomar contato com àquilo, e tem que se tomar muito
cuidado, se ter muito respeito e ter muita sensibilidade para vislumbrar isto. Mas acontece às
vezes, de pessoas dizerem que não querem participar de alguma oficina ou mesmo de algo
que envolva arte, mas na verdade ela quer, o que ocorre é o medo da aproximação de algo que
ainda é desconhecido para ela, que ela não domina, ou é timidez, e as aproximações bem
feitas, podem levá-las a querer e gostar e se sentirem “em sua própria praia”. Temos sempre
que olhar a singularidade em questão, sua possibilidades e limitações. Mas há também o outro
lado, presenciei situações onde o paciente estava muito desorganizado e ia na T.O. e fazia
milhares de coisas, e penso que para esta pessoa foi bom ela ter esta possibilidade de
expressão neste momento de desorganização, embora não necessariamente ela vá gostar do
que produziu após este momento de desorganização. O “Jornal Mural” ou “Mural Legal”, por
exemplo, funciona muito bem para pessoas mais comprometidas, mas não sei lhe dizer a
razão. Mesmo quando as pessoas estão muito confusas, elas vão nesta oficina, falam, se
expressam, nós trabalhamos um tema e isto fica exposto num mural, na outra semana, pois a
atividade é semanal, o tema pode ou não se repetir, isto tudo vai partir e depender deles, mas é
interessante quando eles repetem o tema.
- Há algo mais que a arte/Arteterapia auxiliaria os pacientes?
- Na expressão, ajuda a organizar mais os pensamentos, organiza um pouco as
emoções, mas sem esta coisa de ser certinho. É interessante porque neste grupo da Moreira
Salles, eram duas horas de oficina, e eles conseguiam permanecer na sala com atenção e
144
produção, então é sinal que faz algum sentido. A arte tem uma coisa de construir e
desconstruir, desconstruir e reconstruir, este processo tem que acontecer para que algo seja
expresso, veja os grandes artistas, algo está acontecendo (este movimento de construção-
desconstrução-reconstrução) dentro da cabeça deles, no livre pensamento... Há formas de
expressões muito singelas, muito diferentes umas das outras, por isso que acredito que a arte
ajuda dentro da especificidade de cada um, algo que muitas vezes não é mensurável ou
revelado, muitas vezes não se sabe exatamente no que a arte ajudou determinada pessoa, mas
ajudou, isto é um fato. Não necessariamente todo “louco” é criativo, acredito que aqui no
CAPS, que a arte pode ser utilizada como mais uma forma terapêutica e expressiva, não
necessariamente bela, ou estética.
- Você acredita que a arte/Arteterapia pode ajudar na expressão, que outras formas de
linguagens como a fala, não consegue dar vazão a certos pensamentos, sentimentos e
vivências?
- Às vezes sim. Estou lembrando de um paciente que não participa de nenhum grupo,
só fica na sala, assistindo televisão, não se conseguiu nenhum outro canal/via de expressão ou
comunicação com ele, mas o fato dele sair de casa, vir aqui toda a semana, mas não gosta de
estar muito perto das pessoas, estamos aí para descobrir “qual é a desse paciente”, ele pouco
fala, estamos ainda tentando descobrir, então a saúde mental tem disso, porque cada um é
muito singular, e às vezes sentimo-nos um pouco incompetentes e frustrados, por não
conseguir, ou não saber, ou ainda não ter encontrado o fio que poderia ajudar determinado
paciente. Tem a questão do tempo de cada um que não é fácil de entender. Para mim quer
dizer alguma coisa só o fato dele gostar de vir aqui, mas porquê eu não sei ainda, mas isto nos
inquieta, pois é assim que este paciente (citado acima), ficará para o resto da vida?
- Em relação à perspectiva de vida dos pacientes do CAPS, e em relação ao vínculo
que eles estabelecem ou não, com vocês e com a instituição?
- O vínculo terapêutico vai sendo construído no cotidiano, há pacientes com mais
vínculo, outros com menos vínculo, não sei se dá para medir vínculo (risos). Mas, às vezes, se
percebe dificuldade de aderência de um paciente a uma proposta oferecida a ele de
tratamento, outros dispõem de uma facilidade maior de aderência ao que temos a lhe oferecer.
Por exemplo, pegando o C., sua comunicação é muito pequena, com qualquer um de nós, mas
ele tem um vínculo, ele gosta de vir aqui, o que isto quer dizer: temos que pensar mais. Tem
algum que constroem até um vínculo de dependência, que não é a proposta do CAPS, então
temos que nos preocupar com tudo isso. Penso que o vínculo terapêutico ajuda a pessoa a
viver melhor sua vida, com as dificuldades próprias dela. Então eu acho que poder se ampliar
145
às possibilidades desta pessoa para além CAPS é um dos nossos grandes desafios: o estar na
vida, porque cada um é diferente do outro e especial. Mas nem todos vão, por exemplo,
circular pelas ruas do mesmo jeito, vão sair das ruas do mesmo jeito, ou vão freqüentar os
lugares que nós achamos bons para eles, ou fazerem aquilo que pensamos ser o melhor para
eles, mas sim vislumbrar o que é importante, o que faz sentido para cada um. Penso que
alguns recursos, se tivéssemos, ajudaria muito, como: acompanhante terapêutico, não só
individual, mas para pequenos grupos, estender isto para além do CAPS. Porque há pessoas
aqui que relatam que há lugares que gostariam de ir, visitar, conhecer, às vezes, ao lado de sua
casa, mas não eles não têm com quem ir, e no outro extremo, têm pacientes que nem vão
querer isto. Aqui nós só tivemos estagiários de A.T. (Acompanhante Terapêutico). É que nem
existe esta função na prefeitura, então eu não sei se houve algum pedido formal de requisição
de A.T. para cá. Eu mesmo já ajudei e fiz papel de A.T. com pessoas que estavam passando
por muitas dificuldades, para resolver coisas de suas vidas, como documentação, I.N.S.S.,
situação familiar, etc... Mas função de A.T. para a integração, por exemplo, na sociedade, aqui
só houve os estagiários de A.T.
- Em relação à inserção dos pacientes no mercado de trabalho?
- Isto já é uma questão bem mais complicada, pois o mercado já está ruim para àqueles
formados, competentes; há uma questão cultural do desemprego, é uma questão de base
política-econômica complicadíssima. Por exemplo, aqui, em relação aos pacientes, você verá
pessoas que já exerceram algum tipo de atividade em algum momento da vida em algum nível
de qualificação, tiveram suas crises, outros têm o benefício da previdência, outros são
aposentados por invalidez e a grande maioria está no auxílio-doença. Aí seu ganho é
proporcional ao ganho que exercia antes da manifestação da doença. Há aqui ex-professores,
pessoas que trabalharam em escritório, etc... e estas pessoas, muitas delas (das que recebem o
benefício previdenciário) ajudam no orçamento da família. Têm pessoas que nunca
conseguiram entrar no mercado de trabalho formal. Há o benefício de prestação continuada,
que é muito difícil de conseguir, que tem que haver: incapacitação total para o trabalho,
alguém tem a tutela da pessoa, a renda percapta não pode ser mais do que a do salário mínimo
vigente, esta lei deu um amparo para os idosos e para os deficientes, e contempla alguns casos
de saúde mental, com o diagnóstico psiquiátrico, temos alguns casos aqui com este benefício,
que é um salário mínimo. Há alguns que pagam o carnê, com o objetivo de um dia pegarem o
benefício auxílio-doença, ou a família desembolsa, ou a pessoa consegue fazer algum bico, e
temos alguns poucos que estão trabalhando. Muito poucos conseguem realmente um trabalho
formal registrado. Têm alguns que fazem uns bicos com outros, mas o trabalho é uma grande
146
questão para nós. Há também a questão daqueles que recebem o benefício: é bom que eles
recebam, mas a questão é como desenvolver a capacidade produtiva pessoal. Porque às vezes,
o paciente não consegue mesmo estar dentro de um banco, de um telemarketing, ou no
comércio, porque o jeito que ele funciona não dá. Isto não quer dizer que ele não tenha a
capacidade produtiva. Aí é que entra a nossa atenção, daí surgiram os grupos de produção,
associações, que para mim são questões também. Que tipo de produtos, como isto é aceito no
mercado de trocas, porque tem muitas regras e normas, o produto tem que ser bom, funcional
e bonito para ser aceito no mercado. Você vê pouco isto ocorrer, no CAPS e mesmo nas
associações e ONGs que tentam inseri-los no mercado, é muito difícil esta questão da geração
de renda em saúde mental. Penso que para muitos isto é uma questão muito importante: se
desenvolver o potencial produtivo de cada um, seria bom se isto ocorresse mais efetivamente -
capacitando maior número de portadores de transtorno mental.
- Em relação à questão da reabilitação e reinserção psicossocial dos pacientes?
- Isto vai variar muito. O nosso grande desafio é podermos estar inseridos na vida com
nossas diferenças, a pessoa com transtorno mental, tem sua inserção, do jeito dela, cada um é
diferente do outro, acho que a sociedade não suporta a diferença, porque ela isola as pessoas
com transtorno mental e tudo que não é padrão de normalidade instituído pela sociedade. A
própria doença muitas vezes leva ao isolamento, o grande desafio é fazer com que os
pacientes fiquem o menos isolados possível, quer seja na própria família, na comunidade, pois
há ainda muitas pessoas que vivem isoladas, que circulam pouco pela própria cidade ou
bairro, embora haja alguns que circulem bem, mas a maioria ainda é isolada e discriminada e
muitas vezes, isto começa dentro da própria família. O grupo de passeio aqui, por exemplo,
vocês foram à Bienal, tem esta possibilidade de “ganhar a cidade”, de poder circular, embora
seja protegido, pois profissionais vão juntos, eu acho também que uns irão precisar de mais
proteção do que outros ao longo da vida. Mas a proposta do CAPS também é esta: das pessoas
saírem para a vida, circularem, pegarem ônibus, conhecerem novas pessoas e lugares...
- Em relação aos pacientes das oficinas de Arteterapia?
- Dos que eu conheço, por exemplo, o Diamante é um rapaz que está conosco desde
que estávamos com o Hospital Dia, e veio para cá, acho que desde 2002, ele tem uma história
de vida bem complicada: perdeu um irmão assassinado, e esta família o colocou, após a morte
do irmão, num lugar ao mesmo tempo muito protegido e meio que no lugar do morto, e ele
tem um jeito de viver meio melancólico, nada dá certo, ele teve estas namoradas pela internet,
crê que nunca dá certo seus relacionamentos, depois de freqüentar bastante aqui, ele deu uma
afastada: foi procurar curso de biscuit, sempre foi uma pessoa interessada em procurar cursos
147
e coisas para fazer, eu acho que ele tem habilidades de expressão para explorar. Acho que
temos que ajudar ele mais, ele está passando por um momento difícil, dificuldade com a
família, mas ele se expressa bastante, fala muito, mas a qualquer hora ele cai, cai no vazio, em
depressão. A Prata é uma paciente que eu tive pouco contato, ela veio lá de Minas Gerais e a
família é daqui, e isso não foi a primeira vez que aconteceu, ela veio aqui poucas vezes,
quando ela fica ruim ela vem para cá, já fez tratamento num posto que antigamente tinha
psiquiatra, o que percebi dela é que ela faz pouco contato verbal com as pessoas, e sua história
familiar também é bem complicada e uma das questões é onde ela irá ser cuidada, tanto é que
ela não veio mais e temos que ir atrás dela, não sei o que aconteceu com ela, devido a estas
nossas reformas todas aqui no CAPS. A Turmalina também é aquele tipo de paciente que
“escorrega no quiabo” no tratamento (risos), ela vem do jeito dela, ela tem vindo mais
regularmente nas consultas psiquiatras, e eu não sei como foi sua assiduidade em suas
oficinas. Mas você marca com ela, e ela diz que vem, mas não vem, ela consegue circular por
aí bem, tem dias que está melhor, dias que está pior, ela veio ontem aqui me procurar, pois ela
queria uma aposentadoria e ela não tem este direito a este benefício, e ela tem dificuldade de
compreensão de algumas coisas, só quando ela tem alguma coisa a resolver muito importante,
ela aparece aqui, depois ela desaparece. O pai participou um bom tempo no grupo de famílias,
agora ele deu uma desaparecida, mas ele relata que ela é bem instável, às vezes está bem, ora
não está. Assim ela funciona em relação ao tratamento também, ela tem um bom contato e
expressão verbal, ela fala bem e bastante, porque há uma dificuldade no tratamento dos
psicóticos, quando você acha que encontrou algo que ele goste, que faça sentido, não
necessariamente isto ocorre de fato. Eu diria que ela tem dificuldade em aderir ao tratamento
e tomar contato com suas coisas, é bem instável a vida dela aqui também. Ela também teve a
primeira crise jovem, mas é uma pessoa que consegue circular um pouco, ela vai a shoppings,
ela gosta muito de música, ela liga muito para estas rádios, para os canais de televisão,
tentamos fazer com que ela viesse num grupo de música daqui, mas ela não veio. A Safira tem
uma coisa depressiva muito grande e tentou o suicídio várias vezes, mas ela tem um canal de
expressão muito interessante, com música, com o fazer, com o “Grupo de Imaginação”
(teatro) – ela é uma atriz de mão cheia, quando ela quer, quando ela não quer não “rola”. O
“Grupo de Imaginação” é um grupo que sentamos com eles, inventa-se uma historia, faz-se
um roteiro e se filma, e ela se fosse investir nisso, seria uma atriz profissional, mas ela
também é muito instável emocionalmente. Ela é cabeleireira, mas agora está fazendo uns
bicos.
- Todos estão medicados?
148
- Todos.
- Há alta de pacientes aqui?
- Em CAPS é difícil você falar em alta. Porque muitas vezes o prazo de se ter que
tomar a medicação é indeterminado, o que ocorre é diminuir ou aumentar ou trocar a
medicação, mas a medicação se for retirada, a pessoas têm que estar bem acompanhadas, no
geral, as pessoas ficam medicadas por prazo indeterminado. A Pérola é uma senhora que
estamos reavaliando seu tratamento e diagnóstico, ela chegou ao CAPS com um quadro de
confusão mental, mas temos ainda esta dúvida se não tem junto uma questão de demência, de
Mal de Alzheimer, e encaminhamos-na ao Grupo de Idosos, a fim de que façam um melhor
diagnóstico e tratamento lá. A história dela também é bem complicada porque é uma pessoa
que morou muito tempo em lugar de mato, e hoje está morando com o filho, que a trouxe de
São José dos Campos, para cuidar dela, e ela mora dentro de um apartamento e ele é zelador
do prédio, então ela não tem muito espaço para circular, tem a questão da idade, não dá mais
para ela ficar sozinha. Ela veio de um sitiozinho em São José dos Campos, que este filho
comprou para ela poder ficar lá, mas ela é da Bahia, nascida lá, ela tinha uma casa lá, que já
está perdida, mas ela acha que tem que recuperá-la, conseguiu uma passagem e a nora foi
buscá-la e trouxe-na para São Paulo para cuidar dela, além de ter uma saúde muito
complicada, tem diabetes, pressão alta, está exigindo muitos cuidados e não pode ficar
sozinha, bebeu um produto de limpeza, sem querer, isto tudo sugere que está com um quadro
demencial importante. Ela gosta muito de falar, de contar a história dela, pede para colocar
sua história no nosso jornal, das poucas vezes que participou do Jornal Mural, ela contribuía,
falava coisas... mas enfim, eu acho que ela está muito incomodada em não estar no lugar dela,
acho até que nem precisaria ser voltar para a Bahia, mas se ao menos voltasse para seu sítio
em São José, acho que já melhoraria. Ela gosta de mexer com a terra, ela plantava, e foi
arrancada de tudo isto. Ela tem muitos filhos, mas ninguém se disponibiliza muito, também
tem uma historia familiar bem complicada, ela foi muito dura com os filhos, e os filhos têm
uma relação difícil com ela, e o filho conta que no passado ela teve algum episódio de doença
psiquiátrica mal cuidada...
- Você é responsável por quais oficinas?
- Pelo “Mural/Jornal Legal”, pelo “CAPS Notícias” que tem uma tiragem trimestral,
pelo Grupo de Cuidados Pessoais, faço um Grupo Verbal com a psicóloga M. – grupo
terapêutico aberto – Grupo de Família, faço o Grupo de Música com a T.O. - G. O Grupo de
Famílias é aberto para todos os familiares das pessoas que estão aqui em tratamento, e o
objetivo é de ser um espaço de continência às famílias, de orientação, e um pouco para nós
149
entendermos como o paciente está nesta família, e como ela lida com ele, é um espaço para a
família se colocar, é um espaço da família, cujo tema são as dificuldades/facilidades desta
família em relação à pessoa que ela cuida, que está aqui em tratamento. A maioria são mães e
pais, mas há irmãos, esposas, maridos; varia um pouco, mas tem mais pais e mães. Também
fazemos alguns atendimentos nucleares com determinadas famílias que necessitam desta
atenção especial. E o grupo é bom, pois se compartilham as experiências, as dúvidas, as
angústias, os problemas, pois não é fácil você cuidar, e também as famílias observam que há
outras famílias com dificuldades similares. Muitas vezes, estas famílias têm uma demanda e
encaminhamos-nas para uma terapia, ou atendimento, ou há familiares que demandam
tratamento psiquiátrico. O Grupo de Música visa a ser um canal de expressão pela música,
onde nós tentamos descobrir no que a música pode ajudá-los, neste semestre que passou,
trabalhamos muito com roda de música e havia o T. - um paciente que toca violão, então ele
levou muito o grupo, e havia instrumentos de percussão, que eles gostam muito. Havia duas
estagiárias de psicologia que abraçaram o grupo e que foi muito bom neste sentido. Houve
apresentação deste grupo na Festa Junina e no fim do ano. Embora não fosse o objetivo último
deles a apresentação, o importante era trazer coisas que as pessoas gostassem, que tipo de
música, instrumento, forma, se gostam de cantar, e o que gostam de cantar, mas é um grupo
aberto, como os outros, você vai quando quer. Uma vez tocamos um “dingo” que toca em
propaganda, foi muito bom. Funciona bem este grupo. Às vezes alguém quer fazer um solo e
canta sozinho, ou escolhe músicas que gosta, então a idéia é a de ser uma convivência pela
música, uma expressão pela música, o T. é compositor, então ele compôs e ensaiou e cantou
uma música sua. O Grupo de Cuidados Pessoais, chama-se “Saúde e Beleza Lúdicos” - a idéia
é a de se ter um espaço onde as pessoas possam se cuidar, porque as pessoas com doença
mental, muitas vezes se desligam do seu auto-cuidado, fazendo uma unha, barba, é uma pena
que ainda estamos com nosso chuveiro gelado, mas também poder tomar um banho, escovar
dentes. Nós auxiliamos, mas a idéia é a própria pessoa aprender a cortar sua unha, se olhar,
então o objetivo é esse. O Grupo da Imaginação, o objetivo é poder trabalhar a expressão, a
partir da história deles, reais ou fictícias, e a partir daí, ter um produto que é a imagem, um
filme, e eles adoram ver e se ver no filme, é legal porque eles trazem a história deles para
contar. Nós não temos muito know-how, mas sai do jeito que dá. O A. trabalha em cima do
roteiro de uma forma mais elaborada, mas é muito interessante trabalhar em cima da imagem.
Teve um grupo que fez um filme chamado: “Um passo para a liberdade” – histórias de fugas
de hospitais psiquiátricos, a maioria que foi internada, contava como fugia dos hospitais
psiquiátricos (risos).
150
conjunto de fatores, não é assim: estava bem e acordou louco. Vem de um percurso. Aí
acumula um montante que chega no seu limite e irrompe a crise. Aí você vê que a pessoa fica
ou muito calada, ou esquisita, muitas vezes, as pessoas implodem. Para esta pessoa se tratar,
temos que oferecer um leque de possibilidades aqui, com um número variado de atividades e
tratamentos diferentes, onde a pessoa consiga em algum deles, se expressar de algum jeito.
Tem o caminho verbal, quando a pessoa consegue falar, e é um caminho que ajuda muito, tem
a farmacologia, tem as oficinas, mas para alguns ainda não descobrimos o que pode ajudá-los
(risos). É difícil! É um trabalho muito difícil, para nós que trabalhamos com saúde mental,
deveríamos ter também um cuidado melhor (risos), de melhorar a qualidade do trabalho, ter
mais gente trabalhando, quando a pessoa está em crise, e você tem que trabalhar corpo a
corpo, depois de duas horas, você já está exausto, quando a pessoa está muito agitada. É um
trabalho que exige muito de você, te coloca frente a situações que nem sempre você sabe
a melhor forma de lidar, você não tem respostas ou tratamentos prontos, te coloca frente
a várias questões, preocupações, é um trabalho desapasiguador (risos), a gente nunca
fica em paz (risos). Não é que eu saia daqui e fique pensando no trabalho, eu separo a
minha vida, da vida profissional, é um trabalho que te exige muito, às vezes, você acha
que vai dar certo por um caminho, mas na verdade você tem que ir por outro, às vezes,
tudo que você oferece não vai de encontro com o desejo/demanda do indivíduo, não faz
sentido para ele. Mas têm coisas que nos ajudam: fazer uma terapia na linha que a pessoa
acha que vai ajudá-la, trabalhar em equipe, pena que trabalhar aqui em equipe está muito
difícil, isto é uma proteção também, supervisões e estudos que não temos, isto tudo prejudica
muito nosso trabalho e trabalhos como o seu, de competências específicas que se configuram
como mais uma possibilidade de tratamento e expressão.
- L. muito obrigado.
- Obrigado a você pela ajuda e pelo trabalho realizado.
152
- M., conte-nos um pouco de sua história e como veio parar aqui neste CAPS.
- Trabalhei muito com grupos e com pacientes com AIDS, com atendimentos para
famílias e pessoas em fase terminal da doença, pois naquele tempo se morria ainda muito em
conseqüência da AIDS. Participo desde seu início, do Núcleo de Psicanálise em Saúde
Mental, há oito anos, com pesquisas e trabalhos publicados. Trabalhei no Hospital Dia, depois
vim para cá onde estou há três anos, num total de sete anos com o HD. Aqui no CAPS, eu
faço grupos que a gente chama de Grupos Verbais, onde procuro oferecer uma escuta
psicanalítica, onde os pacientes possam ter um espaço de fala e de escuta. Faço atendimento
familiar junto à L. (assistente social) e atendimentos individuais e de famílias, no atendimento
às famílias nucleares, atendemos em dupla, que já atendemos há algum tempo, e também
atendo alguns pacientes individualmente, às vezes, são indicados para mim, se os
profissionais acham que naquele momento, o paciente precisa de uma escuta mais
individualizada, encaminham-no a mim. No caso de pacientes psicóticos, há muitos que me
procuram, devido também a transferência, mas muitas vezes, demora para que eu faça uma
agenda de atendimento contínuo, periódico, e as vezes, eles não querem, eles vêm, te
procuram na hora que precisam... Eu acolho, escuto, e alguns, chega num momento, em que
eu proponho um atendimento mais rotineiro, se eles querem, e aí se estabelece um
atendimento mais freqüente e regular, que pode durar um curto período de tempo, ou pode
durar anos. Atualmente eu tenho atendido pouco, eles têm vindo pouco até mim, por exemplo,
tem um paciente, que é um caso crônico, está bem, estabilizado, ele estava no HD, e me
procurava muito para conversar, mas era do espaço de convívio, ele me procurava e eu o
escutava, escuta seus delírios, num determinado momento, ofereci um atendimento mais
regular, e ele aceitou, ele teve algumas interrupções comigo, embora ficou uns três anos
153
comigo, porque tinha coisas que ele não podia falar no grupo, ele que colocava isso no
atendimento, aí ele resolveu abrir essas coisas que ele falava comigo no grupo e parou de vir
até mim, eu respeitava; depois quis continuar o atendimento comigo, e passou a falar menos
no grupo, acho que teve duas interrupções no atendimento, agora faz bastante tempo que ele
interrompeu e está fazendo coisas, fica muito em casa, mas tem uma autonomia de procurar
uma ginástica, um divertimento, ele vai; então está freqüentando bem menos aqui, mas está
num grupo agora.
- Qual é a importância do delírio na psicose?
- Lacan fala que o delírio é uma defesa contra o real e ele não deixa de ser um sintoma
que se forma, como uma pessoa se defende através de uma gastrite, outros formam um delírio,
que logicamente é muito mais desestruturante do que uma gastrite. Mas o fato de você escutar
um delírio, escutar, considerando que o delírio é a verdade daquele sujeito, porque a
dificuldade é que uma pessoa em delírio, ela falará coisas que não tem cabimento, e é muito
comum elas não serem ouvidas, um familiar, ou qualquer outra pessoa falar: esse cara é
louco! É um absurdo, é mentira isso que você está falando, o delírio é a verdade daquele
sujeito, então por mais absurdo que seja, o que está falando, aquilo está acontecendo com ele.
Então acho importante se escutar, não desmerecendo o delírio, ele está acontecendo, é uma
verdade. É lógico que não dá para ficar dando corda para o delírio, pois pode se transformar
em algo muito maior, então precisa escutar um pouco para apaziguar, porque, às vezes, é
muito desesperador conviver com estes delírios. Então há um lugar para se delirar, isto é
muito importante, no caso de psicóticos que formam delírio, então é importante a escuta para
este delírio dar uma apaziguada, é um sintoma do sujeito, a medicação, às vezes, ajuda, mas
muitas vezes, dependendo do médico, ele pensa em exterminar os delírios, há pacientes que se
tornam muito angustiados sem o delírio, é interessante, portanto, que ele possa lidar com o
delírio, dando uma apaziguada, mas sabendo que o delírio faz parte dele. O deliro faz parte da
vida deles. É interessante que o delírio é um sintoma formado para o paciente se defender, e
se ele está sem esta defesa, ele está suscetível a algo que o apavora.
- Em relação à medicação para os delírios?
- Vai depender muito, tem casos que continuam muito delirantes, por exemplo, temos
o caso de M., que já está há muito tempo aqui, ele está bem já há algum tempo, mas quando
ele entra em surto, agride indistintamente as pessoas, pode ser na rua, aqui no CAPS, ou na
casa dele, e isso é terrível porque ele bate mesmo e você pode ser a vítima, você pode estar
passando e leva uma dele, quando ele estava assim, estava super medicado, a ponto de sua
médica falar que não daria mais para dar mais remédio para ele, pois seria perigoso, correndo
154
risco clínico, e não cedia, ele precisava de uma intervenção hospitalar para ele parar. Mas já
aconteceu dele entrar em surto e não precisar de internação. Eu o atendo, e nestes momentos
de crise, eu o escutava muito, por isso acredito que a fala exerce um efeito apaziguador muito
forte, embora nem sempre o falar dava resultado. Há casos, em que os médicos não sabem
mais o que fazer, já experimentaram de tudo, às vezes, muito remédio e não resolvia, ou às
vezes, quando o remédio entra, já faz um efeito, e tem casos que eu acho que não precisa do
remédio, é muito discutível, depende de caso a caso. O remédio dá uma apaziguada, ajuda a
acalmar, mas nem sempre.
- A arte/Arteterapia pode contribuir para a vida dos que estão com sofrimento psíquico
intenso e persistente?
- Acho que pode contribuir bastante, mas não para todos os casos, vai depender das
escolhas de cada um. Eu acho que, pode até ser uma fantasia minha, mas de modo geral, acho
que os psicóticos são muito múltiplos, acho que eles têm uma fala analítica e uma
sensibilidade muito aguçada, então a fala sozinha não dá conta disto, então poder realizar um
pouco através de um outro instrumento intermediário, eu acho muito interessante. Pode ser
uma pintura, a elaboração de um objeto artístico, penso que esta coisa do fazer é muito
interessante, é um jeito de se ocupar, porque uma das grandes questões que aqui lidamos no
dia a dia, como estas pessoas são diante da vida, do mercado de trabalho, do mundo, elas de
modo geral, têm uma dificuldade de se inserir dentro dos parâmetros sociais, há horários,
regra, normas, e a produção artística, ela conforta esta desorganização, então não precisa ter
aquele horário, para eles colocarem o que se encontra dentro deles para fora, um jeito de
expressão, para muitos é muito importante. Pode ser um jeito de lidar com a vida, estar no
mundo, produzir alguma coisa, que pode até a tornar-se um trabalho, e não um trabalho
burocrático.
- Você pensa que a arte pode ajudar um sujeito com doença mental, na expressão de
algo que de outra forma, através de outra linguagem, como a verbal, não seria possível dele se
expressar?
- Acho que sim, expressar algo que escapa a palavra, mas depende de como cada um
interprete, pois a palavra também é cheia de mal entendidos, ou seja, o que foi expresso, não é
o que você entendeu. Pode ser dito algo, não em palavras, acho que não existe uma expressão
absoluta, uma expressão completa na comunicação, ou seja, alguém pode expressar algo que
goste muito, que se sinta bem, que produza alívio, mas os outros que irão ver, no caso da
expressão pela arte, irão ver cada um de um modo, muitas vezes, não tendo nada a ver com
aquilo que foi produzido (com a idéia, por exemplo, ou sentido que o produtor deu para a
155
obra). Acho que a arte pode contribuir muito no quadro terapêutico, mas você nunca pode
deixar de lado a singularidade de cada um, por exemplo, o O., que é nosso paciente, acho que
ele pode se beneficiar do trabalho de Arteterapia, pois a questão da verbalização é difícil para
ele, é difícil entender o que ele diz, é muito difícil ele entrar num grupo, sentar e falar, no
entanto, ele produz coisas, sozinho, de modo geral, embora já tenha entrado em oficinas,
então para ele, um jeito de se expressar seja através de um objeto intermediário, produzindo
algo artístico, mas há muitos pacientes que não, que se beneficiam mais do tratamento pela
palavra, pelo remédio, através de outras formas, de vias de expressão outras, ou oficinas, vai
depender muito.
- A arte/Arteterapia pode prejudicar em algum momento o paciente?
- Acho que qualquer coisa pode prejudicar o tratamento, qualquer trabalho terapêutico
pode ajudar e prejudicar, dependendo como se aborda, por exemplo, àqueles que não querem
saber de Arteterapia, obrigá-los, seria uma impossibilidade deles de um dia poderem
participar de um trabalho desses. Cada um tem seu tempo e temos que olhar para isso. Muitas
vezes, acho que os pacientes têm que nos surpreender, de repente, num momento, eles podem
entrar e aproveitar muito, acho que depende como se produz, como se aborda, pode prejudicar
dependendo da abordagem, algo mais impositivo, não respeitando o desejo de cada um, do
contrário não, caberia muito bem.
- Você poderia falar um pouco dos pacientes que participaram das oficinas de
Arteterapia?
- É interessante o percurso do Diamante porque teve um momento aqui no CAPS
que... ele nunca deixou de se interessar por computador, mas ele ficava muito parado, muito
em casa, numa posição muito deprimida, não se animava com nada. Eles, de modo geral, não
valorizam o que produzem, não sei se não valorizam, mas eles não falam disso, é mais uma
coisa que fizeram, mas você às vezes, nem fica sabendo que fizeram, e o Diamante não, tanto
é que está fazendo cursos de outras coisas fora, não sei como começou, mas aqui deve ter
incentivado ele, pois ele está aqui há bastante tempo, então acho que para ele é importante, ele
ouve muitas vozes, e ele me procura, embora eu não seja sua referência, ele me coloca como
referência, e essas vozes às vezes, são um inferno em sua cabeça, são vozes que falam para
ele se matar, se jogar debaixo de carros, é perigoso, e quando ele está fazendo algo, com as
mãos, ou falando, as vozes vão embora, então tem um bom efeito a Arteterapia para ele. Além
desta coisa dele poder mostrar o que produz. Há muitas situações quando eles estão ouvindo
vozes, quando estão deitados na cama, em suas casas, é muito comum ouvir dos familiares:
meu filho é muito preguiçoso, só fica ouvindo vozes, e deitados, eles muitas vezes estão
156
tomados pelas vozes, e poder fazer alguma coisa no momento, se podem fazer algum
movimento, seria um jeito de tratar disto, produzir, escrevendo, desenhando, fazendo um
objeto, falando, isso traz um grande e bom efeito para muitos, têm alguns que resolvem este
problema das vozes, lendo a bíblia. Na psicose aparece muito a questão religiosa, do
misticismo, então muitos ficam apaziguados quando lêem a bíblia, e as vozes vão embora. O
Diamante trouxe um dia um trabalho que ele fez na tua oficina e mostrou para o nosso grupo,
assim ele se sente mais valorizado, do ponto de vista social, eles são muito desvalorizados,
geralmente. Eu acho que isto se torna um valor produzido interessante. Mas cada caso é um
caso. Eu acho que a Esmeralda também se beneficia da Arteterapia, ela tem uma depressão
forte, teve uma psicose pós-parto, mas tenho dúvida em seu diagnóstico psiquiátrico, fazendo
a sua escuta, mas dentro da psiquiatria ela tem uma neurose grave. Ela não ouve vozes, mas
não necessariamente o psicótico ouve vozes, tem casos que eles têm um pensamento fixo, que
podem se assemelhar muito a um obsessivo, do ponto de vista da psicanálise, não existe
ninguém normal. Lacan fala da insondável decisão do ser, é como se a gente, de um modo
inconsciente, colhesse uma neurose, uma psicose, ou perversão, referente àquilo que não
podemos falar, expressar, explicar, mas tem aí uma decisão insondável de cada um. A
melancolia estaria no campo da psicose. Têm aí as várias abordagens e discussões, mas Lacan
vai chegar num momento em que a psicose vai lhe ensinar muito, e ele dirá que uma psicose
não é melhor do que uma neurose ou que uma perversão, todos nós estamos incluídos em
alguma dessas coisas, ninguém escapa, pensando na questão do mal estar da cultura, ninguém
é são, aqui temos casos de psicóticos que entraram em crise, mas no consultório tive casos de
psicóticos que não surtaram, que são pessoas que vivem socialmente muito bem, seria
interessante se a pessoa conseguisse nunca ter o desencadeamento de uma crise, a crise traz
muitas perdas... A Esmeralda ficou muito encantada com a Bienal e ela saiu um pouco do
grupo, ela queria ver tudo, e aproveitar muito, achei que ela gostou muito e foi uma grande
novidade para ela, pois ela nunca teve acesso a uma Bienal ou algo do tipo. Em relação ao
CAPS, ela tem muito medo de perder o apoio daqui, ela mudou de casa, e uma das questões
que ela trouxe era que ela queria continuar o tratamento aqui. Nós não encaminhamos
abruptamente, a gente não vai encaminhar alguém que está indo bem no tratamento e teve um
vínculo e que pode entrar numa crise, caso se retire dela este nosso apoio. Eu tenho um pouco
de dúvida em seu diagnóstico, aparentemente é uma depressão grave, ela traz estas questões
de ausência, ela tem uma história muito sofrida, a questão do afeto é muito perturbador em
sua vida, não é á toa que em sua segunda gravidez, teve depressão pós-parto, uma psicose me
parece, então ela tem uma família com história de doença mental, e às vezes, eu fico pensando
157
se não seria uma psicose, tem a mãe que fez tratamento psiquiátrico, ficando internada em
hospital psiquiátrico, tem a história da vida dela, que ela não tem acesso a estas coisas, e me
parece que ela se refugia. Ela tem um histórico familiar muito complicado, precário,
perturbado, carente de tudo, de carinho, afeto, materialmente, de abandono, embora ela tenha
família, há este abandono com ela, e ela gosta de vir aqui. Deve ser surpreendente para ela, a
atitude dela na Bienal demonstra isso. Você disse que ela aproveita muito o grupo e gosta de
estar no grupo e fazer as atividades, porque para mim é interessante, pois ela se queixa de
falta de concentração, eu gostaria de ver as produções dela. Você disse também que ela
participa bem. É interessante que ela se queixa dos brancos (lapsos de memória), de ausência,
e isto também acontece nos atendimento individual, diz que está esquecida e ela na verdade
vai falando, e tem concentração e fala muito, agora, ela muitas vezes, não relaciona o porquê
dela estar sentindo tal coisa, só que ela fala o que sente, mas ela não faz relação, por exemplo,
estou deprimida porque não estou confiando no meu marido, ela conta em pedaços, conta uma
situação ruim com o marido, por exemplo, aí ela conta que não sabe porquê não tem vontade
de nada. Mas às vezes ela consegue, acho que com o tempo e a prática ela conseguirá fazer
mais conexões. Ela é novinha, nasceu em 1982, tem três filhos, a primeira gravidez dela foi
aos 16/17 anos, ele se casou, teve um menino, que está, acho com sete anos, e logo em
seguida teve uma filha, onde teve depressão pós-parto, e este primeiro marido começou a ficar
muito agressivo com ela, ela não aceitava a segunda gravidez, foi difícil de lidar com a
menina, teve ajuda da família, e daí o marido começou a ficar muito agressivo, ela desconfia
que ele era paciente de drogas, e agredia ela fisicamente, até que um dia foi para cima dela
com uma faca e ela disse que foi salva porque a mãe estava chegando, e a mãe tirou a faca da
mão dele, senão ele tinha acertado ela. Daí ela se separou, e depois ficou morando com a mãe
e os irmãos, e ela em algum momento não deu conta de cuidar desses filhos que vivem hoje
com este ex-marido. Ela fala que este ex-marido está bem atualmente, não é mais agressivo,
casou com outra mulher e está tranqüilo e cuida dos filhos dela e dele. Como ela não é uma
freqüentadora assídua do CAPS, ela trabalha num cinema pornográfico, onde passa filmes
pornográficos, ela ficava lá na bilheteria vendendo entrada, num dia em que ela relata que
teve uma crise de pânico, ela vê o pastor da igreja dela chegando lá no cinema acompanhado
com um cara e eles transam no meio do filme, rola coisas lá, daí ela começa a namorar o atual
marido e engravida. Acho que isso aconteceu depois de engravidar. Ela acaba descobrindo
que seu marido é garoto de programa, ela vai contando tudo isso e não faz relação. Daí ela
começa a ficar com compulsão sexual, acho que ela não estava grávida ainda, ela transa com
Deus e o mundo, ela fala que estava com compulsão sexual, e qualquer um que ela visse, ela
158
abordava, então não era quem chegasse nela, era qualquer pessoa, ela ficou fazendo sexo
compulsivamente, e ela fala de uma coisa selvagem, e tem uma história anterior a isso, para
você ver como as coisas se repetem: quando ela tinha 15 anos, ela tinha um namorado, e ela
era virgem ainda, e daí ela chegou em casa e apanhou da mãe, que achou que ela estava
transando com o namorado e ela era ainda virgem, depois disso ela quis fazer sexo, mas acho
que de raiva, ela foi perder a virgindade de raiva, e isso do sexo com raiva marca o início da
vida sexual dela. Quando ela começa a praticar sexo compulsivamente, ela entra em crise, e
começam as ausências, os pânicos, depois se entende com este marido, e ele deixa de ser
garoto de programa e arranja um emprego regular num hotel, e daí tem uma coisa assim: ele
cuida bem dela, da casa, e ela gosta disso porque não sobra para ela, ela admira que ele faz
comida, que ele limpa a casa, organiza, coisa que ela nunca fez. Por outro lado, ela desconfia
que ele continua como garoto de programa, apesar de ele ter um emprego, ela acha que ele
não parou, então ela começa a deprimir também com ele, só que ela tem dificuldade em fazer
estas conexões, mas que tem alguma coisa neste casamento que sustenta ela, tem. Ele acaba
sendo companheiro dela em muitas coisas, então ela tem uma história muito peculiar que a
gente nem imagina. Ela, eu acho que gosta de dançar, mas não tenho certeza. Ela traz uma
indisposição muito grande em casa, uma falta de vontade de fazer as coisas, uma dificuldade
em lidar com os filhos, com o filho menor, e agora os maiores estavam com ela. O terceiro
filho é deste casamento, e ela ficou muito mal na gravidez. Esta coisa da compulsão sexual
parou, e ela reconhece que é perigoso, pois ela corria riscos.
Tivemos que encerrar a entrevista devido a um atendimento de M.
159
5 – CONCLUSÃO
Manicomial foram o início de um longo processo de mudanças que estão ocorrendo muito
timidamente na sociedade, nos valores e nos indivíduos.
Em relação à arte e à Arteterapia, penso que é mais uma das possibilidades de “voz”,
expressão, tratamento, lazer, terapia e criação que estes pacientes, que apresentam sofrimento
psíquico, têm ao seu dispor.
A arte se conforma como um facilitador, já que pode oferecer pouco a pouco, pistas e
elementos que ajudam no acesso as dificuldades e limitações do outro, pode ampliar a análise
diagnóstica com maiores detalhes, porque permite o acesso a conteúdos pouco expressos na
linguagem formal limitada (FRAYZE-PEREIRA, 1999).
Penso como Munari (2004) apud Valladares (2004) que expressa os sentidos dos
serviços substitutivos em saúde mental, baseado no novo paradidgma, como o CAPS,
CECCO e tantos outros, e que buscam descobrir e valorizar a lógica singular de cada um, sem
uma preocupação de “normalidade social”:
Segundo a autora citada acima, a arte deve ser bem conduzida com propósitos claros,
com sentido para os pacientes, sendo uma aliada na reestruturação interna do indivíduo, na
expressão de sentimentos e desejos e na reabilitação psicossocial, possibilitando o resgate e a
formação de novos vínculos:
Através deste longo processo que passei durante este estudo, e que os pacientes
vivenciaram através das oficinas terapêutico-expressivas em um CAPS adulto, da visita à
Bienal de Artes de São Paulo, das discussões, pontuações, observações, entrevistas e
reflexões, penso que tudo isto pôde proporcionar aos pacientes das oficinas vários benefícios
para suas vidas:
1) Aumento da auto-estima, através da valorização de suas produções pelos próprios
pacientes do grupo, e pelo outro, visto que também as produções foram expostas no CAPS;
2) Melhor auto-aceitação, valorização dos aspectos positivos pessoais, e maior
autonomia;
3) Entretenimento, expressão, desenvolvimento de um processo criativo próprio;
4) Despertou sentimentos e gerou atitudes positivas como: alegria, liberdade,
serenidade, paz, calma, conforto, aceitação, auto-aceitação, amizade, fraternidade, amor,
desejo, harmonia, integração dos pensamentos, sentimentos e ações; fruição, prazer, êxtase,
respeito, introspecção e extroversão, meditação, originalidade, e outras não manifestas;
5) Mudança nos sentir, no pensar, no falar, no expressar, no criar, no fazer, no desejar
e mudança de hábitos cotidianos e no comportamento;
6) Desejos, anseios e planos para o presente e futuro;
7) Maior ordenação, estruturação e harmonização psíquica, canalizando a libido para
fins mais positivos e construtivos de vida, de relacionamento intra e inter pessoal;
162
Espero ter contribuído de alguma forma para: a vida, para o cuidar, tratamento e para a
reabilitação psicossocial dos que sofrem.
As conclusões deste presente estudo estão longe de serem definitivas. Espero que esta
pesquisa fomente ainda mais as discussões a respeito do tema, promovendo novas pesquisas
mais aprofundadas. Desejo que esta pesquisa possa estimular a práticas mais eficientes,
rápidas, seguras e benéficas para os pacientes do serviço de saúde mental, além de
contribuições familiares, comunitárias, institucionais, profissionais, sociais e acadêmicas.
164
RERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRITISH LIBRARY, Londres, Inglaterra: Colorplate I0 – Aaaron Pouring Oil into One of
The Menorah. Northern France, late I3 th century. Add. Ms. II639 fol. II4r. Vellum.
6 3/8 X 43/4’’ (I6.2 X I2.I cm). In: KELLER, S. R. The Jews – A Treasury of Art and Literature.
Beaux Arts Editions, China, 1992, p.41.
CARVALHO, M. M. M. J. de, - A Arte Cura? São Paulo: Editorial Psy II, 1995.
CASTRO, L. P. de. A doença mental vista na história. Revista UNIPÊ. João Pessoa, v.4,
n.1, p 97-109, fev.2000.
CHAGALL, M. – (1887-1985). Eu e a Aldeia. Paris, 1911. Óleo sobre tela, 191 X 150, 5 cm.
In: Poesia em Quadros. Produção: Ingo F. Walther/Rainer Metzger: Benetikt Taschen
Edições, Alemanha, 1994, p.21.
165
ESTAMIRA. Filme (Documentário), dirigido por Marcos Prado. Produção: Marcos Prado e
José Padilha. Rio de Janeiro: Europa Filmes, 2004. (127 min).
____________________. O desvio do olhar: dos asilos aos museus de arte. Psicologia USP,
São Paulo, v.1o, n.2, p.47-58, 1999.
GUBA, E. The paradigma dialog. New York: Sage, 1990. In: ALVES-MAZZOTTI &
GEWANDSZNAJDER, A.J. e F. O método nas ciências naturais e sociais - pesquisa
quantitativa e qualitativa. São Paulo: Pioneira, 1999.
KAMPMANN, L. Artesanato para crianças – com tintas e pincéis. 3ª ed. São Paulo:
Melhoramentos, exemplar XI, 2º vol., 1982.
KELLER, S. R. The Jews – A Treasury of Art and Literature. Beaux Arts Editions, China,
1992.
MARTINELLI, P. Amazônia – O Povo das Águas. São Paulo: Terra Virgem, 2000.
http://portal.saude.gov.br/portal/saude/cidadao/visualizar_texto.cfm?idtxt=24361&janela=1
Acesso em: 28.jan. 2007.
MUNARI, D. B. Arte, Arteiros e Artistas: Uma reflexão acerca da arte como instrumento de
cuidado humano em Saúde Mental. In: VALLADARES, A. C. A. (Org.). Arteterapia no
novo paradigma de atenção em saúde mental. São Paulo: Vetor, 2004.
NAÇÕES DO MUNDO – BRASIL. 2ª ed. Abril Livros Ltda, Rio de Janeiro, 1992.
NAÇÕES DO MUNDO – ÍNDIA. 2ª ed. Editora Cidade Cultural Ltda., Rio de Janeiro, 1989.
OS GRANDES ARTISTAS – Vida, obra e inspiração dos maiores pintores: Renoir. Nova
Cultural Ltda, São Paulo, 1986
PELTRIAUX, B. (1921-1999). Óleo sobre tela, [Mulher sentada cheirando flor], s.d. Blaise
Saint Maurice, Paris. In: ANNUAIRE DE L’ART INTERNATIONAL. Produção: Patrick
Sermadiras. Editado por IDV, Paris, França, 1978-1979, p. 533.
PITTA, A. Reabilitação Social no Brasil. 2ª ed. Editora Hucitec, São Paulo, 2001.
RICE, D. T. Art of the Byzantine Era. 2ª ed. Londres, Inglaterra: Thames and Hudson Ltd,
1997.
SERRA, A. A. A psiquiatria como discurso político, Rio de Janeiro: Achiame, 1979. 68p.
SERRANO, A. I. O que é psiquiatria alternativa. 7ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1992. 107p.
TALMUD BABILÔNICO – Talmud Bavli –, Tractatte Bava Basra, Vol.1, The Schottenstein
Edition, Brooklyn, Nova York, Estados Unidos, 2001.
VALLERO, V-B. P. “É preciso levar o delírio à praça pública”: Sofrimento Psíquico, artes
plásticas e inclusão social. São Paulo, 2001. Dissertação apresentada ao Instituto de
Psicologia da U.S.P. para obtenção do título de Mestre.
WHO, Care for the Mentally Ill. WHO Collaborating Centre, Douglas Hospital Centre.
Montreal, CA, 1987. In: PITTA, A. (Org.). Reabilitação psicossocial no Brasil. São Paulo:
Hucitec, 2001.
ZATZ, L. Lasar Segall: O pintor de almas. São Paulo: Callis, 2001. 43p.
169
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
ARTAUD, A. O suicídio é uma solução?. In: Escritos de Antonin Artaud. Seleção, notas e
tradução C. Willer. Porto Alegre: LP&M, 1983. (Rebeldes e Malditos).
_______. A Arte nos Loucos e Vanguardistas. Flores e Nano, Rio de Janeiro, 1934.
DAMETTO, C. Loucura: mitos e realidade. Rio de Janeiro: Folha Carioca, 1988. 82p.
FILHO, H. V.; FILHO, G. B. Esquizofrenia. In: EY, Henry. Manual de psiquiatria. Rio de
Janeiro: Massom, 1994. Cap 9, p 127 – 149.
ANEXOS
171
Esclarecimentos:
2. Os procedimentos a serem adotados são: Entrevistas com os pacientes das oficinas e profissionais deste
CAPS, observações, intervenção junto aos pacientes durante as oficinas, análise dos dados coletados e
interpretação dos mesmos.
5. Todas as informações requeridas, bem como dúvidas surgidas, serão imediatamente prestadas ao
participante pelo aluno-pesquisador.
8. Nome, endereço e telefone do participante serão mantidos em absoluto sigilo, bem como qualquer outro
dado que possibilite sua identificação.
10. Este estudo será desenvolvido nas dependências deste CAPS, com sua autorização anexada no projeto.
11. Esses dados poderão ser exclusivamente utilizados na elaboração de textos para publicação, gravação e
exibição em fita para fins acadêmicos, assim como a imagem das produções dos pacientes.
Depois de lidos os onze itens de esclarecimento acima, eu, ________________________________, portador do
RG ______________, declaro-me ciente e de pleno acordo em participar voluntariamente do estudo, sabendo
que os resultados obtidos farão parte do trabalho de Conclusão de Curso de Pós-Graduação Lato-Sensu
(Especialização) em Arteterapia da Universidade São Marcos, sob a supervisão do professor
orientador___________________, tendo assinado o presente termo em duas vias de igual teor, das quais
recebi uma cópia.
São Paulo, _______ de_________2007.
Em caso de dúvidas ou maiores esclarecimentos, favor entrar em contato com o aluno-pesquisador pelo
e-mail: samuelrbg@yahoo.com.br ou com o Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria Municipal da Saúde
– CEP/SMS: R. General Jardim, 36 – 2º andar – Vila Buarque – São Paulo – S.P. Tel: (11) 3218-4043.
Participante: _______________________________________.
1) MARFIM (M.) :
19/9/2006 – freqüenta grupo verbal, no fim de semana não saiu, ficou em casa, tem
assado pão, domingo acorda 4:30 da manhã. Assinado pela: Psicóloga M. e L.: assistente
social;
26/9/2006 – Grupo Verbal, L. como sempre fala de suas andanças e visitas à casa de
seu irmão e filhos, conta que seu filho comprou um carro novo, não é fácil seu contato com os
filhos, quando se separou, o filho tinha 3 anos e a filha 5, e perdeu o contato com eles,
ajudava financeiramente, bebia demais, foi rever a filha há uns 4 anos, quando foi internado
não os via há mais de 20 anos, ou seja foi pouquíssimo o contato com seus filhos e o convívio
também;
3/10/2006 – Foram ao CECCO ver o curso de experiências artísticas, que L.
participou. Fala de seu trabalho na padaria. Está no grupo verbal. Vai visitar seu irmão e falou
174
no grupo da Copa da Inclusão - onde viu o filho de longe, falou com gosto do filho e dos
netos, parou um pouco de trabalhar, pois eles enrolam para pagar (sic);
Limita-se a fazer um relato de seu cotidiano. O irmão é solteiro, conversa com a ex-
esposa, são da mesma cidade e se dão bem, ela é casada. Diz trabalhar bastante, pois é bom
para não pensar besteira (sic), sentiu angústia, queria quebrar tudo na padaria, saiu e foi visitar
o irmão.
8/1/2007 - CAPS – Regime não-intensivo com cuidados intensivos (Semi-intensivo).
2) TOPÁZIO (T.):
Nasceu em 1/9/1967;
Registro do ambulatório do mesmo bairro de seu CAPS de referência: 8/1/87;
Residência: reside na região do CAPS, em outro bairro;
Aplicado Teste de Rorschar: 14/12/90, Análise Qualitativa: Não apresenta segregação
do pensamento, há coerência, seqüência lógica no pensamento, apesar de haver respostas com
tendências confabulatórias, não chegam a depor contra a integridade do mesmo, esta
tendência à confabulação contribuem para que o investimento de sua capacidade intelectual se
perca em divagações e abstrações tais que não chegam a resultados práticos, característicos de
um estado próximo de alienação que preenche suas necessidades afetivas, a variabilidade de
conteúdos explorados, mostra uma flexibilidade de visualização das diferentes áreas do
conhecimento...
Hipótese Diagnóstica: F 32.3 = Episódio depressivo grave com sintomas psicóticos.
Idade: 39 anos
Trouxe seu cd, que gravou para mim, com sua apresentação na t.v. cultura.
3) OURO (O.):
4) ESMERALDA (E.):
Relato de E. (prontuário):
Começou a freqüentar uma igreja evangélica, mas quando viu o bispo da igreja
comprando um ingresso para o cinema pornô, onde trabalhava no centro de São Paulo, na
bilheteria, se desapontou com a nova religião, e com os evangélicos. Está tendo problemas
com o marido, pois desconfia que ele é garoto de programa. Ele tem querido (desejado) fazer
somente sexo anal com ela, e isto a tem incomodado muito, fazendo-a sofrer pensando que ele
é homossexual.
5) TURMALINA (T.):
6) JADE (J.):
7) DIAMANTE (D.):
8) SAFIRA (S.):
Teve uma quarta tentativa de suicídio, tomando chumbinho de rato, foi atendida no PS
(Pronto Socorro) de seu CAPS, onde permaneceu três dias, sendo internada em uma Casa de
Saúde (Atenção Psiquiátrica Intra- hospitalar/Extrahospitalar) em 15-5-2006, saindo em 30-6-
2006, primeira tentativa de suicídio há dez anos, internada na psiquiatria do H.C. por um mês,
tem duas filhas, uma de 13 e outra de cinco. Uma mora com avó, e a outra com o tio, foi
adotada com oito anos de idade, viveu na rua com seus irmãos em Minas Gerais até os oito
anos, pedindo esmola, fez tratamento na psicologia da USP, psicoterapia por nove anos, e
estudou até a segunda série do ginásio do ensino médio, fez curso de cabeleireiro, sendo
excelente profissional. Paciente intensivo com almoço todos os dias no CAPS. Viveu infância
difícil até os oito anos, os genitores bebiam muito, tanto ela, quanto os irmãos, viveram
praticamente na rua - numa pequena cidade de Minas Gerais, e viviam pedindo esmola na
cidade. Com oito anos a sra. L., a quem chama de tia, a adotou, trazendo-na para São Paulo.
L. refere que S. teve dificuldade em acompanhar a escola e que S. fez psicoterapia na USP
durante um bom tempo. S. relata assassinato do marido, há quatro anos, em sua própria casa,
marido era traficante. Nega uso de drogas e álcool, tem duas filhas, sendo que a mais velha,
atualmente mora com ela e a tia, e a filha menor mora com o tio, irmão do pai. S. está melhor,
menos desanimada, refere a respeito de seus pensamentos e vozes ruins. As vozes dizem:
“Você tem que morrer”! (sic). As vozes perderam intensidade, mas S. sente muita tristeza
quando está sozinha. Tem-se tentado fazer com que S. se insira numa rede social mais
ampliada, no início estava em tratamento intensivo. Foi à festa de samba de Bumbo no CAPS
X, com alguns pacientes. Houve atendimento familiar com a tia, e foi retomado o contrato
terapêutico. Foi feito atendimento familiar mensal, e iniciou terapia comunitária. Sua tia
refere dificuldade em convencer a filha de S., em colaborar com algumas tarefas domésticas,
que quando faz, faz mal feito. Mãe e filha estão dormindo num quarto nos fundos da casa. S.
refere aumento do apetite, e pediu esclarecimento dos medicamentos que toma, bem como
seus efeitos. Foi lhe sugerido que freqüentasse algum curso de seu interesse, e um Centro de
179
9) Prata (P.):
24- Tem algum artista e obra que você mais gosta, qual, e por quê?
25- Você já visitou alguma exposição, quando e onde foi? O que te chamou mais atenção
lá?
26- O que você faz no seu tempo livre?
27- Você tem algum hobby?
28- Você ou sua família tocam algum instrumento musical ou tocava?
182
Fig.- 75 - OURO
185
Tormenta
Tenho muitas saudades de minha avó. Ela se chamava Maria Amélia e era muito
compreensiva comigo.
Quando criança eu ouvia vozes e via coisas estranhas, sentia muito medo e ela
fazia chá de erva cidreira para mim e eu dormia em seu colo. Agora sei que ela
está no céu. Tenho muitas saudades dela.
Autor: Ouro.
Jornal da Comunidade – “Caps em Notícias”, Ano IV - Edição 19 – último quadrimestre de
2006.
186
- Meu nome é Ouro, meu pai é G. e minha mãe é N., nasci em 1964, acho que
tenho 41 anos...
- Você é Casado?
- Moro com uma mulher, a segunda mulher. Nós não me damos muito bem.
- Em relação às oficinas, como foi para você estar no grupo, fazer as
atividades arteterapêuticas?
- Para mim foi muito bom, muito bom. Você, a G.(terapeuta ocupacional), a
F.(estagiária de terapia ocupacional), vocês dão toda a atenção, deixam a gente à
vontade, ensina direitinho... para mim foi muito bom, porque tem coisa que a gente não
consegue falar e pintar, desenhar, desabafa também, porque quando tem uma coisa
ruim dentro da gente, uma angústia, e pintando, desenhando, isso ajuda muito, eu me
sinto bem.
- O que fica dentro de você?
- Angústia, prisão da angústia, está ruim para sair para fora, e as coisas
ruins saem da cabeça, alivia um pouco, é bom... Ajuda muito.
- O que você pensa de coisas ruins?
- Ás vezes, que eu estou ouvindo vozes, angústia, muita coisa, cada época,
uma coisa, às vezes, elas falam para eu me matar, fala que a minha vida não tem sentido,
que eu deveria acabar com tudo para eu viver melhor do outro lado, e às vezes, eu fico
meio angustiado.
- Como você faz par lidar com isso?
- Eu estou tomando remédio estou participando dos grupos, destas oficinas
de arte, isso ajuda muito, eu me sinto bem, à vontade, eu sinto me sinto importante.
- Valorizado?
- É.
- Você lembra que todos elogiavam as suas produções e te chamavam de artista?
- É (risos), a artista, né? (risos). É bom. É bom, né?!
- Você já fez algum curso de arte?
187
para me dar força, porque sozinho eu não consigo fazer. Qualquer coisa que eu vá fazer
tem que ter gente me ajudando, me empurrando, ou junto comigo, porque assim eu
tenho mais força aí eu sei que não estou sozinho, né?! Porque senão não faz não.
- Você canta?
- Eu não gosto de cantar não! A única música cantada que eu acho legal é o
Pavarotti.
- Então você gosta de música erudita e tenores?
- É, eu gosto para ouvir de vez em quando, não que eu goste para ter a música
deles, eu acho bonito.
- Só o Pavarotti, ou outros também?
- Outros também, eu acho bonito.
- O que você sente quando os ouve?
- Eu queria fazer igual, eu gostaria de ter esta força para poder sair as
coisas ruins de dentro da gente.
- O que você chama de coisas ruins?
- Essas vozes na cabeça, no corpo...
- Como é isso?
- O corpo ruim, aquela vontade de morrer... angústia, aquela coisa ruim que
fica na cabeça, desespero, agonia, sentimento ruim. Eu acho que se eu tivesse tido
compreensão ao longo da minha vida, desde criança, hoje eu seria... eu poderia acreditar
que existe felicidade, né?! Se eu tivesse sido compreendido, eu não fui compreendido,
hoje as pessoas aqui do CAPS me dão todo o apoio, no que eu precisar... então eu
deposito toda a confiança e tudo eu deposito aqui, e isto envolve tudo, desde a comida, a
arte, o grupo, tudo, tudo que eu faço.
- Você tem algum sonho, ou desejo que gostaria de realizar?
- Na minha infância eu tinha... eu queria ser da aeronáutica... (Ele começou a
chorar então lhe disse que isto é normal, para ele se sentir à vontade, que poderia chorar, que é
bom e faz bem às vezes).
- Mas depois eu fui vendo que isso não era para mim, era só um sonho que eu
tive.
- Hoje em dia você tem algum sonho?
- Não, eu não acho que há felicidade... eu tento fazer as coisas, vir aqui, de
ficar aqui, mas eu não sinto assim não... eu também já estou acabado, mas eu quero
viver, mas é difícil, difícil por causa das coisas que acontecem... o mundo é muito difícil,
190
o mundo para mim é muito pesado, as coisas para mim são muito pesadas, eu vou
levando, suportando porque estou tendo apoio, aí eu estou levando, tendo apoio e
compreensão, mas...
- Na sua família havia alguém que fazia algo relacionado a arte?
- Não.
- Você conheceu seus avós?
- Eu conheci minha avó M.A., até hoje eu não esqueço dela, eu escrevi sobre
ela no jornalzinho, fiz uma poesia também, saiu no jornal (do CAPS), o nome (título) é
“Tormenta”, veio na cabeça na hora, eu estava um pouco angustiado e na hora eu fiz.
- O que você lembra dela?
- Ela me ajudava... Quando minha mãe me perseguia, minha mãe me
perseguia muito, me batia, minha mãe não gostava de mim, e ela (sua avó) me acudia, às
vezes eu chegava em casa e eu estava mal, ela (sua avó) fazia chá de erva cidreira, fazia
mingau e eu tomava e deitava no colo dela e dormia, aí ela foi a pessoa mais importante
para mim, eu tinha uns oito, nove anos, isso quando eu morava na cidade.
- Você é de Minas Gerais?
- Sou. Eu não morei na roça, eu trabalhei mais tarde na roça, quando eu saí de
casa, aí eu fui trabalhar na fazenda.
- E o teu pai?
- Ele faleceu, a gente não tinha muito contato porque ele viajava muito e
trabalhava fora com trator, fazia estradas...
- Sua mãe trabalhava?
- Não, ela só ficava em casa.
- Ela vive?
- Vive.
- E como é a relação atualmente com ela.
- Eu não tenho muita relação com ela não, ela não gosta de mim.
- Quais são os outros grupos/oficinas que você freqüenta?
- Da psicóloga M e da L. (assistente-social) (Terapia de Grupo), na terça-feira, a
gente faz nesta sala mesmo, é grupo, a gente fala o que a gente sentiu, o que a gente passou,
como está a vida, tudo! E tem na segunda-feira que é o grupo de reencontro (do final de
semana).
- Qual é o grupo/oficina que você mais gosta?
191
- São duas araras, porque elas estão em paz, protegidas pela mata,
tranqüilas.
- Você participou da atividade do ônibus?
- Não. (Ele foi à Bienal, mas saiu, pois viu pássaros ameaçadores (alucinação)
quando viu uma obra de arte metade humana, metade pássaro, não agüentou, sentiu-se mal,
angustiado e perseguido).
- E nas atividades dos ladrilhos?
- Eu fiz o caminhão, eu acho bonito.
- Se você fosse escolher dentre todos estas produções, qual você elegeria?
- Eu gostei da cartolina amarela.
- Do que você não gostou, dentre todas as produções?
- Achei tudo bonito.
- Você tem vontade de tocar algum instrumento musical?
- Não, não aprenderia, não entra na minha cabeça, eu já vi partitura, mas não
entendo nada, minha cabeça cansa quando começo a ler muito.
- Você gosta de escrever, né?!
- É, às vezes eu escrevo, como uma poesia que escrevi sobre minha avó.
- Tem algum artista ou obra de arte que você mais gosta?
- Eu vi uma vez o “Pensador” de Rodin.
- Por que você mais gostou?
- Porque ninguém o entende, ele está sofrendo com os problemas dele, e ele
está sozinho, e isso é ruim, e eu acho que eu o entendo um pouco. Às vezes, estou em casa
e me sinto mal, e eles me dizem aqui, para eu correr para cá quando eu me sentir assim,
e eu me sinto melhor.
- Por que se sente melhor aqui?
- Porque tem mais gente aqui como eu, tem psicóloga que entende a gente, que
não vai me criticar, que não vai rir de mim, tem tudo. A M. (psicóloga) me atende, a I.
(psicóloga) vai com a gente no passeio... eu gosto, eu me sinto muito inseguro, mas aqui eu
me sinto mais seguro.
- E os passeios que vocês fazem?
- Nesta semana nós fomos aqui no Shopping da Lapa, semana retrasada, nós
fomos ao prédio do Banespa, aquele alto, os outros eu não me lembro. São bons os passeios.
- E a Bienal, o que você achou?
193
minha frente, cabeça de gente que eu nunca tinha visto em minha vida, então nestes
momentos assim, parece que Deus se afastou de mim. Tem muitas coisas que acontecem
no mundo que é difícil de entender, muita coisa ruim, muita perseguição, muita
maldade, muita coisa ruim...
- No que as atividades de Arteterapia contribuíram para a sua vida?
- Sinto-me melhor, da angústia, quando a gente não tem nada para fazer a
gente vai com o grupo, com as pessoas fazendo juntas, cada um faz um pouquinho, aí
fica bom, fica legal.
- Já foi para algum teatro, cinema?
- Vi no CECCO um filme de um ladrão.
- Você achou que faltou alguma coisa nas atividades de Arteterapia?
- Não.
- Gostaria de continuar?
- Gostaria, mas não direto, de vez em quando.
- Já visitou algum museu?
- Já, eu fui com o P. (enfermeiro) e acho que com a I. (psicóloga), faz muito
tempo, não me lembro o nome do museu.
- Tem mais alguma coisa que você gostaria de falar?
- Não, nada.
- Você acha que as pessoas daqui do CAPS, por exemplo, em relação às
outras, há alguma diferença nos trabalhos produzidos pelos pacientes?
- Têm sim, às vezes, elas aqui, tem mais sensibilidade, criatividade, força...
- Você tem filhos?
- Tenho, tem um que eu não sei quantos anos ele tem, deve ter uns 14 anos, e um
outro de cinco anos.
- Você tem irmãos?
- Tenho, eles estão distantes... Eu acho que a família é um pouco fria, não
tem muito apego, muita preocupação um com o outro.
- Você gostaria que houvesse esta preocupação e apego contigo?
- Para mim não importa não. Nunca tive! Só tenho apoio aqui, aqui eles me
entendem.
- Você acha que você melhorou, desde quando chegou aqui?
- Sim, eu tinha morrido se não tivesse feito tratamento, já estava morto,
porque eu estava bebendo, estava sofrendo muito, ou eu ia me matar! Eu teria me
195
Fig. 76 - ESMERALDA
198
- Hoje eu não estou muito bem para falar, porque eu estou muito para
baixo, mas tudo bem, meu nome é Esmeralda, tenho 24 anos, sou casada e tenho três
filhos.
- Como foi para você participar das oficinas?
- Para mim foi maravilhoso, minha mente flutuava enquanto
desenhava... Eu ocupava totalmente o meu tempo, para mim foi uma experiência
ótima e eu gostaria de continuar... Meus problemas, enquanto eu estou
desenhando, não existem para mim, para mim aquele momento é único.
- O que você mais gosta de fazer em relação à arte?
- Desenhar, pintar, o que vem na hora, na mente, eu faço, o desenho que
vem na mente sai, a cor, tudo é inspirado no momento.
- Como você chegou até aqui no CAPS?
- Foi encaminhamento de tratamento que eu já vinha fazendo
anteriormente.
- O que você mais gosta de fazer em relação às artes?
- Eu gosto de dançar bastante.
- Que tipo de dança mais gosta?
- Qualquer coisa.
- Como você se sente quando está dançando?
- A mesma coisa que desenhar: fugir dos problemas, na hora em que
estou dançando é um momento único, é ocupar a mente.
- Em que você pensa quando está realizando alguma atividade
artística?
- Eu não penso, não vem nada na mente, é como se eu estivesse
flutuando...
- Na sua família tem alguém que faz uso da arte?
199
- Tenho uma irmã que faz biscuit e ela gosta muito, ela trabalha só com
isso.
- Você chegou a conhecer algum de seus avós, eles faziam uso da arte?
- Conheci, mas não faziam uso da arte, meu pai canta e meu irmão
também, meu pai canta gospel e meu irmão forró, meu pai é evangélico, mas meu
irmão não é.
- Você tem, ou pratica alguma religião?
- Eu era evangélica, mas estou afastada.
- Você já visitou algum teatro, cinema?
- Eu trabalho com cinema, eu sempre ia a cinemas, teatros, eu gosto
muito, o filme que eu mais gostei foi: “O Núcleo – Viagem ao Centro da Terra”.
- E teatro?
- Não, hoje é muito difícil eu ir, ia quando era adolescente.
- Vamos ver as produções de vocês que estão aqui expostas...
- A primeira atividade que eu fiz, foi quando eu escrevi meu nome
(Cartolina dos Nomes), eu só fiz meu nome, com uma flor, colorido...
- Ficou muito bonito.
- Eu gostei de fazer o meu nome... Depois foi esta outra atividade
(Cartolina da Natureza), onde eu fiz esta árvore, essas bonequinhas, esses bonecos.. eu
gostei muito de fazer esta árvore...
- O que te lembra esta árvore?
- Lembra-me um lugar tranqüilo, sossegado, que eu gostaria de estar lá, a
Pérola fez os vestidos, e eu fiz o resto.
- Foi um trabalho em equipe, em conjunto!
- É.
- É como se eu estivesse nesta paisagem, a natureza, as cachoeiras...
Eu amo, eu amo!
- Na atividade dos ladrilhos, o que você fez?
- Este palhacinho, misturado com cachorro, eu não sei o que é, eu gostei
muito, achei lindo, se eu pudesse eu levaria para a casa...
- Você pode levar, só me dá mais um tempinho até eu acabar a minha
monografia e você leva, está bem assim?
- Tudo bem.
200
- E fiz aquele desenho ali, mas não cheguei a terminar, porque não deu
tempo... (desenho e pintura de duas mulheres seminuas de Di Cavalcanti).
- Você também quer levar depois este das mulheres?
- Não, porque eu copiei de uma revista, e nem sei onde está a revista...,
mas está bom assim, está bonito. Eu acho estas mulheres sensuais, e teve o ônibus
também que eu adorei fazer. Nele, eu pintei as folhas da árvore, do outro lado eu
também acho que deveriam ter adornos, então pintei as flores, as folhas, eu ajudei a
pintar e fiz toda esta tela e fiz a moldura preta como se o ônibus estivesse num cinema.
- Você toca algum instrumento musical?
- Já tentei várias vezes tocar violão, e não entra na minha cabeça, eu não
consigo, mas tenho muita vontade, mas não consigo aprender, não entram na minha
cabeça, as notas...
- Que cores você mais gosta?
- Eu gosto muito do azul, mas não sei a razão.
- Tem alguma cor que você não gosta?
- Marrom porque parece sujo...
- Cantar, você gosta?
- Gosto, qualquer música.
- Como você se sente ao cantar?
- Livre! Eu não sei o porquê, mais eu me sinto presa por não sair de
casa, eu não quero sair de casa, eu sou presa no meu mundo que eu mesma criei,
acho que é por causa das decepções que eu tenho vivido em minha vida...
- No que você acha que a arte pode ajudar, quando as pessoas estão
passando por momentos como os que você tem passado?
- Ela ajuda a ver um outro lado, um lado mais tranqüilo, de paz,
ocupa a mente com outras coisas, dá força...
- O que você a achou das atividades e do grupo?
- Eu gostei, todo mundo interessado, participante...
- Você já visitou algum museu?
- Não, mas eu tenho vontade.
- O que você achou da Bienal?
- Eu gostei muito da Bienal, o que eu mais gostei, foi num lugar que
eu entrei que tinha uma mesa, com cadeiras de ponta cabeça, eu gostei muito,
porque eu achei diferente. (Pensamos que poderia representar os valores que
201
- Gostaria.
- Tem algum sonho/desejo que gostaria de realizar?
- Conhecer outro país: França, Itália, Roma, ou qualquer outro.
- Se você tivesse que escolher ser um bicho, qual você seria?
- Ah! (risos), uma borboleta, porque ela é linda, colorida e voa...
- Teve algo ou alguma coisa de que você não gostou nas atividades de
Arteterapia?
- Não. Eu sempre gostei das atividades...
- No que as oficinas arteterapêuticas puderam ter contribuído a sua
vida?
- Tirou-me mais do meu mundo preso e me ajudou a me abrir para
outro mundo, coloquei para fora o que eu estou sentindo, sem estar falando para
outra pessoa, eu mesma coloquei no papel, sem usar palavras, eu saí um pouco
desse mundo fechado e me abri para outro, de imaginação.
- Esmeralda, muito obrigado, você elaborou lindas produções, está de
parabéns, lhe desejo tudo de bom.
- Obrigado você.
203
Fig. 77 - PRATA
205
Veio à entrevista com uma roupa muito bonita, toda arrumada, maquiada, cheia de
brilho de maquiagem no rosto (exageradamente), com brincos chamativos, e uma roupa toda
colorida. Veio trazida por uma de suas irmãs, Prata não estava tão bem arrumada quando veio
para a oficina de Arteterapia, embora tenha participado de somente uma.
- Você fez uma flor e dois trabalhos em azulejo (recorte de revista, onde
pintou em cima dos sorrisos nas bocas de mãe e filha, com cola brilhante vermelha)
colada num ladrilho e outro ladrilho pintado e adornado.
- Como você se sentiu participando da oficina de Arteterapia?
- Quando eu cheguei aqui eu não conseguia ficar de pé e eu ficava só
deitada no colchão que tem lá embaixo (na sala de t.v.), eu ficava assim. Eu tomava
uns medicamentos, e às vezes, não podia trocar, e eu tinha que renovar as consultas e
não tinha condições. Mas eu gostei de fazer as coisas que fiz na oficina, gostei daqui,
gostei da doutora, Deus ajudou que ela é especialista e controlou o remédio, porque
passaram dois ou três medicamentos que eu não podia tomar.
- O que você pensa quando está fazendo arte?
- Eu acho bonito porque as pessoas lindas, quando a gente acha uma
coisa bonita, a gente pega e guarda, a educação... Eu acho que as pessoas aqui têm
muita educação para conversar com uma pessoa tipo como eu, foi isso que eu pensei, a
médica, a enfermeira, ela tinha um cabelo até aqui.
- Onde você morava?
- Itambacuri, M.G. Eu pensei, que eu pensava, que eu não tinha cabeça
para nada, desorientada, eu pensava, porque quando eu cheguei, eu cheguei muito
ruim, mas hoje eu estou bem. Eu fiquei muito magrinha.
- Como é o seu dia-a-dia?
- Eu faço algumas coisinhas em casa, eu faço uma comida, passo um
pano no chão ou passo uma roupa, gostar mesmo eu gosto de passear, dançar
músicas, tenho este defeito.
- Mas isto não é defeito, é muito bom e saudável! O que você gosta de
dançar?
- Forró, eu vou ao forró dançar, eu gosto, me sinto bem, vou lá e volto, é
como uma festa.
- O que é arte para você?
- É que se eu te contar a minha vida... foi uma coisa muito assim, sabe...
por isso que eu fiquei doente... Eu tenho quatro filhas e não pude cuidar delas...
- Por quê?
- Porque fiquei doente... depressão... Minhas filhas estão em Minas,
depois que eu fiquei doente eu fiquei uma aleijada, tem muitas coisa que eu me
esqueci e que não me lembro mais... Porque dentro de casa eu tenho um irmão que
207
também é doente e um dia ele me bateu e eu fiquei com medo de ficar dentro de casa,
e corria para a casa dos outros...
- Ele te bateu por quê?
- Porque eu falei para ele não agredir a minha mãe, ele agride a
minha mãe, ela não ia dar coisas só para ele porque tinha mais, porque não era só
ele que precisava, e ela também falou para ele, e um dia ele agrediu ela mesmo, e
eu fiquei olhando aquilo, vendo minha mãe sendo enforcada, meu Deus! E tinha
um rapaz passeando na minha casa, e viu que eu não tinha força para tirar ele, e
foi e tirou meu irmão (não permitiu que enforcasse sua mãe). Um dia meu irmão
pegou um pau, sabe fogão à lenha? Já ouviu falar, né?! Ele pegou um pau de lá,
deu três pauladas nas minhas costas e eu caí... Aí eu tive que vir para cá para São
Paulo, para a gente não ficar brigando. Minha filha não mora na casa de minha
mãe, mora com o pai em Minas.
- E você, mora com quem?
- Eu moro com minhas irmãs.
- Você toca algum instrumento musical?
- Não.
- Você desenha, pinta, faz alguma arte?
- Não. Eu tenho vontade de estudar, mas não posso, mas tem aula, mas eu
não sei ir e voltar...
- Você acha que as pessoas que estão no CAPS, e que fizeram as obras de
arte expostas na sala em que estamos, têm alguma doença?
- Sim, as pessoas que estão aqui sofrem de problemas na mente, que
muitas vezes passaram por situações muito difíceis na vida, por problemas, traumas,
perdas, mortes, mas há pessoas também com outros tipos de doença: na pele, no
estômago, no coração, no pulmão, etc... Mas você estava falando da morte de seu
irmão e do sofrimento teu por amor. Saiba que, eu e todas as pessoas também
sofremos. As pessoas sofrem pela morte de um ente querido, sofrem por um amor não
correspondido, as pessoas passam por situações difíceis também, não só as que estão
aqui.
- Quando meu irmãozinho J. faleceu, ele tinha mais ou menos a sua
idade, o seu tamanho, ele se chamava J. e chamávamos-no de J(zinho). Ele era
bonzinho, não dava trabalho para a minha mãe. Ele tinha uns 17 ou 18 anos quando
morreu. Ele era mais velho do que eu. Eu tenho 30 anos.
208
- Eduardo Costa.
- Que outras atividades aqui no CAPS você participa?
- A médica, psicóloga, eu gostei também daquela moça que toca violão e
que canta, aquele dia que ela cantou, foi bom.
- Como você se sentiu?
- Senti-me bem, porque ela é inteligente, para ela.
- E para você?
- Também.
- Como você chegou aqui no CAPS?
- Através da doutora T. e o P. da doutora B. (Psicóloga do CAPS), elas
disseram que seria bom eu participar das oficinas, mas só que era para eu vir todos os
dias (regime intensivo), mas minha irmã não tem condições de me trazer todos os dias
(Prata não vem sem a irmã) e ela não tem condições de pagar para uma pessoa me
trazer, pois é caro a condução.
- Você estudou até que série?
- Eu fiz a primeira série, passei para a segunda, mas não fiz a segunda.
- Você já trabalhou?
- Já, eu capinei mato quando era mais nova, levava a vasilha.
- Você chegou a conhecer algum dos seus avós?
- Conheci uma avó, mãe de meu pai, ela era bem de idade, ela gostava
muito de santo, ela tinha uma mesa cheia de santos, ela era católica, muito religiosa,
ela gostava da religião.
- Houve algo na atividade de Arteterapia que você mais gostou?
- Se fosse para fazer, eu queria fazer essas flores brilhantes aí,
vermelhas ao lado do ônibus que vocês fizeram. Eu gosto de flor, você pode
arrumar elas na mesa, porque na minha casa é assim, arruma a mesa, pões as
flores e os santos e reza, assim minha mãe me ensinou.
- O que você mais gosta de fazer em relação à arte?
- Eu não sei fazer, mas se fosse para escolher eu faria bordado, acho
bonito, minha sobrinha sabe fazer.
- Como foi a tua infância?
- Quando eu era pequena minha irmã me trouxe para São Paulo, eu tinha
uns dez ou quinze anos, mas aí um dia me deu um medo e eu vi uma pessoa passando
212
na frente do portão, eu saí de casa e fui lá para a outra casa, e minha irmã ficou
preocupada, me caçando.
- No que você acha que a arte pode ajudar a pessoa?
- A arte pode ir à escola, não pode?
- Pode.
- É, por exemplo, com a professora a arte serve, não serve?
- Serve. A professora pode falar assim: hoje eu quero este desenho,
porque eu já vi quando eu era criança, se você errar elas te ensinam.
- E a arte aqui no CAPS?
- Para eles é bom, muito bom, porque eles sabem fazer direitinho, né?!
- Você acha que a arte pode ajudar na vida das pessoas?
- Distrai um pouco, não fica muito assim... Só de eu conversar um
pouco com você já é uma coisa boa. Eu posso dizer que você é uma pessoa boa,
educada... Eu quase não agüento andar, eu canso muito rápido, se for muito serviço eu
não agüento fazer...
- Você gostaria de continuar as atividades de Arteterapia?
- Eu gostaria, mas tem que conversar com minha irmã, para ela ver como
vai fazer para me trazer. Porque eu não sei vir só e não tenho as condições.
- Prata, muito obrigado, você fez produções lindas, desejo-lhe tudo de
bom.
- Obrigado você.
213
Fig. 78 - MARFIM
215
- Não. Já fui, e tive dois filhos homens - casados agora, e já tenho dois
netinhos, um netinho, e uma netinha.
- Você trabalhava com o que lá em Alagoas?
- Trabalhava na roça, depois vim para cá, estou até hoje aqui, nunca mais
voltei para lá, eu quero voltar para lá, já estou cheio daqui: trabalho pra caramba!
Levanto de madrugada para varrer as coisas!
- Você trabalha aqui?
- Trabalho com padaria, asso os pães salgados, e quando termino eu
venho para cá, é pertinho daqui, eu já trabalhei com metalúrgica, dois anos, fazendo
carrinho de mão, e hoje trabalho com pães, vai fazer seis anos que trabalho com pães.
Depois da metalúrgica saí e fui para outra firma de recapagem (recauchutagem) de
pneus, onde trabalhei um bocado de anos.
- E música, que tipos de música você gosta?
- Não gosto de escutar não.
- E dança?
- Eu gosto muito! (risos), aqui em São Paulo em dancei muito forró,
depois que eu adoeci eu não vou mais. Eu não gosto de voltar à noite sozinho, quando
eu ia, eu perdia o bonde e eu tinha que voltar de manhã no outro dia. Ficava à noite
toda dançando, eu gostava, eu gosto.
- Como você se sentia?
- Sentia-me bem, o corpo ficava leve... eu tinha uma parceira lá que
dançava muito bem, mas eu também ficava lá dentro, conversando, mulher é o que
não faltava.
- Vocês são em quantos irmãos?
- Somos em muitos, já perdi até a conta, uns dez irmãos e dez moças
(irmãs), aqui eu só tenho um, o resto está tudo lá no norte. Éramos tudo da roça,
comia feijão, milho...
- Você tem pais vivos?
- Meu pai está vivo.
- Tem algo que te marcou na tua infância?
- Desde pequeno eu só trabalhava, ia com meu pai e plantava milho,
feijão, mandioca, batata... eu gostava de trabalhar.
- E diversão?
217
- A gente não fazia nada, mas tinha forró lá, você não sai de lá, tem que
ficar fechado, não sai nem para fora não sai. Aí eu fiquei lá, melhorei e vim embora.
- O que você acha da vida?
- A vida é assim mesmo, tem que ir levando... até quando Deus
quiser. A vida não é ruim não, eu estou bem. Estou trabalhando...
- Você acredita em Deus?
- Acredito! Deus em primeiro lugar.
- Você tem religião?
- É que agora eu não tenho tempo de ir à igreja de domingo, mas eu ia, eu
asso pão de manhã, a missa começa sete horas, eu sou católico. Eu gosto de ir à missa.
- Como você se sente?
- Bem. Eu gosto de andar, caminhar um pouco. De vez em quando eu vou
à Cachoeirinha (bairro de São Paulo), passo por Santana, tem ônibus direto para lá,
passeio um pouco por lá, depois eu vou embora. Vou à casa do meu irmão, dos
meninos, meu irmão também trabalha de sábado e de domingo também.
- Você já foi internado em algum hospital psiquiátrico?
- Já, deu um negócio em mim, fiquei maluco, ruim e fui internado e me
mandaram para cá, e fui internado uma vez aqui também (através deste CAPS). Duas
vezes fui internado, na primeira vez foi num hospital psiquiátrico.
- Como você fez para a amenizar a internação? Utilizou-se de algum
recurso de arte, o que você fazia para passar mais rápido o tempo, pois não deve ter
sido fácil?!
- É não foi fácil não! Fiquei ruim...
- E para passar o tempo mais rápido, o que você fazia?
- Conversava com as pessoas, com meus irmãos, fiquei ruim. Fiquei
um bocado de tempo ruim. Depois eu vim para cá.
- Mas, o que você fazia lá?
- Fazia alguma atividade?
- Fazia não, fazia não.
- Nenhuma atividade artística ou de grupo?
- Não. Eu conversava com as outras pessoas, andava, saia também,
eu ia passear lá por perto mesmo. Passava o portão e ia para fora, mas tinha um
acompanhante, pois não podia sair sozinho.
- E agora como você está?
223
Fig. 79 - TURMALINA
226
- Meu nome é Turmalina, tenho 34 anos, solteira, moro com minha mãe,
meu pai, meu irmão de 44 anos e minha avó de 95 anos. Ela já é tataravó, tenho
também uma irmã que é juntada e tem duas filhas, e eu sou tia-avó, das minhas
sobrinhas.
- No que você acha que a arte pode contribuir para as pessoas?
- Pode ajudar e muito, tanto no financeiro como na alegria. E
quando eu faço desenhos parece que estou viajando para outro mundo,
flutuando... sonhando, viajando, como se fosse para a lua, viajando para o mar,
para a lua, viajando, viajando.
- É prazeroso?
- É, e eu me solto, não me sinto presa, como quando toco música, é a
mesma coisa, me solto, me inspiro e me sinto mais solta e alegre que eu gostei da
música.
- Você estava comentando que as coisas ruins saem de dentro de ti.
- É, e eu consigo fazer as minhas coisas diariamente depois, me dá
força, enquanto estou muito parada, fechada, sem fazer nada, acontece coisas
ruins, fico muito depressiva, só choro, só choro, e não dá para fazer nada, não sai
nada, não consegue sair nada, não sai nada, só acontece coisa ruim.
- Você já visitou algum museu?
- Já. Já fui para o Museu do Ipiranga, várias vezes, fui no MASP, no
teatro SESI e eu ia muito em teatro também, gosto de cinema, de dançar várias
músicas, como forró, dance, e música eletrônica.
- E o Volpi que você citou?
- É, eu gosto do Volpi também, o das bandeirinhas e um outro artista que
pinta meninas, tem um quadro que tem duas, pintadas de azul e cor de rosa, eu não me
lembro o nome dele.
227
mim, tenho medo que falem de mim, se falarem alguma coisa contrária de mim,
eu fico apavorada. Começo a me sentir muito mal. Fico muito nervosa que
começo a ter aqueles ataques de tudo. Vem do nada, assim...
- E qual é o papel da arte, como a arte pode ajudar a pessoa?
- Melhorar a saúde. Com música também. Que acalma as pessoas,
tira o nervoso das pessoas, se uma pessoa estiver ouvindo música, ajuda a
acalmá-la, eu não posso ouvir músicas muito agitadas porque me faz mal. Eu
ouço em casa música instrumental e me acalma e eu faço meditação, ouvindo
elas, relaxo o corpo, pensamentos para poder ficar calma e está funcionando.
Como se fosse ioga.
- Como você acha que a arte tira o nervoso das pessoas?
- Desenhando e circulando a mão... desenhando e pintando e se
mexendo, nada de ficar parado. Nunca ficar parado, senão você pode passar mal.
Eu aprendi uma coisa: se você ficar parado, você morre aos poucos. Muito tempo
parado. Não pode ficar muito dentro de você mesma. Se você ficar guardando
para você mesma, as suas emoções, seus sentimentos, suas crises, não soltar para
fora as coisas que precisam ser soltas, e contar para alguém, você vai morrendo
aos poucos, e cria uma doença sem saber. A angústia foi que criou assim (me fez
ficar assim), engordar, engordar, segredos e segredos, minha mãe, o que eu fazia,
porque eu fui guardando no peito, guardando no peito, na garganta, sem contar
para ninguém, para a família, para ninguém, e guardar e acabei ficando com
angústia e doença, fiquei doente e medo, medo, foi ainda do medo, foi isso que
criou em mim. Nunca pode parar para nada, tem sempre que estar mexendo
para tudo. Tem sempre que estar fazendo alguma coisa, lavar louça, limpar a
casa, lavar o jardim, tudo, coisa que estou fazendo agora. Assistir um pouco de
televisão, não ver muita novela, porque muita coisa na novela faz mal também,
muita coisa que está passando agora faz mal também.
- Que coisas?
- De violência, de riqueza, de romance, faz muito mal também, você fica
muito pensativa com esses negócios da novela, mexe muito com você.
- Você falou antes do medo.
- É, eu estou com medo dos meus pais se separarem, eles brigam o dia
inteiro por causa do dinheiro e é uma situação delicada, mas eu acho que vai dar certo
porque eu vou poder receber a minha aposentadoria, eu estou tentando me virar agora
233
para poder ajudar eles. Eu não trabalho e não tenho um sorriso adequado (Turmalina
tem os dentes tortos). Eu procuro trabalho e vou à entrevista e eu não consigo por
causa do sorriso. Eu tive uma doença quando pequena: bronquite, e tive que tomar uns
remédios que me estragaram os dentes e eu não consigo arrumar emprego por causa
disso. E nunca mais eu procurei mais nada, eu desisti. O último que tentei foi no Mc
Donald’s, isso foi há muito tempo atrás.
- Você estava falando dos medicamentos que toma.
- Quando eu tomo muito remédio, ou eu não consigo fazer nada, ou
me dá muito sono. Quando eu tomo em quantidade baixa, consigo fazer mil
coisas: compor, dançar, sair, tudo. Quando tomo em quantidade alta, não consigo
nem sair de casa, fico dormindo o dia todo, não enxergo e não consigo fazer as
coisas.
- Você sai para onde?
- Você vai dar risada... eu saio para o bingo, eu adoro, minha mãe que me
influenciou e eu já ganhei mais de mil reais. Mas eu não sou viciada não!
- Mas você vai todos os dias?
- Mais ou menos, de vez em quando, quando tem um trocadinho eu vou,
às vezes, vou sozinha, com a minha mãe, com algum parente.
- Como você está se sentindo?
- Agora estou melhor com o novo medicamento, antes eu não estava
bem, agora estou conseguindo fazer tudo.
- Que atividades você faz aqui?
- Eu estou sem tempo para vir aqui, eu faço muitas coisas, tenho que
ajudar minha mãe a arrumar a casa, comprar umas coisas aqui e ali, e não dá tempo
para vir para cá, mas eu vou recomeçar a vir de novo.
- Que atividades você fazia aqui?
- Eu vinha para os encontros e para as atividades que tem no dia que
vinha.
- Quais atividades e materiais você mais gostou nas oficinas?
- Pintura.
- Por quê?
- Porque eu gosto de tintas.
- O que sente quando está pintando?
234
iria gostar da minha música ou não. Eles realizaram meu sonho, sem pagar nada! Eles
me ajudaram em todo o processo de gravação, o pessoal vai adorar, vão adorar!
- Traz para eu ouvir e ver, se você puder!
- Trago sim, você vai adorar! Eu vou trazer também o cd que tem todos
os tipos de músicas que eu tenho feito.
- Turmalina, muito obrigado! Desejo-lhe tudo de bom, suas produções
ficaram lindas.
- Obrigado você, foi bom, deu para desabafar um pouco.
Fig. 80 - PÉROLA
239
- O que te ensinaram?
- O pouco que eu sei.
- Você tem algum hobby, algo que gosta de fazer em seu tempo livre?
- Não, não tenho não.
- Tem mais alguma coisa que você gostaria de dizer?
- Eu gostei da maquininha de costurar que eu vi lá embaixo, depois eu
não vi mais.
- Eu gosto muito de costurar e bordar, já fiz um punhado de panos de
prato para minha nora, eu faço um bocado de coisas.
- Você lembra de seus pais?
- Meu pai faleceu, minha mãe mora em Carapicuíba.
- Como eles eram?
- Gente igual aos outros.
- Faziam algo relacionado com arte?
- Não. Eles nasceram em Juazeiro (acho que Bahia).
- Como você se sente quando costura, borda?
- Sinto-me feliz, mas para mim só. Quando eu estou sentada, bordei,
peguei, dobrei, guardei e pronto; e volta a pegar e bordar de novo.
- Pérola, muito obrigado e desejo-lhe tudo de bom. Suas produções ficaram
lindas.
244
Fig. 81 - TOPÁZIO
246
- Meu nome é Topázio, tenho 39 anos, moro e nasci aqui mesmo neste
bairro, na rua X, perto do lugar Y.
- Você estudou até que série?
- Até a quinta. Eu parei porque não consegui mais estudar, por causa de
más companhias.
- Qual é a sua relação com a arte?
- Eu gosto de ouvir música e, por exemplo, assim música de enlevo
(ópera), de orquestras, do Queen que ele canta com a Montsserat Caballé, eu ouço
muito rádio e músicas espirituais, mas sem barulho, eu ouço daquelas que dão para se
ouvir muito bem, claras e cristalinas, essas eu ouço.
- O que você chama de barulho?
- Àquelas músicas que não dão para você entender as letras, e a música
no seu total, tem que ser clara e cristalina; a voz, ouvir o que se está cantando; o
instrumento entrar na hora certa, e eu tocava corneta de três pistões, na fanfarra
municipal da escola, desfilei, fui tocar no Playcenter, quando tinha concurso de
fanfarras; fui nadador Pirituba Caieras, fui campeão...
- Atualmente continua a tocar corneta?
- Não, não. O pulmão não agüenta mais, porque o professor disse que
quem fumasse não ia agüentar, iria perder.
- Se você fosse escolher um instrumento para tocar, qual seria?
- Eu sempre gosto de inventar os tons no violão e por isso eu toco, às
vezes, eu pego o violão quando estou sozinho, pego os dedos e toco algumas notas,
notas que eu entendo, para mim é uma nota, é uma música minha, que eu entendo, sem
ser as próprias notas musicais, e também estudei piano; no violão, por exemplo, eu
aperto ou não as cordas, e faço um som, é mais um som que faço como se fosse
música, é um arranjo para mim, sem apostila, sem notas musicais.
- E a natação?
- Eu nadava, mas o professor também disse que se eu fumasse, perderia a
carreira, fui também para Pacaembu, mas também não deu certo porque comecei a
247
fumar naquela época, e eles lá comiam aveia que é mais forte, depois eu comecei uma
dieta vegetariana, mas não consegui manter, e eu comia pão com banana, então não
dava para acompanhar o mesmo ritmo deles, e eles treinavam dia e noite, tinham
certos professores que ficavam tempo integral, e eu só treinava fim de semana, mas eu
também treinava durante a semana. Em relação à dieta vegetariana, que não consegui
manter, e, por exemplo, é como se eu tivesse um esquecimento total do alimento,
porque meu pai, porque meu pai também não me ajudou, então comia, tomava cerveja,
comia pizza, um negócio que não tem nada a ver com o esporte, então eu abandonei o
esporte nesta área, até a música por causa da corneta, eu penso ainda em comprar
corneta, com a flauta também faço meus arranjos, e também com teclado, minha mãe
tem um teclado e às vezes eu toco no teclado, eu invento na hora, junto com o teclado
eu toco um tipo de música, eu coloco um ritmo e escolho um ritmo menor que seja,
porque tem um ritmo que não dá para acompanhar mesmo, àquele ritmo bem devagar,
de bateria, calmo ou de ação, por exemplo, da Swat (série policial dos anos 70), um
dia consegui tirar da Swat, mas depois, nunca mais consegui, dos guardas da Swat, na
época que eu assistia televisão, tinha um seriado chamado Swat.
- Você lembra desta atividade do ônibus da Bienal que você participou?
- Lembro, ficou bonito, ela (a psicóloga ou a terapeuta-ocupacional)
pediu para desenhar um ônibus, como eu gosto muito do ônibus executivo, eu
desenhei duas rodas na frente e duas atrás, no executivo, quando eu vou para Santa
Catarina, na casa da minha irmã, compensa pegar este aqui, mesmo em dinheiro,
porque ele tem água, ele é mais rápido e mais seguro, se furar um pneu aqui, o outro já
sustenta, então não tem perigo e ele tem dois andares. Eu achei bom também porque
às vezes eu tinha uma questão de ser muito orgulhoso e trabalhar em grupo eu vi
muitas coisas novas que a gente não vê, chuva, por exemplo, porque eu pegava
muita chuva no ônibus na serra, por isso eu fiz aquelas nuvens ali, flores e esses
detalhes nas rodas, e as pessoas que ajudaram a pintar, que cada um pintou do seu
jeito, e eu também aprendi a pintar com o jeito dos outros e uma nova forma de
pintura grande, porque eu só pintava quadros de cartolina e eu já tive aula de
pintura no CECCO X, no Tendal (Espaço Cultural), aqui mesmo já tive várias
professoras e professores de faculdade de pintura artística, então eu tenho várias coisas
assim, só que os quadros da rede cultura de televisão, eu não estou com eles
agora, mas eu não sei onde eles estão, mas é uma forma de expressão que eu uso,
ou de chamar os meus colegas, ou de eu descarregar aquela mágoa, uma raiva
248
obras eu até joguei fora porque eram más lembranças que eu não queria
lembrar... e eu nunca fui de ficar xingando os outros, era um verdadeiro
descarrego e uma forma que me livrava dos pensamentos ruins... Inclusive eu dei
uma entrevista na TV cultura onde eu mostrei um quadro que eu pintei conforme
eu tinha sentido a vontade de me suicidar, por exemplo, na tentativa de suicídio
que eu tive, eu desenhei no quadro como eu senti, só que para eu escrever ele, não
deu para escrever o sentimento real, porque a gente não consegue nem falar, ou a
gente se mata ou ninguém iria saber que eu estava passando mal na realidade,
não que eu estava passando bem no suicídio, é isso.
- Topázio, como você se sente e no que pensa, quando você está
realizando uma produção artística?
- Eu vou ser bem religioso com você nesta parte, eu sinto um enlevo
espiritual, um enlevo mesmo, parece que eu saio dos problemas, que eu saio da
rotina e me dá um descanso mental mesmo, eu me desligo de tudo que me causa
problema na terra e começo também a inventar junto com a música, colocar
alguns pedaços meus, conforme está cantando uma música, eu completo naquilo
que está faltando, que eu acho que é essencial, que eu mesmo crio. Eu gosto muito
de pintura porque tem essa possibilidade, é muito criativo, eu comecei o
tratamento que eu já faço há vinte anos, vai fazer vinte e um anos, eu comecei
com artes...
- Como foi isso?
- Para mim foi como desenhar uma árvore, uma casinha, uma grama e uma
cerca, tudo mundo desenha isso, também na escola eu tive... Porque no tempo que eu
estudava, eu estudava numa escola particular, e na escola tinha expressão
(educação) artística, na quarta ou quinta série, mas desde a primeira tinha, era
uma escola particular e o professor um dia mandou a gente fechar os olhos,
imaginar o que fosse, e passar para o papel. Eu fiz um homem saindo de uma
flor, só que eu fiz com régua, era um desenho geométrico, e aparecia mesmo um
homem nascendo de uma flor, e agora que eu penso nele, tem realidade, porque o
professor pegou o meu desenho e mostrou para a classe toda e ele disse: ele tem
grande possibilidade para o desenho, de ser um desenhista, eu já sou, mas eu não
aceito que digam que eu sou um desenhista porque a minha obra nunca está
completa, e eu tinha outro colega que desenhava carro, ônibus...
- Você acha que as suas produções nunca estão completas?
250
vender, o homem chegava lá oito horas da manhã, e eu saía cinco horas da manhã para
já vender alho e as coisas... e eu fui crescendo até que um dia meu pai me deu um
empurrão, me bateu e eu revidei, e eu comecei a separar ele da minha mãe, porque ele
pegava no pescoço da minha mãe e via ela vermelha (o pai tentava enforcar a mãe de
Topázio) e eu dava socos nele, porque ele estava com as duas mãos no pescoço da
minha mãe e eu tinha que dar socos, socos fortes, ele pegou e levantou um facão e ia
dar um facão no pescoço da minha mãe, aí quem pois a mão foi minha irmã e ela
inclusive cortou a mão, ele pegava o carro e fugia, e eu também pegava o carro e
fugia, minha mãe tinha que defender eu e minhas irmãs que eram quatro, e ela tinha
que pagar comida, aluguel e todo o resto, ela trabalhava como costureira.
- Ela é viva?
- Ela é viva. Ela nunca pensou em separar do meu pai porque naquele
tempo, não era igual hoje, eu não sei as falas dela porque eu não posso responder por
ela, a separação naquele tempo não era bem vista, não era bem-visto mesmo. Eram
amasiados, meu avô ensinou sempre a minha mãe a ser... Meu avô era europeu, minha
avó também, meu avô era da Hungria e minha avó é da Romênia, eles vieram de navio
para o Brasil, é minha avó conta às vezes, que eles vieram por causa da guerra para o
Brasil, minha avó está viva, ela já é bisavó, tataravô, ela é mãe da minha mãe, mora
eu, ela e minha mãe em casa, minha avó tem 83 anos.
- Seus avós e seus pais faziam algo relacionado à arte?
- Você sabe que os europeus cozinham muito bem, os húngaros... É uma
arte também, eu gosto muito de uns doces que vêm da Hungria, “tchoren”, o macarrão
com amendoim, aqueles pães trançados com coco, eles cantavam, eles eram católicos,
minha mãe tinha piano e ela tocava música calma, quando eu estava nervoso, quando
eu apanhava, ou eu assoviava, inventava música, e por isso minha mãe sempre me
ensinou a cantar, a rezar neste modo... A orar... As coisas todas.
- O que você cantava, você lembra?
- Lembro. Homenagem a Há(e)ndel, às vezes, eu não me lembro os
nomes ao certo, mas seu sei como toca, minha irmã canta num coral, então ela gostava
muito de Beethoven, assim como eu gosto de ópera, dependendo da ópera, da situação.
- Como você se sentia quando sua mãe tocava piano para você?
- Eu me sentia calmo, protegido... Ela até contava histórias para mim da
galinha que se queimou, mas os filhotes saíram vivos, que pegou fogo no galinheiro,
essas coisas... Então era um direcionamento da bíblia, porque todo mundo já leu a
253
bíblia alguma vez, não inteira, mas todo mundo tem um exemplar em casa que eu
acredite, mesmo que seja para vasculhar... Tem tudo a ver com arte também.
- Você tinha dito antes do homem saindo de uma flor, isto tem algum
significado para você?
- Um novo nascimento, eu poderia dar várias histórias, porque quem
mexe com isso tem muita criatividade, imaginação, para mim era uma rosa, um
homem tratado com amor... Saindo de uma rosa, agora que me veio a idéia de um filho
saindo de uma mãe, mãe amorosa, apesar de que hoje em dia eu não sei, mas naquele
tempo era mesmo, muito, muito difícil era ver uma mãe que não gostasse do filho...
- E o que aconteceu com seu pai?
- Ele melhorou, fez paz comigo, fez paz com minha mãe, começaram a
conversar, aí deu ataque epilético nele no serviço e ele morreu no meio dos ferros,
porque ele era moleiro, soldador-moleiro, soldava e mexia sempre com ferro e com
fogo, solda elétrica de 220, 400 volts, caiu e caiu de pescoço no ferro e furou o
pescoço.
- Tinha algo bom na relação de vocês?
- Ele era muito trabalhador, tinha a mão grossa, parecia até casca de
tartaruga, ele era trabalhador, ensinava a trabalhar, só que eu já devo ter nascido com
problemas da família dele, porque a família dele era baiana e a da minha mãe é outra.
- Você vê alguma diferença nas produções realizadas pelas pessoas daqui
do CAPS em relação às outras pessoas?
- As pessoas aqui podem ser mais criativas e sensíveis, dependendo das
pessoas que a gente conhece, tem pessoas que vêm de lar pobre, de lar rico, então
depende. Na minha situação eu vivia numa casa pobre, na outra semana eu ia para o
sítio, para a piscina, então eu sei o que é pobreza e o que é riqueza, até hoje em dia, os
lugares que eu freqüentava às vezes, que eu freqüento, o Palácio do Governador que
eu ia, vários teatros, a gente sente bem nesses lugares, mas isso não é riqueza nossa!
Riqueza sempre dependendo de alguém, de algum estudo, de alguma coisa mais
avançada, eu tinha minha tia que cuidava de mim nesse assunto, porque ela era
professora, minha mãe era professora, ela, a minha mãe, é professora de crianças até
quatro anos, inclusive tinha livros de psicologia de crianças que eu lia, às vezes, então
eu não estava na situação de cuidar de crianças, então eu não lia, eu deixava para lá...
Só lia alguns pedaços e deixava, porque para mim era muito cansativo, ela é da idade
do “Hall?” do berço aproximadamente.Também tem o sofrimento que me possibilita
254
fazer estas coisas de arte, ele possibilita muitas coisas, eu não posso falar dos outros,
mas eu também pergunto para eles também, se é uma pessoa que tem esperança ele, já
vai desenhar um prédio, sonhos... Um castelo seu, vai desenhar um castelo, mas se o
castelo for de areia, aí é coisa feia mesmo, então tem as duas partes, a parte do
sofrimento, de não querer desenhar e a inspiração, tem muita inspiração, porque a
pessoa quando era pequena, a gente olhava muito para a lua, para a estrela, procurando
uma ajuda assim, sem ser... Eu até me atrevo a falar isso, porque naquela época
ensinava-se sobre Mateus (da bíblia) porquê deus deixam baterem em mim, essas
coisas todas, sofrer tanto, deus é aquele carrasco... Então a gente imagina de tudo e
dentro do hospital, nós não temos costume de falar de deus, mas acontece essas coisas
aí.
- E Deus para você?
- Não! A gente olha para as estrelas de noite e alguém colocou ali... E a
gente desenha isso, desenha estrelas, coisas coloridas, coisas boas! Pode ver que as
cores que estão saindo agora são até mais vivas... Cor mais viva, esperança... Eu
também aprendi que a esperança de ter uma vida melhor... Por exemplo, quando eu
desenho um carro, eu gostaria de ter um carro melhor... Eu não tenho carro, mas já
tive! Um carro bonito, com tecnologias, essas coisas... Que todo mundo tem que
trabalhar para conseguí-las, não chega a ser inveja, mas é um sonho. É um desejo que
a gente pretende lutar... Para ficar sarado, eu não sei se isto é até ilusão! Mas se a
gente recuperar a saúde, porque tem muita gente que recupera a saúde! Para mim é
estranho falar nisso porque eu mesmo perdi a minha saúde! Até as mulheres que
fazem os benefícios, elas falam: De uma hora para outra você pode recuperar, não é
para a vida inteira! Eu também já ouvi outras pessoas falarem que é para a vida
inteira! Aí eu desenho coisas tristes, mas quando a gente desenha coisas tristes, eu já
não gosto das coisas tristes... Aí eu jogo fora! Eu já amasso no começo, quando eu
vejo que está saindo triste, ou uma cor que vai trazer depressão, eu já não gosto!
- Você quer se afastar destas coisas para não te trazer mais tristeza?
- Isso! E as cores vivas, você pode ver que eu gosto muito do vermelho,
do azul, do amarelo, das cores que trazem alegria, esperança, força, e afastam as coisas
ruins.
- Quem são essas mulheres que fazem benefícios?
- Ah! É quando a gente recebe do I.N.S.S. A gente às vezes fala para
elas: a gente nunca mais vai ter cura, né?! Elas respondem: Não! Pode ser que
255
sim! Pode ser que ainda tem, né?! Porque agora com os remédios atuais para
depressão, eles estão fazendo milagres! Estão descobrindo muita coisa sobre a
química no cérebro. Eu já tinha perdido a esperança uma vez, de melhorar, e
resolvi ser voluntário de uma pesquisa com injeção, onde eu morreria ou ficaria
sarado de uma vez! Eu pensava na minha cabeça, porque até esses remédios faz
ilusão em nossa própria vida, né?! Eu falava: nós vamos viver desse jeito para
sempre?! Isto não é uma vida: Ficar no hospital fechado! Isto não é uma vida,
ficar dentro do hospital, não é igual aqui que a gente vem para cá e volta para
casa, tem nossos compromissos até de final de semana. Mas, ficar num hospital
para lá e para cá, comendo, bebendo e dormindo, e não ter nada para fazer?!
- Você já passou por internações psiquiátricas em hospitais
fechados?
- Já, várias vezes! É que só em falar desses hospitais... A gente quer, é
mesmo esquecer o que passamos lá! Um instante a gente quer esquecer, outra
hora a gente quer lembrar... Só que eu fui mais internado em CAPS, bem mais em
CAPS, do que em hospital que foram eu tive uns três ou quatro (vezes internado?).
- Como foram as suas internações?
- Foi ruim! Tomar àquelas injeções de calmante... A mãe chorando
sem saber o que faz com a gente, para mim, eu pensava que eles me matariam
com àquelas injeções e meu raciocínio nunca mais iria voltar... Eu já li também
que o raciocínio pode voltar... Voltando o raciocínio, tudo volta! Saúde, e tudo o
mais... O importante é o raciocínio!
- Mas você teve alguma melhora, não?
- Eu estou melhor, mas, às vezes, sozinho eu tenho as minhas ilusões
também, aquele negócio de criança afetou! Afeta! Se eu desenhar, eu desenho
uma coisa que era secreta (risos), assovio, agora eu não assovio muito, assovio
cria música! Eu tocava gaita, meu avô tocava gaita para me acalmar... Porque eu
ficava nervoso, meu avô era da Hungria. A minha avó é romena, ela tem
identidade do exterior, da Romênia (pelo que entendi ela se naturalizou, mas tem
identidade da Romênia).
- Então seu avô tocava gaita para te acalmar?
- Tocava, e eu dormia. Ele conversava comigo, sempre três horas da
manhã (ele acordava ou saía) para trabalhar e voltava as três, quatro horas da
tarde. Ele sempre me ensinou a trabalhar... Ele pagou muito aluguel, ele
256
construiu... Ele trabalhava com borrachinhas, chupeta de neném, o dia todo ele
fazia, ele era muito forte, então, ele ficava trabalhando na prensa, ele me levou
uma vez, sempre me ensinou a trabalhar...
- De que forma a arte pode ajudar os pacientes do CAPS?
- Ajuda também a ver a... Ajuda também a desenhar os castelos,
porque tem muita gente aqui com depressão que já não sabe mais nada! Aí se eu
escuto me falarem: Desenhe uma coisa que você queria para sua vida, por
exemplo, aí eu crio a minha ilusão, mas, aí depois, eu vou viver na realidade:
gostaria disso, gostaria daquilo, faço uma casa bonita, faço umas cores bonitas,
gostaria que fosse assim, gostaria que fosse assado, tal e tal... E às vezes, a gente
está andando por aí, às vezes, estamos tristes, voltando para casa, pega um ônibus
confortável e pensa: Olha! Este ônibus parece com aquele rapaz que desenhou, ele
desenhou, e às vezes, ele nunca viu aquele ônibus, e aquele ônibus está no papel! São
umas coisas muito animadas! Eu nem sei... Inanimadas são àquelas coisas que não se
mexem, não é?
- Exato.
- E isto (o animado com o inanimado) se misturam na pintura para
comigo, e comigo é assim, eu posso responder de mim sobre esta parte, comigo sim.
- Eu não entendi muito bem, você pode me explicar melhor?
- É assim, a pessoa nunca imaginou que iria existir uma coisa
daquelas, aí ela fala: eu gostaria que houvesse um ônibus que tivesse isso e aquilo,
e ela pinta... Aí fica uma inspiração! Uma inspiração! E eu acredito que têm até
gênios nos hospitais! Porque descobre muita (coisa?)... ou gênios, ou professores
também tem nos hospitais (psiquiátricos) porque eles foram mal agradecidos pelos
seus alunos, então tem professor em CAPS também!
- Como assim?
- A primeira pergunta que eu faço quando chega algum novo paciente do
CAPS que era professor, eu digo: eu sei porque vocês estão aqui: porque vocês
(foram) eram mal-agradecidos, não é?! Os alunos foram mal-agradecidos com seus
professores: nunca deram um presente para eles, tratavam-nos mal, nunca fizeram
estas coisas, e os professores respondem: É isso aí Topázio, você sabe (você me
entende), e eles começam a conversar comigo... e a gente vai vendo, a gente desenha,
elas desenham, as professoras desenham, às vezes, as professoras ensinam, nós
mesmos nos ajudamos, às vezes elas mesmas ensinam a nós também...
257
adivinhos: o desenho, por exemplo, um tipo de arma, tem gente que tem intelecto
para desenhar uma arma, um carro, uma bomba atômica, quem a fez é um gênio,
mas foi para o mal, e a natureza está agora reclamando o que fizeram com ela.
- Do que você mais gostou na Bienal?
- Do ônibus, quando foi para colocar os nossos rostos para tiramos fotos
(do ônibus que os levaram na Bienal e eles reproduziram na semana seguinte na
oficina de Arteterapia), também gostei de uma moça que eu paquerei umas duas ou
três vezes, gostei do passeio, pelo fato de juntar todos nós e não estar sozinho,
principalmente não estar sozinho, de andar de ônibus, por exemplo, quem anima
muito a gente são as pessoas que vão conosco e ajuda a gente a se levantar (melhorar o
humor, o ânimo), as meninas, as estagiárias e estagiários, isso ajuda a gente bastante.
Porque às vezes, a gente está sem idéia nenhuma e eles aparecem com uma idéia, e a
gente já fica contente como crianças mesmo.
- Teve algo na Bienal que não gostou?
- Daquela obra que parecia uma cegonha sem braço, sem os dois braços,
no ombro.
- Por que você não gostou?
- Porque as pessoas que não têm nenhum dos braços, e nem o toco do
braço, só o ombro, não dá para fazer nada! Nem para comer, nem nada, e de pé ainda!
Ah, não! Quando a pessoa fica imobilizada assim, não gostei!
- Quando você diz da coisa mágica da arte, o que é isso?
- É porque a gente cria! A gente cria coisas que não imagina, que
não... Eu, por exemplo, e não sou só eu não! Tem vários casos assim, um dia eu
cheguei a pintar um quadro, só que eu não usei a tintura certa, não pintei com cobalto,
não fiz a técnica! Passando algumas semanas e alguns meses, eu vejo o meu quadro
numa folhinha de papel! Numa folhinha de calendário! E vejo lá o quadro e digo:
Ué?!, Mas este quadro é meu! E o rapaz tinha copiado, fazendo isso com técnica!
- Mas ele não poderia ter feito isto, os direitos autorais são teus!
- É, eu sei, ele não podia ter feito isto! E outra coisa: ele me chamava
para ir a sua casa para desenhar, e ele punha a assinatura dele!
- Você reclamou, ou tomou alguma atitude?
- Eu fiz! É que ele faleceu.
- Quem ele era, artista o que era?
260
- Ele vendia quadros, aí quando eu vi aquilo, todos falando o que que ele
fez, não vou citar o nome dele... Quem fez isso fui eu! O original, ele comprou tudo
de mim por um certo valor monetário, mas eu pensei que ele não era nada, que ele não
ligava para arte, aí quando eu vi... Aí, quer dizer, a minha consciência estava livre e
tranqüila porque era meu, então eu não tive muita briga por isto.
- Hoje em dia você trabalha?
- Às vezes eu vendo carrinhos, bichinhos infláveis, só que é por pouco
tempo, meio período. Carrinho de criança, eu vendo na rua, na avenida, e quando, por
exemplo, quando é o dia das crianças, eu vendo carrinhos... quando é domingo e eu
estou inspirado para vender, porque não é sempre que estou inspirado com conversa
para poder vender... Eu compro estas coisas, na rua vinte e cinco de março, na rua
barão de Duprat, a gente compra onde tem nota, porque tem lugar assim como lá, que
se for roubado, e não tem nota, de nada adianta; a gente tem que sempre estar pagando
com a consciência, e eu gosto do que eu faço. Porque quando eu estava sozinho sem
ninguém, às vezes, eu precisava conversar com alguém, tomar um café ou comer
um sanduíche, um pastel, aqui a gente encontra estas pessoas, a gente come, têm
aqueles encontros aqui e depois vai para casa. Eu tenho o costume de andar
sozinho, eu gosto muito, mas não ficar solitário direto, então a gente vem aqui,
conversa, come algumas coisas, às vezes almoça junto, fazemos bastante coisas,
jogamos... Gosto de ir lá para a praia com a minha irmã, andar lá, levo uma vida
comum, mas às vezes, não dá para viver isso em casa porque a gente não está
trabalhando, não tem nem suporte de saúde, forças para trabalhar, se fosse o caso de
ter forças, estaríamos trabalhando, então a gente aqui mexe muito com as idéias,
tem um rapaz também... Tem bastante gente aqui, que os estagiários descobrem o
que a gente pode fazer, do que a gente é capaz.
- Como assim mexer com as idéias?
- Mexer com o imaginário, usa uma mente pensante e fica uma mente
pensante, isso se tem em todas as classes.
- Como foi para você participar da atividade onde discutiram sobre a
Bienal e fizeram o ônibus?
- Foi legal, gostei muito. Porque quando nós saímos, recebemos um
comunicado e saímos com boas pessoas, porque tem gente que vê, por exemplo, um
de nós sem dente e já sai de perto! Se souber então que fazemos tratamento,
acham que vão pegar, como se fosse uma laranja estragando as outras!
261
- Há muito preconceito?
- Há. Às vezes quem está com problemas nem é a gente, são eles
mesmos! Então consideramos tudo, então na psicoterapia que vou fazer daqui a
pouco, a gente considera tudo!
- Que bom que vocês têm esta consciência!
- A gente aprende a respeitar cada um o seu espaço. A respeito
da reportagem, vieram fazer uma reportagem da rede cultura, mas eu não ganhei no
concurso e eu consegui que me colocassem para falar. Como eu tenho muitas
internações em CAPS, e eu tomo remédio desde 1986, eu venho desde 1986
desenhando e acompanhando com uma artista plástica, então elas passaram muita
teoria, cada um tem seu jeito de pintar, tem a cor. Só que eu tinha parado. Começou
na T.O. (terapia-ocupacional) pintura, então eu pegava uma parede inteira com
aquele papel redondo que eu não sei como se chama, então conforme eu ia
desenhando, eu ia melhorando, aí elas falaram para mim que é bom desenhar, aí
de tanta raiva que eu tinha eu desenhava, que eu já te contei, mas agora a gente
pode descarregar por palavras ou mesmo ficando quietinho, não precisa pintar
mais para escapar a raiva, e eu melhorei. Até o remédio me ajudou bastante,
porque eu tentava suicídio e ia parar no pronto-socorro toda a semana, todo fim
de semana estava em pronto-socorro, pegando bastante remédio, tudo colorido,
as imagens coloridas... Eu desenhava frutas, outros que apareciam formas que
não dá para descrever, umas figuras abstratas, só passando para o papel, as
palavras para mim... Mas não era fruta, eu fazia aqueles abstratos, não era
abstrato, eu fazia tudo naquele negócio de dobras, eu gosto muito de abstrato por
causa disto, aí a pessoa via uma coisa, eu via outra.
- Você gosta do abstrato?
- Gosto, porque a professora que eu tive do instituto, lá eram feitas
exposições e ela me ensinou umas técnicas legais, geniais.
- Por que abstrato?
- Porque ela mesma disse que mexe com a imaginação, da criança, do
adulto, então se eu fosse para Santa Catarina, eu ficava olhando o mar, até a cor
do mar... é cristalina, é marrom-claro, é até meia verde, não sei se é por isso que é
barriga-verde, eles jogam detergente e fecham as comportas do esgoto em tempo de
verão, então eu pintava aquelas ondas, via aqueles prédios, aí eu pintava ondas
cobrindo os prédios, igual aos tsunamis, e eu trabalhava em fazer surfistas e ondas,
262
ônibus, só que eu falo baixo, antes eu falava muito mais, olha os tipos de
maldições que eu falava dentro do ônibus, hoje não mais: Para arrancar a língua
com alicate, são só terrores, terrores da guerra, de assistir filmes de guerra,
inclusive que eu aprendi isso na FIESP a ensinar a criança, o que ela tem, lá em
Israel, eu conheço a história, nem gosto muito da história, os meninos a partir de
sete anos já estão pegando em armas, treinando para a guerra, não só em Israel,
Líbano, Palestina... eu acho que como eu tive policiais que também me davam
arma, tanto é que eu fiquei doente de tanto trabalhar e de raiva, é terrível! Se
tivesse um revólver, já teria ido alguém ou eu mesmo. Mas eu pegava em
metralhadora, mas era tempo da ditadura, eu tinha nove anos.
- Você ficou doente por que?
- Teve um médico daqui que descobriu que era desde criança: muita
violência em casa. Eu comecei com ele a parar de tomar muitos remédios, agora eu só
estou esperando cair os dentes, na parte pessoal da saúde, eu vou tirar os dentes porque
preciso, porque no hospital eu tive gengivite, não sei como apareceram estas coisas, só
se eu estava dormindo e me deram remédios na boca, e colocaram água e tudo isso,
tem bastante coisa, porque hospital fechado entra tudo: droga, bebida, mais
remédios ainda, entra bastante coisa, entra de tudo, o que a pessoa faz na
sociedade que é considerado errado, eles fazem lá dentro do hospital, roubam
banco, e se escondem lá dentro, depois volta, inclusive tem as leis que o SUS, o
governo paga por cada internação, pagava até três meses, então até três meses, o
rapaz vem de outra cidade e fica dormindo lá, comendo, bebendo e dormindo,
isso era bem claro lá. Aí depois lá dentro se vira... Agora o governo ia pagar três
meses, agora só está pagando um mês, por isto que fecharam... por isso onde eu
estava, estava correndo muito perigo porque quem fechou lá foi a tropa de
choque, foi um oficial de justiça, foram as autoridades. Eu estava no hospital e lá
era pior do que uma prisão, porque toma injeção e fica trancado, é uma prisão!
- Você acredita em Deus ou em algo além do material?
- Acredito, acredito até em alma, encarnação, o rapaz, um menino,
tinha uns 18-19 anos, disse para mim: toma bastante remédio e se mata! Assim
você vai para o céu, aí eu tomei e fui sim! Fui para o pronto-socorro fazer
lavagem, fazia toda a semana, mas me deu problema no coração, porque eu tive um
enfarte ou um derrame, não sei, e deixou seqüelas em mim, mas eles usaram o
“ressussitador”. Só que naquele tempo, eu me lembro claramente, só que eu não
265
conseguia falar...eu vi um homem de barba, uma luz... agora, não me lembro se era do
médico entrando... aí já é outra coisa, é um negócio que eu não vasculho mais, aí já
não me interessa.
- Você tem algum sonho/desejo para o futuro?
- Abrir uma loja de um real, pagar os impostos direitinho, ter a
saúde de volta, é o que nós aqui mais queremos! Ter a lucidez!
- Com tudo isso que você passou, no que de fato a arte pode ajudar você
e estas pessoas que passam por situações semelhantes as tuas?
- No que realmente pode ajudar são as pessoas que vêm.. são os
estagiários e as médicas (equipe de saúde) já formadas, então, por exemplo, se nós
estamos já há muito tempo esquecidos de uma coisa, elas lembram, falaram para mim
que é para eu procurar me estimular e abrir (potencializar e expressar) os meus dons,
para ver que dons eu possuo, só que às vezes, se eu acho um dom cansativo, eu falo
que não é bom, que não sei fazer... então tem tudo isso... mas dá muita raiva, tudo
que está guardado desde a infância, a gente vai esquecendo, vai vivendo outra
vida, vai reciclando aos poucos as emoções, o grupo serve para isso e outras
atividades como: falar, o jogo de bola, os passeios, inclusive eu gosto muito de
usar esta medalha aqui que é da copa da inclusão, e ando com ela, fica aqui
comigo, esta aqui não sai, quando a gente está triste, pinta e melhora ou se está
muito inspirado e cansa o dedo, eu mesmo pinto a minha casa inteira e faço
desenho na casa inteira, eu pinto minhas paredes, minha avó mora em cima, mas
está demorando muito, pois estou esperando cinco anos para eu poder desenhar o
que eu quero, dentro de casa, mas já comecei, só falta arrumar tinta e quando eu
arrumo tinta, eu já começo a fazer as formas como guerreiros que eu gosto,como
eu era guarda-mirim, o sonho de criança é ser policial, eu queria desenhar as formas,
eu vendia cangas, do Egito entre outras formas que gosto de desenhar, tem um colega
que adora desenhar sinagogas de árabes (mesquitas), ele gosta e ninguém tira isso da
cabeça dele, e eu pinto as minhas paredes lá, eu fiz as formas da minha irmã, dos
conhecidos,a sua mesmo eu posso fazer, nas paredes, mas eu acho que eu estou
preguiçoso, porque eu tomo um remédio para dormir, e agora eu vou começar a fazer
por causa dos dedos que estou começando a ficar com a coordenação motora ruim, e
eu não sabia disto, quem me disse isso foi um outro paciente.
- O que é arte para você?
266
- Para mim é cultura, é bom por causa da cultura, eu gosto, por exemplo,
uma perna decepada, o outro com uma perna riscada, uma pessoa despedaçada, aí a
gente estuda quem despedaçou, que tempo foi da guerra, principalmente aqueles
esboços, se a gente está correndo perigo de vida, a gente vai numa arte, a gente diz
não! Pensei em fazer aquilo e vou fazer outra coisa, porque é cultura, então é isso.
Também fiz curso de orador, fui orador do CAPS X, no meio das autoridades, às
vezes, eu me exalto muito, sabe?! E às vezes, eu me desprezo muito, e onde estão
os negócios são os incentivos das técnicas de falar para a gente: Vamos fazer,
vamos fazer!... e arte para mim é cultura, em vez da pessoa ficar vendo no caderno,
ela fica estudando na pintura, na FIESP eu vi muita coisa assim, as crianças sentadas e
as professoras ensinando os terrores da guerra, e a cultura, educação... Eu creio que os
seres-humanos são inteligentes, nenhum tem uma desculpa para não saber nada, é uma
coisa muito boa a arte.
- Topázio, muito obrigado, você criou produções muito bonitas, e você
está de parabéns, lhe desejo muita sorte e tudo de bom.
- Obrigado você, sabe Samuel, foi muito bom também estar aqui
porque coisas que a gente não tem espaço para falar delas, a gente conversou
aqui.
267
Fig. 82 - SAFIRA
269
- Safira, como foi para você estar aqui nas oficinas de Arteterapia?
- Foi tudo maravilhoso, desempenhou bem a minha mente, e estou até
sentindo saudades.
- Desempenhou bem a sua mente?
- É porque eu estava no mundo da lua, minha cabeça ficava rodando, eu
não queria mistura com ninguém, agora eu estou ótima, estou melhor do que nada.
- O que você teve?
- Depressão profunda e ficava ouvindo vozes.
- E como você se sentiu nas oficinas?
- Eu me senti livre, me senti bem! Parece que eu estava com o corpo todo
fechado, não conseguia mover minha mão, agora não. Estou conseguindo fazer tudo, a
única coisa que ainda está me atrapalhando é esta dor de dente, mas isso vai passar...
- Vamos ver as produções expostas aqui que você fez?
- Vamos!
- Você retratou um quadro de Marc Chagall (“Eu e a Aldeia, 1911”) você sabia?
É um importante pintor mundial...
- Eu estava tentando fazer uma vaca, mas eu não consegui e ficou assim, essa
obra prima aí (risos)...
- Mas ficou muito bonito!
- Você sabe que expomos lá embaixo todas as produções de vocês?!
- Sabia.
- O pessoal adorou, e houve muitos elogios...
- Mas o que você achou dos trabalhos produzidos por vocês nas oficinas?
- Ficou tudo maravilhoso, tanto que, quando venho aqui só fico olhando
(vislumbrando), tem uns mais bonitos e criativos que os outros... tudo maravilhoso.
270
- Você lembra desta cartolina aqui, que nome você daria para esta produção sua?
Você usou as técnicas que usamos nas outras atividades, eu achei muito bom.
- Está parecendo mais um pássaro e uma ave.
- E nesta cartolina, o que você fez? (Cartolina dos nomes, apresentação do grupo
– primeira atividade/oficina).
- O coração colorido e as duas flores rosas, e coloquei meu nome aqui.
- O que você sentiu quando estava fazendo isto?
- Eu senti uma emoção muito grande, porque eu estava com o coração azul,
tipo arco-íris, é para dizer que o meu está assim, que eu estou feliz, e estas duas rosas
aqui são as minhas duas filhas, M. e C., e aqui sou eu (coração entre as duas rosas) que
estou muito feliz, porque estou me recuperando, posso dar mais atenção para as minha
filhas agora.
- Você é casada?
- Não, eu sou viúva.
- O que você achou dos trabalhos de uma forma geral e de estar realizando e
expressando-se por intermédio da Arteterapia em grupo?
- Achei tudo ótimo, tem uma criatividade muito grande.
- E como foi estar no grupo?
- Foi bom porque eu estava perto de amigos, pessoas que não me fazem mal,
só alegria e fiquei feliz de ver cada um se desempenhando na sua mente, isto está
mostrando que nós estamos tendo resultados bons...
- Cada um expressando seus próprios desejos, não é?
- Exatamente.
- Se você fosse escolher alguma dentre estas produções, qual você elegeria?
- A da borboleta, está bem colorido, bem alegre (trabalho de Turmalina –
primeira cartolina/atividade dos nomes/apresentação).
- O que você sentiu e pensou quando fazia a sua produção inspirada na obra
de Chagall?
- Foi como experenciar “um minuto como artista” (risos)... está parecendo
um cavalo isto aí.
- Você estava bem empenhada e concentrada quando estava desenhando e
pintando esta produção, estava até cantando, parecia feliz.
- É, eu estava tentando desenhar alguma coisa aqui, aqui é uma vaca dentro do
olho, da cabeça.
271
tom diferente das outras, e dá para fazer um quadro (com esta obra). O ônibus também ficou
dá hora! Lindo!
- Por que você escolheu freqüentar dentre as oficinas, a de Arteterapia?
- Por causa das paisagens, dos desenhos, é uma coisa muito linda, tudo o que
me lembra a natureza, eu estou no meio.
- Quais foram os materiais e a atividade que você mais gostou?
- Gostei de tudo... principalmente pintar... eu gostei muito de pintar...
- O que você sentia ou sente, quando pinta, desenha?
- Livre... Como um artista, muito bom, pois pintura é uma coisa muito
linda, olha só (disse para eu apreciar as “obras” feitas e expostas, tal como ela observava
com muito afeto e concentração)... Tudo muito bonito...
- No que você acha que isto te ajuda?
- Amenizar a minha mente, porque eu estava com a mente muito escura, às
vezes eu não pensava em nada, não queria saber de mais nada, mas, quando eu vi o
resultado das pinturas eu fiquei mais emocionada... Ajudou-me bastante.
- Você chegou até a cantar... que tipo de música você mais gosta?
- Gosto de música internacional e brasileira também.
- No que você pensava quando você produzia, se expressava através dos
materiais artísticos?
- Eu pensava num mundo melhor, porque eu estou vendo tudo colorido...
Eu gostaria que o mundo fosse assim todo colorido, não tivesse guerra, nem fome, nem
nada, lembrando das criancinhas da Etiópia, da malária, de todos estes lugares aí...
Então eu estava pintando com aquela emoção longe... Sabe? De poder fazer uma alegria,
que pelo menos tem um arco-íris entre elas... É isso aí...
- Arco-íris onde?
- Entre as pessoas que estão passando fome...
- Tem um arco-íris?
- É, eu gostaria que tivesse um arco-íris entre as pessoas que estão passando
fome, para, pelo menos, elas poderem ver a cor do arco-íris... Um pouco de felicidade
para àquelas crianças...
- Você acha que eles vendo o arco-íris...
- Eles iriam ficar bem mais alegres, é igual a nós, quando vemos o eclipse da
lua.
- Você já viu?
273
- Já.
- Gostou?
- Sim.
- Teve algo que você não gostou nas oficinas/atividades?
- Não, não. Não tenho nada de que reclamar...
- Foi tudo maravilhoso.
- Você vê alguma diferença em fazer estas atividades em grupo e fazer
sozinha?
- Para mim é uma alegria estar no meio de muita gente, porque eu não gosto
de ficar sozinha, quando fico sozinha já fico com depressão, então eu vi ali (nas oficinas)
cada um se esforçando as suas mentes, colocando cada um o seu ideal ali, falando: Isso é
meu! Vai ficar bonito! Lutando pelo mais bonito! Então eu acho que deu bem para
amenizar a minha mente, abriu... Floresceu mais a minha mente, porque tudo que é cor
eu já fico feliz.
- A cor mexe com a gente?
- Mexe!
- Falando em cor, quais são as cores que você mais gosta?
- Cinza, azul e branco.
- O que te traz cada cor?
- O cinza me traz uma alegria dentro de mim, o azul já é mais suave... lembra o
céu, tudo... o branco já me lembra paz.
- Que cores você não gosta?
- Marrom.
- Por que?
- Marrom é escuro, né?! Preto também. Preto só de roupa que eu gosto, fora às
outras coisas eu não gosto de preto não!
- Que sensação te traz?
- Escuridão, tristeza, melancolia...
- Qual dentre todas estas produções, você menos gostou?
- Aquela ali. Por que?
- Porque não representa nada para mim.
- Tem algum artista ou obra que você mais gosta?
- Não sei o que lá Niemeyer...
- Oscar Niemeyer?
274
- É! Isso! Acho lindas as coisas que ele faz... são detalhes muito sensíveis,
românticos, muito brilhantes, é uma coisa que a gente tem que parar e olhar e dar valor.
- Você é muito romântica?
- Sou (risos).
- Já visitou alguma exposição, quando?
- Já foi há seis meses atrás na Bienal da Barra Funda, fomos ver os quadros,
fomos ver a minha filha tocar...
- Ela toca o que?
- Violão.
- Que bom!
- Fomos ver um artista que esqueci o nome, que pinta casinhas, desenho
geométrico.
- É o Volpi?
- É!
- Do que você mais gostou lá?
- De tudo, porque dá para confundir bem a gente, ele põe uma casa em cima
da outra, depois uma do lado, a gente tem que ver qual está do lado, qual está em cima...
Ele confunde bastante a gente.
- Faz pensar bastante?
- Faz, e é bom, é um gênio! Porque abre a mente da gente.
- O que você faz no seu tempo livre?
- Durmo e faço tricô.
- Que outros tipos de arte você faz além do tricô?
- Crochê, vou lá na minha mãe e fico enchendo o saco dela, ou fico vendo
televisão ou fazendo alguma coisa dentro de casa ou fico brincando com a minha cadelinha e
com a minha filha e assim nós vamos vivendo...
- Como você se sente estando com a sua cadelinha e com a sua filha?
- Muito feliz! Nossa! É uma emoção muito grande!
- Como é?
- É emoção demais (suspiros), o coração parece que abre...
- E a cadelinha?
- A cadelinha mais ainda (risos), minha filha diz que eu gosto mais da
cadelinha do que dela, mas eu amo todo mundo.
- Qual é o nome da cadelinha?
275
- Mel.
- Quem escolheu o nome?
- Minha filha.
- Como você se sente quando faz crochê?
- Minha cabeça fica vazia, não fico pensando em nada, só penso naquilo que
estou fazendo e me concentro só no tricô e no crochê, porque se eu errar um pontinho,
tenho que desmanchar tudo, então eu me concentro.
- E o que você sente?
- Aliviada, sossegada...
- De que?
- De barulho, movimentações, conversas...
- Você não gosta muito de barulhos?
- Não. Eu gosto de ficar sozinha. Eu leio bastante.
- Quando começou a sua depressão?
- Faz uns seis anos atrás ou mais, eu sei que quando me dá depressão me dá uma
angústia! Uma vontade de chorar... Não quero ver ninguém, só quero dormir, não quero
comer, não quero falar com ninguém, não saio para a rua de jeito nenhum, só fico de baixo
das cobertas o dia todinho... ontem mesmo passei o dia todinho de cama, por causa do meu
dente (dor) não dá vontade de conversar com ninguém.
- Como isso começou?
- Desde criança eu já venho sofrendo a minha vida, eu sempre quero uma vida
melhor para as minha filhas, tudo o que eu tive eu quero dar para as minhas filhas, mas eu não
estou conseguindo, o tempo está passando e eu não estou conseguindo, estou vendo elas
passarem necessidade de algumas coisas e eu não tenho dinheiro para comprar...
- Como foi a sua infância?
- Ruim! Quando eu era criança eu pedia esmola para sobreviver, meus pais
punham a gente para pedir esmola e quando chegava em casa para dizer que não foram
eles, eles batiam na gente ainda... Porque os outros iam reclamar para eles dizendo-lhes:
Olha a sua filha está lá na esquina pedindo esmola! E meus pais diziam para mim: Vai
lá na esquina filha, ver se você consegue algum dinheirinho, aí eu ia lá na esquina pedir
para os caminhoneiros correndo o riso de ser estuprada! Caminhoneiro é atrevido pra
caramba, sabe!
- Você chegou a sofrer abuso?
276
- Não, não! Graças a Deus, não! Eu também era muito pequenininha (risos), com
oito anos eu parecia que tinha três! E assim fui vivendo minha vida, teve uns momentos
alegres que a gente ia nadar num açude lá... Eu e meus irmãos catávamos frutas no
quintal dos outros, e vinham eles todos brigando com nós, e nós cheios de frutas (risos)...
- É uma lembrança boa, né?
- É, nós aprontamos muito, eu e meus irmãos...
- E os seus pais, como era a relação?
- É... Eles bebiam né?! Os dois bebiam e eu fiquei muito pouco tempo com
eles, eu fiquei só até os oito anos de idade, eles bebiam e iam dormir, então não tinha
briga entre meu pai e minha mãe, eles terminavam de beber, de encher a cara e iam
dormir.
- Eles tinham casa própria, trabalhavam?
- Tinham, meu pai trabalhava de capinar horta e essas coisas aí, foi lá em Minas
Gerais... Lagoa Dourada.
- Você chegou a conhecer algum avô teu?
- Conheci meu avô J., um amor de pessoa, que é o pai de minha mãe, também
logo em seguida ele faleceu... a vó eu não conheci, não!
- Como era com ele?
- Muito bom, eu me dou bem com todos.
- Houve alguém de sua família que mexia com arte?
- Não, só eu e meus irmãos que pegávamos as folhas de bananeira e
fazíamos como se fossem bebezinhos, agora eu não me lembro como é, para a gente
brincar de casinha, agora eu não me lembro como é que faz (risos)...
- Vocês usavam os recursos que vocês tinham com muita criatividade!
- É, nós fazíamos para as bonecas, saínhas (saiotes) de folhas de bananeira e
“stop” (risos), é um negócio comprido que dentro do buraco colocam-se umas
varetinhas, coloca-se uma pedra e qualquer coisa, e assopra e acertam nos outros e...
(risos), era a nossa brincadeira, foi muito bom assim, mas eu fico mais triste em saber
que eu pedi esmola, que eu não tive pais vencedores.
- Estão vivos?
- Não, já morreram tudo, e é isso que eu não quero para minhas filhas...
- Mas depois que você saiu da casa deles, você teve algum contato com eles?
- Direto, mas no dia da minha mãe morrer, eu fui ao enterro dela, do meu pai eu
também fui no enterro de meu pai...
277
- A gente brinca, dança, sai para passear, como comida diferente, conversa
com um e com outro, dorme... é gostoso aqui.
- É como se fosse uma família?
- É, aqui é muito gostoso, eu vou sentir falta o dia que eu for sair daqui...
- Qual atividade você mais gosta de fazer aqui?
- Da pintura.
- Por que?
- Porque alivia o meu corpo, a alma, a gente vê novas cores. É muito bom...
- Quando você fala que alivia...?
- Dá uma calma dentro da gente, eu fico olhando... Parece que eu estou
viajando no meio delas (das cores), eu observo figura por figura, parece que você está
viajando... Parece que você vê caras de pessoas, de sapo, de coelho (risos), é assim...
- A imaginação flui...
- É.
- Como eram as vozes que você ouvia?
- Agora eu parei de ouvir, elas diziam: Você tem que morrer Safira! Você
não vale nada não! Se mata logo! Ai que horror...!!!
- Como você lidava com isso?
- Eu tampava os ouvidos e ia rezar o Pai Nosso.
- Você é católica?
- Sou. Eu deitava, dormia, as vozes paravam.
- Você já sofreu alguma internação psiquiátrica?
- Já, várias.
- E como você fazia para o tempo passar mais rápido durante a internação,
você usava algo da arte?
- Eu não deixava ninguém quieto, eu conversava com todo o mundo, eu
brincava, dava risada, nem parece que eu estava doente, o pessoal vinha, fazia uma
rodinha em volta de mim para eu falar alguma coisa... porque o pessoal gostava de ver
os outros alegres, tinha hora, quando morria alguém, a gente ficava de respeito e assim
eu fui vivendo...
- Com respeito?
- É pela pessoa que morreu, não fazia bagunça não! A gente também
plantava, fazia exercícios com o pé e com a mão, assistia filme e assim foi indo, depois ia
jantar e ia dormir.
279
Fig. 83 - DIAMANTE
283
Ele estava um pouco dopado, impregnado e um pouco torporoso neste dia – Hipótese
Diagnóstica: F 32.3 = Episódio depressivo grave com sintomas psicóticos.
um dom, e depois que eu resolvi fazer alguma coisa, uma decoupagem, madeira, uma
tela, eu vi que eu tinha capacidade e que as pessoas estavam achando muito bonito.
Então eu fiquei mais animado e isto me deixou mais com força, e eu tenho vencido, tenho
feito meu trabalho e tenho vontade de assistir um teatro que eu nunca assisti.
- Que trabalho você tem feito?
- Tela de biscuit e de uma flor, caixa de panetone para o Natal, muito biscuit,
miçanga em chinelo e uma variedade de coisas de artesanato.
- Tem algum tema que você mais gosta?
- Viagem, flor, natureza.
- Você tem feito então bastante biscuit para vender?
- Tenho.
- O que você achou da Bienal?
- Eu gostei muito, eu nunca tinha ido à Bienal, nem no Ibirapuera, porque eu
moro aqui em São Paulo há mais de 27 anos, e nunca fui no Ibirapuera, para aqueles lados, e
eu gostei me diverti e fiquei feliz. Tirei uma foto numa tela bonita, de um jardim num rio com
a minha máquina, e todo mundo achou que eu estava dentro do quadro (paisagem) quando
viram a minha foto, ficou muito bonito, não deu para perceber que era uma tela. Tinha o
jardim que era um tapete e uma tela atrás e eu fiquei em cima do jardim e na tela, e ficou
muito bonito.
- Foi como uma montagem que você fez. Uma produção usando a fotografia e as
obras da Bienal?
- Foi.
- Você tirou muitas fotos da Bienal?
- Tirei, muitas.
- Do que você mais gostou na Bienal?
- A bicicleta feita de bambu.
- Por quê?
- Porque eu achei interessante uma bicicleta de ferro, revestida com bambu,
eu achei bonito. Um trabalho bonito.
- No que você acha que a arte e a Arteterapia podem ajudar a pessoa?
- Pode controlar a pessoa de seu estado emocional, de seu estado triste, de
seu desânimo. Pelo menos pelo fato de você estar fazendo alguma coisa, faz uma bolinha
e pinta, passa uma tinta, vê o que fez ali, então para mim é uma arte que ocupa um
pouco a mente, que é importante ocupar a mente, porque mente vazia não dá certo, né?!
286
- Por que?
- Porque aí não se pensa em nada, só em besteira, pensa em morrer, em
matar os outros, pensa em roubar...
- Como foi estar fazendo Arteterapia com um grupo de pessoas?
- Foi muito bom fazer com meus amigos aqui do CAPS, e eu não tinha
grupo e me chamaram para eu fazer este grupo e eu não queria freqüentar, daí eu fui à
primeira vez e gostei, eu não conseguia ficar nos grupos, mas neste eu consegui, eu não
saía toda hora.
- Você gosta bastante de conversar, pois você conversava bastante e interagia
bem com o grupo.
- É, eu gosto de conversar e brincar também.
- Você toca algum instrumento musical?
- Toco violino na igreja crente, igreja evangélica, eu toco a música na harpa
cristã.
- Eu gostaria de ouvir, você pode me trazer, tem gravado?
- Tenho, eu trago sim. (Nunca me trouxe, assim como também me disse que
traria as fotos que tirou na Bienal e nunca me enviou as fotos).
- Eu tenho uma música de um hino que é à base de violino e a outra que é solo
também.
- O que você gosta de fazer em seu tempo livre?
- O que eu mais gosto de fazer é viajar, conhecer lugares, pessoas.
- Qual foi o lugar que você mais gostou de viajar?
- Para Portugal. Eu fui para Lisboa. Foi muito bom, achei muito bonita a cidade,
a cidade do Porto também, fiz amizade com algumas pessoas, e depois eu fui para a
Argentina, depois para o Paraná. Daqui do Brasil, uma cidade que eu gostei muito foi
Londrina, que eu tive vontade de morar lá e morei por dois meses, aluguei uma casa, antes de
ficar doente. Eu vi pela televisão que era uma cidade bonita, fiz amizade com uma turma de lá
e aluguei uma casa. De todas as cidades do Paraná eu gosto.
- Você tinha alguma namorada lá?
- Tinha.
- Então isto ajudou, não é?
- É!
- O que você teve?
287
- O que eu gostaria é de ter pintado sobre tela, que nós estávamos nos
preparando para isto, pena que não deu tempo... Porque aqui vocês fizeram uma estratégia de
técnicas passo a passo para aprendermos como pintar na tela e isto eu achei que faltou.
- Vamos ver se conseguimos finalizar este processo, você viria? (Não
conseguimos terminar e chegar até a tela porque o CAPS entrou em férias e em reforma, e não
tínhamos à disposição um espaço adequado para esta oficina).
- Eu viria sim.
- Você já teve algum outro problema antes, além da depressão atual?
- Já, já tive, tive problemas na escola, eu nunca fui bem na escola, sempre
repetia o ano, batia nas professoras, quebrei e botei fogo em carro de diretora, e ela não
me deixava entrar na escola, e eu era adolescente, então quebrei o carro da diretora e
batia nos professores direto, e nunca fui bem na escola e sempre tive tristeza. Eu acho
que meus pais nunca me deixaram curtir a vida, só ficar dentro de casa e eu não sei o
que é ir numa noite, andar numa noite, eu não sei o que é. Eles me prenderam e me
prendem muito e não me deixaram viver, e ficaram muito no meu pé, e até hoje é assim.
- Você conversa com eles sobre isto?
- Converso e estou passando por uma situação meio dura, eu conheci uma
moça de Caxias do Sul e tem três meses que estamos namorando, ela veio em dezembro
para cá, noivamos, mas minha mãe acha que todas as namoradas que eu tenho são ruins,
não servem, ela não me deixa namorar, para mim isto está sendo muito difícil.
- Você já passou por alguma internação psiquiátrica, como foi?
- Já, e foi muito ruim, não foi bom não, não quero voltar mais não! Parece
que era um tratamento onde eu era mais preso e mais judiado, era mais judiado pelas
pessoas e eu sentia muito mal.
- Que atividades artísticas você fazia, ou algum recurso artístico ou algo,
para passar o tempo mais rápido durante a internação?
- Eu cantava e chorava, cantava e chorava e gritava que eu queria ir
embora e pedia para o meu pai me tirar dali. Eu cantava músicas sertanejas e
românticas e isso fazia me sentir melhor.
- Você conversava com os outros internos?
- Conversava, mas era separado homem de mulher, e só tinha homem e em
começo de dezembro eu tentei me suicidar na Anhanguera e o resgate, a polícia me
pegou e me levou para Campinas para o hospital para me internar lá, e eu fui na PUC
290
de Campinas na João Borges e fiquei quatro dias internado lá, e eles disseram para eu
fazer tratamento no CAPS.
- E você gosta daqui?
- Gosto de estar aqui e venho todos os dias.
- Que grupo ou oficina mais gosta aqui?
- O grupo do Jornal Mural, porque você pega a revista, o grupo vota o que vão
fazer, dá um tema e fala do que estão achando do desenho, do recorte.
- Você escreve?
- Não, eu não sou bem para escrever e nem para ler.
- Você acha que as pessoas que passaram, como você, por uma história de
vida difícil, com perdas, privações e sofrimento, têm uma sensibilidade maior e mais
acurada para a arte?
- Acho que sim, porque eu tenho vários amigos que já passaram por isso, e
fazem tratamento psiquiátrico, e eles têm um dom muito bonito e fazem um trabalho
muito bonito.
- Há alguma diferença nas produções artísticas realizadas por estas pessoas
que passaram por estas situações difíceis, em relação às demais?
- Acho que sim, estas pessoas se tornam pessoas melhores.
- E as produções são diferentes?
- Acho que não, mas são mais carregadas de ódio, e é como quando se faz
uma tela, você joga todo o ódio na tela e sai uma tela, você descarrega toda a raiva, a
tristeza e as emoções que você está sentindo na tela, e me faz se sentir melhor, é um
descarrego.
- Como foi sua infância?
- Muito sofredora, porque com a idade de seis anos comecei no CEASA, catar
as coisas para o meu pai, as frutas, trabalhei em ferro-velho, como ajudante de caminhão
durante muito tempo, carregando terra, e cresci com muitas dificuldades. Hoje sou aposentado
pelo INPS.
- Você chegou a conhecer seus avós?
- Não. Mas eu tenho muita vontade no coração de conhecer a família de meu pai,
porque ele não conhece e não conheceu ninguém de sua família, nem seus pais, queria pelo
menos encontrar um primo, um irmão, de saber do paradeiro de qualquer parente. Meu pai
veio de Apucarana (P.R.) para São Paulo, conheceu minha mãe, casou e não voltou mais, ele
tentou localizar seus parentes, mas não encontrou mais.
291
- Tem alguém na sua família que faz algo relacionado com arte?
- Não.
- Você já participou de algum curso artístico?
- Não, é o primeiro.
- Já visitou algum museu?
- Também não.
- O que é arte para você?
- É uma maneira de dividir as duas partes, como a música, como a arte de
dividir o som com harmonia e ritmo, então a arte é uma coisa boa. Divide em três
partes: harmonia, ritmo e som.
- Você tem algum sonho?
- Tenho, de ter minha casa e meu carro e ser feliz, porque eu não tenho um
pingo de felicidade pelas coisas que estão se passando na minha vida. Nada está dando
certo, sempre penso que vai melhorar, mas nada dá certo, sempre penso que vou ter e
não dá certo, penso em namorar uma namorada e minha mãe se mete e não dá certo,
então penso que nada dá certo em minha vida, e isto me deixa muito triste, a relação
com meus pais não é boa.
- Você tem irmãos?
- Só tenho uma irmã e um irmão que morreu, ela é casada e tem 37 anos e ele
morreu com 23 anos, e era mais novo que eu.
- Tem mais alguma coisa que você gostaria de dizer?
- Mais é ser feliz, ter saúde.
- O que é felicidade para você?
- É a liberdade, a minha felicidade é a minha liberdade de fazer o que eu
quero.
- Você gosta de teatro, cinema e televisão?
- Gosto, teatro eu nunca fui e cinema fui uma vez só e não gostei.
- Como você se sente quando está tocando violino?
- Sinto mais alegria e desejo de tocar mais e mais, cada vez mais e aprender
mais e mais, eu toco num grupo, numa orquestra que tem vários instrumentos, o violino
acalma também.
- No que você pensa quando está tocando violino?
292
- Penso que eu estou sendo feliz e não estou sendo, de tocar e fazer biscuit,
mas eu não estou sendo, depois que acaba eu penso que tenho capacidade, mas depois
vem uma coisa em mim que não tenho capacidade.
- O que você pensa a respeito da vida?
- Eu falo para todo mundo que a vida é muito ingrata pelo que ela faz com a
gente, sofrer, perder um ente querido. Tem coisas que devem ser para o nosso bem, mas
a gente não aceita e a gente fala que a vida é ingrata, mas a vida não é ingrata como, por
exemplo, a gente quer um carro, a gente não consegue e outro consegue, mas depois de
um certo tempo ele morre, então não é para ter, né?! Muitas vezes a vida não é ingrata,
mas a gente quer ter, mas a gente é teimoso, mas eu penso que a vida é ingrata, nada dá
certo na minha vida, a vida não me ajuda.
- Você crê em Deus?
- Creio muito.
- O que você pediria para ele?
- Paz na minha vida.
- Você escuta vozes?
- Escuto, uma variedade de coisas como para eu matar meus inimigos, para
eu comprar arma, para eu me matar, para eu roubar.
- Como você lida com isto?
- Com muita dificuldade, eu não suporto.
- O remédio não ajuda?
- Não.
- E as atividades?
- Também não ajudam, nada ajuda. Para as vozes nada ajuda. Eu sou de
uma igreja que tem uma doutrina muito rígida, e não se pode fazer nada errado ali, eles
falam que você pecou e vai ter que pagar aqui, então eu acho que fiz coisas erradas e
estou pagando sofrendo. E eu me prostituí, não era para sair com uma menina e eu saí.
Sou da Congregação Cristã do Brasil.
- Diamante, muito obrigado e lhe desejo muita sorte, paz e alegrias e que as
coisas melhorem em sua vida. Suas produções ficaram lindas.
293
Fig. 84 - RUBI
294
Fig. 85 - ÁGUA-MARINHA
295
Fig. 86 - JADE
296
Fig. 87 - AMETISTA
297