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Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de Minas Gerais

PROJETO DE EDUCAÇÃO CONTINUADA

É o CRMV-MG participando do processo de atualização


técnica dos profissionais e levando informações da
melhor qualidade a todos os colegas.

VALORIZAÇÃO PROFISSIONAL
compromisso com você

www.crmvmg.org.br
Editorial
Caros colegas,
A Escola de Veterinária da UFMG e o Conselho
Regional de Medicina Veterinária de Minas Gerais têm
a satisfação de encaminhar à comunidade veterinária
e zootécnica mineira um novo volume do Cadernos
Técnicos de Veterinária e Zootecnia. O foco desta edição
assenta-se na Inspeção de Produtos de Origem Animal.
Neste ano, a Inspeção comemora 100 anos de ativida-
de no Brasil e se destaca o papel do Médico Veterinário
como ator para a contínua melhora da qualidade destes
produtos. Os conceitos modernos de saúde envolvem
a saúde animal e humana unificadas em “Uma Saúde”
(One Health) pela Organização Mundial de Saúde. O
profissional Médico Veterinário tem a atribuição legal de
zelar pela saúde animal e, neste conceito, indiretamente,
a humana, ao assegurar a qualidade dos produtos de ori-
gem animal. A visão unificada de “Uma Saúde” exige a
busca contínua do entendimento da epidemiologia das
doenças e o papel dos animais domésticos e da fauna
no intercâmbio de patógenos de caráter zoonótico. Ao
certificar a saúde dos plantéis de produção em todos os
seus aspectos, o Médico Veterinário garante a qualidade
do produto de origem animal. O mercado exige a con-
formidade da produção animal às normas sanitárias in-
ternacionais, estas delineadas pela Organização Mundial
de Saúde Animal (OIE) e Organização Mundial de
Universidade Federal Comércio, das quais o país é signatário. Além da impor-
de Minas Gerais tância das carnes, leite e seus derivados, ovos e pescado,
Escola de Veterinária entre outros, para o consumo interno, o complexo car-
Fundação de Estudo e Pesquisa em nes representa 6,7% da pauta de exportações. Por sua
Medicina Veterinária e Zootecnia
- FEPMVZ Editora grandeza no agronegócio, o país assume enorme respon-
Conselho Regional de sabilidade internacional, especialmente no quesito qua-
Medicina Veterinária do lidade, por exemplo ao ser o principal exportador de car-
Estado de Minas Gerais ne de frango, destinada a mais de 150 países, e por figurar
- CRMV-MG
entre os primeiros produtores de todas as outras carnes.
www.vet.ufmg.br/editora
Correspondência: Prof. Nelson Rodrigo da Silva Martins - CRMV-MG 4809
Editor dos Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia
FEPMVZ Editora
Caixa Postal 567 Prof. Renato de Lima Santos - CRMV-MG 4577
30161-970 - Belo Horizonte - MG Diretor da Escola de Veterinária da UFMG
Telefone: (31) 3409-2042 Prof. Antonio de Pinho Marques Junior - CRMV-MG 0918
Editor-Chefe do Arquivo Brasileiro de Medicina Veterinária e Zootecnia (ABMVZ)
E-mail:
editora.vet.ufmg@gmail.com Prof. Nivaldo da Silva - CRMV-MG 0747
Presidente do CRMV-MG
Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de Minas Gerais
- CRMV-MG
Presidente:
Prof. Nivaldo da Silva
E-mail: crmvmg@crmvmg.org.br
CADERNOS TÉCNICOS DE
VETERINÁRIA E ZOOTECNIA
Edição da FEPMVZ Editora em convênio com o CRMV-MG
Fundação de Estudo e Pesquisa em Medicina Veterinária e
Zootecnia - FEPMVZ
Editor da FEPMVZ Editora:
Prof. Antônio de Pinho Marques Junior
Editor do Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia:
Prof. Nelson Rodrigo da Silva Martins
Editora convidada para esta edição:
Profª. Cléia Batista Dias Ornellas
Revisora autônoma:
Giovanna Spotorno
Tiragem desta edição:
10.050 exemplares
Layout e editoração:
Soluções Criativas em Comunicação Ldta.
Impressão:
O Lutador

Permite-se a reprodução total ou parcial,


sem consulta prévia, desde que seja citada a fonte.

Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia. (Cadernos Técnicos da Escola de Veterinária da


UFMG)
N.1- 1986 - Belo Horizonte, Centro de Extensão da Escola deVeterinária da UFMG, 1986-1998.
N.24-28 1998-1999 - Belo Horizonte, Fundação de Ensino e Pesquisa em Medicina Veterinária e
Zootecnia, FEP MVZ Editora, 1998-1999
v. ilustr. 23cm
N.29- 1999- Belo Horizonte, Fundação de Ensino e Pesquisa em Medicina Veterinária e
Zootecnia, FEP MVZ Editora, 1999¬Periodicidade irregular.
1. Medicina Veterinária - Periódicos. 2. Produção Animal - Periódicos. 3. Produtos de Origem
Animal, Tecnologia e Inspeção - Periódicos. 4. Extensão Rural - Periódicos.
I. FEP MVZ Editora, ed.
Prefácio
Profa. Dra.Cléia Batista Dias Ornellas
Professora Escola de Veterinária da UFMG - Departamento de Tecnologia e Inspeção de Produ-
tos de Origem Animal
CRMV MG 5587
Prof. Dr. Wagner Luiz Moreira dos Santos
Professor Escola de Veterinária da UFMG - Departamento de Tecnologia e Inspeção de Produ-
tos de Origem Animal
CRMV MG 1138
O Grupo de Estudo e Pesquisa da Inspeção Industrial
e Sanitária de Produtos de Origem Animal/ GIISPOA
vinculado ao Departamento de Tecnologia e Inspeção de
Produtos de Origem Animal da Escola de Veterinária da
UFMG, juntamente com o CRMV-MG tem o prazer de
apresentar esta edição de Cadernos Técnicos. O Grupo
considera essa edição como especial uma vez que esse ano
o serviço de Inspeção de Produtos de Origem Animal no
Brasil comemora 100 anos.
O sistema HOMEM/ANIMAL/PRODUTOS DE
ORIGEM ANIMAL E MEIO AMBIENTE, tornou-se
complexa e constitui na atualidade uma questão de fun-
damental importância em todo o mundo, e principal-
mente no Brasil grande produtor e exportador de carnes,
leite, ovos, mel e pescado.
A SAÚDE / SANIDADE ANIMAL E A SANIDADE
/ IDENTIDADE DOS PRODUTOS DE ORIGEM
ANIMAL, são e sempre foram uma das principais ati-
vidades básicas e específicas da Medicina Veterinária.
Essa especificidade profissional possui importância fun-
damental para o homem, o animal e para o ambiente em
seus aspectos ECONÔMICOS, SOCIAIS, POLÍTICOS,
SANITÁRIOS E DE SAÚDE PÚBLICA.
O Médico Veterinário possui papel fundamental
neste sistema, conforme pode ser facilmente observado
pelos relevantes e indispensáveis trabalhos que sempre
tem realizado e realiza em prol da coletividade brasileira
e mundial.
Nesta área, a Medicina Veterinária Brasileira tem re-
alizado e alcançado resultados expressivos, sendo sem
sombra de dúvida a profissão protagonista na formatação,
implantação e inspeção do excelente parque industrial de
produtos de origem animal instalado no Brasil. Este tra-
balho eficiente e eficaz tem recebido homenagens e reco-
nhecimento de empresários brasileiros e de organizações
internacionais com a FAO, OMS e OIE.
Durante o evento, a Classe Médica Veterinária de
Minas Gerais apresentará e discutirá as suas preocupa-
ções e sugestões para o aperfeiçoamento do sistema ante-
riormente mencionado.
Orientações, Condições, Especificações e Normas
Higiênico-Sanitárias e Tecnológicas/ HST para a obten-
ção e industrialização dos produtos de origem animal no
Brasil está atualmente em fase de avaliação e mudanças.
Nesse sentido a oportunidade desse Simpósio.
Gostaríamos de agradecer aos colegas palestrantes
pela colaboração e presteza com que atenderam ao pe-
dido do GIISPOA para participarem deste evento. Aos
colegas dos Serviços Sanitários Oficiais (MAPA/SFA-
MG e IMA) pelo desprendimento e disponibilidade em
apoiar, assim como as empresas patrocinadoras (AFRIG,
SILEMG, Grupo Super Nosso, FRIGORICK, Polysell),
associações, sindicatos e empresas vinculadas ao setor do
agronegócio (AVIMG, ASEMG, Rehagro, Movimento
das Donas de Casa (MDC-MG, Sinduscarne e Embaré).
Agradecemos também aos colegas Médicos Veterinários
de Minas Gerais, em participaram deste grandioso evento.
Por último, agradecemos à comissão organizadora
deste evento, e em especial às Médicas Veterinárias Dra.
Bárbara Silveira Costa, Dra. Naiara Meireles Ciríaco.
Agradecemos também às Médicas Veterinárias Sarah
Antonieta de Oliveira Veríssimo, Viviana Patrícia Fraga
dos Santos, Jeniffer Godinho Ferreira Pimenta, Nathália
Caroline Soares e Rayanne Soalheiro de Souza e ao pu-
blicitário, João Marcelo Costa, da Me.ha, Projetos em
Comunicação e Inovação.
Como colaboradores neste empreendimento, fi-
camos honrados com a tarefa e orgulhosos do pro-
duto final.
Sumário

1. História e evolução da inspeção industrial e sanitária de produtos de


origem animal no Brasil..............................................................................9
Bárbara Silveira Costa - CRMV-MG 12030, Naiara Meireles Ciríaco - CRMV-MG 13093, Prof.
Dr.Wagner Luiz Moreira dos Santos - CRMV MG 1138, Profª. Drª. Cléia Batista Dias Ornellas -
CRMV MG 5587 ,Prof. Dr. Thiago Moreira dos Santos
Saiba como evoluiu a história da inspeção de produtos de origem animal no
Brasil

2. Os produtos de origem animal e as toxinfecções alimentares..................32


Thiago Moreira dos Santos; Cléia Batista Dias Ornellas - CRMV MG 5587; Bárbara Silveira Costa
- CRMV-MG 12030; Naiara Meireles Ciríaco - CRMV-MG 13093; Danielle Ferreira de Magalhães
Soares; Wagner Luiz Moreira dos Santos - CRMV MG 1138
Saiba como as toxinfecções alimentares podem estar associadas aos produtos
de origem animal

3. Análise de risco para resíduos de avermectina na carne bovina: um desa-


fio para abertura de mercados em face da segurança alimentar...............57
Soraia de Araújo Diniz - CRMV MG 6812, Marcos Xavier Silva -CRMV MG 5775, João Paulo Amaral
Haddad - CRMV MG 4537
Saiba como os resíduos de avermectina afeta a abertura de mercados e a
segurança alimentar

4. Intoxicação alimentar estafilocócica associada ao consumo de


queijos artesanais......................................................................................73
Renata Dias de Castro1, Marcelo Resende de Souza - CRMV 6219
Como o consumo de queijos artesanais podem causar intoxicação alimentar
estafilocócica

5. Resíduos de antimicrobianos em ovos......................................................96


Isabela Pereira Lanza, Débora Cristina Sampaio de Assis, Guilherme Resende da Silva,
Tadeu Chaves de Figueiredo - CRMV MG 8495, Silvana de Vasconcelos Cançado - CRMV
MG 4294
Uma visão geral sobre os resíduos de antimicrobianos em ovos
6. Mel e derivados: a inspeção dos produtos apícolas é responsabilidade do
médico veterinário..................................................................................115
Lilian Viana Teixeira - CRMV 7357,
Sarah Antonieta de Oliveira Veríssimo
Uma visão geral sobre os produtos apícolas e sua inspeção

7. Análise sensorial para controle de qualidade do pescado: método de índice


de qualidade (miq)..................................................................................130
Lilian Viana Teixeira - CRMV 7357
MIQ - uma nova forma de monitorar o controle de qualidade em pescado
História e evolução
da inspeção
industrial e
sanitária de
produtos de origem
animal no Brasil
bigstockphoto.com

Bárbara Silveira Costa1, Naiara Meireles Ciríaco2, Prof. Dr. Wagner Luiz Moreira dos Santos3 , Prof. Dr. Thiago
Moreira dos Santos4, Profª. Drª. Cléia Batista Dias Ornellas3
1 - Médica veterinária graduada pela UFMG, CRMV-MG 12030
2 - Médica veterinária graduada pela PUC Minas, CRMV-MG 13093
3 - Escola de Veterinária, Departamento de Tecnologia e Inspeção de Produtos de Origem Animal (DTIPOA), UFMG
4 - Escola Agrotécnica Federal de Salinas – MG

1. Introdução mal (IISPOA) consiste na adoção de


um conjunto de normas e procedimen-
A inspeção industrial e sanitária dos tos com a finalidade de se obter um pro-
produtos de origem animal no Brasil duto (carne, leite, ovos, mel e pescado)
está fundamentada nos aspectos econô- isento de qualquer risco e/ou perigo
mico, social e sanitário. Com a globali- higiênico-sanitário e com alta qualida-
zação, abriram-se novos mercados no de comercial e tecnológica, sem afetar
setor agropecuário, tornando a inspeção ou prejudicar o consumidor e o meio
ainda mais exigida e relevante para as ambiente.
transações comerciais. O objetivo deste estudo é relatar as
O controle ou a inspeção industrial influências e o papel das diversas forças
e sanitária de produtos de origem ani- sociais na implementação, organização
História e evolução da inspeção industrial e sanitária de produtos de origem animal no Brasil 9
e manutenção de um serviço oficial de nhe ou que tivesse perdido o bezerro.
inspeção industrial e sanitária de pro- Proibia-se ainda o consumo de carne de
dutos de origem animal no Brasil. Em aves carnívoras, de carne de animais que
especial, destaca-se a participação ativa vivem a sós, de carne dos solípedes, de
e positiva da medicina veterinária, al- carne de animais selvagens e de carne de
cançada pelo Brasil, na transformação animais de cinco unhas, como o elefante
e modernização do parque industrial e a tartaruga.
dos produtos de origem animal, nota- No antigo testamento, Moisés fazia
damente de carne e leite. Contudo, essa referência aos animais que deviam ser
participação, desenvolvida principal- consumidos ou não e os classificava em
mente pelos médicos veterinários lota- animais limpos e imundos.
dos no Ministério da Agricultura, tem No Deuteronômio, capítulo 14, ver-
ficado cada vez mais no anonimato. Em sículo 6, encontra-se, textualmente:
face do anteriormente exposto, é dever “Todo animal que tem unhas fen-
resgatar e informar aos que militam na didas, que tem a unha dividida em
área da inspeção industrial e sanitária de duas, que rumina, entre os animais.
produtos de origem animal a dimensão Isso comereis”.
e a extensão da contribuição feita pelos Nos versículos 7 e 8, vêm as
médicos veterinários. Também se deve condenações:
ressaltar o muito que se tem por fazer, a “7. Porém, estes não comereis,
fim de proporcionar ao homem produ- dos que somente ruminam ou que
tos de origem animal de alto valor nu- têm a unha fendida: o camelo e a le-
tritivo e isentos de qualquer risco e/ou bre e o coelho, porque ruminam, mas
perigo higiênico-sanitário. não têm a unha fendida; imundos vos
serão”.
2. Primeiros indícios “8. Nem o porco, porque tem
da inspeção sanitária na unha fendida, mas não rumina, imun-
história antiga do vos será. Não comereis da carne
Segundo C. Sanz Egaña, no livro destes e não tocareis no seu cadáver”.
das leis de Manu, do povo hindu, já se Sobre o consumo de pescado,
relatavam orientações higiênico-sanitá- dizia-se:
rias e tecnológicas para o consumo de “9. Isto comereis de tudo o que há
produtos de origem animal. Assim, era nas águas, tudo o que tem barbatana e
proibido o consumo do leite de vaca an- escamas comereis”.
tes de se completar 10 (dez) dias após o “10. Mas tudo o que não tiver nem
parto, do leite de camela, do leite de fê- barbatanas, nem escamas não come-
mea de solípedes e do leite de vaca pre- reis; imundo vos será”.
10 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 77 - setembro de 2015
No versículo 21, as mento acabado. Naquele
As citações de Moisés
normas: mesmo ano, surgiu a
indicam as primeiras
“21. Não comereis primeira legislação apro-
condutas da inspeção
nenhum animal morto; vando o Regimento da
higiênico-sanitária e
ao estrangeiro que está Fisicatura (Órgão do
tecnológica (Normas
dentro das tuas portas Governo Português
HST) dos produtos
o darás a comer ou o de origem animal que regulamentava as
venderás ao estranho, (carne, leite, ovos, mel e práticas de cura em todo
porquanto és povo san- pescado). o Império) para cuidar
to ao Senhor teu Deus”. das questões sanitárias.
As citações de Esse instrumento
Moisés indicam as primeiras condutas legal permitia a condenação do uso
da inspeção higiênico-sanitária e tecno- e consumo, no mercado comum, de
lógica (Normas HST) dos produtos de comestíveis e gêneros deteriorados.
origem animal (carne, leite, ovos, mel e A função de vigilância sanitária cabia
pescado). ao provedor mor de saúde da corte, o
Também há relatos de ações de ins- que indica que, desde aquela época, já
peção de produtos de origem animal du- ocorria vínculo da vigilância sanitária
rante a fase do Império Romano. Foram federal com a vigilância sanitária em
criadas normas para o funcionamento relação ao mercado varejista.
dos matadouros públicos (Macellus li- No Brasil, somente em 28 de janeiro
viae ou M. liviamum), estabeleceu-se a de 1832, foi promulgado o Código de
idade dos animais para o abate e nomea- Posturas Municipais, que, dentre outras
ram-se inspetores (Aedilus curulus) para orientações, determinava:
fiscalizarem a venda de alimentos em “Os que venderem ou tiverem à
más condições. Os alimentos condena- venda quaisquer gêneros sólidos ou
dos eram descartados no rio Tibre. líquidos, corrompidos ou falsifica-
dos, passarem ou avultarem mais ou
3. Início da inspeção para encobrir sua corrompida e da-
sanitária no brasil nosa qualidade serão multados em
10$000 até 30$000 escudos, segundo
3.1 Fase pré-industrial as circunstâncias; os gêneros falsifica-
Antes da chegada da coroa portu- dos ou corrompidos serão postos em
guesa ao Brasil, em 1808, o controle sa- depósitos, afinal lançados ao mar ou
nitário e comercial de produtos alimen- enterrados, quando pela sua existên-
tares seguia as orientações vigentes em cia danificarem visivelmente a saúde
Portugal e baseava-se na inspeção do ali- dos povos, quando não possam ser
História e evolução da inspeção industrial e sanitária de produtos de origem animal no Brasil 11
empregados sem grave e sanidade dos animais
A inspeção deixou de
risco da mesma saúde importados e a sanidade
ser apenas do produto
pública em outros usos dos produtos de sua ori-
acabado e passou
da vida que não seja de gem, forçou o então pre-
a ocorrer também
sustento dos homens; no animal vivo. sidente Afonso Penna a
e quando não possam Surgiram as escolas de promulgar a Lei 1.606,
facilmente inutilizar- medicina veterinária e de 29 de dezembro de
se para alimento mis- iniciaram-se os estudos 1906, transformando
turando-os com ingre- de melhoramento de a antiga secretaria em
dientes tais que sem raças de animais para Ministério dos Negócios
destruírem a sua natu- obtenção dos produtos da Agricultura, Indústria
reza alterem, contudo, de origem animal. e Comércio.
algumas de suas quali- Com base nessa Lei,
dades aparentes, como criou-se a Diretoria de
os examinadores deverão praticar to- Indústria Animal, que possuía, entre
das as vezes que for possível”. outras atribuições:
a) responsabilizar-se pela inspeção
3.2 A intervenção federal veterinária, cujo fim deve consistir, es-
A primeira mudança no sistema de sencialmente, em atestar sobre o estado
inspeção aconteceu a partir da apro- sanitário dos animais de produção, to-
vação, pelo Imperador D. Pedro II, do mando e propondo todas as medidas ca-
Decreto n° 1.067, de 28 de julho de pazes de evitar e combater as epizootias,
1860, criando a Secretaria de Estado concorrendo também, pela fiscalização
dos Negócios da Agricultura, Comércio dos matadouros e dos estábulos, para o
e Obras Públicas. A inspeção deixou de melhoramento da higiene alimentar;
ser apenas do produto acabado e pas- b) estudar e divulgar os modernos
sou a ocorrer também no animal vivo. processos da indústria de laticínios.
Surgiram as escolas de medicina vete- No ano de 1910, o Ministério dos
rinária e iniciaram-se os estudos de me- Negócios da Agricultura, Indústria e
lhoramento de raças de animais para ob- Comércio incentivou a produção de
tenção dos produtos de origem animal. diversos produtos, o que despertou o
Era o embrião da cultura da qualidade interesse de líderes políticos e de em-
higiênico-sanitária e tecnológica envol- presários em estruturar a produção
vendo toda a cadeia produtiva animal. animal adotando o controle higiênico–
A criação desse documento, durante sanitário e tecnológico proposto pelo
o reinado brasileiro, associada às ques- “Ministério da Agricultura”. Essa relação
tões que envolviam o controle da saúde governo-iniciativa privada é mantida até
12 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 77 - setembro de 2015
hoje no Brasil, o que permite e promove outras afecções, foi criado o cargo de
as relações comerciais internacionais do Diretor Médico Bacteriologista nos vá-
agronegócio. rios Postos Veterinários, recém- inaugu-
Além disso, o desenvolvimento da rados no Brasil e ligados ao Ministério
produção agropecuária no Brasil foi da Agricultura.
favorecido pelas características naturais Posteriormente, vários decretos de-
do país, pela influência das charqueadas ram novas regulamentações ao Serviço
da bacia do rio Prata e pela vinda, na Sanitário Oficial de Veterinária, atingin-
segunda década do século passado, do outras áreas, como a de laticínios, com
dos modernos matadouros-frigoríficos a criação da Escola Oficial de Laticínios,
estrangeiros, embasados no modelo em Barbacena/MG, e do Posto
anglo-norte-americano. Várias normas Zootécnico Federal, em Pinheiros/RJ.
foram estabelecidas para atender a essas Ressalta-se ainda nesse período, 1910 a
empresas, favorecendo e moldando o 1915, a criação da Inspetoria de Pesca,
atual Serviço de Inspeção Federal/SIF. responsável pela inspeção de pescado.
Ressalta-se aqui a produção de carne Essa inspetoria baixou as normas da
bovina como a propulsora para essa Inspeção de Pescado com 89 artigos. Tal
transformação, devido aos seus aspectos regulamento foi assinado pelo ministro
econômicos, sociais, zootécnicos, da Agricultura Pedro Toledo.
sanitários e políticos. II) Serviço de Indústria Pastoril/
A partir de 1910, merecem desta-
SIP – Decreto n° 11.460, de 27 de ja-
ques as seguintes legislações:
neiro de 1915
I) Regulamento do Serviço Esse decreto reorganiza a Diretoria
de Veterinária – Decreto do Serviço de Veterinária ao definir o
n° 8.331, de 31 de conceito de Polícia Sanitária Animal.
outubro de 1910 Assim, foram subordinados à Diretoria
Esta norma disciplinava todo o co- do Serviço de Indústria Pastoril as
mércio nacional e internacional de ani- Inspeções Veterinárias Distritais, as
mais e dos produtos de sua origem no Inspeções Veterinárias de Portos e
território nacional, nas fronteiras e nos das Fábricas de Produtos Animais, os
portos e aeroportos. Estruturava ainda Postos Veterinários e os de Observação,
a composição do serviço nos estados, as Escolas e as Inspeções de Laticínios e
criando Distritos e Postos Veterinários. de Pescados, os Postos Zootécnicos e as
Devido à ausência de médicos vete- Fazendas Modelos.
rinários brasileiros no país e da necessi- O destaque dessas legislações se re-
dade de se realizar o controle da peste fere à aprovação do Regulamento de
e da pleuropneumonia bovinas, entre Inspeção de Fábricas de Produtos
História e evolução da inspeção industrial e sanitária de produtos de origem animal no Brasil 13
Animais pelo Decreto zeram com que o S.I.P.
Segundo dados obtidos
n° 11.462, de 11 de ja- absorvesse, entre 1917
pelo IBGE junto ao
neiro de 1915. Esse regu- e 1921, os primeiros
Serviço de Inspeção
lamento, com 23 artigos, médicos veterinários e
Federal do Ministério
estabelecia regras básicas da Agricultura, de engenheiros agrônomos
para a inspeção sanitária 1915 a 1920, no diplomados pela Escola
do terreno e a aprovação Brasil, cresceram, Superior de Agricultura
dos planos de instalação, vertiginosamente, e Medicina Veterinária.
para as espécies animais as exportações O governo federal, no
a serem abatidas e a clas- internacionais de carnes período de 1918 a 1920,
se e quantidade de pro- enlatadas e preparadas, envia, para a Europa e
dutos a serem elabora- passando de 100 (cem) os Estados Unidos da
dos, para comércio com para 25.400 toneladas. América, 77 (setenta e
países de destino dos sete) profissionais mé-
produtos, para as condi- dicos veterinários e en-
ções de higiene, para a escala de um ou genheiros agrônomos, com o objetivo
mais inspetores veterinários de carnes e de realizarem cursos de especialização
auxiliares verificadores. Orientava ainda de, no mínimo, 2 (dois) anos de dura-
sobre os métodos para realização dos ção. Estava lançada a base técnico-cien-
exames ante e post mortem e para verifi- tífica para a criação e consolidação do
cação do estado sanitário dos animais, SIF-MAPA
prevendo a incineração das carcaças e Outro fato que deve ser destacado
dos resíduos nos casos de rejeição total. nessa fase se refere à participação de
Adotava também modelos de certifica- médicos veterinários estrangeiros e de
do de salubridade e de cinco carimbos médicos na formação da cultura desse
para carnes de latas. O selo que vigorava serviço.
nos carimbos e nas embalagens possuía Por obrigação, menciona-se o médi-
a marca S.I.P., significando Serviço de co Franklin de Almeida, que defendeu,
Indústria. em 1914, na Faculdade de Medicina do
Segundo dados obtidos pelo IBGE Rio de Janeiro, a tese de doutorado inti-
junto ao Serviço de Inspeção Federal tulada “A fiscalização e regulamentação
do Ministério da Agricultura, de 1915 a das carnes verdes e frescas”. Esse médi-
1920, no Brasil, cresceram, vertiginosa- co foi funcionário ativo do Ministério
mente, as exportações internacionais de da Agricultura, ocupando vários cargos
carnes enlatadas e preparadas, passando de destaque no serviço de inspeção.
de 100 (cem) para 25.400 toneladas. O Outro protagonista, nessa mesma linha,
crescimento econômico e o social fi- foi o médico veterinário francês Prof.
14 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 77 - setembro de 2015
Maurice Piettre, que lecionou, a partir de Posturas Municipais, aplicado por
de 1920 e durante 3 (três) anos, a disci- um Serviço de Inspeção Municipal.
plina “Inspeção de Carnes e Alimentos
de Origem Cárnea”, na Escola Superior 4. Regulamentação da
de Agricultura e Medicina Veterinária. medicina veterinária
III) A Carne e o Leite e Derivados De acordo com os pareceres de ju-
– Decreto n° 14.711, de 05 de março ristas, os atributos profissionais são ins-
de 1921 tituídos em defesa da coletividade, com
A industrialização em bases técni- base na formação escolar, e, principal-
cas associada à necessidade de organi- mente, alicerçados em nome da verda-
zar uma inspeção higiênico-sanitária deira capacidade de quem os exercita.
e tecnológica de produtos de origem Assim, a instituição de privilégios pro-
animal. à semelhança dos países mais fissionais tem por base os currículos es-
avançados, forçou o governo federal a colares, que oferecem a habilitação ne-
aperfeiçoar a legislação vigente. Assim, cessária para o exercício de determinada
com esse decreto, foram criadas a Seção profissão. Merece destaque a assertiva
de Carnes e Derivados e a Seção de do jurista Dr. Evaristo de Moraes Filho:
Leite e Derivados, no então Serviço “A profissionalidade pressupõe a
de Indústria Pastoril, do Ministério da privatividade ou a exclusividade do
Agricultura. Posteriormente, essas duas exercício da profissão, se não, não
seções vieram a constituir o Serviço faz sentido a regulamentação de uma
de Inspeção de Produtos de Origem profissão.”
Animal (S.I.P.O.A.). Consolidou, desse O Decreto nº 23.133, de 09 de se-
modo, o nascimento do atual Serviço tembro de 1933, regulamenta o exercí-
de Inspeção Federal – SIF, iniciado em cio da profissão do médico veterinário
1915. no Brasil. Essa primeira regulamenta-
Essa modificação foi fundamental ção reconheceu o exercício profissional
no âmbito do Ministério da Agricultura, realizado pelos colegas em suas diversas
pois criou a nova legislação sobre a ins- áreas, mas, principalmente, os lotados
peção de produtos de origem animal. no Ministério da Agricultura. Tal tra-
Pode-se resumir ou mesmo inferir balho permitiu a absorção de conhe-
que a inspeção industrial e sanitária de cimentos, não só na área da inspeção
produtos de origem animal no Brasil industrial e sanitária dos produtos de
daquela época se caracterizava por uma origem animal, mas também na tecnolo-
Regulamentação Federal, aplicada pelo gia desses produtos, pois é praticamente
Serviço de Inspeção Federal a cargo do impossível separar os aspectos higiêni-
Ministério da Agricultura, e pelo Código co-sanitários da tecnologia da produção
História e evolução da inspeção industrial e sanitária de produtos de origem animal no Brasil 15
e industrialização animal. obrigatoriamente, na parte relaciona-
Em face do exposto, verifica-se o pa- da com a sua profissão, nos serviços ofi-
pel relevante dos médicos veterinários, ciais concernentes:
favorecendo e consolidando a indús- ao aperfeiçoamento técnico, fomen-
tria animal, o que permitiu a expansão to da pecuária e das indústrias de ori-
do mercado interno e as conquistas gem animal;
no mercado internacional. Esse traba- à higiene rural;
lho foi reconhecido pelos legisladores à indústria de carnes e fiscaliza-
da época, ao aprovarem o Decreto n° ção do comércio de seus produtos;
23.133, que estabelecia: à indústria de laticínios e fiscali-
Artigo 7º zação do comércio de seus produtos;
“São atribuições privativas dos à padronização e classificação
médicos veterinários a organização, re- comercial dos produtos de origem
gulamentação, direção ou execução dos animal.”
serviços técnicos oficiais, federais, esta- Artigo 11°
duais e municipais, referentes às ativida- “São funções privativas dos médi-
des seguintes: cos veterinários:
[......................] [...................]
e) inspeção, sob o ponto de vista atestar o estado de sanidade de ani-
de defesa sanitária, de estábulos, mata- mais e dos produtos de origem ani-
douros, frigoríficos, fábricas de banha e mal, em suas fontes de produção, fabri-
de conserva de origem animal, usinas, cação ou de manipulação.”
entrepostos e fábricas de laticínios, e, Em resumo, a função, a atividade ou
de um modo geral, de todos os pro- atribuição preponderante, principal, bá-
dutos de origem animal, nas suas sica, dominante do médico veterinário
fontes de produção, fabricação ou de no exercício profissional é promover,
manipulação.” assegurar, garantir, atestar e certifi-
Artigo 8º car a saúde e a sanidade animal bem
“Constitui também atribuição dos como a sanidade e identidade dos
médicos veterinários a execução de to- produtos de sua origem.
dos os serviços não especificados no Sobre essa regulamentação, expres-
presente decreto e que, por sua nature- sou o professor Miguel Cione Pardi:
za, exijam conhecimentos de veteri- “Não se tratava apenas da neces-
nária, de indústria animal e de indús- sidade de assegurar os legítimos in-
trias correlatas.” teresses de uma classe até então mal
Artigo 9º conhecida e os reclamos de ordem
“O médico veterinário colaborará, social; era o imperativo de ordem
16 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 77 - setembro de 2015
econômica visando ao correto e efi- rigorosas, que exigem o aperfeiçoa-
ciente direcionamento de atividades mento dos processos tecnológicos da
que lhe deveriam ser privativas e a indústria.
legitimação legal das exigências de Esses regulamentos, conhecidos no
importadores de nossos produtos de Ministério da Agricultura como “Capa
origem animal e de gado, com vistas Verde”, vigoraram por muitos anos, até
à garantia de certificação veterinária que, devido às mudanças nas conjuntu-
de sanidade (animal e saúde pública), ras econômicas, sociais, sanitárias, tec-
além dos problemas de importação e nológicas e políticas, permitiram a sua
de proteção das fronteiras em relação modernização ocorrida em 1950, quan-
a países vizinhos”. do se iniciou a forte e potente industria-
A febre aftosa e a doença da vaca lização dos produtos de origem animal
louca exemplificam, atualmente, o acer- no Brasil.
to da legislação. Posteriormente, o Ministério da
Merecem destaque duas novas legis- Agricultura sofre uma modificação ad-
lações referentes à inspeção de carnes e ministrativa importantíssima para a
de leite e seus derivados, no sentido de medicina veterinária. Com o Decreto
aperfeiçoarem os trabalhos de assistên- n° 23.979/1934, foram criados os
cia e condução tecnológica dos estabe- Departamentos Nacionais de Produção
lecimentos sob o controle do Serviço de Animal e de Produção Vegetal.
Inspeção Federal, conforme descrição O Departamento Nacional de
abaixo: Produção Animal (DNPA), em 1934,
O Decreto n° 24.549, de 03 era constituído de:
de julho de 1934, aprova o novo Serviço de Fomento da Produção
Regulamento da Inspeção Federal de Animal
Leite e Derivados, com 119 artigos, no Serviço de Defesa Sanitária Animal
qual se definem os critérios higiênico- Serviço de Inspeção de Produtos de
sanitários e tecnológicos que norteiam Origem Animal
os registros e o funcionamento dos Serviço de Caça e Pesca
estabelecimentos. Escola Nacional de Veterinária
O Decreto nº 24.550, de 03 Com a criação do DNPA, o concei-
de julho de 1934, aprova o novo to de qualidade dos produtos de origem
Regulamento da Inspeção Federal de animal – “del pasto al plato”, da granja
Carnes e Derivados, com 197 artigos, ou fazenda à mesa do consumidor –
no qual são apresentadas, com base na foi oficializado pelos médicos veteri-
experiência acumulada pelos inspetores nários, que atuavam no Ministério da
veterinários, instruções higiênicas mais Agricultura.
História e evolução da inspeção industrial e sanitária de produtos de origem animal no Brasil 17
5. Ministério da 23.554, o qual proibia a duplicidade
agricultura x ministério da inspeção e fiscalização nos estabe-
lecimentos que preparam, manipulam,
da saúde elaboram ou industrializam produtos
A inspeção dos produtos de origem de origem animal para o comércio in-
animal era executada de forma comple- terestadual ou internacional. Devido a
tamente diferente da que era realizada uma falha na estruturação dos Serviços
na inspeção de outros produtos alimen- Estaduais e dos Serviços Municipais
tares e alimentos no âmbito de prefeitu- de Inspeção, percebeu-se a necessida-
ras municipais. de de se definirem e de se atribuírem
A publicação do Decreto n° responsabilidades.
15.008, de 15 de setembro de 1921, Ainda nos dias atuais, existe a dupli-
instituiu o Regulamento do Serviço cidade de atribuições e responsabilida-
de Fiscalização do Leite e Laticínios, des entre o Ministério da Agricultura e
vinculado ao então Departamento de o Ministério da Saúde.
Saúde Pública. Iniciou-se, portanto, um
conflito de interesses e responsabilida- 6. Mudanças
des entre o Ministério da Agricultura e administrativas do
o Ministério da Saúde. Posteriormente, serviço de inspeção
foi publicado o Decreto n° 29.533, no
ano de 1931, que autorizava o funcio- A efervescência regulamentar foi
namento de matadouros de aves e de impulsionada pela Segunda Guerra
pequenos animais sob a fiscalização do Mundial, principalmente no setor de
Departamento Nacional da Saúde. Essa carnes e derivados.
atitude foi vista mais como uma disputa Ressaltem-se as seguintes medidas
política do que como uma preocupação daquela época:
com o controle sanitário. 6.1 – Criação da Comissão Executiva
Por outro lado, hou- do Leite (CEL) – Lei
ve uma consolidação A inspeção dos produtos 2.384/1940
dos serviços de inspe- Essa comissão ti-
de origem animal era nha a finalidade de
ção industrial e sanitária executada de forma
de produtos de origem completamente diferente aplicar as normas edita-
animal, de responsabi- das pelo Regulamento
da que era realizada “Capa Verde”, de 1934
lidade do Ministério da na inspeção de outros
Agricultura. (Decreto n° 24.549),
produtos alimentares e e, em especial, centra-
Em 1933, foi pro- alimentos no âmbito de lizar o recebimento, o
mulgado o Decreto nº prefeituras municipais. beneficiamento e a dis-

18 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 77 - setembro de 2015


tribuição dos produtos de Origem Animal –
Com novos poderes,
mediante a adoção do DIPOA, do Ministério
a DIPOA passou a
modelo de cooperativa da Agricultura.
normatizar melhor
de produtores. A co- Tal atuação eviden-
a inspeção de ovos,
missão era composta ciou a necessidade de se
do mel de abelha,
por representantes de reformular a legislação
de carnes enlatadas
Minas Gerais, do Rio de sanitária dos produtos
e, principalmente,
Janeiro e por um repre- de origem animal vigen-
reformulou o Código de
sentante do Ministério te, pois, até aquela épo-
Pesca.
da Agricultura, o ca, não havia a obriga-
Diretor do SIPOA, mé- toriedade desse tipo de
dico veterinário Dr. Henrique Blanc serviço nas três esferas governamentais:
de Freitas. A partir disso, foi criada a federal, estadual ou municipal.
Cooperativa Central dos Produtores
de Leite – CCPL. 7- A fase industrial
6.2 – Criação da Divisão de
Inspeção de Produtos de Origem 7.1 “Lei-mãe” da inspeção –
Animal – DIPOA lei 1.283, De 18 de dezembro
O Regimento do Departamento de 1950
Nacional de Produção Animal foi alte- Essa lei instituiu a obrigatorieda-
rado pelo Decreto n° 25.948, dando de da inspeção industrial e sanitária de
mais autonomia e poder ao Serviço de produtos de origem animal, no Brasil,
Inspeção, e a nova sigla DIPOA passou sendo reconhecida como a “Lei-Mãe”
a vigorar, sendo a mais conhecida e res- da inspeção. Além disso, ela atribui a
peitada nacional e internacionalmente. responsabilidade de execução da inspe-
Também se alterou a sigla S.I.P. para ção aos governos federal, estadual e mu-
a sigla S.I.F., a qual perdura até os dias nicipal, de acordo com o âmbito do co-
atuais. Com novos poderes, a DIPOA mércio atendido pelo estabelecimento.
passou a normatizar melhor a inspeção
de ovos, do mel de abelha, de carnes en- 7.2. Decreto n° 30.691, De 29
latadas e, principalmente, reformulou o
de março de 1952
Código de Pesca. Esse decreto aprova o novo
Essa mudança administrativa foi Regulamento da Inspeção Industrial
fundamental na expansão, estrutu- e Sanitária de Produtos de Origem
ração e consolidação do Serviço de Animal – RIISPOA, no Brasil. Tal regu-
Inspeção Federal no Brasil, executado lamento, com 952 artigos, consolidava
pela Divisão de Inspeção de Produtos um minucioso e complexo código sani-

História e evolução da inspeção industrial e sanitária de produtos de origem animal no Brasil 19


tário, que, em particular, Ministérios da Marinha
O regulamento foi
abrangia toda a legisla- e da Guerra, do Exército
implantado pelo
ção relativa à carne, lei- e da Aeronáutica Militar,
DIPOA, por meio do
te, ovos, mel e pescados, Serviço de Inspeção o Decreto-Lei 986, de
desde a sua produção até Federal (SIF), nos 21 de outubro de 1960,
a sua comercialização. estabelecimentos que instituindo as normas
O regulamento assim o requisitaram, básicas sobre alimentos.
foi implantado pelo principalmente os Essas normas definem o
DIPOA, por meio do localizados nas regiões que é alimento, matéria-
Serviço de Inspeção Sul e Sudeste do Brasil. -prima alimentar e ali-
Federal (SIF), nos esta- mento in natura e o que
belecimentos que assim deve ser registrado no
o requisitaram, principalmente os lo- Ministério da Saúde.
calizados nas regiões Sul e Sudeste do 7.4 - Lei 5.517, De 23 de outubro
Brasil. Dessa forma, foi executado um de 1968 – regulamentação da profis-
programa sanitário e tecnológico de ins- são de médico veterinário
peção tão severo quanto aquele vigoran- Com a evolução do parque in-
te, desde os primórdios, nas indústrias dustrial de produtos de origem ani-
frigoríficas estrangeira e nacional. mal, principalmente de carnes, leite e
Este foi o marco da inspeção no seus derivados, a profissão de médico
Brasil, e muitos se referem ao RIISPOA veterinário sofre nova regulamenta-
como a “Bíblia da Inspeção”. ção e criam-se os Conselhos Federal
Na década de 60, com o RIISPOA, e Regionais de Medicina Veterinária.
permitiu-se a implantação de um mo- Basicamente, a LEI 5517 mantém as
derno parque industrial de produtos funções privativas e exclusivas do mé-
de origem animal, principalmente o de dico veterinário para inspecionar, fisca-
carnes e derivados, consolidando ex- lizar e certificar os produtos da indústria
ternamente a imagem do Brasil como animal, estabelecidos pelo Decreto n°
grande produtor e exportador de carnes 23.133/1933; na verdade, para o exer-
e derivados. cício integral da medicina animal para o
bem da coletividade.
7.3 - Decreto-Lei 986, de 21
de outubro de 1960 7.5 – Decreto n° 69.502, De
Os conflitos de atribuições e res- 05 de novembro de 1971
ponsabilidades continuavam, e o go- ainda tendo em vista o controle de
verno federal, na tentativa de disci- produtos alimentares, o governo federal
plinar melhor o tema, publica, pelos publicou o Decreto n° 69.502, de 5 de
20 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 77 - setembro de 2015
novembro de 1971, dando competên- o Plano Nacional de Padronização
cia ao Ministério da Agricultura de rea- e Inspeção de Produtos de Origem
lizar a inspeção, o registro e a padroniza- Animal e passou a tê-lo como filosofia
ção de produtos vegetais e animais. Fica, de trabalho. Esse plano buscava eliminar
portanto, para o Ministério da Saúde a a heterogeneidade dos padrões higiêni-
atribuição de impedir a comercialização co-sanitários e tecnológicos nos estabe-
de produtos alimentares e alimentos lecimentos sob o controle do Serviço de
impróprios ao consumo Inspeção Federal.
nos estabelecimentos o Ministério da Foram elabora-
varejistas. Agricultura elaborou, das e aperfeiçoadas as
Com base nes- nos finais da década de Normas HST, que vi-
se decreto, foi cria- 60, o Plano Nacional savam à padronização
da a Comissão de Padronização estrutural e operacio-
Interministerial de e Inspeção de nal da inspeção nos es-
Saúde e Agricultura – Produtos de Origem
tabelecimentos sob o
CISA, que cuidava de Animal e passou a
controle do Serviço de
normatizar, tecnicamen- tê-lo como filosofia de
Inspeção Federal – SIF.
te, os produtos alimen- trabalho.
Atualmente, as Normas
tares de interesse dos HST mudaram de nome,
dois ministérios, amenizando, assim, a mas o princípio se mantém o mesmo.
duplicidade de ação e principalmente
diminuindo os conflitos entre esses dois 8.1 – Normas hst
órgãos. Várias portarias, circulares, ins- 8.1.1 Normas HST para leite e pro-
truções de serviços passaram a orientar dutos lácteos
o modo operacional da inspeção indus- 8.1.2 Normas HST para produção
trial e sanitária de produtos de origem de carnes de suínos e derivados
animal e a de alimentos. 8.1.3 Normas HST para produção e
exportação de carnes preparadas
8 - Normas higiênico- 8.1.4 Normas HST para produção
sanitárias e tecnológicas de carnes de bovinos e derivados
- hst 8.1.5 Normas HST para produção
com a cultura do controle higiêni- de carnes de ovinos
co-sanitário e tecnológico (HST) dos 8.1.6 Normas HST para inspeção de
produtos de origem animal consolidada carnes de aves
depois de mais de 50 (cinquenta) anos 8.1.7 Normas HST para mel, cera de
de atuação, o Ministério da Agricultura abelhas e derivados
elaborou, nos finais da década de 60, 8.1.8 Normas HST para inspeção de
História e evolução da inspeção industrial e sanitária de produtos de origem animal no Brasil 21
ovos e derivados dade e localizados em várias regiões do
8.1.9 Normas HST para inspeção de país;
pescado e derivados 3) indústria sob Inspeção Estadual,
8.1.10 Normas HST para produção com defeitos técnicos de planejamento;
e exportação de carnes de equino 4) inúmeras indústrias sob Inspeção
Municipal com sérias deficiências técni-
9 - Federalização da
cas, fiscais, econômicas e sociais. O me-
inspeção - lei 5.760, De 03 de
dezembro de 1971 lhor representante dessa indústria são os
rudimentares matadouros municipais;
Essa primeira alteração na “Lei- 5) indústria de pequeno porte, sem
Mãe” foi relacionada com a atribuição nenhum tipo de inspeção, com os mes-
da responsabilidade para a execução da mos problemas descritos para as indús-
inspeção. A Lei 5.760 mudou o artigo trias com inspeções municipais;
da “Lei-Mãe”, atribuindo apenas ao go- 6) inúmeras fabriquetas e postos
verno federal a exclusividade para exe- de abate sem nenhum tipo de inspe-
cução da inspeção industrial e sanitária ção ou assistência tecnológica em sua
de produtos de origem animal. Por esse produção.
motivo, ficou conhecida como a federa-
lização da inspeção no Brasil. 10 – Primeira reforma da
A motivação para essa mudança foi
o perfil do parque industrial de carnes
“lei-mãe”
no Brasil. Mesmo após os 21 anos de Devido às condições econômicas,
aplicação da inspeção, os estados e os políticas e sociais favoráveis e princi-
municípios ainda não haviam assumido palmente à necessidade de mudança
as responsabilidades, e muitos nem cria- desse perfil da indústria de produtos de
ram o serviço de inspeção. origem animal, ocorreu a PRIMEIRA
Com a aplicação do RIISPOA, mu- REFORMA na “Lei-Mãe” - Lei 1.283,
dou-se o perfil da indústria brasileira de de 18 de dezembro de 1950.
produtos de origem animal, principal- Essa lei foi regulamentada pelo
mente a de carnes e de- Decreto n° 73.116, de 08 de novembro
rivados, sendo adotada a de 1973, e o Ministério
divisão a seguir: Com a aplicação do da Agricultura, para
1) indústria estran- RIISPOA, mudou-se sua execução, elaborou
geira sob SIF; o perfil da indústria um programa susten-
2) indústria nacional brasileira de produtos tado em três diretrizes
sob SIF, com vários esta- de origem animal, fundamentais:
belecimentos novos, re- principalmente a de 1ª - avaliação da in-
formados e de boa quali- carnes e derivados. dústria fora do controle
22 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 77 - setembro de 2015
do Serviço de Inspeção Federal – S.I.F.; ção, que havia iniciado no estado do Rio
2ª - absorção gradativa do controle Grande do Sul.
higiênico-sanitário e tecnológico, nas Em face da nova situação econômi-
várias áreas do país, obedecendo a uma co-social e, principalmente, política, as
escala de prioridade e que não prejudi- pequenas e médias indústrias que ha-
casse o abastecimento interno; viam sido fechadas ou que não supor-
3ª - aprovação e autorização de fun- taram as exigências da inspeção federal
cionamento das indústrias baseado nos formaram uma pressão muito forte no
princípios: Congresso Nacional, que promoveu a
1– padronização das instalações, SEGUNDA REFORMA na “Lei-Mãe”.
construções, edificações, equipamentos
e utensílios dos estabelecimentos indus- 11 - Lei 6.275, De 01
triais. Memorial Descritivo Econômico- de dezembro de 1975 –
Sanitário, Fluxograma e “Lay-out”; segunda reforma
2 – padronização e higiene das téc-
Essa lei possibilitou a retomada das
nicas, dos métodos e dos procedimen-
inspeções estaduais e municipais ao pre-
tos. Rotinas de Inspeções. Tecnologias
ver a realização de convênios desses ór-
de conservação e de tratamento de
gãos com o Serviço de Inspeção Federal
subprodutos;
– S.I.F. do Ministério da Agricultura,
3 – padronização e higiene dos ma-
para o controle higiêni-
nipuladores. Carteira de
co-sanitário e tecnoló-
saúde dos operários; A exemplo, o S.I.F. – gico (HST) nas peque-
4 – limpeza e sani- regional MG – realizou,
nas e médias indústrias.
tização das instalações, no início da década de Além disso, previa que,
edificações, equipamen- 1980, um convênio com
num prazo máximo de
tos, utensílios e veículos o Governo do Estado 90 (noventa) dias, de-
envolvidos; de Minas Gerais para veria ser expedido um
5 – monitoramen- “federalizar” a inspeção
novo regulamento con-
to com as análises da carne nas indústrias tendo as condições hi-
laboratoriais. de abate localizadas na giênico-sanitárias míni-
Com a crise do pe- Grande Belo Horizonte. mas para essas empresas.
tróleo de 1974, no mun- Contudo, essa norma
do ocidental, as expor- nunca foi elaborada e expedida.
tações caíram bruscamente e o setor se A exemplo, o S.I.F. – regional MG
viu atingido pelo aumento dos custos de – realizou, no início da década de 1980,
produção, entre outros fatores políticos um convênio com o Governo do Estado
desfavoráveis ao processo de federaliza- de Minas Gerais para “federalizar” a ins-

História e evolução da inspeção industrial e sanitária de produtos de origem animal no Brasil 23


peção da carne nas indústrias de abate pecionar os produtos de origem animal,
localizadas na Grande Belo Horizonte. retomando os conflitos de atribuições e
Esse trabalho, fundamentado no pro- responsabilidades com o Ministério da
grama de federalização, mudou as con- Agricultura.
dições higiênico-sanitário-tecnológicas
e reduziu drasticamente o comércio de 13 - Lei 7.889, De
carne clandestina nessa região. Pode-se 23.11.1989 – A
afirmar que os índices de clandestinida- descentralização da
de da carne em Belo Horizonte se inver-
I. I.S.P.O.A
teram, saltando de aproximadamente
70% para 30%. Infelizmente, esse co- A Lei 7.889 foi aprovada pelo
mércio clandestino persiste ainda hoje. Senado Federal e descentralizou a exe-
cução da inspeção industrial e sanitária
12 – Crise econômica e de produtos de origem animal, reeditan-
política – constituição de do, “virtualmente” a LEI 1.283 – “LEI-
1988 MÃE”, de 18.12.1950. Retornam as
responsabilidades aos governos federal,
A não aplicação da federalização da estaduais e municipais, de acordo com o
inspeção de produtos de origem animal, âmbito do comércio do estabelecimen-
sem ou com convênio, de acordo com to a ser inspecionado.
as Leis 5.760 e 6.275, deveu-se mais
à crise econômica que abalou o mun- 14 – Ministério da saúde
do ocidental, afetando as exportações – lei 8.080, De 19 de
brasileiras, principalmente de carnes e
derivados.
setembro de 1990
Concomitantemente aos problemas Essa lei estabelece as condições para
econômicos, o Brasil passa a enfren- a promoção, proteção e recuperação da
tar problemas com a política interna. saúde, a organização e o funcionamento
A Constituição de 1988 foi um dos re- dos serviços correspondentes.
sultados dessa crise política que se ins- Dessa forma, o Ministério da
taurou na época. Com a Constituição, Saúde passou a legislar sobre alimen-
foi criado o Sistema Único de Saúde tos, atingindo os produtos de origem
(SUS), sendo uma de suas atribuições animal, tendo, inclusive, um Serviço de
a fiscalização e inspeção de alimentos Inspeção, que atuava dentro dos mata-
(teor nutricional) bem como de bebidas douros municipais, com médicos veteri-
e águas para consumo humano.. nários ligados à Vigilância Sanitária das
Com isso, reacendeu no Ministério Secretarias Municipais de Saúde. Esse
da Saúde o desejo de, novamente, ins- fato foi favorecido pela ausência das
24 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 77 - setembro de 2015
Secretarias de Agricultura na maioria dastro dos estabelecimentos que pro-
dos municípios. duzem, transportam, distribuem, ar-
mazenam, processam e comercializem
15 – Inspeção estadual. produtos de origem animal.
Leis e decretos de minas 2) DECRETO N° 38.691, DE 10
gerais DE MARÇO DE 1997
Aprova o Regulamento da Inspeção
Com base na Lei 7.889, foram pro-
e Fiscalização Industrial e Sanitária
mulgadas as seguintes legislações em
dos Produtos de Origem Animal –
Minas Gerais:
RIFISPOA, no estado de Minas Gerais.
1) LEI 11.812, DE 23 DE
3) DECRETO 40.056, DE 16 DE
JANEIRO DE 1995
NOVEMBRO DE 1998
Essa lei instituiu a obrigatoriedade
da inspeção e da fiscalização industrial - Altera os dispositivos do regu-
e sanitária de produtos de origem ani- lamento da inspeção e fiscalização
mal, comestíveis e não comestíveis, sanitária dos produtos de origem ani-
adicionados ou não de produto vege- mal, baixado pelo Decreto 38.691, de
tal, preparados, transformados, mani- 10.03.1997;
pulados, recebidos, acondicionados, - define estábulo leiteiro como o
depositados ou em trânsito em Minas estabelecimento destinado à produção
Gerais. exclusiva de leite tipo “B”;
Os objetivos eram: - define frigorífico como um esta-
- incentivar a melhoria da qualida- belecimento com instalação adequada
de dos produtos; para matança de quaisquer das espécies
- proteger a saúde do consumidor; animais vendidas em açougue, com
- estimular o aumento da produção; instalações apropriadas de frio, com ou
- organizar rede laboratorial re- sem dependência para industrialização,
gionalizada, com vistas a possibilitar visando ao fornecimento de carne res-
a inspeção, fiscalização e vigilância friada para o comércio intermunicipal.
sanitária; Se necessário, disporá de instalações e
- estabelecer inspeção e fiscalização equipamentos para o aproveitamento
ao animal destinado ao abate e aos pro- dos subprodutos não comestíveis;
dutos, subprodutos e matérias-primas - define fábrica de laticínio como
dele derivados, ao pescado e seus deri- um estabelecimento destinado ao rece-
vados, ao leite e seus derivados, ao ovo bimento de leite e derivados e para o
e seus derivados, ao mel, à cera de abe- preparo de produtos lácteos;
lha e seus derivados; - define unidade apícola como um
- regulamentar o registro e o ca- estabelecimento destinado ao pro-
História e evolução da inspeção industrial e sanitária de produtos de origem animal no Brasil 25
cessamento do mel e dos produtos produtos de origem animal, no mu-
apícolas; extração, recebimento, clas- nicípio. Os objetivos são os mesmos
sificação, industrialização, acondiciona- descritos pela Lei 11.812 (Inspeção
mento, identificação e expedição; Estadual), que, por sua vez, estão em
- define entreposto de ovos como consonância com a política de desen-
um estabelecimento destinado à pro- volvimento da produção animal e da
dução, recebimento, classificação e dis- agroindústria conforme a “Lei-Mãe”
tribuição de ovos, dispondo ou não de nº 1.283;
instalações para sua industrialização; - estabelece que estão sujeitos à
- concede registro provisório para inspeção e à fiscalização: o animal
comercialização ao estabelecimento destinado ao abate e os produtos, os
que não preencher todos os requisitos subprodutos e as matérias-primas
tecnológicos; dele derivados; o pescado e seus deri-
- estabelece que somente estabele- vados; o leite e seus derivados; o ovo e
cimentos totalmente instalados ou com seus derivados; o mel, a cera de abelha
registro provisório poderão realizar co- e seus derivados;
mércio intermunicipal. - exige a figura do Responsável
4) LEI 13.451, DE 10 DE Técnico nas IPOAs, de acordo com as
JANEIRO DE 2000 normas da Vigilância Sanitária.
Dispõe sobre a prática de medidas 2) DECRETO 9.965, DE 06 DE
sanitárias para erradicação de doença
JULHO DE 1999
animal e controle de qualidade dos pro-
Regulamenta a Lei 7.279, de 23
dutos agropecuários.
de janeiro de 1997.
5) DECRETO 41.197, DE 27 DE
Deve-se destacar o artigo 5º, que
JULHO DE 2000
exige a presença do Responsável
Cria o programa mineiro de incenti-
Técnico, no termos da legislação sa-
vo à certificação de origem e qualidade
nitária vigente, nos seguintes estabe-
dos produtos da bovinocultura.
lecimentos cárneos sediados no mu-
16 – Inspeção municipal. nicípio de Belo Horizonte:
1 – sala de corte e desossa
Leis, decretos e normas 2 – casa de distribuição e varejis-
de belo horizonte – tas de carnes
municipal 3 – abatedouros
1) LEI 7.279, DE 23 DE JANEIRO 4 – criatórios comerciais de
DE 1997 animais
- Institui a obrigatoriedade da ins- 5 – micro e pequenas indústrias de
peção e da fiscalização sanitária de embutidos
26 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 77 - setembro de 2015
17- Atualidades do Práticas de Fabricação, e a Portaria n°
serviço de inspeção de 46, de 10/02/1998, sobre o Sistema de
Análise de Perigos em Pontos Críticos
produtos de origem de Controle.
animal
17.2 – Implantação dos
17.1 – Programas de programas de autocontrole
autocontrole O DIPOA, acompanhando o avan-
é uma nova forma de inspeção ço das legislações, inclui na sua meto-
de produtos de origem animal dologia de trabalho os Programas de
implementada pelo Ministério da Autocontrole, cuja implantação e execu-
Agricultura, Pecuária e Abastecimento ção foram determinadas pela Circular n°
(MAPA) para atender às demandas do 175, de 16 de maio de 2005, os quais fi-
comércio internacional e dos parceiros, cam sob a responsabilidade da indústria
em especial o Mercosul e a União inspecionada. Esses programas tornam-
Europeia, a serem conquistados, bem se requisitos básicos para garantir a ino-
como para ampliar o cuidade dos produtos.
controle sanitário com Fazem parte desse novo Fazem parte desse
a redução dos perigos sistema de inspeção os novo sistema de inspeção
biológicos, físicos e programas: Programa os programas: Programa
químicos. de Procedimento de Procedimento Padrão
Esse modelo de Padrão de Higiene de Higiene Operacional
inspeção já tem sido Operacional (PPHO/ ( P P H O / S S O P ) ,
recomendado pela SSOP), Programa Programa de Análise de
Organização Mundial de Análise de Perigos Perigos e Pontos Críticos
de Saúde (OMS) des- e Pontos Críticos de de Controle (APPCC/
de 1985 e, somente em Controle (APPCC/ HACCP) e Boas Práticas
1998, foi consolidado HACCP) e Boas de Fabricação (BPFs/
pelo MAPA. Práticas de Fabricação GMPs).
A partir da conso- (BPFs/GMPs). Nesse novo contex-
lidação dessa forma to, a inspeção atua por
de inspeção atual, fo- meio de instrumentos
ram normatizados os Regulamentos de gerenciamento voltados para a maior
Técnicos de Identidade e Qualidade qualidade e segurança higiênico-sanitá-
(RTIQ) dos diversos produtos de ria e tecnológica (HST) dos produtos
origem animal, a Portaria n° 368, de de origem animal. Utiliza, portanto,
04/09/1997, que instrui sobre as Boas um modelo de macroprocesso, o qual

História e evolução da inspeção industrial e sanitária de produtos de origem animal no Brasil 27


agrupa os vários processos envolvi- 17.3 – Sistema brasileiro
dos na produção de POAs, dividin- de inspeção de produtos de
do-os em quatro grandes categorias: origem animal – sisbi/poa
matéria-prima, instalações e equipa- A necessidade de mudança na legis-
mentos, pessoal e metodologia de lação da inspeção sanitária de produtos
produção. Para verificar o macropro- de origem animal aparece com a refor-
cesso, a Inspeção Oficial estabelece os ma na política nacional de saúde, em
Elementos de Inspeção, que direcio- 1990, década em que o Sistema Único
nam a verificação do processo e a re- de Saúde (SUS) foi implantado no
visão dos registros de monitoramento Brasil. Nesse contexto, o Ministério da
dos Programas de Autocontrole da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
indústria. (MAPA) cria o Sistema
A elaboração, a im- O objetivo do SISBI Unificado de Atenção à
plantação e o monitora- é padronizar os Sanidade Agropecuária
mento dos Programas procedimentos de (SUASA), buscando
de Autocontrole são inspeção e fiscalização reunir as principais vi-
realizados pelo setor de em todo o país por sões sanitárias do SUS e
Controle de Qualidade meio de convênios envolver as três esferas
da indústria, cuja res- com os serviços de da administração públi-
ponsabilidade/coor- inspeção dos estados, do ca (federal, estadual e
denação fica a cargo do Distrito Federal e dos municipal) na inspeção
médico veterinário res- municípios. sanitária de produtos
ponsável técnico do es- de origem animal. O
tabelecimento. O monitoramento e os objetivo desse novo sistema é garantir
registros são realizados pelos auxiliares e melhorar a qualidade e sanidade dos
do Controle de Qualidade. A verificação POAs em toda a cadeia produtiva bra-
da autenticidade dos dados e o controle sileira, desde o produtor rural até os
do processo também devem ser feitos pontos de comercialização. Para ope-
pelo médico veterinário responsável racionalizar o SUASA, surge o Sistema
técnico para que os documentos pos- Brasileiro de Inspeção de Produtos de
sam ser auditados pelos fiscais federais Origem Animal (SISBI), em 2006, por
e pelos agentes de inspeção em ativida- meio da Lei 8.171, de 17/01/1991,
des de caráter permanente, nos casos de do Decreto n° 5.741, de 30/03/2006,
estabelecimentos de abate de animais, e e da Instrução Normativa n° 19, de
naquelas de caráter periódico, no caso 24/07/2006.
dos demais estabelecimentos produto- O objetivo do SISBI é padronizar
res de POAs. os procedimentos de inspeção e fiscali-
28 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 77 - setembro de 2015
zação em todo o país por meio de con- ção sanitária integrado e atuante em
vênios com os serviços de inspeção dos todos os níveis da cadeia produtiva de
estados, do Distrito Federal e dos mu- POAs no país. Portanto, é necessário o
nicípios. É a retomada, virtualmente, da comprometimento das três esferas do
Lei 7.889, de 23/11/1989, a qual des- governo (federal, estadual e municipal)
centralizava a inspeção. envolvidas no serviço de inspeção e da
A adesão ao SISBI é voluntária e iniciativa privada. Além disso, deve-se
concedida pelo órgão coordenador aos promover a inserção, seja em órgãos fis-
serviços de inspeção mediante a com- calizadores ou em setores de qualidade
provação de equivalência entre o servi- das empresas, de maior número de mé-
ço solicitante e o SIF. dicos veterinários qualificados para atu-
17.4 – Base legal do sisbi/poa arem nesse sistema.

- Lei 8.171, de 17 de janeiro de Considerações finais


1991 – Dispõe sobre a política agrícola;
Como apresentado neste estudo,
- Lei 9.712, de 20 de janeiro de 1998
pode-se observar que a inspeção de pro-
– Altera a Lei 8.171, acrescentando-lhe
dutos de origem animal já era praticada
dispositivos à defesa agropecuária;
desde a época do Antigo Testamento
- Decreto n° 5.741, de 31 de março
(1200 a 1400 a.C.), com as ferramentas
de 2006 – Regulamenta os artigos 27A,
28A e 29A, da Lei 8.171; utilizadas por Moisés para a escolha de
- Instrução Normativa MAPA 19, carnes e pescados a serem consumidos.
de 24 de julho de 2006 – Estabelece re- No Brasil, a inspeção de POAs foi
quisitos para adesão ao SISBI. introduzida com a chegada da família
Real Portuguesa, em 1808, e intensifi-
17.5 – Perspectivas do cou-se a partir de 1915, com a criação
sisbi/poa – novo sistema de do Serviço de Indústria Pastoril, cuja
inspeção metodologia de atuação foi a base para
O SISBI busca ampliar a comercia- a inspeção que se conhece hoje.
lização dos produtos de origem animal Contudo, a consolidação do
nas diversas escalas de produção, com o Serviço Brasileiro de Inspeção de
intuito de promover o desenvolvimento POAs só ocorreu em 1950, com a
e a inclusão social e fornecer produtos instituição da Lei 1.283 - “Lei-Mãe”
seguros à saúde pública em todas as re- da inspeção, a qual obriga a adoção, em
giões brasileiras. todo o território nacional, do Serviço
Apesar de esse sistema se apresen- de Inspeção de POAs, e com o lança-
tar bem regulamentado, sua eficiência mento do RIISPOA – Regulamento
dependerá de um serviço de fiscaliza- de Inspeção Industrial e Sanitária de
História e evolução da inspeção industrial e sanitária de produtos de origem animal no Brasil 29
Produtos de Origem varejista, sobretudo o
Assim, é imprescindível
Animal, em 1952. grande comércio, é uma
conhecer toda a
A partir desse perío-
legislação do setor, bem nova oportunidade de
do, várias leis e decretos trabalho para o médico
como a importância
modificaram esse ser- veterinário.
econômica, social,
viço, acompanhando Assim, é imprescin-
política, zootécnica e
interesses políticos e dível conhecer toda a
sanitária e tecnológica
econômicos nacionais legislação do setor, bem
da atividade, a fim
e internacionais. Surge, como a importância
de ocupar este espaço
então, com o SISBI e urgente, pois a pressão econômica, social, po-
com os Programas de de outros profissionais lítica, zootécnica e sa-
Autocontrole, a nova tem sido muito forte. nitária e tecnológica da
forma de inspeção de atividade, a fim de ocu-
POAs, que vigora atual- par este espaço urgente,
mente. Infelizmente, essa situação, às pois a pressão de outros profissionais
vezes, fragiliza o sistema e o torna pou- tem sido muito forte.
co atuante, em vez de modernizá-lo
para melhorar as relações comerciais Referências bibliográficas
do agronegócio. 1. ANDRADE, L. A. G. A fiscalização da carne no
Brasil: estudo de uma política regulatória. Revista
Também neste artigo são abor- da Administração Pública, v. 19, n. 3, p. 49-73,
dados aspectos como a participação, 1985.

o reconhecimento e a requisição do 2. BOBENRIETH, R. ; BELTRÉN, F. E. ; ARENAS,


A. Saneamiento de mataderos de bovinos, ovi-
médico veterinário nessa estrutura ins- nos y porcinos. Boletin de La Oficina Sanitária
titucional vigente e, principalmente, Panamericana, v. 98, n. 3, p. 211-227, 1985.

ganhos valiosos na formação técnica 3. BRANDÃO, A. C. B. H. Segurança alimentar


nos estabelecimentos de consumo. Higiene
e profissional dessa categoria durante Alimentar, v. 5, n. 19, p. 20-22, 1991.
todo o período de desenvolvimento 4. BRASIL. Constituição: República Federativa
e solidificação do Serviço Brasileiro do Brasil. Brasília, Senado Federal, 1988. P. 133-
134: Seção II Da Saúde.
de Inspeção de POAs. A medicina ve-
5. BRASIL. Leis, Decretos etc. Regulamento de
terinária foi importantíssima na im- inspeção industrial e sanitária de produtos de
plantação e consolidação do excelente origem animal. Aprovado pelo Decreto 30. 691,
de 29/03/52, alterado pelos decretos 1. 255, de
parque industrial de produtos de ori- 25/06/1962; 1236, de 02/09/1994; 1812, de
gem animal, especialmente de carne e 08/02/1996, e 2244, de 04/06/1997. Brasília:
Ministério da Agricultura, 1997. 174 p.
leite, no Brasil, ao longo de quase um
século de atuação direta. Além disso, 6. BRASIL. Conselho Nacional de Secretários da
Saúde – CONASS. SUS: avanços e desafios.
a inspeção sanitária dos produtos de Brasília: CONASS, 2006ª. 164p.
origem animal no âmbito do comércio 7. BRASIL, Leis, Decretos etc. Regulamenta os ar-
30 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 77 - setembro de 2015
tigos 27-A, 28-A, e 29-A da Lei 8. 171, de 17 de tos. Washington, 1982. 57p.
janeiro de 1991 e organiza o Sistema Unificado
de Atenção à Sanidade Agropecuária –SUASA. 14. PARDI, M. C. Tecnologia e inspeção sanitária
Aprovado pelo Decreto 5. 741, de 30/03/2006. de produtos de origem animal, um desafio para a
Diário Oficial da União, de 31/03/2006. Brasília, Medicina Veterinária. Higiene Alimentar, v. 1, n.
2006b. Seção 1, página 82. 3/4, p. 164-171, 1982.

8. CENTRO PAN-AMERICANO DE ZOONOSE 15. PARDI, M. C. Memória da inspeção sanitária


– CEPANZO. Manual para inspectores sanitá- e industrial de produtos de origem animal no
rios de mataderos y plantas processadoras de Brasil: o Serviço de Inspeção Federal – SIF.
carnes. Buenos Aires: Ramos Mejía, 1980. 124p. Brasília: Columbia, 1996. 170p.

9. COSTA, C. A. V. ; AMARAL, L. A. Introdução ao 16. PINTO, P. S. A. História e política da inspeção de


estudo da saúde pública veterinária. Regional de carnes no Brasil: desafio para as autoridades sanitá-
Ribeirão Preto. 1979. rias. Higiene Alimentar, v. 6, n, 21, p. 11-13, 1992.

10. GIL, J. I. Manual de inspeção sanitária de car- 17. SANTOS, J. C. Abate municipal e congênere –
nes. I. Geral. 2. ed. Lisboa: Fundação Caloustre inviabilidade de pequenos matadouros. Higiene
Gulbenkian, 2000. Alimentar, v. 5, n, 20 , p. 9-14, 1991.

11. HULEBAK, K. L. ; SCHLOSSE, W. Hazard 18. SCHWABE, C. W. Veterinary medicine and hu-
Analysis and Critical Control Point (HACCP). man health. 2ed. Baltimore: Williams & Wilkins,
History and conceptual overview. Risk analysis, v. 1969.
22, n. 3, p. 547-552, 2002. 19. UNGAR, M. L. ; GERMANO, M. I. S. ; BIGGI,
12. MOSSEL, D. A. A. ; GARCIA, B. M. Microbiologia G. S. ; GERMANO, P. M. L. O valor dos registros
de los alimentos. Zaragoza: Acribia, 1985. 385p. de estabelecimentos de abate para a saúde pública.
Rev. Comum. Cient. Fac. Med. Zootec. Univ. S.
13. ORGANIZAÇÃO PANAMERICANA DE Paulo, v. 14, p. 161-165, 1990.
SAÚDE- OPAS. Control sanitário de los alimen-

História e evolução da inspeção industrial e sanitária de produtos de origem animal no Brasil 31


Os produtos de origem
animal e as toxinfecções
alimentares

bigstockphoto.com

Thiago Moreira dos Santos1; Cléia Batista Dias Ornellas2; Bárbara Silveira Costa3; Naiara Meireles Ciríaco4;
Danielle Ferreira de Magalhães Soares5; Wagner Luiz Moreira dos Santos2
1 - Escola Agrotécnica Federal de Salinas – MG
2 - Escola de Veterinária da UFMG - Departamento de Tecnologia e Inspeção de Produtos de Origem Animal
3 - Médica Veterinária graduada pela UFMG, CRMV-MG 12030
4 - Médica Veterinária graduada pela PUC Minas, CRMV-MG 13093
5- Escola de Veterinária da UFMG - Departamento de Medicina Veterinária Preventiva

I. Introdução mentos (ETAs) – em inglês, Food Born


Diseases.
A contaminação de alimentos, prin- Como os mecanismos de patogeni-
cipalmente microbiana, endógena ou cidade dessas enfermidades, provocadas
exógena, converte-os em veiculadores pelo consumo de alimentos contamina-
de agentes que originam infecções ou dos, não são conhecidos, alguns autores
intoxicações no homem. Essas afecções as denominam toxinfecção alimentar.
são conhecidas com o nome genérico Os mais conservadores preferem usar os
de enfermidades transmitidas pelos ali- termos infecção e intoxicação alimen-
32 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 77 - setembro de 2015
tar. A relevância relativa rovares foram agrupados
Os produtos de origem
de cada uma varia, en- em cinco subespécies.
animal (carnes, leite,
tretanto, de tempos em Os maiores grupos cor-
ovos, mel e pescados)
tempos e de lugar a lugar. respondem às seguintes
têm papel relevante
Os sintomas são subespécies: grupo II (S.
nas toxinfecções
descritos também por enterica subsp. salamae);
alimentares.
sua ordem de importân- grupo IIIa (S. enterica
cia e de aparecimento. subsp. arizonae); gru-
Existem, no entanto, casos especiais em po IIIb (S. enterica subsp. diarizonae);
que nem todos os sintomas ocorrem e grupo IV (S. enterica subsp. houtenae); e
outros em que podem aparecer sinto- grupo VI (S. enterica subsp. indica). Os
mas adicionais. microrganismos do grupo V foram ele-
As medidas de controle também são vados à espécie, como S. bongori.
apresentadas por ordem de importância. Como exemplo dos principais so-
Os produtos de origem animal (car- rovares, podem ser citados: S. typhi-
nes, leite, ovos, mel e pescados) têm pa- murium, S. enteritidis, S. heidelberg, S.
pel relevante nas toxinfecções alimen- newport, S. montevideo, S. agona, S. bra-
tares. O estado de apresentação desses enderup, S. infantis, S. thompson, S. saint-
produtos (matéria-prima alimentar, -paul, S. oranienburg, S. typhi, S. para-
produto in natura, produto alimentício typhi A, S. paratyphi C, S. gallinarum, S.
- salsicha, mortadela, iogurte – ou ali- dublin, S. choleraesuis e S. pullorum.
Para fins epidemiológicos, as
mento direto para o consumo - carne
Salmonellas podem ser distribuídas em
assada, churrasco, estrogonofe, galinha-
três grupos:
da) influencia o comportamento (sur-
gimento, gravidade) das toxinfecções A- Sorovares que infectam apenas
alimentares. o homem
Neste grupo estão os agentes causa-
II. Doenças bacterianas dores das febres tifoide (S. typhi) e pa-
ratifoide (S. paratyphi A, B e C). Entre
II.1 - Enfermidades
as doenças provocadas por salmonelas,
provocadas por
essas são as mais graves.
microrganismos do gênero
Salmonella B- Sorovares adaptados ao
O gênero Salmonella pertence à fa- hospedeiro
mília Enterobacteriaceae. Existem 2.324 Sorovares S. gallinarum (fran-
sorovares, que são agrupados em duas go), S. dublin (gado), S. abortus equi
espécies: S. enterica e S. bongori. Esses so- (cavalo), S. abortus ovis (ovelha),
Os produtos de origem animal e as toxinfecções alimentares 33
S.cholerasuis (suíno) 3 - Período de
O habitat natural da incubação
(Fig. 1).
Salmonella é o trato
Alguns são patóge-
intestinal do homem De cinco a 72 horas,
nos para os humanos e
e de outros animais com média de 12 a 36
podem ser contraídos
infectados, estando, horas.
por meio de alimentos.
portanto, presentes 4 - Sintomatologia
C- Sorovares não nas fezes de animais
adaptados domésticos, selvagens ou Os sintomas consis-
do homem. tem em náusea, vômito,
Não possuem prefe-
diarreia, desidratação,
rência por hospedeiro.
dor abdominal, dor de
São patogênicos para o homem e
cabeça e calafrios.
para outros animais.
5 - Duração
II.1.1 – Salmonelose
(enterocolite) Varia, normalmente, de um a quatro
dias.
1 - Agente etiológico
6 - Fonte do microrganismo,
S. enterica – sorovares não adaptados reservatório e epidemiologia
ao hospedeiro.
O habitat natural da Salmonella é o
2 - Natureza do agente trato intestinal do homem e de outros
Bastonetes Gram-negativos, não es- animais infectados, estando, portanto,
porulados, maioria móvel. São aeróbios presentes nas fezes de animais domésti-
ou anaeróbios facultativos, possuindo cos, selvagens ou do homem. Crianças,
antígenos somáticos (O), flagelar (H) e idosos e pessoas enfermas são mais sus-
capsulares (Vi). O antígeno Vi é encon- ceptíveis à infecção e possuem sintomas
trado apenas em S. typhi, S. dublin e S. mais severos. Após o desaparecimento
hirschfeldii. dos sintomas, os indivíduos podem per-

Figura 1 – Hospedeiros de diferentes tipos de sorovares de Salmonella.


Fonte: Paula, A.M.R.E.

34 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 77 - setembro de 2015


manecer, por algum tempo e até meses, 7 - Alimentos envolvidos
eliminando a bactéria. Todos os pratos que têm em seu
A principal fonte de infecção é a in- preparo à base de ovos, carnes e seus
gestão de alimentos e de água contami- derivados e de outros ingredientes,
nados. A maior ocorrência de surtos de como molhos, batata, cremes e leite
toxinfecções é observada nos serviços cru. (Fig. 3).
de alimentação, como os restaurantes
industriais, as lanchonetes, os bares e a 8 - Material para laboratório
cozinha domiciliar. Fezes, swab fecal e do ambiente e ali-
De um modo geral, a contami- mento suspeito.
nação se dá pelas falhas na elabora-
8.1 - Procedimentos no laboratório
ção, distribuição e conservação dos
alimentos. As causas, normalmente, Os cinco passos usuais para isola-
estão relacionadas com as condições mento e identificação de Salmonella em
higiênico-sanitárias e tecnológicas alimentos são:
(Normas HST) (Fig. 2). 1. pré-enriquecimento da amostra em
caldo não seletivo (lactose 0,1%) a
35-37°C, por 16 a 24h;
2. enriquecimento seletivo em caldo
(Rapapport, selenito cistina ou te-
trationato), que permite crescimen-
to de Salmonella, mas suprime o
desenvolvimento de bactérias com-
petitivas, a 35-37ºC, por 16 a 24h;
3. isolamento da Salmonella por meio
da semeadura em placas de ágar se-
letivo (ágar Hektoen ou Rambach
Figura 2 – Fonte de contaminação.
Fonte: google.com.br. BGA, XLD) e incubação a 35-37°C

Figura 3 – Alimentos envolvidos na contaminação por Salmonella.


Fonte: google.com.br.

Os produtos de origem animal e as toxinfecções alimentares 35


Figura 4: Colônias de Salmonella spp. em meios XLD e VB.
Fonte: avimig.com.br.

por 24 a 48h (Fig. 4); Conservar os alimentos e protegê


4. caracterização bioquímica dos iso- -los de animais, pessoas, pássaros (pom-
lados: urease (-), produção de indol bos), insetos e excrementos de roedores.
(-), fermentação de lactose (-), etc.; OBS.: Um dos principais reservató-
5. confirmação sorológica envolvendo
rios de Salmonella são as aves. Portanto,
teste de aglutinação com antissoro
específico para antígenos somáti- toda atenção deve ser dada no sentido
cos, flagelares e capsulares. de impedir a propagação dessa possível
e importante contaminação (frango,
9 - Medidas de controle
Cozinhar os alimentos
completamente.
Resfriar os alimentos in natura e
em pequenas quantidades após o seu
preparo, para retardar o crescimento
microbiano.
Evitar contaminação posterior de
alimentos prontos com produtos crus.
Higienizar os equipamentos, os
utensílios e os manipuladores.
Ter cuidados com os portadores
sãos. Figura 5: Salmonella typhi.
Praticar a higiene pessoal. Fonte: google.com.br.

36 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 77 - setembro de 2015


ovos, cama de frango, farinha de penas). • A água também está envolvida na
transmissão.
II.1.2 - Febre tifoide (febre
• Poucos microrganismos são necessá-
entérica)
rios para provocar a doença.
1 - Agente etiológico (Fig. 5) 7 - Alimentos envolvidos
2 - Natureza do agente Todos os pratos que têm em seu
preparo base de ovos, carnes e seus de-
Semelhante às outras salmonelas, rivados e de outros ingredientes, como
sendo adaptada ao hospedeiro humano. molhos, batata, cremes e leite cru.
Possui antígenos capsular (Vi), so- Alimentos que tenham sido manu-
mático (O) e flagelar (H). seados sem higiene e ingeridos sem co-
3 - Período de incubação zimento adequado e expostos ao consu-
mo por longos períodos.
De sete a 28 dias. Quando transmiti-
do por alimentos, esse período pode ser 8 - Material para laboratório
mais curto.
Fezes, swab fecal e de esgoto, papel
4 - Sintomatologia de filtro embebido, urina, bile, medula
óssea e alimento.
Septicemia e envolvimento do teci-
do linfático; mal-estar, dor de cabeça, fe- 8.1 - Procedimento no laboratório
bre alta e contínua, tosse, anorexia, náu-
Os cinco passos usuais para isola-
sea, vômito, constipação, pulso fraco,
mento e identificação de Salmonella em
abdômen distendido e flácido, aumento
alimentos são:
do baço, epistaxe, pontos avermelhados
1. pré-enriquecimento da amostra em
no peito e tronco, respiração dificultada,
caldo não seletivo (lactose 0,1%) a
calafrio, delírio e diarreia sanguinolenta.
35-37°C por 16 a 24h;
5 - Duração 2. enriquecimento seletivo em caldo
De uma a oito semanas. (Rapapport, selenito cistina ou tetra-
tionato), que permite crescimento de
6 - Fonte do microrganismo, Salmonella, mas suprime o desenvol-
reservatório e epidemiologia vimento de bactérias competitivas, a
• A transmissão ocorre por meio das 35-37ºC, por 16 a 24h;
fezes e da urina de pessoas infectadas. 3. isolamento da Salmonella por meio
• Os portadores assintomáticos têm da semeadura em placas de ágar se-
importância na disseminação do letivo (ágar Hektoen ou Rambach
agente, podendo eliminá-lo por lon- BGA, XLD) e incubação a 35-37°C,
gos períodos. por 24 a 48h;
Os produtos de origem animal e as toxinfecções alimentares 37
4. caracterização bioquímica dos iso- deiro humano.
lados: urease (-), produção de indol
3 - Período de incubação
(-), fermentação de lactose (-), etc.;
5. confirmação sorológica envolvendo De um a 15 dias.
teste de aglutinação com antissoro 4 - Sintomatologia
específico para antígenos somáticos,
flagelares e capsulares. Nesse caso, Septicemia, dor de cabeça, febre
acrescenta-se também a fase-tipagem contínua, transpiração profusa, náusea,
vômito, dor abdominal, esplenome-
9 - Medidas de controle galia, diarreia, sendo, algumas vezes,
• Vacinar. sanguinolenta.
• Supervisionar os portadores, afastan- 5 - Duração
do-os do manuseio dos alimentos.
• Resfriar os alimentos o mais rápi- De uma a três semanas.
do possível em pequenas quanti- 6 - Fonte do microrganismo,
dades, para retardar o crescimento reservatório e epidemiologia
microbiano.
Fezes e urina de pessoas doentes; os
• Praticar a higiene pessoal.
portadores assintomáticos são impor-
• Cozinhar os alimentos
tantes na transmissão.
completamente.
• Preparar e processar os alimentos de 7 - Alimentos envolvidos
maneira higiênica. Refeições à base de coco e ovos,
• Proteger e tratar da água de beber. molhos de saladas, maionese, leite, crus-
• Investir em saneamento básico, com táceos, saladas cruas, frango e carnes e
construção de rede de esgoto.
derivados.
• Ter controle de pragas.
• Usar sanitizante cloranfenicol. 8 - Material para laboratório
II.1.3 - Paratifo (febre paratifoide) Fezes, urina, sangue e alimentos
suspeitos.
1 - Agente etiológico 8.1 - Procedimento no laboratório
Salmonella enterica sorovares: Os cinco passos usuais para isola-
Paratyphi A;
mento e identificação de Salmonella em
Paratyphi B; Paratyphi C;
alimentos são:
Sendai.
1. pré-enriquecimento da amostra em
2 - Natureza do agente caldo não seletivo (lactose 0,1%) a
Mais ou menos adaptado ao hospe- 35-37°C por 16 a 24h;
38 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 77 - setembro de 2015
2. e n r i q u e c i m e n t o • Pasteurizar leite e ovos.
Esse microrganismo
seletivo em caldo
funciona como um • Proteger e tratar a água
(Rapapport, seleni-
indicador das condições de abastecimento.
to cistina ou tetra-
higiênico-sanitárias • Praticar a higiene
tionato), que per- e tecnológicas na
mite crescimento pessoal.
indústria de produtos
de Salmonella, mas alimentares. OBS.: A vacina é de
suprime o desenvol- eficiência duvidosa.
vimento de bactérias
competitivas, a 35-37ºC, por 16 a II. 2 – Enfermidades
24h; provocadas por Escherichia
coli
3. isolamento da Salmonella por meio
A Escherichia coli pertence à família
da semeadura em placas de ágar se-
Enterobacteriaceae e é a espécie pre-
letivo (ágar Hektoen ou Rambach
dominante entre os microrganismos
BGA, XLD) e incubação a 35-37°C,
anaeróbios facultativos que compõem
por 24 a 48h;
a microbiota intestinal dos animais de
4. caracterização bioquímica dos iso- sangue quente.
lados: urease (-), produção de indol Apresentam antígenos somáticos
(-), fermentação de lactose (-), etc.; (O), antígenos flagelares (H) e antíge-
5. confirmação sorológica envolvendo nos (K), relacionados com polissacarí-
teste de aglutinação com antissoro deos capsulares. Foram reconhecidos
específico para antígenos somáti- cerca de 200 sorotipos de E. coli.
cos, flagelares e capsulares. Esse microrganismo funciona como
um indicador das condições higiênico-
9 - Medidas de controle sanitárias e tecnológicas na indústria de
produtos alimentares, assim como no
• Cozinhar os alimentos preparo dos alimentos nos serviços de
completamente. alimentação, como bares, restaurantes,
• Resfriar os alimentos o mais rápido hotéis, buffets, cozinha industrial e nas
possível e em menores quantidades residências. Uma vez detectado no ali-
após o seu preparo, pois as baixas mento, indica que ocorreu uma conta-
temperaturas retardam o crescimen- minação fecal.
to microbiano. As temperaturas mais Com base nos fatores de virulência,
baixas observadas para o crescimento nas manifestações clínicas e nas epide-
de S. heidelberg e typhimurium foram miologia, são identificados cinco gru-
de 5,3ºC e 6,2ºC, respectivamente. pos de E. coli virulentos:
Os produtos de origem animal e as toxinfecções alimentares 39
1) E. coli enteropatogênicas EPEC; O142 e O158.
2) E. coli enteroinvasivas EIEC; 3 - Período de incubação
3) E. coli enterotoxigênicas ETEC;
O período de incubação varia entre
4) E. coli entero-hemorrágicas EHEC;
17 e 72 horas (média de 36 horas).
5) E. coli enteroagregativas EaggEC.
4 - Sintomatologia
Não está claro se os membros do
grupo das EaggEC são patógenos de EPEC causa diarreia líquida com
origem alimentar. muco, febre e desidratação. A diarreia
em crianças pode ser severa e prolon-
II.2.1 – Diarreia infantil gada, com elevada por-
centagem de casos fa-
1 - Agente etiológico EPEC causa diarreia
tais. Uma taxa de 50%
Escherichia coli ente-
líquida com muco,
ropatogênica (EPEC).
febre e desidratação. A de letalidade tem sido
relatada nos países em
diarreia em crianças
2 - Natureza do agente desenvolvimento.
pode ser severa e
– características do prolongada, com 5 - Duração
microrganismo elevada porcentagem de A duração da doença
Bacilos Gram- casos fatais. varia de seis horas a três
negativos e não espo-
dias, com média de 24
rulados. As linhagens
horas.
de EPEC não produzem enterotoxinas
típicas de E. coli, mas podem causar diar- 6 - Fonte do microrganismo,
reia. Após a colonização do intestino, reservatório e epidemiologia
são produzidas lesões do tipo “ligação Os humanos são os principais reser-
e desaparecimento” (attachment-effa- vatórios do microrganismo. Porém, bo-
cement att-eff, A/E). O fenômeno A/E vinos e suínos podem ter essa bactéria
parece ser o fator de virulência mais re- em sua microbiota intestinal normal.
levante dessas linhagens. É um impor- A transmissão ocorre por via fecal-
tante microrganismo causador de gas- -oral. Mãos, objetos e produtos conta-
trenterite em crianças. minados também são
Nos sorogrupos A partir dos anos fontes de infecção.
principais estão in- 60, a EPEC teve A partir dos anos 60,
cluídos os sorotipos: sua importância a EPEC teve sua impor-
O26, O55, O86, O111, diminuída como causa tância diminuída como
O114, O119, O125, de diarreia nos países causa de diarreia nos
O126, O127, O128ab e desenvolvidos. países desenvolvidos,
40 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 77 - setembro de 2015
permanecendo, contudo, como um dos também é uma fonte importante de
principais agentes de diarreia na infân- contaminação.
cia em áreas em desenvolvimento, in- 8 – Diagnóstico laboratorial
cluindo América do Sul, África e Ásia.
Surtos de EPEC são esporádicos, EPEC pode ser identificada por
e sua incidência é variável em todo o aglutinação com antissoro específico
mundo, despontando em locais com para sorogrupo EPEC O, exigindo, para
condições higiênico-sanitárias e tecno- confirmação, os tipos O e H. Os organis-
lógicas precárias. (Fig. 6,7). mos EPEC mostram aderência localiza-
da às células Hep-2 em culturas de célu-
7 - Alimentos envolvidos las, e o fator de aderência da EPEC pode
Leite não pasteurizado (Fig. 8), ser demonstrado por prova de DNA. Há
água ou qualquer alimento expos- uma correlação de 98% entre a detecção
to à contaminação fecal podem estar de aderência localizada e a prova do fa-
envolvidos. tor de aderência da EPEC positiva.
A utilização de água não clorada 8.1 – Procedimento no laboratório
no preparo de alimentos, especialmen-
te in natura, como frutas e verduras, 1. Para o enriquecimento, são utili-
zados os meios: caldo BHI e caldo
triptona fosfato (TP), incubados a
44,5°C. Os meios de plaqueamen-

Figuras 6 e 7: Precárias condições


higiênico-sanitárias. Figura 8: Leite não pasteurizado.
Fonte: google.com.br. Fonte: foodsafetybrazil.org.

Os produtos de origem animal e as toxinfecções alimentares 41


to são o ágar MacConkey lactose, sintomatologia clínica.
ágar EMB e ágar Salmonella-Shigella A maioria das cepas de EIEC apre-
(SS). senta algumas características bioquími-
2. Como meios de triagem, o ágar SIM cas diferentes das demais cepas de E.
(sulfeto, indol e motilidade) e o ci- coli. A incapacidade de descarboxilar a
trato. Na bioquímica, utilizam-se lisina, a não fermentação ou fermenta-
os meios ágar Mili e ágar EPM. Os ção tardia da lactose e a ausência de fla-
cultivos confirmados bioquimica- gelos são algumas dessas características.
mente como E. coli, por 24 horas, Os principais sorogrupos das cepas
devem ser repicados em caldo BHI de EIEC são: O21, O28ac, O29, O112x,
e incubados a 35ºC. Os cultivos são O124, O136, O143, O144, O152,
sorotipados para verificação de E. O164, O167 e O173.
coli pertencentes ao grupo EPEC. 3 - Período de incubação
9 - Medidas de controle Varia entre oito e 24 horas (média
Os surtos devem ser notificados às de 11 horas).
autoridades sanitárias para investiga- 4 – Sintomatologia
ção das fontes comuns e para contro-
le da transmissão mediante medidas O quadro clínico produzido por
preventivas. EIEC apresenta-se com diarreia líquida,
dor abdominal severa, vômitos, tenes-
9.1 – Medidas preventivas mo, cefaleia, febre, calafrios e mal-estar
• Manter higiene rigorosa no preparo generalizado. Pode ocorrer eliminação
dos alimentos. de sangue e muco nas
• Lavar as mãos. Os surtos devem fezes.
• Higienizar e sanitizar ser notificados às A disenteria causada
os equipamentos. autoridades sanitárias por essa bactéria é nor-
para investigação das malmente autolimitan-
II.2.2 – Disenteria fontes comuns e para te, sem complicações.
provocada por EIEC controle da transmissão Contudo, uma sequela
mediante medidas comum associada a essa
1 – Agente etiológico preventivas. infecção, especialmente
Escherichia coli ente- em crianças, é a síndro-
roinvasiva (EIEC). me hemolítica urêmica
(SHU).
2 – Natureza do agente
As cepas de EIEC são capazes de 5 - Duração
penetrar em células epiteliais e causar O curso da infecção dura vários dias.
42 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 77 - setembro de 2015
6 – Fonte do microrganismo, animal adequado para diagnosticar a
reservatório e epidemiologia disenteria causada por esse patógeno
A E.coli enteroinvasiva faz parte da (diagnóstico laboratorial). Nos casos de
flora intestinal normal dos homens e de diarreia extremamente severa, utilizam-
outros primatas. Os seres humanos são se os mesmos antimicrobianos que para
um reservatório comum da doença. a Shigella.
As infecções por EIEC são endêmi- 8.1 - Material para laboratório
cas nos países menos desenvolvidos e
Produtos e alimentos devem ser
responsáveis por 1 a 5% dos episódios
examinados, assim como deve ser feita
diarreicos dentre os registrados no aten-
a cultura das fezes. Entretanto, a detec-
dimento médico. Nos países desenvol- ção do microrganismo no alimento é
vidos, há relatos apenas de surtos e in- extremamente difícil, já que, mesmo em
fecções ocasionais por EIEC. pequenas doses, essas bactérias podem
Um dos principais surtos veiculados causar a doença.
por alimentos ocorreu em 1973, nos
EUA, e foi atribuído à E .coli enteroin- 8.2 - Procedimento no laboratório
vasiva presente em queijo importado da 1. Para o enriquecimento, são utilizados
França. os meios: caldo BHI e caldo triptona
7 – Alimentos envolvidos fosfato (TP), incubados a 44,5°C. Os
meios de plaqueamento são o ágar
Os alimentos que, normalmente, MacConkey lactose, o ágar EMB e o
podem abrigar a EIEC são desconhe- ágar Salmonella-Shigella (SS).
cidos, mas qualquer produto contami- 1. Como meios de triagem, o ágar SIM
nado com fezes humanas de indivíduo (sulfeto, indol e motilidade) e o ci-
doente, seja diretamente ou via água trato. Na bioquímica, utilizam-se os
contaminada, pode causar doença em meios ágar Mili e ágar EPM. Os cul-
outras pessoas. tivos confirmados bioquimicamente
Hambúrguer e leite não pasteuri- como E. coli, por 24 horas, devem ser
zado têm sido associados a surtos por repicados em caldo BHI e incubados
EIEC. a 35ºC. Os cultivos são sorotipados
8 – Diagnóstico e tratamento para verificação de E. coli pertencen-
tes ao grupo EPEC.
É necessário demonstrar a
presença da bactéria em cultura de 9 - Medidas de controle
fezes de indivíduos infectados ou a Os surtos devem ser notificados às
demonstração da invasão do patógeno autoridades de vigilância sanitária para
em culturas de tecido ou em modelo que se desencadeie a investigação das
Os produtos de origem animal e as toxinfecções alimentares 43
fontes comuns e o controle da transmis- II.2.3 – Diarreia dos viajantes
são mediante a adoção de medidas pre-
ventivas que incluem: 1 – Agente etiológico
• educação da população quanto às Escherichia coli enterotoxigênica
práticas de higiene pessoal, com ên- (ETEC).
fase na lavagem rigorosa das mãos
após o uso do banheiro, na prepa- 2 – Natureza do agente
ração de alimentos e antes de se ali- O microrganismo causa uma doen-
mentar (Fig. 9); ça tipo “cólera-like”, que foi descrita
• adoção de medidas de saneamen- há cerca de 20 anos. Cepas de ETEC
to básico (sistema de água tratada e produzem toxina termolábil (LT), to-
esgoto); xina termoestável (ST) ou ambas (LT/
• cuidados na preparação dos alimen- ST). Os sorogrupos mais comuns in-
tos: cozimento adequado ou desin- cluem O6, O8, O15, O20, O25, O27,
fecção (uso de cloro) de alimentos O63, O78, O80, O114, O115, O128ac,
crus. O148, O153, O159 e O167.

Figura 9: Prática de higiene pessoal – lavar as mãos.


Fonte: tuasaude.com.

44 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 77 - setembro de 2015


3 - Período de incubação de ETEC têm sido relatados em países
Período de incubação de 10 a 12 ho- desenvolvidos.
ras tem sido observado em surtos e em Infecções por ETEC são espécies
estudos com voluntários utilizando-se -específicas. Os seres humanos consti-
cepas produtoras de toxinas LT e ST. tuem o reservatório de cepas que cau-
Incubação em voluntários de toxi- sam diarreia.
nas LT/ST mostrou um período de in- 7 – Alimentos envolvidos
cubação de 24 a 72 horas.
• Qualquer alimento elaborado em
4 – Sintomatologia condições higiênico-sanitárias e tec-
Gastrenterite conhecida como nológicas (HST) inadequadas.
“diarreia dos viajantes”. • Alimentos contaminados com água
O quadro clínico se apresenta por de esgoto.
diarreia líquida e dor abdominal, febre • Manipuladores de alimentos porta-
baixa, náusea e mal-estar. dores do microrganismo.

5 - Duração 8 – Diagnóstico
A doença é usualmente autolimi- ETEC pode ser demonstrada pela
tante, não durando mais que cinco dias. produção de enterotoxina, por imu-
Porém, em crianças e idosos debilita- noensaios, bioensaios e por técnicas de
dos, é necessária a reposição hidroele- DNA que identificam genes LT e ST em
trolítica, pois a doença não se comporta culturas.
como autolimitante. 8.1 – Procedimentos no laboratório
6 - Fonte do microrganismo, 1. Para o enriquecimento, são utili-
reservatório e epidemiologia zados os meios: caldo BHI e caldo
A transmissão ocorre por via fecal triptona fosfato (TP), incubados a
-oral, por meio de alimentos contami- 44,5°C. Os meios de plaqueamen-
nados e água. to são o ágar MacConkey lactose,
É uma infecção característica ágar EMB e ágar Salmonella-Shigella
de países pobres. Durante os três (SS).
primeiros anos de vida, as crianças 2. Como meios de triagem, o ágar SIM
desenvolvem múltiplas infecções por (sulfeto, indol e motilidade) e o ci-
ETEC. A doença em adultos, nessas trato. Na bioquímica, utilizam-se
áreas, é menos frequente. Ocorre os meios ágar Mili e ágar EPM. Os
em viajantes provenientes de países cultivos confirmados bioquimica-
desenvolvidos que visitam as áreas mente como E. coli, por 24 horas,
menos desenvolvidas. Surtos graves devem ser repicados em caldo BHI
Os produtos de origem animal e as toxinfecções alimentares 45
e incubados a 35ºC. Os cultivos são de letras e números no nome da bacté-
sorotipados para verificação de E. ria se refere aos marcadores específicos
coli pertencentes ao grupo EPEC. encontrados em sua superfície, e isso
a distingue de outros sorotipos de E.
9 – Medidas de controle
coli. A E. coli O157:H7 foi reconhecida,
As medidas de controle incluem no- pela primeira vez, como causa de enfer-
tificação dos surtos e adoção de medi- midade nos Estados Unidos em 1982,
das preventivas. durante um surto de diarreia sangui-
9.1 – Medidas preventivas nolenta severa, tendo sido isolada em
hambúrgueres contaminados. Desde
Evitar a contaminação da água e de então, a maioria das infecções são pro-
produtos alimentares por fezes. venientes da ingestão de carne moída
Orientar os manipuladores de ali- malcozida. A patogênese da infecção
mentos e afastá-los quando doentes. tanto pela E. coli O157:H7 quanto por
II.2.4 – Colite hemorrágica outras E. coli entero-hemorrágicas não
está completamente compreendida. As
1 – Agente etiológico propriedades virulentas envolvidas são
distintas daquelas de outros grupos de
Escherichia coli entero-hemorrágica
E. coli.
(EHEC).
3 - Período de incubação
2 - Natureza do agente
Em surtos, nos quais uma fonte co-
No grupo das E. coli entero-hemor- mum de veiculação foi determinada, a
rágicas (EHEC), a E. coli O157:H7 é o média do período de incubação varia de
sorotipo mais comum e mais estudado. três a oito dias.
Os conhecimentos atuais sugerem que, Em surtos em enfermarias e casas de
ao longo do tempo, a E. coli foi infecta- detenção, o período de incubação tende
da por um vírus que inseriu seu DNA a ser mais longo, pois alguns casos são,
no cromossomo da bactéria, e um de provavelmente, o resultado da transmis-
seus genes passou a conter a informação são pessoa a pessoa.
para a produção de toxina “Shiga-like”.
Essa toxina, também 4 – Sintomatologia
chamada verotoxina, No grupo das E. coli A E. coli, sorotipo
está intimamente rela- entero-hemorrágicas O157:H7, causa um
cionada, em estrutura e (EHEC), a E. coli quadro agudo de coli-
atividade, à toxina pro- O157:H7 é o sorotipo te hemorrágica devido
duzida pela Shigella dy- mais comum e mais à produção de grande
senteriae. A combinação estudado. quantidade de toxina,
46 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 77 - setembro de 2015
que provoca severo dano à mucosa in- seja suscetível à colite hemorrágica.
testinal. O quadro clínico é caracteri- Uma única cepa da E. coli O157:H7
zado por cólicas abdominais intensas e pode produzir o espectro completo da
diarreia, inicialmente líquida, mas que doença, incluindo diarreia sem san-
se torna hemorrágica na maioria dos gue, diarreia com sangue, SHU e PTT.
pacientes. Ocasionalmente, ocorrem Entretanto, a probabilidade de compli-
vômitos e a febre é bai- cações pode ser deter-
xa ou ausente. Alguns Acredita-se que minada por fatores pró-
indivíduos apresentam qualquer pessoa seja prios do hospedeiro, por
somente diarreia líquida. suscetível à colite características da cepa
Aproximadamente hemorrágica. Uma ou da dose infectante. Os
15% das infecções por única cepa da E. fatores de risco relatados
E. coli O157:H7, espe- coli O157:H7 pode para o desenvolvimento
cialmente em crianças produzir o espectro da SHU ou da PTT entre
menores de cinco anos completo da doença, os pacientes com infec-
e idosos, podem apre- incluindo diarreia sem ção por E. coli O157:H7
sentar uma complica- sangue, diarreia com incluem: retardo men-
ção chamada síndrome sangue, SHU e PTT. tal, expressão dos an-
hemolítica urêmica tígenos P pelas células
(SHU), caracterizada por destruição vermelhas do sangue,
das células vermelhas do sangue e falên- diarreia hemorrágica, febre, contagem
cia renal, a qual pode ser acompanhada de leucócitos precocemente elevada
de deterioração neurológica e insufi- na doença diarreica, tipo de toxina da
ciência renal crônica. cepa infectante, uso de espasmolíticos
A infecção por E. coli O157:H7 tam- (antidiarreicos) e terapia antimicro-
bém pode desencadear um quadro de biana. As crianças menores de cinco
púrpura trombocitopênica trombótica anos e idosos têm maiores chances de
(PTT), caracterizada por anemia hemo- desenvolver a forma aguda da doença
lítica microangiopática, trombocitope- e a SHU. Outros fatores de risco são o
nia, manifestações neurológicas, insufi- uso indiscriminado de antimicrobianos,
ciência renal e febre. Enquanto na SHU gastrectomia prévia, exposição
a insuficiência renal é mais frequente e ocupacional (bovinoculturas), contato
severa, na PTT, predominam as manifes- com fezes contaminadas ou consumo
tações neurológicas, embora estes não de carne crua.
sejam critérios de distinção entre tais 5 - Duração
síndromes.
A doença é autolimitante, com dura-
Acredita-se que qualquer pessoa
Os produtos de origem animal e as toxinfecções alimentares 47
ção variando entre cinco e 10 dias. Alternativamente, as fezes podem
ser testadas diretamente para a presen-
6 - Fontes do microrganismo,
reservatório e epidemiologia ça de verotoxinas.

Os bovinos são reservatórios natu- O isolamento e a identificação de


rais de EHEC, razão pela qual os pro- E. coli O157:H7 (EHEC) podem ser
feitos utilizando-se como meio de en-
dutos de origem animal, principalmente
riquecimento o caldo lauril sulfato e
a carne bovina, parecem ser o principal
como meios de plaqueamento o ágar
veículo desse patógeno.
E. coli O157:H7 e o ágar MacConkey
7 - Alimentos envolvidos sorbitol. Como meios de triagem o
Diversos surtos de colite hemor- ágar SIM (sulfeto, indol e motilidade)
rágica ocorridos nos Estados Unidos, e o citrato. Na bioquímica, utilizam-se
Canadá e Japão foram claramente as- os meios ágar Mili e ágar EPM. Os cul-
sociados ao consumo de hambúrgue- tivos confirmados bioquimicamente
res. Por isso, a síndrome provocada por como E. coli podem ser repicados em
EHEC tem recebido a denominação de caldo BHI incubados a 35ºC. Os cul-
tivos estocados são sorotipados para
“doença do hambúrguer”.
verificação de E. coli pertencentes ao
8 - Diagnóstico grupo EPEC.
O diagnóstico é feito pelo isolamen- Ao contrário da maioria das E.
to da E. coli O157:H7 ou pela detecção coli, a E. coli O157:H7 não fermenta
de verotoxinas livres em fezes diarreicas rapidamente o sorbitol e não produz
e nos alimentos suspeitos. ß-glucuronidase, não cresce bem em
Surtos de Escherichia coli O157:H7 temperaturas superiores a 41°C; com
são geralmente detectados a partir de isso, ela não pode ser identificada por
casos de SHU ou TTP ou de um gran- procedimentos padrões para a enume-
de número de pessoas hospitalizadas, ração de coliformes fecais, em alimen-
ao mesmo tempo, com doença diarreica tos e água. A E. coli O157:H7 forma
severa. colônias em meio ágar que são seleti-
vos para E. coli. Há problema com altas
8.1 - Procedimentos no laboratório
temperaturas necessárias para impedir
A maioria dos laboratórios não tes- o crescimento de outros microrganis-
ta, rotineiramente, as amostras para E. mos (44-45,5°C), pois, ao contrário
coli O157:H7. Assim é importante que da maioria das demais E. coli, a E. coli
a amostra de fezes seja processada em O157:H7 não suporta tais temperatu-
ágar sorbitol-MacConkey (SMAC) ras. O uso de provas de DNA, para de-
para esse microrganismo. tectar genes responsáveis pela produção
48 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 77 - setembro de 2015
das verotoxinas (VT1 e VT2) é o mé- deve ser inserido em várias partes na
todo mais sensível existente. No caso de carne, inclusive nas mais espessas e pro-
exames laboratoriais dos alimentos, as fundas, garantindo-se pelo menos 70°C,
amostras coletadas devem ser transpor- para assegurar seu completo cozimento.
tadas sob refrigeração. Figura 11: Procedimentos corretos no preparo de
alimentos.
9- Medidas de controle Fonte: google.com.br.

A E. coli O157:H7 é uma preocupa- • Para se evitar a contaminação na


ção de saúde pública importante, princi- cozinha durante o manuseio e pre-
palmente enquanto persistir seu poten- paro da carne, manter a carne crua
cial de contaminação da carne. separada de comidas prontas para
consumo.
• A detecção do patógeno E. coli
O157:H7 deve ser notificada, assim • Em surto transmitido por água, de-
como o material de laboratório de- ve-se certificar que a água é tratada
verá ser encaminhado para outros • A rotina hospitalar e a laboratorial
testes de confirmação ou subtipagem
de procedimentos de controle da
(Pulsed-field).
infecção devem ser adequadas para
• Os óbitos por doença diarreica agu- impedir a transmissão na maioria das
da devem ser imediatamente noti- circunstâncias clínicas.
ficados às autoridades sanitárias de
saúde pública. II.3 – Enfermidades causadas
por estafilococos
• Medidas preventivas podem reduzir
o número de bovinos portadores da Essa enfermidade ocorre com muita
bactéria e a carne deve ser proceden- frequência, mas, raramente, é notificada
te de animais abatidos sob inspeção devido ao seu período de duração relati-
veterinária. vamente curto e de sua sintomatologia
pouco grave, a não ser em indivíduos
• Medidas educativas para a preven- debilitados.
ção da infecção por E. coli O157:H7
incluem a orientação de se cozinhar 1 - Agente etiológico
completamente a carne, principal- Enterotoxinas SEA, B, C1, C2, C3,
mente a carne moída, hambúrgueres D, E, H e I do Staphylococcus aureus
e almôndegas (Fig. 11). (variedades pigmentadas e não pig-
Nos EUA, foi introduzido como mentadas). A SEF foi classificada como
medida de controle o uso do termô- TSST (toxina da síndrome do choque
metro digital de leitura instantânea que tóxico).
Os produtos de origem animal e as toxinfecções alimentares 49
2 - Natureza do agente A quantidade mínima de enterotoxina
necessária para causar doença em hu-
2.1- Do microrganismo manos é de aproximadamente 20ng.
Cocos, Gram-positivos, imóveis, Fatores que afetam a produção de
não formadores de esporos, ocorrendo enterotoxinas nos alimentos:
em forma de cacho de uvas; aeróbio e a) temperatura ótima: 40 a 45ºC;
anaeróbio facultativos, coagulase e ter- b) pH ótimo: entre 6,5 e 7,5;
monuclease positivos. c) atividade de
Fermenta manitol, pode Cocos, Gram- água (aw): superior
multiplicar-se em con- positivos, imóveis, não a 0,99 é ótimo para
centrações de 7 a 10% formadores de esporos, produção;
ocorrendo em forma d) condições at-
de sal (algumas cepas
de cacho de uvas; mosféricas: não há evi-
podem crescer em até
aeróbio e anaeróbio dências da produção de
20%), produz lipase e
enterotoxinas em condi-
hemolisina, produz com facultativos, coagulase e
ções anaeróbicas;
frequência pigmento termonuclease positivos.
e) presença de
alaranjado ou amarelo,
outros microrganismos:
apresentando resistência a muitos an-
os estafilococos não competem
tibióticos. A sua toxina é altamente re-
bem com outros microrganismos
sistente ao calor. Porém, essa bactéria é
presentes nos alimentos, especial-
muito sensível ao calor, sendo facilmen-
mente bactérias ácido-lácticas.
te eliminada pelos tratamentos térmicos
Exceção ocorre em casos em que a
industriais. contagem inicial é maior que a dos
2.2 - Das toxinas outros microrganismos no substra-
to, como no caso do leite de vaca
As enterotoxinas estafilocócicas
com mastite.
são proteínas simples que, sob hidró-
lise, produzem 18 aminoácidos, sendo 3 - Período de incubação
os ácidos aspárticos e glutâmicos, a li- De uma a seis horas, geralmente en-
sina e a tirosina os mais abundantes. tre duas e quatro horas.
Apresentam peso molecular de 24.928 a
34.100Da e ponto isoelétrico entre 5,7 4 - Sintomatologia
e 8,6. São resistentes às enzimas proteo- Aparecimento repentino de náusea,
líticas como tripsina, quimiotripsina, salivação, vômito, diarreia, dor de cabe-
renina e papaína, mas são sensíveis à ça, dor abdominal e, em casos mais se-
pepsina em um pH de aproximadamen- veros, desidratação, fraqueza geral, pros-
te 2,0. São bastante resistentes ao calor. tração. A febre geralmente está ausente.
50 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 77 - setembro de 2015
É geralmente mais após o seu preparo.
No homem, o principal
severa em crianças e A bactéria cresce no
reservatório de S.
idosos. alimento e libera toxina.
aureus é a cavidade
5 - Duração oronasal, sendo Geralmente, a produção
encontrado também na de toxina está relaciona-
Enfermidade de cur- da com alguma falha na
ta duração, não mais que
pele e no trato intestinal.
manipulação e no pro-
um dia ou dois dias.
cessamento do alimento.
6 - Fontes do microrganismo,
8 - Material para laboratório
reservatório e epidemiologia
Vômito, fezes, swab nasal, secreção
No homem, o principal reservatório
de S. aureus é a cavidade oronasal, sendo purulenta de feridas infeccionadas e ali-
encontrado também na pele e no trato mento suspeito.
intestinal. Assim, descargas nasal e da 8.1 - Procedimento no laboratório
garganta, mãos e peles infeccionadas,
cortes infectados com secreção purulen- A – Microrganismo
ta, feridas, queimaduras e unheiras ge-
Cultivá-lo em meio seletivo (ágar
ralmente contêm essa bactéria. Porção
Baird Parker) (48h), repicar as colônias
anterior das fossas nasais do homem é o
típicas em caldo BHI (24h), testar para
reservatório natural. Enfermidades dos
coagulase (+), termonuclease e fermen-
animais como vacas, cabras e ovelhas
tação de carboidratos, como manitol,
com mastites, assim como artrite das
maltose (Fig. 12).
galinhas, constituem importantes fontes
de disseminação.
7 - Alimentos envolvidos
Todos os pratos à base de produtos
de origem animal e que tenham sido
adicionados de carboidratos apresen-
tam potencial risco de transmissão de
toxinfecção estafilocócica, pois esses
alimentos são ricos em nutrientes. Foi
constatada sua presença em presuntos,
corned beef, enlatados, linguiças fermen-
tadas, pães com creme, queijos, pudins
e em alimentos ricos em proteínas, que Figura 12: Staphylococcus aureus.
não tenham sido bem acondicionados Fonte: eolabs.com.

Os produtos de origem animal e as toxinfecções alimentares 51


B - Toxina Clostridium botulinum. Contudo, as toxi-
nas C e D é que provocam a doença nos
Extração, concentração e gel difusão.
animais.
C - Toxina no alimento
2 - Natureza
Diagnosticada por meio de ra-
dioimunoensaio, Elisa e aglutinação 2.1 - Do agente
positiva. Bastonetes Gram-Positivos, móveis,
9 - Medidas de controle formadores de esporos ovais ou cilín-
dricos; anaeróbios, sendo que existem
Resfriar os alimentos em peque-
os proteolíticos (tipos
nas quantidades ime-
A e G, assim como al-
diatamente após o seu São neurotoxinas gumas linhagens B e F)
preparo. termolábeis, podendo e os não proteolíticos
Cozinhar os alimen- ser destruídas por (tipo E, assim como ou-
tos completamente, aquecimento a 80ºC tras linhagens B e F). As
pois destrói as bactérias. durante 10 minutos
linhagens proteolíticas
Porém, não elimina a ou à temperatura de
são muito mais resisten-
toxina. ebulição (100°C) em
tes ao aquecimento que
Manter os alimentos poucos minutos.
as não proteolíticas.
em temperaturas inferio- Esses micro-organis-
res a 10ºC e/ou maiores que 45ºC antes mos produzem esporos que estão entre
de servir. os mais resistentes ao calor.
Evitar a contato posterior de ali-
mentos prontos com alimentos crus.
2.2 - Da toxina
Higienizar os equipamentos, os São neurotoxinas termolábeis, po-
utensílios e as mãos de manipuladores. dendo ser destruídas por aquecimento
Praticar a higiene pessoal. a 80ºC durante 10 minutos ou à tempe-
Afastar pessoas com feridas infec- ratura de ebulição (100°C) em poucos
cionadas e com diarreias do trabalho minutos. A toxina se liga aos receptores
com alimentos. na junção neuromuscular, bloqueando a
Manter práticas higiênicas durante liberação de acetilcolina. Essas toxinas
o preparo dos alimentos. são produzidas por células crescendo
em condições ótimas. O pH mínimo
II.4 – Botulismo que permite o crescimento e a produção
de toxina é 4,5. A neurotoxina botulínica
1 - Agente etiológico é a substância mais tóxica conhecida até
São as toxinas A, B, E, F e G do hoje.
52 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 77 - setembro de 2015
3 - Período de incubação enlatados industrializados (Fig. 13).
De duas horas a seis dias, com mé- 7 - Material para laboratório
dia de 12 a 72 horas. Soro sanguíneo, conteúdo esto-
4 - Sintomatologia macal, tecidos de necropsia e alimento
suspeito.
Náusea, vômito, dor abdominal e
diarreia podem aparecer no início da in- 7.1 - Procedimento no laboratório
fecção. Dor de cabeça, vertigem ou ton- 1. Alimento suspeito: pesquisa de to-
teira, fraqueza geral, visão dupla, perda xina com extração, neutralização e
do reflexo a luz, disfagia, disfonia, ata- inoculação em camundongos.
xia, boca seca, dificuldade em deglutir, 2. Microrganismo: isolamento anaeró-
dificuldade respiratória e parada respi- bico, identificação, neutralização e
ratória também podem ocorrer. A para- inoculação em camundongos.
lisia parcial pode permanecer por seis a 3. Soro sanguíneo: neutralização de
oito meses. A taxa de mortalidade varia toxina – camundongos.
entre 30 e 65%, e o óbito ocorre entre Obs.: Anamnese mostrando que
três e 10 dias. houve ingestão de alimento enlatado ou
empacotado a vácuo é de utilidade no
5 - Fonte do microrganismo,
reservatório e epidemiologia diagnóstico.

Solo, lama, água e trato gastrintesti- 8 - Medidas de controle


nal dos animais. • Esterilizar adequadamente os produ-
tos enlatados industrializados.
6 - Alimentos envolvidos
• Acidificar bem as conservas
Conservas impropriamente elabo- domésticas.
radas, produtos cárneos cozidos, cura- • Evitar contato posterior de alimen-
dos, defumados e fermentados de for- tos prontos com produtos crus.
ma artesanal (salsicha, presunto, “carne • Higienizar os equipamentos, os uten-
de lata”), pescados, queijos e pastas de sílios e as mãos de manipuladores.
queijos e, mais raramente, em alimentos • Manter os alimentos refrigerados.

Figura 13: Preparos caseiros.


Fonte: google.com.br.

Os produtos de origem animal e as toxinfecções alimentares 53


Para tratamento, existem no Essa afecção pode ser combatida e
mercado: até alcançar índices próximos de zero à
a) antitoxinas bivalentes A e B; medida que os consumidores forem co-
b) antitoxinas monovalentes A, B e E; nhecendo as condições higiênico-sani-
c) antitoxinas polivalentes A, B, E e A, tárias e tecnológica (Normas HST) dos
B, E e F (encontradas apenas em al- estabelecimentos que industrializam e
guns países). distribuem, que comercializam e que
preparam e servem alimentos. Além dis-
III - Considerações finais so, é preciso que se utilizem essas nor-
Observa-se que a grande maioria mas também no preparo domiciliar de
das doenças ou das afecções veiculadas alimentos.
pelos alimentos estão na Por último, con-
realidade associadas à Observa-se que a grande forme observado neste
falta de higiene no pre- maioria das doenças ou trabalho, é muito im-
paro, no transporte, na das afecções veiculadas portante conhecer os ali-
distribuição e na estoca- pelos alimentos estão mentos ou produtos que
gem dos alimentos. na realidade associadas oferecem maior risco de
Os produtos alimen- à falta de higiene no estarem contaminados
tares elaborados artesa- preparo, no transporte, e favorecem o apareci-
nalmente e consumidos na distribuição e mento da toxinfecção
sem nenhum processa- na estocagem dos alimentar.
mento, como os queijos, alimentos.
iogurtes, cremes, con-
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56 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 77 - setembro de 2015


Análise de risco
para resíduos de
avermectina na
carne bovina:
um desafio para
abertura de
mercados em
face da segurança
alimentar
bigstockphoto.com

Soraia de Araújo Diniz1, Marcos Xavier Silva2, João Paulo Amaral Haddad2
1 – Médica veterinária, doutora
2 – Escola de Veterinária, DMVP, UFMG

1. Introdução produtos faz com que o país se destaque


no cenário internacional, atendendo os
O Brasil é o quinto maior país do requisitos dos mais diversos e exigentes
mundo em extensão territorial; possui mercados mundiais.
cerca de 20% de sua extensão ocupada Na agropecuária, o Brasil possui
por pastagens e ampla variação climáti- grande importância na produção ani-
ca, que refletem diretamente nos siste- mal, e a bovinocultura é um dos prin-
mas de produção pecuários. A diversi- cipais destaques do agronegócio brasi-
ficação na oferta e na diferenciação dos leiro no cenário mundial. Com o maior
Análise de risco para resíduos de avermectina na carne bovina: um desafio para abertura de mercados em 57
face da segurança alimentar
efetivo bovino comercial sempenho reprodutivo,
A extensão territorial
do mundo, com cerca de a qualidade de carcaça,
do Brasil permite
209 milhões de cabeças,
explorar os benefícios da o sistema imunológico,
desde 2004, assumiu a e, em alguns casos, po-
bovinocultura a pasto
liderança nas exporta- e a baixo custo, o que é dem causar a morte do
ções, tendo um quinto um diferencial para a animal.
da carne produzida co- pecuária nacional. Para controlar as in-
mercializada internacio- fecções parasitárias, vá-
nalmente e distribuída rios produtos de uso ve-
em mais de 180 países. terinário estão disponíveis no mercado.
O rebanho bovino brasileiro pro- Os produtos veterinários à base de aver-
porciona o desenvolvimento de dois mectinas (abamectina, doramectina,
segmentos produtivos: a carne e o leite. moxidectina e ivermectina) são com-
O valor bruto da produção desses dois postos de excelente atividade antipara-
segmentos, estimado em R$ 67 bilhões, sitária e, por essa razão, são amplamente
aliado à presença da atividade em to- utilizados na medicina veterinária para
dos os estados brasileiros, evidencia a a prevenção e o controle de várias espé-
importância econômica e social da bo- cies de nematoides, incluindo a maioria
vinocultura no Brasil, que se destaca das larvas e formas adultas. Contudo,
internacionalmente. A bovinocultura de sabe-se que a utilização de produtos à
corte representa um expressivo fatura- base de avermectinas pode deixar resí-
mento no agronegócio brasileiro, geran- duos nos tecidos de animais que foram
do mais de R$ 50 bilhões/ano e cerca de tratados por esses medicamentos, levan-
7,5 milhões de empregos. do a uma preocupação dos órgãos fisca-
A extensão territorial do Brasil per- lizadores quanto ao uso indiscriminado
mite explorar os benefícios da bovino- desses produtos em animais que serão
cultura a pasto e a baixo custo, o que é utilizados para alimentação humana.
um diferencial para a pecuária nacional. Para garantir a segurança alimentar
Entretanto, o rebanho bovino brasileiro humana, foram criados órgãos inter-
é submetido, ao longo da sua criação, a nacionais, como a Comissão do Codex
fatores ambientais diversos, como varia- Alimentarius, fundada em 1963 pela
ções de temperatura, excessivas precipi- Organização das Nações Unidas para
tações e intensas estiagens de inverno. a Agricultura e Alimentação (FAO),
Essas condições predispõem os animais e a Organização Mundial da Saúde
às infecções por endo e ectoparasitas, (OMS), que tem como objetivo pro-
que provocam efeitos sobre o ganho teger a saúde dos consumidores, por
de peso, a conversão alimentar, o de- meio de práticas equitativas de comér-
58 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 77 - setembro de 2015
cio de alimentos. Vários (CCRC), órgão subor-
Vários estudos
estudos científicos dinado à Secretaria de
científicos foram
foram realizados para
realizados para avaliar Defesa Agropecuária –
avaliar o risco à saúde
o risco à saúde humana SDA do Ministério da
humana quando há quando há ingestão de Agricultura, Pecuária
ingestão de resíduos de resíduos de produtos e Abastecimento
produtos veterinários veterinários presentes (MAPA).
presentes nos alimentos nos alimentos de origem Os principais fa-
de origem animal. A fim animal. tores que ocasionam a
de garantir a segurança presença de resíduos
desses alimentos, foram acima dos LMRs são: a
criados padrões baseados no risco para formulação do produto, as propriedades
evitar danos à saúde. Esses padrões são físico-químicas do princípio ativo,
representados pelos níveis de tolerân- a superdosagem e/ou o modo de
cia, os quais são definidos para muitas administração errôneo, a utilização do
drogas utilizadas em animais destinados medicamento em espécie diferente da
à alimentação humana. Os padrões são recomendada, os lotes heterogêneos
definidos com base nos limites máxi- de animais e o desrespeito ao período
mos de resíduos (LMRs) que podem de carência. Diante disso, a presença de
estar presentes nos alimentos e não ofe- avermectinas em concentrações acima
recem risco à saúde. do LMR no fígado de bovinos abatidos
A ocorrência de resíduos das aver- pode estar ligada às práticas inadequa-
mectinas na carne bovina acima dos das de manejo e de administração do
limites de referência estabelecidos para medicamento veterinário, associadas a
o consumo advém, principalmente, do um programa de educação sanitária de
desrespeito às instruções do fabricante baixa eficiência junto ao produtor rural.
para aplicação do medicamento, asso- A fim de diminuir o risco da pre-
ciado à deficiência nos serviços vete- sença de resíduos de medicamentos,
rinários. Esses limites de referência, microorganismos, toxinas e de outras
denominados LMRs, são estabelecidos substâncias em alimentos e, consequen-
pela Comissão do Codex Alimentarius. temente, evitar problemas de saúde, al-
No Brasil, a responsabilidade pelo gumas ferramentas de análise e predição
monitoramento oficial de resíduos são utilizadas. Procedimentos de inspe-
de produtos veterinários e contami- ção e produção podem acabar com mui-
nantes em produtos de origem ani- tos perigos potenciais de causar doença,
mal está a cargo da Coordenação de entretanto existem alguns perigos para
Controle de Resíduos e Contaminantes cuja eliminação essas ferramentas de fis-
Análise de risco para resíduos de avermectina na carne bovina: um desafio para abertura de mercados em 59
face da segurança alimentar
calização e produção não resíduos de drogas vete-
A análise de risco é
são suficientes. Alguns rinárias é um dos prin-
uma ferramenta para
perigos não podem ser cipais problemas que
o processo de tomada
eliminados por nenhum desencadeiam embar-
de decisão sobre
tipo de processamento gos econômicos ao país
questões relacionadas
ocorrido na indústria ou atualmente. Tais me-
à segurança dos
mesmo na residência do didas contribuem para
alimentos.
consumidor. Para que aperfeiçoar as ativida-
eles não aconteçam, de- des de fiscalização, bem
vem-se aplicar boas práticas de produ- como facilitar a triagem e a qualificação
ção, como utilização correta de medica- de fornecedores pela indústria, e, dessa
mentos, respeito ao período de carência forma, reduzir o risco da presença de re-
determinado pelo fabricante, bem como síduos de avermectinas acima dos limi-
monitoramento de todo o sistema de tes permitidos na carne.
produção do alimento, da fazenda até a
mesa do consumidor. 2. A produção de carne
A análise de risco é uma ferramenta no Brasil e seu mercado
para o processo de tomada de decisão consumidor
sobre questões relacionadas à segurança O Brasil tem como principal mer-
dos alimentos. Mediante sua aplicação, cado exportador o eixo Atlântico, pos-
são identificados os diferentes pon- suindo como importadores da carne
tos de controle na cadeia alimentar, as brasileira os mercados russo, árabe e
opções de intervenções, os custos e os da União Europeia (UE), com a maior
benefícios de cada medida, permitindo parte para carne in natura, e os Estados
o gerenciamento eficiente dos riscos Unidos da América (EUA), exclusiva-
(FAO, 1999). mente para carne industrializada. A UE,
Como o Brasil é um país estratégico em relação ao Brasil, libera unidades da
para exportação de produtos cárneos, federação específicas para exportação,
entre eles a carne bovina, identificar enquanto os EUA têm apenas carne
fatores de risco é de suma importância cozida enlatada com importação libe-
para nortear as ações de controle e vi- rada (Tirado et al., 2008; ABIEC, 2013;
gilância agropecuária e, assim, mitigar Sanguinet et al., 2013).
o risco da presença desses resíduos e Contudo, mesmo o país sendo o
contaminantes na carne, o que propor- maior exportador mundial de carne bo-
cionará maior segurança tanto para o vina, possui renda relativamente baixa,
consumidor interno quanto para as re- visto que é baixo o volume de expor-
lações internacionais, pois a presença de tação para os mercados de maior valor
60 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 77 - setembro de 2015
agregado. Isso se deve As carcaças comer-
As carcaças
às condições sanitárias cializadas no Brasil não
comercializadas no
do rebanho, que ainda
Brasil não possuem um possuem um sistema pa-
promovem embargos
sistema padronizado e dronizado e eficiente de
econômicos em relação eficiente de classificação classificação em relação
à exportação de carne em relação à qualidade à qualidade físico-quí-
in natura, apesar da me- físico-química do mica do produto, fato
lhoria do status sanitário produto. que dificulta a expansão
brasileiro, o qual am- aos mercados consumi-
pliou em 2014 sua área dores mais exigentes. A
de zona livre de febre aftosa. A presença classificação das carcaças seria a melhor
de casos atípicos de encefalite espongi- maneira de averiguar a qualidade da
forme bovina (EEB), ou “Vaca Louca”, carne pela indústria e, principalmente,
também desencadeou uma tensão no pelos consumidores. Em contraparti-
mercado internacional, entretanto seu da, o produtor também asseguraria um
status sanitário junto à Organização retorno sobre a aceitabilidade e capi-
Mundial para a Saúde Animal (OIE) se laridade de seu produto. Vale ressaltar
manteve insignificante (OIE, 2014). que a importância da classificação diz
Outra condição que interfere direta- respeito às formas de produção que in-
mente no preço da carne é o fato de a terferem diretamente no produto, po-
carne brasileira ser considerada de bai- dendo ser avaliados vários fatores des-
xa qualidade, caracterizada por carnes de o bem-estar animal e a sanidade do
provenientes de boi inteiro, com baixo rebanho até o acabamento do produto
acabamento de gordura, de idade va- final. Atualmente, a classificação é feita
riável e sem maturação, além de pouca apenas quanto ao peso e ao acabamento
maciez. Para atender os mercados mais de gordura da carcaça. Todavia, tão im-
exigentes, é necessário que haja uma sig- portante quanto conquistar novos mer-
nificativa melhoria da qualidade, o que, cados externos é oferecer um produto
consequentemente, aumentará o valor de melhor qualidade ao consumidor in-
agregado do produto. Essa qualidade só terno, visto que a maior parte da produ-
poderá ser alcançada mediante vários ção é consumida em território nacional
fatores ligados às boas práticas agrope- (Filho, 2006; Pascoal et al., 2011).
cuárias, a fim de melhorar a sanidade do O mercado norte-americano res-
rebanho e, assim, diminuir a presença tringe a importação de carne in natura
de resíduos de medicamentos veteriná- às condições de equivalência, uma vez
rios que oferecem risco à saúde pública que não existe nenhum processo de ve-
(Filho, 2006). rificação sanitária nem o não reconhe-
Análise de risco para resíduos de avermectina na carne bovina: um desafio para abertura de mercados em 61
face da segurança alimentar
cimento de áreas livres uma abordagem de IDA
No período de 2004
ou de baixa incidência para ivermectina, ale-
a 2006, o mercado
de enfermidades. Além
internacional de carne gando ser uma premis-
disso, para que haja a li- sa para a “equivalência
bovina apresentou
beração das importações ocorrências conjuntas de sistemas”, mas isso
da carne in natura brasi- de surtos de EEB e de aumentaria em muito o
leira, é necessário o cum- febre aftosa entre os plano amostral nacional
primento das normas de principais produtores e desvirtuaria o critério
equivalência técnica e mundiais. utilizado para o país, que
sanitária, baseadas em segue as diretrizes do
análise de risco entre os Codex.
países. Os países da América do Norte, O total de carne exportada pelos
como os EUA, são mais restritivos em frigoríficos associados à Associação
relação aos níveis de avermectinas na Brasileira das Indústrias Exportadoras
carne do que os outros países signatá- de Carne (Abiec) em 2000 foi de
rios do Acordo de Medidas Sanitárias e 266.146 toneladas, os cortes especiais
Fitossanitárias (MSF) da Organização responderam por 52,06% ou 138.560
Mundial do Comércio (OMC), o qual toneladas. Em relação à carne industria-
se baseia no princípio da regionalização, lizada, o corned beef (carne enlatada),
que reconhece áreas livres de doenças importado principalmente pelo Reino
ou pragas dentro de um mesmo territó- Unido e pelos EUA, correspondeu a
rio (Silva, Triches e Malafaia, 2011). 26,35% (70.131 toneladas) do total
Um dos motivos para a restrição da exportado em volume pelo país. Em
exportação de carne in natura é a abor- sequência, classificaram-se os subpro-
dagem sobre resíduos praticada pelos dutos (8,89%), como charque e, prin-
EUA, a qual é referenciada pela ingestão cipalmente, miúdos, o frozen cooked
diária aceitável (IDA), principal critério beef (5,36%), as conservas industriais
para a avaliação do risco e para a defini- (5,17%) e 2,17% para outros produtos.
ção do plano amostral de monitoramen- No período de 2004 a 2006, o mer-
to. Esse critério se difere da abordagem cado internacional de carne bovina
brasileira, que utiliza as recomendações apresentou ocorrências conjuntas de
do Codex Alimentarius, (relação de in- surtos de EEB e de febre aftosa entre os
tervalo de confiança x prevalência) para principais produtores mundiais. Países
definição do plano amostral anual para como EUA e Canadá tiveram os efeitos
monitoramento (inclusive das avermec- decorrentes dos casos de EEB, enquan-
tinas em geral). Dessa forma, os EUA to o Brasil teve impactos com restrições
exigiram que o Brasil trabalhasse com sanitárias em decorrência dos surtos de
62 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 77 - setembro de 2015
febre aftosa ocorridos nos anos de 2004 certificação de origem e responsabili-
e 2005, sobretudo em relação aos mer- dade social. Essas exigências funcionam
cados da Rússia, UE e Chile. Entretanto, como novas barreiras comerciais, pois o
no tocante à EEB, o Brasil foi classifica- Brasil obtém, a cada ano, uma melhoria
do como de risco insignificante pela significativa da sua condição sanitária.
OIE, devido ao sistema de produção, Além disso, as normas de boas práticas
que possui, em sua maioria, rebanhos de manejo e de produção, de gestão am-
criados extensivamente, cuja principal biental e da Organização Nacional para
fonte de alimentação caracteriza-se por Padronização (ISO) 22.000, que se re-
pastagens, o que diminui significati- fere exclusivamente à segurança alimen-
vamente o risco de contaminação por tar, começaram a ser exigidas para a pro-
EEB. Diante dessas características, o boi dução de alimentos no mundo (Tirado
brasileiro passou a ser considerado “boi et al., 2008).
verde”, ganhando valor positivo ante as Uma das maneiras utilizadas para
preocupações ecológicas e alimentares controlar a qualidade da carne produ-
dos consumidores dos países impor- zida é a rastreabilidade, que tem como
tadores, condição que se alia ao baixo função a transmissão de informações
custo de produção em comparação aos entre todos os agentes da cadeia produ-
demais países exportadores. Isso permi- tiva. Portanto, é a garantia que o consu-
tiu que o país ocupasse grande parte dos midor possui de adquirir um produto
mercados antes supridos pela carne eu- seguro e saudável, uma vez que este foi
ropeia (Tirado et al., 2008). controlado em todas as fases da produ-
Nesse contexto, a pecuária brasileira ção (do campo à mesa). Por ela, é possí-
possui grande relevância nos cenários vel saber qual a matéria-prima que deu
nacional e internacional, visto que há origem ao produto final, ou seja, nomear
vantagens em relação a outros produto- e identificar todos os agentes da cadeia
res principalmente pelas condições sani- produtiva, assegurando a qualidade de
tárias do rebanho. Entretanto, a utiliza- um produto, tanto em relação à con-
ção excessiva de agrotóxicos e de drogas taminação como no caso de possíveis
de uso veterinário gera um importante ocorrências de bioterrorismo, permi-
problema no que se refere à presença de tindo a identificação e o isolamento das
resíduos na carne, dificultando a manu- fontes de contaminação de forma rápida
tenção da classificação de “boi verde”. e segura. Utilizada como uma ferramen-
A exigência de novos parâmetros de ta de gestão de risco, permite aos setores
qualidade concernentes à carne envol- alimentares ou às autoridades a retirada
ve cobranças relacionadas com manejo ou recolhimento de produtos identifi-
ambiental correto, bem-estar animal, cados como inseguros (Da Conceição e
Análise de risco para resíduos de avermectina na carne bovina: um desafio para abertura de mercados em 63
face da segurança alimentar
De Barros, 2005). humana. O monitora-
Na cadeia da
Na cadeia da carne mento de seu resíduo no
carne bovina, a
bovina, a rastreabilida- tecido desses animais,
rastreabilidade,
de, associada às certi- devido ao risco de efei-
associada às
ficações, pode ajudar a certificações, pode tos no sistema nervoso
impedir que barreiras ajudar a impedir que central em humanos, e o
não tarifárias sejam uti- barreiras não tarifárias não cumprimento desses
lizadas para dificultar a sejam utilizadas para prazos, colocam em risco
exportação. O processo dificultar a exportação. a qualidade do produto
de rastreabilidade ini- final destinado ao consu-
ciou-se na UE, chegando mo humano (Barragry,
ao Brasil pela necessidade de se rastrear 1984; Ménez et al., 2012; Yang, 2012).
bovinos. As exigências sobre a rastrea- Em relação às avermectinas, a
bilidade se intensificaram nos últimos Instrução Normativa SDA N.º 48,
anos em razão da maior necessidade de 28 de dezembro de 2011, é especí-
de segurança alimentar, desencadeada fica e determina em seu artigo primeiro:
pelas ocorrências, na Europa, de pro- “Proibir em todo o território nacio-
blemas de saúde pública relacionados à nal o uso em bovinos de corte cria-
contaminação de alimentos, entre eles dos em regime de confinamentos e
o aparecimento da BSE, a presença de semi-confinamentos, de produtos
dioxina em alimentos, os focos de fe- antiparasitários que contenham em
bre aftosa, além de resíduos de produ- sua formulação princípios ativos da
tos químicos e drogas de uso proibido classe das avermectinas, cujo período
(Maria et al., 2006; Forest et al., 2015). de carência ou de retirada descrito na
Diante da grande utilização de pro- rotulagem seja maior do que vinte e
dutos com avermectinas para tratamen- oito dias. Parágrafo único: a proibição
tos antiparasitários em animais produ- prevista no caput se aplica também ao
tores de alimento e do fato de que esses uso em bovinos de corte criados em re-
produtos mantêm altas concentrações gime extensivo, na fase de terminação”
em longos períodos de tempo após ad- (Brasil, 2011).
ministração, resíduos de avermectinas Em maio de 2014, a Instrução
podem ser encontrados em baixas con- Normativa N.º 13, de 29 de maio de
centrações em músculos e rins, e em al- 2014 passou a proibir o uso de antipa-
tas concentrações em fígado e gordura rasitários de longa duração que tenham
corporal. Por isso, as avermectinas pos- como princípio ativo as avermectinas
suem tempo determinado de utilização até que resultados de novos estudos se-
para animais destinados à alimentação jam obtidos sobre a segurança do seu
64 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 77 - setembro de 2015
uso. Essa instrução não proíbe o uso dicador essencial de qualidade de vida,
de todas as avermectinas, mas somen- além de afetar os indivíduos de diversas
te daquelas de longa ação; as outras formas, em virtude da importância de
apresentações ainda estão permitidas. ingestão de proteínas, vitaminas, mi-
Apesar de essa medida tentar reduzir a nerais e nutrientes que são necessários
prevalência de violação da carne bovina, para o perfeito funcionamento do cor-
a ação mais importante ainda é a adoção po. Entretanto, a mudança de padrão
de boas práticas agropecuárias para re- alimentar é afetada pelos preços, pela
duzir a presença de resíduos bem como quantidade de alimentos disponíveis,
mitigar o risco para o consumidor. pela renda, pela urbanização, pela glo-
Além de Instruções Normativas e balização, pelas mudanças climáticas e
Portarias, existem ainda algumas re- por outra série de fatores. Todos esses
comendações direcionadas especifica- fatores são relevantes na avaliação da
mente para os profissionais médicos segurança dos alimentos consumidos
veterinários e produtores, como a carta (Moratoya et al., 2013).
de esclarecimento aos médicos veteri- “A Segurança Alimentar e Nutricional
nários, que orienta sobre o período de significa garantir, a todos, condições
carência, essencial para a garantia do de acesso a alimentos básicos de qua-
consumo de produtos de origem animal lidade, em quantidade suficiente, de
seguros. Essas ações visam garantir a modo permanente e sem comprometer
ausência de resíduos do produto vete- o acesso a outras necessidades essen-
rinário em níveis acima dos permitidos ciais, com base em práticas alimen-
no alimento proveniente do animal tra- tares saudáveis, contribuindo, assim,
tado e considerados como prejudiciais à para uma existência digna, em um
saúde humana. Além disso, há cartilhas contexto de desenvolvimento integral
explicativas ao produtor quanto ao uso da pessoa humana” (Brasil, 2006).
correto, as quais orientam quanto ao O termo “segurança alimentar”
respeito aos períodos de carência e à le- abrange outros conceitos que se com-
gislação vigente (MAPA, 2013). plementam para formar o conceito pro-
posto pela FAO; são eles:
3. A importância da • Food Security (ou segurança da alimen-
segurança alimentar tação), que diz respeito ao acesso do
Nas últimas décadas, um dos temas alimento em quantidade suficiente;
mais importantes no mundo refere-se • Food Safety (ou segurança do alimen-
às mudanças no consumo alimentar e to), que diz respeito à disponibilidade
aos seus efeitos nas populações e nos de alimentos seguros e de qualidade;
países. A alimentação humana é um in- • Food Defense (ou defesa do alimen-
Análise de risco para resíduos de avermectina na carne bovina: um desafio para abertura de mercados em 65
face da segurança alimentar
to), um termo novo e mais utilizado na cadeia alimentar, a ocorrência de
nos EUA, que surgiu como resposta DTA continua sendo um grande pro-
e consequência a Lei Antiterrorismo blema tanto nos países desenvolvidos
Norte-Americana, e diz respeito à de- como nos países em desenvolvimen-
fesa contra ‘contaminações proposi- to. Segundo a OMS, estima-se que 1,8
tais dos alimentos’. milhão de pessoas morram por ano de
Apesar dos avanços, surgiram, nos
diarreia devido à ingestão de alimentos
últimos anos, outras questões que in-
e água contaminados. Tal ocorrência
terferiam no sistema de segurança ali-
mentar, como a constituição de uma aponta que a preparação higiênica possa
nova ordem de comércio internacional, prevenir a maioria desses casos (WHO,
o que tem gerado imposições sobre os 2013b).
mercados menos influentes. Para ten- O trânsito internacional de pessoas
tar solucionar esse problema, a OMC e alimentos tem aumentado significa-
propôs, como diretrizes entre os países tivamente, trazendo muitos benefícios
membros, convenções internacionais socioeconômicos, porém, em contra-
para conseguir uma equivalência entre partida, esse trânsito também contri-
as legislações relacionadas à seguran- buiu para o aumento da disseminação
ça alimentar (Menezes, de doenças. O aumento
2013; WHO, 2013a). Segundo a OMS, do trânsito e consequen-
Atualmente, além do estima-se que 1,8 temente as mudanças
acesso ao alimento de milhão de pessoas
de hábitos alimentares
maneira adequada em morram por ano de
trazem consigo o de-
relação à qualidade nu- diarreia devido à
tricional e à quantidade, ingestão de alimentos e senvolvimento de novas
a segurança alimentar água contaminados. técnicas de produção,
também está relaciona- preparo e distribuição
da à prevenção de pro- dos alimentos. Portanto,
blemas de saúde pública relacionados exigem um controle eficiente e impres-
à ingestão de alimentos contaminados. cindível para evitar as consequências
As doenças transmitidas por alimentos oriundas dos danos provocados tanto
(DTA) podem estar associadas à con- à saúde pública quanto ao comércio.
taminação do alimento por bactérias e Nesse sentido, todos do ciclo de produ-
sua toxinas, vírus, parasitas e/ou pro- ção e consumo (do produtor à mesa do
dutos químicos. Embora as ações gover- consumidor) são responsáveis para ga-
namentais em todo o mundo estejam
rantir um alimento seguro e adequado
promovendo a melhoria da segurança
ao consumo (WHO, 2013a).
66 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 77 - setembro de 2015
4. Análise de risco e mas já conhecidos (Ariane König et al.,
resíduos de avermectina 2010).
O Acordo MSF define que os mem-
Define-se análise de risco como bros da OMC são obrigados a basear
uma metodologia utilizada por um ór- suas medidas em normas internacio-
gão que avalia, identifica e quantifica nais, diretrizes e recomendações, caso
as probabilidades de um efeito adverso existam. Entretanto, se houver evidên-
causado por um agente, por um proces- cias científicas de que essas normas,
so industrial ou financeiro, pela aplica-
orientações ou recomendações não
bilidade de uma nova tecnologia, pela
atinjem o nível de proteção considerado
agricultura, por ações nos campos far-
apropriado por um país, medidas com-
macêutico médico ou ambiental e por
plementares deverão ser aplicadas para
muitas outras atividades (Molak, 1997;
proporcionar um nível mais elevado
Palisade, 2013).
de proteção. Para serem efetivas e apli-
A análise de risco instrumentali-
cáveis, é importante garantir que essas
za os processos de tomada de deci-
medidas não constituam uma restrição
são, contribuindo para a definição de
disfarçada ao comércio, não sendo per-
metas e estratégias para a redução da
ocorrência das doenças transmitidas mitido utilizá-las entre países que apre-
por alimentos e água, com base em co- sentam condições semelhantes. Todas
nhecimento científico para direcionar as medidas aplicadas devem ser basea-
o planejamento e a implementação de das em princípios científicos, em espe-
intervenções adequadas, bem como o cial em técnicas de avaliação de risco
monitoramento dos resultados (FAO/ desenvolvidas por organização relevan-
WHO, 2005). te (Murray, 2011).
Os riscos relacionados à saúde pú- Com base nessas informações, po-
blica, provocados por contaminação de-se concluir que a produção de um
de alimentos, doenças de animais, pes- alimento seguro como a carne bovina
ticidas ou drogas de uso veterinário, necessita de várias ações, que devem ser
cruzam fronteiras comerciais e são de realizadas em conjunto com os produto-
grande importância na atual conjuntu- res, os serviços veterinários e os órgãos
ra mundial. Os novos sistemas de pro- governamentais nacionais e internacio-
dução e processamento de alimentos, nais, a fim de mitigar o risco que a in-
bem como as alterações nos padrões de gestão de produtos contaminados pos-
consumo e expansão do mercado in- sa oferecer. Uma das ferramentas para
ternacional, são alguns dos fatores que se fazer isso é a utilização de avaliação
podem contribuir para o surgimento de risco baseada nos dados produzidos
de novos riscos relacionados a proble- pelos produtores e pelos serviços vete-
Análise de risco para resíduos de avermectina na carne bovina: um desafio para abertura de mercados em 67
face da segurança alimentar
rinários, a qual identifica os principais dos do PNCRC, pode-se observar que
fatores de risco e propõe alternativas a presença de resíduos de avermectina
para a melhoria na segurança alimentar, dentro dos limites permitidos (detec-
além de possibilitar a abertura de novos ções) está diretamente associada ao apa-
mercados consumidores desse produto, recimento de resíduos de avermectina
contribuindo para a economia do país. fora dos limites permitidos (violações),
O MAPA possui uma grande quan- o que pode direcionar as estratégias de
tidade de dados referentes ao Plano controle para os munícipios que mais
Nacional de Controle de Resíduos e apresentam detecções, pois provavel-
Contaminantes em Produtos de Origem mente serão os mesmos que apresenta-
Animal (PNCRC/Animal), os quais rão violações, podendo ser a detecção
são compostos por uma amostragem um indicativo de que aquele município
homogênea e aleatória de várias matri- não está executando de forma eficiente
zes e espécies de animais monitorados. o manejo e as boas práticas agropecuá-
As análises são realizadas nos Lanagros rias. O monitoramento dessas proprie-
e laboratórios privados e públicos cre- dades implica a melhoria da qualidade
denciados. O PNCRC foi instituído da carne fornecida ao consumidor, tan-
pela Portaria Ministerial nº 51, de 06 de to brasileiro como dos países importa-
maio de 1986 e adequado pela Portaria dores dessa carne (Diniz, 2015).
Ministerial n º 527, de 15 de agosto de Os estados das regiões Sudeste e Sul
1995. Um dos objetivos do PNCRC é foram responsáveis por um risco 6,65
a melhoria da produtividade e da qua- vezes maior, no período de 2006 a 2009,
lidade dos alimentos de origem animal quando comparados aos outros estados
adequando-se às regras do comércio in- produtores de carne bovina. Pôde-se
ternacional dos alimentos preconizadas identificar que os estados de São Paulo
pela OMC, FAO, OIE e WHO, a fim de e Paraná pertencem a regiões habilita-
proporcionar uma alimentação segura a das para exportação de carne para a UE;
todos os consumidores. Desde 2006, o além disso, São Paulo é um polo onde
MAPA divulga anualmente, em sua pá- se concentra a maior parte dos frigorí-
gina na internet, o escopo analítico do ficos processadores de carne, visto que
PNCRC/Animal para o ano seguinte possui uma localização estratégica para
e seus resultados obtidos para todas as o escoamento da produção, seja por via
análises realizadas nas diversas espé- aérea ou marítima. Para facilitar o escoa-
cies animais para cada resíduo avaliado mento da produção, várias proprieda-
(Brasil, 2014). des que se concentram ao redor dessa
De acordo com resultados obtidos região possuem um sistema de confina-
pela avaliação de risco do banco de da- mento com o objetivo de terminação, as
68 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 77 - setembro de 2015
quais recebem animais de vários outros isso, eliminou-se o risco de violações
estados vizinhos que possuem clima e concentradas a determinadas regiões.
manejo diferentes e os levam para esses As violações que ocorreram posterior-
confinamentos, onde sofrem maior de- mente a esse período foram distribuídas
safio e, por isso, são tratados com anti- aleatoriamente, não havendo mais uma
parasitários podendo desencadear uma localização de risco delimitada. O ano
violação (Diniz, 2015). de 2009 também coincidiu com a data li-
Ao se analisarem algumas proprie- mite para que os produtores se adequas-
dades produtoras de sem às normas do Sistema Brasileiro
carne que apresentaram de Identificação e
violação, foi possível As boas práticas Certificação de Bovinos
identificar como perfil agropecuárias, aliadas e Bubalinos (SISBOV),
de risco de violação para às ferramentas de permitindo um maior
avermectinas aquelas
rastreabilidade, podem controle dos animais e
que apresentaram maior
contribuir para evitar das propriedades quanto
volume de compra de
problemas relacionados à rastreabilidade e à sani-
aos resíduos na carne dade do rebanho, o que
animais de outras pro-
bovina.
priedades e menor con- também pode ter contri-
trole do manejo sanitário buído para a diminuição
ligado às boas práticas agropecuárias, das violações encontradas na carne.
apesar de terem presença de médico Outra questão a ser levantada é a di-
veterinário. Portanto, as boas práticas ferença quanto às raças bovinas criadas
agropecuárias, aliadas às ferramentas de nas propriedades produtoras de carne.
rastreabilidade, podem contribuir para Nas regiões Sul e Sudeste, há predomí-
evitar problemas relacionados aos resí- nio de animais de origem europeia, que
duos na carne bovina (Diniz, 2015). são sabidamente menos resistentes às
Vale ressaltar que o Plano Nacional infestações parasitárias; já nas demais
de Controle de Resíduos (PNCR) de- regiões do país, há predomínio de ani-
monstra sua estrutura aprimorada, pois mais de origem indiana, que são mais
os dados sobre a presença de resíduos na resistentes a infestações parasitárias e
carne ainda eram insipientes no período possuem maior adaptação ao clima bra-
anterior. A divulgação pelo programa sileiro (Teixeira e Hespanhol, 2015).
teve início somente em 2006 (Brasil, Foi possível observar que as detec-
2014). Portanto, a partir de 2009, o ções estão diretamente associadas ao
programa já possuía uma estrutura mais aparecimento de violações, o que pode
consolidada, o que implicou melhorias direcionar as estratégias de controle
nas atividades fiscalizatórias, e, com para os munícipios que mais apresen-
Análise de risco para resíduos de avermectina na carne bovina: um desafio para abertura de mercados em 69
face da segurança alimentar
tam detecções, pois vernamentais por meio
O monitoramento
provavelmente serão os de fiscalização e monito-
dos municípios
mesmos que apresenta- ramento dos programas
com detecção de
rão violações, podendo sanitários, são de suma
avermectinas pode
ser a detecção um indica- importância para a ma-
ser uma ferramenta
tivo de que aquele muni- eficiente para diminuir nutenção do status sani-
cípio não está executan- o risco de aparecimento tário do país no contexto
do de forma eficiente o de violações. mundial, assegurando
manejo e as boas práticas um produto de qualida-
agropecuárias. O moni- de tanto para o consu-
toramento dessas propriedades implica midor interno quanto para o externo,
a melhoria da qualidade da carne for- ampliando, assim, o alcance de novos
necida ao consumidor, tanto brasileiro mercados internacionais.
como dos países importadores dessa O monitoramento dos municípios
carne (Diniz, 2015). com detecção de avermectinas pode ser
Apontamentos devem ser levanta- uma ferramenta eficiente para diminuir
dos quanto à presença de resíduos de o risco de aparecimento de violações. A
avermectinas na carne, pois esse é um análise de risco é um processo que au-
problema que afeta diretamente a se- xilia a caracterizar fatores de risco para
gurança alimentar. Porém, a utilização diversas situações além da presença de
desses produtos se faz necessária devido resíduos na carne.
às condições peculiares que a criação de A qualificação do produtor e a im-
bovinos no Brasil exige. Diante de tal plantação efetiva das boas práticas agro-
realidade, seu uso deve ser feito de for- pecuárias junto à rastreabilidade são as
ma criteriosa para proporcionar um pro- melhores maneiras de se evitar a presen-
duto de alta qualidade ao consumidor. ça de resíduos em produtos de origem
animal.
5. Considerações finais A presença do médico veterinário
A sensibilização dos profissionais também é um ponto a ser discutido. O
veterinários no desenvolvimento do seu profissional está realmente cumprindo
papel de promoção do bem-estar e da seu papel de cuidar da saúde animal para
sanidade do rebanho, somada às boas proteger a saúde humana? As institui-
práticas agropecuárias, bem como o re- ções de ensino estão realmente forman-
conhecimento dos produtores de carne do um profissional capaz de solucionar
quanto à importância de se produzir tais desafios? Os órgãos de classe estão
um alimento de qualidade e seguro ao cumprindo seu papel de fiscalização do
consumidor e a atuação dos órgãos go- exercício da profissão? A indústria pos-
70 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 77 - setembro de 2015
sui realmente uma preocupação com o f. Tese. (Doutorado em Saúde Animal) - Escola de
Veterinária, Universidade Federal de Minas Gerais,
produto fornecido ao seu consumidor? Belo Horizonte.
Os órgãos fiscalizadores oficiais estão 7. FILHO, A. L. PRODUÇÃO DE CARNE BOVINA
realizando fiscalizações eficientes? NO BRASIL QUALIDADE, QUANTIDADE
OU AMBAS? Simpósio sobre Desafios e Novas
Conclui-se que a interligação de to- Tecnologias na Bovinocultura de Corte-II SIMBOI.
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72 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 77 - setembro de 2015


Intoxicação alimentar
estafilocócica associada
ao consumo de
queijos artesanais

bigstockphoto.com

Renata Dias de Castro1, Marcelo Resende de Souza2


Doutoranda, DTIPOA, UFMG
Escola de Veterinária, DTIPOA, UFMG

1. Introdução ciência de ação dos órgãos de vigilância


e inspeção sanitária são fatores relacio-
A ocorrência de doenças transmiti-
nados à emergência dessas doenças.
das por alimentos (DTAs) vem aumen-
As intoxicações alimentares são
tando de modo significativo em nível
mundial. O crescen- de grande impor-
te aumento das po- As intoxicações alimentares tância no cenário
pulações, o processo são de grande importância no das DTAs, tanto do
de urbanização de- cenário das DTAs, tanto do ponto de vista de
sordenado, a pro- ponto de vista de saúde pública saúde pública quan-
dução de alimento quanto em relação às graves to em relação às gra-
sem grande escala consequências econômicas para ves consequências
somados à baixa efi- a sociedade. econômicas para a
Intoxicação alimentar estafilocócica associada ao consumo de queijos artesanais 73
sociedade. Entretanto, ca nos casos de surtos e
Os queijos artesanais,
devido à falta de quadros de intoxicação
por serem produtos
notificação dos surtos às alimentar estafilocóci-
muito manipulados
autoridades públicas, os ca, ainda são descritos
e elaborados, em sua
dados epidemiológicos grande maioria, com muitos relatos sobre essa
a respeito dessa doença leite cru, são passíveis doença no Brasil e no
são subestimados. de contaminação por mundo. Diante do ex-
Dentre os patógenos Staphylococcus spp. posto, esta revisão tem
mais relacionados a por princípio abordar
surtos de intoxicação temas relevantes para a
alimentar, destacam-se as bactérias do compreensão da intoxicação alimentar
gênero Staphylococcus, sendo o leite e estafilocócica, bem como relatar alguns
os derivados lácteos, principalmente os surtos desta doença associados ao con-
queijos, os alimentos mais associados à sumo de queijos artesanais.
ocorrência de casos de intoxicação ali-
mentar estafilocócica (Borges, 2008). 2. Revisão bibliográfica
Os queijos artesanais, por serem
produtos muito manipulados e elabo- a. Intoxicação alimentar
rados, em sua grande maioria, com leite Segundo a Organização Mundial da
cru, são passíveis de contaminação por Saúde, as doenças de origem alimentar
Staphylococcus spp. Adicionalmente, fa- são definidas como doenças infecciosas
lhas no processo de higienização ao lon- ou tóxicas, causadas pela ingestão de ali-
go da cadeia de produção desse queijo, a mentos contaminados, de ordem micro-
sua conservação inadequada e a comer- biológica, física e/ou química (World
cialização desse produto ainda fresco Health Organization, 2003). Elas po-
contribuem para o aumento da taxa de dem ser divididas em três grandes gru-
contaminação por esse microrganismo. pos: as infecções alimentares, causadas
Uma vez presentes nos queijos em con- pela ingestão de microrganismos pato-
dições que favoreçam a sua multiplica- gênicos, denominados invasivos, com
ção, Staphylococcus spp. podem produzir capacidade de penetrar e invadir tecidos,
diferentes tipos de enterotoxinas que le- originando quadro clínico caracterís-
vam a quadros graves, incluindo vômi- tico, como as infecções por Salmonella
tos e diarreia no hospedeiro. spp., Shigella spp., Yersinia enterocolitica
Embora esforços tenham sido rea- e Campylobacter jejuni; as toxinfecções,
lizados pelos órgãos competentes no causadas por microrganismos toxigêni-
sentido de aprimorar o sistema de vi- cos, sendo a sintomatologia causada por
gilância/rastreabilidade epidemiológi- toxinas liberadas quando estes se mul-
74 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 77 - setembro de 2015
tiplicam, esporulam ou ma mundial e crescente
As intoxicações
sofrem lise na luz intes- da intoxicação alimen-
alimentares são
tinal, como os quadros tar. Aproximadamente,
responsáveis por
clínicos causados por 582 milhões de pessoas
altas morbidade e
Escherichia coli enteroto-
mortalidade em países adoecem e, destas, 351
xigênica, Vibrio cholerae, mil morrem por inge-
desenvolvidos e em
Vibrioparahaemolyticus, rirem alimentos con-
desenvolvimento.
Clostridium perfringens taminados. As regiões
e Bacillus cereus (cepa mais afetadas são África
diarreica); e, por fim, as intoxicações e o sudeste asiático, e mais de 40% dos
alimentares, causadas pela ingestão de doentes são crianças com menos de
alimentos contendo toxinas pré-forma- cinco anos (World Health Organization,
das, produzidas durante o crescimento 2015).
de microrganismos patogênicos nesses No Brasil, dados sobre a ocorrência
alimentos. Neste grupo, enquadram-se de intoxicações alimentares ainda são
Staphylococcus aureus, Clostridium bo- escassos. No estado de Minas Gerais,
tulinum e Bacillus cereus (cepa emética) foram registradas 1.476 internações
(Brasil, 2010). hospitalares por intoxicações alimenta-
As intoxicações alimentares são res no ano de 1996 (SIH-SUS, 1996).
responsáveis por altas morbidade e Entre os anos de 2000 e 2011, foram no-
mortalidade em países tificados, no Brasil, 8.663
desenvolvidos e em de- Entre os anos de surtos de doenças veicu-
senvolvimento. Estima- 2000 e 2011, foram ladas por alimentos, com
se que, a cada ano, 76 notificados, no Brasil, 163.425 pessoas doen-
milhões de norte-ame- 8.663 surtos de tes e 112 óbitos (Brasil,
ricanos são acometidos doenças veiculadas por 2012). Segundo dados
por doenças veiculadas alimentos, com 163.425 do Hospital do Coração
por alimentos, ocorren- pessoas doentes e 112 (HCOR), em São Paulo,
do 325 mil hospitali- óbitos (Brasil, 2012). o número de pacientes
zações e 5.200 mortes. com intoxicação alimen-
Desse total, os microrga- tar atendidos cresceu
nismos foram responsáveis por cerca de 122% entre os anos de 2009 e 2013, pas-
14 milhões de toxinfecções, 60 mil hos- sando de 280 casos para 624 a cada ano.
pitalizações e 1.800 mortes (Center for Embora o aumento do hábito de se ali-
Diseases Control and Prevention, 2009). mentar fora de casa tenha sido atribuí-
Novos dados da Organização Mundial do como a causa do aumento dos qua-
de Saúde (OMS) ratificam o proble- dros de intoxicação alimentar em São

Intoxicação alimentar estafilocócica associada ao consumo de queijos artesanais 75


Paulo, dados da última manifestações clínicas
análise epidemiológica
A intoxicação depende de diversos fa-
para DTAs realizada
estafilocócica é causada
tores, como: a virulên-
pela ingestão de alimentos
no Brasil, avaliando os cia do agente, o inóculo
contendo uma ou mais
períodos entre os anos
enterotoxinas produzidas da infecção e a compe-
2000 e 2011, aponta- tência imunológica do
por Staphylococcus
ram o ambiente resi-
enterotoxigênicos, como hospedeiro. Dessa for-
dencial como sendo o ma, o diagnóstico pre-
S. aureus (com maior
principal local de ocor-
prevalência), S. hyicus, S. coce da intoxicação ali-
rência de intoxicações intermedius, entre outras mentar é fundamental
alimentares, seguido de espécies. para a intervenção com
restaurantes e escolas, medidas de suporte e/
consecutivamente (Fig. ou com tratamentos
1) (Brasil, 2012). específicos, objetivando a resolução do
As intoxicações alimentares comu- quadro clínico (Lehane e Lewis, 2000).
mente levam a sintomas clínicos súbitos
e, na maioria das vezes, relacionados b. Intoxicação alimentar
ao trato gastrintestinal, como náuseas, estafilocócica
vômitos, diarreia e desconforto abdo-
minal. Um amplo grupo de microrga-
i. Aspectos gerais
nismos pode ocasionar quadros de in- A intoxicação estafilocócica é causa-
toxicação alimentar, e a intensidade das da pela ingestão de alimentos contendo

3500 -
3000 -
Nº de surtos alimentares

2500 -
2000 -
1500 -
1000 -
500 -
0-
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12

1 - Ignorado; 2 - Residências; 3 - Hospitais/US; 4 - Creche/Escola; 5 - Asilos; 6 - Outras ins€tuições; 7 -


Restaurantes/Padarias; 8 - Eventos; 9 - Casos dispersos no bairro; 10 - Casos dispersos no município;
11 - Casos em mais de um município; 12 - Outros
Figura 1. Local de ocorrência relacionado com os surtos alimentares. Brasil, 2000-2011.
Fonte: Brasil, 2012.

76 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 77 - setembro de 2015


uma ou mais enterotoxinas produzidas levar mais tempo ou exigir hospitaliza-
por Staphylococcus enterotoxigênicos, ção (Nema et al., 2007).
como S. aureus (com maior prevalên- A intoxicação alimentar estafilocó-
cia), S. hyicus, S. intermedius, entre ou- cica é raramente notificada aos servi-
tras espécies. Tal intoxicação constitui a ços de vigilância epidemiológica por
segunda ou a terceira maior causa de in- diversas causas: por ser uma doença,
toxicação alimentar no mundo (Le Loir normalmente, autolimitante, de curta
et al., 2003), sendo o leite e os derivados duração, muitas vezes confundida com
lácteos, principalmente os queijos, os outros tipos de enfermidades que apre-
alimentos mais associados à ocorrência sentem sintomas semelhantes; por co-
de casos de intoxicação alimentar esta- leta inadequada de amostras para testes
filocócica (Veras et al., 2008; Borges et laboratoriais; por exames laboratoriais
al., 2008). impróprios; ou por investigações epi-
A intoxicação alimentar estafilocóci- demiológicas inadequadas dos surtos.
ca manifesta-se logo após a ingestão do Dessa forma, os dados de surtos e de
alimento contaminado com enterotoxi- casos de intoxicação alimentar estafi-
nas pré-formadas. Há relatos na literatu- locócica, bem como da prevalência de
ra de que a quantidade de enterotoxina tipos de enterotoxinas estafilocócicas
necessária para causar a doença varia (EE), sobretudo no Brasil, são subes-
de 0,01 a 0,4µg por grama do alimento timados (Martin et al., 2004). Em pes-
(Orden et al., 1992), mas sabe-se que quisa realizada no estado do Paraná, no
essa quantidade depende da suscepti- período compreendido entre os anos
bilidade do indivíduo, do peso corporal de 1978 e 2000, a intoxicação alimentar
e,especialmente, do estado de saúde e estafilocócica ocupou o primeiro lugar
da resposta imune da pessoa acometida no ranking de doenças transmitidas por
( Jablonski e Bohach, 2001). alimentos, com 492 surtos (41,2% no
A doença tem início repentino e total) (Amson et al., 2006). Nos anos
com sinais agudos, sendo o período de de 1993 a 2002, foram notificados, no
incubação variável de 30 minutos a oito Brasil, 18 surtos de intoxicação estafi-
horas após a ingestão do alimento con- locócica envolvendo produtos lácteos
taminado (Bannerman, 2003). Os sin- (Balaban; Rasooly, 2000). No estado
tomas normalmente são caracterizados de Minas Gerais, entre os anos 1995 e
por náusea, vômitos e cólicas, prostra- 2001, foram registradas 12.820 pessoas
ção, hipotensão e hipotermia (Le Loir et intoxicadas, com 17 mortes, após ingeri-
al., 2003). A doença tem caráter autoli- rem alimentos contaminados por ente-
mitante, e a recuperação ocorre em tor- rotoxinas estafilocócicas (EE), segundo
no de dois dias. Em alguns casos, pode o Instituto Pan-Americano de Proteção
Intoxicação alimentar estafilocócica associada ao consumo de queijos artesanais 77
dos Alimentos e Zoonoses. No estado 25% dos casos de intoxicação alimentar,
de São Paulo, foram notificados 25 sur- atingindo 40% em algumas áreas do país
tos por S.aureus, os quais envolveram (Tang et al., 2011).
quase 200 pessoas, nos anos de 2001 e
ii. Staphylococcus spp.
2002.
Por outro lado, em países cujo sis- Staphylococcus spp.  pertencem à
tema de vigilância epidemiológica atua família Staphylococcaceae; são cocos
de forma eficaz, é possível obter dados Gram e catalase positivos, imóveis,
mais precisos e condizentes com a rea- anaeróbios facultativos, não esporula-
lidade dos quadros de intoxicação ali- dos e, geralmente, não encapsulados,
mentar estafilocócica. Nesse sentido, que podem ocorrer microscopicamen-
entre 1993 e 1997, foram notificados, te, de forma isolada, em pares, tétrades,
nos EUA, 42 surtos de intoxicação esta- cadeias ou em agrupamentos semelhan-
filocócica, envolvendo 1.413 pessoas e tes a cachos de uvas ( Jay et al., 2005).
causando um óbito (Center for Diseases O gênero atualmente é composto por
Control and Prevention, 2000). Na 47 espécies e 24 subespécies (Euzéby,
França, entre 2006 e 2009, 3.127 surtos 2012).
de intoxicação alimentar foram reporta- Staphylococcus spp. são tradicional-
dos às autoridades sanitárias, com aco- mente agrupados em duas categorias,
metimento de 33.404 pessoas, dentre as de acordo com a capacidade de coa-
quais 15 foram a óbito. Staphylococcus gular o plasma, um importante fator
aureus foi o segundo agente mais pre- de virulência do microrganismo: coa-
gulase positiva e coagulase negativa
valente nesses surtos
(Trabulsi e Alterthum,
(16%), atrás somente
de Salmonella spp., e o
Entre 1993 e 1997, foram 2005). Entre as espé-
agente mais frequen-
notificados, nos EUA, cies coagulase positiva,
42 surtos de intoxicação Staphylococcus aureus é
temente associado aos
estafilocócica, envolvendo a mais frequentemen-
casos suspeitos e não
1.413 pessoas e causando te associada a casos e
confirmados (37,9%)
um óbito. surtos de intoxicação
(Delmas et al., 2010).
alimentar em leite e de-
Na Coreia do Sul, entre
rivados lácteos (Borges
2002 e 2006, S. aureus esteve relaciona-
et al., 2008). Entretanto, a associação
do com a ocorrência de 81,5% dos casos
entre cepas coagulase negativa e a pro-
e dos surtos de intoxicação alimentar
dução de enterotoxina tem sido eviden-
nos quais o agente foi efetivamente con-
ciada em alguns estudos (Carmo et al.,
firmado. (Lee et al., 2009). Na China, S.
2002; Veras et al., 2008). Além da coa-
aureus é responsável pela ocorrência de
78 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 77 - setembro de 2015
gulase, cepas de Staphylococcus spp. po- 10% a 20% de NaCl e nitratos ( Jay et al.,
dem também produzir outras enzimas, 2005).
como a termonuclease e a hemolisina. Por ser comumente agente causador
As espécies de Staphylococcus spp. de mastite no rebanho, Staphylococcus
habitam a pele e a mucosa de animais spp. pode ser encontrado com grande
de sangue quente, incluindo o ho- facilidade em produtos lácteos. Além
mem, sendo as fossas nasais, a cavida- disso, devido a sua capacidade de for-
de oral, a pele e o pelo mar biofilmes e resistir
os locais de predileção As espécies de à dessecação, a persis-
do microrganismo. Staphylococcus spp. tência de Staphylococcus
Estima-se que cerca habitam a pele e a spp. nos equipamentos
de 30 a 50% da po- mucosa de animais de e utensílios também
pulação humana seja sangue quente, incluindo constitui uma impor-
portadora assintomá- o homem, sendo as tante fonte de conta-
tica de Staphylococcus fossas nasais, a cavidade minação ao produto
spp. Por essa razão, a oral, a pele e o pelo os final (Bergdoll et al.,
manipulação inade- locais de predileção do 2006). Dessa forma,
quada do alimento é microrganismo. uma vez presentes em
uma importante fonte condições que favore-
de contaminação por çam a sua multiplicação
este microrganismo (Stamford et al., (temperatura, pH, atividade de água e
2006). O2), algumas cepas de Staphylococcus
Staphylococcus spp. são microrganis- spp., quando em contagens entre 105 a
mos mesófilos e apresentam ampla faixa 106 UFC/mL ou UFC/g ( Jablonski e
de crescimento, entre 7°C e 48°C, sendo Bohach, 2001), são capazes de produzir
a temperatura ótima entre 20°C e 37°C. enterotoxinas nos alimentos, podendo
Os surtos de intoxicação alimentar são ocasionar quadros de intoxicação ali-
provocados por alimentos que perma- mentar estafilocócica quando estas são
necem nesse intervalo de temperatura ingeridas. Alguns estudos, porém, re-
por tempo variável. Em geral, quanto velam a produção dessas enterotoxinas
menor a temperatura, em contagens ainda
maior o tempo para Por ser comumente agente inferiores, em torno de
que haja a produção de causador de mastite no 102 a 10³ UFC/mL ou
enterotoxina. Eles cres- rebanho, Staphylococcus UFC/g (Carmo et al.,
cem em atividade de spp. pode ser encontrado 2002; Veras, 2004).
água de 0,86 e pH 4,8 e com grande facilidade em Vale ressaltar que
toleram ambientes com produtos lácteos. a produção de entero-
Intoxicação alimentar estafilocócica associada ao consumo de queijos artesanais 79
toxinas estafilocócicas 29.600 Daltons) e pon-
Por muitos anos, cepas
não é o único desafio to isoelétrico entre 7,0
MRSA foram reconhecidas
relacionado à presença e 8,6. Elas são ricas em
como patógenos exclusivos
de Staphylococcus spp. aminoácidos lisina, áci-
de hospitais. Porém, já
em alimentos. Um sério do aspártico, ácido glu-
é descrita na literatura a
problema para a saú- tâmico e resíduos de ti-
disseminação de MRSA em
de pública associado à rosina. As enterotoxinas
alimentos.
presença desse micror- estafilocócicas são per-
ganismo em alimentos, tencentes à família das
além de outros fatores de virulência, é a toxinas pirogênicas (PT), assim como
resistência destes aos antimicrobianos, a toxina da síndrome do choque tóxico
havendo ainda a possibilidade de trans- (TSST), as toxinas esfoliativas tipos A e
missão dessa resistência ao homem, por B e as exotoxinas pirogênicas estreptocó-
meio da ingestão do alimento contami- cicas (SPE) (Luz, 2008).
nado (Luz, 2008). Staphylococcus aureus As enterotoxinas estafilocócicas são
meticilina resistente (MRSA) aparece, hidrossolúveis e resistentes à ação de en-
hoje, como o principal caso de resistên- zimas proteolíticas do sistema digestivo,
cia bacteriana no mundo, pelo fato de permanecendo ativas após a ingestão (Le
desencadear infecções graves que limi- Loir et al., 2003). Sua produção ocorre
tam as opções terapêuticas, prolongan- durante toda a fase do crescimento bac-
do, assim, o tempo de tratamento des- teriano, mas principalmente durante a
tas (Ibed e Hamim, 2014). Por muitos fase exponencial (Soriano et al., 2002).
anos, cepas MRSA foram reconhecidas Além disso, são estáveis ao aquecimento
como patógenos exclusivos de hospi- (Murray et al., 1992), não sendo inativa-
tais. Porém, já é descrita na literatura a
das totalmente por tratamentos térmicos
disseminação de MRSA em alimentos
como a pasteurização e a ultrapasteuriza-
(Pesavento et al., 2007).
ção (Jay et al., 2005).
iii. Enterotoxinas estafilocócicas As enterotoxinas (EE) são nomeadas
com as letras do alfabeto, de acordo com
1. Características a ordem cronológica de
gerais As enterotoxinas suas descobertas. Com
As enterotoxinas es- estafilocócicas são base em diferenças an-
tafilocócicas constituem hidrossolúveis e resistentes tigênicas, são descritos
grupo de proteínas ex- à ação de enzimas na literatura 22 tipos de
tracelulares de cadeia proteolíticas do sistema EE: As denominadas
simples, com baixo peso digestivo, permanecendo clássicas – SEA, SEB,
molecular (26.900 a ativas após a ingestão. SEC, SED e SEE –, os
80 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 77 - setembro de 2015
novos tipos – SEG, SEH, SEI, SER, SES A princípio, a toxina da síndrome do
e SET –, e as que não possuem atividade choque tóxico (TSST-1) foi equivoca-
emética ou que ainda não foram testa- damente identificada como SEF, e, por
das, as denominadas enterotoxinas-like isso, não existe a enterotoxina sorotipo
– (SEls), SElJ, SElK, SElL, SElM, SElN, F. No entanto, essa toxina foi renomea-
SElO, SElP, SElQ, SElU, SElU2e SElV. da com a sigla TSST-1 devido à ausência
Embora a maioria dos casos e dos surtos de atividade emética quando testada em
de intoxicação alimentar estafilocócica macacos (Fuyeo et al., 2005), que é uma
seja atribuída às EE clássicas SEA, SEC, evidência necessária para a caracteriza-
SEB, SED, SEE, em ordem decrescente ção da enterotoxina. Pequenas variações
de ocorrência (Cremonesi et al., 2005), antigênicas de SEC 1, 2, 3 têm sido des-
sabe-se que SEG, SEH e SEI podem levar critas, assim como duas SEH distintas.
a quadros de intoxicação alimentar esta- Além disso, algumas variantes também
filocócica, indicando que a importância foram relatadas para SEG, SEI e SEU
das “novas” EE pode estar sendo subes- (Letertre et al., 2003).
timada (Chen et al., 2004; Cenci-Goga et
2. Mecanismos de ação
al., 2003).
As enterotoxinas apresentam estrei- Segundo Franco e Landgraf (2003),
ta identidade genética entre si. Algumas as enterotoxinas podem apresentar vá-
compartilham um alto grau de similari- rias ações no hospedeiro, sendo elas:
dade gênica em suas sequências nucleo- ação emética, ação diarreica e ativida-
tídicas e também em suas cadeias de de de superantígeno. A ação emética é
aminoácidos. O grupo que consiste em a mais frequentemente observada nos
genes codificadores da SEA, SEE e SED quadros de intoxicação alimentar es-
apresenta uma homologia de sequência tafilocócica, e, segundo Dinges et al.,
na sua cadeia de aminoácidos variando (2000), os receptores das enterotoxinas
entre 50 e 83%. Outro grupo compreen- estariam localizados, sobretudo, no in-
de a SEC e a SEB, com uma sequência testino. Nesse sentido, o estímulo seria
homóloga de 42 a 68%. SEJ, bem como transferido por meio do nervo vago até
as enterotoxinas SEI e SEH, por sua o centro do vômito, que compõe o sis-
vez, são caracterizadas tema nervoso central
com uma homologia As enterotoxinas podem (SNC). Esse centro le-
com as outras entero- apresentar várias ações varia à retroperistalsia
toxinas variando entre no hospedeiro, sendo do estômago e do intes-
27% e 64% (Balaban e elas: ação emética, ação tino delgado, provocan-
Rasooly, 2000; Zooche, diarreica e atividade de do o vômito. A diarreia,
2008). superantígeno. por sua vez, constitui
Intoxicação alimentar estafilocócica associada ao consumo de queijos artesanais 81
o segundo sintoma mais observado na As citocinas organizam interações
intoxicação alimentar estafilocócica. O intercelulares e regulam a resposta imu-
seu mecanismo de ação não é completa- ne, porém a produção excessiva pode ser
mente esclarecido. Acredita-se que, di- muito danosa para o hospedeiro, oca-
ferentemente das diarreias provocadas sionando isquemia vascular, trombose,
por toxinas de Clostridium perfringens e coagulação intravascular disseminada,
Bacillus cereus, que dilatam a alça intes- falência de múltiplos órgãos, aumento
tinal, as enterotoxinas estafilocócicas da permeabilidade capilar e, finalmen-
causariam uma inflamação e irritação te, o quadro de choque tóxico. Entre as
da mucosa gastrintestinal, além de inibi- citocinas inflamatórias liberadas pelos
rem a reabsorção de eletrólitos e água no superantígenos estão o interferon-gama
intestino delgado (Dinges et al., 2000). (IFN-γ), a interleucina 1 (IL-1), a in-
Por fim, a atividade de superantígeno terleucina-6 (IL-6) e o fator de necrose
das enterotoxinas estafilocócicas advém tumoral (TNF) (Stevens et al., 1993).
das características compartilhadas entre 3. Determinantes genéticos
elas e as demais toxinas pertencentes e regulação da expressão das
ao grupo conhecido como superantí- enterotoxinas estafilocócicas
genos de toxinas pirogênicas, no qual
As enterotoxinas estafilocócicas são
a toxina da síndrome do choque tóxico codificadas por genes que apresentam
(TSST-1) e as toxinas estreptocócicas particularidades quanto a sua localização
também fazem parte. Estas enterotoxi- e expressão. De forma geral, estes estão
nas interagem diretamente com as cé- localizados em elementos genéticos mó-
lulas T receptoras de antígenos (TCR), veis, como bacteriófagos, plasmídios,
na cadeia Vβ, e com o complexo maior ilhas de patogenicidade cromossomal,
de histocompatibilidade (MHC), classe ou em regiões flanqueadoras de cassete
II, das células apresentadoras de antí- cromossomal. A presença desses genes
genos (APC). Essa interação ocasiona em elementos genéticos móveis em uma
a ativação e a proliferação de células T cepa de Staphylococcus aureus implica
não específicas e a secreção exacerbada possível mobilidade de uma molécula
de interleucinas, que levam mecanis- de DNA para outra, ou de uma bactéria
mos lesivos ao hospedeiro (Le Loir et para outra, em processo conhecido como
al., 2003). Tal propriedade conferiu a transferência horizontal de genes, confe-
essas moléculas a designação de “supe- rindo uma vantagem seletiva e evolutiva
rantígenos” devido ao fato de a propor- ao microrganismo receptor (Blaiotta et
ção da resposta imune ser muito maior al., 2004; Omoe et al., 2005).
que aquela induzida por um antígeno Os genes sea, see, selk, selp e selq estão
convencional. localizados em bacteriófagos pertencen-
82 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 77 - setembro de 2015
tes à família Siphoviridae, podendo ocor- dogenes, denominados φent1 e φent2,
rer de forma simultânea ou isolada na ambos sem função biológica definida.
mesma partícula viral. O gene sed, é car- Embora os genes do agrupamento egc
reado pelo plasmídeo piB485, enquanto sejam regulados pelo mesmo regulador,
os genes selj, ses, ser e set se localizam no o mRNA policistrônico gerado pode ser
plasmídeo denominado pF5. Os genes traduzido individualmente para cada
seb e sec podem se localizar tanto em cro- gene e em níveis distintos. Alguns estu-
mossomos quanto em plasmídeos em dos têm revelado a formação de novos
cepas de Staphylococcus spp. (Fitsgerald genes codificadores de um superantíge-
et al., 2001). no estafilocócico capaz de causar intoxi-
As ilhas de patogenicidade, conhe- cação alimentar por meio de eventos de
cidas como SaPi (Staphylococcus aureus recombinação genética no egc (Letertre
Pathogenicity Islands) nos Staphylococcus et al., 2003; Thomas et al., 2006).
aureus, são elementos genéticos acessó- Por fim, o gene seh se encontra
rios, cuja organização é altamente con- em proximidade ao Staphylococcal
servada, de tamanho entre 15 e 20kb. Cassete Chromossome (SCCmec), es-
Elas ocupam posições específicas no trutura que contém também o gene
cromossomo bacteriano e apresentam mecA, responsável pela característica
capacidade de excisão, replicação e en- de resistência à meticilina (Baba et al.,
capsulamento frequente, manifestando 2002). Atualmente, existem 11 tipos de
alta taxa de transferência. São carreados SCCmec associados a infecções comuni-
por SaPi os genes selk, selq, sell, selk, sec3 e tárias ou hospitalares. A integração e a
seb (Argudin et al., 2010). excisão do SCCmec em loci genômicos
As ilhas genômicas vSa, exclusivas específicos (SCCmec attachment site -
de Staphylococcus aureus, compreendem attBscc) são realizadas por recombina-
regiões do genoma potencialmente ad- ses ccr, permitindo sua transferência ho-
quiridas via transferência horizontal. rizontal intra e interespécies (Gordon e
Elas contêm aglomerados de genes (gene Lowy, 2008).
clusters), que codificam A expressão gênica
diversas enterotoxinas, A expressão gênica de de algumas enteroto-
entre outros fatores algumas enterotoxinas, xinas, assim como de
de virulência, como o assim como de outros
outros fatores de vi-
enterotoxin gene cluster fatores de virulência, é
rulência, é controlada
(egc), responsável por controlada pelo sistema
pelo sistema regulató-
abrigar os genes seg, sei, regulatório global
selm, seln, selo, selu, selu2
acessory gene regulator rio global acessory gene
regulator (agr). Este é
e sev, além de dois pseu-
(agr).
um sistema de trans-
Intoxicação alimentar estafilocócica associada ao consumo de queijos artesanais 83
dução de sinal, característico do gênero Staphylococcus spp. (Bassani, 2009).
Staphylococcus, que permite a modula-
4. Métodos de detecção de
ção da expressão de diversos genes de enterotoxinas estafilocócicas no
acordo com a densidade celular em um alimento
mecanismo de quorum sensing. São co-
O diagnóstico de intoxicação ali-
nhecidos quatro distintos grupos agr:
mentar estafilocócica é geralmente con-
I, II, III e IV (Viçosa, 2012). Diversos
firmado pela associação de três fatores: a
estudos têm demonstrado associação
recuperação de mais de 105UFC de S. au-
de um determinado grupo com resis-
reus/g ou mL de alimento, o isolamento
tência a antimicrobianos ou a um fator
da mesma cepa de S. aureus nos pacien-
de virulência específico. Os genes seb,
tes e no alimento e, por fim, a detecção de
sec e sed têm sido demonstrados como
enterotoxinas no alimento, sendo essa úl-
agr dependentes, enquanto os sea e sej
tima etapa fundamental para o diagnósti-
como agrindependentes. A expressão
co conclusivo (Kérouanton et al., 2007).
do agr em alimentos está correlaciona-
A grande dificuldade na identificação
da com quantidade de S. aureus e com
das enterotoxinas estafilocócicas em ali-
fatores ambientais (Le Loir et al., 2003).
mentos é a pequena quantidade com que
Dessa forma, durante o início da infec-
são encontradas nos
ção por Staphylococcus
alimentos relacionados
spp., a atividade do agr A grande dificuldade
a surtos de intoxicação
é baixa, ocorrendo, as- na identificação
alimentar.
sim, a expressão de pro- das enterotoxinas
As enterotoxinas es-
teínas de superfície que estafilocócicas em
tafilocócicas, por serem
o auxiliam na coloniza- alimentos é a pequena
proteínas simples, são
ção. Com o avançar da quantidade com que são
incapazes de ser iden-
infecção, agr inicia sua encontradas nos alimentos
tificadas por métodos
atividade suprimindo a relacionados a surtos de
químicos. Assim, po-
expressão de adesinas intoxicação alimentar.
dem ser rotineiramente
e iniciando a produção
detectadas por métodos
de exotoxinas, como as
biológicos, moleculares e imunológicos
enterotoxinas estafilcócicas. Mutações
que apresentam variações quanto à sen-
naturais no locus agr podem determi-
sibilidade e à especificidade (Santiliano
nar perda de capacidade de adesão do
et al., 2011).
microrganismo bem como redução da
A maioria dos ensaios biológicos em-
produção de enterotoxinas estafilo-
prega uso de primatas (Macaca mullata),
cócicas, sugerindo que agr é, por si só,
gatos e cobaias. Após a aplicação intra-
um importante fator de virulência de
gástrica de amostras suspeitas no modelo
84 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 77 - setembro de 2015
animal, são medidos os efeitos eméticos plo do ensaio enzimático imunoabsor-
que podem ocorrer em até cinco horas vente (ELISA), técnica que permite uma
após ingestão, caso a amostra contenha fácil visualização de resultados e pode
alguma enterotoxina. Uma outra varieda- ser finalizada sem a adição de materiais
de desse método é o estudo in vitro (cul- radioativos, da aglutinação reversa pas-
tura de tecido). A desvantagem da apli- siva em látex (RPLA – Reversed Passive
cação do método biológico advém das Latex Agglutinations), na qual o anticor-
variações na sensibilidade dos animais, po específico ligado covalentemente ao
da incapacidade de diferenciação entre látex é misturado com a amostra suspei-
os sorotipos das enterotoxinas, do de- ta e se monitora a presença ou ausência
senvolvimento de resistência em animais de aglutinação, e do Western Blot, ensaio
a repetidas administra- no qual as enterotoxinas
ções e do alto custo dos Os métodos moleculares, são separadas de acordo
ensaios (Santiliano et pelas suas características com seu peso/tamanho
al., 2011). de fácil execução, (Santiliano et al., 2011).
Os métodos imuno- rapidez, automoção Por fim, os méto-
lógicos tradicionais se e alta sensibilidade/ dos moleculares, pelas
baseiam na capacidade especificidade, tornaram- suas características de
de o antígeno (entero- se os mais utilizados fácil execução, rapidez,
toxina) interagir com métodos para diagnóstico automoção e alta sen-
anticorpos policlonais das enterotoxinas sibilidade/especifici-
específicos, consistin- estafilocócicas em dade, tornaram-se os
do na formação de um alimentos suspeitos em mais utilizados métodos
precipitado, como é o surtos de intoxicação para diagnóstico das
caso do procedimento alimentar. enterotoxinas estafilo-
imunológico microimu- cócicas em alimentos
nodifusão em lâmina suspeitos em surtos de
(microslide gel double diffusion test) e da intoxicação alimentar. Esses métodos
técnica de sensibilidade ótima em placas se baseiam na amplificação de sequên-
(OSP – Optimum Sensitivy Plate) (Pereira cias específicas de DNA ou de RNA. A
et al., 2001). Com o avanço da tecnolo- reação em cadeia de polimerase (PCR)
gia, novos métodos imunológicos sur- tem sido com frequência aplicada como
giram no mercado, os quais permitem a um método eficiente para a detecção de
detecção mais rápida das enterotoxinas e um (PCR Uniplex) ou mais genes (PCR
apresentam melhor sensibilidade que os multiplex) responsáveis pela produção
métodos tradicionais (detecção de quan- de toxinas estafilocócicas (Becker et al.,
tidades inferiores a 1ng de EE), a exem- 1998). A detecção de genes enterotoxi-

Intoxicação alimentar estafilocócica associada ao consumo de queijos artesanais 85


gênicos indica a possi- (Handelsman, 2004),
A presença de
bilidade de determina- localizando genes e clus-
Staphylococcus spp.
da amostra produzir a ters responsáveis pela
nos queijos artesanais
toxina, mesmo que essa síntese de moléculas
pode estar associada
característica não esteja com propriedades de
a condições precárias
sendo expressa e, con- interesse, como as ente-
de higiene durante
sequentemente, a toxina rotoxinas estafilocócicas
a elaboração do
não esteja sendo produ- (Handelsman, 2004;
produto, à utilização de
zida (Oliveira, 2012). temperaturas impróprias Steele e Streit, 2005).
O estudo da expressão para a sua conservação, Em grego, a palavra meta
gênica desses genes, por ao período de maturação significa “transcenden-
sua vez, permite conclu- inadequado do queijo, te”. Isso significa que tal
sões mais precisas quan- bem como à presença abordagem vai além das
to à real capacidade de o de vacas com mastite no análises genômicas que,
microrganismo produ- rebanho. de maneira geral, são
zir a toxina no alimento. aplicadas em micror-
Nesse sentido, a PCR ganismos cultivados.
em tempo real (qPCR) tem se revelado Além disso, a abordagem metagenômica
uma técnica inovadora na avaliação dessa mediante a extração de RNA diretamen-
enterotoxina, pela possibilidade de quan- te da amostra suporta o desenvolvimento
tificar o cDNA amplificado, obtido do de um campo de estudo completamente
RNA da cultura microbiana ou extraído novo, a transcriptômica, que explora o
diretamente da amostra, em cada ciclo de estudo da expressão gênica, nesse caso,
amplificação, de maneira precisa e com das enterotoxinas estafilocócicas, em vez
maior reprodutibilidade (Bastos, 2013). do conteúdo do genoma do microrganis-
Adicionalmente às técnicas molecu- mo (Schaefer e Thompson, 2015).
lares tradicionais, as análises independen- 5. Ocorrência de Staphylococcus
tes de cultivo têm se mostrado alternati- enterotoxigênico e de
vas recentes seguras na detecção de genes enterotoxinas em queijos
codificadores de enterotoxinas estafilo- artesanais
cócicas diretamente a do alimento. Nesse A presença de Staphylococcus ente-
sentido, a abordagem metagenômica rotoxigênicos e de suas enterotoxinas
utilizando sequenciamento de segun- tem sido constatada com frequência
da geração, a exemplo do sequenciador em queijos artesanais, sobretudo nos
Illumina, tem se destacado por permitir elaborados de leite cru. A presença de
o acesso ao genoma (DNA) de toda a Staphylococcus spp. nos queijos artesa-
comunidade microbiana de uma amostra nais pode estar associada a condições
86 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 77 - setembro de 2015
precárias de higiene durante a elabora- Em trabalho realizado com queijo
ção do produto, à utilização de tempera- Minas frescal comercializado em re-
turas impróprias para a sua conservação, giões do Rio de Janeiro, 30,62% das
ao período de maturação inadequado do colônias analisadas em um total de 111
queijo, bem como à presença de vacas foram positivas para alguns dos genes
com mastite no rebanho, tendo em vista de enterotoxinas pesquisados (Freitas,
que Staphylococcus aureus é o principal 2005). Em pesquisa direta de entero-
agente causador de mastite nos reba- toxina em amostras analisadas em uma
nhos. Estima-se que cerca de 30 a 50% linha de produção de queijo coalho,
da população humana seja portadora foi constatada a ocorrência de 20% de
assintomática de Staphylococcus spp. Por amostras positivas (4/20). As enteroto-
essa razão, a manipulação inadequada xinas também foram detectadas no leite
do queijo é também uma importante cru usado na elaboração deste queijo
fonte de contaminação do produto final (Borges et al., 2008). Em outro estudo
(Stamford et al., 2006). realizado em leite cru e queijo Minas
Vários são os estudos nacionais e in- frescal na região de Viçosa, dos 89 mi-
ternacionais que abordaram a ocorrên- crorganismos isolados, 15,7% foram
cia de Staphylococcus enterotoxigênico e produtores de enterotoxinas clássicas,
de suas enterotoxinas em queijos artesa- 21,4% apresentaram resultados corres-
nais. Em trabalho realizado com queijo pondentes entre a presença de genes
muçarela da região de Goiânia, 9,8%, e a detecção de enterotoxinas, 62,9%
o correspondente a 13 das 132 cepas apresentaram ao menos um dos genes
analisadas, apresentaram potencial para codificadores de enterotoxinas clássi-
produção de enterotoxinas, e, dessas, 13 cas, sempre em associações com outros
cepas (61,5%) produziram SEA, 23,1% genes de enterotoxinas. O gene sek foi
SEB, 7,7% SEC e 7,7% SEA e SEB. Nos menos observado, enquanto sei esteve
extratos de queijo, a presença de ente- presente em 98,9% dos microrganismos
rotoxinas foi detectada diretamente em isolados (Viçosa, 2012).
9,2% (7/76) das amostras; 71,5% (5) Borelli (2006), ao analisar a pre-
eram SEA, e 28,5% (2) SEB (Nicolau et sença de enterotoxinas estafilócicas
al., 2001). em queijos Minas artesanais da região
Na avaliação de queijo de coalho da Serra da Canastra, encontrou SEB e
comercializado nas praias de Salvador SEC. Em trabalho realizado com queijo
e Maceió, Rapini et al. (2002) obser- Minas artesanal da mesma região, ente-
varam que 100% das amostras estavam rotoxina SEA foi detectada em 75% das
contaminadas por Staphylococcus sp. e 16 amostras de queijo analisadas, com
por enterotoxinas SEB e SEC. oito dias de elaboração. Por outro lado,
Intoxicação alimentar estafilocócica associada ao consumo de queijos artesanais 87
não foram detectadas as tectada e 26% sendo
Segundo a Secretária
enterotoxinas SEB, SEC PCR-negativos para os
de Vigilância em
e SED (Dores, 2007). genes das enterotoxi-
Saúde, Staphylococcus
Contrariamente, em nas. Os genes sea, sed, sej
aureus foi o segundo
estudos relacionados agente etiológico mais e ser também foram de-
com queijos Minas ar- frequentemente isolado em tectados nas amostras
tesanais, nas regiões de casos notificados de surtos de Staphylococcus spp.
Araxá e Serro, não foi no Brasil, no período de analisadas. A produção
detectada a presença 2000 a 2011, totalizando in vitro das enterotoxi-
de enterotoxina, ape- 799 surtos nas foi consistente com
sar de a contagem de os genes detectados na
Staphylococcus aureus, maior parte dos casos.
em algumas situações, ter sido supe- No entanto, alguns microrganismos não
rior a 107 UFC/g (Pinto, 2004; Araújo, produziram sea (Hummerjohann et al.,
2004). 2014).
Em trabalho realizado com cepas de iv. Surtos de intoxicação estafi-
Staphylococcus aureus isolados de quei- locócica atribuídos ao consumo de
jos artesanais elaborados de leite cru queijos artesanais
de ovelha na Itália, sec, sel foram os genes Do ponto de vista epidemiológico,
mais frequentemente isolados (Spanu et surtos são definidos como sendo a ocor-
al., 2012). Em queijo telita, um queijo ar- rência de dois ou mais casos de uma
tesanal venezuelano branco, fresco, elabo- doença, com o mesmo quadro clínico,
rado a partir de leite cru, enterotoxinas A e resultante da ingestão de um alimen-
B foram detectadas somente nos queijos ar- to em comum (Meer e Misner, 1999).
mazenados a 25°C com contagens médias Segundo a Secretária de Vigilância em
de Staphylococcus aureus de 107 UFC/g Saúde, Staphylococcus aureus foi o se-
(Lucci et al., 2014). gundo agente etiológico mais frequen-
Em estudo realizado em queijos elabo- temente isolado em casos notificados
rados a partir de leite cru, em propriedades de surtos no Brasil, no período de 2000
leiterias na Suécia, não foram detectadas a 2011, totalizando 799 surtos (Fig. 2)
enterotoxinas estafilocócicas (Rosengren (Brasil, 2012). E, nesse sentido, diver-
et al., 2010). Por outro lado, em trabalho sos estudos relatam a ocorrência de
realizado com queijos artesanais suiços, Staphylococcus spp. em surtos de into-
107 isolados, obtidos de 78 amostras de xicação alimentar relacionados, princi-
queijos, revelaram padrões diferentes de palmente, a queijos artesanais no Brasil
genes codificadores de enterotoxinas, (Tab. 1).
com sed sendo mais frequentemente de- Em julho de 1987, na cidade de
88 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 77 - setembro de 2015
Ouro Preto (MG), houve um surto de tro pessoas de uma mesma família. Tal
intoxicação alimentar envolvendo qua- evento foi atribuído à contaminação do

1800 - 1660
Agentes eológicos idenficados por surto.
1600 - Brasil, 2000-2011*
1400 -
1200 -
1000 -
799
800 -
600 -
411
400 - 300
190 234
182
200 - 82
3 10 2 4 12 1 5 6 24 2
0-
li

ndii
pp
reus

reus

pp

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spp

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C. b

V. ch
C. p
Salm

pylo

tosp
arah

Ente
Cam

Cryp
V. p

Tabela 1: Relatos de surtos de intoxicação estafilocócica atribuídos ao consumo


de queijos no Brasil, período de 1993-2002
Agente N° de pesso-
Local Veículo etiológico as envolvidas
Belo Horizonte- MG Queijo S. aureus 3
Belo Horizonte- MG Queijo S. aureus 8
Belo Horizonte- MG Queijo S. aureus 3
Arapongas- PR Queijo colonial S. aureus 7
Curitiba-PR Queijo S. aureus 3
Curitiba-PR Queijo S. aureus 4
Curitiba-PR Queijo S. aureus 4
P. Fontin-PR Queijo S. aureus 5
Viamão-RS Queijo S. aureus 4
Rio Grande-RS Queijo S. aureus 12
Caxias do Sul-RS Queijo S. aureus 8
Quedas do Iguaçu-PR Queijo colonial S. aureus 4
Itapajé-CE Queijo S. aureus 7
Porto Alegre-RS Queijo colonial S. aureus 3
Fortaleza-CE Queijo S. aureus 7
Autazes-AM Queijo S. aureus 4
Total 86

Fonte: INPPAZ/OPS/OMS (2006).

Intoxicação alimentar estafilocócica associada ao consumo de queijos artesanais 89


queijo Minas frescal por S. aureus em 9,3 2002). A manipulação inadequada do
x 107 UFC/g, no qual foram detectadas queijo durante as suas etapas de elabo-
bactérias produtoras de SEA, SEB, SED ração foi apontada como a causa princi-
e SEE. Entre os sintomas apresentados pal da contaminação estafilocócica.
pela família, incluem-se náuseas, vômi- No final de 2009, seis surtos de
tos, diarreia e dores abdominais, o que intoxicação alimentar causados por
caracteriza a intoxicação (Sabioni et Staphylococcus spp. foram relatados na
al., 1988). Mais tarde, entre novembro França. Queijo fresco elaborado com
de 1991 e outubro de 1992, em Minas leite cru foi considerado a causa co-
Gerais, foram relatados mais cinco sur- mum nos surtos. Staphylococcus produ-
tos de intoxicação estafilocócica as- tor de enterotoxina SEE foi identifica-
sociados, novamente, ao consumo de do e quantificado no queijo usando-se
queijo frescal (Câmara, 2002). métodos oficiais e de confirmação do
Em 1996, ocorreu um surto relacio- Laboratório de Referência da União
nado à ingestão de queijo Minas frescal Europeia (EU-RL). Este foi o primeiro
envolvendo sete pessoas da mesma famí- relato de surtos de intoxicação alimen-
lia, que foram acometidas com vômito e tar causada pela enterotoxina estafilo-
diarreia após quatro horas de ingestão do cócica tipo SEE na França (Ostyn et al.,
alimento contaminado. A partir da aná- 2010).
lise desse alimento, foi possível detectar Em 1º de outubro de 2014, crianças
contagens de 2,9 x 108 UFC/g de S. au- e funcionários de um internato suíço
reus, sendo detectadas amostras produto- consumiram um queijo fresco produzi-
ras de SED e SEH (Pereira et al.,1996). do de leite cru. Dentro de aproximan-
Em 1999, os serviços sanitários do damente sete horas, todas as 14 pessoas
Conselho de Saúde de Manhuaçu foram que ingeriram o queijo ficaram doentes,
notificados de um surto de intoxicação incluindo 10 crianças e quatro mem-
alimentar envolvendo 50 pessoas que bros da equipe. Os sintomas incluíram
adoeceram depois de comerem queijo dor abdominal e vômito intenso, segui-
Minas artesanal. Os sintomas de intoxi- do de diarréia grave e febre. Nesse caso,
cação alimentar (diarreia, vômitos, ton- foram isoladas três cepas diferentes de
turas, calafrios e dores de cabeça) apare- Staphylococcus aureus, em contagens su-
ceram após duas horas de os indivíduos periores a 106 UFC/g, produtoras de
ingerirem o alimento contaminado. enterotoxina estafilocócica SEA e SED.
As amostras de queijo analisadas apre- Por meio de estudo epidemiológico,
sentaram altas contagens de S. aureus, constatou-se que a fonte de contamição
superiores a 108 UFC/g, e, ainda, a pre- do queijo foi o leite cru (Sophia et al.,
sença de SEA, SEB e SEC (Carmo et al., 2015).
90 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 77 - setembro de 2015
3. Considerações finais enterotoxinas estafilocócicas se tornam
indispensáveis para a compreensão
A intoxicação alimentar estafilocó- científica e a investigação dos quadros
cica se configura, hoje, como uma das
de intoxicação alimentar estafilocócica.
principais causas de doenças transmiti-
das por alimentos (DTAs) no mundo, e 4. Referências
os queijos artesanais um dos principais
alimentos envolvidos em casos e surtos
bibliográficas
1. AMSON, G. V.; HARACEMIV, S. M. C.;
notificados. Com o avanço da ciência e a MASSON, M. L. Levantamento de dados epi-
aplicação de métodos cada vez mais acu- demiológicos relativos a ocorrências/ surtos de
doenças transmitidas por alimentos (DTAs) no
rados na prevenção e Estado do Paraná - Brasil, no pe-
no controle de doenças, ríodo de 1978 a 2000. Ciência e
A intoxicação alimentar
tem se visto o desenvol- estafilocócica se configura, Agrotecnologia,
1145, 2006.
v.30, n.6, p.1139-

vimento de técnicas hoje, como uma das 2. ARAÚJO, R. A. B.


capazes de identificar principais causas de M. Diagnóstico socioeconômico,
com precisão e rapidez cultural e avaliação dos parâme-
doenças transmitidas por tros físico-químicos e microbioló-
cepas de Staphylococcus alimentos (DTAs) no gicos do queijo Minas artesanal
spp. produtoras de mundo.
da região de Araxá. 2004. 148
p. (Mestrado em Ciência e
enterotoxinas, assim Tecnologia de Alimentos) –
como enterotoxinas Universidade Federal de Viçosa,
Viçosa. 2004.
presentes diretamente no alimento. A
compreensão desses métodos de diag- 3. ARGUDIN, M.A.; MENDOZA, M.C.; RODICIO,
M.R. Food poisoning and Staphylococcus aureus
nóstico, somada à aplicação de técnicas enterotoxins. Toxins (Basel) v.2, n.7, p.1751-1773,
de rastreabilidade dos fatores envolvi- 2010.
dos nos quadros de intoxicação, bem 4. BABA, T.; TAKEUCHI, A.; KURODA, M. et
al. Genome and virulence determinats of high
como a atuação conjunta das agências virulence community-acquired MRSA. The
em vigilância epidemiológica, a exem- Lancet.v.359, n. 9320, p.1819-1827, 2002.
plo do que acontece na União Europeia 5. BALABAN, N.; RASOOLY, A. Staphylococcal
(European Food Safety Authority - EFSA) enterotoxins. Int. J. Food Microbiol.v.61, n.1, p.1-10,
2000.
e nos Estados Unidos (Centers for
Disease Control and Prevention- CDC), 6. BANNERMAN, T.L.Staphylococcu
s,  Micrococcus, and other catalase-
são etapas fundamentais para o controle positive cocci that grow aerobical-
e a prevenção dos casos e surtos de into- ly.  In: MURRAY, P.R .; BARON,E.J.;
JORGENSEN, J.H. et al. (Eds),  Manual of
xicação alimentar estafilocócica. Nesse Clinical Microbiology,  American Society
sentido, estudos envolvendo o aprofun- Microbiology, Washington.2003. p.
384-404.
damento do conhecimento genômico
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Intoxicação alimentar estafilocócica associada ao consumo de queijos artesanais 95


Resíduos de
antimicrobianos
em ovos bigstockphoto.com
Isabela Pereira Lanza1, Débora Cristina Sampaio de Assis2,
Guilherme Resende da Silva3, Tadeu Chaves de Figueiredo4, Silvana de Vasconcelos Cançado4
1 - Médica veterinária, mestranda, DTIPOA, UFMG
2 - Médica veterinária, doutoranda, DTIPOA, UFMG
3 -Médico veterinário, doutorando, DTIPOA, UFMG
4 - Escola de Veterinária da UFMG – DTIPOA

1 – Introdução A indústria avícola


ciclo de postura de um
ano. Além disso, a gali-
A indústria avícola brasileira se caracteriza
nha de postura moderna
brasileira se caracteriza pela agregação contínua
consegue transformar
pela agregação contínua de novas tecnologias,
recursos alimentares de
de novas tecnologias, o que resulta em uma
menor valor biológico
o que resulta em uma atividade com os mais
destacados índices de em produto de alta qua-
atividade com os mais lidade nutricional para
destacados índices de
produtividade entre os
diversos segmentos da consumo humano. Essa
produtividade entre os eficiente transformação
pecuária.
diversos segmentos da depende de fatores bio-
pecuária. O melhora- lógicos relacionados à
mento genético das galinhas poedeiras, fisiologia da ave, aliados a conhecimen-
obtido por gerações de cruzamentos tos sobre o aporte nutricional necessá-
industriais, resultou em aves com pro- rio, manejo e ambiente adequados de
dução de até 320 ovos no seu primeiro criação. Nesse sentido, a utilização de
96 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 77 - setembro de 2015
agentes quimioterápicos seus resíduos em produ-
Seguindo a tendência
trouxe uma enorme con- tos alimentícios obtidos
mundial, os órgãos
tribuição ao setor, sendo, em animais tratados. O
oficiais de saúde
por muitas vezes, im- acúmulo de resíduos
pública têm se
prescindíveis para uma posicionado contra o no organismo humano
atividade rentável. uso dos antibióticos pode apresentar efeitos
Os agentes antimi- como promotores nocivos à saúde dos con-
crobianos, ou antibióti- de crescimento na sumidores e levar, inclu-
cos, são substâncias quí- produção animal sive, ao aparecimento de
micas que eliminam ou (Miltenburg, 2000). resistência microbiana
inibem o crescimento de a algumas drogas. Além
microrganismos. Esses disso, a presença desses
agentes foram descobertos no final da medicamentos em alimentos está asso-
década de 20 e, assim que os primeiros ciada a outros efeitos adversos, incluin-
compostos foram purificados, passaram do hipersensibilidade, danos teciduais,
a ser utilizados na medicina humana perturbações gastrointestinais e doen-
e na veterinária. A utilização dos anti- ças neurológicas (Aerts et al., 1995; Lee
microbianos na medicina veterinária et al., 2000; Menten, 2002; Wassenaar,
aumentou considera- 2005; Bondi et al., 2009).
velmente nos últimos No Brasil, para atender Seguindo a tendên-
anos, principalmente a as exigências do cia mundial, os órgãos
partir da década de 50 mercado internacional, oficiais de saúde pública
(Bondi et al., 2009). foi instituído o têm se posicionado con-
Esses medicamentos Plano Nacional de tra o uso dos antibióticos
são usados na produção Controle de Resíduos como promotores de cres-
animal como agentes e Contaminantes em cimento na produção ani-
terapêuticos, profiláti- Produtos de Origem mal (Miltenburg, 2000).
cos e também na forma Animal (PNCRC) Na União Europeia (UE),
de aditivos químicos com o objetivo de por exemplo, o uso de an-
que funcionam como inspecionar e monitorar, timicrobianos como aditi-
promotores de cresci- baseando-se em análise vo alimentar para animais
mento (Companyó et de risco, a presença de de produção foi banido
al., 2009). resíduos de substâncias desde janeiro de 2006.
O amplo uso de químicas que podem ser No Brasil, para atender
medicamentos na pro- nocivas ao consumidor as exigências do mercado
dução animal pode fa- (Brasil, 1986; Brasil, internacional, foi institu-
vorecer a presença dos 1995). ído o Plano Nacional de
Resíduos de antimicrobianos em ovos 97
Controle de Resíduos e Contaminantes nidade, mortalidade, rentabilidade do
em Produtos de Origem Animal agronegócio e, principalmente, da qua-
(PNCRC) com o objetivo de inspecio- lidade do alimento produzido. Nesse
nar e monitorar, baseando-se em análise contexto, o uso de antimicrobianos
de risco, a presença de resíduos de subs- tem se tornado de extrema relevância
tâncias químicas que podem ser nocivas (Palermo-Neto et al., 2005; Spinosa et
ao consumidor (Brasil, 1986; Brasil, al., 2005).
1995). Além dessa regulamentação,
2.1 - Principais
para garantir a segurança no consumo antimicrobianos utilizados
de ovos, é preciso respeitar o período na avicultura
de carência determinado para cada me-
dicamento, para que ocorra eliminação Os agentes antimicrobianos são
completa da droga ou de seus resíduos substâncias químicas que eliminam ou
pelo organismo do animal. O não cum- inibem o crescimento de microrganis-
primento do período de carência, a via mos. Esses agentes foram descobertos
no final da década de 20 e, assim que os
de administração do medicamento, a
primeiros compostos foram purificados,
contaminação da água e as condições
já passaram a ser utilizados na medicina
físicas da galinha poedeira atuam como
humana e na veterinária. Esses medica-
os principais motivos de ocorrência de
mentos são utilizados na produção ani-
resíduos em ovos.
mal como agentes terapêuticos e profilá-
2 – Revisão Bibliográfica ticos (Companyó et al., 2009).
Os mecanismos de ação dos anti-
A avicultura moderna não pode microbianos são complexos e atuam
prescindir do uso de antimicrobianos. de diferentes maneiras: melhoram o
Nos sistemas de produção usados no desempenho dos animais mediante
país, capazes de impor ao setor de pro- efeito direto sobre o metabolismo no
dução uma dinâmica diferente, o conví- organismo, atuam na síntese de vitami-
vio entre animais em espaços restritos, nas e aminoácidos e, ainda, inibem o
de mesma linhagem, idade, nas mesmas crescimento de bactérias indesejáveis
condições nutricionais e de higiene, ali- (Bellaver, 2000).
mentando-se da mesma ração, bebendo A classificação dos antimicrobianos
da mesma água e respirando o mesmo se dá por sua estrutura química, ação
ar, possibilita o aparecimento de doen- biológica, espectro de ação e mecanis-
ças que não serão restritas a um único mo de ação (Quadro 1). A estrutura
indivíduo, mas, sim, a toda a população química e o mecanismo de ação são os
animal. Esse fato tem graves consequ- critérios empregados para apresentar os
ências do ponto de vista de manejo, sa- diferentes grupos farmacológicos dos
98 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 77 - setembro de 2015
Quadro 1 - Classificação dos antimicrobianos por sua estrutura química, ação
biológica, espectro de ação e mecanismo de ação.
Classificação Antimicrobiano
Estrutura química
Penicilinas**, cefalosporinas**, bacitracina, vancomicina,
- Derivados de aminoácidos
polimixinas
- Derivados de açúcares Aminoglicosídeos, macrolídeos, lincosamidas

- Derivados do acetato e propionato Rifamicinas, anfotericina B, nistatina, tetraciclinas**

- Outros Fosfomicina
Origem
- Produzidos por bactérias Bacitracina, polimixinas
- Produzidos por ascomicetos Penicilinas**, cefalosporinas**
Aminoglicosídeos, fosfomicina, lincosaminas, macrolíde-
- Produzidos por actinomicetos
os, cloranfenicol*

Cloranfenicol*, fosfomicina, penicilinas**, semissintéticas


- Produzidos por síntese total ou parcial
(ampicilina, amoxicilina)**
Ação biológica
- Bactericida Penicilinas**, aminoglicosídeos
- Bacteriostático Tetraciclinas**, lincosamidas, macrolídeos
- Fungicida anfotericina B, nistatina
- Fungiostática Griseofulvina
Espectro de ação

- Ativos sobre bactérias Gram-positivas Penicilinas naturais**, macrolídeos, bacitracina

- Ativos sobre bactérias Gram-negativas Aminoglicosídeos, polimixinas


Tetraciclinas**, cloranfenicol*, rifampicina, ampicilina
- Amplo espectro
(peniclina semissintética)
- Ativos sobre micobactérias Aminoglicosídeos, rifampicina
- Ativos sobre riquétsias, micoplasma e
Tetraciclinas, cloranfenicol*, macrolídeos
clamídias
- Ativos sobre fungos Nistatina, anfotericina B, griseofulvina
Mecanismo de ação
Penicilinas**, cefalosporinas**, fosfomicina, Bacitracina,
- Parede celular
vancomicina
- Membrana celular Polimixinas, anfotericina B
- Síntese de ácidos nucleicos Novobiocina, rifamicinas, griseofulvina
Aminoglicosídeos (formação de proteínas defeituosas),
- Síntese proteica macrolídeos, lincosamidas, tetraciclinas**, cloranfenicol*
(perturbação da tradução da informação genética)
Fonte: Adaptado de Spinosa et al., 2005.
Nota:* Uso proibido na terapêutica em animais produtores de alimentos (Brasil, IN 9/2003).
** Uso proibido como aditivos zootécnicos melhoradores de desempenho ou como conservantes de alimentos para animais
(Brasil, IN 26/2009).

Resíduos de antimicrobianos em ovos 99


antibacterianos usados largamente utilizados
Os antibióticos também
em medicina veteriná- em aves para tratar infec-
foram divididos em
ria, sendo a classifica- ções respiratórias e ar-
grupos de substâncias
ção pelo mecanismo de permitidas e não trites ou também como
ação a de maior interes- permitidas. No grupo aditivo alimentar para
se na prática veterinária A, que corresponde a preveni-las. São rapi-
(Spinosa et al., 2005). drogas de uso proibido damente excretados do
Os antibióticos tam- e no grupo B, que inclui sangue por via renal e eli-
bém foram divididos em substâncias permitidas minados, em sua maior
grupos de substâncias para uso em produção parte, na urina, embora
permitidas e não permi- animal. possam ser encontrados
tidas. No grupo A, que em pequena quantida-
corresponde a drogas de também na bile e nas
de uso proibido, encontram-se os es- fezes (Santos et al., 2001; Doyle, 2006;
teroides anabolizantes, os β-agonistas, Bogialli, 2009).
os tireostáticos, os cloranfenicóis e os Todos os beta-lactâmicos têm um
nitrofuranos; e no grupo B, que inclui elemento estrutural em comum, o anel
substâncias permitidas para uso em azetidinona de quatro membros, ou anel
produção animal, destacam-se os anti- beta-lactâmico. O mecanismo de ação
bióticos β-lactâmicos, tetraciclinas, ma- dos beta-lactâmicos ocorre pela inibição
crolídeos, aminoglicosídeos, anfenicóis, irreversível da enzima transpeptidase,
quinolonas/fluoroquinolonas, sulfona- interferindo na última etapa da síntese
midas, lincosamidas, glicopeptídeos e do peptideoglicano e impedindo, dessa
ionóforos. Entre os medicamentos ve- forma, a síntese da parede celular bac-
terinários mais utilizados em aves estão teriana (Walsh, 2003; Guimarães et al.,
as tetraciclinas, os macrolídeos, as lin- 2010; Spinosa et al., 2011).
cosamidas, as penicilinas, as sulfonami-
2.1.2 – Tetraciclinas
das, os aminoglicosídeos, as fluoroqui-
nolonas, as cefalosporinas e os fenicóis As tetraciclinas compreendem um
(EEC, 1990; De Brabander et al., 2007; grupo de antibióticos usados terapêu-
Reig e Toldrá, 2008; Bondi et al., 2009). tica e profilaticamente em animais de
produção. São produzidas por diversas
2.1.1 – Beta-lactâmicos espécies de Streptomyces, sendo algumas
Os antibióticos beta-lactâmicos semissintéticas. São antibióticos bacte-
(ampicilina, amoxicilina, cefazolina, riostáticos que inibem a síntese proteica
oxacilina, dicloxacilina, nafcilina, clo- dos microrganismos sensíveis, possuin-
xacilina, penicilina G, penicilina V) são do amplo espectro de ação contra bac-
100 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 77 - setembro de 2015
térias Gram-negativas, Gram-positivas, pecíficas em aves, como as micoplas-
incluindo micoplasma, bactérias intra- moses, clostridioses, estafilococoses,
celulares, como clamídias e riquétsias, e, estreptococoses (Ito et al., 2005). Para
até mesmo, alguns protozoários. Além uso no Brasil, estão comercialmente
de seu uso no tratamento de infecções, disponíveis a tilosina, a espiramicina, a
principalmente respiratórias e gastroin- eritromicina e a tilmicosina (Spinosa et
testinais, as tetraciclinas também são al.,2011).
utilizadas como aditivo alimentar para As lincosamidas, grupo de antibi-
aves e suínos (Blanchflower et al., 1997; óticos monoglicosídeos que possuem
Santos et al., 2001; Madigan et al., 2004; uma cadeia lateral semelhante à de um
Palermo-Neto et al., 2005; Tortora et al., aminoácido, apresentam um espectro
2012; Spinosa et al., 2011). antimicrobiano moderado, atuando
principalmente contra bactérias Gram-
2.1.3 – Macrolídeos e
positivas aeróbias e anaeróbias e algu-
lincosamidas
mas bactérias Gram-negativas. Têm
Apesar de distintos do ponto de como principais representantes a linco-
vista estrutural, os macrolídeos e as lin- micina e a clindamicina. A lincomicina,
cosamidas são antibióticos que compar- quando associada com a espectinomici-
tilham características químicas, antimi- na (aminoglicosídeo), é comercializada
crobianas e farmacológicas. Trata-se de para uso oral em galinhas no controle
agentes bacteriostáticos ou bactericidas, de aerossaculite e da doença crônica
variando conforme a sua concentração, respiratória (Spisso, 2010). Segundo
cujo mecanismo de ação envolve a ini- Albuquerque (2005), a lincomicina é
bição da síntese proteica. São ativos um dos antimicrobianos autorizados no
principalmente contra bactérias Gram- Brasil como aditivo para melhorar o ga-
positivas aeróbias e anaeróbias, mico- nho de peso em aves de corte.
plasmas, tendo efeito variável para as
Gram-negativas, e usados na prevenção 2.1.4 – Aminoglicosídeos
e no tratamento de doenças respirató- Os aminoglicosídeos são antibi-
rias, enterite bacteriana e como promo- óticos bactericidas, inibidores da sín-
tores de crescimento em frangos, incor- tese proteica e amplamente utilizados
porados em níveis subterapêuticos na contra bactérias Gram-negativas. São
ração (Spisso, 2010). compostos de um grupo amino básico
Os macrolídeos são compostos ati- e uma unidade de açúcar ou grupo gli-
vos, principalmente, contra bactérias cosídeo e apresentam melhor atividade
Gram-positivas, sendo utilizados no em pH levemente alcalino. A maioria
controle e tratamento de doenças es- dos antibióticos desse grupo é produ-
Resíduos de antimicrobianos em ovos 101
zida pelos microrganismos Streptomyces portante função na síntese de DNA e
spp., Micromonospora sp. e Bacillus sp. RNA bacteriano. Desse modo, as sulfas
(Palermo-Neto et al., 2005; Spinosa et são bacteriostáticas e agem inibindo
al., 2011). competitivamente uma das enzimas
Na avicultura, os aminoglicosídeos atuantes na biossíntese do ácido fólico
mais utilizados são a neomicina, a apra- (Palermo-Neto et al., 2005).
micina, a gentamicina e a espectinomi- As sulfonamidas possuem amplo
cina associadas à lincomicina, com o ob- espectro de ação, agindo sobre bacté-
jetivo de tratar infecções mistas e obter rias Gram-positivas e algumas Gram-
maior efeito terapêutico (Spinosa et al., negativas (Ito et al., 2005). Devido ao
2011). seu uso nos últimos 50 anos, podem
2.1.5 - Quinolonas/ ser encontradas na natureza bactérias
fluoroquinolonas resistentes capazes de utilizar fontes
exógenas de ácido fólico pré-formado.
As quinolonas e as fluoroquinolonas
Algumas vezes a resistência se deve a
são antimicrobianos sintéticos, bacteri-
mutações; em outras, mais frequente-
cidas que inibem a replicação da DNA
mente, à aquisição de plasmídeos e de
girase bacteriana, impedindo a realiza-
outros elementos genéticos móveis,
ção do superenovelamento do DNA,
que, além de promoverem a resistên-
necessário para o empacotamento da
cia, portam genes de resistência a ou-
célula bacteriana (Madigan et al., 2004).
tros antimicrobianos (Pérez-Trallero,
As fluoroquinolonas são ampla-
2010).
mente empregadas na indústria avícola
como forma de prevenção de doenças Porém, na ausência de resistência,
respiratórias e tratamento de infecções as sulfas têm grande preferência e van-
nos tratos respiratório, gastrointestinal e tagens entre os antimicrobianos, como
urinário (Madigan et al., 2004; Paturkar o baixo custo e a administração oral.
et al., 2005). Na avicultura, são administradas na
água ou na ração, atuando como agen-
2.1.6 - Sulfonamidas tes terapêuticos no controle da coc-
As sulfonamidas, também conhe- cidiose, pulorose, tifo aviário, cólera
cidas como sulfonamídicos ou sulfas, aviária e coriza infecciosa das galinhas
são compostos sintéticos derivados (Hoff, 2008). Seu uso em doses eleva-
de um corante: a sulfamidocrisoidina. das, no entanto, pode causar queda de
Esse quimioterápico é um análogo es- produção, perda na qualidade das cas-
trutural do ácido paraminobenzoico cas do ovo, despigmentação em ovos
(PABA), um componente do ácido vermelhos e aumento da mortalidade
fólico, cuja forma reduzida tem im- (Palermo-Neto et al., 2005).
102 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 77 - setembro de 2015
2.2 – Legislação O crescente uso de
(OMS), criado em
1963 para elaborar
O crescente uso medicamentos veterinários
e coordenar normas
de medicamentos ve- levou ao desenvolvimento
alimentares no pla-
terinários levou ao de regulamentações
visando à harmonização no internacional. As
desenvolvimento de
dos valores para as propostas centrais do
regulamentações vi-
sando à harmonização diversas combinações Codex estão citadas
dos valores para as di- de fármacos e matrizes, no artigo primeiro de
versas combinações juntamente com estudos seu Estatuto: prote-
de fármacos e matri- de potenciais efeitos da ger a saúde dos con-
zes, juntamente com ingestão de alimentos sumidores e assegurar
estudos de potenciais contendo níveis superiores práticas equitativas no
efeitos da ingestão de aos limites máximos de comércio internacio-
alimentos contendo resíduos estabelecidos. nal de alimentos. Esse
níveis superiores aos programa é um fórum
limites máximos de intergovernamental
resíduos estabelecidos. Tais conheci- que desenvolve normas internacionais
mentos tornam-se bastante relevantes para alimentos baseado em princí-
no que diz respeito á saúde pública e pios científicos (Codex Alimentarius,
às relações internacionais de comér- 2014).
cio (Hoff, 2008). O Codex é responsável pela análi-
Visando à proteção da saúde da se crítica da literatura existente sobre
população, foram criados mecanismos a toxicidade de cada antimicrobiano
que englobam, entre usado como medi-
outros, o setor pú- O Codex é responsável pela camento veteriná-
blico, organizações análise crítica da literatura rio, fixando índices
não governamentais existente sobre a toxicidade de ingestões diárias
e consumidores. O de cada antimicrobiano aceitáveis (IDAs) e
Codex Alimentarius usado como medicamento os respectivos limites
é um programa veterinário, fixando máximos de resíduos
conjunto entre a índices de ingestões (LMRs) (Paschoal et
Organização das diárias aceitáveis (IDAs) al., 2008; Palermo-
Nações Unidas e os respectivos limites Neto e Almeida,
para Alimentação e máximos de resíduos 2011). O Brasil fi-
Agricultura (FAO) (LMRs) (Paschoal et al., liou-se a esse progra-
e a Organização 2008; Palermo-Neto e ma na década de 70,
Mundial da Saúde Almeida, 2011). sendo, em 1980, cria-
Resíduos de antimicrobianos em ovos 103
do o comitê do Codex Alimentarius do de origem animal, por meio de pro-
Brasil (CCAB), pelas resoluções 01/80 cedimentos de amostragem e análise
e 07/88 do Conmetro (Conselho laboratorial.
Nacional de Metrologia, Normalização As diretrizes, os programas, os pla-
e Qualidade Industrial). nos de trabalho e as ações correspon-
Dentre outros órgãos internacio- dentes constam do Plano Nacional de
nais, destacam-se a Agência Europeia Controle de Resíduos e Contaminantes
para a Avaliação de Medicamentos em Produtos de Origem Animal
(EMEA), a Organização Internacional (PNCRC/Animal), instituído pela
de Epizootias (OIE), o Consultation Portaria Ministerial nº 51, de 06 de
Mondiale de l’Industrie de la Santeacute maio de 1986 (Brasil, 1986), e altera-
Animale (COMISA) e a Food and Drug do pela Instrução Normativa SDA nº
Administration (FDA), nos EUA, entre 42, de 20 de dezembro de 1999 (Brasil,
outros. 1999).
No Brasil, todo e qualquer medica- Os procedimentos executados no
mento a ser utilizado em terapêutica hu- âmbito do PNCRC/Animal são com-
mana é regulamentado pelo Ministério postos pela amostragem homogênea e
da Saúde (MS) e aprovado pela Anvisa aleatória das diversas matrizes e espé-
(Agência Nacional de Vigilância cies animais, monitoradas, bem como
Sanitária). O Programa Nacional de de análises laboratoriais realizadas
Análise de Resíduos de Medicamentos nos laboratórios da Rede Nacional de
Veterinários em Alimentos (PAMvet) Laboratórios Agropecuários, com-
foi criado em 2003 por este órgão com- posta pelos Laboratórios Nacionais
petente, no intuito de avaliar os produ- Agropecuários – Lanagros – e labora-
tos expostos ao consumidor quanto à tórios privados/públicos credenciados
presença de resíduos de medicamentos pelo MAPA.
veterinários por meio da ingestão de O plano de amostragem do
alimentos de origem animal. PNCRC/Animal segue a recomen-
O Ministério da Agricultura, dação do Codex Alimentarius (Codex
Pecuária e Abastecimento (MAPA) Alimentarius Commission Guidelines
possui em sua estrutura a Secretaria - CAC/GL nº 71-2009) e baseia-se
de Defesa Agropecuária (SDA) que em conceitos estatísticos de popu-
abriga a Coordenação de Controle de lação, prevalência de ocorrências de
Resíduos e Contaminantes (CCRC). violações e intervalo de confiança da
A CCRC é responsável por coorde- amostragem. As amostras são oficiais
nar as ações de garantia de qualidade e coletadas por fiscais federais agro-
e de segurança química dos produtos pecuários, seguindo o procedimento
104 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 77 - setembro de 2015
do Manual de Coleta de Amostras do todos os antibióticos promotores de
PNCRC/Animal, em estabelecimen- crescimento foram proibidos na Suécia
tos de abate e processamento sob a em 1986 e na Dinamarca em 1998.
égide do Serviço de Inspeção Federal A União Europeia iniciou a proi-
(SIF). bição em 1997 e, com o Regulamento
No âmbito do PNCRC/Animal, (CE) 1831/2003 (European
quando da detecção de uma não con- Commission, 2003), proibiu o uso de
formidade e no caso de ocorrência todos os antibióticos, com exceção dos
envolvendo substâncias de uso proi- coccidiostáticos, como aditivos para
bido, é iniciado o Subprograma de alimentação animal, em 1º de janeiro
Investigação, que, por meio da realiza- de 2006. Essa proibição tem restringido
ção de ações nas propriedades rurais a importação dos produtos originados
e nos estabelecimentos abatedores e desses animais e influencia a opinião
processadores, visa identificar as possí- de importantes importadores, como
veis causas da violação e mitigar o risco os blocos asiáticos e o Oriente Médio
da recorrência da não conformidade (Santana et al., 2011). Promotores de
encontrada. crescimento antimicrobianos continu-
No Brasil, de acordo com a am autorizados nos Estados Unidos
Instrução Normativa nº 42 (Brasil, sob regulamentação e controle do
1999), estabelecer limites máximos de Food and Drug Administration (FDA)
resíduos (LMRs) é competência do (Companyó et al., 2009).
MS. No caso de não estarem estabele- No Brasil, empregam-se 17 anti-
cidos, utilizam-se os internalizados no microbianos como aditivos, contudo
Mercosul (Brasil 1997), os recomenda- existem aproximadamente 70 libera-
dos pelo Codex Alimentarius, os cons- dos para uso terapêutico, metafilático
tantes nas Diretivas da União Europeia ou profilático. Segundo a Secretaria
e os utilizados pelo FDA/USA (Brasil, de Defesa Agropecuária (SDA), os
1999). antimicrobianos autorizados para
O uso de antibióticos em animais uso exclusivo em rações para galinhas
produtores de alimentos sempre foi e poedeiras são bacitracina de zinco e
sempre será passível de discussão entre bacitracina de metileno dissalicilato,
produtores, consumidores, autorida- sulfato de colistina, cloridrato de clo-
des e a comunidade científica. Diante rexidina, enramicina, halquinol (cloro-
dessas preocupações e das principais -hidroxiquinolina) e fosfato ou tartara-
questões que as cercam (relacionadas to de tilosina. Não há, entretanto, para
ao risco de toxicidade e de resistên- nenhuma dessas substâncias, exigência
cia bacteriana para a saúde humana), quanto ao período de carência para
Resíduos de antimicrobianos em ovos 105
liberação do produto mentos veterinários
A produção de alimentos
para consumo (Brasil, nos programas sanitá-
baseada na garantia da
2008). rios da avicultura de
qualidade visa à obtenção
postura pode levar ao
2.3 – Resíduos de de produtos inócuos,
medicamentos isto é, alimentos que aparecimento de resí-
veterinários em não se constituam fonte duos em ovos, geran-
ovos de perigos, sejam eles do preocupação aos
biológicos, físicos e/ou órgãos de saúde. Os
A produção de ali-
químicos, e que, quando principais fatores que
mentos baseada na
presentes, possam não determinam a ocorrên-
garantia da qualidade
causar danos à saúde cia de resíduos de me-
visa à obtenção de pro-
(ABNT, 2006). dicamentos veteriná-
dutos inócuos, isto é,
rios em ovos são o não
alimentos que não se
cumprimento do tem-
constituam fonte de perigos, sejam eles
po de carência (período entre a admi-
biológicos, físicos e/ou químicos, e que,
nistração do medicamento e a coleta do
quando presentes, possam não causar
ovo), a via de administração utilizada,
danos à saúde (ABNT, 2006). Entre os
perigos químicos existentes, destacam- a contaminação de rações ou água com
-se os resíduos de medicamentos ve- medicamentos, as propriedades físico-
terinários, que podem representar um -químicas e a biotransformação do me-
risco, caso não sejam observadas as boas dicamento, e as condições físicas da ave
práticas veterinárias, seja em razão do poedeira (Palermo-Neto et al. 2005).
uso exagerado ou indevido, seja do não A não observância dos períodos
cumprimento dos períodos de carência, de carência dos medicamentos regis-
entre outros fatores (Spisso et al., 2010). trados para aves poedeiras pode origi-
Segundo o Codex Alimentarius o resíduo nar resíduos em níveis superiores aos
de uma droga veteriná- considerados seguros (Spinosa et al.,
ria é a fração da droga, 2005). Portanto, antes
de seus metabólitos, de O uso de medicamentos de qualquer medica-
produtos de conversão veterinários nos mento veterinário ser
ou reação e de impure- programas sanitários comercializado para
zas que permanecem da avicultura de uso em animais pro-
em qualquer parte co- postura pode levar dutores de alimentos,
mestível do alimento ao aparecimento de três considerações que
originário de animais resíduos em ovos, gerando dizem respeito à sua
tratados (Brasil, 1999). preocupação aos órgãos avaliação de segurança
O uso de medica- de saúde. devem ser abordadas:
106 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 77 - setembro de 2015
1) identificar e quantificar os resíduos aproximadamente 25 horas (Donoghue
nos tecidos comestíveis, 2) determinar et al., 1997; Kan, 2003).
por meio de testes de toxicidade as con- O ovário de poedeiras em pro-
dições para o uso seguro da droga em dução ativa contém três tipos de fo-
relação à persistência dos resíduos, 3) lículos, que estão, simultaneamente,
assegurar que os resíduos não excedam em diferentes estágios ou fases de
o valor considerado como seguro (Alm desenvolvimento. São elas: a fase de
el Dein e Elhearon, 2010). desenvolvimento lento, que pode le-
O ovo inicia sua formação no var meses ou até mesmo anos (os fo-
ovário e se desenvolve à medida que lículos muito pequenos são também
caminha pelos compartimentos do chamados de folículos brancos por
oviduto (infundíbulo, magno, istmo, não haver sido realizado o depósito de
útero e vagina). No ovário, forma-se a carotenoides); a fase intermediária de
gema com a incorporação de sais mi- crescimento (com duração média de
nerais, proteínas e lipídeos, que são 60 dias); e a fase de crescimento rápi-
produzidos no fígado e transportados do, que dura cerca de 10 dias. Nesse
pela circulação para os período, o peso do fo-
folículos em desenvol- Alguns medicamentos lículo aumenta expo-
vimento (oócito). A veterinários possuem ação nencialmente, passan-
gema, que leva de sete local, enquanto outros do de um a 20 gramas.
a 11 dias para amadu- são designados para agir Como um folículo
recer, após a ovulação, sistemicamente e, com ovula aproximada-
entra no oviduto, onde isso, serão absorvidos pelo mente a cada 24 horas,
é envolvida por várias trato digestivo da galinha. cerca de 10 folículos se
camadas de albúmen Quando esses compostos apresentam, ao mesmo
no magno. Esse pro- atingem a corrente tempo, em diferentes
cesso de formação do sanguínea, poderão ser fases do crescimento
albúmen ocorre em distribuídos por todo o rápido (Donoghue,
aproximadamente organismo. 2000).
duas a três horas. Após Alguns medica-
a deposição do albúmen na gema e a mentos veterinários possuem ação lo-
formação da membrana da casca no cal, enquanto outros são designados
istmo, ocorre a formação da casca do para agir sistemicamente e, com isso,
ovo no útero (o processo de formação serão absorvidos pelo trato digestivo
da casca pode levar de 18 a 20 horas). da galinha. Quando esses compostos
Dessa maneira, o processo de forma- atingem a corrente sanguínea, poderão
ção de um ovo, após a ovulação, dura ser distribuídos por todo o organismo.

Resíduos de antimicrobianos em ovos 107


Em poedeiras, pode-se incluir o ovário resíduos específicos para cada analito
e o oviduto. O processo fisiológico de alvo são estabelecidos, os quais devem
produção de ovos e as características ser levados em consideração no estabe-
físico-químicas dos compostos quími- lecimento de um protocolo para valida-
cos determinarão o comportamento ção do método analítico a ser empre-
farmacocinético e a distribuição para gado na determinação desses resíduos
os ovos. Portanto, resíduos de medica- nos alimentos.
mentos poderão ser detectados tanto Muitos artigos têm reportado a
na gema quanto no albúmen após o uso aplicação de diferentes ferramentas
intencional ou não. Além disso, devido analíticas na detecção de resíduos de
às características próprias de formação antimicrobianos. Em muitos desses
do ovo, dias ou semanas após o trata- artigos, faz-se uso de métodos micro-
mento podem ser necessários para a biológicos, enzimáticos/colorimétri-
obtenção de ovos isentos de resíduos cos, imunoensaios (imunoenzimáticos
do medicamento (Kan e Petz, 2001; e radioimunoensaios) e metodologias
Goetting et al., 2011). físico-químicas por meio de técni-
cas cromatográficas (Mitchel et al.,
2.4 – Avaliações de resíduos 1998; Schneider e Donoghue, 2003;
de antimicrobianos em ovos Pikkemaat et al., 2007).
Métodos analíticos têm sido desen- A análise físico-química de resídu-
volvidos para a determinação de resí- os de medicamentos veterinários con-
duos de contaminantes em alimentos siste em um processo químico em que
como ferramenta principal para assegu- há extração dos resíduos de uma amos-
rar que os produtos estejam enquadra- tra, purificação do extrato e posterior
dos nas determinações legais. Para que detecção dos analitos (Kinsella et al.,
esses métodos garantam a disponibili- 2009). Diversos métodos instrumen-
dade de um alimento seguro, é preciso tais podem ser utilizados, tais como
que sejam normalizados e cumpram re- as técnicas de cromatografia líquida
quisitos que garantam bons resultados. (CL) com detecção por ultravioleta
Com o objetivo de assegurar a confiabi- (UV), fluorescência ou detecção ele-
lidade dos resultados obtidos, são deli- troquímica. Contudo, a técnica que
neados procedimentos de validação do tem garantido maior aceitação é a CL
processo analítico empregado, como acoplada à espectrometria de massas
garantia da qualidade das medições (EM), por proporcionar alta seletivi-
químicas, por meio da sua comparabi- dade e, principalmente, alta sensibili-
lidade, rastreabilidade e confiabilidade dade e permitir a análise de grande nú-
(Paschoal, 2008). Limites máximos de mero de analitos em uma única corrida
108 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 77 - setembro de 2015
(Blanchflower et al., 1997; Hammel em galinhas poedeiras constituídos por
et al., 2008; Companyó et al., 2009; uma associação dos ativos lincomicina
Moreira, 2012). e espectinomicina e com a recomenda-
A cromatografia líquida de alta efi- ção de que os ovos devem ser descar-
ciência acoplada à espectrometria de tados por até 10 dias após a última ad-
massas sequencial (CLAE-EM/EM) ministração. Contudo, outros produtos
é uma poderosa técnica analítica para que possuem a mesma associação não
análises de alimentos devido a sua alta são indicados para animais produtores
seletividade e sensibilidade, que com- de ovos (Brasil, 2008).
bina separação física realizada pela Donoghue e Hairston, em 2000, ao
cromatografia líquida com a análise de trabalharem com oxitetraciclina, anali-
massas, habilidade da espectrometria. saram dosagens do albúmen coletado
Dessa forma, o campo de análises de diretamente do trato reprodutivo de 48
antibióticos em alimentos se tornou galinhas, cinco horas após o tratamen-
promissor por ser possível quantificar to, e observaram a incorporação deste
o antibiótico em níveis muito baixos no albúmen do ovo durante as duas ul-
(Almeida, 2011). timas fases da sua formação. Segundo
No Brasil, macrolídeos, tetracicli- os autores, os resultados corroboram a
nas e lincosamidas não estão sendo possibilidade da presença de resíduos
avaliados em ovos; os princípios ativos de medicamentos em ovos, incluindo
eritromicina, tilosina, tilmicosina, clin- aqueles coletados imediatamente após
damicina e lincomicina, entretanto, es- a administração destes.
tão sendo pesquisados pelo MAPA em Em 2003, Kan fez um extenso le-
bovinos, suínos, aves e equinos (Brasil, vantamento de dados da literatura acer-
2012). Em 2011, 180 ovos foram ca da presença de resíduos nas gemas e
amostrados pelo PNCRC para a pes- nas claras de ovos, após a administra-
quisa de cloranfenicol, sulfonamidas ção de medicamentos veterinários em
(sulfatiazol, sulfametazina, sulfadiazi- galinhas poedeiras. Os dados para as
na, sulfaquinoxalina, sulfametoxazol e distribuições dos resíduos entre a gema
sulfadimetoxina) e fluoroquinolonas e a clara diferiram consideravelmente
(enrofloxacina e ciprofloxacina), e ne- conforme os tipos de medicamentos,
nhuma amostra analisada apresentou porém foram detectados níveis cons-
resultados acima do limite máximo de tantes de resíduos em ambas as cama-
resíduos estabelecido (Brasil, 2012). das do ovo.
Para as lincosamidas, existem me- Lolo et al. (2005) realizaram um
dicamentos veterinários registrados no estudo sobre a taxa de depleção de re-
Brasil para tratar e controlar infecções síduos de enrofloxacina, após adminis-
Resíduos de antimicrobianos em ovos 109
tração em galinhas poedeiras durante eles: ciprofloxacina, enrofloxacina,
cinco dias. Os ovos obtidos tiveram al- norfloxacina, sulfadiazina, sulfadime-
búmen e gema separados, e os níveis de toxina, clortetraciclina, doxiciclina e
resíduos foram determinados por meio tilmicosina. Cabe ressaltar que sulfo-
da cromatografia líquida acoplada à es- namidas e quinolonas são constituin-
pectrometria de massas. Após 48h do tes de medicamentos autorizados para
início do tratamento, foram observa- utilização em aves, mas não para admi-
dos resultados positivos, sendo encon- nistração a galinhas poedeiras.
trados níveis máximos no terceiro dia. Em 2012, no Brasil, 220 ovos foram
Até o quinto dia, níveis consideráveis amostrados pelo PNCR para pesquisa
ainda foram detectados, mas diminuí- de sulfonamidas (sulfatiazol, sulfame-
ram após esse período. tazina, sulfadiazina, sulfaquinoxalina,
Uma revisão de informações dis- sufametoxazol, sulfadimetoxina), flu-
poníveis na literatura foi realizada por oroquinolonas (enrofloxacona e ci-
Goetting e colaboradores, em 2011, profloxacina) e clorafenicol. Nenhuma
sobre a farmacocinética de diversos amostra apresentou resultados acima
medicamentos administrados em gali- do limite máximo de resíduos estabe-
nhas poedeiras e a possível deposição lecido (Brasil, 2013).
destes em ovos. Os dados confirma- Caldeira (2012) analisou 576 ovos
ram a ocorrência de resíduos detec- de galinhas de postura divididas em
táveis, incluindo de antimicrobianos, grupos conforme tratamento recebido
nos ovos postos dias ou até semanas com ração contendo antimicrobianos
após a interrupção do tratamento. das classes: quinolonas (enrofloxa-
Segundo os autores, os níveis de resí- cina), tetraciclinas (oxitetraciclina
duos encontrados nos ovos e a taxa de e doxiciclina), lincosamidas (linco-
depleção do medicamento dependem micina) e aminoglicosideos (neomi-
diretamente do método de administra- cina), totalizando cinco grupos. Os
ção e da dose utilizada e podem per- ovos produzidos pelas galinhas foram
sistir por um longo período de tempo coletados diariamente a partir do dia
após a interrupção do tratamento. zero, quando nenhum grupo recebeu
Um levantamento realizado por ração com antimicrobiano, e por mais
Pinto (2011), analisando dados ob- 15 dias (cinco dias de medicação e 10
tidos dos PNCRs em Portugal e na dias após a suspensão do uso do medi-
União Europeia, demonstrou que camento). Dos cinco analitos pesqui-
13,11% das amostras de ovos coleta- sados, apenas a neomicina não gerou
das entre 2000 e 2009 apresentaram resíduos detectáveis nos ovos, sendo
resíduos de antimicrobianos, entre o restante detectado desde o dia pri-
110 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 77 - setembro de 2015
meiro do período experimental até dades físico-químicas e a biotransfor-
o ultimo dia, em todas as amostras mação do medicamento, e as condições
analisadas. físicas da ave poedeira. Uma vez que es-
ses fatores são passiveis de monitoração,
3 – Considerações finais: o uso responsável de antimicrobianos
O uso de antimi- pode preservar a
crobianos tornou-se O uso de antimicrobianos disponibilidade
imprescindível na tornou-se imprescindível na de antibióticos e
produção animal, e produção animal, e a presença quimioterápicos
a presença de seus de seus resíduos constitui grande para o homem e
resíduos constitui preocupação e risco à saúde para os animais
grande preocupação pública. A quantidade de resíduo e, ao mesmo tem-
e risco à saúde pú- presente no alimento, considerada po, permitir a alta
blica. A quantidade segura, depende de estudos produção avíco-
de resíduo presente toxicológicos. la e o bem-estar
no alimento, con- animal.
siderada segura, depende de estudos
toxicológicos. Neste trabalho, foi visto
4 – Referências
que a disponibilidade de métodos ana- Bibliográficas:
líticos sensíveis e exatos para monitorar 1. ALBUQUERQUE. 2005. Antimicrobianos como
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Paulo.
rios é essencial. No entanto, segundo a
2. ALM EL DEIN, A.K.; ELHEARON E.R.
Comunidade Europeia (EU), há mais Antibiotic residue in eggs of laying hens follow-
de 3000 formulações comerciais con- ing injection with gentamicin. New York Science
Journal, v.11, n.3, 2010.
tendo cerca de 200 substâncias ativas
3. ALMEIDA, M. P. Validação de método de ensaio
diferentes, o que dificulta o monitora- quantitativo e confirmatório para determinação
mento de todos os fármacos nos diver- de multirresíduos de β-lactâmicos e tetraciclinas
em rim de ave, bovino, equino e suíno por CLUE
sos tipos de alimentos. - EM/EM. 2011. 78f. Dissertação em Ciência
Dentre os principais fatores que de- Animal, Departamento de Tecnologia e Inspeção
de Produtos de Origem Animal, Universidade
terminam a ocorrência de resíduos de Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas
medicamentos veterinários em ovos, Gerais. 2011.
destacam-se: o não cumprimento do 4. BELLAVER, C. O uso de microingredientes (adi-
tivos) na formulação de dietas para suínos e suas
tempo de carência (período entre a ad- implicações na produção e na segurança alimentar.
ministração do medicamento e a coleta Facultad de Ciencias Veterinarias da Universidad de
Buenos Aires, Universidad Nacional de Rio Cuarto
do ovo); a via de administração, a conta- e Embrapa Suínos e Aves. In: CONGRESSO
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Resíduos de antimicrobianos em ovos 111


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v.395, p.921-946, 2009. Abastecimento. Instrução Normativa SDA N° 17,
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Contaminate Egg Albumen during the process of
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114 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 77 - setembro de 2015


Mel e derivados:
a inspeção dos
produtos apícolas é
responsabilidade do
médico veterinário
bigstockphoto.com
Lilian Viana Teixeira¹, Sarah Antonieta de Oliveira Veríssimo²
1 - Professora adjunta, médica veterinária, CRMV 7357, mestra e doutora, DTIPOA, Escola de Veterinária, UFMG
2 - Graduanda em medicina veterinária pela Escola de Veterinária da UFMG

1 - Introdução Outros produtos


dos pelo veterinário são
o pólen apícola, a pró-
O mel é o produto provenientes da
polis, a geleia real, a cera
resultante da ação de atividade das abelhas
e que também são de abelha e a apitoxina.
enzimas salivares das
inspecionados pelo A legislação vigente no
abelhas sobre o néctar
veterinário são o pólen Brasil para a inspeção do
colhido das flores, sen-
apícola, a própolis, a mel e demais produtos
do armazenado em favos
em suas colmeias. Por geleia real, a cera de apícolas é o RIISPOA
essa razão, é considerado abelha e a apitoxina. (Regulamento de
um produto de origem Inspeção Industrial de
animal e deve, então, ser inspeciona- Produtos de Origem
do por um médico veterinário. Outros Animal); a Portaria 6 (Brasil, 1985),
produtos provenientes da atividade das que normatiza os aspectos higiênico-
abelhas e que também são inspeciona- -sanitários e tecnológicos para mel,
Mel e derivados: a inspeção dos produtos apícolas é responsabilidade do médico veterinário 115
cera de abelhas e derivados; a Instrução gência de dedicação exclusiva e a utiliza-
Normativa 11 (Brasil, 2000), que trata ção de área imprópria para plantio, entre
do regulamento técnico de qualida- outras (Sommer, 1998).
de e identidade do mel; e a Instrução A produção de mel no mundo é
Normativa 3 (Brasil, 2001), que regu- alta. De acordo com a Organização
lamenta os aspectos técnicos de identi- das Nações Unidas para Agricultura e
dade e qualidade dos demais produtos Alimentação (FAO), em 2009, foram
apícolas. produzidas 367 mil toneladas. A China
lidera o ranking de produção de mel,
2- Uma breve e essa superioridade fica ainda maior
apresentação da se comparada com o segundo lugar, a
apicultura e dos produtos Turquia. Entre 1999 e 2009, o aumen-
apícolas to médio da produção mundial foi de
22%, com algumas disparidades, como
Apicultura no mundo o Brasil, que apresentou um aumento
de 96%, e os Estados Unidos, uma que-
Teoricamente, as abelhas surgiram
de um grupo de vespas que alteraram a da de 30% em sua produção. Vale ressal-
sua dieta alimentar, deixando de utili- tar também que, entre os países citados,
zar insetos e ácaros em sua alimentação há uma diferença grande de produção
para fazer uso de néctar e pólen para anual por colmeia; as colmeias argenti-
obtenção de nutrientes. Existem no nas e chinesas, por exemplo, fornecem
mundo cerca de 10 famílias de abelhas, até 35kg/ano e 100kg/ano, respecti-
com aproximadamente vamente, enquanto no
700 gêneros e 20.000 A China lidera o Brasil esse volume fica
espécies sociais e solitá- ranking de produção em torno de 15kg/ano
rias. A apicultura tende de mel, e essa (SEBRAE, 2011).
a crescer cada vez mais, superioridade fica ainda Conforme descrito
visto que pode ser uma maior se comparada anteriormente, as abe-
atividade complementar com o segundo lugar, a lhas têm uma relevância
a outras atividades ru- Turquia. expressiva tanto econô-
rais. Há várias vantagens mica quanto social, mas
em se criar abelhas, entre elas a gera- outro aspecto não me-
ção de trabalho e renda complementar nos importante deve ser ressaltado: sua
para o homem do campo, além de ser participação nos processos de poliniza-
uma atividade sustentável, ou seja, sem ção. A polinização aumenta a diversida-
comprometimento do meio ambiente. de de plantas no mundo e impulsiona
Outras grandes vantagens são a não exi- a produtividade agrícola. Todos esses
116 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 77 - setembro de 2015
benefícios podem estar correndo um de 38 mil toneladas de mel em 2009.
sério risco de desaparecer devido a um Estima-se que 80% do mel produzido
fenômeno mundial, que é a mortalida- no país sejam exportados e 20% per-
de em massa das abelhas, uma vez que maneçam no mercado interno (IBGE,
essas saem das colmeias para realizar a 2009). Um dos estímulos para o avan-
polinização e não retornam. Estima-se ço da atividade, que cresceu muito nos
que a população de abelhas diminuiu últimos 15 anos (estima-se que pratica-
40% nos Estados Unidos e 50% na mente dobrou a produção nesse tem-
Europa nos últimos 25 anos. As causas po), pode ter sido o aumento da deman-
desse problema ainda não estão bem da advinda do exterior, que contou com
definidas, mas especula-se que o uso in- o fim do embargo para o mel brasileiro
discriminado de agrotóxicos é um fator pela Comunidade Europeia, em 2008. A
importante para esse acontecimento. preferência desse público por produtos
No Brasil, alguns apicultores também orgânicos coloca o Brasil em posição de
enfrentaram esses problemas, mas não vantagem aos demais concorrentes, pois
na mesma intensidade da mortalidade o Brasil é um dos poucos países do mun-
das abelhas nos EUA e Europa (Época, do que têm abelhas que não recebem
2013). nenhum tratamento sanitário em suas
colmeias, com 80% delas instaladas em
Apicultura no Brasil florestas nativas, tendo, por isso, condi-
No Brasil, utiliza-se a espécie Apis ções para oferecer aos mercados interno
mellifera, resultante do cruzamento com e externo produtos apícolas considera-
abelhas trazidas ao Brasil por imigrantes dos orgânicos (SENAI, 2009).
europeus e da África pelo prof. Warwick Apesar da expansão, sabe-se que a
Estevan Kerr, em 1956. O resultado des- produção de mel no Brasil ainda empre-
se cruzamento natural das abelhas euro- ga pouca tecnologia e tem baixo nível de
peias e africanas, no Brasil, é conhecido organização, o que indica um potencial
como abelhas africanizadas (SENAR, ainda maior para os próximos anos. Ao
2010).O Brasil tem um grande poten- se detalharem os dados nacionais, regis-
cial apícola, por possuir flora bastante tra-se uma expansão em todas as regiões
diversificada, vasta extensão territorial e do Brasil, havendo aumento expressivo
variabilidade climática, o que possibilita no Norte e no Nordeste, e a região Sul
produzir mel o ano todo, diferenciando- se apresenta como a maior produtora de
-o dos demais países, que normalmen- mel do Brasil (SENAR, 2009).
te colhem mel apenas uma vez por ano Em 2013, em um Congresso de api-
(Marchini et al., 2001). cultores na Ucrânia, o mel da Prodapys,
O Brasil alcançou uma produção de Araranguá, no sul de Santa Catarina,
Mel e derivados: a inspeção dos produtos apícolas é responsabilidade do médico veterinário 117
foi eleito como o melhor
O mel é basicamente Os produtos
mel do mundo. Gosto,
uma solução saturada apícolas
aroma e consistência
de água e açúcares,
foram uns dos critérios Mel
mas contém também
avaliados. Hoje Santa
diversos outros O mel de abelhas é
Catarina é o quinto
compostos, em pequena uma substância viscosa,
maior estado produtor
quantidade. rica em açúcares, tendo
de mel no Brasil e conta em geral sabor agradável,
com 350 mil colmeias. com aroma particular,
O mel vencedor foi o de melato, não de altos valores nutricional e terapêu-
muito apreciado pelos brasileiros, mas tico, conforme pode ser visto nas Tab.
com um grande mercado no exterior, 1 e 2. A cor, o sabor, o aroma e a con-
principalmente na Alemanha (Diário sistência do mel variam de acordo com
Catarinense, 2013).

Tabela 1 - Composição básica do mel

Composição básica do mel


Componentes Variação
Média Desvio padrão
Água (%) 17,2 1,46 13,4 - 22,9
Frutose(%) 38,19 2,07 27,25 - 44,26
Glicose(%) 31,28 3,03 22,03 - 40,75
Sacarose(%) 1,31 0,95 0,25 - 7,57
Maltose(%) 7,31 2,09 2,74 - 15,98
Açúcares totais (%) 1,50 1,03 0,13 - 8,49
Outros (%) 3,1 1,97 0,0 - 13,2
pH 3,91 - 3,42 - 6,10
Acidez livre (meq/Kg) 22,03 8,22 6,75 - 47,19
Lactose (meq/Kg) 7,11 3,52 0,00 - 18,76
Acidez total (meq/Kg) 29,12 10,33 8,68 - 59,49
Lactose/Acidez livre 0,335 0,135 0,0 - 0,950
Cinzas (%) 0,169 0,15 0,020 - 1,028
Nitrogênio (%) 0,041 0,026 0,00 - 0,133
Diastase 20,8 9,76 2,1 - 61,2
Fonte: Embrapa, 2003.

118 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 77 - setembro de 2015


Tabela 2 - Nutrientes do mel

Quantidade em Ingestão diária


Nutrientes Unidade 100g de mel recomendada
Energia Caloria 339 2800
Vitaminas
A U.I - 5000
B1 mg 0,004 - 0,006 1,5
Complexo B2:
Riboflavina mg 0,02 - 0,06 1,7
Niacina mg 0,11 - 0,36 20
B6 mg 0,008 - 0,32 2
Ácido pantotenico mg 0,02 - 0,11 10
Ácido fólico mg - 0,4
B12 mg - 6
C mg 2,2 - 2,4 60
D U.I - 400
E U.I - 30
BIOTINA mg - 0,330

Fonte: Embrapa, 2003

as floradas e com o clima, entre outros e compostos, o mel verdadeiro, ao


fatores. A manipulação do mel pelo api- contrário do que muitos acreditam
cultor pode alterar suas características e difundem, cristaliza-se (“açucara”)
(Bender, 1982; Garcia et al., 1986). O com o passar do tempo ou em baixas
mel é basicamente uma solução satu- temperaturas. Para descristanizá-lo, o
rada de água e açúcares, mas contém recipiente com o mel deve ser coloca-
também diversos outros compostos, em do em água aquecida (banho-maria),
pequena quantidade. Entre os açúcares, desde que a água não ultrapasse 40ºC,
quase 80% são simples, destacando-se a uma vez que, acima dessa temperatu-
frutose e a glicose, e cerca de 10% são ra, o mel pode perder algumas de suas
açúcares compostos, como maltose e sa- propriedades.
carose (Embrapa, 2003). Na produção de mel, as abelhas pro-
É importante ressaltar que, devido cessam o néctar em duas etapas, a física
à sua constituição de açúcares simples e a química. A transformação física é a
Mel e derivados: a inspeção dos produtos apícolas é responsabilidade do médico veterinário 119
perda de água do néctar
Possui ação Própolis
por evaporação, devido
antimicrobiana e É uma substância
ao calor que existe na
propriedades anti- produzida pelas abelhas
colmeia (em torno de inflamatórias, mas não mediante a mistura de
35ºC) e à constante ven- pode ser considerada cera e da resina coletada
tilação produzida pelo um medicamento das plantas, retirada dos
movimento das asas das porque não se sabe ao botões florais, das gemas
abelhas. Já a transfor- certo a quantidade e dos cortes nas cascas
mação química ocorre desses princípios ativos dos vegetais. As abelhas
pela ação de uma enzima na composição da utilizam a própolis para
denominada invertase, própolis. protegê-las dos insetos,
produzida nas glându- dos microrganismos e
las salivares das abelhas do frio durante o inverno, empregando-a
e que atuam sobre a sacarose, principal no reparo de frestas ou danos à colmeia.
açúcar do néctar, transformando-o em Sua composição, cor, odor e propriedades
dois açúcares simples: glicose e frutose químicas dependem da espécie de planta
(Oddo et al., 1995). disponível. Possui ação antimicrobiana e
Pólen apícola propriedades anti-inflamatórias, mas não
pode ser considerada um medicamento por-
É o gameta masculino das plantas que não se sabe ao certo a quantidade desses
superiores, coletado e transportado princípios ativos na composição da própolis
pelas abelhas para a colmeia numa (SENAI, 2009).
estrutura localizada no terceiro par de
pernas denominado corbícula. Ele é Geleia real
armazenado nos alvéolos e utilizado A geleia real é uma substância pro-
como alimento depois de passar por um duzida pelas abelhas operárias (Fig. 1).
processo de fermentação. É usado como Na colmeia, é usada como alimento das
alimento pelas abelhas na fase larval e crias e da rainha. É um alimento rico em
pelas abelhas adultas com até 18 dias de proteínas, água, açúcares, gorduras e vi-
idade. É também utilizado pelas abelhas taminas. A geleia real possui cor branco-
na produção de geleia real. É um produ- -leitosa e sabor ácido forte (Oddo et al.,
to rico em proteínas, lipídeos, minerais 1995). Deve ser mantida e vendida res-
e vitaminas. O homem pode utilizá-lo friada, e seu valor de mercado é alto.
como fonte nutritiva, estimulador do
sistema imune, podendo ser comerciali- Cera
zado puro ou acondicionado junto com A cera é utilizada pelas abelhas para
o mel (SENAI, 2009). construção dos favos e fechamento dos
120 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 77 - setembro de 2015
alvéolos (operculação). glândulas de veneno das
O manejo para a
É produzida por glându- operárias e armazenado
obtenção do mel é
las produtoras de cera, um dos pontos mais no “saco de veneno”, si-
localizadas no abdômen importantes da tuado na base do ferrão,
das abelhas operárias produção apícola e está para ser utilizado na de-
(Fig. 1). É composta por diretamente relacionado fesa da colônia (Fig. 1).
uma mistura de ácidos com a qualidade do mel Cada operária produz
gordurosos, álcool e hi- a ser colhido. 0,3mg de veneno, subs-
drocarbonetos de alto tância transparente que
peso molecular. Logo se dissolve em água e é
após a sua produção, a cera possui uma composta por proteínas, gorduras e en-
cor clara, que vai escurecendo com o zimas. Sua ação é principalmente anti
tempo em virtude do depósito de pólen -inflamatória (SEBRAE, 2011).
e do desenvolvimento das crias. É utili-
zada como matéria-prima na indústria
O processo de obtenção do
mel
de cosméticos e velas (SENAI, 2009).
O manejo para a obtenção do mel
Apitoxina é um dos pontos mais importantes da
A apitoxina é o veneno purificado produção apícola e está diretamente
das abelhas operárias. É produzido pelas relacionado com a qualidade do mel a

Figura 1: Anatonia de uma abelha operária


Fonte: Embrapa, 2003;

Mel e derivados: a inspeção dos produtos apícolas é responsabilidade do médico veterinário 121
ser colhido. Esse manejo engloba todo Para assegurar que o mel coletado es-
o trabalho, que vai desde a preparação teja com baixa umidade, os quadros cole-
e o planejamento das etapas de cole- tados devem estar com pelo menos 80%
tas de extração do mel até a devolução de sua área operculada. Também não de-
dos quadros centrifugados às colmeias vem ser coletados pelo apicultor quadros
no apiário. A execução correta de to- que estejam com crias (abertas ou fecha-
das essas etapas preserva as caracterís- das) e com grande quantidade de pólen.
ticas microbiológicas, físico-químicas Após a coleta, é recomendado que as mel-
e sensoriais do mel (Oddo et al., 1995; gueiras sejam transportadas em veículos
SEBRAE, 2011). fechados. Caso isso não seja possível, é ne-
O apicultor precisa planejar a co- cessário que essas estejam protegidas por
lheita do mel com um tempo de antece- uma lona plástica limpa e destinada a esse
dência, pois é necessária a separação e a fim. A unidade de extração, ou entrepos-
higienização de todo o material que será to, é o local destinado à extração, decan-
utilizado. O mel é uma substância consi- tação e envase do mel a granel, devendo
derada higroscópica, isto é, absorve com sua localização e construção atender as
facilidade a umidade do ambiente e, em determinações estabelecidas pelo MAPA
razão disso, não deve ser coletado em (Ministério da Agricultura, Pecuária e
dias nublados ou chuvosos. O uso da fu- Abastecimento), conforme descrito na
maça é imprescindível ao manuseio das Portaria 6 (Brasil, 1985).
abelhas, pois elas ficam assustadas e en- Depois da chegada das melgueiras
chem o papo de mel, tornando-se, dessa às unidades de extração, elas são colo-
forma, mais pesadas e, consequente- cadas em uma área destinada à recep-
mente, menos agressivas. Não se devem ção, onde recebem uma limpeza exter-
utilizar para a queima materiais de chei- na, para retirada das sujidades. Após a
ro ativo, com resíduos de animais, ou limpeza, as melgueiras são levadas para
produtos sintéticos, uma vez que o mel a área de manipulação, onde ocorrerá
tem grande capacidade de absorver gos- a desoperculação e a centrifugação. A
tos e cheiros, podendo ser contaminado desoperculação dos favos é a retirada de
e, assim, comprometer-se a sua qualida- uma fina camada de cera que as abelhas
de. Durante a aplicação, a fumaça não utilizam para fechar os opérculos das
pode ser usada em grandes quantidades, células com mel maduro. Já no proces-
sendo necessário também evitar a pro- so de centrifugação, o mel é retirado
dução de labaredas e fuligem. Para isso, dos favos por ação da força centrífuga.
recomenda-se que a fumaça seja sempre Para que a centrifugação seja eficiente,
aplicada acima dos quadros e não dire- é necessário que todos os favos estejam
tamente sobre eles (Oddo et al., 1995). completamente desoperculados; caso
122 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 77 - setembro de 2015
contrário, o mel arma- a decantação, o mel é
Segundo o RIISPOA, o
zenado nos alvéolos fe-
mel pode ser classificado envasado e armazenado
chados não será extraí- em local específico, seco,
de três formas
do, podendo inclusive fresco, limpo, mantido
diferentes: a) por sua
ocasionar o rompimento origem, b) conforme sua ao abrigo da luz e sobre
do favo. Após a centri- obtenção e c) conforme estrados, onde permane-
fugação, é realizada a fil- seu processamento. cerá até a comercializa-
tração do mel, que tem ção (SENAR, 2010).
como objetivo a retirada
de fragmentos de cera, abelhas ou peda- 3 – A inspeção do mel no
ços delas, que saem junto com o mel no
processo de centrifugação. A decanta-
brasil
ção é o período de repouso a que o mel 3.1 - Classificação do mel
é submetido após a filtragem. Durante
esse período, as pequenas bolhas de ar Segundo o RIISPOA, o mel pode
formadas nas etapas anteriores e as im- ser classificado de três formas diferen-
purezas leves que passaram pelo filtro tes: a) por sua origem, b) conforme sua
irão decantar. O período de decanta- obtenção e c) conforme seu processa-
ção varia entre três e cinco dias. Após mento (Fig. 2).

Figura 2: Méis de diversas origens florais e processamentos


Fonte: Arquivo pessoal1.

Mel e derivados: a inspeção dos produtos apícolas é responsabilidade do médico veterinário 123
A) Por sua origem: o mel armazenado pelas
A inspeção do mel
abelhas em células oper-
Mel floral: é o mel é feita mediante
culadas de favos novos,
obtido dos néctares das análises preconizadas
flores. pelo Ministério da construídos por elas
a) Mel unifloral ou mo- Agricultura, Pecuária mesmas, que não conte-
nofloral: quando e Abastecimento, de nha larvas e comerciali-
o produto procede acordo com a Portaria zado em favos inteiros
principalmente de 6 (Brasil,1985). ou em secções de tais
flores de uma mesma favos.
família, gênero ou es- Mel em pedaços de
pécie e possui características senso- favo: é o mel que contém um ou mais pe-
riais, físico-químicas e microscópicas daços de favo com mel isentos de larvas.
próprias. Mel cristalizado ou granulado: é o
b) Mel multifloral ou polifloral: é o mel mel que sofreu um processo natural de
obtido de diferentes origens florais. solidificação, como consequência da
Melato ou mel de melato: é o mel cristalização dos açúcares.
obtido principalmente de secreções das Mel cremoso: é o mel que tem uma
partes vivas das plantas ou de exceções estrutura cristalina fina e que pode ter
de insetos sugadores de plantas que se sido submetido a um processo físico
encontram sobre elas. que lhe confere essa estrutura e que o
torne fácil de untar.
B) Segundo o procedimento de
Mel filtrado: é o mel que foi subme-
obtenção de mel do favo:
tido a um processo de filtração, sem al-
Mel escorrido: é o mel obtido por terar o seu valor nutritivo.
escorrimento dos favos desoperculados,
sem larvas. 3.2- Análises do mel
Mel prensado: é o mel obtido por A inspeção do mel é feita mediante
prensagem dos favos, sem larvas. análises preconizadas pelo Ministério da
Mel centrifugado: é o mel obtido Agricultura, Pecuária e Abastecimento,
por centrifugação dos favos desopercu- de acordo com a Portaria 6 (Brasil,1985).
lados, sem larvas. Diante da representatividade que o mel
C) Segundo sua apresentação e/ou possui no quadro econômico mundial,
processamento: torna-se fundamental um levantamento
ou acompanhamento da sua qualidade.
Mel: é o mel em estado líquido, cris-
Também reforça essa ideia o fato de o
talizado ou parcialmente cristalizado.
mel ter um alto preço, o que estimula a
Mel em favos ou mel em secções: é
adulteração por produtos mais baratos,
124 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 77 - setembro de 2015
como o açúcar comercial, especialmen- carose, mas é necessária confirmação e
te em regiões subdesenvolvidas (White análise conjunta de outros parâmetros.
et al., 1988).
Reação de Fiehe
Umidade A reação de Fiehe é um teste qua-
O princípio de determinação do litativo para detectar a presença de hi-
índice de umidade é o da refração dos droximetilfurfural (HMF). Segundo
raios de luz (AOAC, 1984). A umidade Dias Correia e Dias Correia (1985), o
é o critério de qualidade que influen- hidroximetilfurfural do mel resulta da
cia a capacidade do mel de se manter reação de desidratação das hexoses, sen-
estável e livre de fermentação. Quanto do a frutose particularmente susceptível
maior a umidade, maior a probabilidade a essa reação. O mel normalmente pos-
de o mel fermentar durante o armazena- sui teores entre 6 e20mg/kg de HMF.
mento. A umidade máxi- A Portaria 6 do MAPA
ma permitida é de 20%. A reação de Fiehe é um estabelece o valor o má-
Altos índices de umi- teste qualitativo para ximo de HMF igual a
dade podem evidenciar detectar a presença de 40mg/kg, sendo o limi-
hidroximetilfurfural . te de 60mg/kg de HMF
uma coleta prematura do
permitido para o apro-
mel, em um momento
veitamento condicional
em que os favos não estavam totalmente
do produto.O tratamento térmico e a ar-
operculados. Por sua característica hi-
mazenagem inadequados levam a níveis
groscópica, o mel pode absorver água
crescentes de HMF no mel das abelhas.
durante o armazenamento inadequado
em locais úmidos e em embalagens mal Prova de Lund
fechadas (Silva, 2004). A prova de Lund é fundamentada na
Acidez precipitação do albuminoide natural do
mel pelo ácido tânico. Fora do intervalo
O método para determinação do estabelecido para o precipitado, essa rea-
teor de acidez é a titulação básica com ção indica que houve adição de proteínas
utilização de um pHmetro e reagentes ou perdas durante o processo (Cano et
ou titulação com hidróxido de sódio al., 1993) e pode indicar a presença tam-
(Laboratório Nacional de Referência bém de um diluidor. Se o mel é puro, o
Animal, 1991). A acidez máxima, se- precipitado oscila entre 0,6 e 3mL.
gundo a legislação, é 40mEq. Um alto
teor de acidez indica um estado de fer- Provas complementares
mentação; em alguns casos, podem evi- As análises complementares serão
denciar adulteração por xarope de sa- efetuadas quando houver necessidade, a
Mel e derivados: a inspeção dos produtos apícolas é responsabilidade do médico veterinário 125
juízo da Inspeção Federal (Brasil, 1985). gelatina, ou qualquer outro espessante;
Essas são: análise da cor (que varia de presença de conservantes ou corantes;
branco d’água a âmbar reação de Fiehe positiva
-escuro); pH (valor mé- Os riscos ou índice de HMF acima
dio 3,3 - 4,6); índice em microbiológicos de 40mg/kg (poderão ser
formol (valor médio 4,5 - presentes na destinados à fabricação
15 mL/kg); cinzas (teor produção de mel de mel de abelhas indus-
máximo tolerado 0,6%); estão essencialmente trial desde que o HMF
açúcares redutores em relacionados ao não ultrapasse 60mg/
glicose mínimo (72%); trabalho no campo kg); reação de Lund fora
açúcares redutores em durante o manejo das do intervalo preconizado
sacarose (máximo 10%);
colmeias. pela Portaria (quando
insolúveis (máximo 1%); caracterizada a fraude);
condutividade elétrica (valor médio 2 a ausência de diástase (poderão ser des-
8.10-4 Siemens = mho); atividade diastá- tinados à fabricação de mel de abelhas
sica ou amílica (mínimo de 8, tolerando- industrial, desde que o HMF não ultra-
se 3, desde que a reação de HMF seja me- passe 60mg/kg).
nor que 15 mg/kg); atividade sacarática Já o aproveitamento condicional, ou
ou de invertase (mínimo 7, tolerando-se seja, a destinação do mel não conforme
2, desde que a reação de HMF seja me- para a produção de mel de abelhas indus-
nor que 5mg/kg). trial, acontece quando: a acidez está aci-
ma de 40mg/kg e menor que 60mg/kg
3.3 - Destinos dos méis inspe- de HMF; há presença de fermentação;
cionados não conformes há emprego de clarificantes e coadju-
De acordo com a Portaria 6 (Brasil, vantes da filtração (carvão ativo, argilas,
1985), serão destinados à condenação diatomácea e outros); o mel é obtido
e irão para produção de produtos não exclusivamente da alimentação artificial
comestíveis os méis com resíduos que (solução de açúcares).
traduzam falta de cuidados adequados A Portaria 6 também aponta ou-
na extração, no transporte, no beneficia- tros destinos para o mel e seus produ-
mento e no envase; impurezas próprias tos, de acordo com a não conformidade
do mel ou oriundas de defeitos na mani- encontrada.
pulação (poderão ser destinados à fabri-
cação de mel de abelhas industrial, desde
4 - Mel e botulismo
que tratados devidamente); acidez corri- infantil
gida; presença de edulcorantes; presença Os riscos microbiológicos presen-
de aromatizantes; presença de amido, tes na produção de mel estão essen-
126 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 77 - setembro de 2015
cialmente relacionados crianças de até um ano
O botulismo infantil,
ao trabalho no campo de idade, essas poderão
quando ocorre, deve-
durante o manejo das desenvolver a doença,
se à germinação dos
colmeias. Isto se dá prin-
esporos presentes no mel caracterizando-se, então,
cipalmente pelo conta- como infecção alimentar
no trato digestivo das
to direto dos favos com crianças, uma vez que com produção de toxina
o solo, ocasionando a a microbiota intestinal in vivo (Huhtanen, 1981;
contaminação do mel protetora delas ainda Anvisa, 2008).
com bactérias patogê- não está completamente O botulismo infantil,
nicas, como Salmonella formada. quando ocorre, deve-se à
sp., Escherichia coli, germinação dos esporos
Clostridium botulinum e presentes no mel no tra-
ou parasitas e vírus. Ainda que remotas, to digestivo das crianças, uma vez que
também podem ocorrer contaminações a microbiota intestinal protetora delas
nas outras etapas da cadeia produtiva do ainda não está completamente formada,
mel, como, por exemplo, durante a hi- o que só acontece quando atingem um
gienização com o uso de água, caso essa ano de idade. É importante esclarecer
esteja contaminada, ou em razão da má que os esporos podem ser provenientes
higiene dos trabalhadores (RagazaniI et tanto do solo como de larvas mortas de
al., 2008). abelhas (Anvisa, 2008).
Com exceção do Clostridium bo-
tulinum, a presença dos demais conta- 5- Considerações finais
minantes não é tão preocupante para o Além de ser um adoçante natural e
mel e derivados, já que esses produtos fonte de energia, o mel apresenta efei-
apresentam baixo valor de pH, elevada tos antibacteriano, anti-inflamatório,
concentração de açúcares e baixa ativi- analgésico, sedativo, expectorante e hi-
dade de água, condições que dificultam possensibilizador (Wiese, 1986). Todos
o crescimento da maioria dos microrga- esses benefícios o tornam uma excelen-
nismos. Não há relatos na literatura de te opção na mesa do consumidor. No
casos de doenças transmitidas por ali- entanto, no Brasil, excetuando a região
mentos (DTAs) por meio da ingestão Sul, o mel ainda não é muito consu-
de mel, a não ser o botulismo infantil. mido. A média de consumo é de 0,3g/
Sabe-se que os esporos do C. botulinum, ano/habitante, valor muito baixo quan-
mesmo nessas condições consideradas do comparado a outros países, como os
adversas do mel, conseguem permane- da Europa, por exemplo, cuja média é de
cer por tempo indeterminado, e, caso 1kg/ano/habitante (CBA, 2004). Essa
o produto venha a ser consumido por baixa demanda estimula ainda mais a
Mel e derivados: a inspeção dos produtos apícolas é responsabilidade do médico veterinário 127
exportação, cerca de 80%. botulinum spores in honey. Journal Food
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Mel e derivados: a inspeção dos produtos apícolas é responsabilidade do médico veterinário 129
bigstockphoto.com

Análise sensorial para


controle de qualidade
do pescado: método de
índice de qualidade (miq)
Lilian Viana Teixeira1
1 - Professora adjunta, médica veterinária, CRMV 7357, mestra e doutora, DTIPOA, Escola de Veterinária, UFMG

Introdução indústria. É por meio dos órgãos dos


sentidos que se procedem tais avalia-
No setor de alimentos e bebidas, ções, e, como estas são executadas por
em geral, a análise sensorial é de gran- pessoas, é importante um criterioso
de relevância por avaliar a aceitabili- preparo das amostras testadas e uma
dade mercadológica e a qualidade do adequada aplicação dos testes tradicio-
produto, sendo parte inerente ao pla- nais de análise sensorial para se evitar
no de controle de qualidade de uma a interferência de diversos fatores que
130 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 77 - setembro de 2015
podem remeter a con- de do consumidor a um
A avaliação sensorial
ceitos pré-formados. produto específico em
normalmente é
A análise sensorial é um mercado cada vez
realizada por uma
definida pela Associação mais exigente.
equipe constituída por
Brasileira de Normas voluntários treinados Contudo, a análi-
Técnicas (ABNT, 1993) ou não para analisar as se sensorial tradicional
como a disciplina cien- características sensoriais pode ser uma ferramen-
tífica usada para evocar, de um produto para um ta muito subjetiva se a
medir, analisar e inter- determinado fim. intenção de utilização
pretar reações às carac- dela for apenas a libe-
terísticas dos alimentos ração de um produto
e dos materiais em relação ao modo para o consumo, sem que este ofere-
como tais características são percebi- ça risco à saúde do consumidor. Para
das pelos sentidos da visão, do olfato, esse fim, normalmente se empregam
do gosto, do tato e da audição. A avalia- análises microbiológicas e físico-quí-
ção sensorial normalmente é realizada micas, regulamentadas no Brasil pelo
por uma equipe constituída por volun- Ministério da Agricultura Pecuária e
tários treinados ou não para analisar as Abastecimento (MAPA), quando se
características sensoriais de um produ- trata de produtos de origem animal.
to para um determinado fim. Pode-se Entre os produtos de origem ani-
avaliar a seleção da matéria-prima a ser mal inspecionados, encontra-se o
utilizada em um novo produto, o efeito pescado. Segundo o artigo 438 do
de um processamento, a qualidade da RIISPOA (Brasil, 1952): “a denomina-
textura, o sabor, a estabilidade de arma- ção genérica, “PESCADO” compreen-
zenamento, a reação do consumidor, de os peixes, crustáceos, moluscos,
entre outros. Para alcançar o objetivo anfíbios, quelônios e mamíferos de
específico de cada análise, são utiliza- água doce ou salgada, usados na ali-
dos métodos de avaliação diferencia- mentação humana”, sendo as normas
dos, visando à obtenção de respostas previstas extensivas também às algas
mais adequadas ao perfil pesquisado marinhas e a outras plantas e animais
do produto. O resultado, que deve ser aquáticos destinados à alimentação hu-
expresso de forma específica conforme mana. Os grandes entraves para a apli-
o teste aplicado, é estudado estatistica- cação das análises laboratoriais nesses
mente, a fim de se chegar a uma conclu- produtos, em especial os frescos, são
são quanto à viabilidade do produto. constituídos pela rápida deterioração
A qualidade sensorial do alimento e a da carne desses animais, devido às ca-
manutenção dela favorecem a fidelida- racterísticas intrínsecas desta, e pela
Análise sensorial para controle de qualidade do pescado: método de índice de qualidade (miq) 131
grande diversidade de prio e suave;
Uma forma rápida
espécies que compõem 4 - ventre roliço, firme,
de avaliação desses
esse grupo. Uma for-
produtos seria a análise não deixando impressão
ma rápida de avaliação duradoura à pressão dos
sensorial, porém a
desses produtos seria a
descrição na legislação dedos;
análise sensorial, porém 5 - escamas brilhantes,
brasileira para tal
a descrição na legislação bem aderentes à pele e
análise é insuficiente
brasileira para tal aná- nadadeiras apresentando
para garantir a
lise é insuficiente para qualidade em razão da certa resistência aos mo-
garantir a qualidade em diversidade de espécies vimentos provocados.
razão da diversidade de 6 - carne firme, consistên-
comercializadas no
espécies comercializa- cia elástica, de cor pró-
mercado interno.
das no mercado interno. pria à espécie;
A mesma dificuldade foi 7 - vísceras íntegras, per-
observada em diversos países, e, após feitamente diferenciadas;
desenvolvimentos contínuos no senti- 8 - ânus fechado;
do de aperfeiçoar a análise sensorial em 9 - cheiro específico, lembrando o das
pescado, formulou-se o método de índi- plantas marinhas.
ce de qualidade – MIQ (Quality Method
B) Crustáceos
Index – QIM), que será descrito adiante.
1 - aspecto geral brilhante, úmido;
A inspeção do pescado, 2 - corpo em curvatura natural, rígida;
segundo o RIISPOA artículos firmes e resistentes;
3 - carapaça bem aderente ao corpo;
(Brasil, 1952) [8] 4 - coloração própria à espécie, sem
Conforme o artigo 442 do qualquer pigmentação estranha;
RIISPOA, o pescado fresco, próprio 5 - olhos vivos, destacados;
para consumo, deverá apresentar as se- 6 - cheiro próprio e suave.
guintes características sensoriais:
C) Moluscos
A) Peixes
1 - superfície do corpo limpa, com rela- a) bivalves (mariscos):
tivo brilho metálico; 1 - devem ser expostos à venda vivos,
2 - olhos transparentes, brilhantes e sa- com valvas fechadas e com reten-
lientes, ocupando completamente as ção de água incolor e límpida nas
órbitas; conchas;
3 - guelras róseas ou vermelhas, úmidas 2 – cheiro agradável e pronunciado;
e brilhantes, com odor natural, pró- 3 - carne úmida, bem aderente à concha,
132 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 77 - setembro de 2015
de aspecto esponjoso, de cor cin- O desenvolvimento da
za-clara nas ostras e amareladas nos análise sensorial em
mexilhões.
pescado para controle de
b) cefalópodes (polvo, lula): qualidade
1 - pele lisa e úmida; Os alimentos à base de pescado,
2 - olhos vivos, salientes nas órbitas; principalmente os frescos, apresentam
3 - carne consistente e elástica; rápida degradação devido a caracterís-
4 - ausência de qualquer pigmentação ticas intrínsecas de composição da car-
estranha à espécie; ne desses animais. Os métodos labora-
5 - cheiro próprio. toriais, como os microbiológicos e os
Para as principais análises laboratoriais, físico-químicos, que são normalmente
o artigo 443 do referido regulamen- utilizados para atestar a segurança dos
to preconiza as seguintes determina- alimentos, demandam equipamentos
ções físicas e químicas para caracte- e são demorados, além de serem ca-
rização do pescado ros e de destruírem a
fresco: Os alimentos à base de amostra. Como a carne
1 - reação negativa de pescado, principalmente do pescado se degrada
gás sulfídrico e de in- os frescos, apresentam mais rapidamente, isto
dol, com exceção dos rápida degradação inviabiliza algumas aná-
crustáceos nos quais devido a características lises laboratoriais, que
o limite máximo de intrínsecas de demoram no mínimo 24
indol será de 4g (qua- composição da carne horas para serem fina-
tro gramas) por 100g desses animais. lizadas. Por tal motivo,
(cem gramas); foram desenvolvidos e
2 - pH de carne externa inferior a 6,8 aperfeiçoados métodos
(seis e oito décimos), e da interna sensoriais, mais rápidos, visando me-
inferior a 6,5 (seis e cinco décimos) lhorar o controle da qualidade do pes-
nos peixes; cado. Como primeiro registro relevante
3 - bases voláteis totais inferiores a do desenvolvimento de análise senso-
0,030mg (trinta miligramas) de ni- rial direcionada para pescado, tem-se
trogênio (processo de difusão) por o método da “Torry Research Station”,
100g (cem gramas) de carnes; de 1950. Inicialmente, a avaliação desse
4 - bases voláteis terciárias inferiores a centro de estudos da Escócia levava em
0,004mg (quatro miligramas) por conta apenas alguns atributos sensoriais
cento de nitrogênio em 100g (cem gerais, independentemente da espécie.
Observou-se que características senso-
gramas) de carne.
Análise sensorial para controle de qualidade do pescado: método de índice de qualidade (miq) 133
riais gerais não eram suficientes para tantes de peixes, crustáceos e também
avaliar de forma adequada as diversas para lulas. Com isso, os novos esque-
espécies de pescado comercializadas. mas, mais específicos, obtinham res-
Assim, seguiu-se a classificação dos postas mais rápidas e mais condizentes
peixes em três categorias (magros, in- com a condição de frescor dentro das
termediários e gordurosos), conforme categorias separadas para peixes bran-
o teor de gordura médio da espécie. cos (magros), peixes azuis (gorduro-
Cada categoria gerou uma tabela de 10 sos), peixes cartilaginosos, crustáceos
pontos, associando características sen- e cefalópodes. Atualmente a análise
soriais, por meio das quais o peixe co- sensorial para pescado, denominada
zido era avaliado. Quanto mais fresco método de índice de qualidade, desen-
o peixe, mais sua pontuação se aproxi- volvida na Austrália pela “Tasmanina
mava de 10. Food Research Unit”, evoluiu a ponto
O valor limite aceitável para o con- de se tornar uma análise confiável e de
sumo humano era de cinco pontos, fácil aplicação em qualquer segmento
sendo considerado próprio para consu- da cadeia de comercialização do pesca-
mo o peixe que obtivesse ao menos seis do como alimento. Apesar de a avalia-
pontos na tabela. O segundo passo para ção do pescado ainda se basear em uma
o desenvolvimento da análise sensorial análise sensorial, ela passa a ser confiá-
aplicada a pescado deu-se em 1976, vel porque as fichas de pontuação, por
em razão das dificuldades encontradas demérito, são construídas especifica-
pela União Europeia na comercializa- mente para cada espécie de pescado e
ção de pescado. A avaliação desenvol- possuem registros fotográficos (Fig. 1)
vida pela União Europeia caracterizava com cada estágio de degradação a ser
o pescado em três níveis de qualidade: pontuado, o que retira o efeito subje-
o melhor era classificado pela letra E tivo do avaliador em relação ao ob-
(extra); o próprio para consumo pela servado visualmente. Além disso, são
letra A; e o não aceitável para o consu- realizadas análises microbiológicas e
mo humano pela letra B. Por essa ava- físico-químicas, padronizadas interna-
liação não considerar diferenças entre cionalmente, associadas a cada etapa
espécies e, por esse motivo, apresentar de perda de frescor da espécie analisa-
resultados discrepantes, com o pas- da para que as fichas sejam construídas.
sar dos anos, foram estudadas melho- Todo esse processo garante ao MIQ
res formas de avaliação, e, em 1996, o acurácia e rapidez em seus resultados
Regulamento Comunitário 2406/96 e facilidade de aplicação, não exigindo
[12] estabeleceu critérios sensoriais grande treinamento para o seu uso [9,
para espécies economicamente impor- 13, 21, 27].
134 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 77 - setembro de 2015
Metodologia O MIQ baseia-
correlação, é atribuída
de obtenção do uma pontuação por de-
se na avaliação
mérito, que varia de 0 a
MIQ para uma da deterioração
3 pontos (Quadro 1).
espécie microbiológica e físico-
Quanto melhor a ava-
química de cada espécie
O MIQ baseia-se na liação, mais próxima de
de pescado a partir das
avaliação da deterioração zero é a pontuação. A
características sensoriais
microbiológica e físico- soma das pontuações de
relacionadas ao aspecto
química de cada espécie cada parte e da caracte-
observado geral e de
de pescado a partir das rística avaliada informa-
partes do pescado, do
características sensoriais rá o índice de qualidade
odor e da textura dele.
(fotografadas) relacio- do pescado [13,21,27].
nadas ao aspecto obser- Para se chegar a es-
vado geral e de partes do pescado, do ses dados, há todo um processo labo-
odor e da textura dele. Com base nessa ratorial anterior. Para iniciar o estudo

Alterações que ocorrem no aspecto do salmão de aquacultura armazenado em gelo

Armazenamento: 1 dia no gelo Armazenamento: 10 dia no gelo

Pele: pérola brilhante, muco claro Pele: cor pérola menos brilhante, muco
leitoso coagulado

Olhos: claros, Guelras: cor vermelha Olhos: cinzento Guelras: cor vermelha
convexos, pretos brilhante, muco claro escuro, achatados pálida, castanha clara,
muco leitoso e
coagulado

Figura 1: Exemplo de ficha de MIQ para salmão de cultivo


Fonte: Martinsdóttir et al., 2004.

Análise sensorial para controle de qualidade do pescado: método de índice de qualidade (miq) 135
Quadro 1: Pontuação do MIQ para salmão de cativeiro

Atributo de Qualidade Descritor Pontos


Pérola brilhante em toda a superfície 0
Cor/aspecto Menos pérola brilhante 1
Amarelada, em particular junto ao abdómen 2
Claro, não coagulado 0
Muco Leitoso, coagulado 1
Amarelo e coagulado 2
Pele Fresco a algas, neutro 0
Pepino, metálico, feno 1
Cheiro
Azedo, esfregão 2
Podre 3
Em rigor 0
Textura A marca do dedo desaparece rapidamente 1
A marca do dedo desaparece após 3 segundos 2
Clara e preta, brilho metálico 0
Pupila Cinzenta escura 1
Mate, cinzenta 2
Olhos
Convexa 0
Forma Achatada 1
Afundada 2
Vermelha/castanha escura 0
Cor Vermelha pálida, rosa/castanha clara 1
Cinzenta-castanha, castanha, cinzenta, verde 2
Transparente 0
Muco Leitoso, coagulado 1
Guelras
Castanho, coagulado 2
Fresco, a algas 0
Metálico, pepino 1
Cheiro
Azedo, a mofo 2
Podre 3
Sangue no Sangue vermelho ausente 0
abdómen Sangue mais castanho/amarelado 1
Neutro 0
Abdómen
Pepino, melão 1
Cheiro
Azedo, fermentado 2
Podre/couve podre 3
Índice de Qualidade 0-24
Fonte: Adaptado de Martinsdóttir et al., 2004.

136 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 77 - setembro de 2015


Textura com maior variação, aos quais serão
atribuídos pontos (por demérito) de
0 a 3. Finalizada essa primeira parte,
obtém-se uma curva de calibração que
deve ser linear e cujo coeficiente de
correlação deve ser o mais próximo de
Apenas o peixe em rigor é rijo e, portanto,
recebe 0 pontos pela sua textura. O peixe em
1 [5,12,15,25,27].
pre-rigor é mole/muito mole, e em princípio, Com esses dados, inicia-se o desen-
deve receber uma pontuação elevada. No caso volvimento do MIQ da determinada
de se ter a certeza de que está em pre-rigor, a
firmeza deve ser pontuada com zero. espécie. Para tanto, a equipe de análise
sensorial deve conhecer as atividades
a serem executadas, conforme as ISO
5492 e 8586 [16,17]. Com a equipe,
formada por cinco a sete julgadores
que passaram por, no mínimo, três ses-
sões de treinamentos, o líder irá fazer
um protocolo inicial com base nas ca-
racterísticas de degradação observadas
previamente sobre aspecto/textura;
A textura é avaliada pressionando firmemente a olhos; brânquias; vísceras; abdômen e
parte dorsal com o dedo. carne/filé (Fig. 2). A amostra de pes-
Figura 2: Demonstração de procedimento para cado fresco (recém-capturado), intei-
análise de textura ro, eviscerado ou não, deve ser mantida
Fonte: Martinsdóttir et al., 2004.
com gelo em escamas e em refrigerador,
inédito utilizando o MIQ para uma com temperatura de +2ºC. O tempo de
espécie, devem-se obter de um lote ho- intervalo de cada análise será estipu-
mogêneo entre três e 10 unidades de lado pela equipe com base no tempo
peixes da referida espécie, conforme o total previsto de vida útil da espécie, e,
seu tamanho (quanto menor a espécie, para cada análise, devem-se utilizar, no
maior a quantidade de animais amos- mínimo, três exemplares. Cada proce-
trados), capturados no mesmo dia. O dimento de avaliação é demonstrado
pescado, armazenado em gelo, é ava- no Manual de Referência sobre MIQ
liado em períodos de 12 a 48 horas, (Martinsdóttir et al, 2004) disponível
dependendo da expectativa de vida de pela QIM Eurofish Strategic Alliance,
prateleira, e todos os seus atributos são no próprio site (www.qim-eurofish.
descritos detalhadamente. A partir de com), em diversos idiomas. Os resulta-
então, são selecionados os parâmetros dos obtidos devem ser analisados pela
Análise sensorial para controle de qualidade do pescado: método de índice de qualidade (miq) 137
regressão linear do valor médio do IQ Já o tempo previsto de armazenagem é
encontrado em relação ao tempo de es- o número de dias em que o peixe esteve
tocagem em gelo. Concomitantemente armazenado em gelo. Com esses dois
à análise sensorial, são realizadas tam- parâmetros, pode-se obter uma estima-
bém análises microbiológicas (conta- tiva do tempo de conservação residual
gem de bactérias mesófilas e psicro- do peixe. Para tal estimativa, assume-se
tróficas) e físico-químicas (pH, bases que o peixe esteve armazenado em con-
voláteis totais, TBA e aminas biogêni- dições ótimas, e assim permanecerá,
cas). Os resultados obtidos contribui- por isso deve-se usar com cautela essa
rão para o estabelecimento do prazo informação devido aos diversos fatores
de validade comercial [1,9,13,14,20, que podem influenciá-la [21, 27].
21,27].
Os resultados de experimentos
Por meio do MIQ é de armazenagem bem controladas,
possível estimar o tempo associados às análises sensoriais do
MIQ, indicaram que o fim do tempo
residual de conservação de armazenamento corresponde ao
do pescado momento em que um painel sensorial
A vida útil de conservação do pes- treinado detecta odores característi-
cado é o período em que o peixe encon- cos de deterioração em amostras cozi-
tra-se próprio para o consumo. Define- das de peixe. A existência de uma rela-
se por tempo de conservação útil o ção linear entre o índice de qualidade
número de dias que o peixe (ou outro e o tempo de armazenagem em gelo
pescado) fresco inteiro (eviscerado) permitiu a determinação das equações
pode ser mantido em gelo até se tornar das retas de regressão que melhor se
impróprio para o consumo humano, ajustam aos valores experimentais. O
variável entre as espécies (Quadro 2). tempo de conservação residual cor-
Quadro 2: Estimativa de vida útil de algumas espécies de pescado

Espécies Tempo de conservação útil no gelo


Arenque (Clupea harengus) 8 dias
Camarão de águas profundas (Pandalus
6 dias
borealis)
Bacalhau (Gadus morhua) 15 dias
Linguado (Solea vulgaris) 15 dias
Peixe-vermelho (Sebastes mentella/marinus) 18 dias
Salmão de aquacultura (salmo salar) 20 dias
Fonte: Adaptado de Martinsdóttir et al., 2004.

138 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 77 - setembro de 2015


responde à diferença entre o tempo de (Huidobro; Pastor; Tejada, 2000)
conservação útil estimado e o tempo • Salmão – Salmo salar (Sveinsdóttir et
de armazenamento previsto, exempli- al., 2003)
ficado pela Fig. 3. • Filé de salmão congelado (Erikson,U;
Misimi, E; Gallart-Jornet, L, 2011)
Algumas espécies • Sardinha europeia – Sardina pilchar-
dus (Triqui; Bouchriti, 2003)
que já possuem MIQ
• Merluza – Merluccius merluccius
estabelecido: (Baixas-Nogueras et al., 2003)
• Vermelho – Sebastes marinus • Polvo – Octopus vulgaris (Barbosa;
(Martinsdóttir et al., 2001) Vaz-Pires, 2004)
• Dourada – Spaurus aurata • Bacalhau – Gadus morhua (Esaiassen
et al., 2004)
Salmão de Aquacultura • Filé de bacalhau – Gadus morhua
Índice de Qualidade - 0,692 x dias em
gelo + 1,57 (R2 = 0,953) (Bonilla; Sveinsdottir; Martinsdottir,
Tempo de Tempo de 2007)
Índice de armazena- conservação • Linguado – Solea senegalensis
Qualidade mento em útil residual
gelo (dias) (dias) (Nunes; Batista; Cardoso, 2007)
1 0 20
• Tilápia-do-nilo – Oreochromis niloti-
2 1 19
cus (Rodrigues, 2008)
3 3 17
• Lula – Sepia officinalis (Vaz-Pires,
4 4 16
2006)
• Robalo – Dicentrarchus labrax (Di
5 6 14
Turi et al., 2009)
6 7 13
7 9 11
8 10 10
Considerações finais
9 11 9 O pescado compreende um gru-
10 13 7 po de grande diversidade de espécies,
11 14 6 e boa parte dessas possui carne cujo
12 16 4 processo de deterioração é mais rápido
13 17 3 quando comparado aos demais pro-
14 19 1 dutos cárneos, originários de animais
15 20 0 terrestres, devido às suas características
intrínsecas.
Figura 3: Tempo de conservação útil residual cal- O método de índice de qualidade
culado a partir do tempo de armazenagem em
gelo e com base no índice de qualidade obtido permite estimar o frescor do pesca-
para salmão de aquicultura. do e pode estipular sua vida útil e vida
Análise sensorial para controle de qualidade do pescado: método de índice de qualidade (miq) 139
útil remanescente. É (QIM): development of a senso-
O MIQ é um método rial scheme for common octopus
um método acurado
objetivo e de fácil (Octopus vulgaris). Food Control
por ser espécie-espe- 15: 161-168. 2004.
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cífico e por considerar
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