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Pedofilia: um olhar do pedófilo

Resumo - O presente artigo de base bibliográfica pretende


expor o que foi discutido na resenha feita com base na análise do
filme “O Lenhador” de Nicole Kassell, do ano de 2004, que narra
a história de um ex-presidiário que teve 12 anos em uma prisão
por abusar de crianças, tendo seus vínculos familiares isolados e
o afastamento da sociedade. Relata sua difícil tentativa de voltar
a ter uma vida comum, uma realidade cheia de preconceitos e a
descoberta de uma possível inibição de seus impulsos sexuais por
crianças e uma nova vida ao lado de uma mulher.
Concomitantemente, faz-se a relação da temática apresentada com
a conceituação de pedofilia, discussões que envolvem o tema, o
preconceito, a reintegração social e a relação da pedofilia com
a psicologia jurídica. E, por fim, a conclusão, com a reflexão
relativa às abordagens feitas ao longo do trabalho e interesse na
busca de mais pesquisas voltadas para o assunto da Pedofilia.

Palavras-chave: Pedofilia, Preconceito, Reintegração


Social, Psicologia Jurídica.

1. Introdução

O presente artigo refere-se a uma resenha feita de acordo


com a análise do filme “O Lenhador”, com o título original The
Woodsman, caracterizado no gênero Drama, com a direção de
Nicole Kassell, lançado no ano de 2004, com o elenco renomado
como Kevin Bacon, Benjamin Bratt, David Alan Grier, Kevin
Rice, Kyra Sedgwick, Mos Def, dentre outros. O filme discorre
sobre a história de um pedófilo que após passar 12 anos na prisão,
retoma sua vida através de uma condicional, em que este tem seus
limites e passa a sofrer preconceitos e retaliações na sociedade. É
tido como um ser abominável, mas se esforça para mostrar o
contrário, consegue emprego numa madeireira, conhece uma
mulher que se tornará sua namorada, sofrerá discriminação em seu
ambiente de trabalho. O personagem Walter, pedófilo, irá
frequentar sessões semanais de terapia, assim como receber visitas
constantes de um sargento da polícia para observar seu
comportamento. E o filme retrata exatamente essa tentativa de
mudança ou de resistência com os seus próprios sentimentos que
possam levar este a cometer erros como no passado.

A pedofilia, que é tema bem atual e que interessa a toda a


sociedade é bem trabalhada neste filme, na percepção de que visa
mostrar a luta travada consigo mesmo pelo pedófilo, suas
dificuldades e seus desejos proibidos. Pouco discutida talvez em
tempos passados, transformou-se em um problema que, nas
últimas décadas, emergiu em grandes proporções. Pode-se a
atribuir o aumento do problema à facilidade de acesso aos meios
de comunicação, dentre eles a utilização da internet em massa
como um dos principais veículos de propagação das condutas de
pedofilia, contando ainda da presença do pedófilo dentro das
próprias residências. A pedofilia, apesar de afligir a humanidade
há muitos anos, só recentemente é que vem sendo objeto de estudo
para ciências jurídicas e a psicologia. As pesquisas recentes se dão
em decorrência de altos índices de agressões sexuais de adultos
contra crianças e adolescentes. No artigo serão abordados tópicos
como Conceituação e discussões sobre Pedofilia, Preconceito e
Reintegração social, Pedofilia e sua relação com a psicologia
jurídica, os quais serão explanados para melhor entendimento e
alcance do objetivo traçado pelo artigo.

2. Conceituação e Discussões Sobre Pedofilia

Para Fiorelli e Mangini, 2015, p. 137, “A parafilia, outrora


“perversão sexual”, consiste em fantasias, anseios sexuais ou
comportamentos recorrentes, intensos e sexualmente excitantes
envolvendo objetos não humanos ou situações incomuns”. Ou
seja, a Pedofilia pode ser caracterizada como um transtorno de
preferência sexual (parafilia), em que se torna longo o discurso e
debate em relação a essa temática. Para alguns cientistas, sendo
considerada uma doença, uma patologia, para alguns psicólogos
podendo se encaixar em transtornos psicológicos que podem ter
sua origem em genética ou em comportamentos sociais. Todavia,
a discussão aqui não será achar uma única definição para o termo
Pedofilia, e sim, entender um pouco de sua conceituação, para
melhor entendimento da relação deste com o que será exposto no
artigo. “É a preferência sexual por crianças, usualmente de idade
pré-puberal ou no início da puberdade” (CID 10 apud FIORELLI;
MANGINI, 2015, p. 138).

Torna-se interessante, pois, citar alguns motivos que podem


levar uma pessoa a cometer abuso contra crianças, como: traumas
de sua infância (abuso); adultos que não conseguem ter relações
sexuais com mulheres, achando mais viável a conquista de
crianças e uma aproximação mais viável com as mesmas, fatores
genéticos e história de vida (comportamentos condicionantes).
Todavia, estas são apenas válvulas que podem propiciar no futuro
consequências, desencadear difíceis laços afetivos para a pessoa,
fazendo com que esta seja afetada pelo meio.

No filme, podemos perceber essa relação em todos os


momentos em que o personagem Walter está com sua namorada,
este não consegue manter um diálogo muito extenso com ela,
geralmente partindo logo para o ato sexual; já nas cenas que
aparece com a menina no parque, ele se sente galanteador,
conquistador, usa de artifícios para atrair a garota, tem
argumentos, apresenta uma conversa e mostra que se sente mais a
vontade com a criança do que com a mulher.

O filme apresenta-se dessa forma de extrema relevância para


a percepção dessa relação de como é a vida de um pedófilo, suas
características, suas dificuldades, se ele sofre com isso ou se sente
prazer, afinal, 12 anos preso e depois dessa longa temporada, será
que algo mudaria na vida de Walter ou ele continuaria com o
mesmo comportamento, as mesmas atitudes.

3. Preconceito e Reintegração Social


O filme revela em primeiro plano a vida de um ex-
presidiário em liberdade condicional julgado por abuso sexual de
crianças e sua luta para se livrar tanto da sua doença, que
supostamente o leva ao abuso, quanto dos estigmas sociais que o
acompanha por onde ele anda. Principalmente o preconceito, o
qual se define como um juízo pré-concebido, que se manifesta
numa atitude discriminatória, perante pessoas, crenças,
sentimentos e tendências de comportamento.

Quando o personagem Walter saiu da penitenciária foi lhe


passado diversas orientações, as quais caso não fossem cumpridas,
sua condicional estaria em risco, como a questão da distância
mínima de 100 metros de qualquer escola, lembrando que seu
apartamento se localizava próximo de uma escola; ir com
frequência ao terapeuta (não podia deixar de fazer as sessões, uma
vez por semana); receber o sargento da condicional pelo menos
uma vez por semana também, entre outras coisas. A partir daí,
percebe-se que esses preceitos já iniciam um processo o qual este
personagem é rotulado, ou seja, ele é uma pessoa distinta, com
uma rotina e deveres específicos, possibilitando cada vez mais o
preconceito e discriminação no meio em que vive, ressaltando
ainda a distância da família, a qual não queria mais manter contato
com o mesmo, apenas recebendo visita de seu cunhado Carlos.

Em decorrência de já ter trabalhado em uma madeireira


antes de ser preso, Walter arruma um emprego no mesmo local, já
que este era do filho de seu ex-patrão, sendo que ali ele se encontra
de maneira introvertida e sempre muito fechado. Todavia, ele
acaba se envolvendo com uma colega de trabalho, a Vicki, a qual
prometeu a ele que não iria fazer nenhum julgamento a respeito
dele, já que o mesmo não queria lhe dizer por que havia sido preso.
Neste momento, percebe-se o momento de reintegração social de
Walter, a oportunidade de recomeçar a vida, de ter um contato
mais próximo com alguém, uma relação amorosa.

Porém, mesmo que Walter quisesse, ele não poderia fugir do


que aconteceu, e infelizmente seu passado vem à tona, quando
uma funcionária do seu local de trabalho imprime uma ficha com
informações a respeito do crime que cometeu e a coloca no
armário do serviço de Walter, de modo que todos a vejam e tome
conhecimento do passado dele. Presencia-se, assim, a
agressividade verbal e física de seus colegas, a raiva e o rancor
dos mesmos para com ele, não piorando a situação por que seu
chefe apareceu e colocou ordem no ambiente. Com isso,
aumentaram às perseguições, as ameaças, as críticas, enfim, as
consequências do rótulo que Walter carregava, o vigente
preconceito e a discriminação, tornando-o menos aceito dentro da
sociedade.

Pôde-se observar no filme, que Walter não tinha uma relação


terapêutica bem estabelecida, ele não se sentia a vontade com o
seu terapeuta, isso porque ele não encontrava condições essenciais
como a empatia, a congruência, dentre outros fatores que ele
precisaria dentro de um setting terapêutico para que assim
pudesse se entender melhor e assim reorganizar a sua
personalidade diante dos fatos ocorridos. Mas, em algumas cenas
em que Walter aparece só em seu apartamento, ele passa a
escrever tudo que sente e o que vive a cada dia após sair da prisão,
sendo uma maneira de aliviar seus sentimentos e tentar lidar com
a situação que o cerca.

Partindo do princípio que vivemos em uma sociedade


heterogênea, assim sendo preconceituosa em muitos aspectos,
deve-se discutir, identificar e apresentar às pessoas que não há
cura para a pedofilia, mas que é possível controlar os impulsos
existentes com o uso de medicamentos (em alguns casos) e ajudar
o indivíduo a entender o que ele sente com a psicoterapia,
construindo uma maturidade emocional onde ele possa estabelecer
novas relações, mais saudáveis e aceitas socialmente. Para De
Paula, 2014:

“Assim para que se faça o correto uso da palavra pedófilo é preciso analisar
cada indivíduo, cada caso concreto, para se verificar se aquele agressor é um
pedófilo realmente ou um molestador de crianças. Por isso é importante a
participação de um psiquiatra durante o processo criminal. Somente com esse
diagnóstico podemos direcionar o indivíduo para a punição ou tratamento
correto. Já que no caso de um molestador de crianças a pena deverá ser
cumprida no sistema prisional brasileiro, enquanto um pedófilo deverá
cumprir uma medida de segurança em um hospital de custódia e tratamento”.
Walter era considerado como anormal, um ser abominável,
em que os outros deveriam manter distância, como o sargento
Lucas o trata no filme, como um monstro. E toda vez que algo
diferente acontecia nas redondezas do apartamento de Walter, o
sargento sempre ia conversar com o mesmo, desconfiado que ele
estivesse agindo. Mas ele tentava, se esforçava para não cometer
erros como no passado, mantinha controle quando vinham os
impulsos diante de situações que ele mesmo não acreditava que
iria conseguir se conter, para que assim estabelecesse uma
confiança com as pessoas e poder levar sua vida como “alguém
normal” na sociedade.

E assim, durante todo o filme é notável a constante luta de


Walter para se tornar uma pessoa “normal”, ou seja, para “tornar-
se ser humano”, enfrentando os preconceitos da sociedade. Ele
consegue resistir e não faz nada contra a menina no parque, talvez
tenha se sentido constrangido quando ela comentou que aquela
situação acontecia sempre com seu pai (“pedir para sentar no
colo”), quem sabe naquele momento Walter tenha percebido o mal
que poderia fazer aquela criança, várias possibilidades existem
diante daquela cena. O certo é que ele, por algum motivo, não
“molestou” a criança, e foi embora, mostrando que um pedófilo
pode fazer escolhas mesmo diante do que está sentindo, a vontade
de seguir em frente, mas conseguir se conter.

Ressaltando ainda o momento que ele se depara com outro


pedófilo próximo ao seu apartamento, o qual constantemente
estava com as crianças da escola, em que ele não se controla e
começa uma briga, podemos analisar que Walter o tinha como um
espelho naquela cena, e se enchendo de ódio e raiva não se conteve
e travou briga com o pedófilo. Um alívio para ele, uma forma de
se expressar, de mostrar o que estava acontecendo com ele.
Lembrando que o seu relacionamento com a Vicki pareceu o
ajudar bastante a enfrentar as dificuldades diárias que ele trava
consigo mesmo.

Diante de várias discussões científicas a respeito da


Pedofilia, é possível concluir ao menos que não existe um único
fator que contribui para que a pessoa apresente ou nasça com a
mesma, já que para a Psicologia, a Pedofilia vai ter sua percepção
de acordo com cada abordagem a ser trabalhada, e para a
Psiquiatria, a Pedofilia é uma doença. Sendo definida como uma
patologia, esta merece atenção por parte do sistema penitenciário,
da sociedade e dos profissionais que lidam com a mesma, apesar
de que certos pacientes só procuram ajuda psiquiátrica porque
seus desejos os colocaram em conflito com a lei.

4. Pedofilia e sua Relação com a Psicologia Jurídica

Ao nos depararmos com o tema da Pedofilia abordado no


filme “O Lenhador”, se faz necessário esclarecer que esta não se
trata de um crime e sim de um transtorno sexual.

A pedofilia constitui transtorno psicológico da sexualidade do indivíduo e é


espécie de conduta que não constitui fato típico, vez que se caracteriza pelo
desvio no desenvolvimento da sexualidade, onde existe o desejo de adultos por
crianças e/ou adolescentes, ou seja, é termo clínico, não penal (ZANGROSSI
et al, 2012)
A diretora do filme Nicole Kassel é bem ousada em mostrar
a Pedofilia em outra perspectiva, na qual o personagem Walter
luta contra seus desejos, "quando vou ser normal", no entanto não
demonstra nenhum arrependimento ao falar para sua namorada o
motivo pelo qual foi preso, "molestava garotinhas".

Walter apresenta comportamentos bem controversos, pois


ao ficar diante de uma menina no parque o mesmo consegue
manter um controle racional. Isto é, o pedófilo não consegue
manter essa racionalidade. Nicole Kassel deixa no ar e a critério
do público, o comportamento de Walter com a garotinha no
parque, se realmente conseguiu controlar seus desejos, pois os
movimentos do seu corpo e seus gestos norteavam outro olhar que
a qualquer momento ele saciaria a sua vontade erótica. Durante o
filme foi pouco mostrado sobre a história de vida de Walter e de
seus reais desejos.

Algo que se tornou confuso no filme diz respeito ao


questionamento de que, Walter é um pedófilo que pagou sua pena
na prisão, mas o mesmo não cometeu o ato propriamente dito, ele
molestava meninas, no entanto fica uma questão a ser pensada, se
ele é um molestador ou pedófilo de acordo com um entendimento
clínico. Para Huss, um indivíduo pode ser um molestador de
crianças, mas não ser um pedófilo e ou um pedófilo e nunca
molestou. A função da Psicoterapia nesse elo é essencial, pois
apesar de não existir cura para essa doença, o método da
psicoterapia ainda é um viés crucial para o processo terapêutico.

Sendo válido comentar a questão da violência cometida


contra a criança, em que em seu futuro poderá trazer danos para a
mesma, todavia o pedófilo não pensa desta forma, já que para ele,
isso é normal e não causa sofrimento. A gravidade dessa violência
acentua-se pela diversidade com que é praticada, compreendendo
a física, a sexual, a psicológica, a fatal e a negligência
(AZEVEDO; GUERRA, 2005 apud FIORELLI; MANGINI,
2015, p. 284).

A psicologia jurídica no âmbito penal tem o papel


fundamental no caso de transtornos psicológicos, fornecendo
laudos e pareceres através de avaliações e técnicas psicológicas
que visem avaliar a condição mental do indivíduo, possibilitando
um melhor aparato jurídico para as situações vigentes. Como
citam Fiorelli e Mangini (2015, p. 139) “pedofilia e incesto são
tipos penais, conforme a conduta praticada, previsto nos arts. 213
e 214 do Código Penal, com presunção de violência quando a
vítima é menor de 14 anos”.
5. Conclusão

Conforme apresentamos no decorrer do artigo, a Pedofilia


se apresenta como um transtorno sexual (parafilia), em que para
alguns cientistas é considerada uma patologia e para alguns
psicólogos se encaixando como transtornos psicológicos que
podem ter sua origem em predisposições genéticas ou em
comportamentos sociais. De acordo com o filme “O Lenhador” é
perceptível à busca da “solução de um problema”, a pedofilia, o
qual o personagem se depara com uma realidade difícil que a de
resistir a não cometer mais erros como no passado, após sair da
prisão em que passou 12 anos cumprindo sua pena. Em que nos
permitimos o questionamento da cura da pedofilia ou da tentativa
de se controlar diante das situações que irão se apresentar na vida
de um pedófilo. Passando ainda pelas peculiaridades da vida
deste, identificando suas características, seus sentimentos, a
tentativa de uma nova vida e um novo relacionamento amoroso.

A pedofilia não é crime, e sim um transtorno. A psicologia


jurídica no âmbito penal tem o papel crucial no caso de transtornos
psicológicos fornecendo laudos e pareceres através de avaliações
e técnicas psicológicas que visem avaliar a condição mental do
indivíduo, possibilitando um melhor aparato jurídico para as
demandas vigentes. Ressalta-se que cada caso é um caso, e assim
como no filme, o personagem Walter resistiu, muitos pedófilos
vivem assim, travando uma luta diária consigo mesmo, outrossim,
existem aqueles que todos os dias praticam abuso contra crianças
e adolescentes, alguns são descobertos e denunciados, e outros
não. Uma situação difícil também, sempre para as vítimas, as
quais se mantêm caladas e sofrem por muito tempo, sem saber
como agir diante dos abusos constantes, sem contar ainda com os
traumas futuros. O trabalho permitiu uma compreensão melhor
acerca do tema exposto, de um ângulo diferenciado daqueles
textos ou filmes que relatam apenas o outro lado e não o lado do
pedófilo, possibilitando curiosidades para novas pesquisas a
serem feitas condizentes com a temática.
Referências:

DE PAULA, Verônica Magalhães. Documento


eletrônico: Pedofilia crime ou doença? A falsa sensação de
impunidade. Disponíve em:
<http://eduardocabette.jusbrasil.com.br/artigos/121937989/pedof
ilia-crime-ou-doenca)>.

FIORELLI, José Osmir; MANGINI; Rosana Cathya


Ragazzoni. Psicologia Jurídica. 6 ed. São Paulo: Atlas, 2015.

LENHADOR o. Direção: Nicole Kassell. EUA: [S.n.], 2004. 1


DVD (87 min).

HUSS, Matthew T. Psicologia Forense: Pesquisa, Prática Clínica


e Aplicações. [S.l.]: Artmed, 2011.

ZANGROSSI, Monica Aparecida; BATISTA, Juliana de Paula;


VOLPE, Luiz Fernando
Cassilhas. Documento eletrônico: Aspectos

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