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Terra – Habitats Urbanos e Rurais

O ASSENTAMENTO CHICO MENDES II: UMA ESPERANÇA PARA


A SOBERANIA ALIMENTAR EM SERGIPE

Jonas Emanuel Rocha ANTÃO


Mestrando do Programa de Pós-Graduação Desenvolvimento e Meio Ambiente/UFS
jonasemanuel96@hotmail.com
Núbia Dias dos SANTOS
Prof.ª Dr.ª do Programa de Pós-Graduação Desenvolvimento e Meio Ambiente/UFS
nubisantos85@gmail.com
Juniela dos SANTOS
Mestranda do Programa de Pós-Graduação Desenvolvimento e Meio Ambiente/UFS
junielaufs@gmail.com
Maria José da Silva SOUZA
Prof.ª Mestra em Ensino das Ciências Ambientais/UFS
mariajosessa@yahoo.com.br

RESUMO
Esse artigo reflete sobre a questão da soberania alimentar no contexto do assentamento Chico
Mendes II (implantado em 19 de janeiro de 2018), situado na cidade de Macambira, Sergipe. A
questão alimentar é, paradoxalmente, um dos grandes dilemas da nossa sociedade, em vista da
lógica contraditória, desigual e combinada do modelo capitalista de produção, o qual, transformou o
alimento em mercadoria, e como tal, precisa gerar lucro e atender as demandas do mercado. Optou-
se por um modelo de organização socioespacial, pautado na dicotomia sociedade natureza, na
utilização do meio técnico científico enquanto instrumento para permitir a reprodução ampliada do
capital, sem se ater, necessariamente, às necessidades vitais de consumo humano, para a
manutenção da vida, para garantir que todas as pessoas possam se alimentar com a quantidade e
qualidade necessárias. Foram coletados dados no IBGE, além das visitas de campo com a finalidade
de fotografar a área de estudo. O assentamento Chico Mendes II compõe o recorte da base empírica
desta pesquisa, por ter uma proposta de organização para o fortalecimento da produção de alimentos
que resgatam o saber fazer camponês, a lógica da reprodução camponesa baseada no policultivo, o
qual propicia elementos para a segurança alimentar. O momento é paradoxal, na medida em que, de
um lado, o Estado de Sergipe, liberou a utilização de sementes crioulas, ao tempo em que faz
acordo para consolidar o cultivo transgênico no solo sergipano. Dessa feita, a luta pela soberania e
segurança alimentar é, também, uma luta territorial, além de política, ideológica e de classe.
Palavras-chave: Segurança e Soberania Alimentar; Camponês Assentado; Espaço Rural Sergipano.
ABSTRACT
This article reflects on the issue of foodsovereignty in the context of the Assentamento Chico
Mendes II (deployed in 19 January 2018), located in the city of Macambira, Sergipe. The food issue
is, paradoxically, one of the great dilemmas of our society, in view of the contradictory logic,
unequaland combined the capitalist model venture capitalist production, which transformed the food
goods, and assuch, needs to make a profit and meet the demands of the market. We opted for a
model of socio-spatial organization, based on the dichotomy society nature, the use of technical
means as scientific to enable playback expanded the capital without necessarily subscribing to vital
human consumption needs, forthe maintenance of life, to ensure that all people can feed themselves
with the quantity and qualityrequired. Data were collected in the IBGE, in addition to field visits for

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the purpose of photographing the area of study. O assentamento Chico Mendes II the empirical
basis of this researchclipping for a proposed organization to the strengthening of food production
that rescue the know-how peasant, the logic of peasant cultivation-based playback, which provides
food safety elements. now it is paradoxical, since, on the one hand, the State of Sergipe, released the
use of heirloom seeds, makes deal to consolidate the transgenic cultivation in soil in Sergipe. This
done, the struggle for sovereignty and food security is alsoa territorial struggle, in addition to
ideological and political class.
Keywords: Safety and food sovereignty; PeasantSeated; Countryside Of Sergipe.

INTRODUÇÃO

A questão alimentar é, paradoxalmente, um dos grandes dilemas da nossa sociedade, em


vista da lógica contraditória, desigual e combinada do modelo capitalista de produção, o qual
transformou o alimento em mercadoria, e como tal, precisa gerar lucro e atender as demandas do
mercado. Para tal, optou-se por um modelo de organização socioespacial, pautado na dicotomia
sociedade natureza, na utilização do meio técnico científico enquanto instrumento para permitir a
reprodução ampliada do capital, sem se ater, necessariamente, às necessidades vitais de consumo
humano, para a manutenção da vida, para garantir que todas as pessoas possam se alimentar com a
quantidade e qualidade necessárias.
Ocorre que com o advento da revolução verde, o modelo de modernização implantado no
campo brasileiro, se ateve a mecanização da base técnica de produção, onde as atividades
produtivas foram direcionadas para a produção em larga escala, obedecendo à lógica da
monocultura de exportação, movida pelo agronegócio. O agronegócio reorganizou o espaço
geográfico brasileiro, utilizando-se do aporte do Estado. A aliança do agronegócio, técnica,
tecnologia e Estado, culminou com a produção das sementes transgênicas, fomentou o uso de
substancias tóxicas e a mecanização, muitas vezes exageradas e inapropriadas da agricultura,
associadas com as promessas da superação da fome, da miséria e da desnutrição da humanidade,
por um lado, e, por outro, da geração de emprego e de renda, para parcelas da população rural. No
entanto, o que se constata é que essa alta produtividade, não tem se revertido, para banir a vergonha
da fome, da desnutrição de parcelas cada vez crescentes, da população mundial, como foi
prometido, mas, atende prioritariamente, aos interesses do capital fundiário, industrial,
farmacoquímico, financeiro, que lucram com esse modelo, ficando a população a mercê desses
setores e segmentos para consumir alimentos processados, repletos de aditivos químicos, sem uma
relação direta com suas necessidades nutricionais e, em seu conjunto, tem ampliado a insegurança
alimentar e nutricional da população brasileira.
Diante do exposto, e com vistas à realidade do espaço agrário sergipano, o presente artigo
tem como objetivo refletir sobre como as estratégias de reprodução social de camponeses

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envolvidos em movimentos sociais têm contribuído para se pensar em outras possibilidades de
relação homem natureza em vista da recomposição do significado da terra, do trabalho e do
alimento. Nesse sentido busca-se evidenciar de que maneira, o trabalho camponês na terra consegue
em alguma medida barrar a insegurança alimentar implantada no cenário agrário sergipano,
mediante a opção pelo latifúndio monocultor, de um lado, e pela indução via aparelhos do Estado,
para a inserção dos pequenos produtores e agricultores familiares na lógica da produção
agroquímica e monocultora. Para isto, foram realizadas pesquisas em literaturas específicas a
respeito do tema abordado neste trabalho.
Buscando embasar o aporte teórico necessitou-se coletar dados em órgãos oficiais como o
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2016) e para a coleta de dados empíricos foi
efetuada visita a campo para o registro fotográfico e conversa informal com integrantes do
assentamento para assim identificar elementos que evidenciassem a materialização da agricultura
camponesa, e, consequentemente, os indícios de segurança e soberania alimentar.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Essa pesquisa é de natureza qualitativa e quantitativa. De acordo com Minayo (2001, p 22)
“O conjunto de dados quantitativos e qualitativos, não se opõem. Ao contrário, se complementam,
pois, a realidade a rangida por eles interage dinamicamente, excluindo qualquer dicotomia”.
Ademais, para a elaboração deste trabalho foi necessário realizar a pesquisa bibliográfica acerca dos
temas discutidos no corpo deste artigo. Fez-se necessário coletar dados no Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), além das visitas de campo com a finalidade de fotografar a área de
estudo.
Para obtermos os resultados, selecionamos três cultivos alimentares para fins de
comparação, sendo estes, a mandioca, o feijão e o milho. Os dois primeiros identificam a produção
camponesa e o último representa o agronegócio. O assentamento Chico Mendes II compõe o recorte
da base empírica desta pesquisa, por ter uma proposta de organização para o fortalecimento da
produção de alimentos que resgatam o saber fazer camponês, a lógica da reprodução camponesa
baseada no policultivo, o qual propicia elementos para a segurança alimentar. Os municípios de
Macambira/SE, Frei Paulo e Pedra Mole foram selecionados por manterem relações com o
assentamento Chico Mendes II, visto que este, apesar de estar situado no município de Macambira,
encontra-se numa localização de confluência dos três Municípios os quais integram a região do
sertão ocidental sergipano.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Latifúndio e unidade de produção camponesa: a produção de alimentos

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O Brasil apresenta questões estruturais, até então insolúveis. Tais questões expressam
desdobramentos do período colonial, também se vinculam a questão agrária brasileira pautada no
latifúndio monocultor de exportação. O advento da chamada modernização agrícola, implementada
a partir da década de 1960, por sua natureza, não alterou a estrutura agrária do país, nem o seu papel
no cenário global. Essa lógica de produção de alimentos advém desde o tempo do Brasil colônia, e
sintetizam o papel do Brasil na Divisão Internacional do Trabalho, na qual a propriedade
latifundiária, quando colocada no processo produtivo, produziam para o mercado externo e os
camponeses para o mercado interno. Em Sergipe essa organização é inerente à formação do
território brasileiro, visto que a organização territorial do Sergipe colonial abastecia as capitanias de
Bahia e Pernambuco através da mandioca (NUNES, 2006).
Com o sistema desigual de produção e distribuição de terra, o camponês vem sendo
expropriado de seu espaço. Nesse contexto, emerge, na sociedade contemporânea o debate sobre a
soberania e segurança alimentar, em vista da necessidade de se rever o direcionamento no modelo
agroquímico de produção de alimentos e seus desdobramentos socioambientais. Assim, a soberania
alimentar é “a autonomia dos povos so re o direito de decidir a sua forma de produzir, de se
alimentar de acordo com seu modo de vida, o que compreende suas tradições culturais construídas
historicamente” e que atenda as demandas nutricionais da população nacional (SILVA, REIS,
SILVA, 2016, p. 2), ou seja, ela transcende a simples quantidade de alimentos produzidos,
abarcando a sua qualidade e respeitando os saberes dos povos originais, compondo o tripé
Ambiental-Social-Econômico, contribuindo para a autonomia dos camponeses e,
consequentemente, do estado de Sergipe.
A produção de alimentos é uma marca deste país. “O Brasil é uma referência mundial na
produção de alimentos. Porém, parcela significativa da população não tem acesso a uma
alimentação adequada que possa caracterizar uma condição de segurança alimentar”
(STRASSBURG et al, p. 55, 2015). O país só não produz uma maior variedade de alimentos e com
melhor qualidade, devido aos latifúndios que prioritariamente cultivam a Soja e a Cana, atendendo a
lógica de mercado.
O capitalista tem a terra como mercadoria, enquanto o camponês tem a terra como extensão
do seu ser, por isso é também consciente, pois concebe a natureza como necessária para a
reprodução da vida. Em virtude de serem lógicas diferentes de interação com a terra, esses dois
modos de produção são contraditórios gerando conflitos territoriais buscando a hegemonia na
organização espacial (PAULINO, ALMEIDA, 2010).
O objetivo do capitalista com a produção agrícola é a geração do mais-valor, enquanto o
camponês está preocupado em saciar as suas necessidades. Ao ter o excedente, é comercializado no

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mercado para a obtenção de dinheiro, com o objetivo da manutenção da propriedade e da família
(KAUTSKY, 1980; MARTINS, 2004; SANTOS, 2012).
Todavia, o capitalista necessita do camponês para movimentar esse sistema, pois enquanto o
camponês continuar produzindo alimentos baratos, os salários no espaço urbano são indexados para
baixo, além de alimentar a mesa das classes dominantes e dos dominados (MOURA, 1986;
MARTINS, 2004). Assim, a desigualdade vai inviabilizando a manutenção do estilo de vida do
camponês, que passa de uma lógica que entende a produção de alimentos pelo viés da subsistência e
da vida que é o policultivo, e passa a se submeter à lógica do capital, que ao produzir para o
mercado através dos monocultivos, vão perdendo a sua autonomia, e a terra vai perdendo o sentido
da sua função social, pela expulsão do camponês da terra, e vai se transformando em mão de obra
barata, para a manutenção e riqueza dos grandes latifúndios, e a pobreza e invisibilidade do povo
camponês.
O modo de produção camponesa busca garantir a sustentabilidade social-ambiental-
econômica do povo Brasileiro. Para que o capitalista não destrua esse tripé, alguns movimentos
sociais como o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra – MST e o Movimento dos Pequenos
Agricultores – MPA, lutam para garantir a autonomia camponesa, buscando limitar o avanço do
agronegócio. Casos como, o novo assentamento Chico Mendes II (Macambira/SE) vem
demonstrando uma organização que fortalece o tripé terra-trabalho-família.
A conquista da terra fortalece esse tripé, pois com ela os camponeses vislumbram a
possibilidade de terem autonomia em sua produção de alimentos, uma relação justa com a natureza,
com a saúde, e com aqueles que irão consumi-los (SANTOS; SANTOS, 2015). Desse modo, os
camponeses realizam suas atividades contrapondo o modelo do agronegócio, sendo assim uma
alternativa para a crise da fome (SANTOS, 2014).

A organização territorial do Sertão Ocidental Sergipano e do município Macambira/SE

A região do Sertão Ocidental Sergipano, conforme a tabela 01 apresenta um total de 42.354


estabelecimentos rurais, os quais somam 493.219 hectares. Desse total, 40.840 estabelecimentos
camponeses, ou seja, 96,4% desses estabelecimentos estão entre mais de zero a menos de 1.000
hectares, sendo que 38,47% deles são menores que um hectare, o que não garante a autonomia da
família camponesa, e vai de encontro ao próprio preceito do INCRA que institui o módulo fiscal
dessa região entre 60 a 70 hectares. O modulo fiscal é a unidade de medida, instituída pelo INCRA
considerada como a área mínima necessária para garantir a reprodução social da família, levando
em consideração as condições edafomorfoclimáticas de cada Município.

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Tabela 01 – Malha fundiária do Sertão Ocidental Sergipano, 2006.

Estabelecimentos agropecuários
Variáveis
Número Área

Unidades % Unidades %
Mais de 0 a menos de 1 há 16.289 38,47 7910 1,60
De 1 a menos de 10 ha 18.210 43,00 63421 12,87
De 10 a menos de 100 há 6.341 14,97 175583 13,62
De 100 a menos de 200 ha 468 1,10 67161 13,62
De 200 a menos de 500 ha 297 0,70 90900 18,43
De 500 a menos de 1000 ha 72 0,17 48281 9,79
De 1000 a menos de 2500 ha 19 0,04 27714 5,62
De 2500 ha e mais 3 0,01 12251 2,48
Produtor sem área 655 1,55 0 0
Total 42.354 100 493219 100
Fonte: IBGE, censo agropecuário, 2006.
Organização: Jonas Emanuel da Rocha Antão, 2018.

Analisando a base da tabela 01, constata-se que existem 22 estabelecimentos, os quais


compõem as grandes propriedades com mais de 1000 hectares, o que equivale a 0,05 dos
estabelecimentos da região, e 8,1% da área. Por sua vez, tem-se 655 produtores sem área, se
considerar, hipoteticamente, uma média de 4 pessoas por família, estima-se que existam 2.620
camponeses sem terra vivendo no Sertão Ocidental Sergipano.
O município de Macambira está localizado na região do Sertão Ocidental Sergipano. Essa
região apresenta uma malha fundiária que demonstra a distribuição dos proprietários de
estabelecimentos rurais, dentre os quais, os camponeses que a partir da sua lógica de reprodução
social, interagem dentro do modo de produção capitalista.
No que se refere às condições geoambientais, o referido Município apresenta índices anuais
de chuvas irregulares, concentrando a sua maior taxa de pluviosidade entre os meses de março a
agosto, com média anual de 850 mm. O município possui um relevo pediplanado, apresentando
solos do tipo: planosolo, litólico eutrófico e distrófico. Nas áreas com esses solos a fertilidade
natural é menor do que em outras classificações de solos, além de terem a presença de corpos
rochosos, cascalhos e em alguns pontos são arenosos, o que facilita a infiltração da água. Em
virtude disto, apresenta-se nesta região uma vegetação de campos limpos e sujos e a caatinga
(BONFIM, 2002; JARBAS, et al. 2010) devastada e substituída por áreas para o pastoreio de
animais e a produção agrícola, principalmente a do milho.
De acordo com o IBGE (2017), tem-se uma estimativa populacional de 6.920 pessoas,
destas 7,9% estão com alguma ocupação, os demais trabalham como autônomos nas propriedades
ou realizam trabalhos esporádicos, sem nenhum vínculo empregatício. A população rural
corresponde a 3.338 pessoas, distribuídas sobre uma malha fundiária concentrada nas mãos de
poucos grupos. Considera-se neste trabalho que o estabelecimento camponês deveria ter em média

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100 hectares, considerando o módulo fiscal aplicado para o Município. Essa elevação em relação ao
modulo se justifica como possibilidade para garantir a reprodução social da família camponesa, para
além do mínimo necessário para a sua reprodução social.
Ao ter como parâmetro para quantificar a unidade camponesa até 100 hectares, é possível
dizer que em Macambira existem 666 unidades camponesas, que representam 97,6% dos
estabelecimentos, e quando somados ocupam 30,65% da área total, demonstrando assim que muitos
camponeses sobrevivem com o mínimo de terra necessário para a sua reprodução (Tabela 02).

Tabela 02 – Malha fundiária do município de Macambira/SE, 2006.


Variáveis Estabelecimentos agropecuários
Número Área
Unidades % Unidades %
Mais de 0 a menos de 1 ha 287 41,95 147 1,42
De 1 a menos de 10 ha 283 41,38 819 7,89
De 10 a menos de 100 ha 96 14,03 2.240 21,54
De 100 a menos de 200 ha 5 0,73 666 6,40
De 200 a menos de 500 ha 5 0,73 1.682 16,18
De 500 a menos de 1000 ha 2 0,29 X X
De 1000 a menos de 2500 ha 2 0,29 X X
De 2500 ha e mais - - - -
Produtor sem área 4 0,58 0 0
Total 684 99,98 10.394 100
Fonte: IBGE, censo agropecuário, 2006.
Organização: Jonas Emanuel da Rocha Antão, 2018.

A tabela 02 evidencia que as propriedades com até 500 hectares ocupam uma área que
perfaz 10.394 hectares, o que corresponde a 53,43% do total, todavia, não é identificado pelo IBGE
a área das propriedades acima de 500 hectares, que podem chegar a ocupar 46,57%, ou seja, quatro
propriedades concentram terra equivalentes a 4.480 hectares dos estabelecimentos rurais.
A desconcentração fundiária poderia inserir mais pessoas na terra, o que possibilitaria a
produção de alimentos, aumentaria a quantidade, qualidade e variedade alimentícia oferecida aos
sergipanos, considerando o policultivo e a produção agroecológica ou sem aditivos químicos. A
so erania alimentar que é característica do campesinato, contraria a “so erania” defendida pelo
agronegócio, pois os camponeses fortalecem a economia local, consequentemente, a nacional. Já o
agronegócio, produz e se reproduz extraindo as riquezas locais (exploração da força de trabalho,
degradação da natureza) visando a extração da mais valia, da renda da terra e do lucro, contribuindo
timidamente, quando o faz, para a economia local.
A partir da análise do gráfico 01, constata-se como se apresenta a produção de milho, feijão
e mandioca, nos Municípios do Sertão Ocidental Sergipano. Fica evidente que a produção de milho
ocupa a maior área de plantio dos três municípios selecionados. Sendo assim, considerando que o
monocultivo é um modelo inerente ao latifúndio, e que faz o uso de venenos, apesar de ocorrer uma

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produção em grande quantidade, não garante a segurança nutricional do povo, possuindo fins
exclusivamente lucrativos.

Gráfico-01 Hectares de cultivos nos municípios do Sertão Ocidental Sergipano em 2016.

Fonte: IBGE – PMA, 2016.


Organização: Jonas Emanuel da Rocha Antão; Juniela dos Santos, 2018.

É possível observar no gráfico 01, como os municípios se tornaram reféns na produção de


uma quantidade mínima de cultivos alimentícios, o que impõe a necessidade de aquisição de
praticamente todos os gêneros alimentícios de outras unidades municipais. Essa realidade onera o
custo de vida da população e se torna ainda mais agravante ao se observar que estamos nos
referindo a municípios que dependem da organização e dinâmica da produção agropecuária para a
reprodução da vida, são municípios rurais.

Gráfico 02 – Quantidade de alimentos produzidos por município, Sertão Ocidental Sergipano, 2016 .

Soja (em grão); Frei


Paulo (SE); 0
Feijão (em grão)

Milho (em grão); Frei Soja (em grão); Mandioca


Milho (em grão);
Paulo (SE); 19200 Macambira (SE); 0
Macambira (SE); 2700
Mandioca; Milho (em grão)
Soja (em (em
Milho grão); Pedra
grão);
Macambira (SE); 7310 MoleMole
(SE); 0
Mandioca;
Feijão Frei Paulo
(em grão); Frei Feijão (em grão); Pedra
Mandioca;
Feijão (em (SE);
grão);
Pedra
(SE);(SE);
Paulo 10035 Macambira (SE); 4 Pedra
Mole2688
Mole
(SE);
(SE);
0 0

Fonte: IBGE – PMA, 2016.


Organização: Jonas Emanuel da Rocha Antão; Juniela dos Santos, 2018.

Destarte, mesmo destinando a maior área de cultivo para a produção de milho, o gráfico 02
demonstra que a quantidade de mandioca produzida foi superior à de milho em Macambira, e,
devido a esta diversificação nos cultivos, Macambira apresenta uma melhor situação no que refere à
soberania e a segurança alimentar, se comparado aos outros municípios limítrofes, constantes na
Tabela 03.

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Tabela 03 - Involução da produção agrícola nos municípios de Frei Paulo, Macambira e Pedra Mole, 1995-
2016.
Variáveis
1995 2010 2016
Produto das lavouras Pedra Frei Macam Pedra Frei Maca Pedra
Frei Maca
temporárias e Mole Paulo bira Mole Paulo mbira Mole
Paulo mbira
permanentes (SE) (SE) (SE) (SE) (SE) (SE) (SE)
Total .. .. .. .. .. .. .. .. ..
Algodão herbáceo
15 25 1 - - - - - -
(em caroço)
Amendoim (em
- 9 - - 24 - - - -
casca)
Banana (cacho) - 2 - - - - - - -
Coco-da-baía - 6 - - - - - - -
Fava (em grão) 80 50 17 2 - 2 - - -
Feijão (em grão) 1.125 525 290 848 127 589 35 4 -
Girassol (em grão) ... ... ... 2 1 1 - - -
Laranja - 168 - - - - - - -
Mandioca 1.650 5.625 475 2.400 2.750 880 100 7.310 -
Maracujá - 152 - - - - - - -
Milho (em grão) 1.760 1.440 576 86.130 5.600 14.300 19.200 2.700 2.688
Tomate - - - - - - - - 64
Fonte: IBGE - Produção Agrícola Municipal, 2016.

É possível observar que os municípios até o ano de 1995, possuíam uma diversidade maior
de cultivos, no qual a mandioca o e o milho compunham os dois principais cultivos, acompanhados
em menor escala pelo feijão. Os gráficos 01, 02 e a tabela 03 indicam que a lógica da vida está
sendo substituída pelas regras do mercado. O milho transgênico e a inserção dos pacotes de venenos
no sertão ocidental sergipano colocam em risco a soberania alimentar dos habitantes da localidade e
consequentemente do estado e da nação brasileira.
No município de Macambira e nas suas divisas com os municípios de Frei Paulo e Pedra
Mole, foi implantado o assentamento Chico Mendes II, espaço que busca através da solidariedade,
trabalho e respeito, construir um ambiente que garanta a reprodução da vida social, e a produção de
alimentos que pode apontar como saída futura para a insegurança alimentar ocasionada pelo
agronegócio.

Assentamento Chico Mendes II um dos instrumentos para a conquista da soberania alimentar.

De acordo com as informações obtidas na atividade de campo, o assentamento Chico


Mendes II, em Macambira/SE, está localizado na antiga sede da Fazenda Junco, desapropriada para
fins de reforma agrária. Os camponeses já iniciaram as atividades produtivas, começando a elevar a
quantidade e a qualidade da produção alimentar local.
A luta dos camponeses do assentamento Chico Mendes II começou em 2007, no município
de Pinhão/SE, na fazenda Emanuel Dias. Os mesmos ficaram acampados pelo período de um ano e
meio nesse local, porém não deram prosseguimento nessa propriedade. Posteriormente, solicitaram

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vistoria da Fazenda Junco, uma área com 9 mil tarefas de terras, localizada em Macambira. Após a
vistoria, a terra foi avaliada como improdutiva. Em 2009 os camponeses resolveram ocupar a
entrada da fazenda, e, em 2012, ocuparam uma área dentro da fazenda.
Entre os anos de 2012 a 2014, para que fosse feita a desapropriação da terra improdutiva, os
camponeses passaram ocupando rodovias, órgãos públicos e reivindicando dos órgãos competentes
a desapropriação da área. Após 11 anos de luta, em 19 de janeiro de 2018 esses camponeses
receberam a posse do imóvel.
Com um histórico anterior de produção apenas de gado de corte, atualmente o assentamento
conta com uma diversidade de produção conjugada, de milho, feijão, macaxeira, batata doce,
coentro e quiabo. Além disso, conta com a criação de animais, como ovelhas, gado de corte e
galinhas. O assentamento possui 343 hectares, sendo 110 famílias cadastradas, das quais o INCRA
pretende assentar 51 famílias. No entanto, existe entre as famílias, a decisão de reivindicar o
assentamento de todos os acampados, pois são considerados membros da mesma família.
Manifestam assim, a solidariedade camponesa e a visão do empoderamento coletivo.
Assentamento e latifúndio são antagônicos e contraditórios, pois o latifúndio é estruturado
para a produção das monoculturas, que na região do Sertão Ocidental Sergipano é o milho,
enquanto que os assentamentos buscam através do policultivo, a produção de alimentos. Assim, a
instalação desse assentamento é estratégica para a garantia da soberania alimentar desta região.
Uma das estratégias do campesinato é a união de sujeitos para atuação no mundo por meio
dos movimentos sociais. As marchas e as ocupações do MST são demonstrações da materialização
da necessidade das mudanças estruturais que buscam romper o latifúndio e garantir a
desconcentração das riquezas das mãos de poucos, para assim, cultivar a terra com alimentos.
A descontinuidade do modo de produção mercadológico capitalista promove a continuidade
da reprodução da vida, através do cultivo de alimentos, com a utilização das sementes crioulas,
conforme o registro da foto 01.

Foto 01: Policultivo, barracos dos assentados e a casa grande, Assentamento Chico Mendes II/Macambira,
2018.

Fonte: Juniela dos Santos, Visita a campo, 2018.

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Assim, o aumento da quantidade e qualidade da produção, eleva a segurança alimentar local
e do sertão ocidental sergipano, iniciando um processo que poderá resultar numa maior autonomia
nutricional para a região, incentivando a criação de outros assentamentos que multipliquem essa
lógica e/ou servindo de indutor de mudanças para os atuais camponeses que continuam presos à
produção monocultora do milho, entendida nesse momento, como única alternativa para continuar
se reproduzindo no trabalho na terra e com a terra.
A produção de diversas culturas, como vem sendo desenvolvida no Assentamento Chico
Mendes II aponta que os sujeitos desse assentamento buscam alcançar a soberania alimentar. É
válido salientar que os movimentos sociais do campo, não lutam somente pela conquista da terra,
mas também pelo direito à educação, à saúde, e por uma alimentação em quantidade e qualidade
adequadas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A soberania alimentar está sendo ameaçada devido ao crescimento da monocultura, em


Sergipe e em todo o Brasil. Este trabalho aponta que as organizações de movimentos de lutas
camponesas têm aberto frentes que buscam superar a insegurança provocada pela produção da
monocultura, principalmente a do milho transgênico, no Sertão Ocidental Sergipano.
Percebe-se que o assentamento de famílias somente nesta localidade, é insuficiente para
resolver a concentração da propriedade das terras, pois o tamanho da propriedade além de não
garantir o assentamento de todas as famílias demandantes, o tamanho também do lote individual
não possibilitará a reprodução satisfatória da família e das futuras gerações.
No entanto, no bojo das contradições, das lutas, conquistas, avanços e recuos, é possível
vislumbrar, com a presença do Assentamento, uma esperança. Uma esperança que já brota, nos
cultivos já realizados, sem adição de venenos, pautada no saber fazer camponês, no policultivo,
consorciado com a criação animal. Esse pequeno cenário pode servir de indutor para os camponeses
que residem no entorno desse assentamento, na medida em que, essa produção começa a circular
nas feiras e no comércio local, associada a qualidade do alimento, quantidade, regularidade e, as
condições de vida dos assentados, livres das amarras e das demandas da indústria agroquímica.
Almeja-se assim, que os camponeses percebam que é possível resgatar a sua autonomia, recompor a
qualidade do solo e voltar a produzir com bases nos seus conhecimentos ancestrais, sem se
envenenar nem ao solo, nem aos consumidores. O momento é paradoxal, na medida em que, de um
lado o Estado liberou a utilização de sementes crioulas, ao tempo em que faz acordo para consolidar
o cultivo transgênico no solo sergipano. Dessa feita, a luta pela soberania e segurança alimentar é,
também, uma luta territorial, além de política, ideológica e de classe

ISBN: 978-85-68066-82-9 Página 1053


Terra – Habitats Urbanos e Rurais
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