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Breve Histórico Da Imprensa Homossexual No Brasil PDF
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Breve histórico da imprensa homossexual no Brasil 3
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4 Marcus Antônio Assis Lima
Trevisan, Peter Fry, entre outros, o jornal tra- cartas dos leitores, que se tornavam legítimos
zia, em seu primeiro editorial, a justificativa espaços de visibilidade para a comunidade.
para sua publicação: Pequenas notas contra os atos preconceitu-
osos da sociedade eram constantes. Assim
“A idéia de publicar um jornal
como ataques diretos a homófobos ou quem
que, dentro da chamada imprensa
agisse de modo politicamente incorreto (em-
alternativa, desse ênfase aos as-
bora não se usasse tal terminologia à época)
suntos que esta considera ‘não-
em relação aos homossexuais. Já nos núme-
prioritários’ (...), mas um jor-
ros finais, o jornal começou a publicar fotos
nal homossexual, para quê? (...)
eróticas, o que antes evitava. Com essa trans-
nossa resposta é a seguinte: é pre-
ferência do enfoque, Lampião perdeu a cre-
ciso dizer não ao gueto e, em con-
dibilidade, já que pornografia a indústria cul-
seqüência, sair dele (...) e uma
tural produzia melhor e mais barato. Embora
minoria, é elementar nos dias de
tenha durado pouco, o jornal marcou a im-
hoje, precisa de voz (...) Para isso,
prensa brasileira pelo seu vanguardismo nas
estaremos mensalmente nas ban-
posições defendidas.
cas do país, falando da atualidade
A partir daí, a imprensa homossexual bra-
e procurando esclarecer sobre a
sileira foi tomada pelo pornográfico. Deze-
experiência homossexual em todos
nas de publicações surgiram explorando o nu
os campos da sociedade e da cri-
masculino. Primeiramente, disfarçadas em
atividade humana.” (LAMPIÃO,
revistas como Naturismo, que pregava a vida
1978:2)
saudável e o fisiculturismo; aprimorou-se,
Lampião começou “elegante e terminou depois, em publicações específicas, especi-
pornográfico” (KUCINSKI, 1991:84). Sua almente em São Paulo. Surgiram as revistas
circulação coincidiu com a explosão porno- Gato, Alone Gay, Young Pornogay, entre ou-
gráfica no país, em decorrência da disten- tros títulos. Mesmo revistas não-gays, como
são política, do fim da censura formal e por Rose, chegaram a publicar, na seção de car-
uma demanda reprimida por pornografia. Foi tas, uma coluna dedicada aos anúncios ho-
também uma época em que a homossexuali- mossexuais, reeditando o Correio Elegante,
dade começou a ser “assumida e aceita no de Celso Curi. Embora impregnados de por-
Rio de Janeiro como em nenhum outro lugar nografia, alguns desses periódicos traziam
do mundo.” (idem, 1991:83) Circularam 31 artigos que buscavam discutir questões liga-
números, até junho de 1981. Assim como das à homossexualidade.
os jornais femininos que surgiram na época, Na década de 1990, a publicidade, prin-
seus jornalistas foram se constituindo num cipalmente a norte americana, começa a uti-
grupo ativista específico. lizar uma “estética gay” em alguns de seus
O jornal, em tamanho tablóide, era im- produtos. Aqui, há dois aspectos a serem
presso em preto e branco. Trazia reportagens analisados. O primeiro é quando as grandes
com personalidades não necessariamente ho- companhias vão atrás de um “mercado” gay
mossexuais, contos, críticas literárias, de tea- e o outro é quando implementam temas ou
tro, cinema etc. Grande destaque era dado às representações gays na publicidade. Depen-
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dendo de como são definidas as representa- blico gay ganha mais dinheiro que a média
ções do gay na publicidade, por exemplo, se do grande mercado, que tinha mais escola-
olharmos para o travestismo como uma re- ridade e que consumia mais. Esse foi um
presentação gay ou como uma referência do passo fundamental para atrair a atenção do
“ser gay” veremos que o uso dessa estética mercado publicitário.
começou há muito tempo. No entanto, se Até aqui temos feito referência a anún-
olharmos de uma forma mais específica e ex- cios convencionais na mídia gay e a etapa
plícita, como a representação de casais e si- seguinte da apropriação de uma estética gay
tuações inconfundivelmente gays, essa apro- foi o surgimento de anúncios com temática
priação pela publicidade é mais recente. gay. A partir do momento que começa a
A primeira real representação de um ca- haver uma competição considerável entre as
sal gay, na rede televisiva norte-americana, categorias de empresas anunciantes, foi pre-
foi feita em um comercial da loja de mó- ciso que elas buscassem diferenciar-se entre
veis Ikea, em 1984. A campanha esteve si, o que as teria levado a procurar “falar” de
no ar em não mais que três ou quatro ca- uma forma mais direta com o público leitor
nais, e apenas depois das 22 horas, mas cau- das revistas gays. Os fabricantes de cerveja
sou uma sensação generalizada, porque nin- foram os primeiros a veicular anúncios es-
guém, até então, havia sido tão ousado e pecialmente criados para a mídia gay. Mil-
objetivo quanto ao tema. Virou notícia em ler, Budweiser e Coors fizeram um esforço
todo o mundo. (REVISTA DA CRIAÇÃO, para se aproximar do gay, adotando a lingua-
1998:27) Na mídia impressa, algumas di- gem desse público. (REVISTA DA CRIA-
vulgações importantes aconteceram mais ou ÇÃO, 1998:30-31) No Brasil, a publicidade
menos na mesma época, como um catálogo voltada para o público homossexual caminha
da Banana Republic com uma foto sensual bem mais devagar e, ao folhearmos as publi-
de dois homens, criado por Sam Shahid e fo- cações gays editadas no país, veremos que
tografado por Bruce Weber. Essa dupla já apenas anunciantes como gravadoras e dis-
havia feito trabalhos para a Calvin Klein e tribuidoras de cinema anunciam nessa mídia
introduziu, nos Estados Unidos, a aceitabi- específica. Não podemos, entretanto, nos es-
lidade do corpo masculino na publicidade. quecer dos anúncios vindos das atividades
(REVISTA DA CRIAÇÃO, 1998:28) Con- mercantis propriamente gays. Parece-nos
tudo, o mercado gay vem sendo identificado que a questão econômica é um fator primor-
há 15 ou 20 anos. Algumas grandes empre- dial para conferir maior visibilidade à comu-
sas já haviam começado a veicular anúncios nidade gay. Uma expressão é cunhada pe-
na mídia gay, principalmente na área de en- los publicitários norte-americanos para de-
tretenimento, cinema, música e bebidas, até finir essa “nova” parcela de consumidores:
que, com a explosão da Aids, resolveram re- dink (double income, not kids), ou seja, os
troceder com medo das reações homofóbi- casais gays possuem duas fontes de renda, e
cas que surgiram nos primeiros anos. Essa nenhuma criança. Assim, um novo mercado
retração durou da metade da década de 80
até a metade da década atual. Através de
pesquisas, a publicidade constatou que o pú-
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6 Marcus Antônio Assis Lima
econômico3 , voltado para essa comunidade, Este, inclusive, traz como encarte o caderno
se desenvolve rapidamente. Segundo pes- Agaivê Hoje, específico sobre temas relacio-
quisas (REVISTA DA CRIAÇÃO,1998:34), nados à Aids.
esse pink market possui um alto poder aqui- No boom mercadológico em que se trans-
sitivo, maior, inclusive, que o dos heterosse- formou a cultura gay, no final do século XX,
xuais nas mesmas circunstâncias4 . o surgimento de uma revista, no mercado
editorial brasileiro, em janeiro de 1995, veio
mostrar que era possível a edição, com su-
3 A imprensa gay
cesso, de uma publicação de público res-
Com a explosão da Aids, que propiciou a trito e temas específicos: a revista Sui Ge-
abertura da mídia para a discussão da sexu- neris, que colocava mensalmente nas bancas
alidade5 , de modo geral, e especificamente de todo o país 30 mil exemplares. Em entre-
da homossexualidade, surgiram publicações vista à Sui Generis, Aguinaldo Silva, um dos
com o intuito inicial de alertar a comunidade fundadores de Lampião, admite que aquele
e discutir as implicações da síndrome na vida “era um jornal alternativo, Sui Generis, por
social. Surgem, assim, os boletins de grupos exemplo, não é uma revista alternativa. Hoje
ligados diretamente à Aids, como o Bole- em dia pode-se chamar isso de imprensa.”
tim Abia, da Associação Brasileira Interdis- (SG, 1997:19).
ciplinar da Aids; o Boletim Pela Vidda, pu- Como aconteceu no final dos anos 1970,
blicação do Grupo Pela Vidda, entre outros, “quando a imprensa alternativa sofreu ou-
chegando ao Voz Posithiva, editado pela or- tra derrota, (...) os grandes jornais re-
ganização não-governamental “Gestos”, vol- solveram fazer profissionalmente o que era
tado exclusivamente para os infectados pelo feito de maneira amadora” (FERNANDES,
vírus. Outra publicação, Saber Viver, sur- 1987:11). A grande imprensa descobrira o
gida em 1999, também se destina às pes- filão. Alguns jornais começam, então, a pro-
soas que vivem com o vírus HIV. Fora es- duzir ao menos uma página semanal dedi-
ses surgem também jornais/revistas de cunho cada ao público GLS6 . É o caso da Folha
mais cultural e de lazer como o Ent& (1994), de S. Paulo, que possuía uma coluna estrita-
distribuído apenas por assinaturas; o Grito mente gay, depois foi ampliada para a página
de Alerta (1994), de Niterói, e o Nós por Noite Ilustrada, sob responsabilidade da jor-
Exemplo (1992), editado pelo “Grupo Noss”. nalista Érica Palomino. Em Minas Gerais, o
3
jornal O Tempo publica, aos sábados, a pá-
Sobre os negócios voltados para o público gay,
ver, por exemplo, CASTELO BRANCO & CER- gina Magazine GLS.
QUEIRA, 1995:30-38. A experiência da revista Sui Generis deu
4
Em oposição a esse “mito da superioridade”, certo e rendeu frutos. Hoje, pode-se encon-
DAHIR (2000) afirma que estudos recentes “mostram trar vários títulos específicos para o público
que as lésbicas ganham mais que as mulheres he-
terossexuais enquanto os homens heterossexuais têm 6
A sigla GLS (gays, lésbicas e simpatizantes),
melhores salários que seus colegas gays.” cunhada pelo jornalista André Fischer, entrou no jar-
5
Para uma discussão acerca das relações entre gão jornalístico e caiu no gosto popular, talvez por ser
a Aids e a mídia pode-se consultar, entre outros, mais abrangente que a denominação gay.
FAUSTO NETO, 1999 e CARVALHO, 2000.
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GLS nas bancas (de revistas pornográficas e revistas dedicadas ao nu masculino dominam
títulos voltados para drags e lésbicas). Uma o mercado editorial gay atualmente.
publicação, dentre essas, tem feito bastante Mesmo assim, a grande imprensa e
sucesso, inclusive com o público feminino: mesmo uma editora voltada para o segmento
a G Magazine (1998), que se utiliza de ar- de livros (Edições GLS) dão continuidade ao
tistas, jogadores de futebol e modelos famo- projeto de “sair do gueto” proposta ainda em
sos em ensaios fotográficos de nu masculino. tempos do jornal militante Lampião. Para os
Fez tanto sucesso que várias outras revistas usuários dos serviços da Internet, entretanto,
explorando o nu masculino surgiram, tanto páginas voltadas para o público homosse-
publicações gays como aquelas que se inti- xual surgem a cada dia como, por exem-
tulam “femininas” , como Gold (1999), vol- plo, os sites encontrados nos seguintes en-
tada para o público gay e Íntima (1999), para dereços eletrônicos: www.supersite.com.br,
mulheres e sem nu frontal. A própria Sui www.zeekclip.com.br, www.glsite.com.br,
Generis, detectando a segmentação cada vez www.mixbrasil.com.br, entre vários outros.
maior do mercado, lançou a revista Homens
(1998), com a qual poderia atingir esse pú-
4 Bibliografia
blico ao publicar nus, anúncios de garotos de
programa e criar uma seção de cartas para BEIJO (1977), Rio de Janeiro: Editora Boca,
trocas sentimentais, assuntos não abordados no . 2, Dez.
na Sui Generis por questão de linha editorial.
A revista Sui Generis encerrou suas ativi- CASTELO BRANCO, Adriana & CER-
dades em março de 2000 porque, segundo QUEIRA, Sofia (1995). “O Toque de
entrevista de Feitosa, ele estava cansado de Midas é cor-de-rosa”. In: Jornal do
“renegociar as dívidas todos os meses. Essa Brasil (Revista de Domingo), ano 20, no
tinha virado minha principal preocupação. 1016, 22 de outubro, pp. 30-38.
O jornalismo estava ficando em segundo DAHIR, Mubarak (2000). It pays to love wo-
plano.” (VEJA, 19/04/2000:102) Nessa en- mem. The Advocate, 4 de julho.
trevista, o editor cria uma expectativa sobre
a possibilidade de continuação de Sui Gene- ENT& (1994). Rio de Janeiro: Editora
ris, agora como revista on-line, na rede mun- Tribo, no . 5, pp.13-15.
dial de computadores, que não acarretaria
em custos maiores com impressão e distri- FERNANDES, Millôr (1987). “Imprensa
buição da revista. A outra revista do grupo, Alternativa & Literatura - os Anos de
Homens, de nu masculino, continua saindo Resistência”. Centro de Imprensa Al-
mensalmente. Se logo depois do lançamento ternativa e Cultura Popular, Rio de Ja-
de Sui Generis as outras publicações que neiro: RioArte.
apareceram eram vistas como concorrentes
KUCINSKI, Bernardo (1991). Jornalistas e
imediatas – e a revista seria o “modelo” a ser
revolucionários da imprensa brasileira.
alcançado –, com seu fim o público homos-
São Paulo: Escrita Editorial.
sexual brasileiro viu-se novamente quando
da época do fechamento de Lampião: apenas
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8 Marcus Antônio Assis Lima
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