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HALM, Karl. Leipzig, Teubner, 1863.
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MONTEFUSCO, Lucia Calboli. “Il Nome di ‘Chirio’ Consulto Fortunaziano”, Hermes, 107, 1979, pp.78-91.
Um dos compêndios de retórica mais influentes do século IV (deixou fortes marcas nos
escritos de Cassiodoro, Marciano Capella, e o período carolíngeo), a Ars rhetorica libri III de
Fortunaciano, refere-se à tradução na seção da elocutio. Ali, o autor equipara elocutio a copia
uerborum (abundância de palavras), e a tradução, uma forma de exercitatio (exercício), oferece
um meio de aquirir o objetivo quantitativo. Ou seja, o objetivo final da elocutio, e da tradução,
é a copia uerborum. Fortunaciano apresenta a tradução como um método de inovação (nouatio)
e um dos aspectos do exercício (exercitatio) de produzir palavras. A elocutio, que em Cícero e
em Quintiliano envolvia copia rerum et uerborum (riqueza de pensamentos e de palavras)
como meios, em Fortunaciano é reduzida a copia uerborum como fim último. Assim, separada
a elocutio da questão do significado, a tradução perde sua capacidade inventiva e se torna mais
um mecanismo de estilo que, por sua vez, perde sua aplicação produtiva de significação. A
elocutio passa a ser somente uma ornamentação externa, um exercício mecânico de
enriquecimento do vocabulário. A aplicação produtiva, hermenêutica, é reservada à inuentio. 4
Mauri Furlan
maurizius@gmail.com
Prof. dr., Universidade Federal de Santa Catarina
3
FURLAN, Mauri. La retórica de la traducción en el Renacimiento. Elementos para la constitución de una teoría
de la traducción renacentista. Barcelona, Universitat de Barcelona, 2002. Disponível em:
https://www.tdx.cat/bitstream/handle/10803/1717/TOL98.pdf
4
COPELAND, Rita. Rhetoric, hermeneutics, and translation in the Middle Ages – academic traditions and
vernacular texts. Cambridge, University Press, 1991.
De Elocutione Da Elocução
(ca. 345)
5
O conceito de structura em Fortunaciano equivale a compositio (composição). Cf. Godo LIEBERG, “Der Begriff
‘Sructura’ in der Lateinischen Literatur”, Hermes, 84, 1956, pp. 455-477.
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QUINTILIANO. Institutio oratoria, I, 6, 3. Variação de: utendum plane sermone ut nummo, cui publica forma est.
4 Habeo de verborum copia: bonitas quem 4 Tenho riqueza de palavras: de que modo
ad modum comparetur? ut mala vitemus et se dá a excelência? Que evitemos as palavras
optima adpetamus. más e busquemos as melhores.
Quae sunt mala? vulgaria, obsoleta, Quais são as más? As vulgares, as obso-
aliena, gentilia, obscura. letas, as alheias, as estrangeiras, as obscuras.
Bona quae sunt, quae adpetenda esse Quais são as boas, que dizes hão de ser
dicis? splendida, antiqua, propria, translata. buscadas? As esplêndidas, as antigas, as
próprias, as transladadas.
Vulgaria ergo quae sunt? quibus utitur Quais são, pois, as vulgares? Aquelas das
vulgus, id est indocti, sine ratione atque quais se serve o vulgo, isto é, os ignorantes,
electione: nam sunt quaedam verba, quae sem reflexão e seleção, pois há certas
quamvis obsoleta sint, tamen vitanda non palavras que, embora obsoletas, não devem
sunt, si nimirum propria sint et illis melius de ser evitadas, se são com certeza próprias e
expediatur oratio, ut M. Tullius et ‘serracum’ com elas o discurso se explica melhor, como
et ‘picem’ et ‘scalas’ dicere non turpe duxit. Cícero não torpemente plasmou serracum,
pix, scalae [carroça, peixe, escadas].
Aliena verba quae sunt? quae non sunt Quais são as palavras alheias? As que não
oratori accommodata, sed historico aut são adequadas ao orador, mas ao historiador
poetae, ut si ‘genitorem’ et ‘genitricem’ et ou ao poeta, como se disséssemos genitor,
‘gnatum’ dicamus et ‘satorem’ et ‘altricem’. genitrix, gnatus, sator, altrix [genitor, geni-
tora, nato, semeador, nutridora].
Gentilia verba quae sunt? quae propria Quais são as palavras estrangeiras? As
sunt quarundam gentium, sicut Hispani non que são próprias de certos povos, assim
‘cubitum’ vocant, sed Graeco nomine como os hispanos não dizem cubitus [coto-
‘ancona’, et Galli ‘facundos’ pro ‘facetis’, et velo], mas pelo nome grego ἀγκών, e os gau-
Romani vernaculi plurima ex neutris leses, facundi [eloquentes] em vez de faceti
masculino genere potius enuntiant, ut ‘hunc [espirituosos], e dialetos romanos enunciam
theatrum’ et ‘hunc prodigium’. a maioria dos neutros mais no gênero mascu-
lino, como hunc theatrum e hunc prodigium
[este teatro e este prodígio].
Obscura quae sunt? quae nimis prisca sunt Quais são as obscuras? As que são
et a paucis eruditissimis intelleguntur. demasiado antigas e são entendidas por uns
poucos muitíssimo eruditos.
5 Quae sunt verba splendida? quae natura 5 Quais são as palavras esplêndidas? As
sua nitida sunt, quae copulata facilius que por sua natureza são reluzentes, que
claritatem suam ostendunt, ut:‘quadriremem, mostram mais facilmente sua clareza, como:
quam in salo fluctuantem reliquit’. quadriremem, quam in salo fluctuantem reli-
quit 7 [a quadrirreme, a que abandonou a
balançar-se no mar].
Haec magnificentia atque magnitudo Esta magnificência e grandeza foi ade-
omnibus locis accommodata est? Non quada em todos os lugares? Não em todos.
omnibus. Cur ita? quoniam sunt quaedam Por que não? Porque certas partes da causa
partes causae perpetuae, quae verba humilia são constantes, as quais requereriam palavras
desiderent, ut: ‘latet in scalis tenebrosis humildes, como: latet in scalis tenebrosis
Cominius’. Nam aliquando res atroces Cominius8 [Comínio se esconde numas esca-
7
CÍCERO. Verrinas, V, 91.
8
CÍCERO. Pro Cornelio, VII, 46. Fragmento de uma obra ciceroniana perdida.
humilibus verbis invidiam suam praeferunt, das escuras]. Pois às vezes fatos atrozes mos-
ut: ‘multos cives Romanos virgis concidit’, et tram sua aversão a palavras humildes, como:
pro Cluentio: ‘post noctem mortuus et multos cives Romanos virgis concidit9 [ma-
postridie, antequam lucesceret, conbustus tou com açoites muitos cidadãos romanos], e
est’: non ait ‘concrematus’. na Defesa de Cluêncio: post noctem mortuus
et postridie, antequam lucesceret, conbustus
est10 [morreu depois de anoitecer, e, no dia
seguinte, antes que clareasse, foi queimado],
não diz concrematus [cremado].
Verba semper longiora esse debent? non As palavras devem ser sempre mais lon-
utique semper; nam aliquando et brevia sunt gas? Não necessariamente sempre, pois às
splendida. Non longioribus verbis decora et vezes também as breves são esplêndidas.
latior fit oratio? verum, sed non semper id Não se torna a oração bela e abrangente com
adfectandum est. Vbi frequentius ponenda palavras mais longas? De fato, mas isto não
sunt longiora? in fine elocutionis, ut: ‘ipse deve ser sempre almejado. Onde devem ser
me causam campus paene docuit Leontinus’. postas mais frequentemente as mais longas?
Quid? Cum sententiam torquemus? verbis No final de uma elocução, como: ipse me
brevioribus finiemus, ut: ‘quod in tempore causam campus paene docuit Leontinus 11
mali fuit, [nihil] obsit’, et ‘quod in causa boni [como que instruiu-me na causa o próprio
fuit, prosit’. campo leontino]. E quando alteramos o
período? Terminaremos com palavras mais
breves, como: quod in tempore mali fuit,
[nihil] obsit, e quod in causa boni fuit,
prosit12 [o que houve de mal naquele tempo
não pode nos prejudicar, e, o que houve de
bom naquela causa continua proveitoso].
9
CÍCERO. Verrinas, I, 122.
10
CÍCERO. Pro Cluentio, 27.
11
CÍCERO. Pro M. Scauro, 25.
12
CÍCERO. Pro Cluentio, 80.
est, aliut lychnorum’, cum potuisset etiam est, aliut lychnorum13 [um é o lume da praça,
structius dicere ‘aliut lucernarum’. outro, o dos lustres], quando teria podido
também dizer de um modo mais estruturado
aliut lucernarum [outro, o dos lampadários].
Antiqua verba quae maxime adfectabo? Quais palavras antigas buscarei obter
quae non adeo sunt abolita, ut sunt in XII sobretudo? Aquelas que não foram abolidas
tabulis et saliari carmine; nam haec supra até o momento, como o foram as das Doze
docui esse vitanda propter obscuritatem. Tábuas ou do canto do sálio 14 ; pois essas,
instruí acima, devem ser evitadas por causa
de sua obscuridade.
Propria verba quae partes orationis magis Quais partes do discurso requerem mais
desiderant? principia et narrationes. palavras próprias? Os princípios e as
narrações.
Quid? graves ornataeque sententiae et E as sentenças graves e elegantes e as
sublimes orationis loci non plerumque pro- passagens sublimes do discurso não são
priis verbis pulchre et graviter explicantur? expostas geralmente de forma bela e
vero, qualia sunt: ‘vehebatur in essedo tribu- profunda pelas palavras próprias? Realmen-
nus plebis, lictores laureati antecedebant’ et te, as quais são: vehebatur in essedo tribunus
cetera. plebis, lictores laureati antecedebant 15 [o
tribuno do povo era transportado num ésse-
do, os lictores laureados o antecediam] etc.
In elocutione proprietas tantum verborum Na elocução, deve-se apreender apenas a
captanda est an et significationis? ita, ut propriedade das palavras ou também a do
dictatorem ‘dictum’ dicas, flaminem ‘prodi- significado? Também, como declares dicta-
tum’, Vestae virginem ‘captam’. tor ‘dictus’, flamen ‘proditus’, Vestae uirgo
‘capta’ [o ditador ‘nomeado’, o sacerdote
‘ordenado’, a virgem de Vesta ‘escolhida’].
13
CÍCERO, Pro Caelio, 67. Fortunaciano apresenta uma variação do original lux denique longe alia est solis, alia
lychnorum.
14
A Lei das Doze Tábuas constituía uma antiga legislação que está na origem do direito romano. O sálio era um
sacerdote na religião da Roma Antiga que realizava cultos a Marte.
15
CÍCERO. Philippicae, II, 58.
16
CÍCERO. Pro Caelio, 67.
mus tenue parvis, moderatum mediocribus, mos assim o gênero simples da elocução aos
sublime magnis. pequenos, o moderado aos medianos, o
sublime aos grandes.
Coniuncta verba quem ad modum fiunt? Em que modo se dão as palavras conecta-
figuris, id est schematibus, et compositione. das? Em σχήµατα, isto é, em figuras e em
composição.
10 Genera figurarum quot sunt? tria: 10 Quantos são os gêneros das figuras?
λέξεως, λόγου, διανοίας. Três: λέξεως, λόγου, διανοίας [de dicção; de
dicção e de pensamento conjuntamente; de
pensamento].
Quae eorum differentia est? quod λέξεως Qual é a diferença entre eles? Que as
in singulis verbis fiunt, ut nuda genu, quas figuras λέξεως [de dicção] se dão nas
uno nomine ἐξηλλαγµένας possumus dicere; palavras isoladas, como nuda genu17 [nua no
λόγου vero in elocutionis compositionibus, joelho], as quais podemos designar, por um
quae pluribus modis fiunt, ut πολύπτωτον, único termo, de ἐξηλλαγµέναι [modifica-
ἐπαναφορά, αντιστροφή, παρονοµασία; δια- das]; as λόγου [de dicção e de pensamento
νοίας autem in sensibus, ut προθεράπευσις, conjuntamente], por outro lado, nas compo-
ἠθοποιία, αποστροφή: quibus etiam, sive sições de elocução, as quais se dão de vários
elocutionem mutaveris aut verborum ordi- modos, como πολύπτωτος, ἐπαναφορά, αντι-
nem inverteris, eaedem tamen figurae στροφή, παρονοµασία [poliptoto, epanáfora,
permaneant, verum utraque λέξεως et λόγου antístrofe, paronomásia]; as διανοίας [de
non ita. pensamento], porém, nos sentidos, como
προθεράπευσις, ἠθοποιία, αποστροφή [con-
ciliação prévia, etopeia, apóstrofe], nas
quais, embora tenhas mudado a elocução ou
invertido a ordem das palavras, contudo, as
figuras permanecem as mesmas, mas não do
mesmo modo as λέξεως [de dicção] e λόγου
[de dicção e de pensamento conjuntamente].
Opera figurarum quot sunt? quinque: ut Quantas são as funções das figuras?
augeas, ut abicias, ut probus existimeris, ut Cinco: que aumentes, que diminuas, que
imparatus, ut ornes elocutionem. sejas considerado probo, surpreendido, que
ornes a elocução.
Quid est compositio? quam structuram O que é a composição? A que chamamos
vocamus. de estrutura.
Quae sunt principales eius species? Quais são seus tipos principais? Κόµµα,
κόµµα, id est caesum, κῶλον, id est isto é, inciso; κῶλον, isto é, membro;
membrum, περίοδος, id est circuitus. περίοδος, isto é, período.
Structurae qualitas est tripertita: aut enim A qualidade da estrutura é tripartite, pois,
rotunda est, id est volubilis, aut plana, id est ou é redonda, isto é, volúvel; ou plana, isto é,
procurrens, aut gravis, id est stabilis ac corrente; ou grave, isto é, estável e resistente.
resistens.
His vitiosa quae opponuntur? resistenti Quais vícios se lhes opõem? À resistente,
aspera et confragosa, procurrenti fluxa, os ásperos e irregulares; à corrente, os frou-
volubili contorta et nimis rotata. xos; à volúvel, os intrincados e demasiado
circulares.
Quot modis struimus? quattuor. Quibus? De quantos modos as construímos?
conversione verborum, adiectione, detractio- Quatro. Por quais? Pela versão de palavras,
ne, inmutatione. adição, supressão, substituição.
17
VIRGÍLIO. Aeneis, I, 320.
12 In singulis generibus dicendi qua struc- 12 De que estrutura deve-se servir mais
tura frequentius utendum est? In demonstra- frequentemente em cada gênero de discurso?
tivo, si laudatio sit, rotunda et plana, si No demonstrativo, se há louvor, da redonda
vituperatio, rotunda et gravi, in deliberativo e da plana; se há crítica, da redonda e da
plana et gravi, in iudiciali rotunda. grave; no deliberativo, da plana e da grave;
no judicial, da redonda.
Quid in generibus orationis? in tenui E nos gêneros da oração? No tênue, deve-
plana, in mediocri rotunda et plana, in amplo se servir da estrutura plana; no mediano, da
rotunda et gravi. redonda e da plana; no amplo, da redonda e
da grave.
Quid in partibus orationis? in principiis E nas partes da oração? Nos princípios,
rotunda et gravi, in narratione rotunda et deve-se servir da estrutura redonda e da
plana, in excessu rotunda et gravi, in grave; na narração, da redonda e da plana; na
***