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CATARSE E RESISTÊNCIA

ADORNO E OS LIMITES DA OBRA DE


ARTE CRÍTICA NA PÓS-MODERNIDADE

1
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Filiada a:

2
CATARSE E RESISTÊNCIA
ADORNO E OS LIMITES DA OBRA DE
ARTE CRÍTICA NA PÓS-MODERNIDADE

Ronel Alberti da Rosa

3
© do autor
1ª edição: 2008
Direitos reservados desta edição: Universidade Luterana do Brasil

Capa
Juliano Dall´Agnol
Preparação de texto e revisão
Neiva Freitas
Projeto gráfico e editoração
Isabel Kubaski

Ronel Alberti da Rosa é graduado em Regência pela Escola Su-


perior de Música de Colonia, Alemanha (Musikhochschule Köln) e
se aperfeiçoou em Viena (Konservatorium), Salzburgo (Mozarteum)
e Roma (Accademia Ottorino Respighi). Doutor em Filosofia pela
PUCRS, onde leciona as disciplinas de Estética e desenvolve pro-
gramas interdisciplinares de música e filosofia.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

R788c Rosa, Ronel Alberti da.


Catarse e resistência: Adorno e os limites da obra de arte crítica na
pós-modernidade / Ronel Alberti da Rosa. - Canoas: Ed.ULBRA, 2007.
208p.

1. Arte - crítica. 2. Filosofia da arte - Adorno, Theodor W. - catarse.


3. Adorno, Theodor W. - filosofia - arte. I. Título.

CDU 7.01

Setor de Processamento Técnico da Biblioteca Martinho Lutero - ULBRA/Canoas

ISBN 978-85-7528-199-4

Dados técnicos do livro

Fontes: GoudyOlSt, Gloucester


Papel: offset 75g (miolo) e supremo 240g (capa)
Medidas: 14x19cm

Impressão: Gráfica da ULBRA


Julho/2008
Sumário
Introdução 7

1 Identificação e distanciamento 35
1.1 Aristóteles – purificação 37
1.2 Freud – liberação 45
1.3 Adorno – conscientização 52

2 Adorno e a construção da Modernidade 69


2.1 Progresso x reação 73
2.2 Funcional x autônomo 81
2.3 Idéia x ideologia 100

3 O Pós-moderno – desconstruindo rumo à nova totalidade? 119


3.1 No País do Espelho 124
3.2 Adorno e Derrida – contra rationem, sed pro qua re? 128
3.3 Selva morale e spirituale – o barroco ex machina 139

4 Ars in tempore belli – todos por um 159

5 Não é o fim 181

Referências bibliográficas 191


6
Introdução

7
8
Na obra filosófica e literária de Theodor W. Adorno, encon-
tramos exatas 17 ocorrências do termo kátharsis – catarse – somando
meras outras duas do vocábulo kathartisch – catártico. Em um legado
tão extenso como o de Adorno, certamente não parece tratar-se de
um conceito do qual, à primeira vista, pensemos poder afirmar hou-
vesse polarizado o pensamento do autor em algum momento de sua
carreira criativa. Contudo, e aqui reside toda a importância desse
conceito na obra do filósofo frankfurtiano, a concepção estética de
Adorno está centrada, queremos apontar, na construção de uma ex-
periência de arte que rejeita absolutamente o processo catártico pu-
rificador – no sentido que lhe empresta Aristóteles – e também difere
do significado freudiano do termo: a kátharsis adorniana é aquela lo-
grada por meio da ampliação do grau de consciência – sim, digamo-
lo claramente: o aumento do conhecimento – do fruidor do objeto
artístico, enquanto sujeito que resiste aos artifícios que lhe comuni-
cam os sentidos.
Nosso trabalho propõe, no título Catarse e resistência, o atrito
dialético entre dois conceitos que serão contrapostos – tendo como
pano de fundo a arte contemporânea – enquanto paradigmas de mo-
mentos irreconciliáveis. Para tal, vamos operar de forma análoga à
do Adorno neo-hegeliano e dialético da Filosofia da nova música. Na-
quela obra, as duas principais correntes estilísticas do início do sécu-
lo XX são apresentadas como opções antagônicas de composição
musical, e suas diferenças técnicas potenciadas ad extremum: Adorno
apropria-se do dodecafonismo de Schönberg para classificá-lo como
progresso na música, enquanto Stravinski tem suas politonalidade e
polirritmia neoclássicas apostrofadas como reacionarismo. Esse pro-
cedimento é próprio do frankfurtiano: extrapola a oposição de con-
ceitos para, ao confrontá-los, poder avançar no seu movimento
dialético. Após a tensão, ganha-se mais clareza sobre a real posição
dos pólos envolvidos:

9
A opinião corrente considera Schönberg e Stravinski
como extremamente opostos um ao outro. Com efei-
to, à primeira vista, as máscaras de Stravinski e as
construções de Schönberg apresentam escassa seme-
lhança. Contudo, é muito possível imaginar-se que
os distorcidos acordes tonais montados por Stravinski
e a série de sons dodecafônicos [de Schönberg], cu-
jas afinidades são praticamente interditas por ordem
do sistema, um dia não soem mais tão diferentes como
hoje parecem ser. Eles caracterizam, isto sim, diver-
sos graus de coerência dentro do mesmo. A ambos
os compositores é comum a aspiração à obrigatorie-
dade e à necessidade, em virtude do poder sobre o
atomizado.1

A catarse e a resistência que apresentaremos em nosso traba-


lho também representarão dois momentos estéticos postados em an-
tagonismo, num quadro igualmente traduzível enquanto resistência
contra a catarse. E que catarse é esta? E é necessário resistir-se-lhe?
Vejamos: a kátharsis de que vamos tratar é um conceito da estética
aristotélica apropriado por Adorno. Como veremos com mais deta-
lhe no Capítulo 1.3, o frankfurtiano nutria especial desconfiança por
toda obra de arte que procurasse induzir ao descontrole afetivo e à
restrição da consciência da realidade: a purificação (kátharsis) induzida
pelo assombro e pelo maravilhamento está de par com o mundo ad-

1 “Die übliche Auffassung betrachtet Schönberg und Strawinsky als einander extrem
entgegengesetzt. Strawinskys Masken und Schönbergs Konstruktionen haben in der Tat
zunächst geringe Ähnlichkeit. Aber man vermag es recht wohl sich vorzustellen, daß einmal
die entfremdeten, zusammenmontierten, tonalen Akkorde Strawinskys und die Folge der
Zwölftonklänge, deren Verbindungsdrähte gleichsam auf Geheiß des Systems durchgeschnitten
sind, gar nicht so verschieden klingen werden, wie sie heute sich ausnehmen. Sie bezeichnen
vielmehr verschiedene Stufen der Konsequenz im Gleichen. Beiden ist gemeinsam der
Anspruch auf Verbindlichkeit und Notwendigkeit kraft der Verfügung übers Atomisierte.”
[Band 12: Philosophie der neuen Musik: Schönberg und der Fortschritt. Digitale Bibliothek
Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 10084 (vgl. GS 12, S. 71)]

10
ministrado: “a purificação do homem de sombrios e impotentes afe-
tos está em relação direta com o avanço da desumanização”.2
É esse o contexto de relevância da obra de arte pós-moderna
neste trabalho, e que, em nosso jogo de opostos, alinharemos no pólo
[1] kátharsis: o movimento que a arte realiza ao divorciar-se do
expressionismo da primeira metade do século XX, tentando um ca-
minho de regresso ao belo e à emoção, reinaugurando a divisa da l’art
pour l’art3 e suprimindo a fronteira entre os âmbitos artístico e do
quotidiano. Enquanto que, na Modernidade, a arte não mais bela
tematizou o que Hegel havia anunciado como a morte da arte bela,4

2 “Die Reinigung des Menschen vom trüben und ohnmächtigen Affekt steht in geradem
Verhältnis zum Fortschritt der Entmenschlichung.” [Band 4: Minima Moralia. Reflexionen
aus dem beschädigten Leben: Treten Sie näher. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor
W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 2164 (vgl. GS 4, S. 295)]
3 “A concepção de beleza da l’art pour l’art torna-se ao mesmo tempo vazia e prisio-
neira do tema, um evento do tipo art nouveau [...]. A beleza, impotente para definir-
se a si mesma, [definição] que só extrai a partir do seu outro, qual um cipó parasita,
está imbricada no destino do inventado ornamento.” [“Der Schönheitsbegriff des l’art
pour l’art wird eigentümlich leer und stoffbefangen zugleich, eine Jugendstilveranstaltung
[...]. Schönheit, ohnmächtig zur Bestimmung ihrer selbst, die sie nur an ihrem Anderen
gewönne, eine Luftwurzel gleichsam, wird verstrickt ins Schicksal des erfundenen
Ornaments.”] [Band 7: Ästhetische Theorie: Ästhetische Theorie. Digitale Bibliothek
Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 4302 (vgl. GS 7, S. 352)]
4 A arte bela, isto é, a ‘arte pela arte’ não se compromete com os parâmetros do
humano, sejam eles do social, do político ou do conhecimento: “A exclusividade do
ideal do belo, defendida por Hegel em nome da superioridade do conceito em rela-
ção à experiência sensível, abre-nos, de fato, os olhos para o que não se enquadra
mais neste ideal. Quero apenas lembrar, aí, que a famosa tese hegeliana do “fim da
arte” refere-se única e exclusivamente à arte bela. Suas considerações não incluem a
arte no seu todo. Por isso mesmo, o que escapa aos critérios da arte bela tornar-se-ia
a temática preferida das artes modernas, não mais comprometidas com o ideal
hegeliano. Uma vez libertas das verdades mediatizadas pela construção racional,
colocar-se-ia à disposição das artes modernas um amplo leque de temas possíveis
não mais censurados. E, em segundo lugar, porque a demarcação do belo por Hegel
não mais poderia servir às artes modernas como ideal ao qual voltar, de modo irrefle-
tido.” FLICKINGER: Experiência literária e Teoria estética em Th. W. Adorno, 7.

11
na Pós-modernidade, a tentativa de recuperar a obra de arte afirma-
tivamente bela produz o fenômeno do kitsch, da hiper-realidade e da
kátharsis auto-reprodutiva.5
No pólo [2] resistência, teremos o movimento contrário;6 este,
porém, é, ao mesmo tempo, constitutivo de seu oponente. O pensa-
mento adorniano anima-se da resistência interna de elementos de
constituição recíproca – reflexo da negatividade de sua dialética, ex-
pressão da crítica à instrumentalização da ratio – e não prevê uma
síntese final no processo de conhecimento (os negritos nas citações,
destacando os termos kátharsis e resistência, são nossos):

Na era da opressão social universal, apenas nos traços


do humilhado e esmagado indivíduo vive a imagem da
liberdade contra a sociedade. [...] Concretamente, a li-
berdade se dá nas formas cambiantes da repressão: na

5 Em seu texto Arte e natureza na estética do Idealismo [Kunst und Natur in der
idealistischen Ästhetik], Dieter Henrich expõe como a morte da arte bela, de que Hegel
tratou, preparou o caminho para a existência de uma arte moderna não mais bela:
“... pode-se supôr que a estética do Idealismo contribuiu mais para a preparação de
uma teoria da arte moderna do que teria sido possível em uma estética da produção
livre da subjetividade.” [“... Deshalb ist die Vermutung erlaubt, da in der idealistischen
Ästhetik mehr Vorbereitung zu einer Theorie der Kunst der Moderne geleistet worden ist,
als es in einer Ästhetik der freien Produktion der Subjektivität möglich gewesen wäre.”]
HENRICH, 134.
6 Resistência: “... ato, força, luta, defesa, oposição, reação, movimento, processo,
acontece dentro de um contexto qualificado como sendo de opressão, desgaste, in-
vasão, ataque e também introdutor de novidades (uma nova ordem). Este ato, essa
força, essa reação, encontra-se qualificado, por sua vez, pela espontaneidade, pela
vontade presente, pela autonomia, pelo ‘vigor moral e ânimo’, pela consciência. Tam-
bém nos é apresentada a palavra resistência como embaraço, empecilho, estorvo,
obstáculo. O ‘resistente’, ao mesmo tempo que portador de ‘vigor moral’ e ânimo,
aparece no dicionário como “teimoso, obstinado, contumaz.” SCHILLING, F.I. apud
SELIGMANN. “... a resistência estaria, portanto, próxima de seu sentido inicial de
defesa a uma força invasiva, de uma oposição para durar, conservar-se, sobreviver.”
SCHILLING, F.I. apud SELIGMANN.

12
resistência contra essa. Tanta liberdade da vontade ha-
via quantas eram as pessoas que queriam libertar-se.7

E é precisamente por não ser síntese final que a arte apresenta-


se como momento perene de tensão,8 como resistência que não termi-
na. A Pós-modernidade vende uma aparência apaziguada, não-
dialética, onde não vigoram mais dualidade, atritamento e crítica.
Marcuse observou que as massas são condicionadas a não perceber os
antagonismos como tal: não entrando em interação, as contradições
da atualidade são como que neutralizadas, esvaziadas. Nosso trabalho
propõe que a arte pós-moderna pode, sim, manter-se associal e crítica,
sustentando a tensão com o mundo empírico e o funcional e contribu-
indo para desmascarar a hipocrisia pacificada da estética neoliberal.

Quanto mais a arte é forçada à resistência contra a


vida marcada e estandardizada pelo sistema de domi-
nação, tanto mais ela incita ao caos: esquecida, tor-
na-se desgraça. Daí a falsidade das lamúrias acerca do
suposto terrorismo intelectual da Modernidade.9

7 “[...] Lebt im Zeitalter universaler gesellschaftlicher Unterdrückung nur in den Zügen des
geschundenen oder zermalmten Individuums das Bild von Freiheit gegen die Gesellschaft. [...]
Konkret wird Freiheit an den wechselnden Gessalten der Repression: im Widerstand gegen
diese. Soviel Freiheit des Willens war, wie Menschen sich befreien wollten.” [Band 6: Negative
Dialektik. Jargon der Eigentlichkeit: Dritter Teil: Modelle. Digitale Bibliothek Band 97:
Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 3248 (vgl. GS 6, S. 262)]
8 “A característica da arte atual de ser portadora da crise do homem e da sociedade,
de ser inovadora em sua linguagem, ou de ser uma expressão marcada pela ambigüi-
dade, não é reconhecida como legítima nem é aceita pela ideologia da sociedade de
massa. [...] Não se percebe que a linguagem artística, ligada a profundas mudanças
sociais, pode se socorrer de novos recursos, às vezes, revolucionários, para exprimir a
nova realidade.” PAVIANI: Estética mínima – notas sobre arte e literatura. Ver o capí-
tulo 1.4: A crise como condição da arte, p. 22-5.
9 “Je mehr Kunst zum Widerstand gegen das von der Herrschaftsapparatur geprägte,
standardisierte Leben genötigt wird, desto mehr mahnt sie ans Chaos: zum Unheil wird es
als Vergessenes. Daher die Verlogenheit des Gezeters über den angeblichen geistigen Terror

13
Para melhor compreender o imbricamento da grande catarse
pós-moderna com a resistência que a filosofia adorniana confia à obra
de arte autônoma, recordemos que o pensamento de Theodor
Wiesengrund Adorno insere-se entre o dos últimos iluministas. De-
vemos situá-lo na tradição que, com Nietzsche, inicia o caminho sem
retorno do desencanto para com a racionalidade.10 Uma das obras
capitais que nos legou, a Dialética negativa, expõe sua performance
mais virtuosa: procura dar o salto mortal que é a proposta de uma
rejeição do conceito – pedra basilar da filosofia nos últimos 24 sécu-
los –, denunciado como instrumento de dominação do homem e da
natureza, sem, contudo, pretender abrir mão da ferramenta lógica,
da ratio. A partir disto, Adorno vai procurar na arte – que, em seu
caso, é fundamentalmente a música – uma reserva ética onde se pode
ainda encontrar alguma verdade. No mundo dos homens, essa se
perdeu – aliás, o desejo de apreendê-la foi o que levou a filosofia à

der Moderne.” [Band 7: Ästhetische Theorie: Paralipomena. Digitale Bibliothek Band


97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 4396 (vgl. GS 7, S. 404-405)]
10 Os anos de estudo de Adorno foram marcados, na filosofia, pelo hegelianismo de
esquerda e pelo marxismo. Antes do ingresso na universidade, em Frankfurt, vinha
sendo preparado por Siegfried Krakauer, seu amigo 14 anos mais velho, com leituras de
Kant – a Crítica da razão pura -, e de Hegel, mas também dos contemporâneos Lukács
e Bloch. A Teoria do romance de Lukács impressionou e influenciou muito o jovem
Adorno. Mesmo aos escritos de Ernst Bloch, Adorno chegou porque “tinha ouvido
dizer que Bloch tinha afinidade com Lukács”, lendo daí seu Geist der Utopie, [Espírito
da utopia] Cf. WIGGERSHAUS, 99. Formação atualizada para uma Europa em que a
concretização do Essado socialista utópico parecia ser não mais que uma questão de
tempo. A revolução de 1917, com a subseqüente fundação da União Soviética, teve
ecos na Europa Central - na Alemanha, em 1918, a proclamação da república, e o
levante de 1923, em Bremen, sinalizaram um movimento de mudança do comando da
sociedade e deram mostras do vigor da organização do operariado marxista, porém
alertaram e fortaleceram a reação da extrema direita. De modo especial, os totalitaris-
mos do século XX - o hitlerista e o stalinista - foram objeto da filosofia de Adorno, e
não foi sem incluí-los em seu pensamento que o filósofo fundamentou sua teoria esté-
tica, essa igualmente construída como resistência a outro grande totalitarismo, o da
Indústria Cultural, sob a forma do romantismo tardio e do neo-classissismo.

14
construção de sua masmorra de conceitos, da qual os pensadores não
mais conseguiram escapar. Na arte, porém, na dimensão do
indeterminado, das possibilidades abertas, está preservado aquilo que
não é igual a mais nada: o que Adorno chama de não-idêntico, não-
idêntico este que é constitutivo mesmo da identidade:

O sistema absoluto de Hegel, que tem sua base na eter-


na resistência do não-idêntico, nega – contra sua pró-
pria auto-imagem – a si mesmo. Em verdade, sem o
não-idêntico não existe identidade.11

A resistência do não-idêntico é o que concede à obra de arte


seu caráter associal, e permite-lhe preservar uma forma de conheci-
mento no mundo onde esse se instrumentalizou.

O caráter processual das obras de arte constitui-se pelo


fato de elas, enquanto artefato, feitas pelo homem, te-
rem, de antemão, seu lugar no ‘reino natural do Espí-
rito’. Porém, para tornarem-se, de alguma forma, idên-
ticas a si mesmas, necessitam seu não-idêntico, seu
heterogêneo, ainda não formado. A resistência da al-
teridade contra elas, [resistência] da qual elas preci-
sam, leva-as a articular a própria linguagem formal, a
não deixar nenhum cantinho sem forma. Essa reci-
procidade constitui sua dinâmica.12

11 “Hegels absolutes System, das auf dem perennierenden Widerstand des Nichtidentischen
beruht, negiert, gegen sein Selbstverständnis, sich selbst. Wahrhaft ist ohne Nichtidentisches
keine Identität...” [Band 6: Negative Dialektik. Jargon der Eigentlichkeit: Erster Teil:
Verhältnis zur Ontologie. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno:
Gesammelte Schriften, S. 3017 (vgl. GS 6, S. 126)]
12 “Der Prozeßcharakter der Kunstwerke konstituiert sich dadurch, daß sie als Artefakte,
von Menschen Gemachtes von vornherein im ‘einheimischen Reich des Geistes’ ihren Ort
haben, aber, um irgend identisch mit sich selbst zu werden, ihres Nichtidentischen,
Heterogenen, nicht bereits Geformten bedürfen. Der Widerstand der Andersheit gegen sie,
auf welche sie doch angewiesen sind, veranlaßt sie dazu, die eigene Formsprache zu

15
É com base na absoluta não-identidade das coisas que Adorno
rejeita a mímese na arte, destacando, porém, que a recusa a essa é
que realiza a autonomia da criação, isto é, na tensão em resistir-lhe é
que funda-se a racionalidade estética.

Que a arte não é redutível à inquestionável polarida-


de do mimético e do construtivo enquanto fórmula
invariável, pode-se reconhecer no fato de que, de ou-
tra forma, a obra de arte de [alto] nível teria que ajus-
tar-se entre os dois princípios. Porém, na Modernida-
de, foi fecundo aquilo que seguiu até um dos extre-
mos, não o que conciliou [os extremos]; quem se es-
forçou por uma síntese de ambos foi recompensado
por um consenso suspeito. A dialética daqueles mo-
mentos assemelha-se à [dialética] lógica, que apenas
em Um realiza o Outro, e não no meio [entre os dois].13

Adorno identifica o ponto de partida desse processo na aurora


do pensamento humano, no mito. Para sobreviver e preservar-se ante
à ameaça da Natureza, o homem mimetizou o que está morto,14 o

artikulieren, kein ungeformtes Fleckchen übrig zu lassen. Diese Reziprozität macht ihre
Dynamik aus.” [Band 7: Ästhetische Theorie: Ästhetische Theorie. Digitale Bibliothek
Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 4154 (vgl. GS 7, S. 263)]
13 “Daß Kunst auf die fraglose Polarität des Mimetischen und Konstruktiven nicht als auf
eine invariante Formel zu reduzieren ist, läßt daran sich erkennen, daß sonst das Kunstwerk
von Rang zwischen beiden Prinzipien ausgleichen müßte. Aber in der Moderne war fruchtbar,
was in eines der Extreme ging, nicht was vermittelte; wer beides zugleich, die Synthese
erstrebte, wurde mit verdächtigem Consensus belohnt. Die Dialektik jener Momente gleicht
darin der logischen, daß nur im Einen das Andere sich realisiert, nicht dazwischen.” [Band
7: Ästhetische Theorie: Ästhetische Theorie. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W.
Adorno: Gesammelte Schriften, S. 3834 (vgl. GS 7, S. 72)]
14 Na DdA, Adorno e Horkheimer argumentam que a capacidade de mimetismo
humana está ligada ao seu instinto de autopreservação. O homem paralisa os movi-
mentos e funções voluntárias para assimilar-se à perigosa Natureza que o circunda.
Essa paralisia voluntária já é o primeiro passo em direção à dominação dessa mesma

16
amorfo, e, desde então, a racionalidade espera por um momento em
que possa dar uma pirueta sobre si mesma e corrigir seu pecado origi-
nal, tornando-se racionalidade não-instrumental e, ao mesmo tem-
po, liberta da dialética da regressão.

A ratio, que recalca a mímese, não é apenas seu con-


trário. Ela mesma é mimesis do que está morto. O es-
pírito subjetivo, que desfaz a animação da Natureza,
apenas domina a [Natureza] destituída de alma, en-
quanto imita sua rigidez e dissolve-se a si mesmo en-
quanto animista. Imitação entra a serviço da domina-
ção, à medida em que mesmo o homem torna-se an-
tropomorfismo do homem.15

Nossa abordagem cobra importância quando consideramos as


questões que nos são hoje propostas pela arte pós-moderna: na
contemporaneidade em que estamos imersos, a ordem social e, com ela,
o processo poiético como tal, realizaram a transição de um paradigma
produtivo para um reprodutivo. Testemunhamos em nosso quotidiano
as conseqüências da proposta reprodutiva e mimética de uma estética
que, a par das mais avançadas tecnologias digitais e de informação, ope-
ra visando diluir ao máximo a fronteira entre realidade e aparência,16 em

Natureza, pois tem algo de racional e de astúcia. Entretanto, ao mesmo tempo que
logra o inimigo, o homem inaugura sua alienação, sobrevivendo ao preço de deixar
de ser ele mesmo.
15 “Die Ratio, welche die Mimesis verdrängt, ist nicht bloß deren Gegenteil. Sie ist selber
Mimesis: die ans Tote. Der subjektive Geist, der die Beseelung der Natur auflöst, bewältigt
die entseelte nur, indem er ihre Starrheit imitiert und als animistisch sich selber auflöst.
Nachahmung tritt in den Dienst der Herrschaft, indem noch der Mensch vorm Menschen
zum Anthropomorphismus wird.” [Band 3: Dialektik der Aufklärung: Exkurs I: Odysseus
oder Mythos und Aufklärung. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno:
Gesammelte Schriften, S. 1195 (vgl. GS 3, S. 76)]
16 Ver BAUDRILLARD, À sombra das maiorias silenciosas – o fim do social e o surgimento
das massas. São Paulo: Brasiliense, 1994.

17
um vertiginoso processo de semiurgia: mídia e informática criam signos,
e estes recriam o mundo.17 Tal estado de coisas clama por um estatuto
que permita segregar as tendências meramente reacionárias das que, ainda
que revestidas da proposta transgressionista do pós-moderno, seguem
imbuídas de um núcleo crítico, arte enquanto última reserva ética e do
humano depois dos desastres genocidas perpetrados no último século.
Encontra-se ainda em aberto a questão de conceder à arte pós-
moderna um estatuto crítico que a legitime frente a um referencial
racional e exima-a da pecha de reacionária. As tentativas apresenta-
das pelos pós-estruturalistas têm todas em comum a recusa em en-
volver racionalidade – não só a instrumental - no discurso e na argu-
mentação.18 Ora, uma empreitada que vise à legitimação da obra de
arte pós-moderna enquanto crítica e histórica - que seria o propósito
de tal estatuto - teria de decidir, antes de mais nada, se a Pós-moder-
nidade é rompimento e fim da história ou se é migração e fusão de
paradigmas estéticos. E ainda: se o barroquismo resultante dessa se-
gunda via seria um movimento legítimo empreendido pela arte para
a recuperação de seus idiomas, quando em risco de esgotamento, e se
tal fenômeno é identificável em outros momentos da história da arte.

17 “O ambiente pós-moderno significa basicamente isso: entre nós e o mundo estão


os meios tecnológicos de comunicação, ou seja, de simulação. Eles não nos informam
sobre o mundo; eles o refazem à sua maneira, hiper-realizam o mundo, transforman-
do-o num espetáculo.” FERREIRA DOS SANTOS, 3.
18 Em Adorno, a resistência à instrumentalização da racionalidade busca uma solu-
ção utópica ainda pela via racional na Dialética negativa; ao contrário disso, Derrida,
por exemplo, recusa-se a optar entre certo e errado, já que este ato continuaria a
afirmar a primazia da razão. Já Lyotard admite a existência dos discursos filosóficos,
mas não acredita na possibilidade de sua interação, resignando-se com a existência
de várias racionalidades incomunicáveis entre si (metáfora do arquipélago). O pen-
samento, uma arma perigosa: “O que chamamos de pensar, deve ser desarmado.” Cf.
ZIMMERMANN, 18. Entendemos, contudo, que estes sistemas de Lyotard - por
incomunicáveis e intransferíveis que sejam - seguem orientando-se por uma medida
de racionalidade.

18
Nossa opção é por esta última: acreditamos que a racionalida-
de da obra de arte autônoma, cujas possibilidades Adorno apresenta
na Dialética negativa e na Teoria estética, é capaz de justificar os movi-
mentos de interdisciplinaridade e entrelaçamento das linguagens.19
As interpretações apresentadas pelos pós-estruturalistas franceses
sempre partiram, no tocante à questão do material, de um pressupos-
to que não queremos aceitar, de que a filosofia da arte teria doravante
que movimentar-se no sentido da recuperação de linguagens
pregressas, o que é parte da tentativa de inibir a crescente hipertrofia
da racionalidade instrumental. Acreditamos que esse caminho, além
de autofágico, aceita tacitamente o selo reacionário impresso por
Habermas em O discurso filosófico da modernidade [Der philosophische
Diskurs der Moderne], alija a historicidade ainda latente na estética
pós-moderna de seu curso temporal e ignora lições históricas que
podem fornecer a chave para a compreensão de nosso tempo, como
veremos em 3.3 Selva morale e spirituale.
Seria muito cômodo despejar genericamente sobre toda obra
de arte pós-moderna o arsenal argumentativo amealhado nas déca-
das de debates em que se fundou a Modernidade, mas isso só faria
estigmatizar e segregar suas manifestações. A crítica de Habermas20
só fez aprofundar a suspeita de que a obra de arte pós-moderna seja
parte da política de desacreditar as raízes críticas neo-marxistas do
projeto da Modernidade. Acreditamos, porém, que enxergar na arte
contemporânea nada além da cristalização de uma política conser-
vadora seria abrir mão de, neste momento especial da história –
sim, acreditamos ainda estarmos dentro da história, mesmo que os
pós-estruturalistas o questionem –, decifrar os sinais com que ela
nos acena.

19 O enodamento, ou entremear-se das artes, a que Adorno chamou de Verfransung


der Künste, será abordado com mais detalhe no Capítulo 4 de nosso trabalho.
20 Ver Der philosophische Diskurs der Moderne, Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1991.

19
No tocante à Modernidade: o pensamento de Theodor W. Ador-
no foi um dos principais responsáveis pela delimitação e fundamenta-
ção do que seja o espaço do moderno na sociedade, graças à sua pecu-
liar constituição, que conjuga neo-marxismo com recusa à racionali-
dade instrumental. Para essa recusa, pensa Adorno, é necessário es-
quivar-se de qualquer ação mimética na feitura da obra de arte.

Na relação com a realidade empírica, a arte sublima o


ali em vigor princípio do sese conservare em ideal do
ser-para-si de suas produções; segundo as palavras de
Schönberg, pinta-se um quadro, e não o que ele re-
presenta.21

Essa proposta quase utópica, como exposto na PhnM, deve ser


perseguida a partir do progresso constante do material, que precisa ser
sempre o mais avançado disponível ao artista. Ora, como a Pós-moder-
nidade coloca-se num limbo pós-histórico, no qual, portanto, não pode
ocorrer mais progresso algum, suas criações, no tocante ao material, são
fortemente marcadas pela citação, pela colagem e pelo reaproveitamento
de fórmulas estilísticas do passado, muitas vezes mesclando paradigmas
estéticos irreconciliáveis fora de seu referencial histórico, que mais se
assemelha a um jardim zoológico de todas as épocas.22

21 “Im Verhältnis zur empirischen Realität sublimiert Kunst das dort waltende Prinzip des
sese conservare zum Ideal des Selbstseins ihrer Erzeugnisse; man malt, nach Schönbergs
Wort, ein Bild, nicht, was es darstellt.” [Band 7: Ästhetische Theorie: Ästhetische Theorie.
Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 3737
(vgl. GS 7, S. 14)]
22 Estilisticamente, o Pós-modernismo cristalizou-se antes e com muito maior clare-
za na arquitetura. Charles Jencks fixa data e hora exatas da passagem do Moderno
para o Pós-moderno: teria sido o 15 de julho de 1972, às 15:32h, quando, em St.
Louis, nos Estados Unidos, o complexo habitacional Pruitt-Igoe foi implodido com
dinamite, por ser considerado um ambiente inabitável para a população de baixa
renda que lá deveria viver. A partir daí, os projetos modernistas e funcionais,

20
Pronto: está exposto o problema. Os princípios adornianos do
progresso do material e da resistência à kátharsis induzida pela mímese
têm servido como espécie de sentença geral desabonadora de toda
manifestação artística da Pós-modernidade. Queremos, contudo, de-
monstrar que a filosofia da arte adorniana nunca se fechou a uma
superação da Modernidade na arte, e que seu pensamento, ao com-
parar transições análogas na história da música, previu a supressão
dos rígidos padrões do dodecafonismo de Arnold Schönberg e a ne-
cessidade de uma interação de materiais e linguagens. Essa previsão
adorniana cobrou fôlego a partir da década de 1960, mas já estava
presente mesmo em seu período mais radical, o da Filosofia da nova
música (1948), durante o exílio nos Estados Unidos. Nosso enfoque
será, portanto, a transição do conceito de progresso do material ex-
posto nessa obra para o paradigma inclusivista da arte pós-moderna,
demonstrando como essa pode continuar a abrigar seu conteúdo de
verdade e resguardar o mesmo núcleo crítico que alguns acredita-
vam findo junto com a Modernidade. Esse movimento configuraria o
impulso pós-moderno de que, segundo Wellmer, a Teoria estética esta-
ria carente para ultrapassar a racionalidade.23
O Wahrheitsgehalt, o conteúdo de verdade da obra de arte, “só
passível de obtenção através da reflexão filosófica”, é o cerne da re-
serva ética que Adorno acreditava poder encontrar não mais no mun-
do empírico, mas no estético. Para Adorno, “isto, e nada mais, justi-

herdeiros da Bauhaus e de Le Corbusier, cederam espaço a uma arquitetura plena de


barroquismos ornamentais e de citações estilísticas de um passado idealizado: “As
torres de vidro, os blocos de concreto e as lages de aço que pareciam destinadas a
dominar todas as paisagens urbanas de Paris a Tóquio e do Rio a Montreal, denunci-
ando todo ornamento como crime, todo individualismo como sentimentalismo e
todo romantismo como kitsch, foram progressivamente sendo substituídos por blo-
cos-torre ornamentados, praças medievais e vilas de pesca de imitação [...] .”
HARVEY, 15.
23 Cf. SEWING, 4-5.

21
fica a estética”. 24 A apreensão do conteúdo de verdade sucede sem-
pre através de uma relação negativa com sua face oculta, que é a
manifestação do não-verdadeiro. O não-verdadeiro é a totalidade
hegeliana,25 contra cujo apetite devorador,26 o não-idêntico fragmen-
tário e ambíguo recorre por meio da criação artística. O verdadeiro,
então, é o que não é total, é o fragmento, a incompletude, o
aconceitual. Para furtar- se à totalidade e fazer valer seu
Wahrheitsgehalt, a obra de arte tem que abdicar de buscar no mundo,
através de imitação, seu material constituinte. Por essa razão, a filo-
sofia adorniana da arte descarta o engajamento político, já que, ao
funcionalizar-se em ideologia, a arte engajada assume funções
miméticas próprias do mundo – funções de que está a salvo apenas

24 “Der Wahrheitsgehalt der Kunstwerke ist die objektive Auflösung des Rätsels eines jeden
einzelnen. Indem es die Lösung verlangt, verweist es auf den Wahrheitsgehalt. Der ist allein
durch philosophische Reflexion zu gewinnen. Das, nichts anderes rechtfertigt Ästhetik.”
ÄT, 192-3.
25 “O total é o não-verdadeiro.” [“Das Ganze ist das Unwahre.”] [Band 4: Minima
Moralia. Reflexionen aus dem beschädigten Leben: Zwergobst. Digitale Bibliothek Band
97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 1726 (vgl. GS 4, S. 55)]
26 Assim como no episódio de Odisseu com as sereias, na Dialética do esclarecimento,
Adorno encontra também para o afã totalizante do idealismo uma raiz pré-histórica:
este nasceria da sensação de carência diante da incompletude, somada à raiva [Wut]
para com o objeto a ser apreendido: “O sistema, no qual o espírito soberano se ima-
ginava transfigurado, tem sua origem primeira no pré-espiritual, na existência ani-
mal da espécie. Predadores são famintos; o bote sobre a vítima é difícil, muitas vezes
perigoso. Para que o animal se atreva, são necessários impulsos adicionais. Estes fun-
dem-se com o mal-estar da fome até transformarem-se em raiva da vítima, cuja ex-
pressão, por sua vez, convenientemente aterrotiza e paralisa [a vítima].” [“Das System,
in dem der souveräne Geist sich ver klärt wähnte, hat seine Urgeschichte im Vorgeistigen,
dem animalischen Leben der Gattung. Raubtiere sind hungrig; der Sprung aufs Opfer ist
schwierig, oft gefährlich. Damit das Tier ihn wagt, bedarf es wohl zusätzlicher Impulse.
Diese fusionieren sich mit der Unlust des Hungers zur Wut aufs Opfer, deren Ausdruck
dieses zweckmäßig wiederum schreckt und lähmt. Beim Fortschritt zur Humanität wird das
rationalisiert durch Projektion.”] [Band 6: Negative Dialektik. Jargon der Eigentlichkeit:
Einleitung. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften,
S. 2861 (vgl. GS 6, S. 33)]

22
em seu recolhimento monadológico sem janelas.27 De outro modo
estaria ajudando, mesmo sem querer, “a estreitar a rede de mentiras
da qual a sociedade é tecida”.28

Mesmo a mais sublime obra de arte preserva certa re-


lação com a realidade empírica, na medida em que se
retira de sua gravitação; não definitivamente, mas sem-
pre e repetidamente de forma concreta, polemicamen-
te inconsciente contra seu posicionamento histórico.
O fato de as obras de arte, enquanto mônadas sem
janelas, representarem aquilo que elas mesmas não são,
é dificilmente compreensível, a não ser devido ao fato
de que sua própria dinâmica - sua historicidade ima-
nente enquanto dialética da natureza e da dominação
da natureza – não apenas é da mesma essência que a
[historicidade] exterior, mas também, em si a ela se
assemelha, sem imitá-la.29

27 “A relação das obras de arte para com a sociedade é comparável à mônada leibnitziana.
Sem janelas, portanto sem tomar consciência da sociedade, em todo caso sem que essa
consciência acompanhe-a sempre e necessariamente, as obras – e sobretudo a
aconceitual música – representam a sociedade.” [“Das Verhältnis der Kunstwerke zur
Gesellschaft ist der Leibnizschen Monade zu vergleichen. Fensterlos, also ohne der Gesellschaft
sich bewußt zu sein, jedenfalls ohne daß dies Bewußtsein stets und notwendig sie begleitet,
stellen die Werke, und die begriffsferne Musik zumal, die Gesellschaft vor.”] [Band 14:
Dissonanzen. Einleitung in die Musiksoziologie: XII. Vermittlung. Digitale Bibliothek Band
97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 11880 (vgl. GS 14, S. 413)]
28 SAUERLAND, 3.
29 “Noch das sublimste Kunstwerk bezieht bestimmte Stellung zur empirischen Realität,
indem es aus deren Bann heraustritt, nicht ein für allemal, sondern stets wieder konkret,
bewußtlos polemisch gegen dessen Stand zur geschichtlichen Stunde. Daß die Kunstwerke
als fensterlose Monaden das ‘vorstellen’, was sie nicht selbst sind, ist kaum anders zu begreifen
als dadurch, daß ihre eigene Dynamik, ihre immanente Historizität als Dialektik von Natur
und Naturbeherrschung nicht nur desselben Wesens ist wie die auswendige, sondern in sich
jener ähnelt, ohne sie zu imitieren.” [Band 7: Ästhetische Theorie: Ästhetische Theorie.
Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 3740
(vgl. GS 7, S. 15)]

23
A forma enquanto material e o material enquanto forma: é na
radical independência do objeto artístico frente a qualquer influxo
externo que Adorno quer fundar a trincheira para que aquilo que
chamou de mundo administrado não logre cooptar a arte para suas
hostes. A kátharsis aristotélica, então, não teria como se dar, já que se
encontraria interditada, desde o fundamento da obra, a identifica-
ção emocional com o mundo e com seu fruidor. O que grande parte
da criação pós-moderna nos mostra hoje, contudo, é uma corrida
pela máxima tecnificação dos expedientes miméticos. Com a mesma
indiferença com que transforma imagens em realidade, a tecnologia
midiática pós-moderna inverte o processo, e reduz realidade a ima-
gens: o fluxo de desreferencialização da realidade é um dos elemen-
tos constituintes do enfermiço fundamento esquizofrênico do espíri-
to [Zeitgeist] pós-moderno,30 diferentemente do Zeitgeist paranóico
da Modernidade.31 A redução da realidade a imagens faz parte de
um macabro processo de estetização, cuja eficácia pudemos compro-
var nos recentes televisionamentos dos ataques com mísseis nas guer-
ras do Afeganistão e do Iraque.
A posição de Adorno referente à exclusividade endógena do
material e do seu tratamento foi, como veremos ao longo deste traba-
lho, paulatinamente sendo abrandada em favor de uma interconexão
entre as artes e linguagens. Na verdade, como demonstraremos no
Capítulo 4, seu ponto de partida – que foi, ao mesmo tempo, seu
momento mais radical – já antevia a superação do progresso históri-
co do material, apontando soluções análogas de hibridismo estilístico
em Bach e Beethoven. Nas décadas de 1930 e 1940, época de gesta-

30 A falta de conexões entre passado, presente e futuro é conseqüência do rompi-


mento da cadeia significativa de sentido, rompimento este que, para Lacan, define a
esquizofrenia. Em Deleuze e Guattari, a esquizofrenia está ligada ao capitalismo e à
economia, e faz interligações simultâneas com o passado, presente e futuro. Cf.
BENETTI, 56-7.
31 HALL, 12.

24
ção da Filosofia da nova música, sua condição de último iluminista
propugnava uma arte dotada de distanciamento original e primevo
no tocante ao material, uma arte musical comparável, em pureza
estilística, ao que foi a polifonia de Palestrina no final do
Renascimento. A postura adorniana tinha um endereço certo: era
necessário que a fascinação emocional e a cegueira crítica decorren-
tes da imitação estilística, da recorrência e da citação – perigo que
ainda rondava através dos wagnerianos tardios e dos neo-clássicos –
pudesse ser desarticulada por um ouvinte investido de grau de cons-
ciência32 em contínua expansão;33 o esclarecimento político e ético
viria a par da conscientização estética.34

32 “Consciência dá veredito sobre a realidade, pergunta por ela, supõe, duvida, deci-
de a dúvida e, nisto, consuma a ‘jurisdição da razão’.” [“Bewußtsein »urteilt über
Wirklichkeit, fragt nach ihr, vermutet, bezweifelt sie, entscheidet den Zweifel und vollzieht
dabei ‘Rechtsprechungen der Vernunft’«.”] [Band 1: Philosophische Frühschriften: A. Das
Problem: Widerspruch in Husserls Dingtheorie. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor
W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 29 (vgl. GS 1, S. 13)]
33 Em sua Theorie der Halbbildung, de1959, Adorno expõe como a Unbildung, a igno-
rância, pode ser levada a transformar-se em consciência crítica: “A ignorância, en-
quanto simples ingenuidade, mero não saber, permitiu uma relação imediata com os
objetos, e pôde ser elevada até [chegar a ser] consciência crítica, graças ao seu po-
tencial de cepticismo, mordacidade e ironia – propriedades que vicejam no [ho-
mem] não completamente domesticado.” [“Unbildung, als bloße Naivetät, bloßes
Nichtwissen, gessattete ein unmittelbares Verhältnis zu den Objekten und konnte zum
kritischen Bewußtsein gesteigert werden kraft ihres Potentials von Skepsis, Witz und Ironie
- Eigenschaften, die im nicht ganz Domestizierten gedeihen.”] [Band 8: Soziologische
Schriften I: Theorie der Halbbildung. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W.
Adorno: Gesammelte Schriften, S. 4911 (vgl. GS 8, S. 105)]
34 “A consciência, a cuja reflexão todo compromisso estético é remetido, ao mesmo
tempo desmontou o compromisso estético: daí as sombras de mera veleidade sobre
os odiados ismos. O fato de, sem vontade consciente, provavelmente nunca ter ocor-
rido nenhum exercício artístico, encontra, nos conflitados ismos, meramente
autoconsciência. Ela obriga à organização das obras de arte em si; [obriga-as] tam-
bém a manifestarem-se, contanto que [as obras de arte] queiram afirmar-se na soci-
edade monopolisticamente estruturada.” [“Das Bewußtsein, auf dessen Reflexion alles

25
Para aceitar essa possibilidade, é necessário que lembremos bre-
vemente dois pressupostos inalienáveis da filosofia adorniana da arte.
Primeiramente, seu caráter de conhecimento: “Pois na arte não lida-
mos com um mero jogo de coisas agradáveis ou úteis, porém [...] com
um desdobramento da verdade”35 Com essa citação de Hegel, que
encabeça a introdução da Filosofia da nova música, Adorno atrela
indissoluvelmente a arte ao conhecimento: se a arte resulta do des-
dobramento da verdade nela implicada, e a busca da verdade, por
sua vez, é parte da procura pelo conhecimento, em um processo de
conscientização,36 então a fruição da obra de arte não pode perten-
cer à esfera do prazer desinteressado, como em Kant, mas ao campo
da procura pelo conhecimento.

Da música que, hoje, quer preservar seu direito à exis-


tência, pode-se, num certo sentido, exigir caráter de
conhecimento. Em seu material, ela tem de dar forma

künstlerisch Verbindliche verwiesen ist, hat zugleich die ästhetische Verbindlichkeit demontiert:
daher der Schatten bloßer Velleität über den verhaßten Ismen. Daß ohne bewußten Willen
wahrscheinlich keine bedeutende Kunstübung je gewesen ist, findet in den vielbefehdeten Ismen
lediglich zum Selbstbewußtsein. Es nötigt zur Organisation der Kunstwerke in sich; auch zur
äußeren, wofern sie in der monopolistisch durchorganisierten Gesellschaft sich behaupten
wollen.”] [Band 7: Ästhetische Theorie: Ästhetische Theorie. Digitale Bibliothek Band 97:
Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 3788 (vgl. GS 7, S. 44)].
35 “Denn in der Kunst haben wir es mit keinem blo angenehmen oder nützlichen Spielwerk,
sondern […] mit einer Entfaltung der Wahrheit zu tun.” HEGEL, Ästhetik III in PhnM, 13.
36 “Uma vez pressuposta da consciência sua capacidade de experiência da arte, essa
se desenvolve de forma tanto mais rica quanto mais essa consciência penetrar em
sua complexão. O entendimento cresce com o [entendimento] da feitura técnica.
Que a consciência mata, é balela; mortal é apenas a falsa consciência.” [“...dem
Bewußtsein, einmal seine Fähigkeit zur Erfahrung von Kunst überhaupt vorausgesetzt, diese
um so reicher sich entfaltet, je tiefer es in ihre Komplexion eindringt. Das Verständnis wächst
mit dem der technischen Faktur. Daß Bewußtsein töte, ist ein Ammenmärchen; tödlich ist
einzig falsches Bewußtsein.”] [Band 7: Ästhetische Theorie: Ästhetische Theorie. Digitale
Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 4245 (vgl. GS 7,
S. 318)]

26
pura aos problemas que o material – este mesmo nun-
ca um material puramente natural, porém produzido
social e historicamente – lhe oferece; as soluções que
ela aí encontra são como teorias: nelas, estão conti-
dos postulados sociais, cuja relação com a práxis pode
bem ser extremamente mediada e difícil, e de forma
alguma deixa-se realizar sem esforço, mas que, em úl-
tima instância, decidirá se e como estes [postulados]
poderão ingressar na verdade social.37

O conhecimento que encontraremos na arte, assim, será de


natureza indireta, já que o consubstanciar-se das questões do mundo
só se faz possível através de um processo de rigorosa mediação.38 A
verdade que a obra de arte reproduz não é a realidade do mundo
capturada em um quadro ou descrita por uma sinfonia, mas a essên-
cia primeira e mais oculta das relações sociais, é o espelhamento ne-
gativo do mundo administrado. As dissonâncias que os espantam [aos
ouvintes] falam de sua própria condição, e somente por isso lhes são
insuportáveis.39
O conhecimento que poderemos obter da arte carrega traços

37 “Von Musik, die heute ihr Lebensrecht bewähren will, ist in gewissem Sinne
Erkenntnischarakter zu fordern. In ihrem Material muß sie die Probleme rein ausformen,
die das Material - selber nie reines Naturmaterial, sondern gesellschaftlich-geschichtlich
produziert - ihr stellt; die Lösungen, die sie dabei findet, stehen Theorien gleich: in ihnen
sind gesellschaftliche Postulate enthalten, deren Verhältnis zur Praxis zwar äußerst vermittelt
und schwierig sein mag und die keinesfalls umstandlos sich mögen realisieren lassen, über
die aber in letzter Instanz entscheidet, ob und wie sie in die gesellschaftliche Wirklichkeit
einzugehen vermögen.” [Band 18: Musikalische Schriften V: Zur gesellschaftlichen Lage
der Musik. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften,
S. 15528 (vgl. GS 18, S. 732)]
38 Em Alberti da Rosa, A gênese do progresso, encontra-se detalhado o processo de
mediação do mundo empírico através do material da obra de arte.
39 “Die Dissonanzen, die sie schrecken, reden von ihrem eigenen Zustand: einzig darum
sind sie ihnen unerträglich.” PhnM, 18.

27
da “consciência que ela tem dos sofrimentos” 40 ; como na
Fenomenologia do espírito de Hegel, ela progride através de prova-
ções. Assim, o progresso que Adorno não acredita existir no mun-
do – pelo menos não o progresso linear de Hegel e Santo Agostinho
– é possível na arte, ainda que, nesse caso, tomando a si todo o
sofrimento do progresso do espírito hegeliano, e, como veremos no
Capítulo 4, muitas vezes condicionado ao retrocesso das outras es-
feras do material.

Pois o obscuro, que sempre de novo é subjugado pelo


progresso do Espírito, conseguiu, devido à pressão que
o espírito senhorial exerce sobre a natureza interior e
exterior humanas, sempre, até hoje, reconstituir-se em
forma diferente. [...] a doutrina da Fenomenologia do
espírito deve ser aplicada à arte, [doutrina] para a qual
toda imediatidade é um já em si mediado.41

Em segundo lugar, como conseqüência da intensa mediação que


condiciona o conhecimento veiculado pela obra de arte, temos a natu-
reza aconceitual de sua mensagem. Aqui, Adorno concede à arte uma
vantagem sobre os postulados discursivos da filosofia e das ciências, situ-
ando-se na tradição que parte do Nascimento da tragédia, de Nietzsche.
Naquela obra, tem início a busca do que Nietzsche localizou no saber
trágico dos antigos gregos, e que teria se perdido. O conhecimento que

40 “A música e o pranto abrem os lábios e libertam o homem aprisionado. [...] O


homem, como carpideiro e como cantor, penetra na realidade alienada.” [“Musik
und Weinen öffnen die Lippen und geben den angehaltenen Menschen los. [...] Als Weinender
und als Singender geht er in die entfremdete Wirklichkeit ein.”] PhnM, 122.
41 “Denn das Dunkle, welches in immer erneuten Ansätzen vom Fortschritt des Geistes
bezwungen wird, hat vermöge des Drucks, den der herrschaftliche Geist über die inner- und
außermenschliche Natur ausübt, zugleich in veränderter Gessalt bis heute stets sich
wiederhergestellt. [...] ... auf die Kunst ist die Lehre der Phänomenologie des Geistes
anzuwenden, derzufolge alle Unmittelbarkeit ein in sich bereits Vermitteltes ist.” Ibidem, 23.

28
Nietzsche tentava apontar nasceria ainda de uma filosofia do futuro,
uma filosofia que, sem passar pela mediação do conceito, atingiria dire-
tamente o interlocutor. Há pontos de contato entre o conhecimento
aconceitual de Nietzsche e o de Adorno. Para o frankfurtiano, contudo,
o conhecimento a ser veiculado pela arte representa, ao mesmo tempo,
um esquivar-se a esse mesmo conhecimento. Tomando-se a proposta
adorniana da maneira mais radical, poderíamos afirmar que o conheci-
mento aconceitual que a obra de arte transmite é um solipsismo, isto é,
um falar dela mesma, já que, antes de falar das coisas do mundo, tem que
obedecer à sua lei superior, que é a da liberdade frente ao condiciona-
mento identitário. Em última análise, o que a obra de arte nos comunica
é sua condição de não-identidade. A identidade estética deve socorrer o
não-idêntico, oprimido na realidade pela compulsão identitária.42
Adorno parece ter-se dado conta, entretanto, a partir já do
final dos anos 1950, de que a unidade exclusivista formal-material
que identificara nas composições de Arnold Schönberg e seus segui-
dores – e onde reconhecia a aplicação de seu conceito do progresso
do material – corria o risco de ser ultrapassada pelo processo de
atomização dos indivíduos já em curso numa sociedade que estava
sendo preparada para a cirurgia capitalista da globalização. O perigo
do canto das sereias da Pós-modernidade não seria mais o apontado
na Dialética do esclarecimento, o da regressão ao mito, e sim a sedução
da hiperindividualidade dos desconstruídos, incapazes de aglutinar
energias para um movimento estético libertador. Jean Baudrillard iden-
tificou na apatia pós-moderna “a ausência de uma subjetividade ca-
paz de re-polarizar as tensões neutralizadas. O único referente que
ainda funciona é o da maioria silenciosa”43

42 “Ästhetische Identität soll dem Nichtidentischen beistehen, das der Identitätszwang in


der Realität unterdrückt.” [Band 7: Ästhetische Theorie: Ästhetische Theorie. Digitale
Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 3737 (vgl. GS
7, S. 14)]
43 BAUDRILLARD apud TIMM DE SOUZA: A filosofia e o pós-moderno, 15.

29
Nossa tese é que Adorno previu que a interferência recíproca
entre os materiais constituintes da obra de arte poderia contribuir
para enfeixar tendências em uma resistência efetiva à grande catarse
pós-moderna que estava a se anunciar. Honneth, em seu artigo Revi-
ravoltas da recepção: tendências de uma reatualização de Adorno
[Kapriolen der Wirkunsgeschichte – Tendenzen einer Reaktualisierung
Adornos], ressalta a clarividência do frankfurtiano em identificar mí-
nimas oscilações nos movimentos da sociedade:

Quando se trata da determinação de tendências ge-


rais de desenvolvimento da sociedade, a teoria social
de Adorno apresenta sempre uma certa inclinação para
um dogmatismo assaz rígido; em função disso, em tais
passagens emprega-se freqüentemente o conceito mar-
xista de totalidade para poder-se falar de uma cres-
cente tendência de subsunção das relações mundanas
sob o imperativo da valoração capitalista. Contudo,
essa tendência para uma análise puramente dedutiva
da sociedade é mais evidente em Adorno quando ele
aplica uma análise mais sutil, de inspiração fenome-
nológica dos ambientes sociais: aqui aparecem ruptu-
ras no “contexto geral de ofuscamento” e que, na for-
ma de gestos, ações e reações morais documentam tra-
ços de resistência mimética.44

44 “Die gesellschaftstheorie von Adorno besitzt immer dann eine gewisse Neigung zu
einem recht starren Dogmatismus, wenn es in ihr um die Bestimmung allgemeiner
Tendenzen der gesellschaftlichen Entwicklung geht: an solchen Stellen wird deshalb häufig
von Marx’schen Totalitätsbegriffen Gebrauch gemacht, um etwa von einer wachsenden
Tendenz der Subsumption lebensweltlicher Verhältnisse unter den Imperativ der
Kapitalverwertung sprechen zu können. Dieser Hang zu einer bloß deduktiven
Gesellschaftsanalyse wird bei Adorno allerdings immer dort aufgebrochen, wo er sich der
phänomenologisch inspirierte Feinanalyse sozialer Lebenswelten zuwendet: Hier treten
Risse und Brüche im allgemeinen “Verblendungszusammenhang” in den Blick, die in
Form von Gesten, Handhabungen und moralischen Reaktionen eine Spur von mimetischem
Widerstand dokumentieren”. HONNETH: Kapriolen der Wirkunsgeschichte – Tendenzen
einer Reaktualisierung Adornos, 33.

30
O expurgo da subjetividade na Pós-modernidade e, mais que
isso, a percepção de sua falta, faz urgente a insistência no seu resgate.
Para falar e conscientizar um ouvinte cada vez mais fechado dentro
de sua imaginária “tribo”, seria necessário ao material não mais res-
tringir-se à consubstanciação da forma da obra: como proposto pelo
compositor norte-americano John Cage, a partir de suas Variations I,
tudo pode ser material na obra musical. E é essa abertura que vai
possibilitar que a proposta adorniana de uma arte conscientizadora,
distanciada e não catártica siga cobrando validade em plena Pós-
modernidade, mister agora sua condição de falar a cada indivíduo, a
cada não-idêntico, empregando a sua não-idêntica e respectiva lin-
guagem. Ao mesmo tempo, ao acompanharmos a transição do
paradigma da exclusividade do material para o da inclusividade, na
selva morale e spirituale da arte pós-moderna, estaremos nos aproxi-
mando da proposição de um estatuto de suas manifestações.
Temos que a possibilidade de esvaziamento das vanguardas his-
tóricas foi prevista por Adorno já durante seu exílio nos Estados Uni-
dos, na década de 1940, e que seus apontamentos sobre o hibridismo
estilístico em Bach e Beethoven, na PhnM, oferecem uma base para
solucionar o impasse quanto à legitimidade da obra de arte pós-mo-
derna. Em vez de seguir pranteando a Modernidade, supostamente
abortada por uma Pós-modernidade reacionária, preferimos não iso-
lar a obra de arte pós-moderna do diálogo com princípios da estética
adorniana que podem esclarecer o fundamento de suas motivações.
A transição para a Pós-modernidade, assim pensamos, dá-se
em um contexto que nos permite classificá-la de barroco da Moder-
nidade: suas características de reação à hierarquia, à forma endógena
e à exclusão do subjetivo recordam-nos que, de certa forma, também
o contingente e o fragmentário estavam carentes de expressão em
uma estética que privilegiava o exclusivismo máximo na forma.
Propomos, finalmente, que, desde que o livre emprego dos ma-
teriais históricos seja regulado pela forma, quer seja, por um trata-

31
mento que não imobilize tal material em evocações icônicas de remi-
niscências estéticas pregressas, poderemos ali encontrar possibilida-
des que ajudar-nos-ão a diferenciar com clareza quais obras de arte
são meramente reprodutoras do processo semiúrgico da grande catarse
pós-moderna, e quais seguem interrogando o mundo e apontando
para uma possibilidade de história.
Iniciaremos este trabalho examinando a kátharsis histórica de
Aristóteles, seguindo-se o emprego que Sigmund Freud emprestou
ao termo; de imediato, veremos como Adorno emprega os vocábulos
kátharsis e kathartisch, definindo o espaço de significância que o autor
da Teoria estética lhe atribui.
No segundo capítulo, apresentaremos a construção teórica da
Modernidade empreendida por Adorno, oferecendo, na forma
dialética desse autor, alguns antagonismos que pontuaram sua filoso-
fia da arte. As oposições mais vigorosas contidas na Filosofia da nova
música e na Teoria estética são precisamente as que envolvem as idéias
de progresso e reação (Schönberg – Stravinski), de arte autônoma e
arte funcional (Adorno – Eisler) e de arte e realidade (Adorno –
Lukács). Procuraremos apresentar esses antagonismos enquanto tais,
a fim de provocar mesmo entre elas um atrito constitutivo, ressaltan-
do que são facetas de um mesmo prisma e ângulos diversos para abor-
dar uma estética que, embora monadológica, é aberta e capaz de fa-
lar a cada não-idêntico através de seu idioma único e intransferível.
O terceiro capítulo abordará a Pós-modernidade e sua estética
desconstrucionista. Aqui, faremos um paralelo entre Adorno e o fran-
cês Jacques Derrida, com sua filosofia da differance e da igualmente
vigorosa recusa da racionalidade instrumental. Neste ponto, apre-
sentaremos paralelos entre algumas propostas da arte pós-moderna e
elementos obscurantistas e protofascistas – particularmente na ar-
quitetura – já identificados por Adorno em seus escritos das décadas
de 1930 e 1940, justificando assim seu clamor por uma resistência
consciente à cooptação da arte por aqueles parâmetros. Em seguida,

32
situando o pós-moderno como a conseqüência barroca da Moderni-
dade, mostraremos pontos de contato entre o movimento de renova-
ção estética promovido na Itália de 1600 pela Camerata Fiorentina –
com as soluções encontradas por Monteverdi para conciliar os dois
estilos – e o uso pós-moderno dos materiais históricos.
A mudança de curso empreendida por Adorno nos anos 1960,
acolhendo em sua teoria da arte uma maior liberdade no material e
em seu tratamento será o objeto do capítulo quarto, quando resumi-
remos nosso apanhado da validade dos pressupostos adornianos sob
a luz da contemporaneidade.

33
34
1
Identificação e
distanciamento

35
36
1.1 Aristóteles – purificação
No capítulo VI de sua Poética, Aristóteles enuncia o efeito que
a tragédia ática teria tido sobre o espectador de então: a tragédia
“[...] suscitando o terror e a piedade, tem por efeito a purificação de
tais emoções”.45 A palavra (kátharsis) tem no grego o sen-
tido de limpeza e de purificação, na medida em que limpa, depura ou
remove algo que esteja sujando, obstruindo, conspurcando o objeto
da operação.46 Muito já se escreveu a respeito dessa breve frase, sen-
do que a exegese discute ainda os possíveis significados que Aristóteles
teria querido emprestar ao termo kátharsis. Neste trabalho, o foco de
nossa atenção será dirigido aos mecanismos da mímese e da identifi-
cação, e no efeito que por eles se dá.
Consideremos o completo enunciado de Aristóteles, definin-
do o que seja a tragédia:

É, pois, a tragédia imitação de uma ação de caráter


elevado, completa e de certa extensão, em linguagem
ornamentada e com as várias espécies de ornamentos
distribuídas pelas diversas partes [do drama], [imita-
ção que se efetua] não por narrativa, mas mediante
atores, e que, suscitando o terror e a piedade, tem por
efeito a purificação dessas emoções.47

Contudo, em que consistiria essa purificação operada pelo dra-


ma trágico não nos foi explicado por Aristóteles. É possível que a
explicação estivesse em outra parte – extraviada – da Poética, já que

45 ARISTÓTELES, Poética, 74.


46 Ver REY PUENTE, Fernando: A kátharsis em Platão e Aristóteles, em Kátharsis –
reflexões de um conceito estético. Belo Horizonte: C/Arte, 2002.
47 ARISTÓTELES: Poética, 74.

37
o próprio autor, em uma passagem da Política, explicita a intenção de
oferecê-la (em 1341b38: “o que falamos da catarse agora de modo
simples, novamente enunciaremos acerca da poética com mais cla-
reza” ).
A mímese de que fala Aristóteles, em seu enunciado, consiste
na imitação, com verossimilhança, de ações humanas – não imitação
de homens, mas de suas ações.48 Recorrendo ao emprego da ilusão e
da imaginação do espectador, sugere o que pode ser ou acontecer.
Daí parte o pensador para explicar o drama trágico: Aristóteles sus-
tenta que a poética é movida pela mímese. Através dela, representa-
se o universal, fazendo com que aflorem os sentimentos de terror e
piedade no particular. Os três primeiros capítulos da Poética são dedi-
cados a esta argumentação: o homem é dado à imitação desde a mais
tenra infância, sendo através dela que adquire conhecimento e é to-
cado pelas emoções no mundo. A mímese, a imitação encenada das
coisas do mundo, possibilitaria o prazer purificador ao assistirem-se
aos dramas trágicos.

Ao que parece, duas causas, e ambas naturais, gera-


ram a poesia. O imitar é congênito ao homem (e nisso
difere dos outros viventes, pois, de todos, é ele o mais
imitador, e, por imitação, apreende as primeiras no-
ções) e os homens se comprazem no imitado.49

A imitação das ações é planejada deliberadamente pelo dra-


maturgo e ensaiada pelos seus intérpretes, como uma forma de che-
gar com mais vigor ao ethos do espectador, já que o jogo mimético,

48 Otávio Cabral observa que Aristóteles emprega o termo mímesis de forma bas-
tante enfática, “como se o filósofo tivesse a intenção deliberada de reforçar, cada vez
mais, a contraposição de seu conceito em relação à mímesis platônica”, que, sendo
imitação, “afastava-se da verdade, sendo, portanto, imoral”. Cf. CABRAL, 7.
49 ARISTÓTELES, Poética, 71.

38
como afirma Aristóteles, é co-natural ao homem. Se a imitação é
mesmo a técnica pela qual o homem conhece as primeiras coisas do
mundo, ela seria, também, tanto a forma de educá-lo como de comu-
nicar-lhe emoções.
No Livro VIII da Política, encontramos a confirmação de que
Aristóteles considerava a kátharsis uma ação que emociona o espec-
tador, porém sem investí-lo de algum conhecimento. Para tanto, ele
discorre que a arte – no caso, a música – pode ter tanto um emprego
educativo como não educativo; 50 este último seria o catártico, o da
purificação emocional. 51 A música, com emprego educativo, parte
integrante da (paideia), corporificava uma concepção de ca-
ráter, ao espelhar ritmica e melodicamente os mesmos aspectos
axiológicos que a poesia clássica helênica.52 Um processo imitativo
que, dessa forma, se reproduzia: a poesia homérica fundou o ethos de
nobreza helênica, a música da paidéia emulava suas fórmulas de melos
e de ritmo, e o homem grego educado consoante esses cânones pas-
sava a agir de forma igualmente nobre. No que se refere ao emprego
não educativo da música, Aristóteles confirma que a tragédia não se
destinava a esse fim, sendo a kátharsis obtida pela paixão (Παθος):

A paixão que fortemente se apodera de algumas al-


mas [já] em todas existe, [só] diferindo pela intensi-
dade; por exemplo, a piedade e o terror, ou ainda, o
entusiasmo. Com efeito, alguns [indivíduos] são par-
ticularmente predispostos a este movimento [da

50 Ver ASPE ARMELLA, Virginia: Mímesis e kátharsis: eixos do conceito de


eudaimonia na filosofia de Aristóteles em Kátharsis – reflexões de um conceito estético.
Belo Horizonte: C/Arte, 2002.
51 “Não aprender, mas sofrer”: a fórmula, que se refere à experiência do iniciado nos
Mistérios, foi transcrita de Sinésio do De philosophia de Aristóteles, e não deixa de
sugerir um certo paralelo entre o drama ático e os cultos subterrâneos, onde não se
aprendia com a razão, mas experimentava-se pelas emoções. Cf. SOUZA, 68.
52 Ver REIS PEREIRA, 364.

39
alma]; mas, [por efeito] dos cânticos sagrados, quan-
do se servem daqueles que são aptos a produzir na
alma a exaltação religiosa, vemo-los pacificados,
como se tivessem sido sanados e purificados. Ao mes-
mo tratamento se devem submeter as pessoas em que
se manifesta a piedade e o terror ou qualquer outra
paixão, e os outros, na medida em que cada qual par-
ticipe deste [temperamento]; e assim se produzirá em
todos uma espécie de purificação e um alívio acom-
panhado de prazer; do mesmo modo, as melodias
catárticas proporcionam aos homens um prazer ino-
cente. 53

Consideremos ainda que, na encenação dos dramas, não ape-


nas o cênico, mas também o auditivo influía no estado de humor do
ouvinte, 54 e o autor da Poética era muito zeloso quanto ao emprego
adequado da música, dependendo esse do resultado a se obter. Aos
diferentes modos55 gregos correspondiam, para Aristóteles, distintas
possibilidades de emocionar a platéia. O modo mixolídio possuiria
um ethos triste, o dório seria calmo e o frígio provocaria a exaltação

53 ARISTÓTELES: Política, VIII 7, cit. em SOUZA, 174.


54 “Rocha Pereira, 1980, 542-543, considera que a música de Timoteo “no seu nomo
Os Persas [...] era “música concreta avant la lettre” ... , pois “imitava os ruídos da
batalha de Salamina [...] Os Coros das últimas tragédias de Eurípedes traduzem já
uma preocupação pela evolução da música nos seus aspectos melódicos e instrumen-
tal. Platão, República, 399c, afirma a este propósito que instrumentos antigos como a
lyra e a kithara são substituídos por outros (do mesmo grupo organológico) mas mais
evoluídos tecnicamente, produzindo uma maior sonoridade e dando à melodia mais
movimento, variedade e expressividade.” ROCHA PEREIRA apud REIS PEREIRA,
425.
55 O que hoje chamamos de modos correspondem à escalas modais herdadas pela
tradição musical européia através dos cantos sacros monódicos das primeiras igrejas
cristãs da Síria, de Antióquia e Alexandria. O termo, contudo, era desconhecido
pelos helênicos, que empregavam a denominação nomos, quer seja, lei, denotativo
da raiz política e educativa da arte musical na Grécia clássica.

40
em quem o escutasse. 56 Na Política encontramos uma passagem57 na
qual Aristóteles discute a proibição do aulos,58 um instrumento de
sopro, já que esse impediria a expressão do logos, explicando que o
aulos seria um instrumento orgiástico, e não ético.59 O aulos, assim,

56 “Por outro lado, nas próprias melodias há imitação de disposições morais [...]
quem as escuta, reage de modo distinto em relação a cada uma delas. Com efeito,
umas deixam-nos mais melancólicos e graves, como acontece com a mixolídia; ou-
tras enfraquecem o espírito, como as lânguidas, outras incutem um estado de espírito
intermédio e circunspecto como parece ser o apanágio da harmonia dórica, porque
já a frígia induz o entusiasmo. [...] Relativamente à educação [...] importa usar me-
lodias éticas e harmoniosas da mesma espécie. Tal é a índole da harmonia dórica [...]
Além disso, se porventura existe harmonia adequada à tenra idade, pelo fato de
implicar simultaneamente ordem e educação, tal parece ser [...] o caso da harmonia
lídia.” ARISTÓTELES: Política, 281, 592-3.
57 “Não se deve utilizar a flauta na educação [...] Aliás, a flauta não é um instru-
mento moral, mas sobretudo orgiástico, pelo que deve ser usada nas ocasiões em que
o espetáculo faculta uma purificação, mais que uma aprendizagem.”: Ibidem, 585.
58 Instrumento popular, relacionado ao transe, ao teatro, à sátira, à guerra e aos ritos
agrários, este é o aulos. [...] Tocado na região do Mediterrâneo, o clarinete duplo ou
oboé tem som penetrante, forte e rude, uma intensidade emocional [...] que o instru-
mento pode tocar horas a fio sem interrupção. [“Instrument populaire, lié à la fois à la
transe, au tréâtre, à la débauche, à la guerre et aux rites agraires, tel appaît l’aulos. [...]
Jouée, disons, à la méditerranéenne, la clarinette double ou le hautbois ont des intonations
véhémentes, on son fort et rapeux, une intensité émotionelle d’autant plus grande que
l’instrument peut jouer des heures sans interruption.”] ROUGET, 390-1.
59 Se a discussão de Aristóteles ficou no campo teórico, o mesmo não se pode dizer
do episódio narrado por Heródoto, em sua História: em 493 a.C., em Atenas, a es-
tréia da tragédia “A destruição de Mileto”, de Frínico, provocou pranto incontrolável
entre os espectadores, seguido de uma tal catarse coletiva que as autoridades proibi-
ram uma reapresentação da peça e multaram o autor em 1000 dracmas. Cf. RAHMEN,
1. Muitos séculos mais tarde, ainda podemos constatar preocupação semelhante para
com o ethos do povo, quando do renascimento dos ideais do classissismo helênico.
Em 1570, em Paris, Carlos IX declara, na Académie de Poésie et de la Musique: “É
muito importante para os costumes dos cidadãos de uma cidade que a música
costumeiramente ouvida e tocada em um país seja mantida dentro de certas leis, de
forma que a maior parte dos espíritos dos homens fique contente e se comporte de
acordo; já que, onde a música é desordenada, aí grassam os costumes mais

41
deveria ser empregado apenas em espetáculos de teatro com vistas à
purificação das emoções, e nunca como instrumento de educação da
juventude ateniense.60
Aliada à cena, a música e a sonoplastia ganham muito mais
expressão, já que o espectador horrorizado pode voltar o rosto ou
ocultar a visão de uma cena que o arrebate dolorosamente, mas não
se impedir de ouvir o que sucede em cena. Ésquilo, no Prometeu, le-
gou-nos instrução detalhada do acompanhamento sonoro para sua
tragédia. Aqui, Kratos e Hefaistos dialogam:
1o. som – cadeias, correntes:
– Não te apressarás a lançar-lhe em volta as cadeias (...)?
– Ele já pode ver que as tenho na mão.
2o. som – cadeias, martelo, perfuração de pedras:
– Lança-lhas em volta dos braços. Bate-me com força esse mar-
telo! Prega-o aos rochedos.
– Bate mais, aperta. 61
Para Aristóteles, o efeito catártico só se faz presente quan-
do o drama é encenado, quer seja, apresentado de forma imitativa
ao mundo real. Paulo Mendonça, ao comentar o conceito de

depravados, e onde ela é bem ordenada, os homens são bem comportados.” [“Il im-
porte grandement pour les moeurs des Citoyens d’une ville que la Musique courante &
usitée au Pays soit retenue sous certaines lois, d’autant que la plupart des esprits des hommes
se conforment & se comportent selon qu’elle est; de façon que où la Musique est d’esordonée,
là volontier les moeurs sont déptavez, & où elle est bien ordonée, là sont les hommes bien
moriginez.” ] Cit. em ROUGET, 416.
60 Reportemo-nos a este trecho da República de Platão: “Sócrates: Acima de tudo,
pode-se afirmar primeiramente, com toda segurança, que a canção [melos] é com-
posta de três elementos, de logos, harmonia e ritmo [...] A harmonia e o ritmo têm,
então, de estar em conformidade com o logos [literalmente: seguir o logos]”. PLATÃO,
A República, 2-4. Buch, 34-44, apud MEIEROTT/SCHMITZ, 11.
61 ÉSQUILO, apud RIBEIRO BARBOSA, 35.

42
kátharsis em Aristóteles, diz que “tragédia é coisa que acontece,
não coisa que é contada”, e que não pode “haver tragédia sem
personagens”, isto é, sem quem as pratique.62 Uma mera decla-
mação dos versos dos autores clássicos não surte efeito; as pala-
vras têm de vir acompanhadas de gestual, máscara, sonoplastia.63
Só dessa forma, envolvida em uma ambiência visual e sonora, a
atenção do espectador pode sucumbir à sugestão, entregar-se à
momentânea identificação com a personagem trágica, partilhar
seus sentimentos de horror e desespero e, finalmente, usufruir da
purificação catártica.
A catarse, porém, não se daria apenas por obra da técnica de
encenação e declamação: falta a parcela do próprio espectador, sua
subjetividade. Vários autores, como Gilles Deleuze e Felix Guatari,
falam de um ‘dispositif’, um dispositivo ou mecanismo que deve, para
funcionar, reunir condições objetivas e subjetivas, as quais não po-
dem ser controladas na íntegra. Apenas com essa conjunção estari-
am dadas as condições para a kátharsis.64 O norte-americano Woodruff
também concede importância ao fator subjetividade, descrevendo a
kátharsis como um processo no qual, “aparentemente, devemos crer
ao mesmo tempo em que um mal está sucedendo e em que não está.
O poeta deve fazer- nos reagir a eventos representados no palco como
se esses estivessem de fato sucedendo, de modo a provocar terror e
piedade, e como se não estivessem, para que despertassem antes pra-

62 Cf. CABRAL, 10.


63 “Fraenkel (1959, 494) considera que Ésquilo recorre com maestria à música e à
imagem pictórica para criar um efeito de empatia no auditório. A música faz parte de
um grande complexo construído nas cenas onde estão presentes: a cor, a fala, o can-
to, o ritmo, e a dança. E, na tragédia Agamemnon, a arte de sugestionar é conseguida
pela conexão do sagrado com o horrível, sendo a música, através de sua expressividade,
que permite transmitir tal efeito.” REIS PEREIRA, p. 363.
64 Ver BARNER, DETKEN u. WESCHKE: Texte zur modernen Mythentheorie.
Stuttgart: Philipp Reclam, 2003.

43
zer que dor.”65 A conclusão é a de que o espectador acatava a mímese
como a experiência de um equívoco: o prazer catártico por saber sen-
tir uma dor que, no plano da realidade, não havia.66 Para Costa Lima,
a mímese aristotélica ensina algo que a ciência dos primeiros princí-
pios, a obra em que Aristóteles mais se empenharia, não se permitia
ensinar: que é preciso aprender a viver sobre dupla via, e não sobre a
via única da verdade alcançada pelo pensamento.67
Para concluir, apresentamos agora um apanhado dos aspectos mais
relevantes que o famoso parágrafo da Poética terá para nosso trabalho: 1)
que a purificação ali apontada ocorre por meio da identificação com o
que está sendo representado no palco, 2) que a identificação é assim
pretendida pelo autor e pelos artistas em cena, 3) que a identificação é
lograda através da imitação de ações humanas – para Aristóteles, a
, mimesis, é a ferramenta do drama, diferenciando-se essa pelo
meio com que imita, pelo objeto imitado e pelo modo como é feita a
imitação, 4) que a identificação propicia uma forte descarga emocional
no espectador, 5) que, sob forte emoção, em identificando-se com a per-
sonagem da tragédia, o espectador dissolve momentaneamente sua sub-
jetividade68 na unidade maior que é a trama a que assiste, 6) que, nesse
estado, o espectador não forma juízo crítico acerca do que ocorre diante
de si; encontra-se preso de forte emoção – a dor que os atores encenam
ele imagina deveras senti-la, como em um processo histérico,69 7) que o

65 WOODRUFF apud COSTA LIMA, 31.


66 Cf. COSTA LIMA, 31-2.
67 COSTA LIMA, 32.
68 Entre os gregos, não podemos falar de subjetividade. O termo mais adequado
seria alma; contudo, nessa passagem, tratamos meramente de apontar os pontos re-
levantes da Poética de Aristóteles para nosso trabalho, recortando-os de seu contex-
to original e transferindo-o para nosso paradigma de trabalho, que é o da Teoria
Crítica e da Pós-modernidade.
69 Comparar p. 46-7: Freud – purificação.

44
alívio derradeiro, a purificação, ocorre ao final do drama, quando o es-
pectador recobra a noção de que assistiu meramente a um jogo de palco,
cujas conseqüências não poderão lhe atingir.

1.2 Freud – liberação


Em 1895, Sigmund Freud publica em Viena seus Estudos sobre
a histeria (Studien über Hysterie), um trabalho feito em parceria com
Joseph Breuer, naquela época já um médico proeminente da capital
austríaca. A obra inicia descrevendo o caso, que mais tarde alcançou
notoriedade, de Anna O. Seu verdadeiro nome era Bertha von
Pappenheim, e vinha sendo tratada por Breuer já há um ano e meio,
quando Freud ficou conhecendo o caso (em novembro de 1882), que
muito o impressionou.
Nos tratamentos, Breuer empregava a hipnose não para dar
sugestões terapêuticas diretas, mas para minimizar a resistência ou
vencer a apatia dos pacientes, possibilitando o aflorar de material da
região inconsciente da psique. Freud, que partiu do mesmo método
de Breuer, viu-se forçado a sustar o uso de quaisquer sugestões hip-
nóticas e passou a deixar seus pacientes falarem livremente, fazendo
associações de idéias, sem procurar direcionar o tema das entrevistas
para qualquer ponto de ênfase.70

70 “Logo que tentei praticá-la [a hipnose] com meus próprios pacientes, descobri
que pelo menos meus poderes estavam sujeitos a graves limitações e que, quando o
sonambulismo não era provocado num paciente nas três primeiras tentativas, eu não
tinha nenhum meio de induzí-lo. [...] Vi-me, por conseguinte, defrontado com a
opção de abandonar o método catártico na maioria dos casos que lhe seriam apropri-
ados ou aventurar-me à experiência de empregar o método sem o sonambulismo...”
BREUER, Josef e FREUD, Sigmund: Estudos sobre a histeria, 136-7.

45
Anna O. apresentava sintomas de articulação confusa da fala,
perda de consciência e profunda depressão. No momento seguinte às
crises, narrava, exaltada, suas alucinações. A doença tinha iniciado quan-
do, debilitada por intenso esgotamento físico, não tinha mais consegui-
do encontrar condições de seguir cuidando de seu pai, doente terminal.
Breuer, que acompanhava a paciente e vinha tratando-a com ses-
sões de hipnose, passou a presenciar como os sintomas iam gradualmen-
te sendo eliminados, de acordo com as lembranças ou visões que ela
narrava nas sessões. Um episódio clássico é a cura de sua dificuldade de
ingestão: para espanto do médico, o sintoma da paciente desapareceu
quando, um dia, Anna O. narrou, sob hipnose, a lembrança que teve de
um cão a beber de um copo. O episódio é descrito pelos cientistas:

Era verão, numa época de calor intenso, e a paciente


sofria de uma sede horrível, pois, sem que pudesse ex-
plicar a causa, viu-se de repente impossibilitada de be-
ber. Apanhava o copo de água desejado, mas, assim que
o tocava com os lábios, repelia-o como alguém que so-
fresse de hidrofobia. Ao fazê-lo, ficava obviamente numa
absence por alguns segundos. Para mitigar a sede que a
martirizava, vivia somente de frutas, como melões, etc.
quando isso já durava perto de seis semanas, um dia,
durante a hipnose, ela resmungou qualquer coisa a res-
peito de sua dama de companhia inglesa, de quem não
gostava, e começou então a descrever, com demonstra-
ções da maior repugnância, como fora certa vez ao quar-
to dessa senhora e como lá pudera ver o cãozinho dela
– criatura nojenta! – bebendo num copo. A paciente
não tinha dito nada, pois quisera ser gentil. Depois de
exteriorizar energicamente a cólera que havia contido,
pediu para beber alguma coisa, bebeu sem qualquer di-
ficuldade uma grande quantidade de água e despertou
da hipnose com o copo nos lábios.71

71 Ibidem, 69.

46
Anna O. chamava esse tratamento de talking cure, já que, du-
rante a enfermidade, também perdeu completamente a lembrança de
sua língua materna, o alemão, e comunicava-se apenas em inglês. Freud
considerava Anna O. a legítima descobridora do método psicanalítico,
e nunca se cansou de o afirmar. Foi Breuer, contudo, que usou o vocá-
bulo grego catarse para definir a descarga emocional que se dá e que
conduz ao desaparecimento dos sintomas neuróticos. Freud imortali-
zou esse caso, declarando, em sua publicação sobre histeria de 1895,
ser ele protótipo dos tratamentos catárticos, isto é, psicoterápicos.

O que o método catártico é capaz de realizar, mesmo


na histeria aguda, e como pode até mesmo restringir a
nova produção de sintomas patológicos, de uma for-
ma que tem importância prática, é revelado de ma-
neira bem clara pelo caso clínico de Anna O., em que
Breuer aprendeu originalmente a empregar tal méto-
do psicoterapêutico.72

Na Breve descrição da psicanálise (1924) ainda lemos:

O método catártico é o precursor imediato da psica-


nálise e, apesar de todo o avanço da experiência e to-
das as modificações da teoria, segue sendo parte inte-
gral de seu núcleo.73

A conclusão era que distúrbios psíquicos eram causados por


um trauma, que devia ser experimentado novamente pelo paciente,
a fim de purificá-lo.

72 Ibidem, 279.
73 “Die kathartische Methode ist der unmittelbare Vorläufer der Psychoanalyse und trotz
aller Erweiterungen der Erfahrung und aller Modifikazionen der Theorie immer noch als
Kern in ihr enthalten”. FREUD, Sigmund: Kurzer Abriss der Psychoanalyse, cit. em
Hysterie und Angst, 11.

47
No curso de nossa pesquisa sobre a etiologia dos sin-
tomas histéricos, deparamo-nos também com um mé-
todo terapêutico que nos pareceu de grande impor-
tância prática. Pois verificamos, a princípio para nossa
grande surpresa, que cada sintoma histérico individu-
al desaparecia, de forma imediata e permanente, quan-
do conseguíamos trazer à luz com clareza a lembrança
do fato que o havia provocado e despertar o afeto que
o acompanhava, e quando o paciente havia descrito
esse acontecimento com o maior número de detalhes
possível e traduzido o afeto em palavras.74

A teoria psicoterápica da catarse como método de cura foi se


desenvolvendo ao mesmo tempo em que Freud afastava-se do em-
prego do hipnotismo, socorrendo-se apenas da livre-associação das
idéias do paciente:

Vali-me da hipnose de outra maneira, independente


da sugestão hipnótica.75

A técnica aprimorou-se e desenvolveu-se entrelaçada com as


descobertas de Freud sobre a libido e a sexualidade infantil. Na obra
Vida sexual, Freud reafirma sua fé na eficácia do método:

Uma importante contribuição para o conhecimento


da pulsão sexual em pessoas que estejam pelo menos
próximas do normal consegue-se a partir de uma fon-
te à qual só se pode ter acesso por determinado cami-
nho. Existe apenas um meio de obter conclusões rele-
vantes e confiáveis acerca da vida sexual dos assim
chamados psiconeuróticos [...] , que é submetê-los ao
tratamento psicoanalítico, servindo-se da terapia cri-

74 BREUER, Josef e FREUD, Sigmund: Estudos sobre a histeria, 271.


75 Ibidem,15.

48
ada em 1893 por J. Breuer e por mim, e chamada en-
tão de terapia ‘catártica’.76

Há um claro paralelo entre o alívio dos espectadores do drama


ático, após as emoções de horror e piedade, e dos neuróticos tratados
por Freud, e esse paralelo pode ser explicado pelo que o cientista
chamou de “princípio da constância”, em sua tese exposta na obra
Além do princípio do prazer: o sistema nervoso controla a “soma de
excitação” presente na psique, procurando evitar um aumento de-
masiado dessa, o que comprometeria a saúde do indivíduo. Uma expe-
riência traumática de proporções exageradas acaba produzindo um
volume de excitação muito grande para ser tratado normalmente, e,
assim, é recalcada e conduzida ao subconsciente, de onde, porém,
passa a emitir sinais que são os sintomas histéricos. A cura é obtida
pela recuperação da lembrança da experiência original:

Se a experiência original, juntamente com seu afeto,


puder ser introduzida na consciência, o afeto é por si
mesmo descarregado, ou “ab-reagido”, a força que até
então manteve o sistema deixa de atuar, e o próprio
sintoma desaparece.77

Essa recuperação, esse retorno do reprimido [Wiederkehr des


Verdrängten] é a chave para se compreender a teoria freudiana da
arte. Marcuse reconheceu nesse movimento a face visível da arte,

76 “Einen wichtigen Beitrag zur Kenntnis des Sexualtriebes bei Personen, die den Normalen
mindestens nahestehen, gewinnt man aus einer Quelle, die nur auf einen bestimmten Wege
zugänglich ist. Es gibt nur ein Mittel, über das Geschlechtsleben der sogennanten
Psychoneurotiker […] gründliche und nicht irreleitende Aufschlüsse zu erhalten, nämlich
wenn man sie der psychoanalytischen Erforschung unterwirft, deren sich das von J. Breuer
und mir 1893 eingesetzte, damals ‘kathartische’ genannte Heilverfahren bedient.” FREUD,
Sigmund: Sexualleben, 72.
77 BREUER, Josef e FREUD, Sigmund: Estudos sobre a histeria, p 22.

49
quando afirmou que “a arte é, talvez, a forma mais visível do retorno
do reprimido”.78 A concepção freudiana da kátharsis, enquanto re-
torno do reprimido, pode ser, como observa Marquard, de natureza
boa ou ruim, dependendo do que foi reprimido e esteja então sendo
trazido de volta. Referindo-nos à exposição de Marquard em seu tex-
to sobre a teoria freudiana do inconsciente, concordamos que tam-
bém a arte - já que ela é o aflorar do que estava sufocado e reprimido
- pode se apresentar dessas duas formas: ela é previsão [Vorschein] de
felicidade, como exposto em O princípio esperança [Das Prinzip
Hoffnung] de Bloch, ou amortecimento da barbárie. Quando Adorno
escreve na Minima moralia que “cada obra de arte é um crime enco-
mendado”79 está se referindo ao caráter associal da arte, à sua resis-
tência à assimilação no tecido da sociedade e ao ‘crime’ que comete,
ao jogar ao rosto dessa sociedade suas próprias contradições. Ela an-
tecipa a felicidade ou domestica agressões.80 Para Freud, a arte pode
ser expressão de protesto contra o mal estar na civilização ou “aquela
suave narcose, na qual a arte nos mergulha, a fim de que suportemos
uma vida insuportável”.81
O retorno do reprimido, com a kátharsis subseqüente, portan-
to, pode ser tanto de sintomas patológicos quanto de sonhos, êxta-
ses, atos falhos ou intuições criativas. Esse quadro faz com que a arte,
para Freud, torne-se um fenômeno intercambiável. Nesse momento,
aponta Marquard, a arte dissolve suas fronteiras, deixando nelas pe-

78 “Art is perhaps the most visible return of the repressed.” MARCUSE, A Philosophical
Inquiry to Freud, cit. em MARQUARD, 390.
79 “Jedes Kunstwerk ist eine abgedungene Untat.” [Band 4: Minima Moralia. Reflexionen
aus dem beschädigten Leben: Zweite Lese. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W.
Adorno: Gesammelte Schriften, S. 1857 (vgl. GS 4, S. 125)]
80 MARQUARD, 390.
81 “... jene milde Narkose, in die uns die Kunst versetzt [FREUD, Das Unbehagen in der
Kultur, 439 apud MARQUARD] um unerträgliches zu ertragen.” Ibidem, 391.

50
netrar o mundo, sendo que a convertibilidade do artístico e do não-
artístico faz com que não exista nada mais que não possa ser arte. E
aqui Freud, de maneira ainda mais radical que, antes dele, Hegel,
decreta a inutilidade de tentar-se ancorar a arte ao ideal do belo,
assumindo de forma decidida a arte moderna como expressão do in-
consciente.82
Freud não limitou o método catártico psicoterapêutico a seus
pacientes, isto é, a pessoas de carne e osso. Nos Sonhos e delírios na
Gradiva de Jensen, obra da maturidade, o cientista adverte que vai se
debruçar sobre neuroses, interpretações e sonhos que nunca foram
sonhados, sintomas que nunca foram sentidos por pessoas vivas, e
sim pela personagem de um livro. Na Gradiva, do escritor Wilhelm
Jensen, Freud vai descobrir o que ele considerou ser um modelo per-
feito de uma cura, através da interpretação dos sonhos que a própria
personagem, o arqueólogo Norbert Hanold, efetua, recuperando-se
de seu desinteresse pela vida e do olvido de um amor de infância.83
Finalizando, a purificação terapêutica promovida por Freud e
Breuer apresenta, com a kátharsis de Aristóteles, uma dialética de
pontos de intersecção e de diferença: 1) a cura dá-se não pela identi-
ficação, mas pela lembrança de episódio ou sentimento verdadeira-
mente experimentado e recalcado pelo paciente, 2) a cura é almeja-
da, mas o paciente teme que a recordação possa ser dolorosa, e resis-
te inconscientemente a associar idéias que a ela conduzam, 3) a as-
sociação livre de idéias é a ferramenta pela qual médico e paciente
vão se aproximar do episódio que deve ser recordado, 4) a lembrança
pode se apresentar, em especial nos sonhos, de forma distorcida, ci-
frada, e nem sempre imediatamente reconhecida pelo paciente, 5) o
processo todo de recuperação do episódio recalcado é da

82 Cf. MARQUARD, 390-1.


83 Ver FREUD: Delírios e sonhos na Gradiva de Jensen.

51
personalíssima esfera pessoal do paciente, não sendo seu drama ínti-
mo capaz de suscitar sentimento ou cura – purificação – semelhante
em outros indivíduos, 6) o alívio propiciado pela catarse liberta o
paciente de distúrbios psíquicos de forma duradoura, não tendo sen-
tido a repetição do processo para uma maior eficácia.

1.3 Adorno – conscientização


Detenhamo-nos agora no emprego que Adorno faz em sua obra
dos conceitos de catarse e catártico, e procedamos a uma análise
pontual dessas menções, para delas melhor extrairmos o significado
que o autor propõe. O filósofo frankfurtiano realiza uma inversão do
sentido mais corrente do vocábulo: em lugar de purificar as emoções,
ou por meio das emoções, em Adorno o que vai ser submetido à lim-
peza é tudo que esteja obstruindo a consciência do sujeito, a ignorân-
cia, o não-saber, a alienação. De uma kátharsis puramente emocio-
nal, vinculada a uma arte que busca cooptar o âmbito afetivo do
sujeito, ele quer distância. Para conduzir à consciência de si e da teia
social e política que o envolve, o espectador deve manter-se distan-
ciado, acionando o processo de associação de idéias para melhor re-
conhecer e julgar o que vê-ouve-sente diante de si.
Em 1931, Adorno defende em Frankfurt sua tese de habilita-
ção, Kirkegaard, a construção do estético,84 orientado por Paul Tillich,

84 Carta a Alban Berg de 16 de janeiro de 1931: “O livro [a tese], cujo título exato
é A construção do estético na filosofia de Kirkegaard, é, dessa vez, totalmente indepen-
dente de sua função oficial, sendo meu propósito puramente filosófico, e acredito,
apesar de servir como tese de habilitação, que presta para algo, e que é nova e origi-
nal. [...] Talvez goste de saber que, contra ela, são empregados os mesmos argumen-
tos a que estamos tão acostumados, na música: que é intelectual demais, incompre-
ensível, louca, que falta coesão...” [“Das Buch, dessen genauer Titel lautet ‘Konstruktion

52
de quem já era assistente de fato. Neste trabalho, Adorno anuncia
o que vai se cristalizar como cerne de suas convicções de filosofia
da arte: que ela não é feita para conciliar; é próprio da música nova
só trazer à tona sua mensagem (a “verdadeira mensagem na garra-
fa”,85 de que fala no final da 1a. parte da PhnM), quando bate fron-
talmente com sua antítese; na oposição dialética reconhecer-se-á
seu conteúdo de verdade. Adorno cita Arnold Schönberg, do pre-
fácio das Sátiras para coro: “O caminho do meio é o único que não
leva a Roma.”:86

O declínio que o Idealismo preparou para si mesmo


pode até tê-lo libertado da aparência <Schein> da
autonomia – conciliação enquanto kátharsis não é
concedida àquele que está em completa decadên-
cia.87

des Ästhetischen in Kirkegaards Philosophie’, ist diesmal von der offiziellen Funktion ganz
unabhängig und rein eine philosophische Sache meiner Intention und ich glaube, dab sie
wirklich, trotzdem sie als Habilitationsschrift dienen mub, etwas taugt und etwas Neues
und Originales ist. [...] Vielleicht macht es Ihnen Spab zu hören, dab dagegen ungefähr
dieselben Argumente gemacht werden, an die wir von der Musik her so gut gewöhnt sind:
Überintellektualität, Unverständlichkeit, Verrücktheit, Zerzetzung...” ADORNO-BERG:
Briefwechsel, 250-1.
85 “A nova música [...] repercute sem ser escutada, sem eco. [...] Ela é a verdadeira
mensagem na garrafa.” [“... die neue Musik [...] verhallt ungehört, ohne Echo. [...] Sie ist
die wahre Flaschenpost.”] PhnM, 126.
86 “Denn einzig in den Extremen findet das Wesen dieser Musik sich ausgeprägt; sie allein
gessatten die Erkenntnis ihres Wahrheitsgehalts. »Der Mittelweg«, heißt es im Vorwort
Schönbergs zu den Chorsatiren, »ist der einzige, der nicht nach Rom führt.«” Band 12:
Philosophie der neuen Musik: Einleitung. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W.
Adorno: Gesammelte Schriften, S. 9992.
87 “Der Untergang, den der Idealismus sich selber bereitet, vermag darum zwar vom Schein der
Autonomie ihn zu befreien - Versöhnung als Katharsis ist dem vollkommen untergehenden nicht
gewährt.” Band 2: Kierkegaard. Konstruktion des Ästhetischen: VI. Vernunft und Opfer. Digitale
Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 893.

53
Na Dialética do Esclarecimento, temos uma crítica feroz a todo en-
tretenimento enquanto estratégia planejada por uma indústria que, pe-
netrando nos veios mais recônditos da sociedade e dos sentimentos do
indivíduo, está em curso de roubar as emoções humanas aos que por
direito lhes pertencem. Aqui aflora o Adorno microssociólogo da Minima
moralia, que quer resistir ao empobrecimento dos contatos entre as pes-
soas. As emoções veiculadas por uma arte que enfoca encenações banais
do quotidiano seriam parte de uma política que, através da liberação
homeopática de libido, quer, no fim das contas, é “controlar com mais
segurança” as massas, quer seja, servir de válvula de escape para abortar
eventuais desejos individuais de enxergar por trás dos mecanismos que
movem as coisas. É nesse cenário orwelliano que Adorno identifica e
estigmatiza um renascimento da Poética: para ele, o sistema que aí está
acaba por revelar a verdadeira face regressiva da kátharsis de Aristóteles:

[O entretenimento] é apresentado pela Indústria Cul-


tural como uma mentira descarada. Ela é vivenciada
meramente como analgésico, que se desfruta em best-
sellers religiosos, em filmes de enredo psicológico e em
women serials (séries televisivas para a família) enquan-
to ingrediente agridoce para, na vida, controlar com
mais segurança as próprias emoções humanas. Neste
sentido, a purificação dos afetos provoca diversão, a qual
Aristóteles atribui à tragédia e Mortimer Adler ao ci-
nema. Da mesma forma como no referente ao estilo, a
Indústria Cultural revela a verdade sobre a kátharsis.88

88 “… der Kulturindustrie wird sie zur offenen Lüge hergerichtet. Sie wird nur noch als
Salbaderei erfahren, die man sich in religiösen bestsellers, in psychologischen Filmen und
women serials als peinlich-wohlige Zutat gefallen läßt, um im Leben die eigene menschliche
Regung desto sicherer beherrschen zu können. In diesem Sinn leistet Amusement die Reinigung
des Affekts, die Aristoteles schon der Tragödie und Mortimer Adler wirklich dem Film
zuschreibt. Wie über den Stil enthüllt die Kulturindustrie die Wahrheit über die Katharsis.”
[Band 3: Dialektik der Aufklärung: Kulturindustrie. Aufklärung als Massenbetrug. Digitale
Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 1358]

54
A seguinte passagem da Minima moralia faz eco à citação anteri-
or: Adorno coloca em dúvida a purificação dos sentimentos descrita por
Aristóteles, mas rejeita com veemência ainda maior que a arte degenere
em prazeroso entretenimento. Recordemos que a epígrafe inicial da sua
Filosofia da nova música é a igualmente vigorosa recusa de Hegel, em sua
Estética, de aceitar a arte como entretenimento.89 Quando se refere ao
“prazer masoquista de não ser mais nenhum Ego”, encontramos um Ador-
no cujas reflexões moral-psicológicas foram por muito tempo subestima-
das.90 Nessa passagem, aludindo a um processo de dissolução da subjeti-
vidade, podemos constatar sua previsão do processo que só viria a se
instaurar com mais vigor em plena Pós-modernidade dos anos 90:

Ao mesmo tempo ela [a subjetividade] é absorvida,


na condição de mal geral, pelo mecanismo da identifi-
cação imediata do individual com a instância social,
mecanismo este que há muito já tomou conta dos com-
portamentos supostamente normais. Em lugar daque-
la kátharsis, cuja eficácia é, de qualquer modo, ques-
tionável, surge o prazeroso (em sua própria fraqueza
também um exemplar da maioria) e, com isto, não
apenas, como dantes os pacientes internos dos sana-
tórios, para ganhar o prestígio de ser caso patológico
interessante, porém muito mais, justamente graças ao
seu desvio, identificando sua pertença para transferir
para si o poder e a grandeza do coletivo. O narcisismo
que, com a decadência do Ego teve retirado seu obje-
to libidinoso, é substituído pelo prazer masoquista de
não ser mais nenhum eu [...]91

89 Ver nota 35.


90 Ver HONNETH, Axel: Kapriolen der Wirkunsgeschichte – Tendenzen einer
Reaktualisierung Adornos, in Forschung Frankfurt. Frankfurt am Main Johann
Wolfgang Goethe Universität, 3-4.2003.
91 “...Zugleich werden sie, als ein allgemeines Übel, von dem Mechanismus der unmittelbaren
Identifikation des Einzelnen mit der gesellschaftlichen Instanz absorbiert, der die angeblich

55
Na Teoria estética, Adorno propõe que a arte deve tanto mais
espiritualizar-se quanto mais acolher em si um não-idêntico, não-
idêntico aqui compreendido como algo oposto ao espírito.92

A espiritualidade estética sempre se deu melhor com


o ‘fauve’, com o selvagem, do que com o culturalmen-
te ocupado. A obra de arte em si, enquanto espiritua-
lizada, torna-se o que dantes se lhe atribuía como in-
gerência sobre outro espírito, torna-se kátharsis, su-
blimação da natureza. O sublime, que Kant atribuía
tão somente à natureza, tornou-se, depois dele, um
constituinte histórico da própria arte.93

Para Adorno, a “satisfação substituta” provocada pela aparên-


cia age de par com a dominação, isto é, enquanto estiver sedado por

normalen Verhaltensweisen längst ergriffen hat. Anstelle jener Katharsis, deren Gelingen
ohnehin in Frage steht, tritt der Lustgewinn, in der eigenen Schwäche auch ein Exemplar
der Majorität zu sein und damit nicht sowohl, wie ehedem die Sanatoriumsinsassen, das
Prestige des interessanten pathologischen Falls zu gewinnen, als vielmehr gerade vermöge
jener Defekte sich als dazugehörig auszuweisen und Macht und Größe des Kollektivs auf
sich zu übertragen. Der Narzißmus, dem mit dem Zerfall des Ichs sein libidinöses Objekt
entzogen ist, wird ersetzt durch das masochistische Vergnügen, kein Ich mehr zu sein…”
[Band 4: Minima Moralia. Reflexionen aus dem beschädigten Leben: Immer davon reden,
nie daran denken.” Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte
Schriften, S. 1760]
92 “Es vergeistigt als Natur die Kunst. Ihr Geist ist Selbstbesinnung auf sein eigenes
Naturhaftes. Je mehr Kunst ein Nichtidentisches, unmittelbar dem Geist Entgegengesetztes
in sich hineinnimmt, desto mehr muß sie sich vergeistigen.” [Band 7: Ästhetische Theorie:
Ästhetische Theorie. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte
Schriften, S. 4202]
93 “Ästhetische Spiritualität hat von je mit dem ‘fauve’, dem Wilden besser sich vertragen
als mit dem kulturell Okkupierten. Als Vergeistigtes wird das Kunstwerk an sich, was man
ihm sonst als Wirkung auf anderen Geist, als Katharsis zusprach, Sublimierung von Natur.
Das Erhabene, das Kant der Natur vorbehielt, wurde nach ihm zum geschichtlichen
Konstituens von Kunst selber.” [Band 7: Ästhetische Theorie: Ästhetische Theorie. Digitale
Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 4203]

56
essa kátharsis regressiva, o sujeito ver-se-á impedido de tomar consci-
ência do mundo e de seu lugar nele. No seguinte trecho da Teoria
estética, lemos como a sublimação, através da prática da liberação
dosada dos afetos, teria a função de sufocar um afeto mais profundo
e urgente do homem, que é o de fundar sua subjetividade na consci-
ência da incompletude em que se encontra devido à insatisfação de
seus instintos, quadro esse que começou a instaurar-se, como Ador-
no e Horkheimer descrevem no episódio de Ulisses e as sereias da
Dialética do Esclarecimento, já na aurora mítica da humanidade:

A purificação dos afetos na Poética de Aristóteles não


se declara mais tão abertamente a favor dos interesses
da dominação, porém conserva-os ainda, à medida que
seu ideal de sublimação encarrega a arte de, em vez
de satisfazer fisicamente os instintos e as necessidades
do público em questão, instaurar a aparência <Sche-
in> estética enquanto satisfação substituta: a káthar-
sis é uma ação purificadora contra os afetos, concorde
com a repressão. A kátharsis aristotélica tornou-se
arcaica enquanto peça de mitologia da arte, inade-
quada aos verdadeiros efeitos. Daí terem as obras de
arte, por meio de espiritualização, realizado em si mes-
mas aquilo que os gregos projetavam como seu efeito
exterior: elas são, no processo entre a lei da forma e
seu material, sua própria kátharsis.94

94 “Die Reinigung der Affekte in der Aristotelischen Poetik bekennt sich zwar nicht mehr so
unverhohlen zu Herrschaftsinteressen, wahrt sie aber doch, indem sein Ideal von Sublimierung
Kunst damit beauftragt, anstelle der leibhaften Befriedigung von Instinkten und Bedürfnissen
des visierten Publikums den ästhetischen Schein als Ersatzbefriedigung zu instaurieren: Katharsis
ist eine Reinigungsaktion gegen die Affekte, einverstanden mit Unterdrückung. Überaltert ist
die Aristotelische Katharsis als ein Stück Kunstmythologie, den tatsächlichen Wirkungen
inadäquat. Dafür haben die Kunstwerke in sich durch Vergeistigung vollbracht, was die Griechen
auf ihre auswendige Wirkung projizierten: sie sind, im Prozeß zwischen Formgesetz und
Stoffgehalt, ihre eigene Katharsis.” [Band 7: Ästhetische Theorie: Ästhetische Theorie. Digitale
Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 4306]

57
A Dialética do Esclarecimento identifica o início do processo
iluminista não no movimento histórico que se deu a partir do século
XVIII, mas no primeiro impulso do homem de se valer de associações e
de linguagem como ferramenta para fundar sua subjetividade, remon-
tando assim a um passado remotíssimo da humanidade e sendo, por-
tanto, tão intrínseco a ele quanto sua conseqüência mais funesta, que
é a realização desse processo à custa de tudo o que seja exterior ao
sujeito, resultando daí a dominação da natureza e do próprio homem
pelo homem. De forma semelhante, Adorno identifica a kátharsis de
Aristóteles como um proto-elemento psicológico da Indústria Cultu-
ral; para ele, na verdade, uma construção teórica do filósofo grego,
cujo “efeito salutar” não perde ocasião de colocar em dúvida. Pior:
suspeita que a purificação apontada na Poética possa ter tido apenas
um efeito superficial e de recalque de afetos mais fundamentais:

A doutrina da kátharsis imputa já à arte, na verdade, o


princípio que, finalmente, a Indústria Cultural toma sob
a sua tutela e administra. O index de tal inverdade é a
justificável dúvida acerca de se o efeito salutar de Aris-
tóteles alguma vez realmente ocorreu; a substituição
deve ter desde sempre chocado instintos reprimidos.95

Na Teoria estética, lemos da dificuldade em traçar uma linha de


separação entre a arte e o kitsch, este espreitando sempre para emer-
gir em meio às próprias obras. Adorno tem dúvida de que o kitsch
possa ser reduzido a um mero re-arranjo de elementos do objeto ar-
tístico com ênfases e proporções barrocas, ele seria quase parte cons-

95 “Die Lehre von der Katharsis imputiert eigentlich der Kunst schon das Prinzip, welches
am Ende die Kulturindustrie in die Gewalt nimmt und verwaltet. Index solcher Unwahrheit
ist der begründete Zweifel daran, ob die segensreiche Aristotelische Wirkung je stattfand;
Ersatz dürfte eh und je verdrückte Instinkte ausgebrütet haben.” [Band 7: Ästhetische
Theorie: Ästhetische Theorie. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno:
Gesammelte Schriften, S. 4306]

58
tituinte da arte, o negativo oculto mas sempre presente, sem o qual a
criação artística não consegue se afirmar:

O kitsch parodia a kátharsis. Porém, essa mesma fic-


ção produz também uma arte exigente, e sempre foi-
lhe parte essencial: a documentação de sentimentos
realmente existentes, o ‘dar de si’ da matéria prima
psíquica é-lhe estranha. É inútil tentar traçar abstra-
tamente os limites entre a ficção estética e a pilhagem
sentimental do kitsch.96

A cultura, para o filósofo frankfurtiano, contribuiu muito pou-


co para investir o homem da não-identidade prometida e devida.
Isto deve-se principalmente ao fundamento sobre o qual essa se cons-
truiu, e que foi denunciado, juntamente com Horkheimer, na Dialética
do Esclarecimento: um modelo de racionalidade que rapidamente se
instrumentalizou, encetando um processo de exclusão da natureza e
de todos os outros homens. A civilização tem consciência de que
carrega essa culpa, por isso gosta de apontar a kátharsis na arte como
uma retribuição ao homem pelas muitas privações que lhe impinge,
ou seja, o suposto efeito catártico é cultuado também pela arte, que
lhe coloca em destaque e lhe apregoa uma eficácia de panacéia:

O modelo do esteticamente vulgar é a criança que, na


publicidade, entrefecha os olhos quando saboreia o pe-
daço de chocolate, como se tal fosse pecado. No vul-
gar, o recalcado retorna com as marcas do recalque;

96 “Kitsch parodiert die Katharsis. Dieselbe Fiktion aber macht auch Kunst von Anspruch,
und je war ihr wesentlich: Dokumentation real vorhandener Gefühle, das Wieder-von-
sich-Geben psychischen Rohstoffs ist ihr fremd. Vergebens, abstrakt die Grenzen ziehen zu
wollen zwischen ästhetischer Fiktion und dem Gefühlsplunder des Kitsches.” [Band 7:
Ästhetische Theorie: Ästhetische Theorie. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W.
Adorno: Gesammelte Schriften, S. 4308]

59
expressão subjetiva do fracasso justamente daquela
sublimação que a arte apregoa zelosamente como ká-
tharsis e que a si atribui como mérito porque sente
quão pouco – igual a toda a cultura – até hoje conse-
guiu. Em tempo de administração total, a cultura já
não precisa rebaixar os bárbaros que criou; basta-lhe
que, através de seus rituais, fortaleça a barbárie, sub-
jetivamente sedimentada desde tempos imemoriais.97

As duas citações a seguir dizem respeito a um tema que exami-


naremos mais adiante: as diferenças entre o marxismo de Theodor
Adorno e o de outros colegas seus, artistas, em especial a relação
com Bertold Brecht e Hans Eisler.98 Consideremos, por ora, os se-
guintes parágrafos, extraídos da Crítica cultural e sociedade e das No-

97 “Modell des ästhetisch Vulgären ist das Kind, das auf der Reklame das Auge halb zukneift,
wenn es das Stück Schokolade sich schmecken läßt, als wäre das Sünde. Im Vulgären kehrt
das Verdrängte mit den Malen der Verdrängung wieder; subjektiv Ausdruck des Mißlingens
eben jener Sublimierung, welche die Kunst als Katharsis so übereifrig preist und sich als Verdienst
zuschreibt, weil sie spürt, wie wenig sie bis heute - gleich aller Kultur - glückte. Im Zeitalter
totaler Verwaltung braucht Kultur gar nicht mehr primär die von ihr geschaffenen Barbaren
zu erniedrigen; es genügt, daß sie die Barbarei, die seit Äonen subjektiv sich sedimentierte,
durch ihre Rituale bekräftigt.” [Band 7: Ästhetische Theorie: Ästhetische Theorie. Digitale
Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 4309]
98 Brecht apostrofou todo o grupo de filósofos da escola de Frankfurt de
“frankfurturistas”, por não quererem se envolver ativamente na luta de classes (apenas
contemplando e analizando a Alemanha da época de longe, isto é, como “turistas”), e
Eisler, depois de ler o “Zur gesellschaftlichen Lage der Musik”, escreveu: “Também um
senhor Wiesengrud-Adorno, que [...] se esforça em aplicar ‘métodos marxistas’ mas
fica na pura interpretação da realidade, sem nem fazer a tentativa de pesquisar as
forças que a poderiam [à realidade] modificar. É um caso singular de confusão de ma-
terialismo dialético com misticismo dialético!” (Auch ein Herr Wiesengrund-Adorno, der
… sich bemüht, ‘marxistische Methoden’ anzuwenden, bleibt bei der reinen Interpretation der
Wirklichkeit stehen, ohne auch nur den Versuch zu machen, die Kräfte, die sie ändern könnten,
zu erforschen. Es ist ein eigentümlicher Fall der Verwechslung des dialektischen Materialismus
mit dem dialektischen Mystizismus!” EISLER, apud MAIER, p. 139) Ver ALBERTI DA
ROSA: A gênese do progresso – influências estéticas na Filosofia da Nova Música de Theodor
W. Adorno. Caxias do Sul: EDUCS, 2003.

60
tas sobre literatura, onde o frankfurtiano acusa Brecht, em sua peça
“Círculo de giz caucasiano”, de ter abandonado o distanciamento
[Verfremdung] de suas fases anteriores e ter-se rendido à tentação de
querer envolver o espectador com emoções, ao invés de desvelar-lhe
as reais motivações das personagens. Mesmo um autor como
Baudelaire, comenta Adorno, isto é, mesmo alguém que acredita que
a arte não tem destino de verdade e de esclarecimento das condições
sociais, não se entregaria tão completamente, como Brecht aqui o
teria feito, ao emprego de uma simulação catártica em sua obra:

O Brecht tardio não estava tão distanciado assim do hu-


manismo oficial; um ocidental jornalístico poderia mui-
to bem elogiar o ‘Círculo de giz caucasiano’ enquanto apo-
logia da maternidade, e quem não se emocionaria quan-
do a magnífica criada é apresentada como exemplo à
madame atormentada pela enxaqueca. Baudelaire, que
dedicou sua obra a isso, que cunhou a expressão l’art pour
l’art, seria menos apropriado a uma tal kátharsis.99

A solidariedade política é substituída pela crença em


uma panacéia. A adequação à realidade de uma tal
kátharsis comprovou-se tanto na guerrilha da concor-
rência quanto nos sistemas uni partidaristas.100

99 “Der späte Brecht war von offizieller Humanität gar nicht so entfernt; den ‘Kaukasischen
Kreidekreis’ könnte ein journalistischer Abendländer recht wohl als Hohelied der
Mütterlichkeit preisen, und wem ginge nicht das Herz auf, wenn die prächtige Magd der
von Migräne geplagten Dame als Exempel vorgehalten wird. Baudelaire, der sein Werk dem
widmete, der die Formel l’art pour l’art prägte, wäre zu solcher Katharsis weniger geeignet.”
[Band 11: Noten zur Literatur: Engagement. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W.
Adorno: Gesammelte Schriften, S. 9492]
100 “Politische Solidarität wird vom Glauben an die Panazee ersetzt. Die
Realitätsgerechtigkeit solcher Katharsis bewährte sich im Guerillakrieg der Konkurrenz ebenso
wie im Einparteiensystem.” [Band 10: Kulturkritik und Gesellschaft I/II: George und
Hofmannsthal. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte
Schriften, S. 7780 (vgl. GS 10.1, S. 0)]

61
Conteúdo de verdade – como exposto na introdução – é um
termo dos mais centrais na estética adorniana.101 Ele constitui o ma-
terial processado pela forma para a feitura do objeto de arte, tal ocor-
rendo através de sua natureza de ser história sedimentada. Adorno
adapta para isso a teoria da produção marxista ao campo da estética,
defendendo que a produção é feita a partir de uma matéria bruta, na
qual, porém, encontra-se sedimentada a história e a situação imedi-
ata da sociedade. Nesse processo, a criação artística é interpretada
como sendo o primeiro estágio, a produção de um bem, um estágio
ainda individual em sua realização.102 A execução da verdadeira obra
de arte, portanto, desdobraria a verdade ali implicada, trazendo à tona
seu momento histórico e condição social de realização e contribuin-
do, dessa forma, para a conscientização do fruidor do objeto artístico.
O emprego de material a-histórico (isto significa para Adorno: não
mais atual, ultrapassado) resultaria em uma obra que não teria con-

101 Adorno abre seu Kirkegaard: a construção do estético, com um parágrafo que se
tornará paradigmático para toda sua obra, onde trata da filosofia enquanto estética –
e, mais tarde, vice-versa, do estético enquanto filosofia – anunciando que o conteú-
do de verdade haverá de ser buscado e preservado tanto na filosofia como na arte:
“Onde quer que se tenha pretendido apreender as obras de filósofos como sendo
poesia, perdeu-se seu conteúdo de verdade. A lei filosófica da forma exige a interpre-
tação do verdadeiro no estrito âmbito dos conceitos. Nem a expressão da subjetivi-
dade do pensador nem a pura coerência do criado em si mesmo decidem acerca de
seu caráter enquanto filosofia, mas apenas se algo de verdadeiro ingressou nos con-
ceitos, neles se apresenta e embasa-os racionalmente.” (“Wann immer man die Schriften
von Philosophen als Dichtungen zu begreifen trachtete, hat man ihren Wahrheitsgehalt
verfehlt. Das Formgesetz der Philosophie fordert die Interpretation des Wirklichen im
stimmigen Zusammenhang der Begriffe. Weder die Kundgabe der Subjektivität des Denkenden
noch die pure Geschlossenheit des Gebildes in sich selber entscheiden über dessen Charakter
als Philosophie, sondern erst: ob Wirkliches in die Begriffe einging, in ihnen sich ausweist
und sie einsichtig begründet.”) [Band 2: Kierkegaard. Konstruktion des Ästhetischen: I.
Exposition des Ästhetischen. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno:
Gesammelte Schriften, S. 653 (vgl. GS 2, S. 9)]
102 Ver ALBERTI DA ROSA: A gênese do progresso.

62
dições de responder aos questionamentos que a sociedade lhe faz
naquele momento, perdendo assim seu conteúdo de verdade. As
quatro citações seguintes são extraídas do capítulo Expressionismo e
verdade artística, das Notas sobre literatura:

Se arte significa, afinal, a dissolução do Ego em uma


unidade superior, tendo de, enquanto kátharsis, abran-
ger toda a profundidade do Ego, então ela cobra direi-
to de validade recém ao ser verdadeira. Não é que um
estado de coisas, um fato, uma alma reflita a veracida-
de de seu ambiente, e sim que em seu campo de visão
inclui apenas o que for adequado ao substrato da ex-
periência, sobre o qual a arte se ergue.103

A veracidade da experiência do Ego é necessária, para


conduzir a obra do caos da alma à pureza de uma von-
tade diferenciada. A kátharsis exige veracidade da ex-
periência de mundo. Pois a poesia só é capaz de trans-
portar o Ego à legitimidade supra temporal da huma-
nidade se essa desenvolve a imagem dessa humanida-
de [...] segundo sua adequação típica conjunta.104

103 “Bedeutet Kunst schließlich das Auflösen des Ich in eine höhere Einheit, muß sie als
Katharsis die ganze Tiefe des Ich umfassen, so hat sie dann erst Geltungsrecht, wenn sie
wahrhaftig ist. Nicht etwa: einen Zustand, einen Vorgang, eine Seele spiegelt aus der
Wirklichkeit von deren Umwelt, sondern: in ihr Blickfeld nur das einbezieht, was adäquat
ist dem Erlebnisuntergrund, über dem die Kunst aufwächst.” [Band 11: Noten zur Literatur:
Expressionismus und künstlerische Wahrhaftigkeit. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor
W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 9809 (vgl. GS 11, S. 609)]
104 “Die Wahrhaftigkeit des Icherlebnisses ist notwendig, das Werk aus dem Chaos der
Seele zur Reinheit eines gesonderten Willens emporzuzwingen. Die Katharsis erfordert
Wahrhaftigkeit des Welterlebnisses. Dann nur vermag die Dichtung das Ich in die überzeitliche
Gesetzlichkeit der Menschheit überzuführen, wenn sie das Bild dieser Menschheit - bedeute
sie nun noch Feind oder schon Ziel - nach ihrer typischen gemeinsamen Eignung entrollt.”
[Band 11: Noten zur Literatur: Expressionismus und künstlerische Wahrhaftigkeit. Digitale
Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 9809 (vgl. GS
11, S. 609-610)]

63
Apenas uma humanidade verdadeira, brotando de uma
experiência típica, pode ser um objetivo. Sendo a ve-
racidade individual um mandamento em toda forma
de vida, o pensamento da kátharsis determina o man-
damento artístico típico e específico.105

Tendo a arte pré-expressionista perdido sua veracida-


de individual (e, com ela, contudo, também sua vera-
cidade típica, na medida em que não mais abrangeu a
criação da humanidade, crendo ter superado a káthar-
sis!), agora o expressionismo está também em perigo
de perder sua veracidade típica.106

O compositor russo Igor Strawinski serviu de parâmetro a Ador-


no, em sua Filosofia da nova música, para explicitar dialeticamente a
oposição de reação e progresso, ocupando o outro pólo o austríaco
Arnold Schönberg. Essa dualidade, a que retornaremos no capítulo 2
deste livro, foi apresentada por Adorno naquela obra, como pano de
fundo para a questão do material e seu processamento na composi-
ção musical. Adorno ressalta criticamente em Strawinski, entre ou-
tros, o uso que considerou exagerado de figuras rítmicas de ostinati –
a repetição por longos trechos de uma fórmula rítmica e/ou harmôni-
ca –, o que resultou na evocação, mormente na Sagração da Primave-

105 “Nur eine wahre, aus dem typischen Erlebnis hervorquellende Menschheit vermag Ziel
zu sein. Ist die individuale Wahrhaftigkeit Gebot in jeder Lebensform, so prägt der Gedanke
der Katharsis die typische zum spezifisch künstlerischen Gebot.” [Band 11: Noten zur
Literatur: Expressionismus und künstlerische Wahrhaftigkeit. Digitale Bibliothek Band
97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 9809 (vgl. GS 11, S. 610)]
106 “War der vorexpressionistischen Kunst die individuale (und damit freilich auch die
typische, insofern nämlich sie die Menschheitsschöpfung gar nicht mehr einbezog, die Katharsis
überwunden glaubte!) Wahrhaftigkeit verloren gegangen, so droht der Expressionismus die
typische zu verlieren.” [Band 11: Noten zur Literatur: Expressionismus und künstlerische
Wahrhaftigkeit. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte
Schriften, S. 9810 (vgl. GS 11, S. 610)]

64
ra, de uma ambiência bárbara e primitiva (a Sagração leva o subtítulo
de Quadros da Rússia pagã). Nos Escritos musicais II
(Vergegenwärtigungen), lemos:

Strawinski [...] foi o primeiro músico a ousar o que na


literatura só aflorou mais tarde, um gesto sádico que,
antes dele, só racionalizado em forma de chocar de
espadas e de vagas do triunfo tinha se tornado som, e
por isso um som malévolo. A liberação daquela cama-
da através do lúdico e da imaginação tem um duplo
sentido. Ela combina com a ressurreição da rudeza fí-
sica e é, ao mesmo tempo, sua kátharsis na imagem
estética.107

É no elogio à ópera Lulu, a obra-prima de Alban Berg, seu pro-


fessor de composição, que Adorno explicita qual é a kátharsis que
espera que a arte conceda: a da consciência ampliada pelo “olhar nos
olhos”, a de uma consciência que possibilite ao indivíduo oprimido
pela racionalidade – ao não-idêntico que ainda nunca recebeu a par-
cela que lhe cabe – o lampejo que lhe faça compreender o processo
“civilizatório” por meio do qual o mundo está sendo administrado, e
a esperança de encetar uma revisão desse processo. Um evento, en-
tão, não de cegueira e de entrega, mas de ampla abertura dos olhos e
da consciência:

107 “Was viel später erst literarisch durchdrang, hat er (Strawinski) als erster Musiker
gewagt, einen sadistischen Gestus, der vor ihm nur rationalisiert zu Schwertgeklirr und
Wogenprall des Triumphs, und darum böse, Klang geworden war. Die Freisetzung jener
Schicht durch Spiel und Imagination ist doppelten Sinnes. Sie paßt zur Auferstehung der
physischen Roheit und ist zugleich deren Katharsis im ästhetischen Bild.” [Band 16:
Musikalische Schriften I-III: II Vergegenwärtigungen. Digitale Bibliothek Band 97:
Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 13257 (vgl. GS 16, S. 403)]

65
A Lulu não é catártica no sentido aristotélico, e sim
no freudiano: ela descobre o reprimido, olha-o nos
olhos, fá-lo consciente e faz-lhe justiça, na medida em
que se iguala a ele [ao reprimido]; instância superior,
diante da qual ocorre a revisão do processo civilizató-
rio. O brilho da obra, que divide o obscurecimento da
arte contemporânea e nela não tem comparação, é o
casamento do oprimido com a esperança.108

Para Adorno, como vimos, a kátharsis reveste-se de um signifi-


cado bastante próprio, sendo a purificação original do termo enten-
dida enquanto remoção ou desobstrução do que esteja obscurecendo
a consciência do espectador da obra de arte. A relevância dessa con-
cepção será demonstrada em detalhe no capítulo dedicado à Pós-
modernidade. Por ora, enumeremos algumas características da
kátharsis assim como compreendida pela filosofia adorniana: 1) ocor-
re quando o espectador identifica os elementos da obra de arte (o
material) e compreende as leis de seu tratamento e interligação (a
forma); 2) esse processo de identificação não aproxima, mas, sim,
distancia o espectador do objeto artístico, propiciando uma visão crí-
tica do que está assistindo; 3) material e forma da obra de arte autô-
noma respeitam estritamente a não-identidade do mundo, sendo a
imitação – que configuraria uma violência à não-identidade das coi-
sas – rigorosamente alijada do processo artístico; 4) a compreensão
faz com que o fruidor do objeto artístico amplie seu grau de consciên-
cia, mas essa consciência em avanço se aplica estritamente à obra de

108 “Kathartisch ist die Lulu nicht im Aristotelischen sondern im Freudschen Sinn: sie holt
das Verdrängte herauf, sieht ihm ins Auge, macht es bewußt, und läßt ihm Gerechtigkeit
widerfahren, indem sie ihm sich gleichmacht; höhere Instanz, vor der die Revision des
zivilisatorischen Prozesses stattfindet. Der Glanz des Werkes, der die Verfinsterung der
zeitgenössischen Kunst teilt und in ihr nicht seinesgleichen hat, ist die Vermählung des
Unterdrückten mit der Hoffnung.” [Band 13: Die musikalischen Monographien: Zu Werken.
Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 11136
(vgl. GS 13, S. 486)]

66
arte experimentada, sendo intransferível a qualquer outra; 5) nesse
processo de conscientização, a subjetividade do espectador é reforça-
da e convidada a formar opinião (mas não a tomar partido; a estética
adorniana não acolhe opções binárias); 6) ao invés de mergulhar
emotivamente na obra, o espectador procede analiticamente, obser-
vando de fora o drama e tirando dele conclusões; 7) a purificação
tem origem nas conclusões tiradas pelo espectador, removido que foi
o obscurecimento da consciência, tendo essa kátharsis caráter liberador
e duradouro.

67
68
2
Adorno e a construção
da Modernidade

69
70
O que o ‘ético’ condena com tanto sarcas-
mo no ‘estético’ enquanto desmedida da
grandeza é, contudo, em menor proporção,
sua melhor parte, a parcela de um materia-
lismo que está em busca de um mundo me-
lhor, não para esquecer em seus sonhos o
mundo presente, mas para modificá-lo pela
força de uma imagem, que pode inteiramen-
te ser delineada apenas a partir de uma es-
cala abstrata, mas cujos contornos se en-
chem de carne e sentido a cada momento
dialético considerado à parte.109

É imprescindível situar rigorosamente o pensamento de


Theodor Wiesengrund Adorno no espaço histórico que lhe coube
ocupar, se quisermos compreender a motivação mais fundamental de
sua filosofia. Em 1903, em Frankfurt, Theodor Wiesengrund Adorno
nasce quase junto com o século que determinaria seu pensamento, e
ao qual responderia na forma de um conjunto de escritos contun-
dentes e reveladores das motivações humanas, algumas as mais in-
suspeitas, e, outras, as mais terríveis. A microssociologia, a ética, o
estudo da sociologia dos meios de comunicação e do capitalismo, a
psicologia da moral, a estética e a musicologia: todos esses campos do
pensamento adorniano110 devem ser compreendidos a partir da desi-
lusão diante das transformações então em curso na Europa e do ceti-

109 “Was so höhnisch der »Ethiker« dem Ästhetiker als Hybris der Größe vorwirft, ist doch
im Kleinen dessen bestes Teil als Zelle eines Materialismus, der »nach einer besseren Welt«
sich umsieht, nicht um träumend die gegenwärtige zu vergessen, sondern zu verändern aus
der Kraft eines Bildes, das wohl als ganzes »nach dem abstrakten Maßstab ‘überhaupt’
gezeichnet« sein mag, dessen Konturen jedoch in jedem einzelnen dialektischen Moment
leibhaft und eindeutig sich erfüllen.” [Band 2: Kierkegaard. Konstruktion des Ästhetischen:
VII. Konstruktion des Ästhetischen. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno:
Gesammelte Schriften, S. 946 (vgl. GS 2, S. 186)]
110 Ver HONNETH, Axel: Kapriolen der Wirkunsgeschichte – Tendenzen einer
Reaktualisierung Adornos, in Forschung Frankfurt. Frankfurt am Main Johann
Wolfgang Goethe Universität, 3-4.2003.

71
cismo quanto aos possíveis frutos de um engajamento político ativo.
Sigmund Freud, Friedrich Nietzsche e Karl Marx, os três mestres da
suspeita (Michel Foucault), já tinham preparado o terreno, revelan-
do pulsões e encadeamentos nunca suspeitados, aprofundando a des-
confiança no positivismo científico e encerrando, para a filosofia, a
era milenar da metafísica.
Quando Adorno nasceu, portanto, a Europa estava pronta para
ingressar na Modernidade,111 aqui entendida como superação da sub-
jetividade do romantismo; o expressionismo era o idioma com que
principalmente compositores e artistas plásticos anunciavam o fim
de uma época. Contudo, para ser absolutamente moderno, como
exigiu Baudelaire, faltava às artes um embasamento teórico, e um
dos mais significativos foi-lhe fornecido em um processo no qual par-
ticiparam pensadores marxistas agrupados em torno da Escola de
Frankfurt. Theodor Adorno, como veremos nas páginas que seguem,
explicitou, com seu pensamento estético, os fundamentos da música
nova enquanto filosofia.112 Os três subcapítulos que seguem estão
construídos em forma de oposição dialética, e seu cerne é a tensão
sobre a qual se ergue a Modernidade. No primeiro, a oposição entre a
música dodecafônica e a neo-clássica, exposta por Adorno na Filoso-
fia da nova música (2.1); a seguir, as controvérsias de Adorno com
Hanns Eisler (2.2) e com Georg Lukács (2.3). Seus cruzamentos, se-

111 Monceri ressalta que a diferenciação, na Alemanha, entre Neuzeit [era moder-
na] e Modernität [modernidade] surge em 1886, quando Eugen Wolff, em uma con-
ferência, cunha o termo Moderne em idioma alemão. O maior teórico do ‘moderno’
de então foi o austríaco Hermann Bahr, com suas publicações “Zur Kritik der Moderne”
(Zurique, 1890), “Die Überwindung des Naturalismus” (Dresden u. Leipzig, 1891),
“Studien zur Kritik der Moderne” (Frankfurt a.M., 1894) e “Renaissance – Neue Studien
zur Kritik der Moderne” (Berlin, 1897). Em G.M. Chiodi (“Metodi” e allegorie della
temporalità moderna), lemos que Neuzeit indica uma noção temporal, e Moderne uma
categorial. Cf. MONCERI, 16.
112 “Filosofia da música, hoje, só é possível enquanto filosofia da nova música”
[“Philosophie der Musik heute ist möglich nur als Philosophie der neuen Musik.”] PhnM, 19.

72
melhanças e disparidades oferecem pontos distintos de observação
da constituição da estética adorniana, e preparam-nos para investi-
gar sua validade na Pós-modernidade atual.

2.1 Progresso x reação


Enquanto a dinastia dos Hohenzollern, em uma manobra para
preservar o poder que ainda detinha, cedia aparentemente, institu-
indo uma monarquia parlamentarista sob o príncipe Max von Baden,
nas artes de início do século XX era possível observar um processo
análogo. Especialmente na música, velhas formas tentavam perpetu-
ar-se, submetendo-se a operações cosméticas que não alteravam seus
fundamentos estéticos. Na Filosofia da nova música, Adorno contra-
põe dialeticamente dois princípios de sua filosofia da arte, tomando
como paradigmas dois compositores que polarizaram a discussão mu-
sical daquele momento: o russo Igor Stravinski e o austríaco Arnold
Schönberg. A obra, concebida como um excurso à Dialética do Escla-
recimento de Adorno e Horkheimer, só foi terminada no exílio norte-
americano, em 1948,113 mas a análise ali exposta refere-se ao período
histórico da dissolução da tonalidade, entre os anos 1918-1940.
A tese de Adorno consistia no seguinte: o material empregado
em uma obra de arte – e devemos saber que Adorno pensa sempre
em música, quando fala em obra de arte – para escapar à servidão sob

113 Adorno se ocupava com a oposição progresso versus reação já desde 1930, quan-
do combinou com o compositor Ernst Krenek, a quem conhecia desde o Festival de
Música de Frankfurt de 1924, que escreveriam artigos para a revista Anbruch abor-
dando a teoria do material musical enquanto produto histórico-filosófico. Krenek
enviou o seu, intitulado Progresso e reação; o de Adorno chamou-se Reação e progres-
so. Ver GdP, 86.

73
a Indústria Cultural, deve estar indissoluvelmente ligado ao momen-
to histórico de sua criação, deve ser “história sedimentada”, e seu
tratamento deve obedecer a leis as mais intrínsecas ao próprio mate-
rial musical, sem traço de imitação do mundo e nem de si mesmo.

As exigências do material para com o sujeito provêm


muito mais do fato de o próprio material ser espírito
sedimentado, socialmente pré-formado através da
consciência dos homens.114

A isso, Adorno qualifica de progresso na música, o qual guar-


da como propósito a recuperação do Ursinn, do “sentido primeiro”
do material, sentido esse que preserva sua mensagem original de for-
ma intocada. “Arrancar à muda eternidade as imagens musicais pri-
meiras é o verdadeiro propósito do progresso da música.”115
Esse Ursinn do material, contudo, nunca poderá ser recupera-
do, já que, uma vez colocado na obra de arte, todo o seu emprego
subseqüente resultará em diluição e enfraquecimento do sentido ori-
ginal,116 até que esse enfraquecimento termine por não ter mais como

114 “Die Forderungen, die vom Material ans Subjekt ergehen, rühren vielmehr davon her,
dab das ‘Material’ selber sedimentierter Geist, ein gesellschaftich, durchs Bewubtsein von
Menschen hindurch Präformiertes ist.” PhnM, 39.
115 “Der sprachlosen Ewigkeit die musikalischen Urbilder zu entreiben ist die wahre Intention
des Fortschrittes von Musik”. ADORNO, Reaktion und Fortschritt, in Th. W. Adorno
und Ernst Krenek, Briefwechsel, 179.
116 Por exemplo, na época de Beethoven, a máxima tensão harmônica disponível era
representada pelo acorde de sétima diminuta. Na Sinfonia IX, 4o. movimento, imedia-
tamente antes da entrada do barítono solista com as palavras do hino de Schiller,
Beethoven inova com uma dissonância que inclui sete notas diferentes: sobre um acor-
de de ré menor, um acorde de sétima diminuta - uma tensão inconcebível para a época.
O compositor coloca, então, na boca do barítono solista, as palavras “O Freunde, nicht
diese Töne,” (Ó amigos, estes sons não!), como que protestando ante a crueza da
dissonância, “sondern lasst uns angenehmere zustimmen!” (entoemos [sons] mais agradá-
veis.). Com seu repetido emprego, contudo, a eficácia deste recurso harmônico

74
impedir uma cooptação pelas forças regressivas da Indústria Cultu-
ral. A resistência exige um resgate da sensação de “sentido primeiro”
das constelações sonoras117 – claro, não das já ocorridas, mas da idéia
de Ursinn, fazendo com que os ouvintes experenciem a nova música
podendo dela fruir momentos de cristalização histórico-social na arte.
Em suma, o compositor tem que, aceitando a dialética e a historicidade
do material, submeter a obra inteiramente à sua ditadura técnica, e
isso com o emprego dos mais avançados meios à disposição: ” Pro-
gresso não significa outra coisa senão o emprego sempre do material
no estágio mais avançado de sua dialética histórica.“ 118
A oposição Schönberg e Stravinski na Filosofia da nova música,
porém, não é crítica musical: enquanto filosofia, quer servir como ins-
trumento; os opostos servem para um desvelamento de suas
potencialidades enquanto arte e filosofia. Não abriga valoração intrín-

foi-se desgastando, sendo que se tornou inofensivo e, num compositor como o ro-
mântico tardio Max Reger, mal tinha condições ainda de cumprir a função de acorde
modulante. Ver GdP, 88.
117 Em sua última obra, a Teoria estética, Adorno observa já a virtual impossibilidade
de prosseguir-se indefinidamente com o progresso histórico do material. A partir daí
é que vai ocorrer sua mudança em favor de um avanço constante não mais do mate-
rial, mas do tratamento, na forma. “ [...] Chopin teve sorte, bastava-lhe apenas em-
pregar a então esquecida tonalidade de FÁ sustenido maior, e já obtinha o belo;
ademais, com a diferença histórico-filosófica de que, no início do Romantismo na
música, realmente materiais como as escalas singulares de Chopin irradiavam algo
do vigor do inexplorado [...] .” [ “ [...] Chopin habe es gut gehabt, er habe bloß die
damals unabgegriffene Tonart Fis-Dur zu greifen brauchen, und schon sei es schön gewesen;
übrigens mit der geschichtsphilosophischen Differenz, daß in der früheren musikalischen
Romantik tatsächlich Materialien wie Chopins aparte Tonarten etwas von der Kraft des
Unbetretenen ausstrahlten [...] .”] [Band 7: Ästhetische Theorie: Ästhetische Theorie.
Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 3766
(vgl. GS 7, S. 31)]
118 “Fortschritt heibt nichts anderes als je und je das Material auf der fortgeschrittensten
Stufe seiner geschichtlichen Dialektik ergreifen.” ADORNO, Theodor, KRENEK, Ernst:
Briefwechsel, 177.

75
seca da obra dos compositores; quer, sim, é denunciar a reação en-
quanto farsa do novo que ela não é – a reação na música dá respostas
a perguntas que não mais existem, já que seu tempo esgotou-se.119
Acompanhemos, nas linhas abaixo, o caminho feito pelo pen-
samento de Adorno até formar sua proposição. Em um mundo
conflitado e ambivalente, a música do início do século XX encontra-
va-se igualmente dividida entre duas grandes correntes. Apesar de
Richard Wagner já ter levado o tecido harmônico à sua máxima ex-
pansão,120 próximo a uma ruptura com os cânones da harmonia tradi-
cional, faltava o aglutinador para um movimento de renovação verda-
deira; um neo-classicismo insistente, corporificado em especial pelos
impressionistas franceses e por compositores da ala romântico-nacio-
nalista, seguia afirmando uma estética esgotada, trocando apenas al-
guns elementos formais, sem alterar o fundamento, contudo, do mate-
rial composicional. Esses procedimentos consistiam basicamente em
a) empregar acordes dissonantes de forma insistente ou inu-
sitada, com o resultado de roubar-lhes a tensão, como na
Sonata em LA para violino e piano, de César Franck, com os
repetidos acordes de 7a e 9a no primeiro movimento.
b) não resolver os acordes dissonantes, apenas fazendo com
que esses se alternem, de forma que percam seu significa-
do como dissonância, como nas Nuages, de Claude Debussy.

119 Ver nota 1.


120 Wagner construiu sua ópera Tristão e Isolda com proposições harmônicas que
admitiam a possibilidade de vários desenlaces. As múltiplas opções de resolução das
cadências e a harmonia exploradas por Wagner como linguagem praticamente toca-
ram a fronteira da atonalidade – na 1a. Cena do 1o. ato e na Morte de amor de Isolda,
Wagner emprega todas as 12 notas do espectro. O Acorde de Tristão, que se celebrizou
como ícone wagneriano, é uma acorde que admite uma série de interpretações quan-
to à sua função harmônica. Em O acorde de Tristão e a crise da harmonia moderna [Der
Tristan-Akkord und die Krise der modernen Harmonie-Lehre], Martin Vogel examina,
uma a uma, todas as análises do acorde publicadas desde 1879. Cf. NATTIEZ, 245.

76
c) fazer com que duas ou mais tonalidades sejam tratadas si-
multaneamente em uma obra (politonalidade). Esse recurso
foi empregado com maestria por Igor Stravinski (Petruschka
e A sagração da primavera), e em várias obras de Bela Bartok
e Darius Milhaud. No Quarteto de cordas Número 1, de Karol
Szymanowski, chegamos a encontrar até quatro tonalida-
des diferentes interagindo simultaneamente.
d) usar elementos arcaizantes, em especial os modos medie-
vais, herdeiros das escalas gregas. Esses modos antigos ain-
da continuam vivos no folclore de várias regiões do globo
(modo eólio na música andina, mixolídio no folclore do nor-
deste do Brasil, hipodórico nas canções populares da Irlan-
da). Assim, encontramos, entre outros, exemplos na música
de Debussy (modos frígio e mixolídio nos “Nocturnes”),
Stravinski (modo dórico na “Ronda primaveril”) e Bela Bartok
(modo mixolídio no “Divertimento para cordas”)121
A genuína mudança de paradigma veio com Arnold Schönberg,
que em seu texto A composição com doze (12) notas [Die Komposition
mit Zwölf (12) Tönen],122 expõe, em 12 parágrafos, o sistema que, ima-
gina, conseguirá superar o impasse tonal/atonal. Adorno conheceu a
linguagem do círculo de compositores da IIa. escola de Viena123 em

121 GdP, 31-34.


122 Schönberg já vinha experimentando desde 1907 uma linguagem atonal livre em
suas composições — Erwartung [1909], Die glückliche Hand [1913] e Die Jakobsleiter
[1922]. Foi em 1923, na 5a. e última das Klavierstücke [Peças para piano], que Arnold
Schönberg fez uso, pela primeira vez, da técnica dodecafônica para organizar o ma-
terial temático de uma composição. Ao invés de atonalidade livre, Schönberg opta
por um sistema de organização extremamente rígido, como forma de impedir o ma-
terial de recair em um tonalismo pós-expressionista. A este respeito, ver GdP, 34-40.
123 A Ia Escola de Viena foi a do classissismo de Haydn, Mozart e Beethoven (1770-
1827), a IIa é a do dodecafonismo de Arnold Schönberg, Alban Berg e Anton von
Webern (1923-1944).

77
1924, no Festival de Música de Frankfurt, quando assistiu a fragmen-
tos da ópera Wozzeck, de Alban Berg.124 Já ali reconheceu que o rígido
sistema dos austríacos fornecia a solução para o dilema estético em que
a música encontrava-se. Principalmente, resolvia a questão da
recorrência na música, em que identificava traços miméticos perigosa-
mente próximos da ideologia totalizante do hegelianismo de direita, da
obra de arte total – a Gesamtkunstwerk de Richard Wagner – e da pró-
pria Indústria Cultural enquanto mecanismo de manipulação dos me-
nores e mais íntimos anseios individuais de uma população.
Todas as tentativas de manter a ordem harmônica tradicional,
ainda que tecnicamente bem resolvidas, como as de Claude Debussy
e Igor Stravinski, estão, para Adorno, junto com as forças de rea-
ção.125 Compositores da nova música, os dodecafonistas em torno de

124 Um ano mais tarde, Berg recebia uma carta de Adorno, na qual ele pedia formal-
mente para que o recebesse como aluno particular de composição: “Prezado senhor
Berg, talvez se recorde de mim: no Festival de Música de Frankfurt de 1924, fui-lhe
apresentado pelo maestro Scherchen, e lhe falei de minha intenção de ir a Viena e
trabalhar consigo. Este desejo está agora maduro, e gostaria de perguntar-lhe se me
aceita como aluno.” [“Sehr geehrter Herr Berg, vielleicht entsinnen Sie sich meiner: auf
dem Frankfurter Tonkünstlerfest 1924 ließ ich mich Ihnen von Scherchen vorstellen und
sprach Ihnen von meiner Absicht, nach Wien zu gehen und bei Ihnen zu arbeiten. Der Plan
ist nun spruchreif geworden und ich möchte Sie fragen, ob Sie mich wohl annehmen
möchten.”] (ADORNO, BERG.: Briefwechsel, 9). Berg foi para Adorno não apenas
professor de composição – suas cartas e telegramas, ao longo de dez anos de corres-
pondência, demonstram o quanto os dois achavam importante não se restringir às
discussões sobre pura técnica musical. Os documentos contêm tanto referências a
Husserl, Walter Benjamin e Kirkegaard quanto a Cocteau, Proust, Thomas Mann e
Schostakovitsch. Ver GdP, 51-2.
125 As teorias que pretendiam conceder ao sistema diatônico um direito ontológico
próprio, seja deduzido da música das esferas de Pitágoras, ou das relações da série
harmônica, como ainda da psicologia auditiva, propunham que a única possibilidade
válida de se escrever música seria atendo-se às leis do cosmo, da física acústica ou da
constituição e limites da alma humana. Para Adorno, este tipo de argumento, o pre-
ferido dos neoclássicos – ele cita explicitamente Paul Hindemith – não passa de uma
“superestrutura útil para composições reacionárias”. E revida: “Basta observar que

78
Arnold Schönberg detinham, como garantia da autonomia de seu
sistema, cânones com regras tão severas quanto os da polifonia
palestriniana do século XVI, e que não apenas proibiam a resolução
de dissonâncias: as dissonâncias estavam simplesmente abolidas,126
já que os sons, como reza o título de Schönberg, seriam “nur aufeinander
bezogen”, isto é, relacionados apenas entre si, e não mais com base em
uma nota fundamental, em um sistema de funções harmônicas:

Chamei este processo de método de compor com doze


sons relacionados apenas entre si. Este método consis-

um ouvido desenvolvido está em condições de apreender as mais complicadas relações


de sons harmônicos com a mesma precisão quanto [apreende] as simples, sem experi-
mentar por isso qualquer ímpeto de “resolução” das pretensas dissonâncias, antes dis-
so, rebela-se espontaneamente contra tais resoluções, de forma semelhante como no
período barroco [do Baixo contínuo], quando as seqüências de quintas eram rejeitadas
como uma espécie de regressão ao arcaísmo”. [“... da das entwickelte Gehör die
kompliziertesten Obertonverhältnisse harmonisch ebenso präzis aufzufassen vermag wie die
einfachen, und dabei keinerlei Drang zur ‘Auflösung’ der vorgeblichen Dissonanzen verspürt,
sondern vielmehr gegen Auflösungen als einen Rückfall in primitivere Hörweisen spontan sich
auflehnt, ähnlich wie in der Generalbaära die Quintenfortschreitungen als eine Art archaischer
Regression geahndet waren.”] PhnM, 39. Ver também GdP, 36-7.
126 “Há composições modernas em cujo contexto estão ocasionalmente incluídos
acordes tonais; essas tríades é que são cacofônicas, e não as dissonâncias.” [“Es gibt
moderne Kompositionen, die in ihren Zusammenhang gelegentlich tonale Klänge einstreuen.
Kakophonisch sind solche Dreiklänge, und nicht die Dissonanzen.”] PhnM, 40. A IIa.
Escola de Viena deixa bem claro, como Adorno ressalta, que a tonalidade e a conso-
nância – simbolizada pelo acorde de DÓ maior – está completamente desvalorizada,
isto é, como dinheiro velho, perdeu seu valor: “No Wozzeck, como também em Lulu,
o acorde perfeito de DÓ maior aparece em contextos completamente desvinculados
da tonalidade, cada vez que se fala em dinheiro. O efeito é de algo banal e, ao mesmo
tempo, obsoleto. A moedinha do DÓ maior é denunciada como falsa.” [“In ‘Wozzeck’
sowohl in ‘Lulu’ erscheint, in sonst von der Tonalität losgelösten Zusammenhängen, der C-
Dur-Dreiklang, sooft von Geld die Rede ist. Die Wirkung ist die pointiert Banalen und
zugleich Obsoleten. Die kleine C-Dur-Münze wird als falsch denunziert.”] PhnM, 60.
Lembrando que, no alemão original, falsch, o falso da moedinha tem o mesmo signi-
ficado que errado, enquanto seja errado compôr ainda com acordes tonais.

79
te, antes de mais nada, no uso contínuo de uma série
de doze sons diferentes. Isto significa, evidentemente,
que nenhuma nota é repetida no seio da série, e que
essa utiliza todos os doze sons da escala cromática.127

Essa recusa extrema da repetição, inscrita já na carta funda-


dora da nova estética – o trecho acima foi extraído do parágrafo cin-
co –, oferecia a garantia de máxima interdição da mímese e dos anseios
totalizadores do romantismo tardio e do neoclassicismo. A II a. Esco-
la de Viena foi a vanguarda histórica da nova música; as próximas
gerações aprofundaram a proposta de Schönberg e perseguiram uma
organização total dos parâmetros do som, no chamado serialismo in-
tegral, determinando já na escolha do material não apenas a seqüên-
cia das alturas dos sons – as notas –, mas também de durações, tim-
bres, intensidade, articulação.

A racionalidade total da música é sua organização to-


tal. Por obra da organização, a música, emancipada,
anseia recuperar a integridade perdida, a força e o con-
texto, também perdidos, de Beethoven.128

Uma estética, portanto, que recusava a intersecção com o hu-


mano – uma estética de forte caráter exclusivista, na qual nada do

127 “Ich nannte dieses Verfahren Methode der Komposition mit zwölf nur aufeinander
bezogenen Tönen. Diese Methode besteht in erster Linie aus der ständigen und
ausschlieblichen Verwendung einer Reihe von zwölf verschiedenen Tönen. Das bedeutet
natürlich, dab kein Ton innerhalb der Reihe wiederholt wird und daß sie alle zwölf Töne der
chromatischen Skala benutzt [...].” SCHÖNBERG, Arnold: Die Komposition mit zwölf
Tönen, in MEIERTOTT Lenz u. SCHMITZ Hans-Bernd (Hrsg.) Materialien zur
Musikgeschichte, 177.
128 “Die totale Rationalität der Musik ist ihre totale Organisation. Durch Organisation
möchte die befreite Musik das verlorene Ganze, die verlorene Macht und Verbindlichkeit
Beethovens wiederherstellen.” PhnM, 70.

80
mundo é material constituinte da obra de arte, a não ser mediado e
transformado por uma técnica em permanente processo de supera-
ção, expressão de resistência à subjetividade.129 Para Adorno, nessa
direção apontava o progresso na música.

2.2 Funcional x autônomo


Os primeiros artigos publicados por Theodor Adorno foram de
crítica musical, ainda em sua época de colegial, antes mesmo de in-
gressar na Universidade de Frankfurt.130 Mais tarde, o próprio desen-
rolar dos acontecimentos do século XX e seu exílio forçado na Améri-
ca do Norte contribuíram para a formação e o amargo amadurecimen-
to de seu pensamento estético, em especial acerca da manipulação da
obra de arte e da dominação do homem na sociedade contemporânea.
No subcapítulo anterior, Progresso x reação, verificamos a cons-
tituição do conceito adorniano de progresso na música e sua inten-
ção ao defender a técnica como ferramenta de resistência à Indústria
Cultural. Neste, explanaremos sobre a tensão entre arte autônoma e
arte engajada, lembrando que, no pensamento adorniano, temos que
ter sempre em mente que as oposições e os parâmetros escolhidos
servem, enquanto pólos de tensão, de instrumento de conhecimento
do mundo.

129 “A nova ordem da música dodecafônica extingue virtualmente o sujeito.” [“Die


neue Ordnung der Zwölftonmusik löscht virtuell das Subjekt aus.”] PhnM, 70.
130 Adorno ingressou na universidade de Frankfurt em 1924. Antes disso, já tinha
publicado Die Hochzeit des Faun – grundsätzliche Bemerkungen zu Bernhard Sekles neue
Oper [As bodas do fauno – observações sobre a nova ópera de Bernhard Sekles] (Neue
Blätter für Kunst und Literatur, 1921), “Bela Bartok” (Neue Blätter für Kunst und Literatur,
1922), “Paul Hindemith” (Neue Blätter für Kunst und Literatur, 1922), e “Bernhard
Sekles” (Frankfurter Zeitung, 1922).

81
Alguns pensadores marxistas próximos a Adorno eram parti-
dários de um engajamento máximo da arte como função social para a
libertação do homem, argumentando que meramente estudar as mo-
tivações sócio-políticas que moldam as massas não basta, sendo ne-
cessário agir para modificar o mundo. A arte, para seu colega compo-
sitor Hanns Eisler (1898-1962), era um instrumento não só para co-
nhecer o mundo, mas para transformá-lo. De acordo com Marx e
Engels, para quem a atividade de conhecer o mundo não se resume a
interpretá-lo, mas a transformá-lo revolucionariamente, Eisler lamen-
tava que os filósofos do Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt não
se engajassem de forma mais prática contra o status quo, queriam ser
“marxistas sem política”131 Após ler A situação social da Música [Zur
gesellschaftlichen Lage der Musik], 1932, de Adorno, escreveu:

Também um senhor Wiesengrud-Adorno, que [...] se


esforça em aplicar ‘métodos marxistas’ mas fica na pura
interpretação da realidade, sem nem fazer a tentativa
de pesquisar as forças que a poderiam [à realidade]
modificar. É um caso singular de confusão de materia-
lismo dialético com misticismo dialético!132

Toda a obra de Hanns Eisler foi dedicada a aplicar o marxis-


mo-leninismo ao estudo da música e de sua função na sociedade.

131 “Falta a estes frankfurturistas, como Brecht os chamava, uma postura verdadei-
ramente combativa contra a burguesia. Simplesmente não se pode ser marxista sem
política.” [“Es fehlt bei diesen Frankfurturisten, wie der Brecht sie nannte, eine echte
Kampfstellung gegen das Bürgertum. Man kann eben nicht Marxist sein ohne Politik.”]
EISLER, apud BUNGE, apud MAIER, 152.
132 “Auch ein Herr Wiesengrund-Adorno, der [...] sich bemüht, ‘marxistische Methoden’
anzuwenden, bleibt bei der reinen Interpretation der Wirklichkeit stehen, ohne auch nur
den Versuch zu machen, die Kräfte, die sie ändern könnten, zu erforschen. Es ist ein
eigentümlicher Fall der Verwechslung des dialektischen Materialismus mit dem dialektischen
Mystizismus!” EISLER, cit em MAIER, 139.

82
Mesmo tendo aprendido a técnica dodecafônica com Schönberg, na
época o estágio mais avançado para a composição musical, Eisler
manteve em toda sua obra um nível bastante simples na escolha do
material. Como ele mesmo afirmara, já tinha se despedido da “lírica
de concerto burguesa” com seus Zeitungsauschnitte op. 11, e temia
que composições por demais complexas não tivessem o desejado apelo
revolucionário sobre o operariado.133 Não que Eisler não acreditasse
na superação do abismo existente entre os compositores de vanguar-
da e o proletariado – seu propósito era unir uma boa técnica
composicional, não demasiado complexa, com a reprodução e a dis-
tribuição oferecidas pelos novos meios de comunicação de massa.

Utilizando novos recursos artísticos é possível aproxi-


mar-se da consciência social das massas de um modo
tão intenso e irrefutável que o desnível não se perce-
be como um obstáculo, e sim como o momento mais
eficaz da obra de arte.134

133 Bertold Brecht trabalhou junto com Eisler em várias encenações, e endossava
sua concepção de como trabalhar a consciência do espectador: “A música de Eisler
não é, de forma alguma, o que se possa chamar de simples. Ela é musicalmente bas-
tante complicada, e não conheço nenhuma mais séria. Ela possibilita, de forma ad-
mirável, uma certa simplificação das mais difíceis questões políticas, cujo entendi-
mento é de vital importância para o proletariado. [...] Essa música também é, em
certo sentido, filosófica. Ela também evita efeitos narcóticos, em especial porque liga
a solução de questões musicais a uma elaboração clara e nítida do sentido político e
filosófico dos textos.” [“Die Musik Eislers ist keineswegs das, was man einfach nennt. Sie
ist als Musik ziemlich kompliziert, und ich kenne keine ernsthaftere als sie. Sie ermöglichte
in einer bewunderungswürdigen Weise gewisse Vereinfachungen schwierigster politischer
Probleme, deren Lösung für das Proletariat lebensnotwendig ist. [...] Auch diese Musik ist
in einem gewissen Sinne philosophisch. Auch sie vermeidet narkotische Wirkungen,
hauptsächlich indem sie die Lösung musikalischer Probleme verknüpft mit dem klaren und
deutlichen Herausarbeiten des politischen und philosophischen Sinnes der Gedichte.”].
BRECHT, 247-9.
134 EISLER, 39.

83
Adorno não reconhece essa possibilidade, insiste na autono-
mia da criação artística e alerta para o perigo de manipulação políti-
ca da música. No primeiro parágrafo da Dialética negativa, ele apre-
senta seu credo filosófico, que responde à crítica de Eisler. O fato de
a transformação do mundo pela filosofia não ter se efetivado como
desejado, obriga-nos a continuar interpretando-o, rejeitando uma
mentalidade derrotista.

A conclusão sumária, de que ela [a filosofia] tenha


meramente interpretado o mundo e, por resignação,
se atrofiado diante da realidade, constitui-se num der-
rotismo da razão, depois que fracassou a modificação
do mundo.135

Adorno vê na autonomia da arte, em sua independência de


qualquer função, sua característica mais essencial. Concebendo a cri-
ação artística enquanto inegociável não-funcionalidade, Adorno co-
loca-se na tradição do que Kant em 1790 já havia determinado sobre
arte e beleza: “Beleza é a adequação de um objeto, na medida em que
essa é nele percebida sem a pretensão de um objetivo”.136

135 “Das summarische Urteil, sie habe die Welt bloß interpretiert, sei durch Resignation
vor der Realität verkrüppelt auch in sich, wird zum Defaitismus der Vernunft, nachdem die
Veränderung der Welt mißlang”. ND, 15.
136 “Schönheit ist Form der Zweckmässigkeit eines Gegenstandes, sofern sie ohne Vorstellung
eines Zwecks an ihm wahrgenommen wird “ (KANT apud FÜLLSACK, 25) A autono-
mia adorniana não é, contudo, idêntica ao “interessenloses Wohlgefallen”, ao prazer
desinteressado kantiano; o objeto de arte não tem ingerência direta na sociedade,
mas resiste ao direcionamento por parte da Indústria cultural. Essa desqualifica a
arte, apresentando-a como se fosse uma reserva natural de irracionalidade, onde os
pensamentos [racionais] não entram. [“Kunst hegt er als Naturschutzpark von
Irrationalität ein, aus dem der Gedanke draußen zu halten sei.” [Band 7: Ästhetische
Theorie: Frühe Einleitung. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno:
Gesammelte Schriften, S. 4551 (vgl. GS 7, S. 499)]

84
O projeto de Eisler de “aproximar-se da consciência social das
massas”, contudo, não tinha nada de ingênuo ou de simplificação
gratuita. Ele tinha consciência de que estava sendo um pioneiro na
aplicação da dialética materialista à estética musical, e isto justa-
mente em um momento histórico em que a tonalidade tinha chega-
do a um esgotamento e os compositores experimentavam com novas
técnicas de criação.137 Para não cair em uma “sociologização superfi-
cial de materialismo vulgar”, era imperioso estudar-se, para uma
dialética da música, “o nascimento e o ocaso, bem como o desgaste e
a renovação do material musical nos estilos socialmente condiciona-
dos da música, em suas funções cambiantes”.138
Pensar uma sociedade livre também é o projeto de Adorno;
uma sociedade semelhante à idealizada por Marx, em que os indiví-
duos pudessem exercer a autonomia que por direito lhes cabe. Essa
sociedade está ainda por se realizar no futuro. Vem daí a importân-

137 De forma muito hábil, Eisler criava momentos de orientação harmônica dentro
da série. Isto resultava em uma dodecafonia com orientações tonais, funcionando
como um sistema de faróis que orientam um navio cujo timoneiro não pode enxergar
a costa, devido à escuridão. Este estilo desenvolvido por Eisler não desobedece em
nada as regras do serialismo, e ao mesmo tempo se apóia nos hábitos de audição
harmônica do ouvinte, criando assim uma ambiência sonora não demasiado estra-
nha para os ouvidos não acostumados. O próprio Schönberg, constata Adorno, uti-
lizava o novo sistema para dele extrair resultados extra-seriais. Adorno verifica que
“Schönberg violenta a série” [“Schönberg vergewaltigt die Reihe” PhnM, 106], por uti-
lizar, dentro de seu material, elementos residuais de tonalismo e, mesmo assim, não
renegar a nova linguagem: “Na realidade, Schönberg considera a técnica dodecafônica
na praxis da composição como mera preformação do material. Ele “compõe” com as
séries de 12 sons, dispõe delas com superioridade, mas como se nada tivesse aconte-
cido. Daí resultam continuamente conflitos entre a constituição do material e o pro-
cedimento a ele imposto.” [“Schönberg betrachtet in der Tat die Zwölftontechnik in der
Komponierpraxis als bloße Vorformung des Materials. Er ‘komponiert’ mit den
Zwölftonreihen; er schaltet mit ihnen überlegen, doch auch, als ob nichts geschehen wäre.
Dabei ergeben sich ständige Konflikte der Beschaffenheit des Materials und der diesem
auferlegten Verfahrungsweise.”] PhnM, 106.
138 EISLER, 19-20.

85
cia, para os dois filósofos, da ciência da história: suas filosofias são
determinadas pela história. É no futuro que se concretizará a socie-
dade igualitária.

O modo de produção da vida material determina os


processos sociais, político e espiritual da vida em ge-
ral. Não é a consciência que determina a vida, mas a
vida é que determina a consciência.139

A crise por que passava a música burguesa, com a dissolução


da linguagem tonal, era interpretada por Eisler como sintoma de uma
crise muito mais ampla, por que passava a sociedade como um todo.140
A música, entretanto, por ser uma atividade artística marcada por
um individualismo mais exacerbado que outras artes, apresentava
com mais evidência os sintomas de decomposição da cultura burgue-
sa: “uma arte que perde seu caráter social, perde-se a si mesma”.141
Esse caráter social da arte é que precisaria ser recuperado. O
pensamento de Eisler sempre foi no sentido de superar a atividade

139 MARX, apud OVSIÁNNIKOV, 26.


140 “... a crise da música é um reflexo de uma crise bem mais ampla, de um
ordenamento social e de uma visão de mundo historicamente superadas. Uma crise
ética, mais que estética. A atualidade de Eisler demonstra a atualidade do problema
que está na base da produção musical, isto é, da relação entre arte e massas em uma
fase histórica que vê a progressiva crise das concessões estéticas da burguesia e a
elaboração, para as classes emergentes, de novas formas de expressão e de comunica-
ção orgânica.” [“... la crisi della musica à un riflesso di una ben piú ampia crisi di un
ordinamento sociale e di una visione del mondo storicamente superati. Una crisi etica,
prima che estetica. L’attualità di Eisler dimostra l’attualità della problematica che sta a
monte della sua produzione musicale: cioè del rapporto tra arte e masse in una fase storica
che vede la progressiva crisi delle concezioni estetiche della borghesia e l’elaborazione di
nuove forme di espressione e di comunicazione organiche alle classi emergenti. Si trata del
problema di superare il distacco (...) tra intelletuali e popolo.”] LOMBARDI, 124.
141 EISLER, 31.

86
artística individual – ocorrida a partir de seu desligamento dos ritos e
práticas do cotidiano – com vista ao resgate da coletivização. A cole-
tividade, porém, receberia, no futuro, a música com uma consciência
de classe bem diferente da que tinha na Antiguidade: “Se as massas
exigem da arte efeitos embriagadores, ou no mínimo os aceitam, deve-
se ao fato de que, dessa forma, buscam equivalentes psíquicos para
atividades e vivências que lhes são negadas por sua situação social”.142
Aqui residiria o perigo da ação da música sobre uma população in-
culta: a música burguesa, com promessas de felicidade, serve para
apaziguar a consciência da classe operária.
Vejamos: Eisler constata que, quanto mais consciente uma co-
munidade, tanto menor a influência da música em seu meio – “na
comunidade primitiva a música opera de um modo totalmente dife-
rente de uma sociedade com alto grau de civilização”.143 Aqui temos
um ponto de confluência dos pensamentos de Eisler e Adorno: repu-
diando a kátharsis individual manipuladora e intencional, ambos apon-
tam que a real purificação só se dá por meio da consciência. Essa é a
verdadeira catarse. Então, em um futuro ideal e marxista, o homem
altamente conscientizado (o ser comunista)144 não terá mais necessi-
dade da aparência [Schein] do Belo – sua emoção estética será racio-
nal, no reconhecimento da forma. Assim faz sentido o que Hegel
escreveu: “É possível que, em uma sociedade liberta, a arte se extin-
ga; em seu lugar se encontrará a filosofia”.145
Nesse contexto – de relação das forças políticas com a arte – a
atenção de Eisler foi chamada pelo forte repúdio que o movimento
fascista apresentava contra o que eram os mais destacados composi-

142 Ibidem, 223.


143 Ibidem, 475.
144 Ibidem, 47.
145 HEGEL apud EISLER, 470.

87
tores burgueses de música moderna, Arnold Schönberg, Igor Stravinski
e Béla Bártok. Esses, apesar de serem artistas da burguesia, desperta-
vam verdadeiro horror nos nazistas alemães e nos correligionários
em outras nações européias. Esse fenômeno contradizia o princípio
defendido por Eisler de que a estética comporta-se sempre de forma
partidarista, isto é, os grupos sociais se identificam sempre com seus
interesses.146 Ora, como acontecia que a direita européia – burgue-
ses, portanto – rejeitava a música dos mais refinados dentre os com-
positores de sua classe?
Eisler conclui que esses compositores, ainda que vivam dentro
do capitalismo, são progressistas, possuindo um caráter antecipador,
criando obras “iluminadas por um mundo que ainda não existia”: 147
suas músicas “não supõem relações entre pessoas, relações que já não
existem na sociedade burguesa, não evocam ‘sentimentos afetivos’”.148
Essa “boa” música burguesa, reflete Eisler, sobreviverá à derro-
cada da classe em cujo seio foi gerada, e seu legado será recebido
pelas massas trabalhadoras do futuro. Segundo a estética marxista-
leninista, a obra de arte nasce das condições sociais em uma época
determinada, e, portanto, era mesmo de esperar-se que a contradi-
ção entre a burguesia e o proletariado, tão acirrada naquele início de
século XX, tivesse sua imagem refletida pela música. Ao contrário de

146 Ainda da Estética marxista-leninista de Ovsiánnikov (p. 8-9): “Por exemplo,


para as classes progressistas e, concretamente, para o proletariado e todos os traba-
lhadores, a arte só tem valor se expressar os aspectos do mundo espiritual que contri-
buem para a formação dos sentimentos, idéias, características e qualidades da vonta-
de úteis ao desenvolvimento progressista da sociedade, à edificação do socialismo e
do comunismo. Ao contrário, para as classes reacionárias e conservadoras da socie-
dade burguesa, o valioso consiste em expressar, através da arte, diversos aspectos da
consciência burguesa – política, moral, religiosa, etc. – por exemplo o individualis-
mo, o nacionalismo, o erotismo, o misticismo, a depressão, o temor e outros.”
147 EISLER, 39.
148 Ibidem, 34.

88
Lukács (1885-1971), que via as composições dessa época como “pro-
dutos em decomposição”, resultado da simultânea ascensão da classe
burguesa no século XIX e da concomitante decadência da arte, Eisler
sustentava que as convulsões político-sociais na Europa eram pró-
prias de “uma época e uma sociedade prenhe de futuro”, e que esta-
vam testemunhando não meramente uma decomposição, mas tam-
bém uma transição dialética para uma nova era que já se anunciava.
Quanto a essa transição, Adorno sempre foi pessimista, já que,
para ele, o homem e o mundo, divorciados, não terão como herdar um
ao outro. Seu trabalho filosófico tem de ser entendido a partir da Teo-
ria Crítica, isto é, filosofia não no sentido de uma teoria geral do Ser:
ela deve ser compreendida como uma análise do estranhamento a que
o homem está submetido no mundo. Para a arte, isso traz graves conse-
qüências, uma vez que, imerso num mundo em constante reificação, o
indivíduo converte-se em mero abstrato coletivo149 e não consegue
afirmar sua autonomia. Nossa realidade, então, é determinada pelo
estranhamento que a nós se impõe, sendo o sujeito forçado a subme-
ter-se ao imperativo identitário, totalitarista, tendo de abdicar de sua
não-identidade e fundir-se com o conceito. Conceito que, no pensa-
mento de Adorno, nunca abrange completamente o objeto que quer
significar – tal objeto sempre terá arestas ou pontas diferentes da mais
detalhada descrição possível. Toda arte produzida sob esse mandamento
não faz outra coisa que prestar vassalagem à identidade conceitual,
esgota-se em si mesmo e nunca poderá ser uma “mensagem na garra-
fa”, de que Adorno fala na Filosofia da nova Música. Enfrentar essa
questão é a tarefa da filosofia enquanto Teoria Crítica.
Adorno acredita que praticamente não haja esperança de se es-
capar ao estranhamento, já que todos estamos imbricados na sociedade.
Assim, a crítica por ele exercida não possui um sentido positivo, centrado
em si próprio – esse se manifesta enquanto “dialética negativa”, dialética

149 ADORNO, apud COSTA PASSOS, 25.

89
essa que tem a missão de romper com a relação sujeito-objeto. A dialética
negativa de Adorno, com sua crítica ancorada nas relações sociais, pos-
sui um determinado caráter moralizante: já que toda a sociedade está
arruinada pelo capitalismo, é urgente a resistência moral contra essa si-
tuação. A filosofia – a lógica – envenenou o mundo, por isso lemos na
Dialética negativa que o antídoto para a filosofia seria desencantar o con-
ceito, solapar sua ontologização em uma unidade conceito-objeto, bus-
cando a reflexão também nos espaços entre conceito e objeto.150
Para resistir à racionalidade iluminista que tenta expulsar o
paradoxal e o ambíguo, e não dá trégua em sua voracidade
identificadora, Adorno propõe uma dialética que aponte para a ver-
dade que está escondida nos interstícios do particular, daquilo que é
distinto, sem visar a qualquer síntese final apaziguadora. Um mundo
inteiro sintetizado seria um mundo inteiro reificado. Na Minima
moralia, Adorno explica que pensar a dialética negativa é uma tenta-
tiva de vencer os imperativos da lógica com suas próprias armas – daí
o perigo constante em sucumbir à sedução: “a astúcia da razão gosta-
ria de impor-se mesmo contra a dialética”.151
As conseqüências disso para a música são que uma música
autônoma deve empregar, para escapar à gravitação do racionalismo,
sua própria racionalidade, “uma racionalidade boa” – boa porque é
mediada pela fantasia.

A racionalidade da obra de arte tem por objetivo sua


resistência contra a existência empírica: dar forma ra-

150 “Die Entzauberung des Begriffs ist das Gegengift der Philosophie.” [Band 6: Negative
Dialektik. Jargon der Eigentlichkeit: Einleitung. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor
W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 2846 (vgl. GS 6, S. 24)]
151 “Die List der Vernunft möchte noch gegen die Dialektik sich durchsetzen.” [Band 4:
Minima Moralia. Reflexionen aus dem beschädigten Leben: Vermächtnis. Digitale
Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 1942 (vgl. GS 4,
S. 171)]

90
cional a obras de arte significa a maneira como elas se
constituem conseqüentemente.152

Adorno acredita que a filosofia só subsiste, mesmo depois de


Hegel, porque perdeu-se o momento de sua realização: “Filosofia que
uma vez parecia estar ultrapassada mantém-se viva porque foi perdido
o momento de sua realização”.153 Dentro do quadro histórico da ativi-
dade humana, as probabilidades de desagregação [Zerfall] não são ca-
suais, elas fazem parte do próprio desenvolvimento do homem. Esse
tema é o fio condutor da Dialética do Esclarecimento, a obra que consti-
tui a base para a Filosofia da nova música e também para o Komposition
für den Film. A localização dessa desagregação na natureza mesma do
homem é decisiva para a noção adorniana de história. Porém, ao con-
trário de Hegel e de Marx, Adorno aponta a contingência como fator
sempre presente na história. Na Dialética negativa, ele escreve que a
seqüência das coisas fundamenta-se no acaso – nada tem necessaria-
mente que acontecer. Acreditar que o andar dos acontecimentos se dá
de forma necessária implicaria em admitir que todo o sofrimento, toda
a desgraça humana, Auschwitz e Hiroshima, tinham necessariamente
que acontecer para que a história pudesse seguir adiante: essa sua maior
crítica à visão necessitarista da história de Hegel. As ocasionais quedas
na barbárie são inerentes à condição histórica humana, não há um
plano guiando a sucessão dos acontecimentos.154

152 “Die Rationalität der Kunstwerke bezweckt ihren Widerstand gegen das empirische
Dasein: Kunstwerke rational gessalten heißt soviel, wie sie in sich konsequent durchbilden.”
[Band 7: Ästhetische Theorie: Paralipomena. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W.
Adorno: Gesammelte Schriften, S. 4435 (vgl. GS 7, S. 430)]
153 “Philosophie die einmal überholt schien, erhält sich am Leben, weil der Augenblick
ihrer Verwircklichung versäumt wurde.” ND, 15
154 Hegel, com sua filosofia da história que vai se desdobrando como uma dedução
lógica, legitima toda dor e sofrimento do mundo; Adorno quer romper com essa
linha reta, romper com a idéia de história como um trilho de bonde que só pode

91
A filosofia, que deveria alavancar a instauração de uma nova
ordem livre de mitos, vai vendo enfraquecidas suas proposições, mes-
mo porque não consegue desvencilhar-se do que há de científico –
de lógico – em seu cerne. O que a ciência não quer – ou não pode
mais – usar é então abraçado pela filosofia, o que só aumenta seu
risco de regredir em mitologia.

O progresso filosófico zomba de si mesmo porque,


quanto mais ele adensa os conteúdos de fundamenta-
ção e quanto mais vulneráveis tornam-se as formula-
ções, tanto mais ele se converte em pensamento iden-
titário.155

A Dialética do Esclarecimento investiga a história dessa desa-


gregação [Zerfall] ; aqui Adorno concentra sua crítica à noção de
história de Marx, para quem é possível eliminar-se a possibilidade de
erro, já que não é o homem que carrega o germe da ruína, e sim as
relações entre os homens que estão (até agora) defeituosas: caberia,
então, ao marxista, por meio da ação no mundo, corrigi-las! A Dialética
do Esclarecimento mostra, pelo contrário, que não as relações, mas o
próprio homem, sua essência, é ambígua.
Em resumo: Adorno e Horkheimer sabem que têm um com-
promisso para com o espírito do Esclarecimento – na forma como
esse se cristalizou no início da era moderna – em contrapartida à

tomar aquela via, sem outra alternativa: é o que exige no Prismas (“Que a
Naturbefangenheit (dependência da natureza) não tenha a última palavra!”) e expli-
ca nos Três estudos sobre Hegel: “A história é contingente, daí oferecer-se, a cada
momento, a possibilidade de acontecer ‘diferente’”. Ver GdP, 45-51.
155 “Der philosophische Fortschritt äfft, weil er, je dichter er die Begründungszusammenhänge
fügt, je hieb- und stichfester die Aussagen werden, immer mehr Identitätsdenken wird.”
[Band 10: Kulturkritik und Gesellschaft I/II: Fortschritt. Digitale Bibliothek Band 97:
Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 8452 (vgl. GS 10.2, S. 636)]

92
superstição e ao autoritarismo. Mas ambos não compartilham o oti-
mismo quanto ao futuro, e, acima de tudo, não apostam na raciona-
lidade como valor sine qua non. Ao contrário do quadro de Goya “O
sono da razão gera monstros”, os frankfurtianos temem que a razão
desperta, a lâmina afiada da lógica, cause males ainda piores à huma-
nidade.
Visto assim, o Esclarecimento não significa e nem pode signifi-
car um progresso absoluto, e esse fato reside em sua essência: uma
vez que ele se estabelece como supressão da servidão, ele mesmo exi-
ge dominar, o que, a partir daí, conduz à nova dominação. Essa
dialética é, de certa forma, construída por empréstimo de Hegel. Em
Hegel, a substância é superada pela subjetividade e, no final, trans-
formada em positivo, torna-se autoconsciência. Já na Dialética do es-
clarecimento, pelo contrário, não há um final positivo: o Esclareci-
mento supera a natureza por meio da razão e da subjetividade, mas
esse, por sua vez, regride novamente ao estado natural. Os autores
querem mostrar como a submissão de tudo que é natural sob a égide
do sujeito culmina com a tirania do objetivismo cego. Concluindo: a
civilização apresenta, como seu derradeiro resultado, o regresso ao
temido estado natural.
Uma das teses principais da obra é que já o mito é esclareci-
mento. O pensar é o ponto crucial do problema: esse pensar é deter-
minado de forma muito abstrata como predomínio do geral sobre o
específico, num processo em que o geral se constitui como conceito.
Pensar sujeito e objeto um cobrindo o outro está na origem da ques-
tão, “o sujeito objetivado e o objeto sendo mera abstração que lhe é
atribuída”.156
E aqui chegamos a um dos eixos cruciais do pensamento
adorniano e sua abertura para a estética: contra esse pensar “cindido”,

156 ADORNO, apud COSTA PASSOS, 30.

93
a arte deve procurar levar o específico (que Adorno equipara ao não-
idêntico) a assumir o que lhe é de direito, exigindo-se que não se vio-
lente pelo pensamento identitário, transformando-se em conceito. No
momento em que a arte tivesse condições de cumprir essa missão, se
isso pudesse ser realizado em uma humanidade “pacificada” – no senti-
do de satisfeita -, cumprir-se-ia a condição segundo a qual Hegel pre-
viu a morte da arte, em uma transição para uma sociedade de filósofos:
“Somente numa humanidade pacificada, a arte deixaria de viver – se
ela morresse hoje, como ameaça suceder, seria apenas o triunfo do mero
Dasein sobre o olhar da consciência que a ele ousa resistir”.157
Porém, Adorno sabe que essa é uma exigência quase impossí-
vel de ser atendida: o pensamento iluminista tenta cobrir, por meio
do conceito, o específico, que tem de esquivar-se a esse movimento
de apropriação. Uma vez apreendido, o objeto artístico vai transfor-
mar-se em identidade, e regride ao mito; é a partir da margem escura
– sua porção que resiste a ser iluminada, resiste a ser esclarecida –
que a obra de arte pode reagir e afirmar sua não-identidade. Com
base nisso, Adorno constata que “as únicas obras [de arte] que hoje
contam são aquelas que não são obras”.158
Enquanto escrevia a Dialética do Esclarecimento junto com
Horkheimer, Adorno já estava redigindo a primeira parte de sua Filo-
sofia da nova Música, terminada em 1940, e, ao mesmo tempo, envol-
vido com os trabalhos de pesquisa de cinema da Fundação Rockefeller.
Alguns conceitos apresentados na DdA, que se referem mais especi-
ficamente à arte musical, são aprofundados na PhnM. Tenhamos em
mente que, partindo da DdA, cumpre ao filósofo pensar a interdição

157 “Erst einer befriedeten Menschheit würde die Kunst absterben: ihr Tod heute, wie er
droht, wäre einzig der Trimph des bloßen Daseins über den Blick des Bewußtseins, der ihm
standzuhalten sich vermißt.” PhnM, 24.
158 “Die einzigen Werke heute die zählen, sind die, welche keine Werke mehr sind.” Ibidem,
37.

94
da manipulação da obra de arte. As palavras-chave são história, pro-
gresso e técnica.
Adorno sabe que, mesmo juntando-se todas as peças do quebra-
cabeça que é a constituição técnica de uma obra de arte, não poder-se-
á reproduzi-la. A técnica, contudo, é a resposta que o artista pode dar ao
mundo que regride à barbárie. A racionalidade boa – da obra de arte – é
a arma para combater a racionalidade instrumental do mundo. Para es-
quivar-se à cooptação pelas forças regressivas, o compositor tem de em-
pregar o material em seu mais recente apuro técnico, pois, no mesmo
instante em que uma nova técnica é incorporada, sua potência já come-
ça a diluir-se. Esse material que, para Adorno, é história sedimentada,
não renega a fonte de onde brotou, mas só conquista sua maioridade ao
superá-la e assumir plenamente sua identidade autônoma. O progresso
na música é, portanto, como vimos no subcapítulo anterior, um movi-
mento oscilante da obra de arte para negar-se à apreensão pelo conceito.
Na PhnM, encontramos como isso seria possível: 1) pelo irrompimento
do irracional na obra de arte; 2) pela máxima racionalização do procedi-
mento composicional; 3) pela submissão à dialética do material e 4) pela
recusa em apreender o heterogêneo.159
Esse era o nó que Eisler tinha mais dificuldade em desatar: a
questão da técnica. Reconhecia o método schönberguiano de com-
posição com 12 sons como uma solução lógica para o esgotamento
do sistema tonal. Porém, temia que o novo estilo não conseguisse
resistir à fetichização da técnica e ao misticismo que soem acompa-
nhar procedimentos criativos demasiado complexos.160 O cerne da

159 GdP, 80.


160 Ainda que não tenha se dedicado tão exaustivamente quanto Adorno à questão
da técnica, Eisler não deixou de apresentar suas reflexões, algumas coincidentes com
a de seu colega frankfurtiano. Quando examina a obra de Carl Philipp Emmanuel
Bach, constata o grande retrocesso que se dá, a enorme simplificação composicional
que representa aquela passagem estilística do barroco para o rococó. Ainda assim,

95
questão era o seguinte: Eisler era um compositor de boa formação, e
que compunha para o povo utilizando-se de fórmulas simples – bem
mais simples do que era capaz. Mas Eisler sabia também que traba-
lhar dessa forma era coisa para poucos; ao fim e ao cabo, faltariam
compositores de qualidade para o proletariado.
A solução estaria provavelmente, pensa Eisler, em uma mu-
dança da função social da música. Não bastaria, então, apenas apro-
priar-se de novos métodos de criação; seria preciso, ao contrário, ob-
servar quais modificações do material seriam trazidas pela “nova arte
revolucionária”.161 Uma transformação do papel da música na socie-
dade de uma forma geral traria necessariamente um novo critério
estético. Discordando de Adorno, não teriam importância, nessa con-
cepção, qualidades como “moderno” ou “ultrapassado”, e sim “útil”
(e mais: útil para quem?) e “inútil”. O progresso na música, para Eisler,
não se resume em incorporar novos procedimentos técnicos, e sim
em fazê-lo para novos objetivos sociais.162 Para Eisler, valia o aforisma
brechtiano: “o verdadeiro progresso [avanço] não está em ser pro-
gressista, mas em progredir [avançar]”,163 isto é, a ação tem mais
valor que a postura intelectual.
Os novos objetivos sociais a que visa o progresso na música,
com os meios para atingi-los, são parte do problema da conciliação de
sujeito e objeto, homem e natureza, e é também um dos temas funda-

observa Eisler, houve um progresso: nasceram novas possibilidades expressivas, uma


nova emocionalidade, graças à possibilidade que então se abria para contrapor temas
de caráter beligerante. O que ocorreu, naquele momento, foi o que Adorno também
apontou na PhnM: para haver um desenvolvimento de um dos parâmetros da músi-
ca, outro ou outros têm que retroceder. A síntese, acredita Adorno, só viria com a
Segunda Escola de Viena sob Schönberg.
161 EISLER, 128.
162 Ibidem, 42.
163 “Wirklicher Fortschritt ist nicht Fortgeschrittensein, sondern Fortschreiten.” BRECHT,
26.

96
mentais da arte. Adorno, com sua estética de orientação metafísica,164
acredita que, se a conciliação fosse efetiva, a arte tornar-se-ia até des-
necessária, pois arte é o aspirar [Sehnsucht] a um algo, um objetivo. A
arte não media esse objetivo, porque ela tem seu lugar de manifestação
[faktischer Ort] no seio do estado do irreconciliado.

Todas as obras de arte, e toda a arte são enigmas; isto


sempre confundiu a teoria da arte. O fato de que obras
de arte digam algo e, ao mesmo tempo, o ocultem,
define o caráter enigmático sob a linguagem.165

O caráter enigmático não é decifrado pela “compreensão” da


obra: “Decifrar o enigma é como [tanto quanto] indicar a razão de
sua indecifrabilidade [Unlösbarkeit]”.

Por um lado, estética é teoria filosófica e, portanto,


alheia à arte. Por outro lado, há necessidade de uma
reflexão filosófica. Obras de arte são formas objetivas
e têm em si a pretensão de objetivar-se; nessa decifra-
ção, o enigma revela seu conteúdo de verdade.166

A infinita espera de uma interpretação é o que caracteriza o


estatuto da arte, espera essa que nunca terá um fim, pois a linguagem

164 SCHULZ, 80.


165 “Alle Kunstwerke, und Kunst insgesamt, sind Rätsel; das hat von altersher die Theorie
der Kunst irritiert. Daß Kunstwerke etwas sagen und mit dem gleichen Atemzug es verbergen,
nennt den Rätselcharakter unterm Aspekt der Sprache.” [Band 7: Ästhetische Theorie:
Ästhetische Theorie. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte
Schriften, S. 4019 (vgl. GS 7, S. 182)]
166 “Einerseits gilt: Ästhetik ist philosophische Theorie und insofern der Kunst Fremd.
Andererseits besteht die Notwendigkeit einer philosophischen Reflexion. Kunstwerke sind
obkektive Gebilde und haben den Anspruch des Objektiven an sich, an dessen Enträtselung
das Rätsel seinen Wahrheitsgehalt enthüllt.” SCHULZ, 86.

97
significativa sofre, diante desse objeto, um processo de subversão que
remonta a algo de muito arcaico e irresolvido, algo que a racionalida-
de objetiva não consegue dobrar: a verdadeira linguagem da arte é
muda. Esse fundamento mudo da linguagem da arte fala ao homem
de uma forma irreconciliada; sua mensagem não pode satisfazer aos
que buscam a identidade de idéia e objeto – recuperar esse imemorial
e verdadeiro momento é a função da arte.
A interpretação do objeto de arte, portanto, tem que ser reali-
zada sempre se tendo em vista o contexto da sociedade, mas não
como Marx o fez, tentando explicar a produção artística apenas de
forma econômica, e sim como Benjamin, realizando uma interpreta-
ção empírico-especulativa que vê a arte ameaçada pelo arruinamento
[Verfall] e tematiza as possibilidades que então se oferecem.
A exegese da arte tem de proceder não apenas de forma críti-
ca-sociológica, mas também histórico-filosófica. Segundo Adorno,
uma visão artística adequada à nossa época só pode ser transmitida
por uma estética não mais ligada à tradição, isto é, a arte quer repre-
sentar o específico e não-idêntico, e só pode realizar isso por meio da
ambigüidade. O pensamento que procura subjugar a obra de arte sob
um conceito, forçando-a a igualar-se a esse conceito, é aquele que se
aferra ao real, ao dogma, à totalidade, ao visível. A arte não-idêntica
afasta-se dessa realidade, ela busca a abstração.
A recepção junto ao ouvinte será, via de regra, a de não cumpri-
mento das expectativas. Esse é um procedimento que até podemos en-
contrar na música tradicional, porém ali esclerosada enquanto expedi-
ente de efeito, como é o caso da cadência quebrada (V7 => VI)167 a

167 Na harmonia tradicional, a cadência à tônica (V7 => I) é o gesto de, resolvendo
a tensão do acorde construído sobre o 5o. grau, retornar ao acorde Fundamental,
construído sobre o 1o. grau, correspondendo ao movimento de arsis e thesis. A cadên-
cia quebrada, ou cadência de surpresa, ou ainda de engano [Trugschluss], prolonga a
sensação de afastamento da tônica através da resolução não sobre a Tônica ( I ),
mas, por exemplo, sobre o 6o grau, a Superdominante (V7 => VI).

98
partir do barroco. A música autônoma, como Adorno a preconiza, traz
em sua recepção momentos de ambigüidade e de paradoxo. Paradoxo
por recusar-se ao movimento esperado de resolução, por furtar-se à iden-
tificação, e ambigüidade por não oferecer solução acabada, por deixar ou
em aberto ou por oferecer uma abertura para diversos sentidos de inter-
pretação. Brandindo a obra de arte, o homem-Édipo pode dar a única
resposta possível ao enigma da esfinge proposto pelo mundo.168

As obras de arte erguem-se sobre os enigmas propos-


tos pelo mundo para devorar os homens. O mundo é a
esfinge; o artista, seu Édipo tornado cego; e as obras
de arte são da mesma natureza que a sábia resposta
que atira a esfinge no abismo. Assim, toda arte está
contra a mitologia. Em seu ‘material’ natural está sem-
pre contida a ‘resposta’, a única resposta possível e
correta, mas nunca separada da própria obra.169

Como observa em seu estudo sobre a ambigüidade, os


múltiplos aspectos e valores resultantes da obra de arte moderna são
caracterizados por um constante movimento de esquiva, que nunca
cessa, oscilando de um extremo a outro, visitando os significados mais
diversos, por excludentes que sejam. Nunca confirma um significado
definitivo, pois encontrar um sentido “verdadeiro” equivaleria a pa-
ralisar o movimento que anima sua condição autônoma. O enigma
perdura para a eternidade, pois Édipo se recusa a responder com me-
ros “sim” ou “não”.

168 GdP, 57.


169 “Die Kunstwerke versuchen sich an den Rätseln, welche die Welt aufgibt, um die
Menschen zu verschlingen. Die Welt ist die Sphinx, der Künstler ihr verblendeter Ödipus
und die Kunstwerke von der Art seiner weisen Antwort, welche die Sphinx in den Abgrund
stürtzt. So steht alle Kunst gegen die Mythologie. In ihrem naturhaften ‘Material’ ist die
‘Antwort’, die eine mögliche und richtige Antwort, allemal schon enthalten, aber
ungeschieden.” PhnM, 125-126.

99
As emoções mais brutas, como terror, alegria, tris-
teza, etc., com as quais a arte se contenta durante
o período anterior, exercem, agora, pouca atração
sobre o artista. Ele deseja empenhar-se em desper-
tar emoções sem nome até então, de natureza mais
refinada. Ele mesmo vive uma existência relativa-
mente distinta e complexa e o trabalho que pro-
duz deve, necessariamente, acordar emoções mais
apuradas nos espectadores suscetíveis a elas, emo-
ções que não somos capazes de expressar com as
palavras. 170

O conceito de arte autônoma fica, assim, ligado à idéia do


indeterminado. O caminho rumo à indeterminação é tomado pela
arte no exato momento da criação, ao receber seu caráter de aparên-
cia [Schein], dissociando-se da realidade que a modelou.

2.3 Idéia x ideologia


A tensão entre arte política e arte autônoma examinada no
tópico anterior permitiu-nos constatar pontos de convergência entre
as teorias da estética e da sociedade. Em Adorno, particularmente, o
pensamento estético é uma extensão de sua teoria do conhecimento:
para ele, arte é conhecimento.171 Passaremos agora a examinar a con-

170 KANDINSKI apud , 179.


171 Veja-se a Introdução da Filosofia da Nova Música de Adorno, que abre com a
citação de Hegel: “Pois na arte temos que ver, não através de um simples jogo
agradável ou útil [...] mas através de um desdobramento da verdade.172” “Denn in
der Kunst haben wir es mit keinem bloß angenehmen oder nützlichen Spielwerk, sondern…
mit einer Entfaltung der Wahrheit zu thun.” HEGEL, Ästhetik III, apud ADORNO,
PhnM, 13.

100
trovérsia Adorno-Lukács, abordando de outro ângulo a questão da
arte realista e sua condição de produzir conhecimento. A posição de
Adorno, já a conhecemos :

Se o romance quiser permanecer fiel ao seu legado


realista, e dizer como as coisas realmente são, então
tem de renunciar a um realismo que, reproduzindo
apenas as fachadas, só ajuda a iludir ainda mais.172

O encontro que teve em Viena com Lukács em 1925, onde


não conseguiram conciliar suas idéias,173 seria paradigmático para
o restante da vida de Adorno, que sempre teve que se haver com
críticas acerca de sua recusa de uma intervenção militante na soci-
edade. Ele permaneceria fiel à máxima kantiana de total inutilida-
de da arte:

Mas a função da arte no mundo totalmente funcional


é sua não funcionalidade; seria pura superstição ima-

172 “Will der Roman seinen realistischen Erbe treu bleiben, und sagen, wie es wirklich ist,
so muß er auf einen Realismus verzichten, der, indem er die Fassade reproduziert, nur dieser
bei ihrem Täuschungsgeschäft hilft.” [Band 11: Noten zur Literatur: Standort des Erzählers
im zeitgenössischen Roman. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno:
Gesammelte Schriften, S. 8867]
173 A este respeito, escreve Adorno ao seu professor de composição, Alban Berg
(21/junho/1925): “Em Viena deu-se logo uma discussão com Lucáks [...] o pen-
sador marxista que, como o senhor sabe, eu muito admiro; pessoalmente ele me
impressionou muito, mas objetivamente não foi possível nos entendermos, o que
me doeu muito, principalmente por se tratar de Lukács, que, intelectualmente,
me influenciou mais do que praticamente qualquer outro.” [“In Wien dann kam
es sogleich zu einer Diskussion mit Lukács [...], dem marxistischen Denker, den ich,
wie Sie wissen, sehr verehre; menschlich hat er sehr stark auf mich gewirkt, aber sachlich
war eine Verständigung unmöglich, uns das mußte mir bei Lukács besonders schmerzlich
sein, der geistig mich tiefer fast als jeder andere beeinflußt hat.”] ADORNO-BERG:
Briefwechsel, 17.

101
ginar que ela pudesse agir diretamente [no mundo]
ou provocar uma tal ação.174

Só através da não funcionalidade é que Adorno compreende a


obra de arte. Apenas assim pode-se assegurar a autonomia da cria-
ção artística. Enquanto produto da sociedade, a arte permanece fato
social, mas sua relação para com a sociedade será sempre a de desa-
fio, de contradição. Essa a posição de Adorno – arte como reserva de
resistência à sociedade – contra a teoria do espelhamento, ou do re-
flexo, propugnada por Lukács, segundo a qual a arte deve refletir a
realidade do mundo.175 A arte moderna ou de vanguarda, segundo
Lukács, é decadente, juntamente com todos seus seguidores,176 e ele
não a considera adequada para mobilizar politicamente as massas de
espectadores. Nisso, alinha-se ao que Brecht escreveu sobre o em-
prego da música no teatro:

Hoje, não se pára de escrever música “avançada” para


as salas de concerto. Um único olhar aos espectadores
dos concertos nos revela quão impossível é o emprego
de uma música que provoca tal efeito para objetivos
políticos e filosóficos.177

174 “Aber die Funktion der Kunst in der gänzlich funktionalen Welt ist die Funktionslosigkeit;
purer Aberglaube, sie vermöchte direkt einzugreifen oder zum Eingriff zu veranlassen.”
[Band 7: Ästhetische Theorie: Paralipomena. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W.
Adorno: Gesammelte Schriften, S. 4509]
175 A este respeito, ver o capítulo Vers une musique formelle, em ALBERTI DA
ROSA: Música e mitologia do cinema.
176 Ver SCHMIDT-BETSCH, 12.
177 “Immer noch wird heute die ‘fortschrittliche’ Musik für den Konzertsaal geschrieben.
Ein einziger Blick auf die Zuhörer der Konzerte zeigt, wie unmöglich es ist, eine Musik, die
solche Wirkungen hervorbringt, für politische und philosophische Zwecke zu verwenden.”
BRECHT, 249.

102
Já Adorno não imagina como uma obra de arte engajada possa
resistir à dominação, servindo-se dos mesmos expedientes do
dominador. Como observa na Teoria estética, “mesmo aquelas obras
de arte que se posicionam de forma polêmica contra o status quo,
operam de acordo com os princípios aos quais elas se opõem”.178 Para
resistir ao status quo e à repressão que ele opera na sociedade, a solu-
ção seria empregar a racionalidade de forma mimética: assimilando
num grau extremo a racionalidade instrumental, a obra de arte con-
segue resistir-lhe e mesmo superá-la, dando-se a possibilidade de re-
conciliação das razões formal e estética. “A racionalidade do
dodecafonismo não é aquela ruim e vazia do utilitarismo [des
praktischen Systems]”:179 trata-se da boa racionalidade, porque ela é
mediada com fantasia.180

Nenhuma obra de arte pode se desenvolver em uma


sociedade baseada na força sem valer-se de sua pró-
pria força; assim, contudo, entra em conflito com sua
verdade, com o governo de uma sociedade futura, que
não conhece e não mais necessita do poder.181

178 “Noch das sublimste Kunstwerk bezieht bestimmte Stellung zur empirischen Realität,
indem es aus deren Bann heraustritt, nicht ein für allemal, sondern stets wieder konkret,
bewußtlos polemisch gegen dessen Stand zur geschichtlichen Stunde.” [Band 7: Ästhetische
Theorie: Ästhetische Theorie. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno:
Gesammelte Schriften, S. 3740]
179 SCHEIBLE, 54.
180 GdP, 75.
181 “Kein Kunstwerk kann in einer auf Macht gegründeten Gesellschaft gedeihen, ohne
auf die eigene Macht zu pochen, aber damit gerät es in Konflikt mit seiner Wahrheit, mit der
Statthalterschaft für eine kommende Gesellschaft, die Macht nicht mehr kennt und ihrer
nicht mehr bedarf.” [Band 12: Philosophie der neuen Musik: Strawinsky und die
Restauration. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte
Schriften, S. 10288]

103
A crítica de Lukács à decadência da arte de vanguarda é
revidada por Adorno, que a equipara ao banimento imposto pelos
nacional-socialistas ao expressionismo na República de Weimar,
desqualificado como arte degenerada [entartete Kunst]. O aflorar do
inconsciente nas criações expressionistas configuravam-se, para o
pensador húngaro, como um desvirtuamento do caminho natural da
arte, que deveria manter vínculo com a face visível da vida em sua
superfície, rejeitando a expressão de pulsões ocultas e reprimidas como
as identificadas por Freud.

Devemos considerar, antes de mais nada, que cada ca-


tarse estética é um reflexo concentrado e consciente-
mente produzido de comoções cujo original pode-se
encontrar sempre na própria vida [...]. Por isso, é ne-
cessário registrar que a crise catártica desencadeada
pela arte no receptor reflete os traços mais essenciais
dessas constelações vitais.182

Ainda assim, queremos insistir que, em sua aversão ao


ideologismo e ao partidarismo, Adorno não quis perceber que a “de-
cadência” atacada por Lúkács nada tem a ver com a “degeneração”
dos nazistas, referindo-se, isto sim, à produção vanguardista distan-
ciada do humano, criticando a produção super-tecnicizada.183 Per-
manece, contudo, perigoso autorizar comissões oficiais de estética a
avaliar o processo da criação artística, e nisso a crítica de Adorno é
tanto ao III Reich como à União Soviética stalinista:

Toda a literatura moderna, desde que não se enqua-


dre em uma fórmula, seja do realismo como do socia-
lismo, é condenada e sujeita sem delongas ao odioso

182 LUKÁCS, 509.


183 Cf. SCHMIDT-BETSCH, 12.

104
rótulo de decadente, uma afronta que tem encoberto
todos os horrores da perseguição e morte, e isso não
apenas na Rússia.184

A tese de Lukács é que a linguagem da obra de arte – mediada


pelo reflexo artístico da realidade – é a linguagem da realidade, não
podendo ser reduzida à opinião subjetiva do criador,185 já que – e
aqui em concordância com Adorno – é fortemente determinada por
sua historicidade.

Qualquer que seja a posição que se adote frente ao


problema de se a música é uma espécie de reflexo ge-
ral da realidade [...], ninguém negará o papel da com-
posição musical enquanto orientadora da evocação,
bastando que quem o examine possua uma vaga idéia
do papel histórico da música.186

Já para Adorno, “a arte converge com a realidade apenas na


cristalização da própria lei da forma, e não na aceitação passiva dos
objetos”.187 Aparentemente, a intenção de Lukács era superar a tra-
dição idealista através de uma teoria do conhecimento de orientação

184 “Die gesamte moderne Literatur, soweit auf sie nicht die Formel eines sei’s kritischen,
sei’s sozialistischen Realismus paßt, ist verworfen, und es wird ihr ohne Zögern das Odium
der Dekadenz angehängt, ein Schimpfwort, das nicht nur in Rußland alle Scheußlichkeiten
von Verfolgung und Ausmerzung deckt.” [Band 11: Noten zur Literatur: Erpreßte
Versöhnung. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften,
S. 9213]
185 Cf. SCHMIDT-BETSCH, 4.
186 LUKÁCS, 424.
187 “Nur in der Kristallisation des eigenen Formgesetzes, nicht in der passiven Hinnahme
der Objekte konvergiert Kunst mit dem Wirklichen.” [Band 11: Noten zur Literatur: Erpreßte
Versöhnung. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften,
S. 9223]

105
dialética e marxista fortemente carregada de ideologia. A concepção
marxista de história marca o pensamento estético do húngaro:188 em
Lukács, a consciência histórica da humanidade encontra-se perma-
nentemente avançando, sendo a arte parte integrante desse avanço.
O progresso da arte, para Lukács, consequentemente, é não apenas o
avançar no tempo, mas o expandir da consciência de classe do indi-
víduo – daí a arte que visa ao progresso tem de visar, igualmente, à
conscientização do homem.189

Em um grande artista moralista, como Brecht, a pre-


servação do núcleo da catarse é tão visível como a
profunda desconfiança frente ao efeito meramente
emocional da arte. O efeito de distanciamento [...]
propõe-se a destruir a catarse vivencial, meramente
imediata, para dar lugar a outra que, mediante a co-
moção racional do homem inteiro do quotidiano, im-
ponha-lhe uma real conversão.190

188 Entretanto, em seu clássico História e consciência de classe, como aponta Konder,
Lukács ainda rejeitava a teoria do reflexo como instrumento de conhecimento, daí
ela ainda não integrar, naquela fase, seu pensamento estético. Foi em obras subse-
qüentes que Lukács reformulou sua teoria, e passou a admitir que a consciência – e,
com ela, também a consciência artística – reflete a realidade. Cf. KONDER: Os mar-
xistas e a arte, 151.
189 “O progresso não se resume em incorporar novos procedimentos técnicos, e sim
em fazê-lo para novos objetivos sociais”. EISLER, 42. Parceiro de Adorno no
Komposition für den Film, Hanns Eisler acredita que critérios como “moderno” ou
“ultrapassado” não serão capazes de dar conta da potencialidade que a música tem
para agir no meio da sociedade. Ser meramente moderna e não contribuir no
engajamento das massas seria insuficiente. Moderna é a arte que aponta para o futu-
ro de indivíduos conscientizados e trabalha com a finalidade de construir uma nova
sociedade (comunista). MmC, 44.
190 LUKÁCS, 514-5. A teoria brechtiana da dramaturgia rompeu com o tradicional
objetivo da encenação teatral, que, desde a Antigüidade, sempre havia sido a como-
ção do espectador junto ao drama dos protagonistas. Os Escritos sobre teatro de
Brecht levam justamente o sub-título - por uma dramaturgia não aristotélica.

106
A forma otimista como Lukács entende a existência de um
progresso histórico não é compartilhada por Adorno, para quem as
muitas recaídas e regressões à barbárie não asseguram poder-se afir-
mar sua existência, a não ser condicionada por ciclos inesperados
que eclodem fortuitamente. O progresso que Adorno vislumbra é o
do material, na obra de arte, e, ainda assim, só de parâmetros isola-
dos do material, à custa do atraso de outros.191 Uma visão tecnicista
de progresso como a dos marxistas ortodoxos traz em seu bojo, para
Adorno e seus colegas da Escola de Frankfurt, a temida dominação
completa da Natureza, já que só depois dessa posse total do saber
sobre o mundo empírico todos os indivíduos poderiam se unir em
uma única sociedade sem classes. Mais difícil ainda: como o
frankfurtiano adverte, “quem busca precisar o conceito corre o risco
de destruir o seu alvo”.192 Dessa forma, sinaliza que a tarefa de apre-

O ideal do teatro de Brecht é fazer com que as pessoas, a partir do reconhecimento


de que a situação política, social, econômica e cultural em que se encontram não
foi determinada por Deus ou pela natureza, aprestem-se para a ação. Brecht dis-
tancia-se, assim, não só de Aristóteles mas também de Lessing e sua expectativa de
educar para a virtude. “Uma dramaturgia não-aristotélica nunca deveria apresen-
tar suas ações enquanto destino implacável, a que os homens estão entregues, in-
defesos, ainda que reajam de forma nobre e valente. Ela [a dramaturgia não-
aristotélica] deve examinar de perto este destino e revelar nele a intriga de outros
homens.” [“Nichtaristotelische Dramatik würde die Ereignisse, die sie vorführt, keineswegs
zu einem unentrinnbaren Schicksal zusammenfassen und diesem dem Menschen hilflos,
wenn auch schön und bedeutsam reagierend, ausliefern, sie würde im Gegenteil gerade
dieses ‘Schicksal’ unter die Lupe nehmen und es als menschliche Machenschaften
enthüllen.”] BRECHT, 243-4.
191 Por exemplo, depois de Bach, a Escola de Mannheim aceita o retrocesso de abrir
mão da polifonia. Carl Philipp e os outros filhos de Johann Sebastian Bach já compõe
em estilo Rococó. O classissismo, assim, nasce da repressão ao contraponto, desen-
volvendo-se – progredindo – apenas a melodia acompanhada, o que viabilizará, em
algumas décadas, o aparecimento de Haydn e Mozart.
192 “Wer den Begriff präzisieren will, zerstört leicht, worauf er zielt.” [Band 10: Kulturkritik
und Gesellschaft I/II: Fortschritt. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno:
Gesammelte Schriften, S. 8420 (vgl. GS 10.2, S. 617)]

107
ender o progresso pode ser vã – mais do que isso: pode ser a única que
não se deve tentar, já que a própria natureza do conceito é tão fugidia
que se subtrai a um saber. A angustiante pergunta que não pára de
ressoar – isto é, se há progresso – acaba se transformando em armadi-
lha que, uma vez respondida, só se presta à conservação do ruim.
Para Adorno, a aflição individual diante da falta da palavra salvadora
– progresso – resume a interdição de defini-lo de forma generalizada.
Pensar o progresso deve estar comprometido com manter-se à dis-
tância dele - sua possibilidade é a de “afastar a catástrofe”.193 Adorno
argumenta que, “se identifica progresso com redenção, entendida essa,
pura e simplesmente, como intervenção transcendental, então ele
perde, junto com a dimensão temporal, qualquer significado percep-
tível e se volatiliza em teologia a-histórica”.194
Schmidt-Betsch acredita que o projeto de Lukács era ancorar
filosoficamente a ânsia de onipotência dos comandos socialistas195

193 “Augustin hat erkannt, daß Erlösung und Geschichte nicht ohne einander sind
und nicht ineinander, sondern in einer Spannung, deren gessaute Energie schließlich
nicht weniger will als die Aufhebung der geschichtlichen Welt selber. Um kein Geringeres
jedoch ist im Zeitalter der Katastrophe der Gedanke an Fortschritt überhaupt noch zu
denken.” [Band 10: Kulturkritik und Gesellschaft I/II: Fortschritt. Digitale Bibliothek
Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 8428 (vgl. GS 10.2, S.
622)]
194 “Wird Fortschritt gleichgesetzt der Erlösung als dem transzendenten Eingriff schlechthin,
so büßt er, mit der Zeitdimension, jede faßliche Bedeutung ein und verflüchtigt sich in
geschichtslose Theologie.” [Band 10: Kulturkritik und Gesellschaft I/II: Fortschritt. Digitale
Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 8427 (vgl. GS
10.2, S. 621)]
195 Lukács alude em sua Estética ao conflito entre “uma sensibilidade artística viva”
e “as tarefas vitais do homem inteiro que vive na realidade”: com isso, estava se
referindo à tarefa de construir a sociedade socialista sem classes. E cita Gorki, que
descreve um conflito deste tipo em suas memórias de Lenin: “Lenin estava ouvindo
algumas sonatas de Beethoven, e disse: ‘Não conheço nada mais belo que a
Apassionata, poderia escutá-la todos os dias. É uma música maravilhosa, além do
humano. Sempre penso, com um orgulho talvez ingênuo e pueril, que os homens são

108
para fazer justamente o que Adorno queria evitar, isto é, resgatar a
arte de sua mediação objetiva e infiltrar, a partir de fora, sua objetivi-
dade.196 Lukács, sugere John Baldacchino, teria incorrido em um
engano que arrastou consigo muitos pensadores marxistas, mesmo
alguns dos mais rigorosos: o fato de Karl Marx não ter legado nenhu-
ma estética197 deu margem a que surgissem vários escritos teóricos
apócrifos, que impuseram uma concepção de estética que Marx “te-
ria querido escrever (!)”.198

Ademais da tragédia cultural nos países socialistas, es-


sas estéticas “pretensamente corretas” falharam em
ocultar uma atitude de certa maneira sectária, que
mesmo um pensador rigoroso como Lukács não con-
seguiu evitar. Típico delas é o descarte da Modernida-

capazes de realizar tais milagres.’ Logo, estreitou os olhos, sorriu e terminou amargo:
‘Mas não posso escutar música com muita freqüência. Mexe com os nervos, a gente
tem vontade de falar bobagens e acariciar a cabeça de homens que vivem neste
imundo inferno, e, apesar disso, conseguiram criar tanta beleza. E hoje não é permi-
tido acariciar a cabeça de ninguém, porque podem arrancar-te a mão. Deve-se é
golpear essas cabeças, bater nelas sem compaixão, ainda que em nosso ideal sejamos
contra toda violência entre os homens. Hm, hm, temos um trabalho de uma dificul-
dade demoníaca.’” LUKÁCS, 497-8.
196 “O primado do objeto não deve ser confundido com tentativas de fazer a
arte emergir de sua mediação subjetiva e de infiltrar sua objetividade a partir de
fora. Arte é a prova da proibição da negação positiva: prova de que a negação do
negativo não é o positivo, não é a conciliação com um objeto ele mesmo
irreconciliado.” [“Der Vorrang des Objekts ist nicht zu verwirren mit Versuchen, Kunst
aus ihrer subjektiven Vermittlung herauszubrechen und ihr Objektivität von außen her
zu infiltrieren. Kunst ist die Probe auf das Verbot positiver Negation: daß die Negation
des Negativen nicht das Positive, nicht die Versöhnung mit einem selber unversöhnten
Objekt sei.”] [Band 7: Ästhetische Theorie: Paralipomena. Digitale Bibliothek Band
97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 4514] A este respeito, ver
SCHMIDT-BETSCH, 4.
197 Ver MmC, 32-6.
198 BALDACCHINO, 11.

109
de, seguido de uma rígida e restrita teoria do realismo
que era tanto culturalmente míope como filosofica-
mente enganadora.199

O realismo socialista, perseguindo objetivos bem funcionais e


inseparavelmente ligado à ideologia, não faria mais que falsificar a
realidade – o verdadeiro realista seria o que nega o reflexo do mundo
no palco. Na Teoria estética, lemos:

Primado do objeto e realismo estético opõem-se hoje


quase que contraditoriamente, e isto segundo um cri-
tério realista: Beckett é mais realista que os realistas
socialistas, os quais, com seu princípio, falsificam a
realidade. Se estes a [à realidade] tomassem sufici-
entemente a sério, se aproximariam do que Lukács
condena, ele que, durante sua prisão na Romênia,
teria dito que agora sabia que Kafka era um escritor
realista.200

Os dois autores são irredutíveis: de sua parte, Adorno lê Lukács


de forma algo estreita. Em Arte e verdade objetiva [Kunst und objektive
Wahrheit], Lukács não fala de uma mera duplicação da realidade físi-

199 “Apart from the cultural tragedy in socialist countries, these would-be ‘correct’ aesthetic
theories failed to conceal a samewhat sectarian attitude wich even a rigorous thinker like
Lukács could not enterely avoid. Typical is the dismissal of Modernism, followed by a rigid
and restricted theory of realism that was both culturally myopic and philosophically
misleading.” Ibidem, 11.
200 “Vorrang des Objekts und ästhetischer Realismus sind heute fast kontradiktorisch
einander entgegengesetzt, und zwar nach realistischem Maß: Beckett ist realistischer als
die sozialistischen Realisten, welche durch ihr Prinzip die Wirklichkeit verfälschen. Nähmen
sie diese streng genug, so näherten sie sich dem, was Lukács verdammt, der während der
Tage seiner Haft in Rumänien geäußert haben soll, nun wisse er, daß Kafka ein realistischer
Schriftsteller sei.” [Band 7: Ästhetische Theorie: Paralipomena. Digitale Bibliothek
Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 4513]

110
ca por meio da arte.201 Mais de uma vez, o pensador húngaro ataca o
que chama de materialismo mecânico [mechanischer Materialismus];202
sua busca era por um equilíbrio entre natureza e sociedade, pela rela-
ção de indivíduo e sociedade.203

O reflexo artístico da realidade deve também ser jul-


gado a partir deste ponto de vista [dialético]. Pois, se
a dialética em geral – e, pelo que importa a nossas
presentes considerações, a dialética da essência e da
aparência - é um fato elementar e básico da vida, é
claro que não se pode nem pensar em um reflexo me-
cânico, ‘fotográfico’ da realidade enquanto fundamen-
to da vida quotidiana e do trabalho.204

Quando diz que a arte de vanguarda é decadente, ele se refere


ao distanciamento, à elevada organização técnica que a separa do
mundo, em vez de nele permanecer para forçar mudanças na socieda-
de. Lukács, aparentemente, surpreende-se com a face não humana da
arte moderna e por isso quer recuar ou permanecer em uma estética
figurativa, estética essa que, para os marxistas críticos frankfurtianos,
abriga o perigo da manipulação ideológica. Para Lúkacs, catarse (a
kátharsis de Aristóteles) e mímese permanecem pilares insubstituíveis
da experiência estética, e, para realizá-las, a obra de arte não pode

201 Seu objetivo era aplicar à estética a concepção de Lênin de que a representação
artística realista não coincide com o real, sendo meramente sua imagem. Para Lukács,
a arte deve refletir não a superfície do real, mas sua essência. (Cf. KONDER: Os
marxistas e a arte, 152). Ver também MmC, 32-5.
202 LUKÁCS (Kunst und objektive Wahrheit) apud SCHMIDT-BETSCH, 4.
203 A arte, para Lukács, tem que defender a integridade do humano, tem que se
constituir em uma barreira contra o que subtraia ao homem sua qualidade de assim
o ser – daí ele não aceitar a arte expressionista, que, a seu ver, mostra o homem
envilecido, decadente, falsificado.
204 LUKÁCS, 20.

111
acolher nem a ambigüidade nem o caos nem a contradição. Essas ma-
nifestam-se no mundo apenas por ele estar coberto por uma película
de desumanidade, e a tarefa de limpar – purificar – as nódoas cabe à
arte, a uma arte marxista fortemente otimista.

Não é necessário ser um especialista em teoria musi-


cal para reconhecer-se o fato, manifestamente dado
na história, de que a música não se libertou nunca
(ou, para dizê-lo de forma mais prudente, nunca se
libertou de todo) de seu vínculo inicial de conteúdo e
mímese, e nem o quis libertar-se. É um fato geral, um
fato histórico-social da evolução da arte, que, nos úl-
timos séculos, abrandou-se significativamente a anti-
ga rigidez que dominava a música.205

A desumanização que Lukács observou no severo contraponto


dodecafônico da música nova, e que gostaria de corrigir, guarda paren-
tesco com o que Max Weber chamou de desencantamento do mundo206
– o conceito weberiano de racionalização adotado por Adorno, que divi-
de com o pensador húngaro o luto por um mundo cada vez mais ilumi-
nado pela fria luz da alvorada da ciência.207 Com a diferença que Ador-
no não anela um retorno nostálgico a um mundo sem técnica,208 da

205 Ibidem, 425.


206 Ver GdP, 73-5.
207 “Mas a Terra totalmente esclarecida resplandece como sinal de uma calamidade
triunfal.” [“Aber die vollends aufgeklärte Erde strahlt im Zeichen triumphalen Unheils.”]
[Band 3: Dialektik der Aufklärung: Begriff der Aufklärung.”] Digitale Bibliothek Band
97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 1105 (vgl. GS 3, S. 19)]
208 Para o conceito de racionalização em Max Weber e sua aplicação na estética
musical, ver MONCERI, Flavia: Musica e razionalizzazione in Max Weber. “A análi-
se empírica da forma específica que o conceito de racionalização assume na esfera
estética [de Max Weber] é possível quando se utiliza o conceito de ‘progresso’. Em
seu texto sobre Werfreiheit [isenção de valores, neutralidade axiológica], de 1917,
Weber dedica algumas páginas esclarecedoras à possibilidade de aplicar-se tal

112
mesma forma como nunca tinha acalentado a ilusão de a arte ainda
representar traço de humanismo, já que o próprio humanismo e o escla-
recimento foram expostos em toda sua contradição, desde a publicação
da Dialética do esclarecimento. Sua estética é decididamente anti-
humanista. Para ele, “a desumanidade da arte tem que superar a do
mundo, por amor ao homem”.209

Falar em magia da arte é palavrório, porque a arte é


alérgica a uma recaída na magia. Ela se constitui em
um momento do que Max Weber chamou de desen-
cantamento do mundo, entretecido com a racionali-
zação; daí provêm todos seus recursos e processos de
produção; a técnica, desprezada pela sua [da arte] ide-
ologia, é parte intrínseca dela, ao mesmo tempo em
que a ameaça, pois guardou em si tenazmente seu le-
gado mágico, apesar de todas as metamorfoses por que
[a arte] passou.210

Cabe-nos agora tratar da kátharsis em Lukács, um conceito


que admite proximidade com o de Adorno. Ambos os autores, é cer-

conceito à história e à sociologia da arte.” [“L’analisi empirica della specifica forma che
il concetto di razionalizzazione assume nella sfera estetica risulta possibile quando si utilizzi
il concetto di ‘progresso’ [Fortschritt]. Nel saggio sulla Wertfreiheit, del 1917, Weber dedica
alcune illuminanti pagine alla possibilità di applicare tale concetto alla storia e alla sociolo-
gia dell’arte.”] MONCERI, 61.
209 “Die unmenschlichkeit der Kunst muß die der Welt überbieten um des Menschlichen
willen”. PhnM, 125.
210 “Die Rede vom Zauber der Kunst ist Phrase, weil Kunst allergisch ist gegen den
Rückfall in Magie. Sie bildet ein Moment in dem Prozeß der von Max Weber so genannten
Entzauberung der Welt, der Rationalisierung verflochten; alle ihre Mittel und
Produktionsverfahren stammen daher; die Technik, welche ihre Ideologie verketzert,
inhäriert ihr ebenso wie sie sie bedroht, weil ihr magisches Erbe in all ihren Verwandlungen
zäh sich erhalten hat.” [Band 7: Ästhetische Theorie: Ästhetische Theorie. Digitale
Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 3858 (vgl. GS
7, S. 86)]

113
to, rejeitam a simples cópia naturalista do mundo, a emulação
aristotélica feita pelo homem enquanto animal imitador. Quando
Lukács fala em kátharsis, ele está se referindo a uma assimilação do
sujeito em uma “totalidade sadia” [gesunde Totalität], que ele propugna
ser o caminho para uma verdadeira individualidade.211 Vejamos: em
contato com a arte, o indivíduo inicia um processo de purificação,
que o levará à conscientização do seu papel social e político. Nesse
processo, ele experimenta um divórcio das condições empíricas do
mundo, elevando-se graças à sua crescente consciência social e ex-
perimentando uma totalidade sadia, isto é, sadia porque depurada de
elementos reacionários que não eram parte intrínseca de sua perso-
nalidade.

A transformação de todo o homem no homem inteiro


provoca, assim, uma expansão e enriquecimento de
conteúdo e forma, real e potencial de sua psique. No-
vos conteúdos derramam-se sobre ele, que amplia seu
patrimônio de vivências. Enquanto ele é instruído pelo
meio homogêneo da obra a compreendê-la e apropri-
ar-se do novo que nela há, desenvolve-se, ao mesmo

211 O conceito de kátharsis, originalmente do âmbito da estética, foi ainda apropri-


ado com significados diversos por outros pensadores políticos do século XX. O itali-
ano Antonio Gramsci escreve que “pode-se empregar o termo catarse para indicar a
passagem do momento meramente econômico (ou egoístico-passional) para o mo-
mento ético-político, ou seja, a elaboração superior da estrutura em superestrutura
na consciência dos homens. Isto significa, também, a passagem do ‘objetivo ao subje-
tivo’. A estrutura, a força exterior que esmaga o homem, que o assimila a si, que o
torna passivo, transforma-se em meio de liberdade, em instrumento para criar uma
nova forma ético- política, em origem de novas iniciativas” (Gramsci, 1977: 1244).
A catarse significa, assim, o momento em que a esfera egoístico-passional, a esfera
dos interesses corporativos e particulares, eleva-se ao ético-político, ao nível da cons-
ciência universal. Constitui o momento da passagem de “classe em si” a “classe para
si”, em que as classes conseguem elaborar um projeto para toda a sociedade através
de uma ação coletiva, cujo objetivo é criar um novo “bloco histórico”. A idéia de
catarse nada mais é do que a síntese do projeto gramsciano. Cf. SIMIONATTO, 8.

114
tempo, sua capacidade de perceber novas formas, re-
lações, etc. como tais e com elas se comprazer.212

E aqui resta-nos ainda fazer uma menção à questão da técnica


em Lukács. Em Adorno, como vimos, ela é parte constitutiva de uma
política de resistência; está sempre buscando superar-se em refina-
mento, novidade e engenho, como única forma de “desumanizar-se”
mais que o homem, mais que o mundo e, a partir daí, poder devolver-
lhe a catástrofe sofrida com o Esclarecimento.213 Lukács, ao contrá-
rio, acredita que a obra de arte realista, mesmo quando gestada em
meio à classe proletária, e mesmo que sua ação seja fortemente inibi-
da pelos obstáculos oferecidos pela própria sociedade, pode gerar seu
efeito catártico, isto é, o desenvolvimento do indivíduo purificado de
sua mácula reacionária, conquistando o que ele chama de saúde do
homem [Gesundheit des Menschen].214 Em suma, para Lukács, a téc-
nica não é conditio sine qua non para o cumprimento do destino da
arte realista, pois, sendo arte verdadeira – reflexo da realidade – ne-
cessariamente se elevará acima das condições sociais onde foi criada.

A emoção estética pode, sem dúvida, produzir-se tam-


bém com a introdução e a utilização de meios expres-
sivos publicísticos em uma estrutura estética.215

212 “Die Verwandlung des ganzen Menschen in den Menschen ganz bewirkt also hier
eine sowohl inhaltliche wie formale, sowohl tatsächliche wie potentielle Erweiterung
und Bereicherung seiner Psyche. Neue Inhalte strömen auf ihn ein, die seinen Schatz
an Erlebnissen vergrößert. Indem er durch das homogene Medium des Werks angeleitet
wird, sie aufzunehmen, das inhaltlich Neue an ihnen sich anzueignen, entwickelt sich
damit simultan seine Wahrnehmungsfähigkeit, neue Gegenstandsformen, Beziehungen
etc. Als solche zu erkennen und zu genießen.” LUKÁCS apud SCHMIDT-BETSCH,
63.
213 Ver nota 207.
214 Ver SCHMIDT-BETSCH, 64.
215 LUKÁCS, 525.

115
Resumindo: a kátharsis, assim como Lúkács a concebe, é um
princípio estético fundamental e imprescindível no caminho para uma
consciência que não apenas reconhece as potencialidades emocio-
nais e racionais do indivíduo, mas também as aceita como intrinse-
camente humanas.216 Nisso, ele incorporou o otimismo expresso por
Lessing em sua Dramaturgia de Hamburgo [Hamburgische Dramaturgie],
que “formula sua finalidade social fundamental como ‘transforma-
ção das paixões em disposições virtuosas’”.

Acreditamos que o conceito de catarse é muito mais


amplo [que o de Aristóteles]. Como em todas as cate-
gorias importantes da estética, também na catarse com-
prova-se que sua origem primeira está na vida, não na
arte, onde ela chegou a partir daquela. Como a catarse
foi e é um momento constante e significativo da vida
social, seu reflexo tem que ser, forçosamente, um moti-
vo sempre recolhido pela conformação estética e, ade-
mais, um elemento já presente entre as forças formado-
ras da reconfiguração estética da realidade.217

Para encerrar, resumamos também nossas considerações acer-


ca da autonomia defendida por Adorno para o objeto de arte, em
que, para responder à tese socialista-realista que atrela fenômeno e
doutrina, propugna uma estética da negatividade. Adorno e Lukács,
em suas irreconciliáveis posições, trilham caminhos que, às vezes,
parecem muito próximos; ambos sustentam que uma cópia naturalis-
ta do mundo empírico 218 orientada por um ideal cientificista e

216 Ver SCHMIDT-BETSCH, 64.


217 LUKÁCS, 500-1.
218 Lukács diferencia o realismo que defende – em especial o da literatura do século
XIX – do naturalismo explicando que “a arte consiste sempre em reter o significativo
e o essencial, e em eliminar o acessório e o inessencial”. LUKÁCS: La signification
présente du réalisme critique, apud KONDER: Os marxistas e a arte, 153.

116
positivista não permite que a obra de arte desenvolva seu potencial
mediador de conhecimento.219 É necessário termos claro, contudo,
que mesmo a arte autônoma adorniana não é absolutamente vazia
de função; ela se ab-roga ser reação contra algo, ser autônoma em
relação a algo, que é o mundo e a sociedade. Ela permanece, então,
negativamente dependente das funções sociais. Outro ponto que
devemos ter claro é que Adorno muito facilmente identifica arte re-
alista com arte a serviço do princípio do reflexo, o que nem sempre
ocorre. Schmidt-Betsch considera exagerada essa posição de Ador-
no, comparando-a com a de Platão, que expulsa da cidade os poetas,
por estes apenas imitarem a realidade das coisas, em detrimento do
pensar filosófico, que asseguraria o verdadeiro conhecimento das
coisas. Adorno, de sua parte, bane a arte realista do repertório, pois
enxerga nessa mera cópia da natureza.220 Tudo isso porque, segundo
concordam vários autores,221 a estética de Adorno possui um funda-
mento idealista e abstrato, a partir do qual se sustenta sua proposta
de autonomia radical.
O caráter idealista de sua estética é construído a partir de uma
análise crítica do ofuscamento a que o indivíduo é submetido no
mundo, o contexto de ofuscamento universal [universaler
Verblendungszusammenhang]. Porém, se considerarmos que o
ofuscamento atinge a tudo e a todos os indivíduos, estará também
dando razão a uma ideologia em detrimento de uma idéia, quer seja,
generalizando – tomando como absoluto – o ofuscamento, em vez de
considerar a possibilidade de abrir-se para uma interdisciplinaridade
das artes e dos materiais, a qual possa superar a tensão entre arte

219 Cf. SCHMIDT-BETSCH, 4-5.


220 Ibidem, 6.
221 De nossa bibliografia, especialmente queremos destacar, referentes a este ponto,
Peter Bürger, Christine Eichel, Burkhard Lindner, Martin Zenck e Petra Cornelia
Schmidt-Betsch.

117
autônoma e arte engajada. Como veremos no Capítulo 4, esse é um
tema urgente diante das questões que nos propõe a Pós-modernida-
de: veremos se ainda é possível à arte responder com enigmas aos
enigmas do mundo.

118
3
O Pós-moderno
– desconstruindo rumo
à nova totalidade?

119
120
A postura crítica de Adorno referente à racionalidade propiciou
que sua Teoria estética tenha sido tomada, ainda que de forma algo
modificada, como ponto de referência para os postulantes do Pós-es-
truturalismo. Pouco antes de morrer, Michel Foucault declarou, em
uma entrevista a Gérard Roulet, que “há evidentes paralelos entre a
análise da sociedade atual, disciplinarista e carcerária, e o ‘mundo ad-
ministrado’ de Adorno”.222 Ao mesmo tempo, contudo – e logo vere-
mos como essa é uma das questões mais prementes da Pós-modernida-
de – , o conteúdo neo-marxista da filosofia adorniana foi diminuído e
expurgado, favorecendo e agudizando-se apenas os aspectos mais ale-
atórios do “anything goes” da estética pós-modernista.
Em nossa leitura atual de Adorno, percebemos com clareza a
linha que conduz - ou no mínimo indica - a recepção pelos pensadores
da estética Pós-moderna. A Dialética do esclarecimento, percebe-se, an-
tecipou eventos que apenas agora estão a cobrar seus desdobramentos.

Quem, há vinte anos, lia a Dialética do esclarecimento,


fazia-o em uma perspectiva determinada por Marx e
pelo Lukács da primeira fase, e o Nietzsche ali oculto
nem era percebido; hoje, ao contrário, temos dificul-
dade em diferenciar Adorno e Horkheimer de Fou-
cault, e em determinar qual exatamente a passagem
onde, apesar de toda a crítica à dominação, ainda se
aferram à razão e ao sujeito.223

222 Nessa mesma série de entrevistas, Foucault lamenta que seus próprios professo-
res, na universidade, nunca tivessem lhe falado da Escola de Frankfurt, pois isso teria
lhe poupado muito tempo e trabalho. Cf. BRIEL, 4.
223 “Wer vor zwanzig Jahren die Dialektik der Aufklärung las, tat dies in einer von Marx und
dem frühen Lukács bestimmten Perspective, und der heimliche Nietzscheanismus wurde gar
nicht bemerkt; heute hingegen haben wir Schwierigkeiten, Horkheimer und Adorno von
Foucault zu unterscheiden und die Stelle genau zu bezeichnen, an denen sie trotz alles
herrschaftsentlarvender Kritik doch an der Vernunft und am Subjekt festhalten.”
SCHNÄDELBACH apud BRIEL, 5.

121
Um conteúdo do pensamento do frankfurtiano que, certamen-
te, nunca encontrará um lugar na estética pós-moderna é a questão
do não-idêntico, visto à luz do infinito processo pós-moderno de cri-
ação de signos. Explicando: os signos, na Pós-modernidade, funcio-
nam como plataformas que admitem apenas a escolha binária por
parte do indivíduo, na base do SIM ou NÃO. Isto é conseqüência do
desenvolvimento tecnológico, que reduz toda informação à lingua-
gem binária dos computadores para, em seguida, reapresentá-la ao
mundo. Ora, este modelo elimina a possibilidade de acolhimento do
terceiro excluso, duramente conquistada pela arte moderna, a possi-
bilidade de não ter necessariamente que ser uma ou outra coisa, a
possibilidade de existir no limiar, no limbo do quase-ser. As técnicas
digitais de gravação e armazenamento de informação e de imagens
são expressão disso: as curvas sinoidais de uma onda sonora são for-
çadas a enquadrar-se ao modelo binário digital. Digitalizados, os sig-
nos pedem escolha. Não uma escolha que respeite a diferença de
cada coisa - a diferença, por exemplo, da não-identidade, que é o
conteúdo de verdade da obra de arte - mas uma escolha rápida, “im-
pulsiva, boa para o consumo”.224
Lyotard recusa como exagero a crítica adorniana ao alheamento
[Entfremdung] da obra de arte (o filósofo francês acredita que essa se
fecha ao exterior como forma de proteger-se a si mesma); acredita-
mos, porém, que a obra de arte crítica nunca poderá existir condici-
onada à economia binária de signos da estética pós-moderna. Outras
possibilidades, inclusive previstas por Adorno, poderão garantir a cri-
ação artística mesmo se aceitarmos a possibilidade do fim do progres-
so histórico do material, mas nunca forçada a escolhas que dela ex-
purguem sua carta de autonomia.

224 FERREIRA DOS SANTOS, 5.

122
Já com Derrida há mais pontos de contato, como observa
Habermas:

Adorno e Derrida são igualmente resistentes a mode-


los conclusivos, totalizantes e englobantes; em espe-
cial são contra o orgânico na obra de arte. Assim,
ambos concedem primazia ao alegórico diante do sim-
bólico, à metonímia diante da metáfora, e ao român-
tico diante do clássico. Ambos valorizam o fragmento
enquanto forma de representação, e colocam toda for-
ma de sistema sob suspeita.225

Com a afirmação habermasiana, ainda assim, queremos con-


cordar apenas em parte, quer seja, com Adorno e Derrida suspeitan-
do de quaisquer sistemas – e, em especial, avessos aos totalizantes –,
e valorizando, em contraposição, o fragmentário. Contudo, já no to-
cante à forma, queremos insistir em que a estética adorniana defende
um objeto artístico de cujo próprio material deriva o tratamento - a
forma a ser deduzida; nessa máxima racionalização, onde material é
forma e forma é material, ela vai buscar a chave para recusar-se ao
subjetivismo romântico. Enquanto Derrida, sim, rejeita o orgânico
na obra de arte, a estética de Adorno permanece clássica – recorde-
mos que seu professor de composição, Alban Berg, e seus modelos,
Arnold Schönberg e Anton von Webern, são os da Segunda Escola
de Viena, não por acaso assim denominada em alusão à Primeira Es-
cola de Viena, a dos clássicos Haydn, Mozart e Beethoven.

225 “Adorno und Derrida sind in gleicher Weise sensibilisiert gegen abschlußhafte,
totalisierende, sich alles einverleibende Modelle, insbesondere gegen das Organische im
Kunstwerk. So betonen beide den Vorrang des Allegorischen vor dem Symbolischen, der
Metonymie vor der Metapher, des Romantischen vor dem Klassischen. Beide betonen das
Fragment als Form der Darstellung, stellen jedes System unter Verdacht.” HABERMAS
apud BRIEL, 6.

123
Nas páginas que seguem, esboçaremos, primeiramente, um qua-
dro do fenômeno pós-moderno na arquitetura, já que aí manifestou-
se primeiro o espírito que depois se transferiu para outras esferas da
sociedade. Logo após, examinaremos, tendo em mente a compara-
ção feita por Habermas, traços pontuais do pensamento dos dois filó-
sofos, já que Derrida é, entre os pós-estruturalistas, aquele que apa-
rentemente mais herdou da estética adorniana.

3.1 No País do Espelho


É difícil resistir à tentação de segregar o filão cultural e esté-
tico da Pós-modernidade, ligando-o à “atual onda de reacionarismo
político que varre o mundo ocidental”.226 Desde Der philosophische
Diskurs der Moderne, de Habermas, a Pós-modernidade passou a ser
vista não como um fenômeno ativo, em movimento, mas como re-
flexo reacionário da crise internacional das esquerdas. Uma vez que
nos encontramos no limiar de seu deslocamento – um deslocamen-
to relacional, que torna sem referência a noção de realidade, de
política, das artes – e não em posição de ver o pós-moderno “como
uma positividade plenamente desenvolvida”,227 só podemos pensá-
lo a partir de dentro, avaliando-o, principalmente, frente à Moder-
nidade.
Lyotard oferece uma resposta que, no caso da arquitetura, pen-
samos, ainda funciona, mas que, nas artes – como veremos mais adi-
ante – fica carente de uma análise menos generalizante: ele sugere
que o pós-moderno “indica simplesmente uma disposição de espírito,

226 GOTT, apud FEATHERSTONE, 1.


227 FEATHERSTONE, 3.

124
ou melhor, um estado da mente”.228 Seu propósito, compreendemos,
foi o de tentar desvincular o movimento de sua denominação, já que
pós-moderno indica uma idéia de inserção em uma periodização his-
tórica, ainda que a ela posterior. Jameson, consoante sua linha mar-
xista, ainda classifica de acordo com categorias históricas, e insiste
na periodização: para ele, o que estamos vivendo é o dominante cul-
tural, ou a lógica cultural, da terceira grande etapa do capitalismo –
o capitalismo tardio.
Na arquitetura, manifestou-se primeiro e com mais clareza a
proposta estética pós-moderna, sendo que apenas depois – e, algumas
vezes, de maneira algo forçada – foi aplicada a outras esferas do social.
A estratégia pós-moderna, de desacreditar como ultrapassado o proje-
to modernista, sentenciando seu término e obsolescência – vide
Habermas -, não deixa de apresentar similitudes com, por exempo, os
projetos da arquitetura fascista na Itália e Alemanha das décadas 1930-
40. Portais, colunas, rotundas, arquitraves e outros indicativos de sime-
tria apontam para uma hierarquização do espaço.229 A par da
monumentalização das construções, assistimos à imitação de uma ar-
quitetura do aprazível: uma aldeia de pescadores, uma granja no cam-
po, um castelo medieval, o que corresponde quase de forma idêntica à
filosofia da chamada Blut-und-Boden-Architektur, a arquitetura sangue
e solo, o estilo regionalista do nacional-socialismo - as construções tri-
lham o caminho contrário ao funcionalismo e à impessoalidade da
Bauhaus. O propósito é voltar a sugerir inspirações de estilo de vida,
mediar a fantasia dos moradores e usuários. A arquitetura pós-moder-
na quer dar a impressão de verdade, ainda que suas janelas sejam fal-
sas, que suas escadas não conduzam a nenhum mezzanino, que suas
colunas sejam dispensáveis para a sustentação dos portais.

228 LYOTARD, apud FEATHERSTONE, 3.


229 DAMUS, 298.

125
A arquitetura própria da Pós-modernidade não se dis-
tingue pela homogeneidade, mas pela variedade.
Tudo é possível. Os projetos dão a impressão de ser
uma grande loja, ou melhor, quase um programa de
televisão. As transmissões alternam-se constante-
mente, para cada um oferecendo algo: alegre ou sé-
rio, refinado ou grosseiro, exigente ou banal, diverti-
do ou educativo. E tudo é não-verdadeiro, é apenas
faz-de-conta.230

O faz-de-conta caracteriza a arquitetura pós-moderna como


uma arte de fachadas. Nisso, contudo, ela se diferencia da arquitetu-
ra da Alemanha nacional-socialista.231 Aquela tinha de ser, ou pelo
menos aparentar ser realmente monumental. Ao contrário disso, a
arquitetura pós-moderna limita-se a ser apenas indicativa. Ela ape-
nas sugere, sem pretender evocar autenticidade, algo que verdadei-
ramente não é. E as fachadas – intercambiáveis – possibilitam a vari-
edade de estilos, já que, aplicadas como máscaras sobre projetos basi-
camente iguais, evocam a ilusão da diferença. A fachada, agora ele-
mento autônomo, cria uma aparente diversidade, mas que não passa
de uma diversidade simbólica e alegórica. A forma não obedece mais,
como na cartilha da Bauhaus, à função.
Nascida da “raiva do humanismo e do legado do Iluminismo”,
denunciando a razão abstrata e uma profunda aversão a todo projeto
que buscasse a emancipação humana universal pela mobilização das

230 “Die der Postmoderne zugerechnete Architektur zeichnet sich nicht durch Einheitlichkeit
aus, sondern durch Vielfältigkeit. Alles ist möglich. Die Architekturszene vermittelt vermittelt
den Eindruck eines Warenhauses, treffender: sie gerät in der Nähe des Fernsehens. Ständig
wechseln die Programme, bieten für jeden etwas, Heiteres und Ernstes, Feines und Grobes,
Anspruchsvolles und Jedermannsgeschmack, Ulterhaltsames und Bildendes. Und alles ist
nicht wirklich, ist nur ein Als-Ob.” Ibidem, 307.
231 Ibidem, 308.

126
forças da tecnologia, da ciência e da razão232 , a arquitetura pós-mo-
derna inverteu a máxima funcionalista da Modernidade: em vez de
form follows function – da função decorre a forma – agora está valen-
do forma follows fiasco – do fiasco decorre a forma233 – eis o credo da
arquitetura de fachadas.
Ernestine Bennersdorfer, em seu artigo Luta dos símbolos: sobre
a gênese da estética nacional-socialista [Kampf der Symbole: zur Genese
der nationalsozialistischen Ästhetik], apresenta três características do-
minantes na estética nacional-socialista, todas presentes no ideário
da arquitetura pós-moderna:
1. Modernização: as fileiras de colunas e de bandeiras passaram
a expressar a uniformidade e a organização militar aspirada
pelo nacional-socialismo, eliminando a possibilidade de caos
e desorganização, próprios de um passado atrasado e impuro.
2. Monumentalização: os nacional-socialistas lançaram mão de
uma inclemente prática do ecletismo (na arquitetura e nos
cartazes de propaganda), assimilando símbolos arcaicos (a cruz
suástica) para instrumentalizá-los com fins políticos. As cita-
ções, contudo, eram, sempre apresentadas em dimensões mo-
numentais, como expediente para conquistar credibilidade.
3. Desproletarização: foi posta em ação uma política que, ideo-
logicamente nascida do discurso da social-democracia, foi
adaptada e recontextualizada para adequar-se à linha do par-
tido. social e do Leistungsbewusstsein, o que poderíamos tradu-
zir como consciência dos objetivos (de ascensão): ambos fo-
ram insistentemente expostos como objetivo para uma
desproletarização das massas trabalhadoras.

232 BERNSTEIN apud FERREIRA DOS SANTOS, 16.


233 Cf. FERREIRA DOS SANTOS, 35.

127
Não há dúvida de que a arquitetura fascista, assim, apresenta-
se enquanto manifestação aurática, em oposição às desencantadas
propostas democráticas.234 Fica, dessa forma, exposta a ligação entre
o fascismo e a concepção da l’art pour l’art:235 Ambos concedem ao
estético primazia sobre as normas éticas. Como disse Mussolini, em
seu discurso de 28/10/1923, em Milão: “Quem diz ‘fascismo’ diz, an-
tes de tudo, beleza”.236

3.2 Adorno e Derrida – contra rationem,


sed pro qua re?
A preocupação constante em negar-se ao conceito filosófico
pode caracterizar Adorno, aponta Briel,237 como precursor de Derrida
e do pós-estruturalismo – some-se, à recusa do conceitual totalizante,
sua crítica ao sujeito, seu estilo fragmentário de escrita, e a crítica e
diálogo constantes com Hegel. Entretanto, nesses pontos de contato

234 Ver FALASCA-ZAMPONI, Simonetta: Fascist Spectacle – the Aesthetics of Power


in Mussolini’s Italy.
235 “A idéia da beleza, que o princípio da l’art pour l’art estabelece, não precisa, na
verdade [...] ser formalmente classicista; amputa, porém, como perturbador, todo
conteúdo que, já aquém da lei formal – portanto anti-artístico -, não se curva a um
cânone dogmático do belo.” [“Die Idee der Schönheit, welche das l’art pour l’art-Prinzip
aufrichtet, soll zwar, [...] nicht formal-klassizistisch sein, schneidet aber doch jeden Inhalt
als störend ab, der nicht schon diesseits des Formgesetzes, also gerade anti-artistisch, einem
dogmatischen Kanon des Schönen sich beugt.”] [Band 7: Ästhetische Theorie: Ästhetische
Theorie. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften,
S. 4302 (vgl. GS 7, S. 352)]
236 Cf. FALASCA-ZAMPONI, 16.
237 BRIEL, 7.

128
entre a filosofia adorniana e o pós-estruturalismo, e em especial o de
Jacques Derrida, é que se escondem, veremos, algumas diferenças
muito relevantes. Como o título deste sub-capítulo anuncia, Adorno
e Derrida são contra a racionalidade [contra rationem]. Cumpre-nos
investigar, agora, a favor de quê [pro qua re] eles sejam. De saída,
podemos dividir em dois campos bem distintos o cerne do que os dois
pensadores acreditam ser a esfera de ação de suas filosofias: enquan-
to Adorno segue a linha marxista, e – constatando um desvio nas
relações humanas – espera por um reequilíbrio na esfera do social,
Derrida concentra sua atenção na lógica e na linguagem – essas é
que teriam sido desvirtuadas de sua função primeira.
Derrida, em verdade, nunca se qualificou como pós-estrutura-
lista ou pós-moderno. O termo pós-estruturalista é mais corrente no
idioma alemão, enquanto que no inglês e no francês tem mais aceita-
ção a denominação pós-modernista. Contudo, mesmo vasculhando-
se as obras de Lyotard, Foucault, Baudrillard, Lacoue-Labarthe e ou-
tros, não encontramos uma denominação única para essa tendência.
Como aponta Briel (BRIEL, 51-2), dependendo do texto e da passa-
gem, ela recebe outro nome: nouveaux philosophes (Negt), Pós-es-
truturalismo (Raulet), Pós-modernidade (Habermas), Neo-estrutu-
ralistas (Frank), Desconstrucionistas (Culler).
As características da estética da Pós-modernidade,238 tais como
indeterminação, fragmentação, iconoclastia, dissolução da subjetivi-
dade, ironia, hibridismo de gêneros e estilos, interatividade e
ludicismo, têm raízes na segunda grande onda de desencanto ocorri-
da no século 20. A primeira, iniciada na primeira década do século,
foi a que gestou a Escola de Frankfurt, filha da desilusão com a racio-
nalidade e do pessimismo quanto ao engajamento ativo para a mu-

238 Concordamos com Briel, que sugere que o termo Pós-modernidade represente
um estado de coisas, enquanto que Pós-estruturalismo seria o movimento filosófico
que procura teorizar sobre ele. Ver BRIEL, 52.

129
dança do status quo. A segunda dá-se precisamente enquanto reação
à proposta expressionista, que expurga da arte qualquer traço de sub-
jetividade, através de uma organização máxima – fundada essa já na
escolha do material –, e que objetiva determinar in vitro o desenvol-
vimento de toda a obra239 – daí a ânsia pós-modernista em recuperar
a indeterminação e o hibridismo – em oposição à organização inte-
gral e à exclusividade endógena na escolha do material -, e instaurar
a iconoclastia, o humor e a interatividade.
A Segunda Escola de Viena e seus seguidores imediatos haviam
logrado o alijamento máximo da subjetividade – a organização serial
concretizou na música a descoberta de Freud: que o eu do sujeito não
constituía, absolutamente, uma peça única, mas que se dividia pelo
menos em três instâncias, ego, superego e id. Esse ponto de partida do
desconstrucionismo240 – a teoria freudiana do ego – foi adotada e
aprofundada pelo movimento expressionista, mas só com os teóricos
do Pós-estruturalismo é que atingiu seu barroquismo pleno. Para Michel
Foucault, o sujeito não passa de um produto do iluminismo e de seu
discurso humanista. Uma vez superada essa crença histórica, o homem
tenderia, em um processo natural – mas acompanhado e apoiado pela
arte –, a desintegrar-se: “..assim, podemos bem apostar que o homem
desaparecerá, como uma visão de areia na beira do mar”.241 Louis

239 O serialismo integral, derivado do dodecafonismo de Arnold Schönberg, preco-


nizava uma organização total dos parâmetros do som. Enquanto Schönberg tinha
procurado romper apenas com a relação funcional das alturas dos sons, determinan-
do uma ordem rígida de aparecimento de cada uma das notas durante a composição,
o serialismo integral estendeu esse rigor de tratamento à duração, intensidade, ata-
que, articulação, timbre, etc.
240 Derrida ressaltou várias vêzes que sua intenção não era a destruição do sujeito,
e sim sua desconstrução, o que equivale a uma metamorfose com propósito de
reinserção no mundo. Cf. BRIEL, 58-9.
241 “... alors qu’on peut bien pariser que l’homme s’effacerait, comme à la limite de la
mer un visage de sable.” FOUCAULT, Michel: Les mots e les choses, 398, apud BRIEL,
57.

130
Althusser, em seu Marxismo e humanismo, de 1963, comenta da seguin-
te forma a relação entre humanismo e marxismo:

É possível definir o status do humanismo e, ao mesmo


tempo, descartar suas pretensões teóricas, reconhe-
cendo sua função prática enquanto ideologia. No que
concerne estritamente à teoria, contudo, pode-se e
deve-se falar do anti-humanismo teórico de Marx, e
ver, neste anti-humanismo teórico, a pré-condição ab-
soluta (e negativa) do conhecimento (positivo) do
próprio mundo humano e de sua transformação práti-
ca. É impossível saber-se qualquer coisa sobre o ho-
mem, com exceção da absoluta pré-condição de que o
mito (teórico) filosófico do homem está reduzido a
cinzas.242

Também Derrida, em Les fins de l’homme, através de seu ata-


que à filosofia, ataca o humanismo e, com esse, ainda, a idéia
monolítica de homem e de sujeito. Sua tese é que o humanismo
iluminista, com objetivos orientados por uma concepção ainda
metafísica de mundo e de homem, mantém o sujeito perenemente
prisioneiro da idéia de finitude, já que seu propósito maior seria a
subsunção em uma unidade maior e metafísica, que pode ser Deus, a
Verdade, etc.243 Uma vez desativados os propósitos humanistas de
apequenar e “sujeitar” o homem a uma união metafísica corretiva e

242 “... it is possible to define humanism’s status, and reject its theoretical pretensions
while recognizing its practical function as an ideology. Strictly in respect to theory,
therefore, one can and must speak of Marx’s theoretical antihumanism, and see in this
theoretical antihumanism the absolute (negative) precondition of the (positive) knowledge
of the human world itself, and of its practical transformation. It is impossible to know
anything about man except on the absolute precondition that the philosophical
(theoretical) myth of man is reduced to ashes.” ALTHUSSER apud CALINESCU,
128.
243 DERRIDA, Jacques: Les fins de l’homme, apud BRIEL, 57.

131
definitiva, esse, então liberto, poderá voltar a pensar-se a si mesmo.
Essa é a meta do desconstrucionismo de Derrida.
Contudo, a reinserção do homem liberto no mundo tem de ser
precedida, acredita ele, pelo banimento do sistema lógico-verbal que
faz surgir a noção humanista de sujeito: “é necessário analisar, inces-
santemente e no contexto de seus interesses, todo o aparato conceitual
que permitiu, até hoje, que se falasse de ‘sujeito’”.244 Para isso, será
mister primeiro corrigir a violência praticada pela escrita sobre a co-
municação oral. Para fazer frente ao logocentrismo que se alça a ser
coisa-em-si, em vez de permanecer como significado, Habermas assi-
nala que Derrida “quer ressaltar a indissolúvel implicação do inteligí-
vel com o substrato simbólico de sua expressão, e até mesmo do pri-
mado trancendental do símbolo frente à sua significação”.245
Dando seguimento à tentativa de Ferdinand de Saussure de
reequilibrar a relação entre fala e escrita,246 Derrida investiga o que
passou a chamar de Differance, a partícula intersticial que marca o
descompasso entre fala e escrita.
Aqui, queremos apontar uma dissensão entre os projetos
adorniano e do pós-estruturalista Derrida. Em que pese a proximida-
de que sugerem os conceitos de Differance de Derrida e do não-idên-

244 “[Il s’agit] d’analyser sans fin et dans ses intérêts toute la machinerie conceptuelle qui
a permis de parler de ‘sujet’ jusqu’ici.” DERRIDA: Il faut bien manger, 104, apud BRIEL,
60.
245 “...die unauflösliche Verflechtung des Intelligiblen mit dem Zeichensubstrat seines
Ausdrucks, sogar den transzendentalen Primat des Zeichen gegenüber der Bedeutung zur
Geltung bringen”. HABERMAS, 203.
246 Saussure, como já antes dele Rousseau, qualifica a usurpação do escrito sobre o
verbal como esquecimento: foi esquecido o fato de que aprende-se antes a falar que a
escrever. Apesar disso, justamente o escrito é empregado como auxiliar para recordar-
se o que foi dito. Para Derrida, tanto a ciência como as artes construíram sua existência
- que urge ser desconstruída - sobre este ato de usurpação. Cf. FÜLLSACK, 55-9.

132
tico adorniano,247 seus objetivos têm direções diversas. Derrida pro-
põe uma reestruturação da relação entre significante e significado,
em um processo que prevê a desautorização de filosofia e ciência,
construídas que foram essas sobre a subjugada oralidade. O processo
de denominação das coisas do mundo ter-se-ia independizado de seu
propósito primordial, e a cura, pensa o filósofo francês, terá de ser
feita a partir do fundamento da civilização, arrancando-se toda a
linguagem, junto com ciência e a filosofia, e recolocando-as no mun-
do sobre novos moldes.
Também Adorno, de forma análoga a Derrida, quer que o não-
idêntico, degradado pelo método científico a quantité neglieable, não
seja mais mutilado ou abreviado pelo símbolo, que a episteme não
destrua seu objeto para encontrá-lo.

A filosofia, segundo sua categoria histórica, tem seu


verdadeiro interesse lá onde Hegel, de acordo com a
tradição, manifestou seu desinteresse: no aconceitu-
al, único e específico; naquilo que, desde Platão, foi
rejeitado enquanto passageiro e insignificante, sobre
o qual Hegel colou o estigma de existência podre [faule
Existenz]. Seu tema [da filosofia] deveriam ser as qua-
lidades contingentes, degradadas enquanto percentu-
al desprezível.248

247 Para o não-idêntico, ver páginas 15, 16 e 22 deste livro.


248 “Philosophie hat, nach dem geschichtlichen Stande, ihr wahres Interesse dort, wo
Hegel, einig mit der Tradition, sein Desinteressement bekundete: beim Begriffslosen,
Einzelnen und Besonderen; bei dem, was seit Platon als vergänglich und unerheblich
abgefertigt wurde und worauf Hegel das Etikett der faulen Existenz klebte. Ihr Thema
wären die von ihr als kontingent zur quantité négligeable degradierten Qualitäten.”
[Band 6: Negative Dialektik. Jargon der Eigentlichkeit: Einleitung. Digitale Bibliothek
Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 2838 (vgl. GS 6, S. 19-
20)]

133
O projeto filosófico adorniano, contudo, é perseverar no Es-
clarecimento, em suas linhas gerais. Apesar da dialética insolúvel
proposta pela racionalidade, o não-idêntico adorniano não visa su-
primir o humanismo, para chegar ao lugar que lhe cabe. Adorno não
aceita a dialética tal como foi proposta por Hegel, enquanto processo
que culmina sempre em síntese. Sua recusa diz respeito à lógica
hegeliana do terceiro excluso,249 à Aufhebung, mas não à dialética
como ferramenta filosófica. Para resistir à fúria englobadora da racio-
nalidade, é preciso organizar a obra de arte com uma racionalidade
ainda mais desumana250 que a construída pelo mundo e devolver-lhe
o enigma proposto.251 É certo que uma proposta de regressão é rejei-
tada por Derrida tanto quanto por Adorno – a déconstruction não
pode justificar o caminho de retorno a um primitivismo sem culpas,
pois tal redundaria em mitologia de símbolos, em mitograma. Porém,
a diferença está nas ferramentas escolhidas por Derrida e por Ador-

249 “Porém, como tal totalidade [a de Hegel] constrói-se consoante à lógica, cujo
cerne é o princípio do terceiro excluso, tudo o que a ela não se adecua - tudo o que
for distinto qualitativamente – recebe a pecha de contraditório.” [“Da aber sich jene
Totalität sich gemäß der Logik aufbaut, deren Kern der Satz vom ausgeschlossenen Dritten
bildet, so nimmt alles, was ihm nicht sich einfügt, alles qualitativ Verschiedene, die Signatur
des Widerspruchs an.”] (ADORNO: Negative Dialektik, 17). Nessa passagem da
Dialética negativa, Adorno expõe sua não aceitação da Aufhebung hegeliana en-
quanto síntese. Na história da filosofia, a lei da identidade formulada por Parmênides
– “O ser é, e o não-ser não é” – fundou um princípio de realidade que exclui uma
terceira possibilidade – o terceiro, excluso da realidade, passou a pertencer ao âmbi-
to da contradição. Porém, para Adorno, arte é contradição e não comunicação, ou,
menos ainda, ciência. A arte acolhe o irracional, o terceiro excluso, o paradoxal; ela
não existe para ser guardiã do sentido lógico das construções da filosofia do homem
– a contradição é que dá sentido à arte.
250 Ver nota 209.
251 Para Adorno, “a técnica é constitutiva para a arte, ainda que não baste somar-se
todos os momentos técnicos para obter-se a obra: ela é chave e explicação da respos-
ta com que o homem vai revidar o enigma proposto pelo mundo, é o túnel que leva
ao interior das obras”. GdP, 93.

134
no para fazerem valer seus diferentes e não-idênticos: Adorno crê
que essa tarefa pode ser confiada à filosofia, ainda que, para isso,
tenha que superar uma dialética quase imbatível – cada avanço do
pensamento lógico aprisiona crescentemente o próprio pensador em
uma trama cujo preço é a inserção em um sistema de dominação do
homem pelo próprio homem, até chegar ao ponto extremo, que será
equivalente ao estágio inicial, primitivo e mitológico: nessa tentativa
de salto sobre a própria sombra, a filosofia precisará da arte como
aliada, na qualidade de reserva ética de uma racionalidade não-ins-
trumental252 e preservadora do específico e do não-idêntico.
Derrida, pelo contrário, nem considera essa alternativa, já que,
para ele, a filosofia – bem como a ciência – foram partícipes da usurpação
lingüística perpetrada com o beneplácito do Esclarecimento. A
desconstrução poderia ser unicamente confiada a um processo artísti-
co e performático, em suma, estético – a filosofia desempenharia aqui,
quando muito, um papel subordinado. Abrindo mão do pensamento
lógico, sua crítica permite que a sociedade prossiga no processo em que
se encontra, em um perigoso jogo aleatório, do qual a arte só em um
momento fortuito poderá encontrar uma saída. Uma teoria a cujo de-
senlace Derrida, seu próprio idealizador, não teve como se furtar, já
que seu pensamento recusa justamente a teleologia – entendida aqui
como uma cura da sociedade – enquanto metafísica hegeliana de
subsunção em uma unidade totalizante (que seria, nesse caso, o Bem).
A solução anarquista apresentada pelo pensamento
derrideano – conseqüência da desqualificação do fundamento

252 Para resistir ao status quo e à repressão que ele opera na sociedade, a arte tem de
empregar a racionalidade de forma mimética: assimilando num grau extremo a ra-
cionalidade instrumental, a obra de arte consegue resistir-lhe e mesmo superá-la,
dando-se a possibilidade de reconciliação das razões formal e estética. “A racionali-
dade do dodecafonismo não é aquela ruim e vazia do utilitarismo [des praktischen
Systems]” (SCHEIBLE, 54) : trata-se da boa racionalidade, porque ela é mediada
com fantasia. Ibidem, 75.

135
lingüístico da filosofia - é inferior, cremos, à opção enunciada por
Adorno, de separar os dois campos: o frankfurtiano não aceita o
condicionamento da filosofia à arte, e menos ainda a crença de que
o jogo da história, entregue a si mesmo, possa reverter o processo
de dominação. Nisso, ele permanece marxista e iluminista: o pen-
sador, acreditando em uma possibilidade latente de melhoria, não
deve se retirar da sociedade.253

Adorno rejeita rigorosamente este jogo de azar, tam-


bém e justamente por recordar a omissão dos intelec-
tuais na política da República de Weimar e suas catas-
tróficas conseqüências.254

As correções operadas por Adorno na teleologia hegeliana e


na de Karl Marx, em especial a inclusão da contingência - do acaso
– no processo histórico, sustam a legitimação do sofrimento na his-
tória; a filosofia adorniana não aceita que tenham sido necessários
Auschwitz e Hiroshima para que a história seguisse adiante.255 Ainda
assim, uma teleologia da libertação é aceita e até construída por
Adorno: melhor que cair no pessimismo indiferente, próprio da po-
lítica pós-modernista e a-histórica, deixando que – já que todas as
direções são supostamente equivalentes – a sociedade, entregue a
si mesma, gire até encontrar sua alea.

Recusa absoluta a qualquer sentido, mesmo à própria


idéia de verdade, cria, ao que tudo indica, um senti-

253 BRIEL, 150.


254 “Das Risiko dieses Va-Banque-Spiels lehnt Adorno, auch und gerade in Erinnerung an
den Rückung der Intellektuellen aus der Politik der Weimarer Republik und dessen
katastrophale Folgen, rigoros ab.” BRIEL, 150.
255 Ver nota 154.

136
mento absoluto e indubitável de certeza, ainda que
este não possua mais nenhum conteúdo.256

Entendemos que a absoluta indiferença pós-moderna para com


a história derive de seu fundamento, o contemplar-se como posterior
ao fim da história, e considerando disponíveis todas as épocas, estilos
e pensamentos – para usar uma expressão bem atual, qual um zapping
de controle remoto de televisor, podendo saltar à vontade de canal
em canal. Contudo, apesar dessa postura indiferente, ou quiçá justa-
mente em função dela, os pós-modernistas encontram-se, como apon-
ta Ferenc Fehér, prisioneiros da situação de “estar depois”:257 sua a-
historicidade impede a conjunção de forças para uma resistência efe-
tiva, o que vai realimentar o sentimento, já observado por Lyotard,258
de melancolia e nostalgia (saudades da história?). O pós-moderno
coloca-se a si mesmo no depois da história, mas sente uma melanco-
lia imensa por não poder mais fazer história. Gianni Vattimo descre-
ve com propriedade esse paradoxo:

Na realidade, afirmar que nós nos situamos num mo-


mento posterior à Modernidade e conferir a esse fato
uma significação de algum modo decisiva pressupõe a
aceitação daquilo que caracteriza mais especificamente
o ponto de vista da Modernidade, ou seja, a idéia de
história e seus corolários: as noções de progresso e su-
peração.259

256 “Vollkommene Absage an jeden Sinn, sogar an die Idee von Wahrheit selbst, verschafft
offenbar ein Gefühl absoluter, zweifelsfreier Gewißheit, auch wenn diese gar keinen Inhalt
mehr hat.” [Band 10: Kulturkritik und Gesellschaft I/II: Die Kunst und die Künste. Digitale
Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 8138 (vgl. GS
10.1, S. 449)]
257 FEHÉR, 12.
258 Cf. FEHÉR, 10.
259 VATTIMO, apud COMPAGNON, 103.

137
Uma vez cumprida a previsão de Max Weber de, na esteira da
racionalização do mundo, concretizar-se a autonomia da arte,260 a
esfera estética - então impermeavelmente divorciada dos âmbitos ético
e político – não terá mais como dela emanar pressupostos para uma
reversão do quadro de dominação. Dominação sutil – construída so-
bre uma base de otimismo tecnológico e fusão da arte com a vida –
que de forma alguma apresenta-se como ameaçadora: “Como agir, se
não se ouve nenhum grito de socorro? Quem pegará em armas con-
tra um mar de delícias?”261 O discurso de Neil Postmann, na abertura
da Feira do Livro de Frankfurt de 1984, expressou justamente a in-
tuição de que, muito mais sombria que a previsão de George Orwell,
em 1984, poderá revelar-se a de Aldous Huxley, em Admirável mun-
do novo: toda a sociedade permanentemente conectada em terminais
de diversão virtual, criando um sistema de controle tipo premiação
(permissão para entrar no jogo) e castigo (exclusão), “onde as leis do
mercado agem de forma muito mais eficaz do que o jamais poderia
ser a censura política”.262
A emancipação completa da esfera do artístico, assim,
corresponde ao paradigma minimalista da Pós-modernidade, na me-

260 Fehér, em seu ensaio sobre a condição pós-moderna, ressalta que a emanci-
pação total da arte sempre foi considerada uma espécie de Terra Prometida para
os teóricos da estética, de Schiller a Lukács – uma promessa que se revelou ina-
tingível por meio de revolução política. Para o historiador húngaro, “a única
diferença entre eles era que Schiller estava completamente consciente da resig-
nação política inerente à sua proposta, enquanto Lukács negava-se a admitir,
mesmo para si mesmo, que seu humanismo estético era uma fuga das contradi-
ções do mundo que havia eufemisticamente denominado de ‘socialismo não clás-
sico’”. FEHÉR, 17.
261 “Was aber, wenn überhaupt keine Notschreie zu hören sind? Wer ergreift schon gegen
ein Meer von Amüsement die Waffen.” POSTMANN apud BÜRGER, Christa, 34.
262 “... die Marktzwänge sind wirksamer, als politische Zensur es sein könnte.” NEWMAN,
apud BÜRGER, Christa, 38.

138
dida em que a atomização de todas as esferas implica numa
dissociação da obra de arte inclusive de seu fundamento histórico-
social – lembremos que Adorno vê no material da obra de arte uma
sedimentação do momento histórico em que foi gestada – e resul-
tando não em uma estética apolítica, mas, dando razão a Habermas,
em uma política neoconservadora, ao obstruir a conjugação de cor-
rentes para uma política de resistência e de libertação. Concluí-
mos, concordando com Fehér, para quem uma destotalização ex-
trema pode resultar em uma nova totalização: o sentimento de es-
tar depois da história sugere a desautorização de todas as normas –
lembrando Dostoiévski, “se Deus não existe, tudo é permitido”263 –
, apagando-se as motivações morais intrínsecas e culminando na
perda total da liberdade.

3.3 Selva morale e spirituale – o barroco ex


machina
O último livro de madrigais de Claudio Monteverdi, intitulado
pelo autor Selva morale e spirituale, foi publicado postumamente em
1651. As composições nele contidas são uma síntese do projeto
monteverdiano de aproximar as técnicas do stil antico – a polifonia
renascentista – e da seconda pratica – o estilo homofônico do nascen-
te Barroco. Examinar a proposta de Monteverdi, na transição de uma
estética de feição metafísica, em vias de esgotamento, para uma re-
novação idealista e subjetivista ajudar-nos-á a melhor responder aos
atuais questionamentos concernentes à obra de arte.

263 DOSTOIÉVSKI, apud FEHÉR, 26.

139
Examinado do ponto de vista do tratamento do material, a Pós-
modernidade apresenta-se como o barroco do moderno.264 Uma vez
que o pós-moderno arroga-se a livre escolha dos materiais pregressos,
permite-nos situá-lo em um horizonte tipicamente contemplativo, quer
seja, não ativo. O italiano Omar Calabrese prefere, inclusive, o termo
neobarroco à Pós-modernidade. Para Calabrese, o neobarroco “consis-
te na busca de formas – e em sua valorização – na qual assistimos à
perda da integridade, da globalidade, da sistematização ordenada em
favor da instabilidade, da polidimensionalidade, da mutabilidade”.265
Em vez da vanguarda – a avant-garde -, vigora a transvanguarda,
isto é, a possibilidade de dirigir-se tanto rumo ao passado como à
frente – ao imaginário do que possa ser o futuro. Esse rumo à frente,
porém, não é o mesmo do progresso do material; trata-se, muitas
vezes, de um processo de hibridismo tecnológico que acopla, em uma
mesma obra, linguagens do passado com os meios mais recentes de
comunicação e digitalização.

O homem barroco e o do século XX são um único e


mesmo homem agônico, perplexo, dilemático, dilace-
rado entre a consciência de um mundo novo – ontem
revelado pelas grandes navegações e as idéias do Hu-
manismo, hoje pela conquista do espaço e os avanços
da técnica – e as peias de uma estrutura anacrônica
que o aliena das novas evidências da realidade – on-
tem, a Contra-reforma, a Inquisição, o Absolutismo;
hoje, o risco da guerra nuclear, o subdesenvolvimento
das nações pobres, o sistema cruel das sociedades al-

264 Fazemos este paralelo reportando-nos a características da arte do século XVII


tais como a teatralidade, o conflito, a busca da verossimilhança das cenas retratadas
e o forte apelo emocional, tudo isso levando à tentativa de resgate do drama trágico
grego sob uma nova forma, a ópera. Em 1607, estréia em Mântua Orfeo, de Claudio
Monteverdi.
265 CALABRESE, 12.

140
tamente industrializadas. Vivendo aguda e angustio-
samente sob a órbita do medo, da insegurança, da ins-
tabilidade, tanto o artista barroco quanto o moderno
exprimem dramaticamente o seu instante social e exis-
tencial, fazendo com que a arte também assuma for-
mas agônicas, perplexas, dilemáticas.266

Se o progresso constante do material, como descrito por Ador-


no,267 constitui-se no mais eficaz antídoto contra a regressão, há que
se acordar que a disponibilidade de materiais já esgotados pelo uso
caracterizam uma condição que Walter Benjamin já havia pelo me-
nos intuído em seu A origem do drama barroco alemão [Ursprung des
Deutschen Trauerspiels]. Para Kilb, “o frágil [desagregado] material da
fantasia alegórica nasce da situação histórica do barroco enquanto
ponto de cruzamento do mundo figurativo clássico e da semântica
cristã; esse é o ponto de partida daquela ‘especulação figurativa’ que
é constitutiva das alegorias”.268
Queremos aqui qualificar esse barroco da Pós-modernidade
como continuação de alguns fundamentos estéticos, mas também
como condução ad extremum de outros, na forma de ironia enquanto
símbolo da recusa ao projeto da Modernidade. Barroco, assim, define
não apenas um período específico da história da cultura, mas uma
atitude geral e uma qualidade formal das obras de arte que a expres-
sam.269 Desse ângulo, fica-nos muito claro que o livro de Benjamin

266 ÁVILA, Affonso: O Barroco e o homem contemporâneo, apud FEATHERSTONE,


17.
267 Ver nota 118.
268 “Das brüchige Material der allegorischen Phantasie entspringt der epochalen
Situation des Barocks als Kreuzungspunkt von antiker Bilderwelt und christlicher
Semantik; von hier geht jene ‘Bilderspekulation’ aus, die den Allegorien konstitutiv
ist.” KILB, 108.
269 Ver CALABRESE, 31.

141
sobre o drama barroco alemão anteviu a relação de material e forma
que foi se dar recém na transição para a Pós-modernidade: “o imagi-
nário da Antiguidade clássica e da Idade Média ingressa no Barroco
como material em ruínas, em uma esfera de simultaneidade, assim
como os processos artísticos após o fim das vanguardas”.270 Apenas
Benjamin não soube reconhecer que o reaproveitamento de fragmen-
tos da Antiguidade clássica, expressos em forma de alegoria no dra-
ma barroco, serviu, em compositores como Monteverdi e Bach, ape-
nas como base. Seu verdadeiro projeto foi a criação de uma superes-
trutura transformadora e, em que pese a sensação de esgotamento
estilístico reinante – tanto no início do século XVII como na Pós-
modernidade –, dando novo impulso ao processo histórico de pro-
gresso do material.
Enquanto, por volta de 1600, a Camerata Fiorentina esmerava-
se em reconstruir a tragédia clássica, tendo construído uma nova for-
ma dramática - a ópera - a partir de fragmentos do imaginário
renascentista do que teria sido o teatro grego, o esgotamento das
vanguardas, em meados de 1950, de sua parte, forneceu aos pós-es-
truturalistas todos os elementos – os materiais e os processos – de
que necessitavam para, através de procedimentos não técnicos, mas
de meta-linguagem, apresentar seu projeto de uma estética posterior
a todas as estéticas.

Não apenas os materiais, também os paradigmas for-


mais passam a ingressar no infinito jogo das constela-
ções. Assim, a techné pós-moderna não é um procedi-
mento artístico no sentido de um tratamento do ma-
terial, porém um meta-procedimento, no qual podem

270 “Als verfallenes Material tritt das Bilderwelt aus Antike und Mittelalter im Barock in
einen Raum der Simultaneität wie die Kunstmittel nach dem Ende der Avantgarden.” KILB,
110.

142
ingressar diferentes formas, de acordo como tenham-
se historicamente sedimentado.271

O projeto pós-moderno inverteu alguns pressupostos da Mo-


dernidade, fazendo disso sua política de autolegitimação:
indeterminação (em vez da forma fechada), a inclusão total dos ma-
teriais (ao invés da endogenia exclusiva dos serialistas), a fragmenta-
ção, a iconoclastia e a ironia (contra a arte utópica), hibridismo de
gêneros e estilos (contra a progresso constante do material), e a
interatividade (assinalando o fim do controle do autor sobre a
performance).
Habermas, em seu discurso ao receber o prêmio Adorno, citou
o arquiteto Wolfgang Pehnt, declarando que “a Pós-modernidade
apresenta-se decididamente como uma anti-Modernidade”.272 Os te-
óricos da anti-Modernidade teriam visado, antes de mais nada, a le-
gitimidade do moderno: “Os explosivos conteúdos da Modernidade
cultural [...] têm de ser desarmados, de preferência declarando-os
ultrapassados”.273
Vamos, porém, discordar da análise habermasiana no que ela
contém de estigmatização do pós-moderno: a contemporaneidade foi
forjada, sim, na oposição ao projeto do moderno; contudo, não pen-
samos que sua oposição seja exclusivamente reacionária, como quer

271 “Nicht nur die Stoffe, auch die Formparadigmen treten nun in das unbegrenzte
Spiel der Konstellationen ein. So ist die postmoderne techné kein künstlerisches Verfahren
im Sinne der Durchbildung des Materials, sondern ein Meta-Verfahren, in das
verschiedenste Formen, so wie sie geschichtlich sich abgesetzt haben, eingehen können.”
Idem.
272 “Die Postmoderne gibt sich entschieden als eine Antimoderne.” PEHNT apud
HABERMAS apud KILB, 84.
273 “Die explosiven Gehalte der kulturellen Moderne [...] müssen entschärft werden, am
besten dadurch, daß man sie für passé erklärt.” HABERMAS, apud KILB, 85.

143
Habermas. Em primeiro lugar, estilisticamente, podemos reconhecer
muitos aspectos que enquadraremos com autoridade enquanto con-
seqüência da Modernidade, e não como mera reação: a pluralidade
das formas, o jogo com as regras e convenções – esvaziadas agora de
sua autoridade canônica –, a negação da negatividade. Em segundo,
o Pós-moderno está plenamente imbuído da idéia da transgressão, e
aqui temos que reconhecer que transgressão e revolução constituem
o fermento clássico da idéia de Modernidade.

Uma obra só é moderna se foi, antes, pós-moderna.


Visto dessa forma, o Pós-modernidade não significa
apenas o fim da Modernidade, porém sua condição de
nascimento, e essa condição é constante.274

Retornemos à nossa comparação com o tratamento do materi-


al: a música nova da Segunda Escola de Viena encontra analogia
com o contraponto palestriniano, do apogeu do Renascimento, de
cânones e estilo severos. Em oposição a esse rígido controle da for-
ma, compositores que tinham se iniciado através do dodecafonismo
estrito, começaram, de forma análoga à teoria dos afetos da Camerata
Fiorentina e à Le nuove musiche (Florença, 1601) de Giulio Caccini,275
a permitir cada vez mais a inclusão de elementos extramusicais na
escolha da matéria-prima.
Podemos ter uma idéia mais clara examinando a tabela abai-
xo, onde listamos, para comparação, as motivações estéticas básicas
da criação musical dos dois períodos:

274 LYOTARD, apud KILB, 87.


275 Ver GdP, 42-4.

144
Musiche antiche276 Le nuove musiche
(Polifonia sacra do Renascimento) (Camerata Fiorentina - Barroco)

Polifonia - contraponto com regras se- Harmonia – as regras do contraponto


veras para a condução das vozes, cria- são abrandadas em favor da descrição
ção e resolução das dissonâncias. Não dos afetos contidos no texto (cantado):
importando o texto, a composição deve as dissonâncias podem aparecer sem
obedecer à rigidez formal ditada por ele- preparação e no tempo forte dos com-
mentos puramente musicais. passos.

Hierarquia dos elementos na obra Hierarquia dos elementos na obra


musical: musical:
1) melodia 1) texto
2) ritmo 2) ritmo
3) texto 3) melodia
Os elementos abstratos intramusicais A composição passa a ser regida por ele-
constituem exclusivamente o material. mentos exógenos (as palavras do texto)

Afetos - excluídos da obra de arte – o Afetos – a obra de arte almeja transmi-


caráter de um moteto ou missa de tir os afetos contidos no texto: “Degli
Palestrina ou Josquin des Près é dado affetti nascono gli effetti”. 277
apenas simbolicamente na escolha dos
intervalos e das durações das notas.
Uma missa pascal é praticamente
indiferenciável de uma natalina .

Objetividade Subjetividade

O divino e inatingível: objeto da obra O homem e suas emoções: objeto da


de arte obra de arte

Distanciamento Envolvimento

276 Ibidem, 40-4.


277 “Dos afetos nascem os efeitos”: no tratado Le nuove musiche (1601) Giulio Caccini,
um dos primeiros teóricos do estilo barroco, defende o condicionamento do compo-
nente melódico das composições à expressão dos afetos contidos no texto a ser can-
tado: “Como estou agora convencido de que obras, como as feitas em nossos

145
O Barroco da Camerata Fiorentina não se fundou apenas na
recusa ao contraponto palestriniano. Muitas de suas ferramentas de
linguagem derivaram de uma extrapolação de fórmulas já disponí-
veis. Comparando o quadro anterior com o que segue - que ilustra
elementos equivalentes, mas da transição da Modernidade à Pós-
modernidade -, podemos verificar um processo similar:

Segunda Escola de Viena – Vanguarda Música Pós-moderna


histórica – Dodecafonismo e Serialismo

Material – exclusivamente elementos Material – inclusão de elementos


musicais (intervalos, durações, timbres, exógenos (imagens, ruídos, citações de
intensidades). obras já existentes).

Forma – deduzida somente a partir do Forma – inclusão de fontes externas


material; máxima exclusividade no tra- para determinação (experimentação de
tamento. John Cage com o I Ching).

Organização – máxima; serialismo in- Organização – livre; elementos aleató-


tegral. rios.

Recorrência – a repetição é interdita, Recorrência – a repetição torna-se


tanto a duplicação de notas do acorde toda uma corrente: o minimalismo,
[rejeição à timbrística do Romantismo] pesquisado na música clássica africana,
quanto a de células rítmicas ou meló- leva ao máximo a imitação dentro da
dicas; negação máxima da mímese. mesma obra; emprego da mímese.

dias, não resultam em outro deleite senão aquele propiciado ao ouvido pelas harmo-
nias, e de que, sem a compreensão das palavras, o humor [do ouvinte] não pode ser
tocado, veio-me a idéia de criar uma espécie de canto, de certa forma análoga a um
discurso harmônico, onde apresento um certo nobre desprezo pelo cantar [...una
certa nobile sprezzatura del canto], vez por outra tangendo algumas dissonâncias, mas
deixando o baixo descansar, com exceção das passagens onde, de acordo com o uso
comum, pretenda empregá-lo [o baixo] juntamente com as notas das vozes internas
executadas por instrumentos para expressar alguma emoção qualquer, para o que
apenas elas [as dissonâncias] se pressam.” CACCINI, Le nuove musiche, apud
NESTLER, 189.

146
Objetividade Anulação da subjetividade, mas sem
objetividade

O social: objeto da obra de arte. O emocional: objeto da obra de arte.

Utopia – a obra de arte propõe-se a Nostalgia – após o fim da história, to-


indicar o caminho para uma sociedade dos os estilos estão disponíveis para evo-
justa no futuro. car o passado.

Pureza estilística – apenas elementos Hibridismo estilístico – kitsch enquan-


endógenos e tratamento rigoroso da for- to meta-linguagem, mistura de estilos.
ma

Distanciamento – a música é organiza- Catarse – a música tem de influir sobre


da racionalmente para falar à ratio do o homem em sua totalidade, em seus
homem (resquício do projeto Iluminista). afetos, idéias, sentidos. BUCKINX, 20.

O norte-americano John Cage (1912-1992) recusou as altu-


ras como parâmetro musical determinante e escolheu o tempo como
material de experimentação. Em sua obra, encontramos a inclusão
de fontes de sons não-determinados, como campainhas ou apare-
lhos elétricos produtores de ruídos (ironia) em Paisagem imaginária
1 [Imaginary Landscape One] (1939) ou de um prato toca-discos e
um Long-play escolhido ao acaso (iconoclastia), em Creio em nós
[Credo in us] (1942). Suas pesquisas com a indeterminação culmi-
naram na radical 4’33’’, obra que realiza a máxima inclusão de ma-
terial graças, paradoxalmente, à extinção desse elemento: o pianis-
ta entra em cena, senta-se ao instrumento e mantém-se exatos 4
minutos e 33 segundos imóvel, com as mãos estendidas sobre o te-
clado. Durante esse tempo, o espectador escuta os ruídos porventura
produzidos pela platéia mesma, ou seja, os sons ambientes determi-
nados pelo acaso, investido de uma parcela de interatividade e tor-
nando-se co-participante no resultado final da obra, o que seria

147
impensável na música rigidamente planejada dos dodecafonistas da
vanguarda histórica.278
A inclusão máxima e aleatória de material na obra de arte
confirma a estética pós-moderna como apologia do impuro, opondo-
se – uma vez mais – à idéia de pureza estilística exercida pelo serialismo
integral, nos anos 1940/50. Essa, porém, pensamos ter sido uma rea-
ção que se deu em patamar equivocado. Vejamos: é certo que os des-
dobramentos da Segunda Escola de Viena conduziram a uma extre-
ma organização do material sonoro. Aquele, contudo, notabilizou-se
por ser um processo que se deu no âmbito da técnica – a motivação
de Schönberg, no que foi bem percebido por Adorno, era não banir o
estético para o exílio no interior da obra de arte, mas sim libertá-lo de
suas limitações e injetá-lo no quotidiano na condição de potencial
renovador vital,279 isso através do cruzamento com elementos do in-
consciente. Adorno, cujo conceito de progresso musical está estrei-
tamente ligado ao da gênese do material sonoro e à descoberta
freudiana da tripartição da subjetividade, caracteriza os momentos
de irrompimento do irracional na obra de arte, tais como a interfe-
rência, na música, ou as manchas “que se introduzem contra a von-
tade do autor”, na pintura, como “emissários do Id”.280 Na resistên-

278 “Em obras posteriores ao 4’33’’, o material utilizado por Cage poderia ser tanto
Mozart (HPSCHD) como obras de outros compositores (Musicircus). Ainda que o
pensamento de Cage estivesse ligado aos utopistas norte-americanos (McLuhan,
Buckminster-Fuller), ele se distanciou de qualquer idéia de uma história direcionada,
e mais ainda de idéias de progresso constante.” BUCKINX, 136.
279 Ver BÜRGER, Peter, 10-11.
280 A instigante expressão adorniana “Boten des Es”, mensageiros do Id, teve uma
tradução infeliz na edição brasileira como “mensagens do MI bemol” (FNM, 40),
evidenciando uma lamentável confusão do termo alemão Es, que é realmente o nome
da nota musical MI bemol, mas que nessa passagem se refere ao Id no sentido
freudiano: “Die Narben jener Revolution des Ausdrucks aber sind die Kleckse, die auf den
Bildern so gut wie in der Musik als Boten des Es gegen den kompositorischen Willen sich
festsetzen...” PhnM, 44.

148
cia dos compositores neoclássicos em utilizarem-se de toda a paleta
cromática da escala, ele vê a instituição, sobre os outros sons, de um
tabu, como um “délire de toucher, que Freud remete à proibição do
incesto”.281
Na Filosofia da nova música, as primeiras obras do atonalismo
livre são equiparadas a “documentos no sentido dos documentos
oníricos dos psicanalistas”. Mesmo na análise do conceito de
dissonância, de cuja emancipação as notas podem agora gozar no
sistema atonal, Adorno suspeita uma face velada e inconsciente que
acompanhou, durante toda a história da arte, as criações artísticas:

Talvez a emancipação da dissonância não seja, na ver-


dade, como ensina a história oficial da música, o re-
sultado da evolução do romantismo tardio pós-wag-
neriano, mas a propensão a ela tenha acompanhado
como uma face oculta toda a música burguesa, desde
Gesualdo e Bach, de forma comparável, talvez, ao pa-
pel que, na história da ratio burguesa, tem secretamente
o conceito do inconsciente. E aqui não se trata de sim-
ples analogia, e sim a dissonância foi, desde o princí-
pio, veículo de tudo aquilo que cedeu ao tabu da or-
dem. Ela [a dissonância] responde pela censurada pul-
são dos instintos.282

281 “Zuweilen handelt es sich um eine beschränkte Auswahl aus den zwölf Tönen, etwa
wie in der Pentatonik, so als wären die andern Töne tabu und dürften nicht berührt werden:
man mag beim Sacre wohl an jenes délire de toucher denken, das Freud aufs Inzestverbot
zurückführt.” Ibidem, 140.
282 “Vielleicht ist die Emanzipation der Dissonanz überhaupt nicht erst, wie die offizielle
Musikgeschichte lehrt, das Ergebnis der spätromantisch-nach-Wagnerischen
Entwicklung, sondern der Wunsch danach hat als Nachtseite die gesamte bürgerliche
Musik seit Gesualdo und Bach begleitet, vergleichbar etwa der Rolle, die der Begriff
des Unbewußten insgeheim in der Geschichte der bürgerlichen ratio spielt. Dabei handelt
es sich um keine bloße Analogie, sondern die Dissonanz war von Anbeginn
Bedeutungsträger alles dessen, was dem Tabu der Ordnung verfiel. Sie steht ein für die
zensurierte Triebregung.” Ibidem, 146.

149
Ihab Hassan apresenta uma série de oposições estilísticas en-
tre o Moderno e o Pós-moderno; das referentes ao tema de nosso
trabalho, listamos, para comparação, as seguintes.283

Modernidade Pós-modernidade

Hierarquia Anarquia
Domínio/logos Exaustão/silêncio
Forma (conjuntiva, fechada) Antiforma (disjuntiva, aberta)
Projeto Acaso
Metáfora Metonímia
Romantismo / simbolismo Parafísica / dadaísmo
Seleção Combinação
Sintoma Desejo
Tipo Mutante
Paranóia Esquizofrenia
Propósito Jogo
Obra acabada Processo
Distância Participação, interatividade
Criação, totalização, síntese Descriação, desconstrução, antítese
Presença Ausência
Centração Dispersão
Semântica Retórica
Paradigma Sintagma
Hipotaxe Parataxe
Significado Significante
Narrativa / grand histoire Antinarrativa / petite histoire
Código mestre Idioleto
Sintoma Desejo
Genital / Fálico Polimorfo / Andrógino
Determinação Indeterminação
Transcendência Imanência

283 HASSAN, apud HARVEY, 17.

150
Apesar das flagrantes oposições listadas por Hassan, o barroco
pós-moderno – um barroco ex machina, nascido da tecnificação de
procedimentos já disponíveis – deu provas de que a questão do trata-
mento do material não tem, necessariamente, de ser encarada como
mera coleta nas galerias da história. A resposta está na forma como o
material ingressa na obra de arte. A citação pura e simples e a colagem
foram próprias dos primeiros sintomas de recusa ao projeto moder-
nista. A inclusão, entretanto, de elementos anacrônicos com propó-
sito crítico é um expediente que encontrou expressão tanto em mo-
mentos históricos de transição estilística - em Monteverdi, Bach e
Beethoven – como na Segunda Escola de Viena, o que foi reconheci-
do mesmo por Adorno, quando escreve que “Schönberg violenta a
série”. 284 Vejamos como: na última peça do op. 35, para coral,
Schönberg emprega como material apenas tríades285 [Dreiklänge].
Também no final que refez para a Segunda Sinfonia de Câmara, onde
aplica, sobre um material que guarda reminiscências do cromatismo
orgânico do final do romantismo, os princípios de construção da téc-
nica dodecafônica.286
Na PhnM, ao aludir à Segunda Sinfonia de Câmara,287 Adorno
observa como temas ainda tonais da fase anterior de Schönberg são

284 “Schönberg vergewaltigt die Reihe.” PhnM, 106.


285 A tríade é a superposição de três sons de uma escala à distância de terça. Por
exemplo, DÓ + MI + SOL, ou RÉ + FÁ + LÁ. Essas terças que formam a tríade,
contudo, podem ser de qualquer espécie (maior, menor, diminuta ou aumentada), o
que pode resultar em tríades dissonantes. Ainda assim, a tríade enquanto fenômeno
sonoro estará sempre diretamente associada à tonalidade, pois, originalmente, em
sua dissonância, também exigia a resolução em uma outra tríade “perfeita”
(consonante). Daí a maestria de Schönberg, que se dá à ousadia de utilizar um mate-
rial constitutivo básico de música de relações tonais mas, através de um procedimen-
to altamente técnico, consegue dobrá-lo e fazê-lo integrar-se à estética atonal.
286 Ver GdP, 30-2.
287 PhnM, 100.

151
por ele reaproveitados, só que agora separados de seu antigo con-
texto hierarquizado: apresentam-se transfigurados, deformados, po-
dendo expressar-se, então, de uma maneira que lhes era interdita
na estrutura tonal: são “a imagem da erupção”.288 Essa imposição
de um discurso atonal a um material com resíduos de tonalidade é
análoga à fusão lograda por Bach, em suas composições, da polifonia
antiga (horizontalidade) com a harmonia do baixo continuo289
(verticalidade).

Assim como Bach esqueceu aquelas proibições [das


regras do contraponto], e, em vez disso, obrigou a po-
lifonia a legitimar-se sobre o baixo continuo, da mes-
ma forma a verdadeira indiferença do vertical e do
horizontal só se concretizará quando a composição,
de maneira vigilante e crítica, realizar, em cada ins-
tante, a unidade de ambas as dimensões.290

288 “Drang und Ziel: das Bild des Ausbruchs.” Idem.


289 A nova música monódica – centrada na supremacia da melodia -, a partir de
1600, teve um apoio decisivo na prática do baixo contínuo [it.:basso continuo,
al.:Generalbaß]. O costume de reduzir todas as vozes cantadas em um sistema
executável ao órgão, com o propósito de apoiar o coro, já existia desde a segunda
metade do século XV. A novidade é que, a partir de 1620, essa intavolatura - essa
redução - simplifica-se. Passa-se a escrever apenas a nota mais baixa – mais gra-
ve - do acorde, sendo que os sons restantes são indicados apenas por algarismos.
A praxis de ler este baixo cifrado é o que se chama executar [realizar] o baixo
contínuo. Em pouco tempo, tornou-se inimaginável fazer música, no século XVII,
sem o acompanhamento do contínuo. Essa denominação, que se referia original-
mente a uma prática, tornou-se estrutural, e hoje falamos de um acompanha-
mento de baixo contínuo e mesmo de uma era do baixo contínuo. Ver Nestler,
189-90.
290 “Wie Bach jene Verbote vergaß und statt dessen die Polyphonie zur generalbaßmäßigen
Legitimation zwang, so wird die echte Indifferenz von Vertikale und Horizontale nur
dann zustandekommen, wenn die Komposition in jedem Augenblick wach und kritisch
die Einheit der beiden Dimensionen herstellt.” PhnM, 111.

152
Em outras palavras, de forma análoga a Bach, que se serviu do
contraponto (horizontal) para compor harmonicamente (verticalmente),
Schönberg serviu-se da tonalidade para compor atonalmente. A explica-
ção para isso está em que Schönberg não se importa mais com o que utiliza
como fonte temática; apenas o procedimento é importante, e, nesse caso,
o compositor estará empregando um material ao qual a aprisionada cons-
ciência do consumidor ainda não se fechou completamente.291 A violên-
cia com que Schönberg insere esses gestos expressivos de outra época em
sua nova e rígida disciplina serial resulta em um conflito – desejado pelo
compositor – que nunca se resolve, entre o material – a seqüência de notas
que elencou – e o procedimento imposto a esse: as tríades apresentam-se
de maneira a nunca evocarem a perdida tonalidade mas, sim, sempre obri-
gadas a expressar o atonalismo pretendido pelo autor.292
Busquemos, no início histórico do Barroco, um precedente para
isso: em 1610, quando Claudio Monteverdi estreou na basílica de
São Marcos, em Veneza, suas Vespro della beata Vergine, as passagens
híbridas com sonoridades arcaicas podem ter causado estranheza aos
que a escutavam pela primeira vez. O compositor, cujas criações
alavancaram a transição entre o Renascimento e o início do Barroco,
chamou sua obra de Vespro della B.[eata] Vergine da concerto composta
sopra canti fermi.293 O fato de erigir um grande monumento sonoro –
as Vésperas da Virgem constituem uma peça ambiciosa, exigindo um

291 Dos três compositores da Segunda Escola de Viena, Alban Berg é considerado o
mais lírico; ele não se furtava a empregar séries que contivessem sugestões da extinta
tonalidade, e até contava com a possibilidade de irromper um contexto tonal em
meio a uma composição dodecafônica sua: “Berg hat versucht, den Bann der
Zwölftonmusik zu brechen.” [“Berg procurou romper a proibição da música
dodecafônica”] : Ibidem, 105.
292 GdP, 83-5.
293 A prática do cantus firmus remonta à dificuldade encontrada pelos composito-
res, a partir do século XV, em assegurar uma unidade estrutural entre as partes da
missa (Kyrie, Gloria, Credo, Sanctus e Agnus Dei), com textos muito díspares entre

153
coro grande o suficiente para dividir-se em 10 vozes, sem contar os
solistas e a parte instrumental – de caráter revolucionário no trata-
mento da forma e na concepção espacial prevista para sua execução,
não impediu Monteverdi de utilizar, em cada movimento, um cantus
firmus, isto é, uma linha condutora extraída do repertório do canto
gregoriano. Ora, o canto gregoriano era uma herança medieval ainda
aproveitada na técnica composicional renascentista como base para
a escrita do contraponto, o qual constituía a composição propria-
mente dita. Monteverdi, aqui, emprega material não apenas da prima
pratica294 – o estilo palestriniano – mas da distante Idade Média.
Contudo, em cada parte da obra – tome-se como exemplo a
Ave maris stella –, mesmo que o movimento inicie-se com um
contraponto claramente híbrido com a herança renascentista,295

si. A melodia do cantus firmus, originalmente um canto gregoriano do repertório tradici-


onal – função mais tarde delegada a qualquer melodia, mesmo de procedência profana -
, era confiada então, com as durações de suas notas muito aumentadas, a uma voz –
geralmente ao assim chamado tenor, isto é, à voz que sustenta, que carrega o cantus -,
enquanto as outras teciam imitações e contrapontos à sua volta. Ver NESTLER, 131-2.
294 Monteverdi buscava uma fusão dos estilos antigo e novo de compor. A prima
pratica era a denominação para o contraponto do final do Renascimento, e, paralela-
mente a este, Monteverdi aperfeiçoou uma nova concepção, a que chamou, no pre-
fácio de seu Livro V de Madrigais (Scherzi musicali, 1605) de seconda pratica. Em
1607, Giulio Cesare Monteverdi, seu irmão, comparou, no prefácio à segunda edição
do Livro V, os dois estilos de composição: “Prima pratica é a maneira de compor que
se ocupa da perfeição da Armonia [referindo-se às tradicionais regras do contraponto
polifônico]. Seconda pratica é a maneira de compor que se ocupa da perfeição da
Melodia e que determina que o discurso [o texto cantado] comande a Harmonia. Por
essas razões, ele [Claudio Monteverdi] denominou-a seconda em vez de nova.”
MONTEVERDI G.C. apud MEIEROTT-SCHMITZ, 38.
295 Comparar também com o Et misericordia eius e com o Duo seraphin e o Gloria Patri.
Neste último, ocorrem simultaneamente, sobre os melismas dos solistas, o acompanha-
mento do continuo, e um cantus firmus – de tradição ainda mais arcaica, um resquício
da Idade Média na música do Renascimento, mas que pode ser observada mesmo em
Johann Sebastian Bach, no coro de abertura da Paixão segundo São Mateus.

154
Monteverdi só o faz com a intenção de apresentar o material com
que vai trabalhar: na seqüência, o tema já é tratado sobre o princípio
harmônico do basso continuo, genuinamente barroco. Ou seja:
Monteverdi obriga o material a dizer o que ele quer com a nova lin-
guagem da seconda pratica, sem permitir que retroceda em reminis-
cência nostálgica, unindo as técnicas composicionais da prima com
as da seconda pratica. A capacidade para trabalhar um tema mesmo à
revelia de suas potencialidades combinatórias abre, como estamos
vendo, possibilidade para um tratamento não retrógrado de materi-
ais historicamente já esgotados: uma síntese já observada em Bach e
nos últimos quartetos de Beethoven.

Desde a afirmação da música homofônica, na era do


baixo contínuo, as mais profundas experiências dos
compositores anunciaram a insuficiência da homofo-
nia para a constituição coerente de formas concretas.
O resgate feito por Bach da polifonia antiga – justa-
mente as fugas de construção mais progressiva, como
a em dó menor do primeiro livro do Cravo bem Tempe-
rado, a [fuga] em seis vozes da Oferenda Musical e as
posteriores, da Arte da Fuga, aproximam-se da ricerca-
ta – e as passagens polifônicas do Beethoven tardio
são os maiores monumentos de tal experiência.296

296 “Seit der Etablierung der homophonen Musik im Generalbaßzeitalter haben die tiefsten
Erfahrungen der Komponisten die Unzulänglichkeit der Homophonie zur verbindlichen
Konstitution konkreter Formen angemeldet. Der Rückgriff Bachs auf die ältere Polyphonie -
gerade die konstruktiv vorgeschrittensten Fugen wie die in cis-moll aus dem ersten Band des
Wohltemperierten Klaviers, die sechsstimmige aus dem Musikalischen Opfer und die späteren
aus der Kunst der Fuge nähern sich der Ricercata - und die polyphonen Partien beim letzten
Beethoven sind die größten Denkmale solcher Erfahrung.” PhnM, 88. A ricercata de que
fala Adorno é referência a uma das primeiras formas puramente instrumentais – te-
nhamos em mente que a música, até meados do século XVI, era basicamente vocal.
Ricercata - ou ricercar – significam procura, ou busca, em italiano. O que deve ser
procurado pelo ouvinte é o tema, que várias vezes reaparece em meio ao contraponto
imitativo das vozes. Ver NESTLER, 163-4.

155
Nessa costura do subjetivo e do objetivo vislumbramos uma
chave para posterior resolução, à luz da Pós-modernidade, da ques-
tão do fim histórico da estética e do progresso da técnica: se tal fusão
conseguiu dar-se em determinados momentos da história, quando,
mais de uma vez, parâmetros estéticos acusavam sinal de esgotamen-
to, acreditamos ser possível, na contemporaneidade, também deles
extrair princípios para um adequado projeto de estatuto da arte pós-
moderna.

Nos avanços polifônicos de Bach e Beethoven, busca-


va-se, com desesperada energia, o equilíbrio do coral
[construído sobre o] baixo contínuo e uma polifonia
genuína, enquanto equilíbrio entre dinâmica subjeti-
va e necessária objetividade.297

O exame desses específicos casos históricos assegura-nos que


não apenas a escolha do material – ainda que extraído do passado
– determina o momento estético da obra. Mais importante é inte-
grar os elementos entre si de forma orgânica, fazendo com que se
sujeitem a um tratamento no qual possam ser levados a assumir
função não de sonoridade reminiscente, mas de seu legítimo mo-
mento histórico.

O tecido [contrapontístico] deve ser concebido de for-


ma tal que a relação das vozes [das partes] entre si
engendre o decurso de toda a peça, e, finalmente, a
forma. Isto, e não o fato de ele ter escrito um contra-
ponto tão bom no sentido tradicional é que constitui
a verdadeira superioridade de Bach sobre toda a mú-
sica polifônica posterior – não a linearidade enquanto

297 “In den polyphonen Vorstoßen Bachs und Beethovens war mit verzweifelter Energie
der Ausgleich von Generalbaßchoral und echter Vielstimmigkeit, als einer zwischen
subjektiver Dynamik und verbindlicher Objektivität, angestrebt.” PhnM, 88-9.

156
tal, mas sua integração no todo, harmonia e forma.
Nisto, a Arte da Fuga não tem comparação.298

Nas Vespro della Beata Vergine, além de superar a indiferença para


com o fundamento afetivo do texto, Monteverdi ataca a objetividade im-
pessoal da prima pratica: Monteverdi desespiritualiza as Vespro, ao vinculá-
las à Catedral de São Marcos. Como? Na polifonia sacra de Palestrina, as
relações entre o fundamento sacro da obra e sua manifestação sonora eram
fortemente mediadas pelas regras do contraponto: apenas o simbolismo de
alguns intervalos – a maior parte derivada dos originais gregorianos – indi-
cavam, de forma muito sutil, o impetus primeiro da composição. Uma mis-
sa ou moteto pascal tornavam-se, dessa forma, praticamente indistinguíveis
de, por exemplo, uma obra natalina ou de outra temática qualquer. Nas
Vespro della beata vergine, Monteverdi, além de subordinar os sons ao texto
(ver Hierarquia dos elementos na obra musical, no quadro da página 145),
abole mesmo a possibilidade de a obra ser executada em outro lugar, ligan-
do definitivamente o material sonoro ao espaço previsto para seu desdo-
bramento, suspendendo todo um estágio de mediação entre material e
obra: São Marcos era a única igreja em Veneza onde os diferentes grupos
de coros, instrumentistas e solistas de canto podiam postar-se – nos diver-
sos nichos das naves – para efetuar, à distância, as imitações e os efeitos de
eco previstos pelo compositor.
Transportemos essa questão para a contemporaneidade: quando
escutamos Arvo Pärt, com seus ingredientes modais, barrocos e minimalistas
(Frates, 1977), ou Frederic Rzewski, misturando elementos clássicos-ro-
mânticos, contemporâneos e populares (Variações sobre El pueblo unido,
1975), ou ainda Sofia Gubaidulina, que, em Noite em Memphis, 1968, trans-

298 “Das Gewebe muß so konzipiert sein, daß das Verhältnis der Stimmen zueinander den Verlauf
des ganzen Stückes, schließlich die Form erzeugt. Das, und nicht daß er einen im herkömmlichen
Sinn so guten Kontrapunkt geschrieben hätte, macht die wahre Überlegenheit Bachs über alle
nachfolgende polyphone Musik aus - nicht die Linearität als solche, sondern deren Integration in
das Ganze, Harmonik und Form. Darin hat die Kunst der Fuge nicht ihresgleichen.” Ibidem, 92.

157
forma até mesmo uma série dodecafônica em símbolo arquetípico,299 te-
mos de entender que o progresso do material não precisa necessariamente
ser o das vanguardas históricas de 1930/50, obrigando-se a incorporar con-
tinuamente as mais novas conquistas da técnica. A seguinte passagem da
PhnM já previa que a série e a organização schönberguiana expandir-se-
iam para acolher não mais apenas alturas ou parâmetros outros dos sons
isolados, mas constelações inteiras de significados:

Só pode-se esperar que passe o inverno quando a mú-


sica se emancipar também da técnica dodecafônica.
Mas isto não através de uma recaída na irracionalida-
de, que a precedeu e que, hoje, deveria, a todo o mo-
mento, ser contrariada pelos postulados das severas
regras criadas pela dodecafonia, porém mediante a ab-
sorção do dodecafonismo pelo livre compor, e de suas
regras pela espontaneidade do ouvido crítico.300

Assim, o progresso do material pode ser visto também a partir


do tratamento que a ele se dispensa. Acreditamos ser esse um
parâmetro aceitável para a avaliação da estética pós-moderna: a in-
clusão de elementos exógenos e anacrônicos tem sua legitimidade
condicionada pela técnica. Ao material, então, fica vedado esgotar-
se enquanto citação ou colagem – não é aceitável seu emprego redu-
zido a ícone, imutável e não transformável no processo da obra: sem
se perder na nostalgia do perdido som primeiro [Urklang] e da recu-
peração emulativa do sentido primeiro [Ursinn], tem de obrigar-se a
gerar sempre novas combinações formais.

299 Ver BUCKINX, 133-150 e GRIFFITHS, 239-328.


300 “Aufs Überwintern ist nur zu hoffen, wenn die Musik auch von der Zwölftontechnik noch sich
emanzipiert. Das aber nicht durch Rückfall in die Irrationalität, die ihr vorausging und die in jedem
Augenblick heute von den Postulaten des strengen Satzes durchkreuzt werden müßte, welche die
Zwölftontechnik ausgebildet hat, sondern dadurch, daß die Zwölftontechnik vom freien Komponieren,
ihre Regeln von der Spontaneität des kritischen Ohrs absorbiert werden.” PhnM, 110.

158
4
Ars in tempore belli –
todos por um

159
160
Em 1951, estreou Music of changes, de John Cage, peça que
incluía operações aleatórias na determinação da seqüência da execu-
ção. A partir daquele momento, ficou claro que a evolução da músi-
ca nova não seria mais ditada exclusivamente pelos pressupostos da
Segunda Escola de Viena. Em solo europeu, a indeterminação foi
sacramentada definitivamente com Karlheinz Stockhausen,301 que,
em 1957, apresentou em Darmstadt sua Peça para piano 11
[Klavierstück XI], onde, pela primeira vez, serviu-se plenamente do
aleatório para a determinação da forma.302 O material dessa compo-
sição consta de 19 grupos de notas, os quais podem ser executados
em qualquer ordem.303 Anunciava-se, aparentemente, o fim do prin-

301 “Stockhausen era o nosso homem na Europa, o mais receptivo à música de Cage
e de outros norte-americanos” [“Stockhausen war Unser-Mann-in-Europa, der
Freundlichste gegenüber der Musik von Cage und den anderen Amerikanern.”] TUDOR
apud KURTZ, 124.
302 “Depois de um seminário, em que Tudor tinha analisado a ‘Music of Changes’ [de
John Cage], [...] contei a Boulez do Klavierstück XI, que eu tinha escrito pouco antes.
Ele mostrou-se, primeiro, surpreso, depois ficou furioso e começou a vociferar, [di-
zendo] que não entendia uma idiotice daquelas, que eu estava era com medo de
escrever tudo com exatidão na partitura, e que eu queria era me esquivar da respon-
sabilidade [de compor]. Tudor só ria o tempo todo, maroto. Depois daquilo, demo-
rou ainda mais de um ano até que Boulez me enviou os primeiros esboços dos 5
formantes da sua Sonata 3 [também uma peça com a forma determinada pelo alea-
tório]”. [“Nach einem Seminar, in dem Tudor die ‘Music of Changes’ analysiert hatte, [...]
erzählte ich Boulez von ‘Kavierstück XI’, das ich kurz vorher geschrieben hatte. Er war
zunächst überrascht, wurde dann wütend und schimpfte, solchen Unsinn könne er nicht
verstehen, ich hätte Angst, alles genau in der Notation festzulegen, und wollte Verantwortung
von mir fortschieben. Tudor lachte die ganze Zeit über verschmitzt. Es hat dann noch mehr
als ein Jahr gedauert, bis Boulez mir die ersten Skizzen seiner ‘‘dritten Sonate’’schickte.” ]
STOCKHAUSEN apud KURTZ, 124.
303 “Nessa obra, sobre uma folha de papel de 53 x 93 cm, há 19 grupos de notas,
irregularmente distribuídos, todos deduzidos a partir dos mesmos princípios básicos,
células estruturais rítmicas e tipos. O pianista devia olhar ‘sem intencionalidade’
para a folha e começar com o grupo onde seu olhar primeiro caísse. Andamento,
dinâmica e articulação eram livres. Ao final de cada grupo havia uma indicação de

161
cípio da autodeterminação da forma, que Adorno, como um dos prin-
cipais teóricos e pensadores da música nova, tinha contribuído para
fixar.
Assim como esse, logo outros princípios ancorados na Filosofia
da nova música começaram a fazer água. Novamente Cage, com as
Variations I e II, deu o sinal para que, também no tocante à pré-forma-
ção do material, fossem abertas as comportas à inclusão de todo e qual-
quer elemento. Era o fim da exclusividade do material: o emprego de
qualquer som passava a ser lícito e até desejado. E não apenas isso:
também técnicas outras obtiveram salvo-conduto para ingressar no
meio musical e trabalhar seus elementos. Em O envelhecimento da mú-
sica nova [Das Altern der neuen Musik], Adorno, atento a uma possível
esclerose e policiamento ideológico das vanguardas, saúda os procedi-
mentos composicionais de Varèse, importados da esfera da ciência:

A obra de Edgar Varèse é testemunha de como seria


possível dominar-se musicalmente a experiência de um
mundo tecnificado, sem artesanato e sem crenças in-
gênuas em uma cientificação da arte. Ele, que é enge-
nheiro, e entende seriamente de técnica, trouxe à pra-
xis composicional aspectos tecnológicos, não para tor-
ná-la infantilmente científica, mas para proporcional-
lhe espaço para a expressão precisamente de tal espé-
cie de tensões, de que a envelhecida música nova se
encontra carente. Ele acessa a técnica a efeitos de pâ-

andamento, dinâmica e articulação, com a qual devia ser iniciada o próximo


grupo, também escolhido ao acaso.” [“In diesem Werk sind auf einem Papierbogen
von 53 x 93 cm 19 Nottengruppen – alle von denselben Grundprinzipien, rhytmischen
Zellenstrukturen und Gessalttypen abgeleitet – unregelmäßig verteilt. Der Pianist sollte
‘absichtslos’ auf den Papierbogen schauen und mit der Gruppe beginnen, auf die zufällig
sein Blick zuerst gefallen war. Tempo, Lautstärke und Anschlagsart waren frei. Am
Ende jeder Gruppe stand eine Tempobezeichnung, Lautstärke und Anschlagsart, in der
die nächste Gruppe gespielt werden sollte, erneut durch einen zufälligen Blick gefunden.”]
Ibidem, 122.

162
nico que ultrapassam a medida humana dos meios
musicais.304

Portanto, não só a forma passou a admitir o acaso e a


interatividade, através da participação dos intérpretes (e, às vezes,
do público): essa mesma forma - que passava a lidar agora com sim-
plesmente toda espécie de som - também tornou-se híbrida de técni-
ca musical e de ciência. Na escolha do material, havia liberdade com-
pleta: não bastando a inclusão de ruídos e notas artificialmente
distorcidas pela eletrônica – sons que nunca existiram realmente na
natureza –, ficava também suspensa a lei do progresso do material. A
tese pós-estruturalista de que a história teria acabado e que não ha-
veria mais para onde progredir como que autorizou os compositores a
servirem-se de materiais passados.
Começaram a aparecer experimentos como os de Henryk
Gorecki (Czernica, Polônia, 1933) e suas Três peças em estilo antigo
(1963), Alfred Schnittke (Engels do Volga, Rússia, 1934), que, em
sua Sinfonia I (1972) estende ao máximo o emprego de estilos histó-
ricos, unindo citações de Beethoven, free jazz, canto gregoriano e
música de salão e Denis Bouliane (Quebec, 1955), entretecendo es-
truturas pós-seriais aos mais variados estilos antigos.305

304 “Wie die Erfahrung einer technifizierten Welt ohne Kunstgewerbe und ohne den
Köhlerglauben an die Verwissenschaftlichung der Kunst musikalisch sich bewältigen ließe,
dafür zeugt das Werk von Edgar Varèse. Er, der Ingenieur ist und im Ernst etwas von der
Technik weiß, hat dem Komponieren technologische Aspekte zugebracht, nicht um sie in-
fantil zu verwissenschaftlichen, sondern um Raum zu schaffen für den Ausdruck von
Spannungen eben solcher Art, wie sie die gealterte Neue Musik einbüßt. Er wendet die
Technik an Wirkungen von Panik, die das Menschenmaß musikalischer Mittel überschreiten.”
[Band 14: Dissonanzen. Einleitung in die Musiksoziologie: Das Altern der Neuen Musik.
Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 11457
(vgl. GS 14, S. 159)]
305 Ver BUCKINX, 133-150 e GRIFFITHS, 239-328.

163
À parte a inclusão crescente dos materiais, a música, paralela-
mente às outras artes, começou a encetar uma aproximação de
parâmetros estéticos não próprios do som, como cor e espaço. Obras
como Atmosferes (1961), do húngaro Gyorgy Ligeti, inauguraram o
emprego de massas sonoras – conseguidas graças ao seu
microtonalismo, isto é, um contraponto muito fechado e cromático
entre todas as vozes – similares à composição de uma obra plástica,
um quadro ou uma escultura. Paralelo à aproximação de uma estéti-
ca própria das artes plásticas, ocorre uma espacialização do som: em
Grupos [Gruppen], para três orquestras, Stockhausen encontra solu-
ções que lembram o policoralismo veneziano do século XVII (e as
Vespro de Monteverdi), e ele vincula som e espacialidade nos três
concertos (22 a 25 de novembro de 1969) em que apresenta seus
Hinos [Hymnen] na caverna de estalactites de Jeita, no Líbano.306
Durão traz, em seu texto, um exemplo de movimento feito pela
literatura, ao aproximar-se de elementos semânticos próprios da mú-
sica, no caso o serialismo – no qual a repetição de uma figura só pode
ocorrer depois da apresentação de todas as outras figuras escolhidas
pelo autor para integrar sua ‘série’. O trecho é de Gertrud Stein:

Estou escrevendo para mim e para estranhos. Essa é a


única forma que posso fazer isso. Todo mundo é real
para mim, todo mundo é como uma outra pessoa para
mim. Ninguém que conheço pode querer saber disso
e então escrevo para mim e para estranhos. / Cada um
está sempre ocupado com isso, nenhum deles dessa
forma jamais quer saber disso e cada um se parece com
algum outro e eles vêem isso. É muito importante para
mim saber disso, sempre ver isso quem se parece com
outros e dizer isso. Escrevo para mim e para estranhos.
Faço isto para mim e para aqueles que sabem que eu
sei disso que eles se parecem com os outros, que eles

306 Ver KURTZ, 232-4.

164
estão separados e no entanto se repetem. Há alguns
que gostam disso que eu saiba que são como muitos
outros e repetem isso, há muitos que nunca poderão
de fato gostar disso. / Há muitos que conheço e eles
sabem disso. Estão todos repetindo e eu ouço isso.
Adoro isso e digo isso, adoro isso e agora escrevo isso.
Isto é agora a história de como alguns deles são isso.307

O retorno a fontes do passado mostra que, tanto na história


quanto na arte, há apenas um progresso muito limitado por fatores
imponderáveis, e que agora, na passagem para a Pós-modernidade,
somos testemunhas de criações que, ao mesmo tempo, conjugam pro-
gresso e reação, material antigo e tratamento inovador. Pode-se até
admitir que haja um progresso, sim, mas não na obra de arte como
um todo, e sim meramente um progresso localizado (apenas de parte
do material), e a um custo muito alto (o atraso das outros parâmetros
do material).308 Mesmo porque, se o material é história sedimentada,
e essa é expressão do progresso do Espírito - mesmo que, para Ador-
no, o Espírito não avance em linha direta como em Hegel -, é claro
que os materiais sofrerão da mesma contingência que encontramos
na história. Adorno formulou-o assim:

Na arte, não vigora o conceito de progresso, como sa-


biam Hegel e Marx, de forma tão ininterrupta como
para as forças produtivas técnicas. A arte está imbri-
cada até as entranhas no movimento histórico de cres-
centes antagonismos. Nela, há tanto ou tão pouco pro-
gresso quanto na sociedade.309

307 Tradução de Durão, F. STEIN apud DURÃO.


308 Por exemplo, o timbre em detrimento das alturas, ou as alturas em detrimento
das durações ou das articulações etc.
309 “[...] das Verhältnis der Kunst zum Fortschritt. In ihr gilt sein Begriff, wie Hegel und
Marx wußten, nicht ebenso ungebrochen wie für die technischen Produktivkräfte.

165
Enquanto uma esfera progride, as outras são obrigadas a retro-
ceder. Assim, também na arte podem acontecer circularidades, sal-
tos e retrocessos. O atraso que Adorno tinha constatado, na passa-
gem da música de Bach para a da melodia acompanhada da Escola
de Mannheim, por exemplo, era justificado por dar condições a um
avanço na questão da harmonia.

Sempre que, no decurso da história, uma esfera [um


parâmetro] do material se desenvolvia isoladamente,
as outras sempre ficavam para trás, castigando, na uni-
dade da obra, a mentira da “mais avançada”.310

Eisler faz uma análise semelhante do fenômeno Wagner, que,


para conseguir fazer valer suas infinitas modulações – o fator novo e
avançado de seu material – teve que restringir as regras da semântica
no desenvolvimento das frases:

Aqui temos um exemplo no qual um progresso musi-


cal constitui um atraso. Tudo o que conhecemos atra-
vés de nossos professores clássicos quanto à lógica mu-
sical, à formação e fluidez de uma frase musical, tudo
isso nos é tomado por esse diabólico Richard Wagner,
dando-nos em troca uma nova harmonia, extrema-
mente sedutora.311

Bis ins Innerste ist die Kunst in die geschichtliche Bewegung anwachsender
Antagonismen verflochten. In ihr gibt es so viel und so wenig Fortschritt wie in der
Gesellschaft.” ÄT, 309.
310 “Wann immer ein isolierter Materialbereich im geschichtlichen Zuge entwickelt wurde,
stets sind andere Materialbereiche zurückgeblieben und haben in der Einheit des Werkes die
fortgeschritteneren Lügen gestraft.” PhnM, 55-6.
311 EISLER, 486.

166
Determinante será, então, o tratamento dispensado ao mate-
rial. E aqui chegamos a um ponto central de nosso trabalho, já que o
progresso do material revelou-se como sendo intermitente e mesmo
circular: o que ainda pode emanar a “idéia de progresso” será o domí-
nio do material, o escrever, mesmo com letras antigas, palavras no-
vas.

Todos os progressos nos âmbitos culturais são aqueles


do domínio do material, da técnica. O conteúdo de
verdade do espírito, ao contrário, não é indiferente a
isso. Um quarteto de Mozart não é apenas mais bem
feito que uma sinfonia da escola de Mannheim, mas,
sim, enquanto mais bem feito e mais harmônico é, tam-
bém, em sentido enfático, de qualidade superior.312

A Pós-modernidade questiona a atualidade de uma filosofia


da arte, mas, ao mesmo tempo, clama por um estatuto que legitime
suas proposições. Ou será que os exageros de anacronismos e cita-
ções do passado, depois de desarticularem os movimentos de van-
guarda, tornaram também anacrônica a necessidade de uma estéti-
ca? Pensamos que a urgência está em uma reflexão que inclua seria-
mente a experiência estética em seu estatuto. Retornemos às Variatons
I, de John Cage: a partitura não mostra notas musicais, parece mais
um gráfico, com linhas e setas que se cruzam. Isso não é apenas um
efeito superficial. Depois de séculos seguindo sons da esquerda para a
direita, em seqüência temporal e constante, a obra de arte musical

312 “Alle Fortschritte in den kulturellen Bereichen sind solche von


Materialbeherrschung, von Technik. Der Wahrheitsgehalt des Geistes ist dagegen nicht
gleichgültig. Ein Quartett von Mozart ist nicht bloß besser gemacht als eine Symphonie
der Mannheimer Schule, sondern rangiert als besser Gemachtes, Stimmigeres auch
im emphatischen Sinn höher.” [Band 10: Kulturkritik und Gesellschaft I/II:
Fortschritt. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte
Schriften, S. 8449 (vgl. GS 10.2, S. 634)]

167
começou a independizar - se do parâmetro temporalidade, e a forma
da partitura expressa isso. Da mesma forma, com a composição de
Stockhausen para piano, “a partitura apresenta-se ao pianista en-
quanto coexistência de diferentes partes, como uma imagem, cuja
percepção não está condicionada a uma determinada seqüência da
contemplação. A música engloba agora uma dimensão que, até en-
tão, estava reservada às artes plásticas”.313
No artigo A arte e as artes [Die Kunst und die Künste], Adorno
expõe sua idéia do que chamou de Verfransung der Künste. O termo
Verfransung significa, em alemão, uma sobreposição de franjas [Fransen],
um sobrepor-se, um emaranhar de tecidos. Adorno adota-o em sua
estética e aplica-o às artes. Fábio Durão emprega, em português, o vo-
cábulo ‘enodamento’ das artes,314 mas vamos preferir ‘emaranhamento’,
que descreve um movimento de aproximação e um entremear-se das
artes e linguagens, pois ‘enodamento’ refere-se, antes, a nós, nós que
só aparecem quando objetos encontram-se já em fricção uns com os
outros. O emaranhamento ali referenciado expressa um fenômeno de
supressão dos limites que a vanguarda histórica impunha aos materiais
e linguagens, e marca o início do movimento que o pensamento estéti-
co de Adorno vai realizar em direção a um intercâmbio das linguagens.
Esse movimento, aprofundado, desvelará um fundamento comum a
todas as artes, e que reside no fato de todas elas serem linguagem. O
emaranhamento [Verfransung] apresenta-se como uma preclara visão
das direções tomadas pela arte da Pós-modernidade, - o mais impor-
tante - abrindo a possibilidade de diálogo entre a filosofia da arte
adorniana e as práticas contemporâneas de criação. Como podemos

313 “Dem Pianisten stellt sich die Partitur als Koexistenz verschiedener Teile dar: wie ein
Bild, dessen Wahrnehmung nicht an eine bestimmte Reihenfolge der Betrachtung gebunden
ist. Die Musik, so stellt Adorno fest, schließ nun eine Dimension ein, die bis dahin der
bildenden Kunst vorbehalten war.” EICHEL, 11.
314 Ver DURÃO, Fábio: As artes em nó. Rio de Janeiro: Alea, vol. 5, no. 1, jan./jul.
2003.

168
entender no trecho seguinte, ele ofereceria mesmo a chance de, assi-
milando coisas do mundo (complexos externos à realidade estética),
participar do mundo, sem imitá-lo:

O emaranhamento das formas artísticas acompanha,


quase sempre, um apreender dos complexos exterio-
res à realidade estética. Justamente este [apreender]
é estritamente oposto ao princípio de sua reprodução.
Quanto mais um gênero admite dele em seu interior,
[...] tanto mais participa do que lhe é estranho, coisal,
em vez de o imitar. Ele [o gênero] torna-se virtual-
mente uma coisa entre as coisas, torna-se aquilo de
que não sabemos o que é. Tal não-saber é o que con-
cede a inevitável expressão da arte.315

Nesse participar do mundo sem imitá-lo, temos a possibilida-


de, prevista por Adorno, de, mesmo admitindo a inclusão, poder a
obra de arte seguir cobrando potencial crítico, já que, a partir daí, vai
realizar um entremeamento com os materiais presentes no mundo,
falando a cada não-idêntico indivíduo com uma não-idêntica lin-
guagem – o que, se nada mais restar, seguirá sendo o destino de cada
obra de arte. A própria inclusão da imponderabilidade histórica na
composição, agora de forma imediata, estreita os vínculos de arte e
história. Normalmente, poder-se-ia objetar que uma aproximação
desses dois planos aumentaria o risco de dissolução da fronteira en-

315 “Die Verfransung der Kunstgattungen begleitet fast stets einen Griff der Gebilde
nach der außerästhetischen Realität. Er gerade ist dem Prinzip von deren Abbildung
strikt entgegengesetzt. Je mehr eine Gattung von dem in sich hineinläßt, [...] desto
mehr partizipiert sie am ihr Fremden, Dinghaften, anstatt es nachzuahmen. Sie wird
virtuell zum Ding unter Dingen, zu jenem, von dem wir nicht wissen, was es ist.
Solches Nicht-Wissen verleiht einem der Kunst Unausweichlichen Ausdruck.” [Band
10: Kulturkritik und Gesellschaft I/II: Die Kunst und die Künste. Digitale
Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 8140 (vgl.
GS 10.1, S. 450)]

169
tre arte e mundo, roubando-se-lhe a possibilidade de seguir guardan-
do uma reserva ética (o conteúdo de verdade que preserva sua con-
dição de não-idêntico) e de crítica à sociedade. Porém, a inclusão do
material e a aleatoriedade devem entrar na obra de arte Pós-moder-
na emancipada não de forma icônica, simbólica e imutável: entram
para ali então serem submetidas ao tratamento da forma. O compo-
sitor vai servir-se delas para dizer o que, sozinhas, não mais poderi-
am, e seu sentido será – continuará sendo – recuperar o Ursinn, o
sentido primeiro que aqueles materiais, hoje esgotados, um dia tive-
ram: à frente, na seqüência da história. Eis o impulso que a teoria
estética adorniana precisaria para superar a racionalidade, ancoran-
do-se o fundamento da obra de arte pós-moderna crítica não mais no
progresso do material, mas no tratamento desse.316
Adorno não compunha mais desde meados da década de
1940,317 mas, depois de regressar à Alemanha, continuou fazendo
visitas regulares aos encontros de música nova, em Darmstadt,318 e
seus diálogos com Stockhausen tiveram seqüência por cartas, como
recorda o próprio Stockhausen.319 O aprofundamento desse contato

316 A superação da razão [Selbstüberschreitung der Vernunft] preconizada por Ador-


no deve ser entendida enquanto superação de uma racionalidade unilateral no
sentido da Dialética do esclarecimento. Nem na Dialética negativa nem na Teoria
estética, Adorno abandonou a ratio enquanto instância de referência crítica. Ver
SEWING, 4-5.
317 Seus últimos opus datam de 1945: Drei Klavierstücke e Drei kurze Klavierstücke,
bem como a revisão das Drei Gedichte von Theodor Däubler für vierstimmigen
Frauenchor a capella. Mais sobre Adorno compositor em ALBERTI DA ROSA: A
gênese do progresso.
318 No curso de 1951, Adorno substituiu Schönberg como docente, que tinha can-
celado suas aulas por motivo de saúde. Cf. KURTZ, 58-9.
319 “Em uma carta de 14 de maio de 1960 a Adorno, com quem Stockhausen, na-
quela época, mantinha uma correspondência em tom assaz confidencial, ele escreve:
‘Sua grande força revela-se no número de seus adversários.’” [“In einem Brief vom 14.
Mai 1960 an Adorno mit dem Stockhausen damals mehrfach in recht vertrautem

170
data da mesma época em que teve início a revisão, por Adorno, de
sua tese do progresso do material. Na Teoria estética, finalmente, já
lemos que “nenhuma obra de arte merece o seu nome se afastar de si
o contingente à sua própria lei.”320

Certa vez, em uma conversa, colocado diante da ques-


tão da determinação total, Stockhausen restringiu-a
através do conceito, emprestado da física, de um ine-
vitável momento de ‘indeterminação’. Essa indeter-
minabilidade, porém, não é nenhuma concessão que
arranque a imperfeição irracional do material musical
à dominação musical da natureza, mas, sim, refere-se
a onde a própria determinabilidade construtiva encon-
tra seu substrato.321

Dentro da filosofia adorniana da arte, a parcela que fala do


emaranhamento das artes, normalmente não percebida, reconhe-
ce um movimento de aproximação de estéticas antes separadas
por conceitos irreconciliáveis (determinação e contingência, in-
clusão do material e domínio da forma). A intercontextualização,
contudo, não pode se esgotar em citação a-histórica, tem de efeti-
var-se mantendo forma conexa, para que essa, tratando e trans-

Ton korrespondierte, schreibt er: ‘Ihre große Stärke zeigt sich in der Zahl Ihrer Gegner.”
Ibidem, 144.
320 “Kein Kunstwerk verdient seinen Namen, welches das seinem eigenen Gesetz gegenüber
Zufällige von sich weghielte.” ÄT, 329.
321 “Stockhausen hat einmal im Gespräch, vor die Frage der totalen Determination gestellt,
diese durch den der Physik entlehnten Begriff eines unvermeidlichen Moments von
‘Unbestimmbarkeit’ eingeschränkt. Diese Unbestimmbarkeit aber ist keine Konzession, welche
die irrationale Unvollkommenheit des musikalischen Materials der musikalischen
Naturbeherrschung abnötigte, sondern benennt, woran die konstruktive Bestimmbarkeit
selber erst ihr Substrat findet.” [Band 16: Musikalische Schriften I-III: Musik und Technik.
Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 13005
(vgl. GS 16, S. 247)]

171
formando esses materiais, realize a identidade a partir da diversi-
dade imanente.

Toda a obra de Stockhausen pode ser compreendida


como o experimentar possibilidades de contexto mu-
sical em um contínuo polidimensional. Tal maestria,
que permite fundar contexto em uma imprevisível va-
riedade de dimensões, cria, a partir de dentro, a união
da música com o visual, com a arquitetura, com o plás-
tico e com a pintura. Quanto mais os meios contextu-
alizadores de cada um dos gêneros artísticos se expan-
direm para além de onde estavam represados, como
que se formalizando, tanto mais estarão os [distintos]
gêneros subordinados a uma identidade.322

Os conceitos que Adorno sugere poderem entremear-se, obser-


va Nicholsen, “são retirados de seus contextos originais e colocados
em relação uns aos outros”.323 O pensamento inter-relacional de con-
ceitos normalmente alheios entre si realiza-se no estilo da Teoria estéti-
ca, na qual as frases circundam a intenção de imitação, sem que essa se
realize. Ali, Adorno, ao citar, de uma golfada, autores díspares, consu-
ma, em um livro que normalmente se proporia a apenas tratar de esté-
tica, uma estetização da teoria, realizando na prática uma recupera-

322 “Die gesamte Arbeit von Stockhausen kann als Versuch aufgefaßt werden,
Möglichkeiten musikalischen Zusammenhangs in einem vieldimensionalen Kontinuum
zu erproben. Solche Souveränität, die in einer unabsehbaren Mannigfaltigkeit von
Dimensionen es gessattet, Zusammenhang zu stiften, schafft von innen her die Verbindung
der Musik mit Visuellem, mit Architektur, Plastik und Malerei. Je mehr die
zusammenhangbildenden Mittel der einzelnen Kunstgattungen über den angessammten
Vorrat hinaus sich ausbreiten, gleichsam sich formalisieren, desto mehr werden die
Gattungen einem Identischen unterworfen.” [Band 10: Kulturkritik und Gesellschaft I/
II: Die Kunst und die Künste. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno:
Gesammelte Schriften, S. 8120 (vgl. GS 10.1, S. 438-439)]
323 NICHOLSEN, Shierry, apud DURÃO, 5.

172
ção, em sua filosofia da arte, do princípio da montagem. Na seguinte
passagem, nosso negrito visa destacar o efeito de montagem:

Mal se pode dizer tratar-se de impertinente generali-


zação de [elementos] divergentes histórica e filosofi-
camente, quando deduzimos os gestos antiharmôni-
cos de Michelangelo, do Rembrandt tardio, e da últi-
ma fase de Beethoven, em vez do triste e subjetivo
desenvolvimento, a partir da dinâmica do próprio con-
ceito de harmonia, finalmente, sua insuficiência. A
dissonância é a verdade sobre a harmonia.324

Ou ainda:

Sob este aspecto da consciência da inverdade do ver-


dadeiro, toda arte participa do humor, e complemen-
ta a tenebrosa Modernidade; Thomas Mann desta-
cou isto em Kafka, em Becket, é evidente.325

Realizar a identidade (da obra) a partir da diversidade imanente


dos materiais, graças a uma lei da forma que os integre e os modifique
(desenvolva) conseqüentemente: essa tese, Adorno começou a pla-
nejar desde a época em que ainda aceitava com dificuldade os movi-
mentos surrealista e dadaísta. O que Adorno não queria enxergar
como uma tentativa de reanimação dos materiais a partir de seu pre-
visível esgotamento técnico e histórico cobrou força quando, no iní-

324 “Kaum generalisiert man unziemlich geschichtsphilosophisch allzu Divergentes, wenn


man die antiharmonischen Gesten Michelangelos, des späten Rembrandt, des letzten
Beethoven, anstatt aus subjektiv leidvoller Entwicklung, aus der Dynamik des
Harmoniebegriffs selber, schließlich seiner Insuffizienz ableitet. Dissonanz ist die Wahrheit
über Harmonie.”ÄT, 168.
325 “Unter diesem Aspekt, dem Bewußtsein der Unwahrheit des Wahren, partizipiert jegliche
Kunst am Humor und vollends die verfinsterte Moderne; Thomas Mann hat das an Kafka
betont, bei Beckett liegt es auf der Hand.” Ibidem, 472.

173
cio dos anos 1960, deu- se conta de que a Verfransung, o
emaranhamento das artes, era um fenômeno imbricado no próprio
processo de desenvolvimento do material: “o emaranhamento das
artes é um falso ocaso da arte”.326 Como a fênix que renasce das
próprias cinzas, a reanimação das artes precisava passar pela sua ‘mor-
te’, que foi, na primeira metade do século XX, o desaparecimento da
arte bela, e, na segunda metade, o fim do avanço técnico dos materi-
ais, aliado ao condicionamento da forma a este avanço.

O emaranhamento das artes, hostil a um ideal de har-


monia, que, por assim dizer, pressupõe relações orde-
nadas dentro dos gêneros enquanto garantia de senti-
do, deseja sair do aprisionamento ideológico da arte,
[aprisionamento] que atinge, como uma esfera autár-
quica do Espírito, até sua constituição enquanto arte.
É como se os gêneros artísticos, negando os contornos
que lhes dão forma, se pusessem a roer o próprio con-
ceito de arte. O fenômeno primeiro do amaranhamen-
to das artes foi o princípio da montagem, que eclodiu
antes da Primeira Guerra Mundial na explosão do cu-
bismo e, independente dele, em experimentadores
como Schwitters e, depois, no surrealismo e no dada-
ísmo.327

326 “Die Verfransung der Künste ist ein falscher Untergang der Kunst.” [Band 10: Kulturkritik
und Gesellschaft I/II: Die Kunst und die Künste. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W.
Adorno: Gesammelte Schriften, S. 8143 (vgl. GS 10.1, S. 452)]
327 “Die Verfransung der Künste, feind einem Ideal von Harmonie, das sozusagen
geordnete Verhältnisse innerhalb der Gattungen als Bürgschaft von Sinn voraussetzt,
möchte heraus aus der ideologischen Befangenheit von Kunst, die bis in ihre
Konstitution als Kunst, als einer autarkischen Sphäre des Geistes, hinabreicht. Es
ist, als knabberten die Kunstgattungen, indem sie ihre festumrissene Gessalt negieren,
am Begriff der Kunst selbst. Urphänomen der Verfransung der Kunst war das
Montageprinzip, das vor dem Ersten Krieg in der kubistischen Explosion und, wohl
unabhängig davon, bei Experimentatoren wie Schwitters und dann im Dadaismus
und im Surrealismus hochkam.” [Band 10: Kulturkritik und Gesellschaft I/II:

174
A absorção de desenvolvimentos tecnológicos externos à obra
de arte resulta freqüentemente - especialmente através da
autoreprodução midiática de signos - na utilização desses recursos da
técnica em meios também meramente externos. Aqui, queremos abor-
dar um tema no qual a filosofia adorniana da arte demonstrou uma
clara mudança de orientação: o cinema. Nesse, encontramos exem-
plos de sobra de como as técnicas digitais de efeitos especiais são em-
pregadas para apenas reforçar desnecessariamente parâmetros já evi-
dentes de imagem e som. A superação da racionalidade que está ao
alcance da obra de arte contemporânea tem, contudo, de ser conquis-
tada a partir de um progresso imanente, ainda que decorrente do
englobamento de técnicas processuais a si alheias. No uso da tecnologia
para apenas duplicar o que já está sendo dito por funções internas da
organização da obra de arte,328 reside o núcleo da crítica de Adorno e
Eisler em seu Música para cinema [Musik für den Film], de 1944. Os
meios técnicos de reprodução, que, ao surgirem, fascinaram pensado-
res como Benjamin e Brecht, foram em Hollywood inseridos em um
processo automático de reprodução de suas próprias potencialidades,
sem ingressar no núcleo criativo, que é o da forma da obra de arte.329
Aqui, porém, apresenta-se a chance para que o cinema tam-
bém se alinhe nas fileiras da obra de arte emancipada: na inclusão de
mídias que mantenham um diálogo de tensão e de negatividade com
aspectos constitutivos seus, os quais se vêem obrigados, por nature-

Die Kunst und die Künste. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno:
Gesammelte Schriften, S. 8139 (vgl. GS 10.1, S. 450)]
328 No pensamento adorniano, o conceito de técnica na indústria cultural só tem
em comum o nome com aquele válido para as obras de arte. Na arte, a técnica diz
respeito à organização imanente da obra, à sua lógica interna; sob a Indústria Cultu-
ral, a técnica não vai além de um expediente para revestir a superfície exterior – a
aparência, o Schein – do objeto com meios que visam à reprodução hiperrealista do
mundo.
329 Ver MmC.

175
za, à representação da realidade. Enquanto nas artes plásticas a dis-
solução do figurativo já completa um século - ocorrendo mesmo que
a figura, depois de depurada de seu potencial icônico, pode agora
retornar às telas e assumir um novo papel - o cinema, em função das
funções temporalidade e linearidade (da narrativa), ainda encontra
dificuldade em manifestar-se como fantasmagoria, a qual Martin
Zenck define como “a forma ilusória da arte por excelência, porque
nela é tematizado o caráter de aparência da arte enquanto ficção
dentro de uma ficção”. A ilusão seria encenada conscientemente,
como nas visões da Noite de Valpurguis, na segunda parte do Fausto,
na paródia à Noite de Valpurguis e no capítulo da neve da Montanha
Mágica de Thomas Mann, na música de Wagner e na poesia de
Baudelaire.330

Apesar de tudo, persiste a discrepância entre as ten-


dências mais avançadas das artes plásticas e as do ci-
nema. Essa [discrepância] ainda compromete suas [do
cinema] mais ousadas intenções. No momento, ele [o
cinema] tem, ao que tudo indica, que buscar seu po-
tencial mais criativo em outras mídias que nele têm
entrada, como em alguma [espécie de] música. O fil-
me para televisão ‘Antítese’, do compositor Mauricio
Kagel, é um dos mais penetrantes exemplos disso.331

330 ZENCK, 206.


331 “Bei all dem indessen besteht die Divergenz zwischen den fortgeschrittensten
Tendenzen der bildenden Kunst und denen des Films fort. Sie kompromittiert noch
dessen kühnste Absichten. Offenbar hat er im Augenblick sein fruchtbarstes Potential
bei anderen Medien zu suchen, die in ihn übergehen, wie manche Musik. Der Fernsehfilm
‘Antithèse’ des Komponisten Mauricio Kagel bietet dafür eines der eindringlichsten
Beispiele.” [Band 10: Kulturkritik und Gesellschaft I/II: Filmtransparente. Digitale
Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 7983 (vgl.
GS 10.1, S. 358)]

176
A partir de 1965, então, Adorno começa a admitir a possibili-
dade de o cinema também ser arte emancipada, autônoma e crítica.
Para isso, será necessário o emprego de música que não se restrinja a
emoldurar a cena projetada na tela, mas que conduza a atenção do
espectador para um jogo cambiante de negatividade para com a ação,
através de comentários não do que aparece em cena, mas da inten-
ção subjacente às intenções das personagens.

A estética do cinema deverá, antes, recorrer a uma for-


ma subjetiva de experiência, à qual, apesar de sua gê-
nese tecnológica, se assemelha, e que constitui aquilo
que tem de artístico. [...] O cinema seria arte enquanto
reposição objetivante dessa espécie de experiência.332

Essa já tinha sido a proposta de Adorno e Eisler em 1944, no


Komposition für den Film, mas foi a partir de 1965 que a interação de
linguagens e a inserção de material não exclusivamente deduzidos da
obra de arte passaram a ser admitidos por Adorno como alternativa viá-
vel e capaz do mantenimento do potencial crítico – mesmo do cinema.

Que beleza seria, se, na atual situação, pudéssemos


afirmar que os filmes seriam tanto mais obras de arte
quanto menos se apresentassem enquanto obras de
arte.333

332 “Die Ästhetik des Films wird eher auf eine subjektive Erfahrungsform rekurrieren müssen,
der er, gleichgültig gegen seine technologische Entstehung, ähnelt und die das Kunsthafte an
ihm ausmacht. [...] Kunst wäre der Film als objektivierende Wiederherstellung dieser Weise
von Erfahrung.” [Band 10: Kulturkritik und Gesellschaft I/II: Filmtransparente. Digitale
Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 7978 (vgl. GS
10.1, S. 355)]
333 “Wie schön wäre es, wenn man, in der gegenwärtigen Situation, behaupten dürfte, die
Filme seien um so mehr Kunstwerke, je weniger sie als Kunstwerke auftreten.” [Band 10:
Kulturkritik und Gesellschaft I/II: Filmtransparente. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor
W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 7988 (vgl. GS 10.1, S. 361)]

177
A arte crítica da Modernidade sofreu um assédio muito inten-
so, já a partir da metade do século passado, da parte de técnicas ino-
vadoras, a maioria proveniente da informática. O processo que aí se
instaurou resultou em uma assimilação meramente tecnocrática des-
sas tecnologias, que não concretizaram a interação com o núcleo for-
mal da obra de arte. As novas técnicas como que apenas cobriram
sua superfície externa, relegando o conteúdo a uma repetição de fór-
mulas historicamente já vistas e apenas revestindo-a de aparência
avançada – criando uma hiper-realidade, um patamar ficcional que
se propõe a não divorciar-se do mundo empírico, onde a realidade é
‘embelezada’, intensificada, “um real mais real e interessante que a
própria realidade”.334 Os meios de comunicação, novos senhores do
mundo, esteticizam, com o emprego de novos e persuasivos ingredi-
entes midiáticos, guerras e massacres freqüentemente incitados por
eles mesmos. Enzensberger denuncia que “grande parte da intelligentsia
iugoslava demonstrou que a produção do ódio e a preparação da guerra
civil pertencem, ainda hoje, às mais relevantes tarefas dos agentes
culturais”.335
Esse estado de guerra civil (Enzensberger) faz com que as
obras de arte também se encontrem em guerra – ars in tempore belli
–, em seu próprio campo, contra criações que objetivam não outra
coisa do que reforçar a cultura do massacre enquanto diversão de
massa: “o transe gerado pela assimilação da mídia não é explicado
por uma relação imitativa, mas pelo feed-back direto estabelecido
entre a imagem e a realidade. Inúmeros criminosos têm a sensação
de não serem eles próprios participantes de suas ações [...] como se
tudo não passasse de uma ‘cena de televisão’”.336 A inutilidade de

334 FERREIRA DOS SANTOS, 3.


335 ENZENSBERGER, 48.
336 Ibidem, 49.

178
toda a cultura, depois de Auschwitz, na palavra de Adorno,337 ex-
pressa o impasse de falar e mesmo de criticar o genocídio servindo-
se da mesma ferramenta – a racionalidade – responsável pela sua
execução. Mas na guerra da Pós-modernidade vale tudo: tanto quan-
to pseudo-reportagens sobre serial-killers, também o Holocausto foi
já produzido e apresentado em várias versões de seriados de televi-
são e de filmes premiados por Hollywood. Para Kunow, a tensão
entre acontecimento e estrutura estética impede a ficção de ser um
instrumento apropriado de memória cultural. Elie Wesel explica que
“quanto mais um romance é um ‘bom romance’, tanto menos ele é
verdadeiro. Por definição, Auschwitz nega a arte e coloca-se além
da linguagem”.338
O transe de que fala Enzensberger – conseqüência do feed-
back direto entre imagem e realidade – é um sintoma que tem condi-
ções de ser anulado, desde que a tensão entre sujeito e mundo recu-
pere seu vigor. Para que exista essa tensão, contudo, tem que haver
sujeito, quer seja, nossa questão passa pela recuperação da subjetivi-
dade, hoje atomizada, dos indivíduos. E não apenas o sujeito teria
que recuperar- se: tem que haver também mundo, pois a
permeabilidade entre sujeito desconstruído e mundo-como-se-fos-
se-televisão – com sujeito e mundo intercambiáveis – nunca permiti-
rá uma estrutura crítica, pois falta ponto de partida enquanto núcleo
de referência (subjetividade centrada) e alvo objetivo (mundo).

337 “Toda cultura, depois de Auschwitz, inclusive sua urgente crítica, é lixo.”
[“Alle Kultur nach Auschwitz, samt der dringlichen Kritik daran, ist Müll.”] [Band 6:
Negative Dialektik. Jargon der Eigentlichkeit: Dritter Teil: Modelle. Digitale Bibliothek
Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 3425 (vgl. GS 6, S.
359-360)]
338 “Again, it is the tension between event und aesthetic structure that makes fiction an
inappropriate organ of cultural memory: ‘the more a novel on this subject is a ‘good novel’ ,
the less it is the truth. By definition, Auschwitz denies art and places itself beyond language.’”
WIESEL apud KUNOW, 250.

179
A arte pode ser o lugar de onde partirá o movimento de re-
composição da tensão sujeito-mundo. Seu movimento de entrelaça-
mento de técnicas e linguagens está avançando – em um momento
em que os mais pessimistas previam o esgotamento de seu referencial
ético e crítico – graças à absorção de ‘complexos exteriores à realida-
de estética’339 e recuperando seu destino de devolver ao mundo os
enigmas que esse nos propõe.340 Para que esse processo de todos-por-
um (onde todas as linguagens e todas as técnicas acudem a cada
linguagem, a cada técnica e a cada obra de arte em particular), con-
tudo, não se esvazie em mera auto reprodução espetacular de signos,
os complexos do mundo absorvidos no seio da obra de arte têm que
servir imanentemente à forma, têm de passar a ser constitutivos da
sua técnica.
Temos aqui, portanto, a explicação de por que a racionalidade
tem de continuar a fazer parte da obra de arte: os elementos exterio-
res à realidade estética que, na obra de arte, transformam-se não em
meras partes dela, mas na obra de arte mesmo – em sua forma e téc-
nica –, só podem completar esse processo se conduzidos pela racio-
nalidade, “uma racionalidade boa” – boa porque é mediada pela fan-
tasia.341

339 Ver nota 315.


340 Ver nota 169.
341 Ver nota 152.

180
5
Não é o fim

181
182
Concluímos que a expulsão da obra de arte pós-moderna da lista
das expressões que resistem às tendências reacionárias da globalização
tem de ser revertida, para bem da recuperação de um status que a arte,
desde sua dessacralização, vinha aprofundando crescentemente: o de
oposição à sociedade. Ora, a indiferenciação característica da
contemporaneidade aboliu tanto a tensão entre sujeito e mundo como a
que constituía a raiz crítica das artes em relação à vida quotidiana.

Apenas na medida em que o Espírito, em sua forma


mais progressiva, sobrevive e avança, é possível a re-
sistência contra a onipotência da totalidade social.
Uma humanidade em que o Espírito em progresso não
domine o que ela está prestes a liquidar, mergulharia
naquela barbárie que deve impedir uma organização
racional da sociedade.342

Permeada pelo quotidiano e pelo exercício da interatividade,


mídias baseadas fortemente na tecnologia digital enveredaram rapi-
damente pela senda tecnocrática de, sem comentá-lo, recriar o mun-
do com sensações intensificadas e estetizadas. A tentativa de retorno
à arte bela, contudo, apenas produziu um sem-número de deforma-
ções kitsch do que poderia ter chegado a ser obras de arte. As críticas
de reacionarismo, dirigidas à arte contemporânea como um todo, só
fizeram silenciar o debate acerca do que seria um importante resgate
na resistência ao que alguns filósofos classificam como sendo a ter-
ceira fase do capitalismo mundial.

342 “Einzig wofern Geist, in seiner fortgeschrittensten Gessalt, überlebt und weitertreibt,
ist überhaupt Widerstand gegen die Allherrschaft der gesellschaftlichen Totale möglich.
Eine Menschheit, der nicht der fortschreitende Geist übermachte, was sie zu liquidieren
sich anschickt, versänke in jener Barbarei, die eine vernünftige Einrichtung der
Gesellschaft verhindern soll.” [Band 7: Ästhetische Theorie: Ästhetische Theorie.
Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 4296
(vgl. GS 7, S. 348)]

183
Este livro visou conceder à obra de arte pós-moderna uma pla-
taforma a partir da qual pudesse, se esse for o caso, continuar exer-
cendo sua negatividade em relação ao mundo empírico. Para isso,
tomamos o conceito aristotélico da catarse na forma como foi apro-
priado por Adorno, enquanto efeito emocional-emotivo desencade-
ado pela mímese, com toda a carga dialética de que essa se alimenta
desde que possibilitou, no alvorecer da racionalidade humana, a so-
brevivência da espécie, ao mesmo tempo em que a condicionou a
alienar-se para sobreviver.

O rigor com que, no curso dos séculos, os dominado-


res vetaram o retrocesso a modos de vida miméticos
tanto a seus próprios descendentes quanto às massas
dominadas - começando pela proibição religiosa de
imagens, passando pelo desprezo social aos atores e
ciganos, até à pedagogia, a qual desacostuma as crian-
ças a serem infantis - é a condição da civilização. Edu-
cação social e individual confirma os homens no com-
portamento objetivante [própria] de trabalhadores,
impedindo-os de perderem-se nos altos e baixos da
Natureza que os circunda. Toda distração, toda en-
trega tem um traço de mimético. Enrijecendo-se con-
tra isso é que se forjou o Ego. Através de sua consti-
tuição realiza-se a transição de mímese reflexiva para
reflexão controlada.343

343 “Die Strenge, mit welcher im Laufe der Jahrtausende die Herrschenden ihrem eigenen
Nachwuchs wie den beherrschten Massen den Rückfall in mimetische Daseinsweisen
abschnitten, angefangen vom religiösen Bildverbot über die soziale Ächtung von Schauspielern
und Zigeunern bis zur Pädagogik, die den Kindern abgewöhnt, kindisch zu sein, ist die
Bedingung der Zivilisation. Gesellschaftliche und individuelle Erziehung bestärkt die
Menschen in der objektivierenden Verhaltensweise von Arbeitenden und bewahrt sie davor,
sich wieder aufgehen zu lassen im Auf und Nieder der umgebenden Natur. Alles
Abgelenktwerden, ja, alle Hingabe hat einen Zug von Mimikry. In der Verhärtung dagegen
ist das Ich geschmiedet worden. Durch seine Konstitution vollzieht sich der Übergang von

184
A esse, contrapusemos antiteticamente a resistência oferecida
pelo sujeito à cooptação de sua individualidade na massa indistinta e
atomizada do anything goes das políticas da sociedade pós-moderna,
caracterizando-a enquanto processo que ocorre em um contexto de
opressão – lembrando Foucault, que nos demonstrou que “onde há
poder, há resistência”.344 Uma opressão, contudo, a que, como obser-
vou Postmann, não se responde com gritos de socorro, imersa que se
encontra a humanidade em um mar de delícias contra o qual ninguém
levanta armas:345 a grande purificação emocional pós-moderna.

A ataraxia burguesa espalhou-se pura e simplesmente


sobre tudo que fosse capaz de reagir. Atingindo o Eros,
ela se volta diretamente contra aquele outrora mais
precioso dos bens, a eudaimonia subjetiva, pela qual
era reclamada a purificação dos afetos.346

As teorias da arte dos pós-estruturalistas sempre se mostraram


exageradamente preocupadas em buscar um estatuto para a obra de
arte contemporânea fora do âmbito da racionalidade. Mesmo que
essa racionalidade pudesse existir em seu seio, a condição de sua
comunicabilidade seria nula, já que mesmo sua execução e mostra
constituiriam-se de deturpações do pensamento do criador por uma

reflektorischer Mimesis zu beherrschter Reflexion.” [Band 3: Dialektik der Aufklärung:


V. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 1426
(vgl. GS 3, S. 205)]
344 FOUCAULT, M: História da sexualidade, 91.
345 Ver nota 261.
346 “Die urbürgerliche Ataraxie hat sich über alles Reagieren schlechthin ausgebreitet.
Indem sie den Eros ereilt, kehrt sie sich unmittelbar gegen jenes ehemals höchste Gut,
subjektive Eudämonie, um dessentwillen die Reinigung von den Affekten verlangt war.”[Band
10: Kulturkritik und Gesellschaft I/II: Aldous Huxley und die Utopie. Digitale Bibliothek
Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 7547 (vgl. GS 10.1, S. 104-
105)]

185
linguagem que nunca chegará ao interlocutor. Ora, temos que essa
posição enfraqueceu ainda mais a arte nova, rejeitada primeiro pelo
público por mostrar-lhe a verdadeira face horrível da sociedade347 e,
agora, por intelectuais de esquerda que lhe queimam o estigma de
reacionária.
Para assegurar à arte a continuação de seu criticismo, fomos
buscar em alguns textos dos últimos anos de Theodor Adorno seu
testemunho em favor de uma revolução dentro da constituição do
material da obra de arte. O original e o reproduzido perdem, desde a
observação de Benjamin, sua diferenciação – numa época, porém,
em que essa indiferenciação faz eco a outras permeabilidades tão ou
mais graves, e é midiaticamente atrelada a uma política de ‘dividir
para reinar’ - a atomização da subjetividade pós-moderna -, cresce
em importância a revisão feita por Adorno da inclusão do material,
pois essa torna a obra de arte potencialmente esquiva à reprodução,
já que pode assimilar parâmetros e dimensões sempre mais numero-
sas, reconfigurando, agora em outro patamar, a corrida pelo progres-
so na arte defendida por Adorno na PhnM.
Essa idéia, como demonstramos, já estava presente em germe
na Filosofia da nova música, e, nos últimos escritos do frankfurtiano,
propiciou uma mudança mesmo em suas antes intransigentes posi-
ções relativas à possibilidade de o cinema expressar-se como obra de
arte emancipada.
Na seqüência, traçamos um paralelo entre a condição estética
pós-moderna e o esgotamento estilístico e o hibridismo do material
que caracterizaram a transição da polifonia renascentista para a
seconda pratica da Camerata fiorentina, tomando como exemplo o com-
positor Claudio Monteverdi. Chegamos a esse caso particular depois
de examinarmos os comentários de Adorno na PhnM relativos ao

347 Ver nota 39.

186
hibridismo também em Johann Sebastian Bach e nas fugas dos últi-
mos quartetos de Beethoven.
Temos então, que, nos períodos em que a linguagem do mate-
rial apresenta fadiga, não há porque decretar-se o fim da evolução e
passar-se logo a repetir conceitos desgastados. O Ursinn, em que Ador-
no concentra a exigência de progresso na música, nunca pode ser
recuperado, é verdade, depois de sua primeira execução. Concorde à
negatividade de uma estética que necessita de um impulso pós-mo-
derno para superar a racionalidade, o progresso dá-se num aparente
retrocesso, no movimento de tentar resgatar o Urklang, o som pri-
meiro. Outrossim, a inclusão de ‘elementos extra-estéticos’ seria a
solução para que a fênix da arte renasça de suas cinzas, desde que
esses elementos entrem na corrente de elaboração e tratamento ma-
terial, e não se apresentem como mera citação icônica e a-histórica.

Se o material, na obra de arte, é verdadeiramente a


resistência contra sua pura identidade, então o pro-
cesso [dessa identidade] é também, essencialmente,
nelas [nas obras], o [processo] entre material e inten-
ção. Sem essa, sem a forma imanente do princípio iden-
tificador, existiria tão pouca forma quanto sem os im-
pulsos miméticos. O excedente das intenções anun-
cia que a objetividade das obras não é puramente re-
duzível à mímese.348

A imanência da técnica da obra de arte recebe, nesse momen-


to de transição, seiva que é, ao mesmo tempo em que histórica (pro-
348 “Ist das Material wahrhaft im Kunstwerk der Widerstand gegen dessen blanke Identität,
so ist ihr Prozeß in ihnen selber wesentlich der zwischen Material und Intention. Ohne
diese, die immanente Gessalt des identifizierenden Prinzips, wäre so wenig Form wie ohne
die mimetischen Impulse. Das Surplus der Intentionen bekundet, daß die Objektivität der
Werke nicht rein auf Mimesis reduzibel ist.” [Band 7: Ästhetische Theorie: Ästhetische
Theorie. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften,
S. 4093 (vgl. GS 7, S. 227)]

187
veniente de estéticas passadas), renovadora (por incluí-las eximidas
da obrigação de significar o que um dia foram). E todo esse processo,
queremos repetir, não tem como ocorrer se abandonarmos a obra de
arte ao laissez faire da escritura automática: a racionalidade tem que
estar presente e constituinte; o tratamento do material – eminente-
mente racional e teleológico – é que decidirá uma nova significação
a gestos recuperados da história.
Esse movimento é o que chamaremos de vertical, enquanto
que o movimento horizontal na procura de matéria prima para a obra
de arte é o entremear-se das linguagens das outras artes e outras téc-
nicas, a aproximação prevista por Adorno em seu A arte e as artes [
Die Kunst und die Künste]. Vertical e horizontal têm de buscar, na
obra de arte crítica e autônoma, o mesmo ponto de intersecção que
Adorno tão bem identificou na música de Bach, ao legitimar um
parâmetro (a horizontalidade, o contraponto) em função do outro (a
verticalidade, a harmonia).349
O entrelaçamento de artes e técnicas é a possibilidade de
reconstituir a tensão entre sujeito e mundo, tensão essa desintegrada
pelas políticas pós-modernas de dissolução do sujeito em mero abs-
trato coletivo. A obra de arte, portanto, acolhendo em si elementos
do mundo, e devolvendo-os ao mundo transformados pela racionali-
dade estética, estará assumindo seu papel na resistência à grande
catarse pós-moderna.

No momento em que nos entregamos sem reservas ao


material e suas tendências, em vez de obrigar, de cima
para baixo, a composição a procedimentos seriais, es-
peramos extrair o seu sentido. Característico disso é o
trabalho com [música] eletrônica, que não emprega
apenas sons ‘eletrônicos’, e sim, a partir da natureza

349 Ver nota 290.

188
destes sons, procura ler estruturas composicionais.
Aparentados-opostos a estes são as experiências com
o princípio da indeterminação [do acaso], estimula-
dos em teoria por Mallarmé, e, de forma prática, pelo
norte-americano John Cage. Eles pretenderiam uma
cura do violento mecanismo no qual a coisa é [pré-
]determinada até o absurdo, até o autoaniquilamento
da intenção composicional subjetiva.350

O conflito com a Modernidade, possivelmente, é inextirpável


da condição pós-moderna. A possibilidade de uma superação da ra-
cionalidade, prometida e esperada no século passado, acredita pas-
sar, na obra de arte, pela inclusão máxima do material, porém sem
abrir mão do tratamento da forma, agora uma rua de mão dupla,
recebendo e trocando técnicas com outras áreas do conhecimento.
Nesse caso, a Pós-modernidade define-se enquanto projeto, enquanto
desejo de superação – da racionalidade –, como um compasso de
espera sem pausa escrita. Sua busca é nossa busca, a de perceber em
que foi que mudamos, que bagagem trouxemos da Modernidade e o
que foi que deixamos pelo caminho.

350 “Indem man sich ohne Vorbehalt dem Material und seinen Tendenzen überläßt,
anstatt Reihenverfahren von oben her der Komposition aufzuzwingen, hofft man deren
Sinn zu gewinnen. Bezeichnend dafür die elektronische Arbeit, die nicht etwa
elektronische Klänge ‘verwendet’, sondern aus der Beschaffenheit dieser Klänge
kompositorische Strukturen herauszulesen versucht. Verwandt-entgegengesetzt sind
die theoretisch durch Mallarmé, praktisch durch den Amerikaner John Cage
angeregten Versuche mit dem Zufallsprinzip. Sie möchten von dem gewaltsam
Mechanischen heilen, in dem sie der Sache selbst bis zum Absurden, bis zur
Selbstauslöschung der subjektiven kompositorischen Intention sich überantworten.”
[Band 18: Musikalische Schriften V: Zum Stand des Komponierens in Deutschland.
Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S.
14505 (vgl. GS 18, S. 136-137)]

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