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• “A heresia de um indivíduo, com o laicismo liberal, torna-se social e política” (M. Ayuso)
• “Da forma dada à sociedade, conforme ou não às leis divinas, depende o bem ou o mal
das almas; isto é, se os homens, chamados todos a ser vivificados pela graça de Cristo, nas
contingências terrenas do curso da vida respiram o são e vivificante hálito da verdade e da
virtude moral ou o bacilo morboso e muitas vezes mortífero do erro e da depravação.
Perante tal consideração e previsão, como poderia ser lícito à Igreja, Mãe tão amorosa e
solícita do bem de seus filhos, permanecer espectadora indiferente dos seus perigos, calar
ou fazer que não vê nem pondera condições sociais que, voluntária ou involuntariamente,
tornam árduo e praticamente impossível um modo de vida cristão conforme aos preceitos
do Supremo Legislador? (Pio XII, Radiomensagem “A solenidade”, Pentecostes, 1941)
Prólogo
• Na antiguidade pagã, nem sequer era concebível a ideia de separação entre o poder
temporal e o espiritual. A esfera política e a religiosa se identificavam. A religião era
considerada uma virtude social ou política, enquanto a impiedade era tanto um pecado
como um crime politico assaz grave, porque a unidade da Cidade se baseava no princípio
da piedade em ordem à divindade [2].
• O Cristianismo sempre ensinou que a sociedade civil depende da religiosa e a partir de
Constantino ordenou também na prática o bem comum temporal ao espiritual e
sobrenatural. Estes dois poderes são distintos (diferentemente do que se dá no paganismo),
mas não separados (diferentemente do que se dá no laicismo) [3].
• A Partir Da Revolução Francesa, dá-se a neutralidade ou separação entre Estado e Igreja,
que vai da indiferença à perseguição. É a época da secularização ou do laicismo, que
procuraram abater indiretamente a Fé cristã atacando diretamente a Cristandade ou a
constituição cristã dos Estados europeus [4]. Nessa época se procurou destruir a ordem
natural e divina mediante a Revolução ou subversão da relação entre o temporal e o
espiritual, a natureza e a graça, a razão e a fé. Em parte foram bem-sucedidos em
descristianizar a sociedade civil mediante as ideias e as instituições políticas. A heresia do
indivíduo, com o laicismo liberal, torna-se social e política [5]. A Revolução é uma doutrina
social ou política que quer fundar a sociedade civil não sobre Deus, mas sobre o Homem. A
Contrarrevolução é a doutrina política que funda o Estado sobre Deus e sua Lei [6]. Ora, “a
toda ação corresponde uma ação igual e contrária”. Então, se a Revolução “heretizou”
socialmente, a Contrarrevolução deve apresentar um remédio não só individual mas social e
politico contra a heresia social que é o laicismo liberal. Se a revolução quer aniquilar a
Cristandade ou o Estado cristão para depois destruir a própria fé, a Contrarrevolução (que
não é uma Revolução de signo contrário, mas é o contrário per diametrum da Revolução)
quer restaurar a civilização cristã, que é a moral social cristã tal como foi ensinada pela
Tradição apostólica e depois escrita nas constituições a partir de Constantino [7].
• O Magistério da Igreja é citado por Ayuso para demonstrar o que foi exposto. Pio VI, na
Alocução ao Consistório de 9 de março de 1789, condena a liberdade moderna, e na
encíclica Adeo nota, de 1791, condena a “Declaração dos direitos do homem e do cidadão”.
Gregório XVI, na encíclica Mirari vos, de 1832, condena o catolicismo liberal. Leão XIII, na
encíclica Diuturnum illud, de 1881, na Immortale Dei,de 1885, na Libertas, de 1888, e enfim
na Annum ingressi, de 1902, expõe a doutrina católica sobre a relação entre Estado e Igreja
e condena toda doutrina separacionista dos dois poderes. São Pio X, na encíclica
Vehementer, de 1906, e na Notre Charge Apostolique, de 1910, condena a separação entre
o poder temporal e o espiritual e o modernismo político “Democracia Cristã”. Pio XI, na
Quas primas, de 1925, fala da Realeza social e política de Cristo e condena o laicismo.
Enfim, Pio XII, na encíclica Summi Pontificatus, de 1939, na Radiomensagem Benignitas et
humanitas, de 1944, e no Discurso aos juristas católicos italianos, de 1953, dá continuidade
ao mesmo ensinamento de união e subordinação entre os dois poderes e de condenação
de sua separação [8].
O Magistério tradicional
constrasta a modernidade
• A conclusão que tira Miguel Ayuso é que, se o Magistério constante e tradicional da Igreja
contestou e refutou a modernidade subjetivista e relativista (liberalismo, modernismo,
libertinismo e social-comunismo), o ensinamento pastoral do Vaticano II chegou até à
“renúncia da tradicional doutrina política – baseada na constituição cristã dos Estados – […]
[e se revelou] incapaz de delinear uma nova estratégia” [13]; não só abandonou a doutrina
social tradicional acerca da relação entre Estado e Igreja, mas não conseguiu propor uma
alternativa filosófico-política adequada ao surgimento do novo laicismo, sempre mais radical
e paroxístico.
O Vaticano rendeu-se
à modernidade
• Pio XII havia previsto este perigo e o havia denunciado já em 1941: “Da forma dada à
sociedade, conforme ou não às leis divinas, depende o bem ou o mal das almas; isto é, se
os homens, chamados todos a ser vivificados pela graça de Cristo, nas contingências
terrenas do curso da vida respiram o são e vivificante hálito da verdade e da virtude moral
ou o bacilo morboso e muitas vezes mortífero do erro e da depravação. Perante tal
consideração e previsão, como poderia ser lícito à Igreja, Mãe tão amorosa e solícita do
bem de seus filhos, permanecer espectadora indiferente dos seus perigos, calar ou fazer
que não vê nem pondera condições sociais que, voluntária ou involuntariamente, tornam
árduo e praticamente impossível um modo de vida cristão conforme aos preceitos do
Supremo Legislador? (Pio XII, Radiomensagem “A solenidade”, Pentecostes, 1941). Não se
pode silenciar ou fingir que não se vê o perigo de uma situação que torna difícil o viver
cristãmente. Ora, a “liberdade das falsas religiões” e o abandono da ideia de Estado católico
ou da Realeza social de Cristo, sancionados pelo Concílio Vaticano II, são exatamente uma
situação ou modo de vida que torna praticamente impossível a prática cristã. Os homens da
Igreja caíram em uma espécie de “surdo-mutismo”: fingem não haver sentido nada, de
modo que não devem falar. Não se pode permanecer um espectador indiferente, que olha e
não grita: “O lobo, socorro, perigo, atenção!” Isso é aceitar praticamente e implicitamente,
se não explicitamente e por princípio, o erro e o mal, que é a negação prática do primeiro
princípio evidente da moral: “malum vitandum, bonum faciendum”. Ora, quem nega os
princípios evidentes não é desculpável por ignorância invencível, porque eles são evidentes
para todos, se mostram e não se demonstram. Como os homens da Igreja hoje calaram
esta verdade social, ela – como disse Jesus – é “gritada pelas pedras”, que são os
monumentos do passado, os quais testemunham uma verdade história: “Houve um tempo
em que a filosofia do Evangelho governava os Estados” (Leão XIII, Immortale Dei, 1885).
Que tremenda responsabilidade não haver querido condenar o erro, não haver querido pôr
em guarda a Cristandade e os fiéis cristãos contra o perigo. Não havendo “desaprovado” ou
condenado, implicitamente, sim, o aprovou. “Um Papa bom não é um bom Papa”, dizia o
Padre Innocenzo Colosio. “O médico piedoso faz a praga cancerígena”, reza o provérbio
popular. O excesso de “bondade” pode tornar-se a máxima crueldade (“summa bonarietas,
summa malvagitas”).
• Pars Destruens et Construens. Miguel Ayuso explica egregiamente que “a Igreja não
opera em política apenas ‘negativamente’, mediante condenações […], mas intervém
também positivamente, declarando quais são os princípios que devem presidir a
organização de uma comunidade” [16]. A neutralidade, o pluralismo e a indiferença do
Estado em matéria religiosa não são princípios conformes à Tradição apostólica acerca da
relação Estado-Igreja tal como ensinado pelas Sagradas Escrituras, pelos Padres
eclesiásticos do IV século e pelo Magistério, desde o Papa Gelásio I (490) até Pio XII
(1958).
A Cristandade já existia
e não deve ser inventada
A nova Cristandade
maritaniana e conciliar
• O Homem é um animal naturalmente social. Daí a necessidade de ensinar, hoje mais que
nunca, a doutrina social da Igreja e de não trancar-se na sacristia, como queriam os
católicos liberais, mascarando o fracasso do catolicismo liberal sob uma máscara de
excessivo espiritualismo ou angelismo desencarnado, cujo lema é “não devemos fazer
política!”. Ao invés, a realidade, e pois a verdade, é que o homem é composto de alma e
corpo, e é um animal racional e também social, politico, feito para viver em sociedade ou na
pólis, e não é um anjo, um ente desencarnado ou um monge que vive isolado. Os monges
são casos “excepcionais” e “heroicos” que confirmam a regra.
• Perigo do angelismo ou do espiritualismo exagerado. O erro dos conservadores e de
alguns “tradicionalistas” católicos atuais é o de eliminar o elemento social da natureza
humana, que ao invés foi criada por Deus naturalmente sociável (Aristóteles, Política, VI; S.
Tomás de Aquino, De regimine principum, liv. I, cap. 14), e querer tornar o homem um
indivíduo único (como o quer o liberalismo individualista) sem espaço social e político, para
levá-lo, com um impulso puramente natural (mesmo o Padre, que é sempre um homem,
ainda que consagrado, não é Deus, mas tão só um instrumento d’Ele, para ajudar os fiéis a
fazer a Sua Vontade, que não necessariamente é a do sacerdote), a uma vida consagrada à
qual, ao contrário, só Deus chama e na qual só se persevera com a ajuda d’Ele. “Não sois
vós que Me escolhestes, mas sou Eu que escolho a vós”, diz Jesus no Evangelho a Seus
Apóstolos. A vocação é um conselho, não um preceito, e não se pode obrigar ninguém a
seguir um conselho sob pena de pecado [18]. Deve-se contestar, refutar e contrastar o
laicismo, na teoria e na prática, derrubar tal modo de vida subversivo e revolucionado,
fazendo história em vez de padecê-la passivamente, tentando criar condições para um viver
social que facilite o viver espiritual. Assim como “a Graça supõe a natureza, a aperfeiçoa e
não a destrói” (Santo Tomás), assim também a Fé pressupõe a humanidade civilizada [19],
a aperfeiçoa, a mantém em vida e não a deve destruir. Da mesma forma, a vocação
sagrada pressupõe a vida familiar, social e política, a deve aperfeiçoar e não a deve
aniquilar. Se não houvesse uma sociedade familiar, ninguém poderia ser “chamado”, e, se a
sociedade civil em vez de ajudar o indivíduo e a família a atingir o próprio Fim o impedisse,
os “vocacionados” seriam muito menos numerosos. É por isso que se deve “dar a César o
que é de César [obediência às leis temporais conforme à Lei natural] e a Deus o que é de
Deus [a adoração]”.
Conclusão
• “A Igreja não pode, sem trair sua própria missão, deixar de afirmar que existe uma lei
moral natural […] à qual devem submeter-se os poderes públicos. Isto é o núcleo do Estado
católico” [31], como ensinou Pio XI na sua primeira encíclica, Ubi Arcano Dei, de 1922,
sintetizada no lema Pax Christi in Regno Christi. O “pecado original” da modernidade
consistiu em haver colocado o homem e não Deus como fundamento da vida social e do
Estado (“eritis sicut Dii”). O antropocentrismo social ou político é o “princípio e o
fundamento” da filosofia e da civilização moderna, assim como o antropocentrismo
individualista o é do modernismo. A heresia dogmática modernista se transformou em
Revolução social liberal ou modernismo político (cf. São Pio X, Notre charge apostolique,
1910) [32]. Todas ou quase todas as Revoluções sociais encerram erros filosóficos e
heresias dogmático-morais.
• A verdade filosófica, dogmática e moral foi sintetizada teocentricamente no lema de São
Paulo: “Non est Potestas nisi a Deo”, e a contra-Igreja a revolucionou atropocentricamente
em: “Non est potestas nisi ab Homine” [33]. Assim, a heresia dogmática modernista influiu
sobre a Revolução política demo-cristã e esta terminou por demolir os últimos traços ou
“restos” de uma civilização que era ainda cristã antes de ser demo-cristianizada.
Certamente DH quis um exercer um papel filosófico, teológico e politico neste processo de
laicização ou secularização. O Bispo espanhol José Guerra Campos havia convidado a
“reedificar a doutrina [social] da Igreja por causa da notável incoerência da pregação atual”
[34]. Com DH, assiste-se ao fenômeno de penetração do laicismo em ambiente católico e
eclesial a ponto de a separação entre Estado e Igreja ser pregada até pelos homens da
Igreja. O pós-concílio agravou o erro laicista de DHa ponto de fazer rever as Concordatas
com a Espanha (1978) e a Itália (1984) em sentido separacionista, definido como “ideal” por
João Paulo II, que na Lettre apostolique aux Eveques français, de 11 de fevereiro de 2005,
por ocasião do primeiro centenário da lei francesa de 1905 da separação entre Estado e
Igreja (condenada por São Pio X em Vehementer, 1906), escreveu: “O princípio da laicidade
[…] pertence à doutrina social da Igreja”. É o “livre Estado e livre Igreja” de Camile Cavour
que se tornou “doutrina social católica”!
• Só Deus pode fazer sair de uma situação de apostasia geral, que penetrou, sim, o
Santuário e a mente da hierarquia da Igreja. E Ele de fato prometeu: “Portae inferi non
praevalebunt adversus eam”.
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NOTAS