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FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ

UNIVERSIDADE DE FORTALEZA – UNIFOR


CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS – CCJ
Curso de Direito

A EUTANÁSIA À LUZ DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Saulo Augusto de Barros Coelho


Matr.: 0712499/6

Fortaleza – CE
Junho, 2011
SAULO AUGUSTO DE BARROS COELHO

A EUTANÁSIA À LUZ DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Monografia apresentada como


exigência parcial para a obtenção
do grau de Bacharel em Direito,
sob a orientação de conteúdo do
Professor Francisco Lisboa
Rodrigues e orientação
metodológica do Professor José
Cauby de Medeiros Freire.

Fortaleza - Ceará
2011
SAULO AUGUSTO DE BARROS COELHO

A EUTANÁSIA À LUZ DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Monografia apresentada à banca


examinadora e à Coordenação do
Curso de Direito do Centro de
Ciências Jurídicas da Universidade
de Fortaleza, adequada e aprovada
para suprir exigência parcial
inerente à obtenção do grau de
bacharel em Direito, em
conformidade com os normativos
do MEC, regulamentada pela Res.
n° R028/99, da Universidade de
Fortaleza.

Fortaleza (CE), 14 de junho de 2011.

Francisco Lisboa Rodrigues, Ms.


Prof. Orientador da Universidade de Fortaleza

Marina Andrade Cartaxo, Ms.


Profª. Examinadora da Universidade de Fortaleza

Nathalie de Paula Carvalho


Profª. Examinadora da Universidade de Fortaleza

José Cauby de Medeiros Freire, Ms.


Prof. Orientador de Metodologia

Profª. Núbia Maria Garcia Bastos, Ms.


Supervisora de Monografia

Coordenação do Curso de Direito


À minha mãe, Izabela, por ter sacrificado a sua
vida em favor dos filhos.

Ao meu pai, Fernando, por ter me dado o mais


importante para a formação do meu caráter.

Aos meus irmãos, Luana, Yago e Yuri, por


estarem sempre do meu lado.

Por fim, a todos aqueles, que, de alguma


forma, ajudaram-me a ser uma pessoa melhor.
AGRADECIMENTOS

Ao professor Lisboa, por aceitar a tarefa de orientar esse trabalho, cujo objeto é bastante
complexo.

Ao professor Cauby, por transmitir confiança e orientar da melhor maneira possível o


desenvolvimento metodológico desse trabalho.

Aos demais professores da casa, por contribuírem para a formação permanente do meu
conhecimento.
No dia 23 de agosto de 1968 fraturei o
pescoço ao mergulhar em um praia e bater
com a cabeça na areia. Desde esse dia sou
uma cabeça viva em um corpo morto. Poderia
dizer que sou o espírito falante de um morto.
Se eu fosse um animal, teria recebido um
tratamento de acordo com os sentimentos
humanos mais nobres. Teriam posto fim à
minha vida porque lhes pareceria desumano
deixar-me nesse estado pelo resto da vida. Às
vezes é um azar ser um macaco degenerado!
[...] Considero o tetraplégico como um morto
crônico que reside no inferno. [...] No início,
você só pensa em se libertar. Há somente duas
alternativas: transformar-se em um ser
absurdo, ser o que não quer ser, um habitante
do inferno; ou ser coerente com a utopia da
vida. Libertar-se da dor, buscar o prazer
através da morte. Decidi-me pela libertação,
não como algo negativo, mas positivo:
procurar algo melhor. A primeira coisa que
meus pais disseram quando lhes falei que
queria morrer foi que preferiam assim, não
queriam perder-me para sempre. [...] Essa foi
a primeira vez que me deparei com o muro
impenetrável do paternalismo bem-
intencionado.
Ramón Sampedro
RESUMO

A eutanásia é uma prática por meio da qual se abrevia, com o menor sofrimento possível, a
vida de um enfermo acometido por uma doença incurável e insuportável. Tal prática é
polêmica, tanto que poucos países no mundo ousaram regulamentá-la ou mesmo legalizá-la.
O responsável por tal controvérsia é o princípio do respeito à vida, que, em tese, impõe ao
Poder Público o dever de promovê-la, de garanti-la, de não violá-la e de impor, inclusive aos
particulares, a sua observância. Em que pese seja um direito fundamental, o referido direito
não é absoluto, uma vez que, em face do princípio da unidade da Constituição, não há
hierarquia entre normas e bens jurídicos tutelados pela Mesma. Sendo assim, em abstrato, o
mencionado direito não prevalece sobre os demais de mesma qualidade. Nesse sentido,
percebe-se que a prática da eutanásia envolve uma colisão de direitos fundamentais: de um
lado, o princípio do respeito à vida, que veda essa conduta, e de outro, o princípio da
dignidade da pessoa humana, que ampara a mesma, considerados ambos quanto ao seu caráter
prima facie. Assim, a prevalência de uma norma sobre outra deve ser aferida em concreto,
usando-se a ponderação, que é uma técnica de decisão para hard cases, como no acima
observado. Ante o exposto, vale acrescentar que nesta monografia irá abordar-se
minuciosamente sobre a eutanásia, destacando o seu conceito, os atos que são distintos dela,
as suas modalidades, os seus aspectos históricos e como a mesma é tratada no direito
comparado e no brasileiro, principalmente, no que se refere ao último, sob a ótica dos
aludidos princípios. Ao fim, aborda-se sobre a solução desse conflito de normas.

Palavras-chave: Eutanásia. Princípio do respeito à vida. Princípio da dignidade da pessoa


humana. Colisão de direitos fundamentais.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 9

1 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE A EUTANÁSIA ..................................................... 12


1.1 Conceito .......................................................................................................................... 12
1.2 Atos distintos da eutanásia .............................................................................................. 14
1.2.1 Distanásia ou obstinação terapêutica ........................................................................ 14
1.2.2 Suicídio assistido ...................................................................................................... 14
1.2.3 Eugenia ..................................................................................................................... 15
1.3 Modalidades .................................................................................................................... 15
1.3.1 Eutanásia ativa .......................................................................................................... 15
1.3.2 Eutanásia passiva ou ortotanásia............................................................................... 16
1.3.3 Eutanásia voluntária .................................................................................................. 16
1.2.4 Eutanásia não voluntária ........................................................................................... 17
1.4 Aspectos históricos .......................................................................................................... 17
2 ASPECTOS JURÍDICOS DA EUTANÁSIA ........................................................................... 20
2.1 Considerações breves sobre a eutanásia no direito comparado ....................................... 20
2.1.1 Uruguai ..................................................................................................................... 20
2.1.2 Holanda ..................................................................................................................... 21
2.1.3 Colômbia................................................................................................................... 22
2.1.4 Estados Unidos da América ...................................................................................... 23
2.2 Considerações sobre a eutanásia no ordenamento jurídico brasileiro ............................. 24
2.2.1 A eutanásia sob a ótica do princípio do respeito à vida ............................................ 29
2.2.2 A eutanásia sob a ótica do princípio da dignidade da pessoa humana ..................... 32

3 COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS: RESPEITO À VIDA VERSUS


DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA .................................................................................. 39
3.1 Aplicação de critérios tradicionais para a solução da presente antinomia ...................... 40
3.2 Distinção necessária entre regras e princípios jurídicos .................................................. 41
8

3.2.1 Solução do conflito entre regras e da colisão entre princípios ................................. 43


3.3 Aplicação da ponderação para solução da colisão de princípios em apreço ................... 45

CONCLUSÃO .......................................................................................................................... 48

REFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 50

APÊNDICE .............................................................................................................................. 53
INTRODUÇÃO

O termo eutanásia, que tem origem grega e significa boa morte, morte doce, foi criado
pelo inglês Francis Bacon, no século XVII, que defendia a tese de que o médico, além de
curar, tinha o dever de amenizar as dores, ainda que tal procedimento levasse à morte do
paciente. Na realidade, a mencionada palavra é uma prática humanitária pela qual se abrevia,
com o menor sofrimento possível, a vida de uma pessoa acometida por uma enfermidade
incurável e que causa dores, físicas e/ou psicológicas, insuportáveis. Tal procedimento pode
ocorrer de forma ativa, quando há uma ação para antecipar a morte – eutanásia propriamente
dita; de forma passiva, quando se interrompe um determinado tratamento que mantinha o
paciente vivo – ortotanásia; de forma voluntária, quando o enfermo expressa sua vontade
pessoalmente ou por meio de um documento; e, por fim, de forma involuntária, quando a
declaração é feita por terceiros, tendo em vista a incapacidade física ou jurídica do enfermo
para manifestar sua vontade.

Embora a discussão sobre a eutanásia tenha sido mais destacada recentemente, em razão
de diversos casos, como os de Ramón Sampedro e do Doutor Jack Kevorkian, que, inclusive,
transformaram-se em filme, há registros de que o mencionado ato é muito antigo e que foi
praticado por diversos povos. Contudo, só a partir do século XX começaram as primeiras
discussões acerca de sua regulamentação. Nesse contexto, destacaram-se as legislações do
Uruguai e da Holanda e, no âmbito jurisprudencial, a da Colômbia e a dos Estados Unidos da
América.

No Brasil, por outro lado, a eutanásia ainda não foi regulamentada, embora já tenha
havido a apresentação de quatro projetos de lei nesse sentido. Dentre eles, ressalte-se que
apenas o PL 5.058/2005, de autoria do deputado Osmânio Pereira, dispôs contra o referido
ato. No entanto, tal projeto de lei, assim como os demais, foi arquivado. Houve, inclusive, no
Anteprojeto do Código Penal de 1999, a tentativa de minorar a pena da eutanásia ativa (Art.
121, § 3º) e de legalizar a eutanásia passiva, tornando-a uma causa de exclusão de ilicitude
(Art. 121, § 4º). Contudo, ambas as alterações não lograram êxito. Sendo assim, o agente que
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pratica o mencionado ato no Brasil incorre, segundo a maioria dos criminalistas, no crime de
homicídio privilegiado (CP, Art. 121, § 1º).

Percebe-se, assim, o quanto suscita polêmica a prática da eutanásia, tanto que poucos
países no mundo avançaram no sentido de regulamentá-la ou até mesmo de legalizá-la. O
responsável por tal controvérsia é o princípio do respeito à vida (CF, Art, 1º, caput), que,
prima facie, veda a supressão da vida de qualquer pessoa. Nesse contexto, saliente-se que o
citado direito, apesar de ser um direito fundamental, não é absoluto, uma vez que pode ser
limitado por outras normas do mesmo nível. Tal limitação, a título de ilustração, ocorre
quando o citado princípio colide com outra norma constitucional, podendo, de acordo com as
circunstâncias do caso concreto, ser afastada para aplicação da mesma.

No presente trabalho, percebe-se que a prática da eutanásia envolve uma colisão de


direitos fundamentais. De um lado, o princípio do respeito à vida; do outro, o princípio da
dignidade da pessoa humana, que, prima facie, veda e permite, respectivamente, essa conduta.

Impende salientar que, ainda que a vida seja um valor superestimado em nossa
sociedade e protegido pela Constituição, a mesma, em abstrato, não prevalece sobre a
dignidade da pessoa humana, bem como sobre as demais normas constitucionais, pois, em
virtude do princípio da unidade da Constituição, não há hierarquia entre as referidas normas.
Assim, a prevalência de uma norma sobre outra deve ser aferida caso a caso, ponderando-se
os valores colidentes.

Nesse contexto, o presente trabalho monográfico pretende, na medida do possível,


analisar a eutanásia à luz dos direitos fundamentais, notadamente em face do princípio do
respeito à vida e da dignidade da pessoa humana, tendo em vista que tais normas
constitucionais são comumente indicadas, respectivamente, como proibitiva e permissiva da
eutanásia, implicando, dessa forma, em uma colisão desses mencionados princípios.

Com relação aos aspectos metodológicos, realizar-se-á um estudo descritivo-analítico


do presente tema. Nesse sentido, quanto ao tipo de pesquisa, utilizar-se-ão fontes
bibliográficas; quanto à utilização dos resultados, a pesquisa será pura, uma vez que terá
como escopo ampliar os conhecimentos; quanto à abordagem, será qualitativa, haja vista que
apreciará a realidade do tema no direito; e, quanto aos objetivos, será descritiva e exploratória,
eis que terá como intuito, respectivamente, esclarecer e aprimorar as ideias acerca do tema em
apreço.
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No primeiro capítulo, apresentar-se-ão o conceito de eutanásia, os atos que se


diferenciam dela, as suas modalidades e sua evolução no decorrer da história.

No segundo capítulo, por sua vez, tratar-se-á dos aspectos jurídicos da eutanásia,
demonstrando como o referido ato é tratado pelas legislações e jurisprudências mais
relevantes de outros países e como é tratada no Brasil.

No terceiro capítulo, por fim, abordar-se-á sobre a colisão de direitos fundamentais que
envolve a eutanásia, levantando e propondo soluções, de acordo com a maioria da doutrina e
da jurisprudência pátrias, para a colisão em questão.
1 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE A EUTANÁSIA

De origem grega, a palavra eutanásia deriva do prefixo eu e do radical thanatos, que


significam, respectivamente, boa e morte. Já o termo em si significa: “boa morte, morte fácil,
morte doce, sem dor nem sofrimento. Melhor dito, morte grata, morte desejável para os que
querem evitar o tormento dos desejos impotentes” (MORALES apud MENEZES, 1977, p.
39).

No século XVII, o referido termo foi empregado pela primeira vez por Francis Bacon,
em sua obra Historia vitae et mortis, na qual defendia que “[...] a missão do médico é a de
devolver a saúde e aliviar os sofrimentos e as dores, não só quando esse alívio pode levar à
cura, como também quando pode servir para proporcionar uma morte indolor e calma”
(BACON apud MENEZES, 1977, p. 39).

Para o inglês, portanto, o médico, além de curar, tinha o dever de amenizar as dores,
ainda que tal procedimento levasse à morte do paciente. Da mesma maneira, Ary Luiz
Dalazen Júnior expõe (2007, p.117): “[...] Francis Bacon [...] defendia a crença de que a
função do médico não se resumia apenas a curar, mas também amenizar as dores, não
somente quando tal serenamento levasse à cura, como também à morte”.

Conclui-se, assim, que a morte não é um fim na eutanásia, e sim um meio para findar as
dores de um enfermo.

1.1 Conceito

É oportuno salientar que, diante da existência de inúmeros conceitos de eutanásia, opta-


se por destacar os elementos desses e suas controvérsias, para, ao final, apresentar um
conceito próprio do mencionado ato.

Quanto aos elementos do conceito de eutanásia, há controvérsias a respeito de todos


eles, exceto quanto à motivação do ato e ao modo de supressão da vida do sujeito passivo.
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No que diz respeito ao sujeito ativo da eutanásia, a maioria dos autores entende que
qualquer pessoa pode praticá-la. Do lado da maioria, há autores, como Maria Moreno Antón
(apud LEITE, 2009), que entendem que a prática da eutanásia não deve ficar restrita ao
médico, pois assim se estaria restringindo um suposto direito do enfermo à morte digna. Do
outro lado, isto é, da minoria, há autores, como Hélio Gomes (apud WENDT, 2001, online),
que consideram o médico o profissional mais adequado para realizá-la, pois os mesmos
presumem que o mencionado profissional tem conhecimento teórico-prático suficiente para
abreviar de forma indolor e rápida a vida de um enfermo.

Com relação à ortotanásia, conhecida também como eutanásia passiva, a posição da


minoria ganha importância, uma vez que a referida modalidade de eutanásia se configura
geralmente na interrupção de um tratamento que mantém o paciente vivo. Logo, o médico,
por ser o profissional legalmente apto a prescrever um tratamento, deveria ser também o
profissional apto para interrompê-lo.

A respeito do sujeito passivo da eutanásia, não há um posicionamento consolidado


sobre em que estado deve estar uma pessoa que é submetida à referida prática. Porém, a
maioria dos autores, a exemplo de Jiménez de Asúa (apud MENEZES, 1977), cita a
incurabilidade da enfermidade como um dos motivos que permitiriam ao enfermo se submeter
à eutanásia.

No tocante à manifestação de vontade do enfermo para a prática do ato em comento,


segundo George Salomão Leite (2009), têm-se duas posições: a primeira, que sustenta que a
declaração de vontade deve partir diretamente do enfermo, seja de forma oral, seja de modo
verbal; e a segunda, que defende que a manifestação de vontade pode ser presumida, contanto
que o requerente consiga provar, por meio da vida pregressa do enfermo, que, se o mesmo
estivesse consciente e capaz, assim agiria.

Quanto à motivação do ato em questão, tem-se, atualmente, uma posição pacífica no


sentido de que o agente da eutanásia deve praticá-la movido por sentimentos de piedade, de
compaixão para com o enfermo. Quer dizer, diferentemente de outrora, quando a eutanásia
era confundida com a eugenia, a mesma hoje é vista como um ato altruísta.

Por derradeiro, no que tange ao modo de supressão da vida do enfermo, tem-se um


posicionamento consolidado no sentido de que o mesmo deve ser o mais rápido possível e,
dentro das possibilidades, não causar dor ao enfermo.
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Dado o exposto, apresenta-se um conceito próprio de eutanásia, que abranja, na medida


do possível, os elementos acima destacados. Assim, conceitua-se a eutanásia como o ato
deliberado pelo qual se abrevia, de forma rápida e com o mínimo de sofrimento possível, a
vida de uma pessoa cuja enfermidade é incurável e insuportável, seja física, seja
psicologicamente.

1.2 Atos distintos da eutanásia

Em virtude da dificuldade em se conceituar a eutanásia, faz-se necessário distinguir a


mesma de outros atos, como a distanásia, o suicídio assistido e a eugenia, o que se fará a
seguir.

1.2.1 Distanásia ou obstinação terapêutica

É o ato que “[...] enseja o prolongamento da vida ao máximo, mediante a utilização de


medidas extraordinárias por parte dos médicos, causando mais dor e sofrimento ao enfermo”
(LEITE, 2009, p. 145).

Diferentemente da eutanásia, “a obstinação terapêutica se caracteriza por um excesso de


medidas terapêuticas que impõem sofrimento e dor à pessoa doente, cujas ações médicas não
são capazes de modificar o quadro mórbido” (PESSINI, 2004 apud DINIZ, 2009, p. 295).

Dessa forma, infere-se que a distanásia é um ato oposto à eutanásia, pois a mesma se
destina a prolongar a vida do enfermo, ainda que não leve à cura e implique sofrimento ao
mesmo.

1.2.2 Suicídio assistido

A eutanásia “também difere fundamentalmente do suicídio assistido, em que a morte


não depende da ação de terceiro, mas é consequente da ação do próprio paciente, que pode ser
auxiliado por terceiro” (DALAZEN, 2007, p. 118).

Logo, “a diferença entre a eutanásia ativa e o suicídio assistido é que neste último a
pessoa doente é apenas assistida para a morte, mas todos os atos que acelerarão sua morte são
por ela realizados” (DINIZ, 2009, p. 299). Vale dizer, no suicídio assistido o último
procedimento, aquele que vai dar causa à morte, é realizado pelo próprio enfermo, ao passo
que na eutanásia o derradeiro procedimento é realizado por terceiros.
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1.2.3 Eugenia

Em 1883, Francis Galton criou o termo eugenia, a qual definiu como “o estudo dos
meios que sob o controle social podem melhorar ou deteriorar física ou intelectualmente a
qualidade da raça nas gerações futuras” (GALTON apud MENEZES, 1977, p. 35).

A eugenia, diferentemente da eutanásia, “[...] busca em sua essência uma raça limpa,
perfeita, usando métodos [...] que independem da vontade humana e, consequentemente,
cerceando direitos humanos” (BIZZATO, 2000, p. 357).

Portanto, o aludido ato, por ter como finalidade única a melhoria progressiva da raça
humana a despeito de outras questões, difere da eutanásia, uma vez que esta é realizada por
um móvel piedoso.

1.3 Modalidades

Dentre as várias classificações propostas para a eutanásia, utilizar-se-á a mais comum,


que a classifica em ativa e passiva, quanto ao modo de execução, e em voluntária e não
voluntária, quanto ao consentimento do enfermo. A seguir, abordar-se-á cada modalidade do
ato em apreço.

1.3.1 Eutanásia ativa

Denominada também eutanásia propriamente dita, é o ato deliberado por meio do qual o
sujeito ativo, por fins altruístas, abrevia de forma instantânea e indolor a vida do sujeito
passivo. Respeitadas todas as condições para a sua prática, tal ato ocorre, por exemplo,
quando um médico ministra uma substância capaz de provocar a morte imediata e sem dor de
um enfermo. Da mesma maneira, José Ildefonso Bizzato expõe (2000, p. 35):

Por eutanásia positiva [ativa] entende-se o planejamento de „terapias‟ para provocar


a morte bem antes da sua verificação natural [...] Como um exemplo prático
citaríamos: um indivíduo portador de uma doença incurável e que sofre dores
horríveis, cujo diagnóstico médico daria a esse ser humano, mais ou menos, oito ou
dez meses de vida. Pela eutanásia, o médico daria uma medicação ao paciente que
em um ou dois minutos o mataria.

Conclui-se, assim, que a eutanásia ativa sempre envolve uma ação por parte de seu
agente. O oposto, por outro lado, ocorre na eutanásia passiva, como se observa abaixo.
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1.3.2 Eutanásia passiva ou ortotanásia

Conhecida ainda como ortotanásia, é o ato deliberado pelo qual o sujeito ativo, por fins
altruístas, interrompe um determinado tratamento que mantinha o sujeito passivo vivo.
Observadas todas as condições para a sua prática, tal ato ocorre, a título de ilustração, quando
um médico interrompe o tratamento quimioterápico de um paciente, que não é mais capaz de
curá-lo e só prolonga o seu sofrimento. Para corroborar o exposto, recorre-se novamente à
lição de José Ildefonso Bizzato (2000, p. 36-37):

[...] na eutanásia negativa [passiva] o quadro é bem diferente, uma vez que esta é a
omissão planificada da cura que prolongaria a vida. É a abreviação da agonia apela
cessação do tratamento.
[...]
Exemplificando, diríamos, no caso de um paciente que estivesse vivo apenas, e tão
somente, porque uma medicação o mantém vivo e se, tirando-lhe esse remédio, lhe
sobreviria a morte.

Entende-se, logo, que o fim da ortotanásia é possibilitar a morte no tempo certo, sem
abreviações nem prolongamentos.

1.3.3 Eutanásia voluntária

Segundo George Salomão Leite (2009, p. 145), é aquela que ocorre “[...] quando o
paciente manifesta sua vontade, seja diretamente, seja por meio de documento legal e válido
[...]”. A eutanásia voluntária, portanto, é aquela que decorre da vontade expressa do enfermo.
Tal manifestação pode ser oral, feita pessoalmente pelo enfermo, ou verbal, reduzida a termo.

A última, a título de ilustração, é admitida no direito norte-americano por meio do que


se convencionou a chamar de testamento vital (living will). Tal expressão foi criada pelo
jurista Ronald Dworkin para designar o “[...] documento, devidamente assinado, em que o
interessado juridicamente capaz declara quais tipos de tratamentos médicos aceita ou rejeita, o
que deve ser obedecido nos casos futuros em que se encontre em situação que o impossibilite
de manifestar sua vontade, como, por exemplo, o coma” (GODINHO, 2010, online). Não
obstante o reconhecido conhecimento do aludido jurista, Diego Valadés (apud LEITE, 2009)
critica a referida expressão, eis que um testamento, via de regra, só produz efeitos jurídicos
após a morte do indivíduo, e não antes, como propõe o jurista americano.
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1.2.4 Eutanásia não voluntária

É aquela, por fim, que ocorre “[...] quando o enfermo não tem aptidão para manifestar
sua vontade, de modo que referida declaração é realizada por terceiros” (LEITE, 2009, p.
145). Ou melhor, é aquela que ocorre quando o enfermo, impossibilitado física ou
psicologicamente, não está apto para declarar a sua vontade, de sorte que a mencionada
manifestação é presumida pela vida pregressa do mesmo. Nesse sentido, deve-se provar que,
estando capaz, o enfermo não desejaria viver naquela determinada situação.

1.4 Aspectos históricos

Antes de adentrar o presente assunto, informa-se que as legislações acerca da eutanásia,


ainda que façam parte do mesmo assunto, por fins didáticos, só serão abordadas em um
momento mais oportuno e que, além disso, o relato que se segue está baseado nas obras de
Ary Luiz Dalazen Júnior (2007), Evandro Corrêa de Menezes (1977), José Ildefonso Albano
(2000) e Maria Helena Diniz (2009) Esclarecido isso, passa-se a abordar os demais aspectos
históricos.

No decorrer da história, nota-se que vários povos tiveram o costume de praticar a


eutanásia ou, na maior parte dos casos, atos semelhantes a essa. Alguns filósofos, inclusive,
incentivaram-na.

“Platão, em seus Dialógos, lembra a respeito de Sócrates de que „o que vale não é o
viver, mas o viver bem” (DINIZ, 2009, p. 377). Em outras palavras, o importante não era vida
em si, mas viver com qualidade, com dignidade. Do mesmo modo, o seu mencionado
discípulo e Epícuro pensavam sobre a eutanásia. Porém, outros filósofos, como Aristóteles,
Pitágoras e Hipócrates, eram contrários à eutanásia e, principalmente, ao suicídio. Hipócrates,
por exemplo, em seu famoso juramento, afirmou que não daria qualquer droga fatal a uma
pessoa, se solicitado, nem sugeriria o uso de qualquer uma desse tipo.

Ainda no mundo helênico, registra-se que, em Atenas, os cidadãos podiam ser


autorizados pela magistratura, mediante motivos relevantes, a se suicidar por meio de um
veneno proporcionado pela própria. Na mesma cidade-estado, em banquetes especiais,
anciãos doentes eram envenenados à ordem do Senado.
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E mais, Plutarco, em sua obra Vidas Paralelas, narra-nos que os recém-nascidos


deformados eram lançados à morte do cume do monte Taigeto, em Esparta, em virtude de não
terem aptidão física para ingressar futuramente no exército espartano.

Há, também, registros de atos semelhantes à eutanásia na Roma Antiga. Cícero, por
exemplo, afirmava que era dever do pai matar o filho defeituoso. César, por sua vez, ao virar
o seu polegar para baixo, ordenava que o gladiador vencedor matasse o vencido, a fim de que
esse não continuasse a sofrer. Além disso, aos condenados à crucificação davam um vinho,
conhecido como vinho da morte ou vinho moriam, que, depois de ingerido, “produzia um
sono profundo e prolongado, durante o qual o crucificado não sentia nem os mais cruentos
castigos, e por fim caía em letargo, passando à morte insensivelmente” (DIOSCORIDES apud
MENEZES, 1977, p. 46).

No Egito, no reinado de Cleópatra VII, criou-se uma academia com o objetivo exclusivo
de estudar meios mais suaves de morte.

Os celtas, além de matarem crianças defeituosas e doentes incuráveis, tinham o costume


de matar os seus pais, quando os mesmos, debilitados pela idade, não podiam mais sobreviver
por si próprios.

Na Índia, os doentes incuráveis tinham suas bocas e narinas obstruídas por uma lama,
que era considerada sagrada, e, em seguida, eram lançados à morte no rio Ganges.

Os brâmanes matavam recém-nascidos deformados e velhos doentes por considerá-los


imprestáveis à comunidade.

No Japão, em época remota, os filhos primogênitos tinham o dever de levar os pais


idosos e doentes à Colina da Morte, onde permaneceriam até o fim de suas vidas. Na
Birmânia, por sua vez, os idosos e doentes incuráveis eram enterrados vivos. Na Germânia, os
enfermos eram mortos.

Na América, os esquimós têm o costume que perdura de abandonar enfermos incuráveis


e idosos no gelo. Ao sul, os povos nômades, que viviam em regiões rurais, matavam os
anciãos, a fim de que esses não morressem de fome ou fossem mortos por animais. No Brasil,
algumas tribos indígenas têm o costume que perdura até hoje de matar crianças defeituosas.
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Na Idade Média, aos soldados gravemente feridos, era dado um punhal, conhecido
como misericórdia, a fim de que os mesmos abreviassem os seus sofrimentos.

Na Idade Moderna, Napoleão, em campanha no Egito, sugeriu ao cirurgião Degenettes


que ministrasse ópio aos soldados que contraíram peste, uma vez que a doença iria matá-los e
poderia contaminar os soldados sadios; e que, se abandonados, poderiam os soldados doentes,
mas ainda vivos, se tornarem prisioneiros dos turcos. Tal sugestão, contudo, não foi aceita,
pois, segundo o médico, a função dele não era matar, mas sim curar os enfermos.

Na França, Binet Sanglé propôs a criação de um tribunal, composto por um jurista, um


médico e um psicólogo, para julgar os casos de eutanásia.

Na Alemanha, antes da Segunda Guerra, foi criado o programa Aktion T4 com o


objetivo eugênico de eliminar as crianças portadoras de retardamento mental ou com defeitos
físicos. Após o começo da Guerra, o programa foi estendido a adultos e anciãos, e, em pouco
tempo, sem distinção de idade, aos judeus.

[É importante lembrar que] “durante o regime nazista, o programa de eutanásia não


foi instituído com a finalidade de evitar a dor e o sofrimento dos pacientes graves e
incuráveis, de forma a promover a liberdade e dignidade humana, mas, ao contrário,
foi criado para preservação da raça ariana, que se entendia ser superior às demais, de
modo que as vidas consideradas „indignas‟ de serem vividas deveriam ser
eliminadas” (LEITE, 2009, p. 143).

Por fim, vale salientar que, na literatura, há também exemplos de fatos e de quem
incentive a eutanásia, a exemplo da Bíblia, que afirma que o rei Saul, para não se tornar
prisioneiro, lançou-se sobre sua própria espada, não obtendo, contudo, êxito em morrer.
Assim, ferido, o mesmo pediu a um amalecita que o matasse. Thomas Morus, em Utopia,
defendia que os professores deveriam incentivar os inúteis a se matar como forma de ajudar a
sociedade a progredir.

Diante de todo o exposto, verifica-se, no presente capítulo, que não há ainda uma
definição precisa do que seja a eutanásia. Ademais, observa-se que o ato eutanásico é muito
antigo, tendo sido praticado por diversos povos.
2 ASPECTOS JURÍDICOS DA EUTANÁSIA

Neste capítulo, abordar-se-á, a princípio, como a eutanásia é tratada pelos países que
têm, no âmbito legislativo e no jurisprudencial, a produção mais relevante acerca do ato. A
seguir, abordar-se-á como a eutanásia é tratada no ordenamento jurídico brasileiro,
particularmente em face dos princípios do respeito à vida e da dignidade da pessoa humana.

2.1 Considerações breves sobre a eutanásia no direito comparado

Dentre os inúmeros países que dispuseram sobre a eutanásia, opta-se por destacar
aqueles que têm a produção mais relevante sobre o ato, como o Uruguai e a Holanda no
âmbito legislativo, e, no jurisprudencial, a Colômbia e os Estados Unidos da América.

2.1.1 Uruguai

A legislação penal uruguaia representou um caso singular na América Latina, quando,


em 1º de agosto de 1934, data da entrada em vigor do seu atual Código Penal, passou a
admitir a possibilidade de impunidade do sujeito ativo da eutanásia. Enquanto quase a
totalidade dos países apenas admitia a atenuação da pena para os agentes do referido ato, o
Uruguai possibilitou a extinção da punibilidade daqueles que a praticavam, uma vez que
facultou ao juiz, mediante o perdão judicial, deixar de aplicar a pena ao sujeito ativo da
referida infração penal, como se observa no Art. 37 do Código Penal Uruguaio.

37. (Del homicidio piadoso)


Los Jueces tiene la facultad de exonerar de castigo al sujeto de antecedentes
honorables, autor de un homicidio, efectuado por móviles de piedad, mediante
súplicas reiteradas de la víctima (grifo original).

Observa-se que, embora houvesse a possibilidade de o agente da eutanásia não ser


punido, não havia uma autorização legal para a prática do mencionado ato. Do mesmo modo,
dispõe José Roberto Goldim (1997, online):

A proposta uruguaia, elaborada em 1933, é muito semelhante à utilizada na


Holanda, a partir de 1993. Em ambos os casos, não há uma autorização para a
21

realização da eutanásia, mas sim uma possibilidade do indivíduo que for o agente do
procedimento ficar impune, desde que cumpridas as condições básicas estabelecidas.

2.1.2 Holanda

Em 10 de abril de 2001, o parlamento holandês aprovou uma lei, que, além de outras
coisas, derrogou o Art. 293 do seu respectivo Código Penal, ficando com a seguinte redação.

Art. 293.
1.Aquele que extinguir a vida de outra pessoa, segundo o desejo expresso e sério da
mesma, será punido com a pena de prisão de até doze anos ou com uma pena de
multa da categoria quinta.
2.A hipótese a qual se refere o § 1.º não será punível no caso de que tenha sido
praticada por um médico que tenha cumprido com os requisitos de cuidados
recolhidos no art. 2.º da Lei sobre Comprovação da Extinção da Vida por Solicitação
Própria e do Auxílio ao Suicídio, e que se tenha comunicado ao cartório municipal
conforme o art. 7.º, § 2.º, da Lei Reguladora dos Funerais (LEITE, 2009, p. 147,
tradução original).

No primeiro parágrafo do mencionado Art., observa-se que ao sujeito ativo dela é


cominada uma pena alternativa, isto é, uma pena privativa de liberdade ou uma pena
pecuniária, de modo que será aplicada uma ou outra conforme as particularidades do caso em
apreço.

O segundo parágrafo, por sua vez, prevê uma exceção ao primeiro, posto que extingue a
punibilidade do médico que a pratica, desde que esse aja pedido da vítima e atenda a certas
condições, como a comunicação do fato ao cartório municipal e a observação dos requisitos
do Art. 2º da comentada Lei, enumerados a seguir:

a) tenha se convencido de que a solicitação do paciente é voluntária e bem


meditada;
b) tenha se convencido de que o padecimento do paciente é insuportável e sem
esperanças de melhora;
c) tenha informado ao paciente da situação em que se encontra e de suas
perspectivas de futuro;
d) tenha chegado ao convencimento junto com paciente de que não existe
nenhuma solução razoável para a situação em que se encontra este último;
e) tenha consultado, ao menos, um médico independente, que analisou o paciente e
emitiu um parecer por escrito sobre o cumprimento dos requisitos de cuidados,
aos quais se referem os itens „a‟ ao „d‟, aqui enumerados; e
f) tenha levado a cabo a extinção da vida [...] com o máximo de cuidado e esmero
profissional possível (LEITE, 2009, p. 148-149, tradução original).

“Impende salientar, no entanto, que o paciente que não consegue exprimir sua vontade
pela abreviação da vida não possui autorização legal para que o médico pratique tal ato”
(LEITE, 2009, p. 149). Ou seja, o paciente deve ter a capacidade para manifestar
pessoalmente sua vontade, não se admitindo a autorização dos responsáveis legais do mesmo.
22

Ressalte-se, ainda, que o médico, além de comunicar o fato ao cartório municipal, tem a
obrigação também de fazê-la à comissão regional de comprovação da eutanásia, a qual
compete conferir se o supracitado profissional observou todos os requisitos legais para a
prática do ato.

2.1.3 Colômbia

Em 20 de maio de 1997, Jose Eurípides Parra Parra interpôs uma ação pública de
inconstitucionalidade perante a Corte Constitucional da Colômbia, impugnando o Art. 326 do
Código Penal Colombiano, que tem a seguinte redação: “El que matare a otro por piedad,
para poner fin a intensos sufrimientos provenientes de lesión corporal o enfermedad grave o
incurable, incurrirá en prisión de seis meses a tres años”.

Na ação em apreço, o autor sustentou que a referida norma violava o Art. 11 da


Constituição Colombiana, uma vez que essa prescreve que o direito à vida é inviolável, de
sorte que ninguém poderia dispor da vida de outrem, razão pela qual àquele que pratica o fato
típico descrito no Art. 326 deveria ser cominado as penas previstas nos artigos 323 e 324 do
mencionado Código, e não a pena da norma impugnada, que, por ser mais branda que as
demais, constituir-se-ia em uma autorização para matar.

Ademais, o impugnante defendia que o direito à igualdade era violado pela norma em
comento, eis que, segundo ele, a mesma estabelecia uma discriminação contra o seu sujeito
passivo, isto é, contra a vítima do homicídio piedoso.

A seguir, corroborando o que foi dito, transcreve-se parte dos argumentos do


impugnante:

Si el derecho a la vida es inviolable, como lo declara el artículo 11 de la Carta, de


ello se infiere que nadie puede disponer de la vida de otro; por tanto, aquél que
mate a alguien que se encuentra en mal estado de salud, en coma, inconsciente, con
dolor, merece que se le aplique la sanción prevista en los artículos 323 y 324 del
Código Penal y no la sanción del artículo 326 ibídem que, por su levedad,
constituye una autorización para matar; y es por esta razón que debe declararse la
inexequibilidad de esta última norma, compendio de insensibilidad moral y de
crueldad.
La norma acusada vulnera el derecho a la igualdad, pues establece una
discriminación en contra de quien se encuentra gravemente enfermo o con mucho
dolor. De esta manera el Estado relativiza el valor de la vida humana, permitiendo
que en Colombia haya ciudadanos de diversas categorias.
23

No acórdão, a referida Corte fez questão de distinguir o homicídio piedoso do simples,


aduzindo que neste o sujeito ativo age movido por sentimentos egoístas, desprezando
qualquer direito da vítima, enquanto naquele o agente age movido por sentimentos altruístas
para com a vítima, garantindo, dessa forma, a dignidade dela. Igualmente, para George
Salomão Leite (2009, p. 150), o homicídio piedoso:

Trata-se de hipótese distinta do homicídio simples, pois neste caso a morte decorre
de um sentimento egoísta daquele que pratica o ato, que não enxerga na vítima um
ser dotado de dignidade. No homicídio por piedade, a vítima é um ser digno similar
ao praticante do ato, de modo que para preservar tal dignidade o ato vem a se
concretizar. Em outras palavras, em face do sofrimento insuportável vivenciado
pelo enfermo, a morte se apresenta como a melhor solução para preservação de sua
dignidade, sendo, portanto, um ato de compaixão, misericórdia.

Ciente dessa diferença quanto à motivação do ato, o legislador colombiano criou um


tipo penal autônomo para o homicídio piedoso, atenuando a pena de seu sujeito ativo em
relação à cominada ao agente do homicídio simples.

Assim, não obstante os argumentos do impugnante, a Corte Constitucional da Colômbia


declarou exequível o Art. 326 do Código Penal, com fundamento nos princípios da dignidade
da pessoa humana, que justificaria o homicídio para preservar a dignidade da vítima, e da
solidariedade, que, segundo a própria Corte, envolve o dever positivo de todo cidadão
socorrer a quem se encontra em uma situação de necessidade, com medidas humanitárias.

De resto, a aludida Corte adverte que no caso de pacientes terminais, em que concorra a
vontade livre do sujeito passivo do ato, não haverá responsabilidade para o médico-autor, pois
a conduta está justificada. E mais, exorta o Congresso para que, no tempo mais breve possível
e conforme os princípios constitucionais e as elementares considerações de humanidade,
regule o tema da morte digna.

Portanto, além de declarar a constitucionalidade da norma impugnada, a Corte


Constitucional da Colômbia reconheceu a constitucionalidade da eutanásia no país.

2.1.4 Estados Unidos da América

Para ilustrar o posicionamento da Suprema Corte com relação à ortotanásia, remete-se


ao caso de Nancy Cruzan, que, em um acidente automobilístico, teve o córtex cerebral
destruído por falta de oxigênio e, em decorrência disso, ficou em estado vegetativo
irreversível.
24

Cientes do estado irremediável de Cruzan, os pais dela requereram permissão à Justiça


do Estado de Missouri para retirar o suporte vital, sob o argumento de “[...] que várias vezes,
ao longo dos anos, ela havia manifestado o desejo de não ser mantida viva em tais
circunstâncias” (DWORKIN, 2003, p. 264). O juiz competente para o caso deferiu o pedido,
porém, o advogado designado para representar Cruzan apelou ao Supremo Tribunal do
Missouri, que reformou a decisão do juízo a quo, sob o fundamento de “[...] que o direito
desse estado não permitia o desligamento dos aparelhos de suporte vital enquanto não
houvesse prova „clara e consistente‟ de que a paciente havia, de fato, manifestado tal desejo”
(DWORKIN, 2003, p. 264).

Segundo Ronald Dworkin (2003, p. 264), o Supremo Tribunal do Missouri afirmou


ainda “[...] que se Nancy Cruzan tivesse assinado um testamento de vida formal, aí estaria a
prova necessária, mas que as afirmações informais e aleatórias das quais sua família e seus
amigos diziam lembrar-se não valiam como comprovação”.

Inconformados com a decisão do referido tribunal, os pais de Nancy Cruzan recorreram


à Suprema Corte dos Estados Unidos, que, por seu turno, manteve a decisão do mencionado
tribunal, sob o argumento de que o Estado do Missouri, assim como os demais Estados
Federados, tinha o direito de pedir provas cabais, como um testamento de vida ou outro
documento formal, antes de permitir que um médico retirasse o suporte vital de um paciente.
Assim, “[...] pela primeira vez a maioria dos juízes reconheceu que as pessoas competentes
têm, de fato, o direito constitucional de exigir que o suporte vital seja desligado se entrarem
em estado vegetativo permanente” (DWORKIN, 2003, p. 265).

2.2 Considerações sobre a eutanásia no ordenamento jurídico brasileiro

Por ser religiosa, a maioria dos brasileiros trata a vida como um dogma, isto é, um
“ponto básico e indiscutível de uma doutrina” (SIDOU, 2006, p. 320). Em vista disso, não se
instituiu até o presente momento um debate maior e lúcido sobre a legalização da eutanásia,
seja por receio de uma eventual reação social, política, ou, até mesmo, de uma suposta
punição divina, seja por ignorância no assunto, levando muitas pessoas, inclusive juristas, a
equipará-la ao homicídio. Em suma, o mencionado ato ainda é um tabu social e político neste
país.
25

Nesse sentido, os candidatos a um cargo político e aqueles que já estão investidos em


um mandato eletivo, temendo a repercussão de suas ações perante os eleitores, pouco ou nada
fazem para debater o assunto em comento. Em razão disso, na Câmara dos Deputados só
tramitaram quatro projetos de lei dispondo acerca da regulamentação da eutanásia.

Dentre os quatro projetos de lei apresentados, apenas o projeto de Lei 5.058/2005, de


autoria do deputado Osmânio Pereira, dispôs contra a eutanásia, pretendendo defini-la, do
mesmo modo que a interrupção da gravidez, como um crime hediondo. Porém, bem como os
demais, tal projeto de lei foi arquivado.

No Brasil, portanto, a eutanásia é equiparada ao homicídio, mais especificamente ao


homicídio privilegiado, uma vez que o referido ato se encaixa perfeitamente no tipo penal do
supracitado delito, como se observa a seguir:

Homicídio simples
Art 121. Matar alguem:
Pena - reclusão, de seis a vinte anos.
Caso de diminuição de pena
§ 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou
moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação
da vítima, ou juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço (grifo original).

Antes de analisar a redação do aludido parágrafo primeiro, é necessário reportar-se ao


item 39 da Exposição de Motivos da Parte Especial do Código Penal, o qual elucida que “por
motivo de relevante valor social ou moral, o projeto entende significar o motivo que, em si
mesmo, é aprovado pela moral prática, como, por exemplo, a compaixão ante o irremediável
sofrimento da vítima (caso do homicídio eutanásico) [...]”.

No mesmo sentido, dispõe Cezar Roberto Bitencourt (2008, p. 48):

Será motivo de relevante valor moral aquele que, em si mesmo, é aprovado pela
ordem moral, pela moral prática, como, por exemplo, a compaixão ou piedade ante o
irremediável sofrimento da vítima. Admite-se, por exemplo, como impelido por
motivo de relevante valor moral o denominado homicídio piedoso, ou, tecnicamente
falando, a eutanásia. Aliás, por ora, é dessa forma que nosso Código Penal disciplina
a famigerada eutanásia, embora sem utilizar essa terminologia (grifo original).

Esclarecido o significado da mencionada expressão, que, à primeira vista, era incerto,


observa-se, pela leitura do mesmo parágrafo, que a eutanásia, vista como um homicídio
privilegiado, é um crime comum, ou seja, é um delito que pode ser praticado por qualquer
pessoa, não se exigindo da mesma nenhuma qualificação especial. Logo, não só o médico,
como qualquer outra pessoa, pode praticá-la.
26

Ademais, percebe-se, no referido parágrafo, que não é exigido do sujeito passivo,


tampouco de qualquer representante legal do mesmo, autorização para a prática da eutanásia,
entendida, é claro, como um homicídio privilegiado.

Não obstante a prática da eutanásia seja considerada um crime, notadamente um


homicídio privilegiado, já houve a tentativa de atenuar a pena do agente da eutanásia ativa e
de descriminalizar a ortotanásia no Anteprojeto de Reforma do Código Penal de 1999, que
assim dispõe:

Art. 121. Matar alguém:


[...]
Eutanásia
§ 3.º Se o autor do crime é cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente, irmão
ou pessoa ligada por estreitos laços de afeição à vítima, e agiu por compaixão a
pedido desta, imputável e maior de dezoito anos, para abreviar-lhe o sofrimento
físico insuportável, em razão de doença grave e em estado terminal, devidamente
diagnosticados.
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.
Exclusão de ato ilícito
§ 4. º Não constitui crime deixar de manter a vida de alguém por meio artificial se
previamente atestado por dois médicos, a morte como iminente e inevitável, e desde
que, haja o consentimento do paciente, ou na sua impossibilidade, do cônjuge,
companheiro, ascendente ou irmão.

Pela leitura do parágrafo terceiro, observa-se que se pretendia criar um tipo penal
autônomo para a eutanásia ativa, atenuando a pena do agente do referido ato. Ressalte-se,
também, que comparada à sanção do homicídio privilegiado, a pena da eutanásia ativa iria ser
menor.

Além disso, percebe-se que a modalidade de eutanásia tipificada no mencionado


parágrafo iria ser um crime próprio, quer dizer, iria ser um delito que só poderia ser cometido
por uma determinada categoria de pessoas, no caso em tela, pelo cônjuge, companheiro,
ascendente ou descendente, irmão ou pessoa ligada por estreitos laços de afeição à vítima.

Quanto ao elemento subjetivo, destaca-se que o agente deveria agir movido por
sentimento de compaixão para com a vítima. Já com relação aos elementos objetivos, destaca-
se que o sujeito passivo deveria ser imputável, isto é, deveria ter a capacidade de entender o
caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento, e deveria ser
maior de dezoito anos, ou seja, deveria ter, além da mencionada capacidade penal, capacidade
processual plena.
27

No parágrafo quarto, por sua vez, observa-se que se pretendia descriminalizar a


ortotanásia, ou seja, torná-la uma causa legal de exclusão de ilicitude.

Percebe-se que, diferentemente da eutanásia ativa, a ortotanásia poderia ser praticada


por qualquer pessoa, não se exigindo dessa qualquer qualificação especial. Nesse caso, é
importante ressaltar que é admitida a eutanásia voluntária, caso em que a manifestação de
vontade vem do próprio paciente, e a não voluntária, caso em que a declaração de vontade
vem do cônjuge, companheiro, ascendente ou irmão do enfermo.

Diante do exposto, conclui-se que, embora a eutanásia ainda seja considerada um crime,
a tendência é que algumas de suas modalidades sejam descriminalizadas, tendo em vista que,
diferentemente do homicídio, que é praticado por motivos egoísticos e contra a vontade da
vítima, a eutanásia tem fins altruísticos e encontra amparo no princípio da dignidade da
pessoa humana.

Embora haja fundamentos jurídicos para se permitir a eutanásia, a mesma é vista como
algo proibido em razão do princípio do respeito à vida, como se observa no caput do Art. 5º
da Constituição Federal: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito
à vida [...]”.

Em que pese o constituinte originário tenha preferido usar a expressão inviolabilidade


do direito à vida para designar tal princípio, opta-se por utilizar a expressão respeito à vida,
por considerá-la mais adequada, uma vez que o próprio constituinte originário estabeleceu, na
alínea a, do inciso XLVII, da aludida norma, uma exceção, ao determinar que não haverá
pena de morte, salvo em caso de guerra declarada.

Além dessa cláusula de exceção, há outras em normas infraconstitucionais,


particularmente em normas penais, como, por exemplo, a positivada no Art. 23 do Código
Penal, que elenca três situações (legitima defesa, estado de necessidade e estrito cumprimento
do dever legal), em que é permitido ao indivíduo matar outrem, sem ser responsabilizado
criminalmente pelo fato.

E mais, há casos em que é permitido matar o nascituro, que - sem a pretensão de esgotar
a discussão sobre quando começa a vida - é uma forma de vida humana. Nesse sentido, o Art.
128 do Código Penal prescreve duas situações em que é permitido ao médico abortar: no
28

inciso I, quando não há outro meio de salvar a gestante (aborto necessário), e, no inciso II,
quando a gravidez é resultante de estupro (aborto humanitário).

No último caso, vale tecer uma crítica aos legisladores, uma vez que os mesmos agiram
de maneira contraditória, ao permitir à mulher vítima de estupro, por motivos humanitários,
dispor sobre a vida de um terceiro, ainda que não permitissem a um indivíduo, por iguais
razões, dispor sobre sua própria vida, como no caso da eutanásia.

Diante disso, nota-se que a Constituição Federal, bem como o Código Penal, não
considera a vida humana um valor absoluto, isto é, um valor que deva prevalecer em todas as
situações. Aliás, o próprio Supremo Tribunal Federal, em diversos casos, reconheceu que não
há direitos absolutos, ao sustentar que não há hierarquia entre normas constitucionais, em
virtude da unidade da Constituição..

Nesse contexto, crê-se que, em determinadas situações, a eutanásia pode ser amparada
pela Constituição Federal, particularmente pelo princípio da dignidade da pessoa humana,
visto que, por exemplo, manter a vida de um paciente terminal contra a sua vontade viola tal
princípio.

E mais, a manutenção de uma vida contrária à vontade do seu titular, em circunstâncias


semelhantes à exposta acima, viola o disposto no inciso III, do Art. 5°, da CF, que prescreve
que ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante.

George Salomão Leite (2009, p, 161) corrobora o que foi dito acima:

Para um paciente terminal que pretende abdicar da vida, a sua manutenção constitui-
se em uma verdadeira tortura, não só física, mas também psíquica. Trata-se de uma
violação à integridade física e moral, compreendendo estas duas facetas: o direito de
não sofrer tortura ou tratamento desumano ou degradante e o direito de não sofrer
intervenções psíquicas ou físicas sem o seu consentimento.

Diante de todo o exposto, infere-se que o Estado tem um dever negativo e positivo com
relação à vida e à dignidade da pessoa humana, vale dizer, tem o dever de não violar tais
princípios e de garantir que particulares não os violem, respectivamente. Nesse contexto, faz-
se necessário debater em que circunstâncias a eutanásia teria amparo constitucional, uma vez
que o Poder Público não deve agir contraditoriamente, de modo que tutele um e, por
consequência, viole outro bem jurídico.
29

2.2.1 A eutanásia sob a ótica do princípio do respeito à vida

Dentre todos os valores, a vida, principalmente a humana, se não for o maior, é sem
dúvida um dos valores mais estimados pela humanidade, tanto que está consagrada na
Declaração Universal dos Direitos Humanos (Art. 3º do DUDH), na Constituição Brasileira
(Art. 1º, caput, da CF), em outras constituições e, inclusive, em tratados internacionais que
dispõem sobre direitos humanos. Tal valorização decorre, sobretudo, do valor sagrado que
conferem à vida, em vista de não haver, para a maioria das pessoas, uma explicação científica
satisfatória para o surgimento e o sentido da mesma. Além disso, tal valorização decorre do
fato de a vida ser um valor intrínseco ao ser humano e ser, ainda, um pressuposto para o
exercício dos demais direitos, inclusive os fundamentais.

A eutanásia, por outro lado, é um ato que geralmente causa repulsa e polêmica, uma vez
que lida com um dos extremos da vida, que é a morte. Embora não seja sua finalidade, o
referido ato contraria a vida, notadamente a vida biológica, posto que se constitui num ato que
abrevia a mesma ou que não impede o resultado morte. Nesse contexto, vale ressaltar que a
eutanásia tem por escopo aliviar ou suprimir os sofrimentos físicos e/ou psicológicos de um
enfermo, e não matá-lo, embora, para alcançar o resultado pretendido, isto é, a supressão da
dor, tenha que produzir a morte do mesmo.

Segundo Paulo Gustavo Gonet Branco (2010, p. 441), “o direito à vida é a premissa dos
direitos proclamados pelo constituinte; não faria sentido declarar qualquer outro se, antes, não
fosse assegurado o próprio direito de estar vivo para usufruí-lo”. A vida, portanto, é um
pressuposto para o exercício de todos os direitos, vale dizer, é uma condição sem a qual é
impossível exercer os demais direitos.

Nesse sentido, os opositores da eutanásia encontram um forte argumento jurídico para


criticar aqueles que, em certas circunstâncias, sustentam-na, visto que o aludido ato, além de
suprimir a vida, impede definitivamente o exercício dos demais direitos.

Os defensores da eutanásia, no entanto, podem contra-argumentar que o sujeito passivo


do mencionado ato, como, por exemplo, um paciente terminal ou tetraplégico, já não exerce
quase todos os direitos, em vista da condição de debilidade física em que se encontra. Assim,
a eutanásia seria um meio para garantir o exercício do direito mais importante e um dos
únicos que restam de fato para o enfermo que se encontra naquela situação, que é a dignidade.
30

Por ser um direito fundamental, a vida reclama uma proteção por parte do Estado
(eficácia vertical) e por parte da sociedade (eficácia horizontal). Por parte do Estado,
podemos falar em um duplo dever fundamental: (a) dever de não violar o direito à
vida; e (b) dever de proteger o direito à vida; e (c) dever de proteger o direito à vida
em face da violação por parte de particulares (LEITE, 2009, p. 158).

Eis outro argumento jurídico que vai ao encontro dos opositores da eutanásia, vez que o
Estado tem o dever negativo de não violar a vida e o dever positivo de garantir proteção ao
referido direito, impondo, inclusive, aos particulares a observância desse valor. Porém, de
igual modo, podem retrucar os defensores da eutanásia, o Estado tem os mesmos deveres para
com a dignidade, que é um direito fundamental também, observando, assim, um conflito
quanto ao dever estatal de abstenção e proteção dos direitos fundamentais.

[Ressaltam os opositores da eutanásia que], sendo um direito, e não se confundindo


com uma liberdade, não se inclui no direito à vida a opção por não viver. Na medida
em que os poderes públicos devem proteger esse bem, a vida há de ser preservada,
apesar da vontade em contrário do seu titular (BRANCO, 2010, p. 446).

Portanto, ainda que tenha capacidade para manifestar o seu desejo, o titular do direito à
vida não pode dispor dela, isto é, não pode renunciá-la, posto que tal direito não é uma
liberdade.

Ronald Dworkin afirma que a diferença entre o valor intrínseco da vida e o seu valor
pessoal para o paciente justifica o motivo pelo qual tantas pessoas consideram a eutanásia
condenável em qualquer circunstância.

[O referido jurista assevera ainda que] elas pensam que uma pessoa deve tolerar o
sofrimento, ou receber a assistência devida caso se torne inconsciente, até que a vida
chegue a seu fim natural – com que se pretende dizer que tudo, menos uma decisão
humana, pode ser o agente de tal fim – porque acreditam que o fato de eliminar
deliberadamente uma vida humana nega seu valor cósmico inerente (DWORKIN,
2003, p. 275).

O jurista americano, além disso, afirma que existe uma interpretação tanto do ponto de
vista secular quanto do religioso de que a vida, sobretudo a humana, é sagrada. Nesse sentido,
até os ateus, segundo ele, podem concluir instintivamente que a eutanásia é problemática em
vista do valor intrínseco da vida.

Não obstante a vida ser considerada por muitos um valor intrínseco ao ser humano,
pode-se contra-argumentar que está consagrado na Constituição outro valor, que, igualmente
à vida, considera-se intrínseco ao ser humano, que é a dignidade, possibilitando, assim, em
certas circunstâncias, a prática da eutanásia.
31

O direito à vida, muito embora um dos mais importantes direitos resguardados pela
Constituição, não é absoluto, conforme compreendem os entusiastas da eutanásia,
que comprovam suas posições com posições doutrinárias claras, principalmente por
meio da Teoria dos Princípios de Dworkin e de Alexy (DALAZEN, 2007, p. 124).

De igual modo, a dignidade da pessoa humana, ainda que seja fonte dos demais direitos
fundamentais, não é absoluta, em face do princípio da unidade da Constituição, que assevera
que entre normas constitucionais não há hierarquia. Assim, em uma eventual colisão de
direitos fundamentais, como no caso que envolve a eutanásia, deve-se sopesar, no caso
concreto, qual direito tem maior peso.

Ressalte-se, conforme Ary Luiz Dalazen Júnior (2007, p. 125-126), que um “[...] direito
abstrato, por ser extremamente vago e não decidir nada acerca do que está definitivamente
obrigado, limita-se a estabelecer uma carga de argumentação que possui um sentido; tal
sentido não prescreve, todavia, o resultado a quem está obrigado”.

Questiona-se, em virtude disso, o que de fato a Constituição tutela, se é a vida biológica


ou a vida com qualidade, isto é, a vivida com dignidade, uma vez que a mesma refere-se à
vida de forma genérica, não especificando, portanto, o alcance de sua proteção. Nesse
contexto, tal discussão é muito importante, posto que, para quem valoriza a vida biológica em
si, decerto dará mais importância à quantidade de vida e, consequentemente, será contrário à
eutanásia. Por outro lado, quem valoriza mais a qualidade de vida e não a quantidade dela,
certamente, em certas circunstâncias, será a favor da eutanásia.

No mesmo sentido, expõe George Salomão Leite (2009, p. 158):

Não se trata aqui de menosprezar a vida humana, ao contrário, a reputamos como


um dos mais valiosos bens que possuímos. Todavia [...] importa saber o que
valoramos: se a vida biológica ou a vida artificial (social) [...] Para quem reputa
como mais relevante apenas a vida biológica, certamente será contra a eutanásia,
pois só o fato de existir já implica uma total proteção por parte do Estado, de modo
que a ninguém é dado o direito de subtrair uma vida existente. Mas, se enfatizarmos
a vida artificial, a opinião pode ser contrária, pois para um paciente terminal que está
em uma cama repleto de tubos enfiados em seu corpo a vida não mais existe (grifo
original).

Dado o exposto, infere-se que, em abstrato, não é possível determinar até que ponto a
eutanásia viola o princípio do respeito à vida, uma vez que o conteúdo e o âmbito de proteção
do mencionado princípio só são determinados no caso concreto.
32

2.2.2 A eutanásia sob a ótica do princípio da dignidade da pessoa humana

A dignidade da pessoa humana, ainda que seja considerada pela maioria das pessoas
como um valor intrínseco ao ser humano desde tempos imemoriais, só foi elevada à condição
de sustentáculo da maioria dos ordenamentos jurídicos após o término da Segunda Guerra
Mundial (1939-1945), em virtude, principalmente, das atrocidades praticadas nos campos de
concentração nazistas contra um grupo de etnias, sob o argumento de que estes eram
inferiores a uma suposta raça ariana, da qual fariam parte os povos germânicos.

Nesse contexto, a dignidade da pessoa humana foi elevada à condição de princípio


basilar da maioria dos ordenamentos jurídicos modernos, não em função de conceder algo ao
ser humano, uma vez que a dignidade é intrínseca ao ser humano e, portanto, anterior ao
direito positivo, sendo assim não poderia ser concedida e tampouco abolida pelo Estado, mas
em razão de proteger o ser humano contra qualquer violação ao referido valor, obrigando o
Estado, dessa forma, a si mesmo a não violar e a proteger contra eventuais violações o aludido
valor, impondo, também, aos particulares a observância de tal valor.

No mesmo sentido, Flávia Piovesan (2009, p. 461) expõe sobre a normatização da


dignidade da pessoa humana:

Ao final da Segunda Guerra Mundial, emerge o repúdio à idéia de um ordenamento


jurídico divorciado de valores éticos. Intenta-se a reaproximação da ética e do
Direito e, nesse esforço, surge a força normativa dos princípios, especialmente, do
princípio da dignidade humana.

“A positivação da dignidade humana, como esfera de intangibilidade ética, segundo a


quase unanimidade da doutrina, deu-se inauguralmente com a Grund-Geseltz de 1949 [Lei
Fundamental de Bonn]” (PIOVESAN, 2009, p. 460). O que permite concluir, pela primazia,
que os legisladores alemães reprovaram o comportamento de seus conterrâneos para com
outras etnias na Segunda Guerra, de sorte que resolveram positivar o referido valor como
forma de impedir que o próprio Estado ou particulares viessem a praticar novamente as
mesmas atrocidades da guerra ou atos diferentes que, da mesma forma, violassem-no.

No Brasil, bem como na Alemanha e não por mera coincidência, o princípio da


dignidade da pessoa humana só foi positivado após o fim do regime autoritário sob o qual o
País vivia. Assim, na Constituição Federal de 1988 foi consagrado pela primeira vez, no Art.
1º, inciso III, o mencionado valor, a seguir transcrito:
33

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos


Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de
Direito e tem como fundamentos:
[...]
III - a dignidade da pessoa humana;
[...]

De igual modo, ensina Ingo Wolfgang Sarlet (2009, p. 69):

A nossa Constituição vigente, inclusive (embora não exclusivamente) como


manifesta reação ao período autoritário precedente – no que acabou trilhando
caminho similar ao percorrido, entre outras ordens constitucionais, pela Lei
Fundamental da Alemanha e, posteriormente, pelas Constituições de Portugal e da
Espanha – foi a primeira na história do constitucionalismo pátrio a prever um título
próprio destinado aos princípios fundamentais, situado, em manifesta homenagem
ao especial significado e função destes, na parte inaugural do texto, logo após o
preâmbulo e antes dos direitos fundamentais.

André L. Costa Corrêa (2005, p. 117) lembra, ainda, que:

[...] o valor da dignidade humana não foi somente enaltecido quando da fixação dos
princípios fundamentais (art. 1º, III), mas também quando fixou que a ordem
econômica teria por fim assegurar a todos uma existência digna (art. 170, caput),
quando estabeleceu que o planejamento familiar deve se fundar nos princípios da
dignidade humana e da paternidade responsável (art. 226, § 6º) e quando se
assegurou à criança e ao adolescente o direito à dignidade (art. 227, caput).

Percebe-se, portanto, que a dignidade da pessoa humana, além de ser o fundamento dos
direitos fundamentais, é um valor irradiado por toda Constituição e, por conseguinte, por todo
o ordenamento jurídico brasileiro, o que permite concluir que qualquer conduta, seja estatal
seja particular, deve-se pautar pela observância do aludido valor constitucional.

No tocante à ideia de dignidade como valor intrínseco da pessoa humana, relata Ingo
Wolfgang Sarlet (2009, p. 32) que:

[...] a ideia do valor intrínseco da pessoa humana deita raízes já no pensamento


clássico e no ideário cristão. Muito embora não nos pareça correto, inclusive por nos
faltarem dados seguros quanto a este aspecto, reivindicar – no contexto das diversas
religiões professadas pelo ser humano ao longo dos tempos – para religião cristã a
exclusividade e originalidade quanto à elaboração de uma concepção de dignidade
da pessoa [...].

Nesse contexto, o referido jurista afirma que a ideia presente no ideário cristão de que o
ser humano foi feito à imagem e semelhança de Deus permite deduzir que o ser humano,
inclusive aqueles que não partilham da mencionada crença, é dotado de uma dignidade que
lhe é intrínseca, não podendo, assim, ser instrumentalizado pelo Estado e pelos demais seres
humanos.
34

Com relação ao pensamento filosófico e político da Antiguidade clássica, afirma ainda


Ingo Wolfgang Sarlet que a dignidade, em regra, estava vinculada “[...] à posição social
ocupada pelo indivíduo e ao seu grau de reconhecimento pelos demais membros da
comunidade” (SARLET, 2009, p. 32). Conclui, portanto, o referido autor que naquele espaço
e tempo havia uma quantificação ou modulação da dignidade, de sorte que se admitia a
existência de indivíduos com mais e menos dignidade.

Por outro lado, já no pensamento estóico, a dignidade era tida como a qualidade que,
por ser inerente ao ser humano, o distinguia das demais criaturas, no sentido de que
todos os seres humanos são dotados da mesma dignidade, noção esta que se
encontra, por sua vez, intimamente ligada à noção da liberdade pessoal de cada
indivíduo (o Homem como ser livre e responsável por seus atos e seu destino), bem
como à idéia de que todos os seres humanos, no que diz com a sua natureza, são
iguais em dignidade (SARLET, 2009, p.32).

Ingo Wofgang Sarlet ressalta, contudo, que, nos séculos XVII e XVIII, a noção de
dignidade da pessoa humana passou por um processo de racionalização e laicização,
preservando, porém, a ideia de igualdade de todos os homens como elemento da dignidade e
liberdade. Nesse período, destaca-se, como o maior expoente do processo de secularização da
noção de dignidade, o filósofo germânico Immanuel Kant, “[...] cuja concepção de dignidade
parte da autonomia ética do ser humano, considerando esta (a autonomia) como fundamento
da dignidade do homem, além de sustentar que o ser humano (o indivíduo) não pode ser
tratado – nem por ele próprio – como objeto” (SARLET, 2009, 35).

Para corroborar o que foi dito, eis a noção de dignidade presente na obra
Fundamentação da metafísica dos costumes, de Immanuel Kant (1986, p. 68, grifo original):

[...] O homem, e, duma maneira geral, todo ser racional, existe como fim em si
mesmo, não só como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade. Pelo
contrário, em todas as suas ações, tanto nas que se dirigem a ele mesmo como nas
que se dirigem a outros seres racionais, ele tem sempre de ser considerado
simultaneamente como fim.

Para ilustrar tal pensamento kantiano, recorre-se a Ronald Dworkin (2003, p. 337-338),
que ensina que:

Quando encarceramos alguém que foi condenado por um crime com o objetivo de
impedir que outros também o cometam, não tratamos com beneficência; ao
contrário, agimos contra os interesses de obter um benefício geral. Insistimos,
porém, em que tal pessoa seja tratada com dignidade de acordo com o nosso
entendimento do que isso requer – que não seja torturada nem humilhada, por
exemplo –, pois continuamos a vê-la como um ser humano integral, como alguém
cujo destino continuamos a tratar como objeto digno de interesse e preocupação. A
exigência de que seus guardiões respeitem sua dignidade mostra, entre outras coisas,
que temos consciência da gravidade do que estamos fazendo: que sabemos estar
35

encarcerando um ser humano cuja vida tem importância, que nossas razões para
fazê-lo são razões que, ao mesmo tempo, exigem e justificam essa terrível injúria, e
que não temos o direito de tratá-lo como um mero objeto à total disposição de nossa
conveniência, como se tudo o que importasse fosse a utilidade, para o resto de nós,
de trancafiá-lo em uma cela.

Na mesma obra, Immanuel Kant (1986, p. 77, grifo original) afirma ainda que:

No reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem
um preço, pode-se pôr em vez dela qualquer outra como equivalente; mas quando
uma coisa está acima de todo o preço, e portanto não permite equivalente, então tem
ela dignidade.

Para esclarecer o pensamento acima exposto, recorre-se, dessa vez, a Flávia Piovesan
(2009, p. 461), que expõe que:

Os objetos têm, por sua vez, um valor condicional, enquanto irracionais, por isso,
são chamados „coisas‟, substituíveis que são, por outras equivalentes. Os seres
racionais, ao revés, são chamados „pessoas‟, porque constituem um fim em si
mesmo, têm um valor intrínseco absoluto, são insubstituíveis e únicos, não devendo
ser tomados meramente como meios.

Ingo Wolfgang Sarlet salienta, porém, que todas as concepções, inclusive a de


Immanuel Kant, que sustentam a dignidade como atributo exclusivo da pessoa humana, são
passíveis, pelos menos em tese, de crítica quanto ao antropocentrismo excessivo, uma vez que
privilegiam os seres humanos, devido a sua racionalidade, em detrimento dos demais seres
vivos.

Interpretando restritivamente a concepção de dignidade de Immanuel Kant, deduz-se


que há pessoas, ainda que temporariamente, desprovidas de dignidade, posto que, segundo o
mencionado filósofo, o referido valor é um atributo apenas do seres racionais. Nesse contexto,
o nascituro, a título de ilustração, não teria dignidade, visto que de fato ainda não raciocina,
embora seja um ser potencialmente racional.

O pensamento kantiano, em que pesem as críticas assinaladas, é, segundo Ingo


Wolfgang Sarlet, ainda hoje identificada, pela doutrina jurídica nacional e estrangeira, como o
alicerce de uma fundamentação e até de uma eventual conceituação da dignidade da pessoa
humana.

No que tange a uma conceituação da dignidade da pessoa humana, Ingo Wolfgang


Sarlet (2009, p. 44) lembra que:
36

[...] uma conceituação clara do que efetivamente seja esta dignidade, inclusive para
efeitos de definição do seu âmbito de proteção como norma jurídica fundamental, se
revela no mínimo difícil de ser obtida, isto sem falar na questionável (e questionada)
viabilidade de se alcançar algum conceito satisfatório do que, afinal de contas, é e
significa a dignidade da pessoa humana hoje [...] tal dificuldade, consoante
exaustiva e corretamente destacado na doutrina, decorre certamente (ao menos
também) da circunstância de que se cuida de conceito de contornos vagos e
imprecisos, caracterizados por sua „ambiguidade e porosidade‟, assim como por sua
natureza necessariamente polissêmica, muito embora tais atributos não possam ser
exclusivamente atribuídos à dignidade da pessoa.

Nesse sentido, o mencionado jurista afirma que se deve evitar uma conceituação fixa da
dignidade da pessoa humana, pois tal empreendimento não se coaduna com o pluralismo e a
diversidade de valores presentes nas sociedades democráticas contemporâneas. Nessa mesma
direção, Ingo Wolfgang Sarlet arremata ainda que um eventual conceito do aludido valor deve
passar por um processo permanente de construção e desenvolvimento.

De igual forma, Edilsom Pereira Farias (1996, p. 50, grifo original) preleciona que:

O princípio em epígrafe [dignidade da pessoa humana] é um princípio semântico e


estruturalmente aberto, de „abertura valorativa‟, o que faz com que o mesmo seja
em grande parte colmatado pelos agentes jurídicos no momento da interpretação e
aplicação das normas jurídicas. Assim, em razão de o princípio da dignidade da
pessoa humana ser uma categoria axiológica aberta, considera-se inadequado
conceituá-lo de forma „fixista‟. Além do mais, uma definição filosoficamente
sobrecarregada, cerrada, é incompatível com o pluralismo e a diversidade, valores
que gozam elevado prestígio nas sociedades democráticas contemporâneas.

Nesse contexto, George Salomão Leite (2009, p. 158) ressalta ainda que:

Por se tratar de um conceito vago, indeterminado e aberto, a dignidade da pessoa


humana deve ser compreendida em determinado contexto histórico-cultural. Seu
conteúdo, pois, vai sendo construído paulatinamente pelos homens, à luz de
situações concretas. Não se trata, neste âmbito, de algo universal, de maneira que o
que seria digno no Brasil seria igualmente digno em um país africano [...]. Neste
sentir, a transfusão de sangue em um católico pode ser um ato protetivo da sua
dignidade, ao passo que, tratando-se de uma testemunha de Jeová, tal ato violaria
sua dignidade.

Partindo do raciocínio acima exposto, pode-se afirmar o mesmo em relação à eutanásia,


uma vez que, em certas circunstâncias, a manutenção da vida poderia violar o que algumas
pessoas entendem por dignidade, enquanto que, para outras, ainda que tal sustentação
trouxesse sofrimento físico e/ou mental, poderia, pelo contrário, promover a sua dignidade
enquanto ser humano.

Diante disso, cabe a pergunta: afinal, a eutanásia é ou não é amparada pelo princípio da
dignidade da pessoa humana?
37

Ao ilustrar o seu pensamento acerca da dignidade, Immanuel Kant (1986, p. 69, grifo
original) parece oferecer uma resposta:

Segundo o conceito do dever necessário para consigo mesmo, o homem que anda
pensando em suicidar-se perguntará a si mesmo se a sua ação pode estar de acordo
com a ideia da humanidade como fim em si mesma. Se, para escapar a uma situação
penosa, se destrói a si mesmo, serve-se ele de uma pessoa como de um simples meio
para conservar até ao fim da vida uma situação suportável. Mas ao homem não é
uma coisa; não é portanto um objeto que possa ser utilizado simplesmente como um
meio, mas pelo contrário deve ser considerado sempre em todas suas ações como
fim em si mesmo. Portanto não posso dispor do homem na minha pessoa para [...] o
matar.

Em que pese a eutanásia seja praticada por um terceiro e não pela própria pessoa, como
no caso do suicídio, a mesma guarda uma relação de semelhança com este, notadamente no
que se refere à finalidade do ato, que é suprimir a dor, seja física e/ou psicológica, abreviando,
inevitavelmente, a vida. De forma análoga, portanto, pode-se afirmar que a eutanásia contraria
a concepção de dignidade kantiana, visto que a pessoa que deseja praticá-la instrumentaliza a
si mesma para alcançar um fim, vale dizer, pede a um terceiro que a mate para suprimir sua
dor.

Ao revés, pode-se contra-argumentar que o Estado, ao manter a vida de uma pessoa em


condições que, segundo esta, violem sua dignidade, estaria coisificando-a para proteger
valores em abstrato, haja vista que, de fato, tanto a dignidade quanto a vida dela, de certo
modo, estão sendo violadas, visto que, desrespeitando o núcleo essencial da dignidade da
pessoa humana, isto é, a autonomia e o direito de autodeterminação da pessoa – o que permite
supostamente a pessoa decidir sobre a sua existência, inclusive sobre a sua morte –, viola-se,
por conseguinte, a vida da mesma, já que este valor emana daquele.

Com relação à afirmação acima aduzida, recorre-se à posição adotada pelo Tribunal
Constitucional Federal da Alemanha, que, segundo Ingo Wolfgang Sarlet, considera existir
uma espécie de fungibilidade entre a dignidade e a vida, de modo que, se houver a violação de
um, haverá, por consequência, a violação do outro.

No tocante ao núcleo essencial da dignidade da pessoa humana, recorre-se ao


mencionado autor para embasar o que foi dito:

[...] verifica-se que o elemento nuclear da noção de dignidade da pessoa humana


parece continuar sendo reconduzido – e a doutrina majoritária conforta esta
conclusão – primordialmente à matriz kantiana, centrando-se, portanto, na
autonomia e no direito de autodeterminação da pessoa (de cada pessoa) (SARLET,
2009, p. 50).
38

Diante do exposto, conclui-se que, em tese, não é possível determinar até que ponto a
eutanásia é amparada pelo princípio da dignidade da pessoa humana, visto que, bem como o
princípio do respeito à vida, o seu conteúdo e o seu âmbito proteção só são determinados caso
a caso.
3 COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS: RESPEITO À
VIDA VERSUS DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

“De um modo geral, considera-se existir uma colisão de direitos fundamentais quando o
exercício de um direito fundamental por parte de seu titular colide com o exercício do direito
fundamental por parte de outro titular” (CANOTILHO, 1993, p. 643). Um exemplo dessa
espécie de colisão esteve presente no caso Ellwanger, julgado pelo Supremo Tribunal Federal,
em que colidiam os princípios da liberdade de expressão e da dignidade da pessoa humana.

Acrescente-se, conforme José Joaquim Gomes Canotilho, que a colisão de direitos


fundamentais pode resultar também do choque entre direitos fundamentais de um
determinado titular e bens jurídicos tutelados pela Constituição. O presente caso é um
exemplo disso, uma vez que, em certas circunstâncias, a dignidade de um determinado titular
pode colidir com o direito à vida do mesmo.

Da mesma maneira, ilustra Oscar Vilhena Vieira (2006, p. 64), ao asseverar que no caso
da eutanásia têm-se:

[...] de um lado, o direito à vida e a obrigação correlata do Estado de agir a favor


dessa vida; e, do outro, a dignidade de uma pessoa, que não quer permanecer em um
estado vegetativo indefinidamente, em decorrência de uma doença ou acidente cruel.
Esse é um caso clássico de colisão entre os direitos à vida e à dignidade.

Corroborando o ensinamento de José Joaquim Gomes Canotilho, a doutrina jurídica


assim se manifesta:

A doutrina cogita de colisão de direitos em sentido estrito ou em sentido amplo. As


colisões em sentido estrito referem-se apenas àqueles conflitos entre direitos
fundamentais. As colisões em sentido amplo envolvem os direitos fundamentais e
outros princípios ou valores que tenham por escopo a proteção de interesses da
comunidade (MENDES, 2004, p. 78).

Portanto, podem colidir os direitos fundamentais de titulares diferentes, ainda que tais
direitos sejam iguais, assim como o direito fundamental de um titular e um bem jurídico
relevante protegido pela Constituição, como no caso que envolve a eutanásia.
40

Saliente-se, no entanto, conforme Clèmerson Merlin Clève e Alexandre Reis Siqueira


Freire, que os direitos fundamentais podem entrar em conflito em outra situação, quando, por
exemplo, há concorrência entre os mesmos. Nesse caso, o “[...] comportamento de um titular
[está] [...] incluído no âmbito de proteção de vários direitos, liberdades e garantias” (CLÈVE;
FREIRE, 2003, p. 232).

No caso da eutanásia, a produção da morte, por um lado, efetiva a dignidade de seu


titular, visto que, em determinadas circunstâncias, a supressão da vida e, por conseguinte, dos
sofrimentos insuportáveis e irremediáveis decorrentes de uma enfermidade vai ao encontro do
referido princípio. Por outro lado, tal empreendimento viola a vida de seu titular.

Com relação aos referidos direitos fundamentais e aos demais, ressalte-se que o Poder
Público tem um duplo dever, isto é, tem o dever negativo de se abster de qualquer prática que
viole tais direitos e o dever positivo de garantir a proteção desses direitos, impondo, inclusive,
a particulares o respeito a tais normas constitucionais.

Depreende-se, assim, que as aludidas normas constitucionais não se colidem em


abstrato, mas sim em concreto, ou seja, colidem-se diante de determinadas circunstâncias de
um caso que envolva a eutanásia. Sendo assim, faz-se necessário adotar alguma técnica capaz
de solucionar o presente conflito, o que se fará, adotando, a princípio, os critérios tradicionais
de solução de antinomias, a fim de saber se a mesma é capaz de resolver tal choque.

3.1 Aplicação de critérios tradicionais para a solução da presente antinomia

Consoante as circunstâncias de um caso concreto, a eutanásia poderá envolver o choque


de dois direitos fundamentais, quais sejam, o princípio da dignidade da pessoa humana (Art.
1º, III, da CF/1988) e o princípio do respeito à vida (Art. 5º, caput, da CF/1988). Ocorrendo
isto, ter-se-á uma antinomia jurídica, isto é, uma “[...] situação que se verifica entre duas
normas incompatíveis [dependendo do caso concreto], pertencentes ao mesmo ordenamento e
tendo o mesmo âmbito de validade” (BOBBIO, 1999, p.88). Ressalte-se que, no presente
caso, ter-se-ão dois princípios que incidem sobre o mesmo fato, porém de maneiras
conflitantes, de modo que apenas um deles poderá prevalecer.

As antinomias, segundo Norberto Bobbio, podem ser aparentes, quando sanáveis, e


reais, quando não. Para as aparentes, o referido jurista elenca três critérios relativamente
41

independentes para a solução delas, quais sejam, o cronológico, o hierárquico e o da


especialidade.

O primeiro, “chamado também de lex posterior, é aquele com base no qual, entre duas
normas incompatíveis, prevalece a norma posterior: lex posterior derogat priori” (BOBBIO,
1999, p. 92). Tal critério, porém, não poderá ser aplicado, uma vez que as normas em conflito
são contemporâneas, isto é, foram estabelecidas ao mesmo tempo pelo constituinte originário.

Por sua vez, o segundo, “chamado também de lex superior, é aquele pelo qual, entre
duas normas incompatíveis, prevalece a hierarquicamente superior: lex superior derogat
inferiori” (BOBBIO, 1999, p. 93). Outrossim, esse critério não poderá ser aplicado, pois, de
acordo com o princípio da unidade da Constituição, não há hierarquia entre normas
constitucionais, sendo assim, as aludidas normas estão no mesmo nível.

Por derradeiro, “o terceiro critério, dito justamente da lex specialis, é aquele pelo qual, de
duas normas incompatíveis, uma geral e uma especial (ou excepcional), prevalece a segunda:
lex specialis derogat generali (BOBBIO, 1999, p. 96). Tal critério, também, não poderá ser
aplicado, visto que as normas em conflito são ambas gerais, sendo assim não há como
estabelecer uma relação de especialidade entre as mesmas.

Diante do exposto, conclui-se que o conflito existente entre as mencionadas normas


constitucionais é real, eis que nenhum dos critérios aduzidos solucionou o choque em questão.
Nesse sentido, Norberto Bobbio reconhece que há uma insuficiência de critérios, de modo
que, segundo ele, a solução do conflito partiria do intérprete, e não da aplicação dos aludidos
critérios.

Portanto, faz-se necessário utilizar uma técnica mais adequada para solucionar o
conflito em questão.

3.2 Distinção necessária entre regras e princípios jurídicos

É necessário, antes de discorrer sobre a técnica mais adequada e adotada para resolver o
conflito em comento, distinguir as regras dos princípios jurídicos, visto que tal distinção foi
imprescindível para o desenvolvimento do mencionado método.

Conforme Paulo Bonavides (2005, p.248), “ao estudar uma teoria material dos direitos
fundamentais em bases normativas [...] Alexy instituiu a distinção entre regras e princípios,
42

que, na essência, é a mesma de Dworkin. Conjugou as duas modalidades debaixo do conceito


de normas”.

Para Robert Alexy (2008, p. 90):

O ponto decisivo na distinção entre regras e princípios é que princípios são normas
que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das
possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Princípios são, por conseguinte,
mandamentos de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em
graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende
somente das possibilidades fáticas. Mas também das possibilidades jurídicas. O
âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras
colidentes (grifo original).

Em outras palavras, os princípios, quando em colisão com outras normas de mesma


espécie, podem ter uma aplicação mais ampla ou mais restrita conforme o caso concreto.
Contudo, sempre que possível, considerando-se as possibilidades fáticas e jurídicas, o bem
jurídico tutelado por eles será protegido na maior medida. No mesmo sentido, preleciona
Paulo Gustavo Gonet Branco (2010, p. 362):

Os princípios são determinações para que um determinado bem jurídico seja


satisfeito e protegido na maior medida que as circunstâncias permitirem. Daí se
dizer que são mandatos de otimização, já que impõem que sejam realizados na
máxima extensão possível. Por isso, é factível que um princípio seja aplicado em
graus diferenciados, conforme o caso que o atrai (grifo original).

Por outro lado, as regras são para Robert Alexy (2008, p. 91):

[...] normas que são sempre satisfeitas ou não satisfeitas. Se uma regra vale, então,
deve se fazer exatamente aquilo que ela exige; nem mais, nem menos. Regras
contêm, portanto, determinações no âmbito daquilo que é fática e juridicamente
possível. Isso significa que a distinção entre regras e princípios é uma distinção
qualitativa, e não uma distinção de grau. Toda norma é ou uma regra ou um
princípio.

Desse modo, havendo um conflito entre regras, uma será aplicada em toda sua
totalidade e da outra nada será aplicado, pois esta será considerada inválida. Em tal conflito,
não há como fazer concessões recíprocas entre as normas. De uma regra ou se aplica tudo ou
nada. Na mesma direção, dispõe Paulo Gustavo Gonet Branco (2010, p. 362):

As regras correspondem às normas que, diante da ocorrência do seu suposto de fato,


exigem, proíbem ou permitem algo em termos categóricos. Não é possível
estabelecer um modo gradual de cumprimento do que a regra estabelece. Havendo
um conflito de uma regra com outra que disponha em contrário, o problema se
resolverá em termos de validade. As duas normas não podem conviver
simultaneamente no ordenamento jurídico.
43

Logo, infere-se, a partir dos estudos de Robert Alexy, que a distinção entre princípios e
regras jurídicas é qualitativa, e não de grau, visto que tais normas são aplicadas de maneira
diversa, ou seja, os princípios podem ser aplicados de forma gradual, enquanto as regras são
aplicadas na forma de tudo-ou-nada. Segundo Edilsom Pereira de Farias, a referida conclusão
representa a teoria forte dos princípios, do qual os maiores expoentes são Ronald Dworkin,
Robert Alexy e Letizia Gianformaggio, sendo, no presente momento, a tendência para qual se
inclina a maioria da doutrina jurídica.

3.2.1 Solução do conflito entre regras e da colisão entre princípios

A diferença entre tais normas fica mais evidente diante da solução proposta para dirimir
o conflito entre regras e a colisão entre princípios fundamentais.

Para solucionar um conflito entre regras, introduz-se, a princípio, uma cláusula de


exceção que suprima o conflito em questão. Caso essa solução não seja possível, recorre-se,
subsidiariamente, à declaração de invalidez de uma das regras em conflito, de sorte que a
mesma seja excluída do ordenamento jurídico. Da mesma forma, ensina Robert Alexy (2008,
p. 92):

Em um determinado caso, se se constata a aplicabilidade de duas regras com


conseqüências jurídicas concretas contraditórias entre si, e essa contradição não
pode ser eliminada por meio da introdução de uma cláusula de exceção, então, pelo
menos uma regra deve ser declarada inválida.

Na última hipótese, o intérprete pode recorrer aos critérios tradicionais de solução de


antinomias, isto é, aos critérios cronológico, hierárquico e de especialidade. Igualmente,
preleciona Robert Alexy (2008, p. 93):

Esse problema pode ser solucionado por meio de regras como Lex posterior derogat
priori e Lex specialis derogat legi generali, mas é também possível proceder de
acordo com a importância de cada regra em conflito. O fundamental é: a decisão é
uma decisão sobre validade.

Para solucionar uma colisão entre princípios, por outro lado, não se recorre à introdução
de uma cláusula de exceção, tampouco à declaração de invalidade de um dos princípios, pois,
no último caso, ambos têm o mesmo âmbito de validade, mas sim a um juízo que estabeleça,
em determinadas circunstâncias, a precedência de um princípio em relação ao outro. Saliente-
se que, em outras circunstâncias, a relação de precedência entre os princípios colidentes pode
ser resolvida de outra forma. No mesmo sentido, dispõe Robert Alexy (2008, p. 92):
44

Se dois princípios colidem - o que ocorre, por exemplo, quando algo é proibido de
acordo com um princípio e, de acordo com o outro, permitido -, um terá que ceder.
Isso não significa, contudo, nem que o princípio cedente deva ser declarado
inválido, nem que nele deverá ser introduzida uma cláusula de exceção. Na verdade,
o que ocorre é que um dos princípios tem precedência em face do outro sob
determinadas condições. Sob outras condições a questão da precedência pode ser
resolvida de forma oposta. Isso é o que se quer dizer quando se afirma que, nos
casos concretos, os princípios têm pesos diferentes e que os princípios com o maior
peso têm precedência.

No presente caso, o princípio da dignidade da pessoa humana e o do respeito à vida


colidem, posto que, se isoladamente aplicados, levariam a resultados inconciliáveis entre si,
permitindo, em um caso, e proibindo, em outro, respectivamente, a prática da eutanásia. Daí a
necessidade de se ponderar qual princípio terá maior peso no caso concreto, isto é, qual
princípio, sob determinadas circunstâncias, terá prevalência sobre o outro.

É oportuno lembrar que a colisão desses princípios, bem como de outros, só poderá ser
solucionada à luz do caso concreto. Já o conflito de regras, por outro lado, poderá ser
solucionado em abstrato, pois, nesse caso, trata-se de realizar um juízo objetivo com relação à
validade das regras em conflito.

Paulo Gustavo Gonet Branco ressalta, porém, que é possível, por meio de um
precedente, estabelecer uma regra que solucione uma futura colisão de princípios, contanto
que tal colisão se encaixe nas mesmas condições de fato da colisão-precedente.

[Vale ressaltar que] no conflito entre princípios, deve-se buscar uma conciliação
entre eles, uma aplicação de cada qual em extensões variadas, segundo a respectiva
relevância no caso concreto, sem que se tenha um dos princípios como excluído do
ordenamento jurídico por irremediável contradição com o outro (BRANCO, 2010, p.
363).

“Situações haverá, no entanto, em que será impossível a compatibilização. Nesses


casos, o intérprete precisará fazer escolhas, determinando, in concreto, o princípio ou direito
que irá prevalecer” (BARROSO, 2009, p.169).

O caso Glória Trevi é um exemplo disso, pois, no mesmo, o Supremo Tribunal Federal
solucionou uma colisão irredutível de direitos fundamentais, decidindo pela prevalência do
direito à honra em face do direito de privacidade, de modo que esse último fosse totalmente
afastado. No acórdão do caso em comento, a referida Corte ordenou a realização do exame de
DNA no sangue contido na placenta de Trevi, logo após o nascimento do bebê dela, a fim de
excluir a paternidade de qualquer servidor da Polícia Federal que esteve em contato com a
mesma e de, assim, restaurar a honra dos mencionados servidores e da própria instituição a
45

que pertenciam.

No que tange à compatibilização ou não dos princípios colidentes, o presente caso é sui
generis, pois, no caso concreto, se o intérprete entender que o princípio da dignidade da
pessoa humana tem maior peso e, por conseguinte, permitir a eutanásia, o princípio do
respeito à vida será totalmente afastado. Por outro lado, se o último prevalecer, tendo como
efeito a proibição da eutanásia para o caso, o princípio da dignidade da pessoa humana não
cederá totalmente, uma vez que o princípio do respeito à vida, bem como os demais direitos
fundamentais, emana dele.

Ante o exposto, conclui-se que a solução para o conflito de regras e para a colisão de
princípios é diferente, eis que, nas regras, o conflito ocorre apenas na dimensão da validade,
ao passo que, nos princípios, o choque ocorre somente na dimensão do peso.

3.3 Aplicação da ponderação para solução da colisão de princípios em


apreço

Conforme demonstrado no subtítulo anterior, a técnica tradicional de solução de


conflitos entre normas, isto é, a subsunção, não é capaz de solucionar a presente colisão de
direitos fundamentais, bem como de outros, visto que tais direitos têm o mesmo nível e
validade. Assim, em qualquer caso que envolva a colisão de direitos fundamentais, aplicar-se-
á, conforme a maioria da doutrina e da jurisprudência pátrias, a ponderação, que é a técnica de
decisão mais adequada para solucionar hard cases, como o do caso em comento. De igual
modo, dispõe Luís Roberto Barroso (2009, p. 166):

Em suma, consiste ela [a ponderação] em uma técnica de decisão judicial, aplicável


a casos difíceis, em relação aos quais a subsunção se mostrou insuficiente. A
insuficiência se deve ao fato de existirem normas de mesma hierarquia indicando
soluções diferenciadas. Nos últimos tempos, a jurisprudência, inclusive do Supremo
Tribunal Federal, incorporou essa técnica à rotina de seus pronunciamentos.

Com relação à doutrina jurídica a respeito do assunto, Ricardo Torres Lobo (2000, apud
BARCELLOS, 2003, p. 56) acrescenta que:

[...] em geral está de acordo que a solução de casos como esses não passa por uma
subsunção simples, mas por um raciocínio [...] pelo qual se atribuem pesos aos
elementos em conflito para, ao fim, decidir por um deles ou ao menos decidir pela
aplicação preponderante de um deles.

No caso concreto, a ponderação de interesses conflitantes estabelece, diante de


46

determinadas circunstâncias, as condições sob as quais um princípio prevalece sobre o outro.


Saliente-se que, mudando as condições de preferência, a relação de precedência pode ser
resolvida de forma oposta. Da mesma maneira, ensina Robert Alexy (2008, p. 96):

Levando-se em consideração o caso concreto, o estabelecimento de relações de


precedências condicionadas consiste na fixação de condições sob as quais um
princípio tem precedência em face do outro. Sob outras condições, é possível que a
questão da precedência seja resolvida de forma contrária.

Vale ressaltar, ainda, que, diferentemente do que ocorre com as regras, o princípio
afastado em uma determinada colisão não é declarado inválido, isto é, não é abolido do
ordenamento jurídico em virtude de não ter prevalecido na colisão com outro princípio. Em
outras palavras, um princípio, ainda que em determinada colisão com outro princípio não
prevaleça, continua válido e, tão-somente no caso de não prevalecer em uma determinada
colisão, não gerará efeitos ou terá seus efeitos minimizados.

Infere-se, assim, que o objetivo da ponderação é estabelecer, em uma eventual colisão


de princípios, qual interesse terá maior peso no caso concreto.

É oportuno ressaltar, contudo, que a ponderação é um processo composto de três fases:

Em uma primeira fase, se identificam os comandos normativos ou as normas


relevantes em conflito [...]. Ainda nesta primeira fase, as diversas indicações
normativas devem ser agrupadas em função da solução que estejam sugerindo. Ou
seja: informações que indicam a mesma solução devem formar um conjunto de
argumentos (BARCELLOS, 2009, p. 57-58).

No caso em apreço, por exemplo, têm-se duas normas constitucionais colidindo, que
podem ser separadas em razão da solução contrária que propõem. De um lado, o princípio do
respeito à vida, que veda a eutanásia em virtude de esta suprimir a vida do seu titular. De
outro, o princípio da dignidade da pessoa humana, que permite o referido ato em razão da
manutenção da vida, em determinados casos, violar o aludido princípio.

“Na segunda fase cabe examinar as circunstâncias concretas e suas repercussões sobre
os elementos normativos, daí se dizer que a ponderação depende substancialmente do caso
concreto e de suas particularidades” (SARMENTO, 2000, apud BARCELOS, 2009, p. 58).

Nesse contexto, ressalte-se que “embora os princípios [...] tenham uma existência
autônoma em tese, no mundo abstrato dos enunciados normativos, é no momento em que
entram em contato com as situações concretas que seu conteúdo se preencherá de real
47

sentido” (BARROSO, 2009, p. 166). Em outros termos, o mencionado autor afirma que, em
virtude do caráter prima facie dos princípios, o conteúdo dos mesmos não é determinado em
abstrato, mas sim diante de um caso concreto.

“Isso significa que o conhecimento total da abrangência de um princípio, de todo o seu


significado jurídico, não resulta imediatamente da leitura da norma que o consagra, mas deve
ser complementado pela consideração de outros fatores” (BRANCO, 2010, p. 363).

O direito à vida, por exemplo, prima facie, veda que a vida de qualquer pessoa seja
suprimida. Contudo, em determinadas circunstâncias, tal direito pode ceder em favor de outro
valor, como o princípio da dignidade da pessoa humana, que revele, em um caso concreto, ter
maior peso do que o referido direito.

É na terceira etapa [por fim] que a ponderação irá singularizar-se, em oposição à


subsunção [...] os diferentes grupos de normas e a repercussão dos fatos do caso
concreto estarão sendo examinados de forma conjunta, de modo a apurar os pesos
que devem ser atribuídos aos diversos elementos em disputa e, portanto, o grupo de
normas que deve preponderar no caso. Em seguida, será preciso ainda decidir quão
intensamente esses grupo de normas – e a solução por ele indicada – deve prevalecer
em detrimento dos demais, isto é: sendo possível graduar a intensidade da solução
escolhida, cabe ainda decidir qual deve ser o grau apropriado em que a solução deve
ser aplicada. Todo esse processo intelectual tem como fio condutor o princípio da
proporcionalidade ou razoabilidade (BARROSO, 2009, p. 167, grifo original).

Mais uma vez, ressalte-se que o sopesamento dos princípios colidentes só é possível em
vista de tais normas serem mandamentos de otimização, isto é, de poderem ser cumpridas em
diferentes graus, de acordo com as circunstâncias fáticas e jurídicas.

No tocante ao princípio da proporcionalidade e ao da razoabilidade, Wilson Antônio


Steinmetz (apud CARNEIRO, 2007) assevera que a doutrina jurídica pátria não está pacífica
se os referidos princípios se confundem ou se, pelo contrário, têm objetos diferentes.

Ante o exposto, infere-se que a técnica tradicional de solução de conflitos entre normas,
isto é, a subsunção, não é capaz de solucionar as colisões de direitos fundamentais, visto que
tais direitos têm o mesmo nível e validade. Assim, no caso em apreço, aplicar-se-á a
ponderação, que é a técnica mais adequada e adotada pela jurisprudência pátria para, em uma
eventual colisão de direitos fundamentais, sopesar qual direito terá maior valor no caso
concreto.
CONCLUSÃO

Em que pese a eutanásia ser objeto de estudo de várias ciências, inclusive da ciência do
Direito, não há até então uma definição pacífica do que seja o referido ato. Não obstante,
tentou-se, no presente trabalho, conceituar a eutanásia a partir dos elementos comuns em
diversos conceitos, destacando, antes disso, os pontos pacíficos e controversos dos mesmos.

Em virtude disso, fez-se indispensável distinguir a eutanásia de outros atos terminais,


como a distanásia, o suicídio assistido e a eugenia, de sorte que se impeça a confusão em face
da semelhança entre tais atos.

A seguir, classificou-se a eutanásia em quatro modalidades, conforme a classificação


doutrinária mais comum, que assevera que o mencionado ato pode ser praticado de forma
ativa e passiva, quanto ao modo de execução, e voluntária e não voluntária, quanto ao
consentimento do enfermo.

E, ao término do primeiro capítulo, expôs-se a evolução histórica da eutanásia ao longo


dos tempos, o que permitiu concluir que o citado ato é muito antigo e que foi praticado por
diversos povos.

Já no segundo capítulo, destacaram-se as legislações e as jurisprudências que, até o


presente momento, foram mais relevantes acerca da eutanásia, notadamente a legislação do
Uruguai e da Holanda e a jurisprudência da Colômbia e dos Estados Unidos da América.
Saliente-se que, em tais legislações e jurisprudências, deu-se, dentro de algumas situações,
amparo ao referido ato.

Ainda no segundo capítulo, destacou-se como a eutanásia é tratada no ordenamento


jurídico brasileiro e, em particular, como se relaciona com os princípios do respeito à vida e
da dignidade da pessoa humana.
49

No terceiro capítulo, por derradeiro, tratou-se da colisão de direitos fundamentais que


envolvem a eutanásia, levantando e propondo soluções, consoante a maioria da doutrina e da
jurisprudência pátrias, para a presente colisão.

À vista do exposto neste trabalho, verificou-se que a vida humana, apesar de não ser
considerada um valor absoluto pela Constituição, isto é, um valor intangível, é tratada como
se assim fosse pela maioria da sociedade, de sorte que a discussão e até mesmo uma eventual
regulamentação da eutanásia se torne uma tarefa muito difícil.

Em face disso, enfermos, como por exemplo, os pacientes terminais e os tetraplégicos,


ficam à mercê de intensos sofrimentos físicos e/ou psicológicos, uma vez que não podem,
ainda que sejam plenamente capazes e manifestem a sua vontade, dispor de suas próprias
vidas para suprimir de vez a dor a qual estão submetidos.

Vale lembrar que a eutanásia não tem por escopo suprimir a vida, embora tenha que
fazê-la para alcançar a sua finalidade e sim abreviar ou não prolongar o sofrimento do
enfermo, quando já não há nem haverá mais qualidade de vida para o mesmo.

Nesse contexto, é possível, por omissão do Legislativo Federal, que o Supremo


Tribunal Federal, como guardião da Constituição, venha a ser provocado para solucionar uma
eventual colisão de direitos fundamentais que envolvam a eutanásia. Caso isso ocorra, por um
lado, será lamentável, pois, em virtude da omissão legislativa, a referida Corte terá que
legislar, ainda que no caso concreto, sobre o tema, o que de direito não é uma função sua, e
sim do Legislativo.

Saliente-se que esse exercício atípico da função de legislar, apesar de ser previsto em
lei, é antidemocrático, uma vez que os Ministros do Pretório Excelso não foram eleitos para o
exercício dessa função. Sendo assim, qualquer acórdão prolatado por esse Tribunal, seja
favorável ou não à eutanásia, não teria tanta força coativa, pois, além de violar o princípio da
separação dos poderes, não representaria a vontade do povo.

Assim, faz-se necessário que, o mais breve possível, o Legislativo Federal regule a
eutanásia, ainda que restrinja a sua prática a poucos casos, pois, do contrário, além de deixar
uma série de enfermos à mercê de intensas dores, estaria dando azo às violações acima
assinaladas da Constituição.
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APÊNDICE
54

FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ


UNIVERSIDADE DE FORTALEZA – UNIFOR
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS – CCJ
Curso de Direito

PROJETO DE PESQUISA

EUTANÁSIA E COLISÃO DE DIREITOS


FUNDAMENTAIS

Saulo Augusto de Barros Coelho


Matr.: 0712499/6

Orientadores: José Cauby de Medeiros Freire (metodologia)


Francisco Lisboa Rodrigues (conteúdo)

Fortaleza-CE
Novembro, 2010
55

1 DEFINIÇÃO DO PROBLEMA

A palavra eutanásia, empregada pela primeira vez por Francis Bacon, no século XVII, é
de origem grega e significa, literalmente, boa morte. Na verdade, o referido termo é uma
prática pela qual se abrevia, com o menor sofrimento possível, a vida de um enfermo
acometido por uma doença incurável e dolorosa. Tal abreviação da vida pode ocorrer de
forma ativa, quando há uma ação para antecipar a morte – eutanásia propriamente dita, ou de
forma passiva, quando há uma omissão, que, geralmente, configura-se na interrupção de um
determinado tratamento que mantinha o paciente vivo – ortotanásia.

No decorrer da história, a eutanásia foi praticada por diversos povos, contudo só a partir
do século XX começaram as primeiras discussões acerca de sua regulamentação. Nesse
período, o Uruguai foi o primeiro país do mundo a dispor sobre o tema em sua legislação,
tipificando-o como um homicídio piedoso (Art. 37 do Código Penal Uruguaio/1934), o que se
constituíra em uma causa de extinção da punibilidade, uma vez que era facultado ao juiz, por
meio do perdão judicial, deixar de aplicar a pena ao agente da infração. Em 2009, no mesmo
país, o parlamento aprovou o direito à ortotanásia, que ficou pendente de sanção ou veto do
Presidente do respectivo país. Na Europa, até o presente momento, apenas Holanda e Bélgica
legalizaram a prática.

No Brasil, por outro lado, a eutanásia ainda não foi regulamentada, embora já tenha
havido a apresentação de um projeto de lei, de autoria do senador Gilvam Borges, no sentido
de legalizá-la (PL 125/96), e de outro, de autoria do deputado Osmânio Pereira, na esteira de
proibi-la (PL 5058/05). No entanto, os referidos projetos foram arquivados. Houve, também,
uma tentativa de legalizar a eutanásia no Anteprojeto do Código Penal de 1999, tornando a
ativa uma causa especial de diminuição de pena (Art. 121, § 3º) e a passiva, uma excludente
de ilicitude (Art. 121, § 4º), o que não logrou êxito. Em vista disso, o agente que pratica a
eutanásia no Brasil pode incorrer, conforme o caso, no crime de homicídio privilegiado (Art.
121, § 1º, do CP) ou no de omissão de socorro (Art. 135 do CP).

Ante o exposto, podemos perceber o quanto é polêmica a prática da eutanásia, tanto que
poucos países no mundo ousaram regulamentá-la ou mesmo legalizá-la. O responsável por tal
56

controvérsia é o princípio da inviolabilidade da vida, um direito humano, universal e


fundamental, positivado no Art. 5º, caput, de nossa Constituição. O referido direito, apesar de
ser um direito fundamental, não é absoluto, eis que pode ser limitado por direitos de mesma
qualidade. No caso concreto, tal limitação ocorre quando o princípio citado entra em colisão
com uma ou mais normas constitucionais, podendo, dessa forma, ser afastado para aplicação
de uma ou mais de uma delas.

Nesse sentido, percebemos que a prática da eutanásia envolve uma colisão de direitos
fundamentais. De um lado, o princípio da inviolabilidade da vida (Art. 5º, caput, da CF), que,
por óbvio, veda essa conduta, e de outro, o princípio da dignidade da pessoa humana (Art. 1º,
III, da CF), que dá respaldo a mesma, visto que é impossível uma pessoa natural ter dignidade
convivendo com uma doença incurável e insuportável.

Vale salientar que, embora a vida seja um direito fundamental e um valor superestimado
em nossa sociedade, a mesma, em tese, não prevalece sobre as demais normas de mesma
qualidade, pois, em virtude do princípio da unidade da Constituição, não há hierarquia entre
normas constitucionais. Portanto, a prevalência de uma norma sobre outra deve ser aferida
caso a caso, usando-se a técnica da ponderação de valores.

Diante dessa breve exposição, buscar-se-á desenvolver pesquisa monográfica que


responda os seguintes questionamentos:

1 A técnica tradicional para solução de antinomias pode ser utilizada para resolver a
colisão de direitos fundamentais em questão?

2 Como será resolvida, no caso concreto, a colisão de direitos fundamentais em apreço?


57

2 JUSTIFICATIVA

Atualmente, como já foi salientada, a eutanásia se constitui em um dilema, pois, de um


lado, contraria obviamente um direito fundamental e um valor superestimado em nossa
sociedade, que é a vida, e, de outro, conforme o caso, ampara-se no princípio da dignidade da
pessoa humana, uma vez que é impossível uma pessoa, acometida por uma doença incurável e
insuportável, viver dignamente.

Ressalte-se que o princípio da inviolabilidade da vida, assim como os demais direitos


constitucionais, não é absoluto, posto que pode ser limitado por outras normas de mesma
qualidade. No mais, em abstrato, o referido direito não prevalece sobre o mencionado
princípio que dá amparo à eutanásia, pois, em razão do princípio da unidade da Constituição
não há hierarquia entre eles. Assim, há que se sopesar, caso a caso, qual interesse terá maior
peso.

Logo, a importância do presente tema reside no fato de saber se a eutanásia tem, em


determinados casos, amparo constitucional, o que pode contribuir para a sua discussão.
58

3 REFERENCIAL TEÓRICO

A eutanásia, dependendo do caso concreto, poderá envolver o choque de dois direitos


fundamentais: o princípio da dignidade da pessoa humana (Art. 1º, III, da CF/88) e o princípio
da inviolabilidade da vida (Art. 5º, caput, da CF/88). Temos, nesse caso, dois princípios que
incidem sobre o mesmo fato, mas de maneiras conflitantes, de forma que apenas um deles
poderá prevalecer. Diante disso, cabe perguntar: poderá a tradicional técnica da subsunção,
desenvolvida por Norberto Bobbio, ser utilizada para resolver essa antinomia?

Antes de responder a pergunta acima formulada, cabe informar que antinomia é “[...]
aquela situação na qual são colocadas em existência duas normas, das quais uma obriga e a
outra proíbe, ou uma obriga e a outra permite, ou uma proíbe e a outra permite o mesmo
comportamento” (BOBBIO, 1999, p.86). Ou seja, antinomia é a situação em que duas normas
incidem sobre o mesmo fato, porém de formas incompatíveis.

O referido jurista assevera que as antinomias podem ser aparentes, quando sanáveis, e
reais, quando não. Para as aparentes, ele elenca três critérios relativamente independentes para
a solução delas, quais sejam, o cronológico, o hierárquico e o da especialidade.

O primeiro, “chamado também de lex posterior, é aquele com base no qual, entre duas
normas incompatíveis, prevalece a norma posterior: lex posterior derogat priori” (BOBBIO,
1999, p.92). No caso em apreço, contudo, esse critério não poderá ser utilizado, uma vez que
as normas em conflito foram estabelecidas ao mesmo tempo pelo constituinte originário.

Por sua vez, o segundo, “chamado também de lex superior, é aquele pelo qual, entre
duas normas incompatíveis, prevalece a hierarquicamente superior: lex superior derogat
inferiori” (BOBBIO, 1999, p.93). Tal critério, porém, também não poderá ser aplicado, pois,
de acordo com o princípio da unidade da Constituição, não há hierarquia entre normas
constitucionais.

Por derradeiro, “o terceiro critério, dito justamente da lex specialis, é aquele pelo qual,
de duas normas incompatíveis, uma geral e uma especial (ou excepcional), prevalece a
segunda: lex specialis derogat generali (BOBBIO, 1999, p. 96). Esse critério, no entanto, não
poderá ser aplicado, visto que as normas em conflito são ambas gerais.

Logo, percebe-se que estamos diante de um conflito real de normas, eis que nenhum dos
59

critérios para a solução de conflito aparente resolveu o choque em questão. Nesse caso, o
mencionado jurista reconhece que há uma insuficiência de critérios, de modo que, segundo
ele, a solução do conflito partiria do intérprete, e não da aplicação dos referidos critérios.

No mesmo sentido, dispõe Barroso (2009, p.165):

De fato, nessas hipóteses, mais de uma norma postula aplicação sobre os mesmos
fatos. Vale dizer: há várias premissas maiores e apenas uma premissa menor. Como
intuitivo, a subsunção, na sua lógica unidirecional [...], somente poderia trabalhar
com uma das normas, o que importaria na eleição de uma única premissa maior,
descartando-se as demais. Tal fórmula, todavia, não seria constitucionalmente
adequada, em razão do princípio da unidade da Constituição, que nega a existência
de hierarquia jurídica entre normas constitucionais.

Portanto, conclui-se que a técnica da subsunção não é capaz de solucionar a colisão de


direitos fundamentais em apreço, levando a outra pergunta: como se resolve tal problema
jurídico?

Antes de responder a tal pergunta, cabe estabelecer a distinção entre regras e princípios,
que será importante para o entendimento da resposta mais adiante.

Segundo Bonavides (2005, p.248), “ao estudar uma teoria material dos direitos
fundamentais em bases normativas [...] Alexy instituiu a distinção entre regras e princípios,
que, na essência, é a mesma de Dworkin. Conjugou as duas modalidades debaixo do conceito
de normas”.

Para Alexy (2008, p.90):

O ponto decisivo na distinção entre regras e princípios é que princípios são normas
que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das
possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Princípios são, por conseguinte,
mandamentos de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em
graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende
somente das possibilidades fáticas. Mas também das possibilidades jurídicas. O
âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras
colidentes.

Vale dizer, os princípios, quando em colisão com regras ou com outros princípios,
podem ter uma aplicação mais ampla ou mais restrita conforme o caso concreto. Contudo,
sempre que possível, considerando-se as possibilidades fáticas e jurídicas, o bem jurídico
tutelado por eles será protegido na maior medida. Nessa esteira, preleciona Mendes (2002,
p.181):
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Os princípios são determinações para que um determinado bem jurídico seja


satisfeito e protegido na maior medida que as circunstâncias permitirem. Daí se
dizer que são mandatos de otimização, já que impõem que sejam realizados na
máxima extensão possível. Por isso é viável que um princípio seja aplicado em graus
diferenciados, conforme o caso que o atrai.

As regras, por outro lado, são para Alexy (2008, p.91):

...normas que são sempre satisfeitas ou não satisfeitas. Se uma regra vale, então,
deve se fazer exatamente aquilo que ela exige; nem mais, nem menos. Regras
contêm, portanto, determinações no âmbito daquilo que é fática e juridicamente
possível. Isso significa que a distinção entre regras e princípios é uma distinção
qualitativa, e não uma distinção de grau. Toda norma é ou uma regra ou um
princípio.

Desse modo, havendo um conflito entre regras, uma será aplicada em toda sua
totalidade e da outra nada será aplicado. Em tal conflito não há como fazer concessões
recíprocas entre as normas. De uma regra ou se aplica tudo ou nada. No mesmo sentido,
dispõe Mendes (2002, p.181):

As regras correspondem às normas que, diante da ocorrência do seu suposto de fato,


exigem, proíbem ou permitem algo em termos categóricos. Não é possível
estabelecer um modo gradual de cumprimento do que a regra estabelece. Havendo
um conflito de uma regra com outra que disponha em contrário, o problema se
resolverá em termos de validade. As duas normas não podem conviver
simultaneamente no ordenamento jurídico.

Segundo Bonavides, Alexy julga correta a tese de que entre princípios e regras não há
apenas uma distinção de grau, mas também de qualidade.

No presente caso, o princípio da dignidade da pessoa humana e o da inviolabilidade da


vida colidem, posto que, se isoladamente aplicados, levariam a resultados inconciliáveis entre
si. Vale dizer, a eutanásia, por um lado, é permitida; por outro, não. Daí a necessidade de se
ponderar qual princípio terá maior peso no caso concreto. Nessa esteira, preleciona Alexy
(2008, p.93):

Se dois princípios colidem [...] um terá que ceder. Isso não significa, contudo, nem
que o princípio cedente deva ser declarado inválido, nem que nele deverá ser
introduzida uma cláusula de exceção. Na verdade, o que ocorre é que um dos
princípios tem precedência em face do outro sob determinadas condições. Sob outras
condições a questão da precedência pode ser resolvida de forma oposta. Isso é o que
se quer dizer quando se afirma que, nos casos concretos, os princípios têm pesos
diferentes e que os princípios com o maior peso têm precedência.

Para resolver a colisão de direitos fundamentais em apreço, bem como as demais,


utilizaremos a técnica da ponderação, que é “uma técnica de decisão judicial, aplicável a
casos difíceis, em relação aos quais a subsunção se mostrou insuficiente. A insuficiência se
deve ao fato de existirem normas de mesma hierarquia indicando soluções diferenciadas”
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(BARROSO, 2009, p. 166).

O emprego da ponderação se tornou frequente nas motivações do Supremo Tribunal


Federal, como se pode depreender do voto do Ministro Celso de Mello (DJU, 19 mar. 2004,
HC 82.424/RS):

Entendo que a superação dos antagonismos existentes entre princípios


constitucionais há de resultar da utilização, pelo Supremo Tribunal Federal, de
critérios que lhe permitam ponderar e avaliar [...] em função de determinado
contexto e sob uma perspectiva axiológica concreta, qual deva ser o direito a
preponderar no caso, considerada a situação de conflito ocorrente, desde que, no
entanto, a utilização do método da ponderação de bens e interesses não importe em
esvaziamento do conteúdo essencial dos direitos fundamentais, tal como adverte o
magistério da doutrina.

É oportuno ressaltar que a ponderação é um processo composto de três fases:

Em uma primeira fase, se identificam os comandos normativos ou as normas


relevantes em conflito [...]. Ainda nesta primeira fase, as diversas indicações
normativas devem ser agrupadas em função da solução que estejam sugerindo. Ou
seja: informações que indicam a mesma solução devem formar um conjunto de
argumentos (BARCELLOS, 2009, p. 57-58).

“Na segunda fase cabe examinar as circunstâncias concretas e suas repercussões sobre
os elementos normativos, daí se dizer que a ponderação depende substancialmente do caso
concreto e de suas particularidades” (SARMENTO, 2000, apud BARCELOS, 2009, p. 58).

Na terceira fase – a fase da decisão – se estará examinando conjuntamente os


diferentes grupos de normas e a repercussão dos fatos sobre eles, a fim de apurar os
pesos que devem ser atribuídos aos diferentes elementos em disputa. Diante da
distribuição de pesos [...] será possível definir, afinal, o grupo de normas que deve
prevalecer. Em seguida, é preciso ainda decidir quão intensamente esse grupo de
normas – e a solução por ele indicada – deve prevalecer em detrimento dos demais,
ou seja: sendo possível graduar a intensidade da solução escolhida, será necessário
avaliar qual deve ser o grau apropriado no caso. (ÁVILA, 2003)

Ante o exposto, infere-se que a técnica tradicional de solução de conflitos entre normas,
isto é, a subsunção, não é capaz de solucionar as colisões de direitos fundamentais, visto que
tais direitos têm a mesma hierarquia e validade. Assim, no caso em apreço, aplicar-se-á a
técnica da ponderação, a fim de sopesar qual direito terá maior valor no caso concreto.
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4 OBJETIVOS

Geral:

Analisar se a eutanásia, dependendo do caso, tem amparo constitucional no Brasil, com


base na interpretação sistemática do referido diploma legal.

Específicos:

1. Verificar se o método tradicional de solução de conflitos entre normas pode resolver a


colisão de direitos fundamentais em foco.

2. Analisar, no caso concreto, como se soluciona a colisão de direitos fundamentais em


questão.
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5 HIPÓTESES

1. A subsunção, que é a técnica tradicional de solução de antinomias, não é capaz de


solucionar a colisão entre direitos fundamentais, pois a mesma apenas resolve o conflito
aparente de normas, e não o real. Como visto, os critérios para solução de conflito aparente
entre normas não resolvem o choque entre direitos fundamentais, posto que tais direitos têm a
mesma validade e hierarquia.

2. Para a maior parte da doutrina e para o Supremo Tribunal Federal, a presente colisão
de direitos fundamentais, bem como as demais, só poderá ser resolvida no caso concreto, a
partir da técnica da ponderação, que consiste em sopesar, caso a caso, qual interesse terá
maior peso.
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6 ASPECTOS METODOLÓGICOS

A metodologia utilizada na monografia será realizada através de um estudo descritivo-


analítico, desenvolvido por meio de pesquisa:

I. Quanto ao tipo:

Bibliográfica: através de livros, revistas, publicações especializadas, artigos e dados


oficiais publicados na Internet, que abordem, direta ou indiretamente, o presente tema.

II. Quanto à utilização dos resultados:

Pura, à medida que terá como único fim a ampliação de conhecimentos.

III. Quanto à abordagem:

Qualitativa, buscando apreciar a realidade do tema no ordenamento jurídico pátrio.

IV. Quanto aos objetivos:

Descritiva, uma vez que buscará descrever, explicar, classificar, esclarecer o problema
apresentado.

Exploratória, eis que objetiva aprimorar ideias através de informações sobre o tema em
apreço.
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REFERÊNCIAS

ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva.
São Paulo: Malheiros, 2008.

ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos.
São Paulo: Malheiros, 2003.

BARCELLOS, Ana Paula de. Alguns parâmetros normativos para a ponderação


constitucional. In: BARROSO, Luís Roberto (Org.) A nova interpretação constitucional:
ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 49-
118.

BARROSO, Luís Roberto. Novos paradigmas e categorias da interpretação constitucional. In:


NOVELINO, Marcelo (Org.) Leituras complementares de direito constitucional. Salvador:
Juspodivm, 2009, p. 141-181.

BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Tradução de Maria Celeste C. J.


Santos. 10. ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1999.

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 2001.

BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Aspectos de teoria geral dos direitos fundamentais. In:
MENDES, Gilmar Ferreira (Org.) Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais.
Brasília; Brasília jurídica, 2002, p.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 82.424, voto do Ministro Celso de
Mello, Brasília, DF, 19 de março de 2004. Disponível em:
http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo393.htm. Acesso em: 15
nov. 2010.

SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro:


Lumen Juris, 2000.
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POSSÍVEL SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

1 EUTANÁSIA
1.1 Conceito
1.2 Espécies
1.3 Evolução histórica
1.4 Práticas que diferem da eutanásia
1.4.1 Distanásia
1.4.2 Suicídio assistido
1.4.3 Eugênia
1.5 Eutanásia no direito brasileiro
1.5.1 No âmbito constitucional
1.5.2 No âmbito penal
1.6 Eutanásia no direito comparado

2 COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS


2.1 Técnicas de solução de conflitos entre normas
2.1.1 Subsunção
2.1.2 Ponderação

CONCLUSÃO

REFERÊNCIAS

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