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Universidade Federal da Paraíba

Centro de Ciências Humanas e Letras


Departamento de Psicologia
Disciplina: Psicopatologia I – Neuroses
Prof. Dra. Zaeth Aguiar

Gabriel Leite
Miguel Silvestre
Nathália Kokkonen
Taysa Rebeca

SONHOS x HISTERIA : FORMAÇÕES DO INCONSCIENTE E SUAS FORMAS

João Pessoa
2020
Introdução

O estudo da histeria durante seu apogeu, no século XIX, teve importância


fundamental para a descoberta do inconsciente e criação do método psicanalítico por
Freud. No entanto, a história da histeria possui uma origem remota, tendo recebido
explicações e significados distintos ao longo do tempo. Registros sobre o estudo da histeria
são observados já na Grécia Antiga, com Hipócrates, quando esta era entendida como uma
doença orgânica que se originava no útero, produzindo sintomas pelo corpo, portanto
acometia exclusivamente as mulheres.
No decorrer da Idade Média, com a supremacia da religião cristã, o comportamento
histérico passa a ser explicado como possessão demoníaca, fruto do pecado e
posteriormente condenado pela Inquisição como bruxaria. Apenas no século XVIII a
histeria sai dos domínios da religião e começa a ser investigada sob a luz da ciência,
obtendo a qualidade de doença dos nervos e sendo tratada pela medicina.
Na segunda metade do século XVIII, a doença é pensada a partir de uma nova
perspectiva e recebe uma forma inovadora de tratamento através do neurologista francês
Jean Martin Charcot. Para Charcot, a histeria era “uma doença produzida por uma
representação carregada intensamente de afeto, sendo que a força deste se transpunha para
o corpo; daí a formação do sintoma somático” (Freud,1925/1969). Segundo Belintani
(2003), Charcot utilizava a hipnose para demonstrar o fundamento de suas hipóteses. Ele
hipnotizava as loucas do hospital parisiense Salpêtrière, fabricando sintomas histéricos
para suprimi-los de imediato.
Ainda no fim do século XVIII, Sigmund Freud, então aprendiz de Charcot, se
utiliza dos conhecimentos deste sobre os aspectos traumáticos da histeria para apresentar a
noção do caráter sexual do trauma vivido pelo paciente histérico. Na chamada Teoria da
Sedução, Freud alega que “a histeria era fruto de um abuso sexual realmente vivido pelo
sujeito na infância” (Belintani, 2003). Posteriormente, no entanto, renuncia a esta teoria e
introduz a ideia de fantasia aliada a um trauma que possui origem psíquica ao invés de
física.
Na Comunicação Preliminar dos Estudos sobre a histeria, Freud nos
alerta para o fato de que a conexão entre o acontecimento precipitante e o
desenvolvimento da histeria frequentemente é bem clara. E completa que
“em outros casos, a conexão causal não é tão simples. Consiste somente
no que poderia ser denominado uma relação simbólica entre a causa
precipitante e o fenômeno patológico – uma relação tal como as pessoas
saudáveis forma os sonhos” (Freud, 1895/1974, p. 45). (Belintani, 2003)

Foi no desenvolvimento da clínica, com a ajuda das histéricas, que Freud obteve os
principais elementos para a constituição da psicanálise – a sistematização de conceitos
como recalcamento, ab-reação, defesa, resistência e conversão que foram se desenhando a
partir de cada caso clínico; a adoção da cura pela fala, atenção flutuante e associação livre
que se originaram da mesma forma; a grande descoberta de que “ao lado da realidade
material, existia uma realidade psíquica do sujeito, que era de igual importância na história
do seu desenvolvimento” (Belintani, 2003). Por fim, determinando o conflito psíquico
inconsciente como principal causa da histeria.
Objetivos

A realização do seguinte trabalho visa a obtenção da nota da segunda unidade na


disciplina de Psicopatologia I: Neuroses, como também a expansão do conhecimento
psicanalítico acerca das neuroses histéricas e a verificação de como estas se correlacionam
com os sonhos, além de trazer uma breve exploração sobre a compreensão da histeria ao
longo da história e de como esta influenciou no surgimento da psicanálise.

Metodologia

Utilizando as bases de dados e pesquisa, SciElo , Pepsic, e Periódicos UFMG, buscamos as


seguintes palavras chave; Sonho e Histeria. Verificando os resultados da pesquisa,
escolhemos como artigo principal o trabalho intitulado: “A técnica da psicanálise frente a
um caso de histeria: as reminiscências como fenômenos do inconsciente”(Gonçalves &
Silva, 2008). Outros artigos foram consultados ao longo da elaboração do trabalho, estudos
esses que ajudaram no entendimento e na construção da pesquisa, visando a compreensão
do assunto histeria, e sua relação com o mundo onírico. No trabalho apresentamos uma
breve síntese histórica a respeito da neurose histérica, e a sua relação com os sonhos,
através dos exemplos dos casos clínicos
Fundamentação Teórica

Para que seja possível aprofundar-se na correlação proposta entre os sonhos e a


neurose histérica, é essencial que previamente seja feito um aprofundamento acerca da
ótica analítica acerca destas duas manifestações do inconsciente. De início, será dissertado
acerca da concepção de Freud e alguns pensadores analíticos sobre os sonhos e
posteriormente sobre a histeria.

Faz-se essencial compreender o que é, inicialmente, uma formação do inconsciente.


A vida cotidiana, da ótica analítica (Garcia-Roza, 2004), num sistema neurótico, inclui o
contato com o real, e denomina-se consciente. Assim, tem-se a descoberta de S. Freud de
que mesmo dentro de uma vida consciente, o inconsciente, sua grande descoberta,
comunica-se com o meio externo através de diversas vias, denominadas estas “formações
do inconsciente”, dentre as quais temos os chistes, os atos-falhos, os sonhos e os sintomas,
sendo estes dois últimos os enfoques principais deste trabalho.

Os sonhos são um processo primário, isto é, uma forma do indivíduo realizar seu
desejo, como um “escape” à vida consciente, e por isso se faz essencial para o sono.
Assim, tem-se que partindo de um indivíduo que nasce inconsciente e torna-se consciente
através de processos de recalcamento dos desejos, armazena as informações acerca destes
recalques no inconsciente e, durante o sono, ele realiza (no sentido de “tornar real”) o
desejo do indivíduo, seja este desejo relativo ao meio externo ou ao meio interno. As
informações contidas nos sonhos, como inconscientes, não passam por uma linha temporal
nem pela dualidade imposta pela consciência, não existe possível ou impossível, certo ou
errado, e outras derivações do pensamento maniqueísta imposto pela consciência e seu
princípio de realidade.

Dentro da ótica dos sonhos (e das formações do inconsciente de maneira geral), a


linha temporal imposta pela consciência não existe, e assim, memórias acerca de recalques
primários (ocorridas na infância), tornam-se mais visualizáveis porém dificilmente
compreensíveis, seja pelo analisando como pelo analista, posto que através de
condensações e deslocamentos, compreendidos por Jacques Lacan como metáforas e
metonímias (Maia, 2009), isto é, dentro de uma história de um sonho um objeto não é um
objeto, é algo que significa (simboliza) algo para aquele que sonha. Os sonhos, destarte,
não propõem então, uma linguagem clara, e requerem o processo analítico para que sejam
compreendidos os significantes ligados ao sonho manifesto e as metáforas e metonímias
que cada significante presente na narrativa onírica carrega consigo.

Dentro das formações do inconsciente sobre as quais seguirá o trabalho, o sintoma


é o próximo a ser visitado. O sintoma não mais é do que a forma com que o sujeito se sente
perante algum fenômeno ou fato externo à consciência ou interno. Quando o sujeito, da
forma como é compreendido pela análise, se vê obrigado ao recalque (princípio de
realidade), isso gera nele uma forma de sentir um conteúdo psíquico, criando o que
construímos como sentimentos, ora compreendidos como sintoma. De acordo ainda com
Jacques Lacan, não é possível estar ausente de sintoma, posto que dentro de um sistema
psíquico neurótico, o sujeito, dotado de consciente, em contato com o real, sempre está a
sentir o conjunto de informações que o constituem enquanto sujeito, os seus recalques
primários e secundários (Garcia-Roza, 2004).

Dentro das patologias, temos conjuntos de sintomas observáveis que advém da


mesma relação de causa com o recalque, e dentro desses conjuntos temos o que foi no
passado compreendido como Histeria por organizações de manuais diagnósticos como o
CID e o DSM, considerando que este termo fora apagado posteriormente por estas
organizações, mas dentro da ótica analítica, a histeria nunca saiu do vocabulário. Isto
porque, apesar de na história ter sido associada às mulheres e à sexualidade, a descoberta
de Freud acerca da histeria pode ser associada à ideia de uma patologia (pathos =
sofrimento; logos = compreensão acerca de algo, ou seja, uma forma de compreender o
sofrimento) ligada aos recalques e castrações na formação da vida psicossexual. É a
permanência da forma com que o indivíduo se sente perante algum desejo que ela não
realiza, o que tem uma explicação lógica similar à dos sonhos, isto porque são dispersões
de energia psíquica no sentido do inconsciente para o meio externo.
Discussão: Caso Clínico

A clínica é um espaço com objetivo de emergir a verdade específica de cada um. O


analista, através da escuta, possibilita ao analisante a rê-vivência de seus traumas e
sintomas ou de suas reminiscências, advindas através dos sonhos. Veremos a seguir, o caso
de uma paciente diagnosticada pelos critérios que correspondem à histeria, através dos
relatos de seus sonhos. Junto a isto, através de uma prática clínica, será possível fazer com
que a paciente dê um “novo significado” às suas vivências.

Ao buscar o estabelecimento de uma relação terapêutica entre analista e analisando, é


necessário fazer com que o segundo compreenda sua queixa e se posicione frente a seus
sintomas, buscar se colocar em alguma posição diante da situação que o atormenta. É
através da queixa que o paciente nos apresenta sua realidade, sendo o papel do analista
fazer com que o paciente se posicione diante de seus sintomas, localizando-se frente a eles.
Para Nasio (1999), esse processo chama-se Retificação Subjetiva, importando para o
analista a relação que o sujeito tem com seus sintomas, dando sentido a cada um de seus
sofrimentos.

Josefa, nome fictício da paciente em questão, apresentava dores que circulavam


pelo seu corpo. Queixava-se, também, de muita saudade de uma filha que fora morar na
Europa, reclamava que sofria de solidão e depressão. Estava abatida e relatava que preferia
não dormir a lidar com seus pesadelos noturnos, relatando que apenas conseguia dormir se
tomasse seus remédios para dormir, que por muitas vezes não conseguia no posto de
saúde.Tratava-se de um caso de histeria: a paciente somava dores que não haviam
explicação em seu corpo, mesmo depois de ter passado por vários médicos que não sabiam
explicar a causa. Além disso, a analisando sempre se colocava em uma posição de vítima,
compreendendo-se no gozo histérico um ganho secundário pela sua posição passiva.

A paciente relatava que a vida toda fora maltratada pelo pai, que o agredia e não
demonstrava amor a ela. Essa posição veio se manifestar nos seus 23 anos de casamento,
onde seu ex-marido só a fazia sofrer e nunca fora romântico ou companheiro. Colocava,
com isso, toda a responsabilidade de seu sofrimento em seu pai e em seu marido. Uma das
primeiras intervenções foi a de elucidar perguntas e questionamentos a paciente, fazendo
com que ela entendesse a sua posição passiva diante dos fatos.

Segundo Josefa, a violência do ex-marido foi traumática a ela. Por muitas vezes
apanhou dele, e teve momentos em que entraram em luta corporal. Até que um dia o ex-
marido a feriu com uma facada no abdômen. Os pesadelos de Josefa constantemente
remetiam a esses episódios e sempre continham esses conteúdos, mesmo que a efígie
(imagem) do marido nunca esteve presente. Dando sequência à intervenção, foi utilizado o
método de associação-livre com Josefa a fim de tentar evocar conteúdos do inconsciente
usando a palavra “luta” associando a episódios dolorosos de sua vida.

Em sessões adiante, Josefa contou outro pesadelo que teve, dessa vez ela precisou
lutar com marginais que estavam a perseguindo e terminou seu discurso dizendo: “meu
marido me marginalizou a vida inteira”. Nesse sonho, seu ex-marido aparecia cobrindo seu
rosto com um véu, escondendo o conteúdo inconsciente, que no caso é o falo inalcançável.

Em uma determinada sessão, a paciente relatou que sentia muita raiva pelo ex-
marido, e confessou que sentia vontade de matá-lo com um pedaço de pau, hesitando fazê-
lo por ser contra a lei. Contando sobre seus pesadelos, relatou um sonho que teve com um
jacaré que tentou comê-la, e ela pôde realizar seu desejo de matá-lo com um pedaço de
pau. Porém, contou que após ter matado o jacaré, foi acometida por um sentimento de
culpa e medo que algum órgão de defesa de animais fosse prendê-la.

Foi sugerido, então, que o amor tirano pelo seu pai seria apenas uma busca pulsional
incansável pelo falo que foi privado ao sujeito histérico. E essa busca irá se manter mesmo
que tenha que encontrar representação no desprazer para obter satisfação.

Torna-se observável a correlação presente entre essas duas formações do


inconsciente, visto que os sonhos são a representação dos desejos recalcados e a histeria é
a patologia que acontece por conta desses desejos recalcados;
Conclusão

Em consideração as informações aqui expostas, tornou-se possível a compreensão a


cerca da neurose histérica, e a relação dessa com os sonhos, discutindo o conceito de
histéria. Na Grécia antiga, pensava-se que essa patologia estava associada a um mau
posicionamento do útero, e apenas no século XVIII alguns pensadores, incluindo Freud,
começam a especular que o local causal de tais crises é no mundo psíquico, utilizando
métodos como, hipnose, e observação de casos clínicos, Freud desenvolve a técnica da
associação livre, e fundamenta a psicanalise.

Na contemporaneidade a neurose histérica foi fragmentada, e retirada dos


principais manuais diagnósticos, como o CID e o DSM, e o tema dos sonhos e debatido
somente nas clínicas psicanalíticas, e na academia. E relembrando o caso clínico
abordado, no qual a analisanda transforma pensamentos inconscientes, que se
transformam em pesadelos, e podem desencadear ataques histéricos. Ademais, se faz
necessário amplificar pesquisas no vasto campo da psicanálise, para com que assim
entendamos melhor o paralelo do sofrimento psíquico, com os diversos sofrimentos físicos
associados.
Referências

Belintani, Giovani. Histeria. PSIC - Revista de Psicologia da Vetor Editora, Vol. 4, nº.2,
2003

Freud, Sigmund. Um estudo autobiográfico, 1925. In Obras Completas, vol XX, Rio de
Janeiro: Imago, 1969

Garcia-Roza, Luiz Alfredo. Freud e o inconsciente. 20. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2004.

Gonçalves, A. M. O., & Silva, C. R. (2008). A técnica da psicanálise frente a um caso de


histeria: as reminiscências como fenômenos do inconsciente. Mosaico: Estudos em
Psicologia, 2(1).

Maia, Luís. (2009). Mecanismos oníricos e figuras de linguagem. Estudos de Psicanálise,


(32), 91-94.

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