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O livro mais emocionante do mundo

O sábado mostrava-se risonho para Nora. Fizera nove anos e os pais tinham-lhe oferecido a
bicicleta que há tanto tempo esperava, um modelo leve de alumínio vermelho com guiador branco.
Entusiasmada, ia a sair para a rua para experimentá-la, quando a voz suave da avó a deteve.
— Não corras tanto — disse. — Tenho aqui uma coisa para ti...
A avó vivia com eles há um mês porque andavam a restaurar a casa dela, um velho casarão na
serra. Chamava-se Palmira Casanova e era uma célebre escritora de romances policiais, que em breve
regressaria às paisagens de chuva e bruma que inspiravam as suas histórias.
Nora encostou a bicicleta à parede e, curiosa, entrou no quarto da avó, que se embalava na cadeira
de baloiço. Numa das mãos segurava uma chávena de chá e, na outra, um caderno de apontamentos.
No seu regaço dormitava Pigmalião, um fox terrier, seu amigo inseparável.
— O que é? — perguntou Nora, vendo um envelope branco nas mãos da avó.
— Abre e verás...
Nora abriu-o e viu um simples papel com uma frase escrita à mão, que dizia: Vale o livro mais
emocionante do mundo. Rua do Roseiral, n.°7.
«Outro livro!», pensou Nora ao guardar o papel no bolso. A avó tinha-lhe oferecido um volume de
histórias quando fizera seis anos, outro aos sete e um romance aos oito. Ainda não lera este último.
Como se lhe tivesse lido o pensamento, Palmira disse:
— Este é diferente. É o livro mais emocionante do mundo. Vá lá, monta na bicicleta e vai buscá-
lo a correr!
Nora deu um beijo de agradecimento à avó e correu para a rua. Conhecia a Rua do Roseiral:
ficava do outro lado de um parque onde ia brincar muitas tardes.
A bicicleta deslizava às mil maravilhas, mas Nora prometera aos pais que andaria muito devagar
pelo passeio, com cuidado para não atropelar nenhum transeunte.
Para chegar ao parque tinha de atravessar um semáforo onde, naquele momento, estavam parados
vários automóveis e um autocarro. Nora atravessou a pé, com a sua nova bicicleta pela mão.
Como no parque não havia automóveis, apenas carrinhos de bebé empurrados por pais e mães,
assim que lá chegou começou a pedalar com força, com o vento a acariciar-lhe a cara.

Antes de ter atravessado o parque para chegar à Rua do Roseiral, viu um grupo de pessoas em
volta de uma árvore. Nora parou, encostou a bicicleta a um banco e, sem desviar os olhos dela, foi ver o
que estava a acontecer. No meio da dúzia de pessoas que olhavam para a copa da árvore encontrava-se
Dani, um colega de turma, que lhe explicou a situação:
— Um gato persa subiu lá para cima e agora não consegue descer.
Nora distinguiu num dos ramos mais altos uma sombra branca com dois olhos cor-de-laranja,
redondos e assustados.
— Eu subo muito bem às árvores — disse Nora. — Faz-me uma cadeirinha que vou buscá-lo.
Dani cruzou os dedos das mãos para que Nora pudesse colocar o pé e empurrou-a para cima,
perante o espanto de todos. Em menos de quinze segundos estava empoleirada lá no alto, onde o gato
miava com o pelo eriçado.
— E agora? — gritou a assistência que se juntara debaixo da árvore.
— Pega nisto! — disse uma menina, ao mesmo tempo que lhe atirava um cesto e uma corda de
saltar.
Nora apanhou ambas as coisas no ar. Percebeu que aquela menina era a dona do gato, pois, ao ver
o cesto, o animal sossegou e saltou para dentro dele. Devia ter fugido por causa dos latidos de algum cão
do parque. Nora atou uma ponta da corda à asa e começou a descer o peludo tripulante com muito
cuidado. A aterragem foi perfeita e todos aplaudiram a menina, que desceu da árvore com a mesma
facilidade com que subira.
— Onde vais? Posso acompanhar-te? — perguntou Dani, espantado com a agilidade da sua
colega.
— Sobe — disse Nora, apontando para a traseira da bicicleta.
Os dois amigos rolaram até à Rua do Roseiral, que começava exatamente onde o parque acabava.
O número 7 era, curiosamente, uma casa abandonada com uma caixa de correio no exterior.
Nora enfiou a mão lá dentro enquanto Dani a observava espantado.
— Não faças isso! É proibido ver o correio das outras pessoas.
— Aqui não vive ninguém — disse Nora.
Dentro da caixa de correio não encontrou nenhum livro, mas sim outro sobrescrito branco, de
tamanho idêntico ao anterior, com uma nota escrita a mão que dizia: Na estátua de Francisco de Assis.
— A minha avó e as brincadeiras dela! — exclamou Nora em voz alta. — Vamos, sobe.
E voltaram a pôr-se em marcha. Nora sabia perfeitamente onde ficava a estátua de Francisco de
Assis, o amigo dos animais. Era numa praceta com uma fonte, onde às vezes bebia água.
Graças à veloz bicicleta, chegaram lá num instante. Mas, antes de Nora conseguir ir buscar o
presente, veio um velhinho ao encontro deles:
— Ajudem-me, jovens! Perdi os meus óculos e não consigo encontrá-los. Não sei como vou
voltar para casa sem eles.
— Onde os perdeu? – perguntou Dani.
— Quando estava a beber água na fonte — respondeu.
Os dois amigos correram para lá, mas não viram os óculos.
— De que cor é a armação? – perguntou Nora.
— Transparente — respondeu o ancião, que tateava o ar com as mãos.
«Achar algo transparente é sempre difícil», pensou Nora, «sobretudo se estiver na água...»
De repente, percebeu que tinha acertado em cheio.
— Já estou a vê-los! — disse para Dani, enquanto apontava para um reflexo na bica da fonte.
Retiraram os óculos da água e entregaram-nos ao desesperado velhinho, que os pôs sem sequer os
secar.
— Fantástico, estupendo! — disse, enquanto procurava uma moeda nos bolsos. — Aqui têm para
comprarem rebuçados.
— Obrigada, mas estamos com pressa — respondeu Nora perante a surpresa do amigo.

Tinha imaginado que o livro estaria aos pés de Francisco de Assis, mas não havia lá nada.
Alguém o teria visto e levado consigo? Nora começava a ficar triste com a ideia de alguém lhe ter
tirado o presente quando Dani disse:
— Há qualquer coisa branca no capuz.
«Devia ter imaginado», pensou Nora, à medida que subia até à base da estátua e esticava o
braço. «O capuz é o único lugar oco da estátua onde se pode esconder qualquer coisa.» Essa
«qualquer coisa» não era um livro mas um sobrescrito, com uma anotação que dizia: Debaixo do
Pigmalião.
— Pigmalião? – perguntou Dani. — Onde fica isso?
— É o cão da minha avó — disse Nora. — Anda, acompanha-me até casa!
Subiram novamente para a bicicleta e deixaram a praça, onde o velhinho dos óculos lhes acenou
com a mão, agradecido.
Enquanto Nora pedalava e evitava os peões, ia pensando que a avó estava um pouco louca. Porque
a fazia andar atrás do presente por toda a cidade para depois voltar a casa? Será que a busca terminava
ali, ou será que nunca mais acabariam os sobrescritos que a levavam de um lado para o outro?

Quando chegaram a casa, Palmira Casanova estava exatamente no mesmo lugar onde Nora a
deixara. Balouçava-se na cadeira com Pigmalião no regaço, enquanto ia bebendo chá.
Nora meteu a mão debaixo do peludo Pigmalião, que deu um pequeno latido, como se lhe
tivessem feito cócegas. Esperava encontrar mais um sobrescrito que a mandaria sabe-se lá para onde,
mas retirou algo muito mais volumoso. O livro!
Nervosa, desembrulhou a pacote. Era um volume muito bonito, com capas grossas de pano, onde
estava escrito As Aventuras de Nora. Nora abriu o livro, encantada por a protagonista se chamar como
ela. Teria sido a sua avó que o escrevera?
Para sua surpresa, viu que a primeira página estava em branco, e a segunda, e a terceira...
— Este é o livro mais emocionante do mundo? — perguntou Nora sem esconder a sua deceção.
— Mas está em branco!
— Claro — riu a avó. — Ofereci-to para que escrevas as tuas próprias aventuras.
— As minhas aventuras? — perguntou Nora, confusa. — Não sei o que contar.
— Começa pelo que te aconteceu hoje — aconselhou a avó, que lhe deu um segundo presente:
uma caneta de tinta preta com que tinha escrito o seu primeiro romance, quando era jovem.
Fascinada com estes presentes, Nora lançou-se nos braços da avó. Em seguida todos comeram
bolo para comemorar aquele aniversário tão especial. Nora tinha decidido algo muito importante:
também seria escritora!

PENSA NISTO: O GOSTO PELA LEITURA

Um livro é um jardim que se traz no bolso...


PROVÉRBIO ÁRABE

Se os teus pais possuem uma pequena biblioteca em casa, já sabes que cada livro é um mundo
onde se passam muitas coisas. Quando abrimos um livro, viajamos para lugares tão longínquos como a
Austrália, o Pólo Norte, ou até mesmo a Lua! Participamos em histórias que nos metem medo, que nos
fazem rir ou chorar. E tudo sem sairmos do sofá!
Muitos meninos e meninos iniciam-se na leitura com a banda desenhada. Algumas dessas
histórias são geniais, como As Aventuras de Tintim, mas um livro oferece-te muitas mais possibilidades
de aventura. Porque é divertido ler? Além de aprenderes novas palavras, um livro é muito mais
emocionante do que um filme ou um jogo de vídeo, porque és tu a pôr a outra metade.
O que é que isto quer dizer? Significa que o autor cria a história, o argumento do filme, e tu pões
o resto: imaginas os personagens, os cenários, cada pequeno pormenor... Ao leres, além de ator,
convertes-te em realizador de cinema.
Se leres muitos livros, talvez um dia queiras escrever, ser argumentista, para sermos nós a pôr a
outra metade. Não seria formidável?

A ARCA DO TESOURO

Podes usar uma caixa de madeira ou de cartão para guardares nela os teus livros preferidos. Será a
tua arca do tesouro, que esconderás no teu quarto para quando precisares da tua porção de aventura ou,
simplesmente, para quando te apetecer viajar sem saíres do sofá. Só tu deves saber onde fica o
esconderijo dos teus livros mágicos!

Dr. Eduard Estivill e Montse Domènech


Já sou grande!
Alfragide, Lua de Papel, 2009

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