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ARTIGO

A determinação da idade das rochas

Celso Dal Ré Carneiro


Departamento de Geociências Aplicadas ao Ensino
Instituto de Geociências – UNICAMP
cedrec@ige.unicamp.br
Ana Maria Pimentel Mizusaki
Departamento de Paleontologia e Estratigrafia
Instituto de Geociências – Univ. Federal do Rio Grande do Sul
ana.mizusaki@ufrgs.br
Fernando Flávio Marques de Almeida
Escola Politécnica (aposentado) – Universidade de São Paulo
ffma@uol.com.br

RESUMO Em pouco mais de 200 anos, a idade da Terra admitida pela


ciência passou de alguns milhares para cerca de 4,56 bilhões de anos. Muitas analogias
são empregadas para facilitar a compreensão dos conceitos de “tempo profundo” ou
“abismo do tempo” mas, não obstante, essas idéias permanecem de difícil assimilação,
pois as escalas e relações envolvidas são incomuns e freqüentemente complexas. A profunda
inflexão no pensamento, e até mesmo na perspectiva humana, sobre a idade da Terra,
decorre do amadurecimento da Geologia como ciência. Métodos específicos são necessários
para determinação de idades de rochas e sua aplicação mais direta: o estudo do tempo
geológico. Os métodos estratigráficos, paleontológicos e geocronológicos são empregados
muitas vezes de forma integrada, para garantir resultados confiáveis; constituem parte
essencial do conceito moderno de Geociências ou de Ciências da Terra. É conveniente
fazer um estudo dos princípios teóricos e das principais - e acaloradas - polêmicas envol-
vidas, para se compreender de que modo o conhecimento acumulado a partir desses
princípios e métodos “tornou” o planeta tão antigo; são idéias que afetaram profunda-
mente a visão atual sobre a duração e permanência da espécie humana na Terra.

ABSTRACT Within the last two centuries there was a complete change on
the concealed age of the Earth by specialists: it changed from some thousands to nearly 4,6
billion years. The study of geological time requires an integrated application of specific
methods for the determination of rock ages: the stratigraphical, paleontological and
geochronological methods. In order to get best results under different situations, the methods
* Este documento deve ser
are often combined; this interdependence belongs to the foundations of the study of Earth’s
referido como segue: past. Analogies are often applied to help explaining the ideas of “deep time” or “abyss of
Carneiro, C.D.R.; Mizusaki, time”, but these are probably among the most complex concepts to be understood by
A.M.P.; Almeida, F.F.M. de.
2005. A determinação da
people in general, for the complex relationships to be stablished and the unusual scales
idade das rochas. Terræ involved. The evolution of Geology as a science followed such inflexion on the way of
Didatica, 1(1):6-35. thinking on the age of the Earth. Within the modern concept of both Geosciences or
<http://
www.ige.unicamp.br/ Earth Sciences, a knowledge on the heated discussions linked to the subject is needed
terraedidatica/> to understand the way the principles and methods turned out the planet “aged”.

TERRÆ DIDATICA 1(1):6-35, 2005


TERRÆ DIDATICA 1(1):6-35, 2005 Carneiro, C.D.R, Mizusaki, A.M.P., Almeida, F.F.M.

“O número de anos em que nós, seres humanos, temos escalas, diversos graus de precisão. Se, para o as-
observado o nascer do Sol não é nada, virtualmente trônomo, por exemplo, a ordem de grandeza das
nada, na história de nosso planeta.” relações de idade varia entre milhões e bilhões de
WEINER, Jonathan. 1988. p. 14. anos, para o biólogo, que trata de eventos na vida
de seres vivos, os intervalos relativos podem ser
muito menores, da ordem de anos, meses ou dias.
Físicos nucleares estudam processos e reações que
1. Introdução ocorrem em intervalos pequenos, da ordem de 10-9
segundo. Em cada caso precisamos encontrar di-
Hoje aceita-se com naturalidade que a Terra te- ferentes “relógios”, cuja sensibilidade seja compa-
nha cerca de 4,6 bilhões de anos (ver “How old is it?” tível com o evento que se pretende medir.
National Geographic. set. 2001, Carneiro & Almeida Um fenômeno geológico como a erosão afeta
1989, Mizusaki et al. 2000). Com certa facilidade, continuamente grandes porções da crosta terrestre,
a história da natureza é dividida em períodos com mas ao longo de uma vida humana é difícil notar
dezenas de milhões de anos cada um (Gradstein et mudança significativa no relevo de uma região. De-
al. 2004); assim procedendo, podemos estender ao pois de um episódio de chuvas, por exemplo, per-
passado, cada vez mais, a origem da vida e do ho- cebemos que as águas de um rio tornam-se aver-
mem. Damos pouca atenção, entretanto, ao signifi- melhadas, devido ao material argiloso que foi reti-
cado histórico e cultural dessas informações e, mui- rado de áreas altas próximas. Contudo, o processo
tas vezes, menosprezamos que boa parte da huma- é tão lento que milhares de anos são necessários pa-
nidade desconheça ou refute essas idéias, tidas ra que sejam retirados poucos centímetros da cama-
como inacreditáveis. De fato, dependemos de me- da superficial de um continente. Na moderna Geo-
táforas, na maior parte das vezes, para transmitir o logia aplicam-se os dois tipos de escalas (absoluta e
significado e tentar compreender – por aproxima- relativa), dentro das mais variadas ordens de gran-
ção – a idéia de “tempo profundo” (Gould 1987). deza, com a finalidade de reconstruir a história do
planeta. Isso permite compreender o funcionamen-
to da Terra nos dias de hoje e realizar previsões.
a. Escalas relativas e absolutas
No estudo dos fenômenos do passado, o racio-
Estamos acostumados a medir o tempo nas cínio indutivo e as analogias são essenciais, mas
nossas atividades diárias; dizemos que uma pessoa dependemos das “pistas” registradas nas rochas,
é pontual quando cumpre seus compromissos com analisadas por meio dos métodos geológicos de
certa precisão, ou seja, respeita uma escala de tem- estudo do tempo: os estratigráficos, paleontológicos
po medida em dias, horas, minutos e segundos. e geocronológicos.
Neste exemplo de escala absoluta de tempo, todos
os demais acontecimentos podem ser mais ou me-
b. A polêmica sobre o tempo
nos “amarrados”. Mudar as convenções de tempo
é aparentemente simples, mas exige planejamen- Na segunda metade do século XVIII, época em
to: a definição dos “horários de verão”, por exem- que James Hutton, considerado o “pai” da Geolo-
plo, deve ser meticulosamente organizada, pois afe- gia, começara a estudar rochas da região de Edim-
ta uma infinidade de atividades humanas que acon- burgo, na Escócia, onde vivia, acreditava-se que a
tecem ao mesmo tempo. Existem ainda as escalas Terra teria sido formada por influência divina, há
relativas, que permitem seqüenciar os acontecimen- não mais que 7000 anos. Em 1654, o arcebispo ir-
tos em uma dada ordem, admitida como a mais landês James Ussher utilizara complexa combina-
“lógica”. Isso também obedece a certos procedi- ção de dados para obter a idade da Terra. A partir
mentos muito bem definidos. Quando afirmamos, da cronologia bíblica, dados históricos e estudos
por exemplo, que a maior parte das bacias petrolí- astronômicos, ele determinou a Criação do mun-
feras brasileiras hoje conhecidas formou-se depois do e suas criaturas no sagrado ano 4004 AC, tendo
da separação dos continentes, não estamos dizen- John Lightfoot, diretor do St. Catherine’s College,
do “quando”, mas apenas “em que ordem” um fe- de Cambridge, Inglaterra, refinado ainda mais a
nômeno veio depois do outro. datação do arcebispo, precisando que a Criação se
A medida do tempo requer, além de diferentes deu exatamente às 9 horas da manhã do dia 26 de

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outubro daquele ano, data que foi impressa em vá- podem se alternar com longos intervalos de erosão
rias edições da Bíblia. Por outro lado, no século lenta. O método da contagem é, além disso, aplicá-
XVIII, o pensador francês Buffon1 impressionou- vel a intervalos muito pequenos de tempo. Na Sué-
se com suas próprias conclusões: os eventos ocor- cia, por exemplo, a contagem de camadas alterna-
ridos no planeta sugeriam eras de dezenas de mi- das sucessivas de uma rocha chamada varvito, de
lhares de anos, ao que denominou de abismo do tem- origem glacial, permitiu calcular que o gelo recuou
po. A idade da Terra estender-se-ia, segundo ele, do sul daquele país há 13.500 anos, tendo deixado
por cerca de 75 mil anos (Gohau 1991). o norte da Suécia há 8.700 anos (Bradshaw 1973).
Para explicar as repentinas extinções em mas-
sas de seres vivos, admitia-se que eventos catastró-
ficos teriam ocorrido no passado da Terra. A teoria 2. A determinação da idade da Terra
levou o nome de catastrofismo, sendo impregnada
de dogmas religiosos. Sua refutação deve-se, entre William Thompson (1824-1907), homena-
outros, ao consistente trabalho de Sir Charles Lyell geado com o título de Lorde Kelvin, admitira que
(1795-1875), para quem o relevo terrestre seria a Terra viria sofrendo resfriamento contínuo des-
explicável pela atuação de forças contínuas, mas de um estado quente e fluido. Utilizara a idéia de
culminou na obra-prima de Charles Darwin “A ori- Joseph Fourier sobre condução do calor; este de-
gem das espécies”, que desprezara tanto o catastrofis- terminara, ponto-a-ponto, em um sólido, em qual-
mo, como os inúmeros atos espontâneos de cria- quer instante, tanto a temperatura, como a taxa de
ção de seres vivos. Darwin baseava-se em variadas variação desta. Sadi Carnot, estudando a máquina
- e numerosas - observações, deixando clara a in- a vapor, demonstrara que calor e trabalho poderi-
fluência de Lyell. Se o passado pode ser explicado am ser convertidos um no outro. Thompson con-
pelos mecanismos que hoje atuam, necessaria- siderou, ainda, que uma parte do calor não está dis-
mente um longo tempo deveria estar envolvido na ponível para gerar trabalho nessas máquinas. Da
evolução. O mecanismo da seleção natural que for- mesma forma que na máquina a vapor, a fuga de
necera enfrentou a dificuldade de ser dualista, ao energia térmica da Terra é irrecuperável e constan-
tratar da evolução e da seleção em si mesmas. Na te, como se observa em minas e poços profundos:
seleção natural não há um selecionador ativo; o pro- quanto mais fundo se escava, maior a temperatu-
cesso se faz a posteriori e a natureza é que faz a sele- ra; o calor fluiria do interior para fora do planeta.
ção. Se não contasse com explicações de como a evo- Faltava, porém, a demonstração (um cálculo) de
lução ocorre, contudo, a teoria seria mera especu- que a energia dissipada pudesse causar esgotamen-
lação e as idéias criacionistas seriam, ao menos, tão to dos sistemas naturais.
boas quanto elas. Partindo da suposição de que a Terra fazia par-
Em meados do século XIX já haviam sido feitas te do Sol e originalmente tinha a mesma tempe-
ratura que este, seria viável calcular a idade da Ter-
inúmeras estimativas sobre a idade da Terra, utili-
ra com alguma exatidão. Em 1846 ele comunicou
zando-se vários modelos. Alguns métodos eram de-
os resultados, mesmo reconhecendo pontos fracos
masiadamente precários, como as medições basea-
na abordagem: o tempo requerido para a Terra atin-
das em sedimentos: se fôssem medidos o volume
gir as temperaturas do presente seria cerca de 100
dos sedimentos existentes e as taxas de erosão ou de
milhões de anos, uma estimativa dentro de dois
sedimentação responsáveis por eles, poderia ser cal-
extremos: o tempo mínimo seria 20 Ma2 e o má-
culada a idade do sedimento mais antigo. Uma al-
ximo 400 Ma.
ternativa seria a medição de estratos sedimentares:
O limite de história da Terra em 100 Ma era
assumindo-se que rochas com bandamento rítmi-
estreito demais para que a seleção natural realizas-
co tivessem se formado por alternância de condi-
se todo seu trabalho. Este obstáculo central à teoria
ções climáticas (verão e inverno, por exemplo), bas-
da evolução, aliás, havia sido bem compreendido
taria contar o número de estratos em um local com
por Darwin: na 6a edição de “A origem das espécies”
padrão repetitivo, para saber o número de anos
envolvidos na deposição. As duas alternativas eram
frágeis, porque jamais as taxas de erosão (ou de se- 1 Filósofo da época das Luzes (Iluminismo)
dimentação) podem ser consideradas constantes: 2 Utilizam-se as siglas “Ma” (mega-age) para milhões de anos
períodos de erosão rápida, na história geológica, e “Ga” (giga-age) para bilhões de anos

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(1872, apud Hellman 1999), admite ser um dos silicatadas. Os condros são reunidos por inclusões
problemas mais sérios do modelo: refratárias ricas em Ca, Al e Ti, contidos numa ma-
triz. Os condritos são amostras do material que ser-
“Só posso dizer, primeiramente, que não sabemos qual viu à formação do Sol e seus planetas e asteróides.
é a taxa, medida em anos, em que as espécies se modi- Suas inclusões refratárias constituem os mais ve-
ficam e, segundo, que muitos filósofos não estão dis- lhos objetos do Sistema Solar. Datações pelo Méto-
postos a admitir que saibamos o suficiente sobre a cons-
do urânio-chumbo permitiram conhecer com pre-
tituição do universo para especular com segurança so-
bre sua duração passada.” cisão a idade dessas inclusões refratárias: 4.566 ± 3
Ma (Zanda 1996). Admite-se que a Terra como um
Muitos cientistas aceitaram os cálculos de corpo fundido formou-se durante os 120 Ma se-
Thompson e ele passou a apoiar os “verdadeiros” guintes. Desconhece-se a idade de consolidação de
geólogos: pretendia ajudá-los a “tornar” científi- sua crosta, mas datações recentes de rochas da Aus-
cas suas teorias, afastando aspectos inexatos ou de- trália e norte do Canadá indicam que já estava for-
pendentes de hipóteses. A teoria de Darwin seria mada há uns 3.900 Ma. Assim, permanece indefi-
incompleta, sem provas que refutassem a geração nida a idade do início do Arqueano.
espontânea: a vida só procederia da vida. Em cam- Admite-se que logo após a consolidação da
po oposto reuniram-se outros cientistas (como crosta, quando já se realizavam processos em sua
Thomas Henry Huxley) que defendiam que, mes- superfície ligados à presença de água, surgiu a vida.
mo existindo inúmeros indícios de geração espon- Sinais dela acham-se presentes na natureza de cris-
tânea, as condições físico-químicas do passado ge- tais de apatita contidos em rochas metassedimen-
ológico não seriam mais reproduzidas no presen- tares datadas recentemente em 3,85 Ga, em ilha da
te. Thompson explicara a origem da vida pelos costa noroeste de Groenlândia (Stephen Moyzsis,
meteoritos, que seriam portadores de sementes. cit. in Svitl 1998). Surgiu provavelmente como re-
Eles teriam encontrado condições favoráveis na sultado de fenômenos químicos, pelo que também
Terra para iniciar a vida. poderá existir em outros planetas de características
Os rumos do debate mudaram graças a três comparáveis às da Terra.
descobertas inesperadas para os cientistas da épo-
ca: a descoberta do elemento rádio por Madame b. Os principais métodos geológicos
Curie, a descoberta, pelo marido de Mme. Curie,
de que o rádio irradia constantemente calor e a ter-
de estudo do tempo
ceira, por Lord Rayleigh, de que “o rádio está lar-
gamente distribuído através de todas as rochas” “(...) um mundo sem vestígio de um início nem
(Holmes 1923, p. 19). Fôra descoberta uma imen- perspectiva de um fim”.
sa fonte de calor: a radioatividade; isso revelou, no James Hutton
início do século XX, que geólogos e biólogos esta-
vam corretos. Um discípulo de Kelvin, Ernest Antes de chegar aos sofisticados métodos de
Rutherford, foi decisivo no avanço dos cálculos datação de rochas e estudo da idade da Terra, con-
sobre a idade da Terra. vém lembrar que uma das pedras fundamentais
erigidas por Hutton para entender as dimensões
a. A idade da crosta terrestre do tempo geológico foi o reconhecimento de prin-
Com o advento da geocronologia e os progres- cípios3 das investigações para se determinar idades
sos no conhecimento do Sistema Solar tornou-se de rochas e das seqüências das quais elas fazem
possível conhecer com precisão a idade da Terra. parte. Os principais métodos de estudo da moder-
O Sistema Solar, que inclui o Sol e sua corte de na Geologia, abordados a seguir, são os estratigrá-
planetas, asteróides e cometas que o orbitam, for- ficos, os paleontológicos e, finalmente, os geocro-
mou-se a partir de acreções de gases e poeiras conti- nológicos. Assim, começaremos o estudo pelos
dos na nuvem solar. Os meteoritos são objetos pro- métodos estratigráficos.
venientes do Sistema Solar que caem na superfície
da Terra. São de vários tipos, entre eles os chama- 3 Princípio consiste em um ponto de partida; é uma referên-
dos condritos, que possuem inclusões cristalinas cia, de certo modo inquestionável, sem a qual não se pode
esféricas, os condros, formadas a partir de gotículas avançar, em Ciência, com qualquer segurança.

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3. Métodos estratigráficos abaixo de outra é a mais antiga”. Esta é, segundo


Read & Watson (1968) a reafirmação da “primeira
Uma atividade freqüente do geólogo é dividir lei [da superposição]” postulada por William Smith
os tipos de rocha de uma dada região – ígneas, me- (1769-1839). Tal como o exemplo de uma parede
tamórficas ou sedimentares – segundo diferentes de tijolos, os andares de um edifício ou as camadas
unidades, que devem ser discretas, reconhecíveis de um bolo, a idade de uma seqüência de multi-
pelos atributos particulares e, ao mesmo tempo, su- camadas pode ser estabelecida considerando-se que
ficientemente espessas e extensas para serem repre- a camada basal é a mais antiga, pois formou-se pri-
sentadas em um mapa geológico. As unidades ma- meiro; a última, evidentemente, é a mais jovem.
peáveis são denominadas formações e distinguem- Embora simples, este conceito é de todos o mais
se entre si por meio da composição, cor, textura, importante, pois a história geológica de uma re-
idade relativa e outras propriedades. gião qualquer é interpretada de acordo com a or-
Para realizar esse estudo, é preciso aplicar al- dem de deposição (ver Press & Siever 1986, p. 28-
guns princípios da Estratigrafia – a ciência que estu- 30) das sucessões ou seqüências sedimentares (Fig. 1).
da os estratos sedimentares, incluindo minerais e Muitas vezes, porém, não é simples determinar qual
fósseis presentes, sua ordenação cronológica, distri- a posição de topo de uma camada, ou seja, não se
buição geográfica e ambientes de sedimentação sabe se ela está em posição normal ou invertida. Neste
(Rohn 2000). caso, recorre-se ao estudo das estruturas sedimenta-
Os princípios permitem ordenar as rochas estra- res, ou seja, feições que possam esclarecer a posição
tificadas no tempo, a partir do estudo de suas rela- do estrato durante a deposição. Algumas estruturas
sedimentares são ambígüas, ou seja, não indicam
ções laterais e verticais em uma dada área (Eicher
topo e base e, portanto, são inúteis para essa tarefa.
& McAlester 1980). Três deles foram estabelecidos
Uma seqüência deposicional é formada por
ainda em 1669 por Nicolas Steno, no estudo da
estratos concordantes, relacionados entre si pela
geologia do oeste da Itália: o princípio da horizon-
origem comum e delimitados, na base e no topo,
talidade original, a lei da superposição e o princípio da
por discordâncias ou descontinuidades na suces-
continuidade lateral original. O quarto princípio foi
são sedimentar. As discordâncias representam hia-
definido em 1795 por James Hutton, geólogo que
tos temporais expressivos durante os quais não
pela primeira vez diagnosticou na Escócia a im-
houve deposição de camadas ou, se ocorreu sedi-
portância do estudo dos vários tipos de contatos
mentação durante certo intervalo de tempo, esse
entre as unidades de rochas. Trata-se do princípio
registro foi perdido devido à erosão (hiatos depo-
das relações de intersecção. Para facilitar, tomemos o
sicionais ou erosionais). O termo descontinuidade
enunciado original de cada um, analisando-se em
pertence a uma ordem de grandeza menor do que
separado a importância, limitações envolvidas e discordância (Popp 1987).
relações implícitas no conceito. O registro sedimentar é formado por “episó-
dios” de sedimentação, alternados com períodos
a. Lei da superposição de não-deposição; a sucessão desses fenômenos é
Em uma seqüência de estratos indeformados,
cada camada é mais jovem que aquelas abaixo dela
e mais antiga do que aquelas situadas acima.
Embora alguns autores refiram-se a essa formu-
lação como um princípio, a idéia de superposição
ganhou “status” de lei. Leis científicas constituem
afirmações rigorosas sobre a maneira regular pela
qual um fenômeno natural ocorre, sob dadas con-
dições. A lei foi reconhecida pelo pioneiro Nicolas
Steno (“não antes de 1669”, como indicado por
Tarbuck & Lutgens 1996); aplica-se a camadas de
origem sedimentar e até mesmo a derrames de lava
e camadas de cinza provenientes de erupções vul-
cânicas. Uma redação equivalente poderia ser: “da- Figura 1 – Camadas sedimentares horizontais do
das duas camadas, a que estivesse originalmente Grupo Itararé na região de Itu (SP)

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Figura 2 – Estratificação sedimentar em turbiditos de sedimentos do Grupo Itararé, contendo finas camadas e
discretas descontinuidades, que formam planos horizontais ou inclinados. As estruturas são indicativas de
topo e base; mesmo local da foto anterior, Itu (SP)

registrado pelas camadas de sedimentos que cons- c. Princípio da continuidade lateral original
tituem a estratificação (Fig. 2). A natureza episódica
Seqüências estratigráficas idênticas expostas em
do registro sedimentar consiste, basicamente, em
lados opostos de um vale devem ser interpretadas
uma sucessão finita de camadas separadas por como restos de camadas que já foram contínuas na
descontinuidades, cuja duração no tempo é peque- área na qual o vale foi aberto.
na quando comparada ao tempo envolvido na for- Steno reconhecera que muitas formações atual-
mação de uma discordância, por exemplo. mente interrompidas por vales ou cadeias de mon-
tanhas eram contínuas, antes que as feições mais
b. Princípio da horizontalidade original jovens se implantassem. Uma camada sedimentar
forma-se, na época de sua deposição, como uma
As formações sedimentares são depositadas ori- lâmina contínua que terminaria apenas ao se afi-
ginalmente na posição horizontal. Qualquer mer- nar até o desaparecimento, ou pela mudança gra-
gulho que elas apresentem é resultado de subse- dual para uma camada de composição diferente ou
qüente dobramento ou basculamento. ainda pelo encontro de uma parede ou barreira,
A acumulação de sedimentos ocorre na maio- como a linha de costa, que confinasse a área
ria das vezes em uma disposição planar ou muito deposicional (Press & Siever 1986, p. 28).
próxima da horizontalidade. Assim, este princípio Embora aparentemente simples, o raciocínio
constitui a base de qualquer interpretação regional envolve notável discernimento, mesmo admitin-
em ambientes de rochas estratificadas. Mesmo que do-se que a maioria das formações geológicas é
algumas estruturas encontradas em camadas se- extensa e espalha-se em todas as direções ao longo
dimentares sejam desde o início dispostas em ca- de grandes áreas da crosta terrestre. Os limites des-
madas inclinadas, como as marcas de onda em arei- tas podem ser bruscos ou graduais, dependendo de
as de praia, algumas frentes de deposição de areia suas relações com as unidades dispostas ao lado,
em dunas ou barras de rio, seus limites mais gerais acima ou abaixo. Tais relações foram construídas
são dados por superfícies que se mantiveram hori- quando a bacia sedimentar em que as camadas se
zontais durante a sedimentação. depositaram esteve em processo de subsidência4 ,
Há exceções, no entanto, como inúmeras lâ- durante intervalos de tempo incalculáveis, há muito
minas sedimentares (ver Fig. 2), alguns depósitos tempo atrás. O princípio traz implícito que a dinâ-
inclinados em encostas montanhosas, camadas de- mica da natureza pode alternar, na mesma parte da
positadas nos flancos de grandes dunas (ver Al- crosta terrestre, condições de subsidência (quando
os sedimentos são depositados e aprisionados) com
meida & Carneiro 1998) e certos depósitos mari-
condições de soerguimento, quando rochas
nhos, como em bordas de grandes recifes subma-
rinos. Nesses casos, a inclinação original da cama-
da não deve ser assumida como zero ou próxima 4 Subsidência é o fenômeno de afundamento gradual de uma
de zero, mas interpretada com algum cuidado. parte da crosta terrestre

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Carneiro, C.D.R, Mizusaki, A.M.P., Almeida, F.F.M. TERRÆ DIDATICA 1(1):6-35, 2005

Morros testemunhos de erosão - A

Princípio das relações de interseção - B

Vulcão 1 Lava A Vulcão 2


Lava B

Figura 3 (a e b) – Aplicação prática dos Princípios da Estratigrafia: a) Princípios da Continuidade Lateral


e da Superposição: testemunhos de erosão da paisagem rochosa do deserto do Arizona. As
camadas foram depositadas em estágios sucessivos, da base para o topo, umas sobre as outras;
b) Princípios da Superposição e das Relações de Intersecção: uma seqüência de camadas sofreu a
intrusão de magma que levou à formação do conduto que originou o vulcão 1 e a lava A. O
conduto foi posteriormente cortado por uma falha inversa. Mais tarde, novo conduto corta o
anterior, tendo originado o vulcão 2 e a lava B. Uma falha normal é a última estrutura observada,
pois corta as demais.

anteriormente formadas são erodidas e podem de- reconhece-se a idéia de cronologia; em outras, ela
saparecer, ou ficarem representadas somente pelos permanece implícita, mas não necessariamente as
chamados “testemunhos”5 (Fig. 3a). pessoas percebem com clareza o(s) mecanismo(s)
envolvido(s) no fenômeno considerado.
d. Princípio das relações de intersecção Observando-se, por exemplo, uma casa sendo
construída, vemos que há uma sucessão de etapas,
Qualquer rocha que foi cortada por um corpo desde a definição dos limites do lote, a terraplena-
intrusivo ígneo ou por uma falha é mais antiga que gem, as fundações, as paredes, o telhado, a pintura
o corpo ígneo ou falha. e assim por diante. Em uma sucessão de camadas
As relações de intersecção, de certo modo, fa-
cortadas por falhas ou por um veio, por exemplo, a
zem parte do senso comum. Em diferentes situações
ordem de aparecimento das estruturas pode ser
determinada se reconhecermos qual feição corta
5 Testemunhos são restos de camadas ou massas de rocha,
outra. A mais jovem delas será a que atravessa to-
isolados geograficamente na paisagem. das as demais (Fig. 3b).

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4. Métodos paleontológicos como variações de clima, relevo, composição da


atmosfera (sobretudo aumento do oxigênio, vapor
O estabelecimento da ordem de sucessão das de água e bióxido de carbono), transgressões e re-
camadas fossilíferas da Grã-Bretanha foi sobretu- gressões marinhas devidas a glaciações ou causas
do obtido pelos trabalhos de William Smith (1769- tectônicas, modificações da temperatura e salini-
1839), que foi levado a concluir que cada camada dade do mar, vulcanismo, extensão dos continen-
continha fósseis peculiares e que estes se sucediam tes e oceanos, impacto de corpos celestes etc. Entre
na mesma ordem, pelo que formações muito afas- as causas de ordem astronômica incluem-se o espo-
tadas de outras podiam ser consideradas como pra- rádico aumento de radiação solar emitindo raios-
ticamente contemporâneas desde que contivessem X, raios ultravioleta e partículas tais como prótons;
grupos semelhantes de fósseis – os chamados fós- radiações provenientes da explosão de supernovas
seis-índices. De tal modo, foi pioneiro no reconhe- da Via Láctea e ainda a passagem periódica do Sis-
cimento dos fósseis para determinar a idade relati- tema Solar por certas zonas da galáxia, o que pode-
va das rochas estratificadas. ria explicar a ciclicidade das extinções reconhecida
por alguns pesquisadores, citados por Albritton Jr.
a. Lei da Sucessão Biológica (1989). Embora não haja consenso entre os cientis-
tas sobre as causas dessas descontinuidades, as oca-
O estabelecimento de uma coluna padrão do
siões de evolução explosiva de grupos de organis-
tempo geológico à qual possam ser correlacionadas
mos e as de sua extinção em massa existem e, jun-
as camadas fossilíferas baseia-se na Lei da Suces-
tamente com o surgimento de grupos de animais e
são Biológica, que pode ser assim enunciada:
vegetais, assinalam momentos importantes na evo-
Os organismos sucederam-se no tempo, dos
lução da vida. Essas descontinuidades permitem
mais simples aos mais complexos, e uma determi-
estabelecer divisões na escala do tempo geológico.
nada espécie ou grupo de organismos, após sobre-
viver durante tempo mais ou menos prolongado,
desapareceu do planeta para não mais ressurgir. b. Escala do tempo geológico
Para exemplificá-la indicamos o caso do im- A escala do tempo geológico foi estabelecida
portante grupo de crustáceos denominados com base na sucessão biológica (Quadro 1). Os no-
trilobitas, que surgiram em princípios do tempo mes das maiores divisões, chamadas Eons, referem-
chamado Paleozóico e desapareceram no seu final. se ao caráter geral da vida em cada uma. Com a
Tanto mais precisa será a correlação das cama- introdução das datações pelos métodos geocronoló-
das quanto mais curto o tempo em que viveram gicos foi possível estabelecer limites numéricos
seus organismos e maior a dispersão geográfica que entre elas (Fig. 4).
apresentaram no planeta. Nesse sentido, são parti- O Eon mais antigo chamou-se Arqueozóico
cularmente importantes para correlações os animais (do grego, vida antiga) e modernamente Arqueano,
marinhos, como as espécies de trilobitas, graptóli- compreendendo o intervalo de tempo entre 2.500
tos, amonitas, foraminíferos etc. Podem existir di- Ma e pelo menos 3.900 Ma, quando se sabe que já
ficuldades em se saber com exatidão o momento e existia uma crosta na Terra. O Eon seguinte, deno-
local em que determinada espécie ou grupo de or- minado Proterozóico (do grego, vida primitiva)
ganismos surgiu, para mais tarde se extinguir no corresponde ao tempo entre 2.500 e 570 Ma. Se-
planeta, devido ao diacronismo que esses fatos apre- gue-se a ele o Eon Fanerozóico (vida visível).
sentam em bacias diferentes. Entretanto, os pro- As rochas arqueanas são geralmente muito de-
gressos da paleontologia permitiram estabelecer a formadas e metamorfizadas, sendo destituídas de
escala da evolução da vida e verificar que sua his- fósseis de valor cronológico. Indícios de vida no
tória não foi uniforme mas existiram momentos planeta, representados por compostos orgânicos e
geológicos em que alta porcentagem de seres en- raros microfósseis globulares, filamentosos e bas-
tão viventes foram extintos. Houve outras ocasi- tonetes, possivelmente originados de bactérias,
ões, durante as quais determinados grupos surgi- ocorrem em rochas datadas de até 3,85 Ga. O mai-
ram rapidamente, ou tiveram seu desenvolvimen- or problema de identificação e estudo desses ma-
to explosivamente incrementado. teriais é a falta de partes duras, existentes em orga-
Diversos fatores, nem todos ainda bem conhe- nismos mais novos, que são mais fáceis de se pre-
cidos, responderam por essas irregularidades, tais servar. Estromatólitos são estruturas concêntricas

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Quadro 1 – A História da Terra, de acordo com o registro fossilífero

A História da Terra contada pelos fósseis


Os dados paleontológicos separam a histó- bulas). No Devoniano Superior, os anfíbi-
ria da Terra em eon Arqueano, que começa com os ocuparam a Terra.
a solidificação da crosta, há mais de 3 bilhões e l Carbonífero – Nesse período, predomi-
900 milhões de anos e termina há 2 bilhões e naram grandes florestas, que deram origem
500 milhões de anos. O eon seguinte, o às reservas de carvão mineral. Surgem os
Proterozóico, vai de 2,5 Ga a 570 Ma. Os fós- répteis.
seis que registram a existência da vida no pla- l Permiano – Durante a era Paleozóica,
neta mostram que ela evoluiu pouco durante aconteceram várias extinções em massa. A
os primeiros bilhões de anos, por muito tempo maior delas aconteceu no fim do Permiano,
as formas de vida não passaram de seres assinalando o limite entre as eras Paleozóica
unicelulares. Veja os principais períodos dessa e Mesozóica. Calcula-se que cerca de 80%
história: das espécies animais então existentes desa-
l Pré-Cambriano – Os registros fósseis in- pareceram em alguns milhões de anos.
dicam o aparecimento de formas plurice- l Triásico6 – Os vertebrados continuaram a
lulares somente há cerca de 700 Ma, no fi- evoluir, diferenciando-se em répteis e ma-
nal do período Proterozóico: no sul da Aus- míferos.
trália, em um local chamado Ediacara, fo- l Jurássico – No Mesozóico, a Era dos Rép-
ram encontrados registros de uma fauna de teis, esses animais ganharam grande impor-
animais multicelulares marinhos, que, de- tância. Durante o Jurássico, surgiu a primei-
pois, foram descobertos também em outras ra ave, originada dos dinossauros. Surgiram
regiões. Eram organismos moles, que pare- também as primeiras plantas com flores.
cem ter sofrido extinção em massa ainda l Cretáceo – O fim do Cretáceo é marcado
antes do final do Proterozóico. por uma grande extinção, que fez desapare-
l Cambriano – Há 570 Ma, ocorreu a “ex- cer quase a metade das espécies viventes.
plosão cambriana”, assim chamada porque Dos répteis só restaram crocodilos, lagartos,
os registros fósseis indicam que houve uma tartarugas e cobras, mas os dinossauros e ou-
grande diversificação das formas vivas. Além tros répteis de grande porte, como os ictios-
de animais de corpo mole, surgiram, na vida sauros e os pterossauros, desapareceram.
marinha, novos seres com o corpo protegi- Discute-se o que causou essa extinção: a hi-
do por carapaças duras, alguns com pernas pótese mais aceita é a queda de um meteoro
e outros apêndices. (asteróide ou cometa) com cerca de 10 km
l Ordoviciano – Aparecem os primeiros ver- de diâmetro.
tebrados, ancestrais dos peixes atuais. l Terciário – Domínio dos mamíferos. Ani-
l Siluriano – Aparecem as primeiras plantas mais pequenos no princípio, eles se desen-
terrestres e, junto com elas, os primeiros volveram após a extinção dos grandes rép-
artrópodes terrestres teis. Evolução dos primatas e diversificação
l Devoniano – Os insetos voadores mais an- dos insetos e peixes.
tigos conhecidos são desse período, assim l Quaternário – Os vertebrados evoluem ra-
como os verdadeiros peixes (com mandí- pidamente. Aparece o homem moderno.

colunares, resultantes da acreção de detritos cap- dantes no fim desse Eon. Embora sejam às vezes
turados e aglutinados por colônias de bactérias e úteis para correlações entre continentes, são fós-
algas cianofícias, existindo em rochas de até 3.600 seis de valor cronológico muito reduzido.
Ma, também atestando ser esse valor um mínimo
6
para a existência da vida na Terra. Representam a Almeida & Carneiro (2004) adotam para a base do erátema
Mesozóico o termo Triásico, que significa “triádico, composto
mais antiga comunidade de vida conhecida. Proli- por três, triplo”, salientando que a palavra “Triássico”, também
feraram no Proterozóico, sendo sobretudo abun- usual, sofre óbvia influência de “Jurássico” e do Inglês Triassic.

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Os fósseis e indícios de compostos orgânicos delas teve lugar no Permiano Superior a terminal,
correspondentes a cerca de três quartos da existên- assinalando o limite entre as Eras Paleozóica e
cia da vida no planeta mostram que ela então evo- Mesozóica. Estima-se que entre 10 a 15 milhões
luiu muito lentamente, pelo que não fornece ele- de anos finais do período cerca de 83% dos gêne-
mentos para o estabelecimento de limites biológi- ros de invertebrados marinhos desapareceram
cos para divisões do chamado Pré-Cambriano, que (Sepkoski Jr. 1986). Também se extinguiram mais
reúne esses dois Eons. De tal modo as subdivisões de 80% das famílias de répteis, três quartas partes
do Pré-Cambriano são feitas com base em eventos das de anfíbios (Olson 1982, Sepkoski Jr. 1982) e
tectônicos de maior grandeza, como o aparecimen- 30% dos insetos, mas a vida vegetal foi pouco per-
to de grandes blocos rígidos da crosta (crátons) e a turbada. Nessa ocasião quase desapareceram os
evolução de faixas de dobramentos. amonóides, crinóides e corais, muito se reduziram
Apesar da lenta evolução da vida pré-cambria- os peixes e extinguiram-se os trilobitas. A extinção
na, ela assistiu ao aparecimento dos organismos permiana foi a primeira a afetar de modo significa-
microscópicos unicelulares (protozoários) e, mais tivo a vida terrestre, pois nas anteriores a maioria
tarde, há uns 3 Ga, ao dos multicelulares (meta- da vida era marinha. No Permiano os continentes
zoários), que evoluíram para formas mais comple- haviam se reunido num supercontinente que se
xas, assim como ao advento da reprodução sexuada denominou Pangea (em português, adota-se Pan-
há uns 2 Ga. Há cerca de 700 Ma, portanto já pró- géia); vários autores consideram esse fator como a
ximo do final do Proterozóico, um acontecimento principal causa da grande extinção.
biológico importante ficou assinalado pelo apa- Outros quatro episódios expressivos de extin-
recimento da primeira fauna de metazoários, ani- ções se deram no Ordoviciano Superior quando
mais multicelulares certamente marinhos, encon- 57% dos gêneros marinhos desapareceram; no
trados em Ediacara no sul da Austrália (Gaessner Devoniano Superior, com grande perda de famílias
1984) e também em outros continentes. Eram de invertebrados marinhos e de peixes; no Triásico
animais moles, aparentemente não vinculados a Superior, com o desaparecimentos de répteis e an-
phyla fanerozóicos. fíbios primitivos e de 75% das espécies de inver-
Tal fauna sofreu extinção em massa antes do tebrados marinhos. A última grande extinção se deu
término do Proterozóico, sucedendo-se, após no Cretáceo terminal. Foi a segunda em grandeza,
algumas dezenas de milhões de anos, a “explosão tendo-se realizado há 65,5 Ma, no limite entre o
cambriana” quando, a par de animais de corpo mole Cretáceo e o Terciário (conhecido como limite K-
embora complexo, surgiram os primeiros meta- T). Causou o desaparecimento de 47% dos gêne-
zoários providos de carapaças, pernas e outros apên- ros animais, incluindo os répteis voadores e mari-
dices duros, passíveis de fossilização. Uma evolução nhos e muitos dos terrestres, como os dinossauros.
explosiva da vida animal, toda ela marinha, levou, Extinguiram-se cerca de 15% das famílias de ani-
nessa ocasião, ao aparecimento dos phyla de quase mais marinhos, inclusive as amonitas (Sepkoski Jr.
todos os metazoários modernos. Esse evento é um 1982). Nos dez milhões de anos finais do Cretáceo
marco importante na escala do tempo geológico pelo menos 30 gêneros de dinossauros habitavam
baseada na evolução da vida, assinalando o início o planeta, vários dos quais viveram até o limite K-
do Eon Fanerozóico. T, porém nenhum parece ter sobrevivido à grande
De acordo com a evolução da vida os Eons são extinção. Dos répteis só restaram crocodilos, lagar-
divididos em Eras, estas em Períodos, que por sua tos, tartarugas e cobras.
vez se dividem em Épocas, que ainda admitem sub- Os primeiros vegetais terrestres são represen-
divisões menores determinadas por gêneros e espé- tados por esporos provenientes de plantas desco-
cies fósseis característicos e datações radiométricas. nhecidas, datados do Ordoviciano Inferior. Na
Na correspondência com a coluna estratigráfica os época mais nova do período Siluriano os escorpi-
períodos equivalem aos sistemas e as épocas às sé- ões foram os primeiros animais a adotarem a res-
ries. A figura 4 indica as divisões maiores da escala piração aérea. Os insetos voadores mais antigos
do tempo geológico, sua idade em anos e relações surgiram no Devoniano. Os primeiros vertebrados,
com as etapas maiores da evolução da vida. representados por peixes cobertos por couraças e
Uma dúzia de extinções em massa da vida ani- sem maxilar (ostracodermos) são do período
mal manifestou-se durante o Fanerozóico. A maior Ordoviciano. Os verdadeiros peixes, ainda com

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esqueleto interno pouco ou não ossificado, são do dos carvões que deram o nome ao sistema.
Devoniano Inferior. No Devoniano Superior os No Triásico Superior e início do Jurássico co-
vertebrados ganharam a terra com o aparecimento meçou a se partir o supercontinente Pangéia, frag-
dos anfíbios, que originaram os répteis no Carbo- mentação que se acentuou no decorrer do Jurássico
nífero Superior. Nos tempos mais novos deste e Cretáceo. A grande extensão de plataformas con-
período desenvolveram-se as florestas de Cryp- tinentais dela decorrente e as transgressões mari-
togamas Vasculares e Gymnospermas formadoras nhas favoreceram a diversificação dos invertebrados

Unidades de tempo Desenvolvimento de


Eon Era Período Ma Época plantas e animais
Holoceno
Quaternário Desenvolvimento do Homem
Pleistoceno
1,8
Plioceno "Idade dos
Cenozóico

Mamíferos"
Mioceno
Terciário Oligoceno
Eoceno
Paleoceno Extinção dos dinossauros
65,5 e muitas outras espécies
Cretáceo
Fanerozóico
Mesozóico

145,5 "Idade dos


Jurássico Primeiras plantas com flores
199,6 Répteis" Primeiros pássaros
Triásico Dinossauros dominantes
245
Permiano Extinção de trilobitas e muitos animais marinhos
"Idade dos
299 Primeiros répteis
Carbonífero Anfíbios"
Grandes pântanos de carvão
359
Paleozóico

Anfíbios abundantes
Devoniano
416 Primeiros insetos fósseis
Siluriano Primeiras plantas terrestres
443
Ordoviciano "Idade dos Primeiros peixes
488 Trilobitas
Cambriano Invertebrados"
Primeiros organismos com conchas
542
Proterozóico

Primeira fauna de metazoários grandes

Primeiros organismos multicelulares


Pré-Cambriano 2500
Arqueano

Primeiros organismos unicelulares


4030 Idade mínima da crosta

4566
Origem do Sistema Solar

Figura 4 – Escala do Tempo Geológico, com indicação de alguns eventos importantes na


evolução da vida (modif. de Tarbuck & Lutgens 1996 e Gradstein et al. 2004)

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de águas rasas. Os vertebrados passaram a evoluir, 70% de espécies de conchas recentes de Pleistoceno
diferenciando-se nos continentes separados. Os (o mais recente), que mais tarde foram unidas ao
répteis tornaram-se importantes, com o apareci- Recente (Holoceno), para constituir as duas séries
mento dos crocodilianos, dinossauros terrestres, do sistema Quaternário. Paleoceno foi introduzi-
plesiossauros e ictiossauros marinhos e pterossauros do mais recentemente na coluna estratigráfica, para
voadores. Surgiram os mamíferos no fim do Triá- incluir algumas camadas que antes eram supostas
sico, originados dos répteis, mas sua evolução foi pertencerem ao final do Cretáceo.
lenta até o fim do Cretáceo. De acordo com recen-
te identificação de penas no dorso de um pequeno
réptil do Triásico Superior, Longisquama insignis, c. Causas das extinções em massa
feita por paleontólogos americanos e russos, ele foi
A partir da década de 80 vem sendo dada cres-
um ancestral das aves, que até agora tem-se consi-
cente atenção à possibilidade de a extinção em mas-
derado provirem dos répteis dinossauros.
sa no limite K–T ter sido causada pelo impacto,
Durante o Jurássico continuaram e evoluir as
possivelmente no oceano, de um asteróide ou co-
faunas vindas do período anterior, acrescidas de
meta. Pesquisadores da Universidade da Califórnia
aves primitivas, como o célebre Archaeopteryx. Os
encontraram em Gubbio, na Itália, uma fina cama-
répteis ganharam grande importância e juntamen-
da de argila, antiga de 65 milhões de anos, parti-
te com os do Cretáceo justificam reconhecer-se o
cularmente rica no elemento químico irídio, que é
Mesozóico como a Era dos Répteis. A vegetação,
cerca de 10.000 vezes mais abundante em meteo-
constituída sobretudo de coníferas e cicadáceas co-
mo no Triásico, viu surgirem as Angiospermas, as ritos rochosos que nos materiais crustais. Essa ca-
primeiras plantas com flores. mada acha-se na passagem de camadas que con-
No Cretáceo a flora e a fauna vindas do período têm fósseis de dinossauros para outras acima, que
anterior continuaram sua evolução sem grandes não os possuem e pertencem ao Paleoceno Inferior.
transformações. Os répteis terrestres, marinhos e Alvarez et al. (1980) propuseram que o planeta foi
voadores atingiram seu apogeu. Na flora cretácea atingido nessa ocasião por um asteróide com cerca
destaca-se o papel crescente das Angiospermas em de 10 km de diâmetro, ou cometa (Hsü 1980).
relação às Gimnospermas. O mais antigo fóssil co- Numerosos cientistas concordam hoje que um
nhecido das Angiospermas pertence ao Hauteri- grande objeto chocou-se com o planeta por oca-
viano e o Cenomaniano é abundante em fósseis sião da extinção dos dinossauros. Cerca de uma
desses vegetais. centena de anomalias de irídio são hoje conheci-
Em 1760 o italiano Arduino, numa tentativa das nesse limite. Admitindo-se que o bólido caísse
de dividir os estratos, propôs sua classificação em no oceano abriria uma cratera com cerca de 200
Primitivos, Primários, Secundários e Terciários. Os km de diâmetro, afastaria a atmosfera em seu tra-
três primeiros termos caíram em desuso, mas per- jeto e formaria uma bola de fogo de alguns milhares
maneceu o Terciário, tendo Lyell denominado Pós- de quilômetros, que ventos de centenas de quilô-
Terciários os estratos que incluíam os produtos da metros por hora espalhariam, queimando a vege-
grande glaciação e restos humanos, que posterior- tação e matando os animais terrestres. As águas
mente viriam a fazer parte do período Quaternário. oceânicas seriam revolvidas, provocando turbilhões
As camadas correspondentes à Era Cenozóica que levariam águas da superfície ao fundo e deste
(Fig. 4, Quadro 1) foram divididas primeiramente elevariam águas frias pobres em oxigênio, com
por Lyell em seus ”Princípios de Geologia” (1830- efeitos catastróficos para a vida. Tsunamis gigantes
1833), em três séries, com as designações de Eoceno varreriam as costas em todo o mundo. A poeira es-
(que significa aurora do recente) cujas camadas cureceria a atmosfera durante meses, causando uma
continham somente 3 a 4% das conchas moder- noite que inibiria a fotossíntese. Produzir-se-ia
nas; Mioceno (menos recente), com cerca de 18% chuva ácida, e a camada de ozônio, afetada, permi-
de conchas recentes e Plioceno (mais recente) com tiria a penetração da intensa radiação ultravioleta
mais de 40% de conchas recentes em sua fauna. solar mortífera.
Em 1854 a parte superior do Eoceno foi separada É fácil imaginar os efeitos dessa catástrofe para a
com a denominação de Oligoceno (pouco recen- vida, tal como na instigante simulação do fenôme-
te). Em 1839 Lyell chamou as camadas contendo no na abertura do filme Armageddon. Mas existem

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crateras que podem ter resultado de tão violento 5. Métodos geocronológicos


impacto? Arthur (1993) cita como candidatas a estru-
tura Manson em Iowa, USA, e a cratera de Chiksu- O termo Geocronologia foi utilizado pela primei-
lub na península de Yucatán no sul do México, ra vez em 1893 por Williams para reunir as diferen-
ambas com tectitos e idade no limite K – T. Outras tes formas de investigação da escala de tempo em
duas parecem existir no norte do Canadá e na antiga anos aplicáveis não só à evolução da Terra mas tam-
União Soviética, mas há que se lembrar que o bó- bém à evolução de todas as formas de vida. Para
lido teria mais chances de cair no oceano, que co- essas determinações torna-se necessário um relógio
bre área mais extensa do que a dos continentes, com geológico, ou seja, o conhecimento de um processo
a possibilidade de desaparecer a cratera devido a irreversível que seja governado pelo tempo, a uma
fenômenos de subducção das placas tectônicas. taxa conhecida. A descoberta da radioatividade per-
A catástrofe do final do Cretáceo, embora extre- mitiu o nascimento da Geocronologia, pela datação
radiométrica7 . Na Geologia, o único processo que
mamente severa, foi precedida de outras. A que
ocorre a uma taxa estatisticamente previsível e es-
aconteceu no final do Permiano foi provavelmente
tável8 é a desintegração radioativa.
a mais devastadora de todas (Erwin 1996): cerca
de 90% de todas as espécies marinhas, assim como
dois terços das famílias de répteis e anfíbios, desa- a. A descoberta da radioatividade
pareceram durante os últimos milhões de anos do A radioatividade foi detectada pela primeira vez
Permiano. há aproximadamente 100 anos atrás, com o uso de
No decorrer do Terciário, a vegetação das terras meios mecânicos. Tudo se associa a uma série de
emersas passou aos poucos a adquirir seus aspectos circunstâncias favoráveis que envolveram experi-
modernos, com as Angiospermas ocupando o lu- mentos com sais de urânio. Parece que tudo co-
gar das Gimnospermas mesozóicas. Mudanças cli- meçou com o vidreiro alemão Heinrich Geissler
máticas alteraram a distribuição geográfica das flo- que se dedicou a construir vasos de pressão con-
restas. No mundo animal os invertebrados desde tendo eletrodos de metais que poderiam ser utili-
cedo atingiram o estado atual de sua evolução. Des- zados para estudar a transmissão de cargas elétricas
tacaram-se os foraminíferos, lamelibrânquios e através do vácuo. As experiências mostraram em
gasterópodos, por sua abundância e diversidade. A 1855 a existência dos raios catódicos, somente ex-
evolução dos insetos acompanhou a grande diversi- plicados em 1897 por J. J. Thomson. Este conside-
ficação da flora. O número de famílias de peixes e rou os raios como fluxos de elétrons, ou seja, partí-
de aves teve grande aumento logo após o Cretáceo. culas negativamente carregadas. O passo levou ao
Com a destruição de quase toda a fauna repti- conhecimento da estrutura interna dos átomos e,
liana no intervalo K-T, os mamíferos, até então conseqüentemente, trouxe um prêmio Nobel de
animais pequenos e pouco diferenciados, apresen- Física para Thomson.
taram um desenvolvimento explosivo desde o iní- O conhecimento dos raios catódicos possibi-
cio do Terciário, ocupando o espaço deixado pelos litou ainda, de forma indireta, a descoberta da ra-
répteis nos continentes, no mar e no ar, justifican- dioatividade. Becquerel, em 1880, ao expor cris-
do considerar-se o Cenozóico como a Era dos tais de sulfato duplo de urânio à luz ultravioleta
Mamíferos, tal como o Mesozóico o foi dos Rép- obteve luminescência9 ; na época, os físicos verifi-
teis. Incluíram, como estes, grandes animais mari- caram que a propriedade era visível durante a pas-
nhos e continentais, além de pequenos voadores. sagem dos raios catódicos das paredes de vidro dos
No final do Terciário os primatas evoluíram tubos. O fenômeno foi confirmado por Roëntgen,
para um animal inteligente que, no Quaternário,
com seu alto poder para matar e conscientemente 7 Datação radiométrica é a medida da quantidade de tempo
destruir o ambiente, tardiamente dotado da fala, passado por meio de análises de minerais e rochas.
8
tornou-se o principal causador de nova e crescente Radioatividade é o processo de desintegração espontânea de
alguns tipos de átomos que ocorrem na natureza. Verifica-se
extinção em massa, que vem se processando desde em laboratório que a taxa média da desintegração radioativa
o Pleistoceno: o Homem. espontânea não é afetada nem por aquecimento, resfriamento
ou mesmo trocas referentes a pressão e estado químico.
Modernos autores consideram o Homem, ade-
9 Luminescência é a propriedade que certos materiais apre-
mais, como importante agente geológico no pla- sentam de emitir luz visível em resposta à excitação por outra
neta (Nir 1983, Hooke 2000, van Loon 2001). fonte de energia.

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que provocou luminescência em um papel cober- Joly (1908) reconheceu que certos halos ob-
to de platicianeto de bário em 1895. A lumines- servados em algumas amostras de rochas ao micros-
cência continuava, porém, enquanto o tubo de raios cópio eram causados por minerais radioativos. Ele
catódicos estivesse energizado. Aparentemente ele também mediu as concentrações de Th e Ra nos
emitia uma radiação misteriosa que podia pene- diferentes tipos de rochas e em 1909 publicou o
trar e ser impressa em papel preto – os famosos livro intitulado Radioatividade e Geologia no qual
raios-X de Roëntgen. Becquerel, motivado pela sumariava suas conclusões. Destacava-se a idéia de
descoberta, retomara seus estudos anteriores com que a radioatividade forneceria a energia requerida
os sais de urânio. Para verificar se estes eram res- para a construção das montanhas.
ponsáveis pela emissão de raios-X, recobriu uma A radiação ionizante descoberta pelos Curie
chapa fotográfica com papel preto e colocou alguns levou Rutherford, que já havia estudado a ionização
cristais de sulfato de urânio em cima deste, expon- dos gases pelos raios-X, a efetuar um estudo desta
do o pacote à luz solar. Os cristais emitiram uma natureza, porém com a radiação emitida pelo Ra.
radiação invisível que atravessou o papel preto e Pouco tempo depois ele mostrara que a radiação
foi registrada na chapa fotográfica. A experiência, era originada a partir das substâncias radioativas e
embora simples, mostrou que os sais de urânio e consistia de três componentes denominados alfa
eventualmente até mesmo minerais de urânio po- (a), beta (b) e gama (g). O componente alfa, na rea-
deriam emitir radiação contínua mesmo quando lidade, é um núcleo do gás nobre Hélio (He). O
não expostos à luz solar. beta foi identificado como sendo elétrons. Somente
A descoberta animou grande número de pes- o raio gama mostrou ser uma radiação eletromag-
quisadores jovens como o casal Marie e Pierre nética semelhante aos raios-X de Roëntgen.
Curie. Esta devotou-se à procura sistemática de A teoria da desintegração radioativa formulada
outros elementos e compostos semelhantes aos por Rutherford e o químico Soddy diz que os áto-
utilizados por Becquerel e que emitissem radiação mos dos elementos radioativos se desintegram es-
similar, tendo descoberto que minerais de U e Th, pontaneamente formando átomos de outros ele-
conforme Becquerel já suspeitava, também emi- mentos e emitindo partículas alfa e beta. A desinte-
tem radiação, mais ativa que a dos sais destes ele- gração radioativa é evento estatístico, pois não se
mentos. Ao pesquisar com o minério da mina de pode prever nem a identidade de um átomo parti-
Joachimsthal (Tchecoslováquia), o casal Curie con- cular que irá se desintegrar nem o momento exato
seguiu provar a idéia e descobriu dois novos ele- em que o evento ocorrerá. No entanto, a inten-
mentos com propriedades semelhantes: Polônio sidade de radiação é proporcional ao número de
(Po) e Rádio (Ra). O fenômeno recebeu o nome átomos radioativos presentes. Os pesquisadores su-
de radioatividade pelas emissões observadas a partir geriram ainda que a estrutura do átomo era forma-
do Ra e rendeu o prêmio Nobel de Física de 1903 da por um núcleo (prótons) rodeado por uma co-
para o casal. roa eletrônica, formada por elétrons. Soddy, em
O efeito da descoberta na Geologia foi pro- outro grupo de trabalho, reconheceu as séries do
fundo, pois facilitava uma nova linha de pesquisa, U e do Th, verificando que ambos possuíam di-
visando medir a radioatividade das rochas. ferentes taxas de desintegração. As novas formas
A radioatividade gera calor nas rochas, pois é resultantes dessas desintegrações foram iden-
processo exotérmico, e também é um meio eficaz tificadas como elementos químicos, cuja caracterís-
de medida da idade de minerais e rochas. A possibili- tica principal é a presença de átomos de Th, porém
dade foi percebida tanto por Rutherford como Bolt- com pesos atômicos distintos. As diferentes amos-
wood, já em 1905. O primeiro propôs que se esti- tras de Th existiriam na mesma posição do Th ori-
masse a idade da série de minerais de U a partir da ginal na Tabela Periódica e constituiriam isótopos
quantidade de He neles acumulada; aplicara este (em grego: mesmo lugar).
método em inúmeros minerais de U e obtivera um Vários pesquisadores dedicaram-se a procurar
valor aproximado de 500 Ma. Boltwood publicou e caracterizar os isótopos. Após o término da Pri-
a seguir os resultados das primeiras determinações meira Guerra Mundial, um deles, Aston, tentou
de idade de três amostras de uraninita com base construir equipamentos que confirmassem e carac-
nas suas relações U/Pb. Os valores, entre 410 e 535 terizassem os isótopos: os espectrômetros de massa.
Ma, considerados razoáveis, são hoje concordantes Recebeu o prêmio Nobel em 1922 pela descoberta
com as idades obtidas por técnicas mais modernas. de 212 dos 287 isótopos de ocorrência natural.

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Carneiro, C.D.R, Mizusaki, A.M.P., Almeida, F.F.M. TERRÆ DIDATICA 1(1):6-35, 2005

b. A revolução no uso dos relógios geológicos


Decaimento alfa

Partícula alfa
“A enorme ampulheta, que mede a destruição das Núcleo radioativo Carga + 2
rochas na terra e a sua formação no fundo do mar, perde 2 cargas e 2 unidades de massa Massa 4
trabalha ininterruptamente.” Decaimento beta
Arthur Holmes (1923, p. 11) Partícula beta (elétron)
Núcleo radioativo Carga - 1
ganha 1 carga Massa desprezível
Para estudar os problemas ligados à idade da Ter-
ra, Arthur Holmes começou medindo a composi- Captura de elétrons

ção isotópica do chumbo, na mesma época do apri- Elétron


Núcleo radioativo Carga - 1
moramento dos espectrômetros, e evoluiu para no- perde 1 carga Massa desprezível
vos métodos de datação utilizando o Th e o U pre-
sentes no chumbo. O livro The Age of the Earth, pu- Figura 5 – Os três tipos de decaimento radioativo
blicado por Holmes em 1923, mostra a importância modificado de Eicher & McAlester 1980). Na
desintegração alfa (a) ocorre a perda, pelo núcleo
da radioatividade no entendimento dos processos
do átomo-pai, de dois prótons e dois nêutrons; o
geológicos, além de propor a primeira escala do tem- número de massa decresce de quatro e o número
po geológico baseada em métodos radiométricos. atômico de dois. A desintegração beta consiste
A datação radiométrica permitiu tratar nume- na emissão, pelo núcleo, de um elétron de alta
ricamente o tempo. É difícil avaliar seu impacto velocidade, um de seus nêutrons se transforma
em um próton e o número atômico aumenta de
nos conceitos geológicos devido à quantificação; um. Na captura de elétrons, um próton do núcleo
não somente se aprimorou o conceito sobre a ida- captura um elétron orbital e se transforma em
de total da Terra, mas também foi possível datar um nêutron: o número atômico decresce de um.
amostras de rochas da Lua e fragmentos de meteo- A desintegração beta e a captura de elétrons não
mudam o número de massa
ritos, revelando-se idades similares entre eles. A
datação isotópica também abriu possibilidade para
se determinar com rigor quantitativo as taxas dos superior esquerda do símbolo químico do elemen-
processos atuantes no passado geológico. Final- to (o urânio natural, por exemplo, é uma mistura
mente, a Geocronologia permitiu estudar interva- dos isótopos 238U e 235U). A representação é justifi-
los de tempo afossilíferos e subdividi-los. cada pelo fato de que as emissões do núcleo de um
isótopo radiogênico trocam a identidade do isótopo
c. Isótopos estáveis e isótopos radioativos por aumentar ou diminuir o número de nêutrons
Na natureza são conhecidos isótopos instáveis presentes no núcleo.
e isótopos estáveis. Os instáveis ou radiogênicos Em geral, no processo de desintegração radioati-
resultam dos processos de desintegração radioati- va, o núcleo do elemento-pai pode emitir partícula
va. São particularmente interessantes para datação alfa, beta ou ainda capturar um elétron quando da
do tempo geológico pois podem ser aprisionados desintegração. Além disso pode simultaneamente
nos minerais. Sendo assim, pode-se fazer datação emitir raios-gama (radiação eletromagnética mais
radiométrica de rochas que contenham elementos energética do que raios-X). A desintegração alfa (a)
radioativos e, conseqüentemente, isótopos instá- consiste na perda, pelo núcleo do átomo-pai, de
veis. Estes se originam a partir das transformações dois prótons e dois nêutrons; o número de massa
espontâneas, que envolvem a emissão de partícu- decresce de quatro e o número atômico de dois. A
las ou de energia e que ocorrem no núcleo dos áto- desintegração beta ocorre quando o núcleo emite
mos instáveis (os chamados átomos-pai) onde es- um elétron de alta velocidade, um de seus nêutrons
tão os prótons e os nêutrons. se transforma em um próton e o número atômico
Os átomos podem se desintegrar de diferentes aumenta de um. Na captura de elétrons, um próton
modos, transformando-se em formas de menor do núcleo captura um elétron orbital e se transfor-
energia, que são os isótopos radiogênicos do ele- ma em um nêutron: o número atômico decresce
mento original. Os isótopos são designados por um de um. A desintegração beta e a captura de elétrons
número que representa a soma total de nêutrons e não mudam o número de massa (Fig. 5).
prótons existentes no seu núcleo. É o número de A desintegração radioativa envolve apenas o nú-
massa do elemento, normalmente escrito na porção cleo de um átomo-pai; a taxa não se altera quaisquer

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TERRÆ DIDATICA 1(1):6-35, 2005 Carneiro, C.D.R, Mizusaki, A.M.P., Almeida, F.F.M.

que sejam as condições físicas e químicas, como na teoria é considerado infinito. No entanto, é sim-
pressão, temperatura e soluções-tampão. Os áto- ples determinar o tempo de desintegração da me-
mos de um nuclídeo radioativo específico, qual- tade dos átomos pais radioativos de determinado
quer que seja a sua idade, possuem cada um a mes- sistema, a chamada meia-vida.
ma probabilidade de preservação ou desintegração. Cada nuclídeo radioativo possui uma meia-
O processo é estatisticamente caótico e, por isto, vida única, t1/2, que se relaciona à sua constante de
pode-se estabelecer a desintegração por meio de desintegração. Isto é fundamental para a datação
uma constante de desintegração (g) que indica a radiométrica pois os métodos utilizados têm por
proporção de átomos radioativos existentes que se base a acumulação dos átomos-filho produzidos
desintegrarão na unidade de tempo. por um pai radioativo. Ao se formar, um mineral
O número total de átomos para desintegrar-se ou rocha contém somente o nuclídeo radioativo:
será dado por gN, onde N é o número total de áto- admite-se que a quantidade de filhos radiogênicos
mos radioativos pais que estão no sistema. Desde seja igual a zero. Portanto, a razão filho/pai inicial
que N decresce constantemente pela desintegra- é zero e a idade indicada também é zero. A desinte-
ção de uma dada amostra, o número real de áto- gração progressiva de átomos-pais radioativos pro-
mos a se desintegrar decrescerá com cada interva- duz átomos-filhos radiogênicos, que ficam aprisi-
lo sucessivo de tempo na proporção da redução do onados em suas respectivas posições no retículo
número de átomos radioativos pais sobreviventes. cristalino (Fig. 6).
O tempo de vida de um elemento pai radioativo Conhecendo-se a constante de desintegração
em um dado sistema não pode ser especificado, pois do pai radioativo, necessita-se apenas medir no sis-
tema a proporção de nuclídeos-filhos e pais (No/
Nt) de modo a calcular o tempo em que o sistema
Estado inicial Uma meia-vida Duas meias-vidas
depois depois se originou (Fig. 7), em anos antes do presente.
O tempo, chamado de idade radiométrica do
sistema, é calculado pela equação:
Idade= ln (átomos-filho/átomos-pai + 1) X 1/l

Como é um processo exponencial, pode ser


expresso da seguinte forma:
λt = ln (No/Nt)
Isótopo pai Isótopo filho Cristal onde:
λ = constante de desintegração
Figura 6 – Decaimento de um isótopo radioativo
dentro de um cristal No = número de átomos do isótopo-filho no tempo
zero
Nt = número de átomos do isótopo pai após o tempo
1
Depleção linear t de desintegração
e exponencial ln = logaritmo natural (base 2,78)
1/2
É importante fixar uma unidade de tempo que
Átomos-pai sobreviventes

possa expressar a constante de desintegração carac-


terística de um isótopo particular. Neste caso utili-
Átomos-pai

0
za-se a meia-vida (t1/2) que é o tempo requerido
1/4 0 1 2
para que a metade da quantidade original de isótopo
presente no sistema seja desintegrada:
1/16
λ t1/2 = ln 2
0 1 2 3 4 5 6 t1/2 = ln 2/λ = 0,693/λ
1/2 = 1 meia-vida tempo
Duas suposições são fundamentais: o sistema
Figura 7 – Funções lineares e exponenciais permaneceu fechado (nenhum átomo-pai ou filho
(modificado de Eicher 1969) foi adicionado ou removido do sistema quando este

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Carneiro, C.D.R, Mizusaki, A.M.P., Almeida, F.F.M. TERRÆ DIDATICA 1(1):6-35, 2005

se originou) e nenhum átomo de nuclídeo-filho Tabela 1 – Principais isótopos utilizados em


estava no sistema quando da sua formação. Mui- geocronologia
tos minerais e rochas satisfazem a essas condições, Isótopo-pai Isótopo-filho Meia-vida (Ga)
porém, algumas vezes, já existiam alguns nuclí-
deos-filhos no sistema. Como é possível determi- (Sm) Samário 147 (Nd) Neodímio 143 106,0
nar a concentração dos filhos originais que existiam (Rb) Rubídio 87 (Sr) Estrôncio 87 48,8
no sistema, este valor pode ser então subtraído da (Th) Tório 232 (Pb) Chumbo 208 14,0
quantidade total de nuclídeos-filhos para deter-
minar a porção produzida somente pela desinte- (U) Urânio 238 (Pb) Chumbo 206 4,5
gração radioativa. (K) Potássio 40 (Ar) Argônio 40 1,25
Em 1931, quando os isótopos instáveis já eram
(U) Urânio 235 (Pb) Chumbo 207 0,70
razoavelmente bem conhecidos, Urey descobriu
uma nova categoria, ou seja, os chamados isótopos (Re) Rênio 187 (Os) Ósmio 187 43,0
estáveis ou naturais. Urey concentrou seus estudos (Lu) Lutécio 176 (Hf) Háfnio 176 35,0
iniciais no H, pois outros pesquisadores já haviam
sugerido que ele poderia ter isótopos de ocorrên- (C) Carbono 14 (N) Nitrogênio 14 0 - 50 000 a
cia natural. Os resultados iniciais da pesquisa con- (Ga = bilhões de anos e a = anos)
firmaram a presença de um isótopo do H, por ele
denominado de deutério pois deveria ter aproxi-
Tabela 2 – Algumas idades importantes
madamente o dobro da massa do H. Algum tempo
depois este mesmo pesquisador levantou a possibi- Material Idade (Ma)
lidade de o O também apresentar isótopos estáveis Meteoritos 4.300 - 4.600
e de ocorrência natural associados a processos de
Rochas lunares 3.500 - 4.200
fracionamento. Assim foram descobertos os isóto-
pos estáveis dos elementos H, O, C, N, bem como Idade da Terra (mineral) 4.600 - 4.700
10
de outros. Estes, embora não utilizados diretamente Rochas mais antigas 3.900 - 4.200
como método de datação de rochas, podem dar
informações variadas dos processos de ocorrência
natural nos diferentes ambientes geológicos.
e. Aparatos de laboratório e cuidados
para se evitar contaminação
d. Séries de desintegração e a datação
de minerais e rochas A datação radiométrica é ferramenta indis-
pensável nas ciências geológicas, pois permite
A datação radiométrica dos diferentes minerais
extrair importantes inferências sobre a origem das
e rochas é obtida com o uso dos isótopos-pai e fi-
rochas. O desenvolvimento da Geocronologia só
lho específicos para cada caso. Assim existem os
foi possível com o aprimoramento das técnicas ana-
métodos K/Ar, Rb/Sr e U/Pb, entre outros. Na
líticas laboratoriais e também dos espectrômetros
Tabela 1, são apresentados os principais isótopos
(equipamentos que medem as razões isotópicas).
utilizados em Geocronologia e a meia-vida carac-
Isto porque o trabalho com isótopos radioativos,
terística para cada caso.
em função da meia-vida dos elementos (p. ex. 87Rb
A escolha do método de datação a ser utilizado
tem meia-vida de 48,8.109 anos), naturalmente irá
depende do material que queremos datar (rocha
envolver quantidades muito pequenas o que di-
ou mineral), das características geológicas da região
ficulta sua detecção (Fig. 8). Além disso, existe o
onde a amostragem foi realizada e da presença tan-
to do isótopo-pai como do isótopo-filho consti-
tuindo um sistema fechado. Existe possibilidade de 10 As rochas mais antigas da América do Norte fazem parte do
se escolher entre um número cada vez maior de complexo gnáissico de Acasta, próximo ao Lago Great Slave
– 4,03 Ga – e as rochas supracrustais Isua no oeste da Groen-
métodos radiométricos e as respostas obtidas por lândia – 3,7 a 3,8 Ga. A idade mais precisa para a Terra
meio de cada um deles tem possibilitado posicionar (4,54 Ga) é baseada em chumbo extraído de troilita dos
no tempo os principais eventos da história geoló- meteoritos ferrosos de Canyon Diablo. Grãos do mineral zircão
com idades U-Pb de 4.4 Ga foram recentemente encontra-
gica de determinada região, bem como o entendi- dos em rochas sedimentares no centro-oeste da Austrália
mento da evolução temporal da Terra (Tab. 2). (Fonte: http://pubs.usgs.gov/gip/geotime/editors.html).

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TERRÆ DIDATICA 1(1):6-35, 2005 Carneiro, C.D.R, Mizusaki, A.M.P., Almeida, F.F.M.

problema da contaminação, ou seja, eventual acrés-


cimo do elemento a ser dosado, não associado ao Laboratório de preparação do material
processo de desintegração radioativa. Amostra da rocha selecionada
A contaminação por Sr, quando da aplicação
do Método Rubídio-Estrôncio, pode ocorrer de di- Pulverização
versas maneiras como, por exemplo, com cimento
comum de construção civil. O cimento contém Ca Separação
que, por sua vez, tem Sr associado. A presença des-
te material no laboratório, mesmo em quantida- Rocha total Minerais selecionados
des mínimas, acarretará contaminação por Sr e con-
seqüente problema com as idades determinadas.
A Geocronologia caracteriza-se pela necessida- Laboratório de
de de laboratórios super-limpos onde não haja pos-
preparação química
sibilidade de contaminação e onde valores muito
pequenos dos isótopos possam ser precisamente Preparação química
determinados. Com estes cuidados, razões isotó-
picas, que inicialmente propiciavam uma precisão Isótopos
da ordem de 0,2%, passaram a ser medidas com Laboratório de
precisão da ordem 1 para 104 ou melhor. Métodos Espectrometria de Massas
antes considerados como inviáveis tais como o Re-
Os e o Lu-Hf puderam ser utilizados de forma roti-
Espectrometria
neira. Destaca-se ainda a melhoria na sensibilida-
de e precisão dos espectrômetros de massa, por
Determinação de razões isotópicas
meio de equipamentos multicoletores, análises por
ionização térmica convencional, utilizando íons
Cálculo
negativos ou ainda por ICP.

f. Amostragem IDADE RADIOMÉTRICA


Outro fator muito importante é a perfeita esco-
lha das amostras a serem datadas. Embora existam Figura 8 – Etapas principais na determinação
grandes diferenças entre os métodos de datação ra- geocronológica
diométrica bem como uma enorme variedade de
materiais datáveis, podem ser feitas algumas consi- g. Exemplos de métodos muito usados
derações gerais sobre os problemas de amostragem.
Inicialmente, os pontos de amostragem e as
1. Rubídio-Estrôncio
amostras devem ser precisamente selecionados bem
como a definição de qual método deverá ser aplica- O Método Rubídio-Estrôncio permite a data-
do e como os resultados deverão ser avaliados. Com ção de rochas muito antigas, incluindo amostras
essa base poderemos definir se trabalharemos com de rochas lunares (coletadas pelas missões Apolo)
amostras do tipo rocha total, minerais separados até rochas com poucos milhões de anos. É muito
(frações) ou ambas as formas. O tipo e a quantidade utilizado em Geocronologia, pela versatilidade. O
de amostra dependem do método a ser empregado, Rb não é um elemento comum na natureza e não
mas sempre é interessante repetir-se a análise ou forma mineral isolado, ou seja, ocorre como im-
complementá-la com outro tipo de dados (como, pureza em minerais de K, aos quais se associa de-
por exemplo, análise química). A escolha das amos- vido à semelhança de raios atômicos.
tras inclui ainda preferencialmente a seleção de O isótopo radioativo 87Rb desintegra-se para o
material não alterado e representativo da área a ser isótopo 87Sr, em um único passo e com meia-vida
analisada. Torna-se ainda fundamental que todos de aproximadamente 48,8 Ga. Encontra-se Rb em
os aspectos que possam afetar de alguma forma a minerais potássicos como as micas, feldspatos
datação radiométrica (tectônica, posição estratigrá- potássicos, piroxênios, anfibólios e olivinas, entre
fica, processos diagenéticos e, ou, metamórficos, outros. Nesses minerais também ocorre Sr em sua
intrusões etc.) sejam previamente conhecidos. forma original, não radioativa (86Sr) o qual deverá

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Carneiro, C.D.R, Mizusaki, A.M.P., Almeida, F.F.M. TERRÆ DIDATICA 1(1):6-35, 2005

ser precisamente determinado como parte do pro- que contenham diferentes teores de Rb. Com isto
cesso de datação. Essa quantidade será subtraída torna-se possível a montagem da isócrona (Fig. 10).
quando do cálculo final da idade da amostra, para Supõe-se que, no tempo em que as amostras
evitar erros, uma vez que não foi originada pela cogenéticas foram formadas (tempo zero inicial),
desintegração do 87Rb contido. as razões 87Sr/86Sr eram as mesmas para todas, mas
O Sr original sempre contém 86Sr não-radio- era variável o conteúdo em Rb. Caso tivéssemos
gênico, que é facilmente detectado. Inicialmente, oportunidade de analisar estas amostras de rocha
a análise de uma amostra pobre em Rb permite de- logo após a sua formação conseguiríamos plotá-las
terminar a razão 87Sr/86Sr que se mantém no mate- segundo uma linha horizontal no gráfico da figura
rial a ser datado; uma vez que a quantidade de 86Sr que mostra a relação 87Sr/86Sr como eixo das orde-
na amostra não muda com o passar do tempo, procu- nadas e a razão 87Rb/86Sr como abcissa. Com o pas-
ra-se em seguida uma amostra rica em Rb pois pre- sar do tempo, o conteúdo de 87Rb deve decrescer
cisamos conhecer o valor do 86Sr (Fig. 9). Conhe- gradualmente, pois é transformado em 87Sr, o qual
cendo-se a relação inicial 87Sr/86Sr da amostra, po- deverá aumentar proporcionalmente nas amostras.
demos determinar a quantidade de 87Sr que é origi- No diagrama da figura 10 tal situação é acompa-
nal e aquela que é proveniente da desintegração do nhada pelo deslocamento da linha A-A’, que irá
87
Rb. A idade é então calculada pela relação filho/pai reproduzir o comportamento atual das amostras
radioativo. É uma idade convencional, ideal para ro- cogenéticas (B-B’). A série de amostras continua a
chas com minerais excepcionalmente ricos em Rb. definir uma linha reta, cuja inclinação em relação
Como isto nem sempre é possível ou surgem à reta horizontal inicial deve aumentar sistemati-
dúvidas quanto ao real valor do 87Sr, original, pro- camente com o tempo. A linha assim definida é a
cura-se utilizar o Método da Isócrona. Para aplicação isócrona e a inclinação atual indica a idade radiomé-
são necessárias várias amostras de rochas cogenéticas11 trica da rocha. Além disso, o ponto onde a isócrona
intercepta o eixo das ordenadas nos indica a razão
87
Sr/86Sr inicial do sistema.

2. Urânio-Chumbo em zircões
O Método Urânio-Chumbo, embora conheci-
87 do há bastante tempo, somente agora vem tendo
Rb
87

aplicação crescente, especialmente na datação de


minerais isolados. O avanço resulta da melhoria
da capacidade analítica dos laboratórios que podem
trabalhar em condições de alta limpeza, conseguin-
87
do resolução para amostras com até algumas par-
Sr radiogênico tes por milhão desses elementos.
Os minerais que contêm U como componen-
te principal são raros na natureza, porém minerais
87
Sr original 87
Sr original que contêm este elemento em quantidades-traço12
são comuns, o que os torna particularmente indica-
dos para aplicação do Método U-Pb. O mineral
mais indicado neste caso é o zircão (silicato de zir-
cônio, ZrSiO4) que contém aproximadamente
0,1% em urânio e ocorre em rochas de diferentes
86 86
idades, sempre em pequenas quantidades.
Sr original Sr original Todo Urânio de ocorrência natural contém não
só o 238U radioativo mas também o 235U, sempre
numa relação de 138:1. O 238U se desintegra para o
206
Pb e o 235U para o 207Pb. Os dois elementos são
Amostra sem Rb Amostra rica em Rb utilizados para determinação de idades geológicas;

Figura 9 – Relações isotópicas da razão 87Sr/86Sr


11 Significa que tiveram uma mesma origem.
no Método Rb/Sr (baseado em Eicher &
McAlester 1980) 12 Quantidades muito pequenas.

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TERRÆ DIDATICA 1(1):6-35, 2005 Carneiro, C.D.R, Mizusaki, A.M.P., Almeida, F.F.M.

no entanto, em função da alta mobilidade química


87
Sr
do U em ambientes oxidantes, análises em amostras 86
Sr
de rocha total efetuadas com o Método U-Pb são
problemáticas. Isto fez com que a metodologia D'
recebesse grande impulso na aplicação a minerais C'
87
i = ( 86Sr ) B'
isolados. Sr T = tg a
Os minerais com urânio e que se prestam para A' l
aplicação do Método U-Pb, em geral, também con-
têm chumbo original, de tal forma que a idade ra- a
i
diométrica poderá exceder a idade real. O 204Pb não A B C D
é produzido pela desintegração radioativa, sendo A, B, C e D = Amostras cogenéticas 86Rb
87

Sr
então um elemento-chave para a detecção da quan-
tidade de chumbo original. Se é detectado no mine- Figura 10 - Montagem da isócrona do Método Rb/Sr
ral o 204Pb, que constitui uma fração do chumbo pre-
sente, então os outros isótopos como o 206Pb e o 207Pb Tabela 3 – Isótopos dos elementos químicos Samário
também deveriam estar presentes quando da forma- e Neodímio (Geyh & Schleicher 1992)
ção do mineral. A composição isotópica do chum-
bo comum pode ser obtida a partir de amostras que
Elemento Isótopos
144
sejam pobres em urânio, à semelhança do que é fei- Sm Sm, Sm, Sm, 149Sm, 150Sm, 152Sm, 154Sm
147 148

142 143 144 145 146 148 150


to no Método Rb-Sr. Assim, a quantidade do 204Pb Nd Nd, Nd, Nd, Nd, Nd, Nd, Nd
pode ser utilizada para calcular as quantidades de
206
Pb e do 207Pb originais, de forma que possam ser
subtraídos quando do cálculo da idade radiométrica. ser obtidas em qualquer tipo de rocha, desde
Depois deste procedimento, as idades obtidas graníticas até ultrabásicas.
pelas razões 235U/207Pb e 238U/206Pb devem concor- O Sm tem sete isótopos naturais (Geyh &
dar, mostrando que o mineral comportou-se como Schleicher 1992), indicados na Tabela 3. O 147Sm e
um sistema fechado. São chamadas idades concor- o 148Sm decaem por emissão alfa para o 143Nd e 144Nd.
dantes e o valor que elas indicam é a idade radio- A meia-vida do 148Sm é muito curta (7 X 105 anos)
métrica verdadeira. Isto pode ser observado no grá- para ter um significado geocronológico, mas o de-
fico da figura 11, que é um diagrama concórdia. caimento do 147Sm (1.06 X 1011 anos) permite que
Se as idades não concordam diz-se que são dis- seja utilizado para datação. De forma análoga ao
cordantes e, conseqüentemente, não representam Método Rb-Sr, podem ser construídas isócronas
a idade radiométrica verdadeira do mineral. O Mé- com as relações 143Nd/144Nd e 147Sm/144Nd. Supõe-
todo U-Pb em zircões tem sido aplicado com su- se que, ao tempo da cristalização, amostras de rocha
cesso para a determinação de idades radiométricas total cogenéticas a amostras de minerais com dife-
em rochas de diferentes composições e idades, rentes razões 147Sm/144Nd teriam o mesmo 143Nd/
amostras lunares e meteoritos. 144
Nd inicial (entre 0.506 e 0.516, de acordo com a
idade da rocha). Amostras cogenéticas posicionam-
3. Samário-Neodímio se em uma isócrona onde a inclinação é uma fun-
O Método Samário-Neodímio teve seu desen- ção da idade da amostra e onde a interceptação da
volvimento ligado a pesquisas visando a datação isócrona no eixo “y” indica a razão inicial.
de amostras lunares e de meteoritos. O cálculo de idades-modelos Sm-Nd tem por
O Sm e o Nd são elementos que possuem bai- base o fato de que pode ser definida uma linha de
xa mobilidade química quando comparados aos evolução uniforme para a relação 143Nd/144Nd para
demais elementos, principalmente os alcalinos. a área-fonte de amostras de rochas da crosta conti-
Além disso, inúmeros estudos demonstraram que, nental e basaltos alcalinos (De Paolo & Wasserburg
mesmo quando a rocha se encontra visivelmente 1976). Essa linha de evolução, que corresponde à
alterada e/ou metamorfizada, não há interferência do manto terrestre, tem por base a relação Sm-Nd
na relação Sm/Nd. Assim, o Método torna-se mui- que é idêntica com a do reservatório condrítico uni-
to interessante pois pode ser aplicado em situações forme (CHUR13 ). Na verdade, se um magma é
onde a utilização das demais metodologias é res- formado e separado a partir do CHUR em um de-
trita. Destaca-se que as idades para Sm-Nd podem terminado tempo, então sua razão 143Nd/144Nd (Ro)

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Carneiro, C.D.R, Mizusaki, A.M.P., Almeida, F.F.M. TERRÆ DIDATICA 1(1):6-35, 2005

4. Carbono-14
206
Pb
238 A utilidade do 14C para datação ra-
U
1,2 4,9
diométrica foi demonstrada inicial-
4,8
4,5 4,6 mente por Libby em 1947. Na realida-
1,0
4,0 de, este isótopo, ao contrário dos outros
0,8 3,5
tradicionalmente utilizados para data-
ção, faz parte de um grupo de nuclídeos
0,6 3,0
2,5 radioativos de curta duração, origina-
0,4 2,0 dos na porção superior da atmosfera,
Material fino de superfície
onde partículas cósmicas de alta ener-
0,2 1,0 Brecha vulcânica
gia bombardeiam os núcleos do oxigê-
nio e do hidrogênio ali presentes fazen-
0 20 40 60 80 100 120 do com que estes liberem átomos. Os
207
Diagrama concórdia (Ga) Pb átomos assim produzidos irão se cho-
235
U car com átomos de nitrogênio - tam-
bém encontrados nas porções elevadas
Figura 11 – Montagem da curva concórdia do Método U/Pb
para amostras de rochas trazidas da Lua da atmosfera – resultando na formação
do 14C, cuja meia-vida é de aproxima-
damente 5.730 anos.
é igual à do RCHUR. Contudo, processos responsá- O radiocarbono produzido é oxidado para a
veis pela formação do magma do manto ocasionam forma de dióxido de carbono (CO2) e passa a fazer
fracionamento químico do Sm e do Nd em relação parte da atmosfera e, eventualmente, da hidrosfera
à sua fonte. O fator de fracionamento é definido (Fig. 13). Assim, pode entrar no ciclo geral do car-
pela relação: ƒSm/Nd = (Sm/Nd)amostra/(Sm/Nd)CHUR. bono na Terra como também pode ser dissolvido
Então ƒSm/Nd = 1 para a linha de evolução nos oceanos, precipitado em associação com os
CHUR. Para a maior parte das rochas curstais, este minerais carbonáticos ou utilizado pelos diferen-
fator é inferior a 1, o que significa que o Nd está se tes animais e plantas.
enriquecendo em relação ao Sm na crosta durante Os seres vivos acham-se em equilíbrio com a
o fracionamento e separação do manto. Contudo, atmosfera e o dióxido de carbono radioativo é absor-
a geração da crosta continental ocasiona depleção14 vido e usado pelas plantas, entrando finalmente na
de elementos nesse reservatório. Material do manto cadeia alimentar e no ciclo do carbono. As peque-
depletado tem uma linha de evolução diferente do nas quantidades de 14C radioativo passam a fazer
CHUR (De Paolo 1981) e assim quando idades- parte da estrutura dos animais, plantas e minerais
modelos são calculadas, os parâmetros para o manto propiciando-nos uma ferramenta extremamente
depletado devem ser utilizados aos níveis daqueles útil para datar com precisão os últimos 50.000 anos
de evolução do CHUR. O modelo assume que a da história da Terra (Tab. 4), assumindo-se que a
relação Sm/Nd somente será significativamente taxa de produção de Carbono-14 (e portanto a
alterada por processos geológicos subseqüentes, co- quantidade de raios cósmicos que atingem a Ter-
mo o metamorfismo ou processos ligados a ero- ra) tenha sido constante durante os últimos 70.000
são, desde que o sistema Sm/Nd tenha funciona- anos. Este limite relaciona-se ao fato de que, após a
do como um sistema fechado. Com isto torna-se morte do organismo que incorporou 14C, este não
possível o estabelecimento de uma linha a partir é mais adquirido (Fig. 13) e, com o tempo, vai pro-
das razões atuais 143Nd/144Nd e 147Sm/144Nd que, ao gressivamente sendo desintegrado para 14N. Como
interceptar-se com a linha de evolução do CHUR, os valores são muito pequenos é quase impossível
indicará uma idade modelo para o tempo de dife- a medição direta dos isótopos. Neste caso, opta-se
renciação dessa rocha a partir do manto. pela contagem da atividade de emissão beta do es-
pécime a ser datado e sua comparação com um pa-
drão cuja atividade seja muito bem conhecida.
13 CHUR – sigla derivada da expressão em Inglês: Chondritic
uniform reservoir
O número de emissões em um dado período de
14 Depleção significa perda, subtração gradual. Duarte (1997) tempo é proporcional ao número de átomos do 14C
refere-se a exaustão de uma jazida de petróleo. ainda presentes na amostra; quanto mais antigo,

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TERRÆ DIDATICA 1(1):6-35, 2005 Carneiro, C.D.R, Mizusaki, A.M.P., Almeida, F.F.M.

Tabela 4 – Limites usuais de detecção de alguns métodos

Aplica-se a intervalos
Método Baseia-se em
da ordem de (anos)
Análise de ciclos de Ciclos anuais e das 3.000
crescimento de árvores manchas solares
Análise de estratos Ciclos anuais, das manchas 15.000
argilosos solares e de precessão de equinócios
Carbono-14 Matéria orgânica morta 30.000 - 50.000
Métodos geológicos Velocidades admitidas de processos Sob restrições, a todos
como intemperismo, erosão etc. os períodos geológicos
Datação por U-Pb Decaimento radioativo de elementos Todos os períodos
e outros encontrados em rochas e minerais geológicos

menor deve ser essa atividade, o que nos limita ao A técnica é especialmente útil para alguns mi-
valor máximo datável de 50.000 anos. O Método nerais específicos como a apatita e o zircão, mas
14
C é utilizado para datação de matéria orgânica, pode ser empregada na datação de micas, tectitos
madeira, carvão, ossos, turfa e artefatos como roupas naturais e sintéticos (artificiais) e vidro. Os traços
e cerâmicas, além de conchas e calcários recentes. de fissão apresentam importante propriedade que
é o seu “apagamento”, ou seja, o desaparecimento
gradual quando submetidos a determinadas tempe-
h. Outros métodos de determinação de idades: raturas. Assim, os traços de fissão também permi-
exemplo dos traços de fissão tem a obtenção de idades aparentes, relacionadas à
Diversos métodos de determinação radiométrica sua reorganização quando estiveram submetidos a
de idades de rochas acham-se hoje bem desenvolvi- reaquecimento (idades de eventos térmicos).
dos e são aplicados a diferentes situações e ambien-
tes geológicos. Uma revisão abrangente acha-se em 6. Como decifrar o registro das rochas?
Dickin (1995) e Attendorn & Bowen (1997). Dentre
eles, o Método dos traços de fissão baseia-se na fis- O atualismo
são do U, que resulta no aparecimento de 2 fragmen-
É importante salientar o tema da uniformidade
tos, um mais leve e outro mais pesado, na liberação no comportamento da natureza, idéia fundamental,
de nêutrons e energia. Os fragmentos resultantes embora aparentemente simples. Leonardo da Vinci,
desta fissão recebem energia cinética e, graças a no século XVII foi o primeiro a formulá-la, ao dei-
forças repulsivas coulombianas, irão adquirir movi- xar implícito que só se poderia comprovar sua Lei
mentos em sentidos opostos. Os fragmentos ioni- da Superposição por meio de analogias com o pre-
zados, ao se deslocar através da estrutura de deter- sente geológico. Hutton, mais tarde, propôs o uni-
minados sólidos isolantes ou semi-condutores pro- formitarismo da natureza, nas três edições conheci-
vocam o aparecimento de defeitos (sob a forma de das de sua obra “Theory of Earth, with proofs and
“trilhas”) que recebem o nome de traços latentes. illustrations”, de 1793. Em uma delas, ele afirmou:
Os traços latentes são facilmente visíveis com o
microscópio eletrônico. No entanto, ataques quími- “O homem percebe com prazer a ordem e a regulari-
cos específicos melhoram a visualização dos traços dade com que se apresentam as obras da natureza, em
pois permitem ampliar seus tamanhos. Com isto, vez do natural desgosto ante a desordem e confusão.
Se a pedra que hoje cai, amanhã se alçasse, seria o fim
os traços tornam-se visíveis ao microscópio óptico
da filosofia natural, nossos princípios fracassariam e
sendo então denominados traços de fissão. A etapa não continuaríamos investigando as regras da nature-
seguinte é a contagem dos traços aumentados (ou za segundo nossas observações (...)”;
anotação da densidade de traços em uma dada área).
O número de traços por unidade de área é uma função Na passagem para o século XIX, Playfair (1802)
da idade do material e da concentração de urânio. divulgou e aplicou mais claramente a teoria.

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Carneiro, C.D.R, Mizusaki, A.M.P., Almeida, F.F.M. TERRÆ DIDATICA 1(1):6-35, 2005

Embora tenha sido grande divulgador das idéias


0,514 de Hutton, coube a Lyell, entre 1830 e 1833, con-
143
Nd sagrar definitivamente o Uniformitarismo como
143 um Princípio do pensamento geológico.
Nd 0,512638
f Sm/Nd > 1
0,512
a. O Uniformitarismo e o Atualismo
DM
f Sm/Nd < 1 Hutton e Lyell propõem o uniformitarismo da
natureza pelos pontos de vista das causas, dos pro-
0,510
e cessos e dos efeitos. Em 1897, Sir Archibald Geikie
estr
ta terr sintetizou as idéias uniformitaristas na expressão
s
Cro
)

tida como a mais radical de todas:


tre
res
ter
to

0,508
“O presente é a chave do passado”.
an
(m
UR
CH

Gretener (1984) destaca que a proposição reflete


a “atitude arrogante do recém-chegado, Homo sapiens”.
0,506
0 presente
Nem Hutton ou Lyell ousaram tamanha generali-
4 3 2 1
zação sobre a uniformidade da Natureza (Carneiro
Idade (Ga) et al. 1994). Durante muito tempo o enunciado
implicou, para muitos, que (a) as leis naturais se-
Figura 12 – Evolução da razão isotópica do Neodímio riam invariáveis no tempo, (b) os mesmos proces-
desde a condensação da Terra, no tempo tTerra. A sos que atuam hoje também ocorreriam no pas-
taxa de aumento da relação 143Nd/144Nd de um sado e (c) os eventos geológicos aconteceriam com
reservatório ou unidade de rocha depende da velocidade uniforme.
razão Sm/Nd naquele reservatório ou unidade As objeções feitas pelo precursor da termodi-
de rocha; para a Terra toda, assume-se que essa
nâmica, William Thomson, à idéia de abismo do tem-
taxa seja condrítica (CHUR). As duas linhas de
evolução correspondem a dois reservatórios
po estenderam-se à idéia de uniformitarismo abso-
separados a partir de CHUR, cuja evolução pode luto da Natureza. Pela dissipação de energia e mu-
ser esclarecida a partir do estudo da relação danças nas condições naturais, a Terra não poderia
ƒSm/Nd < 1 ou ƒSm/Nd > 1 (modificado de Geyh & comportar-se como um moto-perpétuo; ao contrá-
Schleicher 1992) rio, segundo ele, pela 2a lei da termodinâmica a ação

Ciclo do carbono-14 Átomos de C


14

em CO2 atmosférico
Alta atmosfera
nêutron de
raio cósmico Figura 13 – Formação
do isótopo
Perda de radioativo 14C,
próton pelo bombardeio
de átomos de
14 14
7 C C
6
nitrogênio por
raios cósmicos. O
isótopo 14C entra
na molécula de
CO2 e acaba
incorporado a
sedimentos
carbonosos e
5.700 anos 17.100 anos 45.000 anos restos orgânicos
50 anos de idade (modificado de
(1/2 14C remanescente) 14
(1/8 C remanescente)
14
( C insignificante)
Eicher & McAlester
1980)

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TERRÆ DIDATICA 1(1):6-35, 2005 Carneiro, C.D.R, Mizusaki, A.M.P., Almeida, F.F.M.

natural seria irreversível, contrariando a repetição plenamente aceito que as leis que governam os fenô-
uniforme dos eventos naturais ao longo do tempo. menos terrestres sejam imutáveis (proposição “a”):
Uma tempestade de críticas assolava, no início do trata-se de ponto de partida (ou seja, um princípio)
século XX, o princípio fundamental da Geologia. para se realizar ciência. Portanto, subsiste a idéia de
Diante das objeções no aspecto da energia, as velo- uniformidade no aspecto dos fenômenos físicos.
cidades dos processos não poderiam ter-se man- A segunda proposição é também generalizada-
tido uniformes durante o tempo geológico. mente aceita pois os processos terrestres atuais ocor-
Ainda que a descoberta da radioatividade como reriam da mesma maneira (mas não necessariamente
fonte de calor endógeno na crosta afastasse as res- com a mesma intensidade) desde o passado (pro-
trições, no lado quantitativo dos processos, o avanço posição ”b”). As proposições “a” e “b” tratam da-
do conhecimento geológico trouxe novas restrições, quilo que permanece, sob quaisquer circunstâncias,
agora qualitativas, às mudanças radicais de condi- invariável no tempo e no espaço; expressam a regu-
ções do ambiente geológico terrestre ao longo do laridade (por exemplo, a lei da gravidade, as leis da
tempo. As mudanças na composição da atmosfera termodinâmica etc.).
e mesmo o aparecimento ou expansão da vida, por As duas últimas, porém, foram profundamente
exemplo, poderiam ter provocado a extinção de abaladas, por envolverem fatos singulares, impos-
alguns processos e surgimento de outros. Novas síveis de se estudar sob a ótica estrita do uniformi-
causas, produzindo novos resultados. Outra res- tarismo. A terceira e quarta proposições foram rejei-
salva é que mesmas forças, atuando em configura- tadas graças a aspectos da natureza que variam com
ções distintas de um mesmo material, poderiam as circunstâncias, ou seja, fatores contingentes ou
produzir, inevitavelmente, resultados diversos. históricos. Não persistem em termos físicos, pois
O conjunto de objeções ao enunciado clássico inúmeros fatores modificaram-se ao longo do tem-
do princípio pode ser resumido em duas idéias po, como a duração dos dias do ano ou a intensida-
(Carneiro et al. 1994): de e natureza da radiação solar. Os aspectos singula-
A. novas condições (em quantidade e qualidade) res do uniformitarismo não constituem princípios
gerariam novas causas, novos processos e no- da ciência histórica e tampouco da ciência física.
vos resultados; Sintetizando o problema, Gould (1967) distin-
B. mesmas causas atuando em configurações di- guiu dois tipos de uniformitarismo:
versas gerariam resultados diferentes. l Uniformitarismo substantivo, que engloba as qua-
Tais objeções levam-nos a indagar sobre o que, tro proposições referidas. Segundo o autor, uma
afinal, restou do princípio do uniformitarismo tal visão do comportamento da Natureza moder-
como foi concebido originalmente por Hutton e namente inaceitável.
Lyell, no século passado? l Uniformitarismo metodológico, que engloba so-
É possível distinguir quatro proposições no mente as duas primeiras e ficou conhecido co-
enunciado (Gould 1965, 1967): mo Atualismo. Para as ciências físicas isso pode
a) a uniformidade das leis: as leis da natureza são ser um princípio, mas para a ciência histórica
invariáveis, no espaço e no tempo; não passa de um método, ou seja, é um dos
b) a uniformidade dos processos terrestres (atua- métodos históricos em Geologia, que atende à
lismo): os eventos geológicos do passado en- noção de simplicidade.
volveram processos de natureza essencialmente O Atualismo tem especial importância na Geo-
igual à dos que atualmente ocorrem; logia, porém é apenas um dos métodos históricos.
c) uniformidade de velocidades (gradualismo): os Como método da Geologia, envolve aplicação de
processos operariam com idênticas velocida- raciocínio indutivo e de analogias para o estudo dos
des, ainda que extremamente lentas e quase fenômenos do passado, além de depender das pistas
imperceptíveis aos sentidos humanos; obtidas do presente. O exemplo dos corais é típico:
d) uniformidade de condições (não-direciona- sabemos que atualmente os recifes de corais cres-
lismo): os ciclos naturais seriam intermináveis cem em águas tropicais, dentro de um espectro mui-
e a Terra, um lugar em constante mudança. to restrito de tolerâncias, e podemos assumir que
A primeira proposição relaciona o comporta- formas comparáveis viveram sob condições muito
mento da Natureza à constância das leis físicas, mas similares no passado, mas persiste a evidente res-
não é peculiar ao uniformitarismo nem à Geologia, trição de que os corais possam ter mudado seus há-
pertencendo ao domínio das ciências físicas. É bitos com o passar do tempo (Ager 1963, p. 33).

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b. O gradualismo e a noção de mudança pontuada mentos e outros fenômenos podem ser considera-
O gradualismo proposto por Lyell (proposição dos agentes episódicos regulares (Tab. 4) e não são
“c”) ainda que consiga explicar alguns fatos geoló- propriamente eventos raros, embora o possam ser
gicos, é demasiadamente restritivo e não permite para os padrões humanos.
explicar todas as mudanças na história física e bioló- Um evento raro depende de uma combinação
gica da Terra. O catastrofismo, em suas recentes ou conjugação especial de fatores que incluem tanto
versões, vem sendo retomado por autores que bus- aqueles intrínsecos como os extrínsecos ao planeta.
cam desligá-lo do forte compromisso com a idéia Para sintetizar as inúmeras evidências de mudanças
anterior de “criacionismo científico”. rápidas em escala global entremeadas com longos
Gretener (1984) destaca a importância dos pro- intervalos de “monotonia”, Gretener (1984) afirma
cessos episódicos em geologia, quando compara- que a “história da Terra revela longos períodos de
dos aos processos contínuos; assinala ainda que o tranqüilidade interrompidos por momentos de
termo “catastrofismo” possui a conotação de “de- ação”. Essa proposição seria coerente com a impor-
sastre”, dada por “imagens de destruição e escom- tância relativa dos processos episódicos; dentre eles,
bros” (Gretener op. cit., p. 85), e prefere o termo cabe atenção os chamados probabilidade de ocor-
“pontuação”, proposto por Gould (1977, apud rência seria da ordem de 95%, para que ocorram
Gretener 1984, p. 81), para referir-se à natureza pelo menos uma vez ao longo de intervalos de tem-
descontínua dos processos episódicos. po muito distintos.
O conceito de mudança pontuada (punctuational
change), da moderna geologia, pertence a uma vi- 7. Experimentos educativos e simulações
são “pluralista” da natureza: a mudança é marcada
por episódios curtos que quebram o equilíbrio an- A vasta bibliografia sobre métodos de determi-
terior e rapidamente estabelecem nova condição nação de idade radiométrica de rochas concentra-se
(Gould 1984). O modelo enfatiza a estabilidade em artigos especializados e compêndios científi-
duradoura dos sistemas terrestres e, por outro lado, cos sobre idades das formações geológicas. Textos
a concentração da mudança em momentos defini- didáticos são mais escassos, sobretudo em Português,
dos. Um exemplo, dentre outros, seria o impacto justificando um esforço adicional para facilitar a
de um asteróide com o planeta, possibilidade acei- compreensão do tema Tempo Geológico pelos estu-
ta hoje pela astronomia. A probabilidade de ocor- dantes, que é complexo e integrador de vários outros
rência de um evento raro, em geologia, embora conceitos da moderna Geologia, como: cronologia
possa ser extremamente baixa, jamais pode ser con- de eventos, duração, correlação, mudança geológica,
siderada nula. Assim, deve-se manter uma clara fácies e sucessão de causas. Enumeramos acima as-
distinção entre as idéias de “impossível” e “impro- pectos fundamentais desses conceitos, mas cabe ci-
vável” (Gretener 1984, p. 79). Sob o ponto de vista tar algumas abordagens didáticas disponíveis em pu-
geológico, tempestades, inundações, escorrega- blicações introdutórias ou artigos metodológicos.

Tabela 5 – Eventos e processos geológicos

Probabilidade da ordem de 95%,


Eventos para ocorrer pelo menos uma vez Anos Exemplos
em certo número de anos
9
Raros 1 bilhão de anos 10 Eventos que possam ter ocorrido muito
poucas vezes na história da Terra
Ocasionais 100 milhões de anos 108 Extinções em massa;
desaparecimento de espécies
6
Recorrentes 1 milhão de anos 10 Glaciações; Modificações, registradas
em fósseis, de fauna e flora
3
Comuns 1 mil anos 10 Episódios registrados na história
humana; eventos de chuvas intensas
2
Regulares 1 século 10 Enchentes seculares

30
TERRÆ DIDATICA 1(1):6-35, 2005 Carneiro, C.D.R, Mizusaki, A.M.P., Almeida, F.F.M.

a. Abordagens didáticas sobre “Tempo Geológico” blemas de apreensão de conceitos, ao se tentar


desenvolver abstrações mais complexas, especial-
Para Pedrinaci & Sequeiros (1994), se uma
mente para alunos de pouca idade ou baixa escola-
pessoa demonstrar conhecimento preciso da idade
ridade. Nesses casos os resultados são insatisfa-
da Terra, nomes e durações dos períodos geo-
tórios, devido a dois fatores principais: falta de lei-
lógicos, isso não bastará para concluir que ela cons-
turas acessíveis e/ou pouca familiaridade de estu-
truiu o conceito de tempo geológico. As idéias de
dantes e professores com o tema.
cronologia relativa e de duração dos processos
Embora a Geologia esteja sempre em busca de
geológicos fazem parte dessa construção gradativa
regularidades e princípios gerais (Sequeiros et al.
de conhecimento. Sequeiros et al. (1996) apresen-
1996), é uma ciência “sempre obrigada a trabalhar
tam propostas de trabalho sobre o tema, em dife-
com acontecimentos singulares, alguns dos quais
rentes níveis de aproximação, para ajudar os estu-
são determinantes do que acontecerá depois”. A
dantes a elaborar imagens mentais de fatos geoló-
irreversibilidade contida em qualquer história – en-
gicos. Os quadros abaixo são alternativas, dentre
tre as quais se incluem as histórias geológicas – leva-
muitas possíveis.
nos a tentar compreender essa organização sem pro-
curar reduzi-las às “regularidades subjacentes ou a
b. Significados presentes no tema “Tempo
um caos de acontecimentos arbitrários, mas com-
Geológico” preender coerências e fatos: coerências que tanto
Atividades educacionais envolvendo Tempo podem resistir aos acontecimentos e condená-los
Geológico são geralmente agradáveis, porque os à insignificância, como, ao contrário, ser destruídas
temas são às vezes familiares ou próximos da reali- e transformadas por alguns deles (...)” (Prigogine
dade das pessoas. Entretanto, podem surgir pro- & Stengers 1988, apud Sequeiros et al. 1996).

Quadro 2 – Algumas abordagens didáticas sobre datações


Exemplos de experimentos e simulações – Datações
1. Conceitos básicos de datação relativa ou absoluta bra-cabeças, coloque a peça quadrada maior
com a cor suave para cima e todas as restantes
Conceitue:
com a cor intensa para cima.
l Atualismo
l Será pedido que os alunos, a intervalos de
l Escala absoluta de tempo
tempo regulares, por exemplo de 1 minuto,
l Estratigrafia
virem o pedaço maior de cartolina de cor
l Extinção em massa
intensa, fazendo ficar para cima a cor sua-
l Fóssil-índice
ve. Repete-se o procedimento, sucessiva-
l Geocronologia
mente, até que se considere oportuno in-
l Meteorito
terromper a atividade. Sabemos a taxa de
l Princípio da Superposição
inversão dos pedaços, que corresponde à
l Relação de interseção
meia-vida do elemento radioativo, é de 1
l Seqüência não-invertida
minuto, neste caso.
l Examinando-se o resultado do quebra-ca-
2. Determinação de idade radiométrica beças, pede-se que os estudantes calculem
Considere que sua equipe recebeu dois pe- há quanto tempo o exercício foi iniciado.
daços de cartolina, um de cor suave e outro de Depois, reorganizando-se o quebra-cabeças,
cor intensa. As partes devem ser justapostas e cada grupo de alunos deverá abrir as peças como
firmemente coladas uma à outra. Depois, divi- quiser, segundo a mesma ordem das peças maio-
de-se a peça em duas metades, separando uma res para as menores. Ao trocar as peças dos gru-
delas. A metade restante é novamente dividida, pos entre si, cada grupo poderá perguntar ao ou-
separa-se uma das novas metades e repete-se a tro quanto “tempo” se passou desde a formação
divisão até formar uma espécie de quebra-ca- da rocha considerada, desde que se informe qual
beças como o da figura 14. Para organizar o que- a taxa de desintegração radioativa utilizada.

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Carneiro, C.D.R, Mizusaki, A.M.P., Almeida, F.F.M. TERRÆ DIDATICA 1(1):6-35, 2005

Quadro 3 – Algumas abordagens didáticas sobre História da Terra e Tempo Geológico

Exemplos de experimentos e simulações – Tempo Geológico


1. Idade absoluta e a Escala do Tempo Geológico baús, com roupas, relíquias, jornais de época,
fotografias, documentos e cartas pessoais.
Examine a Escala do Tempo Geológico (Fig. 4).
O objetivo é estabelecer as relações de pa-
l Calcule uma escala adequada para represen- rentesco e a ordem provável dos membros da
tar os dados da tabela, em uma seqüência família, do mais velho para o mais novo. Ao fi-
ordenada no tempo, dispondo-se de uma nal da pesquisa, vocês provavelmente terão uma
fita longa, por exemplo dessas de máquina cronologia absoluta de datas de nascimento e
de calcular, com pelo menos 4,5 metros de morte das pessoas, junto com outras informa-
comprimento. ções que podem não estar bem amarradas na
l Construa a escala na fita de 4,5 m, adotan- escala absoluta.
do espaçamento linear (não-logarítmico).
l Os dados trazidos pelos materiais guarda-
Qual deve ser a grandeza correta para cada
dos, ao se organizar as informações, podem
período assinalado na tabela?
ser considerados testemunhos do passado,
l Na mesma escala qual seria a posição e a di- do ponto de vista da cronologia?
mensão dos seguintes eventos importantes
l As roupas ajudam a reconhecer as épocas em
da história geológica da parte brasileira do
continente sul-americano? que viveram as pessoas ilustradas nas foto-
grafias? De que modo?
a) Formação da bacia sedimentar do Pan-
l Relações de parentesco definem uma cro-
tanal: 2 milhões de anos atrás.
nologia absoluta ou relativa?
b) Formação das rochas cristalinas (ígneas
e metamórficas) mais antigas da região l Quais são os atributos indispensáveis para
da Serra dos Carajás: 2,8 a 3,4 bilhões estabelecimento de uma cronologia ab-
de anos atrás. soluta?
c) Formação das rochas cristalinas (ígneas l Compare suas respostas com as idéias de “fós-
e metamórficas) mais jovens da região seis” e “rochas como arquivos históricos”.
sudeste brasileira: 650 a 550 milhões de l Que características devem ter um evento
anos atrás. marcante para que tenha importância simi-
d) Formação de petróleo na Bacia de Cam- lar à de um fóssil-índice para a reconstru-
pos: desde 120 milhões de anos atrás. ção dessa história?
e) Elevação das montanhas da Serra do
Mar: 70 a 2 milhões de anos atrás. 3. Eventos raros
f) Fundação da vila de Piratininga pelos Discuta a seguinte proposição: “a história
jesuítas no Brasil: 1554. da Terra pode ser comparada à vida de um sol-
l Como o homem se situa nesta escala? dado: longos períodos de monotonia interrom-
l Qual é a relação entre o homem e o apare- pidos por breves momentos de terror” (Ager
cimento dos seres vivos referidos na tabela? 1973, apud Gretener 1984).

2. Idade relativa e seqüência de eventos 4. Sucessão de eventos


Discuta as idéias implícitas no seguinte verso:
Imagine que você integra uma equipe in-
cumbida de construir a árvore genealógica de “Reina a profundidade ali, onde a árvore cresceu.
uma família numerosa. O trabalho não poderá Oh! Terra, que mudanças tu tens visto!
utilizar depoimentos pessoais, pois muitos pa- Onde agora existe o sussurrar das ruas já existiu
A suavidade do pleno oceano”.
rentes morreram. Entretanto, um deles arma-
zenou cuidadosamente um grande acervo de (Tennyson, apud Holmes 1923).

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TERRÆ DIDATICA 1(1):6-35, 2005 Carneiro, C.D.R, Mizusaki, A.M.P., Almeida, F.F.M.

8. O dilema entre medir ou seqüenciar datado em 620 Ma, formado por duas partes: uma
clara e outra mais escura, quase preta. Sabe-se que
idades de rochas... rochas metamórficas originam-se a partir de ou-
A aplicação dos princípios da Estratigrafia, da tras, preexistentes, e, portanto, o primeiro problema
Paleontologia e dos métodos de datação inicia-se é saber qual das duas partes, que no exemplo é um
com o estudo das unidades geológicas no campo. gnaisse, formou-se primeiro e quais as etapas em
A partir dessa base de dados, pode-se definir correta- que se originou a rocha metamórfica.
mente qual (ou quais) evento(s) se pretende datar Na figura 15 nota-se que a rocha é cortada por
utilizando-se as técnicas da Geocronologia. Assim, falhas. Sabe-se ainda que, na metade direita da foto,
é possível selecionar as amostras de rocha mais ade- o gnaisse é atravessado por pequena intrusão de dio-
quadas, ou seja, mais representativas do material a rito; as falhas atravessam apenas o gnaisse – não cor-
ser datado, o que requer controle rigoroso das amos- tam o diorito. Os minerais componentes da rocha
tras de rocha, bem como um cuidadoso estudo da permitem obter datações, mas as falhas muitas ve-
idade geológica dos materiais. Evidências de idade re- zes não oferecem material adequado. Admita-se que,
lativa são, pois, essenciais para se determinar a ida- nos mapas, ambos os corpos (o de gnaisse, meta-
de geológica: é preciso estabelecer as relações entre mórfico, e o de diorito) sejam recobertos por sedi-
uma determinada rocha e as outras ao seu redor. mentos de idade devoniana, datados pela Paleon-
tologia. Pelo princípio das relações de intersecção,
Nas datações radiométricas analisamos os mi-
determinamos a idade relativa das falhas e do dio-
nerais componentes da rocha ou a rocha como um
rito: as falhas são mais antigas que o diorito e am-
todo. Portanto, se a rocha teve história longa e com-
bos formaram-se em algum momento durante o
plexa, este fator deve ser bem controlado em todas
intervalo 620-416 Ma, ou seja, entre a idade das
as suas variáveis.
rochas metamórficas e o início do Devoniano (416-
359 Ma). A datação radiométrica do diorito revela-
a. Complementaridade de métodos ria mais precisamente quando se formaram as fa-
Para determinar a idade geológica, são essenciais lhas, mas apenas dentro de um intervalo de idades.
as evidências de idade relativa dos materiais, ou seja, Rochas metamórficas são produtos de modifi-
é preciso estabelecer relações cronológicas de uma cações no estado sólido, a partir de outras rochas
rocha com as demais. Suponhamos um corpo de preexistentes. Até mesmo sucessivos eventos de
rocha metamórfica (Fig. 15), radiometricamente cristalização ao redor de cristais mais antigos podem

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Figura 14 – Diagrama para simulação do mecanismo de determinação radiométrica de idades em rochas,


conforme procedimento descrito no quadro 3 (baseado em Sequeiros et al. 1996)

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Carneiro, C.D.R, Mizusaki, A.M.P., Almeida, F.F.M. TERRÆ DIDATICA 1(1):6-35, 2005

ser investigados, fornecendo dados cada vez mais


completos sobre a evolução geológica da região.
Portanto, se o conjunto rochoso teve história lon-
ga e complexa, pode-se realizar estudos microscó-
picos para se identificar diferentes gerações de mi-
nerais que, por sua vez, isoladamente, seriam pas-
síveis de datação. No nosso exemplo, foi datado o
episódio de metamorfismo mais jovem. Em ou-
tras palavras, precisaríamos, para conhecer a histó-
ria geológica da região, coletar mais dados sobre os
materiais que deram origem ao gnaisse e controlar
quando se formaram as falhas. Figura 15 – Exposição de rocha metamórfica bandada,
composta por bandas pouco regulares de material
Enfim, para conhecer a história natural do chão
claro e escuro, de diferentes composições mine-
sob nossos pés, é fundamental saber as idades de ralógicas. Falhas discretas cortam o conjunto (des-
formação e as sucessivas modificações que os di- continuidades inclinadas para a esquerda, na foto),
versos materiais terrestres sofreram. Para se ter con- mas não afetam o diorito, de cor cinza-médio
trole preciso daquilo que se observa no laboratório
e no campo, a pesquisa retorna sempre ao ambien- Carneiro, C.D.R.; Brito-Neves, B.B. de; Amaral, I.A.
te natural, onde ficam os vestígios dessa história, do; Bistrichi, C.A. 1994. O Atualismo como prin-
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