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ESCOLAS da

MACROECONOMIA

Conselho Regional de Economia – 1ª Região/RJ


Corecon-RJ

Rio de Janeiro | 2015


Copyright 2015 por Conselho Regional de Economia 1ª Região/RJ – Corecon-RJ
Escolas da Macroeconomia
Conselho Regional de Economia 1ª Região/RJ – Corecon-RJ

Organizadores:
Maria Isabel Busato
Marcelo Dias Carcanholo
Fábio N. P de Freitas
Reinaldo Gonçalves

Coordenação editorial:
Antonio Lopes

Revisão:
Carolina Lacerda

Diagramação:
Diniz Gomes

Capa:
Ingo Bertelli

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação na (CIP)


Bibliotecária responsável: Aline Graziele Benitez CRB8/145

C635 Conselho Regional de Economia 1ª região


1.ed. Escolas da macroeconomia / Conselho Regional de Economia 1ª região. 1.ed. –
Rio de Janeiro: Albatroz, 2015.
80 p.

ISBN: 978-85-68878-19-4

1. Macroeconomia. 2. Economia. 3. Fenômenos Econômicos. 4. Estatísticas –


escala global. I. Título

CDD 339

Índice para catálogo sistemático:


1. Macroeconomia 339

Editora Albatroz | Rio de Janeiro-RJ


editoraalbatroz@gmail.com
www.editoraalbatroz.com.br
Sumário

Prefácio  4

Macroeconomia clássica  5
Fábio N. P. de Freitas

Macroeconomia neoclássica (antes de Keynes)  11


Fábio N. P. de Freitas

Macroeconomia Marxista  17
Fábio Guedes Gomes

Keynes e a Teoria Geral  23


Antonio Carlos Macedo e Silva

Macroeconomia Kaleckiana  28
Esther Dweck

Síntese Neoclássica  33
Jennifer Hermann

Monetarismo  39
Roberto Fendt

A Nova Macroeconomia Clássica  45


Marcelo Dias Carcanholo
4  Escolas da Macroeconomia

Macroeconomia Pós-Keynesiana  50
Andre de Melo Modenesi

Macroeconomia do Novo Consenso  55


Antonio Luis Licha

Novos Keynesianos  61
Maria Isabel Busato e Fabio N. P. de Freitas

Abordagem Sraffiana  66
Carlos Pinkusfeld Bastos

Escolas de Macroeconomia: Quadro-síntese  71


Fábio N. P. de Freitas, Maria Isabel Busato, Marcelo D. Carcanholo e
Reinaldo Gonçalves
Prefácio

Em março de 2014 o Jornal dos Economistas (Órgão Oficial do Corecon-RJ e


Sindecon-RJ) iniciou a publicação mensal de uma série de 12 artigos sobre escolas
do pensamento econômico, mais especificamente sobre Escolas da Macroeconomia.
Esse projeto institucional do Corecon-RJ e do Sindecon-RJ contou com a colaboração
de 12 economistas de diferentes estados. O último produto da série é um Quadro-
síntese que apresenta resumidamente os entendimentos de cada escola em relação às
questões-chave da Macroeconomia.
Os artigos tratam das seguintes escolas: Macroeconomia clássica; Macroeconomia
neoclássica (antes de Keynes); Macroeconomia Marxista; Keynes e a Teoria
Geral; Macroeconomia Kaleckiana; Síntese Neoclássica; Monetarismo; A Nova
Macroeconomia Clássica; Macroeconomia Pós-Keynesiana; Macroeconomia do
Novo Consenso; Novos Keynesianos e Abordagem Sraffiana.
A elaboração dos artigos segue, de modo geral, um conjunto de critérios: des-
taque para os principais temas, argumentos e conclusões; menção dos principais au-
tores e trabalhos da escola (pelo menos 2); recomendação de pelo menos 2 leituras
complementares; referências completas; tamanho máximo de 1950 palavras; minimi-
zação do uso de gráficos e equações “cabeludas” e ênfase na forma didática.
Os temas básicos da macroeconomia são: flutuação; emprego; produção; infla-
ção; acumulação de capital (crescimento) e distribuição. Entretanto, há escolas que
não focam todos esses temas. Ao analisar a contribuição de cada escola, o autor do
artigo também aponta o foco e o escopo (limites temáticos) da escola.
Os organizadores do projeto e do livro são Maria Isabel Busato, Marcelo Dias
Carcanholo, Fábio N. P. de Freitas e Reinaldo Gonçalves.
Com a conclusão desse projeto o Corecon-RJ e o Sindecon-RJ fornecem mais um
serviço de utilidade pública para estudantes e profissionais na área de Economia no
Brasil e, principalmente, no Rio de Janeiro.
Reinaldo Gonçalves
Professor do Instituto de Economia da UFRJ
Macroeconomia
Clássica
Fabio N. P. de Freitas*

Macroeconomia transformou-se em área pantanosa nas últimas décadas, inclusive para os


economistas acadêmicos. Neste número do JE inicia-se o projeto Escolas da Macroeconomia.
O projeto consiste na publicação mensal de um artigo-resenha que trate de determinada
escola do pensamento macroeconômico – principais hipóteses, argumentos e conclusões, e
papel da política econômica.
Haverá, então, um conjunto de doze artigos sobre as principais correntes: Macroeconomia
clássica; Macroeconomia neoclássica (Macroeconomia antes de Keynes); Keynes e a Teoria
Geral; Síntese Neoclássica; Monetarismo; Novo-Clássica; Novo-Keynesiana; Sraffiana; Pós-
keynesiana; Kaleckiana; Novo Consenso e Macroeconomia Marxista.
Haverá, ainda, um artigo no final da série que apresentará um quadro síntese no qual se-
rão comparadas as diferentes escolas no que se refere às seguintes questões: estabilidade
das economias capitalistas; causa das flutuações; ajustamento mercado (preços/salários) e
velocidade do ajustamento; noção de equilíbrio; expectativas; horizonte temporal dominante;
diretriz estratégica (livre mercado ou intervencionismo); papel da política monetária; papel
da política fiscal e questão regra ou discricionariedade. Este projeto institucional do Corecon-
RJ tem a colaboração de mais de uma dezena de economistas de diferentes estados e ins-
tituições. O foco principal dos artigos é didático e o objetivo central do Corecon-RJ é prestar
mais um serviço de utilidade pública para os leitores do JE, ou seja, economistas formados
que se beneficiarão dos artigos-resenha. A série de artigos também será útil para alunos de
graduação e pós-graduação.

* É professor do Instituto de Economia da UFRJ.


7  Escolas da Macroeconomia

A análise Em meados do século XVIII, nas mãos


da evolução dos de David Hume, a TQM serviu de fun-
níveis de pro- damento para influente crítica ao siste-
duto, emprego ma mercantilista de ideias e de políticas.
e preços tem Combinando o novo conceito de riqueza
sua origem no com uma generalização para o nível ge-
período de for- ral de preços da visão de que os preços
mação e con- são formados na esfera das trocas, Hume
solidação dos elaborou uma hipótese sobre a determi-
Estados moder- nação de longo prazo do nível de preços
nos; portanto, que pode ser representada a partir da co-
mesmo antes da nhecida equação de trocas, como segue:
economia política se tornar um campo
bem delimitado de investigação cien- MV
P=
tífica. Naquela altura, os autores mer- Y
cantilistas refletiam acerca de assuntos
econômicos pertinentes à administração onde P é o nível geral de preços, M é
e ao enriquecimento dos Estados nas- a quantidade de moeda,V é a velocidade
centes. Os mercantilistas analisavam te- de circulação da moeda e Y é o nível de
mas econômicos baseados na noção de produto real. As variáveis do lado direito
riqueza associada à acumulação de me- da equação seriam independentes entre
tais preciosos e na ideia de que os pre- si e também em relação ao nível de pre-
ços no longo prazo. Assim, para dados
ços seriam formados na esfera das trocas
valores de Y e V, o único impacto de lon-
sob a influência das condições de oferta e
go prazo de uma variação na quantidade
demanda. As ideias mercantilistas deram
de moeda seria a variação, na mesma di-
origem a um sistema de políticas que se
reção, do nível de preços. Com base nesta
caracterizava pela defesa da intervenção
versão de longo prazo da TQM, o pro-
estatal na economia como meio de gera-
cesso inflacionário observado ao longo
ção da riqueza das nações.
dos séculos XVI e XVII (a “revolução dos
O sistema mercantilista dominou a
preços”) seria explicado pelo contínuo
reflexão econômica durante os séculos influxo de metais preciosos vindos das
XVI e XVII. No entanto, no século XVIII colônias americanas para a Europa no
o mercantilismo passou a ser fortemen- mesmo período. Portanto, contrariando
te questionado. Em particular, a noção a posição dos mercantilistas, o acúmulo
de riqueza mercantilista foi criticada a de metais preciosos não teria contribuí-
partir da noção de riqueza baseada na do para uma expansão de longo prazo da
ideia de que o nível real de produto de riqueza (i.e., do nível de produto real),
um país seria independente de suas re- mas apenas para o aumento continua-
servas monetárias de metais preciosos. do do nível de preços. À luz dos debates
A nova concepção de riqueza contri- macroeconômicos modernos, de acordo
buiu para o surgimento da influente com a TQM de longo prazo de Hume a
Teoria Quantitativa da Moeda (TQM).
8  Escolas da Macroeconomia

moeda seria exógena e neutra no longo de produção que regulam a relação entre
prazo, em contraste com a visão de não o nível de produto real e a quantidade de
neutralidade da moeda de longo prazo trabalho utilizada. Finalmente, a adoção
implícita na visão mercantilista. da LS implica também que o investimen-
Enfraquecido, o sistema mercanti- to agregado é determinado pelo nível de
lista foi sucedido pela economia política poupança de plena capacidade da econo-
clássica como sistema de ideias domi- mia. Portanto, a acumulação de capital e
nante na discussão de assuntos econô- o crescimento do produto real dependem
micos. Particularmente, a partir das fundamentalmente dos determinantes da
contribuições de David Ricardo no início poupança potencial, entre os quais o mais
do século XIX verificou-se o surgimento importante é a distribuição funcional da
de um influente sistema de pensamento renda. Nesse sentido, sob a hipótese de
ortodoxo a respeito de questões macroe- que a poupança tem origem basicamente
conômicas. De acordo com a ortodo- nos lucros, haveria relação positiva entre
xia ricardiana, a riqueza está relacionada o ritmo de acumulação de capital e a par-
com o nível real de produto. Este último cela dos lucros na renda.
seria determinado em conformidade Em contraste com a TQM de Hume,
com a famosa “Lei de Say” (LS), segun- segundo a ortodoxia ricardiana o nível
do a qual a “demanda é limitada apenas geral de preços seria determinado no
pela produção”, o que é equivalente à pro- longo prazo de maneira independente da
posição de que o investimento agregado quantidade de moeda na economia. Os
é regulado pela poupança agregada. A preços relativos
produção, por sua vez, seria determina- das mercadorias
da pelo estágio de acumulação de capital dependeriam,
e pelas condições técnicas de produção no longo prazo
que regulam a relação entre o nível de e em condições
produto real e o estoque de capital dis- de livre con-
ponível na economia. Assim, de acordo corrência, das
com a LS, o nível de demanda agregada condições de
seria determinado no longo prazo pelo custos de pro-
nível de produto real governado por fa- dução das mer-
tores de oferta. Por outro lado, é impor- cadorias e, mais
tante notar que a adoção da LS nestas precisamente,
circunstâncias implica a plena utilização para Ricardo,
da capacidade produtiva da economia, das condições
porém não implica o pleno emprego técnicas de produção e do salário real.
da força de trabalho. Dessa maneira, a Como o ouro seria uma mercadoria
LS seria compatível com a existência de como outra qualquer, seu preço natural
desemprego estrutural. De fato, o volu- seria regulado pelo mesmo conjunto de
me de emprego seria determinado pelos forças no longo prazo. Logo, sendo consi-
mesmos fatores que explicam o nível de derado o ouro como padrão monetário, o
produto real e pelas condições técnicas sistema de preços é capaz de determinar
9  Escolas da Macroeconomia

o preço de todas as mercadorias em ter- Todavia, segundo a tradição ricar-


mos de ouro. Dessa forma, no sistema diana, no curto prazo a quantidade de
ricardiano, o nível de preços no longo moeda poderia ser diferente daquela
prazo é determinado por fatores reais requerida no longo prazo. Diante desta
sem conexão com a quantidade de moe- possibilidade, a ortodoxia ricardiana su-
da disponível na economia. punha, de maneira consistente com a LS,
Sendo assim, no longo prazo, segun- que não haveria entesouramento líquido
do a ortodoxia ricardiana, os níveis de de moeda e que, portanto, a velocidade
produto real e de preços são determina- de circulação da moeda seria estável no
dos independentemente da quantidade curto prazo. Com efeito, valeria a TQM
de moeda, o mesmo ocorrendo com a no curto prazo e, dessa maneira, o nível
velocidade de circulação. Decorre disto de preços seria explicado pela quantida-
que, na equação de trocas, a variável a ser de de moeda disponível. Poderiam ocor-
determinada endogenamente é a quanti- rer mudanças exógenas na quantidade de
dade de moeda, de modo que: moeda no curto prazo e tais mudanças
seriam neutras do ponto de vista de seus
PY
M= efeitos sobre o nível de produto real.
V Especificamente, num sistema mo-
netário puramente metálico, uma discre-
Esta leitura da equação de trocas pância entre as quantidades existente e
provê uma explicação alternativa à TQM requerida de moeda causaria um desvio,
de longo prazo de Hume para a “revolu- na mesma direção, do nível de preços em
ção dos preços” dos séculos XVI e XVII. relação ao seu nível de equilíbrio.
Neste caso, uma mudança nas condições Este último desvio, por sua vez, pro-
técnicas de produção dos metais precio- vocaria um desequilíbrio no balanço de
sos teria levado a uma queda do preço pagamentos que teria como contraparti-
do ouro em termos de outras mercado- da o fluxo internacional de ouro, que eli-
rias e, portanto, a um aumento do nível minaria a discrepância entre a quantidade
de preços das mercadorias em termos
do padrão monetário (i.e, um aumento
de P). O aumento de P, por sua vez, teria
levado a um aumento da quantidade de
moeda requerida para a circulação, o que
explicaria o influxo de metais preciosos
nos países europeus no período em ques-
tão. Assim, em contraste com a TQM de
Hume, segundo a ortodoxia ricardiana a
moeda seria endógena no longo prazo.
Porém, em conformidade com a TQM de
Hume, a moeda não exerce influência so-
bre o nível de produto real e, desse modo,
seria neutra no longo prazo.
10  Escolas da Macroeconomia

de moeda e seu consideraram que a inflação do período


nível requerido resultaria de um descontrole na emis-
e provocaria o são de papel moeda não conversível em
retorno do ní- ouro. A posição de Ricardo e dos demais
vel de preços autores bullionistas era de que a estabili-
ao seu patamar dade de preços só poderia ser alcançada
de equilíbrio. com um retorno à conversibilidade, o
Assim, no caso que aconteceu em 1819; porém, os anos
de um sistema seguintes foram caracterizados por in-
monetário pu- tensas flutuações no nível de preços en-
ramente metáli- tremeadas por crises agudas de balanço
co, a economia de pagamentos. Diante da evidência de
seria capaz de que a conversibilidade legal não era su-
manter a estabilidade do nível de preços ficiente para manter a estabilidade de
sem a necessidade de uma política espe- preços, a tradição ricardiana, represen-
cífica para tanto. tada no segundo quarto do século XIX
O mesmo não necessariamente pela currency school, passou a defender
ocorreria no caso de sistemas monetários a necessidade de um controle sobre o
baseados na circulação de papel moeda. poder de emissão de papel moeda. Mais
Neste tipo de sistema, a estabilidade dos especificamente, o Banco da Inglaterra
preços requer que as emissões de papel deveria agir de maneira a fazer a emis-
moeda acompanhem os movimentos in- são de papel moeda acompanhar os flu-
ternacionais do ouro, com uma redução xos internacionais de ouro. Assim, no
(ampliação) da emissão de papel moe- Bank Charter Act de 1844 o Banco da
da quando ocorre uma saída (entrada) Inglaterra foi dividido em dois departa-
de ouro. Na Inglaterra, o perío- mentos, sendo um deles responsável pela
do das Guerras emissão de papel moeda e o outro pelas
Napoleônicas atividades bancárias propriamente ditas.
foi caracteriza- O departamento de emissão só expan-
do por surtos diria a quantidade de notas além de um
inflacionários,
ao mesmo tem-
po em que ocor-
reu a suspensão
da conversibilida-
de das notas emi-
tidas pelo Banco
da Inglaterra em
ouro (entre 1793 e
1819). Ricardo e os
autores do Bullion
Report de 1810
11  Escolas da Macroeconomia

mínimo estabelecido em lei se houvesse Referências bibliográficas sugeridas


expansão equivalente das reservas mo-
Feldman, Germán D. A Sraffian Interpretation
netárias de ouro. Entretanto, a existência
of Classical Monetary Controversies. The
desta regra de política monetária não foi European Journal of the History of Economic
capaz de impedir a instabilidade do nível Thought, em processo de publicação, 2014.
de preços, bem como a atuação do Banco
da Inglaterra como estabilizador do siste- Green, Roy. Money, Output and Inflation in
Classical Economics. Contributions to Political
ma de crédito nos momentos de crise que
Economy, Vol. 1, p. 59 – 85, 1982.
eclodiam periodicamente.
A ortodoxia ricardiana foi duramen- Green, Roy. Classical Theories of Money, Output
te criticada ao longo do século XIX por and Inflation: a Study in Historical Economics.
vários autores. Porém, convém destacar London and Basingstoke: Macmillan, 1992.
dois deles: Thomas Tooke e Karl Marx.
O primeiro foi o líder da banking school,
que se opôs à currency school. Nas obras
de Tooke há uma crítica à TQM ricardia-
na porque: (i) o nível de preços depende-
ria das condições de custo tanto no curto
como no longo prazo; e (ii) as regras de
política monetária derivadas da TQM
ignoravam a complexidade do funciona-
mento do sistema de crédito e, por isso,
tenderiam a promover a instabilidade eco-
nômica. Por sua vez, Karl Marx criticou de
maneira abrangente a economia política
clássica e concordou com boa parte das
críticas de Tooke à currency school. Em
particular, Marx formulou a crítica mais
elaborada à LS no século XIX com sua dis-
cussão do problema da realização da mais
valia. Segundo o autor, em economias
monetárias existe a separação dos atos de
compra e venda e, portanto, a possibilida-
de de entesouramento líquido faz com que
a demanda agregada seja independente do
nível de produto real. A literatura marxis-
ta envolvendo o problema da realização
levou ao desenvolvimento do princípio da
demanda efetiva por parte de Kalecki na
década de 1930, segundo o qual a deman-
da agregada determina os níveis de produ-
to real e de emprego da economia.
Macroeconomia
Neoclássica
Pré-Keynesiana
Fabio N. P. de Freitas*

No final do de equilíbrio entre oferta e demanda


século XIX, a em cada mercado, os preços relativos
revolução mar- dos produtos e dos fatores de produ-
ginalista levou à ção (i.e., a distribuição funcional da
ascensão da es- renda), de um lado, e as quantidades
cola neoclássica produzidas de produtos e utilizadas de
como a nova fatores, de outro. Em equilíbrio geral,
corrente domi- os fatores de produção seriam plena-
nante. Houve mente empregados e os preços relativos
ruptura com a refletiriam – diretamente, no caso dos
economia po- preços dos fatores, e indiretamente, no
lítica clássica caso dos preços dos produtos – a escas-
do ponto de vista da teoria dos preços sez relativa dos fatores.
relativos e da distribuição de renda. A O sistema de preços afetaria as
visão neoclássica sobre o funciona- decisões das firmas maximizadoras de
mento do mecanismo de mercado é lucro e dos consumidores maximizado-
caracterizada pela noção de escassez res de utilidade, promovendo a aloca-
e pelo princípio da substituição. Esta ção dos fatores de produção. A relação
visão encontra sua expressão analíti- entre os preços relativos e as decisões
ca no modelo neoclássico de equilí- das firmas e dos consumidores seria
brio geral competitivo. Neste modelo, regulada pelo o que Alfred Marshall
a dotação de fatores, as preferências denominou princípio da substituição.
dos consumidores e a tecnologia são Na teoria neoclássica, o princípio da
consideradas variáveis exógenas. Com substituição explica a tendência da
base nestas variáveis, seriam determi- economia ao pleno emprego dos fato-
nados simultaneamente, em condições res. Supondo dois fatores de produção
* É professor do IE-UFRJ.
13  Escolas da Macroeconomia

(trabalho e capital de qualidade ho- preço relativo do trabalho conduziria a


mogênea) e pleno emprego, o aumen- um aumento da demanda por trabalho
to na dotação de trabalho causaria e contribuiria para a absorção da oferta
excesso de oferta de trabalho, manti- adicional de trabalho. A queda da taxa
dos os preços relativos. A concorrên- de salário real persistiria enquanto hou-
cia no mercado de trabalho reduziria vesse excedente de mão de obra e, dessa
a taxa de salário real e, portanto, coloca- maneira, a operação do sistema de pre-
ria em movimento dois mecanismos de ços e dos mecanismos de substituição
substituição. faria a economia tender novamente
Por um lado, segundo o mecanis- para uma situação de pleno emprego
mo de substituição direta (ou tecnoló- dos fatores de produção.
gica), a queda da taxa de salário real A tendência ao pleno emprego
induziria as firmas a substituírem pro- de todos os fatores de produção, bem
cessos de produção mais intensivos em como a ideia de determinação simultâ-
capital por processos mais intensivos nea de preços relativos e quantidades
em trabalho, o que aumenta a deman- presente no modelo neoclássico, con-
da por trabalho e contribui para absor- trasta com as ideias presentes na econo-
ção da força de trabalho adicional. Por mia política clássica. De fato, na teoria
outro lado, a queda do preço relativo neoclássica o modelo de equilíbrio
do trabalho afetaria os custos relativos geral provê não apenas explicação
das mercadorias que usam trabalho para a determinação dos preços rela-
de forma intensiva relativamente ao tivos das mercadorias e da distribuição
custo de produção das demais merca- de renda, como também uma teoria
dorias. Dada a concorrência, os preços para o nível de produto, determinado
relativos das mercadorias mais inten- em condições de equilíbrio geral, pelo
sivas em trabalho cairiam e, portanto, pleno emprego dos fatores de produ-
os consumidores responderiam a essa ção, sendo, portanto, um produto de
mudança substituindo cestas de pro- pleno emprego.
dutos intensivos em capital por cestas O modelo de equilíbrio geral fun-
de produtos intensivos em trabalho. cionaria em uma economia não mo-
Essa mudança da composição do con- netária, visto que o produto de pleno
sumo final da economia, ou seja, meca- emprego é totalmente determinado
nismo de substituição indireta (ou no por fatores não monetários (dotação de
consumo), causa aumento na deman- fatores, preferências e tecnologia). Na
da por trabalho, pois cada unidade do economia monetária, supõe-se que o
fator capital, plenamente empregado, produto de pleno emprego permaneça
transferida da produção de produtos sendo referência para a explicação do
intensivos em capital para a fabrica- nível de produto no longo prazo, en-
ção de produtos intensivos em trabalho quanto o nível geral de preços e demais
requer quantidade maior de trabalho. grandezas nominais seriam determi-
Portanto, por intermédio dos dois me- nados por fatores monetários, carac-
canismos de substituição, a queda do terizando a neutralidade da moeda no
14  Escolas da Macroeconomia

longo prazo na tra-


dição neoclássica.
A visão pre-
dominante entre os
autores pré-keyne-
sianos era de que
o nível geral de
preços seria deter-
minado pela teoria
quantitativa da mo-
eda (TQM). Porém,
em contraste com
visão da ortodo- à versão de Cambridge da TQM,
xia ricardiana, a TQM da abordagem que posteriormente foi desenvolvi-
neoclássica fornece explicação para da principalmente por Arthur Cecil
o comportamento do nível geral de Pigou. Essa versão é apresentada em
preços no longo prazo. Na ortodoxia termos de oferta e demanda pelo
ricardiana, a TQM tem o papel de ex- estoque de moeda. A oferta de moe-
plicar o nível de preços no curto prazo, da seria dada exogenamente por um
enquanto que no longo prazo o nível agregado monetário restri to (notas
de preços é determinado pelos cus- conversíveis e moedas metálicas) que
tos relativos de produção da moeda exclui os depósitos bancários de sua
mercadoria. Irving Fisher e Alfred definição, de modo que:
Marshall –dois dos principais autores
neoclássicos responsáveis pelo desen- M0 = M
volvimento da TQM – consideravam
que os metais preciosos eram muito Por outro lado, a especificação da
duráveis e, portanto, o estoque existen- demanda por moeda envolve o uso
te desses metais era grande em relação do conceito de demanda por encaixes
ao seu fluxo anual de produção. Dessa monetários reais, que seria uma função
maneira, o preço relativo dos metais positiva do nível de produto real (Y Y
preciosos (e, logo, o nível de preços das ), conforme segue:
mercadorias) seria regulado pelas suas
condições de oferta e demanda em ter- M
D

mos de estoque e, dessa maneira, não = kY


manteria uma relação direta com seus P
custos de produção. Sendo que MD MD é a demanda
A contribuição de Marshall foi a por moeda em termos nominais, k k é
que exerceu influência mais forte e a razão entre encaixes reais de moeda
duradoura sobre o desenvolvimen- e o produto real. A variável k k ocupa
to futuro da teoria macroeconômica. o lugar da tradicional velocidade de
De fato, sua contribuição deu origem circulação da moeda e é determinada
15  Escolas da Macroeconomia

por fatores comportamentais relacio- explicada tanto


nados com a conveniência (utilidade) por mudanças
de manutenção de saldos monetários na oferta quan-
para fazer frente aos descasamentos to na demanda
temporais entre receitas e despesas por moeda.
monetárias das firmas e dos consu- No cur-
midores. A variável k k também é de- to prazo, tanto
terminada por fatores institucionais, Marshall como
como o grau de intermediação bancá- Pigou admitiam
ria. Já o nível de produto real é deter- a possibilidade
minado no longo prazo pelas variáveis
de interações
exógenas do modelo neoclássico de
entre o nível
equilíbrio geral: preferências, tecnolo-
de preços, a oferta monetária, o k k de
gia e a dotação de fatores.
No equilíbrio de longo prazo, o k k Cambridge e o nível de produto real. O
de Cambridge e o nível de produto são k k de Cambridge poderia mudar em
determinados independentemente do função do ciclo de crédito bancário e
nível geral de preços e da oferta de mo- da confiança dos agentes nos negócios
eda. Assim, do equilíbrio entre oferta e e no sistema bancário, o que contribui-
demanda por moeda obtemos uma te- ria para a propagação de choques de
oria para a determinação do nível geral oferta. O nível de produto real poderia
de preços no longo prazo, que seria de- desviar temporariamente do nível de
terminado conforme a equação abaixo: longo prazo, dada a hipótese de que, no
curto prazo, os salários nominais se-
M riam rígidos. Neste caso, uma variação
P= pró-cíclica do nível de preços levaria a
kY
uma variação anticíclica dos salários
Dessa equação deriva-se a propo- reais. Esta, por sua vez, levaria, por in-
sição de que a expansão (contração) da termédio dos mecanismos de substitui-
oferta de moeda levaria ceteris paribus ção, à variação pró-cíclica no nível de
à elevação (redução) do nível de pre- emprego. Por fim, dada a tecnologia, as
ços. Porém, na versão de Cambridge a variações no nível de emprego provo-
oferta de moeda não inclui os depósitos cariam alterações na mesma direção do
bancários, de modo que a tendência de
nível de produto real. Assim, no curto
preços no longo prazo poderia ser in-
prazo, fatores monetários poderiam
fluenciada pela tendência ao aprofun-
gerar flutuações no nível de produto
damento da intermediação bancária,
real e no emprego.
captada por uma tendência de queda
do k k que contribuiria para o aumen- No longo prazo, entretanto, os
to do nível de preços. Logo, na versão salários nominais seriam flexíveis, de
de Cambridge da TQM a tendência de modo que essas flutuações, embora re-
longo prazo do nível de preços seria correntes, se dariam em torno do equi-
líbrio de longo prazo, mantendo-se o
16  Escolas da Macroeconomia

resultado da neutralidade da moeda mercado e natural divergissem, o que


como uma tendência de longo prazo. poderia levar ao processo cumulativo
Knut Wicksell foi outro autor de mudanças nos preços.
neoclássico cujas contribuições tive- Em uma economia fechada e
ram influência duradoura. Wicksell era de crédito puro (i.e., economia em
crítico da TQM em sua versão tra- que todas as transações são efetua-
dicional, que, segundo o autor, só das via setor bancário), o proces-
forneceria explicação plausível para o so cumulativo poderia continuar
comportamento do nível de preços indefinidamente, pois os bancos po-
em economias com baixo grau de deriam manter suas taxas de emprés-
intermediação bancária. Era também timo diante tanto da expansão como
crítico da ideia de que o nível de preços da contração continuada do crédito.
seria regulado no longo prazo pelas Portanto, apenas a ação da autoridade
condições de custos de produção das monetária poderia estabilizar o nível
mercadorias. Para ele o comporta- de preços via regulação da taxa de
mento do nível geral de preços envol- juros. Todavia, para economias aber-
ve necessariamente a conexão entre tas baseadas no padrão ouro como as
o mercado monetário/financeiro e o da época em que Wicksell escreveu,
mercado de bens. as reservas bancárias impõem limite
A conexão entre o mercado de bens ao processo cumulativo. A expansão
e o mercado monetário/financeiro se- (contração) creditícia que acom-
ria mediada pela relação entre a taxa de panha o aumento (a redução) de
juros de mercado – aquela fixada pelos preços encontra limite na perda (no
bancos em suas operações de crédito acúmulo) excessiva de reservas ban-
– e a taxa natural de juros – aquela cárias. Consequentemente, os bancos
associada ao equilíbrio de longo prazo aumentam (reduzem) a taxa de juros
(de pleno emprego) obtido a partir do de mercado, elimina-se o exces-
modelo neoclássico de equilíbrio geral so de demanda (oferta) agregada e
e seus determinantes básicos: preferên- interrompe-se a mudança do nível de
cias, tecnologia e dotação de fatores. Se preços.
a taxa de juros de mercado é menor Segundo Wicksell, as flutuações
(maior) do que a taxa natural há exces- no nível de preços estariam também
so de demanda (oferta) no mercado relacionadas com a ocorrência de cho-
de bens (i.e., o investimento é menor ques reais – mudança nas dotações
(maior) do que a poupança de pleno dos fatores, na tecnologia e nas pre-
emprego da economia) e o crédito ferências – que afetariam a taxa natural
bancário estaria aumentando (con- de juros. Com intermediação bancária
traindo). O excesso de demanda (ofer- significativa, caso os bancos mantives-
ta) no mercado de bens pressionaria sem a taxa de juros de mercado no
positivamente (negativamente) o nível seu patamar anterior ao choque, a taxa
geral de preços. Essa pressão perma- de juros de mercado seria diferen-
neceria enquanto as taxas de juros de te da taxa natural, e isso provocaria
17  Escolas da Macroeconomia

a instabilidade do nível de preços.


Assim, aumento (redução) da taxa
natural de juros elevaria (reduziria) o
nível de preços. Posteriormente, como
vimos acima, a elevação (redução) do
nível de preços seria acompanhada por
aumento (redução) da taxa de juros de
mercado. Dessa maneira, seria observa-
da uma correlação positiva entre o ní-
vel de preços e a taxa de juros, algo que
era corroborado pela evidência empí-
rica disponível na época. Assim, em-
bora possa ser influenciada no curto
prazo por fatores monetários, a taxa de
juros seria determinada no longo prazo
por fatores reais. As economias capita-
listas seriam caracterizadas pela neutra-
lidade da moeda no longo prazo.

Bibliografia sugerida
Laidler, D. The Golden Age of the Quantity
Theory: the development of neoclassical monetary
economics 1870-1914. Nova York: Philip
Allan, 1991.

Milgate, M. Capital and Employment: a study


of Keynes’s economics. Londres: Academic Press,
1982.

Wicksell, K. The Influence of the Rate of


Interest on Commodity Prices”, em. In:
Lindahl, E. (ed.). Selected Papers on Economic
Theory. Cambridge: Harvard University Press,
(1898), 1958
Macroeconomia
Marxista

Fábio Guedes Gomes*

Desde a onde o tempo seria melhor distribuído


década de 1970 entre a atividade produtiva, a contem-
o modo de plação, o prazer e a livre criatividade.
produção capi- Nas últimas três décadas do sé-
talista vem se culo XX, transformações políticas
revolucionando, importantes redefiniram o comporta-
impondo funda- mento social e econômico de muitos
mentais mudan- sistemas societais. Mais de um terço
ças e adequando da população mundial agonizava na
novas formas pobreza e o processo de acumulação
de relações so- de capital colocava limites intranspo-
ciais diante de níveis à biosfera.
transformações O renascimento do pensamen-
aceleradas no conjunto das forças pro- to liberal, na esteira de mais um mo-
dutivas. O progresso tecnológico baseado vimento de internacionalização do
na microeletrônica redimensionou capital (leia-se globalização), abriu
os meios de produção, acentuando a um período de contrarrevolução con-
exploração da força de trabalho e con- servadora. No mundo econômico, as
trariando as otimistas perspectivas de instituições multilaterais, como FMI,
John Maynard Keynes. Em seu famoso Banco Mundial e OMC, a “Santíssima
ensaio Possibilidades econômicas de nos- Trindade” do capitalismo contempo-
sos netos (1930), o economista inglês râneo, orientavam, sob ameaças de
defendia que no século XXI seríamos sanções, os países da periferia a se in-
liberados do trabalho árduo e adentraría- tegrarem à Nova Ordem Internacional,
mos na terra prometida, numa Nova Era, comandada pelos EUA e seu novo ciclo

* É professor de Economia da Universidade Federal de Alagoas.


19  Escolas da Macroeconomia

expansivo, baseado no desenvolvimen- De outro modo, sua elevada capaci-


to acelerado das atividades financeiras- dade de desenvolver as forças produ-
-creditícias. tivas, aumentando a produtividade
Nesse contexto, um amplo conjun- do sistema, esbarra na capacidade
to de opiniões, análises e argumentos da própria sociedade em absorver a
assumiram compromisso intelectual e miscelânea de produtos que são des-
político de sepultarem correntes analí- pejados todos os dias nos circuitos
ticas mais críticas, proclamando “o fim da circulação. Essa contradição re-
das ideologias”, cantando em louvores vela porque o capitalismo é um siste-
a objetividade e a neutralidade teórica. ma inerentemente instável. No Livro
Os ideólogos do neoliberalismo afia- II de O Capital, Karl Marx antecipa,
vam seus armamentos teóricos e ideo- em quase meio século, o proble-
lógicos objetivando derrotar qualquer ma da insuficiência da demanda, a
oponente crítico e histórico. preocupação central da teoria geral
Na esteira da contrarrevolução de Keynes, que o mesmo resgata do
conservadora, o pensamento mar- pároco Thomas Malthus, talvez para
xiano, com suas diversas derivações, não se declarar um leitor atento à
deu a impressão de arrefecimento produção do velho Mouro.
intelectual. Somente impressão. Pelo Entretanto, Marx desenvolve o
contrário, um pensamento marxista núcleo de sua análise do processo de
ou tomando ele como base se de- produção de capital nos dois primeiros
senvolveu, ganhando importância volumes do Livro I. Com base na teoria
analítica nos últimos três decênios. do valor-trabalho e na lógica dialética,
Os interesses pelos estudos e leituras aplicadas às categorias econômicas, ele
nesse campo aumentaram, sobretudo desmontou os alicerces que sustenta-
na nova fase de financeirização da vam as premissas da economia burgue-
riqueza que desembocou nas crises sa de sua época. Diferentemente dos
econômico-financeiras que atingi- princípios liberais de Adam Smith, que
ram os Estados Unidos (2007-2009) percebiam uma sociedade que tendia
e Europa (2011-2012). ao equilíbrio social e econômico deter-
Os estudos marxistas mais con- minado pelo comportamento egoísti-
temporâneos resgatam, dentre mui- co dos indivíduos, e completamente
tos aspectos, o essencial da teoria contrário à chamada Lei de Say, que
marxista para explicar as vicissitudes advogava a harmonia entre produção e
do capitalismo contemporâneo e as consumo na máxima “a oferta cria sua
contradições postas. Da teoria mar- própria procura”, Marx demonstrou
xiana se toma como premissa uma que no capitalismo a dissociação entre
contradição fundamental do modo produção e consumo era inerente ao
de produção capitalista: sua tendên- seu funcionamento.
cia, ad infinitum, de produzir mer- Na teoria marxiana as condições
cadorias conflita com a pobreza e materiais de produção da riqueza na so-
a restrição do consumo das massas. ciedade capitalista articulam a produção,
20  Escolas da Macroeconomia

distribuição, a troca e o consumo. A cir-


culação é a troca em sua manifestação
geral. Esse todo articulado representa os
elementos fundamentais da criação de ri-
queza no sistema, portanto, separá-lo im-
plica dificultar ainda mais a compreensão
essencial do funcionamento da ordem
capitalista, como a riqueza é produzida e
apropriada privadamente. Mesmo reco-
nhecendo que esses momentos não são
idênticos (produção, distribuição, troca
e consumo) eles constituem elementos
de uma mesma totalidade: o modo de
produção capitalista. Ainda, reconhecen-
do a importância de cada um deles, é no
âmbito da produção que acontece a cria-
ção de riqueza. Estabelecida a relação trabalhista
De maneira sumária podemos contratualmente, os capitalistas põem
dizer que Marx revelou que o capital, a força de trabalho (ft) em operação
antes de aparecer como uma catego- na produção de mercadorias, jun-
ria econômica, se trata de uma rela- tamente com os meios de produção
ção social. Essa relação é estabelecida, (mp). No esquema abaixo, podemos
continuamente, com intuito de pro- ver que o capitalista, possuidor do
duzir valor. Diferentemente de outros dinheiro (D), adquire mercadorias
modos de produção, no capitalismo (ft+mp), junta-as no processo pro-
essa relação social de produção é dutivo (P), com objetivo de produzir
estabelecida entre trabalhadores, novas mercadorias, consequentemen-
que vendem sua força de trabalho te com valores superiores (M’) às
(em troca de salários), porque con- mercadorias adquiridas (M=mp+ft).
tam somente com essa “propriedade” Uma vez produzidas, as novas mer-
para lhes garantir a sobrevivência, e cadorias, serão trocadas por dinheiro
os empresários capitalistas, proprie- (D’) no processo de comercialização.
tários dos meios de produção (ins- Portanto, no esquema abaixo, temos
trumentos e ferramentas de trabalho, três momentos. D-M e M’-D’ tratam
equipamentos, máquinas, terras etc.). de relações de troca, onde o primei-
Com a propriedade do dinheiro, em ro momento representa um ato de
última instância, o empresário capi- compra e o segundo um ato de venda.
talista compra a força de trabalho Eles significam simplesmente a circu-
(que será definida como capital va- lação das mercadorias, sem importân-
riável cv) e mantêm a propriedade cia alguma na determinação do valor
sobre os meios de produção (deno- das mesmas, ao contrário do que
minados capital constante cc). apregoa o pensamento econômico
21  Escolas da Macroeconomia

convencional. O valor, portanto, é equipamentos auxiliares. O salário


criado, conforme a teoria do valor- deve corresponder a um valor suficien-
-trabalho, no momento da produção, te para que os trabalhadores adquiram
representado abaixo pelo circuito bens necessários à sua reprodução
M-P-M’. enquanto seres. Sendo assim, o salá-
rio representa apenas uma fração do
valor total que eles são capazes de
produzir ao longo do tempo de execu-
ção da força de trabalho. Em outras
palavras, a verdadeira base dos lucros
Portanto, no ciclo D-M--P---
repousa na exploração da força de
M’-D’ Marx demonstrou a capacida-
trabalho, a expropriação dos resul-
de do sistema capitalista de reproduzir
tados do trabalho alheio, subtraindo
valor em escala ampliada. D’ contém
valor superior ao despendido inicial- do valor total criado uma fração que
mente (D), e assim sucessivamente os trabalhadores absorvem na forma
a cada ciclo. A diferença fundamental, salários. Nessa linha de raciocínio, o
D’-D, representa o lucro do empre- resultado líquido que é apropriado
sário capitalista. Ele o calcula obser- pelo empresário capitalista chama-se
vando o resultado líquido de toda a mais--valor (ou mais-valia).
operação. Aqui reside o ponto central A empresa capitalista é conduzi-
da teoria. Marx tinha em mente que da pelo espírito de maximização dos
não bastava uma teoria do valor-tra- seus benefícios. Em última ins-
balho para explicar o funcionamen- tância, o sistema se movimenta não
to do modo de produção capitalista. com o objetivo geral de produzir
Mais que uma avaliação substancial mercadorias para satisfazer as neces-
de que as mercadorias possuem valo- sidades de consumo, mas essencial-
res em razão da quantidade de traba- mente com a finalidade de atender
lho contida nas mesmas, medida pelo aos interesses de acumulação de ca-
tempo gasto em sua produção, ele pital (criação e apropriação de valor).
apresentou uma teoria da exploração Isso significa, portanto, reproduzir,
da classe trabalhadora. continuamente, as relações sociais de
Ao contrário do cálculo contábil produção. O processo de acumula-
do empresário capitalista, a base do
ção de capital é tanto uma finalidade
lucro reside na diferença entre o que
subjetiva quanto uma força motriz
ele paga, na forma de salário, ao tra-
de todo o sistema. Então, importa
balhador para executar sua força de
realizar a venda das mercadorias
trabalho e a quantidade de valor que
esse trabalhador foi capaz de produ- produzidas, pois elas carregam o lu-
zir durante uma determinada jornada cro capitalista. As crises da economia
de trabalho, levando em conta tam- capitalista revelam-se quando ocor-
bém as circunstâncias e utilização de rem fortes rupturas entre a produ-
ção e o consumo, algo inimaginável
22  Escolas da Macroeconomia

na teoria neoclássica baseada na lei tendência à redução da taxa de lu-


dos mercados de Say. cro do sistema; 3) diminuição relati-
Os avanços tecnológicos redefi- va do emprego da força de trabalho;
nem as relações sociais de produção, 4) elevação da taxa de exploração da
modificando e elevando a composição força de trabalho; 5) diminuição re-
orgânica do capital (a relação entre lativa do consumo; e 6) busca de-
capital constante e capital variável – senfreada pela produção de novos
cc/cv). Em razão tanto da luta entre produtos, abertura de mercados e
trabalhadores e empresários capi- intensificação da concorrência inter-
talistas, quanto pela concorrência capitalista. No capítulo XIV do Livro
entre esses, o progresso tecnológico é III de O Capital, Marx aponta as
determinante no sistema produtivo, contratendências do sistema à queda
tornando-o mais eficiente e elevan- da taxa de lucro no longo prazo.
do sua produtividade. Isso ocorre à Contrariamente aos teoremas
custa da redução do capital variável clássico e neoclássico do equilíbrio
em relação ao capital constante. Não macroeconômico, Marx demonstrou,
significa que o emprego de mão de portanto, muito antes de Keynes, que
obra diminua em termos absolutos. o capitalismo é instável por sua con-
Pelo contrário, pode-se até empregar dição estrutural de dissociar a pro-
mais força de trabalho. O que importa dução do consumo. As crises não são
são as modificações na relação entre meras disfunções macroeconômicas
capital variável e capital constante. como defendiam os neoclássicos; elas
A taxa de lucro pode cair mesmo não significam epifenômenos das contra-
ocorrendo desemprego, basta que a dições e desequilíbrios inerentes à es-
utilização de máquinas, equipamen- sência de funcionamento das relações
tos etc. cresça em razão maior que o sociais de produção capitalista.
emprego da força de trabalho. Essas O processo de valorização da
alterações, portanto, têm o intuito de riqueza, por exemplo, através dos
elevar a quantidade de mercadorias circuitos da circulação financeira
produzidas, mas acabam modificando (especulação), é um sintoma muito
a razão entre a taxa de exploração característico de que o sistema enfren-
(mais-valor/cv) e a composição orgâ- ta uma crise de realização, pois a
nica do capital (cc/cv). criação de valor no circuito produ-
Assim, os avanços tecnológicos tivo tem enfrentado obstáculos mui-
no sistema de produção capitalista to sérios que acabam empurrando os
promovem, no longo prazo, dissabo- capitalistas (e o grupo de executivos
res que alteram, substancial e inten- de importantes empresas) para novas
samente, as condições de equilíbrio formas de valorização de capital, espe-
entre produção e consumo, exigindo cialmente de maneira fictícia.
fortes ajustamentos, econômicos e Atento a esse movimento e
políticos. Os resultados gerais são: 1) suas consequências, uma vasta lite-
superprodução de mercadorias; 2) ratura surgiu nos últimos decênios
23  Escolas da Macroeconomia

buscando compreender a crise es-


trutural do capitalismo contemporâ-
neo. Fundamentados ou com alguma
inspiração na análise marxiana, esses
trabalhos analisam os movimentos
recentes de acumulação de capital
sob a égide da financeirização, as
implicações para a macroeconomia
de vários países e suas interconexões
internacionais. Dentre os trabalhos
mais acessíveis ao público brasilei-
ro, podemos destacar as importantes
contribuições de François Chesnais,
Gerard Duménil, Dominique Lévy,
Robert Brenner, Susanne de Brunhoff,
Michel Aglietta, Giovanni Arrighi,
David Harvey, Reinaldo Carcanholo
e Paulo Nakatani.

Bibliografia sugerida
AGLIETTA, Michel. Macroeconomia
Financeira. Vols. 1 e 2. São Paulo: Edições
Loyola, 2004.

CHESNAIS, François (org.). A Finança


Mundializada. São Paulo: Boitempo Editorial,
2005.

LAIBMAN, David. Capitalist Macrody-


namics: a systematic introduction, London,
Macmillan, 1997.
Keynes e a
Teoria Geral

Antonio Carlos Macedo e Silva*

A princi- tempo) a babel dos economistas que,


pal contribui- no princípio do século XX, discutiam
ção de Keynes à apaixonadamente as flutuações do ní-
Macroeconomia vel de atividade.
cabe em três Nossos antepassados de profissão
letras: Y = A/s. não eram menos espertos do que nós:
O nível do pro- sabiam que as decisões econômicas
duto Y, dada a são tomadas com base em expectativas
propensão mar- que podem ser frustradas: frustram--
ginal a poupar -se empresários que não conseguem
s, depende do escoar a produção e trabalhadores que
gasto autôno- não conseguem emprego. Acreditavam,
mo A. Essa ex- entretanto, que, no “longo prazo”, a
pressão, gravada no cérebro de todo mão invisível – se livre para operar –
economista, é para muitos uma tri- haveria de conciliar todas as demandas
vialidade, se não um truísmo. Porém, e ofertas, gerando um equilíbrio geral.
não é uma trivialidade porque envolve Para aquém disso, no “curto prazo”, era
um conjunto complexo de condições o caos. A abundância de teorias era tão
de equilíbrio. Não pode, portanto, ser grande quanto difícil o diálogo entre
um truísmo (economias reais estão elas. Faltava aos economistas um vo-
sempre em desequilíbrio). No entanto, cabulário comum: termos corriqueiros
essa expressão algebricamente trivial e como investimento, consumo, poupan-
que descreve uma situação que nunca ça e produto tinham definições idios-
ocorre é um instrumento dos mais sincráticas. Faltava-lhes também uma
úteis. Sua primeira utilidade históri- métrica: uma forma simples e consen-
ca consistiu em silenciar (por algum sual de dividir o tempo em segmentos
* É professor do Instituto de Economia da Unicamp.
25  Escolas da Macroeconomia

que tivessem significado para o estudo Suponhamos, porém, que as


de fenômenos macroeconômicos. empresas coordenem suas decisões
O próprio Keynes, em seu Treatise de produzir de forma a atingir o
on Money (1930), dera sua contribui- “produto potencial”, consistente com
ção à babel das teorias neoclássicas do a plena utilização da capacidade pro-
ciclo. Na Teoria Geral (1936), porém, dutiva e o pleno emprego da força de
Keynes renuncia à dinâmica. Antes trabalho. Para muitos economistas
de tentar entender como a economia clássicos (ou neoclássicos), a opera-
se movimenta no tempo – digamos, ção da lei de Say (ou da lei de Walras)
numa sequência de anos – era impres- garantiria os movimentos adequados
cindível entender como se comporta dos preços e da taxa de juros para que
num “ano” qualquer. a demanda acompanhasse o cresci-
Comporta-se, propõe ele, de mento da oferta. Não para Keynes. O
acordo com o princípio da deman- aumento da produção, é verdade,
da efetiva. O nível de atividade de- gera fluxos de renda (auferidos por
corre das decisões de produzir das fornecedores de matérias-primas e
empresas, regidas por expectativas trabalhadores contratados), os quais,
(de curto prazo) com relação à inten- por seu turno, induzem novas de-
sidade da demanda no momento em cisões de gasto. Porém, parte im-
que os novos produtos chegarem ao portante das decisões de gasto tem
mercado. Essas expectativas são, por caráter autônomo em relação a esses
sua vez, fortemente influenciadas pelo fluxos e não crescerá com a produção –
comportamento efetivo da demanda frustrando assim as expectativas das
no passado recente. Demanda efeti- empresas, que se verão às voltas com
va deprimida implica expectativas de estoques invendáveis e rapidamen-
curto prazo pessimistas e, portanto, te voltarão atrás. Para Keynes, não há
equipamentos ociosos e trabalhadores mecanismos de mercado capazes de
desempregados. A novidade – radi- garantir que o gasto autônomo atinja
cal – desse tratamento consiste no precisamente o valor consistente com
fato de que a subutilização de recursos o produto potencial.
produtivos é vista como um fenômeno Donde provém essa autonomia?
(até certo ponto) de equilíbrio, que As empresas têm recursos financei-
não decorre de erros na formação ros acumulados, assim como acesso
de expectativas, de falhas de coorde- a bancos e mercados de capitais: suas
nação entre os agentes ou de empe- decisões de investir em máquinas
cilhos à livre operação das forças de e equipamentos não estão restritas
mercado. Empresas que corretamente pelo estado corrente dos negócios,
antecipam uma demanda baixa pro- nem do ponto de vista de seu finan-
duzem pouco, vendem pouco e, ten- ciamento, nem do ponto de vista de
do evitado a acumulação involuntária seu propósito – de criar capacida-
de estoques, estarão satisfeitas com a de que servirá a demanda no futuro.
decisão de produzir por elas tomada. Tampouco são explicados pelos fluxos
26  Escolas da Macroeconomia

de renda corrente o consumo das ca- converte a identidade contábil Yt _ = It


madas mais ricas e as decisões de + Ct na igualdade Yt = It/s, impli-
consumir e investir do governo, bem cando que estejam em equilíbrio, além
como as exportações (que refletem a dos investidores e dos consumidores,
renda corrente dos parceiros comer- também as firmas, consideradas como
ciais do país). produtoras: se It é definido como in-
Para explicar esse ponto, a vestimento voluntário, o investimen-
Teoria Geral apresenta (no capítulo to involuntário (em estoques) é zero.
18) um modelo baseado numa versão O equilíbrio estende-se, por fim, aos
brutalmente simplificada do princípio proprietários de riqueza financeira,
da demanda efetiva. Não há uma única que estarão satisfeitos com a compo-
expressão algébrica, mas é um mode- sição de seus portfólios, tendo distri-
lo, com parâmetros, variáveis inde- buído seus recursos entre títulos de
pendentes e dependentes claramente dívida (que pagam juros) e dinheiro
especificados. É também claramente (que proporciona liquidez).
definido o período de tempo relevan- Dada a tecnologia, Yt corresponde
te. Este período, que é a unidade de a certo nível de emprego, o qual só
tempo básica para o macroeconomis- por acaso coincidirá com a oferta de
ta, é relativamente curto: as empre- trabalho. O desemprego involuntário
sas só poderão produzir com base no é então o resultado mais provável. A
equipamento de capital de que já dis- explicação disso é talvez o ponto me-
põem; novas máquinas e equipamen- nos compreendido da Teoria Geral. No
modelo, os salários nominais estão da-
tos só estarão disponíveis no futuro.
dos, por assim dizer, no “início” de cada
Por hipótese, o período descreve uma
período: assim como no mundo real,
configuração de equilíbrio que, no en-
as firmas não renegociam os salários
tanto, abrange apenas parte dos agen-
a cada vez que tomam suas decisões
tes e dos mercados.
de produzir. Como na Teoria Geral
No modelo, há uma única de-
Keynes ainda não havia questionado
cisão autônoma de gasto: o investi-
a hipótese de rendimentos marginais
mento privado em capital fixo. Num
período qualquer, o investimento au-
mentará até que os empresários jul-
guem ter esgotado as oportunidades
existentes: na margem, a taxa interna
de retorno esperada igualará a taxa
de juros. O investimento “ancora”
o sistema, estabelecendo o valor e a
composição das mercadorias que vale
a pena produzir e determinando flu-
xos de renda que, por sua vez, induzem
(pelo efeito multiplicador) o consu-
mo agregado. A hipótese de equilíbrio
27  Escolas da Macroeconomia

decrescentes (o que faria em artigo de salutar, pois contribui para estabilizar


1939), seguia-se a conclusão de que, preços e expectativas.
quanto maior o nível de atividade, Ainda sobre a dinâmica, Keynes
maiores os preços e, portanto, menor afirma (no capítulo 18) que a econo-
o salário real (como também a parti- mia capitalista, não sendo “violenta-
cipação dos salários no produto). Não mente instável”, está sujeita a “severas
se seguia, porém, que a explicação flutuações” em torno de níveis de ati-
do desemprego estivesse em salários vidade (numa trajetória de crescimen-
nominais pouco sensíveis à pressão to) que podem ficar persistentemente
do desemprego. Não se seguia, tam- aquém dos compatíveis com o pleno
pouco, a recomendação usual (em sua emprego. O princípio da demanda
época, como ainda hoje em dia) de efetiva determina o produto tan-
“flexibilizar” o mercado de trabalho to no curto quanto no longo prazo.
para tornar mais rápido o ajuste que, Portanto, para assegurar o pleno em-
no “longo prazo”, acabaria por impor prego – no que deveria ser a principal
queda salarial suficientemente grande meta instrumental da política econô-
para levar investimento e consumo ao mica – cabe ao governo garantir a de-
manda adequada.
nível consistente com a produção de
A leitura da Teoria Geral, se com-
pleno emprego.
binada com textos posteriores (como,
Embora a Teoria Geral pouco fale
por exemplo, a série jornalística How
sobre a conexão entre períodos ma-
to Avoid a Slump, de 1937), permite
croeconômicos – sobre a dinâmica –
uma melhor compreensão do regi-
ao menos isso ela diz: é equivocado
me de política econômica defendi-
presumir que a operação desimpedida
do por Keynes. Em um mundo ainda
da mão invisível conduza ao equilíbrio marcado pela escassez de capital (e,
geral. No capítulo 19, Keynes emprega paradoxalmente, pelo desperdício de
versão mais sofisticada de seu modelo recursos produtivos), a prioridade é
para mostrar que os resultados de um o aumento do investimento (o que
processo de deflação de salários e pre- não exclui, porém, a adoção de medi-
ços poderão ser contracionistas, devido das fiscais para reduzir a desigualdade
(entre outros fatores) à quebra dos seto- na distribuição de renda e riqueza e,
res endividados (pois, com a deflação, assim, aumentar o consumo). Quando
o valor real da dívida aumenta) e à o investimento privado não reage a
contração do crédito (pois, por boas estímulos, o governo deve acelerar o
razões, os credores temem a generali- andamento de seus próprios progra-
zação da inadimplência) – num dos ra- mas de investimento, bem como da-
ros momentos do livro em que Keynes queles de empresas públicas e outras
deixa de lado a hipótese simplificadora instituições por ele controladas. Para
de que a oferta de moeda é exoge- Keynes, a taxa de juros de longo pra-
namente dada. Para Keynes, a rigidez zo (a mais relevante para o investi-
dos salários nominais é efetivamente mento) é uma variável rebelde e que,
28  Escolas da Macroeconomia

portanto, dificilmente pode ser usada Rendimentos marginais decrescentes


com a flexibilidade necessária para à parte, essa pressão adviria de fato-
assegurar o montante de investimento res como estrangulamentos setoriais
adequado. Mais vale um esforço conti- e choques salariais. Na visão otimista
nuado (que deve incluir a imposição de de Keynes, políticas macroeconômicas
controles aos fluxos internacionais de corretas, particularmente se adotadas
capital) para que atinja – e mantenha – num contexto internacional mais si-
um patamar relativamente baixo. Já o métrico (no que tange ao tratamento
planejamento do gasto é crucial para de países deficitários), dariam ensejo
dar agilidade à política fiscal e evitar a uma trajetória de crescimento com
a eclosão de crises, sempre difíceis de pleno emprego que permitiria à huma-
debelar: nas crises, as certezas (sempre nidade superar o “problema econômi-
precárias) se desfazem; o investimen- co”. Em algumas gerações, havendo
to, que depende de apostas sobre o trabalho para todos, a produtividade
futuro remoto, contrai-se e, com ele, o cresceria a um ponto tal que se torna-
consumo; os proprietários de riqueza ria possível, para cada um, dedicar a
buscam segurança na posse de ativos maior parte dos dias às “artes da vida” e
líquidos, o que pressiona para cima as não à luta pela sobrevivência ou à pai-
taxas de juros. xão pelo lucro.
Embora, para Keynes, a “verdadei-
ra inflação” só possa ocorrer na hipó-
tese pouco provável de que a demanda Bibliografia sugerida
exceda a produção de pleno empre- CARDIM DE CARVALHO, F. J. Mr. Keynes
go, pressões altistas sobre os preços and the Post Keynesians. Aldershot: Elgar,
não deixariam de ocorrer – ainda que 1992.
sem maiores consequências – duran-
DAVIDSON, P. Money and the real world.
te qualquer período de crescimento. London: Macmillan, 1978 (1972).

KEYNES, J. M. e Collected Writings of John


Maynard Keynes. London: Macmillan, 1983.

KEYNES, J. M. e General eory of


Employment, Interest and Money. London:
Macmillan. In: Keynes, e Collected Writings,
vol. VII, 1983 (1936).

KEYNES, J. M. How to avoid a slump. In:


Keynes, e Collected Writings, vol. XXI, p.
384-395, 1983 (1937).

SKIDELSKY, R. John Maynard Keynes.


London: Macmillan, 1983-2000.

SZMRECSÁNYI, T. (org.). Keynes. São


Paulo: Ática, 1984, 2ª ed.
Macroeconomia
Kaleckiana
Esther Dweck*

As contribui- ainda que partindo de formações teóri-


-ções de Michal cas muito distintas.
Kalecki esten- Kalecki conheceu as obras de
dem-se por di- Tugan-Baranovski e Rosa Luxemburgo
versas áreas, mas e formou sua base teórica marxista.
grande parte dos Ele escreveu seus primeiros artigos
seus textos teó- na Polônia na década de 1930. A sua
ricos e políticos teoria de ciclos é totalmente baseada
referem-se aos na demanda efetiva (Kalecki, 1954) e
ciclos econômi- ressalta o papel dual do investimento:
cos. Para ele, a a assimetria temporal entre o efeito do
compreensão investimento sobre a demanda, impac-
das economias to imediato no setor de bens de capital
capitalistas exige, necessariamente, o e o efeito defasado sobre ampliação da
estudo de suas flutuações. O ciclo é vis- capacidade produtiva.
to como uma característica intrínseca Os modelos de Kalecki têm uma
do sistema capitalista e não decorre de dinâmica muito próxima ao que fi-
choques aleatórios. A comparação com cou conhecido como modelos de
Keynes deve-se à simultaneidade na interação entre os efeitos multiplica-
formulação do Princípio da Demanda dores (impacto do investimento na
Efetiva. Ao inverterem a causalidade renda) e aceleradores (impacto da
expressa na Lei de Say, ambos muda- renda no investimento). No entanto,
ram o paradigma teórico vigente e che- a versão proposta por Kalecki apre-
garam a formulações muito próximas, senta uma sofisticação maior, tanto na

* É professora do IE-UFRJ e chefe da Assessoria Econômica do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.


30  Escolas da Macroeconomia

formulação do multiplicador quanto firma, está determinada a distribuição


na função investimento. ao nível macro, variando apenas com a
Para construção do multiplicador, composição setorial. Uma vez determi-
Kalecki combinou a determinação nada a distribuição, basta conhecer um
da renda com a distribuição funcio- dos componentes da renda para deter-
nal da renda. Segundo Kalecki, em minar a renda total e consequentemen-
regime de concorrência imperfeita, as te o outro componente.
firmas não definem o preço com base Partindo da identidade contábil
no cálculo de maximização de lucro. da definição do produto pelas óticas
Elas procuram uma regra relativamen- da renda e da demanda, Kalecki che-
te estável para a determinação de pre- ga a uma expressão do lucro ape-
ço: situação comum em quase todos nas em função do investimento e do
os mercados de bens finais que operam, consumo dos capitalistas e conclui:
em geral, com capacidade ociosa e as decisões dos capitalistas quanto
oferta relativamente elástica. As fir- a investimento e consumo deter-
mas determinam seus preços por ma- minam os lucros e não vice-versa,
rkup (margem) levando em conta tanto pois os capitalistas apenas podem
seus custos primários médios quanto decidir consumir ou investir mais,
a média dos preços da indústria onde mas não podem decidir ganhar mais.
atuam. O peso de cada um desses fato- Essa é a formulação do Princípio
res vai refletir o grau de monopólio da da Demanda Efetiva de Kalecki.
firma. E por meio de uma média pon- Ela define a lógica de causalidade dos
derada dos coeficientes de cada fir- componentes da demanda para a de-
ma chega-se ao grau de monopólio terminação da renda. É importante
de toda indústria. Variações no grau ressaltar que apesar de tratar de deci-
de monopólio são muito importantes, são individual dos capitalistas, essa
pois permitem fixar os preços acima dos equação do lucro é agregada e deri-
custos primários. Esses custos se divi- vada diretamente de uma identidade
dem, dada a produtividade, em custos das contas nacionais, ou seja, não im-
de matéria-prima e salários. Quanto plica necessariamente que seja válida
maior o grau de monopólio, maior ten- para cada firma ou mesmo toda a
de a ser a receita em relação aos cus- indústria (Possas, 1999).
tos, pois o markup sobre custos pode No nível agregado, consideran-
ser maior. do o consumo dos capitalistas como
Assim, a participação relativa dos parcialmente endógeno, determinado
salários no valor agregado da indús- por lucros anteriores, o investimento
tria depende do grau de monopólio e passa a ter um papel central na deter-
do custo das matérias-primas, e ambos minação da renda: dado o investimen-
influenciam negativamente a partici- to, determina-se o lucro e dados os
pação dos salários na renda. Dados os fatores distributivos, determina-se a
determinantes estruturais dos parâme- renda. Chega-se assim ao multiplica-
tros de distribuição ao nível de cada dor de Kalecki, que, além da relação
31  Escolas da Macroeconomia

entre investimento e renda, expressa de atividade, pois Kalecki utiliza a


em qualquer multiplicador, explicita poupança agregada (St) como proxy
também o papel da distribuição de do capital empresarial, garantindo um
renda. Isso ocorre porque a propen- caráter menos explosivo.
são a consumir, variável central do
multiplicador, é definida para uma
dada distribuição.
Mudanças na distribuição afe-
tam diretamente o multiplicador, via É importante destacar que a uti-
alterações na propensão a consumir, já lização de poupança agregada na fun-
que a propensão a consumir do capi- ção de investimento não significa
talista é menor que a dos trabalhado- uma volta às ideias pré-keynesianas ou
res. Em um modelo simplificado, com pré-kaleckianas. Esta variável é inseri-
equilíbrios externo e fiscal e dada a da a partir da ideia de que existia no
distribuição, a renda é determina- nível micro uma restrição financeira
da exclusivamente pelo investimento. à expansão das firmas (Possas, 1999).
Portanto, o investimento torna-se a Kalecki, assim como Keynes, demons-
variável chave para a análise de ci- trava que o investimento, uma vez
clos. Kalecki apresentou uma função realizado, automaticamente gera pou-
investimento mais complexa desde pança correspondente.
seus primeiros ensaios. Ele criticava Ao combinar a função de inves-
os autores que propuseram o princípio timento de Kalecki com o multipli-
cador, que mostra a relação que vai do
da aceleração por desconsiderar, entre
investimento para o nível de atividade,
outros fatores, o grau de utilização da
chega-se a uma expressão do investi-
capacidade produtiva (Kalecki, 1933).
mento apenas em função do próprio
Na versão apresentada em
investimento passado. Nesta formula-
Kalecki (1999 [1954]), decisões de in-
ção, estão presentes o efeito positivo da
vestimento dependem de variações
capacidade de financiamento, o efei-
positivas na demanda (que se refle-
to negativo do estoque de capital (no
tem na rentabilidade do capital) e da
sentido de que não se pode gerar ca-
folga financeira. A rentabilidade é ex- pacidade ociosa indefinidamente) e um
pressa pela razão entre as variações mecanismo autorregressivo de manter
do lucro (∆Pt) e do estoque de capital a trajetória do próprio investimento
(∆Kt). A folga financeira é expressa pelo passado, seja este de crescimento ou
aumento da acumulação de capital de redução. Kalecki procurou de-
empresarial por parte das firmas. Ao monstrar que poderiam ocorrer duas
incluir esse dois componentes, Kalecki situações básicas: (1) o movimento
propõe uma função do investimento de ascensão ou queda do investimento
que inclui a variação do nível de ati- pode se esgotar por forças endógenas
vidade econômica (implícita na va- (como ociosidade ou escassez de ca-
riação da rentabilidade pela variação pacidade derivada do investimento),
dos lucros) e também o próprio nível
32  Escolas da Macroeconomia

que só serão retomadas por choques redução de salários como forma de


exógenos (como mudança tecnológi- aumentar emprego e reduzir inflação.
ca ou de política econômica); ou (2) a Assim como Keynes, contesta a te-
economia mantém a sua trajetória até oria neoclássica que pressupõe que
que alguma restrição exógena (tetos e há uma relação direta entre salário
pisos) impeça o seu curso. Em ambos nominal e salário real e que em con-
os casos, a trajetória é cíclica. corrência perfeita as quedas de salá-
Kalecki também se dedicou ao rio nominal implicariam aumento do
estudo da interação entre ciclo e cres- nível de emprego. Sua discordância
cimento (Kalecki, 1968). Para ele, o era teórica, por não concordar com
componente principal do crescimento os mecanismos de transmissão implí-
é a expansão dos gastos autônomos; o citos na teoria neoclássica.
que o coloca como um dos precursores Kalecki (1980) também discu-
dos modelos de crescimento puxado te formas alternativas de geração de
pela demanda. Ao optar por apresentar demanda agregada adequadas para as-
seu modelo teórico com base na equação segurar e manter o pleno emprego. Ele
de investimento e não da renda, como discute os limites econômicos relativos
a grande maioria dos autores, Kalecki a estímulos ao investimento privado
enfatiza a questão do investimento au- dispêndio deficitário do governo em
tônomo mais do que os demais gastos investimentos públicos ou subsídio ao
autônomos, como dispêndio do governo consumo privado e melhora na distri-
e exportações. buição de renda. Para ele, o papel do
Kalecki (1987b) rejeita as pro- investimento privado é o de fornecer
postas das teorias tradicionais de instrumentos para a produção dos bens
de consumo, e não gerar emprego para
toda a mão de obra. Investimentos
privados e públicos devem ser feitos
na medida em que são úteis. O hiato
deve ser preenchido pelo aumento do
consumo e não por acumulação inde-
sejada de capital público ou privado.
Além disso, haveria uma desvantagem
do investimento privado frente ao
investimento público, decorrente da
reação dos empresários, pois estando
estes com uma disposição muito pes-
simista, não responderiam até mes-
mo a estímulos consideráveis, uma
espécie de “armadilha de liquidez”
de Keynes. Portanto, Kalecki defendia
o dispêndio do governo como for-
ma de alcançar o pleno emprego. Ele
33  Escolas da Macroeconomia

contestava as críticas referentes à capa-


cidade de financiamento do déficit pú-
blico. possibilidade de desestímulo ao
investimento privado, pressão infla-
cionária e tendência ao endividamen-
to público crescente.
No entanto, no artigo
Aspectos Políticos do Pleno
Emprego, Kalecki (1987a) res-
saltou que, apesar de conhe-
cida, a manutenção do pleno
emprego por meio de gasto
público dificilmente ocorre-
ria numa economia capitalista
devido a questões políticas.
Para os capitalistas interessa
que o nível de emprego de-
penda exclusivamente do seu
“estado de confiança”. É do
interesse dos capitalistas que
os gastos públicos de investi-
mentos não concorram com
os negócios privados. A crítica
sobre gasto público relativa ao subsí- posteriormente por Harris (1974) e
dio ao consumo popular deriva de uma Asimakopulos (1975). Os estudos
questão de “moral capitalista” – cada posteriores deixam de lado a tendên-
um deve ganhar o pão com o próprio cia inevitável à estagnação, e desta-
suor. Finalmente, os interesses capita- cam os aspectos distributivos para
listas rejeitam mudanças sociais e po- o crescimento: Rowthorn (1982),
líticas resultantes do pleno emprego, já Dutt (1984), Taylor (1985), e Marglin
que o desemprego seria disciplinador e Badhuri (1990).
da atitude dos trabalhadores.
A partir da abordagem de Kalecki,
surgiram diversas contribuições que
ficaram conhecidas como Kaleckianas
ou Neokaleckianas, grande par-
te centrada na discussão de cres-
cimento. Steindl (1952), o fundador
dessa corrente, destacava a tendên-
cia à estagnação secular decorrente da
concentração industrial e aumento do
grau de monopólio; ideia formalizada
Síntese
Neoclássica
Jennifer Hermann*

Síntese mercado monetário na determinação do


Neoclássica- produto – supõe a racionalidade da de-
Keynesiana (SN) manda do público por moeda como meio
é a designação de troca e reserva de valor (preferência por
do Modelo IS- liquidez). O PDE e a TPL têm uma raiz co-
LM apresentado mum e estrutural nas economias de mer-
por John Hicks cado: a permanente incerteza dos agentes
(1937). Além de quanto à sua renda futura. A incerteza jus-
propor uma in- tifica certo grau de preferência por liqui-
terpretação para dez (PL). E a PL justifica a substituição da
A Teoria Geral Lei de Say pelo PDE: embora a oferta gere
do Emprego, do renda monetária de igual valor, a PL rom-
Juro e da Moeda pe o vínculo entre esta renda e a demanda
(TG, Keynes, 1936), Hicks visou mostrar efetiva (DE) que sustentará a produção no
que, ao contrário do que alegou Keynes, período seguinte.
sua teoria do produto e emprego agrega- O PDE e a TPL alicerçam a crítica de
dos não era antagônica, mas sim com- Keynes ao equilíbrio único neoclássico, a
plementar, à teoria neoclássica. Daí a pleno emprego. Enquanto a DE, inibida
proposta de síntese dos dois enfoques. pela PL, se mantiver inferior ao produto
A TG ergue-se sobre dois pilares potencial, não há incentivo para as em-
fundamentais: (1) Princípio da Demanda presas elevarem a produção e, menos ain-
Efetiva (PDE): decisões de gasto (deman- da, para a solução neoclássica da redução
da) determinam o nível da atividade eco- de preços, já que, em nenhum dos casos,
nômica (oferta); e (2) Teoria da Preferência garante-se o aumento das receitas com
por Liquidez (TPL): papel central do uma demanda retraída, caracterizando

* Professora do Instituto de Economia da UFRJ.


35  Escolas da Macroeconomia

a situação de equilíbrio com desempre- Os sinais das derivadas refletem rela-


go. Em momentos de maior incerteza se ções de causalidade amplamente aceitas,
configuraria o que Keynes chamou de exceto nas funções que envolvem a taxa
“armadilha da liquidez”: caso extremo de juros, que representam a grande ino-
em que a economia se mantém em de- vação da teoria de Keynes. As derivadas
pressão, porque a renda se concentra na ∂i/∂L e ∂i/∂M refletem a proposição de
PL, em detrimento da DE. que a taxa de juros é o preço da liquidez,
Embora concorra com a deman- respondendo positivamente à demanda e
da por bens, a principal influência da PL negativamente à oferta. A relação
sobre o produto agregado (Y) se dá no ∂Ls/∂i tem uma explicação complexa
mercado de ativos. O primeiro efeito do na TG (Caps. 15-16) que, numa versão
aumento na PL é a retração da demanda simplificada, espelha o papel dos juros
por ativos, elevando as taxas de juros (i) como custo de oportunidade de Ls, em
requeridas para que estes possam concor- detrimento da posse de títulos. As fun-
rer com a demanda por moeda (L). Dadas ções [3] e [4] sintetizam a causalidade do
taxas de retorno esperadas (a que Keynes mercado monetário sobre o de bens: o
chamou de Eficiência Marginal do Capital primeiro define i; esta define I; e este, por
– EMC), o aumento do custo (financeiro fim, define Y e C.
e de oportunidade) dos investimentos (I) A principal motivação de Hicks
faz com que esses se retraiam, inibindo a para propor a SN foi metodológica: con-
renda agregada e o consumo (C). siderando o modelo de equilíbrio geral
(MEG) o mais apropriado à análise ma-
Keynes sintetizou sua teoria no Cap. croeconômica, e reconhecendo méritos
18 da TG. Do PDE, resulta: [1] Y = DE = nas teorias neoclássica e keynesiana,
C+I Hicks formulou um MEG que contem-
[2] C = C(Y), C ’ > 0. plasse essas principais contribuições. O
[3] I = I(EMC, i), ∂I/∂EMC > 0 modelo IS-LM é um MEG construído a
e ∂I/∂i < 0. Da TPL, temos: partir das funções do Cap. 18 da TG, no
[4] i = i(L, M), ∂i/∂L > 0 e ∂i/∂M < 0. qual as duas teorias são tratadas como
[5] M = oferta monetária (exógena, “casos especiais”: respectivamente, de
definida pela autoridade monetária). equilíbrio com pleno emprego e com
[6] L = Lt(Y) + Ls(i), ∂Lt/∂Y > 0 desemprego. O equilíbrio se dá pela in-
e ∂Ls/∂i < 0 teração entre os mercados de bens e mo-
netário, que, numa definição linear das
sendo Lt = demanda transacional funções (1)-(6), resulta:
(como meio de troca); Ls = demanda es-
peculativa por moeda, que representa, no [7] Y = Ca + c.Y + Ia – k.i
modelo, o conceito de PL. Nesse modelo [8] M = L = Lt + Ls = m.Y – h.i
simplificado, Lt incorpora outra parcela [9] Y = A – k.i
da PL: a demanda precaucional por moe- (Curva IS)
da, associada à incerteza quanto aos gas- [10] i = (m/h).Y + (1/h).M
tos correntes que motivam Lt. (Curva LM)
36  Escolas da Macroeconomia

sendo Ca = consumo autônomo; c situação extrema da “armadilha da liqui-


= propensão a consumir (C’ em [2]); Ia dez”: com Y muito baixo, a maior parte
= investimento autônomo (influência de de M é alocada a Ls, o que equivale à hi-
EMC); A = Ca + Ia; k = sensibilidade-juros pótese de h → ∞, tornando a LM hori-
de I; m = sensibilidade-renda e h = sensi- zontal. Esta interpretação fundamenta a
bilidade-juros de L. conclusão de Hicks, de que Keynes não
teria formulado uma teoria geral do pro-
duto, mas apenas “a teoria econômica da
depressão”, já que somente neste cenário
a Ls seria relevante.
As equações [7] e [8] representam,
respectivamente, as condições de equilí-
brio dos mercados de bens e de moeda.
As funções [9] e [10] sintetizam o MEG
de Hicks: sendo Y uma função de i no
mercado de bens e i uma função de Y
As equações [7] e [8] representam, no mercado monetário, não há uma cau-
respectivamente, as condições de equilí- salidade única entre eles (como propôs
brio dos mercados de bens e de moeda. Keynes), mas sim uma relação mútua,
As funções [9] e [10] sintetizam o MEG na qual o equilíbrio do produto (Y*) e da
de Hicks: sendo Y uma função de i no taxa de juros (i*) se dá de forma simultâ-
mercado de bens e i uma função de Y nea (Gráfico 1).
no mercado monetário, não há uma cau- Os casos keynesiano e neoclássico
salidade única entre eles (como propôs são identificados a partir de proposições
Keynes), mas sim uma relação mútua, distintas sobre o mercado monetário,
na qual o equilíbrio do produto (Y*) e da mais especificamente, sobre o coeficiente
taxa de juros (i*) se dá de forma simultâ- h da curva LM. Segundo Hicks, a gran-
nea (Gráfico 1). de novidade da TG seria a Ls (ou a pos-
Os casos keynesiano e neoclássico sibilidade de |h| > 0), ausente no modelo
são identificados a partir de proposições neoclássico. O caso neoclássico ocorre
distintas sobre o mercado monetário, quando h tende a zero (h → 0), tornan-
mais especificamente, sobre o coeficiente do a LM vertical. Isto ocorreria com Y
h da curva LM. Segundo Hicks, a gran- a pleno emprego – daí a vinculação aos
de novidade da TG seria a Ls (ou a pos- neoclássicos – caso em que M estaria
sibilidade de |h| > 0), ausente no modelo sendo integralmente alocada a fins tran-
neoclássico. O caso neoclássico ocorre sacionais. O caso keynesiano se restrin-
quando h tende a zero (h → 0), tornando giria à situação extrema da “armadilha
a LM vertical. Isto ocorreria com Y a ple- da liquidez”: com Y muito baixo, a maior
no emprego – daí a vinculação aos neo- parte de M é alocada a Ls, o que equivale à
clássicos – caso em que M estaria sendo hipótese de h → ∞, tornando a LM hori-
integralmente alocada a fins transacio- zontal. Esta interpretação fundamenta a
nais. O caso keynesiano se restringiria à conclusão de Hicks, de que Keynes não
37  Escolas da Macroeconomia

redução da oferta real de moeda, gerando


aumento nos juros e retração de Y. Este
efeito é captado no modelo pela substi-
tuição de M por (M/P) nas equações [8]
e [10] e pela incorporação de uma curva
de Oferta Agregada (OA), expressando a
relação P = p(Y), na qual p’ = 0 (OA ho-
rizontal) para níveis muito baixos de Y e
p’ > 0 (OA ascendente) para níveis “nor-
mais” de emprego.
As principais extensões do mode-
teria formulado uma teoria geral do pro- lo IS-LM exploram suas implicações de
duto, mas apenas “a teoria econômica da política econômica e o trade-ojf entre de-
depressão”, já que somente neste cenário semprego e inflação, implícito no trecho
a Ls seria relevante. ascendente da curva OA. Incluindo nos
Keynes criticou a premissa neoclás- gastos autônomos (A) o gasto público
sica de perfeita flexibilidade de salários (G) e lembrando que M é definida pelo
(W), bem como a tese de que isto seria governo, o modelo tornou-se uma base
uma solução para o desemprego (TG, útil para a análise dos efeitos das políticas
Caps. 2-3 e 19). A flexibilidade não es- fiscal e monetária. No caso geral, as duas
timularia o emprego, porque reduziria políticas têm efeitos reais: um aumen-
(ainda mais) a demanda efetiva, via C e to em G desloca a IS para cima, elevan-
I (reduzindo EMC). Modigliani (1944) do Y (e também i, gerando algum efeito
aceitou a interretação de Hicks de que crowding out sobre I), e um aumento em
a preferência por liquidez seria efeito, e M desloca a LM para baixo, reduzindo i
não causa, do desemprego, e atribuiu o e elevando Y. No caso keynesiano, a ex-
problema à rigidez de W e P (nível de pansão monetária não é capaz de deslo-
preços). Essa é origem da “versão real” car LM – a armadilha da liquidez eleva
do modelo IS-LM, mais difundida nos li- Ls e impede a queda de i – tornando a
vros-texto. Nessa versão: a) recupera-se a política monetária impotente. Portanto,
influência do mercado de trabalho sobre a política fiscal atinge sua máxima eficá-
o produto: Y = f(N, DE), N = g(W/P); b) cia: com LM horizontal, é nulo o efeito
P é função dos custos de produção (TG, crowding out. No cenário neoclássico,
Cap. 21), em especial, de W e da produti- dá-se o oposto: a política fiscal é ineficaz
vidade do trabalho; c) W e P são rígidos (efeito crowding out integral) e a política
à baixa sob elevado desemprego, mas tor- monetária tem eficácia máxima.
nam-se flexíveis (ascendentes), à medida Em todos os casos, a resposta de Y
que o desemprego (U) se reduz: quanto é condicionada a seu efeito sobre P, re-
menor U maior a tendência a aumentos fletindo o trade-ojf entre desemprego e
em W, pressionando P. Então, qualquer inflação. Essa discussão deu origem, nos
expansão da DE terá seu efeito atenuado, anos 1960, a um importante complemen-
se P aumenta, o que equivaleria a uma to ao modelo da SN: a Curva de Phillips
38  Escolas da Macroeconomia

(CP), uma versão setorial e dinâmica da especial – enfatizados pelos neoclássicos.


curva OA, que, em vez da relação agrega- Tratamento semelhante é dado às expec-
da P-Y, retrata a variação de P (π = ∂P/P) tativas de longo prazo, determinantes
associada a diferentes níveis de U no da EMC: Keynes lhe atribuiu um papel
mercado de trabalho: π = π(U). A teoria central na TG, enquanto na SN, a EMC
keynesiana de P sugere uma CP negati- é apenas mais uma variável do modelo,
vamente inclinada (π’ < 0), refletindo a sem status diferenciado.
pressão de U sobre W, condicionada ao Na SN o PDE abre espaço para as
grau de capacidade ociosa da economia. proposições de política econômica de
Em suma, a flexibilidade de salários e Keynes, em especial, para o reconhe-
preços – essencial na teoria neoclássica cimento da necessidade e eficácia da
e descartada por Keynes – é incorporada atuação anticíclica do governo diante do
à SN como condicionante da capacidade desemprego. A TPL não é incorporada
de recuperação da economia a partir de ao modelo explicativo do PIB, restando-
uma posição de desemprego. -lhe a função pragmática de orientar a
A SN representa a mais conhecida política anticíclica: quanto maior a prefe-
escola de pensamento Keynesiana. Esse rência por liquidez, que, na SN, reflete o
posto, porém, deve-se mais à simpli- grau de capacidade ociosa da economia,
cidade e plasticidade do modelo que a menos eficaz será a política monetária e
sua aderência à teoria de Keynes. Hicks mais indicada será a política fiscal. Esse
inverte a causalidade proposta na TG resultado, porém, sendo condicionado ao
entre a preferência por liquidez (Ls) e o grau de flexibilidade de W e P, apenas em
produto agregado. Na TG, Ls condiciona parte corresponde às proposições da TG,
a demanda efetiva e explica o desempre- onde o fator decisivo para o efeito real da
go. Na SN, é o desemprego que justifica a política anticíclica é a resposta da prefe-
relevância quantitativa e teórica de Ls, já rência por liquidez e da EMC.
que, na ausência dele, Ls = 0 – condição Vale notar que Keynes e Hicks se
incompatível com a TPL. Modigliani se referiam à teoria neoclássiccaa como
afasta ainda mais de Keynes, enfatizando “clássica”. É curioso também que a SN de
uma condição – a rigidez salarial – expli- Hicks, complementada por Modigliani
citamente rejeitada na TG como causa do e outros, concilia dois enfoques teóricos
desemprego: na síntese do Cap. 18, os sa- que, até hoje, polarizam o debate ma-
lários não são mencionados sequer entre croeconômico e são considerados in-
as variáveis que Keynes classifica como conciliáveis porque partem de premissas
“dadas” ou estruturais. muito distintas quanto à racionalidade
A “parcela keynesiana” da SN se dos agentes e ao modo de operação das
restringe à aceitação parcial do PDE, economias de mercado. Ademais, embo-
sem a força que lhe atribuiu Keynes – ra representasse uumma “terceira via”,
de determinante do produto. Na SN, a o modelo de Hicks passou a ser identi-
demanda efetiva é mais uma influên- ficado apenas como Keynesiano e, mes-
cia relevante, adicionada aos determi- mo contrariando elementos importantes
nantes do lado da oferta – salários, em da TG, tornou-se a sua mais difundida
39  Escolas da Macroeconomia

MODIGLIANI, F. Liquidity Preference


and the Theory of Interest and Money.
Econometrica, Vol. 12, No. 1, January, p.
45-88, 1944. SNOWDON, B., VANE,
H. Modern Macroeconomics: Its Origins,
Development and Current State. Cheltenhan:
Edgard Elgar, 2005.

representação analítica. Foi nesta ver-


são que a teoria “Keynesiana” se tornou
hegemônica entre as décadas de 1940 e
1960, inspirando as políticas de estímulo
ao crescimento econômico no pós-guer-
ra, bem como as críticas de filiação neo-
clássica e keynesiana que se seguiram.
Talvez a maior das ironias seja que tal
interpretação “keynesiana” tenha ficado
conhecida como Síntese Neoclássica!

Bibliografia
FROYEN, R. T. Macroeconomia. São Paulo:
Saraiva, 2001.

HICKS, J. R. Mr. Keynes and the Classics: a


suggested interpretation. Econometrica, Vol. 5,
No. 2, April, p. 147-159, 1937. KEYNES, J.
M. The General Theory of Employment, Interest
and Money. London: MacMillan, 1936.

MINSKY, H. John Maynard Keynes.


Cambridge: Cambridge University Press,
1975.
Monetarismo

Roberto Fendt*

O moneta- (1) neutralidade da moeda no longo pra-


rismo está par- zo; (2) não neutralidade da moeda no
ticularmente curto prazo; (3) distinção entre taxas de
associado com a juros real e nominal e, (4) papel dos agre-
Escola de Chicago, gados monetários na análise das políticas
em particular com econômicas.
os escritos de
Milton Friedman
e Anna Schwartz. Neutralidade da Moeda
A essa escola de
pensamento tam- Diz-se que a moeda é neutra se
bém pertencem, um aumento (redução) de x% no esto-
entre outros, Karl Brunner, Allan Meltzer, que de moeda – acima (abaixo) da taxa
David Laidler, Michael Parkin e Alan de crescimento do produto potencial –
Walters. Fora do campo estritamente causa um aumento (redução) do mesmo
acadêmico, o termo “monetarismo” tem percentual no nível geral de preços. É
sido utilizado, de forma talvez inapro- importante ter em mente que esse efeito
priada, para descrever todos aqueles que somente se dará após todos os ajusta-
se mostram favoráveis ao livre mercado mentos na economia à variação (positi-
e à austeridade fiscal e monetária, como va ou negativa) no estoque de moeda e
o presidente norte-americano Ronald decorrido o prazo de tempo necessário
Reagan e a primeira ministra britânica para que esses ajustamentos ocorram
Margaret Thatcher. – isto é, no longo prazo, definido justa-
O monetarismo é uma escola de pen- mente como o período de tempo neces-
samento macroeconômico que enfatiza: sário para que os ajustamentos ocorram

* Diretor executivo do Centro Brasileiro de Relações Internacionais – Cebri.


41  Escolas da Macroeconomia

e se completem. Mais importante, quan- A distinção entre taxas de juros nominais


do a moeda é neutra, o aumento do es- e reais
toque de moeda não provoca qualquer
variação sobre variáveis reais, como o Desde pelo menos Henry Thornton,
PIB real, seus componentes e os preços no século 19, e Irving Fisher, no início
relativos na economia. do século 20, reconhece-se a importân-
Não há entre os autores associados cia das taxas reais de juros na análise da
com o monetarismo qualquer men- política econômica. As taxas reais corres-
ção de que os ajustamentos menciona- pondem às taxas de juros nominais pra-
ticadas no mercado ajustadas para levar
dos anteriormente sejam imediatos. No
em conta a inflação esperada, na medida
curto prazo, isto é, durante o período
em que a racionalidade econômica pres-
em que a economia se ajusta ao novo
supõe que os indivíduos otimizam sua
estoque monetário, há efeitos temporá-
alocação de recursos entre o presente e
rios sobre o produto real (PIB), sobre o o futuro, levando em consideração taxas
emprego e sobre a estrutura de preços reais de desconto.
relativos da economia. Essa distinção é importante dos
É importante reconhecer que as pontos de vista analítico e prático. Por
diferenças entre o curto prazo e o lon- exemplo, se as taxas de juros são indi-
go prazo dependem em grande me- cadores das condições de mercado e dos
dida da velocidade de expansão do rumos da política monetária (apertada
estoque de moeda. Estudos conduzi- ou frouxa), o emprego da taxa nominal
dos no Departamento de Economia da – que incorpora a expectativa de inflação
Universidade de Chicago, inspirados na futura – pode dar uma indicação equi-
obra de Milton Friedman, mostraram vocada. Contudo, a distinção entre esses
que em situações de hiperinflação, como conceitos foi negligenciada na análise
a ocorrida na Alemanha na década de macroeconômica até que os monetaristas
1920 – definida por Philip Cagan como começaram a insistir em sua importância
inflações mensais iguais ou superiores a na década de 1950.
50% – os ajustes se dão de forma quase É importante ter em mente que as
instantânea e verifica-se a neutralidade taxas de juros nominais continuam sen-
da moeda em um curto período. do utilizadas como indicadores de políti-
Vale ressaltar que algumas das es- ca monetária em muitos países, como os
EUA e o Brasil. Por exemplo, se a infla-
colas keynesianas, bem como os eco-
ção esperada for de 8% e a Selic subir de
nomistas filiados à Escola Austríaca,
5% para 7%, (clara indicação de taxa real
não admitem a neutralidade da moe-
de juro negativa), a percepção de aper-
da, mesmo no longo prazo. Para es- to monetário é equivocada, visto que o
sas escolas de pensamento, o principal oposto está ocorrendo.
efeito de mudanças no estoque de moe- Cabe destacar que, no monetaris-
da é justamente o de afetar preços re- mo, a hipótese de formação de expecta-
lativos e, em consequência, agregados tivas adaptativas assume que os agentes
reais da economia.
42  Escolas da Macroeconomia

não têm como antecipar perfeitamente políticas anticíclicas sugeria que esse tipo
o valor das variáveis no futuro e que, de política deveria ser evitado. De fato,
portanto, eles formulam as expectativas os monetaristas sempre enfatizaram sua
de forma a corrigir os erros de previsão preferência por regras preestabelecidas
cometidos em períodos passados. Como de expansão dos agregados monetários
essa correção é dada por uma fração do em oposição ao manejo discricioná-
erro anterior, esta hipótese é chamada de rio dessa expansão por bancos centrais.
expectativas adaptativas. O resultado que Esse foi o ponto de vista defendido por
se obtém é que os agentes, ao corrigirem Simons (1936), em trabalho seminal, que
os seus erros anteriores por uma deter- expôs o tema como o da contraposição
minada fração, formulam suas expecta- entre “regras de expansão monetária”
tivas observando os valores passados da versus “autoridade”, ou “regras” versus
variável, atribuindo pesos maiores para “manejo discricionário” na condução da
os períodos passados mais próximos. política monetária. Em um dos extremos,
Do ponto de vista do ajuste, isso faz com a autoridade monetária estaria ungida de
que, dado um choque monetário, apenas plenos poderes para fixar taxas de juros,
no longo prazo os erros sejam corrigidos, a taxa de redesconto, o percentual de re-
levando a economia para um equilíbrio servas compulsórias dos bancos e outros
de pleno emprego apenas no longo prazo. instrumentos da política monetária para
Finalmente, o controle de preços atingir fins outros que não o controle
para manter baixa a inflação mensura- monetário. No outro extremo, o banco
da – mas não a inflação que realmente central deveria ter por objetivo único
está ocorrendo – não faz parte do arsenal a manutenção do poder de compra da
de instrumentos dos monetaristas. Para moeda nacional e para isso utilizar como
eles, controles de preços e salários apenas instrumento uma regra de expansão mo-
interferem com o livre funcionamento do netária pré-definida.
mercado e são indesejáveis do ponto de Vale notar que os principais bancos
vista econômico como um todo. A distor- centrais contemporâneos não seguem as
ção do sistema de preços, com controles posições extremas, optando, na maioria
de toda natureza, afeta negativamente as dos casos, por um regime de metas de in-
decisões de investimento das empresas e flação em que a variável de controle não
de consumo e poupança dos indivíduos. é a expansão monetária, mas uma taxa
básica de juros fixada pelo banco central.
Agregados monetários e a política
monetária Política monetária e monetarismo

Na década de 1940, no debate en- Milton Friedman defendeu que o es-


tre “monetaristas” e “ativistas”, Milton toque de moeda deveria crescer a uma
Friedman, Allan Meltzer e Karl Brunner taxa constante, aproximadamente dada
advertiram que, do ponto de vista prá- pelo produto da elasticidade renda da
tico, a falta de informações confiáveis demanda por moeda e a taxa de cresci-
necessárias para a condução útil de mento de longo prazo do PIB. Essa regra
43  Escolas da Macroeconomia

Política monetária “pós-monetarista”

O debate iria ressurgir em roupa-


gem mais moderna na década de 1970
com a chamada “regra de Taylor”, o novo
paradigma da política monetária con-
temporânea. A regra de política mone-
tária sugerida por Taylor (1993) estipula
quanto o banco central deve alterar a taxa
nominal de juro em resposta aos desvios
da inflação e do PIB em relação às suas
metas respectivas, ou em reação a outras
condições econômicas. O “princípio de
implicava, então, para os Estados Unidos, Taylor”, consistente com a regra, estipula
uma taxa de crescimento anual da ordem que para cada ponto percentual de varia-
de 3% a 5%. Brunner e Meltzer também ção na inflação esperada o banco central
favoreceram regras de expansão monetá- deve aumentar a taxa nominal de juros
ria com algum ajuste para levar em conta por mais de um ponto percentual.
as condições gerais da economia. Regras do tipo da sugerida por Taylor
Um aspecto importante na discus- tornaram-se o padrão para as políticas
são das regras de expansão monetária monetárias introduzidas em modelos ma-
foi levantado por Friedman (1968), que croeconômicos produzidos por muitos
desenvolveu a hipótese aceleracionista da bancos centrais. Esses modelos têm sido
inflação ou, se quiserem outra denomi- utilizados tanto para explicar como as po-
nação, da taxa natural de desemprego. De líticas monetárias foram seguidas no pas-
acordo com essa hipótese, não existe no sado quanto como devem ser seguidas no
longo prazo um trade-ojf entre inflação e futuro. De fato, tornaram-se as referências
desemprego, o que equivale a dizer que a para esses exercícios.
Curva de Phillips de longo prazo é ver- Pela simples enunciação da regra de
tical. Se assim for, aumentar a expansão Taylor fica claro que, primeiro, o objetivo
monetária para reduzir o desemprego da regra é nortear a atuação dos bancos
apenas acelera a inflação, sem efeito real centrais no mercado, tendo por instru-
de longo prazo no mercado de trabalho mento a taxa nominal de juros, em lugar
– consequência natural da hipótese da da taxa real. Segundo, a regra considera
neutralidade da moeda no longo prazo. outros fatores não contemplados pelos
Friedman utilizou essa relação empírica monetaristas “clássicos”.
em favor de sua tese de expansão mone- Finalmente, conforme apontou
tária a taxa fixa. O mesmo argumento foi Orphanides (2001 e 2003), a evidência
simultaneamente desenvolvido pelo eco- empírica por ele analisada mostrou que a
nomista keynesiano Edmund Phelps, que falta de informação em tempo real condu-
viria posteriormente a ser agraciado com ziu aos mesmos problemas apontados por
o Prêmio Nobel de Economia. Friedman, Allan Meltzer e Karl Brunner.
44  Escolas da Macroeconomia

O banco central moderno não é capaz de Após sua proeminência da déca-


processar as informações em tempo real da de 1970, o monetarismo perdeu essa
necessárias para tornar a regra aplicável importância nas décadas seguintes, em
na prática. De fato, se a regra tivesse sido consequência da perda de capacidade
aplicada na chamada Grande Inflação nos de mudanças na oferta de moeda para
EUA da década de 1970, seus resultados explicar adequadamente, tanto como
teriam sido piores que os obtidos pela antes, o comportamento dos preços nos
sabedoria convencional utilizada pelo EUA, seu principal centro de irradiação.
Federal Reserve na época. A despeito dessa perda de proeminência,
o monetarismo continua influenciando
os banqueiros centrais contemporâneos.
Conclusão No jantar de aniversário dos 90 anos de
Friedman em 2002, Ben Bernanke, de-
No livro seminal Friedman e
pois chairman do Federal Reserve ame-
Schwartz (1963) mostram que a atuação
ricano, afirmou que “Milton Friedman
do Federal Reserve, o banco central dos
e Anna Schwartz estavam certos com
EUA, foi a principal causa da Grande
relação à Grande Depressão”. E, “graças
Depressão nos Estados Unidos. O mone-
a vocês, não repetiremos o erro do passa-
tarismo ganhou proeminência na década
do”. E assim procedeu, reduzindo as taxas
de 1970 ao reduzir a inflação, tanto nos
de juros no episódio da Grande Recessão
Estados Unidos como no Reino Unido.
iniciada em 2007 e evitou que o mundo
O monetarismo sustenta que a oferta
vivenciasse novamente os horrores da
de moeda é o principal determinante do
Grande Depressão.
nível de preços no longo prazo. A política
monetária afeta o desempenho da econo-
mia e usa instrumentos como a taxa de
juro – a Selic, no caso brasileiro – para
ajustar a oferta de moeda da economia.
Os monetaristas acreditam que a melhor
política monetária consiste em procurar
atingir uma meta para a taxa de expansão
da oferta de moeda.
A teoria quantitativa é a base do mo-
netarismo e, como visto, suas principais
prescrições são as seguintes: (1) neutra-
lidade da moeda no longo prazo; (2) não
neutralidade da moeda no curto prazo;
(3) regra de crescimento constante do
estoque de moeda como fundamento da
política monetária; e (4) flexibilidade da
taxa nominal de juro para permitir ajus-
tes no mercado de crédito diante de mu-
danças na taxa esperada de inflação.
45  Escolas da Macroeconomia

Bibliografia
FRIEDMAN, M. Capitalism and Freedom.
University of Chicago Press, 1962.

FRIEDMAN, M. Nobel Lecture: Inflation and


unemployment. Journal of Political Economy,
Vol. 85, p. 451-472, 1977. FRIEDMAN, M.
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FRIEDMAN, M. The Role of Monetary


Policy. American Economic Review, Vol. 58, p.
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FRIEDMAN, M., SCHWARTZ, A. J. A


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1960. Princeton University Press, 1963.
ORPHANIDES, A. Monetary policy rules
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ORPHANIDES, A. The quest for prosperity


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TAYLOR, J. B. Discretion versus policy rules


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A Nova
Macroeconomia
Clássica
Marcelo Dias Carcanholo*

Assim como expectativas adaptativas, no longo pra-


o monetarismo, a zo. Expectativas adaptativas implicam
macroeconomia que os agentes econômicos formam suas
novo-clássica expectativas com base nos valores pas-
também nasce da sados e que erros de previsão são recor-
crítica ao pensa- rentemente corrigidos. Os trabalhos da
mento keynesia- macroeconomia novo-clássica, por sua
no, que entra em vez, não aceitaram os resultados mone-
crise no final dos taristas de curto prazo.
anos 60 do século Mesmo com essa diferença, o prin-
passado. Alguns cipal alvo das críticas é o pensamento
autores chama- keynesiano. Inicialmente, eles fazem
ram a escola “Nova Macroeconomia uma crítica metodológica, enfatizando
Clássica” de Pensamento Monetarista do a falta de rigor dos modelos keynesia-
tipo II. O principal expoente dessa escola nos. Segundo o que ficou conhecido
é Robert Emerson Lucas Jr., ganhador do como crítica de Lucas, os mode-los ma-
Prêmio Nobel em 1995. croeconométricos existentes até aque-
No debate sobre a curva de Phillips, le momento se restringiam a tratar as
o monetarismo mostrava que o equilí- variáveis em função apenas dos valores
brio de longo de prazo era gerado por correntes e passados de outras variáveis.
fatores microeconômicos, quando os Estes modelos desconsideravam os efei-
agentes deixariam de confundir varia- tos intertemporais na formação da es-
ções de preços relativos com variações trutura econômica, restringiam a ordem
de preços nominais. A ilusão mone- e o grau de correlação serial dos vetores
tária de curto prazo é diluída, no mo- que representam os choques aleatórios
mento em que os agentes revisam suas e, principalmente, classificavam a priori
* É professor associado da Faculdade de Economia da UFF.
47  Escolas da Macroeconomia

as variáveis em endógenas e exógenas. momento t. O que a hipótese de expec-


Geralmente, as variáveis exógenas seriam tativas racionais assume, no que ficou
as que estão sob controle das autoridades, conhecido como a versão fraca, é que os
e as variáveis endógenas seriam determi- indivíduos formam as expectativas usan-
nadas pelos agentes privados. Isto permi- do, da melhor forma possível, o conjunto
tiria ao keynesianismo utilizar a política de informações (information set) de que
econômica para obter resultados reais, dispõem. É suposto que as informações
conforme prevêem seus modelos, já que não são desperdiçadas.
a política não seria afetada pelos agentes Uma consequência importante dis-
econômicos privados. so é que o governo não pode manipular
Além da crítica metodológica (eco- sistematicamente o erro de previsão dos
nométrica), a crítica teórica também teve agentes quando as expectativas são racio-
peso decisivo no debate. A especificida- nais. Se os agentes utilizam otimamente
de dos modelos novo-clássicos pode ser toda a informação disponível, as únicas
encontrada na presença de duas hipóte- duas formas que eles têm de errar em
ses: a utilização de microfundamentos, suas previsões são: (i) se determinada
inclusive no mecanismo de formação de informação não for clara/perfeita, isto é,
expectativas (expectativas racionais), e o se possuir algum ruído no seu sinal, fa-
market clearing contínuo. zendo com que o agente econômico não
A hipótese de expectativas racionais consiga depurar a informação (informa-
tem um forte embasamento de coerên- ção im-perfeita); e (ii) se algo inespera-
cia metodológica. Se a teoria econômica do acontecer, algo que não pertencia ao
assume que os agentes são otimizadores conjunto de informações em t. A versão
em todas suas decisões, tratar o agen- forte de expectativas racionais se define
te econômico como racional quando pela não aceitação de (i). Ao contrário
ele formula expectativas a respeito de das relações determinísticas de causa-
variáveis futuras seria uma questão de lidade, presente nos modelos keynesia-
coerência. Os microfundamentos da nos, a macroeconomia novo-clássica
macroeconomia deveriam ser os de um trabalha com o caráter aleatório (pro-
agente otimizador, inclusive quando se babilístico) dos acontecimentos. Existe,
trata de formular expectativas. Esta hi- portanto, uma distribuição de proba-
pótese de expectativas racionais pode bilidade objetiva correspondente ao cará-
ser trabalhada em duas versões, uma ter aleatório que as variáveis econômicas
fraca e uma forte, sendo que esta última apresentam. Por outro lado, os agentes
pressupõe a primeira. formam expectativas de acordo com
A versão fraca de expectativas ra- uma distribuição subjetiva de probabi-
cionais já se diferencia da hipótese de lidade. A versão forte de expectativas
expectativas adaptativas. Ao formular as racionais assume que o modo como os
expectativas em um determinado tempo agentes entendem o funcionamento da
t, sobre o comportamento de uma variá- economia corresponde ao seu verdadeiro
vel em t + 1, os agentes o fazem utilizando funcionamento, isto é, que a distribui-
todas as informações disponíveis naquele ção de probabilidade subjetiva coincide,
48  Escolas da Macroeconomia

da economia. O termo instantâneo é de


crucial relevância, pois traduz o fato de
que, para os novos clássicos, não se defi-
ne um período de tempo necessário para
o ajuste da economia. Todos os momen-
tos do tempo são momentos em que os
agentes tomam decisões maximizadoras;
são todas elas situações de equilíbrio.
Se os agentes conhecem o “modelo
correto” de funcionamento da econo-
mia, é preciso especificar que modelo
é este. A estrutura da economia que é
em seus parâmetros, com a distribuição trabalhada pelos novos clássicos é mo-
objetiva real dessas variáveis. Portanto, netarista, e procura resgatar a dicoto-
os agentes conhecem o “modelo cor- mia clássica para obter os resultados de
reto” de funcionamento da economia neutralidade da moeda. Essa dicotomia
e conclui-se, então, que o resultado de se define pela determinação das variá-
qualquer política econômica não aleató- veis reais da economia em um modelo
ria é perfeitamente antecipado. Com isso, de equilíbrio geral walrasiano decor-
os agentes econômicos, dado um choque rente da hipótese de market clearing
de demanda agregada, não confundirão contínuo, separadamente das variáveis
alteração do nível geral de preços com nominais, determinadas pela teoria
mudança na estrutura de preços relati- quantitativa da moeda, em sua versão
vos. Logo, políticas econômicas de ex- neoquantitativista. Os resultados de
pansão da demanda não podem afetar o neutralidade da moeda não poderiam
produto real da economia. surpreender, dadas as hipóteses assumi-
Considerada isoladamente, a hipóte- das pelos modelos dos novos clássicos.
se de expectativas racionais não se traduz Mesmo na versão fraca de expectati-
em resultados clássicos. A hipótese de vas racionais, o produto real da economia
market clearing contínuo é, por isso, fun- só será diferente do produto potencial
damental para a macroeconomia novo- (de pleno emprego) se o nível geral de
-clássica. Esta hipótese assume que todos preços for diferente da expectativa cria-
os mercados equilibram perfeitamente da para o seu valor. Como as firmas pos-
suas demandas e ofertas pelo mecanismo suem informação imperfeita sobre o que
de preço. Assume-se, portanto, que não ocorre em outros mercados, as flutua-
existem falhas de mercado que impeçam ções podem ser provocadas porque elas
a economia de atingir o equilíbrio geral não conseguem diferenciar modificações
dos mercados. As famílias formulam de do nível geral de preços de alterações em
modo ótimo as suas preferências, as fir- seus respectivos preços relativos.
mas maximizam perfeitamente os seus Como corolário, a política mone-
lucros e as demandas e ofertas resultantes tária prevista não tem nenhuma eficácia
determinam um vetor de preços que defi- sobre o produto real da economia. O
nem um equilíbrio instantâneo/contínuo
49  Escolas da Macroeconomia

resultado de ineficácia da política econô- Central independente e regime de metas


mica é obtido independentemente do inflacionárias, em modelos que reúnam
prazo (curto ou longo) em que se esteja. o trinômio credibilidade-reputação-de-
Apesar da robustez deste resultado, legação, são eminentemente de filiação
existe ainda uma brecha que é incômo- novo-clássica.
da para as pretensões novo-clássicas. Se Deve-se ressaltar que esta ex- plica-
existe espaço para a informação imper- ção novo-clássica para as flutuações de
feita no comportamento das firmas, en- curto prazo decorria de choques mone-
tão a política monetária poderia ter tários não antecipados – “surpresas mo-
efeitos reais justamente porque ela pode netárias”. Nos anos 1980, um subgrupo
estar no conjunto de informações que desta escola de pensamento percebeu
não está disponível. Os agentes podem que as monetary business cycles theories,
não ter acesso a essas informações. Esse em última instância, violavam a hipótese
incômodo é retirado quando se assume de que os agentes otimizam suas decisões
um modelo com a versão forte de ex- em todos os momentos (market clearing
pectativas racionais. Como aqui não há contínuo), pois as flutuações eram en-
espaço para informação imperfeita/ine- tendidas como distúrbios da produção
xistente o produto só será diferente do real em torno de seus níveis de longo pra-
potencial se os agentes forem surpreen- zo (de equilíbrio com previsão perfeita).
didos por um crescimento da demanda Estes teóricos (Real business cycles
agregada ou da oferta de moeda. As re- theory - RBC) passaram a sustentar que
gras de expansão monetária e, portanto, as flutuações cíclicas são do próprio pro-
a política monetária sistemática, são an- duto potencial de pleno emprego, e são
tecipadas pelos agentes, não tendo efeito provocadas por choques estocásticos
algum sobre variáveis reais da economia. reais, tendo seus efeitos propagados em
Este é o teorema da ineficácia de política função das respostas otimizadoras dos
presente nos modelos da macroecono- agentes econômicos frente às consequên-
mia novo-clássica. cias destes choques. Desta forma, a RBC
Se regras de política monetária são não passa de uma radicalização (mais
imediatamente incluídas em seus mode- coerente com os pressupostos da esco-
los de previsão, a política pode ser uti- la de pensamento) da macroeconomia
lizada para combater a inflação sem os novo-clássica.
custos recessivos de curto prazo ineren- No que se refere à ineficácia de po-
tes à visão monetarista. Para tanto, a au- lítica fiscal, os novos clássicos revisitam
toridade monetária deve anunciar a regra a chamada equivalência ricardiana para
de oferta de moeda, de acordo com uma sustentar esse resultado. Déficits públicos
inflação-meta pré-estabelecida, e se o que procurem ex pandir a demanda agre-
anúncio tiver credibilidade, os agentes gada precisam ser financiados. A ideia
econômicos não confundirão a mudança keynesiana de majorar o multiplicador
de variáveis nominais como se fosse al- da política fiscal pelo financiamento do
teração na estrutura de preços relativos. déficit via endividamento público é forte-
Percebe-se como as temáticas de Banco mente criticada. A emissão de títulos no
50  Escolas da Macroeconomia

macroeconômico clássico. A nomencla-


tura para esta escola de pensamento não
poderia ser mais adequada.

Bibliografia
BARBOSA, E. S. Uma exposição introdutória
da macroeconomia novo-clássica. In: Silva,
M.L.F. (Org.) Moeda e Produção: teorias
comparadas. Brasília: UNB, 1992.

KLAMER, A. Conversas com economistas:


os novos economistas clássicos e seus
opositores falam sobre a atual controvérsia em
Macroeconomia. São Paulo: Pioneira, 1988.

LUCAS, R. E. Expectations and the neutrality


of money. Journal of Economic Theory, vol. 4,
abril de 1972.
presente pode elevar a riqueza privada,
mas os agentes econômicos sabem (ex- LUCAS, R. E.; SARGENT, T. J. Rational
pectativas racionais) que serão cobrados Expectations and Econometric Practice. The
University of Minnesota Press, 1981. LUCAS,
impostos no futuro para pagar a dívi-
R. E. Understanding Business Cycles. In:
da. Como eles maximizam suas decisões Lucas, R. E. Studies in Business-cycle Theory.
intertemporalmente, e sabem que suas Cambridge: MIT Press, 1983.
rendas disponíveis no futuro irão dimi-
nuir, eles antecipam esse evento, aumen-
tando a poupança presente para pagar
os impostos no futuro, o que compensa
a elevação da demanda do setor público.
No final, a demanda agregada não se al-
tera e, portanto, a política fiscal não tem
efeito sobre o produto e emprego reais.
Mesmo assim, para os teóricos do RBC,
a pressão sobre a taxa de juros associada
à elevação da dívida pública poderia alte-
rar a oferta intertemporal de trabalho no
presente, tendo impactos sobre emprego
no curto prazo.
Neutralidade da moeda, equilíbrio
potencial de pleno emprego, ineficá-
cia de política econômica e defesa do
livre mercado: é o retorno, já em seus
resultados de curto prazo, ao modelo
Macroeconomia
Pós-Keynesiana

Andre de Melo Modenesi*

Segundo V. Chick, S. Weintraub, P. Davidson, A.


D a v i d s o n Eichner, J. Kregel, H. Minsky, B. Moore
(2005a: 451), e G. Shackle, deu continuidade ao res-
a escola Pós- gate da revolução keynesiana – ressal-
Keynesiana (PK) tando a importância da incerteza e das
é formada por condições monetárias e financeiras nas
um “(...) grupo decisões econômicas.1 No Brasil, F.J.
[heterogêneo] de Cardim de Carvalho (1992) se destaca
economistas uni- como o maior difusor do pensamento
dos unicamente pós-keynesiano, segundo quem: “(...)
em torno da re- Pós-Keynesianos têm como programa
jeição da sínte- de pesquisa precisamente o desenvol-
se neoclássica” vimento de uma visão nova, a de uma
(Davidson, 2005a: 451). A crítica central economia monetária. Este é o con-
desse grupo dissidente é a interpretação ceito unificador do paradigma Pós-
mecanicista da Teoria Geral, inaugura- Keynesiano (...)” (p. 37).
da por Hicks (1937) e formalizada pelo A teoria macroeconômica pós-
modelo IS-LM. As primeiras reações ao -keynesiana se fundamenta em dois
keynesianismo hidráulico (ou “bastar- pilares: o princípio da demanda efeti-
do”) foram feitas por Kaldor (1956) e va (PDE); e a preferência pela liquidez
Robinson (1962, 1972) que, junto com (PPL). A adoção do PDE, conjugada
G. Harcourt, R. e Khan, encabeçam o com a teoria da PPL, é o que permitiu a
grupo de autores pós-keynesianos de- Keynes (1936) rejeitar os três axiomas
nominado por Holt (1997) de “britâni- fundamentais da escola “clássica”: i)
co”. O grupo “americano”, liderado por substituição bruta; ii) ergodicidade; e
* É professor do IE/UFRJ e pesquisador do CNPq (amodenesi@gmail.com). O autor agradece os comentários de Lucas
B. de Andrade.
52  Escolas da Macroeconomia

iii) neutralidade da moeda. A combi- fenômeno real: ela reflete a produtivi-


nação destes axiomas, por sua vez, as- dade marginal do capital. Do ponto de
segura o pleno emprego e a validade da vista do poupador, ela funciona como
lei de Say – afastando o modelo (neo) uma recompensa pela abstinência do
clássico da realidade (Davidson, 2005a; consumo presente em troca de um
2005b). maior consumo futuro. Estas escolhas
O PDE pode ser didaticamente definem exclusivamente a composi-
apresentado por meio de um diagra- ção – mas não o volume – de gastos
ma simples. A função de oferta agre- (ou demanda) agregados. Variações
gada é representada pela curva Z. na taxa de juros asseguram que a um
Ela mostra o valor compensador das aumento da poupança corresponde
vendas esperado pelos empresários. um aumento idêntico no investimen-
Quanto maior a expectativa de recei- to: tudo aquilo que não é consumido
ta, maior o nível de emprego. A de- pelos poupadores é necessariamente,
manda agregada é dada pela curva D. gasto pelos investidores.
Ela mostra a expectativa de gastos em Segundo a lei de Say, não haveria
consumo e em investimento. Quanto obstáculo ao pleno emprego pelo lado
maior o nível de emprego, maior o da demanda: a produção poderia ser
fluxo de gastos planejados. expandida livremente até o limite físi-
No modelo clássico, os volumes co dado pela plena utilização dos fato-
de consumo e de investimento (e, por- res de produção. Neste caso, valeriam
tanto, a demanda agregada) são limi- os axiomas da substituição bruta e da
tados pela renda corrente. As decisões ergodicidade. De acordo com o pri-
de consumo/poupança se baseiam em meiro, variações nos preços relativos
uma escolha intertemporal: poupar determinam mudança na composição
significa abrir mão de consumo hoje de um dado volume agregado de gas-
para obter um valor maior de consu- tos. Como o sistema é ergódico, não há
mo no futuro. A taxa de juros é um incerteza – que se difere do risco, por
53  Escolas da Macroeconomia

não ser calculável – e, portanto, não


há razão para os agentes manterem
recursos ociosos na forma de moeda.
A moeda é neutra e vale a dicotomia
clássica: a determinação das variáveis O investimento depende do espíri-
reais (emprego e renda) independe do to animal dos empresários. Aqui entra
lado monetário. em cena o princípio da não ergodici-
No modelo clássico, as curvas Z e dade. Como o futuro não é uma mera
D seriam coincidentes (Figura 1a). Se projeção do passado, não há bases ob-
o nível observado de emprego for Nª1, jetivas para a formação de expectati-
a demanda seria limitada ao ponto G. vas. A não ergodicidade implica que a
Qualquer expansão de emprego pro- inferência estatística (ou o cálculo de
movida pelos empresários para gerar probabilidades) não é uma forma efi-
um volume adicional de produção ciente de se antever a um futuro que é
(para o ponto H) também aumentaria simplesmente imprevisível.
a demanda observada para o ponto H Há uma distância temporal entre
e o pleno emprego (Nªf) seria alcança- as decisões de investimento, produ-
do. Trata-se de um equilíbrio estável: a ção (dos empresários) e de gastos (dos
economia nele se manteria. consumidores). Assim, as decisões de
Voltando para o PDE de Keynes. investimento se baseiam em expecta-
A curva Z está dada no curto pra- tivas (de longo prazo), cujas bases são
zo; sua fundamentação microeco- muito frágeis. Essa precariedade na
nômica é Marshalliana. A inovação formação das expectativas reduz o grau
de Keynes consiste em dividir a de- de confiança (ou a crença na validade)
manda agregada em dois componen- das mesmas. Os agentes reconhecem a
tes com determinantes distintos. Os fragilidade de suas expectativas – par-
gastos em consumo dependem do ticularmente quanto à Emc. Assim as
nível corrente de renda e/ou de em- expectativas podem ser drasticamen-
prego (dada a propensão marginal a te revertidas dando origem a ondas
consumir). Já o investimento plane- de pessimismo e de otimismo. A ele-
jado depende fundamentalmente da vada volatilidade das expectativas se
expectativa de ganhos futuros (de- transmite para o investimento e para
finida em termos monetários) dos a demanda agregada e, por fim, gera
empresários, a eficiência marginal oscilações no emprego e na renda (via
do capital (Emc). Estes gastos não multiplicador). Em oposição à econo-
são limitados nem pela renda cor- mia clássica – que repousa em equilí-
rente nem por uma dotação prévia brio único e estável – a economia de
de recursos. O excesso de investi- Keynes é inerentemente instável pelo
mento em relação à renda corrente lado da demanda.
pode ser finan ciado por emprésti- A PPL aparece neste momento.
mos bancários. As equações abaixo Na presença de incerteza (desconhe-
formalizam as curvas Z e D: cimento do futuro), os agentes podem,
54  Escolas da Macroeconomia

racionalmente, abrir mão de


ganhos futuros (associado à
compra de bens de capital) em
troca do prêmio de liquidez
proporcionado pela retenção
de moeda.
Para Keynes (1930, 1936),
diferentemente dos clássi-
cos, a moeda não é um mero
meio de troca. Ela é um ativo
financeiro singular, com grau
máximo de liquidez. São duas
as propriedades fundamentais
da moeda: elasticidade pro-
dução nula (ou próxima de
zero); e elasticidade substitui-
ção nula. A primeira significa
que a moeda não é reprodu-
tível pelo trabalho – diferen-
temente de todos os demais
bens e serviços, cuja produção
requer o trabalho humano
e, portanto, gera emprego e
renda. A segunda implica que
não há substituto para a moe-
da. Diante de um quadro de trabalho para a acumulação de um ati-
elevada incerteza, haverá um aumen- vo não reprodutível pelo trabalho. Neste
to da PPL – que não pode ser reverti- caso, um aumento da demanda por moe-
do por um aumento dos juros. Não há da impactará negativamente o em prego/
substituto para a moeda e mudanças renda. Vale dizer, a moeda não é neutra:
nos preços relativos não são suficien- [...] a moeda tem um papel pró-
tes para induzir os agentes a gastarem prio e afeta os motivos e decisões e é,
mais. O axioma da substituição bruta é, em suma, um fator operante na situa-
portanto, negado: mudanças nos pre- ção [econômica], de modo que o curso
ços relativos não asseguram a conver- dos eventos não pode ser previsto, nem
gência ao pleno emprego. no longo período nem no curto, sem
Em suma: um aumento da incerte- um conhecimento do comportamento
za gera um aumento da demanda pre- da moeda, do estágio inicial ao final
caucional por moeda. Isso implica que (Keynes, 1973, pp. 408-9).
parcela da renda monetária gerada no Na teoria de Keynes e de PK as
processo produtivo se desviará da com- curvas Z e D não são concorrentes e o
pra de bens/serviços reprodutíveis pelo ponto de demanda efetiva (E) é dado
55  Escolas da Macroeconomia

pela interseção entre elas. Na figura 1b, 1 Kaldor (1956) e Robinson (1960)
o nível de emprego de equilíbrio é Nb . usam o termo “post-Keynesian eco-
Ao nível de pleno emprego (Nb ) corres- nomics” para se referirem ao seu traba-
ponde uma insuficiência de demanda lho e de seus colegas de Cambridge. A
efetiva (distância vertical JK). A lei de partir de Eichner e Kregel (1975), o ter-
Say não se verifica: nem todo volume de mo “Pós-Keynesiano” passa a ser usado
produção correspondente ao pleno em- de uma forma mais consistente, o que foi
prego pode ser vendido lucra tivamente. reforçado pelo lançamento do Journal
Resumindo, com a concomitante of Post Keynesian Economics, em 1978
negação dos axiomas da escola clássica – (Davidson, 2002b). Em 2012, foi lançada
substituição bruta, neutralidade da moe- a Review of Keynesian Economics.
da e ergodicidade – e adoção do PDE e da
teoria da PPL, os PK procuram resgatar a
essência da revolução keynesiana: aproxi- Referências
mar-se do mundo em que realmente vive- CARVALHO, F.J.C (1992). Mr. Keynes and
mos. Segundo Davidson: “Keynes criou the Post Keynesians. Aldershot: Elgar.
um sistema teórico [...] que reflete correta-
DAVIDSON, P. (2002a). “Resgatando a
mente as características do mundo econô-
Revolução Keynesiana”. In: J. Sicsú e Lima, G.T.
mico real, aquelas de Wall Street e da Sala (Orgs), Macroeconomia do Emprego e da Renda.
da Diretoria das empresas, mais do que Keynes e o Keynesianismo. Barueri (SP): Manole.
aquelas do mundo de Robinson Crusoé
ou da feira medieval. [...] seu modelo lógi- . (2002b). “Restating the Purpose of the
Journal of Post Keynesian Economics After 25
co não é tão completamente desenvolvido,
Years”, Journal of Post Keynesian Economics, Fall.
nem tão nítido e preciso quanto o neoclás-
sico [...] Não obstante, os Pós-Keynesianos . (2005a). “The Post Keynesian
acreditam que é melhor desenvolver um School”. In Snowdon, B. e Vane, H.R, Modern
modelo que reproduza as características Macroeconomics. Cheltenham: Edward Elgar.
especiais do mundo econômico em que . (2005b). “Responses to Lavoie,
vivemos do que continuamente refinar e King, and Dow on what Post Keynesianism is
polir um modelo belamente preciso, mas and who is a Post Keynesian”. Journal of Post
irrelevante. [...] a divisa que serve de guia Keynesian Economics, vol. 27(3), pp. 393-408.
é: “Melhor ser aproximadamente certo EICHNER, A.S. e KREGEL, J.A. (1975),
do que precisamente errado!”(Davidson, “An Essay on Post Keynesian Theory: A New
2002a, pp. 25-6) Paradigm in Economics”. Journal of Economic
O leitor interessado deve aces- Literature, 13(4), pp. 1293-1314.
sar os seguintes sites: Levy Institute
HICKS, J.R. (1937), ‘Mr. Keynes and the
(http://www.levyinstitute.org/resear- “Classics”: A Suggested Interpretation’,
ch/); Center for Full Employment and Econometrica, April.
Price Stability (http://www.cfeps.org/);
e Grupo de Estudos sobre Moeda HOLT, R.P.F. (1997), ‘Post Keynesian School of
e Sistema Financeiro (http://www. Economics’, in T. Cate (ed.), An Encyclopedia
of Keynesian Economics, Cheltenham, UK
ie.ufrj.br/moeda/). and Lyme, USA: Edward Elgar.
Macroeconomia do
Novo Consenso

Antonio Luis Licha*

Na década de 1990
desenvolveu-se um Novo
Consenso (ou uma Nova
Síntese Neoclássica) en-
tre os macroeconomistas
do mainstream, ao combi-
nar modelos que analisam
como as famílias e as firmas
tomam decisões ao lon-
go do tempo (ferramentas
desenvolvidas inicialmen-
te pelos Novos Clássicos)
com modelos nos quais os
preços mudam de forma in-
termitente (modelos Novos Keynesianos uma resposta de natureza keynesiana
que supõem firmas monopolisticamente aos autores chamados Novos Clássicos
competitivas com algum poder de mer- (como Robert Lucas Jr., Thomas J.
cado). Este consenso é considerado no Sargent e Robert Barro). Entre esses
mainstream a melhor abordagem teórica economistas podemos citar John B.
para explicar as flutuações econômicas Taylor, Stanley Fischer, Ben Bernanke,
de curto prazo e o papel das políticas N. Gregory Mankiw, David Romer,
econômicas, mas está sendo rediscutido Olivier Blanchard, Nobuhiro Kiyotaki e
devido à crise financeira de 2008. Michael Woodford.
O rótulo de Novo Consenso des- O Novo Consenso procura fazer
creve inicialmente aqueles economistas uma síntese entre os instrumentos te-
que, na década de 1990, desenvolveram óricos utilizados por autores Novos
* É professor do IE/UFRJ.
57  Escolas da Macroeconomia

Clássicos (como o modelo de equilíbrio escolhidas e conhecem as consequên-


geral dinâmico) e elementos utilizados cias de suas decisões. Ainda que exista
por keynesianos da Síntese Neoclássica incerteza sobre os resultados exatos de
(notadamente a ideia de que preços e suas decisões, os agentes econômicos co-
salários se ajustam lentamente frente a nhecem as funções de distribuição des-
desequilíbrios nos mercados).1 A inte- ses resultados e utilizam corretamente
gração desses elementos permitiu desen- a informação disponível. É claro que o
volver um corpo teórico sobre dinâmica comportamento dos mercados deve ter
e política macroeconômica. Essas reco- características especiais para que exista
mendações de política econômica foram uma trajetória única e estável, levando à
adotadas por diversos países, especial- imposição de um conjunto de hipóteses
mente pelos bancos centrais de países simplificadoras.
desenvolvidos, gerando práticas e pro- O outro pilar é a suposição de que
cedimentos comuns a partir do final da preços e/ou salários nominais não se
década de 1990. ajustam instantaneamente, no sentido
Neste artigo descrevemos os ele- de que, se existe um excesso de deman-
mentos teóricos mais importantes do da (ou de oferta) nos mercados de bens
Novo Consenso, suas recomendações de ou de trabalho, os preços demoram
política econômica e as alterações que a reagir. Isto pode ser explicado pela
vêm acontecendo devido à crise financei- existência de custos de ajustamento de
ra de final da década passada. preços (chamados de “menu cost”) e de
imperfeições nos mercados que levam a
que o lucro aumente pouco se os preços
Corpo teórico são ajustados rapidamente (chamadas de
“rigidez real”). Ao longo do tempo, os
A macroeconomia do Novo
preços terminam se ajustando até alcan-
Consenso é caracterizada do ponto de
çar seus níveis de equilíbrio (igualdade
vista teórico por dois pilares principais: o
de demanda e oferta) e a trajetória destes
modelo de equilíbrio geral dinâmico e o
equilíbrios é chamada de equilíbrio com
conceito de rigidez nominal. Analisemos
preços flexíveis. Essa trajetória represen-
cada um desses pilares.
ta uma tendência subjacente em períodos
O modelo de equilíbrio geral dinâ-
longos para a economia, no sentido que
mico descreve o comportamento de uma
é a que predomina quando os merca-
economia ao longo do tempo. Nele, os
dos terminam seus ajustes. A tendência
agentes econômicos avaliam os custos e
mostra as propriedades do crescimento
benefícios de suas decisões analisando as
econômico em períodos longos (longo
consequências presentes e futuras dessas
prazo) e depende da taxa de crescimen-
decisões. Do ponto de vista da raciona-
to da produtividade total dos fatores e do
lidade envolvida, o modelo considera
crescimento dos fatores produtivos (capi-
que os agentes econômicos (famílias,
tal e trabalho). Ao longo dessa trajetória,
empresas e intermediários econômicos)
as variáveis macroeconômicas se encon-
conseguem determinar claramente suas
tram em seu nível normal (ou natural) e
preferências entre as alternativas a serem
58  Escolas da Macroeconomia

definem marcos de referência para cada abordar cada componente da dinâmi-


variável, como o produto potencial e a ca macroeconômica (tendência e ciclo
taxa natural de desemprego. econômico) em separado. Analisemos
Eventos não esperados pelos agentes as recomendações de política para cada
econômicos (choques) podem afastar a componente.
economia do equilíbrio com preços fle- Em relação ao componente de ten-
xíveis. Nessas circunstâncias, as variá- dência, o objetivo da política econômica
veis macroeconômicas serão diferentes é gerar o maior crescimento possível do
de seu marco de referência e os desvios consumo per capita em períodos longos,
são interpretados como o componente porque esse é o principal determinante
cíclico. O ciclo econômico é gerado por do bem-estar social. Esse objetivo está
choques diversos. associado ao pleno emprego da mão de
Os choques podem acontecer na de- obra, ainda que possa não significar o
manda de bens (como com- portamentos maior crescimento do produto poten-
inesperados no consumo das famílias ou cial. As políticas devem estar voltadas
na demanda de equipamento por par- para o progresso técnico (aumento de
te dos empresários), na oferta de bens e produtividade) e a acumulação de capital
serviços (por exemplo, choques de pro- (investimento). O estímulo do progres-
dutividade ou nos preços dos insumos) so técnico está associado, entre outros
ou em segmentos do mercado financeiro pontos, a melhoras dos sistemas de ino-
(choques na oferta de crédito ou na de- vação, ao estabelecimento de um marco
manda de algum ativo financeiro). Como institucional que estimule a atividade
os preços podem demorar a se ajustar,
os efeitos dos choques possuem certa
persistência sobre o nível de atividade e
a taxa de desemprego (além das outras
variáveis macroeconômicas). A amplitu-
de e duração de cada ciclo dependem da
natureza do choque, seu tamanho e dos
mecanismos de transmissão no sistema
econômico.

Política econômica

O Novo Consenso apresenta os fun-


damentos intelectuais para a análise da
política monetária e fiscal nos principais
países, destacando sua preponderância
não só nos ambientes acadêmicos como
entre os formuladores de política eco-
nômica nas últimas duas décadas. Nesse
consenso a política econômica deve
59  Escolas da Macroeconomia

econômica e gere incentivos que me- No caso de economias abertas, o con-


lhorem a alocação de recursos (como a senso tem sido de que as taxas de juros de
regulação de serviços de utilidade públi- política respondam a choques cambiais.
ca) e ao desenvolvimento do sistema de Por outro la do, se a economia entra numa
educação (que melhore a produtividade depressão (como é o caso dos Estados
da mão de obra). O estímulo à acumu- Unidos, países da comunidade europeia e
lação de capital depende de políticas que Japão a partir do final de 2008), podem ser
afetem a taxa de rentabilidade de longo utilizados outros instrumentos de política
prazo dos investimentos (produto mar- monetária chamados de não convencionais
ginal do capital). Em relação ao ciclo (como a compra de títulos públicos e priva-
econômico, o objetivo da política econô- dos de prazos longos por parte dos bancos
mica é reduzir os desvios das variáveis centrais). A política fiscal é tida como coad-
relevantes em relação ao componente juvante da política monetária para ajustar
de tendência (suavizar o ciclo econômi- a economia aos choques que acontecem.
co). A política monetária é o principal As metas da política fiscal costumam ser
destaque para esta tarefa. Em geral, a a taxa de crescimento do produto e cuidar
taxa de juros utilizada em operações do da solvência da dívida emitida pelo setor
mercado interbancário é o instrumento público (evitando que a trajetória dessa
de política monetária. Os bancos cen- dívida se torne instável). O instrumento de
trais definem como objetivo uma meta política fiscal, definido para calibrar o es-
para a taxa de inflação, que procuram forço fiscal, costuma ser o re sultado fiscal
alcançar com alguma flexibilidade em primário (que não considera as receitas e
despesas financeiras). Em caso da econo-
relação à taxa de crescimento do produ-
mia se encontrar numa depressão, a polí-
to. Em termos gerais, os bancos centrais
tica fiscal adquire a função de expandir a
deveriam manipular as taxas de juros de
demanda agregada de forma conjunta às
política em relação ao seu nível natural
políticas monetárias não convencionais.
(ou neutro) para compensar os diver-
sos choques que a economia sofre. No
caso de acontecerem choques de oferta
temporários, os bancos centrais devem
enfrentar um dilema entre combater os
desvios da taxa de inflação em relação a
sua meta ou gerar muita volatilidade no
hiato do produto. A definição do dilema
entre combate à inflação ou volatilidade
do produto depende das preferências do
banco central. Estas práticas têm sido
adotadas por bancos centrais im- portan-
tes de forma explícita (regime de metas
de inflação) ou de forma menos norma-
tizada (como no caso do Federal Reserve
ou do Banco Central da Europa).
60  Escolas da Macroeconomia

A crise financeira de 2008 (chamadas de macroprudenciais) que


permitam a estabilidade financeira da
A crise financeira internacional economia. Também é de interesse ver as
(em especial a partir de sua fase agu- relações dessas políticas com as políticas
da, em setembro de 2008) desencadeou monetária e fiscal.
um debate intenso em relação ao corpo Uma extensão desse debate inclui
teórico e às proposições de política eco- o papel da política cambial e as inter-
nômica do Novo Consenso. Esse debate venções dos bancos centrais nos merca-
ainda está sendo elaborado, mas pode- dos de câmbio. Economistas do Fundo
mos apresentar algumas ideias gerais Monetário Internacional (entre outros)
sobre seus principais pontos. Os modelos destacam que a intervenção cambial e/
do Novo Consenso consideravam que os ou o uso de controles cambiais podem
mercados financeiros não apresentavam ajudar a suavizar as flutuações da taxa
imperfeições que podiam levar a ruptu- de câmbio (reduzir a volatilidade) num
ras patrimoniais com repercussões sistê-
contexto de regime de câmbio flutuante.
micas. O sistema financeiro e a política
Esses instrumentos deveriam ser utiliza-
monetária pareciam ter os instrumentos
dos durante períodos de tempo curtos.
necessários para absorver qualquer cho-
Apesar dos progressos na pesquisa teóri-
que que poderia acontecer. Esses choques
ca e empírica e na experimentação prá-
poderiam gerar ciclos recessivos que
tica durante os últimos cinco anos, os
seriam contrabalançados pelos fundos
contornos da política macroeconômica
gerados pelo sistema financeiro ou pela
futura permanecem vagos. Os novos pa-
política monetária. Não era de se esperar
que os choques gerassem falências dos péis relativos à política monetária, fiscal
diferentes intermediários financeiros em e macroprudencial ainda estão sendo
grande escala. As flutuações do sistema discutidos e evoluindo. O resultado desse
econômico seriam suaves e sem rupturas desenvolvimento deve, provavelmente,
sistê- micas nas estruturas patrimoniais. depender mais dos resultados alcança-
Estas hipóteses estão sendo revistas, in- dos pelas políticas implementadas nos
corporando a forma como os interme- últimos anos.
diários financeiros administram riscos, No que se refere à bibliografia re-
novos objetivos para a política econômi- comendada, Mankiw e Romer (1991)
ca (como a estabilidade financeira) e no- fazem uma compilação dos primeiros
vos instrumentos de regulação financeira textos do Novo Consenso. Goodfriend
(como limitações no nível de alavan- e King (1997) apresentam uma resenha
cagem dos intermediários financeiros). desta escola. Benigno (2009) apresenta
Esses objetivos e instrumentos macro- um modelo simples e uma análise grá-
prudenciais já existiam na prática dos fica utilizando um modelo de oferta e de-
bancos centrais e na legislação, mas a di- manda agregada. Blanchard, Dell’Ariccia
mensão macroeconômica não tinha sido e Mauro (2013) apresentam o debate de-
incorporada. Novos modelos estão sendo senvolvido a partir da crise de 2008 para
desenvolvidos para incorporar políticas repensar o papel da política econômica.
61  Escolas da Macroeconomia

Bibliografia
BENIGNO, Pierpaolo. New-Keynesian
Economics: An AS-AD View, Working
Paper 14824, NBER Working Paper Series,
Cambridge, March, 2009.

BLANCHARD, Olivier, DELL’ARICCIA,


Giovanni e MAURO, Paolo. Rethinking
Macro Policy II: Getting Granular, IMF Staff
Discussion Note 13/03, International Monetary
Fund, Research Department, April, 2013.

GOODFRIEND, Marvin, KING, Robert.


The New Neoclassical Synthesis and the Role
of Monetary Policy. In: Ben S. Bernanke e
Julio Rotemberg (eds.), NBER Macroeconomics
Annual 1997, Cambridge: MIT Press, pp.
231–283, 1997.

MANKIW, N. Gregory, ROMER, David


(eds.) (1991), New Keynesian Economics,
MIT Press, 2 volumes. Vol. 1: Imperfect
competition and sticky prices; Vol. 2:
Coordination Failures and Real Rigidities,
1991.
Novos
Keynesianos
Maria Isabel Busato
e Fabio N. P. de Freitas*

O Enfoque as flutuações mais persistentes no produ-


Novo-Keynesiano to e no emprego e à falta de uma expli-
(NK) surge em fins cação para a persistência do desemprego
dos anos 1970 e observado no mundo real.
início dos 1980, Os autores pertencentes à aborda-
como uma “al- gem NK discordam acerca de questões
ternativa” à teoria específicas, mas a grande maioria deles
macroeconômica parte da crítica teórica e da negação,
novo-clássica e é ao menos parcial, da solução novo-
parte do dissenso -clássica. Concordam quanto à ne-
surgido no mains- cessidade de introduzir fundamentos
tream a partir da microeconômicos, porém recusam a
crítica novo-clássica aos modelos macro- ideia novo-clássica de interpretar a re-
econômicos dos anos 1950 e 19601. Os alidade econômica a partir da ideia de
NK propõem uma explicação alternati- mercados que se ajustam perfeitamente
va para as flutuações de curto prazo no frente a situações de desequilíbrio com
produto e no emprego, adotando parte do base num sistema de preços plena-
arsenal teórico da escola novo-clássica, mente flexível. No seu lugar propõem
tais como a necessidade metodológica de interpretar o funciona mento da econo-
modelos microfundamentados; e a ampla mia com base na noção de ajustamen-
aceitação da Hipótese das Expectativas to imperfeito dos mercados por conta
Racionais (HER). O desconforto dos NK da presença de diversas formas de ri-
com relação aos novos-clássicos está rela- gidez de preços em condições de con-
cionado à hipótese de market clearing, à corrência imperfeita. Vale notar que o
incapacidade desses últimos em explicar ajustamento imperfeito também pode

* Professores do IE/UFRJ.
63  Escolas da Macroeconomia

ocorrer no regi- ajustamento de preços e salários2 produ-


me de concor- ziria uma tendência ao equilíbrio caracte-
rência perfeita rizado pela neutralidade da moeda.
tendo em vista, Para tais teóricos existe um tempo
por exemplo, necessário, maior do que aquele previsto
a presença de pelos monetaristas e pelos novos-clássi-
custos de ajuste cos, para que os preços e os salários se
de preços que ajustem. A rigidez nominal de preços,
superam o seu combinada à rigidez real, seria relevante
benefício. para explicar a quebra da dicotomia clás-
Mankiw & sica, abrindo espaço para que a política
Romer (1989) econômica tenha eficácia em afetar as
definem o plano de pesquisa da teoria variáveis reais da economia. Já a rigidez
novo-keynesiana como aquele que visa real salarial é mais relevante para explicar
a responder duas questões centrais: i) as a existência de uma taxa de desemprego
flutuações em variáveis nominais pode- persistente.
riam afetar variáveis reais como o pro- Uma questão central para esta es-
duto real e o emprego? Isto é, a moeda é cola é justificar o impacto agregado das
não-neutra?; ii) as imperfeições de mer- imperfeições e da rigidez, sugerindo,
cado são importantes para entender as para tanto, uma multiplicidade de expli-
flutuações econômicas? cações para a rigidez de preços e salários
Por ora podemos adiantar que a teo- e para suas consequências macroeconô-
ria novo-keynesiana oferece uma resposta micas. A rigidez nominal ocorre se algo
positiva para as duas questões. De fato, a impede que alguns preços respondam
primeira afirmativa decorre da segunda, prontamente a alterações na demanda.
e este é o foco da teoria NK. Conforme Segundo Snowdon & Vane (2005), a pri-
Gordon (1990), a literatura novo-key- meira safra de modelos de rigidez nomi-
nesiana busca “rigorosos e convincentes nal enfatizou o papel da rigidez nominal
modelos de rigidez de salários e/ou pre- de salários, com contribuições importan-
ços baseados no comportamento racional tes de Stanley Fisher, Edmond Phelps e
e maximizador”, de modo que choques John Taylor. Os autores argumentam que
monetários não seriam absorvidos inte- a presença de contratos salariais de lon-
gralmente via preços flexíveis. Logo, os go prazo seria suficiente para justificar a
autores NK assumem que as imperfeições existência de impactos reais resultantes
no ajustamento dos mercados possibili- de choques monetários. Partindo de uma
tariam a existência de desvios do produto situação inicial de equilíbrio sobre uma
real em relação ao seu nível potencial e curva de oferta agregada vertical, um
de desemprego involuntário como resul- aumento na demanda agregada conside-
tado de choques monetários. Sendo as- rando preços flexíveis e salários regidos
sim, a moeda poderia ser não neutra no por contratos leva ao aumento do preço
curto prazo. Contudo, no longo prazo, relativo da firma em relação ao custo
decorrido o tempo suficiente, o lento salarial e o produto real aumenta. Se os
64  Escolas da Macroeconomia

salários e preços fossem flexíveis, o ajuste preços por cada firma não está sujeito à
ocorreria sem alteração dos preços relati- revisão contínua e que as alterações de
vos e do salário real, e o produto não se preços são não sincronizadas, ou seja,
moveria. apenas uma parcela das firmas reajusta
Entre os modelos que enfatizam a ri- a cada momento e a probabilidade de
gidez nominal de preços no mercado de cada firma alterar seu preço é dada exo-
bens, ao nível da firma, podemos desta- genamente. Neste caso, a rigidez nominal
car (Akerlof e Yellen, 1985): (i) o modelo não depende de contratos, como na safra
de custos de menu (menu costs), que su- inicial dos modelos NK. Tais modelos
põe a existência de custos de ajustamento ganharam destaque em aplicações empí-
na remarcação de preços. Diante de, por ricas ao reforçar a interação entre rigidez
exemplo, um choque de demanda nega- nominal e real.
tivo, a firma somente reduz seu preço se Para além do argumento da relevân-
a variação na receita decorrente da re- cia da rigidez nominal, Mankiw & Romer
dução do preço for superior ao custo de (1991) discorrem sobre a importância da
ajustamento, ou seja, a firma remarca se interação entre a rigidez nominal e real
a receita marginal de remarcar superar o para compreender as flutuações econô-
custo marginal de ajustamento. Se os sa- micas observadas. Para esses autores, a
lários nominais são regidos por contratos maior persistência da rigidez de preços
e se mantêm nominalmente rígidos, o seria resultado da combinação entre a ri-
comportamento da curva de custo mar- gidez real e fricções nominais, pois se o
ginal será viscoso, reforçando o impacto custo marginal for muito pressionado a
dos custos de menu, e (ii) o modelo de rigidez nominal se desfaz. Imagine, como
comportamento quase-racional (near ra- exemplo, que a curva de oferta de mão
tionality), segundo o qual as firmas apre- de obra seja bastante vertical, de modo
sentariam um comportamento inercial que um pequeno deslocamento na cur-
na remarcação de preços, o que as levaria va de demanda por mão de obra levará
a uma rigidez de preços diante de cho- a grande variação no salário nominal e
ques de demanda. Além desses modelos real. Uma vez que o salário é importan-
há também os que argumentam que a te componente dos custos de produção,
tentativa das firmas de manter uma rela- seu aumento pressiona o custo marginal,
ção estável, relação de clientela com seus que, superando o custo de remarcação,
clientes levam as mesmas a definirem leva ao reajuste de preços, desfazendo a
calendários de reajustes, absorvendo via rigidez nominal. Esse é o argumento cen-
compressão de lucros possíveis choques tral para compreender como rigidez no-
de custos. minal e real interagem e caracterizam a
Nas versões mais modernas in- estrutura NK.
cluem-se os modelos dinâmicos de estra- Já os modelos de rigidez real tra-
tégias de precificação desenvolvidos por tam das explicações para a rigidez de
Rotemberg (1982) e por Calvo (1983). preços relativos, com ênfase particular
Este último desenvolveu um modelo na discussão da rigidez dos salários re-
que assume que o processo de fixação de ais. Do conjunto de modelos de rigidez
65  Escolas da Macroeconomia

Assim, a lógica geral da estrutura te-


órica NK é definir situações a partir das
quais a rigidez de preços e de salários
impede a “mão invisível” de funcionar
equilibrando continuamente oferta e de-
manda. Em outras palavras, segundo esta
visão, o funcionamento dos mercados
pode gerar situações Pareto-ineficientes
com produto divergente do potencial,
abrindo espaço para que a moeda seja
não neutra no curto prazo. Todavia, no
longo prazo o resultado da não neutra-
lidade da moeda é preservado com o
produto convergindo para o seu nível po-
tencial, respondendo assim às questões
colocadas por Mankiw & Romer (1991)
apresentadas no início do artigo.
Se, por um lado, pode-se dizer que
real de salário destacam-se ao menos há certo consenso sobre a aceitação da
dois grandes grupos: (i) os modelos de não neutralidade da moeda no curto
prazo, esse consenso já não é tão evi-
salário de eficiência, cujo argumento
dente quando se trata da condução da
central se sustenta na relação positiva
política monetária. Muitos dos autores
entre salário real e produtividade do
novos-keynesianos, como Mankiw e
trabalho, que resultaria de argumentos
Romer, aceitam a crítica monetarista a
de seleção adversa, de redução de custos
políticas monetárias discricionárias, re-
de treinamento e/ou de rotatividade, e
jeitando, ao mesmo tempo, a proposta
de redução de custos de monitoramento de uma regra cega, a la Friedman, para
(o shirking model); e (ii) modelo de bar- algum agregado monetário específico.
ganha salarial ou insider-outsiders, cujo No entanto, boa parte deles acabou ade-
argumento central está focado na força rindo ou sugerindo a condução através
da organização dos trabalhadores em- de algum tipo de critério restrito, tais
pregados que pressionam o salário para como: o chamado sistema de metas para
níveis acima dos de equilíbrio de pleno inflação, que em suas versões mais re-
emprego. Os modelos de rigidez real de centes – novo consenso – contém uma
salário fundamentam a manutenção do função IS (investment-saving) com fun-
salário real acima dos níveis de market damentos microeconômicos; uma curva
clearing, contribuindo para explicar a de Phillips que relaciona inflação com a
existência de desemprego persistente no NAIRU3 com fundamentos microeco-
longo prazo e interagindo com as fric- nômicos em modelos como o de Calvo;
ções nominais para explicar a não neu- e uma regra de política monetária cujo
tralidade da moeda no curto prazo. instrumento é a taxa básica de juros. No
66  Escolas da Macroeconomia

que diz respeito à política fiscal, tam- à qual a inflação se estabiliza. Existe um
bém não há uma visão consensual so- amplo debate sobre o tema e sobre a
bre a viabilidade sua adoção e a grande real divergência prática entre NAIRU e
maioria autores NK não vê necessidade a taxa natural de desemprego. Para uma
desse tipo de ação do governo. Por fim, discussão sobre o tema ver Snowdon &
o enfoque Novo-Keynesiano busca ex- Vane (2005).
plicar as flutuações e a existência de de-
semprego involuntário a partir da rigiz
de preços e de salários, negando a hipó- Bibliografia
tese de market clearing simulem todos AKERLOF, G.A.,& YELLEN, J.L. A near-
os mercados, bem o argumento básico rational model of the business cycle, with
nela conde reposição quase instantânea wage and price inertia. Quarterly Journal of
produto e do emprego em seus eis de Economics, 1985. CALVO, A. Staggered prices
equilíbrio com pleno emego. Os novos- in a utility-maximizing framework. Journal of
Monetary Economics, n.12, p.383-398, 1983.
-keynesianos substituíram a hipótese de
market clearing pela de market failures,
com mercados incompletos, trabalho
heterogêneo, assimetria de informação e
firmas pricemakers. Como resultado de
curto prazo aceita-se não neutralidade
da moeda, no entanto, a maioria dos au-
tores NK aceita o resultado neoclássico
ou novo-clássico no longo prazo.
A essência teórica da crítica Novo-
-Clássica se refere ao caráter ad hoc das
hipóteses assumidas pelos modelos de
tradição keynesiana – compreendendo
inclusive os monetaristas – devido à au-
sência de microfundamentos robustos,
os quais inviabilizariam a ponte meto-
dológica entre os enfoques micro e ma-
croeconômico.
Este ponto também não é totalmente
consensual. Um grupo diminuto de au-
tores dessa corrente, dentre eles Stiglitz,
argumenta que a flexibilidade poderia ser
desestabilizadora.
NAIRU (non-accelerating inflation
rate of unemployment) é utilizada pe-
los novos-keynesianos ao invés da taxa
natural de desemprego de Friedman. A
NAIRU seria uma taxa de desemprego
Abordagem
Sraffiana
Carlos Pinkusfeld Bastos*

A aborda- observar, e essa impressão é reforçada pelo


gem Sraffiana exame de seus escritos pessoais não publi-
é assim deno- cados, uma sequência muito clara em ter-
minada em mos de programa de pesquisa com duplo
homenagem objetivo: por um lado criticar a consis-
ao economista tência lógica da teoria dominante (escola
italiano Piero marginalista, neoclássica) e por outro ofe-
Sraffa, de cuja recer uma alternativa teórico-metodológi-
obra toma sua ca livre de tais limitações.
fundação teóri- Assim, a evolução do trabalho de
ca e inspiração. Sraffa parte da crítica ao equilíbrio parcial
Sraffa, entretan- Marshalliano e à teoria da concorrência
to, foi um econo- perfeita, passa pela reconstrução da estru-
mista sui generis tura lógico-metodológica da abordagem
com uma produção publicada limitada clássica do excedente (a longa tradição
e dispersa no tempo. São três, por assim que reúne as contribuições dos fisiocratas
dizer, suas grandes contribuições: os ar- a Marx), e culmina com a crítica ao mode-
tigos de 1925 e 1926 criticando a teoria lo de equilíbrio geral da escola marginalis-
Marshalliana da concorrência perfeita da ta e a formulação de uma teoria de preços
firma em equilíbrio parcial; a introdu- e distribuição livre das inconsistências ló-
ção para a sua edição primorosa da obra gicas da Teoria do Valor Trabalho herdada
completa de David Ricardo em 1951; e de Ricardo e Marx.
seu pequeno livro de 1960, Produção de As tarefas do programa de pesqui-
Mercadorias por Meio de Mercadorias. sa de Sraffa têm consequências impor-
Apesar de espalhados no tempo, é possível tantes para a análise macroeconômica.

* É professor do Instituto de Economia/ UFRJ.


68  Escolas da Macroeconomia

Inicialmente, ao demonstrar a impossi- salário real, ou da influência de mudan-


bilidade lógica de uma determinação si- ças no produto nos custos de longo pra-
multânea de preços e quantidades através zo, são necessárias e irremediavelmente
do equilíbrio entre oferta e demanda, eli- inexatas, porque é impossível capturar to-
mina-se, a um só tempo, a tendência da dos os efeitos de feedbacks resultantes da
economia ao pleno emprego dos fatores mudança do conjunto de dados iniciais, e
de produção e especialmente da força de também porque nem todos os fatores que
trabalho, como também a ideia que a re- têm influência nos resultados têm nature-
muneração dos fatores (especificamente za quantitativa”.
os salários) corresponde à contribuição Em suma, na teoria clássica são da-
marginal do trabalhador ao produto. dos o produto social (tamanho e compo-
Como alternativa à “rua sem saída” sição), a técnica (ou técnicas de produção)
da determinação simultânea da aborda- e uma variável distributiva, que pode ser o
gem ortodoxa marginalista, Sraffa e seus salário real ou a taxa de juro.
seguidores, como Garegnani (1984), pro- Logo, ao contrário do que erro-
põem uma abordagem metodológica dis- neamente deduz a teoria marginalista, a
tinta – a separação da determinação de economia de mercado não garante a ten-
produto e distribuição/preços em dois, dência da economia ao pleno emprego e,
ou não simultâneos, níveis analíticos: ademais, há necessidade lógica da ciência
um núcleo da teoria no qual se determi- econômica buscar uma forma alternati-
nariam preços relativos e uma variável va de determinação de renda e produto.
distributiva (lucro ou salário) e o estudo Assim, a abordagem Sraffiana é mais que
de relações fora do núcleo para variáveis compatível com a versão do princípio da
como acumulação de capital, formação demanda efetiva no longo prazo, que pro-
de salários, taxas de juros, progresso téc- põe que a renda, produto e emprego no
nico etc. longo prazo são determinados por deci-
A determinação de preços assume sões autônomas de gastos. Ela necessita de
a forma de relações matemáticas exatas, tal teoria para fornecer os dados necessá-
que foram expressas por Sraffa nas equa- rios à determinação de seu núcleo teórico.
ções de preços de produção para mer- As consequências práticas são radi-
cadorias básicas. É importante destacar cais em termos de compreensão do fun-
que, como aponta Mongiovi (1996, p. cionamento de economias capitalistas.
221): “não há nada que impeça de se es- A velocidade de acumulação e os níveis
tudar fenômenos fora do núcleo de ma- de produto per capita no longo prazo
neira formal ou matematizada, e, de fato, dependem de decisões de gastos que es-
é sempre útil fazê-lo (como nas teorias tão relacionadas com a disposição maior
de crescimento ou analisando-se proble- ou menor do governo gastar, a geração
mas de demanda efetiva). Não quer dizer de progresso técnico (que permita, por
que simplesmente as relações fora do nú- exemplo, uma inserção internacional
cleo são menos gerais; elas são também mais virtuosa), ou a existência de um
radicalmente mais complexas. Assim, as sistema de crédito elástico, que garanta
análises formais do, digamos, produto ou acesso ao financiamento para empresas
69  Escolas da Macroeconomia

e famílias, aumentando assim, no últi- Corta-se a relação direta, ou me-


mo caso, o gasto de consumo autônomo. lhor, uma relação persistente de longo
Todas estas decisões são exteriores ao prazo, entre o excesso de demanda nos
núcleo, ou seja, dependem de decisões mercados de bens e trabalho e elevação,
político-institucionais relacionadas à também, persistente do nível de preços.
gestão, em grande parte, do governo so- Afinal, como a oferta no mercado de
bre o conjunto da economia. bens, ou criação de capacidade produti-
Obviamente que se a economia não va, reage à própria dinâmica da deman-
tende ao pleno emprego da força de tra- da, somada à ausência de tendência de
balho pelo equilíbrio entre oferta e de- pleno emprego do trabalho, no longo
manda, não há também algo como um prazo, a inflação é resultado das mudan-
salário de equilíbrio que iguala a remu- ças nas variáveis de custo, como salários
neração à produtividade marginal do
nominais, câmbio, preço de commo-
trabalho. O salário pode ser determina-
dities, cuja explicação deve incorporar
do fora do núcleo, e depende, de novo,
elementos múltiplos, muitos deles fora
de uma complexa inter-relação de forças
do estrito campo macroeconômico. Já
político-sociais e também especificamen-
mencionamos relações políticas e sociais
te econômicas, como o próprio ritmo de
acumulação e, consequentemente, da que podem impactar a dinâmica salarial,
redução da taxa de desemprego. Um ar- e podemos lembrar que o preço de com-
gumento como este ataca, por exemplo, modities pode depender de elementos
a velha ideia de que a rigidez salarial ou complexos como a dinâmica da econo-
um salário real muito alto comprometem mia mundial, tanto em termos de cres-
o nível de emprego, que durante muito cimento como de trajetória financeira,
tempo foi levantada para explicar o de- transformações geopolíticas, mudanças
sempenho do mercado de trabalho da estruturais nas relações comerciais entre
Europa. Ao contrário, salários mais ele-
vados determinados pela força política
dos trabalhadores – aí considerando sua
influência nas políticas públicas de salá-
rio mínimo, benefícios ao desemprego,
relação de tolerância à organização dos
trabalhadores etc.– podem gerar, via ele-
vação do consumo induzido, e mesmo o
autônomo, um produto maior no curto e
longo prazos.
Também a questão da determinação
do salário, não mais pelo equilíbrio de
pleno emprego da oferta e demanda no
mercado de trabalho, e sim pelo conflito
distributivo, tem importante impacto no
estudo da inflação.
70  Escolas da Macroeconomia

países e regiões e mudanças tecnológicas, por um sistema de equações à la Sraffa”


entre outras. (Pivetti, 2007,
A escola Sraffiana que, como men- p. 243). Ou seja, a dinâmica das duas
cionado acima, tem sua inspiração ini- variáveis nominais leva a uma variação
cial nas contribuições seminais de Piero dos preços que acaba por gerar os valores
Sraffa, e se consolidou graças aos avanços reais das variáveis distributivas – lucros
de autores como Pierangelo Garegnani e reais e salários reais – da economia.
Luigi Pasinetti, dialoga e incorpora con- Obviamente que este mecanismo
tribuições de outras vertentes heterodo- abre espaço para um importante deba-
xas, como ficou claro com a inclusão do te de política econômica, e consequen-
Princípio da Demanda Efetiva como ele- temente de policy making, sobre qual
mento de definição do produto agrega- variável teria uma “primazia” sobre a de-
do que irá alimentar a determinação de terminação da variável distributiva exó-
preços relativos e distribuição no núcleo gena às equações de preços. Para Pivetti,
da teoria. Ainda que eventuais divergên- esta primazia caberia à taxa de juros no-
cias naturais em abordagens partícula res minal, na medida em que a autoridade
existam, há neste diálogo aspectos mais monetária teria o poder de estabelecer
de convergência, em termos principal- um nível de juros tal que garantiria uma
mente de policy making, que propria- certa taxa real de remuneração do capital.
mente incompatibilidade absoluta. Já Serrano (1993, p. 122) levanta o ponto
Um ponto importante da aborda- de que “sempre haveria uma taxa de cres-
gem Sraffiana diz respeito à taxa de juros cimento de salários monetários que pro-
monetária nominal, cuja determinação duziria a inflação necessária para reduzir
exógena pela autoridade monetária le- a taxa de juros reais, e consequentemente
varia, através de sua inter-relação com a lucros, tal que os trabalhadores obteriam
dinâmica dos salários nominais, a uma seus salários reais desejados”. É impor-
determinação da variável distributiva tante lembrar que além da questão espe-
de forma distinta da abordagem clássica cificamente distributiva, com impactos
tradicional. Nesta o salário real é tomado diretos sobre a dinâmica inflacionária, a
como exógeno ao núcleo da teoria, como Autoridade Monetária também pode le-
mencionado acima. var em conta, na determinação da taxa
Seguindo uma sugestão do próprio de juros nominal, considerações quanto
Sraffa, Pivetti (1991) tentou desenvolver à política de estímulo à acumulação de
uma teoria de determinação monetária capital e, numa economia aberta, a sus-
da inflação na qual “a taxa de juros mone- tentabilidade externa.
tária é vista como um de terminante au- Tal abordagem teórica para o estu-
tônomo dos custos monetários normais do de inflação vem sendo desenvolvida
de produção. Dada a taxa de juros que re- por vários autores como Stirati (2001),
munera ativos financeiros de longo prazo havendo também aplicações para o caso
sem risco, e dado o salário nominal, que brasileiro (ver IPEA 2010, capítulo 4, por
é resultado direto da barganha salarial, exemplo). Dentro do mesmo arcabouço
o nível de preços pode ser determinado analítico, Stirati (2013) vem explorando
71  Escolas da Macroeconomia

IPEA. Macroeconomia para o


desenvolvimento: crescimento, estabilidade e
emprego. Brasília: Ipea, 2010.

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a reassessment. Cambridge Journal of
Economics, vol. 20, p. 207-224, 1996.

PIVETTI, M. An Essay on Money and


Distribution. London: Macmillan, 1991.

PIVETTI, M. Distribution, In ation and


Policy Analysis. Review of Political Economy,
vol. 19 (2), p. 243- 247, 2007.

SERRANO, F. Review of an essay on money


and distribution by M. Pivetti. Contributions
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1993.

SRAFFA, P. Sulle relazioni fra costo e quantita


prodotta. Annali di Economia, vol. 2, 1925.

SRAFFA, P. e laws of returns under


a relação entre um eventual impacto do competitive conditions. Economic Journal,
processo de financeirização atual sobre a vol. 36, 1926.
trajetória das taxas de juros e a distribui-
SRAFFA, P. Introduction to e Works and
ção de renda nos Estados Unidos.
Correspondence of David Ricardo, Vol. I,
Assim, a mudança de paradigma Cambridge: Cambridge University Press,
teórico e metodológico empreendida por 1951.
Piero Sraffa, na sua crítica à abordagem
marginalista dominante, abre um uni- SRAFFA, P. Production of Commodities
by Means of Commodities. Cambridge:
verso muito rico de possibilidades para
Cambridge University Press, 1960.
estudos empíricos e consequentemente
policy making que, ao mesmo tempo, é STIRATI, A. In ation, unemployment and
convergente e se nutre de outras verten- hysteresis: an alternative view. Review of
tes heterodoxas, incorporando elementos Political Economy, vol. 13(4), p. 427-451,
2001.
centrais que dependem das relações so-
cioeconômicas, das políticas domésticas STRIRATI, A. Alternative ‘Closures’ to Sra a’s
e da geopolítica internacional em cada System: Some Re ections in the Light of the
período histórico. Changes in Functional Income Distribution
in the United States. In: Palumbo, A., Stirati,
A., Levrero, E.S. (editors). Sra a and the
Bibliografia Reconstruction of Economic eory. Volume
ree. Sra a’s
GAREGNANI, P. Value and distribution in
the classical economists and Marx. Oxford Legacy: Interpretations and Historical
Economic Papers, vol. 36, p. 291-325, 1984. Perspectives. Palgrave-Macmillan, 2013.
Escolas de
Macroeconomia:
Quadro-síntese

Em março de 2014 o JE iniciou a pu- O último produto da série é um


blicação mensal de uma série de 12 ar- quadro-síntese que envolve a compa-
tigos sobre Escolas de Macroeconomia. ração dos entendimentos de cada es-
Esse projeto institucional do Corecon- cola em relação às questões-chave da
RJ contou com a colaboração de mais Macroeconomia. Vale destacar que esse
de uma dezena de economistas de di- quadro-síntese não está isento de con-
ferentes estados. Os artigos trataram trovérsias. A organização do projeto fi-
das seguintes escolas: Macroeconomia cou sob a responsabilidade de Fábio N. P.
clássica; Macroeconomia neoclássi- de Freitas, Maria Isabel Busato, Marcelo
ca (Macroeconomia antes de Keynes); Carcanholo e Reinaldo Gonçalves. Com
Keynes e a Teoria Geral; Síntese a conclusão desse projeto, o Corecon-RJ
Neoclássica; Monetarismo; Novo- atinge seu objetivo de fornecer mais um
Clássica; Novo-Keynesiana; Sraffiana; serviço de utilidade pública para estudan-
Pós-keynesiana; Kaleckiana; Novo tes e profissionais na área de Economia.
Consenso e Macroeconomia Marxista.
Quadro-síntese das Escolas da Macroeconomia 73  Escolas da Macroeconomia
74  Escolas da Macroeconomia

ESCOLAS da
MACROECONOMIA
Em março de 2014 o Jornal dos Economistas (Órgão Ofi-
cial do Corecon-RJ e Sindecon-RJ) iniciou a publicação men-
sal de uma série de 12 artigos sobre escolas do pensamento
econômico, mais especificamente sobre Escolas da Macroe-
conomia. Esse projeto institucional do Corecon-RJ e do Sin-
decon-RJ contou com a colaboração de 12 economistas de
diferentes estados.
Com a conclusão desse projeto, o Corecon-RJ e o Sinde-
con-RJ fornecem mais um serviço de utilidade pública para
estudantes e profissionais na área de Economia no Brasil e,
principalmente, no Rio de Janeiro.

ISBN 978-85-68878-19-4

9 788568 878194

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