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Título original: An Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations. Publicado
originalmente em Londres em 1776, pela casa editorial de William Strahan e Thomas Caldell.
Traduzido com base na 4ª edição.
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida ou transmitida
de qualquer forma ou por quaisquer meios, eletrônicos ou mecânicos, incluindo fotocópia,
gravação ou qualquer sistema de armazenamento e recuperação de informações, sem permissão
por escrito do editor.
1a edição, 2022.
21-63882 CDD-330
Í
Índice para catálogo sistemático:
1. Economia 330
NOTAS À TRADUÇÃO
O TEXTO
Durante a vida de Adam Smith (1723-1790) foram publicadas cinco edições
de A riqueza das nações: em 1776, 1778, 1784, 1786 e 1789. Há pouca
diferença entre a primeira e a segunda edição. A terceira (1784), no entanto,
além de ganhar um índice, também recebeu muitas adições e correções; por
isso, Smith adicionou a ela um adendo chamado “Adições e correções”. A
quarta edição teve poucas mudanças; o próprio Smith diz no prefácio que
“esta quarta edição não recebeu nenhum tipo de alteração”. Em 1904, após
confrontar essas cinco edições, Edwin Cannan (1861-1935) e sua equipe
publicaram o texto que ficou conhecido como a “Edição de Cannan”.
Em 1976, A riqueza das nações foi publicada como parte de The Glasgow
Edition of the Works and Correspondence of Adam Smith (Edição Glasgow
da obra e correspondência de Adam Smith). O presente texto foi traduzido
da edição (a quarta) selecionada como texto final pela Edição de Oxford
(também conhecida como Edição de Glasgow da obra de Adam Smith),
cujo conteúdo foi organizado por W. B. Todd.
1. The Statutes of the Realm (Os estatutos do reino): uma coleção de todos
atos do Parlamento inglês e britânico entre 1235 e 1713, publicado em no
volumes entre 1810 e 1825.
2. The Statutes at large (Os estatutos em geral). Ed. Ruffhead (Ruffhea
edition), publicado em Londres entre 1762 e 1765. Compreendem os at
desde a Magna Carta (1215) até 1763.
PESOS E MEDIDAS
John Trusler (1735-1820), um clérigo contemporâneo de Adam Smith,
publicou, em 1786 e 1790, um interessante guia sobre a cidade de Londres
que recebeu o longo nome de The London adviser and guide: containing
every instruction and information useful and necessary to persons living in
London, and coming to reside there. (Guia e conselhos sobre Londres com
todas as informações e instruções úteis e necessárias para as pessoas que
moram em Londres ou que lá irão residir.
Deste livro foram retiradas as seguintes tabelas:
Cerveja e Ale25
2 pints26 fazem 1 quart;27
4 quarts, 1 galão;
8 galões, 1 firkin de Ale;
9 galões, 1 firkin de cerveja;
2 firkins, 1 kilderkin;
2 kilderkins, 1 barril;
3 kilderkins, 1 hogshead;
3 barris, 1 butt.
Vinho
4 gills fazem 1 pint;
2 pints, 1 quart;
4 quarts, 1 galão;
18 galões, 1 rundlet;
1,33 rundlet, 1 barril;
1,33 barril, 1 tierce;
1,5 tierce ou 63 galões, 1 hogshead;
1,33 hogshead ou 84 galões, 1 puncheon;
1,5 punch ou 2 hogheads, 1 pipa ou butt;
2 pipas, 1 tonel.
Cereais
2 quarts fazem 1 pottle;
2 pottles, 1 galão;
2 galões, 1 peck [aproximadamente 9 litros];
4 pecks ou 8 galões, 1 bushel;
8 bushels, 1 quarter ou vat;
5 quarters de trigo, feijões ou ervilhas, 1 load;
10 quarters de aveia, 1 load.
Secos28
2 pints fazem 1 quart;
2 quarts, 1 pottle;
2 pottles, 1 galão;
2 galões, 1 peck;
4 pecks, 1 bushel;
8 bushels, 1 quarter;
5 quarters, 1 wey ou load;
5 pecks, 1 bushel de água;
4 bushels, 1 coomb;
10 coombs, 1 wey;
2 weys, 1 last de cereais.
Carvão
4 pecks fazem 1 bushel;
9 bushels, 1 vat ou strike;
36 bushels, 1 caldeirão;
21 caldeirões, 1 score.
Tecido
2,25 polegadas fazem 1 nail;
4 nails, 1 quarto de jarda;
4 quartos, 1 jarda;
5 quartos, 1 ell inglês;
3 quartos, 1 ell flamenco;
6 quartos, 1 ell francês.
Medidas lineares29
3 grãos de cevada fazem 1 polegada;
9 polegadas, 1 palmo;
3 palmos, 1 span;
1,33 palmo ou 12 polegadas, 1 pé;
1,5 pé, 1 cubit;
2 cubits, 1 jarda;
1 jarda 2∕3, 1 pace;
1 pace 1∕5, 1 fathom;
2 fathoms (braças) 3∕4, 1 pole;
16 pés 1∕2, 5 jardas 1∕2, 1 pole;
40 poles, 1 furlong;
8 furlongs, 1 milha;
3 milhas, 1 légua;
20 léguas, 1 grau;
69,5 milhas, 1 grau.
Medida cúbica
1,728 polegadas cúbicas fazem 1 pé cúbico;
27 pés cúbicos, 1 jarda cúbica.
Sistema avoirdupois30
16 dracmas fazem 1 onça (oz);
16 onças, 1 libra (lb);
28 libras, 1 quarto de hundredweight (qr);
4 quarters, 1 hundredweight (cwt) ou 112 libras;
20 hundredweight (cwt), 1 tonelada (T).
Sistema troy
4 grãos fazem 1 quilate;
24 grãos, 1 pennyweight (dwt);
20 pennyweight, 1 onça (oz);
12 onças, 1 libra (lb).
Sistema farmacêutico
20 grãos fazem 1 escrópulo (℈);
3 escrópulos, 1 dracma (ℨ);
8 dracmas, 1 onça (℥);
12 onças, 1 libra (lb).
Lã
7 libras fazem 1 clove;
2 cloves, 1 stone;
2 stones, 1 todd;
6,5 todds, 1 wey;
2 weys, 1 sack;
12 sacks, 1 last.
Dinheiro
1. Grã-Bretanha
Antes da decimalização (15 de fevereiro de 1971), a libra tinha as
seguintes subdivisões:
4 farthings valiam 1 penny;
12 pence, 1 xelim;
20 xelins, 1 libra.
Ou seja, 1 libra equivale a 20 xelins, que, por sua vez, equivalem a 240
pence.
As palavras penny (singular) e pence (plural) são usadas dessa forma ao
longo de toda a tradução.
Existiam ainda outras denominações especiais, a saber, a coroa (crown)
e o guinéu (guinea). A coroa britânica foi sucessora da coroa inglesa e do
dólar escocês, surgindo após a união dos reinos da Inglaterra e da Escócia
em 1707, e valia 5 xelins. O guinéu começou a ser produzido em 1663 e seu
valor inicial era de 20 xelins, isto é, uma libra; este valor flutuou entre 20 e
30 xelins até ser fixado em 21 xelins por um decreto (em 1717) de Jorge I.
Conforme a tabela acima, o farthing valia 1∕4 de penny; então meio farthing
valia 1∕8, e assim por diante.
2. França
No século XVIII, a moeda francesa era a libra (livre) e tinha as seguintes
subdivisões:
Moedas de ouro
Louis d’or — 24 libras;
Meio Louis d’or — 12 libras;
Louis d’or duplo — 48 libras.
Moedas de prata
écu — 120 sols (6 libras);
1⁄ écu — 60 sols (3 libras);
2
1⁄ écu — 30 sols (3⁄2 libras);
4
1⁄ écu — 15 sols (3⁄4 libras).
8
Moedas de bronze
12 dinheiros (deniers) — 1 sol (1⁄20 libras);
6 dinheiros — 1⁄2 sol;
3 dinheiros (ou liard) — 1⁄4 sol.
CAPÍTULO II
O PRINCÍPIO GERADOR DA DIVISÃO DO TRABALHO
A divisão do trabalho, da qual surgem tantas vantagens, não foi o
resultado original de alguma sabedoria humana que tivesse conseguido
prever e dirigir a riqueza geral que a ela proporciona. Ela é a
consequência necessária, embora muito lenta e gradual, de uma certa
propensão da natureza humana que não tem em vista nenhuma utilidade
tão grande: a propensão para negociar, fazer escambo e trocar uma coisa
por outra.
Nossa investigação não pretende verificar se essa propensão faz parte
daqueles princípios originais da natureza humana sobre os quais nada
mais se pode dizer; ou, como parece mais provável, é uma consequência
necessária das faculdades da razão e da fala. A propensão é comum a
todos os homens, mas não pode ser encontrada em nenhuma outra raça
de animais, os quais parecem não conhecer nem esse nem quaisquer
outros tipos de contrato. Quando dois galgos perseguem a mesma lebre,
eles, às vezes, parecem atuar em conjunto. Cada um deles persegue a
lebre forçando-a na direção de seu companheiro ou tenta interceptá-la
quando seu companheiro a coloca em sua direção. Isso, entretanto, não é
o resultado de qualquer contrato, mas da concordância acidental de suas
paixões dirigidas a um mesmo objeto em um momento específico. Não
há quem já tenha visto um cão fazer uma troca justa e deliberada de um
osso por outro com outro cão. Não há quem já tenha visto um animal por
seus gestos e gritos naturais informar a outro algo como “isso é meu,
aquilo é seu, estou disposto a trocar isso por aquilo”. Quando um animal
quer obter algo de um homem ou de outro animal, ele não possui
nenhum outro meio de persuasão senão ganhar a simpatia daqueles de
cujos serviços necessita. Um filhote de cachorro se esfrega em sua mãe, e
um spaniel, quando quer ser alimentado por seu dono que está jantando,
faz mil e uma peripécias para cativar a atenção dele. As pessoas, às vezes,
utilizam as mesmas artimanhas e, quando não possuem outros meios
para fazer com que os outros ajam de acordo com seus desejos, se
esforçam para chamar atenção por meios servis e bajulatórios a fim de
obter a boa vontade alheia. Elas, no entanto, não têm tempo para realizar
esses atos em todas as ocasiões. Em uma sociedade civilizada, as pessoas
precisam a todo momento da cooperação e assistência de uma grande
multidão, mas acontece que toda uma vida não é suficiente para se
conseguir algumas parcas amizades. Dentre quase todas as outras
espécies de animais, assim que cada indivíduo atinge a maturidade, ele se
torna inteiramente independente e, em seu estado natural, não recebe
assistência de nenhuma outra criatura viva. Já os seres humanos precisam
da ajuda de seus pares de forma quase constante, mas se esperar
consegui-la apenas pela benevolência dos outros, esperará em vão. Terá
melhor sucesso quem conseguir cativar o amor-próprio ou o egoísmo
alheio a seu favor, mostrando aos outros todas as vantagens em dar a ele
o que lhes pede. Isso é o que propõe todo aquele que oferece a outro
qualquer tipo de barganha. O significado de toda proposta desse tipo é
“dê-me aquilo que quero e você poderá ter isso que você quer”; e é dessa
forma que obtemos uns dos outros grande parte dos bons ofícios de que
necessitamos. Não esperamos que nosso jantar surja da benevolência do
açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro, mas pela preocupação que cada
um deles tem com seus próprios interesses.35 Não nos dirigimos à
humanidade deles, mas ao amor-próprio ou egoísmo; e nunca lhes
falamos de nossas próprias necessidades, mas sobre as vantagens que eles
terão. Somente um mendigo escolhe depender principalmente da
benevolência de seus concidadãos. Mas nem mesmo um mendigo
depende inteiramente disso. É verdade que a caridade de pessoas bem-
dispostas lhe fornece tudo de que precisa para sua subsistência. Mas,
embora o mendigo consiga, em última análise, todos os bens de primeira
necessidade, por esse princípio ele não obterá ajuda (e nem conseguirá)
sempre que ela for necessária. A maior parte de suas necessidades
ocasionais é suprida da mesma maneira que a de outras pessoas, por
acordos, escambos e pela compra. Com o dinheiro que uma pessoa lhe dá
ele compra comida. As roupas velhas que outra pessoa lhe dá ele troca
por outras roupas velhas que mais lhe agradam, ou por alojamento, por
comida ou por dinheiro — e com este último ele pode comprar
alimentos, roupas ou alojamento conforme sua necessidade.
Assim como obtemos a maior parte da ajuda mútua de que
necessitamos por meio de acordos, pelo escambo e pela compra, é
também essa mesma disposição para troca que, em sua origem, faz surgir
a divisão do trabalho. Em uma tribo de caçadores ou pastores,
determinado indivíduo faz arcos e flechas, por exemplo, com maior
facilidade e destreza que qualquer outro. Ele frequentemente os troca
com seus companheiros por gado ou carne de veado, e percebe que dessa
forma pode obter mais gado e carne de veado do que conseguiria caso
fosse ao campo para apanhá-los. Ao preocupar-se com os próprios
interesses, a fabricação de arcos e flechas passa a ser sua atividade
principal, o que consequentemente o torna uma espécie de armeiro. Já
outra pessoa constrói excelentes estruturas e coberturas para suas
pequenas cabanas ou tendas e acostuma-se a ser útil para seus vizinhos
com essa habilidade; estes também a recompensam com gado e carne de
veado, até que, por fim, ocorre-lhe o interesse em dedicar-se inteiramente
a esse emprego e fazer-se uma espécie de carpinteira. Um terceiro decide
trabalhar como ferreiro ou latoeiro, um quarto passa a ser curtidor ou
confeccionador de roupas feitas de pele ou couro — peças principais do
vestuário dos selvagens. Portanto, a certeza de ser capaz de trocar todo o
excedente do produto de seu trabalho, que ultrapassa o próprio consumo,
por partes de que necessite do produto de trabalho de outras pessoas
incentiva todo indivíduo a aplicar-se em uma ocupação específica e a
cultivar e aperfeiçoar qualquer talento ou gênio que possua em relação a
essa atividade.
As diferenças entre os talentos naturais de alguns homens são, na
realidade, muito menores do que imaginamos; e o gênio muito incomum,
que parece distinguir os homens de diversas profissões quando atingem a
maturidade, com muita frequência não é a causa, mas o resultado da
divisão do trabalho. A diferença entre os mais diferentes personagens,
por exemplo, entre um filósofo e um carregador de rua comum, não
parece surgir tanto da natureza, mas dos hábitos, dos costumes e da
educação. Quando vieram ao mundo e durante seus primeiros seis ou
oito anos de vida, talvez eles fossem muito parecidos, e nem seus pais
nem seus amigos de infância seriam capazes de perceber quaisquer
diferenças notáveis. Mas nessa idade, ou logo depois dela, foram
empregados em ocupações bastante variadas. A diferença de talentos
passa, então, a ser percebida e a aumentar lentamente, até que,
finalmente, a vaidade do filósofo não mais o permite reconhecer nem
mesmo uma mínima semelhança entre eles. Mas sem a disposição para
negociar, fazer escambo e trocar, todas as pessoas seriam obrigadas a
buscar, elas mesmas, cada um dos bens necessários e convenientes para
sua vida. Todos teriam as mesmas obrigações a desempenhar e o mesmo
trabalho a fazer, e, assim, não existiria a diferença de empregos para
gerar, por si só, qualquer grande diferença entre talentos.
Além de gerar as diferenças de talentos que são tão notáveis entre os
homens de diferentes profissões, essa disposição também faz com que
essas diferenças sejam úteis. Muitas raças de animais reconhecidas por
pertencer à mesma espécie possuem por natureza uma distinção de
gênios muito mais notável que a existente entre os humanos antes da
ação dos costumes e da educação. Por natureza, a diferença de talento e
disposição entre um filósofo e um carregador de rua não é nem a metade
daquela existente entre um mastiff e um cão de caça, ou um galgo e um
spaniel, ou entre este último e um cão pastor. Essas diferentes raças,
embora sejam todas da mesma espécie, possuem pouca utilidade umas
para as outras. A força do mastiff não é nem minimamente favorecida
pela rapidez do greyhound nem pela sagacidade do spaniel ou pela
docilidade do cão pastor. Os resultados desses diferentes talentos, por
não haver força ou disposição para negociar e trocar, não podem ser
trazidos a um fundo comum e não contribuem em nada para aprimorar a
comodidade e conveniência da espécie. Cada um dos animais é ainda
obrigado a sustentar-se e defender-se sozinho e de forma independente;
e, além disso, a variedade de gênios dada a seus companheiros pela
natureza não lhe oferece nenhum tipo de vantagem. Entre os humanos,
pelo contrário, os gênios mais dissimilares são úteis para o outro; por
causa da disposição geral para barganhar, fazer escambo e trocar, os
diferentes produtos de seus respectivos talentos podem compor um
fundo comum em que cada um pode comprar qualquer parte de que
necessite do produto realizado pelos talentos de outras pessoas.
CAPÍTULO III
A DIVISÃO DO TRABALHO ESTÁ LIMITADA PELA
EXTENSÃO DO MERCADO
Assim como o poder de troca gera a divisão de trabalho, a extensão dessa
divisão está sempre limitada pela extensão daquele poder ou, em outras
palavras, pela extensão do mercado. Quando o mercado é muito
pequeno, ninguém é incentivado a se dedicar inteiramente a um único
emprego, porque não haverá como trocar o excedente do produto de seu
trabalho — muito além de seu consumo próprio — pelas partes
excedentes, conforme suas necessidades, do produto de outras pessoas.
Alguns tipos de trabalho, inclusive entre os mais simples, somente
podem ser realizados em uma cidade grande. O carregador, por exemplo,
não terá emprego e subsistência em nenhum outro lugar. Uma aldeia é
muito pequena para ele; mesmo uma cidade mercantil comum raramente
será grande o bastante para oferecer-lhe ocupação constante. Nas casas
isoladas e aldeias muito pequenas dispersas em uma região erma, como
as Terras Altas da Escócia, todo agricultor deve ser açougueiro, padeiro e
cervejeiro de sua família. Nessas situações não se espera encontrar um
ferreiro, um carpinteiro ou um pedreiro a menos de 20 milhas de outro
cujo ofício seja correspondente. As famílias dispersas que vivem a 8 ou 10
milhas do profissional mais próximo devem elas mesmas aprender a
realizar muitas pequenas obras que, em locais mais populosos, seriam
feitas por aqueles trabalhadores. Na maioria dos lugares os trabalhadores
rurais precisam se dedicar a todas as diferentes atividades que, por
estarem muito próximas umas das outras, empregam os mesmos tipos de
material. Um carpinteiro rural lida com todo tipo de peça feita de
madeira, um ferreiro rural, com todo tipo de peça feita de ferro. O
primeiro não é apenas carpinteiro, mas também marceneiro, construtor
de móveis, até um escultor de madeira, bem como fabricante de rodas e
arados e construtor de carroças. As atividades pelas quais é responsável o
segundo indivíduo são ainda mais diversas. A existência de um negócio
como o de fabricante de pregos nas regiões remotas e no interior das
Terras Altas da Escócia seria impossível. Um trabalhador desse tipo que
produz mil pregos por dia durante os 300 dias úteis do ano faria 300 mil
pregos por ano. Mas nesses lugares ele não conseguiria vender nem mil
pregos, isto é, o produto de um dia de trabalho no ano.
Como o transporte hidroviário abre para todo tipo de trabalho um
mercado mais extenso que o delimitado apenas pelo transporte terrestre,
será ao longo da costa e das margens dos rios navegáveis que todos os
tipos de trabalho começarão naturalmente a se subdividir e progredir;
frequentemente as melhorias decorrentes desse processo espraiam-se
muito depois para o interior do país. Assim, guiada por dois homens e
puxada por oito cavalos, uma carroça transporta quase quatro toneladas
de mercadoria no trajeto entre Londres e Edimburgo em
aproximadamente seis semanas, enquanto, em tempo semelhante, um
navio conduzido por seis ou oito homens, navegando entre os portos de
Londres e Leith, consegue levar e trazer 200 toneladas de mercadoria.
Seis ou oito homens, portanto, com a utilização do transporte marítimo
entre Londres e Edimburgo, conseguem carregar, no mesmo período, o
peso equivalente à quantidade de mercadoria de 50 carroças de rodas
grandes guiadas por uma centena de homens e puxadas por 400 cavalos.
Dessa forma, sobre 200 toneladas de mercadorias transportadas da forma
mais barata por terra entre Londres e Edimburgo deve-se acrescentar a
manutenção por três semanas de uma centena de homens e o
correspondente ao suor e sacrifício de 400 cavalos, bem como ao desgaste
de 50 carros grandes. Sobre a mesma quantidade de mercadoria
transportada por água é preciso acrescentar apenas a manutenção de seis
ou oito homens e o desgaste de um navio de carga com capacidade para
200 toneladas, juntamente com o valor do risco maior ou a diferença
entre o seguro do transporte por terra e o seguro do transporte
hidroviário. Se a única forma de comunicação entre os dois lugares fosse
por terra, só seria possível transportar de um ponto a outro aquelas
mercadorias cujo preço fosse bastante alto em relação a seu peso e, então,
somente seria mantida uma pequena parte do comércio existente entre
esses dois pontos; consequentemente, somente uma pequena parte do
incentivo que atualmente as duas cidades oferecem às atividades uma da
outra. Quaisquer tipos de comércio entre duas partes distantes do mundo
seriam pequenos ou inexistentes. Quais mercadorias poderiam dar conta
das despesas com o transporte terrestre entre Londres e Calcutá? Ou,
ainda, caso existisse algo tão precioso a ponto de dar conta dessas
despesas, com que segurança essa mercadoria poderia ser transportada
através dos territórios de tantas nações bárbaras? Ocorre que, atualmente,
essas duas cidades possuem um comércio mútuo considerável e, por
mutuamente oferecerem um mercado, encorajam as atividades uma da
outra.
Já que, portanto, são essas as vantagens do transporte por água, é
natural que os primeiros avanços de qualquer ofício e manufatura
ocorram nos locais em que essa conveniência transforme o mundo todo
em um mercado para o produto de todos os tipos de trabalho e que esse
produto seja, somente bem mais tarde, estendido para as regiões internas
do país. É possível que as partes internas do país não tenham nenhum
outro mercado para a maior parte de seus bens que não as terras de seu
entorno que as separam da costa marítima e dos grandes rios navegáveis.
A extensão de seu mercado, portanto, será por um longo tempo
proporcional às riquezas e à população da região, e, em decorrência, seu
progresso sempre se fará após o progresso da região. Em nossas colônias
norte-americanas, as plantações sempre seguiram a costa ou as margens
dos rios navegáveis e quase em nenhum lugar foram levadas para muito
além dessas áreas.
De acordo com a história mais bem verificada, as primeiras nações
que se tornaram civilizadas foram as situadas no litoral do Mar
Mediterrâneo. Esse mar é de longe o maior mar interno conhecido no
mundo, não tem marés e, por isso, não tem ondas, exceto aquelas
causadas somente pelos ventos; assim, pela suavidade de sua superfície,
bem como pelo grande número de ilhas e pela proximidade das costas de
seus vizinhos, ele foi extremamente importante para o início da
navegação no mundo; naquele momento, por ainda ignorarem a bússola,
as pessoas tinham medo de perder de vista a costa e — porque a arte da
construção naval ainda era imperfeita — de se abandonar a si mesmas
nas ondas turbulentas do oceano. Passar as colunas de Hércules, isto é,
navegar para além do Estreito de Gibraltar, foi por muito tempo
considerada, no mundo antigo, a aventura mais maravilhosa e perigosa
da navegação. Demorou para que os fenícios e os cartagineses, os mais
hábeis navegadores e construtores navais daqueles velhos tempos,
realizassem tal façanha; e, por muito tempo, foram as únicas nações a se
arriscar nela.
De todos os países da costa do Mar Mediterrâneo, o Egito parece ter
sido o primeiro onde a agricultura ou as manufaturas foram cultivadas e
aprimoradas em um grau considerável. O Alto Egito não se estende em
nenhum ponto para além de algumas poucas milhas do Rio Nilo; já no
Baixo Egito, esse grande rio se divide em muitos canais diferentes que,
com a ajuda de algumas obras de engenharia, parecem ter conseguido
manter a comunicação por transporte fluvial não só entre todas as
grandes cidades, mas também entre as suas inúmeras aldeias e, até
mesmo, entre as muitas casas rurais do país; quase da mesma maneira
como os rios Reno e Mosa na atual Holanda. A amplitude e a facilidade
para a navegação interna foram provavelmente uma das principais causas
do progresso precoce do Egito.
O progresso da agricultura e das manufaturas parece ser bastante
antigo também nas províncias de Bengala, nas Índias Orientais, e em
algumas províncias do leste da China, embora não tenhamos em nossa
região do mundo documentos que comprovem a extensão dessa
antiguidade. Assim como o faz o Nilo no Egito, em Bengala o Ganges e
diversos outros rios formam muitos canais navegáveis. Nas províncias
orientais da China, vários grandes rios criam, por meio de seus muitos
tributários, uma infinidade de canais; como estes se comunicam uns com
os outros, oferecem uma navegação interna muito mais abrangente que
aquela permitida pelo Nilo ou pelo Ganges — talvez maior que a
navegação realizada nos dois rios em conjunto. É notável que nem os
antigos egípcios, nem os indianos, nem os chineses tenham encorajado o
comércio externo, tendo obtido suas grandes riquezas, ao que parece, por
meio da navegação interna.
Todas as regiões internas da África e toda a Ásia situada a uma
distância considerável ao norte dos mares Euxino36 e Cáspio (isto é, a
antiga Cítia, que abrange a moderna Tartária e a Sibéria) parecem ter
permanecido em todas as eras do mundo no estado bárbaro e
incivilizado em que se encontram atualmente. O mar da Tartária é um
oceano congelado que não permite a navegação, e embora alguns dos
maiores rios do mundo atravessem aquele país, eles estão muito distantes
uns dos outros para que o comércio e a comunicação sejam levados a
toda a região. A África não possui grandes mares interiores — tais como
os mares Báltico e Adriático, na Europa, o Mediterrâneo e o Euxino, na
Europa e na Ásia, e os golfos da Arábia, Pérsico, da Índia, de Bengala e do
Sião, na Ásia — para levar o comércio marítimo ao interior desse grande
continente; ademais, os grandes rios da África estão a uma distância
muito grande uns dos outros para gerar qualquer navegação interna
considerável. Além disso, não há como o comércio de uma nação ser
pujante quando depende de um rio que não se divide em um grande
número de outros tributários ou canais e que segue por outro território
antes de desembocar no mar; a comunicação entre as partes altas de um
território e o mar pode ser obstruída a qualquer momento pela nação
que domina o outro território. A utilidade do Danúbio para os estados da
Baviera, Áustria e Hungria, em comparação à que teria se qualquer um
desses estados possuísse todo o seu curso até o Mar Negro, é bastante
limitada.
CAPÍTULO IV
A ORIGEM E O USO DO DINHEIRO
Assim que a divisão do trabalho se estabelece completamente, apenas
uma parte muito pequena das necessidades de um indivíduo pode ser
suprida apenas pelo produto de seu próprio trabalho. A maioria delas
será satisfeita com a troca da parte excedente do produto de seu próprio
trabalho, que é superior ao seu próprio consumo, pelas partes excedentes
de que necessita do produto do trabalho de outras pessoas. Todos vivem,
assim, por meio da troca, ou se tornam, em certa medida, comerciantes, e
a própria sociedade se transforma no que é propriamente uma sociedade
mercantil.37
Quando a divisão do trabalho ocorreu inicialmente, as operações
desse poder de troca deviam apresentar-se frequentemente bloqueadas e
embaraçadas. Vamos supor que um homem tenha mais de um certo
produto do que ele próprio necessita, enquanto outro tenha menos.
Como consequência, o primeiro ficaria feliz em vender, e o segundo, em
comprar, uma parte desse produto supérfluo. Mas se este segundo não
tiver nada que seja necessário ao primeiro, não haverá qualquer tipo de
troca entre eles. O açougueiro tem em sua loja mais carne do que ele
próprio poderia consumir; o cervejeiro e o padeiro, cada um deles,
estariam dispostos a comprar uma parte daquela carne. Mas eles não têm
nada para oferecer em troca, exceto o produto de seus respectivos
negócios, e o açougueiro já tem todo pão e cerveja de que necessita para
seu consumo imediato. Nenhuma troca, nesse caso, poderá ser feita entre
eles. O açougueiro não pode ser o comerciante para o padeiro e o
cervejeiro nem eles podem ser seus clientes; e todos, assim, se tornam
mutuamente menos úteis uns aos outros. Para evitar essas situações
inconvenientes, todas as pessoas prudentes, em todos os períodos da
sociedade após o estabelecimento da divisão do trabalho, devem
naturalmente ter empreendido esforços para gerir seus negócios de modo
a guardar para si os produtos específicos de sua própria atividade e uma
certa quantidade de uma mercadoria ou outra cuja troca tenha pouca
probabilidade de recusa.38
Possivelmente uma grande variedade de mercadorias fora ao longo do
tempo considerada e empregada para essa finalidade. Diz-se dos
períodos primitivos da sociedade que era comumente o gado comerciado
dessa maneira e, ainda que fosse um instrumento de troca extremamente
inconveniente, observa-se que, antigamente, as coisas eram
frequentemente avaliadas de acordo com a quantidade de gado que havia
sido dada em troca delas. Homero diz que a armadura de Diomedes
custou apenas nove bois, mas que a de Glauco custou 100 bois.39 Dizem
que o sal é o instrumento comum de comércio e das trocas na Abissínia;
usa-se uma espécie de concha em algumas partes da costa da Índia; o
bacalhau seco em Terra Nova; o tabaco na Virgínia; o açúcar em algumas
de nossas colônias das Índias Ocidentais; peles ou couro preparados em
alguns outros países; e me disseram existir atualmente uma aldeia na
Escócia onde é comum ver um trabalhador carregando consigo à padaria
ou à cervejaria pregos em vez de dinheiro.
Em todos os países, no entanto, as pessoas parecem, por fim,
encorajadas por razões irresistíveis a preferir os metais acima de
quaisquer outras mercadorias para esse uso. Além de os metais poderem
ser guardados com perda menor que qualquer outra mercadoria — e
quase nada é menos perecível que eles —, também podem, sem qualquer
perda, ser subdivididos em um número qualquer de partes, as quais, pela
fusão, podem facilmente ser reunidas de novo; uma qualidade que
nenhuma outra mercadoria igualmente durável possui e que, mais do que
qualquer outra, transforma os metais em instrumentos de comércio e de
circulação. A pessoa que desejasse comprar sal, por exemplo, mas não
tivesse nada além do gado para dar em troca, seria obrigada a comprar
sal no valor de um boi inteiro ou de uma ovelha inteira por vez. Quase
nunca seria possível comprar menos que isso, pois a mercadoria que
tinha para trocar nem sempre podia ser dividida sem que ocorressem
perdas; e, se quisesse comprar mais, seria obrigada a adquirir o dobro ou
o triplo da quantidade, ou seja, o valor de dois ou três bois, ou de duas ou
três ovelhas. Se, pelo contrário, em vez de ovelhas ou bois, possuísse
metais para dar em troca, ela poderia facilmente ajustar a quantidade de
metal à quantidade exata de mercadoria de que, naquele momento,
necessitava.
Diferentes metais foram usados por diferentes nações para esse fim. O
ferro era o instrumento comum de comércio entre os antigos espartanos;
o cobre, entre os antigos romanos; e o ouro e a prata são o instrumento
utilizado por todas as nações ricas e mercantis.
Parece que, no início, esses metais foram usados para essa finalidade
comercial na forma de barras brutas, sem quaisquer carimbos ou
cunhagem. Assim, citando a autoridade de Timeu,40 um antigo
historiador, Plínio41 nos diz que até a época de Sérvio Túlio42 os romanos
não possuíam moeda cunhada e utilizavam barras de cobre sem
nenhuma marca para comprar tudo de que necessitavam. Essas barras
exerciam naquele momento a função do dinheiro.
Mas o uso de metais em estado bruto tinha dois grandes
inconvenientes: o primeiro era o problema da pesagem, o segundo, da
avaliação de pureza. Em relação aos metais preciosos, uma pequena
diferença na quantidade cria uma grande diferença no valor. Por esse
motivo, pesá-los com a exatidão adequada requer, no mínimo, balanças e
pesos muito precisos: a pesagem do ouro em particular envolve algumas
sutilezas. Em relação aos metais comuns, um pequeno erro é de pouca
importância, por isso requer-se, sem dúvida, uma menor precisão na
operação. Ainda assim, seria excessivamente problemático se toda vez
que uma pessoa pobre quisesse comprar ou vender o equivalente a um
farthing43 em mercadorias ela fosse obrigada a pesar o seu farthing. A
avaliação é ainda mais difícil, mais tediosa e, exceto se uma parte do
metal estiver bem derretida em um cadinho com os solventes adequados,
quaisquer conclusões são extremamente incertas. Dessa forma, antes da
instituição do dinheiro cunhado, a menos que as pessoas realizassem essa
operação tediosa e difícil, sempre podiam ser enganadas e sofrer as piores
imposições; em vez de receberem uma libra de prata pura ou de cobre
puro em troca de suas mercadorias, talvez ficassem com uma composição
adulterada dos materiais mais baratos e mais grosseiros que, não
obstante, se assemelhavam aos metais em sua aparência externa. Para
evitar esses abusos, facilitar as trocas e, desse modo, incentivar os
diversos tipos de atividade e comércio, todos os países que haviam feito
progressos consideráveis para aprimorar-se acharam necessário apor um
selo público em determinadas quantidades de certos metais específicos
que, em tais países, eram comumente utilizados para a compra de
mercadorias. Daí se originou o dinheiro cunhado e a instituição pública
chamada de Casa da Moeda; instituições que possuíam exatamente a
mesma natureza dos aulnagers44 e do mestre de qualidade dos tecidos de
lã e linho. A função de todos eles é garantir, pela aposição de um selo
público, que essas diferentes mercadorias, quando levadas ao mercado,
sejam uniformes em relação à qualidade e à quantidade.
O objetivo dos primeiros selos públicos desse tipo que estão afixados
aos metais correntes parece, em muitos casos, ter sido averiguar aquilo
cuja verificação era mais difícil e importante, isto é, a qualidade ou o grau
de pureza do metal. Eles se assemelhavam à marca esterlina atualmente
inscrita em utensílios e barras de prata, ou à marca espanhola que às
vezes é aposta em lingotes de ouro e cunhada somente em um lado da
peça, não cobrindo toda a superfície e, assim, identificando a qualidade,
mas não o peso do metal. Abraão pesa para Efrom os 400 siclos de prata
que ele concordou em pagar pelo campo de Macpela.45 Diz-se, no
entanto, que esse era o dinheiro corrente do mercado, mas, ainda assim,
foram recebidos pelo peso e não pelo valor de face, da mesma forma
como ocorre atualmente em relação a lingotes de ouro e barras de prata.
Também é dito que as rendas dos antigos reis saxões da Inglaterra não
eram pagas em dinheiro, mas em espécie, isto é, em alimentos e provisões
de todos os tipos. Guilherme, o Conquistador, apresentou o costume de
pagá-las em dinheiro. Esse dinheiro, no entanto, foi, por muito tempo,
recebido pela fazenda pública por peso e não por seu valor de face.
A inconveniência e a dificuldade da pesagem exata desses metais
deram origem à instituição das moedas, nas quais o selo cunhado dos
dois lados da peça (e às vezes até mesmo nas bordas) supostamente
indicava o grau de pureza e o peso do metal. Desse modo, essas moedas
passaram a ser recebidas, como ocorre atualmente, por seu valor de face,
afastando o problema da pesagem.
Originalmente, as denominações das moedas parecem ter expressado
o peso ou a quantidade de metal que continham. Na época de Sérvio
Túlio, que foi o primeiro a cunhar dinheiro em Roma, o Ás ou Pondo
romano continha uma libra romana de um bom cobre. Dividia-se da
mesma maneira que nossa libra troy: em 12 onças troy, cada uma das
quais continha uma onça real de um cobre de boa qualidade. A libra
esterlina inglesa na época de Eduardo I46 continha o peso em prata de
uma libra tower47 com grau de pureza reconhecido. A libra tower, pelo
que parece, valia um pouco mais que a libra romana e tinha valor um
pouco menor que o da libra troy.48 A última somente foi introduzida pela
casa da moeda inglesa no 18º ano do reinado de Henrique VIII.49 A libra
francesa (livre) media, no tempo de Carlos Magno, o peso de uma libra
troy de prata com grau de pureza reconhecido. A feira de Troyes, em
Champanha,50 era naquele tempo frequentada por todas as nações da
Europa e os pesos e medidas de um mercado tão famoso eram
geralmente conhecidos e estimados. À libra escocesa correspondia, desde
os tempos de Alexandre I51 até a época de Robert de Bruce,52 uma libra
de prata com peso e grau de pureza idênticos aos da libra esterlina. Os
pence53 ingleses, franceses e escoceses também mediam originalmente o
peso real de um penny de prata, a vigésima parte de uma onça e a
ducentésima quadragésima parte de uma libra. O xelim parece também
originalmente ter sido a denominação de um peso. Quando o quarter54
de trigo chega a 12 xelins, diz uma antiga proclamação de Henrique III,
então o pão wastel55 de um farthing (0,25 penny) deverá pesar 11 xelins e 4
pence. A proporção, no entanto, entre o xelim e o penny ou a libra não
parece ter sido tão constante e uniforme quanto entre a libra e o penny.
Durante a primeira dinastia de reis da França, parece que o “sou” francês
— isto é, seu xelim — foi, em diferentes ocasiões, dividido em 5, 12, 20 e
40 pence. Entre os antigos saxões, parece que certa vez 1 xelim continha
apenas 5 pence, e não é improvável que seu valor tenha sido tão variável
entre eles quanto entre os antigos francos, seus vizinhos. Na época de
Carlos Magno, entre os franceses, e no tempo de Guilherme, o
Conquistador, entre os ingleses, a proporção entre a libra, o xelim e o
penny parece ter se mantido uniforme, e a mesma da atualidade, embora
o valor de cada um tenha sido bastante diferente. Acredito que em todos
os países do mundo os príncipes e os estados soberanos, por sua avareza
e injustiça, abusaram da confiança de seus súditos e, gradualmente, foram
diminuindo a quantidade real de metal que antes existia em suas moedas.
Nos últimos tempos da República romana, o ás romano foi reduzido à
vigésima quarta parte do seu valor original e, em vez de pesar uma libra,
chegou a pesar apenas meia onça. O penny e a libra da Inglaterra contêm
atualmente cerca de um terço de onça; a libra e o penny da Escócia, a
trigésima sexta parte; e a libra e o penny da França, cerca de um sessenta
e seis avos de seu valor original. Por meio dessas operações, os príncipes
e estados soberanos que as realizaram puderam, aparentemente, pagar
suas dívidas e cumprir seus compromissos com uma quantidade de prata
menor do que a que seria realmente necessária. De fato, apenas
aparentemente, pois na verdade seus credores foram desfalcados de parte
do que era devido a eles. No Estado, todos os outros devedores
receberam o mesmo privilégio e puderam pagar, com a mesma soma
nominal da nova moeda desvalorizada, tudo aquilo que haviam tomado
emprestado na moeda antiga.56 Essas operações, portanto, sempre se
mostraram favoráveis aos devedores e ruinosas para os credores e, às
vezes, produzem na fortuna dos indivíduos uma revolução muito maior e
mais universal do que aquela que pudesse ser causada por uma grande
calamidade pública.
E foi dessa forma que, em todas as nações civilizadas, o dinheiro se
tornou o instrumento universal de comércio pelo qual todos os tipos de
bens são comprados, vendidos ou trocados.
Serão examinadas agora as regras que as pessoas seguem
naturalmente ao trocar bens por dinheiro ou por outros bens.
Determina-se com essas regras o que pode ser chamado de valor relativo
ou valor de troca dos bens.
Deve-se observar que a palavra “valor” possui dois significados
diferentes: potencialmente é a manifestação da utilidade de algum objeto
particular; no outro caso, representa o poder que a posse de tal objeto
confere para a compra de outros objetos. O primeiro sentido pode ser
chamado de “valor de uso”; o segundo, de “valor de troca”. As coisas com
maior valor de uso costumam ter pouco ou nenhum valor de troca, e
vice-versa, isto é, as coisas com maior valor de troca costumam ter pouco
ou nenhum valor de uso. Nada é mais útil do que a água, mas
praticamente nada pode ser comprado com ela; quase nada pode ser
trocado por ela. Um diamante, ao contrário, apresenta pouquíssimo valor
de uso, mas, frequentemente, pode ser trocado por uma quantidade
muito grande de outros bens.57
Para investigar os princípios que regulam o valor de troca das
mercadorias, tentarei mostrar o seguinte: primeiro, a medida real do
valor de troca, isto é, em que consiste o preço real de todas as
mercadorias; em segundo lugar, as diferentes partes ou componentes do
preço real. E, por último, tentarei mostrar quais são as diferentes
circunstâncias que por vezes elevam alguns ou todos esses diferentes
componentes do preço e, às vezes, os levam para baixo de sua taxa
natural ou ordinária; ou seja, quais são as causas que algumas vezes
impedem que o preço de mercado (isto é, o preço real das mercadorias)
corresponda exatamente a algo que pode ser chamado de seu preço
natural.
Tentarei explicar esses três temas da forma mais completa e clara
possível nos próximos três capítulos; assim peço muito encarecidamente
a paciência e a atenção do leitor: paciência para examinar certo detalhe
de alguma passagem que talvez possa parecer desnecessariamente
tediosa, atenção para tentar compreender algo que talvez ainda pareça
um pouco obscuro mesmo após a explicação mais completa que posso
oferecer. Estou sempre disposto a correr algum risco de ser tedioso para
ter certeza de que sou compreendido; e, mesmo após ter tomado o
máximo cuidado para sê-lo, alguma obscuridade ainda poderá parecer
existir em relação a esse assunto, que é extremamente abstrato por sua
própria natureza.
CAPÍTULO V
O PREÇO REAL (EM TRABALHO) E NOMINAL (EM
DINHEIRO) DAS MERCADORIAS
Toda pessoa é rica ou pobre à medida que possa ou não desfrutar do
lazer, das comodidades e dos benefícios da vida humana. Contudo, após
o completo estabelecimento da divisão do trabalho, apenas uma parte
muito pequena dessas coisas pode ser obtida pelo próprio trabalho de um
indivíduo. A maioria delas deriva necessariamente do trabalho de outras
pessoas; e alguém será pobre ou rico de acordo com o trabalho que possa
comandar ou com os serviços que seja capaz de adquirir. Desse modo, o
valor de qualquer mercadoria — para aquele que é seu proprietário e que
não pretende, ele próprio, usá-la ou consumi-la, mas trocá-la por outras
mercadorias — é igual à quantidade de trabalho que lhe permite adquirir
ou comandar. O trabalho, portanto, é a medida real do valor de troca de
todas as mercadorias.
O preço real de tudo — isto é, o que cada coisa realmente custa para
quem quer adquiri-la — é o trabalho duro e as dificuldades de adquiri-lo.
O que cada coisa realmente vale para o indivíduo que a adquiriu e deseja
vendê-la ou trocá-la é o trabalho duro e as dificuldades de que a
mercadoria pode poupá-lo, impondo-os a outras pessoas. O que se
compra com dinheiro ou bens é comprado pelo trabalho, tanto quanto
aquilo que adquirimos pelo trabalho duro de nosso próprio corpo.
Aquele dinheiro e as mercadorias, de fato, nos poupam desse trabalho
duro. Eles contêm o valor de uma determinada quantidade de trabalho
que trocamos por algo que, naquele momento, supomos conter o valor de
uma quantidade igual. O trabalho foi o primeiro preço, a moeda de troca
original que pagava por todas as coisas. A riqueza do mundo foi
originalmente comprada pelo trabalho, não pelo ouro nem pela prata; e o
valor dessa riqueza, para quem a possui e deseja trocá-la por novos
produtos, é precisamente igual à quantidade de trabalho que ela
possibilita às pessoas comprar ou comandar.
Segundo o senhor Hobbes, riqueza é poder,58 mas a pessoa que
adquire ou herda uma grande fortuna não adquire ou herda
necessariamente qualquer poder político, militar ou civil. Sua fortuna
pode, talvez, dar-lhe os meios para adquirir os dois, mas a mera posse
dessa fortuna não lhe transmite necessariamente nenhum deles. O poder
que essa posse transmite imediata e diretamente a ele é o poder de
compra; um determinado comando sobre todo trabalho ou sobre todos
os produtos do trabalho presentes no mercado naquele momento. Sua
fortuna será maior ou menor na proporção precisa da extensão desse
poder; isto é, da quantidade do trabalho de outras pessoas, ou, o que é a
mesma coisa, do produto do trabalho de outras pessoas que lhe permite
comprar ou controlar. O valor de troca de todas as coisas deve sempre ser
precisamente igual à extensão do poder que elas conferem a seu dono.
Mas, apesar de o trabalho ser a medida real do valor de troca de todas
as mercadorias, seu valor — o das mercadorias — não costuma ser
mensurado por ele. É difícil mensurar a proporção entre duas
quantidades diferentes de trabalho. Por si mesmo, o tempo gasto em dois
tipos diferentes de trabalho nem sempre determinará essa proporção.
Além disso, é preciso também levar em conta as dificuldades suportadas
e a engenhosidade utilizada, em seus diferentes graus. A quantidade de
trabalho em uma hora de uma tarefa exaustiva é maior que em duas
horas de uma atividade fácil; é maior em uma hora de uma tarefa que
precisou de dez anos de trabalho para ser aprendida do que a quantidade
de um mês de trabalho realizado em um emprego comum e óbvio. Mas
não é fácil encontrar medidas precisas que mensurem as dificuldades ou
a engenhosidade. De fato, na troca de diferentes produtos originados de
diferentes tipos de trabalho são feitas algumas concessões para ambos.
No entanto, elas não são ajustadas por medidas precisas, mas por meio da
pechincha e da negociação do mercado, de acordo com um tipo de
igualdade aproximada que, embora não seja exata, é suficiente para dar
continuidade às atividades da vida comum.
Além disso, toda mercadoria é mais frequentemente trocada por
outras mercadorias, e assim comparada a elas, do que pelo trabalho. É
mais natural, portanto, estimar seu valor de troca pela quantidade de
alguma outra mercadoria do que pela quantidade de trabalho que ela
pode comprar. Ademais, a maioria das pessoas compreende melhor o que
significa uma quantidade específica de certa mercadoria do que uma
quantidade de trabalho. A primeira é um objeto simples e palpável; a
segunda é uma ideia abstrata que, embora possa se tornar
suficientemente inteligível, não é tão natural e óbvia.
Mas com o fim do escambo, quando o dinheiro se tornou o
instrumento comum de comércio, cada mercadoria específica passou a
ser trocada mais frequentemente por dinheiro que por quaisquer outras
mercadorias. O açougueiro não leva sua carne de boi ou de carneiro até o
padeiro ou até o fabricante de cerveja para trocá-la por pão ou cerveja,
mas ele a leva para o mercado, onde pode trocá-la por dinheiro, o qual,
em seguida, é trocado por pão e cerveja. A quantidade de dinheiro que
ele ganha pela carne também regula a quantidade de pão e cerveja que ele
poderá comprar em seguida. Desse modo, para ele, é mais natural e óbvio
calcular o valor das carnes pela quantidade de dinheiro (a mercadoria
imediata de troca) do que pela quantidade de pão e de cerveja (as
mercadorias que somente podem ser trocadas pela intervenção de outra
mercadoria); também é mais fácil dizer que a carne do açougueiro vale 3
pence ou 4 pence a libra do que dizer que vale 3 ou 4 libras-peso de pão,
ou 3 ou 4 quarts de cerveja. Com isso, ocorre que o valor de troca de cada
mercadoria costuma ser calculado mais pela quantidade de dinheiro do
que pela quantidade de trabalho ou de qualquer outra mercadoria que
possa ser trocada por ela.
O ouro e a prata, no entanto, assim como todas as outras
mercadorias, possuem valores variáveis e, às vezes, estão mais baratos,
em outras, mais caros; em algumas situações são mais fáceis de ser
adquiridos, e, em outras, mais difíceis. A quantidade de trabalho que
qualquer quantidade específica de ouro ou prata pode comprar ou
comandar, ou a quantidade de outras mercadorias pelas quais podem ser
trocados, depende sempre da fertilidade ou infertilidade das minas
conhecidas no momento em que essas trocas são realizadas. Na Europa
do século XVI, a descoberta de minas riquíssimas na América reduziu o
valor do ouro e da prata para cerca de um terço de seu valor anterior. Já
que o valor do trabalho para levar esses metais da mina para o mercado
era menor, então, após o seu transporte, eles passaram a comprar ou
controlar menos trabalho; e essa revolução em seu valor, apesar de,
talvez, ter sido a maior de todas, não foi, de forma alguma, a única
registrada pela história. Mas, assim como uma medida de quantidade —
como o pé, a braça ou o punhado — nunca pode ser uma medida exata
da quantidade de outras coisas, quando sua própria quantidade varia de
forma contínua, então uma mercadoria cujo valor varia de forma
contínua nunca pode ser uma medida exata do valor de outras
mercadorias. Pode-se dizer que iguais quantidades de trabalho, em
quaisquer momentos e lugares, possuem o mesmo valor para o
trabalhador.59 Em seu estado normal de saúde, força e ânimo, na medida
comum de sua habilidade e destreza, ele deverá sempre sacrificar a
mesma porção de sua serenidade, sua liberdade e sua felicidade. O preço
que ele paga deverá ser sempre o mesmo, independentemente da
quantidade de mercadorias que receba em troca. Na verdade, seu
trabalho poderá, em alguns casos, comprar uma quantidade maior de
mercadorias, em outros, menor; mas é o valor das mercadorias que varia,
não a do trabalho que as compra. Em todos os tempos e lugares, será caro
o que é difícil de se conseguir, isto é, aquilo que custa muito trabalho
para ser adquirido, e barato o que pode ser obtido facilmente, ou seja,
com muito pouco trabalho. Dessa forma, já que o valor do trabalho em si
nunca varia, ele — o trabalho — é o único padrão final e real pelo qual o
valor de todas as mercadorias pode, em todos os tempos e lugares, ser
estimado e comparado. Ele é o seu preço real, o dinheiro é apenas o seu
preço nominal.
Mas apesar de quantidades iguais de trabalho possuírem sempre o
mesmo valor para o trabalhador, ainda assim, para a pessoa que o
emprega, elas parecem, certas vezes, ter maior valor, e, em outras, menor.
Esse trabalho é comprado, por vezes, com uma maior quantidade de
mercadorias, em outras, com uma menor quantidade. Para o
empregador, o preço do trabalho parece variar como o de todas as outras
coisas. Parece-lhe caro em um caso e barato em outro. Mas, na realidade,
são os bens que estão baratos em um caso e caros no outro.
Nesse sentido popular, portanto, pode-se dizer que o trabalho (assim
como as mercadorias) possui um preço real e um preço nominal. É
possível dizer que seu preço real é a quantidade de bens de primeira
necessidade e comodidades da vida dadas por ele; e seu preço nominal é
a quantidade de dinheiro. O trabalhador será rico ou pobre, bem ou mal
recompensado, na proporção do preço real, não do preço nominal, de seu
trabalho.
A distinção entre o preço real e o preço nominal das mercadorias e do
trabalho não é uma questão meramente especulativa, pois ela pode, em
algumas circunstâncias, ter uma utilidade prática considerável. Um
mesmo preço real tem sempre o mesmo valor; mas, devido às variações
no valor do ouro e da prata, o mesmo preço nominal é, às vezes, de valor
muito diferente. Então quando uma propriedade fundiária é vendida
com reserva de renda perpétua, se se deseja que essa renda tenha sempre
o mesmo valor, será importante para a família favorecida que a renda não
consista em uma determinada quantia em dinheiro. Pois, nesse caso, seu
valor estaria sujeito a sofrer dois tipos distintos de variação: em primeiro
lugar, a variação advinda das diferentes quantidades de ouro e de prata
que as moedas de mesma denominação possuem em épocas diferentes; e,
em segundo lugar, aquelas advindas dos diferentes valores que as mesmas
quantidades de ouro e de prata possuem em épocas diferentes.
Príncipes e estados soberanos costumavam acreditar que podiam
obter algum benefício temporário ao diminuir a quantidade de metal
puro contido em suas moedas; mas raramente acreditavam no benefício
do aumento dessa quantidade. Acredito que a quantidade de metal
contida nas moedas de todas as nações tem, por conseguinte, diminuído
de forma quase constante, sem quase nunca aumentar. Essas variações,
portanto, tendem quase sempre a diminuir o valor de uma renda em
dinheiro.
A descoberta das minas na América derrubou o valor do ouro e da
prata na Europa. Costuma-se supor, porém sem provas definitivas
conhecidas por mim, que essa queda ainda está ocorrendo de forma
gradual e que ainda continuará assim por um longo período. Então,
levando essa suposição em conta, as variações estariam mais propensas a
diminuir do que a aumentar o valor de uma renda em dinheiro, mesmo
que se estabelecesse o pagamento em uma certa quantidade de onças de
prata pura ou de prata de um determinado padrão, e não em uma certa
quantidade de dinheiro cunhado com um certo valor nominal (por
exemplo, uma certa quantidade de libras esterlinas).
Muito melhor do que as rendas em dinheiro, as rendas estipuladas em
cereais têm preservado o seu valor, até mesmo quando a denominação da
moeda não sofreu alterações. No 18º ano do reinado de Isabel60
decretou-se61 que um terço da renda da concessão de todas as terras das
faculdades seria estipulada em cereais, a ser pago ou em espécie ou de
acordo com os preços correntes do mercado público mais próximo. O
dinheiro decorrente dessa renda em cereais, embora tenha sido
originalmente estipulado em um terço do total, costuma representar
atualmente, de acordo com o doutor Blackstone,62 quase o dobro do que
é obtido pelos outros dois terços. De acordo com esse relato, as antigas
rendas em dinheiro das faculdades devem ter sido reduzidas a quase um
quarto de seu valor original; ou valem pouco mais que a quarta parte da
quantidade de cereais que valiam anteriormente. Mas, a partir da
corregência de Felipe e Maria,63 a denominação da moeda inglesa sofreu
pouca ou nenhuma alteração e o mesmo número de libras, xelins e pence
permaneceu com quase a mesma quantidade de prata pura. A
degradação do valor das rendas em dinheiro das faculdades, portanto,
teve como única causa a degradação do valor da prata.
Quando a deterioração do valor da prata combina-se com a
diminuição de sua quantidade contida nas moedas de mesma
denominação, a perda é, com frequência, ainda maior. Na Escócia, onde a
denominação da moeda sofreu alterações muito maiores do que na
Inglaterra, e na França, onde foi submetida a alterações ainda maiores do
que na Escócia, algumas rendas antigas, que possuíam originalmente um
valor considerável, foram, dessa forma, reduzidas a quase nada.
Quantidades iguais de trabalho poderão, entre períodos distantes uns
dos outros, ser compradas mais com quantidades próximas de cereais —
a subsistência do trabalhador — do que com quantidades iguais de ouro e
de prata ou, talvez, de qualquer outra mercadoria. Quantidades iguais de
cereais, portanto, em momentos distantes uns dos outros, serão
precificadas com valor mais próximo do real, ou seja, possibilitarão que
seu possuidor adquira ou comande quase a mesma quantidade de
trabalho de outras pessoas. Possibilitam isso, eu repito, de forma mais
aproximada que as quantidades iguais de quaisquer outras mercadorias,
pois nem mesmo as mesmas quantidades de cereais são capazes de fazer
isso de modo exato. A subsistência do trabalhador, ou o preço real do
trabalho, conforme tentarei mostrar adiante, é muito diferente em
diferentes ocasiões; sendo mais liberal em uma sociedade que caminha
para a opulência do que em outra estacionária; e mais em uma
estacionária do que em outra que caminha para trás. Quaisquer outras
mercadorias, no entanto, permitem comprar em qualquer momento
específico uma maior ou menor quantidade de trabalho na proporção da
quantidade de bens de subsistência que elas permitem adquirir naquele
momento. A renda, portanto, estipulada em cereais está sujeita apenas às
variações na quantidade de trabalho que uma dada quantidade de cereal
pode comprar. Mas a renda estipulada em qualquer outra mercadoria
está sujeita não só às variações na quantidade de trabalho que uma
determinada quantidade de cereais pode comprar, mas também às
variações na quantidade de cerais que pode ser comprada por certa
quantidade específica daquela mercadoria.64
Embora o valor real de uma renda em cereais — mas isso ainda deve
ser verificado — varie muito menos de um século para outro do que a
renda em dinheiro, sua variação anual é muito maior. O preço em
dinheiro do trabalho, como tentarei mostrar adiante, não flutua
anualmente em consonância com o preço em dinheiro dos cereais, mas
parece acomodar-se em todo lugar, não ao preço temporário ou
ocasional, mas ao preço médio ou ordinário dos cereais, os quais são
bens de primeira necessidade. O preço médio ou ordinário dos cereais
regula-se — como também tentarei mostrar adiante — pelo valor da
prata, pela fertilidade ou infertilidade das minas que abastecem o
mercado com esse metal, ou seja, pela quantidade de trabalho que deve
ser realizado (e, consequentemente, pela quantidade de cereais que deve
ser consumida) para trazer qualquer quantidade específica de prata da
mina para o mercado. Mas o valor da prata, embora às vezes varie muito
de um século para outro, raramente varia muito de um ano para outro,
mas frequentemente continua o mesmo, ou quase o mesmo, por meio
século ou um século inteiro. O preço médio ou ordinário em dinheiro
dos cereais também pode, portanto, durante um período bastante longo,
permanecer o mesmo ou quase o mesmo, e, junto com ele, o preço em
dinheiro do trabalho, desde que, em seus outros aspectos, a sociedade se
mantenha em condições iguais ou semelhantes. Nesse meio-tempo o
preço temporário e ocasional dos cereais pode dobrar em relação ao do
ano anterior, ou variar, por exemplo, de 25 para 50 xelins o quarter. Mas
quando o preço do cereal atingir este último, tanto o valor nominal
quanto o valor real de uma renda em cereais dobrará em relação ao
primeiro preço, isto é, controlará o dobro da quantidade de trabalho ou
da maior parte das outras mercadorias; o preço em dinheiro do trabalho
— e, junto com ele, o da maioria das outras coisas — permanecerá o
mesmo durante todas essas flutuações.
Parece evidente, portanto, que o trabalho é a única medida universal,
bem como a única medida de valor precisa, isto é, o único padrão pelo
qual podemos comparar os valores de diferentes mercadorias em todos
os lugares e momentos. Não há como calcularmos o valor real de
diferentes mercadorias entre um século e outro pelas quantidades de
prata que foram oferecidas por elas. Não há como calculá-lo entre um
ano e outro pelas quantidades de cereais. Mas, pelas quantidades de
trabalho, podemos, com maior precisão, calcular os dois valores, isto é,
de século para século e de ano para ano. De século para século, os cereais
são uma medida melhor que a prata, pois, de século para século,
quantidades iguais de cereais comandam a mesma quantidade de
trabalho com maior proximidade do que quantidades iguais de prata. De
ano para ano, por outro lado, a prata passa a ser uma medida melhor do
que os cereais, pois iguais quantidades de prata comandam
aproximadamente a mesma quantidade de trabalho.
Mas, embora seja bastante útil fazermos a distinção entre preço real e
preço nominal quando estabelecemos rendas perpétuas, ou mesmo em
arrendamentos muito longos, essa distinção de nada serve para a compra
e a venda — a transação mais comum e ordinária da vida humana.
Em um mesmo momento e local, os preços real e nominal de todas as
mercadorias possuem exatamente a mesma proporção. A maior ou
menor quantidade de dinheiro que alguém consegue por qualquer
mercadoria no mercado de Londres, por exemplo, será a quantidade de
mais ou menos trabalho que essa pessoa poderá comprar ou controlar
naquele momento e local. No mesmo momento e local, portanto, o
dinheiro é a medida exata do valor real de troca de todas as mercadorias.
Isso vale, no entanto, apenas para o mesmo momento e o mesmo local.
Embora não exista, entre mercados locais, nenhuma relação regular
entre o preço real e o preço em dinheiro das mercadorias, o comerciante
que transporta mercadorias de um para o outro leva em conta apenas o
preço em dinheiro delas, ou seja, a diferença entre a quantidade de prata
usada para comprar as mercadorias e a quantidade usada para vendê-las.
Em Cantão, na China, meia onça de prata pode controlar uma
quantidade maior de trabalho e de bens de primeira necessidade e
comodidades do que uma onça em Londres. Portanto, uma mercadoria
vendida por meia onça de prata em Cantão pode ser mais cara ali e ter
maior importância real para seu possuidor do que a importância que
uma mercadoria vendida a uma onça em Londres tem para quem a
possui. Se um comerciante de Londres, no entanto, pode comprar no
Cantão, por meia onça de prata, uma mercadoria que ele depois poderá
vender em Londres por uma onça, ele ganhará 100% pela transação, tal
como se a onça de prata em Londres tivesse exatamente o mesmo valor
que no Cantão. Não lhe importa que meia onça de prata no Cantão teria
dado a ele o comando de mais trabalho e de uma maior quantidade de
bens de primeira necessidade e comodidades da vida do que uma onça
em Londres. Uma onça em Londres sempre lhe dará o comando do
dobro da quantidade de tudo aquilo que meia onça poderia ter lhe dado
no Cantão: e isso é precisamente o que ele quer.
Portanto, já que é o preço nominal ou preço em dinheiro dos bens
que, em última instância, determina a prudência ou a imprudência de
todas as compras e vendas e, desse modo, regula quase todas as
atividades da vida comum em que o preço entra em jogo, não é de
admirar que lhe tenha sido dada muito mais atenção do que para o preço
real.
No presente trabalho, entretanto, talvez seja útil comparar os
diferentes valores reais de uma determinada mercadoria em diferentes
épocas e lugares, ou seja, os diferentes graus de poder sobre o trabalho de
outras pessoas que podem ter dado aos seus possuidores em diferentes
ocasiões. Devemos, nesse caso, comparar mais as diferentes quantidades
de trabalho que essas diferentes quantidades de prata poderiam ter
comprado e menos as diferentes quantidades de prata que eram
normalmente aceitas pela mercadoria. Mas não há como conhecermos
com qualquer grau de exatidão os preços correntes do trabalho entre
locais e épocas distantes. Embora os preços dos cereais tenham sido
regularmente registrados em apenas alguns lugares, eles são, em geral,
mais bem conhecidos e foram observados com maior frequência por
historiadores e outros autores. Então devemos, em geral, contentar-nos
com eles, não por estarem sempre exatamente na mesma proporção dos
preços correntes do trabalho, mas por serem a melhor aproximação que
temos dessa proporção. Daqui por diante farei várias comparações desse
tipo.65
Com o progresso do trabalho, as nações comerciais consideraram
conveniente cunhar vários tipos de metal em dinheiro: ouro para
pagamentos maiores, prata para compras de valor moderado e cobre ou
algum outro metal comum para as negociações de menor valor. Sempre
consideraram, porém, um daqueles metais como uma medida de valor
mais adequada do que qualquer uma representada pelas outras duas; e
essa preferência geralmente parece ter sido dada ao primeiro metal
utilizado por aquela nação como instrumento de comércio. Após
começarem a usá-lo como padrão, o que deve ter ocorrido quando não
tinham outro tipo de dinheiro, as nações, em geral, continuaram a usar o
mesmo metal, até quando a necessidade já não era mais a mesma.
Dizem que os romanos possuíam apenas dinheiro de cobre até cinco
anos antes da primeira Guerra Púnica,66 quando começaram a cunhar
moedas de prata pela primeira vez. O cobre, portanto e ao que parece,
manteve-se sempre como a medida de valor daquela República. Em
Roma, tem-se que todas as contas e o valor de todas as propriedades
eram calculados em ásses67 ou em sestércios. O ás sempre foi a
denominação de uma moeda de cobre. A palavra sestércio indica dois
asses e meio; era originalmente uma moeda de prata, embora seu valor
fosse medido em cobre. Também em Roma dizia-se que quem tinha uma
grande quantidade de dinheiro tinha uma grande quantidade do cobre
alheio.
As nações setentrionais que se estabeleceram sobre as ruínas do
Império Romano parecem ter utilizado dinheiro de prata desde o início
de seus primeiros assentamentos e não ter conhecido nem as moedas de
ouro nem as de cobre por séculos. Havia moedas de prata na Inglaterra
no tempo dos saxões, mas até a época de Eduardo III68 existiu pouco
ouro cunhado e nada de cobre até o reinado de Jaime I69 da Grã-
Bretanha. Assim, acredito que todas as contas e o valor de todos os bens e
propriedades na Inglaterra e, pela mesma razão, em todas as outras
nações modernas da Europa são geralmente calculados em prata: e
quando queremos falar da quantidade de riqueza de uma pessoa,
raramente falamos do número de guinéus que ela possui, mas do número
de libras “esterlinas” que supostamente se daria pela fortuna.
Eu acredito que, originalmente em todos os países, o meio de
pagamento oficial poderia apenas ser composto do metal especificamente
escolhido como padrão ou medida de valor. Na Inglaterra, o ouro,
mesmo depois de ter sido cunhado em dinheiro, ainda levou bastante
tempo para ser considerado meio de pagamento legal. A proporção entre
os valores do dinheiro de ouro e de prata não foi fixada por uma lei
pública ou por uma proclamação, mas foi deixada para que o mercado a
estabelecesse. Se um devedor oferecia pagamento em ouro, o credor
podia rejeitar esse pagamento na íntegra ou aceitá-lo após ele e o devedor
chegarem a um acordo sobre o valor do ouro. Atualmente o cobre não é
uma moeda de curso legal, exceto apenas como troco para as moedas de
prata menores. Nessas circunstâncias, a distinção entre o metal que era
padrão e o que não era ia muito além da distinção nominal.
Com o tempo e conforme as pessoas gradualmente se familiarizavam
mais com o uso de diferentes metais nas moedas e, consequentemente,
com a proporção entre seus respectivos valores, a maioria dos países,
acredito, passou a considerar conveniente definir essa proporção e
declarar por lei que o guinéu, por exemplo, com certo peso e grau de
pureza, deveria valer 21 xelins ou valer como moeda de curso legal para o
pagamento de uma dívida desse montante. Nesse caso e durante o tempo
em que uma proporção desse tipo estiver regulamentada, a distinção
entre o metal-padrão e o metal que não é o padrão passa a ser uma
distinção que vai um pouco além da distinção nominal.70
Mas se for feita qualquer alteração nessa proporção regulamentada, a
distinção novamente se torna — ou pelo menos parece se tornar — algo
bastante além de nominal. Se o valor regulamentado de 1 guinéu, por
exemplo, fosse reduzido para 20 ou elevado para 22 xelins, e
considerando que todas as contas e quase todas as dívidas fossem
expressadas em moedas de prata, a maior parte dos pagamentos poderia
ser realizada com a mesma quantidade de moedas de prata em ambos os
casos, como antes, porém esses pagamentos exigiriam quantidades muito
diferentes de dinheiro de ouro; uma quantidade maior no primeiro caso
e, no outro, menor. O valor da prata pareceria mais invariável que o do
ouro; e, aparentemente, a prata mede o valor de ouro, mas o ouro não
mede o valor de prata. Pareceria que o valor do ouro depende da
quantidade de prata que seria possível trocar por ele, mas não que o valor
da prata depende da quantidade de ouro que seria possível trocar por ela.
Essa diferença, no entanto, se deve ao costume de manter as contas e de
expressar em moedas de prata, e não de ouro, a quantidade de todas as
grandes e pequenas somas. Após uma alteração desse tipo, uma das notas
de 25 ou 50 guinéus do senhor Drummond continuaria a ser paga
exatamente com 25 ou 50 guinéus, como antes. Após essa alteração, a
dívida seria paga com a mesma quantidade anterior de ouro, mas com
diferentes quantidades de prata. O ouro, para o pagamento dessa nota,
pareceria ser mais invariável do que a prata em seu valor; e pareceria que
o ouro mede o valor da prata, mas que a prata não mede o valor do ouro.
Se o costume de manter as contas e de expressar o valor das notas
promissórias e de outras obrigações monetárias dessa maneira se
tornasse geral, o ouro (e não a prata) seria considerado como o metal-
padrão ou a medida de valor.
Na verdade, enquanto se mantiver qualquer proporção
regulamentada entre os respectivos valores dos diferentes metais nas
moedas, o valor do metal mais precioso governará o valor da moeda em
sua integralidade. Doze pence de cobre contêm meia libra avoirdupois71
de cobre (não da melhor qualidade), o qual dificilmente vale 7 pence em
prata antes de sua cunhagem. Mas já que, pela lei, 12 pence devem ser
trocados por 1 xelim, então o mercado considera que seu valor seja de 1
xelim; e 1 xelim pode, a qualquer momento, ser obtido por esses 12
pence. Mesmo antes da última reforma da moeda de ouro na Grã-
Bretanha, o ouro, ou pelo menos a parte que circulou em Londres e em
sua vizinhança, estava, em geral, mais leve em relação ao seu peso-padrão
do que a maior parte da prata. Vinte e um xelins desgastados e
desfigurados, no entanto, eram considerados equivalentes a 1 guinéu, que
talvez, na verdade, também estivesse desgastado e desfigurado, mas
raramente na mesma proporção. As regras mais recentes aproximaram o
peso da moeda de ouro (o máximo possível para qualquer nação) ao seu
padrão, o que provavelmente será preservado pela ordem de não receber
ouro nos serviços públicos senão por seu peso e desde que essa ordem
continue a ser executada. A moeda de prata ainda continua em seu
mesmo estado degradado e desgastado de antes da reforma da moeda de
ouro. Mas, no mercado, 21 xelins dessa moeda de prata degradada ainda
são considerados como 1 guinéu daquela excelente moeda de ouro.
A reforma da moeda de ouro evidentemente elevou o valor da moeda
de prata que pode ser trocada pela de ouro.
Na casa da moeda inglesa, 1 libra-peso em ouro é cunhada em 44,5
guinéus; que, com a guiné custando 21 xelins, é igual a 46 libras, 14 xelins
e 6 pence. Uma onça de tal moeda de ouro, portanto, vale 3 libras, 17
xelins e 10,5 pence em prata. Na Inglaterra não se pagam taxas
(obrigações ou senhoriagem) para a cunhagem de moedas, e aquele que
leva 1 libra-peso ou 1 onça-peso de um lingote de ouro-padrão para a
Casa da Moeda recebe de volta 1 libra-peso ou 1 onça-peso de ouro em
moedas, sem quaisquer deduções. Diz-se, então, que 3 libras, 17 xelins e
10,5 pence é o preço do ouro na casa da moeda inglesa, ou a quantidade
de moedas de ouro que a Casa da Moeda troca por um lingote de ouro-
padrão.
Antes da reforma da moeda de ouro, o preço-padrão do lingote de
ouro no mercado esteve por muitos anos acima de 3 libras e 18 xelins, às
vezes 3 libras e 19 xelins e, muito frequentemente, chegando a 4 libras
por onça; é possível que essa soma, em uma moeda de ouro degradada e
gasta, dificilmente chegasse a mais de 1 onça de ouro-padrão. Desde a
reforma da moeda de ouro, o preço de mercado do lingote de ouro-
padrão raramente passou de 3 libras, 17 xelins e 7 pence por onça. Antes
da reforma da moeda de ouro, o preço de mercado sempre esteve mais ou
menos acima do preço da Casa da Moeda. Desde a reforma, o preço de
mercado tem ficado consistentemente abaixo do preço da Casa da
Moeda. Mas, pagando em moedas de ouro ou de prata, esse preço de
mercado é o mesmo. A última reforma da moeda de ouro, portanto, não
elevou apenas o valor da moeda de ouro, mas também o da moeda de
prata em proporção ao lingote de ouro e provavelmente também
proporcionalmente a todas as outras mercadorias; embora o preço da
maior parte das outras mercadorias seja influenciado por muitas outras
causas, o aumento do valor da moeda de ouro ou de prata em relação a
elas pode não ser tão distinto e sensível.72
Na casa da moeda inglesa, com uma libra-peso de lingote de prata-
padrão cunham-se 62 xelins, que contêm, da mesma forma, uma libra-
peso de prata-padrão. Diz-se, portanto, que 5 xelins e 2 pence a onça é o
preço da prata na casa da moeda inglesa ou a quantidade de moeda de
prata que a Casa da Moeda dá em troca do lingote de prata-padrão. Antes
da reforma da moeda de ouro, o preço de mercado do lingote de prata-
padrão era, em diferentes ocasiões, 5 xelins e 4 pence, 5 xelins e 5 pence, 5
xelins e 6 pence, 5 xelins e 7 pence e, muitas vezes, 5 xelins e 8 pence a
onça. Cinco xelins e 7 pence, no entanto, parece ter sido o preço mais
comum. Desde a reforma da moeda de ouro, o preço de mercado do
lingote de prata-padrão caiu, ocasionalmente, para 5 xelins e 3 pence, 5
xelins e 4 pence e 5 xelins e 5 pence a onça; este último preço é raramente
ultrapassado. Embora o preço de mercado do lingote de prata tenha
caído consideravelmente desde a reforma da moeda de ouro, ele não
chegou a atingir o baixo preço da Casa da Moeda.
Na proporção entre os diferentes metais da moeda inglesa, o cobre
está muito acima de seu valor real, então a prata é avaliada um pouco
abaixo do valor real. No mercado da Europa, na moeda francesa e na
moeda holandesa, uma onça de ouro de boa qualidade pode ser trocada
por cerca de 14 onças de prata de boa qualidade. Na moeda inglesa, pode
ser trocada por cerca de 15 onças, ou seja, por mais prata do que vale na
estimativa comum da Europa. Mas, como o preço do lingote de cobre não
aumenta, nem mesmo na Inglaterra, pelo alto preço do cobre na moeda
inglesa, então o preço do lingote de prata não cai por causa da baixa
avaliação da prata contida na moeda inglesa. O lingote de prata ainda
preserva a proporção adequada em relação ao de ouro pela mesma razão
que o lingote de cobre preserva uma proporção adequada em relação ao
de prata.
Após a reforma da moeda de prata, durante o reinado de Guilherme
III,73 o preço do lingote de prata continuou um pouco mais elevado do
que o preço da Casa da Moeda. O senhor Locke74 atribuiu esse preço
elevado à permissão de exportar o lingote de prata e à proibição de
exportar a moeda de prata.75 Segundo ele, essa permissão de exportar
tornaria a demanda por lingotes de prata maior que a demanda por
moedas de prata. Mas o número de pessoas que querem moeda de prata
por seu uso comum, isto é, comprar e vender localmente, é com certeza
muito maior do que o daquelas que querem o lingote de prata, seja para a
exportação, seja para qualquer outro uso. Subsiste atualmente uma
permissão semelhante para a exportação de lingotes de ouro e uma
proibição semelhante à exportação de moedas de ouro; ainda assim, o
preço do ouro caiu até abaixo do preço da Casa da Moeda. Mas na moeda
inglesa a prata foi, então, da mesma maneira como agora, desvalorizada
em relação ao ouro; as moedas de ouro (que, segundo supunha-se na
época, não precisavam de reforma) regulavam, assim como hoje, o valor
real de todas as moedas. Assim como a reforma da moeda de prata não
reduziu, naquela época, o preço do lingote de prata ao preço da Casa da
Moeda, não é muito provável que uma nova reforma semelhante consiga
realizar tal façanha.
Caso a moeda de prata fosse trazida para tão perto de seu peso-
padrão, como o ouro, é provável que o guinéu, de acordo com a atual
proporção, pudesse ser trocado por mais prata em moeda do que se
conseguiria comprar em lingotes do mesmo metal. Se a moeda de prata
contivesse seu peso-padrão integral, haveria, nesse caso, lucro em seu
derretimento para, em primeiro lugar, vender o lingote por moedas de
ouro, e, depois, trocar essa moeda de ouro pela moeda de prata, para que
esta última fosse igualmente derretida. A alteração da atual proporção
parece ser o único método para impedir tal inconveniência.
E que seria talvez menor se a prata fosse avaliada na moeda tão acima
de sua proporção adequada em relação ao ouro, da mesma forma como é,
atualmente, avaliada abaixo dele; e garantindo-se por lei que a prata, ao
mesmo tempo, não valha como moeda de curso corrente, exceto para
pagamento superior a 1 guinéu; da mesma forma que o cobre não é
moeda de curso legal senão para pagamento de até 1 xelim. Nesse caso,
nenhum credor poderia ser enganado como consequência da alta
avaliação da prata contida nas moedas; assim como o credor não pode
sê-lo atualmente como consequência da alta avaliação do cobre. Essa
regulamentação traria dissabores somente aos banqueiros. Quando
ocorre uma corrida aos bancos, eles, às vezes, se esforçam para ganhar
tempo, pagando em moedas de 6 pence,76 mas, por tal regulamentação,
eles poderiam ser impedidos de utilizar esse método desacreditado de
evitar o pagamento imediato. Como consequência, seriam obrigados a
manter em seus cofres uma quantidade de dinheiro maior do que a
guardada atualmente; e embora isso, sem dúvida, pudesse ser um
inconveniente considerável para os bancos, seria, ao mesmo tempo, uma
segurança considerável aos seus credores.
Três libras, 17 xelins e 10,5 pence (o preço do ouro na Casa da Moeda)
certamente não contêm — nem em nossa excelente moeda de ouro atual
— mais do que 1 onça de ouro-padrão, e poderíamos pensar, portanto,
que não conseguiriam comprar mais ouro em lingotes-padrão. Mas o
ouro em moeda é mais conveniente do que o ouro em lingote e, embora a
cunhagem na Inglaterra seja gratuita, o ouro que é levado em lingotes
para a Casa da Moeda raramente pode ser devolvido em moeda ao
proprietário senão após uma demora de várias semanas. Na atual
velocidade de trabalho da Casa da Moeda, somente pode ser entregue
após vários meses de trabalho. Essa demora equivale a uma pequena taxa
e faz com que o ouro em moeda seja um pouco mais valioso do que uma
mesma quantidade de ouro em lingotes. Se na moeda inglesa a prata
fosse avaliada de acordo com sua proporção adequada em relação ao
ouro, o preço do lingote de prata ficaria provavelmente abaixo do preço
da Casa da Moeda, mesmo sem nenhuma reforma da moeda de prata; e
até mesmo o valor da atual moeda de prata, tão desgastada e desfigurada,
seria regulada pelo valor da excelente moeda de ouro pela qual poderia
ser trocada.
É possível que uma pequena taxa de cunhagem para as moedas de
ouro e de prata avultasse ainda mais a superioridade desses metais em
moeda em relação a uma quantidade igual de qualquer um dos dois em
lingotes. Nesse caso, a cunhagem aumentaria o valor do metal cunhado
proporcionalmente ao valor da extensão dessa pequena taxa; pela mesma
razão que os adornos aumentam o valor das baixelas de prata
proporcionalmente ao preço daqueles adornos. A superioridade da
moeda em relação ao lingote impediria o derretimento das moedas e
desencorajaria sua exportação. Se por alguma exigência pública exportar
moedas viesse a se tornar necessário, a maior parte delas voltaria em
breve, pois, no exterior, somente poderiam ser avaliadas por seu peso em
lingotes; mas, domesticamente, comprariam mais do que o valor desse
peso. Seria vantajoso, então, trazê-las de volta para o país. Na França,
impõe-se uma taxa de 8% à cunhagem de moedas, e diz-se que a moeda
francesa, quando exportada, volta espontaneamente àquele país.
As ocasionais flutuações no preço de mercado dos lingotes de ouro e
de prata surgem das mesmas causas que as flutuações semelhantes de
todas as outras mercadorias. A frequente perda desses metais — seja nos
vários acidentes que ocorrem no mar ou na terra, no gasto contínuo para
folhear, metalizar, usar em rendas e bordados, no próprio desgaste das
moedas e dos utensílios causado pelo uso — obriga os países que não
possuem minas próprias a importá-los constantemente para poder
reparar suas perdas e desgastes. Os importadores, assim como todos os
outros comerciantes, eu acredito, também se esforçam para adequar as
suas importações ocasionais ao que julgam ser a provável demanda
imediata. Com todo o seu cuidado, no entanto, algumas vezes exageram
nesse julgamento, e, em outras, são comedidos demais. Quando
importam lingotes que ultrapassam a demanda, em vez de incorrerem no
risco e incômodo de exportá-los novamente, dispõem-se, às vezes, a
vender uma parte de seus produtos por um valor menor que o preço
médio ou ordinário. Quando, por outro lado, eles importam menos do
que é procurado, conseguem obter um valor um pouco maior. Mas
quando, sob todas essas flutuações ocasionais, os preços de mercado dos
lingotes de ouro ou de prata continuam firmes e constantes por vários
anos, mais ou menos acima ou abaixo do preço da Casa da Moeda, então
podemos ter certeza de que essa superioridade ou inferioridade firme e
constante do preço é o resultado de algo no estado da moeda; algo que,
naquele momento, faz com que uma certa quantidade de moeda tenha
mais ou menos o mesmo valor da quantidade exata de ouro que deveria
conter. A durabilidade e a estabilidade das consequências supõem uma
durabilidade e uma estabilidade proporcionais a suas causas.
O dinheiro de um dado país, em um dado tempo e lugar, é mais ou
menos uma medida de valor exata conforme sua moeda corrente esteja
mais ou menos condizente com seu próprio padrão ou contenha mais ou
menos a quantidade exata de ouro puro ou prata pura que deveria conter.
Se, por exemplo, na Inglaterra, 44,5 guinéus contivessem exatamente
uma libra-peso de ouro-padrão, ou 11 onças de ouro com bom teor de
pureza e 1 onça de liga, a moeda de ouro da Inglaterra seria uma medida
tão precisa do valor real de uma dada mercadoria específica em dado
momento e local quanto fosse permitido pela natureza da coisa. Mas se
44,5 guinéus, por causa da fricção e do desgaste, geralmente contêm
menos de 1 libra-peso de ouro-padrão (sendo a diminuição, no entanto,
maior em algumas peças do que em outras), a medida de valor estará
propensa ao mesmo tipo de incerteza a que normalmente estão expostos
todos os outros pesos e medidas. Já que esses valores quase nunca são
conforme os padrões, os comerciantes ajustam, da melhor forma
possível, o preço de seus bens, não de acordo com o que deveriam ser
esses pesos e medidas, mas com o que eles, segundo uma média, indicam
ser por sua experiência. Em consequência de uma desordem similar na
moeda, o preço das mercadorias também vem a ser da mesma forma
ajustado, não à quantidade de ouro puro ou prata que a moeda deveria
conter, mas àquilo que, mediante uma média, sabe-se por experiência
que ela realmente contém.77
Deve ser observado que entendo por preço em dinheiro dos bens
sempre a quantidade de ouro puro ou prata pura pela qual são vendidos,
sem levar em consideração a denominação da moeda. Por exemplo,
acredito que 6 xelins e 8 pence na época de Eduardo I tivessem o mesmo
preço em dinheiro de 1 libra esterlina atual; pois a moeda continha, de
acordo com nosso melhor julgamento, a mesma quantidade de prata
pura.78
CAPÍTULO VI
PARTES COMPONENTES DO PREÇO DAS MERCADORIAS
No estado rude e primitivo da sociedade que precede tanto a acumulação
de capital quanto a apropriação de terras, parece que a única
circunstância para a troca de um objeto por outro seja a proporção entre
as quantidades de trabalho necessárias para adquirir os diferentes
objetos. Se em uma nação de caçadores, por exemplo, o trabalho para
matar um castor é, em geral, duas vezes maior que o trabalho para matar
um cervo, um castor será naturalmente trocado por (ou valerá) dois
cervos. É natural que o produto de dois dias ou de duas horas de trabalho
valha o dobro do produto de um dia ou de uma hora de trabalho.
Quando uma espécie de trabalho é mais árdua que outra, deverá
naturalmente haver alguma compensação por essa maior dificuldade; e,
assim, o produto de uma hora da primeira espécie geralmente poderá ser
trocado pelo produto de duas horas da segunda.
Ou então, se uma espécie de trabalho requer um grau incomum de
destreza e engenhosidade, a estima que as pessoas têm por esses talentos
irá, naturalmente, afetar o valor do produto, tornando-o superior ao que
seria normalmente devido somente pelo tempo empregado para a sua
realização. Esses talentos raramente podem ser adquiridos, senão em
consequência de um longo período de experiência; o valor superior de
seus produtos pode ser não mais do que uma compensação razoável pelo
tempo e trabalho necessários para adquiri-los. No estado avançado da
sociedade, essas compensações dadas pela maior dificuldade e habilidade
superior estão, em geral, integradas ao salário do trabalho; e algo
semelhante deve ter provavelmente ocorrido nos primeiros e mais
primitivos períodos da sociedade.79
Neste cenário, o produto integral do trabalho pertence ao
trabalhador; e a quantidade de trabalho normalmente empregada para a
aquisição ou produção de qualquer mercadoria é a única base capaz de
regular a quantidade de trabalho que pode ser normalmente adquirida,
comandada ou trocada.
Assim que o capital é acumulado nas mãos de certas pessoas, algumas
delas o utilizarão naturalmente para empregar pessoas diligentes — para
as quais fornecerão materiais e meios de subsistência a fim de lucrar com
a venda do trabalho delas, ou com o valor que esse trabalho adiciona aos
materiais fornecidos. Ao trocar a manufatura por dinheiro, por trabalho
ou por outras mercadorias em um valor superior ao preço dos materiais e
dos salários dos trabalhadores, algo deve sobrar como lucro para aquele
que toma o trabalho alheio e que arrisca seu capital nesse
empreendimento. O valor que os trabalhadores adicionam aos materiais,
portanto, desdobra-se, nesse caso, em duas partes: uma que paga os
salários dos trabalhadores e outra que paga os lucros do empregador
sobre todos os materiais e salários adiantados por ele. Este último não
teria nenhum interesse em empregá-los se não esperasse obter com a
venda dos produtos valores que fossem mais do que suficientes para
repor seu capital; e ele não teria nenhum interesse em aplicar um capital
maior, ao invés de um menor, se os seus lucros não guardassem uma
certa proporção com a totalidade de seu capital.
É possível imaginar que os lucros do capital sejam apenas um nome
diferente para o salário de um tipo específico de trabalho: o trabalho de
inspeção e direção. No entanto, eles são completamente diferentes,
regulados por princípios bem diferentes e não guardam nenhuma relação
com a quantidade, a dificuldade ou a engenhosidade desse suposto
trabalho de inspeção e direção. São totalmente regulados pelo valor do
capital aplicado e podem ser maiores ou menores de acordo com a
extensão desse capital. Suponhamos, por exemplo, que em um certo local
os lucros anuais comuns do capital manufatureiro sejam de 10%. Existem
duas manufaturas diferentes, cada uma delas emprega 20 trabalhadores
ao valor de 15 libras por ano cada um ou a uma despesa de 300 libras por
ano em cada manufatura. Além disso, imaginemos também que as
matérias-primas de uma delas custem apenas 700 libras anualmente,
enquanto os materiais mais refinados utilizados pela outra custem 7 mil.
O capital anualmente aplicado na primeira chega apenas a 1.000 libras;
enquanto o da outra manufatura chega a 7.300 libras. A uma taxa de 10%,
portanto, o empreendedor da primeira obterá um lucro anual de apenas
cerca de 100 libras, enquanto o outro obterá cerca de 730 libras. Mas,
embora os seus lucros sejam tão diferentes, o trabalho de inspeção e
direção que realizam é o mesmo ou muito semelhante. Em muitas
oficinas grandes, quase todo o trabalho desse tipo é entregue a algum
responsável pela administração. Seu salário expressa corretamente o
valor desse trabalho de inspeção e direção. Assim, ao estabelecer o salário
desses funcionários, leva-se um pouco em conta não apenas o seu
trabalho e habilidade, mas a confiança e, ainda assim, nunca se leva em
conta qualquer proporção regular com o capital supervisionado por ele;
e, embora o dono do capital não realize quase nenhum trabalho, ele
espera que seus lucros guardem uma proporção regular com esse capital.
Nos preços das mercadorias, portanto, os lucros do capital constituem
um componente completamente diferente dos salários do trabalho e são
regulados por princípios completamente diferentes.80
Neste cenário, o produto integral do trabalho nem sempre pertence
ao trabalhador. Na maior parte dos casos, o trabalhador deve
compartilhá-lo com o proprietário do capital que o emprega. A
quantidade de trabalho normalmente utilizada para a aquisição ou
produção de qualquer mercadoria também não é a única base capaz de
ajustar a quantidade de trabalho que pode ser normalmente adquirida,
comandada ou trocada.81 É evidente que uma quantidade adicional
deverá destinar-se aos lucros do capital, que adiantam os salários e
fornecem os materiais desse trabalho.
Assim que todas as terras de um país se tornam propriedade privada,
os donos das terras, como todas as outras pessoas, passam a colher onde
nunca semearam e a requerer renda até mesmo dos produtos naturais da
terra. Até mesmo a madeira da floresta, a grama do campo e todos os
frutos naturais da terra que, quando a terra era comum, custavam ao
trabalhador apenas o transtorno de sua coleta, passam a ter, inclusive
para ele, um preço adicional. As pessoas começam, então, a precisar
pagar por uma licença de coleta; e devem entregar ao dono da terra uma
porção do que seu trabalho coleta ou produz. Essa porção ou — o que
significa a mesma coisa — o preço dessa porção constitui a renda da terra
que, no preço de grande parte das mercadorias, passa a ser o seu terceiro
componente.
Devemos notar que o valor real de todas as diferentes partes que
compõem o preço é mensurado pela quantidade de trabalho que cada
uma delas pode comprar ou controlar. O trabalho não mede apenas o
valor da parte do preço que corresponde ao trabalho, mas também o da
parte que corresponde à renda e o da parte que corresponde ao lucro.
Em toda sociedade o preço de cada mercadoria se desdobra por fim
em uma parte, em outra ou, ainda, em todas as três partes; e em toda
sociedade avançada todas as três estão mais ou menos integradas como
componentes do preço da maior parte das mercadorias.
No preço dos cereais, por exemplo, uma parte paga a renda do dono
da terra, outra paga o salário ou o sustento dos trabalhadores e do gado
empregados na produção e a terceira paga o lucro do agricultor. Parece
que essas três partes compõem o preço integral do cereal de forma
imediata ou final. Pode-se imaginar a necessidade de uma quarta parte
para pagar pela reposição do capital do agricultor, ou para compensá-lo
pelo desgaste e pela deterioração de seu gado e de outros instrumentos de
trabalho. Mas devemos considerar que o preço de qualquer instrumento
de trabalho, como um cavalo de trabalho, é formado pelas mesmas três
partes: a renda da terra onde ele é criado, o trabalho de sua criação e os
lucros do agricultor que adianta tanto a renda da terra quanto o salário
desse trabalho. Embora o preço do cereal possa, dessa forma, pagar o
preço e a manutenção do cavalo, ainda assim seu preço integral se
desdobra, de forma imediata ou final, nas mesmas três partes, a saber,
renda, trabalho e lucro.
No preço da farinha devemos adicionar o preço do cereal, os lucros
do dono do moinho e os salários de seus empregados; no preço do pão,
os lucros do padeiro e os salários de seu empregados; e no preço de
ambas as mercadorias, o trabalho de transporte dos cereais desde a casa
do agricultor até a casa do moleiro e da casa do moleiro até o padeiro,
juntamente com os lucros daqueles que adiantam os salários do trabalho.
Assim como acontece com os cereais, o preço do linho se desdobra
nas mesmas três partes. Ao preço do linho devemos adicionar o salário
do cardador do linho, do fiandeiro, do tecelão, do tintureiro, etc.,
juntamente com os lucros de seus respectivos empregadores.
Conforme aumenta o grau de manufatura de uma certa mercadoria,
as partes do preço que se desdobram em salários e lucro se tornam
maiores em relação à parte que corresponde à renda. Em cada nova etapa
de fabricação há lucro, e cada lucro subsequente é maior do que o
precedente, pois o capital de que é derivado deve sempre ser maior. O
capital que emprega os tecelões, por exemplo, deve ser maior do que
aquele que emprega os fiandeiros, pois, além de restituir o capital junto
com os lucros, também paga os salários dos tecelões; e os lucros devem
sempre guardar alguma proporção com o capital.
Nas sociedades mais avançadas, no entanto, há sempre algumas
mercadorias cujo preço se desdobra apenas em duas partes, os salários do
trabalho e os lucros do capital e, em menor número, aquelas mercadorias
cujo preço é completamente formado pelos salários do trabalho. Uma
parte do preço dos peixes de água salgada, por exemplo, paga o trabalho
dos pescadores, e a outra, os lucros do capital aplicado na pesca. A renda
somente faz parte desse preço de forma muito rara, conforme mostrarei
mais adiante. Em relação à pesca fluvial, o caso é diferente, pelo menos
em grande parte da Europa. Um pesqueiro de salmão paga uma renda, e
a renda, embora não possa ser chamada de renda da terra, faz parte do
preço do salmão, junto com os salários e o lucro. Em certas partes da
Escócia, a atividade de algumas pessoas pobres é a coleta, ao longo da
costa, de pedrinhas um pouco coloridas, vulgarmente conhecidas pelo
nome de seixos escoceses. O preço pago a elas pelo lapidador
corresponde em sua integralidade aos salários do trabalho por elas
realizado; nem renda nem lucro fazem parte do preço.
Ainda assim, o preço integral de qualquer mercadoria se desdobra,
por fim, em uma, duas ou em todas essas três partes; qualquer parte
remanescente após o pagamento da renda da terra e do preço de todo o
trabalho de criação, manufatura e transporte para o mercado deve ser
necessariamente o lucro de alguém.
Como o preço ou valor de troca de cada mercadoria específica,
tomada separadamente, corresponde a uma parte, duas delas ou a todas
as três partes componentes, as mercadorias que compõem o produto
anual do trabalho de cada país, tomadas em conjunto, devem se
desdobrar nas mesmas três partes e distribuir-se entre os diferentes
habitantes do país, seja na forma de salários devidos pelo trabalho, de
lucros do capital ou da renda de terras. O total daquilo que é anualmente
coletado ou produzido pelo trabalho de cada sociedade ou — que
significa a mesma coisa — o seu preço integral distribui-se originalmente
dessa forma entre alguns de seus diversos membros. Salário, lucros e
renda são as três fontes originais de todos os rendimentos, bem como de
todo valor de troca. Os outros rendimentos derivam, em última análise,
de algum (ou alguns) desses três componentes.82
Todo aquele que obtém seu rendimento de um fundo próprio o
obtém de seu próprio trabalho, ou de seu capital, ou de sua terra. Os
rendimentos derivados do trabalho são chamados de salário. Os
rendimentos derivados do capital e recebidos pela pessoa que os gerencia
ou os aplica são chamados de lucro. Aqueles derivados do capital e
recebidos não pela pessoa que os aplica, mas pela que os empresta a
outra, são chamados de juros ou uso do dinheiro. Essa é a compensação
que o tomador do empréstimo paga ao emprestador pelo lucro que ele
tem a oportunidade de obter pela utilização do dinheiro. Parte desse
lucro pertence naturalmente ao tomador, o qual corre o risco e tem o
trabalho de aplicá-lo, e parte ao emprestador, que lhe oferece essa
oportunidade de obter lucro. Os juros do dinheiro constituem sempre
um rendimento derivado; se não forem pagos com o lucro obtido pelo
uso do dinheiro, devem ser pagos por outra fonte de rendimento, a não
ser que o mutuário seja, talvez, um perdulário que contrata uma segunda
dívida para pagar os juros da primeira. Os rendimentos que se originam
integralmente da terra são chamados de renda e pertencem ao dono da
terra. A renda do fazendeiro deriva em parte de seu trabalho e em parte
de seu capital. Para ele, a terra é apenas o instrumento que lhe permite
ganhar o salário de seu trabalho e receber os lucros de seu capital. Todos
os impostos (e todos os rendimentos derivados deles), salários, pensões e
rendas anuais de qualquer tipo derivam, em última análise, de uma ou
outra dessas três fontes originais de rendimentos, e são pagos de forma
direta ou indireta com base nos salários do trabalho, nos lucros do capital
ou na renda oriunda da terra.
Quando esses três diferentes tipos de rendimento pertencem a
pessoas diferentes, eles se distinguem facilmente; mas, quando
pertencem à mesma pessoa, às vezes acabam confundidos uns com os
outros, pelo menos na linguagem comum.
Um cavalheiro que cultiva uma parte de sua propriedade, depois de
pagar as despesas do cultivo, deverá receber tanto a renda da terra quanto
o lucro do fazendeiro. No entanto, ele poderá chamar todo o seu ganho
de lucro e, dessa forma, confundir sua renda com seu lucro, ao menos no
linguajar comum. A maior parte dos plantadores da América do Norte e
das Índias Ocidentais se encaixa nessa situação. Cultiva suas próprias
terras na maioria das vezes, e, consequentemente, raramente ouvimos
falar da renda de uma plantação, mas sim de seu lucro.
Os agricultores comuns quase nunca empregam um supervisor para
dirigir as operações gerais da fazenda. O que mais se vê é que também
trabalham bastante com as próprias mãos, arando a terra, manejando o
rastelo, etc. Após o pagamento da renda, o que resta da colheita não deve
apenas lhes restituir o capital aplicado no cultivo, juntamente com seus
lucros ordinários, mas também lhes pagar os salários devidos, tanto
como trabalhadores quanto como supervisores. Tudo que resta, no
entanto, após o pagamento da renda e a restituição de seu capital, chama-
se lucro. Mas os salários, evidentemente, fazem parte dele. O agricultor,
ao deixar de pagar salários, necessariamente ganha-os para si mesmo.
Nesse caso, os salários, portanto, se confundem com o lucro.
Um manufaturador independente com capital suficiente para adquirir
os materiais e para manter-se até que possa levar seu produto para o
mercado receberá tanto o salário do diarista que trabalha sob a
responsabilidade de um chefe quanto o lucro que esse chefe obtém pela
venda do produto do diarista. Seus ganhos totais, no entanto, costumam
ser chamados de lucro, e os salários, nesse caso também, se confundem
com o lucro.
Um jardineiro que cultiva o seu próprio jardim com suas próprias
mãos une três diferentes personagens em uma só pessoa: o dono da terra,
o fazendeiro e o trabalhador. Seu produto, portanto, deverá lhe pagar a
renda do primeiro, o lucro do segundo e o salário do terceiro. O total, no
entanto, costuma ser considerado como o ganho de seu trabalho. Renda e
lucro são, nesse caso, confundidos com o salário.
Em um país civilizado há poucas mercadorias cujo valor de troca
deriva apenas do trabalho, pois a renda e o lucro contribuem muito mais
para o valor da maioria delas; e, então, o produto anual do trabalho desse
país sempre será suficiente para comprar ou comandar uma quantidade
muito maior de trabalho do que a que foi empregada para a criação, a
preparação e o transporte dos produtos para o mercado. Caso a
sociedade empregasse anualmente todo o trabalho que consegue comprar
anualmente, e tendo em vista que a quantidade de trabalho aumentaria
consideravelmente a cada ano, então o produto de cada ano subsequente
teria um valor extremamente maior do que o do ano anterior. Mas
nenhum país emprega todo o produto anual para a manutenção dos
trabalhadores ativos. Os inativos de todos os lugares consomem uma
grande parte dele; e, de acordo com as diferentes proporções com as
quais os produtos são anualmente divididos entre essas duas ordens
diferentes de pessoas, seu valor comum ou médio irá anualmente
aumentar, ou diminuir, ou continuar o mesmo de um ano para outro.
CAPÍTULO VII
PREÇO NATURAL E PREÇO DE MERCADO DAS
MERCADORIAS
Em cada sociedade ou região existe uma taxa comum ou média tanto dos
salários quanto dos lucros para os diferentes empregos do trabalho e do
capital. Conforme mostrarei adiante, essa taxa é regulada — o que é
natural — em parte pelas circunstâncias gerais da sociedade, isto é, sua
riqueza ou pobreza, sua condição de avanço, estagnação ou declínio, e,
parcialmente, pela natureza específica de cada tipo de emprego.
Da mesma forma, em cada sociedade ou região há uma taxa comum
ou média da renda que, conforme veremos mais à frente, é regulada em
parte pelas circunstâncias gerais da sociedade ou região em que a terra
está localizada e, também em parte, pela fertilidade natural ou
aprimorada dessa terra.
As taxas comuns ou médias podem ser chamadas de taxas naturais de
salários, lucros e renda, do momento e lugar em que comumente
predominam.
Quando o preço de qualquer mercadoria não é maior nem menor do
que o valor suficiente para pagar, de acordo com suas taxas naturais, a
renda da terra, os salários do trabalho e os lucros do capital aplicados na
obtenção (produção), no preparo e no transporte para o mercado, a
mercadoria é então vendida pelo que podemos chamar de seu preço
natural.
Desse modo, é vendida exatamente por aquilo que vale ou pelo valor
que ela realmente custa à pessoa que a traz para o mercado; pois, embora
aquilo que na linguagem comum chama-se custo primário de qualquer
mercadoria não inclua o lucro da pessoa que irá revendê-la, ocorre que,
se a mercadoria for vendida a um preço que não permita ao vendedor
obter a taxa ordinária de lucro de sua região, ele evidentemente perderá
dinheiro, pois poderia ter obtido esse lucro se tivesse aplicado seu capital
de alguma outra forma. Além disso, seu lucro é seu rendimento, são os
fundos adequados para sua subsistência. E, assim como a pessoa adianta
os salários de seus trabalhadores, isto é, a subsistência deles, quando
prepara e leva suas mercadorias para o mercado, ela também adianta a si
mesma, do mesmo modo, sua própria subsistência, a qual, em geral, se
ajusta ao lucro que poderia esperar com razoabilidade pela venda de seus
bens. Portanto, somente é possível dizer que as mercadorias lhe pagam o
que realmente custam quando elas lhe rendem esse lucro.
Assim, embora o preço que lhe garante esse lucro não seja sempre o
mais baixo pelo qual um vendedor consiga vender seus bens, é o mais
baixo pelo qual pode vendê-los por algum tempo considerável; pelo
menos onde exista perfeita liberdade ou onde ele possa mudar seu ramo
de negócio sempre que quiser.83
O preço real pelo qual qualquer mercadoria é geralmente vendida é
chamado de preço de mercado. Ele pode estar acima ou abaixo do seu
preço natural, ou ser exatamente igual a este.
O preço de mercado de cada mercadoria específica é regulado pela
proporção entre a quantidade que é realmente levada ao mercado e a
demanda de todos aqueles que estão dispostos a pagar o preço natural da
mercadoria — isto é, o valor integral da renda, do trabalho e do lucro —,
o qual deve ser pago para levá-la até o mercado. Tais pessoas podem ser
chamadas de demandantes efetivos, e sua demanda, de demanda efetiva,
pois esta pode ser suficiente para que as mercadorias sejam efetivamente
levadas ao mercado. A demanda efetiva é diferente da demanda absoluta.
Podemos dizer que um homem muito pobre tenha, em algum sentido,
uma demanda por uma carruagem puxada por seis cavalos; ele gostaria
muito de comprá-la, mas essa não é uma demanda efetiva, pois a
mercadoria nunca será levada ao mercado para satisfazer tal demanda.
Quando a quantidade de qualquer mercadoria levada ao mercado é
menor que a demanda efetiva, nenhum daqueles que estiverem dispostos
a pagar o valor integral da renda, dos salários e dos lucros — que devem
ser pagos para levá-la ao mercado — poderá obter a quantidade desejada
de produtos. Para que possam ter a posse da mercadoria, alguns
compradores estarão dispostos a pagar mais caro. Imediatamente, inicia-
se uma concorrência entre eles; o preço de mercado irá elevar-se muito
ou pouco acima do preço natural dependendo do grau de estímulo à
vontade de competir aguçado pelo tamanho da deficiência ou da riqueza
e pelo desejo por luxo dos concorrentes. Entre concorrentes de igual
riqueza e luxo, a mesma deficiência geralmente dará ocasião a uma
competição muito ou pouco acirrada, conforme a importância dada por
eles à aquisição da mercadoria. Daí derivam os preços exorbitantes dos
bens de primeira necessidade durante o bloqueio de uma cidade ou
durante um período de escassez de alimentos.
Quando a quantidade de qualquer mercadoria levada ao mercado fica
acima da demanda efetiva, ela não poderá ser totalmente vendida àqueles
que estão dispostos a pagar o valor integral da renda, dos salários e dos
lucros que devem ser pagos para levá-la ao mercado. Alguma parte
deverá ser vendida àqueles que estão dispostos a pagar menos, e o preço
baixo oferecido para parte da mercadoria diminuirá o preço do todo. O
preço de mercado cairá muito ou pouco abaixo do preço natural
conforme o excesso de mercadoria gere muito ou pouca concorrência
entre os vendedores ou conforme seja muito ou pouco importante a
venda imediata de suas mercadorias. Na importação de bens perecíveis, o
mesmo excesso dará ocasião a uma concorrência muito maior do que a
existente por bens duráveis; maior na importação de laranjas, por
exemplo, que na de ferro-velho.84
Quando a quantidade levada para o mercado é suficiente apenas para
abastecer a demanda efetiva e nada mais, o preço de mercado
naturalmente acabará sendo igual ao preço natural ou muito próximo
dele. A quantidade em mãos poderá ser totalmente vendida por esse
preço, mas não por preço maior. A concorrência entre os diferentes
comerciantes os obriga a aceitar esse preço, mas não os obriga a aceitar
menos.
A quantidade de todas as mercadorias levadas ao mercado se ajusta
naturalmente à demanda efetiva. É interesse de todos aqueles que
empregam sua terra, trabalho e capital que, ao levar suas mercadorias ao
mercado, a quantidade nunca exceda a demanda efetiva; e é do interesse
de todas as outras pessoas que ela nunca seja inferior a essa demanda.
Se, em qualquer momento, a quantidade exceder a demanda efetiva,
alguns componentes do preço receberão em pagamento um valor abaixo
de sua taxa natural. Se for a renda, o interesse dos proprietários irá alertá-
los para que, imediatamente, retirem dela uma parte de suas terras; e se
for o salário ou o lucro, o interesse dos trabalhadores, em um caso, e o de
seus empregadores, no outro, sinalizará para que eles deixem de usar
nessa atividade uma parte do seu trabalho ou de seu capital.
Rapidamente, a quantidade levada ao mercado será suficiente apenas
para suprir a demanda efetiva. Cada uma das diferentes partes do seu
preço aumentará até atingir sua taxa natural, e o preço integral
aumentará até atingir seu preço natural.
Se, ao contrário, a quantidade levada ao mercado, em qualquer
momento, ficar abaixo da demanda efetiva, alguns dos componentes do
seu preço deverão ficar acima de sua taxa natural. Se for a renda, o
interesse de todos os outros proprietários de terras irá naturalmente
alertá-los para que preparem mais terras para a produção da mercadoria
em falta; se for o salário ou lucro, o interesse de todos os outros
trabalhadores e negociantes irá alertá-los para que empreguem mais
trabalho e capital para preparar e levar as mercadorias ao mercado. A
quantidade levada ao mercado, rapidamente, será suficiente para suprir a
demanda efetiva. Cada uma das diferentes partes do preço diminuirá até
atingir sua taxa natural e o preço integral irá diminuir até atingir seu
preço natural.
O preço natural, portanto, age como um preço central em torno do
qual gravitam os preços de todas as mercadorias.85 Vários acidentes
podem, às vezes, mantê-los muito acima desse preço central e, por
outras, forçá-los a cair até um pouco abaixo dele. Mas,
independentemente de quais sejam os obstáculos que não os deixem se
fixar nesse centro de repouso e estabilidade, os preços tendem sempre a
ele.
A quantidade total de trabalho empregado anualmente para levar
qualquer mercadoria para o mercado se ajusta dessa forma à demanda
efetiva. Sua meta natural é sempre levar ao mercado a quantidade exata
que é suficiente para suprir aquela demanda e nada mais.
Mas, em alguns empregos, a mesma quantidade de trabalho
produzirá em anos diferentes quantidades muito diferentes de
mercadorias; enquanto, em outros, produzirá sempre a mesma ou quase a
mesma quantidade. Em anos diferentes na agricultura, o mesmo número
de trabalhadores produz quantidades muito diferentes de milho, vinho,
óleo, lúpulo, etc. Mas o mesmo número de fiandeiros e tecelões produzirá
todos os anos a mesma ou quase a mesma quantidade de tecidos de linho
e lã. Na primeira espécie de atividade profissional, apenas o produto
médio consegue se adaptar de alguma forma à demanda efetiva; e como
seu produto real é frequentemente muito maior ou muito menor do que
seu produto médio, a quantidade das mercadorias levadas ao mercado às
vezes é muitor maior do que a demanda efetiva, e, outras vezes, muito
menor. Embora a demanda devesse ser sempre a mesma, seu preço de
mercado estará sujeito a grandes flutuações, às vezes caindo muito abaixo
e às vezes subindo muito acima de seu preço natural. Na segunda espécie
de atividade, já que o produto de quantidades iguais de trabalho é sempre
(ou quase sempre) o mesmo, é possível ajustá-lo de forma mais exata à
demanda efetiva. Portanto, enquanto a demanda se mantiver a mesma, o
preço de mercado das mercadorias provavelmente também permanecerá
o mesmo e coincidirá com o preço natural ou chegará muito próximo
dele. A experiência de qualquer pessoa a informa que os preços dos
tecidos de linho e de lã não estão sujeitos a variações nem tão grandes
nem tão frequentes quanto as que sofrem os preços dos grãos. O preço da
primeira espécie de mercadoria varia apenas com as variações da
demanda; o preço da outra varia não só com as variações da demanda,
mas com as variações muito maiores e mais frequentes da quantidade de
produtos levados ao mercado para suprir essa demanda.
As flutuações ocasionais e temporárias no preço de mercado de
qualquer mercadoria recaem principalmente nas partes de seu preço que
se desdobram em salários e lucro. A parte que corresponde à renda é a
menos afetada por elas. Uma renda certa em dinheiro não é afetada nem
minimamente por elas; nem em sua taxa nem em seu valor. Uma renda
que consista em uma certa proporção ou em uma determinada
quantidade de matéria-prima ou produto bruto será, sem dúvida, afetada
em seu valor anual por todas as flutuações ocasionais e temporárias do
preço de mercado daquela matéria-prima: mas sua taxa anual é
raramente afetada por elas. Ao estabelecerem as regras contratuais do
arrendamento, o proprietário da terra e o agricultor se empenham,
conforme o melhor julgamento, para ajustar essa taxa, não ao preço
temporário e ocasional do produto, mas ao seu preço médio e habitual.
Essas variações afetarão o valor e a taxa dos salários ou dos lucros
conforme o mercado estiver sobreabastecido ou subabastecido de
mercadorias ou de trabalho (de trabalho já executado ou a ser
executado). Um luto público, por exemplo, eleva o preço do tecido preto
(em tais ocasiões o mercado quase sempre está subabastecido desse
produto) e eleva os lucros dos comerciantes que possuem quantidade
considerável do mesmo produto. O luto não produz nenhum efeito sobre
os salários dos tecelões. O mercado está subabastecido de mercadorias,
não de trabalho (de trabalho executado, não de trabalho a ser executado).
Ele gera aumento nos salários dos costureiros diaristas. O mercado está
aqui subabastecido de trabalho. Há uma demanda efetiva e não satisfeita
por mais mão de obra, por mais trabalho a ser executado. Ele derruba o
preço dos tecidos e das sedas coloridas e, assim, reduz os lucros dos
comerciantes que possuem quaisquer quantidades consideráveis em
mãos. Ele derruba também os salários dos trabalhadores empregados na
preparação de tais mercadorias, das quais toda demanda fica parada por
seis meses, às vezes por um ano. Aqui, o mercado está sobreabastecido
tanto de mercadorias quanto de trabalho.
Porém, mesmo que o preço de mercado de cada produto específico
esteja — se é que podemos usar a expressão — gravitando continuamente
em torno de seu preço natural, ainda assim o preço de mercado de
muitos produtos pode ser mantido alto (bastante acima do preço natural)
por um bom tempo, às vezes por acidentes específicos, outras vezes por
causas naturais, ou ainda por conta de certas políticas específicas.
Quando, por causa do aumento da demanda efetiva, o preço de
mercado de uma mercadoria específica se eleva muito acima do preço
natural, aqueles que aplicam seu capital para suprir tal mercado
costumam esconder essa mudança de forma cuidadosa. Pois, caso a
obtenção de grandes lucros fosse conhecida por todos, ela estimularia
tantos novos concorrentes a aplicar seus capitais da mesma forma que,
estando a demanda efetiva totalmente satisfeita, o preço de mercado
voltaria rapidamente ao preço natural e talvez se mantivesse por algum
tempo até abaixo dele. Quando as pessoas que abastecem um mercado
moram longe deste, às vezes conseguem manter o segredo por vários
anos, podendo por esse mesmo tempo desfrutar de seus lucros
extraordinários sem que surjam novos concorrentes. Devemos
reconhecer, no entanto, que segredos desse tipo são raramente guardados
por muito tempo; e os lucros extraordinários duram quase nada a mais
que isso.
Os segredos industriais podem ser mantidos por mais tempo que os
segredos comerciais. Um tintureiro que descobriu meios para produzir
uma determinada cor com materiais que custam apenas a metade do
preço daqueles comumente utilizados pode, com uma boa administração,
aproveitar a vantagem de sua descoberta por toda a sua vida e até mesmo
deixar esse segredo como um legado para seus filhos. Os ganhos
extraordinários que obteve derivam do preço elevado que é pago por seu
trabalho pessoal. Eles propriamente consistem no salário elevado de tal
trabalho. Mas já que esses ganhos incidem em todas as partes de seu
capital e já que o montante total deles guarda, nesse caso, uma proporção
regular ao capital, então os ganhos são geralmente considerados como
lucros extraordinários do capital.
Esses aumentos do preço de mercado são, evidentemente, efeitos de
acidentes específicos que podem, às vezes e no entanto, durar muitos
anos.
Alguns tipos de produtos naturais exigem solo e condições tão
específicos que todas as terras de uma grande região apta a produzi-los
não são suficientes para suprir sua demanda efetiva. Assim, a quantidade
total levada ao mercado pode ser escoada para aqueles que estão
dispostos a entregar mais do que o valor que é suficiente para pagar a
renda da terra que a produziu, juntamente com os salários do trabalho e
os lucros do capital que foram aplicados para prepará-la e levá-la ao
mercado, de acordo com suas taxas naturais. Tais mercadorias podem
continuar a ser vendidas por esse preço alto durante séculos; e o
componente do preço que se desdobra em renda da terra é, nesse caso, a
parte que geralmente recebe um pagamento acima do valor de sua taxa
natural. A renda da terra que permite a produção de mercadorias únicas
e estimadas — como a renda de alguns vinhedos da França que possuem
solo e condições peculiarmente favoráveis — não guarda uma proporção
regular com a renda das outras terras igualmente férteis e igualmente
bem cultivadas de sua vizinhança. Os salários do trabalho e os lucros do
capital empregados para levar essas mercadorias para o mercado, pelo
contrário, raramente estão fora de sua proporção natural em relação aos
outros empregos do trabalho e do capital de sua vizinhança.
Esses aumentos do preço de mercado são evidentemente o efeito de
causas naturais potencialmente capazes de impedir que a demanda
efetiva seja totalmente suprida, e que podem continuar, portanto,
operando para sempre.
Um monopólio concedido a um indivíduo ou a uma companhia de
comércio tem o mesmo efeito de um segredo comercial ou industrial. Os
monopolistas, ao manterem o mercado constantemente desabastecido, ao
nunca suprir totalmente a demanda efetiva, vendem suas mercadorias a
um valor muito acima do preço natural e elevam seus emolumentos —
sejam eles formados por salários ou lucros — a um valor muito superior
ao da taxa natural.86
O preço do monopólio é, em todas as ocasiões, o maior possível. O
preço natural ou o preço da livre concorrência, pelo contrário, é o menor
que pode ser aceito, não em todas as ocasiões, mas durante a sucessão de
qualquer tempo considerável. O primeiro é o maior valor que pode ser
extraído dos compradores em qualquer tempo ou o que estes
supostamente concordarão em entregar; o segundo é o menor valor que
os vendedores podem aceitar e que, ao mesmo tempo, lhes permite dar
continuidade a seus negócios.
Os privilégios exclusivos das corporações, os estatutos dos aprendizes
— e todas as leis que, em algumas atividades específicas, restringem os
competidores a um número menor do que aquele que se poderia
observar caso não existissem — têm a mesma tendência, embora em
menor grau. São uma espécie de monopólio alargado e podem
frequentemente, por muitas décadas e abrangendo classes inteiras de
atividades, manter o preço de mercado de certos produtos acima do
preço natural e manter pouco acima da sua taxa natural os salários do
trabalho e os lucros do capital empregados nesses produtos.87
Essas sobrevalorizações dos preços de mercado podem durar pelo
tempo que durarem as políticas regulamentadoras que lhes deram
origem.
Embora o preço de mercado de qualquer produto específico possa se
manter acima de seu preço natural por muito tempo, ele raramente fica
abaixo desse preço por muito tempo. Independentemente da parte do
preço que foi paga abaixo da taxa natural, as pessoas cujos interesses
tenham sido imediatamente afetados sentiriam a perda e, imediatamente,
retirariam o emprego de certa porção de terras, ou de capital, ou do
trabalho nas mercadorias, e, assim, a quantidade destas levada ao
mercado voltaria rapidamente a ser suficiente apenas para suprir a
demanda efetiva. Seu preço de mercado, portanto, logo aumentaria até
voltar ao preço natural. Esse, ao menos, seria o caso em condições de
liberdade perfeita.
Os mesmos estatutos dos aprendizes e outras leis das corporações
que, com efeito, permitem aos trabalhadores aumentar os seus salários
muito acima de sua taxa natural sempre que a manufatura estiver em
uma fase próspera às vezes os obrigam — quando há queda das
manufaturas — a permitir que os salários fiquem muito abaixo dessa
taxa. Dessa forma eles excluem muitas pessoas de seu emprego na fase
próspera e excluem a pessoa de muitos empregos na fase ruim. Essas
normas, no entanto, são mais eficazes para elevar os salários acima de sua
taxa natural do que para mantê-los abaixo dessa taxa. No caso da
elevação dos salários, a ação pode durar muitos séculos, mas, no caso da
diminuição, a ação não durará mais do que o tempo de vida de alguns
trabalhadores que foram preparados para a atividade no momento em
que ela estava na fase de prosperidade. Quando esses trabalhadores não
mais existirem, o número de pessoas que serão posteriormente educadas
para a atividade irá acomodar-se naturalmente à demanda efetiva. Para
que uma política consiga — em uma atividade específica qualquer e por
várias gerações seguidas — reduzir os salários do trabalho ou os lucros
do capital a um valor abaixo de sua taxa natural, ela precisa ser tão
violenta quanto as políticas da Índia ou do Antigo Egito (onde toda
pessoa estava obrigada por um princípio religioso a seguir a profissão de
seu pai e, se essa pessoa mudasse de profissão, estaria cometendo o mais
horrível sacrilégio).
No momento, isso é tudo o que me parece ser necessário observar em
relação aos desvios, sejam eles ocasionais ou permanentes, entre o preço
de mercado e o preço natural das mercadorias.
O próprio preço natural varia de acordo com a taxa natural de cada
um de seus componentes, isto é, salário, lucro e renda; e em cada
sociedade essa taxa varia de acordo com as suas circunstâncias, segundo
a sua riqueza ou pobreza, sua condição de avanço, estagnação ou
declínio. Nos quatro capítulos seguintes, buscarei explicar da forma mais
clara e completa possível as causas dessas diferentes variações.
Primeiro, buscarei88 explicar quais circunstâncias determinam
naturalmente a taxa dos salários e de que maneira as circunstâncias são
afetadas pela riqueza ou pobreza, pelo estado avançado, estagnado ou em
declínio da sociedade.
Em segundo lugar, buscarei89 mostrar quais são as circunstâncias que
determinam naturalmente a taxa de lucro e de que maneira essas
circunstâncias também são afetadas por variações semelhantes no estado
da sociedade.
Embora os salários e os lucros pecuniários sejam muito diferentes
para os diversos empregos do trabalho e do capital, ainda assim
normalmente mantêm uma certa proporção entre os salários pecuniários
de todos os diferentes empregos do trabalho e os lucros pecuniários de
todos os diferentes empregos do capital. Veremos que essa proporção
depende em parte da natureza de seus diferentes empregos e em parte
das diferentes leis e políticas da sociedade em que são efetivas. Mas,
embora dependa em muitos aspectos da lei e das políticas, essa
proporção parece ser pouco afetada pelas riquezas ou pela pobreza da
sociedade, ou pela condição de avanço, estagnação ou declínio — ela
permanece a mesma ou quase a mesma em todos esses diferentes estados.
Em terceiro lugar,90 me esforçarei para explicar as diferentes
circunstâncias que regulam essa proporção.
Em último lugar,91 buscarei mostrar quais são as circunstâncias que
regulam a renda da terra e que aumentam ou diminuem o preço real de
todas as diferentes substâncias produzidas por ela.
Í
CAPÍTULO VIII
OS SALÁRIOS DO TRABALHO
O produto do trabalho constitui a recompensa natural ou o salário do
trabalho.
No estado original de coisas que precede tanto a apropriação das
terras quanto a acumulação de capital, o produto total do trabalho
pertence ao trabalhador. Não existe nem o proprietário de terras nem o
do capital para dividir com ele.
Se esse estado de coisas continuasse o mesmo, os salários do trabalho
teriam aumentado junto com todos aqueles avanços em sua capacidade
produtiva promovidos pela divisão do trabalho. Todas as coisas teriam se
tornado gradualmente mais baratas. Elas seriam produzidas por uma
quantidade menor de trabalho; e já que, nesse cenário, as mercadorias
produzidas por quantidades iguais de trabalho poderiam ser
naturalmente trocadas umas pelas outras, também seriam compradas
pelo produto de uma quantidade menor de trabalho.
Mas mesmo que todas as coisas ficassem mais baratas na realidade, na
aparência muitas coisas poderiam se tornar mais caras do que antes ou
poderiam ser trocadas por uma quantidade maior de outras mercadorias.
Suponhamos, por exemplo, que os poderes produtivos do trabalho
tivessem, na maior parte de seus empregos, sido multiplicados por dez ou
que o trabalho de um dia92 pudesse produzir dez vezes mais a quantidade
anterior de trabalho;93 suponhamos, no entanto, que em um certo
emprego específico, os poderes tivessem conseguido apenas ser dobrados
ou que o trabalho de um dia pudesse produzir apenas duas vezes a
quantidade de trabalho anterior. Ao trocar o produto de um dia de
trabalho da maioria de seus empregos pelo produto de um dia de
trabalho daquele emprego específico, então dez vezes a quantidade
original do trabalho investida neles compraria apenas duas vezes a
quantidade original do trabalho específico. Desse modo, uma quantidade
específica dessa última mercadoria — o peso de uma libra, por exemplo
— pareceria ser um produto cinco vezes mais caro. No entanto, a
realidade é que ela seria duas vezes mais barata. Embora a compra dessa
mercadoria precisasse de cinco vezes a quantidade dos outros bens, seria
necessária apenas a metade da quantidade de trabalho para comprá-la ou
produzi-la. Sua aquisição seria, por conseguinte, duas vezes mais fácil
que antes.
Mas esse estado original das coisas, em que o trabalhador desfrutava
da totalidade do produto do seu próprio trabalho, não duraria por muito
mais tempo após a introdução da propriedade de terras e da acumulação
de capital. Chegou ao fim, portanto, muito antes de os maiores avanços
dos poderes produtivos do trabalho terem sido desenvolvidos, e seria
sem sentido tentarmos buscar descobrir quais teriam sido os seus efeitos
sobre a recompensa ou sobre o salário do trabalho.
Assim que a terra se torna propriedade privada, o seu dono passa a
exigir uma parte de quase todos os produtos que o trabalhador é capaz de
criar ou coletar utilizando-a. Sua renda passa a ser a primeira dedução do
produto do trabalho empregado na terra.
Raramente acontece de a pessoa que cultiva a terra ter meios para
manter-se até que a safra seja colhida. Geralmente, sua subsistência lhe é
adiantada pelo capital de um dono, isto é, o fazendeiro que o emprega; e
que não terá nenhum interesse em empregá-lo exceto para compartilhar
o produto de seu trabalho ou receber de volta seu capital acompanhado
do lucro. Esse lucro passa a ser a segunda dedução do produto do
trabalho empregado na terra.94
O produto de quase todos os outros trabalhos também está sujeito a
uma dedução semelhante do lucro. Em todos os ofícios e manufaturas, a
maior parte dos trabalhadores precisa de um mestre (dono do capital)
para adiantar-lhes os materiais de seu trabalho, seus salários e
subsistência até a conclusão do que lhe foi demandado. O mestre recebe
parte do produto de seus trabalhos, ou seja, ele recebe parte do valor que
é adicionado aos materiais pelo trabalho a eles aplicado; e essa parte
consiste em seu lucro.95
Às vezes, de fato, um único trabalhador independente possui capital
suficiente para adquirir os materiais de que necessita e para manter-se até
o término do trabalho. Ele é mestre e trabalhador ao mesmo tempo e
desfruta do produto total do seu próprio trabalho, ou seja, de todo o
valor que é adicionado aos materiais pelo trabalho aplicado. O valor
costuma incluir o que usualmente representa duas receitas distintas,
pertencentes a duas pessoas distintas, isto é, os lucros do capital e o
salário do trabalho.
Esses casos, no entanto, não são muito frequentes, e em toda a
Europa, para cada vinte trabalhadores que servem a um mestre (dono do
capital) há apenas um trabalhador independente; e em todos os lugares
entende-se que os salários do trabalho são o que costumam ser quando o
trabalhador é uma pessoa e o proprietário do capital que o emprega,
outra.
Em todo o mundo, os salários comuns do trabalho dependem do
contrato normalmente feito entre essas duas partes, cujos interesses não
são de forma alguma os mesmos. Os trabalhadores desejam receber o
máximo possível, os mestres, entregar o mínimo possível. Os primeiros
estão dispostos a associar-se para elevar os salários e os últimos para
diminuí-los.
No entanto, em todas as ocasiões comuns, é fácil saber quem tem
mais vantagem nessa disputa e quem tem poder para forçar a outra parte
a aceitar suas condições. Os mestres se associam muito mais facilmente
por existirem em menor número; além disso, a lei autoriza — ou, ao
menos, não proíbe — a associação deles, enquanto proíbe a dos
trabalhadores. Não temos nenhuma lei contra a associação para baixar o
preço do trabalho; mas muitas contra a associação para aumentá-lo. Em
todas essas disputas os mestres conseguem resistir por muito mais tempo.
Um dono de terras, um agricultor, um fabricante ou comerciante, mesmo
que não utilizem nem mesmo um único trabalhador, eles, em geral,
conseguiriam viver por um ou dois anos com o capital que já adquiriram.
Muitos trabalhadores não aguentariam uma semana sem trabalho,
poucos subsistiriam por um mês e praticamente nenhum viveria por um
ano. A longo prazo, o trabalhador pode se tornar tão necessário ao
mestre como o mestre o é para o trabalhador; mas essa necessidade não é
tão imediata.
Raramente, nos é dito, ouvimos falar das associações entre mestres,
mas as de trabalhadores são comuns. No entanto, aquele que, ao ouvir
isso, imaginar que os mestres quase nunca se associam é tão ignorante
em relação às coisas do mundo quanto ao assunto em questão. Os
mestres sempre e em todos os lugares estão em uma espécie de
associação tácita, contínua e uniforme para não elevar os salários do
trabalho a um nível superior ao de sua taxa real. A violação dessa
associação é uma ação impopular em todo o mundo e uma espécie de
censura a um mestre entre seus pares e vizinhos de um mestre. Na
verdade, raramente ouvimos falar sobre essas associações porque elas
compõem o estado habitual, ou, poderíamos dizer, natural das coisas,
sobre o qual ninguém nunca ouve falar. Às vezes, os mestres também se
unem em associações particulares para que os salários do trabalho sejam
levados a um valor abaixo dessa taxa. Essas ações são sempre realizadas
da forma mais silenciosa e secreta possível até o momento de sua
execução; e, quando os trabalhadores se rendem, como às vezes ocorre,
sem resistência, ainda que sejam severamente atingidos, nunca são
ouvidos por outras pessoas. Essas associações, no entanto, sofrem
frequentemente a resistência de uma associação defensiva de
trabalhadores; que, às vezes também, sem qualquer provocação do tipo,
se associam por sua própria vontade para elevar o preço do seu trabalho.
Os pretextos mais comuns são, às vezes, o preço elevado das provisões;
outras vezes, o grande lucro que os mestres obtêm da atividade dos
trabalhadores. Mas sejam essas associações ofensivas ou defensivas,
sempre ouvimos falar muito delas. Em geral, a fim de resolver
rapidamente a questão, os trabalhadores sempre recorrem aos protestos
mais barulhentos e, às vezes, à mais chocante violência e ao ultraje. Eles
estão desesperados, agem com a loucura e a extravagância de homens
desesperados, que ou morrem ou assustam seus mestres para que entrem
em acordo com suas demandas. Os mestres, nessas ocasiões, são ruidosos
de seu lado e nunca deixam de pedir em voz alta pela ajuda do
magistrado civil e pela execução rigorosa das leis, promulgadas de forma
tão severa contra as associações de empregados, trabalhadores e
viajantes. Por causa da violência dessas associações ruidosas, os
trabalhadores raramente obtêm alguma vantagem — em parte devido à
interposição do magistrado civil, em parte devido à firmeza superior dos
mestres, em parte devido à necessidade à que a maioria dos
trabalhadores está sujeita para poder subsistir — geralmente esses
protestos nada geram senão a punição ou a ruína de seus líderes.96
Mas, embora em disputas com seus trabalhadores os mestres
geralmente levem vantagem, há, no entanto, um certo valor abaixo do
qual parece impossível reduzir os salários ordinários por muito tempo,
mesmo os das atividades menos privilegiadas.
Um indivíduo deve sempre viver por meio de seu trabalho e, por isso,
seu salário deve ao menos ser suficiente para sustentá-lo. Deve, na
maioria das vezes, ser um pouco mais que seu sustento; pois, de outra
forma, seria impossível manter uma família, e tais trabalhadores nunca
passariam da primeira geração. Por esse motivo, o senhor Cantillon
parece supor que as classes mais baixas de trabalhadores comuns devem
ganhar em todas as partes pelo menos o dobro de sua própria
manutenção, para que, na média, sejam capazes de criar dois filhos;
supondo que o trabalho da esposa, por conta de seus deveres necessários
com a criação dos filhos, seja suficiente apenas para sustentar a si
mesma.97 Entretanto, segundo estimativas, metade das crianças morrem
antes de atingir a idade adulta. Os trabalhadores mais pobres, portanto,
segundo este raciocínio, devem, na média, tentar criar pelo menos quatro
filhos, para que dois possam ter a mesma chance de atingir a maioridade.
Supõe-se, porém, que o custo para sustentar quatro crianças aproxima-se
do sustento de um homem adulto. Calcula-se que o trabalho de um
escravo capaz, acrescenta o mesmo autor, vale o dobro de seu sustento; e,
acredita ele, que o do trabalhador livre da classe mais baixa não pode
valer menos do que o de um escravo capaz. Até aqui, ao menos, parece
certo que, para sustentar uma família, o trabalho do marido e da esposa,
juntos, mesmo em se tratando das espécies mais baixas de trabalho, deve
ser capaz de oferecer um pouco mais do que o rigorosamente necessário
para o seu próprio sustento, mas não cabe a mim determinar em qual
proporção, se nesta acima mencionada ou em qualquer outra.
Existem certas circunstâncias, no entanto, que às vezes oferecem aos
trabalhadores uma vantagem, permitindo-lhes elevar consideravelmente
seus salários acima dessa taxa que, evidentemente, constitui o mínimo
consistente com a subsistência humana.98
Em um país qualquer, quando a demanda por pessoas que vivem de
salários — trabalhadores, diaristas, empregados de todos os tipos — está
em contínuo aumento e quando cada novo ano oferece mais postos de
trabalho do que o ano anterior, os trabalhadores deixam de ter motivo
para se associar e elevar seus salários. A escassez de mãos gera entre os
mestres uma concorrência; com o objetivo de conseguir trabalhadores,
eles passam a cobrir as ofertas uns dos outros e, assim, rompem
voluntariamente com a associação natural dos mestres, a qual visa
impedir o aumento dos salários.
É evidente que a demanda por indivíduos que vivem de salários
somente pode aumentar em proporção ao aumento dos fundos
destinados aos pagamentos dos salários. Esses fundos são de dois tipos:
primeiro, os rendimentos que ultrapassam o necessário para a
subsistência; segundo, o capital que ultrapassa o necessário para o
emprego de seus patrões.
Quando o dono da terra, beneficiário de anuidade ou pessoa
endinheirada possui receita maior do que aquela que julga suficiente para
manter a sua própria família, ele emprega a totalidade ou parte do
excedente na manutenção de um ou mais empregados domésticos. Ao
aumentar esse excedente, a pessoa naturalmente aumentará o número
desses empregados.
Quando o capital de um trabalhador independente — um tecelão ou
sapateiro, por exemplo — é mais que suficiente para comprar os materiais
de seu próprio produto e para que se mantenha até conseguir vendê-lo,
ele utilizará esse excedente para empregar naturalmente um ou mais
diaristas e obter lucro por meio do trabalho deles. Ao aumentar esse
excedente, a pessoa naturalmente aumentará o número de seus
empregados.
Assim, a demanda por quem vive de salários aumenta
necessariamente com a expansão dos rendimentos e do capital de cada
região, e não pode aumentar sem ela. A expansão dos rendimentos e do
capital corresponde ao aumento da riqueza nacional. Dessa forma, a
demanda por quem vive de salário naturalmente aumenta com a
expansão da riqueza nacional, e, possivelmente, não pode aumentar sem
ela.
Não é o tamanho real da riqueza nacional, mas seu crescimento
contínuo, que gera o aumento dos salários do trabalho. Por conseguinte,
os salários são mais altos não nos países mais ricos, mas nos mais
prósperos ou naqueles que estão se tornando ricos mais rapidamente.99 A
Inglaterra é certamente, nos tempos atuais, um país muito mais rico do
que qualquer região da América do Norte. Os salários do trabalho, no
entanto, são muito maiores na América do Norte do que em qualquer
parte da Inglaterra. Na província de Nova York, trabalhadores comuns
ganham 3 xelins e 6 pence por dia, valor equivalente a 2 xelins esterlinos;
os carpinteiros navais recebem 10 xelins e 6 pence, sendo que um pint de
rum vale 6 pence esterlinos, igual a 6 xelins e 6 pence esterlinos; os
carpinteiros e pedreiros da construção civil, 8 xelins, equivalentes a 4
xelins e 6 pence esterlinos; alfaiates diaristas, 5 xelins, equivalentes a
aproximadamente 2 xelins e 10 pence esterlinos. Esses preços são todos
maiores que os preços de Londres; e dizem que os salários das outras
colônias são tão altos quanto os de Nova York. Em todos os lugares da
América do Norte, os preços dos mantimentos são muito mais baixos que
os da Inglaterra. Não há notícias de escassez naquela região. Em seus
piores momentos, eles sempre mantiveram o suficiente para si, embora
menos para as exportações. Se o preço em dinheiro do trabalho,
portanto, é maior do que em qualquer outro lugar da pátria-mãe, seu
preço real, isto é, o comando real sobre os bens de primeira necessidade e
comodidades da vida que oferece aos trabalhadores, também é maior em
uma proporção ainda mais elevada.
Mas, embora a América do Norte ainda não seja tão rica como a
Inglaterra, ela é muito mais próspera e avança com uma rapidez muito
maior em direção à aquisição de outras riquezas. O sinal mais marcante
da prosperidade de um país é o aumento do número de seus habitantes.
Na Grã-Bretanha e na maioria dos outros países europeus, sua população
não dobrará em menos de 500 anos. Nas colônias britânicas da América
do Norte verificou-se que o mesmo ocorrerá em 20 ou 25 anos.
Atualmente, esse aumento não se deve principalmente à contínua
importação de novos habitantes, mas à grande multiplicação da espécie.
Diz-se que aqueles que vivem até a velhice frequentemente produzem
entre 50 e 100 descendentes e, às vezes, muito mais. Ali, o trabalho é tão
bem recompensado que uma família com muitas crianças não constitui
um ônus para os pais, mas uma fonte de opulência e de prosperidade. O
trabalho de cada criança, antes de deixar a casa dos pais, é computado
como um ganho líquido de 100 libras para eles. Uma jovem viúva com
quatro ou cinco crianças pequenas, que entre as classes média e baixa da
Europa teria pouquíssimas chances de conseguir um segundo marido, é
cortejada na América do Norte como se fosse uma espécie de fortuna. O
valor das crianças é o maior de todos os incentivos para o casamento.
Não é uma surpresa, portanto, saber que as pessoas do país geralmente se
casam muito jovens. Não obstante o grande aumento populacional
ocasionado por esses casamentos precoces, há uma reclamação contínua
de escassez de mãos para o trabalho na América do Norte. A demanda
por trabalhadores, os fundos destinados à subsistência deles, parece
aumentar ainda mais rapidamente do que a possibilidade de encontrar
trabalhadores para empregar.
Quando um país está estagnado por muito tempo, não devemos
esperar que os salários do trabalho sejam muito altos, mesmo que sua
riqueza seja bastante grande. Os fundos destinados ao pagamento dos
salários, os rendimentos e o capital de seus habitantes podem até ser
bastante grandes, mas caso esses elementos tenham se mantido iguais ou
quase iguais durante vários séculos, o número de trabalhadores
empregados a cada ano poderá facilmente satisfazer e até mesmo mais do
que satisfazer a demanda do ano seguinte. Nesse caso, será rara a escassez
de mão de obra e os mestres não serão obrigados a competir entre si por
mão de obra. Muito pelo contrário, ela, nesse caso, será naturalmente
multiplicada para além de sua possibilidade de emprego. Haveria uma
constante escassez de emprego e os trabalhadores seriam obrigados a
competir entre si a fim de consegui-lo. Se em tal país o salário do
trabalho tivesse sido mais do que suficiente para manter o trabalhador e
permitir-lhe manter uma família, a concorrência dos trabalhadores e o
interesse dos mestres iriam rapidamente reduzi-los àquela taxa mínima
que condiz com a subsistência humana. A China, por muito tempo, foi
um dos países mais ricos do mundo, ou seja, um dos países mais férteis,
mais bem cultivados, mais diligentes e mais populosos. Mas ela parece
estar estagnada há muito tempo. Marco Polo, que a visitou há mais de
500 anos, descreve seus cultivos agrícolas, trabalho e grande população
quase nos mesmos termos em que essas características são descritas pelos
viajantes da atualidade. É possível que, mesmo muito antes da época de
Polo, a China já houvesse adquirido o total complemento das riquezas
permitidas pela natureza de suas leis e instituições. Os relatos de todos os
viajantes à China, inconsistentes em muitos outros aspectos, concordam
em relação aos baixos salários do trabalho e à dificuldade que um
trabalhador encontra para manter sua família. Se, ao cavar a terra o dia
inteiro, o trabalhador conseguir o suficiente para comprar uma pequena
quantidade de arroz à noite, ele já estará satisfeito. A condição dos
artífices é, se possível, pior ainda. Em vez de esperar preguiçosamente na
oficina pelo chamado de seus clientes, como se faz na Europa, eles
passam todo o seu tempo percorrendo as ruas com as ferramentas de
seus respectivos negócios, oferecendo seus serviços como se estivessem
suplicando um emprego. A pobreza das classes mais baixas da China
ultrapassa em muito a pobreza das nações mais mendicantes da Europa.
Na vizinhança de Cantão há centenas, dizem que até mesmo milhares, de
famílias que não possuem habitação em terra firme, mas vivem em
pequenos barcos de pesca que flutuam sobre rios e canais. A subsistência
que ali encontram é tão escassa que elas ficam ansiosas para pescar os
piores lixos descartados no mar por navios europeus. Qualquer carniça
— a carcaça de um cachorro ou gato, por exemplo (mesmo fétida e
parcialmente apodrecida) — é tão bem-vinda para essas pessoas como o
alimento mais saudável o é para as pessoas de outros países. O casamento
é encorajado na China não pela lucratividade das crianças, mas pela
liberdade de destruí-las. Em todas as cidades grandes várias são
abandonadas nas ruas todas as noites ou afogadas como filhotes nas
águas. Dizem até mesmo que o desempenho desse terrível ofício é uma
atividade reconhecida por meio da qual algumas pessoas ganham sua
subsistência.
A China, no entanto, apesar de permanecer estagnada, parece não
apresentar regressão. Nenhuma de suas cidades foi abandonada por seus
habitantes. As terras cultivadas no passado não foram negligenciadas.
Dessa forma, o mesmo ou quase exatamente o mesmo trabalho anual
deve continuar a ser realizado e, consequentemente, os fundos destinados
à sua manutenção não devem ter diminuído de modo perceptível. A mais
baixa classe de trabalhadores, portanto, apesar de seus escassos meios de
subsistência, consegue manter os números habituais de sua população
por meio de algum tipo ou outro de expediente.
Mas a questão seria diferente em um outro país onde os fundos
destinados à manutenção do trabalho estivessem em queda perceptível.
Em todas as várias classes de empregos, a demanda por criados e
trabalhadores seria menor a cada novo ano. Muitas pessoas, criadas nas
classes superiores, não conseguindo encontrar emprego em suas próprias
atividades, passariam a buscá-los de bom grado nas classes inferiores. Na
classe mais baixa — que, além de estar abarrotada com seus próprios
trabalhadores, teria de lidar com o transbordamento de todas as outras
classes — a competição por emprego seria tão grande que reduziria os
salários do trabalho aos níveis mais miseráveis e escassos de subsistência
do trabalhador. Mesmo aceitando essas condições terríveis, muitos não
conseguiriam encontrar emprego e, então, ou morreriam de fome ou
passariam a buscar sua subsistência na mendicância, talvez até
cometessem atrocidades. A miséria, a fome e a mortalidade passariam a
prevalecer imediatamente naquela classe e dali transitariam a todas as
classes superiores até que a população do país fosse reduzida a um
número de habitantes que pudesse ser facilmente mantido pela renda e
capital remanescentes no país (e que conseguiram escapar da tirania ou
das calamidades que haviam destruído o resto). Esse talvez seja
aproximadamente o atual quadro apresentado pelo estado de Bengala e
de algumas outras colônias inglesas das Índias Orientais. Se nos
deparamos com um país fértil que esteve bastante despovoado e que, por
esse motivo, é uma área em que a subsistência não deveria ser muito
difícil; e, apesar disso, 300 mil ou 400 mil pessoas morrem de fome em
um ano, então podemos ter certeza de que os fundos destinados à
manutenção dos trabalhadores pobres estão se deteriorando
rapidamente. Talvez a melhor ilustração da diferença entre o espírito da
constituição britânica — que protege e governa a América do Norte — e
o da empresa mercantil que oprime e domina as Índias Orientais seja as
diferentes condições atuais desses países.
A generosa recompensa pelo trabalho, portanto, é o resultado
necessário e o sintoma natural do aumento da riqueza nacional. A parca
subsistência dos trabalhadores pobres, por outro lado, é o sintoma
natural de que as coisas estão estagnadas; já a fome é o sinal de um
rápido retrocesso.
Atualmente, na Grã-Bretanha, os salários do trabalho parecem estar
evidentemente acima do valor necessário para que um trabalhador possa
manter uma família. Para entendermos esse ponto não será necessário
fazer cálculos tediosos ou duvidosos para descobrir o valor mínimo para
isso. Muitos sinais claros indicam que, em todos os lugares deste país, os
salários do trabalho não são regulados pelo valor mínimo de subsistência
humana.
Primeiro, em quase toda parte da Grã-Bretanha há uma distinção,
mesmo nas espécies mais simples de trabalho, entre salários de verão e de
inverno. Os salários de verão são sempre mais elevados. Mas, por causa
das despesas extraordinárias com combustíveis, a manutenção de uma
família é mais cara no inverno. O fato de os salários serem mais altos
quando essa despesa é menor parece evidenciar que eles não são
regulados pelo valor necessário para cobrir essa despesa, mas pela
quantidade e pelo valor esperados do trabalho. Pode-se dizer que um
trabalhador deve guardar parte do seu salário de verão a fim de custear
suas despesas de inverno; e que, no decorrer de todo o ano, elas não
excedem o valor que é necessário para manter a sua família por todo o
ano. Um escravo, no entanto, ou alguém totalmente dependente de nós
para a sua subsistência imediata, não seria tratado dessa maneira. Sua
subsistência diária lhe seria proporcional a suas necessidades diárias.
Em segundo lugar, os salários na Grã-Bretanha não flutuam com o
preço dos alimentos. Esses preços variam anualmente e, com frequência,
mensalmente. Mas, em muitos lugares, o preço em dinheiro do trabalho é
mantido uniformemente o mesmo, às vezes por meio século. Dessa
forma, se nesses lugares os trabalhadores pobres conseguem manter suas
famílias nos anos de preços mais altos, então eles devem ficar em situação
confortável nos períodos de abundância moderada e em afluência nos
períodos de preços extraordinariamente baixos. Durante os últimos dez
anos em muitos lugares do Reino, o preço elevado dos alimentos não foi
acompanhado por nenhum aumento perceptível do preço em dinheiro
do trabalho. Isso, de fato, ocorreu em alguns lugares; sendo
provavelmente devido mais ao aumento da demanda por trabalho do que
ao preço dos alimentos.
Em terceiro lugar, assim como os preços dos alimentos variam de um
ano para outro mais do que os salários do trabalho, o mesmo ocorre, por
outro lado, com os salários do trabalho que, de um lugar para outro,
variam mais do que o preço dos alimentos. Em quase todo o Reino
Unido os preços do pão e da carne de açougue costumam ser iguais ou
aproximadamente iguais. Por motivos que serão explicados adiante, essas
e grande parte das outras coisas que são vendidas a varejo — que é a
forma como os trabalhadores pobres compram todas as coisas —
costumam ser tão baratas ou mais baratas nas grandes cidades do que nas
partes remotas do país. Mas, em uma cidade grande e em sua vizinhança
mais próxima, os salários do trabalho costumam ser um quarto ou um
quinto — 20% ou 25% — mais elevados que nas áreas que estão apenas a
alguns quilômetros de distância. Dezoito pence por dia pode ser
considerado o preço ordinário do trabalho em Londres e em sua
vizinhança. Alguns quilômetros adiante, esse valor cai para 14 e 15 pence.
Dez pence é o valor em Edimburgo e vizinhança. Alguns quilômetros
mais adiante o preço cai para 8 pence, que é o preço usual do trabalho
comum em grande parte das Terras Baixas da Escócia, onde varia bem
menos que na Inglaterra. Essa diferença de preços, que nem sempre
parece ser suficiente para transportar uma pessoa de uma paróquia a
outra, necessariamente dá ocasião a um grande deslocamento de
mercadorias bastante volumosas, não só de uma paróquia a outra, mas de
uma extremidade do Reino — que fica quase em um dos pontos mais
longínquos do mundo — até a outra, algo que rapidamente eleva o preço
desses bens a quase o mesmo nível. Após tudo o que foi dito sobre a
frivolidade e a inconstância da natureza humana, a experiência evidencia
que de todos os tipos de carga os humanos são a mais difícil de ser
transportada. Assim, se os trabalhadores pobres conseguem manter suas
famílias nas áreas do Reino em que o preço do trabalho é o mais baixo,
então devem estar muito bem de vida nos locais em que o preço é o mais
alto.
Em quarto lugar, além de as variações do preço do trabalho não
corresponderem às variações locais ou temporais dos preços dos
alimentos, elas também costumam ser completamente opostas.
Os cereais, o alimento do povo comum, é mais caro na Escócia do
que na Inglaterra, de onde a Escócia recebe cargas gigantescas de cereais
quase todos os anos. Mas o cereal inglês deve ser vendido por um preço
mais alto na Escócia (o país para onde é levado) do que na Inglaterra (o
país de origem); e, proporcionalmente à sua qualidade, não pode ser
vendido por um preço mais alto na Escócia do que o cereal escocês, com
o qual compete no mesmo mercado. A qualidade dos cereais depende,
principalmente, da quantidade de farinha que é produzida no moinho;
nesse ponto o cereal inglês é tão superior ao escocês que, embora muitas
vezes seja mais caro na aparência ou em proporção ao seu volume, é
geralmente mais barato, na realidade ou em proporção à sua qualidade e
até mesmo em relação ao seu peso. O preço do trabalho, pelo contrário, é
mais alto na Inglaterra do que na Escócia. Se os trabalhadores pobres
conseguem, então, manter suas famílias em uma das partes do Reino, eles
devem conseguir fazer o mesmo de forma bastante cômoda na outra
parte. A farinha de aveia, com efeito, abastece as pessoas comuns da
Escócia com a maior e melhor parte de sua alimentação, que é em geral
muito inferior à dieta de seus vizinhos ingleses do mesmo nível social.
Essa diferença da forma de subsistência, no entanto, não é a causa, mas o
resultado da diferença entre os salários; embora, por um estranho mal-
entendido, eu tenha ouvido as pessoas se referirem frequentemente a
essas diferenças como causa. Não é porque um homem tem uma
carruagem e outro caminha a pé que o primeiro é rico e o segundo,
pobre; mas, por ser rico, o primeiro anda de carruagem e, por ser pobre,
o segundo caminha a pé.
Durante o último século (XVII), o grão esteve em média mais caro
em ambas as partes do Reino Unido do que no presente. De fato,
atualmente essa questão não admite mais dúvidas; e a prova disso é ainda
mais decisiva, se é que isso é possível, no que diz respeito à Escócia do
que no que diz respeito à Inglaterra. Na Escócia, a questão recebe o apoio
de evidências: a fixação pública dos preços dos grãos,100 que eram
avaliações anuais feitas sob juramento e de acordo com o estado real dos
mercados de todos os diferentes tipos de cereais de cada um dos
diferentes condados da Escócia. Se essa prova tão direta exigisse
evidências colaterais para confirmá-la, eu diria que este também foi o
caso na França e, provavelmente, na maioria das outras partes da Europa.
Com relação à França, a prova também é extremamente clara. Mas
embora seja certo que em ambas as partes do Reino Unido os cereais
estavam um tanto mais caros no século passado (XVII) que no presente
(XVIII), é igualmente certo que o trabalho era muito mais barato.
Portanto, se os trabalhadores pobres conseguiram manter suas famílias
naquele período, eles devem estar muito mais bem de vida atualmente.
No século passado (XVII), o salário diário mais comum na maior parte
da Escócia era 6 pence no verão e 5 pence no inverno. Três xelins por
semana, quase o mesmo preço, ainda continuam a ser pagos em algumas
partes das Terras Altas da Escócia e das Ilhas Ocidentais. Em grande
parte das Terras Baixas da Escócia, o salário mais usual do trabalho
comum é atualmente 8 pence por dia; às vezes 10 pence, às vezes 1 xelim
nas proximidades de Edimburgo, nos municípios que fazem fronteira
com a Inglaterra (provavelmente por causa dessa vizinhança) e em alguns
outros lugares onde, recentemente, tem ocorrido um aumento
considerável da demanda por trabalho, no entorno de Glasgow, Carron,
Ayrshire, etc. Na Inglaterra, os avanços da agricultura, da manufatura e
do comércio começaram muito mais cedo do que na Escócia. A demanda
por trabalho e, consequentemente, seu preço, deve necessariamente ter
aumentado com essas melhorias. Em decorrência, os salários do trabalho
— no século passado (XVII) e no presente (XVIII) — eram maiores na
Inglaterra do que na Escócia. Eles também sofreram aumentos
consideráveis desde então, mas essa quantidade é mais difícil de
determinar devido à maior variedade de salários pagos ali em diferentes
lugares. O salário atual de um soldado de infantaria é o mesmo de 1614,
8 pence por dia. Quando foi estabelecido pela primeira vez, o valor era
naturalmente regulado pelo salário habitual dos trabalhadores comuns, a
classe de pessoas de onde os soldados de infantaria costumavam se
originar. Hales, o Lord Chief Justice,101 escrevendo na época de Carlos
II,102 calculou as despesas necessárias da família de um trabalhador
composta de seis pessoas — o pai, a mãe, duas crianças capazes de fazer
alguma coisa e duas ainda incapazes — em 10 xelins por semana ou 26
libras por ano. Sempre que não conseguissem ganhar esse valor por seu
trabalho, eles deveriam complementá-lo, ele supõe, por meio da
mendicância ou do roubo. Ele parece ter investigado diligentemente esse
assunto.103 Em 1688, o senhor Gregory King,104 cuja desenvoltura em
aritmética política é tão enaltecida pelo doutor Davenant,105 calculou o
rendimento corrente de trabalhadores e criados não domésticos em 15
libras por ano para uma família que, em sua suposição, deveria ser
formada em média por três pessoas e meia. Seus cálculos, portanto,
embora diferentes em aparência, são, no fundo, muito semelhantes aos
cálculos do juiz Hales. Ambos supõem que o gasto semanal dessas
famílias seja cerca de 20 pence por cabeça. Na maior parte do Reino,
tanto os rendimentos quantos os gastos pecuniários dessas famílias
aumentaram consideravelmente desde aquela época, em alguns lugares
mais, em outros menos, mas, em nenhum lugar, tanto quanto em alguns
relatos exagerados sobre os salários atuais do trabalho que informam ao
público. Devemos observar que o preço do trabalho não pode ser
determinado de forma muito precisa em nenhum lugar; pois, com
frequência, no mesmo lugar e para o mesmo tipo de trabalho são pagos
preços diferentes, não apenas de acordo com as diferentes habilidades
dos trabalhadores, mas de acordo com a transigência ou dureza dos
mestres. Quando os salários não são regulamentados pela lei, só é
possível tentarmos indicar quais são os mais usuais; e a experiência
parece mostrar que a lei, embora costume tentar, é sempre incapaz de
regulá-los corretamente.
A recompensa real do trabalho, isto é, a quantidade real de bens de
primeira necessidade e comodidades da vida que esse valor pode oferecer
ao trabalhador, tem, durante o curso do século atual (XVIII), aumentado
talvez em uma proporção ainda maior do que seu preço em dinheiro.
Além de os cereais terem ficado um pouco mais baratos, muitas outras
coisas com as quais os pobres laboriosos obtêm uma variedade aprazível
e saudável de alimentos também se tornaram muito mais baratas. As
batatas, por exemplo, não custam hoje, na maior parte do Reino, nem
metade do preço de trinta ou quarenta anos atrás. O mesmo pode ser
dito de nabos, cenouras, couves, alimentos que, anteriormente, eram
cultivados somente por meio da enxada e que, agora, são comumente
cultivados com o uso do arado. Os produtos de hortas e pomares
também ficaram mais baratos. No século anterior (XVII), a maior parte
das maçãs e até mesmo das cebolas consumidas na Grã-Bretanha era
importada de Flandres. Os grandes avanços da indústria de linho e de lã
permitem que os trabalhadores tenham roupas melhores e mais baratas;
o mesmo pode ser dito da indústria de metais comuns, que lhes garantiu
instrumentos de comércio mais baratos e melhores, bem como um
mobiliário doméstico mais agradável e cômodo. Sabão, sal, velas, couro e
licores fermentados, na verdade, ficaram muito mais caros,
principalmente por causa dos impostos que passaram a incidir sobre
esses produtos. Mas a quantidade de produtos desse tipo de que os
trabalhadores pobres necessitam é tão pequena que o aumento de seu
preço não compensa a diminuição do preço de tantas outras coisas. A
queixa comum de que o luxo se estende mesmo até as pessoas das classes
mais baixas e que os trabalhadores pobres atualmente não estão mais
satisfeitos com os mesmos alimentos, as mesmas roupas e as mesmas
habitações de épocas anteriores pode nos convencer de que não é apenas
o preço em dinheiro do trabalho que aumentou, mas sua recompensa
real.
Essa melhoria das circunstâncias das classes inferiores do povo deve
ser considerada uma vantagem ou uma inconveniência para a sociedade?
À primeira vista, a resposta parece amplamente clara. Toda grande
sociedade política é composta majoritariamente por diversos tipos de
empregados, trabalhadores. E tudo aquilo que causa melhorias às
circunstâncias da maioria nunca poderá ser considerado como um
inconveniente para o todo. Nenhuma sociedade na qual a maior parte de
seus membros é pobre e miserável poderá ser realmente feliz e próspera.
Além do mais, é simplesmente justo que aqueles que alimentam, vestem e
alojam todo o corpo social recebam tal parte do produto do seu próprio
trabalho para que possam estar toleravelmente bem alimentados,
vestidos e alojados.
Embora a pobreza sem dúvida desencoraje o casamento, ela nem
sempre o impede; parece até mesmo ser favorável à reprodução humana.
Uma mulher semiesfomeada das Terras Altas da Escócia gera mais de
vinte filhos, enquanto uma senhora cheia de mimos costuma, muitas
vezes, ser incapaz de gerar ou, normalmente, não passa dos dois ou três
filhos. A esterilidade, tão frequente entre as mulheres da alta sociedade, é
muito rara entre as mulheres da classe baixa. Enquanto, para as mulheres,
o luxo talvez inflame a paixão pelo gozo, ele parece sempre enfraquecer e
frequentemente destruir completamente a capacidade reprodutiva.
Mas embora a pobreza não impeça a reprodução, ela é extremamente
desfavorável à criação de filhos. Uma planta frágil nasce, mas, em solo
muito frio e clima muito severo, logo murcha e morre. Segundo
costumam me informar, não é nada incomum encontrarmos nas Terras
Altas da Escócia mães que tenham gerado vinte filhos, mas que não
tenham dois vivos. Vários oficiais experientes (do exército) me
garantiram que, em relação ao recrutamento de seu regimento, eles
nunca conseguiram preenchê-lo com os tambores e os pífaros que
deveriam vir de todos os filhos de soldados que haviam ali nascido.
Raramente são vistas tantas crianças ótimas senão em uma caserna de
soldados. Mas pouquíssimas, ao que parece, chegam à idade de 13 ou 14
anos. Em alguns lugares, metade das crianças morre antes de chegar aos 4
anos de idade; em muitos lugares, antes de completar 7; e, em quase
todos os outros lugares, antes de chegar aos 9 ou 10 anos. Essa grande
mortalidade, no entanto, acha-se principalmente entre as crianças das
pessoas comuns, que não têm condições financeiras para criá-los com o
mesmo cuidado que as pessoas das classes mais altas. Apesar de seus
casamentos serem geralmente mais fecundos que o das pessoas de classes
mais altas, uma proporção menor de seus filhos chega à maturidade. Nos
orfanatos e entre as crianças das instituições de caridade paroquiais, a
mortalidade é ainda maior do que entre os filhos da população em geral.
Todas as espécies de animais se multiplicam naturalmente em
proporção aos meios de sua subsistência; nenhuma espécie é capaz de
ultrapassar essa proporção. Já na sociedade civilizada, a escassez de
alimentos cria limites para a multiplicação da espécie humana apenas
entre as pessoas das classes mais baixas; esse limite é imposto somente
por meio da destruição de grande parte das crianças produzidas por seus
casamentos fecundos.
A recompensa generosa do trabalho tende naturalmente a alargar e
estender esses limites, pois garante um melhor sustento e,
consequentemente, a criação de um número maior de filhos. Também
devemos notar que isso ocorre necessariamente no nível mais próximo
possível da proporção requerida pela demanda por trabalho. Se essa
demanda está em crescimento constante, a recompensa do trabalho deve
necessariamente incentivar o casamento e a multiplicação de
trabalhadores de tal forma a lhes permitir suprir essa demanda crescente
pelo aumento constante da população. Caso, em algum momento, a
recompensa se torne menor do que o necessário para a finalidade, a falta
de trabalhadores a fará aumentar rapidamente; e caso, em algum
momento, se torne maior, sua multiplicação excessiva a fará cair
rapidamente até a taxa necessária. No primeiro caso, o mercado estaria
tão desabastecido de trabalho e, no segundo, tão sobreabastecido que o
preço seria forçado a voltar para aquela taxa adequada requerida pelas
circunstâncias da sociedade. É dessa forma que a demanda por pessoas,
assim como a que existe por quaisquer outras mercadorias,
necessariamente regula a produção de pessoas; acelerando-a quando está
muito lenta e parando-a quando avança de forma muito rápida. É essa
demanda que regulamenta e determina a propagação humana em todos
os países do mundo, seja na América do Norte, na Europa ou na China; é
ela que torna a reprodução rápida e progressiva na América, lenta e
gradual na Europa e completamente estagnada na China.
Diz-se que o “desgaste” de um escravo deve ser custeado por seu
dono; mas o de um empregado livre é custeado pelo próprio empregado.
O “desgaste” deste último, no entanto, é, na realidade, custeado tanto por
seu mestre quanto por ele mesmo. Os salários pagos aos diaristas e
empregados de qualquer tipo devem ser tais que lhes permitam, em
média, dar continuidade à raça de diaristas e empregados de acordo com
a demanda da sociedade, que pode requerer seu aumento, diminuição ou
paralisação. Mas, mesmo que o “desgaste” de um empregado livre deva
ser igualmente custeado por seu mestre, geralmente é a um custo menor
do que o do escravo. Os fundos destinados à substituição ou reparação,
ou, se me permitem dizer, ao “desgaste” do escravo costumam ser
gerenciados por um senhor negligente ou um capataz descuidado. Os
fundos destinados à mesma função, mas em relação às pessoas livres, são
administrados pelas próprias pessoas livres. As perturbações que
geralmente predominam na economia dos ricos se introduzem
naturalmente na administração dos escravos. A frugalidade rigorosa e a
atenção parcimoniosa dos pobres também se estabelecem de forma
natural na administração dos empregados livres. Por causa da existência
de formas tão distintas de administração, a mesma finalidade acaba
exigindo graus muito diferentes de despesas. Nesse sentido e a partir da
experiência de todas as épocas e nações, parece, acredito, que o trabalho
feito por pessoas livres acaba sendo mais barato do que o trabalho
escravo. Isso vale até mesmo para as cidades de Boston, Nova York e
Filadélfia, onde os salários do trabalho comum são extremamente
altos.106
A recompensa generosa do trabalho, assim como é consequência do
aumento da riqueza, é causa do aumento da população. Queixar-se dela
equivale a lamentar-se da causa e da consequência necessárias da
prosperidade pública máxima.
Talvez devamos comentar o seguinte: é na condição de progresso —
ou seja, quando a sociedade está avançando em direção a novas
aquisições e não quando já adquiriu todas as suas riquezas — que o
trabalhador pobre, a grande massa do povo, parece estar em um estado
mais feliz e confortável. Mas sua situação é difícil na condição de
estagnação e miserável na de declínio. O estado de progresso é, na
verdade, um estado animado e saudável para todas as diferentes classes
sociais. O estacionário é entorpecedor; o de declínio, melancólico.
A recompensa generosa do trabalho, assim como incentiva a
propagação da espécie, por isso mesmo também aumenta os esforços das
pessoas comuns. Os salários do trabalho incentivam o empenho, o qual,
como todas as outras qualidades humanas, aumenta em proporção ao
incentivo recebido. A subsistência abundante aumenta a força física do
trabalhador, e a confortável esperança de melhorar sua condição e de,
talvez, terminar seus dias com tranquilidade e abundância o anima a
utilizar essa força ao máximo. Dessa forma, nos locais em que os salários
são altos, sempre encontraremos trabalhadores mais ativos, diligentes e
céleres do que nos locais em que são baixos; mais na Inglaterra, por
exemplo, do que na Escócia; mais na vizinhança de cidades grandes do
que em pontos remotos do interior. De fato, alguns trabalhadores,
quando conseguem ganhar em quatro dias o sustento de toda a semana,
ficam ociosos nos outros três dias. Isso, no entanto, não é de forma
alguma o que ocorre na maioria dos casos. Os trabalhadores, ao
contrário, quando são pagos de forma generosa por peça, se tornam
muito mais propensos a exceder-se em sua carga de trabalho, arruinando,
assim, sua saúde e constituição em poucos anos. Supõe-se que um
carpinteiro em Londres, ou em outros lugares, não seja capaz de manter-
se em seu vigor máximo por mais de oito anos. Algo semelhante acontece
em muitas outras atividades em que os trabalhadores são pagos por
tarefa; eles geralmente trabalham nas manufaturas e até mesmo no
trabalho agrícola, onde os salários são mais elevados do que o normal.
Quase todos os tipos de artesãos estão sujeitos a alguma enfermidade
peculiar ocasionada pela execução excessiva de sua espécie peculiar de
trabalho. Ramazzini,107 um eminente médico italiano, escreveu um livro
específico sobre essas doenças. Não costumamos considerar nossos
soldados como um grupo de pessoas que trabalham de forma árdua.
Ainda assim, sempre que os soldados foram utilizados em algum tipo
particular de trabalho que lhes remunerava de forma generosa por tarefa,
seus oficiais eram obrigados a estipular com o empresário que os
soldados não poderiam ganhar mais do que certa quantia diária, de
acordo com a taxa que recebiam geralmente. Até que essa estipulação
fosse feita, a rivalidade mútua e o desejo de ganhar mais os levavam com
frequência a trabalhar de forma excessiva e a estragar sua saúde por esse
excesso de trabalho. O excesso de trabalho realizado por quatro dias da
semana costuma ser com frequência a causa real da ociosidade que se vê
nos outros três dias, algo que tem promovido tantas queixas ruidosas. O
trabalho intenso — da mente ou do corpo — e contínuo por vários dias
consecutivos é, na maioria dos homens, seguido naturalmente por um
desejo intenso de descansar, que, se não for contido por força ou por
alguma necessidade forte, é quase irresistível. A própria natureza exige
que a restauração ocorra por algum tipo de indulgência, às vezes apenas
por meio do descanso, mas, por vezes, também pela distração e pela
diversão. Caso a exigência não seja cumprida, as consequências podem
ser muitas vezes perigosas e, outras, fatais; mas, como quase sempre
acontece mais cedo ou mais tarde, gera a enfermidade específica da
atividade em questão. Se os mestres sempre ouvissem os ditames da razão
e da humanidade, eles teriam várias oportunidades para moderar, em vez
de motivar, a dedicação de muitos de seus trabalhadores. Em cada tipo de
atividade, creio eu, será descoberto que as pessoas que trabalham de
forma moderada a ponto de poder trabalhar constantemente não só
preservam sua saúde por mais tempo, mas, no decurso do ano, realizam
uma quantidade maior de trabalho.
Em anos mais baratos, diz-se que os trabalhadores são, em geral, mais
ociosos, e, nos mais caros, mais diligentes do que o normal. Concluiu-se,
assim, que a subsistência abundante relaxa e a escassa estimula a
atividade profissional. Não há como duvidar de que um pouco mais de
abundância do que o normal pode levar alguns trabalhadores ao ócio;
mas não parece muito provável que o efeito seja o mesmo para a maior
parte deles, nem que as pessoas em geral trabalhem melhor quando estão
mal alimentadas do que quando estão bem alimentadas, quando estão
desmotivadas do que quando estão de bom humor, quando estão
frequentemente doentes do que quando possuem em geral uma boa
saúde. É preciso dizer que, para as pessoas comuns, os anos de escassez
são, em geral, períodos de doenças e maior mortalidade, o que
necessariamente causa a diminuição de seu trabalho.
Nos anos de fartura, os empregados costumam deixar seus mestres e
confiam sua subsistência àquilo que conseguem fazer por meio de sua
própria atividade profissional. Mas, ao aumentar o fundo que é destinado
para a manutenção dos empregados, esse mesmo valor baixo dos
alimentos incentiva os mestres, especialmente os agricultores, a empregar
um número maior de pessoas. Nessas ocasiões, o agricultor espera obter
lucros maiores de seus cereais ao empregar alguns trabalhadores a mais
do que ao vender seus cereais por um preço baixo no mercado; a
demanda por trabalhadores aumenta, enquanto o número daqueles que
se oferecem para suprir essa demanda diminui. O preço do trabalho,
portanto, costuma aumentar nos anos mais baratos.
Nos anos de escassez, todas essas pessoas ficam ansiosas para retornar
ao serviço por causa das dificuldades e da incerteza da subsistência. Já o
preço elevado dos alimentos causa a diminuição dos fundos destinados à
manutenção dos trabalhadores e, assim, deixa os mestres mais dispostos
a diminuir seu número, não a aumentá-lo. Também nos anos mais caros,
os trabalhadores pobres e independentes costumam consumir o pouco
capital que utilizavam para obter os materiais necessários de seu trabalho
e são obrigados a trabalhar como diaristas para poder sobreviver. Há
mais pessoas buscando emprego do que é possível conseguir; muitos
estão dispostos a aceitar um trabalho sob condições piores do que as
normais e, assim, os salários dos empregados e dos diaristas costumam
despencar nos anos mais caros.
Em relação aos empregados, portanto, os mestres de todos os tipos
costumam fazer melhores barganhas nos anos mais caros do que em anos
mais baratos, e, além disso, encontram os trabalhadores mais
dependentes e humildes nos períodos mais caros. Em vista disso, eles
naturalmente consideram o período mais caro como mais favorável para
o empenho ao trabalho. Além disso, os proprietários de terras e os
fazendeiros — duas das maiores classes de mestres — possuem outra
razão para preferir os anos mais caros. As rendas de um e os lucros do
outro dependem muito do preço dos alimentos. Nada pode ser mais
absurdo, no entanto, do que imaginar que, geralmente, as pessoas
trabalhem menos quando trabalham para si próprias do que quando
trabalham para outras pessoas. Em geral, um trabalhador pobre e
independente será até mesmo mais esforçado do que alguém que
trabalha por tarefa. O primeiro aproveita todo o produto da própria
atividade profissional; o outro o divide com seu mestre. O primeiro, em
sua condição independente e afastada, está menos suscetível às tentações
das más companhias que, nas grandes manufaturas, costumam arruinar a
moral alheia. É provável que a superioridade do trabalhador
independente seja ainda maior que a dos empregados que são
contratados por mês ou por ano e cujos salários e sustento, quer
trabalhem muito ou pouco, são sempre os mesmos. Os anos mais baratos
tendem a aumentar a proporção de trabalhadores independentes sobre a
de diaristas e empregados de todos os tipos; os anos mais caros, a
diminuí-la.
Um autor francês de grande conhecimento e engenhosidade, o senhor
Messance,108 arrecadador da talha em St. Etienne, procurou mostrar que
os pobres trabalham mais nos anos mais baratos do que nos períodos
mais caros; ele compara a quantidade e o valor das mercadorias
produzidas nessas diferentes ocasiões em três manufaturas distintas: uma
de tecidos de lã grossa, em Elbeuf, e duas manufaturas, uma de linho e
outra de seda, situadas na Generalidade de Rouen.109 Parece, por seu
relato, que aferiu-se nos dados dos registos dos escritórios públicos que o
valor e a quantidade de bens produzidos em todas as três manufaturas
têm sido geralmente maiores nos anos mais baratos do que nos anos mais
caros; e que atingiram o máximo nos anos mais baratos e o mínimo nos
anos mais caros. Todas as três parecem ser manufaturas estagnadas ou
que, apesar de seu produto variar um pouco entre um ano e outro, no
geral não estão nem avançando nem retrocedendo.
A fabricação de linho na Escócia e de tecidos comuns de lã da região
oeste (West Riding)110 de Yorkshire são manufaturas em crescimento,
isto é, a quantidade e o valor dos produtos estão em geral aumentando,
apesar de algumas variações. No entanto, ao examinar as contas
publicadas sobre seu produto total, não consegui notar quaisquer
conexões razoáveis entre suas variações e os períodos de preços mais
caros ou mais baratos. Em 1740, um ano de grande escassez, as duas
manufaturas, de fato, parecem ter sofrido um declínio de forma bastante
significativa. Mas, em 1756, mais um ano de grande escassez, a
manufatura escocesa cresceu mais do que o normal. A manufatura de
Yorkshire, com efeito, recuou, e seu produto não voltou aos níveis de
1755 até o ano de 1766, após a revogação da lei do selo.111 Já no mesmo
ano e no seguinte ela ultrapassou em muito todos os níveis anteriores de
produção e, desde então, continuou a crescer.
O produto de todas as grandes manufaturas que vendem para lugares
distantes deve necessariamente depender não tanto dos períodos mais
caros ou baratos do ano nos países em que realizam suas operações, mas
das circunstâncias que afetam a demanda nos países onde seus produtos
são consumidos; da guerra ou da paz, da prosperidade ou do declínio de
outros fabricantes rivais e do bom ou mau humor de seus principais
clientes. Além do mais, uma grande parte do trabalho extraordinário que
provavelmente é feito nos anos mais baratos nunca entra nos registros
públicos das manufaturas. Os empregados homens que deixam seus
mestres tornam-se trabalhadores independentes. As mulheres retornam
aos seus pais e comumente fiam para fazer suas próprias roupas e as de
seus familiares. Nem mesmo os trabalhadores independentes trabalham
sempre para a venda de produtos no mercado, mas são empregados por
alguns de seus vizinhos nas manufaturas para uso da família. O produto
de seu trabalho, portanto, não costuma fazer parte dos registros públicos,
cujos dados são, por vezes, publicados com tanta festa e por meio dos
quais nossos comerciantes e fabricantes gostam de anunciar em vão a
prosperidade ou o declínio dos maiores impérios.
As variações do preço do trabalho nem sempre correspondem aos
preços dos alimentos e, na verdade, costumam ser completamente
opostas a eles; mesmo assim, nós não devemos, por isso, imaginar que os
preços dos alimentos não têm influência sobre os preços do trabalho. O
preço em dinheiro do trabalho é necessariamente regulamentado por
duas circunstâncias: a demanda por trabalho e o preço dos bens de
primeira necessidade e comodidades da vida. A demanda por trabalho —
dependendo de estar em crescimento, estagnada ou em declínio, ou por
exigir uma população crescente, estagnada ou em declínio — determina
a quantidade dos bens de primeira necessidade e comodidades da vida
que devem ser entregues ao trabalhador; e o preço em dinheiro do
trabalho é determinado pelo que é indispensável para a compra dessa
quantidade. Por conseguinte, embora o preço em dinheiro do trabalho
possa, em certo momento, estar alto enquanto o preço dos alimentos está
baixo, ele seria maior ainda se o preço dos alimentos fosse alto e a
demanda continuasse a mesma.
É porque a demanda por trabalho aumenta nos anos de abundância
repentina e extraordinária e diminui nos anos de escassez repentina e
extraordinária que o preço em dinheiro do trabalho às vezes aumenta no
primeiro caso e declina no outro.
Em um ano de abundância repentina e extraordinária, muitos
empregadores possuem fundos suficientes para manter e empregar um
número de trabalhadores maior do que o número contratado no ano
anterior; mas nem sempre conseguem obter esse número adicional. Esses
mestres, portanto, que necessitam de mais trabalhadores, passam a
competir uns contra os outros a fim de obtê-los, algo que, às vezes, gera
um aumento do preço real e do preço em dinheiro do trabalho.
O contrário disso ocorre em um ano de escassez repentina e
extraordinária. Os fundos destinados para a contratação de profissionais
são menores que no ano anterior. Muitas pessoas perdem seu emprego e
passam a competir umas com as outras para conseguir trabalho, algo que,
em alguns casos, causa a redução do preço real e do preço em dinheiro
do trabalho. Em 1740, um ano de escassez extraordinária, muitas pessoas
estavam dispostas a trabalhar apenas pela subsistência. Nos anos
subsequentes de abundância, passou a ser mais difícil conseguir
trabalhadores e criados.
A escassez de um ano caro, ao diminuir a demanda por trabalho,
tende a diminuir o seu preço, assim como o encarecimento dos alimentos
tende a aumentá-lo. A abundância de um ano mais barato, pelo contrário,
ao aumentar a demanda, tende a aumentar o preço do trabalho, assim
como o barateamento dos alimentos tende a reduzi-lo. Nas variações
comuns do preço dos alimentos, essas duas causas opostas parecem estar
em equilíbrio mútuo; o que provavelmente é, em parte, a razão pela qual
os salários do trabalho são muito mais estáveis e permanentes em todos
os lugares do que o preço dos alimentos.
O aumento do salário do trabalho aumenta necessariamente o preço
de muitas mercadorias, pois aumenta a parte delas que corresponde aos
salários e, nesse sentido, tende a diminuir o consumo das mercadorias
tanto domesticamente quanto no exterior.112 A mesma causa, no entanto,
que eleva os salários do trabalho, isto é, o aumento do capital, tende a
aumentar sua capacidade produtiva e fazer com que uma quantidade
menor de mão de obra produza uma quantidade maior de trabalho. Em
proveito próprio, o proprietário do capital que emprega muitos
trabalhadores irá necessariamente se empenhar em dividir e distribuir as
funções entre eles da forma mais adequada para que produzam a maior
quantidade de trabalho possível. Pela mesma razão, ele se esforçará para
lhes fornecer os melhores equipamentos que ele ou eles possam imaginar.
O que ocorre entre os trabalhadores de um determinado galpão também
ocorre, pela mesma razão, entre aqueles de uma grande sociedade.
Quanto maior o número de trabalhadores, mais eles naturalmente se
dividem em diferentes classes e subdivisões de emprego. Haverá mais
cabeças ocupadas em inventar a máquina mais adequada para executar o
trabalho de cada um e, assim, a probabilidade de ser inventada passa a
ser bem maior. Como consequência dessas melhorias, muitas
mercadorias, portanto, passaram a ser produzidas com muito menos
trabalho do que antes, tanto que o aumento do preço do trabalho mais do
que compensa a diminuição de sua quantidade.
CAPÍTULO IX
OS LUCROS DO CAPITAL
O aumento e a diminuição dos lucros do capital dependem das mesmas
causas do aumento e da diminuição dos salários do trabalho, isto é, do
estado crescente ou decrescente da riqueza da sociedade; mas essas
causas afetam uns e outros de maneiras bem diferentes.
O aumento do capital, que aumenta os salários, tende a diminuir os
lucros. Quando os capitais de muitos comerciantes ricos se voltam para o
mesmo negócio, a concorrência mútua tende naturalmente a diminuir o
lucro de cada um deles; e quando há um aumento similar do capital em
todos os diferentes negócios operados na mesma sociedade, a mesma
concorrência deverá produzir o mesmo efeito em todos eles.
Já foi observado que não é fácil apurar os salários médios do trabalho
mesmo em um local e momento específicos. E, mesmo nesse caso,
raramente é possível determinar algo que vá além dos salários mais
usuais. Mas nem isso é possível ser constatado no que se refere aos lucros
do capital. Os lucros são tão flutuantes que nem a pessoa que exerce um
negócio específico é sempre capaz de dizer qual foi a média de seu lucro
anual; o lucro é afetado não apenas por cada variação de preço das
mercadorias com as quais trabalha, mas pela boa ou má sorte tanto de
seus rivais quanto de seus clientes, e por mil outros acidentes a que estão
sujeitas as mercadorias quando transportadas — ou por mar ou por terra
— ou mesmo quando são guardadas em armazéns. O lucro varia,
portanto, não só de ano para ano, mas de dia para dia e quase de hora em
hora. Determinar o lucro médio de todas as diferentes atividades
realizadas em um grande reino é algo muito difícil; mas estabelecer com
algum grau de precisão qual foi anteriormente ou em um passado remoto
é algo completamente impossível.
Mas, embora haja essa impossibilidade de determinar com algum
grau de precisão quais são ou eram os lucros médios do capital, seja no
presente ou no passado, é possível estabelecer alguma noção de seu valor
analisando os juros do dinheiro. Podemos aqui propor uma máxima:
sempre que for possível ganhar muito com o uso do dinheiro, muito se
pagará por ele; e onde se ganha pouco, pouco se pagará por ele. Por
conseguinte, já que a taxa de juros usual do mercado varia em cada país,
podemos estar certos de que os lucros ordinários do capital variam com a
taxa de juros usual do país: descem quando os juros descem, sobem
quando os juros sobem. A evolução dos juros, portanto, pode nos levar a
formar uma noção da evolução do lucro.
No 37º ano do reinado de Henrique VIII, todos os juros acima de
10% foram declarados ilegais.113 Parece que eram maiores antes disso. No
reinado de Eduardo VI, o zelo religioso levou à proibição dos juros.114
Diz-se que essa proibição, no entanto, como todas as outras do mesmo
tipo, não produziram nenhum resultado e provavelmente causaram o
aumento — e não a diminuição — do mal que é a usura. O estatuto de
Henrique VIII foi restabelecido no 13º ano de Isabel115 e, então, 10%
continuou a ser a taxa legal de juros até o 21º ano do reinado de Jaime
I,116 quando ficou restrito a 8%. A taxa foi reduzida para 6% logo após a
restauração;117 e no 12º ano do reinado da rainha Ana, para 5%.118 Todos
esses diferentes regulamentos legais parecem ter sido estabelecidos de
forma bastante correta. Eles parecem ter seguido e não precedido a taxa
de juros do mercado, ou a taxa na qual as pessoas de bom crédito
normalmente tomavam emprestado. Desde o tempo da rainha Ana, 5%
parece ter sido um valor que estava mais acima do que abaixo da taxa de
mercado. Antes da última guerra,119 o governo tomava emprestado a
juros de 3%; e as pessoas de bom crédito na capital e em muitas outras
partes do Reino, 3,5%, 4% e 4,5%.
Desde a época de Henrique VIII, a riqueza e a renda do país vêm
avançando de forma contínua, e no curso de seu avanço o ritmo parece
estar mais se acelerando gradualmente do que sendo retardado. Além de
contínuo, o avanço parece produzir um ritmo cada vez mais acelerado.
Os salários do trabalho aumentaram de forma contínua durante o
mesmo período e, na maior parte dos diferentes setores do comércio e
das indústrias, os lucros do capital têm diminuído.
Em geral, para que se possa operacionalizar qualquer tipo de negócio
em uma cidade grande é necessário um capital maior do que aquele que
seria utilizado em uma vila rural. Os grandes capitais aplicados em todos
os setores de negócios e o número de concorrentes ricos costumam fazer
a taxa de lucro da cidade grande ser reduzida a um valor abaixo daquele
que é empregado na vila rural. Mas os salários do trabalho são
geralmente mais elevados em uma grande cidade do que em uma vila
rural. Em uma cidade próspera, as pessoas que têm grandes capitais para
aplicar não costumam conseguir o número de trabalhadores que desejam
e, portanto, competem umas contra as outras para obter o maior número
deles possível, fato que aumenta o salário do trabalho e reduz os lucros
do capital. Nas regiões remotas do país não costuma haver capital
suficiente para empregar todas as pessoas, as quais, por sua vez,
competem umas com as outras para conseguir o emprego, fato que
diminui o salário do trabalho e aumenta os lucros do capital.
Na Escócia, embora a taxa legal de juros seja a mesma que na
Inglaterra, a taxa de mercado é um pouco maior. Ali, as pessoas com o
melhor crédito raramente tomam emprestado a uma taxa menor que 5%.
Mesmo os banqueiros privados de Edimburgo oferecem 4% sobre suas
notas promissórias, cujo pagamento total ou parcial pode ser exigido a
qualquer momento. Os banqueiros privados de Londres não pagam juros
pelo dinheiro que recebem em depósito. Existem poucos negócios que
não podem ser realizados com um capital menor na Escócia do que na
Inglaterra. A taxa comum de lucro, portanto, deve ser um pouco maior.
Conforme já observado, os salários do trabalho na Escócia são menores
que os salários na Inglaterra. Apesar de ser muito mais pobre, o país
avança para uma condição melhor — está evidentemente avançando,
embora pareça muito mais lento e mais tardio.
No decurso do presente século, a taxa legal de juros na França nem
sempre esteve regulada pela taxa de mercado. Em 1720, os juros foram
reduzidos da vigésima para a quinquagésima parte de um penny, ou de
5% para 2%. Em 1724 foi elevado para a trigésima parte do penny, ou
para 3,33%. Em 1725 foi novamente elevado até ao vigésimo penny, isto é,
a 5%. Em 1766, durante a administração do senhor l’Averdy,120 ele foi
reduzido para a vigésima quinta parte do penny, ou para 4%. Mais tarde,
o abade Terray121 elevou-o para a antiga taxa de 5%. O suposto propósito
de muitas dessas reduções violentas dos juros era preparar o caminho
para reduzir os juros da dívida pública; propósito que, às vezes, tem sido
realizado. A França atual talvez não seja um país tão rico como a
Inglaterra; e, embora a taxa legal de juros na França tenha sido
frequentemente menor que na Inglaterra, a taxa de mercado tem sido
geralmente superior, pois ali, assim como em outros países, há vários
métodos muito seguros e fáceis para se deixar de cumprir a lei.
Mercadores britânicos que negociaram nos dois países me asseguraram
que os lucros dos negócios são mais elevados na França que na
Inglaterra; e é sem dúvida por esse motivo que muitos súditos britânicos
preferem aplicar seu capital em um país onde os negócios são
desacreditados do que em um outro onde são altamente respeitados. Na
França, os salários do trabalho são mais baixos que na Inglaterra. Ao
viajar da Escócia para a Inglaterra, a diferença que se repara entre o
vestuário e o semblante das pessoas comuns de um país e de outro é
suficiente para indicar as diferentes condições em que vivem. O contraste
é ainda maior quando retornamos da França. Embora a França seja sem
dúvida mais rica que a Escócia, parece não estar avançando de forma
muito rápida. Há uma opinião comum — e até mesmo popular — de que
o país está em retrocesso; acredito que essa é uma opinião infundada até
mesmo em relação à França; além disso, quem viu a Escócia há vinte ou
trinta anos e a vê agora não conseguirá manter a afirmação sobre esse
país.
A província da Holanda, por outro lado, em proporção à extensão de
seu território e ao número de habitantes, é um país mais rico do que a
Inglaterra. Seu governo obtém empréstimos a 2% e os indivíduos com
bom crédito, a 3%. Diz-se que os salários do trabalho na Holanda são
mais altos que os da Inglaterra e que, como se sabe, os holandeses
negociam com os lucros mais baixos da Europa. Algumas pessoas têm
afirmado que a economia da Holanda está em decadência, e talvez isso
esteja realmente acontecendo em alguns setores específicos, mas esses
sintomas parecem provar de forma suficiente que não há uma decadência
generalizada. Sempre que os lucros diminuem, os comerciantes começam
a queixar-se de que os negócios vão mal; mas a diminuição dos lucros é o
efeito natural de sua prosperidade ou da aplicação de um capital maior
do que o aplicado anteriormente. Durante a última guerra, os holandeses
ganharam todo o comércio de transporte da França, do qual ainda
mantêm uma parte bastante grande. Há circunstâncias que, sem dúvida,
demonstram a superabundância de seu capital, isto é, que o capital
aumentou mais do que é possível aplicar com lucro aceitável em uma
atividade adequada dentro de seu próprio país, mas não demonstram que
esses negócios tenham decaído. Essas são as circunstâncias: os grandes
valores que possuem tanto em fundos franceses quanto em ingleses —
dizem que chega a aproximadamente 40 milhões nos fundos ingleses (no
entanto, eu suspeito que há aí um grande exagero) — bem como as
grandes somas que emprestam para as pessoas privadas em países onde a
taxa de juros é maior do que a taxa de seu país. Da mesma forma que o
capital adquirido por um indivíduo em um negócio específico pode se
tornar maior do que suas possibilidades de investimento nele e, ainda
assim, esse negócio se mantém em crescimento, o mesmo pode ocorrer
com o capital de uma grande nação.
Em nossas colônias da América do Norte e das Índias Ocidentais não
só os salários do trabalho, mas também os juros do dinheiro e,
consequentemente, os lucros do capital são maiores do que na Inglaterra.
Nas várias colônias, as taxas de juros legais e de mercado operam entre
6% e 8%. Altos salários do trabalho e elevados lucros do capital, no
entanto, raramente ocorrem de forma concomitante, exceto nas
circunstâncias peculiares das novas colônias. Em relação à maior parte
dos outros países, uma nova colônia estará, por algum tempo, mais
subcapitalizada em relação à extensão de seu território e menos habitada
proporcionalmente à extensão de seu capital. Há mais terras do que
capital para cultivá-las. Todo seu capital, portanto, é aplicado apenas no
cultivo das terras mais férteis e mais bem situadas, isto é, as terras
próximas da orla marítima e ao longo das margens dos rios navegáveis.
Essas terras são frequentemente compradas a um preço abaixo até
mesmo do valor de seu produto natural. Assim, o capital aplicado na
aquisição e melhoria dessas terras gera um lucro enorme e, em
decorrência, permite pagar juros altíssimos. A rápida acumulação de
capital em um emprego tão rentável permite que o agricultor possa
aumentar o número de mãos de forma mais rápida do que pode
encontrá-las em uma nova colônia. Aqueles que conseguem encontrar,
portanto, são recompensados de forma bastante generosa. À medida que
a colônia cresce, os lucros do capital vão gradualmente diminuindo.
Quando todas as terras mais férteis e mais bem situadas já estiverem
ocupadas, o cultivo da terra com solo e localização inferiores renderá um
lucro menor e juros menores poderão ser pagos pelo capital aplicado
nela. Desse modo, na maior parte de nossas colônias, tanto a taxa legal de
juros quanto a taxa de mercado foram consideravelmente reduzidas
durante o curso do presente século. À medida que as riquezas, as
melhorias e a população aumentaram, os juros declinaram. Os salários
do trabalho não afundam com os lucros do capital. A demanda por
trabalho aumenta com o aumento do capital, quaisquer que sejam seus
lucros; e, depois que os lucros são reduzidos, o capital poderá não só
continuar a aumentar, mas também avançar muito mais rápido que antes.
Ocorre com as nações mais diligentes que estão avançando na aquisição
de riquezas o que ocorre com os indivíduos diligentes. Um grande capital
que gera pequenos lucros costuma crescer mais rápido que um pequeno
capital que gera grandes lucros. Dinheiro, diz o provérbio, atrai dinheiro.
Quando se tem um pouco, costuma ser fácil conseguir mais. A grande
dificuldade é conseguir aquele pouco. A conexão entre o aumento do
capital e o aumento do trabalho, ou da demanda por trabalho útil, já foi
parcialmente explicada, mas será explicada mais detalhadamente adiante,
quando tratarmos da acumulação de capital.
A aquisição de um novo território ou de novos ramos de negócios
pode, em certos casos, aumentar os lucros do capital e, junto com eles, os
juros do dinheiro, mesmo em um país cuja aquisição de riquezas está em
rápido avanço. Já que o capital do país não é suficiente para o aumento
geral dos negócios que essas aquisições apresentam às várias pessoas
entre as quais será dividido, ele é empregado somente em ramos
específicos que geram os maiores lucros. Parte do que anteriormente era
empregado em outros negócios é necessariamente retirada deles e
transferida para os mais novos e mais rentáveis. Nos negócios mais
antigos, portanto, a competição passa a ser menor. O mercado deixa de
estar totalmente suprido com muitos tipos diferentes de bens. O preço
desses bens sofre necessariamente um aumento maior ou menor e gera
um lucro maior para aqueles que negociam com ele, que podem, dessa
forma, dar-se ao luxo de tomar emprestado a juros mais elevados.
Durante algum tempo após o fim da última guerra, não apenas os
indivíduos com bom crédito, mas também algumas das maiores empresas
de Londres, estavam tomando emprestado a 5%, sendo que
anteriormente não pagavam mais do que 4% ou 4,5%. Essa grande adição
de territórios e negócios, gerada por nossas aquisições na América do
Norte e nas Índias Ocidentais, explica esse aumento dos juros de modo
suficiente sem que seja preciso supor qualquer tipo de diminuição do
estoque de capital da sociedade. Um crescimento tão grande de novas
atividades que devem ser operadas por meio do antigo capital causa
necessariamente a diminuição da quantidade de empregados em um
grande número de ramos específicos, nos quais, sendo menor a
concorrência, os lucros devem ter sido maiores. Adiante serão
mencionados os motivos que me levam a acreditar que o estoque de
capital da Grã-Bretanha não diminuiu nem mesmo após as enormes
despesas da última guerra.
A diminuição do capital da sociedade, ou seja, dos fundos destinados
à manutenção das atividades, reduz os salários do trabalho, eleva os
lucros do capital e, consequentemente, os juros do dinheiro. Com a
redução dos salários do trabalho, os proprietários do que resta de capital
na sociedade podem levar seus bens ao mercado a um custo menor do
que antes; e, com menos capital do que antes sendo empregado para
abastecer o mercado, podem vender seus produtos a preços mais altos. O
custo das mercadorias diminui; abre-se, dessa forma, a possibilidade de
esses proprietários ganharem mais com elas. Já que então lucram nas
duas pontas (custo e venda de suas mercadorias), podem permitir-se
pagar juros mais altos. As grandes fortunas adquiridas de forma tão fácil
e repentina em Bengala e em outros assentamentos britânicos nas Índias
Orientais demonstram que, nesses países arruinados, como os salários do
trabalho são muito baixos, os lucros do capital são muito altos. De modo
proporcional, o mesmo vale para os juros do dinheiro. Em Bengala, o
dinheiro é frequentemente emprestado aos agricultores a 40%, 50% e
60%, e a colheita seguinte é hipotecada para o pagamento. Tendo em
vista que os lucros capazes de pagar esses juros consomem quase toda a
renda do proprietário da terra, essa enorme usura, por sua vez, consome
a maior parte dos lucros. Antes da queda da República Romana, o
mesmo tipo de usura parece ter sido comum nas províncias sob a
administração ruinosa de seus procônsules. Conforme nos contam as
cartas de Cícero, o virtuoso Bruto emprestou dinheiro em Chipre a
48%.122
Imagine um país que já adquiriu todas as riquezas que lhe são
permitidas pela natureza de seu solo, seu clima e sua situação em relação
aos outros países e que, por isso, não tem condições de avançar mais, mas
não está retrocedendo; nesse país, os salários do trabalho e os lucros do
capital seriam provavelmente muito baixos. Em um país completamente
habitado em proporção ao que seu território consegue manter ou ao que
seu capital pode empregar, a concorrência por emprego seria
necessariamente tão grande que reduziria os salários do trabalho a um
valor que mal seria suficiente para manter o número de trabalhadores
existente; e já que o país está totalmente povoado, não haveria
possibilidade de aumentar esse número. Em um país completamente
capitalizado em proporção a todas as atividades que tenha para
transacionar, uma quantidade tão grande de capital poderia ser aplicada
em todos os ramos específicos quanto permitissem a natureza e a
extensão dos negócios. A competição seria, portanto, a mais alta possível
em todos os lugares e, consequentemente, os lucros ordinários seriam os
menores possíveis.
Mas pode ser que nenhum país tenha atingido esse grau de opulência.
A China parece estagnada há muito tempo e provavelmente já tenha
adquirido há muito tempo todas as riquezas consistentes com a natureza
de suas leis e instituições. Mas é possível que essas riquezas sejam muito
inferiores àquelas que poderiam ser obtidas por outras leis e instituições,
pela natureza de seu solo, pelo clima e pela localização. Um país que
negligencia ou despreza o comércio exterior e que permite a entrada de
navios estrangeiros em apenas um ou dois portos não conseguirá realizar
o mesmo volume de negócios que seria possível caso suas leis e
instituições fossem diferentes. Num país também onde os ricos ou os
proprietários dos grandes capitais desfrutam de grande segurança, mas
os pobres ou os proprietários de pequenos capitais não têm quase
nenhuma e estão sujeitos — sob o pretexto de justiça — a ser pilhados e
saqueados a qualquer momento por mandarins das classes inferiores,
então o volume de capital aplicado em todos os diferentes ramos de
negócios nunca se igualará ao que permitiriam a natureza e a extensão
desses negócios. Em todos os diferentes setores, a opressão dos pobres
estabelece o monopólio dos ricos, os quais, ao tomarem todos os
negócios para si mesmos,123 poderão auferir lucros enormes. Diz-se que
na China os juros usuais do dinheiro são de 12%, então os lucros
ordinários do capital devem ser suficientes para pagar esses juros tão
altos.
Falhas nas leis podem, às vezes, elevar a taxa de juros a um patamar
consideravelmente acima daquele requerido pelo nível de riqueza ou de
pobreza do país. Quando a lei não garante o cumprimento dos contratos,
ela coloca todos os devedores no mesmo nível daqueles que, em países
mais bem regulamentados, faliram ou são considerados pessoas de
crédito duvidoso. A incerteza de recuperar seu dinheiro faz com que a
pessoa que empresta exija os mesmos juros exorbitantes que são
geralmente aplicados aos falidos. Entre as nações bárbaras que invadiram
as províncias ocidentais do Império Romano, o cumprimento dos
contratos foi, há muitos séculos, deixado à confiança das partes
contratantes. Os tribunais de justiça de seus reis raramente interferiam
neles. A alta taxa de juros empregada naqueles tempos antigos talvez
possa ser parcialmente explicada por esse motivo.
A proibição total da cobrança dos juros por lei não obsta sua
existência. Muitas pessoas pedirão emprestado, mas ninguém emprestará
sem a consideração possível sobre o uso de seu dinheiro, não só pelo que
pode ser feito com o uso dele, mas pela dificuldade e pelo perigo do não
cumprimento da lei. Para o senhor Montesquieu, a alta taxa de juros
existente em todas as nações maometanas ocorre não por sua pobreza,
mas em parte por isso e em parte pela dificuldade de se recuperar o
dinheiro.
A taxa normal mínima de lucro deve ser sempre um pouco maior do
que aquilo que é suficiente para compensar as perdas ocasionais a que
estão expostas quaisquer formas de aplicação do capital. O lucro líquido é
apenas esse excedente. O lucro bruto frequentemente compreende esse
excedente e o valor que é retido para compensar essas perdas
extraordinárias. O juro que o devedor pode pagar é proporcional
somente ao lucro líquido.
A taxa normal mínima de juros deve, da mesma forma, ser algo mais
do que suficiente para compensar as perdas ocasionais a que os
empréstimos, mesmo com prudência aceitável, estão expostos. Se não
fosse assim, a caridade ou a amizade seriam os únicos motivos para se
emprestar dinheiro.
Suponhamos um país que já tenha adquirido toda a sua riqueza e
onde cada ramo de negócio específico detém o maior volume de capital
que nele pode ser empregado; tendo em vista que a taxa ordinária de
lucro líquido será muito baixa, também será a taxa de juros usual do
mercado que pode ser oferecida; e será tão baixa que ninguém, exceto as
pessoas muito ricas, conseguirá viver dos juros de seu dinheiro.124 Todas
as pessoas de fortunas pequenas ou médias seriam obrigadas a gerir elas
mesmas a aplicação de seu próprio capital. Seria necessário que quase
todas as pessoas fossem homens de negócios ou que participassem de
algum tipo de negócio. A província da Holanda parece estar se
aproximando dessa situação. Lá está fora da moda não ser um homem de
negócios. A necessidade torna comum que quase todos sejam homens de
negócios e, em todos os lugares, o costume regula a moda. Assim como é
ridículo não se vestir como as outras pessoas, também o é, em certa
medida, não estar empregado como os outros. Assim como um civil em
um acampamento ou em uma guarnição militar pode parecer bastante
desajeitado e, inclusive, correr perigo de ser desprezado ali, o mesmo
ocorre com um homem ocioso entre homens de negócios.
A maior taxa normal de lucro pode ser uma que, no preço da maior
parte das mercadorias, consuma tudo o que deveria ir para a renda da
terra e que deixe sobrar apenas o valor suficiente para pagar o trabalho de
prepará-las e levá-las ao mercado, de acordo com a menor taxa com que
o trabalho possa ser pago em qualquer lugar, isto é, a simples subsistência
do trabalhador. Este deve ser alimentado de uma forma ou de outra
sempre que estiver trabalhando; mas o proprietário de terras nem sempre
será pago. Os lucros do comércio realizado pelos servidores da
Companhia das Índias Orientais em Bengala talvez não estejam muito
distantes dessa situação.
A proporção que deve ser estabelecida entre a taxa de juros usual do
mercado e a taxa ordinária de lucro líquido varia necessariamente
conforme os lucros aumentem ou diminuam. O dobro dos juros é
considerado pelos comerciantes da Grã-Bretanha como um lucro bom,
moderado e razoável; termos que, para mim, significam apenas lucros
comuns e usuais. Em um país onde a taxa ordinária de lucro líquido é de
8% ou 10%, pode ser razoável que a metade dele seja direcionada aos
juros quando os negócios são realizados com dinheiro emprestado. O
risco do capital cabe ao devedor, que, por assim dizer, garante-o para o
credor; e, na maior parte dos negócios, 4% ou 5% é um lucro suficiente
em relação ao risco dessa garantia e uma recompensa suficiente pelo
trabalho de se aplicar o capital. Mas a proporção entre os juros e o lucro
líquido poderia não ser a mesma nos países em que a taxa normal de
lucro fosse muito mais baixa ou muito maior. Se fosse muito mais baixa,
talvez nem a metade dela pudesse ser oferecida como juros; se fosse
maior, seria possível entregar mais da metade.
Nos países que estão avançando de forma acelerada em direção à
riqueza, a taxa baixa de lucro pode, no preço de muitas mercadorias,
compensar os altos salários do trabalho e possibilitar que esses países
possam realizar vendas tão baratas quanto seus vizinhos menos
prósperos, nos quais os salários do trabalho são possivelmente menores.
Na verdade, o preço do trabalho tende a ser aumentado muito mais
pelos lucros elevados que pelos altos salários. Na fabricação de linho, por
exemplo, se os salários dos trabalhadores de diversas funções — os
cardadores do linho, os fiandeiros, os tecelões, etc. — aumentassem 2
pence por dia, seria necessário aumentar o preço de uma peça de linho
apenas em 2 pence vezes o número de pessoas contratadas para o serviço,
multiplicado pelo número de dias durante os quais elas estiveram
empregadas para realizá-lo. A parte do preço da mercadoria que
corresponde aos salários aumentaria em todas as diferentes etapas da
fabricação apenas em proporção aritmética ao aumento dos salários. Mas
se os lucros de todos os vários empregadores daqueles trabalhadores
aumentassem 5%, a parte do preço da mercadoria que corresponde ao
lucro aumentaria em todas as diferentes etapas da fabricação em
proporção geométrica a esse aumento do lucro. Ao vender seu linho, o
empregador dos cardadores exigiria um adicional de 5% sobre todo o
valor dos materiais e salários que ele adiantou para seus trabalhadores. O
empregador dos fiandeiros exigiria um adicional de 5% sobre o preço do
linho que pagou adiantado e sobre os salários dos fiandeiros. E o
empregador dos tecelões exigiria igualmente 5% sobre o preço do fio de
linho que pagou adiantado para os seus tecelões. Ao elevar o preço das
mercadorias, o aumento dos salários funciona da mesma maneira que os
juros simples na acumulação de uma dívida. O aumento do lucro
funciona como juros compostos. Nossos comerciantes e fabricantes se
queixam muito dos maus efeitos dos altos salários, pois estes causam o
aumento dos preços, contraindo as vendas de seus produtos nos
mercados doméstico e externo. Eles nada dizem sobre os maus efeitos
dos lucros elevados. Eles ficam em silêncio no que diz respeito aos efeitos
danosos de seus próprios ganhos. Eles reclamam apenas dos ganhos das
outras pessoas.
CAPÍTULO X
O SALÁRIO E O LUCRO NOS DIFERENTES EMPREGOS DO
TRABALHO E DO CAPITAL
O conjunto total de vantagens e desvantagens dos diferentes empregos do
trabalho e do capital deve, na mesma região, ser perfeitamente igual ou
tender constantemente à igualdade. Se em uma mesma região existisse
um emprego evidentemente mais vantajoso ou menos vantajoso do que
os outros, tantas pessoas passariam ao primeiro emprego e tantas
abandonariam o segundo que suas vantagens logo retornariam ao nível
mantido em outros empregos. Esse seria o caso em uma sociedade que,
pelo menos, tenha deixado as coisas seguirem seu curso natural, onde
exista liberdade perfeita e onde cada homem é perfeitamente livre para
escolher a ocupação que imagine adequada e mudar de ocupação sempre
que desejar. O interesse de cada pessoa a levaria a buscar o emprego
vantajoso e evitar o desvantajoso.
Em todas as regiões da Europa, os salários em dinheiro e o lucro são,
na verdade, extremamente diferentes de acordo com os diferentes
empregos do trabalho e do capital. Mas essa diferença decorre, em parte,
de determinadas circunstâncias dos próprios empregos, que — seja na
realidade, seja ao menos na imaginação — respondem por um pequeno
ganho pecuniário em alguns e contrabalançam um grande ganho em
outros; em outra parte, da política da Europa, que em nenhum país
permite que as coisas aconteçam com perfeita liberdade.
A consideração especial sobre essas circunstâncias e sobre a política
mencionada dividirá este capítulo em duas partes.
Í
CAPÍTULO XI
A RENDA DA TERRA
A renda, considerada como o preço pago pelo uso da terra, é
naturalmente o valor mais alto que o arrendatário pode pagar nas
condições efetivas em que a terra se encontra. Ao estabelecer os termos
do contrato de arrendamento, o proprietário da terra empenha-se para
dividir com o arrendatário apenas a fração do produto que seja suficiente
para preservar seu capital — o qual fornece as sementes, paga o trabalho,
compra e mantém o gado e outros instrumentos agropecuários — e os
lucros ordinários do capital, conforme os valores praticados na região.
Essa é, evidentemente, a menor fração que o arrendatário pode aceitar
sem perdas; o proprietário da terra raramente lhe entrega mais que isso.
Seja qual for a fração do produto, ou, o que é a mesma coisa, seja qual for
a fração de seu preço que esteja acima dessa parte, o proprietário,
naturalmente, se esforça para reservar a si mesmo o aluguel de sua terra,
que, evidentemente, é o maior valor que o arrendatário pode pagar nas
condições efetivas em que a terra se encontra. Às vezes, de fato, a
generosidade ou, com maior frequência, a ignorância do proprietário da
terra faz com que ele aceite um valor um pouco menor que aquela fração;
e, às vezes também, embora isso seja mais raro, a ignorância do
arrendatário o leva a pagar um pouco mais ou o leva a satisfazer-se com
um pouco menos do que os lucros ordinários do capital agrícola
conforme praticados na região. Essa fração, no entanto, ainda pode ser
considerada como a renda natural da terra, ou seja, o valor pelo qual a
terra deve ser naturalmente arrendada.
Pode-se imaginar que a renda da terra seja com frequência apenas o
lucro ou juros razoáveis do capital aplicados pelo dono da terra para
melhorá-la. Isso, sem dúvida, é parte do que acontece em algumas
ocasiões; mas será sempre apenas parte do que acontece. O proprietário
da terra exige que a renda seja paga até mesmo em terras sem nenhuma
melhoria; assim, os supostos juros ou lucros sobre as despesas de
melhoria costumam ser apenas um valor adicional a essa renda principal.
As melhorias, além disso, nem sempre são realizadas pelo capital do
dono da terra, mas, por vezes, pelo capital do arrendatário. Mas quando
chega o momento da renovação do contrato, o proprietário costuma
exigir um aumento da renda, como se todas as melhorias tivessem sido
feitas por ele mesmo.
Em alguns casos, ele exige renda de algo que é impossível de ser
melhorado pelas pessoas. “Kelp” é uma espécie de alga marinha169 que,
quando queimada, produz um sal alcalino útil para a fabricação de vidro,
sabão e para vários outros fins. Tais algas existem em várias partes da
Grã-Bretanha, particularmente na Escócia, em rochas que ficam
encobertas pela maré alta, isto é, duas vezes ao dia; dessa forma, não há
como aumentar o seu produto pelo trabalho humano. Ocorre que os
donos de terras cuja propriedade faz fronteira com uma orla marítima
habitada por essas algas exigem uma renda por ela, tanto como por seus
campos de cereais.
O mar da região das Ilhas Shetland é extremamente abundante em
peixes, que formam grande parte da subsistência de seus habitantes; mas,
para lucrar com o produto do mar, os trabalhadores devem morar nas
terras vizinhas. A renda do proprietário não é proporcional ao que o
agricultor poderia ganhar com a terra, mas ao que ele pode ganhar tanto
com a terra quanto com o mar. Essa renda é parcialmente paga em
peixes; esse país nos oferece um dos raros exemplos em que a renda é
parte do preço dessas mercadorias.170
A renda da terra, portanto, considerada como o preço pago pela
utilização da terra, é naturalmente um preço de monopólio. Ela, de forma
alguma, é proporcional ao que o proprietário pode ter despendido para a
melhoria da terra ou ao valor que ele estaria disposto a aceitar, mas ao
que o fazendeiro pode pagar.
Só é possível levar aos mercados a parte do produto da terra cujo
preço ordinário é suficiente para repor o capital investido para levá-lo ao
mercado junto com seus lucros ordinários. Se o preço ordinário for mais
do que isso, sua parte excedente irá naturalmente para a renda da terra.
Se não for mais do que suficiente, a mercadoria poderá ser levada ao
mercado, mas não oferecerá renda aos proprietários da terra. Se o preço é
suficiente ou não, depende da demanda.
Existem algumas partes dos produtos da terra das quais a demanda
deve sempre ser tal que permita o exercício de um preço mais do que
suficiente para levar os produtos ao mercado; e há outras para as quais a
demanda pode ou não ser tal que permita pagar esse preço maior. No
primeiro caso, deve-se sempre pagar uma renda aos proprietários da
terra. No segundo, às vezes deve-se pagar e outras não, dependendo de
diferentes circunstâncias.
Devemos notar, portanto, que a renda entra na composição do preço
das mercadorias de um modo diferente dos salários e dos lucros. Os
salários e lucros altos ou baixos são causas dos preços altos ou baixos; as
rendas altas ou baixas são suas consequências. Os preços são altos ou
baixos porque os salários ou lucros altos ou baixos devem ser pagos a fim
de levar um produto específico para o mercado. Mas a renda será alta,
baixa ou nula porque seu preço é alto ou baixo, porque é muito mais alto
ou muito mais baixo, ou porque é apenas suficiente para pagar os salários
e os lucros.171
Este capítulo será dividido em três partes, abordando as seguintes
considerações específicas: a primeira, os produtos da terra que sempre
proporcionam alguma renda; a segunda, os produtos que às vezes
proporcionam renda e outras não; e a terceira tratará das variações que,
nos diferentes períodos de desenvolvimento, ocorrem naturalmente no
valor relativo destes dois tipos diferentes de matérias-primas, quando
comparadas umas com as outras ou com os produtos manufaturados.
SEGUNDO PERÍODO
Mas mesmo que as opiniões dos eruditos sobre a evolução do valor da
prata durante esse primeiro período tenham sido variadas, eles são
unânimes em relação ao segundo.
A partir de aproximadamente 1570 até cerca de 1640, durante um
período aproximado de setenta anos, a variação da proporção entre o valor
da prata e o dos cereais seguia caminhos completamente opostos. O valor
real da prata caiu, isto é, ela podia ser trocada por uma quantidade menor
de trabalho que antes; já o cereal teve seu valor nominal aumentado, e, em
vez de ser vendido normalmente por cerca de 2 onças de prata por quarto,
ou seja, cerca de 10 xelins de nossa moeda atual, ele passou a ser vendido
por 6 e 8 onças de prata o quarto, ou seja, entre 30 e 40 xelins em valores
atuais.219
A descoberta de minas abundantes na América parece ter sido a única
causa dessa diminuição no valor da prata em relação ao dos cereais. Todos
concordam com isso e nunca houve nenhuma disputa sobre o fato nem
sobre suas causas. Durante esse período, grande parte da Europa estava
avançando no melhoramento das atividades profissionais e no progresso;
por isso, a demanda por prata deve, consequentemente, também ter
aumentado. Mas o aumento da oferta, ao que parece, excedeu tanto o
aumento da demanda que o valor daquele metal foi drasticamente
diminuído. A descoberta das minas da América, é preciso observar, parece
não ter tido nenhum efeito perceptível sobre os preços dos bens na
Inglaterra até depois de 1570, embora as minas de Potosí tenham sido
descobertas mais de vinte anos antes.
Entre 1595 e 1620, incluindo ambos os anos, o preço médio do quarter
de 9 bushels do melhor trigo de Windsor parece, pelo que lemos nos livros
de contabilidade do Colégio Eton, ter sido de 2 libras, 1 xelim e 6,75 pence.
Desprezando a fração dessa soma e deduzindo 1/9, isto é, 4 xelins e 7,33
pence, o preço do quarter de 8 bushels sai por 1 libra, 16 xelins e 10,66
pence. E dessa soma, desprezando da mesma forma a fração e deduzindo
1/ , ou seja, 4 xelins e 1,11 pence, a diferença entre o preço do melhor trigo
9
e o do trigo mediano seria de cerca de 1 libra, 12 xelins e 8,88 pence,
levando-se em conta o preço do trigo mediano; ou seja, cerca de 6 onças e
1/ de uma onça de prata.
3
Entre 1621 e 1636, inclusive nesses anos, o preço médio da mesma
medida do melhor trigo no mesmo mercado aparece contabilizado nos
mesmos livros com o valor de 2 libras e 10 xelins; se fizermos as mesmas
deduções anteriores, o preço médio do quarter de 8 bushels de trigo médio
sai por 1 libra, 19 xelins e 6 pence, ou cerca de 7 onças e 2/3 de uma onça de
prata.
TERCEIRO PERÍODO
Entre 1630 e 1640, ou aproximadamente em 1636, a redução do valor da
prata como efeito da descoberta das minas na América parece ter sido
concluída; o valor do metal parece nunca ter baixado tanto quanto nesse
período em relação ao valor dos cereais. Parece que aumentou um pouco
ao longo do presente século, tendo provavelmente começado a aumentar
um pouco antes do final do século passado.
De 1637 a 1700, os 64 anos do último século, o preço médio do quarter
de 9 bushels do melhor trigo de Windsor parece, pelo que lemos nos livros
de contabilidade do Colégio Eton, ter sido de 2 libras, 11 xelins e 0,33
pence, que é apenas 1 xelim e 0,33 pence mais caro do que havia sido
durante os dezesseis anos anteriores. Mas durante esses 64 anos ocorreram
dois eventos que produziram uma escassez muito maior de cereais do que
a que pudesse ser causada por variações do curso das estações; e isso,
assim, sem outras reduções no valor da prata, explica o pequeno aumento
do preço.
O primeiro evento foi a guerra civil inglesa, que, ao desencorajar o
plantio e interromper o comércio, causou o aumento dos preços dos
cereais a valores muito acima das variações que ocorreriam devido ao
curso das estações. Isso deve ter ocorrido mais ou menos em todos os
diferentes mercados do Reino, mas particularmente na vizinhança de
Londres, que precisa obter suprimentos de locais mais distantes. Desse
modo, o mesmo livro contábil aponta que, em 1648, o preço do melhor
trigo do mercado de Windsor era de 4 libras e 5 xelins, e, em 1649, 4 libras
o quarter de 9 bushels. As 2 libras e 10 xelins desses dois anos (o preço
médio dos dezesseis anos que precedem 1637) foram ultrapassadas em 3
libras e 5 xelins; o que, dividido entre os 64 últimos anos do século
passado, quase explica, por si só, aquele pequeno aumento do preço que
parece ter ocorrido. Estes, no entanto, mesmo tendo sido os mais elevados,
não parecem ter sido os únicos preços altos ocasionados pelas guerras
civis.
O segundo evento foi o subsídio concedido à exportação de cereais em
1688. Muitas pessoas imaginaram que esse incentivo encorajaria o cultivo
e, em longo prazo, poderia levar a uma maior abundância de cereais e ao
seu consequente barateamento no mercado doméstico; queda de preço
que seria menor sem a concessão do subsídio. Adiante analisarei em que
medida o subsídio consegue, a qualquer momento, produzir seus efeitos;
devo antes observar no momento que o período entre 1688 e 1700 é ainda
muito curto e não teria tido tempo para produzir quaisquer mudanças.
Durante esse curto período, seu único efeito foi a elevação do preço do
mercado interno por meio do incentivo dado à exportação do excedente
produzido a cada ano, o qual impediu, assim, que a abundância de um ano
compensasse a falta do outro. A escassez que prevaleceu na Inglaterra de
1693 a 1699 deve ter sido agravada pelo subsídio, mas sua causa principal
foram, sem dúvida, as más condições climáticas das estações do ano que se
estenderam a uma parte considerável da Europa. Em 1699, por
conseguinte, a exportação de cereais ficou proibida por nove meses.
Houve um terceiro evento que ocorreu no decurso do mesmo período
e que, embora não pudesse ocasionar uma escassez de cereais nem, talvez,
aumento da quantidade real de prata usualmente paga pelos cereais,
ocasionou necessariamente algum aumento no valor nominal. Esse evento
foi a grande desvalorização da moeda de prata, causada pelo desgaste e
pelo corte. Este mal havia começado no reinado de Carlos II e foi
crescendo de forma contínua até 1695, momento em que, como nos
informa o senhor Lowndes,220
a moeda de prata corrente estava, em média, cerca de 25% abaixo de seu
valor-padrão. Mas a soma nominal, que constitui o preço de mercado de
cada mercadoria, é necessariamente regulada, não tanto pela quantidade
de prata que, de acordo com a norma, as moedas deveriam conter, mas por
aquela que, pela experiência, elas realmente contêm. Esse montante
nominal, portanto, é necessariamente mais alto quando a moeda está
muito desvalorizada por lascas e pelo desgaste do que quando se aproxima
de seu valor-padrão.
No curso do presente século, a moeda de prata nunca esteve tão abaixo
de seu padrão de peso como atualmente. Mas embora esteja muito
desfigurada, seu valor foi mantido ao nível da moeda de ouro, pela qual
pode ser trocada.221 Pois, embora as moedas de ouro, antes da última
recunhagem, também estivessem bastante desgastadas, esse desgaste era
bem menor que o das moedas de prata. Em 1695, pelo contrário, o valor
da moeda de prata não pôde ser mantido pela moeda de ouro; um guinéu
era então comumente trocado por 30 xelins da moeda de prata desgastada
e lascada. Antes da última recunhagem das moedas de ouro, o preço do
lingote da prata em metal raramente ultrapassava 5 xelins e 7 pence a onça,
apenas 5 pence acima do preço da Casa da Moeda. Mas, em 1695, o preço
ordinário do lingote de prata era de 6 xelins e 5 pence por onça, isto é, 15
pence acima do preço da Casa da Moeda. Mesmo antes da última
recunhagem do ouro, portanto, a moeda — ouro e prata juntos —, quando
comparada ao lingote de prata, não deveria estar mais de 8% abaixo de seu
valor-padrão. Em 1695, pelo contrário, ela deveria estar em torno de 25%
abaixo desse valor. Mas no início de nosso século, isto é, imediatamente
após a grande recunhagem do rei Guilherme, a maior parte da atual
moeda de prata corrente devia estar ainda mais próxima de seu peso-
padrão do que atualmente. No decurso do presente século não houve
nenhuma grande calamidade pública, tal como a guerra civil, o que pode
desencorajar o plantio ou interromper o comércio interno do país. E
embora o subsídio, em vigor na maior parte deste século, tenha sempre
causado o aumento do preço dos cereais a um valor um pouco acima do
que eles teriam no estado atual do cultivo; ainda assim, já que no decurso
deste século o subsídio teve tempo integral para produzir todos os bons
efeitos normalmente imputados a ele, a saber, incentivar o plantio e, assim,
aumentar a quantidade de cereais do mercado interno, então podemos
supor, com base nos princípios de um sistema que explicarei e examinarei
adiante, que ele deve ter contribuído para baixar o preço daquela
mercadoria de uma maneira e aumentá-lo de outra. Muitas pessoas
acreditam que a contribuição do subsídio foi muito maior. De acordo com
os livros do Colégio Eton, nos 64 anos do presente século o preço médio
do quarto de 9 bushels do melhor trigo de Windsor parece ter sido de 21
libras e 6,59 pence, que é cerca de 10 xelins e 6 pence ou mais de 25% mais
barato do que havia sido durante os 64 últimos anos do século passado; e
cerca de 9 xelins e 6 pence mais barato do que havia sido durante os
dezesseis anos anteriores a 1636, período em que se supõe que a
descoberta das abundantes minas da América tenha produzido todos os
seus efeitos; e cerca de 1 xelim mais barato do que havia sido nos 26 anos
anteriores a 1620, antes que a descoberta pudesse ter produzido todos os
seus efeitos. De acordo com esses cálculos, o preço médio do trigo de tipo
médio durante esses 64 primeiros anos do presente século foi de cerca de
32 xelins o quarto de 8 bushels.
Então, em relação ao valor dos cereais, o valor da prata parece ter
aumentado um pouco ao longo do presente século, tendo provavelmente
começado a aumentar um pouco antes do final do século passado.
Em 1687, o preço do quarto de 9 bushels do melhor trigo de Windsor
era 1 libra, 5 xelins e 2 pence, seu menor preço desde 1595.
Em 1688, o senhor Gregory King,222 um homem famoso por seus
conhecimentos em questões desse tipo, estimou que, para o agricultor, o
preço médio do trigo nos anos de fartura moderada era de 3 xelins e 6
pence por bushel, isto é, 28 xelins por quarto. Entendo que o preço para o
agricultor é o mesmo que aquilo às vezes chamado de preço de contrato,
isto é, o preço contratado entre o agricultor e o comerciante para que o
primeiro entregue uma determinada quantidade de cereais ao segundo
por um determinado número de anos. Tendo em vista que esse tipo de
contrato isenta o agricultor das despesas e do trabalho de comercialização
dos produtos, o preço de contrato é geralmente menor que o preço médio
de mercado. Para o senhor King, em anos de moderada abundância, o
valor comum do preço de contrato daquela época era de 28 xelins por
quarto. Garantiram-me que esse era o valor comum do preço de contrato
em todos os anos antes da escassez ocasionada pelo decurso
extraordinário das últimas más estações.
Em 1688 foi concedido o subsídio parlamentar à exportação de cereais.
Na época, os senhores do campo, os quais compunham uma parcela maior
do legislativo do que hoje, perceberam que o preço em dinheiro dos
cereais estava em queda. O subsídio foi um expediente para, de forma
artificial, aumentá-lo até o elevado preço a que eram normalmente
vendidos nos tempos de Carlos I e II. O subsídio permaneceria ativo até
que o trigo alcançasse o preço de 48 xelins por quarto; isto é, 20 xelins ou
5/ mais caro do que a estimativa feita pelo senhor King naquele mesmo
7
ano para o preço do agricultor em tempos de abundância moderada. Se
seus cálculos merecem uma pequena parte da reputação que obtiveram
universalmente, então, exceto em anos de grande escassez, 48 xelins por
quarto seria um preço impossível de ser atingido naquela época sem o uso
de alguns expedientes como os subsídios. Mas o governo do rei Guilherme
ainda não estava completamente estabelecido naquele momento. E não
estava em condições de recusar nada aos senhores do campo, já que,
naquele mesmo período, solicitava deles o imposto anual sobre a
propriedade da terra pela primeira vez.
Desse modo, em relação ao valor dos cereais, o valor da prata havia
provavelmente aumentado um pouco antes do final do século passado; e
parece que manteve essa tendência durante o decurso da maior parte do
presente século, embora a operação necessária do subsídio deva ter
impedido que tal aumento fosse tão sensível como poderia ter sido na
situação real do cultivo.
Em anos de abundância, o subsídio provoca uma exportação
extraordinária e necessariamente eleva o preço dos cereais a um valor
acima do que seria praticado nesses períodos. O objetivo declarado da
instituição era incentivar o plantio pela manutenção do preço dos cereais
mesmo nos anos mais abundantes.
Em anos de grande escassez, na verdade, o subsídio costuma ser
suspenso. No entanto, deve ter causado algum efeito até mesmo sobre os
preços de muitos desses anos. Por causa da exportação extraordinária que
ocasiona nos anos de abundância, o subsídio costuma impedir que a
abundância de um ano compense a escassez do outro.
Tanto nos anos de fartura quanto em anos de escassez, portanto, o
subsídio eleva o preço dos cereais acima daquele que teria naturalmente
nas condições reais de cultivo. Portanto, se o preço médio durante os
primeiros 64 anos do presente século foi inferior ao preço médio dos
últimos 64 anos do século passado, ele seria, nas mesmas condições de
cultivo, muito mais baixo se não fosse pelo subsídio.
Podemos até mesmo dizer que as condições atuais da agricultura não
seriam as mesmas sem o subsídio. Mais adiante, particularmente no tópico
sobre subsídios, tentarei explicar quais foram os efeitos dessa instituição
sobre a agricultura do país. Nesse ponto observarei apenas que o aumento
do valor da prata em relação ao dos cereais não é um caso isolado da
Inglaterra. Esse aumento também foi notado na França durante o mesmo
período e quase na mesma proporção por três investigadores dos preços
dos cereais bastante confiáveis, diligentes e laboriosos, o senhor Dupré de
Saint-Maur, o senhor Messance223 e o autor do ensaio sobre a política dos
grãos. Mas na França, até 1764, a exportação de grãos era proibida por lei;
e é um pouco difícil supor que uma redução muito similar do preço de um
país, apesar dessa proibição, tenha ocorrido em outro país devido apenas
ao grande incentivo dado à exportação.
Seria mais apropriado, talvez, considerar essa variação do preço médio
em dinheiro dos cereais como consequência de algum aumento gradual do
valor real da prata no mercado europeu do que atribuí-la à redução do
valor médio real dos cereais. Em relação a períodos mais remotos, os
cereais, conforme já foi observado, são uma medida de valor mais precisa
do que a prata ou, até mesmo, do que qualquer outra mercadoria. Quando
— após a descoberta das ricas minas da América — o preço dos cereais
ficou entre três e quatro vezes mais alto que seu antigo preço em dinheiro,
todos atribuíram essa mudança à queda do valor da prata, e não a um
aumento qualquer do valor real dos cereais. Se durante os 64 primeiros
anos do atual século, portanto, o preço médio em dinheiro dos cereais
ficou um pouco abaixo daquele mantido durante a maior parte do século
passado, nós deveríamos, da mesma forma, atribuir essa mudança a algum
aumento do valor real da prata no mercado europeu, e não a uma redução
do valor real dos cereais.
O alto preço dos cereais durante esses dez ou doze anos passados, na
verdade, tem ocasionado a suspeita de que o valor real da prata continua
em queda no mercado europeu. O alto preço dos cereais, no entanto,
parece evidentemente ter sido consequência de condições de tempo
extraordinariamente desfavoráveis, não devendo ser considerado,
portanto, como um evento permanente, mas como algo ocasional e
transitório. As condições dos últimos dez ou doze anos têm sido
desfavoráveis em quase toda a Europa; e as perturbações ocorridas na
Polônia levaram a um grande aumento da escassez em todos esses países
que, em períodos mais caros, costumavam se abastecer com os bens
daquele mercado. Embora essa sucessão tão longa de mau tempo no ano
não seja um evento muito comum, também não é de forma alguma um
acontecimento singular; e quem quer que tenha pesquisado mais a fundo a
história dos preços dos cereais em épocas anteriores não terá muito
trabalho para encontrar outros exemplos do mesmo tipo. Além do mais,
dez anos de escassez extraordinária não são mais estranhos do que dez
anos de abundância extraordinária. O baixo preço dos cereais entre 1741 e
1750, incluindo estes dois anos, pode ser corretamente contraposto ao seu
alto preço durante os últimos oito ou dez anos. De 1741 a 1750, o preço
médio do quarto de 9 bushels do melhor trigo de Windsor parece, pelo que
lemos nos livros de contabilidade do Colégio Eton, ter sido apenas de 1
libra, 13 xelins e 9,8 pence, ou seja, quase 6 xelins e 3 pence abaixo do preço
médio dos primeiros 64 anos do atual século. De acordo com a mesma
contabilidade, o preço médio do quarto de 8 bushels de trigo mediano foi,
durante esses dez anos, de apenas 1 libra, 6 xelins e 8 pence.
Entre 1741 e 1750, no entanto, o subsídio deve ter impedido que o
preço do milho caísse em demasia no mercado interno, como
naturalmente teria ocorrido. Durante esses dez anos, depreende-se dos
livros da casa alfandegária que a quantidade de todos os tipos de grãos
exportados elevou-se a não menos do que 8.029.156 quarters por bushel; o
subsídio pago atingiu o montante de 1.514.962 libras, 17 xelins e 4,5 pence.
Em 1749, o senhor Pelham, primeiro-ministro na época, informou à
Câmara dos Comuns que, nos três anos anteriores, uma soma muito
grande teria sido paga como subsídio para a exportação de cereais. Ele
tinha boas razões para fazer essa observação; e, no ano seguinte, suas
razões teriam sido muito melhores. Naquele único ano, o subsídio pago
elevou-se a não menos que 324.176 libras, 10 xelins e 6 pence.224 É
desnecessário observar quanto essa exportação forçada deve ter
aumentado o preço dos cereais a um valor acima do que alcançaria no
mercado interno caso ela não existisse.
Nos registros e tabelas anexados a este capítulo, o leitor encontrará,
separados de outros, os números específicos desses dez anos. Ali também
encontrará o resultado específico dos dez anos anteriores, cuja média
também está abaixo, embora não muito, da média geral dos primeiros 64
anos do século. O ano de 1740, no entanto, foi de escassez extraordinária.
Esses vinte anos anteriores a 1750 podem muito bem ser contrapostos aos
vinte anteriores a 1770. Assim como a vintena de anos do primeiro caso
estava muito abaixo da média geral do século, embora um ou dois anos
mais caros tenham se intercalado; a vintena do segundo caso estava bem
acima, embora um ou dois anos mais baratos tenham se intercalado —
1759, por exemplo. Se a primeira vintena não estivesse tão abaixo da
média geral, assim como a segunda estava bem acima, provavelmente
imputaríamos o fato ao subsídio. Evidentemente, a mudança foi
demasiadamente repentina para ser atribuída a uma alteração no valor da
prata, que é sempre lenta e gradual. A surpresa do efeito somente pode ser
atribuída a uma causa brusca, isto é, à variação acidental das condições
climáticas.
Na verdade, o preço em dinheiro do trabalho na Grã-Bretanha
aumentou no decorrer do presente século. Isso, no entanto, parece ser
mais o efeito de um aumento da procura de trabalho na Grã-Bretanha,
decorrente da grande e quase universal prosperidade do país, e menos o
efeito da diminuição do valor da prata no mercado europeu. Na França,
um país menos próspero, tem-se observado que, desde meados do último
século, o preço em dinheiro do trabalho vem diminuindo gradualmente
com o preço médio em dinheiro dos cereais. Dizem que ali, tanto no
século passado como no atual, o salário diário do trabalho comum tem
sido bastante uniforme, a saber, aproximadamente a vigésima parte do
preço médio de 1 septier de trigo, uma medida que contém um pouco mais
de 4 bushels de Winchester. Na Grã-Bretanha, a verdadeira remuneração
do trabalho, conforme já foi demonstrado, a saber, a quantidade real dos
bens de primeira necessidade e comodidades da vida que são dadas ao
trabalhador, aumentou de forma considerável no decorrer do presente
século. O aumento do seu preço em dinheiro parece ter sido o efeito de
um aumento do preço real do trabalho no mercado específico da Grã-
Bretanha por circunstâncias particularmente favoráveis do país, e não o
efeito de qualquer diminuição do valor da prata no mercado geral da
Europa.
Durante algum tempo após a descoberta da América, a prata
continuou a ser vendida por seu preço antigo ou não muito abaixo dele.
Por algum tempo, os lucros da mineração continuariam muito altos, bem
acima de sua taxa natural. No entanto, os importadores europeus desse
metal logo iriam descobrir que a importação anual total não poderia mais
ser vendida por aqueles altos preços. A prata passaria a ser gradualmente
trocada por quantidades cada vez menores de mercadorias. Seu preço
cairia gradualmente até atingir seu preço natural, isto é, até chegar a um
valor suficiente apenas para, de acordo com suas taxas naturais, pagar os
salários do trabalho, os lucros do capital e a renda da terra, que devem ser
pagos para levá-la da mina ao mercado. Na maior parte das minas de prata
do Peru, o imposto do rei da Espanha, no valor de 1/9 do produto bruto,
consome (conforme já foi observado) toda a renda da terra. Esse imposto
era originalmente metade do produto bruto; logo depois caiu para 1/3, e,
então, para 1/5, chegando, finalmente, a 1/10; esta última fração continua a
ser utilizada. Na maior parte das minas de prata do Peru, ao que parece,
isso é tudo o que resta depois da reposição do capital do tomador do
trabalho, juntamente com seus lucros ordinários; e parece haver um
reconhecimento universal de que esses lucros, que uma vez foram muito
elevados, agora são os menores possíveis para dar continuidade às
explorações.
O imposto pago ao rei da Espanha foi reduzido à quinta parte da prata
registrada em 1504, 41 anos antes de 1545, data da descoberta das minas
de Potosí. No decurso de noventa anos (ou antes de 1636), essas minas (as
mais ricas de toda a América) tiveram tempo suficiente para produzir
todos os seus efeitos, a saber, reduzir o valor da prata no mercado europeu
ao mais baixo possível enquanto continuava-se a pagar o imposto à coroa
espanhola. Noventa anos é tempo suficiente para reduzir o valor de
qualquer mercadoria que não faça parte de um monopólio ao seu preço
natural, ou seja, ao menor preço a que ela, enquanto paga um imposto
específico, pode continuar a ser vendida por um tempo considerável.
O preço da prata no mercado europeu poderia talvez ter caído ainda
mais, e poderia ter sido necessário reduzir o imposto dessa mercadoria
não apenas a 1/10, como em 1736, mas a 1/20, semelhante ao que se faz com
o ouro, ou, então, abandonar a maior parte das minas americanas que
estão agora sob exploração. O aumento gradual da demanda por prata —
ou o alargamento gradual do mercado para os produtos das minas de
prata da América — é provavelmente a causa que impediu que isso
acontecesse e que não só manteve o valor da prata no mercado europeu,
mas, talvez, o tenha elevado a um patamar maior do que o de meados do
século passado.
Desde a descoberta da América, o mercado para os produtos de suas
minas de prata vem, lentamente, se tornando cada vez maior.
Em primeiro lugar, o mercado da Europa tornou-se gradualmente
maior. Desde a descoberta da América, grande parte do continente tem
progredido muito. A Inglaterra, a Holanda, a França e a Alemanha, até
mesmo a Suécia, a Dinamarca e a Rússia, todos avançaram
consideravelmente tanto na agricultura quanto na manufatura. A Itália
parece não ter regredido. A decadência italiana é anterior à conquista do
Peru. Desde então, no entanto, ela parece ter se recuperado um pouco.
Supõe-se que Espanha e Portugal tenham regredido, mas Portugal
constitui apenas uma pequena parte da Europa, e o declínio da Espanha
talvez não seja tão grande quanto se imagina. No início do século XVI, a
Espanha era um país muito pobre, mesmo em comparação com a França,
que, desde então, tem progredido bastante. O imperador Carlos V, que
viajava com muita frequência entre os dois países, fez o famoso
comentário de que tudo era abundante na França, mas que, na Espanha,
tudo estava em falta. Na Europa, o produto crescente da agricultura e da
manufatura deve ter necessariamente exigido um aumento gradual da
quantidade de moeda de prata para circulá-lo; e o número crescente de
indivíduos ricos deve ter exigido um aumento semelhante da quantidade
de suas baixelas e outros ornamentos de prata.
Em segundo lugar, a América é em si um novo mercado para os
produtos de suas próprias minas de prata; e, já que seus progressos na
agricultura, indústria e população são muito mais rápidos do que nos
países mais prósperos da Europa, a sua demanda deve aumentar muito
mais rapidamente. As colônias inglesas são um mercado completamente
novo que, em parte pelas moedas e em parte pela prataria, requer um
fornecimento cada vez maior de prata para todo um grande continente,
cuja demanda, no passado, era inexistente. Recorrentemente, as colônias
espanholas e portuguesas também são mercados completamente novos.
Nova Granada, Iucatã, Paraguai e o Brasil, antes de serem descobertos
pelos europeus, eram habitados por nações selvagens que não tinham nem
artes nem agricultura. Um grau considerável desses dois aspectos já foi
introduzido em todos esses países. Até mesmo o México e o Peru, embora
não possam ser considerados mercados completamente novos, são
certamente muito mais extensos do que antes. Depois de todos os
fantásticos relatos publicados sobre o esplêndido estado desses países na
Antiguidade, quem quer que leia a história da descoberta e da conquista
desses países com certo grau de juízo sóbrio irá evidentemente notar que,
nas artes, na agricultura e no comércio, seus habitantes eram muito mais
ignorantes do que os atuais tártaros da Ucrânia. Mesmo os peruanos, da
nação mais civilizada das duas, embora utilizassem o ouro e a prata como
ornamento, não possuíam nenhum tipo de moeda cunhada. Todo o seu
comércio era realizado por escambo e, consequentemente, a divisão do
trabalho entre eles era quase inexistente. Aqueles que cultivavam a terra
eram obrigados a construir suas próprias casas, fazer seus próprios móveis,
as suas próprias roupas, calçados e ferramentas agrícolas. Diz-se que os
poucos artífices existentes eram mantidos pelo soberano, pelos nobres e
pelos sacerdotes, e, provavelmente, eram seus servos ou escravos. Todas as
antigas artes do México e do Peru nunca puderam oferecer uma única
manufatura para a Europa. Os exércitos espanhóis, embora raramente
ultrapassassem quinhentos homens, e frequentemente não chegavam à
metade desse número, encontraram em quase todos os lugares uma
grande dificuldade para adquirir bens de subsistência. Segundo se diz, a
fome que eles causavam onde quer que chegassem — países tidos ao
mesmo tempo como muito populosos e bem cultivados — é suficiente
para demonstrar que boa parte das histórias contadas sobre grandes
populações e cultivos em grande medida não passa de fábula. Em muitos
aspectos, as colônias espanholas possuem um governo menos favorável
para a agricultura, o progresso e a população do que as colônias inglesas.
Elas parecem, no entanto, estar avançando em todos esses aspectos muito
mais rapidamente do que qualquer outro país da Europa. Em um solo
fértil e sob clima favorável, a grande abundância e o baixo preço da terra,
uma circunstância comum a todas as novas colônias, são, ao que parece,
uma vantagem tão grande que compensa os muitos defeitos do governo
civil. Frézier, que visitou o Peru em 1713, caracteriza Lima como uma
cidade de 25 mil a 28 mil habitantes. Ulloa, que residiu no mesmo país
entre 1740 e 1746, a vê como uma cidade de mais de 50 mil habitantes. A
diferença em seus números a respeito da população de várias outras
cidades principais do Chile e do Peru é quase a mesma; e como parece não
haver motivos para duvidar da informação de qualquer um deles, ela
assinala um aumento quase igual ao das colônias inglesas. A América,
portanto, constitui um novo mercado para os produtos de suas próprias
minas de prata, cuja demanda deve aumentar muito mais rapidamente do
que a existente nos países mais prósperos da Europa.
Em terceiro lugar, as Índias Orientais constituem outro mercado para
os produtos das minas de prata da América — um mercado que, desde o
tempo da descoberta das minas, tem requerido uma quantidade cada vez
maior de prata. Desde aquele tempo, o comércio direto entre a América e
as Índias Orientais, que é operado por meio dos navios que saem de
Acapulco, tem aumentado de forma constante e, proporcionalmente, a
relação indireta através da Europa tem aumentado ainda mais. Durante o
século XVI, Portugal era a única nação europeia que operava um comércio
regular com as Índias Orientais. Nos últimos anos daquele século, os
holandeses começaram a quebrar esse monopólio e, em poucos anos, os
expulsaram de seus principais assentamentos na Índia. Durante a maior
parte do século passado, Portugal e Holanda rateavam a maior parte do
comércio da Índia Oriental entre si; enquanto isso, as atividades
comerciais dos holandeses aumentavam constantemente em uma razão
bem maior do que as atividades dos portugueses declinavam. Os ingleses e
os franceses realizaram algum comércio com a Índia no século passado,
mas este tem se avolumado bastante no decurso de nosso século. O
comércio dos suecos e dinamarqueses com a Índia Oriental teve início no
decorrer deste século. Até mesmo os moscovitas agora comercializam
regularmente com a China por uma espécie de caravana que segue por
terra até Pequim, atravessando a Sibéria e a Tartária. O comércio de todas
essas nações com a Índia Oriental, excetuando-se o dos franceses, que foi
quase aniquilado pela última guerra, vem aumentando de forma quase
contínua. Ao que parece, o consumo europeu de mercadorias da Índia é
tão grande que permite um aumento gradual do uso de todas elas. O chá,
por exemplo, era uma droga muito pouco usada na Europa antes de
meados do último século. Hoje, no entanto, o valor do chá anualmente
importado pela Companhia Britânica das Índias Orientais para uso de
seus próprios compatriotas chega a mais de 1,5 milhão por ano; mesmo
assim, essa quantidade não é suficiente; há muito mais chá sendo
contrabandeado para o país a partir dos portos da Holanda, de
Gotemburgo, na Suécia e, também, da costa francesa, enquanto durou a
prosperidade da Companhia Francesa das Índias Orientais. O consumo da
porcelana chinesa, das especiarias das Ilhas Molucas, dos tecidos de
Bengala e de inúmeros outros artigos, aumentou em uma proporção quase
similar. A tonelagem de todos os barcos europeus empregados no
comércio com a Índia Oriental não ultrapassou muito, em nenhum
momento do século passado, a tonelagem da Companhia Britânica das
Índias Orientais antes de sua frota ter sido finalmente reduzida.
Mas nas Índias Orientais, particularmente na China e no Hindustão, o
valor dos metais preciosos — quando os europeus começaram a realizar
comércio com esses países — era muito maior que na Europa; atualmente
ainda é assim. Nos países produtores de arroz — que geralmente rendem
duas, às vezes três, colheitas anuais, cada uma delas mais abundante do
que qualquer colheita comum de cereais — a abundância de alimentos
deve ser muito maior do que em qualquer país produtor de cereais de
igual extensão. Por esse motivo, os países produtores de arroz têm
populações muito maiores. Neles, também, os ricos dispõem de uma
maior superabundância de alimentos, que vai além da quantidade que
podem consumir, e, dessa forma, possuem os meios para adquirir uma
quantidade muito maior de trabalho alheio. Na China ou no Hindustão, o
séquito de um nobre é, em todos os sentidos, muito mais numeroso e
esplêndido do que o séquito dos súditos mais ricos da Europa. A mesma
superabundância de alimentos que eles têm à disposição lhes permite
entregar uma quantidade maior de alimentos em troca de produtos raros e
únicos que a natureza produz apenas em quantidades muito pequenas,
como os metais e as pedras preciosas, que são os grandes objetos da
concorrência entre os ricos. Assim, embora as minas que supriam o
mercado indiano tivessem sido tão abundantes quanto aquelas que
supriam o mercado europeu, essas mercadorias eram naturalmente
trocadas por uma quantidade de alimentos maior na Índia do que na
Europa. Mas as minas que supriam o mercado indiano com os metais
preciosos parecem ter sido muito menos abundantes que as minas que
supriam o mercado europeu; e as que supriam o mercado indiano com
pedras preciosas, muito mais abundantes. Os metais preciosos, portanto,
eram naturalmente trocados na Índia por uma quantidade um pouco
maior de pedras preciosas e por uma quantidade muito maior de
alimentos do que na Europa. O preço em dinheiro dos diamantes — o
bem mais supérfluo de todos — seria um pouco menor, e o dos alimentos
— o bem mais necessário de todos —, muito menor no primeiro país que
no segundo. Mas o preço real do trabalho, ou seja, a quantidade real dos
bens de primeira necessidade que são entregues ao trabalhador, conforme
já foi observado, é menor tanto no China quanto no Hindustão, os dois
grandes mercados da Índia, do que na maior parte da Europa. Ali, o
salário do trabalho comprará uma quantidade menor de alimentos; e
como o preço em dinheiro dos alimentos é muito menor na Índia do que
na Europa, o preço em dinheiro do trabalho é inferior em dois aspectos: a
pequena quantidade de alimentos que ele pode comprar e o preço baixo
dos alimentos. Mas em países com artes e ofícios semelhantes, o preço em
dinheiro da maior parte das manufaturas será proporcional ao preço em
dinheiro do trabalho; e embora em artes manufatureiras e indústria as
manufaturas da China e do Hindustão sejam inferiores, não parecem ser
muito mais inferiores a qualquer parte da Europa. O preço em dinheiro de
grande parte das manufaturas, portanto, será naturalmente muito menor
naqueles grandes impérios do que em qualquer lugar da Europa. Em
grande parte do continente, também os gastos com transporte terrestre
elevam muito os preços real e nominal da maioria das manufaturas. Levar
primeiro as matérias-primas e depois as manufaturas prontas ao mercado
custa mais trabalho e, portanto, mais dinheiro. Na China e no Hindustão,
a extensão e a variedade do transporte hidroviário interno geram uma
maior economia sobre grande parte desse trabalho, consequentemente,
desse dinheiro; desse modo, reduzem ainda mais os preços real e nominal
da maior parte de suas manufaturas. Por todas essas razões, é e sempre foi
vantajoso levar metais preciosos da Europa para a Índia. Praticamente
nenhuma outra mercadoria tem um melhor preço naquele mercado, ou
que, proporcionalmente à quantidade de trabalho e bens que custa na
Europa, possa comprar ou controlar uma maior quantidade de trabalho e
mercadorias na Índia. Para lá também é mais vantajoso levar prata do que
ouro; porque na China e na maior parte dos outros mercados da Índia a
proporção entre a prata e o ouro de lei é de 10 — ou, no máximo, 12 —
para 1; enquanto na Europa é de 14 ou 15 para 1. Na China e na maior
parte dos outros mercados da Índia, 10 — ou, no máximo, 12 — onças de
prata podem comprar 1 onça de ouro; na Europa, é preciso 14 ou 15 onças
para efetuar a troca. Nos porões, portanto, da maior parte dos navios
europeus que navegam para a Índia, a prata geralmente tem sido um dos
artigos mais valiosos. É o artigo mais valioso nos navios de Acapulco que
navegam para Manila. A prata do novo continente parece, assim, ser uma
das principais mercadorias do comércio entre as duas extremidades do
Velho Continente; e, em grande medida, é por causa dela que essas duas
partes distantes do mundo estão conectadas.225
A fim de abastecer um mercado tão grande, a quantidade de prata
trazida anualmente das minas deve ser suficiente não apenas para
sustentar o aumento contínuo de moeda e de utensílios de prata exigidos
em todos os países prósperos; mas também para reparar essa perda e
consumo contínuos de prata que se realizam em todos os países onde o
metal é usado.
É bastante evidente o desgaste contínuo dos metais preciosos, existente
nas moedas pelo uso e, na prataria, tanto pelo uso quanto pela limpeza; em
decorrência, essas mercadorias utilizadas de forma alargada já exigem,
somente para elas, um suprimento anual extremamente grande. Em
relação à quantidade total, talvez o consumo desses metais em certas
manufaturas específicas não seja tão grande quanto esse desgaste gradual,
mas, sendo muito mais rápido, é muito mais evidente. Diz-se que, somente
nas manufaturas de Birmingham, a quantidade de ouro e prata utilizada
anualmente para dourar e pratear — metais que, desse modo, nunca mais
poderão ser utilizados em suas formas originais — atinge o montante de
mais de 50 mil libras esterlinas. A partir disso, talvez seja possível termos
alguma ideia do tamanho do consumo anual em todas as diferentes partes
do mundo, seja nas manufaturas iguais às de Birmingham, ou em rendas,
bordados, tecidos de ouro e prata, para o douramento de livros, móveis,
etc. É possível, também, que uma quantidade considerável se perca,
anualmente, no transporte desses metais de um lugar para outro, tanto por
mar quanto por terra. Além do mais, na maior parte dos governos da Ásia,
o costume quase universal de enterrar tesouros nas entranhas da terra, dos
quais o conhecimento frequentemente morre com a pessoa que o
escondeu, deve gerar a perda de uma quantidade ainda maior.
De acordo com dados bastante confiáveis, a quantidade de ouro e prata
importada em Cádiz e Lisboa (incluindo não apenas a mercadoria
registrada, mas também aquela que, segundo podemos supor, seja
contrabandeada) chega ao montante de cerca de 6 milhões de libras
esterlinas por ano.
De acordo com o senhor Meggens,226 a quantidade importada pela
Espanha em uma média de seis anos — isto é, de 1748 a 1753, incluindo-
se esses dois anos — e por Portugal em uma média de sete anos — isto é,
de 1747 a 1753 — atingiu o montante de 1.101.107 libras-peso de prata e
49.940 libras-peso de ouro. A prata, a 62 xelins por libra troy, soma
3.413.431 libras esterlinas e 10 xelins. O ouro, a 44,5 guinéus por libra troy,
chega a 2.333.446 libras esterlinas e 14 xelins. Somando-se os dois, temos
5.746.878 libras esterlinas e 4 xelins. Ele nos assegura que o total da
mercadoria importada legalmente é exato, detalha os locais de origem do
ouro e da prata, bem como as quantidades específicas de cada metal
vindas, de acordo com os registros, de cada localidade. Ele também faz
uma suposição em relação à quantidade de metais que podem ter sido
contrabandeados. A grande experiência desse comerciante criterioso
concede um peso considerável à sua opinião.
De acordo com o eloquente e, às vezes, bem-informado autor do livro
História filosófica e política do estabelecimento dos europeus nas duas
Índias,227 a importação anual de ouro e prata registrados na Espanha, em
uma média de onze anos — isto é, de 1754 a 1764 —, chegou a
13.984.185,075 de piastras de 10 reais. No entanto, levando-se em conta
aquilo que pode ter sido contrabandeado, o valor total da importação
anual, ele supõe, pode ter alcançado 17 milhões de piastras; o qual, ao
câmbio de 4 xelins e 6 pence a piastra, equivale a 3.825.000 libras
esterlinas. Da mesma forma, ele indica a origem do ouro e da prata, bem
como as quantidades específicas de cada metal vindas, de acordo com os
registros, de cada localidade. Ele também nos informa que, se quiséssemos
julgar a quantidade de ouro anualmente importada do Brasil para Lisboa
pelo valor dos impostos pagos à coroa de Portugal, que, ao que parece, é
de um quinto do metal-padrão, poderíamos chegar ao valor de 18 milhões
de cruzados, ou 45 milhões de libras francesas, isto é, aproximadamente 2
milhões de libras esterlinas. Mas, considerando a quantidade que pode ter
sido contrabandeada, podemos seguramente acrescentar um oitavo a essa
soma, diz ele, ou 250 mil libras esterlinas, e o resultado dessa soma passa a
ser 2.250.000 de libras esterlinas.
De acordo com essa conta, portanto, a importação anual total de
metais preciosos para a Espanha e Portugal chega a aproximadamente
6.075.000 de libras esterlinas. Assim, garantiram-me que muitas outras
fontes fidedignas, mesmo que apenas manuscritas, concordam com o valor
médio total das importações de cerca de 6 milhões de libras esterlinas, às
vezes um pouco mais, outras, um pouco menos.
De fato, a importação anual de metais preciosos em Cádiz e Lisboa não
é igual ao produto anual total das minas da América. Uma parte do
produto é enviada anualmente a Manila a partir do porto de Acapulco;
outra parte é empregada no comércio de contrabando entre as colônias
espanholas e as colônias de outras nações europeias; e certa fração, sem
dúvida, permanece no país. E, além disso, as minas da América não são de
forma alguma as únicas minas de ouro e prata do mundo. São, no entanto,
de longe as mais abundantes; o produto de todas as outras minas
conhecidas é reconhecidamente insignificante em comparação com o
delas; além disso, reconhece-se também que a fração importada
anualmente por Cádiz e Lisboa é extremamente maior. Mas o consumo
somente de Birmingham — 50 mil libras por ano — é igual à centésima
vigésima parte daquela importação anual de 6 milhões por ano. O
consumo anual total de ouro e prata, portanto, em todos os países do
mundo onde esses metais são usados, talvez seja quase igual ao seu
produto anual total. É possível que o restante não seja mais do que
suficiente para suprir a demanda crescente de todos os países prósperos,
podendo ficar tão abaixo dessa demanda a ponto de elevar o preço desses
metais no mercado europeu.
A quantidade de cobre e de ferro levada anualmente da mina ao
mercado é extremamente maior do que a de ouro e prata. Mas não
imaginemos que, por essa razão, esses metais comuns possam ser
multiplicados para uma quantidade que ultrapasse a demanda ou que
possam se tornar gradualmente mais baratos. Por que, então, deveríamos
imaginar que isso poderia acontecer com os metais preciosos? Com efeito,
os metais comuns são mais resistentes e, por isso, são utilizados em
trabalhos mais pesados; como seu valor é menor, sua preservação é mais
negligenciada. No entanto, assim como os comuns, os metais preciosos
também não duram para sempre, mas também podem ser perdidos,
desgastados e destruídos de muitas formas.
Embora o preço de todos os metais esteja sujeito a variações lentas e
graduais, ele varia menos de um ano para o outro do que quase qualquer
outra matéria-prima da Terra; e a variação do preço dos metais preciosos é
muito menos repentina do que a dos metais comuns. Essa extraordinária
estabilidade de preços fundamenta-se na durabilidade dos metais. Os
cereais levados ao mercado no ano passado serão todos — ou quase todos
— consumidos bem antes do final deste ano. Mas alguma parte do ferro
trazido da mina, duas ou três centenas de anos atrás, pode ainda estar em
uso, e o mesmo vale para parte do ouro trazido há 2 mil ou 3 mil anos. As
diferentes massas de cereais que em anos diferentes devem suprir o
consumo do mundo quase sempre serão mais ou menos proporcionais ao
respectivo produto daqueles anos. Mas a proporção entre as diferentes
massas de ferro que podem ser utilizadas em dois anos diferentes será
muito pouco afetada por quaisquer diferenças acidentais do produto das
minas de ferro daqueles dois anos; e a proporção entre as massas de ouro
será ainda menos afetada por quaisquer diferenças ocorridas no produto
das minas de ouro. Assim, embora grande parte das minas de metais sofra
variações anuais em seu produto — talvez maiores que as ocorridas na
maioria dos campos de cereais —, essas pequenas mudanças não têm o
mesmo efeito sobre o preço dos metais do que sobre o preço dos cereais.
Primeiro tipo
O primeiro tipo de matéria-prima cujo preço aumenta com o progresso é
aquele que dificilmente pode ser multiplicado pelo trabalho humano.
Consiste naquelas coisas que a natureza produz somente em certas
quantidades, e que, por serem de natureza bastante perecível, é impossível
armazenar o produto de muitas estações. São exemplos: a maior parte das
aves e peixes raros e únicos, diversos tipos de animais de caça, quase todas
as aves selvagens, todas as aves migratórias em particular, bem como
muitas outras coisas. Quando aumenta a riqueza e o luxo que a
acompanha, a demanda por esses bens também pode aumentar, e nenhum
esforço do trabalho humano será capaz de aumentar a oferta para muito
além do que ela era antes desse aumento da demanda. Portanto, se a
quantidade dessas mercadorias for mantida a mesma, ou quase a mesma,
enquanto a concorrência para comprá-las aumenta de forma contínua, seu
preço, que parece não se balizar por nenhum limite definido, poderá
aumentar até quaisquer valores exorbitantes. Se as galinholas228 entrassem
tão na moda que cada uma delas passasse a ser vendida por 20 guinéus,
nenhum esforço do trabalho humano conseguiria aumentar o número de
animais levados ao mercado muito além do que é no presente. Assim é
possível explicar o alto preço pago pelos romanos durante seu auge por
pássaros e peixes raros. Esses preços não eram consequência do baixo
valor da prata naqueles tempos, mas do alto valor das raridades e
curiosidades que não poderiam ser multiplicadas pelo empenho humano
ao seu bel-prazer. Por algum tempo antes e depois da queda da República,
o valor real de prata era maior em Roma do que na maior parte da Europa
atual. Na Sicília, 3 sestércios (iguais a 6 pence esterlinos aproximadamente)
era o preço que a República pagava pelo “modius”229 ou peck do trigo
utilizado como dízimo. Esse preço, no entanto, estava provavelmente
abaixo do preço médio de mercado, e a obrigação de entregar o seu trigo a
esse preço era considerada como uma tributação imposta sobre os
fazendeiros da Sicília. Quando os romanos, portanto, tiveram a
oportunidade de requerer mais cereais do que o dízimo de trigo lhes
oferecia, eles eram obrigados a pagar, por meio de um acordo, o excedente
à taxa de 4 sestércios, ou 8 pence esterlinos por peck; e esse valor deve
provavelmente ter sido considerado o preço moderado e razoável, isto é, o
preço contratado comum ou médio daqueles tempos; é igual a
aproximadamente 21 xelins por quarter. Vinte e oito xelins por quarter
era, antes dos últimos anos de escassez, o preço contratual comum do
trigo inglês, de qualidade inferior ao siciliano e, geralmente, vendido por
um preço mais baixo no mercado europeu. Em relação ao seu valor
presente, portanto, o valor da prata na Antiguidade devia estar em uma
proporção inversa de três para quatro, ou seja, 3 onças de prata
comprariam a mesma quantidade de trabalho e mercadorias que 4 onças
comprariam atualmente. Desse modo, quando lemos em Plínio que
Seio230 comprou um rouxinol branco de presente para a imperatriz
Agripina ao preço de 6 mil sestércios, igual a cerca de 50 libras em valores
atuais; e, ainda, que Asínio Celer231 adquiriu um salmonete ao preço de 8
mil sestércios, igual a aproximadamente 66 libras, 13 xelins e 4 pence em
valores atuais; a extravagância desses preços — independentemente de
quanto eles possam nos surpreender — nos parecerá um terço menor do
que eles realmente eram. Seu preço real, isto é, a quantidade de trabalho e
subsistência que pode ser trocada por eles, era cerca de um terço maior do
que expressa seu preço nominal para nós atualmente. Em troca do
rouxinol, Seio entregou o controle de uma quantidade de trabalho e
subsistência igual ao que 66 libras, 13 xelins e 4 pence comprariam hoje; e
Asínio Celer trocou o salmonete pelo comando de uma quantidade igual
ao que 88 libras, 17 xelins e 9,33 pence comprariam. A causa desses preços
excessivamente elevados não era tanto a abundância de prata, mas a
abundância de trabalho e subsistência que os romanos tinham à sua
disposição além do que era necessário para seu próprio uso. A quantidade
de prata que tinham disponível era muito menor do que a quantidade que
o controle da mesma quantidade de trabalho e subsistência poderia lhes
oferecer atualmente.
Segundo tipo
O segundo tipo de matéria-prima cujo preço aumenta aos poucos com o
progresso é aquele que pode ser multiplicado pelo trabalho humano em
relação à demanda. É formado por aquelas plantas e animais úteis que, em
países sem cultivo, são produzidos de forma tão abundante pela natureza
que eles acabam tendo pouco ou nenhum valor; com os avanços do
cultivo, acabam dando lugar a algum produto mais rentável. Durante um
longo período, sua quantidade diminui de forma contínua, enquanto, ao
mesmo tempo, a demanda aumenta de forma contínua. Seu valor real —
isto é, a quantidade real de trabalho que compram ou comandam —
aumenta gradualmente até que, por fim, fica tão alto que esses produtos se
tornam tão rentáveis quanto qualquer outra coisa que o trabalho humano
possa cultivar nas terras mais férteis e mais bem cultivadas. Quando
atingem esse patamar, não conseguem aumentar mais. Se isso acontecesse,
mais terra e mais trabalho deveriam logo ser empregados para aumentar
sua quantidade.
Quando o preço do gado, por exemplo, aumenta tanto que o cultivo da
terra para alimentá-lo passa a ser tão rentável quanto o cultivo para
alimentar os seres humanos, então o preço não poderá aumentar mais. Se
aumentasse, os campos de cereais seriam rapidamente transformados em
pasto. O alargamento do cultivo, ao diminuir a quantidade de pastos
selvagens, diminui a quantidade da carne que o país produz naturalmente
sem trabalho ou cultivo; e o mesmo alargamento, ao aumentar o número
daqueles que têm cereais, ou, o que é a mesma coisa, o preço dos cereais
para dar em troca da carne, aumenta a demanda. O preço da carne,
portanto, e consequentemente do gado, deve aumentar gradualmente até
atingir um ponto tão alto que utilizar as melhores e mais férteis terras para
o cultivo de alimento para o gado ou a plantio de cereais se torna
igualmente rentável. Mas será sempre em uma fase de progresso adiantada
que o plantio estará tão espalhado a ponto de elevar o preço do gado a esse
nível; e até que chegue a esse nível, se o país estiver realmente
progredindo, seu preço deverá aumentar de forma contínua. É possível
que haja algumas partes da Europa em que o preço do gado ainda não
atingiu esse nível. Antes da união, o preço não conseguiu atingir esse nível
na Escócia. Se o gado escocês tivesse ficado sempre confinado ao mercado
da Escócia — num país em que a quantidade de terra que pode ser
utilizada somente para alimentação do gado e para mais nada é tão grande
em relação à terra que pode ser utilizada para outros fins —, seria
praticamente impossível, talvez, que seu preço atingisse níveis em que
cultivar a terra somente para alimentá-los se tornasse rentável. Na
Inglaterra, conforme já vimos anteriormente, o preço do gado na
vizinhança de Londres parece ter atingido esse pico no início do século
passado; mas, na maioria dos condados mais remotos do país, esse preço
somente foi atingido muito mais tarde — e o preço talvez ainda esteja bem
longe desse máximo em alguns desses lugares. Assim, dentre todos os
diferentes produtos que compõem esse segundo tipo de produto da terra,
o gado talvez seja, com o desenvolvimento, o primeiro a atingir esses
valores mais altos.
De fato, até que o preço do gado atinja esse nível, parece pouco
provável que a maior parte das terras — até mesmo aquelas capazes dos
melhores cultivos — possa ser totalmente cultivada. Em todas as fazendas
que estão muito distantes de quaisquer cidades de onde possam trazer
estrume, ou seja, na maior parte das fazendas em países com grande
extensão territorial, a quantidade de terra bem cultivada deve ser
proporcional à quantidade de estrume que a própria fazenda produz; e
este último deve guardar uma proporção com o número de cabeças de
gado que nela pastam. A terra é adubada ou pelo pastoreio do gado sobre
ela ou, após alimentar o gado no estábulo, pelo transporte do esterco dali
para a terra. Mas, a menos que o preço do gado seja suficiente para pagar a
renda e o lucro das terras cultivadas, o agricultor não terá como arcar com
os custos do pastoreio e, muito menos, com as despesas para alimentá-los
no estábulo. O gado somente poderá ser alimentado no estábulo a partir
dos produtos da terra cultivada e aprimorada, pois a coleta dos produtos
escassos e dispersos da terra não cultivada e não aprimorada exigiria
muito trabalho e seria muito caro. Se o preço do gado, portanto, não é
suficiente para pagar o produto da terra cultivada e aprimorada, quando se
deixa que o gado paste sobre ela, esse preço será ainda menos suficiente
para pagar pelo produto quando esse produto deve ser coletado com
muito trabalho complementar e transportado para os estábulos. Nessas
circunstâncias, portanto, é impossível alimentar com lucro um número
maior de cabeças de gado do que o número necessário para o cultivo do
solo. Mas esse gado nunca conseguirá produzir estrume suficiente para
manter ininterruptamente todas as terras que eles são capazes de cultivar
em boas condições. Já que sua produção é insuficiente para toda a fazenda,
o estrume será naturalmente reservado para as terras onde poderá ser
aplicado de forma mais vantajosa ou conveniente: as mais férteis, ou talvez
aquelas mais próximas das casas e instalações. Estas, portanto, serão
mantidas constantemente prontas e em boas condições para o plantio. O
resto será, em sua maior parte, mantido sem cultivos, mal produzindo
qualquer coisa exceto pastagens miseráveis, apenas suficientes para manter
vivos alguns grupos dispersos de poucas cabeças de gado famintas; a
fazenda, mesmo tendo gado aquém do necessário para seu cultivo
completo, costuma tê-los em excesso em relação à sua produção efetiva.
Uma porção dessa terra não cultivada, no entanto, após ter servido como
pastagem dessa maneira miserável por seis ou sete anos, poderá ser arada,
e isso irá render, talvez, uma ou duas colheitas pobres de aveia ruim ou de
alguns outros grãos mais comuns; então, completamente esgotada, a terra
deve descansar e ser novamente pastoreada como antes; então, outra
porção deve ser arada e, da mesma maneira, após esgotada, deverá
novamente descansar. Dessa forma, esse era o sistema geral de manejo das
propriedades nas Terras Baixas da Escócia antes da união. As terras que
eram mantidas constantemente bem estrumadas e em bom estado
raramente excediam um terço ou um quarto da fazenda, e, às vezes, não
chegavam a um quinto ou a um sexto dela. O restante nunca era
estrumado, mas, mesmo assim, uma certa parte dessas terras era
regularmente cultivada e esgotada em turnos. Sob este sistema de manejo,
é evidente que até mesmo parte das terras da Escócia capazes de um bom
cultivo conseguia produzir muito pouco em comparação ao que seria
capaz de produzir. Mas, mesmo que esse sistema possa parecer muito
desvantajoso, ainda assim, antes da união o baixo preço do gado o tornava
quase inevitável. Se, apesar do grande aumento de seu preço o sistema
continua a prevalecer em uma boa parte do país, isso se deve, em muitos
lugares, sem dúvida, à ignorância e ao apego aos velhos costumes, mas, na
maioria dos lugares, se deve aos obstáculos inevitáveis que o curso natural
das coisas opõe ao estabelecimento imediato ou rápido de um sistema
melhor: em primeiro lugar, se deve à pobreza dos arrendatários e ao fato
de não terem tido tempo para adquirir um número de cabeças de gado
suficiente para cultivar suas terras de forma mais completa, ou seja, o
mesmo aumento de preço que lhes seria vantajoso para a manutenção de
um rebanho maior dificultou a aquisição das cabeças; e, em segundo lugar,
supondo-se que poderiam ter comprado o gado, devido à falta de tempo
para colocar suas terras em condições de manter esse rebanho maior de
forma apropriada. O aumento do rebanho e a melhoria da terra são dois
fatores que devem caminhar de mãos dadas, sendo que um não consegue
exceder muito o outro. Sem um certo aumento do gado, não há como
haver qualquer melhoria da terra, mas não pode haver nenhum aumento
considerável do rebanho senão como consequência de uma melhoria
considerável da terra, pois, caso contrário, a terra não conseguirá mantê-
lo. Esses obstáculos naturais para o estabelecimento de um sistema melhor
não podem ser removidos senão por um longo período de frugalidade e
trabalho; mas é preciso que se passe meio século ou mais de um século
para que o antigo sistema, que está se desgastando devagar, possa ser
completamente abolido em todas as diferentes partes do país. De todas as
vantagens comerciais, no entanto, que a Escócia obteve pela união com a
Inglaterra, esse aumento no preço do gado talvez seja a maior. Além de
elevar o valor de todas as propriedades das Terras Altas da Escócia, talvez
tenha sido a principal causa do progresso das Terras Baixas.
Em todas as novas colônias, a grande quantidade de terras não
cultivadas, que por muitos anos só podem ser utilizadas como pastagem,
em pouco tempo torna o gado extremamente abundante; e, em todas as
coisas, os preços muito baixos são a consequência necessária da grande
abundância. Embora todo o gado das colônias europeias na América tenha
sido originalmente trazido da Europa, ele logo se multiplicou muito,
tornando-se uma mercadoria de valor tão baixo que até mesmo os cavalos
podiam viver de forma selvagem na floresta sem que qualquer pessoa
pensasse valer a pena reclamá-los para si. Somente será rentável alimentar
o gado com o produto cultivado pela terra depois de um longo período do
estabelecimento de tais colônias. As mesmas causas, portanto, isto é, a falta
de estrume e a desproporção entre o rebanho aplicado no cultivo e a terra
que ele se destina a cultivar, são suscetíveis de introduzir aí um sistema de
criação que não é diferente daquele que ainda continua a ser utilizado em
muitas partes da Escócia. Quando o senhor Kalm, um viajante sueco,
discorre sobre a agricultura e a pecuária de algumas das colônias inglesas
na América do Norte, conforme as viu em 1749, observa que teve
dificuldades em encontrar ali as características da nação inglesa, tão bem
qualificada em todos os diferentes ramos da agricultura. Eles praticamente
não adubam seus campos de cereais, ele diz, mas quando uma parcela do
solo se esgota por causa do cultivo contínuo, eles limpam e cultivam uma
segunda parcela; quando esta última se esgota, vão para uma terceira. Eles
deixam seu gado vaguear pelos bosques e outras terras não cultivadas,
onde vive esfomeado, pois há muito tempo quase todas as gramíneas
anuais foram destruídas, uma vez que são cortadas muito cedo na
primavera, antes que tenham tempo para florescer e espalhar suas
sementes.232 As gramíneas anuais eram, ao que parece, as melhores
gramíneas naturais daquela parte da América do Norte; e quando os
europeus ali se estabeleceram, elas costumavam ser grossas e chegavam a
atingir entre três e quatro pés de altura. Foi-lhe assegurado, quando ele
escreveu, que uma parcela de terra que mal conseguia sustentar uma vaca
podia manter quatro em épocas anteriores, sendo que cada uma delas era
capaz de produzir quatro vezes mais leite que aquela única. Na opinião
dele, a pobreza do pasto levou à degradação do seu gado, que, de uma
geração para outra, degenerou-se de maneira perceptível. Os animais eram
provavelmente semelhantes àquela raça atrofiada que era comum por toda
a Escócia há trinta ou quarenta anos, e que agora está tão corrigida na
maior parte das Terras Baixas do país, não tanto por uma mudança da
raça, embora esse expediente também tenha sido empregado em alguns
lugares, mas por um método mais abundante de alimentação.
Embora seja apenas em um período mais tardio do progresso que o
gado poderá chegar a um preço tão alto que o cultivo de terras para sua
alimentação se torne rentável; ainda assim, dentre todas as diferentes
partes que compõem esse segundo tipo de produto da terra, eles talvez
sejam os primeiros a atingir esse preço, pois, até que isso aconteça, parece
impossível que o progresso possa conduzir ao grau de perfeição atingido
em muitas partes da Europa.
Se o gado está entre os primeiros produtos desse tipo a ter preços
elevados, então talvez a carne de cervo seja uma das últimas. Na Grã-
Bretanha, o preço da carne de cervo, por mais alto que possa parecer, não
chega nem perto de ser suficiente para compensar as despesas de uma
fazenda de cervos, como é bem conhecido por todos aqueles que já
tiveram alguma experiência com a alimentação de cervos. Se não fosse
assim, a criação de cervos haveria se tornado uma atividade comum da
agricultura; da mesma forma como a criação daquelas pequenas aves
chamadas tordos o foi entre os antigos romanos. Varrão233 e Columela234
nos asseguram que as aves eram um artigo muito rentável. Dizem que o
mesmo ocorre em algumas partes da França em relação à engorda das
“sombrias”,235 aves migratórias que chegam magras ao país. Se a carne de
cervo continuar na moda e a riqueza e o luxo da Grã-Bretanha
mantiverem o mesmo crescimento que já vem ocorrendo há algum tempo,
é possível que seu preço suba ainda mais, ultrapassando os valores atuais.
Entre o período de tempo que leva ao máximo o preço de um bem tão
necessário (o gado) e aquele que leva às alturas os preços de um bem
supérfluo (o cervo), há um intervalo muito longo, no decorrer do qual
muitos outros tipos de produtos atingem gradualmente o seu preço mais
elevado, uns mais cedo e outros mais tarde, de acordo com circunstâncias
diferentes.
Assim, em todas as fazendas, os refugos dos celeiros e dos estábulos
serão responsáveis pela manutenção de um certo número de aves. Essas
são pequenas medidas de economia, pois as aves são alimentadas com o
que seria, em outro caso, jogado fora; e, como custam ao agricultor quase
nada, ele pode se dar ao luxo de vendê-las por um preço bastante baixo.
Quase tudo o que ele recebe é ganho puro, e o preço dificilmente será tão
baixo a ponto de desencorajá-lo a criá-las. Mas em países mal cultivados e,
portanto, pouco habitados, as aves, que são criadas assim, sem despesa,
geralmente são totalmente suficientes para suprir toda a demanda. Nesse
estado de coisas, portanto, muitas vezes são tão baratas como a carne de
boi ou qualquer outro tipo de alimento animal. Mas a quantidade total de
aves que a fazenda pode produzir dessa forma sem despesas será sempre
muito menor do que a quantidade total de carne de boi criada nela; e em
tempos de riqueza e luxo, o que é raro — com quase igual mérito — é
sempre preferido ao que é comum. Assim, como a riqueza e o luxo podem
fazer com que, em consequência da melhoria e do cultivo, o preço das aves
gradualmente se eleve acima do preço da carne, até, por fim, ficar tão alto
que se torna rentável cultivar a terra apenas para alimentá-las. Quando
atinge esse nível, não há como ultrapassá-lo. Se o fizesse, mais terra logo
deveria ser utilizada para esse fim. Em várias províncias da França, a
criação de aves é considerada uma atividade muito importante da
economia rural, bem como algo suficientemente rentável para incentivar o
agricultor a criar uma quantidade considerável de milho duro236 e trigo-
sarraceno237 para essa finalidade. Um agricultor de nível médio às vezes
chegará a ter 400 galos e galinhas em seu quintal. Na Inglaterra, a criação
de aves ainda não foi vista como algo importante. Entretanto, as aves são
certamente mais caras na Inglaterra do que na França, já que a Inglaterra
recebe suprimentos consideráveis da França. Com o progresso, o período
no qual cada tipo específico de alimento de origem animal fica mais caro é
naturalmente o que precede imediatamente a prática generalizada de
cultivo da terra para a criação daquele animal. Durante algum tempo antes
de essa prática se tornar generalizada, a escassez deverá, necessariamente,
causar a elevação do preço. Após ter sido generalizada, costuma-se
descobrir novos métodos de criação, os quais permitem que o agricultor
crie, em uma mesma quantidade de terra, uma quantidade muito maior de
determinado tipo de alimento animal. A abundância não só o obriga a
vender mais barato, mas, em consequência dessas inovações, ele pode
vender mais barato; pois, se não pudesse, a abundância não duraria muito
tempo. Foi provavelmente desta forma que a introdução do cultivo de
trevos, nabos, cenouras, couves, etc. contribuiu para derrubar o preço
ordinário da carne no mercado de Londres para um valor um pouco
abaixo do que era por volta do início do século passado.
O porco, que encontra sua comida entre o estrume e devora
avidamente muitas coisas que são rejeitadas por todos os outros animais
úteis, é, como os galináceos, mantido originalmente como uma medida de
economia. Enquanto o número de animais que podem ser criados assim
com pouco ou nenhum gasto for totalmente suficiente para atender à
demanda, esse tipo de carne chegará ao mercado a um preço muito menor
que o de quaisquer outras carnes. Mas quando a demanda ultrapassar
aquilo que essa quantidade pode suprir — momento em que passa a ser
necessário plantar alimentos com o objetivo de alimentar e engordar os
porcos, da mesma maneira que se plantam para alimentar e engordar
outros animais —, o preço necessariamente subirá e se tornará
proporcionalmente maior ou menor que o preço de outras carnes,
conforme a natureza do país e o estado de sua agricultura encareçam mais
a criação de porcos do que a de outros animais, ou não. Na França, de
acordo com o senhor Buffon,238 o preço da carne de porco é quase igual ao
da carne de boi. Na maior parte da Grã-Bretanha, esse preço é atualmente
um pouco maior.
Na Grã-Bretanha, o grande aumento dos preços tanto de porcos
quanto de aves tem sido frequentemente atribuído à diminuição do
número de cottagers239 e outros ocupantes de pequenas parcelas de terra;
um evento que, em todas as parte da Europa, foi o predecessor imediato
do progresso e dos melhores cultivos, mas que, ao mesmo tempo, pode ter
contribuído para aumentar o preço daqueles artigos um pouco mais cedo
e um pouco mais rápido do que aumentariam caso não fosse assim. Assim
como até mesmo as famílias mais pobres conseguem criar um gato ou um
cachorro sem nada gastar, os ocupantes das pequenas parcelas de terras
também conseguem ter algumas galinhas, uma porca e alguns porcos sem
gastar muito. Os restos de sua própria mesa, seu soro de leite, seu leite
desnatado e leitelho240 oferecem a esses animais uma parte de seu
alimento, o restante eles encontram nos campos vizinhos sem causar
grandes danos a ninguém. Assim, a diminuição do número de ocupantes
de pequenas parcelas de terras deve certamente causar a diminuição da
quantidade dos alimentos que são produzidos com pouca ou nenhuma
despesa, e o preço deles, por conseguinte, deve ter aumentado mais cedo e
mais rápido do que aumentaria em outro caso. No entanto, mais cedo ou
mais tarde, com o aperfeiçoamento das atividades agrícolas, o preço chega
ao seu valor máximo, isto é, ao preço que paga o trabalho e as despesas do
cultivo da terra que fornece alimento aos animais, da mesma forma que o
trabalho e essas despesas são pagas na maior parte das outras terras
cultivadas.
O comércio de laticínios, assim como a criação de porcos e aves, existe
inicialmente como medida de economia. O gado que é necessariamente
mantido na fazenda produz uma quantidade de leite maior do que requer
tanto a criação de bezerros quanto o consumo familiar do agricultor; e há
temporadas de maior e de menor produção. Mas de todos os produtos da
terra, o leite talvez seja o mais perecível. Nas estações mais quentes do ano,
quando mais abundante, o leite mal pode ser preservado por 24 horas. O
agricultor, ao transformá-lo em manteiga fresca, consegue armazenar uma
pequena parte do leite por uma semana; ao transformá-lo em manteiga
salgada, por um ano; em queijo, ele consegue armazenar uma fração muito
maior de leite durante vários anos. Parte de tudo isso é reservada para o
uso de sua própria família. O resto é levado ao mercado para que encontre
o melhor preço possível, que dificilmente será tão baixo a ponto de
desencorajar o envio ao mercado de um produto que excede o uso de sua
própria família. Se o preço for muito baixo, na verdade, ele provavelmente
administrará suas atividades de laticínio de forma muito desleixada e suja,
e dificilmente imaginará que vale a pena ter um cômodo ou edificação
específica para tal fim; na verdade, o produto dessa atividade será
realizado em meio a fumaça, imundície e sordidez de sua própria cozinha;
na Escócia, há trinta ou quarenta anos, essa era a situação de todas as
fazendas produtoras de laticínios, e essa é ainda hoje a situação de muitas
delas. O preço dos laticínios, o qual está naturalmente ligado ao da carne
de açougue ou às despesas da criação de gado, eleva-se pelas mesmas
causas que fazem aumentar gradualmente o preço da carne de açougue, o
aumento da demanda e — como consequência das melhorias do país — a
diminuição da quantidade de gado que pode ser alimentada com pouca ou
nenhuma despesa. O aumento do preço permite o pagamento de mais
trabalho, cuidados e limpeza. Os laticínios tornam-se mais dignos da
atenção do agricultor e isso traz melhorias à qualidade de seus produtos de
forma gradual. O preço, por fim, fica tão alto que passa a valer a pena
empregar algumas das terras mais férteis e mais bem cultivadas para a
criação de gado destinado exclusivamente para os produtos lácteos; e
quando atinge esse nível, não pode aumentar mais. Se o fizesse, mais terra
logo deveria ser utilizada para esse fim. Parece já ter chegado a esse
máximo na maior parte da Inglaterra, onde muita terra boa é comumente
empregada dessa maneira. No entanto, se excetuarmos a vizinhança de
algumas poucas cidades maiores, esse preço máximo não parece ter sido
atingido em nenhum lugar da Escócia, onde os agricultores não costumam
empregar muita terra boa para a criação de gado destinado exclusivamente
para os produtos lácteos. Embora o preço do produto tenha aumentado
muito nestes poucos anos, ele ainda está provavelmente muito baixo para
permitir tal uso das terras. De fato, a inferioridade de sua qualidade,
comparada com a produção de laticínios da Inglaterra, condiz totalmente
com a inferioridade do preço. Mas essa qualidade inferior talvez seja a
consequência de seu preço baixo, e não a causa. Embora a qualidade fosse
muito melhor, entendo que a maior parte do que é levado ao mercado não
poderia, nas atuais circunstâncias do país, ser vendida por um preço muito
melhor; além disso, é provável que o preço atual não compense as despesas
da terra e do trabalho necessárias para produzir uma qualidade muito
melhor. Na maior parte da Inglaterra, não obstante a superioridade do
preço, o comércio de laticínios não é visto como um emprego da terra
mais lucrativo que a plantação de cereais ou a engorda de gado, os dois
grandes objetivos da agricultura. Na maior parte da Escócia, portanto,
ainda não há nem como ser um negócio rentável.
Evidentemente, as terras de nenhum país jamais poderão ser
completamente cultivadas e aprimoradas antes que o preço de cada
produto que o trabalho humano se vê obrigado a criar nelas chegue a um
preço tão elevado a ponto de pagar as despesas integrais do cultivo e das
melhorias. Para isso, o preço de cada produto específico deve ser suficiente
para, em primeiro lugar, pagar a renda das boas terras de cereais, já que é
ela que regula a renda da maior parte das outras terras cultivadas; e, em
segundo lugar, para pagar o trabalho e as despesas do fazendeiro, da
mesma forma como são geralmente pagas as boas terras de cereais; ou, em
outras palavras, para repor o capital empregado juntamente com os lucros
ordinários. Esse aumento do preço de cada produto específico deve,
evidentemente, ser anterior à melhoria e ao cultivo da terra destinada a
produzi-lo. O ganho é o objetivo de todo aperfeiçoamento, e nada cuja
consequência necessária é a perda merece receber esse nome. Mas a
consequência necessária da melhoria da terra para nela se produzir algo
cujo preço não tem condições de pagar suas despesas será chamada de
perda. Se o progresso e o cultivo total do país forem — como certamente o
são — o maior de todos os benefícios públicos, então, em vez de
considerarmos o aumento do preço de todos os diferentes tipos de
produto da terra como uma calamidade pública, o consideraremos como o
predecessor necessário e acompanhante da maior vantagem pública de
todas.
Esse aumento do preço nominal ou monetário de todos os diferentes
tipos de produtos da terra não foi consequência da degradação do valor da
prata, mas do aumento de seu preço real. Além de valerem uma
quantidade maior de prata do que antes, também valem uma maior
quantidade de trabalho e de alimentos de subsistência. Já que custam uma
quantidade maior de trabalho e de alimentos de subsistência para levá-los
ao mercado, então, quando ali chegam, eles representam ou são
equivalentes a uma quantidade maior.
Terceiro tipo
O terceiro e último tipo de produto da terra cujo preço sobe naturalmente
ao longo do tempo é aquele em que a eficácia do trabalho humano para
aumentar sua quantidade é limitada ou incerta. Portanto, embora o preço
real desse tipo de produto tenda naturalmente a subir com o progresso,
ainda assim, de acordo com os diferentes acidentes que podem fazer com
que os esforços do trabalho humano tenham mais ou menos sucesso em
aumentar a quantidade do produto, às vezes pode até mesmo acontecer de
ele diminuir ou, às vezes, manter a mesma quantidade em diferentes
períodos; em outras situações, pode aumentar em maior ou menor grau
no mesmo período.
Existem alguns tipos de produtos que a natureza transformou em uma
espécie de acessório de outros tipos de produtos; de tal forma que a
quantidade que um país consegue obter de um deles está necessariamente
limitada pela quantidade que pode obter do outro. A quantidade de lã ou
de couro cru, por exemplo, que qualquer país consegue obter está
necessariamente limitada pelo número grande ou pequeno de cabeças de
gado grande e pequeno de que o país dispõe. O estado do seu progresso e
a natureza da sua agricultura determinam necessariamente esse número.
Pode-se imaginar que as mesmas causas que fazem com que o preço da
carne aumente com o progresso deveriam surtir o mesmo efeito nos
preços da lã e do couro bruto, e que também deveriam elevá-los quase na
mesma proporção. Seria provavelmente assim se nos primórdios
rudimentares do processo de evolução o mercado destas últimas
mercadorias estivesse confinado dentro de limites tão estreitos quanto o
das primeiras. Mas a extensão de seus respectivos mercados costuma ser
extremamente diferente.
O mercado para a carne, em quase todos os lugares, está limitado ao
país que a produz. A Irlanda e, de fato, uma parte da América britânica
realizam um comércio considerável em alimentos salgados; mas eles são,
creio eu, os únicos países do mundo que o fazem ou que exportam uma
boa parte de sua carne para outros países.
Nos primórdios rudimentares do desenvolvimento, o mercado de lã e
couro bruto, pelo contrário, está raramente limitado ao país produtor. Os
produtos podem ser facilmente transportados para países distantes — a lã
sem nenhum preparo e o couro cru com muito pouco. E, por serem
material de muitas outras manufaturas, a indústria de outros países pode
ter uma demanda por eles, mesmo que ela não exista no país produtor.
Nos países mal cultivados e, portanto, com poucos habitantes, o preço
da lã e do couro é, em proporção ao preço do animal inteiro, sempre maior
do que em países onde, por causa do estado mais avançado da população e
da economia em geral, há mais demanda por carne de açougue. O senhor
Hume241 observa que no tempo dos saxões a lã valia 2/5 da ovelha inteira,
e que essa proporção estava muito acima de sua estimativa atual.
Garantiram-me que em algumas províncias da Espanha a ovelha é
frequentemente morta apenas por sua lã e gordura. A carcaça é muitas
vezes deixada para apodrecer no chão ou para ser devorada por animais
selvagens e aves de rapina. Se isso ocorre às vezes até mesmo na Espanha,
então ocorre de forma quase constante no Chile, em Buenos Aires e em
muitas outras partes da América espanhola, onde o gado com chifres é
morto de forma quase constante apenas por sua pele e gordura. Isso
também costumava acontecer quase constantemente em Hispaniola,
enquanto estava infestada de bucaneiros e antes que os assentamentos,
benefícios e povoamento das colônias francesas (que atualmente se
estende em torno da costa de quase toda a metade ocidental da ilha)
oferecessem algum valor para o gado dos espanhóis, que ainda continuam
sendo donos não só da parte oriental da costa, mas também de todo o
interior e das regiões montanhosas do país.
Embora durante o curso do progresso e aumento da população o preço
do animal inteiro necessariamente aumente, ainda assim o preço da
carcaça fica propenso a ser mais afetado por esse aumento do que o da lã e
o da pele. Já que no estado rudimentar da sociedade o mercado de
carcaças sempre está confinado ao país produtor, ele necessariamente se
expande em proporção ao crescimento e à população daquele país. Mas o
mercado de lã e couro, mesmo o de um país bárbaro, costuma se estender
para todo o mundo comercial, mas raramente pode ser ampliado na
mesma proporção. O estado de todo o mundo comercial raramente fica
muito afetado pelas melhorias de uma nação específica qualquer e, depois
da ocorrência das melhorias, o mercado para essas mercadorias pode
permanecer igual ou quase igual a antes. Mas pode-se esperar que, no
curso natural das coisas, a totalidade do mercado se expanda um pouco
como consequência dele. Para que as manufaturas floresçam no país,
especialmente as que utilizam aqueles bens como matéria-prima, o
mercado — embora não possa ser muito ampliado — deverá, ao menos,
ficar mais próximo do local de crescimento do que antes; e o preço desses
materiais deverá ao menos ser aumentado pelo valor que se gastava
normalmente para transportá-los até países distantes. Embora seus preços
não consigam aumentar na mesma proporção dos preços da carne,
deverão aumentar naturalmente um pouco e, certamente, não diminuirão.
Não obstante o estado florescente da indústria de lã na Inglaterra, o
preço de seu produto vem diminuindo muito desde a época de Eduardo
III. Muitos registros autênticos indicam que durante o reinado do príncipe
(em meados do século XIV, ou cerca de 1339), o que era considerado um
preço razoável e moderado do tod, isto é, 28 libras de lã inglesa, não era
menos do que 10 xelins em valores daquele período, contendo, à taxa de
20 pence a onça, 6 onças-tower de prata, ou seja, cerca de 30 xelins no
dinheiro atual. Atualmente, 21 xelins por tod pode ser considerado um
bom preço pela lã inglesa de boa qualidade. O preço em dinheiro da lã,
portanto, nos tempos de Eduardo III em relação ao seu preço em dinheiro,
atualmente estaria em uma proporção de 10 para 7. A superioridade do
seu preço real era ainda maior. A uma taxa de 6 xelins e 8 pence por
“quarto”, 10 xelins representavam, naquela época, o preço de 12 bushels de
trigo. A uma taxa de 28 por quarto, 21 xelins é atualmente apenas o preço
de 6 bushels. A relação entre os preços reais dos tempos antigos e os da
atualidade, portanto, é aproximadamente de 12 para 6, ou 2 para 1.
Naqueles tempos, um tod de lã poderia comprar duas vezes mais
subsistência que atualmente; e, consequentemente, duas vezes mais
trabalho, se a remuneração real do trabalho fosse a mesma em ambos os
períodos.
Essa degradação dos valores real e nominal da lã nunca poderia ter
acontecido em consequência do curso natural das coisas. Nesse sentido,
ela é consequência da violência e do artifício, causados, em primeiro lugar,
pela proibição absoluta da exportação de lã da Inglaterra; em segundo
lugar, pela permissão de importá-la da Espanha com isenção dos tributos
aduaneiros; em terceiro lugar, pela proibição de exportá-la da Irlanda para
qualquer outro país, exceto para a Inglaterra. Por causa dessas regras, em
vez de o mercado de lã inglesa crescer como consequência do progresso da
Inglaterra, a lã ficou confinada ao mercado doméstico, onde se permite
que a lã de vários outros países concorra com a inglesa e onde a irlandesa é
forçada a competir com a lã inglesa. Já que a manufatura de lã da Irlanda
está tão completamente desestimulada quanto é possível pela justiça e
equidade das transações comerciais, os irlandeses somente conseguem
trabalhar com uma pequena fração de sua própria lã, e, desse modo, são
obrigados a enviar uma proporção maior de sua produção à Grã-Bretanha,
o único mercado em que sua lã é permitida.
Não consegui encontrar registros autênticos sobre o preço dos couros
brutos nos tempos antigos. A lã costumava ser paga como uma subvenção
à coroa, e sua avaliação em tal subvenção certifica, pelo menos em algum
grau, o seu preço corrente na época. Mas isso não parece ter ocorrido em
relação ao couro. Fleetwood, no entanto, com base em umas contas de
1425 entre o prior de Burcester em Oxford e um de seus cônegos, nos dá
seu preço, pelo menos conforme foi estabelecido naquela ocasião
específica: cinco peles de boi a 12 xelins; cinco peles de vaca a 7 xelins e 3
pence; 36 peles de ovelha a 9 xelins; 16 peles de bezerro a 2 xelins. Em
1425, 12 xelins continham aproximadamente a mesma quantidade de
prata que 24 xelins na moeda atual. De acordo com esse registro, o couro
do boi custava, portanto, a mesma quantidade de prata que 4,8 xelins de
nossa moeda atual. Seu preço nominal era muito menor do que o atual.
Mas à taxa de 6 xelins e 8 pence o quarto, 12 xelins comprariam, naquela
época, 14,8 bushels de trigo, que, a 3 xelins e 6 pence o bushel, custariam,
nos tempos atuais, 51 xelins e 4 pence. O couro de um boi, portanto,
compraria, naqueles tempos, tanto cereal quanto 10 xelins e 3 pence
comprariam no presente. Seu valor real era igual a 10 xelins e 3 pence de
nossa moeda atual. Não há como supor que o gado daqueles tempos
antigos fosse muito grande, pois passava fome durante a maior parte do
inverno. O couro de um boi que pese 4 stone de 16 libras averdupois não é
considerado ruim atualmente, e naqueles tempos antigos isso talvez fosse
considerado como algo muito bom. Mas a meia coroa o stone, que acredito
ser hoje (fevereiro de 1773) o preço corrente, esse couro custaria apenas 10
xelins. Apesar de seu preço nominal ser maior hoje do que antes, seu preço
real, isto é, a quantidade real de alimentos que ele pode comprar ou
comandar, é um pouco menor. O preço do couro de vaca, conforme
afirmado pelas contas mencionadas, se faz quase na proporção comum ao
couro de boi. Em relação ao couro de ovelha, em uma proporção bastante
aumentada; ele provavelmente era vendido junto com a lã. Em relação ao
couro de bezerro, pelo contrário, em uma proporção bem abaixo. Nos
países em que o gado é barato demais, os bezerros, que não se destinam à
criação para a manutenção do número de cabeças, são geralmente
abatidos ainda muito jovens; assim ocorria na Escócia há vinte ou trinta
anos. Tal prática representa uma economia em leite que o preço dos
bezerros não conseguiria cobrir. O couro deles, portanto, costuma valer
quase nada.
O preço do couro bruto é bem mais baixo hoje do que há alguns anos,
devido provavelmente à retirada das taxas de importação sobre a pele de
foca, bem como à permissão, por um tempo limitado, das importações —
isentas de taxas — de couro cru da Irlanda e das colônias, concedida em
1769. Se tomarmos a média do atual século, veremos que seu preço real
provavelmente terá sido um pouco maior do que naqueles tempos antigos.
Diferentemente da lã, a natureza da mercadoria a torna menos adequada
para ser transportada até mercados distantes. Seu armazenamento causa
mais danos. O couro salgado é considerado inferior ao fresco e é vendido
por um preço mais baixo. Essa circunstância deve necessariamente tender,
de algum modo, a derrubar o preço do couro produzido em um país que
não o manufatura, mas que é obrigado a exportá-lo; e, comparativamente,
a elevar o preço do couro produzido em um país que o manufatura. Deve
tender, de algum modo, a baixar o seu preço em um país bárbaro e a
aumentá-lo em um país manufatureiro e aprimorado. Deve ter tendido, de
algum modo, portanto, a derrubar seu preço na Antiguidade e a aumentá-
lo nos tempos modernos. Nossos curtidores, além do mais, não tiveram
tanto sucesso quanto os nossos fabricantes de roupas em convencer a
nação de que a segurança da commonwealth depende da prosperidade de
sua indústria. Assim, eles têm sido muito menos favorecidos. A
exportação de couro bruto foi, de fato, proibida e declarada um incômodo:
mas sua importação de países estrangeiros passou a ser taxada; e, embora
essa taxa não seja cobrada dos produtos vindos da Irlanda e das colônias
(por cinco anos apenas), a Irlanda não se limita ao mercado da Grã-
Bretanha para a venda de seu excedente de couro ou para a venda do
couro que não é manufaturado localmente. Somente nos últimos anos, o
couro do gado comum foi enquadrado entre os produtos listados que as
colônias podem enviar apenas à metrópole; neste caso, com o objetivo de
oferecer apoio às manufaturas inglesas, o comércio da Irlanda também
não foi reprimido até então.
Quaisquer regulamentos que tendam a reduzir o preço da lã ou do
couro cru a um valor abaixo do preço que teriam naturalmente,
incentivam, em um país aprimorado e bem cultivado, alguma tendência a
aumentar o preço da carne de açougue. O preço do gado de grande e
pequeno porte que é criado em terras aprimoradas e cultivadas deve ser
suficiente para pagar a renda do dono da terra e o lucro que o fazendeiro
espera da terra aprimorada e cultivada. Caso isso não aconteça, o gado
deixará de ser criado ali. Portanto, qualquer fração desse preço que não
seja paga pela lã e pelo couro deverá ser paga pela carcaça. Quanto menos
for pago por um, mais será pago pelo outro. A maneira como esse preço
será dividido entre as diferentes partes do animal é indiferente para os
proprietários e os fazendeiros, desde que tudo seja pago a eles. Portanto,
em um país aprimorado e bem cultivado, seus interesses como
proprietários e fazendeiros não podem ser muito afetados por tais
regulamentos; mas seus interesses como consumidores podem ficar
bastante afetados pelo aumento do preço das provisões. Seria
completamente diferente, no entanto, em um país primitivo e não
cultivado, onde a maior parte das terras somente poderia ser usada para a
alimentação do gado e onde a lã e o couro constituíssem o componente
principal do valor do gado. Seus interesses como proprietários e
agricultores seriam, nesse caso, profundamente afetados por tais
regulamentos, e seus interesses como consumidores, muito pouco; a queda
do preço da lã e do couro não causaria o aumento do preço da carcaça,
pois, já que a maior parte das terras do país serve unicamente para a
criação de gado, o mesmo número de cabeças continuaria a ser
alimentado. A mesma quantidade de carne continuaria a ser levada para o
mercado. Sua demanda não seria maior do que antes. Seu preço, portanto,
seria o mesmo que antes. O preço integral do gado cairia; junto com ele,
tanto a renda quanto o lucro de todas aquelas terras em que o gado é o
produto principal, ou seja, na maior parte das terras do país. A proibição
perpétua da exportação de lã — que é comumente, mas muito falsamente,
atribuída ao rei Eduardo III — seria, nas circunstâncias em que o país se
encontrava, a lei mais destrutiva que se poderia imaginar. Além de ter
reduzido o valor real da maior parte das terras do Reino, a lei, ao reduzir o
preço das mais importantes espécies de gado de pequeno porte, teria
retardado muito o seu subsequente aperfeiçoamento.
A lã escocesa sofreu uma queda bastante considerável em seu preço em
decorrência da união com a Inglaterra, pois o produto foi excluído de um
grande mercado europeu e confinou-se ao mercado mais estreito da Grã-
Bretanha. Se o aumento do preço da carne não tivesse compensado
inteiramente a queda do preço da lã, o valor da maior parte das terras dos
condados ao sul da Escócia, as quais servem principalmente como área de
pastagem para ovelhas, teria sido profundamente afetado pela união.
Assim como é limitada a eficácia do trabalho humano para gerar um
aumento da quantidade de lã ou de couro, pois depende do produto do
país, essa eficácia também é incerta, pois depende do produto dos outros
países. Ela não depende tanto da quantidade que eles produzem, mas da
quantidade não manufaturada por eles e das restrições que considerem
adequado impor ou não sobre as exportações desse tipo de produto
agrícola. Já que essas circunstâncias são completamente independentes da
indústria doméstica, elas fazem com que a eficácia de seus esforços se
torne mais ou menos incerta. Quando esse tipo de produto é multiplicado,
portanto, a eficácia do trabalho humano se torna limitada e incerta.
Ao multiplicarmos outro tipo muito importante de produto natural, a
quantidade de peixes levada ao mercado, a eficácia fica do mesmo modo
limitada e incerta. É limitada pela situação local do país, pela proximidade
ou distância de suas diferentes províncias até o mar, pelo número de seus
lagos e rios e pelo que pode ser chamado de fertilidade ou infertilidade
daqueles mares, lagos e rios em relação a esse produto natural. Com o
aumento da população, aumenta também o produto anual da terra e do
trabalho e passa a existir um número maior de compradores de peixes;
estes compradores também têm uma maior quantidade e variedade de
outros bens com os quais comprar, ou, o que dá na mesma, o preço de
uma maior quantidade e variedade de outros bens. Mas geralmente será
impossível suprir um mercado grande e ampliado sem empregar uma
quantidade de trabalho proporcionalmente maior do que a utilizada para
atender um outro mais estreito e confinado. Se um mercado que exigia
apenas mil toneladas imperiais de peixe por ano passasse a exigir 10 mil,
ele raramente poderia ser suprido sem o emprego de dez vezes mais
trabalho que a quantidade anteriormente suficiente para supri-lo. O peixe
geralmente teria de ser trazido de distâncias maiores, navios maiores
deveriam ser empregados e todos os tipos de máquinas caras precisariam
ser utilizados. Assim, o preço real dessa mercadoria aumenta
naturalmente com o progresso. E foi mais ou menos isso o que aconteceu,
acredito, em todos os países.
Embora o sucesso de um dia específico de pesca seja uma questão
muito incerta, supondo-se a situação local do país, poderíamos imaginar
que, no curso de um ano ou de vários anos seguidos, a eficácia geral da
indústria para levar determinada quantidade de peixe para o mercado é
suficientemente certa; e, sem dúvida, ela é assim. Já que depende mais, no
entanto, da situação local do país do que do estado de sua riqueza e
indústria, e já que, por essa razão, o sucesso pode, em vários países, ser o
mesmo em diferentes estágios do progresso e muito diferente no mesmo
estágio, sua conexão com a fase do progresso é incerta, e é desse tipo de
incerteza que estou falando aqui.
Ao aumentar a quantidade dos diferentes minerais e metais que são
retirados das entranhas da terra, particularmente dos mais preciosos, a
eficácia da indústria humana não parece estar limitada, mas é
completamente incerta.
A quantidade de metais preciosos que pode ser encontrada em um país
qualquer não se limita por algum elemento de sua localização, como a
fertilidade ou infertilidade de suas próprias minas. Esses metais costumam
ser abundantes em países que não possuem minas. Sua quantidade em
cada país específico parece depender de duas circunstâncias diferentes: em
primeiro lugar, de seu poder de compra, do estado da sua indústria, do
produto anual de sua terra e do trabalho, em consequência do que pode se
permitir empregar uma maior ou uma menor quantidade de trabalho e
provisões para levar ao mercado ou adquirir produtos supérfluos, como o
ouro e a prata, de suas próprias minas ou de outros países; e, em segundo
lugar, da fertilidade ou do esgotamento das minas, que pode acontecer a
qualquer momento em particular para abastecer o mundo comercial com
aqueles metais. A quantidade desses metais nos países mais distantes da
maioria das minas deve ser mais ou menos afetada por essa fertilidade ou
infertilidade, devido ao transporte fácil e barato desses metais, ao seu
pequeno volume e grande valor. As quantidades existentes na China e no
Hindustão devem ter sido mais ou menos afetadas pela abundância das
minas americanas.
Tendo em vista que, em qualquer país específico, sua quantidade
depende da primeira das duas circunstâncias (o poder de compra), seu
preço real, assim como o preço real de todos os outros produtos supérfluos
e de luxo, tende a aumentar com a riqueza e o progresso do país, e a cair
com a sua pobreza e depressão. Os países que têm uma grande quantidade
de trabalho e que possuem subsistência de sobra podem assumir a compra
de quaisquer quantidades específicas desses metais, em vez de uma maior
quantidade de trabalho e de subsistência, do que os países que têm
excedentes menores.
Na medida em que, em qualquer país específico, a quantidade depende
da segunda circunstância (a riqueza ou infertilidade das minas que
abastecem o mundo comercial), seu preço real, a quantidade de trabalho e
de subsistência que podem comprar ou trocar, irá, sem dúvida, cair de
forma mais ou menos proporcional à fertilidade e irá aumentar
proporcionalmente à escassez de metais das minas.
No entanto, a fertilidade ou escassez das minas que em um certo
momento particular abastecem o mundo comercial é uma circunstância
que, evidentemente, pode não ter nenhum tipo de conexão com o estado
da indústria de um determinado país. Parece mesmo não ter nenhuma
conexão muito necessária com a do mundo em geral. Conforme os ofícios
e o comércio, de fato, espalham-se gradualmente por porções cada vez
maiores do globo e a busca por novas minas compreende uma superfície
muito mais ampla, as chances de êxito passam a ser muito maiores do que
quando as buscas estavam confinadas a limites mais estreitos. A
descoberta de novas minas, tendo em vista a gradual exaustão das antigas,
é uma questão extremamente incerta que não pode ser garantida por
nenhuma habilidade ou empenho. Todas as indicações são
reconhecidamente duvidosas; somente a descoberta real e a exploração
bem-sucedida de uma nova mina podem dar conta da realidade de seu
valor, ou até mesmo de sua existência. Nessa busca, parece não haver
limites certos para o sucesso possível, nem para a possível decepção do
empenho. No decurso de um século ou dois, é possível que sejam
encontradas novas minas mais férteis do que as atualmente conhecidas; e é
igualmente possível que a mina mais produtiva que se descubra seja mais
pobre do que qualquer outra mina explorada até antes da descoberta das
minas da América. Entre esses dois eventos, a ocorrência de um ou de
outro é de muito pouca importância para a verdadeira riqueza e
prosperidade do mundo, para o valor real do produto anual da terra e do
trabalho da humanidade. Seu valor nominal, a quantidade de ouro e prata
pela qual esse produto anual pode ser expresso ou representado, seria sem
dúvida muito diferente; mas seu valor real, a quantidade real de trabalho
que ele poderia comprar ou comandar, seria exatamente o mesmo. No
primeiro caso, 1 xelim talvez não represente mais trabalho do que 1 penny
atualmente; e 1 penny, no outro, talvez represente tanto quanto 1 xelim
vale atualmente. Mas, no primeiro caso, a pessoa que carregava 1 xelim em
seu bolso não seria mais rica que aquela que, no presente, levasse 1 penny;
e, no outro, a pessoa com 1 penny seria somente tão rica quanto a outra
que hoje tivesse 1 xelim. O baixo preço e a abundância dos utensílios de
prata e de ouro seriam as únicas vantagens que o mundo obteria do
primeiro evento, e os únicos inconvenientes do outro evento seriam o
preço alto e a escassez desses produtos supérfluos e insignificantes.
1 — 12 —
2
— 13 4 — 13 5 2 — 3
0
5
— 15 —
1
2
— 12 — — — — 1 16 —
2
3
1
2
— 3 4 — — — — 10 —
3
7
1
2
— 2 — — — — — 6 —
4
3
1
2
— 2 — — — — — 6 —
4
4
1
2
— 16 — — — — 2 8 —
4
6
1
2
— 13 4 — — — 2 — —
4
7
1
2
1 4 — — — — 3 12 —
5
7
1 1 — — — — — 2 11 —
2
5 — 15 —
8
— 16 —
1 4 16 —
2
5 12 — 16 16 —
7
0 6 8 —
1 — 2 8 — 9 4
2
1 8 —
8
6 — 16 —
Total 35 9 3
1
2
— 3 4 — — — — 10 —
8
7
1 — — 8 — 3 0,25 0 9 0,75
2
8 — 1 —
8
— 1 4
— 1 6
— 1 8
— 2 —
— 3 4
— 9 4
— 12 —
1 — 6 —
2
— 2 — — 10 1,5 10 4,5
8
9
— 10 8
1 — —
1
2
— 16 — 2 8 —
9
0
1
2
— 16 — 2 8 —
9
4
1
3
— 4 — — 12 —
0
2
1
3
— 7 2 1 1 6
0
9
1
3
1 — — 3 — —
1
5
1 — —
1
1 10 —
3
4 11 6
1
1 12 — 1 10 6
6
2 — —
1 2 4 — 5 18 6
3
— 14 —
1
2 13 — 1 19 6
7
4 — —
— 6 8
1
3
— 2 — — 6 —
3
6
1
3
— 3 4 — 10 —
3
8
Total 23 4 11,25
Preço médio 1 18 8
1
3
— 9 — — — — 1 7 —
3
9
1
3
— 2 — — — — — 5 2
4
9
1
3
1 6 8 — — — 3 2 2
5
9
1
3
— 2 — — — — — 4 8
6
1
1 — 15 — — — — 1 15 —
3
6
3
1 1 — —
3
1 2 — 2 9 4
6
9 1 4
1
3
— 4 — — — — — 9 4
7
9
1
3
— 2 — — — — — 4 8
8
7
— 13 4
1
1
3 — —
4 — 14 5 1 13 7
9
0
1
— —
6
1
4
— 16 — — — — 1 17 4
0
1
1 — 4 4,75
4
— 3 10 — 8 11
0
7 — 3 4
1
4
— 16 — — — — 1 12 —
1
6
Total 15 9 4
Preço médio 1 5 9,33
1
4
— 8 — — — — — 16 —
2
3
1
4
— 4 — — — — — 8 —
2
5
1
4
1 6 8 — — — 2 13 4
3
4
1
4
— 5 4 — — — — 10 8
3
5
1 1 — —
4
1 3 4 2 6 8
3
9 1 6 8
1
4
1 4 — — — — 2 8 —
4
0
1 — 4 4
4
— 4 2 — 8 4
4
4 — 4 —
1 — 4 6 — — — — 9 —
4
4
5
1
4
— 8 — — — — — 16 —
4
7
1
4
— 6 8 — — — — 13 4
4
8
1
4
— 5 — — — — — 10 —
4
9
1
4
— 8 — — — — — 16 —
5
1
Total 12 15 4
1
4
— 5 4 — — — — 10 8
5
3
1
4
— 1 2 — — — — 2 4
5
5
1 — 7 8 — — — — 15 4
4
5
7
1
4
— 5 — — — — — 10 —
5
9
1
4
— 8 — — — — — 16 —
6
0
1 — 2 —
4
1 10 — — 3 8
6
3 — 1 8
1
4
— 6 8 — — — — 10 —
6
4
1
4
1 4 — — — — 1 17 —
8
6
1
4
— 14 8 — — — 1 2 —
9
1
1
4
— 4 — — — — — 6 —
9
4
1
4
— 3 4 — — — — 5 —
9
5
1 1 — — — — — 1 11 —
4
9
7
Total 8 9 —
Preço médio — 14 1
1
4
— 4 — — — — — 6 —
9
9
1
5
— 5 8 — — — — 8 6
0
4
1
5
1 — — — — — 1 10 —
2
1
1
5
— 8 — — — — — 2 —
5
1
1
5
— 8 — — — — — 8 —
5
3
1
5
— 8 — — — — — 8 —
5
4
1 — 8 — — — — — 8 —
5
5
5
1
5
— 8 — — — — — 8 —
5
6
— 4 —
1
— 5 —
5
— 12 7 — 12 7
5
— 8 —
7
2 13 4
1
5
— 8 — — — — — 8 —
5
8
1
5
— 8 — — — — — 8 —
5
9
1
5
— 8 — — — — — 8 —
6
0
Total 6 5 1
Preço médio — 10 5
1
5
— 8 — — — — — 8 —
6
1
1 — 8 — — — — — 8 —
5
6
2
1 2 16 —
5
2 — — 2 — —
7
1 4
4
1
5
3 4 — — — — 3 4 —
8
7
1
5
2 16 — — — — 2 16 —
9
4
1
5
2 13 — — — — 2 13 —
9
5
1
5
4 — — — — — 4 — —
9
6
1 5 4 — 4 12 — 4 12 —
5
9
7 4 —
1
5
2 16 8 — — — 2 16 8
9
8
1
5
1 19 2 — — — 1 19 2
9
9
1 1 17 8 — — — 1 17 8
6
0
0
1
6
1 14 10 — — — 1 14 10
0
1
Total 28 9 4
159 162
— — 2 0 0 — — 1 10 4
5 1
159 162
— — 2 8 0 — — 2 18 8
6 2
159 162
— — 3 9 6 — — 2 12 0
7 3
159 162
— — 2 16 8 — — 2 8 0
8 4
159 162
— — 1 19 2 — — 2 12 0
9 5
160 162
— — 1 17 8 — — 2 9 4
0 6
160 162
— — 1 14 10 — — 1 16 0
1 7
160 — — 1 9 4 162 — — 1 8 0
2 8
160 162
— — 1 15 4 — — 2 2 0
3 9
160 163
— — 1 10 8 — — 2 15 8
4 0
160 163
— — 1 15 10 — — 3 8 0
5 1
160 163
— — 1 13 0 — — 2 13 4
6 2
160 163
— — 1 16 8 — — 2 18 0
7 3
160 163
— — 2 16 8 — — 2 16 0
8 4
160 163
— — 2 10 0 — — 2 16 0
9 5
161 163
— — 1 15 10 — — 2 16 8
0 6
161 1 4
— — 1 18 8 0 0
1 6) 0
161
— — 2 2 4 2 10 0
2
161
— — 2 8 8
3
161
— — 2 1 8,5
4
161
— — 1 18 8
5
161
— — 2 0 4
6
161 — — 2 8 8
7
161
— — 2 6 8
8
161
— — 1 15 4
9
162
— — 1 10 4
0
2 5
0 6,5
6) 4
2 1 6,69
So
ma 7
14 10
par 9
cial
1 1
6 6
— —2 13 0 —— 2 2 0
3 7
7 1
1 1
6 6
— —2 17 4 —— 2 1 0
3 7
8 2
1 1
6 6
— —2 4 10 —— 2 6 8
3 7
9 3
1 — —2 4 8 1 —— 3 8 8
6 6
4 7
0 4
1 1
6 6
— —2 8 0 —— 3 4 8
4 7
1 5
1 1
6 6
—0 0 0 —— 1 18 0
4 7
2 6
1 1
6 6
0 0 0 —— 2 2 0
4 7
3 7
Anos sem dados nas contas. Valores de
1646 fornecidos pelo bispo Fleetwood.
1 1
6 6
0 0 0 —— 2 19 0
4 7
4 8
1 1
6 6
0 0 0 —— 3 0 0
4 7
5 9
1 1
6 6
— —2 8 0 —— 2 5 0
4 8
6 0
1 1
6 6
— —3 13 8 —— 2 6 8
4 8
7 1
1 1
6 6
— —4 5 0 —— 2 4 0
4 8
8 2
1 — —4 0 0 1 —— 2 0 0
6 6
4 8
9 3
1 1
6 6
— —3 16 8 —— 2 4 0
5 8
0 4
1 1
6 6
— —3 13 4 —— 2 6 8
5 8
1 5
1 1
6 6
— —2 9 6 —— 1 14 0
5 8
2 6
1 1
6 6
— —1 15 6 —— 1 5 2
5 8
3 7
1 1
6 6
— —1 6 0 —— 2 6 0
5 8
4 8
1 1
6 6
— —1 13 4 —— 1 10 0
5 8
5 9
1 1
6 6
— —2 3 0 —— 1 14 8
5 9
6 0
1 1
6 6
— —2 6 8 —— 1 14 0
5 9
7 1
1 — —3 5 0 1 —— 2 6 8
6 6
5 9
8 2
1 1
6 6
— —3 6 0 —— 3 7 8
5 9
9 3
1 1
6 6
— —2 16 6 —— 3 4 0
6 9
0 4
1 1
6 6
— —3 10 0 —— 2 13 0
6 9
1 5
1 1
6 6
— —3 14 0 —— 3 11 0
6 9
2 6
1 1
6 6
— —2 17 0 —— 3 0 0
6 9
3 7
1 1
6 6
— —2 0 6 —— 3 8 4
6 9
4 8
1 1
6 6
— —2 9 4 —— 3 4 0
6 9
5 9
1 1
6 7
— —1 16 0 —— 2 0 0
6 0
6 0
1 — —1 16 0 6 1 1 8
6 0 5
) 3
6
7
1
6 0,
— —2 0 0 2 11
6 33
8
1
6
— —2 4 4
6
9
1
6
— —2 1 8
7
0
7
Soma parcial 14 10
9
Soma parcial 69 8 8
17 17
— — 1 17 8 — — 1 18 10
01 34
17 17
— — 1 9 6 — — 2 3 0
02 35
17 17
— — 1 16 0 — — 2 0 4
03 36
17 17
— — 2 6 6 — — 1 18 0
04 37
17 17
— — 1 10 0 — — 1 15 6
05 38
17 17
— — 1 6 0 — — 1 18 6
06 39
17 — — 1 8 6 17 — — 2 10 8
07 40
17 17
— — 2 1 6 — — 2 6 8
08 41
17 17
— — 3 18 6 — — 1 14 0
09 42
17 17
— — 3 18 0 — — 1 4 10
10 43
17 17
— — 2 14 0 — — 1 4 10
11 44
17 17
— — 2 6 4 — — 1 7 6
12 45
17 17
— — 2 11 0 — — 1 19 0
13 46
17 17
— — 2 10 4 — — 1 14 10
14 47
17 17
— — 2 3 0 — — 1 17 0
15 48
17 17
— — 2 8 0 — — 1 17 0
16 49
17 17
— — 2 5 8 — — 1 12 6
17 50
17 17
— — 1 18 10 — — 1 18 6
18 51
17 17
— — 1 15 0 — — 2 1 10
19 52
17 17
— — 1 17 0 — — 2 4 8
20 53
17 17
— — 1 17 6 — — 1 14 8
21 54
17 — — 1 16 0 17 — — 1 13 10
22 55
17 17
— — 1 14 8 — — 2 5 3
23 56
17 17
— — 1 17 0 — — 3 0 0
24 57
17 17
— — 2 8 6 — — 2 10 0
25 58
17 17
— — 2 6 0 — — 1 19 10
26 59
17 17
— — 2 2 0 — — 1 16 6
27 60
17 17
— — 2 14 6 — — 1 10 3
28 61
17 17
— — 2 6 10 — — 1 19 0
29 62
17 17
— — 1 16 6 — — 2 0 9
30 63
17 17
— — 1 12 10 — — 2 6 9
31 64
17 12
— — 1 6 8 64) 13 6
32 9
17
— — 1 8 4 2 0 6,59
33
6
Soma parcial 8 8
9
173 174
— — 1 12 10 — — 2 6 8
1 1
173 — — 1 6 8 174 — — 1 14 0
2 2
173 174
— — 1 8 4 — — 1 4 10
3 3
173 174
— — 1 18 10 — — 1 4 10
4 4
173 174
— — 2 3 0 — — 1 7 6
5 5
173 174
— — 2 0 4 — — 1 19 0
6 6
173 174
— — 1 18 0 — — 1 14 10
7 7
173 174
— — 1 15 6 — — 1 17 0
8 8
173 174
— — 1 18 6 — — 1 17 0
9 9
174 175
— — 2 10 8 — — 1 12 6
0 0
1 1 1 1
12 8 18 2
0) 8 0) 6
1 17 3,33 1 13 9,80
LIVRO II
NATUREZA, ACUMULAÇÃO E APLICAÇÃO DO
CAPITAL
INTRODUÇÃO
Naquele estado primitivo da sociedade em que não há divisão do
trabalho, em que as trocas são realizadas raramente e em que cada um
fornece a si mesmo tudo de que precisa, não é necessário que qualquer
estoque (stock)251 seja acumulado ou armazenado previamente para dar
continuidade aos negócios da sociedade. Por sua própria conta e por
meio do próprio trabalho, cada um se empenha para satisfazer as
próprias necessidades conforme se manifestem. Quando tem fome, o
indivíduo vai para a floresta caçar; quando seu casaco está gasto, ele se
veste com a pele do primeiro animal grande que matar, e quando seu
casebre começa a ficar decrépito, ele o repara da melhor forma possível
com as árvores e a relva das proximidades.
Mas, após a implementação completa da divisão do trabalho, o
produto do trabalho de uma única pessoa passa a oferecer a cada um a
satisfação de apenas uma parte muito pequena de suas necessidades
ocasionais. A maior parte delas é atendida pelo produto do trabalho de
outras pessoas, que é comprado com o produto ou, o que dá na mesma,
com o preço do produto de seu próprio trabalho. Mas essa compra só
poderá ser realizada depois que o produto de seu próprio trabalho tiver
sido não apenas concluído, mas vendido. A pessoa deverá armazenar em
algum lugar um estoque de diferentes tipos de bens que seja suficiente
para sustentá-la e que possa lhe fornecer a matéria-prima e as
ferramentas de seu trabalho pelo menos até o momento em que a compra
ou a venda ocorrerem. Um tecelão não pode dedicar-se inteiramente ao
seu negócio peculiar caso não tenha armazenado previamente — na sua
posse ou na de alguma outra pessoa — um fundo (stock) que seja
suficiente para sustentá-lo e fornecer-lhe a matéria-prima e as
ferramentas de seu trabalho até que ele conclua e venda os seus tecidos.
Evidentemente, essa acumulação deverá ser prévia para que ele possa
dedicar seu trabalho por tão longo tempo a um negócio tão específico.
Assim como a acumulação de capital deve, por sua natureza, ser
anterior à divisão do trabalho, o trabalho somente poderá ser ainda mais
subdividido em proporção à maior acumulação prévia de capital. A
quantidade de matéria-prima que o mesmo número de pessoas pode
utilizar aumenta em uma proporção maior conforme o trabalho vai
sendo cada vez mais subdividido; e conforme as operações de cada
trabalhador vão sendo aos poucos reduzidas a um maior grau de
simplicidade, diversas novas máquinas passam a ser inventadas para
facilitar e abreviar essas operações. Portanto, à medida que avança a
divisão do trabalho — e com o objetivo de oferecer emprego contínuo a
um número igual de trabalhadores —, devem ser acumulados
antecipadamente um estoque igual de provisões e um estoque maior de
matérias-primas e ferramentas do que teria sido necessário em um
estágio mais primitivo. Mas o número de trabalhadores em cada ramo de
negócios em geral aumenta com a divisão do trabalho neste ramo, ou
melhor, é o aumento do número de trabalhadores que permite a eles que
se classifiquem e se subdividam dessa forma.
Tendo em vista que a acumulação prévia de capital (stock) é
necessária para a promoção desse grande desenvolvimento dos poderes
produtivos do trabalho, então aquela acumulação leva naturalmente a
esse desenvolvimento. A pessoa que utiliza seu capital (stock) na
manutenção de trabalho necessariamente deseja aplicá-lo de forma a
produzir a maior quantidade possível de trabalho. Ela se empenha,
portanto, para realizar a distribuição mais adequada do trabalho entre
seus trabalhadores, bem como para equipá-los com as melhores
máquinas que tenha conseguido inventar ou tido recursos para comprar.
Nesses dois aspectos, suas capacidades são, em geral, proporcionais ao
tamanho de seu capital ou ao número de pessoas que esse capital pode
empregar. A quantidade de trabalho dos países, portanto, não aumenta
somente em cada país com o aumento do capital que emprega esse
trabalho, mas, como consequência desse aumento, a mesma quantidade
de esforço produz uma quantidade de trabalho muito maior.
Tais são, em geral, os efeitos do aumento do capital (stock) sobre as
atividades do trabalho e seus poderes produtivos.
Eu procuro explicar neste livro a natureza do capital (stock), os efeitos
de sua acumulação em capitais (capitals) de diferentes tipos e os efeitos
de seus diferentes usos. O livro está dividido em cinco capítulos. No
primeiro capítulo, busco mostrar quais são as diferentes partes ou ramos
em que o capital, tanto de um indivíduo quanto de uma grande
sociedade, naturalmente se divide. No segundo, procuro explicar a
natureza e o funcionamento do dinheiro, considerado como um ramo
específico do capital geral da sociedade. O fundo (stock) acumulado em
capital (capital) pode ser utilizado por seu dono ou pode ser emprestado
a outras pessoas. No terceiro e no quarto capítulos, examino o
funcionamento do capital nessas duas situações. O quinto e último
capítulo trata dos diversos efeitos que as diferentes aplicações (ou
emprego) do capital (capital) produzem de forma imediata sobre a
quantidade de atividade nacional e sobre o produto anual da terra e do
trabalho.
CAPÍTULO I
A DIVISÃO DO CAPITAL
Quando o estoque (stock) de uma pessoa é suficiente apenas para
sustentá-la por alguns dias ou algumas semanas, ela raramente pensa em
obter qualquer rendimento desse estoque. O indivíduo consome seu
capital com moderação e se esforça para, com seu trabalho, adquirir algo
que possa substituí-lo antes de ser totalmente consumido. Seu
rendimento, nesse caso, deriva apenas de seu trabalho. Essa é a situação
da maioria dos trabalhadores pobres em todos os países.
Mas quando ele possui fundos (stock) suficientes para mantê-lo por
meses ou anos, naturalmente se esforça para obter um rendimento da
maior parte desses fundos, reservando apenas o suficiente para seu
consumo imediato até que esses rendimentos comecem a entrar. A
integralidade de seus fundos, portanto, divide-se em duas partes: o
capital (capital), isto é, a parte que poderá lhe proporcionar esses
rendimentos; a outra parte é aquela que satisfaz o seu consumo imediato.
Esta outra consiste, em primeiro lugar, na porção de seus fundos (stock)
que estava originalmente reservada para essa finalidade; ou, em segundo
lugar, no ingresso gradual de seu rendimento, independentemente da
fonte de origem; ou, em terceiro lugar, são as coisas compradas em anos
anteriores por uma dessas duas partes e que ainda não foram
completamente consumidas, como, por exemplo, um estoque de roupas,
mobiliários domésticos e similares. Os fundos (stock) que as pessoas
normalmente reservam para o seu consumo imediato consistem em uma,
na outra ou em todas essas três categorias.
O capital (capital), a fim de produzir um rendimento ou lucro para
quem o aplica, pode ser utilizado de duas maneiras.
Em primeiro lugar, pode ser empregado para a criação, fabricação ou
aquisição de bens que serão revendidos com lucro. O capital aplicado
dessa maneira não produzirá nenhum rendimento ou lucro ao seu titular
enquanto permanecer em sua posse ou mantiver a mesma forma. As
mercadorias do comerciante não lhe rendem rendimentos ou lucros até
que ele as consiga vender em troca de dinheiro; o dinheiro, novamente,
somente lhe renderá algo quando for trocado por mercadorias. De modo
contínuo, seu capital (capital) tem uma forma quando sai de suas mãos e
outra quando a elas volta; e é somente por meio de tal circulação, ou de
trocas sucessivas, que o capital poderá lhe render algum lucro. Esse
capital pode, portanto, ser corretamente chamado de capital circulante.
Em segundo lugar, ele pode ser empregado para o aprimoramento das
terras, para a compra de máquinas úteis e instrumentos de trabalho ou
em coisas afins que gerem rendimentos ou lucros sem mudar de dono ou
circular mais. Esse capital pode, portanto, ser corretamente chamado de
capital fixo.
Diferentes ocupações exigem a aplicação de proporções muito
diferentes entre os capitais fixo e circulante.
O capital de um comerciante, por exemplo, é formado exclusivamente
por capital circulante. Ele não precisa de máquinas ou instrumentos de
trabalho, a menos que sua loja ou armazém sejam considerados como
tais.
Parte do capital de todo mestre-artesão ou fabricante deve ser fixo,
isto é, deve estar fixado em seus instrumentos de trabalho. Essa parte, no
entanto, é muito pequena em alguns casos e, em outros, muito grande.
Um mestre-alfaiate não precisa de outros instrumentos de trabalho
exceto um pacote de agulhas. Os instrumentos de trabalho do mestre-
sapateiro são um pouco mais caros, mas não muito. Os do tecelão são
bem mais caros que os do sapateiro. A maior parte do capital (capital) de
todos esses mestres-artífices, no entanto, circula na forma de salários
para os seus trabalhadores ou no preço de suas matérias-primas, e são
reembolsados com lucro aos mestres pelo preço de seu produto.
Em outras atividades, o capital fixo necessário é muito maior. Em
uma grande siderúrgica, por exemplo, o forno para derreter o minério, a
forja e a máquina de corte são instrumentos de trabalho que somente
poderão ser construídos por meio de grandes despesas. Na indústria
carvoeira e minas de todo tipo, o maquinário necessário para bombear
água e para outros fins costuma ser ainda mais caro.
A parte do capital do agricultor que é aplicada nos instrumentos
agrícolas é chamada de capital fixo; a parte usada para pagar os salários e
a manutenção de seus trabalhadores é chamada de capital circulante. O
lucro do capital fixo é obtido pela posse dos bens, o lucro do capital
circulante deriva da disponibilização dos bens. Da mesma forma que os
instrumentos agrícolas, o preço ou o valor do gado utilizado na
agricultura é um capital fixo: a manutenção deles é um capital circulante
da mesma maneira que o é a manutenção dos trabalhadores. O lucro do
agricultor advém da posse desse gado e dos pagamentos efetuados para a
manutenção dos animais. O preço e a manutenção do gado que é
comprado e engordado, não para trabalhar, mas para ser vendido, são
capitais circulantes. O agricultor obtém seu lucro quando os
disponibiliza. O rebanho de ovelhas ou de vacas e bois será capital fixo se,
em uma região criadora, os animais não forem comprados nem para o
trabalho nem para a venda, mas para que o lucro venha da lã, do leite e
da criação. O lucro provém da posse desses animais. Sua manutenção é
um capital circulante. O lucro se consolida por sua disponibilização; e,
então, o capital retorna com seu próprio lucro e com o lucro sobre o
preço integral do gado, o preço da lã, do leite e das crias. O valor total da
semente também pode ser corretamente chamado de capital fixo. Embora
elas sejam transportadas para cá e para lá entre a terra e o celeiro, não
mudam de dono e, portanto, não se pode dizer que realmente circulam.
O agricultor não lucra com a venda das sementes, mas pela multiplicação
delas.
Os fundos (stock) ou o capital total de um país ou de uma sociedade
qualquer são iguais aos fundos ou ao capital de todos os seus habitantes
ou membros e, portanto, naturalmente se dividem nas mesmas três
porções, cada uma das quais com uma função ou um papel específico.
A primeira porção é aquela reservada para o consumo imediato, e
cuja característica é não render rendimentos nem lucros. Trata-se dos
estoques de alimentos, roupas, mobiliários domésticos, etc. que foram
comprados pelas pessoas que os consumirão, mas que ainda não foram
completamente consumidos. O total de casas, apenas para habitação,
existentes a qualquer tempo no país também integram essa primeira
porção. O capital (stock) investido em uma casa que servirá de moradia
ao seu titular deixa, naquele instante, de servir na função de um capital
(capital) ou não proporcionará qualquer rendimento ao seu dono. Uma
casa desse tipo não contribui em nada para o rendimento de seu
morador; e embora seja, sem dúvida, extremamente útil, a casa é como
suas roupas e o mobiliário doméstico, que são úteis para ele, mas fazem
parte de suas despesas e não de seus rendimentos. Se a casa for entregue a
um inquilino para que produza renda (rent), tendo em vista que a
própria casa nada pode produzir, o inquilino deverá sempre pagar o
aluguel (renda) a partir de outras receitas que ele retira de seu trabalho,
capital ou terras. Apesar de uma casa ser capaz, desse modo, de gerar
uma renda ao seu proprietário e ter, então, a função de um capital
(capital) para ele, a casa nada rende ao público, nem cumpre qualquer
função de capital para ele, nem o rendimento da população como um
todo é minimamente aumentado. Roupas e mobiliário doméstico podem,
da mesma forma, gerar algum rendimento e, assim, funcionam como
capital para alguns indivíduos. Em países onde há bailes a fantasia, o
aluguel de fantasias funciona como um negócio comercial. Os
estofadores de móveis costumam locar o mobiliário doméstico por mês
ou por ano. Agentes funerários alugam a mobília dos funerais por dia e
por semana. Muitas pessoas alugam casas mobiliadas e recebem uma
renda não só pelo uso da casa, mas também pelo da mobília. No entanto,
o rendimento obtido por tais formas deverá sempre ter origem em
alguma outra fonte de rendimento. De todas as partes do capital — seja
de um indivíduo, seja de uma sociedade — reservadas para o consumo
imediato, aquela que é investida em casas é a que leva mais tempo para
ser consumida. Um estoque de roupas pode durar vários anos, um
estoque de móveis, meio século ou um século, mas um estoque de casas
bem construídas e devidamente cuidadas pode durar séculos. Embora o
período de seu consumo total esteja mais distante, ainda assim as casas
são realmente um capital (stock) reservado para o consumo imediato,
assim como o mobiliário doméstico ou as roupas.252
A segunda das três partes em que se divide o capital total da
sociedade é o capital fixo, cuja característica é gerar rendimentos ou
lucros sem que circule ou mude de titular. Este capital é formado por
quatro artigos principais.
O primeiro: todas as máquinas úteis e instrumentos de trabalho que
facilitam e abreviam o trabalho.
O segundo: todos os edifícios comerciais que são meios de obtenção
de rendimento não apenas ao proprietário que os aluga em troca de um
aluguel, mas também àqueles que têm apenas a posse e pagam um
aluguel pelos imóveis, tais como lojas, armazéns, oficinas, casas de
fazenda com todos os seus edifícios necessários, isto é, estábulos, celeiros,
etc. Todos esses edifícios são muito diferentes das casas de moradia. Eles
são uma espécie de instrumento de trabalho e podem ser analisados sob
a mesma luz.
O terceiro: as melhorias das terras, isto é, tudo o que se dispendeu
proveitosamente para limpá-la, drená-la, cercá-la, adubá-la e deixá-la nas
condições mais adequadas para o plantio direto e o cultivo. Uma fazenda
com aprimoramentos pode ser analisada de forma bastante justa sob a
mesma luz das máquinas úteis que facilitam e abreviam o trabalho, e por
meio das quais um mesmo capital circulante pode proporcionar ao seu
investidor um rendimento muito maior. Uma fazenda com
aprimoramentos é igualmente vantajosa e mais duradoura que qualquer
uma dessas máquinas, requerendo apenas a aplicação mais rentável do
capital investido pelo agricultor para cultivá-la.
O quarto: as capacidades adquiridas e úteis de todos os habitantes ou
membros da sociedade. A aquisição de tais competências, pela
manutenção de quem as adquire durante sua formação acadêmica,
estudos ou aprendizado, sempre se traduz em uma despesa real, que é um
capital, por assim dizer, que está fixo em sua pessoa. Assim como essas
competências fazem parte da fortuna de seu adquirente, elas também
fazem parte daquela sociedade a que ele pertence. A destreza aprimorada
de um trabalhador pode ser analisada sob o mesmo prisma de uma
máquina ou instrumento de trabalho que facilita e abrevia o trabalho, e
que, embora tenha um certo custo, é reembolsada com lucro.253
A terceira e última das três porções em que o capital total da
sociedade se divide naturalmente é o capital circulante, cuja característica
é gerar um rendimento apenas por meio de sua circulação ou mudança
de titular. Ela é igualmente composta de quatro partes.
A primeira: o dinheiro por meio do qual todas as outras três partes
circulam e são distribuídas às pessoas que as consumirão.
A segunda: o estoque de suprimentos do açougueiro, do pecuarista,
do agricultor, do comerciante de grãos, do cervejeiro, etc., de cuja venda
se espera obter lucro.
A terceira: as matérias-primas, compostas totalmente de matérias-
primas propriamente ditas ou de produtos, mais ou menos
manufaturados, de roupas, móveis e edifícios, que ainda não fazem parte
de nenhuma dessas três formas, mas que permanecem nas mãos dos
produtores, dos fabricantes, dos comerciantes de tecidos, dos
comerciantes de madeira, dos carpinteiros, marceneiros, oleiros, etc.
Em quarto lugar, e por último: o trabalho realizado e concluído, mas
que continua nas mãos do comerciante ou do fabricante e ainda não foi
alienado ou distribuído às pessoas que os irão consumir; como, por
exemplo, o produto acabado que costumamos encontrar pronto para o
uso nas lojas do ferreiro, do marceneiro, do ourives, do joalheiro, dos
comerciantes de porcelana, etc. O capital circulante é composto desse
modo de suprimentos, matérias-primas e produtos acabados de todos os
tipos que estão nas mãos de seus respectivos negociantes, e do dinheiro
necessário para fazê-los circular e para distribuí-los àqueles que
finalmente os usarão ou consumirão.
Destas quatro partes, três delas — suprimentos, matérias-primas e
produtos acabados — são regularmente (anualmente, ou em um período
mais longo ou mais curto) retiradas do capital circulante e aplicadas
como capital (capital) fixo ou como capital (stock) reservado para o
consumo imediato.254
Todo capital fixo origina-se de um capital circulante e precisa ser
constantemente suportado por ele. Todas as máquinas úteis e
instrumentos de trabalho originam-se de um capital circulante, o qual
lhes oferece os materiais de que são feitos e o sustento dos trabalhadores
que os fabricam. Eles também exigem um capital do mesmo tipo para
mantê-los sempre em bom estado.
Não há capital fixo capaz de proporcionar rendimento senão por
meio de um capital circulante. As máquinas e os instrumentos de
trabalho mais úteis nada produzirão sem o capital circulante que lhes
entrega os materiais necessários e paga o sustento dos trabalhadores que
os utilizam. A terra, mesmo que aprimorada, não produzirá nenhum
rendimento sem um capital circulante que ofereça sustento aos
trabalhadores que a cultivam e colhem seus produtos.
Manter e ampliar o capital que pode ser reservado para o consumo
imediato é o único fim e propósito tanto do capital fixo quanto do capital
circulante.255 São esses capitais que alimentam, vestem e alojam as
pessoas. A riqueza ou a pobreza delas depende do fornecimento
abundante ou minguado que esses dois capitais podem oferecer ao capital
reservado para o consumo imediato.
A parte do capital circulante constantemente retirada para ser usada
nos outros dois ramos do capital total da sociedade é tão grande que, por
sua vez, precisa ser constantemente abastecida para que não deixe
rapidamente de existir. Esse abastecimento possui três fontes principais:
os produtos da terra, das minas e da pesca. Essas fontes oferecem
suprimentos e matérias-primas de forma constante; parte delas é
incorporada aos produtos acabados e por meio delas são repostos os
suprimentos, as matérias-primas e o trabalho acabado que são
constantemente retirados do capital circulante. Das minas também se
retira o que é necessário para manutenção e aumento da parte do capital
que consiste em dinheiro. Pois, embora no curso normal dos negócios
comerciais essa parte não seja, como as outras três, retirada
obrigatoriamente do capital circulante para ser colocada nos outros dois
ramos do capital total da sociedade, ela irá, no entanto, como todas as
outras coisas, envelhecer e se desgastar; às vezes, também poderá ser
perdida ou enviada para o exterior e, assim, deve requerer um
reabastecimento constante, embora muito menor.
As terras e a exploração de minas e pesqueiros exigem um capital fixo
e um capital circulante para que possam ser mantidas; e, além disso, seus
produtos substituem com lucro não só aqueles capitais, mas todos os
outros capitais da sociedade. Assim, o agricultor anualmente repõe os
suprimentos consumidos e as matérias-primas utilizadas pelo fabricante
no ano anterior; e, ao mesmo tempo, o fabricante repõe ao agricultor o
produto acabado que ficou velho e desgastado no mesmo período. Esse é
o verdadeiro intercâmbio realizado anualmente entre essas duas classes
de pessoas, embora raramente aconteça de a matéria-prima de um ser
trocada diretamente pelos produtos manufaturados do outro, pois
raramente acontece de o agricultor vender seus cereais, seu linho, seu
gado e sua lã para a mesma pessoa da qual compra seu vestuário, seus
móveis e seus instrumentos de trabalho. Ele vende, portanto, sua
matéria-prima por dinheiro, com o qual ele pode, em qualquer lugar,
comprar os produtos manufaturados de que precisa. Pelo menos em
parte, a terra repõe até mesmo os capitais com os quais as minas e os
pesqueiros são explorados. São os produtos da terra que retiram os peixes
da água; e são os produtos da superfície da terra que extraem os minerais
de suas entranhas.
Quando os produtos da terra, das minas e da pesca possuem a mesma
fertilidade natural, eles são proporcionais à quantidade e à aplicação
correta dos capitais utilizados. Quando os capitais são iguais e igualmente
bem aplicados, o produto é proporcional à sua fertilidade natural.
Em todos os países onde há uma segurança razoável, todos, pelo
senso comum, se esforçarão para empregar todo capital que possa
comandar para obter fruição presente ou lucros futuros. Se for utilizado
para a aquisição de fruição presente, então se trata de um capital
reservado para o consumo imediato. Se for utilizado para a obtenção de
lucros futuros, ele deverá buscar esse lucro mantendo o capital em sua
posse ou afastando-se dele. No primeiro caso, o capital é fixo, no outro,
circulante. Sempre que a segurança for razoável, será loucura não aplicar
em alguma dessas três maneiras todo o capital que a pessoa tenha sob seu
comando, seja dela própria ou emprestado.256
É verdade que, nos países mal-afortunados onde as pessoas temem
constantemente a violência de seus superiores, frequentemente elas
enterram e ocultam uma grande parte de seus capitais e, assim, podem
sempre tê-los à mão para levá-los para um lugar seguro sempre que
estiverem ameaçados por quaisquer tipos de desastres a que se veem
expostos a todo momento. Dizem que essa é uma prática comum na
Turquia, no Hindustão e, acredito, na maioria dos outros países da Ásia.
Parece ter sido uma prática comum entre nossos antepassados durante a
violência dos governos feudais. A descoberta de tesouros não era,
naquela época, considerada uma parte desprezível das receitas dos
maiores soberanos na Europa. Eram tesouros enterrados e que,
posteriormente, foram encontrados; tesouros sobre os quais ninguém
tinha como provar a propriedade. Eram considerados tão importantes
naqueles tempos que sempre foram vistos como pertencentes ao
soberano e não a quem os encontrasse, nem ao proprietário da terra,
exceto se o direito estivesse expressamente garantido a este último por
uma cláusula de sua escritura. Estavam em pé de igualdade com as minas
de ouro e de prata, que, sem uma cláusula especial na escritura, não
faziam parte do contrato de concessão geral de terras, diferentemente das
minas de chumbo, cobre, estanho e carvão, que eram vistas como objetos
de menor importância.
CAPÍTULO II
O DINHEIRO CONSIDERADO COMO UM RAMO
ESPECÍFICO DO CAPITAL TOTAL DA SOCIEDADE, OU OS
GASTOS DE MANUTENÇÃO DO CAPITAL NACIONAL
Conforme mostrado no primeiro livro, o preço da maioria dos bens se
resolve em três partes, das quais uma paga os salários do trabalho, a outra
paga os lucros do capital e uma terceira, a renda da terra que foi utilizada
para produzir e levar os produtos para o mercado; foi mostrado que
existem, com efeito, alguns produtos cujo preço é composto por apenas
duas partes: os salários do trabalho e os lucros do capital; e, por fim,
alguns poucos produtos cujo preço consiste em apenas uma parte: os
salários do trabalho; mas o preço de toda mercadoria se resolve
obrigatoriamente em uma, duas ou todas essas três partes; a parte que
não se destina nem ao pagamento de salários nem à renda é,
necessariamente, o lucro de alguém.
Uma vez que este é o caso observado no que diz respeito a todas as
mercadorias individuais tomadas uma a uma; então o mesmo deve valer
para todas as mercadorias que compõem a totalidade do produto anual
da terra e do trabalho de cada país tomadas em conjunto. O preço
integral ou valor de troca desse produto anual será dividido nas mesmas
três partes e distribuído entre os diferentes habitantes do país na forma
de salários de seu trabalho, lucros do seu capital ou renda de suas terras.
Mas, apesar de o valor total do produto anual da terra e do trabalho
de cada país ser dividido entre seus diferentes habitantes e a eles
constituir um rendimento, ainda assim, da mesma forma que na renda de
uma propriedade privada distinguimos entre a renda bruta e líquida,
então podemos fazer a mesma distinção entre os rendimentos de todos
os habitantes de um país grande.
A renda bruta de uma propriedade privada abrange tudo o que é pago
pelo agricultor; a renda líquida é o que sobra para o proprietário da terra
após serem deduzidas as despesas de gestão, de manutenção e todos os
outros encargos necessários; ou o que, sem danificar sua propriedade, ele
pode transferir ao seu capital (stock) reservado para o consumo imediato,
ou o que pode gastar com alimentos, equipamentos, ornamentos para sua
casa e móveis, bem como com seus prazeres e divertimentos privados.
Sua verdadeira riqueza não é proporcional à sua renda bruta, mas, sim, à
sua renda líquida.
O rendimento bruto de todos os habitantes de um grande país
abrange a soma do produto anual de suas terras e do trabalho; o
rendimento líquido é o que sobra após a dedução das despesas para a
manutenção, primeiro, de seu capital fixo, e, em segundo lugar, de seu
capital circulante; ou o que, sem reduzir o capital, pode ser transferido
para o fundo reservado ao consumo imediato, isto é, aquilo que pode ser
gasto com subsistência, comodidades e divertimentos. A riqueza real dos
habitantes de um país também não é proporcional ao seu rendimento
bruto, mas ao líquido.
É evidente que todos os gastos efetuados com a manutenção do
capital fixo devem ser excluídos do rendimento líquido da sociedade.
Também não podem fazer parte dele as matérias-primas necessárias para
a manutenção de suas máquinas e instrumentos de trabalho, seus
edifícios comerciais, etc. nem o produto do trabalho necessário para dar
a forma apropriada à matéria-prima. O preço de tal trabalho pode
certamente fazer parte dele, já que os trabalhadores assim empregados
podem transferir o valor integral de seus salários para seu fundo
reservado para o consumo imediato. Mas em outros tipos de trabalho,
tanto o preço como o produto são transferidos para esse capital (stock). O
preço, para o capital dos trabalhadores; os produtos, para o capital de
outras pessoas cuja subsistência, comodidades e divertimentos
aumentam por meio do trabalho desses trabalhadores.
O objetivo do capital fixo é aumentar os poderes produtivos do
trabalho ou permitir que o mesmo número de trabalhadores realize uma
quantidade de trabalho muito maior. Em uma fazenda onde todos os
edifícios imprescindíveis, cercas, drenos, comunicações, etc. estão na
mais perfeita ordem, o mesmo número de trabalhadores e gado de
trabalho será capaz de produzir muito mais do que em uma extensão de
terras igualmente boas, mas que não esteja esquipada com os mesmos
tipos de comodidades. Nas manufaturas, o mesmo número de mãos,
equipado com as melhores máquinas, irá produzir uma quantidade
muito maior de mercadorias do que quando se utiliza de instrumentos de
trabalho inadequados. Os gastos adequadamente investidos em um
capital fixo qualquer sempre são reembolsados com grandes lucros e
elevam o produto anual a um valor muito maior do que o das despesas
que a promoção desses aprimoramentos requer. Essa despesa, no entanto,
ainda requer uma certa porção do produto. Uma certa quantidade de
matéria-prima e o trabalho de um certo número de trabalhadores que
possam, ambos, ser empregados de forma imediata para aumentar os
alimentos, o vestuário, a habitação, a subsistência e as comodidades da
sociedade são, desse modo, aplicados em outra área altamente vantajosa,
de fato, mas diferente desta. Por essa razão, todos esses aperfeiçoamentos
mecânicos que possibilitam que o mesmo número de trabalhadores
realize uma quantidade igual de trabalho com máquinas mais baratas e
mais simples são sempre considerados vantajosos para toda a sociedade.
Uma certa quantidade de matéria-prima e o trabalho de um certo
número de trabalhadores, que antes eram empregados em máquinas mais
caras e complexas, poderão servir para o aumento da quantidade de
trabalho daquela ou de qualquer outra máquina. Caso o empresário de
uma grande manufatura que aplica 1.000 libras por ano para a
manutenção de suas máquinas consiga reduzir essa despesa para 500
libras, ele irá naturalmente utilizar as outras 500 libras para comprar uma
maior quantidade de matéria-prima, que será transformada por um
número adicional de trabalhadores. A quantidade de trabalho que seu
maquinário consegue realizar aumentará naturalmente, e, com ela, todos
os benefícios e comodidades que a sociedade obtém desse trabalho.
As despesas de manutenção do capital fixo de um grande país podem
ser comparadas muito apropriadamente aos reparos necessários de uma
propriedade privada. Os gastos com reparos costumam ser necessários
para oferecer apoio ao produto daquela propriedade e,
consequentemente, à renda bruta e à renda líquida de seu proprietário.
No entanto, quando, por meio de uma administração mais adequada, é
possível diminuir os gastos sem diminuir o produto, a renda bruta
permanecerá, no mínimo, igual, e a renda líquida será obrigatoriamente
maior.
Mas, embora os gastos totais com a manutenção do capital fixo
fiquem, portanto, necessariamente excluídos das receitas líquidas da
sociedade, o mesmo não ocorre em relação à manutenção do capital
circulante. Das quatro partes que compõem este último capital —
dinheiro, suprimentos, matérias-primas e produto acabado —, as três
últimas, conforme observado, são regularmente retiradas dele e aplicadas
no capital fixo da sociedade ou no capital (stock) reservado para o
consumo imediato. Qualquer parcela desses bens consumíveis que não
seja empregada para a manutenção da primeira será integralmente
transferida para a segunda e passará a fazer parte da receita líquida da
sociedade. A manutenção dessas três partes do capital circulante,
portanto, retira do produto anual das receitas líquidas da sociedade
apenas o que é necessário para a manutenção do capital fixo.
Nesse ponto o capital circulante de uma sociedade é diferente do
capital circulante de um indivíduo. O do indivíduo está totalmente
excluído de seu rendimento líquido, que deve ser composto somente por
seus lucros. Mas embora o capital circulante de todo indivíduo faça parte
do capital circulante da sociedade a que pertence, ele não está, por essa
razão, completamente excluído do rendimento líquido. Embora toda a
mercadoria da loja de um comerciante não deva ser colocada de forma
alguma em seu próprio capital reservado para o consumo imediato, isso
pode ser feito no capital de outras pessoas, que, a partir dos rendimentos
obtidos de outros fundos, podem regularmente repor ao comerciante o
valor das mercadorias juntamente com os seus lucros sem que isso resulte
na diminuição do capital de nenhuma das duas partes.
O dinheiro, portanto, é a única parte do capital circulante de uma
sociedade cuja manutenção pode causar alguma diminuição em seu
rendimento líquido.257
O capital fixo e a parte do capital circulante que consiste em dinheiro,
na medida em que afetam o rendimento da sociedade, guardam entre si
uma semelhança muito grande.
Em primeiro lugar, tendo em vista que aquelas máquinas,
instrumentos de trabalho, etc. exigem certa despesa para que sejam
construídos e para que sejam mantidos, essas duas despesas, embora
façam parte do rendimento bruto, são deduções do rendimento líquido
da sociedade; da mesma forma, o capital em dinheiro que circula em
todo o país exige certos gastos, primeiro para produzi-lo e, em seguida,
para mantê-lo; despesas que, embora façam parte da receita bruta, são da
mesma forma deduções do rendimento líquido da sociedade. Uma
determinada quantidade de matéria-prima muito valiosa, prata e ouro, e
de mão de obra muito especializada, em vez de aumentar o capital
reservado para o consumo imediato, a subsistência, as comodidades e o
lazer dos indivíduos, é empregada na manutenção desse notável, mas
caro, instrumento de comércio, por meio do qual cada indivíduo da
sociedade tem sua subsistência, comodidade e lazer regularmente
distribuídos em proporções adequadas.
Em segundo lugar, assim como as máquinas, os instrumentos de
trabalho, etc. que compõem o capital fixo de um indivíduo ou de uma
sociedade não fazem parte nem do rendimento bruto nem do
rendimento líquido de nenhum dos dois, o dinheiro, por meio do qual o
total dos rendimentos da sociedade é regularmente distribuído entre
todos os seus diferentes membros, também não faz parte daqueles
rendimentos. A grande roda da circulação é totalmente diferente das
mercadorias que circulam por meio dela. O rendimento da sociedade é
formado pela totalidade das mercadorias que nela circulam, e não pela
roda que as circula. Ao contabilizarmos os rendimentos brutos ou
líquidos de uma sociedade qualquer, devemos sempre deduzir, da
circulação anual total de dinheiro e bens, o valor total do dinheiro, dos
quais nem mesmo um único quarto de penny deve jamais fazer parte.
Somente a ambiguidade da linguagem pode fazer com que essa
proposição pareça duvidosa ou paradoxal. Ao ser devidamente explicada
e compreendida, ela quase se torna evidente por si só.
Quando falamos de um valor específico qualquer em dinheiro, às
vezes temos em mente apenas as peças de metal que compõem tal
quantidade, às vezes nosso significado inclui uma referência obscura aos
bens que podem ser obtidos em troca desse valor, ou ao poder de compra
que sua posse transmite. Assim, quando dizemos que a moeda circulante
da Inglaterra foi calculada em 18 milhões, queremos apenas expressar a
quantidade de peças de metal que circulam no país de acordo com o
cálculo, ou melhor, de acordo com a estimativa de certos autores. Mas
quando dizemos que um homem vale 50 ou 100 libras por ano,
queremos, em linguagem comum, expressar não apenas a quantidade das
peças de metal que são anualmente pagas a ele, mas o valor das
mercadorias que ele anualmente pode adquirir ou consumir.
Normalmente desejamos verificar qual é ou deveria ser seu nível de vida,
ou seja, a quantidade e a qualidade dos bens de primeira necessidade e
comodidades que a pessoa pode proporcionar a si mesma.
Por meio de uma determinada soma em dinheiro, podemos expressar
não apenas a quantidade de peças de metal que compõem essa soma, mas
também incluir em sua significação alguma referência obscura às
mercadorias que podem ser obtidas em troca delas; neste caso, a riqueza
ou o rendimento é igual apenas a um dos dois valores, que são, assim, um
tanto ambiguamente, referidos pela mesma palavra, a qual é mais
apropriada ao segundo caso que ao primeiro, isto é, mais aos
benefícios258 do dinheiro que ao dinheiro em si.
Assim, suponhamos que 1 guinéu seja a pensão semanal de uma
determinada pessoa; com isso, ela poderá comprar no decorrer da
semana uma certa quantidade de itens de subsistência, comodidades e
lazer. À medida que tal quantidade seja grande ou pequena, sua
verdadeira riqueza, isto é, o rendimento semanal, também o será. Seu
rendimento semanal certamente não é igual ao guinéu e, ao mesmo
tempo, ao que pode ser comprado com ele, mas somente a um desses
dois valores iguais; mais adequadamente ao segundo valor que ao
primeiro, mais aos benefícios do guinéu do que ao guinéu em si.259
Se a pensão dessa mesma pessoa não fosse paga a ela em ouro, mas
em uma nota de crédito semanal equivalente a 1 guinéu, seu rendimento
certamente não consistiria literalmente no pedaço de papel, mas em tudo
que é possível comprar com ele. Um guinéu pode ser considerado como
uma ordem de pagamento equivalente a uma determinada quantidade de
bens de primeira necessidade e comodidades, e aceita por todos os
comerciantes da região. O rendimento da pessoa a quem se paga a nota
ou ordem de pagamento não consiste literalmente em uma peça de ouro,
mas naquilo que pode ser obtido com ela ou naquilo que é possível ser
trocado por ela. Caso não pudesse ser trocada por nada, seu valor não
seria maior que o do papel mais inútil, como uma nota emitida por
alguém que foi à falência.
Embora o rendimento semanal ou anual de todos os diferentes
habitantes de um país qualquer possa, da mesma forma, ser pago em
dinheiro (e na realidade é isso o que ocorre com frequência), suas
verdadeiras riquezas — o rendimento real semanal ou anual de todos eles
juntos — devem, no entanto, ser sempre maiores ou menores em
proporção à quantidade de bens de consumo que todos eles podem
comprar com esse dinheiro. Evidentemente, o rendimento total dos
habitantes não é igual ao dinheiro nem aos bens de consumo em
conjunto, mas apenas a um desses dois valores, e mais ao último que ao
primeiro.
Embora o rendimento de uma pessoa seja frequentemente indicado
pela quantidade de peças de metal que são anualmente pagas a ela, isso
ocorre porque a quantidade dessas peças regula a extensão de seu poder
de compra ou o valor dos bens que ela pode pagar anualmente por seu
consumo. E ainda assim consideramos que seu rendimento consiste no
poder de compra ou consumo, e não nas peças que exprimem esse poder.
Mas se isso é suficientemente evidente, até mesmo no que se refere a
um indivíduo, é ainda mais evidente no que diz respeito a toda uma
sociedade. Muitas vezes, a quantidade de peças de metal pagas
anualmente a um indivíduo é exatamente igual ao seu rendimento; por
isso, a melhor e mais resumida expressão de seu valor. Mas a quantidade
de peças de metal que circula em uma sociedade nunca é igual às receitas
de todos os seus membros. Assim como a mesma moeda de guinéu que
hoje paga a pensão de uma pessoa pode, amanhã, pagar a de uma outra e,
depois de amanhã, a de uma terceira, a quantidade de peças de metal que
circula anualmente em todo o país deve sempre ter um valor muito
menor do que o total de pensões anuais pagas com essas peças. Mas o
poder de compra, ou o total de bens que podem ser sucessivamente
comprados com o total dessas pensões em dinheiro, deve sempre ser
igual ao valor de todas as pensões; o mesmo deve ocorrer em relação aos
rendimentos das diferentes pessoas que as recebem. Esse rendimento,
portanto, não pode consistir naquelas peças de metal, pois sua
quantidade é muito inferior ao seu valor; deve consistir no poder de
compra, nos bens que podem ser sucessivamente comprados com elas
conforme circulam de mão em mão.260
Embora o dinheiro — a grande roda da circulação, o grande
instrumento do comércio —, assim como todos os outros instrumentos
de trabalho, faça parte (e uma parte valiosa) do capital, ele não integra o
rendimento da sociedade à qual pertence; e, apesar de as peças de metal
que a integram distribuírem, no decorrer de sua circulação anual, os
rendimentos que pertencem a cada uma das pessoas, elas não fazem
parte daquelas receitas.261
Em terceiro e último lugar, as máquinas e instrumentos de trabalho,
etc. que compõem o capital fixo possuem mais uma semelhança com a
parte do capital circulante que consiste em dinheiro: assim como a
economia realizada com os gastos de construção e manutenção das
máquinas, que não prejudica as forças produtivas do trabalho, é uma
elevação do rendimento líquido da sociedade, então toda economia com
os gastos de coleta e administração da parte do capital circulante que
consiste em dinheiro é uma elevação exatamente do mesmo tipo.
É suficientemente óbvio, e em parte também já explicado, a forma
como toda a economia com os gastos de administração do capital fixo é
um aperfeiçoamento do rendimento líquido da sociedade. A
integralidade do capital de quem contrata qualquer trabalho (isto é, do
empresário) está obrigatoriamente distribuída entre seus capitais fixo e
circulante. Enquanto todo o seu capital for o mesmo, quanto menor for
uma das partes, maior será a outra. O capital circulante fornece as
matérias-primas e os salários do trabalho e, desse modo, é ele quem põe
o trabalho em movimento. Portanto, toda economia realizada com os
gastos de manutenção do capital fixo que não diminua as forças
produtivas do trabalho deve aumentar o fundo que coloca o trabalho em
movimento e, consequentemente, o produto anual da terra e do trabalho,
o verdadeiro rendimento de toda sociedade.
A troca das moedas de ouro e prata por papel substitui um
instrumento comercial muito caro por outro muito menos dispendioso e,
às vezes, igualmente apropriado. A circulação passa a ser operada por
uma nova roda, a qual possui construção e manutenção menos custosas
que a anterior. Mas a execução dessa operação, a forma como ela tende a
aumentar ou a receita bruta ou a líquida da sociedade, não é tão óbvia
assim, e, portanto, pode exigir alguma explicação adicional.
Existem diferentes tipos de papel-moeda; mas as notas de circulação
de bancos e banqueiros são as espécies mais conhecidas e as que parecem
estar mais bem adaptadas para essa finalidade.
Sempre que o povo de um país qualquer tem confiança suficiente na
fortuna, probidade e prudência de um banqueiro específico, e acredita
que, sempre que requisitado, ele estará pronto para pagar as notas
promissórias que, a qualquer momento, sejam apresentadas a ele; então
essas notas passam a ser moeda corrente como o ouro e a prata, pois
existe a confiança de que esse dinheiro poderá ser recuperado a qualquer
momento por eles.262
Façamos uma suposição: um banqueiro específico empresta suas
próprias notas promissórias a seus clientes até o valor de 100 mil libras. Já
que essas notas se adequam a todos os propósitos do dinheiro, seus
devedores lhe pagarão os mesmos juros como se ele houvesse emprestado
a eles a mesma soma em dinheiro. Esses juros são a fonte de seu ganho.
Embora algumas daquelas notas sejam constantemente devolvidas para
pagamento, parte delas continua a circular por meses e anos. Embora
suas notas em circulação alcancem em geral 100 mil libras, um estoque
de 20 mil libras em ouro e prata costuma ser uma provisão suficiente
para atender às demandas ocasionais que possam surgir. Por essa
operação, portanto, 20 mil libras em ouro e prata cumprem todas as
funções que poderiam ser realizadas por 100 mil.263 Portanto, as mesmas
trocas podem ser feitas, a mesma quantidade de bens de consumo pode
circular e ser distribuída às pessoas que os irão consumir por meio de
suas notas promissórias, que totalizam 100 mil libras ou por igual valor
em moedas de ouro e prata. É possível, dessa forma, deixar de fazer
circular 80 mil libras de ouro e prata no país; e se for necessário realizar
diferentes operações da mesma natureza ao mesmo tempo por diferentes
bancos e banqueiros, toda a circulação poderá, portanto, ser realizada
apenas com a quinta parte do ouro que de outra forma se exigiria.
Imaginemos, por exemplo, que a soma do dinheiro em circulação de
determinado país em determinado momento seja 1 milhão de libras
esterlinas, e que essa soma seja suficiente para fazer circular todo o
produto anual de suas terras e trabalho. Vamos supor também que,
algum tempo depois disso, vários bancos e banqueiros passaram a emitir
notas promissórias pagáveis ao portador no valor total de 1 milhão,
reservando em seus diferentes cofres 200 mil libras para atender a
quaisquer demandas ocasionais. Haveria, portanto, na prática, 800 mil
libras em ouro e prata e 1 milhão em notas bancárias, isto é, 1.800.000
libras em papéis e moedas. Mas o produto anual da terra e do trabalho do
país exigia anteriormente apenas um milhão para fazer circular e
distribuir seus produtos aos seus consumidores, e, além disso, o produto
anual não pode ser imediatamente aumentado por meio das operações
bancárias. Após essas operações, um milhão, portanto, será suficiente
para fazer circular o produto anual. Já que os bens comprados e vendidos
serão exatamente os mesmos de antes, a mesma quantidade de dinheiro
será suficiente para comprá-los e vendê-los.264 O canal de circulação, se
me permitem uma expressão, continuará a ser precisamente o mesmo de
antes. Suponhamos que 1 milhão de libras seja suficiente para preencher
esse canal. Assim, tudo que nele for vertido além dessa soma não
conseguirá fluir pelo canal, transbordando-o. Um milhão e oitocentas mil
libras são vertidas no canal. Haverá o transbordamento, portanto, de 800
mil libras, já que a soma está acima do valor que o país consegue
empregar na circulação. Mas, embora essa soma não possa ser empregada
internamente, ela é muito valiosa para que fique ociosa, e, por isso, será
enviada ao exterior com o objetivo de buscar uma aplicação vantajosa
que não consegue encontrar internamente. Mas os papéis não podem ir
para o estrangeiro, pois eles não serão recebidos nos pagamentos comuns
devido à distância entre eles e os bancos que os emitiram e o país em que
o pagamento deles pode ser exigido por lei. Ouro e prata, portanto, no
montante de 800 mil libras, serão enviados no estrangeiro, e o canal
doméstico de circulação continuará a ser preenchido com 1 milhão em
papéis, e não com o milhão em metais que antes preenchiam o canal.265
Mas, embora uma grande quantidade de ouro e prata seja, assim,
enviada ao exterior, não devemos imaginar que esse envio ao exterior é
realizado em troca de nada, ou que seus proprietários entreguem prata e
ouro às nações estrangeiras como se fossem um presente. Os metais serão
trocados por algum tipo de mercadoria estrangeira que deverá suprir a
demanda de seu próprio país ou a de algum outro país estrangeiro.
Caso esse dinheiro seja aplicado para comprar mercadorias de um
país estrangeiro com o objetivo de suprir a demanda de um outro país
estrangeiro, isto é, para o comércio de transporte, o lucro obtido será
adicionado ao rendimento líquido de seu próprio país. Funciona como
um novo fundo, criado para o exercício de um novo comércio; desse
modo, os negócios domésticos passam a ser transacionados por meio dos
papéis, enquanto o ouro e a prata são convertidos para os fundos desse
novo comércio.
Caso esse dinheiro seja aplicado para comprar mercadorias
estrangeiras para o consumo interno, pode-se, em primeiro lugar,
comprar mercadorias, tais como vinhos estrangeiros, sedas estrangeiras,
etc. que poderão ser consumidas por pessoas ociosas que nada
produzem; ou, em segundo lugar, pode-se comprar um estoque adicional
de matérias-primas, ferramentas e suprimentos para manter e empregar
um número adicional de pessoas diligentes, que reproduzem, com lucro,
o valor de seu consumo anual.
Quando é aplicado da primeira forma, ele promove a prodigalidade,
aumenta os gastos e o consumo sem aumentar o produto ou sem
estabelecer qualquer fundo permanente para sustentar esse gasto, e, em
todos os aspectos, prejudica a sociedade.
Quando é aplicado da segunda forma, promove o trabalho; e, embora
eleve o consumo da sociedade, fornece um fundo permanente para
sustentar esse consumo, pois as pessoas que o consomem repõem com
lucro todo o valor de seu consumo anual. O rendimento bruto da
sociedade, o produto anual de suas terras e trabalho, é aumentado pelo
valor que o trabalho dos empregados acrescenta às matérias-primas
utilizadas; já o rendimento líquido sofre o mesmo efeito pelo que resta
desse valor, deduzindo-se o que é necessário para a manutenção das
ferramentas e dos instrumentos de seu trabalho.
Além de provável, parece ser quase inevitável que a maior parte do
ouro e da prata — a qual, ao ser forçada para o exterior por essas
operações bancárias, é empregada na compra de mercadorias
estrangeiras para o consumo interno — seja e deva ser empregada na
compra dos bens desse segundo tipo. Embora certas pessoas às vezes
consigam aumentar bastante seus gastos sem aumentar seus
rendimentos, podemos estar certos de que nenhuma classe ou ordem de
pessoas jamais o faz; pois, embora os princípios da prudência comum
nem sempre governem a conduta de cada indivíduo, eles sempre
influenciam a conduta da maioria dos indivíduos de cada classe ou
ordem.266 Mas os rendimentos das pessoas ociosas, consideradas como
uma classe ou ordem, não podem, em menor grau, ser aumentados por
meio de operações bancárias. Seus gastos em geral, portanto, não podem
ser muito aumentados por meio delas, embora isso possa ocorrer, e na
verdade ocorre, com alguns indivíduos do grupo. Portanto, se as pessoas
ociosas demandarem mercadorias estrangeiras e essa demanda
permanecer a mesma ou quase a mesma de antes, é provável que apenas
uma pequena parte do dinheiro levado ao estrangeiro por essas
operações bancárias seja utilizada para a compra de mercadorias
estrangeiras para consumo interno. A maior parte se destinará
naturalmente para o trabalho, e não para a manutenção da ociosidade.
Quando calculamos a quantidade de trabalho que o capital circulante
de uma sociedade qualquer pode empregar, sempre devemos levar em
conta apenas as partes formadas pelos seguintes elementos: suprimentos,
matérias-primas e produtos acabados; a outra parte, formada por
dinheiro e que serve apenas para a circulação dos três elementos
anteriores, deverá ser sempre deduzida. Três itens são necessários para
colocar o trabalho em movimento: matérias-primas a serem trabalhadas,
ferramentas de trabalho e salários ou remuneração pela qual o trabalho é
realizado. O dinheiro não é nem matéria-prima para ser trabalhada nem
ferramenta de trabalho; e, apesar de o salário do trabalhador ser
comumente pago a ele em dinheiro, seu rendimento verdadeiro, como a
de todas as outras pessoas, não consiste no dinheiro em si, mas no valor
do dinheiro; não consiste nas peças de metal, mas no que pode ser
comprado com elas.
A quantidade de trabalho que pode ser empregada pelo capital deve,
evidentemente, ser igual ao número de trabalhadores a quem o capital
pode oferecer matérias-primas, ferramentas e salários adequados à
natureza do trabalho. O dinheiro poderá ser necessário para comprar as
matérias-primas e as ferramentas de trabalho, bem como para o sustento
dos trabalhadores. Mas a quantidade de trabalho que pode ser
empregada por todo o capital certamente não é igual nem às matérias-
primas, ferramentas e aos salários que são adquiridos com o dinheiro
nem ao dinheiro que os compra; mas é igual apenas a um desses dois
valores, mais precisamente ao primeiro que ao último.
Quando as moedas de ouro e de prata são substituídas pelo papel, a
quantidade de matérias-primas, ferramentas e salários que a soma do
capital circulante é capaz de oferecer pode ser aumentada pelo valor total
de ouro e prata que costumava ser utilizado para comprá-los. O valor
total da grande roda da circulação e distribuição é adicionado às
mercadorias que circulam e são distribuídas por meio dela. A operação,
em certa medida, se assemelha à do empresário de uma grande oficina
que, em consequência de alguns avanços mecânicos, aposenta suas
antigas máquinas e adiciona a diferença entre seu preço e o preço das
novas máquinas ao seu capital circulante, isto é, ao fundo de onde ele
retira as matérias-primas e os salários para os seus funcionários.
Talvez seja impossível determinar a proporção entre a moeda que
circula em um país qualquer e o valor total do produto anual que circula
por meio dela. Cada autor calculou uma proporção diferente, a saber, 1/5,
1/10, 1/20 e 1/30 desse valor. Mas, por menor que seja a proporção entre
a moeda circulante e o valor total do produto anual, como apenas uma
parte do produto — e frequentemente apenas uma pequena parte dele —
já está destinada à manutenção da atividade do trabalho, sempre terá
uma proporção considerável em relação a essa parte. Dessa forma,
quando, ao serem substituídos por papel, o ouro e a prata necessários
para a circulação são reduzidos a, talvez, 1/5 da quantidade anterior, se
for acrescentado aos fundos para a manutenção da atividade do trabalho
apenas o valor da maior parte dos outros 4/5, isso deverá constituir um
acréscimo muito considerável à quantidade de trabalho e,
consequentemente, ao valor do produto anual da terra e do trabalho.
Uma operação desse tipo foi realizada na Escócia durante os últimos
25 ou 30 anos, com a instalação de novas empresas do setor bancário em
quase todas as cidades de porte considerável e até mesmo em alguns
povoados do interior do país. Os efeitos disso foram precisamente os
acima descritos. Os negócios do país são quase todos realizados por meio
dos papéis das diferentes empresas bancárias, com os quais as compras e
os pagamentos de todos os tipos são comumente realizados. A prata é
vista raramente, aparecendo somente como troco de uma nota bancária
de 20 xelins, e o ouro, de forma mais rara ainda. Embora todas essas
diferentes empresas não apresentassem condutas muito exemplares —
necessitando, inclusive, de uma lei que as regulamentasse —, o país, não
obstante, obteve grandes vantagens de seu negócio. Ouvi dizer que as
atividades da cidade de Glasgow duplicaram em cerca de quinze anos
após a instalação dos primeiros bancos; e que a economia da Escócia
mais que quadruplicou desde a implantação dos dois primeiros bancos
públicos de Edimburgo, dos quais um, chamado de Banco da Escócia, foi
estabelecido por uma lei de 1695; o outro, chamado Banco Real, por uma
autorização real de 1727. Não tenho como saber se as atividades da
Escócia, em geral, ou da cidade de Glasgow, em particular, realmente
cresceram tanto durante um período tão curto. Caso esse crescimento
tenha ocorrido nas proporções indicadas, essa parece ser uma
consequência muito grande para ter ocorrido pela operação exclusiva
desta causa. No entanto não há como duvidar de que, na Escócia, as
atividades e o trabalho aumentaram consideravelmente durante o
período e que os bancos têm contribuído muito para esse crescimento.
O valor das moedas de prata que circulavam na Escócia antes da
união, em 1707, e que, imediatamente depois, foram levadas para o
Banco da Escócia para ser novamente cunhadas, era de 411.117 libras
esterlinas, 10 xelins e 9 pence. Não há contabilização das moedas de ouro,
mas, pelas contas antigas da casa da moeda da Escócia, parece que o
valor do ouro anualmente cunhado ultrapassava um pouco o da prata.267
Na ocasião, também houve um bom número de pessoas que,
desconfiadas do reembolso, não levaram sua prata para o Banco da
Escócia e, além disso, algumas moedas inglesas não foram requisitadas.
O valor total de ouro e prata, portanto, que circulava na Escócia antes da
união das coroas não pode ser estimado em menos de 1 milhão de libras
esterlinas. Essa era quase toda a moeda em circulação no país. Devemos
levar em conta que, embora a moeda em circulação do Banco da Escócia,
que na época não tinha concorrentes, fosse considerável, sua participação
era apenas de uma parte muito pequena do todo. Nos tempos atuais, o
dinheiro em circulação na Escócia não pode ser estimado em menos de 2
milhões de libras; sendo que a parte formada por ouro e prata muito
provavelmente não chegue a 500 mil libras esterlinas. Mas embora a
circulação de ouro e prata da Escócia tenha diminuído muito durante
esse período, o mesmo não parece ter ocorrido com sua verdadeira
riqueza e prosperidade. Pelo contrário, houve um evidente crescimento
de sua agricultura, indústria e comércio, isto é, do produto anual de suas
terras e do trabalho.
A maior parte dos bancos e banqueiros emite suas notas promissórias
pelo desconto de letras de câmbio, ou seja, adiantam o dinheiro devido a
elas antes do vencimento. Seja qual for o valor adiantado, eles sempre
deduzem os juros legais até o vencimento da letra. O pagamento da letra
em seu vencimento restitui ao banco o valor que havia sido adiantado
juntamente com o lucro líquido dos juros. Ao descontar a letra, o
adiantamento que o banqueiro faz ao comerciante não é formado por
ouro e prata, mas por notas promissórias do banco; assim, ele tem a
vantagem de poder descontar uma soma muito maior pelo valor total de
suas notas promissórias que, ele sabe por experiência, costumam estar
em circulação. Pode, assim, obter um ganho líquido em juros sobre uma
soma muito maior.268
O comércio da Escócia, que, neste momento, não é muito grande, era
ainda menos importante na época em que seus dois primeiros bancos
foram estabelecidos; e haveria pouquíssimas atividades dessas duas
companhias se elas tivessem confinado seus negócios ao desconto de
letras de câmbio. Por isso, inventaram outro método de emissão de suas
notas promissórias: a concessão do que chamaram de contas de caixa,
isto é, ofereciam certa quantia em crédito (2 ou 3 mil libras, por exemplo)
a qualquer pessoa que conseguisse apresentar dois fiadores com crédito
inquestionável e boas terras como garantias de que, mediante pedido do
banco e dentro dos limites do crédito concedido, pudessem restituir todo
o dinheiro adiantado juntamente com os juros legais. Eu acredito que
esse tipo de crédito é geralmente concedido por bancos e banqueiros de
todo o mundo. Mas as facilidades de reembolso aceitas pelos bancos
escoceses são, tanto quanto eu sei, peculiares a eles e, talvez, a principal
causa tanto do grande volume de atividades dessas empresas quanto dos
benefícios que o país tem obtido deles.
Qualquer um que tenha um crédito desse tipo com uma dessas
companhias e tome emprestadas mil libras, por exemplo, poderá
reembolsar a soma em prestações de 20 e 30 libras por vez, sendo que o
banco descontará uma parte proporcional dos juros do valor principal
desde o dia em que cada uma das pequenas prestações é paga até que,
dessa forma, o valor total seja reembolsado. Todos os comerciantes,
portanto, e quase todos os empresários acham conveniente manter essas
contas de caixa com os bancos e se interessam, assim, em promover a
atividade comercial dessas companhias recebendo prontamente suas
notas em todos os pagamentos e incentivando todas as pessoas de sua
esfera de influência a fazer o mesmo. Os bancos, sempre que seus clientes
lhes pedem dinheiro, geralmente o adiantam por meio de notas
promissórias próprias. Os comerciantes entregam as notas aos fabricantes
em troca de bens, os fabricantes as entregam aos agricultores em troca de
matérias-primas e suprimentos, os agricultores aos donos da terra como
arrendamento, os donos de terras as devolvem aos comerciantes em troca
de comodidades e bens de luxo que fornecem a eles e, por fim, os
comerciantes as devolvem aos bancos para manter o saldo positivo de
suas contas de caixa ou para reembolsar algum dinheiro tomado
emprestado dos bancos; e, assim, quase todos os negócios que envolvem
dinheiro de todo o país são transacionados por meio dos bancos. Daí os
grandes negócios dessas companhias.269
Por meio dessas contas de caixa, os comerciantes podem, sem
cometer imprudência, realizar transações comerciais muito maiores do
que seria possível sem as contas. Imaginemos dois comerciantes, um em
Londres e o outro em Edimburgo, que aplicam um capital igual em um
mesmo ramo comercial; o de Edimburgo poderá, sem imprudência,
realizar maiores transações comerciais e empregar um maior número de
pessoas do que o comerciante de Londres. O comerciante de Londres,
para responder às sucessivas demandas para pagamento das mercadorias
compradas a crédito, deve sempre ter uma soma considerável de dinheiro
que não lhe renda juros, seja em seus próprios cofres, seja nos de seu
banqueiro. Digamos que a quantidade comum dessa soma seja 500 libras.
O valor das mercadorias de seu armazém deverá ser sempre 500 libras
menor do que poderia ser se ele não tivesse sido obrigado a manter essa
soma parada. Suponhamos que, uma vez ao ano, ele consiga, em geral,
movimentar todo o seu estoque ou vender todas as suas mercadorias no
valor desse estoque. Sendo obrigado a manter ociosa uma soma tão
grande, o comerciante deve vender em um ano 500 libras a menos em
bens do que venderia em outro caso. Seus lucros anuais devem ser
menores, proporcionalmente a tudo o que ele poderia ter ganhado com a
venda de 500 libras a mais de bens; e o número de pessoas empregadas na
preparação de seus bens para o mercado será menor proporcionalmente
às 500 libras a mais que poderiam ter sido utilizadas.
O comerciante de Edimburgo, por outro lado, não mantém dinheiro
parado para responder a essas demandas ocasionais. Quando elas
realmente ocorrem, ele as satisfaz por meio de sua conta de depósitos
com o banco e gradualmente substitui a soma emprestada com o
dinheiro ou o papel das vendas ocasionais de seus bens. Com o mesmo
capital, portanto, ele pode, sem ser imprudente e a qualquer momento,
ter em seu armazém uma quantidade maior de bens que o comerciante
de Londres; pode, assim, ter maiores lucros e oferecer emprego constante
para um número maior de pessoas diligentes que irão preparar as
mercadorias para o mercado. Daí vem o grande benefício que o país tem
obtido pelas atividades bancárias.
Pode-se imaginar de fato que a facilidade de descontar letras de
câmbio oferece aos comerciantes ingleses uma conveniência equivalente
às contas de caixa dos comerciantes escoceses. Mas devemos lembrar que
os comerciantes escoceses podem descontar suas letras de câmbio de
forma tão fácil quanto os comerciantes ingleses; mas, além disso, há a
conveniência adicional de suas contas de caixa.
O papel-moeda total de qualquer tipo que circula facilmente em um
país nunca pode exceder o valor do ouro e da prata que ele substitui ou
que ali circularia (supondo que as atividades comerciais são as mesmas)
se o papel-moeda não existisse. Se as notas de 20 xelins, por exemplo, são
as cédulas de menor valor na Escócia, o total de dinheiro em circulação
não poderá exceder a soma de ouro e prata que seria necessária para
efetuar as transações anuais de 20 xelins ou mais que geralmente se
realizam naquele país. Já que o excesso de papel-moeda em circulação
não pode nem ser enviado para o exterior nem ser empregado na
circulação interna do país, se, a qualquer momento, ele exceder aquela
quantia, então deverá retornar imediatamente aos bancos para que seja
trocado por ouro e prata. Ao perceberem que possuem mais papéis do
que precisam para suas transações domésticas, e, por não poderem enviá-
los ao exterior, muitas pessoas exigiriam dos bancos sua troca imediata
por ouro e prata. Assim que esse papel supérfluo é convertido em ouro e
prata, pode adquirir uma utilidade imediata ao ser enviado para o
exterior; utilidade inexistente enquanto o dinheiro é mantido na forma
de papel. Assim, haveria uma corrida aos bancos para realizar a troca de
todos os papéis e, caso as instituições demonstrassem alguma dificuldade
ou demorassem a pagar, o alarme que isso geraria causaria,
necessariamente, uma maior corrida aos bancos.270
Além dos gastos que são comuns a todos os ramos de negócio, como
as despesas de aluguel, os salários dos funcionários, secretários,
contabilistas, etc., as despesas peculiares a um banco consistem
principalmente em dois itens: o primeiro é a despesa realizada para a
guarda contínua em seus cofres de uma grande soma de dinheiro
metálico para atender às demandas ocasionais dos titulares de suas notas,
soma que deixa de receber juros; e o segundo item é a despesa para o
rápido reabastecimento dos cofres tão logo sejam esvaziados na resposta
a tais demandas ocasionais.
Uma empresa bancária, que emite mais papéis do que os que podem
ser utilizados na circulação do país e cujo excesso faz com que eles sejam
constantemente devolvidos ao banco para pagamento, deverá aumentar a
quantidade de ouro e prata que guarda em seus cofres não só em
proporção a esse aumento excessivo da circulação de papéis, mas em uma
proporção muito maior, pois suas notas serão devolvidas em velocidade
muito maior que o aumento excessivo de sua quantidade. Tal empresa,
portanto, deverá aumentar os gastos do primeiro item não só em
proporção ao aumento forçado de seus negócios, mas em uma proporção
muito maior.
Além de os cofres da empresa precisarem ser reabastecidos com
muito mais, eles também acabam se esvaziando muito mais rapidamente
do que se a sua atividade estivesse confinada dentro de limites mais
razoáveis; e, além de exigirem custos muito maiores para que sejam
reabastecidos, também devem exigir despesas mais constantes e
ininterruptas. As moedas que, portanto, são constantemente retiradas em
grandes quantidades de seus cofres não podem ser utilizadas na
circulação do país. Elas substituem um papel que está muito além do que
pode ser empregado na circulação e, portanto, muito além do que
também pode ser utilizado no país. Mas, já que a moeda não poderá ficar
ociosa, ela deverá, de uma forma ou de outra, ser enviada ao exterior,
com o objetivo de encontrar a aplicação rentável que não encontra em
seu país de origem; e essa exportação constante de ouro e prata causa
mais dificuldades e, necessariamente, maiores gastos do banco em sua
busca por mais ouro e prata para abastecer os cofres que foram
esvaziados de forma tão rápida. Portanto, uma empresa desse tipo deve,
proporcionalmente a esse aumento forçado de seus negócios, aumentar o
segundo item de seus gastos em proporção muito maior que o primeiro
item.
Imaginemos que todos os papéis de um banco qualquer que a
circulação do país possa facilmente absorver e empregar equivalha a
exatamente 40 mil libras; e que, para atender a demandas ocasionais, este
banco é obrigado a manter em seus cofres uma quantidade constante de
10 mil libras em ouro e prata. Caso esse banco tente colocar 44 mil libras
em circulação, as 4 mil libras que excedem aquilo que a circulação
consegue facilmente absorver e empregar serão devolvidas ao banco
quase tão rapidamente quanto a emissão desses papéis. Para atender a
demandas ocasionais, portanto, esse banco deverá manter
constantemente em seus cofres 14 mil libras e não apenas 11 mil. Desse
modo, a circulação das 4 mil libras a mais não lhe renderá juros, e o
banco perderá o total de gastos utilizados para a coleta das 4 mil libras
em ouro e prata que estarão de forma constante saindo de seus cofres
com a mesma rapidez com que entraram.
Se cada um dos bancos tivesse sempre compreendido e cuidado de
seu próprio interesse particular, nunca teria havido excesso de notas
bancárias em circulação. Ocorre que os bancos nunca compreenderam e
cuidaram de seus próprios interesses particulares e, por isso, a circulação
foi frequentemente sobreabastecida com papel-moeda.
Ao emitir uma quantidade muito grande de papel, cujo excesso é
ininterruptamente devolvido para ser trocado por ouro e prata, o Banco
da Inglaterra se viu obrigado por muitos anos a cunhar moedas de ouro
que somavam valores entre 800 mil e 1 milhão de libras por ano; ou, em
média, 850 mil libras. Para esse fim, o banco, em consequência do estado
degradado e desgastado em que se encontravam as moedas de ouro há
alguns anos, era frequentemente obrigado a comprar barras de ouro ao
elevado preço de 4 libras a onça, que, logo depois, cunhava por 3 libras,
17 xelins e 10,5 pence a onça, perdendo, dessa forma, de 2,5% a 3% sobre
a cunhagem de uma soma tão grande. Embora o banco não precisasse
pagar taxas de senhoriagem e o governo estivesse a cargo da despesa de
cunhagem, a generosidade do governo não evitou que o Banco da
Inglaterra tivesse gastos.271
Os bancos escoceses, em consequência de um mesmo tipo de excesso,
eram obrigados a manter agentes permanentes em Londres para recolher
o dinheiro necessário, com gastos que raramente estavam abaixo de 1,5%
ou 2%. O dinheiro era enviado em carros e assegurado pelos
transportadores por um gasto adicional de 0,75%, isto é, 15 xelins por
cada 100 libras. Os agentes nem sempre conseguiam reabastecer os cofres
de seus empregadores com a mesma rapidez com que eram esvaziados.
Nesse caso os bancos emitiam letras de câmbio a seus correspondentes
em Londres contendo o valor de que necessitavam. Quando esses
correspondentes levavam as notas aos bancos para o pagamento desse
montante, juntamente com os juros e a comissão devida, alguns desses
bancos, pelo incômodo que o excesso de papéis em circulação havia lhes
causado, não tinham outra forma de satisfazer esse débito senão pelo
lançamento de uma segunda letra de câmbio para o mesmo ou para um
outro grupo de correspondentes em Londres; e a mesma soma, ou
melhor, notas representando a mesma soma, faziam, assim, mais de duas
ou três viagens; o devedor, isto é, o banco, pagava sempre os juros e a
comissão sobre o valor acumulado do montante. Até mesmo os bancos
escoceses, que nunca se distinguiram por uma extrema imprudência,
eram, às vezes, obrigados a empregar esse recurso ruinoso.
As moedas de ouro pagas pelo Banco da Inglaterra ou pelos bancos
escoceses em troca de parte de seu papel que excedia o montante que
poderia ser empregado na circulação do país, estando da mesma forma
além do que poderia ser empregado naquela circulação, eram enviadas ao
exterior em forma de moeda: às vezes, fundidas e enviadas ao exterior em
forma de lingotes, e, às vezes, derretidas e vendidas para o Banco da
Inglaterra ao elevado preço de 4 libras a onça. Apenas as peças de metal
(moedas) mais novas, mais pesadas e melhores eram cuidadosamente
escolhidas e enviadas ao exterior ou derretidas. Localmente e enquanto
ainda tinham a forma de moeda, as peças de metal mais pesadas eram
tão valiosas quanto as mais leves; elas tinham maior valor no estrangeiro
ou, domesticamente, quando eram derretidas em barras de ouro. O
Banco da Inglaterra, não obstante sua grande cunhagem anual, descobriu
que, para sua surpresa, a cada novo ano ocorria a mesma escassez de
moedas do ano anterior; e que, não obstante a grande quantidade de
moedas boas e novas emitidas anualmente pelo banco, o estado das
moedas, em vez de estar em constante melhora, piorava cada vez mais. A
cada novo ano, o banco se via obrigado a cunhar quase a mesma
quantidade de ouro que havia cunhado no ano anterior, e, devido ao
constante aumento do preço do ouro por causa do desgaste contínuo e
das lascas tiradas das moedas,272 as despesas dessa grande cunhagem
anual se tornavam cada vez maior. Observou-se que, ao provisionar
moedas para seus próprios cofres, o Banco da Inglaterra ficava
indiretamente obrigado a provisioná-las a todo o Reino, para onde, desde
seus cofres, a moeda fluía constantemente de diversas maneiras. Assim,
independentemente da moeda que fosse necessária para dar suporte a
essa circulação excessiva dos papéis escoceses e ingleses,
independentemente do vazio causado pela circulação excessiva da moeda
necessária para o Reino, o Banco da Inglaterra se via obrigado a fornecê-
las. Não há dúvida de que todos os bancos escoceses pagaram muito caro
por sua própria imprudência e desatenção. Mas o Banco da Inglaterra
pagou muito caro não apenas por sua própria imprudência, mas também
pela imprudência muito maior de quase todos os bancos escoceses.273
A causa original dessa circulação excessiva de papel-moeda foi a
atividade comercial exagerada de alguns especuladores audaciosos em
ambas as partes do Reino Unido.
O valor adequado que um banco pode adiantar a um comerciante ou
a qualquer tipo de empresário não é todo o capital de suas atividades
comerciais, nem mesmo uma parte considerável desse capital, mas
apenas o capital que deve ser mantido ocioso e em dinheiro vivo para
poder atender a alguma demanda ocasional. Quando o papel-moeda
adiantado pelo banco nunca excede esse valor, ele nunca poderá exceder
o valor de ouro e prata que, necessariamente, circularia no país se o
papel-moeda não existisse; ele nunca poderá exceder a quantidade que a
circulação do país é capaz de absorver e empregar com facilidade.
Quando um banco desconta de um comerciante uma letra de câmbio
real, emitida por um credor real a um devedor real, e que, tão logo vença,
é realmente paga por aquele devedor, o banco somente adianta a parte do
valor que ele, caso contrário, deveria manter ociosa e em dinheiro vivo
para atender a suas demandas ocasionais. O pagamento da letra em seu
vencimento restitui ao banco o valor que havia sido adiantado
juntamente com o lucro líquido dos juros. Os cofres do banco, desde que
suas negociações se limitem a esses clientes, assemelham-se a uma lagoa
de onde sai um fluxo contínuo de água, mas para onde também chega
outro fluxo de igual vazão; e, dessa forma, sem qualquer cuidado ou
atenção, a lagoa mantém sempre o mesmo nível de água ou quase o
mesmo nível de completude. Pouca ou nenhuma despesa será necessária
para reabastecer os cofres desse tipo de banco.
Um comerciante que não comete excessos em seu volume de negócios
pode necessitar frequentemente de uma soma de dinheiro vivo para uso
imediato, mesmo que não tenha letras para descontar. Quando um
banco, além de descontar os títulos desse comerciante, ainda lhe adianta,
em tais ocasiões, essas somas em sua conta de caixa e, nas mesmas
condições facilitadas das empresas bancárias da Escócia, aceita um
reembolso em pequenas prestações, conforme o recebimento pelo
comerciante do dinheiro das vendas ocasionais de suas mercadorias,
então essa prática dispensa o comerciante inteiramente da necessidade de
manter ociosa parte de seu capital, e ainda com dinheiro em mãos para
poder responder a demandas ocasionais. Quando elas realmente
ocorrem, ele pode satisfazê-las de forma adequada com sua conta de
caixa. Ao lidar com esses clientes, o banco, no entanto, deve observar
com muita atenção se no decurso de um curto período (digamos, de
quatro, cinco, seis ou oito meses, por exemplo) a soma dos pagamentos
que comumente recebe deles é ou não igual aos adiantamentos feitos a
eles. Se, durantes esses curtos períodos, a soma dos pagamentos de certos
clientes é, na maioria das vezes, exatamente igual aos adiantamentos,
então o banco poderá seguramente continuar a fazer negócios com esses
clientes. Nessas situações, embora o fluxo que sai de forma contínua de
seus cofres possa ser muito grande, o fluxo contínuo de entradas deverá
ser, no mínimo, igualmente grande, para que, sem muitos cuidados ou
atenção, aqueles cofres estejam sempre cheios ou muito próximos disso; e
quase nunca será necessário recorrer a gastos extraordinários para
reabastecê-los. Se, pelo contrário, a soma dos pagamentos de outros
clientes fica normalmente muito aquém dos adiantamentos realizados a
eles, então o banco não poderá continuar a negociar com esses clientes de
forma segura, pelo menos se continuarem com o mesmo
comportamento. Dessa forma, o fluxo contínuo de saída dos cofres é
necessariamente muito maior do que o fluxo de entrada; e, a menos que
sejam reabastecidos por meio de gastos volumosos e constantes, os cofres
estarão totalmente exauridos em pouco tempo.
Por isso, durante bastante tempo, as empresas de serviços bancários
da Escócia tiveram o cuidado de exigir reembolsos frequentes e regulares
de todos os seus clientes e não negociavam com pessoas que,
independentemente de fortuna ou crédito, não realizassem o que os
bancos chamavam de operações frequentes e regulares com eles. Por
meio de tais cuidados, além de economizar quase inteiramente o custo
extraordinário de reabastecimento de seus cofres, eles obtiveram duas
outras vantagens consideráveis.
Primeiro, esse acautelamento lhes permitiu formar juízos aceitáveis
sobre as circunstâncias relativas à prosperidade ou decadência de seus
devedores sem que precisassem buscar quaisquer outras evidências além
das que constavam em seus próprios livros contábeis; pois a maioria das
pessoas ou cumpre seus pagamentos de forma regular ou de forma
irregular, conforme as circunstâncias de suas vidas — se lhes forem
prósperas ou decadentes. Um indivíduo particular que empresta seu
dinheiro a meia dúzia ou uma dúzia de devedores pode, por si próprio ou
por meio de seus agentes, observar e investigar de forma constante e
detalhada a conduta e a situação de cada um deles. Mas uma empresa de
serviços bancários que empresta dinheiro a talvez cinco centenas de
pessoas diferentes e cuja atenção está sempre ocupada por assuntos
muito diferentes não poderá obter informações regulares sobre a conduta
e as circunstâncias da maior parte dos seus devedores senão por meio de
seus livros contábeis. É provável que os bancos escoceses tivessem esse
objetivo ao exigir reembolsos frequentes e regulares de todos os seus
clientes.274
Em segundo lugar, com esse acautelamento, eles evitam a
possibilidade de emitir mais papel-moeda do que a quantidade que pode
ser facilmente absorvida e empregada pela circulação do país. Quando
observaram que em períodos moderados os reembolsos de um
determinado cliente eram, na maioria das ocasiões, exatamente iguais aos
adiantamentos que haviam feito ao seu cliente, podiam ter certeza de que
o papel-moeda adiantado a ele não excedia, em nenhum momento, a
quantidade de ouro e prata que em outro caso seriam obrigados a manter
em mãos para atender às demandas ocasionais; e que, consequentemente,
os papéis que puseram em circulação por meio deste cliente não haviam
excedido em nenhum momento a quantidade de ouro e prata que, caso
não existissem papéis-moedas, circularia no país. A frequência, a
regularidade e a quantidade de seus reembolsos demonstram
suficientemente que a quantidade de adiantamentos feitos pelos bancos
em nenhum momento ultrapassou essa parte de seu capital que, em outro
caso, eles teriam sido obrigados a manter ocioso e em dinheiro vivo para
responder às demandas ocasionais; ou seja, com a finalidade de manter o
restante de seu capital constantemente empregado. É somente essa parte
de seu capital que, em períodos moderados, é devolvida aos comerciantes
em forma de dinheiro, seja em papel, seja em moeda, e continuamente é
liberado por ele do mesmo jeito. Se os adiantamentos do banco sempre
excedessem essa parte de seu capital, a quantidade normal de seus
reembolsos não conseguiria, em períodos moderados, igualar a
quantidade normal de seus adiantamentos. O fluxo que, por meio dessas
transações, entrava nos cofres do banco não conseguiria se igualar ao
fluxo que, mediante as mesmas transações, deles sai. Os adiantamentos
dos papéis do banco, ao excederem a quantidade de ouro e prata que,
caso os adiantamentos não tivessem sido realizados, ele teria sido
obrigado a guardar para responder às ocasionais demandas, podem
rapidamente exceder toda a quantidade de ouro e de prata que
(mantendo-se as mesmas transações comerciais) circulariam no país se
não existisse o papel-moeda; e, consequentemente, excederia a
quantidade que a circulação do país conseguiria facilmente absorver e
empregar; e os papéis excedentes teriam sido imediatamente devolvidos
ao banco para ser trocados por ouro e prata. Essa segunda vantagem,
embora igualmente real, talvez não tenha sido tão bem entendida quanto
a primeira pelos bancos da Escócia.
Quando — em parte pela conveniência de poder descontar seus
títulos e, em parte, por aquela das contas de caixa — os comerciantes
solventes de qualquer país se veem livres da necessidade de manter uma
fração qualquer de seu capital junto a si (ocioso e em dinheiro vivo) para
o uso em demandas ocasionais, eles não podem esperar de forma
arrazoada alguma assistência adicional de bancos e banqueiros, que,
tendo ido tão longe até o momento, não conseguirão ir mais longe de
forma equilibrada em relação aos seus próprios interesses e segurança.
Para manter-se consistente com seus próprios interesses, um banco não
pode adiantar a um comerciante todo o capital ou mesmo a maior parte
do capital circulante com que transaciona; pois, embora esse capital
retorne constantemente aos bancos na forma de dinheiro, e dele saia na
mesma forma, ainda assim o total de entradas está muito distante do total
de saídas, e a soma dos reembolsos não consegue igualar-se à soma de
seus adiantamentos dentro de limites moderados de tempo que são
convenientes aos bancos. Muito menos poderá um banco adiantar aos
clientes uma parte considerável de seu capital fixo; por exemplo, do
capital que o empresário de uma fundição emprega para a montagem de
sua forja e casa de fundição, suas oficinas e armazéns, as casas de seus
trabalhadores, etc.; ou do capital que o empresário de uma mina utiliza
para perfurar seus poços, para a construção dos drenos de água, estradas
e trilhos para os vagões, etc.; do capital que a pessoa que se compromete
a melhorar a terra emprega em sua limpeza, drenagem, cercamento,
adubação e aragem dos campos baldios e não cultivados, na construção
das sedes das fazendas com todos os seus acessórios necessários,
estábulos, celeiros, etc. Os retornos do capital fixo são quase sempre
muito mais lentos do que os retornos do capital circulante; esses gastos,
mesmo quando realizados com extrema prudência e discernimento,
muito raramente retornam ao empresário senão após um período de
muitos anos, um período grande demais para que seja conveniente a um
banco. Sem dúvida e de forma bastante apropriada, os comerciantes e
outros empresários podem tomar dinheiro emprestado para dar
continuidade a grande parte de seus projetos. No entanto, para ser justo
com seus credores, seu próprio capital deve, neste caso, ser suficiente
para assegurar, se me permitem dizer, o capital daqueles credores, ou
então tornar extremamente improvável que os credores incorram em
perdas, mesmo que o sucesso do projeto deva ficar muito aquém da
expectativa de seus idealizadores. Mesmo com essa precaução, o dinheiro
que é tomado emprestado e que não será devolvido antes de um período
de vários anos não deve ser tomado emprestado de um banco, mas,
mediante caução ou hipoteca, de pessoas privadas que se propõem a
viver com os juros de seu dinheiro sem que tenham, elas mesmas, o
trabalho de aplicar o capital. Estão, desse modo, dispostas a emprestar
esse capital para pessoas de bom crédito que, provavelmente, serão
capazes de manter essas pessoas privadas por vários anos. De fato, um
banco que emprestasse seu dinheiro sem o gasto dos selos dos papéis ou
dos honorários advocatícios para o recebimento de títulos e hipotecas e
que aceitasse o pagamento das dívidas nos termos simples dos bancos da
Escócia seria, sem dúvida, um credor bastante adequado para esses
comerciantes e empresários. Mas tais comerciantes e empresários,
certamente, seriam devedores bastante inadequados para um banco desse
tipo.
Vão-se hoje mais de 25 anos desde que o papel-moeda emitido pelas
diversas companhias bancárias equivalia a exatamente, ou melhor,
equivalia a um pouco mais do que poderia ser facilmente absorvido e
empregado pela circulação do país. Assim, por todo esse tempo, tais
companhias ofereceram aos comerciantes e outros empresários da
Escócia toda a assistência que bancos e banqueiros poderiam dar de
forma consistente com os seus próprios interesses. Fizeram até um pouco
mais que isso.
Eles comercializaram de forma um pouco exagerada e, por isso,
foram obrigados a arcar com a perda ou pelo menos com a diminuição
do lucro que, nessa atividade, sempre surge ao menor grau de
comercialização exagerada. Após terem recebido tanta ajuda de bancos e
banqueiros, os comerciantes e outros empresários queriam ainda mais.
Pareciam imaginar que os bancos eram capazes de ampliar seus créditos
à soma que desejassem sem incorrer em nenhuma outra despesa senão o
custo de algumas resmas de papel. Queixaram-se da visão estreita e do
espírito vil dos diretores daqueles bancos, que, segundo eles, não
ampliavam seus créditos proporcionalmente à extensão dos negócios do
país; sem dúvida, ao se referirem à extensão dos negócios, referiam-se à
extensão de seus próprios projetos para além do que seria possível com
seu próprio capital ou com o crédito que conseguissem obter emprestado
de indivíduos da mesma forma habitual que ocorre com os títulos e as
hipotecas. Pareciam imaginar que os bancos tinham uma obrigação
moral de suprir a deficiência e lhes oferecer todo o capital de que eles
quisessem dispor. A opinião dos bancos, no entanto, era diferente e, ao
recusarem a ampliação de crédito aos comerciantes, alguns deles
passaram a recorrer a um expediente que, por um tempo, serviu ao seu
propósito, com um custo muito maior, mas de forma tão efetiva quanto a
maior ampliação possível dos créditos bancários. O expediente utilizado
foi o conhecido encadeamento de saques e ressaques de títulos ao qual
certos comerciantes mal-afortunados costumam recorrer quando estão à
beira da falência. A prática de obter dinheiro dessa maneira já era
conhecida havia muito tempo na Inglaterra; e dizem que ocorreu muito
durante a última guerra, quando os altos lucros comerciais
proporcionavam uma grande tentação para a concretização de transações
que excedessem o capital disponível. A prática foi levada da Inglaterra
para a Escócia, onde, proporcionalmente ao comércio muito limitado e
ao capital muito moderado do país, ganhou rapidamente uma extensão
muito maior que na Inglaterra.
Já que a prática dos saques e ressaques é tão bem conhecida por todos
os comerciantes, é possível que sua explicação seja considerada
desnecessária. Mas, tendo em vista que este livro poderá ser lido por
muitas pessoas que não são homens de negócios e tendo em vista que os
efeitos dessa prática sobre o negócio bancário talvez não sejam
entendidos por todos, nem mesmo pelos próprios homens de negócios,
então tentarei explicar essa prática da forma mais clara possível.
Os costumes dos comerciantes, estabelecidos quando as leis bárbaras
da Europa não garantiam o cumprimento de seus contratos, e que no
decorrer dos dois últimos séculos foram adotados pelas legislações de
todas as nações europeias, concederam privilégios tão extraordinários
para as letras de câmbio que se adianta dinheiro mais prontamente a elas
do que a qualquer outra espécie de obrigação; especialmente quando
vencem em um curto período de dois ou três meses após a data de sua
emissão. Quando a letra vence e o aceitante275 não a paga assim que ela é
apresentada, a partir daquele momento ele entra em falência. A letra é
protestada e devolvida ao sacador,276 o qual, se não a pagar
imediatamente, também entra em falência. Se, antes de chegar à pessoa
que a apresenta ao aceitante para pagamento,277 a letra passou pelas mãos
de várias outras pessoas, que adiantaram o valor do título umas para as
outras de forma sucessiva, seja em dinheiro ou em bens, e se essas
pessoas, para indicar que cada uma delas recebeu o valor do título, a
endossaram em sua vez, isto é, escreveram seus nomes no verso da letra,
todas elas, por sua vez, se tornam obrigadas a devolver o valor do título
ao seu proprietário e, caso não paguem, elas também, a partir daquele
momento, entram em falência. Embora sacador, sacado (aceitante) e
endossantes da letra sejam pessoas de crédito duvidoso, ainda assim, o
prazo de vencimento curto oferece alguma segurança ao proprietário da
letra. Mesmo existindo a possibilidade de que todos eles entrem em
falência, é provável que isso não ocorra a todos em tão pouco tempo. Um
viajante cansado diz para si mesmo: “A casa está em ruínas e não ficará
em pé por muito tempo, mas é provável que não desmorone hoje à noite,
então correrei o risco e dormirei nela”.
Suponhamos que o comerciante A de Edimburgo emita uma letra
contra B em Londres a ser paga em dois meses. Na realidade, B em
Londres não deve nada a A em Edimburgo; mas ele aceita a letra de A
com a condição de, antes do vencimento, poder ressacar contra A em
Edimburgo outra letra de mesmo valor mais os juros e uma comissão,
com vencimento para dois meses após a emissão. B, da mesma forma,
antes do vencimento dos primeiros dois meses, ressaca a letra contra A
em Edimburgo, o qual, mais tarde, antes do segundo vencimento de dois
meses, ressaca uma segunda letra contra B em Londres que, da mesma
forma, vencerá dois meses após sua emissão; e antes do terceiro
vencimento de dois meses, B em Londres ressaca contra A em
Edimburgo outra letra que também vencerá dois meses após a sua
emissão. Em alguns casos, a prática tem durado vários meses e, às vezes,
até anos; a letra sempre retorna a A em Edimburgo com juros
acumulados e comissão das letras anteriores. Os juros eram de 5% ao
ano, e a comissão, nunca menos de 0,5% por emissão. Ao repetir essa
comissão mais de seis vezes no ano, todo o dinheiro que A consiga
levantar por esse expediente custará necessariamente algo mais de 8%
por ano; e às vezes muito mais: por exemplo, quando o preço da
comissão aumentava ou quando era obrigado a pagar juros compostos
sobre os juros e comissão das letras anteriores. Essa prática foi chamada
de financiamento por circulação.
Em um país em que os lucros ordinários do capital da maior parte
dos projetos comerciais giram supostamente entre 6% e 10%, somente
uma especulação muito afortunada poderia render o suficiente para
pagar os enormes custos do empréstimo para o projeto e, além disso,
também garantir um bom lucro excedente ao especulador. No entanto,
muitos projetos de grande monta foram realizados durante vários anos
sem recorrer a nenhum outro fundo senão ao que era obtido por meio
desses enormes gastos. Em seus sonhos, os especuladores, sem dúvida,
tinham uma visão bastante clara desses grandes lucros. Quando
acordados, no entanto, ou no final de seus projetos, ou quando já não
conseguiam mais dar continuidade a eles, creio que muito raramente
tinham a boa sorte de encontrar aqueles grandes lucros.278
As letras sacadas por A em Edimburgo contra B em Londres eram
regularmente descontadas dois meses antes de seu vencimento em algum
banco ou banqueiro de Edimburgo; e as letras ressacadas por B em
Londres contra A em Edimburgo eram descontadas regularmente com o
Banco da Inglaterra ou com outros banqueiros de Londres. Todo o
montante adiantado em troca dessas letras de circulação era, em
Edimburgo, adiantado em papéis dos bancos escoceses e, em Londres,
quando eram descontadas no Banco da Inglaterra, em papéis desse
banco. Embora as letras contra as quais se adiantavam os papéis fossem
todas reembolsadas assim que venciam, o valor realmente adiantado pela
primeira letra nunca era realmente devolvido aos bancos, pois, antes do
vencimento de cada uma das letras, emitia-se sempre outra letra por um
valor um pouco maior do que a que estava prestes a ser paga; e o
desconto dessa outra letra era essencialmente necessário para a realização
do pagamento do título que estava prestes a vencer. Esse pagamento,
portanto, era totalmente fictício. O fluxo que, mediante aquelas letras de
câmbio de circulação, saiu dos cofres dos bancos nunca foi substituído
por um fluxo de entrada.
Os papéis emitidos em troca daquelas letras de câmbio de circulação
atingiam, em várias ocasiões, o valor total destinado a dar continuidade a
algum projeto de grande monta na agricultura, no comércio ou na
manufatura; e não se limitavam apenas àquela parte que, caso não
existisse papel-moeda, o empresário teria sido obrigado a guardar
consigo, ociosa e em dinheiro vivo, pronta para responder às demandas
ocasionais. A maior parte desses papéis estava, por conseguinte, muito
acima do valor do ouro e da prata que circularia no país, caso não
existisse o papel-moeda. Ia, assim, além do que a circulação do país
conseguia absorver e empregar facilmente e, por esse motivo, foi
imediatamente devolvida aos bancos a fim de ser trocada por ouro e
prata que os bancos deveriam encontrar da forma que conseguissem. Era
um capital que aqueles empresários haviam retirado dos bancos de forma
muito astuta, não só sem o conhecimento ou o consentimento deliberado
deles, mas, por algum tempo, talvez, sem mesmo que os bancos tivessem
a menor suspeita de que o haviam realmente adiantado.
Quando duas pessoas que fazem saques e ressaques frequentes uma à
outra descontam suas letras sempre com o mesmo banqueiro, ele
consegue descobrir imediatamente o que está acontecendo e é capaz de
ver claramente que as negociações entre aquelas duas pessoas não são
realizadas com o capital deles, mas com o capital adiantado a eles
próprios. Mas não é muito fácil descobrir essa artimanha quando as
letras são descontadas às vezes com um banqueiro, às vezes com outro,
ou, ainda, quando as mesmas duas pessoas nem sempre sacam e
ressacam mutuamente as letras, mas, ocasionalmente, recorrem a um
grande círculo de empresários aventureiros, os quais têm interesse em
prestar assistência uns aos outros por meio desse método de angariar
dinheiro, tornando, assim, extremamente difícil distinguir entre uma
letra de câmbio real e uma letra de câmbio fictícia; entre uma letra sacada
por um credor real contra um devedor real e uma letra de crédito sem
nenhum outro credor real senão o banco que a desconta, sem nenhum
outro devedor real senão o empresário aventureiro que faz uso do
dinheiro. Quando um banqueiro chega a descobrir a artimanha, isso às
vezes ocorre tarde demais e ele pode acabar descobrindo que já havia
descontado uma soma tão alta das letras daqueles empresários que a
posterior recusa em descontar outras letras levaria necessariamente todos
eles à falência. E, assim, a ruína dos empresários poderia, talvez, causar a
ruína do próprio banqueiro. Desse modo, para sua própria segurança e
interesse, ele poderá considerar ser necessário, nessa situação muito
perigosa, continuar realizando as operações por algum tempo e, ao
mesmo tempo, tentar se retirar gradualmente por meio da criação de
novas e maiores dificuldades para o desconto a fim de forçar os
empresários aventureiros a recorrer gradualmente a outros banqueiros ou
outros métodos de levantar dinheiro; tudo para que ele consiga sair o
mais rápido possível desse círculo. Por conseguinte, as dificuldades que
— após um certo tempo, e quando todos eles já tinham ido longe demais
— o Banco da Inglaterra, os principais banqueiros de Londres e até
mesmo os bancos mais prudentes da Escócia começaram a impor sobre
os descontos alarmou e, mais que isso, enfureceu os empresários
aventureiros no mais alto grau possível. Chamaram seu próprio
desconforto (cuja causa imediata foi, sem dúvida, essa reserva prudente e
necessária dos bancos) de necessidades do país; e em relação às
necessidades do país, disseram que advinham exclusivamente da
ignorância, pusilanimidade e má conduta dos bancos, que não haviam
oferecido um auxílio suficientemente generoso aos empreendimentos
inspiradores daqueles que se esforçavam para embelezar, melhorar e
enriquecer o país. Pareciam dizer que os bancos tinham o dever de lhes
emprestar quaisquer valores que os empresários quisessem tomar
emprestado e pelo tempo que desejassem. Os bancos, no entanto,
recusando-se dessa forma a oferecer mais crédito àqueles que já haviam
recebido em demasia, promoveram o único método pelo qual seria
possível naquele momento salvar seu próprio crédito ou o crédito público
do país.
Em meio a esse clamor e dificuldades, estabeleceu-se um novo banco
na Escócia cujo objetivo expresso era aliviar as necessidades do país. O
projeto era generoso; mas a execução foi imprudente e a natureza e as
causas das necessidades que ele deveria aliviar não foram, talvez, bem
compreendidas. Esse foi o banco mais generoso já criado até então, tanto
na concessão de contas de caixa quanto no desconto de letras de câmbio.
No que diz respeito aos descontos, parece que o banco não fazia qualquer
distinção entre as letras reais e as letras de circulação, e as descontava
todas igualmente. O banco tinha como princípio declarado o
adiantamento, mediante qualquer garantia razoável, de todo o capital a
ser aplicado em aprimoramentos com rendimentos mais lentos e
distantes, como ocorre em relação às melhorias realizadas em
propriedades rurais. Foi até mesmo dito que a promoção dessas
melhorias era um dos principais propósitos de espírito público dessa
instituição. Devido, sem dúvida, a sua generosidade na concessão de
contas de caixa e no desconto de letras de câmbio, o banco emitiu
grandes quantidades de notas bancárias. Mas, já que grande parte do
volume de notas bancárias era maior do que a circulação que o país
conseguia absorver e empregar com facilidade, as notas eram devolvidas
ao banco para que fossem trocadas por ouro e prata quase na mesma
velocidade em que eram emitidas. Seus cofres nunca estavam bem
abastecidos. O capital do banco, que havia sido subscrito em duas
ocasiões diferentes, chegou a 160 mil libras; apenas 80% dele foi pago.
Essa soma deveria ser paga em várias prestações. Grande parte dos
proprietários abriu uma conta de caixa logo após ter pago a primeira
prestação; e os diretores, imaginando que deveriam tratar os
proprietários com a mesma generosidade que tratavam todas as outras
pessoas, permitiram que muitos deles tomassem emprestado dessas
contas os valores a serem pagos em todas as outras prestações. Esses
pagamentos, por conseguinte, só colocavam em um cofre os valores que,
no momento anterior, haviam sido retirados de outro. Mas, mesmo que
os cofres do banco estivessem muito bem abastecidos, a circulação
excessiva os esvaziaria mais rapidamente do que eles poderiam ser
abastecidos por quaisquer outros expedientes menos ruinosos que a
operação de sacar contra Londres e, no vencimento da letra, pagá-la
juntamente com os juros e a comissão por meio de uma outra letra
sacada contra a mesma praça. Já que seus cofres estavam tão mal
abastecidos, diz-se que o banco foi obrigado a recorrer a tal recurso
poucos meses após ter iniciado suas operações. As terras dos
proprietários desse banco valiam milhões e, ao subscreverem ao contrato
original de fundação, elas realmente passaram a servir como garantia
para todos os compromissos da empresa. O banco, apesar de sua conduta
extremamente generosa, foi capaz de exercer suas atividades por dois
anos devido ao crédito oferecido necessariamente por uma garantia tão
extensa. Quando foi obrigado a encerrar suas operações, o banco tinha
em circulação cerca de 200 mil libras em notas bancárias. A fim de
manter a circulação dessas notas, que eram devolvidas ao banco com a
mesma rapidez com que eram emitidas, o banco sacava
ininterruptamente letras de câmbio contra Londres; a quantidade e o
valor dessas letras aumentavam de forma constante e, quando o banco
cessou suas atividades, essas letras somavam mais de 600 mil libras.
Desse modo, em pouco mais de dois anos esse banco adiantou para
pessoas diferentes mais de 800 mil libras a 5%. Sobre as 200 mil libras que
o banco circulou em notas bancárias, estes 5% talvez possam ser
considerados o ganho líquido, sem qualquer outra dedução senão as
despesas de administração. Mas, sobre as mais de 600 mil libras, pelas
quais se sacavam de forma contínua letras contra Londres, estava
pagando, na forma de juros e de comissão, mais de 8% e,
consequentemente, perdia mais de 3% em mais de 3/4 de todas as suas
operações.
As operações desse banco parecem ter produzido efeitos opostos
àqueles pretendidos pelas pessoas que o projetaram e dirigiram. Parece
que pretendiam oferecer apoio aos empreendimentos que consideravam
empolgantes e que, na época, eram realizados em diferentes partes do
país; ao mesmo tempo, ao atrair toda a atividade bancária para si
mesmos, pretendiam suplantar todos os outros bancos da Escócia;
particularmente aqueles estabelecidos em Edimburgo, cuja lentidão para
realizar os descontos das letras de câmbio havia causado certo
aborrecimento. Esse banco, sem dúvida, ofereceu alguma ajuda
temporária àqueles empresários aventureiros e lhes permitiu dar
continuidade a seus projetos por cerca de mais dois anos; algo que, caso
contrário, não seria possível. Mas a atuação do banco, na verdade, apenas
levou a um endividamento muito mais profundo desses empresários; e,
desse modo, o golpe da ruína, assim que ela se estabeleceu, caiu com um
peso muito maior sobre eles e seus credores. Portanto, as operações desse
banco, na verdade, em vez de aliviarem, agravaram, no longo prazo, os
problemas que os empresários causaram a si mesmos e ao seu país. Teria
sido muito melhor para eles, seus credores e seu país se a maior parte
fosse obrigada a encerrar seus negócios dois anos antes. A ajuda
temporária, no entanto, que este banco ofereceu aos aventureiros
mostrou ser uma ajuda real e permanente às outras instituições bancárias
da Escócia. Todos os negociantes de letras de câmbio de circulação, as
quais passaram a ser descontadas de forma tão lenta pelos outros bancos,
recorreram ao novo banco, onde foram recebidos de braços abertos. Os
outros bancos, portanto, conseguiram se desvencilhar facilmente desse
círculo fatal, do qual eles não teriam conseguido se livrar sem incorrer
em uma perda considerável e talvez também em até algum grau de
descrédito.
Assim, no longo prazo, as operações desse banco causaram, ao país, o
aumento do verdadeiro mal-estar que desejava sanar; e efetivamente
aliviaram o mal-estar dos rivais, os quais desejavam suplantar.
No início das operações desse banco, alguns acreditavam que, por
mais rápido que se esvaziassem os seus cofres, eles poderiam ser
facilmente reabastecidos com o dinheiro obtido por meio dos títulos
daqueles a quem adiantavam seus papéis. A experiência, eu acredito, logo
os convenceu de que esse método de levantar dinheiro era muito lento
para satisfazer seus propósitos; e que os cofres que estavam originalmente
tão mal abastecidos, e que eram rapidamente esvaziados, somente
poderiam ser reabastecidos por um ruinoso expediente: a emissão de
letras contra Londres que, quando estivessem vencidas, seriam pagas por
outras letras emitidas contra a mesma praça com juros acumulados e
comissão. Mas, embora eles tenham conseguido por esse método levantar
dinheiro de maneira rápida, em vez de obter lucro, eles sofreram perdas
em cada uma dessas operações; assim, no longo prazo, isso deve ter
causado sua própria ruína como uma empresa mercantil, embora, talvez,
não tão cedo como ocorreria pela prática mais custosa de saque e
ressaque (título de favor). Nada podiam obter com os juros de seus
papéis, pois, já que eles ultrapassavam o valor que a circulação do país
era capaz de absorver e aplicar logo após serem emitidos, eram sempre
devolvidos para que fossem trocados por ouro e prata; e, para efetuar
esses pagamentos, o banco era obrigado a tomar empréstimos contínuos.
Pelo contrário, o total gasto realizado com esses empréstimos, com a
contratação de agentes para procurar por pessoas que tivessem dinheiro
para emprestar, com as negociações com essas pessoas e com a emissão
dos títulos ou contratos apropriados deve ter recaído sobre o banco e ter
representado uma perda bastante evidente sobre o saldo de suas contas.
O projeto de reabastecer os cofres dessa maneira pode ser comparado ao
projeto do dono de um tanque com vazão de saída contínua, mas cuja
vazão de entrada é descontínua; e que, mesmo assim, tendo decidido que
deveria mantê-lo sempre cheio, emprega várias pessoas que, com baldes,
caminham alguns quilômetros até um poço para buscar a água necessária
para o reabastecimento do tanque.
Embora essa operação se mostrasse viável e rentável ao banco como
empresa comercial, o país não obteria nenhuma vantagem com ela; mas,
pelo contrário, sofreria uma perda considerável. A operação não
conseguiria aumentar em nada a quantidade de dinheiro a ser
emprestada. Ela apenas elevaria a condição deste banco a uma espécie de
agência geral de empréstimos para todo o país. Quem desejasse fazer
empréstimos deveria pedir a esse banco, e não aos indivíduos que haviam
emprestado dinheiro ao banco. Mas um banco que empresta dinheiro,
talvez, a quinhentas pessoas diferentes cuja maior parte os diretores mal
conhecessem provavelmente não será mais prudente na escolha de seus
devedores que uma pessoa privada, a qual empresta seu dinheiro a
algumas pessoas que ele conhece bem e em cuja conduta prudente e
frugal acredita ter boas razões para confiar. Os devedores de tal banco,
cuja conduta venho descrevendo, seriam provavelmente, em sua maior
parte, empresários quiméricos, os sacadores e ressacadores de letras de
câmbio de circulação que utilizariam o dinheiro em atividades
extravagantes; as quais, mesmo com toda a assistência possível, eles
provavelmente nunca conseguiriam terminar; e que, caso fossem
concluídas, nunca pagariam as despesas de seus custos reais, nunca
permitiriam fundos capazes de manter a quantidade de trabalho igual
àquela empregada em formá-los. Por outro lado, os devedores prudentes
e frugais das pessoas privadas provavelmente empregariam o dinheiro
emprestado em empreendimentos prudentes e proporcionais ao capital
aplicado; que, embora menos grandiosos e fascinantes, seriam mais
sólidos e rentáveis e retribuiriam com um grande lucro quaisquer
investimentos realizados com a soma emprestada; e, assim, seria possível
criar um fundo capaz de manter uma quantidade de trabalho muito
maior do que a que havia sido realmente empregada na constituição do
fundo. O sucesso dessa operação, portanto, sem aumentar em nada o
capital do país, teria apenas transferido uma grande parte do capital
aplicado em empreendimentos prudentes e rentáveis para os
imprudentes e não rentáveis.
Segundo a opinião do famoso senhor Law,279 a atividade econômica
da Escócia havia definhado por falta de dinheiro. Para remediar essa
falta, ele propôs a criação de um banco específico para a emissão de
papéis cuja soma atingiria o valor de todas as terras do país. Quando
apresentou pela primeira vez sua proposta, o Parlamento da Escócia não
a considerou apropriada. Ela foi adotada posteriormente, mas com
algumas modificações realizadas pelo Duque de Orleans,280 que, na
época, era regente da França. A ideia de que é possível multiplicar o
papel-moeda em qualquer medida foi a base real do que é conhecido
como Sistema de Mississippi,281 talvez o plano mais extravagante já visto
em todo o mundo relacionado aos sistemas bancário e de bolsas. As
diferentes operações desse sistema são explicadas de forma completa,
clara, ordenada e distinta pelo senhor Du Verney282 em seu Examination
of the Political Reflections upon Commerce and Finances of Mr. Du Tot
(Exame sobre as reflexões políticas sobre o comércio e as finanças do
senhor Du Tot), mas não as comentarei aqui. Seus princípios
fundamentais são explicados pelo próprio senhor Law em um discurso
sobre dinheiro e comércio publicado na Escócia na época em que
formalizou sua proposta pela primeira vez. As ideias esplêndidas e
visionárias apresentadas nessa e em outras obras baseadas nos mesmos
princípios ainda continuam a causar uma boa impressão a muita gente e,
talvez, em parte, tenham contribuído para o excesso de atividades
bancárias que tem sido ultimamente criticado tanto na Escócia quanto
em outros lugares.283
O Banco da Inglaterra é, na Europa, o maior banco emissor. Foi
constituído em decorrência de uma lei do Parlamento de 27 de julho de
1694, e por meio de estatuto autenticado com o Grande Selo do Reino.284
Na época, o banco adiantou ao governo a soma de 1.200.000 libras, com
uma anuidade de 100 mil libras, ou seja, 96 mil libras por ano de juros a
8% e 4 mil libras por ano em despesas administrativas. Há razões para
acreditar que o crédito do novo governo estabelecido pela revolução deve
ter sido muito baixo, pois ele se viu obrigado a tomar emprestado a juros
tão altos.
Em 1697, o banco foi autorizado a realizar um aumento de 1.001.171
libras e 10 xelins em seu capital social. Seu capital social passou a ser de
2.201.171 libras e 10 xelins. Dizem que o objetivo desse aumento era
oferecer apoio ao crédito público. Em 1696, os títulos de crédito da coroa
eram descontados a 40%, 50% e 60%; os títulos bancários, a 20%.285
Durante a grande recunhagem da prata, que estava acontecendo naquele
momento, o banco imaginou que seria adequado suspender o pagamento
de suas notas, fato que necessariamente ocasionou o descrédito delas.
Em conformidade com o capítulo 7 da lei publicada no 7º ano do
reinado de Ana,286 o banco adiantou e pagou à fazenda pública a soma de
400 mil libras; completando a soma de 1.600.000 libras que havia
adiantado pela anuidade original de 96 mil libras de juros e 4 mil libras
em despesas administrativas. Em 1708, portanto, o crédito do governo
era tão bom quanto o de indivíduos particulares, já que ele podia tomar
emprestado a 6% de juros, a taxa legal e de mercado comum daquela
época. Nos termos da mesma lei, o banco cancelou letras do tesouro no
montante de 1.775.027 libras, 17 xelins e 10,5 pence a 6% de juros; ao
mesmo tempo, para dobrar seu capital, recebeu permissão para aceitar
novas subscrições. Em 1708, portanto, o capital do banco era formado
por 4.402.343 libras e havia adiantado ao governo a soma de 3.375.027
libras, 17 xelins e 10,5 pence.
Em 1709, oferecendo 15%, o banco conseguiu 656.204 libras, 1 xelim
e 9 pence.; e, em 1710, por 10%, conseguiu 501.448 libras, 12 xelins e 11
pence. Em consequência dessas duas subscrições, portanto, o capital do
banco passou a ser de 5.559.995 libras, 14 xelins e 8 pence.
Em consequência de lei do 3º ano do reinado de Jorge I (c.8),287 o
banco determinou o cancelamento de 2 milhões em letras do tesouro.
Portanto, havia entregue ao governo naquele momento 5.375.027 libras,
17 xelins e 10 pence. Em consequência de uma lei do 8º ano do reinado
de Jorge I,288 o banco adquiriu um fundo no valor de 4 milhões de libras
da South Sea (Cia. do Mar do Sul); e, em 1722, em consequência das
subscrições que havia realizado para permitir essa operação, seu capital
social recebeu um aumento de 3.400.000 libras. Naquele momento,
portanto, o banco havia adiantado ao governo 9.375.027 libras, 17 xelins
e 10,5 pence.; e seu capital social somava apenas 8.959.995 libras, 14
xelins e 8 pence. Pela primeira vez, a soma adiantada pelo banco ao setor
público (e pela qual recebia juros) começou a exceder o seu capital social
ou a soma que pagava dividendos aos titulares do capital do banco; ou,
em outras palavras, além de seu capital divisível, o banco passou a ter um
capital indiviso. Desde então, passou a ter um capital indiviso do mesmo
tipo. Em 1746, o banco havia emprestado 11.686.800 libras ao governo
em ocasiões diversas e seu capital divisível havia aumentado, por meio de
subscrições, a 10.780.000 libras. Essas duas somas permaneceram nesse
mesmo estado desde então. Em consequência de uma lei do 4º ano do
reinado de Jorge III,289 o banco concordou em pagar 110 mil libras ao
governo para a renovação de sua carta-patente, sem juros nem
reembolso. Esta soma, portanto, não causou aumento a nenhuma das
duas outras somas.
Os dividendos do banco têm variado de acordo com as variações das
taxas de juros que, em diferentes momentos, recebeu pelo dinheiro que
adiantou ao governo, e também por outras circunstâncias. Essa taxa de
juros foi gradualmente reduzida de 8% para 3%. Durante alguns anos, os
dividendos do banco permaneceram em 5,5%.
A estabilidade do Banco da Inglaterra é igual à do governo britânico.
Para que os seus credores sofram perdas, todos os empréstimos
realizados pelo banco ao governo deveriam ser perdidos. Na Inglaterra,
os bancos não podem ter mais de seis membros e não há mais a
possibilidade do estabelecimento de outro banco, por lei parlamentar. O
Banco da Inglaterra, além de funcionar como um banco comum,
representa uma grande engrenagem do Estado.290 Ele recebe e paga a
maior parte das anuidades que são devidas aos credores do governo, põe
em circulação as letras do tesouro e empresta ao governo o montante
anual dos impostos sobre a terra e sobre o malte, que não costumam ser
pagas senão após alguns anos. Nessas diferentes operações, o seu dever
para com o Estado deve, por vezes, ter-lhe obrigado, sem nenhuma culpa
de seus diretores, a sobreabastecer a circulação com papel-moeda. Ele
também desconta as letras mercantis e, em diversas ocasiões, ofereceu
apoio ao crédito das principais casas, não só da Inglaterra, mas também
de Hamburgo e da Holanda. Diz-se que, em certa ocasião em 1763, o
banco emprestou para esse fim, em uma semana, cerca de 1.600.000
libras; grande parte em lingotes. Eu não tenho, no entanto, como garantir
a grandeza dessa soma ou o curto espaço de tempo de seu empréstimo.
Em outras ocasiões, esse grande banco se viu forçado a efetuar
pagamentos em moedas de 6 pence.
As operações bancárias mais criteriosas poderão aumentar as
atividades comerciais de um país não pelo aumento do seu capital, mas
quando conseguem tornar ativa e produtiva uma maior parcela do capital
que, de outra forma, ficaria parado. A parte do capital que um
comerciante é obrigado a guardar em dinheiro vivo, pronta para
responder a demandas ocasionais, é capital ocioso; enquanto for mantido
assim, nada produzirá, nem para ele nem para seu país. As operações
bancárias mais criteriosas permitem que ele converta esse capital ocioso
em capital ativo e produtivo; em matéria-prima, em ferramentas de
trabalho e em provisões e subsistência para o trabalho; em capital que
produz algo para ele e para o país. O dinheiro em ouro e prata que circula
em um país qualquer e por meio do qual o produto da terra e do trabalho
circula e é anualmente distribuído aos consumidores apropriados é, da
mesma forma que o dinheiro vivo do comerciante, capital ocioso. É uma
parte muito valiosa do capital do país que não produz nada para ele. As
operações bancárias mais criteriosas, ao substituir uma grande parte
desse ouro e prata por papel, permitem que o país transforme grande
parte desse capital ocioso em capital ativo e produtivo; em capital que
produz algo para o país.291 O dinheiro em ouro e prata que circula em
todo o país pode, de forma bastante correta, ser comparado a uma
estrada de rodagem que circula e transporta ao mercado todas as ervas e
cereais do país, mas que não produz nem mesmo um bocado de
nenhuma dessas duas mercadorias. As operações bancárias mais
criteriosas oferecem — peço perdão pelo uso de uma metáfora tão
violenta — uma espécie de rodovia aérea e, assim, o país pode converter,
por assim dizer, uma grande parte de suas rodovias em boas pastagens e
campos de cereais; dessa forma, aumentará consideravelmente o produto
anual de suas terras e de seu trabalho. No entanto, deve-se notar que,
embora as atividades comerciais e o trabalho do país possam ser
ligeiramente ampliados, jamais estarão totalmente seguros quando, em
vez de viajarem sobre o chão sólido do ouro e da prata, voam, por assim
dizer, suspensos no ar pelas asas dedalianas do dinheiro de papel. Além
dos acidentes a que estão expostos pela imperícia dos condutores desse
papel-moeda, correm muitos outros riscos dos quais não conseguirão se
desviar nem pela prudência nem pela habilidade de seu condutor.
Uma guerra fracassada, por exemplo, em que o inimigo tomasse
posse do capital e, consequentemente, do tesouro que sustenta o crédito
do papel-moeda, ocasionaria uma confusão muito maior em um país
cuja circulação total fosse realizada por esse meio do que em um país
cuja maior parte dela fosse realizada por meio de ouro e prata. Assim que
o principal instrumento comercial perde seu valor, nenhuma troca pode
ser realizada, exceto por meio de escambo ou a crédito. Quando todos os
impostos são normalmente pagos por papel-moeda, o príncipe deixa de
ter meios para pagar seus soldados e supri-los com provisões; e o país
ficaria muito mais irrecuperável do que se a maior parte da sua circulação
monetária fosse realizada com moedas de ouro e prata. O príncipe,
desejando sempre manter seus domínios em um estado de fácil defesa,
não deve apenas evitar a multiplicação excessiva de papel-moeda, ação
que destrói os próprios bancos que os emitem, mas também evitar a
multiplicação que permite aos bancos compor a maior parte da
circulação monetária do país com ele.
Podemos dividir em duas a circulação realizada nos países: a
circulação realizada pelos comerciantes uns com os outros e a circulação
entre os comerciantes e os consumidores. Embora a mesma peça de
moeda, de papel ou de metal, seja utilizada às vezes no primeiro tipo de
circulação e às vezes no segundo, é preciso notar, contudo, que, porque
ambas ocorrem ao mesmo tempo, cada uma exige um determinado
estoque de dinheiro de um tipo ou de outro para que possa prosseguir. O
valor das mercadorias que circulam entre os diferentes comerciantes
nunca pode exceder o valor dos bens que circulam entre os comerciantes
e os consumidores; o que for comprado pelos comerciantes e que tem
como destino a venda aos consumidores. A circulação entre os
comerciantes é realizada por atacado e, por isso, geralmente exige uma
soma muito alta em cada uma de suas transações específicas. Já a
circulação entre comerciantes e consumidores é, pelo contrário,
geralmente realizada pelo varejo, o qual costuma exigir apenas pequenas
somas: moedas de 1 xelim ou até mesmo de meio penny são
normalmente suficientes. Mas essas pequenas somas circulam muito
mais rapidamente que as grandes. Um xelim muda mais de mãos que 1
guinéu, e meio penny, mais que 1 xelim. Embora as compras anuais de
todos os consumidores sejam, no mínimo, iguais ao valor das compras
anuais de todos os comerciantes, elas podem geralmente ser negociadas
com uma quantidade muito menor de dinheiro, pois as mesmas peças, ao
circularem mais rapidamente, servem de instrumento para mais compras
no varejo que por atacado.
O papel-moeda pode ser, assim, regulado para que se restrinja à
circulação entre os diversos comerciantes ou para que seja estendido a
uma grande parte da circulação entre comerciantes e consumidores. Nos
lugares em que não circulam notas bancárias com valor inferior a 10
libras, como em Londres, o papel-moeda fica restrito à circulação entre
os comerciantes. Quando uma nota de 10 libras chega às mãos de um
consumidor, ele é geralmente obrigado a trocá-la na primeira loja em que
tiver a oportunidade de comprar 5 xelins em mercadorias, de modo que,
muitas vezes, a nota retorna para as mãos de um comerciante antes
mesmo que o consumidor tenha utilizado 1/4 de seu valor. Nos lugares
em que são emitidos papéis para valores tão baixos como 20 xelins — na
Escócia, por exemplo —, o papel se estende a uma parte considerável da
circulação entre negociantes e consumidores. Antes da lei que pôs fim à
circulação das notas de 10 e 5 xelins, elas compunham uma parte ainda
maior dessa circulação. Na América do Norte, emitiam-se papéis de
valores tão baixos quanto 1 xelim, e eles ocupavam quase toda essa
circulação. Em Yorkshire foram emitidos papéis para valores tão baixos
quanto 6 pence.
Onde a emissão de notas bancárias para tais quantias tão pequenas é
permitida e comumente utilizada, muitas pessoas com poucos meios
passam a se ver aptas e incentivadas a tornar-se banqueiras. Assim, uma
pessoa cuja nota promissória de 5 libras ou mesmo de 20 xelins seria
rejeitada por todos teria suas notas de valor tão baixos quanto seis pence
recebidas sem escrúpulos. Mas as recorrentes falências a que esses
banqueiros mendigos estão sujeitos podem ocasionar um inconveniente
muito grande, às vezes até mesmo uma grande calamidade aos pobres
que receberam essas notas como pagamento.
Talvez fosse melhor que, em todo o Reino, não se emitissem notas de
menos de 5 libras. Assim, o papel-moeda ficaria provavelmente
confinado em todo o país à circulação entre os diversos comerciantes,
assim como acontece atualmente em Londres, onde não se emitem notas
de valor abaixo de 10 libras; na maior parte do Reino, 5 libras é uma
soma que — embora compre talvez pouco mais da metade dos bens — é
tão estimada (e também raramente gasta de uma só vez) quanto 10 libras
em meio às despesas profusas daquela cidade.
Devemos notar que, nos locais em que o papel-moeda está confinado
à circulação entre comerciantes, como acontece em Londres, há sempre
uma abundância de ouro e prata. Quando ele se estende a uma parte
considerável da circulação entre comerciantes e consumidores, como na
Escócia e ainda mais na América do Norte, o papel-moeda bane quase
todo o ouro e a prata do país; desse modo, quase todas as transações
ordinárias de seu comércio interno passam a ser realizadas com papel-
moeda. A supressão de notas de 10 e 5 xelins aliviou um pouco a escassez
de ouro e prata na Escócia; e a supressão das notas de 20 xelins iria,
provavelmente, trazer um maior alívio. Dizem que esses metais também
se tornaram mais abundantes na América desde a supressão de alguns de
seus meios circulantes de papéis. Dizem também que os metais eram
mais abundantes antes da instituição desse meio circulante.
Ainda que o papel-moeda ficasse bastante confinado à circulação
entre negociantes, os bancos e os banqueiros poderiam oferecer quase a
mesma assistência ao trabalho e ao comércio do país que haviam
oferecido quando o papel-moeda ocupava quase toda a circulação. O
dinheiro vivo que o comerciante é obrigado a manter com ele para
responder às demandas ocasionais é destinado completamente para a
circulação entre ele e outros comerciantes dos quais compra mercadorias.
Não precisa ter dinheiro vivo para a circulação entre ele e os
consumidores, pois estes são seus clientes e lhe entregam dinheiro vivo,
não o retiram dele. Assim, embora só fosse permitida a emissão de papel-
moeda com valores que os mantivessem confinados à circulação entre
comerciantes, ainda assim, em parte pelos descontos de letras de câmbio
reais e em parte pelos empréstimos realizados por meio de contas de
caixa, os bancos e os banqueiros ainda conseguiriam ajudar a maior parte
dos comerciantes a não precisar manter parte considerável de seu capital
em mãos, ocioso e em dinheiro vivo para atender às demandas
ocasionais. Podem, ainda, oferecer a máxima assistência que bancos e
banqueiros podem prestar de forma apropriada a todos os tipos de
comerciantes.
Impedir que os particulares recebam em pagamento quaisquer
valores — grandes ou pequenos — em notas promissórias de um
banqueiro, quando eles próprios estão dispostos a recebê-las, ou impedir
que um banqueiro emita tais notas, quando todos os seus vizinhos estão
dispostos a aceitá-las, é uma violação manifesta daquela liberdade natural
que a lei deve apoiar, não infringir. De certa forma, tais regulamentos
podem, sem dúvida, ser considerados como uma violação da liberdade
natural. Mas se o exercício da liberdade natural de alguns poucos
indivíduos põe em perigo a segurança de toda a sociedade, então eles são
e devem ser impedidos pelas leis de todos os governos: desde o mais livre
até o mais despótico.292 Por exemplo, a obrigação de construir muros
para impedir a comunicação do fogo é uma violação da liberdade
natural, exatamente do mesmo tipo dos regulamentos das operações
bancárias aqui propostas.
Um papel-moeda formado por cédulas bancárias emitidas por
pessoas de indiscutível crédito, pagáveis assim que requisitados sem
nenhuma condicionante e, de fato, sempre pagas imediatamente após sua
apresentação, possui, em todos os aspectos, o mesmo valor que o
dinheiro em moedas de ouro ou prata, pois com ele é possível obter
moedas de ouro e prata a qualquer momento. Tudo o que é comprado ou
vendido com tal papel-moeda deve, obrigatoriamente, poder ser
comprado ou vendido por um preço tão baixo como na compra ou venda
realizada com ouro e prata.
Diz-se que o aumento da quantidade de papel-moeda e a consequente
diminuição do valor de todo o meio circulante obrigatoriamente
aumenta o preço em dinheiro das mercadorias. Mas, já que a quantidade
de ouro e prata que é retirada do meio circulante é sempre igual à
quantidade de papel que a ele é adicionado, o papel-moeda nem sempre
gera um aumento obrigatório da quantidade de meio circulante. Desde o
início do século passado até o presente momento, os suprimentos na
Escócia nunca foram tão baratos quanto em 1759, embora, por causa da
circulação de cédulas bancárias de 10 e 5 xelins, houvesse mais papel-
moeda naquele momento do que agora. Atualmente, a proporção entre o
preço das provisões na Escócia e na Inglaterra é a mesma que a existente
antes da grande multiplicação de companhias bancárias na Escócia. Na
maioria das vezes — embora haja uma grande quantidade de papel-
moeda na Inglaterra, e quase nada na França — os cereais na Inglaterra
são tão baratos quanto na França. Entre 1751 e 1752, quando o senhor
Hume293 publicou seus Discursos políticos, e logo após a grande
multiplicação do papel-moeda na Escócia, houve uma elevação bastante
sensível no preço das provisões, ocorrida, provavelmente, por causa do
mau tempo, e não devido à multiplicação do papel-moeda.294
Ocorreria o contrário se o papel-moeda fosse formado por notas
promissórias cujo pagamento imediato dependesse apenas da boa
vontade de seus emitentes ou de alguma condição que o detentor das
notas nem sempre pudesse cumprir; ou ainda se o pagamento não fosse
exigível até depois de um determinado número de anos durante os quais
não rendesse juros algum. Não há dúvida de que o valor desse papel-
moeda ficaria mais ou menos abaixo do valor do ouro e da prata, de
acordo como a maior ou menor dificuldade ou incerteza de se obter o
pagamento imediato; ou de acordo com o maior ou menor período de
tempo em que o pagamento se tornasse exigível.
Alguns anos atrás, as várias companhias bancárias da Escócia
costumavam inserir em suas notas bancárias aquilo que elas chamavam
de cláusula opcional, mediante a qual se comprometiam a pagar ao
portador assim que a nota fosse apresentada ou, segundo opção dos
diretores, seis meses após a apresentação, juntamente com os juros legais
dos referidos seis meses. Por vezes, os diretores de alguns desses bancos
se aproveitavam dessa cláusula opcional; eles ameaçavam utilizá-la se as
pessoas que desejassem trocar um número considerável de suas notas por
ouro e prata não aceitassem trocar apenas uma parte delas. As notas
promissórias desses bancos formavam à época a maior parte do meio
circulante na Escócia, e essa incerteza em relação ao pagamento fez com
que seu valor ficasse abaixo das moedas de ouro e prata. Durante o
período desse abuso (que prevaleceu principalmente em 1762, 1763 e
1764), as trocas comerciais entre Londres e Carlisle estavam ao par, mas
aquela entre Londres e Dumfries às vezes chegava a 4% contra Dumfries,
embora essa cidade estivesse a menos de 30 quilômetros de distância de
Carlisle. Mas, em Carlisle, as ordens eram pagas em ouro e prata; em
Dumfries, eram pagas em cédulas do banco escocês, e a incerteza de
conseguir trocar essas cédulas por moedas de ouro e prata rebaixou o
valor dessas ordens a 4% do valor da moeda. A mesma lei do Parlamento
que eliminou as cédulas bancárias de 10 e 5 xelins295 eliminou também a
cláusula opcional. Desse modo, restaurou as trocas entre a Inglaterra e a
Escócia à sua taxa natural, ou seja, à taxa determinada pelo curso do
comércio e dos pagamentos.
No papel-moeda de Yorkshire, o pagamento de um valor tão pequeno
como 6 pence às vezes dependia da seguinte condição: que o portador da
nota trouxesse o troco de 1 guinéu para a pessoa que a havia emitido, o
que os titulares dessas notas achavam muito difícil de cumprir; isso deve
ter desvalorizado esse meio circulante a um valor abaixo das moedas de
ouro e prata. Uma lei do Parlamento296 declarou ilegais todas essas
cláusulas e suprimiu, como na Escócia, todas as notas promissórias ao
portador cujos valores fossem menores que 20 xelins.
Os papéis-moedas da América do Norte não eram formados por
notas bancárias pagáveis à vista ao portador; consistiam em um papel do
governo cujo pagamento somente se tornava exigível vários anos após
sua emissão; e, embora os governos da colônia não pagassem juros aos
portadores desse papel, declaravam-no — e de fato o transformaram
nisso — um meio de pagamento de curso legal pelo valor total pelo qual
havia sido emitido. Mas, supondo que a segurança da colônia fosse
perfeita, 100 libras pagáveis em quinze anos, por exemplo, em um país
com juros de 6%, valeriam pouco mais de 40 libras em dinheiro em
espécie. Portanto, obrigar um credor a aceitar isso como o pagamento
integral de uma dívida de 100 libras paga em dinheiro vivo foi um ato de
injustiça tão violento que, talvez, mal tenha sido tentado pelo governo de
qualquer outro país que se diga livre. Esse ato carrega as marcas evidentes
de ter sido originalmente um esquema criado por devedores fraudulentos
para enganar seus credores; o honesto e sincero doutor Douglas297 nos
assegura que esse foi realmente o caso. Em 1722, o governo da
Pensilvânia, em sua primeira emissão de papel-moeda, quis que seu valor
fosse o mesmo do ouro e da prata, criando sanções a todos que
estabelecessem qualquer diferença no preço de seus bens ao vendê-los
em troca de papéis da colônia ou em troca de ouro e prata; um
regulamento igualmente tirânico, mas muito menos efetivo do que aquele
que se pretendia realmente sustentar. A lei positiva pode dizer que o
xelim é o meio legal para o pagamento equivalente a 1 guinéu, pois pode
exigir que os tribunais de justiça liberem o devedor que tenha utilizado
esse meio. Mas a lei positiva não pode obrigar uma pessoa que vende
mercadorias e que tem a liberdade de vendê-las ou não quando quiser a
aceitar que 1 xelim seja equivalente a 1 guinéu no preço de suas
mercadorias.
Não obstante qualquer regulamentação desse tipo, notou-se pela taxa
de câmbio com a Grã-Bretanha que 100 libras esterlinas eram
equivalentes a 130 libras em algumas colônias; em outras, o valor chegava
a 1.100 libras. Essa diferença decorria da quantidade de papéis emitidos
nas várias colônias e da distância e probabilidade do termo de sua
quitação e resgate finais.
Nenhuma lei, portanto, poderia ter sido mais equitativa que o ato do
Parlamento,298 tão injustamente criticado nas colônias, que declarou que
nenhum meio de pagamento a ser emitido lá fosse considerado meio de
pagamento legal.
Mais do que nossas outras colônias, a Pensilvânia sempre foi mais
moderada em suas emissões de papel-moeda. Por isso dizem que seu
papel-moeda nunca chegou a valer menos que o ouro e a prata, metais
que eram a moeda corrente da colônia antes de sua primeira emissão de
papel-moeda. Antes dessa emissão, a colônia tinha elevado a
denominação de sua moeda; por meio de um ato legislativo, ordenou-se
que 5 xelins esterlinos valessem 6 xelins e 3 pence na colônia e, mais
tarde, passassem para 6 xelins e 8 pence. Assim, o valor de 1 libra em
dinheiro corrente da colônia, mesmo em moeda de ouro e prata, era mais
de 30% menor que o valor de 1 libra esterlina, e, quando aquele meio de
pagamento foi transformado em papel, seu valor raramente ultrapassou
aquela taxa de 30%. O pretexto para se aumentar a denominação da
moeda era impedir a exportação do ouro e da prata, resultando que
quantidades iguais daqueles metais passassem por valores muito maiores
na colônia que na metrópole. Descobriu-se, entretanto, que o preço de
todas as mercadorias da metrópole havia aumentado exatamente na
mesma proporção da elevação da denominação de sua moeda, de modo
que o ouro e a prata da colônia passaram a ser exportados a uma
velocidade nunca vista.
O papel-moeda das colônias era aceito como pagamento dos
impostos provinciais por seu valor pleno de emissão; esse uso lhe rendeu
necessariamente certo valor adicional, ultrapassando o valor que teria
devido à distância real ou suposta do prazo de sua quitação e resgate
finais. Esse valor adicional podia ser maior ou menor, dependia de a
quantidade de papéis emitidos ultrapassar ou não o montante que
poderia ser utilizado para o pagamento dos impostos daquela colônia
específica que os havia emitido. Todas as colônias emitiram muito mais
papéis do que a quantidade necessária para o pagamento dos impostos.
Um soberano, ao promulgar que uma determinada porção dos
impostos deverá ser paga com certo tipo de papel-moeda, poderá, dessa
forma, adicionar certo valor a esse papel-moeda, mesmo que o termo de
sua quitação e resgate finais dependa totalmente da vontade desse mesmo
soberano. Caso o banco emissor mantivesse a quantidade de papéis
sempre um pouco abaixo do que poderia ser comodamente utilizado
dessa maneira, sua demanda seria tal que poderia se pagar uma
bonificação por eles ou eles poderiam ser vendidos no mercado por um
preço um pouco maior do que a quantidade correspondente de moedas
de ouro ou de prata para a qual foram emitidos. Algumas pessoas dizem
que isso explica o que chamam de Ágio do Banco de Amsterdã ou a
superioridade da moeda bancária (papel-moeda) sobre o dinheiro
corrente; no entanto, essa moeda bancária não pode ser sacada do banco
pela simples vontade de seu proprietário. A maior parte das letras de
câmbio estrangeiras deve ser paga em moeda bancária, ou seja, por meio
de uma transferência nos livros do banco; e alega-se que os diretores do
banco são bastante prudentes e mantêm a quantidade total de moeda
bancária sempre abaixo da demanda ocasionada por esse uso. É por essa
razão, dizem, que o dinheiro bancário se vende com um prêmio ou
possui um ágio de 4% ou 5% sobre o mesmo montante nominal em
moedas correntes de ouro e prata do país. No entanto, grande parte desse
relato sobre o Banco de Amsterdã, como se verá a seguir, é fantasiosa.
Ainda que o papel-moeda fique abaixo do valor das moedas de ouro e
de prata, isso não derrubará o valor dos metais, isto é, não fará com que
quantidades iguais deles sejam trocadas por uma quantidade menor de
bens de qualquer outro tipo. A proporção entre o valor do ouro e da
prata e o valor de bens de qualquer outro tipo não depende da natureza
ou da quantidade de qualquer tipo de papel-moeda em particular, o qual
pode ser a moeda corrente em um país específico qualquer; depende, na
verdade, da abundância ou esterilidade das minas que em um dado
momento abasteçam o grande mercado do mundo comercial com esses
metais. Depende da proporção entre a quantidade de trabalho que é
necessária para levar uma certa quantidade de ouro e prata para o
mercado e a necessária para levar a ele uma certa quantidade de qualquer
outro tipo de mercadoria.
Se os banqueiros forem impedidos de emitir cédulas bancárias de
circulação, ou notas pagáveis ao portador, abaixo de um determinado
valor, e se forem obrigados a pagar essas cédulas bancárias de modo
imediato e de forma incondicionada logo que apresentadas, seu negócio
poderia, com segurança para o público, ser deixado completamente livre
em todos os outros aspectos. A recente multiplicação de empresas
bancárias em ambas as partes do Reino Unido — um evento que tem
alarmado muita gente — não diminui a segurança do público, mas a faz
aumentar. Ela, na verdade, obriga os bancos a uma maior circunspecção
em sua conduta e — ao não alargar o volume de seu meio circulante a
uma proporção que não seja adequada ao seu dinheiro efetivo — a se
proteger contra as corridas maliciosas a que estão sujeitos pela rivalidade
entre tantos concorrentes. Ela limita a circulação de cada uma das
empresas a um círculo mais estreito e reduz seus bilhetes de circulação a
um número menor. Ao dividir a circulação total em um maior número
de partes, a insolvência de um banco, um acidente que, no decorrer das
coisas, às vezes acontece, torna-se de menor consequência ao público.
Essa livre concorrência também obriga todos os banqueiros a ser mais
generosos com seus clientes, pois somente assim eles não os perderão
para os seus rivais. Em geral, se qualquer ramo do comércio ou qualquer
divisão do trabalho é vantajoso ao público em geral, tanto mais o será
quanto mais livre e geral for a competição.299
CAPÍTULO III
A ACUMULAÇÃO DO CAPITAL, OU O TRABALHO
PRODUTIVO E IMPRODUTIVO
Há um tipo de trabalho que aumenta o valor do objeto sobre o qual é
aplicado; há outro tipo que não tem esse efeito. O primeiro pode ser
chamado de produtivo, pois produz valor; o segundo é o trabalho
improdutivo.300 Deriva-se disso que o trabalho de um trabalhador
manufatureiro, em geral, acrescenta ao valor da matéria-prima, sobre a
qual ele trabalha, aquele de seu próprio sustento e o do lucro de seu
mestre. O trabalho de um criado doméstico, pelo contrário, não
acrescenta nenhum valor. Embora o salário do trabalhador
manufatureiro lhe seja adiantado por seu mestre, ele, na realidade, nada
custa a este último, pois o valor dos salários costuma ser restituído a ele
(juntamente com um lucro) no valor aumentado do objeto sobre o qual
aplica seu esforço. Mas não há restituição do sustento de um criado
doméstico. Uma pessoa enriquece ao empregar uma multidão de
trabalhadores manufatureiros; empobrece ao sustentar uma multidão de
criados domésticos. O trabalho destes últimos, no entanto, tem o seu
valor e merece sua recompensa assim como o trabalho dos primeiros.
Mas o trabalho do trabalhador manufatureiro está fixado e se manifesta
em um objeto específico ou na mercadoria comercializável, que perdura
por algum tempo após o fim do trabalho. É, por assim dizer, uma certa
quantidade de trabalho estocada e armazenada para ser empregada, se
necessário, em alguma outra ocasião. Esse objeto ou, o que é a mesma
coisa, o preço desse objeto poderá, depois, se necessário, colocar em
movimento uma quantidade de trabalho igual ao que originalmente o
produziu. O trabalho do criado doméstico, pelo contrário, não se fixa
nem se manifesta em nenhum objeto específico ou produto
comercializável. Seus serviços geralmente perecem no próprio instante de
sua execução e raramente deixam qualquer vestígio ou valor
armazenados pelo qual, posteriormente, possa se conseguir uma
quantidade igual de serviço.301
Em algumas das classes mais respeitáveis da sociedade, o trabalho,
como o dos criados domésticos, não produz qualquer valor e não se fixa
nem se materializa em nenhum objeto permanente — ou mercadoria
comercializável — que dure após a execução do trabalho e pelo qual se
possa, posteriormente, obter uma igual quantidade de trabalho. Por
exemplo, o soberano, junto com todos os funcionários da justiça e da
guerra que o servem, todo o exército e a marinha, são trabalhadores
improdutivos. Eles são os servidores do público e são mantidos por uma
parte do produto anual do trabalho de outras pessoas. O serviço dessas
pessoas, mesmo que sendo extremamente honroso, útil ou necessário,
não produz nada pelo qual possa ser obtido posteriormente com uma
mesma quantidade de serviço. A proteção, a segurança e a defesa da
commonwealth realizada em um ano, isto é, o efeito de seu trabalho
anual, não compra a proteção, a segurança e a defesa do ano seguinte. Em
uma mesma classe estarão tanto as profissões mais sérias e importantes
quanto as mais frívolas: pastores religiosos, advogados, médicos, homens
de letras de todos os tipos; jogadores, bufões, músicos, cantores e
dançarinos de ópera, etc. Mesmo o trabalho mais simples dentre estes
possui certo valor que é regulado pelos mesmos princípios que regulam o
valor do outro tipo de trabalho; e mesmo o trabalho mais útil e nobre
dentre estes não produz nada que possa, posteriormente, comprar ou
adquirir uma quantidade igual de trabalho. Como a declamação do ator,
o discurso do orador ou a melodia do músico, o trabalho de todos eles
perece no instante em que é produzido.302
Todas as pessoas — sejam elas trabalhadoras produtivas ou
improdutivas, bem como aquelas que em nada trabalham — são
igualmente sustentadas pelo produto anual da terra e do trabalho do país.
Por maior que seja esse produto, ele nunca será infinito e deve ter certos
limites. Assim, de acordo com a maior ou menor quantidade do produto
empregada em um ano qualquer para o sustento de mãos improdutivas;
no primeiro caso, ou seja, quando a quantidade é maior, sobrarão menos
recursos — no segundo, menos — para o sustento das mãos produtivas; e
o produto do ano seguinte também será maior ou menor de acordo com
a mesma lógica, pois seu resultado anual total, se excetuarmos o produto
espontâneo da terra, é consequência do trabalho produtivo.303
Embora a soma do produto anual da terra e do trabalho de cada país
seja, sem dúvida, destinada a suprir o consumo de seus habitantes e a
proporcionar-lhes receitas, quando sua origem primária é a terra ou as
mãos dos trabalhadores produtivos, essa soma termina por dividir-se em
duas porções. Uma delas, normalmente a maior, destina-se, em primeiro
lugar, a substituir um capital ou repor provisões, matérias-primas e
produtos acabados que haviam sido retirados de um capital; a outra, para
constituir um rendimento, ou para o proprietário desse capital (como
lucro de seu capital) ou para alguma outra pessoa (como renda de sua
terra). Assim, do produto da terra, uma parte repõe o capital do
agricultor e a outra paga o seu lucro e a renda do proprietário da terra; e,
portanto, constitui um rendimento tanto para o proprietário desse capital
(os lucros de seu capital) como para alguma outra pessoa (a renda de sua
terra). Da mesma forma, do produto de uma grande manufatura, uma
parte — e aqui é sempre a maior — repõe o capital do empresário do
trabalho; a outra paga o seu lucro e, assim, constitui uma receita do
proprietário desse capital.
Em todos os países, a parte do produto anual da terra e do trabalho
que serve para repor o capital nunca é empregada imediatamente senão
para a subsistência dos trabalhadores produtivos. Ela paga somente os
salários do trabalho produtivo. A parte que é imediatamente destinada a
formar o rendimento, quer como lucro ou como renda, pode
indiferentemente oferecer subsistência para manter trabalhadores
produtivos ou improdutivos.
Seja qual for a parte de seu capital (stock) que uma pessoa aplique
como capital (capital), ela sempre espera que seja reposta com lucro. Essa
pessoa a utiliza, portanto, somente para o sustento de trabalhadores
produtivos; assim, depois de ter servido como capital para ele, constituirá
um rendimento para os trabalhadores. Sempre que ele emprega qualquer
parte de seu capital para a manutenção de quaisquer tipos de mãos
improdutivas, essa parte é, a partir daquele momento, retirada de seu
capital e colocada em seu fundo (stock) de reserva para o consumo
imediato.
Os trabalhadores improdutivos e aqueles que não trabalham em coisa
alguma obtêm seu sustento de rendimentos advindos, em primeiro lugar,
daquela parte do produto anual que, originalmente, destina-se a
constituir um rendimento para algumas pessoas específicas, quer como
renda da terra ou como lucro do capital; ou, em segundo lugar, por
aquela parte que, embora originalmente se destine apenas à reposição de
um capital e à manutenção de trabalhadores produtivos, quando chega às
mãos destes últimos, qualquer parte dela que ultrapasse o necessário para
sua subsistência pode ser empregada indiferentemente na manutenção de
mãos produtivas ou improdutivas. Dessa forma, não somente o grande
proprietário ou o comerciante rico, mas também os trabalhadores
comuns, caso seus salários sejam consideráveis, podem manter um
criado doméstico; ou, então, a pessoa vai às vezes a uma peça ou a um
espetáculo de fantoches e, desse modo, contribui para a subsistência de
um grupo de trabalhadores improdutivos; ou, ainda, ele pode pagar
alguns impostos e, assim, ajudar a manter um outro grupo, mais honrado
e útil, de fato, mas igualmente improdutivo. No entanto, nenhuma parte
do produto anual destinada originalmente apenas a repor um capital será
utilizada para a manutenção de mãos improdutivas após ter colocado em
movimento todo o seu complemento de trabalho produtivo ou tudo o
que poderia colocar em movimento pela forma como foi empregada.
Antes que possa empregar qualquer parte de seu salário dessa maneira, o
trabalhador deverá ter recebido seu salário pelo trabalho executado. Mas
aquela parte também costuma ser pequena. É apenas o que sobra de seu
rendimento, e que, no caso dos trabalhadores produtivos, não costuma
ser muito. Eles, no entanto, costumam ter alguma sobra e, quando pagam
seus impostos, o grande número de pessoas que compõem esse grupo
pode, em certa medida, compensar o pequeno valor de sua contribuição.
Em todos os lugares, a renda da terra e os lucros do capital são, portanto,
as principais fontes de subsistência das mãos improdutivas. Estes são os
dois tipos de rendimento que os proprietários geralmente mais têm para
gastar. Com essa sobra eles podem, indiferentemente, manter mãos
produtivas ou improdutivas; parecem, no entanto, ter alguma predileção
pelo segundo tipo. As despesas de um grande senhor geralmente servem
mais para alimentar pessoas ociosas do que trabalhadoras. O comerciante
rico, embora seu capital seja utilizado apenas para a manutenção de
pessoas trabalhadoras, ainda assim, por suas despesas, isto é, pelo
emprego de seus rendimentos, costuma alimentar exatamente o mesmo
tipo de gente que o grande senhor.
Dessa forma, a relação entre as mãos produtivas e improdutivas de
cada país depende muito da relação entre aquela parte do produto anual
que, assim que sai do solo ou das mãos dos trabalhadores produtivos,
destina-se a repor um capital e a parte do produto que se destina a
constituir um rendimento, seja na forma de renda ou de lucro. Essa
relação é muito diferente entre os países ricos e os pobres.304
Assim, atualmente, nos países ricos da Europa, uma grande parcela,
muitas vezes a maior parcela, do produto da terra destina-se a repor o
capital do fazendeiro rico e independente; e a outra parcela, a pagar seus
lucros e a renda do proprietário da terra. Mas antigamente, durante a
predominância do governo feudal, uma parcela muito pequena do
produto já era suficiente para repor o capital empregado no cultivo. Esse
capital era geralmente formado por algumas poucas e miseráveis cabeças
de gado, sustentadas totalmente pelo produto da terra não cultivada, e
que, consequentemente, podiam ser consideradas como parte desse
produto espontâneo. Em geral, também pertenciam aos proprietários da
terra que as adiantava aos ocupantes da terra. Todo o resto do produto
também pertencia a ele, fosse como renda de sua terra ou como lucro
sobre aquele capital insignificante. Os ocupantes da terra eram
geralmente servos, cujas pessoas e posses eram igualmente sua
propriedade. Aqueles que não eram servos eram arrendatários a título
precário305 e, embora a renda paga por eles costumasse ser
nominalmente pouco maior que a taxa chamada de quitrent,306 ela
realmente equivalia a todo o produto da terra. Seu senhor poderia, a
qualquer momento, comandar o trabalho dessas pessoas em tempos de
paz e seu serviço em momentos de guerra. Embora vivessem a certa
distância da casa do senhor feudal, estavam tão vinculadas a ele quanto
os serviçais que nela viviam. Mas todo o produto da terra, sem dúvida,
pertencia a quem podia utilizar o trabalho e os serviços de todos aqueles
que eram mantidos pelo produto. No estado atual da Europa, a parcela do
senhor de terras raramente excede um terço do produto total da terra e,
por vezes, não chega nem à quarta parte. A renda da terra, no entanto,
em todas as partes desenvolvidas do país foi triplicada e quadruplicada
desde os tempos antigos; e esta terça ou quarta parte do produto anual
parece ser três ou quatro vezes maior que aquele antigo produto na
totalidade. Com o progresso e as melhorias, embora a renda aumentasse
em proporção à extensão, ela diminuía como proporção do produto da
terra.
Nos países ricos da Europa, os grandes capitais estão atualmente
empregados no comércio e na manufatura. Na Antiguidade, o comércio
minguado e as poucas manufaturas caseiras e primitivas exigiam muito
pouco capital. Devem, no entanto, ter rendido lucros altíssimos. Em
nenhum lugar cobrava-se uma taxa de juros inferior a 10%; e seus lucros
deviam ser suficientemente bons para proporcionar taxas de juros tão
altas. Na atualidade, a taxa de juros, nas partes avançadas da Europa, não
ultrapassa, em nenhum lugar, os 6%, e, em algumas das mais avançadas,
as taxas são baixas, chegando a 4%, 3% e 2%. Tendo em vista que o
capital dos países ricos é sempre muito maior do que o dos países pobres,
a parte do rendimento dos habitantes que deriva dos lucros do capital é
sempre muito maior nos países ricos, mas, em proporção ao capital, os
lucros das regiões ricas são geralmente inferiores.
Portanto, a parte do produto anual que, logo que deixa a terra ou as
mãos dos trabalhadores produtivos, se destina a repor um capital não é
apenas muito maior nos países ricos do que nos pobres, mas guarda uma
proporção muito maior do que aquela que tem como destino imediato a
formação de um rendimento, seja na forma de renda ou de lucro. Os
fundos destinados à manutenção do trabalho produtivo não são apenas
muito maiores nos primeiros do que nos últimos, mas guardam uma
proporção muito maior para aqueles fundos que, embora possam ser
utilizados para a manutenção de mãos produtivas ou improdutivas, têm
geralmente uma predileção pelas improdutivas.
Em todos os países, a proporção entre esses diferentes fundos
determina necessariamente a disposição geral dos habitantes em relação
ao trabalho ou à ociosidade. Somos mais industriosos que nossos
antepassados; porque, em comparação a dois ou três séculos atrás,
atualmente os fundos destinados para a manutenção do trabalho são
proporcionalmente muito maiores que aqueles que podem ser
empregados para a manutenção da ociosidade. Nossos antepassados
eram ociosos por falta de incentivo suficiente ao trabalho. É melhor jogar
por nada que trabalhar por nada, diz o provérbio. Nas cidades mercantis
e fabris, onde as classes inferiores da população obtêm sua subsistência
principalmente pela aplicação do capital, a maioria das pessoas é
industriosa, prudente e próspera, como ocorre em muitas cidades
inglesas e na maioria das holandesas. Nas cidades cujo principal sustento
deriva da residência ocasional ou constante de uma corte, e em que as
classes inferiores da população obtêm sua subsistência principalmente
pelo gasto de rendimentos, a maioria das pessoas é ociosa, dissoluta e
pobre, como ocorre em Roma, Versalhes, Compiègne e Fontainebleau.
Com exceção de Rouen e Bordeaux, há pouco comércio ou indústria em
todas as cidades parlamentares da França; e as classes mais baixas da
população, cuja subsistência deriva principalmente das despesas dos
membros das cortes de justiça, e daqueles que a elas vem pleitear algo,
são geralmente ociosas e pobres. Em sua totalidade, o grande comércio
de Rouen e Bordeaux parece ser apenas a consequência de sua
localização. Rouen é o entreposto comercial obrigatório de quase todos
os bens que são trazidos dos países estrangeiros ou das províncias
marítimas da França para ser consumidos na grande cidade de Paris.
Bordeaux, da mesma forma, é o entreposto dos vinhos produzidos nas
margens do Garonne e de seus afluentes, uma das regiões vinícolas mais
ricas do mundo e que parece produzir o vinho mais adequado para
exportação ou o mais bem adaptado ao gosto das nações estrangeiras.
Situações tão vantajosas atraem necessariamente um grande capital, pois
lhes oferecem muitos empregos; e a aplicação desse capital é a causa da
aplicação existente nessas duas cidades. Parece que nas outras cidades
parlamentares da França aplica-se apenas o capital necessário para suprir
seu próprio consumo; ou seja, pouco mais do que o capital mínimo que
nelas pode ser aplicado. O mesmo pode ser dito de Paris, Madri e Viena.
Dessas três cidades, Paris é de longe a que exibe maior atividade; mas a
própria Paris é o mercado principal de todas as manufaturas da cidade; e
o principal objetivo de todos os negócios ali existentes é o seu próprio
consumo. Londres, Lisboa e Copenhague talvez sejam as únicas três
cidades europeias que funcionam como residência permanente de uma
corte e que podem, ao mesmo tempo, ser consideradas cidades
comerciais ou cidades que não negociam apenas para o próprio consumo,
mas para o de outras cidades e países. A localização de todas as três é
extremamente vantajosa, e naturalmente cabe a elas ser o centro
comercial de uma grande parte dos bens destinados ao consumo de
lugares mais distantes. Em uma cidade em que se gasta um grande
rendimento, será provavelmente muito mais difícil aplicar com vantagem
um capital para qualquer outro propósito que não seja o suprimento do
consumo dessa cidade do que em uma cidade cuja única fonte de
subsistência das classes inferiores da população seja aquilo que elas
conseguem obter pela aplicação desse capital. É provável que a ociosidade
da maior parte das pessoas que são mantidas pelos gastos de rendimentos
corrompa a atividade daquelas que deveriam ser sustentadas pela
aplicação do capital, tornando menos vantajoso aplicar um capital ali do
que em outros lugares. Antes da União das Coroas, havia pouco comércio
ou trabalho em Edimburgo. Quando o Parlamento escocês deixou de se
reunir ali, quando deixou de ser a residência obrigatória da principal
nobreza e da aristocracia da Escócia, a cidade desenvolveu algum
comércio e indústria. Ela ainda é, no entanto, a sede dos principais
tribunais de justiça da Escócia, dos postos aduaneiros e tributários, etc.
Portanto, rendimentos consideráveis ainda são gastos ali. Em volume de
comércio e manufaturas, ela ainda é muito inferior a Glasgow, onde a
aplicação do capital é a principal fonte de subsistência de seus habitantes.
Observou-se que, às vezes, os habitantes de uma grande cidade, depois de
terem realizado progressos consideráveis em suas manufaturas, tornam-
se ociosos e pobres, em consequência de um senhor poderoso
estabelecer-se na vizinhança.307
Parece, portanto, que é a proporção entre capital e rendimentos que
determina a proporção entre trabalho (atividade) e ociosidade. Onde o
capital predomina, prevalece a atividade; onde a receita predomina, a
ociosidade prevalece. Todo aumento ou diminuição do capital, portanto,
tende naturalmente a aumentar ou diminuir a quantidade real de
atividade, o número de trabalhadores produtivos e, consequentemente, o
valor de troca do produto anual da terra e do trabalho da região, a
verdadeira riqueza e renda de todos os seus habitantes.
Os capitais crescem com a parcimônia e diminuem com a
prodigalidade e a má conduta.
Tudo o que alguém poupa de seu rendimento é acrescentado ao seu
capital; e, então, ou o utiliza para a si mesmo na manutenção de um
número adicional de mãos produtivas ou permite que alguma outra
pessoa o utilize dessa forma, emprestando o capital a juros, ou seja, por
uma parcela dos lucros. Já que o capital de um indivíduo somente pode
ser aumentado pelo que ele economiza de seu rendimento anual ou de
seus ganhos anuais, então o capital de uma sociedade, que é o mesmo que
o capital de todos os indivíduos que a compõem, somente pode ser
aumentado assim.
A causa imediata do aumento do capital é a parcimônia, e não o
trabalho. Trabalho, de fato, oferece o objeto que é acumulado pela
parcimônia. Mas o capital nunca aumentaria se tudo que fosse adquirido
pelo trabalho não fosse poupado e armazenado pela parcimônia.308
Ao aumentar o fundo que se destina à subsistência das mãos
produtivas, a parcimônia tende a aumentar o número de mãos cujo
trabalho acrescenta ao valor do objeto ao qual se incorpora. Ela tende,
em consequência, a aumentar o valor de troca do produto anual da terra
e do trabalho do país. Põe em movimento uma quantidade adicional de
trabalho que dá um valor adicional ao produto anual.
O que é economizado anualmente é consumido de forma tão regular
quanto o que é gasto anualmente e também quase ao mesmo tempo; mas
é consumido por um grupo diferente de pessoas. A parte de seu
rendimento que uma pessoa rica gasta anualmente é, na maioria dos
casos, consumida por convidados ociosos e criados domésticos, que nada
entregam em troca de seu consumo. A parte que ela economiza
anualmente — e que, ao buscar o lucro, é imediatamente aplicada como
um capital — também é consumida da mesma maneira e quase ao
mesmo tempo, mas por um grupo diferente de pessoas, a saber, por
trabalhadores, fabricantes e artesãos, que reproduzem com lucro o valor
do seu consumo anual. Devemos supor que essa pessoa receba seu
rendimento em dinheiro. Caso ela o gaste integralmente, então os
alimentos, vestuários e habitação que poderia comprar serão distribuídos
entre o primeiro grupo de pessoas (convidados ociosos e criados
domésticos). Ao economizar uma parcela dele, buscará o lucro
aplicando-o imediatamente como um capital para ele mesmo ou para
outra pessoa, então os alimentos, vestuários e habitação que podem ser
comprados com ele são necessariamente reservados para o segundo
grupo de pessoas (trabalhadores, fabricantes e artesãos). O consumo é o
mesmo, mas os consumidores são diferentes.
Com aquilo que uma pessoa frugal economiza anualmente, ela não só
oferece o sustento a um número adicional de trabalhadores produtivos
para aquele ano ou para o seguinte, mas — assim como o fundador de
uma oficina pública — ela, por assim dizer, estabelece um fundo
perpétuo para o sustento de um número igual de trabalhadores para todo
o futuro. A alocação e a destinação perpétuas desse fundo, de fato, nem
sempre estão sob o resguardo de alguma lei, fideicomisso ou escritura de
perpetuidade.309 São sempre resguardadas, no entanto, por um princípio
muito poderoso, o interesse simples e evidente de cada um dos
indivíduos que sejam proprietários de uma fração qualquer desse fundo.
Nenhuma fração dele poderá ser utilizada posteriormente para outro fim,
senão para o sustento de mãos produtivas, sem que haja uma perda
evidente para a pessoa que, assim, o desvie de sua função própria.
É assim que os pródigos o desviam de sua função. Ao não limitar suas
despesas à sua renda, eles invadem seu capital. Como a pessoa que desvia
a função dos rendimentos de uma fundação de caridade para fins
profanos, ele paga o salário da ociosidade com os fundos que a
frugalidade de seus antepassados havia, por assim dizer, consagrado à
manutenção das atividades do trabalho. Ao reduzir os recursos
destinados ao emprego do trabalho produtivo, reduz-se necessariamente,
na medida em que isso depende dele, a quantidade daquele trabalho que
agrega um valor ao objeto que o recebe e, consequentemente, o valor do
produto anual da terra e do trabalho de todo o país, as verdadeiras
riquezas e o rendimento de seus habitantes. Quando a prodigalidade de
alguns não é compensada pela frugalidade de outros, a conduta do
pródigo — que alimenta o ocioso com o pão do industrioso — tende não
só a levá-lo à miséria, mas a empobrecer todo o seu país.
Mesmo que todos os gastos do pródigo sejam efetuados em bens
domésticos, e não em mercadorias estrangeiras, o efeito sobre os fundos
produtivos da sociedade ainda será o mesmo. A cada novo ano, uma
certa quantidade de alimentos e vestuários que deveria servir para a
manutenção de mãos produtivas seria utilizada para o sustento de mãos
improdutivas. A cada novo ano, portanto, o valor do produto anual da
terra e do trabalho do país ficaria cada vez menor em relação ao que, em
outro caso, poderia ter sido.
É possível argumentar que, se essa despesa não é realizada em bens
estrangeiros e não ocasiona nenhuma saída de ouro e prata, a mesma
quantidade de dinheiro permaneceria no país como antes. Mas se a
quantidade de alimentos e vestuário consumida por mãos improdutivas
houvesse sido distribuída entre as mãos produtivas, estas teriam reposto
com lucro o valor total de seu consumo. Nesse caso, a mesma quantidade
de dinheiro teria permanecido no país e, além disso, haveria a reposição
de um valor igual de bens de consumo. Haveria dois valores em vez de
um.
Além disso, não há como manter por muito tempo a mesma
quantidade de dinheiro em um país em que o valor do produto anual
diminui. O dinheiro serve apenas para a circulação de bens de consumo.
Por meio dele, suprimentos, matérias-primas e produtos acabados são
comprados, vendidos e distribuídos às pessoas que os irão consumir. A
quantidade de dinheiro, portanto, que pode ser empregada anualmente
em qualquer país deve ser determinada pelo valor dos bens de consumo
que circulam anualmente dentro dele. Estes ou são o produto imediato da
terra e do trabalho do país próprio ou algo que foi comprado com
alguma porção desse produto. Seu valor, portanto, deve diminuir à
medida que o valor desse produto diminui e, junto com ele, a quantidade
de dinheiro que pode ser utilizada para efetivar a sua circulação. Mas não
se permite que o dinheiro retirado anualmente da circulação doméstica
pela diminuição anual do produto fique ocioso. O interesse de seu
possuidor exigirá que ele seja aplicado. Mas não tendo nenhum emprego
doméstico, ele será, apesar de todas as leis e proibições, enviado para o
exterior e empregado na compra de bens de consumo que podem ter
alguma utilidade no território nacional. Sua exportação anual continuará
assim por algum tempo, acrescentando, além do valor de seu próprio
produto anual, algo ao consumo anual do país. Tudo o que foi poupado
de seu produto anual durante os momentos de prosperidade e utilizado
para comprar ouro e prata contribuirá por um breve período,
sustentando seu consumo durante a adversidade. Aí, a exportação de
ouro e prata não é a causa, mas o efeito da decadência; e, por algum
tempo, ela poderá até mesmo oferecer alívio a essa decadência.
Ao contrário, a quantidade de dinheiro de cada país deve aumentar
naturalmente conforme aumenta o valor do produto anual. Sendo maior
o valor dos bens de consumo que circulam anualmente dentro da
sociedade, será exigida uma quantidade maior de dinheiro para fazê-los
circular. Uma parte desse produto maior, portanto, será naturalmente
empregada para comprar — onde quer que possa ser encontrada — a
quantidade adicional de ouro e prata necessária para fazer circular o resto
do produto. Nesse caso, o aumento da quantidade de metais será o efeito,
e não a causa, da prosperidade pública.310 Em todos os lugares do
mundo, ouro e prata são comprados da mesma maneira. O preço pago
por eles, tanto no Peru quanto na Inglaterra, são os alimentos, vestuário e
habitação, o rendimento e a subsistência de todos aqueles cujo trabalho
ou capital são empregados para trazê-los da mina para o mercado. Todo
país que puder pagar esse preço nunca ficará muito tempo sem a
quantidade dos metais de que necessita; e nenhum país guardará por
muito tempo uma quantidade de que não necessite.
Portanto, independentemente daquilo em que imaginemos consistir
as verdadeiras riquezas e o rendimento de um país, seja o valor do
produto anual de sua terra e do trabalho, conforme parece indicar a razão
comum, seja a quantidade de metais preciosos que circula dentro do país,
conforme supõem as predisposições vulgares, em qualquer uma dessas
duas visões sobre o assunto, todo pródigo parece ser o inimigo público e
todo indivíduo frugal, um benfeitor público.
Os efeitos da má conduta são muitas vezes os mesmos que os da
prodigalidade. Todo projeto insensato e malsucedido realizado nas áreas
da agricultura, das minas, da pesca, do comércio ou da manufatura tende
da mesma forma a diminuir os fundos destinados à subsistência do
trabalho produtivo. Em todos esses projetos, embora o capital seja
consumido apenas por mãos produtivas, ocorre que, pela forma
imprudente com que é aplicado, ele não consegue repor o valor total de
seu consumo, havendo sempre alguma diminuição no que em outro caso
seriam os fundos produtivos da sociedade.
Mas a situação de uma grande nação é raramente muito afetada tanto
pela prodigalidade como pela má conduta dos indivíduos, pois o
esbanjamento ou imprudência de alguns é sempre mais do que
compensada pela frugalidade e boa conduta dos outros.
No que diz respeito ao esbanjamento, o princípio que leva o indivíduo
a essas despesas é a paixão pela fruição presente; que, embora às vezes
violenta e muito difícil de ser contida, é, em geral, apenas momentânea e
ocasional. Mas o princípio que nos leva a economizar é o desejo de
melhorar a nossa condição, um desejo que, embora geralmente calmo e
desapaixonado, nos acompanha desde o ventre e somente nos abandona
em nossa sepultura.311 Durante todo o intervalo que separa esses dois
momentos, quase não há um só instante em que toda pessoa esteja tão
perfeitamente e completamente satisfeita com sua situação a ponto de
não desejar nenhum tipo de mudança ou melhoria. A maioria das
pessoas busca e propõe melhorar sua condição por meio do aumento de
sua fortuna. É o meio mais comum e o mais óbvio; e a maneira mais
provável de aumentar sua fortuna ocorre pela economia e pelo acúmulo
de uma porção de tudo o que se adquire, seja regular e anualmente ou em
algumas ocasiões extraordinárias. Desse modo, embora o princípio da
despesa prevaleça em quase todas as pessoas em algumas ocasiões, e em
algumas pessoas em quase todas as ocasiões, ocorre que, na maior parte
das pessoas, tomando por média todo o decorrer de sua vida, o princípio
da frugalidade parece não apenas predominar, mas dominar de forma
incontestável.
No que diz respeito à má conduta, o número de empreendimentos
prudentes e bem-sucedidos é cada vez maior que o de empreendimentos
insensatos e malsucedidos. Depois de todas as nossas queixas sobre a
frequência das falências, os infelizes que caem nessa desgraça são apenas
uma parte muito pequena do número total de pessoas envolvidas no
comércio e em todos os outros tipos de negócio; não muito mais, talvez,
que uma em cada mil. A falência é talvez a maior e mais humilhante
calamidade que pode ocorrer a um inocente. A maioria das pessoas,
portanto, toma bastante cuidado para evitá-la. Algumas, de fato, não a
evitam; são como aquelas que não evitam a forca.
As grandes nações nunca empobrecem por má conduta privada,
embora às vezes isso ocorra pela prodigalidade e pela má conduta
pública. Todo ou quase todo o rendimento público é, na maioria dos
países, empregado para a subsistência de mãos improdutivas. A saber, as
pessoas que compõem uma corte numerosa e esplêndida, um grande
aparato eclesiástico, grandes frotas e exércitos — que, em tempo de paz,
não produzem nada, e, em tempo de guerra, não adquirem nada que
compense as despesas de sua manutenção, mesmo enquanto alguma
guerra ainda está em andamento. Já que essas pessoas nada produzem,
são todas mantidas pelo produto do trabalho de outros homens. Quando
se multiplicam e chegam a um número desnecessário, elas podem, em
um determinado ano, consumir uma porção muito grande desse produto
e não deixar o suficiente para a subsistência dos trabalhadores
produtivos, os quais deveriam repor tal produto no ano seguinte. O
produto do ano seguinte, portanto, será menor do que o do ano anterior;
e se houver a continuidade do mesmo transtorno, o produto do terceiro
ano será ainda menor do que o do segundo. Essas mãos improdutivas
que deveriam ser sustentadas apenas por uma porção do rendimento
poupado do povo podem consumir uma porção tão grande de sua receita
total — e, assim, obrigar um número tão grande de pessoas a dilapidar
seus próprios capitais, seus fundos destinados à manutenção do trabalho
produtivo — que toda a frugalidade e boa conduta dos indivíduos não
compensarão os desperdícios e a degradação do produto ocasionados por
essa destruição violenta e forçada.
No entanto, notamos pela experiência que, na maioria das vezes, a
frugalidade e a boa administração são suficientes para compensar não só
a prodigalidade privada e a má conduta dos indivíduos, mas também a
extravagância pública do governo. O esforço uniforme, constante e
ininterrupto de cada um para melhorar sua condição, o princípio que dá
origem tanto à opulência pública e nacional quanto à opulência privada,
costuma ser suficientemente poderoso para sustentar o progresso natural
das coisas no caminho do aperfeiçoamento, apesar das extravagâncias do
governo e dos grandes erros de sua administração. Funciona como o
princípio desconhecido da vida animal, que, apesar das doenças e das
receitas absurdas dos médicos, frequentemente consegue restaurar a
saúde e o vigor do corpo.
O produto anual da terra e do trabalho de qualquer nação somente
pode ter seu valor aumentado pelo aumento do número de seus
trabalhadores produtivos ou pelo aumento dos poderes produtivos dos
trabalhadores que já estão empregados. É evidente que não há como
aumentar muito o número de trabalhadores produtivos, exceto como
consequência do aumento do capital ou dos fundos destinados à
subsistência deles. Os poderes produtivos de um mesmo número de
trabalhadores não podem ser aumentados, exceto como consequência de
algum acréscimo e melhoria das máquinas e dos instrumentos que
facilitam e abreviam o trabalho ou como consequência de uma melhor
divisão e distribuição do emprego. Em qualquer um desses casos, quase
sempre será necessário um capital adicional. Somente por meio de um
capital adicional o tomador de qualquer trabalho poderá tanto oferecer
um maquinário melhor aos seus trabalhadores como fazer uma
distribuição mais apropriada do trabalho entre eles. Quando o trabalho a
ser realizado se divide em certo número de partes, manter cada
trabalhador em uma tarefa específica exige um capital muito maior do
que quando cada homem é ocasionalmente empregado em diferentes
partes do trabalho. Assim, quando comparamos as condições de uma
nação em dois períodos diferentes e verificamos que, no segundo
período, o produto anual de suas terras e trabalho é evidentemente
maior, que suas terras estão mais bem cultivadas, sua manufatura mais
numerosa e mais florescente, e seu comércio mais extenso, podemos ter a
certeza de que o seu capital aumentou durante o intervalo entre esses
dois períodos e que a ele foi acrescentado pela boa conduta de alguns
mais do que tinha sido retirado pela má conduta privada dos outros ou
pela extravagância pública do governo. Mas perceberemos que o mesmo
aconteceu em quase todas as nações, em todos os tempos razoavelmente
tranquilos e pacíficos, mesmo dentre aquelas que não puderam desfrutar
de governos mais prudentes e parcimoniosos. Para formarmos um juízo
correto da situação, devemos comparar as condições do país em períodos
um pouco distantes uns dos outros. Os progressos costumam ser tão
graduais que, em períodos muito próximos, além de não serem
perceptíveis, muitas vezes ocorre a suspeita de que as riquezas e a
indústria do todo estão em decadência, pois o declínio ocasional de
certos ramos da indústria ou de certos distritos do país é um evento que
pode ocorrer mesmo quando essa nação em geral está em fase de grande
prosperidade.
Por exemplo, o produto anual da terra e do trabalho da Inglaterra é
certamente muito maior do que era há pouco mais de um século, durante
a restauração de Carlos II.312 Acredito que atualmente poucas pessoas
duvidam disso, mas, mesmo assim, não houve período de cinco anos
durante esse período que não testemunhasse a publicação de algum livro
ou panfleto, escrito de forma habilidosa para obter certa autoridade em
meio ao público e com a pretensão de demonstrar que a riqueza da nação
estava em rápido declínio, que o país estava despovoado, a agricultura
negligenciada, as manufaturas em decadência e o comércio em
desarranjo. Nem todas essas publicações eram panfletos partidários, essa
descendência miserável da falsidade e da venalidade. Muitos deles foram
escritos por pessoas muito sinceras e inteligentes que discorreram
somente sobre aquilo em que acreditavam, e por nenhuma outra razão
senão porque acreditavam no que estavam dizendo.
Assim, repito que o produto anual da terra e do trabalho da Inglaterra
era certamente muito maior durante a restauração313 do que podemos
supor que tenha sido cerca de cem anos antes, na ascensão ao trono no
período da rainha Isabel.314 Temos todas as razões para crer que, durante
esse mesmo período, o país estava muito mais desenvolvido do que há
cerca de um século antes, durante o fim das dissensões entre as casas de
York e Lancaster.315 E mesmo assim estava, provavelmente, em uma
condição melhor do que durante a conquista normanda316 e, durante a
conquista normanda, melhor do que durante a confusão da heptarquia
dos saxões.317 E mesmo durante este último período, certamente era um
país mais avançado do que durante a invasão de Júlio César,318 quando
seus habitantes estavam quase no mesmo estado dos selvagens da
América do Norte.
Em cada um desses períodos, no entanto, ocorreu muito
esbanjamento privado e público, muitas guerras caras e desnecessárias,
bem como um grande desvio do produto anual do país para a
manutenção das mãos improdutivas e produtivas e, além disso tudo, às
vezes, na confusão dos conflitos civis, ocorreram perdas e destruições tão
grandes dos capitais que, conforme poderia se supor, não apenas
retardariam — algo que certamente ocorreu — a acumulação natural de
riquezas como deixariam o país mais empobrecido no final do período
do que no início. Assim, no período mais feliz e afortunado de todos eles,
isto é, aquele que ocorreu desde a restauração, quantas foram as
desordens e os infortúnios que poderiam não apenas ter anunciado o
empobrecimento como também a ruína total do país? Temos o incêndio
e a peste de Londres, as duas guerras holandesas, as desordens da
revolução, a guerra na Irlanda, as caras guerras francesas de 1688, 1702,
1742 e 1756, juntamente com as duas rebeliões de 1715 e 1745. No
decorrer das quatro guerras francesas, a nação contraiu mais de 145
milhões em dívidas, além de todas as outras despesas extraordinárias
anuais que foram ocasionadas pelas guerras, de modo que o total não
pode ser calculado em menos de 200 milhões. Uma parcela igualmente
grande do produto anual da terra e do trabalho do país tem sido utilizada
desde a revolução em diferentes ocasiões para sustentar um número
extraordinário de mãos improdutivas. Mas se essas guerras não tivessem
dado esse particular direcionamento a um capital tão avultado, uma
grande parcela teria sido naturalmente empregada para manter mãos
produtivas, cujo trabalho teria reposto, com lucro, todo o valor de seu
consumo. O valor do produto anual da terra e do trabalho do país teria
sido consideravelmente aumentado por ela todos os anos, e o aumento de
cada ano teria gerado um incremento maior para o ano seguinte. Mais
casas teriam sido construídas, mais terras teriam sido aprimoradas e
aquelas que haviam sido aprimoradas anteriormente teriam sido mais
bem cultivadas, mais manufaturas teriam sido fundadas e aquelas que já
estavam estabelecidas anteriormente teriam crescido mais; e que
tamanho a verdadeira riqueza e o rendimento do país poderiam ter
atingido hoje não é algo muito fácil de imaginar.
Mas, embora a extravagância do governo tenha, sem dúvida,
retardado o progresso natural da Inglaterra rumo à riqueza e ao
progresso, ela não foi capaz de pará-lo. O produto anual de suas terras e
do trabalho é, sem dúvida, muito maior no presente do que foi durante a
restauração ou na revolução. Assim, o capital empregado anualmente no
cultivo dessa terra e na manutenção desse trabalho deve também ser
muito maior. Em meio a todas as exações do governo, esse capital tem
sido silenciosa e gradualmente acumulado pela frugalidade privada e boa
conduta dos indivíduos, pelo seu esforço universal, contínuo e
ininterrupto para melhorar a sua própria condição. Foi esse esforço —
protegido por lei e permitido pela liberdade de ser exercido da maneira
que for mais vantajosa — que manteve a Inglaterra na direção da riqueza
e do progresso em quase todas as épocas passadas, e que, é de se esperar,
irá mantê-la no mesmo caminho no futuro. Mas a Inglaterra, no entanto,
nunca foi abençoada com um governo muito parcimonioso e, por isso, a
parcimônia não tem sido, em nenhum momento, a virtude característica
de seus habitantes. Assim, é da mais alta impertinência e presunção que
reis e ministros pretendam vigiar a economia privada do povo e limitar
as suas despesas, seja por meio de leis que visem regular hábitos de
consumo, seja pela proibição de importação de bens estrangeiros de luxo.
Esses reis e ministros são sempre, e sem nenhuma exceção, os maiores
dilapidadores da sociedade. Que vigiem eles as próprias despesas e
deixem que cada uma das pessoas do povo cuide das suas. Se a própria
extravagância de reis e ministros não causa a ruína do Estado, não será a
de seus súditos que o fará.319
Assim como a frugalidade aumenta o capital público e a
prodigalidade o diminui, a conduta daqueles cujas despesas equivalem a
seu rendimento, sem acumulá-lo nem dilapidá-lo, nem o aumenta nem o
diminui. Algumas formas de despesas, no entanto, parecem contribuir
mais para o crescimento da riqueza e da opulência pública do que outras.
O rendimento de um indivíduo ou será gasto em objetos de consumo
imediato em que o gasto de um dia de despesas não alivia nem oferece
apoio ao gasto de outro ou será gasto em objetos mais duráveis que
podem, portanto, ser acumulados, e cujas despesas de cada dia podem,
de acordo com a vontade do indivíduo, oferecer alívio ou apoio e
aumentar o efeito das despesas do dia seguinte. Por exemplo, um homem
de fortuna pode gastar seu rendimento com uma mesa cheia de muitos
alimentos suntuosos, com a manutenção de um grande número de
empregados domésticos e uma multidão de cães e cavalos; ou,
contentando-se com uma mesa frugal e poucos empregados, ele pode
usar a maior parte desse rendimento para decorar sua casa ou residência
rural, em edifícios de uso ou ornamentais, pode utilizá-lo em móveis
úteis ou ornamentais, para colecionar livros, estátuas e quadros; ou em
coisas mais frívolas ainda como joias, diversos tipos de bugigangas
engenhosas; ou, o que é mais insignificante ainda, em compor um grande
guarda-roupa com vestes finas, como o fez o favorito e ministro de um
grande príncipe que morreu há alguns anos. Imaginemos dois homens
com fortunas iguais; o primeiro gasta seus rendimentos da primeira
forma, e o segundo, da segunda. A magnificência da pessoa cujas
despesas foram realizadas principalmente em bens duráveis aumentará
de forma contínua; e as despesas de cada dia contribuirão um pouco para
manter e aumentar a eficácia do gasto do dia seguinte. A magnificência
da outra pessoa, pelo contrário, não seria maior no fim do período do
que no início. No fim, a primeira pessoa também será a mais rica das
duas. Ela terá um estoque de bens de um tipo ou outro que, embora
talvez não valha mais o que custou, sempre valerá alguma coisa. Das
despesas da segunda não sobrará nenhum traço ou vestígio, e os efeitos
de dez ou vinte anos de esbanjamento serão completamente aniquilados
como se nunca tivessem existido.
Assim como uma das formas de realização de despesas é mais
favorável do que a outra para a opulência do indivíduo, o mesmo vale
para os gastos de uma nação. Em pouco tempo, as casas, a mobília e o
vestuário dos ricos se tornam úteis às classes média e baixa da
sociedade.320 Elas podem comprá-las quando as pessoas das classes altas
se cansam desses objetos e, assim, as comodidades gerais de todo o povo
vão gradualmente melhorando quando essa forma de realização de
despesas se torna universal entre os ricos homens de fortuna. Nos países
que já são ricos há muito tempo, é possível encontrar com frequência
pessoas das classes mais baixas da população que possuem casas e
mobília em condições perfeitas de uso, mas que não foram construídas
ou feitas para seu uso. O que antes havia sido o lar da família Seymour é
hoje uma pousada na estrada para a cidade de Bath. A cama de casal de
Jaime I da Grã-Bretanha, que a rainha trouxe da Dinamarca junto com
ela como um presente digno de um soberano para outro, era, há alguns
anos, o enfeite de uma taverna em Dunfermline. Em algumas cidades
antigas, que ou estão estagnadas há muito tempo ou passaram por uma
certa decadência, às vezes é muito difícil encontrar uma única casa que
tenha sido construída para os seus atuais habitantes. Ao entrarmos em
uma delas, encontraremos com muita frequência um excelente
mobiliário que, embora antiquado, ainda está muito bom para o uso e
que não poderia ter sido construído para os seus moradores. Palácios
nobres, vilas magníficas, grandes coleções de livros, estátuas, quadros e
outras curiosidades costumam ser um ornamento e uma honra para a
vizinhança e para todo o país a que pertencem. Versalhes é um
ornamento e uma honra para a França, Stowe e Wilton,321 para a
Inglaterra. A Itália continua suscitando algum tipo de veneração por
possuir uma grande quantidade de monumentos desse tipo, embora a
riqueza que os produziu já tenha sido deteriorada e embora o gênio que
os planejou pareça ter se extinguido, talvez por não ter tido o mesmo uso.
Além disso, os gastos com bens duráveis também favorecem tanto a
acumulação quanto a frugalidade. Se, em dado momento, uma pessoa se
exceder, poderá mudar facilmente sem se expor à censura pública. Por
outro lado, quando a pessoa passa a reduzir muito o número de seus
empregados, quando sua mesa deixa de ser superabundante e passa a ser
muito frugal, quando começa a se desvencilhar de seu equipamento
quando já o havia organizado, essas mudanças não escapam da
observação de seus vizinhos e implicam o reconhecimento de uma
suposta má conduta. Poucos daqueles que já tiveram a infelicidade de
lançar-se tão longe nesse tipo de despesa têm mais tarde a coragem de
realizar mudanças antes de ser obrigados a fazê-lo pela bancarrota e pela
ruína. Mas se, a qualquer momento, uma pessoa começar a gastar demais
com prédios, móveis, livros ou quadros, não há como inferir algum tipo
de imprudência em tal mudança de conduta. Nesses gastos, a despesa
adicional é normalmente vista como desnecessária pela despesa anterior;
e quando uma pessoa deixa de realizar tais gastos, ela parece fazê-lo não
porque tenha excedido sua fortuna, mas porque já satisfez o seu desejo.
Além disso, os gastos com bens duráveis costumam sustentar um
número maior de pessoas do que os gastos feitos com a mais profusa
hospitalidade. Das 200 ou 300 libras-peso de suprimentos que às vezes
podem ser servidas em uma grande festa, a metade, talvez, é jogada no
lixo, e há sempre uma grande quantidade desperdiçada e mal utilizada.
Mas se as despesas desse entretenimento fossem empregadas para pôr a
trabalhar pedreiros, carpinteiros, estofadores, mecânicos, etc., uma
quantidade de provisões de igual valor teria sido distribuída entre um
número ainda maior de pessoas, que as teriam comprado com moedas de
penny e pesos em libra, e não jogariam fora nem mesmo 1 onça desse
material. De certo modo, essas despesas sustentam, de um lado, as mãos
produtivas e, do outro, as improdutivas. Pelo primeiro modo, elas
aumentam o valor de troca do produto anual da terra e do trabalho do
país; pelo segundo, não.
Não quero, no entanto, com tudo isso dizer que a primeira espécie de
despesa significa sempre um espírito mais liberal ou generoso do que a
outra. Quando um homem de fortuna gasta seu rendimento
principalmente com hospitalidade, ele compartilha a maior parte de seus
bens com seus amigos e companheiros; mas quando a emprega na
compra de artigos duráveis, muitas vezes gasta tudo consigo mesmo e
não dá nada a ninguém sem receber algo equivalente em troca. Essa
última espécie de despesa, portanto, especialmente quando se refere a
objetos frívolos, como pequenos ornamentos para vestido e móveis, joias,
bijuterias, bugigangas, frequentemente indica não só um caráter
insignificante, mas também desprezível e egoísta. Tudo o que quero dizer
é que uma espécie de despesa, na medida em que sempre ocasiona
alguma acumulação de bens valiosos e em que é mais favorável à
frugalidade privada e, consequentemente, ao aumento do capital público,
e na medida em que mantém mãos produtivas, ao invés de improdutivas,
conduz mais que a outra ao crescimento da opulência pública.
CAPÍTULO IV
O CAPITAL EMPRESTADO A JUROS
O capital (stock) emprestado a juros é sempre considerado como um
capital (capital) pelo credor. Este espera que, no tempo devido, o valor
lhe seja restituído, e que, nesse ínterim, o tomador do empréstimo lhe
pague uma renda anual certa pelo seu uso. O tomador de empréstimo
pode usá-lo como um capital ou como um fundo de reserva para
consumo imediato. Caso ele o utilize como um capital, o usará para a
subsistência de trabalhadores produtivos que reproduzam o valor
juntamente com um lucro. Ele pode, nesse caso, repor o capital e pagar os
juros sem alienar nem invadir qualquer outra fonte de rendimento. Se o
utilizar como um fundo de reserva para consumo imediato, ele faz o
papel do pródigo, dissipando com a manutenção de mãos ociosas o que
estava destinado à subsistência do trabalhador produtivo. Ele não pode,
nesse caso, nem repor o capital nem pagar os juros sem alienar ou
dissipar alguma outra fonte de rendimento, tal como a propriedade ou o
arrendamento da terra.
O capital (stock) emprestado a juros é, sem dúvida, ocasionalmente
empregado em ambas as formas, mas a primeira costuma ser mais usada
que a última. Quem toma emprestado apenas para gastar logo irá à ruína,
e quem lhe empresta, em geral, terá encontrado ocasião para se
arrepender de sua tolice. Em todos os casos em que a usura pura está fora
de questão, tomar emprestado ou emprestar para tal finalidade é
contrário ao interesse de ambas as partes; e embora, sem dúvida, às vezes
as pessoas acabem realizando tais ações, ainda assim, tendo em vista a
consideração que todas têm por seu próprio interesse, podemos estar
seguros de que a frequência desses atos não é tão grande quanto
podemos ser levados a acreditar. Pergunte a qualquer pessoa rica e
prudente se ela empresta a maior parte de seu capital a quem o
empregará — ele acredita — de forma rentável ou a quem o gastará de
forma ociosa; apenas a proposição dessa questão fará com que essa
pessoa ria de você. Mesmo entre os tomadores de empréstimo — que não
são conhecidos como os mais famosos do mundo por sua frugalidade —,
o número de pessoas frugais e aplicadas ultrapassa consideravelmente o
número de pessoas pródigas e ociosas.
As únicas pessoas a quem o capital é geralmente emprestado sem que
se espere o uso muito rentável dele são os senhores de terra que tomam
empréstimos hipotecários. Mas nem mesmo eles tomam dinheiro
emprestado apenas para gastá-lo. Aquilo que tomam emprestado,
poderíamos dizer, costuma ser gasto antes de ser tomado emprestado.
Em geral, eles costumam consumir uma quantidade tão grande em bens
adiantados a eles por crédito por lojistas e comerciantes que se veem
obrigados a tomar emprestado a juros a fim de pagar seu débito. O capital
tomado emprestado repõe o capital daqueles lojistas e comerciantes que
os proprietários de terra não conseguem repor por meio da renda de suas
propriedades. Não é tomado emprestado para ser realmente gasto, mas
para repor um capital já gasto anteriormente.
Quase todos os empréstimos a juros são realizados em dinheiro, seja
em papel-moeda ou em moedas de ouro e prata. Mas o que o tomador de
empréstimo realmente quer e o que o credor realmente lhe fornece não é
o dinheiro, mas o valor do dinheiro ou os bens que tal valor pode
comprar. Se o tomador quer um fundo para o seu consumo imediato, ele
somente poderá colocar tais bens naquele fundo. Se precisa do capital
para empregar trabalho, somente o aplicará em bens que servirão aos
trabalhadores, como ferramentas, matérias-primas e a subsistência
necessárias para a realização do trabalho. Por meio do empréstimo, o
credor, por assim dizer, atribui ao tomador seu direito a uma
determinada parcela do produto anual da terra e do trabalho do país para
ser empregada da forma que o tomador desejar.
A quantidade de capital, portanto, ou, como se diz normalmente, a
quantidade de dinheiro que pode ser emprestada a juros em qualquer
país não é regulamentada pelo valor do dinheiro — sejam cédulas ou
moedas, que servem como o instrumento dos diferentes empréstimos
realizados nesse país —, mas pelo valor daquela parte do produto que,
logo que sai do solo ou das mãos dos trabalhadores produtivos, se destina
à reposição de um capital que o seu próprio dono não quer se dar ao
trabalho de empregar ele próprio. Já que esses capitais são geralmente
emprestados e devolvidos em dinheiro, constituem o que chamamos de
interesse do dinheiro (monied interest).322 É diferente não apenas dos
interesses fundiários, mas também dos interesses dos negócios e dos
interesses das manufaturas, pois nesses últimos são só seus donos que
empregam seus próprios capitais. Mesmo no interesse do dinheiro,
entretanto, o dinheiro é, por assim dizer, apenas o instrumento de cessão
que transfere de uma mão para outra aqueles capitais que seus
proprietários não se importam em aplicar eles mesmos. Esses capitais
podem ser maiores do que o montante de dinheiro que serve como
instrumento de seu transporte, pois as mesmas moedas que servem para
diversos empréstimos sucessivos também servem para muitas compras
diferentes. Por exemplo, A empresta mil libras para W; imediatamente,
com este valor, W compra de B mil libras em mercadorias; B, que não
tem necessidade imediata do dinheiro em si, empresta moedas idênticas
a X, com as quais X compra, imediatamente de C, mais mil libras em
bens. Da mesma forma, e pela mesma razão, C os empresta a Y, que
novamente compra bens com eles de D. Dessa forma, as mesmas peças,
em metal ou em papel, podem, no decorrer de alguns dias, servir como
instrumento de três empréstimos diferentes e de três compras diferentes,
cada um deles de igual valor ao total de peças. O que os três credores, A,
B, e C, entregam aos três devedores — W, X, Y — é o poder de fazer essas
compras. Nesse poder se encontram tanto o valor quanto o uso dos
empréstimos. O valor emprestado pelos três credores é igual ao valor dos
bens que podem ser comprados com ele e três vezes maior do que o valor
do dinheiro com o qual as compras são feitas.323 Esses empréstimos, no
entanto, podem ser perfeitamente seguros se os bens adquiridos pelos
diferentes devedores forem aplicados para que, em sua maturidade,
reponham determinado valor igual — em metais ou em papel — com
lucro. E, assim como as mesmas peças físicas de dinheiro podem servir
como instrumentos para três diferentes empréstimos ou, pela mesma
razão, para trinta vezes seu valor, da mesma forma podem servir
sucessivamente como instrumentos de reembolso.
Um capital emprestado a juros pode, dessa maneira, ser considerado
uma atribuição do credor ao devedor de uma parcela considerável do
produto anual, sob a condição de que o devedor também deve, em
contrapartida e enquanto durar o empréstimo, transferir anualmente ao
credor uma parcela menor: os juros. Ao final do contrato, o devedor
precisa entregar uma parcela tão grande quanto a que lhe foi
originalmente repassada: o reembolso. Embora o dinheiro, seja de metal
ou papel, sirva em geral como o instrumento de atribuição tanto da
parcela menor quanto da maior, ele é, em si mesmo, completamente
diferente daquilo que é atribuído por ele.
À mesma proporção que a parcela do produto anual — a qual, assim
que deixa o solo ou as mãos dos trabalhadores produtivos, destina-se a
repor um capital — aumenta em qualquer país, aquilo que chamamos de
interesse do dinheiro (monied interest) também aumenta naturalmente.
O aumento daqueles capitais específicos com os quais os seus
proprietários desejam obter um rendimento sem ter o trabalho de aplicá-
los eles mesmos acompanha naturalmente o aumento geral dos capitais,
ou, em outras palavras, à medida que o estoque de capital (stock)
aumenta, a quantidade de capital (stock) a ser emprestada a juros torna-se
cada vez maior.
Conforme aumenta a quantidade do estoque de capital (stock) a ser
emprestada a juros, os juros — ou o preço que deve ser pago pelo uso
desse capital (stock) — necessariamente diminuem, não apenas devido às
causas gerais que costumam diminuir o preço de mercado dos bens
quando a quantidade deles aumenta, mas devido também a outras causas
que são peculiares a esse caso específico. À medida que, em qualquer
país, os capitais aumentam, os lucros que podem ser obtidos com sua
aplicação obrigatoriamente diminuem. Aos poucos, fica cada vez mais
difícil encontrar dentro do país um método rentável para se aplicar um
novo capital qualquer. Cria-se, como consequência, uma competição
entre diferentes capitais: o titular de um certo emprego do capital busca
ser titular do que é ocupado por outros. Mas, na maioria das vezes, ele
pode apenas esperar ter conseguido afastar o outro de uma certa
aplicação, negociando por meio de termos mais razoáveis. Além de
precisar vender seus produtos a preços um pouco mais baratos, o
comerciante deverá, por vezes, comprá-los a preços mais altos caso os
queira ter para a venda. A demanda por trabalho produtivo, por meio do
aumento dos recursos destinados ao sustento deles, está cada dia maior.
Os trabalhadores encontram emprego rapidamente, mas os titulares dos
capitais acham difícil encontrar trabalhadores para empregar. Essa
competição causa o aumento dos salários do trabalho e a diminuição dos
lucros do capital. Mas quando os lucros que podem ser obtidos pela
aplicação do capital ficam diminuídos, por assim dizer, em ambas as
extremidades, o preço que pode ser pago pelo uso dele, isto é, a taxa de
juros, cai obrigatoriamente junto com eles.324
Os senhores Locke, Law e Montesquieu,325 assim como muitos outros
autores, parecem ter imaginado que a verdadeira causa da redução da
taxa de juros na maior parte da Europa fosse o aumento da quantidade de
ouro e prata, em consequência da descoberta das Índias Ocidentais
espanholas. Aqueles metais, dizem, perderam seu valor e, assim, o uso de
quaisquer parcelas específicas deles também foi perdido e,
consequentemente, o preço que se poderia pagar por eles. Essa ideia, que
à primeira vista parece tão plausível, foi rebatida de forma tão plena pelo
senhor Hume que talvez seja desnecessário falar mais sobre o tema.326 A
seguir descrevo um argumento muito claro e curto, que entretanto pode
servir para explicar mais distintamente a falácia que parece ter levado
aqueles senhores ao engano.
Antes da descoberta das Índias Ocidentais espanholas, parece que a
taxa de juros comum em toda a Europa era de 10%. Desde então, ela
passou a diminuir em diferentes países para 6%, 5%, 4% e 3%.
Suponhamos que, em todos os países, o valor da prata tenha caído
precisamente na mesma proporção que a taxa de juros; e que, por
exemplo, nos países em que os juros foram reduzidos de 10% para 5%, a
mesma quantidade de prata é agora capaz de comprar apenas metade da
quantidade de bens que comprava anteriormente. Creio que essa
suposição não condiz com a verdade, mas é a mais favorável para o
argumento que examinaremos; e, mesmo com base nessa suposição, é
absolutamente impossível que a redução do valor da prata possa sugerir
qualquer tendência de diminuição da taxa de juros. Se, em tais países,
100 libras não valem hoje as 50 libras que valiam anteriormente, 10 libras
não valerão hoje mais do que as 5 libras que valiam até então.
Independentemente das causas que reduziram o valor do capital, elas
devem obrigatoriamente ter reduzido o valor dos juros, e exatamente na
mesma proporção. Embora a taxa nunca tenha sido alterada, a proporção
entre o valor do capital e o dos juros deve ter se mantido igual. Ao ser
alterada a taxa, pelo contrário, a proporção entre esses dois valores fica
necessariamente alterada. Se 100 libras não valem hoje as 50 que valiam
anteriormente, 5 libras podem hoje não valer mais que as 2 libras e 10
xelins que então valiam. Ao reduzir a taxa de juros, portanto, de 10%
para 5%, damos à aplicação do capital que supostamente vale hoje
metade de seu valor original juros iguais a somente um quarto do que
antes valiam.
Qualquer aumento na quantidade de prata — se a quantidade de
mercadorias que circulam por meio dela fosse mantida igual — não
poderia ter outro efeito senão diminuir o valor desse metal. O valor
nominal de todos os bens seria maior, mas seu valor real seria
exatamente o mesmo que antes. Eles seriam trocados por um maior
número de moedas de prata; mas a quantidade de trabalho que poderiam
comandar, o número de pessoas que poderiam sustentar e empregar,
seria exatamente o mesmo. O capital do país não seria modificado,
embora talvez houvesse a necessidade da circulação de um maior
número de moedas para transferir qualquer porção igual de uma mão
para outra. Os documentos legais de transferência preparados por um
advogado verborrágico seriam mais complicados, mas a coisa cedida
seria precisamente a mesma de antes e, é claro, somente poderia produzir
os mesmos efeitos. Já que os fundos para sustentar o trabalho produtivo
são os mesmos, a demanda por ele também seria a mesma. Seu preço ou
salários, portanto, embora nominalmente maior, seriam os mesmos em
valores reais. Eles seriam pagos em um maior número de moedas de
prata, mas poderiam comprar somente a mesma quantidade de bens. Os
valores real e nominal dos lucros do capital seriam os mesmos. Os
salários do trabalho são computados geralmente pela quantidade de prata
que é paga ao trabalhador. Quando isso é aumentado, seus salários
parecem ser consequentemente aumentados, embora possam às vezes
não ser maiores do que antes. Mas os lucros do capital não são
computados pelo número de moedas de prata com que são pagos, mas
pela proporção dessas moedas em relação ao capital total aplicado.
Assim, em um país específico, 5 xelins por semana são vistos como o
salário normal do trabalho, e 10%, os lucros normais do capital. Mas se o
capital total do país permanecesse igual, a concorrência entre os
diferentes capitais (resultantes da divisão do capital total) dos indivíduos
também seria a mesma. Todos eles negociariam com as mesmas
vantagens e desvantagens. A proporção normal entre o capital e o lucro,
portanto, seria a mesma, e, consequentemente, também os juros normais
do dinheiro, pois aquilo que geralmente se paga pelo uso do dinheiro é
regulado obrigatoriamente pelo que, em geral, se pode normalmente
fazer com seu uso.
Qualquer aumento da quantidade de mercadorias que realmente
circulam anualmente dentro do país, se o dinheiro que as faz circular
permanece o mesmo, produziria, pelo contrário, muitos outros efeitos
importantes, além de elevar o valor do dinheiro. O capital do país,
embora fosse nominalmente o mesmo, poderia ter sofrido um aumento
real. Ele poderia continuar a ser designado pela mesma quantidade de
dinheiro, mas controlaria uma quantidade maior de trabalho. A
quantidade de trabalho produtivo que poderia sustentar e empregar seria
aumentada, o que, da mesma maneira, faria aumentar a demanda para
esse trabalho. Seus salários se elevariam naturalmente com a demanda e,
mesmo assim, pareceriam estar em declínio. Seria possível pagá-los com
uma quantidade menor de dinheiro, mas essa quantidade menor poderia
comprar mais bens do que a quantidade maior podia anteriormente.
Os lucros do capital seriam diminuídos na aparência e na realidade.
Ao aumentar o capital total do país, a concorrência entre os diferentes
capitais que compõem a quantidade total seria naturalmente aumentada
junto com ele. Os titulares desses capitais particulares seriam obrigados a
se contentar com uma proporção menor do produto desse trabalho
empregado por seus respectivos capitais. Os juros do dinheiro, mantendo
sempre o mesmo passo dos lucros do capital, podem, assim, ficar
extremamente diminuídos, embora o valor do dinheiro, ou a quantidade
de bens que uma soma específica consiga comprar, fique extremamente
aumentado.
Em alguns países, os juros sobre o dinheiro foram proibidos por lei.
Mas, tendo em vista que, em qualquer lugar, é possível ganhar algo com a
aplicação do dinheiro, então algo deve sempre ser pago por sua
utilização. A experiência nos mostra que essa regra jurídica, em vez de
impedir, aumenta o mal da usura; o devedor fica obrigado não apenas a
pagar pela utilização do dinheiro, mas também a pagar o risco que o
credor corre ao aceitar um pagamento em troca desse uso do dinheiro.
Podemos dizer que ele é obrigado a fornecer um seguro a seu credor
contra as penalidades da usura.
Nos países em que os juros são permitidos, a lei, a fim impedir a
extorsão da usura, costuma fixar a taxa máxima que pode ser praticada
sem penalidade. Essa taxa deve estar sempre um pouco acima do preço
mínimo de mercado ou do preço que é comumente pago pela aplicação
do dinheiro por aqueles que podem oferecer a mais alta segurança. Se a
taxa legal for fixada abaixo da taxa mínima de mercado, os efeitos dessa
fixação devem ser quase os mesmos que aqueles da proibição total dos
juros. O credor não emprestará seu dinheiro por menos do que vale o seu
uso e o devedor lhe deverá pagar pelo risco que ele corre ao aceitar o
valor total dessa utilização. Se a taxa for exatamente igual ao preço
mínimo de mercado, então ela arruinará, junto com o crédito das pessoas
honestas que respeitam as leis de seu país, o crédito de todos aqueles que
não podem oferecer a melhor segurança, e os obrigará a recorrer à
exorbitância da usura. Desse modo, em um país como a Grã-Bretanha,
em que o dinheiro é emprestado ao governo a 3% e às pessoas privadas
possuidoras de garantia a 4% ou 4,5%, para as pessoas privadas
possuidoras de garantia, então, a taxa atual legal de 5% talvez seja
bastante adequada.
É importante observar que, embora a taxa legal deva estar um pouco
acima da taxa mínima de mercado, ela não deve estar muito acima desse
valor. Se a taxa legal de juros da Grã-Bretanha, por exemplo, fosse fixada
em 8% ou 10%, a maior parte do dinheiro reservado para ser emprestado
seria emprestada aos pródigos e empresários aventureiros, pois seriam os
únicos dispostos a aceitar juros tão altos. As pessoas mais prudentes, que
pagam pelo uso do dinheiro não mais que uma parte do valor que
acreditam ser possível obter pelo uso dele, não entrariam em tal tipo de
aventura. Uma grande parte do capital do país seria, assim, mantida
longe das mãos daquelas pessoas com maior chance de utilizar o dinheiro
de forma rentável e vantajosa, e seria entregue às pessoas com maior
chance de desperdiçá-lo e destruí-lo. Ao contrário, sempre que a taxa
legal de juros for fixada apenas um pouco acima da taxa mínima de
mercado, as pessoas mais prudentes serão universalmente preferidas
como tomadoras de empréstimos, enquanto os pródigos e empresários
aventureiros serão preteridos. A pessoa que empresta dinheiro recebe
quase o mesmo valor em juros dos primeiros quanto se arrisca a obter
dos segundos, e seu dinheiro está muito mais seguro quando se encontra
nas mãos do primeiro grupo de pessoas do que nas do segundo grupo.
Grande parte do capital do país é, dessa forma, entregue às pessoas com
maior chance de empregá-lo com vantagem.
Nenhuma lei é capaz de reduzir a taxa normal de juros a um valor
abaixo da taxa mínima de mercado no momento em que a lei é
promulgada. Não obstante o decreto de 1766, por meio do qual o rei da
França tentou reduzir a taxa de juros de 5% para 4%, o dinheiro
continuou a ser emprestado a 5% na França; e, assim, a lei deixou de ser
cumprida de várias maneiras.
Devemos observar que, em todos os lugares, o preço normal de
mercado da terra depende da taxa de juros de mercado normal. O titular
de um capital que deseja obter receitas dele sem se dar ao trabalho de
utilizá-lo irá deliberar consigo mesmo se é melhor comprar terras ou
emprestar a juros. A maior segurança das terras, juntamente com
algumas outras vantagens que, em quase todos os lugares, assistem essa
espécie de propriedade, geralmente levam o titular a contentar-se com a
menor renda proporcionada, em vez de arriscar-se no que poderia obter
caso emprestasse seu dinheiro a juros. Essas vantagens são suficientes
para compensar uma certa diferença de rendimentos; mas elas apenas
compensam uma certa diferença e nada mais; assim, se a renda da terra
ficasse aquém dos juros do dinheiro por uma diferença maior, ninguém
compraria terras, reduzindo rapidamente o preço normal delas. Caso
contrário, se as vantagens mais do que compensassem a diferença, todo
mundo compraria terras, elevando rapidamente seu preço normal.
Quando os juros estavam em 10%, a terra era geralmente vendida pelo
valor de 10 a 12 anos de rendas. Com a queda dos juros para 5% e 4%, o
preço da terra subiu para 20 e 25 anos de rendas. A taxa de juros de
mercado é mais elevada na França do que na Inglaterra; e o preço normal
das terras é menor. Na Inglaterra, as terras são geralmente vendidas pelo
valor de 30 anos de rendas; na França, por 20 anos.
CAPÍTULO V
OS DIFERENTES EMPREGOS DO CAPITAL
Embora todos os capitais sejam destinados somente à manutenção do
trabalho produtivo, a quantidade de trabalho que capitais iguais são
capazes de pôr em movimento varia extremamente de acordo com a
diversidade de seus empregos; o mesmo vale para o valor que esse
emprego adiciona ao produto anual da terra e do trabalho do país.
Um capital pode ser empregado de quatro formas diferentes:
primeiro, para obter o produto bruto necessário anualmente para o uso e
o consumo da sociedade; segundo, para manufaturar e preparar o
produto bruto para uso e consumo imediato; terceiro, para transportar o
produto bruto ou os produtos manufaturados dos locais em que são
abundantes para os locais onde estão em falta; e, por último, para dividir
porções particulares desse produto em pequenas parcelas específicas que
se adéquem às suas demandas ocasionais. Na primeira forma são
aplicados os capitais de todos aqueles que empreendem a melhoria ou o
cultivo de terras, minas ou pesqueiros; na segunda, os capitais de todos
os donos de manufaturas; na terceira, os de todos os comerciantes
atacadistas; e, na quarta, os de todos os varejistas. É difícil conceber uma
forma de uso do capital que não se encaixe em umas dessas quatro
classificações.
Cada uma dessas quatro formas de emprego do capital é
essencialmente necessária para a existência ou para a extensão dos outros
três ou para a conveniência geral da sociedade.
Caso não seja empregado um capital para o fornecimento de certa
quantidade abundante de produtos brutos, nem a manufatura nem
qualquer tipo de comércio poderá existir.
Caso não seja aplicado um capital para a manufatura daquela parte
do produto bruto que exige muito preparo para que possa ser usada e
consumida, os bens nunca poderão ser produzidos, pois não existirá
demanda por eles; ou, caso sejam produzidos espontaneamente, não
terão nenhum valor de troca e nada acrescentarão à riqueza da
sociedade.
Caso não seja aplicado um capital para o transporte do produto bruto
ou dos produtos manufaturados para transferi-los dos locais onde são
abundantes para os locais em que são demandados, somente será possível
produzir a quantidade necessária para o consumo da vizinhança. O
capital do comerciante serve para trocar o produto excedente de uma
localidade pelo de outra e, desse modo, é capaz de estimular a indústria e
de aumentar o bem-estar de ambas as localidades.
Caso não seja aplicado um capital para separar e dividir determinadas
porções dos produtos brutos ou manufaturados em pequenas porções
específicas que se adéquem às demandas ocasionais daqueles que querem
esses produtos, cada pessoa será obrigada a comprar quantidades de bens
superiores àquelas ditadas por suas necessidades imediatas. Se não
existisse o açougueiro, por exemplo, cada um de nós se veria obrigado a
comprar um boi ou uma ovelha inteira. Isso seria, em geral,
inconveniente para os ricos e muito mais para os pobres. Se um
trabalhador pobre fosse obrigado a comprar as provisões de um ou seis
meses por vez, ele seria forçado a transferir uma grande parcela dos
fundos que emprega como capital — seja nos instrumentos de sua
atividade ou no mobiliário de sua oficina, e que lhe proporcionam um
rendimento — para a parte de seus fundos reservados para o consumo
imediato, a qual não lhe proporciona nenhum rendimento. Para alguém
em tais condições, nada é mais conveniente do que poder prover sua
subsistência por meio de compras diárias ou mesmo realizando-as mais
de uma vez por dia, conforme for melhor. Desse modo pode empregar
quase todos os seus fundos (stock) como um capital (capital). E, além
disso, consegue fornecer trabalho de um valor maior, e o lucro que
obteria dessa maneira mais do que compensa o preço adicional que o
lucro do varejista impõe às mercadorias. O preconceito de alguns autores
políticos contra os lojistas e os comerciantes não tem fundamento algum.
A ideia de tributá-los ou restringir o número de pessoas que exercem
essas profissões para que não se multipliquem demais e causem danos ao
público é algo muito distante, pois, na verdade, é mais fácil que causem
danos entre si caso tal multiplicação venha a ocorrer. A quantidade de
gêneros alimentícios, por exemplo, que pode ser vendida em
determinada cidade está limitada pela demanda do local e de sua
vizinhança. O capital que pode ser empregado no comércio de alimentos,
portanto, não pode exceder aquilo que é suficiente para comprar essa
quantidade. Se esse capital estiver dividido entre dois comerciantes
distintos, a competição entre eles tenderá a fazer com que ambos vendam
a preços mais baixos do que se ele estivesse nas mãos de apenas um deles;
e, se fosse dividido entre vinte, a competição seria proporcionalmente
maior e a possibilidade de se unirem para elevar o preço,
proporcionalmente menor. Essa competição talvez leve alguns deles à
falência; mas esse assunto diz respeito apenas às partes envolvidas e pode
ser deixado com segurança à discrição delas. Ela nunca deve causar
danos ao consumidor nem ao produtor; pelo contrário, a competição
tenderá a fazer com que os varejistas vendam mais barato e comprem
mais caro do que se todo o comércio fosse monopolizado por uma ou
duas pessoas. Às vezes, alguns deles talvez possam enganar um cliente
mais ingênuo, fazendo-o comprar algo de que não necessita. Esse mal, no
entanto, é de pouca importância para merecer a atenção pública, e nem
seria necessariamente resolvido pela restrição da quantidade de seus
comerciantes. Ofereçamos o exemplo mais suspeito: não é o grande
número de tavernas que dispõe as pessoas comuns à embriaguez; mas
essa disposição decorrente de outras causas, necessariamente, ocasiona a
multiplicação de muitas tavernas.
Os indivíduos cujos capitais são empregados de qualquer uma dessas
quatro maneiras são trabalhadores produtivos. Quando devidamente
orientado, seu trabalho se fixa e se materializa no objeto ou na
mercadoria comercializável sobre a qual é aplicado e, geralmente,
adiciona ao seu preço o valor de seu próprio sustento e consumo. Os
lucros do agricultor, do fabricante, do comerciante e do varejista são
todos extraídos do preço dos bens que os dois primeiros produzem e os
dois últimos compram e revendem. Capitais iguais, entretanto,
empregados em cada uma das quatro formas colocarão imediatamente
em movimento quantidades muito diferentes de trabalho produtivo e,
também, causarão o aumento — em proporções muito diferentes — do
valor do produto anual da terra e do trabalho da sociedade a que
pertencem.
O capital do varejista repõe com seus lucros o capital do comerciante
de quem compra os bens, permitindo-lhe, assim, continuar os seus
negócios. O próprio varejista é o único trabalhador produtivo
imediatamente empregado pelo capital. Seus lucros constituem o valor
total que seu emprego adiciona ao produto anual da terra e do trabalho
da sociedade.
O capital do atacadista repõe, juntamente com seus lucros, os capitais
dos agricultores e fabricantes de quem compra matérias-primas e
produtos manufaturados que serão revendidos por ele, e, assim, permite-
lhes dar continuidade aos seus respectivos negócios. É principalmente
por esse serviço que ele contribui, indiretamente, tanto para a
manutenção do trabalho produtivo da sociedade quanto para aumentar o
valor do produto anual dessa mesma sociedade. Seu capital também
emprega marinheiros e carregadores que transportam seus bens de um
lugar para outro, aumentando o preço dessas mercadorias pelo valor de
seus lucros e dos salários deles. Esse é todo o trabalho produtivo que ele
coloca imediatamente em movimento e, também, todo o valor que ele
adiciona imediatamente ao produto anual. Em ambos os aspectos, a
operação do capital do atacadista é bastante superior à do capital do
varejista.
Parte do capital do mestre-manufatureiro é empregada como um
capital fixo nos instrumentos de seu comércio, e repõe, junto com seus
lucros, o capital de algum outro artesão de quem os compra. Parte de seu
capital circulante é empregada na compra de matérias-primas, e repõe,
com seus lucros, os capitais dos agricultores e mineiros de quem ele as
compra. Mas a maior parte desse capital é sempre, seja anualmente, seja
em um período muito mais curto, distribuída entre os diferentes
trabalhadores a quem emprega. Ao valor da matéria-prima, essa parte
acrescenta o salário dos trabalhadores e o lucro do fabricante sobre todo
o capital dos salários, das matérias-primas e dos instrumentos comerciais
utilizados nos negócios. E coloca imediatamente em movimento,
portanto, uma quantidade muito maior de trabalho produtivo, e
acrescenta um valor muito maior ao produto anual da terra e do trabalho
da sociedade do que um capital igual nas mãos de qualquer comerciante
atacadista.
Não há capital igual que coloque em movimento uma maior
quantidade de trabalho produtivo que o do agricultor. Não só seus
trabalhadores são produtivos, mas também o gado utilizado na
agricultura. Na agricultura, a natureza também trabalha ao lado do ser
humano; e embora seu trabalho nada custe, seu produto possui valor,
assim como o dos trabalhadores mais caros. As operações mais
importantes da agricultura parecem dirigidas não tanto a aumentar
(embora também façam isso), mas a dirigir a fertilidade da natureza para
a produção de plantas mais úteis para o ser humano. Um campo coberto
de plantas espinhentas costuma produzir uma quantidade tão grande de
vegetais como os melhores vinhedos ou os campos de cereais cultivados.
O plantio e o cultivo costumam mais regular do que estimular a
fertilidade ativa da natureza; e, após a realização dessa tarefa, a maior
parte do trabalho ainda deve ser realizada pela natureza. Os
trabalhadores e o gado utilizados na agricultura — como os
trabalhadores na manufatura — não só repõem um valor igual ao seu
próprio consumo ou ao capital que os emprega, juntamente com os
lucros de seus proprietários, mas também criam um valor muito maior
que esse. Além do capital do agricultor e de todos os seus lucros, eles
costumam repor a renda dos proprietários da terra. Essa renda pode ser
considerada como o produto das forças da natureza cujo uso o
proprietário da terra empresta ao agricultor. Será maior ou menor de
acordo com a suposta extensão dessa força ou, em outras palavras, de
acordo com a suposta fertilidade natural ou aprimorada da terra. Após
deduzirmos ou compensarmos tudo o que pode ser considerado como
trabalho humano, o que resta é o trabalho da natureza. Raramente é
menos que um quarto e, frequentemente, mais que um terço do produto
total. Não há quantidade igual de trabalho produtivo empregado na
manufatura que seja capaz de gerar uma reprodução tão grande. Na
manufatura, a natureza não faz nada. O homem faz tudo. Assim, a
reprodução será sempre proporcional à força dos agentes que a geram. O
capital empregado na agricultura, portanto, não só coloca em movimento
uma quantidade de trabalho produtivo maior do que qualquer capital
igual empregado nas manufaturas, mas, em proporção também à
quantidade de trabalho produtivo que emprega, adiciona um valor muito
maior ao produto anual da terra e do trabalho do país, às verdadeiras
riquezas e aos rendimentos de seus habitantes. De todas as formas nas
quais o capital pode ser investido, esta é de longe a mais vantajosa para a
sociedade.
Os capitais aplicados na agricultura e no comércio varejista de toda a
sociedade devem sempre fazer parte dessa sociedade, isto é, residir nela.
A aplicação desses capitais confina-se a locais quase precisos: a fazenda e
a loja do varejista. Embora haja algumas exceções, eles também devem,
em geral, pertencer a membros residentes dessa mesma sociedade.
O capital de um comerciante atacadista, pelo contrário, parece não ter
residência fixa ou necessária em qualquer lugar, mas pode vaguear de um
lugar para outro de acordo como a possibilidade de comprar barato ou
vender caro.
O capital do produtor manufatureiro deve, sem dúvida, residir no
local em que ocorre a manufatura; mas seu local preciso não está
necessariamente determinado. Pode muitas vezes estar a uma grande
distância do local de extração das matérias-primas ou do local em que a
manufatura completa é consumida. Lyon está muito distante tanto das
fontes de matérias-primas de sua manufatura quanto de seus
consumidores. As pessoas elegantes da Sicília são vestidas com as sedas
manufaturadas em outros países, mas com a matéria-prima produzida
em seu próprio território. Parte da lã da Espanha é manufaturada na Grã-
Bretanha, e alguma parte desses tecidos é depois reenviada para a
Espanha.
É de muito pouca importância saber se o comerciante cujo capital
exporta o produto excedente de qualquer sociedade é nativo ou
estrangeiro. Se é um estrangeiro, o número de seus trabalhadores
produtivos é necessariamente menor do que seria o de um nativo
somente por uma pessoa; e o valor de seu produto anual, pelos lucros
dessa única pessoa. Da mesma forma como seria realizado por um
comerciante nativo, os marinheiros ou transportadores empregados
podem também pertencer indiferentemente ao seu país ou ao país deles,
ou a algum outro país. O capital de um estrangeiro confere valor ao
produto excedente da mesma forma que o de um nativo, pois este será
intercambiado por algo que possua uma demanda interna. Com a mesma
efetividade, ele repõe o capital da pessoa que produz esse excedente e lhe
permite dar continuidade aos seus negócios: o serviço pelo qual o capital
de um comerciante atacadista oferece sua principal contribuição para a
manutenção do trabalho produtivo e para o aumento do valor do
produto anual da sociedade a que pertence.
É mais importante que o capital do produtor manufatureiro
mantenha-se dentro do país. Ele necessariamente coloca em movimento
uma maior quantidade de trabalho produtivo e adiciona um maior valor
ao produto anual da terra e do trabalho da sociedade. No entanto, esse
capital pode ser muito útil para o país mesmo se não estiver em seu
território. Os capitais dos fabricantes britânicos que manufaturam o linho
e o cânhamo importados anualmente das costas do Báltico são
certamente muito úteis aos países que os produzem. Essas matérias-
primas fazem parte do produto excedente dos países e, a menos que
fossem trocados anualmente por algo em falta nesses países, o produto
não teria nenhum valor e logo deixaria de ser produzido. Os
comerciantes que os exportam repõem os capitais das pessoas que os
produzem e, assim, as incentivam a continuar sua produção; e os
fabricantes britânicos repõem os capitais desses comerciantes.
Um determinado país, da mesma forma que um indivíduo, pode não
ter capital suficiente para aprimorar e cultivar todas as suas terras, para
fabricar e elaborar toda a sua matéria-prima para uso e consumo
imediatos e para transportar a parte excedente de suas matérias-primas
ou produtos manufaturados para aqueles mercados distantes onde
podem ser trocados por algo em falta domesticamente. Os habitantes de
muitas partes diferentes da Grã-Bretanha não têm capital suficiente para
aprimorar e cultivar todas as suas terras. Uma grande parte da lã dos
condados do sul da Escócia, após uma longa jornada terrestre por
estradas muito ruins, é manufaturada em Yorkshire; isso ocorre pela falta
de capital para manufaturá-la localmente. Há muitas pequenas cidades
manufatureiras na Grã-Bretanha onde seus habitantes não têm capital
suficiente para transportar os produtos de sua indústria para aqueles
mercados distantes onde há demanda e consumo para eles. Quando
existem comerciantes entre eles, estes são apenas agentes de comerciantes
mais ricos que residem em algumas das maiores cidades comerciais.
Quando o capital de qualquer país não é suficiente para todos esses
três propósitos, quanto maior for a parcela do capital empregada na
agricultura, maior será a quantidade de trabalho produtivo que é
colocada em movimento dentro do país; o mesmo vale para o valor que
sua aplicação adicionará ao produto anual da terra e do trabalho da
sociedade. Depois da agricultura, o capital que coloca em movimento a
maior quantidade de trabalho produtivo e adiciona o maior valor ao
produto anual é aquele aplicado na manufatura. Dos três, o capital
aplicado no comércio de exportação é o que causa menor efeito.
O país, de fato, que não tem capital suficiente para todos esses três
propósitos ainda não atingiu o grau de riqueza para o qual parece
naturalmente destinado. No entanto, tentar realizar todos os três
propósitos prematuramente e com um capital insuficiente certamente
não é o caminho mais curto para que uma sociedade adquira capital
suficiente, da mesma forma como não o é para o indivíduo. O capital de
todos os indivíduos de uma nação tem limites da mesma maneira que o
capital de um único indivíduo e, então, é capaz de realizar somente
alguns propósitos. O capital de todos os indivíduos de uma nação é
aumentado da mesma forma que a de um único indivíduo, isto é, ao ser
acumulado de forma contínua, adicionando-lhe tudo o que for possível
economizar com seus rendimentos. Mas é possível que aumente de forma
mais rápida quando é aplicado de forma que gere o maior rendimento
para todos os habitantes do país, pois somente assim eles poderão ter
economias maiores. Mas o rendimento de todos os habitantes do país é
necessariamente proporcional ao valor do produto anual de suas terras e
do trabalho.
Quase todo o capital de nossas colônias americanas foi empregado até
hoje na agricultura, e esse fato é a principal causa de seu rápido progresso
rumo à riqueza e à grandeza. Excetuando-se as manufaturas domésticas e
mais grosseiras que obrigatoriamente acompanham o progresso da
agricultura e que constituem o trabalho das mulheres e das crianças em
todas as famílias, as colônias não possuem manufaturas. A maior parte
tanto do comércio de exportação quanto do costeiro da América é
realizada por meio do capital de comerciantes que residem na Grã-
Bretanha. Até mesmo muitas lojas e armazéns que vendem mercadorias
no varejo em algumas províncias, especialmente na Virgínia e em
Maryland, pertencem a comerciantes que residem na metrópole; este é
um dos poucos exemplos de comércio varejista de uma sociedade levado
a cabo pelo capital de pessoas que não residem no local do comércio.
Caso os americanos — fosse por acordo entre si ou fosse por qualquer
outro tipo de coerção — deixassem de importar as manufaturas da
Europa e entregassem o monopólio desses produtos para os seus próprios
compatriotas que fossem capazes de manufaturar bens similares,
desviando, assim, uma boa parte de seu capital para este emprego, eles
não causariam a aceleração, mas o retardamento de um maior
crescimento no valor de seu produto anual, e não promoveriam, mas
imporiam obstáculos ao progresso de seu país rumo às verdadeiras
riquezas e à grandeza. Isso se daria em grau ainda maior se tentassem, da
mesma forma, monopolizar para elas mesmas todo o seu comércio de
exportação.
A prosperidade humana, certamente, parece quase nunca ter se
mantido de forma contínua por um tempo que permitisse que qualquer
grande país adquirisse o capital suficiente para todos aqueles três
propósitos; salvo, talvez, se dermos crédito aos relatos maravilhosos sobre
a riqueza e o cultivo na China, aos do Egito Antigo e aos do Hindustão.
Mesmo aqueles três países, os mais ricos, de acordo com todos os relatos,
que já existiram no mundo, são conhecidos principalmente por sua
superioridade na agricultura e na manufatura. Não parecem ter sido
eminentes por seu comércio exterior. Os antigos egípcios tinham uma
antipatia supersticiosa em relação ao mar; uma superstição quase do
mesmo tipo prevalece entre os indianos; e os chineses nunca se
destacaram em seu comércio externo. A maior parte do produto
excedente de todos os três países parece ter sido sempre exportada por
estrangeiros, que em troca dela entregavam algum produto que ali era
demandado, geralmente o ouro e a prata.
Desse modo, portanto, o mesmo capital de um país movimentará
uma maior ou menor quantidade de trabalho produtivo e acrescentará
um maior ou menor valor ao produto anual de sua terra e do trabalho de
acordo com as diferentes proporções em que ele é empregado na
agricultura, manufatura e comércio atacadista. A diferença também é
muito grande, de acordo com os diferentes tipos de comércio atacadista
nos quais é aplicado uma parte qualquer desse capital.
Todo o comércio atacadista, toda compra que tenha a revenda por
atacado como objetivo, pode ser reduzido a três tipos: o comércio
doméstico, o comércio externo para o consumo e o comércio de
transporte. O doméstico abarca a compra do produto do trabalho
realizada em uma região do país e revendida em outra região do mesmo
país. Compreende o comércio interno e o costeiro. O externo para o
consumo é a compra de bens estrangeiros para o consumo doméstico. O
comércio de transporte é utilizado para a realização do comércio com
países estrangeiros, ou para levar o produto excedente de um país a
outro.
O capital empregado para comprar o produto do trabalho de uma
região do país a fim de revendê-lo em outra costuma repor em cada uma
dessas operações dois capitais distintos que haviam sido aplicados na
agricultura ou nas manufaturas desse país, permitindo que esses setores
continuem realizando o mesmo tipo de aplicação. Quando esse comércio
envia da residência do negociante um determinado valor em
mercadorias, geralmente traz de volta, ao menos, um valor igual em
outras mercadorias. E, quando ambos os tipos de mercadoria são
produtos da indústria doméstica, daí obrigatoriamente são repostos em
cada operação os dois capitais distintos que haviam sido empregados
para a manutenção do trabalho produtivo, e isso lhes permite continuar
essa manutenção. O capital que envia as manufaturas escocesas para
Londres e, depois, leva os cereais e as manufaturas inglesas para
Edimburgo repõe obrigatoriamente em cada operação os dois capitais
britânicos que foram empregados na agricultura ou nas manufaturas da
Grã-Bretanha.
O capital empregado na compra de bens estrangeiros para o consumo
doméstico, quando essa compra é realizada com produtos da indústria
doméstica, também repõe em cada operação dois capitais distintos, mas
um deles apenas é utilizado para o sustento da indústria doméstica. O
capital que envia bens britânicos a Portugal e traz bens portugueses para
a Grã-Bretanha repõe, em cada operação, somente um capital britânico.
O outro capital reposto é português. Assim, embora os retornos do
comércio externo para o consumo sejam tão rápidos quanto aqueles do
comércio doméstico, o capital empregado nele oferecerá apenas metade
do incentivo à indústria ou ao trabalho produtivo do país.
Mas apenas muito raramente os rendimentos do comércio externo
para o consumo são tão rápidos quanto aqueles do comércio doméstico.
Os rendimentos do comércio doméstico são geralmente obtidos antes do
fim do ano, e às vezes três ou quatro vezes ao ano. Os rendimentos do
comércio externo para o consumo raramente ocorrem antes do fim do
ano e, às vezes, apenas depois de dois ou três anos. Desse modo, um
capital empregado no mercado doméstico às vezes realizará doze
operações, isto é, será aplicado e retornará doze vezes antes que o capital
empregado no comércio externo para o consumo tenha um único
rendimento. Se os capitais forem iguais, portanto, o capital aplicado no
comércio doméstico oferecerá 24 vezes mais incentivo e apoio à indústria
do país do que o outro.
Os bens estrangeiros para o consumo doméstico podem às vezes ser
comprados com alguns outros bens estrangeiros em vez de utilizar o
produto da indústria doméstica para tal fim. Os bens estrangeiros,
entretanto, devem ter sido comprados ou imediatamente por meio do
produto da indústria doméstica ou de outras mercadorias que tenham
sido compradas com eles; excetuando-se os casos da guerra e da
conquista, os bens estrangeiros só podem ser adquiridos em troca de algo
que tenha sido produzido domesticamente, ou imediatamente ou após
duas ou mais trocas diferentes. Portanto, um capital empregado no
comércio externo para o consumo por meio dessas transações indiretas
possui, em todos os aspectos, os mesmos efeitos do capital empregado no
comércio mais direto do mesmo tipo, exceto que os retornos podem ficar
muito mais distantes, pois dependem dos retornos de duas ou três
transações estrangeiras distintas. Se o linho e o cânhamo de Riga são
comprados com o tabaco da Virgínia, o qual foi comprado com
manufaturas britânicas, o comerciante deve esperar os retornos de duas
transações estrangeiras distintas antes de poder empregar o mesmo
capital para recomprar uma quantidade semelhante de manufaturas
britânicas. Se o tabaco da Virgínia não tivesse sido comprado com as
manufaturas britânicas, mas com o açúcar e o rum da Jamaica que
tinham sido comprados com aquelas manufaturas, ele, então, deveria
esperar pelos retornos de três transações. Se essas duas ou três transações
estrangeiras distintas fossem realizadas por dois ou três comerciantes
distintos, dos quais o segundo compra os bens importados pelo primeiro
e o terceiro compra os bens importados pelo segundo para exportá-los
novamente, cada comerciante, de fato, nesse caso, receberia mais
rapidamente os retornos de seu próprio capital; mas os retornos finais do
capital total empregado no comércio terão a mesma lentidão de sempre.
Não faz nenhuma diferença ao país que o capital total empregado nesse
comércio indireto pertença a um ou a três comerciantes, embora possa
fazer diferença aos comerciantes. Nos dois casos, para que se possa
realizar a troca de determinado valor de manufaturas britânicas por uma
quantidade específica de linho e de cânhamo, será preciso aplicar um
capital três vezes maior do que seria necessário se as manufaturas, de um
lado, e o linho e o cânhamo, do outro, tivessem sido trocados
diretamente uns pelos outros. O capital total empregado, portanto, nessa
forma indireta de comércio externo para o consumo geralmente
oferecerá menos incentivo e apoio ao trabalho produtivo do país do que
um capital igual empregado em um comércio mais direto do mesmo tipo.
Seja qual for a mercadoria estrangeira utilizada para comprar os bens
estrangeiros para o consumo doméstico, ela não pode gerar nenhuma
diferença essencial nem na natureza da transação nem no incentivo e no
sustento que dá ao trabalho produtivo do país em que ocorre. Por
exemplo, sejam as mercadorias compradas com o ouro do Brasil ou com
a prata do Peru, esse ouro e essa prata, assim como o tabaco da Virgínia,
devem ter sido comprados ou com um produto da indústria do país ou
com outra coisa comprada com esse produto. Portanto, no que diz
respeito ao trabalho produtivo do país, o comércio externo para o
consumo que é realizado com o ouro e a prata tem todas as vantagens e
todas as inconveniências de qualquer outro comércio externo para o
consumo realizado de forma indireta, e irá repor com a mesma rapidez
ou lentidão o capital que é imediatamente empregado para a manutenção
do trabalho produtivo. Parece, mesmo, que o comércio que utiliza a prata
e o ouro possui uma vantagem sobre o comércio exterior indireto. O
transporte desses metais de um lugar para outro, por causa de seu
pequeno volume e grande valor, é menos dispendioso do que o
transporte de quase todos os outros bens estrangeiros de igual valor. O
frete é mais barato e o seguro não é mais caro; não há outro produto,
além disso, menos suscetível de sofrer danos pelo transporte que os
metais. Como consequência, a utilização do ouro e da prata (em vez de
outros produtos estrangeiros) permite que uma quantidade igual de bens
estrangeiros seja comprada com uma quantidade menor de produtos da
indústria nacional. A demanda do país pode, com frequência, estar mais
plenamente suprida dessa maneira e com despesas menores do que de
qualquer outra forma. Mais à frente terei a oportunidade de examinar de
forma mais detalhada se esse tipo de comércio contribui ou não para o
empobrecimento do país que o realiza devido à exportação contínua
desses metais.
A porção do capital que um país qualquer emprega no comércio de
transportes é, em sua integralidade, retirada do sustento do trabalho
produtivo desse país e transferida para o sustento do trabalho produtivo
de países estrangeiros. Embora seja capaz de repor dois capitais distintos
em cada operação, nenhum deles pertencerá ao primeiro país. O capital
do mercador holandês, que transporta os cereais da Polônia para
Portugal e leva de volta as frutas e os vinhos de Portugal para a Polônia,
repõe dois capitais em cada uma dessas operações, mas nenhum deles
será empregado para o sustento do trabalho produtivo da Holanda; um
deles sustentará o da Polônia, e o outro, o de Portugal. Apenas os lucros
retornam regularmente à Holanda, constituindo o valor total que esse
comércio obrigatoriamente adiciona ao produto anual da terra e do
trabalho desse país. De fato, quando o comércio de transporte de
qualquer país em particular é realizado com os navios e marinheiros
desse mesmo país, parte do capital empregado para pagar o frete é
distribuída entre um certo número de trabalhadores e também os coloca
em movimento. Quase todas as nações que tiveram uma porção
considerável do comércio de transportes o realizaram, de fato, dessa
maneira. A própria atividade talvez tenha recebido o nome de comércio
de transportes por tal fato, pois as pessoas desses países são as
transportadoras para outros países. No entanto, não parece essencial à
natureza do comércio que esse deva ser o caso. Um comerciante holandês
pode, por exemplo, empregar o seu capital em transações comerciais
entre a Polônia e Portugal, transportando parte do produto excedente de
um para o outro em um navio britânico, não em um navio holandês.
Pode-se presumir que ele realmente faça isso em algumas ocasiões
específicas. É nesse sentido, entretanto, que o comércio de transporte tem
sido considerado peculiarmente vantajoso para aqueles países, como a
Grã-Bretanha, cuja defesa e cuja segurança dependem do número de seus
marinheiros e navios. Mas o mesmo capital pode empregar tantos
marinheiros e navios de transporte quantos forem necessários para o
comércio de transportes, tanto no comércio externo para o consumo
quanto no comércio doméstico (neste último caso, por navios de
cabotagem). O número de marinheiros e embarcações que pode ser
utilizado por um capital particular qualquer não depende da natureza do
comércio, mas, em parte, do volume dos bens em proporção ao seu valor
e, em parte, da distância até o porto de entrega das mercadorias; mas
principalmente do primeiro fator. O comércio de carvão entre Newcastle
e Londres, por exemplo, emprega mais navios do que todo o comércio de
transportes da Inglaterra, embora a distância entre os portos não seja
muito grande. É por isso que forçar, por meio de incentivos
extraordinários, uma maior parcela de qualquer país ao comércio de
transporte, em vez daquela que naturalmente seria escoada a ele, não
causará necessariamente o aumento do setor de transportes daquele país.
Portanto, o capital empregado no comércio doméstico de um país
qualquer geralmente oferecerá estímulo e apoio a uma maior quantidade
de trabalho produtivo nesse país e aumentará o valor de seu produto
anual mais do que um capital igual empregado no comércio externo para
o consumo; e, em relação a esses dois tópicos, o capital empregado no
comércio externo tem uma vantagem ainda maior sobre um capital igual
empregado no comércio de transporte. As riquezas e o poder de cada
país (já que o poder depende das riquezas) devem ser sempre
proporcionais ao valor de seu produto anual, o fundo a partir do qual
todos os impostos são ao final pagos. Mas o grande objetivo da economia
política de todo país é aumentar as riquezas e o poder daquele país. Não
se deve, portanto, dar preferência nem incentivo superior ao comércio
externo para o consumo em detrimento do comércio doméstico nem ao
comércio de transporte em detrimento de qualquer um dos outros dois.
Não se deve forçar ou atrair para esses dois canais uma parcela maior do
capital do país do que a quantidade que naturalmente fluiria para eles por
iniciativa própria.
No entanto, cada um desses diferentes ramos do comércio não é
apenas vantajoso, mas necessário e inevitável sempre que é naturalmente
introduzido pelo curso normal das coisas, sem nenhum constrangimento
nem violência.
Quando o produto de qualquer ramo específico das atividades excede
a demanda do país, o excedente deve ser enviado ao exterior e trocado
por algo que supra alguma demanda doméstica. Sem a exportação, uma
parte do trabalho produtivo do país seria interrompida e o valor de seu
produto anual diminuiria. As terras e o trabalho da Grã-Bretanha
costumam produzir mais cereais, artigos de lã e ferramentas do que é
requerido pela demanda de seu mercado interno. Portanto, o seu
excedente deve ser enviado para o exterior e trocado por algo que atenda
à demanda interna do país. Somente a exportação pode oferecer ao
excedente valor suficiente para compensar o trabalho e as despesas para
produzi-lo. Os locais vizinhos à costa marítima e às margens de todos os
rios navegáveis trazem vantagens para as atividades, pois facilitam a
exportação e a troca dos excedentes por outras mercadorias com maior
demanda lá.
Quando os bens estrangeiros que são comprados com o produto
excedente da indústria doméstica ultrapassam a demanda do mercado
doméstico, a parte excedente deles deve ser enviada novamente para o
exterior e trocada por alguma outra mercadoria que esteja em falta no
mercado doméstico. Cerca de 96 mil barris de tabaco são comprados
anualmente na Virgínia e em Maryland com uma parte do produto
excedente da indústria britânica. Mas a atual demanda da Grã-Bretanha
não comporta, talvez, mais de 14 mil barris. Se os outros 82 mil barris,
portanto, não pudessem ser enviados para o exterior e trocados por algo
em falta no mercado doméstico, a importação do tabaco seria
imediatamente interrompida e, com ela, o trabalho produtivo de todos os
habitantes da Grã-Bretanha cujo trabalho é a preparação dos bens com os
quais esses 82 mil barris são comprados anualmente. Se esses bens, que
fazem parte do produto da terra e do trabalho da Grã-Bretanha, não
tiverem um mercado doméstico e perderem seu mercado externo, eles
deixarão de ser produzidos. O comércio externo para o consumo
realizado de forma mais indireta, portanto, pode, em algumas ocasiões,
ser tão necessário para oferecer sustento ao trabalho produtivo do país e
ao valor de seu produto anual quanto o comércio mais direto.
Quando o estoque de capital de um país qualquer aumenta a tal
ponto que não pode ser totalmente empregado para suprir o consumo e
sustentar o trabalho produtivo desse país em particular, seu excedente
naturalmente se lança ao comércio de transporte e é empregado para a
realização das mesmas funções em outros países. O comércio de
transporte é o efeito natural e o sintoma da grande riqueza nacional, mas
parece não ser a causa natural dela. Os estadistas que se dispuseram a
favorecê-lo com estímulos especiais parecem ter confundido o efeito e o
sintoma com a causa. A Holanda, proporcionalmente à extensão de seu
território e ao número dos seus habitantes, é de longe o país mais rico da
Europa e, consequentemente, possui a maior parcela do comércio de
transporte da Europa. Supõe-se que a Inglaterra, talvez o segundo país
mais rico da Europa, também administre uma boa parcela desse
comércio; embora aquilo que normalmente é considerado comércio de
transporte da Inglaterra talvez seja nada mais que um comércio externo
para o consumo realizado de forma indireta. Assim é, em grande medida,
o comércio que transporta os bens das Índias Orientais e Ocidentais e da
América para diferentes mercados europeus. Esses bens são geralmente
comprados imediatamente, ou com o produto da indústria britânica, ou
com algo que tenha sido comprado com esse produto; e os retornos finais
daqueles comércios são normalmente usados ou consumidos na Grã-
Bretanha. O comércio realizado com navios britânicos entre os vários
portos do Mediterrâneo e algumas transações similares realizadas por
comerciantes britânicos entre os diferentes portos da Índia são, talvez, os
principais ramos do que, na verdade, é o comércio de transportes da Grã-
Bretanha.
A extensão do comércio doméstico e do capital que pode ser
empregado nele é necessariamente limitada pelo valor do produto
excedente de todos os lugares distantes dentro de um único país que
necessitam trocar uns com os outros as suas respectivas produções. A do
comércio externo de consumo é limitada pelo valor do produto
excedente de todo o país e do que pode ser comprado com ele. A do
comércio de transportes, pelo valor do produto excedente de todos os
países do mundo. Sua extensão possível, portanto, é de uma forma
infinita em comparação à dos outros dois, e é capaz de absorver os
maiores capitais.
A consideração exclusiva com seus próprios lucros é o único motivo
que obriga o titular de qualquer capital a aplicá-lo na agricultura, na
manufatura ou em algum ramo específico do comércio atacadista ou
varejista. O mesmo titular nunca pensa sobre as diferentes quantidades
de trabalho produtivo que seu capital pode colocar em movimento e os
diferentes valores que pode adicionar ao produto anual da terra e do
trabalho da sociedade, dependendo de ser aplicado em uma ou outra
dessas diferentes formas. Nos países, portanto, em que a agricultura é a
mais rentável de todas as aplicações, em que a agricultura e as melhorias
são as estradas mais diretas para amealhar uma boa fortuna, os capitais
dos indivíduos serão naturalmente empregados da forma mais vantajosa
para toda a sociedade. Em toda a Europa, no entanto, os lucros da
agricultura não parecem ser superiores aos de outras aplicações do
capital. De fato, nos últimos poucos anos, os empresários aventureiros
dos quatro cantos da Europa têm entretido o público com relatos
mirabolantes sobre os lucros que podem ser obtidos pelo cultivo e pela
melhoria das terras. Sem entrar em qualquer discussão específica de seus
cálculos, uma observação muito simples pode nos mostrar que os seus
resultados devem ser falsos. Todos os dias vemos grandes fortunas que
foram adquiridas no decorrer de uma única vida pelo comércio e pela
manufatura, frequentemente a partir de um capital bastante pequeno e às
vezes sem capital algum. Mas, ao mesmo tempo, não se produziu um
único exemplo de alguma fortuna adquirida pela agricultura, e por meio
de tal capital, na Europa durante o decorrer do presente século. Em todos
os grandes países da Europa, no entanto, existem muitas terras boas que
ainda não foram cultivadas, e a maioria das terras cultivadas está longe
de ter recebido melhoramentos em seu mais alto grau. A agricultura,
portanto, está em quase todas as partes apta a absorver um capital muito
maior do que aquele que nela foi investido até hoje. Nos dois livros
seguintes me esforçarei para explicar em detalhes as circunstâncias da
política da Europa que deram aos comércios que são realizados nas
cidades uma vantagem tão grande sobre o comércio realizado no campo
que os indivíduos passaram a considerar mais vantajoso aplicar seus
capitais nos mais distantes comércios de transporte da Ásia e da América
do que na melhoria e no cultivo dos campos mais férteis existentes em
sua própria vizinhança.
LIVRO III
O PROGRESSO DA OPULÊNCIA
EM DIFERENTES NAÇÕES
CAPÍTULO I
O PROGRESSO NATURAL DA OPULÊNCIA
Em toda sociedade civilizada, o maior comércio é aquele realizado entre
os habitantes da cidade e os do campo, e ele consiste na troca de
matérias-primas por produtos manufaturados; as trocas podem ocorrer
diretamente ou pela intervenção do dinheiro ou de algum tipo de papel
que represente o dinheiro. O campo supre a cidade com os meios de
subsistência e matérias-primas manufaturáveis. A cidade paga esse
suprimento com o envio de parte do produto manufaturado aos
habitantes do campo. Podemos dizer de forma bastante apropriada que,
na cidade, na qual não há e nem pode haver nenhuma reprodução de
substâncias, toda a riqueza e a subsistência são oriundas do campo. Não
devemos, por isso, imaginar que o ganho da cidade signifique uma perda
para o campo. Os ganhos de ambos são mútuos e recíprocos; a divisão do
trabalho é, nesse caso e em todos os outros, vantajosa para todas as
diferentes pessoas que são empregadas nas várias ocupações em que esse
trabalho se subdivide. Os habitantes do campo compram da cidade uma
quantidade maior de bens manufaturados com o produto de uma
quantidade muito menor de seu próprio trabalho do que empregariam
caso eles mesmos tentassem produzi-los. A cidade oferece um mercado
para os produtos excedentes do campo ou o que excede o sustento dos
lavradores; é na cidade que os habitantes do campo os trocam por algum
outro produto que esteja em falta entre eles. Quanto maior o número e os
rendimentos dos moradores da cidade, mais extenso será o mercado que
ela oferecerá aos habitantes do campo; e quanto mais extenso esse
mercado, mais vantajoso será para um maior número de pessoas. Os
cereais plantados a uma milha da cidade são vendidos pelo mesmo preço
que os plantados a 20 milhas. Mas o preço destes últimos, geralmente,
além de pagar as despesas de seu plantio e o transporte ao mercado, deve
também pagar os lucros ordinários da agricultura ao fazendeiro.
Portanto, os proprietários e os lavradores do campo que vivem nas
vizinhanças da cidade, além de receberem os lucros ordinários da
agricultura, também ganham, no preço do que vendem, o valor total do
transporte de produtos similares trazidos de locais mais distantes e, no
preço de tudo o que compram, também economizam o valor total desse
mesmo transporte. Compare o cultivo de terras situadas na vizinhança de
toda cidade de tamanho considerável com aquele situado a certa
distância da cidade e será possível entender o benefício que as relações
comerciais com a cidade leva ao campo. Dentre todas as especulações
absurdas que têm sido propagadas sobre a balança comercial, jamais se
tentou supor que o campo perdesse algo no comércio com a cidade, ou a
cidade no comércio com o campo que a sustenta.327
É da natureza das coisas que a subsistência preceda as comodidades e
os bens de luxo, então o trabalho que produz bens de subsistência
também será anterior àquele dedicado às comodidades e aos bens de
luxo. Portanto, o cultivo e a melhoria do campo, que proporciona essa
subsistência, devem ocorrer obrigatoriamente antes do crescimento da
cidade, que fornece apenas as conveniências e os luxos. O produto
excedente do campo — ou seja, tudo o que ultrapassa o sustento dos
lavradores — constitui a subsistência total da cidade; consequentemente,
a cidade somente cresce com o aumento do produto excedente do campo.
Nem sempre a subsistência total da cidade provém das áreas rurais
vizinhas, nem mesmo do país a que ela pertence, mas de regiões muito
distantes; e isso, embora não constitua exceção à regra geral, tem gerado
muitas variações no progresso da riqueza em períodos e nações
diferentes.
A ordem de coisas que a necessidade costuma impor em geral,
embora não em todos os países particulares, é ditada pelas inclinações
naturais dos seres humanos. Se as instituições humanas nunca tivessem
contrariado essas inclinações naturais, as cidades não teriam crescido
além do tamanho que o progresso e o cultivo de seus territórios fossem
capazes de sustentar, ou seja, até o ponto em que todo o território de
determinado país estivesse completamente cultivado e aprimorado.328
Com lucros iguais ou quase iguais, a maioria das pessoas prefere
empregar seu capital nas melhorias e no cultivo da terra do que em
manufaturas ou no comércio externo. Ao empregar seu capital em terras,
a pessoa o tem mais à vista e sob o seu controle; há, assim, menores riscos
de que sua fortuna sofra quaisquer reveses; por outro lado, o comerciante
que é obrigado a confiar sua fortuna não apenas aos ventos e às marés,
mas aos elementos mais incertos da insensatez e da injustiça humanas,
oferecendo, em países distantes, crédito a pessoas com cujo caráter e cuja
situação ele raramente estará completamente familiarizado. O capital do
proprietário da terra, pelo contrário, que é utilizado de forma fixa no
aprimoramento da sua terra, parece estar tão bem seguro quanto é
admitido pela natureza dos assuntos humanos. Além disso, a beleza do
campo, os prazeres de uma vida rural, a tranquilidade de espírito que ela
promete e, onde quer que a injustiça das leis humanas não a perturbe, a
independência que ela realmente oferece têm encantos que atraem todos,
em maior ou menor grau; e já que o destino original das pessoas era o
cultivo da terra, então parece que mantivemos uma predileção por este
emprego primitivo em todas as etapas de nossa existência.
Sem a ajuda de alguns artesãos, de fato, a continuidade do cultivo da
terra somente pode ser realizada com grande inconveniente e muitas
interrupções. Os serviços dos ferreiros, dos carpinteiros, dos fabricantes
de rodas e de arados, dos pedreiros, dos oleiros, dos curtidores de peles,
dos sapateiros e dos alfaiates são frequentemente requisitados pelos
agricultores. Ocasionalmente, esses artesãos também precisam da ajuda
uns dos outros; e como a residência deles, diferentemente da dos
agricultores, não está obrigatoriamente presa a um ponto específico,
naturalmente se estabelecem em uma mesma vizinhança e, assim,
formam uma pequena cidade ou povoado. O açougueiro, o cervejeiro e o
padeiro logo se juntam a eles, também chegam muitos outros artesãos e
varejistas necessários ou úteis para satisfazer suas demandas ocasionais e
que contribuem ainda mais para o crescimento da cidade. Os habitantes
da cidade e do campo são mutuamente servos uns dos outros. A cidade é
uma feira ou um mercado permanente, ao qual recorrem os habitantes
do campo para trocar suas matérias-primas por produtos manufaturados.
Esse comércio é responsável pelo fornecimento dos materiais para o
trabalho e dos meios para a subsistência dos habitantes da cidade. A
quantidade de produtos acabados que eles vendem aos habitantes do
campo regula necessariamente a quantidade de matérias-primas e
provisões que compram. Consequentemente, seu emprego e subsistência
somente podem aumentar na proporção do aumento da demanda do
campo por produtos acabados; e essa demanda pode aumentar somente
proporcionalmente à extensão do aperfeiçoamento e do cultivo. Assim, se
as instituições humanas não tivessem perturbado o curso natural das
coisas, a riqueza e o crescimento progressivo das cidades seriam, em
todas as sociedades políticas, consequência apenas do aperfeiçoamento e
do cultivo de suas terras e a eles proporcionais.329
Em nossas colônias norte-americanas, onde ainda é fácil
encontrarmos terras não cultivadas, não há uma só manufatura em todas
as suas cidades que realize vendas para destinos mais longínquos. Na
América do Norte, quando o capital de um artesão que oferece produtos
à área urbana vizinha é um pouco maior do que a quantidade exigida por
seu próprio negócio, ele não tenta abrir uma manufatura para percorrer
uma distância maior e efetuar sua vendas, mas o utiliza para comprar e
aprimorar terras não cultivadas. Passa de artesão a agricultor; nem os
altos salários nem a subsistência fácil que esse país oferece aos artesãos
são capazes de persuadi-lo a trabalhar para outras pessoas em vez de
trabalhar para si mesmo. Ele acredita que o artesão é servo de seus
clientes, de quem obtém sua subsistência; mas acredita que um agricultor,
por cultivar sua própria terra e obter sua subsistência necessária a partir
do trabalho de sua própria família, é realmente um mestre
completamente independente.
Nos países onde, pelo contrário, todas as terras estão cultivadas ou
onde não é possível obtê-las facilmente, todo artesão que adquire mais
capital do que consegue empregar nos trabalhos ocasionais feitos na
vizinhança esforça-se para preparar produtos que possam ser vendidos a
locais mais distantes. O ferreiro constrói algum tipo de manufatura para
produtos de ferro e o tecelão constrói um para os produtos feitos de linho
ou lã. Com o passar do tempo, essas manufaturas vão sendo
gradualmente subdivididas e, desse modo, aprimoradas e refinadas de
muitas maneiras; algo que pode ser facilmente compreendido e que, por
isso, não precisa de mais explicações.
Em condições de lucros iguais ou praticamente iguais, ao buscar
emprego para um capital, preferem-se naturalmente as manufaturas ao
comércio externo pela mesma razão que se prefere naturalmente a
agricultura à manufatura. Da mesma forma que o capital do proprietário
da terra ou do agricultor está mais seguro que o do fabricante, o capital
do produtor manufatureiro, estando a todo tempo mais próximo de sua
vista e controle, é mais seguro que o capital do comerciante externo. De
fato, em quaisquer períodos de quaisquer sociedades a parte excedente
das matérias-primas, dos produtos manufaturados e dos produtos sem
demanda doméstica deve ser enviada para o exterior para ser trocada por
algo que tenha demanda doméstica. Pouco importa se o capital que
transporta o produto excedente é estrangeiro ou nacional. Se a sociedade
não adquiriu capital suficiente para cultivar todas as suas terras nem para
transformar da forma mais completa toda a sua matéria-prima, então
ainda é muito vantajoso que essa matéria-prima seja exportada por um
capital estrangeiro para que todo o capital da sociedade possa ser
empregado em propósitos mais úteis. A riqueza do Antigo Egito, a da
China e a do Hindustão são provas contundentes de que uma nação pode
atingir um elevado nível de riqueza mesmo que a maior parte do seu
comércio de exportação seja realizada por estrangeiros. O progresso de
nossas colônias da América do Norte e da Índia Ocidental teria sido
muito mais lento se fosse utilizado, na exportação de seus produtos
excedentes, apenas o capital pertencente a elas mesmas.
De acordo com o curso natural das coisas, portanto, a maior parte do
capital de toda sociedade em crescimento é, em primeiro lugar, dirigida à
agricultura, depois à manufatura e, por fim, ao comércio exterior. Essa
ordem é tão natural que já foi observada, creio eu, em todas as sociedades
com território próprio. Antes do surgimento de qualquer cidade de
tamanho considerável, algumas de suas terras precisaram ser cultivadas; e
alguma forma de trabalho bruto de tipo manufatureiro deve ter sido
colocada em prática em tais cidades antes mesmo que seus habitantes
pudessem se imaginar trabalhando em comércio exterior.
Mas, embora essa ordem natural das coisas deva ter ocorrido em
maior ou menor grau em todas as sociedades, ela foi, em muitos aspectos,
completamente invertida nos Estados modernos da Europa. O comércio
externo de algumas de suas cidades introduziu todas as suas manufaturas
mais finas ou aquelas que podiam ser vendidas para lugares mais
distantes; e a manufatura e o comércio externo, juntos, deram origem aos
principais aprimoramentos da agricultura. Os usos e os costumes
introduzidos pela natureza de seu governo original, e que foram
mantidos até bem depois de o governo ter sido extremamente
modificado, forçaram-nos necessariamente a essa ordem antinatural e
retrógrada.330
CAPÍTULO II
DESENCORAJAMENTO DA AGRICULTURA NA EUROPA
ANTIGA APÓS A QUEDA DO IMPÉRIO ROMANO
Quando os povos germânicos e os citas dominaram as províncias
ocidentais do Império Romano, as desordens que se seguiram a essa
enorme reviravolta duraram por diversos séculos. A rapina e a violência
dos bárbaros contra os antigos habitantes interromperam o comércio
entre as cidades e o campo. As cidades foram abandonadas e o campo
deixou de ser cultivado; as províncias ocidentais da Europa, que haviam
desfrutado de um grau considerável de opulência durante o Império
Romano, mergulharam em uma profunda pobreza e no barbarismo.
Nesse período de desordens, os chefes e principais líderes desses povos
adquiriram ou usurparam a maior parte das terras desses países. Uma
grande parte delas incultas; mas, fossem elas cultivadas ou não, não
houve pedaço de terra que ficasse sem dono. Todas foram ocupadas: a
maior parte por alguns grandes proprietários.
Essa ocupação original de terras não cultivadas, embora fosse um
grande mal, poderia ser algo transitório. Em pouco tempo, as terras
poderiam ser mais uma vez divididas, repartidas em pequenos lotes pela
sucessão ou pela venda. No entanto, a lei da primogenitura impedia que
fossem divididas pela sucessão; e a introdução das vinculações331 impediu
que fossem repartidas e vendidas em pequenos lotes.
Quando a terra, assim como os bens móveis, é considerada apenas
um meio de subsistência e de fruição, a lei natural da sucessão a divide,
como os móveis, entre todos os filhos da família; pois subentende-se que
a subsistência e a fruição de todos os filhos são igualmente desejadas pelo
pai. Assim como fazemos atualmente com os bens móveis, a lei natural
da sucessão de terras era utilizada entre os romanos que não faziam
distinção entre filhos mais velhos e mais novos nem entre homens e
mulheres.332 Mas quando a terra deixou de ser considerada apenas um
meio de mera subsistência, e a ela foram associados poder e proteção,
imaginou-se que seria melhor que ela fosse entregue indivisa a apenas
um herdeiro. Naqueles tempos de desordem, todo grande proprietário de
terra podia ser considerado como um rei menor. Seus arrendatários eram
seus súditos. Ele era juiz e, em alguns aspectos, legislador nos períodos de
paz e líder em tempos de guerra. Ele declarava guerra de acordo com sua
própria vontade, frequentemente contra seus vizinhos; às vezes, contra
seu soberano. Consequentemente, a segurança de uma propriedade
fundiária e a proteção que seu proprietário poderia oferecer àqueles que
nela habitavam dependiam de seu tamanho. Dividi-la era arruiná-la,
expondo-a totalmente à opressão e à possibilidade de ser tomada com as
incursões de seus vizinhos. A lei da primogenitura, portanto, não se deu
de forma imediata, mas ocorreu lentamente a cada sucessão de terras
rurais; e, em geral, pelo mesmo motivo que foi utilizada nas sucessões
monárquicas, embora nem sempre desde a sua primeira instituição: isto
é, para que o poder e, consequentemente, a segurança da monarquia não
ficassem enfraquecidos pela divisão, ela deveria recair inteiramente sobre
um dos filhos. Para determinar a qual filho essa preferência tão
importante deveria recair, era preciso estabelecer alguma regra geral que
não fosse baseada em distinções duvidosas de mérito pessoal, mas em
alguma diferença clara e evidente que não admitisse nenhuma
divergência. Entre as crianças de uma mesma família não há diferenças
mais incontestáveis que as diferenças de sexo e de idade. O sexo
masculino é universalmente preferido ao feminino; e quando todas as
outras coisas são iguais, em todo o mundo prefere-se o mais velho aos
mais jovens. Daí a origem do direito de primogenitura e do instituto que
chamamos de linha sucessória.
As leis costumam se manter em vigor muito depois de terem
desaparecido as circunstâncias que deram causa a elas e que eram as
únicas que lhes emprestavam razoabilidade. No estado atual da Europa, o
proprietário de um único acre de terra tem tanta segurança de sua posse
quanto o proprietário de 100 mil acres. O direito de primogenitura, no
entanto, continua a ser respeitado; e, já que, dentre todas as instituições, é
a mais adequada para sustentar o orgulho das distinções familiares, então
é provável que ainda perdure por muitos séculos. Em todos os outros
aspectos, nada pode ser mais contrário ao verdadeiro interesse de uma
família numerosa do que um direito que, a fim de enriquecer um,
empobrece todos os outros filhos.333
As vinculações são consequências naturais da lei da primogenitura.
Sua ideia original foi tomada da progenitura e elas foram estabelecidas
para preservar uma determinada linha sucessória e para impedir que
qualquer parcela da propriedade original fosse deslocada da linha
sucessória proposta, fosse por doação, legado ou alienação; fosse pela
tolice ou pelo infortúnio de qualquer um dos seus proprietários
hereditários. Os romanos não tinham conhecimento desse instituto. Nem
as substituições romanas nem os fideicomissos tinham semelhanças com
o morgadio, embora alguns advogados franceses insistam em vestir as
instituições modernas com a linguagem e a roupagem das antigas.
É possível justificar a existência das vinculações quando as grandes
propriedades fundiárias eram semelhantes a principados. Assim como as
leis fundamentais de algumas monarquias, as vinculações podiam
impedir que a segurança de milhares de pessoas fosse ameaçada pelo
capricho ou pela extravagância de um único homem. Mas, em nossa
Europa atual, nada pode ser mais absurdo, pois tanto nas pequenas
quanto nas grandes propriedades a segurança é garantida pelas leis do
país em que estão localizadas. Baseiam-se na suposição mais absurda de
todas: a suposição de que as gerações sucessivas de homens não têm
direitos iguais à terra e a tudo o que ela possui; mas que a propriedade da
geração atual deve ser contida e regulada de acordo com a fantasia
daqueles que morreram, talvez, há quinhentos anos. As vinculações,
todavia, ainda são respeitadas na maior parte da Europa, naqueles países
em particular em que nascer nobre é uma qualificação necessária para o
gozo de honras civis ou militares. Imagina-se que as vinculações são
necessárias para que a nobreza possa manter seu privilégio exclusivo a
altos cargos e honras de seu país; e, uma vez que essa classe já tenha
tomado injustamente um privilégio sobre o resto de seus concidadãos,
para impedir que a pobreza a tornasse ridícula, imaginou-se razoável que
deveria receber outro privilégio. Diz-se, de fato, que o direito comum da
Inglaterra abomina as perpetuidades e, assim, elas são certamente mais
restritas na Inglaterra que em qualquer outra monarquia europeia, mas
nem mesmo a Inglaterra está completamente livre delas. Supõe-se que, na
Escócia, mais de 1/5, talvez mais de 1/3 de todas as terras do país estejam
marcadas pelas vinculações.
As grandes extensões de terra não cultivadas, além de serem
ocupadas por certas famílias, se tornaram, na medida do possível,
impedidas para sempre de ser novamente divididas. No entanto,
raramente um grande proprietário é um grande inovador. Naqueles
tempos sem ordem que deram origem a essas instituições bárbaras, a
defesa de seus próprios territórios ou a extensão de sua jurisdição e
autoridade às terras vizinhas já ocupavam muito o grande senhor de
terras. Ele não tinha tempo livre para atender ao cultivo e ao
aprimoramento das terras. Quando o estabelecimento da ordem pública
lhe proporcionou esse tempo livre, costumavam faltar-lhe a inclinação e,
quase sempre, as habilidades necessárias para a promoção dos
aprimoramentos. Quando as suas despesas pessoais e domésticas se
igualavam ou excediam seus rendimentos, um fato bastante frequente, ele
ficava sem capital para aplicar em suas terras. Se fosse uma pessoa
econômica, o proprietário poupador geralmente considerava mais
rentável empregar suas poupanças anuais em novas compras do que na
melhoria de sua velha propriedade rural. O aprimoramento lucrativo da
terra, como em quaisquer outros empreendimentos comerciais, exige
uma atenção detalhada às pequenas economias e aos pequenos ganhos:
uma atividade raramente possível para uma pessoa que, mesmo sendo
naturalmente frugal, já tenha nascido em meio a uma grande fortuna. A
situação de tal pessoa naturalmente a dispõe a preferir os ornamentos
que agradam às suas fantasias aos pequenos lucros. Desde a infância,
acostumou-se a dar importância à elegância de seus trajes, de seus
equipamentos,334 de sua casa e de seu mobiliário doméstico. A
mentalidade formada naturalmente por esse hábito está presente quando
ela passa a pensar nos aprimoramentos das terras. Ela embeleza talvez
400 ou 500 acres em torno de sua casa e, com isso, gasta dez vezes mais
do que a terra valerá após todas essas melhorias; e descobre que, se
resolvesse aprimorar toda a sua propriedade da mesma forma (pois
somente consegue realizar esse tipo de aprimoramento), ela iria à
bancarrota antes que terminasse a décima parte das melhorias. Ainda
existem em ambas as partes do Reino Unido algumas grandes
propriedades que estão em posse ininterrupta de uma mesma família
desde os tempos da anarquia feudal. Compare a condição atual dessas
propriedades com a dos pequenos proprietários em sua vizinhança e
você não precisará de nenhum outro tipo de argumento para convencer-
se de quão desfavoráveis aos aprimoramentos são essas propriedades tão
extensas.
Se a pouca melhoria já era esperada daqueles grandes proprietários,
menos ainda se poderia esperar daquelas pessoas que as ocupavam sob
sua ordem. Na Europa Antiga, os ocupantes das terras eram todos
arrendatários a título precário. Todos, ou quase todos, eram escravos —
uma escravidão de um tipo mais suave que o daquela conhecida entre os
antigos gregos e romanos ou mesmo o daquela existente em nossas
colônias das Índias Ocidentais. Essas pessoas pertenciam supostamente
mais à terra que ao seu senhor. Dessa forma, podiam ser vendidas junto
com a propriedade rural, mas nunca de forma separada. Elas podiam se
casar, desde que fosse com o consentimento de seu senhor; e este último
não podia dissolver a união posteriormente, vendendo o homem e a
esposa para duas pessoas diferentes. Se o senhor os mutilasse ou os
assassinasse, ele seria punido de alguma forma, mas, em geral, sua pena
era leve. Os escravos, entretanto, não podiam adquirir propriedades.
Tudo o que compravam era comprado para o seu senhor, o qual, a seu
bel-prazer, podia tomar tudo o que haviam adquirido. Todo cultivo e
toda melhoria que pudessem ser realizados pelos escravos eram
considerados como executados pelo senhor. Tudo corria às expensas do
senhor. As sementes, o gado e os instrumentos agrícolas pertenciam ao
senhor. Tudo estava voltado para o seu benefício. Os escravos nada
podiam adquirir, exceto sua subsistência diária. Nesse caso, pode-se dizer
de forma segura que o proprietário ocupava as suas terras e as cultivava
por intermédio de seus servos. Essa espécie de escravidão ainda existe na
Rússia, na Polônia, na Hungria, na Boêmia, na Morávia e em outras
partes da Alemanha. Ela foi gradualmente abolida somente das
províncias ocidentais e do sudoeste da Europa.335
Se as grandes melhorias na agricultura raramente são esperadas dos
grandes proprietários, elas devem ser ainda menos esperadas quando eles
utilizam escravos como trabalhadores. A experiência de todas as eras e
nações, creio eu, demonstra que o trabalho feito por escravos é sempre o
mais caro, mesmo que pareça custar apenas o valor do sustento deles. Os
únicos interesses de quem não pode adquirir nenhuma propriedade são
comer o máximo possível e trabalhar o mínimo. Nenhum interesse de
sua parte será capaz de retirar dele algum trabalho adicional quando ele
já realizou além do suficiente para poder custear a própria subsistência,
apenas a violência teria esse poder.336 Plínio e Columela notam quanto,
na Antiga Itália, o cultivo de cereais ficou degenerado e quão
desvantajoso se tornou para o senhor quando o realizava por meio de
escravos. Isso não era muito melhor na Grécia Antiga, no tempo de
Aristóteles. Ao discorrer sobre a República ideal descrita nas leis de
Platão, a manutenção de 5 mil homens ociosos (o número de guerreiros
supostamente necessário para a sua defesa), juntamente com suas
mulheres e servos, exigiria, diz ele, um território de extensão e fertilidade
ilimitadas, assim como as planícies da Babilônia.
O orgulho humano o faz amar a dominação; e nada o mortifica mais
que ser obrigado a condescender para persuadir seus inferiores. Sempre
que a lei o autorizar e a natureza do trabalho o permitir, ele, em geral,
preferirá o serviço dos escravos àquele dos homens livres.337 O plantio de
cana-de-açúcar e de tabaco é capaz de compensar as despesas do cultivo
escravista. Parece que, atualmente, os cereais não têm a mesma
capacidade. Nas colônias inglesas, cujos produtos principais são os
cereais, a maior parte de todo o trabalho é realizada por homens livres. A
recente resolução dos quakers da Pensilvânia de libertar todos os seus
escravos negros nos faz acreditar que o seu número não deve ser muito
alto. Se o número de escravos tomasse uma parte considerável de sua
propriedade, tal decisão nunca poderia ter sido tomada. Pelo contrário,
em nossas colônias de açúcar, todo o trabalho é realizado por escravos e,
em nossas colônias de tabaco, grande parte dele. Os lucros dos
latifúndios de uma plantação de açúcar em qualquer uma de nossas
colônias da Índia Ocidental são geralmente muito maiores do que os de
qualquer outro cultivo realizado na Europa ou na América; além disso,
embora os lucros de uma plantação de tabaco sejam inferiores aos do
açúcar, eles são superiores aos dos cereais, conforme já observado.
Ambos podem suportar as despesas do cultivo escravista, mas o açúcar as
suporta melhor que o tabaco. A proporção entre o número de escravos e
o número de brancos é consequentemente muito maior em nossas
colônias de açúcar que nas de tabaco.
O cultivo escravista de épocas antigas foi gradualmente substituído
por uma espécie de agricultor, conhecida atualmente na França como
meeiro.338 Em latim, são chamados de coloni partiarii. Deixaram de
existir há tanto tempo na Inglaterra que, no momento, não conheço
nenhuma palavra que os defina. O proprietário das terras lhes garantia as
sementes, o gado e os instrumentos agrícolas, isto é, todo o capital
necessário para o cultivo da fazenda. O produto era dividido entre o
proprietário e o agricultor em partes iguais, depois de se separar tudo o
que era considerado necessário para a manutenção do capital, que era
restaurado ao titular quando o agricultor desistia ou era dispensado de
sua parcela da fazenda.
A terra ocupada por esses arrendatários é cultivada de forma
apropriada às expensas do proprietário, assim como a terra ocupada por
escravos. Há, no entanto, uma diferença muito essencial entre os dois
tipos. Esses arrendatários, sendo homens livres e, por isso, capazes de
adquirir propriedades e ter uma determinada porção do produto da
terra, têm interesse em que o total produzido seja o maior possível para
que sua própria porção também seja grande. Um escravo, pelo contrário,
não pode adquirir nada que ultrapasse a sua subsistência e, assim, busca
sua própria comodidade, fazendo com que a terra produza apenas o
necessário para sua subsistência ou o mínimo possível acima disso. É
provável que a ocupação de suas terras por vilões tenha se desgastado de
forma gradual na maior parte da Europa, em parte por causa dessa
vantagem e, em parte, porque o soberano — sempre temendo os grandes
senhores — incentivava a intrusão gradual dos vilões sobre a autoridade
dos proprietários de terras; as intrusões parecem ter sido tão extensas que
chegaram a tornar essa espécie de servidão completamente
inconveniente. Entretanto, o momento em que essa tão importante
revolução aconteceu e a definição de sua forma são dois dos pontos mais
obscuros da história moderna.339 A Igreja romana diz ter grande mérito
nisso: e é certo que, já no século XII, o papa Alexandre III publicou uma
bula requerendo a emancipação geral dos escravos. Parece, no entanto,
ter sido mais uma exortação religiosa do que uma lei que exigisse
obediência estrita dos fiéis. No entanto, a escravidão continuou a ocorrer
em quase todos os lugares por muitos séculos até ser gradualmente
abolida pela operação conjunta dos dois interesses acima mencionados, o
do proprietário, por um lado, e o do soberano, por outro. Um vilão
emancipado a que, ao mesmo tempo, fosse permitido manter a posse da
terra não tinha nenhum capital próprio e somente seria capaz de cultivá-
la por meio do capital adiantado pelo proprietário da terra; isso devia ser
o que os franceses chamaram de meeiro.
Mas, com o pouco capital que conseguiam economizar com sua
parcela do produto, não interessava a esses lavradores realizar novos
aprimoramentos na terra, pois o dono da terra que nada investia recebia
metade de tudo o que era produzido. Se o dízimo, que representa apenas
a décima parte do produto, já constitui um enorme obstáculo para os
aprimoramentos, então um imposto que arrecadava metade dele deve ter
sido uma barreira bastante eficiente contra quaisquer aprimoramentos.
Talvez interessasse ao meeiro que sua terra produzisse o máximo possível
com o capital oferecido pelo proprietário; mas esse cultivador não tinha
nenhum interesse em misturar seu próprio capital com o do dono da
terra. Na França, onde se diz que 5/6 de todo o reino ainda está ocupado
por essa espécie de cultivador, os proprietários se queixam de que seus
meeiros aproveitam quaisquer oportunidades para utilizar o gado do
proprietário mais para o transporte que para o cultivo, pois, no primeiro
caso, eles ficam com todo o lucro para si mesmos, no outro, eles devem
compartilhá-lo com o proprietário da terra. Essa espécie de arrendatário
ainda existe em algumas partes da Escócia. Lá, eles são chamados de
arrendatários steelbow.340 Provavelmente do mesmo tipo eram aqueles
antigos arrendatários ingleses que, segundo Gilbert341 e o doutor
Blackstone, eram mais capatazes do proprietário da terra do que
agricultores propriamente ditos.
Essa espécie de arrendamento foi sendo lentamente substituída por
pessoas que podem ser devidamente chamadas de fazendeiros, que
cultivavam a terra com o seu próprio capital e pagavam uma certa renda
ao proprietário da terra.342 Quando o contrato de arrendamento desses
agricultores possui um prazo estendido, eles podem, por vezes,
considerar interessante aplicar parte de seu capital no aprimoramento de
sua parcela de terra, pois, às vezes, é possível resgatá-lo com um grande
lucro, antes do vencimento do contrato de arrendamento. A posse até
mesmo desses arrendatários, no entanto, era há muito tempo
extremamente precária, e ainda é assim em muitas partes da Europa. Se
as terras fossem vendidas, os arrendatários podiam ser legalmente
retirados de suas parcelas de terra antes do final de seu contrato; na
Inglaterra, isso podia ocorrer até mesmo pela ação fictícia de uma
recuperação comum (common recovery).343 Se fossem despejados
ilegalmente pela violência do dono da terra, a ação reparatória da época
era algo extremamente imperfeito. Ela nem sempre reintegrava a posse da
terra, mas lhes pagava uma indenização que nunca atingia o valor da
verdadeira perda. Mesmo na Inglaterra, o país europeu que mais respeita
os pequenos proprietários de terras, somente no 14º ano do reinado de
Henrique VII foi inventada a ação de despejo (action of ejectment), por
meio da qual o arrendatário não recebe apenas uma indenização, mas é
reintegrado em sua posse e na qual sua reivindicação não é
necessariamente resolvida pela decisão incerta de uma única Corte de
Assize. Essa ação foi considerada um remédio tão eficaz que, na prática
moderna, quando o proprietário precisa requerer a posse da terra, ele
raramente utiliza as ações que lhe são apropriadas como senhor de terras,
a saber, o writ of right ou o writ of entry, mas processa em nome de seu
inquilino arrendatário por meio do writ of ejectment.344 Na Inglaterra,
consequentemente, a segurança do arrendatário é igual àquela do
proprietário. Na Inglaterra, além disso, um arrendamento vitalício de 40
xelins por ano é uma propriedade livre (freehold) que dá direito ao
locatário de votar em um membro do Parlamento; e como uma grande
parte dos pequenos proprietários de terras possui propriedade desse tipo,
a classe se torna respeitável em sua integralidade aos proprietários das
terras por causa da consideração política que tal fato lhes dá. Não há,
creio eu, em nenhum lugar na Europa, exceto na Inglaterra, qualquer
exemplo em que um arrendatário pode construir um edifício sobre uma
terra da qual não possui contrato e confiar que o dono da terra, sendo
honrável, não se aproveitará de uma melhoria tão importante. Essas leis e
costumes, tão favoráveis aos pequenos proprietários, talvez tenham
contribuído mais para a atual grandeza da Inglaterra do que todo o seu
tão vangloriado conjunto de regulamentos comerciais.345
A lei que assegura os arrendamentos mais longos contra todos os
tipos de sucessor é, tanto quanto eu sei, um instituto específico da Grã-
Bretanha. Foi introduzido na Escócia já em 1449 por uma lei de Jaime
II.346 Sua influência benéfica, entretanto, ficou muito obstruída pelas
vinculações; os herdeiros de uma vinculação não podiam, em geral,
arrendá-la por longos prazos, normalmente não podiam ultrapassar o
prazo de um ano. Embora ainda sejam bastante estritas, um ato posterior
do Parlamento347 afrouxou um pouco essas amarras. Na Escócia, além
disso, como nenhum arrendamento dá direito a voto para membros do
Parlamento, os pequenos proprietários são vistos, por isso, como uma
classe menos respeitável pelos donos de terras que na Inglaterra.
Ainda que, em outras partes da história, tenha se percebido a
conveniência de proteger os arrendatários contra herdeiros e
compradores, sua proteção ainda estava limitada a um período muito
curto; na França, por exemplo, era de nove anos a partir do início do
contrato de arrendamento. Neste país, na verdade, o prazo foi
recentemente estendido para 27 anos, um período que é ainda
demasiadamente curto para incentivar o arrendatário a realizar
melhorias importantes. Antigamente, os proprietários de terras eram os
legisladores de todas as partes da Europa. Assim, todas as leis relativas às
terras foram preparadas para satisfazer aquilo que se supunha ser o
interesse dos proprietários. Imaginava-se ser do interesse deles que
nenhum arrendamento concedido por seus antecessores deveria impedi-
los de desfrutar por um longo período o valor integral de suas terras.
Ocorre que a avareza e a injustiça são sempre míopes e, por isso, não se
previu o quanto essas regras imporiam obstáculos às melhorias e, por
fim, prejudicariam a longo prazo os verdadeiros interesses do
proprietário.
Além de pagar a renda, supunha-se que, em tempos antigos, os
arrendatários se limitassem a realizar um grande número de serviços aos
proprietários da terra, os quais raramente estavam especificados nos
contratos de arrendamento ou em normas específicas, mas eram
regulados pelos usos e costumes do senhor da mansão rural ou do
baronato. Esses serviços eram quase inteiramente arbitrários e, por isso,
acabavam submetendo os arrendatários a muitas humilhações. Na
Escócia, a abolição de todos os serviços que não estivessem estipulados
com exatidão nos contratos de arrendamento trouxe, em alguns poucos
anos, melhorias às condições do campesinato do país.
Os serviços públicos obrigatórios dos agricultores não eram menos
arbitrários que os privados. Dentre esses serviços, a construção e a
manutenção de estradas não eram os únicos; acredito que esta seja uma
obrigação servil comum em todos os lugares, embora com diferentes
graus de opressão em diferentes países. Quando as tropas do rei, seu
séquito ou quaisquer funcionários viajavam pelo país, os arrendatários
eram obrigados a lhes oferecer cavalos, carruagens e provisões a um
preço regulado por aqueles que iriam fornecer esses objetos. Eu acredito
que a Grã-Bretanha é a única monarquia europeia onde a opressão dessa
obrigação foi totalmente abolida. No entanto, ela ainda existe na França e
na Alemanha.
Os impostos públicos a que estavam sujeitos eram tão irregulares e
opressivos quanto os serviços que eram obrigados a prestar. Embora os
antigos senhores não tivessem nenhuma disposição para oferecer ajuda
pecuniária ao seu soberano, eles permitiam sem muitas considerações a
cobrança (tallage)348 de impostos de seus arrendatários, e não foram
capazes de compreender quanto isso, ao final, afetava o seu próprio
rendimento. Esse tributo, da forma ainda existente na França, pode servir
como um exemplo daquelas antigas obrigações feudais. É um imposto
cobrado sobre os supostos lucros do arrendatário, calculado pelo capital
empregado em suas terras. Portanto, na aparência, ele desejará que seu
capital seja o menor possível e, consequentemente, empregará o mínimo
possível no cultivo e nada para aprimorar suas terras. Caso algum capital
seja acumulado nas mãos de um fazendeiro francês, o tributo funciona
quase como uma proibição de empregá-lo na terra. Além disso, supõe-se
que esse imposto desonre qualquer um que esteja sujeito a ele,
rebaixando-o não apenas a uma classe inferior à de cavalheiro, mas à de
um morador da cidade;349 todo aquele que arrenda as terras de outras
pessoas sujeita-se ao imposto. Nenhum nobre cavalheiro, nem mesmo
um morador da cidade que tenha capital, irá se submeter a tal
degradação.
Esse imposto, portanto, além de impedir que o capital acumulado na
terra seja empregado em seu aperfeiçoamento, também o repele. Os
antigos dízimos e décimo-quintos, tão comuns na Inglaterra em épocas
anteriores, parecem, na medida em que afetam a terra, ter sido impostos
da mesma natureza que o taille.350 Tendo em vista tantos
desencorajamentos, poucas melhorias poderiam ser esperadas dos
ocupantes das terras. Mesmo que as leis ofereçam liberdade e segurança,
essa classe de pessoas se vê obrigada a prosperar sob o jugo de muitas
desvantagens. O arrendatário, em comparação ao proprietário, é como
um comerciante que trabalha com dinheiro emprestado em comparação
a um que trabalha com o seu próprio. O capital de ambos pode aumentar,
mas o do primeiro — conduzindo igualmente bem os seus negócios —
deve sempre crescer mais lentamente do que o do outro, pois grande
parte dos seus lucros é consumida pelos juros do empréstimo. Se as terras
cultivadas pelo arrendatário forem tão bem administradas quanto as do
proprietário, elas também serão aprimoradas mais lentamente do que as
cultivadas pelo proprietário, por causa da grande parcela dos produtos
consumida pelo arrendamento da terra, o qual, caso o agricultor fosse
proprietário, ele poderia ter aplicado no aprimoramento adicional das
terras. Além disso, a situação social de um arrendatário é, pela natureza
das coisas, inferior àquela de um proprietário. Na maior parte da Europa,
os camponeses são considerados como uma classe social inferior, mesmo
em relação aos melhores tipos de comerciantes e artífices, e, em toda a
Europa, aos grandes mercadores e mestres manufatureiros. Portanto, é
muito difícil vermos um homem com capital considerável abandonar sua
condição superior para juntar-se a uma inferior. Mesmo na Europa atual,
portanto, pouco capital possivelmente será deslocado de outra profissão
qualquer para a melhoria das terras por meio da agricultura. Talvez mais
na Grã-Bretanha do que em todo o outro país; ainda que, mesmo ali, os
grandes capitais — que em alguns outros lugares são aplicados na
agricultura — tenham sido geralmente adquiridos pela agricultura, cujo
capital, em comparação a todos os outros negócios, talvez seja o de
acumulação mais lenta. No entanto, depois dos pequenos proprietários,
as principais melhorias são realizadas pelos grandes e ricos agricultores,
que existem, talvez, em maior número na Inglaterra do que em qualquer
outra monarquia europeia. Dizem que nos governos republicanos da
Holanda e Berna, na Suíça, os agricultores não são inferiores aos da
Inglaterra.
Além de tudo isso, a antiga política da Europa era desfavorável às
melhorias e ao cultivo da terra, fossem eles realizados pelo proprietário
ou pelo fazendeiro; em primeiro lugar, pela proibição geral da exportação
de cereais sem uma licença especial, que parece ter sido uma
regulamentação muito universal; e, em segundo lugar, pelas restrições
que foram impostas sobre o comércio interno, não apenas de cereais, mas
de quase todos os outros produtos rurais, por leis absurdas contra os
açambarcadores, atravessadores e intermediários, e pelos privilégios de
feiras e mercados. Já observamos como a proibição da exportação de
cereais, aliada a algum incentivo à importação de cereais estrangeiros,
obstruiu o cultivo na Itália antiga: o país naturalmente mais fértil da
Europa e, naquele tempo, a sede do maior império do mundo. Assim,
talvez não seja muito fácil percebermos até que ponto as restrições sobre
o comércio interno de cereais, aliadas à proibição geral imposta sobre sua
exportação, podem ter desestimulado o cultivo em países menos férteis e
com circunstâncias menos favoráveis.
CAPÍTULO III
A ASCENSÃO E O PROGRESSO DAS CIDADES E DOS
POVOADOS APÓS A QUEDA DO IMPÉRIO ROMANO
Após a queda do Império Romano, os habitantes das cidades e dos
povoados ficaram tão mal amparados quanto os habitantes do campo.
Eles eram, de fato, uma classe de pessoas muito diferentes dos primeiros
habitantes das antigas repúblicas da Grécia e da Itália. As antigas
repúblicas eram compostas principalmente por proprietários de terras
entre os quais o território público havia sido originalmente dividido e
que acharam conveniente construir casas avizinhadas, cercando-as com
um muro em prol da defesa comum. Após a queda do Império Romano,
pelo contrário, os proprietários de terras parecem ter vivido geralmente
em castelos fortificados, construídos em suas propriedades e em meio aos
ocupantes de suas terras e seus dependentes.351 Os principais habitantes
das cidades eram os comerciantes e os artesãos que, naqueles tempos,
pareciam viver em estado servil ou em condição semelhante. A concessão
de privilégios que encontramos em antigas cartas concedidas aos
habitantes de algumas das principais cidades da Europa é suficiente para
nos mostrar em que condições eles viviam antes das concessões. Os
privilégios recebidos mostram que, antes dessas concessões, as pessoas na
cidade deviam viver no mesmo estado (ou em estado semelhante) de
vilania que viviam os ocupantes de terras rurais, enquanto agora eles
poderiam entregar suas filhas em casamento sem consentimento do
senhor; após a morte, seus bens seriam herdados por seus próprios filhos,
e não pelo senhor; e poderiam dispor sobre os efeitos de sua sucessão por
testamento.352
Sem dúvida, parecem ter sido pessoas muito pobres, acostumadas a
viajar com seus bens de um lugar para outro e de uma feira para outra,
como os mascates e vendedores ambulantes dos tempos atuais. Em todos
os países da Europa, assim como ocorre em vários governos tártaros da
atual Ásia, os impostos costumavam ser cobrados sobre as pessoas e os
bens dos viajantes, sempre que passavam por certos domínios, quando
atravessavam certas pontes, quando, em uma feira, transportavam seus
bens de um lugar para outro, quando montavam um estande ou uma
barraca na feira. Esses impostos eram conhecidos na Inglaterra pelos
nomes de passage, pontage, lastage e stallage.353 Às vezes o rei, às vezes
um grande senhor tinha autoridade para conceder a alguns comerciantes,
especialmente àqueles que viviam em seus domínios, uma isenção geral
dessas taxas.
Embora em outros aspectos esses comerciantes vivessem em
condições servis (ou quase servis), ainda assim eram chamados de
comerciantes livres por causa dessas isenções. Em troca, eles geralmente
pagavam ao seu protetor uma espécie de imposto pessoal e anual.
Naqueles tempos, raramente se concedia alguma proteção sem uma
valiosa compensação, e essa taxa talvez possa ser considerada como a
compensação àquilo que seus senhores perderiam se fossem isentos de
outros impostos. No início, tanto esse imposto anual (poll tax) quanto as
isenções parecem ter sido completamente pessoais e parecem ter afetado
apenas indivíduos particulares, fosse durante toda a vida deles, fosse
enquanto seus protetores assim os quisessem manter. Nos relatos
bastante incompletos do Domesday Book354 sobre várias cidades da
Inglaterra, há menções frequentes aos impostos, pagos por certas pessoas
da cidade, quer ao rei, quer a algum outro grande senhor, para obter esse
tipo de proteção; e também ao valor total de todos os impostos.355
Independentemente do quão servil tenha sido a condição original dos
habitantes das cidades, parece evidente que eles obtiveram liberdade e
independência muito antes que os habitantes do campo. A parte da
receita da coroa originada desses impostos anuais e pessoais (poll taxes)
das cidades costumava, por um determinado período, ser arrendada por
uma renda fixa, sob administração do xerife do condado ou de outras
pessoas que, em contrapartida, recebiam uma renda fixa.
Os próprios moradores da cidade costumavam deter crédito
suficiente para que pudessem ser aceitos como administradores das
receitas obtidas dessa forma pela própria cidade e, assim, tornarem-se
conjunta e solidariamente responsáveis pela receita total.356 Acredito que
esse tipo de arrendamento de tributos deve ter sido adotado pelos
soberanos de todos os países da Europa, que costumavam entregar
feudos inteiros a todos os arrendatários daqueles feudos, que se tornavam
conjunta e solidariamente responsáveis por toda a renda; mas, em troca,
eles podiam recolhê-la de sua própria maneira e pagá-la ao tesouro real
por intermédio de seu próprio representante, ficando, assim,
completamente livres da insolência dos funcionários do rei; uma
circunstância considerada de grande importância na época.
No início, é provável que o arrendamento dos tributos tenha sido
entregue aos habitantes da cidade da mesma forma que ocorria em
outros foros, isto é, por um número certo de anos. Com o passar do
tempo, no entanto, parece ter-se tornado a prática geral conceder-lhes o
arrendamento como propriedade absoluta (in fee), isto é, para sempre,
retendo uma renda certa cujo valor nunca mais seria aumentado. Assim
que o pagamento se tornou perpétuo, em troca também se tornaram
perpétuas as isenções. Estas, portanto, deixaram de ser pessoais e, assim,
não poderiam mais ser consideradas como pertencentes aos indivíduos
como indivíduos, mas como moradores de uma certa cidade (ou burgo)
que, por essa razão, passou a ser chamada de cidade livre (burgo livre),
pela mesma razão que anteriormente as pessoas haviam sido chamadas
de cidadãos (burgueses livres) ou comerciantes livres.357
Junto com essa concessão, conferiam-se aos cidadãos dos burgos os
importantes privilégios mencionados, isto é, entregar suas próprias filhas
em casamento, sucessão de seus bens aos próprios filhos e livre
disposição sobre os efeitos de sua sucessão por testamento. Não sei se
esses privilégios eram anteriormente concedidos a moradores específicos
da cidade juntamente com a liberdade de comércio. Não me parece
improvável que isso tenha acontecido, mas não tenho evidências dessa
prática. Independentemente de como isso tenha ocorrido, após terem
sido afastados os principais atributos da vilania e da servidão, eles agora,
pelo menos, eram livres em nosso sentido atual da palavra liberdade.
Mas isso não foi tudo. Os habitantes também passavam a integrar
uma associação ou uma corporação com o privilégio de ter magistrados e
um conselho municipal próprios, de instituir leis para sua própria
administração, de construir muros para sua própria defesa e de submeter
todos os seus habitantes a uma espécie de disciplina militar, obrigando-os
a vigiar, isto é, a guardar e defender essas muralhas de dia e de noite
contra todos os ataques e surpresas. Na Inglaterra, eles estavam
geralmente isentos de comparecer a outros tribunais regionais; assim,
todos os litígios que surgissem entre eles, exceto os litígios com a coroa,
eram decididos por seus próprios magistrados. Em outros países, a
jurisdição a eles garantida era muito mais ampla e extensa.358
Talvez tenha se tornado necessário estabelecer nas cidades que
adquiriram permissão de tributar as suas próprias receitas algum tipo de
jurisdição compulsória para obrigar seus próprios cidadãos a pagar.
Naqueles tempos desordenados, poderia ter sido extremamente
inconveniente que esse tipo de justiça tivesse de ser obtido junto a
qualquer outro tribunal. Talvez pareça muito estranho que os soberanos
de todos os países da Europa tenham decidido que, em troca de uma
renda fixa que nunca mais seria aumentada, cederiam o ramo de suas
receitas que parecia ser o mais suscetível de ser aumentado pelo curso
natural das coisas sem nenhuma despesa ou atenção de seus próprios
funcionários; e que, agindo assim, esses mesmos soberanos tenham,
dessa forma, voluntariamente criado algo parecido com repúblicas
independentes no coração de seus próprios domínios.359
Para que esse tema seja bem compreendido, devemos nos lembrar de
que, naqueles tempos, nenhum soberano de um país europeu era capaz,
em toda a extensão de seus domínios, de proteger os seus súditos mais
fracos da opressão dos grandes senhores. Aqueles que a lei não protegia e
que não tinham força para se defender foram obrigados a recorrer à
proteção de algum grande senhor; e, para tanto, precisaram se tornar
escravos ou vassalos; ou então precisaram filiar-se a uma liga de defesa
mútua para se proteger. Individualmente, cada habitante das cidades e
burgos não tinha poder para se defender: mas, ao se filiar a uma liga de
defesa mútua com seus vizinhos, tornava-se capaz de opor uma
resistência nada desprezível. Os senhores não gostavam dos habitantes
dos burgos, a quem não consideravam apenas como uma classe diferente,
mas como um grupo de escravos emancipados, quase como uma espécie
diferente de si mesmos. A riqueza dos burgueses sempre provocava o
ressentimento e a indignação dos senhores e, por isso, sempre que
tinham a oportunidade, eles os saqueavam sem misericórdia nem
remorso. Os burgueses naturalmente odiavam e temiam os senhores. O
rei também os odiava e os temia; embora ele talvez pudesse desprezar os
burgueses, pois não tinha nenhum motivo para odiá-los ou temê-los. O
interesse mútuo, portanto, os dispunha a apoiar o rei e o rei a apoiá-los
contra os senhores.360 Os burgueses eram os inimigos de seus inimigos; e
ao rei interessava vê-los seguros e independentes daqueles inimigos. Ao
conceder-lhes o direito de nomear seus próprios magistrados, o
privilégio de fazer leis para o seu próprio governo e de construir muros
para a sua própria defesa e o direito de submeter todos os seus habitantes
a uma espécie de disciplina militar, o monarca fazia o que estava ao seu
alcance para que pudessem ficar seguros e independentes dos barões.
Sem o estabelecimento de um governo assim estável, sem nenhuma
autoridade para obrigar seus habitantes a agir de acordo com algum
plano ou sistema determinado, nenhuma liga voluntária de defesa mútua
conseguiria lhes oferecer segurança permanente nem lhes permitiria dar
ao rei qualquer tipo de apoio. O rei, ao lhes conceder a coleta de seus
próprios tributos, afastou daqueles que pretendia ter como amigos — e,
poderíamos dizer mais, como aliados — toda e qualquer base que
pudesse gerar ressentimento e suspeita de que a intenção futura do
monarca era oprimi-los, quer pelo aumento do valor do arrendamento de
atributos, quer concedendo o arrendamento a algum outro coletor.
Os monarcas cujo relacionamento com os barões era pior parecem ter
realizado as concessões mais generosas aos seus burgos. O rei João da
Inglaterra,361 por exemplo, parece ter sido um benfeitor extremamente
munificente de suas cidades.362 O rei Filipe I da França363 perdeu toda a
autoridade que tinha sobre os seus barões. De acordo com o padre
Daniel, no final de seu reinado, seu filho Luís, conhecido posteriormente
pelo nome de Luís, o Gordo,364 consultou os bispos dos domínios reais
em busca dos meios mais adequados para conter a violência dos grandes
senhores. O conselho dos bispos consistia em duas propostas diferentes.
Uma delas era a construção de uma nova ordem jurisdicional,
estabelecendo magistrados e um conselho municipal em cada cidade de
tamanho considerável de seus domínios. A outra era a formação de uma
nova milícia, para que os habitantes daquelas cidades, sob o comando de
seus próprios magistrados, oferecessem ajuda ao rei sempre que
necessário. De acordo com os estudiosos franceses do passado, devemos
situar a instituição de magistrados e conselhos municipais na França a
partir desse período. Foi durante os reinados desafortunados dos
príncipes suevos que a maior parte das cidades livres da Alemanha
recebeu as primeiras concessões de privilégios; durante esse mesmo
período a Liga Hanseática começou a se tornar grandiosa.365
Parece que, naqueles tempos, as milícias das cidades não eram
inferiores às dos campos; e, já que era mais fácil reunir rapidamente as
milícias urbanas em situações de emergência, elas costumavam ter
vantagem nas disputas com os senhores da vizinhança. Em países como a
Itália e a Suíça, nos quais o soberano havia perdido toda a autoridade —
por conta da sua distância da sede principal do governo, da força natural
do próprio país ou de alguma outra razão —, as cidades geralmente se
tornaram repúblicas independentes e conquistaram toda a nobreza de
sua vizinhança; obrigando-a a destruir seus castelos rurais e a viver nas
cidades como os outros habitantes pacíficos. Em resumo, essa é a história
da República de Berna, assim como de diversas outras cidades suíças.
Com a exceção de Veneza, cuja história é um pouco diferente das outras,
esta é a história de todas as repúblicas italianas importantes que em tão
grande número surgiram e desapareceram entre o fim do século XII e o
início do XVII.
Em países como a França ou a Inglaterra, onde a autoridade do
soberano, embora frequentemente muito diminuída, nunca foi destruída
por completo, as cidades não tiveram oportunidade de se tornar
totalmente independentes. Elas, no entanto, se tornaram tão importantes
que, sem o consentimento delas, ao soberano não era possível aplicar
outros tributos senão o já mencionado aforamento das rendas da cidade.
Então, elas eram convidadas a enviar seus representantes para uma
assembleia geral dos Estados do reino, onde se juntariam ao clero e aos
barões para discutir a concessão de alguma ajuda extraordinária ao rei.
Por serem geralmente muito mais favoráveis ao poder da coroa, parece
que o rei utilizava os representantes das cidades nas assembleias como
um contrapeso à autoridade dos grandes senhores. Essa é a origem da
representação dos burgos nos Estados Gerais de todas as grandes
monarquias europeias.
A ordem, o bom governo e, junto com eles, a liberdade e a segurança
dos indivíduos foram, dessa forma, estabelecidos nas cidades em um
momento em que os ocupantes de terras rurais estavam expostos a todo
tipo de violência. Mas quando há falta de segurança, as pessoas se
contentam naturalmente com a sua subsistência necessária, pois apenas o
fato de tentarem adquirir algo a mais já poderia atrair a injustiça de seus
opressores. Por outro lado, quando se sentem seguras para usufruir os
frutos de seu trabalho, elas se esforçam naturalmente e o empregam para
melhorar sua condição e para obter não apenas os bens de primeira
necessidade, mas também as comodidades e as elegâncias da vida. Por
essa razão, o esforço que visa algo além da subsistência necessária surgiu
nas cidades muito antes de se tornar comum no campo. Se um cultivador
pobre e oprimido pela servidão do feudo conseguisse acumular algum
pequeno capital, ele, naturalmente, o esconderia com muito cuidado de
seu senhor (a quem de outro modo teria pertencido) e, na primeira
oportunidade que encontrasse, fugiria para uma cidade. A lei era naquela
época tão indulgente com os habitantes das cidades e se desejava tanto
diminuir a autoridade dos senhores rurais que, se uma pessoa
conseguisse se esconder da busca de seu senhor em uma cidade por um
ano, seria livre para sempre. Portanto, o capital acumulado pelo grupo de
pessoas industriosas do campo (em oposição às ociosas) foi naturalmente
levado para as cidades, pois eram os únicos santuários em que o capital
estaria seguro para a pessoa que o adquiriu.
É verdade que os habitantes da cidade acabam sempre tirando do
campo a sua subsistência, bem como as matérias-primas e os meios de
seu trabalho. Mas os de uma cidade situada perto do mar ou às margens
de um rio navegável não são necessariamente obrigados a obtê-los nas
áreas rurais vizinhas. Eles têm à disposição possibilidades muito mais
amplas e podem buscá-los nos cantos mais remotos do mundo, seja em
troca de produtos manufaturados de seu próprio trabalho, seja realizando
o serviço de transporte entre dois países distantes, trocando os produtos
de um país pelos produtos do outro. Desse modo, podia acontecer de
uma cidade conseguir grandes riquezas e esplendor enquanto sua área
rural e seus parceiros comerciais estivessem em grande pobreza e
miséria. Cada um desses países, talvez, tomados individualmente,
somente conseguiria dispor de uma pequena parte de sua subsistência ou
trabalho; mas todos eles em conjunto conseguiriam dispor de muitos
alimentos e trabalho. Entretanto, no estreito círculo comercial daqueles
tempos, existiam alguns países ricos e industriosos. Assim foi o império
grego durante a sua existência e o dos sarracenos durante a dinastia dos
abássidas. Esse também foi o caso do Egito até ser conquistado pelos
turcos, bem como o de algumas partes da Costa Berbere366 e de todas as
províncias da Espanha governadas pelos mouros.367
Na Europa, as cidades italianas parecem ter sido as primeiras a atingir
algum grau importante de riqueza pelo comércio. A Itália estava no
centro do que era considerado, naquela época, a região mais
desenvolvida e civilizada do mundo. Embora as Cruzadas tenham
necessariamente retardado o progresso da maior parte da Europa com
grande desperdício de capital e destruição de populações, elas foram
extremamente favoráveis ao progresso de algumas cidades italianas. Os
grandes exércitos que marchavam de todos os cantos para a conquista da
Terra Santa deram um extraordinário incentivo aos serviços de
transporte realizados por Veneza, Gênova e Pisa, às vezes, transferindo-
os e sempre fornecendo-lhes provisões. Tais cidades eram, por assim
dizer, intendências daqueles exércitos; assim, o frenesi mais destrutivo
que já se abateu sobre as nações europeias constituía uma fonte de
riqueza para essas repúblicas.
Os habitantes das cidades comerciais, ao importar os produtos
manufaturados melhorados e os caros artigos de luxo vindos de países
mais ricos, alimentavam a vaidade dos grandes proprietários, que
ansiosamente compravam esses bens e os pagavam com grandes
quantidades de matérias-primas retiradas de suas próprias terras. Como
consequência, o comércio de uma grande parte da Europa consistia
principalmente na troca de sua própria matéria-prima pelo produto
manufaturado de nações mais civilizadas. Assim, a lã da Inglaterra
costumava ser trocada pelos vinhos da França e pelos panos finos de
Flandres, da mesma forma que os cereais da Polônia são atualmente
trocados pelos vinhos e aguardentes da França e pelas sedas e veludos da
França e da Itália.
Assim, o comércio exterior introduziu um gosto pelas manufaturas
mais refinadas e modernas em países em que esse tipo de trabalho não
era realizado. Mas, quando esse gosto se tornou tão generalizado a ponto
de gerar uma grande demanda, os comerciantes, para economizar com as
despesas de transporte terrestre, passaram naturalmente a estabelecer
algumas manufaturas do mesmo tipo em seu próprio país. Daí a origem
das primeiras manufaturas para venda de produtos a locais distantes que
parecem ter sido estabelecidas nas províncias ocidentais da Europa após
a queda do Império Romano.
Devemos observar que nunca ocorreu de um país grande ter existido
sem algum tipo de manufatura; e, quando se diz que um país não possui
manufatura, o que se quer realmente dizer é que esse país não possui
manufatura de produtos mais refinados e aperfeiçoados, ou de bens que
possam ser vendidos a regiões distantes. Nos grandes países, tanto o
vestuário quanto o mobiliário doméstico da grande maioria do povo são
produtos de sua própria indústria. Tal afirmação vale muito mais para os
países pobres que dizemos não ter manufaturas do que para os ricos que
possuem muitas manufaturas. Geralmente encontraremos nos vestuários
e nos mobiliários domésticos das classes mais baixas deste último tipo de
país uma proporção muito maior de produtos estrangeiros do que nos do
primeiro tipo.
As manufaturas que podem ser vendidas a lugares distantes parecem
ter sido introduzidas de duas maneiras diferentes.
Às vezes, conforme dito anteriormente, foram introduzidas pela
operação agressiva, por assim dizer, dos capitais de certos comerciantes e
empresários, que as fundavam, imitando alguma manufatura estrangeira
do mesmo tipo. Como consequência, essas manufaturas são filhas do
comércio exterior, como, por exemplo, as antigas manufaturas de seda, de
veludo e de brocados que floresceram em Luca368 durante o século XIII.
Elas foram banidas de lá pela tirania de um dos heróis de Maquiavel:369
Castruccio Castracani. Em 1310, novecentas famílias foram expulsas de
Luca; dessas, 31 foram para Veneza e, ali, se ofereceram para instalar a
manufatura da seda.370 A oferta foi aceita; muitos privilégios foram
conferidos a elas e, assim, iniciou-se a manufatura com trezentos
trabalhadores. O mesmo parece também ter ocorrido com a manufatura
de tecidos finos, a qual floresceu na antiga Flandres e foi, no início do
reinado de Isabel I, introduzida na Inglaterra; e essa é a situação das
atuais manufaturas de seda de Lyon e Spitalfields. As manufaturas assim
instaladas, por serem imitações de manufaturas estrangeiras, geralmente
utilizam matérias-primas estrangeiras. Quando foram instaladas em
Veneza, sua matéria-prima era toda trazida da Sicília e do Levante. A
manufatura mais antiga de Luca também utilizava matéria-prima
estrangeira. O cultivo de amoreiras e a criação de bichos-da-seda
parecem não ter sido comuns no norte da Itália antes do século XVI.
Essas artes somente chegaram à França durante o reinado de Carlos IX.
As manufaturas de Flandres trabalhavam principalmente com lãs
espanholas e inglesas. A lã espanhola não foi a matéria-prima da
primeira manufatura de lã da Inglaterra, mas da primeira capaz de
realizar vendas a locais distantes. Atualmente, mais da metade da
matéria-prima da manufatura de Lyon é constituída pela seda
estrangeira; assim que foi instalada, ela era inteiramente, ou quase
inteiramente, estrangeira. Provavelmente nenhuma parte da matéria-
prima de manufatura de Spitalfields jamais poderá ser produzida na
Inglaterra. Essas manufaturas são projetadas por apenas alguns
indivíduos e, por isso, às vezes são estabelecidas em uma cidade litorânea,
às vezes em uma cidade do interior, de acordo com a determinação de
seus interesses, julgamentos ou caprichos.
Outras vezes, como se tivessem vida própria, as manufaturas para
venda a lugares distantes crescem naturalmente por meio de
refinamentos graduais daquelas manufaturas mais grosseiras realizadas
em agregados familiares e que devem sempre existir, mesmo nos países
mais pobres e primitivos. Essas manufaturas geralmente utilizam a
matéria-prima produzida pelo próprio país e parecem ter sido em
primeiro lugar refinadas e modernizadas em regiões mais internas que
estavam a uma distância considerável, mas não muito distante do mar ou
até mesmo de vias hídricas. Uma região interna que seja naturalmente
fértil e de fácil cultivo é capaz de produzir um grande excedente de
provisões que ultrapassam o que é necessário para a manutenção de seus
lavradores, e, por causa dos custos do transporte terrestre e da
inconveniência da navegação fluvial, costuma ter dificuldade para enviar
esse excedente ao estrangeiro. A abundância, portanto, torna as provisões
baratas e incentiva um grande número de trabalhadores a se estabelecer
nas vizinhanças, pois eles acreditam que ali o seu trabalho poderá lhes
fornecer um maior número de bens de primeira necessidade e
comodidades do que em outros lugares. Eles transformam em
manufaturas as matérias-primas produzidas pela terra e trocam seus
produtos acabados, ou — o que dá na mesma — o preço deles, por mais
materiais e provisões. Ao economizarem com as despesas de levar as
matérias-primas até as vias hídricas ou a algum mercado distante,
acrescentam novo valor à parte excedente da matéria-prima; os
lavradores, por sua vez, recebem em troca algo que lhes seja útil ou
apreciável, em condições mais simples do que as que existiam antes. Os
lavradores recebem um preço melhor por seu produto excedente e
podem comprar outras comodidades de que necessitem por preços mais
baixos. Assim, ambos ganham a possibilidade e são encorajados a
aumentar esse produto excedente por meio de novas melhorias e melhor
cultivo da terra; e, assim como a fertilidade da terra causou o nascimento
da manufatura, o progresso da manufatura reage sobre a terra,
aumentando ainda mais a sua fertilidade. No início, os manufaturadores
suprem apenas a sua vizinhança e, depois, conforme seu trabalho se
torna mais aprimorado e refinado, passam a suprir mercados mais
distantes. Enquanto as matérias-primas e mesmo a manufatura mais
grosseira só conseguem suportar as despesas de uma longa viagem por
terra com muitas dificuldades, as manufaturas aprimoradas e refinadas as
suportam facilmente. Esta última costuma, em um volume pequeno,
conter o preço de uma grande quantidade de matérias-primas. A peça de
um bom tecido, por exemplo, com apenas 80 libras-peso, contém em si o
preço não apenas de 80 libras-peso de lã, mas, às vezes, de vários
milhares de libras de cereais, a subsistência dos vários trabalhadores e a
manutenção de seus empregadores imediatos. Os cereais, que poderiam
com dificuldade ser transportados para o exterior em sua forma original,
são transportados facilmente para as regiões mais remotas do mundo
quando são vendidos como bens completamente manufaturados. Foi
dessa forma que as manufaturas de Leeds, Halifax, Sheffield, Birmingham
e Wolverhampton desenvolveram-se naturalmente, quase como se
tivessem vontade própria. Tais manufaturas foram geradas pela
agricultura. Em geral, na história moderna da Europa, sua extensão e sua
modernização têm sido posteriores às das manufaturas geradas pelo
comércio exterior. A Inglaterra já era famosa pela fabricação de tecidos
de boa qualidade feitos de lã espanhola mais de um século antes de as
manufaturas existentes hoje nos locais acima mencionados estarem aptas
a vender seus produtos no mercado estrangeiro. A extensão e
modernização destas últimas manufaturas não poderiam ter ocorrido
senão como consequência da extensão e do progresso (aperfeiçoamento)
da agricultura, que, conforme explicarei em seguida, são os últimos e
mais importantes efeitos do comércio exterior e das manufaturas
introduzidas imediatamente por eles.
Í
CAPÍTULO IV
A CONTRIBUIÇÃO DO COMÉRCIO DAS CIDADES PARA A
MELHORIA DO CAMPO
O crescimento e a riqueza das cidades comerciais e manufatureiras
contribuíram de três formas para o aprimoramento e o cultivo das
regiões a que pertenciam.
Primeiro, ao proporcionar um mercado amplo e imediato para o
produto bruto do campo, incentivaram seu cultivo e maior
aperfeiçoamento. Este benefício não se limitou às regiões agrícolas em
que estavam situadas, mas estendeu-se mais ou menos a todas aquelas
com as quais realizavam trocas comerciais. Proporcionavam a todas um
mercado para alguma parte de seu produto bruto ou manufaturado e,
consequentemente, ofereceram algum estímulo para a atividade e o
progresso de todas. No entanto, sua própria região agrícola, por estar
mais próxima, obteve necessariamente desse mercado o maior benefício.
Já que o transporte de seu produto é mais barato, os comerciantes podem
pagar um preço melhor aos lavradores e, além disso, vender mais barato
aos consumidores locais e aos de regiões mais distantes.
Em segundo lugar, a riqueza adquirida pelos habitantes das cidades
era frequentemente empregada na compra de terras postas à venda que,
em grande parte, não eram propriedades cultivadas. Os comerciantes, em
geral, têm a ambição de se tornar senhores de terra, ou senhores rurais, e,
quando conseguem, geralmente são as pessoas que mais aprimoram suas
terras. Um comerciante está acostumado a empregar seu dinheiro
principalmente em projetos rentáveis; já um mero senhor rural costuma
aplicá-lo principalmente em despesas. O primeiro vê seu dinheiro ir
embora e, novamente, voltar com lucro: já o outro, quando se separa de
seu dinheiro, raramente o vê voltar. Esses dois hábitos diferentes afetam
naturalmente o seu humor e disposição em todo tipo de negócio. O
comerciante costuma ser audacioso; o senhor rural, um empresário
tímido. O primeiro não tem medo de aplicar uma grande soma em
dinheiro para a melhoria de suas terras sempre que nota alguma
perspectiva provável de, em relação às despesas, elevar o valor de suas
propriedades. Já o outro, sempre que tem algum capital — e ele nem
sempre o tem — raramente se arrisca a empregá-lo dessa forma. Mas, no
caso incomum de ele realizar alguma melhoria, normalmente não o fará
com um capital, mas com o valor que consegue economizar de sua renda
anual. Qualquer um que tenha tido a sorte de viver em uma cidade
mercantil situada em um país atrasado deve ter notado com frequência
como as operações dos comerciantes são muito mais animadas que as
realizadas por simples senhores rurais. Além disso, os hábitos de classe
social, a ordem, a economia e a atenção a que os negócios mercantis
costumam expor os comerciantes os tornam muito mais aptos para
realizar quaisquer projetos de melhoria com lucro e sucesso.
Em terceiro lugar, e por último, o comércio e a manufatura
introduziram de forma gradual a ordem e o bom governo e, com eles, a
liberdade e a segurança individual dos habitantes do campo que,
anteriormente, viviam quase em um estado contínuo de guerra com seus
vizinhos e de dependência servil a seus superiores. Embora esses efeitos
tenham sido pouco observados, eles são de longe os mais importantes.
Pelo que sei, o senhor Hume é o único escritor que tomou conhecimento
disso até este momento.
Em um país sem comércio exterior nem qualquer tipo de manufatura
mais fina, um grande proprietário, não podendo trocar por nada a maior
parte dos produtos de suas terras que excedam a subsistência dos
agricultores, a consome em hospitalidades rústicas em sua própria casa.
Se o produto excedente é suficiente para manter cem ou mil homens, ele
não os poderá usar para nada mais senão sustentar esses cem ou mil
homens. Desse modo, ele está o tempo todo cercado por uma multidão
de serviçais e dependentes que não têm nada equivalente para dar em
troca de seu sustento; e, já que são alimentados somente pela
generosidade desse senhor, se veem obrigados a obedecer-lhe pela
mesma razão pela qual os soldados devem obedecer ao soberano que lhes
paga o soldo. Assim, antes de o comércio e a manufatura se ampliarem
por toda a Europa, a hospitalidade dos ricos e dos grandes, desde o
soberano até o mais ínfimo barão, excedia tudo o que é possível
imaginarmos atualmente. O Palácio de Westminster era a sala de jantar
de Guilherme II;371 e, possivelmente, talvez não fosse suficientemente
grande para todos os que o acompanhavam. Sobre a riqueza de Thomas
Becket,372 contava-se que ele espalhava no chão de seu salão feno ou,
durante a estação certa, juncos limpíssimos para que cavaleiros e
escudeiros (que não tinham cadeiras) não estragassem suas roupas finas
quando se sentassem no chão para jantar. Dizem que o grande conde de
Warwick recebia 30 mil pessoas todos os dias em suas várias
propriedades; e, embora esse número possa ter sido exagerado, a
quantidade de pessoas deve, no entanto, ter sido muito grande para que
esse exagero pudesse ser aceito. Uma hospitalidade quase do mesmo tipo
era realizada há não muitos anos em muitas partes das Terras Altas da
Escócia. Parece ser algo comum em todas as nações em que o comércio e
a manufatura são pouco conhecidos. “Eu vi”, diz o doutor Pocock, “um
chefe árabe jantando nas ruas de uma cidade onde tinha ido vender seu
gado; ele convidava todos os pedestres, mesmo os pedintes comuns, para
que se sentassem à mesa com ele e participassem de seu banquete”.
Em todos os aspectos, os ocupantes de terras eram tão dependentes
do grande proprietário como o eram os seus serviçais. Mesmo aquelas
pessoas que não viviam em vilania eram arrendatários a título precário
que pagavam uma renda que em nada equivalia à subsistência que as
terras lhes proporcionavam. Uma coroa, meia coroa, uma ovelha ou um
cordeiro eram, há alguns anos nas Terras Altas da Escócia, a renda
comum por uma parcela de terra capaz de sustentar uma família. Em
alguns lugares ainda é assim até hoje; e, atualmente, o dinheiro não
compra uma quantidade maior de produtos ali do que em outros lugares.
Em uma região cujo produto excedente de uma grande propriedade deva
ser consumido na própria propriedade, será mais conveniente para o
proprietário que parte dele seja consumida a uma certa distância de sua
própria casa, contanto que seja consumida por alguém tão dependente
dele como seus serviçais e servos domésticos. Pois, assim, ele evita o
embaraço de consumi-la com um grande séquito ou uma grande família.
Um arrendatário a título precário que possua uma quantidade suficiente
de terras para alimentar sua família por pouco mais que um quit-rent373 é
tão dependente do proprietário quanto seus servos, devendo também
obedecer-lhe sem restrições. Assim como esse proprietário alimenta seus
dependentes e servos em sua própria casa, ele também alimenta seus
arrendatários em suas casas. A subsistência de ambos depende da
generosidade do senhor de terras, e a manutenção dessa subsistência
depende unicamente de sua vontade.
Em tais condições, o poder dos antigos barões fundamentava-se nessa
autoridade que os grandes proprietários necessariamente tinham sobre os
que ocupavam suas terras (tenants) e seus dependentes (retainers). De
todos os que habitavam em suas propriedades, os senhores eram juízes
nos tempos de paz e líderes durante as guerras. Eles podiam manter a
ordem e executar a lei dentro de suas respectivas propriedades, porque
cada um deles era capaz de usar a força de todos os moradores contra a
injustiça de qualquer um. Nenhuma outra pessoa detinha autoridade
para isso. O rei, em particular, não a possuía. Naqueles tempos antigos,
ele era pouco mais do que o maior proprietário em seus domínios, a
quem os outros grandes proprietários respeitavam até certo ponto, para
manter a defesa comum contra seus inimigos comuns. Se o rei tentasse
cobrar por meio de sua própria autoridade uma pequena dívida dentro
das terras de um grande proprietário, onde todos os habitantes estavam
armados e ofereciam apoio uns aos outros, isso exigiria dele um esforço
semelhante ao de tentar acabar com uma guerra civil. Ele foi, então,
obrigado a entregar a administração da justiça de grande parte do país
para quem era capaz de administrá-la; e, pela mesma razão, teve que
deixar o comando das milícias a quem os soldados obedeciam.374
É um erro imaginar que aquelas jurisdições territoriais têm origem na
lei feudal. Não só as mais altas jurisdições civis e criminais, mas o poder
de alistar soldados, de cunhar moedas e até mesmo de publicar leis locais
para o governo de seu próprio povo eram direitos alodiais dos grandes
proprietários de terras que já existiam há vários séculos, antes mesmo de
o direito feudal ser conhecido na Europa por esse nome.375 Na Inglaterra,
parece que a autoridade e a jurisdição dos senhores saxões eram tão
grandes antes da conquista como a de qualquer um dos senhores
normandos depois dela. Mas o direito feudal não se tornaria a lei comum
da Inglaterra até depois da conquista. É fato que não admite qualquer
dúvida que, na França, a maior autoridade e as mais extensas jurisdições
pertenciam de forma alodial aos seus grandes senhores muito antes de o
direito feudal ser introduzido naquele país. Essa autoridade e essas
jurisdições originam-se obrigatoriamente das condições anteriormente
descritas em que se encontravam o direito de propriedade e os costumes.
Sem remontar às antiguidades remotas das monarquias francesas ou
inglesas, é possível encontrar em períodos mais tardios provas de que tais
efeitos devem sempre fluir de tais causas. Há menos de trinta anos, o
senhor Cameron de Lochiel, um cavalheiro de Lochaber, na Escócia, sem
nenhum mandado judicial, não sendo o que era então chamado um
“senhor de regalia”, nem mesmo um tenente, mas apenas um vassalo do
Duque de Argyll, e sem ser juiz, costumava exercer, não obstante, a mais
alta jurisdição criminal sobre seu próprio povo. Dizem que ele a aplicou
com bastante equidade, embora sem nenhuma das formalidades da
justiça; e não é improvável que a situação daquela parte do país naquele
tempo impusesse que ele assumisse esse cargo para manter a ordem
pública. Pois bem, esse cavalheiro, cuja renda nunca ultrapassou 500
libras por ano, levou consigo, em 1745, oitocentas pessoas de seu próprio
povo à rebelião.
A introdução do direito feudal pode ser considerada como uma
tentativa de moderar a autoridade dos grandes senhores de terras
alodiais, não de aumentá-la. Esse direito criou uma subordinação regular,
acompanhada de uma longa lista de serviços e deveres, que ia do rei até
os menores proprietários. Enquanto o proprietário não atingisse sua
maioridade legal, a renda, juntamente com a gestão de suas terras, ficava
nas mãos de seu superior imediato; a regra também valia para todos os
grandes proprietários, cujas terras ficavam nas mãos do rei, nesse caso; o
superior que ficava obrigado a alimentar e a educar o menor e, por sua
autoridade como guardião, supostamente detinha também o direito de
dispor sobre o casamento do tutelado, desde que não fosse de modo
inadequado para o seu nível social. Mas, embora essa instituição tendesse
necessariamente a fortalecer a autoridade do rei e a enfraquecer a dos
grandes proprietários, não conseguia impor nenhum dos dois objetivos
de forma suficiente para o estabelecimento da ordem e do bom governo
entre os habitantes do país, pois não era capaz de causar mudanças
suficientes naquele estado de propriedade e costumes que davam origem
às desordens. A autoridade do governo continuou ainda a ser como
antes: sua cabeça era demasiadamente fraca e seus membros inferiores,
demasiadamente fortes; a força excessiva dos membros inferiores era a
causa da fraqueza da cabeça. Após a instituição da subordinação feudal, o
rei, como antes, se manteve incapaz de conter a violência dos grandes
senhores. Eles ainda continuaram a fazer guerra uns contra os outros de
acordo com a sua própria discrição e de forma quase contínua; muito
frequentemente contra o rei; e o campo aberto continuava dominado pela
violência, a pilhagem e a desordem.
Mas tudo aquilo que a violência das instituições feudais nunca
conseguiu realizar ocorreu gradualmente pela operação silenciosa e
intangível do comércio exterior e da manufatura. Estes últimos ofereciam
aos grandes proprietários algo pelo qual poderiam trocar todo o produto
excedente de suas terras, e que eles próprios poderiam consumir sem
precisar compartilhá-lo com seus arrendatários ou dependentes. Em
todos os períodos de nossa história, o “tudo para nós e nada para os
outros” parece ter sido a máxima vil dos senhores da humanidade.
Portanto, assim que encontram um meio de consumir toda a sua renda,
eles perdem a vontade de compartilhá-la com quaisquer outras pessoas.
Por um par de fivelas de diamante, talvez, ou por algo igualmente frívolo
e inútil, eles trocavam a subsistência ou, o que dá na mesma, o preço da
subsistência de mil homens por um ano e, assim, também perdiam toda a
gravidade e autoridade que isso lhes ofereceria. Entretanto, as fivelas
seriam só deles e de nenhuma outra criatura humana; no sistema mais
antigo de gastos, eles teriam que partilhá-la com pelo menos mil pessoas.
Essa diferença era totalmente decisiva para aqueles que precisavam
escolher entre um ou outro; e para gratificar a mais infantil, a mais
mesquinha e a mais sórdida de todas as vaidades, eles, aos poucos,
venderam todo o seu poder e autoridade.376
Em um país sem comércio exterior nem manufaturas mais refinadas,
uma pessoa que disponha de 10 mil libras por ano não conseguirá aplicar
muito bem o seu rendimento de qualquer outra forma senão no sustento
de, talvez, mil famílias, as quais são obrigatoriamente comandadas por
ela. No estado atual da Europa, um homem que disponha de 10 mil libras
por ano poderá gastar todo o seu rendimento — e ele geralmente o faz —
sem conseguir sustentar diretamente vinte pessoas nem controlar mais de
dez lacaios sem muito valor. Indiretamente, ele talvez sustente o mesmo
número de pessoas ou mais do que ele conseguiria manter pelo antigo
sistema de gastos. Pois, embora a quantidade de preciosidades pelas quais
ele troca toda a sua receita seja muito pequena, o número de
trabalhadores empregados em sua coleta e preparação é necessariamente
muito grande. Seus preços altos geralmente derivam do salário de seu
trabalho e dos lucros de todos os seus empregadores imediatos. Ao pagar
esse preço, paga-se indiretamente todos os salários e lucros, e, portanto,
contribui-se indiretamente para o sustento de todos os trabalhadores e
seus empregadores. No entanto, o comprador contribui com uma
porcentagem muito pequena do sustento de cada um; um décimo para
alguns poucos, menos de um centésimo para não muitos, e para outros,
nem mesmo um décimo de milésimo de todo o seu sustento anual. Dessa
forma, embora ele contribua para o sustento de todos, eles são mais ou
menos independentes dele, pois, em geral, todos eles receberiam seu
sustento mesmo sem esse comprador específico.377
Quando os grandes proprietários de terra gastam suas rendas para
sustentar os ocupantes de suas terras e dependentes, cada um deles os
sustenta integralmente. Mas quando gastam sua renda com o sustento de
comerciantes e artesãos, eles talvez consigam sustentar em conjunto um
número tão grande ou, por conta dos gastos gerados pela hospitalidade
rústica, um número maior de pessoas do que antes. Cada um deles, no
entanto, tomado isoladamente, contribui com uma porção muito
pequena do sustento de uma pessoa qualquer desse conjunto maior. Cada
comerciante ou artesão obtém sua subsistência não de um cliente, mas de
cem ou mil. Embora esteja em certa medida obrigado a todos os seus
clientes, ele não depende totalmente de nenhum deles.
Tendo em vista que, desse modo, as despesas pessoais dos grandes
proprietários foram aumentando gradualmente, seria impossível que o
número de seus serviçais não diminuísse gradualmente até que o último
deles fosse dispensado. A mesma causa os levou a dispensar
gradualmente os ocupantes desnecessários de suas terras (tenants). As
fazendas foram ampliadas, e os ocupantes da terra, não obstante as
queixas de despovoamento, foram reduzidos ao número necessário de
pessoas para cultivá-las, de acordo com as condições imperfeitas de
cultivo e técnicas daqueles tempos. Ao dispensar as bocas desnecessárias
e ao extrair dos fazendeiros o valor total da fazenda, o proprietário pôde
obter um excedente maior ou o preço de um excedente maior; os
comerciantes e fabricantes logo apresentaram uma forma para que os
donos de terras gastassem esse excedente com bens para si mesmos, da
mesma maneira como os haviam feito gastar o resto de suas rendas.
Continuando sob a influência da mesma causa, o dono de terras resolveu
aumentar suas rendas a um valor acima do que suas terras — na
condição de suas melhorias — poderiam proporcionar. Seus
arrendatários concordaram, mas impuseram uma única condição: a eles
deveria ser assegurada a posse da terra pelo tempo necessário para que
pudessem recuperar com lucro o valor que gastariam com as novas
melhorias. A cara vaidade do senhorio o dispôs a aceitar essa condição;
essa é a origem dos arrendamentos de longo prazo.378
Nem mesmo os arrendatários a título precário, que pagam o valor
integral da terra, são totalmente dependentes dos proprietários. As
vantagens pecuniárias que recebem uns dos outros são mútuas e iguais, e,
além disso, o arrendatário não exporá nem sua vida nem sua fortuna
para servir o proprietário. Mas se seu arrendamento é de longo prazo, ele
será completamente independente; e o dono das terras não poderá
esperar que o arrendatário realize nem mesmo o serviço mais
insignificante se não estiver expressamente estipulado no contrato de
arrendamento ou na lei comum e conhecida do país.
Após os ocupantes de suas terras (tenants) terem se tornado
independentes e os serviçais terem sido dispensados, os grandes
proprietários já não podiam mais interromper a execução regular da
justiça nem perturbar a paz do país. Tendo vendido seu direito de
primogenitura — não como Esaú, que o trocou por um prato de lentilhas
em tempos de fome e necessidade, mas durante o desvario da abundância
— em troca de bugigangas mais apropriadas como brinquedo de criança
do que pertencentes aos sérios objetivos humanos, eles se tornaram tão
insignificantes quanto qualquer burguês ou comerciante das cidades. Foi
estabelecido um governo regular tanto no campo como na cidade, sendo
que nenhum dos dois tinha poder suficiente para intervir nas operações
do outro.
Talvez não haja relação com o assunto, mas não posso deixar de
observar que, em países comerciais, são muito raras aquelas famílias
muito antigas que passam seus imóveis de tamanho considerável de pai
para filho durante muitas gerações sucessivas. Mas são muito comuns nos
países com pouco comércio, como é o caso do País de Gales ou das Terras
Altas da Escócia. As histórias árabes parecem estar cheias de genealogias;
há uma história escrita por um Khan tártaro, traduzida em várias línguas
europeias, que não contém praticamente nada além disso; uma prova de
que as famílias antigas são muito comuns entre essas nações. Nos países
em que uma pessoa rica somente pode gastar seu rendimento com o
sustento do maior número de pessoas possível, ela não costuma
ultrapassar isso, e sua benevolência raramente será tão grande a ponto de
tentar manter mais do que seus recursos lhe permitem. Mas nos lugares
em que se pode gastar a maior parte de sua receita consigo, não há limites
para gastos, pois a vaidade da pessoa — a afeição por sua própria pessoa
— também não tem limites. Portanto, nos países comerciais, apesar da
legislação mais forte para evitar a dilapidação do patrimônio, este
raramente permanece por muito tempo na mesma família. Entre as
nações simples, pelo contrário, não há necessidade de regulamentação
legal; pois a natureza consumível da propriedade das nações pastoris —
como as dos tártaros e árabes — necessariamente impossibilita a edição
desses regulamentos.
Duas classes diferentes de pessoas que não tinham a menor intenção
de servir o público provocaram, dessa forma, uma revolução
extremamente importante para a felicidade pública. Os grandes
proprietários desejavam apenas gratificar uma vaidade extremamente
pueril. Os comerciantes e os artesãos, muito menos ridículos, apenas
atuaram sob seus próprios interesses; seguiam o lema dos mascates:
ganhar dinheiro onde quer que o dinheiro esteja. Nenhuma das duas
classes podia prever a grande revolução que seria gradualmente causada
pela tolice de um e pelo trabalho do outro.379
Em quase toda a Europa, portanto, o comércio e a manufatura das
cidades não foram o efeito do desenvolvimento e do cultivo do campo,
mas sua causa.
Mas, já que essa é uma ordem contrária ao curso natural das coisas,
ela se torna obrigatoriamente lenta e incerta. Compare o progresso lento
dos países europeus cuja riqueza depende muito de seu comércio e
manufatura com os avanços rápidos de nossas colônias norte-americanas
cuja riqueza depende totalmente da agricultura. Enquanto não se espera
que o número de habitantes da maior parte da Europa dobre em menos
de 500 anos, descobriu-se que, em várias colônias norte-americanas, ele
dobrará em 20 ou 25 anos. Na Europa, a lei da primogenitura e muitos
outros tipos de perpetuidade evitam a divisão das grandes propriedades
e, assim, dificultam a multiplicação dos pequenos proprietários. O
pequeno proprietário, entretanto, que conhece cada canto de sua
pequena parcela de terra, que a vê com todo o afeto que a propriedade,
especialmente a pequena propriedade, naturalmente inspira e que, por
isso, considera prazeroso cultivá-la e decorá-la, costuma ser, em geral, de
todos os inovadores, o mais aplicado, o mais inteligente e bem-
sucedido.380 Além disso, as mesmas regulamentações deixam tanta terra
fora do mercado que há sempre mais capitais para comprar do que há
terra para vender; assim, o que se consegue vender é vendido sempre a
preço de monopólio. A renda não cobre nunca os juros do dinheiro da
compra, e, além disso, fica sobrecarregada com reparos e outros encargos
ocasionais a que não estão expostos os juros do dinheiro. Em toda a
Europa, a compra de terras é a aplicação menos lucrativa de um capital
pequeno. Ao se aposentar, uma pessoa de circunstâncias moderadas
pode, às vezes, querer aplicar seu pequeno capital em terras em busca de
uma maior segurança. Aqueles que têm uma profissão cujo rendimento é
derivado de outra fonte também preferem, muitas vezes, aplicar suas
economias em terras. Mas se um jovem, em vez de abraçar o comércio ou
alguma outra profissão, resolvesse aplicar um capital de 2 ou 3 mil libras
na compra e no cultivo de um pequeno lote de terra, ele teria a chance de
viver muito feliz e de forma muito independente, mas precisaria
abandonar para sempre toda e qualquer esperança de conseguir obter
uma grande fortuna ou um grande reconhecimento, que, caso aplicasse
seu capital de outra maneira, teria a mesma chance de adquirir que as
outras pessoas. Essa pessoa, embora não possa aspirar a ser um
proprietário, muitas vezes desdenhará sua condição de agricultor.
Portanto, a pequena quantidade de terra que é levada para o mercado e
seu preço elevado impedem que os capitais, não fossem essas barreiras,
sejam aplicados no cultivo e na melhoria das terras. Na América do
Norte, pelo contrário, costuma-se considerar 50 ou 60 libras como capital
suficiente para começar uma plantação. Ali, a compra e a melhoria da
terra não cultivada são a aplicação mais rentável dos pequenos e dos
grandes capitais; este também é o caminho mais curto para a obtenção de
toda a fortuna e reconhecimento possíveis de ser adquiridos naquele país.
De fato, na América do Norte, a terra pode ser obtida por quase nada ou
a um preço muito abaixo do valor de seu produto natural; isso é algo
impossível na Europa, ou, na verdade, em qualquer país onde todas as
terras já são propriedades privadas há muito tempo. Se, no entanto, as
propriedades fundiárias fossem divididas igualmente entre todos os
filhos após a morte de um proprietário qualquer que tivesse deixado uma
família numerosa, elas seriam vendidas normalmente. O mercado teria
tanta terra que o preço monopolista de venda teria de ser abandonado. A
renda líquida da terra se aproximaria mais dos juros do dinheiro que a
comprou; e, assim, seria possível aplicar um pequeno capital para
comprar terras de forma tão lucrativa quanto em qualquer outra
atividade.
A Inglaterra — tendo em vista a fertilidade natural de seu solo, sua
grande extensão costeira em relação ao tamanho do país, os muitos rios
navegáveis que a atravessam e garantem a conveniência do transporte
hídrico até as regiões mais internas do país — talvez seja mais bem-
adaptada pela natureza que qualquer outro grande país da Europa para
ser a sede do comércio exterior, da exportação de manufaturas e de todo
o progresso que podem gerar. Além disso, desde o início do reinado de
Isabel, o legislador inglês tem estado particularmente atento aos
interesses do comércio e da manufatura e, na realidade, não há país na
Europa (nem mesmo a Holanda é exceção) em que as leis sejam mais
favoráveis a essas atividades. O comércio e a manufatura tiveram
progressos contínuos durante todo esse período. E, sem dúvida, o cultivo
e as melhorias do campo também estão progredindo gradualmente, mas
parecem seguir lentamente e a distância o progresso mais acelerado do
comércio e da manufatura. É provável que grande parte do campo já
estivesse cultivada antes do reinado de Isabel; mas uma grande parte
ainda não foi cultivada, e o cultivo de uma parte muito maior é pior do
que poderia ser. O direito inglês, entretanto, favorece a agricultura não
somente indiretamente pela proteção do comércio, mas também por
meio de vários estímulos diretos. Exceto em tempos de escassez, a
exportação de cereais é livre e incentivada por subsídios. Em períodos de
abundância moderada, a importação de cereais é tão tributada que chega
a equivaler a uma proibição. A importação de gado vivo é sempre
proibida, exceto da Irlanda, de onde só recentemente foi permitida.
Aqueles que cultivam a terra, portanto, detêm contra seus compatriotas o
monopólio dos dois maiores e mais importantes produtos da terra, o
trigo e a carne de consumo. Embora esses estímulos talvez sejam
totalmente ilusórios, conforme mostrarei mais adiante, eles pelo menos
demonstram de forma clara a boa intenção do legislador em favor da
agricultura. Mas muito mais importante que isso é que os agricultores da
Inglaterra recebem toda a segurança, independência e respeitabilidade
que a lei pode lhes garantir. Portanto, nenhum país onde ainda existe o
direito de primogenitura, onde se pagam dízimos e onde as
perpetuidades, embora contrárias ao espírito da lei, sejam admitidas em
alguns casos, é capaz de oferecer maior incentivo à agricultura do que a
Inglaterra. E apesar de tudo isso, essa é a situação de seus campos
cultivados. Qual seria a situação atual se a lei não tivesse oferecido
incentivos diretos à agricultura e ela só tivesse recebido os incentivos
indiretos do progresso do comércio, e se os camponeses estivessem na
mesma condição que os da maioria dos outros países da Europa? Mais de
duzentos anos já se passaram desde o início do reinado de Isabel, um
período tão longo quanto costuma normalmente durar a prosperidade
humana.
Ao que parece, a França já detinha uma parcela importante do
comércio exterior cerca de um século antes de a Inglaterra se distinguir
como um país comercial. A marinha francesa era grande, de acordo com
as noções de uma época anterior à expedição de Carlos VIII a Nápoles.
Mas o cultivo e os aprimoramentos franceses são, em geral, inferiores aos
existentes na Inglaterra, pois suas leis nunca ofereceram o mesmo
incentivo direto à agricultura.
O comércio exterior da Espanha e de Portugal com outras partes da
Europa também é bastante grande, embora o transporte de seus produtos
seja realizado principalmente por navios estrangeiros. O comércio com
suas colônias é realizado com seus próprios barcos e é muito maior por
causa das grandes riquezas e do tamanho dessas colônias. Mas em
nenhum desses países o comércio deu início a nenhuma grande
manufatura para a venda de bens em mercados distantes; além disso,
grande parte das terras desses dois países ainda não é cultivada. Entre os
grandes países da Europa, o comércio exterior de Portugal é o mais
antigo, com exceção do da Itália.
A Itália é o único grande país da Europa que parece ter sido
totalmente cultivado e aprimorado por meio do comércio exterior e da
fabricação de manufaturas para a venda em mercados distantes. Antes da
invasão de Carlos VIII, a Itália, de acordo com Guicciardini,381 foi
cultivada tanto em suas regiões mais montanhosas e estéreis quanto nas
planícies mais férteis. A situação vantajosa do país e o grande número de
Estados independentes existentes naquele tempo na Itália provavelmente
tenham contribuído bastante para esse cultivo generalizado. Não
obstante a opinião de um dos mais judiciosos e reservados historiadores
modernos, é possível que a Itália ainda não estivesse em estado de cultivo
muito melhor que o da Inglaterra atual.
No entanto, o capital de um país qualquer, obtido pelo comércio e
pela manufatura, constituirá uma posse muito precária e incerta
enquanto uma parcela dele não estiver destinada ao cultivo e às
melhorias de suas terras. Diz-se de forma bastante apropriada que o
comerciante não é necessariamente cidadão de algum país específico.
Para ele, o local de exercício de seu comércio não faz muita diferença; e
qualquer problema, mesmo que muito insignificante, o fará transferir seu
capital — e todo o trabalho gerado por ele — de um país para outro. Não
se pode dizer que um capital pertença a um país específico até que ele se
espalhe por esse mesmo país, seja em edifícios ou na melhoria duradoura
de suas terras. Dizem que as cidades hanseáticas eram muito ricas, mas,
exceto pelas histórias obscuras dos séculos XIII e XIV, não há mais
vestígios dessa grande riqueza. Até mesmo a localização delas é incerta,
tampouco se sabe a que cidades europeias pertenciam os nomes latinos
dados a algumas delas. Mas, embora os infortúnios italianos do final dos
séculos XV e início do XVI tenham causado uma grande diminuição do
comércio e da manufatura das cidades da Lombardia e da Toscana, essas
regiões ainda são as mais populosas e mais bem cultivadas da Europa. As
guerras civis de Flandres e o governo espanhol que as sucedeu acabaram
com o grande comércio da Antuérpia, de Gante e de Bruges.
Mas Flandres continua a ser uma das províncias mais ricas, mais bem
cultivadas e mais populosas da Europa. As reviravoltas comuns da guerra
e do governo causam o rápido esgotamento das fontes de riqueza
advindas apenas do comércio. A riqueza originada de aperfeiçoamentos
mais sólidos da agricultura é muito mais duradoura e não pode ser
destruída, exceto por convulsões mais violentas ocasionadas pela
devastação de nações hostis e bárbaras que perduram por um ou dois
séculos, tais como aquelas que ocorreram nas províncias ocidentais da
Europa antes e depois da queda do Império Romano.
LIVRO IV
SISTEMAS DE ECONOMIA POLÍTICA
INTRODUÇÃO
A economia política, considerada como um ramo da ciência de um
estadista ou legislador, propõe dois objetos distintos: em primeiro lugar, a
oferta abundante de rendimentos ou subsistência ao povo, ou, de forma
mais apropriada, a capacitação de seus indivíduos para que eles próprios
obtenham esses rendimentos ou subsistência; e, em segundo lugar, o
provimento do Estado ou da commonwealth com receitas suficientes para
os serviços públicos. Ela propõe o enriquecimento tanto do povo quanto
do soberano.
Os diferentes desenvolvimentos da riqueza em diferentes países e
épocas fizeram surgir em diversos períodos e nações dois sistemas de
economia política que tinham como referência o enriquecimento do
povo. O primeiro pode ser chamado de sistema de comércio; o outro, de
sistema da agricultura. Tentarei explicar os dois sistemas da forma mais
clara possível e começarei pelo de comércio: este é o sistema moderno e é
mais bem conhecido em nosso próprio país e em nossa época.
CAPÍTULO I
PRINCÍPIO DO SISTEMA COMERCIAL OU MERCANTIL
Tendo em vista a dupla função do dinheiro como instrumento de
comércio e como medida de valor, surge naturalmente uma noção
popular de que a riqueza consiste em dinheiro ou em ouro e prata. Já que
o dinheiro é um instrumento de comércio, quando o temos em mãos
podemos obter os bens de que necessitamos de forma mais rápida do que
por meio de qualquer outra mercadoria. A grande dificuldade, sempre
achamos, é conseguir dinheiro. E quando o temos, não há nenhuma
dificuldade para realizar qualquer compra subsequente. Já que o dinheiro
é uma medida de valor, mensuramos o valor de todas as outras
mercadorias pela quantidade de dinheiro pela qual podem ser trocadas.
Dizemos que uma pessoa rica vale muito dinheiro e que uma pobre vale
muito pouco. Dizemos que uma pessoa frugal ou uma que deseja ser
muito rica ama o dinheiro; e que alguém descuidado, generoso ou
esbanjador é indiferente ao dinheiro. Enriquecer significa conseguir
dinheiro; e riqueza e dinheiro, em suma, são, em linguagem comum,
considerados sinônimos em todos os aspectos.
Da mesma forma que uma pessoa rica, um país rico tem
supostamente muito dinheiro; supõe-se também que a acumulação de
ouro e prata em um país é a maneira mais rápida de enriquecê-lo. Pouco
tempo após a descoberta da América, sempre que os espanhóis chegavam
a uma costa desconhecida qualquer, sua primeira pergunta costumava ser
se havia ouro ou prata na vizinhança. Dependendo da informação que
recebiam, decidiam se valia mais a pena estabelecer ali um assentamento
ou conquistar o país. Plano Carpini,382 um monge-embaixador enviado
pelo rei da França a um dos filhos do famoso Gengis Khan, diz que os
tártaros costumavam lhe perguntar se havia muitos bois e ovelhas no
Reino da França. Esse questionamento era semelhante ao dos espanhóis.
Queriam saber se o país era suficientemente rico para que uma conquista
valesse a pena. Entre os tártaros, como entre todas as outras nações
pastoris que, em geral, ignoram o uso do dinheiro, o gado é tanto um
instrumento de comércio quanto uma medida de valor. Portanto, a
riqueza, para eles, consistia em gado, enquanto para os espanhóis
consistia em ouro e prata. Das duas noções, a mais próxima da verdade
talvez fosse a tártara.
Segundo o senhor Locke, há uma distinção entre dinheiro e outros
bens móveis. Todos os outros bens móveis, diz ele, têm uma natureza tão
consumível que não há como confiar na riqueza gerada por esses bens;
assim, uma nação que os possua em abundância durante um ano pode
estar em grande carência no ano seguinte se nada exportar e apenas os
utilizar por desperdício e consumo próprio. O dinheiro, pelo contrário, é
um amigo estável que, embora circule de mão em mão, ainda assim, caso
seja possível garantir que fique no país, não se sujeita muito ao
desperdício e ao consumo. O ouro e a prata, portanto, são, de acordo com
Locke, a parte mais sólida e substancial da riqueza móvel de uma nação e,
por esse motivo, ele acredita que a multiplicação desses metais é o grande
propósito da economia política de um país.383
Outros admitem que, se fosse possível manter uma nação separada do
resto do mundo, a maior ou menor circulação de dinheiro não traria a ela
nenhuma consequência. Os bens de consumo que circulavam por meio
desse dinheiro só seriam trocados por um número maior ou menor de
moedas;384 mas a real riqueza ou a pobreza do país, dizem eles,
dependeria apenas da abundância ou da escassez daqueles bens de
consumo. Mas eles acreditam que o oposto ocorre aos países que têm
ligações com nações soberanas e que são obrigados a exercer guerras
estrangeiras, bem como manter frotas e exércitos em países distantes.
Pois isso, dizem, somente pode ser realizado pelo envio de dinheiro ao
exterior para pagá-los; e uma nação somente pode enviar muito dinheiro
ao exterior se, internamente, tiver bastante dinheiro em casa.385 Cada
uma dessas nações, portanto, deve se esforçar em tempo de paz para
acumular ouro e prata para, sempre que a ocasião exigir, ter meios para
realizar guerras externas.
Como consequência dessas noções populares, as várias nações da
Europa passaram a estudar, mesmo que em vão, todos os meios possíveis
de acumular ouro e prata em seus respectivos países. Portugal e Espanha,
os proprietários das principais minas que abastecem a Europa com esses
metais, proibiram a sua exportação por meio de penalidades mais severas
ou as sujeitaram a uma carga tributária considerável. Proibições
semelhantes parecem ter sido parte da antiga política de grande parte das
nações europeias. Podem, inclusive, ser encontradas onde menos
esperaríamos vê-las, como em alguns velhos atos do Parlamento escocês,
que proibiam o transporte de ouro ou prata para fora do Reino por meio
de penalidades severas. Política semelhante havia sido aplicada
antigamente na França e na Inglaterra.
Quando esses países se tornaram mercantis, os comerciantes, em
diversas ocasiões, passaram a considerar a proibição extremamente
inconveniente. Pois, com frequência, era mais vantajoso comprar os bens
estrangeiros desejados com ouro e prata do que com qualquer outra
mercadoria, quer fosse para importá-los para o seu próprio país, quer
fosse para transportá-los para algum outro país estrangeiro. Portanto, eles
argumentavam que a proibição prejudicava o comércio.
Em primeiro lugar, argumentavam que a quantidade de ouro e de
prata nem sempre diminuía com sua exportação para a compra de bens
estrangeiros. Mas que, pelo contrário, a compra costumava aumentar a
quantidade dos metais, pois, se o consumo de bens estrangeiros não
aumentasse, esses bens poderiam ser reexportados para outros países
estrangeiros, onde seriam vendidos com uma ampla margem de lucro,
devolvendo ao país exportador um tesouro muito maior do que aquele
originalmente enviado para a compra dos bens. O senhor Mun compara
essa operação de comércio exterior ao período entre a semeadura e a
colheita. “Se olharmos apenas”, diz ele, “o período de semeadura em que
o lavrador lança ao solo muitas sementes boas de cereal, poderíamos
achar que ele é mais louco do que lavrador. Mas quando levamos em
conta o trabalho realizado na colheita, que é a parte final de seus
empreendimentos, só então percebemos o grande valor de suas ações”.386
Em segundo lugar, argumentavam que a proibição não impediria a
exportação de ouro e prata, os quais, por conta de seu pequeno volume
em proporção ao seu valor, poderiam facilmente ser contrabandeados
para o exterior. Diziam que essa exportação somente poderia ser evitada
por meio de muita atenção ao que chamaram de balança de comércio.
Afirmavam, desse modo, que, quando o valor das exportações
ultrapassava o das importações, o saldo deveria ser pago ao país pelas
nações estrangeiras, necessariamente em ouro e prata, aumentando,
assim, a quantidade dos metais que circulavam no reino. Mas quando o
valor das importações ultrapassava o das exportações, o saldo deveria ser
pago ao estrangeiro, isto é, a balança se tornava desfavorável e o país
passava, da mesma maneira, a ser necessariamente devedor de ouro e
prata às nações estrangeiras, diminuindo a quantidade dos metais dentro
do reino.387 Nesse caso, diziam, proibir a exportação desses metais não
causaria nenhum tipo de impedimento, apenas tornaria a empreitada
mais perigosa e, por isso, aumentaria os preços do ouro e da prata.
Assim, o câmbio seria mais desfavorável ao país que tivesse uma balança
desfavorável: o comerciante que comprasse uma nota emitida por um
país estrangeiro seria obrigado a pagar ao banqueiro que a vendeu não
apenas os adicionais do risco natural, das dificuldades e das despesas de
se enviar o dinheiro para lá, mas também os do risco extraordinário
gerado pela proibição. Ocorre que, quanto mais o câmbio for
desfavorável ao país, mais a sua balança comercial será negativa ou
desfavorável, pois o dinheiro desse país obrigatoriamente desvaloriza-se
em comparação ao do país com balança comercial favorável. Assim, por
exemplo, se o câmbio entre a Inglaterra e a Holanda fosse de 5% contra a
Inglaterra, seriam necessárias 105 onças de prata inglesa para comprar
uma nota de crédito de 100 onças de prata holandesa; 105 onças de prata
na Inglaterra, portanto, valeriam apenas 100 onças de prata na Holanda e
comprariam somente uma quantidade proporcional de bens holandeses;
mas 100 onças de prata na Holanda, pelo contrário, valeriam 105 onças
na Inglaterra e comprariam uma quantidade proporcional de bens
ingleses. Assim, os bens ingleses que fossem vendidos à Holanda seriam
vendidos por preços mais baixos, e os bens holandeses que fossem
vendidos à Inglaterra, mais altos, conforme a diferença do câmbio; no
primeiro caso, menos dinheiro holandês seria enviado à Inglaterra; no
segundo, muito mais dinheiro inglês para a Holanda, conforme a
diferença do câmbio. A balança comercial, portanto, seria
obrigatoriamente muito mais desfavorável à Inglaterra e exigiria que um
maior saldo de ouro e prata fosse exportado para a Holanda.388
Esses argumentos eram em parte sólidos e em parte sofísticos. Eram
sólidos porque afirmavam que a exportação de ouro e prata no comércio
poderia, em muitos momentos, ser vantajosa para o país. Eram sólidos
também porque afirmavam que nenhuma proibição seria capaz de
impedir a sua exportação sempre que alguém a considerasse vantajosa.
Mas eles eram sofísticos quando supunham que a preservação ou o
aumento da quantidade de metais exigia mais atenção do governo do que
a preservação ou o aumento da quantidade de quaisquer outras
mercadorias úteis que a própria liberdade de comércio é capaz de
proporcionar ao mercado nas quantidades adequadas sem precisar de
qualquer atenção especial. Talvez também fossem sofísticos quando
afirmavam que o preço elevado do câmbio causava o aumento
obrigatório do que chamavam de balança comercial desfavorável ou
gerava a exportação de uma quantidade maior de ouro e de prata. Esse
preço elevado era, de fato, extremamente desvantajoso para os
comerciantes que precisavam realizar pagamentos em países estrangeiros.
Isso porque pagavam mais caro pelas ordens de pagamento que eram
emitidas por seus banqueiros contra aqueles países. Mas, embora o risco
decorrente da proibição possa dar origem a alguma despesa
extraordinária para os banqueiros, ele não retira uma maior quantidade
de dinheiro do país. Em geral, para retirar dinheiro do país, essa despesa
seria feita integralmente dentro do país e raramente exigiria a exportação
de sequer 1 centavo a mais que a soma precisa para saldar o débito. O
preço elevado do câmbio também encorajaria naturalmente os
comerciantes a se esforçar para que suas exportações quase
correspondessem às suas importações e para que pudessem pagar o
menor valor possível em razão desse câmbio mais alto. O alto preço do
câmbio, além disso, operaria necessariamente como um imposto,
aumentando o preço dos bens estrangeiros e, desse modo, diminuindo
seu consumo. Portanto, em vez de aumentar, tenderia a diminuir aquilo
que eles chamam de balança comercial desfavorável, e,
consequentemente, a exportação de ouro e prata.389
Entretanto, da forma como estavam construídos, aqueles argumentos
conseguiram convencer as pessoas a quem se dirigiam, e eram dirigidos
dos comerciantes para o Parlamento e para os conselhos dos reis, para os
nobres e para os senhores rurais, isto é, daqueles que supostamente
entendiam de comércio para aqueles que, conscientemente, sabiam que
nada entendiam do assunto. Que o comércio estrangeiro enriqueceu o
país, a experiência mostrou aos nobres, aos senhores rurais e aos
comerciantes, mas como, ou de que maneira, nenhum deles sabia bem.
Os comerciantes sabiam perfeitamente como o comércio os havia
enriquecido. Esse conhecimento era o seu negócio. Mas não fazia parte
do seu negócio saber como isso enriquecia o país. O tema nunca fez parte
de suas considerações, exceto quando precisaram que seu país
modificasse algumas leis relacionadas ao comércio externo. Só então
houve a necessidade de se dizer algo sobre os efeitos benéficos do
comércio externo e sobre a maneira como aqueles efeitos eram
obstruídos pelas leis que vigoravam naquele momento. Os juízes que
decidiriam sobre o tema consideraram satisfatórias as explicações
oferecidas, pois lhes foi dito que o comércio exterior traria dinheiro para
o país, mas que as leis em questão dificultavam a entrada de grandes
somas. Em consequência, os argumentos produziram o efeito desejado.
Na França e na Inglaterra, a proibição de exportar ouro e prata ficou
confinada à moeda desses dois países. A exportação de moedas
estrangeiras e de lingotes foi liberada. Na Holanda e em alguns outros
lugares, essa liberdade foi estendida até mesmo para as moedas do país.
O governo deixou de dar atenção à proibição da exportação de ouro e
prata e passou a vigiar o equilíbrio da balança de comércio, pois
acreditava que era a única causa do aumento ou da diminuição desses
metais. Uma atenção infrutífera foi trocada por outra muito mais
intricada, muito mais embaraçosa e igualmente infrutífera. O título do
livro de Mun, “O tesouro da Inglaterra pelo comércio externo”,
transformou-se em uma máxima fundamental da economia política, não
só da Inglaterra, mas de todos os outros países mercantis. O comércio
interno ou doméstico, o mais importante de todos, o comércio em que
um capital igual proporciona o maior rendimento e cria o maior número
de empregos para as pessoas do país, era considerado apenas subsidiário
ao comércio exterior.390 Diziam que ele não trazia dinheiro para o país e
nem o levava para fora. O país, portanto, nunca se tornaria mais rico nem
mais pobre por meio do comércio interno, exceto na medida em que a
sua prosperidade ou decadência pudesse influenciar indiretamente a
situação do comércio exterior.
Um país que não tem minas próprias deve, sem dúvida, buscar seu
ouro e sua prata nos países estrangeiros, da mesma forma que um país
sem vinhedos próprios faz com o vinho. Não parece necessário, no
entanto, que a atenção do governo se volte mais para um objeto que para
o outro. Um país que tem meios para comprar vinho sempre terá o vinho
que deseja; e um país que tem meios para comprar ouro e prata nunca
ficará sem esses metais. Como todas as outras mercadorias, eles devem
ser comprados por um determinado preço e, já que eles são o preço de
todas as outras mercadorias, então todas as outras mercadorias são o
preço desses metais. Podemos então ter certeza absoluta de que a
liberdade comercial, sem que o governo dê qualquer atenção a isso,
sempre nos suprirá com o vinho que desejamos; e podemos ter a mesma
certeza absoluta de que também nos suprirá com todo o ouro e prata que
pudermos comprar ou utilizar, seja na circulação de nossas mercadorias,
seja em outros usos.391
A quantidade de mercadoria que o trabalho humano é capaz de
comprar ou produzir regula-se naturalmente de acordo com a demanda
efetiva de cada país ou de acordo com a demanda daqueles que estão
dispostos a pagar toda a renda, o trabalho e os lucros que devem ser
pagos para transformá-la e levá-la ao mercado. Mas nenhuma
mercadoria se autorregula mais facilmente ou mais exatamente de acordo
com essa demanda efetiva do que o ouro e a prata; pois, por conta do
pequeno volume e grande valor desses metais, nenhuma mercadoria
pode ser mais facilmente transportada de um lugar para outro; dos
lugares em que são baratas para os locais em que são caras; dos lugares
onde são excedentes para os locais em que são inferiores à demanda
efetiva. Por exemplo, caso ocorra na Inglaterra uma demanda efetiva por
uma quantidade adicional de ouro, um barco poderia trazer de Lisboa ou
de qualquer outro lugar possível 50 tuns de ouro; com essa quantidade
seria possível cunhar mais de 5 milhões de guinéus. Por outro lado, caso
haja uma demanda efetiva pelo mesmo valor em grãos, sua importação, a
5 guinéus por tun, exigiria 1 milhão de tuns em transporte, ou mil navios
de 1.000 tuns cada um. Nem mesmo todos os navios da marinha inglesa
seriam suficientes.
Quando, em qualquer país, a quantidade de ouro e prata importada
excede a demanda efetiva, não há vigilância estatal que consiga impedir a
sua exportação. As muitas leis sanguinárias da Espanha e de Portugal não
são capazes de manter seu ouro e sua prata em casa. As importações
contínuas de prata e ouro do Peru e do Brasil excedem a demanda efetiva
daqueles países e derrubam o preço dos metais a valores menores que os
de seus vizinhos. Se, pelo contrário, a quantidade de metais de qualquer
país ficar abaixo da demanda efetiva, de modo a elevar o seu preço acima
daquele praticado nos países vizinhos, o governo não precisará tomar
nenhuma medida para importá-los. E mesmo que o governo tivesse de
assumir a proibição de sua importação, ele não seria capaz de realizar tal
feito. Quando os espartanos possuíam meios para comprar esses metais,
desobedecia-se a todas as leis impostas por Licurgo para impedir a sua
entrada na Lacedemônia. As sanguinárias leis alfandegárias não são
capazes de impedir a importação dos chás das Companhias Holandesa e
Sueca da Índia Oriental, pois o chá delas é um pouco mais barato que o
da Companhia Britânica. Uma libra-peso de chá, no entanto, é cerca de
cem vezes o volume de um dos preços mais altos, 16 xelins, que
normalmente se paga em prata por ela; e mais de 2 mil vezes o volume do
mesmo preço em ouro e, consequentemente, seu contrabando é
proporcionalmente mais difícil.392
A facilidade de se transportar o ouro e a prata dos lugares onde
abundam para onde são demandados é parte da causa pela qual o preço
desses metais não está em flutuação contínua, como ocorre com a maior
parte das outras mercadorias, cujo volume não permite que sejam
facilmente transportadas de um mercado para outro, conforme os
mercados estejam sobreabastecidos ou subabastecidos delas. Na verdade,
o preço desses metais também está sujeito a variações, mas elas são
geralmente lentas, graduais e uniformes. Na Europa, por exemplo, supõe-
se — talvez sem um fundamento muito sólido — que, no decurso do
século passado e do presente, o valor dos metais foi diminuindo de forma
constante por conta das frequentes importações das Índias Ocidentais
espanholas. Mas, para se realizar uma mudança repentina no preço do
ouro e da prata para que eleve ou diminua imediatamente e de forma
perceptível o preço do dinheiro de todas as outras mercadorias, é preciso
que haja uma revolução comercial, tal como aquela gerada pela
descoberta da América.393
Se, não obstante tudo isso, faltassem ouro e prata em um momento
qualquer a um país que possua meios para comprá-los, haveria uma
quantidade de expedientes para substituí-los muito maior que as
existentes para a substituição de quaisquer outras mercadorias. Se há falta
de matérias-primas para as manufaturas, as atividades devem parar. Se há
falta de provisões, há fome generalizada. Mas, não havendo dinheiro, é
possível substituí-lo pelo escambo, mesmo que este traga consigo muitas
inconveniências. A compra e a venda a crédito, tendo diferentes
comerciantes que compensem seus créditos uns com os outros uma vez
por mês ou uma vez por ano, seriam uma substituição com menos
inconveniências. O papel-moeda bem regulamentado poderia substituí-
lo, livrando-se das inconveniências e ganhando algumas vantagens. De
todo modo, portanto, a atenção do governo nunca foi tão desnecessária
como quando é empregada para vigiar a preservação ou o aumento da
quantidade de ouro e prata em qualquer país.
No entanto, não há reclamação mais comum do que a da escassez de
dinheiro. O dinheiro, assim como o vinho, sempre será escasso a quem
não tem meios para comprá-lo nem crédito para tomá-lo emprestado. A
quem possui os dois raramente faltará o dinheiro ou o vinho que deseja.
Entretanto, a reclamação de falta de dinheiro nem sempre se restringe
aos gastadores imprudentes. Ela, às vezes, é feita por toda uma cidade
mercantil e sua zona rural. Uma de suas causas comuns é o excesso de
transações comerciais. Assim, como os pródigos cujas despesas são
desproporcionais aos rendimentos, as pessoas prudentes com
empreendimentos desproporcionais aos seus capitais estão igualmente
propensas a não ter nem meios para comprar dinheiro nem crédito para
tomá-lo emprestado. Antes mesmo de seus projetos começarem a dar
frutos, seu capital já acabou, e, junto com ele, o seu crédito. Recorrem a
todos os lugares em busca de dinheiro emprestado, mas só ouvem
recusas daqueles que dizem nada ter. Mesmo essas queixas gerais da
escassez de dinheiro nem sempre provam que o número habitual de
moedas de ouro e prata não está circulando no país, mas, sim, que muitas
pessoas querem aquelas moedas, mesmo nada tendo para dar em troca.
Há um erro muito comum entre pequenos e grandes comerciantes
sempre que os lucros do comércio são maiores do que o ordinário: o
excesso de negócios. Eles nem sempre enviam mais dinheiro ao exterior
do que o habitual, mas, tanto em seu país quanto no exterior, eles
compram a crédito uma quantidade incomum de mercadorias e as
enviam para algum mercado distante na esperança de que os retornos
financeiros ocorram antes de precisarem pagar pelo crédito. Mas o prazo
de pagamento de seus créditos ocorre antes dos retornos, e, assim, eles
nada têm em mãos para poder comprar dinheiro ou para oferecer como
boa garantia para um empréstimo. A queixa generalizada de falta de
dinheiro não está ligada à escassez de ouro e prata, mas à dificuldade das
pessoas para tomar dinheiro emprestado e de seus credores para começar
a receber seus pagamentos; tudo isso gera uma queixa generalizada de
escassez de dinheiro.
Seria bastante ridículo tentar provar de forma séria que a riqueza não
consiste em dinheiro ou em ouro e prata, mas naquilo que o dinheiro
pode comprar, e seu único valor é poder comprar. Não há dúvida de que
o dinheiro é parte do capital nacional; mas já foi demonstrado que, em
geral, é uma parte pequena e sempre a menos rentável.394
O comerciante geralmente considera mais fácil comprar bens com
dinheiro do que comprar dinheiro com bens; não porque, em sua
essência, a riqueza consista mais em dinheiro do que em bens, mas
porque o dinheiro é o instrumento comercial conhecido e estabelecido,
por meio do qual se dá a troca imediata de quaisquer bens, mas que nem
sempre pode, com a mesma presteza, ser obtido em troca de quaisquer
bens. Além disso, já que a maior parte dos bens é mais perecível do que o
dinheiro, a sua manutenção pode resultar em uma perda muito maior.
Quando o comerciante tem seus bens em mãos, há maior possibilidade
de que seja cobrado pelo dinheiro que não tem do que quando ele já
recebeu pelas mercadorias vendidas. Além de tudo isso, seu lucro direto
provém mais da venda do que da compra, e, por todos esses motivos, ele
geralmente está mais ansioso em trocar seus bens por dinheiro que seu
dinheiro por bens. Mas, embora um comerciante qualquer que tenha um
grande estoque de bens em seu armazém possa, às vezes, falir por não ser
capaz de vendê-los a tempo, uma nação ou país não está exposto a tal
evento. A integralidade do capital de um comerciante costuma ser
formada por bens perecíveis destinados à compra de dinheiro, isto é, a
ser trocados por dinheiro. Mas apenas uma parte muito ínfima do
produto anual da terra e do trabalho de um país está reservada para
comprar o ouro e a prata de seus vizinhos. A maior parte circula e é
consumida dentro do país; e mesmo em relação ao excedente que é
enviado ao exterior, sua parte maior destina-se geralmente para a compra
de outros bens estrangeiros. Portanto, embora não seja possível obter o
ouro e a prata por meio da troca dos bens destinados a comprá-los, a
nação não iria à bancarrota. De fato haveria perdas e inconvenientes, e o
país seria forçado a adotar algumas medidas necessárias para suprir a
falta de dinheiro. O produto anual da terra e do trabalho, no entanto,
seria, como de costume, igual ou quase igual, pois o mesmo ou quase o
mesmo capital consumível seria utilizado em sua manutenção. E embora
os bens nem sempre consigam atrair dinheiro tão rapidamente quanto o
dinheiro atrai bens, no longo prazo os bens atraem o dinheiro mais do
que o dinheiro os atrai. Além de comprar dinheiro (isto é, ser trocado
por dinheiro), os bens podem ter muitas outras finalidades, mas o
dinheiro possui apenas uma finalidade: a compra de bens. Assim, é o
dinheiro que necessariamente corre atrás dos bens; os bens nem sempre
nem necessariamente correm atrás do dinheiro. Quem compra um bem
nem sempre pretende revendê-lo, mas o compra para usá-lo ou consumi-
lo; enquanto quem vende sempre pretende comprar novamente. O
primeiro pode ter realizado a integralidade de seu negócio, mas o
segundo não terá realizado mais de metade de sua atividade. As pessoas
não desejam dinheiro pelo próprio dinheiro, mas pelos bens que podem
ser comprados com ele.
Dizem que as mercadorias consumíveis são rapidamente destruídas,
mas que o ouro e a prata são de uma natureza mais durável e, não fosse
sua constante exportação, poderiam ser acumulados por várias eras, o
que traria um aumento incrível à riqueza real do país. Afirma-se, assim,
que nada pode ser mais desvantajoso para qualquer país do que o
comércio que consiste na troca de um bem duradouro por mercadorias
perecíveis.395 No entanto, ninguém considera desvantajosa a troca de
ferramentas e objetos metálicos ingleses por vinhos franceses; lembremos
que esses objetos são mercadorias bastante duráveis e, não fosse por sua
constante exportação, também teria sido possível acumulá-los durante
eras, o que traria um aumento incrível dos potes e panelas do país. Mas
sabemos que, nos diferentes países, a quantidade desses utensílios limita-
se necessariamente pelo uso que há para eles; que seria absurdo ter mais
potes e panelas do que a quantidade necessária para cozinhar os
alimentos que normalmente são consumidos ali; e que, se a quantidade
de víveres aumentasse, o número de potes e panelas aumentaria
prontamente junto com ela e uma parte da quantidade aumentada de
víveres seria utilizada para comprar esses objetos ou para manter um
número adicional de trabalhadores cuja atividade comercial seria
produzi-los. De forma igualmente rápida, devemos compreender que a
quantidade de ouro e de prata de cada país limita-se pelo uso que há para
esses metais; na forma de moedas, seu uso consiste em fazer circular
mercadorias e, na forma de prataria, seu uso compõe uma espécie de
mobiliário doméstico; que a quantidade de moeda de cada país é
regulada pelo valor das mercadorias que circulam por meio das moedas:
aumente esse valor e uma parte delas será imediatamente enviada ao
exterior para comprar, onde quer que seja, a quantidade adicional de
moedas necessárias para manter a circulação dos bens; que a quantidade
da prataria é regulada pelo número e pela riqueza das famílias que
desejam gastar com esses luxos: aumente o número e a riqueza dessas
famílias, e uma parte dessa riqueza aumentada será provavelmente
utilizada para comprar mais prataria onde quer que seja encontrada; que
tentar aumentar a riqueza de qualquer país, quer introduzindo ou
mantendo nele uma quantidade desnecessária de ouro e prata, é tão
absurdo como tentar aumentar o sustento das famílias obrigando-as a
manter um número desnecessário de utensílios de cozinha. Assim como
a compra de utensílios desnecessários diminuiria em vez de aumentar a
quantidade ou a qualidade das provisões da família, a compra de uma
quantidade desnecessária de ouro e prata também diminuiria
necessariamente em todo país a riqueza que alimenta, veste e aloja, a
riqueza que sustenta e emprega as pessoas. Devemos lembrar que o ouro
e a prata, seja na forma de moeda ou de prataria, são utensílios tanto
quanto o mobiliário da cozinha. Se aumentarmos o seu uso e se
aumentarmos as mercadorias consumíveis que devem ser postas em
circulação, administradas e transformadas por meio do ouro e da prata,
então a sua quantidade será infalivelmente aumentada; mas se, por meios
extraordinários, tentarmos aumentar essa quantidade, o seu uso e até
mesmo a sua quantidade — que nunca pode ser maior que a requerida
por seu uso — também serão infalivelmente diminuídos. Quando sua
acumulação ultrapassa a quantidade de seu uso, o seu transporte é tão
fácil e a perda causada por sua ociosidade é tão grande que nenhuma lei
pode impedir o seu imediato envio para fora do país.
Nem sempre é necessário acumular ouro e prata para que um país
possa realizar guerras estrangeiras e manter suas armadas e seus exércitos
em países distantes. Armadas e exércitos não são mantidos com ouro e
prata, mas com bens consumíveis. Toda nação que tenha meios para
comprar bens consumíveis em países distantes — obtidos a partir do
produto anual de sua indústria doméstica, a partir do rendimento anual
decorrente de suas terras, seu trabalho e estoque de consumíveis — é
capaz de manter guerras estrangeiras naqueles países.
Há três maneiras para que uma nação obtenha os pagamentos e as
provisões de um exército que esteja estacionado em um país distante:
enviar uma fração de seu ouro e prata ao exterior ou, em segundo lugar,
enviar parte do produto anual de suas manufaturas, ou, em último lugar,
enviar alguma parte de sua matéria-prima anual.
O ouro e a prata considerados como corretamente acumulados ou
armazenados em um país podem ser divididos em três partes: o dinheiro
circulante, a prataria das famílias e o dinheiro coletado por muitos anos
de parcimônia e aplicado no tesouro real.
É raro que muito possa ser economizado do dinheiro circulante do
país, pois nele quase nunca há excessos. O valor dos bens comprados e
vendidos anualmente em qualquer país requer uma certa quantidade de
dinheiro para que as mercadorias possam circular e ser distribuídas para
as pessoas que as irão consumir, e não há possibilidade de aplicar mais do
que isso. A soma necessariamente atraída para o canal de circulação é
suficiente para o seu preenchimento, e nada além disso é admitido. No
entanto, costuma-se sacar algo desse canal quando há guerras com outros
países. O sustento de um grande número de pessoas no exterior diminui
o número de pessoas sustentadas no próprio país. Há um número menor
de bens circulando no país, e uma quantidade menor de dinheiro torna-
se necessária para circulá-los. Nessas ocasiões, costuma-se emitir uma
grande quantidade de algum tipo de papel-moeda, tais como notas do
tesouro, letras da marinha e letras bancárias da Inglaterra; assim, essa
substituição do ouro e da prata em circulação possibilita o envio de uma
maior quantidade desses metais ao exterior. Tudo isso, no entanto,
poderia resultar em poucos recursos para a manutenção de uma guerra
estrangeira cara e de longa duração.396 Ainda mais insignificante é o
derretimento da prataria das famílias. No início da última guerra, a
vantagem auferida pelos franceses por meio desse recurso não
compensou a perda daqueles objetos.
Em épocas anteriores, os tesouros acumulados pela coroa
proporcionavam recursos muito maiores e mais duradouros. Nos tempos
atuais, com exceção da coroa prussiana, o acúmulo de tesouros parece
não mais fazer parte da política dos monarcas europeus.
Os fundos que sustentaram as guerras estrangeiras do atual século,
talvez as mais caras já registradas pela história, parecem ter dependido
muito pouco das exportações de moeda circulante, da prataria das
famílias ou do tesouro dos monarcas. A última guerra francesa custou à
Grã-Bretanha mais de 90 milhões de libras, incluindo não só os 75
milhões em novas dívidas, mas também o imposto territorial adicional de
2 xelins por libra397 e o valor anualmente retirado do fundo de
amortização de empréstimos. Mais de 2/3 desses gastos foram realizados
em países distantes: Alemanha, Portugal, América, nos portos do
Mediterrâneo, nas Índias Orientais e Ocidentais. A coroa inglesa não
possuía tesouro acumulado. Nunca ouvimos falar sobre nenhuma
fundição de uma grande quantidade de prataria. Supõe-se que o ouro e a
prata em circulação no país não superassem o valor de 18 milhões de
libras. Acredita-se, no entanto, que o ouro tenha sido bastante
subestimado desde a sua última recunhagem. Portanto, de acordo com os
cálculos mais exagerados que me lembro de ter visto ou ouvido falar,
vamos supor que o ouro e a prata juntos tenham atingido 30 milhões de
libras. Se fosse dada continuidade à guerra com nosso dinheiro, a soma
total, mesmo de acordo com esse cálculo exagerado, teria sido enviada
para fora do país e a ele retornado pelo menos duas vezes num período
de seis a sete anos. Com essa suposição em mente, teríamos o argumento
mais decisivo para demonstrar a inutilidade de o governo cuidar da
preservação do dinheiro (acumulação e guarda), já que, por essa
suposição, todo o dinheiro do país foi enviado para fora e a ele retornou
— duas vezes em um período muito curto — sem que ninguém soubesse
nada sobre o assunto. No entanto, durante o período, o canal de
circulação não esteve mais vazio do que o habitual em nenhum
momento, pois sempre havia dinheiro para quem tivesse algo para dar
por ele. De fato, os lucros do comércio exterior foram maiores do que o
usual durante toda a guerra, especialmente no final. Isso gerou o que
sempre gera, um excesso generalizado de transações comerciais em todos
os portos da Grã-Bretanha; e isso novamente gerou a costumeira
reclamação sobre escassez de dinheiro, algo que sempre ocorre após um
período de excesso de transações comerciais. Muitas pessoas queriam
dinheiro, mas não tinham nem meios para obtê-lo nem crédito para
tomá-lo emprestado; e, já que os devedores não estavam conseguindo
tomar emprestado, os credores não conseguiam obter seus pagamentos.
Por seu valor, ouro e prata, entretanto, eram geralmente aceitos por quem
tivesse algo de mesmo valor para entregar.
As enormes despesas da última guerra, portanto, devem ter sido
pagas principalmente com a exportação de algum tipo de mercadoria
britânica, não com ouro e prata. Quando o governo ou aqueles que o
representam contratavam um comerciante para o envio a um país
estrangeiro qualquer, eles naturalmente se esforçavam para pagar a letra
ou nota previamente emitida a seu correspondente estrangeiro, enviando
para o exterior mercadorias em vez de ouro e prata. Caso não houvesse
demanda, naquele país, pelas mercadorias da Grã-Bretanha, o
comerciante as enviava para algum outro país de quem pudesse comprar
uma letra ou nota pagável ao primeiro país. O transporte das
mercadorias apropriadas ao mercado é sempre realizado com um bom
lucro, mas este é quase inexistente no transporte de ouro e prata. Quando
esses metais são enviados para o exterior para a compra de mercadorias,
o comerciante não lucra com a compra, mas com a venda dos produtos
importados. Mas quando os metais são enviados para o exterior apenas
para pagar uma dívida, não há produtos e, consequentemente, nenhum
lucro. Desse modo, ele usa sua criatividade para descobrir uma maneira
de pagar suas dívidas estrangeiras mais pela exportação de mercadorias
que pelo envio de ouro e prata. Foi por isso que o autor de The Present
State of the Nation (O estado atual da nação inglesa) notou a grande
quantidade de bens britânicos exportados durante o curso da última
guerra sem que houvesse contrapartida em bens importados.
Além dos três usos de ouro e prata anteriormente mencionados, há
em todos os grandes países mercantis uma boa quantidade de lingotes
que são alternadamente importados e exportados para fins de comércio
exterior. Já que o lingote circula em diferentes países mercantis da mesma
forma como a moeda nacional de cada país circula em suas próprias
fronteiras, podemos considerá-lo como a moeda da grande república
mercantil. As mercadorias que circulam dentro de cada país específico
geram o movimento e dão a direção da moeda nacional; a moeda da
república mercantil os recebe das mercadorias que circulam entre
diversos países.398 As duas moedas são utilizadas para facilitar as trocas,
a primeira entre diferentes indivíduos de uma mesma nação, a segunda
entre os indivíduos de nações diversas. Parte do dinheiro da grande
república mercantil pode ter sido utilizada (e provavelmente o foi) para a
realização da última guerra. Em períodos de guerra generalizada, é
natural supor que se daria à moeda da república mercantil um
movimento e uma direção diferentes do que geralmente sucede em
períodos de grande paz; e também que circularia mais em torno da
região em guerra, e seria mais empregada em comprar, ali e nos países
vizinhos, o pagamento e as provisões dos vários exércitos. Mas,
independentemente da quantidade de moeda da república mercantil que
a Grã-Bretanha utilizasse anualmente desse modo, esta deveria ser
comprada com mercadorias britânicas ou com quaisquer outras coisas
compradas com elas, levando-nos de volta às mercadorias, ao produto
anual da terra e do trabalho do país, como os recursos últimos que nos
permitiram dar continuidade à guerra. Na verdade, é natural supor que
uma despesa anual tão elevada tenha sido custeada por um produto
anual superior. As despesas de 1761, por exemplo, chegaram a mais de 19
milhões de libras. Nenhuma acumulação teria sido capaz de suportar um
gasto anual tão elevado. Nenhum produto anual, nem mesmo de ouro e
de prata, seria capaz de suportá-lo. De acordo com os melhores relatos, o
total de ouro e prata importado anualmente pela Espanha e por Portugal
não costuma exceder muito mais de 6 milhões de libras esterlinas, que,
em certos anos, seriam insuficientes para o pagamento das despesas de
quatro meses da última guerra.
As mercadorias mais adequadas para o transporte a países distantes
parecem ser as manufaturas mais refinadas e aprimoradas, que contêm
muito valor em um volume pequeno e que, consequentemente, podem
ser exportadas a grandes distâncias com pequenas despesas; tais
mercadorias serão utilizadas para, naqueles países, comprar os
pagamentos e as provisões de um exército ou para obter alguma porção
da moeda da república mercantil para ser empregada na compra deles.
Um país cuja indústria produz um grande excedente anual dessas
manufaturas, as quais são, em geral, exportadas para países estrangeiros,
pode dar continuidade por vários anos a uma guerra estrangeira muito
cara, mesmo que não exporte grandes quantidades de ouro e prata ou
que não possua tais metais para exportar. Nesse caso, uma parte
considerável do excedente anual de suas manufaturas é certamente
exportada, sem trazer retornos para o país, embora os traga para o
comerciante; pois o governo compraria do comerciante letras emitidas
por países estrangeiros para neles poder realizar o pagamento dos soldos
e das provisões de um exército. Parte desse excedente, entretanto, ainda
pode trazer algum retorno ao país exportador. Durante a guerra, os
fabricantes deverão atender a uma dupla demanda: em primeiro lugar,
serão chamados para produzir bens de exportação utilizados para pagar
as letras de câmbio emitidas nos países estrangeiros, as quais servem para
pagar os soldos e as provisões dos exércitos; e, em segundo lugar, para
produzir o que for necessário para poder comprar as mercadorias
comuns de retorno que são geralmente consumidas no país. A maior
parte das manufaturas, consequentemente, costuma crescer muito em
meio à mais destrutiva guerra estrangeira; e, pelo contrário, podem
entrar em declínio com a volta da paz. Eles podem crescer em meio à
ruína de seu país e começar a declinar com a volta de sua prosperidade.
Durante a última guerra e por algum tempo após a restituição da paz, os
diversos estágios de desenvolvimento dos diversos ramos das
manufaturas inglesas podem servir como ilustração do que acabamos de
dizer. Nenhuma guerra estrangeira cara e duradoura poderia ser
convenientemente realizada apenas por meio da exportação da matéria-
prima do solo. Os custos do envio a um país estrangeiro de uma
quantidade de matéria-prima que fosse suficiente para pagar os soldos e
as provisões de um exército seriam demasiadamente elevados. Além
disso, poucos países produzem mais matérias-primas do que o que é
suficiente para a subsistência de seus próprios habitantes. Assim,
exportar uma grande quantidade delas seria como enviar para o exterior
uma parte da subsistência necessária da população. A exportação de
manufaturas segue uma lógica inversa. O valor do sustento das pessoas
empregadas nas manufaturas é mantido internamente; exporta-se apenas
a parte excedente do trabalho delas. O senhor Hume costuma notar a
incapacidade que os antigos reis da Inglaterra tinham para dar
continuidade, sem interrupções, a quaisquer guerras estrangeiras de
longa duração. Naqueles tempos, os únicos meios de que os ingleses
dispunham para realizar o pagamento dos soldos e a compra das
provisões de seus exércitos em países estrangeiros eram as matérias-
primas de seu solo, cuja integralidade era consumida internamente, ou
então as mais grosseiras manufaturas, cujo transporte era tão caro quanto
o das matérias-primas. Essa incapacidade não decorre da falta de
dinheiro, mas da falta de manufaturas mais refinadas e aprimoradas. As
compras e vendas naquela época ocorriam por meio de dinheiro na
Inglaterra, da mesma forma como ocorre hoje. Da mesma forma que
acontece atualmente, a quantidade de moeda circulante deveria manter,
naqueles tempos, sempre a mesma proporção com o número e o valor
das compras e das vendas que eram normalmente realizadas; ou melhor,
deveriam guardar uma proporção maior, pois ainda não existia o papel-
moeda, que, hoje em dia, substitui grande parte do uso do ouro e da
prata. Os soberanos daquelas nações com pouco comércio e manufaturas,
por razões que serão explicadas a seguir, raramente conseguem obter
muita ajuda de seus súditos nessas ocasiões extraordinárias. Em geral,
esses países são aqueles em que o soberano se esforça para acumular
tesouros como o único recurso útil em tais emergências.
Independentemente dessa necessidade, sua situação naturalmente os
dispõe à parcimônia que é necessária para a acumulação. Nesse estágio,
as despesas, mesmo do soberano, não são ditadas pela vaidade que se
compraz com a elegância espalhafatosa de uma corte, mas é empregada
nos subsídios que oferece a seus arrendatários e na hospitalidade a seus
dependentes. Ora, os subsídios e a hospitalidade raramente conduzem à
extravagância; mas a vaidade quase sempre o faz. Portanto, todo chefe
tártaro tem um tesouro. Dizem que os tesouros de Mazepa,399 chefe dos
cossacos na Ucrânia e famoso aliado de Carlos XII,400 eram muitos.
Dentre os franceses, todos os reis da dinastia merovíngia tinham
tesouros. Quando dividiam seu reino entre seus vários filhos, eles
também dividiam seus tesouros. Os príncipes saxões e os primeiros reis
após a conquista [normanda, em 1066] também parecem ter acumulado
tesouros. A apreensão do tesouro do rei anterior costumava ser o
primeiro ato de todo novo reinado como medida essencial para garantir a
sucessão. Os soberanos dos países mercantis desenvolvidos não têm a
mesma necessidade de acumular tesouros, porque, em ocasiões
extraordinárias, eles geralmente podem obter ajudas extraordinárias de
súditos. Assim, estão menos dispostos à acumulação de tesouros.
Naturalmente, talvez necessariamente, seguem a moda dos tempos, e
suas despesas vêm a ser reguladas pelas mesmas vaidades extravagantes
que ditam as despesas de todos os outros grandes proprietários em seus
domínios. A pompa insignificante de sua corte vai se tornando cada dia
mais abrilhantada; além de as despesas com esse tipo de gasto impedirem
a acumulação, frequentemente invadem os fundos destinados a despesas
mais necessárias. Pode-se dizer de muitos monarcas europeus o mesmo
que Dercílidas401 disse da corte da Pérsia: ali se vê muito esplendor, mas
pouca força, e muitos servos, mas poucos soldados.
A importação de ouro e prata não é o principal, muito menos o único
benefício que uma nação deriva de seu comércio exterior. Esse comércio
oferece duas vantagens a todas as partes que dele fazem uso. Ele retira do
país o excedente do produto da terra e do trabalho para o qual inexiste
demanda interna e, em troca, traz mercadorias demandadas. O comércio
exterior valoriza os bens supérfluos, pois os troca por alguma outra
mercadoria que possa satisfazer uma parte de suas necessidades e
aumentar sua satisfação. Por meio do comércio exterior, os pequenos
limites do mercado doméstico não impedem que a divisão do trabalho
alcance a mais alta perfeição em todos os ramos dos ofícios ou das
manufaturas. Ao abrir um mercado mais amplo para qualquer parte do
produto do trabalho que exceda o consumo doméstico, o comércio
exterior incentiva o país a melhorar sua capacidade produtiva e a elevar
seu produto anual ao máximo e, desse modo, a aumentar o rendimento e
a riqueza reais da sociedade.402 O comércio exterior presta
constantemente esses grandes e importantes serviços a todos os países
entre os quais ele é realizado. Todos eles são bastante beneficiados pelo
comércio exterior, mas o maior benefício geralmente cabe ao país de
residência do comerciante, pois ele, em geral, supre mais as necessidades
e retira mais os supérfluos de seu próprio país do que de outro qualquer.
Não há dúvida de que faz parte das atividades do comércio exterior a
importação de ouro e prata que podem ser necessários aos países que não
possuem minas. É, no entanto, uma parte bastante insignificante. Um
país que conduzisse seu comércio exterior somente em razão desses
metais mal teria a oportunidade de fretar um navio em um século.
Não foi por meio da importação de ouro e prata que a descoberta da
América enriqueceu a Europa. Por causa da abundância das minas
americanas, esses metais se tornaram mais baratos. Atualmente, uma
baixela de prata pode ser comprada por aproximadamente um terço dos
cereais, ou um terço do trabalho que teria custado no século XV. Com a
mesma quantidade anual de trabalho e de mercadorias, a Europa pode
comprar uma quantidade anual de prataria cerca de três vezes maior do
que poderia ter comprado naquela época. Mas quando uma mercadoria
passa a ser vendida a um terço a menos que seu preço usual, além de as
pessoas que antes a compravam poderem comprar uma quantidade três
vezes maior dela, um número muito maior de compradores passa a ter a
possibilidade de comprá-la; talvez mais de dez, talvez mais de vinte vezes
o número anterior de compradores. Por isso é possível que, atualmente,
haja na Europa não apenas três vezes mais prata, mas vinte ou trinta
vezes a quantidade que — mesmo em seu estado atual de
desenvolvimento — haveria se as minas americanas não houvessem sido
descobertas. Sem dúvida, a Europa obteve uma verdadeira vantagem,
mesmo que, certamente, uma vantagem bastante insignificante.
O baixo preço do ouro e da prata torna esses metais um pouco menos
adequados que antes para as finalidades monetárias. Para que possamos
fazer as mesmas compras de antes, deveremos carregar conosco uma
quantidade maior de metais; carregaríamos cerca de 1 xelim em nosso
bolso quando, anteriormente, um groat403 teria sido suficiente. É difícil
dizer o que é mais insignificante, esse inconveniente ou a conveniência
oposta. Nenhum dos dois seria capaz de causar alguma grande mudança
na situação da Europa. A descoberta da América, no entanto, certamente
causou mudanças essenciais. A abertura de um mercado novo e
inesgotável para todas as mercadorias da Europa ocasionou novas
divisões de trabalho e desenvolvimentos dos ofícios, algo que nunca
ocorreria no estreito círculo do antigo comércio por falta de um mercado
para onde enviar a maior parte de seus produtos. As forças produtivas do
trabalho foram aprimoradas, e seu produto aumentou em todos os países
da Europa; junto com ele, as rendas e riquezas reais de seus habitantes. As
mercadorias da Europa eram quase todas novas para a América, e muitas
das mercadorias da América eram novas para a Europa. Assim, começou
a ser estabelecido um novo conjunto de trocas nunca antes imaginado e
que, naturalmente, deveria mostrar-se tão vantajoso para o novo
continente quanto certamente o era para o velho. A injustiça selvagem
dos europeus transformou um evento que deveria ter sido bom para
todos em algo ruinoso e destrutivo para vários desses países infelizes.
A descoberta de uma passagem para as Índias Orientais pelo Cabo da
Boa Esperança, que aconteceu mais ou menos na mesma época, talvez
tenha dado ao comércio exterior uma amplitude maior que a da América,
não obstante a distância maior. Na América, apenas duas nações eram
superiores aos selvagens; elas foram destruídas pouco depois de terem
sido descobertas. O resto do continente era formado por meros
selvagens. Mas, nas Índias Orientais, os impérios da China, do
Hindustão, do Japão e vários outros, mesmo não possuindo minas mais
ricas de ouro ou prata, eram em todos os outros aspectos muito mais
ricos, mais bem cultivados e mais avançados em todos os ofícios e
manufaturas do que o México ou o Peru, ainda que déssemos crédito ao
que claramente não merece nenhum, isto é, os relatos exagerados dos
escritores espanhóis sobre o antigo estado daqueles impérios. Mas as
nações ricas e civilizadas sempre podem trocar valores muito mais altos
entre si do que com selvagens e bárbaros. No entanto, até o momento, a
Europa tem obtido muito menos vantagens em seu comércio com as
Índias Orientais do que no realizado com a América. Os portugueses
monopolizaram o comércio das Índias Orientais por cerca de um século;
e, por isso, as outras nações da Europa somente podiam enviar ou receber
quaisquer mercadorias das Índias de forma indireta e por intermédio
deles. Quando os holandeses, no início do século passado, começaram a
infringir o monopólio português, eles confiaram todo o comércio da
Índia Oriental a uma companhia exclusiva. Os ingleses, franceses, suecos
e dinamarqueses seguiram o exemplo e, desse modo, nenhuma grande
nação na Europa conseguiu até agora obter o benefício de um comércio
livre com as Índias Orientais. Não há que se buscar outro motivo para
esse comércio nunca ter sido tão vantajoso como o comércio realizado
com a América, pois, entre quase todas as nações da Europa e suas
colônias, este comércio é livre para todos os seus súditos. Os privilégios
exclusivos dessas companhias da Índia Oriental, suas grandes riquezas,
os favores e proteção que recebem de seus respectivos governos, têm
gerado muitos ressentimentos contra elas. Soma-se a esse ressentimento
o costume de ver o comércio das companhias como algo totalmente
pernicioso, devido às grandes quantidades de prata exportadas
anualmente dos países que realizam o comércio com a Índia Oriental. As
partes interessadas responderam que o seu comércio, por essa contínua
exportação de prata, poderia, de fato, tender a empobrecer a Europa em
geral, mas não o país exportador; pois, pela reexportação de uma parte
das mercadorias da Índia Oriental a outros países europeus, a entrada
anual de prata no país exportador era maior que sua saída. Tanto a
objeção quanto a resposta fundamentam-se na ideia popular que estive
examinando até o momento. É, portanto, desnecessário falar mais sobre o
assunto. Por causa da exportação anual de prata às Índias Orientais, o
valor da prataria provavelmente manteve-se um pouco mais alto na
Europa do que estaria em outro caso; e a prata cunhada é provavelmente
capaz de comprar uma maior quantidade de trabalho e mercadorias. A
primeira é uma perda muito pequena, e a última, uma vantagem muito
pequena; ambas são muito insignificantes para merecerem qualquer
consideração pública. Ao abrir um mercado para as mercadorias da
Europa, ou, o que dá na mesma coisa, para o ouro e a prata que são
comprados com essas mercadorias, o comércio com as Índias Orientais
tende obrigatoriamente a aumentar a produção anual de mercadorias
europeias e, consequentemente, suas riquezas e rendimentos reais. Isso
ter ocorrido muito pouco até o momento deve-se provavelmente às
restrições impostas a tal comércio em todos os lugares.
Mesmo correndo o perigo de ser tedioso, considero necessário
examinar de forma completa a noção popular de que a riqueza é formada
pelo dinheiro, ou seja, por ouro e prata. Conforme já observei, dinheiro
costuma ser sinônimo de riqueza na linguagem comum; e essa
ambiguidade da expressão se tornou tão familiar para nós que até mesmo
as pessoas que entendem o absurdo da noção tendem a esquecer seus
próprios princípios; no decorrer de seus raciocínios, acabam aceitando a
noção como uma verdade certa e inegável. Alguns dos melhores autores
ingleses que escrevem sobre comércio iniciam seus trabalhos com a
observação de que a riqueza de um país não consiste apenas em seu ouro
e sua prata, mas em suas terras, casas e todos os tipos de bens de
consumo. Ao discorrerem sobre suas linhas de raciocínio, no entanto, as
terras, as casas e bens de consumo parecem desaparecer de suas mentes, e
a série de argumentos que usam costuma levar à suposição de que toda a
riqueza consiste em ouro e prata, e que a multiplicação desses metais é o
grande objetivo do trabalho e do comércio nacionais.
Com o estabelecimento desses dois princípios — a saber, que a
riqueza consistia em ouro e prata e que esses metais poderiam ser
trazidos para um país sem minas apenas por meio da balança comercial,
ou exportando-se mais do que se importa —, a diminuição máxima das
importações de bens estrangeiros para consumo interno e o aumento
tanto quanto possível da exportação dos produtos da indústria doméstica
tornaram-se obrigatoriamente o grande objetivo da economia política.
Como consequência, suas duas grandes ferramentas para enriquecer o
país foram as restrições sobre a importação e os incentivos à
exportação.404
As restrições à importação eram de dois tipos.
Primeiro, as restrições à importação — de qualquer país de origem —
daquelas mercadorias estrangeiras para consumo interno que podiam ser
produzidas domesticamente.
Segundo, as restrições à importação de quase todos os tipos de
mercadoria daqueles países em que a balança comercial era
supostamente desvantajosa.
As restrições podiam ser materializadas por meio de altos impostos
de importação ou por proibições absolutas da importação.
O incentivo à exportação ocorria por meio de drawbacks, de
subsídios, de tratados comerciais vantajosos com estados estrangeiros,
ou, ainda, pelo estabelecimento de colônias em países distantes.
Os drawbacks eram concedidos em duas ocasiões: quando as
manufaturas domésticas estavam sujeitas a impostos ou taxas, todo o
tributo, ou uma parte dele, era frequentemente devolvido no momento
de sua exportação; e quando as mercadorias estrangeiras que estavam
sujeitas a impostos eram importadas para ser novamente exportadas,
todo o tributo, ou uma parte dele, poderia ser devolvido no momento da
exportação.
Os subsídios eram dados para incentivar algumas manufaturas em
estágio inicial ou outros tipos de trabalho que, supostamente,
mereceriam certo favor particular.
Por meio de tratados comerciais vantajosos, buscava-se adquirir de
algum Estado estrangeiro certos privilégios específicos, superiores aos
daqueles que eram concedidos a todos os outros países, para suas
mercadorias e seus comerciantes.
Por meio do estabelecimento de colônias em países distantes, não se
buscavam apenas privilégios específicos, mas costumava-se obter um
monopólio para os bens e os comerciantes do país que os estabelecia.
Os dois tipos de restrição sobre a importação e os quatro tipos de
incentivo à exportação anteriormente mencionados constituem os seis
principais meios pelos quais o sistema comercial propõe aumentar a
quantidade de ouro e prata de uma nação, fazendo com que sua balança
comercial se torne favorável. Analisarei cada um deles em um capítulo
particular e, sem levar muito mais em consideração a suposta tendência
que possuem para trazer dinheiro ao país, examinarei principalmente os
prováveis efeitos de cada um deles sobre o produto anual da indústria
nacional. Eles devem tender evidentemente a aumentar ou diminuir a
riqueza e o rendimento reais do país, de acordo com sua tendência a
aumentar ou diminuir o valor do produto anual.
CAPÍTULO II
RESTRIÇÕES SOBRE A IMPORTAÇÃO DE MERCADORIAS
QUE PODEM SER PRODUZIDAS DOMESTICAMENTE
Ao restringir-se a importação — seja por meio de tributos elevados ou
por meio de proibições absolutas — daqueles bens estrangeiros que
podem ser produzidos domesticamente, garante-se mais ou menos o
monopólio do mercado doméstico ao trabalho que o próprio país
emprega para produzi-los. Assim, ao proibir-se a importação de bovinos
vivos ou de carnes salgadas, garante-se aos pecuaristas da Grã-Bretanha o
monopólio do mercado doméstico de carne. Os altos tributos sobre a
importação de cereais, que em períodos de abundância moderada
equivalem a uma proibição, oferecem uma vantagem semelhante aos
produtores de cereal. A proibição da importação de artigos de lã
estrangeiros é igualmente favorável aos lanifícios. A manufatura da seda,
embora realizada totalmente com materiais estrangeiros, tem recebido
recentemente a mesma vantagem. A manufatura do linho ainda não
ganhou essas vantagens, mas faz grandes avanços nessa direção. Na Grã-
Bretanha, muitos outros tipos de produtores manufatureiros têm, da
mesma forma, obtido um monopólio total ou quase total contra seus
compatriotas. A variedade de bens cuja importação para a Grã-Bretanha
é proibida — seja absolutamente ou em determinadas circunstâncias —
excede muito o que supõem as pessoas pouco familiarizadas com as leis
aduaneiras.
Não há dúvida de que o monopólio do mercado doméstico costuma
oferecer um grande incentivo às atividades que dele desfrutam e, com
frequência, entrega a esse uso uma maior parte do trabalho e do capital
da sociedade do que entregaria em outro caso. Mas não temos muitas
evidências para concluir se o monopólio tende a aumentar as atividades
gerais da sociedade ou se a ela imprime a direção mais vantajosa.
As atividades gerais da sociedade nunca podem exceder o valor que o
capital da sociedade é capaz de empregar. Da mesma forma que o
número de trabalhadores que pode ser mantido empregado por uma
pessoa qualquer deve guardar uma certa proporção com o capital
daquela pessoa, o número daqueles que podem ser constantemente
empregados por todos os membros de uma grande sociedade deve
guardar uma certa proporção com o capital total dessa sociedade, e de
forma alguma deve ultrapassar essa proporção. Nenhuma
regulamentação comercial é capaz de aumentar a quantidade de trabalho
de uma sociedade além daquilo que seu capital consegue manter. Pode
somente desviar uma parte desse emprego para uma direção que não
tomaria de outra forma; e não há como ter certeza de que essa direção
artificial será mais vantajosa para a sociedade do que aquela que teria
tomado por si mesma.
Todo indivíduo se esforça de forma constante para descobrir o
emprego mais vantajoso de qualquer quantidade de capital que lhe seja
possível controlar. A vantagem que ele tem em vista é, de fato, a sua
própria, e não a da sociedade. Mas o estudo de sua própria vantagem o
leva a preferir naturalmente, ou melhor, necessariamente, o emprego
mais vantajoso para a sociedade.405 Em primeiro lugar, todo indivíduo se
esforça para empregar seu capital o mais próximo possível de casa e,
consequentemente, o máximo possível em apoio à indústria doméstica,
sempre desde que consiga obter os lucros ordinários do capital ou não
muito menos do que isso.
Assim, considerando lucros iguais ou quase iguais, todo comerciante
atacadista prefere naturalmente o comércio doméstico ao comércio
exterior de consumo e prefere o comércio exterior de consumo ao
comércio de transporte. Diferentemente do que ocorre no comércio
exterior, no comércio doméstico o capital nunca fica longe de sua vista
por muito tempo. O comerciante doméstico tem a possibilidade de
conhecer melhor o caráter e a situação das pessoas nas quais ele confia e,
caso seja enganado, conhece melhor as leis do país para pedir reparações.
No comércio de transporte, o capital do mercador está, por assim dizer,
dividido entre dois países estrangeiros, e nenhuma dessas duas partes
costuma ser necessariamente trazida para casa nem posta sob sua vista e
controle imediato. Em geral, metade do capital que um comerciante de
Amsterdã emprega no transporte de cereais de Königsberg para Lisboa e
de frutas e vinhos de Lisboa para Königsberg ficará em Königsberg, e a
outra metade, em Lisboa. Nenhuma parte desse capital precisará ir para
Amsterdã. A residência natural desse comerciante deveria ser em
Königsberg ou em Lisboa; apenas alguma circunstância muito particular
poderia fazê-lo preferir Amsterdã às outras duas cidades. No entanto, o
desconforto que sente por estar tão longe de seu capital geralmente o
obriga a trazer para Amsterdã parte dos bens de Königsberg destinados
para o mercado de Lisboa e parte dos bens de Lisboa destinados para o
mercado de Königsberg; e embora isso necessariamente o sujeite a
duplicar suas obrigações de carga e descarga, bem como a pagar alguns
impostos e taxas aduaneiros, somente para que alguma parte de seu
capital fique sempre próximo de sua vista e de seu controle, ele
voluntariamente se submete a esse ônus extraordinário; e é dessa maneira
que todo país que tenha uma participação considerável no comércio de
transporte torna-se sempre o empório, isto é, o mercado geral, para os
bens de todos os países com os quais ele realiza o seu comércio. O
comerciante, a fim de não precisar realizar uma segunda carga e
descarga, sempre se esforça para vender o máximo possível de bens de
todos os outros países em seu mercado doméstico, e, portanto, até onde
consiga, transformar seu comércio de transporte em um comércio
exterior de consumo. Da mesma forma, quando um comerciante que está
envolvido no comércio exterior de consumo recolhe bens para os
mercados estrangeiros, ele sempre irá preferir, caso os lucros sejam iguais
ou quase iguais, vender o máximo que puder em seu próprio país. Ele se
livra dos riscos e das dificuldades da exportação sempre que, na medida
do possível, transforma seu comércio exterior de bens de consumo em
um comércio doméstico. Desse modo, sua casa, seu país, passa a ser o
centro, se é que posso chamá-lo assim, em torno do qual os capitais dos
habitantes de outros países estão em constante circulação e para o qual
eles estão sempre se dirigindo, mesmo que, às vezes, por causas
particulares, sejam expulsos e repelidos para ser utilizados em locais mais
distantes. Mas sabemos que um capital empregado no comércio
doméstico, conforme já demonstrado, necessariamente põe em
movimento uma maior quantidade de atividades domésticas e oferece
renda e emprego a um maior número de habitantes do país do que um
capital igual empregado no comércio exterior de bens de consumo; e o
capital empregado no comércio exterior de bens de consumo oferece a
mesma vantagem em relação a um capital igual empregado no comércio
de transporte. Com lucros iguais ou quase iguais, portanto, todo
indivíduo inclina-se naturalmente a empregar seu capital da forma que
possa proporcionar o maior apoio às atividades internas e gerar renda e
empregos para o maior número de pessoas de seu próprio país.406
Em segundo lugar, todo indivíduo que emprega o seu capital em
apoio às atividades internas necessariamente se esforça para dirigir essa
atividade para que seu produto tenha o maior valor possível.
O produto do trabalho é aquilo que este acrescenta ao objeto ou à
matéria-prima em que é empregado. Quanto maior ou menor o valor
desse produto, também, na mesma proporção, o serão os lucros do
empregador. Mas sempre que alguém aplica seu capital no fomento de
alguma atividade, esse indivíduo somente o faz por causa do lucro; e,
portanto, ele sempre procurará empregá-lo na sustentação daquelas
atividades cujo produto possa atingir o maior valor possível, ou seja,
aquele produto que possa ser trocado pela maior quantidade de dinheiro
ou de outros bens.
Mas o rendimento anual de toda sociedade é sempre exatamente igual
ao valor de troca de todo o produto anual de suas atividades, ou melhor, é
precisamente igual àquele valor de troca. E já que cada indivíduo,
portanto, se esforça ao máximo para empregar seu capital no fomento da
indústria doméstica e, assim, dirigir aquela indústria para que seus
produtos possam obter os maiores valores, então cada indivíduo se
esforça para que o rendimento anual da sociedade seja sempre o maior
possível. Em geral, os indivíduos não pretendem promover o interesse
público nem sabem o quanto eles o estão promovendo. Ao preferir
sustentar as atividades internas às externas, ele apenas busca sua própria
segurança; e ao direcionar essas atividades de tal forma que seu produto
obtenha o maior valor possível, ele visa apenas aos seus próprios ganhos;
assim, tanto neste caso como em muitos outros, ele será conduzido por
uma mão invisível a promover um objetivo que não fazia parte de sua
intenção.407 Nem sempre é pior para a sociedade que a intenção do
indivíduo não seja a promoção daquele objetivo. Ao buscar seus próprios
interesses, ele costuma promover os da sociedade de forma mais eficaz do
que quando realmente pretende promovê-los. Não posso citar muitas
coisas boas realizadas por aqueles que dissimulam trabalhar somente
pelo bem público. Na verdade, essa é uma dissimulação pouco comum
entre os comerciantes e, além disso, não são necessárias muitas palavras
para dissuadi-los de fazer isso.
Muito melhor do que qualquer estadista ou legislador, todo
indivíduo, em sua situação local, é quem melhor pode julgar o tipo de
atividade interna para aplicação de seu capital e o tipo de produto que
poderá produzir maior valor.408 Quando o estadista tenta dirigir a forma
como os indivíduos devem empregar seus capitais, ele toma para si um
encargo bastante desnecessário e uma autoridade que, seguramente, não
pode ser confiada nem a um indivíduo nem a um conselho ou assembleia
qualquer: um poder extremamente perigoso quando entregue a alguém
suficientemente louco e presunçoso para se imaginar apto a executar tal
tarefa.
A concessão de monopólios do mercado doméstico para os produtos
da indústria doméstica, em qualquer ofício ou manufatura, serve, em
certa medida, para dar direção aos indivíduos sobre a maneira de
empregar seus capitais e, em quase todos os casos, constitui uma medida
inútil ou prejudicial. Se o produto das atividades internas puder ser
levado ao mercado a preços tão baixos quanto os preços dos produtos
estrangeiros, a lei é inútil. Caso não possa ser levado ao mercado a preços
mais baixos, a regulamentação é prejudicial. A máxima dos chefes de
família prudentes é nunca fabricar em casa o que lhe custaria mais fazer
do que comprar quando a manufatura de um produto é mais cara que a
sua compra. O alfaiate não tenta fazer seus próprios sapatos, mas os
compra do sapateiro. O sapateiro não tenta fazer suas próprias roupas,
mas contrata um alfaiate. O agricultor não tenta fazer nem um nem
outro, mas busca empregar aqueles diversos artesãos. Todos eles
acreditam ser de seu interesse empregar todo o seu trabalho pra que
possam obter certas vantagens em relação aos seus vizinhos e comprar
com uma parte de seu produto ou, o que é a mesma coisa, com o preço
de uma parte dele, tudo de que necessitam.
Tudo o que é considerado prudente na conduta das famílias privadas
dificilmente será considerado tolice na conduta de um grande reino.
Quando um país estrangeiro é capaz de nos fornecer uma mercadoria
com preço mais baixo do que o de sua produção interna, é melhor
comprá-la daquele país com alguma parte do produto de nossa própria
indústria, empregada de um modo no qual temos alguma vantagem. As
atividades gerais do país, sendo sempre proporcionais ao capital que as
empregam, não diminuirão por esse motivo, da mesma forma como não
diminuem as atividades dos artesãos anteriormente mencionados; elas
devem buscar um caminho em que possam ser empregadas de forma
mais vantajosa. E, certamente, não há vantagem máxima quando é
direcionada a um objeto cuja compra é mais barata que a produção. O
valor de seu produto anual fica certamente diminuído em maior ou
menor grau quando o capital se afasta da produção de bens de valor
evidentemente maior do que o produto que é obrigado a produzir. De
acordo com a suposição, comprar esses bens em países estrangeiros seria
mais barato que os produzir internamente. Poderia, portanto, ter sido
comprado com apenas uma parte das mercadorias ou, o que dá na
mesma, com apenas uma parte do preço das mercadorias que a indústria
empregada por um capital igual teria produzido domesticamente caso o
país tivesse seguido o seu caminho natural.
Assim, a indústria do país é desviada de um emprego mais vantajoso
para outro menos vantajoso, e o valor de troca de seu produto anual, em
vez de aumentar, de acordo com a intenção do legislador, fica
necessariamente diminuído por todas aquelas regulações.
Por meio de tais regulações, na verdade, uma manufatura específica
pode, por vezes, ser adquirida antes do que teria sido por outra forma e,
depois de um certo tempo, a mercadoria pode ser manufaturada no
próprio país com preço mais baixo ou tão baixo quanto o preço dado
pelo país estrangeiro. Mas, mesmo que o trabalho da sociedade possa ser,
portanto, realizado com vantagem em um canal específico mais rápido
do que se utilizasse outra forma, a soma total, ou de sua indústria ou de
seu rendimento, não pode ser aumentada por meio daquela regulação. O
trabalho da sociedade somente pode aumentar de forma proporcional ao
aumento de seu capital, e seu capital somente pode aumentar de forma
proporcional ao que pode ser gradualmente poupado de seus
rendimentos. Mas o efeito imediato de todas essas regulações é a
diminuição do rendimento; e o que causa a diminuição do rendimento
certamente não conseguirá fazê-lo aumentar seu capital de forma mais
veloz do que ocorreria de forma espontânea se se tivesse deixado o
capital e o trabalho buscarem seus empregos naturais.409
Embora por falta de tais regulações a sociedade nunca conseguisse
obter a mercadoria desejada, não fosse por essas leis, a sociedade também
não seria necessariamente por essa razão a mais pobre em nenhum
período de sua existência. Em cada período de sua história, todo o seu
capital e o seu trabalho ainda poderiam ter sido empregados, embora
sobre objetos diferentes, da forma mais vantajosa naquele período. Em
cada período, seu rendimento poderia ter sido o maior que seu capital
pudesse proporcionar, e tanto o capital quanto os rendimentos poderiam
ter sido aumentados com a maior rapidez possível.
As vantagens naturais que alguns países têm sobre outros em relação
à produção de certas mercadorias são, por vezes, tão grandes que todo o
mundo considera vão opor concorrência a tais produtos. Por meio de
vidrarias e estufas é possível cultivar excelentes uvas na Escócia; e vinhos
muito bons também podem ser fabricados com essas uvas por valores
aproximadamente trinta vezes maiores que os dos vinhos importados.
Haveria razoabilidade em uma lei que proibisse a importação de todos os
vinhos estrangeiros apenas para incentivar a fabricação de vinhos tintos
Clarete e Borgonha na Escócia?
Mas se fosse um absurdo manifesto empregar trinta vezes mais capital
e trabalho do país do que seria necessário para comprar uma quantidade
igual de mercadorias estrangeiras em falta, também seria absurdo —
embora não tão flagrante, mas exatamente do mesmo tipo — empregar
mais a trigésima ou até mesmo a trecentésima parte do capital ou do
trabalho. A esse respeito, não importa se as vantagens que um país tem
sobre outro são naturais ou adquiridas. Enquanto um país tiver vantagens
que faltem aos outros, sempre será mais vantajoso que estes últimos
comprem do primeiro em vez de manufaturar o bem. A vantagem que
um artesão tem sobre seu vizinho, que exercita uma outra atividade
mercantil, é apenas uma vantagem adquirida; e, ainda assim, ambos
acham mais vantajoso comprar um do outro do que produzir o que não
faz parte de suas atividades mercantis específicas.
Os comerciantes e os fabricantes são os indivíduos que mais ganham
com o monopólio do mercado doméstico. As proibições de importar
gado estrangeiro e provisões salgadas, junto com os elevados tributos
impostos aos cereais estrangeiros, que em períodos de abundância
moderada equivalem a uma proibição, não proporcionam aos pecuaristas
e agricultores da Grã-Bretanha as vantagens que outras regulações do
mesmo tipo oferecem aos comerciantes e fabricantes. É muito mais fácil
transportar manufaturas, principalmente as mais refinadas, de um país
para outro do que os cereais ou o gado. Assim, a busca e o transporte de
manufaturas são as principais funções do comércio exterior. Em relação a
elas, uma vantagem muito pequena permitirá que os estrangeiros
vendam a preços mais baixos que nossos próprios trabalhadores, mesmo
em nosso mercado interno. Para que pudessem fazer o mesmo em
relação às matérias-primas, precisariam ter uma vantagem muito grande.
Se fosse permitida a importação livre da manufatura estrangeira, diversos
fabricantes do país iriam penar e alguns deles, talvez, fossem à
bancarrota; uma parte considerável do capital e do trabalho atualmente
empregados em suas manufaturas seria forçada a buscar outras
aplicações. Mas nem mesmo a mais livre importação de matérias-primas
seria capaz de produzir tal efeito na agricultura do país.
Se a importação de gado estrangeiro, por exemplo, fosse assim livre, a
importação seria tão pequena que a criação da Grã-Bretanha mal seria
afetada. O gado vivo talvez seja a única mercadoria cujo transporte
marítimo é mais caro que o terrestre. Por vias terrestres, o gado leva a si
mesmo até o mercado. Pelo mar, não só o gado, mas também a sua
comida e a sua água devem ser transportadas, com grandes despesas e
inconvenientes. O pequeno trecho marítimo entre a Irlanda e a Grã-
Bretanha é, certamente, um facilitador para a importação do gado
irlandês. Mas, mesmo que sua livre importação — que recentemente
havia sido permitida apenas por um tempo limitado — tenha se tornado
perpétua, isso não deve causar nenhum efeito considerável sobre o
interesse dos pecuaristas da Grã-Bretanha. Todas as regiões da Grã-
Bretanha que fazem fronteira com o mar da Irlanda são áreas de pasto. O
gado irlandês nunca poderia ser importado para o consumo daquelas
regiões, mas precisaria passar por essas regiões muito extensas, às custas
de muitos gastos e inconvenientes, antes de chegar ao seu mercado
apropriado. O gado gordo não poderia ser levado para muito longe.
Assim, só seria possível importar gado magro; e tal importação poderia
interferir, não com o interesse das regiões de alimentação ou de engorda
para as quais haveria a vantagem da redução do preço do gado magro,
mas apenas com o interesse das regiões reprodutoras. O pequeno número
de bovinos irlandeses importados desde a sua permissão, juntamente
com o bom preço de venda mantido pelo gado magro, parece demonstrar
que nem mesmo as regiões reprodutoras da Grã-Bretanha foram muito
afetadas pela livre importação do gado irlandês. Dizem, na verdade, que
o povo irlandês, às vezes, se opõe com violência à exportação de seu
gado. Mas se os exportadores tivessem encontrado alguma boa vantagem
para dar continuidade ao comércio, seria fácil, quando a lei estava do
lado deles, conquistar essa oposição ruidosa.
Além disso, enquanto as regiões de alimentação e de engorda sempre
são mais desenvolvidas, as regiões reprodutoras não costumam ser
cultivadas. O alto preço do gado magro aumenta o valor da terra não
cultivada e, assim, funciona como um subsídio contra o desenvolvimento
e os aprimoramentos. Para as regiões completamente aprimoradas, é
mais vantajoso importar seu gado magro em vez de criá-lo. Dizem que,
atualmente, a província da Holanda segue essa máxima. É impossível
levar muitos aprimoramentos para as montanhas da Escócia, do País de
Gales e da Nortúmbria; elas parecem ter sido destinadas pela natureza a
ser as regiões reprodutoras da Grã-Bretanha. A importação mais livre de
gado estrangeiro não poderia ter nenhum outro efeito senão impedir que
as regiões de criação de gado tirassem proveito do aumento da população
e da melhoria do restante do Reino, elevassem o seu preço a um valor
exorbitante e estabelecessem um imposto real sobre todas as áreas mais
aprimoradas e cultivadas do país.
A importação mais livre de carnes salgadas também poderia ter
pouquíssimo efeito sobre o interesse dos pecuaristas da Grã-Bretanha,
como as de gado vivo. As provisões salgadas são produtos muito
volumosos e, quando comparadas à carne fresca, são mercadorias de
qualidade inferior e mais caras, pois custam mais em termos de trabalho
e despesas. Dessa forma, é impossível haver concorrência entre elas e a
carne fresca, embora pudessem concorrer com as provisões salgadas do
país. Podem ser usadas para abastecer os navios em viagens longas e para
outros usos, mas nunca chegariam a constituir uma grande fração da
alimentação do povo. A pequena quantidade de provisões salgadas
importadas da Irlanda desde que sua importação se tornou livre é uma
evidência experimental de que nossos pecuaristas não têm nada a temer.
Não nos parece que o preço da carne de açougue tenha sido afetado por
essa liberdade.
Até mesmo a livre importação de cereais estrangeiros pouco afetaria
os interesses dos agricultores da Grã-Bretanha. Cereais são mercadorias
muito mais volumosas do que a carne fresca. Uma libra-peso de cereais a
1 penny é tão cara como 1 libra-peso de carne fresca a 4 pence. A pequena
quantidade de cereais estrangeiros importados, mesmo em épocas de
maior escassez, prova aos nossos agricultores que eles não têm nada a
temer em relação à importação mais livre. A quantidade média
importada anualmente atinge apenas, de acordo com o extremamente
bem-informado autor dos tratados sobre o comércio de cereais, 23.728
quarters de todos os tipos de grãos, e não excede a 571ª (quingentésima
septuagésima primeira) parte do consumo anual. Mas, já que o subsídio
aos cereais gera uma exportação maior em anos de abundância do que
ocorreria nas condições reais da agricultura, ele também deverá,
consequentemente, gerar uma maior importação nos anos de escassez do
que ocorreria no atual estado de cultivo. A abundância de um ano não
compensa a escassez de outro por meio do subsídio e, já que a
quantidade média exportada fica necessariamente aumentada, o mesmo
ocorre em relação à quantidade média importada nas condições atuais da
agricultura. Se não houvesse subsídio, menos cereais seriam exportados
e, por isso, é possível que a quantidade de cereais importados anualmente
também fosse menor que a atual. Os comerciantes de cereais, aqueles que
buscam e transportam os cereais entre Grã-Bretanha e os países
estrangeiros, teriam muito menos emprego e seriam bastante
prejudicados; mas os senhores de terras e os agricultores mal notariam
qualquer prejuízo. É por esse motivo que a ansiedade pela renovação e
pela continuidade dos subsídios é maior entre os comerciantes de cereais
do que entre os senhores de terras e agricultores.410
Dentre todas as pessoas, os senhores de terras e os agricultores são os
que menos se sujeitam ao espírito miserável do monopólio. Às vezes, o
empresário de uma grande manufatura fica alarmado quando uma outra
manufatura do mesmo tipo se estabelece a 20 milhas dele. Em Abbeville,
na Holanda, um empresário da indústria da lã estipulou que nenhuma
atividade do mesmo tipo poderia se estabelecer a 30 léguas daquela
cidade. Os fazendeiros e senhores de terras, pelo contrário, costumam
estar mais dispostos a promover — e não obstruir — o cultivo e o
aprimoramento das fazendas e propriedades de seus vizinhos.
Diferentemente da maior parte dos fabricantes, eles não têm segredos; na
verdade, costumam conversar bastante com seus vizinhos, trocando
informações sobre quaisquer novas técnicas vantajosas. Diz Catão, o
Velho: Pius Questus stabilissimusque, minimeque invidiosus; minimeque
male cogitantes sunt, qui in eo studio occupati sunt.411 Os senhores de
terras e os agricultores, espalhados por diversas regiões do país, não
conseguem se associar tão facilmente quanto os comerciantes e
manufatureiros, os quais, estando concentrados nas cidades e
acostumados a um espírito corporativo e exclusivo que entre eles
prevalece, naturalmente se esforçam para adquirir contra todos os seus
concidadãos o mesmo privilégio exclusivo que costumam deter contra os
habitantes de suas respectivas cidades. Dessa forma, parece que são os
criadores das restrições sobre a importação de bens estrangeiros que lhes
garantem o monopólio do mercado doméstico. Foi, provavelmente, à
imitação deles, e para se colocarem no mesmo nível daqueles que,
segundo acreditavam, estavam dispostos a oprimi-los, que os senhores de
terras e os agricultores da Grã-Bretanha deixaram a generosidade natural
dessa classe de pessoas de lado e passaram a exigir privilégios exclusivos
para o fornecimento de cereais e carnes aos seus compatriotas. Talvez não
tenham tido tempo para considerar que a liberdade de comércio afetaria
muito menos os seus interesses do que os das pessoas cujo exemplo
seguiram.
Proibir a importação de cereais e carnes por meio de uma lei
perpétua é, na realidade, decretar que a população e a indústria do país
nunca devem exceder o que as matérias-primas de seu próprio solo são
capazes de sustentar.
Mas parece que existem dois casos em que a oneração da indústria
estrangeira é útil para incentivar a indústria doméstica.
O primeiro ocorre quando certo tipo específico de indústria é
necessário para a defesa do país. A defesa da Grã-Bretanha, por exemplo,
depende muito do número de marinheiros e navios que possui. O Ato de
Navegação,412 portanto, muito corretamente se esforça para dar aos
marinheiros e às atividades de navegação da Grã-Bretanha o monopólio
do comércio de seu próprio país; por meio de proibições absolutas em
alguns casos e, em outros, por meio da forte oneração dos transportes
marítimos vindos de países estrangeiros. Seguem-se as principais
disposições dessa lei.
I. Sob pena de confisco do navio e da carga, todos os navios cujos
proprietários, capitães e 3/4 dos tripulantes não são súditos britânicos
ficam proibidos de realizar transações comerciais com assentamentos e
colônias britânicas ou de ser empregados para o comércio costeiro da
Grã-Bretanha.
II. Uma grande variedade daqueles artigos mais volumosos de
importação somente pode ser trazida para a Grã-Bretanha ou em navios
como os que foram anteriormente descritos ou em navios pertencentes
ao país onde esses bens são produzidos, e cujos proprietários, capitães e
3/4 da tripulação pertençam a esse país; e mesmo quando essas
mercadorias são importadas por navios deste último tipo, ficam sujeitas a
uma dupla tributação aduaneira. Quando os bens são importados em
navios de quaisquer outros países, a pena é a perda do navio e das
mercadorias.
Na época da edição dessa lei, os holandeses eram (e ainda são) os
grandes transportadores da Europa e, por meio dessa nova regra,
passavam a ser totalmente excluídos do transporte para a Grã-Bretanha
ou de importar bens de qualquer outro país europeu para a Grã-
Bretanha.
III. Sob pena de perda do navio e da carga, fica proibida a importação
de uma grande variedade de artigos mais volumosos de quaisquer países,
exceto de seu país produtor, mesmo em navios britânicos. É provável que
essa regra também fosse dirigida contra os holandeses. Na época, e ainda
atualmente, a Holanda funcionava como o grande empório de todos os
bens europeus; e, por esse regulamento, os navios britânicos ficavam
impedidos de, na Holanda, ser carregados com bens de todos os outros
países da Europa.
IV. Todos os tipos de peixes salgados, barbatanas e ossos de baleia,
óleo e gordura que não forem capturados e curados a bordo de navios
britânicos ficam sujeitos à dupla tributação aduaneira.
Os holandeses, que são atualmente os principais pescadores da
Europa, eram então os únicos pescadores europeus que tentavam
oferecer peixes às nações estrangeiras. Essa regra estabelece um ônus
muito pesado pelo fornecimento de peixes à Grã-Bretanha.
Embora a Inglaterra e a Holanda não estivessem realmente em guerra
quando o Ato de Navegação foi instituído, a lei havia alimentado uma
animosidade muito violenta entre as duas nações. A animosidade
começou durante o governo do Parlamento Longo,413 que havia criado
esse ato; e irrompeu logo em seguida nas guerras holandesas durante o
governo do Protetorado414 e de Carlos II.415 Existe, assim, a possibilidade
de parte dessas regras ter sido criada com base em uma animosidade
nacional. Mesmo assim, esses dispositivos são muito inteligentes, como
se tivessem sido ditados por conhecimentos muito bem ponderados. A
animosidade nacional daquele momento específico buscava o mesmo que
o mais ponderado conhecimento poderia ter recomendado, a saber, a
redução do poder naval da Holanda, o único poder naval capaz de pôr
em perigo a segurança da Inglaterra.
O Ato de Navegação não é favorável ao comércio exterior nem ao
crescimento da riqueza oriunda dele. O interesse de uma nação em suas
relações comerciais com as nações estrangeiras é a mesma de um
comerciante em relação às diferentes pessoas com quem ele lida: comprar
tão barato e vender tão caro quanto possível. Será mais provável que um
Estado consiga comprar barato quando, por meio da perfeita liberdade
de comércio, incentivar todas as outras nações a lhe trazer os bens de que
necessita; e, pela mesma razão, será mais provável vender caro quando os
seus mercados possuem o maior número possível de compradores. O Ato
de Navegação, é verdade, não onera os navios estrangeiros que exportam
os produtos da indústria britânica. Até mesmo o antigo tributo
aduaneiro, que costumava ser pago sobre todas as mercadorias
exportadas e importadas, foi retirado da maior parte dos artigos de
exportação por meio de vários atos subsequentes. Mas, quando
impedimos que os estrangeiros entrem em nossos mercados para vender,
quer por meio de proibições, quer por meio de altos tributos, também os
impedimos de entrar em nossos mercados para comprar, pois, ao aqui
chegarem sem carga alguma, eles obrigatoriamente perdem o frete que
poderiam ganhar ao levar para a Grã-Bretanha as mercadorias de seu
próprio país.
Quando se diminui o número de vendedores, o de compradores
também diminui e, assim, provavelmente não só teremos que comprar
bens estrangeiros mais caros, mas teremos que vender as nossas próprias
mercadorias por valores mais baixos do que se a liberdade de comércio
fosse mais perfeita. No entanto, já que a defesa é muito mais importante
que a riqueza, o Ato de Navegação talvez seja o regulamento comercial
mais inteligente da Inglaterra.416
O segundo caso em que geralmente é vantajoso onerar o trabalho
estrangeiro para incentivar o nacional ocorre quando há a imposição de
algum tributo interno doméstico sobre o produto nacional. Nesse caso,
parece razoável que um tributo igual seja imposto sobre o produto
similar do trabalho estrangeiro. Isso não garantiria à indústria nacional o
monopólio do mercado doméstico nem forçaria na direção de certa
aplicação específica maior porção do capital e do trabalho do país do que
aquela que ali seria aplicada naturalmente. Apenas impediria que tudo o
que se dirigisse naturalmente a essa aplicação tomasse, por meio do
tributo, uma direção menos natural e, na medida do possível, faria com
que a concorrência entre a indústria estrangeira e a doméstica ficasse,
após o imposto, próxima do estado em que se encontrava antes dele. Na
Grã-Bretanha, quando o produto do trabalho nacional é tributado,
costuma-se estabelecer, ao mesmo tempo, um tributo muito mais pesado
sobre a importação de todos os produtos do mesmo tipo, pois assim é
possível aplacar os clamores de comerciantes e fabricantes que se
queixam de que os produtos estrangeiros serão vendidos a preços
menores. De acordo com algumas pessoas, essa segunda limitação da
liberdade de comércio deveria, em algumas ocasiões, ultrapassar a lista
precisa de mercadorias estrangeiras que têm o potencial de entrar em
concorrência com as mercadorias nacionais tributadas. Quando um país
tributa seus bens de primeira necessidade, alegam eles, então passa a ser
necessário tributar não somente os gêneros semelhantes e importados de
primeira necessidade, mas todos os tipos de bens estrangeiros que
possam vir a concorrer com quaisquer produtos da indústria doméstica.
A subsistência, dizem, torna-se necessariamente mais cara em
consequência de tais impostos; e o preço do trabalho sempre aumenta
com o aumento do preço da subsistência do trabalhador. Embora as
mercadorias produzidas internamente não sejam imediatamente
tributadas, elas se tornam mais caras em consequência desses impostos,
pois o trabalho que as produz também está mais caro. Dizem, portanto,
que esses tributos equivalem a um imposto sobre cada mercadoria
específica produzida nacionalmente. Assim, a fim de pôr as indústrias
doméstica e estrangeira em pé de igualdade, imaginam ser necessário
tributar todos os bens estrangeiros de forma proporcional ao aumento
dos preços das mercadorias nacionais com as quais poderão vir a
concorrer.
Em seguida, ao investigar os impostos, examinarei se os tributos
sobre os bens de primeira necessidade — tais como aqueles empregados
pela Grã-Bretanha sobre o sabão, o sal, o couro, as velas, etc. —
obrigatoriamente elevam o preço do trabalho e, consequentemente, o de
todas as outras mercadorias. Supondo, entretanto, que tenham esse efeito
— e não há dúvida de que o têm —, esse aumento geral do preço de todas
as mercadorias, decorrente do aumento do preço do trabalho, é um caso
que difere em dois aspectos do aumento do preço de uma mercadoria
específica em decorrência de um tributo específico imposto
imediatamente sobre ela.
Em primeiro lugar, é sempre possível saber exatamente quanto será o
aumento do preço de um produto em decorrência de um imposto; mas
não é possível saber com qualquer exatidão razoável como o aumento
geral dos preços do trabalho poderá afetar o preço de cada produto sobre
o qual o trabalho foi empregado. Consequentemente, seria impossível
estabelecer uma proporção razoável entre o tributo imposto a cada
produto estrangeiro e o aumento de preço de todas as mercadorias
nacionais.
Em segundo lugar, os tributos impostos sobre os bens de primeira
necessidade têm quase o mesmo efeito sobre as condições da população
que um solo pobre e um clima ruim. As provisões ficam, dessa forma,
mais caras, como se exigissem mais trabalho e gastos para cuidar delas.
Como na escassez natural decorrente do solo e do clima, seria absurdo
escolher a forma como as pessoas deveriam aplicar seu capital e trabalho;
o mesmo vale para a escassez artificial decorrente dos tributos
mencionados. O que em ambos os casos seria vantajoso para todos é
deixar que cada um acomode seu trabalho da melhor forma possível a
suas circunstâncias e, também, busque empregos que, não obstante suas
circunstâncias desfavoráveis, possam oferecer alguma vantagem, seja no
mercado interno, seja no externo. Aplicar um novo tributo às pessoas,
pelo fato de estarem sobrecarregadas por impostos e já pagarem muito
caro pelos bens de primeira necessidade, assim como obrigá-las a pagar
mais caro por grande parte das outras mercadorias, impondo-lhes novos
tributos, é certamente a forma mais absurda de se corrigir um erro.
Quando esses tributos aumentam até atingir um certo nível,
equivalem a um infortúnio semelhante à esterilidade da terra e à
inclemência atmosférica; e, ainda assim, os países que mais impõem
tributos costumam ser os mais ricos e mais industriosos. Os demais
países não teriam condições para suportar tamanha desordem. Da
mesma forma que apenas o organismo mais forte é capaz de sobreviver e
manter sua saúde quando submetido a um regime insalubre, somente a
nação que, em todas as formas de atividade, possui as maiores vantagens
naturais e adquiridas é capaz de sobreviver e prosperar quando
submetida a essa tributação. A Holanda é o país europeu com maior
tributação e que, por circunstâncias específicas, continua a prosperar, não
por meio da tributação conforme se supôs de forma absurda, mas apesar
dela.
Os dois casos anteriormente descritos mostram que, em geral,
objetivando o fomento da indústria nacional, é vantajoso impor certa
oneração ao produto estrangeiro; há outros dois casos em que, às vezes,
deve-se deliberar, no primeiro caso, por quanto tempo continuar com a
importação livre de certos bens estrangeiros e, no segundo, até que
ponto, ou de que maneira, será apropriado restaurar a livre importação
de bens depois de ela ter sido interrompida por algum tempo.
O primeiro caso, isto é, deliberar para saber até quando será
apropriado manter a livre importação de certos bens estrangeiros, ocorre
quando uma nação estrangeira restringe a entrada de nossas manufaturas
em seu país, seja por meio de impostos altos ou pela proibição da
importação. Nesse caso, a contrapartida exige naturalmente a retaliação,
isto é, a imposição de tributos e proibições semelhantes à importação de
algumas ou de todas as manufaturas daquele país. Consequentemente, as
nações raramente deixam de promover esse tipo de retaliação. Os
franceses em particular têm favorecido bastante a manufatura de seu
país, restringindo a importação daqueles bens estrangeiros que possam
vir a concorrer com os similares nacionais. Esse foi o objetivo de grande
parte da política do senhor Colbert,417 a qual — apesar de sua grande
competência — parece, neste caso, ter sido imposta pelos argumentos
ardilosos de comerciantes e fabricantes que estão sempre exigindo um
monopólio contra os seus compatriotas. Atualmente, as pessoas mais
inteligentes da França garantem que as operações desse tipo não têm sido
benéficas para o seu país. Pela tarifa de 1667, aquele ministro impôs
tributos muito altos sobre um grande número de manufaturas
estrangeiras. Em 1671, após os franceses terem se recusado a moderar
seus tributos em favor dos holandeses, estes últimos proibiram a
importação de vinhos, destilados e manufaturas francesas. Parece que a
guerra de 1672 foi, em parte, ocasionada por essa disputa comercial. Em
1678, os tratados de paz de Nimega418 puseram fim à guerra, moderando
alguns desses tributos em favor dos holandeses, que, por sua vez,
cancelaram as proibições que haviam imposto. Quase na mesma época,
franceses e ingleses começaram a pressionar a indústria uns dos outros
por meio de proibições e tributos; os franceses, no entanto, parecem ter
dado o primeiro exemplo. O espírito de hostilidade existente entre as
duas nações desde então impede qualquer moderação de ambas as
partes. Em 1697, os ingleses proibiram a importação da renda de bilros,
uma manufatura vinda de Flandres. Por sua vez, a região, que na época
era domínio espanhol, proibiu a importação da lã inglesa. Em 1700, a
proibição da importação da renda de bilros para a Inglaterra foi retirada
sob a condição de que a importação de lã inglesa para Flandres voltasse a
seu estado anterior.
Retaliações desse tipo podem ser consideradas uma boa política se o
seu uso gerar a probabilidade da revogação dos altos tributos ou das
proibições. A recuperação de um grande mercado estrangeiro, em geral,
mais do que compensa a inconveniência transitória de pagar mais caro,
durante um curto período de tempo, para alguns tipos de bens. Julgar se
esses efeitos podem ser produzidos por aquelas retaliações talvez não faça
parte tanto da ciência do legislador, cujas deliberações devem ser regidas
por princípios gerais e imutáveis, quanto das habilidades daquele animal
traiçoeiro e ardiloso que é vulgarmente chamado de estadista ou político
e cujos conselhos são dirigidos pelas flutuações transitórias dos
acontecimentos.419 Quando não há nenhuma probabilidade de se
conseguir tal revogação, compensar o mal causado a certas classes de
nossa população por meio de outro mal a ser realizado por nós mesmos
parece não ser um bom método, não só para aquelas classes, mas para
quase todo o restante da população. Quando os nossos vizinhos impõem
proibições a algumas de nossas manufaturas, nós, em geral, além de
impormos uma proibição idêntica — já que somente essa ação lhes causa
poucos efeitos —, também impedimos a entrada de algum outro bem.
Isso, sem dúvida, poderá incentivar certa categoria específica de
trabalhadores de nosso país e, ao excluir alguns rivais, permitir que essa
categoria aumente seus preços no mercado doméstico. No entanto, esses
trabalhadores que sofreram perdas com a proibição de nosso vizinho não
serão beneficiados pelas proibições impostas por nós. Pelo contrário, eles
e quase todas as outras classes de nossos cidadãos serão, portanto,
obrigados a pagar mais caro do que antes por certos bens. Assim, toda lei
desse tipo impõe um tributo real sobre todo o país, não em favor daquela
categoria específica de trabalhadores que sofreu perdas pela proibição de
nosso vizinho, mas de alguma outra categoria.
O caso em que há necessidade de se deliberar até que ponto ou de que
maneira será adequado restaurar a livre importação de mercadorias
estrangeiras, depois de esta ter sido interrompida por algum tempo,
ocorre quando a manufatura de certos bens — por causa dos altos
tributos ou proibições impostos sobre todos os bens estrangeiros que
podem vir a concorrer com ela — se torna tão abrangente que passa a ser
necessário o emprego de um enorme contingente de trabalhadores. Nesse
caso, a sensibilidade humana poderá exigir que a liberdade de comércio
seja lenta e gradualmente restaurada com uma boa dose de moderação e
cautela. Se os altos tributos e proibições fossem retirados de uma só vez,
os bens estrangeiros mais baratos e do mesmo tipo seriam derramados de
forma tão rápida no mercado doméstico que, imediatamente e ao mesmo
tempo, milhares de pessoas perderiam seu emprego mais comum e meios
ordinários de subsistência. Certamente esse evento poderia causar muitas
perturbações. No entanto, há duas razões para acreditarmos que os
problemas seriam provavelmente muito menores do que se imagina:
I. Todas as mercadorias exportadas para outros países europeus sem a
necessidade do estabelecimento de subsídios são muito pouco afetadas
pela mais livre importação de bens estrangeiros. Assim como quaisquer
outros bens estrangeiros da mesma qualidade e tipo, essas mercadorias
devem ser vendidas no exterior a preços identicamente baixos e,
consequentemente, também devem ser vendidas a preços mais baixos no
mercado doméstico. Tais produtos manteriam, assim, a posse do
mercado doméstico; é verdade que uma pessoa caprichosa e dada a
modismos poderia, por vezes, preferir mercadorias estrangeiras (só
porque são estrangeiras) aos bens nacionais do mesmo tipo, mais baratos
e melhores; mas apesar de tal preferência, essa tolice, pela própria
natureza das coisas, se estenderia a pouquíssimas pessoas e, por isso,
nada causaria ao nível geral de emprego da população. Mas ocorre que
grande parte de todos os diferentes ramos de nossas manufaturas de lã,
de couro curtido e de ferragens é anualmente exportada para outros
países europeus sem a necessidade da imposição de subsídios, e essas são
as indústrias que empregam o maior número de trabalhadores. A seda é,
talvez, a manufatura que sofreria as maiores perdas pela liberdade de
comércio; em seguida, viria o linho. Mas as perdas do linho seriam bem
menores que as da seda.
II. Embora a restauração da liberdade de comércio leve um grande
número de pessoas a perder seu emprego mais habitual e a forma
ordinária de obter subsistência, isso não significa, de forma alguma, que
elas ficariam privadas de qualquer emprego ou forma de subsistência.
Após o fim da última guerra, o exército e a marinha dispensaram mais de
100 mil soldados e marinheiros, um número igual ao que é empregado
nas maiores manufaturas; eles perderam seu emprego ordinário de forma
imediata, mas, embora sem dúvida tenham sofrido algumas
inconveniências, não foram, assim, privados de todo e qualquer emprego
e subsistência. É provável que a maior parte dos marinheiros tenha se
deslocado gradualmente para o serviço mercantil sempre que
encontrasse a oportunidade e, nesse meio-tempo, eles e os soldados
foram absorvidos pela grande massa da população e passaram a ser
empregados em uma grande variedade de ocupações. Essa grande
mudança na vida de mais de 100 mil homens não causou nenhuma
grande revolta, nenhuma desordem relevante; lembremo-nos de que
todos eles estavam acostumados a carregar armas e muitos eram dados
ao saque e à pilhagem. O número de vagabundos quase não foi alterado
por isso, nem mesmo os salários do trabalho foram reduzidos em
nenhum tipo de ocupação, exceto, pelo que sei, os salários dos
marinheiros que passaram ao serviço mercante. Mas se compararmos os
hábitos de um soldado e dos trabalhadores manufatureiros,
perceberemos que os hábitos dos manufatureiros não tendem a
desqualificá-los para um novo emprego, enquanto os dos soldados não os
qualificam a nenhum outro emprego. O manufatureiro acostumou-se a
obter sua subsistência apenas por meio de seu trabalho; o soldado, a
esperá-la de seu soldo. Dedicação e trabalho árduo são familiares ao
primeiro; ociosidade e dissipação, ao segundo. Mas é certamente muito
mais fácil ver uma pessoa laboriosa mudar de um tipo de trabalho para
outro do que uma ociosa e esbanjadora encontrar alguma ocupação.
Além disso, conforme já observado, existem outras indústrias análogas,
tão semelhantes que a maioria dos trabalhadores manufatureiros é capaz
de transferir facilmente seu trabalho de uma para outra.
Ademais, a maior parte desses trabalhadores é ocasionalmente
empregada no trabalho do campo. O capital que os empregou
anteriormente em certa manufatura será mantido no país e, de alguma
outra maneira, empregará um número igual de pessoas. Mantendo-se o
mesmo capital, a demanda por trabalho também será a mesma, ou quase
a mesma, embora dirigida a outros locais e a ocupações diferentes. De
fato, quando soldados e marinheiros são dispensados do serviço do rei,
podem exercer qualquer outra atividade, em qualquer cidade ou lugar da
Grã-Bretanha ou da Irlanda. Deixemos que a mesma liberdade natural de
exercitar qualquer tipo de trabalho seja estendida a todos os súditos de
Sua Majestade, da mesma maneira como ocorre aos soldados e
marinheiros; isto é, acabemos com os privilégios exclusivos das
corporações e revoguemos o estatuto dos aprendizes, duas instituições
que realmente violam a liberdade natural; e, por fim, revoguemos a lei do
domicílio, de modo que, ao perder seu emprego em uma atividade ou
outra, o trabalhador pobre possa buscar trabalho em outras atividades ou
em outros locais sem medo de ser processado ou expulso da cidade; se
todas essas medidas fossem tomadas, nem o governo nem os indivíduos
sofreriam muito mais pela ocasional dissolução de algumas categorias
específicas de manufatureiros do que pela desmobilização dos soldados.
Nossos trabalhadores manufatureiros, sem dúvida, possuem grande
mérito, mas o valor deles não sobrepuja o daqueles que defendem nossa
nação com o próprio sangue, tampouco eles merecem ser tratados com
mais delicadeza.
De fato, acreditar que algum dia haverá uma completa liberdade de
comércio na Grã-Bretanha é algo tão absurdo quanto esperar que a nação
se torne uma Oceana ou Utopia.420 Não só os preconceitos do público em
geral, mas também os interesses privados de muitos indivíduos, que são
muito mais insuperáveis, se opõem irresistivelmente a ela. Se os oficiais
do exército se opusessem com o mesmo zelo e unanimidade a qualquer
redução no número de seus efetivos, como os mestres-manufatureiros se
opõem a todas as leis que possam criar a possibilidade do aumento do
número de seus rivais no mercado doméstico; se aqueles oficiais
incentivassem seus soldados da mesma forma que os manufatureiros
inflamam seus trabalhadores a atacar com violência e indignação os
proponentes dessas leis; então, tentar reduzir o contingente do exército
seria tão perigoso quanto tentar diminuir o monopólio que nossas
manufaturas obtiveram atualmente contra nós. Esse monopólio causou
um aumento tão grande de alguns grupos particulares de
manufaturadores que estes, como um exército permanente e
excessivamente grande, se tornaram formidáveis perante o governo e, em
muitas ocasiões, chegam a intimidar os legisladores. Os membros do
Parlamento que apoiam todas as propostas de fortalecimento desses
monopólios, além de garantirem a si mesmos a reputação de
conhecedores do comércio, também ganham grande popularidade e
influência com pessoas cujos números e riqueza lhes asseguram grande
importância. Por outro lado, se algum membro do Parlamento se opõe às
propostas e, além disso, se ele tem autoridade suficiente para bloquear os
monopolistas, nem a probidade mais bem reconhecida, nem o mais alto
escalão, nem os seus grandes serviços públicos podem protegê-lo das
mais infames agressões e difamações, dos insultos pessoais e, por vezes,
nem mesmo de um verdadeiro perigo proveniente da indignação
insolente de monopolistas furiosos e decepcionados.
O empresário de uma grande manufatura que se vê obrigado a
abandonar seus negócios pela repentina abertura dos mercados
domésticos à competição estrangeira será certamente bastante
prejudicado. A parte de seu capital que era utilizada para comprar
matéria-prima e pagar seus funcionários poderia ser, sem muita
dificuldade, utilizada em outras aplicações. Mas a parte fixa do capital,
aplicada em oficinas e instrumentos de trabalho, sofreria uma perda
considerável. Portanto, por respeito à equidade que se deve oferecer aos
interesses desse empreendedor, exige-se que as mudanças desse tipo
nunca sejam introduzidas de forma repentina, mas lenta e gradualmente,
e após um longo tempo com a publicação de repetidas advertências. Por
essa razão, os legisladores deveriam — caso suas deliberações não
dependessem da importunação clamorosa de interesses parciais, mas
pudessem ser sempre dirigidas por uma visão mais ampla do bem geral
— tomar bastante cuidado para que suas ações não possibilitassem a
criação de novos monopólios nem aumentassem os que já haviam sido
criados. Toda regulamentação desse tipo introduz algum grau de
desordem real à constituição do Estado, desordem essa que, mais tarde,
será difícil de remediar sem a criação de alguma nova desordem.
Adiante, ao tratar dos impostos, examinarei a adequação de se impor
tributos sobre a importação de bens estrangeiros, não para impedir a sua
importação, mas para aumentar a receita do governo. Tributos impostos
para impedir ou mesmo para diminuir as importações evidentemente
destroem tanto as receitas alfandegárias quanto a liberdade de comércio.
CAPÍTULO III
AS RESTRIÇÕES EXTRAORDINÁRIAS SOBRE A
IMPORTAÇÃO DE QUASE TODOS OS TIPOS DE BENS
PROCEDENTES DOS PAÍSES CUJA BALANÇA COMERCIAL
É SUPOSTAMENTE DESFAVORÁVEL
CAPÍTULO IV
DRAWBACK
Os comerciantes e os manufaturadores não se contentam com o
monopólio do mercado interno e desejam, do mesmo modo, exportar
suas mercadorias da forma mais ampla possível. O país deles não tem
jurisdição sobre as nações estrangeiras e, portanto, raramente podem
deter qualquer tipo de monopólio em outros países. Em geral, são
obrigados a se contentar em peticionar por certos incentivos à
exportação.
Dentre esses incentivos, os mais razoáveis parecem ser os drawbacks.
Permitir que os comerciantes recuperem na exportação a integralidade
ou parte do valor pago em taxas ou impostos internos incidentes sobre as
mercadorias da indústria doméstica nunca poderá gerar exportações de
uma quantidade de bens maior do que aquela que teria sido exportada
caso não incidissem tributos internos. Esses tipos de incentivo à
exportação não tendem a destinar a quaisquer aplicações específicas uma
porção do capital nacional maior do que a que seria espontaneamente
vertida a elas; eles apenas impedirão que o tributo desvie uma parcela do
capital para outras aplicações. Não são uma forma de inverter o
equilíbrio da balança que naturalmente se estabelece entre os muitos
ramos de atividade da sociedade; mas impedem que a balança seja
invertida pelos tributos. Não tendem a destruir, mas a preservar algo que,
na maioria dos casos, é vantajoso preservar: a divisão e a distribuição
naturais do trabalho na sociedade.
O mesmo pode ser dito dos drawbacks para a reexportação de
mercadorias estrangeiras importadas; que, na Grã-Bretanha, em geral,
representam de longe a maior parte dos tributos sobre a importação de
mercadorias. Pela segunda regra anexada ao ato parlamentar432 que
impôs o que é agora chamado de o antigo subsídio, todos os
comerciantes, ingleses ou não, foram autorizados a recuperar metade
desses tributos na exportação; ao comerciante inglês, desde que a
exportação ocorresse em até doze meses; ao estrangeiro, desde que a
exportação ocorresse em até nove meses. Vinhos, passas de Corinto e as
manufaturas de seda eram as únicas mercadorias que não se
enquadravam na regra, pois tinham outros subsídios mais vantajosos. Os
tributos desse ato parlamentar eram, naquele tempo, os únicos tributos
impostos sobre a importação de bens estrangeiros. O período para
requisitar a restituição deste e de todos os outros drawbacks foi
posteriormente prorrogado para três anos. (7 George I, c.21, s.10).
A maior parte dos tributos criados desde a imposição do antigo
subsídio é totalmente restituída depois da exportação. Essa regra geral,
no entanto, é aberta a um grande número de exceções; além disso, a
doutrina dos drawbacks tornou-se uma questão muito menos simples do
que era no tempo em que foi instituída.
Após a exportação de alguns bens estrangeiros, cuja importação
excede em muito a quantidade necessária para o consumo doméstico,
todos os tributos são restituídos, sem a retenção de nem mesmo a metade
do antigo subsídio. Antes da revolta ocorrida em nossas colônias norte-
americanas, tínhamos o monopólio do tabaco de Maryland e da Virgínia.
Nós importávamos aproximadamente 96 mil hogsheads de tabaco, mas
nosso consumo interno não excedia 14 mil. Para facilitar a grande
exportação necessária para nos livrar do resto, todos os tributos seriam
restituídos desde que a exportação ocorresse no prazo de três anos.
Ainda temos o monopólio dos açúcares de nossas ilhas das Índias
Ocidentais, embora não em sua integralidade, mas muito próximo disso.
Sempre que o açúcar é exportado no prazo de um ano, todos os tributos
sobre a importação são restituídos e, se exportados dentro de três anos,
todos os tributos são restituídos, exceto a metade do antigo subsídio, pois
este continua a ser retido na exportação da maior parte dos bens. Embora
a importação de açúcar exceda bastante a quantidade de açúcar
necessária para o consumo doméstico, o excesso é extremamente
pequeno em comparação ao que costumava ser o excesso de tabaco.
Certas mercadorias, por serem objetos específicos de rivalidade com
nossas próprias manufaturas, têm a importação para o consumo
doméstico proibida. Elas podem, no entanto, pagando certos tributos, ser
importadas e armazenadas para exportação. Mas, sobre essas
exportações, nenhum tributo é retirado (restituído). Ao que parece,
nossos manufaturadores não desejam ver nenhum incentivo dado a essas
importações já bastante restritas; eles temem que parte desses bens seja
roubada do armazém e, assim, venha a concorrer com os seus próprios
produtos. Assim, somente podemos importar sob essa regulamentação
alguns produtos, a saber, manufaturas de seda, cambraias e tecidos finos
franceses, calicôs pintados, estampados, pigmentados ou tingidos, etc.
Não estamos dispostos nem mesmo a transportar as mercadorias
francesas; preferimos renunciar a um lucro a deixar que aqueles que
consideramos nossos inimigos obtenham quaisquer lucros por nosso
intermédio. Retêm-se não só a metade do antigo subsídio à exportação
de todas as mercadorias francesas, mas também o segundo tributo de
25%.
Pela quarta regra anexada ao ato parlamentar sobre subsídios,433 o
drawback (restituição de tributos) concedido na exportação de vinhos
atingia muito mais da metade dos tributos aduaneiros que, naquele
momento, eram pagos em sua importação; e parece que, na época, o
propósito dos legisladores foi oferecer um incentivo maior do que o
ordinário ao comércio de transporte de vinhos. Muitos dos outros
tributos que foram impostos na mesma época do antigo subsídio ou
depois dele — conhecidos como taxa adicional, o novo subsídio, os
subsídios de 1/3 e 2/3, o imposto de 1692, tributação sobre o vinho —
também receberam autorização para que pudessem ser totalmente
restituídos na exportação. No entanto, já que todos esses tributos, com
exceção da taxa adicional e do imposto de 1692, eram pagos na
importação em dinheiro vivo, os juros de uma soma tão vultosa geravam
despesas tão grandes que a obtenção de lucros com o comércio de
transportes desse artigo passou a ser considerada impossível. Apenas
uma parte do tributo chamado de imposto sobre o vinho podia ser
restituída, mas nenhuma parte das 25 libras por tonelada sobre os vinhos
franceses, ou dos tributos impostos em 1745, em 1763 e em 1778,
recebeu autorização para que pudesse ser restituída na exportação. Já que
os dois tributos de 5% impostos em 1779 e 1781 sobre todas as taxas
aduaneiras anteriores receberam permissão para ser integralmente
restituídos na exportação de todos os outros bens, também receberam
permissão para ser restituídos na exportação de vinho. O último tributo
imposto especificamente sobre o vinho, o de 1780, podia ser
integralmente restituído; mas essa tolerância nunca geraria a
oportunidade para a exportação de nem sequer uma única tonelada de
vinho, pois o governo já retinha uma multiplicidade de tributos pesados.
Essas regras vigem para todos os locais de exportação legal, exceto nas
colônias britânicas na América.
O ato parlamentar publicado durante o 15º ano do reinado de Carlos
II, no capítulo 7º,434 chamado de ato para o incentivo do comércio, deu à
Grã-Bretanha o monopólio do fornecimento a suas colônias de todas as
mercadorias cultivadas ou manufaturadas na Europa; consequentemente,
o fornecimento de vinhos. Em um país com uma costa tão extensa como
a de nossas colônias norte-americanas e das Índias Ocidentais, onde a
nossa autoridade sempre foi muito tênue e onde os habitantes foram, em
um primeiro momento, autorizados a transportar, em seus próprios
navios, as suas mercadorias não listadas435 a todas as partes da Europa e,
logo em seguida, para todas as partes da Europa ao sul do Cabo
Finisterra, não é muito provável que este monopólio tenha sido muito
respeitado; e, além disso, as colônias provavelmente encontravam meios
para trazer mercadorias dos países para os quais estavam autorizadas a
realizar o transporte. Elas parecem, no entanto, ter encontrado alguma
dificuldade na importação de vinhos europeus a partir dos seus locais de
origem, e elas não podiam importá-los da Grã-Bretanha, pois ali os
vinhos estavam carregados com tributos pesadíssimos; e grande parte
desses tributos não podia ser recuperada na exportação. O vinho da Ilha
da Madeira, não sendo uma mercadoria europeia, poderia ser importado
diretamente para a América e as Índias Ocidentais, que, em todas as suas
mercadorias não enumeradas, desfrutaram de um comércio livre com a
Ilha da Madeira. É provável que essas circunstâncias tenham introduzido
esse gosto geral pelo vinho da Madeira, que nossos oficiais encontraram
já estabelecido em todas as nossas colônias em 1755, no início da guerra;
gosto que trouxeram de volta com eles ao país natal, onde esse vinho não
era muito consumido anteriormente. Em 1763, após o fim da guerra,
todos os tributos (pelo ato parlamentar 4 George III, c.15, s.12), exceto o
de 3 libras e 10 xelins, foram autorizados a ser retirados na exportação
para as colônias de todos os vinhos, exceto os vinhos franceses, pois o
preconceito nacional não permitiria nenhum tipo de incentivo ao
comércio e consumo destes últimos. O período entre a concessão dessa
indulgência e a revolta de nossas colônias norte-americanas foi
provavelmente muito curto para encontrarmos alguma mudança
considerável nos costumes daqueles países.
O mesmo ato que, no drawback de todos os vinhos exceto os
franceses, favoreceu muito mais as colônias do que outros países
favoreceu-as muito menos no drawback da maior parte das outras
mercadorias. Na exportação da maior parte das mercadorias para outros
países, metade do antigo subsídio era recuperada. Mas essa lei afirmava
que nenhuma parte desse tributo deveria ser recuperada na exportação
para as colônias de quaisquer mercadorias cultivadas ou manufaturadas
na Europa ou nas Índias Orientais, exceto os vinhos, os calicôs brancos e
as musselinas.
Os drawbacks talvez tenham sido originalmente concedidos para
incentivar o comércio de transporte pois, tendo em vista que o frete dos
navios costuma ser pago em dinheiro pelos estrangeiros, imaginava-se
que este meio era especialmente eficaz para trazer ouro e prata ao país.
Mas, embora o comércio de transporte de mercadorias certamente não
precise de incentivos específicos e embora o motivo da instituição do
drawback tenha sido bastante tolo, o instituto em si parece ser bastante
sensato. Esses drawbacks não têm capacidade de injetar neste comércio
uma parcela maior do capital do país do que o que teria fluído
espontaneamente a ele caso não existissem tributos sobre a importação.
Eles só impedem que esse tipo de comércio seja completamente
eliminado por esses tributos. Embora o comércio de transporte de
mercadorias não mereça preferência, ele também não deve ser impedido,
devendo ser deixado livre como todos os outros comércios. É um recurso
necessário para aqueles capitais que não puderam ser aplicados nem na
agricultura nem na manufatura do país; nem no seu comércio doméstico
nem no comércio exterior de bens de consumo.
As receitas alfandegárias não perdem com os drawbacks, mas lucram
com a parte retida dos tributos. Se os tributos fossem retidos em sua
integralidade, os bens estrangeiros (que os pagaram na importação)
raramente poderiam ser reexportados, nem, como consequência,
importados, por falta de mercado interno. Portanto, os tributos
aduaneiros (que têm uma parte retida) nunca teriam sido pagos.
Essas razões parecem suficientes para justificar os drawbacks, e os
justificariam ainda que os tributos sobre os produtos da indústria
doméstica ou sobre os bens estrangeiros sempre fossem integralmente
recuperados na exportação. Nesse caso, as receitas do imposto de
consumo, de fato, perderiam um pouco, e as aduaneiras perderiam mais;
mas o equilíbrio natural da indústria, a divisão natural e a distribuição do
trabalho, que sempre ficam mais ou menos perturbados por tais tributos,
poderiam quase se restabelecer por meio de tal regulamento.
Essas razões, entretanto, somente justificarão os drawbacks para a
exportação de mercadorias aos países que são completamente
estrangeiros e independentes, não àqueles em que nossos comerciantes e
manufaturadores possuem algum monopólio. Por exemplo, o drawback
sobre a exportação de bens europeus para as nossas colônias americanas
nem sempre irá gerar uma exportação maior do que aquela que existiria
sem esse instituto. Por meio do monopólio que nossos comerciantes e
manufaturadores possuem ali, a mesma quantidade de mercadorias
poderia ser enviada para lá, mesmo com a retenção integral dos tributos
incidentes. Os drawbacks, portanto, podem se constituir em pura perda
para as receitas dos impostos de consumo e alfandegários, sem alterar o
estado do comércio nem torná-lo mais amplo de alguma forma. Mais à
frente, quando tratarmos das colônias, veremos até onde esses drawbacks
podem ser justificados como um incentivo adequado para a indústria de
nossas colônias ou até onde é vantajoso para a metrópole que as colônias
sejam isentas de impostos que são pagos por todos os outros súditos.
Devemos sempre entender, no entanto, que os drawbacks são úteis
apenas nos casos em que as mercadorias sejam realmente exportadas
para algum país estrangeiro; e não clandestinamente reimportadas para o
nosso próprio país. São bem conhecidos os casos de drawbacks,
particularmente aqueles sobre o tabaco, que sofrem esses abusos e geram
oportunidades para fraudes igualmente danosas tanto para as receitas
públicas quanto para o comerciante de boa-fé.
Í
CAPÍTULO V
SUBSÍDIOS
Na Grã-Bretanha, os subsídios para a exportação são, em geral,
requisitados e, então, concedidos ao produto de alguns ramos específicos
da indústria doméstica. Por meio deles, supõe-se que nossos
comerciantes e manufaturadores conseguem vender seus bens no
mercado exterior a preços tão baixos — ou mais baixos — quanto os de
seus rivais. Assim, quando uma maior quantidade é exportada, dizem, a
balança comercial se torna, consequentemente, mais favorável ao nosso
próprio país. Aos nossos comerciantes e produtores, não podemos
conceder-lhes no exterior o mesmo monopólio que eles detêm no
mercado interno. Não podemos forçar que os estrangeiros, assim como
fizemos com nossos próprios compatriotas, comprem seus bens.
Portanto, um segundo melhor expediente, imaginam, seria pagá-los para
comprar. Essa é, então, a forma como o sistema mercantil propõe
enriquecer todo o país — e colocar dinheiro em nossos bolsos — por
meio da balança comercial.
Admite-se que os subsídios devem ser concedidos somente àqueles
ramos do comércio que não poderiam ser realizados sem eles. Mas todos
os ramos comerciais nos quais um comerciante é capaz de vender seus
bens por um preço que lhe reponha todo o capital empregado para a
preparação e o transporte deles ao mercado, juntamente com os lucros
ordinários do capital, é um ramo que pode ser operado sem subsídios.
Evidentemente, todos esses ramos estão no mesmo nível de outros ramos
comerciais que são realizados sem subsídios e, portanto, uns não podem
exigir mais que os outros. Somente exigem subsídios aquelas atividades
comerciais em que o comerciante é obrigado a vender seus bens por um
preço que não lhe repõe seu capital, juntamente com o lucro ordinário;
ou a atividade em que o comerciante é obrigado a vender seus bens por
menos do que custa colocá-los no mercado. O subsídio é concedido para
compensar esta perda e para incentivar o comerciante a continuar, ou
talvez a começar, uma atividade cujas despesas são supostamente maiores
que os retornos, no qual cada operação consome uma parte do capital
empregado nela e que é de tal natureza que, se todas as outras atividades
se assemelhassem a ela, em breve não haveria mais nenhum capital no
país.
Devemos observar que as atividades comerciais que são exercidas por
meio de subsídios são as únicas que podem ser realizadas por bastante
tempo entre duas nações, de tal modo que uma delas sempre deva sofrer
perdas regulares e constantes ou tenha de vender seus bens por valores
mais baixos que o preço de colocá-las no mercado. Mas, se os subsídios
não devolvessem ao comerciante o valor sobre o preço de seus bens que,
de outra forma, ele perderia, então seus próprios interesses logo o
obrigariam a aplicar seu capital de outra forma, ou seja, a descobrir uma
atividade em que o preço dos bens fosse capaz de lhe repor, juntamente
com o lucro ordinário, o capital aplicado para levá-los ao mercado. O
único efeito dos subsídios, como o de todas as outras ferramentas do
sistema mercantil, deve ser o de obrigar as atividades comerciais de um
país a entrar em um canal muito menos vantajoso do que aquele em que
fluiriam de forma espontânea.
O inteligente e bem-informado autor dos tratados sobre o comércio
de cereais mostrou muito claramente que, desde a criação dos subsídios
para a exportação de cereais, o preço dos cereais exportados, que era
suficientemente moderado, excedeu o preço dos cereais importados, cujo
valor era muito elevado, por uma quantia muito maior do que o
montante de todos os subsídios que foram pagos durante aquele período.
Isso, ele imagina, segundo os verdadeiros princípios do sistema
mercantil, é uma prova clara de que esse comércio forçado de cereais é
benéfico à nação, pois o valor de exportação excede o da importação por
uma quantia muito maior do que todo o gasto extraordinário que o
governo tem feito para poder exportá-lo. Ele não considera que essa
despesa extraordinária, isto é, os subsídios, seja a menor parte das
despesas que a exportação de cereais realmente custa à sociedade. O
capital empregado pelo agricultor em sua plantação também deve ser
levado em conta. A menos que o preço dos cereais quando vendido nos
mercados estrangeiros seja capaz de repor tanto o subsídio quanto o
capital e seus lucros ordinários, a sociedade perderá pela diferença, ou
então o capital nacional ficará diminuído pelo mesmo tanto. Mas a razão
em si pela qual considera-se necessária a concessão de um subsídio é a
suposta insuficiência do preço para se fazer isso.
O preço médio dos cereais, dizem, caiu consideravelmente desde a
criação dos subsídios. Já me esforcei para mostrar que o preço médio do
milho começou a cair um pouco já no final do século passado e
continuou com a mesma tendência durante o curso dos 64 primeiros
anos do presente século. Mas esse evento, supondo que seja tão real como
acredito que seja, deve ter ocorrido independentemente dos subsídios; e
não há como ter ocorrido como consequência deles. Ocorreu na França,
bem como na Inglaterra, embora na França não existissem subsídios e,
até 1764, a exportação de cereais estivesse completamente proibida.
Desse modo, a queda gradual do preço médio dos grãos não ocorreu, em
última análise, devido às leis, mas a esse aumento gradual e imperceptível
no valor real da prata, tema abordado no primeiro livro deste discurso,
em que tento mostrar a ocorrência do evento em todos os mercados da
Europa no decorrer do presente século. Parece ser algo completamente
impossível que o preço do subsídio tenha contribuído para a queda do
preço dos cereais.
Em anos de abundância, já foi observado, os subsídios ocasionaram
uma exportação extraordinária e, assim, necessariamente mantiveram o
preço dos cereais do mercado doméstico em um patamar acima do que,
naturalmente, teria caído. Tal era o propósito declarado dessa instituição.
Embora os subsídios ficassem regularmente suspensos durante os
períodos de escassez, ainda assim a grande exportação dos períodos de
abundância deveria dificultar, com maior ou menor força, que a
abundância de um ano compensasse a escassez do outro. Tanto em
períodos de abundância quanto nos de escassez, portanto, os subsídios
tendem obrigatoriamente a elevar o preço em dinheiro dos cereais a um
valor um pouco maior do que, em outro caso, teria no mercado
doméstico.
Eu compreendo que, nas condições atuais de cultivo, ninguém
contestará que os subsídios devem seguir necessariamente essa
tendência. Mas muita gente imaginou que os subsídios tendem a
incentivar o plantio de duas maneiras diferentes; em primeiro lugar, a
abertura de um mercado estrangeiro maior aos cereais do agricultor
tende, acredita-se, a aumentar a demanda pela mercadoria e,
consequentemente, a sua produção; e, em segundo lugar, garantir-lhe um
preço melhor do que seria possível obter nas condições atuais da
agricultura tende, supõe-se, a incentivar o plantio. Eles imaginam que, no
longo prazo, esse incentivo duplo deverá gerar um aumento na produção
de cereais capaz de diminuir o seu preço no mercado doméstico muito
mais do que o subsídio poderia elevá-lo, ao final do período, nas
condições reais em que esteja a agricultura no final do período.
Minha resposta: seja qual for o tamanho do mercado externo gerado
pelos subsídios, ele deverá, a cada ano, ocorrer inteiramente à custa do
mercado doméstico; isso ocorreria porque todo bushel de cereais que
seria exportado por meio de subsídios e que não teria sido exportado
sem os subsídios teria permanecido no mercado doméstico para
aumentar o consumo e para baixar o preço dessa mercadoria. É preciso
observar que os subsídios dos cereais, bem como todos os outros
subsídios sobre a exportação, impõem dois tributos à população: o
primeiro, o imposto obrigatório para o pagamento dos subsídios; e o
segundo, o tributo derivado do preço aumentado da mercadoria no
mercado doméstico, tributo que — já que a maior parte da população é
formada por compradores de cereais — deve ser pago por toda a
sociedade, em relação a essa mercadoria específica. Em relação a esse
produto específico, consequentemente, o segundo tributo é muito mais
pesado que o primeiro. Suponhamos que o subsídio de 5 xelins para a
exportação de cada quarter de trigo eleve, em uma média anual, o preço
desse produto no mercado doméstico para apenas 6 pence por bushel, ou
4 xelins por quarter acima do valor que teria nas condições reais da
colheita. Mesmo em uma suposição bastante moderada como essa, a
população, além de contribuir com o tributo que paga o subsídio de 5
xelins por quarter de trigo exportado, deve pagar um outro de 4 xelins
por quarter consumido por ela mesma. Mas, de acordo com o autor
muito bem informado dos tratados sobre o comércio de cereais, a
proporção média dos cereais exportados em relação à dos consumidos no
mercado interno não é maior que 1 para 31. Desse modo, para cada 5
xelins pagos para o custeio do primeiro imposto, a população deve
contribuir com 6 libras e 4 xelins para o pagamento do segundo. Assim,
um tributo tão pesado sobre um bem de primeira necessidade poderá
reduzir o valor do sustento dos trabalhadores pobres ou aumentar os seus
salários pecuniários, proporcionalmente ao preço pecuniário daquele
mesmo sustento. Na medida em que opera da primeira forma, reduzirá a
capacidade dos trabalhadores pobres para educar e criar os seus filhos e,
como consequência, limitará o tamanho da população do país. Na
medida em que opera da segunda forma, reduzirá a capacidade de os
empregadores dos pobres oferecerem trabalho ao grande número de
pessoas que, em outras circunstâncias, poderiam empregar e tenderá,
como consequência, a limitar o trabalho do país. Portanto, a exportação
extraordinária de cereais ocasionada pelos subsídios não só propiciou a
diminuição anual do mercado doméstico, no montante do aumento do
mercado externo e da expansão do consumo, mas também, ao acarretar
em limitações à população e ao trabalho do país, a sua tendência final foi
a de tolher e limitar o crescimento gradual do mercado doméstico; e,
assim, a longo prazo, a diminuir, em vez de aumentar, todo o mercado e o
consumo de cereais.
Imagina-se, no entanto, que a valorização do preço em dinheiro dos
cereais, por tornar a mercadoria mais rentável ao agricultor, deve
necessariamente incentivar a sua produção.
Minha resposta: este poderia ser o caso se o subsídio tivesse como
efeito o aumento do preço real dos cereais ou se o agricultor, com a
mesma quantidade, conseguisse manter um maior número de
trabalhadores da mesma forma que outros trabalhadores são
normalmente mantidos em sua vizinhança, a saber, com gastos
generosos, moderados ou parcos. Mas é evidente que nem o subsídio
nem qualquer outro instituto humano consegue produzir tal efeito.
Apenas o preço nominal dos cereais pode ser afetado pelo subsídio em
certo grau considerável, mas não o preço real. E embora o tributo
imposto pelo instituto a toda a população seja muito pesado para aqueles
que o pagam, é muito pouco vantajoso para aqueles que o recebem.
O verdadeiro efeito do subsídio não é tanto o de elevar o valor real
dos cereais, mas o de degradar o valor real da prata; ou ainda o de fazer
com que uma quantidade igual dela seja trocada por uma quantidade
menor tanto de cereais quanto de todas as outras mercadorias
manufaturadas internamente: pois o preço em dinheiro dos cereais regula
o preço de todas as outras mercadorias manufaturadas internamente.436
Regula o preço em dinheiro do trabalho, que deve sempre ser tal que
permita ao trabalhador adquirir uma quantidade suficiente de cereais
para manter a si e a sua família de modo generoso, moderado ou parco
com que as circunstâncias da sociedade — de avanço, estagnação ou
declínio — obrigam seus empregadores a mantê-lo.
Regula o preço em dinheiro de todas as outras partes do produto
bruto da terra que, em cada período de melhoria, deve guardar uma certa
proporção com o dos cereais, ainda que essa proporção seja diferente em
diferentes períodos. Regula, por exemplo, o preço em dinheiro da grama
e do feno, da carne para consumo, dos cavalos e de sua manutenção e,
como consequência, do transporte terrestre, ou seja, da maior parte do
comércio interno do país.
Ao regular o preço em dinheiro de todos os outros produtos naturais
da terra, também regula o preço dos materiais de quase todos os
produtos manufaturados. Ao regular o preço em dinheiro do trabalho,
regula o preço em dinheiro das indústrias e artes manufatureiras. E, ao
regular o preço das duas, regula o preço do ciclo completo da
manufatura. O preço em dinheiro do trabalho — e de tudo aquilo que
seja produto da terra ou do trabalho — deve necessariamente aumentar
ou diminuir em proporção ao preço em dinheiro dos cereais.
Assim, embora em consequência do subsídio, se o agricultor pudesse
vender seus cereais por 4 xelins o bushel, em vez de 3 xelins e 6 pence, e
pagar ao proprietário da terra uma renda proporcional a esse aumento do
preço em dinheiro de seu produto, ainda assim, se — em consequência
desse aumento no preço dos cereais — não for possível comprar com 4
xelins outros produtos nacionais que poderiam, anteriormente, ser
comprados com 3 xelins e 6 pence, então nem as circunstâncias do
agricultor nem as do proprietário de terra serão melhoradas por tal
mudança de preços. O cultivo da terra, realizado pelo agricultor, não será
muito melhor; o proprietário da terra não terá condições de manter um
padrão de vida muito melhor. Na compra de mercadorias estrangeiras,
esse aumento no preço dos cereais pode dar-lhes alguma pequena
vantagem. Mas, em relação às mercadorias manufaturadas internamente,
o aumento não gerará nenhuma vantagem. E quase todas as despesas dos
agricultores e mesmo a maior parte das despesas dos proprietários de
terras são realizadas em mercadorias produzidas internamente.
A degradação do valor da prata, resultado da fertilidade das minas e
que funciona em quase todo o mundo mercantil de forma igual ou muito
semelhante, é uma questão de pouquíssima importância para quaisquer
países. O consequente aumento de todos os preços em dinheiro, embora
não torne mais ricos aqueles a quem eles são pagos, também não os torna
realmente mais pobres. A prataria da casa torna-se realmente mais
barata, mas todo o resto continuará a ter precisamente o mesmo valor
real de antes.
Mas, já que essa degradação do valor da prata — que, por ser o efeito
de uma situação peculiar ou das instituições políticas de um determinado
país — ocorre somente naquele país, então ela é uma questão de grande
consequência que, longe de tender a causar o enriquecimento de alguém,
tende a empobrecer todos. O aumento do preço em dinheiro de todas as
mercadorias que, nesse caso, é algo específico ao país em tela, é um
assunto com grandes consequências, que, longe de deixar a todos ricos,
torna todo mundo mais pobre. O crescimento do preço em dinheiro de
todas as mercadorias, que é, aqui, peculiar àquele país, tende a
desestimular em maior ou menor grau qualquer tipo de trabalho
realizado nele e a permitir que as nações estrangeiras — por meio do
fornecimento de quase todos os tipos de bens por uma menor
quantidade de prata do que seria possível a seus próprios trabalhadores
— as vendam por preços mais baixos não só no estrangeiro, mas também
no mercado doméstico.
Espanha e Portugal são proprietários das minas e, nessa situação,
também são distribuidores do ouro e da prata para todos os outros países
da Europa. Dessa forma, esses metais devem ser naturalmente um pouco
mais baratos na Espanha e em Portugal do que em qualquer outra parte
da Europa. A diferença, no entanto, não pode ultrapassar o montante do
frete e do seguro; e, por conta do grande valor e do pequeno volume
desses metais, seu frete não é um grande problema, e seu seguro não é
diferente daquele pago a quaisquer outras mercadorias de igual valor.
Espanha e Portugal, portanto, sofreriam muito pouco por sua situação
peculiar se as suas instituições políticas não agravassem suas
desvantagens.
A Espanha, por meio da tributação, e Portugal, pela proibição da
exportação de ouro e prata, oneram essa exportação com as despesas de
contrabando, aumentando, pelo montante total dessas despesas, o valor
desses metais em outros países a níveis muito acima do valor praticado
em seu próprio país. Assim que a área represada de um pequeno córrego
fica cheia, toda a água transborda a barreira e continua seu curso como se
não existisse nenhuma barreira contendo aquele fluxo. A proibição de
exportação não consegue manter na Espanha ou em Portugal uma maior
quantidade de ouro e prata do que aquela que esses países conseguem
empregar, aquela cujo produto anual de sua terra e trabalho lhes permite
empregar em moeda, prataria, utensílios banhados em ouro e outros
ornamentos de ouro e prata. Uma vez atingida essa quantidade, a represa
estará cheia e o córrego que nela deságua transbordará em sua
integralidade. As exportações anuais de ouro e prata vindas da Espanha e
de Portugal são, por todos os relatos e não obstante suas restrições, quase
iguais ao total da importação anual. Seguindo a mesma comparação, da
mesma forma como a água deve ser sempre mais profunda na parte que
precede o bloqueio da barragem, e não depois dela, a quantidade de ouro
e prata que essas restrições e limitações conseguem manter em território
espanhol e português deve, proporcionalmente ao produto anual da sua
terra e trabalho, ser maior do que a quantidade encontrada em outros
países. Quanto mais alto e mais forte o bloqueio, maior deve ser a
diferença da profundidade da água antes e depois do bloqueio. Do
mesmo modo, quanto maiores os tributos, quanto maiores forem as
penalidades que os garantam, quanto mais vigilante e severa for a política
que cuida da execução das leis, maior deverá ser a diferença da
proporção de ouro e prata em relação ao produto anual da terra e do
trabalho da Espanha e de Portugal em relação à de outros países. Diz-se,
portanto, que a diferença é muito grande e que é muito fácil encontrar
nas casas uma abundância de objetos de prata; riqueza que dificilmente
seria considerada adequada ou encontrada em outros países. O baixo
preço do ouro e da prata, ou, o que dá na mesma, o alto preço de todas as
mercadorias — que é o efeito necessário dessa redundância dos metais
preciosos — desencoraja a agricultura e a manufatura na Espanha e em
Portugal; permite, desse modo, que as nações estrangeiras cumpram a
tarefa de suprir esses países com muitos tipos de matérias-primas e com
quase todos os tipos de produtos manufaturados, pagando-se por isso
uma quantidade de ouro e prata menor do que Portugal e Espanha
utilizariam — para cultivar, no primeiro caso, ou manufaturar, no
segundo — em seu próprio país.437 Tributos e proibições operam de duas
maneiras diferentes. Além de baixarem muito o valor dos metais
preciosos na Espanha e em Portugal, eles também, ao manter naqueles
países uma certa quantidade dos metais que em outra circunstância
transbordariam para outros países, mantêm, nos outros países, o valor
dos metais um pouco acima do que seriam em outra circunstância e,
assim, oferecem a esses países uma dupla vantagem em seu comércio
com a Espanha e Portugal. Abrindo as comportas, inicialmente haverá
menos água na parte de superior e mais na parte inferior da barragem;
em pouco tempo, as duas áreas estarão niveladas. Ao remover o tributo e
a proibição, a quantidade de ouro e prata diminuirá bastante na Espanha
e em Portugal; a quantidade aumentará um pouco em outros países e o
valor desses metais, isto é, a proporção deles em relação ao produto anual
da terra e do trabalho se nivelará, ou ficará muito próximo disso. A perda
suportada por Espanha e Portugal com tal exportação de seu ouro e prata
seria apenas nominal e imaginária. O valor nominal de seus bens e do
produto anual de sua terra e do trabalho diminuiria e seria expresso ou
representado por uma quantidade de prata menor do que antes; mas seu
valor real seria o mesmo de antes e seria suficiente para sustentar,
controlar e empregar a mesma quantidade de trabalho. Já que o valor
nominal de seus bens cairia, o valor real do restante de seu ouro e prata
subiria e, assim, os mesmos objetivos comerciais e de circulação que
anteriormente foram perseguidos por uma quantidade maior de ouro e
prata responderiam, agora, a uma quantidade menor daqueles metais. O
ouro e a prata exportados não sairiam do país em troca de nada, eles
seriam permutados no estrangeiro por um valor igual de bens. Esses
bens, por sua vez, não seriam compostos apenas por artigos de luxo e de
altos gastos para o consumo de pessoas ociosas que nada produzem em
troca deles. Já que a riqueza e a receita reais das pessoas ociosas não
aumentariam com essa exportação extraordinária de ouro e prata, seu
consumo também não aumentaria muito. Esses bens — provavelmente a
maior parte deles e certamente alguma parte deles — são matérias-
primas, ferramentas e provisões para o emprego e a manutenção de
pessoas trabalhadoras, que iriam repor, com lucro, o valor total de seu
consumo. Uma parte do capital ocioso da sociedade seria transformada
em capital ativo e poria em movimento uma quantidade de trabalho
maior do que aquela que havia sido empregada anteriormente. O produto
anual da sua terra e do trabalho ficaria um pouco aumentado de forma
imediata, mas aumentaria muito em alguns poucos anos; e, assim, a
atividade laboral do país se veria livre de um de seus encargos mais
opressivos.
Os subsídios à exportação de cereais funcionam exatamente da
mesma forma que as políticas absurdas da Espanha e de Portugal.438
Sejam quais forem as condições atuais da agricultura, os nossos cereais
são um pouco mais caros no mercado doméstico — e um pouco mais
baratos no exterior — do que seriam caso as condições fossem outras; e
como o preço médio em dinheiro dos cereais regula até certo grau o
preço em dinheiro de todas as outras mercadorias, os subsídios baixam
bastante o valor da prata no mercado interno e tendem a aumentá-lo um
pouco no externo. Conforme afirma o senhor Matthew Decker,439 uma
grande autoridade, os subsídios permitem que os estrangeiros — os
holandeses, em particular — não apenas consumam nossos cereais a
preços mais baixos do que seriam em outras circunstâncias, mas, nas
mesmas ocasiões, venham a consumi-los por um preço mais baixo do
que o nosso próprio povo pode produzir. Ele dificulta que os nossos
próprios trabalhadores ofertem seus bens pela menor quantidade
possível de prata, e permite que os holandeses ofertem os deles por uma
quantidade de prata menor ainda. Assim, tendem a tornar nossas
manufaturas um tanto mais caras em todos os mercados, e as
manufaturas deles, um tanto mais baratas do que seriam sob outras
circunstâncias e, consequentemente, a oferecer à indústria deles uma
vantagem dupla sobre a nossa própria.
Tendo em vista que os subsídios aumentam no mercado doméstico
mais o preço nominal que o preço real de nossos cereais, e tendo em vista
que os subsídios, em vez de aumentarem a quantidade de trabalho que
uma certa quantidade de cereais é capaz de sustentar e empregar,
aumentam apenas a quantidade de prata pela qual poderão ser trocadas,
então pode-se dizer que os subsídios desencorajam nossas manufaturas e
não prestam nenhum grande serviço aos nossos agricultores ou senhores
de terras. De fato, os subsídios põem um pouco mais de dinheiro no
bolso dos dois e, por esse motivo, talvez seja um pouco difícil convencer
a maior parte deles de que isso não lhes presta nenhum grande serviço.
Mas conforme essa moeda perde valor ou perde a capacidade de comprar
a mesma quantidade de trabalho, provisões e todo tipo de mercadoria
manufaturada do país, tanto quanto cresce em sua quantidade, o serviço
prestado por ela não será muito mais do que algo nominal e imaginário.
Há, talvez, apenas um grupo de pessoas em toda a nação a quem os
subsídios poderiam ser, ou foram, muito úteis. Falo dos comerciantes de
grãos, os exportadores e importadores de cereais. Em períodos de
abundância, os subsídios levam obrigatoriamente a uma maior
exportação do que aquela que ocorreria sem eles; e, já que impedem que
a abundância do ano anterior alivie a escassez do seguinte, geram, nesses
períodos de escassez, um maior volume de importações do que seria
necessário caso não houvesse subsídios. Os negócios do comerciante de
grãos aumentaram em ambos os períodos; mais que isso, nos períodos de
escassez, os subsídios, além de permitirem que ele importasse uma maior
quantidade, também possibilitaram que os vendesse por um melhor
preço e, consequentemente, com lucro maior do que conseguiria obter
normalmente caso a abundância do ano anterior compensasse, em certo
grau, a escassez do ano seguinte. É, portanto, nesse grupo de pessoas que
vejo um maior interesse pela continuidade ou pela renovação dos
subsídios.
Parece que os senhores de terras de nosso país estavam imitando os
manufaturadores quando resolveram impor altos tributos sobre a
importação de cereais estrangeiros — tributos que, em períodos de
abundância moderada, equivalem a uma proibição — e quando
estabeleceram os subsídios. Por meio do primeiro instituto, garantiram a
si mesmos o monopólio do mercado doméstico e, por meio do outro,
tentaram evitar que o mercado ficasse sobreabastecido com seus
produtos. Por meio dos dois institutos, esforçaram-se para aumentar o
valor real de seus produtos da mesma maneira que nossos fabricantes
haviam aumentado o valor real de diversos bens manufaturados por meio
de institutos semelhantes. Eles talvez não tenham dado atenção à grande
e essencial diferença estabelecida pela natureza entre os cereais e quase
todos os outros tipos de bens. Quando se permite que nossos
manufaturadores de lã ou de linho vendam seus bens por um preço um
pouco melhor do que teriam, quer pelo monopólio do mercado
doméstico, quer por subsídios sobre a exportação, aumenta-se não só o
preço nominal, mas o preço real desses bens. Tornam-se equivalentes a
uma maior quantidade de trabalho e de bens para a subsistência,
aumenta-se não só o lucro nominal, mas também o lucro real, a riqueza e
o rendimento reais desses manufaturadores, e permite-se que estes vivam
melhor ou que empreguem uma quantidade maior de trabalho naquelas
manufaturas específicas. Há, assim, um real incentivo aos
manufaturadores, direcionando-se para eles uma quantidade de trabalho
maior do que a que a eles chegaria de forma espontânea. Mas quando
elevamos pelos mesmos institutos o preço em dinheiro ou o valor
nominal dos cereais, não aumentamos o seu valor real.440 Não se
aumenta a riqueza real, isto é, a receita real de nossos agricultores e
senhores de terras. Não há incentivo para a plantação de cereais porque
não há estímulos para que agricultores e senhores de terras mantenham e
empreguem um maior número de trabalhadores para o cultivo. A própria
natureza das coisas marcou os cereais com um valor real que não pode
ser alterado apenas por meio da mera alteração de seu preço em dinheiro.
Nenhum subsídio às exportações e nenhum monopólio do mercado
doméstico é capaz de elevar esse valor. A concorrência mais livre é
incapaz de reduzi-lo. Em todo o mundo esse valor costuma ser igual à
quantidade de trabalho que é capaz de manter; e em cada região
específica é igual à quantidade de trabalho que é capaz de manter de
forma generosa, moderada ou parca, de acordo com a forma como é
normalmente mantida naquela região específica. Os tecidos de lã ou de
linho, por um lado, não são mercadorias reguladoras, isto é, por meio das
quais o valor real de todas as outras mercadorias são mensuradas e
determinadas; os cereais, por outro lado, são. O valor real das outras
mercadorias é, ao final, mensurado e determinado pela proporção entre o
preço médio em dinheiro da mercadoria e o preço médio em dinheiro
dos cereais. O valor real dos cereais não varia com as variações de seu
preço médio em dinheiro, as quais podem ocorrem entre um século e
outro. Apenas o valor real da prata varia com elas.
Os subsídios à exportação de quaisquer mercadorias produzidas no
país estão sujeitos, em primeiro lugar, a essa objeção geral que pode ser
feita a todas as diferentes ferramentas e aos princípios do sistema
mercantil, isto é, a objeção de levar, forçadamente, certa parte do
trabalho do país a um canal menos vantajoso do que aquele para o qual
seria espontaneamente escoado: e, em segundo lugar, a objeção específica
de levá-lo forçadamente não apenas a um canal menos vantajoso, mas
também a um canal verdadeiramente desvantajoso, pois a atividade
comercial que só pode ser realizada por meio de subsídios é
necessariamente uma atividade que traz perdas. Os subsídios à
exportação de cereais estão sujeitos a uma objeção adicional, a saber, que
não podem, sob nenhum aspecto, promover essa mercadoria específica,
da qual se tinha como objetivo encorajar a produção. Portanto, quando
os senhores de terras de nosso país exigiram a criação de subsídios,
estavam imitando os nossos comerciantes e fabricantes, mas não com
uma total compreensão de seu próprio interesse, algo que costuma guiar
a conduta daquelas duas outras classes de pessoas. Eles oneraram a
receita pública com uma despesa bastante alta e impuseram um tributo
muito pesado sobre toda a população, mas não aumentaram, de forma
perceptível, o valor real de sua própria mercadoria; e, ao diminuir um
pouco o valor real da prata, eles desencorajaram, em certo grau, o nível
geral do trabalho do país, e, em vez de acelerarem, retardaram mais ou
menos as melhorias de suas próprias terras, que dependem
obrigatoriamente do nível geral do trabalho do país.
É possível imaginar que, para estimular a produção de uma
mercadoria qualquer, o subsídio à produção teria um impacto mais
direto que o subsídio à exportação. Além disso, equivaleria a onerar a
população com apenas um tributo para o pagamento desse subsídio. Em
vez de elevar o preço da mercadoria no mercado doméstico, o
diminuiria; e, assim, em vez de onerar a população com um segundo
tributo, o subsídio à produção poderia, pelo menos em parte, devolver a
ela parte de sua contribuição ao primeiro tributo. Os subsídios à
produção, entretanto, são raramente concedidos. Os preconceitos
estabelecidos pelo sistema mercantil nos ensinaram a acreditar que a
origem imediata da riqueza nacional depende mais das exportações do
que da produção. Assim, deu-se preferência às exportações, pois
acreditava-se que eram o meio mais imediato para se trazer dinheiro ao
país. Também disseram que, pela experiência, os subsídios à produção
estavam mais sujeitos às fraudes que os subsídios às exportações. Não sei
até que ponto essas afirmações são verdadeiras. Sabemos bem que os
subsídios às exportações foram bastante utilizados para fins fraudulentos.
Mas não interessa aos comerciantes e fabricantes — os grandes
inventores de todos esses expedientes e ferramentas — que o mercado
doméstico fique sobreabastecido com seus bens, algo que, às vezes, pode
ocorrer por causa de algum subsídio à produção. O subsídio à exportação
impede o sobreabastecimento, pois permite que se envie ao exterior a
parte excedente de mercadorias e que se mantenha alto o preço daquelas
que permanecem no mercado doméstico. De todos os expedientes e
ferramentas do sistema mercantil, por conseguinte, o subsídio à
exportação é o que mais agrada a essas pessoas. Eu fiquei sabendo que
vários empresários de certas manufaturas específicas concordam entre si
que devem oferecer um subsídio de seus próprios bolsos sobre a
exportação de determinada proporção dos bens negociados por eles. Esse
expediente foi tão bem-sucedido que, apesar de um aumento
considerável da produção, o seu preço no mercado doméstico mais do
que dobrou. A operação dos subsídios sobre os cereais seria
admiravelmente diferente se tivessem baixado o preço em dinheiro
daquele produto.
Algo semelhante a um subsídio à produção, no entanto, foi concedido
em algumas ocasiões específicas. Pode-se dizer que os subsídios
oferecidos aos pesqueiros de arenque e de baleia sobre o número de
toneladas talvez tenham um pouco dessa natureza. Eles tendem
diretamente, pode-se imaginar, a tornar os bens do mercado doméstico
mais baratos do que seriam em outro caso. Em outros aspectos, seus
efeitos, deve-se reconhecer, são os mesmos dos subsídios à exportação.
Por meio deles, parte do capital do país é utilizada para levar ao mercado
aqueles bens cujo preço não cobre os custos, junto com os lucros
ordinários do capital.
Mas, embora os subsídios àqueles pesqueiros sobre o número de
toneladas não contribuam para a riqueza da nação, é possível que se
pense que contribuam para a sua defesa por meio do aumento da
quantidade de marinheiros e navios. Pode-se dizer, então, que a defesa
pode ser realizada por meio desses subsídios com despesas muito
menores do que as que seriam realizadas para a manutenção de uma
marinha permanente, se me permitem utilizar essa expressão, da mesma
forma como se faz com um exército permanente.
Não obstante essas alegações favoráveis, no entanto, as seguintes
considerações me levam a acreditar que, ao conceder pelo menos um
desses subsídios, os legisladores foram compelidos de forma excessiva a
agir dessa maneira.
Em primeiro lugar, o subsídio sobre o arenque parece ter sido muito
grande.
A partir do início da temporada de pesca do inverno de 1771 até o
final da temporada de pesca do inverno de 1781, o subsídio oferecido aos
pesqueiros de arenque tem sido de 30 xelins por tonelada. Durante esses
onze anos, os pesqueiros escoceses recolheram 378.347 barris de arenque.
Os arenques capturados e curados no mar são chamados, em inglês, de
sea sticks, isto é, “palitos marinhos”. A fim de transformá-los em arenques
comercializáveis, é necessário reembalá-los com uma quantidade
adicional de sal; e, nesse caso, sabe-se que três barris de “palitos
marinhos” costumam render dois barris de arenques comercializáveis.
Portanto, a quantidade de arenques comercializáveis capturados durante
esses onze anos será apenas, de acordo com essas informações, de
252.231,33 barris. Durante esses onze anos, os subsídios pagos pela
tonelada chegaram a 155.463 libras e 11 xelins, ou a 8 xelins e 2,25 pence
por barril de “palitos marinhos” e a 12 xelins e 3,75 pence por barril de
arenque comercializável.
O sal com que esses arenques são curados pode ser escocês ou
estrangeiro; para a cura dos peixes, os dois tipos são entregues com
isenção de tributos. O tributo sobre o sal escocês é atualmente de 1 xelim
e 6 pence; sobre o sal estrangeiro é de 10 xelins por bushel. Supõe-se que
um barril de arenques precise de cerca de 1,25 bushel de sal estrangeiro.
Supõe-se que, em média, são necessários 2 bushels de sal escocês para o
mesmo uso. Se os arenques são postos para exportação, ficam isentos de
tributos; se postos para o consumo interno — curados com sal
estrangeiro ou escocês —, pagam somente 1 xelim por barril. Esse era o
velho tributo escocês sobre o bushel de sal: quantidade que, em uma
estimativa baixa, supunha-se necessária para a cura de um barril de
arenque. Na Escócia, o sal estrangeiro é muito pouco usado para
qualquer outro propósito senão a cura de peixes. Mas, entre 5 de abril de
1771 e 5 de abril de 1782, a quantidade de sal estrangeiro importado
atingiu 936.974 bushels, ao preço de 84 libras por bushel; já a quantidade
de sal escocês fornecida aos curadores não passou de 168.226, custando
apenas 56 libras por bushel. Parece, portanto, que o principal sal utilizado
pelos pesqueiros é o sal importado. Sobre cada barril de arenque
exportado há, além disso, um subsídio de 2 xelins e 8 pence; e mais de 2/3
dos arenques pescados são exportados. Ao juntarmos todos esses dados,
descobriremos que, durante esses onze anos, o barril de arenque
capturado e curado com sal escocês custou 17 xelins e 11,75 pence ao
governo; quando posto para o consumo doméstico, 14 xelins e 3,75
pence; e que a exportação do barril curado com sal estrangeiro custou ao
governo 1 libra, 7 xelins e 5,75 pence; quando postos para o consumo
doméstico, 1 libra, 3 xelins e 9,75 pence. O preço de um barril de bons
arenques comercializáveis ficava entre 17 ou 18 xelins e 24 ou 25 xelins; 1
guinéu, em média.441
Em segundo lugar, o subsídio à pesca de arenque branco é um
subsídio concedido à tonelagem e é proporcionado à carga do navio, não
à diligência ou ao sucesso da empreitada pesqueira; e, por isso,
infelizmente, os navios costumavam estar equipados para pescar
subsídios, e não peixes. Em 1759, quando o subsídio estava em 50 xelins
a tonelada, a indústria pesqueira da Escócia trouxe do mar apenas quatro
barris de arenques curados. Naquele ano, cada barril de arenque curado
custou ao governo 113 libras e 15 xelins em subsídios; o barril de
arenques comercializável, 159 libras, 7 xelins e 6 pence.
Em terceiro lugar, essa forma de oferecer subsídios por toneladas à
pesca do arenque (em barcos do tipo buss442 ou embarcações com convés
e capacidade de 20 a 80 toneladas) parece mais bem adaptada às
condições holandesas que às condições da Escócia; prática que parece ter
sido trazida daquele país. A Holanda situa-se muito longe dos mares
habitados pelos arenques; e, por isso, somente consegue realizar suas
atividades de pesca em embarcações com convés, pois estas podem
transportar água e provisões suficientes para uma viagem mais longa em
mares distantes. Mas as Hébridas, ou Ilhas Ocidentais, as Ilhas Shetland,
e as costas norte e noroeste da Escócia — regiões em cuja vizinhança
mais se realiza a pesca de arenque — são cortadas por braços de mar que
seguem terra adentro; na língua do país, esses braços são chamados de
sea-lochs.443 Durante algumas estações, os arenques costumam nadar até
esses sea-lochs; mas as visitas destes e de muitos outros tipos, tenho
certeza, não são muito regulares e constantes. Um barco pesqueiro
simples, portanto, parece ser o modo de pesca mais bem adaptado para
as condições específicas da Escócia; logo após serem pescados, os
arenques são levados para a terra firme e ali serão curados ou utilizados
para o consumo imediato. Mas o grande incentivo que um subsídio de 30
xelins por tonelada oferece aos pesqueiros do tipo buss é necessariamente
visto como um desencorajamento para os barcos pesqueiros simples; que,
não recebendo subsídio, não podem levar o seu peixe curado para o
mercado nos mesmos termos da pesca com pesqueiros do tipo buss. A
pesca com barcos comuns quase não existe mais; mas dizem que, antes
da criação dos subsídios à pesca com barcos do tipo buss, aquele tipo de
pesca empregava o mesmo número de marinheiros que a pesca com
barcos do tipo buss emprega atualmente. No entanto, devo reconhecer
que não tenho como falar com muita precisão sobre a antiga forma de
pescar, hoje decadente e abandonada. Como nenhum subsídio foi pago
para equipar esses barcos de pesca comuns, os fiscais da aduana ou do
imposto do sal não tomaram nenhum conhecimento desse tipo de pesca.
Em quarto lugar, em muitas partes da Escócia, durante certas épocas
do ano, os arenques não constituem uma parte desprezível do alimento
básico das pessoas comuns. Um subsídio que tendesse a diminuir o preço
desses peixes no mercado doméstico poderia trazer grande alívio para
muitos de nossos concidadãos cuja situação financeira não é, de forma
alguma, afluente. Mas o subsídio concedido à pesca de arenques do tipo
buss em nada contribui para um propósito bom como esse. Ele, na
verdade, arruinou a pesca com barcos pesqueiros simples, que é, de
longe, o tipo mais bem adaptado de pesca para o abastecimento do
mercado doméstico; e o subsídio adicional de 2 xelins e 8 pence por barril
sobre a exportação faz com que a maior parte do produto dos pesqueiros
do tipo buss, mais de 2/3, seja levada para fora do país. Entre 30 e 40 anos
atrás, antes da criação do subsídio sobre a pescaria do tipo buss, fui
informado de que o preço comum do arenque branco era de 16 xelins
por barril.
Entre dez e quinze anos atrás, antes de a pesca com barcos pesqueiros
comuns ter sido completamente destruída, o preço, segundo dizem,
variava entre 17 e 20 xelins por barril. Nos últimos cinco anos, o preço é,
em média, de 25 xelins por barril. Mas é possível que a causa desse preço
elevado seja a escassez real de arenques em toda a costa escocesa.
Também devo observar que os arenques são guardados em barris ou
tonéis cujo preço está incluído em todos os preços mencionados e vem
aumentando desde o início da guerra americana, tendo dobrado de cerca
de 3 xelins para cerca de 6 xelins. Além disso, também devo observar que
os relatos que recebi sobre os preços do passado não são, de modo algum,
uniformes e consistentes; um velho senhor de grande precisão e
experiência assegurou-me que há mais de cinquenta anos o preço
habitual de um barril de bons arenques comercializáveis era de 1 guinéu;
e este, imagino, ainda pode ser visto como o preço médio do barril
comercializável. No entanto, acredito que todos os relatos apresentam
uma mesma opinião: o preço dos peixes no mercado doméstico não
diminuiu com os subsídios sobre a pescaria em barcos do tipo buss.
Quando os empresários dos pesqueiros — depois da concessão desses
generosos subsídios a eles — continuam a vender a sua mercadoria pelo
mesmo preço de antes, ou, ainda, por um preço mais elevado, pode-se
esperar que seus lucros também sejam bem altos; e sabemos que alguns
indivíduos obtiveram lucros altos. Em geral, no entanto, tenho muitas
razões para acreditar que tem sido de outro modo. O efeito comum desse
tipo de subsídio é incentivar os empreendedores imprevidentes a investir
em uma atividade que não conhecem, pois tudo aquilo que perdem, por
sua própria negligência e ignorância, mais do que compensa tudo o que
podem ganhar pela enorme generosidade do governo. Em 1750 — pela
mesma norma que criou o subsídio de 30 xelins a tonelada para o
incentivo da pesca de arenque branco (23 George II, c.24) — foi criada
uma sociedade por ações com capital de 500 mil libras, a que os seus
subscritores (sobre e acima de todos os outros incentivos, a recompensa
da tonelagem mencionada agora, a recompensa da exportação de 2 xelins
e 8 pence o tambor, a entrega do sal britânico e estrangeiro sem tributos)
teriam — durante quatorze anos — direito a 3 libras por ano para cada
100 libras que integralizassem, valor que seria pago semestralmente em
valores iguais pelo tesoureiro geral da alfândega. Além dessa grande
empresa, cujos diretores e presidente deveriam residir em Londres, foi
declarada a legalidade da construção de diferentes câmaras pesqueiras
nos muitos portos do Reino distantes da sede, desde que se subscrevesse
uma soma não inferior a 10 mil libras ao capital de cada uma delas; as
câmaras deveriam ser administradas por conta e risco do próprio
subscritor, e, além disso, a ele também pertenceriam os lucros e as
perdas. Os mesmos prêmios anuais e os mesmos incentivos de todos os
tipos concedidos àquela grande empresa londrina também foram
concedidos a essas empresas subordinadas. Em pouco tempo, a
subscrição da grande empresa londrina foi totalmente integralizada e
diversas subsidiárias foram construídas em vários portos do Reino.
Mesmo com todos esses incentivos, quase todas aquelas várias empresas,
grandes e pequenas, ou perderam todo o seu capital ou perderam grande
parte dele; atualmente, não existe praticamente nenhum vestígio da
existência delas: a pesca do arenque branco é exercida totalmente — ou
quase totalmente — por empreendedores privados.
Quando, de fato, uma manufatura se faz necessária para a defesa da
sociedade, talvez não seja sempre prudente depender de nossos vizinhos
para o abastecimento desta ao nosso país; e, caso essa manufatura não
seja financeiramente viável no próprio país, talvez seja razoável tributar
todas as outras atividades comerciais a fim de torná-la viável. Talvez
possamos defender os subsídios à exportação de tecidos britânicos para
velas de navios e da pólvora britânica por meio desse princípio.
Mas, embora a tributação do trabalho da maior parte da população
com o objetivo de apoiar o trabalho de um grupo específico de
manufaturadores seja raramente razoável, ocorre que a concessão de tais
subsídios a certas manufaturas preferenciais seja, talvez, tão natural
quanto incorrer em qualquer outra despesa supérflua sempre que a
sociedade se vê em um período de generosa prosperidade, momento em
que o público goza de rendimentos maiores do que aqueles aos quais sabe
dar destino útil. Uma grande riqueza costuma ser vista como desculpa
para a realização de grande irracionalidade em relação tanto às despesas
públicas quanto às privadas. Mas, certamente, estaremos lidando com
algo que ultrapassa o simples absurdo se, nos momentos de crise, dermos
continuidade a tal esbanjamento.
Muitas vezes o que chamamos de subsídio não é nada mais que um
drawback e, consequentemente, não está sujeito às mesmas objeções de
um subsídio propriamente dito. Por exemplo, o subsídio à exportação do
açúcar refinado pode ser considerado como um drawback dos tributos
relativos aos açúcares moreno ou mascavo, a partir do qual é produzido.
O subsídio à exportação da seda manufaturada, um drawback dos
tributos relativos à importação da seda crua (ou bruta) e torcida. O
subsídio à exportação da pólvora, um drawback dos tributos à
importação de enxofre e salitre. Na linguagem alfandegária, drawbacks
são incentivos concedidos a mercadorias cuja forma não sofreu muita
alteração entre sua importação e sua exportação. Quando a forma da
manufatura fica tão alterada que até mesmo o nome do produto passa a
ser outro, então os incentivos são chamados de subsídios.
Os prêmios públicos oferecidos a artesãos e manufaturadores que se
destacam em suas ocupações particulares não recebem as mesmas
objeções que os subsídios. Esses prêmios incentivam a destreza e a
engenhosidade extraordinárias e, assim, servem para manter o
sentimento competitivo dos trabalhadores realmente empregados
naquelas atividades e, além disso, não são valores muito altos e, por isso,
não entregam a nenhum deles uma maior porção do capital nacional do
que aquela que a eles chegaria espontaneamente. Não tendem a
desestabilizar o equilíbrio natural dos empregos, mas a elevar a qualidade
do trabalho das atividades realizadas no país. As despesas realizadas com
os prêmios, além disso, são bastante insignificantes; as realizadas com os
subsídios, muito grandes. O subsídio dos cereais já chegou a custar mais
de 300 mil libras em um ano ao governo e ao público.
Por vezes chamamos os subsídios de prêmios, da mesma forma que
chamamos os drawbacks de subsídios. Mas devemos, em todos os casos,
atender à natureza do instituto sem dar atenção ao nome utilizado pelas
pessoas.
I
Os interesses do negociante interno e os da população em geral podem, à
primeira vista, parecer completamente opostos, mas são idênticos, até
mesmo em períodos de maior escassez. Ao negociante interessa elevar o
preço de seus cereais até o ponto máximo exigido pela escassez real da
estação; não lhe interessa elevá-lo a um preço maior do que este. Ao
elevar o preço, ele desencoraja o consumo e, assim, todas as pessoas,
particularmente as classes mais pobres, se veem obrigadas a poupar mais
e a exercer uma boa gestão de seus bens. Ao elevar muito o preço, ele
desestimulará tanto o consumo que os suprimentos daquela estação
talvez ultrapassem o seu consumo e durem até pouco depois da entrada
dos produtos da colheita seguinte; assim, correrá o risco de perder uma
boa parte de seus cereais por causas naturais e poderá ser obrigado a
vender o restante por um preço muito menor que o valor de venda de
muitos meses atrás. Ao não elevar suficientemente o preço, ele
desestimulará tão pouco o consumo que a oferta da estação poderá ficar
aquém do seu consumo e, assim, ele perderá uma parte do lucro que
poderia ganhar em outro caso e causará sofrimento às pessoas antes do
final da estação, expondo-as aos horrores terríveis da fome, em vez de às
dificuldades de uma escassez. À população interessa que seu consumo
diário, semanal e mensal seja proporcional, da maneira mais exata
possível, à oferta da estação. O interesse do negociante interno de cereais
é o mesmo. De acordo com seu melhor julgamento, ele buscará abastecer
o mercado com essa proporção e, então, poderá vender todo o seu
suprimento de cereais pelo preço mais alto e com o maior lucro possível;
seu conhecimento sobre a situação da colheita e sobre suas vendas
diárias, semanais e mensais permite-lhe julgar, com maior ou menor
precisão, até que ponto os cereais estão realmente suprindo a população
de acordo com aquela proporção. Sem pretender satisfazer o interesse da
população, ele, ao atender aos seus próprios interesses, é necessariamente
levado a atender, mesmo em períodos de escassez, ao interesse público,
quase da mesma maneira que o capitão de um navio é obrigado, às vezes,
a tratar a sua tripulação. O capitão, ao notar que estoques não serão
suficientes para a viagem, diminui a ração de toda a tripulação. Embora,
por seu excesso de cautela, isso, às vezes, seja realizado sem nenhuma
necessidade real, ainda assim, todos os possíveis inconvenientes causados
à sua tripulação são muito pequenos em comparação ao perigo, miséria e
colapso a que a tripulação poderia estar exposta por uma conduta menos
cautelosa. Da mesma forma, o comerciante interno de cereais, por seu
excesso da avareza, precisa, às vezes, aumentar o preço de seus cereais a
um valor um pouco mais elevado do que o valor exigido pela escassez da
estação, mas, apesar de todos os inconvenientes que a população possa
sofrer por essa conduta — que efetivamente a protege de uma carestia no
final da estação —, estes são muito pequenos em comparação aos perigos
a que a população estaria exposta por uma conduta comercial mais
generosa no início da estação. É possível que o próprio comerciante de
grãos seja a pessoa que mais sofra por seu excesso de avareza; não só pela
indignação geral que causará contra si mesmo, mas também (embora ele
consiga escapar dos efeitos dessa indignação) pela quantidade de trigo
que obrigatoriamente ficará em suas mãos no final da temporada e que,
se a próxima estação se mostrar favorável, deverá ser vendida por um
preço muito mais baixo do que poderia ser vendida.
Se uma grande empresa de comerciantes pudesse ser realmente dona
de todos os cereais de um grande país, talvez pudéssemos dizer o mesmo
que dizem sobre os holandeses em relação às especiarias das Molucas,
isto é, que a empresa teria interesse em destruir toda a colheita ou jogar
fora uma grande parte dela para que o preço do restante pudesse ser
mantido alto. Mas é quase impossível, mesmo pela violência da lei,
estabelecer um monopólio tão grande em relação aos cereais; e, onde
quer que o comércio seja legalmente livre, os cereais são a mercadoria
menos suscetível de ser absorvida ou monopolizada pelo poder de
poucos grandes capitais que possam comprar a maior parte da colheita.
Pois seu valor é muito superior ao que o capital de alguns poucos homens
é capaz de comprar; mas, supondo que tivessem capital suficiente para
comprar todas as colheitas, a forma de produção dos cereais torna essa
compra totalmente impraticável. Em todos os países civilizados, esta é a
mercadoria com maior consumo anual, por isso a produção de cereais
emprega anualmente uma quantidade de trabalho maior do que a
utilizada para a produção de quaisquer outras mercadorias. Ao serem
colhidos, os cereais são obrigatoriamente divididos entre mais
proprietários do que quaisquer outras mercadorias; note-se que,
diferentemente do que ocorre em relação a um número de
manufatureiros independentes, é impossível congregar todos os
proprietários em um único lugar, pois estão necessariamente espalhados
por todos os diferentes cantos do país. Estes primeiros proprietários
fornecem seus produtos diretamente aos consumidores de sua
vizinhança, ou os fornecem a negociantes internos que, por sua vez, os
vendem aos consumidores. Consequentemente, os negociantes internos
de cereais, incluindo o agricultor e o padeiro, são necessariamente mais
numerosos do que os negociantes de quaisquer outras mercadorias; e, já
que fazem parte desse grupo tão disperso, é impossível reunirem-se em
uma associação geral. Portanto, se, em um período de escassez, um
desses negociantes vier a notar que há mais cereais em sua posse do que
ele conseguirá vender, ao preço atual, até o final da estação, ele nunca
pensaria em deixar altos os preços de suas mercadorias, pois teria
prejuízos e beneficiaria seus rivais e concorrentes; de fato, o comerciante
baixaria imediatamente o preço de seus cereais para que pudesse se livrar
deles antes da chegada dos produtos da nova safra. Os mesmos motivos,
os mesmos interesses, que, dessa forma, regulam a conduta de qualquer
negociante também orientariam a conduta de todos os outros,
obrigando-os, em geral, a vender seus cereais ao preço que julgassem
mais adequado à escassez ou à abundância daquela estação.
Ao examinarmos com atenção a história da escassez e das fomes na
Europa durante o curso do presente século ou dos dois séculos
precedentes (tenho relatos bastante exatos sobre vários momentos desse
período), descobriremos, creio, que nunca houve escassez por culpa de
uma associação entre os negociantes internos de cereais nem por
nenhuma outra causa senão uma verdadeira escassez provocada, às vezes,
talvez, e em alguns lugares específicos, pela devastação das guerras; mas o
maior número de casos deve-se, de longe, às estações desfavoráveis. Além
disso, nunca houve fome por nenhuma outra causa senão como resultado
da violência de um governo qualquer que, por meios inadequados, tenta
remediar as inconveniências de uma escassez.
Quando um país com grandes áreas plantadas de cereais possui
liberdade de comércio e de comunicação entre todas as suas diversas
regiões, a escassez ocasionada pelas estações mais desfavoráveis nunca
será tão grande a ponto de produzir fome; e a colheita mais escassa, se
administrada com frugalidade e economia, alimentará, ao longo do ano,
a mesma quantidade de pessoas que é normalmente alimentada de uma
forma mais farta por uma colheita de abundância moderada. As estações
mais desfavoráveis à colheita são aquelas de seca excessiva ou de chuva
excessiva. Mas, tendo em vista que os cereais crescem de forma igual
tanto em áreas montanhosas quanto nas planícies, tanto nos terrenos
mais úmidos quanto nos mais secos, então a seca ou a chuva, que são
eventos danosos para uma parte do país, são favoráveis para outra; e
embora a estação seca e a chuvosa resultem em uma colheita bastante
menor do que uma na região com condições mais adequadamente
temperadas, em ambos os casos o que se perde em uma região do país é,
em certa medida, compensado pelo que se ganha na outra. Nos países
plantadores de arroz, os efeitos de uma seca são muito mais devastadores,
pois esta é uma cultura que, além de requerer um solo muito úmido,
também necessita, em certo período de seu crescimento, que as plantas
fiquem sob a água. Entretanto, mesmo em tais países, sempre que o
governo permite o livre-comércio, é provável que a seca jamais chegue a
ser tão grande a ponto de causar uma carestia. Há alguns anos, a seca em
Bengala poderia ter ocasionado apenas uma grande escassez. Mas
algumas leis impróprias e algumas restrições nada prudentes impostas
pelos funcionários da Companhia das Índias Orientais sobre o comércio
de arroz contribuíram, talvez, para transformar essa escassez em uma
carestia.
Quando o governo, a fim de remediar os inconvenientes de uma
escassez, ordena que todos os negociantes vendam seus cereais a um
preço que ele supõe ser razoável, tal medida irá impedi-los de levar suas
mercadorias ao mercado, produzindo, por vezes, uma carestia, mesmo no
início da temporada; ou, caso os negociantes levem os produtos ao
mercado, isso permitirá e, assim, incentivará que a população os
consuma muito rapidamente, produzindo obrigatoriamente uma carestia
antes do final da estação. A liberdade ilimitada e sem restrições do
comércio de cereais é o único meio eficaz para prevenir os horrores da
fome e, por isso, é o melhor paliativo para os inconvenientes causados
por uma escassez; na verdade, os inconvenientes causados por uma
verdadeira escassez não podem ser remediados; contra ela só há medidas
paliativas. Nenhum outro comércio merece mais a proteção total da lei, e
não há outro comércio que mais necessite dessa proteção, pois nenhum
outro comércio está tão exposto à execração popular.
Durante os períodos de escassez, as classes mais baixas da população
atribuem seu sofrimento à avareza dos comerciantes de grãos, os quais
passam a ser o objeto de seu ódio e indignação. Nessas ocasiões, em vez
de lucrar, eles, muitas vezes, correm perigo de ruína e de saque e
destruição de seus armazéns pela violência da população. No entanto, os
comerciantes de grãos esperam obter seus maiores lucros durante os
períodos de escassez, pois estes são momentos nos quais os preços estão
altos. Os comerciantes costumam garantir para si, por meio de contratos
celebrados com alguns agricultores, o fornecimento de uma certa
quantidade de cereais a um determinado preço e por um certo número
de anos. Esse preço de contrato é estabelecido de acordo com o que se
supõe ser moderado e justo, ou seja, o preço ordinário ou médio, que,
antes dos últimos anos de escassez, costumava ser de 28 xelins pelo
quarter de trigo, sendo o preço dos outros cereais estabelecidos em
proporção a este. Em períodos de escassez, portanto, os comerciantes de
grãos compram uma grande parte de seus cereais pelo preço ordinário e a
vende por um valor muito mais alto. No entanto, já que fortunas são tão
raramente construídas neste e em quaisquer outros comércios, parece
bastante claro que este lucro extraordinário não é mais do que o
suficiente para manter a atividade desses comerciantes em pé de
igualdade com outras atividades, bem como para compensar as perdas
sofridas por eles em outras ocasiões, tanto por causa da natureza
perecível da mercadoria em si quanto pelas flutuações frequentes e
imprevistas de seu preço. Mas a execração popular que recebem em
períodos de escassez — o único período que pode ser muito rentável —
faz com que as pessoas ricas e de bom caráter sejam adversas à atividade.
A atividade fica relegada a um grupo inferior de negociantes; e, assim, os
moleiros, padeiros, vendedores e produtores de farinha, junto com um
número de mascates desprezíveis, são quase os únicos intermediários
que, no mercado interno, existem entre os produtores e os consumidores.
Em vez de desencorajar, a antiga política da Europa parece, na
verdade, ter autorizado e incentivado este ódio popular contra uma
atividade extremamente benéfica à população.
Pelos decretos do 5º e 6º anos do reinado de Eduardo VI, capítulo
14,444 foi promulgado que todo indivíduo que comprasse cereais ou grãos
com a intenção de revendê-los seria considerado um açambarcador fora
da lei. O primeiro cometimento seria apenado com dois meses de prisão
e a devolução do valor dos cereais; o segundo seria apenado com seis
meses de prisão e o pagamento do dobro do valor dos cereais; o terceiro
cometimento seria apenado com o pelourinho, prisão por tempo
determinado pelo rei e confisco de todos os bens e posses pessoais. A
antiga política de grande parte do resto da Europa não era melhor que a
da Inglaterra.
Nossos antepassados parecem ter imaginado que a população
compraria cereais mais baratos do agricultor que dos comerciantes de
grãos, pois temiam que estes últimos exigissem, além do preço pago ao
agricultor, um lucro exorbitante para si mesmo. Por esse motivo,
houveram por bem tentar aniquilar a atividade desse comerciante.
Tentaram dificultar ao máximo que os intermediários de quaisquer tipos
se pusessem entre o cultivador e o consumidor; tal foi o significado das
muitas restrições impostas às atividades daqueles que chamavam de
mascates de cereais (kidders)445 ou transportadores de cereais, uma
atividade que só podia ser exercida por pessoas que tivessem uma licença
afirmando suas qualificações como comerciante probo e justo. Pelo
estatuto de Eduardo VI, a licença deveria ser concedida por três juízes de
paz.446 Posteriormente, nem mesmo essas restrições eram vistas como
suficientes e, por meio de um estatuto da rainha Isabel, a concessão da
licença passou a ser competência das intermitentes assembleias do
condado.447
A antiga política da Europa empenhou-se, assim, em regulamentar a
agricultura — a grande atividade comercial do campo — por meio de
princípios diferentes daqueles estabelecidos para as manufaturas — o
grande comércio das cidades. Não deixando ao agricultor nenhum outro
cliente, exceto os consumidores ou seus representantes diretos (os
mascates e os transportadores de cereais), essa política tentava forçá-lo a
exercitar tanto a atividade de agricultor quanto a de comerciante ou
varejista de grãos. Por outro lado, em muitos casos, a política proibiu que
o manufaturador exercesse a atividade de lojista ou vendesse seus
próprios bens no varejo. A primeira lei pretendia promover o interesse
geral do campo, isto é, pretendia baratear os cereais, sem, talvez,
esclarecer o modo como isso seria feito. A segunda pretendia incentivar o
interesse de uma classe específica de pessoas, os lojistas, pois, se os
manufaturadores pudessem vender suas próprias mercadorias no varejo,
supõe-se que eles as venderiam a preços muito baixos, levando os lojistas
à falência.
No entanto, embora o manufaturador tenha sido autorizado a ter uma
loja e a vender seus próprios bens no varejo, ele não conseguiria vendê-
los por preços mais baixos que os do lojista. Independentemente da parte
de seu capital que ele aplicasse na loja, precisaria retirá-la de sua
manufatura. Para ter condições de igualdade com outras pessoas e dar
continuidade à sua atividade comercial, ele deverá, por um lado, lucrar
como um manufaturador e, por outro, como um lojista. Por exemplo,
suponhamos que, em sua cidade, o lucro ordinário tanto do
manufaturador quanto do lojista seja de 10%; nesse caso, ele deveria
onerar cada peça vendida em sua loja com um lucro de 20%. Quando ele
a transporta de sua oficina para sua loja, deverá acrescentar-lhe o preço
pelo qual poderia vendê-la a um negociante ou a um lojista, que
comprariam várias peças por atacado. Ao não acrescentar tal valor, o
manufaturador perderá a parte do lucro de seu capital referente à
manufatura. Em sua loja, caso ele não venda as peças ao preço de outros
lojistas, perderá a parte do lucro do capital referente à loja. Embora o
lucro obtido sobre uma mesma mercadoria possa parecer dobrado, este
consiste em um único lucro sobre o capital total aplicado, e isso ocorre
porque a mercadoria faz parte sucessivamente de dois capitais distintos;
e, ao obter um lucro menor, ele perde por não aplicar a integralidade de
seu capital com a mesma vantagem que a maior parte de seus vizinhos.
Assim, aquilo que era proibido ao manufaturador era, em certa
medida, obrigatório ao agricultor, a saber, dividir seu capital em duas
aplicações diferentes: a primeira seria aplicada em seus celeiros e
depósito para suprir as demandas ocasionais do mercado; e a outra, no
cultivo de sua terra. Mas, assim como ele não pode aplicar a segunda
parte do capital por menos que os lucros ordinários do capital agrícola,
ele também não pode aplicar a primeira parte por menos que os lucros
ordinários do capital mercantil. Se o capital que realmente propiciava a
atividade do comerciante de grãos pertencesse quer à pessoa que
chamamos de agricultor, quer à pessoa que chamamos de comerciante de
grãos, em ambos os casos os lucros deveriam ser os mesmos, tendendo a
indenizar seu proprietário por tê-lo aplicado de determinada forma para
manter sua atividade comercial em condições de igualdade com outras
atividades e visando impedir a rápida migração de seu capital para outras
atividades. Assim, no caso da livre concorrência, o preço dos cereais
daquele agricultor que foi forçado a exercer as atividades de um
comerciante de grãos não poderia ser mais baixo que o preço de qualquer
outro comerciante de cereais.
O negociante que pode empregar a integralidade de seu capital em
uma única atividade comercial tem a mesma vantagem do trabalhador
que pode empregar a integralidade de seu trabalho em uma única
operação. Assim como o trabalhador adquire uma destreza que o permite
realizar, com as mesmas duas mãos, uma quantidade muito maior de
trabalho, o negociante aprende métodos de negociação — compra e
venda de seus bens — tão fáceis e rápidos que, com o mesmo capital, ele
passa a ser capaz de realizar uma quantidade muito maior de negócios.
Da mesma forma que um pode geralmente oferecer seu trabalho a preços
mais baixos, o outro também pode, em geral, negociar seus bens a preços
um tanto mais baixos do que quando o capital e a atenção deles estão
ambos empregados em uma variedade maior de ações. A maioria dos
fabricantes não poderia vender seus próprios bens no varejo a preços tão
baixos quanto um lojista ativo, cuja única atividade é comprar os bens no
atacado e vendê-los no varejo. A maior parte dos agricultores teria ainda
menos recursos para vender seus próprios cereais no varejo ou para
abastecer os habitantes de uma cidade que estivesse a 4 ou 5 milhas de
distância de boa parte de suas terras, bem como vendê-los a preços tão
baixos quanto um comerciante de cerais vigilante e ativo, cuja única
atividade é a aquisição atacadista dos cereais, sua guarda em um grande
armazém e a venda a varejo.
A lei que proibiu o fabricante de exercitar o comércio de um lojista
tentou impor uma maior velocidade a essa divisão no emprego do capital,
algo que não ocorreria sem a lei. A lei que obrigou o agricultor a exercer
a atividade de um comerciante de grãos tentou impedir o seu rápido
desenvolvimento. Ambas as leis eram evidentes violações da liberdade
natural e, portanto, injustas; e ambas eram tão impolíticas quanto
injustas. É de interesse da sociedade que coisas desse tipo nunca sejam
forçadas ou impedidas. Aquele que emprega seu trabalho ou seu capital
em formas muito mais variadas do que sua situação permite nunca
conseguirá prejudicar seu vizinho ao vender mais barato que ele. Ele
poderá se prejudicar, e geralmente é isso mesmo que ele faz. O João-faz-
tudo nunca será rico, diz um provérbio.448 Mas a lei deve sempre deixar a
cada indivíduo o arbítrio de seus próprios interesses, pois ele é
geralmente capaz de julgar a situação local melhor do que o legislador.
Dessas duas leis, entretanto, a mais perniciosa foi a que obrigou o
agricultor a exercer a atividade de comerciante de grãos.
Ela não apenas impediu que a aplicação do capital fosse dividida, algo
tão vantajoso para a sociedade, mas também impediu que as terras
fossem aprimoradas e cultivadas. Ao obrigar o agricultor a realizar dois
negócios em vez de um, a lei o obriga a dividir seu capital em duas
porções, sendo que apenas uma delas pode ser aplicada no cultivo. Mas
se ele tivesse tido a liberdade de vender todos os seus grãos a um
comerciante logo após a colheita, todo o seu capital poderia ter retornado
imediatamente para a terra, e ele poderia tê-lo aplicado na compra de
mais gado e na contratação de mais empregados para aprimorá-la e
cultivá-la melhor. Mas, ao ser obrigado a vender seus cereais no varejo,
ele foi obrigado a manter grande parte de seu capital parado em seus
celeiros e armazéns durante o ano, deixando, portanto, de cultivar tão
bem quanto poderia caso pudesse utilizar todo o seu capital. Esta lei,
portanto, necessariamente impediu o aprimoramento das terras e, em vez
de causar uma tendência ao barateamento dos cereais, revelou uma
tendência de escassez e, portanto, de encarecimento.
Depois dos agricultores, a atividade do comerciante de grãos é, na
realidade, o negócio que, se protegido e incentivado corretamente, mais
contribuiria para a colheita de cereais. Essa atividade ofereceria apoio ao
comércio do agricultor da mesma forma que a atividade do negociante
atacadista oferece apoio à atividade do manufaturador.
Ao oferecer um mercado imediato para o fabricante, ao retirar de
suas mãos as mercadorias que acabaram de ficar prontas e, até mesmo, ao
adiantar o preço de suas mercadorias antes que elas estejam prontas, o
negociante atacadista permite que o manufaturador mantenha todo o seu
capital — e, às vezes, pouco mais que todo o seu capital — aplicado de
forma constante na manufatura e, consequentemente, permite a
fabricação de uma quantidade de mercadorias muito maior do que se ele
mesmo fosse obrigado a vendê-las aos consumidores imediatos ou
mesmo para os varejistas. Tendo em vista que o capital do atacadista
costuma também ser suficiente para repor o capital de muitos
manufaturadores, esta relação entre o atacadista e os manufaturadores faz
com que o proprietário de um grande capital tenha interesse em apoiar
os proprietários de um grande número de pequenos capitais e ajudá-los
nas perdas e infortúnios, que de outro modo seriam desastrosos para
eles.
Um mesmo tipo de relação, estabelecida universalmente entre os
agricultores e os comerciantes de grãos, teria efeitos igualmente benéficos
para o agricultor. Eles poderiam manter a integralidade de seus capitais, e
algo mais que essa integralidade, empregada constantemente no cultivo.
No caso de imprevistos e adversidades, às quais nenhuma outra atividade
está mais sujeita que a dos agricultores, eles encontrariam em seu cliente
comum — o rico comerciante de grãos — uma pessoa interessada em
ajudá-los e com a capacidade de fazê-lo; assim, os agricultores não
ficariam completamente dependentes, como o são atualmente, da
tolerância do proprietário das terras ou da misericórdia de seu
administrador. Se fosse possível — mas talvez não seja — estabelecer essa
relação de uma só vez e de forma universal, se fosse possível dirigir, de
uma só vez, todo o capital agrícola do reino à sua atividade apropriada,
isto é, ao cultivo de terra, retirando-o de qualquer outro emprego
primário em que qualquer parte dele estivesse atualmente desviado e, por
fim, se, com o objetivo de apoiar e oferecer assistência emergencial em
ocasiões específicas às operações deste grande capital, fosse possível
proporcionar imediatamente um capital de valor semelhante, não seria
muito fácil imaginar quão grande, quão extenso e quão súbito seria o
aprimoramento que essas mudanças de circunstâncias sozinhas
produziriam em todo o país.
O estatuto de Eduardo VI, portanto, ao proibir que os intermediários
se pusessem entre o produtor e os consumidores, tentou destruir uma
atividade em que a liberdade de comércio não é apenas o melhor
paliativo contra os inconvenientes de uma escassez, mas a melhor ação
preventiva contra tal calamidade; isso porque, depois da atividade
comercial do agricultor, nenhuma outra atividade contribui tanto para o
cultivo dos cereais quanto a do comerciante de cereais.
O rigor desta lei foi posteriormente suavizado por outros estatutos,
que sucessivamente passaram a permitir o açambarcamento de trigo
sempre que seu preço não ultrapassasse 20, 24, 32 e 40 xelins o quarter.
Por fim, o decreto do 15º ano do reinado de Carlos II, em seu capítulo 7,
declarou ser legal o acúmulo de grandes quantidades de cereais para
revenda, contanto que o preço do trigo não excedesse 48 xelins o quarter,
e o de outros grãos na mesma proporção; a medida estendia-se a todas as
pessoas que não fossem atravessadores, isto é, proibia-se a revenda do
produto no mesmo mercado pelo prazo de três meses. Toda a liberdade
que a atividade do negociante interno de cereais possui atualmente foi
concedida por este estatuto. O estatuto do 12º ano do reinado do atual
rei,449 que revoga quase todas as outras antigas leis contra o
açambarcamento e a compra antecipada por atravessadores de
mercadorias, não revoga as limitações desse estatuto específico, que, por
isso, continuam em vigor.
O estatuto, no entanto, autoriza, em certa medida, dois absurdos
preconceitos populares.
Em primeiro lugar, toda vez que o preço do trigo atinge o preço de 48
xelins o quarter (e os outros grãos atingem altas proporcionais), supõe-se
que os cereais passam a ser açambarcados para causar danos à população.
Mas, pelo que já foi exposto até aqui, acredito estar suficientemente
evidente a impossibilidade de os cereais serem acumulados dessa forma
pelos negociantes internos a ponto de causar danos à população, seja qual
for o preço; além disso, embora 48 xelins o quarter pareça um preço
muito alto, ainda assim, em períodos de escassez, os cereais costumam
atingir esse preço imediatamente após a colheita, momento em que ainda
não se vendeu quase nada da nova safra, sendo impossível, mesmo por
ignorância, supor que qualquer parte dela possa ter sido tão acumulada a
ponto de causar danos à população.
Em segundo lugar, supõe-se que há um certo preço ao qual os cereais
se tornam suscetíveis de ser intermediados, ou seja, comprados para ser
imediatamente revendidos no mesmo mercado, com o objetivo de causar
danos à população. Mas quando um comerciante compra cereais em um
determinado mercado para revendê-los no mesmo mercado, isso deve
ocorrer porque ele acredita que aquela ocasião é o momento de máximo
suprimento do mercado, o qual não estará tão generosamente suprido
durante toda a estação quanto naquele momento particular, e, por isso, o
preço daquela mercadoria deverá elevar-se logo. Caso seu julgamento
esteja incorreto e o preço dos cereais não suba, ele não só perderá todo o
lucro do capital aplicado de tal forma, mas também uma parte do capital
em si, que será gasto com despesas e perdas que necessariamente recaem
sobre o armazenamento e a manutenção dos cereais. Dessa forma, ele
causa a si mesmo danos muito maiores do que às pessoas que, por sua
causa, não compraram seus suprimentos naquele dia em particular; pois
estas poderão obtê-los a preços mais baixos em outro dia do mercado. Se
seu julgamento estiver correto, em vez de causar danos à população em
geral, ele estará prestando a ela um importante serviço público; pois,
fazendo-os passar pelos inconvenientes de uma escassez um pouco antes
do momento de seu acontecimento, ele permite que a sensação futura da
população fique mais atenuada do que certamente seria se o preço baixo
a incentivasse a consumir de forma mais rápida do que o modo exigido
pela escassez real da estação. Quando a escassez é real, a melhor coisa a
ser feita para a população é dividir os seus inconvenientes da forma mais
equitativa possível, diluindo-os por todos os meses, semanas e dias do
ano. Por seus interesses, o comerciante de grãos se empenha em fazer isso
da forma mais precisa possível; e, já que ninguém mais tem o mesmo tipo
de interesse — nem o mesmo conhecimento, nem a mesma capacidade
— para fazê-lo de forma tão precisa quanto ele, esta operação
extremamente importante do comércio deve ser confiada inteiramente a
ele; ou, em outras palavras, o comércio de grãos, pelo menos no que diz
respeito ao abastecimento do mercado doméstico, deve ser perfeitamente
livre.
O medo popular dos crimes de açambarcamento de bens e
intermediação (engrossing e forestalling) pode ser comparado ao pânico e
às suspeitas populares relacionados à bruxaria. Os infelizes desgraçados
acusados deste último crime eram tão inocentes dos infortúnios
imputados a eles quanto aqueles que foram acusados do primeiro. A lei
que pôs fim a todas as perseguições e processos contra a bruxaria, que
afastou das pessoas o poder de recompensar sua própria maldade sempre
que acusavam seus vizinhos de tal crime imaginário, parece ter
efetivamente dado fim a esses medos e suspeitas, eliminando o
instrumento que os incentivava e oferecia suporte. É possível que a lei
que restaurar a total liberdade ao comércio interno de cereais seja
igualmente eficaz e consiga acabar com os temores populares relativos ao
acúmulo de bens e à intermediação.
O decreto do 15º ano do reinado de Carlos II, c.7, no entanto, com
todas as suas imperfeições, talvez tenha trazido mais contribuições para o
abastecimento abundante do mercado doméstico e para o aumento do
cultivo de terras do que qualquer outra lei do livro de estatutos. Após esse
decreto, o comércio interno de cereais passou a desfrutar de toda a
liberdade e proteção que hoje possui; e tanto o abastecimento do
mercado interno quanto os interesses da agricultura são muito mais
efetivamente promovidos pelo comércio doméstico que pelos de
importação ou exportação.
Segundo os cálculos do autor dos tratados sobre o comércio de
cereais, a porcentagem entre a quantidade média de todos os tipos de
grãos importados para a Grã-Bretanha e a de todos os tipos de grãos
consumidos não excede a proporção de 1 para 570. Para abastecer o
mercado doméstico, consequentemente, a importância do comércio
interno em relação ao comércio de importação deve ser de 570 para 1.
De acordo com o mesmo autor, a quantidade média de todos os tipos
de grãos exportados da Grã-Bretanha não excede a proporção de 1 para
31 do produto anual. Portanto, para incentivar o plantio, pelo
fornecimento de um mercado para o produto doméstico, a importância
do comércio interno em relação ao comércio exportador deve ser 30 para
1.
Eu não tenho muita fé na aritmética política e, por isso, não garanto a
exatidão desses cálculos.450 Eu os menciono apenas para mostrar o
quanto, na opinião das pessoas mais judiciosas e experientes, o comércio
externo de cereais é muito menos importante que o comércio interno. O
preço muito baixo dos cereais nos anos que precederam o
estabelecimento dos subsídios pode, com razão, talvez ser atribuído em
alguma medida à operação desse estatuto de Carlos II, o qual foi
promulgado aproximadamente 25 anos antes, tendo, portanto, tempo
suficiente para produzir a integralidade de seus efeitos.
Algumas poucas palavras poderão explicar tudo o que tenho a dizer
sobre os outros três ramos do comércio de cereais.
II
O comércio do importador de cereais estrangeiros para consumo
doméstico contribui, evidentemente, para o abastecimento imediato do
mercado doméstico, devendo, assim, trazer benefícios imediatos a toda a
população. De fato, essa atividade tende a baixar de certa forma o preço
médio em dinheiro dos cereais, mas não tende a baixar seu valor real
nem a quantidade de trabalho que é capaz de manter. Se a importação
tivesse sido sempre livre, nossos agricultores e senhores de terras teriam,
um ano pelo outro, recebido menos dinheiro por seus cereais do que
recebem hoje (momento em que a importação está, na maioria das vezes,
efetivamente proibida), mas o dinheiro conseguido por eles valeria mais,
isto é, com ele poderiam comprar maior quantidade de quaisquer outros
tipos de bens e empregar mais trabalho. Embora designada por uma
menor quantidade de prata, sua verdadeira riqueza, seu real rendimento,
portanto, seria o mesmo que a possuída atualmente; e, além disso, não
seriam impedidos nem desencorajados de plantar a mesma quantidade
de cereais que atualmente cultivam. Pelo contrário, já que o aumento do
valor real da prata (como consequência da queda do preço em dinheiro
dos cereais) causaria uma certa queda no preço em dinheiro de todas as
outras mercadorias, isso ofereceria às atividades do país onde ocorre
alguma vantagem em todos os mercados estrangeiros e, assim, tenderia a
incentivar e aumentar essas atividades. Mas o tamanho do mercado
doméstico para os cereais deve ser proporcional ao nível geral de
trabalho do país em que ocorre o seu cultivo ou ao número de pessoas
que produzem outras mercadorias e, portanto, possuem outros bens (ou
o preço deles, o que é o mesmo) para trocar pelos cereais. Em todos os
países o mercado interno é o mais próximo e mais conveniente e, por
isso, este é o maior e mais importante mercado para os cereais. Aquele
aumento no valor real da prata, portanto, que é o efeito da diminuição do
preço médio em dinheiro dos cereais, tende a ampliar o maior e mais
importante mercado para os cereais e, assim, em vez de desencorajar o
seu crescimento, tende a incentivá-lo.451
Pelo decreto do 22º ano do reinado de Carlos II, c.13, a importação
do trigo foi submetida a um tributo de 16 xelins por quarter sempre que,
no mercado doméstico, o preço não ultrapassasse 53 xelins e 4 pence o
quarter; e a um tributo de 8 xelins sempre que o preço não ultrapassasse 4
libras. Desses dois preços, o primeiro ocorreu apenas em períodos de
grande escassez nos últimos dois séculos; o segundo, pelo que sei, nunca
ocorreu. No entanto, antes que o trigo ultrapassasse este último preço, o
estatuto já o submetia a um tributo muito alto; e, até que superasse o
primeiro preço, o estatuto já o teria submetido a um tributo equivalente a
uma proibição. A importação de outros tipos de grãos era restringida por
proporções e tributos quase igualmente altos e que variavam de acordo
com o valor do grão.452 Esses tributos foram elevados ainda mais por leis
subsequentes.
A execução fria dessas leis provavelmente causava, em anos de
escassez, muita aflição à população. Mas, nessas ocasiões, o cumprimento
estrito da lei costumava ser suspenso por estatutos temporários,
permitindo, por tempo limitado, a importação de cereais estrangeiros. A
necessidade desses estatutos temporários demonstra de forma cabal a
impropriedade dos estatutos gerais.
Essas restrições à importação, embora anteriores ao estabelecimento
dos subsídios, guiavam-se pelo mesmo espírito e pelos mesmos
princípios que, mais tarde, levaram à sua criação. Por mais prejudiciais
que estas e algumas outras restrições à importação fossem, elas se
tornaram necessárias em consequência da criação dos subsídios. Pois, se
o preço do trigo tivesse ficado abaixo de 48 xelins ou não muito acima
disso, teria sido possível importar cereais com isenção de tributos ou pelo
pagamento de pequenas taxas, e eles poderiam ter sido novamente
exportados com as vantagens dos subsídios, com uma grande perda de
receitas públicas e com a completa subversão da instituição, cujo objetivo
era aumentar o mercado em favor dos cereais cultivados internamente,
não daqueles cultivados no exterior.
III
O comércio do exportador de cereais para consumo estrangeiro
certamente não contribui diretamente para o abastecimento abundante
do mercado doméstico. No entanto, ele o faz de forma indireta.
Independentemente da origem desse abastecimento, seja interno ou pela
importação, a oferta no mercado interno nunca será muito abundante, a
menos que, no país, se plante ou se importe mais cereais do que a
quantidade normalmente consumida nele. Mas, a menos que o excedente
possa, em todos os casos ordinários, ser exportado, os produtores terão o
cuidado de nunca plantar uma quantidade maior, e os importadores de
nunca importar mais do que o requerido pelo consumo do mercado
interno. Esse tipo de mercado raramente estará sobreabastecido; mas, em
geral, estará desabastecido, pois as pessoas que trabalham para abastecê-
lo costumam ter medo de não dar vazão a seus estoques. A proibição da
exportação limita o aprimoramento e o cultivo do país à quantidade de
suprimentos exigida por seus próprios habitantes. A liberdade de
exportação permite estender o cultivo para o abastecimento de nações
estrangeiras.
O decreto do 12º ano do reinado de Carlos II, c.4, permitiu a
exportação de cereais sempre que o preço do trigo não ultrapassasse 40
xelins o quarter e, na mesma proporção, a de outros grãos. Pelo decreto
do 15º ano do reinado do mesmo monarca, essa liberdade foi estendida
até que o preço do trigo ultrapassasse 48 xelins o quarter; e pelo decreto
do 22º, a todos os preços mais elevados. De fato, não se deixou de pagar à
coroa um tributo relativo ao peso-libra das exportações. No entanto, no
livro de tarifas, o valor registrado dos grãos era tão baixo que a tarifa
sobre o peso do trigo chegava apenas a 1 xelim; sobre o peso da aveia, a 4
pence; e sobre todos os outros grãos, a 6 pence por quarter. Pelo estatuto
do 1º ano do reinado de Guilherme e Maria — o ato que estabeleceu os
subsídios —, esse pequeno tributo deixava de ser devido sempre que o
preço do trigo não ultrapassasse 48 xelins por quarter; e pelos decretos do
11º e do 12º ano do reinado de Guilherme III, c.20, o tributo deixou de
ser devido a todos os preços mais elevados.
Dessa forma, além de o comércio do exportador ter sido incentivado
por subsídios, também se tornou mais livre do que a atividade do
negociante interno. Por este último estatuto, os cereais poderiam ser
acumulados em grandes quantidades para que atingissem qualquer preço
para a exportação; mas não poderiam ser acumulados para a venda no
mercado doméstico, exceto quando o preço não ultrapassasse 48 xelins
por quarter. Entretanto, conforme já mostramos, não há como o interesse
do negociante interno opor-se ao interesse da população. Pelo contrário,
o interesse do exportador pode se opor e, na verdade, às vezes se opõe.
Se, por exemplo, enquanto o seu próprio país trabalha em meio a uma
escassez, um país vizinho é afligido por uma fome, então talvez o
primeiro tenha interesse em exportar ao outro país cereais em
quantidades que poderiam agravar em muito as calamidades da escassez.
Os estatutos não tinham o abastecimento abundante do mercado
doméstico como meta imediata; mas, com o pretexto de fomentar a
agricultura, objetivavam elevar o preço em dinheiro dos cereais ao
máximo e, assim, causar, tanto quanto possível, uma constante escassez
no mercado doméstico. Ao desincentivar a importação, o suprimento
desse mercado, mesmo em épocas de grande escassez, limitava-se aos
cereais cultivados internamente; e ao incentivar as exportações quando o
preço atingia 48 xelins por quarter, o mercado ficava privado, mesmo em
tempos de considerável escassez, de desfrutar da totalidade de suas
próprias colheitas. As leis temporárias que proibiam a exportação de
cereais por um certo período limitado, e que, também por um certo
período, tornavam suas importações isentas de tributos — expedientes e
ferramentas que a Grã-Bretanha foi obrigada a utilizar com muita
frequência — demonstram a fraqueza desse sistema geral. Se o sistema
fosse bom, o país não se veria obrigado a deixar de usá-lo com tanta
frequência.
Se todas as nações seguissem o sistema liberal de livre exportação e
importação, os diferentes Estados de um grande continente se
assemelhariam mais às diferentes províncias de um grande império.453
Assim como entre as diversas províncias de um grande império a
liberdade do comércio interno prova ser, pela razão e pela experiência,
não somente o melhor paliativo contra a escassez, mas a mais efetiva
prevenção da fome, o mesmo ocorreria se houvesse liberdade de
exportação e de importação entre os diferentes Estados de um grande
continente. Quanto maior o continente, mais fácil a comunicação entre
todas as suas diferentes regiões — seja por vias terrestres ou hídricas — e
menor a probabilidade de uma região qualquer estar exposta a essas
calamidades, pois a escassez de uma área específica estaria mais propensa
a ser aliviada pela abundância das outras. Mas pouquíssimos países
adotaram esse sistema liberal. Em quase todos os lugares, a liberdade do
comércio de cereais é mais ou menos limitada e, em muitos países, tal
comércio está amarrado a regulamentos tão absurdos que costumam
agravar os infortúnios inevitáveis de uma escassez, transformando-os na
calamidade terrível da fome. A demanda por cereais de tais países
costuma ser tão grande e tão urgente que, caso um pequeno Estado
vizinho esteja passando por um certo grau de escassez, este não poderia
se aventurar a abastecer o primeiro sem se expor a semelhante
calamidade. Assim, a política ruim de um país pode tornar, em alguma
medida, perigoso e imprudente estabelecer qual seria, em outras
circunstâncias, a melhor política do outro país. A liberdade ilimitada de
exportação, no entanto, seria muito menos perigosa aos grandes Estados,
pois estes têm colheitas muito maiores e neles a oferta não costuma ser
muito afetada pela exportação de quaisquer quantidades de cereais.
Talvez seja necessário conter a exportação dos cereais em um cantão
suíço ou em alguns dos pequenos estados da Itália. Mas, em países
grandes, como a França ou a Inglaterra, isso quase nunca ocorre. Além
disso, limitar o envio das mercadorias dos agricultores aos melhores
mercados equivale, evidentemente, a sacrificar as leis ordinárias da
justiça a uma ideia de utilidade pública, a uma espécie de razão de
Estado; um ato de autoridade legislativa que só deve ser exercido ou
perdoado em caso de necessidade urgentíssima. O preço em que a
exportação de grão é proibida (se é que deve ser proibida), deveria ser
sempre um preço muito elevado.
No mundo todo, as leis relativas aos cereais podem ser comparadas às
leis relativas à religião. É tão grande o interesse das pessoas por tudo o
que se relaciona à sua subsistência nesta vida e à sua felicidade na vida
após a morte que o governo deveria aceitar tais preconceitos e, para
preservar a tranquilidade pública, estabelecer o sistema aprovado pela
população. Talvez por esse motivo seja muito raro encontrarmos um
sistema justo e racional que vise a qualquer um desses dois importantes
objetos.454
IV
A atividade do transportador ou daquele comerciante que importa
cereais estrangeiros para exportá-los novamente contribui para o
abastecimento abundante do mercado doméstico. De fato, a venda
interna de seus cereais não faz parte do objetivo primário de seu
comércio. Mas, em geral, ele está disposto a fazê-lo até mesmo por um
preço mais baixo do que o do mercado externo, pois, ao vender
internamente, não incorrerá em outras despesas: frete, seguro e serviços
de carregamento e descarregamento. Raramente falta algo aos habitantes
do país que, por meio do transporte de mercadorias, passaram a ser a loja
e o armazém para o suprimento de outros países. O transporte de
mercadorias contribui para reduzir o preço médio em dinheiro dos
cereais no mercado interno, mas não é por isso que é capaz de baixar o
seu valor real. Esse comércio apenas causa uma pequena elevação ao
valor real da prata.
Na verdade, em todas as ocasiões normais, o comércio de transporte
de mercadorias era proibido na Grã-Bretanha por meio dos altos tributos
sobre a importação de cereais estrangeiros, cuja maior parte não
desfrutava das vantagens do drawback (reembolso); e em ocasiões
extraordinárias, quando a escassez obrigava a suspensão desses tributos
por meio de estatutos temporários, a exportação era sempre proibida. Por
esse sistema legal, consequentemente, o comércio de transporte de
mercadorias era efetivamente proibido em qualquer ocasião.
Portanto, esse sistema legal, ligado à criação dos subsídios, parece não
merecer o louvor que lhe foi conferido. O desenvolvimento e a
prosperidade da Grã-Bretanha, que tantas vezes foram atribuídos a essas
leis, podem muito facilmente ser imputados a outras causas. As leis da
Grã-Bretanha asseguram a cada pessoa os frutos de seu próprio trabalho;
por si só, isso já é suficiente para que qualquer país floresça, não obstante
esses e vinte outros regulamentos absurdos de comércio; além disso, essa
segurança foi aperfeiçoada pela revolução, aproximadamente na mesma
época em que os subsídios foram criados. Quando se permite que o
indivíduo trabalhe com liberdade e segurança, o esforço natural de cada
um para melhorar a sua própria condição é um princípio tão poderoso
que, por si só e sem qualquer ajuda, é capaz de não apenas conduzir a
sociedade à riqueza e à prosperidade, mas também de fazê-la superar
uma centena de obstáculos inapropriados, muitas vezes impostos pela
falta de bom senso das leis humanas, embora esses obstáculos sempre
tenham como consequência a maior ou menor invasão da liberdade ou a
diminuição da segurança das pessoas. Na Grã-Bretanha, o trabalho é
perfeitamente seguro; e, apesar de estar longe de ser perfeitamente livre,
ele é tão livre ou mais livre que em qualquer outra parte da Europa.455
Embora o período de maior prosperidade e desenvolvimento da Grã-
Bretanha tenha sido posterior a esse sistema de leis relacionado aos
subsídios, não devemos, por isso, imputar a prosperidade a essas leis. Da
mesma forma, essa prosperidade também é posterior à dívida nacional e,
sabemos muito bem, não há como a dívida ter sido sua causa.
Embora o sistema de leis relacionado aos subsídios tenha exatamente
a mesma tendência que as políticas da Espanha e de Portugal, isto é,
diminuir um pouco o valor dos metais preciosos no país onde são
utilizados, ocorre que a Grã-Bretanha é certamente um dos países mais
ricos da Europa, enquanto a Espanha e Portugal talvez possam estar no
rol dos mais pobres. Essa diferença, no entanto, pode ser facilmente
explicada por duas causas diferentes. Em primeiro lugar, os tributos
espanhóis, a proibição portuguesa de exportar ouro e prata e a política
vigilante que cuida da execução dessas leis devem — nesses dois países
muito pobres que, entre eles, importam mais de 6 milhões de libras
esterlinas anuais — operar de forma mais direta e mais imperativa na
redução do valor daqueles metais em seus países do que as leis de cereais
(Corn Laws) britânicas o fazem. E, em segundo lugar, naqueles países
essa política ruim não se vê contrabalançada pela liberdade e pela
segurança gerais do povo. Em Portugal e na Espanha as atividades
comerciais não são livres nem seguras; mesmo com leis comerciais tão
sábias quanto são absurdas em sua maior parte todas as outras, os
governos civil e eclesiástico desses países são tais que já bastariam para
perpetuar o estado atual de pobreza que neles impera.
O decreto do 13º ano do atual reinado, c.43, parece ter estabelecido
um novo sistema em relação às leis que tratam dos cereais que, em
muitos aspetos, é muito melhor do que o anterior; mas no que diz
respeito a um ou dois aspectos, o sistema talvez não seja tão bom assim.
Por esse estatuto, os altos tributos impostos à importação para o
consumo interno deixam de ser devidos assim que o preço do trigo
médio atingir 48 xelins o quarter; do centeio, da ervilha e dos feijões
médios, a 32 xelins; o da cevada, a 24 xelins; e o da aveia, a 16 xelins; e,
em vez de altos tributos, paga-se uma pequena taxa de apenas 6 pence por
quarter de trigo, e taxas proporcionais para o quarter de outros grãos. No
que diz respeito a todos esses tipos diferentes de grãos, mas
particularmente no que diz respeito ao trigo, o mercado doméstico está,
assim, aberto aos fornecimentos estrangeiros a preços consideravelmente
mais baixos do que antes.
De acordo com o mesmo estatuto, o velho subsídio de 5 xelins sobre a
exportação do trigo deixa de ser pago assim que o preço atinge 44 xelins
o quarter, em vez de 48, que era o limite anterior; o de 2 xelins e 6 pence
sobre a exportação da cevada deixa de ser pago assim que o preço atinge
22 xelins, em vez de 24, o limite anterior; o de 2 xelins e 6 pence sobre a
exportação da farinha de aveia deixa de ser pago assim que o preço atinge
14 xelins, em vez de 15, o limite anterior. O subsídio sobre o centeio foi
reduzido de 3 xelins e 6 pence para 3 xelins e deixa de ser pago assim que
o preço atinge 28 xelins, em vez do limite anterior de 32. Esforcei-me até
aqui para demonstrar que os subsídios são uma impropriedade; assim,
quanto antes deixam de ser pagos e quanto menor o seu valor, tanto
melhor.
Ainda segundo o estatuto, é permitida a importação de cereais a
preços mais baixos para a reexportação, isenta de tributos, desde que, no
período entre uma operação e outra, os produtos sejam armazenados em
um local com custódia conjunta entre o rei e o importador. Essa
liberdade, de fato, estende-se a somente 25 portos da Grã-Bretanha. No
entanto, são os principais portos do país, não havendo, acredito,
armazéns adequados para esse fim na maioria dos outros portos.
Até o momento, a lei é evidentemente muito melhor que o antigo
sistema.
Mas, de acordo com a mesma lei, cria-se um subsídio de 2 xelins o
quarter para a exportação de aveia enquanto seu preço não exceder 14
xelins. Os subsídios para a exportação desse tipo de grão, assim como
para a exportação de ervilhas ou feijões, são criações da nova lei.
Também pela mesma lei fica proibida a exportação de trigo quando
seu preço sobe para 44 xelins o quarter; a de centeio, quando chega a 28
xelins; a de cevada, quando chega a 22 xelins; e a de aveia, quando chega
a 14 xelins. Todos esses preços parecem muito baixos e, além disso,
parece haver uma impropriedade em proibir totalmente a exportação
quando os produtos atingem o preço exato da retirada do subsídio que
havia sido concedido para forçar a exportação. O subsídio deve
certamente deixar de ser pago a um preço muito mais baixo, ou a
exportação deveria ter sido permitida em um preço muito maior.
Até agora, portanto, a lei parece ser inferior ao antigo sistema. No
entanto, mesmo com todas as suas imperfeições, talvez possamos dizer
dela o mesmo que foi dito sobre as leis de Sólon, que, embora não sejam
as melhores leis de todas, são as melhores possíveis para os interesses,
preconceitos e temperamentos de nossa época. Talvez, no devido tempo,
prepare o caminho para uma melhor.
CAPÍTULO VI
OS TRATADOS OU ACORDOS COMERCIAIS
Quando, por meio de tratados, uma nação se compromete a admitir a
entrada de certas mercadorias de um certo país estrangeiro enquanto
proíbe a entrada dos mesmos bens de todos os outros, ela se compromete
a isentar ou os bens de um certo país dos tributos a que sujeita os bens de
todos os outros países ou, pelo menos, os comerciantes e
manufaturadores do país cujo comércio é tão favorecido, que obtêm
obrigatoriamente muitas vantagens devido ao acordo. Esses comerciantes
e manufaturadores desfrutam de uma espécie de monopólio em um país
que é bastante indulgente com eles. Esse país passa a constituir um
mercado maior e mais vantajoso para seus bens: maior porque, ao excluir
os bens de outras nações ou submetê-los a um regime de tributação
muito pesado, remove seus bens da concorrência; mais vantajoso porque
os comerciantes do país favorecido, desfrutando de uma espécie de
monopólio, venderão seus bens por um preço melhor do que se
estivessem expostos à livre concorrência de todas as outras nações.
Mas, embora esses tratados possam ser vantajosos aos comerciantes e
aos manufaturadores do país favorecido, são necessariamente
desvantajosos aos do país que concede o favor. Um monopólio é, assim,
concedido a uma nação estrangeira e contra os comerciantes do país que
o concede; estes deverão frequentemente comprar os bens estrangeiros de
que necessitam por preços mais altos do que se a livre competição das
outras nações fosse admitida. Tal nação venderá por preços mais baixos
aquela parte de seu próprio produto com a qual compra bens
estrangeiros, porque, quando se trocam duas coisas, o preço baixo de
uma é consequência necessária, ou melhor, é a mesma coisa que o preço
alto da outra. O valor de troca de seu produto anual será provavelmente
diminuído a cada tratado ou acordo semelhante. Essa diminuição, no
entanto, não chega a representar uma perda positiva, mas apenas a
diminuição do ganho que esta nação poderia ter obtido em
circunstâncias diferentes. Embora venda seus bens por preços mais
baixos do que os venderia em outra circunstância, provavelmente não os
venderá por um preço abaixo do que custam; nem, como no caso dos
subsídios, por um preço que não reponha, junto com os lucros ordinários
do capital, o capital utilizado para levar os bens ao mercado. A atividade
teria uma vida muito curta se isso ocorresse. Embora ganhe menos do
que no caso da livre concorrência, até mesmo o país que concede o favor
poderá ganhar algo com o comércio.
No entanto, alguns tratados comerciais com base em princípios muito
diferentes destes têm sido considerados vantajosos; há relatos de nações
mercantis que concederam esse tipo de monopólio contra si mesmas a
certos bens de uma nação estrangeira, porque, tomando a integralidade
do comércio de bens entre os dois países, esperavam que o valor de suas
vendas anuais superasse o das compras, e que, anualmente, sua balança
seria positiva se proporcionasse um retorno de ouro e prata ao país. Com
base nesse princípio, o tratado comercial, celebrado em 1703 entre a
Inglaterra e Portugal pelo senhor Methuen, tem sido muito elogiado. O
Tratado de Methuen consiste em apenas três artigos, e segue uma
reprodução literal:
“Art. 1. Sua Sagrada Magestade El Rey de Portugal promette tanto em Seu
próprio Nome, como no de Seus Sucessores, de admitir para sempre d’aqui em
diante no Reyno de Portugal, os Panos de lãa, e mais fabricas de lanifício de
Inglaterra, como era costume até o tempo que forão prohibidos pelas Leys, não
obstante qualquer condição em contrario.
Art. II. He estipulado, que Sua Sagrada e Real Magestade Britannica, em Seu
próprio Nome, e no de Seus Successores, será obrigada para sempre, d’aqui em
diante, de admittir na Gram Bretanha os Vinhos do producto de Portugal, de
sorte que em tempo algum (haja Paz ou Guerra entre os Reynos de Inglaterra e
de França) não se poderá exigir de Direitos de Alfandega nestes Vinhos, ou
debaixo de qualquer outro Título, directa ou indirectamente, ou sejam
transportados para Inglaterra em Pipas, Toneis, ou qualquer outra vasilha que
seja; mais que o que se costuma pedir para igual quantidade, ou de medida de
Vinho de França, diminuindo ou abatendo huma terça parte do Direito de
costume. Porem, se em qualquer tempo esta dedução, ou abatimento de
Direitos, que será feito, como acima he declarado, for por algum modo
infringido e prejudicado, Sua Sagrada Majestade Portuguesa poderá, justa e
legitimamente, prohibir de lãa, e todas as mais fabricas de lanifício de
Inglaterra.
Art III. Os Excelentíssimos Senhores Plenipotenciarios promettem, e tomão
sobre si, que Seus Amos acima mencionados ratificarão este Tratado, e que
dentro do tempo de dous Mezes se passarão as Ratificações”.456
CAPÍTULO VII
AS COLÔNIAS
Parte I – Motivos para o estabelecimento de
novas colônias
O estabelecimento das diversas colônias europeias na América e nas
Índias Ocidentais não foi realizado por um interesse tão simples e
distinto quanto o que orientou o estabelecimento das colônias gregas e
romanas.
Os diferentes estados da Grécia Antiga eram formados por territórios
muito pequenos; e, quando as pessoas em qualquer um deles se
multiplicavam além do número de pessoas que esses territórios eram
capazes de manter, parte delas era enviada em expedições para a busca de
habitação em locais remotos do mundo; ao mesmo tempo, seus vizinhos
belicosos faziam com que a ampliação local de seus territórios fosse uma
tarefa árdua. Os dórios criaram colônias principalmente na Itália e na
Sicília, regiões que, antes da fundação de Roma, eram habitadas por
nações bárbaras e não civilizadas; Jônios e Eólios, as duas outras grandes
tribos gregas, buscaram terras na Ásia Menor e nas ilhas do Mar Egeu,
cujos habitantes pareciam, naquele tempo, se encontrar no mesmo
estágio que as populações da Sicília e da Itália. A cidade-mãe via a
colônia como uma criança, merecedora de seus favores e assistência a
qualquer tempo e que, em troca, devia oferecer muita gratidão e respeito,
mas a considerava como um filho emancipado, sobre quem não buscava
reivindicar nenhuma autoridade direta ou jurisdição. A colônia
estabelecia sua própria forma de governo, promulgava suas próprias leis,
elegia seus próprios magistrados e declarava guerra e paz com seus
vizinhos como um Estado independente sem tempo para esperar a
aprovação ou o consentimento da cidade-mãe. Nada pode ser mais
simples e mais distinto do que o interesse que levou à criação dessas
colônias.
Roma, como a maioria das outras repúblicas antigas, foi fundada
originalmente sobre uma lei agrária, que dividia o território público em
certas porções e o distribuía entre os diferentes cidadãos que
compunham o estado. Com o transcorrer dos assuntos humanos, fosse
pelo casamento, pela sucessão ou pela alienação, aquela divisão original
foi sendo desfeita e, com frequência, as terras que anteriormente haviam
sido distribuídas para a manutenção de muitas famílias passaram a
pertencer a uma única pessoa. Para remediar essa desordem, pois
acreditava-se que isso era um desarranjo, os romanos publicaram uma lei
restringindo a quantidade de terras de cada cidadão a 500 jugera,
aproximadamente 350 acres ingleses. Embora essa lei, segundo lemos,
tenha sido executada em uma ou duas ocasiões, ela foi negligenciada ou
evadida; assim, a desigualdade entre fortunas manteve seu aumento
contínuo. A maior parte dos cidadãos não tinha terras; e, sem elas, os
usos e costumes daquela época tornavam difícil a uma pessoa livre
manter sua independência. Nos tempos atuais, embora uma pessoa pobre
não tenha terras próprias, ela poderá cultivar as terras de outra pessoa
caso tenha um pequeno capital, ou poderá exercer algum pequeno
comércio varejista; não tendo capital, ela poderá encontrar emprego,
como um trabalhador rural ou um artesão urbano. Mas, entre os antigos
romanos, as terras dos ricos eram todas cultivadas por escravos, que
laboravam sob as vistas de um supervisor, que era também um escravo;
de modo que uma pessoa livre e pobre tinha poucas chances de ser
empregada, fosse como agricultor ou como um trabalhador. Além disso,
os escravos dos ricos conduziam todos os comércios e manufaturas, até
mesmo o comércio varejista, para beneficiar seus mestres; os pobres
livres não tinham meios para competir com tal riqueza, autoridade e
proteção. Portanto, os cidadãos que não tinham terras não tinham
praticamente outra fonte de subsistência senão as recompensas que os
candidatos às eleições anuais lhes davam. Sempre que os tribunos
resolviam pôr o povo contra os ricos e os grandes, lembravam-no da
antiga divisão de terras e argumentavam que a lei que restringia esse tipo
de propriedade privada era a lei fundamental da República. Podemos
dizer que, enquanto as pessoas passaram a querer terras de forma mais
clamorosa, os ricos e os grandes estavam perfeitamente determinados a
não lhes entregar nenhuma parcela de suas terras. Para, em parte,
satisfazer esses desejos, portanto, eles costumavam propor o
estabelecimento de uma nova colônia. Mas a Roma conquistadora,
mesmo nessas ocasiões, não tinha nenhuma necessidade de, digamos
assim, largar seus cidadãos na vastidão do mundo para que buscassem
fortunas sem saber onde poderiam realmente se estabelecer. Roma lhes
atribuía terras que, geralmente, faziam parte das províncias conquistadas
na península italiana; e, já que estavam dentro dos domínios da
república, não havia a possibilidade de formarem estados independentes;
formavam, na melhor das hipóteses, uma espécie de corporação que,
embora tivesse o poder de promulgar leis locais para o seu próprio
governo, estava completamente sujeita à correção, jurisdição e autoridade
legislativa da cidade-mãe. Além de oferecer uma certa satisfação ao povo,
o estabelecimento desse tipo de colônia também costumava estabelecer
uma espécie de guarnição militar nas províncias recém-conquistadas,
locais cuja obediência poderia ter sido um pouco duvidosa em outras
circunstâncias. Assim, se considerarmos a natureza de seu próprio
estabelecimento ou os motivos para isso, uma colônia romana era
completamente diferente de uma grega. Da mesma forma, as palavras
originais de cada uma das duas línguas que indicam esses diferentes tipos
de estabelecimentos também têm significados diversos. A palavra latina
colonia significa simplesmente uma colônia. A palavra grega ἀποικία
(apoikía), pelo contrário, significa separar-se de uma habitação, partir do
lar, sair de casa. Mas, embora as colônias romanas fossem em muitos
aspectos diferentes das gregas, o interesse que encorajava seu
estabelecimento era igualmente claro e evidente. Ambas as instituições se
originam de uma necessidade irresistível ou de uma utilidade clara e
evidente.
O estabelecimento de colônias europeias na América e nas Índias
Ocidentais não foi determinado por uma necessidade; e, embora a
utilidade resultante tenha sido bastante grande, ela não é completamente
clara e evidente. A utilidade do estabelecimento de colônias não foi
entendida no início e não foi causa nem do primeiro estabelecimento
nem das descobertas subsequentes; além disso, a natureza, a extensão e
os limites dessa utilidade talvez não estejam bem compreendidos nem
mesmo hoje.
Durante os séculos XIV e XV, os venezianos realizavam um comércio
bastante vantajoso de especiarias e outros bens vindos da Índia Oriental,
que, posteriormente, distribuíam entre as outras nações da Europa. Em
sua maioria, as mercadorias eram compradas no Egito, na época,
domínio dos mamelucos, os inimigos dos turcos, que, por sua vez, eram
inimigos dos venezianos; e essa união de interesses, auxiliada pelo
dinheiro de Veneza, gerou um tipo de conexão que acabou oferecendo
aos venezianos quase um monopólio desse comércio.
Os grandes lucros dos venezianos instigaram a avidez dos
portugueses. Os mouros atravessavam desertos e levavam marfim e pó de
ouro a Portugal; os portugueses, por sua vez, se esforçaram durante todo
o século XV para descobrir uma rota marítima que os levasse aos países
de origem dessas mercadorias. Assim, eles descobriram os arquipélagos
da Madeira, das Canárias, dos Açores, as ilhas de Cabo Verde, as costas
da Guiné, de Loango, do Congo, da Angola e de Benguela e, finalmente, o
Cabo da Boa Esperança. Eles também, por muito tempo, haviam
desejado fazer parte do comércio rentável realizado pelos venezianos;
aquela última descoberta abriu-lhes uma provável perspectiva para isso.
Em 1497, Vasco da Gama partiu do porto de Lisboa com uma frota de
quatro navios e, após navegar por onze meses, chegou à costa do
Hindustão, completando, assim, um curso de quase um século de
descobertas, que haviam sido perseguidas com grande firmeza e
pouquíssimas interrupções.
Alguns anos antes disso, enquanto a Europa aguardava com
expectativa os resultados dos projetos portugueses, cujo sucesso ainda
parecia bastante duvidoso, um piloto genovês criou um projeto ainda
mais ousado, a saber, ele pretendia velejar até as Índias Orientais pelo
Ocidente. Naquela época, os europeus tinham uma noção bastante
imperfeita sobre a localização daqueles países. Os poucos viajantes
europeus que haviam estado lá criaram uma distância maior do que a
real em seus relatos; talvez por sua simplicidade e ignorância (que era
realmente muito grande), criaram distâncias que pareciam quase infinitas
para aqueles que não sabiam medi-la; ou, talvez, as tenham criado para
incrementar o aspecto colossal de suas próprias aventuras em visitar
regiões tão imensamente remotas da Europa. Colombo afirmou
corretamente que, quanto maior fosse o caminho pelo Oriente, menor
seria pelo Ocidente. Ele propôs, portanto, seguir o caminho pelo
Ocidente por ser o mais curto e o mais seguro; Colombo também teve a
sorte de conseguir convencer a rainha Isabel de Castela sobre a
viabilidade de seu projeto. Ele partiu do porto de Palos em agosto de
1492 (cerca de cinco anos antes de a expedição de Vasco da Gama ter
partido de Portugal) e, após navegar por dois ou três meses, descobriu
primeiro algumas pequenas ilhas do arquipélago das Bahamas ou das
Lucaias, e depois a grande ilha de São Domingos.473
Mas as regiões descobertas por Colombo nesta primeira viagem ou
nas subsequentes não tinham nenhuma semelhança com os países que
ele buscava. Em vez da riqueza, do cultivo e da grande população da
China e do Hindustão, ele encontrou, tanto em São Domingos quanto em
todas as outras partes do Novo Mundo que visitou, apenas regiões
completamente cobertas por florestas, não cultivadas e habitadas
somente por algumas tribos de selvagens nus e miseráveis. Mas não
estava muito disposto a acreditar que essas regiões não fossem as mesmas
descritas por Marco Polo, o primeiro europeu a visitar ou a deixar relatos
sobre a China ou as Índias Orientais; e qualquer semelhança que
encontrasse, mesmo que mínima — como, por exemplo, a que encontrou
entre o nome de uma montanha em São Domingos, chamada de Cibao, e
outra mencionada por Marco Polo, Cipango —, costumava ser suficiente
para fazê-lo voltar a essa conjectura favorita, mesmo que contrariasse as
evidências mais claras. Em suas cartas a Fernando e Isabel, ele chamou os
países que havia descoberto de Índias.
Ele não tinha nenhuma dúvida, acreditava que a região era a
extremidade dos países descritos por Marco Polo e que, por isso, não
estava muito distante do Ganges ou dos países que haviam sido
conquistados por Alexandre.474 Mesmo quando se convenceu de que
estava em outra região, ele ainda adulava a si próprio, dizendo que
aqueles países ricos do Oriente não estavam muito longe; e, por isso, em
uma viagem subsequente, foi em busca deles ao longo da costa da
província de Terra Firme e em direção ao Istmo de Darién.475
Em consequência desse erro de Colombo, cravou-se, desde então, o
nome “Índias” a esses países infelizes; e quando se descobriu de forma
clara que as novas Índias eram completamente diferentes das antigas
Índias, passaram a chamar a primeira região de Índias Ocidentais e a
segunda de Índias Orientais.
No entanto, independentemente do que fossem, era importante para
Colombo que os países descobertos por ele pudessem ser apresentados à
coroa espanhola como muito relevantes; mas não havia naquela época
nada que pudesse justificar tal apresentação, pois não se encontraram ali
as verdadeiras riquezas de um país, isto é, seus produtos animais e
vegetais.
O cori, algo entre um rato e um coelho, que o senhor Buffon supõe
ser o preá (Cavia aperea) do Brasil, era o maior vivíparo quadrúpede em
São Domingos. A espécie parece nunca ter sido muito numerosa; e,
segundo dizem, foi quase totalmente exterminada há muito tempo pelos
cães e gatos dos espanhóis, juntamente com outras espécies de tamanhos
ainda menores. Estes animais, no entanto, juntamente com um lagarto
muito grande, conhecido como “ivana” ou iguana, constituía o principal
alimento animal oferecido pelas terras da região.
O alimento vegetal dos habitantes, embora não fosse muito
abundante pela pouca atividade de seus habitantes, também não era de
todo escasso. Os habitantes consumiam milho, inhame, batatas, bananas,
etc.; esses vegetais eram completamente desconhecidos na Europa da
época, e, por isso, não receberam o apreço devido ou considerava-se que
não produziam um sustento igual ao tirado dos tipos comuns de grãos e
legumes cultivados na Europa desde tempos imemoriais.
O algodoeiro fornecia certamente o material de uma manufatura
muito importante, e, naquele tempo, era indubitavelmente considerado
pelos europeus o produto vegetal mais valioso daquelas ilhas. Mas,
embora no final do século XV a musselina e outros produtos do algodão
das Índias Orientais fossem muito apreciados em toda a Europa, não há
relatos de haver manufaturas de algodão em nenhuma parte do
continente. Naquele momento, então, essa produção algodoeira das ilhas
não parecia ser de grande consequência aos olhos dos europeus.
Não encontrando nada nos reinos animal ou vegetal dos países
recentemente descobertos que justificasse uma representação vantajosa
da região, Colombo voltou-se para os minerais; ele acreditava ter
encontrado na riqueza deste terceiro reino uma compensação completa
para a insignificância dos outros dois. Informaram-no de que os
pequenos fragmentos de ouro com os quais os habitantes ornamentavam
suas roupas eram encontrados com frequência nos riachos e torrentes
que vinham das montanhas; isso foi suficiente para Colombo acreditar
que as montanhas estavam repletas de riquíssimas minas de ouro. A ilha
de São Domingos foi, portanto, apresentada como uma região repleta de
ouro e, por esse motivo (de acordo não só com as pressuposições dos
tempos atuais, mas também daqueles tempos), como uma fonte
inesgotável de riqueza real para a coroa e para o reino da Espanha. Após
regressar de sua primeira viagem, Colombo apresentou-se aos soberanos
de Castela e Aragão com uma espécie de honra triunfal, levando consigo
em procissão solene os principais produtos das regiões que ele havia
descoberto. A única parte valiosa eram alguns pequenos filetes, pulseiras
e outros enfeites de ouro, bem como alguns fardos de algodão. Todo o
resto eram meros objetos de admiração comum e curiosidade; alguns
juncos extraordinariamente grandes, algumas aves de linda plumagem e
peles empalhadas dos enormes jacarés do gênero Alligator e de peixes-
boi; os produtos eram precedidos por seis ou sete nativos miseráveis, cuja
cor e aparência singulares complementavam a novidade do espetáculo.
Em consequência das apresentações de Colombo, o Conselho Real de
Castela resolveu tomar posse daqueles países cujos habitantes eram
claramente incapazes de se defender. A injustiça do projeto foi santificada
pelo piedoso propósito de converter ao cristianismo os habitantes da
região descoberta. Mas o único motivo que levou esse Conselho a realizar
o projeto foi a esperança de encontrar ouro; e para dar a esse motivo um
maior peso e seriedade, Colombo propôs entregar à coroa metade de
todo o ouro e prata que fosse encontrado ali. A proposta foi aprovada.
Talvez não fosse muito difícil pagar essa altíssima tributação
enquanto todo o ouro (ou sua maior parte) levado para a Europa pelos
primeiros aventureiros fosse obtido por métodos muito fáceis: a
pilhagem do ouro pertencente a nativos indefesos. Mas, após terem
tomado todo o metal dos nativos — ação que, em São Domingos e em
todos os outros países descobertos por Colombo, foi realizada em seis ou
oito anos — e quando, a fim de encontrar mais metais preciosos, foi
preciso iniciar a abertura de minas, o tributo tornou-se extremamente
oneroso e impossível de ser pago. Assim, dizem que essa tributação
rigorosa provocou o abandono total das minas de São Domingos, as
quais nunca mais foram exploradas. O imposto foi logo sendo reduzido,
primeiro para um terço, depois para um quinto, para um décimo e,
finalmente, para 1/20 do produto bruto das minas de ouro. A tributação
sobre a prata foi mantida em 1/5 do produto bruto por um longo tempo.
Foi reduzida a um décimo somente no curso do século atual. Mas os
primeiros aventureiros não pareciam muito interessados na prata. Nada
menos precioso que o ouro parecia digno de sua atenção.
Após as viagens de Colombo, todos os outros empreendimentos dos
espanhóis no Novo Mundo parecem ter sido impelidos pelo mesmo
motivo. A sagrada sede de ouro levou Ojeda, Nicuesa e Vasco Núñes de
Balboa ao Istmo de Darién (Istmo do Panamá), foi ela que carregou
Cortés para o México e Almagro e Pizarro para o Chile e o Peru.476
Quando esses aventureiros chegavam a uma costa desconhecida, sua
primeira ação era saber se havia ouro ali; de acordo com as informações
que eles recebiam em relação a esse tema específico, eles resolviam se
deixariam o país ou ali se estabeleceriam.
De todos esses empreendimentos caros e incertos que levam à
falência a maior parte das pessoas que neles se envolvem, talvez não
exista nenhum outro tão ruinoso quanto a busca por novas minas de
prata e de ouro. Essa talvez seja a loteria mais desfavorável do mundo, ou
seja, aquela em que o ganho de quem retira o prêmio é menor em
proporção à perda de quem não ganha prêmio algum: pois, embora os
prêmios sejam poucos e as peças sem prêmio muitas, o preço comum
para a compra de um único bilhete é a fortuna total de um homem muito
rico. Os projetos de mineração não conseguem repor o capital
empregado e os lucros ordinários do capital; eles, na verdade, costumam
absorver tanto o capital quanto o lucro.477 Portanto, entre todos os outros
projetos que objetivam aumentar o capital de uma nação, estes seriam
aqueles que um legislador prudente classificaria como última escolha
caso precisasse oferecer quaisquer incentivos extraordinários a certos
empreendimentos, isto é, caso precisasse dirigir a eles uma parcela maior
do capital do que seria espontaneamente investido neles. Tal é, na
realidade, a confiança absurda que quase todas as pessoas têm em relação
à sua própria sorte: que, sempre que um projeto tiver a menor
probabilidade de sucesso, uma parcela muito grande do capital será
espontaneamente direcionada a ele.
Mas embora esses empreendimentos sejam sempre vistos como
extremamente desfavoráveis pela experiência e pela razão sóbria, a cobiça
humana normalmente os enxerga de forma diferente. A mesma paixão
que sugeriu a tantas pessoas a ideia absurda da pedra filosofal sugeriu a
outras a ideia igualmente absurda de minas de ouro e prata imensamente
ricas. Elas esquecem que, em todas as eras e nações, o valor desses metais
origina-se de sua escassez; e que essa escassez existe porque, em todos os
lugares, esses metais foram depositados em pequenas quantidades pela
natureza, porque essas pequenas quantidades costumam estar cercadas
por substâncias duras e intratáveis e, consequentemente, porque é
necessário muito trabalho e despesas para chegar até os metais preciosos
e coletá-los. Acreditam na possibilidade de encontrar veios de ouro e
prata tão grandes e tão abundantes quanto os de chumbo, cobre, estanho
ou ferro. O sonho de Walter Raleigh478 sobre a cidade dourada e o país
do Eldorado prova que nem mesmo os sábios estão isentos dos delírios
mais estranhos. Mais de cem anos após a morte daquele grande homem,
o jesuíta Gumila479 ainda estava convencido da realidade daquele país
maravilhoso e disse com grande fervor — e, atrevo-me a dizer, com
grande sinceridade — que ele ficaria feliz em levar a luz do evangelho a
um povo capaz de recompensar tão bem os trabalhos piedosos de seus
missionários.
Nos primeiros países descobertos pelos espanhóis, não se conhece
atualmente minas de ouro ou prata cuja exploração valha a pena. Os
relatos sobre as quantidades de metais que os primeiros aventureiros
dizem ter encontrado ali são provavelmente exageros, assim como a
fertilidade das minas que foram exploradas imediatamente após as
descobertas. No entanto, os relatos daqueles aventureiros foram
suficientes para inflamar a cobiça de todos os seus compatriotas. Todo
espanhol que navegou até a América tinha a esperança de encontrar o seu
Eldorado. Desta vez, no entanto, a fortuna deixou acontecer algo que
ocorre somente em algumas outras poucas oportunidades. Pois, em certa
medida, realizou as esperanças extravagantes de seus seguidores; e, na
ocasião da descoberta e conquista do México e do Peru (a primeira, cerca
de trinta anos após a expedição de Colombo, e a segunda, após quarenta
anos), presenteou-lhes com uma profusão de metais preciosos muito
semelhante àquela que buscavam.
Um projeto de comércio com as Índias Orientais, portanto, levou à
primeira descoberta das Ocidentais. Um projeto de conquista levou ao
estabelecimento de todos os assentamentos espanhóis naqueles países
recém-descobertos. O motivo que os animou a essa conquista foi um
projeto de exploração de minas de ouro e prata; e, além disso, uma série
de incidentes, que mal poderiam ser previstos pela sabedoria humana,
tornaram esse projeto muito mais bem-sucedido do que seus
empreendedores poderiam esperar com base em fundamentos razoáveis.
Os primeiros aventureiros de outras nações europeias que tentaram
criar assentamentos na América foram estimulados pela mesma quimera,
mas não obtiveram o mesmo sucesso. As minas de prata, ouro ou
diamantes foram descobertas no Brasil somente mais de cem anos após o
estabelecimento do primeiro assentamento. Não foram descobertas
minas nas colônias inglesas, francesas, holandesas e dinamarquesas, pelo
menos nenhuma cuja exploração valesse a pena. Os primeiros colonos
ingleses na América do Norte, no entanto, ofereceram entregar à coroa
1/5 de todo o ouro e prata que ali encontrassem para que lhes fossem
concedidos os direitos de exploração. Assim, os contratos das concessões
de Sir Walter Raleigh, das Companhias de Londres, e de Plymouth, do
Conselho de Plymouth, etc. passaram a reservar esse 1/5 à coroa. À
expectativa de encontrar minas de ouro e prata, os primeiros colonos
juntaram a de descobrir uma passagem às Índias Orientais pelo noroeste.
As duas expectativas se mostraram decepcionantes.
Parte II – Causas da prosperidade das novas
colônias
A colônia de uma nação civilizada que se estabeleça em um país deserto,
ou em um país com uma população tão pequena que os nativos
facilmente aceitem os novos colonos, prossegue mais rapidamente no
caminho da riqueza e da grandeza do que qualquer outra sociedade
humana.
Os colonos levam com eles um conhecimento de agricultura e de
outras técnicas úteis muito superior ao que poderia crescer de modo
espontâneo no curso de muitos séculos nas nações selvagens e bárbaras.
Possuem também o hábito da subordinação, alguma noção de governo
regular que ocorre em seu próprio país, do sistema de leis que o sustenta
e de uma administração regular da justiça; e, além disso, naturalmente
estabelecem algo semelhante no novo assentamento. Mas após o
estabelecimento da lei e do governo nas nações selvagens e bárbaras,
necessário para a sua proteção, o progresso natural do governo e da lei é
ainda mais lento do que o progresso natural das artes e das técnicas. Todo
colono recebe mais terras do que é capaz de cultivar. Ele não paga
arrendamento e quase não há impostos. Não precisa entregar parte de
seu produto a nenhum proprietário de terras e, além disso, a parte devida
à coroa costuma ser insignificante. Ele tem todos os motivos para obter a
maior produção possível, que pertencerá, portanto, quase inteiramente
ao próprio colono. Mas a propriedade costuma ser tão extensa que,
mesmo quando se usa toda a força de trabalho própria e mesmo com
toda a força laboral de pessoas empregadas nas terras, o colono
raramente consegue ser capaz de produzir em sua décima parte. Por esse
motivo ele busca trabalhadores de todos os locais e os recompensa com
salários extremamente generosos. Mas, por causa desses salários
generosos, somados à abundância e ao baixo preço das terras, os
trabalhadores o abandonam para que eles mesmos possam se tornar
proprietários e recompensar outros trabalhadores com igual
generosidade, os quais os deixarão logo pela mesma razão que os levaram
a deixar o primeiro empregador. Os salários generosos do trabalho
incentivam o casamento. Durante os primeiros anos da infância, as
crianças são bem alimentadas e recebem os devidos cuidados; quando
crescem, o valor do trabalho dessas pessoas excede o custo de sua
subsistência. Já na maturidade, o alto preço do trabalho e o baixo preço
da terra permitem-lhes que se estabeleçam da mesma forma que seus
pais.
Em outros países, a renda e o lucro devoram os salários, e as duas
classes superiores da população oprimem a mais baixa. Em novas
colônias, no entanto, os interesses das duas classes superiores as obrigam
a tratar a classe baixa com mais generosidade e humanidade; este não é o
caso quando a classe inferior é constituída por escravos. As terras
incultas e de grande fertilidade natural são compradas por uma ninharia.
O aumento das receitas que o proprietário (que é sempre o
empreendedor) espera obter pela melhoria de suas terras constitui o seu
lucro, que nessas circunstâncias costuma ser muito alto. Mas não haverá
altos lucros sem que outras pessoas sejam empregadas para limpar e
cultivar as terras; mas essa é uma mão de obra que não pode ser obtida
facilmente, por causa da desproporção, comum nas colônias, entre a
grande extensão de terras e o pequeno número de pessoas que nelas pode
trabalhar. O proprietário, desse modo, não discute salários e está disposto
a empregar o trabalhador a qualquer preço. Os altos salários do trabalho
incentivam a população. O baixo preço e a abundância de terras boas
incentivam o aprimoramento e permitem ao proprietário pagar salários
elevados. Nesses salários consiste quase todo o preço da terra; e embora
sejam elevados quando considerados como salário do trabalho, são
baixos quando considerados como o preço de algo tão valioso. Tudo o
que incentiva o aprimoramento e o progresso da população também
incentiva o progresso da riqueza real e da grandeza.480
Do mesmo modo, parece que o progresso de muitas colônias gregas
antigas em direção à riqueza e à grandeza foi muito rápido. No decorrer
de um século ou dois, várias delas parecem ter rivalizado e até mesmo
ultrapassado a metrópole. Siracusa e Agrigento na Sicília, Tarento e
Locros na Itália, Éfeso e Mileto na Ásia Menor, todas parecem ter, no
mínimo, se igualado a qualquer uma das cidades da Grécia Antiga.
Embora tenham sido estabelecidas posteriormente, todas as artes do
refinamento, da filosofia, da poesia e da oratória parecem ter sido
cultivadas e aprimoradas desde cedo e com a mesma intensidade que em
qualquer parte da metrópole. Devemos notar que as escolas de dois dos
mais antigos filósofos gregos, a de Tales e a de Pitágoras, não foram
estabelecidas na Grécia Antiga, mas a primeira em uma colônia asiática, e
a segunda, em uma italiana. Todas essas colônias se estabeleceram em
países habitados por nações selvagens e bárbaras que facilmente cederam
aos novos colonos. As regiões conquistadas eram abundantes em terras
férteis e, por serem completamente independentes da metrópole, podiam
administrar livremente seus próprios assuntos da maneira que julgassem
mais adequada ao seu próprio interesse.
A história das colônias romanas não é, de forma alguma, tão
brilhante. De fato, algumas delas, como Florença, se tornaram grandes
estados no curso de muitas eras e após a queda da metrópole. Mas
nenhuma delas parece ter progredido de forma rápida. Todas as suas
colônias foram estabelecidas em províncias conquistadas que, na maioria
dos casos, haviam sido totalmente habitadas antes. A quantidade de
terras distribuídas aos colonos não costumava ser grande e, como a
colônia não era independente, eles nem sempre podiam administrar
livremente seus próprios assuntos da maneira que julgassem mais
apropriada a seu próprio interesse.
As colônias europeias estabelecidas na América e nas Índias
Ocidentais assemelham-se às da Grécia Antiga (e até as ultrapassam em
muito) pela abundância de terras férteis; e assemelham-se às da Roma
Antiga quanto à dependência em relação à metrópole; mas, por estarem
muito distantes da Europa, os efeitos da dependência são mais ou menos
diminuídos. A posição geográfica das colônias as afastava da visão e do
poder da metrópole. E ao perseguir seus interesses de maneira peculiar,
sua conduta tem sido, em muitas ocasiões, ignorada, pois os europeus a
desconhecem ou não a compreendem; e, em algumas ocasiões, a
metrópole simplesmente a aceita, porque a distância entre a colônia e a
metrópole dificulta a contenção da primeira. Por medo de uma
insurreição generalizada, até mesmo o governo violento e arbitrário da
Espanha tem, em muitas ocasiões, sido forçado a cancelar ou abrandar as
ordens dadas ao governo de suas colônias. O progresso de todas as
colônias europeias em direção a riqueza, população e aprimoramentos
tem sido bastante grande.
A coroa espanhola obteve rendimentos advindos dos tributos da
exploração do ouro e da prata desde o estabelecimento de suas primeiras
colônias. A natureza desses rendimentos incitava a cobiça humana a
manter as mais extravagantes expectativas de encontrar riquezas ainda
maiores. As colônias espanholas, consequentemente, atraíram muito a
atenção de sua metrópole desde o momento em que começaram a ser
estabelecidas, enquanto as colônias das outras nações europeias ficaram
bastante negligenciadas por um longo período. Mas as colônias
espanholas talvez não tenham se tornado mais prósperas em razão dessa
atenção; nem as colônias dos outros países, piores em razão da
negligência. Em proporção à extensão do território que, em alguma
medida, compreendem, as colônias espanholas são consideradas menos
populosas e prósperas do que as de quase todas as outras nações
europeias. Entretanto, o progresso até mesmo das colônias espanholas,
em relação à população e aos aprimoramentos, ocorreu de forma muito
rápida e grande. Ulloa diz que, há cerca de trinta anos, a cidade de Lima,
fundada no período da conquista, possuía 50 mil habitantes. O mesmo
autor diz que Quito, anteriormente apenas uma aldeia miserável habitada
por índios, era, em seu tempo, uma cidade igualmente populosa. Gemelli
Careri,481 alguém que dizem ser um falso viajante, mas que parece ter
sempre escrito com base em informações extremamente boas, diz que a
cidade do México possui 100 mil habitantes; um número que, apesar de
todos os exageros dos escritores espanhóis, é, provavelmente, mais de
cinco vezes maior do que no tempo de Montezuma. Esses números
excedem em muito a população das três maiores cidades das colônias
inglesas, a saber, Boston, Nova York e Filadélfia. Antes da conquista
espanhola não havia gado de carga nem no México nem no Peru. A
lhama era a única besta de carga existente, mas parece que sua força era
bastante inferior à do burro comum. O arado era desconhecido entre
eles. Não conheciam os usos do ferro. Não tinham dinheiro cunhado
nem qualquer outro tipo de instrumento comercial estabelecido. O
comércio era realizado pelo escambo. Uma espécie de pá de madeira era
o seu principal instrumento agrícola. Utilizavam pedras afiadas como
facas e machados para cortar; ossos de peixes e os tendões duros de
certos animais eram usados como agulhas para costurar; e estes parecem
ter sido os seus principais instrumentos de trabalho. Naquele estado de
coisas, parece impossível que qualquer um desses impérios estivesse tão
aprimorado ou bem cultivado como o estão hoje em dia após a
introdução profusa de todos os tipos de gado de origem europeia, do uso
do ferro, do arado e de muitas técnicas da Europa. Mas a população de
cada país deve ser proporcional ao grau de seu progresso e cultivo.
Apesar da cruel destruição dos nativos que se seguiu à conquista, estes
dois grandes impérios são, provavelmente, mais populosos hoje do que
jamais foram; e a população é certamente muito diferente; pois eu
entendo que devemos reconhecer que os espanhóis nascidos na
América482 são em muitos aspectos superiores aos antigos índios que
habitavam aquelas regiões.
Na América, após os assentamentos espanhóis, a colônia portuguesa
no Brasil é a mais antiga a ser estabelecida por uma nação europeia. Mas,
já que a descoberta de minas de ouro e prata ocorreu apenas muito
tempo depois do estabelecimento desta colônia, e já que, por essa razão, a
colônia oferecia pouca ou nenhuma receita para a coroa, ela ficou em
certo grau negligenciada por um longo tempo; durante esse estado, ela
cresceu até se tornar uma grande e poderosa colônia. Enquanto Portugal
estava sob o domínio da Espanha (União Ibérica), o Brasil foi atacado
pelos holandeses, que tomaram posse de sete das quatorze capitanias em
que a colônia estava dividida. Eles esperavam conquistar rapidamente as
outras sete quando Portugal recuperou a sua independência pela
ascensão da casa de Bragança ao trono. Os holandeses, que na época
eram inimigos dos espanhóis, tornaram-se amigos dos portugueses, que
também eram inimigos dos espanhóis. Eles concordaram, portanto, em
deixar para o rei de Portugal a parte do Brasil que ainda não haviam
conquistado; o rei concordou em deixar a parte conquistada com os
holandeses, pois não valia a pena brigar com aliados tão bons por tal
questão. Mas, logo, o governo holandês começou a oprimir os colonos
portugueses, que, em vez de perderem tempo com queixas, armaram-se
contra os seus novos senhores e os expulsaram do Brasil por sua própria
bravura e resolução — com a conivência, de fato, mas sem nenhuma
assistência da metrópole. Os holandeses, portanto, achando impossível
manter a posse de qualquer parte do país para si mesmos, não acharam
de todo mal vê-lo ser totalmente devolvido à coroa de Portugal. Dizem
que nessa colônia há mais de 600 mil pessoas, incluindo portugueses ou
descendentes de portugueses, crioulos, mulatos483 e uma raça mista entre
portugueses e brasileiros. Nenhuma outra colônia americana possui um
número tão grande de pessoas de extração europeia.
No final do século XV e durante grande parte do século XVI,
Espanha e Portugal eram os dois grandes poderes navais do oceano; e,
embora o comércio de Veneza se estendesse a todas as partes da Europa,
as suas frotas de navios mal haviam conseguido ultrapassar as fronteiras
do Mediterrâneo. Os espanhóis, em virtude de seus primeiros
descobrimentos, reivindicavam toda a América para si próprios; e,
embora a Espanha não conseguisse impedir que uma potência naval
como Portugal se estabelecesse no Brasil, o terror causado por ela era
capaz de afugentar da América a maioria das nações europeias. Quando
os franceses tentaram se estabelecer na Flórida, foram todos assassinados
pelos espanhóis. Mas o declínio de seu poderio naval no final do século
XVI — em consequência da derrota ou fracasso daquilo que os espanhóis
chamavam de sua Invencível Armada —, tirou-lhes o poder de obstruir
os assentamentos de outras nações europeias. No decorrer do século
XVII, portanto, os ingleses, franceses, holandeses, dinamarqueses e
suecos, isto é, todas as grandes nações que possuíam portos no oceano,
tentaram estabelecer assentamentos no Novo Mundo.
Os suecos se estabeleceram em Nova Jersey; e o número de famílias
suecas que ainda vivem ali nos prova que esta colônia poderia ter
prosperado se sua metrópole a tivesse protegido. Mas, negligenciada pela
Suécia, foi rapidamente tomada pela colônia holandesa de Nova York,
que, por sua vez, passou a ser domínio inglês em 1674.
Os dinamarqueses tomaram posse de apenas duas pequenas ilhas no
Novo Mundo, a saber, São Tomás e Santa Cruz. Pequenos assentamentos
eram governados por uma companhia que detinha tanto o poder
exclusivo de comprar o produto excedente dos colonos quanto de
fornecer-lhes as mercadorias de outros países de que necessitavam. Desse
modo, a companhia, tanto na compra como na venda, não tinha apenas o
poder para oprimir os colonos, mas era tentada ao máximo a fazê-lo. De
todos os tipos de governo, o pior talvez seja aquele empreendido por uma
companhia monopolista de comerciantes.484 A prática, no entanto, não
foi capaz de deter completamente o progresso dessas colônias, embora o
tenha tornado mais lento e sem vigor. O falecido rei da Dinamarca
dissolveu essa companhia e, desde então, as colônias se tornaram
bastante prósperas.
As colônias holandesas nas Índias Ocidentais, bem como aquelas nas
Índias Orientais, também foram originalmente colocadas sob o governo
de uma companhia monopolista. Assim, embora algumas delas tenham
progredido de forma considerável quando as comparamos com as regiões
que foram colonizadas e povoadas já há muito tempo, o progresso tem
ocorrido de forma vagarosa e apática quando as comparamos com a
maior parte das novas colônias. Ainda que a colônia do Suriname seja
bastante digna de consideração, ainda assim é inferior à maioria das
colônias açucareiras das outras nações europeias. A colônia dos Novos
Países Baixos (Nova Bélgica), agora dividida nas duas províncias de Nova
York e Nova Jersey, provavelmente também logo se tornaria digna de
consideração, mesmo sob o governo dos holandeses. A abundância e o
baixo preço de terras férteis são causas tão poderosas para a prosperidade
de uma região que nem mesmo o pior governo é capaz de destruir
completamente os resultados que delas advêm. A grande distância entre a
colônia e a metrópole também permitiria que seus habitantes
escapassem, por meio do contrabando, do monopólio imposto pela
companhia. Atualmente, a companhia permite que todos os navios
holandeses negociem com o Suriname pelo pagamento de uma licença de
2,5% sobre o valor de sua carga, reservando para si mesma a
exclusividade do comércio direto entre a África e a América, o qual
consiste quase inteiramente no comércio de escravos. O abrandamento
dos privilégios exclusivos da companhia é a provável causa do grau de
prosperidade que essa colônia aprecia no momento. Curaçao e Santo
Eustáquio, as duas principais ilhas pertencentes aos holandeses, são
portos livres abertos aos navios de todas as nações; e essa liberdade, em
meio a colônias muito melhores, mas cujos portos estão abertos apenas
aos navios de uma única nação, tem sido a grande causa da prosperidade
dessas duas ilhas inférteis.
A colônia francesa do Canadá também foi governada por uma
companhia monopolista durante a maior parte do século passado e em
parte do atual. Assim, sob uma administração tão desfavorável, seu
progresso era obrigatoriamente muito lento em comparação ao de outras
novas colônias; mas tornou-se muito mais rápido quando essa
companhia foi dissolvida após o fim de algo que foi chamado de esquema
do Mississippi. Quando os ingleses tomaram posse da região,
encontraram ali quase o dobro do número de habitantes que o padre
Charlevoix485 havia atribuído a ela entre vinte e trinta anos antes. O
jesuíta havia percorrido todo o país e não tinha nenhum motivo para
apresentá-lo de forma menos vantajosa.
A colônia francesa de São Domingos foi fundada por piratas e
flibusteiros que, por um longo tempo, nem exigiam proteção nem
reconheciam a autoridade da França; e quando aqueles bandidos se
tornaram cidadãos e passaram a reconhecer tal autoridade, esta precisou
ser exercida de forma bastante tênue por um longo tempo. Durante esse
período a população e os aprimoramentos da colônia cresceram muito
rapidamente. Mesmo a opressão da companhia monopolista, a que
também esteve sujeita por algum tempo junto com todas as outras
colônias da França, embora tenha certamente retardado o seu progresso,
não foi capaz de detê-lo por completo. Voltou ao curso de sua
prosperidade assim que se liberou da opressão da companhia. A ilha é
atualmente a colônia açucareira mais importante das Índias Ocidentais;
dizem que seu produto é maior do que o de todas as colônias açucareiras
da Inglaterra juntas. As outras colônias açucareiras da França são, em
geral, muito prósperas.
Mas nenhuma outra colônia progrediu de forma tão rápida quanto as
dos ingleses na América do Norte.
A abundância de terras férteis e a liberdade para administrar os seus
próprios negócios de sua própria maneira parecem ser as duas grandes
causas da prosperidade de todas as novas colônias.
Em relação à abundância de terras férteis nas colônias inglesas da
América do Norte: embora estas sejam, sem dúvida, realmente bem
providas, suas terras, entretanto, são inferiores às dos espanhóis e
portugueses, e não eram superiores a algumas daquelas que os franceses
possuíam antes da última guerra. Mas as instituições políticas das
colônias inglesas têm sido mais favoráveis ao aprimoramento e ao cultivo
de suas terras do que as instituições de qualquer uma das outras três
nações.
Em primeiro lugar, embora a ocupação por um único proprietário486
de terras não cultivadas não tenha sido completamente evitada, ela é mais
contida nas colônias inglesas do que em quaisquer outras. Nesse sentido,
há uma lei colonial que obriga todo proprietário a aprimorar e cultivar,
dentro de um tempo limitado, uma certa proporção de suas terras,
declarando que, caso fracasse, as terras negligenciadas podem ser
entregues a outra pessoa; mesmo que a lei não tenha sido executada de
forma rigorosa, ela tem gerado algum efeito.
Em segundo lugar, na Pensilvânia não existe o direito de
primogenitura e, assim, móveis e imóveis são divididos igualmente entre
todos os filhos da família. E, em três províncias da Nova Inglaterra, o
mais velho recebe uma porção dupla de sua parte, como na lei Mosaica.
Embora nessas províncias, portanto, uma quantidade muito grande de
terras possa, por vezes, ser açambarcada por um indivíduo em particular,
é provável que o decurso de uma ou duas gerações seguidas seja
suficiente para que os bens sejam novamente divididos. As demais
colônias inglesas, de fato, mantêm o mesmo direito de primogenitura
existente na Inglaterra. Mas em todas as colônias inglesas a posse de
terras, mantida por free socage,487 facilita a alienação; além disso, o
beneficiário de uma grande parcela de terra geralmente deseja alienar
rapidamente a maior parte dela, reservando para si apenas uma pequena
renda. Nas colônias espanholas e portuguesas, há o mayorazgo488 que
ocorre nas sucessões de todas as grandes propriedades ligadas a títulos de
nobreza. Tais propriedades vão todas a uma só pessoa e são efetivamente
vinculadas e inalienáveis. As colônias francesas, de fato, estão sujeitas aos
costumes de Paris que, em relação à herança, favorecem mais os filhos
mais jovens do que as leis da Inglaterra. Mas, nas colônias francesas,
quando se aliena qualquer parte de uma concessão ligada a títulos mais
nobres, ela fica sujeita por um tempo limitado ao direito de resgate, seja
pelo herdeiro do superior ou pelo herdeiro da família; a posse de todas as
grandes propriedades do país está ligada a títulos de nobreza que,
necessariamente, embaraçam a sua alienação. Em uma nova colônia, no
entanto, uma grande propriedade não cultivada costuma ser dividida
muito mais rapidamente por alienação do que por sucessão. Conforme já
observado, a abundância e o baixo preço de terras férteis são as principais
causas da rápida prosperidade das novas colônias. A ocupação de muitas
terras por uma só pessoa (açambarcamento), na verdade, arruína a
abundância e os preços baixos. A ocupação de muitas terras não
cultivadas por uma só pessoa, além disso, constitui a maior obstrução ao
progresso e ao aprimoramento dessas terras. Mas, para a sociedade, o
trabalho empregado no aprimoramento e no cultivo de terras é o seu
maior e mais valioso produto. O produto do trabalho, nesse caso, além de
pagar os seus próprios salários e os lucros do capital que o emprega,
também paga a renda da terra que utiliza. Desse modo, já que o trabalho
dos colonos ingleses é empregado de forma mais ostensiva para o
aprimoramento e o cultivo de suas terras, esse mesmo trabalho é capaz
de gerar um produto maior e mais valioso do que o das outras três
nações, que, por causa da ocupação de muitas terras por uma única
pessoa, é mais ou menos desviado para outros empregos.
Em terceiro lugar, além de o trabalho dos colonos ingleses gerar um
produto maior e mais valioso, uma maior porção desse produto, em
consequência da moderação de seus tributos, pertence aos próprios
colonos, que podem armazená-la e empregá-la para movimentar uma
quantidade ainda maior de trabalho. Os colonos ingleses não contribuem
para a defesa da metrópole ou para a manutenção de seu governo civil.
Pelo contrário, são defendidos quase inteiramente pela metrópole. Mas os
gastos das armadas e dos exércitos são desproporcionalmente maiores do
que as despesas necessárias para a administração do governo civil.489 Os
gastos da metrópole com o governo civil das colônias sempre foram
muito moderados. Em geral, estavam restritos aos valores necessários
para pagar os salários de seus governadores, juízes e certos oficiais da
polícia, bem como para manter algumas poucas obras públicas
consideradas mais úteis. Antes do começo dos distúrbios atuais, as
despesas do governo civil da Baía de Massachusetts costumavam ser de
aproximadamente 18 mil libras por ano. As de Nova Hampshire e Rhode
Island, 3.500 libras em cada uma. As de Connecticut, 4 mil libras. As de
Nova York e da Pensilvânia, 4.500 libras em cada uma. As despesas de
Nova Jersey, 1.200 libras. As da Virgínia e da Carolina do Sul, 8 mil libras
em cada uma. Os governos civis da Nova Escócia e da Geórgia são
sustentados em parte por uma verba anual do Parlamento. Mas, além
disso, a Nova Escócia paga cerca de 7 mil libras por ano para as despesas
públicas da colônia; e a Geórgia, cerca de 2.500 libras por ano. Em suma,
antes dos atuais distúrbios, todos os diferentes governos civis da América
do Norte — excetuando-se Maryland e a Carolina do Norte, dos quais
não possuo detalhes exatos — não custavam aos habitantes mais de
64.700 libras por ano; um belo exemplo de que 3 milhões de pessoas
podem ser governadas, ou melhor, bem governadas com uma despesa
bastante pequena. De fato, a parte mais importante dos gastos públicos,
isto é, defesa e proteção, sempre esteve a cargo da metrópole. Deve-se
observar que, nas colônias, os cerimoniais do governo civil durante a
recepção de um novo governador, a abertura de uma nova assembleia,
etc., embora fossem bastante decentes, não eram acompanhados de
desfiles caros e excesso de pompa. O governo eclesiástico das colônias é
conduzido de forma igualmente frugal. O dízimo não existe e seu clero,
longe de ser numeroso, é mantido por estipêndios moderados ou por
contribuições voluntárias da população. Espanha e Portugal, pelo
contrário, obtêm alguns recursos dos tributos cobrados de suas colônias.
Já a França, na verdade, nunca obteve nenhuma receita considerável de
suas colônias, pois os tributos cobrados delas costumam ser gastos com
as próprias colônias. Mas o governo colonial dessas três nações é muito
mais caro e costuma estar acompanhado de cerimoniais também muito
mais caros. No Peru, por exemplo, os valores gastos com a recepção de
um novo vice-rei costumam ser gigantescos. Além de constituírem
verdadeiros tributos pagos pelos colonos ricos nessas ocasiões específicas,
essas cerimônias também servem para introduzir entre eles o hábito da
vaidade e dos gastos em todas as outras ocasiões. Não são apenas
impostos ocasionais e pesados, mas contribuem para o estabelecimento
de impostos semelhantes ainda mais pesados, e, além do mais, perpétuos:
os tributos perniciosos sobre o luxo privado e a extravagância. Todas
essas três colônias também possuem um governo eclesiástico
extremamente opressivo. O dízimo é prática comum em todas elas; mas o
tributo é cobrado com rigor máximo nas colônias espanholas e
portuguesas. Ademais, todas elas eram oprimidas por uma raça
numerosa de frades indigentes, cuja mendicância — que, além de
permitida pela religião, é por ela consagrada — constitui um tributo
gravíssimo sobre os pobres, que são diligentemente ensinados a dar
esmolas, sendo um grande pecado recusar-lhes a caridade. Além de tudo
isso, o clero é, em todas as nações, o grupo que mais detém terras em
nome de uma só entidade.
Em quarto lugar, em relação à disposição de seus excedentes, isto é,
dos produtos que excedem o seu próprio consumo, as colônias inglesas
têm sido mais favorecidas, pois possuem um mercado mais extenso do
que os das (colônias) de qualquer outra nação europeia. As nações
europeias tentaram, em maior ou menor grau, monopolizar o comércio
de suas colônias, proibindo, por tal razão, que navios de nações
estrangeiras realizassem qualquer tipo de comércio com elas, proibindo-
as, assim, de importar bens europeus de quaisquer outras nações. Mas
cada nação realiza seu monopólio de maneira diversa.
Algumas nações entregaram todo o comércio de suas colônias para
uma companhia monopolista, de quem os colonos são obrigados a
comprar todos os bens europeus necessários e a quem são obrigados a
vender todo o seu produto excedente. A companhia, assim, tinha
interesse em vender caro aos colonos e, deles, comprar barato, mas nunca
— mesmo a preços baixos — comprar da colônia mais do que sabia ser
possível vender a um preço altíssimo na Europa. Era seu interesse não
somente degradar em todos os casos o valor do produto excedente da
colônia, mas em muitos casos desencorajar e manter baixo o aumento
natural de sua quantidade. De todas as manobras que podem muito bem
ser inventadas para impedir o crescimento natural de uma nova colônia,
a mais efetiva é, sem dúvida, o uso de uma companhia monopolista. E,
mesmo assim, esta é a política utilizada pela Holanda, embora sua
companhia venha abandonando, no decurso do presente século, muitos
aspectos do exercício de seu privilégio exclusivo. A Dinamarca utilizava a
mesma política até o falecimento de seu último rei. Ocasionalmente, essa
política também foi utilizada pela França; e recentemente, desde 1755,
após ter sido abandonada por todas as outras nações, devido ao seu
caráter absurdo, tornou-se a política de Portugal em relação a pelo menos
duas de suas principais províncias brasileiras, Pernambuco e
Maranhão.490
Outras nações, sem estabelecer uma companhia monopolista,
limitaram todo o comércio de suas colônias a um porto específico da
metrópole, de onde somente poderiam partir navios em frota e em uma
estação específica do ano; o navio individual somente poderia navegar a
partir do porto com uma licença especial, que na maioria dos casos era
muito bem paga. Essa política abria, de fato, o comércio das colônias para
todos os nativos da metrópole, desde que negociassem a partir do porto
adequado, na época adequada e com os barcos adequados. Mas já que os
diversos comerciantes reuniam seus capitais para equipar os navios
licenciados, eles acabavam vendo ser de seu interesse comum atuar em
conjunto e, assim, esse tipo de comércio passava a ser necessariamente
conduzido sob princípios muito similares aos do comércio realizado por
uma companhia monopolista. O lucro desses comerciantes era quase tão
exorbitante e opressivo quanto o das companhias. As colônias eram mal
supridas e obrigadas a comprar muito caro e vender muito barato. No
entanto, essa era a política da Espanha ainda há poucos anos; dizem que
o preço de todos os bens europeus era altíssimo nas Índias Ocidentais
espanholas. Ulloa nos informa que, em Quito, uma libra de ferro é
vendida por cerca de 4 ou 6 pence; e uma libra de aço, por cerca de 6 ou 9
pence esterlinos. Mas é principalmente para comprar a mercadoria
europeia que as colônias vendem seu próprio produto. Desse modo,
quanto mais pagam pela primeira, menos ganham com a segunda, e o
preço elevado de uma é a mesma coisa que o baixo preço da outra. Nesse
sentido, a política de Portugal em relação a todas as suas colônias, exceto
Pernambuco e Maranhão, era igual àquela utilizada pela Espanha; em
relação a estas duas últimas colônias, Portugal adotou uma política ainda
pior.
Outras nações deixam o comércio de suas colônias livres a todos os
seus súditos que podem realizá-lo a partir de todos os portos da
metrópole sem a necessidade de nenhuma outra licença senão os
despachos comuns da Casa da Alfândega. Neste caso, por serem muito
numerosos e estarem espalhados pelo país, os comerciantes ficam
impossibilitados de celebrar um acordo geral e a concorrência entre eles é
suficiente para impedi-los de obter lucros exorbitantes. Essa política
liberal permite que as colônias vendam seus próprios produtos e
comprem bens europeus a preços razoáveis. Mas esta foi a política da
Inglaterra desde a dissolução da Companhia de Plymouth, quando as
colônias inglesas ainda estavam em sua infância. Em geral, essa também
foi a política da França; e, de forma uniforme, a tem utilizado desde a
dissolução de sua Companhia do Mississippi. Consequentemente, os
lucros do comércio da França e da Inglaterra com suas colônias não são,
de forma alguma, exorbitantes — mas, obviamente, são um tanto maiores
do que seriam no caso de livre concorrência entre todas as outras nações;
e o preço dos bens europeus, portanto, não é excepcionalmente elevado
na maior parte das colônias de qualquer uma dessas duas nações.
Em relação, também, à exportação de seus próprios excedentes,
apenas alguns produtos das colônias britânicas estão restritos ao
comércio exclusivo com a metrópole. Esses produtos estão listados no
Ato de Navegação e em algumas outras leis posteriores; por isso, são
chamados de mercadorias listadas. As outras mercadorias são chamadas
de não listadas e podem ser exportadas diretamente para outros países,
desde que a exportação ocorra em navios britânicos ou de suas colônias;
os proprietários das embarcações e três quartos dos marinheiros devem
ser súditos britânicos.
Entre as mercadorias não listadas estão alguns dos produtos mais
importantes da América e das Índias Ocidentais: grãos de todos os tipos,
madeira, suprimentos salgados, peixe, açúcar e rum.
Os grãos são naturalmente o primeiro e principal objeto de cultivo de
todas as novas colônias. Ao oferecer-lhes um mercado bastante vasto, a
lei os incentiva a plantar muito mais do que consomem em um país
pouco habitado e, assim, a fornecer de antemão a subsistência para uma
população em constante crescimento.
Em um país completamente coberto por florestas, onde a madeira,
consequentemente, possui pouco ou nenhum valor, o principal obstáculo
para o desenvolvimento são os gastos com a limpeza do terreno. Ao
permitir que as colônias tenham um grande mercado para a sua madeira,
a lei tenta viabilizar o desenvolvimento elevando o preço de uma
mercadoria que de outra forma teria um valor muito baixo e, assim,
permitindo-lhes obter lucro com algo que, não fosse a abertura,
constituiria uma mera despesa.
O gado de um país que não possui nem a metade da população que é
capaz de suportar, nem a metade do cultivo que suas terras podem
desenvolver, se multiplicará naturalmente até atingir uma quantidade que
exceda o consumo de seus habitantes e, por isso mesmo, muitas vezes,
passará a valer pouco ou quase nada. Mas, conforme já demonstramos,
antes que a maior parte das terras de uma região qualquer possa ser
aprimorada, o preço do gado deve necessariamente guardar uma certa
proporção com o preço dos cereais. Ao permitir que todo o gado
americano, morto ou vivo, tenha um mercado mais amplo, a lei busca
elevar o valor de uma mercadoria cujo alto preço é essencial para o
aprimoramento. No entanto, os bons efeitos desta liberdade ficam um
pouco diminuídos pelo estatuto publicado no 4º ano do reinado de Jorge
II (4 George II, c.I, 5) que coloca couros e peles entre as mercadorias
listadas, e assim tende a reduzir o valor do gado americano.
O aumento do poder naval e marítimo da Grã-Bretanha por meio do
aumento dos pesqueiros coloniais é um objeto que o Parlamento
britânico parece nunca ter perdido de vista. Por esse motivo, esses
pesqueiros receberam a integralidade de incentivos que só a liberdade
comercial pode oferecer e, consequentemente, prosperaram. Antes dos
últimos distúrbios, a pesca da Nova Inglaterra, em particular, era, talvez,
uma das mais importantes do mundo. A pesca de baleia, não obstante
seus subsídios exorbitantes, é tão desprezada na Grã-Bretanha que, na
opinião de muitas pessoas (mas que eu, no entanto, não tenho como
garantir), seu produto total não excede muito o valor dos subsídios que
são anualmente pagos para ela; a mesma pesca é realizada na Nova
Inglaterra de forma muito mais ampla e sem a ajuda de quaisquer
subsídios. No comércio que os norte-americanos realizam com a
Espanha, Portugal e o Mediterrâneo, o peixe constitui um de seus
principais artigos.
Originalmente, o açúcar era uma mercadoria listada, podendo, assim,
somente ser exportada para a Grã-Bretanha. Mas em 1731, após uma
petição dos plantadores de cana, permitiu-se que ela fosse exportada para
todo o mundo. Acontece que as restrições impostas sobre essa liberdade,
aliadas ao alto preço do açúcar na Grã-Bretanha, tornaram essa
permissão, em grande parte, ineficaz. A Grã-Bretanha e suas colônias
ainda são quase o único mercado para todo o açúcar produzido nas
plantações britânicas. Seu consumo aumenta de forma tão rápida que,
embora a importação de açúcar tenha aumentado muito nos últimos
vinte anos (em consequência do aprimoramento crescente da Jamaica e
das ilhas cedidas),491 há informações de que a exportação para os países
estrangeiros não é muito maior do que antes. No comércio que os
americanos realizam com a costa da África, o rum é um artigo muito
importante, pois é trocado por escravos negros.
Se todo o excedente produzido na América, a saber, grãos de todos os
tipos, suprimentos salgados e peixes, fossem mercadorias listadas,
forçando sua entrada no mercado da Grã-Bretanha, eles causariam
muitas interferências nos produtos similares do trabalho britânico.
Assim, é muito provável que a metrópole não estivesse levando em
consideração os interesses da América, mas que o motivo para manter
importantes mercadorias fora da lista e proibir a importação de todos os
tipos de grãos — exceto o arroz — e suprimentos salgados para a Grã-
Bretanha tenha sido o ressentimento que a interferência poderia gerar.
Originalmente, as mercadorias não listadas podiam ser exportadas
para todo o mundo. A madeira e o arroz, após se tornarem mercadorias
listadas e, posteriormente, não listadas novamente, ficaram restritas, no
que se refere ao mercado europeu, aos países que se encontram ao sul de
Cabo Finisterra. Pelo Estatuto do 6º ano do reinado de Jorge III, c.52,
todas as mercadorias não listadas foram submetidas a restrição
semelhante. As regiões da Europa que se encontram ao sul do Cabo
Finisterra não são países produtores de manufaturas, e os ingleses, assim,
não temiam que os navios da colônia trouxessem desses países quaisquer
manufaturas que pudessem se confundir com as inglesas.
As mercadorias listadas são de dois tipos: em primeiro lugar,
produtos específicos da América, ou mercadorias que não podem ser
produzidas, ou que, por algum motivo, não são produzidas na metrópole.
Nesse tipo estão incluídos melaços, café, cacau, tabaco, pimentão,
gengibre, barbatana de baleia, seda crua, algodão, pele de castor e outras
pelarias da América, anileira, taiuva492 e outras madeiras corantes; em
segundo lugar, as mercadorias que não são específicas da América, mas
que são e podem ser produzidas pela metrópole, embora não em
quantidades capazes de suprir a maior parte de sua demanda, que é
garantida, principalmente, por países estrangeiros. Nesse tipo estão
incluídos todos os produtos navais, tais como mastros, vergas e gurupés,
alcatrão, piche e terebintina, gusa e barra de ferro, minério de cobre,
couros e peles, potassa e perlasso. Mesmo que a importação de
mercadorias do primeiro tipo fosse grande, ela não poderia nem
desencorajar o crescimento nem interferir na venda dos produtos da
metrópole. Ao confiná-las ao mercado doméstico, esperava-se que os
comerciantes ingleses conseguissem, primeiro, comprá-las a preços mais
baixos nas colônias e, consequentemente, vendê-las na metrópole com
um bom lucro e, segundo, estabelecer um comércio de transporte
vantajoso entre as colônias e os países estrangeiros, dos quais a Grã-
Bretanha seria o centro comercial ou empório, isto é, o país europeu de
entrada daquelas mercadorias. Supunha-se que a importação das
mercadorias do segundo tipo também poderia ser administrada para que
sua entrada não interferisse na venda dos produtos do mesmo tipo
produzidos domesticamente, mas na de produtos importados de outros
países; pois, por meio da tributação adequada, elas poderiam chegar ao
mercado doméstico sempre um pouco mais caras do que as mercadorias
da metrópole, mas mais baratas que as importadas de outros países.
Assim, ao se restringirem aquelas mercadorias para o mercado
doméstico, não se desejava desencorajar o produto da Grã-Bretanha, mas
sim o de alguns países estrangeiros cuja balança comercial, acreditava-se,
era desfavorável à Grã-Bretanha.
A proibição de exportar das colônias para qualquer outro país, exceto
para a Grã-Bretanha, mastros, vergas e gurupés, alcatrão, piche e
terebintina naturalmente exerce influência sobre a diminuição do preço
da madeira nas colônias e, consequentemente, sobre o aumento das
despesas com o desmatamento e a limpeza das terras, o principal
obstáculo para o seu desenvolvimento. Mas, no início do atual século, em
1703, a companhia de alcatrão e piche da Suécia tentou elevar o preço de
seus produtos na Grã-Bretanha ao permitir que esses produtos somente
fossem exportados em seus próprios navios por preços ditados pela
companhia e em quantidades consideradas adequadas para ela. A fim de
contrariar a incrível peça de política mercantil e para tornar-se, na
medida do possível, independente não só da Suécia como também de
todas as outras potências do norte, a Grã-Bretanha passou a oferecer
subsídios para a importação de provisões navais da América; o efeito
desses subsídios foi aumentar o preço da madeira na América muito mais
do que o confinamento da mercadoria ao mercado doméstico era capaz
de reduzi-lo; e como ambos os regulamentos foram promulgados ao
mesmo tempo, seu efeito comum mais incentivou do que desencorajou o
desmatamento e a limpeza das terras americanas.
Embora o gusa e as barras de ferro também fizessem parte das
mercadorias listadas, quando são importadas da América, essas
mercadorias são isentas dos tributos a que estão sujeitas quando
importadas de quaisquer outros países; assim, das duas partes desse
regulamento, a primeira incentiva mais a construção de fornos na
América do que a outra a desencoraja. Não há nenhuma manufatura que
gere um consumo tão grande de madeira como uma fornalha ou que
possa contribuir tanto para o desmatamento de uma região em que há
madeira em abundância.
A tendência que alguns desses regulamentos possuem para elevar o
preço da madeira na América e, assim, incentivar o desmatamento da
terra foi um efeito, talvez, nem desejado nem compreendido pelos
legisladores ingleses. Embora os seus efeitos benéficos tenham sido
acidentais, não foram por esse motivo menos reais.
Em relação às mercadorias listadas e às não listadas, permite-se a
liberdade de comércio mais perfeita entre as colônias britânicas da
América e as Índias Ocidentais. Essas colônias estão agora se tornando
tão povoadas e prósperas que cada uma delas encontra nas outras um
grande e amplo mercado para todos os seus produtos. Todas elas,
tomadas em conjunto, passaram a constituir um grande mercado interno
para os seus próprios produtos.
No entanto, a liberalidade da Inglaterra com o comércio de suas
colônias limita-se principalmente aos seus produtos em estado bruto ou
no que pode ser chamado de primeira etapa da manufatura. Pois os
comerciantes e fabricantes da Grã-Bretanha reservaram as manufaturas
mais avançadas ou mais refinadas, mesmo produzidas nas colônias, para
si mesmos; além disso, persuadiram os legisladores a evitar o
estabelecimento de manufaturas mais refinadas nas colônias, às vezes por
meio de tributos altíssimos e, outras, por proibições absolutas.
Por exemplo, enquanto o açúcar mascavo das colônias britânicas
pagam na importação somente 6 xelins e 4 pence por 100 libras-peso, o
açúcar branco paga 1 libra, 1 xelim e 1 pence, e o açúcar em cone493 e
refinado uma ou duas vezes, 4 libras, 2 xelins, 5,4 pence. Quando esses
altos tributos foram impostos, a Grã-Bretanha era o único mercado — e
ainda é o principal mercado — para o qual o açúcar das colônias
britânicas podia ser exportado. Equivaliam, então, a uma proibição,
primeiro contra o clareamento ou refino do açúcar para qualquer
mercado externo e, atualmente, uma proibição de clareá-lo ou refiná-lo
para qualquer mercado, o que equivale à retirada de mais de 9/10 da
produção total. Assim, embora a manufatura de refino do açúcar tenha
florescido em todas as colônias açucareiras da França, foi pouco cultivada
nas colônias inglesas, exceto para o consumo do próprio mercado
colonial. Enquanto Granada estava sob domínio francês, havia uma
refinaria de açúcar — ou, no mínimo, algum método de clareamento —
em quase todas as plantações da ilha. Depois de passar para o domínio
inglês, quase todos os trabalhos desse tipo foram abandonados;
atualmente, outubro de 1773, me informaram que ainda existem apenas
duas ou três refinarias na ilha. Hoje, entretanto, por uma indulgência da
Casa da Alfândega, o açúcar clareado ou refinado em formato de pó (e
não em cones) pode ser importado como se fosse mascavo.
Ao mesmo tempo que incentiva na América as manufaturas de ferro
gusa e em barra, ao isentá-la dos tributos a que mercadorias similares
estão sujeitas quando importadas de qualquer outro país, a Grã-Bretanha
impõe uma proibição absoluta em relação à construção de altos-fornos e
de oficinas para o corte de chapas de ferro em todas as suas colônias
americanas. Ela não permite que seus colonos tenham manufaturas mais
refinadas, mesmo que seja para consumo próprio, obrigando-os, sempre
que precisarem, a comprar todos os bens manufaturados de comerciantes
e fabricantes britânicos.
A Grã-Bretanha proíbe que uma província exporte a outra — seja por
hidrovias, ou até mesmo por terra, a cavalo ou carreta — chapéus, lãs e
produtos de lã produzidos na América; um regulamento que impede
efetivamente o estabelecimento de manufaturas desses produtos para
mercados distantes, confinando o trabalho de seus colonos àquelas
manufaturas grosseiras e caseiras que toda família produz para o seu
próprio uso ou para alguns de seus vizinhos na mesma província.
No entanto, proibir um grande povo de fazer tudo o que pode ser
feito com seus próprios produtos, ou proibi-lo de empregar seu capital e
trabalho da maneira que julgar mais vantajosa para si, é uma violação
manifesta dos direitos mais sagrados da humanidade. Por mais injustas
que essas proibições possam ser, elas ainda não causaram muitos
prejuízos às colônias. A terra ainda é tão barata e, consequentemente, o
trabalho tão caro entre eles que podem importar da metrópole quase
todas as manufaturas mais refinadas ou mais modernas a preços mais
baixos do que eles mesmos seriam capazes de produzir. Assim, embora
não tenham sido proibidos de estabelecer tais manufaturas, eles, no
estado atual de desenvolvimento em que se encontram, provavelmente
teriam deixado de fazê-lo em respeito ao seu próprio interesse. Em seu
estado atual de desenvolvimento, ainda que essas proibições não causem
danos ao trabalho dos colonos, ou os afastem de qualquer emprego a que
iriam por vontade própria, elas são, na verdade, emblemas impertinentes
da escravidão imposta a eles, sem nenhum verdadeiro motivo, pelo
ressentimento sem fundamento dos comerciantes e manufaturadores da
metrópole. Em um estado mais avançado essas proibições poderiam ser
realmente opressivas e insuportáveis.
Mas, assim como a Grã-Bretanha restringe ao seu próprio mercado
alguns dos produtos mais importantes das colônias, ela também, em
compensação, oferece vantagens a algumas delas nesse mercado, seja pela
imposição de tributos mais elevados aos produtos similares importados
de outros países, seja pela concessão de subsídios aos produtos
importados das colônias. A primeira oferece vantagens, no mercado
doméstico, ao açúcar, tabaco e ferro de suas próprias colônias; a segunda,
à seda crua, cânhamo, linho, anileira, provisões navais e madeira de
construção da colônia. Tanto quanto sei, esta segunda maneira de
incentivar o produto colonial por meio de subsídios à importação é algo
peculiar à Grã-Bretanha. A primeira não. Portugal não se contenta em
impor tributos mais elevados para impedir a importação de tabaco de
outros países, ele a proíbe com sanções mais severas.
No que diz respeito à importação de mercadorias da Europa para suas
colônias, a Inglaterra tem tratado o assunto de forma mais liberal que
qualquer outra nação.
A Grã-Bretanha permite que os tributos pagos na importação de
produtos estrangeiros — quase sempre a metade, geralmente uma parcela
maior e às vezes o valor integral — sejam recuperados (drawback) no
momento da exportação desses produtos a quaisquer países estrangeiros.
É fácil perceber que nenhum país estrangeiro e independente compraria
esses produtos se eles ali chegassem onerados com os pesados tributos
impostos a quase todos os bens estrangeiros importados pela Grã-
Bretanha. Desse modo, o comércio de transporte de mercadorias — um
comércio bastante favorecido pelo sistema mercantil — seria aniquilado
se parte desses tributos não fosse recuperada no momento da exportação.
As colônias inglesas, entretanto, não são países estrangeiros
independentes; e a Grã-Bretanha, tendo assumido o direito exclusivo de
supri-las com todos os bens da Europa, poderia tê-las forçado (da mesma
forma que outros países fizeram com suas colônias) a receber tais bens,
onerados com todos os mesmos tributos já pagos na metrópole. Mas,
pelo contrário, até 1763, a mesma política de recuperação de tributos
praticada em relação às exportações a países independentes também
ocorria em relação à exportação de grande parte dos bens estrangeiros
enviados às nossas colônias. Em 1763, de fato, o decreto do 4º ano do
reinado de Jorge III, c.15, reduziu bastante essa concessão: “exceto em
relação aos vinhos, calicôs brancos e musselinas, não haverá drawback da
taxa conhecida como ‘antigo subsídio’ para quaisquer mercadorias
cultivadas, produzidas ou manufaturadas na Europa ou nas Índias
Orientais, quando exportadas deste reino para qualquer colônia ou
estabelecimento britânicos na América”. Antes dessa lei, muitos bens
estrangeiros eram mais baratos nas colônias do que na metrópole; e
alguns ainda o são.
Devemos observar que os principais consultores da maior parte dos
regulamentos relativos ao comércio colonial são os próprios
comerciantes que o realizam. Não devemos ficar imaginando, portanto,
se, na maior parte dessas leis, os interesses dos comerciantes estão mais
bem representados do que os das colônias ou os da metrópole. Os
interesses das colônias foram sacrificados para dar vez aos interesses
desses comerciantes, pois eles detinham o privilégio exclusivo de suprir
as colônias com todos os bens europeus necessários, e, além disso,
detinham o poder de comprar o produto excedente das colônias,
escolhendo aqueles que não atrapalhassem o comércio que eles próprios
realizavam na Grã-Bretanha. Os interesses da metrópole também foram
sacrificados, mesmo de acordo com as ideias mercantis desses interesses,
no momento em que os regulamentos permitiram a recuperação de
tributos (drawback) sobre a reexportação da maior parte dos bens da
Europa e das Índia Orientais para as colônias, assim como acontecia na
reexportação de produtos para quaisquer países independentes. Aos
comerciantes interessava pagar o mínimo possível pelos bens
estrangeiros que enviavam às colônias e, consequentemente, recuperar o
máximo possível de todos os tributos pagos pela importação dos mesmos
produtos à Grã-Bretanha. Podiam, desse modo, vender a mesma
quantidade de bens nas colônias com um lucro maior ou vender uma
quantidade maior com o mesmo lucro, e, consequentemente, ganhar
mais de um modo ou de outro. Ademais, aos colonos interessava obter
todos esses bens da forma mais barata e na quantidade mais abundante
possível. Mas essas práticas nem sempre estavam alinhadas aos interesses
da metrópole. Ela frequentemente perdia receitas ao devolver uma
grande parte dos tributos que haviam sido pagos sobre a importação das
mercadorias; suas manufaturas também perdiam, pois, como
consequência da facilidade oferecida pelos drawbacks, as manufaturas
estrangeiras chegavam mais baratas às colônias, desvalorizando os
produtos da metrópole. Dizem que o progresso da manufatura de linho
da Grã-Bretanha foi bastante retardado pelo drawback sobre a
reexportação do linho alemão às colônias americanas.
Mas, embora a política da Grã-Bretanha, no que diz respeito ao
comércio com suas colônias, seja ditada pelo mesmo espírito mercantil
das outras nações, essa mesma política, em geral, tem sido menos
antiliberal e opressiva que a empregada pelos outros países.
Em tudo, exceto no comércio exterior, os colonos ingleses têm
liberdade total para administrar seus próprios negócios da maneira que
considerarem mais adequada. Em todos os aspectos, essa liberdade é a
mesma de que gozam seus concidadãos na metrópole e, da mesma forma,
está garantida pela assembleia dos representantes do povo, que possui o
direito exclusivo de impor tributos para sustentar os governos das
colônias. A autoridade dessa assembleia intimida o poder executivo e,
assim, nem mesmo o pior ou o mais detestável colono, contanto que
obedeça a lei, precisa temer o ressentimento do governador ou de
qualquer outro funcionário civil ou oficial militar da província. As
assembleias da colônia, assim como a Câmara dos Comuns na Inglaterra,
embora nem sempre representem o povo de maneira absolutamente
equânime, são o que mais se aproxima desse caráter; e, seja porque o
poder executivo não tem meios para corrompê-las, seja pela falta de
necessidade de corrompê-las por conta do apoio que recebem da
metrópole, elas, em geral, são mais influenciadas pelas inclinações de
seus constituintes. Os conselhos, que, no legislativo da colônia,
correspondem à Câmara dos Lordes na Grã-Bretanha, não são
compostos por uma nobreza hereditária. Em algumas colônias, como
acontece em três governos da Nova Inglaterra, esses conselhos não são
nomeados pelo rei, mas escolhidos pelos representantes do povo. Não
existe nobreza hereditária em nenhuma colônia inglesa. Em todas elas, de
fato, como em todos os outros países livres, o descendente de uma antiga
família colonial é mais respeitado do que um arrivista de igual mérito e
fortuna: mas ele é apenas mais respeitado, nada mais; ele não possui
privilégios que o permitam importunar os seus vizinhos. Antes do início
dos distúrbios atuais, as assembleias coloniais abraçavam o poder
legislativo e parte do executivo. Os governadores de Connecticut e de
Rhode Island eram eleitos por elas. Nas outras colônias, elas nomeavam
os agentes coletores de impostos que cobravam os tributos impostos pelas
respectivas assembleias; esses agentes respondiam diretamente às
assembleias. Assim, há mais equidade entre os colonos ingleses do que
entre os habitantes da metrópole. Tal modo de agir é algo mais
republicano, e, de fato, o governo dessas colônias, particularmente o das
três províncias da Nova Inglaterra, também têm se mostrado mais
republicanos.
Por outro lado, os governos absolutos da Espanha, de Portugal e da
França estabelecem-se em suas colônias; e os poderes discricionários que
esse tipo de governo absoluto costuma delegar a todos os seus oficiais
inferiores são, por causa da grande distância, naturalmente exercidos nas
colônias com violência extraordinária. Em todos os governos absolutistas
há mais liberdade na capital do que em qualquer outra parte do país. O
próprio soberano nunca pode ter qualquer interesse ou inclinação para
subverter a ordem da justiça ou para oprimir a população em geral. Em
maior ou menor grau, sua presença na capital intimida todos os oficiais
inferiores, os quais, nas províncias mais remotas — de onde as queixas
das pessoas têm menor probabilidade de alcançar o rei — podem
exercitar sua tirania com muito mais segurança. Ora, as colônias
europeias da América são mais remotas do que as províncias mais
distantes de qualquer grande império que já tenha existido. O governo
das colônias inglesas talvez seja o único que, desde o início do mundo,
tenha conseguido oferecer segurança absoluta aos habitantes de uma
província tão distante. A administração das colônias francesas, no
entanto, sempre foi conduzida com mais suavidade e moderação do que a
dos espanhóis e portugueses. Essa conduta superior se adequa tanto ao
caráter da nação francesa, e àquilo que forma o caráter de qualquer outra
nação, isto é, a natureza de seu governo que, embora arbitrário e violento
em comparação com o da Grã-Bretanha, é legal e livre em comparação
com os governos da Espanha e de Portugal.
Mas é principalmente no progresso das colônias norte-americanas
que a superioridade da política inglesa fica evidente. O progresso das
colônias açucareiras da França é, no mínimo, igual, ou talvez superior, ao
da maior parte das colônias inglesas; e, ainda assim, as colônias
açucareiras da Inglaterra possuem um governo livre, quase tão igual ao
governo de suas colônias norte-americanas. Porém, as colônias
açucareiras da França, diferentemente do que ocorre com as colônias
inglesas, não são desestimuladas a refinar seu próprio açúcar; e, o que é
de importância ainda maior, o gênio do seu governo naturalmente
introduz uma melhor gestão de seus escravos negros.
Em todas as colônias europeias, o cultivo da cana-de-açúcar é
realizado por escravos negros. Supõe-se que a constituição física das
pessoas nascidas no clima temperado da Europa não seja capaz de
suportar o trabalho de cavar o solo sob o sol ardente das Índias
Ocidentais; e a cultura da cana-de-açúcar, da forma como é atualmente
administrada, baseia-se totalmente no trabalho manual; apesar de muitos
acreditarem que esse cultivo seria bastante beneficiado com a introdução
do arado sulcador. Mas, assim como o lucro e o sucesso do cultivo
realizado com o uso de gado dependem muito da boa administração
desses animais, o lucro e o sucesso do cultivo realizado por escravos
dependem igualmente da boa administração desses escravos; e, conforme
bem reconhecido, os fazendeiros franceses são superiores aos ingleses em
relação à boa gestão de seus escravos. A lei, na medida em que oferece
alguma proteção fraca aos escravos contra a violência de seu dono, é
provavelmente mais bem cumprida em uma colônia sob um governo
muito arbitrário do que em uma colônia cujo governo é totalmente livre.
Em todos os países onde a infeliz lei da escravidão está instituída, sempre
que o magistrado protege o escravo, ele acaba, em certa medida,
interferindo na administração da propriedade privada do dono desse
escravo; mas, em um país livre, onde o dono do escravo talvez seja
membro da Assembleia da Colônia, ou eleitor de tal membro, o
magistrado não se atreve a proteger o escravo senão com muita cautela e
circunspeção. O respeito que este último deve ao proprietário dificulta a
proteção do escravo. Mas quando o governo do país é muito mais
arbitrário, o magistrado costuma intrometer-se na gestão da propriedade
privada dos indivíduos — às vezes, prendendo-os, sem julgamento nem
defesa, quando não administram da forma requerida; nesses países,
portanto, é muito mais fácil oferecer certa proteção ao escravo; além
disso, a sensibilidade humana comum a todos o obriga a fazer isso. A
proteção do magistrado torna o escravo menos desprezível aos olhos de
seu dono, que é assim induzido a considerá-lo com mais respeito e tratá-
lo com mais gentileza. O uso mais gentil torna o escravo mais fiel, mais
inteligente e, consequentemente, duas vezes mais útil. Ele se aproxima
mais da condição de um servo livre, podendo abranger algum grau de
integridade e apego aos interesses de seu dono, virtudes que
frequentemente pertencem a servos livres, mas nunca a um escravo que
seja tratado como são normalmente tratados os escravos em países onde
o dono goza de liberdade e segurança perfeitas.494
A condição de um escravo ser melhor sob um governo arbitrário do
que em um governo livre é, eu acredito, um fato apoiado pela história de
todas as eras e nações. Na história romana, é apenas durante o império
que, pela primeira vez, temos o registro de um magistrado protegendo
um escravo da violência de seu mestre. Quando Védio Polio, na presença
de Augusto, ordena que um de seus escravos, que havia cometido uma
pequena falha, seja cortado em pedaços e jogado em sua lagoa para
alimentar os peixes, o imperador obriga Védio, com indignação, a
emancipar imediatamente não só aquele escravo, mas todos os outros
que lhe pertenciam.495 Durante a república, nenhum magistrado teria
autoridade suficiente para proteger o escravo, muito menos para punir
seu proprietário.
Devemos notar que o capital para o aprimoramento das colônias de
açúcar da França, particularmente o da grande colônia de São Domingos,
foi levantado quase inteiramente do aprimoramento e cultivo gradual
dessas colônias. Esse capital tem sido gerado quase inteiramente pelo
produto do solo e do trabalho dos colonos, ou, o que é a mesma coisa,
pelo preço do produto gradualmente acumulado pela boa gestão e
empregado na criação de um produto ainda maior. Mas o capital para
aprimorar e cultivar as colônias de açúcar da Inglaterra é — grande parte
dele — enviado pela Inglaterra e de forma alguma foi completamente
gerado pelo produto do solo e do trabalho dos colonos. A prosperidade
das colônias de açúcar da Inglaterra se deve, em grande medida, às
grandes riquezas da Inglaterra; pode-se dizer que parte dessa riqueza
transbordou para essas colônias. Mas a prosperidade das colônias de
açúcar da França se deve totalmente à boa conduta de seus colonos que,
portanto, possuem certa superioridade sobre os das colônias inglesas; e
essa superioridade em nada ficou mais patente quanto na boa
administração de seus escravos.
Em linhas gerais, essas são as políticas das várias nações europeias no
que diz respeito a suas colônias.
A política da Europa, portanto, tem muito poucos motivos para se
gabar quanto ao estabelecimento original das colônias americanas ou, no
que diz respeito ao governo interno dessas colônias, quanto à
subsequente prosperidade dessas colônias.
A loucura e a injustiça parecem ter sido os princípios que presidiram
e dirigiram o primeiro projeto de estabelecimento dessas colônias; a
loucura da caça às minas de ouro e prata e a injustiça de cobiçar a posse
de uma região cujos nativos inofensivos, longe de terem lesado em
qualquer momento o povo da Europa, haviam recebido os primeiros
aventureiros com extrema gentileza e hospitalidade.
De fato, os aventureiros que fundaram alguns estabelecimentos mais
recentes reuniram ao projeto quimérico de encontrar minas de ouro e
prata outros mais razoáveis e mais louváveis; mas mesmo esses motivos
pouco honram a política da Europa.
Os puritanos ingleses, sentindo-se presos na Inglaterra, buscaram
liberdade na América e, ali, estabeleceram os quatro governos da Nova
Inglaterra. Os católicos ingleses, tratados com “muito mais” injustiça,
fundaram Maryland; os quakers estabeleceram a Pensilvânia. Os judeus
portugueses foram perseguidos pela Inquisição, destituídos de suas
fortunas e banidos para o Brasil, onde introduziram, pelo seu exemplo,
algum tipo de ordem e trabalho entre os criminosos e as meretrizes que,
originalmente, povoaram aquela colônia, ensinando-lhes, por fim, o
cultivo da cana-de-açúcar. Em todos esses casos, o cultivo e o
povoamento da América não se deram pela sabedoria e política dos
governos europeus, mas por sua desordem e injustiça.
Em relação à criação efetiva de algumas colônias mais importantes, os
governos da Europa tiveram tão pouco mérito quanto ao projetá-las. A
conquista do México não foi planejada pelo Conselho Real da Espanha,
mas por um governador de Cuba; e foi realizada pelo espírito ousado do
aventureiro a quem foi confiada, apesar de tudo o que o governador, após
arrepender-se de ter confiado a conquista àquela pessoa, fez para frustrar
o projeto. Os conquistadores do Chile, do Peru e de quase todos os outros
assentamentos espanhóis no continente americano promoveram seus
projetos sem nenhum outro incentivo público, exceto uma permissão
geral para criar assentamentos e realizar conquistas em nome do rei da
Espanha. Os riscos e as despesas dessas aventuras correram por conta de
seus próprios empreendedores privados. O governo da Espanha mal
contribuiu com qualquer uma delas. O governo inglês também
contribuiu muito pouco para o estabelecimento de algumas de suas
colônias mais importantes na América do Norte.
Quando essas colônias já estavam estabelecidas e suficientemente
grandes a ponto de atrair a atenção da metrópole, esta passa a criar
regulamentos: os primeiros tinham sempre em vista garantir a si mesma
o monopólio do comércio colonial; isto é, limitar o mercado delas e, à
custa das colônias, ampliar o mercado da metrópole; e,
consequentemente, enfraquecer e desencorajar, em vez de acelerar e
promover, a prosperidade. As diferenças mais essenciais das políticas
empregadas pelas nações europeias no que diz respeito às suas colônias
estão nas diferentes formas em que esse monopólio foi exercido. Mesmo
a melhor delas, a utilizada pela Inglaterra, é apenas um pouco mais
generosa e menos opressiva que a forma utilizada pelas outras nações.
De que forma, portanto, a política da Europa contribuiu quer para o
estabelecimento da primeira colônia, quer para a atual grandeza das
colônias da América? De uma — e apenas uma — forma contribuiu
bastante. Magna virum mater!496 Ela criou e formou homens capazes de
produzir ações tão grandiosas e de estabelecer a fundação de um império
tão grande; não há outro lugar no mundo em que a política seja capaz de
formar homens assim, ou que tenha alguma vez realmente e de fato
formado. As colônias devem à política da Europa a educação e a larga
visão de seus fundadores ativos e empreendedores; e algumas das
maiores e mais importantes colônias, na medida em que diz respeito ao
seu governo interno, nada mais devem à política europeia.
CAPÍTULO VIII
CONCLUSÃO SOBRE O SISTEMA MERCANTIL
Embora o incentivo à exportação e o desestímulo à importação sejam as
duas grandes ferramentas com as quais o sistema mercantil propõe
enriquecer os países, ainda assim, no que diz respeito a certas
mercadorias específicas, o sistema parece seguir o plano inverso, isto é,
desestimular a exportação e incentivar a importação. Seu objetivo, no
entanto, segundo supõe o sistema, é sempre o mesmo: enriquecer o país
por meio de uma balança de comércio vantajosa. Visando a oferecer uma
vantagem aos nossos trabalhadores ingleses, permitindo-lhes vender seus
produtos por preços melhores que aqueles praticados por outras nações
em todos os mercados estrangeiros, o sistema mercantil desestimula a
exportação das matérias-primas e dos instrumentos de trabalho; e, assim,
restringindo a exportação de algumas mercadorias mais baratas, propõe
criar exportações muito maiores e mais valiosas de outras mercadorias. O
sistema incentiva a importação de matérias-primas para diminuir os
custos das manufaturas britânicas, evitando, assim, uma maior
importação de produtos manufaturados mais caros. Após pesquisar o
Livro de Estatutos do Reino, não encontrei nenhum incentivo à
importação de instrumentos de trabalho. Quando as manufaturas
atingem um determinado nível de grandeza, a fabricação dos
instrumentos de trabalho transforma-se, ela mesma, em objeto de um
grande número de manufaturas muito importantes. Quaisquer incentivos
especiais para a importação desses instrumentos causariam muita
interferência nos interesses dos fabricantes. Por conseguinte, não há
incentivos para esse tipo de importação, que costuma ser proibido.
Assim, a importação de lã cardada, exceto da Irlanda, ou quando trazida
como despojo de guerra ou de um naufrágio, foi proibida pelo estatuto
publicado no 3º ano do reinado de Eduardo IV;520 a proibição foi
renovada pelo estatuto do 39º ano do reinado de Isabel521 e, em seguida,
foi proibida em perpetuidade por leis subsequentes.522
A importação de matérias-primas para manufaturas tem sido, por
vezes, incentivada pela isenção dos tributos a que outras mercadorias
estão sujeitas, e, outras vezes, por subsídios.
A importação de lã de ovelha de vários países, de algodão de todos os
países, de linho não processado, da maior parte dos corantes, da maior
parte dos couros crus da Irlanda ou das colônias britânicas, das peles de
foca da Groenlândia britânica, de gusa e barra de ferro das colônias
britânicas, assim como a importação de diversas outras matérias-primas,
tem sido incentivada pela isenção de todos os tributos devidos, contanto
que essas mercadorias cheguem de forma correta pela Casa de Alfândega.
É possível que essas isenções, bem como grande parte dos regulamentos
comerciais da Inglaterra, tenham sido extorquidas dos legisladores pelo
interesse privado dos comerciantes e manufaturadores britânicos. No
entanto, são perfeitamente justas e razoáveis e se, de acordo com as
necessidades do Estado, forem estendidas a todas as outras matérias-
primas, a sociedade certamente sairá ganhando.
Ocorre que a cobiça dos grandes manufaturadores britânicos tem, em
alguns casos, estendido essas isenções para muito além do que pode
justamente ser considerado como matéria-prima do trabalho deles. Pelo
estatuto do 24º ano do reinado de Jorge II, c.46,523 um pequeno tributo
de somente um penny por libra-peso foi imposto sobre a importação do
fio de linho marrom estrangeiro, em vez dos tributos muito mais
elevados a que essa mercadoria estava submetida anteriormente, a saber,
6 pence por libra-peso sobre o linho de vela, de 1 xelim por libra-peso
sobre o linho francês e holandês e de 2 libras, 13 xelins e 4 pence sobre o
hundredweight (112 libras)524 do linho russo (ou linho de abeto). Mas os
manufaturadores britânicos não estavam totalmente satisfeitos com essa
redução. Pelo estatuto do 29º ano do mesmo rei, c.15,525 até mesmo esse
pequeno tributo sobre a importação do fio de linho marrom foi retirado
por esse ato, o mesmo que ofereceu subsídio à exportação do linho
britânico e irlandês, cujo preço não excedesse 18 pence a jarda. No
entanto, utiliza-se muito mais trabalho nas diferentes operações que são
necessárias para a preparação dos fios de linho do que na operação
seguinte, isto é, na manufatura do tecido a partir dos fios de linho. Isso
sem contar o trabalho de seus produtores e cardadores, dos pelo menos
três ou quatro fiandeiros que são necessários para manter um tecelão
continuamente empregado; assim, mais de 4/5 de todo o trabalho
necessário para a preparação do tecido de linho são empregados na
preparação dos fios de linho; além disso, os fiandeiros britânicos são
pessoas pobres, normalmente mulheres, espalhadas por todas as regiões
do país, sem nenhum apoio ou proteção. Os grandes manufaturadores
não obtêm seus lucros pela venda de seu trabalho, mas pela venda do
trabalho finalizado dos tecelões. Eles desejam vender caro a manufatura
finalizada e, da mesma forma, desejam comprar a matéria-prima pelo
preço mais baixo possível. Ao extorquir do legislador subsídios para a
exportação de seu próprio linho, a exigência de tributos elevados sobre a
importação de todo linho estrangeiro e uma proibição total do consumo
interno de alguns tipos de linho francês, eles buscam vender suas
mercadorias ao preço mais alto possível. Ao incentivar a importação de
fios de linho estrangeiros e, assim, trazê-los para concorrer com o
produto britânico, eles buscam comprar o trabalho dos fiandeiros pobres
pelo valor mais baixo possível. A intenção deles é manter baixos os
salários de seus próprios tecelões e fiandeiros pobres e, se buscam elevar
o preço do trabalho finalizado ou diminuir o preço das matérias-primas,
em nenhuma hipótese o fazem para beneficiar o trabalhador. Na verdade,
o sistema mercantil incentiva principalmente o trabalho que se realiza
para beneficiar ricos e poderosos. O trabalho realizado para beneficiar
pobres e indigentes costuma ser negligenciado ou oprimido.
Tanto o subsídio à exportação de linho quanto a isenção dos tributos
sobre a importação do linho estrangeiro — que, apesar de terem sido
concedidos por apenas quinze anos, foram mantidos por duas outras
leis526 — deixarão de vigorar no fim da sessão parlamentar que segue,
isto é, após o dia 24 de junho de 1786.
O incentivo dado à importação de matérias-primas por meio de
subsídios foi confinado principalmente aos bens importados das colônias
americanas.
Os primeiros subsídios desse tipo foram aqueles concedidos, no
início do atual século, à importação de produtos navais vindos da
América. Sob essa rubrica estavam incluídos a madeira para mastros,
vergas e gurupés; cânhamo; alcatrão, piche e terebintina. Mas o subsídio
de 1 libra por tonelada de madeira de mastro e o subsídio de 6 libras por
tonelada de cânhamo foram estendidos aos mesmos materiais quando
fossem importados da Escócia para a Inglaterra. Os dois subsídios
continuaram a existir sem nenhuma variação, à mesma taxa, até terem
recebido autorização para que expirassem, separadamente; o subsídio
sobre o cânhamo, no dia 1º de janeiro de 1741 e o da madeira para
mastros, no final da sessão parlamentar, imediatamente após o dia 24 de
junho de 1781.
Os subsídios sobre a importação de alcatrão, piche e terebintina
foram submetidos, durante sua existência, a várias alterações.
Inicialmente, o subsídio do alcatrão era de 4 libras por tonelada;527 o do
piche, igual; e o subsídio sobre a terebintina, de 3 libras por tonelada.
Mais tarde, o subsídio de 4 libras por tonelada de alcatrão ficou restrito a
um tipo de alcatrão preparado de maneira especial; e o subsídio do
alcatrão bom, limpo e comercializável foi reduzido para 2 libras e 4 xelins
por tonelada. O subsídio sobre o piche também foi reduzido para 1 libra;
e o da terebintina, para 1 libra e 10 xelins por tonelada.
Em ordem cronológica, o segundo subsídio sobre a importação de
quaisquer matérias-primas foi aquele concedido pela lei do 21º ano do
reinado de Jorge II, c.30,528 à importação de anileira das colônias
britânicas. Quando a anileira das colônias chegava a 3/4 do preço da
melhor anileira francesa, recebia, por esse ato parlamentar, um subsídio
de 6 pence por libra-peso. Esse subsídio — que, como a maioria dos
outros, havia sido concedido por tempo limitado — recebeu diversas
prorrogações, mas foi reduzido para 4 pence por libra-peso. Ele deixou de
existir ao final da sessão parlamentar que se encerrou em 25 de março de
1781.
O terceiro subsídio desse tipo foi concedido (na época em que a Grã-
Bretanha começava às vezes a cortejar e às vezes a brigar com as colônias
americanas) pelo estatuto do 4º ano do reinado de Jorge III, c.26,529 à
importação do cânhamo ou do linho não processado das colônias
britânicas. Esse subsídio foi concedido por 21 anos, de 24 de junho de
1764 a 24 de junho de 1785, e deveria ser de 8 libras por tonelada nos
primeiros sete anos, 6 libras nos sete anos seguintes e 4 libras nos últimos
sete anos. O subsídio não se estendeu para a Escócia, cujo clima não é
muito adequado para o produto (o cânhamo, no entanto, é plantado
neste país, mas em pouca quantidade e com qualidade inferior). Um
subsídio à importação do linho escocês para a Inglaterra teria
desestimulado os produtos nativos da parte meridional do Reino Unido.
O quarto subsídio desse tipo foi concedido pela lei publicada no 5º
ano do reinado de Jorge III, c.45,530 à importação de madeira da
América. Foi concedido por nove anos, de 1º de janeiro de 1766 até 1º de
janeiro de 1775. Durante os primeiros três anos, o subsídio seria de 1
libra para cada 120 toras de boa qualidade; e de 12 xelins para 50 pés
cúbicos de outras madeiras esquadradas. Durante os três anos seguintes,
as toras teriam o subsídio de 15 xelins e as outras madeiras esquadradas,
de 8 xelins; nos últimos 3 anos, as toras teriam um subsídio de 10 xelins e
as outras madeiras esquadradas, de 5 xelins.
O quinto subsídio desse tipo foi concedido pela lei publicada no 9º
ano do reinado de Jorge III, c.38,531 à importação de seda crua das
colônias britânicas. Foi concedido por 21 anos, de 1º de janeiro de 1770
até 1º de janeiro de 1791. Nos primeiros sete anos, seria de 25 libras para
cada 100 libras-peso; nos sete anos seguintes, 20 libras; e, nos últimos
sete anos, 15 libras. A criação do bicho-da-seda e a preparação da seda
exigem tanto trabalho manual e o trabalho é tão caro na América que
nem mesmo esse grande subsídio, segundo fui informado, foi capaz de
produzir qualquer efeito considerável.
O sexto subsídio desse tipo foi concedido pela lei publicada no 11º
ano do reinado de Jorge III, c.50,532 à importação de pipas, hogsheads e
varas para barril das colônias britânicas.533 Foi concedido por nove anos,
de 1º de janeiro de 1772 até 1º de janeiro de 1781. Para os primeiros três
anos, o subsídio seria de 6 libras para uma determinada quantidade de
cada um deles; para os três anos seguintes, 4 libras; e para os últimos três
anos, 2 libras.
O sétimo e último subsídio desse tipo foi concedido pela lei publicada
no 19º ano de reinado de Jorge III, c.37,534 à importação de cânhamo da
Irlanda. Foi concedido da mesma forma que os subsídios à importação
de cânhamo e de linho não processado da América, por 21 anos — de 24
de junho de 1779 até 24 de junho de 1800. Da mesma forma, o prazo foi
dividido em três períodos de sete anos cada um; e em cada um desses
períodos a taxa dos subsídios aos bens irlandeses é igual à dos bens
vindos da América. Diferentemente do subsídio americano, este não se
estendia à importação do linho não processado. Pois isso desestimularia
muito o cultivo daquela planta na Grã-Bretanha. Quando este último
subsídio foi concedido, os legisladores britânicos e irlandeses não
mantinham um relacionamento melhor do que aquele que,
anteriormente, existia entre legisladores britânicos e americanos. Mas
espera-se que esse benefício à Irlanda tenha sido concedido sob
condições mais afortunadas do que todos aqueles que foram concedidos
à América.
As mesmas mercadorias que recebiam subsídios quando importadas
da América foram submetidas a tributos consideráveis quando
importadas de quaisquer outros países. A metrópole via os interesses das
colônias americanas e os seus como iguais. A riqueza das colônias era
considerada como riqueza da metrópole. Dizia-se que o dinheiro enviado
a elas voltava integralmente para a Grã-Bretanha pela balança comercial e
que as despesas efetuadas com as colônias nunca deixariam a metrópole
nem um centavo mais pobre. As colônias pertenciam à própria metrópole
em todos os aspectos, e as despesas com elas eram efetuadas para o
aprimoramento de nossa propriedade e para o emprego rentável de nosso
povo. Neste momento, me parece ser desnecessário dizer qualquer coisa a
mais para expor a loucura desse sistema quando esta já ficou claramente
exposta pela experiência fatal. Se as colônias americanas tivessem
realmente sido uma parte da Grã-Bretanha, esses subsídios poderiam ter
sido considerados como subsídios à produção e ainda estariam sujeitos a
todas as objeções cabíveis a tais subsídios, mas a nenhuma outra.
A exportação de matéria-prima para manufaturas pode ser
desestimulada por meio de proibições absolutas ou por meio de uma
carga tributária alta.
A categoria de trabalhadores britânicos que mais conseguiu persuadir
os legisladores de que a prosperidade da nação dependia do sucesso e
expansão de seu ramo comercial foi a dos manufaturadores de lã. Além
de terem obtido o monopólio contra os consumidores por meio da
proibição absoluta da importação de tecidos de lã de quaisquer países
estrangeiros, também receberam o monopólio contra os criadores de
carneiros e os cultivadores da lã por meio da proibição similar à
exportação de carneiros vivos e de lãs. A severidade de muitas das leis
que foram promulgadas para garantir a segurança desses rendimentos
recebeu queixas bastante justas, pois a lei impôs penalidades severas
sobre ações que, antes de serem tipificadas como crimes pelo estatuto,
sempre foram consideradas atitudes inocentes. Mas arrisco-me a dizer
que as mais cruéis leis relativas às receitas são suaves e gentis quando
comparadas com as leis que o clamor de nossos comerciantes e
manufaturadores tem extorquido dos legisladores para oferecer apoio aos
seus próprios monopólios, absurdos e arbitrários. Podemos dizer que são
leis como as de Drácon, escritas com sangue.
Pelo ato publicado no 8º ano do reinado de Isabel, c.3,535 em sua
primeira infração, o exportador de ovelhas, cordeiros ou carneiros
perderia, para sempre, todos os seus bens, ficaria preso por um ano e,
depois disso, sua mão esquerda seria cortada em um dia de feira em uma
cidade comercial e ali ficaria pregada; ao infringir a lei uma segunda vez,
seria sentenciado à morte. Parece que o objetivo dessa lei era evitar que a
raça de ovelhas britânicas fosse levada para outros países. O estatuto
publicado no 14º ano do reinado de Carlos II, c.18,536 tipificou a
exportação de lã como crime grave e sujeitou o exportador às mesmas
penalidades e confiscos desse tipo de crime.
Espera-se, para honrar o sentimento de humanidade da nação, que
nenhum desses estatutos sejam jamais cumpridos. Até onde sei, o
primeiro nunca foi diretamente revogado e, assim, William Hawkins537
parece considerá-lo como ainda em vigor. No entanto, talvez devamos
considerá-lo como virtualmente revogado pelo estatuto do 12º ano do
reinado de Carlos II. c.32, s.3,538 que, sem tirar expressamente as sanções
impostas pelos antigos estatutos, impõe uma nova sanção, a saber, uma
multa de 20 xelins para cada ovelha exportada, ou pela tentativa de sua
exportação, juntamente com a perda das ovelhas e da parcela do
proprietário do navio. O estatuto foi expressamente revogado pelo ato
dos anos 7º e 8º do reinado de Guilherme III, c.28, s.4,539 o qual declara
que, “considerando que o estatuto dos anos 13 e 14 do reinado de Carlos
II contra a exportação das lãs, entre outras coisas mencionadas no dito
ato, decreta que aquele ato seja considerado crime grave; considerando
que a severidade da penalidade não tem sido efetivamente aplicada aos
infratores: a autoridade acima declara que a parte da referida lei que
considera aquele crime como grave seja revogada e anulada”.
Ocorre que as sanções impostas por esse estatuto mais ameno — ou
que, embora impostas por estatutos mais antigos, não tenham sido
revogadas por esse estatuto — ainda são bastante severas. Além do
confisco de seus bens, o exportador deve pagar 3 xelins para cada libra-
peso de lã exportada de fato, ou que se tiver tentado exportar, ou seja,
cerca de quatro ou cinco vezes o valor da mercadoria. As pessoas
condenadas por essa infração ficam impedidas de exigir o pagamento de
dívidas ou contas devidas a elas por quaisquer agentes ou outras pessoas.
Independentemente de sua fortuna ser capaz ou não de pagar as pesadas
penalidades impostas ao infrator, o objetivo da lei é arruiná-lo
completamente. Mas, já que a moral da grande população ainda não está
tão corrompida como a dos planejadores desse estatuto, ainda não ouvi
falar sobre nenhuma vantagem que tenha sido obtida dessa cláusula. Se a
pessoa condenada por esse delito não for capaz de pagar as penalidades
no prazo de três meses após o julgamento, deverá ser deportada para
alguma colônia por sete anos e, se retornar antes do vencimento desse
termo, ficará sujeita aos castigos do crime mais grave (pena de morte) e
perde o benefício do clero.540 Se o proprietário do navio for conhecedor
do crime, ele perde o navio e seu mobiliário. Se o capitão e os marujos
forem conhecedores da infração, eles são presos por três meses e perdem
todas as suas mercadorias e bens pessoais. Uma lei posterior aumenta a
prisão do capitão para seis meses.
A fim de evitar a exportação, todo o comércio interno de lã passa a
sofrer restrições muito pesadas e opressivas. A lã não pode ser embalada
em caixas, barris, barricas, malas, baús ou quaisquer outros tipos de
pacote, exceto em embalagens de couro ou de pano, nas quais se marca
no exterior as palavras LÃ ou FIO, em letras grandes, com comprimento
não inferior a 3 polegadas, sob pena de confisco da carga ou do pacote e
o pagamento de 3 xelins por libra-peso, que deverá ser realizado pelo
proprietário ou pelo empacotador. A lã não pode ser carregada por
cavalo ou carroça nem transportada por terra dentro de 5 milhas da
costa, senão entre o nascer e o pôr do sol, sob pena de confisco da carga,
dos cavalos e das carroças. O cantão adjacente à costa do mar, a partir do
qual ou pelo qual a lã é transportada ou exportada, pagará 20 libras se o
valor da lã for menor que 10 libras; e, se o valor for maior que isso,
pagará o triplo do valor, juntamente com o triplo dos custos que serão
exigidos em um ano. O processo correrá contra quaisquer dos habitantes
do local, a quem as sessões de julgamento devem reembolsar pela
cobrança de uma taxa dos outros habitantes, como nos casos de roubo. E,
se qualquer pessoa transigir com o cantão por um valor menor que essa
penalidade, ela deverá ser presa por cinco anos; e qualquer outra pessoa
poderá iniciar o processo. Esses regulamentos valem para todo o Reino.
Mas nos condados de Kent e Sussex, as restrições são ainda mais
preocupantes. Três dias após a tosquia, os proprietários de lã que
estiverem a 10 milhas da costa do mar devem prestar informações por
escrito ao funcionário alfandegário mais próximo, comunicando a
quantidade de lã e o local de seu armazenamento. E, antes de remover
quaisquer quantidades de lã, o proprietário deverá informar a quantidade
e o peso da lã, bem como o nome e o endereço do comprador e o local
para onde se pretende transportá-la. A 15 milhas do mar, nos referidos
condados, ninguém pode comprar nenhuma quantidade de lã sem antes
comprometer-se com a coroa a não vender a lã assim comprada para
alguma outra pessoa que esteja a 15 milhas do mar. Se, nesses condados,
ocorrer o transporte de lã em direção ao mar, exceto quando processado
pela alfândega conforme mencionado anteriormente, a lã será confiscada
e o infrator deverá pagar 3 xelins para cada libra-peso da mercadoria. Se
alguém, a 15 milhas do mar, possuir lã sem o processo alfandegário
anteriormente mencionado, a mercadoria será apreendida e confiscada; e
se, após tal apreensão, a lã for reivindicada por alguém, essa pessoa
deverá garantir ao tesouro que, caso seja condenada, pagará o triplo dos
custos, juntamente com todas as outras penalidades impostas pela lei.
Quando esses tipos de restrições são impostas ao comércio interior,
podemos ter certeza de que a liberdade do comércio costeiro é muito
pequena. O proprietário de lã que transportar ou fizer transportar
qualquer quantidade de lã para qualquer porto ou local da costa, para
que seja transportada por mar para qualquer outro porto ou local da
costa, deverá, primeiro, antes de levar sua carga a uma distância de 5
milhas do porto de embarque, requerer autorização, informando o peso,
as marcas e o número de pacotes que serão transportados, sob pena de
perder a carga e também os cavalos, carroças e outros carros e sob pena
de outros confiscos e penas estipuladas por outras leis em vigor contra a
exportação de lã. No entanto, esta lei (1 William III, c.32) é muito
indulgente ao declarar que “isto não impedirá ninguém de transportar
sua lã do lugar da tosquia para casa, ainda que esteja a 5 milhas do mar,
contanto que, dentro de dez dias a contar da tosquia, e antes de remover a
lã, declare de próprio punho ao funcionário alfandegário mais próximo a
verdadeira quantidade de lã e o local onde a está armazenando e não a
remova sem antes certificar — de próprio punho e com antecedência de
três dias — a esse oficial sua intenção de removê-la”. Deve-se dar garantia
de que a lã a ser transportada pela costa será desembarcada no porto
previamente especificado; e se qualquer parte da carga for desembarcada
sem a presença de um oficial, além do confisco da lã, assim como ocorre
com outros bens, haverá uma penalidade adicional de 3 xelins para cada
libra-peso.
Os manufaturadores ingleses de lã, a fim de justificar a sua demanda
por tais restrições e regulamentos extraordinários afirmavam
confiantemente que a lã inglesa possuía uma qualidade peculiar, superior
à de qualquer outro país; que, sem misturar-se com a lã inglesa, a lã de
outros países não era capaz de ser transformada em manufaturas
adequadas; que não havia possibilidade de produzir tecidos finos sem ela;
diziam ainda que a Inglaterra, consequentemente, poderia monopolizar
quase todo o comércio mundial de lã se a sua exportação fosse proibida;
e, assim, não tendo rivais, poderia vender sua lã ao preço que melhor lhe
aprouvesse e, em um curto espaço de tempo, adquirir o mais incrível
grau de riqueza por meio de uma balança comercial extremamente
favorável. Essa doutrina, assim como a maioria das outras doutrinas que
são confiantemente afirmadas por qualquer grupo considerável de
pessoas, foi, e ainda é, levada a sério por um grupo muito maior; a saber,
por quase todos aqueles que não estão familiarizados com o comércio de
lã ou que não pesquisaram o assunto mais a fundo. Dizer que a lã inglesa
é necessária para a confecção de tecidos finos é algo muito desonesto,
pois, na verdade, a lã é completamente inadequada para tal manufatura.
A manufatura de tecidos finos utiliza somente as lãs espanholas. A lã
inglesa não pode nem mesmo ser misturada com a lã espanhola e entrar
na composição da fábrica do tecido sem, em algum grau, estragá-la e
degradá-la.
Já demonstramos anteriormente (Livro I, capítulo XI) que esses
regulamentos deprimem o preço da lã inglesa, não só a um valor abaixo
daquele que teria hoje de forma natural, mas muito abaixo do valor que
ela realmente tinha na época de Eduardo III. Dizem que o preço da lã
escocesa caiu aproximadamente à metade após a união das coroas inglesa
e escocesa (março, 1603), pois essa lã passou a sujeitar-se aos mesmos
regulamentos. Em seu livro, Memoirs of Wool, o reverendo senhor John
Smith541 observa de forma muito exata e inteligente que, na Inglaterra, o
preço da melhor lã inglesa costuma ser mais baixo do que o preço da lã
de qualidade inferior que é vendida no mercado de Amsterdã. A
finalidade declarada daqueles regulamentos seria deprimir o preço desse
produto a um valor abaixo do que pode ser chamado de seu preço
natural e apropriado; parece não haver nenhuma dúvida de que os
regulamentos produziram os efeitos esperados.
Seria possível imaginar que a redução do preço, ao desencorajar o
cultivo da lã, causaria uma grande redução do produto anual dessa
mercadoria, embora não abaixo do valor anterior, mas abaixo do que, no
estado atual das coisas, provavelmente teria atingido, se, como
consequência de um mercado aberto e livre, tivesse sido permitido que o
preço chegasse a seu valor natural e adequado. No entanto, estou disposto
a acreditar que a quantidade anual do produto não tenha sido muito
afetada pelos regulamentos, embora talvez tenha sido um pouco afetada.
O principal objetivo do criador de ovelhas, ao aplicar seu capital e seu
trabalho, não é a produção de lã. Ele espera obter mais lucro com a
carcaça do animal que com a lã; o preço médio ou ordinário da carcaça
deve, em muitos casos, compensar-lhe quaisquer deficiências que possam
ocorrer ao preço médio ou ordinário da lã. Na parte anterior deste
trabalho (Livro I, capítulo XI) observei que: “Quaisquer regulamentos
que tendam a reduzir o preço da lã ou do couro cru a um valor abaixo do
preço que teriam naturalmente em um país aprimorado e bem cultivado
têm alguma tendência a aumentar o preço da carne. O preço do gado de
grande e pequeno porte que é criado em terras aprimoradas e cultivadas
deve ser suficiente para pagar a renda do dono da terra e o lucro que o
agricultor espera da terra aprimorada e cultivada. Caso isso não aconteça,
o gado deixará de ser alimentado. Portanto, qualquer fração desse preço
que não seja paga pela lã e pelo couro deverá ser paga pela carcaça.
Quanto menos for pago por um, mais será pago pelo outro. A maneira
como esse preço será dividido entre as diferentes partes do animal é
indiferente para os proprietários e os agricultores, desde que tudo seja
pago a eles. Portanto, em um país aprimorado e bem cultivado, seus
interesses como proprietários e agricultores não podem ser muito
afetados por tais regulamentos, embora seus interesses como
consumidores possam ficar bastante afetados pelo aumento do preço dos
alimentos”. De acordo com esse raciocínio, portanto, não é provável que a
degradação do preço da lã cause, em um país desenvolvido e cultivado,
alguma diminuição do produto anual dessa mercadoria, exceto na
medida em que o aumento do preço da carne de carneiro possa diminuir
um pouco a demanda e, consequentemente, a produção daquele
determinado tipo de carne. Mesmo assim, é possível que seu efeito não
seja muito grande.
Mas, embora seu efeito sobre a quantidade do produto anual não seja
muito grande, é possível imaginar que o efeito sobre a qualidade deve ser
necessariamente muito grande. Talvez seja possível supor que a
degradação da qualidade da lã inglesa — que, se já não estiver abaixo de
sua antiga qualidade, está, ao menos, abaixo da qualidade que
naturalmente teria no atual estado de desenvolvimento e cultivo — esteja
muito proporcional à degradação de seu preço. Considerando que a
qualidade depende da raça, do pasto e do trato e da limpeza das ovelhas
durante todo o crescimento da lã, então é natural imaginar que, para se
recompensar o trabalho e as despesas necessários para atender a essas
circunstâncias especiais, esses custos não podem ser proporcionalmente
maiores que o valor atingido pelo velo. Acontece, no entanto, que a
qualidade do velo depende bastante da saúde, do crescimento e do
volume do animal; assim, a mesma atenção que é necessária para o
desenvolvimento da carcaça é, em alguns aspectos, suficiente para a
obtenção de uma lã melhor. Não obstante a degradação do preço, dizem
que a lã inglesa melhorou bastante, mesmo no transcorrer do atual
século. A melhoria talvez tivesse sido maior se o preço também tivesse
sido melhor; embora seu preço baixo possa ter retardado essa melhoria,
certamente não impediu sua ocorrência.
A violência das leis, portanto, parece não ter afetado nem a
quantidade nem a qualidade do produto anual da lã da forma esperada
(embora eu acredite que a violência tenha afetado mais a qualidade que a
quantidade); e, embora os interesses dos produtores de lã possam ter sido
prejudicados, parece que, no geral, foram muito menos prejudicados do
que poderíamos imaginar.
Ocorre que essas considerações não justificam a proibição absoluta da
exportação de lã, mas justificam plenamente a imposição de um imposto
considerável sobre essa exportação.
Pois ferir os interesses de qualquer grupo de cidadãos, mesmo que
minimamente, apenas para promover os de outro grupo é,
evidentemente, contrário à justiça e à igualdade que o soberano deve
entregar a todos os grupos e classes de súditos de seu reino. A proibição,
com o único objetivo de promover os interesses dos manufaturadores,
certamente traz algum grau de prejuízo aos interesses dos produtores de
lã.542
As diferentes classes de cidadãos são obrigadas a contribuir,
oferecendo suporte ao soberano ou à commonwealth. Um imposto de 5
xelins, ou mesmo de 10, sobre a exportação de cada tod (28 libras) de lã
produziria uma receita bastante considerável ao soberano. Além disso, os
interesses dos produtores seriam menos prejudicados do que o são pela
proibição, pois é possível que o imposto não causasse uma redução tão
grande do preço da lã. Garantiria, ainda, uma boa vantagem para o
manufaturador, pois, embora ele não conseguisse comprar sua lã a um
preço tão baixo quanto o impulsionado pela proibição, ele, ainda assim, a
compraria a valores que seriam 5 ou 10 xelins mais baixos do que aqueles
obtidos por qualquer manufaturador estrangeiro e também economizaria
no frete e no seguro, que os estrangeiros seriam obrigados a pagar. É
quase impossível imaginar outro tributo que pudesse produzir receitas
tão boas para o soberano e, ao mesmo tempo, não causar quase nenhum
inconveniente aos outros envolvidos.
A proibição, não obstante todas as sanções que a protegem, não
impede a exportação de lã. É bem sabido que ela é exportada em grandes
quantidades. A diferença entre o preço da lã no mercado externo e no
mercado inglês gera uma grande tentação para o contrabando, incapaz de
ser contida por qualquer rigor legal. Essa exportação ilegal não é
vantajosa para ninguém, senão para o contrabandista. Quando a
exportação legal se sujeita a um imposto, ela proporciona receitas ao
soberano e, assim, evitando a imposição de outro tributo talvez mais
pesado e inconveniente, pode revelar-se mais vantajosa para todos os
diferentes súditos do Estado.
A exportação da argila de branqueamento, supostamente necessária
para a preparação e a limpeza das manufaturas de lã, foi submetida a
quase todas as mesmas penalidades que a exportação de lã. Até mesmo a
argila para cachimbo, o argilito, recebeu as mesmas proibições e
penalidades; embora o argilito seja diferente da argila de branqueamento,
ambos eram muito semelhantes, e a argila de branqueamento era, às
vezes, exportada como argilito.
O estatuto publicado no 14º ano do reinado de Carlos II543 proibiu
não só a exportação de couros crus, mas também de couros curtidos,
exceto em forma de botas, sapatos ou chinelos; e a lei garantiu esse
monopólio aos sapateiros ingleses, não somente contra os pecuaristas
ingleses, mas também contra os seus curtidores. Por estatutos
subsequentes os curtidores ingleses foram isentos desse monopólio pelo
pagamento de um pequeno imposto de apenas 1 xelim por
hundredweight de peso de couro curtido, ou 112 libras. Também
obtiveram o drawback de 2/3 dos impostos de consumo tributados sobre
sua mercadoria, mesmo quando exportados sem terem recebido
aprimoramentos. Todas as manufaturas de couro estão isentas do
imposto sobre a exportação; e, além disso, o exportador tem o direito de
reaver todos os impostos de consumo pelo drawback. Os pecuaristas, no
entanto, continuam sujeitos ao antigo monopólio. Os pecuaristas,
separados uns dos outros e espalhados por todos os diferentes cantos do
país, só conseguem se associar com grande dificuldade, seja para impor
monopólios sobre seus concidadãos, seja para isentar-se daqueles
impostos por outros grupos. Já os manufaturadores de todos os tipos o
conseguem facilmente, pois, em todas as grandes cidades, estão reunidos
em numerosos organismos. Até mesmo os chifres do gado têm sua
exportação proibida; e, assim, esses dois ramos comerciais insignificantes
— dos comerciantes de chifres e dos fabricantes de pentes — desfrutam,
nesse sentido, de um monopólio contra os pecuaristas.
As restrições sobre a exportação de bens parcialmente
manufaturados, sejam elas por meio de proibições ou da tributação, não
são características especiais das manufaturas de couro. Os fabricantes
ingleses acreditam que, enquanto faltar algo a ser feito para que uma
mercadoria possa ser imediatamente utilizada e consumida, eles mesmos
devem realizar esse trabalho. A exportação de fios de lã cardados e
penteados é proibida e está sujeita às mesmas penalidades da exportação
da lã. Até mesmo os tecidos brancos estão sujeitos a um imposto sobre a
exportação e, até o momento, os tintureiros britânicos obtiveram um
monopólio contra os fabricantes de roupas. Os fabricantes britânicos de
roupas provavelmente teriam conseguido se defender contra esse
monopólio, mas acontece que os nossos principais fabricantes de roupas
também são, em sua maioria, tintureiros. Proibiu-se também a
exportação de caixas e mostradores para relógios de parede e de bolso.
Parece que os fabricantes britânicos de relógios de parede e de bolso não
querem que o preço desses acabamentos aumente pela concorrência
estrangeira.
Alguns antigos estatutos de Eduardo III, Henrique VIII e Eduardo VI
proibiram a exportação de todos os metais. Apenas o chumbo e o
estanho foram excetuados, provavelmente por conta da grande
abundância desses metais; naquela época, uma parte considerável do
comércio do Reino consistia na exportação desses metais. Para incentivar
a mineração, o ato publicado no 5º ano do reinado de Guilherme e
Maria, c.17,544 isentou daquela proibição o ferro, o cobre e a pirita de
ferro formada por minérios britânicos. A exportação de todos os tipos de
barras de cobre, estrangeiros ou britânicos, foi posteriormente permitida
pelo ato do 9º ano do reinado de Guilherme III, c.26.545 A exportação de
latão não manufaturado — também conhecido como bronze e utilizado
para armas, sinos e outros — continua proibida. Na exportação, todos os
manufaturados de latão estão isentos de tributos.
Quando a exportação de matérias-primas não é totalmente proibida,
está, em muitos casos, sujeita a uma pesada carga tributária.
O ato publicado no 8º ano do reinado de Jorge I, c.15,546 deixou de
tributar a exportação de todos os bens produzidos ou manufaturados na
Grã-Bretanha que, por força de estatutos anteriores, eram obrigados a
pagar tributos na exportação. Os seguintes bens, no entanto, foram
excetuados: pedra-ume, chumbo, minério de chumbo, estanho, couro
curtido, carvão, sulfato de ferro, cardas de lã, tecidos brancos de lã,
calamina (minério de zinco), todos os tipos de pele, cola, pelo ou lã de
coelho, lã de lebre, pelos de todos os tipos, cavalos e litargírio (óxido de
chumbo). Exceto os cavalos, todos esses bens são matérias-primas,
manufaturas incompletas (isto é, matéria-prima para outras
manufaturas) ou instrumentos de trabalho. Esse estatuto os sujeita a
todos os tributos que já haviam sido impostos a eles, ao “antigo subsídio”
e ao imposto de 1% sobre a exportação.
Pelo mesmo estatuto, um grande número de corantes estrangeiros fica
isento de todos os tributos sobre a importação. Cada um deles,
entretanto, fica, mais tarde, sujeito a um determinado imposto
(certamente não muito alto) sobre a exportação. Parece que, ao mesmo
tempo que os tintureiros britânicos acreditavam que a importação
daquelas tinturas, isentando-as de todos os tributos, seria de seu
interesse, também imaginavam que um pequeno desestímulo à
exportação dessas tinturas seria importante para eles. Entretanto, é
extremamente provável que a cobiça, sugerida por essa notável obra da
engenhosidade mercantil, tenha fracassado em seus objetivos. Com isso,
os importadores aprenderam a ser mais cuidadosos para que suas
importações não excedessem o necessário para suprir o mercado
doméstico. O mercado doméstico ficaria provavelmente suprido de
forma mais escassa; e as mercadorias ficariam um pouco mais caras ali do
que teriam sido se a exportação fosse tão livre quanto a importação.
Pelo estatuto anteriormente mencionado, a goma arábica incluía-se
entre os produtos para tintura listados e, então, estava isenta dos
impostos de importação. Sujeitava-se, certamente, a uma pequena taxa
que se pagava por peso, a saber, 3 pence por hundredweight sobre sua
reexportação. A França detinha, naquele tempo, o comércio exclusivo
com o país que mais produzia a mercadoria, aquele que se encontra
próximo ao Senegal; e não era facilmente possível suprir o mercado
britânico por meio da importação direta da goma de seu local de
produção. O estatuto do 25º ano do reinado de Jorge II,547 portanto,
autorizou a importação da goma arábica (contrariamente às disposições
gerais do Ato de Navegação) de qualquer parte da Europa. No entanto, já
que a lei não desejava incentivar essa espécie de comércio, que era tão
contrária aos princípios gerais da política mercantil da Inglaterra, ela
impôs um tributo de 10 xelins por hundredweight sobre essa importação,
e nenhuma parte desse tributo deveria ser posteriormente restituída em
sua reexportação (drawback). A guerra bem-sucedida que começou em
1755 deu à Grã-Bretanha o mesmo direito de comércio exclusivo com
aqueles países que, anteriormente, tinha sido da França. Assim que a paz
foi estabelecida, nossos manufaturadores se empenharam para tirar
proveito dessa vantagem e para que fosse criado um monopólio em seu
próprio favor, ambos contra os lavradores e contra os importadores dessa
mercadoria. Pelo estatuto do 5º ano do reinado de Jorge III, c.37,548
portanto, a exportação de goma arábica dos domínios de Sua Majestade
na África passou a ser apenas da Grã-Bretanha e foi submetida a todas as
mesmas restrições, aos regulamentos, confiscos e penalidades aplicados
às mercadorias listadas das colônias britânicas na América e nas Índias
Ocidentais. Sua importação, de fato, foi levemente taxada em 6 pence por
hundredweight, mas sua reexportação foi onerada com um enorme
tributo de 1 libra e 10 xelins por hundredweight. Os manufaturadores
britânicos desejavam que o produto total daqueles países fosse importado
para a Grã-Bretanha e, para que eles mesmos pudessem comprá-lo ao
preço que melhor lhes aprouvesse, que nenhuma parte fosse novamente
exportada, a não ser pelo pagamento de despesas que seriam suficientes
para desestimulá-la. No entanto a cobiça, nessa e em muitas outras
ocasiões, fracassou em seus objetivos. A enorme carga tributária tornava
o contrabando bastante tentador; e, assim, grandes quantidades da
mercadoria foram clandestinamente exportadas, provavelmente para
todos os países manufatureiros da Europa, mas particularmente para a
Holanda, não só da Grã-Bretanha, mas também da África. Por esse
motivo, o estatuto do 14º ano do reinado de Jorge III, c.10,549 estabeleceu
que a tributação sobre a exportação do produto seria reduzida para 5
xelins por hundredweight.
O livro de tarifas, de acordo com o qual o antigo subsídio era
cobrado, estimava as peles de castor em 6 xelins e 8 pence550 por peça; os
diferentes subsídios e impostos, que antes de 1722 eram devidos em sua
importação, chegavam a 1/5 desse valor, ou seja, 16 pence por pele; todos
eles, exceto metade do antigo subsídio que chegava apenas a 2 pence,
eram recuperados (drawback) após a exportação. Viu-se que esse tributo
sobre a importação de uma matéria-prima tão importante era muito
elevado, e, em 1722, o valor foi reduzido para 2 xelins e 6 pence,551 o que
reduziu o imposto de importação para 6 pence, e apenas metade disso
seria recuperada após a reexportação (drawback). A mesma guerra bem-
sucedida pôs o país que mais produzia peles de castor sob o domínio da
Grã-Bretanha e, tendo em vista que as peles do castor faziam parte das
mercadorias listadas, sua exportação dos Estados Unidos ficou restrita ao
mercado da Grã-Bretanha. Os manufaturadores britânicos rapidamente
perceberam as vantagens que poderiam tirar das circunstâncias e, em
1764, o tributo sobre a importação da pele de castor foi reduzido a 1
penny, mas o imposto de exportação foi elevado a 7 pence por pele, e foi
retirada a possibilidade de recuperação (drawback) do imposto sobre a
importação. A mesma lei impôs um tributo de 18 pence por libra-peso
sobre a exportação de lãs de castor sem alterar o tributo sobre a
importação desse produto; assim, quando importados por britânicos e
em navios britânicos, chegavam na época a 4 ou 5 pence por peça.
O carvão pode ser tanto considerado como uma matéria-prima
quanto como um instrumento de trabalho. Por isso, sua exportação foi
onerada com pesados tributos, os quais hoje (1783) chegam a mais de 5
ou 6 xelins por tonelada, ou a mais de 15 xelins por caldeirão, a medida
de Newcastle;552 o que, na maioria dos casos, é mais do que o valor
original do produto na mina de carvão, ou mesmo no porto de
transporte para a exportação.
No entanto, a exportação dos instrumentos de trabalho propriamente
ditos não costuma ser restringida por tributos, mas por proibições
absolutas. Desse modo, o estatuto dos 7º e 8º anos do reinado de
Guilherme III, c.20, s.8,553 proibiu a exportação dos caixilhos ou
engenhos para tecer luvas ou meias, sob pena não apenas de confisco dos
caixilhos ou engenhos que tenham sido objeto de exportação ou de
tentativa de exportação, mas também do pagamento de 40 libras, metade
para a coroa e metade para o informante ou autor da ação contra o
exportador. Da mesma forma, o estatuto do 14º ano do reinado de Jorge
III, c.71,554 proíbe a exportação para países estrangeiros de quaisquer
utensílios utilizados na manufatura do algodão, linho, lã e seda, sob pena
de confisco dos utensílios e do pagamento de 200 libras por quem
houvesse cometido o delito; outras 200 libras eram pagas pelo capitão do
navio que, conscientemente, tivesse liberado a entrada dos utensílios em
seu navio.
Se por um lado as penalidades impostas sobre a exportação de
instrumentos inanimados de trabalho eram bastante pesadas, então não
há como se esperar que a exportação de instrumentos vivos, isto é, dos
próprios artífices, fosse permitida. Assim, pelo estatuto do 5º ano do
reinado de Jorge I, c.27,555 a pessoa que for condenada por persuadir
qualquer artífice britânico, ou qualquer um dos manufaturadores da Grã-
Bretanha, a entrar em um país estrangeiro para praticar ou ensinar o seu
ofício será, pela primeira infração, multada em valor que não ultrapasse
100 libras e presa por três meses até o pagamento da multa; e, para a
segunda infração, será multada em qualquer quantia a critério do
tribunal e preso por doze meses até que a multa seja paga. Pelo estatuto
do 23º ano do reinado de Jorge II, c.13,556 a penalidade é aumentada
para, na primeira infração, 500 libras para cada artífice persuadido e para
doze meses de prisão até que a multa seja paga; e, na segunda infração,
para mil libras e dois anos de prisão até que a multa seja paga.
De acordo com o primeiro desses dois estatutos, mediante prova de
que alguém está tentando persuadir um artífice qualquer, ou que
qualquer artífice tenha prometido ou sido contratado para ir a um país
estrangeiro para os fins referidos, esse artífice pode ser obrigado a
oferecer garantias a critério do tribunal de que ele não atravessará o mar
e poderá ser preso até que ofereça tal garantia.
Se algum artífice tiver atravessado o mar e estiver exercitando ou
ensinando seu ofício em um país estrangeiro qualquer, e se, tendo sido
advertido a voltar para o Reino por algum ministro de Sua Majestade, ou
por seus cônsules no exterior, ou por um de seus secretários de Estado,
não retornar no prazo de seis meses após a advertência e passar a habitar
continuamente dentro do território britânico, ele será declarado incapaz
de receber legados destinados a ele dentro do Reino, ou de ser
testamenteiro ou administrador dos bens de qualquer pessoa, ou de
tomar quaisquer terras dentro deste Reino por herança, inventário ou
compra. Além disso, todas as suas terras, patrimônio e bens pessoais são
confiscados pela coroa e ele passa a ser declarado estrangeiro em todos os
aspectos, deixando de estar protegido pelo rei.
Não é necessário, assim imagino, informar quão contrárias essas leis
são à liberdade das pessoas, que dizemos defender com tanta tenacidade,
mas que, nesse caso, foi claramente sacrificada para dar passagem aos
interesses fúteis de nossos comerciantes e manufaturadores.
Há um motivo louvável em todos esses regulamentos, a saber, ampliar
o mercado das manufaturas inglesas, não apenas pelo aperfeiçoamento
delas, mas depreciando as manufaturas de todos os seus vizinhos e
destruindo, tanto quanto possível, a concorrência incômoda daqueles
desagradáveis e odiosos rivais. Os donos de manufaturas imaginam ser
razoável que eles próprios detenham o monopólio da engenhosidade de
todos os seus compatriotas. Embora restrinjam, em algumas profissões, o
número de aprendizes que podem ser empregados ao mesmo tempo e
imponham a necessidade de um longo tempo de aprendizado a todas as
profissões, ainda assim eles se empenham, todos eles, para confinar o
conhecimento de seus respectivos ofícios ao número mais reduzido
possível de pessoas; não estão dispostos, no entanto, a aceitar que
qualquer pessoa desse reduzido grupo saia do país e ensine seu ofício aos
estrangeiros.
O consumo é o único fim e propósito de toda a produção; os
interesses do produtor devem ser atendidos, mas apenas na medida em
que são necessários para promover os interesses do consumidor. Esse
princípio é tão óbvio que seria absurdo tentar prová-lo verdadeiro. Mas,
no sistema mercantil, os interesses do consumidor são quase sempre
sacrificados aos do produtor; além disso, o sistema parece considerar a
própria produção, e não o consumo, como fim e objetivo irrevogável do
trabalho e do comércio.557
Nas restrições sobre a importação de todas as mercadorias
estrangeiras que podem vir a concorrer com os produtos ou manufaturas
britânicos, os interesses dos consumidores domésticos foram
evidentemente sacrificados aos interesse do produtor. É totalmente em
benefício deste último que os primeiros são obrigados a pagar pelo
aumento do preço que o monopólio quase sempre causa.
É totalmente em benefício do produtor que os subsídios são
concedidos para a exportação de alguns produtos. O consumidor
doméstico é obrigado a pagar, em primeiro lugar, o imposto necessário
para custear os subsídios e, em segundo lugar, o imposto ainda maior que
decorre necessariamente do aumento do preço das mercadorias no
mercado doméstico.
Pelo famoso tratado de comércio com Portugal, o consumidor, por
meio de elevados tributos, não pode comprar em um país vizinho uma
mercadoria que não pode ser produzida sob o clima britânico, sendo
obrigado a comprá-la de um país distante, embora, reconhecidamente, a
qualidade do produto do país distante seja inferior àquela do país mais
próximo. O consumidor doméstico é obrigado a submeter-se a essa
inconveniência para que o produtor possa importar para o país distante
alguns de seus produtos em termos mais vantajosos do que poderia em
outro caso. O consumidor, também, fica obrigado a pagar qualquer
aumento no preço desses mesmos produtos que a exportação forçada
provoque no mercado doméstico.
Mas, muito mais do que em todos os demais regulamentos comerciais
da Grã-Bretanha, o sistema legal estabelecido para administrar as
colônias inglesas na América e nas Índias Ocidentais tem sacrificado de
forma exagerada o interesse do consumidor doméstico para beneficiar o
interesse do produtor. Estabeleceu-se um grande império com um único
objetivo: criar uma nação de clientes que são obrigados a comprar das
lojas de nossos diferentes produtores todos os bens que estes podem lhes
oferecer. Em nome desse pequeno aumento de preço que o monopólio é
capaz de oferecer aos produtores britânicos, oneram os consumidores
domésticos com o total das despesas incorridas para a manutenção e a
defesa do império. Para esse propósito, e somente por esse motivo,
gastou-se nas duas últimas guerras mais de 200 milhões de libras e,
também, foi contraída uma nova dívida de mais de 170 milhões sobre o
que já havia sido gasto para o mesmo propósito em guerras anteriores.
Somente os juros dessa dívida já ultrapassam todos os lucros
extraordinários que jamais se poderiam esperar do monopólio do
comércio colonial; ultrapassam também o valor total desse comércio ou o
valor total dos bens que, em média, foram exportados anualmente para
as colônias.
Não é muito difícil determinar quem projetou todo esse sistema
mercantil; não foram os consumidores, podemos crer, cujo interesse foi
totalmente negligenciado, mas os produtores cujos interesses foram tão
cuidadosamente atendidos; e, entre esta última classe, os comerciantes e
manufaturadores britânicos foram, de longe, os seus principais
arquitetos. Nos regulamentos mercantis, que foram apresentados neste
capítulo, vemos que os interesses mais bem atendidos são os dos nossos
manufaturadores; e, a esses interesses, foram sacrificados, não tanto os
interesses dos consumidores, mas os de alguns outros grupos de
produtores.
(O apêndice relativo ao Livro IV está no final do livro.)
CAPÍTULO IX
OS SISTEMAS AGRÍCOLAS, OU AQUELES SISTEMAS DA
ECONOMIA POLÍTICA QUE REPRESENTAM O PRODUTO
DA TERRA COMO FONTE ÚNICA OU PRINCIPAL DO
RENDIMENTO E DA RIQUEZA DOS PAÍSES
Os sistemas agrícolas da economia política não exigem uma explicação
tão longa como a que foi dada ao sistema mercantil ou comercial.
Até onde sei, nenhuma nação jamais adotou o sistema que representa
o produto da terra como a única fonte de rendimentos e de riquezas em
todos os países e, no presente, esse sistema existe apenas nas especulações
de alguns franceses bastante eruditos e engenhosos.558 Certamente não
valeria a pena examinar longamente os erros de um sistema que nunca
causou e que, provavelmente, nunca causará nenhum prejuízo em
nenhum lugar do mundo. Mesmo assim, tentarei explicar da forma mais
clara possível os grandes contornos desse engenhoso sistema.
O senhor Colbert, famoso ministro de Luís XIV, era um homem
probo, muito ativo e detalhista; de grande experiência e exatidão no
exame das contas públicas, e de habilidades, em resumo, totalmente
adequadas para a introdução de método e boa ordem para a arrecadação
e gasto das receitas públicas. Infelizmente, esse ministro havia abraçado
todos os preconceitos do sistema mercantil que, por sua natureza e
essência, é um sistema de restrições e regulamentações que dificilmente
deixaria de agradar a um homem de negócios laborioso e perseverante,
acostumado a impor regulamentos às diversas repartições dos serviços
públicos, bem como a estabelecer os freios e controles necessários para
manter cada uma delas em suas próprias esferas. Ele tentou regulamentar
a indústria e o comércio de um grande país pelo mesmo modelo utilizado
para os departamentos dos serviços públicos; e, em vez de permitir que
cada um cuidasse de seus próprios interesses da maneira que melhor lhe
aprouvesse, com base no plano liberal de igualdade, liberdade e justiça,
ele preferiu conceder privilégios extraordinários a certos ramos da
indústria e, ao mesmo tempo, estabelecer restrições extraordinárias a
outros. Além de estar disposto, como outros ministros europeus, a
incentivar mais a indústria das cidades que a do campo — objetivando
oferecer apoio ao trabalho urbano —, ele estava pronto até mesmo para
deprimir e manter baixos os níveis da produção do campo. A fim de
tornar mais baratos os alimentos para os habitantes das cidades e, assim,
incentivar a manufatura e o comércio exterior, ele proibiu de forma
absoluta a exportação de cereais e, assim, excluiu os moradores do campo
de todos os mercados estrangeiros, onde não poderiam mais vender a
parte mais importante do produto de seu trabalho. Essa proibição —
junto com as restrições impostas pelas antigas leis provinciais da França
sobre o transporte de cereais de uma província para outra, junto também
com os impostos arbitrários e degradantes que são cobrados dos
cultivadores em quase todas as províncias — desestimulou e manteve a
agricultura desse país muito abaixo do nível que teria atingido
naturalmente em um país com solo tão fértil e clima tão propício. Esse
estado de desestímulo e depressão foi sentido em maior ou menor grau
em toda a região rural e, por isso, foram realizadas muitas investigações
para se entenderem as suas causas. Parece que uma das causas desse
estado de coisas é a preferência dada pelas instituições do senhor Colbert
ao trabalho urbano em relação ao rural.559
Quando uma haste é dobrada um tanto para um lado, diz o
provérbio, é preciso dobrá-la o mesmo tanto para o outro lado para que
ela fique reta. Os filósofos franceses, que propuseram um sistema em que
a agricultura é a única fonte de rendimento e de riqueza dos países,
parecem ter adotado esse provérbio como princípio; e, da mesma forma
como o plano do senhor Colbert sobrevaloriza o trabalho urbano em
comparação ao rural, este último também parece estar certamente
subvalorizado em seu sistema.
Eles dividem em três classes os diferentes grupos de pessoas que
podem contribuir de alguma forma com o produto anual da terra e do
trabalho. A primeira é a classe dos proprietários da terra. A segunda é a
classe dos cultivadores, dos fazendeiros e dos trabalhadores rurais, a
quem honram com a alcunha especial de classe produtiva. A terceira é a
classe de artesãos, fabricantes e comerciantes, a quem se esforçam para
degradar, chamando-os pela alcunha humilhante de classe estéril ou
improdutiva.560
A classe dos proprietários contribui para o produto anual por meio de
seus gastos ocasionais com o aprimoramento das terras, dos edifícios, dos
drenos, dos cercamentos e outras melhorias, sejam elas novas ou de
manutenção; os aprimoramentos permitem que os cultivadores, com o
mesmo capital, aumentem seu produto e, consequentemente, paguem
uma maior renda. Esse adiantamento da renda pode ser considerado
como os juros ou lucros devidos ao proprietário por seus gastos ou
capital aplicado para o aprimoramento de suas terras. Nesse sistema,
esses gastos são chamados de despesas fundiárias (dépenses foncières).
Ainda nele, os cultivadores ou fazendeiros contribuem para o
produto anual por meio das despesas originais e anuais (dépenses
primitives e dépenses annuelles) com o cultivo da terra. As despesas
originais compreendem as despesas realizadas com instrumentos
agrícolas, gado, sementes e manutenção da família do fazendeiro, de seus
empregados e de seu gado, durante pelo menos uma grande parte do
primeiro ano em que o agricultor ocupa a terra, ou até que ele receba
algum retorno da terra. As despesas anuais são as despesas realizadas
com sementes, desgaste dos instrumentos agrícolas e manutenção anual
de empregados e animais do fazendeiro, bem como de sua família
também, sempre que algum membro possa ser considerado empregado
da lavoura. A parte do produto da terra que sobra ao fazendeiro após
pagar o valor da renda ao dono da terra deverá ser suficiente para, em
primeiro lugar, repor o valor total de suas despesas originais dentro de
um prazo razoável, ao menos durante o período de sua ocupação,
juntamente com os lucros ordinários do capital e, em segundo lugar,
deverá ser suficiente para, anualmente, repor o total de suas despesas
anuais, também com os lucros ordinários do capital. Esses dois tipos de
despesas são dois tipos de capital que o fazendeiro emprega em seu
cultivo; e, a menos que sejam regularmente restauradas a ele, juntamente
com um lucro razoável, ele não conseguirá manter essas aplicações em
condições de igualdade com outras mais rentáveis; mas, em respeito aos
seus próprios interesses, deverá abandoná-las o mais rapidamente
possível e buscar outras. Portanto, a parte do produto da terra que é
necessária para permitir que o fazendeiro continue em seu negócio deve
ser considerada como um fundo consagrado a cultivo; quando o
proprietário viola esse fundo, necessariamente reduz o produto de sua
própria terra e, em poucos anos, não só impede que o fazendeiro lhe
pague essa renda espoliada, mas o impede de lhe pagar uma renda
razoável. A renda do proprietário não é nada mais que o produto líquido
que resta após terem sido pagas todas as despesas necessárias, que foram
previamente aplicadas para dar origem ao produto bruto ou produto
total.561 Nesse sistema, a classe dos cultivadores recebe a alcunha honrosa
de classe produtiva, porque seu trabalho, além de pagar todas aquelas
despesas necessárias, ainda é capaz de proporcionar esse tipo de produto
líquido. Pela mesma razão, suas despesas originais e anuais são chamadas
nesse sistema de despesas produtivas, pois, além de reporem seu próprio
valor, elas proporcionam a reprodução anual desse produto líquido.
As despesas fundiárias, isto é, aquilo que o proprietário aplica para o
aprimoramento de suas terras, também são chamadas honrosamente de
despesas produtivas.562 Até que toda essa despesa, juntamente com os
lucros ordinários do capital, tenha sido completamente reembolsada a ele
por meio do adiantamento da renda que ele recebe por suas terras, esse
adiantamento deverá ser considerado sagrado e inviolável, tanto pela
Igreja quanto pelo rei, não podendo sujeitar-se nem ao dízimo nem à
tributação. Caso contrário, ao desestimular o aprimoramento das terras,
a Igreja desestimula o futuro aumento de seus próprios dízimos; o rei, o
futuro aumento de seus próprios impostos. Assim, já que, em um estado
bem ordenado de coisas, aquelas despesas fundiárias, além de
reproduzirem seu próprio valor da maneira mais completa, também
geram, após um determinado período, a reprodução de um produto
líquido, então, nesse sistema, também são consideradas despesas
produtivas.
As despesas fundiárias do proprietário da terra, no entanto,
juntamente com as despesas originais e anuais do fazendeiro, são os
únicos três tipos de despesa considerados produtivos de acordo com esse
sistema. Neste, todas as outras despesas e todos os outros grupos de
pessoas, mesmo aqueles que são normalmente considerados pelo
entendimento geral dos homens extremamente produtivos, são
representados como completamente estéreis e improdutivos.
Os artesãos e os manufaturadores, em particular, cujo trabalho, na
visão comum das pessoas, aumenta tanto o valor do produto bruto da
terra, são, nesse sistema, vistos como uma classe de pessoas
completamente estéril e improdutiva. Dizem que o trabalho desse grupo
repõe apenas o capital empregado pelo próprio grupo junto com seus
lucros ordinários. Esse capital consiste na matéria-prima, nas ferramentas
e nos salários adiantados a eles por seu empregador; é o fundo destinado
ao seu emprego e sustento. Os lucros desse capital formam um fundo
destinado ao sustento do empregador. O empregador, ao lhes adiantar o
estoque de matérias-primas, ferramentas e salários necessários para o seu
emprego, adianta para si mesmo o que é necessário para o seu próprio
sustento; sustento que, em geral, é proporcional ao lucro que espera obter
pelo preço do trabalho alheio. A menos que esse preço lhe pague o
sustento que adianta a si mesmo, assim como as matérias-primas,
ferramentas e salários que adianta aos seus trabalhadores, evidentemente
o preço não lhe reembolsa todos os gastos ali aplicados. Os lucros do
capital manufatureiro, consequentemente, não são como a renda da terra,
isto é, não são um produto líquido que remanesce após o reembolso total
dos gastos incorridos para produzi-lo. O capital do fazendeiro lhe rende
um lucro, o mesmo acontece com o capital do dono da manufatura; mas
enquanto o capital do fazendeiro gera uma renda para um terceiro, o
mesmo não acontece com o capital do dono da manufatura. Assim, os
gastos para empregar e sustentar artífices e manufaturadores não fazem
nada além de dar continuidade, por assim dizer, à existência de seu
próprio valor e não produzem nenhum novo valor. E, portanto, são
despesas completamente improdutivas e estéreis.563 Por outro lado, os
gastos para empregar agricultores e trabalhadores rurais, além de darem
continuidade à existência de seu próprio valor, produzem um valor novo,
a saber, a renda do proprietário. São, portanto, uma despesa produtiva.
Assim como o capital manufatureiro, o capital mercantil é igualmente
estéril e improdutivo. Sem produzir novos valores, ele apenas dá
continuidade à existência de seu próprio valor. Seus lucros são apenas o
reembolso do sustento que o empregador do capital adianta para si
mesmo durante o tempo que ele o utiliza, ou até que ele receba os
retornos deste. Seus lucros são apenas o reembolso de uma parte das
despesas que utiliza para aplicar o capital.
O trabalho dos artesãos e manufaturadores nunca acrescenta nada ao
valor total anual do produto bruto da terra. É verdade que esse trabalho
acrescenta muito ao valor de algumas partes específicas dele. Mas o
consumo que, nesse ínterim, faz de outras partes do produto da terra é
precisamente igual ao valor que acrescenta a essas partes específicas; de
modo que, em nenhum momento, o valor total chega a ser minimamente
aumentado por esse trabalho. Por exemplo, a pessoa que produz o
rendado para um par de babados finos para os punhos pode, às vezes,
fazer com que um penny de linho passe a valer 30 libras esterlinas.
Embora pareça à primeira vista que a pessoa está multiplicando o valor
de uma parte da matéria-prima em cerca de 7.200 vezes, ela, na realidade,
não acrescenta nada ao valor da quantidade total de matéria-prima
anualmente produzida. Esse rendado talvez lhe custe dois anos de
trabalho. As 30 libras que recebe pelo trabalho acabado não é mais do
que o reembolso da subsistência que ela adianta para si mesma durante
aqueles dois anos de trabalho. O valor que ela adiciona ao linho a cada
dia, mês ou ano de trabalho apenas repõe o valor de seu próprio
consumo durante aquele dia, mês ou ano. Em nenhum momento,
portanto, essa pessoa adiciona algo ao valor total da matéria-prima
produzida anualmente; a parcela da matéria-prima que ela consome de
forma constante é sempre igual ao valor que produz de forma constante.
A extrema pobreza da maior parte das pessoas empregadas na fabricação
dessa manufatura cara, embora insignificante, é prova suficiente de que,
nos casos comuns, o preço de seu trabalho não ultrapassa o valor de sua
subsistência. O trabalho dos fazendeiros e trabalhadores rurais é bem
diferente. A renda do proprietário é um valor que, nos casos comuns, está
sendo constantemente produzido por esse trabalho, que, além disso,
repõe da forma mais completa o consumo total, isto é, as despesas totais
investidas para empregar e sustentar os trabalhadores e seu empregador.
Artesãos, manufaturadores e comerciantes podem aumentar o
rendimento e a riqueza de sua sociedade apenas por meio da parcimônia;
ou, conforme é dito por este sistema, pela privação, isto é, privando-se de
uma parte dos fundos destinados à sua própria subsistência.564
Anualmente, eles não reproduzem outra coisa senão esses fundos. Assim,
a menos que, anualmente, economizem alguma parte desses fundos, isto
é, a menos que, anualmente, se privem do gozo de alguma parte desses
fundos, seu trabalho nunca será capaz de aumentar minimamente o
rendimento e a riqueza de sua sociedade. Os fazendeiros e os
trabalhadores rurais, pelo contrário, podem desfrutar do valor total dos
fundos destinados à sua própria subsistência e, ao mesmo tempo,
aumentar o rendimento e a riqueza de sua sociedade. Além dos valores
destinados à sua própria subsistência, seu trabalho proporciona
anualmente um produto líquido cujo aumento necessariamente aumenta
o rendimento e a riqueza de sua sociedade. Portanto as nações como a
França ou a Inglaterra, que, em sua maior parte, são formadas por
proprietários e cultivadores, podem enriquecer enquanto trabalham e
desfrutam de seus bens. Por outro lado, nações que, como a Holanda e
Hamburgo, são formadas principalmente por comerciantes, artesãos e
manufaturadores somente poderão enriquecer por meio da parcimônia e
da privação. Da mesma forma que são diferentes os interesses das nações
que se distinguem pelas circunstâncias em que vivem, o mesmo pode-se
dizer sobre o caráter comum das pessoas. No primeiro tipo de nação,
parte desse caráter comum é naturalmente formada pela liberalidade,
pela franqueza e pelo sentimento de grupo. No segundo tipo, o caráter
comum inclui uma certa estreiteza, mesquinhez e uma disposição
egoísta, avessas a todo prazer e fruição sociais.
A classe improdutiva, isto é, a dos comerciantes, artesãos e
manufaturadores é, em sua totalidade, sustentada e empregada à custa de
duas outras classes, a dos proprietários e a dos cultivadores. A classe
produtiva fornece à improdutiva a matéria-prima para o seu trabalho e os
fundos de sua subsistência, com o gado e os cereais que são consumidos
pela classe improdutiva enquanto cuida de seu trabalho. Por fim, os
proprietários e os cultivadores pagam tanto os salários de todos os
trabalhadores da classe improdutiva quanto os lucros de todos os seus
empregadores. Aqueles trabalhadores e seus empregadores podem ser
corretamente chamados de criados dos proprietários e dos cultivadores.
Eles são apenas criados que trabalham fora do recinto doméstico,
enquanto os criados domésticos trabalham dentro. Ambos, no entanto,
são igualmente mantidos à custa dos mesmos patrões. O trabalho de
ambos é igualmente improdutivo. Ele nada acrescenta ao valor total do
produto rude da terra. Em vez de aumentar o valor desse total, o trabalho
deles constitui um encargo e despesas que devem ser pagas pelo produto
da terra.
No entanto, a classe improdutiva não é apenas útil, mas muito útil às
outras duas classes. Por meio da indústria de comerciantes, artesãos e
manufaturadores, os proprietários e cultivadores podem comprar todos
os bens estrangeiros e produtos manufaturados de seu próprio país que
desejarem, com o produto de uma quantidade muito menor de seu
próprio trabalho do que seriam obrigados a utilizar caso resolvessem, eles
próprios e de forma desajeitada e sem nenhuma habilidade, importar os
bens estrangeiros ou manufaturar os produtos domésticos para uso
próprio. Por meio da classe improdutiva, os cultivadores se escusam de
muitos encargos aos quais, de outra forma, seriam obrigados a atender e
os quais os afastariam do cultivo da terra. O aumento da produção que
são capazes de obter como consequência dessa atenção exclusiva é
plenamente suficiente para pagar todas as despesas que o sustento e o
emprego da classe improdutiva custam, tanto aos proprietários quanto a
eles próprios. Embora o trabalho dos comerciantes, artesãos e
manufaturadores seja improdutivo por sua própria natureza, ainda assim
ele contribui de forma indireta para o aumento do produto da terra;
aumenta a capacidade produtiva do trabalho produtivo, deixando-o livre
para dedicar-se única e exclusivamente ao seu emprego, isto é, o cultivo
da terra; assim, arar a terra costuma ser mais fácil e melhor por meio do
trabalho daqueles cujos negócios estão muito distantes do trabalho
agrícola.
Não interessa aos proprietários e cultivadores limitar ou desestimular
em nenhum aspecto o trabalho de comerciantes, artesãos e
manufaturadores. Quanto maior for a liberdade desfrutada pela classe
improdutiva, maior será a concorrência em todos os diferentes negócios
que a compõem, e mais baratas ficarão as mercadorias de bens
estrangeiros e de produtos domésticos manufaturados para as outras
duas classes.
Não interessa à classe improdutiva oprimir as duas outras classes. O
que sustenta e emprega a classe improdutiva é o produto excedente da
terra, ou seja, o produto restante após deduzir-se dele o sustento dos
cultivadores e, em seguida, o dos proprietários. Quanto maior for o
excedente, maior será o sustento e o emprego da classe improdutiva. O
estabelecimento da justiça, da liberdade e da igualdade perfeitas é o
segredo mais simples que, de forma mais efetiva, assegura o grau mais
elevado de prosperidade a todas as três classes.
Os comerciantes, artesãos e manufaturadores dos estados mercantis,
como a Holanda e Hamburgo, que se compõem principalmente dessa
classe improdutiva, são, da mesma forma, sustentados e empregados à
custa dos proprietários de terras e dos cultivadores. A única diferença é
que a maior parte desses proprietários e cultivadores está a uma distância
extremamente inconveniente dos comerciantes, artesãos e
manufaturadores a quem fornecem os materiais de seu trabalho e os
fundos de sua subsistência, a saber, os habitantes de outros países e
súditos de outros governos.
Esses estados mercantis, entretanto, são não somente, mas
extremamente, úteis aos habitantes daqueles outros países. Eles
preenchem, em certa medida, um vazio muito importante, substituem os
comerciantes, artesãos e manufaturadores que os habitantes desses países
deveriam encontrar em solo nacional, mas que, por algum defeito em sua
política, não os encontram lá.565
Não interessa àquelas nações fundiárias, se é que posso chamá-las
assim, desestimular ou afligir a indústria desses estados mercantis
impondo tributos elevados ao seu comércio ou às mercadorias fornecidas
por ela. Esses tributos encareceriam as mercadorias e, assim, serviriam
apenas para derrubar o valor real do produto excedente de sua própria
terra, com o qual — ou, o que é a mesma coisa, com o preço do qual —
aquelas mercadorias são compradas. Esses tributos serviriam apenas para
desestimular o aumento do produto excedente e, consequentemente, a
melhoria e o cultivo de suas próprias terras. O expediente mais eficaz,
pelo contrário, para elevar o valor do produto excedente, para incentivar
o seu crescimento e, consequentemente, a melhoria e o cultivo de sua
própria terra seria permitir a mais perfeita liberdade ao comércio de
todas as nações mercantis.
Essa liberdade perfeita de comércio seria até mesmo o expediente
mais eficaz para oferecer, no tempo devido, às nações fundiárias todos os
artesãos, manufaturadores e comerciantes de que necessitam em seu
território e, assim, preencher, de maneira apropriada e vantajosa, esse
grave vazio.
O crescimento contínuo do produto excedente de suas terras criaria,
no momento oportuno, um capital maior do que aquele que poderia ser
aplicado, com a taxa ordinária de lucros, no aprimoramento e no cultivo
da terra; e a parcela excedente dele seria naturalmente utilizado para
empregar artífices e manufaturadores no país. Mas aqueles artesãos e
manufaturadores, ao encontrarem no próprio país a matéria-prima de
seu trabalho e os fundos de sua subsistência, poderiam imediatamente,
mesmo com muito menos competência, trabalhar a preços tão baixos
quanto os artesãos e manufaturadores dos Estados mercantis que
precisavam trazer matéria-prima e sustento de lugares distantes. Mesmo
que, por serem pouco competentes, não conseguissem trabalhar a preços
tão baixos por algum tempo, ao encontrar um mercado no próprio país,
poderiam vender seus produtos por preços tão baixos quanto os
praticados pelos artesãos e manufaturadores dos Estados mercantis, que
só poderiam chegar ali após cruzarem grandes distâncias; e, conforme
sua arte e habilidade progredissem, eles logo seriam capazes de vendê-los
mais baratos. Desse modo, os artesãos e manufaturadores dos Estados
mercantis seriam imediatamente rivalizados no mercado daquelas nações
fundiárias e, em seguida, seus produtos se tornariam mais caros e seriam
empurrados para fora do mercado. O baixo preço das manufaturas
daquelas nações fundiárias, como consequência das melhorias graduais
da competência e da habilidade de seus artesãos e manufaturadores, as
levariam, no tempo devido, a ampliar os limites de seu mercado
doméstico, levando-o a muitos mercados estrangeiros, de onde
gradualmente, da mesma forma, excluiriam daqueles mercados muitas
manufaturas das nações mercantis.
Esse aumento contínuo da matéria-prima e do produto manufaturado
das nações fundiárias ou agrícolas criaria, em seu devido tempo, um
capital maior do que aquele que, com a taxa ordinária de lucro, poderia
ser empregado tanto na agricultura quanto na manufatura.566 O
excedente desse capital fluiria naturalmente ao comércio exterior e seria
aplicado para exportar a parcela da matéria-prima e das manufaturas de
seu próprio país que ultrapassasse a demanda de seu mercado interno.
Na exportação do produto de seu próprio país, os comerciantes de uma
nação fundiária teriam sobre as nações mercantis as mesmas vantagens
que seus artesãos e manufaturadores tiveram em relação aos artesãos e
manufaturadores das nações mercantis, a saber, a vantagem de encontrar
em seu próprio território a carga, os suprimentos e as provisões que os
outros foram obrigados a procurar em locais distantes. Assim, mesmo
com arte e habilidade inferiores na navegação, conseguiriam vender sua
carga nos mercados externos a preços tão baixos quanto os comerciantes
das nações mercantis; e, chegando à mesma competência, seriam capazes
de vendê-la a preços mais baixos. Em pouco tempo, passariam a competir
com nações mercantis no comércio externo de seus produtos e, em seu
devido tempo, as excluiriam totalmente de tal comércio.
De acordo com esse sistema liberal e generoso, portanto, o método
mais vantajoso para que uma nação fundiária possa gerar seus próprios
artesãos, manufaturadores e comerciantes é por meio da concessão da
mais perfeita liberdade de comércio para os artesãos, manufaturadores e
comerciantes de todas as outras nações. Aumenta, desse modo, o valor do
produto excedente de sua própria terra, cujo crescimento contínuo
estabelece gradualmente um fundo que, no devido tempo, dará origem a
todos os artesãos, manufaturadores e comerciantes necessários no país.
Por outro lado, quando uma nação fundiária oprime o comércio das
nações estrangeiras por meio de tributos ou por proibições, ela
necessariamente fere seus próprios interesses de duas formas: em
primeiro lugar, ao aumentar o preço de todos os bens estrangeiros e de
todos os tipos de manufatura, essa nação, necessariamente, derruba o
valor real do produto excedente de sua própria terra com o qual compra
ou, o que dá no mesmo, com o preço do qual compra os bens
estrangeiros e as manufaturas. Em segundo lugar, ao entregar uma
espécie de monopólio de seu mercado doméstico aos seus próprios
comerciantes, artesãos e manufaturadores, o país eleva a taxa de lucro
mercantil e manufatureiro em relação ao lucro agrícola e,
consequentemente, retira da agricultura uma parcela do capital que havia
sido aplicada nela, ou impede que uma parcela do capital que seria
aplicada nela o seja. Essa política, portanto, desencoraja a agricultura de
duas maneiras diferentes: primeiro, baixando o valor real de seu produto
e, assim, reduzindo a taxa de seu lucro; e, em segundo lugar, elevando a
taxa de lucro de todos os outros empregos. Enquanto a agricultura passa
a ser menos vantajosa, o comércio e a manufatura se tornam mais
vantajosos do que seriam; e, assim, por seu próprio interesse, todas as
pessoas ficam tentadas a migrar seu capital e trabalho do primeiro
emprego para aqueles outros dois.
Embora uma nação fundiária seja capaz de gerar artesãos,
manufaturadores e comerciantes próprios por meio dessa política
opressiva um pouco antes do que conseguiria gerar por meio da
liberdade de comércio — essa questão, no entanto, é bastante controversa
—, ela os geraria de forma, digamos, um pouco prematura, ou antes de
estar perfeitamente madura para isso. Pois, ao promover apressadamente
uma espécie de trabalho, ela deprime uma outra espécie mais valiosa de
trabalho. Ao promover, ou gerar, apressadamente uma espécie de
trabalho que apenas repõe o capital que emprega este mesmo trabalho e
seus lucros ordinários, deprime uma espécie de trabalho que, além de
repor esse capital com seus lucros, ainda proporciona um produto
líquido, uma renda líquida ao proprietário da terra. Enfim, deprimiria o
trabalho produtivo e, ao mesmo tempo, incentivaria muito
apressadamente um trabalho completamente estéril e improdutivo.
O inteligente e profundo autor desse sistema, o senhor Quesnay,567
utiliza algumas tabelas aritméticas para descrever como, nesse sistema, o
produto anual total das terras é distribuído entre as três classes
anteriormente mencionadas e de que maneira o trabalho da classe
improdutiva apenas substitui o valor de seu próprio consumo sem, em
nenhum aspecto, aumentar o valor desse total. Sua primeira tabela, que,
por sua importância específica, é chamada de “Quadro econômico”,
mostra a forma como, segundo ele, funciona essa distribuição em um
Estado com a mais perfeita liberdade e, portanto, da maior prosperidade;
em um Estado em que o produto anual é capaz de gerar o maior produto
líquido possível e em que cada classe desfruta a parcela do produto anual
total que lhe cabe. Algumas tabelas subsequentes mostram, segundo
supõe esse autor, como a distribuição acontece em diferentes estágios de
restrições e regulação; em que ou a classe dos proprietários ou a classe
estéril e improdutiva é mais favorecida do que a classe dos lavradores e
na qual uma classe ou outra invade em maior ou menor grau a parcela
que caberia adequadamente a essa classe produtiva. Cada invasão desse
tipo, cada violação da distribuição natural que seria estabelecida pela
liberdade mais perfeita deve necessariamente, de acordo com esse
sistema e de um ano para o outro, degradar em maior ou menor grau o
valor e o total do produto anual, e deve, necessariamente, levar a um
declínio gradual da riqueza real e dos rendimentos da sociedade; um
declínio que progredirá de forma mais rápida ou lenta na medida em que
o grau dessa invasão, conforme a distribuição natural estabelecida pela
liberdade mais perfeita, tenha sido violado em maior ou menor grau.
Essas outras tabelas apresentam os diferentes graus de declínio que, de
acordo com esse sistema, correspondem aos diferentes graus de violação
da distribuição natural das coisas.568Alguns médicos teóricos parecem ter
imaginado que a saúde do corpo humano somente poderia ser
preservada por um único regime preciso de dieta e exercícios; a menor
violação desse regime seria obrigatoriamente responsável por algum grau
de doença ou distúrbio proporcional ao grau de violação. A experiência,
entretanto, pareceria mostrar que o corpo humano costuma preservar,
pelo menos na aparência, um estado perfeito de saúde sob uma variada
gama de diferentes regimes, mesmo sob aqueles geralmente vistos como
os mais danosos à saúde. Mas parece que o estado saudável do corpo
humano contém em si alguns princípios desconhecidos de preservação
capazes de impedir ou de corrigir, em muitos aspectos, os efeitos
deletérios até mesmo de um regime muito ruim. O senhor Quesnay, que
era ele próprio um médico, e um médico bastante teórico, parece ter
estabelecido uma noção do mesmo tipo para o corpo político e, assim,
imaginou que este corpo somente prosperaria sob um determinado
regime específico, um regime preciso de liberdade e justiça perfeitas. Ele
parece não ter considerado que no corpo político o esforço natural que
cada um realiza de forma contínua para melhorar sua própria condição é
um princípio de preservação capaz de impedir e corrigir, em muitos
aspectos, os maus efeitos de uma economia política que, em certo grau,
seja parcial e opressiva. Embora uma economia política desse tipo seja,
sem dúvida, capaz de retardar, em maior ou menor grau, o progresso
natural de uma nação em direção à riqueza e à prosperidade, nem
sempre é capaz de fazê-lo parar por completo ou regredir. Ocorre que, se
uma nação não fosse capaz de prosperar sem liberdade e justiça perfeitas,
não haveria no mundo sequer uma nação que tivesse prosperado. No
corpo político, no entanto, a sabedoria da natureza, felizmente, tomou
providências para corrigir muitos dos efeitos deletérios da loucura e da
injustiça humanas; da mesma forma, o corpo natural também toma
providências para corrigir os efeitos da preguiça e da falta de moderação.
No entanto, o erro de capital desse sistema parece estar em apresentar
a classe dos artesãos, manufaturadores e comerciantes como
completamente estéril e improdutiva. As seguintes observações podem
servir para demonstrar o desacerto dessa caracterização.
Em primeiro lugar, sabe-se que essa classe repõe anualmente o valor
de seu próprio consumo anual e que, no mínimo, dá continuidade à
existência do fundo ou capital que a sustenta e emprega. Note que essa
razão isolada já é capaz de demonstrar que o apelido de classe estéril ou
improdutiva é aplicado de forma indevida a ela. Não diríamos que um
casamento é estéril ou improdutivo mesmo que gerasse apenas um filho e
uma filha para repor, no mundo, o pai e a mãe e mesmo que apenas desse
continuidade ao número de pessoas existentes anteriormente, sem
acrescentar mais gente à espécie humana. De fato, os fazendeiros e os
trabalhadores rurais, além de reproduzirem o capital que os sustenta e
emprega, também geram anualmente um produto líquido, uma renda
líquida ao proprietário. Assim como um casamento que gera três filhos é
certamente mais produtivo do que um que gera apenas dois, o trabalho
dos agricultores e trabalhadores rurais é certamente mais produtivo do
que o trabalho dos comerciantes, artesãos e manufaturadores. Mas o
produto superior de uma classe não torna a outra estéril ou improdutiva.
Em segundo lugar, por essa razão parece ser totalmente inapropriado
colocar a classe dos artesãos, manufaturadores e comerciantes na mesma
categoria dos criados domésticos. O trabalho dos criados domésticos não
dá continuidade à existência dos fundos que os mantêm e emprega. A
manutenção e o emprego destes correm à custa de quem os emprega; e o
reembolso dessa despesa não pode ser gerado pelo trabalho que
executam. O trabalho desses criados consiste em serviços que costumam
acabar no instante em que são desempenhados, o trabalho não se fixa
nem se transforma em uma mercadoria vendável, capaz de repor o valor
de seus salários e sustento. Por outro lado, o trabalho dos artesãos,
manufaturadores e comerciantes se fixa naturalmente e se transforma em
um produto vendável. É por essa razão que, no capítulo em que trato do
tema “trabalho produtivo e improdutivo”, classifico artesãos,
manufaturadores e comerciantes entre os trabalhadores produtivos e os
criados domésticos entre os estéreis e improdutivos.
Em terceiro lugar, sob qualquer suposição, parece totalmente
impróprio dizer que o trabalho de artesãos, manufaturadores e
comerciantes não aumenta o rendimento real da sociedade. Embora, por
exemplo, devêssemos supor — como parece ter sido suposto por este
sistema — que o valor do consumo diário, mensal e anual dessa classe é
exatamente igual ao de sua produção diária, mensal e anual, daí não
poderíamos concluir que o seu trabalho nada tenha acrescentado ao
rendimento real, ao valor real do produto anual da terra e do trabalho da
sociedade. Por exemplo, um artesão que nos primeiros seis meses após a
colheita execute um trabalho que valha 10 libras, embora ele deva, ao
mesmo tempo, consumir o valor de 10 libras em cereais e outros bens de
primeira necessidade, ainda assim ele realmente acrescentou o valor de
10 libras ao produto anual da terra e do trabalho da sociedade. Enquanto
ele consumiu uma receita semestral no valor de 10 libras em cereais e
outros bens de primeira necessidade, produziu um valor igual de
trabalho, suficiente para comprar um rendimento semestral idêntico para
si mesmo ou para alguma outra pessoa. Portanto, o valor consumido e
produzido durante esses seis meses é igual a 20 libras, e não 10.569 De
fato, é possível que, em um momento qualquer, nunca tenha existido
mais do que o valor de 10 libras. Mas, se o valor de 10 libras em cereais e
outros bens de primeira necessidade consumidos pelo artífice tivesse sido
consumido por um soldado ou por um criado doméstico, o valor da
parcela do produto anual que existisse no final dos seis meses teria sido
10 libras menor do que o valor que efetivamente existe como
consequência do trabalho prestado pelo artífice. Assim, embora o valor
daquilo que o artífice produz não seja, em nenhum momento, superior
ao valor do que consome, ainda assim o valor das mercadorias
efetivamente existentes no mercado é, em cada instante e em
consequência daquilo que ele produz, superior ao que seria em outro
caso. Quando os defensores desse sistema afirmam que o consumo dos
artesãos, manufaturadores e comerciantes é igual ao valor do que eles
produzem, eles provavelmente querem apenas dizer que o consumo é
igual a seu rendimento, ou ao fundo destinado ao seu consumo. Mas se
eles se expressassem com maior exatidão e afirmassem que os
rendimentos dessa classe são iguais ao valor daquilo que ela produz, o
leitor já teria compreendido que tudo o que se economizasse do
rendimento necessariamente aumentaria em maior ou menor grau a
riqueza real da sociedade. Mas, para que pudessem construir algo como
um argumento, eles precisaram se expressar daquela forma; ocorre que,
mesmo supondo que as coisas fossem realmente como presumem aqueles
autores, o argumento acaba sendo muito inconclusivo.
Em quarto lugar, se não forem parcimoniosos, os fazendeiros e os
trabalhadores rurais não conseguem aumentar o rendimento real, o
produto anual da terra e do trabalho de sua sociedade, mais do que os
artesãos, manufaturadores e comerciantes. O produto anual da terra e do
trabalho de qualquer sociedade somente pode ser aumentado de duas
maneiras; pode, em primeiro lugar, ser aumentado por alguma melhoria
na capacidade produtiva do trabalho útil efetivamente mantido na
sociedade; ou, em segundo lugar, pelo aumento da quantidade desse
trabalho.
A melhoria da capacidade produtiva do trabalho útil depende, em
primeiro lugar, da melhoria das habilidades do trabalhador; e, em
segundo lugar, da melhoria do maquinário utilizado por ele. Mas, já que
o trabalho dos artesãos e dos manufaturadores pode ser mais subdividido
e já que o trabalho de cada trabalhador pode ser reduzido a uma
operação mais simplificada do que o trabalho dos fazendeiros e
trabalhadores rurais, então o trabalho de artesãos e manufaturadores é,
da mesma forma, capaz de receber ambos os tipos da melhoria em um
grau muito maior.570 Nesse sentido, portanto, a classe dos lavradores não
pode levar nenhum tipo de vantagem sobre a classe dos artesãos e
manufaturadores.571
O aumento da quantidade de trabalho útil efetivamente empregado
em uma sociedade qualquer depende totalmente do aumento do capital
que o emprega; e o aumento desse capital também deverá ser exatamente
igual ao montante que se economiza dos rendimentos, quer de pessoas
que administram e aplicam esse capital, quer daquelas pessoas que o
emprestam para as primeiras. Se os comerciantes, artesãos e fabricantes
estão, conforme parece supor esse sistema, naturalmente mais inclinados
à parcimônia e à poupança do que os proprietários e lavradores, então,
até este momento, eles estão mais propensos a aumentar a quantidade de
trabalho útil empregada em sua sociedade e, consequentemente, a
aumentar o rendimento real de seu país, isto é, o produto anual de suas
terras e trabalho.
Em quinto e último lugar, embora as receitas dos habitantes de cada
país devessem, supostamente, ser formadas completamente, como parece
supor esse sistema, pela quantidade de bens que seu trabalho é capaz de
comprar para a sua subsistência, ainda assim, mesmo aceitando a
suposição, o rendimento de um país comerciante e manufaturador
deverá, mantidas inalteradas todas as outras condições, ser sempre muito
maior do que o de um país que não possua comércio e manufaturas. Por
meio do comércio e das manufaturas é possível importar uma quantidade
de bens de subsistência maior do que a quantidade que, no atual estado
de cultivo, suas próprias terras conseguiriam lhes oferecer. Embora os
habitantes de uma cidade não costumem possuir terras, ainda assim, por
meio de seu próprio trabalho, eles atraem para si mesmos a matéria-
prima das terras de outras pessoas que os abastecem com o material para
seu trabalho e com os fundos para sua subsistência.
Aquilo que é uma cidade em relação ao meio rural que a circunda é o
que um estado ou país independente pode ser em relação a outros
estados ou países independentes. É assim que a Holanda atrai de outros
países grande parte de seus bens de subsistência: gado vivo do ducado de
Holstein e da Jutlândia e cereais de quase todos os outros países da
Europa. Uma quantidade pequena de produtos manufaturados compra
uma grande quantidade de matérias-primas. Portanto, um país
comerciante e manufatureiro, naturalmente, compra com uma pequena
parcela de seus produtos manufaturados uma grande parte da matéria-
prima de outros países; enquanto, pelo contrário, um país sem comércio
e manufatura é geralmente obrigado a comprar, à custa de uma grande
parcela de sua matéria-prima, uma parcela muito pequena dos produtos
manufaturados de outros países. O primeiro exporta bens capazes de
sustentar e acomodar poucas pessoas e, por outro lado, importa bens
para sustentar e acomodar muitas pessoas. O outro exporta bens capazes
de acomodar e sustentar um grande número de pessoas e, por outro lado,
importa bens para acomodar e sustentar pouquíssimas pessoas. Os
habitantes do primeiro desfrutam sempre de uma quantidade muito
maior de bens para sua subsistência do que seria possível obter de suas
próprias terras em seu estado efetivo de cultivo. Os habitantes do outro
desfrutam sempre de uma quantidade muito menor.
No entanto, mesmo com todas as suas imperfeições, esse sistema
talvez seja, dentre todos os textos já publicados sobre economia política,
o que mais se aproxima da verdade e, por essa razão, vale muito a pena
examinar com atenção os princípios dessa importante ciência. Embora,
ao caracterizar o trabalho rural como o único trabalho produtivo,
apresente ideias que podem ser consideradas muito estreitas e limitadas;
ainda assim, quando diz que a riqueza das nações não é formada pelas
riquezas inconsumíveis do dinheiro, mas por bens consumíveis que são
anualmente reproduzidos pelo trabalho da sociedade, e quando diz que a
liberdade perfeita é o único expediente eficaz para que essa reprodução
anual seja a maior possível, então, nesses aspectos, a teoria parece ser tão
justa quanto é generosa e liberal.572 Seus seguidores são muito
numerosos; e, já que as pessoas gostam de paradoxos e de parecer
compreender o que ultrapassa o entendimento das pessoas comuns, o
paradoxo dessa teoria sobre a natureza improdutiva do trabalho
manufatureiro talvez tenha contribuído um pouco para aumentar o
número de seus admiradores. Eles se tornaram nos últimos anos uma
seita bastante considerável, conhecida na República das Letras pelo nome
de “Os economistas”.573 Suas obras prestaram certamente um bom
serviço a seu país; pois, além de trazerem à discussão geral muitos
assuntos que nunca haviam sido bem examinados anteriormente,
também influenciaram, em certa medida, a administração pública em
favor da agricultura. Foi em consequência de suas ideias que a agricultura
da França se libertou das arbitrariedades a que estava anteriormente
sujeita. O termo dos contratos de arrendamento, válido contra todos os
futuros compradores ou proprietários de terras, foi aumentado de nove
para vinte e sete anos. As antigas restrições ao transporte de cereais de
uma província do Reino para outra foram totalmente retiradas; e, em
todos os casos comuns, a liberdade de exportação a todos os países
estrangeiros foi estabelecida como regra geral do Reino. Todas as obras
publicadas por essa seita — muito numerosas e que tratam não só do que
é propriamente chamado de economia política (isto é, sobre a natureza e
as causas da riqueza das nações), mas de todas as outras áreas do sistema
de governo civil — seguem implicitamente, e sem qualquer variação
sensata, a doutrina do senhor Quesnay. Por essa razão, há pouquíssima
variação na maioria de seus trabalhos. O relato mais distinto e coerente
da teoria pode ser encontrado em um pequeno livro escrito pelo senhor
Mercier de La Rivière,574 intendente da Martinica por algum tempo,
intitulado, “a ordem natural e essencial das sociedades políticas”. A
admiração de toda essa escola por seu mestre, um homem de muita
modéstia e simplicidade, não é inferior àquela que os antigos filósofos
prestavam aos fundadores de seus respectivos sistemas. “Desde o início
do mundo”, diz um autor bastante diligente e respeitável, o Marquês de
Mirabeau,575 “três grandes invenções foram as principais responsáveis
pela estabilidade das sociedades políticas, independentemente de muitas
outras invenções que as enriqueceram e enfeitaram. A primeira foi a
invenção da escrita que, por si só, oferece à natureza humana o poder de
transmitir, sem alteração, suas leis, seus contratos, suas memórias e suas
descobertas. A segunda foi a invenção do dinheiro, pois uniu todas as
relações entre as sociedades civilizadas. A terceira é a tabela econômica,
resultado das outras duas, que as completa ao aperfeiçoar seus fins; a
grande descoberta da nossa era, cujo benefício será colhido por nossa
posteridade”.
Se por um lado a economia política das nações da Europa moderna
foi mais favorável à manufatura e ao comércio exterior, isto é, mais ao
trabalho urbano do que à agricultura, o trabalho do campo; por outro, a
economia política de outras nações seguiu um plano diferente,
favorecendo mais a agricultura que a manufatura e o comércio exterior.
A política da China favorece a agricultura mais do que todos os
outros empregos. Dizem que na China as condições de vida de um
trabalhador são ditas muito melhores que as de um artesão, da mesma
forma que, na maior parte da Europa, as condições de um artesão são
muito melhores que as de um trabalhador. A maior ambição dos chineses
é a posse de um bocado de terras, seja como donos ou arrendatários;
dizem que os arrendamentos seguem regras bastante moderadas,
oferecendo boas garantias aos arrendatários. Os chineses têm pouco
respeito pelo comércio exterior. Seu comércio mendicante era a forma
como os mandarins de Pequim se referiam ao comércio quando
conversavam com o senhor de Lange, o enviado russo.576 Excetuando seu
comércio com o Japão, os próprios chineses, utilizando seus próprios
barcos, mantêm pouco ou nenhum comércio exterior; e só admitem a
entrada de navios estrangeiros em um ou dois portos de seu reino.
Consequentemente, o círculo do comércio exterior na China está
totalmente confinado a uma área muito mais estreita do que aquela que
naturalmente poderia abraçar caso esse comércio possuísse maior
liberdade para que fosse realizado em seus próprios navios ou nos navios
de nações estrangeiras.
As manufaturas em pequeno volume costumam ter um grande valor e
podem, por esse motivo, ser transportadas de um país para outro por
despesas menores do que a maior parte das matérias-primas; em quase
todos os países, esses tipos de manufaturas constituem a base principal
do comércio exterior. Além disso, em países menores que a China e com
condições menos favoráveis ao comércio interno, as manufaturas
costumam exigir o apoio do comércio exterior. Sem um grande mercado
externo, as manufaturas não poderiam prosperar muito; nem naqueles
países tão pequenos que, por isso, só possuem um pequeno mercado
interno, nem naqueles países em que a comunicação entre uma província
e outra é tão difícil que as mercadorias de um determinado local ficam
impossibilitadas de aproveitar todo o mercado interno que o país poderia
oferecer. É importante lembrarmos que a perfeição do trabalho
manufatureiro depende completamente da divisão de trabalho; e,
conforme já foi demonstrado, o grau em que a divisão de trabalho pode
ser introduzida em qualquer manufatura é obrigatoriamente
determinado pelo tamanho do mercado. Ocorre que a grande extensão
do império chinês, sua vasta multidão de habitantes, sua grande
variedade de climas e, como consequência, das produções de suas várias
províncias, bem como a comunicação facilitada pelo transporte hídrico
entre a maior parte delas, são características que tornam o mercado
interno desse país tão amplo que, sozinho, ele é suficiente para sustentar
manufaturas muito grandes e permitir que o trabalho delas seja bastante
subdividido. É possível que o mercado doméstico da China não seja, em
extensão, muito inferior ao mercado de todos os países da Europa juntos.
Entretanto, um comércio exterior mais amplo que a esse grande mercado
interno acrescentasse o mercado externo de todo o resto do mundo —
especialmente se uma parcela considerável qualquer desse comércio fosse
realizada em navios chineses — aumentaria em demasia as manufaturas
da China e melhoraria muito a capacidade produtiva de sua indústria
manufatureira. Com uma navegação mais ampla, os chineses
aprenderiam naturalmente a arte de usar e construir as diferentes
máquinas utilizadas em outros países, bem como todos os outros avanços
da arte e do trabalho que são praticados em todas as diferentes partes do
mundo. De acordo com o plano atual, a China tem poucas oportunidades
para se desenvolver por meio do exemplo de quaisquer outras nações,
exceto pelo dos japoneses.
A política do Egito Antigo e a do governo do Hindustão também
parecem ter favorecido mais a agricultura do que todos os outros
empregos.
Tanto no Egito Antigo quanto no Hindustão, a população dividia-se
em castas ou tribos, cujos membros limitavam-se a uma atividade ou
classe de atividades específicas que eram passadas de pai para filho. O
filho de um sacerdote, obrigatoriamente, se tornaria também um
sacerdote; o filho de um soldado, um soldado; o filho de um trabalhador,
um trabalhador; o filho de um tecelão, um tecelão; o filho de um alfaiate,
um alfaiate, etc. Nesses dois países, a casta dos sacerdotes ocupava o topo
da pirâmide social e, em seguida, vinha a casta dos soldados; e, em ambos
os países, a casta dos agricultores e trabalhadores era superior à casta dos
comerciantes e fabricantes.
O governo de ambos os países estava particularmente atento aos
interesses da agricultura. As obras construídas pelos antigos soberanos
do Egito para a distribuição adequada das águas do Nilo eram famosas na
Antiguidade; e as ruínas de alguns desses aquedutos ainda causam a
admiração dos viajantes. Embora os aquedutos construídos pelos antigos
soberanos do Hindustão para a distribuição apropriada das águas do
Ganges e de muitos outros rios tenham sido menos celebrados, eles
parecem ter sido igualmente grandiosos. Ambos os países, por
conseguinte, embora sujeitos ocasionalmente à escassez, eram famosos
por sua grande fertilidade. Embora ambos fossem extremamente
populosos, ainda assim, em anos de abundância moderada, ambos eram
capazes de exportar grandes quantidades de grãos para seus vizinhos.
Os antigos egípcios tinham uma aversão supersticiosa ao mar; e,
como a religião da Índia não permitia que seus seguidores acendessem
fogo e, consequentemente, preparassem quaisquer alimentos sobre a
água, isso os proibia de realizar viagens marítimas mais longas. Tanto os
egípcios como os indianos dependiam quase completamente da
navegação de outras nações para a exportação de seu produto excedente;
e, assim como essa dependência deve ter limitado o mercado desses dois
povos, também deve ter desestimulado o aumento do produto excedente.
Também deve ter desestimulado mais o crescimento do produto
manufaturado do que das matérias-primas. As manufaturas exigem um
mercado muito mais amplo do que as parcelas mais importantes das
matérias-primas da terra. Um único sapateiro é capaz de fazer mais de
300 pares de sapatos por ano; e sua própria família provavelmente não
gastará nem seis pares. Portanto, a menos que tenha 50 famílias
semelhantes à sua como clientes, ele não será capaz de vender o produto
total de seu próprio trabalho. Em um país grande, a classe mais numerosa
de artesãos raramente perfará uma a cada cinquenta ou cem famílias que
o habitam. Alguns autores calcularam que o número de pessoas
empregadas na agricultura, em países grandes como a França e a
Inglaterra, seria a metade de toda a sua população, outros disseram que
essa quantidade era de um terço, mas nenhum autor que eu conheça
chegou a uma fração menor que um quinto. Mas, já que a maior parte do
produto da agricultura da França e da Inglaterra é consumida em seus
mercados internos, cada pessoa empregada nela deve, de acordo com
esses cálculos, exigir para si uma clientela pouco maior que uma, duas
ou, no máximo, quatro famílias iguais à sua para conseguir vender todo o
produto de seu próprio trabalho. Em meio ao desestímulo e um mercado
limitado, portanto, a agricultura pode sustentar-se melhor do que as
manufaturas. De fato, tanto no Egito como no Hindustão, o mercado
externo limitado ficava de certa forma compensado pela comodidade das
fartas navegações internas, que abriam, de maneira extremamente
vantajosa, todo o mercado doméstico para o produto total de cada um
dos vários distritos desses países. A vastidão do Hindustão também
tornava seu mercado doméstico extremamente amplo e suficiente para
sustentar uma grande variedade de manufaturas. Já a pequena extensão
do Egito Antigo, sendo menor que a da Inglaterra, tornava seu mercado
doméstico muito pequeno, impossibilitando-o de sustentar uma grande
variedade de manufaturas. Como consequência, Bengala, a província do
Hindustão que, em geral, mais exporta arroz, foi sempre mais conhecida
pela exportação de uma grande variedade de manufaturas do que pela
exportação de seu grão. O Egito Antigo, pelo contrário, embora
exportasse algumas manufaturas — o linho fino, em particular —, bem
como alguns outros bens, foi sempre mais conhecido por sua grande
exportação de grãos. Foi, por muito tempo, o celeiro do Império
Romano.
Os soberanos da China, do Egito Antigo e dos vários reinos que, em
diferentes épocas, formavam o Hindustão, sempre obtiveram todos os
seus rendimentos — ou, de longe, a maior parte deles — de algum tipo de
renda fundiária ou imposto sobre a terra. A renda ou o imposto
fundiário, semelhante ao dízimo europeu, consistia em uma determinada
parcela — um quinto, segundo dizem — do produto da terra, que ou era
entregue em espécie ou era paga em dinheiro, de acordo com uma
determinada avaliação, e que portanto variava anualmente de acordo
com todas as variações do produto. Assim, era natural que os soberanos
desses países estivessem particularmente atentos aos interesses da
agricultura, cuja prosperidade ou declínio estava diretamente ligada ao
aumento ou diminuição anual de seu próprio rendimento.
Embora a política de Roma e das antigas repúblicas da Grécia
honrasse mais a agricultura do que a manufatura ou o comércio exterior,
ainda assim essa política parece antes ter desestimulado esses dois
últimos empregos do que ter incentivado direta ou intencionalmente a
agricultura. O comércio exterior era completamente proibido em vários
estados gregos da Antiguidade; e, em vários outros, o emprego de
artesãos e manufaturadores era considerado muito prejudicial à força e à
agilidade do corpo humano, pois o tornava incapaz de manter a firmeza
incutida pelos exercícios militares e atléticos, e, dessa forma, o
desqualificava em maior ou menor grau para suportar as fadigas e
enfrentar os perigos da guerra. Essas ocupações eram consideradas
adequadas somente para escravos, e, assim, os cidadãos livres eram
proibidos de exercê-las. Mesmo naqueles Estados onde não existia essa
proibição, como em Roma e Atenas, a população geral estava
efetivamente excluída de todas as atividades comerciais que atualmente
são exercidas pela classe mais baixa de habitantes das cidades. Essas
atividades eram, em Atenas e em Roma, realizadas pelos escravos dos
ricos para beneficiar seus mestres, cuja riqueza, poder e proteção
tornavam quase impossível para um pobre livre, quando resolvia
concorrer com esses escravos, obter meios para encontrar mercado para
seu trabalho. Ocorre que os escravos não costumam ser inventivos; e, por
isso, foram os homens livres que realizaram todas as mais importantes
melhorias, seja em relação ao maquinário, seja em relação ao arranjo e à
distribuição do trabalho que facilita e abrevia o trabalho. Quando um
escravo propõe esse tipo de melhoria, os mestres costumam achar que a
proposta pode indicar preguiça e um desejo de trabalhar menos às suas
custas. E, em vez de ser recompensado, o pobre escravo será maltratado,
talvez com algum castigo. Assim, é provável que, para o mesmo produto,
tenha sido empregado muito mais trabalho nas manufaturas realizadas
por escravos do que naquelas realizadas por homens livres. O trabalho
dos escravos, por esse motivo, seria, em geral, mais caro do que o de
homens livres. Conforme nos informa o senhor Montesquieu, na
Hungria, as minas não eram mais ricas que as da vizinha Turquia, mas
foram exploradas com menores gastos e, portanto, maiores lucros. A
exploração das minas turcas é realizada por escravos; e os turcos nunca
quiseram empregar outras máquinas senão os braços desses escravos. A
exploração das minas húngaras é realizada por homens livres, que
empregam uma grande quantidade de máquinas, por meio das quais o
seu trabalho é facilitado e abreviado. A partir do pouco que se sabe sobre
o preço das manufaturas nos tempos dos gregos e romanos, parece que as
do tipo mais refinado eram excessivamente caras. A seda era vendida por
seu peso em ouro. De fato, naqueles tempos a seda não era uma
manufatura europeia; trazia-se toda seda das Índias Orientais e, por isso,
a distância do carregamento pode, até certo ponto, ser responsável por
seu preço alto. Dizem, no entanto, que o preço que uma dama às vezes
pagava por um pedaço de linho muito fino era igualmente exorbitante; e
como o linho era sempre uma manufatura europeia, ou, no máximo, uma
manufatura egípcia, a causa desse preço tão alto somente se explica pelo
trabalho dispendioso desse produto, e os gastos desse trabalho somente
podem ser causados pelo maquinário complicado que se utilizava nessa
manufatura. Parece que, antigamente, o preço das lãs finas também era
muito mais elevado, embora não tão exorbitante. Plínio nos informa que
o preço de alguns tecidos tingidos de uma forma específica era de 100
denários, isto é, 3 libras, 6 xelins e 8 pence por libra-peso.577 Outros,
tingidos de outra maneira, custavam mil denários por libra-peso, ou 33
libras, 6 xelins e 8 pence. É importante lembrar que a libra romana
continha apenas 12 onças avoirdupois. A causa desse alto preço, de fato,
parece ter sido o tingimento. Mas se os próprios tecidos não fossem
muito mais caros do que os tecidos feitos hoje, provavelmente não se
teria utilizado um tingimento tão caro neles. A desproporção entre o
valor do acessório e o do principal teria sido muito grande. O preço
citado pelo mesmo autor de uma certa Triclinaria, uma espécie de
travesseiro de lã ou almofada usada para reclinar-se em sofás à mesa,
ultrapassa toda a credibilidade; ele diz que esses produtos podiam chegar
a custar mais de 30 mil e, outros, mais de 300 mil libras. Não podemos
dizer que, nesse caso, o alto preço ocorra por causa do tingimento. O
vestuário das pessoas elegantes de ambos os sexos parece ter variado
muito menos, observa o doutor Arbuthnot,578 nos tempos antigos que
nos modernos; essa observação é confirmada pela pequena variedade dos
tipos de roupas encontrados nas estátuas antigas. Disso ele infere que o
vestuário antigo devia ser mais barato que o que usamos hoje em dia:
mas essa conclusão não parece sólida. Ocorre que, quanto mais caras são
as roupas elegantes, menor é sua variedade. Mas, quando se melhora a
capacidade produtiva das manufaturas, as roupas passam a custar mais
barato e sua variedade passa a ser naturalmente bem maior. Assim,
quando os ricos não conseguem mais se distinguir pelo alto preço de suas
roupas, eles naturalmente buscam se distinguir pela abundância e
variedade de roupas que possuem.
Conforme já dito, o maior e mais importante ramo comercial de uma
nação é aquele que se realiza entre os habitantes da cidade e os habitantes
do campo. Os habitantes da cidade extraem do campo a matéria-prima
que funciona como material de trabalho e fundo para sua subsistência; a
matéria-prima, depois de ser manufaturada e preparada para consumo
imediato, é enviada ao campo como pagamento. O comércio entre esses
dois diferentes grupos de pessoas é realizado pela troca de uma
determinada quantidade de produto bruto por uma determinada
quantidade de produto manufaturado. Quanto mais caro é o último, mais
barato é o primeiro; e tudo o que tende a elevar os preços dos produtos
manufaturados tende a diminuir os preços do produto bruto, e, portanto,
a desencorajar a agricultura. Quanto menor a quantidade de produtos
manufaturados que uma certa quantidade de matéria-prima, ou, o que é
a mesma coisa, que o preço de uma certa quantidade de matéria-prima é
capaz de comprar, menor será o valor de troca daquela certa quantidade
de matéria-prima; menor será também o incentivo para que o
proprietário da terra aumente o seu produto pelo aprimoramento da
terra, ou o fazendeiro, pelo cultivo da terra. Além disso, tudo o que tende
a diminuir o número de artesãos e manufaturadores tende a diminuir o
mercado doméstico — que, entre todos os mercados, é o mais importante
para a matéria-prima — e, assim, tende a desestimular ainda mais a
agricultura.
Portanto, aqueles sistemas que, preferindo a agricultura a todas as
outras atividades e desejando promovê-la, impõem restrições à
manufatura e ao comércio exterior agem contra o fim buscado por eles e,
indiretamente, desencorajam o tipo de trabalho que queriam promover.
Por essa razão, talvez sejam mais incongruentes do que até mesmo o
sistema mercantil. Este último, ao incentivar a manufatura e o comércio
exterior mais do que a agricultura, faz com que uma determinada parcela
do capital da sociedade deixe de sustentar um tipo de trabalho mais
vantajoso e passe a sustentar um menos vantajoso. Mas, ainda assim, o
sistema acaba realmente ao final incentivando a espécie de trabalho que
desejava promover. Os sistemas agrícolas ou fundiários, pelo contrário,
acabam realmente desestimulando suas espécies favoritas de trabalho.
Há sistemas que, por meio de encorajamentos extraordinários,
buscam atrair para uma determinada espécie de trabalho uma parcela
maior do capital da sociedade do que aquela que naturalmente seria
dirigida para esta espécie; ou, por meio de restrições extraordinárias,
buscam retirar de uma determinada espécie de trabalho alguma parcela
do capital que de outra forma seria dirigida para esta espécie. Esses
sistemas, na realidade, subvertem o grande objetivo que desejam
promover. Em vez de acelerar, eles retardam o progresso da sociedade em
direção à riqueza e à grandeza reais; e, em vez de aumentar, diminuem o
valor real do produto anual de sua terra e trabalho.
Dessa forma, se todos esses sistemas de preferência ou de restrição
fossem completamente afastados, impor-se-ia de forma espontânea, no
lugar deles, o sistema óbvio e simples da liberdade natural. Toda pessoa,
contanto que não violasse as leis da justiça, ficaria perfeitamente livre
para buscar seus próprios interesses de sua própria maneira, bem como
para levar seu trabalho e capital para competir com o trabalho e capital
de todas as outras pessoas ou grupo de pessoas. O soberano fica
completamente desobrigado de um dever que, caso tente realizar, o
exporá a uma multitude de desapontamentos; e para cujo bom
desempenho nenhuma sabedoria humana ou conhecimento jamais
poderia ser suficiente; isto é, o dever de supervisionar o trabalho dos
indivíduos e de direcioná-lo a empregos mais adequados para o interesse
da sociedade.579 De acordo com o sistema da liberdade natural, o
soberano tem apenas três deveres; de fato, são três deveres muito
importantes, mas simples e inteligíveis ao entendimento comum: em
primeiro lugar, o dever de proteger a sociedade contra a violência e a
invasão de outras sociedades independentes; em segundo lugar, o dever
de proteger, na medida do possível, todos os membros da sociedade
contra a injustiça ou a opressão de qualquer outro membro da mesma
sociedade, ou o dever de estabelecer a aplicação exata da justiça; e, em
terceiro lugar, o dever de construir e manter certas obras públicas e certas
instituições públicas, cuja construção e manutenção nunca serviriam aos
interesses de um único indivíduo, ou de um pequeno grupo de
indivíduos, pois, embora seus lucros mais que recompensem os gastos da
sociedade em geral, eles nunca seriam suficientes para reembolsar as
despesas de qualquer indivíduo ou pequeno grupo de indivíduos.
O bom desempenho desses vários deveres do soberano
necessariamente supõe certas despesas; e essas despesas necessariamente
exigem uma certa receita para sustentá-las. No próximo livro, portanto,
tentarei explicar os seguintes tópicos: primeiro, quais são as despesas
necessárias do soberano ou da commonwealth, quais dessas despesas
devem ser custeadas pela contribuição geral de toda a sociedade e quais
delas por apenas alguns grupos específicos; em segundo lugar, quais são
os diversos métodos para que todos contribuam para custear as despesas
que cabem a toda a sociedade e quais são as principais vantagens e
inconvenientes de cada um desses métodos; e, em terceiro lugar, quais
são as razões e causas que levaram quase todos os governos modernos a
hipotecar parte dessas receitas ou contrair dívidas e quais foram os efeitos
das dívidas sobre a riqueza real, o produto anual da terra e do trabalho da
sociedade. O quinto livro, portanto, divide-se naturalmente em três
capítulos.
LIVRO V
A RECEITA DO SOBERANO OU DA
COMMONWEALTH
CAPÍTULO I
AS DESPESAS DO SOBERANO OU DA COMMONWEALTH
Parte I – As despesas da defesa
O primeiro dever do soberano, o de proteção da sociedade contra a
violência e a invasão de outras sociedades independentes, só pode ser
realizado por meio da força militar. Mas tanto as despesas para preparar
essa força militar em tempos de paz quanto para empregá-la em tempos
de guerra variam muito, de acordo com os diversos estágios da sociedade
e seus diferentes períodos de progresso e aprimoramento.
Entre as nações de caçadores, que é o estágio mais baixo e mais
primitivo da sociedade — as tribos nativas da América do Norte, por
exemplo —, toda pessoa é, ao mesmo tempo, um guerreiro e um caçador.
Quando ela vai para a guerra, seja para defender sua sociedade, seja para
vingar os prejuízos causados por outras sociedades, precisa se sustentar
por meio de seu trabalho, da mesma forma como quando está em casa. Já
que, nesse estado de coisas, não há nem soberano nem commonwealth,
sua sociedade não tem gastos, seja para preparar seus guerreiros, seja
para sustentá-los enquanto lutam.
Entre as nações de pastores, um estágio um pouco mais avançado da
sociedade — tártaros e árabes são exemplos —, cada indivíduo também é
um guerreiro. As pessoas dessas nações não costumam possuir
habitações fixas e vivem em tendas ou em carroças cobertas que podem
ser facilmente levadas de um lugar para outro. A tribo ou a nação muda
sua localização de acordo com as diferentes épocas do ano, bem como de
acordo com outras casualidades. Quando seus rebanhos consomem toda
a forragem de uma parte do país, o grupo muda-se para um segundo
lugar, depois para um terceiro. Durante a estação seca, vivem às margens
dos rios; na estação chuvosa vão para as terras altas do país. Quando
essas nações vão à guerra, os guerreiros não confiam seus rebanhos à
defesa frágil dos velhos, mulheres e crianças; velhos, mulheres e crianças
também não são abandonados sem defesa e subsistência. A nação inteira,
já acostumada a uma vida errante em tempos de paz, também sai em
campanha durante os tempos de guerra. Quer marchem como um
exército, quer caminhem como um grupo de pastores, o modo de vida é
quase o mesmo, embora o objetivo seja muito diferente. Portanto, vão
todos juntos à guerra e cada um faz sua parte da melhor maneira
possível. Entre os tártaros, sabemos que mesmo as mulheres costumam
se envolver nos combates. Quando vencem, todos os pertences da tribo
hostil passam a ser sua recompensa. Mas, quando são vencidos, perdem
tudo, não apenas seus rebanhos, mas suas mulheres e filhos, e tornam-se
espólio da tribo vencedora. Mesmo a maior parte daqueles que
sobrevivem à ação é obrigada a submeter-se aos vencedores para o bem
de sua subsistência imediata. O restante costuma desaparecer ou
dispersar-se no deserto.
A vida ordinária, os exercícios ordinários de um tártaro ou árabe,
costuma prepará-lo suficientemente para a guerra. Corrida, luta, jogos
com bastões, lançamento de dardos, arco e flecha, etc. são os passatempos
comuns daqueles que vivem ao ar livre, são passatempos que evocam
imagens bélicas. Quando um tártaro ou um árabe realmente vai para a
guerra, ele é sustentado por seus próprios rebanhos, os quais leva para
todos os lados, seja na paz ou na guerra. Seu chefe ou soberano — pois
tais nações possuem chefes ou soberanos — não incorre em gastos para
prepará-los para a batalha; e, assim, quando está lutando, o único
pagamento que esse indivíduo quer ou exige é a oportunidade de saque.
Um exército de caçadores raramente ultrapassa duzentos ou trezentos
homens. A subsistência precária que se obtém pela caça raramente
permite o agrupamento de um número maior de pessoas por muito
tempo. Um exército de pastores, pelo contrário, pode, por vezes, chegar a
200 mil ou 300 mil pessoas. Contanto que não encontrem obstáculos e
contanto que consigam passar de um distrito cuja forragem já foi
completamente consumida a outro que ainda está integro, então quase
parece não haver limite para o número de pessoas que podem marchar
juntas em grupo. Uma nação de caçadores nunca poderá ser uma força
assustadora para as nações civilizadas de sua vizinhança. Uma nação de
pastores pode. Nada pode ser mais desprezível que uma guerra com os
índios da América do Norte. Por outro lado, nada pode ter sido mais
terrível do que as frequentes invasões tártaras na Ásia. A experiência de
todas as eras mostrou ser verdadeiro o que disse Tucídides, a saber, que
nem a Europa nem a Ásia resistiriam aos ataques dos citas unidos. Os
habitantes das amplas mas indefesas planícies da Cítia ou da Tartária
costumam unir-se sob o comando do chefe de hordas ou clãs vencedores:
o caos e a devastação da Ásia sempre sinalizaram essa união. Os
habitantes dos desertos inóspitos da Arábia, a outra grande nação de
pastores, nunca se uniram, exceto uma vez sob o comando de Maomé e
seus sucessores imediatos. Essa união, que foi mais uma consequência do
entusiasmo religioso que da conquista, também foi sinalizada da mesma
forma. Se as nações caçadoras da América tivessem se tornado pastoris,
essa vizinhança teria sido muito mais perigosa para as colônias europeias
do que é atualmente.
Em um estágio ainda mais avançado da sociedade, entre aquelas
nações de agricultores com pouco comércio externo e nenhum outro tipo
de manufatura senão aquelas mais grosseiras e domésticas feitas
separadamente por cada família para seu próprio uso, nesse estágio,
também, cada indivíduo é um guerreiro ou pode facilmente se tornar um
guerreiro. Os indivíduos que vivem da agricultura costumam passar o dia
todo ao ar livre, expostos a todas as inclemências das estações. A
dificuldade de suas vidas diárias os prepara para as fadigas da guerra,
algumas das quais são muito análogas a certas atividades da agricultura.
As atividades de um cavador o preparam tão bem para trabalhar nas
trincheiras e para fortificar um acampamento quanto para cercar uma
fazenda. Os passatempos ordinários desses agricultores são os mesmos
que aqueles dos pastores e, da mesma forma, constituem imagens bélicas.
Mas, como os agricultores têm menos tempo para o lazer que os pastores,
nem sempre os primeiros se valem desses passatempos. Eles são
soldados, mas são soldados que não dominam muito sua função. Sendo
assim, no entanto, o soberano ou a commonwealth não incorre em
nenhuma despesa para prepará-los para a guerra.
A agricultura, mesmo em seu estágio mais primitivo e não
desenvolvido, supõe algum tipo de assentamento; algum tipo de
habitação fixa que não pode ser abandonada sem grande prejuízo. Assim,
quando uma nação de meros agricultores vai à guerra, nem todos podem
ir ao campo de batalha juntos. Velhos, mulheres e crianças, ao menos,
devem permanecer em casa para cuidar da habitação. Mas todos os
homens em idade militar devem ir à guerra e isso é o que normalmente
ocorre em nações pequenas desse tipo. Em todas as nações, os homens
em idade militar perfazem cerca de um quarto ou um quinto da
população. O agricultor e seus principais ajudantes podem ir para o
campo de batalha sem muito prejuízo sempre que a campanha tiver
início após a semeadura e acabar antes da colheita. O trabalho
intermediário pode ser bem executado por velhos, mulheres e crianças.
Os indivíduos, dessa forma, costumam estar dispostos a servir de forma
gratuita durante uma campanha curta e, normalmente, o soberano ou a
commonwealth paga muito pouco para sustentá-los ou para prepará-los
para ela. Os cidadãos dos muitos estados da Grécia Antiga parecem ter
servido dessa maneira até após a segunda guerra greco-persa; e a
população do Peloponeso, até depois da Guerra do Peloponeso. Segundo
Tucídides, os peloponésios costumavam deixar o campo de batalha no
verão e voltavam para casa para realizar a colheita. Em todo o período
monárquico da Roma Antiga e durante as primeiras eras da República, os
romanos serviram da mesma maneira. Foi somente após a época da
Batalha de Veios580 que aqueles que ficavam em casa começaram a
contribuir com algo para manter os cidadãos que iam para a guerra. Nas
monarquias europeias, fundadas sobre as ruínas do Império Romano,
tanto antes como por algum tempo após o estabelecimento do que é
chamado corretamente de direito feudal, os grandes senhores, com todos
os seus dependentes imediatos, costumavam servir à coroa às suas
próprias expensas. Tanto no campo de batalha quanto em casa,
sustentavam-se com suas próprias receitas, e não por meio de algum
salário ou pagamento que recebessem do rei nessas ocasiões especiais.
Em um estágio mais avançado da sociedade, duas causas contribuem
para que seja totalmente impossível que os que vão ao campo de batalha
se sustentem com seus próprios recursos. As duas causas: o
desenvolvimento da manufatura e o aprimoramento da arte da guerra.581
Mesmo que o agricultor participe de uma expedição, contanto que
comece após a semeadura e termine antes da colheita, a interrupção de
seu negócio nem sempre gera uma diminuição considerável de sua
receita. Sem a intervenção de suas mãos, a natureza realiza sozinha a
maior parte do trabalho faltante. Mas, no momento em que um artesão,
um ferreiro, um carpinteiro, ou um tecelão, por exemplo, fecham a sua
oficina, perdem a sua única fonte de receitas. A natureza não faz nada por
ele, pois ele faz tudo por si mesmo. Essas pessoas não têm receita que as
sustentem, e, por isso, quando são convocadas para defender a nação, elas
devem necessariamente ser sustentadas pela nação. Mas quando a maior
parte dos habitantes de um país é formada por artesãos e
manufaturadores, uma grande parte das pessoas que vão para a guerra
são arregimentadas desses grupos e devem, desse modo, ser sustentadas
pela esfera pública enquanto estiverem a serviço dela.
Quando a arte da guerra, também, foi aprimorando-se gradualmente
até se tornar uma ciência muito complexa e complicada, quando a guerra
deixou de ser resolvida por uma só batalha ou combate — como nas
primeiras eras da sociedade — e o mesmo conflito, em geral, passou a
prolongar-se por várias campanhas — que costumam, cada uma delas,
tomar a maior parte do ano —, então, torna-se universalmente necessário
que o Estado (nação) sustente as pessoas que servem a ele nas guerras,
pelo menos enquanto estiverem empregadas nesse serviço. Pois, caso
contrário, essa prestação tão tediosa e cara seria um encargo muito
pesado àqueles que vão à guerra, independentemente da ocupação que
tenham em tempos de paz. Desse modo, após a segunda guerra greco-
persa, os exércitos atenienses começaram a ser, em geral, formados por
mercenários; que, embora fossem formados por cidadãos e estrangeiros,
todos eles eram igualmente contratados e pagos à custa do Estado. Desde
o Cerco de Veios, os exércitos romanos passaram a ser pagos por seus
serviços durante o tempo que estivessem em guerra. Nos governos
feudais, o serviço militar dos grandes senhores e de seus dependentes
imediatos foi substituído, após certo tempo, pelo pagamento em
dinheiro, o qual era empregado para sustentar aqueles que serviam no
lugar desses grandes senhores e dependentes.582
O número de pessoas que podem ir à guerra, em proporção à
população total, é necessariamente muito menor em uma sociedade em
estágio civilizado que na sociedade em estágio primitivo. Tendo em vista
que, em uma sociedade civilizada, os soldados são totalmente
sustentados pelo trabalho daqueles que não são soldados, o número de
soldados não pode exceder o contingente de pessoas que os não soldados
são capazes de sustentar, além de sustentar, de forma condizente com
seus respectivos cargos, tanto eles mesmos quanto os outros oficiais do
governo e da lei, a quem eles são obrigados a manter. Nos pequenos
estados agrários da Grécia Antiga, um quarto ou um quinto de todas as
pessoas se considerava soldado e, conforme foi dito, saía às vezes em
campanha. Entre as nações civilizadas da Europa moderna, costuma-se
computar que um país não é capaz de empregar mais que 1% de seus
habitantes como soldados sem prejuízo ao país que paga as despesas de
seus serviços.
Parece que as despesas de preparo do exército para sair em campanha
somente se tornaram consideráveis para as nações muito tempo depois
de o sustento ter se tornado obrigação do soberano ou da commonwealth.
Em todas as diferentes repúblicas da Grécia Antiga, os exercícios
militares eram uma parte necessária da educação imposta pelo Estado a
todo cidadão livre. Parece que em toda cidade havia um campo público
no qual, sob a proteção do magistrado público, diferentes mestres
ensinavam os jovens a realizar seus exercícios bélicos. As despesas dos
estados gregos consistiam, segundo o que se crê, nessa instituição muito
simples para a preparação de seus cidadãos para a guerra. Na Roma
Antiga, os exercícios realizados no Campo de Marte respondiam ao
mesmo propósito do ginásio da Grécia Antiga. Nos governos feudais, as
muitas ordenanças públicas, requerendo que os cidadãos de cada distrito
praticassem o arco e flecha, bem como vários outros exercícios militares,
visavam promover o mesmo objetivo, mas parecem não o ter promovido
tão bem. Quer pela falta de interesse dos encarregados pela execução
dessas ordenanças, quer por alguma outra causa, elas parecem ter sido
universalmente negligenciadas; e no decorrer de todos esses governos, os
exercícios militares parecem ter caído gradualmente em desuso entre a
população.
Nas repúblicas das antigas Grécia e Roma, durante todo o período de
suas existências, e sob os governos feudais, por um bom tempo após
terem sido estabelecidos, as atividades de um soldado não eram
atividades isoladas e distintas que constituíam a única ou principal
ocupação de uma determinada classe de cidadãos. Todo súdito do
Estado, independentemente de sua atividade ou ocupação comum por
meio da qual obtinha seu sustento, considerava-se, em todas as ocasiões
comuns, apto para exercer as atividades de um soldado e, em muitas
ocasiões extraordinárias, obrigado a exercê-las.
Assim, da mesma forma que a arte da guerra é certamente a mais
nobre de todas as artes, também se torna necessariamente uma das mais
complicadas durante o curso do progresso. O estado das artes mecânicas
— assim como o estado de algumas outras artes às quais a arte bélica está
necessariamente ligada — determina o grau de perfeição que é capaz de
atingir em um determinado momento. Mas, para que atinja esse grau de
perfeição, é necessário que a arte da guerra se torne a ocupação única ou
principal de uma classe particular de cidadãos; e a divisão do trabalho é
tão necessária para o aprimoramento dessa arte quanto o é para todas as
outras. Em outras artes, a divisão do trabalho é introduzida naturalmente
pela prudência dos indivíduos, os quais perceberam que, ao restringirem
suas atividades, seus interesses particulares são mais bem promovidos do
que quando realizam um grande número delas. Mas somente a sabedoria
(ou prudência) do Estado pode fazer com que as tarefas de um soldado se
tornem uma atividade isolada e distinta de todas as outras. O cidadão
privado que, em tempo de profunda paz, e sem nenhum incentivo
particular da esfera pública, passasse a maior parte de seu tempo em
exercícios militares, poderia, sem dúvida, divertir-se e aprimorar-se
muito neles; mas, certamente, deixaria de promover os seus próprios
interesses. Somente a sabedoria do Estado pode fazer com que seja
interesse daquela pessoa usar a maior parte de seu tempo para essa
ocupação específica; mas os Estados nem sempre tiveram essa sabedoria,
mesmo quando as circunstâncias ditaram que a preservação de sua
existência os obrigava a criar esse interesse.
O pastor tem muito tempo livre; o agricultor, no estado primitivo da
agricultura, tem algum tempo livre; já um artífice ou manufaturador não
tem nenhum. O primeiro pode, sem nenhum prejuízo, usar grande parte
de seu tempo em exercícios marciais; o segundo pode empregar alguma
parte dele; mas o último não pode empregar nem uma hora nesses
exercícios sem que incorra em algum prejuízo; e a atenção que dá ao seu
próprio interesse o leva naturalmente a negligenciar totalmente os
exercícios marciais. Os aprimoramentos agrícolas, necessariamente
introduzidos pelo progresso das artes e da manufatura, também deixam o
lavrador com pouquíssimo tempo livre. Os exercícios militares passaram
a ser negligenciados tanto pelos habitantes do campo como por aqueles
da cidade, e, assim, a população tornou-se totalmente avessa ao
treinamento militar. Ao mesmo tempo, essa mesma riqueza que sempre
se segue aos aprimoramentos da agricultura e da manufatura e que, na
realidade, é apenas o produto acumulado desses aprimoramentos,
provoca a invasão de todos os seus vizinhos. Dentre todas as nações, as
mais laboriosas e, por isso, as mais ricas estão muito mais sujeitas a ser
atacadas; e a menos que o Estado tome algumas novas medidas de defesa
pública, os hábitos naturais da população a tornam completamente
incapaz de se defender.
Nessas circunstâncias, os Estados parecem ter apenas dois métodos
para realizar qualquer provisão razoável para a defesa pública.
Em primeiro lugar, por meio de uma política muito rigorosa e
abandonando-se todos os interesses e inclinações do povo, o Estado pode
impor a prática de exercícios militares, obrigando todos os cidadãos em
idade militar, ou um certo contingente deles, a realizar, em certa medida,
as atividades de um soldado, em detrimento de quaisquer outras
atividades ou profissões que estivessem realizando.
Ou, em segundo lugar, ao sustentar e empregar um determinado
número de cidadãos para que pratiquem seus exercícios militares de
forma constante, o Estado pode fazer com que as atividades de um
soldado se tornem uma atividade específica, isolada e distinta de todas as
outras.
Quando um Estado recorre à primeira política, dizemos que suas
forças militares são uma milícia; quando usa a segunda, dizemos que suas
forças militares formam um exército permanente. A prática de exercícios
militares é a ocupação única ou principal dos soldados de um exército
permanente, cujo fundo principal e ordinário de subsistência é formado
pelo sustento ou pagamento proporcionado pelo Estado. A prática de
exercícios militares é apenas a ocupação ocasional dos soldados de uma
milícia, e eles obtêm os fundos principais e ordinários de sua subsistência
de alguma outra ocupação. Em uma milícia, o caráter de trabalhador,
artesão ou comerciante predomina sobre o de soldado; em um exército
permanente, o caráter de soldado predomina sobre todos os outros; e,
assim, parece que a diferença essencial entre aquelas duas espécies
diferentes de forças militares reside nesta distinção.583
Existem vários tipos de milícias. Em alguns países, parece que os
cidadãos destinados à defesa do Estado realizavam seus treinamentos
sem estar arregimentados, isto é, sem estar divididos em companhias
separadas e distintas que realizassem, cada uma delas, seus exercícios sob
o comando de oficiais próprios e permanentes. Nas repúblicas das antigas
Grécia e Roma, os cidadãos, quando estavam em casa, parecem ter
praticado seus exercícios, quer separadamente e de forma independente,
quer com seus semelhantes que mais lhes agradassem; e não se uniam a
nenhuma companhia específica até que realmente fossem chamados para
o campo de batalha. Em outros países, a milícia recebia treinamento e era
arregimentada. Na Inglaterra, na Suíça, e, acredito, em todos os outros
países da Europa moderna, onde qualquer força militar imperfeita desse
tipo foi estabelecida, todo miliciano é anexado a determinado regimento
que, mesmo em tempos de paz, realiza seus exercícios sob o comando de
oficiais próprios e permanentes.
Antes da invenção das armas de fogo, considerava-se superior o
exército cujos soldados tivessem, individualmente, a maior habilidade e
destreza no manejo de suas armas. Força e agilidade física produziam as
mais importantes consequências e, normalmente, determinavam o
destino das batalhas. Mas, assim como na esgrima atualmente, a
habilidade e a destreza no uso de suas armas somente podiam ser
adquiridas pela prática, não em regimentos, mas cada um por si, em uma
escola individual, com um mestre individual ou com seus próprios
companheiros e semelhantes. Após a invenção das armas de fogo, força e
agilidade física, ou mesmo a destreza e a habilidade extraordinárias no
uso de armas, embora estejam longe de não produzir consequências,
geram, no entanto, consequências menores. Embora a natureza da arma
não deixe, de forma alguma, o desajeitado em pé de igualdade com o
soldado habilidoso, o deixa mais próximo do que nunca. Supõe-se que
toda a destreza e a habilidade necessárias para usar uma arma de fogo
podem ser adquiridas pela prática em grupo.
A regularidade, a ordem e a obediência imediata ao comando são
qualidades que, em exércitos modernos, são mais importantes para
determinar o destino das batalhas do que a destreza e a habilidade dos
soldados no uso de suas armas. Mas, mesmo no início de uma batalha
moderna, deve ser muito difícil manter qualquer grau considerável de
regularidade, ordem e obediência imediata com o barulho das armas de
fogo, com a fumaça e a morte invisível a que todos, assim que estejam ao
alcance dos canhões e frequentemente muito tempo antes de podermos
considerar a batalha como iniciada, se sentem expostos a todo momento.
Os únicos barulhos das batalhas da Antiguidade eram os originados da
voz humana; não havia fumaça, não existiam causas invisíveis para
feridas ou morte. As pessoas podiam ver claramente que não havia
nenhuma arma mortal perto delas até que alguma arma mortal realmente
se aproximasse delas. Nessas circunstâncias, e entre as tropas que tinham
alguma confiança em sua própria habilidade e destreza no uso de suas
armas, deve ter sido bem menos difícil manter algum grau de
regularidade e ordem, não só no início, mas durante todo o progresso de
uma batalha da Antiguidade e até o momento em que um dos dois lados
estivesse realmente derrotado. Mas os hábitos de regularidade, ordem e
obediência imediata aos comandos somente podem ser adquiridos por
tropas treinadas em grandes regimentos.
No entanto, uma milícia, independentemente da forma como tenha
sido disciplinada ou treinada, será sempre muito inferior a um exército
permanente bem disciplinado e bem treinado.
Os soldados que treinam apenas uma vez por semana, ou uma vez
por mês, nunca serão tão bons no uso de suas armas como aqueles que
treinam todos os dias, ou em dias alternados; e embora, modernamente,
essa circunstância não gere tantas consequências quanto geravam em
épocas mais antigas, a superioridade reconhecida dos soldados da
Prússia, que se deve, segundo dizem, à expertise superior de seu
treinamento, é suficiente para nos provar que, até mesmo hoje em dia, as
consequências do treinamento são bastante consideráveis.
Os soldados que são obrigados a obedecer ao seu superior apenas
uma vez por semana, ou uma vez por mês, e que, dessa forma, estão
livres em todos os outros momentos para gerir seus próprios negócios da
forma que melhor lhes aprouver, sem necessidade de reportar suas
atividades ao oficial, nunca temerão o seu superior, nunca terão a mesma
disposição para lhe prestar obediência imediata que os soldados cuja vida
e conduta são, todos os dias, comandadas por ele, e que, todos os dias,
acordam e vão dormir (ou, no mínimo, se recolher aos seus alojamentos)
de acordo com as suas ordens. No que diz respeito à disciplina, ou ao
hábito da obediência imediata, uma milícia será sempre muito inferior a
um exército permanente, mais do que ocorre, às vezes, em relação aos
exercícios manuais, isto é, à gestão e uso de suas armas. Na guerra
moderna, no entanto, o hábito da obediência imediata possui
consequências muito maiores do que a superioridade considerável no
manejo das armas.
Mas as milícias que vão à guerra sob o comando do mesmo chefe a
que estão acostumadas a obedecer em períodos de paz, como é o caso das
milícias tártara e árabe, são, de longe, as melhores. Em relação ao respeito
que prestam aos seus oficiais superiores e ao hábito da obediência
imediata, elas são as que mais se aproximam dos exércitos permanentes.
A milícia das Terras Altas tinha o mesmo tipo de vantagem quando
servia a seus próprios chefes. Mas, já que os habitantes das Terras Altas
não eram nômades, mas sim pastores sedentários, e já que todos tinham
residência fixa e não estavam acostumados, em tempos de paz, a seguir
seu chefe de um local para outro; então, em tempos de guerra, eles se
viam menos dispostos a segui-lo por vastas distâncias ou a permanecer
por longo tempo nos campos de batalha. Sempre que obtinham um
espólio qualquer, passavam a ficar ansiosos para voltar para casa; a
autoridade do chefe não costumava ser suficiente para detê-los. Em
relação à obediência, eram sempre muito inferiores aos relatos que temos
sobre os tártaros e os árabes. Já que os habitantes das Terras Altas, por
serem sedentários, não passavam muito tempo ao ar livre, estavam
menos acostumados aos exercícios militares e possuíam menos destreza
do que os tártaros e os árabes em relação ao manejo de suas armas.
No entanto, é preciso observar que qualquer tipo de milícia que tenha
lutado em várias campanhas sucessivas no campo torna-se um exército
permanente em todos os aspectos. Todos os dias os soldados treinam e
são comandados por seus oficiais superiores e, por isso, estão
acostumados à mesma obediência imediata que ocorre nos exércitos
permanentes. Pouco importa o que eram antes de chegar ao campo de
batalha. Em todos os aspectos, elas necessariamente passam a ser um
exército permanente após algumas campanhas. Se a guerra na América
fosse levada a uma nova campanha, a milícia americana poderia, em
todos os aspectos, ter atingido o mesmo nível de um exército
permanente, cuja coragem, na última guerra, não foi inferior à dos
veteranos mais aguerridos da França e da Espanha.
Tendo compreendido essa distinção, percebemos que a história de
todas as eras é testemunha da irresistível superioridade que um exército
permanente e bem dirigido tem sobre uma milícia.
Um dos primeiros exércitos permanentes de que temos notícia com
base em fontes históricas autênticas é o de Filipe da Macedônia. Suas
tropas, que, no início, deviam ser milícias, foram gradualmente forjadas
por suas guerras frequentes com os trácios, ilírios, tessálios e algumas
cidades gregas do entorno da Macedônia até atingirem a disciplina exata
de um exército permanente. Durante os raros e curtos períodos de paz,
ele se esforçava cuidadosamente para que o seu exército não se
dispersasse. De fato, após uma longa e violenta luta, seu exército venceu e
subjugou as milícias intrépidas e bem treinadas das principais repúblicas
da Grécia Antiga; e depois, com muito pouca luta, a milícia afeminada e
mal treinada do grande Império Persa. A superioridade irresistível que
um exército permanente tem sobre todo os tipos de milícia foi a causa da
queda das repúblicas gregas e do Império Persa. Na história da
humanidade, essa foi a primeira grande revolução cujos relatos distintos
e circunstanciais foram preservados.
A segunda foi a queda de Cartago e a consequente ascensão de Roma.
Todas as sortes ou reveses dessas duas famosas repúblicas recaem sobre a
mesma causa.
Desde o final da primeira Guerra Púnica até o início da segunda, os
exércitos de Cartago permaneceram em guerra e tiveram três grandes
generais, que sucederam um ao outro no comando: Amílcar, seu genro
Asdrúbal e seu filho Aníbal; eles castigaram os seus próprios escravos
rebeldes, depois subjugaram as nações revoltosas da África e, finalmente,
conquistaram o grande reino da Espanha. O exército que Aníbal
conduziu da Espanha até a Itália deve necessariamente ter sido
gradualmente forjado naquelas várias guerras até atingir a disciplina
exata de um exército permanente. Nesse ínterim, embora os romanos não
estivessem em um período de completa paz, eles não haviam lutado em
guerras de grandes consequências, e, segundo dizem, sua disciplina
militar ficou bastante relaxada. Os exércitos romanos que Aníbal
encontrou nas batalhas do Rio Trebbia, do Lago Trasimeno e de Canas584
eram milícias opostas a um exército permanente. É possível que essa
circunstância tenha contribuído mais do que qualquer outra para
determinar o destino dessas batalhas.
O exército permanente que Aníbal deixou na Espanha tinha essa
mesma superioridade em relação às milícias enviadas pelos romanos para
se opor a ele, e, em poucos anos, sob o comando de seu irmão, o jovem
Asdrúbal, os romanos foram quase inteiramente expulsos daquele país.
Mas os suprimentos enviados de Cartago para Aníbal não eram
suficientes. E, no decorrer da guerra, as milícias romanas, por estarem
continuamente em campo, transformaram-se em um exército
permanente bem disciplinado e bem treinado; e, assim, a superioridade
de Aníbal tornava-se cada vez menor. Asdrúbal julgou ser necessário
levar todo ou quase todo o seu exército permanente, que estava
estacionado na Espanha, para dar assistência a seu irmão na Itália. Dizem
que, em sua marcha, ele foi enganado por seus guias, e, em um país que
ele não conhecia, foi surpreendido e atacado e derrotado por outro
exército permanente que, em todos os aspectos, era igual ou superior ao
seu próprio exército.
Quando Asdrúbal deixou a Espanha, o grande Cipião encontrou ali
apenas uma milícia inferior para fazer frente à sua. Ele conquistou e
subjugou aquela milícia cartaginesa e, no decorrer da guerra, sua própria
milícia se transformou em um exército permanente bem disciplinado e
bem treinado. Esse mesmo exército permanente foi, então, deslocado
para a África, onde encontrou apenas uma milícia para fazer frente a ele.
Além disso, para defender Cartago, tornou-se necessário chamar de volta
o exército permanente de Aníbal. A desanimada e frequentemente
derrotada milícia africana se juntou ao exército permanente e, na batalha
de Zama,585 compôs a maior parte das tropas de Aníbal. Os eventos
daquele dia determinaram o destino das duas repúblicas rivais.
Desde o final da segunda Guerra Púnica até a queda da república
romana, as forças romanas foram sempre compostas por exércitos
permanentes. O exército permanente da Macedônia opôs alguma
resistência às armas romanas. No auge de sua grandeza, Roma precisou
enfrentar duas grandes guerras e três grandes batalhas para subjugar esse
pequeno reino; cuja conquista provavelmente teria sido ainda mais difícil
se não fosse pela covardia do último rei macedônio.586 As milícias de
todas as nações civilizadas do mundo antigo — Grécia, Síria e Egito —
opuseram uma fraca resistência aos exércitos permanentes de Roma. As
milícias de algumas nações bárbaras opuseram defesas muito melhores.
As milícias cita ou tártara, que Mitrídates recrutou dos países ao norte
dos mares Euxino e Cáspio, foram os inimigos mais formidáveis que os
romanos encontraram após a segunda Guerra Púnica. As milícias dos
partos e dos germanos também eram sempre respeitáveis e, em diversas
ocasiões, obtiveram vantagens muito consideráveis sobre os exércitos
romanos. No entanto, geralmente quando os exércitos romanos estavam
bem comandados, eles eram muito superiores; e se os romanos não
chegaram a conquistar a Pártia ou a Germânia, provavelmente foi porque
julgaram que não valia a pena acrescentar esses dois países bárbaros a um
império que já era muito grande. Parece que os antigos partos formavam
uma nação de origem cita ou tártara que sempre manteve grande parte
dos costumes de seus antepassados. Os antigos germanos, assim como os
citas ou tártaros, também eram uma nação de pastores nômades que iam
à guerra sob o comando dos mesmos chefes que estavam acostumados a
seguir durante os períodos de paz. Sua milícia era exatamente do mesmo
tipo que a dos citas ou tártaros, de quem também eram prováveis
descendentes.
Muitas causas contribuíram para relaxar a disciplina dos exércitos
romanos. Sua extrema severidade foi, talvez, uma dessas causas. Em seus
dias de glória, quando nenhum inimigo parecia capaz de se opor a eles,
sua pesada armadura foi posta de lado por ser considerada
desnecessariamente incômoda, seus treinamentos laboriosos foram
negligenciados por serem considerados desnecessariamente cansativos.
Além disso, durante o período dos imperadores romanos, os exércitos
permanentes de Roma, particularmente aqueles que defendiam as
fronteiras com a Germânia e a Panônia, tornaram-se perigosos a seus
próprios donos, contra os quais costumavam opor seus próprios generais.
A fim de torná-los menos desafiadores, Diocleciano, de acordo com
alguns autores, ou Constantino, de acordo com outros, retirou-os da
fronteira onde estiveram sempre acampados em grandes regimentos,
geralmente formados por duas ou três legiões cada, e os dispersou,
separando-os em pequenos regimentos nas várias cidades provinciais, de
onde só eram raramente removidos pela necessidade de se repelir uma
invasão. Esses pequenos regimentos foram aquartelados em cidades
mercantis e manufatureiras e eram raramente removidos; por isso, seus
soldados acabaram se tornando comerciantes, artesãos e
manufaturadores. O caráter civil passou a predominar sobre o militar, e
os exércitos permanentes de Roma foram gradualmente se degenerando
em uma milícia corrupta, negligenciada e indisciplinada, incapaz de
resistir ao ataque das milícias germanas e citas que começavam a invadir
o império ocidental. Os imperadores somente conseguiram se defender
por algum tempo porque contrataram a milícia de algumas dessas nações
para se opor às outras. Na história da humanidade, a queda do Império
Romano foi a terceira grande revolução cujos relatos distintos e
circunstanciais foram preservados. Ocorreu por causa da superioridade
irresistível que a milícia de uma nação bárbara tem sobre a milícia de
uma nação civilizada, que a milícia de uma nação de pastores tem sobre a
milícia de uma nação de agricultores, artesãos e manufaturadores. As
milícias não costumam vencer os exércitos permanentes, mas vencem
outras milícias com treinamento e disciplina inferiores. Exemplo disso
são as vitórias das milícias gregas sobre as do Império Persa, e, nos
últimos tempos, a vitória das milícias suíças sobre as austríacas e
borgonhesas.
As forças militares das nações germanas e citas levaram-nas a se
estabelecer sobre as ruínas do império ocidental e, por algum tempo,
essas forças mantiveram, em seus novos assentamentos, a mesma forma
que tinham em seus países de origem. Essas forças eram milícias de
pastores e agricultores que, em tempos de guerra, recebiam o comando
do mesmo chefe que estavam acostumados a obedecer durante os
períodos de paz. Eram, portanto, razoavelmente bem treinadas e
razoavelmente bem disciplinadas. Entretanto, conforme as artes e o
trabalho se modernizavam, a autoridade dos chefes deteriorava-se
gradualmente e a população tinha menos tempo livre para o treinamento
militar. Como consequência, tanto a disciplina quanto o treinamento das
milícias feudais deterioraram-se gradualmente, enquanto os exércitos
permanentes eram introduzidos gradualmente para tomar o espaço delas.
Além disso, assim que uma nação civilizada adotava o exército
permanente, todos os seus vizinhos se viam obrigados a seguir o
exemplo. Descobriram rapidamente que sua segurança dependia disso e
que sua própria milícia era totalmente incapaz de resistir ao ataque de
um exército.
Mesmo que os soldados de um exército permanente nunca tivessem
visto um inimigo, eles, com frequência, pareciam ter toda a coragem das
tropas veteranas e, no momento em que chegavam ao campo de batalha,
pareciam aptos a enfrentar os veteranos mais aguerridos e experientes.
Em 1756, quando o exército russo marchou sobre a Polônia, os soldados
russos não pareciam menos valorosos que os prussianos, que, naquela
época, eram considerados os veteranos mais aguerridos e experientes da
Europa. O Império Russo, no entanto, havia desfrutado por quase vinte
anos de uma paz profunda e, naquele momento, é possível que
pouquíssimos soldados já tivessem encontrado algum inimigo. Com a
eclosão da guerra espanhola (Guerra da Orelha de Jenkins), em 1739, a
Inglaterra também havia desfrutado de uma paz profunda por cerca de
28 anos. A grande coragem de seus soldados, como sempre, longe de ter
sido corrompida por essa longa paz, nunca foi maior do que no ataque a
Cartagena, a primeira façanha infeliz dessa guerra infeliz. Durante uma
paz prolongada, é possível que os generais esqueçam suas habilidades;
mas, quando um exército permanente e bem dirigido é mantido em
forma, os soldados não esquecem sua coragem.
Sempre que a defesa de uma nação civilizada depender de uma
milícia, ela estará o tempo todo exposta a ser conquistada por qualquer
nação bárbara que se avizinhe dela. As frequentes conquistas de todos os
países civilizados da Ásia pelos tártaros são provas da superioridade
natural que a milícia de uma nação bárbara tem sobre a de uma nação
civilizada. Um exército permanente e bem dirigido é superior a todos os
tipos de milícia. Já que um exército desse tipo só pode ser mantido da
melhor forma possível por uma nação rica e civilizada, ele é capaz de
defender sozinho essa nação contra a invasão de um vizinho pobre e
bárbaro. Somente um exército permanente é capaz de perpetuar, ou
manter por tempo considerável, a civilização de um país qualquer.
Assim, tendo em vista que somente um exército permanente e bem
dirigido é capaz de defender um país civilizado, então, é somente por
meio dele que um país bárbaro pode se tornar rápida e razoavelmente
civilizado. Um exército permanente estabelece, com uma força
irresistível, a lei do soberano nas províncias mais remotas do império e
mantém algum grau de governo regular em países incapazes de mantê-lo
por quaisquer outros meios. Qualquer pessoa que examine com atenção
as melhorias introduzidas no Império Russo por Pedro, o Grande, notará
que quase todas elas são determinadas pelo estabelecimento de um
exército permanente e bem dirigido. Pois esse foi o instrumento que
executou e manteve todos os seus outros regulamentos. Esse grau de
ordem e paz interna, usufruído por esse império desde então, deve-se
totalmente à influência desse exército.587
Homens de princípios republicanos suspeitam dos exércitos
permanentes, pois os consideram um perigo à liberdade. Eles certamente
o serão sempre que os interesses do general e dos principais oficiais não
estiverem necessariamente alinhados à constituição do Estado. O exército
permanente de César destruiu a República Romana. O exército
permanente de Cromwell dissolveu o Longo Parlamento. Mas um
exército permanente nunca será um perigo à liberdade quando o próprio
soberano é o general do exército e a nobreza e a aristocracia rural são os
oficiais do alto escalão, nem quando a força militar é comandada por
aqueles que têm maior interesse em receber apoio da autoridade civil,
porque eles mesmos possuem a maior parte da autoridade. Pode, pelo
contrário, e em alguns casos, ser bastante favorável à liberdade. A
segurança que ele oferece ao soberano torna desnecessária essa suspeita
problemática que, em algumas repúblicas modernas, parece controlar as
menores ações e estar sempre pronta para perturbar a paz de todos os
cidadãos a qualquer momento. Quando a segurança de um magistrado,
embora apoiado pelas pessoas mais importantes do país, está ameaçada
por quaisquer descontentamentos populares; quando um pequeno
tumulto é suficiente para, em poucas horas, causar uma grande
revolução, toda a autoridade do governo deve ser empregada para
suprimir e punir todos os murmúrios e reclamações contra ele. Pelo
contrário, para um soberano que se sente apoiado não só pela
aristocracia natural do país, mas por um exército permanente e bem
dirigido, nem mesmo as queixas mais rudes, mais sem sentido e mais
licenciosas são capazes de gerar perturbações. Ele pode, de forma segura,
perdoá-los ou negligenciá-los; a consciência de sua própria superioridade
o dispõe naturalmente a agir assim. Esse grau de liberdade que se
aproxima do descomedimento só é tolerado em países onde o soberano
possui a segurança de um exército permanente e bem dirigido. Somente
nesses países a segurança pública não exige que o soberano tenha
poderes discricionários para suprimir até mesmo o excesso impertinente
dessa liberdade descomedida.588 Portanto, o primeiro dever do soberano,
isto é, defender a sociedade contra a violência e a injustiça de outras
sociedades independentes, vai se tornando gradualmente mais caro
conforme a sociedade progride para um estágio civilizatório mais
avançado. No início, as forças militares da sociedade nada custavam ao
soberano, nem em períodos de paz nem durante as guerras, mas, durante
o curso do progresso, elas passam a ser sustentadas pelo soberano,
primeiro durante os períodos de guerra e, em seguida, também nos
períodos de paz.
A grande mudança introduzida na arte da guerra pela invenção das
armas de fogo elevou ainda mais as despesas para treinar e disciplinar
qualquer número específico de soldados em tempos de paz, bem como
nos períodos de guerra. Armas e munições se tornam mais caras. Um
mosquete é uma máquina mais cara do que uma lança ou arco e flechas;
um canhão ou um morteiro, mais caros do que uma balista ou uma
catapulta. A pólvora gasta quando se passa o exército em revista é
completamente perdida e gera uma despesa bastante alta. Antigamente,
quando se passava revista a uma tropa, os dardos e as flechas lançadas ou
atiradas podiam ser facilmente recolhidos e, além disso, eram muito
baratos. Além de o canhão e o morteiro serem máquinas muito mais
caras e muito mais pesadas do que a balista ou catapulta, também exigem
gastos maiores, não apenas para prepará-las para o campo de batalha,
mas também para transportá-las para lá. Já que a artilharia moderna é
muito superior à artilharia antiga, tornou-se muito mais difícil e, dessa
forma, muito mais caro fortificar uma cidade para que ela possa opor
resistência, mesmo durante poucas semanas, aos ataques de uma
artilharia superior. Nos tempos modernos, muitas causas contribuem
para que a defesa da sociedade seja mais cara. A esse respeito, os efeitos
inevitáveis do progresso natural desses aprimoramentos ganharam o
reforço de uma grande revolução na arte da guerra, revolução que foi
gerada por uma mera casualidade, isto é, pela invenção da pólvora.
Na guerra moderna, os grandes gastos com armas de fogo oferecem
uma vantagem evidente às nações que tenham melhores recursos para
cobrir essas despesas e, consequentemente, a uma nação rica e civilizada
sobre uma nação pobre e bárbara. Na Antiguidade, as nações ricas e
civilizadas encontravam mais dificuldades para se defender das nações
pobres e bárbaras. Atualmente, as pobres e bárbaras encontram mais
dificuldades para se defender das ricas e civilizadas. A invenção de armas
de fogo, que à primeira vista parece ser tão deletéria, é certamente
benéfica tanto para a perpetuação quanto para a expansão da civilização.
Conclusão do capítulo
As despesas destinadas à defesa da sociedade e aquelas destinadas ao
sustento da dignidade do magistrado-chefe são estabelecidas em
benefício geral de toda a sociedade. Assim, é razoável que ambas sejam
custeadas pela contribuição geral de toda a sociedade, todos
contribuindo na proporção mais aproximada de suas respectivas
capacidades.
As despesas da administração da justiça também podem, sem dúvida,
ser consideradas como estabelecidas em benefício de toda a sociedade.
Não há impropriedade, portanto, em serem custeadas pela contribuição
geral de toda a sociedade. Porém, as pessoas que geram essas despesas
são aquelas que, por sua injustiça, cometida de uma forma ou de outra,
tornam necessária a busca de reparação ou proteção dos tribunais de
justiça. Por sua vez, os beneficiários imediatos dessas despesas são as
pessoas cujos direitos são restituídos ou mantidos pelos tribunais de
justiça. Por esse motivo, as despesas da administração da justiça,
portanto, podem ser muito apropriadamente custeadas pela contribuição
particular de um, de outro ou de ambos os grupos de pessoas, conforme
as exigências da ocasião, isto é, por meio das taxas judiciais. Não é
necessário recorrer à contribuição geral de toda a sociedade, exceto pela
condenação daqueles criminosos que não têm nenhum patrimônio ou
fundos suficientes para o pagamento dessas taxas.
As despesas locais ou provinciais cujo benefício é apenas local ou
provincial (por exemplo, o valor gasto com o policiamento de apenas
uma cidade ou de um distrito) devem ser custeadas por uma receita local
ou provincial, sem onerar a receita geral da sociedade. É injusto que toda
a sociedade contribua para uma despesa cujo benefício está confinado a
apenas uma parte da sociedade.
Não há dúvida de que as despesas para a manutenção de boas
estradas e comunicações beneficiam toda a sociedade e, portanto, devem
ser, de forma justa, custeadas pela contribuição geral de toda a sociedade.
Essa despesa, no entanto, traz benefícios imediatos e diretos àqueles que
viajam ou transportam mercadorias e para aqueles que consomem esses
bens. As tarifas de pedágios na Inglaterra e os impostos conhecidos como
peages em outros países recaem sobre esses dois grupos de pessoas e,
assim, retiram da receita geral da sociedade um ônus bastante
considerável.
Não há dúvida de que as despesas das instituições educacionais e de
instrução religiosa beneficiam toda a sociedade e, portanto, devem ser, de
forma justa, custeadas pela contribuição geral de toda a sociedade. No
entanto, essas despesas poderiam, talvez de forma igualmente apropriada
e até com alguma vantagem, ser totalmente custeadas pelos beneficiários
imediatos de tal educação e instrução, ou pela contribuição voluntária
daqueles que acreditam ter ocasião a uma ou a outra.
Quando as instituições ou obras públicas que beneficiam toda a
sociedade não podem ser — ou não são — mantidas totalmente pela
contribuição daqueles membros particulares da sociedade que são mais
diretamente beneficiados por elas, essa deficiência deve, na maioria dos
casos, ser compensada pela contribuição geral de toda a sociedade. A
receita geral da sociedade, além de custear as despesas de defesa da
sociedade e de oferecer sustento à dignidade do magistrado-chefe, deve
compensar a deficiência de muitas áreas particulares das receitas. No
capítulo seguinte explicarei sobre as fontes dessa receita geral ou pública.
Í
CAPÍTULO II
AS FONTES DAS RECEITAS GERAIS OU PÚBLICAS DA
SOCIEDADE
A receita ou renda que deve custear não apenas as despesas de defesa da
sociedade e de sustento à dignidade do magistrado-chefe, mas todas as
outras despesas necessárias do governo, para as quais a constituição do
Estado não proveu (ou proporcionou) alguma receita específica, pode ser
retirada, em primeiro lugar, de algum fundo que pertença exclusivamente
ao soberano ou à commonwealth e que seja independente das rendas de
sua população, ou, em segundo lugar, das rendas do povo.
Parte II – Os impostos
Segundo exposto na primeira parte desta obra, o rendimento privado dos
indivíduos origina-se em última instância de três fontes diferentes: renda,
lucro e salários. Todo tributo deve, por fim, ser pago por um desses três
tipos de rendimentos ou por todos eles indiferentemente. Tentarei
oferecer a melhor explicação possível sobre, primeiro, os tributos que
deveriam recair sobre a renda; em segundo lugar, aqueles que deveriam
recair sobre o lucro; em terceiro, aqueles que deveriam recair sobre os
salários; e, em quarto lugar, aqueles que deveriam recair indiferentemente
sobre todas essas três fontes diferentes de rendimentos privados. As
considerações específicas sobre cada um desses quatro tipos diferentes de
tributos dividirão a segunda parte do presente capítulo em quatro artigos,
três dos quais exigirão várias outras subdivisões. Muitos desses tributos,
como se verá pela revisão que farei a seguir, não são realmente pagos
pelos fundos ou fonte de rendimentos sobre a qual deveriam recair.640
Antes de entrarmos no exame de cada tributo, é necessário
estabelecer as quatro seguintes máximas em relação aos tributos em
geral.641
I. Os súditos de todo Estado devem contribuir para a manutenção do
governo o mais próximo possível às suas respectivas capacidades, isto é,
em proporção ao rendimento de que desfrutam individualmente sob a
proteção do Estado. Os gastos do governo com os indivíduos de uma
grande nação são como os gastos de administração dos muitos
arrendatários de uma grande propriedade, os quais são obrigados a
contribuir proporcionalmente aos respectivos interesses que possuem
sobre a propriedade. Na observância ou negligência dessa máxima
consiste o que chamamos de equidade ou não equidade da tributação.
Todo imposto, devemos observar de uma vez por todas, que recai apenas
sobre um dos três tipos de rendimentos anteriormente mencionados é
necessariamente desigual, na medida em que não afeta os outros dois. No
exame que farei sobre cada um dos tributos, não falarei muito mais sobre
esse tipo de desigualdade, mas, na maioria dos casos, limitarei minhas
observações à falta de equidade que ocorre quando um determinado
tributo recai desigualmente até mesmo sobre aquele tipo específico de
rendimento privado que é afetado por ele.642
II. O tributo que cada indivíduo é obrigado a pagar deve ser certo e
não arbitrário. O vencimento, a forma de pagamento, o valor a ser pago
devem ser claros e evidentes, tanto para o contribuinte quanto para todas
as outras pessoas. Se não for assim, toda pessoa sujeita ao imposto ficaria
à mercê em maior ou menor grau do poder do coletor de impostos, que
poderá aumentar o valor do tributo de qualquer contribuinte que deteste
ou extorquir algum presente ou gratificação a si mesmo pela ameaça
desse aumento. A incerteza da tributação incentiva a insolência e
favorece a corrupção de um grupo de homens naturalmente impopulares,
mesmo quando não são insolentes nem corruptos. Em relação à
tributação, a certeza sobre quanto cada indivíduo deve pagar possui tanta
relevância que, acredito, com base na experiência de todas as nações, um
grau muito elevado de falta de equidade não é, nem de longe, um mal tão
grande quanto um grau muito pequeno de incerteza.643
III. Todos os tributos devem ser arrecadados no momento ou da
forma mais conveniente para que o contribuinte os pague. Quando se
cobra um tributo sobre a renda da terra ou o aluguel de casas no mesmo
momento em que essas rendas são geralmente recebidas, o tributo estará
sendo exigido no momento mais conveniente para que o contribuinte o
pague; isto é, no momento em que há maior probabilidade de o
contribuinte possuir meios para pagar o tributo. Os tributos sobre bens
de consumo como os artigos de luxo são pagos pelo consumidor final e,
em geral, de maneira bastante conveniente para ele. Ele os paga aos
poucos, conforme compra suas mercadorias. E, já que tem a liberdade de
comprar ou não comprar as mercadorias que deseja, será culpa dele
mesmo caso sofra quaisquer inconveniências consideráveis desses
tributos.644
IV. Cada tributo deve ser concebido de tal modo que as pessoas
tenham que desembolsar o mínimo possível acima do que traz ao tesouro
público do Estado. Há quatro maneiras com as quais os tributos podem
levar as pessoas a desembolsar muito mais do que o valor arrecadado ao
tesouro público. Em primeiro lugar, é possível que a cobrança do tributo
exija um grande número de funcionários, cujos salários absorvam uma
grande parte do produto do imposto, e cujas gratificações acabem
gerando um imposto adicional à população. Em segundo lugar, pode
impor obstáculos ao trabalho da população e desencorajá-la de aplicar-se
a certos ramos de negócios que poderiam oferecer subsistência e
emprego a grandes multidões. Já que tal tributo obriga as pessoas a pagar,
ele pode, dessa forma, causar a diminuição ou, talvez, até mesmo a
destruição de alguns fundos com os quais seria possível aplicar-se àqueles
ramos com maior facilidade. Em terceiro lugar, por meio de confiscos e
outras penalidades que são aplicadas aos infelizes que tentam, sem
sucesso, sonegar o tributo; isso os acaba arruinando e, assim, dá fim aos
benefícios que a comunidade poderia ter recebido pelo emprego de seus
capitais. Um imposto pouco criterioso oferece uma grande tentação ao
contrabando. Mas as penalidades por contrabando devem agravar-se
proporcionalmente a essa tentação. A lei, ao contrário de todos os
princípios comuns da justiça, primeiro cria a tentação e depois pune
aqueles que se rendem a ela; e, por fim, geralmente a punição é também
agravada em proporção à própria circunstância que certamente deveria
atenuá-la, a tentação de cometer o crime.645 Em quarto lugar, ao sujeitar
as pessoas às visitas frequentes e ao exame odioso dos coletores de
impostos, os tributos podem expô-las a muitos problemas
desnecessários, vexames e arbitrariedades; e embora o vexame não
constitua, estritamente falando, uma despesa, é certamente equivalente às
despesas que todos estariam dispostos a incorrer para se livrar de tal
situação. É devido a uma dessas quatro maneiras que os tributos
costumam ser muito mais incômodos para as pessoas do que benéficos
para o soberano.646
A evidente justiça e utilidade dessas máximas as recomendaram, em
maior ou menor grau, à atenção de todas as nações. Todas as nações
buscam, utilizando seu melhor juízo, criar os tributos mais equitativos
possíveis, os mais certos e convenientes para os contribuintes, seja em
relação ao momento e à forma de pagamento, seja em proporção às
receitas que rendem ao príncipe, e os que gerem o menor incômodo às
pessoas. A breve revisão de alguns dos principais tributos de diferente
épocas e países mostrará que, a esse respeito, as nações não obtiveram os
mesmos êxitos por seus esforços.
ARTIGO I
TRIBUTOS SOBRE A RENDA; TRIBUTOS SOBRE A RENDA DA TERRA
Um tributo sobre a renda da terra pode ser imposto de acordo com
determinado padrão, fixando-se determinada renda da terra para cada
distrito, a qual não deve ser posteriormente alterada; ou, então, pode ser
imposto de modo a variar toda vez que houver variação na renda real da
terra e a aumentar ou diminuir de acordo com o aumento ou a
diminuição do cultivo.
Um imposto fundiário que, como o da Grã-Bretanha, é cobrado de
cada distrito segundo determinado padrão invariável, ainda que tenha
sido equitativo no momento de sua criação, necessariamente se torna
desigual com o decorrer do tempo, conforme os graus desiguais de
aperfeiçoamento ou a negligência dos cultivos nas regiões do país. Na
Inglaterra, a forma como os diferentes condados e paróquias foram
avaliados para a cobrança do imposto fundiário pelo estatuto do 4º ano
do reinado de Guilherme e Maria647 foi muito desigual mesmo em sua
criação. Das quatro máximas anteriormente citadas, esse tributo
contraria a primeira. Ele obedece às outras três. É perfeitamente certo. O
momento do pagamento do tributo, sendo o mesmo do recebimento da
renda, é o mais conveniente possível para o contribuinte. Embora o
proprietário da terra seja, em todos os casos, o verdadeiro contribuinte, o
tributo costuma ser adiantado pelo arrendatário, valor que é
obrigatoriamente descontado do pagamento da renda. Este imposto é
cobrado por um número muito menor de funcionários do que qualquer
outro que proporcione quase a mesma receita. Já que o imposto sobre
cada distrito não aumenta com o aumento da renda, o soberano não
participa dos lucros das melhorias realizadas pelo proprietário. De fato,
às vezes, essas melhorias contribuem para desonerar os outros
proprietários do distrito. Contudo, o aumento do imposto que, às vezes,
pode ser causado pelas melhorias de uma propriedade específica é
sempre tão pequeno que nunca poderá desestimulá-las nem manter o
produto da terra abaixo do nível que ela poderia atingir em outro caso.
Assim como esse aumento não tende a diminuir a quantidade do
produto, também não tende a elevar o seu preço. E, por isso, não cria
obstáculos ao trabalho da população. Ele sujeita o proprietário apenas ao
inconveniente inevitável de pagar o imposto.
A vantagem, no entanto, que o proprietário da terra aufere da
invariabilidade da avaliação das terras da Grã-Bretanha para efeito de
imposto fundiário se deve a algumas circunstâncias totalmente estranhas
à natureza do tributo.
Deve-se, em parte, à grande prosperidade de quase todas as regiões
do país, pois, desde o momento em que essa avaliação foi criada, as
rendas de quase todas as propriedades da Grã-Bretanha vêm
aumentando de forma constante e não diminuíram em quase nenhuma.
Dessa forma, quase todos os proprietários ganharam a diferença entre o
imposto que pagariam de acordo com o atual valor da renda de suas
propriedades e o que eles realmente pagam de acordo com a antiga
avaliação. Se o país se encontrasse em outra situação, se o valor das
rendas tivesse diminuído gradualmente em consequência do declínio do
cultivo, quase todos os proprietários teriam perdido pelo valor dessa
mesma diferença. No estado de coisas estabelecido após a revolução, a
invariabilidade da avaliação tem trazido vantagem para o proprietário da
terra e sido prejudicial para o soberano. Em um estado de coisas
diferente, poderia ter sido vantajosa para o soberano e prejudicial para o
proprietário da terra.
Já que o tributo deve ser pago em dinheiro, a avaliação da terra é
expressa em dinheiro. Desde a criação dessa avaliação, o valor da prata
tem se mantido bastante uniforme, não tendo ocorrido alteração no
padrão da moeda, nem em seu peso, nem em seu grau de pureza. Se o
valor da prata tivesse aumentado consideravelmente de valor, como
parece ter acontecido no decurso dos dois séculos que precederam a
descoberta das minas na América, a invariabilidade da avaliação poderia
ter se mostrado muito arbitrária para o proprietário da terra. Se o valor
da prata tivesse diminuído bastante, como certamente o fez durante cerca
de um século, ao menos após a descoberta daquelas minas, a mesma
avaliação invariável teria reduzido muito esse tipo de rendimento do
soberano. Se tivesse ocorrido alguma grande mudança no padrão da
moeda, ou pelo rebaixamento da mesma quantidade de prata para uma
denominação baixa, ou pela elevação a uma alta, por exemplo, se, em vez
de se cunhar 1 onça de prata em 5 xelins e 2 pence, ela tivesse sido
cunhada em moedas de denominação tão baixa quanto 2 xelins e 7 pence,
ou então em moedas com denominação alta de 10 xelins e 4 pence, então,
no primeiro caso, a invariabilidade da avaliação teria prejudicado o
rendimento do proprietário, e, no segundo, o do soberano.
Portanto, em circunstâncias um pouco diferentes daquelas que
realmente ocorreram, essa invariabilidade da avaliação poderia ter sido
muito inconveniente para os contribuintes e para a commonwealth. No
entanto, essas circunstâncias deverão ocorrer em algum momento ou
outro no decorrer do tempo. Porém, embora os impérios, como todas as
outras obras da humanidade, sejam finitos, todos eles buscam a
imortalidade. Desse modo, toda constituição que se queira tão
permanente quanto o próprio império deve ser conveniente não apenas
em algumas circunstâncias, mas em todas elas; ou então deve adequar-se
não às circunstâncias transitórias, ocasionais ou acidentais, mas àquelas
que são necessárias e, portanto, sempre as mesmas.
Um tributo sobre a renda da terra que varie com cada variação da
renda, ou que aumente e diminua de acordo com o cultivo aprimorado
ou negligenciado, é recomendado por aquele grupo de letrados franceses
que se autodenominam “os economistas”648 como o mais equitativo de
todos os tributos. Segundo eles, todos os tributos recaem em última
instância sobre a renda da terra e, por isso, deveriam ser impostos com
igualdade ao fundo que, ao final, será o responsável pelo pagamento
deles. É verdade que todos os tributos deveriam recair da forma mais
equitativa possível sobre o seu fundo pagador. Mas sem entrar na
discussão desagradável dos argumentos metafísicos nos quais eles
apoiam sua teoria muito inventiva, a análise que se segue mostrará
adequadamente quais são os tributos que, em última análise, recaem
sobre a renda da terra e quais são aqueles que, ao final, recaem sobre
algum outro fundo.
No território de Veneza, o tributo de todas as terras aráveis,
arrendadas aos agricultores, equivale a 1/10 da renda.649 Os
arrendamentos são inscritos em um registro público que é mantido pelos
funcionários de receita em cada província ou distrito. Quando o
proprietário cultiva suas próprias terras, elas são avaliadas de acordo com
uma estimativa equitativa, permitindo-se que ele deduza 1/5 de seu
tributo; assim, em tais terras, ele pagará apenas 8% — e não 10% — da
suposta renda.
Esse tipo de imposto fundiário é certamente mais equitativo que o
imposto fundiário da Inglaterra. Talvez ele não seja completamente certo
e seu cálculo possa gerar incômodos mais frequentes ao proprietário da
terra. É possível, também, que sua coleta seja muito mais cara.
Mas talvez seja possível imaginar um sistema em grande medida
capaz de evitar essa incerteza e diminuir esses gastos.
Por exemplo, o proprietário da terra e o arrendatário poderiam,
juntos, ser obrigados a inscrever o contrato de arrendamento em um
registro público. Poderiam existir multas adequadas contra a ocultação
ou a inexatidão de qualquer uma das condições; e se parte do valor dessas
multas fosse paga àquele que denunciasse ou comprovasse que o outro foi
causador de ocultação ou inexatidão, isso impediria efetivamente que as
duas partes se associassem para fraudar a receita pública. Todas as
condições do contrato de arrendamento estariam registradas para
consulta.
Alguns proprietários de terra, em vez de aumentarem o valor da
renda a ser paga, cobram uma taxa para a renovação do contrato. Essa
prática é, na maioria dos casos, o expediente utilizado pelo esbanjador,
que, por uma soma de dinheiro vivo, vende uma renda futura muito mais
valiosa. É, portanto, na maioria dos casos, prejudicial para o proprietário.
Costuma ser prejudicial para o arrendatário e é sempre prejudicial para a
comunidade. A prática costuma subtrair uma parcela tão grande do
capital do arrendatário e, assim, diminui tanto sua capacidade de cultivar
a terra que ele acaba tendo mais dificuldade para pagar essa pequena
renda do que teria para pagar a renda maior, aquela a que estaria sujeito
se não houvesse renovado o contrato pela taxa. Tudo aquilo que diminui
sua capacidade de cultivar necessariamente reduz a parte mais
importante do rendimento da comunidade a um valor abaixo do que
atingiria em outro caso. Ao tornar o tributo sobre essas multas bem mais
oneroso do que o tributo sobre a renda normal, seria possível
desestimular essa prática prejudicial para o benefício de todas as partes
envolvidas, isto é, do proprietário da terra, do arrendatário, do soberano
e de toda a comunidade.
Alguns arrendamentos obrigam o arrendatário a utilizar um certo
modo de cultivo e uma certa sucessão (ou alternância) de cultivos
durante o período do contrato. Essa condição, que geralmente resulta da
presunção do proprietário sobre a superioridade de seu próprio
conhecimento (uma presunção que, na maioria dos casos, é muito mal
fundamentada), deve ser sempre considerada como uma renda adicional
como uma renda em serviços em vez de uma renda em dinheiro. A fim
de desencorajar essa prática, geralmente tola, pode-se avaliar essa espécie
de renda em um grau relativamente mais alto que o normal e,
consequentemente, tributá-la a um valor um pouco maior do que o das
rendas em dinheiro.
Alguns proprietários de terra, em vez da renda em dinheiro, exigem
uma renda em espécie, por exemplo, em milho, gado, aves, vinho, óleo,
etc., enquanto outros, por sua vez, exigem uma renda em serviços. Essas
rendas são sempre mais prejudiciais para o arrendatário do que benéficas
para o proprietário. Essas rendas retiram mais do primeiro do que
entregam ao último. Em todos os países onde ocorrem, os arrendatários
são pobres e mendicantes, muito de acordo com o grau com que
ocorrem. Da mesma forma, avaliar essas rendas em um grau
relativamente mais alto que o normal e, consequentemente, tributá-las a
um valor um pouco maior do que o das rendas em dinheiro talvez seja
suficiente para desencorajar essa prática, que é tão prejudicial para toda a
comunidade.650
Quando o proprietário da terra resolve ocupar ele mesmo uma parte
de suas próprias terras, a renda poderia ser avaliada segundo uma
arbitragem dos agricultores e dos proprietários de terras da redondeza,
podendo ser concedido a ele um abatimento moderado do imposto, da
mesma forma que ocorre no território de Veneza, contanto que a renda
das terras que ele ocupar não supere certa soma. É importante que o
proprietário seja encorajado a cultivar uma parte de suas próprias terras.
Seu capital é geralmente maior do que o do seu arrendatário e, com
menos habilidade, ele pode ser capaz de gerar um produto maior. O
proprietário pode se dar ao luxo de realizar experimentos e, em geral,
está disposto a fazê-lo. Suas experiências malsucedidas ocasionam apenas
uma perda moderada para si mesmo. As bem-sucedidas contribuem para
o aprimoramento e para a melhoria do cultivo em todo o país.
Entretanto, talvez seja importante que a redução do tributo o incentive a
cultivar apenas uma certa extensão. Se a maior parte dos proprietários
resolvesse cultivar toda a extensão de suas próprias terras, o país (em vez
de arrendatários sérios e trabalhadores, que, por interesse próprio, devem
cultivar as terras da melhor forma permitida por seu capital e habilidade)
estaria repleto de bailios preguiçosos e esbanjadores, cuja administração
abusiva logo degradaria o cultivo, reduziria o produto anual total das
terras e, com isso, diminuiria não apenas o rendimento de seus senhores,
mas também o da parcela mais importante de toda a sociedade.651
Esse sistema de administração poderia, talvez, liberar um tributo
desse tipo de qualquer grau de incerteza que pudesse acarretar
arbitrariedades ou inconvenientes para o contribuinte e, ao mesmo
tempo, serviria para incorporar à administração comum da terra um
plano ou política que contribuísse bastante para o aprimoramento geral e
para o bom cultivo do país.
Os gastos com a arrecadação de um imposto fundiário que variasse
com qualquer variação da renda seriam, sem dúvida, um pouco maiores
do que a despesa para arrecadar um imposto calculado de acordo com
uma avaliação fixa. Haveria necessariamente alguma despesa adicional,
devido tanto aos diversos registros públicos que seria indicado criar nos
diferentes distritos do país quanto pelas avaliações que deveriam ser
ocasionalmente realizadas nas terras que o proprietário decidisse ocupar.
Toda essa despesa, entretanto, poderia ser bem pequena, muito inferior à
que se incorre para a arrecadação de muitos outros tributos, os quais
proporcionam uma receita muito pequena em comparação àquela que
poderia ser facilmente obtida por meio desse tipo de tributo.
O desestímulo que esse tipo de imposto fundiário variável poderia
causar ao aprimoramento da terra parece constituir a objeção mais
importante que se possa fazer sobre o sistema. O proprietário da terra
certamente estaria menos disposto a realizar aprimoramentos se
precisasse compartilhar os lucros dessas melhorias com o soberano, que
nada contribuiu para cobrir as despesas. Talvez até mesmo essa objeção
pudesse ser evitada ao se permitir que o proprietário da terra, antes de
dar início aos aprimoramentos, fixasse, juntamente com os funcionários
da receita, o valor efetivo de suas terras, de acordo com uma arbitragem
justa de certo número de proprietários de terras e agricultores da
redondeza, escolhidos igualmente pelas duas partes; e, classificando-o de
acordo com essa avaliação, mantivesse-a por um número de anos que
fosse suficiente para garantir sua completa indenização. Uma das
principais vantagens propostas por essa espécie de imposto fundiário
seria chamar a atenção do soberano para o aprimoramento da terra como
fonte de aumento de sua própria receita. Desse modo, o termo fixado
para a indenização do proprietário não deve ser muito maior do que o
necessário para esse fim, pois o soberano poderá perder o interesse se a
compensação estiver em um futuro muito distante. No entanto, seria
melhor se o período fosse um pouco mais longo do que, sob quaisquer
aspectos, curto demais. Nenhuma incitação à atenção do soberano jamais
poderá contrabalançar o menor desestímulo à atenção do proprietário da
terra. A atenção do soberano pode ser, na melhor das hipóteses, apenas
uma consideração muito genérica e vaga daquilo que poderia contribuir
para o melhor cultivo da maior parte de seus domínios. A atenção do
proprietário é uma consideração especial e minuciosa de tudo o que pode
ser aplicado da forma mais vantajosa a cada polegada de terra de sua
propriedade. A principal preocupação do soberano deve ser a de
incentivar, por todos os meios possíveis a ele, a atenção do dono da terra
e a do agricultor, deixando que ambos persigam seus próprios interesses,
à sua maneira e de acordo com seus próprios juízos, dando a ambos a
mais perfeita segurança de que poderão desfrutar plenamente da
recompensa de seu próprio trabalho, proporcionando a ambos o
mercado mais amplo para todos os itens de seu produto, como
consequência da criação das comunicações mais fáceis e mais seguras a
todas as regiões de seus domínios, seja por via terrestre ou por hidrovia e,
por fim, oferecendo liberdade ilimitada para que possam exportar seu
produto para os domínios de todos os outros monarcas.
Se, por tal sistema de administração, fosse possível gerir um imposto
desse tipo para que não oferecesse nenhum desestímulo ao
aprimoramento das terras, mas que, pelo contrário, oferecesse algum
incentivo à melhoria, então não parece provável que esse sistema fosse
capaz de provocar algum outro inconveniente ao proprietário senão a
sempre inevitável obrigação de pagar o tributo.
Em todos os estágios da sociedade, no progresso e no declínio da
agricultura, em todas as variações do valor da prata e em todas as
variações do padrão da moeda, um imposto desse tipo se adequaria
prontamente, de forma espontânea e sem nenhuma atenção do governo,
à situação efetiva das coisas, e seria igualmente justo e equitativo em
todas essas diversas mudanças. Seria, desse modo, muito mais adequado
que fosse criado por meio de um regulamento perpétuo e inalterável, isto
é, por meio daquilo que é chamado de lei fundamental da commonwealth,
e não como um tributo que deva ser sempre arrecadado de acordo com
uma certa avaliação.
Alguns Estados, em vez do expediente simples e óbvio de um registro
dos contratos de arrendamento, recorrem à estratégia trabalhosa e cara
de um levantamento e avaliação de todas as terras do país. Suspeitavam,
provavelmente, que arrendador e arrendatário, a fim de fraudar a receita
pública, poderiam se associar para ocultar os termos reais do contrato. O
Doomsday book652 parece ter sido o resultado de um levantamento
bastante preciso do mesmo tipo.
Nos antigos domínios do rei da Prússia, o imposto fundiário é
avaliado de acordo com um levantamento e avaliação efetivos, que é
revisado e alterado de tempos em tempos.653 De acordo com essa
avaliação, os proprietários leigos pagam entre 20% e 25% de sua receita.
Os eclesiásticos, entre 40% e 45%. O levantamento e a avaliação da Silésia
foram feitos por ordem do atual rei, e, segundo dizem, com grande
precisão. De acordo com essa avaliação, as terras pertencentes ao bispo
da Breslávia são tributadas em 25% da renda que auferem. Os outros
rendimentos dos eclesiásticos de ambas as religiões, em 50%. Os
comandantes da ordem teutônica e da ordem de Malta, em 40%. Terras
mantidas por título de nobreza, em 38,33%. Terras mantidas sem título
de nobreza, em 35,33%.
Diz-se que foram precisos cem anos para que o levantamento e a
avaliação da Boêmia ficassem completos. Não foi terminado até depois
da paz de 1748, por ordens da atual rainha-imperatriz.654 O
levantamento do ducado de Milão, que foi iniciado na época de Carlos
VI, somente foi concluído após 1760. É visto como um dos mais precisos
já realizados. O levantamento da Savoia e de Piemonte foi executado por
ordem do falecido rei da Sardenha.655
Nos domínios do rei da Prússia, a tributação dos rendimentos da
Igreja é muito mais alta do que a dos proprietários leigos. A maior parte
dos rendimentos da Igreja constitui um ônus sobre a renda da terra.
Quase nunca acontece de alguma parte dessas rendas ser utilizada para o
aprimoramento das terras ou ser utilizada de tal forma que possa
contribuir de algum modo para aumentar os rendimentos da população
em geral. Sua Majestade prussiana provavelmente, por conta disso,
considerou razoável que ela deveria contribuir muito mais para atender
às exigências do Estado. Em alguns países, as terras da Igreja estão isentas
de todos os tributos. Em outros, os tributos de suas terras são mais baixos
do que os das outras. No ducado de Milão, as terras que a Igreja possuía
antes de 1575 devem pagar por apenas um terço de seu valor.
Na Silésia, a tributação das terras detidas por um título de nobreza
são 3% superiores àquelas das pessoas sem título de nobreza. Sua
Majestade prussiana provavelmente imaginou que os diferentes tipos de
honras e privilégios das terras detidas por título de nobreza
compensariam de forma suficiente o pequeno agravamento do tributo;
enquanto, ao mesmo tempo, a humilhante inferioridade do segundo tipo
de detentor, em alguma medida, seria aliviada por uma tributação um
pouco mais leve. Em outros países, o sistema de tributação, em vez de
aliviar, agrava essa desigualdade. Nos domínios do rei da Sardenha e nas
províncias da França que estão sujeitas ao que é chamado de talha real ou
predial, o imposto recai completamente sobre as terras detidas sem título
de nobreza. Aquelas mantidas por um título de nobreza estão isentas da
cobrança.
Mesmo que o imposto fundiário cobrado de acordo com um
levantamento e avaliação geral seja inicialmente equânime, ele se torna
desigual com o decurso de um período bastante curto. Para evitar que
isso ocorra seria necessária a atenção contínua e árdua do governo a
todas as variações no estado e na produção de todas as diferentes
fazendas do país. Os governos da Prússia, da Boêmia, da Sardenha e do
ducado de Milão realmente exercem uma atenção desse tipo; uma
atenção tão inadequada à natureza do governo que provavelmente não
durará por muito tempo e que, se durar, provavelmente causará, no longo
prazo, muito mais problemas e amolação do que ajuda aos contribuintes.
Em 1666, a generalidade de Montauban foi tributada com a talha real
de acordo, dizem, com um levantamento e avaliação bastante precisos.656
Em 1727, no entanto, essa tributação tornou-se completamente desigual.
Para sanar esse inconveniente, o governo não encontrou melhor
expediente do que impor a toda a generalidade um imposto adicional de
120 mil libras francesas. Esse imposto adicional foi designado a todos os
diferentes distritos sujeitos à talha de acordo com o antigo levantamento.
Mas é arrecadado apenas daqueles que, na situação atual e de acordo com
a antigo levantamento, estavam sendo tributados a menor e é aplicado
para aliviar aqueles que, pelo mesmo levantamento, estavam sendo
sobretributados. Por exemplo, dois distritos, um dos quais deveria, na
situação atual, ser tributado em 900 e o outro em 1.100 libras francesas,
são, de acordo com o antigo levantamento, tributados em mil libras. Pelo
atual imposto adicional, o tributo de ambos os distritos seria de 1.100
libras. Mas esse imposto adicional é arrecadado apenas do distrito com
tributação a menor e é aplicado integralmente para aliviar o distrito
sobretributado que, consequentemente, recolhe apenas 900 libras
francesas. O governo não ganha nem perde pelo imposto adicional, que é
aplicado apenas para sanar as desigualdades decorrentes do antigo
levantamento. A aplicação é regulada segundo o discernimento do
intendente da generalidade e, portanto, deve ser em grande parte
arbitrária.
ARTIGO II
TRIBUTOS SOBRE O LUCRO OU SOBRE
O RENDIMENTO DECORRENTE DO CAPITAL
O rendimento ou lucro decorrente do capital naturalmente se divide em
duas partes: a que paga os juros e que pertence ao proprietário do capital
e a parte excedente que ultrapassa o que é necessário para pagar os juros.
Evidentemente, esta última parte do lucro não está sujeita à
tributação direta. Ela é a compensação e, na maioria dos casos, não passa
de uma compensação muito moderada, pelo risco e pela preocupação da
aplicação do capital. O aplicador deve ter essa compensação, caso
contrário, ele não poderá, consistentemente com seu próprio interesse,
continuar a aplicação. Se ele fosse tributado diretamente, portanto, em
proporção a todo o lucro, seria obrigado a elevar a sua taxa de lucro ou a
cobrar o tributo sobre os juros do dinheiro, ou seja, a pagar menos juros.
Se ele aumentasse a taxa de seu lucro em proporção ao tributo, o total do
tributo, ainda que fosse adiantado por ele, seria pago, ao final, por um
dos dois seguintes grupos de pessoas, de acordo com a forma como ele
aplicasse o capital que administra. Se o aplicasse como um capital
agrícola no cultivo da terra, ele somente conseguiria aumentar a taxa de
seu lucro se mantivesse uma parcela maior do produto da terra, ou, o que
é a mesma coisa, se mantivesse o preço de uma parcela maior desse
produto; e como isso somente poderia ser realizado por meio da redução
da renda, o pagamento final do imposto recairia sobre o proprietários da
terra. Se ele o empregasse como capital na manufatura ou no comércio,
somente conseguiria aumentar a taxa de seu lucro por meio do aumento
do preço de suas mercadorias, caso em que o pagamento final do tributo
recairia integralmente sobre os consumidores dessas mercadorias. Se não
aumentasse a taxa de seu lucro, ele seria obrigado a onerar a
integralidade do tributo sobre a parte do lucro destinada a pagar os juros
do dinheiro. Ele pagaria menos juros por qualquer capital que tomasse
emprestado e o ônus do tributo recairia, nesse caso, em última análise,
sobre os juros do dinheiro. Se não fosse capaz de minorar seu imposto da
primeira maneira, ele se via obrigado a minorá-lo da segunda.
À primeira vista, os juros do dinheiro, assim como a renda da terra,
parecem um elemento igualmente capaz de ser tributado diretamente.
Assim como a renda da terra, os juros constituem o produto líquido que
resta após a completa compensação de todos os riscos e preocupações
gerados pela aplicação do capital. Assim como um tributo sobre a renda
da terra não é capaz de causar o aumento da renda, pois o produto
líquido que resta após a reposição do capital do agricultor, juntamente
com um lucro razoável, não pode ser maior depois do tributo do que
antes dele; assim, pela mesma razão, um tributo sobre os juros do
dinheiro não poderia causar o aumento da taxa de juros, já que a
quantidade de capital ou de dinheiro no país, assim como a quantidade
de terra, permanece supostamente a mesma, tanto depois quanto antes
do tributo. Em todos os lugares, a taxa ordinária de lucro, como já foi
mostrado no primeiro livro, é regulada pelo montante de capital a ser
aplicado proporcionalmente à quantidade de emprego ou de atividade
que deve ser realizada por ele. Mas a quantidade de emprego ou de
atividade que deve ser realizada pelo capital não pode ser aumentada
nem diminuída por nenhum tributo sobre os juros do dinheiro. Portanto,
se o montante de capital a ser aplicado não fosse aumentado nem
diminuído pelo tributo, a taxa ordinária de lucro permaneceria
necessariamente a mesma. Mas a parcela de lucro necessária para
compensar o risco e a preocupação do aplicador permaneceria a mesma,
pois não há nenhuma alteração nesse risco e preocupação. Desse modo, o
resíduo, isto é, a parcela pertencente ao proprietário do capital e que paga
os juros do dinheiro, também permaneceria necessariamente idêntico. À
primeira vista, portanto, os juros do dinheiro, assim como a renda da
terra, parecem um elemento igualmente capaz de ser tributado
diretamente.
No entanto, há duas circunstâncias que tornam os juros do dinheiro
um elemento muito menos adequado de tributação direta do que a renda
da terra.
Em primeiro lugar, a quantidade e o valor da terra possuída por uma
pessoa qualquer nunca são um segredo, pois podem ser sempre
averiguados com grande precisão. Ocorre que o montante total do capital
que a pessoa possui é quase sempre um segredo e, raramente, pode ser
determinado com alguma exatidão aceitável. Além disso, ele está sujeito a
sofrer variações quase contínuas. Raramente se passa um ano, muitas
vezes nem mesmo um mês e, às vezes, nem mesmo um dia no qual o
montante não aumente ou diminua em maior ou menor grau. Uma
inquirição sobre as condições específicas de todo homem e uma
inquirição que, no intuito de adequar o tributo a elas, vigiasse todas as
flutuações de sua fortuna seria uma fonte de amolações tão insistentes e
intermináveis que ninguém a suportaria.
Em segundo lugar, enquanto a terra é um elemento que não pode ser
afastado, o capital pode ser facilmente retirado. O proprietário da terra é,
obrigatoriamente, um cidadão do país específico em que sua propriedade
está localizada. O proprietário do capital é, literalmente, um cidadão do
mundo e não está necessariamente ligado a nenhum país específico. Ele
seria capaz de abandonar o país em que esteve exposto a alguma
inquirição aborrecedora para cobrar dele algum tributo oneroso e, então,
levaria seu capital para algum outro país onde ele poderia continuar suas
atividades comerciais ou desfrutar de sua fortuna de forma mais
tranquila. Ao retirar seu capital, ele daria fim a todas as atividades que
haviam sido mantidas naquele país. O capital cultiva a terra; o capital dá
emprego ao trabalho. Um tributo que tenda a afastar o capital do país
tenderia a secar todas as fontes de rendimentos, tanto para o soberano
quanto para a sociedade. Não só os lucros do capital, mas também a
renda da terra e os salários do trabalho, seriam, em maior ou menor grau,
necessariamente diminuídos pela retirada do capital.
Nesse sentido, as nações que tentaram tributar os rendimentos do
capital, em vez de realizar severas inquirições do tipo mencionado, foram
obrigadas a se contentar com algumas estimativas muito frouxas e,
portanto, mais ou menos arbitrárias. A desigualdade e a incerteza
extremas de um imposto calculado dessa forma só podem ser
compensadas por sua extrema moderação e, como consequência, toda
pessoa será tributada tão abaixo de seus rendimentos reais que não se
perturbará muito com isso, mesmo que seu vizinho seja tributado em
valor um pouco mais baixo.
Pelo imposto fundiário, pretendia-se, na Inglaterra, que o capital fosse
tributado na mesma proporção que a terra. Quando o tributo fundiário
estava em 4 xelins por libra, ou em 1/5 da suposta renda, pretendia-se
que o capital fosse tributado em 1/5 dos supostos juros. Quando o atual
imposto fundiário foi criado, a taxa legal de juros era de 6%. Cada 100
libras de capital, nesse sentido, deveriam ser tributadas em 24 xelins, a
quinta parte de seis libras. Uma vez que a taxa de juros legal foi reduzida
para 5%, cada cem libras do capital seriam supostamente tributadas em
20 xelins. A soma a ser levantada pelo que é chamado de imposto
fundiário ficou dividida entre o campo e as principais cidades. A maior
parte dela foi cobrada do campo e, da porção cobrada das cidades, a
maior parte foi das casas. O restante a ser cobrado do capital ou dos
negócios das cidades (pois o capital sobre a terra não deveria ser
tributado) estava muito abaixo do valor real desse capital ou negócio.
Portanto, quaisquer que tenham sido as desigualdades existentes na
cobrança original, elas incomodaram muito pouco. Todas as paróquias e
distritos ainda são tributados por suas terras, suas casas e seu capital de
acordo com a avaliação original; e a prosperidade quase universal do
país, que na maioria dos lugares elevou bastante o valor de todos eles,
torna essas desigualdades ainda menos importantes agora. Já que a taxa
de cada distrito continua sempre a mesma, a incerteza desse tributo, na
medida em que poderia ser cobrado do capital de qualquer indivíduo,
ficou muito diminuída e perdeu muito de sua importância. Se a maior
parte das terras da Inglaterra não são taxadas, para efeito do imposto
fundiário, pela metade do seu valor real, a maior parte do capital da
Inglaterra talvez mal seja taxada em 1/50 de seu valor real. Em algumas
cidades, todo o imposto fundiário é cobrado das casas como em
Westminster, onde há isenção para o capital e para o comércio. Não é o
que ocorre em Londres.
Em todos os países, tem-se evitado de forma muito cuidadosa uma
grave inquirição sobre as condições de vida das pessoas privadas.
Em Hamburgo,663 os habitantes são obrigados a pagar ao Estado
0,25% de tudo o que possuem; e como a riqueza do povo de Hamburgo
consiste principalmente em capital, esse imposto pode ser considerado
como um imposto sobre o capital. As pessoas taxam-se a si mesmas e, na
presença do magistrado, depositam anualmente nos cofres públicos uma
certa soma em dinheiro, que elas declaram, sob juramento, ser 0,25% de
tudo o que possuem, mas sem declarar o seu montante nem estar sujeitas
a nenhuma inspeção em relação ao assunto. Supõe-se que, em geral, o
tributo é pago com grande fidelidade. Em uma pequena república, onde a
população tem total confiança em seus magistrados, ela está convencida
da necessidade do tributo para oferecer suporte ao Estado e acredita que
este será fielmente aplicado para esse propósito; pode-se, às vezes, esperar
esse tipo de pagamento consciente e voluntário. Isso não ocorre somente
em Hamburgo.
O cantão de Underwald, na Suíça, costuma ser devastado por
tempestades e inundações e, assim, está sempre exposto a despesas
extraordinárias. Em tais ocasiões, as pessoas se reúnem e declaram com
muita franqueza o valor de suas posses para serem tributadas de acordo
com ele. Em Zurique, a lei ordena que, em casos de necessidade, todos
devem ser tributados proporcionalmente aos seus rendimentos, cujos
valores são obrigados a declarar sob juramento. Dizem que eles não têm
suspeitas de que serão enganados por algum de seus concidadãos. Na
Basileia, a principal receita do Estado origina-se de um pequeno tributo
alfandegário imposto sobre as mercadorias exportadas. Todos os
cidadãos fazem juramento de que pagarão a cada três meses todos os
tributos impostos pela lei. Confia-se que todos os comerciantes e até
mesmo todos os estalajadeiros manterão, eles mesmos, a contabilização
das mercadorias que vendem dentro ou fora do território. A cada três
meses, eles enviam essa conta para o tesoureiro, com o valor do imposto
calculado ao final. Não se suspeita que a receita seja prejudicada por essa
confiança.664
Ao que parece, obrigar todos os cidadãos a declarar publicamente e
sob juramento o montante de sua fortuna não é considerado algo difícil
nesses cantões suíços. Em Hamburgo seria considerado extremamente
difícil. Todos os comerciantes envolvidos em arriscados projetos
comerciais tremem só de pensar em ser obrigados a expor todas as vezes
o estado real de suas condições financeiras. Preveem que a consequência
disso seria, com frequência, a ruína de seu crédito e o fracasso de seus
projetos. Já um povo sóbrio e parcimonioso, que desconhece todos esses
empreendimentos, não sente a necessidade de ocultar o valor de seu
patrimônio.
Na Holanda, logo após o agora falecido príncipe de Orange ter se
tornado regente, um imposto de 2%, chamado de quinquagésimo penny,
incidiu sobre o patrimônio total de cada cidadão. Os cidadãos avaliavam
o valor que eles mesmos deviam e, da mesma forma que em Hamburgo,
pagavam o tributo; e, em geral, supunha-se que o tributo tenha sido pago
com bastante fidelidade. O povo, naquela época, havia acabado de
estabelecer um novo governo por meio de uma insurreição geral, e,
assim, tinha grande afeição por seu regente. O tributo deveria ser pago
apenas uma vez para que o Estado pudesse atender a uma exigência
específica. Ele era, de fato, muito pesado para ser permanente. Em um
país cuja taxa de juros de mercado raramente supera 3%, um tributo de
2% representa 13 xelins e 4 pence por libra sobre a receita líquida mais
alta que se costuma obter do capital. É um imposto que muito poucas
pessoas poderiam pagar sem precisar invadir, em maior ou menor grau,
seu capital. Em uma necessidade específica, o povo pode, por grande zelo
público, fazer um grande esforço e ceder até mesmo uma parte de seu
capital, a fim de ajudar o Estado. Mas seria impossível que a população
continuasse a fazer o mesmo esforço por mais tempo; e se o fizesse, o
imposto logo a arruinaria completamente e a deixaria completamente
incapaz de sustentar o Estado.
O tributo sobre o capital criado pela lei do imposto fundiário na
Inglaterra, embora seja proporcional ao capital, não tem a intenção de
diminuir ou retirar qualquer parte desse capital. Destina-se apenas a ser
um tributo sobre os juros do dinheiro, proporcional ao tributo sobre a
renda da terra, de modo que, quando o último for de 4 xelins por libra, o
primeiro também poderá ser de 4 xelins por libra. O tributo de
Hamburgo e os tributos ainda mais moderados de Underwald e Zurique
destinam-se, da mesma forma, não a tributar o capital, mas os juros ou os
rendimentos líquidos do capital. O da Holanda foi criado como um
tributo sobre o capital.
ARTIGO III
TRIBUTOS SOBRE O SALÁRIO DO TRABALHO
Conforme mostrei no primeiro livro, os salários das categorias inferiores
de trabalhadores são, em toda parte, necessariamente regulados por duas
circunstâncias diferentes: a demanda por trabalho e o preço comum ou
médio dos mantimentos. A demanda por trabalho, conforme esteja
crescente, estagnada ou em declínio, ou conforme exija uma população
crescente, estagnada ou em declínio, regula a subsistência do trabalhador
e determina em que grau ela será: liberal, moderada ou escassa. O preço
comum ou médio dos mantimentos determina a quantidade de dinheiro
que deve ser paga ao trabalhador para permitir que ele, um ano com
outro, compre essa subsistência liberal, moderada ou escassa. Desse
modo, enquanto a demanda por trabalho e o preço dos mantimentos
permanecerem iguais, um tributo direto sobre os salários do trabalho não
terá outro efeito senão aumentá-los a um valor um pouco acima do
tributo. Vamos supor, por exemplo, que em um determinado lugar a
demanda por trabalho e o preço dos mantimentos sejam tais que os
salários comuns do trabalho possam ser de 10 xelins por semana;
suponhamos que os salários sejam tributados em 1/5, isto é, em 4 xelins
por libra. Se a demanda por trabalho e o preço dos mantimentos
permanecessem iguais, ainda assim seria necessário que o trabalhador,
sem pagar o imposto, ganhasse para sua manutenção tudo o que pode ser
comprado com apenas 10 xelins por semana, ou seja, que, depois de
pagar o tributo, ele ainda tivesse 10 xelins por semana como salário livre.
Para que ele tenha esse salário livre após o pagamento do tributo, o preço
do trabalho neste lugar hipotético deverá aumentar não apenas para 12
xelins por semana, mas para 12 xelins e 6 pence; isto é, para que o
trabalhador possa pagar um tributo de 1/5, seu salário deve
necessariamente ter um aumento de 1/4 e não de apenas 1/5. Seja qual
for a proporção do tributo, os salários do trabalho devem, em todos os
casos, aumentar, não só nessa proporção, mas em uma proporção maior.
Se, por exemplo, o tributo for de 1/10, os salários do trabalho devem
necessariamente aumentar, não apenas em 1/10 mas em 1/8.
Assim, ainda que o tributo direto sobre os salários do trabalho fosse,
talvez, pago pelo próprio trabalhador, não poderíamos dizer com
propriedade que o imposto estaria sendo adiantado pelo trabalhador, ao
menos se a demanda por trabalho e o preço médio dos mantimentos
permanecessem os mesmos antes e depois do tributo. Em todos esses
casos, não apenas o tributo, mas algo mais do que ele, seria na verdade
adiantado pela pessoa que o emprega de forma direta. O pagamento final
caberia, em cada caso específico, a pessoas diferentes. O aumento que
esse tributo poderia ocasionar nos salários do trabalho manufatureiro
seria adiantado pelo dono da manufatura, que teria direito e seria
obrigado a embuti-lo, com lucro, no preço de suas mercadorias. O
pagamento final desse aumento salarial, portanto, juntamente com o
lucro adicional do dono da manufatura, recairia sobre o consumidor. O
aumento que esse tributo poderia gerar nos salários do trabalho rural
seria adiantado pelo agricultor, o qual, para manter o mesmo número de
trabalhadores que antes, seria obrigado a aplicar um capital maior.
Objetivando recuperar esse capital maior, juntamente com os lucros
ordinários do capital, ele precisaria reter uma parcela maior, ou, o que dá
no mesmo, o preço de uma parcela maior do produto da terra e,
consequentemente, precisaria pagar uma renda menor ao proprietário da
terra. Portanto, o pagamento final desse aumento salarial, juntamente
com o lucro adicional do agricultor, que o havia adiantado, recairia sobre
o proprietário da terra. Em todos os casos, um imposto direto sobre os
salários do trabalho deve, a longo prazo, gerar tanto uma maior redução
da renda da terra quanto um maior aumento do preço dos bens
manufaturados do que poderia obter-se de uma soma igual de tributos
cobrados em parte sobre a renda da terra e em parte sobre os bens de
consumo.
Se os impostos diretos sobre os salários do trabalho nem sempre
conseguem gerar um aumento proporcional desses salários, é porque eles
geralmente causam uma queda considerável na demanda por trabalho.
Em geral, o efeito desses tributos tem sido o declínio do trabalho, a
diminuição dos postos de trabalho para os pobres e a redução do produto
anual da terra e do trabalho do país. Como consequência desses tributos,
porém, o preço do trabalho deve sempre ser mais alto do que seria no
estado real da demanda efetiva; e esse aumento de preço, juntamente com
o lucro dos que o adiantam, sempre será inevitavelmente pago pelos
proprietários de terras e pelos consumidores.
Um imposto sobre os salários do trabalho rural não eleva o preço da
matéria-prima das terras em proporção ao tributo, pela mesma razão que
um tributo sobre o lucro dos agricultores não eleva esse preço em
proporção ao tributo.
Ainda que sejam absurdos e destrutivos, esses tributos existem em
muitos países. Na França, aquela parcela da talha que é cobrada sobre as
atividades dos trabalhadores das aldeias rurais é um tributo desse mesmo
gênero. Seus salários são calculados de acordo com a taxa comum do
distrito em que residem, e, para que possam se sujeitar o menos possível
a quaisquer encargos extraordinários, seus ganhos anuais são estimados
em no máximo duzentos dias úteis no ano.676 O imposto de cada
indivíduo sofre variações anuais de acordo com diferentes circunstâncias,
das quais são juízes o coletor ou o comissário, quem for nomeado pelo
intendente para ajudá-lo. Na Boêmia, em consequência da alteração no
sistema de finanças, iniciado em 1748, impõe-se um tributo muito
pesado ao trabalho dos artesãos. Eles estão divididos em quatro classes. A
classe mais alta paga 100 florins por ano, que, ao câmbio de 22,5 pence,
equivale a 9 libras, 7 xelins e 6 pence. O tributo da segunda classe é de 70
florins; da terceira, 50; e da quarta, compreendendo os artífices das
aldeias e a classe mais baixa de artífices nas cidades, de 25 florins.
Conforme me empenhei para mostrar no primeiro livro desta obra, a
remuneração dos artesãos engenhosos e dos profissionais liberais
mantém necessariamente certa proporção com os salários das profissões
menores. Um tributo sobre essa remuneração, portanto, não poderia ter
outro efeito senão elevá-la um pouco mais do que proporcionalmente ao
tributo. Se não aumentasse dessa maneira, as artes engenhosas e as
profissões liberais, não estando mais no mesmo nível das outras
atividades, ficariam tão esvaziadas que rapidamente voltariam a esse
nível.
Os salários das funções públicas, diferentemente dos recebidos pelas
atividades comerciais e pelas profissões, não são regulados pela livre
concorrência do mercado e, portanto, nem sempre guardam uma
proporção exata com o que a natureza do emprego exige. Na maioria dos
países, talvez, esses vencimentos são mais altos que o exigido; aqueles que
fazem parte da administração pública estão, em geral, dispostos a
oferecer a si mesmos e a seus dependentes imediatos remunerações que
ultrapassam o valor necessário. Na maioria dos casos, portanto, os
emolumentos dos cargos públicos estão muito aptos a suportar a
tributação. Além disso, as pessoas que desfrutam de cargos públicos,
especialmente os mais lucrativos, estão em todos os países sujeitas à
inveja geral; e um tributo sobre seus emolumentos, embora deva ser um
pouco maior do que o tributo sobre qualquer outro tipo de rendimento, é
sempre um tributo muito popular. Na Inglaterra, por exemplo, na época
em que, por causa do imposto fundiário, se supunha que todos os outros
tipos de rendimentos deveriam ser cobrados a uma taxa de 4 xelins por
libra, era muito popular impor um tributo real de 5 xelins e 6 pence por
libra sobre os vencimentos dos cargos públicos que passassem de 100
libras anuais, excetuando-se as pensões dos grupos mais jovens da
família real, o pagamento dos oficiais do exército e da marinha e alguns
outros menos sujeitos à inveja. Não há, na Inglaterra, nenhum outro
imposto direto sobre os salários do trabalho.
ARTIGO IV
TRIBUTOS QUE, CONFORME SE PRETENDE, DEVEM RECAIR
INDIFERENTEMENTE SOBRE TODAS AS DIFERENTES ESPÉCIES DE
RENDIMENTOS
Os tributos que, conforme se pretende, devem recair indiferentemente
sobre todas as diferentes espécies de rendimentos são os impostos de
capitação e os tributos sobre os bens de consumo Devem ser pagos por
todos os contribuintes, independentemente da origem de seus
rendimentos: sejam provenientes da renda de suas terras, dos lucros de
seu capital ou do salário de seu trabalho.
CAPITAÇÃO
Os impostos de capitação tornam-se completamente arbitrários caso se
tente fazê-los proporcionais à fortuna ou ao rendimento de cada
contribuinte. A situação da fortuna de uma pessoa varia diariamente e,
sem uma inquirição um pouco mais intolerável do que qualquer tributo e
que deve ser repetida todos os anos, ela somente poderá ser presumida.
Por conseguinte, a sua tributação dependerá, na maior parte dos casos,
do bom ou mau humor de seus cobradores, sendo, portanto,
completamente arbitrária e incerta.
Os impostos de capitação se tornam completamente desiguais, caso
sejam feitos proporcionais à posição social de cada contribuinte, e não à
fortuna que supostamente possui; isso porque os graus de fortuna de uma
mesma posição são frequentemente diferentes.
Assim, caso se tente fazer tais tributos iguais, eles acabam se tornando
completamente arbitrários e incertos, e caso se tente fazê-los certos e não
arbitrários, tornam-se completamente desiguais. Não importa se o
tributo é leve ou pesado, sua incerteza é sempre uma grande injustiça.
Em um tributo leve é possível suportar-se um grau considerável de
desigualdade; em um pesado, ela é completamente intolerável.
Nos diversos impostos de capitação que existiram na Inglaterra
durante o reinado de Guilherme III, a maior parte dos contribuintes era
tributada conforme o grau de sua posição, a saber, duques, marqueses,
condes, viscondes, barões, escudeiros, cavalheiros, filhos primogênitos e
os mais moços dos pares, etc. Todos os lojistas e comerciantes com
patrimônio acima de 300 libras esterlinas, ou seja, os melhores em sua
classe, estavam sujeitos à mesma tributação, independentemente da
diferença que pudesse haver entre suas fortunas. Considerava-se mais a
posição social que a fortuna. Várias pessoas que, na primeira capitação,
haviam sido tributadas de acordo com sua suposta fortuna foram
posteriormente tributadas de acordo com sua posição social. Os
profissionais do direito, conhecidos na Inglaterra como serjeants,
attorneys e proctors, que na primeira capitação foram tributados em 3
xelins por libra de seus supostos rendimentos, foram posteriormente
tributados como cavalheiros. Considerou-se que, na cobrança de um
imposto que não era muito pesado, um grau considerável de
desigualdade era menos insuportável do que qualquer grau de incerteza.
Na capitação francesa, arrecadada sem nenhuma interrupção desde o
início do século atual, as classes mais altas são tributadas de acordo com
sua posição por uma tarifa invariável; as classes mais baixas, de acordo
com sua suposta fortuna, por uma tributação que varia de ano para ano.
Os funcionários da corte real, os juízes e outros funcionários dos
tribunais superiores de justiça, os oficiais das tropas, etc. são tributados
da primeira forma. Nas províncias, as classes mais baixas da população
são tributadas da segunda forma. Na França, as classes mais altas se
submetem facilmente a um grau considerável de desigualdade de um
tributo que, na medida em que as afeta, não é muito pesado, mas não
toleram a cobrança arbitrária realizada por um intendente. As classes
mais baixas devem, naquele país, sofrer pacientemente com o tratamento
que seus superiores acham adequado lhes oferecer.
Na Inglaterra, os diversos impostos per capita nunca produziram a
soma que se esperava deles, ou que, supostamente, poderiam produzir
caso fossem recolhidos com exatidão. Na França, a capitação sempre
produz a receita que dela se espera. Quando o governo comedido da
Inglaterra tributou as diferentes classes de pessoas pelo imposto per
capita, contentou-se com o valor produzido por essa tributação e não
requisitou compensações pelas perdas do Estado, advindas tanto
daqueles que não eram capazes de pagar quanto daqueles que
simplesmente não pagavam (pois havia muita gente assim) e que não
eram obrigados a pagar, pois a lei era executada de forma muito
indulgente. O governo mais severo da França estipula o valor do tributo a
ser pago por cada generalidade, cujo intendente deve arrecadá-lo como
puder. Se alguma província se queixar por estar pagando um tributo
muito alto, poderá, no ano seguinte, obter uma redução proporcional ao
excesso do ano anterior; deve, no entanto, pagar o tributo estipulado para
aquele ano. O intendente, objetivando arrecadar a quantia imposta à sua
generalidade, podia impor-lhe uma soma maior para que a sonegação ou
a incapacidade de alguns contribuintes pudesse ser compensada pela
sobrecarga dos outros; até 1765, a fixação dessa cobrança excedente ficava
inteiramente a seu critério. Naquele ano, de fato, o conselho tomou para
si esse poder. Na capitação imposta às províncias, conforme observa o
muito bem-informado autor dos Mémoires sobre os impostos na França,
a menor parcela é a que recai sobre a nobreza e sobre aqueles cujos
privilégios os isentam do pagamento da talha. A maior parcela recai
sobre aqueles que estão sujeitos ao pagamento da talha; e, para eles, o
valor da capitação é específico por cada libra paga na talha.
Os impostos de capitação, na medida em que são cobrados das classes
mais baixas da população, são tributos diretos sobre os salários do
trabalho, e são acompanhados de todos os inconvenientes desses tributos.
As despesas para a arrecadação da capitação são baixas; e, sempre que
são cobrados de maneira rigorosa, oferecem uma renda bastante segura
para o Estado. É por esse motivo que os impostos de capitação são muito
comuns nos países em que o bem-estar, o conforto e a segurança das
classes mais baixas da população são pouco observados. No entanto, em
um grande império, esses tributos costumam ser responsáveis por uma
pequena parcela das receitas públicas; e o valor máximo que eles são
capazes de proporcionar pode sempre ser arrecadado de alguma outra
maneira muito mais conveniente para a população.
pe
xel
libras nc
ins
e
722.02
Em 1772, o antigo tributo sobre o malte produziu… 11 11
3
356.77 9,
O adicional… 7
6 75
561.62 7,
Em 1773, o antigo tributo produziu… 3
7 5
278.65 3,
O adicional… 15
0 75
621.61 5,
Em 1774, o antigo tributo produziu… 17
4 75
O adicional… 310.74 2 8,
5 5
657.35 8,
Em 1775, o antigo tributo produziu… *
7 25
323.78 6,
O adicional… 12
5 25
4)
0,
3.835. 12
75
580
958.89 0,
Média desses quatro anos 3
5 06
1.243.
Em 1772, os tributos sobre o consumo produziram… 5 3
128
408.26 2,
A cervejaria londrina… 7
0 75
1.245.
Em 1773, o tributo sobre o consumo… 3 3
810
405.40 10
A cervejaria londrina… 17
6 ,5
1.246. 5,
Em 1774, o tributo sobre o consumo… 14
373 5
320.60 0,
A cervejaria londrina… 18
1 25
1.214.
Em 1775, o tributo sobre o consumo… 6 1
583
463.67 0,
A cervejaria londrina… 7
0 25
4)
2,
6.547. 19
25
832
1.636. 9,
Em média, nesses quatro anos… 4
958 5
Ao que se adiciona o tributo médio sobre o malte, ou… 958.89 3 0,
5 18
2.595. 9,
O valor total desses diferentes tributos atinge… 7
853 68
280.83 2,
Uma soma que excede o valor precedente em… 1
2 87
Í
CAPÍTULO III
DÍVIDAS PÚBLICAS
No estado primitivo da sociedade que precede o aumento do comércio e a
melhoria das manufaturas, quando aqueles bens caros e supérfluos que
somente o comércio e os manufaturadores podem introduzir são
completamente desconhecidos, a pessoa que possui uma renda elevada,
conforme demonstrei no terceiro livro desta obra, não tem meios de gastá-
la nem de desfrutá-la exceto pela manutenção do máximo de pessoas que
essa renda é capaz de sustentar. Pode-se sempre dizer que uma renda
elevada consiste no comando sobre uma grande quantidade de bens de
primeira necessidade. Naquele estado primitivo, a renda elevada
costumava ser paga na forma de uma grande quantidade desses bens de
primeira necessidade, em matérias-primas para a alimentação simples e
vestes grosseiras, em cereais e gado, em lã e couros crus. Quando nem o
comércio nem os manufaturadores oferecem algo para que o proprietário
possa trocar a maior parte desses materiais que ultrapassam o seu próprio
consumo, ele não pode fazer nada com o excedente, senão alimentar e
vestir quase todos aqueles que for capaz de alimentar e vestir. A
hospitalidade sem luxo (ou supérfluos) e a liberalidade (generosidade) em
que não há ostentação geram, nesse estado de coisas, as principais
despesas dos ricos e dos grandes. Entretanto, conforme também
demonstrei no terceiro livro, essas despesas são pouco aptas a levar as
pessoas à ruína. Talvez não haja nenhum prazer egoísta que seja tão
frívolo que sua busca não tenha alguma vez arruinado até mesmo uma
pessoa sensata. A paixão por rinha de galos arruinou muitos. No entanto,
segundo acredito, não há muitos exemplos de pessoas que tenham perdido
todo o seu dinheiro por uma hospitalidade ou generosidade desse tipo,
ainda que a hospitalidade com luxo e a generosidade ostensiva tenham
levado muitas pessoas à ruína. Entre nossos ancestrais feudais, o longo
período em que as propriedades costumavam permanecer na mesma
família demonstra suficientemente que as pessoas estavam dispostas a
viver dentro dos limites de seus rendimentos. Embora a hospitalidade
rústica, constantemente exercida pelos grandes proprietários de terras,
não possa, para nós nos tempos atuais, parecer consistente com essa classe,
que costumamos considerar como inseparavelmente ligada à boa
economia, ainda assim devemos certamente aceitar que essas pessoas
tenham sido frugais a ponto de, pelo menos, não conseguir, normalmente,
gastar toda a sua renda (income). Elas, em geral, tinham oportunidade de
vender parte de sua lã e de seus couros crus por dinheiro. Talvez
gastassem parte desse dinheiro para comprar os poucos objetos de vaidade
e luxo que as circunstâncias da época eram capazes de oferecer, mas
parece que conseguiam acumular alguma parcela daquilo que obtinham.
Não havia, na verdade, muito o que fazer senão acumular o dinheiro
economizado. A prática do comércio era algo vergonhoso para um
cavalheiro, e emprestar dinheiro a juros, que naquela época era
considerado como usura e proibido por lei, teria sido ainda mais
vergonhoso. Naquele período de violência e desordem, além disso, era
apropriado ter em mãos uma reserva de dinheiro, pois, se as pessoas
fossem expulsas de seu próprio lar, teriam algo de valor conhecido para
que pudessem levar consigo a algum lugar seguro. A mesma violência que
propiciava a estocagem de dinheiro propiciava também esconder esse
dinheiro. A frequência da descoberta de tesouros, ou seja, de tesouros
cujos donos não eram conhecidos, é prova suficiente do costume daquele
período de acumular e esconder tesouros. A descoberta de tesouros
passou, então, a ser considerada como uma fonte importante das receitas
do soberano. Todos os tesouros encontrados no Reino atualmente mal
conseguiriam formar uma fonte importante de rendimentos de algum
cavalheiro dono de boas terras.
Soberano e súditos mantiveram a mesma disposição para economizar
e acumular. Conforme foi observado no Livro IV, entre as nações que
pouco conhecem o comércio e as manufaturas, o soberano está em uma
situação que naturalmente o dispõe à parcimônia necessária para a
acumulação. Nessa situação, nem mesmo os gastos de um soberano
podem ser ditados por aquela vaidade que se deleita com os adereços
pomposos de uma corte. A ignorância dos tempos oferece apenas alguns
poucos artigos entre esses adereços pomposos. Os exércitos permanentes
não eram necessários na época, de modo que os gastos, sejam de um
soberano ou de um grande senhor qualquer, dificilmente podem ser
aplicados em outras coisas senão em generosidades a quem trabalhava em
suas terras e em hospitalidade a seus dependentes. A generosidade e a
hospitalidade, entretanto, raramente levam ao exagero; a vaidade, por
outro lado, quase sempre. Assim, todos os antigos soberanos da Europa,
conforme observado, possuíam tesouros. Dizem que todos os chefes
tártaros da atualidade possuem um tesouro.
Em um país comercial repleto de todo tipo de supérfluos caros, o
soberano, da mesma forma que quase todos os grandes proprietários em
seus domínios, naturalmente gasta grande parte de seus rendimentos na
compra desses bens supérfluos. Seu próprio país e os seus vizinhos
também lhe oferecem em abundância todos os caros adereços
pertencentes à esplêndida — mas insignificante — pompa de uma corte.
Para que possam possuir adereços do mesmo tipo, mas de qualidade
inferior, seus nobres dispensam seus dependentes, oferecem
independência aos que trabalham suas terras e, gradualmente, se tornam
tão insignificantes quanto a maior parte dos burgueses ricos de seus
domínios. As mesmas paixões frívolas que influenciam a conduta de uns
também influenciam a do outro. Como supor que o rei seja o único
homem rico, em seus domínios, insensível aos prazeres desse tipo? Se ele
não gastar, o que provavelmente fará, com esses prazeres uma parcela tão
grande de seus rendimentos a ponto de enfraquecer muito o poder
defensivo do Estado, não há como esperar que deixe de gastar com eles
toda a parcela que ultrapassa o necessário para sustentar esse poder
defensivo. Seus gastos ordinários se tornam iguais aos seus rendimentos
ordinários, e tudo estará bem se suas despesas não ultrapassarem as
receitas com frequência. Não há como esperar que ele consiga acumular
tesouros e, quando necessidades extraordinárias exigirem despesas
extraordinárias, ele, necessariamente, pedirá uma ajuda extraordinária aos
seus súditos. Supõe-se que o atual e o falecido rei da Prússia são os únicos
grandes reis da Europa que, desde a morte de Henrique IV da França, em
1610, acumularam um tesouro considerável. A parcimônia que leva à
acumulação tornou-se quase tão rara no governo republicano como nos
monárquicos. As repúblicas italianas, as Províncias Unidas dos Países
Baixos estão todas endividadas. O cantão de Berna é a única república
europeia que foi capaz de acumular um tesouro considerável. As outras
repúblicas suíças não o conseguiram. O gosto por adereços caros, por
edifícios esplêndidos, no mínimo, e outras obras ornamentais públicas
costuma prevalecer tanto na sobriedade aparente da casa do senado de
uma pequena república quanto na corte dissoluta de um grande rei.
A falta de parcimônia em tempos de paz impõe a necessidade de
contrair dívidas em tempos de guerra. Quando chega a guerra, não há
dinheiro no tesouro senão o necessário para cobrir as despesas ordinárias
dos tempos de paz. Em tempos de guerra, essas despesas para a defesa do
Estado se tornam três ou quatro vezes maiores e, como consequência, se
faz necessária uma receita três ou quatro vezes superior àquela dos tempos
de paz. Supondo-se que o soberano tivesse, algo que raramente tem, os
meios imediatos para aumentar suas receitas em proporção ao aumento de
suas despesas, ainda assim o produto dos impostos, por meio do qual se
chegaria a esse aumento de receitas, somente começaria a entrar no
tesouro talvez dez ou doze meses depois de terem sido impostos. Mas no
momento em que a guerra começa, ou melhor, no momento em que
parece provável que ela começará, o exército deve ser aumentado, a frota
deve ser aparelhada, as cidades fortificadas devem ser colocadas em
postura de defesa; esse exército, essa frota, essas cidades fortalecidas
precisam de armas, munições e provisões. É preciso realizar-se uma
grande despesa imediata nesse momento de perigo imediato, que não
esperará pela entrada gradual e lenta dos novos tributos. Em tal momento,
o governo não tem outro recurso a não ser tomar um empréstimo.696
O mesmo estado comercial da sociedade que, pela operação de causas
morais, leva o governo a, dessa forma, buscar por empréstimos também
produz nos súditos a capacidade e a inclinação para emprestar. Se esse
estado traz com ele a necessidade de empréstimos, ele, da mesma forma,
traz consigo a facilidade de consegui-los.
Um país repleto de comerciantes e manufaturadores também está
necessariamente repleto de muitas pessoas por cujas mãos passam não
apenas os seus próprios capitais, mas os capitais de todos aqueles que lhes
emprestam dinheiro ou lhes confiam mercadorias, e isso ocorre com a
mesma frequência ou, ainda, com maior frequência do que ocorre com os
rendimentos de uma pessoa particular que, por não ser comerciante ou
negociante, vive de sua renda (income). A renda dessa pessoa pode com
frequência passar por suas mãos apenas uma vez por ano. Já o total do
capital e do crédito de um comerciante que lida com um negócio cujos
retornos são muito rápidos pode, às vezes, passar duas, três ou quatro
vezes por ano por suas mãos. Um país com muitos comerciantes e
manufaturadores, portanto, também está necessariamente repleto de um
grande número de pessoas que, a todo tempo, pode adiantar, se assim
decidir fazer, uma quantia muito grande de dinheiro para o governo. Daí a
capacidade que os súditos de um estado comercial têm para conceder
empréstimos.697
O comércio e as manufaturas raramente conseguem sobreviver por
muito tempo em um Estado que não desfrute de uma administração
regular da justiça, no qual as pessoas não se sintam seguras na posse de
sua propriedade, no qual a fé dos contratos não seja assegurada por lei, no
qual não se supõe que a autoridade do Estado deva ser regularmente
empregada para obrigar o pagamento das dívidas de todos aqueles que são
capazes de pagar. Em resumo, o comércio e as manufaturas raramente
conseguem sobreviver em um Estado em que não haja um certo grau de
confiança na justiça do governo. A mesma confiança que, em ocasiões
ordinárias, leva os grandes comerciantes e manufaturadores a confiar sua
propriedade à proteção de um determinado governo também os leva, em
ocasiões extraordinárias, a confiar o uso de sua propriedade ao mesmo
governo. Ao emprestar dinheiro ao governo, eles nem por um momento
diminuem sua capacidade de manter suas atividades e manufaturas. Pelo
contrário, eles geralmente a aumentam. As necessidades do Estado
dispõem o governo, na maioria dos casos, a tomar empréstimos em
condições extremamente vantajosas para o credor. A garantia que concede
ao credor original é transferível para qualquer outro credor e, por causa da
confiança que todos têm na justiça do Estado, pode, em geral, ser vendida
no mercado por mais do que se pagou originalmente por ela. O
comerciante ou homem endinheirado ganha ao emprestar ao governo e,
em vez de diminuir, aumenta seu capital de negócios. Portanto, em geral,
ele considera um favor quando a administração o admite entre os da
primeira subscrição a um novo empréstimo. Daí a inclinação ou
disposição que os súditos de um estado comercial têm para conceder
empréstimos.698
O governo de um Estado desse tipo está preparado para confiar na
capacidade e na disposição de seus súditos a lhe emprestar seu dinheiro
em ocasiões extraordinárias. O Estado prevê a facilidade de tomar
empréstimos e, assim, dispensa-se do dever de poupar.
No estado primitivo da sociedade não existem grandes capitais
mercantis ou de manufaturas. Os indivíduos que acumulam qualquer
dinheiro que conseguem poupar e que escondem seu tesouro o fazem
porque não confiam na justiça do governo e temem ser rapidamente
saqueados se souberem que possuem um tesouro e onde ele está
escondido. Em tal estado de coisas, poucas pessoas seriam capazes e
ninguém estaria disposto a emprestar seu dinheiro ao governo em
momentos extraordinários. O soberano, então, sabendo que deverá prover
essas exigências, poupa, porque prevê a absoluta impossibilidade de obter
um empréstimo. Essa previsão aumenta ainda mais a sua disposição
natural para poupar. Tem sido bastante uniforme o crescimento das
enormes dívidas que atualmente oprimem e que, a longo prazo,
provavelmente arruinarão todas as grandes nações da Europa. As nações,
assim como os homens privados, geralmente começaram a tomar
empréstimos com base no que pode ser chamado de crédito pessoal, sem
designar nem hipotecar nenhum fundo específico para o pagamento da
dívida; e quando esse recurso não mais funcionava, passaram a tomar
emprestado com base na designação ou na hipoteca de fundos
particulares.
A dívida não fundada da Grã-Bretanha foi contraída pelo primeiro
desses dois caminhos. Consiste, em parte, em uma dívida que não paga ou
se supõe não pagar juros e que se assemelha às dívidas em conta
contraídas por um particular, e, em parte, consiste em uma dívida que
paga juros e que se assemelha à dívida contraída por um particular sobre
sua nota de crédito ou promissória. Do primeiro tipo costumam ser as
dívidas que são devidas por serviços extraordinários ou por serviços não
previstos ou não pagos no momento em que são realizados; também, parte
dos serviços extraordinárias do exército, da marinha e da artilharia, os
atrasos de subsídios a monarcas estrangeiros, os dos salários dos
marinheiros, etc. Os títulos da marinha e do tesouro, que, às vezes, são
emitidos em pagamentos como parte de tais dívidas e, às vezes, para
outras finalidades, constituem uma dívida do segundo tipo; os títulos do
tesouro rendem juros a partir do dia de sua emissão, e os da marinha, seis
meses depois de sua emissão. O Banco da Inglaterra — seja ao descontar
voluntariamente esses títulos ao valor corrente, seja ao realizar um acordo
com o governo em relação a certos termos para a circulação dos títulos do
tesouro, isso é, para recebê-los ao par e pagando os juros que lhes são
devidos — mantém seu valor e facilita sua circulação e, desse modo,
costuma permitir que o governo contraia grandes dívidas desse tipo.699 Na
França, onde não existe um banco como o da Inglaterra, os títulos do
Estado700 chegaram a ser vendidos com 60% ou 70% de desconto. Durante
a grande recunhagem, ocorrida no reinado do rei Guilherme, quando o
Banco da Inglaterra imaginou ser apropriado sustar suas transações
costumeiras, afirma-se que os títulos e as notas com garantia701 do tesouro
foram vendidos com desconto entre 25% e 60%; isso, sem dúvida, ocorreu,
em parte, por causa da suposta instabilidade do novo governo instaurado
pela Revolução, mas, também, em parte, por causa da falta de apoio do
Banco da Inglaterra.
Quando esse recurso se esgota e, para arrecadar dinheiro, torna-se
necessário designar ou hipotecar alguma área específica da receita pública
para o pagamento da dívida, o governo, em diferentes ocasiões, fez isso de
duas maneiras distintas. Às vezes, faz essa designação ou hipoteca somente
a curto prazo, um ano ou alguns poucos anos, por exemplo; e, às vezes, de
forma perpétua. No primeiro caso, supunha-se que o fundo fosse
suficiente para pagar, em um período limitado, o principal e os juros do
dinheiro emprestado. No outro caso, supunha-se que isso fosse suficiente
apenas para pagar os juros ou uma renda anual equivalente aos juros,
ficando o governo livre para resgatar a anuidade a qualquer momento,
restituindo-se o valor do principal emprestado. Quando o dinheiro era
obtido pela primeira maneira, dizia-se que ele havia sido arrecadado por
antecipação; na segunda, que havia sido arrecadado mediante um
financiamento perpétuo ou, mais concisamente, por um fundo.702
Na Grã-Bretanha, os tributos anuais sobre a terra e o malte costumam
ser, todos os anos, antecipados, em virtude de uma cláusula de
empréstimo normalmente inserida nas leis que os impõem. O Banco da
Inglaterra geralmente adianta — com juros que, desde a Revolução, tem
variado entre 8% e 3% — as somas pelas quais aqueles impostos são
concedidos e recebe o pagamento à medida que o produto da arrecadação
vai lentamente entrando nos cofres públicos. Se houver uma deficiência, e
sempre há, ela será recuperada no ano seguinte. A única rubrica
considerável de receita pública que ainda permanece livre de hipoteca é,
assim, regularmente gasta antes de ser arrecadada. Como um esbanjador
imprevidente, cujas necessidades prementes não permitem que ele espere
o pagamento regular de seus rendimentos, o Estado costuma tomar
dinheiro emprestado de seus próprios representantes e lhes paga juros
para utilizar seu próprio dinheiro.
No reinado do rei Guilherme e durante grande parte do da rainha
Ana, antes de estarmos familiarizados com a prática do financiamento
(funding) perpétuo, a maior parte dos novos tributos era imposta por
apenas um curto período (somente por quatro, cinco, seis ou sete anos), e
grande parte das subvenções de cada ano consistia em empréstimos por
antecipação, que adiantavam o produto desses tributos. Já que o produto
era frequentemente insuficiente para pagar, em um prazo limitado, o
principal e os juros do empréstimo, surgiam algumas insuficiências e, para
remediá-las, se tornava necessário prorrogar o seu prazo.
Em 1697, pelo estatuto publicado no 8º ano do reinado de Guilherme
III, c.20,703 as insuficiências de vários tributos recaíam sobre o que então
era chamado de primeira hipoteca ou fundos gerais, consistindo em uma
prorrogação, até o dia 1º de agosto de 1706, de vários tributos que teriam
expirado em um prazo mais curto e cujo produto havia sido guardado em
um fundo geral. As insuficiências cobradas durante essa prorrogação
atingiram 5.160.459 libras, 14 xelins e 9,25 pence.
Em 1701, esses tributos, junto com alguns outros, receberam uma
prorrogação maior para fins semelhantes até o dia 1º de agosto de 1710 e
foram chamados de 2ª hipoteca ou fundo geral. As insuficiências cobradas
durante essa prorrogação atingiram 2.055.999 libras, 7 xelins e 11,5 pence.
Em 1707, esses tributos foram prorrogados ainda mais, como um
fundo para novos empréstimos, até o dia 1º de agosto de 1712, e foram
chamados de 3ª hipoteca ou fundo geral. A soma emprestada foi de
983.254 libras, 11 xelins e 9,25 pence.
Em 1708, todos esses tributos (excetuado o antigo Subsídio de
Tonelagem e Libragem, do qual somente a metade passou a fazer parte
desse fundo, bem como um tributo sobre a importação de linho escocês,
que havia sido suprimido pelo Tratado de União de 1707) foram
prorrogados mais uma vez, como fundo para novos empréstimos, até 1º de
agosto de 1714, e foram chamados de 4ª hipoteca ou fundo geral. A soma
emprestada foi de 925.176 libras, 9 xelins e 2,25 pence.
Em 1709, todos esses tributos (excetuado o antigo Subsídio de
Tonelagem e Libragem, que agora foi deixado completamente fora desse
fundo) foram prorrogados mais uma vez para o mesmo propósito até 1º
de agosto de 1716 e foram chamados de 5ª hipoteca ou fundo geral. A
soma emprestada foi de 922.029 libras e 6 xelins.
Em 1710, esses tributos foram prorrogados ainda mais até o dia 1º de
agosto de 1720 e foram chamados de 6ª hipoteca ou fundo geral. A soma
emprestada foi de 1.296.552 libras, 9 xelins e 11,75 pence.
Em 1711, os mesmos tributos (que, a essa altura, estavam, portanto,
sujeitos a quatro antecipações), juntamente com vários outros, foram
prorrogados por tempo indefinido, tornando-se um fundo para o
pagamento dos juros do capital da Companhia dos Mares do Sul que,
naquele ano, havia adiantado ao governo, para pagar dívidas e cobrir
insuficiências, a soma de 9.177.967 libras, 15 xelins e 4 pence: o maior
empréstimo até então contraído.704
Antes dessa época, os principais tributos e, no que pude observar, os
únicos que haviam sido estabelecidos como perpétuos para pagar os juros
de uma dívida eram aqueles destinados a pagar os juros do dinheiro que
havia sido adiantado ao governo pelo banco e pela Companhia das Índias
Orientais e aquele que seria adiantado (mas nunca o foi) por um futuro
banco com hipoteca de terras. O fundo do banco era na época de
3.375.027 libras, 17 xelins e 10,5 pence, ao qual era paga uma anuidade ou
juros de 206.501 libras, 13 xelins e 5 pence. O fundo das Índias Orientais
atingiu 3.200.000 libras, pagando renda anual ou juros de 160 mil libras;
os juros do banco eram de 6%, e o das Índias Orientais, 5%.
Em 1715, pelo estatuto publicado no primeiro ano do reinado de Jorge
I, c.12,705 os diversos tributos que haviam sido hipotecados para pagar a
anuidade do banco, juntamente com vários outros que, por esse ato,
também se transformaram em rendas perpétuas, foram reunidos em um
fundo comum chamado de Fundo Agregado, o qual, além de pagar a
anuidade do banco, pagava várias outras anuidades e outros diversos tipos
de ônus. Mais tarde, esse fundo recebeu acréscimos dos estatutos do 3o
ano do reinado de Jorge I, c.8, e do 5o ano do reinado do mesmo rei, c.3;
os diversos tributos que foram então adicionados a ele também foram
transformados em perpétuos.
Em 1717, pelo estatuto do 3o ano do reinado de Jorge I, c.7,706 vários
outros tributos também se tornaram perpétuos e foram levados a um
outro fundo comum, chamado de Fundo Geral, que objetivava o
pagamento de certas anuidades e cujo montante chegou a 724.849 libras, 6
xelins e 10,5 pence.
Como consequência desses estatutos, a maior parte dos tributos que
anteriormente haviam sido antecipados apenas por um curto número de
anos se tornou perpétua, servindo como fundo cujo objetivo não era o
pagamento do capital, mas somente o pagamento dos juros do dinheiro
que havia sido tomado emprestado com base nesses fundos por meio das
diversas e sucessivas antecipações.
Se nunca se tivesse arrecadado dinheiro por outro modo senão por
antecipação, o decurso de alguns poucos anos poderia ter desonerado a
receita pública sem nenhuma outra atenção do governo exceto a de não
sobrecarregar o fundo, onerando-o com mais dívidas do que aquelas que
era capaz de pagar no prazo fixado, e a de não realizar uma segunda
antecipação antes de a primeira ter expirado. A maior parte dos governos
europeus, porém, tem sido incapaz de oferecer esse tipo de atenção. Eles,
com frequência, sobrecarregam o fundo já na primeira antecipação; e,
quando isso não ocorre, geralmente cuidam de sobrecarregá-lo ao realizar
uma segunda ou terceira antecipação antes mesmo de a primeira ter
expirado. Assim, o fundo se tornou completamente insuficiente para pagar
tanto o principal como os juros do dinheiro que tomou emprestado, e foi
necessário onerá-lo apenas com os juros ou com uma renda anual
perpétua equivalente aos juros; essas antecipações negligentes
inevitavelmente deram origem à prática ainda mais ruinosa dos
financiamentos (funding) perpétuos. Mas, ainda que essa prática adie
necessariamente a liberação da receita pública de um período fixo para
um período tão indefinido que tem muito pouca chance de nunca chegar;
ainda assim, já que é possível arrecadar uma soma maior com essa nova
prática do que com a antiga prática de antecipações, então, tem-se
preferido, quando as pessoas se familiarizam com ela, a primeira à
segunda nos casos de grandes necessidades do Estado. Abrandar a
urgência atual é sempre o objetivo que mais interessa àqueles que estão
ligados diretamente à administração dos negócios públicos. A futura
liberação da receita pública, eles deixam aos cuidados da
administração.707
Durante o reinado da rainha Ana, a taxa de juros do mercado caiu de
6% para 5% e, no 12º ano de seu reinado, declarou-se que a taxa de juros
máxima que se poderia cobrar legalmente por dinheiro emprestado contra
garantia particular seria de 5%. Pouco tempo depois de a maior parte dos
tributos temporários da Grã-Bretanha ter se tornado perpétua e
distribuída entre os fundos Agregado, dos Mares do Sul e Geral, os
credores do setor público, assim como os do setor privado, foram
induzidos a aceitar 5% de juros por seu dinheiro, o que gerou uma
economia de 1% sobre o capital da maior parte das dívidas que haviam
sido contraídas em perpetuidade, isto é, 1/6 da maior parte das rendas
anuais que se pagavam dos três grandes fundos anteriormente
mencionados. Essa economia deixava um excedente considerável no
produto dos diversos tributos que se haviam acumulado nesses fundos,
um valor que ultrapassava o necessário para pagar as rendas anuais que
agora se retirava deles; esse excedente formou algo que, desde então,
passou a ser chamado de Fundo de Amortização de Empréstimos. Em
1717, este era de 323.434 libras, 7 xelins e 7,5 pence. Em 1727, os juros da
maior parte das dívidas públicas foram reduzidos ainda mais, para 4% e,
em 1753 e 1757, para 3,5% e para 3%; essas reduções aumentaram ainda
mais o Fundo de Amortização.708
Embora um fundo de amortização de empréstimos seja instituído para
o pagamento das dívidas antigas, ele facilita muito a contração de novas. É
um fundo subsidiário que está sempre disponível para ser hipotecado
como garantia a qualquer outro fundo duvidoso do qual se pretende
arrecadar dinheiro em quaisquer urgências e necessidades do Estado. Se o
Fundo de Amortização de Empréstimos da Grã-Bretanha tem sido
aplicado com mais frequência para uma ou outra dessas duas finalidades
será demonstrado suficientemente pelo que for sendo dito.
Além desses dois métodos de empréstimo, por antecipações e por
financiamento perpétuo, existem dois outros métodos que ocupam uma
espécie de lugar intermediário entre os dois primeiros. Estes são: tomar
emprestado por meio de rendas anuais por prazo certo de anos e tomar
emprestado por meio de rendas anuais vitalícias.
Durante os reinados do rei Guilherme e da rainha Ana, grandes somas
eram frequentemente emprestadas por meio de rendas anuais por prazo
certo de anos, que às vezes eram mais longos e, às vezes, mais curtos. Em
1693, foi aprovada uma lei para tomar emprestado 1 milhão com rendas
anuais de 14%, ou 140 mil libras por ano, durante dezesseis anos. Em
1691, foi aprovada uma lei para tomar emprestado 1 milhão com
anuidades vitalícias e em condições que, nos tempos atuais, pareceriam
muito vantajosas. Mas a subscrição não se completou. No ano seguinte, as
insuficiências foram completadas com novo empréstimo, com pagamento
de rendas anuais vitalícias de 14%, ou por pouco mais de sete anos de
renda anual. Em 1695, as pessoas que haviam comprado essas anuidades
puderam trocá-las por outras de 96 anos, pagando ao tesouro 63 libras por
cada 100, ou seja, a diferença entre os 14% vitalícios e os 14% por 96 anos
foi vendida por 63 libras, ou pelas rendas de 4,5 anos. A suposta
instabilidade do governo era tão grande que, mesmo com essas condições
vantajosas, surgiram poucos compradores. Durante o reinado da rainha
Ana, o dinheiro era tomado emprestado tanto por meio de anuidades
vitalícias quanto por meio de anuidades por prazos de 32, 89, 98 e 99 anos.
Em 1719, os proprietários das rendas anuais de 32 anos foram induzidos a
trocá-las por fundos da Mares do Sul no valor das rendas de 11,5 anos das
anuidades, juntamente com uma quantidade adicional de capital igual aos
atrasados que lhes estivessem devendo naquele momento. Em 1720, a
maior parte das outras rendas anuais por prazo certo de anos, tanto as
longas quanto as curtas, foi subscrita no mesmo fundo. As anuidades de
longo prazo somavam na época 666.821 libras, 8 xelins e 3,5 pence por
ano. No dia 5 de janeiro de 1775, o restante das rendas anuais, ou o que
não havia sido subscrito na época, era de apenas 136.453 libras, 12 xelins e
8 pence.
Durante as duas guerras que começaram em 1739 e em 1755, tomou-
se pouco dinheiro emprestado, tanto em rendas anuais por prazo certo de
anos quanto em rendas anuais vitalícias. Uma renda anual de 98 ou 99
anos, no entanto, vale quase tanto dinheiro quanto uma renda vitalícia, e,
portanto, poder-se-ia imaginar que fosse capaz de tomar uma quantidade
de empréstimo semelhante. No entanto, aqueles que, a fim de amealhar
fundos para a família e economizar para um futuro remoto, comprassem
fundos públicos, não fariam questão de comprar de um cujo valor
estivesse diminuindo constantemente; essas pessoas constituem uma
proporção bastante considerável dos proprietários e dos compradores de
fundos. Assim, embora o valor intrínseco da renda anual de longo prazo
possa ser quase o mesmo de uma renda vitalícia, ela não terá o mesmo
número de compradores. Os subscritores de um novo empréstimo que, em
geral, pretendem vender sua subscrição o mais rápido possível preferem
uma renda anual vitalícia resgatável pelo Parlamento a uma renda anual
de longo prazo não resgatável que tenha apenas o mesmo valor. É possível
supor que o valor do primeiro fundo seja sempre o mesmo, ou quase o
mesmo, tornando-o, assim, um capital transferível mais conveniente do
que o segundo.
Durante as duas últimas guerras mencionadas, as rendas anuais por
prazo certo de anos ou as vitalícias raramente eram concedidas, senão
como prêmios para os subscritores de um novo empréstimo, além da
anuidade ou dos juros resgatáveis sobre cujo crédito se realizaria o
empréstimo. Eram concedidas não como fundo propriamente dito sobre o
qual se havia emprestado o dinheiro, mas como um incentivo adicional
aos subscritores.
As rendas anuais vitalícias foram ocasionalmente concedidas de duas
maneiras diferentes: ou pela duração de vidas individuais ou pela duração
das vidas de um grupo de pessoas, que em francês são chamadas
tontines,709 a partir do nome de seu inventor. Nas rendas anuais
concedidas por vidas individuais, a morte de qualquer beneficiário
desonera a receita pública da obrigação a que estava afetada por essa
renda. Quando são concedidas rendas anuais por tontinas, a receita
pública só é desonerada com a morte de todos os beneficiários da renda
anual de um grupo, o qual às vezes pode ser formado por vinte ou trinta
pessoas, sendo que os sobreviventes do grupo recebem, como sucessores,
as rendas anuais de todos aqueles que faleceram antes deles; o último
sobrevivente recebe as rendas totais do grupo. Supondo-se a mesma
receita, sempre se pode arrecadar mais dinheiro por meio de tontinas do
que por rendas anuais por vidas individuais. Uma renda anual, com
direito de sobrevivência, vale mais do que uma renda anual individual de
mesmo valor; e, por causa da crença que cada indivíduo tem sobre sua
própria boa sorte — o princípio fundamental do sucesso de todas as
loterias —, essa renda anual costuma ser vendida por mais do que vale.
Por isso, naqueles países em que o governo costuma arrecadar dinheiro
por meio de rendas anuais, as tontinas, em geral, são preferidas às rendas
anuais individuais. Quase sempre se prefere o expediente capaz de
arrecadar mais dinheiro ao que provavelmente seria capaz de desonerar a
receita pública de forma mais rápida.
Na França, há uma porção muito maior de dívidas públicas que
consistem em rendas anuais vitalícias do que na Inglaterra. De acordo com
um memorando apresentado em 1764 pelo Parlamento de Bordeaux ao
rei, estima-se que a dívida pública total da França seja de 2,4 bilhões de
libras francesas; supõe-se que o montante do capital das rendas anuais
vitalícias chegue a 300 milhões, isto é, a oitava parte de toda a dívida
pública. Calcula-se que as próprias rendas anuais somem 30 milhões por
ano, a quarta parte de 120 milhões, isto é, os supostos juros do valor total
da dívida. Sei bem que essas estimativas não são exatas, mas tendo sido
apresentadas por um grupo bastante respeitável como aproximações da
verdade, entendo que possam ser consideradas como tal. Não é o maior ou
menor grau de preocupação dos governos com a desoneração da receita
pública que causa essa diferença nas respectivas modalidades de tomar
empréstimos na França e na Inglaterra. Ela surge exclusivamente das
diferentes visões e interesses dos credores.
Na Inglaterra, país em que a sede do governo fica na maior cidade
mercantil do mundo, os comerciantes são as pessoas que, em geral,
emprestam dinheiro para o governo. Ao adiantar esse dinheiro, eles não
querem diminuir, mas, ao contrário, aumentar seu capital mercantil; e,
caso não esperassem vender com algum lucro sua parcela na subscrição de
um novo empréstimo, nunca o subscreveriam. Ocorre que, se, ao
adiantarem seu dinheiro, em vez de comprarem rendas anuais perpétuas,
comprassem apenas rendas anuais vitalícias, relativas à sua vida ou à de
outras pessoas, nem sempre conseguiriam vendê-las com lucro. As rendas
anuais por suas próprias vidas seriam sempre vendidas com prejuízo,
porque ninguém pagaria por uma renda anual sobre a vida de uma outra
pessoa, mesmo com idade e estado de saúde semelhantes, o mesmo preço
que pagaria por uma renda anual pelo tempo de duração de sua própria
vida. Uma renda anual relativa à vida de uma terceira pessoa tem, sem
dúvida, valor igual para o comprador e para o vendedor, porém seu valor
real começa a diminuir a partir do momento em que é concedida, e
continuará diminuindo enquanto a renda existir. Essa renda anual,
portanto, jamais será capaz de formar um capital transferível tão
conveniente quanto uma anuidade perpétua, cujo valor real se mantém
supostamente sempre igual ou quase igual.
Já na França, onde a sede do governo não está localizada em uma
grande cidade mercantil, os comerciantes não constituem uma porção tão
grande das pessoas que adiantam dinheiro ao governo. A maior parte dos
que emprestam seu dinheiro para todas as necessidades públicas é
constituída por pessoas ligadas às finanças, os arrecadadores privados de
tributos, aqueles que recebem os tributos que não são arrecadados
privadamente, os banqueiros da corte, etc. Essas pessoas não costumam
ser homens bem-nascidos, mas muito ricos e, normalmente, muito
orgulhosos. Eles são orgulhosos demais para se casar com seus iguais, e as
mulheres de qualidade os desdenham. Por isso mesmo, eles
frequentemente resolvem permanecer solteiros e, por não terem nem
família própria nem muita consideração pelas famílias de seus parentes,
que eles nem sempre gostam muito de reconhecer, desejam apenas levar
uma vida esplendorosa e não se preocupam caso sua fortuna e sua vida
terminem ao mesmo tempo. Além disso, o número de ricos que são
avessos ao casamento, ou cujas condições de vida o tornam impróprio ou
inconveniente, é muito maior na França do que na Inglaterra. Para essas
pessoas que pouco ou nada se preocupam com a posteridade, nada é mais
cômodo do que trocar seu capital por uma renda que dure exatamente —
e não mais — pelo período que desejam.
A despesa ordinária em tempos de paz da maior parte dos governos
modernos é igual ou quase igual às suas receitas ordinárias, então, durante
as guerras, eles não desejam nem têm condições para aumentar suas
receitas proporcionalmente ao aumento de seus gastos. Eles não estão
dispostos por medo de ofender o povo, que, por causa de um aumento tão
grande e tão repentino dos tributos, logo ficaria desgostoso com a guerra;
e, também, não são capazes por não saberem bem quais impostos seriam
suficientes para produzir a receita desejada. A facilidade da obtenção de
empréstimos os livra do constrangimento que, de outra forma, seria
causado por esse medo e incapacidade.
Com um aumento bastante moderado dos tributos, os empréstimos
permitem aos governos uma arrecadação, de um ano para o outro, de
dinheiro suficiente para a manutenção da guerra e, com um aumento
mínimo dos tributos, a prática do financiamento perpétuo permite a
obtenção anual da maior quantia possível de dinheiro. Nos grandes
impérios, muitas das pessoas que vivem na capital e nas províncias
distantes do campo de batalha não sentem quase nenhum incômodo em
relação à guerra; elas, na verdade, desfrutam do prazer de,
confortavelmente, ler nos jornais sobre as façanhas das esquadras e dos
exércitos de seu país. Para elas, essa diversão compensa a pequena
diferença entre os tributos que pagam por causa da guerra e aqueles que
estavam acostumados a pagar em tempos de paz. Normalmente, ficam até
mesmo tristes com o retorno da paz, pois esta põe fim à sua diversão e a
milhares de esperanças visionárias de conquistas e glórias nacionais que
poderiam resultar de uma guerra mais longa.
O retorno da paz, de fato, raramente as livra da maior parte dos
tributos impostos durante a guerra. Estes são hipotecados para pagar os
juros da dívida contraída para dar prosseguimento à guerra. Se além de
pagarem os juros dessa dívida e custearem os gastos ordinários de
governo, a antiga receita, juntamente com os novos tributos, produzir
alguma receita excedente, esta talvez possa ser convertida em um fundo de
amortização de empréstimos para liquidar a dívida. No entanto, em
primeiro lugar, esse fundo de amortização, mesmo supondo-se que não
seja aplicado para nenhum outro fim, é, em geral, completamente
insuficiente para pagar, no decurso de qualquer período durante o qual se
possa razoavelmente esperar que a paz seja mantida, a dívida total
contraída durante a guerra; e, em segundo lugar, esse fundo é quase
sempre aplicado para outros fins.
Os novos tributos foram impostos com o único fim de pagar os juros
do dinheiro tomado emprestado. Quando produzem mais do que isso,
geralmente se trata de algo que não se pretendia nem se esperava e,
portanto, raramente é muito considerável. Em geral, os fundos de
amortização não se originam tanto de algum excedente dos impostos, que
ultrapassaria o necessário para pagar os juros ou as rendas anuais
originalmente cobradas pelos empréstimos, mas sim de uma subsequente
redução desses juros. Assim foram criados, em 1655, o fundo de
amortização da Holanda e, em 1685, o do Estado Pontifício. Daí a
insuficiência habitual desses fundos.
Durante a paz mais profunda ocorrem vários eventos que exigem
despesas extraordinárias, e o governo sempre acha mais conveniente
custear essas despesas por meio da má aplicação do fundo de amortização
do que pela imposição de novos tributos. Em maior ou menor grau, todo
tributo novo é imediatamente sentido pela população. Ele sempre
ocasiona algumas reclamações e encontra alguma oposição. Quanto maior
o número de tributos, mais alto terão recaído sobre os diferentes objetos
de tributação; quanto mais as pessoas reclamam de cada novo imposto,
mais difícil se torna encontrar novos objetos de tributação ou aumentar
muito mais os tributos impostos sobre os artigos já tributados. A
suspensão temporária do pagamento da dívida não é imediatamente
sentida pelo povo e, assim, não gera nem murmúrios nem reclamações.
Tomar emprestado do fundo de amortização é sempre um expediente
óbvio e fácil para sair da dificuldade atual. Quanto mais as dívidas
públicas tenham sido acumuladas, quanto mais necessário tenha se
tornado estudar uma forma de reduzi-las, por mais perigosa, mais
prejudicial que seja a má aplicação de alguma parcela do fundo de
amortização, tanto menor será a probabilidade de se reduzir a dívida
pública em medida considerável, maior será a probabilidade, maior será a
certeza de que o fundo de amortização será mal aplicado para custear
todas as despesas extraordinárias dos tempos de paz. Quando uma nação
já está sobrecarregada por tributos, nada senão as exigências de uma nova
guerra, nada senão a animosidade da vingança nacional ou a preocupação
pela segurança nacional pode levar a população a se submeter a um novo
tributo com razoável paciência. Daí a má aplicação do fundo de
amortização de empréstimos.
Desde que a Grã-Bretanha recorreu ao expediente ruinoso do
financiamento perpétuo, a redução da dívida pública em tempos de paz
nunca manteve nenhuma proporção com o seu acúmulo em tempos de
guerra. Os fundamentos da enorme dívida atual da Grã-Bretanha foram
estabelecidos na guerra iniciada em 1688 e concluída em 1697 com a
assinatura do Tratado de Ryswick.
Em 31 de dezembro de 1697, a dívida pública da Grã-Bretanha,
financiada ou não, era de 21.515.742 libras, 13 xelins e 8,5 pence. A maior
parte dessas dívidas havia sido contraída por meio de antecipações breves
e uma parte menor delas, por meio de rendas anuais vitalícias; de modo
que, antes de 31 de dezembro de 1701, isto é, em menos de quatro anos, a
soma de 5.121.041 libras, 12 xelins, 0,75 pence já havia sido parcialmente
paga e parcialmente revertida ao setor público, a maior redução da dívida
pública já obtida em tão pouco tempo. A dívida remanescente, portanto,
era de apenas 16.394.701 libras, 1 xelim e 7,25 pence.
Na guerra que começou em 1702 e foi concluída pelo Tratado de
Utrecht, as dívidas públicas haviam se acumulado ainda mais. Em 31 de
dezembro de 1714, chegavam a 53.681.076 libras, 5 xelins e 6,08 pence. A
subscrição das rendas anuais de curto e longo prazo da Mares do Sul
causou o aumento do capital da dívida pública, de sorte que, em 31 de
dezembro de 1722, ela era de 55.282.978 libras, 1 xelim e 3,83 pence. A
redução da dívida começou em 1723 e continuou de forma tão lenta que,
em 31 de dezembro de 1739, durante dezessete anos de uma profunda paz,
o total amortizado não passava de 8.328.354 libras 17 xelins e 11,25 pence;
o capital da dívida pública, na época, atingia 46.954.623 libras, 3 xelins e
4,58 pence.
A guerra da Espanha, que começou em 1739, e a guerra da França, que
logo a seguiu, causaram um novo aumento da dívida, que, em 31 de
dezembro de 1748, após a guerra ter sido concluída pelo Tratado de
Aquisgrão totalizava 78.293.313 libras, 1 xelim e 10,75 pence. O período de
paz profunda de dezessete anos conseguiu abater dela apenas 8.328.354
libras, 17 xelins e 11,25 pence. Por outro lado, uma guerra de menos de
nove anos lhe acrescentou 31.338.689 libras, 18 xelins e 6,16 pence.710
Durante a administração do senhor Pelham, os juros da dívida pública
foram reduzidos de 4% para 3%, ou ao menos foram adotadas medidas
para reduzi-los; o fundo de amortização foi aumentado e parte da dívida
pública foi liquidada. Em 1755, antes do início da última guerra, a dívida
financiada da Grã-Bretanha chegava a 72.289.673 libras. Em 5 de janeiro
de 1763, na celebração da paz, a dívida financiada era de 122.603.336
libras, 8 xelins e 2,25 pence. A dívida não fundada era de 13.927.589 libras,
2 xelins e 2 pence. Mas os gastos gerados pela guerra não cessaram com a
celebração da paz; assim, embora, em 5 de janeiro de 1764, a dívida
fundada tenha aumentado (em parte por causa de um novo empréstimo e,
em parte, por se estar fundando (ou consolidando) uma parcela da dívida
não fundada para 129.586.789 libras, 10 xelins e 1,75 pence, restava ainda
(segundo o muito bem-informado autor de Considerations on the Trade
and Finances of Great Britain) uma dívida não fundada que, naquele ano e
no seguinte, chegava a 9.975.017 libras, 12 xelins e 2,34 pence. Em 1764,
portanto, a dívida pública da Grã-Bretanha — fundada e não fundada —
era, segundo esse autor, de 139.561.807 libras, 2 xelins e 4 pence. Além
disso, as rendas anuais vitalícias, as quais, em 1757, haviam sido
outorgadas como prêmios aos subscritores dos novos empréstimos e
estimadas em rendas de catorze anos, foram avaliadas em 472.500 libras; e
as rendas anuais de longo prazo, também, em 1761 e 1762, dadas como
prêmios e estimadas em rendas de 27,5 anos, foram avaliadas em
6.826.875 libras. Durante uma paz contínua de cerca de sete anos, a
administração prudente e verdadeiramente patriótica do senhor Pelham
não conseguiu liquidar uma velha dívida de 6 milhões. Durante a guerra,
que teve quase a mesma duração, foi contraída uma nova dívida de mais
de 75 milhões.
Em 5 de janeiro de 1775, a dívida fundada (ou consolidada) da Grã-
Bretanha era de 124.996.086 libras, 1 xelim e 6,25 pence. A não fundada
(ou consolidada), não levando em conta uma grande lista de dívidas civis,
era de 4.150.236 libras, 3 xelins e 11,87 pence. Juntas, elas somavam
129.146.322 libras, 5 xelins e 6 pence. De acordo com esse relato, a dívida
total liquidada durante onze anos de paz profunda foi de apenas
10.415.474 libras, 16 xelins e 9,87 pence. No entanto, nem mesmo essa
pequena redução da dívida foi obtida por meio da poupança da receita
ordinária do Estado. Várias somas estranhas, completamente
independentes dessa receita ordinária, contribuíram para isso. Entre elas
podemos citar o xelim adicional por libra do imposto fundiário por três
anos; os 2 milhões recebidos da Companhia das Índias Orientais como
indenização por suas aquisições territoriais; e as 110 mil libras recebidas
do banco para a renovação de sua carta-patente. A esses valores devemos
adicionar várias outras somas que, por terem surgido após a última
guerra, talvez devessem ser consideradas como deduções de suas despesas.
As principais são:
Total 1.455.949 18 9
Subsídios pagos
aos
Barris pesqueiros do
A
Número de pesqueiros vazios Barris de arenques tipo buss
n
do tipo buss carregado capturados
os
s pe
libr xel
nc
as ins
e
17 2.08
29 5.948 2.832 0 0
71 5
17 11.0
168 41.316 22.237 7 6
72 55
17 12.5
190 42.333 42.055 8 6
73 10
17 16.9
248 59.303 56.365 2 6
74 52
17 19.3
275 69.144 52.879 15 0
75 15
17 21.2
294 76.329 51.863 7 6
76 90
17 17.5
240 62.679 43.313 2 6
77 92
17 16.3
220 56.390 40.958 2 6
78 16
17 206 55.194 29.367 15.2 0 0
79 87
17 13.4
181 48.315 19.885 12 6
80 45
17 9.61
135 33.992 16.593 12 6
81 3
To 155.
2.186 550.943 378.347 2 0
tal 463
lib pe
xel
ra nc
ins
s e
Cevada a 28 s 19 s 10 d 32 s — 16 s 12 d
(s = xelim, d = pence)
Esses diversos tributos foram impostos, em parte, pelo estatuto do 22º ano de Carlos II, em
lugar do Antigo Subsídio, em parte pelo Novo Subsídio, pelo Subsídio de 1/3 e de 2/3, e pelo
Subsídio de 1747. (N.A.)
453. Smith recorre a uma metáfora imperfeita porque, a despeito do livre-comércio, as
diferentes nações ainda teriam moedas e tributos internos distintos e mesmo práticas
comerciais distintas. E ressalte-se que, no que se refere a cereais, diversas nações (a França,
por exemplo) impuseram ao longo do século XVIII obstáculos até mesmo à livre circulação
interna deles. (N.R.T.)
454. Neste parágrafo, Smith se vale de ironia ou de fato se rende à impraticabilidade do livre
comércio de cereais. A despeito de sua superioridade econômica, o livre comércio de cereais
atinge uma esfera em que são tão grandes os preconceitos que talvez seja melhor deixar o
ideal de lado, “para preservar a tranquilidade pública”. (N.R.T.)
455. Esta passagem evidencia a posição de Smith (reiterada em outras passagens): a despeito
da legislação restritiva ao livre comércio externo e da imposição de tributos e subsídios
indevidos, a Grã-Bretanha ainda desfruta de condições muito superiores às de outros países
no que se refere à liberdade. (N.R.T.)
456. Castro, J. F. B., Collecção dos Tratados, Convenções, Contratos e Actos Públicos
Celebrados entre Coroa de Portugal e as Mais Potências desde 1640 até o Presente. Lisboa,
Imprensa Nacional, tomo II, p. 195 e 196. (N.T.)
457. As referências ao comércio entre Inglaterra e Portugal e ao Tratado de Methuen são
inúmeras ao longo de A riqueza das nações. A rigor, Smith apresenta o Tratado de Methuen
como exemplo por excelência dos arranjos comerciais prejudiciais à Inglaterra.
Naturalmente, na medida em que um dos objetivos dos ingleses era o de obter superávit com
uma nação produtora de ouro e, portanto, ter esse ouro como a principal vantagem de seu
intercâmbio com os portugueses, o Tratado representa para Smith uma ilustração perfeita
dos equívocos do “sistema mercantil”. (N.R.T.)
458.
Giuseppe Marco Antonio Baretti (1719-1789) escreveu Lettere famigliari, relatando suas
viagens pela Espanha, Portugal e França entre 1761 e 1765. Posteriormente, o livro foi
publicado em Londres em 1770. (N.T.)
459. Do inglês packet-boat, navios que faziam travessias regulares levando pacotes e cartas.
(N.T.)
460. Mesmo que o comércio com Portugal renda um excedente de ouro para a Inglaterra
(Portugal paga seu déficit em outras mercadorias com ouro; ou exporta diretamente ouro
para a Inglaterra), diz Smith, esse ouro não ficará retido na Inglaterra e será utilizado para
compra de mercadorias de outros países; ou, o que é o mesmo, na cobertura de déficits
comerciais com outros países. Há duas questões em jogo aqui não totalmente esclarecidas
por Smith. Em primeiro lugar, para que a Inglaterra dirija esse ouro a outros países,
necessariamente seu balanço de comércio com esses países terá de ser negativo. Em segundo
lugar, se fosse possível cobrir esse déficit com outras mercadorias, a rigor não haveria déficit.
Em última análise, o ouro só sai da Inglaterra quando há déficit. (N.R.T.)
461. Notar que o argumento de Smith remete às vantagens do comércio direto de
mercadorias sobre o indireto, apresentado no Livro II. (N.R.T.)
462. A afirmação de que o ouro importado de alguns países é necessariamente exportado
para outros — vale dizer, não há retenção de ouro, à exceção daquele necessário para a
confecção de objetos ou de moeda — requereria uma demonstração teórica; por exemplo,
como aquela formulada por Hume em seu ensaio sobre a balança de comércio, dependente
de hipóteses sobre a reação dos preços e da taxa de câmbio. Ao menos nesta passagem, não
há sinal de adesão de Smith à hipótese de Hume nem a formulação de qualquer outro
mecanismo de equilíbrio obrigatório do balanço de pagamentos. Nessas condições, não fica
demonstrado por que o país não pode reter ouro. (N.R.T.)
463. Notar que permanece a questão: para haver ouro excedente no país, mesmo que seja
para favorecer o “comércio indireto”, é necessário que se formem excedentes comerciais. Em
última análise, para Smith, o ouro dirige-se a objetos ou à circulação (moeda); não há
possibilidade de retenção do ouro fora estas. No entanto, de onde se obtém o ouro para
“comércio indireto”? (N.R.T.)
464. Smith refere-se aqui aos efeitos de um meio circulante degradado (moedas com peso
abaixo daquele com que foram cunhadas): cria-se um diferencial de preços entre o ouro em
barras e o ouro na forma de moeda, o qual estimula o derretimento e a fuga de moedas. Esse
problema foi abordado tanto no Livro I (capítulo XI) quando no Livro II (capítulo II). A
cobrança de taxa de cunhagem, mencionada logo a seguir, ao abrir uma distância entre o
preço do ouro na forma de moeda e seu preço na forma de metal, atenuaria os ganhos dos
especuladores com a moeda, vindo a desestimular sua evasão. (N.R.T.)
465. Ver Dictionaire des Monnaies, tomo II: artigo “Seigneurage”, p. 489, de François-André
Abot de Bazinghen, conselheiro-comissário da Corte da Moeda (Cour des Monnaies) de
Paris. (N.A.)
Traité des monnoies et de la juridiction de la Cour des monnoies en forme de dictionnaire
(Paris, 1764), v. ii, p. 589. (N.T.)
466. Ver “Notas à tradução”, “Dinheiro”. Enquanto 8 onças de ouro (1 marco) valiam 740
libras e 9 sols, 8 onças de prata valiam 51 libras, 2 sols e 3 dinheiros. Desse modo, a taxa de
conversão entre ouro e prata passou a ser 14,4867:1. (N.T.)
467.
Ver “Notas à tradução”, “Dinheiro”. Uma libra francesa (livre) = 20 sols (ou sous) = 240
dinheiros (deniers). (N.T.)
468. 18 e 19 Charles II, c.5 (1666) in Statutes of the Realm; 18 Charles II, c.5 na edição de
Ruffhead. (N.T.)
469. Taxa de cunhagem e taxa de senhoriagem são, no caso, sinônimos. Costuma-se dizer
taxa de senhoriagem porque ela cobre o custo industrial da Casa da Moeda e proporciona
ainda receita líquida ao soberano. A cobrança de taxa de senhoriagem representou desde
tempos imemoriais um meio de proporcionar recursos à autoridade emissora. (N.R.T.)
470. Smith presume que o tributado (o comerciante) é capaz de repassar todo o valor do
tributo ao preço das mercadorias que vende; ou seja, adianta hipóteses sobre incidência
tributária. O tema será tratado profusamente no Livro V. (N.R.T.)
471. Smith se refere ao Banco da Inglaterra, mencionado anteriormente. (N.R.T.)
472. Smith inclui aqui o “subsídio à produção de dinheiro”, ou o custeio da cunhagem por
meio de outros recursos que não uma taxa direta de cunhagem, no conjunto das práticas
ditadas pelo “sistema mercantil”. Isso apenas evidencia que em A riqueza das nações a
abrangência das políticas atribuídas ou estimuladas pelo “sistema mercantil” é imensa.
(N.R.T.)
473. São Domingos é a segunda maior ilha do Caribe depois de Cuba. Atualmente a ilha,
que também é conhecida por Hispaniola, ou Espanhola, divide-se politicamente em Haiti e
República Dominicana. (N.T.)
474. Alexandre, o Grande (356 a.C.-323 a.C.) manteve um império que incluía a Grécia e
estendia-se até o Egito e o noroeste da Índia. (N.T.)
475. Terra Firme era o nome dado à costa norte do continente sul-americano.
Longitudinalmente, estendia-se até o Istmo de Darién (nome histórico do Istmo do Panamá).
(N.T.)
476. Conquistadores espanhóis: Alonso de Ojeda (c. 1468-1515), Diego de Nicuesa (?-1511),
Vasco Núñez de Balboa (c. 1475-1519), Hernán Cortés (1485-1547), Diego de Almagro (c.
1475-1538) e Francisco Pizarro (1471-1541). (N.T.)
477. Smith desenvolve este tema — a natureza da exploração das minas de metais preciosos,
sua lucratividade, possibilidade de obter renda ou tributos — no Livro I, capítulo XI. Na
medida em que considera a exploração aurífera comprovadamente não lucrativa, Smith
atribui o surto minerador e sua persistência à lógica das loterias; vale dizer, à atratividade
despertada por uma possibilidade (mesmo que estatisticamente muito tênue) de achar
fortuna. (N.R.T.)
478. Walter Raleigh (c. 1552-1618) foi senhor de terras, escritor, poeta, político e explorador
inglês; realizou duas expedições à América em busca da “Cidade Dourada”. Por volta de 1585,
fundou o primeiro núcleo de colonização inglesa na Ilha de Roanoke, situada no litoral da
atual Carolina do Norte, nos Estados Unidos. (N.T.)
479. Joseph Gumila (1686-1750) foi missionário jesuíta e explorador espanhol. Escreveu El
Orinoco ilustrado, y defendido, historia natural, civil, y geographica de este gran rio, y de sus
caudalosas vertientes. Madri, 1741, p. 272: “Dios N. Senhor permitiò aquellas ansias de
buscar el Dorado, para abrir puertas nuevas al S. Evangelio”. (N.T.)
480. Smith está se referindo a uma situação muito debatida por autores do século XIX, que é
a dificuldade de se constituir uma classe de trabalhadores assalariados em ocupações nas
quais as terras disponíveis são muitas ou de fácil acesso. Há duas soluções: ocupar por meio
de pequenos proprietários independentes (o caso de algumas das colônias inglesas da
América do Norte) ou recorrer à compulsão do trabalho (escravidão, servidão). Smith via
com muitos bons olhos as possibilidades abertas nas colônias que ocuparam a terra por meio
da pequena propriedade e do trabalho livre. (N.R.T.)
481. Giovanni Francesco Gemelli Careri (1651-1725) foi um aventureiro italiano. Deu a
volta ao mundo em navios cargueiros. Publicou Giro Del Mondo (Volta ao mundo) em 1699.
(N.T.)
482. O termo usado por Adam Smith é “creole”, que, na época, designava os espanhóis
nascidos na América espanhola. (N.T.)
483. Termos utilizados por Smith: creoles e mulattoes. (N.T.)
484. Smith manifesta desapreço em relação aos dois fenômenos: o governo ser executado
por uma companhia monopolista e a colonização por companhias com prerrogativas
especiais. Esses dois fenômenos orientarão sua apreciação das colonizações inglesas no
mundo, assim como os projetos de colonização de outros países. (N.R.T.)
485. Pierre-François-Xavier de Charlevoix (1682-1761) foi um padre jesuíta francês.
Costuma ser considerado o primeiro historiador da Nova França, isto é, da área colonizada
pela França na América do Norte de 1534 até 1763 (Tratado de Paris). (N.T.)
486. Engrossing, em inglês, isto é, açambarcamento. (N.T.)
487. Na Inglaterra feudal, as terras eram concedidas por um sistema chamado de tenure. As
concessões dependiam dos serviços que seriam prestados por aquele que recebia concessão
(os terratenentes, ocupantes, ou tenants, em inglês) e esses serviços nomeavam as concessões.
Esses serviços eram a principal contraprestação pela posse da terra. Os serviços podiam ser
militares, civis ou religiosos. Os serviços das classes mais baixas eram de produção agrícola e
podiam ser realizados por pessoas honradas e livres (free socage) ou não livres em relação ao
senhor feudal (villeinage). A concessão em socage também podia ser paga em espécie. Nos
Estados Unidos as terras das primeiras colônias foram concedidas em free socage,
especialmente na Pensilvânia, pois ali a carta real dada a William Penn (1644-1718) criou
uma concessão (tenure) em socage com renda anual de duas peles de castor pela terra. Após a
Revolução Americana, as terras concedidas em socage pela coroa inglesa foram tomadas
pelos estados soberanos, abolindo as concessões inglesas (tenures). (N.T.)
488. Jus Maioratus. (N.A.)
Morgadio em Portugal. (N.T.)
489. Smith insiste que as colônias norte-americanas não arcavam com os gastos militares
para sua defesa, e acaba por concluir que, afora pela extensão do mercado e consequente
aumento da divisão do trabalho, a colonização da América do Norte continental não
representava uma vantagem para a Inglaterra. Deve-se notar que A riqueza das nações foi
redigida durante os sérios embates que levaram à independência da América do Norte.
Smith participou ativamente dos debates ingleses sobre a rebelião norte-americana, e sua
opinião ecoa em A riqueza das nações. (N.R.T.)
490. Smith se refere às reformas introduzidas pelo Marquês de Pombal na administração
colonial portuguesa. (N.R.T.)
491. Ilhas cedidas à Inglaterra após a Guerra dos Sete Anos (1756-1763): Granada, São
Vicente, Tobago e Dominica. (N.T.)
492. Anileira: Indigofera suffruticosa. Taiuva: Maclura tinctoria ou amoreira, amora-do-mato.
(N.T.)
493. Até o final do século XIX, o açúcar refinado era vendido em formato de cone com topo
arredondado, o chamado pão de açúcar. (N.T.)
494. Esta passagem de Smith sobre a escravidão nas colônias contém várias ideias
importantes. Em primeiro lugar, Smith nela se apoia inteiramente — embora sem mencionar
— em uma famosa passagem de Do espírito das leis (de 1748), na qual Montesquieu credita a
escravidão colonial moderna à adaptabilidade física do negro ao ambiente tropical. Em
segundo lugar, Smith sustenta que regimes despóticos têm maiores condições de impedir o
maltrato dos escravos, uma vez que nos regimes liberais os governantes não se atrevem a
interferir na agressividade do senhor em relação a uma pessoa que é sua propriedade. A
melhor administração francesa da escravidão, comparativamente à dos ingleses, decorreria
da dificuldade em interferir em uma relação de propriedade no regime liberal. Finalmente,
Smith propõe que um escravo tratado sob condições menos hostis produzirá mais. (N.R.T.)
495. Védio Polio. Smith aumenta a história um pouco, pois não há fontes dizendo que
Augusto mandou libertar todos os outros escravos. (N.T.)
496. Magna virum mater, em tradução literal do latim, significa “a grande mãe dos homens”.
(N.T.)
497. Smith admite que as colônias representaram uma expansão dos mercados, deste modo
beneficiando todos os países envolvidos direta ou indiretamente com o comércio colonial.
Admite, no entanto, que a exclusividade colonial deprime os benefícios em relação ao nível
que poderia ser atingido sem as restrições. De um lado, portanto, as vantagens da expansão
dos mercados e do aumento de produtividade por ela propiciada; do outro, as desvantagens
da restrição à concorrência. (N.R.T.)
498. Como já foi visto, a temática tributária era especialmente relevante no contencioso
entre Inglaterra e sua colônia norte-americana. Smith era um participante ativo dos debates
sobre a colônia norte-americana. (N.R.T.)
499. A primeira Guerra Anglo-Holandesa (1652-1654) ocorreu durante o protetorado de
Oliver Cromwell e, por ele, foi finalizada. A segunda (1665-1667) e a terceira (1672-1674)
ocorreram durante o reinado de Carlos II (1660-1685) e a quarta Guerra Anglo-Holandesa
(1780-1784), durante o reinado de Jorge III. (N.T.)
500. São Cristóvão é a maior ilha do atual Estado de São Cristóvão e Névis no Caribe. (N.T.)
501. Para Smith, é uma regra geral que os benefícios obtidos por meio de um monopólio
sejam necessariamente restritos aos que são beneficiados pelo monopólio, e
contrabalançados pela queda dos benefícios nos outros ramos do comércio. (N.R.T.)
502. Em todas as situações, Smith relaciona os retornos do capital a um critério que foi
apresentado no Livro II, o período de retorno do capital. Se o capital produz o mesmo
retorno de lucro — digamos, 10% do valor original aplicado — em dois anos, em vez de em
um ano, é claro que o retorno medido pela taxa de lucro será menor no primeiro caso. Nem
sempre fica clara, nos exemplos de Smith, essa distinção entre retorno absoluto ou
relacionado ao valor do capital original e retorno referido a um período-padrão —
geralmente, um ano. Além do período de retorno, há outros fatores (devidamente
ponderados nesta passagem), como risco. (N.R.T.)
503. No limite, para Smith existe um montante de capital no país que, sendo transferido para
certo ramo do comércio, deixará de ser utilizado em outros. O critério preferencial é o
emprego de trabalho produtivo britânico; daí segue a ordem de preferências agricultura-
manufatura-diversos tipos de comércio (também ordenados). De todo modo, Smith não
concebe capital desocupado: há capital mais e menos bem ocupado no que se refere a seus
impactos sobre o emprego e os rendimentos no país. E poucas vezes — nenhuma em caráter
sistemático e decisivo — é mencionada a possibilidade de o crédito vir a proporcionar uma
frente de expansão para o capital sem prejuízo dos demais capitais. Implícita está a ideia de
que o crédito drena recursos que poderiam ser aplicados em um setor em benefício de outro.
A teoria da acumulação de capital de Smith não é uma teoria do crédito, por mais que
dinheiro e crédito tenham sido objetos do Livro II, que trata da acumulação. (N.R.T.)
504. O crescimento “antinatural” provocado pelo regime de monopólios, as vantagens do
“sistema de liberdade natural”, são juízos associados não apenas a aspectos econômicos
(emprego e taxa de acumulação), mas à distribuição do equilíbrio político na nação e à
atenuação da possibilidade de crises concentradas, provocada pela mudança nas condições
dos negócios monopolistas. Em suma, o balanço político da nação também está em jogo na
defesa incondicional da concorrência feita por Smith. (N.R.T.)
505. Smith reafirma nesta passagem a ordem de preferência das modalidades de comércio:
comércio exterior de bens de consumo com vizinhos; com países distantes; comércio exterior
indireto de consumo; comércio de transporte. Reafirma também o critério para o
estabelecimento das preferências: volume de emprego de trabalho produtivo no país. (N.R.T.)
506. Smith admite afinal as vantagens do comércio colonial britânico, mas as atribui à
extensão dos mercados. Tamanhas foram as vantagens abertas pelo comércio colonial que
mais do que compensaram os malefícios do monopólio. (N.R.T.)
507. Nesta comparação entre Espanha e Portugal, por um lado, e Inglaterra, pelo outro, há
uma síntese dos fatores institucionais levados em consideração por Smith no progresso dos
países. Neles, a administração imparcial da justiça é fundamental. (N.R.T.)
508. O preço da terra em proporção à renda anual (years purchase) era o modo corrente de
expressar o preço da terra e de organizar uma escala de preços, tanto na Inglaterra quanto em
outros países. O aumento da taxa de juros reduz o preço da terra pelo critério de proporção à
renda anual. (N.R.T.)
509. Lembrando que 1 libra contém 20 xelins, logo, 2 xelins por libra significa um imposto
de 10% além do que já existia. (N.T.)
510. Este parágrafo contém a síntese do pensamento de Smith sobre a política colonial
inglesa referente à América do Norte, em momentos de grande mobilização política e militar
em torno do processo de independência colonial. (N.R.T.)
511. Charles-Jean-François Hénault foi escritor e historiador francês; publicou Abrégé
chronologique de l’histoire de France (Resumo cronológico da história da França), Paris, 1744.
(N.T.)
512. Smith era favorável à participação dos representantes da América do Norte no
Parlamento britânico e à plena integração dessa colônia à Grã-Bretanha. Aqui e em outras
passagens, no entanto, fica claro que encara com ceticismo a aceitação de suas propostas.
(N.R.T.)
513. A convergência entre os benefícios do capital individual e os da sociedade é uma
expressão concreta do princípio de que a busca dos interesses privados beneficia a
coletividade. O princípio se aplica em situações em que a “liberdade natural” domina, vale
dizer, na ausência de monopólios e arranjos institucionais que embaraçam a concorrência.
(N.R.T.)
514. A Companhia das Índias Orientais é o monopólio comercial mais atacado por Smith.
Não por acaso, Thomas Mun, identificado em A riqueza das nações como representante
intelectual máximo do sistema mercantil, foi dirigente dessa companhia. (N.R.T.)
515. Modernamente chamados de coisãs. (N.T.)
516. Sociedades de caçadores e pescadores, de pastores, de agricultores, e comerciantes: estes
são os estágios típicos de evolução das sociedades, conforme Smith. (N.R.T.)
517. Atual Jacarta, na Indonésia. Era a capital das Índias Orientais holandesas. (N.T.)
518. A atuação da Companhia das Índias Orientais na Índia, na qualidade de companhia
monopolista e também de responsável pelo governo local, foi acerbamente atacada por
Smith. (N.R.T.)
519. O interesse de todo proprietário de capital da Companhia das Índias, entretanto, não é
de forma alguma igual ao do país em cujo governo seu voto lhe oferece alguma influência.
Ver Livro V, capítulo I, parte III. (N.A.)
520. 3 Edward IV, c.4 (1463). (N.T.)
521. 39 Elizabeth I, c.14 (1597). (N.T.)
522. 3 Charles I, c.5 (1627) e 14 Charles II, c.19 (1662). (N.T.)
523. 24 George II, c.46 (1756). (N.T.)
524. Isto é, 112 libras, ver “Notas à tradução”, “Pesos e medidas”, “Sistema avoirdupois”. (N.T.)
525. 29 George II, c.15 (1756). (N.T.)
526. 10 George III, c.38 (1770) e 19 George III, c.27 (I779). (N.T.)
527. No sistema avoirdupois, 1 tonelada é igual a 20 hundredweight, isto é, 2.240 libras. Duas
mil duzentas e quarenta libras equivalem a 1.016 quilos. (N.T.)
528. 21 George II, c.30 (1747). (N.T.)
529. 4 George III, c.26 (1764). (N.T.)
530. 5 George III, c.45 (1765). (N.T.)
531. 9 George III, c.38 (1769). (N.T.)
532. 11 George, c.50 (1771). (N.T.)
533. Recipientes para armazenar líquidos, em ordem crescente: barrel (barril), hogshead,
pipe (pipa) e tun (tonel). (N.T.)
534. 19 George III, c.37 (1779). (N.T.)
535. 8 Elizabeth I, c.3 (1566). (N.T.)
536. 14 Charles II, c.18 (1662). (N.T.)
537. William Hawkins (1673-1746) escreveu um tratado sobre direito criminal, A Treatise of
the Pleas of the Crown (Tratados dos fundamentos da Coroa), London, 1716. (N.T.)
538. 12 Charles II, c.32, s.3 (1660). (N.T.)
539. 7 e 8 William III, c.28, s.4 (1695). (N.T.)
540. O “benefício do clero” era um instrumento para evitar a pena de morte. (N.T.)
541. John Smith, Chronicon Rusticum-Commerciale (Crônicas comerciais rústicas) ou
Memoirs of Wool (Histórias da lã). (N.T.)
542. Um princípio semelhante de equidade, aplicado à tributação, será apresentado no Livro
V, capítulo II. (N.R.T.)
543. 14 Charles II, c.7 (1662). (N.T.)
544. 5 e 6 William e Mary, c.17 (1694). (N.T.)
545. 9 William III, c.26 (1697). (N.T.)
546. 8 George I, c.15 (1721). (N.T.)
547. 25 George II, c.32 (1751). (N.T.)
548. 5 George III, c.37 (1765). (N.T.)
549. 14 George III, c.10 (1774). (N.T.)
550. Isto é, 80 pence (N.T.)
551. Isto é, 30 pence (N.T.)
552. O caldeirão de Newcastle era usado para medir o carvão que vinha do norte da
Inglaterra e equivalia, em 1694, a 5.940 libras-peso; já o caldeirão de Londres era a medida-
padrão no leste e no sul da Inglaterra e equivalia a 36 bushels ou 3.140 libras-peso. (N.T.)
553. 7 e 8 William III, c.20 (1695). (N.T.)
554. 14 George III, c.10 (1774). (N.T.)
555. 5 George I, c.27 (1718). (N.T.)
556. 23 George II, c.13 (1749). (N.T.)
557. O consumo como fim último da produção é uma máxima repetida por Smith ao longo
de A riqueza das nações. A produção de equipamentos, por exemplo, é vista como um ato
intermediário visando à máxima produção de bens de consumo. Sem entrar em detalhes
sobre as implicações dessa visão de consumo e produção, vale notar que, no momento, Smith
está apenas confrontando os interesses do consumidor e os do produtor. Seria indevido
proteger o segundo em detrimento do primeiro. (N.R.T.)
558. Por “sistemas agrícolas” Smith entende a fisiocracia, uma corrente de pensamento
econômico que se firmou na França, tendo seu apogeu entre 1755 e 1770. A partir do
entendimento de que a agricultura representa a origem do excedente econômico, sendo,
portanto, “a única fonte de rendimentos”, a fisiocracia se converteu em um movimento cujas
principais bandeiras foram a defesa do liberalismo e a imposição de um único tributo sobre a
renda da terra (ou o excedente agrícola). Smith e Hume tinham um conhecimento profundo
da fisiocracia, e Smith teve a oportunidade de encontrar os principais representantes da
corrente em sua estadia em Paris, em 1766. (N.R.T.)
559. O “colbertismo” é considerado a expressão francesa do mercantilismo e se caracteriza
em especial pela defesa das manufaturas francesas por meio de toda sorte de proteções. Os
fisiocratas (e Smith) combatem o “colbertismo”. (N.R.T.)
560. A divisão da sociedade em três classes caracterizadas por sua posição econômica — a
dos proprietários rurais, a dos fazendeiros e cultivadores agrícolas e a dos trabalhadores — e,
em especial, a articulação entre rendimento e produção, uma característica expressiva da
abordagem de Smith, são uma herança clara da fisiocracia. (N.R.T.)
561. A identificação da renda da terra como o produto líquido após o pagamento das
despesas de cultivo, uma das conclusões da fisiocracia, na verdade é uma ideia desenvolvida
por Cantillon, no Ensaio sobre a natureza do comércio em geral (1755). Esta obra, escrita por
volta de 1730, foi publicada na França em 1755 por iniciativa de defensores da fisiocracia.
Smith se refere em A riqueza das nações ao Ensaio de Cantillon, cuja antecipação de diversas
das contribuições em geral atribuídas aos fisiocratas é notável. (N.R.T.)
562. Em A riqueza das nações Smith também enfatiza a importância dos adiantamentos
feitos pelos proprietários na melhoria da terra, até mesmo para torná-la cultivável. (N.R.T.)
563. Este, naturalmente, é um ponto de ruptura de Smith com os fisiocratas. Para ele, os
gastos dos produtores manufatureiros (a aplicação de seu capital) retorna com lucros, e o
trabalho manufatureiro é produtor de excedente. Além disso, na medida em que a divisão do
trabalho pode ir mais longe nas manufaturas que na agricultura, o trabalho manufatureiro é
um produtor privilegiado de excedente. O produto final claramente excede o custo das
matérias-primas e da manutenção dos envolvidos na produção — conclusão que contraria a
tese fisiocrática. (N.R.T.)
564. Parcimônia, como visto anteriormente, é uma ideia-chave em Smith. Na verdade, no
capítulo IX do Livro IV, Smith tanto descreve e critica a fisiocracia quanto efetua uma
apresentação de seu sistema de pensamento econômico. (N.R.T.)
565. Smith introduz aqui uma ideia muito importante, que é a possibilidade de
especialização de “estados mercantis”, e a utilidade e conveniência dessa especialização a
todas as nações. Essa conveniência será aproveitada de modo mais intenso, naturalmente, em
um ambiente de livre-comércio. (N.R.T.)
566. O desdobramento da agricultura em direção à manufatura e ao comércio é uma ideia
importante em Smith, comentada sob diversos ângulos no Livro III e no Livro IV. (N.R.T.)
567. François Quesnay (1694-1774) foi médico e economista francês da escola dos
fisiocratas. (N.T.)
568. Smith se refere ao “Quadro econômico” de Quesnay, que, em diversas versões, expõe o
sistema fisiocrático e o ilustra numericamente por meio de uma tabela (ou quadro) de
circulação do produto social na economia. (N.R.T.)
569. O exemplo de Smith, para mostrar que o trabalho não agrícola é produtivo, é confuso.
Se o artesão executa um “trabalho que vale 10 libras” e ao mesmo tempo consome 10 libras,
não haverá, em princípio, o referido excedente de 10 libras. E, para que o valor produzido
seja 20, “o valor consumido e produzido durante esses seis meses” não pode ser igual a 20;
salvo se Smith se refere ao consumo do artesão envolvido e de outras pessoas. (N.R.T.)
570. Ver Livro I, capítulo I. (N.A.)
571. Smith reafirma a importância da divisão do trabalho no trabalho manufatureiro, e os
limites à divisão do trabalho na agricultura. (N.R.T.)
572. Para Smith, a defesa do liberalismo e o ataque à concepção mercantilista de riqueza
metálica são as grandes virtudes da fisiocracia. (N.R.T.)
573. Eles se chamavam de “economistas”, mas são conhecidos como fisiocratas. Fisiocracia,
isto é, o governo da natureza, é uma teoria econômica desenvolvida na França do século
XVIII. Opondo-se ao mercantilismo, seus expoentes acreditavam que a riqueza nacional era
gerada pelo trabalho produtivo, não pelo acúmulo de ouro. Para eles, apenas o trabalho
agrícola podia ser chamado de produtivo. (N.T.)
574. Pierre-Paul Le Mercier de La Rivière (1719-1801) foi administrador colonial e
economista fisiocrata. Foi intendente da Martinica, nas Índias Ocidentais, entre 1759 e 1764.
(N.T.)
575. Victor Riqueti, marquês de Mirabeau (1715-1789), foi economista fisiocrata e filósofo
francês. (N.T.)
576. Ver o Diário do senhor De Lange in Bell’s Travels, vol. II. p. 258, 276. e 293. (N.A.)
John Bell (1691-1780), médico e viajante escocês, escreveu Travels from St. Petersburg in
Russia to diverse parts of Asia (Viagens para várias partes da Ásia a partir de São Petersburgo,
na Rússia). Glasgow, 1763. (N.T.)
577. Plínio, I. IX, c.39. (N.A.)
Plínio, História natural, IX, XIII (N.T.)
578. John Arbuthnot (1667-1735) foi médico e polímata residente em Londres. Ver Tables of
Ancient Coins, Weights and Measures (Tabelas de moedas, de pesos e de medidas antigos).
London, 1727, p. 140-148. (N.T.)
579. Embora Smith veja o colbertismo como uma forma elevada de dirigismo estatal, nesta
passagem sua visão ultrapassa a crítica estrita à política francesa dos séculos XVII e início do
XVIII e seu comentário se dirige à impossibilidade de qualquer soberano — qualquer
política — orientar a acumulação dos capitais individuais. Smith prepara a apresentação dos
“deveres do soberano” e dos meios de cumpri-los — objeto do Livro V. (N.R.T.)
580. Batalha ou Cerco de Veios. Batalha ocorrida em aproximadamente 396 a.C. entre a
República Romana e os etruscos da cidade de Veios. (N.T.)
581. Para explicar as despesas com a defesa, Smith fez uma progressão pelos quatro estágios
de evolução das sociedades: caça e pesca, pastoreio, agricultura e, finalmente, sociedade
comercial. Os requisitos e as possibilidades de defesa variam de um estágio a outro.
Naturalmente, Smith pretende debater as características da defesa em uma sociedade
moderna ou mercantil. (N.R.T.)
582. Note-se que Smith introduz uma variante. Não apenas o estágio da sociedade implica
profissionalização do exército. O aprimoramento da arte da guerra também exige
profissionalização. (N.R.T.)
583. À época de Smith, havia na Inglaterra e na Escócia uma contenda política entre os
defensores da milícia e os que acreditavam que tropas regulares (standing army) bastavam
para a manutenção da segurança e da paz internas. Essa polêmica explica a extensão que
Smith, um defensor do exército regular, dedica ao tema em A riqueza das nações. (N.R.T.)
584. O exército romano saiu derrotado nas batalhas de Trébias (218 a.C.), do Lago
Trasimeno (217 a.C.) e de Canas (216 a.C.).
585. A Batalha de Zama (202 a.C.) decidiu a segunda Guerra Púnica. Nela, Cipião Africano
derrotou as forças militares de Cartago, lideradas por Aníbal. (N.T.)
586. Andrisco, último rei da Macedônia, derrotado em 148 a.C. (N.T.)
587. O papel do exército excede o de repulsão dos inimigos externos: é essencial à
manutenção da paz interna. Os riscos à liberdade, a que Smith se refere a seguir, eram os
argumentos evocados na Inglaterra, desde o século XVII, contra o controle ou a eliminação
das milícias locais. (N.R.T.)
588. Um exército permanente é condição essencial não apenas para a manutenção da paz
interna, conforme Smith, mas para assegurar as dissensões e diferenças de opinião inerentes
a um regime de liberdade. (N.R.T.)
589. No Livro III, e mesmo no Livro IV, a forma de distribuição de justiça já é identificada
por Smith como um elemento crucial no estabelecimento de distinção entre sociedades
opressivas e livres. Note-se que é o estabelecimento de formas mais avançadas ou
significativas de propriedade que expande as contendas e, portanto, aumenta as exigências de
justiça. A rigor — e como se verá adiante —, o próprio estabelecimento de um governo civil
está relacionado à emergência da propriedade. (N.R.T.)
590. O comando sobre pessoas e sobre trabalho, como foi visto no Livro I, é um elemento
essencial da concepção de valor de Smith. Na verdade, para Smith, a evolução das
sociedades, o aumento do excedente e o modo como esse excedente é distribuído e
transacionado mudam as formas de “comandar” trabalho. (N.R.T.)
591. Amercement, em inglês, literalmente, significa “estar à mercê de” e era uma pena
pecuniária imposta pela corte ou pelos pares ao infrator. A diferença entre uma multa (fine) e
a pena em tela (amercement) é que a primeira possuía um montante fixo e era voluntária, isto
é, era paga para obter algum favor do rei ou para evitar uma punição; enquanto a segunda
era obrigatória e arbitrada por quem a impunha. (N.T.)
592. Essas instruções encontram-se em: Tyrrel, J., General History of England, both
Ecclesiastical and Civil (História geral da Inglaterra, eclesiástica e civil), 1700, vol. II, p. 576-
579. (N.A.)
593. Henrique II (1133-1189) estabeleceu tribunais itinerantes (circuit court, em inglês).
Seus juízes perfaziam um circuito anual, visitando vários locais e levando a justiça real às
pessoas; dispensava-se, assim, a necessidade de as pessoas se deslocarem até Londres para
que seus casos fossem ouvidos. Atualmente o termo faz referência a um tribunal com sede
em dois ou mais locais de uma mesma jurisdição, um tribunal regional. (N.T.)
594. Honraria como forma de remuneração, ou como um substituto à remuneração
pecuniária, é um tema sempre presente em Smith. Ver adiante suas considerações sobre a
remuneração de professores e clérigos. (N.R.T.)
595. As despesas públicas analisadas no Artigo I têm sido muito consideradas pelos
economistas modernos, por encontrarem semelhanças entre os critérios estabelecidos por
Smith e aqueles que identificam um “bem público”. “Bem público” é um bem com
características peculiares — indivisibilidade, impossibilidade de exclusão de usuários,
benefícios amplos — que fundamenta a teoria das finanças públicas desde meados do século
XX. (N.R.T.)
596. A distribuição de tributos ou de tarifas sobre ricos e pobres é uma matéria analisada
por Smith no capítulo II do Livro V. (N.R.T.)
597. Desde que publiquei as duas primeiras edições desta obra, tenho boas razões para
acreditar que o total das taxas de pedágio recolhidas na Grã-Bretanha não produz uma
receita líquida que chegue a meio milhão, quantia que, sob a administração do governo, não
seria suficiente para manter cinco das principais estradas do Reino. (N.A.)
598. Tenho atualmente boas razões para acreditar que todas essas estimativas estão muito
exageradas. (N.A.)
599. As companhias regulamentadas e as sociedades por ações podem deter, como diz
Smith, privilégios governamentais. As companhias por ações, no entanto, são abertas e seus
resultados são distribuídos na proporção das cotas dos proprietários diversos. As
companhias regulamentadas pertencem a um grupo específico de titulares. Adiante, Smith
vai detalhar as diferenças entre as duas formas de sociedade. (N.R.T.)
600. 10 e 11 William III, c.6 (1698). (N.T.)
601. 25 Charles II, c.7 (1672). (N.T.)
602.
Josiah Child (c. 1630-1699) foi um político e comerciante inglês autor de New Discourse of
Trade (Novo discurso sobre o comércio), 1668. (N.T.)
603. Nas cidades inglesas medievais, os homens livres (free of the city, em inglês), isto é, seus
“cidadãos”, desfrutavam de direitos e privilégios que os forasteiros não tinham. (N.A.)
604. 26 George II, c.18 (1753). (N.T.)
605. 23 George II, c.31 (1749). (N.T.)
606. 4 George III, c.20 (1764). (N.T.)
607. Cursitor Baron of the Exchequer, em inglês: juiz do tribunal do tesouro inglês. (N.T.)
608. Board of Admiralty, em inglês: Conselho do Almirantado. (N.T.)
609. Adam Anderson (1692-1765), economista escocês, foi funcionário da Companhia dos
Mares do Sul e, em 1764, publicou The Historical and Chronological Deduction of Commerce.
(N.T.)
610. As ações da Companhia dos Mares do Sul estiveram ligadas a um forte processo
especulativo no mercado financeiro londrino nos anos de 1719 e 1720, o qual redundou em
quebra generalizada na bolsa de valores e mesmo em crise da economia inglesa, em 1720.
Essa crise, conhecida como South Sea Bubble, foi concomitante e guardou certa semelhança
com a crise do Sistema de Mississippi, ocorrida na França na mesma época em decorrência
das políticas de reforma monetária impulsionadas por John Law. Ambos os episódios
passaram a designar, na geração de Smith, aventuras financeiras malsucedidas e com amplas
repercussões econômicas negativas. (N.R.T.)
611. Pelo Tratado de Utrecht, em 1713, os ingleses ganharam o Contrato de Asiento para o
tráfico de escravos por trinta anos. O tratado assinado em Utrecht, nos Países Baixos, entre
1713 e 1715, pôs fim à guerra da sucessão espanhola (1701-1714). (N.T.)
612. Comemoração cristã do calendário litúrgico anglicano, luterano e de algumas igrejas
cristãs ortodoxas que ocorre em 29 de setembro. (N.T.)
613. Joseph Marquis Dupleix (1697-1763) foi governador-geral da Índia Francesa, nome
geral das possessões coloniais do país no subcontinente indiano. Atualmente, Pondicherry é
o nome de uma cidade indiana, capital do território de mesmo nome. O município se tornou
colônia francesa em 1674. Dupleix chegou à Índia em 1715 e logo começou a reunir tropas
para expandir a influência francesa na região. (N.T.)
614. Esta associação entre sociedades por ações voltadas à prática de comércio exterior e
monopólios é muito representativa dos limites vistos por Smith à atuação bem-sucedida de
sociedades por ações. Adiante, Smith especifica quais negócios considera compatíveis com a
forma de sociedade por ações. (N.R.T.)
615. Em sua formação, Smith teve uma experiência longa e não muito proveitosa como
aluno bolsista na Universidade de Oxford. Smith atribui parte do fracasso do ensino em
Oxford ao fato de que, sendo a remuneração dos professores totalmente independente do
pagamento de taxas pelos alunos matriculados, eles não se esforçariam para manter um nível
elevado em suas classes de modo a atrair alunos. Smith contrasta fortemente os regimes em
Oxford e na Universidade de Glasgow, onde estudou e veio a se inserir profissionalmente.
(N.R.T.)
616. Esopo foi um fabulista grego nascido no final do século VII a.C. ou no início do século
VI a.C. (N.T.)
617.
O Livro dos Provérbios ou Provérbios de Salomão é o segundo livro da Bíblia hebraica e o
24º livro dentre os livros poéticos e sapienciais do Antigo Testamento da Bíblia cristã. (N.T.)
618. Teógnis de Mégara foi um poeta lírico grego do século VI a.C.; Focílides,
contemporâneo de Teógnis, foi um poeta grego de Mileto. (N.T.)
619. Esta passagem, que confere pouco crédito às experiências no exterior de jovens com
recursos, é curiosa porque o próprio Smith foi tutor de um jovem aristocrata no exterior no
período que imediatamente antecede a redação de A riqueza das nações. (N.R.T.)
620. Políbio (c. 203 a.C.-120 a.C.) foi um geógrafo e historiador da Grécia Antiga; sua obra
Histórias trata do mundo Mediterrâneo entre 220 a.C. e 146 a.C. (N.T.)
621. Dionísio ou Dioniso de Halicarnasso foi um historiador e crítico literário grego da Ásia
Menor. (N.T.)
622. Smith é um defensor da instrução pública para os pobres. Em seu entendimento, entre
outros méritos, um mínimo de educação combate o embrutecimento a que as ocupações
manuais regulares em uma sociedade moderna conduzem os jovens. (N.R.T.)
623. Dissidentes ingleses ou não conformistas. Grupo da Reforma Protestante inglesa que se
opunha à intervenção do Estado; entre eles podemos citar os batistas, os metodistas, os
presbiterianos e os quakers. (N.T.)
624. David Hume (1711-1776) foi um filósofo escocês conhecido por seu empirismo e
ceticismo. (N.T.)
625. Guerra Civil Inglesa (1642-1649) entre os partidários do rei Carlos I da Inglaterra e o
Parlamento (liderado por Oliver Cromwell).
626. Casa de Stuart era uma família nobre real da Escócia, Inglaterra, Irlanda e, por fim, da
Grã-Bretanha. Originada em Robert II da Escócia em 1371, seu último monarca foi a rainha
Ana da Grã-Bretanha (1702-1714). (N.T.)
627. Conde de Choiseul, Étienne-François (1719-1785) foi embaixador e, mais tarde,
secretário de Estado de Luís XV. (N.T.)
628. Colação é o direito de conferir benefícios eclesiásticos. (N.T.)
629. Ius Praesentandi, em latim, é o direito de indicar clérigos quando o cargo ficava vago.
(N.T.)
630. Cristiano II (1481-1559) foi rei da Dinamarca e da Noruega de 1513 até sua deposição,
em 1523, e rei da Suécia entre 1520 e 1521; Gustavo Trolle (1488-1535) foi arcebispo de
Upsala; Gustavo Vasa (1496-1560), ou Gustavo I, foi rei da Suécia de 1523 até sua morte.
(N.T.)
631. Ulrico Zuínglio (1484-1531) foi um teólogo, líder da Reforma Protestante na Suíça.
João Calvino (1509-1564) foi um teólogo cristão francês que se converteu ao protestantismo
por volta de 1533, o qual passou a ensinar. (N.T.)
632. 10 Anne, c.21 (1711). (N.T.)
633. Voltaire, pseudônimo de François-Marie Arouet (1694-1778), foi um filósofo iluminista
francês. Defensor das liberdades civis, religiosa e de comércio. (N.T.)
634. Charles Porée (1675-1741), nascido na Normandia, é citado em O século de Luís XIV.
(N.T.)
635. Pierre Gassendi (1592-1655) foi filósofo, astrônomo, matemático e clérigo francês.
(N.T.)
636. Períodos e pessoas: Lísias (459 a.C.-380 a.C.); Isócrates (436 a.C.-338 a.C); Platão (c.
428 a.C.-c. 348 a.C.); Aristóteles (384 a.C-322 a.C.); Plutarco (46-120); Epicteto (55-
135); Suetônio (69-141) e Quintiliano (35-95). (N.T.)
637. Ver Mémoires Concernant les Droits & Impositions en Europe (Relatos sobre os deveres e
encargos na Europa), tomo I, p. 73. Essa obra foi compilada por ordem da corte para uso de
uma comissão que, há alguns anos, estudou os meios apropriados para a reforma das
finanças da França. O relato sobre os tributos franceses, que ocupam três volumes in quarto,
pode ser considerado perfeitamente autêntico. O relato sobre os tributos de outras nações
europeias é uma compilação das informações que os ministros franceses nas diferentes cortes
conseguiram obter; é muito mais breve e provavelmente não tão exato quanto o relato sobre
os tributos franceses. (N.A.)
Beaumont, J. L. M. (1715-1785), Mémoires Concernant les Droits et Impositions en Europe,
publicado em Paris nos anos de 1768 e 1769. (N.T.)
638. Lorenzo de Médici (1449-1492) foi soberano de facto da República Florentina. (N.T.)
639. Ver Mémoires Concernant les Droits & Impositions en Europe, tomo I, p. 73. (N.A.)
640. A abordagem dos tributos de Smith está totalmente vinculada à sua teoria dos
rendimentos, exposta no Livro I. Inclui ainda o exame da incidência tributária, vale dizer, a
determinação de quem efetivamente arca com o tributo que é lançado sobre uma das rendas
(ou categorias sociais) específicas. A incidência depende do impacto dos tributos sobre os
diversos preços, da reação dos consumidores a variações de preços e também da relação
entre preços e rendimentos. Smith tinha ideias próprias sobre estes elementos, expostas no
Livro I, porém complementadas ou evidenciadas com mais apuro no Livro IV e,
especialmente, no Livro V. (N.R.T.)
641. As quatro máximas de tributação estarão sempre presentes na avaliação de cada tributo
específico. Nem sempre um tributo consegue atender às quatro máximas, escapando a uma
ou mais delas. Nesses casos, Smith fará uma avaliação sobre a gravidade da infringência das
normas diante das eventuais virtudes do tributo específico. (N.R.T.)
642. Equidade tributária é um objetivo sempre perseguido, e até hoje discutido, pelos
economistas. As diversas percepções de equidade dependem não apenas das concepções de
justiça social, mas também das teorias de rendimentos e preços assumidas. (N.R.T.)
643. Notar que a incerteza é tão mais agravada quanto, no século XVIII, o coletor mais
pudesse dispor de certa autonomia no tocante aos critérios de cobrança dos tributos.
Havendo fazendas privadas, ou seja, licenças de arrecadar arrendadas a indivíduos, a
incerteza pode ser levada a extremos. (N.R.T.)
644. Em uma sociedade em que formas expressivas de rendimento — por exemplo, a renda
da terra — eram arrecadadas em datas previstas e espaçadas (na Inglaterra, a renda da terra
era paga em prestações semestrais), a coincidência entre o recebimento da renda e a
obrigação de tributar era um critério muito importante. (N.R.T.)
645. Ver Sketches of the History of Man (Aspecto geral da história do homem), p. 474 ss.
(N.A.)
Henry Home, Lord Kames (1696-1782), foi um juiz, advogado e filósofo escocês. Sketches foi
publicado em 1774. (N.T.)
646. O “exame odioso dos coletores de impostos” era execrado por Smith. (N.R.T.)
647. 4 William e Mary, c.1 (1692). (N.T.)
648. Os fisiocratas franceses eram denominados como “os economistas”, grupo de
economistas e homens de Estado liderados por François Quesnay. (N.R.T.)
649. Ver Mémoires Concernant les Droits & Impositions en Europe, p. 240, 241. (N.A.)
650. Smith acredita que o pagamento do arrendamento em bens agrícolas, e não em
dinheiro, indica propriedades atrasadas e arrendatários sem poder de capitalização. (N.R.T.)
651. Se todos os grandes proprietários cultivassem suas próprias terras, desapareceria o
regime de arrendamento capitalista que caracteriza a agricultura moderna. (N.R.T.)
652. Doomsday book (Livro do Juízo Final), em inglês, foi o resultado de um grande
levantamento topográfico da Inglaterra e de partes do País de Gales requisitado por
Guilherme I e finalizado em 1088. (N.T.)
653. Mémoires Concernant les Droits & Impositions en Europe, tomo I, p. 114, 115, 116, etc.
(N.A.)
654. Ibidem, p. 83, 84. (N.A.)
655. Ibidem, p. 208, etc., também p. 287, etc. até 316. (N.A.)
656. Mémoires Concernant les Droits & Impositions, tomo II, p. 139, etc. (N.A.)
657. Planta da espécie Rubia tinctorum. (N.T.)
658. Nota-se que em nenhum momento Smith esconde sua inconformidade com um tributo
pago à Igreja. (N.R.T.)
659. Smith se refere ao fato de que a variação do valor dos metais, assim como da
quantidade de metais em moedas de mesma denominação, introduz uma variável adicional
no valor real da renda da terra percebida, que é a variação no valor real (expresso em grãos,
ou em trabalho) da moeda percebida como pagamento. (N.R.T.)
660. Desde a publicação da primeira edição desta obra, foi criado um tributo cujos
princípios se aproximam dos acima mencionados. (N.A.)
661. Nota-se que Smith se refere a um imposto sobre a renda da terra, e não a um imposto
sobre certa modalidade de propriedade (a terra). E, no que se refere à renda da terra, dois
fatores estão em jogo na análise de sua conveniência: a terra tanto pode proporcionar renda
ao proprietário que nada ou muito pouco faz por ela como ao proprietário que efetua
despesas em sua melhoria. O terreno urbano não envolve essa última despesa pelo
proprietário, e por tal razão a renda do terreno se parece mais própria a uma tributação
específica. Além disso, a renda do terreno urbano beneficia-se muito com a despesa do
soberano — mais um motivo para conceder ao Estado uma parte dela. (N.R.T.)
662. Mémoires Concernant les Droits & Impositions en Europe, p. 223. (N.A.)
663. Mémoires Concernant les Droits & Impositions en Europe, tomo I, p. 74. (N.A.)
664. Mémoires Concernant les Droits & Impositions en Europe. tomo I, p. 163, 166, 171.
(N.A.)
665. Copyholders, em inglês, são pessoas detentoras de um título consuetudinário de posse
de terras. Literalmente são os “detentores de uma cópia” do registro da parcela de terra a ele
cedida. Esse registro era guardado na casa do proprietário da terra. (N.T.)
666. Mémoires Concernant les Droits & Impositions en Europe, tomo II, p. 17. (N.A.)
667. Pode-se argumentar que, se muitos comerciantes retiram produtos do mercado para
elevar o preço, alguns comerciantes optarão por vender todas as suas mercadorias àquele
preço mais alto, esvaziando o movimento. Enfim, se há concorrência, o comportamento
previsto por Smith pode não se realizar. E, de todo modo — e quase analogamente ao
agricultor do exemplo subsequente —, o comerciante que retirar produtos do mercado
deixará uma parte de seu capital sem rendimento, o que não é o desejado. (N.R.T.)
668. O imposto sobre o escravo é um tributo sobre a propriedade, o qual, naturalmente, terá
de ser pago a partir dos lucros obtidos no negócio pelo proprietário do escravo. O
rendimento afetado é o lucro do dono. Já o imposto pessoal sobre homens livres terá de ser
pago a partir da renda que a pessoa obtiver pelo exercício de suas atividades, pelo emprego
de seu capital ou pelos rendimentos de suas propriedades. Mas parece que o decisivo é o
aspecto simbólico entendido por Smith: pagar imposto é um símbolo de liberdade. (N.R.T.)
669. Livro 55º. Ver também Burman, De Vectigalibus Populi Romani, capítulo XI; e
Bouchaud. De l’Impôt du Vingtième sur les Successions. (N.A.)
670. Ver Mémoires Concernant les Droits & Impositions en Europe, tomo I, p. 225. (N.A.)
671. Mémoires Concernant les Droits & Impositions en Europe, tomo I, p. 154. (N.A.)
672. Ibidem, p. 157. (N.A.)
673. Mémories Concernant les Droits & Impositions en Europe, tomo I, p. 223, 224, 225.
(N.A.)
674. Smith toca aqui em um ponto que é, para ele, chave. Todo ou quase todo imposto —
transferência de renda da população para o governo — representa subtração de recursos que
podem ser aplicados em trabalho produtivo, para gastos (do governo) que, por definição,
implicam contratação de trabalho improdutivo. (N.R.T.)
675. Não estar sujeito a outro inconveniente, senão o de pagar o tributo, é uma expressão
muitas vezes repetida por Smith. Indica que o tributo atende às “quatro máximas”, não
causando, portanto, os constrangimentos possíveis identificados por cada uma das máximas.
(N.R.T.)
676. Mémoires Concernant les Droits & Impositions en Europe, tomo II, p. 108. (N.A.)
677. Livro I, capítulo VIII. (N.A.)
678. Mémoires Concernant les Droits…, p. 210, 211. (N.A.)
679. Le Réformateur. (N.A.)
680. O termo alfândega, em português, por sua vez, origina-se do árabe al-fundaq,
“estalagem, hospedaria”. (N.T.)
681. Há uma análise detalhada dos subsídios e drawbacks no Livro IV, uma vez que estes
eram, na visão de Smith, os tributos por excelência do “sistema mercantil”. Nota-se que, além
de induzirem a fraudes variadas, esses tributos eram vistos também como responsáveis por
registros enganosos nas alfândegas, distorcendo o que habitualmente se apurava como
resultado da balança comercial. (N.R.T.)
682. Isto é, 57,45 pence para cada 240 pence, quase 5 pence por libra. (N.T.)
683. A saber, 5 x 5%, isto é 25%. (N.T.)
684. Smith comenta dois aspectos indesejados, ou não esperados pelas autoridades, dos
tributos sobre importação. Um deles é o incentivo ao contrabando. O outro é a promoção de
uma elevação de preços que, no limite, reduza o montante arrecadado, devido à redução do
consumo da mercadoria. Este último aspecto, diretamente relacionado à incidência,
demanda no entanto uma análise dos bens cujo consumo seria favorecido por essa
“liberação” da renda dos consumidores do montante antes gasto com o bem tributado. A
análise é de certa complexidade por envolver a substituição de um produto por outro
conforme a reação do consumo às variações de preços dos diversos bens — ou ao que se
denomina de elasticidade-preço cruzada da demanda. Smith às vezes alude à reatividade da
quantidade demandada aos preços; porém, em situações em que os bens são em certa
medida substituíveis por outros, não leva adiante o raciocínio sobre o impacto de variações
dos tributos sobre a receita tributária total. (N.R.T.)
685. Nota-se que Smith não apenas assume que o valor “real” dos bens de primeira
necessidade independe de seu preço — o que está em conformidade com a teoria do valor
exposta no Livro I —, como admite que as acomodações do salário nominal ao preço
nominal das mercadorias se dão sem maiores problemas ou sem intervalos consideráveis
para o ajuste. (N.R.T.)
686. Robert Walpole (1676-1745) foi um político britânico considerado o primeiro
primeiro-ministro de facto da Grã-Bretanha. (N.T.)
687. Low wine, em inglês, é o produto da primeira destilação da cerveja, com teor alcoólico
de aproximadamente 20%. (N.T.)
688. Malt spirits, em inglês. O tempo mínimo de envelhecimento de um whisky é de dois ou
três anos; antes disso, eles são chamados de destilados de malte. (N.T.)
689. Embora os tributos diretamente impostos aos proof spirits (destilados com 50% de água
e 50% de álcool) sejam de apenas 2 xelins e 6 pence por galão, se acrescentarmos isso aos
tributos sobre os vinhos baixos, a partir dos quais são destilados, chegam a 3 xelins e 10,67
pence. Para evitar fraudes, tanto os vinhos baixos quanto os proof spirits são agora tributados
com base no produto de saída do primeiro destilador (washstill). (N.A.)
690. A receita líquida daquele ano, deduzidos os descontos e todas as despesas, foi de
4.975.652 libras, 19 xelins e 6 pence. (N.A.)
691. Nesta apreciação sobre o contrabando e o contrabandista, há dois elementos
importantes. Em primeiro lugar, Smith mostra como há certa tolerância com o contrabando
e poucos se furtam a consumir produtos contrabandeados. O contrabandista é quase
induzido pelo Estado (que impôs tributos muito elevados) a praticar a infração. Em segundo
lugar, de todo modo a atividade do contrabandista dá margem a empregos produtivos,
enquanto a do Estado, por definição, não dá. (N.R.T.)
692. Mémoires Concernant les Droits…, tomo I, p. 455. (N.A.)
693. A importância conferida por Smith à liberdade do comércio interno é imensa: ela
expande os mercados e elimina custos com os exames de trânsito. É muito significativa a
comparação com a França, país que, por admitir diferenças tributárias entre as províncias,
criou um sistema excessivamente complexo. Muito significativa também — porque
inteiramente de acordo com seu sistema — a alusão de Smith aos benefícios que seriam
trazidos pela incorporação da Irlanda e das colônias ao mesmo espaço tributário. (N.R.T.)
694. A objeção de Smith ao arrendamento da arrecadação de tributos a capitalistas privados
é baseada em vários argumentos, que vão dos custos do sistema (já que os arrecadadores
auferem lucros) à falta de sentimentos de compaixão dos arrendatários da receita, sem
esquecer as inúmeras induções à corrupção e ao engano do público provocadas por esse
sistema. (N.R.T.)
695. É muito significativo que Smith conclua o capítulo sobre as receitas públicas com
comentários fundamentados sobre a França e a Holanda; não por acaso, rivais constantes da
Inglaterra e países com economia avançada e regimes políticos liberais ou ao menos não
opressivos (aos olhos de Smith). Com todos os defeitos examinados detidamente ao longo do
capítulo, o sistema inglês é muito mais produtivo do que os dos países rivais e menos sujeito
à infração das quatro máximas fundamentais. (N.R.T.)
696. A despesa com guerras, além de ser imprevista, representava um impacto
extraordinário sobre o orçamento público. A solução é o endividamento. O endividamento
público está, portanto, associado em suas origens — e, como se verá, persistentemente — às
despesas de guerra. (N.R.T.)
697. Smith toca aqui em um ponto essencial, que é a necessidade da existência de
alternativas de aplicação em títulos que rendem juros em uma sociedade mercantil dinâmica.
A dívida pública, portanto, oferece uma saída segura para recursos momentaneamente
ociosos dos capitalistas, que sempre existem em uma sociedade mercantil moderna. (N.R.T.)
698. Smith introduz um ponto essencial que caracterizará com perfeição a dívida pública
inglesa: ela introduz instrumentos (títulos da dívida) que, além da elevada garantia oferecida,
são passíveis de transformação em dinheiro a qualquer momento. São aplicações que rendem
juros e são transformáveis em dinheiro. (N.R.T.)
699. O Banco da Inglaterra, desde sua fundação (1694), foi o grande instrumento de
colocação e circulação da dívida pública inglesa. (N.R.T.)
700. Ver Examen des Réflexions Politiques sur les Finances (Análise das reflexões políticas
sobre finanças). (N.A.)
Livro escrito por Joseph Pâris, chamado de Duverney ou Du Verney ou Du Vernay (1684-
1770). (N.T.)
701. Tally, em inglês. A talha era um pedaço de madeira em que se marcava o que outrem
devia. A talha era, então, quebrada e cada uma das partes, devedor e credor, ficava com um
pedaço. O sistema de talhas foi introduzido na Inglaterra durante o reinado de Henrique I (?
-1135) e manteve-se vigente até 1826. (N.T.)
702. Os títulos perpétuos tornaram-se característicos da dívida pública inglesa. O
emprestador, ou detentor do título, visa aos juros periódicos e tem sempre a possibilidade de
negociar esses títulos no mercado. (N.R.T.)
703. 8 Willliam III, c.20 (N.T.)
704. Vê-se como a dívida pública inglesa vai modelando a própria estrutura tributária — no
caso, pela extensão de certos tributos que haviam sido lançados por tempo determinado.
(N.R.T.)
705. 1 George I, c.12 (1714). (N.T.)
706. 3 George I, c.7 (1716). (N.T.)
707. O grande dilema da dívida pública inglesa consiste, na opinião de Smith, no
compromisso da arrecadação com o pagamento da dívida. Fundos de receita são destinados
ao pagamento de dívidas já contraídas, como forma de garantia. Ou, então, contrai-se uma
dívida previamente designando tributos a serem arrecadados no futuro em garantia. Smith
percebe que isso diminui radicalmente a possibilidade de extinção, ou mesmo de contração,
da dívida pública, o que significa que parte da receita pública estará sempre consignada ao
pagamento da dívida do Estado. (N.R.T.)
708. A diminuição dos juros da dívida pública reduz os encargos e garante a possibilidade de
expansão da dívida. Há demanda para tomadores de títulos a taxas reduzidas, o que tanto
evidencia a funcionalidade da articulação entre o Banco da Inglaterra e o tesouro quanto
mostra a possibilidade de não se reduzir — eventualmente, manter ou mesmo elevar — o
endividamento público mesmo em períodos de paz. (N.R.T.)
709. Lorenzo de Tonti (c. 1602-c. 1684) foi um banqueiro de Nápoles, Itália. Tontinas em
português. (N.T.)
710. Postlethwayt, J., History of the Public Revenue (História da receita pública). (N.A.)
James Postlethwayt (1711-1761) escreveu sobre finanças e demografia. (N.T.)
711. William Pitt (1708-1788), 1º Conde de Chatham, foi ministro da guerra durante a
Guerra dos Sete Anos (1756-1763) e primeiro-ministro entre 1766 e 1768; John Calcraft
(1726-1772) foi político e agente do exército britânico. (N.T.)
712. Esta guerra tem se mostrado mais dispendiosa do que as guerras anteriores, envolvendo
a Grã-Bretanha em uma dívida adicional superior a 100 milhões. Em onze anos de paz,
foram pagos pouco mais de 10 milhões em dívidas; durante uma guerra de sete anos,
contraiu-se mais de 100 milhões em dívidas. (N.A.)
713. Para Smith, a questão de fundo é a transferência de um capital que empregava (ou
poderia empregar) trabalho produtivo para um fundo governamental que certamente não
emprega trabalho produtivo. Ou, ainda, pode haver uma transferência de tributos livres para
o custeio de despesas do governo, o que representa apenas uma transferência de um fundo de
manutenção de trabalho improdutivo para outro. (N.R.T.)
714. Smith pondera as vantagens e desvantagens do sistema de fundos. Sem fundos, a receita
tributária em tempos de guerra tem de subir acentuadamente; com fundos, o custeio da
guerra se estende por um período bem maior. Com fundos, a população deixa de sentir a
emergência tributária da guerra e talvez se torne menos impaciente com enfrentamentos
militares de longa duração. (N.R.T.)
715. Smith retoma aqui o argumento, ao qual se opõe, de que o pagamento de juros da
dívida pública, por envolver transferências de recursos entre indivíduos dentro da nação, não
é prejudicial. Pondera, ainda, que uma parte dos detentores de fundos públicos da Grã-
Bretanha era estrangeira; com o que se destrói mesmo o argumento de que não haverá
transferências de recursos para o exterior. (N.R.T.)
716. Smith argumenta que o endividamento público transfere rendimentos de pessoas
diretamente interessadas nos negócios individuais — capitalistas, fazendeiros — para
credores do governo que, embora interessados na situação geral do país, não se envolvem
com parcelas específicas do capital. Deixa de haver o controle intenso que caracteriza os
envolvidos em negócios específicos. No entanto, Smith havia destacado anteriormente que a
constituição de fundos que proporcionem rendimentos seguros — fundos de dívida pública
— é uma necessidade das sociedades mercantis avançadas. Há aspectos positivos e negativos,
portanto, no sistema de endividamento público. (N.R.T.)
717. Em seu ensaio sobre o crédito público, nos Ensaios políticos, Hume é absolutamente
alarmista em relação à dívida pública: ou a Inglaterra destrói a dívida pública ou será
destruída por ela. Smith, embora cauteloso, é bem menos pessimista. Pondera as
consequências negativas do sistema de dívida pública, mas parece ao final admitir que a
Inglaterra pode conviver com ele. (N.R.T.)
718. O curioso é que a “bancarrota real” a que Smith se refere é o debasement. Vale dizer,
Smith sai neste momento do exame de tributos, da receita e da dívida pública — a matéria do
Livro V — para retornar a uma matéria usualmente explorada nas passagens sobre moeda e
política monetária. Admita-se, no entanto, que nesta passagem do capítulo da dívida pública
temos a explicação mais minuciosa do debasement de A riqueza das nações. Nota-se, por
outro lado, que o debasement deixara de ser uma política usual na Inglaterra nos tempos de
Smith. (N.R.T.)
719. Ver Du Cange. Glossarium, verbete “Moneta”, Ed. Beneditina. (N.A.)
Charles du Fresne, senhor Du Cange (1610-1688), foi um filólogo e historiador francês,
escreveu Glossarium mediae et infimae Latinitatis (Glossário de latim da Idade Média e
Moderna). (N.T.)
720. O modus ou modus decimandi é uma forma alternativa de dízimo. Trata-se de uma
compensação ou valor equivalente entregue em substituição ao dízimo em espécie. (N.T.)
721. Ver Hutchinson, T., History of Massachusetts Bay (História da Baía de Massachusetts),
vol. II, p. 436 ss. (N.A.)
722. É muito significativo que na conclusão de A riqueza das nações Adam Smith volte,
agora sob o ângulo das finanças públicas, à questão da relação entre os diversos segmentos
territoriais da Grã-Bretanha. (N.R.T.)
Sumário
Capa
Créditos
Folha de rosto
Sumário
Prefácio
Notas à tradução
O texto
Notação das leis
Pesos e medidas
Tabelas de pesos e medidas
Cerveja e Ale
Vinho
Cereais
Secos
Carvão
Tecido
Medidas lineares
Medida quadrada
Medida cúbica
Sistema avoirdupois
Sistema troy
Sistema farmacêutico
Lã
Dinheiro
Introdução e plano da obra
Notas à terceira edição
Notas à quarta edição
Livro I. As causas da melhoria dos poderes produtivos do trabalho e a
ordem em que seu produto é naturalmente distribuído entre as
diferentes classes da população
Capítulo I A divisão do trabalho
Capítulo II O princípio gerador da divisão do trabalho
Capítulo III A divisão do trabalho está limitada pela extensão do
mercado
Capítulo IV A origem e o uso do dinheiro
Capítulo V O preço real (em trabalho) e nominal (em dinheiro)
das mercadorias
Capítulo VI Partes componentes do preço das mercadorias
Capítulo VII Preço natural e preço de mercado das mercadorias
Capítulo VIII Os salários do trabalho
Capítulo IX Os lucros do capital
Capítulo X O salário e o lucro nos diferentes empregos do
trabalho e do capital
Parte I — Desigualdades decorrentes da natureza dos próprios
empregos
Parte II — Desigualdades causadas pela política da Europa
Capítulo XI A renda da terra
Parte I — Os produtos da terra que sempre proporcionam
renda
Parte II — Os produtos da terra que às vezes proporcionam
renda e outras, não
Parte III — As variações entre os respectivos valores dos tipos
de produtos que sempre proporcionam renda e daqueles que
às vezes proporcionam renda, em outras, não
Digressão sobre as variações no valor da prata no decurso dos
últimos quatro séculos
Primeiro período
Segundo período
Terceiro período
Variações da proporção entre os respectivos valores do
ouro e da prata
Natureza e causas da suspeita de que o valor da prata ainda
continua a diminuir
Diferentes efeitos do curso do progresso sobre o preço real
de três tipos de matéria-prima
Efeitos do curso do progresso sobre o preço real das
manufaturas
Conclusão do capítulo
Livro II. Natureza, acumulação e aplicação do capital
Introdução
Capítulo I A divisão do capital
Capítulo II O dinheiro considerado como um ramo específico do
capital total da sociedade, ou os gastos de manutenção do capital
nacional
Capítulo III A acumulação do capital, ou o trabalho produtivo e
improdutivo
Capítulo IV O capital emprestado a juros
Capítulo V Os diferentes empregos do capital
Livro III. O progresso da opulência em diferentes nações
Capítulo I O progresso natural da opulência
Capítulo II Desencorajamento da agricultura na Europa Antiga
após a queda do Império Romano
Capítulo III A ascensão e o progresso das cidades e dos povoados
após a queda do Império Romano
Capítulo IV A contribuição do comércio das cidades para a
melhoria do campo
Livro IV. Sistemas de economia política
Introdução
Capítulo I Princípio do sistema comercial ou mercantil
Capítulo II Restrições sobre a importação de mercadorias que
podem ser produzidas domesticamente
Capítulo III As restrições extraordinárias sobre a importação de
quase todos os tipos de bens procedentes dos países cuja balança
comercial é supostamente desfavorável
Parte I — O absurdo dessas restrições em relação aos próprios
princípios do sistema comercial
Digressão sobre os bancos de depósito, particularmente o de
Amsterdã
Parte II — O absurdo das restrições extraordinárias em
relação a outros princípios
Capítulo IV Drawback
Capítulo V Subsídios
Digressão sobre o comércio de cereais e as Corn Laws (leis dos
cereais)
I
II
III
IV
Capítulo VI Os tratados ou acordos comerciais
Capítulo VII As colônias
Parte I — Motivos para o estabelecimento de novas colônias
Parte II — Causas da prosperidade das novas colônias
Parte III — Das vantagens que a Europa obteve com a
descoberta da América, da passagem para as Índias Orientais
pelo Cabo da Boa Esperança
Capítulo VIII Conclusão sobre o sistema mercantil
Capítulo IX Os sistemas agrícolas, ou aqueles sistemas da
economia política que representam o produto da terra como fonte
única ou principal do rendimento e da riqueza dos países
Livro V. A receita do soberano ou da commonwealth
Capítulo I As despesas do soberano ou da commonwealth
Parte I — As despesas da defesa
Parte II — Das despesas da justiça
Parte III — Das despesas das obras e instituições públicas
Artigo I — As obras e as instituições públicas cujo objetivo
é facilitar o comércio da sociedade e, em primeiro lugar,
daquelas que são necessárias para facilitar o comércio em
geral
Das obras e das instituições públicas que são necessárias
para facilitar os ramos específicos do comércio
Artigo II — As despesas das instituições para a educação
dos jovens
Artigo III — As despesas das instituições para a educação
das pessoas de todas as idades
Parte IV — As despesas que sustentam a dignidade do
soberano
Conclusão do capítulo
Capítulo II As fontes das receitas gerais ou públicas da sociedade
Parte I — Os fundos ou fontes de receitas que pertencem
especificamente ao soberano ou à commonwealth
Parte II — Os impostos
Artigo I
Tributos sobre a renda; tributos sobre a renda da terra
Tributos que não são proporcionais à renda, mas ao
produto da terra
Tributos sobre o aluguel (renda) de casas
Artigo II
Tributos sobre o lucro ou sobre o rendimento decorrente
do capital
Tributos sobre o lucro de determinados empregos de
capital
Apêndice aos artigos I e II
Tributos sobre o valor capital das terras, das casas e do
capital
Artigo III
Tributos sobre o salário do trabalho
Artigo IV
Tributos que, conforme se pretende, devem recair
indiferentemente sobre todas as diferentes espécies de
rendimentos
Capitação
Tributos sobre bens de consumo
Capítulo III Dívidas públicas
Apêndice
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