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Copyright da tradução e desta edição © 2021 by Edipro Edições Profissionais Ltda.

Título original: An Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations. Publicado
originalmente em Londres em 1776, pela casa editorial de William Strahan e Thomas Caldell.
Traduzido com base na 4ª edição.
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida ou transmitida
de qualquer forma ou por quaisquer meios, eletrônicos ou mecânicos, incluindo fotocópia,
gravação ou qualquer sistema de armazenamento e recuperação de informações, sem permissão
por escrito do editor.

Grafia conforme o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

1a edição, 2022.

Editores: Jair Lot Vieira e Maíra Lot Vieira Micales


Coordenação editorial: Fernanda Godoy Tarcinalli
Produção editorial: Carla Bettelli
Edição de textos: Marta Almeida de Sá
Assistente editorial: Thiago Santos
Preparação de texto: Thiago de Christo
Revisão: Lygia Roncel
Diagramação: Estúdio Design do Livro
Capa: Vicente Pessôa

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Smith, Adam, 1723-1790.


A riqueza das nações / Adam Smith ; prefácio, notas e revisão técnica de Mauricio Chalfin
Coutinho ; tradução de Daniel Moreira Miranda. — 1. ed. — São Paulo : Edipro, 2022.
E-pub
Título original: An Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations
ISBN 978-65-5660-043-7 (e-pub)
ISBN 978-65-5660-042-0 (impresso)
1. Economia 2. Economia - História 3. Investigação I. Coutinho, Mauricio Chalfin. II. Título.

21-63882 CDD-330

Í
Índice para catálogo sistemático:
1. Economia 330

Maria Alice Ferreira - Bibliotecária - CRB-8/7964

O livro é a porta que se abre para a realização do homem.


Jair Lot Vieira
Prefácio, notas e revisão técnica
MAURICIO CHALFIN COUTINHO
Graduado em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
mestre e doutor em Ciência Econômica pela Unicamp e professor titular dessa
instituição.
Concluiu o pós-doutorado pela Universidade de Londres como bolsista Fapesp.
Coordena pesquisas e publicações na área da História do Pensamento Econômico,
abrangendo autores como Barbon, Locke, Law, Cantillon, Steuart, Hume, Turgot e
Smith.
Nos últimos anos, tem empreendido uma análise da primeira edição de
A riqueza das nações em língua portuguesa (de 1811).
Tradução
DANIEL MOREIRA MIRANDA
SUMÁRIO
PREFÁCIO
NOTAS À TRADUÇÃO
O texto
Notação das leis
Pesos e medidas
Tabelas de pesos e medidas
Cerveja e Ale
Vinho
Cereais
Secos
Carvão
Tecido
Medidas lineares
Medida quadrada
Medida cúbica
Sistema avoirdupois
Sistema troy
Sistema farmacêutico

Dinheiro
INTRODUÇÃO E PLANO DA OBRA
Notas à terceira edição
Notas à quarta edição
LIVRO I. As causas da melhoria dos poderes produtivos do trabalho
e a ordem em que seu produto é naturalmente distribuído entre
as diferentes classes da população
CAPÍTULO I
A divisão do trabalho
CAPÍTULO II
O princípio gerador da divisão do trabalho
CAPÍTULO III
A divisão do trabalho está limitada pela extensão do mercado
CAPÍTULO IV
A origem e o uso do dinheiro
CAPÍTULO V
O preço real (em trabalho) e nominal (em dinheiro) das
mercadorias
CAPÍTULO VI
Partes componentes do preço das mercadorias
CAPÍTULO VII
Preço natural e preço de mercado das mercadorias
CAPÍTULO VIII
Os salários do trabalho
CAPÍTULO IX
Os lucros do capital
CAPÍTULO X
O salário e o lucro nos diferentes empregos do trabalho e do
capital
Parte I — Desigualdades decorrentes da natureza dos
próprios
empregos
Parte II — Desigualdades causadas pela política da Europa
CAPÍTULO XI
A renda da terra
Parte I — Os produtos da terra que sempre proporcionam
renda
Parte II — Os produtos da terra que às vezes proporcionam
renda
e outras, não
Parte III — As variações entre os respectivos valores dos tipos
de produtos que sempre proporcionam renda e daqueles
que
às vezes proporcionam renda, em outras, não
Digressão sobre as variações no valor da prata no decurso dos
últimos quatro séculos
Primeiro período
Segundo período
Terceiro período
Variações da proporção entre os respectivos valores do ouro
e da prata
Natureza e causas da suspeita de que o valor da prata ainda
continua a diminuir
Diferentes efeitos do curso do progresso sobre o preço real de três
tipos de matéria-prima
Efeitos do curso do progresso sobre o preço real das
manufaturas
Conclusão do capítulo

LIVRO II. Natureza, acumulação e aplicação do capital


INTRODUÇÃO
CAPÍTULO I
A divisão do capital
CAPÍTULO II
O dinheiro considerado como um ramo específico do capital total
da sociedade, ou os gastos de manutenção do capital nacional
CAPÍTULO III
A acumulação do capital, ou o trabalho produtivo e improdutivo
CAPÍTULO IV
O capital emprestado a juros
CAPÍTULO V
Os diferentes empregos do capital

LIVRO III. O progresso da opulência em diferentes nações


CAPÍTULO I
O progresso natural da opulência
CAPÍTULO II
Desencorajamento da agricultura na Europa Antiga após a queda
do Império Romano
CAPÍTULO III
A ascensão e o progresso das cidades e dos povoados após a
queda
do Império Romano
CAPÍTULO IV
A contribuição do comércio das cidades para a melhoria
do campo

LIVRO IV. Sistemas de economia política


INTRODUÇÃO
CAPÍTULO I
Princípio do sistema comercial ou mercantil
CAPÍTULO II
Restrições sobre a importação de mercadorias que podem ser
produzidas domesticamente
CAPÍTULO III
As restrições extraordinárias sobre a importação de quase todos
os tipos de bens procedentes dos países cuja balança comercial
é supostamente desfavorável
Parte I — O absurdo dessas restrições em relação aos próprios
princípios do sistema comercial
Digressão sobre os bancos de depósito, particularmente
o de Amsterdã
Parte II — O absurdo das restrições extraordinárias
em relação a outros princípios
CAPÍTULO IV
Drawback
CAPÍTULO V
Subsídios
Digressão sobre o comércio de cereais e as Corn Laws
(leis dos cereais)
I
II
III
IV
CAPÍTULO VI
Os tratados ou acordos comerciais
CAPÍTULO VII
As colônias
Parte I — Motivos para o estabelecimento de novas colônias
Parte II — Causas da prosperidade das novas colônias
Parte III — Das vantagens que a Europa obteve com a
descoberta
da América, da passagem para as Índias Orientais pelo
Cabo
da Boa Esperança
CAPÍTULO VIII
Conclusão sobre o sistema mercantil
CAPÍTULO IX
Os sistemas agrícolas, ou aqueles sistemas da economia política
que representam o produto da terra como fonte única ou
principal do rendimento e da riqueza dos países

LIVRO V. A receita do soberano ou da commonwealth


CAPÍTULO I
As despesas do soberano ou da commonwealth
Parte I — As despesas da defesa
Parte II — Das despesas da justiça
Parte III — Das despesas das obras e instituições públicas
Artigo I — As obras e as instituições públicas cujo objetivo é
facilitar o comércio da sociedade e, em primeiro lugar,
daquelas que são necessárias para facilitar o comércio em geral
Das obras e das instituições públicas que são necessárias
para facilitar os ramos específicos do comércio
Artigo II — As despesas das instituições para a educação
dos jovens
Artigo III — As despesas das instituições para a educação das
pessoas de todas as idades
Parte IV — As despesas que sustentam a dignidade do
soberano
Conclusão do capítulo
CAPÍTULO II
As fontes das receitas gerais ou públicas da sociedade
Parte I — Os fundos ou fontes de receitas que pertencem
especificamente ao soberano ou à commonwealth
Parte II — Os impostos
Artigo I
Tributos sobre a renda; tributos sobre a renda da terra
Tributos que não são proporcionais à renda, mas ao produto
da terra
Tributos sobre o aluguel (renda) de casas
Artigo II
Tributos sobre o lucro ou sobre
o rendimento decorrente do capital
Tributos sobre o lucro de determinados empregos de capital
Apêndice aos artigos I e II
Tributos sobre o valor capital das terras, das casas e do capital
Artigo III
Tributos sobre o salário do trabalho
Artigo IV
Tributos que, conforme se pretende, devem recair
indiferentemente sobre todas as diferentes espécies de rendimentos
Capitação
Tributos sobre bens de consumo
CAPÍTULO III
Dívidas públicas
APÊNDICE
SOBRE O AUTOR
PREFÁCIO
A riqueza das nações (1776), de Adam Smith (1723-1760), é considerada a
obra de referência do liberalismo econômico e um marco na constituição de
uma nova ciência, a economia política. Embora ainda no século XVIII
diversas edições tenham sido publicadas na Inglaterra e em outros países, a
consagração do trabalho deveu-se ao modo como foi divulgado e
interpretado nos séculos XIX e XX.
No que se refere à constituição de uma nova ciência, é preciso lembrar
que os debates em torno de temas econômicos — juros, preço, câmbio,
população — haviam adquirido uma extensão considerável já no século
XVII. Na Inglaterra, nos cento e cinquenta anos anteriores à publicação de
A riqueza das nações, um sem-número de autores — Thomas Mun (1628),
William Petty (1660-1680), Josiah Child (1690), Dudley North (1691),
Nicholas Barbon (1690), John Locke (1692), Gregory King (1690), Charles
Davenant (1700), John Law (1705), David Hume (1750), Joseph Harris
(1758), James Steuart (1767)1 — divulgou panfletos e tratados econômicos
de ampla repercussão. Na França, os fisiocratas — Cantillon (1755),
Mirabeau (1760), François Quesnay (1760), Turgot (1766)2 — eram
amplamente reconhecidos como economistas no período 1755-1770. Na
Itália, quando Ferdinando Galiani escreveu Da moeda (1751), Geminiano
Montanari havia já publicado Tratado mercantil sobre a moeda (1680), e
Bernardo Davanzati, seus escritos sobre câmbio e moeda (1582-1588). Em
suma, o debate sobre temas econômicos e a identificação de novas formas
de investigação em torno de um objeto comum ganhavam corpo com a
ampliação das relações mercantis. O próprio curso de Smith sobre
Jurisprudência, ministrado em Glasgow nos entornos de 1760, na tradição
de seus antecessores, incluía temas econômicos.3
A proliferação de obras econômicas no período 1620-1770 sugere que o
caráter fundador de um novo ramo de especulação científica atribuído a A
riqueza das nações deveu-se a certo número de fatores ou coincidências
marcantes. Em primeiro lugar, Smith foi considerado um pós-fisiocrático,
não apenas por razões cronológicas, mas por divergir dos fisiocratas ao
assumir como produtivo o trabalho em geral e não somente o trabalho
agrícola. Para muitos, A riqueza das nações passa a representar uma nova
perspectiva, ou mesmo uma nova ciência, diante de uma corrente de
pensamento bem identificada, a fisiocracia.
Em segundo lugar, excluindo-se a fisiocracia, as obras anteriores a A
riqueza das nações concentravam-se em temas monetários e cambiais.
Questões típicas de sistemas metálicos, como valor da moeda, debasement
(redução do conteúdo metálico da moeda, sem alteração de seu valor de
face), relação entre ouro e prata, cunhagem, fixação da taxa de juros, taxa de
câmbio e balanço de comércio, dominavam os debates econômicos dos
séculos XVII e XVIII. Ora, se Smith aborda vários desses temas, A riqueza
das nações certamente não é um tratado sobre moeda, crédito e câmbio. A
este respeito, é interessante o contraste com Princípios de economia política
(1767), de James Steuart, talvez o principal tratado econômico anterior a A
riqueza das nações. Embora Steuart se estenda sobre temas diversos, como
população, agricultura, excedente, estrutura social, sua atenção principal se
dirige a moeda, comércio internacional, taxa de câmbio. O afastamento da
temática estritamente monetária e o alargamento de perspectivas para a
ciência tornam marcante a ruptura de Smith com a tradição anterior.
Finalmente, A riqueza das nações é, sobretudo, um libelo
antimercantilista. Adiante voltaremos à crítica de Smith ao “sistema
mercantil”, mas convém antecipar dois elementos importantes. Por um lado,
Smith admite que o “sistema mercantil” confunde riqueza e metal (ou
moeda), daí decorrendo equivocadas políticas de busca de superávits no
comércio internacional, o meio de acesso a metais preciosos. Por outro,
Smith pondera que, ao bloquearem a livre concorrência entre os capitais, as
políticas mercantilistas viriam a afetar o “sistema de liberdade natural”. Uma
vez que a profusão de mercadorias é a verdadeira “riqueza das nações”, a
produção só pode atingir os melhores resultados se os indivíduos, guiados
pelo interesse próprio (self-interest), buscarem sem bloqueios ou incentivos
governamentais os melhores rendimentos. Para Smith, a ideia equivocada
de que a riqueza é constituída por metais teria levado ao tolhimento da
liberdade natural e a um excesso de restrições governamentais, em tudo
prejudicial à produção.
Mesmo que se possa demonstrar que muitos dos economistas que
antecederam Smith não confundiram metais com riqueza, e que alguns
conferiram um papel ao interesse próprio, a obra de Smith passa a ser
admitida como símbolo de um giro liberal no pensamento econômico.4
Essa associação de Smith ao liberalismo impõe dois cuidados. Primeiro,
diante das diversas ondas de propagação do smithianismo, mais necessária
se torna a atenção às diversas dimensões do liberalismo que penetram nos
comentários a Smith. Segundo, a entronização do interesse próprio como a
rationale por excelência da ação econômica nos dirige às dimensões
filosóficas do pensamento de Smith, assim como nos leva à sua inserção em
uma corrente específica do pensamento social, o iluminismo escocês.
Antes de entrarmos em A riqueza das nações, uma breve nota sobre os
seguintes dois pontos. Começando com o liberalismo, é importante
salientar a importância de autores como Jean-Baptiste Say e John R.
McCulloch na difusão da obra de Smith no início do século XIX. Tanto um
quanto outro apontam Smith como o grande formador da ciência
econômica e exploram a distinção entre Smith e os mercantilistas. Em
Tratado de economia política (1803), Say contrasta as ideias de Smith tanto
com as dos fisiocratas como com as de autores supostamente refratários à
mensagem liberal.5 Em Princípios de política econômica (1825), McCulloch
de certo modo ecoa Say na crítica aos remanescentes do mercantilismo e
repete várias das proposições de Smith. Ao exercerem um papel decisivo na
difusão do conhecimento econômico, Say e McCulloch contribuíram para
realçar o contraponto entre liberalismo e mercantilismo e para a fixação da
imagem do Smith liberal.
Talvez se devesse também lembrar David Ricardo, ainda que sua
propagação de Smith tenha se dado por meios indiretos. Ricardo
apresentou sua versão da teoria do valor trabalho na forma de uma crítica
severa à visão de valor conforme o “trabalho comandado” de Smith, no
primeiro capítulo de seu consagrado Princípios de economia política e
tributação (1821).6 Curiosamente, não obstante a sofisticada teoria
ricardiana das vantagens comparativas ter se tornado referência
indispensável em comércio internacional, de certo modo deslocando a
abordagem de menor densidade analítica de Smith,7 a defesa da liberdade
de comércio continuou a ser vista como uma bandeira smithiana e a
constituir por um bom tempo o núcleo racional do liberalismo econômico.
O quadro muda na virada do século XIX para o XX, seja pelas
mudanças substantivas na teoria do valor e distribuição introduzidas pela
revolução marginalista, seja porque a entronização das vantagens da
liberdade de comércio no rol das doutrinas pacíficas havia permitido que a
perspectiva sobre a obra de Smith se estendesse muito além do livre-
comércio.8 Além disso, o próprio liberalismo econômico muda seu foco;
aliás, sabemos que, dos anos 1930 a 1950, o quadro internacional coloca
outras demandas para a teoria econômica. De todo modo, o retorno da
pregação liberal, a partir dos anos 1970, envolve outras bandeiras, em
especial o ataque ao alargamento das funções econômicas do Estado. A este
respeito, note-se que o volume de ensaios sobre aspectos diversos da
economia smithiana — das obras completas de Adam Smith editadas no
bicentenário de A riqueza das nações (Glasgow Edition) — recebeu o título
sugestivo de The Market and the State.9 Ou ainda, e para nos referirmos a
economistas de Chicago que se notabilizaram pela defesa de plataformas
liberais a partir dos anos 1960, um artigo de George Stigler intitulava-se,
também sugestivamente, “Smith’s Travels on the Ship of the State” (1971).10
O artigo de Stigler, a rigor, estende-se por outro tema também associado
ao liberalismo e até mesmo admitido como um princípio unificador da
ciência econômica moderna, o interesse próprio (self-interest). O interesse
próprio, as motivações individuais na esfera econômica, os resultados da
economia como um produto não intencional das ações do indivíduo, ou,
ainda, a presença da “mão invisível” na produção de resultados econômicos
favoráveis, são questões de fato presentes em Smith. Todas elas se
relacionam à ação individual e à relação indivíduo-sociedade e levam ao
estabelecimento de conexões entre os aspectos econômicos, filosóficos,
institucionais e históricos da obra de Smith.
A esse respeito, cabe a menção a um conhecido artigo de Jacob Viner,
“Adam Smith and Laissez-Faire” (1927).11 O título remete inequivocamente
a liberalismo e concorrência, por mais que o próprio Viner tenha assinalado
a ausência de hipóteses teóricas fortes sobre comércio internacional em A
riqueza das nações.12 Ainda assim, em “Adam Smith and Laissez-Faire”,
Viner efetua um pioneiro exame dos nexos entre filosofia e economia na
obra de Smith, um aspecto pouco considerado pelos economistas do século
XIX e que continuaria a ser deixado de lado em boa parte das abordagens
de Smith até os anos 1970. A partir dessa época, sob o impulso de diversos
fatores — o bicentenário de A riqueza das nações, o interesse crescente nas
afinidades entre Smith e David Hume,13 a atenção às particularidades do
iluminismo escocês —, desenvolveram-se os estudos sobre a trajetória
intelectual e sobre a filosofia de Adam Smith, e, em especial, deixou de ser
admitida qualquer ruptura entre o Smith filósofo de Teoria dos Sentimentos
Morais (1759) e o Smith de A riqueza das nações — uma obra que, bem ou
mal, é um tratado de economia.
Mesmo sem que possamos nos deter na biografia de Smith e nas
características do iluminismo escocês,14 é sempre importante lembrar que
sua carreira como professor em Glasgow entre 1751 e 1763 envolveu cursos
de Lógica, Filosofia Moral e Jurisprudência. O curso de Filosofia Moral
abrangia Ética, que veio a ser a matéria desenvolvida em Teoria dos
Sentimentos Morais (1759). Nos cursos sobre Jurisprudência, dos quais
temos o testemunho de anotações de aula,15 Smith define jurisprudência
como a ciência que investiga os princípios gerais que fundamentam as leis,
ou a teoria das regras de governo. Dentre os objetivos do governo está a
promoção da opulência por meio da police (política de governo) —
opulência, por sua vez, relacionada a preços baixos para as provisões. Ainda
nas Lectures, Smith faz menção ao papel da divisão do trabalho na produção
de mercadorias e relaciona opulência e fartura à riqueza; vale dizer, aponta
para uma concepção mercantil (e não metálica) de riqueza, ao mesmo
tempo reconhecendo que grandes capitais possibilitam a contratação de
muitos trabalhadores e, portanto, o aprofundamento da divisão do trabalho.
Grandes capitais são a característica de sociedades mercantis ou de
sociedades nas quais a divisão do trabalho é extensa e o progresso material
se torna generalizado a ponto de beneficiar todos, inclusive os
trabalhadores. Nota-se que todos esses elementos, que viriam a se tornar
característicos de A riqueza das nações, estão enunciados nos cursos de
Jurisprudência. Do mesmo modo, a caracterização do homem como um
animal atraído pelo “refinamento dos gostos” ou por necessidades
crescentes; em decorrência, a identificação da superioridade de sociedades
que oferecem a todos e a cada um a possibilidade de atendimento das
necessidades. Para Smith, nas sociedades dotadas de comércio e divisão do
trabalho, a lógica da ação individual inspirada nas paixões e no cálculo
permite a conquista de uma sociabilidade mutuamente proveitosa por meio
da troca. Como se vê, já antes de A riqueza das nações Smith está a um
passo da proposição de que a busca por benefício individual pode ser
compatível com ganhos coletivos ou daquilo que se pode admitir como a
lógica virtuosa das economias mercantis.

A riqueza das nações está organizado em cinco livros. Segue-se à breve


descrição de cada um deles uma indicação de tópicos relevantes em cada
livro. O Livro I trata das “causas do progresso nos poderes produtivos do
trabalho” e da distribuição do produto entre as classes sociais. O Livro II, da
acumulação de capital. O Livro III apresenta um painel da evolução da
riqueza, ou um retrato da transição da sociedade europeia da economia
rural à mercantil. No Livro IV, Smith critica o “sistema mercantil” e
comenta o “sistema agrícola”, ou fisiocracia. O Livro V, afinal, trata das
“rendas do soberano”, ou de despesa, receita e dívida pública.
Apesar da grandiosidade da obra e do esplendor do texto,16 não é
incomum que os leitores de Smith restrinjam sua leitura aos dois primeiros
livros, nos quais, em princípio, está exposto o conteúdo econômico
principal; e, mesmo aí, contornem capítulos e passagens mais descritivas ou
menos conceituais. O próprio Livro IV, sempre lembrado pela centralidade
da crítica ao “sistema mercantil”, é muitas vezes lido de modo parcial, por
envolver o detalhamento de instrumentos de política econômica; enquanto
o Livro V é estudado quase que apenas pelos estudiosos de finanças
públicas. O Livro III, com seu painel sobre o deslocamento da economia e
da sociedade europeias ao longo dos séculos, é, muitas vezes, entendido
como um relato histórico. Diga-se que qualquer abordagem parcial e
segmentada de A riqueza das nações é problemática, na medida em que
Smith fortalece sua exposição por meio de reiterações, de tal modo que
mesmo os conceitos econômicos básicos só se tornam claros se exploradas
suas sucessivas exposições. As ilustrações, os exemplos e relatos históricos,
por sua vez, são fundamentais não apenas para a fixação, mas para a
exposição dos conceitos. Além de tudo, sem deixar de ser um tratado de
economia, A riqueza das nações é um amplo painel sobre a evolução da
sociedade, o surgimento do mundo mercantil e a conquista da liberdade —
dimensões que só podem ser captadas por meio de uma leitura integral.
Quanto aos tópicos relevantes nos livros e capítulos, o Livro I e o Livro
II, como mencionado, contêm o núcleo de conceitos econômicos
fundamentais estabelecidos ou transformados por Smith: valor, renda e
produção (produce), preços, distribuição, capital, dinheiro.17 Smith dedica
os três primeiros capítulos à divisão do trabalho e neles estabelece que o
princípio que impulsiona esse fenômeno fundamental para a elevação da
produtividade do trabalho é a “propensão à troca”, uma característica
inerente ao ser humano. Apenas no capítulo IV, sobre dinheiro, e no V,
sobre valor (ou preços reais e nominais), Smith ingressa nos tópicos usuais
do debate econômico. Note-se que os três capítulos iniciais dedicados à
divisão do trabalho indicam a importância atribuída a um fenômeno que
enquadra a totalidade de sua visão sobre a economia e o progresso humano.
A brevíssima exposição a respeito de dinheiro do capítulo IV também
está longe do convencional. Nela, Smith afirma que, uma vez estabelecida a
divisão do trabalho, toda pessoa deve manter a seu lado, além do bem que
produz, algo que seja em geral aceito como meio de troca. O que vem a
seguir combina relatos tradicionais da literatura econômica — o surgimento
e a evolução do meio de troca, de mercadorias diversas a pesos de metal e a
moedas de ouro e prata — a uma breve menção a debasement, a questão que
havia imantado o debate econômico por séculos. Sem alongar-se no debate
monetário, Smith enfatiza os efeitos desestabilizadores do debasement sobre
o ordenamento social.
O capítulo V, de grande complexidade, deu margem a intermináveis
controvérsias sobre a teoria do valor de Smith, baseada na ideia de
“trabalho comandado”. Na verdade, o capítulo trata de “preço real” e “preço
nominal”, ou preço em trabalho e preço em dinheiro. Smith procura uma
“real medida de valor”, uma vez que os preços em dinheiro se expressam em
mercadorias (ouro e prata) cujo valor é variável. O problema, portanto, é o
da busca de uma medida invariável de valor e, neste aspecto, Smith apenas
se defronta com o secular dilema da impossibilidade lógica de uma medida
em si variável. A solução que oferece é, no entanto, peculiar. Primeiramente,
por associar a “medida real” (invariável) de valor de qualquer mercadoria
ao trabalho que ela comanda na troca, ou à dotação de trabalho contida na
mercadoria que se vai obter, ou, ainda, ao esforço que poupamos pelo fato
de dispormos de trabalho alheio. Há aqui claramente um leve viés
utilitarista — o trabalho é “esforço e sacrifício” — de apelo necessariamente
individual, já que “esforço e sacrifício” é uma medida invariável apenas para
o trabalhador ou para quem despende o esforço.
Em segundo lugar, invariabilidade significa estabilidade de valor no
tempo. Smith tem como objetivo fazer comparações intertemporais de valor
e, nessa medida, não pode ficar restrito a uma medida (metal, moeda) cujo
valor oscila. Temos aqui a introdução de um terceiro elemento: além de
trabalho e metal, entra em cena o grão, uma medida que de certo modo
denota trabalho, por ser o principal meio de subsistência do homem. Na
impossibilidade de obtermos indicações fiéis do valor do trabalho em
tempos passados, o valor do grão pode ser utilizado como substituto. Além
disso, está presente a preocupação com o valor de contratos de longo prazo,
como o arrendamento, os quais, se fixados em termos monetários, podem
ter seu valor real alterado.
É interessante notar que, a despeito de todos os problemas suscitados
pela variabilidade do valor dos metais, Smith entende que as moedas são
uma medida de valor e um meio de troca que atende plenamente às
necessidades da vida comercial, deixando claro que o interesse na medida
invariável é do estudioso. Por outro lado, indica inequivocamente ao final
do capítulo o que entende por valor nominal ou valor em dinheiro, uma
questão importante tendo em vista o debasement e as flutuações de valor
inerentes ao metal. Diante de um dilema antigo, que é saber se o valor da
moeda (sua relação de troca com as mercadorias) é dado por seu peso em
ouro e prata ou pelo valor de face, Smith deixa claro que o preço em
dinheiro está referido às quantidades de ouro e prata a serem teoricamente
contidas nas moedas pelas quais as mercadorias são avaliadas e trocadas.18
O que o leva a sempre fazer um levantamento do conteúdo metálico que as
moedas deveriam ter na cunhagem, para efeitos de comparação e de
aferição do valor efetivo das mercadorias (e da moeda) ao longo do tempo.
No capítulo XI do Livro I teremos vários exercícios dessa natureza.
A teoria dos rendimentos de Smith é apresentada no capítulo VI, sobre
as “partes componentes do preço”. De acordo com Smith, nas sociedades
que abandonaram o “estado rude” e nas quais há capital acumulado e terras
apropriadas, o produto do trabalho deixa de pertencer integralmente a
quem o produz (o trabalhador) e passa a ser distribuído pelas três classes
sociais que caracterizam a sociedade moderna: trabalhadores, proprietários
de terra e capitalistas. Está presente aqui uma clara noção de excedente. O
que o trabalhador produz excede suas necessidades imediatas e será
distribuído às outras classes sociais. Em que medida cada uma dessas
classes participa do produto social é algo a ser analisado nos capítulos sobre
os rendimentos específicos de cada classe — salários, lucros e renda da terra
(VIII, IX e XI).
Observe-se que a noção de excedente e a de rendimentos, bem como a
visão de circulação do excedente e do produto social entre as classes,
haviam sido apresentadas — com desenhos distintos — pelos fisiocratas, e,
antes deles, por Cantillon. A percepção de que existe uma associação entre
produto social e renda, fundamental em economia, é compartilhada por
Smith; que, no entanto, afasta-se de Cantillon e dos fisiocratas ao rejeitar a
ideia de que apenas o trabalho agrícola é produtor de excedente — um tema
a ser aprofundado no Livro II (capítulo III) e no Livro IV (capítulo IX). A
circulação do produto entre as classes é uma ideia mantida por Smith, que,
além disso, e fundamentalmente, identifica o lucro como o rendimento
específico do capital. O lucro não é para Smith apenas a renda do capital
agrícola (como para Cantillon), e, sim, a de todo capital. Como será
desenvolvido no capítulo IX, o lucro distingue-se do salário de trabalho de
supervisão, por mais que o capitalista atue como supervisor. É puro
rendimento do capital, e, na qualidade de rendimento “original”, distingue-
se também dos juros, que são um rendimento derivado. A identificação do
lucro como o rendimento específico do capital aponta para a moderna
sociabilidade mercantil e, ao mesmo tempo, dá luz própria ao rendimento
que comanda a acumulação do capital (Livro II) e o movimento da
economia nas sociedades mercantis.
O capítulo VII analisa o ajustamento entre o preço de mercado e o
natural. Para Smith, o preço de mercado oscila em torno do preço natural;
este, por sua vez, identificado como aquele que permite pagar as taxas
naturais de salários, lucros e renda da terra. Os três rendimentos também
oscilam em torno de suas taxas naturais, dando-se os ajustamentos de
acordo com a entrada e saída de fatores do mercado. O ajustamento dos
preços dos fatores às suas taxas naturais ocorre de modo análogo ao das
mercadorias, por oferta e demanda. É importante notar que o mecanismo
de ajustamento funciona onde houver concorrência. Tanto para as
mercadorias quanto para os fatores, havendo elementos que impeçam a
livre movimentação, o preço de mercado foge ao preço natural. Smith está
sempre atento às corporações de ofício remanescentes da Idade Média, que
constrangem os ajustamentos no mercado de trabalho, e aos monopólios
naturais ou instituídos por lei.
Os fatores que determinam cada rendimento específico são analisados
nos capítulos subsequentes (VIII a XI). É importante observar que, se Smith
expõe uma teoria de determinação dos salários ao nível de subsistência,19
não chega a desenvolver teorias dos lucros e da renda da terra. O capítulo
sobre o lucro (IX) apresenta as relações entre lucros e juros sem especificar
uma teoria dos lucros. A mesma falta de especificação teórica ocorre com a
renda da terra no capítulo XI. Já o capítulo X, que explora os diferenciais de
salário e lucro, complementa magnificamente o capítulo VIII no que se
refere a salários, e é bem mais ilustrativo do que o IX no que se refere aos
lucros. Mas é o capítulo XI que, mesmo não desenvolvendo uma teoria da
renda da terra, surpreende sob diversos aspectos e merece um comentário.
Para começar, o capítulo XI é o mais longo do Livro I, e não somente
por trazer um sem-número de ilustrações e evidências históricas. De início,
Smith estabelece uma distinção essencial entre a renda e os demais
rendimentos ao propor que os salários e o lucro necessariamente se
transladarão ao preço da mercadoria, enquanto haverá renda da terra
apenas se o preço da mercadoria permitir. Dado o preço admitido pelo
mercado para os produtos naturais, uma vez que haja excedente sobre os
custos básicos (salários e lucro), haverá renda. Nessa medida, Smith
distingue mercadorias agrícolas que sempre pagam renda daquelas que
podem ou não pagar conforme o preço que atingem no mercado.
Basicamente, a demanda é que explica a existência de renda. Um elemento
importantíssimo do entendimento de Smith sobre agricultura e evolução
dos cultivos é a admissão de que os cereais sempre proporcionam (e
requerem) o pagamento de renda da terra.
Uma longa digressão sobre variações de preços de cereais ao longo dos
tempos do capítulo XI mobiliza todo o arsenal teórico do capítulo V (preços
nominais e reais). Sugestivamente, na parte que trata de produtos que
pagam ou não pagam renda, ao introduzir as madeiras e a possível
substituição do carvão vegetal pelo mineral, Smith se reporta à renda das
minas. A inclusão dos minerais no capítulo não é uma surpresa, pois eles
também são um produto da natureza e, nessa medida, a propriedade de
minas faculta acesso à renda.20 Entretanto, tudo indica que o propósito de
Smith ao discutir a renda das minas foi entrar no tema sobre minas de ouro
e de prata, aproximando-se desse modo à moeda. Nesta exata medida — ao
tratar de ouro e prata —, o capítulo XI dá início aos comentários críticos ao
“sistema mercantil”, ao mesmo tempo complementando o tratamento do
dinheiro, que, como vimos, havia sido muito sumário no capítulo específico
(IV). Além disso, na longa apreciação das variações do preço da prata ao
longo do tempo, baseada na distinção entre preço real e nominal, Smith
examina a evolução do preço do grão (subsistência) e oferece um painel
histórico tanto sobre cereais e alimentos como sobre prata. O interesse
central são os impactos da descoberta da América sobre oferta e preço dos
minerais, tanto para abordar a “revolução dos preços” ocorrida na Europa
quanto para distinguir Espanha e Portugal — fonte dos metais — dos
demais países europeus — receptores de metais. As observações de Smith
sobre a atividade mineradora na América são documentadas por relatos e
cifras sobre tributação e renda bastante curiosas. Certamente, o capítulo XI
é de leitura indispensável; complementa o Livro I e é fundamental para a
compreensão do tratamento dado ao dinheiro no Livro II e a crítica ao
“sistema mercantil” do Livro IV.
O Livro II de A riqueza das nações aborda três temas distintos. O
capítulo III trata da distinção entre trabalho produtivo e improdutivo, um
tema de destaque na literatura smithiana. O capítulo V aborda os
“diferentes empregos de capital”, matéria fundamental e pouco debatida na
literatura smithiana. Já o capítulo I distingue capital fixo e circulante,
complementando a visão de Smith sobre capital, enquanto o II e o IV, que
abordam aspectos monetários, constituem as grandes contribuições para o
entendimento de crédito e papel-moeda em A riqueza das nações.
Para Smith, trabalho produtivo é o que produz valor e dá origem aos
rendimentos. Além de distinguir-se dos fisiocratas, que consideravam
produtivo apenas o trabalho agrícola, Smith pretende reforçar aquilo que
havia sido antecipado na “Introdução” de A riqueza das nações, ou seja, que
a relação entre trabalho produtivo e improdutivo é um dos fatores que
explicam a riqueza da nação. O trabalho improdutivo é entendido como
aquele que não produz mercadorias palpáveis ou duradouras que possam
servir como bens de consumo ou de acumulação. Smith inclui na lista dos
trabalhadores improdutivos todos os prestadores de serviços (clérigos,
professores, administradores…).21
A diferenciação entre capital fixo e circulante é de certa complexidade, e
a explicação de Smith, ao incluir rendimentos, valor, consumo, e ao
distinguir rendimentos brutos e líquidos, oferece dificuldades. Mesmo
assim, o capítulo I elabora uma distinção muito importante, aquela entre o
fundo ou estoque de mercadorias para consumo e a parcela dos bens que
será destinada à obtenção de um rendimento (lucro). Naturalmente,
sociedades avançadas podem destinar mais excedente à obtenção de
rendimentos, enquanto sociedades atrasadas destinam a totalidade das
mercadorias ao fundo de consumo imediato. Ao longo de A riqueza das
nações haverá inúmeras ponderações sobre as condições sociais para a
acumulação de um fundo voltado à preservação e ampliação do excedente,
e Smith insistirá na distinção entre frugalidade (que conduz à acumulação)
e consumo imediato.
O dinheiro, finalmente, é incluído no rol dos elementos do capital
circulante. Em se tratando de moedas (dinheiro metálico), sua fabricação e
manutenção acarreta custos. O papel-moeda (títulos de crédito), que não
envolve custos, será visto como um meio para proporcionar economia de
capital circulante, permitindo, desse modo, a conversão de uma parte do
produto social, antes empregada na manutenção do meio circulante, em
objetos de consumo e acumulação. O papel-moeda, por esse meio, amplia a
produção, e Smith passa a discutir os limites à expansão do crédito pelos
bancos, considerando riscos e interesses dos banqueiros. No capítulo II,
Smith discute ainda “circulação”, um tema amplamente tratado por
economistas que o antecederam. Em resposta à tradicional indagação sobre
o nível adequado de meio circulante, sustenta que as mercadorias em
circulação é que determinarão a quantidade necessária de dinheiro. O
papel-moeda, por sua vez, expulsa moedas metálicas da circulação. Temos
aqui mais um dos ângulos da crítica ao “sistema mercantil”, a ser
posteriormente comentado.
O Livro III, sobre o “progresso da opulência”, desenvolve um amplo
painel histórico da transição da sociedade e da economia europeias, das
hordas bárbaras à moderna sociedade mercantil. O breve capítulo I, que
antecede a apresentação do painel, propõe que, pela ordem natural, o
desenvolvimento das atividades agrícolas é anterior ao das urbanas e
artesanais. A consolidação da agricultura e do excedente agrícola, portanto,
seria crucial para o desenvolvimento das cidades. Smith estabelece ainda
uma clara ordenação de preferências (e de precedência) na aplicação de
capitais, em que a agricultura antecede as manufaturas, e estas, o comércio.
Para Smith, a agricultura é a atividade que mais utiliza trabalho produtivo
por unidade de capital. Os acidentes e peculiaridades históricas que levam à
inversão dessa sequência produzem uma ordem retrógrada e não natural.
Aliás, a possibilidade de subversão de sequências “naturais” por meio de
acontecimentos sociais e políticos variados é uma constante na visão
histórica de Smith. Vale notar que ele virá a considerar ainda uma ordem de
preferências para o comércio, fundamental à sua abordagem do “sistema
mercantil”: comércio interno, comércio externo de consumo, comércio
externo indireto e, finalmente, “comércio de transporte”. Essa ordem, que
hierarquiza os tipos de comércio conforme a capacidade de mobilizar mão
de obra e fatores internos do país, está intrinsecamente associada à visão
sobre rendimentos do Livro I e tem peso decisivo na análise das vantagens
do livre-comércio e da eficiência dos diversos instrumentos de proteção à
produção e estímulo às exportações, desenvolvida no Livro IV e no Livro V.
O painel histórico exposto nos demais capítulos tem por base a
experiência da Europa Ocidental, em particular a da Inglaterra. Smith
debate a passagem do regime alodial ao feudal, a constituição de cidades
comerciais, a paulatina conquista de autonomia pelas cidades e, afinal,
subvertendo a ordem natural, o impulso que as cidades deram não apenas à
modernização da agricultura, mas também à constituição da liberdade em
todo o território. O pano de fundo político são os conflitos entre o baronato
agrário e o soberano, assim como a articulação do soberano com os
moradores da cidade (os burgueses) — cujo propósito era, por meio de
concessões recíprocas, tolher a prepotência dos poderosos do campo.
Enfim, o resultado seria a própria transformação da agricultura e das
relações sociais no campo, a partir dali direcionadas ao aperfeiçoamento
dos cultivos e ao regime de arrendamento; este último, uma relação
estritamente contratual entre o proprietário de terra e os produtores
agrícolas, caracteriza o estabelecimento da justiça e da liberdade no campo.
Acredito que o Livro III, ao exemplificar a possibilidade de emergência
de ordens não naturais na história, pode ser visto também como uma
aplicação muito ampla da ótica de resultados não intencionais, voltada
agora ao macroplano histórico. Há uma passagem muito relembrada do
Livro IV em que Smith diz que os grandes proprietários de terra, antes
atraídos pelo desejo de poder e controle sobre os servos, passaram a ser
tentados pelo luxo oferecido pelo comércio das cidades. Trocaram seu
poder por “um par de fivelas de diamante”. Em busca do luxo,
impulsionaram a produção e o excedente em suas terras por meio do
arrendamento, o que teve por consequência a extinção da servidão e o
estabelecimento da agricultura moderna. Em suma, a modernização e,
principalmente, a liberdade decorreram da ambição cega dos proprietários,
dada a existência do comércio urbano. Essa sequência que envolve
ambições e restrições termina em algo não imaginado e mesmo não
almejado por todos os personagens envolvidos: liberdade e progresso.
No Livro IV, afinal, encontra-se a longa crítica ao “sistema mercantil”. O
Livro IV é voltado aos dois “sistemas de economia política” dominantes
(fisiocracia e mercantilismo), mas Smith dedica oito capítulos ao
mercantilismo e apenas um à fisiocracia. Ao leitor familiarizado com os
diversos aspectos da crítica ao “sistema mercantil”, não restará dúvidas de
que estamos diante do tema dominante de A riqueza das nações, o que se
pode depreender tanto das diversas antecipações dessa crítica nos livros
anteriores como do fato de a defesa da livre concorrência, sempre
subjacente aos comentários ao mercantilismo, organizar a estrutura de A
riqueza das nações como um todo. Por mais que Smith consiga explicar
diversas formas de proteção a capitais específicos, sendo mesmo leniente
em casos determinados, A riqueza das nações é uma obra cujo ideal é a
concorrência.22
Os instrumentos de política econômica analisados no Livro IV são as
restrições às importações (capítulos II e III), os drawbacks (capítulo IV), os
subsídios (capítulo V) e os tratados de comércio (capítulo VI). Os capítulos
I e VIII comentam o sistema mercantil como um todo, enquanto o capítulo
VII desenvolve uma magnífica exposição sobre colônias. Finalmente, no
capítulo IX, fisiocracia.
Na impossibilidade de nos alongarmos na descrição dos diversos
instrumentos, uma breve nota sobre “sistema mercantil”, fisiocracia e
colônias. Para começar, Smith identifica sob a denominação de “sistema
mercantil” não uma corrente de pensamento econômico específica nem
mesmo políticas relacionadas a uma época precisa do desenvolvimento das
nações. O “sistema de comércio” representa, antes, a defesa de regras que
prejudicam a concorrência nos diversos domínios da atividade econômica,
por mais que a tônica dos comentários recaia nas regras que visam à
obtenção de superávits no comércio externo, impostas sob a presunção de
que os metais preciosos constituem a efetiva riqueza. Um numeroso grupo
de economistas teria transformado em doutrina econômica o corpo do
“sistema de comércio” a partir da concepção equivocada de que a riqueza
consiste em metais. Em princípio, Smith exclui do “sistema mercantil”
apenas a doutrina fisiocrática e os sistemas que defendem o livre-comércio
de modo geral.
Já tivemos ocasião de ver que poucos economistas a partir do século
XVII resumiram riqueza a tesouro metálico. O próprio Thomas Mun,23
identificado por Smith como o representante por excelência do “sistema
mercantil”, defendia superávits de comércio, mas não resumia riqueza a
metais preciosos. De todo modo, para Smith, a concepção metalista de
riqueza incorre no erro capital de separar decididamente moeda e
mercadorias em geral. Voltamos aqui à concepção de moeda de Smith e a
suas digressões sobre circulação, nas quais identifica apenas duas fontes de
sustentação da demanda por metais preciosos, a confecção de prataria e a
manutenção de certa quantidade de moeda na circulação. Sendo a demanda
de prataria algo sob razoável controle (relacionado à opulência do país),
restam as moedas, que permanecerão no país apenas na medida do
requerido para circular as mercadorias. Havendo no país demanda por mais
metal, seus preços em alta assegurarão a ampliação da oferta. De todo
modo, bastam as exportações de mercadorias para que o ouro e a prata
ingressem no país. No sentido contrário, metal excedente será expelido em
busca de mercadorias no exterior. Smith percebe uma espécie de balanço
entre mercadorias e metais, pelo qual mercadorias compram metais e
metais compram mercadorias. Desaparecem as diferenças sensíveis entre
metais e mercadorias em princípio sustentadas pelos adeptos do “sistema
mercantil”. Em termos muito resumidos, essa é a tese proposta por Smith no
capítulo I do Livro IV, voltado à exposição do que é o “sistema mercantil”.
Conforme mencionado, os diversos instrumentos de política econômica
visando à obtenção de superávits de comércio são impeditivos da
concorrência e favorecem monopólios. Esses instrumentos, segundo Smith,
deslocam os capitais de atividades nas quais se alocariam naturalmente. A
busca dos lucros mais elevados, garantidos pelas proteções, ocasiona assim
um desvio das atividades naturalmente mais favoráveis ao país (por
proporcionarem mais empregos e maior lucratividade), em direção aos
setores protegidos. Ou ainda, em formulação alternativa, um favorecimento
de poucos em prejuízo de muitos, em especial os consumidores. A teoria
dos rendimentos (Livro I) e a visão de setores de atividade mais favoráveis
(Livro III) são os pontos de apoio da crítica ao mercantilismo.
No capítulo sobre a fisiocracia, Smith expõe os fundamentos da
doutrina fisiocrática e contrapõe a ela sua visão de que valor e excedente são
criados em todos os setores que abriguem trabalho produtivo. A crítica está
naturalmente embasada na teoria dos rendimentos (Livro I) e pode-se dizer
que o capítulo IX do Livro IV oferece uma de suas melhores expansões. Na
verdade, no capítulo IX Smith complementa sua visão sobre excedente,
rendimentos e setores de atividade; o que confere à crítica à fisiocracia a
qualidade de uma exposição adicional do sistema smithiano.
No caso do leitor brasileiro, a pérola do Livro IV será certamente o
capítulo VII, sobre colônias, que o autor inclui neste volume por acreditar
que o sistema colonial moderno se insere nas práticas mercantilistas ao
consagrar monopólios, companhias com privilégios de comércio,
preferências e impedimentos comerciais de todo tipo. De todo modo, esse
livro é atravessado pela visão de Smith a respeito de dois temas com os
quais estava bastante familiarizado, as companhias comerciais e a crise
política provocada pela revolta das colônias norte-americanas, em pleno
andamento quando da redação de A riqueza das nações. Ele não ocultava
seu entusiasmo pelo sucesso das colônias inglesas da América continental, e
isso atribuía à exploração do território por meio de agricultura e da
pequena propriedade, assim como à relativa liberdade proporcionada aos
colonos por um domínio colonial menos férreo que o observado nas
colônias francesas ou ibéricas. Na visão smithiana, a ocupação por meio de
atividades agrícolas e pequenas propriedades teria se beneficiado de todas
as vantagens oferecidas pela ordem natural (precedência da agricultura) e
pela pequena propriedade.
Além disso, no capítulo VII são explorados os contrastes entre a
colonização por meio de trabalho livre ou trabalho escravo e, ainda, as
diferenças entre os diversos tipos de administração colonial (a inglesa, a
francesa, as ibéricas) e os paradoxos da exploração e da administração
colonial por meio das companhias de comércio inglesas no Oriente.
Embora as guerras coloniais não sejam um tema específico, há frequentes
menções às disputas coloniais entre os países europeus, em particular na
América. É importante notar que no capítulo VII se encontram os
comentários mais expressivos de Smith ao trabalho escravo. Ao longo de
toda a obra, mas especialmente nesse capítulo, apresenta seus consagrados
argumentos sobre a superioridade do trabalho livre em relação ao trabalho
escravo. Pode-se dizer também que suas observações sobre a escravidão
atlântica oferecem um bom exemplo da mobilização de relatos da história
antiga e do mundo greco-romano para consubstanciar, por contraste, as
apreciações sobre o mundo moderno. No capítulo VII, e a despeito da
insistência nas referências clássicas, temos uma evidência das dificuldades
de enquadrar uma instituição antiga — a escravidão — no moderno
contexto da expansão mercantil. Enquanto na Europa, ou em parte dela, o
comércio gerou liberdade, na América reintroduziu a escravidão: um
fenômeno que o autor não consegue explicar plenamente, mas que, uma vez
mais, parece representar um rompimento da ordem natural e uma evidência
adicional do transcurso acidentado da história real.
Por fim, o Livro V é composto por três longos capítulos sobre finanças
públicas, que englobam despesas, receitas e endividamento público. Esse é
um livro que recebe pouca atenção do leitor geral, embora seja lido com
interesse por especialistas em tributação. Na verdade, algumas passagens do
capítulo I se tornaram mais divulgadas por conter notas pitorescas sobre a
educação básica e universitária e observações bastante francas sobre a
formação de clérigos. Ainda assim, o Livro V como um todo é pouco
estudado.
No capítulo I, Smith nos faz acompanhar o enunciado e a descrição dos
“deveres do soberano” — defesa externa, justiça, obras públicas, sustento do
soberano — de farta ilustração dos diversos modos de prestação de tais
serviços ao longo da história. Essas ilustrações tanto dão um horizonte geral
à argumentação quanto refletem debates específicos travados na sociedade
inglesa, como aquele sobre as virtudes de exércitos profissionais ou de
milícias.
A descrição dos encargos com obras públicas é o que mais tem atraído a
atenção dos especialistas, por oferecer um contraponto smithiano à
moderna teoria dos bens públicos, um tópico usual em economia. Ao
mesmo tempo, se a listagem dos “encargos do soberano” mostra a
flexibilidade na admissão de despesas sob responsabilidade do governo,
ainda assim, a mera delimitação dos três campos nos quais se realiza a
despesa pública representa uma exclusão de outras possibilidades. Ao
governo é vedado realizar o que não for enquadrado nos “encargos do
soberano”.
O capítulo II descreve com muita minúcia os tributos disponíveis e julga
sua adequação a partir de quatro “máximas”: equidade, certeza e não
arbitrariedade, conveniência ao contribuinte, mínimas despesas na
arrecadação. A eficiência e a justiça da tributação são aferidas a partir desses
quatro critérios. Deve-se observar que a avaliação de cada tributo está
ancorada em observações a respeito de incidência ou do ônus final do
pagamento do tributo, dada a possibilidade de impactos variados sobre
preços das mercadorias, rendimentos, exportações, concorrência. Nessa
medida, a visão do capítulo II é totalmente ancorada nas hipóteses sobre
rendimentos do Livro I e sobre acumulação do capital do Livro II. Por fim, é
interessante prestar atenção às comparações entre os sistemas tributários
inglês e francês, pois elas, além de oferecerem uma imagem bastante nítida
dos sistemas vigentes em ambas as nações, reforçam a percepção, também
evidenciada no Livro IV, de que o sistema de governo inglês, com todos os
seus defeitos, ainda é o menos danoso à liberdade natural.
O capítulo final sobre a dívida pública tem como pano de fundo uma
questão que havia atormentado Hume: a crescente dívida pública não
acabará por destruir a Inglaterra?24 Enquanto a resposta de Hume é
francamente pessimista, a de Smith oscila entre algum pessimismo e a
percepção de que os ingleses podem, afinal, controlar o gasto público,
impedindo que uma parte imensa da tributação seja destinada à
amortização da dívida e mitigando os expedientes do governo para
aumentar a tributação. A exposição de Smith será mais facilmente
entendida pelo leitor que dispuser de uma boa noção da evolução e
estruturação do sistema de dívida pública inglês e, no fundamental, de uma
visão geral sobre como se processou nos séculos XVII e XVIII a “revolução
financeira” na Inglaterra. Ainda assim, Smith fornece diversas informações
históricas e institucionais sobre montagem e financiamento da dívida
dirigidas a pontos essenciais do sistema financeiro e de dívida pública
inglesa: Banco da Inglaterra, estrutura da dívida (fundada e não fundada),
comportamento dos juros, existência de uma classe sólida de aplicadores.
Como nos demais capítulos, a exposição é orientada por tópicos do debate
político inglês da época; no caso, o confronto entre os temerosos da dívida
pública e aqueles que acreditavam que o instrumento e o modo como vinha
sendo utilizado favoreciam a Inglaterra.
Boa leitura!

Mauricio Chalfin Coutinho

NOTAS À TRADUÇÃO
O TEXTO
Durante a vida de Adam Smith (1723-1790) foram publicadas cinco edições
de A riqueza das nações: em 1776, 1778, 1784, 1786 e 1789. Há pouca
diferença entre a primeira e a segunda edição. A terceira (1784), no entanto,
além de ganhar um índice, também recebeu muitas adições e correções; por
isso, Smith adicionou a ela um adendo chamado “Adições e correções”. A
quarta edição teve poucas mudanças; o próprio Smith diz no prefácio que
“esta quarta edição não recebeu nenhum tipo de alteração”. Em 1904, após
confrontar essas cinco edições, Edwin Cannan (1861-1935) e sua equipe
publicaram o texto que ficou conhecido como a “Edição de Cannan”.
Em 1976, A riqueza das nações foi publicada como parte de The Glasgow
Edition of the Works and Correspondence of Adam Smith (Edição Glasgow
da obra e correspondência de Adam Smith). O presente texto foi traduzido
da edição (a quarta) selecionada como texto final pela Edição de Oxford
(também conhecida como Edição de Glasgow da obra de Adam Smith),
cujo conteúdo foi organizado por W. B. Todd.

Notação das leis


As leis do Parlamento são abreviadas no seguinte formato:

[ano do reinado] [regente] [sessão] [capítulo](ano)

Por exemplo, a lei de ajuda aos pobres, de 1601, é descrita assim:

43 Elizabeth I, c.2 (1601)


O primeiro número refere-se ao(s) ano(s) do reinado durante o qual a
sessão parlamentar pertinente foi realizada, em seguida é incluído o nome
do regente, o número do estatuto e o capítulo da lei. Assim, a lei do exemplo
foi a 2ª lei aprovada na sessão parlamentar iniciada no 43º ano do reinado
de Isabel I (Elizabeth I, em inglês) e terminada naquele mesmo ano. O ano
do calendário entre parênteses é um recurso adicional.
A legislação é fornecida pelo próprio Smith ou, alternativamente, foi
retirada das notas de rodapé das edições Glasgow ou de Cannan de A
riqueza das nações, que, por sua vez, utilizam as seguintes fontes:

1. The Statutes of the Realm (Os estatutos do reino): uma coleção de todos
atos do Parlamento inglês e britânico entre 1235 e 1713, publicado em no
volumes entre 1810 e 1825.
2. The Statutes at large (Os estatutos em geral). Ed. Ruffhead (Ruffhea
edition), publicado em Londres entre 1762 e 1765. Compreendem os at
desde a Magna Carta (1215) até 1763.

Para a manutenção da notação tradicional, os nomes dos regentes não


serão traduzidos.

PESOS E MEDIDAS
John Trusler (1735-1820), um clérigo contemporâneo de Adam Smith,
publicou, em 1786 e 1790, um interessante guia sobre a cidade de Londres
que recebeu o longo nome de The London adviser and guide: containing
every instruction and information useful and necessary to persons living in
London, and coming to reside there. (Guia e conselhos sobre Londres com
todas as informações e instruções úteis e necessárias para as pessoas que
moram em Londres ou que lá irão residir.
Deste livro foram retiradas as seguintes tabelas:

Tabelas de pesos e medidas


Nota: As medidas extremamente comuns em português foram traduzidas e
perderam a letra maiúscula inicial. As outras medidas foram mantidas com
seu nome original e letra maiúscula inicial, conforme o texto em inglês do
livro de Trusler.

Cerveja e Ale25
2 pints26 fazem 1 quart;27
4 quarts, 1 galão;
8 galões, 1 firkin de Ale;
9 galões, 1 firkin de cerveja;
2 firkins, 1 kilderkin;
2 kilderkins, 1 barril;
3 kilderkins, 1 hogshead;
3 barris, 1 butt.

Vinho
4 gills fazem 1 pint;
2 pints, 1 quart;
4 quarts, 1 galão;
18 galões, 1 rundlet;
1,33 rundlet, 1 barril;
1,33 barril, 1 tierce;
1,5 tierce ou 63 galões, 1 hogshead;
1,33 hogshead ou 84 galões, 1 puncheon;
1,5 punch ou 2 hogheads, 1 pipa ou butt;
2 pipas, 1 tonel.

Dessa forma são mensurados todos os conhaques, alcoóis, hidroméis,


cidras, poirés e óleos.

Cereais
2 quarts fazem 1 pottle;
2 pottles, 1 galão;
2 galões, 1 peck [aproximadamente 9 litros];
4 pecks ou 8 galões, 1 bushel;
8 bushels, 1 quarter ou vat;
5 quarters de trigo, feijões ou ervilhas, 1 load;
10 quarters de aveia, 1 load.

Secos28
2 pints fazem 1 quart;
2 quarts, 1 pottle;
2 pottles, 1 galão;
2 galões, 1 peck;
4 pecks, 1 bushel;
8 bushels, 1 quarter;
5 quarters, 1 wey ou load;
5 pecks, 1 bushel de água;
4 bushels, 1 coomb;
10 coombs, 1 wey;
2 weys, 1 last de cereais.

Dessa forma são mensurados sal, minério de chumbo, ostras, cereais e


outras mercadorias secas.

Carvão
4 pecks fazem 1 bushel;
9 bushels, 1 vat ou strike;
36 bushels, 1 caldeirão;
21 caldeirões, 1 score.
Tecido
2,25 polegadas fazem 1 nail;
4 nails, 1 quarto de jarda;
4 quartos, 1 jarda;
5 quartos, 1 ell inglês;
3 quartos, 1 ell flamenco;
6 quartos, 1 ell francês.

Os tecidos da Escócia e da Irlanda são comprados e vendidos em


Londres pela jarda inglesa, mas todos os tecidos holandeses são comprados
pelo ell flamenco e vendidos pelo ell inglês.

Medidas lineares29
3 grãos de cevada fazem 1 polegada;
9 polegadas, 1 palmo;
3 palmos, 1 span;
1,33 palmo ou 12 polegadas, 1 pé;
1,5 pé, 1 cubit;
2 cubits, 1 jarda;
1 jarda 2∕3, 1 pace;
1 pace 1∕5, 1 fathom;
2 fathoms (braças) 3∕4, 1 pole;
16 pés 1∕2, 5 jardas 1∕2, 1 pole;
40 poles, 1 furlong;
8 furlongs, 1 milha;
3 milhas, 1 légua;
20 léguas, 1 grau;
69,5 milhas, 1 grau.

Essas são medidas de comprimento.


Medida quadrada
144 polegadas quadradas fazem 1 pé quadrado;
9 pés quadrados, 1 jarda quadrada;
30,25 jardas quadradas, 1 pole quadrado;
40 poles quadrados, 1 rood quadrado;
4 roods quadrados, 1 acre quadrado;
640 acres quadrados, 1 milha quadrada.

Essas são medidas de comprimento e largura.

Medida cúbica
1,728 polegadas cúbicas fazem 1 pé cúbico;
27 pés cúbicos, 1 jarda cúbica.

Essas são medidas de comprimento, largura e altura.

Sistema avoirdupois30
16 dracmas fazem 1 onça (oz);
16 onças, 1 libra (lb);
28 libras, 1 quarto de hundredweight (qr);
4 quarters, 1 hundredweight (cwt) ou 112 libras;
20 hundredweight (cwt), 1 tonelada (T).

São medidos assim a manteiga, o queijo, a carne, os produtos de


mercearia e todos os outros gêneros que geram sobras no processo de
negociação ou mensuração.

Sistema troy
4 grãos fazem 1 quilate;
24 grãos, 1 pennyweight (dwt);
20 pennyweight, 1 onça (oz);
12 onças, 1 libra (lb).

São medidos assim joias, ouro, prata, âmbar, etc. — 14 onças, 11


pennyweight e 15 grãos troy equivalem a 1 libra avoirdupois.

Sistema farmacêutico
20 grãos fazem 1 escrópulo (℈);
3 escrópulos, 1 dracma (ℨ);
8 dracmas, 1 onça (℥);
12 onças, 1 libra (lb).

Os farmacêuticos manipulam seus ingredientes por meio desse sistema,


mas compram e vendem pelo sistema avoirdupois.


7 libras fazem 1 clove;
2 cloves, 1 stone;
2 stones, 1 todd;
6,5 todds, 1 wey;
2 weys, 1 sack;
12 sacks, 1 last.

Dinheiro
1. Grã-Bretanha
Antes da decimalização (15 de fevereiro de 1971), a libra tinha as
seguintes subdivisões:
4 farthings valiam 1 penny;
12 pence, 1 xelim;
20 xelins, 1 libra.

Ou seja, 1 libra equivale a 20 xelins, que, por sua vez, equivalem a 240
pence.
As palavras penny (singular) e pence (plural) são usadas dessa forma ao
longo de toda a tradução.
Existiam ainda outras denominações especiais, a saber, a coroa (crown)
e o guinéu (guinea). A coroa britânica foi sucessora da coroa inglesa e do
dólar escocês, surgindo após a união dos reinos da Inglaterra e da Escócia
em 1707, e valia 5 xelins. O guinéu começou a ser produzido em 1663 e seu
valor inicial era de 20 xelins, isto é, uma libra; este valor flutuou entre 20 e
30 xelins até ser fixado em 21 xelins por um decreto (em 1717) de Jorge I.
Conforme a tabela acima, o farthing valia 1∕4 de penny; então meio farthing
valia 1∕8, e assim por diante.
2. França
No século XVIII, a moeda francesa era a libra (livre) e tinha as seguintes
subdivisões:

12 dinheiros (deniers) equivaliam a 1 sou (ou sol, plural sous ou sols)


20 sous (ou sols) era igual a 1 libra (livre)

Ou seja, 1 libra (livre) valiam 20 sous (ou sols) ou 240 dinheiros


(deniers).
Em 1726, a França implementou um sistema monetário estável.
Enquanto 8 onças de ouro (1 marco) valiam 740 libras e 9 sols, 8 onças
de prata valiam 51 libras, 2 sols e 3 dinheiros. Desse modo, a taxa de
conversão entre ouro e prata passou a ser de 14,4867:1. A reforma levou ao
estabelecimento das seguintes moedas (e valores) na França do século
XVIII:

Moedas de ouro
Louis d’or — 24 libras;
Meio Louis d’or — 12 libras;
Louis d’or duplo — 48 libras.
Moedas de prata
écu — 120 sols (6 libras);
1⁄ écu — 60 sols (3 libras);
2
1⁄ écu — 30 sols (3⁄2 libras);
4
1⁄ écu — 15 sols (3⁄4 libras).
8

Moedas de bronze
12 dinheiros (deniers) — 1 sol (1⁄20 libras);
6 dinheiros — 1⁄2 sol;
3 dinheiros (ou liard) — 1⁄4 sol.

INTRODUÇÃO E PLANO DA OBRA


O trabalho anual de cada nação é o fundo que, originalmente, fornece a ela
todos os bens de primeira necessidade e comodidades da vida consumidos
anualmente, os quais consistem sempre no produto imediato desse trabalho
ou no que é comprado de outras nações com esse produto.
Assim, uma nação estará mais bem ou mais mal provisionada com
todos os bens de primeira necessidade e comodidades de que precisa de
acordo com a maior ou menor proporção que esse produto — ou o que é
comprado com ele — tenha com o número de pessoas que os irá consumir.
Mas essa proporção deve, em cada nação, ser regulamentada por duas
circunstâncias diferentes: primeiro, a habilidade, destreza e a propriedade
com as quais geralmente se realiza o trabalho; e, em segundo lugar, pela
proporção entre o número daqueles que estão empregados em trabalhos
úteis e aqueles que não estão. Independentemente do solo, do clima ou do
tamanho do território da nação, a abundância ou a escassez de seu
suprimento anual sempre depende, naquela situação específica, dessas duas
circunstâncias. A abundância ou a escassez desse suprimento anual também
parece depender mais da primeira do que da segunda circunstância.
Entre as nações selvagens de caçadores e pescadores, todo indivíduo que
é capaz de trabalhar está mais ou menos empregado em um trabalho útil e
se esforça da melhor forma possível para obter os bens de primeira
necessidade e as comodidades para si ou para as pessoas de sua família ou
tribo que já sejam muito idosas, ainda muito jovens ou estejam
demasiadamente enfermas para caçar e pescar. Essas nações, no entanto,
são tão miseravelmente pobres que, por pura necessidade, às vezes se veem
obrigadas, ou acreditam que sejam obrigadas, a matar diretamente, em
algumas situações até a abandonar suas crianças, seus idosos e as pessoas
com doenças crônicas para que morram de fome ou sejam devoradas por
animais selvagens. Entre as nações civilizadas e prósperas, pelo contrário,
um grande número de pessoas não trabalha, muitas delas consomem o
produto de dez vezes, frequentemente cem vezes, mais trabalho do que a
maioria das pessoas que trabalha; não obstante tal fato, o produto de todo o
trabalho da sociedade é tão grande que, normalmente, todos são supridos
com abundância; e até mesmo um trabalhador da classe mais baixa e mais
pobre, se for frugal e aplicado, pode desfrutar de uma parcela maior dos
bens de primeira necessidade e comodidades da vida do que qualquer
selvagem conseguiria adquirir.
As causas dessa melhoria dos poderes produtivos do trabalho e a ordem
na qual seu produto é naturalmente distribuído entre as diferentes classes
da população compõem o tema do primeiro livro de nossa investigação.
Qualquer que seja o estado real da habilidade, da destreza e do
discernimento com os quais o trabalho é realizado em uma nação, a
abundância ou a escassez de sua oferta anual depende, enquanto durar essa
condição, da proporção entre o número daqueles que estão anualmente
empregados em um trabalho útil e o daqueles que não estão. O número de
trabalhadores úteis e produtivos, conforme veremos, é proporcional à
quantidade de capital empregado para pô-los a trabalhar e ao modo
específico como essa quantidade é empregada. O segundo livro trata,
portanto, da natureza do estoque de capital, da forma como ele é
gradualmente acumulado e das diferentes quantidades de trabalho que ele
põe em movimento, de acordo com as diferentes formas como é utilizado.
As nações aceitavelmente avançadas em relação a habilidade, destreza e
discernimento na aplicação do trabalho seguiram planos muito diferentes
em sua conduta ou direção geral; e nem todos aqueles planos foram
igualmente favoráveis ao crescimento de seu produto. As políticas de
algumas nações têm oferecido incentivos extraordinários às atividades
rurais; as de outras, ao trabalho urbano. Praticamente nenhuma nação
tomou medidas iguais e imparciais em relação aos dois tipos de atividade.
Desde a queda do Império Romano, a política da Europa tem sido mais
favorável às artes, às manufaturas e ao comércio (as atividades urbanas) do
que à agricultura (a atividade rural). As circunstâncias que parecem ter
introduzido e estabelecido tal política são explicadas no terceiro livro.
Embora aqueles diferentes planos talvez tivessem sido originalmente
implementados pelos interesses e preconceitos de classes particulares de
pessoas, sem considerar ou prever suas consequências sobre o bem-estar
geral da sociedade, ainda assim deram origem a diferentes teorias de
economia política; algumas delas dão maior importância às atividades
desenvolvidas nas cidades, outras, àquelas desenvolvidas no campo. Essas
teorias tiveram uma influência considerável não só sobre as opiniões dos
eruditos, mas também sobre a conduta pública de príncipes e estados
soberanos. No quarto livro, tento, da forma mais completa e clara possível,
explicar essas diferentes teorias e suas principais consequências em
diferentes épocas e nações. Os quatro primeiros livros desta obra têm como
objetivo explicar em que consiste a renda da população ou qual a natureza
dos fundos que, em diferentes épocas e nações, lhe ofereceu os suprimentos
de seu consumo anual.
O quinto e último livro cuida das receitas do soberano, ou da
commonwealth.31 Nele eu procuro mostrar o seguinte: primeiro, quais são
as despesas necessárias do soberano ou da commonwealth, quais despesas
devem ser custeadas pela contribuição geral de toda a sociedade e quais
somente por uma parte específica ou de alguns membros particulares; em
segundo lugar, quais são os diferentes métodos pelos quais é possível fazer
com que toda a sociedade contribua para o custeio das despesas que cabem
a toda a sociedade e quais são as principais vantagens e os inconvenientes
de cada um desses métodos; e, em terceiro e por último, quais são as razões
e causas que levaram quase todos os governos modernos a hipotecar uma
parte dessas receitas ou a contrair dívidas e quais são as consequências
dessas dívidas sobre a riqueza real, o produto anual da terra e do trabalho
da sociedade.

NOTAS À TERCEIRA EDIÇÃO


A primeira edição desta obra foi impressa no final de 1775 e início de 1776.
Em quase todo o livro, portanto, sempre que falarmos em conjuntura atual,
queremos dizer o estado de coisas desse período ou de algum momento
anterior da produção da presente obra. A esta terceira edição, no entanto,
realizei várias adições, particularmente no capítulo sobre drawbacks e
subsídios; da mesma forma, acrescentei um novo capítulo, intitulado
Conclusão sobre o sistema mercantil, e um novo artigo ao capítulo sobre as
despesas do soberano. Em todas essas adições, a conjuntura atual sempre
significa o estado de coisas durante o ano de 1783 e o início do presente ano
de 1784.

NOTAS À QUARTA EDIÇÃO


Esta quarta edição não recebeu nenhum tipo de alteração. Agora, no
entanto, encontro-me livre para reconhecer minha grande dívida com o
senhor Henry Hope,32 de Amsterdã. A esse cavalheiro devo as informações
mais claras, bem como as mais generosas, relativas a um assunto muito
interessante e importante, a saber, o banco de Amsterdã, sobre o qual
nenhum outro relato impresso jamais me pareceu satisfatório ou mesmo
inteligível. O nome desse cavalheiro é tão bem conhecido na Europa — as
informações dadas por ele devem demonstrar muito respeito a quem quer
que tenha sido agraciado por elas — e, vaidosamente, desejo tanto fazer esse
agradecimento que me vejo impossibilitado de recusar-me o prazer de fixar
um prefácio a esta nova edição do meu livro.
LIVRO I
AS CAUSAS DA MELHORIA DOS PODERES
PRODUTIVOS DO TRABALHO E A ORDEM
EM QUE SEU PRODUTO É NATURALMENTE
DISTRIBUÍDO ENTRE AS DIFERENTES
CLASSES DA POPULAÇÃO
CAPÍTULO I
A DIVISÃO DO TRABALHO
Os grandes avanços dos poderes produtivos do trabalho e a maior parte
da habilidade, da destreza e do discernimento com que são dirigidos ou
empregados parecem ter sido o efeito da divisão do trabalho.
As consequências da divisão do trabalho nos negócios gerais da
sociedade serão mais facilmente compreendidas se verificarmos seu
funcionamento em algumas manufaturas específicas. É comum supor-se
que a divisão ocorra de forma mais plena nas pequenas manufaturas de
menor importância; não que ocorra realmente de forma mais plena do
que nas outras manufaturas de maior importância, mas as pequenas
manufaturas suprem as pequenas necessidades de apenas um pequeno
número de pessoas e, por isso, o número de trabalhadores dessas
manufaturas é necessariamente pequeno; e os empregados de todos os
diferentes setores fabris podem, muitas vezes, ser encontrados em um
mesmo galpão e colocados todos juntos à vista do espectador. Nas
grandes manufaturas, pelo contrário, que suprem as grandes
necessidades de muitas pessoas, todos os diferentes setores fabris
empregam um número tão grande de trabalhadores que é impossível tê-
los todos juntos em um mesmo galpão. É raro conseguirmos enxergar
mais do que os empregados de um único setor ao mesmo tempo. Embora
nessas manufaturas, portanto, o trabalho deva ser, na verdade, dividido
em um número muito maior de partes do que nas manufaturas menores,
a divisão não é tão óbvia, por isso foi menos observada.
Utilizaremos, então, o exemplo de uma manufatura muito pequena,
mas cuja divisão do trabalho foi bastante observada: a fabricação de
alfinetes. Um trabalhador sem treino para essa atividade (que tornou-se
um negócio específico por causa da divisão do trabalho) nem
familiaridade com o uso das máquinas nela empregadas (cuja invenção
também foi provavelmente ocasionada pela mesma divisão do trabalho)
mal conseguiria fazer um alfinete por dia — mesmo com a mais
extraordinária dedicação — e, certamente, não conseguiria fazer vinte
deles. Mas, na forma como essa atividade é realizada atualmente, não só o
trabalho todo é um negócio específico, mas também está dividido em
várias atividades que, em sua maioria, também são caracterizadas por
negócios específicos. Uma pessoa desenrola o arame, outra o endireita,
uma terceira o corta, uma quarta o torna pontiagudo e uma quinta lima
sua extremidade para o recebimento da cabeça; para fazer a cabeça são
necessárias duas ou três operações distintas; a colocação da cabeça no
alfinete constitui uma atividade específica, branquear os alfinetes, outra;
até mesmo a embalagem dos alfinetes constitui um negócio separado. E,
assim, essa importante atividade comercial, a fabricação de alfinetes,
divide-se em aproximadamente dezoito operações distintas: em algumas
manufaturas, são todas realizadas por mãos distintas, embora, em outras,
seja possível que a mesma pessoa execute duas ou três delas. Vi uma
pequena manufatura desse tipo com apenas dez empregados, sendo que,
consequentemente, alguns deles realizavam duas ou três operações
distintas. Embora essas pessoas fossem muito pobres e, portanto, mal
possuíssem todo o maquinário necessário, elas conseguiam (quando se
esforçavam) fabricar cerca de 12 libras de alfinete em um dia. Uma libra
equivale a mais de 4.000 alfinetes de tamanho médio. Essas dez pessoas,
portanto, conseguiam fabricar mais de 48.000 alfinetes em um dia. Se
considerássemos, então, que cada pessoa fabricou um décimo de 48.000
alfinetes, poderíamos dizer que ela fabricou 4.800 alfinetes em um dia.
Mas se cada uma tivesse trabalhado sozinha e de forma independente, e
nenhuma delas houvesse aprendido a lidar com essa atividade específica,
certamente não conseguiria ter feito vinte alfinetes, talvez nem mesmo
um alfinete em um dia; ou seja, certamente, nem a ducentésima
quadragésima parte, talvez nem mesmo a quarta milésima
octingentésima parte, do que consegue atualmente realizar como
consequência da divisão e da combinação apropriadas de suas diferentes
operações.
Em todos os outros ofícios e manufaturas, os resultados da divisão do
trabalho são semelhantes aos existentes nessa pequena manufatura,
embora, em muitos, o trabalho não possa ser subdividido nem reduzido
a essa simplicidade das operações. No entanto, na medida em que puder
ser introduzida, a divisão do trabalho gera em todos os ofícios um
aumento proporcional das forças produtivas do trabalho. A separação
dos diferentes negócios e empregos uns dos outros parece ter ocorrido
como consequência dessa vantagem. Essa separação costuma ser levada
adiante nos países que possuem um maior grau de aplicação e de
progresso; o trabalho de um homem em uma sociedade em estado
primitivo é o trabalho de vários em uma sociedade avançada. Em todas
as sociedades avançadas, o agricultor é geralmente apenas um agricultor,
o fabricante, apenas um fabricante. O trabalho necessário para produzir
qualquer produto completo está quase sempre dividido entre muitas
pessoas. Quantas e quão diversas são as atividades empregadas em cada
setor da manufatura dos produtos de lã e de linho, desde as realizadas
pelos agricultores e pecuaristas até as dos branqueadores e prensadores
de linho ou dos tintureiros e cortadores de lã?! Na verdade, a natureza da
agricultura não admite muitas subdivisões do trabalho nem a completa
separação das atividades, como ocorre nas manufaturas. É impossível
separar inteiramente as atividades do pastoreador e do agricultor da
mesma forma que as atividades do carpinteiro são comumente separadas
das atividades dos ferreiros. O fiandeiro é quase sempre uma pessoa
distinta do tecelão, mas quem ara a terra, maneja o rastelo, semeia e ceifa
os cereais costuma ser uma mesma pessoa. Esses diferentes tipos de
trabalho são necessários em diferentes estações do ano e, dessa forma, é
impossível que uma pessoa esteja constantemente empregada em
qualquer um deles. Essa impossibilidade de fazer uma separação tão
completa e integral de todos os diferentes setores do trabalho empregado
na agricultura talvez seja a razão pela qual os poderes produtivos do
trabalho desse ofício nem sempre avancem na mesma velocidade que as
melhorias aplicadas nas manufaturas. De fato, as nações mais ricas
costumam superar todas as suas vizinhas tanto na agricultura quanto nas
manufaturas, mas elas comumente se distinguem mais por sua
superioridade na última do que na primeira. Em geral, suas terras são
mais bem cultivadas e, já que recebem mais trabalho e despesas,
produzem proporcionalmente mais em relação à extensão e à fertilidade
natural do solo. Mas a superioridade do produto raramente ultrapassa a
proporção da superioridade relativa ao trabalho e à despesa. Na
agricultura, o trabalho do país rico nem sempre resulta muito mais
produtivo que o do país pobre; ou, pelo menos, nunca é tão mais
produtivo quanto normalmente o é nas manufaturas. Desse modo, os
cereais com o mesmo nível de qualidade obtido por uma nação rica nem
sempre chegarão mais baratos ao mercado que os cereais de um país
pobre. Em níveis de qualidade iguais, os cereais da Polônia são tão
baratos quanto os da França, não obstante a maior riqueza e o avanço
deste último país. Nas províncias agrícolas da França, os cereais possuem
a mesma qualidade e, na maioria dos anos, preços semelhantes aos dos
cereais ingleses — embora, em riqueza e avanço, a França talvez seja
inferior à Inglaterra. As terras inglesas são, no entanto, mais bem
cultivadas do que as da França, e dizem que as da França são muito mais
bem cultivadas que as da Polônia. Mas apesar de o país pobre — não
obstante a inferioridade de seu cultivo — conseguir, em certa medida,
rivalizar com os ricos nos preços baixos e na qualidade de seus cereais,
ele não conseguirá competir com as manufaturas, ao menos no que diz
respeito às que são adequadas ao solo, ao clima e à situação do país rico.
As sedas da França são melhores e mais baratas que as da Inglaterra
porque a manufatura da seda não se adequa tão bem ao clima da
Inglaterra como ao da França — pelo menos quanto aos altos impostos
que incidem no presente sobre a importação da seda crua. Mas os
equipamentos e os tecidos comuns de lã da Inglaterra são
incomparavelmente superiores aos da França e, tomando aqueles com
igual nível de qualidade, muito mais baratos. Diz-se que a Polônia não
possui quase nenhum tipo de manufatura, exceto as manufaturas
domésticas mais simples, sem as quais nenhum país consegue subsistir.
Esse grande aumento da quantidade de trabalho que, em
consequência da divisão do trabalho, o mesmo número de pessoas é
capaz de realizar se deve a três circunstâncias diferentes, a saber, o
aumento da destreza de cada trabalhador individual; em segundo lugar, a
economia do tempo que antes era perdido ao se passar de uma espécie de
trabalho para outra; e, por último, a invenção de um grande número de
máquinas que facilitam e abreviam o trabalho, permitindo que uma só
pessoa faça o trabalho de muitas. O aprimoramento da destreza do
trabalhador necessariamente leva ao aumento da quantidade de trabalho
que é possível ser executada; e, ao serem reduzidas as atividades de todas
as pessoas a uma operação simples, e ao tornar essa operação a única
atividade da vida de cada um, a divisão do trabalho necessariamente leva
a um grande aumento da destreza do trabalhador.
Se, em alguma ocasião especial, um ferreiro comum que, embora
acostumado a lidar com o martelo, nunca teve o costume de fazer pregos
for obrigado a tentar fazê-los, tenho certeza de que mal conseguirá fazer
mais de 200 ou 300 pregos muito ruins em um dia. Um ferreiro
acostumado a fazer pregos, mas cuja única ou principal atividade não
seja essa, raramente conseguirá, empenhando-se ao máximo, fazer mais
de 800 ou 1.000 pregos em um dia. Mas cheguei a ver vários jovens
abaixo dos 20 anos de idade cuja atividade não tinha sido outra senão
fabricar pregos e que, quando se esforçavam, conseguiam fazer, cada um,
mais de 2.300 pregos em um dia, e, no entanto, a fabricação de um prego
não é uma operação simples. Uma mesma pessoa sopra o fole, atiça ou
diminui o fogo conforme necessário, aquece o ferro e forja todas as partes
do prego. Ao trabalhar na cabeça, é obrigada a trocar suas ferramentas.
Também a produção de um alfinete ou de um botão de metal subdivide-
se em diversas operações muito mais simples; assim, a destreza individual
é geralmente muito maior, pois, em sua vida, cada um dedicou-se a
apenas uma atividade, a realização de uma só operação. A velocidade
com que algumas operações das manufaturas são executadas excede o
que a mão humana daqueles que nunca as tivessem visto seria capaz de
produzir.33
Em segundo lugar, a vantagem adquirida pela economia do tempo
que, normalmente, seria perdido com a passagem de um tipo de trabalho
para outro é muito maior do que poderíamos imaginar à primeira vista.
É impossível passar rapidamente de um tipo de trabalho para outro,
ainda mais quando este último é realizado em um lugar diferente e com
outros tipos de ferramentas. Um tecelão do interior, que cultiva uma
pequena fazenda, perde uma boa parte de seu tempo indo do tear para o
campo e do campo para o seu tear. Quando dois negócios podem ser
exercidos em uma mesma oficina, é certo que o tempo perdido diminui
bastante. E, mesmo nesse caso, o tempo perdido é considerável. As
pessoas tendem a procrastinar um pouco quando passam de um tipo de
trabalho para outro. Assim que começam uma nova tarefa, raramente
estão muito interessadas e concentradas; a mente, como se diz, ainda está
vagando. Por algum tempo, elas preferem estender o ócio a aplicar-se em
um bom propósito. O hábito de protelar e de trabalhar de forma
descuidada e indolente é naturalmente, ou melhor, necessariamente,
adquirido por todo trabalhador rural, pois a cada meia hora ele se vê
obrigado a mudar de trabalho e de ferramentas e a realizar vinte tipos
diferentes de função quase todos os dias de sua vida; isso o torna quase
sempre indiferente, preguiçoso e incapaz de qualquer esforço mais
vigoroso, mesmo nas ocasiões mais prementes. Independentemente,
portanto, da deficiência do indivíduo no que se refere à destreza, essa
causa, por si só, sempre reduzirá de forma considerável a quantidade de
trabalho que ele é capaz de realizar.
Em terceiro lugar, e por último, todos já devem ter percebido quanto
o maquinário adequado facilita e abrevia o trabalho. É desnecessário dar
um exemplo. Apenas observarei que a invenção de todas aquelas
máquinas que tanto facilitam e abreviam o trabalho parece ter a divisão
do trabalho como causa. É muito mais provável que as pessoas
descubram métodos mais fáceis e rápidos para se chegar a um objetivo
quando toda sua atenção está voltada a esse único objetivo do que
quando estão divididas entre uma variedade de assuntos. Mas, em
consequência da divisão do trabalho, a atenção integral de cada pessoa
passa a ser naturalmente dirigida para um objetivo bastante simples.
Naturalmente é de se esperar, portanto, que, dentre as pessoas
empregadas em setores específicos de certa atividade, uma ou outra
acabe, em algum momento, descobrindo métodos mais fáceis e mais
rápidos para executar seu trabalho específico sempre que a natureza
desse trabalho admitir tal avanço. Muitas das máquinas utilizadas nas
manufaturas em que o trabalho está bastante subdividido foram,
originalmente, invenções dos trabalhadores comuns que, estando cada
um deles empregado em alguma operação muito simples, naturalmente
concentravam seus pensamentos na descoberta de métodos mais fáceis e
rápidos para a realização do mesmo trabalho. As pessoas acostumadas a
visitar essas manufaturas devem frequentemente ter visto muitas belas
máquinas inventadas por esses trabalhadores a fim de facilitar e acelerar
sua própria parte específica do trabalho geral. Nos primeiros motores a
vapor, empregava-se um menino para abrir e fechar alternadamente a
comunicação entre a caldeira e o cilindro, conforme o pistão subia ou
descia. Um desses meninos, que gostava de se divertir com seus
companheiros, observou que, amarrando-se uma corda entre a manopla
da válvula (que abria essa comunicação) e outra parte da máquina, a
válvula se abriria e fecharia sem sua ajuda, deixando-o livre para se
divertir com seus amigos. Um dos maiores aperfeiçoamentos dessa
máquina, desde a sua invenção, foi, dessa maneira, descoberto por um
rapaz que queria se livrar de seu próprio trabalho.
Mas nem todos os aperfeiçoamentos das máquinas são, de forma
alguma, invenções de quem as utiliza. Muitos aperfeiçoamentos foram
realizados pela engenhosidade de seus próprios fabricantes, no momento
em que a construção de máquinas também passou a ser a atividade de
um negócio específico; outros avanços foram realizados por aqueles que
são chamados de filósofos ou homens de especulação, cujo negócio não
consiste em construir nada, mas em observar tudo, e que, por isso
mesmo, são capazes de combinar as capacidades dos objetos mais
distantes e diferentes. No progresso da sociedade, a filosofia (ou a
especulação) torna-se, como todos os outros empregos, a ocupação e o
negócio único ou principal de uma determinada classe de cidadãos.
Assim como qualquer outro emprego, este também está subdividido em
muitos setores diferentes, sendo que cada um deles proporciona
ocupação a um grupo ou classe específica de filósofos; essa subdivisão do
trabalho filosófico, assim como em qualquer outra atividade, promove o
aumento da destreza e a economia de tempo. Cada indivíduo se torna um
perito mais hábil em seu próprio ramo específico: mais trabalho é
realizado pelo todo e, consequentemente, aumenta-se consideravelmente
a quantidade de conhecimento.
É a grande multiplicação da produção de todos os diferentes ofícios
— como consequência da divisão do trabalho — que causa, em uma
sociedade bem governada, a opulência universal que se estende até os
escalões mais baixos da sociedade. Cada trabalhador pode dispor de uma
grande quantidade de seu próprio trabalho além daquela de que ele
próprio necessita; e cada outro trabalhador, estando exatamente na
mesma situação, pode trocar uma grande quantidade de seus próprios
bens por uma grande quantidade ou, o que dá na mesma, pelo preço de
uma grande quantidade dos bens dos outros. Ele oferece
abundantemente aos outros aquilo de que precisam, e os outros lhe
proporcionam da forma mais ampla possível (cortar) tudo que ele
necessita, e, dessa forma, uma abundância geral se espalha por todas as
diferentes classes da sociedade.
Observe a acomodação do artífice mais comum ou do diarista de um
país civilizado e próspero. Você irá perceber que é impossível contar o
número de pessoas cujo trabalho (mesmo que seja apenas uma parte
ínfima desse trabalho) foi utilizado para lhe oferecer todas essas
acomodações. Por exemplo, o casaco de lã do diarista, mesmo que pareça
grosseiro e espesso, é produto do trabalho conjunto de uma multidão de
trabalhadores. O pastor, em conjunto com o selecionador de lãs, o
cardador, o tintureiro, o trabalhador do moinho de cardar, o fiador, o
tecelão, o pisoteador, o confeccionador e muitos outros, deve combinar
seus diferentes ofícios para que seja possível completar até mesmo esse
produto tão comum.
Além disso, imagine quantos comerciantes e transportadores devem
ter sido empregados para transportar os materiais de alguns desses
trabalhadores para outros que, muitas vezes, vivem em uma parte muito
distante do país! Quanto comércio e, em particular, quanta navegação,
quantos construtores de navio, marinheiros, fabricantes de vela e
fabricantes de cordas devem ter sido empregados para reunir as
diferentes drogas usadas pelo tintureiro e que costumam ser encontradas
nos pontos mais remotos do mundo?! Quantas variedades de trabalho
são também necessárias para produzir as ferramentas dos trabalhadores
mais modestos! E para não falarmos de máquinas mais complicadas —
como o navio do marinheiro, o moinho do pisoteador ou mesmo o tear
do tecelão — consideremos apenas a grande variedade de trabalho
necessária para construir uma máquina bastante simples: as tesouras com
as quais o pastor apara a lã. O minerador, o construtor do forno para a
fundição do minério bruto, o lenhador da madeira, o carvoeiro do carvão
que será usado na casa de fundição, o fabricante de tijolos, o pedreiro que
usa os tijolos, os operadores do forno, o construtor do moinho, o
forjador, o ferreiro, etc. devem combinar seus diferentes ofícios para
produzir a tesoura. Se, da mesma forma, quiséssemos examinar todas as
diferentes partes de sua vestimenta e da mobília de sua casa, a camisa de
linho grosso que ele usa encostada em sua pele, os sapatos que cobrem os
seus pés, a cama em que ele se deita e todas as diferentes peças de que ela
é feita, a grelha onde ele prepara seus alimentos, o carvão que ele usa para
cozinhar (escavado das entranhas da terra e trazido talvez por longos
percursos marítimos e terrestres), todos os outros utensílios de cozinha,
toda a coberta de sua mesa, as facas e garfos, os pratos de barro ou
estanho em que ele serve e divide sua comida, as muitas mãos
empregadas para preparar seu pão e sua cerveja, o vidro da janela que
deixa entrar a luz e o calor e não deixa que entrem vento e chuva, com
todo o conhecimento e a técnica necessários para preparar essa bela e
apropriada invenção, sem a qual as partes setentrionais do mundo mal
conseguiriam ser habitadas confortavelmente, juntamente com as
ferramentas de todos os diferentes trabalhadores empregados para
produzir essas várias comodidades; posso dizer que, se examinássemos
todas essas coisas e considerássemos a grande variedade de labor
empregada em cada uma delas, entenderíamos que, sem a assistência e a
cooperação de muitas milhares de pessoas, o indivíduo da classe mais
baixa de um país civilizado não poderia abastecer-se de comodidades,
nem mesmo daquelas que, de forma muito errada, imaginamos ser fáceis
e simples de se obter. Em comparação, na verdade, com o luxo mais
extravagante dos ricos, não há dúvida de que suas provisões devem
parecer extremamente simples e fáceis; e, ainda assim, talvez seja verdade
que as acomodações de um príncipe europeu nem sempre são tão
maiores que as de um camponês trabalhador e frugal; quanto às
acomodações deste último, excedem as de muitos reis africanos que são
mestres absolutos das vidas e liberdades de 10 mil selvagens nus.34

CAPÍTULO II
O PRINCÍPIO GERADOR DA DIVISÃO DO TRABALHO
A divisão do trabalho, da qual surgem tantas vantagens, não foi o
resultado original de alguma sabedoria humana que tivesse conseguido
prever e dirigir a riqueza geral que a ela proporciona. Ela é a
consequência necessária, embora muito lenta e gradual, de uma certa
propensão da natureza humana que não tem em vista nenhuma utilidade
tão grande: a propensão para negociar, fazer escambo e trocar uma coisa
por outra.
Nossa investigação não pretende verificar se essa propensão faz parte
daqueles princípios originais da natureza humana sobre os quais nada
mais se pode dizer; ou, como parece mais provável, é uma consequência
necessária das faculdades da razão e da fala. A propensão é comum a
todos os homens, mas não pode ser encontrada em nenhuma outra raça
de animais, os quais parecem não conhecer nem esse nem quaisquer
outros tipos de contrato. Quando dois galgos perseguem a mesma lebre,
eles, às vezes, parecem atuar em conjunto. Cada um deles persegue a
lebre forçando-a na direção de seu companheiro ou tenta interceptá-la
quando seu companheiro a coloca em sua direção. Isso, entretanto, não é
o resultado de qualquer contrato, mas da concordância acidental de suas
paixões dirigidas a um mesmo objeto em um momento específico. Não
há quem já tenha visto um cão fazer uma troca justa e deliberada de um
osso por outro com outro cão. Não há quem já tenha visto um animal por
seus gestos e gritos naturais informar a outro algo como “isso é meu,
aquilo é seu, estou disposto a trocar isso por aquilo”. Quando um animal
quer obter algo de um homem ou de outro animal, ele não possui
nenhum outro meio de persuasão senão ganhar a simpatia daqueles de
cujos serviços necessita. Um filhote de cachorro se esfrega em sua mãe, e
um spaniel, quando quer ser alimentado por seu dono que está jantando,
faz mil e uma peripécias para cativar a atenção dele. As pessoas, às vezes,
utilizam as mesmas artimanhas e, quando não possuem outros meios
para fazer com que os outros ajam de acordo com seus desejos, se
esforçam para chamar atenção por meios servis e bajulatórios a fim de
obter a boa vontade alheia. Elas, no entanto, não têm tempo para realizar
esses atos em todas as ocasiões. Em uma sociedade civilizada, as pessoas
precisam a todo momento da cooperação e assistência de uma grande
multidão, mas acontece que toda uma vida não é suficiente para se
conseguir algumas parcas amizades. Dentre quase todas as outras
espécies de animais, assim que cada indivíduo atinge a maturidade, ele se
torna inteiramente independente e, em seu estado natural, não recebe
assistência de nenhuma outra criatura viva. Já os seres humanos precisam
da ajuda de seus pares de forma quase constante, mas se esperar
consegui-la apenas pela benevolência dos outros, esperará em vão. Terá
melhor sucesso quem conseguir cativar o amor-próprio ou o egoísmo
alheio a seu favor, mostrando aos outros todas as vantagens em dar a ele
o que lhes pede. Isso é o que propõe todo aquele que oferece a outro
qualquer tipo de barganha. O significado de toda proposta desse tipo é
“dê-me aquilo que quero e você poderá ter isso que você quer”; e é dessa
forma que obtemos uns dos outros grande parte dos bons ofícios de que
necessitamos. Não esperamos que nosso jantar surja da benevolência do
açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro, mas pela preocupação que cada
um deles tem com seus próprios interesses.35 Não nos dirigimos à
humanidade deles, mas ao amor-próprio ou egoísmo; e nunca lhes
falamos de nossas próprias necessidades, mas sobre as vantagens que eles
terão. Somente um mendigo escolhe depender principalmente da
benevolência de seus concidadãos. Mas nem mesmo um mendigo
depende inteiramente disso. É verdade que a caridade de pessoas bem-
dispostas lhe fornece tudo de que precisa para sua subsistência. Mas,
embora o mendigo consiga, em última análise, todos os bens de primeira
necessidade, por esse princípio ele não obterá ajuda (e nem conseguirá)
sempre que ela for necessária. A maior parte de suas necessidades
ocasionais é suprida da mesma maneira que a de outras pessoas, por
acordos, escambos e pela compra. Com o dinheiro que uma pessoa lhe dá
ele compra comida. As roupas velhas que outra pessoa lhe dá ele troca
por outras roupas velhas que mais lhe agradam, ou por alojamento, por
comida ou por dinheiro — e com este último ele pode comprar
alimentos, roupas ou alojamento conforme sua necessidade.
Assim como obtemos a maior parte da ajuda mútua de que
necessitamos por meio de acordos, pelo escambo e pela compra, é
também essa mesma disposição para troca que, em sua origem, faz surgir
a divisão do trabalho. Em uma tribo de caçadores ou pastores,
determinado indivíduo faz arcos e flechas, por exemplo, com maior
facilidade e destreza que qualquer outro. Ele frequentemente os troca
com seus companheiros por gado ou carne de veado, e percebe que dessa
forma pode obter mais gado e carne de veado do que conseguiria caso
fosse ao campo para apanhá-los. Ao preocupar-se com os próprios
interesses, a fabricação de arcos e flechas passa a ser sua atividade
principal, o que consequentemente o torna uma espécie de armeiro. Já
outra pessoa constrói excelentes estruturas e coberturas para suas
pequenas cabanas ou tendas e acostuma-se a ser útil para seus vizinhos
com essa habilidade; estes também a recompensam com gado e carne de
veado, até que, por fim, ocorre-lhe o interesse em dedicar-se inteiramente
a esse emprego e fazer-se uma espécie de carpinteira. Um terceiro decide
trabalhar como ferreiro ou latoeiro, um quarto passa a ser curtidor ou
confeccionador de roupas feitas de pele ou couro — peças principais do
vestuário dos selvagens. Portanto, a certeza de ser capaz de trocar todo o
excedente do produto de seu trabalho, que ultrapassa o próprio consumo,
por partes de que necessite do produto de trabalho de outras pessoas
incentiva todo indivíduo a aplicar-se em uma ocupação específica e a
cultivar e aperfeiçoar qualquer talento ou gênio que possua em relação a
essa atividade.
As diferenças entre os talentos naturais de alguns homens são, na
realidade, muito menores do que imaginamos; e o gênio muito incomum,
que parece distinguir os homens de diversas profissões quando atingem a
maturidade, com muita frequência não é a causa, mas o resultado da
divisão do trabalho. A diferença entre os mais diferentes personagens,
por exemplo, entre um filósofo e um carregador de rua comum, não
parece surgir tanto da natureza, mas dos hábitos, dos costumes e da
educação. Quando vieram ao mundo e durante seus primeiros seis ou
oito anos de vida, talvez eles fossem muito parecidos, e nem seus pais
nem seus amigos de infância seriam capazes de perceber quaisquer
diferenças notáveis. Mas nessa idade, ou logo depois dela, foram
empregados em ocupações bastante variadas. A diferença de talentos
passa, então, a ser percebida e a aumentar lentamente, até que,
finalmente, a vaidade do filósofo não mais o permite reconhecer nem
mesmo uma mínima semelhança entre eles. Mas sem a disposição para
negociar, fazer escambo e trocar, todas as pessoas seriam obrigadas a
buscar, elas mesmas, cada um dos bens necessários e convenientes para
sua vida. Todos teriam as mesmas obrigações a desempenhar e o mesmo
trabalho a fazer, e, assim, não existiria a diferença de empregos para
gerar, por si só, qualquer grande diferença entre talentos.
Além de gerar as diferenças de talentos que são tão notáveis entre os
homens de diferentes profissões, essa disposição também faz com que
essas diferenças sejam úteis. Muitas raças de animais reconhecidas por
pertencer à mesma espécie possuem por natureza uma distinção de
gênios muito mais notável que a existente entre os humanos antes da
ação dos costumes e da educação. Por natureza, a diferença de talento e
disposição entre um filósofo e um carregador de rua não é nem a metade
daquela existente entre um mastiff e um cão de caça, ou um galgo e um
spaniel, ou entre este último e um cão pastor. Essas diferentes raças,
embora sejam todas da mesma espécie, possuem pouca utilidade umas
para as outras. A força do mastiff não é nem minimamente favorecida
pela rapidez do greyhound nem pela sagacidade do spaniel ou pela
docilidade do cão pastor. Os resultados desses diferentes talentos, por
não haver força ou disposição para negociar e trocar, não podem ser
trazidos a um fundo comum e não contribuem em nada para aprimorar a
comodidade e conveniência da espécie. Cada um dos animais é ainda
obrigado a sustentar-se e defender-se sozinho e de forma independente;
e, além disso, a variedade de gênios dada a seus companheiros pela
natureza não lhe oferece nenhum tipo de vantagem. Entre os humanos,
pelo contrário, os gênios mais dissimilares são úteis para o outro; por
causa da disposição geral para barganhar, fazer escambo e trocar, os
diferentes produtos de seus respectivos talentos podem compor um
fundo comum em que cada um pode comprar qualquer parte de que
necessite do produto realizado pelos talentos de outras pessoas.

CAPÍTULO III
A DIVISÃO DO TRABALHO ESTÁ LIMITADA PELA
EXTENSÃO DO MERCADO
Assim como o poder de troca gera a divisão de trabalho, a extensão dessa
divisão está sempre limitada pela extensão daquele poder ou, em outras
palavras, pela extensão do mercado. Quando o mercado é muito
pequeno, ninguém é incentivado a se dedicar inteiramente a um único
emprego, porque não haverá como trocar o excedente do produto de seu
trabalho — muito além de seu consumo próprio — pelas partes
excedentes, conforme suas necessidades, do produto de outras pessoas.
Alguns tipos de trabalho, inclusive entre os mais simples, somente
podem ser realizados em uma cidade grande. O carregador, por exemplo,
não terá emprego e subsistência em nenhum outro lugar. Uma aldeia é
muito pequena para ele; mesmo uma cidade mercantil comum raramente
será grande o bastante para oferecer-lhe ocupação constante. Nas casas
isoladas e aldeias muito pequenas dispersas em uma região erma, como
as Terras Altas da Escócia, todo agricultor deve ser açougueiro, padeiro e
cervejeiro de sua família. Nessas situações não se espera encontrar um
ferreiro, um carpinteiro ou um pedreiro a menos de 20 milhas de outro
cujo ofício seja correspondente. As famílias dispersas que vivem a 8 ou 10
milhas do profissional mais próximo devem elas mesmas aprender a
realizar muitas pequenas obras que, em locais mais populosos, seriam
feitas por aqueles trabalhadores. Na maioria dos lugares os trabalhadores
rurais precisam se dedicar a todas as diferentes atividades que, por
estarem muito próximas umas das outras, empregam os mesmos tipos de
material. Um carpinteiro rural lida com todo tipo de peça feita de
madeira, um ferreiro rural, com todo tipo de peça feita de ferro. O
primeiro não é apenas carpinteiro, mas também marceneiro, construtor
de móveis, até um escultor de madeira, bem como fabricante de rodas e
arados e construtor de carroças. As atividades pelas quais é responsável o
segundo indivíduo são ainda mais diversas. A existência de um negócio
como o de fabricante de pregos nas regiões remotas e no interior das
Terras Altas da Escócia seria impossível. Um trabalhador desse tipo que
produz mil pregos por dia durante os 300 dias úteis do ano faria 300 mil
pregos por ano. Mas nesses lugares ele não conseguiria vender nem mil
pregos, isto é, o produto de um dia de trabalho no ano.
Como o transporte hidroviário abre para todo tipo de trabalho um
mercado mais extenso que o delimitado apenas pelo transporte terrestre,
será ao longo da costa e das margens dos rios navegáveis que todos os
tipos de trabalho começarão naturalmente a se subdividir e progredir;
frequentemente as melhorias decorrentes desse processo espraiam-se
muito depois para o interior do país. Assim, guiada por dois homens e
puxada por oito cavalos, uma carroça transporta quase quatro toneladas
de mercadoria no trajeto entre Londres e Edimburgo em
aproximadamente seis semanas, enquanto, em tempo semelhante, um
navio conduzido por seis ou oito homens, navegando entre os portos de
Londres e Leith, consegue levar e trazer 200 toneladas de mercadoria.
Seis ou oito homens, portanto, com a utilização do transporte marítimo
entre Londres e Edimburgo, conseguem carregar, no mesmo período, o
peso equivalente à quantidade de mercadoria de 50 carroças de rodas
grandes guiadas por uma centena de homens e puxadas por 400 cavalos.
Dessa forma, sobre 200 toneladas de mercadorias transportadas da forma
mais barata por terra entre Londres e Edimburgo deve-se acrescentar a
manutenção por três semanas de uma centena de homens e o
correspondente ao suor e sacrifício de 400 cavalos, bem como ao desgaste
de 50 carros grandes. Sobre a mesma quantidade de mercadoria
transportada por água é preciso acrescentar apenas a manutenção de seis
ou oito homens e o desgaste de um navio de carga com capacidade para
200 toneladas, juntamente com o valor do risco maior ou a diferença
entre o seguro do transporte por terra e o seguro do transporte
hidroviário. Se a única forma de comunicação entre os dois lugares fosse
por terra, só seria possível transportar de um ponto a outro aquelas
mercadorias cujo preço fosse bastante alto em relação a seu peso e, então,
somente seria mantida uma pequena parte do comércio existente entre
esses dois pontos; consequentemente, somente uma pequena parte do
incentivo que atualmente as duas cidades oferecem às atividades uma da
outra. Quaisquer tipos de comércio entre duas partes distantes do mundo
seriam pequenos ou inexistentes. Quais mercadorias poderiam dar conta
das despesas com o transporte terrestre entre Londres e Calcutá? Ou,
ainda, caso existisse algo tão precioso a ponto de dar conta dessas
despesas, com que segurança essa mercadoria poderia ser transportada
através dos territórios de tantas nações bárbaras? Ocorre que, atualmente,
essas duas cidades possuem um comércio mútuo considerável e, por
mutuamente oferecerem um mercado, encorajam as atividades uma da
outra.
Já que, portanto, são essas as vantagens do transporte por água, é
natural que os primeiros avanços de qualquer ofício e manufatura
ocorram nos locais em que essa conveniência transforme o mundo todo
em um mercado para o produto de todos os tipos de trabalho e que esse
produto seja, somente bem mais tarde, estendido para as regiões internas
do país. É possível que as partes internas do país não tenham nenhum
outro mercado para a maior parte de seus bens que não as terras de seu
entorno que as separam da costa marítima e dos grandes rios navegáveis.
A extensão de seu mercado, portanto, será por um longo tempo
proporcional às riquezas e à população da região, e, em decorrência, seu
progresso sempre se fará após o progresso da região. Em nossas colônias
norte-americanas, as plantações sempre seguiram a costa ou as margens
dos rios navegáveis e quase em nenhum lugar foram levadas para muito
além dessas áreas.
De acordo com a história mais bem verificada, as primeiras nações
que se tornaram civilizadas foram as situadas no litoral do Mar
Mediterrâneo. Esse mar é de longe o maior mar interno conhecido no
mundo, não tem marés e, por isso, não tem ondas, exceto aquelas
causadas somente pelos ventos; assim, pela suavidade de sua superfície,
bem como pelo grande número de ilhas e pela proximidade das costas de
seus vizinhos, ele foi extremamente importante para o início da
navegação no mundo; naquele momento, por ainda ignorarem a bússola,
as pessoas tinham medo de perder de vista a costa e — porque a arte da
construção naval ainda era imperfeita — de se abandonar a si mesmas
nas ondas turbulentas do oceano. Passar as colunas de Hércules, isto é,
navegar para além do Estreito de Gibraltar, foi por muito tempo
considerada, no mundo antigo, a aventura mais maravilhosa e perigosa
da navegação. Demorou para que os fenícios e os cartagineses, os mais
hábeis navegadores e construtores navais daqueles velhos tempos,
realizassem tal façanha; e, por muito tempo, foram as únicas nações a se
arriscar nela.
De todos os países da costa do Mar Mediterrâneo, o Egito parece ter
sido o primeiro onde a agricultura ou as manufaturas foram cultivadas e
aprimoradas em um grau considerável. O Alto Egito não se estende em
nenhum ponto para além de algumas poucas milhas do Rio Nilo; já no
Baixo Egito, esse grande rio se divide em muitos canais diferentes que,
com a ajuda de algumas obras de engenharia, parecem ter conseguido
manter a comunicação por transporte fluvial não só entre todas as
grandes cidades, mas também entre as suas inúmeras aldeias e, até
mesmo, entre as muitas casas rurais do país; quase da mesma maneira
como os rios Reno e Mosa na atual Holanda. A amplitude e a facilidade
para a navegação interna foram provavelmente uma das principais causas
do progresso precoce do Egito.
O progresso da agricultura e das manufaturas parece ser bastante
antigo também nas províncias de Bengala, nas Índias Orientais, e em
algumas províncias do leste da China, embora não tenhamos em nossa
região do mundo documentos que comprovem a extensão dessa
antiguidade. Assim como o faz o Nilo no Egito, em Bengala o Ganges e
diversos outros rios formam muitos canais navegáveis. Nas províncias
orientais da China, vários grandes rios criam, por meio de seus muitos
tributários, uma infinidade de canais; como estes se comunicam uns com
os outros, oferecem uma navegação interna muito mais abrangente que
aquela permitida pelo Nilo ou pelo Ganges — talvez maior que a
navegação realizada nos dois rios em conjunto. É notável que nem os
antigos egípcios, nem os indianos, nem os chineses tenham encorajado o
comércio externo, tendo obtido suas grandes riquezas, ao que parece, por
meio da navegação interna.
Todas as regiões internas da África e toda a Ásia situada a uma
distância considerável ao norte dos mares Euxino36 e Cáspio (isto é, a
antiga Cítia, que abrange a moderna Tartária e a Sibéria) parecem ter
permanecido em todas as eras do mundo no estado bárbaro e
incivilizado em que se encontram atualmente. O mar da Tartária é um
oceano congelado que não permite a navegação, e embora alguns dos
maiores rios do mundo atravessem aquele país, eles estão muito distantes
uns dos outros para que o comércio e a comunicação sejam levados a
toda a região. A África não possui grandes mares interiores — tais como
os mares Báltico e Adriático, na Europa, o Mediterrâneo e o Euxino, na
Europa e na Ásia, e os golfos da Arábia, Pérsico, da Índia, de Bengala e do
Sião, na Ásia — para levar o comércio marítimo ao interior desse grande
continente; ademais, os grandes rios da África estão a uma distância
muito grande uns dos outros para gerar qualquer navegação interna
considerável. Além disso, não há como o comércio de uma nação ser
pujante quando depende de um rio que não se divide em um grande
número de outros tributários ou canais e que segue por outro território
antes de desembocar no mar; a comunicação entre as partes altas de um
território e o mar pode ser obstruída a qualquer momento pela nação
que domina o outro território. A utilidade do Danúbio para os estados da
Baviera, Áustria e Hungria, em comparação à que teria se qualquer um
desses estados possuísse todo o seu curso até o Mar Negro, é bastante
limitada.

CAPÍTULO IV
A ORIGEM E O USO DO DINHEIRO
Assim que a divisão do trabalho se estabelece completamente, apenas
uma parte muito pequena das necessidades de um indivíduo pode ser
suprida apenas pelo produto de seu próprio trabalho. A maioria delas
será satisfeita com a troca da parte excedente do produto de seu próprio
trabalho, que é superior ao seu próprio consumo, pelas partes excedentes
de que necessita do produto do trabalho de outras pessoas. Todos vivem,
assim, por meio da troca, ou se tornam, em certa medida, comerciantes, e
a própria sociedade se transforma no que é propriamente uma sociedade
mercantil.37
Quando a divisão do trabalho ocorreu inicialmente, as operações
desse poder de troca deviam apresentar-se frequentemente bloqueadas e
embaraçadas. Vamos supor que um homem tenha mais de um certo
produto do que ele próprio necessita, enquanto outro tenha menos.
Como consequência, o primeiro ficaria feliz em vender, e o segundo, em
comprar, uma parte desse produto supérfluo. Mas se este segundo não
tiver nada que seja necessário ao primeiro, não haverá qualquer tipo de
troca entre eles. O açougueiro tem em sua loja mais carne do que ele
próprio poderia consumir; o cervejeiro e o padeiro, cada um deles,
estariam dispostos a comprar uma parte daquela carne. Mas eles não têm
nada para oferecer em troca, exceto o produto de seus respectivos
negócios, e o açougueiro já tem todo pão e cerveja de que necessita para
seu consumo imediato. Nenhuma troca, nesse caso, poderá ser feita entre
eles. O açougueiro não pode ser o comerciante para o padeiro e o
cervejeiro nem eles podem ser seus clientes; e todos, assim, se tornam
mutuamente menos úteis uns aos outros. Para evitar essas situações
inconvenientes, todas as pessoas prudentes, em todos os períodos da
sociedade após o estabelecimento da divisão do trabalho, devem
naturalmente ter empreendido esforços para gerir seus negócios de modo
a guardar para si os produtos específicos de sua própria atividade e uma
certa quantidade de uma mercadoria ou outra cuja troca tenha pouca
probabilidade de recusa.38
Possivelmente uma grande variedade de mercadorias fora ao longo do
tempo considerada e empregada para essa finalidade. Diz-se dos
períodos primitivos da sociedade que era comumente o gado comerciado
dessa maneira e, ainda que fosse um instrumento de troca extremamente
inconveniente, observa-se que, antigamente, as coisas eram
frequentemente avaliadas de acordo com a quantidade de gado que havia
sido dada em troca delas. Homero diz que a armadura de Diomedes
custou apenas nove bois, mas que a de Glauco custou 100 bois.39 Dizem
que o sal é o instrumento comum de comércio e das trocas na Abissínia;
usa-se uma espécie de concha em algumas partes da costa da Índia; o
bacalhau seco em Terra Nova; o tabaco na Virgínia; o açúcar em algumas
de nossas colônias das Índias Ocidentais; peles ou couro preparados em
alguns outros países; e me disseram existir atualmente uma aldeia na
Escócia onde é comum ver um trabalhador carregando consigo à padaria
ou à cervejaria pregos em vez de dinheiro.
Em todos os países, no entanto, as pessoas parecem, por fim,
encorajadas por razões irresistíveis a preferir os metais acima de
quaisquer outras mercadorias para esse uso. Além de os metais poderem
ser guardados com perda menor que qualquer outra mercadoria — e
quase nada é menos perecível que eles —, também podem, sem qualquer
perda, ser subdivididos em um número qualquer de partes, as quais, pela
fusão, podem facilmente ser reunidas de novo; uma qualidade que
nenhuma outra mercadoria igualmente durável possui e que, mais do que
qualquer outra, transforma os metais em instrumentos de comércio e de
circulação. A pessoa que desejasse comprar sal, por exemplo, mas não
tivesse nada além do gado para dar em troca, seria obrigada a comprar
sal no valor de um boi inteiro ou de uma ovelha inteira por vez. Quase
nunca seria possível comprar menos que isso, pois a mercadoria que
tinha para trocar nem sempre podia ser dividida sem que ocorressem
perdas; e, se quisesse comprar mais, seria obrigada a adquirir o dobro ou
o triplo da quantidade, ou seja, o valor de dois ou três bois, ou de duas ou
três ovelhas. Se, pelo contrário, em vez de ovelhas ou bois, possuísse
metais para dar em troca, ela poderia facilmente ajustar a quantidade de
metal à quantidade exata de mercadoria de que, naquele momento,
necessitava.
Diferentes metais foram usados por diferentes nações para esse fim. O
ferro era o instrumento comum de comércio entre os antigos espartanos;
o cobre, entre os antigos romanos; e o ouro e a prata são o instrumento
utilizado por todas as nações ricas e mercantis.
Parece que, no início, esses metais foram usados para essa finalidade
comercial na forma de barras brutas, sem quaisquer carimbos ou
cunhagem. Assim, citando a autoridade de Timeu,40 um antigo
historiador, Plínio41 nos diz que até a época de Sérvio Túlio42 os romanos
não possuíam moeda cunhada e utilizavam barras de cobre sem
nenhuma marca para comprar tudo de que necessitavam. Essas barras
exerciam naquele momento a função do dinheiro.
Mas o uso de metais em estado bruto tinha dois grandes
inconvenientes: o primeiro era o problema da pesagem, o segundo, da
avaliação de pureza. Em relação aos metais preciosos, uma pequena
diferença na quantidade cria uma grande diferença no valor. Por esse
motivo, pesá-los com a exatidão adequada requer, no mínimo, balanças e
pesos muito precisos: a pesagem do ouro em particular envolve algumas
sutilezas. Em relação aos metais comuns, um pequeno erro é de pouca
importância, por isso requer-se, sem dúvida, uma menor precisão na
operação. Ainda assim, seria excessivamente problemático se toda vez
que uma pessoa pobre quisesse comprar ou vender o equivalente a um
farthing43 em mercadorias ela fosse obrigada a pesar o seu farthing. A
avaliação é ainda mais difícil, mais tediosa e, exceto se uma parte do
metal estiver bem derretida em um cadinho com os solventes adequados,
quaisquer conclusões são extremamente incertas. Dessa forma, antes da
instituição do dinheiro cunhado, a menos que as pessoas realizassem essa
operação tediosa e difícil, sempre podiam ser enganadas e sofrer as piores
imposições; em vez de receberem uma libra de prata pura ou de cobre
puro em troca de suas mercadorias, talvez ficassem com uma composição
adulterada dos materiais mais baratos e mais grosseiros que, não
obstante, se assemelhavam aos metais em sua aparência externa. Para
evitar esses abusos, facilitar as trocas e, desse modo, incentivar os
diversos tipos de atividade e comércio, todos os países que haviam feito
progressos consideráveis para aprimorar-se acharam necessário apor um
selo público em determinadas quantidades de certos metais específicos
que, em tais países, eram comumente utilizados para a compra de
mercadorias. Daí se originou o dinheiro cunhado e a instituição pública
chamada de Casa da Moeda; instituições que possuíam exatamente a
mesma natureza dos aulnagers44 e do mestre de qualidade dos tecidos de
lã e linho. A função de todos eles é garantir, pela aposição de um selo
público, que essas diferentes mercadorias, quando levadas ao mercado,
sejam uniformes em relação à qualidade e à quantidade.
O objetivo dos primeiros selos públicos desse tipo que estão afixados
aos metais correntes parece, em muitos casos, ter sido averiguar aquilo
cuja verificação era mais difícil e importante, isto é, a qualidade ou o grau
de pureza do metal. Eles se assemelhavam à marca esterlina atualmente
inscrita em utensílios e barras de prata, ou à marca espanhola que às
vezes é aposta em lingotes de ouro e cunhada somente em um lado da
peça, não cobrindo toda a superfície e, assim, identificando a qualidade,
mas não o peso do metal. Abraão pesa para Efrom os 400 siclos de prata
que ele concordou em pagar pelo campo de Macpela.45 Diz-se, no
entanto, que esse era o dinheiro corrente do mercado, mas, ainda assim,
foram recebidos pelo peso e não pelo valor de face, da mesma forma
como ocorre atualmente em relação a lingotes de ouro e barras de prata.
Também é dito que as rendas dos antigos reis saxões da Inglaterra não
eram pagas em dinheiro, mas em espécie, isto é, em alimentos e provisões
de todos os tipos. Guilherme, o Conquistador, apresentou o costume de
pagá-las em dinheiro. Esse dinheiro, no entanto, foi, por muito tempo,
recebido pela fazenda pública por peso e não por seu valor de face.
A inconveniência e a dificuldade da pesagem exata desses metais
deram origem à instituição das moedas, nas quais o selo cunhado dos
dois lados da peça (e às vezes até mesmo nas bordas) supostamente
indicava o grau de pureza e o peso do metal. Desse modo, essas moedas
passaram a ser recebidas, como ocorre atualmente, por seu valor de face,
afastando o problema da pesagem.
Originalmente, as denominações das moedas parecem ter expressado
o peso ou a quantidade de metal que continham. Na época de Sérvio
Túlio, que foi o primeiro a cunhar dinheiro em Roma, o Ás ou Pondo
romano continha uma libra romana de um bom cobre. Dividia-se da
mesma maneira que nossa libra troy: em 12 onças troy, cada uma das
quais continha uma onça real de um cobre de boa qualidade. A libra
esterlina inglesa na época de Eduardo I46 continha o peso em prata de
uma libra tower47 com grau de pureza reconhecido. A libra tower, pelo
que parece, valia um pouco mais que a libra romana e tinha valor um
pouco menor que o da libra troy.48 A última somente foi introduzida pela
casa da moeda inglesa no 18º ano do reinado de Henrique VIII.49 A libra
francesa (livre) media, no tempo de Carlos Magno, o peso de uma libra
troy de prata com grau de pureza reconhecido. A feira de Troyes, em
Champanha,50 era naquele tempo frequentada por todas as nações da
Europa e os pesos e medidas de um mercado tão famoso eram
geralmente conhecidos e estimados. À libra escocesa correspondia, desde
os tempos de Alexandre I51 até a época de Robert de Bruce,52 uma libra
de prata com peso e grau de pureza idênticos aos da libra esterlina. Os
pence53 ingleses, franceses e escoceses também mediam originalmente o
peso real de um penny de prata, a vigésima parte de uma onça e a
ducentésima quadragésima parte de uma libra. O xelim parece também
originalmente ter sido a denominação de um peso. Quando o quarter54
de trigo chega a 12 xelins, diz uma antiga proclamação de Henrique III,
então o pão wastel55 de um farthing (0,25 penny) deverá pesar 11 xelins e 4
pence. A proporção, no entanto, entre o xelim e o penny ou a libra não
parece ter sido tão constante e uniforme quanto entre a libra e o penny.
Durante a primeira dinastia de reis da França, parece que o “sou” francês
— isto é, seu xelim — foi, em diferentes ocasiões, dividido em 5, 12, 20 e
40 pence. Entre os antigos saxões, parece que certa vez 1 xelim continha
apenas 5 pence, e não é improvável que seu valor tenha sido tão variável
entre eles quanto entre os antigos francos, seus vizinhos. Na época de
Carlos Magno, entre os franceses, e no tempo de Guilherme, o
Conquistador, entre os ingleses, a proporção entre a libra, o xelim e o
penny parece ter se mantido uniforme, e a mesma da atualidade, embora
o valor de cada um tenha sido bastante diferente. Acredito que em todos
os países do mundo os príncipes e os estados soberanos, por sua avareza
e injustiça, abusaram da confiança de seus súditos e, gradualmente, foram
diminuindo a quantidade real de metal que antes existia em suas moedas.
Nos últimos tempos da República romana, o ás romano foi reduzido à
vigésima quarta parte do seu valor original e, em vez de pesar uma libra,
chegou a pesar apenas meia onça. O penny e a libra da Inglaterra contêm
atualmente cerca de um terço de onça; a libra e o penny da Escócia, a
trigésima sexta parte; e a libra e o penny da França, cerca de um sessenta
e seis avos de seu valor original. Por meio dessas operações, os príncipes
e estados soberanos que as realizaram puderam, aparentemente, pagar
suas dívidas e cumprir seus compromissos com uma quantidade de prata
menor do que a que seria realmente necessária. De fato, apenas
aparentemente, pois na verdade seus credores foram desfalcados de parte
do que era devido a eles. No Estado, todos os outros devedores
receberam o mesmo privilégio e puderam pagar, com a mesma soma
nominal da nova moeda desvalorizada, tudo aquilo que haviam tomado
emprestado na moeda antiga.56 Essas operações, portanto, sempre se
mostraram favoráveis aos devedores e ruinosas para os credores e, às
vezes, produzem na fortuna dos indivíduos uma revolução muito maior e
mais universal do que aquela que pudesse ser causada por uma grande
calamidade pública.
E foi dessa forma que, em todas as nações civilizadas, o dinheiro se
tornou o instrumento universal de comércio pelo qual todos os tipos de
bens são comprados, vendidos ou trocados.
Serão examinadas agora as regras que as pessoas seguem
naturalmente ao trocar bens por dinheiro ou por outros bens.
Determina-se com essas regras o que pode ser chamado de valor relativo
ou valor de troca dos bens.
Deve-se observar que a palavra “valor” possui dois significados
diferentes: potencialmente é a manifestação da utilidade de algum objeto
particular; no outro caso, representa o poder que a posse de tal objeto
confere para a compra de outros objetos. O primeiro sentido pode ser
chamado de “valor de uso”; o segundo, de “valor de troca”. As coisas com
maior valor de uso costumam ter pouco ou nenhum valor de troca, e
vice-versa, isto é, as coisas com maior valor de troca costumam ter pouco
ou nenhum valor de uso. Nada é mais útil do que a água, mas
praticamente nada pode ser comprado com ela; quase nada pode ser
trocado por ela. Um diamante, ao contrário, apresenta pouquíssimo valor
de uso, mas, frequentemente, pode ser trocado por uma quantidade
muito grande de outros bens.57
Para investigar os princípios que regulam o valor de troca das
mercadorias, tentarei mostrar o seguinte: primeiro, a medida real do
valor de troca, isto é, em que consiste o preço real de todas as
mercadorias; em segundo lugar, as diferentes partes ou componentes do
preço real. E, por último, tentarei mostrar quais são as diferentes
circunstâncias que por vezes elevam alguns ou todos esses diferentes
componentes do preço e, às vezes, os levam para baixo de sua taxa
natural ou ordinária; ou seja, quais são as causas que algumas vezes
impedem que o preço de mercado (isto é, o preço real das mercadorias)
corresponda exatamente a algo que pode ser chamado de seu preço
natural.
Tentarei explicar esses três temas da forma mais completa e clara
possível nos próximos três capítulos; assim peço muito encarecidamente
a paciência e a atenção do leitor: paciência para examinar certo detalhe
de alguma passagem que talvez possa parecer desnecessariamente
tediosa, atenção para tentar compreender algo que talvez ainda pareça
um pouco obscuro mesmo após a explicação mais completa que posso
oferecer. Estou sempre disposto a correr algum risco de ser tedioso para
ter certeza de que sou compreendido; e, mesmo após ter tomado o
máximo cuidado para sê-lo, alguma obscuridade ainda poderá parecer
existir em relação a esse assunto, que é extremamente abstrato por sua
própria natureza.

CAPÍTULO V
O PREÇO REAL (EM TRABALHO) E NOMINAL (EM
DINHEIRO) DAS MERCADORIAS
Toda pessoa é rica ou pobre à medida que possa ou não desfrutar do
lazer, das comodidades e dos benefícios da vida humana. Contudo, após
o completo estabelecimento da divisão do trabalho, apenas uma parte
muito pequena dessas coisas pode ser obtida pelo próprio trabalho de um
indivíduo. A maioria delas deriva necessariamente do trabalho de outras
pessoas; e alguém será pobre ou rico de acordo com o trabalho que possa
comandar ou com os serviços que seja capaz de adquirir. Desse modo, o
valor de qualquer mercadoria — para aquele que é seu proprietário e que
não pretende, ele próprio, usá-la ou consumi-la, mas trocá-la por outras
mercadorias — é igual à quantidade de trabalho que lhe permite adquirir
ou comandar. O trabalho, portanto, é a medida real do valor de troca de
todas as mercadorias.
O preço real de tudo — isto é, o que cada coisa realmente custa para
quem quer adquiri-la — é o trabalho duro e as dificuldades de adquiri-lo.
O que cada coisa realmente vale para o indivíduo que a adquiriu e deseja
vendê-la ou trocá-la é o trabalho duro e as dificuldades de que a
mercadoria pode poupá-lo, impondo-os a outras pessoas. O que se
compra com dinheiro ou bens é comprado pelo trabalho, tanto quanto
aquilo que adquirimos pelo trabalho duro de nosso próprio corpo.
Aquele dinheiro e as mercadorias, de fato, nos poupam desse trabalho
duro. Eles contêm o valor de uma determinada quantidade de trabalho
que trocamos por algo que, naquele momento, supomos conter o valor de
uma quantidade igual. O trabalho foi o primeiro preço, a moeda de troca
original que pagava por todas as coisas. A riqueza do mundo foi
originalmente comprada pelo trabalho, não pelo ouro nem pela prata; e o
valor dessa riqueza, para quem a possui e deseja trocá-la por novos
produtos, é precisamente igual à quantidade de trabalho que ela
possibilita às pessoas comprar ou comandar.
Segundo o senhor Hobbes, riqueza é poder,58 mas a pessoa que
adquire ou herda uma grande fortuna não adquire ou herda
necessariamente qualquer poder político, militar ou civil. Sua fortuna
pode, talvez, dar-lhe os meios para adquirir os dois, mas a mera posse
dessa fortuna não lhe transmite necessariamente nenhum deles. O poder
que essa posse transmite imediata e diretamente a ele é o poder de
compra; um determinado comando sobre todo trabalho ou sobre todos
os produtos do trabalho presentes no mercado naquele momento. Sua
fortuna será maior ou menor na proporção precisa da extensão desse
poder; isto é, da quantidade do trabalho de outras pessoas, ou, o que é a
mesma coisa, do produto do trabalho de outras pessoas que lhe permite
comprar ou controlar. O valor de troca de todas as coisas deve sempre ser
precisamente igual à extensão do poder que elas conferem a seu dono.
Mas, apesar de o trabalho ser a medida real do valor de troca de todas
as mercadorias, seu valor — o das mercadorias — não costuma ser
mensurado por ele. É difícil mensurar a proporção entre duas
quantidades diferentes de trabalho. Por si mesmo, o tempo gasto em dois
tipos diferentes de trabalho nem sempre determinará essa proporção.
Além disso, é preciso também levar em conta as dificuldades suportadas
e a engenhosidade utilizada, em seus diferentes graus. A quantidade de
trabalho em uma hora de uma tarefa exaustiva é maior que em duas
horas de uma atividade fácil; é maior em uma hora de uma tarefa que
precisou de dez anos de trabalho para ser aprendida do que a quantidade
de um mês de trabalho realizado em um emprego comum e óbvio. Mas
não é fácil encontrar medidas precisas que mensurem as dificuldades ou
a engenhosidade. De fato, na troca de diferentes produtos originados de
diferentes tipos de trabalho são feitas algumas concessões para ambos.
No entanto, elas não são ajustadas por medidas precisas, mas por meio da
pechincha e da negociação do mercado, de acordo com um tipo de
igualdade aproximada que, embora não seja exata, é suficiente para dar
continuidade às atividades da vida comum.
Além disso, toda mercadoria é mais frequentemente trocada por
outras mercadorias, e assim comparada a elas, do que pelo trabalho. É
mais natural, portanto, estimar seu valor de troca pela quantidade de
alguma outra mercadoria do que pela quantidade de trabalho que ela
pode comprar. Ademais, a maioria das pessoas compreende melhor o que
significa uma quantidade específica de certa mercadoria do que uma
quantidade de trabalho. A primeira é um objeto simples e palpável; a
segunda é uma ideia abstrata que, embora possa se tornar
suficientemente inteligível, não é tão natural e óbvia.
Mas com o fim do escambo, quando o dinheiro se tornou o
instrumento comum de comércio, cada mercadoria específica passou a
ser trocada mais frequentemente por dinheiro que por quaisquer outras
mercadorias. O açougueiro não leva sua carne de boi ou de carneiro até o
padeiro ou até o fabricante de cerveja para trocá-la por pão ou cerveja,
mas ele a leva para o mercado, onde pode trocá-la por dinheiro, o qual,
em seguida, é trocado por pão e cerveja. A quantidade de dinheiro que
ele ganha pela carne também regula a quantidade de pão e cerveja que ele
poderá comprar em seguida. Desse modo, para ele, é mais natural e óbvio
calcular o valor das carnes pela quantidade de dinheiro (a mercadoria
imediata de troca) do que pela quantidade de pão e de cerveja (as
mercadorias que somente podem ser trocadas pela intervenção de outra
mercadoria); também é mais fácil dizer que a carne do açougueiro vale 3
pence ou 4 pence a libra do que dizer que vale 3 ou 4 libras-peso de pão,
ou 3 ou 4 quarts de cerveja. Com isso, ocorre que o valor de troca de cada
mercadoria costuma ser calculado mais pela quantidade de dinheiro do
que pela quantidade de trabalho ou de qualquer outra mercadoria que
possa ser trocada por ela.
O ouro e a prata, no entanto, assim como todas as outras
mercadorias, possuem valores variáveis e, às vezes, estão mais baratos,
em outras, mais caros; em algumas situações são mais fáceis de ser
adquiridos, e, em outras, mais difíceis. A quantidade de trabalho que
qualquer quantidade específica de ouro ou prata pode comprar ou
comandar, ou a quantidade de outras mercadorias pelas quais podem ser
trocados, depende sempre da fertilidade ou infertilidade das minas
conhecidas no momento em que essas trocas são realizadas. Na Europa
do século XVI, a descoberta de minas riquíssimas na América reduziu o
valor do ouro e da prata para cerca de um terço de seu valor anterior. Já
que o valor do trabalho para levar esses metais da mina para o mercado
era menor, então, após o seu transporte, eles passaram a comprar ou
controlar menos trabalho; e essa revolução em seu valor, apesar de,
talvez, ter sido a maior de todas, não foi, de forma alguma, a única
registrada pela história. Mas, assim como uma medida de quantidade —
como o pé, a braça ou o punhado — nunca pode ser uma medida exata
da quantidade de outras coisas, quando sua própria quantidade varia de
forma contínua, então uma mercadoria cujo valor varia de forma
contínua nunca pode ser uma medida exata do valor de outras
mercadorias. Pode-se dizer que iguais quantidades de trabalho, em
quaisquer momentos e lugares, possuem o mesmo valor para o
trabalhador.59 Em seu estado normal de saúde, força e ânimo, na medida
comum de sua habilidade e destreza, ele deverá sempre sacrificar a
mesma porção de sua serenidade, sua liberdade e sua felicidade. O preço
que ele paga deverá ser sempre o mesmo, independentemente da
quantidade de mercadorias que receba em troca. Na verdade, seu
trabalho poderá, em alguns casos, comprar uma quantidade maior de
mercadorias, em outros, menor; mas é o valor das mercadorias que varia,
não a do trabalho que as compra. Em todos os tempos e lugares, será caro
o que é difícil de se conseguir, isto é, aquilo que custa muito trabalho
para ser adquirido, e barato o que pode ser obtido facilmente, ou seja,
com muito pouco trabalho. Dessa forma, já que o valor do trabalho em si
nunca varia, ele — o trabalho — é o único padrão final e real pelo qual o
valor de todas as mercadorias pode, em todos os tempos e lugares, ser
estimado e comparado. Ele é o seu preço real, o dinheiro é apenas o seu
preço nominal.
Mas apesar de quantidades iguais de trabalho possuírem sempre o
mesmo valor para o trabalhador, ainda assim, para a pessoa que o
emprega, elas parecem, certas vezes, ter maior valor, e, em outras, menor.
Esse trabalho é comprado, por vezes, com uma maior quantidade de
mercadorias, em outras, com uma menor quantidade. Para o
empregador, o preço do trabalho parece variar como o de todas as outras
coisas. Parece-lhe caro em um caso e barato em outro. Mas, na realidade,
são os bens que estão baratos em um caso e caros no outro.
Nesse sentido popular, portanto, pode-se dizer que o trabalho (assim
como as mercadorias) possui um preço real e um preço nominal. É
possível dizer que seu preço real é a quantidade de bens de primeira
necessidade e comodidades da vida dadas por ele; e seu preço nominal é
a quantidade de dinheiro. O trabalhador será rico ou pobre, bem ou mal
recompensado, na proporção do preço real, não do preço nominal, de seu
trabalho.
A distinção entre o preço real e o preço nominal das mercadorias e do
trabalho não é uma questão meramente especulativa, pois ela pode, em
algumas circunstâncias, ter uma utilidade prática considerável. Um
mesmo preço real tem sempre o mesmo valor; mas, devido às variações
no valor do ouro e da prata, o mesmo preço nominal é, às vezes, de valor
muito diferente. Então quando uma propriedade fundiária é vendida
com reserva de renda perpétua, se se deseja que essa renda tenha sempre
o mesmo valor, será importante para a família favorecida que a renda não
consista em uma determinada quantia em dinheiro. Pois, nesse caso, seu
valor estaria sujeito a sofrer dois tipos distintos de variação: em primeiro
lugar, a variação advinda das diferentes quantidades de ouro e de prata
que as moedas de mesma denominação possuem em épocas diferentes; e,
em segundo lugar, aquelas advindas dos diferentes valores que as mesmas
quantidades de ouro e de prata possuem em épocas diferentes.
Príncipes e estados soberanos costumavam acreditar que podiam
obter algum benefício temporário ao diminuir a quantidade de metal
puro contido em suas moedas; mas raramente acreditavam no benefício
do aumento dessa quantidade. Acredito que a quantidade de metal
contida nas moedas de todas as nações tem, por conseguinte, diminuído
de forma quase constante, sem quase nunca aumentar. Essas variações,
portanto, tendem quase sempre a diminuir o valor de uma renda em
dinheiro.
A descoberta das minas na América derrubou o valor do ouro e da
prata na Europa. Costuma-se supor, porém sem provas definitivas
conhecidas por mim, que essa queda ainda está ocorrendo de forma
gradual e que ainda continuará assim por um longo período. Então,
levando essa suposição em conta, as variações estariam mais propensas a
diminuir do que a aumentar o valor de uma renda em dinheiro, mesmo
que se estabelecesse o pagamento em uma certa quantidade de onças de
prata pura ou de prata de um determinado padrão, e não em uma certa
quantidade de dinheiro cunhado com um certo valor nominal (por
exemplo, uma certa quantidade de libras esterlinas).
Muito melhor do que as rendas em dinheiro, as rendas estipuladas em
cereais têm preservado o seu valor, até mesmo quando a denominação da
moeda não sofreu alterações. No 18º ano do reinado de Isabel60
decretou-se61 que um terço da renda da concessão de todas as terras das
faculdades seria estipulada em cereais, a ser pago ou em espécie ou de
acordo com os preços correntes do mercado público mais próximo. O
dinheiro decorrente dessa renda em cereais, embora tenha sido
originalmente estipulado em um terço do total, costuma representar
atualmente, de acordo com o doutor Blackstone,62 quase o dobro do que
é obtido pelos outros dois terços. De acordo com esse relato, as antigas
rendas em dinheiro das faculdades devem ter sido reduzidas a quase um
quarto de seu valor original; ou valem pouco mais que a quarta parte da
quantidade de cereais que valiam anteriormente. Mas, a partir da
corregência de Felipe e Maria,63 a denominação da moeda inglesa sofreu
pouca ou nenhuma alteração e o mesmo número de libras, xelins e pence
permaneceu com quase a mesma quantidade de prata pura. A
degradação do valor das rendas em dinheiro das faculdades, portanto,
teve como única causa a degradação do valor da prata.
Quando a deterioração do valor da prata combina-se com a
diminuição de sua quantidade contida nas moedas de mesma
denominação, a perda é, com frequência, ainda maior. Na Escócia, onde a
denominação da moeda sofreu alterações muito maiores do que na
Inglaterra, e na França, onde foi submetida a alterações ainda maiores do
que na Escócia, algumas rendas antigas, que possuíam originalmente um
valor considerável, foram, dessa forma, reduzidas a quase nada.
Quantidades iguais de trabalho poderão, entre períodos distantes uns
dos outros, ser compradas mais com quantidades próximas de cereais —
a subsistência do trabalhador — do que com quantidades iguais de ouro e
de prata ou, talvez, de qualquer outra mercadoria. Quantidades iguais de
cereais, portanto, em momentos distantes uns dos outros, serão
precificadas com valor mais próximo do real, ou seja, possibilitarão que
seu possuidor adquira ou comande quase a mesma quantidade de
trabalho de outras pessoas. Possibilitam isso, eu repito, de forma mais
aproximada que as quantidades iguais de quaisquer outras mercadorias,
pois nem mesmo as mesmas quantidades de cereais são capazes de fazer
isso de modo exato. A subsistência do trabalhador, ou o preço real do
trabalho, conforme tentarei mostrar adiante, é muito diferente em
diferentes ocasiões; sendo mais liberal em uma sociedade que caminha
para a opulência do que em outra estacionária; e mais em uma
estacionária do que em outra que caminha para trás. Quaisquer outras
mercadorias, no entanto, permitem comprar em qualquer momento
específico uma maior ou menor quantidade de trabalho na proporção da
quantidade de bens de subsistência que elas permitem adquirir naquele
momento. A renda, portanto, estipulada em cereais está sujeita apenas às
variações na quantidade de trabalho que uma dada quantidade de cereal
pode comprar. Mas a renda estipulada em qualquer outra mercadoria
está sujeita não só às variações na quantidade de trabalho que uma
determinada quantidade de cereais pode comprar, mas também às
variações na quantidade de cerais que pode ser comprada por certa
quantidade específica daquela mercadoria.64
Embora o valor real de uma renda em cereais — mas isso ainda deve
ser verificado — varie muito menos de um século para outro do que a
renda em dinheiro, sua variação anual é muito maior. O preço em
dinheiro do trabalho, como tentarei mostrar adiante, não flutua
anualmente em consonância com o preço em dinheiro dos cereais, mas
parece acomodar-se em todo lugar, não ao preço temporário ou
ocasional, mas ao preço médio ou ordinário dos cereais, os quais são
bens de primeira necessidade. O preço médio ou ordinário dos cereais
regula-se — como também tentarei mostrar adiante — pelo valor da
prata, pela fertilidade ou infertilidade das minas que abastecem o
mercado com esse metal, ou seja, pela quantidade de trabalho que deve
ser realizado (e, consequentemente, pela quantidade de cereais que deve
ser consumida) para trazer qualquer quantidade específica de prata da
mina para o mercado. Mas o valor da prata, embora às vezes varie muito
de um século para outro, raramente varia muito de um ano para outro,
mas frequentemente continua o mesmo, ou quase o mesmo, por meio
século ou um século inteiro. O preço médio ou ordinário em dinheiro
dos cereais também pode, portanto, durante um período bastante longo,
permanecer o mesmo ou quase o mesmo, e, junto com ele, o preço em
dinheiro do trabalho, desde que, em seus outros aspectos, a sociedade se
mantenha em condições iguais ou semelhantes. Nesse meio-tempo o
preço temporário e ocasional dos cereais pode dobrar em relação ao do
ano anterior, ou variar, por exemplo, de 25 para 50 xelins o quarter. Mas
quando o preço do cereal atingir este último, tanto o valor nominal
quanto o valor real de uma renda em cereais dobrará em relação ao
primeiro preço, isto é, controlará o dobro da quantidade de trabalho ou
da maior parte das outras mercadorias; o preço em dinheiro do trabalho
— e, junto com ele, o da maioria das outras coisas — permanecerá o
mesmo durante todas essas flutuações.
Parece evidente, portanto, que o trabalho é a única medida universal,
bem como a única medida de valor precisa, isto é, o único padrão pelo
qual podemos comparar os valores de diferentes mercadorias em todos
os lugares e momentos. Não há como calcularmos o valor real de
diferentes mercadorias entre um século e outro pelas quantidades de
prata que foram oferecidas por elas. Não há como calculá-lo entre um
ano e outro pelas quantidades de cereais. Mas, pelas quantidades de
trabalho, podemos, com maior precisão, calcular os dois valores, isto é,
de século para século e de ano para ano. De século para século, os cereais
são uma medida melhor que a prata, pois, de século para século,
quantidades iguais de cereais comandam a mesma quantidade de
trabalho com maior proximidade do que quantidades iguais de prata. De
ano para ano, por outro lado, a prata passa a ser uma medida melhor do
que os cereais, pois iguais quantidades de prata comandam
aproximadamente a mesma quantidade de trabalho.
Mas, embora seja bastante útil fazermos a distinção entre preço real e
preço nominal quando estabelecemos rendas perpétuas, ou mesmo em
arrendamentos muito longos, essa distinção de nada serve para a compra
e a venda — a transação mais comum e ordinária da vida humana.
Em um mesmo momento e local, os preços real e nominal de todas as
mercadorias possuem exatamente a mesma proporção. A maior ou
menor quantidade de dinheiro que alguém consegue por qualquer
mercadoria no mercado de Londres, por exemplo, será a quantidade de
mais ou menos trabalho que essa pessoa poderá comprar ou controlar
naquele momento e local. No mesmo momento e local, portanto, o
dinheiro é a medida exata do valor real de troca de todas as mercadorias.
Isso vale, no entanto, apenas para o mesmo momento e o mesmo local.
Embora não exista, entre mercados locais, nenhuma relação regular
entre o preço real e o preço em dinheiro das mercadorias, o comerciante
que transporta mercadorias de um para o outro leva em conta apenas o
preço em dinheiro delas, ou seja, a diferença entre a quantidade de prata
usada para comprar as mercadorias e a quantidade usada para vendê-las.
Em Cantão, na China, meia onça de prata pode controlar uma
quantidade maior de trabalho e de bens de primeira necessidade e
comodidades do que uma onça em Londres. Portanto, uma mercadoria
vendida por meia onça de prata em Cantão pode ser mais cara ali e ter
maior importância real para seu possuidor do que a importância que
uma mercadoria vendida a uma onça em Londres tem para quem a
possui. Se um comerciante de Londres, no entanto, pode comprar no
Cantão, por meia onça de prata, uma mercadoria que ele depois poderá
vender em Londres por uma onça, ele ganhará 100% pela transação, tal
como se a onça de prata em Londres tivesse exatamente o mesmo valor
que no Cantão. Não lhe importa que meia onça de prata no Cantão teria
dado a ele o comando de mais trabalho e de uma maior quantidade de
bens de primeira necessidade e comodidades da vida do que uma onça
em Londres. Uma onça em Londres sempre lhe dará o comando do
dobro da quantidade de tudo aquilo que meia onça poderia ter lhe dado
no Cantão: e isso é precisamente o que ele quer.
Portanto, já que é o preço nominal ou preço em dinheiro dos bens
que, em última instância, determina a prudência ou a imprudência de
todas as compras e vendas e, desse modo, regula quase todas as
atividades da vida comum em que o preço entra em jogo, não é de
admirar que lhe tenha sido dada muito mais atenção do que para o preço
real.
No presente trabalho, entretanto, talvez seja útil comparar os
diferentes valores reais de uma determinada mercadoria em diferentes
épocas e lugares, ou seja, os diferentes graus de poder sobre o trabalho de
outras pessoas que podem ter dado aos seus possuidores em diferentes
ocasiões. Devemos, nesse caso, comparar mais as diferentes quantidades
de trabalho que essas diferentes quantidades de prata poderiam ter
comprado e menos as diferentes quantidades de prata que eram
normalmente aceitas pela mercadoria. Mas não há como conhecermos
com qualquer grau de exatidão os preços correntes do trabalho entre
locais e épocas distantes. Embora os preços dos cereais tenham sido
regularmente registrados em apenas alguns lugares, eles são, em geral,
mais bem conhecidos e foram observados com maior frequência por
historiadores e outros autores. Então devemos, em geral, contentar-nos
com eles, não por estarem sempre exatamente na mesma proporção dos
preços correntes do trabalho, mas por serem a melhor aproximação que
temos dessa proporção. Daqui por diante farei várias comparações desse
tipo.65
Com o progresso do trabalho, as nações comerciais consideraram
conveniente cunhar vários tipos de metal em dinheiro: ouro para
pagamentos maiores, prata para compras de valor moderado e cobre ou
algum outro metal comum para as negociações de menor valor. Sempre
consideraram, porém, um daqueles metais como uma medida de valor
mais adequada do que qualquer uma representada pelas outras duas; e
essa preferência geralmente parece ter sido dada ao primeiro metal
utilizado por aquela nação como instrumento de comércio. Após
começarem a usá-lo como padrão, o que deve ter ocorrido quando não
tinham outro tipo de dinheiro, as nações, em geral, continuaram a usar o
mesmo metal, até quando a necessidade já não era mais a mesma.
Dizem que os romanos possuíam apenas dinheiro de cobre até cinco
anos antes da primeira Guerra Púnica,66 quando começaram a cunhar
moedas de prata pela primeira vez. O cobre, portanto e ao que parece,
manteve-se sempre como a medida de valor daquela República. Em
Roma, tem-se que todas as contas e o valor de todas as propriedades
eram calculados em ásses67 ou em sestércios. O ás sempre foi a
denominação de uma moeda de cobre. A palavra sestércio indica dois
asses e meio; era originalmente uma moeda de prata, embora seu valor
fosse medido em cobre. Também em Roma dizia-se que quem tinha uma
grande quantidade de dinheiro tinha uma grande quantidade do cobre
alheio.
As nações setentrionais que se estabeleceram sobre as ruínas do
Império Romano parecem ter utilizado dinheiro de prata desde o início
de seus primeiros assentamentos e não ter conhecido nem as moedas de
ouro nem as de cobre por séculos. Havia moedas de prata na Inglaterra
no tempo dos saxões, mas até a época de Eduardo III68 existiu pouco
ouro cunhado e nada de cobre até o reinado de Jaime I69 da Grã-
Bretanha. Assim, acredito que todas as contas e o valor de todos os bens e
propriedades na Inglaterra e, pela mesma razão, em todas as outras
nações modernas da Europa são geralmente calculados em prata: e
quando queremos falar da quantidade de riqueza de uma pessoa,
raramente falamos do número de guinéus que ela possui, mas do número
de libras “esterlinas” que supostamente se daria pela fortuna.
Eu acredito que, originalmente em todos os países, o meio de
pagamento oficial poderia apenas ser composto do metal especificamente
escolhido como padrão ou medida de valor. Na Inglaterra, o ouro,
mesmo depois de ter sido cunhado em dinheiro, ainda levou bastante
tempo para ser considerado meio de pagamento legal. A proporção entre
os valores do dinheiro de ouro e de prata não foi fixada por uma lei
pública ou por uma proclamação, mas foi deixada para que o mercado a
estabelecesse. Se um devedor oferecia pagamento em ouro, o credor
podia rejeitar esse pagamento na íntegra ou aceitá-lo após ele e o devedor
chegarem a um acordo sobre o valor do ouro. Atualmente o cobre não é
uma moeda de curso legal, exceto apenas como troco para as moedas de
prata menores. Nessas circunstâncias, a distinção entre o metal que era
padrão e o que não era ia muito além da distinção nominal.
Com o tempo e conforme as pessoas gradualmente se familiarizavam
mais com o uso de diferentes metais nas moedas e, consequentemente,
com a proporção entre seus respectivos valores, a maioria dos países,
acredito, passou a considerar conveniente definir essa proporção e
declarar por lei que o guinéu, por exemplo, com certo peso e grau de
pureza, deveria valer 21 xelins ou valer como moeda de curso legal para o
pagamento de uma dívida desse montante. Nesse caso e durante o tempo
em que uma proporção desse tipo estiver regulamentada, a distinção
entre o metal-padrão e o metal que não é o padrão passa a ser uma
distinção que vai um pouco além da distinção nominal.70
Mas se for feita qualquer alteração nessa proporção regulamentada, a
distinção novamente se torna — ou pelo menos parece se tornar — algo
bastante além de nominal. Se o valor regulamentado de 1 guinéu, por
exemplo, fosse reduzido para 20 ou elevado para 22 xelins, e
considerando que todas as contas e quase todas as dívidas fossem
expressadas em moedas de prata, a maior parte dos pagamentos poderia
ser realizada com a mesma quantidade de moedas de prata em ambos os
casos, como antes, porém esses pagamentos exigiriam quantidades muito
diferentes de dinheiro de ouro; uma quantidade maior no primeiro caso
e, no outro, menor. O valor da prata pareceria mais invariável que o do
ouro; e, aparentemente, a prata mede o valor de ouro, mas o ouro não
mede o valor de prata. Pareceria que o valor do ouro depende da
quantidade de prata que seria possível trocar por ele, mas não que o valor
da prata depende da quantidade de ouro que seria possível trocar por ela.
Essa diferença, no entanto, se deve ao costume de manter as contas e de
expressar em moedas de prata, e não de ouro, a quantidade de todas as
grandes e pequenas somas. Após uma alteração desse tipo, uma das notas
de 25 ou 50 guinéus do senhor Drummond continuaria a ser paga
exatamente com 25 ou 50 guinéus, como antes. Após essa alteração, a
dívida seria paga com a mesma quantidade anterior de ouro, mas com
diferentes quantidades de prata. O ouro, para o pagamento dessa nota,
pareceria ser mais invariável do que a prata em seu valor; e pareceria que
o ouro mede o valor da prata, mas que a prata não mede o valor do ouro.
Se o costume de manter as contas e de expressar o valor das notas
promissórias e de outras obrigações monetárias dessa maneira se
tornasse geral, o ouro (e não a prata) seria considerado como o metal-
padrão ou a medida de valor.
Na verdade, enquanto se mantiver qualquer proporção
regulamentada entre os respectivos valores dos diferentes metais nas
moedas, o valor do metal mais precioso governará o valor da moeda em
sua integralidade. Doze pence de cobre contêm meia libra avoirdupois71
de cobre (não da melhor qualidade), o qual dificilmente vale 7 pence em
prata antes de sua cunhagem. Mas já que, pela lei, 12 pence devem ser
trocados por 1 xelim, então o mercado considera que seu valor seja de 1
xelim; e 1 xelim pode, a qualquer momento, ser obtido por esses 12
pence. Mesmo antes da última reforma da moeda de ouro na Grã-
Bretanha, o ouro, ou pelo menos a parte que circulou em Londres e em
sua vizinhança, estava, em geral, mais leve em relação ao seu peso-padrão
do que a maior parte da prata. Vinte e um xelins desgastados e
desfigurados, no entanto, eram considerados equivalentes a 1 guinéu, que
talvez, na verdade, também estivesse desgastado e desfigurado, mas
raramente na mesma proporção. As regras mais recentes aproximaram o
peso da moeda de ouro (o máximo possível para qualquer nação) ao seu
padrão, o que provavelmente será preservado pela ordem de não receber
ouro nos serviços públicos senão por seu peso e desde que essa ordem
continue a ser executada. A moeda de prata ainda continua em seu
mesmo estado degradado e desgastado de antes da reforma da moeda de
ouro. Mas, no mercado, 21 xelins dessa moeda de prata degradada ainda
são considerados como 1 guinéu daquela excelente moeda de ouro.
A reforma da moeda de ouro evidentemente elevou o valor da moeda
de prata que pode ser trocada pela de ouro.
Na casa da moeda inglesa, 1 libra-peso em ouro é cunhada em 44,5
guinéus; que, com a guiné custando 21 xelins, é igual a 46 libras, 14 xelins
e 6 pence. Uma onça de tal moeda de ouro, portanto, vale 3 libras, 17
xelins e 10,5 pence em prata. Na Inglaterra não se pagam taxas
(obrigações ou senhoriagem) para a cunhagem de moedas, e aquele que
leva 1 libra-peso ou 1 onça-peso de um lingote de ouro-padrão para a
Casa da Moeda recebe de volta 1 libra-peso ou 1 onça-peso de ouro em
moedas, sem quaisquer deduções. Diz-se, então, que 3 libras, 17 xelins e
10,5 pence é o preço do ouro na casa da moeda inglesa, ou a quantidade
de moedas de ouro que a Casa da Moeda troca por um lingote de ouro-
padrão.
Antes da reforma da moeda de ouro, o preço-padrão do lingote de
ouro no mercado esteve por muitos anos acima de 3 libras e 18 xelins, às
vezes 3 libras e 19 xelins e, muito frequentemente, chegando a 4 libras
por onça; é possível que essa soma, em uma moeda de ouro degradada e
gasta, dificilmente chegasse a mais de 1 onça de ouro-padrão. Desde a
reforma da moeda de ouro, o preço de mercado do lingote de ouro-
padrão raramente passou de 3 libras, 17 xelins e 7 pence por onça. Antes
da reforma da moeda de ouro, o preço de mercado sempre esteve mais ou
menos acima do preço da Casa da Moeda. Desde a reforma, o preço de
mercado tem ficado consistentemente abaixo do preço da Casa da
Moeda. Mas, pagando em moedas de ouro ou de prata, esse preço de
mercado é o mesmo. A última reforma da moeda de ouro, portanto, não
elevou apenas o valor da moeda de ouro, mas também o da moeda de
prata em proporção ao lingote de ouro e provavelmente também
proporcionalmente a todas as outras mercadorias; embora o preço da
maior parte das outras mercadorias seja influenciado por muitas outras
causas, o aumento do valor da moeda de ouro ou de prata em relação a
elas pode não ser tão distinto e sensível.72
Na casa da moeda inglesa, com uma libra-peso de lingote de prata-
padrão cunham-se 62 xelins, que contêm, da mesma forma, uma libra-
peso de prata-padrão. Diz-se, portanto, que 5 xelins e 2 pence a onça é o
preço da prata na casa da moeda inglesa ou a quantidade de moeda de
prata que a Casa da Moeda dá em troca do lingote de prata-padrão. Antes
da reforma da moeda de ouro, o preço de mercado do lingote de prata-
padrão era, em diferentes ocasiões, 5 xelins e 4 pence, 5 xelins e 5 pence, 5
xelins e 6 pence, 5 xelins e 7 pence e, muitas vezes, 5 xelins e 8 pence a
onça. Cinco xelins e 7 pence, no entanto, parece ter sido o preço mais
comum. Desde a reforma da moeda de ouro, o preço de mercado do
lingote de prata-padrão caiu, ocasionalmente, para 5 xelins e 3 pence, 5
xelins e 4 pence e 5 xelins e 5 pence a onça; este último preço é raramente
ultrapassado. Embora o preço de mercado do lingote de prata tenha
caído consideravelmente desde a reforma da moeda de ouro, ele não
chegou a atingir o baixo preço da Casa da Moeda.
Na proporção entre os diferentes metais da moeda inglesa, o cobre
está muito acima de seu valor real, então a prata é avaliada um pouco
abaixo do valor real. No mercado da Europa, na moeda francesa e na
moeda holandesa, uma onça de ouro de boa qualidade pode ser trocada
por cerca de 14 onças de prata de boa qualidade. Na moeda inglesa, pode
ser trocada por cerca de 15 onças, ou seja, por mais prata do que vale na
estimativa comum da Europa. Mas, como o preço do lingote de cobre não
aumenta, nem mesmo na Inglaterra, pelo alto preço do cobre na moeda
inglesa, então o preço do lingote de prata não cai por causa da baixa
avaliação da prata contida na moeda inglesa. O lingote de prata ainda
preserva a proporção adequada em relação ao de ouro pela mesma razão
que o lingote de cobre preserva uma proporção adequada em relação ao
de prata.
Após a reforma da moeda de prata, durante o reinado de Guilherme
III,73 o preço do lingote de prata continuou um pouco mais elevado do
que o preço da Casa da Moeda. O senhor Locke74 atribuiu esse preço
elevado à permissão de exportar o lingote de prata e à proibição de
exportar a moeda de prata.75 Segundo ele, essa permissão de exportar
tornaria a demanda por lingotes de prata maior que a demanda por
moedas de prata. Mas o número de pessoas que querem moeda de prata
por seu uso comum, isto é, comprar e vender localmente, é com certeza
muito maior do que o daquelas que querem o lingote de prata, seja para a
exportação, seja para qualquer outro uso. Subsiste atualmente uma
permissão semelhante para a exportação de lingotes de ouro e uma
proibição semelhante à exportação de moedas de ouro; ainda assim, o
preço do ouro caiu até abaixo do preço da Casa da Moeda. Mas na moeda
inglesa a prata foi, então, da mesma maneira como agora, desvalorizada
em relação ao ouro; as moedas de ouro (que, segundo supunha-se na
época, não precisavam de reforma) regulavam, assim como hoje, o valor
real de todas as moedas. Assim como a reforma da moeda de prata não
reduziu, naquela época, o preço do lingote de prata ao preço da Casa da
Moeda, não é muito provável que uma nova reforma semelhante consiga
realizar tal façanha.
Caso a moeda de prata fosse trazida para tão perto de seu peso-
padrão, como o ouro, é provável que o guinéu, de acordo com a atual
proporção, pudesse ser trocado por mais prata em moeda do que se
conseguiria comprar em lingotes do mesmo metal. Se a moeda de prata
contivesse seu peso-padrão integral, haveria, nesse caso, lucro em seu
derretimento para, em primeiro lugar, vender o lingote por moedas de
ouro, e, depois, trocar essa moeda de ouro pela moeda de prata, para que
esta última fosse igualmente derretida. A alteração da atual proporção
parece ser o único método para impedir tal inconveniência.
E que seria talvez menor se a prata fosse avaliada na moeda tão acima
de sua proporção adequada em relação ao ouro, da mesma forma como é,
atualmente, avaliada abaixo dele; e garantindo-se por lei que a prata, ao
mesmo tempo, não valha como moeda de curso corrente, exceto para
pagamento superior a 1 guinéu; da mesma forma que o cobre não é
moeda de curso legal senão para pagamento de até 1 xelim. Nesse caso,
nenhum credor poderia ser enganado como consequência da alta
avaliação da prata contida nas moedas; assim como o credor não pode
sê-lo atualmente como consequência da alta avaliação do cobre. Essa
regulamentação traria dissabores somente aos banqueiros. Quando
ocorre uma corrida aos bancos, eles, às vezes, se esforçam para ganhar
tempo, pagando em moedas de 6 pence,76 mas, por tal regulamentação,
eles poderiam ser impedidos de utilizar esse método desacreditado de
evitar o pagamento imediato. Como consequência, seriam obrigados a
manter em seus cofres uma quantidade de dinheiro maior do que a
guardada atualmente; e embora isso, sem dúvida, pudesse ser um
inconveniente considerável para os bancos, seria, ao mesmo tempo, uma
segurança considerável aos seus credores.
Três libras, 17 xelins e 10,5 pence (o preço do ouro na Casa da Moeda)
certamente não contêm — nem em nossa excelente moeda de ouro atual
— mais do que 1 onça de ouro-padrão, e poderíamos pensar, portanto,
que não conseguiriam comprar mais ouro em lingotes-padrão. Mas o
ouro em moeda é mais conveniente do que o ouro em lingote e, embora a
cunhagem na Inglaterra seja gratuita, o ouro que é levado em lingotes
para a Casa da Moeda raramente pode ser devolvido em moeda ao
proprietário senão após uma demora de várias semanas. Na atual
velocidade de trabalho da Casa da Moeda, somente pode ser entregue
após vários meses de trabalho. Essa demora equivale a uma pequena taxa
e faz com que o ouro em moeda seja um pouco mais valioso do que uma
mesma quantidade de ouro em lingotes. Se na moeda inglesa a prata
fosse avaliada de acordo com sua proporção adequada em relação ao
ouro, o preço do lingote de prata ficaria provavelmente abaixo do preço
da Casa da Moeda, mesmo sem nenhuma reforma da moeda de prata; e
até mesmo o valor da atual moeda de prata, tão desgastada e desfigurada,
seria regulada pelo valor da excelente moeda de ouro pela qual poderia
ser trocada.
É possível que uma pequena taxa de cunhagem para as moedas de
ouro e de prata avultasse ainda mais a superioridade desses metais em
moeda em relação a uma quantidade igual de qualquer um dos dois em
lingotes. Nesse caso, a cunhagem aumentaria o valor do metal cunhado
proporcionalmente ao valor da extensão dessa pequena taxa; pela mesma
razão que os adornos aumentam o valor das baixelas de prata
proporcionalmente ao preço daqueles adornos. A superioridade da
moeda em relação ao lingote impediria o derretimento das moedas e
desencorajaria sua exportação. Se por alguma exigência pública exportar
moedas viesse a se tornar necessário, a maior parte delas voltaria em
breve, pois, no exterior, somente poderiam ser avaliadas por seu peso em
lingotes; mas, domesticamente, comprariam mais do que o valor desse
peso. Seria vantajoso, então, trazê-las de volta para o país. Na França,
impõe-se uma taxa de 8% à cunhagem de moedas, e diz-se que a moeda
francesa, quando exportada, volta espontaneamente àquele país.
As ocasionais flutuações no preço de mercado dos lingotes de ouro e
de prata surgem das mesmas causas que as flutuações semelhantes de
todas as outras mercadorias. A frequente perda desses metais — seja nos
vários acidentes que ocorrem no mar ou na terra, no gasto contínuo para
folhear, metalizar, usar em rendas e bordados, no próprio desgaste das
moedas e dos utensílios causado pelo uso — obriga os países que não
possuem minas próprias a importá-los constantemente para poder
reparar suas perdas e desgastes. Os importadores, assim como todos os
outros comerciantes, eu acredito, também se esforçam para adequar as
suas importações ocasionais ao que julgam ser a provável demanda
imediata. Com todo o seu cuidado, no entanto, algumas vezes exageram
nesse julgamento, e, em outras, são comedidos demais. Quando
importam lingotes que ultrapassam a demanda, em vez de incorrerem no
risco e incômodo de exportá-los novamente, dispõem-se, às vezes, a
vender uma parte de seus produtos por um valor menor que o preço
médio ou ordinário. Quando, por outro lado, eles importam menos do
que é procurado, conseguem obter um valor um pouco maior. Mas
quando, sob todas essas flutuações ocasionais, os preços de mercado dos
lingotes de ouro ou de prata continuam firmes e constantes por vários
anos, mais ou menos acima ou abaixo do preço da Casa da Moeda, então
podemos ter certeza de que essa superioridade ou inferioridade firme e
constante do preço é o resultado de algo no estado da moeda; algo que,
naquele momento, faz com que uma certa quantidade de moeda tenha
mais ou menos o mesmo valor da quantidade exata de ouro que deveria
conter. A durabilidade e a estabilidade das consequências supõem uma
durabilidade e uma estabilidade proporcionais a suas causas.
O dinheiro de um dado país, em um dado tempo e lugar, é mais ou
menos uma medida de valor exata conforme sua moeda corrente esteja
mais ou menos condizente com seu próprio padrão ou contenha mais ou
menos a quantidade exata de ouro puro ou prata pura que deveria conter.
Se, por exemplo, na Inglaterra, 44,5 guinéus contivessem exatamente
uma libra-peso de ouro-padrão, ou 11 onças de ouro com bom teor de
pureza e 1 onça de liga, a moeda de ouro da Inglaterra seria uma medida
tão precisa do valor real de uma dada mercadoria específica em dado
momento e local quanto fosse permitido pela natureza da coisa. Mas se
44,5 guinéus, por causa da fricção e do desgaste, geralmente contêm
menos de 1 libra-peso de ouro-padrão (sendo a diminuição, no entanto,
maior em algumas peças do que em outras), a medida de valor estará
propensa ao mesmo tipo de incerteza a que normalmente estão expostos
todos os outros pesos e medidas. Já que esses valores quase nunca são
conforme os padrões, os comerciantes ajustam, da melhor forma
possível, o preço de seus bens, não de acordo com o que deveriam ser
esses pesos e medidas, mas com o que eles, segundo uma média, indicam
ser por sua experiência. Em consequência de uma desordem similar na
moeda, o preço das mercadorias também vem a ser da mesma forma
ajustado, não à quantidade de ouro puro ou prata que a moeda deveria
conter, mas àquilo que, mediante uma média, sabe-se por experiência
que ela realmente contém.77
Deve ser observado que entendo por preço em dinheiro dos bens
sempre a quantidade de ouro puro ou prata pura pela qual são vendidos,
sem levar em consideração a denominação da moeda. Por exemplo,
acredito que 6 xelins e 8 pence na época de Eduardo I tivessem o mesmo
preço em dinheiro de 1 libra esterlina atual; pois a moeda continha, de
acordo com nosso melhor julgamento, a mesma quantidade de prata
pura.78

CAPÍTULO VI
PARTES COMPONENTES DO PREÇO DAS MERCADORIAS
No estado rude e primitivo da sociedade que precede tanto a acumulação
de capital quanto a apropriação de terras, parece que a única
circunstância para a troca de um objeto por outro seja a proporção entre
as quantidades de trabalho necessárias para adquirir os diferentes
objetos. Se em uma nação de caçadores, por exemplo, o trabalho para
matar um castor é, em geral, duas vezes maior que o trabalho para matar
um cervo, um castor será naturalmente trocado por (ou valerá) dois
cervos. É natural que o produto de dois dias ou de duas horas de trabalho
valha o dobro do produto de um dia ou de uma hora de trabalho.
Quando uma espécie de trabalho é mais árdua que outra, deverá
naturalmente haver alguma compensação por essa maior dificuldade; e,
assim, o produto de uma hora da primeira espécie geralmente poderá ser
trocado pelo produto de duas horas da segunda.
Ou então, se uma espécie de trabalho requer um grau incomum de
destreza e engenhosidade, a estima que as pessoas têm por esses talentos
irá, naturalmente, afetar o valor do produto, tornando-o superior ao que
seria normalmente devido somente pelo tempo empregado para a sua
realização. Esses talentos raramente podem ser adquiridos, senão em
consequência de um longo período de experiência; o valor superior de
seus produtos pode ser não mais do que uma compensação razoável pelo
tempo e trabalho necessários para adquiri-los. No estado avançado da
sociedade, essas compensações dadas pela maior dificuldade e habilidade
superior estão, em geral, integradas ao salário do trabalho; e algo
semelhante deve ter provavelmente ocorrido nos primeiros e mais
primitivos períodos da sociedade.79
Neste cenário, o produto integral do trabalho pertence ao
trabalhador; e a quantidade de trabalho normalmente empregada para a
aquisição ou produção de qualquer mercadoria é a única base capaz de
regular a quantidade de trabalho que pode ser normalmente adquirida,
comandada ou trocada.
Assim que o capital é acumulado nas mãos de certas pessoas, algumas
delas o utilizarão naturalmente para empregar pessoas diligentes — para
as quais fornecerão materiais e meios de subsistência a fim de lucrar com
a venda do trabalho delas, ou com o valor que esse trabalho adiciona aos
materiais fornecidos. Ao trocar a manufatura por dinheiro, por trabalho
ou por outras mercadorias em um valor superior ao preço dos materiais e
dos salários dos trabalhadores, algo deve sobrar como lucro para aquele
que toma o trabalho alheio e que arrisca seu capital nesse
empreendimento. O valor que os trabalhadores adicionam aos materiais,
portanto, desdobra-se, nesse caso, em duas partes: uma que paga os
salários dos trabalhadores e outra que paga os lucros do empregador
sobre todos os materiais e salários adiantados por ele. Este último não
teria nenhum interesse em empregá-los se não esperasse obter com a
venda dos produtos valores que fossem mais do que suficientes para
repor seu capital; e ele não teria nenhum interesse em aplicar um capital
maior, ao invés de um menor, se os seus lucros não guardassem uma
certa proporção com a totalidade de seu capital.
É possível imaginar que os lucros do capital sejam apenas um nome
diferente para o salário de um tipo específico de trabalho: o trabalho de
inspeção e direção. No entanto, eles são completamente diferentes,
regulados por princípios bem diferentes e não guardam nenhuma relação
com a quantidade, a dificuldade ou a engenhosidade desse suposto
trabalho de inspeção e direção. São totalmente regulados pelo valor do
capital aplicado e podem ser maiores ou menores de acordo com a
extensão desse capital. Suponhamos, por exemplo, que em um certo local
os lucros anuais comuns do capital manufatureiro sejam de 10%. Existem
duas manufaturas diferentes, cada uma delas emprega 20 trabalhadores
ao valor de 15 libras por ano cada um ou a uma despesa de 300 libras por
ano em cada manufatura. Além disso, imaginemos também que as
matérias-primas de uma delas custem apenas 700 libras anualmente,
enquanto os materiais mais refinados utilizados pela outra custem 7 mil.
O capital anualmente aplicado na primeira chega apenas a 1.000 libras;
enquanto o da outra manufatura chega a 7.300 libras. A uma taxa de 10%,
portanto, o empreendedor da primeira obterá um lucro anual de apenas
cerca de 100 libras, enquanto o outro obterá cerca de 730 libras. Mas,
embora os seus lucros sejam tão diferentes, o trabalho de inspeção e
direção que realizam é o mesmo ou muito semelhante. Em muitas
oficinas grandes, quase todo o trabalho desse tipo é entregue a algum
responsável pela administração. Seu salário expressa corretamente o
valor desse trabalho de inspeção e direção. Assim, ao estabelecer o salário
desses funcionários, leva-se um pouco em conta não apenas o seu
trabalho e habilidade, mas a confiança e, ainda assim, nunca se leva em
conta qualquer proporção regular com o capital supervisionado por ele;
e, embora o dono do capital não realize quase nenhum trabalho, ele
espera que seus lucros guardem uma proporção regular com esse capital.
Nos preços das mercadorias, portanto, os lucros do capital constituem
um componente completamente diferente dos salários do trabalho e são
regulados por princípios completamente diferentes.80
Neste cenário, o produto integral do trabalho nem sempre pertence
ao trabalhador. Na maior parte dos casos, o trabalhador deve
compartilhá-lo com o proprietário do capital que o emprega. A
quantidade de trabalho normalmente utilizada para a aquisição ou
produção de qualquer mercadoria também não é a única base capaz de
ajustar a quantidade de trabalho que pode ser normalmente adquirida,
comandada ou trocada.81 É evidente que uma quantidade adicional
deverá destinar-se aos lucros do capital, que adiantam os salários e
fornecem os materiais desse trabalho.
Assim que todas as terras de um país se tornam propriedade privada,
os donos das terras, como todas as outras pessoas, passam a colher onde
nunca semearam e a requerer renda até mesmo dos produtos naturais da
terra. Até mesmo a madeira da floresta, a grama do campo e todos os
frutos naturais da terra que, quando a terra era comum, custavam ao
trabalhador apenas o transtorno de sua coleta, passam a ter, inclusive
para ele, um preço adicional. As pessoas começam, então, a precisar
pagar por uma licença de coleta; e devem entregar ao dono da terra uma
porção do que seu trabalho coleta ou produz. Essa porção ou — o que
significa a mesma coisa — o preço dessa porção constitui a renda da terra
que, no preço de grande parte das mercadorias, passa a ser o seu terceiro
componente.
Devemos notar que o valor real de todas as diferentes partes que
compõem o preço é mensurado pela quantidade de trabalho que cada
uma delas pode comprar ou controlar. O trabalho não mede apenas o
valor da parte do preço que corresponde ao trabalho, mas também o da
parte que corresponde à renda e o da parte que corresponde ao lucro.
Em toda sociedade o preço de cada mercadoria se desdobra por fim
em uma parte, em outra ou, ainda, em todas as três partes; e em toda
sociedade avançada todas as três estão mais ou menos integradas como
componentes do preço da maior parte das mercadorias.
No preço dos cereais, por exemplo, uma parte paga a renda do dono
da terra, outra paga o salário ou o sustento dos trabalhadores e do gado
empregados na produção e a terceira paga o lucro do agricultor. Parece
que essas três partes compõem o preço integral do cereal de forma
imediata ou final. Pode-se imaginar a necessidade de uma quarta parte
para pagar pela reposição do capital do agricultor, ou para compensá-lo
pelo desgaste e pela deterioração de seu gado e de outros instrumentos de
trabalho. Mas devemos considerar que o preço de qualquer instrumento
de trabalho, como um cavalo de trabalho, é formado pelas mesmas três
partes: a renda da terra onde ele é criado, o trabalho de sua criação e os
lucros do agricultor que adianta tanto a renda da terra quanto o salário
desse trabalho. Embora o preço do cereal possa, dessa forma, pagar o
preço e a manutenção do cavalo, ainda assim seu preço integral se
desdobra, de forma imediata ou final, nas mesmas três partes, a saber,
renda, trabalho e lucro.
No preço da farinha devemos adicionar o preço do cereal, os lucros
do dono do moinho e os salários de seus empregados; no preço do pão,
os lucros do padeiro e os salários de seu empregados; e no preço de
ambas as mercadorias, o trabalho de transporte dos cereais desde a casa
do agricultor até a casa do moleiro e da casa do moleiro até o padeiro,
juntamente com os lucros daqueles que adiantam os salários do trabalho.
Assim como acontece com os cereais, o preço do linho se desdobra
nas mesmas três partes. Ao preço do linho devemos adicionar o salário
do cardador do linho, do fiandeiro, do tecelão, do tintureiro, etc.,
juntamente com os lucros de seus respectivos empregadores.
Conforme aumenta o grau de manufatura de uma certa mercadoria,
as partes do preço que se desdobram em salários e lucro se tornam
maiores em relação à parte que corresponde à renda. Em cada nova etapa
de fabricação há lucro, e cada lucro subsequente é maior do que o
precedente, pois o capital de que é derivado deve sempre ser maior. O
capital que emprega os tecelões, por exemplo, deve ser maior do que
aquele que emprega os fiandeiros, pois, além de restituir o capital junto
com os lucros, também paga os salários dos tecelões; e os lucros devem
sempre guardar alguma proporção com o capital.
Nas sociedades mais avançadas, no entanto, há sempre algumas
mercadorias cujo preço se desdobra apenas em duas partes, os salários do
trabalho e os lucros do capital e, em menor número, aquelas mercadorias
cujo preço é completamente formado pelos salários do trabalho. Uma
parte do preço dos peixes de água salgada, por exemplo, paga o trabalho
dos pescadores, e a outra, os lucros do capital aplicado na pesca. A renda
somente faz parte desse preço de forma muito rara, conforme mostrarei
mais adiante. Em relação à pesca fluvial, o caso é diferente, pelo menos
em grande parte da Europa. Um pesqueiro de salmão paga uma renda, e
a renda, embora não possa ser chamada de renda da terra, faz parte do
preço do salmão, junto com os salários e o lucro. Em certas partes da
Escócia, a atividade de algumas pessoas pobres é a coleta, ao longo da
costa, de pedrinhas um pouco coloridas, vulgarmente conhecidas pelo
nome de seixos escoceses. O preço pago a elas pelo lapidador
corresponde em sua integralidade aos salários do trabalho por elas
realizado; nem renda nem lucro fazem parte do preço.
Ainda assim, o preço integral de qualquer mercadoria se desdobra,
por fim, em uma, duas ou em todas essas três partes; qualquer parte
remanescente após o pagamento da renda da terra e do preço de todo o
trabalho de criação, manufatura e transporte para o mercado deve ser
necessariamente o lucro de alguém.
Como o preço ou valor de troca de cada mercadoria específica,
tomada separadamente, corresponde a uma parte, duas delas ou a todas
as três partes componentes, as mercadorias que compõem o produto
anual do trabalho de cada país, tomadas em conjunto, devem se
desdobrar nas mesmas três partes e distribuir-se entre os diferentes
habitantes do país, seja na forma de salários devidos pelo trabalho, de
lucros do capital ou da renda de terras. O total daquilo que é anualmente
coletado ou produzido pelo trabalho de cada sociedade ou — que
significa a mesma coisa — o seu preço integral distribui-se originalmente
dessa forma entre alguns de seus diversos membros. Salário, lucros e
renda são as três fontes originais de todos os rendimentos, bem como de
todo valor de troca. Os outros rendimentos derivam, em última análise,
de algum (ou alguns) desses três componentes.82
Todo aquele que obtém seu rendimento de um fundo próprio o
obtém de seu próprio trabalho, ou de seu capital, ou de sua terra. Os
rendimentos derivados do trabalho são chamados de salário. Os
rendimentos derivados do capital e recebidos pela pessoa que os gerencia
ou os aplica são chamados de lucro. Aqueles derivados do capital e
recebidos não pela pessoa que os aplica, mas pela que os empresta a
outra, são chamados de juros ou uso do dinheiro. Essa é a compensação
que o tomador do empréstimo paga ao emprestador pelo lucro que ele
tem a oportunidade de obter pela utilização do dinheiro. Parte desse
lucro pertence naturalmente ao tomador, o qual corre o risco e tem o
trabalho de aplicá-lo, e parte ao emprestador, que lhe oferece essa
oportunidade de obter lucro. Os juros do dinheiro constituem sempre
um rendimento derivado; se não forem pagos com o lucro obtido pelo
uso do dinheiro, devem ser pagos por outra fonte de rendimento, a não
ser que o mutuário seja, talvez, um perdulário que contrata uma segunda
dívida para pagar os juros da primeira. Os rendimentos que se originam
integralmente da terra são chamados de renda e pertencem ao dono da
terra. A renda do fazendeiro deriva em parte de seu trabalho e em parte
de seu capital. Para ele, a terra é apenas o instrumento que lhe permite
ganhar o salário de seu trabalho e receber os lucros de seu capital. Todos
os impostos (e todos os rendimentos derivados deles), salários, pensões e
rendas anuais de qualquer tipo derivam, em última análise, de uma ou
outra dessas três fontes originais de rendimentos, e são pagos de forma
direta ou indireta com base nos salários do trabalho, nos lucros do capital
ou na renda oriunda da terra.
Quando esses três diferentes tipos de rendimento pertencem a
pessoas diferentes, eles se distinguem facilmente; mas, quando
pertencem à mesma pessoa, às vezes acabam confundidos uns com os
outros, pelo menos na linguagem comum.
Um cavalheiro que cultiva uma parte de sua propriedade, depois de
pagar as despesas do cultivo, deverá receber tanto a renda da terra quanto
o lucro do fazendeiro. No entanto, ele poderá chamar todo o seu ganho
de lucro e, dessa forma, confundir sua renda com seu lucro, ao menos no
linguajar comum. A maior parte dos plantadores da América do Norte e
das Índias Ocidentais se encaixa nessa situação. Cultiva suas próprias
terras na maioria das vezes, e, consequentemente, raramente ouvimos
falar da renda de uma plantação, mas sim de seu lucro.
Os agricultores comuns quase nunca empregam um supervisor para
dirigir as operações gerais da fazenda. O que mais se vê é que também
trabalham bastante com as próprias mãos, arando a terra, manejando o
rastelo, etc. Após o pagamento da renda, o que resta da colheita não deve
apenas lhes restituir o capital aplicado no cultivo, juntamente com seus
lucros ordinários, mas também lhes pagar os salários devidos, tanto
como trabalhadores quanto como supervisores. Tudo que resta, no
entanto, após o pagamento da renda e a restituição de seu capital, chama-
se lucro. Mas os salários, evidentemente, fazem parte dele. O agricultor,
ao deixar de pagar salários, necessariamente ganha-os para si mesmo.
Nesse caso, os salários, portanto, se confundem com o lucro.
Um manufaturador independente com capital suficiente para adquirir
os materiais e para manter-se até que possa levar seu produto para o
mercado receberá tanto o salário do diarista que trabalha sob a
responsabilidade de um chefe quanto o lucro que esse chefe obtém pela
venda do produto do diarista. Seus ganhos totais, no entanto, costumam
ser chamados de lucro, e os salários, nesse caso também, se confundem
com o lucro.
Um jardineiro que cultiva o seu próprio jardim com suas próprias
mãos une três diferentes personagens em uma só pessoa: o dono da terra,
o fazendeiro e o trabalhador. Seu produto, portanto, deverá lhe pagar a
renda do primeiro, o lucro do segundo e o salário do terceiro. O total, no
entanto, costuma ser considerado como o ganho de seu trabalho. Renda e
lucro são, nesse caso, confundidos com o salário.
Em um país civilizado há poucas mercadorias cujo valor de troca
deriva apenas do trabalho, pois a renda e o lucro contribuem muito mais
para o valor da maioria delas; e, então, o produto anual do trabalho desse
país sempre será suficiente para comprar ou comandar uma quantidade
muito maior de trabalho do que a que foi empregada para a criação, a
preparação e o transporte dos produtos para o mercado. Caso a
sociedade empregasse anualmente todo o trabalho que consegue comprar
anualmente, e tendo em vista que a quantidade de trabalho aumentaria
consideravelmente a cada ano, então o produto de cada ano subsequente
teria um valor extremamente maior do que o do ano anterior. Mas
nenhum país emprega todo o produto anual para a manutenção dos
trabalhadores ativos. Os inativos de todos os lugares consomem uma
grande parte dele; e, de acordo com as diferentes proporções com as
quais os produtos são anualmente divididos entre essas duas ordens
diferentes de pessoas, seu valor comum ou médio irá anualmente
aumentar, ou diminuir, ou continuar o mesmo de um ano para outro.

CAPÍTULO VII
PREÇO NATURAL E PREÇO DE MERCADO DAS
MERCADORIAS
Em cada sociedade ou região existe uma taxa comum ou média tanto dos
salários quanto dos lucros para os diferentes empregos do trabalho e do
capital. Conforme mostrarei adiante, essa taxa é regulada — o que é
natural — em parte pelas circunstâncias gerais da sociedade, isto é, sua
riqueza ou pobreza, sua condição de avanço, estagnação ou declínio, e,
parcialmente, pela natureza específica de cada tipo de emprego.
Da mesma forma, em cada sociedade ou região há uma taxa comum
ou média da renda que, conforme veremos mais à frente, é regulada em
parte pelas circunstâncias gerais da sociedade ou região em que a terra
está localizada e, também em parte, pela fertilidade natural ou
aprimorada dessa terra.
As taxas comuns ou médias podem ser chamadas de taxas naturais de
salários, lucros e renda, do momento e lugar em que comumente
predominam.
Quando o preço de qualquer mercadoria não é maior nem menor do
que o valor suficiente para pagar, de acordo com suas taxas naturais, a
renda da terra, os salários do trabalho e os lucros do capital aplicados na
obtenção (produção), no preparo e no transporte para o mercado, a
mercadoria é então vendida pelo que podemos chamar de seu preço
natural.
Desse modo, é vendida exatamente por aquilo que vale ou pelo valor
que ela realmente custa à pessoa que a traz para o mercado; pois, embora
aquilo que na linguagem comum chama-se custo primário de qualquer
mercadoria não inclua o lucro da pessoa que irá revendê-la, ocorre que,
se a mercadoria for vendida a um preço que não permita ao vendedor
obter a taxa ordinária de lucro de sua região, ele evidentemente perderá
dinheiro, pois poderia ter obtido esse lucro se tivesse aplicado seu capital
de alguma outra forma. Além disso, seu lucro é seu rendimento, são os
fundos adequados para sua subsistência. E, assim como a pessoa adianta
os salários de seus trabalhadores, isto é, a subsistência deles, quando
prepara e leva suas mercadorias para o mercado, ela também adianta a si
mesma, do mesmo modo, sua própria subsistência, a qual, em geral, se
ajusta ao lucro que poderia esperar com razoabilidade pela venda de seus
bens. Portanto, somente é possível dizer que as mercadorias lhe pagam o
que realmente custam quando elas lhe rendem esse lucro.
Assim, embora o preço que lhe garante esse lucro não seja sempre o
mais baixo pelo qual um vendedor consiga vender seus bens, é o mais
baixo pelo qual pode vendê-los por algum tempo considerável; pelo
menos onde exista perfeita liberdade ou onde ele possa mudar seu ramo
de negócio sempre que quiser.83
O preço real pelo qual qualquer mercadoria é geralmente vendida é
chamado de preço de mercado. Ele pode estar acima ou abaixo do seu
preço natural, ou ser exatamente igual a este.
O preço de mercado de cada mercadoria específica é regulado pela
proporção entre a quantidade que é realmente levada ao mercado e a
demanda de todos aqueles que estão dispostos a pagar o preço natural da
mercadoria — isto é, o valor integral da renda, do trabalho e do lucro —,
o qual deve ser pago para levá-la até o mercado. Tais pessoas podem ser
chamadas de demandantes efetivos, e sua demanda, de demanda efetiva,
pois esta pode ser suficiente para que as mercadorias sejam efetivamente
levadas ao mercado. A demanda efetiva é diferente da demanda absoluta.
Podemos dizer que um homem muito pobre tenha, em algum sentido,
uma demanda por uma carruagem puxada por seis cavalos; ele gostaria
muito de comprá-la, mas essa não é uma demanda efetiva, pois a
mercadoria nunca será levada ao mercado para satisfazer tal demanda.
Quando a quantidade de qualquer mercadoria levada ao mercado é
menor que a demanda efetiva, nenhum daqueles que estiverem dispostos
a pagar o valor integral da renda, dos salários e dos lucros — que devem
ser pagos para levá-la ao mercado — poderá obter a quantidade desejada
de produtos. Para que possam ter a posse da mercadoria, alguns
compradores estarão dispostos a pagar mais caro. Imediatamente, inicia-
se uma concorrência entre eles; o preço de mercado irá elevar-se muito
ou pouco acima do preço natural dependendo do grau de estímulo à
vontade de competir aguçado pelo tamanho da deficiência ou da riqueza
e pelo desejo por luxo dos concorrentes. Entre concorrentes de igual
riqueza e luxo, a mesma deficiência geralmente dará ocasião a uma
competição muito ou pouco acirrada, conforme a importância dada por
eles à aquisição da mercadoria. Daí derivam os preços exorbitantes dos
bens de primeira necessidade durante o bloqueio de uma cidade ou
durante um período de escassez de alimentos.
Quando a quantidade de qualquer mercadoria levada ao mercado fica
acima da demanda efetiva, ela não poderá ser totalmente vendida àqueles
que estão dispostos a pagar o valor integral da renda, dos salários e dos
lucros que devem ser pagos para levá-la ao mercado. Alguma parte
deverá ser vendida àqueles que estão dispostos a pagar menos, e o preço
baixo oferecido para parte da mercadoria diminuirá o preço do todo. O
preço de mercado cairá muito ou pouco abaixo do preço natural
conforme o excesso de mercadoria gere muito ou pouca concorrência
entre os vendedores ou conforme seja muito ou pouco importante a
venda imediata de suas mercadorias. Na importação de bens perecíveis, o
mesmo excesso dará ocasião a uma concorrência muito maior do que a
existente por bens duráveis; maior na importação de laranjas, por
exemplo, que na de ferro-velho.84
Quando a quantidade levada para o mercado é suficiente apenas para
abastecer a demanda efetiva e nada mais, o preço de mercado
naturalmente acabará sendo igual ao preço natural ou muito próximo
dele. A quantidade em mãos poderá ser totalmente vendida por esse
preço, mas não por preço maior. A concorrência entre os diferentes
comerciantes os obriga a aceitar esse preço, mas não os obriga a aceitar
menos.
A quantidade de todas as mercadorias levadas ao mercado se ajusta
naturalmente à demanda efetiva. É interesse de todos aqueles que
empregam sua terra, trabalho e capital que, ao levar suas mercadorias ao
mercado, a quantidade nunca exceda a demanda efetiva; e é do interesse
de todas as outras pessoas que ela nunca seja inferior a essa demanda.
Se, em qualquer momento, a quantidade exceder a demanda efetiva,
alguns componentes do preço receberão em pagamento um valor abaixo
de sua taxa natural. Se for a renda, o interesse dos proprietários irá alertá-
los para que, imediatamente, retirem dela uma parte de suas terras; e se
for o salário ou o lucro, o interesse dos trabalhadores, em um caso, e o de
seus empregadores, no outro, sinalizará para que eles deixem de usar
nessa atividade uma parte do seu trabalho ou de seu capital.
Rapidamente, a quantidade levada ao mercado será suficiente apenas
para suprir a demanda efetiva. Cada uma das diferentes partes do seu
preço aumentará até atingir sua taxa natural, e o preço integral
aumentará até atingir seu preço natural.
Se, ao contrário, a quantidade levada ao mercado, em qualquer
momento, ficar abaixo da demanda efetiva, alguns dos componentes do
seu preço deverão ficar acima de sua taxa natural. Se for a renda, o
interesse de todos os outros proprietários de terras irá naturalmente
alertá-los para que preparem mais terras para a produção da mercadoria
em falta; se for o salário ou lucro, o interesse de todos os outros
trabalhadores e negociantes irá alertá-los para que empreguem mais
trabalho e capital para preparar e levar as mercadorias ao mercado. A
quantidade levada ao mercado, rapidamente, será suficiente para suprir a
demanda efetiva. Cada uma das diferentes partes do preço diminuirá até
atingir sua taxa natural e o preço integral irá diminuir até atingir seu
preço natural.
O preço natural, portanto, age como um preço central em torno do
qual gravitam os preços de todas as mercadorias.85 Vários acidentes
podem, às vezes, mantê-los muito acima desse preço central e, por
outras, forçá-los a cair até um pouco abaixo dele. Mas,
independentemente de quais sejam os obstáculos que não os deixem se
fixar nesse centro de repouso e estabilidade, os preços tendem sempre a
ele.
A quantidade total de trabalho empregado anualmente para levar
qualquer mercadoria para o mercado se ajusta dessa forma à demanda
efetiva. Sua meta natural é sempre levar ao mercado a quantidade exata
que é suficiente para suprir aquela demanda e nada mais.
Mas, em alguns empregos, a mesma quantidade de trabalho
produzirá em anos diferentes quantidades muito diferentes de
mercadorias; enquanto, em outros, produzirá sempre a mesma ou quase a
mesma quantidade. Em anos diferentes na agricultura, o mesmo número
de trabalhadores produz quantidades muito diferentes de milho, vinho,
óleo, lúpulo, etc. Mas o mesmo número de fiandeiros e tecelões produzirá
todos os anos a mesma ou quase a mesma quantidade de tecidos de linho
e lã. Na primeira espécie de atividade profissional, apenas o produto
médio consegue se adaptar de alguma forma à demanda efetiva; e como
seu produto real é frequentemente muito maior ou muito menor do que
seu produto médio, a quantidade das mercadorias levadas ao mercado às
vezes é muitor maior do que a demanda efetiva, e, outras vezes, muito
menor. Embora a demanda devesse ser sempre a mesma, seu preço de
mercado estará sujeito a grandes flutuações, às vezes caindo muito abaixo
e às vezes subindo muito acima de seu preço natural. Na segunda espécie
de atividade, já que o produto de quantidades iguais de trabalho é sempre
(ou quase sempre) o mesmo, é possível ajustá-lo de forma mais exata à
demanda efetiva. Portanto, enquanto a demanda se mantiver a mesma, o
preço de mercado das mercadorias provavelmente também permanecerá
o mesmo e coincidirá com o preço natural ou chegará muito próximo
dele. A experiência de qualquer pessoa a informa que os preços dos
tecidos de linho e de lã não estão sujeitos a variações nem tão grandes
nem tão frequentes quanto as que sofrem os preços dos grãos. O preço da
primeira espécie de mercadoria varia apenas com as variações da
demanda; o preço da outra varia não só com as variações da demanda,
mas com as variações muito maiores e mais frequentes da quantidade de
produtos levados ao mercado para suprir essa demanda.
As flutuações ocasionais e temporárias no preço de mercado de
qualquer mercadoria recaem principalmente nas partes de seu preço que
se desdobram em salários e lucro. A parte que corresponde à renda é a
menos afetada por elas. Uma renda certa em dinheiro não é afetada nem
minimamente por elas; nem em sua taxa nem em seu valor. Uma renda
que consista em uma certa proporção ou em uma determinada
quantidade de matéria-prima ou produto bruto será, sem dúvida, afetada
em seu valor anual por todas as flutuações ocasionais e temporárias do
preço de mercado daquela matéria-prima: mas sua taxa anual é
raramente afetada por elas. Ao estabelecerem as regras contratuais do
arrendamento, o proprietário da terra e o agricultor se empenham,
conforme o melhor julgamento, para ajustar essa taxa, não ao preço
temporário e ocasional do produto, mas ao seu preço médio e habitual.
Essas variações afetarão o valor e a taxa dos salários ou dos lucros
conforme o mercado estiver sobreabastecido ou subabastecido de
mercadorias ou de trabalho (de trabalho já executado ou a ser
executado). Um luto público, por exemplo, eleva o preço do tecido preto
(em tais ocasiões o mercado quase sempre está subabastecido desse
produto) e eleva os lucros dos comerciantes que possuem quantidade
considerável do mesmo produto. O luto não produz nenhum efeito sobre
os salários dos tecelões. O mercado está subabastecido de mercadorias,
não de trabalho (de trabalho executado, não de trabalho a ser executado).
Ele gera aumento nos salários dos costureiros diaristas. O mercado está
aqui subabastecido de trabalho. Há uma demanda efetiva e não satisfeita
por mais mão de obra, por mais trabalho a ser executado. Ele derruba o
preço dos tecidos e das sedas coloridas e, assim, reduz os lucros dos
comerciantes que possuem quaisquer quantidades consideráveis em
mãos. Ele derruba também os salários dos trabalhadores empregados na
preparação de tais mercadorias, das quais toda demanda fica parada por
seis meses, às vezes por um ano. Aqui, o mercado está sobreabastecido
tanto de mercadorias quanto de trabalho.
Porém, mesmo que o preço de mercado de cada produto específico
esteja — se é que podemos usar a expressão — gravitando continuamente
em torno de seu preço natural, ainda assim o preço de mercado de
muitos produtos pode ser mantido alto (bastante acima do preço natural)
por um bom tempo, às vezes por acidentes específicos, outras vezes por
causas naturais, ou ainda por conta de certas políticas específicas.
Quando, por causa do aumento da demanda efetiva, o preço de
mercado de uma mercadoria específica se eleva muito acima do preço
natural, aqueles que aplicam seu capital para suprir tal mercado
costumam esconder essa mudança de forma cuidadosa. Pois, caso a
obtenção de grandes lucros fosse conhecida por todos, ela estimularia
tantos novos concorrentes a aplicar seus capitais da mesma forma que,
estando a demanda efetiva totalmente satisfeita, o preço de mercado
voltaria rapidamente ao preço natural e talvez se mantivesse por algum
tempo até abaixo dele. Quando as pessoas que abastecem um mercado
moram longe deste, às vezes conseguem manter o segredo por vários
anos, podendo por esse mesmo tempo desfrutar de seus lucros
extraordinários sem que surjam novos concorrentes. Devemos
reconhecer, no entanto, que segredos desse tipo são raramente guardados
por muito tempo; e os lucros extraordinários duram quase nada a mais
que isso.
Os segredos industriais podem ser mantidos por mais tempo que os
segredos comerciais. Um tintureiro que descobriu meios para produzir
uma determinada cor com materiais que custam apenas a metade do
preço daqueles comumente utilizados pode, com uma boa administração,
aproveitar a vantagem de sua descoberta por toda a sua vida e até mesmo
deixar esse segredo como um legado para seus filhos. Os ganhos
extraordinários que obteve derivam do preço elevado que é pago por seu
trabalho pessoal. Eles propriamente consistem no salário elevado de tal
trabalho. Mas já que esses ganhos incidem em todas as partes de seu
capital e já que o montante total deles guarda, nesse caso, uma proporção
regular ao capital, então os ganhos são geralmente considerados como
lucros extraordinários do capital.
Esses aumentos do preço de mercado são, evidentemente, efeitos de
acidentes específicos que podem, às vezes e no entanto, durar muitos
anos.
Alguns tipos de produtos naturais exigem solo e condições tão
específicos que todas as terras de uma grande região apta a produzi-los
não são suficientes para suprir sua demanda efetiva. Assim, a quantidade
total levada ao mercado pode ser escoada para aqueles que estão
dispostos a entregar mais do que o valor que é suficiente para pagar a
renda da terra que a produziu, juntamente com os salários do trabalho e
os lucros do capital que foram aplicados para prepará-la e levá-la ao
mercado, de acordo com suas taxas naturais. Tais mercadorias podem
continuar a ser vendidas por esse preço alto durante séculos; e o
componente do preço que se desdobra em renda da terra é, nesse caso, a
parte que geralmente recebe um pagamento acima do valor de sua taxa
natural. A renda da terra que permite a produção de mercadorias únicas
e estimadas — como a renda de alguns vinhedos da França que possuem
solo e condições peculiarmente favoráveis — não guarda uma proporção
regular com a renda das outras terras igualmente férteis e igualmente
bem cultivadas de sua vizinhança. Os salários do trabalho e os lucros do
capital empregados para levar essas mercadorias para o mercado, pelo
contrário, raramente estão fora de sua proporção natural em relação aos
outros empregos do trabalho e do capital de sua vizinhança.
Esses aumentos do preço de mercado são evidentemente o efeito de
causas naturais potencialmente capazes de impedir que a demanda
efetiva seja totalmente suprida, e que podem continuar, portanto,
operando para sempre.
Um monopólio concedido a um indivíduo ou a uma companhia de
comércio tem o mesmo efeito de um segredo comercial ou industrial. Os
monopolistas, ao manterem o mercado constantemente desabastecido, ao
nunca suprir totalmente a demanda efetiva, vendem suas mercadorias a
um valor muito acima do preço natural e elevam seus emolumentos —
sejam eles formados por salários ou lucros — a um valor muito superior
ao da taxa natural.86
O preço do monopólio é, em todas as ocasiões, o maior possível. O
preço natural ou o preço da livre concorrência, pelo contrário, é o menor
que pode ser aceito, não em todas as ocasiões, mas durante a sucessão de
qualquer tempo considerável. O primeiro é o maior valor que pode ser
extraído dos compradores em qualquer tempo ou o que estes
supostamente concordarão em entregar; o segundo é o menor valor que
os vendedores podem aceitar e que, ao mesmo tempo, lhes permite dar
continuidade a seus negócios.
Os privilégios exclusivos das corporações, os estatutos dos aprendizes
— e todas as leis que, em algumas atividades específicas, restringem os
competidores a um número menor do que aquele que se poderia
observar caso não existissem — têm a mesma tendência, embora em
menor grau. São uma espécie de monopólio alargado e podem
frequentemente, por muitas décadas e abrangendo classes inteiras de
atividades, manter o preço de mercado de certos produtos acima do
preço natural e manter pouco acima da sua taxa natural os salários do
trabalho e os lucros do capital empregados nesses produtos.87
Essas sobrevalorizações dos preços de mercado podem durar pelo
tempo que durarem as políticas regulamentadoras que lhes deram
origem.
Embora o preço de mercado de qualquer produto específico possa se
manter acima de seu preço natural por muito tempo, ele raramente fica
abaixo desse preço por muito tempo. Independentemente da parte do
preço que foi paga abaixo da taxa natural, as pessoas cujos interesses
tenham sido imediatamente afetados sentiriam a perda e, imediatamente,
retirariam o emprego de certa porção de terras, ou de capital, ou do
trabalho nas mercadorias, e, assim, a quantidade destas levada ao
mercado voltaria rapidamente a ser suficiente apenas para suprir a
demanda efetiva. Seu preço de mercado, portanto, logo aumentaria até
voltar ao preço natural. Esse, ao menos, seria o caso em condições de
liberdade perfeita.
Os mesmos estatutos dos aprendizes e outras leis das corporações
que, com efeito, permitem aos trabalhadores aumentar os seus salários
muito acima de sua taxa natural sempre que a manufatura estiver em
uma fase próspera às vezes os obrigam — quando há queda das
manufaturas — a permitir que os salários fiquem muito abaixo dessa
taxa. Dessa forma eles excluem muitas pessoas de seu emprego na fase
próspera e excluem a pessoa de muitos empregos na fase ruim. Essas
normas, no entanto, são mais eficazes para elevar os salários acima de sua
taxa natural do que para mantê-los abaixo dessa taxa. No caso da
elevação dos salários, a ação pode durar muitos séculos, mas, no caso da
diminuição, a ação não durará mais do que o tempo de vida de alguns
trabalhadores que foram preparados para a atividade no momento em
que ela estava na fase de prosperidade. Quando esses trabalhadores não
mais existirem, o número de pessoas que serão posteriormente educadas
para a atividade irá acomodar-se naturalmente à demanda efetiva. Para
que uma política consiga — em uma atividade específica qualquer e por
várias gerações seguidas — reduzir os salários do trabalho ou os lucros
do capital a um valor abaixo de sua taxa natural, ela precisa ser tão
violenta quanto as políticas da Índia ou do Antigo Egito (onde toda
pessoa estava obrigada por um princípio religioso a seguir a profissão de
seu pai e, se essa pessoa mudasse de profissão, estaria cometendo o mais
horrível sacrilégio).
No momento, isso é tudo o que me parece ser necessário observar em
relação aos desvios, sejam eles ocasionais ou permanentes, entre o preço
de mercado e o preço natural das mercadorias.
O próprio preço natural varia de acordo com a taxa natural de cada
um de seus componentes, isto é, salário, lucro e renda; e em cada
sociedade essa taxa varia de acordo com as suas circunstâncias, segundo
a sua riqueza ou pobreza, sua condição de avanço, estagnação ou
declínio. Nos quatro capítulos seguintes, buscarei explicar da forma mais
clara e completa possível as causas dessas diferentes variações.
Primeiro, buscarei88 explicar quais circunstâncias determinam
naturalmente a taxa dos salários e de que maneira as circunstâncias são
afetadas pela riqueza ou pobreza, pelo estado avançado, estagnado ou em
declínio da sociedade.
Em segundo lugar, buscarei89 mostrar quais são as circunstâncias que
determinam naturalmente a taxa de lucro e de que maneira essas
circunstâncias também são afetadas por variações semelhantes no estado
da sociedade.
Embora os salários e os lucros pecuniários sejam muito diferentes
para os diversos empregos do trabalho e do capital, ainda assim
normalmente mantêm uma certa proporção entre os salários pecuniários
de todos os diferentes empregos do trabalho e os lucros pecuniários de
todos os diferentes empregos do capital. Veremos que essa proporção
depende em parte da natureza de seus diferentes empregos e em parte
das diferentes leis e políticas da sociedade em que são efetivas. Mas,
embora dependa em muitos aspectos da lei e das políticas, essa
proporção parece ser pouco afetada pelas riquezas ou pela pobreza da
sociedade, ou pela condição de avanço, estagnação ou declínio — ela
permanece a mesma ou quase a mesma em todos esses diferentes estados.
Em terceiro lugar,90 me esforçarei para explicar as diferentes
circunstâncias que regulam essa proporção.
Em último lugar,91 buscarei mostrar quais são as circunstâncias que
regulam a renda da terra e que aumentam ou diminuem o preço real de
todas as diferentes substâncias produzidas por ela.

Í
CAPÍTULO VIII
OS SALÁRIOS DO TRABALHO
O produto do trabalho constitui a recompensa natural ou o salário do
trabalho.
No estado original de coisas que precede tanto a apropriação das
terras quanto a acumulação de capital, o produto total do trabalho
pertence ao trabalhador. Não existe nem o proprietário de terras nem o
do capital para dividir com ele.
Se esse estado de coisas continuasse o mesmo, os salários do trabalho
teriam aumentado junto com todos aqueles avanços em sua capacidade
produtiva promovidos pela divisão do trabalho. Todas as coisas teriam se
tornado gradualmente mais baratas. Elas seriam produzidas por uma
quantidade menor de trabalho; e já que, nesse cenário, as mercadorias
produzidas por quantidades iguais de trabalho poderiam ser
naturalmente trocadas umas pelas outras, também seriam compradas
pelo produto de uma quantidade menor de trabalho.
Mas mesmo que todas as coisas ficassem mais baratas na realidade, na
aparência muitas coisas poderiam se tornar mais caras do que antes ou
poderiam ser trocadas por uma quantidade maior de outras mercadorias.
Suponhamos, por exemplo, que os poderes produtivos do trabalho
tivessem, na maior parte de seus empregos, sido multiplicados por dez ou
que o trabalho de um dia92 pudesse produzir dez vezes mais a quantidade
anterior de trabalho;93 suponhamos, no entanto, que em um certo
emprego específico, os poderes tivessem conseguido apenas ser dobrados
ou que o trabalho de um dia pudesse produzir apenas duas vezes a
quantidade de trabalho anterior. Ao trocar o produto de um dia de
trabalho da maioria de seus empregos pelo produto de um dia de
trabalho daquele emprego específico, então dez vezes a quantidade
original do trabalho investida neles compraria apenas duas vezes a
quantidade original do trabalho específico. Desse modo, uma quantidade
específica dessa última mercadoria — o peso de uma libra, por exemplo
— pareceria ser um produto cinco vezes mais caro. No entanto, a
realidade é que ela seria duas vezes mais barata. Embora a compra dessa
mercadoria precisasse de cinco vezes a quantidade dos outros bens, seria
necessária apenas a metade da quantidade de trabalho para comprá-la ou
produzi-la. Sua aquisição seria, por conseguinte, duas vezes mais fácil
que antes.
Mas esse estado original das coisas, em que o trabalhador desfrutava
da totalidade do produto do seu próprio trabalho, não duraria por muito
mais tempo após a introdução da propriedade de terras e da acumulação
de capital. Chegou ao fim, portanto, muito antes de os maiores avanços
dos poderes produtivos do trabalho terem sido desenvolvidos, e seria
sem sentido tentarmos buscar descobrir quais teriam sido os seus efeitos
sobre a recompensa ou sobre o salário do trabalho.
Assim que a terra se torna propriedade privada, o seu dono passa a
exigir uma parte de quase todos os produtos que o trabalhador é capaz de
criar ou coletar utilizando-a. Sua renda passa a ser a primeira dedução do
produto do trabalho empregado na terra.
Raramente acontece de a pessoa que cultiva a terra ter meios para
manter-se até que a safra seja colhida. Geralmente, sua subsistência lhe é
adiantada pelo capital de um dono, isto é, o fazendeiro que o emprega; e
que não terá nenhum interesse em empregá-lo exceto para compartilhar
o produto de seu trabalho ou receber de volta seu capital acompanhado
do lucro. Esse lucro passa a ser a segunda dedução do produto do
trabalho empregado na terra.94
O produto de quase todos os outros trabalhos também está sujeito a
uma dedução semelhante do lucro. Em todos os ofícios e manufaturas, a
maior parte dos trabalhadores precisa de um mestre (dono do capital)
para adiantar-lhes os materiais de seu trabalho, seus salários e
subsistência até a conclusão do que lhe foi demandado. O mestre recebe
parte do produto de seus trabalhos, ou seja, ele recebe parte do valor que
é adicionado aos materiais pelo trabalho a eles aplicado; e essa parte
consiste em seu lucro.95
Às vezes, de fato, um único trabalhador independente possui capital
suficiente para adquirir os materiais de que necessita e para manter-se até
o término do trabalho. Ele é mestre e trabalhador ao mesmo tempo e
desfruta do produto total do seu próprio trabalho, ou seja, de todo o
valor que é adicionado aos materiais pelo trabalho aplicado. O valor
costuma incluir o que usualmente representa duas receitas distintas,
pertencentes a duas pessoas distintas, isto é, os lucros do capital e o
salário do trabalho.
Esses casos, no entanto, não são muito frequentes, e em toda a
Europa, para cada vinte trabalhadores que servem a um mestre (dono do
capital) há apenas um trabalhador independente; e em todos os lugares
entende-se que os salários do trabalho são o que costumam ser quando o
trabalhador é uma pessoa e o proprietário do capital que o emprega,
outra.
Em todo o mundo, os salários comuns do trabalho dependem do
contrato normalmente feito entre essas duas partes, cujos interesses não
são de forma alguma os mesmos. Os trabalhadores desejam receber o
máximo possível, os mestres, entregar o mínimo possível. Os primeiros
estão dispostos a associar-se para elevar os salários e os últimos para
diminuí-los.
No entanto, em todas as ocasiões comuns, é fácil saber quem tem
mais vantagem nessa disputa e quem tem poder para forçar a outra parte
a aceitar suas condições. Os mestres se associam muito mais facilmente
por existirem em menor número; além disso, a lei autoriza — ou, ao
menos, não proíbe — a associação deles, enquanto proíbe a dos
trabalhadores. Não temos nenhuma lei contra a associação para baixar o
preço do trabalho; mas muitas contra a associação para aumentá-lo. Em
todas essas disputas os mestres conseguem resistir por muito mais tempo.
Um dono de terras, um agricultor, um fabricante ou comerciante, mesmo
que não utilizem nem mesmo um único trabalhador, eles, em geral,
conseguiriam viver por um ou dois anos com o capital que já adquiriram.
Muitos trabalhadores não aguentariam uma semana sem trabalho,
poucos subsistiriam por um mês e praticamente nenhum viveria por um
ano. A longo prazo, o trabalhador pode se tornar tão necessário ao
mestre como o mestre o é para o trabalhador; mas essa necessidade não é
tão imediata.
Raramente, nos é dito, ouvimos falar das associações entre mestres,
mas as de trabalhadores são comuns. No entanto, aquele que, ao ouvir
isso, imaginar que os mestres quase nunca se associam é tão ignorante
em relação às coisas do mundo quanto ao assunto em questão. Os
mestres sempre e em todos os lugares estão em uma espécie de
associação tácita, contínua e uniforme para não elevar os salários do
trabalho a um nível superior ao de sua taxa real. A violação dessa
associação é uma ação impopular em todo o mundo e uma espécie de
censura a um mestre entre seus pares e vizinhos de um mestre. Na
verdade, raramente ouvimos falar sobre essas associações porque elas
compõem o estado habitual, ou, poderíamos dizer, natural das coisas,
sobre o qual ninguém nunca ouve falar. Às vezes, os mestres também se
unem em associações particulares para que os salários do trabalho sejam
levados a um valor abaixo dessa taxa. Essas ações são sempre realizadas
da forma mais silenciosa e secreta possível até o momento de sua
execução; e, quando os trabalhadores se rendem, como às vezes ocorre,
sem resistência, ainda que sejam severamente atingidos, nunca são
ouvidos por outras pessoas. Essas associações, no entanto, sofrem
frequentemente a resistência de uma associação defensiva de
trabalhadores; que, às vezes também, sem qualquer provocação do tipo,
se associam por sua própria vontade para elevar o preço do seu trabalho.
Os pretextos mais comuns são, às vezes, o preço elevado das provisões;
outras vezes, o grande lucro que os mestres obtêm da atividade dos
trabalhadores. Mas sejam essas associações ofensivas ou defensivas,
sempre ouvimos falar muito delas. Em geral, a fim de resolver
rapidamente a questão, os trabalhadores sempre recorrem aos protestos
mais barulhentos e, às vezes, à mais chocante violência e ao ultraje. Eles
estão desesperados, agem com a loucura e a extravagância de homens
desesperados, que ou morrem ou assustam seus mestres para que entrem
em acordo com suas demandas. Os mestres, nessas ocasiões, são ruidosos
de seu lado e nunca deixam de pedir em voz alta pela ajuda do
magistrado civil e pela execução rigorosa das leis, promulgadas de forma
tão severa contra as associações de empregados, trabalhadores e
viajantes. Por causa da violência dessas associações ruidosas, os
trabalhadores raramente obtêm alguma vantagem — em parte devido à
interposição do magistrado civil, em parte devido à firmeza superior dos
mestres, em parte devido à necessidade à que a maioria dos
trabalhadores está sujeita para poder subsistir — geralmente esses
protestos nada geram senão a punição ou a ruína de seus líderes.96
Mas, embora em disputas com seus trabalhadores os mestres
geralmente levem vantagem, há, no entanto, um certo valor abaixo do
qual parece impossível reduzir os salários ordinários por muito tempo,
mesmo os das atividades menos privilegiadas.
Um indivíduo deve sempre viver por meio de seu trabalho e, por isso,
seu salário deve ao menos ser suficiente para sustentá-lo. Deve, na
maioria das vezes, ser um pouco mais que seu sustento; pois, de outra
forma, seria impossível manter uma família, e tais trabalhadores nunca
passariam da primeira geração. Por esse motivo, o senhor Cantillon
parece supor que as classes mais baixas de trabalhadores comuns devem
ganhar em todas as partes pelo menos o dobro de sua própria
manutenção, para que, na média, sejam capazes de criar dois filhos;
supondo que o trabalho da esposa, por conta de seus deveres necessários
com a criação dos filhos, seja suficiente apenas para sustentar a si
mesma.97 Entretanto, segundo estimativas, metade das crianças morrem
antes de atingir a idade adulta. Os trabalhadores mais pobres, portanto,
segundo este raciocínio, devem, na média, tentar criar pelo menos quatro
filhos, para que dois possam ter a mesma chance de atingir a maioridade.
Supõe-se, porém, que o custo para sustentar quatro crianças aproxima-se
do sustento de um homem adulto. Calcula-se que o trabalho de um
escravo capaz, acrescenta o mesmo autor, vale o dobro de seu sustento; e,
acredita ele, que o do trabalhador livre da classe mais baixa não pode
valer menos do que o de um escravo capaz. Até aqui, ao menos, parece
certo que, para sustentar uma família, o trabalho do marido e da esposa,
juntos, mesmo em se tratando das espécies mais baixas de trabalho, deve
ser capaz de oferecer um pouco mais do que o rigorosamente necessário
para o seu próprio sustento, mas não cabe a mim determinar em qual
proporção, se nesta acima mencionada ou em qualquer outra.
Existem certas circunstâncias, no entanto, que às vezes oferecem aos
trabalhadores uma vantagem, permitindo-lhes elevar consideravelmente
seus salários acima dessa taxa que, evidentemente, constitui o mínimo
consistente com a subsistência humana.98
Em um país qualquer, quando a demanda por pessoas que vivem de
salários — trabalhadores, diaristas, empregados de todos os tipos — está
em contínuo aumento e quando cada novo ano oferece mais postos de
trabalho do que o ano anterior, os trabalhadores deixam de ter motivo
para se associar e elevar seus salários. A escassez de mãos gera entre os
mestres uma concorrência; com o objetivo de conseguir trabalhadores,
eles passam a cobrir as ofertas uns dos outros e, assim, rompem
voluntariamente com a associação natural dos mestres, a qual visa
impedir o aumento dos salários.
É evidente que a demanda por indivíduos que vivem de salários
somente pode aumentar em proporção ao aumento dos fundos
destinados aos pagamentos dos salários. Esses fundos são de dois tipos:
primeiro, os rendimentos que ultrapassam o necessário para a
subsistência; segundo, o capital que ultrapassa o necessário para o
emprego de seus patrões.
Quando o dono da terra, beneficiário de anuidade ou pessoa
endinheirada possui receita maior do que aquela que julga suficiente para
manter a sua própria família, ele emprega a totalidade ou parte do
excedente na manutenção de um ou mais empregados domésticos. Ao
aumentar esse excedente, a pessoa naturalmente aumentará o número
desses empregados.
Quando o capital de um trabalhador independente — um tecelão ou
sapateiro, por exemplo — é mais que suficiente para comprar os materiais
de seu próprio produto e para que se mantenha até conseguir vendê-lo,
ele utilizará esse excedente para empregar naturalmente um ou mais
diaristas e obter lucro por meio do trabalho deles. Ao aumentar esse
excedente, a pessoa naturalmente aumentará o número de seus
empregados.
Assim, a demanda por quem vive de salários aumenta
necessariamente com a expansão dos rendimentos e do capital de cada
região, e não pode aumentar sem ela. A expansão dos rendimentos e do
capital corresponde ao aumento da riqueza nacional. Dessa forma, a
demanda por quem vive de salário naturalmente aumenta com a
expansão da riqueza nacional, e, possivelmente, não pode aumentar sem
ela.
Não é o tamanho real da riqueza nacional, mas seu crescimento
contínuo, que gera o aumento dos salários do trabalho. Por conseguinte,
os salários são mais altos não nos países mais ricos, mas nos mais
prósperos ou naqueles que estão se tornando ricos mais rapidamente.99 A
Inglaterra é certamente, nos tempos atuais, um país muito mais rico do
que qualquer região da América do Norte. Os salários do trabalho, no
entanto, são muito maiores na América do Norte do que em qualquer
parte da Inglaterra. Na província de Nova York, trabalhadores comuns
ganham 3 xelins e 6 pence por dia, valor equivalente a 2 xelins esterlinos;
os carpinteiros navais recebem 10 xelins e 6 pence, sendo que um pint de
rum vale 6 pence esterlinos, igual a 6 xelins e 6 pence esterlinos; os
carpinteiros e pedreiros da construção civil, 8 xelins, equivalentes a 4
xelins e 6 pence esterlinos; alfaiates diaristas, 5 xelins, equivalentes a
aproximadamente 2 xelins e 10 pence esterlinos. Esses preços são todos
maiores que os preços de Londres; e dizem que os salários das outras
colônias são tão altos quanto os de Nova York. Em todos os lugares da
América do Norte, os preços dos mantimentos são muito mais baixos que
os da Inglaterra. Não há notícias de escassez naquela região. Em seus
piores momentos, eles sempre mantiveram o suficiente para si, embora
menos para as exportações. Se o preço em dinheiro do trabalho,
portanto, é maior do que em qualquer outro lugar da pátria-mãe, seu
preço real, isto é, o comando real sobre os bens de primeira necessidade e
comodidades da vida que oferece aos trabalhadores, também é maior em
uma proporção ainda mais elevada.
Mas, embora a América do Norte ainda não seja tão rica como a
Inglaterra, ela é muito mais próspera e avança com uma rapidez muito
maior em direção à aquisição de outras riquezas. O sinal mais marcante
da prosperidade de um país é o aumento do número de seus habitantes.
Na Grã-Bretanha e na maioria dos outros países europeus, sua população
não dobrará em menos de 500 anos. Nas colônias britânicas da América
do Norte verificou-se que o mesmo ocorrerá em 20 ou 25 anos.
Atualmente, esse aumento não se deve principalmente à contínua
importação de novos habitantes, mas à grande multiplicação da espécie.
Diz-se que aqueles que vivem até a velhice frequentemente produzem
entre 50 e 100 descendentes e, às vezes, muito mais. Ali, o trabalho é tão
bem recompensado que uma família com muitas crianças não constitui
um ônus para os pais, mas uma fonte de opulência e de prosperidade. O
trabalho de cada criança, antes de deixar a casa dos pais, é computado
como um ganho líquido de 100 libras para eles. Uma jovem viúva com
quatro ou cinco crianças pequenas, que entre as classes média e baixa da
Europa teria pouquíssimas chances de conseguir um segundo marido, é
cortejada na América do Norte como se fosse uma espécie de fortuna. O
valor das crianças é o maior de todos os incentivos para o casamento.
Não é uma surpresa, portanto, saber que as pessoas do país geralmente se
casam muito jovens. Não obstante o grande aumento populacional
ocasionado por esses casamentos precoces, há uma reclamação contínua
de escassez de mãos para o trabalho na América do Norte. A demanda
por trabalhadores, os fundos destinados à subsistência deles, parece
aumentar ainda mais rapidamente do que a possibilidade de encontrar
trabalhadores para empregar.
Quando um país está estagnado por muito tempo, não devemos
esperar que os salários do trabalho sejam muito altos, mesmo que sua
riqueza seja bastante grande. Os fundos destinados ao pagamento dos
salários, os rendimentos e o capital de seus habitantes podem até ser
bastante grandes, mas caso esses elementos tenham se mantido iguais ou
quase iguais durante vários séculos, o número de trabalhadores
empregados a cada ano poderá facilmente satisfazer e até mesmo mais do
que satisfazer a demanda do ano seguinte. Nesse caso, será rara a escassez
de mão de obra e os mestres não serão obrigados a competir entre si por
mão de obra. Muito pelo contrário, ela, nesse caso, será naturalmente
multiplicada para além de sua possibilidade de emprego. Haveria uma
constante escassez de emprego e os trabalhadores seriam obrigados a
competir entre si a fim de consegui-lo. Se em tal país o salário do
trabalho tivesse sido mais do que suficiente para manter o trabalhador e
permitir-lhe manter uma família, a concorrência dos trabalhadores e o
interesse dos mestres iriam rapidamente reduzi-los àquela taxa mínima
que condiz com a subsistência humana. A China, por muito tempo, foi
um dos países mais ricos do mundo, ou seja, um dos países mais férteis,
mais bem cultivados, mais diligentes e mais populosos. Mas ela parece
estar estagnada há muito tempo. Marco Polo, que a visitou há mais de
500 anos, descreve seus cultivos agrícolas, trabalho e grande população
quase nos mesmos termos em que essas características são descritas pelos
viajantes da atualidade. É possível que, mesmo muito antes da época de
Polo, a China já houvesse adquirido o total complemento das riquezas
permitidas pela natureza de suas leis e instituições. Os relatos de todos os
viajantes à China, inconsistentes em muitos outros aspectos, concordam
em relação aos baixos salários do trabalho e à dificuldade que um
trabalhador encontra para manter sua família. Se, ao cavar a terra o dia
inteiro, o trabalhador conseguir o suficiente para comprar uma pequena
quantidade de arroz à noite, ele já estará satisfeito. A condição dos
artífices é, se possível, pior ainda. Em vez de esperar preguiçosamente na
oficina pelo chamado de seus clientes, como se faz na Europa, eles
passam todo o seu tempo percorrendo as ruas com as ferramentas de
seus respectivos negócios, oferecendo seus serviços como se estivessem
suplicando um emprego. A pobreza das classes mais baixas da China
ultrapassa em muito a pobreza das nações mais mendicantes da Europa.
Na vizinhança de Cantão há centenas, dizem que até mesmo milhares, de
famílias que não possuem habitação em terra firme, mas vivem em
pequenos barcos de pesca que flutuam sobre rios e canais. A subsistência
que ali encontram é tão escassa que elas ficam ansiosas para pescar os
piores lixos descartados no mar por navios europeus. Qualquer carniça
— a carcaça de um cachorro ou gato, por exemplo (mesmo fétida e
parcialmente apodrecida) — é tão bem-vinda para essas pessoas como o
alimento mais saudável o é para as pessoas de outros países. O casamento
é encorajado na China não pela lucratividade das crianças, mas pela
liberdade de destruí-las. Em todas as cidades grandes várias são
abandonadas nas ruas todas as noites ou afogadas como filhotes nas
águas. Dizem até mesmo que o desempenho desse terrível ofício é uma
atividade reconhecida por meio da qual algumas pessoas ganham sua
subsistência.
A China, no entanto, apesar de permanecer estagnada, parece não
apresentar regressão. Nenhuma de suas cidades foi abandonada por seus
habitantes. As terras cultivadas no passado não foram negligenciadas.
Dessa forma, o mesmo ou quase exatamente o mesmo trabalho anual
deve continuar a ser realizado e, consequentemente, os fundos destinados
à sua manutenção não devem ter diminuído de modo perceptível. A mais
baixa classe de trabalhadores, portanto, apesar de seus escassos meios de
subsistência, consegue manter os números habituais de sua população
por meio de algum tipo ou outro de expediente.
Mas a questão seria diferente em um outro país onde os fundos
destinados à manutenção do trabalho estivessem em queda perceptível.
Em todas as várias classes de empregos, a demanda por criados e
trabalhadores seria menor a cada novo ano. Muitas pessoas, criadas nas
classes superiores, não conseguindo encontrar emprego em suas próprias
atividades, passariam a buscá-los de bom grado nas classes inferiores. Na
classe mais baixa — que, além de estar abarrotada com seus próprios
trabalhadores, teria de lidar com o transbordamento de todas as outras
classes — a competição por emprego seria tão grande que reduziria os
salários do trabalho aos níveis mais miseráveis e escassos de subsistência
do trabalhador. Mesmo aceitando essas condições terríveis, muitos não
conseguiriam encontrar emprego e, então, ou morreriam de fome ou
passariam a buscar sua subsistência na mendicância, talvez até
cometessem atrocidades. A miséria, a fome e a mortalidade passariam a
prevalecer imediatamente naquela classe e dali transitariam a todas as
classes superiores até que a população do país fosse reduzida a um
número de habitantes que pudesse ser facilmente mantido pela renda e
capital remanescentes no país (e que conseguiram escapar da tirania ou
das calamidades que haviam destruído o resto). Esse talvez seja
aproximadamente o atual quadro apresentado pelo estado de Bengala e
de algumas outras colônias inglesas das Índias Orientais. Se nos
deparamos com um país fértil que esteve bastante despovoado e que, por
esse motivo, é uma área em que a subsistência não deveria ser muito
difícil; e, apesar disso, 300 mil ou 400 mil pessoas morrem de fome em
um ano, então podemos ter certeza de que os fundos destinados à
manutenção dos trabalhadores pobres estão se deteriorando
rapidamente. Talvez a melhor ilustração da diferença entre o espírito da
constituição britânica — que protege e governa a América do Norte — e
o da empresa mercantil que oprime e domina as Índias Orientais seja as
diferentes condições atuais desses países.
A generosa recompensa pelo trabalho, portanto, é o resultado
necessário e o sintoma natural do aumento da riqueza nacional. A parca
subsistência dos trabalhadores pobres, por outro lado, é o sintoma
natural de que as coisas estão estagnadas; já a fome é o sinal de um
rápido retrocesso.
Atualmente, na Grã-Bretanha, os salários do trabalho parecem estar
evidentemente acima do valor necessário para que um trabalhador possa
manter uma família. Para entendermos esse ponto não será necessário
fazer cálculos tediosos ou duvidosos para descobrir o valor mínimo para
isso. Muitos sinais claros indicam que, em todos os lugares deste país, os
salários do trabalho não são regulados pelo valor mínimo de subsistência
humana.
Primeiro, em quase toda parte da Grã-Bretanha há uma distinção,
mesmo nas espécies mais simples de trabalho, entre salários de verão e de
inverno. Os salários de verão são sempre mais elevados. Mas, por causa
das despesas extraordinárias com combustíveis, a manutenção de uma
família é mais cara no inverno. O fato de os salários serem mais altos
quando essa despesa é menor parece evidenciar que eles não são
regulados pelo valor necessário para cobrir essa despesa, mas pela
quantidade e pelo valor esperados do trabalho. Pode-se dizer que um
trabalhador deve guardar parte do seu salário de verão a fim de custear
suas despesas de inverno; e que, no decorrer de todo o ano, elas não
excedem o valor que é necessário para manter a sua família por todo o
ano. Um escravo, no entanto, ou alguém totalmente dependente de nós
para a sua subsistência imediata, não seria tratado dessa maneira. Sua
subsistência diária lhe seria proporcional a suas necessidades diárias.
Em segundo lugar, os salários na Grã-Bretanha não flutuam com o
preço dos alimentos. Esses preços variam anualmente e, com frequência,
mensalmente. Mas, em muitos lugares, o preço em dinheiro do trabalho é
mantido uniformemente o mesmo, às vezes por meio século. Dessa
forma, se nesses lugares os trabalhadores pobres conseguem manter suas
famílias nos anos de preços mais altos, então eles devem ficar em situação
confortável nos períodos de abundância moderada e em afluência nos
períodos de preços extraordinariamente baixos. Durante os últimos dez
anos em muitos lugares do Reino, o preço elevado dos alimentos não foi
acompanhado por nenhum aumento perceptível do preço em dinheiro
do trabalho. Isso, de fato, ocorreu em alguns lugares; sendo
provavelmente devido mais ao aumento da demanda por trabalho do que
ao preço dos alimentos.
Em terceiro lugar, assim como os preços dos alimentos variam de um
ano para outro mais do que os salários do trabalho, o mesmo ocorre, por
outro lado, com os salários do trabalho que, de um lugar para outro,
variam mais do que o preço dos alimentos. Em quase todo o Reino
Unido os preços do pão e da carne de açougue costumam ser iguais ou
aproximadamente iguais. Por motivos que serão explicados adiante, essas
e grande parte das outras coisas que são vendidas a varejo — que é a
forma como os trabalhadores pobres compram todas as coisas —
costumam ser tão baratas ou mais baratas nas grandes cidades do que nas
partes remotas do país. Mas, em uma cidade grande e em sua vizinhança
mais próxima, os salários do trabalho costumam ser um quarto ou um
quinto — 20% ou 25% — mais elevados que nas áreas que estão apenas a
alguns quilômetros de distância. Dezoito pence por dia pode ser
considerado o preço ordinário do trabalho em Londres e em sua
vizinhança. Alguns quilômetros adiante, esse valor cai para 14 e 15 pence.
Dez pence é o valor em Edimburgo e vizinhança. Alguns quilômetros
mais adiante o preço cai para 8 pence, que é o preço usual do trabalho
comum em grande parte das Terras Baixas da Escócia, onde varia bem
menos que na Inglaterra. Essa diferença de preços, que nem sempre
parece ser suficiente para transportar uma pessoa de uma paróquia a
outra, necessariamente dá ocasião a um grande deslocamento de
mercadorias bastante volumosas, não só de uma paróquia a outra, mas de
uma extremidade do Reino — que fica quase em um dos pontos mais
longínquos do mundo — até a outra, algo que rapidamente eleva o preço
desses bens a quase o mesmo nível. Após tudo o que foi dito sobre a
frivolidade e a inconstância da natureza humana, a experiência evidencia
que de todos os tipos de carga os humanos são a mais difícil de ser
transportada. Assim, se os trabalhadores pobres conseguem manter suas
famílias nas áreas do Reino em que o preço do trabalho é o mais baixo,
então devem estar muito bem de vida nos locais em que o preço é o mais
alto.
Em quarto lugar, além de as variações do preço do trabalho não
corresponderem às variações locais ou temporais dos preços dos
alimentos, elas também costumam ser completamente opostas.
Os cereais, o alimento do povo comum, é mais caro na Escócia do
que na Inglaterra, de onde a Escócia recebe cargas gigantescas de cereais
quase todos os anos. Mas o cereal inglês deve ser vendido por um preço
mais alto na Escócia (o país para onde é levado) do que na Inglaterra (o
país de origem); e, proporcionalmente à sua qualidade, não pode ser
vendido por um preço mais alto na Escócia do que o cereal escocês, com
o qual compete no mesmo mercado. A qualidade dos cereais depende,
principalmente, da quantidade de farinha que é produzida no moinho;
nesse ponto o cereal inglês é tão superior ao escocês que, embora muitas
vezes seja mais caro na aparência ou em proporção ao seu volume, é
geralmente mais barato, na realidade ou em proporção à sua qualidade e
até mesmo em relação ao seu peso. O preço do trabalho, pelo contrário, é
mais alto na Inglaterra do que na Escócia. Se os trabalhadores pobres
conseguem, então, manter suas famílias em uma das partes do Reino, eles
devem conseguir fazer o mesmo de forma bastante cômoda na outra
parte. A farinha de aveia, com efeito, abastece as pessoas comuns da
Escócia com a maior e melhor parte de sua alimentação, que é em geral
muito inferior à dieta de seus vizinhos ingleses do mesmo nível social.
Essa diferença da forma de subsistência, no entanto, não é a causa, mas o
resultado da diferença entre os salários; embora, por um estranho mal-
entendido, eu tenha ouvido as pessoas se referirem frequentemente a
essas diferenças como causa. Não é porque um homem tem uma
carruagem e outro caminha a pé que o primeiro é rico e o segundo,
pobre; mas, por ser rico, o primeiro anda de carruagem e, por ser pobre,
o segundo caminha a pé.
Durante o último século (XVII), o grão esteve em média mais caro
em ambas as partes do Reino Unido do que no presente. De fato,
atualmente essa questão não admite mais dúvidas; e a prova disso é ainda
mais decisiva, se é que isso é possível, no que diz respeito à Escócia do
que no que diz respeito à Inglaterra. Na Escócia, a questão recebe o apoio
de evidências: a fixação pública dos preços dos grãos,100 que eram
avaliações anuais feitas sob juramento e de acordo com o estado real dos
mercados de todos os diferentes tipos de cereais de cada um dos
diferentes condados da Escócia. Se essa prova tão direta exigisse
evidências colaterais para confirmá-la, eu diria que este também foi o
caso na França e, provavelmente, na maioria das outras partes da Europa.
Com relação à França, a prova também é extremamente clara. Mas
embora seja certo que em ambas as partes do Reino Unido os cereais
estavam um tanto mais caros no século passado (XVII) que no presente
(XVIII), é igualmente certo que o trabalho era muito mais barato.
Portanto, se os trabalhadores pobres conseguiram manter suas famílias
naquele período, eles devem estar muito mais bem de vida atualmente.
No século passado (XVII), o salário diário mais comum na maior parte
da Escócia era 6 pence no verão e 5 pence no inverno. Três xelins por
semana, quase o mesmo preço, ainda continuam a ser pagos em algumas
partes das Terras Altas da Escócia e das Ilhas Ocidentais. Em grande
parte das Terras Baixas da Escócia, o salário mais usual do trabalho
comum é atualmente 8 pence por dia; às vezes 10 pence, às vezes 1 xelim
nas proximidades de Edimburgo, nos municípios que fazem fronteira
com a Inglaterra (provavelmente por causa dessa vizinhança) e em alguns
outros lugares onde, recentemente, tem ocorrido um aumento
considerável da demanda por trabalho, no entorno de Glasgow, Carron,
Ayrshire, etc. Na Inglaterra, os avanços da agricultura, da manufatura e
do comércio começaram muito mais cedo do que na Escócia. A demanda
por trabalho e, consequentemente, seu preço, deve necessariamente ter
aumentado com essas melhorias. Em decorrência, os salários do trabalho
— no século passado (XVII) e no presente (XVIII) — eram maiores na
Inglaterra do que na Escócia. Eles também sofreram aumentos
consideráveis desde então, mas essa quantidade é mais difícil de
determinar devido à maior variedade de salários pagos ali em diferentes
lugares. O salário atual de um soldado de infantaria é o mesmo de 1614,
8 pence por dia. Quando foi estabelecido pela primeira vez, o valor era
naturalmente regulado pelo salário habitual dos trabalhadores comuns, a
classe de pessoas de onde os soldados de infantaria costumavam se
originar. Hales, o Lord Chief Justice,101 escrevendo na época de Carlos
II,102 calculou as despesas necessárias da família de um trabalhador
composta de seis pessoas — o pai, a mãe, duas crianças capazes de fazer
alguma coisa e duas ainda incapazes — em 10 xelins por semana ou 26
libras por ano. Sempre que não conseguissem ganhar esse valor por seu
trabalho, eles deveriam complementá-lo, ele supõe, por meio da
mendicância ou do roubo. Ele parece ter investigado diligentemente esse
assunto.103 Em 1688, o senhor Gregory King,104 cuja desenvoltura em
aritmética política é tão enaltecida pelo doutor Davenant,105 calculou o
rendimento corrente de trabalhadores e criados não domésticos em 15
libras por ano para uma família que, em sua suposição, deveria ser
formada em média por três pessoas e meia. Seus cálculos, portanto,
embora diferentes em aparência, são, no fundo, muito semelhantes aos
cálculos do juiz Hales. Ambos supõem que o gasto semanal dessas
famílias seja cerca de 20 pence por cabeça. Na maior parte do Reino,
tanto os rendimentos quantos os gastos pecuniários dessas famílias
aumentaram consideravelmente desde aquela época, em alguns lugares
mais, em outros menos, mas, em nenhum lugar, tanto quanto em alguns
relatos exagerados sobre os salários atuais do trabalho que informam ao
público. Devemos observar que o preço do trabalho não pode ser
determinado de forma muito precisa em nenhum lugar; pois, com
frequência, no mesmo lugar e para o mesmo tipo de trabalho são pagos
preços diferentes, não apenas de acordo com as diferentes habilidades
dos trabalhadores, mas de acordo com a transigência ou dureza dos
mestres. Quando os salários não são regulamentados pela lei, só é
possível tentarmos indicar quais são os mais usuais; e a experiência
parece mostrar que a lei, embora costume tentar, é sempre incapaz de
regulá-los corretamente.
A recompensa real do trabalho, isto é, a quantidade real de bens de
primeira necessidade e comodidades da vida que esse valor pode oferecer
ao trabalhador, tem, durante o curso do século atual (XVIII), aumentado
talvez em uma proporção ainda maior do que seu preço em dinheiro.
Além de os cereais terem ficado um pouco mais baratos, muitas outras
coisas com as quais os pobres laboriosos obtêm uma variedade aprazível
e saudável de alimentos também se tornaram muito mais baratas. As
batatas, por exemplo, não custam hoje, na maior parte do Reino, nem
metade do preço de trinta ou quarenta anos atrás. O mesmo pode ser
dito de nabos, cenouras, couves, alimentos que, anteriormente, eram
cultivados somente por meio da enxada e que, agora, são comumente
cultivados com o uso do arado. Os produtos de hortas e pomares
também ficaram mais baratos. No século anterior (XVII), a maior parte
das maçãs e até mesmo das cebolas consumidas na Grã-Bretanha era
importada de Flandres. Os grandes avanços da indústria de linho e de lã
permitem que os trabalhadores tenham roupas melhores e mais baratas;
o mesmo pode ser dito da indústria de metais comuns, que lhes garantiu
instrumentos de comércio mais baratos e melhores, bem como um
mobiliário doméstico mais agradável e cômodo. Sabão, sal, velas, couro e
licores fermentados, na verdade, ficaram muito mais caros,
principalmente por causa dos impostos que passaram a incidir sobre
esses produtos. Mas a quantidade de produtos desse tipo de que os
trabalhadores pobres necessitam é tão pequena que o aumento de seu
preço não compensa a diminuição do preço de tantas outras coisas. A
queixa comum de que o luxo se estende mesmo até as pessoas das classes
mais baixas e que os trabalhadores pobres atualmente não estão mais
satisfeitos com os mesmos alimentos, as mesmas roupas e as mesmas
habitações de épocas anteriores pode nos convencer de que não é apenas
o preço em dinheiro do trabalho que aumentou, mas sua recompensa
real.
Essa melhoria das circunstâncias das classes inferiores do povo deve
ser considerada uma vantagem ou uma inconveniência para a sociedade?
À primeira vista, a resposta parece amplamente clara. Toda grande
sociedade política é composta majoritariamente por diversos tipos de
empregados, trabalhadores. E tudo aquilo que causa melhorias às
circunstâncias da maioria nunca poderá ser considerado como um
inconveniente para o todo. Nenhuma sociedade na qual a maior parte de
seus membros é pobre e miserável poderá ser realmente feliz e próspera.
Além do mais, é simplesmente justo que aqueles que alimentam, vestem e
alojam todo o corpo social recebam tal parte do produto do seu próprio
trabalho para que possam estar toleravelmente bem alimentados,
vestidos e alojados.
Embora a pobreza sem dúvida desencoraje o casamento, ela nem
sempre o impede; parece até mesmo ser favorável à reprodução humana.
Uma mulher semiesfomeada das Terras Altas da Escócia gera mais de
vinte filhos, enquanto uma senhora cheia de mimos costuma, muitas
vezes, ser incapaz de gerar ou, normalmente, não passa dos dois ou três
filhos. A esterilidade, tão frequente entre as mulheres da alta sociedade, é
muito rara entre as mulheres da classe baixa. Enquanto, para as mulheres,
o luxo talvez inflame a paixão pelo gozo, ele parece sempre enfraquecer e
frequentemente destruir completamente a capacidade reprodutiva.
Mas embora a pobreza não impeça a reprodução, ela é extremamente
desfavorável à criação de filhos. Uma planta frágil nasce, mas, em solo
muito frio e clima muito severo, logo murcha e morre. Segundo
costumam me informar, não é nada incomum encontrarmos nas Terras
Altas da Escócia mães que tenham gerado vinte filhos, mas que não
tenham dois vivos. Vários oficiais experientes (do exército) me
garantiram que, em relação ao recrutamento de seu regimento, eles
nunca conseguiram preenchê-lo com os tambores e os pífaros que
deveriam vir de todos os filhos de soldados que haviam ali nascido.
Raramente são vistas tantas crianças ótimas senão em uma caserna de
soldados. Mas pouquíssimas, ao que parece, chegam à idade de 13 ou 14
anos. Em alguns lugares, metade das crianças morre antes de chegar aos 4
anos de idade; em muitos lugares, antes de completar 7; e, em quase
todos os outros lugares, antes de chegar aos 9 ou 10 anos. Essa grande
mortalidade, no entanto, acha-se principalmente entre as crianças das
pessoas comuns, que não têm condições financeiras para criá-los com o
mesmo cuidado que as pessoas das classes mais altas. Apesar de seus
casamentos serem geralmente mais fecundos que o das pessoas de classes
mais altas, uma proporção menor de seus filhos chega à maturidade. Nos
orfanatos e entre as crianças das instituições de caridade paroquiais, a
mortalidade é ainda maior do que entre os filhos da população em geral.
Todas as espécies de animais se multiplicam naturalmente em
proporção aos meios de sua subsistência; nenhuma espécie é capaz de
ultrapassar essa proporção. Já na sociedade civilizada, a escassez de
alimentos cria limites para a multiplicação da espécie humana apenas
entre as pessoas das classes mais baixas; esse limite é imposto somente
por meio da destruição de grande parte das crianças produzidas por seus
casamentos fecundos.
A recompensa generosa do trabalho tende naturalmente a alargar e
estender esses limites, pois garante um melhor sustento e,
consequentemente, a criação de um número maior de filhos. Também
devemos notar que isso ocorre necessariamente no nível mais próximo
possível da proporção requerida pela demanda por trabalho. Se essa
demanda está em crescimento constante, a recompensa do trabalho deve
necessariamente incentivar o casamento e a multiplicação de
trabalhadores de tal forma a lhes permitir suprir essa demanda crescente
pelo aumento constante da população. Caso, em algum momento, a
recompensa se torne menor do que o necessário para a finalidade, a falta
de trabalhadores a fará aumentar rapidamente; e caso, em algum
momento, se torne maior, sua multiplicação excessiva a fará cair
rapidamente até a taxa necessária. No primeiro caso, o mercado estaria
tão desabastecido de trabalho e, no segundo, tão sobreabastecido que o
preço seria forçado a voltar para aquela taxa adequada requerida pelas
circunstâncias da sociedade. É dessa forma que a demanda por pessoas,
assim como a que existe por quaisquer outras mercadorias,
necessariamente regula a produção de pessoas; acelerando-a quando está
muito lenta e parando-a quando avança de forma muito rápida. É essa
demanda que regulamenta e determina a propagação humana em todos
os países do mundo, seja na América do Norte, na Europa ou na China; é
ela que torna a reprodução rápida e progressiva na América, lenta e
gradual na Europa e completamente estagnada na China.
Diz-se que o “desgaste” de um escravo deve ser custeado por seu
dono; mas o de um empregado livre é custeado pelo próprio empregado.
O “desgaste” deste último, no entanto, é, na realidade, custeado tanto por
seu mestre quanto por ele mesmo. Os salários pagos aos diaristas e
empregados de qualquer tipo devem ser tais que lhes permitam, em
média, dar continuidade à raça de diaristas e empregados de acordo com
a demanda da sociedade, que pode requerer seu aumento, diminuição ou
paralisação. Mas, mesmo que o “desgaste” de um empregado livre deva
ser igualmente custeado por seu mestre, geralmente é a um custo menor
do que o do escravo. Os fundos destinados à substituição ou reparação,
ou, se me permitem dizer, ao “desgaste” do escravo costumam ser
gerenciados por um senhor negligente ou um capataz descuidado. Os
fundos destinados à mesma função, mas em relação às pessoas livres, são
administrados pelas próprias pessoas livres. As perturbações que
geralmente predominam na economia dos ricos se introduzem
naturalmente na administração dos escravos. A frugalidade rigorosa e a
atenção parcimoniosa dos pobres também se estabelecem de forma
natural na administração dos empregados livres. Por causa da existência
de formas tão distintas de administração, a mesma finalidade acaba
exigindo graus muito diferentes de despesas. Nesse sentido e a partir da
experiência de todas as épocas e nações, parece, acredito, que o trabalho
feito por pessoas livres acaba sendo mais barato do que o trabalho
escravo. Isso vale até mesmo para as cidades de Boston, Nova York e
Filadélfia, onde os salários do trabalho comum são extremamente
altos.106
A recompensa generosa do trabalho, assim como é consequência do
aumento da riqueza, é causa do aumento da população. Queixar-se dela
equivale a lamentar-se da causa e da consequência necessárias da
prosperidade pública máxima.
Talvez devamos comentar o seguinte: é na condição de progresso —
ou seja, quando a sociedade está avançando em direção a novas
aquisições e não quando já adquiriu todas as suas riquezas — que o
trabalhador pobre, a grande massa do povo, parece estar em um estado
mais feliz e confortável. Mas sua situação é difícil na condição de
estagnação e miserável na de declínio. O estado de progresso é, na
verdade, um estado animado e saudável para todas as diferentes classes
sociais. O estacionário é entorpecedor; o de declínio, melancólico.
A recompensa generosa do trabalho, assim como incentiva a
propagação da espécie, por isso mesmo também aumenta os esforços das
pessoas comuns. Os salários do trabalho incentivam o empenho, o qual,
como todas as outras qualidades humanas, aumenta em proporção ao
incentivo recebido. A subsistência abundante aumenta a força física do
trabalhador, e a confortável esperança de melhorar sua condição e de,
talvez, terminar seus dias com tranquilidade e abundância o anima a
utilizar essa força ao máximo. Dessa forma, nos locais em que os salários
são altos, sempre encontraremos trabalhadores mais ativos, diligentes e
céleres do que nos locais em que são baixos; mais na Inglaterra, por
exemplo, do que na Escócia; mais na vizinhança de cidades grandes do
que em pontos remotos do interior. De fato, alguns trabalhadores,
quando conseguem ganhar em quatro dias o sustento de toda a semana,
ficam ociosos nos outros três dias. Isso, no entanto, não é de forma
alguma o que ocorre na maioria dos casos. Os trabalhadores, ao
contrário, quando são pagos de forma generosa por peça, se tornam
muito mais propensos a exceder-se em sua carga de trabalho, arruinando,
assim, sua saúde e constituição em poucos anos. Supõe-se que um
carpinteiro em Londres, ou em outros lugares, não seja capaz de manter-
se em seu vigor máximo por mais de oito anos. Algo semelhante acontece
em muitas outras atividades em que os trabalhadores são pagos por
tarefa; eles geralmente trabalham nas manufaturas e até mesmo no
trabalho agrícola, onde os salários são mais elevados do que o normal.
Quase todos os tipos de artesãos estão sujeitos a alguma enfermidade
peculiar ocasionada pela execução excessiva de sua espécie peculiar de
trabalho. Ramazzini,107 um eminente médico italiano, escreveu um livro
específico sobre essas doenças. Não costumamos considerar nossos
soldados como um grupo de pessoas que trabalham de forma árdua.
Ainda assim, sempre que os soldados foram utilizados em algum tipo
particular de trabalho que lhes remunerava de forma generosa por tarefa,
seus oficiais eram obrigados a estipular com o empresário que os
soldados não poderiam ganhar mais do que certa quantia diária, de
acordo com a taxa que recebiam geralmente. Até que essa estipulação
fosse feita, a rivalidade mútua e o desejo de ganhar mais os levavam com
frequência a trabalhar de forma excessiva e a estragar sua saúde por esse
excesso de trabalho. O excesso de trabalho realizado por quatro dias da
semana costuma ser com frequência a causa real da ociosidade que se vê
nos outros três dias, algo que tem promovido tantas queixas ruidosas. O
trabalho intenso — da mente ou do corpo — e contínuo por vários dias
consecutivos é, na maioria dos homens, seguido naturalmente por um
desejo intenso de descansar, que, se não for contido por força ou por
alguma necessidade forte, é quase irresistível. A própria natureza exige
que a restauração ocorra por algum tipo de indulgência, às vezes apenas
por meio do descanso, mas, por vezes, também pela distração e pela
diversão. Caso a exigência não seja cumprida, as consequências podem
ser muitas vezes perigosas e, outras, fatais; mas, como quase sempre
acontece mais cedo ou mais tarde, gera a enfermidade específica da
atividade em questão. Se os mestres sempre ouvissem os ditames da razão
e da humanidade, eles teriam várias oportunidades para moderar, em vez
de motivar, a dedicação de muitos de seus trabalhadores. Em cada tipo de
atividade, creio eu, será descoberto que as pessoas que trabalham de
forma moderada a ponto de poder trabalhar constantemente não só
preservam sua saúde por mais tempo, mas, no decurso do ano, realizam
uma quantidade maior de trabalho.
Em anos mais baratos, diz-se que os trabalhadores são, em geral, mais
ociosos, e, nos mais caros, mais diligentes do que o normal. Concluiu-se,
assim, que a subsistência abundante relaxa e a escassa estimula a
atividade profissional. Não há como duvidar de que um pouco mais de
abundância do que o normal pode levar alguns trabalhadores ao ócio;
mas não parece muito provável que o efeito seja o mesmo para a maior
parte deles, nem que as pessoas em geral trabalhem melhor quando estão
mal alimentadas do que quando estão bem alimentadas, quando estão
desmotivadas do que quando estão de bom humor, quando estão
frequentemente doentes do que quando possuem em geral uma boa
saúde. É preciso dizer que, para as pessoas comuns, os anos de escassez
são, em geral, períodos de doenças e maior mortalidade, o que
necessariamente causa a diminuição de seu trabalho.
Nos anos de fartura, os empregados costumam deixar seus mestres e
confiam sua subsistência àquilo que conseguem fazer por meio de sua
própria atividade profissional. Mas, ao aumentar o fundo que é destinado
para a manutenção dos empregados, esse mesmo valor baixo dos
alimentos incentiva os mestres, especialmente os agricultores, a empregar
um número maior de pessoas. Nessas ocasiões, o agricultor espera obter
lucros maiores de seus cereais ao empregar alguns trabalhadores a mais
do que ao vender seus cereais por um preço baixo no mercado; a
demanda por trabalhadores aumenta, enquanto o número daqueles que
se oferecem para suprir essa demanda diminui. O preço do trabalho,
portanto, costuma aumentar nos anos mais baratos.
Nos anos de escassez, todas essas pessoas ficam ansiosas para retornar
ao serviço por causa das dificuldades e da incerteza da subsistência. Já o
preço elevado dos alimentos causa a diminuição dos fundos destinados à
manutenção dos trabalhadores e, assim, deixa os mestres mais dispostos
a diminuir seu número, não a aumentá-lo. Também nos anos mais caros,
os trabalhadores pobres e independentes costumam consumir o pouco
capital que utilizavam para obter os materiais necessários de seu trabalho
e são obrigados a trabalhar como diaristas para poder sobreviver. Há
mais pessoas buscando emprego do que é possível conseguir; muitos
estão dispostos a aceitar um trabalho sob condições piores do que as
normais e, assim, os salários dos empregados e dos diaristas costumam
despencar nos anos mais caros.
Em relação aos empregados, portanto, os mestres de todos os tipos
costumam fazer melhores barganhas nos anos mais caros do que em anos
mais baratos, e, além disso, encontram os trabalhadores mais
dependentes e humildes nos períodos mais caros. Em vista disso, eles
naturalmente consideram o período mais caro como mais favorável para
o empenho ao trabalho. Além disso, os proprietários de terras e os
fazendeiros — duas das maiores classes de mestres — possuem outra
razão para preferir os anos mais caros. As rendas de um e os lucros do
outro dependem muito do preço dos alimentos. Nada pode ser mais
absurdo, no entanto, do que imaginar que, geralmente, as pessoas
trabalhem menos quando trabalham para si próprias do que quando
trabalham para outras pessoas. Em geral, um trabalhador pobre e
independente será até mesmo mais esforçado do que alguém que
trabalha por tarefa. O primeiro aproveita todo o produto da própria
atividade profissional; o outro o divide com seu mestre. O primeiro, em
sua condição independente e afastada, está menos suscetível às tentações
das más companhias que, nas grandes manufaturas, costumam arruinar a
moral alheia. É provável que a superioridade do trabalhador
independente seja ainda maior que a dos empregados que são
contratados por mês ou por ano e cujos salários e sustento, quer
trabalhem muito ou pouco, são sempre os mesmos. Os anos mais baratos
tendem a aumentar a proporção de trabalhadores independentes sobre a
de diaristas e empregados de todos os tipos; os anos mais caros, a
diminuí-la.
Um autor francês de grande conhecimento e engenhosidade, o senhor
Messance,108 arrecadador da talha em St. Etienne, procurou mostrar que
os pobres trabalham mais nos anos mais baratos do que nos períodos
mais caros; ele compara a quantidade e o valor das mercadorias
produzidas nessas diferentes ocasiões em três manufaturas distintas: uma
de tecidos de lã grossa, em Elbeuf, e duas manufaturas, uma de linho e
outra de seda, situadas na Generalidade de Rouen.109 Parece, por seu
relato, que aferiu-se nos dados dos registos dos escritórios públicos que o
valor e a quantidade de bens produzidos em todas as três manufaturas
têm sido geralmente maiores nos anos mais baratos do que nos anos mais
caros; e que atingiram o máximo nos anos mais baratos e o mínimo nos
anos mais caros. Todas as três parecem ser manufaturas estagnadas ou
que, apesar de seu produto variar um pouco entre um ano e outro, no
geral não estão nem avançando nem retrocedendo.
A fabricação de linho na Escócia e de tecidos comuns de lã da região
oeste (West Riding)110 de Yorkshire são manufaturas em crescimento,
isto é, a quantidade e o valor dos produtos estão em geral aumentando,
apesar de algumas variações. No entanto, ao examinar as contas
publicadas sobre seu produto total, não consegui notar quaisquer
conexões razoáveis entre suas variações e os períodos de preços mais
caros ou mais baratos. Em 1740, um ano de grande escassez, as duas
manufaturas, de fato, parecem ter sofrido um declínio de forma bastante
significativa. Mas, em 1756, mais um ano de grande escassez, a
manufatura escocesa cresceu mais do que o normal. A manufatura de
Yorkshire, com efeito, recuou, e seu produto não voltou aos níveis de
1755 até o ano de 1766, após a revogação da lei do selo.111 Já no mesmo
ano e no seguinte ela ultrapassou em muito todos os níveis anteriores de
produção e, desde então, continuou a crescer.
O produto de todas as grandes manufaturas que vendem para lugares
distantes deve necessariamente depender não tanto dos períodos mais
caros ou baratos do ano nos países em que realizam suas operações, mas
das circunstâncias que afetam a demanda nos países onde seus produtos
são consumidos; da guerra ou da paz, da prosperidade ou do declínio de
outros fabricantes rivais e do bom ou mau humor de seus principais
clientes. Além do mais, uma grande parte do trabalho extraordinário que
provavelmente é feito nos anos mais baratos nunca entra nos registros
públicos das manufaturas. Os empregados homens que deixam seus
mestres tornam-se trabalhadores independentes. As mulheres retornam
aos seus pais e comumente fiam para fazer suas próprias roupas e as de
seus familiares. Nem mesmo os trabalhadores independentes trabalham
sempre para a venda de produtos no mercado, mas são empregados por
alguns de seus vizinhos nas manufaturas para uso da família. O produto
de seu trabalho, portanto, não costuma fazer parte dos registros públicos,
cujos dados são, por vezes, publicados com tanta festa e por meio dos
quais nossos comerciantes e fabricantes gostam de anunciar em vão a
prosperidade ou o declínio dos maiores impérios.
As variações do preço do trabalho nem sempre correspondem aos
preços dos alimentos e, na verdade, costumam ser completamente
opostas a eles; mesmo assim, nós não devemos, por isso, imaginar que os
preços dos alimentos não têm influência sobre os preços do trabalho. O
preço em dinheiro do trabalho é necessariamente regulamentado por
duas circunstâncias: a demanda por trabalho e o preço dos bens de
primeira necessidade e comodidades da vida. A demanda por trabalho —
dependendo de estar em crescimento, estagnada ou em declínio, ou por
exigir uma população crescente, estagnada ou em declínio — determina
a quantidade dos bens de primeira necessidade e comodidades da vida
que devem ser entregues ao trabalhador; e o preço em dinheiro do
trabalho é determinado pelo que é indispensável para a compra dessa
quantidade. Por conseguinte, embora o preço em dinheiro do trabalho
possa, em certo momento, estar alto enquanto o preço dos alimentos está
baixo, ele seria maior ainda se o preço dos alimentos fosse alto e a
demanda continuasse a mesma.
É porque a demanda por trabalho aumenta nos anos de abundância
repentina e extraordinária e diminui nos anos de escassez repentina e
extraordinária que o preço em dinheiro do trabalho às vezes aumenta no
primeiro caso e declina no outro.
Em um ano de abundância repentina e extraordinária, muitos
empregadores possuem fundos suficientes para manter e empregar um
número de trabalhadores maior do que o número contratado no ano
anterior; mas nem sempre conseguem obter esse número adicional. Esses
mestres, portanto, que necessitam de mais trabalhadores, passam a
competir uns contra os outros a fim de obtê-los, algo que, às vezes, gera
um aumento do preço real e do preço em dinheiro do trabalho.
O contrário disso ocorre em um ano de escassez repentina e
extraordinária. Os fundos destinados para a contratação de profissionais
são menores que no ano anterior. Muitas pessoas perdem seu emprego e
passam a competir umas com as outras para conseguir trabalho, algo que,
em alguns casos, causa a redução do preço real e do preço em dinheiro
do trabalho. Em 1740, um ano de escassez extraordinária, muitas pessoas
estavam dispostas a trabalhar apenas pela subsistência. Nos anos
subsequentes de abundância, passou a ser mais difícil conseguir
trabalhadores e criados.
A escassez de um ano caro, ao diminuir a demanda por trabalho,
tende a diminuir o seu preço, assim como o encarecimento dos alimentos
tende a aumentá-lo. A abundância de um ano mais barato, pelo contrário,
ao aumentar a demanda, tende a aumentar o preço do trabalho, assim
como o barateamento dos alimentos tende a reduzi-lo. Nas variações
comuns do preço dos alimentos, essas duas causas opostas parecem estar
em equilíbrio mútuo; o que provavelmente é, em parte, a razão pela qual
os salários do trabalho são muito mais estáveis e permanentes em todos
os lugares do que o preço dos alimentos.
O aumento do salário do trabalho aumenta necessariamente o preço
de muitas mercadorias, pois aumenta a parte delas que corresponde aos
salários e, nesse sentido, tende a diminuir o consumo das mercadorias
tanto domesticamente quanto no exterior.112 A mesma causa, no entanto,
que eleva os salários do trabalho, isto é, o aumento do capital, tende a
aumentar sua capacidade produtiva e fazer com que uma quantidade
menor de mão de obra produza uma quantidade maior de trabalho. Em
proveito próprio, o proprietário do capital que emprega muitos
trabalhadores irá necessariamente se empenhar em dividir e distribuir as
funções entre eles da forma mais adequada para que produzam a maior
quantidade de trabalho possível. Pela mesma razão, ele se esforçará para
lhes fornecer os melhores equipamentos que ele ou eles possam imaginar.
O que ocorre entre os trabalhadores de um determinado galpão também
ocorre, pela mesma razão, entre aqueles de uma grande sociedade.
Quanto maior o número de trabalhadores, mais eles naturalmente se
dividem em diferentes classes e subdivisões de emprego. Haverá mais
cabeças ocupadas em inventar a máquina mais adequada para executar o
trabalho de cada um e, assim, a probabilidade de ser inventada passa a
ser bem maior. Como consequência dessas melhorias, muitas
mercadorias, portanto, passaram a ser produzidas com muito menos
trabalho do que antes, tanto que o aumento do preço do trabalho mais do
que compensa a diminuição de sua quantidade.

CAPÍTULO IX
OS LUCROS DO CAPITAL
O aumento e a diminuição dos lucros do capital dependem das mesmas
causas do aumento e da diminuição dos salários do trabalho, isto é, do
estado crescente ou decrescente da riqueza da sociedade; mas essas
causas afetam uns e outros de maneiras bem diferentes.
O aumento do capital, que aumenta os salários, tende a diminuir os
lucros. Quando os capitais de muitos comerciantes ricos se voltam para o
mesmo negócio, a concorrência mútua tende naturalmente a diminuir o
lucro de cada um deles; e quando há um aumento similar do capital em
todos os diferentes negócios operados na mesma sociedade, a mesma
concorrência deverá produzir o mesmo efeito em todos eles.
Já foi observado que não é fácil apurar os salários médios do trabalho
mesmo em um local e momento específicos. E, mesmo nesse caso,
raramente é possível determinar algo que vá além dos salários mais
usuais. Mas nem isso é possível ser constatado no que se refere aos lucros
do capital. Os lucros são tão flutuantes que nem a pessoa que exerce um
negócio específico é sempre capaz de dizer qual foi a média de seu lucro
anual; o lucro é afetado não apenas por cada variação de preço das
mercadorias com as quais trabalha, mas pela boa ou má sorte tanto de
seus rivais quanto de seus clientes, e por mil outros acidentes a que estão
sujeitas as mercadorias quando transportadas — ou por mar ou por terra
— ou mesmo quando são guardadas em armazéns. O lucro varia,
portanto, não só de ano para ano, mas de dia para dia e quase de hora em
hora. Determinar o lucro médio de todas as diferentes atividades
realizadas em um grande reino é algo muito difícil; mas estabelecer com
algum grau de precisão qual foi anteriormente ou em um passado remoto
é algo completamente impossível.
Mas, embora haja essa impossibilidade de determinar com algum
grau de precisão quais são ou eram os lucros médios do capital, seja no
presente ou no passado, é possível estabelecer alguma noção de seu valor
analisando os juros do dinheiro. Podemos aqui propor uma máxima:
sempre que for possível ganhar muito com o uso do dinheiro, muito se
pagará por ele; e onde se ganha pouco, pouco se pagará por ele. Por
conseguinte, já que a taxa de juros usual do mercado varia em cada país,
podemos estar certos de que os lucros ordinários do capital variam com a
taxa de juros usual do país: descem quando os juros descem, sobem
quando os juros sobem. A evolução dos juros, portanto, pode nos levar a
formar uma noção da evolução do lucro.
No 37º ano do reinado de Henrique VIII, todos os juros acima de
10% foram declarados ilegais.113 Parece que eram maiores antes disso. No
reinado de Eduardo VI, o zelo religioso levou à proibição dos juros.114
Diz-se que essa proibição, no entanto, como todas as outras do mesmo
tipo, não produziram nenhum resultado e provavelmente causaram o
aumento — e não a diminuição — do mal que é a usura. O estatuto de
Henrique VIII foi restabelecido no 13º ano de Isabel115 e, então, 10%
continuou a ser a taxa legal de juros até o 21º ano do reinado de Jaime
I,116 quando ficou restrito a 8%. A taxa foi reduzida para 6% logo após a
restauração;117 e no 12º ano do reinado da rainha Ana, para 5%.118 Todos
esses diferentes regulamentos legais parecem ter sido estabelecidos de
forma bastante correta. Eles parecem ter seguido e não precedido a taxa
de juros do mercado, ou a taxa na qual as pessoas de bom crédito
normalmente tomavam emprestado. Desde o tempo da rainha Ana, 5%
parece ter sido um valor que estava mais acima do que abaixo da taxa de
mercado. Antes da última guerra,119 o governo tomava emprestado a
juros de 3%; e as pessoas de bom crédito na capital e em muitas outras
partes do Reino, 3,5%, 4% e 4,5%.
Desde a época de Henrique VIII, a riqueza e a renda do país vêm
avançando de forma contínua, e no curso de seu avanço o ritmo parece
estar mais se acelerando gradualmente do que sendo retardado. Além de
contínuo, o avanço parece produzir um ritmo cada vez mais acelerado.
Os salários do trabalho aumentaram de forma contínua durante o
mesmo período e, na maior parte dos diferentes setores do comércio e
das indústrias, os lucros do capital têm diminuído.
Em geral, para que se possa operacionalizar qualquer tipo de negócio
em uma cidade grande é necessário um capital maior do que aquele que
seria utilizado em uma vila rural. Os grandes capitais aplicados em todos
os setores de negócios e o número de concorrentes ricos costumam fazer
a taxa de lucro da cidade grande ser reduzida a um valor abaixo daquele
que é empregado na vila rural. Mas os salários do trabalho são
geralmente mais elevados em uma grande cidade do que em uma vila
rural. Em uma cidade próspera, as pessoas que têm grandes capitais para
aplicar não costumam conseguir o número de trabalhadores que desejam
e, portanto, competem umas contra as outras para obter o maior número
deles possível, fato que aumenta o salário do trabalho e reduz os lucros
do capital. Nas regiões remotas do país não costuma haver capital
suficiente para empregar todas as pessoas, as quais, por sua vez,
competem umas com as outras para conseguir o emprego, fato que
diminui o salário do trabalho e aumenta os lucros do capital.
Na Escócia, embora a taxa legal de juros seja a mesma que na
Inglaterra, a taxa de mercado é um pouco maior. Ali, as pessoas com o
melhor crédito raramente tomam emprestado a uma taxa menor que 5%.
Mesmo os banqueiros privados de Edimburgo oferecem 4% sobre suas
notas promissórias, cujo pagamento total ou parcial pode ser exigido a
qualquer momento. Os banqueiros privados de Londres não pagam juros
pelo dinheiro que recebem em depósito. Existem poucos negócios que
não podem ser realizados com um capital menor na Escócia do que na
Inglaterra. A taxa comum de lucro, portanto, deve ser um pouco maior.
Conforme já observado, os salários do trabalho na Escócia são menores
que os salários na Inglaterra. Apesar de ser muito mais pobre, o país
avança para uma condição melhor — está evidentemente avançando,
embora pareça muito mais lento e mais tardio.
No decurso do presente século, a taxa legal de juros na França nem
sempre esteve regulada pela taxa de mercado. Em 1720, os juros foram
reduzidos da vigésima para a quinquagésima parte de um penny, ou de
5% para 2%. Em 1724 foi elevado para a trigésima parte do penny, ou
para 3,33%. Em 1725 foi novamente elevado até ao vigésimo penny, isto é,
a 5%. Em 1766, durante a administração do senhor l’Averdy,120 ele foi
reduzido para a vigésima quinta parte do penny, ou para 4%. Mais tarde,
o abade Terray121 elevou-o para a antiga taxa de 5%. O suposto propósito
de muitas dessas reduções violentas dos juros era preparar o caminho
para reduzir os juros da dívida pública; propósito que, às vezes, tem sido
realizado. A França atual talvez não seja um país tão rico como a
Inglaterra; e, embora a taxa legal de juros na França tenha sido
frequentemente menor que na Inglaterra, a taxa de mercado tem sido
geralmente superior, pois ali, assim como em outros países, há vários
métodos muito seguros e fáceis para se deixar de cumprir a lei.
Mercadores britânicos que negociaram nos dois países me asseguraram
que os lucros dos negócios são mais elevados na França que na
Inglaterra; e é sem dúvida por esse motivo que muitos súditos britânicos
preferem aplicar seu capital em um país onde os negócios são
desacreditados do que em um outro onde são altamente respeitados. Na
França, os salários do trabalho são mais baixos que na Inglaterra. Ao
viajar da Escócia para a Inglaterra, a diferença que se repara entre o
vestuário e o semblante das pessoas comuns de um país e de outro é
suficiente para indicar as diferentes condições em que vivem. O contraste
é ainda maior quando retornamos da França. Embora a França seja sem
dúvida mais rica que a Escócia, parece não estar avançando de forma
muito rápida. Há uma opinião comum — e até mesmo popular — de que
o país está em retrocesso; acredito que essa é uma opinião infundada até
mesmo em relação à França; além disso, quem viu a Escócia há vinte ou
trinta anos e a vê agora não conseguirá manter a afirmação sobre esse
país.
A província da Holanda, por outro lado, em proporção à extensão de
seu território e ao número de habitantes, é um país mais rico do que a
Inglaterra. Seu governo obtém empréstimos a 2% e os indivíduos com
bom crédito, a 3%. Diz-se que os salários do trabalho na Holanda são
mais altos que os da Inglaterra e que, como se sabe, os holandeses
negociam com os lucros mais baixos da Europa. Algumas pessoas têm
afirmado que a economia da Holanda está em decadência, e talvez isso
esteja realmente acontecendo em alguns setores específicos, mas esses
sintomas parecem provar de forma suficiente que não há uma decadência
generalizada. Sempre que os lucros diminuem, os comerciantes começam
a queixar-se de que os negócios vão mal; mas a diminuição dos lucros é o
efeito natural de sua prosperidade ou da aplicação de um capital maior
do que o aplicado anteriormente. Durante a última guerra, os holandeses
ganharam todo o comércio de transporte da França, do qual ainda
mantêm uma parte bastante grande. Há circunstâncias que, sem dúvida,
demonstram a superabundância de seu capital, isto é, que o capital
aumentou mais do que é possível aplicar com lucro aceitável em uma
atividade adequada dentro de seu próprio país, mas não demonstram que
esses negócios tenham decaído. Essas são as circunstâncias: os grandes
valores que possuem tanto em fundos franceses quanto em ingleses —
dizem que chega a aproximadamente 40 milhões nos fundos ingleses (no
entanto, eu suspeito que há aí um grande exagero) — bem como as
grandes somas que emprestam para as pessoas privadas em países onde a
taxa de juros é maior do que a taxa de seu país. Da mesma forma que o
capital adquirido por um indivíduo em um negócio específico pode se
tornar maior do que suas possibilidades de investimento nele e, ainda
assim, esse negócio se mantém em crescimento, o mesmo pode ocorrer
com o capital de uma grande nação.
Em nossas colônias da América do Norte e das Índias Ocidentais não
só os salários do trabalho, mas também os juros do dinheiro e,
consequentemente, os lucros do capital são maiores do que na Inglaterra.
Nas várias colônias, as taxas de juros legais e de mercado operam entre
6% e 8%. Altos salários do trabalho e elevados lucros do capital, no
entanto, raramente ocorrem de forma concomitante, exceto nas
circunstâncias peculiares das novas colônias. Em relação à maior parte
dos outros países, uma nova colônia estará, por algum tempo, mais
subcapitalizada em relação à extensão de seu território e menos habitada
proporcionalmente à extensão de seu capital. Há mais terras do que
capital para cultivá-las. Todo seu capital, portanto, é aplicado apenas no
cultivo das terras mais férteis e mais bem situadas, isto é, as terras
próximas da orla marítima e ao longo das margens dos rios navegáveis.
Essas terras são frequentemente compradas a um preço abaixo até
mesmo do valor de seu produto natural. Assim, o capital aplicado na
aquisição e melhoria dessas terras gera um lucro enorme e, em
decorrência, permite pagar juros altíssimos. A rápida acumulação de
capital em um emprego tão rentável permite que o agricultor possa
aumentar o número de mãos de forma mais rápida do que pode
encontrá-las em uma nova colônia. Aqueles que conseguem encontrar,
portanto, são recompensados de forma bastante generosa. À medida que
a colônia cresce, os lucros do capital vão gradualmente diminuindo.
Quando todas as terras mais férteis e mais bem situadas já estiverem
ocupadas, o cultivo da terra com solo e localização inferiores renderá um
lucro menor e juros menores poderão ser pagos pelo capital aplicado
nela. Desse modo, na maior parte de nossas colônias, tanto a taxa legal de
juros quanto a taxa de mercado foram consideravelmente reduzidas
durante o curso do presente século. À medida que as riquezas, as
melhorias e a população aumentaram, os juros declinaram. Os salários
do trabalho não afundam com os lucros do capital. A demanda por
trabalho aumenta com o aumento do capital, quaisquer que sejam seus
lucros; e, depois que os lucros são reduzidos, o capital poderá não só
continuar a aumentar, mas também avançar muito mais rápido que antes.
Ocorre com as nações mais diligentes que estão avançando na aquisição
de riquezas o que ocorre com os indivíduos diligentes. Um grande capital
que gera pequenos lucros costuma crescer mais rápido que um pequeno
capital que gera grandes lucros. Dinheiro, diz o provérbio, atrai dinheiro.
Quando se tem um pouco, costuma ser fácil conseguir mais. A grande
dificuldade é conseguir aquele pouco. A conexão entre o aumento do
capital e o aumento do trabalho, ou da demanda por trabalho útil, já foi
parcialmente explicada, mas será explicada mais detalhadamente adiante,
quando tratarmos da acumulação de capital.
A aquisição de um novo território ou de novos ramos de negócios
pode, em certos casos, aumentar os lucros do capital e, junto com eles, os
juros do dinheiro, mesmo em um país cuja aquisição de riquezas está em
rápido avanço. Já que o capital do país não é suficiente para o aumento
geral dos negócios que essas aquisições apresentam às várias pessoas
entre as quais será dividido, ele é empregado somente em ramos
específicos que geram os maiores lucros. Parte do que anteriormente era
empregado em outros negócios é necessariamente retirada deles e
transferida para os mais novos e mais rentáveis. Nos negócios mais
antigos, portanto, a competição passa a ser menor. O mercado deixa de
estar totalmente suprido com muitos tipos diferentes de bens. O preço
desses bens sofre necessariamente um aumento maior ou menor e gera
um lucro maior para aqueles que negociam com ele, que podem, dessa
forma, dar-se ao luxo de tomar emprestado a juros mais elevados.
Durante algum tempo após o fim da última guerra, não apenas os
indivíduos com bom crédito, mas também algumas das maiores empresas
de Londres, estavam tomando emprestado a 5%, sendo que
anteriormente não pagavam mais do que 4% ou 4,5%. Essa grande adição
de territórios e negócios, gerada por nossas aquisições na América do
Norte e nas Índias Ocidentais, explica esse aumento dos juros de modo
suficiente sem que seja preciso supor qualquer tipo de diminuição do
estoque de capital da sociedade. Um crescimento tão grande de novas
atividades que devem ser operadas por meio do antigo capital causa
necessariamente a diminuição da quantidade de empregados em um
grande número de ramos específicos, nos quais, sendo menor a
concorrência, os lucros devem ter sido maiores. Adiante serão
mencionados os motivos que me levam a acreditar que o estoque de
capital da Grã-Bretanha não diminuiu nem mesmo após as enormes
despesas da última guerra.
A diminuição do capital da sociedade, ou seja, dos fundos destinados
à manutenção das atividades, reduz os salários do trabalho, eleva os
lucros do capital e, consequentemente, os juros do dinheiro. Com a
redução dos salários do trabalho, os proprietários do que resta de capital
na sociedade podem levar seus bens ao mercado a um custo menor do
que antes; e, com menos capital do que antes sendo empregado para
abastecer o mercado, podem vender seus produtos a preços mais altos. O
custo das mercadorias diminui; abre-se, dessa forma, a possibilidade de
esses proprietários ganharem mais com elas. Já que então lucram nas
duas pontas (custo e venda de suas mercadorias), podem permitir-se
pagar juros mais altos. As grandes fortunas adquiridas de forma tão fácil
e repentina em Bengala e em outros assentamentos britânicos nas Índias
Orientais demonstram que, nesses países arruinados, como os salários do
trabalho são muito baixos, os lucros do capital são muito altos. De modo
proporcional, o mesmo vale para os juros do dinheiro. Em Bengala, o
dinheiro é frequentemente emprestado aos agricultores a 40%, 50% e
60%, e a colheita seguinte é hipotecada para o pagamento. Tendo em
vista que os lucros capazes de pagar esses juros consomem quase toda a
renda do proprietário da terra, essa enorme usura, por sua vez, consome
a maior parte dos lucros. Antes da queda da República Romana, o
mesmo tipo de usura parece ter sido comum nas províncias sob a
administração ruinosa de seus procônsules. Conforme nos contam as
cartas de Cícero, o virtuoso Bruto emprestou dinheiro em Chipre a
48%.122
Imagine um país que já adquiriu todas as riquezas que lhe são
permitidas pela natureza de seu solo, seu clima e sua situação em relação
aos outros países e que, por isso, não tem condições de avançar mais, mas
não está retrocedendo; nesse país, os salários do trabalho e os lucros do
capital seriam provavelmente muito baixos. Em um país completamente
habitado em proporção ao que seu território consegue manter ou ao que
seu capital pode empregar, a concorrência por emprego seria
necessariamente tão grande que reduziria os salários do trabalho a um
valor que mal seria suficiente para manter o número de trabalhadores
existente; e já que o país está totalmente povoado, não haveria
possibilidade de aumentar esse número. Em um país completamente
capitalizado em proporção a todas as atividades que tenha para
transacionar, uma quantidade tão grande de capital poderia ser aplicada
em todos os ramos específicos quanto permitissem a natureza e a
extensão dos negócios. A competição seria, portanto, a mais alta possível
em todos os lugares e, consequentemente, os lucros ordinários seriam os
menores possíveis.
Mas pode ser que nenhum país tenha atingido esse grau de opulência.
A China parece estagnada há muito tempo e provavelmente já tenha
adquirido há muito tempo todas as riquezas consistentes com a natureza
de suas leis e instituições. Mas é possível que essas riquezas sejam muito
inferiores àquelas que poderiam ser obtidas por outras leis e instituições,
pela natureza de seu solo, pelo clima e pela localização. Um país que
negligencia ou despreza o comércio exterior e que permite a entrada de
navios estrangeiros em apenas um ou dois portos não conseguirá realizar
o mesmo volume de negócios que seria possível caso suas leis e
instituições fossem diferentes. Num país também onde os ricos ou os
proprietários dos grandes capitais desfrutam de grande segurança, mas
os pobres ou os proprietários de pequenos capitais não têm quase
nenhuma e estão sujeitos — sob o pretexto de justiça — a ser pilhados e
saqueados a qualquer momento por mandarins das classes inferiores,
então o volume de capital aplicado em todos os diferentes ramos de
negócios nunca se igualará ao que permitiriam a natureza e a extensão
desses negócios. Em todos os diferentes setores, a opressão dos pobres
estabelece o monopólio dos ricos, os quais, ao tomarem todos os
negócios para si mesmos,123 poderão auferir lucros enormes. Diz-se que
na China os juros usuais do dinheiro são de 12%, então os lucros
ordinários do capital devem ser suficientes para pagar esses juros tão
altos.
Falhas nas leis podem, às vezes, elevar a taxa de juros a um patamar
consideravelmente acima daquele requerido pelo nível de riqueza ou de
pobreza do país. Quando a lei não garante o cumprimento dos contratos,
ela coloca todos os devedores no mesmo nível daqueles que, em países
mais bem regulamentados, faliram ou são considerados pessoas de
crédito duvidoso. A incerteza de recuperar seu dinheiro faz com que a
pessoa que empresta exija os mesmos juros exorbitantes que são
geralmente aplicados aos falidos. Entre as nações bárbaras que invadiram
as províncias ocidentais do Império Romano, o cumprimento dos
contratos foi, há muitos séculos, deixado à confiança das partes
contratantes. Os tribunais de justiça de seus reis raramente interferiam
neles. A alta taxa de juros empregada naqueles tempos antigos talvez
possa ser parcialmente explicada por esse motivo.
A proibição total da cobrança dos juros por lei não obsta sua
existência. Muitas pessoas pedirão emprestado, mas ninguém emprestará
sem a consideração possível sobre o uso de seu dinheiro, não só pelo que
pode ser feito com o uso dele, mas pela dificuldade e pelo perigo do não
cumprimento da lei. Para o senhor Montesquieu, a alta taxa de juros
existente em todas as nações maometanas ocorre não por sua pobreza,
mas em parte por isso e em parte pela dificuldade de se recuperar o
dinheiro.
A taxa normal mínima de lucro deve ser sempre um pouco maior do
que aquilo que é suficiente para compensar as perdas ocasionais a que
estão expostas quaisquer formas de aplicação do capital. O lucro líquido é
apenas esse excedente. O lucro bruto frequentemente compreende esse
excedente e o valor que é retido para compensar essas perdas
extraordinárias. O juro que o devedor pode pagar é proporcional
somente ao lucro líquido.
A taxa normal mínima de juros deve, da mesma forma, ser algo mais
do que suficiente para compensar as perdas ocasionais a que os
empréstimos, mesmo com prudência aceitável, estão expostos. Se não
fosse assim, a caridade ou a amizade seriam os únicos motivos para se
emprestar dinheiro.
Suponhamos um país que já tenha adquirido toda a sua riqueza e
onde cada ramo de negócio específico detém o maior volume de capital
que nele pode ser empregado; tendo em vista que a taxa ordinária de
lucro líquido será muito baixa, também será a taxa de juros usual do
mercado que pode ser oferecida; e será tão baixa que ninguém, exceto as
pessoas muito ricas, conseguirá viver dos juros de seu dinheiro.124 Todas
as pessoas de fortunas pequenas ou médias seriam obrigadas a gerir elas
mesmas a aplicação de seu próprio capital. Seria necessário que quase
todas as pessoas fossem homens de negócios ou que participassem de
algum tipo de negócio. A província da Holanda parece estar se
aproximando dessa situação. Lá está fora da moda não ser um homem de
negócios. A necessidade torna comum que quase todos sejam homens de
negócios e, em todos os lugares, o costume regula a moda. Assim como é
ridículo não se vestir como as outras pessoas, também o é, em certa
medida, não estar empregado como os outros. Assim como um civil em
um acampamento ou em uma guarnição militar pode parecer bastante
desajeitado e, inclusive, correr perigo de ser desprezado ali, o mesmo
ocorre com um homem ocioso entre homens de negócios.
A maior taxa normal de lucro pode ser uma que, no preço da maior
parte das mercadorias, consuma tudo o que deveria ir para a renda da
terra e que deixe sobrar apenas o valor suficiente para pagar o trabalho de
prepará-las e levá-las ao mercado, de acordo com a menor taxa com que
o trabalho possa ser pago em qualquer lugar, isto é, a simples subsistência
do trabalhador. Este deve ser alimentado de uma forma ou de outra
sempre que estiver trabalhando; mas o proprietário de terras nem sempre
será pago. Os lucros do comércio realizado pelos servidores da
Companhia das Índias Orientais em Bengala talvez não estejam muito
distantes dessa situação.
A proporção que deve ser estabelecida entre a taxa de juros usual do
mercado e a taxa ordinária de lucro líquido varia necessariamente
conforme os lucros aumentem ou diminuam. O dobro dos juros é
considerado pelos comerciantes da Grã-Bretanha como um lucro bom,
moderado e razoável; termos que, para mim, significam apenas lucros
comuns e usuais. Em um país onde a taxa ordinária de lucro líquido é de
8% ou 10%, pode ser razoável que a metade dele seja direcionada aos
juros quando os negócios são realizados com dinheiro emprestado. O
risco do capital cabe ao devedor, que, por assim dizer, garante-o para o
credor; e, na maior parte dos negócios, 4% ou 5% é um lucro suficiente
em relação ao risco dessa garantia e uma recompensa suficiente pelo
trabalho de se aplicar o capital. Mas a proporção entre os juros e o lucro
líquido poderia não ser a mesma nos países em que a taxa normal de
lucro fosse muito mais baixa ou muito maior. Se fosse muito mais baixa,
talvez nem a metade dela pudesse ser oferecida como juros; se fosse
maior, seria possível entregar mais da metade.
Nos países que estão avançando de forma acelerada em direção à
riqueza, a taxa baixa de lucro pode, no preço de muitas mercadorias,
compensar os altos salários do trabalho e possibilitar que esses países
possam realizar vendas tão baratas quanto seus vizinhos menos
prósperos, nos quais os salários do trabalho são possivelmente menores.
Na verdade, o preço do trabalho tende a ser aumentado muito mais
pelos lucros elevados que pelos altos salários. Na fabricação de linho, por
exemplo, se os salários dos trabalhadores de diversas funções — os
cardadores do linho, os fiandeiros, os tecelões, etc. — aumentassem 2
pence por dia, seria necessário aumentar o preço de uma peça de linho
apenas em 2 pence vezes o número de pessoas contratadas para o serviço,
multiplicado pelo número de dias durante os quais elas estiveram
empregadas para realizá-lo. A parte do preço da mercadoria que
corresponde aos salários aumentaria em todas as diferentes etapas da
fabricação apenas em proporção aritmética ao aumento dos salários. Mas
se os lucros de todos os vários empregadores daqueles trabalhadores
aumentassem 5%, a parte do preço da mercadoria que corresponde ao
lucro aumentaria em todas as diferentes etapas da fabricação em
proporção geométrica a esse aumento do lucro. Ao vender seu linho, o
empregador dos cardadores exigiria um adicional de 5% sobre todo o
valor dos materiais e salários que ele adiantou para seus trabalhadores. O
empregador dos fiandeiros exigiria um adicional de 5% sobre o preço do
linho que pagou adiantado e sobre os salários dos fiandeiros. E o
empregador dos tecelões exigiria igualmente 5% sobre o preço do fio de
linho que pagou adiantado para os seus tecelões. Ao elevar o preço das
mercadorias, o aumento dos salários funciona da mesma maneira que os
juros simples na acumulação de uma dívida. O aumento do lucro
funciona como juros compostos. Nossos comerciantes e fabricantes se
queixam muito dos maus efeitos dos altos salários, pois estes causam o
aumento dos preços, contraindo as vendas de seus produtos nos
mercados doméstico e externo. Eles nada dizem sobre os maus efeitos
dos lucros elevados. Eles ficam em silêncio no que diz respeito aos efeitos
danosos de seus próprios ganhos. Eles reclamam apenas dos ganhos das
outras pessoas.

CAPÍTULO X
O SALÁRIO E O LUCRO NOS DIFERENTES EMPREGOS DO
TRABALHO E DO CAPITAL
O conjunto total de vantagens e desvantagens dos diferentes empregos do
trabalho e do capital deve, na mesma região, ser perfeitamente igual ou
tender constantemente à igualdade. Se em uma mesma região existisse
um emprego evidentemente mais vantajoso ou menos vantajoso do que
os outros, tantas pessoas passariam ao primeiro emprego e tantas
abandonariam o segundo que suas vantagens logo retornariam ao nível
mantido em outros empregos. Esse seria o caso em uma sociedade que,
pelo menos, tenha deixado as coisas seguirem seu curso natural, onde
exista liberdade perfeita e onde cada homem é perfeitamente livre para
escolher a ocupação que imagine adequada e mudar de ocupação sempre
que desejar. O interesse de cada pessoa a levaria a buscar o emprego
vantajoso e evitar o desvantajoso.
Em todas as regiões da Europa, os salários em dinheiro e o lucro são,
na verdade, extremamente diferentes de acordo com os diferentes
empregos do trabalho e do capital. Mas essa diferença decorre, em parte,
de determinadas circunstâncias dos próprios empregos, que — seja na
realidade, seja ao menos na imaginação — respondem por um pequeno
ganho pecuniário em alguns e contrabalançam um grande ganho em
outros; em outra parte, da política da Europa, que em nenhum país
permite que as coisas aconteçam com perfeita liberdade.
A consideração especial sobre essas circunstâncias e sobre a política
mencionada dividirá este capítulo em duas partes.

Parte I – Desigualdades decorrentes da


natureza dos próprios empregos
Até o momento, pude observar cinco circunstâncias principais que
resultam em um pequeno ganho pecuniário em alguns empregos e
contrabalançam com um grande ganho em outros: primeiro, o caráter
agradável ou desagradável dos próprios empregos; em segundo lugar, a
facilidade e o baixo custo ou a dificuldade e o alto custo da aprendizagem
desses empregos; em terceiro, a estabilidade ou a instabilidade do
emprego; em quarto lugar, o nível de confiança, baixo ou alto, que se deve
depositar naqueles que os exercem; e, por último, a probabilidade ou
improbabilidade do sucesso desses empregos.
No primeiro aspecto, os salários do trabalho variam de acordo com a
facilidade ou a dificuldade, a limpeza ou a insalubridade e a
respeitabilidade ou o descrédito do emprego. Assim, na maioria dos
lugares, após um ano, um alfaiate diarista ganha menos que um tecelão
diarista. Seu trabalho é muito mais fácil. Um tecelão diarista ganha
menos que um ferreiro diarista. Seu trabalho nem sempre é mais fácil,
mas é muito mais limpo. Um ferreiro diarista, apesar de ser um artífice,
raramente ganha em doze horas tanto quanto um carvoeiro (que é apenas
um trabalhador) ganha em oito. Seu trabalho não é tão sujo, é menos
perigoso e é realizado à luz do dia e na superfície. A honra representa
uma grande parte da remuneração de todas as profissões de respeito. Em
relação aos ganhos pecuniários, levando-se tudo em conta, são
geralmente mal remunerados conforme demonstrarei logo adiante. O
descrédito tem o efeito contrário. O comércio do açougueiro é uma
atividade brutal e odiosa; mas, na maioria dos lugares, é mais rentável do
que a maior parte dos negócios comuns. O mais detestável de todos os
empregos, o de carrasco, é — proporcionalmente à quantidade de
trabalho realizado — mais bem pago do que qualquer outra atividade
comum.
Se no estado primitivo da sociedade a caça e a pesca foram os
empregos mais importantes da humanidade, no estado avançado elas se
tornaram uma das diversões mais agradáveis; as pessoas praticam por
prazer uma atividade que anteriormente era realizada por necessidade.
Assim, no estado avançado da sociedade, apenas as pessoas muito pobres
têm como atividade comercial algo que outras pessoas buscam como
passatempo. É o que tem ocorrido em relação aos pescadores desde a
época de Teócrito.125 Em todas as regiões da Grã-Bretanha, os caçadores
furtivos são pessoas muito pobres. Nos países onde o rigor da lei não
permite os caçadores furtivos, a condição dos caçadores licenciados não é
muito melhor. O gosto natural por esses empregos faz com que haja mais
pessoas nessas atividades do que ela poderia confortavelmente sustentar;
e o produto desse trabalho, proporcionalmente à quantidade, sempre
chega a preços muito baixos ao mercado, sendo capaz de pagar aos
trabalhadores nada além da mais escassa subsistência.
Assim como ocorre com os salários do trabalho, o caráter
desagradável e o descrédito afetam os lucros do capital da mesma
maneira. O dono de uma pousada ou taverna, que nunca é dono de sua
própria casa e que está exposto à brutalidade de todos os beberrões,
exerce uma atividade que não é nem muito agradável nem muito
honrosa. Mas quase não há um outro comércio comum em que seja
possível obter um lucro tão grande com tão pouco capital.
Em segundo lugar, os salários do trabalho variam de acordo com a
facilidade e o baixo custo ou a dificuldade e o alto custo para a
aprendizagem do negócio.
Presume-se que quando uma máquina cara qualquer é montada, o
trabalho extraordinário que será realizado por ela antes de seu
esgotamento reporá o capital investido nela com, no mínimo, os lucros
ordinários. Um homem educado, à custa de muito trabalho e tempo para
qualquer emprego que exija destreza e habilidade extraordinárias, pode
ser comparado a uma daquelas máquinas caras. Espera-se que o trabalho
que ele aprendeu a executar reponha, para além do salário habitual do
trabalho comum, todas as despesas de sua educação, com pelo menos os
lucros ordinários de um capital do mesmo valor. Deverá fazer isso
também em um tempo razoável, levando em conta a duração muito
incerta da vida humana, em comparação à duração mais certa de uma
máquina.
Este princípio é a causa da diferença entre o salário do trabalho
qualificado e o salário do trabalho comum.
A política da Europa considera o trabalho de todos os mecânicos,
artífices e trabalhadores manufatureiros como trabalho qualificado; e de
todos os trabalhadores rurais como mão de obra comum. Parece supor
que o trabalho dos primeiros possui uma natureza mais agradável e
delicada que o trabalho dos outros. Talvez isso seja verdade em alguns
casos, mas na maior parte o caso é bem o oposto, conforme me esforçarei
para demonstrar logo adiante. As leis e os costumes da Europa, portanto,
a fim de qualificar uma pessoa qualquer a exercer aquele primeiro tipo de
trabalho, impõem a necessidade de uma aprendizagem, embora com
diferentes graus de rigor nos diferentes locais. Os outros trabalhos são
deixados livres e abertos para todas as pessoas. Durante o período do
aprendizado, todo o trabalho do aprendiz pertence ao seu mestre. Nesse
meio tempo ele deve, em muitos casos, ser sustentado por seus pais ou
parentes e, em quase todos os casos, deve também receber roupas deles.
Também é comum entregar algum dinheiro ao mestre para que ensine
seu ofício ao aprendiz. As pessoas que não podem dar dinheiro oferecem
seu tempo ou servem ao mestre por mais tempo do que o habitual em
número de anos; uma consideração que, apesar de não ser sempre
vantajosa para o mestre por causa da ociosidade habitual dos aprendizes,
é sempre desvantajosa para o aprendiz. No trabalho rural, pelo contrário,
enquanto o trabalhador realiza as tarefas mais fáceis, ele aprende as
partes mais difíceis de seu negócio; e seu próprio trabalho o sustenta por
todas as diferentes fases de seu emprego. É, portanto, razoável que na
Europa o salário dos mecânicos, artífices e fabricantes seja um pouco
maior do que o dos trabalhadores comuns. É isso mesmo o que ocorre e,
por seus ganhos superiores, eles são, na maioria dos lugares,
considerados como uma classe superior de pessoas. Essa superioridade,
no entanto, é em geral muito pequena; o salário diário ou semanal médio
dos diaristas que trabalham nos tipos mais comuns de manufaturas, tais
como as de tecidos simples de linho e de lã, é, na média, na maioria dos
lugares, um pouco maior que o salário-dia dos trabalhadores comuns.
Seu emprego é, de fato, mais estável e uniforme, e a superioridade de seus
ganhos, considerando um ano completo, pode ser um pouco maior.
Parece evidente, no entanto, que os valores são apenas suficientes para
compensar as despesas de sua educação.
A educação nas artes criativas e nas profissões liberais é ainda mais
tediosa e cara. A remuneração pecuniária, portanto, de pintores e
escultores, de advogados e médicos deveria ser muito mais generosa: e
assim o é.
Os lucros do capital parecem muito pouco afetados pelo fato de a
aprendizagem dos negócios em que ele é aplicado ser mais fácil ou mais
difícil. Na realidade, as diversas maneiras em que o capital é comumente
aplicado nas grandes cidades parecem ser quase igualmente fáceis e
igualmente difíceis de aprender. Um ramo do comércio, seja doméstico
ou exterior, não pode ser um negócio muito mais complexo do que o
outro.
Em terceiro lugar, os salários do trabalho em diferentes ocupações
variam de acordo com a estabilidade ou a instabilidade do emprego.
O emprego é muito mais estável em alguns setores do que em outros.
Na grande maioria das manufaturas, um diarista pode ter certeza de que
haverá emprego para o seu trabalho em quase todos os dias do ano em
que ele puder trabalhar. Um pedreiro, por outro lado, não pode trabalhar
durante períodos de forte geada ou de tempo ruim e, em todos os outros
períodos, seu emprego depende dos pedidos ocasionais de seus clientes.
Como consequência, ele se sujeita a estar frequentemente desempregado.
Portanto, tudo o que ganhar enquanto estiver empregado, além de servir
para sua subsistência enquanto ele estiver ocioso, também deverá trazer
alguma compensação para os momentos de ansiedade e desespero que o
pensamento de uma situação tão precária deve às vezes causar. Se, por
um lado, os ganhos registrados da maior parte dos trabalhadores em
manufaturas, nesse sentido, estão quase no mesmo nível dos salários dos
trabalhadores comuns, o dos pedreiros é geralmente a metade ou o dobro
daqueles salários. Nos locais em que os trabalhadores comuns ganham 4
ou 5 xelins por semana, os pedreiros costumam ganhar 7 ou 8; nos locais
em que os primeiros ganham 6, os pedreiros costumam ganhar 9 e 10; e,
onde aqueles ganham 9 e 10, como em Londres, estes geralmente ganham
15 e 18. Nenhum outro tipo de trabalho qualificado, no entanto, parece
ser mais fácil de aprender do que o dos pedreiros. Dizem que, durante o
verão londrino, os carregadores de liteira são às vezes empregados como
pedreiros. Assim, os altos salários desses trabalhadores não representam
a recompensa por uma habilidade específica, mas a compensação pela
instabilidade de seu emprego.
Um carpinteiro parece exercer uma atividade um pouco mais
agradável e mais inventiva que um pedreiro. Na maioria dos lugares, mas
não em todos, seu salário diário é um pouco menor. Seu emprego, apesar
de depender muito dos chamados ocasionais de seus clientes, não
depende inteiramente deles; e não é susceptível de ser interrompido pelo
clima.
Quando os negócios que costumam proporcionar emprego estável
não o fazem em uma localidade particular, os salários dos trabalhadores
sempre sobem muito acima da proporção ordinária que guardam com o
trabalho comum. Em Londres, quase todos os artesãos diaristas126 estão
sujeitos a ser contratados e dispensados diariamente ou semanalmente da
mesma forma que os trabalhadores diaristas de outros lugares. Como
consequência, a classe mais baixa de artesãos, os alfaiates diaristas,
ganham meia coroa por dia, embora possamos dizer que 18 pence
representam o salário do trabalho comum. Em pequenas cidades e
aldeias do país, os salários dos alfaiates diaristas mal chegam ao valor do
trabalho comum; mas, em Londres, eles podem ficar muitas semanas sem
emprego, particularmente durante o verão.
Quando a instabilidade do emprego é combinada com as
dificuldades, o caráter desagradável e a insalubridade do trabalho, os
salários dos trabalhos mais comuns são às vezes elevados acima dos
salários dos artesãos mais bem qualificados. Supõe-se que, em Newcastle,
um mineiro que trabalhe por tarefa receba aproximadamente o dobro do
salário do trabalhador comum; e, em muitas partes da Escócia, cerca de
três vezes. Seus altos salários decorrem de todas as dificuldades, do
caráter desagradável e da insalubridade desse trabalho. Seu emprego
pode, na maioria das vezes, ser tão estável quanto ele queira. Os
carregadores de carvão de Londres exercem um negócio que quase se
iguala ao dos mineiros em dificuldades, caráter desagradável e
insalubridade; e, pela inevitável irregularidade das chegadas dos navios
de carvão, o emprego da maior parte deles é necessariamente muito
instável. Se, portanto, os mineiros costumam ganhar o dobro e o triplo
dos salários do trabalho comum, não deveria parecer irrazoável que os
carregadores de carvão recebessem ocasionalmente entre quatro e cinco
vezes aqueles salários. Em uma pesquisa realizada há alguns anos sobre a
condição desses trabalhadores, verificou-se que, pela taxa a que eram
então pagos, recebiam entre 6 e 10 xelins por dia. Seis xelins são
aproximadamente quatro vezes o salário do trabalho comum em
Londres, e, em todas as atividades, podemos sempre considerar o salário
comum mais baixo como o ganho do maior número de pessoas. Por mais
extravagantes que esses ganhos possam parecer, se fossem mais do que
suficientes para compensar todas as circunstâncias desagradáveis da
atividade, haveria rapidamente um número tão grande de concorrentes
que os ganhos — em um negócio em que não há privilégios exclusivos —
seriam rapidamente reduzidos a uma taxa mais baixa.
Os lucros ordinários do capital não podem ser afetados, em nenhum
negócio específico, pela estabilidade ou pela instabilidade de seu
emprego. A aplicação constante ou não do capital não depende do
negócio, mas do negociante.127
Em quarto lugar, os salários do trabalho variam de acordo com o
nível de confiança, baixo ou alto, que se deve depositar nos
trabalhadores.
Em todos os lugares, devido aos materiais preciosos que lhes são
confiados, os salários dos ourives e dos joalheiros são superiores aos de
muitos outros trabalhadores, tanto em relação aos de engenhosidade
semelhante quanto aos de engenhosidade muito superior.
Confiamos nossa saúde ao médico; nossa fortuna e às vezes a nossa
vida e reputação, ao advogado. Tal confiança não pode ser entregue a
pessoas de condições baixas. A remuneração delas deve, portanto, refletir
a condição social exigida por uma confiança tão importante. O longo
tempo e a grande despesa que devem ser aplicados em sua educação,
quando combinados a essa circunstância, necessariamente elevam ainda
mais o preço de seu trabalho.
Quando uma pessoa emprega apenas seu próprio capital em seu
negócio, não se fala em confiança; e o crédito que talvez receba de outras
pessoas depende não da natureza de sua atividade comercial, mas da
opinião que os outros têm sobre sua fortuna, probidade e prudência.
Portanto, as diferentes taxas de lucro dos diferentes ramos de atividades
não resultam dos diferentes graus de confiança depositados nos
negociantes.
Em quinto lugar, os salários do trabalho em diferentes empregos
variam de acordo com a sua probabilidade ou improbabilidade de
sucesso.
A probabilidade de que qualquer indivíduo consiga se qualificar para
o emprego de sua formação educacional é muito diferente em diferentes
ocupações. Na maior parte dos comércios mecânicos, o sucesso é quase
certo; mas é muito incerto em relação às profissões liberais. Faça de seu
filho um aprendiz de sapateiro; há pouca dúvida de que ele aprenderá a
fazer um par de sapatos. Agora mande-o estudar Direito: as chances de
ele adquirir um nível de proficiência que lhe permita viver dessa
atividade são de, pelo menos, vinte para uma. Em uma loteria
perfeitamente justa, o ganhador do prêmio leva tudo o que é perdido
pelos outros. Em uma profissão em que vinte fracassam e um tem
sucesso, este último deveria ganhar tudo o que os outros vinte, que não
tiveram sucesso, deveriam ganhar. O conselheiro legal que, talvez,
chegando aos seus 40 anos de idade, começasse a receber algo por sua
profissão, além de receber a retribuição de sua própria educação tão
tediosa e cara, também deveria receber a retribuição daqueles vinte
outros que não conseguiram fazer nada com a mesma educação recebida.
Por mais caros que os honorários dos conselheiros legais possam às vezes
parecer, sua retribuição real nunca chega a esse valor. Em uma região
qualquer, contabilize os prováveis ganhos anuais e os prováveis gastos
anuais de todos os diferentes trabalhadores de quaisquer negócios
comuns — sapateiros ou tecelões, por exemplo — e você perceberá que,
em geral, os ganhos excedem os gastos. Mas faça o mesmo cálculo no que
se refere a todos os advogados e alunos de Direito de todas as suas
associações profissionais128 e verá que a proporção entre ganhos e gastos
anuais é muito pequena; ainda que, pela percepção comum, os primeiros
sejam calculados a uma taxa alta, e os segundos, a uma taxa baixa. A
loteria do Direito, portanto, está muito longe de ser perfeitamente justa;
e, assim como ocorre em muitas outras profissões liberais e honradas, o
direito é evidentemente mal recompensado em termos de ganho
pecuniário.
Mesmo assim, essas profissões se mantêm ao par com as outras
ocupações e, não obstante esses desalentos, todos os espíritos mais
magnânimos e generosos desejam fortemente apinhar-se nelas. Duas
causas contribuem para que sejam profissões recomendadas. A primeira
é o desejo de obter a reputação que, com excelência superior, qualquer
uma delas recebe; e a segunda é a confiança natural que, em maior ou
menor grau, todo homem tem não só em suas próprias habilidades, mas
em sua própria boa fortuna.
Distinguir-se em uma profissão em que a maioria atinge um nível
medíocre é a marca mais decisiva do que é chamado de gênio ou de
talento superior. A admiração pública que recai sobre essas habilidades
distintas sempre faz parte de sua remuneração, que será maior ou menor
em proporção ao maior ou menor grau de admiração. Ela é parte
considerável da remuneração dos médicos; talvez seja ainda maior na
profissão dos advogados; e é parte quase integral na de poetas e filósofos.
Há alguns talentos muito agradáveis e bonitos cuja posse gera um
determinado tipo de admiração; mas cujo exercício por uma questão de
ganho é considerado, seja racionalmente ou por preconceito, como um
tipo de prostituição pública. A recompensa pecuniária, portanto,
daqueles que as exercem desse modo deve ser suficiente não apenas para
pagar pelo tempo, trabalho e despesas para adquirir esses talentos, mas
para pagar pelo descrédito que acomete o emprego dessas atividades
como o meio de subsistência. As altas remunerações dos atores, dos
cantores de ópera, dos bailarinos de ópera, etc. possuem dois princípios
como fundamento: a raridade e a beleza de seus talentos e o descrédito de
empregá-los dessa maneira. À primeira vista, parece um absurdo:
desprezamos os indivíduos, mas premiamos seus talentos com a mais
profusa generosidade. Enquanto fazemos um, no entanto, devemos
necessariamente fazer o outro. Se forem alterados a opinião pública ou o
preconceito no que diz respeito a tais ocupações, suas recompensas
pecuniárias diminuirão rapidamente. Mais pessoas se candidatariam a
elas e a concorrência reduziria o preço de seu trabalho de forma rápida.
Embora esses talentos estejam longe de ser comuns, não são, de forma
alguma, tão raros como se imagina. Muitas pessoas os possuem em
grande perfeição, mas desdenham de usá-los dessa maneira; e muitas
outras seriam capazes de adquiri-los caso pudessem fazer algo de forma
honrada com eles.
A vaidade arrogante que a maioria das pessoas tem sobre suas
próprias habilidades é um mal antigo comentado por filósofos e
moralistas de todas as épocas. A presunção absurda sobre sua própria
sorte tem sido menos notada, mas ela é, se isso for possível, ainda mais
universal. Não há um homem vivo que, com saúde e ânimo aceitáveis,
não participe dela. A probabilidade de ganho é, em maior ou menor grau,
sobrevalorizada por todos, e a probabilidade de perda é subvalorizada
pela maioria das pessoas; e praticamente ninguém, com saúde e ânimo
toleráveis, a avalia por mais do que vale.
A sobrevalorização da probabilidade de ganho está bem
exemplificada pelo grande sucesso das loterias. O mundo nunca
testemunhou nem irá testemunhar uma loteria perfeitamente justa, ou
uma em que a integralidade dos ganhos compense a integralidade das
perdas, pois seu promotor nada ganharia com isso. Nas loterias estatais,
os bilhetes não valem realmente o preço que os subscritores originais
pagaram por eles, mas, ainda assim, costumam ser vendidos no mercado
por 20%, 30% e, às vezes, 40% a mais. A vã esperança de ganhar algum
grande prêmio é a causa única dessa demanda. Há pessoas muito
sensatas que não consideram uma loucura pagar uma pequena quantia
para ter a chance de ganhar 10 mil ou 20 mil libras; mesmo sabendo que
a pequena quantia paga talvez tenha custado 20% ou 30% mais do que o
valor da aposta. A demanda por bilhetes não seria a mesma em uma
loteria cujos prêmios não excedessem 20 libras, mas que, em outros
aspectos, se aproximasse muito mais de uma loteria perfeitamente justa
que as loterias estatais comuns. Para melhorar as chances de ganhar os
grandes prêmios, algumas pessoas compram vários bilhetes e outras
compram pequenas participações em um número ainda maior de
bilhetes. Não há, no entanto, uma proposição mais correta em
matemática do que esta: quanto mais bilhetes são comprados, maiores as
chances de ser um perdedor. Compre todos os bilhetes de loteria e será
certamente um perdedor; e quanto maior o número de bilhetes, mais
perto se chega dessa certeza.
O lucro bastante moderado dos seguradores serve para exemplificar
que a chance de perder é frequentemente subvalorizada e quase nunca
valorizada além de seu mérito. Para que um seguro, seja ele contra os
riscos de incêndio ou da navegação, se torne realmente um negócio, o
prêmio comum deve ser suficiente para compensar as perdas comuns,
para pagar as despesas de gestão e para gerar o mesmo lucro que poderia
ser gerado por um capital igual aplicado em qualquer negócio comum. A
pessoa que não paga mais do que isso evidentemente não paga mais do
que o valor real do risco, isto é, o menor preço pelo qual se pode
razoavelmente assegurá-lo. Mas, apesar de muita gente ter ganhado um
pouco de dinheiro com esse negócio, poucas pessoas fizeram uma grande
fortuna; essa consideração, por si só, já parece tornar suficientemente
evidente que o equilíbrio normal entre lucros e perdas não é mais
vantajoso nesse ramo que em outras atividades comuns por meio das
quais tantas pessoas fazem fortunas. Mesmo tendo um prêmio
geralmente moderado, no entanto, muitas pessoas desprezam tanto o
risco que deixam de pagar por ele. Se tomarmos a média de todo o Reino,
19 casas em cada 20, ou melhor, talvez 99 em 100, não têm seguro contra
incêndio. Os riscos marítimos são mais alarmantes para a maior parte
das pessoas, e a proporção de navios assegurados para aqueles não
assegurados é muito maior. Muitos navegam, no entanto, em todas as
estações do ano e até mesmo em períodos de guerra sem qualquer
seguro. Isso talvez possa, às vezes, ser feito sem que haja imprudência.
Quando uma grande empresa, ou até mesmo um grande comerciante,
tem vinte ou trinta navios no mar, eles podem, por assim dizer, segurar
uns aos outros. O prêmio economizado na somatória de cada um deles
pode mais do que compensar as perdas possíveis pelo curso comum do
acaso. Negligenciar o seguro sobre o frete, no entanto, da mesma maneira
como no exemplo das casas, não é, na maioria dos casos, o efeito de um
belo cálculo, mas o resultado da mera imprudência impensada e o
presunçoso desprezo aos riscos.
Esse desprezo ao risco e a presunçosa esperança de sucesso não estão
mais ativos em nenhum outro período da vida senão quando os jovens
escolhem suas profissões. O quão pouco o medo da má fortuna é capaz
de equilibrar a esperança da boa sorte parece estar ainda mais evidente
na prontidão com que as pessoas comuns se alistam como soldados ou se
lançam ao mar do que na ânsia de todas aquelas pessoas das classes mais
altas para entrar nas chamadas profissões liberais.
É bastante óbvio o que um soldado comum tem a perder. Esquecendo
o perigo, no entanto, os jovens voluntários nunca se alistam tão
prontamente como no início de uma nova guerra; e embora não tenham
quase nenhuma chance de promoção, eles, em suas fantasias juvenis,
imaginam mil oportunidades para obter honra e distinção, as quais
nunca ocorrerão. Essas esperanças românticas perfazem todo o preço de
seu sangue. Seu salário é menor que o dos trabalhadores comuns, e sua
fadiga em serviço, muito maior.
A loteria do mar não é tão desvantajosa quanto a do exército. O filho
de um trabalhador ou artesão honroso costuma ir ao mar com o
consentimento de seu pai; mas quando o filho se alista como soldado,
nunca há consentimento. As pessoas veem que ele tem alguma chance de
conseguir algo por meio da primeira atividade, mas somente ele enxerga
essa chance na outra. O grande almirante é objeto de menor admiração
pública do que o grande general; e o maior sucesso nos serviços
marítimos promete fortuna e reputação menos brilhantes que o mesmo
sucesso em terra firme. A mesma diferença se dá em todos os graus
inferiores da hierarquia de ambos. Pelas regras hierárquicas, um capitão
da Marinha tem a mesma posição de um coronel do Exército: mas ele
não ocupa essa mesma posição no apreço das pessoas. Já que são poucos
os grandes prêmios da loteria, os pequenos prêmios devem ser mais
numerosos. Portanto, os marinheiros comuns conseguem alguma fortuna
e promoção com maior frequência que os soldados rasos; a esperança
daqueles prêmios faz dessa profissão uma atividade recomendada.
Embora tenham habilidades e técnicas muito superiores àquelas de quase
todos os artesãos; embora toda a sua vida seja uma cena contínua de
dificuldades e perigos, ainda assim, independentemente de toda essa
técnica e habilidade e de todas as dificuldades e perigos, enquanto ainda
forem marinheiros comuns não receberão quase nenhuma outra
recompensa senão o prazer de exercer as primeiras e de superar as
dificuldades e os perigos. Seus salários não são maiores do que aqueles
dos trabalhadores comuns do porto, que regulamentam a taxa salarial
dos marinheiros. Já que vão constantemente de um porto a outro, os
salários mensais das pessoas que navegam por todos os diferentes portos
da Grã-Bretanha são mais semelhantes do que os salários de quaisquer
outras pessoas que trabalham naqueles diferentes lugares; e a taxa salarial
do porto de partida e chegada da maioria dos navegadores, ou seja, do
porto de Londres, regulamenta as taxas de todos os outros portos. Em
Londres, os salários da maior parte das diferentes classes de
trabalhadores são aproximadamente o dobro dos das mesmas classes em
Edimburgo, mas os marinheiros que saem do porto de Londres
raramente ganham 3 ou 4 xelins por mês a mais do que aqueles que
partem do porto de Leith. Em geral, porém, a diferença não é tão grande.
Em tempos de paz e na marinha mercante, o preço de Londres vai de 1
guinéu a cerca de 27 guinéus por mês. Em Londres, um trabalhador
comum, à taxa de 9 ou 10 xelins por semana, pode ganhar entre 40 e 45
xelins por mês. Além de seu salário, de fato, o marinheiro também recebe
alimentos. No entanto, é possível que esse valor nem sempre exceda a
diferença entre seu salário e o do trabalhador comum; e, embora às vezes
o seja, o excesso não será um ganho líquido do marinheiro, pois ele não
pode compartilhá-lo com sua esposa e família, pessoas que deverá
sustentar em casa com seu salário.
Os perigos e escapadas por um triz de uma vida de aventuras
parecem mais atrair os jovens a essa atividade que desencorajá-los. Uma
mãe de classe baixa costuma ter medo de enviar seus filhos para estudar
em cidades portuárias, pois teme que a visão dos navios e as conversas e
aventuras dos marinheiros os atraiam para o mar. A perspectiva de
perigos distantes, dos quais acreditamos que podemos nos desvencilhar
com coragem e assertividade, não é desagradável, mas também não causa
aumento dos salários do trabalho de nenhum emprego. O contrário
ocorre com aqueles em que a coragem e a assertividade não possuem
qualquer serventia. Os salários das profissões conhecidas por serem
muito insalubres são sempre incrivelmente altos. A insalubridade é uma
espécie de caráter desagradável, e seus efeitos sobre os salários do
trabalho devem ser classificados naquela categoria geral.
Em todas as diferentes aplicações do capital, a taxa normal de lucro
varia mais ou menos com a certeza ou incerteza dos retornos. Estes são,
em geral, menos incertos no comércio interno do que no externo, e
menos incertos em alguns ramos do comércio externo que em outros;
menos no comércio com a América do Norte, por exemplo, do que nos
negócios com a Jamaica. A taxa normal de lucro sempre aumenta em
maior ou menor medida com o risco. No entanto, não parece aumentar
na mesma proporção ou aumentar de forma a compensá-lo totalmente.
O maior número de falências ocorre nos negócios mais perigosos. O mais
arriscado de todos os negócios, o do contrabandista, é o caminho
infalível para a falência, embora, quando sua empreitada obtém sucesso,
ela é, da mesma forma, o negócio mais rentável. A presunçosa esperança
de sucesso parece atuar aqui como em todos os outros casos e aparenta
atrair tantos aventureiros a esses negócios arriscados a ponto de a grande
concorrência reduzir o lucro a um valor abaixo do que é suficiente para
compensar seu risco. Para compensá-lo completamente, os retornos
comuns devem, acima dos lucros normais do capital, compensar todas as
perdas ocasionais e gerar um lucro excedente aos empreendedores, da
mesma natureza do lucro dos seguradores. Mas se os seus retornos
comuns fossem suficientes para tudo isso, a frequência das falências seria
semelhante àquela dos outros negócios.
Portanto, das cinco circunstâncias que causam variações nos salários
do trabalho, apenas duas delas afetam os lucros do capital; o caráter
agradável ou desagradável da atividade e o risco ou a segurança com que
é realizada. Em relação ao caráter agradável ou desagradável, há pouca ou
nenhuma diferença na maior parte das diferentes aplicações do capital;
mas há uma grande diferença nos empregos do trabalho; e, embora
lucros ordinários do capital aumentem com os riscos, parece que nunca
aumentam de forma proporcional. De tudo isso segue que, na mesma
sociedade ou região, as taxas normais e médias de lucro nas diferentes
aplicações do capital deveriam ser mais semelhantes entre si que os
salários pecuniários dos diferentes tipos de trabalho. E, de fato, assim
ocorre. A diferença entre os ganhos de um trabalhador comum e os de
um advogado ou médico bem empregados é evidentemente muito maior
do que a diferença entre os lucros ordinários de dois diferentes ramos de
negócio. Além disso, a diferença aparente entre os lucros de diferentes
ramos de negócio é, em geral, uma ilusão que ocorre por nem sempre
conseguirmos distinguir o que deve ser considerado como salário e o que
deve ser considerado como lucro.
O lucro dos boticários se tornou sinônimo de algo invulgarmente
excessivo. Esse grande lucro aparente, no entanto, costuma ser não mais
que os salários razoáveis do trabalho. A habilidade de um boticário é
uma questão muito mais admirável e delicada do que a de um artesão
qualquer; além disso, a confiança depositada é muito mais importante.
Ele é o médico dos pobres em todos os casos e dos ricos quando as
angústias ou o perigo não são muito grandes. Sua recompensa, portanto,
deve ser adequada a sua habilidade e confiança, e geralmente é resultado
do preço dos medicamentos vendidos por ele. Mas todos os
medicamentos que o boticário mais bem empregado de uma cidade com
um grande mercado venda em um ano não lhe custarão, talvez, mais de
30 ou 40 libras. E, embora ele os venda com lucro de 300%, 400% ou
1.000%, esse valor não será em geral maior que o salário razoável de seu
trabalho, cobrado da única maneira que pode ser cobrado, pelo preço dos
seus medicamentos. A maior parte do lucro aparente é formada pelos
salários reais disfarçados de lucro.
Em uma pequena cidade portuária, uma pequena mercearia obterá
40% ou 50% sobre um capital de apenas 100 libras, enquanto um
comerciante atacadista da mesma localidade mal conseguirá entre 8% e
10% sobre um capital de 10 mil. O comércio da mercearia pode ser
necessário por sua conveniência aos habitantes, mas a estreiteza do
mercado talvez não admita a aplicação de um capital maior no negócio.
Uma pessoa, no entanto, não deve apenas viver de seus negócios, mas
deve viver de acordo com as qualificações requeridas por eles. Além de
possuir um pequeno capital, ela deve ser capaz de ler, escrever e contar;
deve, também, conhecer de forma aceitável, talvez, 50 ou 60 tipos
diferentes de mercadorias, seus preços, qualidades e os mercados onde
elas são mais baratas. Ele deve, em suma, ter todo o conhecimento
necessário para ser um grande comerciante, o que nada o impede de
tornar-se, exceto a falta do capital suficiente. Trinta ou 40 libras por ano
não podem ser consideradas uma compensação muito grande pelo
trabalho de uma pessoa tão talentosa. Deduza isso dos lucros
aparentemente grandes de seu capital e sobrará, talvez, pouco mais que
os lucros ordinários do capital. A maior parte dos lucros aparentes são,
também nesse caso, os salários reais.
A diferença entre o lucro aparente da venda a varejo e do comércio
atacadista é muito menor na capital do que nas pequenas cidades e vilas
rurais. Onde é possível aplicar 10 mil libras em um comércio de
mercearia, os salários do trabalho do merceeiro são apenas uma soma
muito insignificante em relação aos lucros reais de um capital tão grande.
Nesse lugar, portanto, os lucros aparentes do rico varejista serão mais
semelhantes aos do comerciante atacadista. É por essa razão que as
mercadorias vendidas no varejo são geralmente mais baratas e
frequentemente muito mais baratas na capital do que nas pequenas
cidades e vilas rurais. Os produtos de mercearia, por exemplo, são
geralmente muito mais baratos; o pão e a carne de açougue costumam ser
igualmente baratos. Não é mais caro levar produtos de mercearia para as
grandes cidades que para as vilas rurais, mas custa muito mais para levar
milho e gado, pois a maior parte deles deverá ser transportada de uma
distância muito maior. Quando o custo primário dos produtos de
mercearia, portanto, é o mesmo em ambos os lugares, esses produtos
serão mais baratos quando o lucro sobre eles for menor. Os custos
primários do pão e da carne de açougue são maiores na cidade grande
que nas vilas do interior; e embora o lucro seja menor, eles nem sempre
são mais baratos na cidade, mas costumam ser igualmente baratos. Em
mercadorias como pão e carne de açougue, a mesma causa que diminui o
lucro aparente aumenta o custo primário. A extensão do mercado, ao dar
emprego a mais capitais, diminui o lucro aparente, mas, ao requerer
mercadorias vindas de maiores distâncias, aumenta o custo primário. A
diminuição de um e o aumento do outro parecem, na maioria dos casos,
quase contrabalançar-se; essa é provavelmente a razão para que os preços
do pão e da carne de açougue sejam em geral muito próximos em todo o
Reino, embora os preços do milho e do gado sejam normalmente muito
diferentes em diferentes partes.
Mesmo que os lucros do capital do comércio atacadista e varejista
sejam geralmente menores na capital que nas pequenas cidades e vilas
rurais, ainda assim grandes fortunas são frequentemente adquiridas a
partir de um início modesto nesta primeira, mas quase nunca nas outras.
Nas pequenas cidades e vilas rurais, devido à limitação do mercado, nem
sempre é possível ampliar os negócios a partir do aumento do capital.
Nesses locais, portanto, mesmo que a taxa de lucro de uma determinada
pessoa seja alta, sua soma ou montante nunca será muito grande, nem,
consequentemente, sua acumulação anual. Nas grandes cidades, pelo
contrário, o comércio pode ser ampliado com o aumento do capital; e o
crédito de uma pessoa frugal e próspera aumenta muito mais
rapidamente do que seu capital. Seus negócios podem ser ampliados em
proporção a esses dois fatores; a soma ou montante dos seus lucros é
proporcional à extensão de seu comércio; a sua acumulação anual é
proporcional ao montante de seus lucros. No entanto, mesmo nas cidades
grandes, raramente é possível fazer grandes fortunas em um dos ramos
comerciais regulares, bem estabelecidos e conhecidos, exceto como
consequência de uma longa vida de empenho ao trabalho, frugalidade e
atenção. Na verdade, às vezes as pessoas fazem fortunas repentinas nesses
lugares por meio de negócios especulativos. O comerciante especulativo
não exercita nenhuma atividade comercial regular, bem estabelecida ou
conhecida. Ele é comerciante de cereais em um ano, de vinhos no
seguinte e de açúcar no outro; entra em quaisquer negócios quando prevê
a possibilidade de lucros maiores que os normais; e também os abandona
quando prevê que os seus lucros poderão retornar ao nível dos outros
negócios: seus lucros e perdas, portanto, não mantêm nenhuma
proporção regular com os de quaisquer outras atividades comerciais bem
estabelecidas e conhecidas. Às vezes ocorre de um aventureiro audacioso
adquirir uma fortuna considerável por duas ou três especulações bem-
sucedidas; mas tem a mesma probabilidade de perdê-la por uma ou duas
malsucedidas. Esse tipo de negócio não pode ser realizado em nenhum
outro lugar senão nas grandes cidades. Somente em lugares com o mais
amplo comércio e comunicações há as informações necessárias para
executá-lo.
Embora as cinco circunstâncias anteriormente mencionadas
produzam desigualdades consideráveis nos salários do trabalho e nos
lucros do capital, elas não produzem nenhuma desigualdade em relação
ao total das vantagens e desvantagens, reais ou imaginárias, dos
diferentes empregos dos salários e do capital. A natureza dessas
circunstâncias é tal que compensam um pequeno ganho pecuniário em
alguns empregos e contrabalançam um grande ganho em outros.
No entanto, para que essa igualdade possa ser produzida no total das
suas vantagens ou desvantagens, três coisas são necessárias, até mesmo
nos lugares em que exista a mais perfeita liberdade: (I) os empregos
devem ser bem conhecidos e estabelecidos há bastante tempo na região;
(II) eles devem estar em seu estado ordinário, que pode ser chamado de
seu estado natural; e (III) eles devem ser o único ou principal emprego
daqueles que os ocupam.
Em primeiro lugar (I), essa igualdade somente se dará naqueles
empregos que são bem conhecidos e estabelecidos há muito tempo na
região.
Quando todas as outras circunstâncias são iguais, as novas atividades
comerciais têm, em geral, salários mais altos do que as antigas. Quando
um empreendedor aventureiro tenta estabelecer uma nova manufatura,
deve primeiro atrair trabalhadores de outras atividades, oferecendo
salários mais altos do que conseguiriam ganhar em seus empregos, ou
mais altos do que a natureza do seu trabalho exigiria; além disso, o
empreendedor deverá aguardar um tempo considerável antes de se
aventurar a reduzi-los ao nível comum. As manufaturas cuja demanda
depende totalmente da moda e da veleidade mudam a todo momento e
raramente duram o suficiente para serem consideradas como
manufaturas já estabelecidas há tempos. Aquelas cuja demanda, pelo
contrário, depende principalmente da utilidade ou da necessidade estão
menos sujeitas às mudanças e, assim, a mesma forma ou construção pode
continuar a ser demandada por séculos. Portanto, os salários do trabalho
do primeiro tipo de manufatura serão provavelmente maiores do que os
do segundo tipo. A cidade de Birmingham lida principalmente com
manufaturas do primeiro tipo; Sheffield, com as do segundo tipo; e
dizemos que os salários do trabalho nessas duas diferentes localidades
condizem com a diferença na natureza de suas manufaturas.
O estabelecimento de quaisquer novas manufaturas, de qualquer
novo ramo comercial ou de qualquer nova prática agrícola é sempre uma
especulação, para a qual o empreendedor aventureiro promete lucros
extraordinários a si mesmo. Esses lucros são, algumas vezes, muito
grandes e, em outras e talvez com maior frequência, o oposto; mas, em
geral, eles não guardam nenhuma proporção regular com os lucros de
outros comércios mais antigos da região. Se o projeto for bem-sucedido,
os lucros costumam ser inicialmente muito grandes. Quando o negócio
ou a prática se torna completamente estabelecido e conhecido, a
competição os reduz ao nível dos outros negócios.
Em segundo lugar, a igualdade do conjunto total de vantagens e
desvantagens dos diferentes empregos do trabalho e do capital somente
pode ocorrer no estado ordinário, ou no que podemos chamar de estado
natural desses empregos.
A demanda por quase todas as espécies diferentes de trabalho é em
alguns casos maior e, em outros, menor do que o habitual. Quando é
maior, as vantagens do emprego ficam acima de seu nível normal;
quando menor, abaixo. A demanda por trabalho rural é maior no
período da coleta de feno e de colheita do que durante a maior parte do
ano; e os salários sobem com a demanda. Nos períodos de guerra,
quando 40 mil ou 50 mil marinheiros são retirados da marinha mercante
e passam a servir o rei, a demanda por marinheiros de navios mercantes
eleva-se necessariamente pela falta de trabalhadores e, em tais ocasiões,
os salários que estavam entre 1 guinéu129 e 27 xelins aumentam para
valores entre 40 xelins e 3 libras130 por mês. Em uma manufatura em
decadência, pelo contrário, muitos trabalhadores, longe de abandonarem
suas antigas atividades, ficam satisfeitos com salários menores do que
seria adequado para a natureza de seu emprego.
Os lucros do capital variam de acordo com o preço das mercadorias
em que ele é aplicado. Quando o preço de qualquer mercadoria está
acima da taxa normal ou média, os lucros de pelo menos alguma parte
do capital que foi aplicado para levá-las ao mercado elevam-se acima de
seu nível adequado e ficam abaixo desse nível quando o preço está abaixo
da taxa normal ou média. Em maior ou menor grau, todas as
mercadorias estão sujeitas às variações de preço, algumas muito mais que
outras. Em todas as mercadorias produzidas pelo trabalho humano, a
quantidade de trabalho empregada anualmente é necessariamente
regulada pela demanda anual, de tal forma que o produto anual médio se
aproxime ao máximo do consumo anual médio. Já mostramos que em
alguns empregos a mesma quantidade de trabalho sempre produzirá a
mesma, ou quase a mesma, quantidade de mercadorias. Nas manufaturas
de linho ou lã, por exemplo, o mesmo número de mãos produzirá
anualmente quase a mesma quantidade de tecidos de linho e de lã. As
variações do preço de mercado dessas mercadorias, portanto, ocorrem
apenas devido a alguma variação acidental da demanda. Um luto público,
por exemplo, eleva o preço do tecido preto. Mas, já que a demanda por
quase todos os tipos de tecidos lisos de linho e de lã é bastante uniforme,
o mesmo vale para o seu preço. Mas há outros empregos em que a mesma
quantidade de trabalho nem sempre produzirá a mesma quantidade de
mercadorias. A mesma quantidade de trabalho, por exemplo, produzirá,
em anos diferentes, quantidades muito variadas de cereais, vinho, lúpulo,
açúcar, tabaco, etc. O preço dessas mercadorias, portanto, varia não só
com as variações da demanda, mas também com as variações muito
maiores e mais frequentes da quantidade; consequentemente, é
extremamente instável. Mas o lucro de alguns negociantes deverá
necessariamente flutuar com o preço das mercadorias. As operações do
comerciante especulativo são empregadas principalmente nessas
mercadorias. Ele se esforça para comprá-las quando prevê o aumento do
preço e vendê-las quando prevê a queda.
Em terceiro lugar, a igualdade do conjunto total de vantagens e
desvantagens dos diferentes empregos do trabalho e do capital somente
pode ocorrer naquela atividade que seja o emprego único ou principal de
quem se ocupa dela.
Quando uma pessoa obtém sua subsistência de um emprego que não
ocupa a maior parte de seu tempo, ela costuma estar disposta a trabalhar
nos intervalos em outro emprego que lhe pague um salário menor do
que, em outro caso, seria adequado à natureza do emprego.
Ainda há em muitas partes da Escócia um grupo de pessoas
chamadas cotters ou cottagers,131 embora fossem em maior número há
alguns anos. Eles são criados não domésticos dos proprietários de terras e
fazendeiros. A remuneração usual que recebem de seus mestres consiste
em uma casa, um pequeno jardim para a plantação de verduras, pasto
suficiente para uma vaca e, talvez, um ou dois acres de terras aráveis
ruins. Quando o proprietário precisa do trabalho deles, lhes dá, além
disso, dois pecks132 de aveia por semana, equivalentes a aproximadamente
16 pence esterlinos. Durante grande parte do ano, há poucas
oportunidades, ou nenhuma, para trabalharem, e, além disso, o cultivo
de suas pequenas posses não é suficiente para ocupar o tempo disponível
que lhes sobra. Dizem que, quando esses ocupantes eram mais
numerosos do que o são atualmente, estavam dispostos a entregar seu
tempo livre a qualquer um que lhes pagasse uma pequena remuneração e
a trabalhar por salários menores que os de outros trabalhadores.
Antigamente, parece que eram comuns em toda a Europa. Caso não fosse
assim, a maior parte dos agricultores e proprietários de países mal
cultivados e pouco povoados não conseguiria o número extraordinário
de trabalhadores que é exigido pelo trabalho rural em determinadas
estações. A remuneração diária ou semanal recebida ocasionalmente por
esses trabalhadores de seus mestres não era, evidentemente, o preço
integral do trabalho deles. Seu pequeno pedaço de terra também contava
em uma boa parte desse preço. A remuneração diária ou semanal, no
entanto, parece ter sido considerada como o valor cheio por muitos
escritores da Antiguidade que coletaram os preços do trabalho e dos
alimentos e que, prazerosamente, os apresentaram como
maravilhosamente baixos.
Os produtos de tal trabalho chegam ao mercado frequentemente mais
baratos do que, fosse o caso diferente, seria adequado à sua natureza. Em
muitas partes da Escócia, as meias são tecidas a um valor muito menor
do que aquele necessário para produzi-las em um tear em qualquer outro
lugar. Elas são o trabalho de criados e trabalhadores que obtêm a parte
principal de sua subsistência de algum outro emprego. Leith importa
anualmente mais de mil pares de meias vindas de Shetland;133 elas
custam entre 5 e 7 pence o par. Foi-me assegurado que em Lerwick, a
pequena capital das Ilhas Shetland, o preço normal do trabalho comum é
de 10 pence por dia. No mesmo arquipélago, o par de meias de lã
penteada é tricotado por valores que vão de 1 guinéu para cima.134
Na Escócia, a fiação do linho funciona quase da mesma forma que a
tricotagem de meias, isto é, é feita por trabalhadores cuja atividade
principal é outra. As pessoas que se esforçam para obter todo o seu
sustento por meio dessas atividades recebem apenas o necessário para
uma subsistência muito escassa. Na maior parte da Escócia, só uma boa
fiadora consegue ganhar 20 pence por semana.
Nos países ricos, o mercado costuma ser tão grande que qualquer
atividade é suficiente para empregar todo o trabalho e todo o capital
daqueles que se ocupam dela. Os exemplos de pessoas que ganham a vida
em um emprego e, ao mesmo tempo, obtêm alguma pequena vantagem
de outro ocorrem principalmente em países pobres. O seguinte exemplo,
de algo do mesmo tipo, pode ser encontrado na capital de um país muito
rico. Creio não haver outra cidade na Europa onde o aluguel135 de uma
casa seja mais caro do que em Londres, e ainda assim não conheço outra
capital onde um apartamento mobiliado possa ser alugado por valores
tão baixos. Além de esses apartamentos mobiliados serem mais baratos
em Londres do que em Paris, são muito mais baratos do que em
Edimburgo, no mesmo nível de qualidade; e o que pode parecer
extraordinário é que os apartamentos mobiliados são baratos porque o
aluguel de casas é caro. Em Londres, o aluguel de casas é caro não apenas
pelas causas que tornam um aluguel caro em todas as grandes capitais —
a saber, os altos preços do trabalho, os altos preços dos materiais de
construção, que, em geral, são transportados por grandes distâncias, e,
acima de tudo, os altos preços do terreno, já que todos os proprietários
agem como monopolistas e frequentemente cobram por um único acre
de terra ruim da cidade mais do que o valor de 100 acres da melhor terra
do interior —, mas também, em parte, por causa dos modos e costumes
peculiares do povo, os quais ditam que todo chefe de família deve alugar
uma casa inteira, de cima a baixo. Na Inglaterra, uma habitação engloba
tudo o que está contido sob o mesmo teto. Na França, na Escócia e em
muitas outras partes da Europa, não engloba mais do que um pavimento.
Em Londres, um comerciante é obrigado a alugar uma casa inteira na
parte da cidade onde moram seus clientes. Sua loja fica no piso térreo, ele
e sua família dormem no sótão; e, para pagar uma parte do aluguel de sua
casa, ele precisa sublocar os dois andares do meio. Ele espera sustentar
sua família com seu comércio e não por meio de seus inquilinos. Por
outro lado, em Paris e Edimburgo as pessoas que locam acomodações
geralmente não possuem outros meios de subsistência; e o preço das
acomodações naqueles locais deve ser suficiente para pagar o aluguel da
casa e todas as despesas da família.

Parte II – Desigualdades causadas pela


política da Europa
Falamos das desigualdades do conjunto de todas as vantagens e
desvantagens dos diferentes empregos do trabalho e do capital que, até
mesmo onde exista a mais perfeita liberdade, ocorrem pelo defeito de
qualquer um dos três requisitos anteriormente mencionados. Mas a
política da Europa, ao não permitir a perfeita liberdade, gera outras
desigualdades mais sérias.
A política gera essas desigualdades principalmente por meio de três
formas: em primeiro lugar, ao restringir a concorrência de alguns
empregos a um número menor de pessoas que o das que estariam
dispostas a neles entrar; em segundo lugar, ao aumentar em outros esse
número para além do natural; e, em terceiro lugar, ao obstruir a livre
circulação do trabalho e do capital, tanto de um emprego para outro
quanto de um lugar para outro.136
O principal meio utilizado para essa finalidade são os privilégios
exclusivos das corporações.
O privilégio exclusivo de um ofício corporativo necessariamente
restringe a competição, na cidade onde está estabelecido, aos que estão
licenciados para exercer o ofício. Normalmente, o requisito necessário
para a obtenção dessa liberdade é ter sido aprendiz de um mestre
devidamente qualificado na cidade. O estatuto da corporação regula, às
vezes, o número de aprendizes de um mestre e, quase sempre, o número
de anos que cada aprendiz é obrigado a servir a ele. A intenção das duas
regras é restringir a concorrência a um número muito menor de pessoas
que o das que estariam dispostas a entrar no negócio. A limitação do
número de aprendizes é uma restrição direta. O longo período de
aprendizagem é uma restrição mais indireta, mas igualmente efetiva, pois
aumenta as despesas com educação.
Em Sheffield, o estatuto da corporação impede que os profissionais de
cutelaria tenham mais de um aprendiz ao mesmo tempo. Em Norfolk e
Norwich, nenhum mestre tecelão pode ter mais de dois aprendizes, sob
pena de multa de 5 libras ao mês para a coroa. Nenhum mestre
chapeleiro pode ter mais de dois aprendizes em qualquer lugar da
Inglaterra ou em suas colônias, sob pena de multa de 5 libras por mês,
metade para a coroa e metade a quem processá-lo em qualquer tribunal.
Embora essas duas regras tenham sido confirmadas por uma lei pública
do Reino, são evidentemente ditadas pelo mesmo espírito corporativo
que estabeleceu o estatuto de Sheffield. Os tecelões de seda de Londres
estavam incorporados há pouco menos de um ano quando firmaram um
estatuto restringindo aos mestres o número de aprendizes para apenas
dois por vez. Foi preciso uma lei específica do Parlamento para que esse
estatuto fosse rescindido.137
Parece que, antigamente, em toda a Europa, o período de
aprendizagem estabelecido pela maioria das corporações de ofício era de
sete anos. Anteriormente essas corporações eram chamadas de
universidades, que, na verdade, é o nome latino apropriado para
qualquer tipo de corporação. A universidade dos ferreiros, a universidade
dos alfaiates, etc. são expressões normalmente encontradas nas velhas
cartas das cidades antigas. Quando foram estabelecidas aquelas
corporações específicas que hoje são peculiarmente chamadas de
universidades, o tempo de estudo necessário para se obter o grau de
mestre parece ter sido evidentemente copiado dos tempos de
aprendizagem dos ofícios comuns, cujas corporações eram muito mais
antigas. Assim como ter trabalhado sete anos sob a supervisão de um
mestre era necessário para que alguém se tornasse um mestre (ou
profissional qualificado) e para que este último, por sua vez, também
pudesse ter aprendizes em um ofício comum, o mesmo pode ser dito
daquele que estuda durante sete anos sob a supervisão de um mestre
devidamente qualificado para poder obter um título de mestre, professor
ou doutor (palavras sinônimas no passado) nas artes liberais e ter
acadêmicos ou aprendizes (palavras que, da mesma forma, eram
originalmente sinônimas) para estudar com ele.
No quinto ano do reinado da rainha Isabel foi instituída a lei mais
conhecida como Estatuto do Aprendiz,138 que dizia que nenhuma pessoa
deveria exercer no futuro qualquer negócio, arte ou mistério naquele
momento exercido na Inglaterra a menos que tivesse sido aprendiz por,
no mínimo, sete anos; e aquilo que antes havia sido o estatuto de muitas
corporações específicas agora passava a ser o direito geral e público de
todos os negócios realizados nas cidades mercantis da Inglaterra. Ainda
que as palavras dos estatutos fossem muito gerais e claramente
parecessem incluir todo o Reino, elas se limitavam, por interpretação, às
cidades mercantis; entende-se que, nas vilas rurais, as pessoas poderiam
exercer vários ofícios diferentes mesmo não tendo trabalhado por sete
anos como aprendizes em cada um deles, por serem ofícios necessários
para a comodidade dos habitantes e porque o número de pessoas não
costuma ser suficiente para suprir todos esses negócios com profissionais
específicos para tais atividades.
Por meio, também, de uma interpretação estrita das palavras do
estatuto, ele se limitava aos negócios estabelecidos na Inglaterra antes do
quinto ano de reinado de Isabel e nunca foi estendido para as atividades
iniciadas após aquela data. Essa limitação fez surgir várias distinções que,
consideradas como as regras de política, parecem ser tão sem sentido
quanto se possa imaginar. Também foi decretado, por exemplo, que um
fabricante de carros não poderia fabricar as rodas de seus próprios carros
nem empregar um diarista para fabricá-las, mas que ele deveria comprá-
las de um fabricante de rodas, posto que, na Inglaterra, o exercício deste
último ofício é anterior ao quinto ano do reinado de Isabel. Mas, embora
o fabricante de rodas nunca tenha sido aprendiz de um fabricante de
carros, poderá fabricar ele mesmo ou empregar diaristas para a
fabricação de carros; isso ocorre porque o negócio do fabricante de carros
não faz parte do estatuto, já que, na época em que foi escrito, não existia
na Inglaterra seu exercício. As manufaturas de Manchester, Birmingham
e Wolverhampton são muitas das quais, pelo motivo citado, não estão
incluídas no estatuto; pois não existiam na Inglaterra antes do estatuto do
quinto ano do reinado de Isabel. Na França, a duração da aprendizagem é
diferente em diferentes cidades e profissões. Em Paris, cinco anos é o
prazo exigido por muitos negócios; mas, antes que qualquer pessoa possa
ser qualificada para exercer o ofício como um mestre, ela deve, em
muitos casos, trabalhar por mais cinco anos como diarista. Durante este
último período, ela é chamada de companheiro de seu mestre e, assim, o
próprio intervalo é chamado de período de companheirismo.139
Na Escócia não há nenhuma lei geral que regule universalmente a
duração da aprendizagem. O período é diferente em diferentes
corporações. Quando o período é longo, uma parte dele pode em geral
ser abolida pelo pagamento de uma pequena taxa. Na maioria das
cidades também uma pequena taxa é suficiente para comprar a licença de
qualquer corporação. Os tecelões de linho e cânhamo, as principais
manufaturas do país, bem como todos os outros artesãos subordinados a
eles, fabricantes de rodas, fabricantes de carretéis, etc. podem exercer
seus ofícios em quaisquer municípios sem pagar nenhuma taxa. Em
todos os municípios, todas as pessoas podem vender carne de açougue
em qualquer dia permitido da semana. Na Escócia, até mesmo em alguns
negócios muito bons, o período comum de aprendizado é de três anos; e,
em geral, eu não conheço outro país na Europa onde as leis das
corporações sejam tão pouco opressivas.
A propriedade que cada um tem em seu próprio trabalho é a base
original de todas as outras propriedades, por isso é a mais sagrada e
inviolável. O patrimônio de um homem pobre encontra-se na força e na
destreza de suas mãos: impedir que ele empregue essa força e essa
destreza da maneira que achar melhor sem prejudicar o próximo é uma
violação direta da mais sagrada propriedade. É a usurpação clara da justa
liberdade do trabalhador e daqueles que podem estar dispostos a
empregá-lo. Ao impedir que o primeiro trabalhe no que considera
adequado, impede também que os outros empreguem a pessoa que
consideram mais adequada. O julgamento sobre se a pessoa está apta a
ser empregada pode certamente estar confiado ao discernimento dos
empregadores a cujo interesse tanto diz respeito. A ansiedade fingida do
legislador para que uma pessoa inadequada não seja empregada é
evidentemente tão impertinente quanto opressiva.
Um período mais alongado de aprendizagem não impede que os
objetos trabalhados com pouca perícia sejam apresentados para venda ao
público. Quando isso acontece, costuma ser o resultado de fraude e não
da falta de capacidade; nem o mais longo aprendizado poderá oferecer
garantia contra a fraude. Regulamentações bastante diferentes são
necessárias para evitar esse tipo de abuso. A marca da esterlina sobre a
prataria e as etiquetas nos tecidos de linho e de lã oferecem ao
comprador muito mais segurança do que qualquer estatuto de
aprendizagem. Em geral, ele busca por essas marcas, mas nunca
considera interessante inquirir se o trabalhador trabalhou por sete anos
como aprendiz.
Um período mais alongado de aprendizagem não tende, de forma
alguma, a formar jovens mais industriosos. Um diarista que trabalha por
tarefa está sujeito a ser muito mais empenhado, pois ele obtém um
benefício por cada esforço de seu empenho ao trabalho. Um aprendiz
está sujeito a ser ocioso e quase sempre o é, pois não tem nenhum
interesse imediato para agir de outra forma. Em empregos inferiores, o
prazer do trabalho consiste exclusivamente em sua remuneração. As
pessoas em condições de desfrutar mais cedo desses prazeres serão
provavelmente as que mais cedo aprenderão a gostar do trabalho e que
adquirirão o hábito precoce do empenho ao trabalho. Um jovem adquire
uma aversão natural ao trabalho quando, por muito tempo, não recebe
dele nenhum benefício. Os meninos saídos como aprendizes das
entidades públicas de caridade devem, em geral, cumprir um período de
aprendizagem maior do que o usual, e eles acabam se tornando muito
mais ociosos e inúteis.
Na Antiguidade, a aprendizagem era completamente desconhecida.
Os deveres recíprocos entre mestre e aprendiz são longamente tratados
pela legislação moderna. O direito romano nada diz sobre essa
instituição. Não conheço nenhuma palavra grega ou latina (acredito até
poder me aventurar a dizer que nenhuma existe) que exprima a ideia
atualmente dada à palavra aprendiz, isto é, um criado que deve, durante
um período de anos, trabalhar em um negócio específico em benefício de
um mestre que deverá lhe ensinar a profissão.
A longa aprendizagem é completamente desnecessária. Aquelas artes
que são muito superiores às atividades comuns, como a fabricação de
relógios, não possuem nenhum grande mistério que exija um longo
período de instrução. A invenção dessas belas máquinas, de fato, e até
mesmo a invenção de alguns instrumentos utilizados para construí-las
devem, sem dúvida, ter sido obra de profundas cogitações e longo tempo,
e podem, com justeza, ser consideradas um dos esforços mais felizes da
engenhosidade humana. Mas quando ambos, máquinas e instrumentos,
já foram inventados e estão bem compreendidos, explicar a qualquer
jovem, da forma mais completa, como aplicar esses instrumentos e como
construir essas máquinas não deve exigir muito mais do que algumas
semanas de aulas: talvez bastem apenas alguns dias. Para os ofícios
mecânicos comuns certamente bastam poucos dias. Na verdade, mesmo
nos ofícios comuns não há como adquirir destreza manual sem muita
prática e experiência. Mas um jovem praticaria com mais diligência e
atenção se, desde o início, já trabalhasse como diarista, sendo pago em
proporção ao pouco trabalho que conseguisse executar e pagando, por
sua vez, os materiais que ele eventualmente danificasse por seu mau jeito
e inexperiência. Assim, sua educação seria em geral mais efetiva e sempre
menos tediosa e cara. O mestre, na verdade, sairia perdendo. Ele perderia
todo o salário do aprendiz, que, na atualidade, ele economiza por sete
anos. No final, talvez, o próprio aprendiz saísse perdendo. Em um ofício
que pudesse ser aprendido de forma tão simples, ele teria mais
concorrentes, e seu salário — assim que se tornasse um trabalhador
completo — seria muito menor. Essa maior concorrência reduziria os
lucros dos mestres, bem como os salários dos trabalhadores. Ofícios,
artes e mistérios: todos sairiam perdendo. Mas o público sairia ganhando,
pois o trabalho de todos os artesãos ficaria mais barato para o mercado.
As corporações e grande parte dos regulamentos corporativos foram
estabelecidas para evitar essa redução dos preços e, consequentemente,
dos salários e dos lucros que certamente ocorreriam não fosse a restrição
da livre concorrência. Em muitas partes da Europa, na Antiguidade, a
fundação de uma corporação não precisava de nenhuma outra
autoridade senão a do governo local em que se encontrava o seu
estabelecimento. Na Inglaterra, na verdade, também era necessária uma
autorização do rei. Mas essa prerrogativa da coroa parece ter sido
bastante reservada mais para extorquir dinheiro dos súditos do que para
defender a liberdade de todos contra esses monopólios tão opressivos.
Parece que, após pagar uma taxa ao rei, a autorização costumava ser
prontamente concedida; e quando qualquer classe particular de artesãos
ou comerciantes imaginava ser melhor atuar como uma corporação sem
autorização real, essas guildas ilegais (adulterine guilds) — como eram
chamadas — nem sempre perdiam seus privilégios ou imunidades por
esse motivo, mas passavam a ter a obrigação de pagar à coroa uma taxa
anual de permissão para exercer os privilégios usurpados por elas.140 A
inspeção imediata de todas as corporações e dos estatutos sociais que
imaginavam adequados promulgar para seu próprio governo devia ser
realizada pela municipalidade na qual essas corporações se instalavam; as
medidas disciplinares impostas às corporações não costumavam emanar
do rei, mas de corporações maiores a que estavam subordinadas e das
quais eram apenas partes ou membros.
O governo dos municípios estava totalmente nas mãos de
comerciantes e artesãos; e cada uma de suas classes específicas tinha o
manifesto interesse de impedir que o mercado ficasse sobreabastecido,
conforme eles costumavam dizer, com sua própria espécie particular de
trabalho; que, na realidade, significa mantê-lo sempre subabastecido.
Cada classe estava ansiosa para estabelecer regulamentos adequados a
essa finalidade e, desde que fosse autorizada, estava disposta a consentir
que todas as outras classes fizessem o mesmo. De fato, como
consequência desses regulamentos, cada classe era obrigada a comprar os
bens de que precisava de todas as outras da mesma cidade, por um valor
um pouco maior do que, de outra forma, poderiam pagar. Mas, como
recompensa, lhes era permitido vender mais caro os seus próprios
produtos, de modo que se trocavam seis por meia dúzia, como se
costuma dizer; em vista disso, esses regulamentos não permitiam que as
diferentes classes de comerciantes saíssem perdendo nos negócios que
ocorriam entre eles dentro das cidades. Mas, em suas transações
comerciais com o campo, todos eles eram grandes ganhadores; e a
integralidade dos negócios que sustentam e enriquecem cada cidade
consiste nessas transações.
Cada cidade obtém do campo a integralidade de sua subsistência e
todos os insumos de sua indústria. Ela paga por eles de duas maneiras
principais: primeiro, enviando para o campo uma parte trabalhada e
manufaturada daqueles insumos, caso em que seu preço sobe por causa
dos salários dos trabalhadores e dos lucros de seus mestres ou
empregadores imediatos; segundo, enviando ao campo uma parte da
matéria-prima e dos produtos manufaturados que foram importados à
cidade, seja de outros países, seja de partes distantes do mesmo país;
nesse caso, o preço original dessas mercadorias também sobe,
influenciado pelos salários dos transportadores ou marinheiros e pelos
lucros dos comerciantes que os empregam. A vantagem que a cidade
recebe por suas manufaturas consiste nos ganhos realizados com o
primeiro dos dois ramos comerciais; a vantagem de seu comércio interno
e externo consiste nos ganhos adquiridos pelo segundo. Os salários dos
trabalhadores e os lucros de seus diversos empregadores compõem a
soma do que se ganha em ambos. Portanto, quaisquer regulamentos que
tendam a aumentar os salários e os lucros acima do que valeriam
normalmente tenderão a permitir que uma quantidade menor do
trabalho da cidade compre o produto de uma quantidade maior de
trabalho do campo. Os regulamentos oferecem aos comerciantes e
artesãos da cidade uma vantagem sobre os proprietários de terras, os
fazendeiros e os trabalhadores do campo e destroem a igualdade natural
que, em outro caso, existiria no comércio entre a cidade e o campo. O
produto anual total do trabalho da sociedade é dividido entre esses dois
conjuntos diferentes de pessoas. Por meio dos regulamentos, é entregue
aos habitantes da cidade uma parcela maior do produto do que lhes
caberia em outro caso e uma parcela menor para as pessoas do campo.
O preço que a cidade realmente paga pelos alimentos e materiais
importados anualmente para ela é igual à quantidade de manufaturas e
outros bens exportados anualmente dela. Quanto mais caras as
exportações, mais baratas serão as importações. A atividade na cidade se
torna mais vantajosa, e a do campo, menos.
Sem que façamos computações mais sofisticadas, podemos ver que,
por meio de uma observação muito simples e óbvia, a atividade exercida
nas cidades é em toda a Europa mais vantajosa do que a exercida no
campo. Em todos os países da Europa encontramos pelo menos cem
pessoas que começaram modestamente e adquiriram grandes fortunas
pelo comércio e pela manufatura — atividades que pertencem
propriamente à cidade — para cada uma que tenha feito fortuna com o
trabalho do campo — isto é, pela produção de produto bruto por meio da
melhoria e do cultivo da terra. O empenho ao trabalho, portanto, deve
ser mais bem remunerado, e os salários do trabalho e os lucros do capital
devem evidentemente ser maiores na primeira situação, e não na
segunda. Mas o capital e o trabalho buscam naturalmente o emprego
mais vantajoso. Dessa forma, recorrem tanto quanto possível à cidade,
abandonando o campo.
Os habitantes de uma cidade vivem próximos uns dos outros e, então,
podem se reunir facilmente em corporações. Por isso, em certas cidades,
os negócios mais insignificantes realizados foram reunidos em
corporações; e até mesmo nos locais em que negócios nunca estiveram
reunidos em corporações geralmente prevalece o espírito corporativo, a
suspeita em relação aos estranhos, a aversão aos aprendizes, isto é, o
desejo de não repassar os segredos de seus negócios geralmente prevalece
e muitas vezes ensina, por associações voluntárias e acordos entre os
profissionais, a evitar a livre concorrência que não podem proibir por
estatutos sociais. Os negócios que empregam poucas pessoas são os que
mais facilmente podem ser reunidos nessas associações. Meia dúzia de
cardadores talvez seja o bastante para manter mil fiandeiros e tecelões
trabalhando. Ao realizar um acordo para não aceitar aprendizes, eles
tomam todo o emprego para si141 mesmos e, assim, reduzem toda a
manufatura a uma espécie de escravidão a seu favor, elevando o preço do
seu trabalho a um valor muito acima do que lhes é devido pela natureza
de suas atividades.
Os habitantes do campo vivem distantes uns dos outros e, assim, não
conseguem se reunir facilmente em associações. Além de nunca terem se
associado em corporações, o espírito corporativo não prevaleceu entre
eles, nem se imaginou necessária a existência da condição de aprendiz
para qualificar uma pessoa para o cultivo da terra, o grande negócio da
zona rural. Depois das chamadas belas-artes e das profissões liberais, no
entanto, talvez não existam outros negócios que requeiram uma
variedade tão grande de conhecimentos e experiência. Os inúmeros
livros e escritos sobre o assunto em todas as línguas mostram que,
mesmo entre as nações mais sábias e mais instruídas, nunca foi
considerada questão de compreensão muito fácil. Podemos tentar em
vão, a partir de todos aqueles livros, obter os conhecimentos sobre suas
variadas e complexas operações, algo que até mesmo o agricultor comum
possui; mas, mesmo assim, muitos autores de alguns daqueles livros
falam desdenhosamente sobre o lavrador. Por outro lado, praticamente
não existe um trabalho mecânico em que todas as suas operações não
possam ser totalmente explicadas de forma clara em um panfleto de
pouquíssimas páginas por meio de palavras e figuras. Na descrição das
artes,142 agora publicada pela Academia Francesa de Ciências, várias
atividades são, de fato, explicadas dessa maneira. Além do mais, a
administração das operações agrícolas — que variam com cada mudança
do clima, bem como com muitos outros acidentes — requer muito mais
discernimento e escolhas do que os ofícios, que são sempre, ou quase
sempre, os mesmos.
Não apenas a arte técnica do agricultor, isto é, a supervisão geral das
operações agrícolas, mas muitos outros setores inferiores do trabalho
rural requerem muito mais habilidade e experiência do que a maior parte
das atividades mecânicas. Aquele que trabalha com o bronze ou o ferro
trabalha com instrumentos e materiais cuja têmpera é sempre, ou quase
sempre, a mesma. Mas o homem que ara a terra com cavalos ou bois
trabalha com instrumentos cuja saúde, força e temperamento são muito
diferentes em diferentes ocasiões. A condição dos materiais sobre os
quais ele trabalha também é tão variável como os seus instrumentos, e
ambos requerem uma direção com escolhas cuidadosas e discernimento.
Ao lavrador comum — embora seja geralmente considerado como o
padrão de estupidez e ignorância — raramente faltam boas escolhas e
discernimento. De fato, ele está menos acostumado às relações sociais do
que o trabalhador mecânico que vive na cidade. Sua voz e a linguagem
são mais rudes e mais difíceis de ser compreendidas por aqueles que não
estão acostumados a elas. O seu entendimento, no entanto, habituado a
considerar uma maior variedade de objetos, é geralmente muito superior
ao do trabalhador mecânico, cuja atenção toda, desde a manhã até a
noite, está comumente voltada para a execução de uma ou duas
operações muito simples. Que as pessoas das classes mais baixas do
campo são superiores às da cidade é algo bem conhecido por todos
aqueles cujos negócios ou cuja curiosidade os tenha levado a conversar
com ambas. Nesse sentido, diz-se que, na China e no Hindustão,143 tanto
a classe quanto os salários dos trabalhadores rurais são superiores aos da
maior parte dos manufaturadores e artesãos. Esse seria provavelmente o
caso em todas as partes se as leis e o espírito corporativo não o
impedissem.
A superioridade das atividades urbanas sobre as rurais em toda a
Europa não se deve totalmente às corporações e às leis corporativas. Ela
tem o apoio de muitas outras regulamentações. As elevadas taxas
impostas sobre as manufaturas estrangeiras e sobre todas as mercadorias
importadas pelos comerciantes estrangeiros tendem todas a uma mesma
finalidade. As leis corporativas permitem que os habitantes das cidades
aumentem seus preços sem temer que a livre concorrência de seus
próprios compatriotas venda os mesmos produtos a preços menores. Os
outros regulamentos asseguram as mesmas garantias, mas agora contra as
dos estrangeiros. Em todos os lugares, o aumento do preço ocasionado
por ambos é, ao final, pago pelos proprietários de terras, agricultores e
trabalhadores do campo, que raramente se opõem ao estabelecimento de
tais monopólios. Em geral, eles não têm nem inclinação nem aptidão
para se associarem; e o clamor e os sofismas dos manufaturadores e
comerciantes facilmente os convencem de que o interesse privado de
uma parte — e de uma parte secundária da sociedade — é o interesse
geral de toda a sociedade.
Na Grã-Bretanha, a superioridade das atividades urbanas em relação
às rurais parece ter sido maior no passado do que nos tempos atuais. Diz-
se que os salários do trabalho rural estão mais próximos dos salários do
setor manufatureiro e os lucros do capital empregado na agricultura estão
mais próximos dos lucros do capital comercial e manufatureiro do que
estiveram no século passado ou no início do presente. Essa mudança
pode ser considerada uma consequência necessária, embora muito
tardia, do extraordinário incentivo dado às atividades urbanas. O capital
acumulado nas cidades chega a ser tão elevado que já não pode mais ser
empregado juntamente com o lucro de antes nas atividades profissionais
próprias das cidades. Essas atividades têm seus limites, assim como todas
as outras; e o aumento de capital, por meio do aumento da competição,
causa necessariamente a redução dos lucros. A diminuição dos lucros na
cidade força a fuga do capital para o campo, onde, ao criar uma nova
demanda por trabalho rural, causa necessariamente a elevação dos
salários. Então o capital se espalha, se me permitem dizer, sobre a face da
Terra, e, ao ser empregado na agricultura, ele é em parte devolvido ao
campo à custa do que, em grande medida, havia sido originalmente
acumulado na cidade. Adiante me esforçarei para demonstrar que em
todos os lugares na Europa as grandes melhorias do campo têm como
causa essa superabundância do capital que foi originalmente acumulado
nas cidades; e, ao mesmo tempo, tentarei demonstrar que, embora alguns
países tenham alcançado um grau considerável de riqueza por esse meio,
ele é, em si, necessariamente lento, incerto, suscetível de ser perturbado e
interrompido por inúmeros acidentes e em todos os aspectos contrário à
ordem da natureza e da razão. No Livro III e no Livro IV da presente
obra, procurarei explicar da forma mais completa e clara possível os
interesses, preconceitos, leis e costumes que deram ocasião a isso.
As pessoas do mesmo negócio raramente se reúnem, nem mesmo
para se divertir e se distrair, mas quando acontece, a conversa sempre
termina em um complô contra o público, ou em algum artifício para
aumentar os preços. É, de fato, impossível impedir esse tipo de reunião
por qualquer lei que fosse executável ou compatível com a liberdade e a
justiça. Mas, embora a lei não possa impedir que as pessoas do mesmo
negócio às vezes se reúnam, ela não deveria fazer nada para facilitar tal
tipo de reunião; deveria fazer menos ainda para torná-las obrigatórias.
Essas reuniões são facilitadas por um regulamento que obriga todas
as pessoas de uma cidade específica que possuam a mesma atividade a
deixar nome e endereço residencial num registro público. Isso conecta
indivíduos que, não fosse o caso, nunca se conheceriam, e dá a toda
pessoa do negócio o endereço onde encontrar todas as outras do mesmo
negócio.
As reuniões são vistas como necessárias por um regulamento que
permite que as pessoas de um mesmo negócio imponham a si mesmas
uma taxa para sustentar os seus pobres, doentes, suas viúvas e órfãos, ao
oferecer-lhes o gerenciamento de um interesse comum.
Uma incorporação não só as torna necessárias, mas também faz com
que as decisões da maioria sejam vinculantes para todos. Em uma
atividade livre, uma associação eficaz somente poderá ser estabelecida
pelo consentimento unânime de todos os comerciantes; a associação será
desfeita quando um único comerciante mudar de ideia. Em uma
corporação, a maioria pode impor um estatuto junto com suas sanções
adequadas; esse contrato limitará a concorrência de forma mais efetiva e
durável do que quaisquer associações voluntárias.
A presunção de que as corporações são necessárias para o melhor
funcionamento dos negócios não possui nenhum fundamento. A
disciplina, verdadeira e eficaz, sobre o trabalhador não provém de sua
corporação, mas de seus clientes. É o medo de perder seu emprego que
restringe seus logros e corrige sua negligência. Uma corporação exclusiva
necessariamente enfraquece essa disciplina. Comportando-se bem ou
mal, é necessário empregar um determinado conjunto de trabalhadores.
É por esse motivo que não é possível encontrar trabalhadores aceitáveis
em muitos grandes municípios, nem mesmo nas atividades mais
importantes. Caso queira um trabalho executado de forma aceitável, o
cidadão deverá buscá-lo na periferia, pois os trabalhadores ali, não tendo
nenhum privilégio exclusivo, dependem apenas de seu caráter; e, em
seguida, o cidadão deverá contrabandear o produto para a cidade da
maneira que puder.
É dessa maneira que a política da Europa, ao restringir a concorrência
em alguns empregos a um número menor de pessoas do que as que
estariam dispostas a neles entrar, gera uma desigualdade muito séria no
total de vantagens e desvantagens dos diferentes empregos do trabalho e
do capital.
Em segundo lugar, a política da Europa, ao aumentar a concorrência
de alguns empregos para além da que naturalmente haveria, gera outra
desigualdade de um tipo oposto ao total de vantagens e desvantagens dos
diferentes empregos do trabalho e do capital.
A educação de um bom número de jovens para determinadas
profissões tem sido considerada tão importante que, às vezes, o governo
e, por vezes, a caridade privada estabelecem pensões, estipêndios,
prêmios, bolsas de estudo, etc. para essa finalidade, que atraem muito
mais pessoas para aquelas atividades do que o número de pessoas que,
em outro caso, estariam dispostas a segui-las. Em todos os países cristãos,
acredito, a educação da maior parte dos clérigos é paga dessa maneira.
Pouquíssimos recebem uma educação completa às suas próprias custas.
Assim, a educação longa, tediosa e cara daqueles que pagam por sua
própria educação nem sempre lhes proporcionará uma remuneração
apropriada, pois a igreja está lotada de pessoas que, para obter emprego,
estão dispostas a aceitar uma remuneração muito menor do que sua
formação acadêmica lhes permitiria em outro caso, e, dessa forma, a
concorrência dos pobres confisca a recompensa dos ricos. Seria, sem
dúvida, indecente comparar o cura ou o capelão da igreja a um diarista
de uma atividade comum qualquer. No entanto, de forma bastante
apropriada, podemos considerar que o salário de um cura ou capelão tem
a mesma natureza do salário de um diarista. Todos os três são pagos pelo
trabalho de acordo com o contrato celebrado com os seus respectivos
superiores. Até depois da metade do século XIV, a Inglaterra costumava
pagar a um cura — ou pároco estipendiário — cinco marcos contendo
cerca de 10 libras em valores atuais, conforme regulamentado pelos
decretos de diversos conselhos nacionais. No mesmo período, declarou-
se que 4 pence por dia, a quantidade de prata de 1 xelim atual, seria o
pagamento de um mestre-pedreiro, e 3 pence por dia, iguais a 9 pence de
nossa moeda atual, o de um pedreiro diarista.144 Assim, o salário desses
trabalhadores, supondo que estivessem sempre empregados, era muito
maior que o salário pago ao cura. O salário do mestre-pedreiro, supondo
que estivesse desempregado por um terço do ano, seria igual ao do cura.
No 12º ano de reinado da rainha Ana, c.12 (1714), foi declarado:
“considerando que, por falta de manutenção e encorajamento suficiente
para os curas, os curas de vários lugares estão pobremente
aprovisionados, o bispo, por sua firma e selo, terá, portanto, poderes para
designar por escrito um certo estipêndio ou compensação que seja
suficiente, não superior a 50 libras por ano e não inferior a 20”. Quarenta
libras por ano são consideradas, atualmente, um pagamento muito bom
para um cura, e não obstante este ato do Parlamento, existem muitos
curas que recebem menos de 20 libras por ano. Há sapateiros diaristas em
Londres que ganham 40 libras por ano, e mal há um trabalhador
diligente de qualquer classe naquela metrópole que não ganhe mais de 20
libras. Este último montante, na verdade, não excede o valor
frequentemente auferido por trabalhadores comuns de muitas paróquias
do país. Sempre que a lei tentou regulamentar os salários dos
trabalhadores, foi mais para reduzi-los do que para aumentá-los. Mas, em
várias ocasiões, a lei tentou aumentar o salário dos curas e, pela
dignidade da igreja, obrigar os reitores das paróquias a dar-lhes mais que
a miserável subsistência que os próprios curas estavam dispostos a
aceitar. E, em ambos os casos, a lei parece ter sido igualmente ineficaz, e
nunca nenhuma delas foi capaz de aumentar os salários dos curas ou
diminuir o dos trabalhadores aos níveis desejados; pois a lei nunca foi
capaz de impedir os curas de aceitar menos que o subsídio legal, por
causa da indigência de sua situação e da enormidade de seus
concorrentes; ou impedir os trabalhadores de receber mais, por causa da
competição oposta daqueles que, ao empregá-los, esperam obter lucros
ou prazer.
Os grandes benefícios e outras dignidades eclesiásticas sustentam a
honra da igreja, não obstante as péssimas condições de alguns membros
inferiores de sua hierarquia. E, mesmo nesse último caso, o respeito
prestado à profissão também traz alguma compensação, pela miséria de
sua remuneração. Na Inglaterra e em todos os países de católicos
romanos, a loteria da igreja é, na realidade, muito mais vantajosa do que
seria necessário. O exemplo das igrejas da Escócia, de Genebra e de
várias outras denominações protestantes mostra que, em uma profissão
tão fidedigna, em que a educação é tão facilmente adquirida, a
expectativa de benefícios muito mais moderados atrairá um número
suficiente de homens eruditos, decentes e respeitáveis às ordens sagradas.
Nas profissões em que esses benefícios não existem, tais como a
advocacia e a medicina, se uma proporção igual de pessoas fosse educada
com dinheiro público, a concorrência logo seria tão grande que sua
recompensa pecuniária cairia muito. Passaria, então, a não mais valer a
pena pagar com o próprio dinheiro para que o filho se formasse em
qualquer uma dessas profissões. Elas seriam totalmente abandonadas às
pessoas educadas por tais instituições públicas de caridade, cujos
números e necessidades as obrigariam em geral a se contentar com uma
remuneração muito miserável. Seria a degradação das atualmente
respeitadas profissões legais e médicas.
Essa raça malsucedida de homens, comumente chamada de homens
de letras, está exatamente na situação em que advogados e médicos
provavelmente estariam na suposição precedente. Em toda a Europa, a
maior parte deles é formada por pessoas que foram educadas pela igreja,
mas impedidas de fazer parte de suas ordens sagradas por diversas
razões. Portanto, foram educadas em geral com dinheiro público e, em
todos os lugares, são tão numerosas que o preço do trabalho delas acaba
se tornando uma remuneração muito pobre.
Antes da invenção da imprensa, um homem de letras podia apenas
utilizar seu talento como professor público ou privado, isto é,
comunicando aos outros o conhecimento útil e curioso que havia
adquirido. E isso ainda é certamente um emprego mais honrável, mais
útil e, em geral, mais rentável do que o de escrever para um livreiro,
emprego este que surgiu com a imprensa. O tempo e o estudo, a aplicação
e o conhecimento necessários para qualificar um eminente professor das
Ciências são, no mínimo, iguais aos necessários para os maiores
advogados e médicos. Mas a remuneração usual de um eminente
professor não mantém nenhuma proporção com a do advogado ou do
médico; isso ocorre porque a profissão do primeiro está repleta de
pessoas indigentes que foram educadas às expensas públicas, enquanto a
profissão dos outros dois possui pouquíssimas pessoas que não tenham
sido formadas por meio de seus próprios recursos. No entanto, a
remuneração usual de professores públicos e privados, mesmo que
pareça muito baixa, seria indubitavelmente menor se a concorrência
daqueles homens de letras, ainda mais indigentes, que escrevem para
comer, não fosse retirada do mercado. Antes da invenção da imprensa, os
termos “estudioso” e “pedinte” parecem ter sido quase sinônimos. Parece
que, no período anterior à imprensa, os reitores das universidades davam
aos acadêmicos uma licença para mendigar.
Na Antiguidade, antes do estabelecimento de qualquer tipo de
caridade para a educação de pessoas indigentes às profissões cultas, as
remunerações dos eminentes professores parecem ter sido muito
maiores. Isócrates, em seu discurso contra os sofistas,145 critica os
professores de seu próprio tempo, chamando-os de incoerentes. “Fazem
as promessas mais magníficas aos estudantes”, diz ele, “e se comprometem
a ensinar como ser sábio, ser feliz e ser justo; e, em troca de um serviço
tão importante, estipulam uma remuneração miserável de 4 ou 5 minas.
Aqueles que ensinam a sabedoria”, continua ele, “deveriam certamente ser
sábios; mas qualquer homem que oferecesse esse tipo de barganha por
esse preço seria considerado culpado da mais evidente loucura”. Aqui, ele
certamente não desejava exagerar na remuneração, e podemos estar
certos de que ela não era menor do que diz o autor. Quatro minas
equivaliam a 13 libras, 6 xelins e 8 pence; 5 minas, a 16 libras, 13 xelins e
4 pence. Assim, naquele tempo, os mais eminentes professores de Atenas
deviam receber algo que não fosse menor que 5 minas. O próprio
Isócrates cobrava 10 minas, isto é, 33 libras, 6 xelins e 8 pence, de cada
um de seus alunos. Dizem que, quando lecionou em Atenas, tinha cem
deles. Eu entendo que esse é o número de pessoas que ele ensinava ao
mesmo tempo, isto é, frequentadores do que chamaríamos de um curso
de palestras; um número que não parece tão extraordinário para uma
cidade tão grande e para um professor tão famoso, e que também
ensinava a mais elegante matéria daquela época: a retórica. Ele deve ter
recebido, portanto, por cada curso de palestras, mil minas, ou 3.333
libras, 6 xelins e 8 pence. Nesse sentido, em outra obra, Plutarco diz que
sua didactron, ou seja, o preço usual do ensino, era de mil minas.146
Parece que muitos outros professores eminentes daqueles tempos fizeram
grandes fortunas. Górgias presenteou o templo de Delfos com uma
estátua de si próprio feita em ouro maciço. Mas não devemos supor,
acredito, que a estátua era de tamanho natural. Seu estilo de vida, bem
como o de Hípias e de Protágoras,147 dois outros professores eminentes
daqueles tempos, são descritos por Platão como esplêndidos, beirando a
ostentação. Dizem que o próprio Platão viveu com uma boa dose de
magnificência. Aristóteles148 — depois de ter sido tutor de Alexandre e
após ter recebido uma recompensa extremamente generosa dele e de seu
pai, Filipe, conforme conhecimento geralmente aceito — imaginou que
valeria a pena, não obstante, voltar para Atenas a fim de retomar o ensino
em sua escola (o Liceu). Naqueles tempos, os professores de Ciências
eram provavelmente menos comuns do que seriam uma ou duas eras
mais tarde, momento em que a concorrência provavelmente causou a
redução do preço de seu trabalho e da admiração devida a eles. Os mais
eminentes dentre eles, no entanto, parecem sempre ter recebido um grau
de consideração muito maior do que quaisquer profissões semelhantes da
atualidade. Os atenienses enviaram Carnéades, dito o Acadêmico (isto é,
o platônico), e Diógenes, o Estoico,149 a uma solene missão diplomática a
Roma; e, apesar de sua cidade estar em declínio naquele momento, ela
ainda era uma república independente e importante. Carnéades, além
disso, havia nascido na Babilônia, e, como nunca houve um povo mais
receoso em admitir estrangeiros em seus cargos públicos do que os
atenienses, estes últimos deveriam tê-lo em altíssima consideração.
Em relação ao todo, essa desigualdade talvez seja mais vantajosa do
que danosa para o público. É possível que ela rebaixe a profissão de um
professor público, mas o barateamento da educação literária é, sem
dúvida, uma vantagem que supera fortemente esse pequeno
inconveniente. O público também poderia obter uma vantagem ainda
maior se a utilização dessas escolas e faculdades fosse mais razoável do
que o é atualmente em grande parte da Europa.
Em terceiro lugar, a política da Europa, ao impedir a livre circulação
do trabalho e do capital — tanto de um emprego para outro quanto de
um lugar para outro —, gera, em certos casos, uma desigualdade muito
inconveniente ao conjunto total de vantagens e desvantagens de seus
diferentes empregos.
O estatuto da aprendizagem impede a livre circulação do trabalho de
um emprego para outro, até mesmo no mesmo local. Os privilégios
exclusivos das corporações impedem sua circulação de um lugar para
outro, inclusive no mesmo tipo de emprego.
Frequentemente vemos que os trabalhadores de uma manufatura
recebem salários altos enquanto os de outra são obrigados a se contentar
com um salário de subsistência. A primeira está progredindo e tem,
portanto, uma demanda contínua por novos trabalhadores; a outra está
em declínio, e a superabundância de trabalhadores aumenta de forma
contínua. Às vezes, essas duas manufaturas podem estar na mesma
cidade ou na mesma região, sem a possibilidade de oferecer nem mesmo
a mínima assistência mútua. O estatuto da aprendizagem pode opor-se a
isso no primeiro caso e, no segundo caso, tanto o estatuto quanto uma
corporação exclusiva. No entanto, em muitas manufaturas diferentes as
operações são tão parecidas que os trabalhadores poderiam facilmente
mudar de uma para outra, não fossem essas leis absurdas. As artes da
tecelagem de linho liso e da seda lisa, por exemplo, são quase
inteiramente idênticas. A arte da tecelagem de lã lisa é um pouco
diferente, mas a diferença é tão insignificante que tanto o tecelão de seda
quanto o tecelão de linho podem se tornar trabalhadores aceitáveis em
poucos dias. Se qualquer uma dessas três importantes manufaturas,
portanto, estivesse em decadência, seus trabalhadores poderiam recorrer
a qualquer uma das outras duas que estivessem em condições mais
prósperas; e seus salários nem aumentariam muito nas manufaturas
prósperas nem declinariam muito na manufatura em decadência. De
fato, por um estatuto específico, a manufatura de linho na Inglaterra está
aberta a todos; mas, como não é muito difundida na maior parte do país,
ela não tem condições de ser um recurso geral para os trabalhadores de
outras manufaturas em decadência que, sempre que o estatuto de
aprendizagem estiver em vigor, não terão nenhuma outra escolha senão
recorrer à ajuda financeira da paróquia ou trabalhar como trabalhadores
comuns, ofício para o qual, por seus hábitos, eles estão muito mal
qualificados, mais do que para qualquer tipo de manufatura semelhante
ao trabalho anterior dessas pessoas. Eles geralmente, dessa maneira,
recorrem ao auxílio da paróquia.
Tudo que obstrui a livre circulação do trabalho de um emprego para
outro também obstrui do mesmo modo o emprego do capital, pois a
quantidade de capital que pode ser empregada em qualquer negócio
depende muito da quantidade de trabalho que pode ser empregada nele.
Pelas leis corporativas, a livre circulação do capital de um lugar para
outro sofre menos obstruções que a livre circulação do trabalho. É muito
mais fácil um negociante rico obter o privilégio de fazer negócios em
municipalidade do que um pobre artesão obter o privilégio de trabalhar
nela.
A obstrução da livre circulação do trabalho imposto pelas leis
corporativas é comum, acredito, em toda a Europa. Mas a mesma
obstrução dada pelas Leis de Assistência aos Pobres150 é, tanto quanto sei,
peculiar à Inglaterra. Essas obstruções consistem na dificuldade para que
o pobre estabeleça domicílio ou mesmo para que obtenha uma
autorização que lhe permita exercer seu trabalho em outra paróquia que
não seja a sua. As leis corporativas somente impedem a livre circulação
do trabalho dos artesãos e dos trabalhadores manufatureiros. A
dificuldade de estabelecer seu domicílio impede a livre circulação até
mesmo do trabalho comum. Podemos falar um pouco mais sobre a
ascensão, o progresso e o estado atual dessa desordem, que, dentre todas
as políticas da Inglaterra, talvez seja a maior.
Quando a destruição dos mosteiros privou os pobres da caridade
dessas casas religiosas, após algumas outras tentativas ineficazes de
assistência, foi decretado no 43º ano do reinado de Isabel, c.2,151 que toda
paróquia deveria ajudar os seus próprios pobres; e que, anualmente,
deveriam ser nomeados supervisores dos pobres que, junto com os
administradores da igreja, deveriam arrecadar, por meio de uma taxa
paroquial, valores suficientes para esse objetivo.
Por esse estatuto, a necessidade de sustentar seus próprios pobres foi
indispensavelmente imposta a cada paróquia. Com isso surgiu uma
questão importante, isto é, saber quais pobres pertenciam a quais
paróquias. Após alguma oscilação, a questão foi finalmente resolvida
entre o 13o e o 14o ano do reinado de Carlos II, quando foi decretado152
que 40 dias de residência imperturbada dariam a qualquer pessoa o
direito a estar domiciliada em uma paróquia qualquer; mas, durante esse
prazo, dois juízes de paz, após denúncia feita pelos administradores da
igreja ou pelos supervisores dos pobres, poderiam remover quaisquer
novos habitantes e enviá-los para a paróquia de seu último domicílio
legal, exceto quando o denunciado pudesse alugar um alojamento de 10
libras por ano ou, para exonerar a paróquia da obrigação, pudesse
oferecer a ela todas as garantias consideradas suficientes por aqueles
juízes.
Diz-se que foram cometidas algumas fraudes em consequência desse
estatuto; os funcionários paroquiais às vezes subornavam os pobres para
que fossem clandestinamente a outra paróquia e se escondessem nela por
40 dias para que ali obtivessem seu novo domicílio, desobrigando a
paróquia a que pertenciam. Foi promulgado, portanto, no primeiro ano
do reinado de Jaime II,153 que a residência imperturbada por 40 dias,
necessária para a obtenção do domicílio, deveria ser contada a partir do
momento em que a pessoa entregasse uma notificação por escrito,
informando o local de sua morada e o número de pessoas de sua família,
para um dos administradores da igreja ou supervisores da paróquia onde
veio a morar.
Mas os funcionários paroquiais, ao que parece, nem sempre eram
mais honestos em relação aos pobres de suas próprias paróquias do que
em relação aos de outras, e algumas vezes eram coniventes com tais
intrusões; assim, recebiam a notificação, mas não tomavam as medidas
apropriadas. Tendo em vista que todas as pessoas de uma paróquia
específica tinham supostamente interesse em evitar, na medida do
possível, o fardo causado por esses intrusos, foi promulgado, no 3º ano
do reinado de Guilherme III,154 que os 40 dias de residência deveriam ser
contabilizados somente a partir da publicação de tal notificação por
escrito na igreja, imediatamente após a missa de domingo.
“Afinal de contas”, diz o doutor Burn,155 “raramente se obtém esse
tipo de domicílio pela residência contínua de 40 dias após a publicação
da notificação por escrito; e o objetivo das leis não é garantir a obtenção
de domicílio, mas evitar que seja obtido por pessoas que entrem
clandestinamente na paróquia, pois notificar é o mesmo que forçar a
expulsão dessas pessoas pelas paróquias. Mas se a situação de uma pessoa
é tal que sua expulsão ou não se torna duvidosa, a notificação obriga a
paróquia ou a permitir-lhe domicílio sem contestação, tolerando-a por
40 dias contínuos, ou a julgar o caso e expulsá-la”.156
Esse estatuto, portanto, tornou quase impraticável que um pobre
conseguisse um novo domicílio da forma antiga, isto é, morando no local
por quarenta dias. Mas, para não impedir por completo que as pessoas
comuns de uma paróquia pudessem se estabelecer com segurança em
outra, foram oferecidas mais quatro maneiras para a aquisição de
domicílio, sem a necessidade de entrega ou publicação de uma
notificação. A primeira era ser tributado e pagar os impostos da
paróquia; a segunda, ser eleito a um cargo paroquial e nele permanecer
por um ano; a terceira, ser aprendiz na paróquia; a quarta, ser contratado
para trabalhar na paróquia por um ano e, de fato, trabalhar ali por um
ano.157
Era impossível obter-se domicílio pelas duas primeiras maneiras
senão pelo consentimento público de toda a paróquia — que estava
bastante ciente das consequências de adotar quaisquer recém-chegados
que, para o próprio sustento, não possuíssem nada além de seu trabalho
—, que ou lhes cobraria os tributos da paróquia ou os elegeria para um
cargo.
Nenhum homem casado conseguiria obter seu domicílio por
qualquer uma das últimas duas maneiras. Um aprendiz dificilmente já
estará casado; e a lei diz expressamente que nenhum empregado casado
poderá obter domicílio ao ser contratado por um ano. O principal efeito
da introdução da obtenção de domicílio pelo serviço foi acabar com o
antigo costume de celebrarem-se contratações por um ano, as quais eram
tão comuns na Inglaterra que, mesmo hoje em dia, se o contrato não
contiver uma cláusula que diga o contrário, a lei prevê que todos os
servidores são contratados por um ano. Mas os mestres nem sempre
estão dispostos a dar a seus serventes um domicílio só por tê-los
contratado desse modo; e os empregados nem sempre estão dispostos a
aceitar contratos dessa natureza, pois, tendo em vista que todo domicílio
pressupõe a renúncia aos anteriores, podem, assim, perder seu domicílio
original, que é o seu local de nascimento e o local onde vivem seus pais e
parentes.
É evidente que nenhum trabalhador independente, seja ele
trabalhador braçal ou artesão, obterá um novo domicílio por ser aprendiz
ou contratado para um serviço. Quando uma pessoa, portanto, levava seu
trabalho para uma nova paróquia, ela estava sujeita a ser expulsa,
independentemente de sua saúde ou empenho profissional, pelo capricho
de qualquer administrador da igreja ou supervisor, a menos que ela
alugasse um alojamento de 10 libras por ano, uma coisa impossível para
quem não tem nada, exceto seu trabalho para viver; ou poderia, para
exonerar a paróquia da obrigação, oferecer a ela todas as garantias
consideradas suficientes por dois juízes de paz. As garantias necessárias
ficavam, com efeito, completamente a critério deles, mas eles não podiam
pedir menos de 30 libras; havia sido decretado, inclusive, que a compra
de uma propriedade cujo valor não chegasse a 30 libras não asseguraria o
domicílio a ninguém, pois este valor não era suficiente para exonerar a
paróquia de suas obrigações. Ocorre que esta é uma garantia quase
impossível de ser dada por quem viva de seu trabalho, e, frequentemente,
são exigidas garantias muito maiores que esta.
A fim de restaurar em alguma medida a livre circulação do trabalho
que os vários estatutos mencionados haviam obliterado quase
inteiramente, foram inventados os certificados. No oitavo e no nono ano
do reinado de Guilherme III decretou-se158 que, se qualquer pessoa
obtivesse um certificado da paróquia de seu último domicílio legal,
subscrito pelos administradores da igreja e supervisores dos pobres e
permitido por dois juízes de paz, então todas as outras paróquias seriam
obrigadas a recebê-la; ela não deveria ser expulsa apenas mediante
consideração de que ela teria a possibilidade de se tornar um encargo
para a paróquia, mas somente quando a pessoa se tornasse efetivamente
um encargo; somente então a paróquia que havia concedido o certificado
seria obrigada a pagar pelas despesas de manutenção e remoção daquela
pessoa. E para oferecer a mais perfeita garantia para a paróquia de
destino de tal homem certificado, foi também promulgado pelo mesmo
estatuto159 que ele não deveria obter residência ali por nenhum outro
meio senão pelo aluguel de um alojamento pelo valor de 10 libras ao ano,
ou pela prestação de serviços por sua própria conta em um cargo
paroquial anual durante um ano; e, por conseguinte, nem através de
notificação, nem pelo serviço, nem pelo aprendizado, nem pelo
pagamento das taxas da paróquia. Também no 12º ano do reinado de
Ana, o estatuto I, c.18160 decretou ainda que nem os empregados nem os
aprendizes desses homens certificados poderiam obter domicílio na
paróquia onde residia com tais certificados.
A seguinte observação muito criteriosa do doutor Burn nos informa
até que ponto esta invenção restaurou a livre circulação do trabalho que
os estatutos anteriores haviam obliterado quase que inteiramente. “É
óbvio”, diz ele, “que existem muitas boas razões para a exigência de
certificados das pessoas que venham a se estabelecer em quaisquer
lugares; a saber, que as pessoas amparadas por eles não possam obter
domicílio, nem pelo aprendizado, nem pelo serviço, nem pela
notificação, nem mediante o pagamento dos tributos da freguesia; que
elas não podem dar domicílio nem a aprendizes nem a empregados; que,
se elas se tornarem um encargo, sabe-se com certeza para onde devem ser
enviadas, e a paróquia será reembolsada pelas despesas de remoção e
manutenção durante esse período; e que, se elas adoecerem e não
puderem ser retiradas, a paróquia certificadora será responsável pela
manutenção delas. Nada disso seria possível sem um certificado. Essas
razões farão com que as paróquias não concedam certificados em casos
comuns; pois é mais que provável que as paróquias certificadoras
receberão as pessoas certificadas de volta, e em piores condições”.161 A
moral dessa observação é que os certificados deveriam sempre ser
exigidos pela paróquia onde qualquer pobre viesse a residir, e que
raramente deveriam ser concedidos por aquela da qual desejam sair. “Há
certa adversidade na questão dos certificados”, diz esse mesmo autor
muito inteligente em sua História da Lei de Assistência aos Pobres, “ao
atribuir a um funcionário da paróquia o poder para prender um homem
como se fosse para toda a vida; e tudo isso independentemente de quão
inconveniente fosse para ele continuar no lugar onde teve o infortúnio de
adquirir aquilo que é chamado de domicílio, ou de quaisquer vantagens
que ele pudesse propor a si mesmo ao viver em um outro lugar
qualquer”.162
Embora um certificado não traga consigo quaisquer testemunhos de
boa conduta e apenas certifique que a pessoa pertence à paróquia da qual
ela realmente faz parte, os funcionários das paróquias podem tanto
concedê-lo quanto negar sua concessão de forma discricionária. Um
mandado de segurança foi uma vez impetrado, diz o doutor Burn, para
obrigar os administradores da igreja e supervisores a assinar um
certificado; mas o Tribunal Real rejeitou a proposição por considerá-la
muito estranha.
O preço muito desigual do trabalho frequentemente encontrado na
Inglaterra em lugares que não estão muito distantes uns dos outros
ocorre provavelmente por causa dos obstáculos impostos pela lei dos
domicílios aos pobres que desejassem, sem um certificado, levar seu
trabalho de uma paróquia para outra. É certo que, às vezes, tolera-se que
um homem solteiro, saudável e trabalhador resida na paróquia sem um
certificado; mas um homem com mulher e família que tente fazer o
mesmo será certamente expulso da maioria das paróquias; se o solteiro se
casar depois de obter residência, igualmente será expulso. A escassez de
trabalhadores em uma paróquia, portanto, nem sempre pode ser sanada
pela superabundância existente nas outras, conforme ocorre com
frequência na Escócia e, acredito, em todos os outros países onde não
existem obstáculos para a obtenção de domicílio. Nesses países, embora
os salários possam, às vezes, aumentar um pouco na vizinhança de uma
grande cidade — ou onde quer que haja uma demanda extraordinária
por trabalho — e cair gradualmente conforme aumenta a distância entre
esses lugares, até atingir a taxa comum do país, nunca encontramos as
diferenças súbitas e inexplicáveis nos salários de cidades vizinhas que, às
vezes, encontramos na Inglaterra, onde é mais difícil para o pobre
ultrapassar as fronteiras artificiais de uma paróquia do que um braço de
mar ou o cume de uma cordilheira, fronteiras naturais que, em outros
países, às vezes separam os diferentes salários de maneiras bastante
distintas.
Expulsar sem motivo alguém que não tenha cometido delito algum
da paróquia em que escolheu residir é uma evidente violação da justiça e
da liberdade natural. No entanto, as pessoas comuns da Inglaterra — que
são tão zelosas de sua liberdade, mas que, como as pessoas comuns da
maioria dos outros países, nunca compreenderam seu verdadeiro
significado — toleram já há mais de um século essa opressão
irremediada. Embora nossos pensadores tenham, às vezes, se queixado
da lei do domicílio como uma injustiça pública, ela nunca foi objeto de
clamor popular geral, como aquela ocorrida contra as garantias gerais,
uma prática certamente abusiva, mas sem possibilidade de gerar uma
opressão generalizada. Não há praticamente nenhum pobre de 40 anos na
Inglaterra, aventuro-me a dizer, que, em algum momento de sua vida,
não tenha se sentido oprimido da forma mais cruel por essa tão malfeita
lei do domicílio.
Concluirei este longo capítulo observando que, embora antigamente
fosse comum estabelecer salários, primeiro, por leis gerais com validade
em todo o Reino, e, depois, por ordens individuais dos juízes de paz de
cada condado, atualmente essas práticas caíram em completo desuso.
“Pela experiência de mais de 400 anos,” diz o doutor Burn, “parece que
chegou a hora de abandonarmos todo o empenho para tentar regular de
forma estrita algo que, por sua própria natureza, parece ser incapaz de
receber limitações muito acuradas, pois, se todas as pessoas com o
mesmo tipo de trabalho recebessem salários iguais, não haveria estímulo
e não haveria espaço para o empenho ao trabalho nem para a
engenhosidade”.163
Determinadas leis, no entanto, às vezes ainda tentam regular os
salários de negócios específicos e em localidades específicas. Assim, o
decreto do 8º ano do reinado de Jorge III164 proíbe com pesadas sanções
que todos os mestres-alfaiates de Londres e de suas vizinhanças (até 5
milhas) paguem — e que seus trabalhadores aceitem — mais de 2 xelins e
7,5 pence por dia, exceto em períodos de luto geral. Quando o legislador
tenta regular as diferenças entre mestres e trabalhadores, a consulta é
sempre realizada aos mestres. Quando o regulamento, portanto, é a favor
dos trabalhadores, ele é sempre justo e equitativo; mas às vezes ocorre o
contrário, quando é a favor dos mestres. Assim, é bastante justa e
equitativa a lei que obriga os mestres de diversos negócios diferentes a
pagar seus trabalhadores em dinheiro, e não em bens.165 Ela não impõe
nenhum encargo real sobre os mestres. Apenas os obriga a pagar em
dinheiro o valor que diziam pagar em bens, mas que, na realidade, nem
sempre pagavam. Essa lei é favorável aos trabalhadores; mas o decreto do
8º ano do reinado de Jorge III é favorável aos mestres. Quando os mestres
se reúnem para reduzir os salários dos seus trabalhadores, costumam
realizar um acordo privado para, sob uma certa pena, não pagar mais do
que um determinado salário. Se os trabalhadores se unissem em uma
associação do mesmo tipo para, sob uma certa pena, não aceitar um
determinado salário, a lei os puniria de forma bastante severa; e, se a lei
fosse imparcial, daria o mesmo tratamento aos mestres. Mas o decreto do
8º ano do reinado de Jorge III impõe, por meio de uma lei, aquele mesmo
regulamento que os mestres às vezes tentam estabelecer por meio de tais
associações. A reclamação dos trabalhadores, de que a lei iguala os mais
hábeis e mais diligentes aos trabalhadores comuns, parece muito bem
fundamentada.
Antigamente também era comum tentar regulamentar os lucros dos
mercadores e outros comerciantes por meio da determinação do preço
dos alimentos e de outros bens. A lei, conhecida como assize166 do pão, é,
tanto quanto sei, o único vestígio desse antigo costume. Quando existem
corporações exclusivas, talvez seja adequado regular o preço dos bens de
primeira necessidade. Mas onde não há corporações os preços serão
muito mais bem regulados pela competição do que por quaisquer
normas. O método para fixar as normas relativas ao pão, estabelecido
pelo decreto do 31º ano do reinado de Jorge II,167 não pode ser posto em
prática na Escócia por causa de um defeito da lei; a execução da norma
dependia de um funcionário chamado de agente do mercado (clerk of the
market), que lá não existe. Esse defeito não foi sanado até o 3º ano do
reinado de Jorge III.168 A falta de um assize não gerou nenhum
inconveniente notável e, nos poucos lugares em que a padronização do
assize foi estabelecida, não produziu nenhuma vantagem notável. Na
maior parte das cidades da Escócia, no entanto, há corporações de
padeiros que reivindicam privilégios exclusivos, mas não são totalmente
respeitadas.
A proporção entre as diferentes taxas de salários e de lucros dos
diferentes empregos do trabalho e do capital parece não ser muito
afetada, como já foi observado, pela riqueza ou pobreza, pelo estado
avançando, estagnado ou em declínio da sociedade. Embora essas
revoluções do bem-estar público afetem as taxas gerais, tanto as dos
salários quanto as dos lucros, elas devem, ao final, afetá-las igualmente
em todos os diferentes empregos. Portanto, a proporção entre elas deve
permanecer a mesma e não pode ser muito alterada, ao menos durante
um tempo considerável, por essas revoluções.

Í
CAPÍTULO XI
A RENDA DA TERRA
A renda, considerada como o preço pago pelo uso da terra, é
naturalmente o valor mais alto que o arrendatário pode pagar nas
condições efetivas em que a terra se encontra. Ao estabelecer os termos
do contrato de arrendamento, o proprietário da terra empenha-se para
dividir com o arrendatário apenas a fração do produto que seja suficiente
para preservar seu capital — o qual fornece as sementes, paga o trabalho,
compra e mantém o gado e outros instrumentos agropecuários — e os
lucros ordinários do capital, conforme os valores praticados na região.
Essa é, evidentemente, a menor fração que o arrendatário pode aceitar
sem perdas; o proprietário da terra raramente lhe entrega mais que isso.
Seja qual for a fração do produto, ou, o que é a mesma coisa, seja qual for
a fração de seu preço que esteja acima dessa parte, o proprietário,
naturalmente, se esforça para reservar a si mesmo o aluguel de sua terra,
que, evidentemente, é o maior valor que o arrendatário pode pagar nas
condições efetivas em que a terra se encontra. Às vezes, de fato, a
generosidade ou, com maior frequência, a ignorância do proprietário da
terra faz com que ele aceite um valor um pouco menor que aquela fração;
e, às vezes também, embora isso seja mais raro, a ignorância do
arrendatário o leva a pagar um pouco mais ou o leva a satisfazer-se com
um pouco menos do que os lucros ordinários do capital agrícola
conforme praticados na região. Essa fração, no entanto, ainda pode ser
considerada como a renda natural da terra, ou seja, o valor pelo qual a
terra deve ser naturalmente arrendada.
Pode-se imaginar que a renda da terra seja com frequência apenas o
lucro ou juros razoáveis do capital aplicados pelo dono da terra para
melhorá-la. Isso, sem dúvida, é parte do que acontece em algumas
ocasiões; mas será sempre apenas parte do que acontece. O proprietário
da terra exige que a renda seja paga até mesmo em terras sem nenhuma
melhoria; assim, os supostos juros ou lucros sobre as despesas de
melhoria costumam ser apenas um valor adicional a essa renda principal.
As melhorias, além disso, nem sempre são realizadas pelo capital do
dono da terra, mas, por vezes, pelo capital do arrendatário. Mas quando
chega o momento da renovação do contrato, o proprietário costuma
exigir um aumento da renda, como se todas as melhorias tivessem sido
feitas por ele mesmo.
Em alguns casos, ele exige renda de algo que é impossível de ser
melhorado pelas pessoas. “Kelp” é uma espécie de alga marinha169 que,
quando queimada, produz um sal alcalino útil para a fabricação de vidro,
sabão e para vários outros fins. Tais algas existem em várias partes da
Grã-Bretanha, particularmente na Escócia, em rochas que ficam
encobertas pela maré alta, isto é, duas vezes ao dia; dessa forma, não há
como aumentar o seu produto pelo trabalho humano. Ocorre que os
donos de terras cuja propriedade faz fronteira com uma orla marítima
habitada por essas algas exigem uma renda por ela, tanto como por seus
campos de cereais.
O mar da região das Ilhas Shetland é extremamente abundante em
peixes, que formam grande parte da subsistência de seus habitantes; mas,
para lucrar com o produto do mar, os trabalhadores devem morar nas
terras vizinhas. A renda do proprietário não é proporcional ao que o
agricultor poderia ganhar com a terra, mas ao que ele pode ganhar tanto
com a terra quanto com o mar. Essa renda é parcialmente paga em
peixes; esse país nos oferece um dos raros exemplos em que a renda é
parte do preço dessas mercadorias.170
A renda da terra, portanto, considerada como o preço pago pela
utilização da terra, é naturalmente um preço de monopólio. Ela, de forma
alguma, é proporcional ao que o proprietário pode ter despendido para a
melhoria da terra ou ao valor que ele estaria disposto a aceitar, mas ao
que o fazendeiro pode pagar.
Só é possível levar aos mercados a parte do produto da terra cujo
preço ordinário é suficiente para repor o capital investido para levá-lo ao
mercado junto com seus lucros ordinários. Se o preço ordinário for mais
do que isso, sua parte excedente irá naturalmente para a renda da terra.
Se não for mais do que suficiente, a mercadoria poderá ser levada ao
mercado, mas não oferecerá renda aos proprietários da terra. Se o preço é
suficiente ou não, depende da demanda.
Existem algumas partes dos produtos da terra das quais a demanda
deve sempre ser tal que permita o exercício de um preço mais do que
suficiente para levar os produtos ao mercado; e há outras para as quais a
demanda pode ou não ser tal que permita pagar esse preço maior. No
primeiro caso, deve-se sempre pagar uma renda aos proprietários da
terra. No segundo, às vezes deve-se pagar e outras não, dependendo de
diferentes circunstâncias.
Devemos notar, portanto, que a renda entra na composição do preço
das mercadorias de um modo diferente dos salários e dos lucros. Os
salários e lucros altos ou baixos são causas dos preços altos ou baixos; as
rendas altas ou baixas são suas consequências. Os preços são altos ou
baixos porque os salários ou lucros altos ou baixos devem ser pagos a fim
de levar um produto específico para o mercado. Mas a renda será alta,
baixa ou nula porque seu preço é alto ou baixo, porque é muito mais alto
ou muito mais baixo, ou porque é apenas suficiente para pagar os salários
e os lucros.171
Este capítulo será dividido em três partes, abordando as seguintes
considerações específicas: a primeira, os produtos da terra que sempre
proporcionam alguma renda; a segunda, os produtos que às vezes
proporcionam renda e outras não; e a terceira tratará das variações que,
nos diferentes períodos de desenvolvimento, ocorrem naturalmente no
valor relativo destes dois tipos diferentes de matérias-primas, quando
comparadas umas com as outras ou com os produtos manufaturados.

Parte I – Os produtos da terra que sempre


proporcionam renda
Já que os homens, assim como todos os outros animais, se multiplicam
naturalmente na proporção de seus meios de subsistência, sempre haverá
uma demanda maior ou menor por alimentos, os quais sempre poderão
comprar ou comandar uma maior ou menor quantidade de trabalho e,
além disso, será sempre possível encontrar alguém que esteja disposto a
realizar algo para obtê-los. Na verdade, devido aos altos salários que às
vezes são pagos pelo trabalho, a quantidade de trabalho que os alimentos
podem comprar nem sempre é igual à quantidade que conseguiriam
manter caso fossem administrados da maneira mais econômica. Mas
sempre conseguirão adquirir a quantidade de trabalho que é possível
manter pela taxa a que esse tipo de trabalho é comumente mantido na
região.
A terra, no entanto, produz em qualquer situação mais alimentos do
que é suficiente para manter da forma mais generosa possível todo o
trabalho necessário para levá-los ao mercado. O excedente também
sempre é mais que suficiente para repor o capital que empregou esse
trabalho, junto com seus lucros. Assim, sempre sobra algo para a renda
dos proprietários de terras.
Os páramos mais desertos da Noruega e da Escócia produzem algum
tipo de pasto para o gado cujo leite e cujos bezerros são sempre mais do
que suficientes não só para a manutenção de todos os trabalhos
necessários para cuidar deles e para pagar os lucros ordinários ao
agricultor ou proprietário do rebanho, mas também para permitir uma
pequena renda aos proprietários da terra. A renda aumenta em
proporção à qualidade do pasto. Com pastos bons, a mesma extensão de
terras não só mantém uma maior quantidade de gado, mas, já que são
criados em um espaço menor, a necessidade de trabalho para cuidar
deles e recolher seu produto também é menor. O proprietário da terra
ganha de ambos os lados; pelo aumento do produto e pela diminuição do
trabalho que deve ser mantido por ele.
A renda da terra varia de acordo com sua fertilidade
(independentemente de seus produtos) e com sua localização
(independentemente de sua fertilidade). As terras na vizinhança de uma
cidade geram renda maior que terras igualmente férteis em uma parte
distante do país. Embora não custe mais trabalho cultivar uma ou outra,
sempre custará mais caro levar ao mercado o produto das terras que
estão mais distantes. Este último produto deve, então, manter uma maior
quantidade de trabalho; e seu excedente, de onde são retirados tanto os
lucros do agricultor quanto a renda do dono da terra, fica diminuído.
Mas nas partes remotas do país, como já dissemos, a taxa de lucro é
geralmente maior do que na vizinhança de uma grande cidade. Uma
proporção menor deste excedente diminuído, portanto, pertence ao
proprietário.
Boas estradas, canais e rios navegáveis reduzem as despesas com
transporte e, assim, aproximam as partes remotas do país, tornando-as
mais semelhantes às regiões vizinhas da cidade. Estes são, por isso, os
avanços mais importantes. Eles incentivam o cultivo das áreas remotas,
que são sempre as partes mais extensas de um país; são vantajosos para a
cidade, pois acabam com o monopólio rural de seu entorno; são
vantajosos até mesmo para esse entorno; e, embora introduzam algumas
mercadorias rivais no antigo mercado, abrem novos mercados para os
produtos do entorno rural. O monopólio, além disso, é um grande
inimigo da boa gestão, que somente pode ser universalmente estabelecida
como consequência daquela concorrência livre e universal que obriga
todos a recorrer a ela para a defesa de seus próprios interesses. Há menos
de 50 anos alguns dos condados vizinhos de Londres entregaram uma
petição ao Parlamento contra a extensão das estradas principais até os
condados mais remotos. Eles diziam que os condados mais remotos, por
causa de seu trabalho mais barato, conseguiriam vender seus pastos e
cereais a preços mais baixos no mercado de Londres e, assim, as vendas
de seus condados vizinhos seriam diminuídas e seus cultivos ficariam
arruinados. Suas rendas, no entanto, aumentaram, e seu cultivo tem
melhorado desde aquela época.
Um campo de cereais moderadamente fértil produz uma quantidade
muito maior de alimentos para as pessoas que o melhor pasto de igual
tamanho. Embora seu cultivo exija muito mais trabalho, o excedente que
resta após a reposição das sementes e a manutenção de todo o trabalho é
muito maior. Supondo que uma libra de carne de açougue nunca pudesse
valer mais que uma libra de pão, esse maior excedente teria em todos os
lugares um maior valor e formaria um maior fundo para o lucro do
agricultor e para a renda do proprietário. E assim parece ter ocorrido nos
primórdios rudimentares da agricultura.172
Mas os valores relativos destas duas espécies diferentes de alimentos
— pão e carne de açougue — foram muito diferentes nos diversos
períodos da agricultura. Nos primórdios rudimentares, as terras
selvagens e sem melhorias que na época ocupavam a maior parte do país
estavam todas entregues ao gado. Havia mais carne do que pão; e, assim,
o pão era o alimento para o qual havia a maior concorrência e que, por
conseguinte, produzia o maior preço. Ulloa173 nos informa que, em
Buenos Aires, 4 reais, isto é, 21,5 pence da moeda esterlina, era, há 40 ou
50 anos, o preço normal de um boi, escolhido de uma manada de duas ou
três centenas de cabeças. Ele não diz nada sobre o preço do pão,
provavelmente porque não encontrou algo notável sobre isso. Ali, um
boi, ele diz, custa pouco mais que o trabalho de capturá-lo. Mas, em
nenhum lugar, é possível plantar cereais sem muito trabalho, e em um
país que está sobre o Rio da Prata, naquela época o caminho direto da
Europa para as minas de prata de Potosí,174 o preço em dinheiro do
trabalho não tinha como ser muito baixo. Ocorre o contrário quando o
cultivo se estende para a maior parte do país. Passa, então, a haver mais
pão do que carne. A concorrência muda sua direção e o preço da carne se
torna maior do que o preço do pão.
Com a ampliação do cultivo, as terras selvagens e incultas se tornam
insuficientes para suprir a demanda por carne. Uma grande parte das
terras cultivadas deve ser empregada para a criação e a engorda do gado,
cujo preço deverá ser suficiente não apenas para pagar pelo trabalho
necessário para cuidar dos animais, mas também pela renda e pelos
lucros que o dono da terra e o agricultor, respectivamente, obteriam se a
terra fosse utilizada para a agricultura. Quando levado ao mesmo
mercado, o gado criado nos páramos mais selvagens é,
proporcionalmente ao seu peso ou qualidade, vendido ao mesmo preço
que o gado criado nas terras mais bem cultivadas. Os proprietários dos
páramos lucram com isso e aumentam a renda de sua terra
proporcionalmente ao preço de seu gado. Há menos de um século, em
muitas partes das Terras Altas da Escócia, a carne era mais barata ou tão
barata quanto o pão feito de farinha de aveia. A união dos dois reinos
(1707) abriu o mercado da Inglaterra para o gado das Terras Altas. Hoje,
seu preço corrente é cerca de três vezes maior do que no início do século,
e as rendas de muitas propriedades das Terras Altas foram triplicadas e
quadruplicadas no mesmo período. Atualmente, em quase todas as
partes da Grã-Bretanha uma libra da melhor carne equivale, em geral, a
mais de duas libras do melhor pão branco; e em períodos de abundância
chega a equivaler a 3 ou 4 libras.
É assim que, no curso das melhorias, a renda e o lucro das pastagens
sem melhorias passam a ser regulados em certa medida pela renda e pelo
lucro das que contam com melhorias, e estas novamente pela renda e
pelo lucro dos cereais. Os cereais são colhidos anualmente, os animais
precisam crescer por quatro ou cinco anos antes do abate. Tendo em vista
que um acre de terra irá produzir uma quantidade muito menor de um
tipo de alimento que de outro, então a quantidade inferior deverá ser
compensada pelo preço superior. Se fosse mais do que compensada, mais
terras de cereais seriam transformadas em pastos; e se não houvesse essa
compensação, parte das pastagens poderia ser semeada de novo com
cereais.
Deve-se entender, no entanto, que essa igualdade entre a renda e o
lucro do pasto e dos cereais — isto é, da terra cujo produto imediato é o
alimento para o gado e da terra cujo produto imediato é o alimento para
os homens — ocorre apenas na maior parte das terras melhoradas de um
grande país. O contrário ocorre em algumas situações locais particulares;
e a renda e o lucro do pasto são muito maiores que a renda e o lucro dos
cereais.
Assim, na vizinhança de uma cidade grande, a demanda por leite e
por forragem para os cavalos frequentemente contribui, junto com o alto
preço da carne, para o aumento da pastagem a um valor acima do que
poderíamos chamar de sua proporção natural em relação ao valor dos
cereais. É evidente que essa vantagem local não pode ser levada às terras
um pouco mais distantes.
Circunstâncias particulares às vezes levam alguns países a se tornar
tão populosos que a extensão total do território — como as terras da
vizinhança de uma cidade grande — deixa de ser suficiente para produzir
o pasto e os cereais necessários para a subsistência de seus habitantes.
Suas terras, então, têm sido empregadas principalmente para a produção
de pasto, uma mercadoria mais volumosa e que não pode ser facilmente
levada para uma grande distância; e os cereais, o alimento da maioria das
pessoas, têm sido principalmente importados de países estrangeiros. A
Holanda está atualmente nessa situação e parte considerável da antiga
Itália parece também ter estado na mesma situação durante o período de
prosperidade dos romanos. Conforme relatado por Cícero, Cato, o Velho,
disse que alimentar bem o gado era a primeira e mais rentável atitude da
gestão de uma propriedade privada; alimentar razoavelmente, a segunda;
e alimentar mal, a terceira. Arar a terra para o cultivo ficou em quarto
lugar em relação aos seus lucros e vantagens. O plantio, com efeito, em
parte da Itália antiga na vizinhança de Roma, deve ter sido bastante
desencorajado pelas distribuições de cereais que eram frequentemente
feitas para as pessoas, fosse gratuitamente ou a um preço muito baixo.
Esses cereais eram trazidos das províncias conquistadas, dentre as quais,
em vez de pagarem impostos, muitas eram obrigadas a fornecer uma
décima parte de seus produtos a um preço estabelecido, em torno de 6
pence por peck, para a República. O baixo preço a que esses cereais eram
distribuídos para as pessoas deve, necessariamente, ter derrubado o
preço do que poderia ser levado para o mercado romano do Lácio, isto é,
para o antigo território de Roma, fato que deve ter desencorajado seu
cultivo naquela região.
Além disso, em uma região rural aberta cujos principais produtos são
os cereais, uma área de pasto bem cercada poderá com frequência ter
uma renda mais alta que quaisquer plantações de cereais de sua
vizinhança. A pastagem é útil para a subsistência do gado empregado no
cultivo dos cereais e, nesse caso, sua renda elevada não é paga
propriamente pelo valor de seu próprio produto, mas pelo valor das
terras de cereais que são cultivadas por meio dela. A renda
provavelmente cairá se as terras vizinhas também forem cercadas. A atual
renda alta das terras cercadas na Escócia parece ocorrer devido à escassez
de áreas cercadas e, provavelmente, durará somente até o fim de tal
escassez. A vantagem do cercamento é maior para pastagem do que para
cereais. Ele poupa o trabalho de vigiar o gado, que também se alimenta
melhor quando não está sujeito a ser perturbado pelo pastor ou por seu
cão.
Mas onde esse tipo de vantagem local não existe, a renda e o lucro dos
cereais — ou de qualquer outro alimento vegetal consumido pelo povo —
devem naturalmente regular, na terra adequada para produzir os cereais,
a renda e o lucro das pastagens.175
Espera-se que o uso de pastos artificiais — de nabos, cenouras, couves
e outros expedientes que têm surgido para que uma igual quantidade de
terra alimente mais gado do que quando estão em pasto natural —
reduza um pouco a superioridade natural do preço da carne sobre o
preço do pão em um país bem cultivado. Nesse sentido, parece que foi
isso que aconteceu; e temos motivos para acreditar que, pelo menos no
mercado de Londres, o preço da carne em relação ao preço do pão é
proporcionalmente bem mais baixo no presente do que foi no início do
século passado.
No apêndice de seu livro sobre a vida do príncipe Henrique,176 o
doutor Birch nos relata os preços que o príncipe comumente pagava pela
carne. Ele nos informa que os quatro quartos de um boi pesando 600
libras geralmente lhe custavam 9 libras e 10 xelins, ou por aí; isto é, 31
xelins e 8 pence por cada 100 libras-peso. O príncipe Henrique morreu
em 6 de novembro de 1612, aos 19 anos de idade.
Em março de 1764, houve um inquérito parlamentar sobre as causas
dos altos preços dos alimentos naquele momento. Foi então, entre outras
provas com o mesmo objetivo, oferecido como evidência por um
comerciante da Virgínia que, em março de 1763, tinha reabastecido seus
navios por 24 ou 25 xelins a cada 100 libras-peso de carne bovina, preço
considerado normal por ele, enquanto, naquele ano caro, ele havia pago
27 xelins pela carne de mesmo peso e qualidade. Esse preço elevado em
1764 é, no entanto, 4 xelins e oito centavos mais barato que o preço
normal pago pelo príncipe Henrique; devendo-se observar que apenas as
melhores carnes podem ser salgadas para aquelas viagens tão distantes.
O preço pago pelo príncipe Henrique equivale a 3,8 pence por libra-
peso da carcaça inteira — cortes nobres e de segunda tomados em
conjunto; e nesse ritmo os cortes nobres não poderiam ter sido vendidos
no varejo por menos de 4,5 pence ou 5 pence por libra-peso.
No inquérito parlamentar de 1764, as testemunhas afirmaram que o
preço de venda ao consumidor das melhores peças de carne era de 4,5
pence por libra-peso; e que as carnes de segunda custavam em geral entre
7 farthings177 e 2,5 pence ou 2,75 pence; e dizia-se que esses preços eram,
em geral, meio penny mais altos do que aqueles pelos quais as mesmas
peças de carne haviam sido vendidas em março. Mas mesmo esse preço
alto ainda é muito mais barato do que o preço normal de varejo dos
tempos do príncipe Henrique.
Durante os doze primeiros anos do século passado, o preço médio no
mercado de Windsor do melhor trigo era de 1 libra, 18 xelins e 3,16 pence
por cada quarto de 9 bushels de Winchester.178
Mas nos doze anos anteriores a 1764, incluindo este ano, o preço
médio da mesma medida do melhor trigo no mesmo mercado foi de 2
libras, 1 xelim e 9,5 pence.179
Nos doze primeiros anos do século passado, portanto, parece que o
trigo estava muito mais barato, e a carne mais cara, do que nos doze anos
anteriores a 1764, incluindo este ano.
Em todos os grandes países, a maior parte das terras cultivadas é
empregada na produção de alimento para os seres humanos ou alimento
para o gado. A renda e o lucro desses empregos regulam a renda e o lucro
de todas as outras terras cultivadas. Se qualquer produto específico
rendesse menos, a terra logo passaria a ser utilizada para o plantio de
cereais ou para as pastagens; e se qualquer produto rendesse mais,
alguma parte das terras utilizadas para os cereais ou para as pastagens
logo seria utilizada para aquele produto específico.
Desse modo, os produtos que exigem um maior gasto inicial com as
melhorias, ou um maior gasto anual com os cultivos para que a terra
possa se ajustar a elas, parecem, no primeiro caso, pagar uma renda
maior que os cereais ou as pastagens e, no segundo caso, um lucro maior.
No entanto, essa superioridade raramente representará mais que os juros
ou a compensação razoável por esse gasto maior.
Em uma plantação de lúpulo, um pomar ou uma horta, tanto a renda
do dono da terra quanto o lucro do agricultor são geralmente maiores do
que a renda de um campo de cereais ou de um pasto. No entanto, as
despesas necessárias para trazer a terra a essas condições são maiores e,
portanto, uma maior renda passa a ser devida ao dono da terra.180 O
cultivo requer também uma melhor e mais hábil gestão. Portanto, um
maior lucro passa a ser devido ao fazendeiro. Ali, a colheita também, pelo
menos nos campos de lúpulo e no pomar, é mais precária. Seu preço,
portanto, além de compensar todas as perdas ocasionais, deve pagar algo
semelhante ao lucro do seguro. As condições dos horticultores,
geralmente ruins e sempre moderadas, talvez sirvam para nos mostrar
que sua grande engenhosidade não costuma ser sobrerrecompensada. Há
tantas pessoas ricas que praticam essa deliciosa arte por diversão que há
pouca vantagem para aqueles que a praticam visando ao lucro; pois as
pessoas que, naturalmente, seriam seus melhores clientes fornecem a si
mesmas os produtos mais preciosos.
A vantagem que o dono da terra recebe por essas inovações em
nenhum momento parece ter sido maior do que a vantagem recebida
para compensar os gastos originais dessas melhorias. Na antiga
agricultura, supõe-se que, depois das uvas, a parte da fazenda que
originava os produtos mais valiosos era uma horta bem irrigada. Mas
Demócrito,181 que escreveu sobre agricultura e pecuária há cerca de 2 mil
anos e que era considerado pelo antigos como um dos pais da arte,
acreditava que não agia bem aquele que construía um cercado em torno
de sua horta. Os lucros, ele disse, não compensariam o custo de uma
parede de pedra; e os tijolos (suponho que ele quis dizer tijolos cozidos
ao sol) desmoronariam com as chuvas e as tempestades de inverno,
requerendo, assim, reparos contínuos. Columela,182 que cita essa
declaração de Demócrito, não a contesta, mas propõe um método muito
frugal para cercar a horta com uma cerca viva de plantas espinhentas —
que, diz ele, descobriu por experiência própria — que eram cercas
duradouras e impenetráveis; mas que, ao que parece, não eram muito
conhecidas nos tempos de Demócrito. Paládio adota o parecer de
Columela, que, anteriormente, havia sido recomendado por Varro.183 Na
opinião desses antigos inovadores, parece que o produto de uma horta
era pouco mais do que suficiente para pagar pelo cultivo especial e pela
despesa da irrigação, pois imaginava-se naquela época e atualmente que,
em países tão próximos do sol, seria importante, às vezes, possuir um
fluxo de água que pudesse percorrer todos os canteiros da horta. Em
quase toda a Europa supõe-se que um canteiro não merece, atualmente,
um cercamento melhor do que o recomendado por Columela. Na Grã-
Bretanha e em alguns outros países do norte, os frutos mais refinados
somente conseguiam atingir sua perfeição com a ajuda de um muro. Por
isso, nesses países, seu preço deve ser suficiente para pagar as despesas de
construção e manutenção, aquilo sem o que não poderiam ser obtidos.
Os muros arborizados frequentemente circundam a horta que, assim,
beneficia-se de uma cerca que não poderia ser paga por seu próprio
produto.
Parece ser uma máxima indubitável da agricultura antiga que os
vinhedos, quando plantados de forma adequada e levados à perfeição,
eram a parte mais valiosa da fazenda, assim como acontece atualmente
nos países produtores de vinho. Mas, conforme nos ensina Columela, a
plantação de novos vinhedos era uma questão debatida entre os antigos
lavradores italianos. Ele decide, como um verdadeiro amante de todos os
cultivos pouco usuais, em favor dos vinhedos, e empenha-se em
demonstrar, comparando lucros e despesas, que aquela era a melhoria
mais vantajosa. Ocorre que essas comparações entre os lucros e as
despesas dos novos projetos costumam ser muito falaciosas, e em
nenhum outro tema mais do que na agricultura. Caso o ganho real dessas
plantações fosse normalmente tão alto como ele imaginava, não haveria
nenhum debate sobre o assunto. Atualmente, o mesmo ponto costuma
ser um motivo de controvérsias nos países produtores de vinho. Os
autores de livros sobre agricultura, que são, na verdade, amantes e
promotores desses cultivos mais refinados, parecem geralmente dispostos
a aceitar a opinião de Columela, favorecendo os vinhedos. Na França, a
ansiedade dos proprietários dos velhos vinhedos em evitar os novos
plantios parece favorecer a opinião dos autores dos livros, pois sugere que
aqueles que devem ter a experiência sabem que essa espécie de cultivo é
atualmente a mais rentável naquele país. Ao mesmo tempo, no entanto,
parece indicar uma outra opinião, a saber, que esse lucro superior não
durará mais do que as leis que no presente momento restringem o livre
cultivo das videiras. Em 1731, os proprietários conseguiram uma ordem
do Conselho proibindo tanto o plantio de novos vinhedos quanto a
renovação dos antigos cujo cultivo tivesse sido interrompido por dois
anos; exceto por meio de uma permissão especial do rei, que seria
concedida somente após o recebimento de informações do intendente da
província, certificando que ele havia examinado a terra e que esta estava
incapacitada para receber qualquer outro cultivo. A ordem tinha como
fundamento a escassez de cereais e pastagens e a superabundância de
vinho. Mas, se essa superabundância fosse real, ela teria, sem nenhuma
ordem do Conselho, efetivamente impedido a plantação de novas vinhas,
reduzindo os lucros dessa espécie de cultivo a um valor abaixo de sua
proporção natural em relação aos cereais e às pastagens. No que se refere
à suposta escassez de cereais ocasionada pela multiplicação dos vinhedos,
não há locais na França que cuidam melhor de seus cereais do que as
províncias produtoras de vinho, onde a terra está ajustada para a sua
produção: regiões como a Borgonha, a Guiena e a Alta Languedoque. A
numerosa mão de obra empregada em uma espécie de cultivo
necessariamente incentiva o outro, pois oferece um mercado imediato
para seus produtos. Diminuir o número daqueles que são capazes de
pagar por isso é certamente o expediente menos promissor para
incentivar o cultivo de cereais. Assemelha-se à política que deseja
promover a agricultura por meio do desencorajamento da manufatura.
Portanto, ainda que a renda e o lucro das produções que ou exigem
um maior gasto inicial em melhorias para ajustar a terra a elas ou um
maior gasto anual para que seus cultivos sejam, frequentemente, muito
superiores aos dos cereais e das pastagens, ainda assim, quando servem
apenas para compensar esses gastos maiores, são, na realidade, regulados
pela renda e pelo lucro dessas culturas comuns.
Às vezes a quantidade de terra que pode ser ajustada a alguns
produtos específicos é muito pequena e não consegue suprir a demanda
efetiva. O produto total pode ser vendido àqueles que estão dispostos a
dar um pouco mais do que o que seria suficiente para pagar a
integralidade da renda, dos salários e dos lucros necessários para o seu
cultivo e o seu transporte ao mercado, de acordo com suas taxas naturais,
isto é, de acordo com as taxas que são pagas na maior parte das outras
terras cultivadas. Em geral, a parte excedente do preço que permanece
após a liquidação de todas as despesas de melhoria e cultivo poderá,
neste caso e somente neste caso, não guardar nenhuma proporção regular
com os excedentes semelhantes dos cereais ou pastagens, mas poderá
ultrapassá-los em quase todos os graus; e a maior parte desse excesso vai
naturalmente para a renda do proprietário.
Por exemplo, a proporção habitual e natural entre a renda e os lucros
do vinho e dos cereais e pastagens deve ser entendida como algo que
ocorre somente no que diz respeito aos vinhedos que apenas produzem o
vinho comum de boa qualidade, do tipo que pode ser cultivado em quase
qualquer lugar, sob quase qualquer solo — seja ele leve, arenoso ou de
cascalhos; um vinho recomendado por nada além de sua força e
salubridade. Os terrenos normais do país somente podem competir com
esses vinhedos; é evidente que não conseguem competir com aqueles que
possuem certas qualidades específicas.
A videira é muito mais afetada pela diferença dos solos que qualquer
outra árvore frutífera. De alguns solos, ela deriva um sabor que
supostamente nenhum outro cultivo ou manejo consegue igualar em
outro solo. Esse sabor, real ou imaginário, é, às vezes, algo específico ao
produto de alguns vinhedos; às vezes se estende a grande parte de um
pequeno distrito e outras por uma parte considerável de uma grande
província. A quantidade total de vinhos levada ao mercado fica aquém da
demanda efetiva ou da demanda dos dispostos a pagar a integralidade da
renda, dos lucros e dos salários, que são necessários para a preparação e o
transporte desses produtos de acordo com sua taxa normal ou de acordo
com a taxa que é paga nos vinhedos comuns. A quantidade total,
portanto, pode ser vendida para aqueles que estão dispostos a pagar mais,
gerando necessariamente um preço que supera o valor do vinho comum.
A diferença de preço será maior ou menor conforme a moda e a escassez
de vinho tornem a concorrência entre os compradores mais ou menos
intensa. Seja qual for o motivo, a renda do proprietário acaba tomando a
maior parte dessa diferença. Pois, embora esses vinhedos tenham em
geral um cultivo mais cuidadoso que a maior parte dos outros, os altos
preços dos vinhos parecem ser menos uma consequência e mais a causa
desse cultivo cuidadoso. Em relação a um produto tão valioso, a perda
ocasionada pela negligência é tão grande que força até mesmo a pessoa
menos cuidadosa a ter mais atenção. Assim, uma pequena parte desse
preço elevado é suficiente para pagar o salário do trabalho especial para o
seu cultivo, bem como os lucros do grande capital extraordinário que
coloca tal trabalho em movimento.184
As colônias açucareiras das nações europeias nas Índias Ocidentais
podem ser comparadas a esses vinhedos preciosos. O seu produto total é
inferior à demanda efetiva da Europa e pode ser vendido para aqueles
que estão dispostos a oferecer um valor maior do que aquele que é
suficiente para pagar a integralidade da renda, dos lucros e dos salários
necessários para prepará-lo e transportá-lo ao mercado, de acordo com a
taxa normalmente paga por quaisquer outros produtos. Na
Cochinchina,185 o quintal do melhor açúcar refinado é comumente
vendido a 3 piastras, cerca de 13 xelins e 6 pence do dinheiro inglês,
conforme nos é dito pelo senhor Poivre,186 um observador muito atento
da agricultura daquele país. Ali, a medida conhecida como quintal vale
entre 150 e 200 libras de Paris, ou 175 libras de Paris em média, o que
reduz o preço do quintal inglês para aproximadamente 8 xelins esterlinos,
nem a quarta parte do que é comumente pago pelo açúcar mascavo
importado de nossas colônias e nem a sexta parte do que é pago pelo
melhor açúcar refinado. A maior parte das terras cultivadas na
Cochinchina é utilizada para a produção de cereais e arroz, o alimento da
maioria de sua população. Os respectivos preços dos cereais, do arroz e
do açúcar se devem provavelmente a sua proporção natural, ou à
proporção que ocorre naturalmente nas diferentes colheitas da maior
parte das terras cultivadas, e que remunera o proprietário da terra e o
fazendeiro, até onde é possível ser calculado, de acordo com o que é
normalmente o gasto inicial de melhoria e com o gasto anual de cultivo.
Mas em nossas colônias açucareiras não há proporção entre o preço do
açúcar e o produto de um campo de cereal ou de arroz da Europa ou da
América. Normalmente se diz que o plantador de cana-de-açúcar espera
que o rum e o melaço cubram integralmente as despesas de seu cultivo e
que o seu açúcar deveria gerar somente lucro líquido.
Se isso for verdade, e não posso afirmá-lo, é como se um agricultor de
cereais esperasse custear as despesas de seu cultivo com o joio e a palha, e
que seus grãos gerassem apenas lucro líquido. Frequentemente vemos
sociedades de comerciantes em Londres e outras cidades comerciais
comprarem terras não cultivadas de nossas colônias açucareiras,
esperando aprimorá-las e cultivá-las com lucro por meio de feitores e
agentes; não obstante a grande distância e os retornos incertos por causa
da má administração da justiça desses países. Ninguém tentará aprimorar
e cultivar da mesma forma as terras mais férteis da Escócia, da Irlanda ou
das províncias de cereais da América do Norte, mesmo com os
rendimentos mais regulares que se podem esperar por causa da boa
administração da justiça desses países.
Na Virgínia e em Maryland, o cultivo de tabaco é o preferido, por ser
mais rentável que o de cereais. O tabaco pode ser cultivado com
vantagem por grande parte da Europa; mas em quase toda a Europa o
produto passou a ser muito tributado; arrecadar o imposto em cada uma
de todas as fazendas do país em que a planta é cultivada seria
supostamente mais difícil do que cobrar apenas um imposto de
importação na alfândega. Assim se chegou ao absurdo de o cultivo do
tabaco ser proibido na maior parte da Europa, algo que, necessariamente,
ofereceu uma espécie de monopólio para os países em que a plantação
era permitida; e, como Virgínia e Maryland produzem a maior
quantidade do produto, compartilham em grande medida, embora com
alguns concorrentes, a vantagem desse monopólio. O cultivo do tabaco,
no entanto, não parece ser tão vantajoso como o da cana-de-açúcar.
Nunca ouvi falar de uma plantation de tabaco que tenha sido aprimorada
e cultivada pelo capital de comerciantes que residissem na Grã-Bretanha;
além disso, nossas colônias de tabaco não nos enviam plantadores tão
ricos quanto aqueles que chegam de nossas ilhas açucareiras. Pela
preferência dada ao cultivo do tabaco sobre os cereais naquelas colônias,
poderia parecer que a demanda efetiva da Europa por tabaco não
estivesse totalmente suprida, mas é provável que esteja mais suprida que a
demanda por açúcar; e, embora o preço atual do tabaco seja
provavelmente mais do que suficiente para pagar a integralidade da
renda, dos salários e dos lucros necessários para prepará-lo e transportá-
lo para o mercado, de acordo com as taxas normalmente pagas pelas
terras cerealistas, seu preço não poder ser muito maior que o preço atual
do açúcar. Nossos plantadores de tabaco, por conseguinte, têm
demonstrado o mesmo medo da superabundância de tabaco que os
proprietários dos antigos vinhedos da França têm da superabundância de
vinho. Uma lei da assembleia restringiu seu cultivo a 6 mil plantas, que,
supostamente, produziriam 1.000 libras-peso de tabaco por cada negro
entre 16 e 60 anos de idade. Contabiliza-se que, além dessa quantidade de
tabaco, cada negro seja capaz de administrar quatro hectares de cereal.
Segundo o doutor Douglass187 (mas suspeito que ele esteja mal-
informado), para impedir que nos anos de abundância o mercado fique
sobreabastecido, os plantadores costumam queimar uma determinada
quantidade de tabaco para cada negro, da mesma forma que se diz que os
holandeses fazem com suas especiarias. Se esses métodos tão violentos
são necessários para manter o preço atual do tabaco, a vantagem superior
de seu plantio sobre a colheita de milho, se é que ainda existe alguma,
provavelmente não durará por muito tempo.188
É assim que a renda da terra cultivada, cujo produto é o alimento
humano, regula a renda da maior parte das outras terras cultivadas.
Nenhum produto específico consegue por muito tempo render menos,
pois a terra seria imediatamente utilizada para outro uso. E se um
produto particular comumente rende mais é porque a quantidade de
terra que pode ser adequada a ele é muito pequena para suprir a
demanda efetiva.
Na Europa os cereais são os principais produtos da terra que servem
imediatamente à alimentação humana. Exceto em situações particulares,
portanto, a renda das terras em que se cultivam cereais regula na Europa
a renda de todas as outras terras cultivadas. A Grã-Bretanha não precisa
invejar nem os vinhedos da França nem as oliveiras da Itália. Exceto em
situações particulares, o valor daqueles cultivos é regulado pelos cereais;
na Grã-Bretanha, a fertilidade dos cereais não é muito inferior à de
nenhum desses outros dois países.
Se em um país qualquer o alimento vegetal comum e favorito do povo
for retirado de uma planta que — na terra mais comum com o mesmo ou
quase o mesmo tipo de cultivo — produza uma quantidade muito
superior à produção de cereais da terra mais fértil, então a renda dos
proprietários da terra, ou a quantidade excedente de alimentos que
permanece com eles depois de pagarem o trabalho e reporem o capital do
agricultor, juntamente com seus lucros normais, será necessariamente
muito maior. Qualquer que fosse a taxa comum de pagamento do
trabalho naquele país, esse excedente maior poderia sempre manter uma
quantidade maior de trabalho, permitindo assim que o dono da terra
pudesse comprar ou comandar uma quantidade maior dele. O verdadeiro
valor de sua renda, seu verdadeiro poder e autoridade, o comando que
ele tem sobre os bens de primeira necessidade e comodidades da vida
que podem ser oferecidos a ele pelo trabalho de outras pessoas, seria
necessariamente bem maior.
Um campo de arroz produz uma quantidade muito maior de
alimentos do que o mais fértil campo de cereais. Diz-se que duas safras
por ano de 30 a 60 bushels cada uma é o produto ordinário de um acre.
Seu cultivo, portanto, requer uma maior quantidade de trabalho, mas
que, após este último ter sido pago, deixa ainda um excedente final muito
maior que o dos cereais. Nesses países produtores de arroz, portanto,
onde este é o alimento vegetal comum e favorito da população e onde
essa plantação constitui o principal meio de subsistência dos lavradores,
uma parcela maior (do que nos países plantadores de cereais) desse
grande excedente pertencerá ao dono da terra. Na Carolina, como em
outras colônias britânicas, onde os plantadores geralmente assumem
tanto o papel de agricultores quanto de donos da terra, e onde a renda,
consequentemente, se confunde com o lucro, o cultivo de arroz é mais
lucrativo do que o de cereais, ainda que seus campos produzam apenas
uma colheita no ano, e ainda que o arroz, pelo predomínio dos costumes
europeus, não seja ali o alimento vegetal comum e favorito da população.
Um bom campo de arroz é pantanoso em todas as estações do ano e,
em uma delas, um pântano alagado. Ele é impróprio para os cereais, para
os vinhedos e para a pastagem, ou, de fato, para o cultivo de quaisquer
outros produtos vegetais que sejam bastante úteis para as pessoas: e as
terras próprias para essas finalidades não servem para o cultivo do arroz.
Assim, mesmo nos países produtores de arroz, a renda das terras de arroz
não regula a renda das outras terras cultivadas que nunca poderão ser
usadas para o cultivo do arroz.
O alimento produzido por um campo de batatas não é inferior, em
quantidade, ao produzido por um campo de arroz, e é muito superior ao
produzido por um campo de trigo. Doze mil libras-peso de batatas
colhidas de um acre de terra não representam um produto maior do que
2.000 libras-peso de trigo. Na verdade, a comida, isto é, a nutrição sólida,
que pode ser retirada de cada uma dessas duas plantas não constitui uma
proporção perfeita em relação ao seu peso, por causa da natureza aquosa
das batatas. Supondo-se, no entanto, que metade do peso desse tubérculo
é constituída por água, uma suposição bastante generosa, esse acre de
batatas poderia produzir, ainda assim, 6.000 libras-peso de alimento
sólido, o triplo da quantidade produzida pelo acre de trigo. Há menos
gastos para o cultivo de um acre de batatas que para o cultivo de um acre
de trigo; o barbeito, ou terra lavrada deixada em pousio, que geralmente
precede a semeadura do trigo, mais do que compensa a capinagem e
outras técnicas adicionais para o cultivo das batatas. Caso o tubérculo
venha a se tornar na Europa semelhante ao que é o arroz para alguns
países produtores de arroz, isto é, o alimento vegetal mais comum e
favorito da população, de modo a ocupar a mesma proporção de terras
utilizadas atualmente pelo trigo e por outros tipos de grãos para a
alimentação humana, a mesma quantidade de terras cultivadas seria
suficiente para sustentar um número muito maior de pessoas e, além
disso, se os trabalhadores em geral fossem alimentados com batatas,
haveria, ao final, um maior excedente após a reposição de todo o capital e
o pagamento de todos os trabalhadores empregados no cultivo. Uma
parcela maior desse excedente também pertenceria ao dono da terra. A
população aumentaria e as rendas chegariam a valores muito mais altos
que os atuais.
A terra utilizada para as batatas é adequada para quase todos os
outros vegetais úteis. Se, neste momento, as batatas ocupassem a mesma
proporção de terras cultivadas que os cereais, elas regulariam, da mesma
forma, a renda da maior parte das outras terras cultivadas.
Afirma-se que em algumas partes de Lancashire, conforme me foi
dito, o pão de aveia é um alimento mais nutritivo para os trabalhadores
do que o pão de trigo, e tenho ouvido frequentemente que a mesma
doutrina é abraçada pela Escócia. No entanto, duvido um pouco da
verdade disso. As pessoas comuns na Escócia, que são alimentadas com
farinha de aveia, são, em geral, nem tão fortes nem tão bonitas como a
mesma categoria de pessoas na Inglaterra que são alimentadas com pão
de trigo. Elas não trabalham tão bem nem parecem tão bem; e, como não
há diferenças comparáveis entre as pessoas de boas condições sociais nos
dois países, a experiência parece mostrar que o alimento do povo comum
da Escócia não é tão apropriado para a constituição do ser humano como
o alimento de seus vizinhos ingleses da mesma classe social. Mas parece
ocorrer o contrário com as batatas. Dizem que os carregadores de liteira,
carregadores de produtos e transportadores de carvão de Londres e
aquelas mulheres infelizes que vivem da prostituição, ou seja, talvez os
homens mais fortes e as mulheres mais bonitas dos domínios britânicos
— a maior parte deles procedentes da classe social irlandesa mais baixa
— alimentam-se geralmente com essa raiz. Nenhum outro alimento
detém provas mais decisivas de suas qualidades nutricionais ou de sua
particular adequação à saúde, à constituição humana.
É difícil preservar batatas durante todo o ano e impossível armazená-
las, como os outros cereais, por dois ou três anos seguidos. O medo de
não conseguir vendê-las antes que apodreçam desencoraja o seu cultivo e
isso talvez seja o principal obstáculo para que ela se torne, como o pão, o
principal alimento vegetal de todas as diferentes classes de pessoas de
qualquer grande país.

Parte II – Os produtos da terra que às vezes


proporcionam renda e outras, não
O alimento humano parece ser o único produto da terra que sempre e
necessariamente proporciona alguma renda ao dono da terra. Outros
tipos de produto às vezes proporcionam, às vezes não — são dependentes
das circunstâncias.
Depois dos alimentos, as duas outras grandes necessidades da
humanidade são a habitação e o vestuário.
Em seu estado primitivo original, as terras podem oferecer materiais
para habitação e vestuário a mais pessoas do que podem alimentar. Às
vezes as terras, em seu estado aprimorado, podem alimentar mais
pessoas do que conseguem suprir com materiais para habitação e
vestuário, pelo menos da forma como as pessoas os demandam e estão
dispostas a pagar por eles. No primeiro estado, portanto, há sempre uma
superabundância desses materiais que, por esse motivo, costumam valer
pouco ou nada. No segundo, há frequentemente uma escassez, o que
necessariamente aumenta o seu valor. No primeiro estado, grande parte
deles é jogada fora como inútil, e o preço do material utilizado é
considerado igual ao trabalho somado às despesas de adequá-lo ao uso.
Portanto, não geram renda ao dono da terra. No segundo, todos eles são
utilizados e, frequentemente, há uma demanda por mais materiais do que
é possível obter. Sempre há alguém disposto a oferecer mais por cada
parcela desses materiais, mais do que o valor suficiente para pagar as
despesas de levá-los ao mercado. Seu preço, dessa forma, sempre pode
proporcionar alguma renda ao dono da terra.
As peles dos grandes animais foram os primeiros materiais de
vestuário. Portanto, entre as nações de caçadores e pastores cujo principal
alimento é a carne desses animais, quando cada pessoa busca seu
alimento, ela também fornece a si mesma os materiais para uma
quantidade de vestuário maior do que ela é capaz de usar. Se não existisse
o comércio exterior, a maior parte desse vestuário seria jogada fora como
algo sem valor. Esse foi provavelmente o caso entre as nações de
caçadores da América do Norte antes de seu país ser descoberto pelos
europeus, com quem eles agora trocam seu excedente de peles por
cobertores, armas de fogo e conhaque, o que oferece algum valor a esse
excedente. Acredito que, no estado atual de comércio do mundo
conhecido, as nações mais bárbaras que já estabeleceram a propriedade
da terra possuem algum comércio exterior desse tipo. A demanda de seus
vizinhos mais ricos por materiais de vestuário produzidos por aquelas
terras, e que não podem nem ser manufaturados nem consumidos
domesticamente, é tal que eleva seus preços a um valor acima dos custos
para enviá-los a esses vizinhos mais ricos. Proporcionam, desse modo,
certa renda ao proprietário de terras. Quando a maior parte do gado das
Terras Altas da Escócia era consumida em suas próprias montanhas, a
exportação de peles se tornou o artigo mais considerável do comércio
daquele país; e as mercadorias recebidas pelas peles proporcionaram
alguma adição à renda das propriedades das Terras Altas. A lã da
Inglaterra, que em tempos mais antigos não era nem consumida nem
manufaturada domesticamente, encontrou um mercado na, então, mais
rica e laboriosa Flandres; em certa medida, seu preço proporcionou algo
à renda da terra que a produziu. Em países menos cultivados que a
Inglaterra na época, ou que as Terras Altas da Escócia atualmente, e que
não tinham comércio exterior, os materiais de vestuário seriam,
evidentemente, tão superabundantes que uma grande parte deles deveria
ser jogada fora como inútil, e em nenhum momento geraria renda ao
proprietário da terra.
Os materiais da habitação nem sempre podem ser transportados a
distâncias tão grandes como os materiais do vestuário, e também não
podem se tornar um objeto tão imediato de comércio exterior. Quando
esses materiais são superabundantes no país que os produz,
frequentemente acontece de não terem nenhum valor para o proprietário
da terra, mesmo no estado atual de comércio do mundo. Uma boa
pedreira na vizinhança de Londres ofereceria uma boa renda. Em muitas
partes da Escócia e do País de Gales, ela nada renderia. A madeira
simples para construção possui grande valor em um país populoso e bem
cultivado, e a terra que a produz proporciona uma boa renda. Mas, em
muitas partes da América do Norte, o dono de terras ficaria
extremamente agradecido a qualquer pessoa que levasse embora a maior
parte de suas árvores de grande porte. Em algumas partes das Terras
Altas da Escócia, a casca é a única parte da madeira que, por falta de
estradas e transporte hidroviário, pode ser enviada ao mercado. A
madeira, assim, é deixada para apodrecer no solo. Quando os materiais
de habitação são muito superabundantes, a parte que se usa deles vale
apenas o trabalho e as despesas de sua adequação para tal uso. Não
geram renda ao dono de terras, o qual costuma conceder seu uso a
qualquer um que se dê ao trabalho de pedir. A demanda dos países mais
ricos, no entanto, às vezes lhe permite obter uma renda. A pavimentação
das ruas de Londres permitiu que os proprietários de algumas rochas
infrutíferas da costa da Escócia obtivessem uma renda de algo que nunca
lhes havia proporcionado nada. Os bosques da Noruega e do litoral do
Báltico encontram em muitas partes da Grã-Bretanha um mercado que
não possuem localmente, e, assim, proporcionam alguma renda a seus
proprietários.
Os países são populosos não em função do número de pessoas para as
quais seu produto consegue oferecer vestuários e habitação, mas em
função do número de pessoas que seu produto consegue alimentar.
Havendo alimento, é fácil encontrar vestuário e habitação. Mas, ainda
que se tenham estes dois últimos, muitas vezes pode ser difícil encontrar
alimentos. Em algumas partes do domínio britânico, aquilo que
chamamos de “casa” pode ser construído pelo trabalho de um dia de um
homem. O tipo mais simples de vestuário, as peles dos animais, requer
um pouco mais de trabalho para ser adequado e preparado para o uso —
mas não muito trabalho. Entre as nações selvagens e bárbaras, a
centésima parte, ou pouco mais do que a centésima parte do trabalho de
um ano, já seria suficiente para provê-las com vestuário e habitação que
satisfaria a maioria das pessoas. Todas as outras 99 partes do trabalho são
frequentemente não mais que o suficiente para lhes prover alimento.
Mas quando, por meio da melhoria e do cultivo da terra, o trabalho
de uma família consegue prover comida para duas, o trabalho de metade
da sociedade torna-se suficiente para prover comida a toda ela. A outra
metade, portanto, ou pelo menos a maior parte dela, pode ser empregada
na provisão de outras coisas ou para satisfazer os outros desejos e
fantasias da humanidade. Vestuário, habitação, mobiliário e algo
conhecido como equipamentos189 são os principais objetos da maior
parte daqueles desejos e fantasias. O rico não consome mais alimentos
que seu vizinho pobre. Em qualidade, os alimentos podem ser muito
diferentes e sua seleção e preparo talvez exijam mais trabalho e arte; mas
a quantidade é quase a mesma. Mas, compare o palácio espaçoso e as
roupas do primeiro com o casebre e os poucos trapos do segundo e você
perceberá que a diferença entre vestuário, habitação e mobiliário é quase
tão grande em quantidade como em qualidade. O desejo por comida é
limitado em todo ser humano pela estreita capacidade de seu estômago;
mas o desejo de possuir todas as comodidades e ornamentos possíveis à
construção, ao vestuário, aos equipamentos e ao mobiliário parece não
ter limites ou fronteiras determinadas. Todos aqueles que, portanto, têm
comando sobre mais alimentos do que eles próprios poderiam consumir
estão sempre dispostos a trocar seu excedente, ou, o que é a mesma coisa,
trocar o preço desse excedente por gratificações daquele outro tipo.
Qualquer coisa que ultrapasse a satisfação de algum desejo limitado é
usada para entreter aqueles desejos que não podem ser satisfeitos, mas
que parecem ser infindáveis. Os pobres, a fim de obter alimentos, se
esforçam para satisfazer os caprichos dos ricos, e, para ter a certeza de
obtê-los, competem uns com os outros, oferecendo trabalhos mais
baratos e mais perfeitos. O número de trabalhadores aumenta com a
quantidade crescente de alimentos ou com as crescentes melhorias e o
cultivo das terras; e já que a natureza de suas atividades admite muitas
subdivisões do trabalho, a quantidade de materiais que podem ser
trabalhados aumenta em uma proporção muito maior do que o número
de trabalhadores. Daí surge uma demanda para cada tipo de material que
o gênio humano é capaz de empregar, seja ele útil ou decorativo, usado
para construção, vestuário, equipamentos ou mobiliário; o mesmo vale
para os fósseis e os minerais contidos nas entranhas da terra, os metais
preciosos e as pedras preciosas.
Os alimentos, dessa maneira, não são apenas a fonte original da
renda, mas todas as outras partes do produto da terra que depois se
traduzem em renda derivam essa parte de seu valor do aprimoramento
das forças do trabalho para a produção de alimentos por meio da
melhoria e do cultivo da terra.
Essas outras partes do produto da terra, no entanto, que depois geram
renda, nem sempre a geram. Mesmo em países mais avançados e
cultivados, a demanda por essas outras partes nem sempre é suficiente
para gerar um preço maior do que o valor suficiente para pagar o
trabalho e repor, juntamente com seus lucros ordinários, o capital que
deve ser empregado para levá-las ao mercado. Ser assim ou não depende
de diferentes circunstâncias.
Por exemplo, a geração de renda de uma mina de carvão depende em
parte de sua fertilidade e em parte de sua localização.
Tomando-se a quantidade de mineral que pode ser retirada de uma
mina por determinada quantidade de trabalho, se essa quantidade for
maior ou menor do que o que pode ser trazido por uma quantidade igual
de trabalho da maior parte das outras minas do mesmo tipo, então uma
mina qualquer poderá ser chamada de fértil ou infértil.
Algumas minas de carvão bem localizadas não podem ser
trabalhadas por causa de sua infertilidade. O produto não compensa as
despesas. Ela é incapaz de gerar lucros ou renda.
Há algumas minas cujo produto mal é suficiente para pagar o
trabalho e repor, juntamente com seus lucros ordinários, o capital
aplicado em sua exploração. Elas geram algum lucro para o tomador do
trabalho alheio, mas nenhuma renda ao dono da terra. Elas não podem
ser exploradas vantajosamente por nenhuma outra pessoa, senão pelo
dono da terra, que, sendo ele próprio o tomador do trabalho alheio,
obtém os lucros ordinários do capital que ele emprega na mina. Na
Escócia, muitas minas de carvão são exploradas dessa forma, por ser a
única possível. O dono da terra não permite que outra pessoa as explore
sem o pagamento da renda, mas ninguém tem condições de pagá-la.
No mesmo país, outras minas de carvão que são suficientemente
férteis não podem ser exploradas por causa de sua localização. Uma
quantidade de minerais suficiente para custear as despesas da exploração
pode ser retirada da mina pela quantidade normal de trabalho ou até por
menos. Mas, no interior, em uma região pouco habitada e sem boas
estradas terrestres ou hidroviárias, não haveria como vender esses
minerais.
O carvão é um combustível menos agradável que a madeira: dizem
que ele também é menos saudável. Assim, no local onde o carvão é
consumido, seu custo deve, em geral, ser um pouco menor do que o da
madeira.190
O preço da madeira também varia de acordo com o estado da
agricultura, quase da mesma maneira e exatamente pelo mesmo motivo
que o preço do gado. Em seu estado primitivo, grande parte de todos os
países estava coberta por bosques, que, na época, eram um mero entrave
sem nenhum valor para os proprietários de terras, os quais os
entregariam prazerosamente a quaisquer pessoas que desejassem
derrubá-los. Com o avanço da agricultura, os bosques são eliminados em
parte pelo progresso da lavoura e em parte em consequência do aumento
do gado. Embora não aumente na mesma proporção dos cereais — que,
em sua totalidade, são o resultado do trabalho humano —, o gado, ainda
assim, se multiplica sob os cuidados e a proteção dos homens. Estes
últimos acumulam na temporada de abundância aquilo que os manterá
durante a escassez, que, por todo o ano, lhes oferece uma maior
quantidade de alimentos do que a natureza inculta lhes poderia fornecer
e que, destruindo e extirpando seus inimigos, lhes assegura o livre
aproveitamento de tudo o que a natureza oferece. Inúmeros rebanhos de
gado, quando podem vaguear pelo bosque, embora não destruam as
árvores velhas, impedem que as mais jovens cresçam e, desse modo, toda
a floresta fica arruinada no decorrer de um século ou dois. A escassez da
madeira, então, eleva seu preço. Ela proporciona uma boa renda, e o
dono de terras descobre por vezes que ele mal consegue empregar suas
melhores terras de forma mais vantajosa que no cultivo da madeira
estéril, no qual a grandeza do lucro costuma compensar a demora dos
rendimentos. Atualmente, esse quase parece ser o estado das coisas em
várias partes da Grã-Bretanha, onde o lucro do plantio de árvores é igual
ao dos cereais ou das pastagens. A vantagem que o dono de terras tira do
plantio não excede em nenhum lugar (pelo menos por algum tempo
considerável) a renda que os cereais ou as pastagens poderiam lhe
oferecer; e no interior, em uma região altamente cultivada, a vantagem
não será muito inferior a essa renda. De fato, no litoral de um país bem
desenvolvido, quando é possível utilizar o carvão de forma conveniente
como combustível, talvez fique mais barato trazer a madeira para
construção de países estrangeiros menos cultivados do que produzi-la no
próprio país. Parece-me que, nas novas áreas de Edimburgo, construídas
há poucos anos, não há sequer um único pedaço de madeira escocesa.
Seja qual for o preço da madeira, se o preço do carvão estiver em um
nível que quase iguale os custos da queima do carvão e os da queima da
madeira, podemos, então, garantir que, em tais circunstâncias e
localização, o carvão já atingiu o maior preço possível. Parece que é isso o
que ocorre em algumas partes do interior da Inglaterra, particularmente
em Oxfordshire, onde costuma-se, mesmo nos fornos das pessoas
comuns, misturar carvão e madeira; e, portanto, a diferença de preço
entre esses dois tipos de combustíveis não deve ser muito grande nesses
locais.
Nos países carvoeiros, o preço do carvão mantém-se bem abaixo
desses valores mais altos. Se não fosse assim, não seria possível cobrir as
despesas do transporte de longa distância, quer por via terrestre ou
hidroviária. Não seria possível vender mais que uma pequena
quantidade, e, além disso, os mestres e proprietários das minas de carvão
consideram mais interessante vender uma grande quantidade a um preço
um pouco acima do preço mais baixo do que vender uma pequena
quantidade pelo preço mais alto. A mina de carvão mais produtiva regula
o preço do carvão de todas as outras minas de sua vizinhança. Ao vender
por um preço de alguma forma inferior ao de seus vizinhos, o
proprietário acredita que pode obter uma renda maior, e o tomador do
trabalho alheio, que pode obter um lucro maior. Prontamente, seus
vizinhos são obrigados a vender ao mesmo preço, embora não possam
suportá-lo muito bem e embora isso sempre diminua — ou até mesmo
elimine — suas rendas e seus lucros. Algumas minas são abandonadas
por completo; outras deixam de gerar renda, podendo ser exploradas
apenas por seus proprietários.
O preço mais baixo a que o carvão pode ser vendido por algum
tempo considerável é, assim como acontece com todas as outras
mercadorias, o preço suficiente apenas para repor, juntamente com seus
lucros ordinários, o capital empregado para levar o produto ao mercado.
Em uma mina de carvão em que o proprietário está impossibilitado de
obter renda e que, por isso, deve explorá-la sozinho ou abandoná-la por
completo, o preço do carvão deve chegar geralmente a quase esse preço.
Mesmo quando o carvão consegue proporcionar uma renda, esta
geralmente representa uma parcela menor em seu preço do que na
maioria das outras partes do produto rude da terra. Supõe-se que a renda
de uma propriedade acima do solo costuma representar 1/3 de seu
produto bruto; e é geralmente uma renda certa e independente das
flutuações ocasionais da safra. Nas minas de carvão, considera-se que 1/5
do produto bruto seja uma renda muito boa; 1/10 é a renda comum, mas
raramente é uma renda certa e depende das variações ocasionais do
produto. Estas são tão grandes que, em um país onde considera-se trinta
anos de compras como um preço moderado para uma propriedade rural,
o preço considerado bom para a propriedade de uma mina de carvão é
de dez anos de compras.
Para o proprietário, o valor de uma mina de carvão depende
frequentemente tanto de sua localização como de sua produtividade. O
de uma mina de metais depende mais de sua produtividade e menos de
sua localização. Os metais comuns, e ainda mais os preciosos, quando
separados do minério bruto, são tão valiosos que geralmente podem
custear as despesas de uma viagem por terra por um longo tempo e do
transporte no mar mais distante. Seu mercado não se limita aos países
vizinhos da mina, mas se estende a todo o mundo. O cobre do Japão é
um artigo comercial nos mercados da Europa; o ferro da Espanha, nos
mercados do Chile e do Peru. A prata do Peru não é levada apenas para a
Europa, mas também vai da Europa para a China.
O preço do carvão em Westmorland ou Shropshire pode ter pouco
efeito sobre o preço do carvão em Newcastle, e seu preço em Lionnois,
absolutamente nenhum. As produções de minas de carvão tão distantes
nunca podem ser trazidas à competição umas com as outras; mas as
produções das mais distantes minas de metais podem. Na verdade,
normalmente o fazem. Assim, o preço (dos metais comuns e ainda mais
dos metais preciosos) das minas mais produtivas do mundo
necessariamente afeta em maior ou menor grau o preço em todas as
outras. O preço do cobre japonês tem alguma influência sobre o preço
nas minas de cobre da Europa. O preço da prata no Peru, ou a
quantidade de mão de obra ou de outros bens que ela irá comprar ali,
tem alguma influência sobre seu preço nas minas de prata da Europa,
bem como nas minas da China. Após a descoberta das minas de prata no
Peru, grande parte das minas de prata europeias foi abandonada. O valor
da prata ficou tão reduzido que seu produto não conseguia mais pagar as
despesas de sua exploração nem repor, com lucros, os alimentos,
vestuários, habitação e outras necessidades que eram consumidas nessa
atividade. Após a descoberta das minas de Potosí, esse também foi o caso
das minas de Cuba e de São Domingo e até mesmo das antigas minas do
Peru.
Portanto, o preço de quaisquer metais em quaisquer minas — ao ser
em certa medida regulado pelo preço dos metais extraídos das minas
mais produtivas do mundo atualmente em exploração — será suficiente
na maioria das minas apenas para pagar as despesas de sua exploração e
raramente gerará uma renda muito alta ao seu proprietário. Na maior
parte das minas, por conseguinte, a renda parece perfazer apenas uma
pequena parte do preço dos metais comuns e uma parte ainda menor do
preço dos metais preciosos. Trabalho e lucro compõem a maior parte do
preço nos dois casos.
A renda média das minas de estanho da Cornualha, a mais abundante
do mundo, é de 1/6 do produto bruto, conforme nos informa o Reverendo
Borlace,191 vice-diretor das minas. “Algumas”, ele diz, “pagam mais, e
outras não chegam a pagar tanto assim”. Um sexto do produto bruto
também é a renda de várias minas de chumbo bastante produtivas da
Escócia.
Frézier192 e Ulloa193 nos dizem que, nas minas de prata do Peru, o
proprietário não costuma impor nenhuma outra condição ao explorador
da mina senão a de que este deverá levar o minério bruto para a moenda
do proprietário e pagar-lhe o preço ordinário da moagem. É verdade que,
até 1736, o imposto do rei da Espanha correspondia a um quinto da prata
de lei que, até então, podia ser considerada como a verdadeira renda da
maior parte das minas de prata do Peru, as mais abundantes conhecidas
pelo mundo. Se não houvesse o imposto, esse quinto naturalmente
pertenceria ao proprietário e, assim, muitas minas poderiam ter sido
exploradas, mas não o foram pois não conseguiam pagar o imposto.
Acredita-se que o imposto do Duque da Cornualha sobre o estanho era
de mais de 5%, ou 1/20 do valor; e qualquer que fosse a sua proporção,
esta naturalmente também pertenceria ao proprietário da mina se não
houvesse imposto sobre o estanho. Mas se somarmos um vinte avos com
um sexto, veremos que a renda média das minas de estanho da
Cornualha estava em uma proporção de 13 para 12 com a renda média
das minas de prata do Peru. Mas as minas de prata do Peru já não
conseguiam mais pagar nem mesmo essa renda baixa; e, então, em 1736,
o imposto sobre a prata foi reduzido de 1/5 para 1/10. Entretanto, mesmo
com esse imposto, o contrabando da prata era mais tentador do que o do
estanho com imposto de 1/20; e deve ser muito mais fácil contrabandear
mercadorias preciosas do que produtos comuns e mais volumosos. Diz-
se, nesse sentido, que o imposto da coroa espanhola é um tributo muito
mal pago, e que o do Duque da Cornualha é muito bem pago. Portanto, a
renda talvez represente uma fração maior do preço do estanho em suas
minas mais produtivas que do preço da prata nas minas mais abundantes
do mundo. Após a reposição do capital empregado na exploração dessas
diferentes minas, juntamente com seus lucros ordinários, o resíduo que
sobra ao proprietário parece ser maior em relação aos metais comuns que
aos metais preciosos.
Os lucros dos empreendedores das minas de prata do Peru também
não são muito altos. Os mesmos autores respeitáveis e bem-informados
nos dizem que, quando uma pessoa resolve explorar uma nova mina no
Peru, ela passa a ser vista por todos como alguém fadado à falência e à
ruína; e, por isso, é ignorada e evitada por todas as outras. Parece-me que
a mineração é vista ali sob a mesma ótica que aqui: uma loteria cujos
prêmios não compensam os bilhetes não premiados, embora a opulência
de alguns prêmios seduza muitos aventureiros a dilapidar suas fortunas
em projetos tão desditosos.
Mas, tendo em vista que boa parte das receitas do soberano origina-se
do produto das minas de prata, a lei peruana oferece todo o estímulo
possível para a descoberta e a exploração de novas minas. Quem
descobre uma nova mina tem direito a medir 246 pés de comprimento na
suposta direção do veio e metade disso em largura. A pessoa se torna
proprietária dessa parcela da mina e pode explorá-la sem precisar pagar
nada ao proprietário da terra. Os interesses do duque da Cornualha
deram ocasião a um regulamento quase igual naquele antigo ducado. Em
terras não cultivadas e não cercadas, qualquer pessoa que descobrisse
uma mina de estanho poderia fixar seus limites até certo ponto, que é
chamado de delimitação da mina. O delimitador da mina se tornava seu
verdadeiro proprietário e poderia até mesmo explorá-la por conta
própria ou arrendá-la para outra pessoa sem o consentimento do
proprietário da terra, a quem, no entanto, uma taxa muito pequena
deveria ser paga por sua exploração.194 Em ambos os regulamentos, os
sagrados direitos da propriedade privada são sacrificados aos supostos
interesses da fazenda pública.
No Peru, o mesmo incentivo é dado para a descoberta e a exploração
de novas minas de ouro; e, no ouro, os impostos reais somam apenas 1/20
do metal-padrão. Antes era 1/5 e depois passou para 1/10, assim como no
caso da prata; mas verificou-se que a exploração não tinha capacidade de
suportar nem mesmo o imposto mais baixo. No entanto, dizem os
mesmos autores (Frézier e Ulloa), se é raro encontrarmos alguém que
tenha enriquecido com as minas de prata, é ainda mais raro
encontrarmos alguém que tenha feito sua fortuna com uma mina de
ouro. A vigésima parte parece ser o total da renda paga pela maior parte
das minas de ouro no Chile e no Peru. O ouro, além disso, é muito mais
suscetível a ser contrabandeado do que a prata; não só por seu valor
superior em relação à sua massa, mas por causa da maneira peculiar pela
qual é produzido pela natureza. Raramente encontramos prata virgem,
mas, como a maioria dos outros metais, ela geralmente está incrustada
em algum outro corpo, do qual é impossível separá-la em quantidade
suficiente para pagar os custos, senão por meio de uma operação muito
trabalhosa e tediosa que somente pode ser bem executada em oficinas
construídas exclusivamente para tal fim e, por esse motivo, sujeitas às
inspeções dos funcionários da coroa. O ouro, pelo contrário, quase
sempre é encontrado virgem. Às vezes é encontrado em pedaços grandes;
e, mesmo quando está misturado com partículas pequenas e quase
imperceptíveis de areia, terra e outros corpos estranhos, é possível
separá-lo por meio de uma operação muito rápida e simples que pode ser
realizada em qualquer lugar e por qualquer um que possua uma pequena
quantidade de mercúrio. Assim, se os impostos reais sobre a prata são
sonegados, os impostos sobre o ouro são possivelmente muito mais
sonegados; e a renda, então, constitui uma parte muito menor do preço
do ouro do que até mesmo do preço da prata.
O menor preço a que os metais preciosos podem ser vendidos, ou a
menor quantidade de bens pelos quais podem ser trocados durante
algum tempo considerável, é regulado pelos mesmos princípios que
estabelecem o menor preço ordinário de todas as outras mercadorias. É
determinado pelo capital que deve ser normalmente empregado, pelos
alimentos, pelo vestuário e pela habitação que devem ser normalmente
consumidos para levá-los da mina ao mercado. Deve ser, no mínimo,
suficiente para repor o capital juntamente com seus lucros ordinários.
Seu maior preço, no entanto, parece não estar necessariamente
determinado por qualquer outra coisa senão a verdadeira escassez ou
abundância desses metais. Não é determinado pelo valor de nenhuma
outra mercadoria, diferentemente do carvão, cujo valor máximo é
determinado pelo preço da madeira, acima do qual nenhuma escassez é
capaz de elevar. Aumente a escassez de ouro até certa medida e seu
menor grão pode se tornar mais precioso que um diamante e ser trocado
por uma maior quantidade de outras mercadorias.
A demanda por esses metais decorre em parte de sua utilidade e em
parte de sua beleza. Excetuando-se o ferro, eles são talvez mais úteis que
quaisquer outros metais. Já que são menos suscetíveis à ferrugem e às
impurezas, são mais fáceis de limpar e, por isso, os utensílios de mesa ou
de cozinha costumam ser mais agradáveis quando feitos desses materiais.
Uma caldeira de prata é mais limpa que uma de chumbo, de cobre ou de
estanho, e a mesma qualidade tornaria uma caldeira de ouro ainda
melhor do que a de prata. Seu principal mérito, no entanto, tem origem
em sua beleza, tornando-os particularmente adequados para a utilização
em ornamentos de roupas e mobiliário. Nenhuma outra tinta ou tintura
oferece uma cor tão esplêndida como o douramento. O mérito da sua
beleza é bastante reforçado por sua escassez. Para a maior parte dos ricos,
o principal prazer da riqueza consiste em poder desfilar sua riqueza, que,
aos olhos deles, somente está completa quando eles parecem possuir as
marcas decisivas de uma opulência que somente eles podem possuir. Para
eles, o mérito de um objeto que tenha qualquer grau de utilidade ou
beleza fica extremamente aumentado por sua escassez ou pelo grande
trabalho necessário para a coleta de qualquer quantidade considerável
dele, um trabalho que ninguém, exceto esses ricos, tem recursos para
pagar. Objetos que estão dispostos a comprar a um preço mais elevado do
que outros que são mais bonitos e úteis, mas que são mais comuns. Essas
qualidades — utilidade, beleza e escassez — são a base original do alto
preço desses metais ou da grande quantidade de outros bens pelos quais
eles podem ser trocados em quaisquer lugares. Esse valor é anterior e não
depende de seu uso como moeda; pois esse uso lhes foi garantido por sua
qualidade. Seu uso como moeda, no entanto, ao gerar uma nova
demanda e diminuir a quantidade que poderia ter sido usada de outra
forma, pode ter depois contribuído para a manutenção ou o aumento de
seu valor.195
A demanda por pedras preciosas existe somente pela beleza que
possuem. Elas não têm nenhuma outra utilidade senão como ornamento,
e o mérito de sua beleza fica extremamente realçado por sua escassez ou
pela dificuldade e pelos altos custos de sua extração. Dessa maneia, os
salários e os lucros, na maioria das vezes, formam quase a totalidade de
seus preços elevados. A renda perfaz apenas uma parte muito pequena, e
frequentemente é nula; apenas as minas mais abundantes pagam alguma
renda considerável. Quando o joalheiro Tavernier196 visitou as minas de
diamantes de Golconda e Visapur,197 foi informado de que o soberano do
país, em cujo benefício elas eram exploradas, ordenou que todas fossem
fechadas, exceto aquelas que rendessem as maiores e melhores pedras. As
outras, ao que parece, não eram consideradas pelos proprietários como
boas para exploração.
Já que, em todo o mundo, o preço tanto dos metais preciosos como
das pedras preciosas é regulado pelo preço que conseguem obter na mina
mais fértil existente, a renda que a mina de qualquer um pode oferecer ao
seu proprietário é proporcional não à sua abundância absoluta, mas ao
que podemos chamar de abundância relativa, isto é, sua superioridade
sobre as outras minas do mesmo tipo. Se fossem descobertas novas minas
tão superiores quanto as minas de Potosí foram em relação às da Europa,
o valor da prata ficaria tão mais degradado que não valeria a pena
explorar nem mesmo as minas de Potosí. Antes da descoberta das Índias
Ocidentais espanholas, as minas mais abundantes da Europa puderam
oferecer uma renda tão grande ao seu titular quanto as minas mais ricas
do Peru o fazem atualmente. Embora a quantidade de prata fosse muito
menor, era possível trocá-la por uma quantidade igual de outros bens, e a
parte do proprietário pode ter permitido que ele comprasse ou
comandasse uma igual quantidade de trabalho ou de mercadorias. O
valor do produto e da renda — o rendimento real que ofereciam ao
público e ao proprietário — pode ter sido o mesmo.
As mais abundantes minas, tanto de metais preciosos quanto de
pedras preciosas, pouco acrescentariam à riqueza do mundo. Um
produto cujo valor deriva principalmente de sua escassez fica
necessariamente degradado por sua abundância. Um serviço de prata e
os outros ornamentos frívolos do vestuário e da mobília poderiam ser
comprados por uma quantidade menor de mão de obra ou por uma
quantidade menor de mercadorias: essa seria toda a vantagem que o
mundo retiraria dessa abundância.198
Caso inverso é o das propriedades que estão acima do solo. O valor de
seus produtos e de sua renda é proporcional à sua fertilidade absoluta e
não à relativa. A terra que produz certa quantidade de alimentos, roupas
e alojamentos sempre pode alimentar, vestir e alojar certo número de
pessoas; e qualquer que seja a proporção do proprietário da terra, esta
sempre lhe garantirá um comando proporcional do trabalho das pessoas
e das mercadorias que esse trabalho pode fornecer a ele. O valor das
terras mais estéreis não fica diminuído por serem elas vizinhas das mais
férteis. Pelo contrário, o valor daquelas costuma aumentar. O grande
número de pessoas sustentadas pelas terras férteis possibilita um
mercado para grande parte dos produtos das terras inférteis; um
mercado que nunca encontrariam se fosse mantido por seus próprios
produtos.
Qualquer coisa que aumente a fertilidade da terra para a produção de
alimentos não aumenta somente o valor das terras que recebeu as
melhorias, mas, ao criar uma nova demanda por seus produtos, também
contribui para aumentar o valor de muitas outras terras. Como
consequência das melhorias da terra, a abundância de alimentos que
muitas pessoas têm à disposição, que vai além daquilo que elas próprias
conseguiriam consumir, é a grande causa da demanda tanto por metais e
pedras preciosas quanto por todas as outras comodidades e ornamentos
para o vestuário, a habitação, o mobiliário e os equipamentos. Os
alimentos não são apenas a parte principal da riqueza do mundo, mas é a
abundância de alimentos que consigna a parte principal do valor de
muitos outros tipos de riqueza. Quando os habitantes pobres de Cuba e
de São Domingo foram descobertos pelos espanhóis, eles costumavam
usar pequenos pedaços de ouro como ornamento em seus cabelos e em
outras partes de suas roupas. Pareciam valorizar o ouro da mesma forma
que nós faríamos com quaisquer pedrinhas um pouco mais bonitas que
as outras; para eles, essas pedras valiam apenas o esforço de coletá-las e
eles não deixavam de entregá-las a qualquer um que as pedisse.
Entregaram ouro a seus novos visitantes já na primeira vez que lhes foi
requisitado, sem imaginar que haviam entregado um presente de muito
valor. Eles ficaram surpresos com a fúria espanhola para obter as pedras e
não podiam entender a existência de uma região qualquer onde muitas
pessoas tinham à disposição uma quantidade supérflua tão grande de
alimentos, algo sempre tão escasso entre eles. Não imaginavam que, em
troca de uma quantidade muito pequena daqueles enfeites brilhantes,
poderia lhes ser entregue voluntariamente um grande volume de
alimentos, grande a ponto de poder manter toda uma família por muitos
anos. Se alguém os tivesse feito entender isso, a paixão dos espanhóis não
os teria surpreendido.
Parte III – As variações entre os respectivos
valores dos tipos de produtos que sempre
proporcionam renda e daqueles que às vezes
proporcionam renda, em outras, não
A crescente abundância de alimentos — consequência das crescentes
melhorias e do aumento dos cultivos — deve necessariamente aumentar
a demanda por todos os outros produtos da terra que não são alimentos e
que podem ser aplicados para o uso ou ornamento. Assim, no curso do
progresso, seria de esperar que houvesse apenas uma variação nos valores
comparativos daqueles dois tipos diferentes de produtos. O valor dos
produtos que às vezes geram e às vezes não geram renda deveria
aumentar constantemente em proporção aos produtos que sempre geram
alguma renda. Conforme a arte e a indústria progridem, a demanda por
materiais de vestuário e habitação, fósseis e minerais úteis da terra,
metais e pedras preciosas deveria aumentar de forma gradual, e deveria
ser possível trocá-los, gradualmente, por quantidades cada vez maiores
de alimentos; em outras palavras, eles deveriam também gradualmente se
tornar mais caros. Consequentemente, esse tem sido o caso de muitos
desses produtos, na maioria das vezes, e teria sido o caso de todos eles em
todas as ocasiões se, em algumas situações, certos acidentes não tivessem
causado o aumento da oferta de alguns deles em proporções ainda
maiores que a sua demanda.
O valor de uma pedreira de cantaria, por exemplo, aumentará
necessariamente com o progresso e o aumento da população das áreas
circundantes; especialmente se for a única pedreira da região. Mas o valor
de uma mina de prata, mesmo que não exista outra a mil milhas desta,
não aumentará necessariamente com o progresso do país em que está
situada. O mercado para os produtos de uma pedreira de cantaria
raramente se estende por mais do que algumas milhas em torno dela, e a
demanda é geralmente proporcional ao progresso e à população daquele
pequeno distrito; isso difere do mercado para o produto de uma mina de
prata, que pode se estender para todo o mundo. Assim, a menos que todo
o mundo esteja em fase de avanço no progresso e na população, é
possível que a demanda por prata não aumente nem pelo progresso de
um grande país da vizinhança da mina. Mas, mesmo que o mundo como
um todo estivesse em fase de avanço, ainda assim, se no decurso de seu
avanço fossem descobertas novas minas — muito mais abundantes do
que todas as minas descobertas até aquele momento —, embora a
demanda por prata necessariamente aumentasse, mesmo assim, a oferta
poderia aumentar em uma proporção tão grande que o preço real
daquele metal poderia cair de forma gradual; ou seja, qualquer
quantidade determinada, uma libra-peso, por exemplo, conseguiria
gradualmente adquirir ou comandar uma quantidade cada vez menor de
trabalho ou ser trocada por uma quantidade cada vez menor de cereais, a
principal parte da subsistência do trabalhador.
O grande mercado de prata é a parte comercial e civilizada do
mundo.
Caso a demanda desse mercado aumentasse durante o curso geral do
progresso e, ao mesmo tempo, a oferta não a acompanhasse na mesma
proporção, o valor da prata em relação aos cereias também viria a seria
maior de forma gradual. Qualquer quantidade determinada de prata
poderia ser trocada por uma quantidade cada vez maior de cereais; ou,
em outras palavras, aos poucos o preço médio em dinheiro dos cereais
ficaria cada vez mais baixo.
Se, pelo contrário, a oferta, por causa de algum acidente, ficasse por
muitos anos proporcionalmente acima da demanda, com o tempo, o
metal se tornaria cada vez mais barato; em outras palavras, o preço
médio em dinheiro dos cereais — apesar de todas as melhorias —
gradualmente subiria.
Mas se, por outro lado, a oferta do metal aumentasse quase na mesma
proporção de sua demanda, ele ainda seria capaz de comprar ou ser
trocado por quase a mesma quantidade de cereais, e o preço médio em
dinheiro dos cereais continuaria, apesar de todas as melhorias, quase o
mesmo.
Esses três casos parecem esgotar todas as combinações de eventos que
podem acontecer no curso do progresso; e, no decorrer dos quatro
séculos anteriores ao presente, se podemos julgar pelo que aconteceu na
França e na Grã-Bretanha, cada uma dessas três diferentes combinações
parecem ter ocorrido no mercado europeu, e quase na mesma ordem em
que eu aqui as coloquei.
Digressão sobre as variações no valor da
prata no decurso dos últimos quatro séculos
PRIMEIRO PERÍODO
Em 1350 e durante algum tempo antes, o preço médio do quarto de trigo
na Inglaterra não parece ter sido inferior a 4 onças-tower de prata, igual a
cerca de 20 xelins de nossa moeda atual. Esse preço parece ter caído
gradualmente até atingir 2 onças de prata, igual a cerca de 10 xelins de
nossa moeda atual; encontramos esse preço no início do século XVI, e ele
parece ter continuado igual até cerca de 1570.199
Em 1350, no 25º ano do reinado de Eduardo III, foi promulgado o
Estatuto dos Trabalhadores. Em seu preâmbulo há uma longa reclamação
sobre a insolência dos servos, que se esforçavam para aumentar os seus
salários em detrimento dos de seus mestres. Ordena, portanto, que todos
os servos e trabalhadores deveriam contentar-se no futuro com os
mesmos salários e librés (librés naqueles tempos significava não apenas o
vestuário, mas também os alimentos) que já estavam acostumados a
receber no vigésimo ano do reinado e nos quatro anos anteriores; que,
por tal motivo, sua libré de trigo não seria superior a 10 pence por bushel,
e que o mestre sempre teria a opção de entregá-los em trigo ou em
dinheiro. Dez pence por bushel, portanto, foi reconhecido no 25º ano do
reinado de Eduardo III como um preço bastante moderado para o trigo,
já que tal fato precisou de uma lei específica que obrigasse os servos a
aceitar esse valor em troca de sua libré costumeira de provisões; e este
valor já havia sido registrado como um preço razoável dez anos antes,
isto é, no 16º ano do reinado: prazo a que se refere o estatuto. Mas no 16º
ano do reinado de Eduardo III, 10 pence continham aproximadamente
meia onça-tower de prata e equivaliam a aproximadamente meia coroa
no dinheiro atual. Quatro onças-tower de prata, portanto, iguais a 6
xelins e 8 pence do dinheiro daqueles tempos (aproximadamente 20
xelins em nossa moeda atual), devem ter sido aceitas como um preço
moderado para o quarter de 8 bushels.
Este estatuto é certamente uma boa evidência daquilo que era visto
naqueles tempos como um preço moderado para os grãos; melhor do que
os preços de alguns anos específicos que foram registrados por
historiadores e outros escritores, os quais, por serem extremamente altos
ou baixos, dificultam a formação de qualquer juízo sobre qual deve ter
sido seu preço normal ordinário. Existem, além disso, outras razões para
acreditar que, no início do século XIV e por algum tempo antes, o preço
corrente do trigo não era menos de 4 onças de prata por quarter; os
preços de outros grãos seguiam a mesma proporção.
Em 1309, Ralph de Born, prior da Abadia de Santo Agostinho, na
Cantuária,200 ofereceu uma festa para o dia de sua posse; William
Thorn201 guardou não só a lista dos alimentos, mas também os preços de
muitos itens. Na festa foram consumidos, primeiro, 53 quarters de trigo,
que custaram 19 libras, ou 7 xelins e 2 pence por quarter, igual a
aproximadamente 20 xelins e 6 pence de nossa moeda atual; segundo, 58
quarters de malte, que custaram 17 libras e 10 xelins, ou 6 xelins por
quarter, isto é, cerca de 18 xelins de nossa moeda atual; terceiro, 20
quarters de aveia, que custaram 4 libras, ou 4 xelins por quarter, isto é,
cerca de 12 xelins de nossa moeda atual. Os preços do malte e da aveia
parecem aqui mais altos do que sua proporção normal relativa ao preço
do trigo.
Esses preços não foram registrados por serem extremamente altos ou
baixos, mas são mencionados acidentalmente como os preços
efetivamente pagos por grandes quantidades de grãos consumidos em
uma festa que foi famosa por sua grandiosidade.
Em 1262, no 51º ano do reinado de Henrique III, reeditou-se um
antigo estatuto chamado Assize do Pão e da Cerveja,202 que, segundo diz
o rei em seu preâmbulo, havia sido criado no tempo em que seus
progenitores eram reis da Inglaterra. Ele é provavelmente da época de seu
avô, Henrique II; e talvez remonte ao período da Conquista Normanda.
O estatuto regula o preço do pão de acordo com os preços do trigo,
custando entre 1 xelim e 20 xelins o quarter em dinheiro da época. Mas,
em geral, presume-se que as leis desse tipo ofereçam a mesma atenção a
todos os desvios em relação ao preço médio, tanto os que estão abaixo
dele quanto os que estão acima. Dez xelins, portanto, contendo 6 onças-
tower de prata, igual a cerca de 30 xelins de nossa moeda atual, devem,
mediante essa suposição, ter sido vistos como o preço médio do quarter
de trigo quando esse estatuto foi promulgado pela primeira vez, e o valor
deve ter se mantido até o 51º ano do reinado de Henrique III. Talvez,
então, não estejamos muito errados ao supor que o preço médio não
fosse menor que um terço do preço máximo do pão (regulado pelo
estatuto), ou mais que 6 xelins e 8 pence da moeda daqueles tempos,
contendo 4 onças-tower de prata.
Desses diferentes fatos, portanto, parece que temos alguma razão para
afirmar que, em meados do século XIV e por algum tempo considerável
antes, o preço corrente ou médio do quarter de trigo não podia ser
menor do que 4 onças-tower de prata.
A partir da metade do século XIV até o início do século XVI, aquilo
que era considerado o preço razoável e moderado, isto é, o preço corrente
ou médio do trigo, parece ter caído gradualmente para cerca de metade;
até, ao final, chegar a aproximadamente 2 onças-tower de prata, isto é,
cerca de 10 xelins da nossa moeda atual. Esse mesmo preço se manteve
até aproximadamente 1570.
No livro de gastos da casa de Henry203 — o quinto Conde de
Northumberland —, redigido em 1512, existem dois valores diferentes
para o trigo. Em um deles estão registrados 6 xelins e 8 pence por quarto;
no outro, apenas 5 xelins e 8 pence. Em 1512, 6 xelins e 8 pence valiam
apenas 2 onças-tower de prata e equivaliam a cerca de 10 xelins de nossa
moeda atual.
A partir do 25º ano do reinado de Eduardo III até o início do reinado
de Isabel, durante um período de mais de 200 anos, parece que —
segundo depreende-se de vários estatutos diferentes — 6 xelins e 8 pence
foi, de forma contínua, um valor considerado moderado e razoável, isto
é, o preço corrente ou médio do trigo. No entanto, a quantidade de prata
contida nessa soma nominal estava, durante o curso desse período, em
constante queda, como consequência de algumas alterações feitas à
moeda. Mas, ao que parece, o aumento do valor da prata tinha, até aquele
momento, compensado a diminuição da quantidade de metal contida no
mesmo valor nominal, e, por isso, o legislador não considerou que
valesse a pena levar em conta essa circunstância.
Assim, em 1436, legislou-se que, sempre que o preço do trigo baixasse
a 6 xelins e 8 pence, ele poderia ser exportado sem que fosse necessária
uma licença;204 e, em 1463, foi declarado que não se deveria importar
trigo quando seu preço não estivesse acima de 6 xelins e 8 pence por
quarter.205 O legislador imaginou que, quando o preço estivesse tão
baixo, não haveria nenhuma inconveniência em sua exportação, mas,
quando estivesse alto, a prudência indicava permitir a importação.
Portanto, 6 xelins e 8 pence — contendo aproximadamente a mesma
quantidade de prata que 13 xelins e 4 pence de nossa moeda atual (um
terço a menos que a mesma soma nominal contida no tempo de Eduardo
III) — eram considerados naqueles tempos como o preço moderado e
razoável do trigo.
Em 1554, 1º e 2º ano do reinado de Filipe e Maria;206 e, em 1558, no
1º ano do reinado de Isabel, a exportação de trigo foi da mesma maneira
proibida sempre que o preço do quarto excedesse 6 xelins e 8 pence, que,
na época, não continha nem 2 pence a mais em prata do que a mesma
soma nominal atual.207 Mas logo se descobriu que restringir a exportação
de trigo até que o seu preço estivesse extremamente baixo era, na
realidade, o mesmo que proibi-la por completo. Em 1562, no 5º ano do
reinado de Isabel portanto,208 a exportação de trigo era permitida em
determinados portos sempre que o preço do quarter de trigo não
excedesse 10 xelins, isto é, quase a mesma quantidade de prata que a
soma nominal atual. Esse preço era considerado naquela época o
moderado e razoável para o trigo. Esse valor é quase o mesmo da
estimativa lançada no livro de gastos do condado de Northumberland de
1512.
Na França, tanto o senhor Dupré de Saint-Maur209 quanto o elegante
autor do ensaio sobre a política dos grãos observaram que o preço médio
do grão estava, da mesma forma, muito menor no final do século XV e
início do século XVI do que nos dois séculos anteriores. Durante o
mesmo período, seu preço deve ter caído em grande parte da Europa.
O aumento do valor da prata em relação ao dos cereais talvez tenha
também ocorrido por causa do aumento da demanda por esse metal
como consequência das crescentes melhorias e da extensão de inúmeros
cultivos — a oferta, nesse caso, teria se mantido igual no período; ou
então pode ter ocorrido que a demanda tenha permanecido igual, mas o
preço se elevado, devido totalmente à diminuição gradual da oferta; a
maior parte das minas conhecidas se exauriram e houve o consequente
aumento das despesas para explorá-las; ou, por fim, pode ter ocorrido
parcialmente pela primeira circunstância e parcialmente pela segunda.
No final do século XV e início do século XVI, a maior parte da Europa se
aproximava de uma forma de governo mais estável que as dos séculos
anteriores. O aumento da segurança levaria naturalmente ao incremento
no empenho ao trabalho e ao progresso; enquanto a demanda por metais
preciosos, bem como por todos os outros luxos e ornamentos, cresceria
com o aumento das riquezas. Um produto anual maior exigiria a
circulação de uma maior quantidade de moeda e um número maior de
pessoas ricas exigiria uma maior quantidade de baixelas e outros
ornamentos de prata. É natural supormos, também, que a maior parte
das minas que então abasteciam o mercado de prata europeu podia estar
bastante exaurida e que sua exploração estivesse mais cara. Muitas delas
estavam sendo exploradas desde os tempos dos romanos.
No entanto, a opinião da maior parte daqueles que escreveram sobre
os preços das mercadorias na Antiguidade tem sido que, a partir da
conquista, talvez desde a invasão de Júlio César até a descoberta das
minas na América,210 o valor da prata vinha caindo de forma contínua.
Parece que foram levados a aceitar essa opinião, por um lado, pelas
observações que puderam fazer dos preços dos cereais e de alguns outros
produtos da terra, e, por outro, pela seguinte ideia popular: como a
quantidade de prata aumenta naturalmente em cada país por causa do
aumento de sua riqueza, seu valor diminui à medida que aumenta sua
quantidade.211
Em suas observações sobre os preços dos cereais, eles parecem ter
frequentemente cometido equívocos causados por três diferentes
circunstâncias.
A primeira: nos tempos antigos, quase todas as rendas eram pagas em
bens, isto é, em uma certa quantidade de cereais, gado, galináceos, etc. Às
vezes, no entanto, ocorria de o proprietário da terra estipular que ele
estaria autorizado a requerer de seu arrendatário o pagamento anual em
bens ou, então, em uma certa quantia de dinheiro. Na Escócia, o preço
pelo qual o pagamento em bens foi trocado por uma certa quantia de
dinheiro era, então, chamado de preço de conversão. Como a opção de
receber em substâncias ou em dinheiro pertence sempre ao proprietário
da terra, é necessário que, para a segurança do arrendatário, o preço de
conversão seja menor e não maior que o preço médio de mercado. Em
muitos lugares, por conseguinte, não é muito superior à metade desse
preço. Na maioria das localidades escocesas, esse costume continua a
existir em relação às aves; em alguns lugares, também em relação ao
gado. Provavelmente teria continuado a existir em relação aos cereais
caso a instituição da fixação pública dos preços dos grãos não tivesse
dado fim a essa prática. As fixações públicas212 são avaliações anuais
(Cortes de Assize) do preço médio de todos os diferentes tipos de grãos e
de todas as diferentes qualidades de cada um, de acordo com o preço real
de mercado em todos os distritos, e são realizadas por um tribunal
itinerante. Por causa dessa instituição, tornou-se bastante seguro para o
arrendatário, e muito mais conveniente para o dono da terra, converter a
renda em cereais, como era conhecida, de acordo com os preços fixados
pelos tribunais a cada ano do que a um preço fixo qualquer. Mas os
autores que coletaram os preços dos cereais no mundo antigo parecem
ter confundido com frequência algo que na Escócia é chamado de preço
de conversão com o preço real do mercado. Fleetwood213 reconhece que
havia cometido esse erro em uma ocasião. No entanto, enquanto escrevia
seu livro, por algum motivo não considerou apropriado reconhecê-lo até
ter transcrito esse preço de conversão pela décima quinta vez. O preço é 8
xelins por quarto de trigo. Em 1423, o ano em que ele começa seus
registros, a soma continha a mesma quantidade de prata existente em 16
xelins de nossa moeda atual. Mas, em 1562, o ano de seu último registro,
a soma não continha mais do que a mesma soma nominal contém
atualmente.
A segunda circunstância: os equívocos ocorreram pela maneira
desleixada com a qual alguns antigos julgamentos (estatutos das assizes)
foram por vezes transcritos pelos copistas preguiçosos; e, às vezes, talvez
tenham realmente sido compostos pelos legisladores.
Parece que os antigos julgamentos (estatutos das assizes) começavam
sempre pela determinação do preço do pão e da cerveja quando o preço
do trigo e da cevada estavam em seu mais baixo nível; também parece
que procediam de forma gradual até conseguir determinar qual deveria
ser o preço desses grãos, conforme os preços subissem acima do nível
mais baixo. Mas os copistas desses estatutos parecem ter frequentemente
imaginado ser suficiente copiar o regulamento somente até os três ou
quatro primeiros e menores preços, economizando, dessa forma, seu
próprio trabalho, e julgando, eu suponho, que isso era suficiente para
mostrar quais proporções deveriam ser observadas em todos os preços
mais elevados.
Assim, no julgamento (assize) do pão e da cerveja do 51º ano do
reinado de Henrique III, o preço do pão foi fixado de acordo com os
diferentes preços do trigo, indo de 1 xelim até 20 xelins por quarto (tudo
em valores monetários da época). Mas nos manuscritos a partir dos quais
foram impressas todas as diferentes edições dos julgamentos anteriores às
do senhor Ruffhead,214 os copistas jamais transcreveram as regulações
além do preço de 12 xelins. Vários autores, por conseguinte, equivocados
por essa transcrição malfeita, muito naturalmente, concluíram que o
preço médio de 6 xelins por quarto — igual a cerca de 18 xelins em
moeda atual — era, naquela época, o preço corrente ou médio do trigo.
No estatuto de Tumbrel e Pillory, promulgado quase na mesma época,
o preço da cerveja é regulamentado de acordo com cada aumento de 6
pence no preço da cevada, de 2 xelins até o quarto. É possível inferirmos a
partir das últimas palavras do estatuto, a saber, et sic deinceps crescetur vel
diminuetur per sex denarios, que 4 xelins, no entanto, não era
considerado como o preço mais alto que a cevada poderia
frequentemente atingir naqueles tempos, e que esses preços eram apenas
dados como exemplo da proporção que deveria ser observada em todos
os outros preços, fossem eles maiores ou menores. A frase está muito
desleixada, mas o significado é bastante simples: “o preço da cerveja
deverá, dessa maneira, aumentar ou diminuir de acordo com o aumento
ou a diminuição de cada 6 pence no preço da cevada”. Nesse julgamento, a
composição do legislador parece ter sido tão negligente quanto a
transcrição dos copistas o foram no outro.
Em um antigo manuscrito conhecido como Regiam Majestatem, um
velho código legal da Escócia, há um julgamento (estatuto da assize) em
que o preço do pão é regulamentado de acordo com todos os diferentes
preços do trigo, desde 10 pence até 3 xelins o boll escocês, que equivale a
cerca de meio quarter inglês. Na suposta época desse julgamento, 3 xelins
escoceses equivaliam a cerca de 9 xelins esterlinos de nossa moeda atual.
O senhor Ruddiman215 parece concluir que, naqueles tempos, 3 xelins
seria o preço mais alto a que o trigo chegou, e que 10 pence, 1 xelim ou no
máximo 2 xelins era seu preço corrente. Após consultar o manuscrito, no
entanto, parece evidente que esses preços foram estabelecidos apenas
como exemplos das proporções que deveriam ser observadas entre os
respectivos preços do trigo e do pão. As últimas palavras do estatuto são
reliqua judicabis secundum praescripta habendo respectum ad pretium
bladi: os casos restantes devem ser julgados de acordo com o que está
escrito acima, respeitando-se o preço do milho.
Em terceiro lugar: eles parecem também ter sido levados a equívoco
pelo preço muito baixo pelo qual o trigo era às vezes vendido em épocas
muito antigas; e, assim, imaginaram que, como o preço mais baixo era,
então, muito menor do que em tempos posteriores, seu preço corrente
também deveria ter sido igualmente muito menor. Eles poderiam, no
entanto, ter percebido que, naqueles tempos antigos, o preço mais alto
estava muito acima e que o preço mais baixo estava muito abaixo de
qualquer valor conhecido em tempos posteriores. Assim, Fleetwood nos
dá dois preços do quarto de trigo em 1270. O primeiro é de 4 libras e 16
xelins do dinheiro daqueles tempos, equivalente a 14 libras e 8 xelins da
moeda atual; o outro é de 6 libras e 8 xelins, equivalente a 19 libras e 4
xelins de nossa moeda atual. Não é possível encontrar preços do final do
século XV ou início do século XVI que se aproximem desses valores
extravagantes. O preço dos cereais, ainda que sempre suscetível a
variações, varia mais naquelas sociedades turbulentas e desordenadas, em
que a interrupção de todo o comércio e comunicação impede que a
riqueza de uma parte do país alivie a escassez da outra. No estado
desordenado da Inglaterra da dinastia Plantageneta, que governou da
metade do século XII até o final do século XV, um distrito podia ser
muito rico, enquanto um outro a uma distância não muito grande podia
estar sofrendo todos os horrores da fome por ter perdido sua colheita em
algum acidente das estações do ano, ou pela incursão de algum barão de
sua vizinhança; mas se as terras de algum senhor hostil estivessem entre
esses dois distritos, talvez um não fosse capaz de oferecer assistência ao
outro. Contudo, sob a administração vigorosa da dinastia Tudor, que
governou a Inglaterra durante a última parte do século XV e por todo o
século XVI, nenhum barão detinha poder suficiente para ousar perturbar
a segurança pública.
O leitor poderá encontrar no final deste capítulo todos os preços do
trigo que foram coletados por Fleetwood entre 1202 e 1597. Os preços
foram convertidos aos valores atuais e agrupados em sete séries
temporais de doze anos cada. No final de cada série o leitor também
encontrará o preço médio de cada uma delas. Ao longo desse extenso
período, Fleetwood coletou os preços de oitenta anos e, por isso, faltam
quatro anos para completar a última série de doze. Assim, adicionei à
serie os preços de 1598, 1599, 1600 e 1601 com base nas contas do
colégio Eton. Essa foi minha única adição. O leitor verá que, desde o
início do século XIII até depois de meados do século XVI, o preço médio
de cada série de doze anos diminui gradualmente; e que, ao final do
século XVI, os preços começam novamente a aumentar. Com efeito, os
preços que Fleetwood conseguiu coletar parecem ser principalmente
aqueles que se destacaram por ser extremamente altos ou baixos; e não
afirmo que seja possível extrair quaisquer conclusões muito corretas a
partir deles. Até esse ponto, no entanto, na medida em que provam
qualquer coisa, eles confirmam a narrativa que venho expondo. Assim
como a maioria dos outros autores, o próprio Fleetwood, no entanto,
parece acreditar que o valor da prata, em consequência do aumento da
sua abundância, sofreu constantes diminuições durante todo aquele
período. Os preços dos cereais que ele próprio coletou certamente não
corroboram essa opinião. Eles corroboram perfeitamente a opinião do
senhor Dupré de Saint-Maur e aquilo que tenho tentado explicar. O bispo
Fleetwood e o senhor Dupré de Saint-Maur são os dois autores que
parecem ter coletado os preços da Antiguidade com maior diligência e
fidelidade. É um pouco curioso que, apesar de suas opiniões serem tão
diferentes, os fatos coincidam de forma tão exata — pelo menos em
relação ao preço dos cereais.
No entanto, os autores mais sensatos não inferiram o alto valor da
prata daqueles tempos mais antigos tanto pelo baixo preço dos cereais,
mas mais por algumas outras partes da produção do campo. Diz-se que
os cereais, por serem uma espécie de manufatura, eram, nos tempos mais
primitivos, proporcionalmente muito mais caros do que a maioria das
outras mercadorias, isto é, do que a maior parte, eu suponho, das
mercadorias não manufaturadas; por exemplo: gado, galináceos, animais
de caça de todos os tipos, etc. É, sem dúvida, verdade que naqueles
tempos de pobreza e barbárie estes produtos eram proporcionalmente
mais baratos do que os cereais. Mas esse preço baixo não advinha do
elevado valor da prata, mas do baixo valor dessas mercadorias. Não
ocorria porque naquela época a prata poderia comprar ou representar
uma quantidade maior de trabalho, mas porque essas mercadorias
compravam ou representavam uma quantidade muito menor que em
tempos de maior riqueza e progresso. Certamente a prata é mais barata
na América espanhola do que na Europa; no país onde é produzida do
que no país para onde é levada por meio do transporte de longa distância
tanto por terra quanto por mar, adicionando-se o frete e o seguro. No
entanto, Ulloa nos informa que, há poucos anos, em Buenos Aires, o
preço de um boi retirado de um rebanho de trezentas ou quatrocentas
cabeças era de 21,5 pence esterlinos. O senhor Byron216 nos disse que, na
capital do Chile, um bom cavalo custava 16 xelins esterlinos. Em um país
naturalmente fértil, mas cuja maior parte do território ainda não está
cultivada, o gado, os galináceos, os animais de caça de todos os tipos, etc.
podem ser adquiridos com muito pouco trabalho e, por isso, eles
também conseguem comprar ou controlar apenas pequenas quantidades.
O preço baixo em dinheiro pelo qual podem as mercadorias citadas ser
vendidas não prova que o valor real da prata daquele país seja muito alto,
mas apenas que o verdadeiro valor das mercadorias é muito baixo.
Devemos sempre lembrar que a verdadeira medida do valor da prata
e de todas as outras mercadorias é o trabalho, e não uma mercadoria
específica qualquer ou um grupo de mercadorias.
Mas em países quase desabitados ou muito pouco habitados, o gado,
as aves, os animais de caça de todos os tipos, etc., já que são produções
espontâneas da natureza, são frequentemente produzidos em
quantidades muito maiores do que o necessário para o consumo dos
habitantes. Nesse estado de coisas, a oferta costuma exceder a demanda.
Essas mercadorias representam ou equivalem a quantidades muito
diferentes de trabalho em diferentes estados da sociedade, em suas
diferentes fases de progresso.
Em todos os estados da sociedade, em todas as fases do progresso, os
cereais são produtos do trabalho humano. Mas o produto médio de cada
tipo de trabalho é sempre adequado, de forma mais ou menos exata, ao
consumo médio; a oferta média à demanda média. Em todas as
diferentes fases do progresso, além disso, o plantio de quantidades iguais
de cereais no mesmo solo e clima, em média, exigirá quantidades quase
iguais de trabalho ou — o que dá na mesma — o preço de quantidades
quase iguais; e o aumento contínuo das forças produtivas do trabalho em
uma área com condições progressivamente aprimoradas de cultivo será
mais ou menos contrabalançado pelo aumento contínuo do preço do
gado, o principal instrumento usado na agricultura. Após todas essas
razões, portanto, podemos agora garantir que em cada estado da
sociedade, em todas as fases do progresso, quantidades iguais de cereais
são mais bem representadas por (ou são equivalentes a) quantidades
iguais de trabalho do que por quantidades iguais de quaisquer outras
partes dos produtos da terra. Assim, conforme já observamos, os cereais
são, em todas as diferentes fases da riqueza e do progresso, uma medida
de valor mais precisa do que qualquer outra mercadoria ou conjunto de
mercadorias.217 Em todos esses diferentes estágios, portanto, podemos
julgar melhor o valor real da prata quando o comparamos ao dos cereais,
e não quando o comparamos ao valor de qualquer outra mercadoria ou
conjunto de mercadorias.
Além disso, os cereais ou qualquer outro alimento vegetal preferido e
comumente utilizado constituem, em todos os países civilizados, o
principal item de subsistência do trabalhador. Como consequência da
extensão da agricultura, as terras de cada país produzem uma quantidade
muito maior de vegetais do que de alimentos de origem animal, e os
trabalhadores de todos os lugares vivem principalmente de alimentos
saudáveis que sejam mais baratos e mais abundantes. Exceto nos países
mais prósperos, ou onde o trabalho resulta em remunerações mais altas,
a carne ordinária de açougue constitui uma fração insignificante da
subsistência dos trabalhadores: as aves constituem uma fração ainda
menor, e a carne de caça não faz parte dela. Na França — e até mesmo na
Escócia, onde a remuneração do trabalho é um pouco melhor que na
França — os trabalhadores pobres raramente comem carne de açougue,
exceto nos feriados e em outras ocasiões especiais. O preço em dinheiro
do trabalho, portanto, depende muito mais do preço médio em dinheiro
dos cereais (a subsistência do trabalhador) do que do preço da carne de
açougue, ou de quaisquer outros produtos básicos da terra. O verdadeiro
valor do ouro e da prata, portanto, isto é, a quantidade real de trabalho
que podem comprar ou comandar, depende muito mais da quantidade de
cereais que eles podem comprar ou controlar do que da quantidade de
carne ou de qualquer outra parte do produto rude da terra.
No entanto, é possível que essas rápidas observações sobre os preços
dos cereais ou de outras mercadorias não levassem tantos autores
inteligentes ao engano se eles não tivessem sido influenciados pela ideia
popular de que, assim como a quantidade de prata de um país aumenta
naturalmente com o aumento da riqueza, o valor da prata diminui à
medida que aumenta sua quantidade. Essa ideia, no entanto, parece ser
completamente infundada.218
Duas causas diferentes elevam as quantidades de metais preciosos de
um país: ou, em primeiro lugar, a maior abundância de suas minas; ou,
em segundo lugar, o aumento da riqueza das pessoas por causa do
produto aumentado de seu trabalho anual. A primeira dessas causas está,
sem dúvida, necessariamente conectada à diminuição do valor dos
metais preciosos; mas a segunda, não.
Quando minas mais abundantes são descobertas, uma maior
quantidade de metais preciosos é levada para o mercado; mas já que a
quantidade de bens de primeira necessidade e comodidades da vida pelos
quais serão trocados permanece igual a antes, então uma mesma
quantidade de metais poderá ser trocada por quantidades menores de
mercadorias. Até agora, portanto, já que a quantidade de metais
preciosos em um país decorre da maior abundância de suas minas, esse
aumento está necessariamente conectado a certa diminuição do valor dos
metais.
Quando, pelo contrário, a riqueza de um país aumenta porque o
produto anual de seu trabalho se torna gradualmente maior, passa a ser
necessária uma maior quantidade de moeda para fazer circular uma
quantidade maior de mercadoria; e as pessoas, na medida em que
podem, dispondo de mais mercadorias para trocar, irão naturalmente
comprar quantidades cada vez maiores de objetos de prata. A quantidade
da sua moeda aumentará por necessidade; e, por vaidade e ostentação, a
quantidade de seus objetos de prata, assim como a quantidade de
estátuas, pinturas artísticas e de todos os outros luxos e curiosidades,
provavelmente também aumentará pela mesma razão. Mas como, em
períodos de riqueza e prosperidade, escultores e pintores não receberão
salários piores do que em períodos de pobreza e depressão, o preço do
ouro e o da prata também não serão menores.
Os preços do ouro e da prata — sempre que a descoberta acidental de
minas mais abundantes não os mantiver baixos — aumentam
naturalmente junto com a riqueza de cada país e, independentemente do
estado das minas, são sempre naturalmente maiores em países ricos do
que em países pobres. O ouro e a prata, assim como todas as outras
mercadorias, buscam naturalmente o mercado que pague o melhor preço
por eles; e, para todos os produtos, o melhor preço costuma ser dado por
países que o possam pagar. Lembremos que o trabalho é o preço final que
se paga por qualquer coisa e, em países onde o trabalho é igualmente bem
remunerado, o preço em dinheiro do trabalho será, em parte, proporcional
ao preço da subsistência do trabalhador. Mas o ouro e a prata serão
naturalmente trocados por uma quantidade maior de subsistência em um
país rico do que em um país pobre, em um país cuja subsistência é
abundante do que em um país em que ela é mal fornecida de forma
indiferente. Se os dois países estão separados por uma grande distância, a
diferença pode ser muito grande; porque, embora os metais fujam
naturalmente do pior para o melhor mercado, ocorre que pode ser difícil
transportá-los em quantidades que igualem seus preços nos dois
mercados. Quando os países são próximos, a diferença será menor e, às
vezes, parecerá imperceptível; porque, nesse caso, o transporte será fácil. A
China é um país muito mais rico do que qualquer país da Europa, e há
uma diferença muito grande entre o preço da subsistência na China e o
preço da subsistência na Europa. Na China, o arroz é muito mais barato do
que o trigo em qualquer lugar da Europa. A Inglaterra é um país muito
mais rico do que a Escócia; mas a diferença entre o preço em dinheiro dos
cereais nesses dois países é muito pequena e quase imperceptível. Em
proporção a sua quantidade ou medida, os cereais da Escócia parecem ser
geralmente muito mais baratos que os cereais da Inglaterra; mas em
proporção à sua qualidade, são certamente um pouco mais caros. Quase
todos os anos, a Escócia recebe grandes suprimentos da Inglaterra e,
normalmente, as mercadorias são um pouco mais caras no país para onde
são levadas do que no país de onde se originaram. Os cereais ingleses,
portanto, devem ser mais caros na Escócia do que na Inglaterra e, ainda
assim — em relação à sua qualidade, ou à quantidade e a qualidade da
farinha ou do alimento que pode ser feito a partir deles —, normalmente,
no mercado escocês, não podem ser vendidos por um preço mais alto do
que o dos cereais locais que chegam ao mercado para competir com eles.
A diferença entre o preço em dinheiro do trabalho na China e na
Europa é ainda maior do que entre o preço em dinheiro da subsistência;
porque a remuneração real do trabalho é maior na Europa do que na
China, uma vez que a maior parte da Europa está em estado de avanço,
enquanto a China parece estagnada. O preço em dinheiro do trabalho é
menor na Escócia do que na Inglaterra, porque a remuneração real do
trabalho é muito menor; embora a Escócia caminhe para uma maior
riqueza, seus passos são muito mais lentos que os da Inglaterra. O grande
número de emigrantes escoceses e a raridade dos emigrantes ingleses
prova de modo adequado que a demanda de trabalho é muito diferente
nos dois países. Devemos lembrar que a proporção entre a remuneração
real do trabalho em diferentes países é naturalmente regulamentada não
por sua real riqueza ou pobreza, mas por sua condição de avanço,
estagnação ou declínio.
Assim como o ouro e a prata possuem naturalmente o valor mais alto
nos países mais ricos, naturalmente possuem seu menor valor entre as
nações mais pobres. Já entre os selvagens, as mais pobres de todas as
nações, eles não têm quase nenhum valor.
Nas grandes cidades, os cereais são sempre mais caros do que nas
partes remotas do país. Isso, porém, não é consequência do preço
verdadeiramente baixo da prata, mas do preço verdadeiramente alto dos
cereais. O trabalho para levar a prata para a cidade grande e para um local
remoto do país não é muito diferente; mas o trabalho para levar os cereais
custa muito mais caro.
Em alguns países mercantis e muito ricos como a Holanda e o
território de Gênova, os cereais são caros pela mesma razão que são caros
nas grandes cidades. Eles não produzem uma quantidade de cereais que
seja suficiente para manter seus habitantes. Eles são ricos em relação ao
trabalho e às habilidades de seus artífices e fabricantes; em todo tipo de
máquina capaz de facilitar e encurtar o trabalho; no transporte marítimo,
e em todos os outros instrumentos e meios de transporte e comércio; mas
são pobres em cereais e, já que essa mercadoria precisa ser trazida de
países distantes, os países ricos devem pagar um valor adicional ao preço
para custear o transporte. O trabalho para levar prata para Amsterdã ou
para Danzigue tem o mesmo custo; mas para levar cereais custa muito
mais. O custo real da prata deve ser quase o mesmo em ambos os locais;
mas o dos cereais deve ser muito diferente. Se a riqueza real da Holanda
ou do território de Gênova diminuir sem que seja alterado o número de
seus habitantes, se diminuir seu poder de suprir-se com produtos de países
distantes, então, em vez de o preço dos cereais diminuir junto com a queda
de sua reserva de prata — algo que necessariamente acompanhará esse
declínio, seja como sua causa ou como seu efeito —, ele aumentará até
chegar ao preço da fome. Quando nos faltam os bens de primeira
necessidade, devemos abandonar todos os supérfluos, cujos valores sobem
em períodos de opulência e prosperidade e caem em períodos de pobreza
e sofrimento. Com os bens de primeira necessidade ocorre o contrário.
Seu preço real, isto é, a quantidade de trabalho que podem comprar ou
comandar, aumenta em períodos de pobreza e sofrimento e diminui nos
períodos de opulência e prosperidade, os quais são sempre momentos de
grande abundância, pois, se não fosse assim, não poderiam ser chamados
de períodos de opulência e prosperidade. Os cereais são bens de primeira
necessidade, a prata é apenas um bem supérfluo.
Portanto, qualquer que tenha sido o aumento da quantidade de metais
preciosos que, durante o período entre meados do século XIV e do século
XVI, resultou do aumento da riqueza e do progresso, esse aumento não
tinha como causar a diminuição do valor dos metais na Grã-Bretanha ou
em qualquer outra parte da Europa. Assim, se as pessoas que coletaram os
preços das coisas nos tempos antigos não tinham razão nenhuma para
inferir a respeito daquele período a diminuição do valor da prata com base
em quaisquer observações feitas sobre os preços dos cereais ou de outras
mercadorias, então tinham muito menos razão para inferir essa
diminuição com base em um suposto aumento da riqueza ou do
progresso.

SEGUNDO PERÍODO
Mas mesmo que as opiniões dos eruditos sobre a evolução do valor da
prata durante esse primeiro período tenham sido variadas, eles são
unânimes em relação ao segundo.
A partir de aproximadamente 1570 até cerca de 1640, durante um
período aproximado de setenta anos, a variação da proporção entre o valor
da prata e o dos cereais seguia caminhos completamente opostos. O valor
real da prata caiu, isto é, ela podia ser trocada por uma quantidade menor
de trabalho que antes; já o cereal teve seu valor nominal aumentado, e, em
vez de ser vendido normalmente por cerca de 2 onças de prata por quarto,
ou seja, cerca de 10 xelins de nossa moeda atual, ele passou a ser vendido
por 6 e 8 onças de prata o quarto, ou seja, entre 30 e 40 xelins em valores
atuais.219
A descoberta de minas abundantes na América parece ter sido a única
causa dessa diminuição no valor da prata em relação ao dos cereais. Todos
concordam com isso e nunca houve nenhuma disputa sobre o fato nem
sobre suas causas. Durante esse período, grande parte da Europa estava
avançando no melhoramento das atividades profissionais e no progresso;
por isso, a demanda por prata deve, consequentemente, também ter
aumentado. Mas o aumento da oferta, ao que parece, excedeu tanto o
aumento da demanda que o valor daquele metal foi drasticamente
diminuído. A descoberta das minas da América, é preciso observar, parece
não ter tido nenhum efeito perceptível sobre os preços dos bens na
Inglaterra até depois de 1570, embora as minas de Potosí tenham sido
descobertas mais de vinte anos antes.
Entre 1595 e 1620, incluindo ambos os anos, o preço médio do quarter
de 9 bushels do melhor trigo de Windsor parece, pelo que lemos nos livros
de contabilidade do Colégio Eton, ter sido de 2 libras, 1 xelim e 6,75 pence.
Desprezando a fração dessa soma e deduzindo 1/9, isto é, 4 xelins e 7,33
pence, o preço do quarter de 8 bushels sai por 1 libra, 16 xelins e 10,66
pence. E dessa soma, desprezando da mesma forma a fração e deduzindo
1/ , ou seja, 4 xelins e 1,11 pence, a diferença entre o preço do melhor trigo
9
e o do trigo mediano seria de cerca de 1 libra, 12 xelins e 8,88 pence,
levando-se em conta o preço do trigo mediano; ou seja, cerca de 6 onças e
1/ de uma onça de prata.
3
Entre 1621 e 1636, inclusive nesses anos, o preço médio da mesma
medida do melhor trigo no mesmo mercado aparece contabilizado nos
mesmos livros com o valor de 2 libras e 10 xelins; se fizermos as mesmas
deduções anteriores, o preço médio do quarter de 8 bushels de trigo médio
sai por 1 libra, 19 xelins e 6 pence, ou cerca de 7 onças e 2/3 de uma onça de
prata.

TERCEIRO PERÍODO
Entre 1630 e 1640, ou aproximadamente em 1636, a redução do valor da
prata como efeito da descoberta das minas na América parece ter sido
concluída; o valor do metal parece nunca ter baixado tanto quanto nesse
período em relação ao valor dos cereais. Parece que aumentou um pouco
ao longo do presente século, tendo provavelmente começado a aumentar
um pouco antes do final do século passado.
De 1637 a 1700, os 64 anos do último século, o preço médio do quarter
de 9 bushels do melhor trigo de Windsor parece, pelo que lemos nos livros
de contabilidade do Colégio Eton, ter sido de 2 libras, 11 xelins e 0,33
pence, que é apenas 1 xelim e 0,33 pence mais caro do que havia sido
durante os dezesseis anos anteriores. Mas durante esses 64 anos ocorreram
dois eventos que produziram uma escassez muito maior de cereais do que
a que pudesse ser causada por variações do curso das estações; e isso,
assim, sem outras reduções no valor da prata, explica o pequeno aumento
do preço.
O primeiro evento foi a guerra civil inglesa, que, ao desencorajar o
plantio e interromper o comércio, causou o aumento dos preços dos
cereais a valores muito acima das variações que ocorreriam devido ao
curso das estações. Isso deve ter ocorrido mais ou menos em todos os
diferentes mercados do Reino, mas particularmente na vizinhança de
Londres, que precisa obter suprimentos de locais mais distantes. Desse
modo, o mesmo livro contábil aponta que, em 1648, o preço do melhor
trigo do mercado de Windsor era de 4 libras e 5 xelins, e, em 1649, 4 libras
o quarter de 9 bushels. As 2 libras e 10 xelins desses dois anos (o preço
médio dos dezesseis anos que precedem 1637) foram ultrapassadas em 3
libras e 5 xelins; o que, dividido entre os 64 últimos anos do século
passado, quase explica, por si só, aquele pequeno aumento do preço que
parece ter ocorrido. Estes, no entanto, mesmo tendo sido os mais elevados,
não parecem ter sido os únicos preços altos ocasionados pelas guerras
civis.
O segundo evento foi o subsídio concedido à exportação de cereais em
1688. Muitas pessoas imaginaram que esse incentivo encorajaria o cultivo
e, em longo prazo, poderia levar a uma maior abundância de cereais e ao
seu consequente barateamento no mercado doméstico; queda de preço
que seria menor sem a concessão do subsídio. Adiante analisarei em que
medida o subsídio consegue, a qualquer momento, produzir seus efeitos;
devo antes observar no momento que o período entre 1688 e 1700 é ainda
muito curto e não teria tido tempo para produzir quaisquer mudanças.
Durante esse curto período, seu único efeito foi a elevação do preço do
mercado interno por meio do incentivo dado à exportação do excedente
produzido a cada ano, o qual impediu, assim, que a abundância de um ano
compensasse a falta do outro. A escassez que prevaleceu na Inglaterra de
1693 a 1699 deve ter sido agravada pelo subsídio, mas sua causa principal
foram, sem dúvida, as más condições climáticas das estações do ano que se
estenderam a uma parte considerável da Europa. Em 1699, por
conseguinte, a exportação de cereais ficou proibida por nove meses.
Houve um terceiro evento que ocorreu no decurso do mesmo período
e que, embora não pudesse ocasionar uma escassez de cereais nem, talvez,
aumento da quantidade real de prata usualmente paga pelos cereais,
ocasionou necessariamente algum aumento no valor nominal. Esse evento
foi a grande desvalorização da moeda de prata, causada pelo desgaste e
pelo corte. Este mal havia começado no reinado de Carlos II e foi
crescendo de forma contínua até 1695, momento em que, como nos
informa o senhor Lowndes,220
a moeda de prata corrente estava, em média, cerca de 25% abaixo de seu
valor-padrão. Mas a soma nominal, que constitui o preço de mercado de
cada mercadoria, é necessariamente regulada, não tanto pela quantidade
de prata que, de acordo com a norma, as moedas deveriam conter, mas por
aquela que, pela experiência, elas realmente contêm. Esse montante
nominal, portanto, é necessariamente mais alto quando a moeda está
muito desvalorizada por lascas e pelo desgaste do que quando se aproxima
de seu valor-padrão.
No curso do presente século, a moeda de prata nunca esteve tão abaixo
de seu padrão de peso como atualmente. Mas embora esteja muito
desfigurada, seu valor foi mantido ao nível da moeda de ouro, pela qual
pode ser trocada.221 Pois, embora as moedas de ouro, antes da última
recunhagem, também estivessem bastante desgastadas, esse desgaste era
bem menor que o das moedas de prata. Em 1695, pelo contrário, o valor
da moeda de prata não pôde ser mantido pela moeda de ouro; um guinéu
era então comumente trocado por 30 xelins da moeda de prata desgastada
e lascada. Antes da última recunhagem das moedas de ouro, o preço do
lingote da prata em metal raramente ultrapassava 5 xelins e 7 pence a onça,
apenas 5 pence acima do preço da Casa da Moeda. Mas, em 1695, o preço
ordinário do lingote de prata era de 6 xelins e 5 pence por onça, isto é, 15
pence acima do preço da Casa da Moeda. Mesmo antes da última
recunhagem do ouro, portanto, a moeda — ouro e prata juntos —, quando
comparada ao lingote de prata, não deveria estar mais de 8% abaixo de seu
valor-padrão. Em 1695, pelo contrário, ela deveria estar em torno de 25%
abaixo desse valor. Mas no início de nosso século, isto é, imediatamente
após a grande recunhagem do rei Guilherme, a maior parte da atual
moeda de prata corrente devia estar ainda mais próxima de seu peso-
padrão do que atualmente. No decurso do presente século não houve
nenhuma grande calamidade pública, tal como a guerra civil, o que pode
desencorajar o plantio ou interromper o comércio interno do país. E
embora o subsídio, em vigor na maior parte deste século, tenha sempre
causado o aumento do preço dos cereais a um valor um pouco acima do
que eles teriam no estado atual do cultivo; ainda assim, já que no decurso
deste século o subsídio teve tempo integral para produzir todos os bons
efeitos normalmente imputados a ele, a saber, incentivar o plantio e, assim,
aumentar a quantidade de cereais do mercado interno, então podemos
supor, com base nos princípios de um sistema que explicarei e examinarei
adiante, que ele deve ter contribuído para baixar o preço daquela
mercadoria de uma maneira e aumentá-lo de outra. Muitas pessoas
acreditam que a contribuição do subsídio foi muito maior. De acordo com
os livros do Colégio Eton, nos 64 anos do presente século o preço médio
do quarto de 9 bushels do melhor trigo de Windsor parece ter sido de 21
libras e 6,59 pence, que é cerca de 10 xelins e 6 pence ou mais de 25% mais
barato do que havia sido durante os 64 últimos anos do século passado; e
cerca de 9 xelins e 6 pence mais barato do que havia sido durante os
dezesseis anos anteriores a 1636, período em que se supõe que a
descoberta das abundantes minas da América tenha produzido todos os
seus efeitos; e cerca de 1 xelim mais barato do que havia sido nos 26 anos
anteriores a 1620, antes que a descoberta pudesse ter produzido todos os
seus efeitos. De acordo com esses cálculos, o preço médio do trigo de tipo
médio durante esses 64 primeiros anos do presente século foi de cerca de
32 xelins o quarto de 8 bushels.
Então, em relação ao valor dos cereais, o valor da prata parece ter
aumentado um pouco ao longo do presente século, tendo provavelmente
começado a aumentar um pouco antes do final do século passado.
Em 1687, o preço do quarto de 9 bushels do melhor trigo de Windsor
era 1 libra, 5 xelins e 2 pence, seu menor preço desde 1595.
Em 1688, o senhor Gregory King,222 um homem famoso por seus
conhecimentos em questões desse tipo, estimou que, para o agricultor, o
preço médio do trigo nos anos de fartura moderada era de 3 xelins e 6
pence por bushel, isto é, 28 xelins por quarto. Entendo que o preço para o
agricultor é o mesmo que aquilo às vezes chamado de preço de contrato,
isto é, o preço contratado entre o agricultor e o comerciante para que o
primeiro entregue uma determinada quantidade de cereais ao segundo
por um determinado número de anos. Tendo em vista que esse tipo de
contrato isenta o agricultor das despesas e do trabalho de comercialização
dos produtos, o preço de contrato é geralmente menor que o preço médio
de mercado. Para o senhor King, em anos de moderada abundância, o
valor comum do preço de contrato daquela época era de 28 xelins por
quarto. Garantiram-me que esse era o valor comum do preço de contrato
em todos os anos antes da escassez ocasionada pelo decurso
extraordinário das últimas más estações.
Em 1688 foi concedido o subsídio parlamentar à exportação de cereais.
Na época, os senhores do campo, os quais compunham uma parcela maior
do legislativo do que hoje, perceberam que o preço em dinheiro dos
cereais estava em queda. O subsídio foi um expediente para, de forma
artificial, aumentá-lo até o elevado preço a que eram normalmente
vendidos nos tempos de Carlos I e II. O subsídio permaneceria ativo até
que o trigo alcançasse o preço de 48 xelins por quarto; isto é, 20 xelins ou
5/ mais caro do que a estimativa feita pelo senhor King naquele mesmo
7
ano para o preço do agricultor em tempos de abundância moderada. Se
seus cálculos merecem uma pequena parte da reputação que obtiveram
universalmente, então, exceto em anos de grande escassez, 48 xelins por
quarto seria um preço impossível de ser atingido naquela época sem o uso
de alguns expedientes como os subsídios. Mas o governo do rei Guilherme
ainda não estava completamente estabelecido naquele momento. E não
estava em condições de recusar nada aos senhores do campo, já que,
naquele mesmo período, solicitava deles o imposto anual sobre a
propriedade da terra pela primeira vez.
Desse modo, em relação ao valor dos cereais, o valor da prata havia
provavelmente aumentado um pouco antes do final do século passado; e
parece que manteve essa tendência durante o decurso da maior parte do
presente século, embora a operação necessária do subsídio deva ter
impedido que tal aumento fosse tão sensível como poderia ter sido na
situação real do cultivo.
Em anos de abundância, o subsídio provoca uma exportação
extraordinária e necessariamente eleva o preço dos cereais a um valor
acima do que seria praticado nesses períodos. O objetivo declarado da
instituição era incentivar o plantio pela manutenção do preço dos cereais
mesmo nos anos mais abundantes.
Em anos de grande escassez, na verdade, o subsídio costuma ser
suspenso. No entanto, deve ter causado algum efeito até mesmo sobre os
preços de muitos desses anos. Por causa da exportação extraordinária que
ocasiona nos anos de abundância, o subsídio costuma impedir que a
abundância de um ano compense a escassez do outro.
Tanto nos anos de fartura quanto em anos de escassez, portanto, o
subsídio eleva o preço dos cereais acima daquele que teria naturalmente
nas condições reais de cultivo. Portanto, se o preço médio durante os
primeiros 64 anos do presente século foi inferior ao preço médio dos
últimos 64 anos do século passado, ele seria, nas mesmas condições de
cultivo, muito mais baixo se não fosse pelo subsídio.
Podemos até mesmo dizer que as condições atuais da agricultura não
seriam as mesmas sem o subsídio. Mais adiante, particularmente no tópico
sobre subsídios, tentarei explicar quais foram os efeitos dessa instituição
sobre a agricultura do país. Nesse ponto observarei apenas que o aumento
do valor da prata em relação ao dos cereais não é um caso isolado da
Inglaterra. Esse aumento também foi notado na França durante o mesmo
período e quase na mesma proporção por três investigadores dos preços
dos cereais bastante confiáveis, diligentes e laboriosos, o senhor Dupré de
Saint-Maur, o senhor Messance223 e o autor do ensaio sobre a política dos
grãos. Mas na França, até 1764, a exportação de grãos era proibida por lei;
e é um pouco difícil supor que uma redução muito similar do preço de um
país, apesar dessa proibição, tenha ocorrido em outro país devido apenas
ao grande incentivo dado à exportação.
Seria mais apropriado, talvez, considerar essa variação do preço médio
em dinheiro dos cereais como consequência de algum aumento gradual do
valor real da prata no mercado europeu do que atribuí-la à redução do
valor médio real dos cereais. Em relação a períodos mais remotos, os
cereais, conforme já foi observado, são uma medida de valor mais precisa
do que a prata ou, até mesmo, do que qualquer outra mercadoria. Quando
— após a descoberta das ricas minas da América — o preço dos cereais
ficou entre três e quatro vezes mais alto que seu antigo preço em dinheiro,
todos atribuíram essa mudança à queda do valor da prata, e não a um
aumento qualquer do valor real dos cereais. Se durante os 64 primeiros
anos do atual século, portanto, o preço médio em dinheiro dos cereais
ficou um pouco abaixo daquele mantido durante a maior parte do século
passado, nós deveríamos, da mesma forma, atribuir essa mudança a algum
aumento do valor real da prata no mercado europeu, e não a uma redução
do valor real dos cereais.
O alto preço dos cereais durante esses dez ou doze anos passados, na
verdade, tem ocasionado a suspeita de que o valor real da prata continua
em queda no mercado europeu. O alto preço dos cereais, no entanto,
parece evidentemente ter sido consequência de condições de tempo
extraordinariamente desfavoráveis, não devendo ser considerado,
portanto, como um evento permanente, mas como algo ocasional e
transitório. As condições dos últimos dez ou doze anos têm sido
desfavoráveis em quase toda a Europa; e as perturbações ocorridas na
Polônia levaram a um grande aumento da escassez em todos esses países
que, em períodos mais caros, costumavam se abastecer com os bens
daquele mercado. Embora essa sucessão tão longa de mau tempo no ano
não seja um evento muito comum, também não é de forma alguma um
acontecimento singular; e quem quer que tenha pesquisado mais a fundo a
história dos preços dos cereais em épocas anteriores não terá muito
trabalho para encontrar outros exemplos do mesmo tipo. Além do mais,
dez anos de escassez extraordinária não são mais estranhos do que dez
anos de abundância extraordinária. O baixo preço dos cereais entre 1741 e
1750, incluindo estes dois anos, pode ser corretamente contraposto ao seu
alto preço durante os últimos oito ou dez anos. De 1741 a 1750, o preço
médio do quarto de 9 bushels do melhor trigo de Windsor parece, pelo que
lemos nos livros de contabilidade do Colégio Eton, ter sido apenas de 1
libra, 13 xelins e 9,8 pence, ou seja, quase 6 xelins e 3 pence abaixo do preço
médio dos primeiros 64 anos do atual século. De acordo com a mesma
contabilidade, o preço médio do quarto de 8 bushels de trigo mediano foi,
durante esses dez anos, de apenas 1 libra, 6 xelins e 8 pence.
Entre 1741 e 1750, no entanto, o subsídio deve ter impedido que o
preço do milho caísse em demasia no mercado interno, como
naturalmente teria ocorrido. Durante esses dez anos, depreende-se dos
livros da casa alfandegária que a quantidade de todos os tipos de grãos
exportados elevou-se a não menos do que 8.029.156 quarters por bushel; o
subsídio pago atingiu o montante de 1.514.962 libras, 17 xelins e 4,5 pence.
Em 1749, o senhor Pelham, primeiro-ministro na época, informou à
Câmara dos Comuns que, nos três anos anteriores, uma soma muito
grande teria sido paga como subsídio para a exportação de cereais. Ele
tinha boas razões para fazer essa observação; e, no ano seguinte, suas
razões teriam sido muito melhores. Naquele único ano, o subsídio pago
elevou-se a não menos que 324.176 libras, 10 xelins e 6 pence.224 É
desnecessário observar quanto essa exportação forçada deve ter
aumentado o preço dos cereais a um valor acima do que alcançaria no
mercado interno caso ela não existisse.
Nos registros e tabelas anexados a este capítulo, o leitor encontrará,
separados de outros, os números específicos desses dez anos. Ali também
encontrará o resultado específico dos dez anos anteriores, cuja média
também está abaixo, embora não muito, da média geral dos primeiros 64
anos do século. O ano de 1740, no entanto, foi de escassez extraordinária.
Esses vinte anos anteriores a 1750 podem muito bem ser contrapostos aos
vinte anteriores a 1770. Assim como a vintena de anos do primeiro caso
estava muito abaixo da média geral do século, embora um ou dois anos
mais caros tenham se intercalado; a vintena do segundo caso estava bem
acima, embora um ou dois anos mais baratos tenham se intercalado —
1759, por exemplo. Se a primeira vintena não estivesse tão abaixo da
média geral, assim como a segunda estava bem acima, provavelmente
imputaríamos o fato ao subsídio. Evidentemente, a mudança foi
demasiadamente repentina para ser atribuída a uma alteração no valor da
prata, que é sempre lenta e gradual. A surpresa do efeito somente pode ser
atribuída a uma causa brusca, isto é, à variação acidental das condições
climáticas.
Na verdade, o preço em dinheiro do trabalho na Grã-Bretanha
aumentou no decorrer do presente século. Isso, no entanto, parece ser
mais o efeito de um aumento da procura de trabalho na Grã-Bretanha,
decorrente da grande e quase universal prosperidade do país, e menos o
efeito da diminuição do valor da prata no mercado europeu. Na França,
um país menos próspero, tem-se observado que, desde meados do último
século, o preço em dinheiro do trabalho vem diminuindo gradualmente
com o preço médio em dinheiro dos cereais. Dizem que ali, tanto no
século passado como no atual, o salário diário do trabalho comum tem
sido bastante uniforme, a saber, aproximadamente a vigésima parte do
preço médio de 1 septier de trigo, uma medida que contém um pouco mais
de 4 bushels de Winchester. Na Grã-Bretanha, a verdadeira remuneração
do trabalho, conforme já foi demonstrado, a saber, a quantidade real dos
bens de primeira necessidade e comodidades da vida que são dadas ao
trabalhador, aumentou de forma considerável no decorrer do presente
século. O aumento do seu preço em dinheiro parece ter sido o efeito de
um aumento do preço real do trabalho no mercado específico da Grã-
Bretanha por circunstâncias particularmente favoráveis do país, e não o
efeito de qualquer diminuição do valor da prata no mercado geral da
Europa.
Durante algum tempo após a descoberta da América, a prata
continuou a ser vendida por seu preço antigo ou não muito abaixo dele.
Por algum tempo, os lucros da mineração continuariam muito altos, bem
acima de sua taxa natural. No entanto, os importadores europeus desse
metal logo iriam descobrir que a importação anual total não poderia mais
ser vendida por aqueles altos preços. A prata passaria a ser gradualmente
trocada por quantidades cada vez menores de mercadorias. Seu preço
cairia gradualmente até atingir seu preço natural, isto é, até chegar a um
valor suficiente apenas para, de acordo com suas taxas naturais, pagar os
salários do trabalho, os lucros do capital e a renda da terra, que devem ser
pagos para levá-la da mina ao mercado. Na maior parte das minas de prata
do Peru, o imposto do rei da Espanha, no valor de 1/9 do produto bruto,
consome (conforme já foi observado) toda a renda da terra. Esse imposto
era originalmente metade do produto bruto; logo depois caiu para 1/3, e,
então, para 1/5, chegando, finalmente, a 1/10; esta última fração continua a
ser utilizada. Na maior parte das minas de prata do Peru, ao que parece,
isso é tudo o que resta depois da reposição do capital do tomador do
trabalho, juntamente com seus lucros ordinários; e parece haver um
reconhecimento universal de que esses lucros, que uma vez foram muito
elevados, agora são os menores possíveis para dar continuidade às
explorações.
O imposto pago ao rei da Espanha foi reduzido à quinta parte da prata
registrada em 1504, 41 anos antes de 1545, data da descoberta das minas
de Potosí. No decurso de noventa anos (ou antes de 1636), essas minas (as
mais ricas de toda a América) tiveram tempo suficiente para produzir
todos os seus efeitos, a saber, reduzir o valor da prata no mercado europeu
ao mais baixo possível enquanto continuava-se a pagar o imposto à coroa
espanhola. Noventa anos é tempo suficiente para reduzir o valor de
qualquer mercadoria que não faça parte de um monopólio ao seu preço
natural, ou seja, ao menor preço a que ela, enquanto paga um imposto
específico, pode continuar a ser vendida por um tempo considerável.
O preço da prata no mercado europeu poderia talvez ter caído ainda
mais, e poderia ter sido necessário reduzir o imposto dessa mercadoria
não apenas a 1/10, como em 1736, mas a 1/20, semelhante ao que se faz com
o ouro, ou, então, abandonar a maior parte das minas americanas que
estão agora sob exploração. O aumento gradual da demanda por prata —
ou o alargamento gradual do mercado para os produtos das minas de
prata da América — é provavelmente a causa que impediu que isso
acontecesse e que não só manteve o valor da prata no mercado europeu,
mas, talvez, o tenha elevado a um patamar maior do que o de meados do
século passado.
Desde a descoberta da América, o mercado para os produtos de suas
minas de prata vem, lentamente, se tornando cada vez maior.
Em primeiro lugar, o mercado da Europa tornou-se gradualmente
maior. Desde a descoberta da América, grande parte do continente tem
progredido muito. A Inglaterra, a Holanda, a França e a Alemanha, até
mesmo a Suécia, a Dinamarca e a Rússia, todos avançaram
consideravelmente tanto na agricultura quanto na manufatura. A Itália
parece não ter regredido. A decadência italiana é anterior à conquista do
Peru. Desde então, no entanto, ela parece ter se recuperado um pouco.
Supõe-se que Espanha e Portugal tenham regredido, mas Portugal
constitui apenas uma pequena parte da Europa, e o declínio da Espanha
talvez não seja tão grande quanto se imagina. No início do século XVI, a
Espanha era um país muito pobre, mesmo em comparação com a França,
que, desde então, tem progredido bastante. O imperador Carlos V, que
viajava com muita frequência entre os dois países, fez o famoso
comentário de que tudo era abundante na França, mas que, na Espanha,
tudo estava em falta. Na Europa, o produto crescente da agricultura e da
manufatura deve ter necessariamente exigido um aumento gradual da
quantidade de moeda de prata para circulá-lo; e o número crescente de
indivíduos ricos deve ter exigido um aumento semelhante da quantidade
de suas baixelas e outros ornamentos de prata.
Em segundo lugar, a América é em si um novo mercado para os
produtos de suas próprias minas de prata; e, já que seus progressos na
agricultura, indústria e população são muito mais rápidos do que nos
países mais prósperos da Europa, a sua demanda deve aumentar muito
mais rapidamente. As colônias inglesas são um mercado completamente
novo que, em parte pelas moedas e em parte pela prataria, requer um
fornecimento cada vez maior de prata para todo um grande continente,
cuja demanda, no passado, era inexistente. Recorrentemente, as colônias
espanholas e portuguesas também são mercados completamente novos.
Nova Granada, Iucatã, Paraguai e o Brasil, antes de serem descobertos
pelos europeus, eram habitados por nações selvagens que não tinham nem
artes nem agricultura. Um grau considerável desses dois aspectos já foi
introduzido em todos esses países. Até mesmo o México e o Peru, embora
não possam ser considerados mercados completamente novos, são
certamente muito mais extensos do que antes. Depois de todos os
fantásticos relatos publicados sobre o esplêndido estado desses países na
Antiguidade, quem quer que leia a história da descoberta e da conquista
desses países com certo grau de juízo sóbrio irá evidentemente notar que,
nas artes, na agricultura e no comércio, seus habitantes eram muito mais
ignorantes do que os atuais tártaros da Ucrânia. Mesmo os peruanos, da
nação mais civilizada das duas, embora utilizassem o ouro e a prata como
ornamento, não possuíam nenhum tipo de moeda cunhada. Todo o seu
comércio era realizado por escambo e, consequentemente, a divisão do
trabalho entre eles era quase inexistente. Aqueles que cultivavam a terra
eram obrigados a construir suas próprias casas, fazer seus próprios móveis,
as suas próprias roupas, calçados e ferramentas agrícolas. Diz-se que os
poucos artífices existentes eram mantidos pelo soberano, pelos nobres e
pelos sacerdotes, e, provavelmente, eram seus servos ou escravos. Todas as
antigas artes do México e do Peru nunca puderam oferecer uma única
manufatura para a Europa. Os exércitos espanhóis, embora raramente
ultrapassassem quinhentos homens, e frequentemente não chegavam à
metade desse número, encontraram em quase todos os lugares uma
grande dificuldade para adquirir bens de subsistência. Segundo se diz, a
fome que eles causavam onde quer que chegassem — países tidos ao
mesmo tempo como muito populosos e bem cultivados — é suficiente
para demonstrar que boa parte das histórias contadas sobre grandes
populações e cultivos em grande medida não passa de fábula. Em muitos
aspectos, as colônias espanholas possuem um governo menos favorável
para a agricultura, o progresso e a população do que as colônias inglesas.
Elas parecem, no entanto, estar avançando em todos esses aspectos muito
mais rapidamente do que qualquer outro país da Europa. Em um solo
fértil e sob clima favorável, a grande abundância e o baixo preço da terra,
uma circunstância comum a todas as novas colônias, são, ao que parece,
uma vantagem tão grande que compensa os muitos defeitos do governo
civil. Frézier, que visitou o Peru em 1713, caracteriza Lima como uma
cidade de 25 mil a 28 mil habitantes. Ulloa, que residiu no mesmo país
entre 1740 e 1746, a vê como uma cidade de mais de 50 mil habitantes. A
diferença em seus números a respeito da população de várias outras
cidades principais do Chile e do Peru é quase a mesma; e como parece não
haver motivos para duvidar da informação de qualquer um deles, ela
assinala um aumento quase igual ao das colônias inglesas. A América,
portanto, constitui um novo mercado para os produtos de suas próprias
minas de prata, cuja demanda deve aumentar muito mais rapidamente do
que a existente nos países mais prósperos da Europa.
Em terceiro lugar, as Índias Orientais constituem outro mercado para
os produtos das minas de prata da América — um mercado que, desde o
tempo da descoberta das minas, tem requerido uma quantidade cada vez
maior de prata. Desde aquele tempo, o comércio direto entre a América e
as Índias Orientais, que é operado por meio dos navios que saem de
Acapulco, tem aumentado de forma constante e, proporcionalmente, a
relação indireta através da Europa tem aumentado ainda mais. Durante o
século XVI, Portugal era a única nação europeia que operava um comércio
regular com as Índias Orientais. Nos últimos anos daquele século, os
holandeses começaram a quebrar esse monopólio e, em poucos anos, os
expulsaram de seus principais assentamentos na Índia. Durante a maior
parte do século passado, Portugal e Holanda rateavam a maior parte do
comércio da Índia Oriental entre si; enquanto isso, as atividades
comerciais dos holandeses aumentavam constantemente em uma razão
bem maior do que as atividades dos portugueses declinavam. Os ingleses e
os franceses realizaram algum comércio com a Índia no século passado,
mas este tem se avolumado bastante no decurso de nosso século. O
comércio dos suecos e dinamarqueses com a Índia Oriental teve início no
decorrer deste século. Até mesmo os moscovitas agora comercializam
regularmente com a China por uma espécie de caravana que segue por
terra até Pequim, atravessando a Sibéria e a Tartária. O comércio de todas
essas nações com a Índia Oriental, excetuando-se o dos franceses, que foi
quase aniquilado pela última guerra, vem aumentando de forma quase
contínua. Ao que parece, o consumo europeu de mercadorias da Índia é
tão grande que permite um aumento gradual do uso de todas elas. O chá,
por exemplo, era uma droga muito pouco usada na Europa antes de
meados do último século. Hoje, no entanto, o valor do chá anualmente
importado pela Companhia Britânica das Índias Orientais para uso de
seus próprios compatriotas chega a mais de 1,5 milhão por ano; mesmo
assim, essa quantidade não é suficiente; há muito mais chá sendo
contrabandeado para o país a partir dos portos da Holanda, de
Gotemburgo, na Suécia e, também, da costa francesa, enquanto durou a
prosperidade da Companhia Francesa das Índias Orientais. O consumo da
porcelana chinesa, das especiarias das Ilhas Molucas, dos tecidos de
Bengala e de inúmeros outros artigos, aumentou em uma proporção quase
similar. A tonelagem de todos os barcos europeus empregados no
comércio com a Índia Oriental não ultrapassou muito, em nenhum
momento do século passado, a tonelagem da Companhia Britânica das
Índias Orientais antes de sua frota ter sido finalmente reduzida.
Mas nas Índias Orientais, particularmente na China e no Hindustão, o
valor dos metais preciosos — quando os europeus começaram a realizar
comércio com esses países — era muito maior que na Europa; atualmente
ainda é assim. Nos países produtores de arroz — que geralmente rendem
duas, às vezes três, colheitas anuais, cada uma delas mais abundante do
que qualquer colheita comum de cereais — a abundância de alimentos
deve ser muito maior do que em qualquer país produtor de cereais de
igual extensão. Por esse motivo, os países produtores de arroz têm
populações muito maiores. Neles, também, os ricos dispõem de uma
maior superabundância de alimentos, que vai além da quantidade que
podem consumir, e, dessa forma, possuem os meios para adquirir uma
quantidade muito maior de trabalho alheio. Na China ou no Hindustão, o
séquito de um nobre é, em todos os sentidos, muito mais numeroso e
esplêndido do que o séquito dos súditos mais ricos da Europa. A mesma
superabundância de alimentos que eles têm à disposição lhes permite
entregar uma quantidade maior de alimentos em troca de produtos raros e
únicos que a natureza produz apenas em quantidades muito pequenas,
como os metais e as pedras preciosas, que são os grandes objetos da
concorrência entre os ricos. Assim, embora as minas que supriam o
mercado indiano tivessem sido tão abundantes quanto aquelas que
supriam o mercado europeu, essas mercadorias eram naturalmente
trocadas por uma quantidade de alimentos maior na Índia do que na
Europa. Mas as minas que supriam o mercado indiano com os metais
preciosos parecem ter sido muito menos abundantes que as minas que
supriam o mercado europeu; e as que supriam o mercado indiano com
pedras preciosas, muito mais abundantes. Os metais preciosos, portanto,
eram naturalmente trocados na Índia por uma quantidade um pouco
maior de pedras preciosas e por uma quantidade muito maior de
alimentos do que na Europa. O preço em dinheiro dos diamantes — o
bem mais supérfluo de todos — seria um pouco menor, e o dos alimentos
— o bem mais necessário de todos —, muito menor no primeiro país que
no segundo. Mas o preço real do trabalho, ou seja, a quantidade real dos
bens de primeira necessidade que são entregues ao trabalhador, conforme
já foi observado, é menor tanto no China quanto no Hindustão, os dois
grandes mercados da Índia, do que na maior parte da Europa. Ali, o
salário do trabalho comprará uma quantidade menor de alimentos; e
como o preço em dinheiro dos alimentos é muito menor na Índia do que
na Europa, o preço em dinheiro do trabalho é inferior em dois aspectos: a
pequena quantidade de alimentos que ele pode comprar e o preço baixo
dos alimentos. Mas em países com artes e ofícios semelhantes, o preço em
dinheiro da maior parte das manufaturas será proporcional ao preço em
dinheiro do trabalho; e embora em artes manufatureiras e indústria as
manufaturas da China e do Hindustão sejam inferiores, não parecem ser
muito mais inferiores a qualquer parte da Europa. O preço em dinheiro de
grande parte das manufaturas, portanto, será naturalmente muito menor
naqueles grandes impérios do que em qualquer lugar da Europa. Em
grande parte do continente, também os gastos com transporte terrestre
elevam muito os preços real e nominal da maioria das manufaturas. Levar
primeiro as matérias-primas e depois as manufaturas prontas ao mercado
custa mais trabalho e, portanto, mais dinheiro. Na China e no Hindustão,
a extensão e a variedade do transporte hidroviário interno geram uma
maior economia sobre grande parte desse trabalho, consequentemente,
desse dinheiro; desse modo, reduzem ainda mais os preços real e nominal
da maior parte de suas manufaturas. Por todas essas razões, é e sempre foi
vantajoso levar metais preciosos da Europa para a Índia. Praticamente
nenhuma outra mercadoria tem um melhor preço naquele mercado, ou
que, proporcionalmente à quantidade de trabalho e bens que custa na
Europa, possa comprar ou controlar uma maior quantidade de trabalho e
mercadorias na Índia. Para lá também é mais vantajoso levar prata do que
ouro; porque na China e na maior parte dos outros mercados da Índia a
proporção entre a prata e o ouro de lei é de 10 — ou, no máximo, 12 —
para 1; enquanto na Europa é de 14 ou 15 para 1. Na China e na maior
parte dos outros mercados da Índia, 10 — ou, no máximo, 12 — onças de
prata podem comprar 1 onça de ouro; na Europa, é preciso 14 ou 15 onças
para efetuar a troca. Nos porões, portanto, da maior parte dos navios
europeus que navegam para a Índia, a prata geralmente tem sido um dos
artigos mais valiosos. É o artigo mais valioso nos navios de Acapulco que
navegam para Manila. A prata do novo continente parece, assim, ser uma
das principais mercadorias do comércio entre as duas extremidades do
Velho Continente; e, em grande medida, é por causa dela que essas duas
partes distantes do mundo estão conectadas.225
A fim de abastecer um mercado tão grande, a quantidade de prata
trazida anualmente das minas deve ser suficiente não apenas para
sustentar o aumento contínuo de moeda e de utensílios de prata exigidos
em todos os países prósperos; mas também para reparar essa perda e
consumo contínuos de prata que se realizam em todos os países onde o
metal é usado.
É bastante evidente o desgaste contínuo dos metais preciosos, existente
nas moedas pelo uso e, na prataria, tanto pelo uso quanto pela limpeza; em
decorrência, essas mercadorias utilizadas de forma alargada já exigem,
somente para elas, um suprimento anual extremamente grande. Em
relação à quantidade total, talvez o consumo desses metais em certas
manufaturas específicas não seja tão grande quanto esse desgaste gradual,
mas, sendo muito mais rápido, é muito mais evidente. Diz-se que, somente
nas manufaturas de Birmingham, a quantidade de ouro e prata utilizada
anualmente para dourar e pratear — metais que, desse modo, nunca mais
poderão ser utilizados em suas formas originais — atinge o montante de
mais de 50 mil libras esterlinas. A partir disso, talvez seja possível termos
alguma ideia do tamanho do consumo anual em todas as diferentes partes
do mundo, seja nas manufaturas iguais às de Birmingham, ou em rendas,
bordados, tecidos de ouro e prata, para o douramento de livros, móveis,
etc. É possível, também, que uma quantidade considerável se perca,
anualmente, no transporte desses metais de um lugar para outro, tanto por
mar quanto por terra. Além do mais, na maior parte dos governos da Ásia,
o costume quase universal de enterrar tesouros nas entranhas da terra, dos
quais o conhecimento frequentemente morre com a pessoa que o
escondeu, deve gerar a perda de uma quantidade ainda maior.
De acordo com dados bastante confiáveis, a quantidade de ouro e prata
importada em Cádiz e Lisboa (incluindo não apenas a mercadoria
registrada, mas também aquela que, segundo podemos supor, seja
contrabandeada) chega ao montante de cerca de 6 milhões de libras
esterlinas por ano.
De acordo com o senhor Meggens,226 a quantidade importada pela
Espanha em uma média de seis anos — isto é, de 1748 a 1753, incluindo-
se esses dois anos — e por Portugal em uma média de sete anos — isto é,
de 1747 a 1753 — atingiu o montante de 1.101.107 libras-peso de prata e
49.940 libras-peso de ouro. A prata, a 62 xelins por libra troy, soma
3.413.431 libras esterlinas e 10 xelins. O ouro, a 44,5 guinéus por libra troy,
chega a 2.333.446 libras esterlinas e 14 xelins. Somando-se os dois, temos
5.746.878 libras esterlinas e 4 xelins. Ele nos assegura que o total da
mercadoria importada legalmente é exato, detalha os locais de origem do
ouro e da prata, bem como as quantidades específicas de cada metal
vindas, de acordo com os registros, de cada localidade. Ele também faz
uma suposição em relação à quantidade de metais que podem ter sido
contrabandeados. A grande experiência desse comerciante criterioso
concede um peso considerável à sua opinião.
De acordo com o eloquente e, às vezes, bem-informado autor do livro
História filosófica e política do estabelecimento dos europeus nas duas
Índias,227 a importação anual de ouro e prata registrados na Espanha, em
uma média de onze anos — isto é, de 1754 a 1764 —, chegou a
13.984.185,075 de piastras de 10 reais. No entanto, levando-se em conta
aquilo que pode ter sido contrabandeado, o valor total da importação
anual, ele supõe, pode ter alcançado 17 milhões de piastras; o qual, ao
câmbio de 4 xelins e 6 pence a piastra, equivale a 3.825.000 libras
esterlinas. Da mesma forma, ele indica a origem do ouro e da prata, bem
como as quantidades específicas de cada metal vindas, de acordo com os
registros, de cada localidade. Ele também nos informa que, se quiséssemos
julgar a quantidade de ouro anualmente importada do Brasil para Lisboa
pelo valor dos impostos pagos à coroa de Portugal, que, ao que parece, é
de um quinto do metal-padrão, poderíamos chegar ao valor de 18 milhões
de cruzados, ou 45 milhões de libras francesas, isto é, aproximadamente 2
milhões de libras esterlinas. Mas, considerando a quantidade que pode ter
sido contrabandeada, podemos seguramente acrescentar um oitavo a essa
soma, diz ele, ou 250 mil libras esterlinas, e o resultado dessa soma passa a
ser 2.250.000 de libras esterlinas.
De acordo com essa conta, portanto, a importação anual total de
metais preciosos para a Espanha e Portugal chega a aproximadamente
6.075.000 de libras esterlinas. Assim, garantiram-me que muitas outras
fontes fidedignas, mesmo que apenas manuscritas, concordam com o valor
médio total das importações de cerca de 6 milhões de libras esterlinas, às
vezes um pouco mais, outras, um pouco menos.
De fato, a importação anual de metais preciosos em Cádiz e Lisboa não
é igual ao produto anual total das minas da América. Uma parte do
produto é enviada anualmente a Manila a partir do porto de Acapulco;
outra parte é empregada no comércio de contrabando entre as colônias
espanholas e as colônias de outras nações europeias; e certa fração, sem
dúvida, permanece no país. E, além disso, as minas da América não são de
forma alguma as únicas minas de ouro e prata do mundo. São, no entanto,
de longe as mais abundantes; o produto de todas as outras minas
conhecidas é reconhecidamente insignificante em comparação com o
delas; além disso, reconhece-se também que a fração importada
anualmente por Cádiz e Lisboa é extremamente maior. Mas o consumo
somente de Birmingham — 50 mil libras por ano — é igual à centésima
vigésima parte daquela importação anual de 6 milhões por ano. O
consumo anual total de ouro e prata, portanto, em todos os países do
mundo onde esses metais são usados, talvez seja quase igual ao seu
produto anual total. É possível que o restante não seja mais do que
suficiente para suprir a demanda crescente de todos os países prósperos,
podendo ficar tão abaixo dessa demanda a ponto de elevar o preço desses
metais no mercado europeu.
A quantidade de cobre e de ferro levada anualmente da mina ao
mercado é extremamente maior do que a de ouro e prata. Mas não
imaginemos que, por essa razão, esses metais comuns possam ser
multiplicados para uma quantidade que ultrapasse a demanda ou que
possam se tornar gradualmente mais baratos. Por que, então, deveríamos
imaginar que isso poderia acontecer com os metais preciosos? Com efeito,
os metais comuns são mais resistentes e, por isso, são utilizados em
trabalhos mais pesados; como seu valor é menor, sua preservação é mais
negligenciada. No entanto, assim como os comuns, os metais preciosos
também não duram para sempre, mas também podem ser perdidos,
desgastados e destruídos de muitas formas.
Embora o preço de todos os metais esteja sujeito a variações lentas e
graduais, ele varia menos de um ano para o outro do que quase qualquer
outra matéria-prima da Terra; e a variação do preço dos metais preciosos é
muito menos repentina do que a dos metais comuns. Essa extraordinária
estabilidade de preços fundamenta-se na durabilidade dos metais. Os
cereais levados ao mercado no ano passado serão todos — ou quase todos
— consumidos bem antes do final deste ano. Mas alguma parte do ferro
trazido da mina, duas ou três centenas de anos atrás, pode ainda estar em
uso, e o mesmo vale para parte do ouro trazido há 2 mil ou 3 mil anos. As
diferentes massas de cereais que em anos diferentes devem suprir o
consumo do mundo quase sempre serão mais ou menos proporcionais ao
respectivo produto daqueles anos. Mas a proporção entre as diferentes
massas de ferro que podem ser utilizadas em dois anos diferentes será
muito pouco afetada por quaisquer diferenças acidentais do produto das
minas de ferro daqueles dois anos; e a proporção entre as massas de ouro
será ainda menos afetada por quaisquer diferenças ocorridas no produto
das minas de ouro. Assim, embora grande parte das minas de metais sofra
variações anuais em seu produto — talvez maiores que as ocorridas na
maioria dos campos de cereais —, essas pequenas mudanças não têm o
mesmo efeito sobre o preço dos metais do que sobre o preço dos cereais.

VARIAÇÕES DA PROPORÇÃO ENTRE OS RESPECTIVOS VALORES DO


OURO E DA PRATA
Antes da descoberta das minas da América, o valor do ouro e da prata de
boa qualidade era regulado nas várias casas da moeda da Europa pelas
proporções de 1 para 10 e de 1 para 12, isto é, 1 onça de ouro de boa
qualidade devia valer entre 10 e 12 onças de prata de boa qualidade. Em
meados do século passado, passou a ser regulado pelas proporções de 1
para 14 e de 1 para 15, isto é, 1 onça de ouro de boa qualidade deveria
valer entre 14 e 15 onças de prata de boa qualidade. O valor nominal do
ouro aumentou, isto é, aumentou a quantidade de prata que poderia ser
trocada por ele. O valor real de ambos os metais caiu, ou seja, diminuiu a
quantidade de trabalho que poderiam comprar; mas o da prata diminuiu
mais que o do ouro. Embora tanto as minas de ouro quanto as de prata da
América excedessem em riqueza todas as outras minas conhecidas até
então, a riqueza das minas de prata, ao que parece, era proporcionalmente
maior do que a das minas de ouro.
As grandes quantidades de prata transportadas anualmente da Europa
para a Índia causaram a redução gradual do valor desse metal em
proporção ao do ouro em alguns dos assentamentos ingleses. Na casa da
moeda de Calcutá, assim como na Europa, 1 onça de ouro de boa
qualidade vale 15 onças de prata de boa qualidade. A Casa da Moeda
parece cotá-lo em um valor muito alto em relação ao praticado no
mercado de Bengala. Na China, a proporção entre o ouro e a prata
continua em 1 para 10 ou 1 para 12, e dizem que no Japão essa relação é de
1 para 8.
A proporção entre as quantidades de ouro e prata anualmente
importados para a Europa, de acordo com o relato do senhor Meggens, é
quase de 1 para 22, ou seja, um pouco mais de 22 onças de prata para cada
onça de ouro. Ele supõe que a grande quantidade de prata enviada
anualmente às Índias Orientais reduz as quantidades desses metais que
permanecem na Europa para a proporção de 1 para 14 ou 1 para 15, isto é,
reduz a proporção de seus valores. Ele acredita que a proporção entre seus
valores deve necessariamente ser a mesma existente entre suas
quantidades, e que esta seria, portanto, de 1 para 22 se não fosse por essa
maior exportação de prata.
Mas a proporção ordinária existente entre os respectivos valores de
duas mercadorias não é necessariamente a mesma proporção existente
entre as quantidades dessas mesmas mercadorias que normalmente estão
no mercado. O preço de um boi, estimado em 10 guinéus, é cerca de 60
vezes o preço de um cordeiro, estimado em 3 xelins e 6 pence. No entanto,
seria absurdo inferir a partir disso que o mercado terá 60 cordeiros para
cada boi; da mesma forma, sabendo-se que 1 onça de ouro pode
normalmente comprar de 14 a 15 onças de prata, seria um absurdo afirmar
que o mercado tem apenas 14 ou 15 onças de prata para cada onça de
ouro.
É possível que a quantidade de prata existente no mercado seja muito
maior em relação à quantidade de ouro do que o valor de uma certa
quantidade de ouro em relação ao valor da mesma quantidade de prata. A
quantidade total de uma mercadoria barata levada ao mercado é
comumente maior, e também de maior valor, que a quantidade total de
uma cara. A quantidade total de pão levada anualmente ao mercado não é
apenas maior, mas de valor superior a toda a quantidade de carne; a
quantidade total de carne é superior à quantidade total de galináceos; e a
quantidade total de galináceos é superior à quantidade total de aves
selvagens. O número de compradores para as mercadorias baratas é tão
maior que o de produtos caros que, além de ser possível vender uma
quantidade maior dos produtos baratos, também é possível vender um
maior valor deles. Portanto, em geral, a quantidade total de mercadorias
baratas deve ser maior em proporção à quantidade total das mercadorias
caras do que o valor de uma determinada quantidade de mercadorias
caras o é em proporção ao valor de uma mesma quantidade de
mercadorias baratas. Quando comparamos os metais preciosos, a prata é a
mercadoria barata, e o ouro, a cara. Deveríamos naturalmente esperar,
portanto, que o mercado sempre tivesse não só uma maior quantidade,
mas um valor total maior de prata que de ouro. Tomemos uma pessoa que
tenha um pouco dos dois metais; se ela comparar sua própria prataria com
seus utensílios de ouro, provavelmente descobrirá que não apenas a
quantidade, mas o valor da prata excede grandemente o do ouro. Muitas
pessoas, além do mais, têm uma boa quantidade de prataria e nenhum
utensílio de ouro; e, mesmo que as pessoas os possuam, geralmente esses
utensílios são restritos a caixas de relógios, caixas de rapé e todo tipo de
bugigangas cujo montante total raramente é de grande valor. Na moeda
britânica, com efeito, o valor do ouro é preponderante, mas isso não
acontece em todos os países. Na moeda de alguns países, o valor dos dois
metais é quase igual. Na moeda escocesa, antes da união com a Inglaterra,
o ouro preponderava muito pouco — e ainda assim preponderava — de
acordo com as contas da Casa da Moeda. A prata é preponderante na
moeda de muitos países. Na França, as somas maiores são geralmente
pagas nesse metal, sendo que, lá, é difícil obter mais ouro do que a
quantidade possível de ser levada no bolso. No entanto, o valor superior da
prataria em relação ao dos utensílios de ouro (que ocorre em todos os
países) mais do que compensa a preponderância da moeda de ouro sobre a
de prata (algo que existe apenas em alguns países).
Embora, em um sentido, a prata sempre tenha sido e provavelmente
sempre será muito mais barata do que o ouro; ainda assim, em outro
sentido, talvez seja possível dizermos que, no estado atual do mercado
espanhol, o ouro é mais barato do que a prata. Podemos dizer que uma
mercadoria é cara ou barata não só de acordo com a grandeza ou
pequeneza absoluta de seu preço habitual, mas conforme o seu preço
esteja mais ou menos acima do menor valor pelo qual é possível levá-la ao
mercado por um tempo considerável. O preço mínimo é aquele que
consegue apenar repor, com um lucro moderado, o capital empregado
para levar o produto ao mercado. É o preço que não oferece nada ao dono
da terra — isto é, a renda não faz parte do preço —, mas que se desdobra
completamente em salários e lucro. Mas, no estado atual do mercado
espanhol, o valor do ouro está certamente um pouco mais próximo desse
preço mínimo do que o da prata. O imposto da coroa espanhola sobre o
ouro é de apenas 1/20 do metal-padrão, isto é, 5%; considerando que o
imposto sobre a prata equivale a um décimo dela, isto é, 10%. Conforme já
foi observado, esses impostos representam a renda total da maior parte das
minas de ouro e de prata da América espanhola; e o imposto sobre o ouro
é mais sonegado que o imposto sobre a prata. Os lucros do empreendedor
das minas de ouro também. Já que estes raramente fazem fortuna, seus
lucros devem, em geral, ser ainda mais moderados que os do
empreendedor das minas de prata. Assim, o preço do ouro espanhol, uma
vez que oferece renda e lucros menores, deve, no mercado espanhol, estar
um pouco mais próximo do preço mínimo pelo qual é possível levá-lo ao
mercado que o preço da prata espanhola. Quando todas as despesas são
calculadas, a quantidade total do primeiro metal, ao que parece, não pode,
no mercado espanhol, ser vendida tão vantajosamente como a quantidade
total do segundo. De fato, o imposto da coroa portuguesa sobre o ouro do
Brasil é igual ao antigo imposto da coroa espanhola sobre a prata do
México e do Peru, a saber, um quinto do metal-padrão. Pode, portanto, ser
incerto se ao mercado geral da Europa o volume total de ouro americano
chega a um preço mais próximo do mínimo pelo qual é possível levá-lo até
lá do que o volume total de prata americana.
Talvez mais do que o preço do ouro, os preços dos diamantes e de
outras pedras preciosas podem estar ainda mais próximos do menor preço
pelo qual é possível levá-los ao mercado.
Embora não seja muito provável que, enquanto for possível pagá-lo, se
renuncie a qualquer parte de um imposto, que, além de ser tributado sobre
mercadorias que mais se adequam à tributação, a saber, os artigos de luxo
e os produtos supérfluos, também proporciona uma receita muito
importante, como ocorre no caso do tributo sobre a prata; ainda assim, a
mesma impossibilidade de pagá-lo, que em 1736 tornou necessário reduzi-
lo de um quinto para um décimo, pode, ao longo do tempo, criar a
necessidade de reduzi-lo ainda mais, da mesma forma como se tornou
necessário reduzir o imposto sobre o ouro para 1/20. Todo aquele que
pesquisou as condições das minas de prata da América espanhola sabe que
sua exploração, como a de qualquer outra mina, vai ficando gradualmente
mais cara devido à maior profundidade dos trabalhos e ao maior gasto
para retirar a água e fornecer ar fresco nessas mesmas profundidades.
Essas causas, que são equivalentes a uma crescente escassez de prata
(pois podemos dizer que uma mercadoria se torna mais escassa sempre
que a coleta de determinada quantidade dela for mais difícil e cara),
devem, com o tempo, produzir algum dos três eventos seguintes: o
aumento da despesa deve, em primeiro lugar, ser compensado por
completo por um aumento proporcional do preço do metal; ou, em
segundo lugar, deve ser compensado por completo por uma diminuição
proporcional do imposto sobre a prata; em terceiro lugar, deve ser
compensado em parte pelo primeiro expediente e, em parte, pelo segundo.
Este terceiro evento é bastante possível. Assim como, a despeito de uma
grande diminuição do imposto sobre o ouro, seu preço aumentou em
relação ao da prata, então o preço da prata também pode aumentar em
proporção ao do trabalho e ao das mercadorias a despeito de uma
diminuição semelhante do imposto sobre a prata.
Embora essas reduções sucessivas do imposto talvez não impeçam por
completo o aumento do valor da prata no mercado europeu, elas devem,
em certa medida, retardá-lo. Como consequência dessas reduções foi
possível realizar a abertura de muitas minas que antes não podiam ser
exploradas porque não tinham condições de pagar o antigo imposto; e a
quantidade de prata levada anualmente ao mercado deverá sempre ser um
pouco maior e, portanto, o valor de qualquer quantidade determinada
deverá ser um pouco menor do que seria caso não se fizesse isso. Como
consequência da redução de 1736, o valor da prata no mercado europeu —
embora ele não seja atualmente menor do que antes da ocorrência da
redução — é, provavelmente, pelo menos uns 10% menor do que teria sido
se a coroa espanhola mantivesse o tributo antigo.
Os fatos e argumentos alegados até aqui me levam a acreditar, ou mais
propriamente a suspeitar e conjecturar — pois a melhor opinião que eu
posso apresentar sobre esse assunto talvez mal mereça o uso do verbo
“acreditar” — que, apesar dessa redução, o valor da prata começou a subir
um pouco no mercado europeu durante o curso do presente século. Essa
ascensão, caso tenha ocorrido, foi tão pequena até agora que,
possivelmente, depois de tudo o que foi dito, pode parecer incerto para
muitas pessoas não só se esse evento realmente ocorreu, mas se, na
verdade, não ocorreu o inverso, ou seja, talvez o valor da prata ainda esteja
em queda no mercado europeu.
Devemos notar que, independentemente da suposta quantidade de
importação anual de ouro e prata, deve haver um certo período em que o
consumo anual desses metais é igual a essa importação anual. Seu
consumo deve aumentar com o aumento de seu volume, ou melhor, em
uma proporção muito maior. Conforme aumenta seu volume, o valor
diminui. Eles são mais utilizados e mais malcuidados; e seu consumo
aumenta, consequentemente, em uma proporção maior do que seu
volume. Após um certo período, portanto, o consumo anual desses metais
deve, dessa forma, tornar-se igual à sua importação anual, desde que a
importação não esteja em crescimento contínuo, algo que, nos tempos
atuais, supostamente não ocorre.
Se a importação anual diminui gradualmente quando o consumo
anual se iguala à importação anual, então o consumo anual poderá, por
algum tempo, exceder a importação anual. O volume dos metais poderá
diminuir gradual e imperceptivelmente enquanto seu valor aumenta
gradual e imperceptivelmente, até que a importação anual, se tornando
novamente estacionária, ajustaria o consumo anual gradual e
imperceptivelmente ao que é mantido por essa importação anual.

NATUREZA E CAUSAS DA SUSPEITA DE QUE O VALOR DA PRATA AINDA


CONTINUA A DIMINUIR
O aumento da riqueza da Europa e a ideia popular de que, à medida que a
quantidade de metais preciosos naturalmente aumenta com o aumento da
riqueza, seu valor diminui com o aumento da sua quantidade pode, talvez,
levar muitas pessoas a acreditar que seus valores ainda continuam a cair
no mercado europeu; e o preço em gradual e constante aumento de muitas
partes do produto da terra pode manter ainda mais firme a convicção
dessas pessoas.
Já tentei demonstrar em outra passagem que esse aumento das
quantidades de metais preciosos que, em qualquer país, ocorre com
aumento da riqueza não tende a diminuir o seu valor. O ouro e a prata são
naturalmente atraídos a um país rico pela mesma razão que todos os tipos
de luxos e curiosidades também o são; não porque sejam mais baratos ali
do que nos países mais pobres, mas porque são mais caros ou porque
recebem um melhor preço. É a superioridade do preço que os atrai; e,
assim que a superioridade cessa, essas mercadorias deixam
necessariamente de ser levadas para lá.
Conforme já me esforcei para provar, com exceção dos cereais e outros
vegetais que são cultivados totalmente pelo trabalho humano, todos os
outros tipos de produto da terra — bovinos, galináceos, todos os tipos de
animais de caça, fósseis e minerais úteis, etc. — ficam naturalmente mais
caros à medida que a sociedade avança em sua riqueza e em seu progresso.
Embora essas mercadorias, portanto, venham a ser trocadas por uma
maior quantidade de prata do que no passado, não podemos daí concluir
que a prata se tornou realmente mais barata ou que poderá comprar uma
quantidade de trabalho menor, mas que tais mercadorias se tornaram
realmente mais caras, ou seja, que podem comprar mais trabalho do que
antes. Com o progresso, não é apenas seu preço nominal que se eleva, mas
também seu preço real. O aumento de seu preço nominal é consequência
do aumento do seu preço real, e não uma degradação qualquer do valor da
prata.

DIFERENTES EFEITOS DO CURSO DO PROGRESSO SOBRE O PREÇO


REAL DE TRÊS TIPOS DE MATÉRIA-PRIMA
Esses diferentes tipos de matéria-prima podem ser divididos em três
classes. A primeira compreende aqueles que dificilmente podem ser
multiplicados pelo trabalho humano. A segunda, aqueles que podem ser
multiplicados pelo trabalho em proporção à demanda. A terceira, aqueles
em que a eficácia do trabalho humano é limitada ou incerta. No curso da
riqueza e do progresso, o preço real do primeiro pode aumentar até atingir
quaisquer níveis exorbitantes, e parece não estar cercado por nenhum tipo
de limite fixo. Embora o preço do segundo tipo de bens possa subir muito,
há, no entanto, um determinado limite além do qual ele não consegue
passar por todo um período considerável de tempo. Embora os preços dos
bens do terceiro tipo tendam naturalmente a subir durante o curso dos
progressos, ainda assim, no mesmo grau de progresso, eles podem cair,
continuar iguais e, às vezes, aumentar um pouco mais ou um pouco
menos conforme os diferentes acidentes tornem os esforços do trabalho
humano para multiplicar esse tipo de matéria-prima mais bem-sucedidos
ou menos.

Primeiro tipo
O primeiro tipo de matéria-prima cujo preço aumenta com o progresso é
aquele que dificilmente pode ser multiplicado pelo trabalho humano.
Consiste naquelas coisas que a natureza produz somente em certas
quantidades, e que, por serem de natureza bastante perecível, é impossível
armazenar o produto de muitas estações. São exemplos: a maior parte das
aves e peixes raros e únicos, diversos tipos de animais de caça, quase todas
as aves selvagens, todas as aves migratórias em particular, bem como
muitas outras coisas. Quando aumenta a riqueza e o luxo que a
acompanha, a demanda por esses bens também pode aumentar, e nenhum
esforço do trabalho humano será capaz de aumentar a oferta para muito
além do que ela era antes desse aumento da demanda. Portanto, se a
quantidade dessas mercadorias for mantida a mesma, ou quase a mesma,
enquanto a concorrência para comprá-las aumenta de forma contínua, seu
preço, que parece não se balizar por nenhum limite definido, poderá
aumentar até quaisquer valores exorbitantes. Se as galinholas228 entrassem
tão na moda que cada uma delas passasse a ser vendida por 20 guinéus,
nenhum esforço do trabalho humano conseguiria aumentar o número de
animais levados ao mercado muito além do que é no presente. Assim é
possível explicar o alto preço pago pelos romanos durante seu auge por
pássaros e peixes raros. Esses preços não eram consequência do baixo
valor da prata naqueles tempos, mas do alto valor das raridades e
curiosidades que não poderiam ser multiplicadas pelo empenho humano
ao seu bel-prazer. Por algum tempo antes e depois da queda da República,
o valor real de prata era maior em Roma do que na maior parte da Europa
atual. Na Sicília, 3 sestércios (iguais a 6 pence esterlinos aproximadamente)
era o preço que a República pagava pelo “modius”229 ou peck do trigo
utilizado como dízimo. Esse preço, no entanto, estava provavelmente
abaixo do preço médio de mercado, e a obrigação de entregar o seu trigo a
esse preço era considerada como uma tributação imposta sobre os
fazendeiros da Sicília. Quando os romanos, portanto, tiveram a
oportunidade de requerer mais cereais do que o dízimo de trigo lhes
oferecia, eles eram obrigados a pagar, por meio de um acordo, o excedente
à taxa de 4 sestércios, ou 8 pence esterlinos por peck; e esse valor deve
provavelmente ter sido considerado o preço moderado e razoável, isto é, o
preço contratado comum ou médio daqueles tempos; é igual a
aproximadamente 21 xelins por quarter. Vinte e oito xelins por quarter
era, antes dos últimos anos de escassez, o preço contratual comum do
trigo inglês, de qualidade inferior ao siciliano e, geralmente, vendido por
um preço mais baixo no mercado europeu. Em relação ao seu valor
presente, portanto, o valor da prata na Antiguidade devia estar em uma
proporção inversa de três para quatro, ou seja, 3 onças de prata
comprariam a mesma quantidade de trabalho e mercadorias que 4 onças
comprariam atualmente. Desse modo, quando lemos em Plínio que
Seio230 comprou um rouxinol branco de presente para a imperatriz
Agripina ao preço de 6 mil sestércios, igual a cerca de 50 libras em valores
atuais; e, ainda, que Asínio Celer231 adquiriu um salmonete ao preço de 8
mil sestércios, igual a aproximadamente 66 libras, 13 xelins e 4 pence em
valores atuais; a extravagância desses preços — independentemente de
quanto eles possam nos surpreender — nos parecerá um terço menor do
que eles realmente eram. Seu preço real, isto é, a quantidade de trabalho e
subsistência que pode ser trocada por eles, era cerca de um terço maior do
que expressa seu preço nominal para nós atualmente. Em troca do
rouxinol, Seio entregou o controle de uma quantidade de trabalho e
subsistência igual ao que 66 libras, 13 xelins e 4 pence comprariam hoje; e
Asínio Celer trocou o salmonete pelo comando de uma quantidade igual
ao que 88 libras, 17 xelins e 9,33 pence comprariam. A causa desses preços
excessivamente elevados não era tanto a abundância de prata, mas a
abundância de trabalho e subsistência que os romanos tinham à sua
disposição além do que era necessário para seu próprio uso. A quantidade
de prata que tinham disponível era muito menor do que a quantidade que
o controle da mesma quantidade de trabalho e subsistência poderia lhes
oferecer atualmente.
Segundo tipo
O segundo tipo de matéria-prima cujo preço aumenta aos poucos com o
progresso é aquele que pode ser multiplicado pelo trabalho humano em
relação à demanda. É formado por aquelas plantas e animais úteis que, em
países sem cultivo, são produzidos de forma tão abundante pela natureza
que eles acabam tendo pouco ou nenhum valor; com os avanços do
cultivo, acabam dando lugar a algum produto mais rentável. Durante um
longo período, sua quantidade diminui de forma contínua, enquanto, ao
mesmo tempo, a demanda aumenta de forma contínua. Seu valor real —
isto é, a quantidade real de trabalho que compram ou comandam —
aumenta gradualmente até que, por fim, fica tão alto que esses produtos se
tornam tão rentáveis quanto qualquer outra coisa que o trabalho humano
possa cultivar nas terras mais férteis e mais bem cultivadas. Quando
atingem esse patamar, não conseguem aumentar mais. Se isso acontecesse,
mais terra e mais trabalho deveriam logo ser empregados para aumentar
sua quantidade.
Quando o preço do gado, por exemplo, aumenta tanto que o cultivo da
terra para alimentá-lo passa a ser tão rentável quanto o cultivo para
alimentar os seres humanos, então o preço não poderá aumentar mais. Se
aumentasse, os campos de cereais seriam rapidamente transformados em
pasto. O alargamento do cultivo, ao diminuir a quantidade de pastos
selvagens, diminui a quantidade da carne que o país produz naturalmente
sem trabalho ou cultivo; e o mesmo alargamento, ao aumentar o número
daqueles que têm cereais, ou, o que é a mesma coisa, o preço dos cereais
para dar em troca da carne, aumenta a demanda. O preço da carne,
portanto, e consequentemente do gado, deve aumentar gradualmente até
atingir um ponto tão alto que utilizar as melhores e mais férteis terras para
o cultivo de alimento para o gado ou a plantio de cereais se torna
igualmente rentável. Mas será sempre em uma fase de progresso adiantada
que o plantio estará tão espalhado a ponto de elevar o preço do gado a esse
nível; e até que chegue a esse nível, se o país estiver realmente
progredindo, seu preço deverá aumentar de forma contínua. É possível
que haja algumas partes da Europa em que o preço do gado ainda não
atingiu esse nível. Antes da união, o preço não conseguiu atingir esse nível
na Escócia. Se o gado escocês tivesse ficado sempre confinado ao mercado
da Escócia — num país em que a quantidade de terra que pode ser
utilizada somente para alimentação do gado e para mais nada é tão grande
em relação à terra que pode ser utilizada para outros fins —, seria
praticamente impossível, talvez, que seu preço atingisse níveis em que
cultivar a terra somente para alimentá-los se tornasse rentável. Na
Inglaterra, conforme já vimos anteriormente, o preço do gado na
vizinhança de Londres parece ter atingido esse pico no início do século
passado; mas, na maioria dos condados mais remotos do país, esse preço
somente foi atingido muito mais tarde — e o preço talvez ainda esteja bem
longe desse máximo em alguns desses lugares. Assim, dentre todos os
diferentes produtos que compõem esse segundo tipo de produto da terra,
o gado talvez seja, com o desenvolvimento, o primeiro a atingir esses
valores mais altos.
De fato, até que o preço do gado atinja esse nível, parece pouco
provável que a maior parte das terras — até mesmo aquelas capazes dos
melhores cultivos — possa ser totalmente cultivada. Em todas as fazendas
que estão muito distantes de quaisquer cidades de onde possam trazer
estrume, ou seja, na maior parte das fazendas em países com grande
extensão territorial, a quantidade de terra bem cultivada deve ser
proporcional à quantidade de estrume que a própria fazenda produz; e
este último deve guardar uma proporção com o número de cabeças de
gado que nela pastam. A terra é adubada ou pelo pastoreio do gado sobre
ela ou, após alimentar o gado no estábulo, pelo transporte do esterco dali
para a terra. Mas, a menos que o preço do gado seja suficiente para pagar a
renda e o lucro das terras cultivadas, o agricultor não terá como arcar com
os custos do pastoreio e, muito menos, com as despesas para alimentá-los
no estábulo. O gado somente poderá ser alimentado no estábulo a partir
dos produtos da terra cultivada e aprimorada, pois a coleta dos produtos
escassos e dispersos da terra não cultivada e não aprimorada exigiria
muito trabalho e seria muito caro. Se o preço do gado, portanto, não é
suficiente para pagar o produto da terra cultivada e aprimorada, quando se
deixa que o gado paste sobre ela, esse preço será ainda menos suficiente
para pagar pelo produto quando esse produto deve ser coletado com
muito trabalho complementar e transportado para os estábulos. Nessas
circunstâncias, portanto, é impossível alimentar com lucro um número
maior de cabeças de gado do que o número necessário para o cultivo do
solo. Mas esse gado nunca conseguirá produzir estrume suficiente para
manter ininterruptamente todas as terras que eles são capazes de cultivar
em boas condições. Já que sua produção é insuficiente para toda a fazenda,
o estrume será naturalmente reservado para as terras onde poderá ser
aplicado de forma mais vantajosa ou conveniente: as mais férteis, ou talvez
aquelas mais próximas das casas e instalações. Estas, portanto, serão
mantidas constantemente prontas e em boas condições para o plantio. O
resto será, em sua maior parte, mantido sem cultivos, mal produzindo
qualquer coisa exceto pastagens miseráveis, apenas suficientes para manter
vivos alguns grupos dispersos de poucas cabeças de gado famintas; a
fazenda, mesmo tendo gado aquém do necessário para seu cultivo
completo, costuma tê-los em excesso em relação à sua produção efetiva.
Uma porção dessa terra não cultivada, no entanto, após ter servido como
pastagem dessa maneira miserável por seis ou sete anos, poderá ser arada,
e isso irá render, talvez, uma ou duas colheitas pobres de aveia ruim ou de
alguns outros grãos mais comuns; então, completamente esgotada, a terra
deve descansar e ser novamente pastoreada como antes; então, outra
porção deve ser arada e, da mesma maneira, após esgotada, deverá
novamente descansar. Dessa forma, esse era o sistema geral de manejo das
propriedades nas Terras Baixas da Escócia antes da união. As terras que
eram mantidas constantemente bem estrumadas e em bom estado
raramente excediam um terço ou um quarto da fazenda, e, às vezes, não
chegavam a um quinto ou a um sexto dela. O restante nunca era
estrumado, mas, mesmo assim, uma certa parte dessas terras era
regularmente cultivada e esgotada em turnos. Sob este sistema de manejo,
é evidente que até mesmo parte das terras da Escócia capazes de um bom
cultivo conseguia produzir muito pouco em comparação ao que seria
capaz de produzir. Mas, mesmo que esse sistema possa parecer muito
desvantajoso, ainda assim, antes da união o baixo preço do gado o tornava
quase inevitável. Se, apesar do grande aumento de seu preço o sistema
continua a prevalecer em uma boa parte do país, isso se deve, em muitos
lugares, sem dúvida, à ignorância e ao apego aos velhos costumes, mas, na
maioria dos lugares, se deve aos obstáculos inevitáveis que o curso natural
das coisas opõe ao estabelecimento imediato ou rápido de um sistema
melhor: em primeiro lugar, se deve à pobreza dos arrendatários e ao fato
de não terem tido tempo para adquirir um número de cabeças de gado
suficiente para cultivar suas terras de forma mais completa, ou seja, o
mesmo aumento de preço que lhes seria vantajoso para a manutenção de
um rebanho maior dificultou a aquisição das cabeças; e, em segundo lugar,
supondo-se que poderiam ter comprado o gado, devido à falta de tempo
para colocar suas terras em condições de manter esse rebanho maior de
forma apropriada. O aumento do rebanho e a melhoria da terra são dois
fatores que devem caminhar de mãos dadas, sendo que um não consegue
exceder muito o outro. Sem um certo aumento do gado, não há como
haver qualquer melhoria da terra, mas não pode haver nenhum aumento
considerável do rebanho senão como consequência de uma melhoria
considerável da terra, pois, caso contrário, a terra não conseguirá mantê-
lo. Esses obstáculos naturais para o estabelecimento de um sistema melhor
não podem ser removidos senão por um longo período de frugalidade e
trabalho; mas é preciso que se passe meio século ou mais de um século
para que o antigo sistema, que está se desgastando devagar, possa ser
completamente abolido em todas as diferentes partes do país. De todas as
vantagens comerciais, no entanto, que a Escócia obteve pela união com a
Inglaterra, esse aumento no preço do gado talvez seja a maior. Além de
elevar o valor de todas as propriedades das Terras Altas da Escócia, talvez
tenha sido a principal causa do progresso das Terras Baixas.
Em todas as novas colônias, a grande quantidade de terras não
cultivadas, que por muitos anos só podem ser utilizadas como pastagem,
em pouco tempo torna o gado extremamente abundante; e, em todas as
coisas, os preços muito baixos são a consequência necessária da grande
abundância. Embora todo o gado das colônias europeias na América tenha
sido originalmente trazido da Europa, ele logo se multiplicou muito,
tornando-se uma mercadoria de valor tão baixo que até mesmo os cavalos
podiam viver de forma selvagem na floresta sem que qualquer pessoa
pensasse valer a pena reclamá-los para si. Somente será rentável alimentar
o gado com o produto cultivado pela terra depois de um longo período do
estabelecimento de tais colônias. As mesmas causas, portanto, isto é, a falta
de estrume e a desproporção entre o rebanho aplicado no cultivo e a terra
que ele se destina a cultivar, são suscetíveis de introduzir aí um sistema de
criação que não é diferente daquele que ainda continua a ser utilizado em
muitas partes da Escócia. Quando o senhor Kalm, um viajante sueco,
discorre sobre a agricultura e a pecuária de algumas das colônias inglesas
na América do Norte, conforme as viu em 1749, observa que teve
dificuldades em encontrar ali as características da nação inglesa, tão bem
qualificada em todos os diferentes ramos da agricultura. Eles praticamente
não adubam seus campos de cereais, ele diz, mas quando uma parcela do
solo se esgota por causa do cultivo contínuo, eles limpam e cultivam uma
segunda parcela; quando esta última se esgota, vão para uma terceira. Eles
deixam seu gado vaguear pelos bosques e outras terras não cultivadas,
onde vive esfomeado, pois há muito tempo quase todas as gramíneas
anuais foram destruídas, uma vez que são cortadas muito cedo na
primavera, antes que tenham tempo para florescer e espalhar suas
sementes.232 As gramíneas anuais eram, ao que parece, as melhores
gramíneas naturais daquela parte da América do Norte; e quando os
europeus ali se estabeleceram, elas costumavam ser grossas e chegavam a
atingir entre três e quatro pés de altura. Foi-lhe assegurado, quando ele
escreveu, que uma parcela de terra que mal conseguia sustentar uma vaca
podia manter quatro em épocas anteriores, sendo que cada uma delas era
capaz de produzir quatro vezes mais leite que aquela única. Na opinião
dele, a pobreza do pasto levou à degradação do seu gado, que, de uma
geração para outra, degenerou-se de maneira perceptível. Os animais eram
provavelmente semelhantes àquela raça atrofiada que era comum por toda
a Escócia há trinta ou quarenta anos, e que agora está tão corrigida na
maior parte das Terras Baixas do país, não tanto por uma mudança da
raça, embora esse expediente também tenha sido empregado em alguns
lugares, mas por um método mais abundante de alimentação.
Embora seja apenas em um período mais tardio do progresso que o
gado poderá chegar a um preço tão alto que o cultivo de terras para sua
alimentação se torne rentável; ainda assim, dentre todas as diferentes
partes que compõem esse segundo tipo de produto da terra, eles talvez
sejam os primeiros a atingir esse preço, pois, até que isso aconteça, parece
impossível que o progresso possa conduzir ao grau de perfeição atingido
em muitas partes da Europa.
Se o gado está entre os primeiros produtos desse tipo a ter preços
elevados, então talvez a carne de cervo seja uma das últimas. Na Grã-
Bretanha, o preço da carne de cervo, por mais alto que possa parecer, não
chega nem perto de ser suficiente para compensar as despesas de uma
fazenda de cervos, como é bem conhecido por todos aqueles que já
tiveram alguma experiência com a alimentação de cervos. Se não fosse
assim, a criação de cervos haveria se tornado uma atividade comum da
agricultura; da mesma forma como a criação daquelas pequenas aves
chamadas tordos o foi entre os antigos romanos. Varrão233 e Columela234
nos asseguram que as aves eram um artigo muito rentável. Dizem que o
mesmo ocorre em algumas partes da França em relação à engorda das
“sombrias”,235 aves migratórias que chegam magras ao país. Se a carne de
cervo continuar na moda e a riqueza e o luxo da Grã-Bretanha
mantiverem o mesmo crescimento que já vem ocorrendo há algum tempo,
é possível que seu preço suba ainda mais, ultrapassando os valores atuais.
Entre o período de tempo que leva ao máximo o preço de um bem tão
necessário (o gado) e aquele que leva às alturas os preços de um bem
supérfluo (o cervo), há um intervalo muito longo, no decorrer do qual
muitos outros tipos de produtos atingem gradualmente o seu preço mais
elevado, uns mais cedo e outros mais tarde, de acordo com circunstâncias
diferentes.
Assim, em todas as fazendas, os refugos dos celeiros e dos estábulos
serão responsáveis pela manutenção de um certo número de aves. Essas
são pequenas medidas de economia, pois as aves são alimentadas com o
que seria, em outro caso, jogado fora; e, como custam ao agricultor quase
nada, ele pode se dar ao luxo de vendê-las por um preço bastante baixo.
Quase tudo o que ele recebe é ganho puro, e o preço dificilmente será tão
baixo a ponto de desencorajá-lo a criá-las. Mas em países mal cultivados e,
portanto, pouco habitados, as aves, que são criadas assim, sem despesa,
geralmente são totalmente suficientes para suprir toda a demanda. Nesse
estado de coisas, portanto, muitas vezes são tão baratas como a carne de
boi ou qualquer outro tipo de alimento animal. Mas a quantidade total de
aves que a fazenda pode produzir dessa forma sem despesas será sempre
muito menor do que a quantidade total de carne de boi criada nela; e em
tempos de riqueza e luxo, o que é raro — com quase igual mérito — é
sempre preferido ao que é comum. Assim, como a riqueza e o luxo podem
fazer com que, em consequência da melhoria e do cultivo, o preço das aves
gradualmente se eleve acima do preço da carne, até, por fim, ficar tão alto
que se torna rentável cultivar a terra apenas para alimentá-las. Quando
atinge esse nível, não há como ultrapassá-lo. Se o fizesse, mais terra logo
deveria ser utilizada para esse fim. Em várias províncias da França, a
criação de aves é considerada uma atividade muito importante da
economia rural, bem como algo suficientemente rentável para incentivar o
agricultor a criar uma quantidade considerável de milho duro236 e trigo-
sarraceno237 para essa finalidade. Um agricultor de nível médio às vezes
chegará a ter 400 galos e galinhas em seu quintal. Na Inglaterra, a criação
de aves ainda não foi vista como algo importante. Entretanto, as aves são
certamente mais caras na Inglaterra do que na França, já que a Inglaterra
recebe suprimentos consideráveis da França. Com o progresso, o período
no qual cada tipo específico de alimento de origem animal fica mais caro é
naturalmente o que precede imediatamente a prática generalizada de
cultivo da terra para a criação daquele animal. Durante algum tempo antes
de essa prática se tornar generalizada, a escassez deverá, necessariamente,
causar a elevação do preço. Após ter sido generalizada, costuma-se
descobrir novos métodos de criação, os quais permitem que o agricultor
crie, em uma mesma quantidade de terra, uma quantidade muito maior de
determinado tipo de alimento animal. A abundância não só o obriga a
vender mais barato, mas, em consequência dessas inovações, ele pode
vender mais barato; pois, se não pudesse, a abundância não duraria muito
tempo. Foi provavelmente desta forma que a introdução do cultivo de
trevos, nabos, cenouras, couves, etc. contribuiu para derrubar o preço
ordinário da carne no mercado de Londres para um valor um pouco
abaixo do que era por volta do início do século passado.
O porco, que encontra sua comida entre o estrume e devora
avidamente muitas coisas que são rejeitadas por todos os outros animais
úteis, é, como os galináceos, mantido originalmente como uma medida de
economia. Enquanto o número de animais que podem ser criados assim
com pouco ou nenhum gasto for totalmente suficiente para atender à
demanda, esse tipo de carne chegará ao mercado a um preço muito menor
que o de quaisquer outras carnes. Mas quando a demanda ultrapassar
aquilo que essa quantidade pode suprir — momento em que passa a ser
necessário plantar alimentos com o objetivo de alimentar e engordar os
porcos, da mesma maneira que se plantam para alimentar e engordar
outros animais —, o preço necessariamente subirá e se tornará
proporcionalmente maior ou menor que o preço de outras carnes,
conforme a natureza do país e o estado de sua agricultura encareçam mais
a criação de porcos do que a de outros animais, ou não. Na França, de
acordo com o senhor Buffon,238 o preço da carne de porco é quase igual ao
da carne de boi. Na maior parte da Grã-Bretanha, esse preço é atualmente
um pouco maior.
Na Grã-Bretanha, o grande aumento dos preços tanto de porcos
quanto de aves tem sido frequentemente atribuído à diminuição do
número de cottagers239 e outros ocupantes de pequenas parcelas de terra;
um evento que, em todas as parte da Europa, foi o predecessor imediato
do progresso e dos melhores cultivos, mas que, ao mesmo tempo, pode ter
contribuído para aumentar o preço daqueles artigos um pouco mais cedo
e um pouco mais rápido do que aumentariam caso não fosse assim. Assim
como até mesmo as famílias mais pobres conseguem criar um gato ou um
cachorro sem nada gastar, os ocupantes das pequenas parcelas de terras
também conseguem ter algumas galinhas, uma porca e alguns porcos sem
gastar muito. Os restos de sua própria mesa, seu soro de leite, seu leite
desnatado e leitelho240 oferecem a esses animais uma parte de seu
alimento, o restante eles encontram nos campos vizinhos sem causar
grandes danos a ninguém. Assim, a diminuição do número de ocupantes
de pequenas parcelas de terras deve certamente causar a diminuição da
quantidade dos alimentos que são produzidos com pouca ou nenhuma
despesa, e o preço deles, por conseguinte, deve ter aumentado mais cedo e
mais rápido do que aumentaria em outro caso. No entanto, mais cedo ou
mais tarde, com o aperfeiçoamento das atividades agrícolas, o preço chega
ao seu valor máximo, isto é, ao preço que paga o trabalho e as despesas do
cultivo da terra que fornece alimento aos animais, da mesma forma que o
trabalho e essas despesas são pagas na maior parte das outras terras
cultivadas.
O comércio de laticínios, assim como a criação de porcos e aves, existe
inicialmente como medida de economia. O gado que é necessariamente
mantido na fazenda produz uma quantidade de leite maior do que requer
tanto a criação de bezerros quanto o consumo familiar do agricultor; e há
temporadas de maior e de menor produção. Mas de todos os produtos da
terra, o leite talvez seja o mais perecível. Nas estações mais quentes do ano,
quando mais abundante, o leite mal pode ser preservado por 24 horas. O
agricultor, ao transformá-lo em manteiga fresca, consegue armazenar uma
pequena parte do leite por uma semana; ao transformá-lo em manteiga
salgada, por um ano; em queijo, ele consegue armazenar uma fração muito
maior de leite durante vários anos. Parte de tudo isso é reservada para o
uso de sua própria família. O resto é levado ao mercado para que encontre
o melhor preço possível, que dificilmente será tão baixo a ponto de
desencorajar o envio ao mercado de um produto que excede o uso de sua
própria família. Se o preço for muito baixo, na verdade, ele provavelmente
administrará suas atividades de laticínio de forma muito desleixada e suja,
e dificilmente imaginará que vale a pena ter um cômodo ou edificação
específica para tal fim; na verdade, o produto dessa atividade será
realizado em meio a fumaça, imundície e sordidez de sua própria cozinha;
na Escócia, há trinta ou quarenta anos, essa era a situação de todas as
fazendas produtoras de laticínios, e essa é ainda hoje a situação de muitas
delas. O preço dos laticínios, o qual está naturalmente ligado ao da carne
de açougue ou às despesas da criação de gado, eleva-se pelas mesmas
causas que fazem aumentar gradualmente o preço da carne de açougue, o
aumento da demanda e — como consequência das melhorias do país — a
diminuição da quantidade de gado que pode ser alimentada com pouca ou
nenhuma despesa. O aumento do preço permite o pagamento de mais
trabalho, cuidados e limpeza. Os laticínios tornam-se mais dignos da
atenção do agricultor e isso traz melhorias à qualidade de seus produtos de
forma gradual. O preço, por fim, fica tão alto que passa a valer a pena
empregar algumas das terras mais férteis e mais bem cultivadas para a
criação de gado destinado exclusivamente para os produtos lácteos; e
quando atinge esse nível, não pode aumentar mais. Se o fizesse, mais terra
logo deveria ser utilizada para esse fim. Parece já ter chegado a esse
máximo na maior parte da Inglaterra, onde muita terra boa é comumente
empregada dessa maneira. No entanto, se excetuarmos a vizinhança de
algumas poucas cidades maiores, esse preço máximo não parece ter sido
atingido em nenhum lugar da Escócia, onde os agricultores não costumam
empregar muita terra boa para a criação de gado destinado exclusivamente
para os produtos lácteos. Embora o preço do produto tenha aumentado
muito nestes poucos anos, ele ainda está provavelmente muito baixo para
permitir tal uso das terras. De fato, a inferioridade de sua qualidade,
comparada com a produção de laticínios da Inglaterra, condiz totalmente
com a inferioridade do preço. Mas essa qualidade inferior talvez seja a
consequência de seu preço baixo, e não a causa. Embora a qualidade fosse
muito melhor, entendo que a maior parte do que é levado ao mercado não
poderia, nas atuais circunstâncias do país, ser vendida por um preço muito
melhor; além disso, é provável que o preço atual não compense as despesas
da terra e do trabalho necessárias para produzir uma qualidade muito
melhor. Na maior parte da Inglaterra, não obstante a superioridade do
preço, o comércio de laticínios não é visto como um emprego da terra
mais lucrativo que a plantação de cereais ou a engorda de gado, os dois
grandes objetivos da agricultura. Na maior parte da Escócia, portanto,
ainda não há nem como ser um negócio rentável.
Evidentemente, as terras de nenhum país jamais poderão ser
completamente cultivadas e aprimoradas antes que o preço de cada
produto que o trabalho humano se vê obrigado a criar nelas chegue a um
preço tão elevado a ponto de pagar as despesas integrais do cultivo e das
melhorias. Para isso, o preço de cada produto específico deve ser suficiente
para, em primeiro lugar, pagar a renda das boas terras de cereais, já que é
ela que regula a renda da maior parte das outras terras cultivadas; e, em
segundo lugar, para pagar o trabalho e as despesas do fazendeiro, da
mesma forma como são geralmente pagas as boas terras de cereais; ou, em
outras palavras, para repor o capital empregado juntamente com os lucros
ordinários. Esse aumento do preço de cada produto específico deve,
evidentemente, ser anterior à melhoria e ao cultivo da terra destinada a
produzi-lo. O ganho é o objetivo de todo aperfeiçoamento, e nada cuja
consequência necessária é a perda merece receber esse nome. Mas a
consequência necessária da melhoria da terra para nela se produzir algo
cujo preço não tem condições de pagar suas despesas será chamada de
perda. Se o progresso e o cultivo total do país forem — como certamente o
são — o maior de todos os benefícios públicos, então, em vez de
considerarmos o aumento do preço de todos os diferentes tipos de
produto da terra como uma calamidade pública, o consideraremos como o
predecessor necessário e acompanhante da maior vantagem pública de
todas.
Esse aumento do preço nominal ou monetário de todos os diferentes
tipos de produtos da terra não foi consequência da degradação do valor da
prata, mas do aumento de seu preço real. Além de valerem uma
quantidade maior de prata do que antes, também valem uma maior
quantidade de trabalho e de alimentos de subsistência. Já que custam uma
quantidade maior de trabalho e de alimentos de subsistência para levá-los
ao mercado, então, quando ali chegam, eles representam ou são
equivalentes a uma quantidade maior.

Terceiro tipo
O terceiro e último tipo de produto da terra cujo preço sobe naturalmente
ao longo do tempo é aquele em que a eficácia do trabalho humano para
aumentar sua quantidade é limitada ou incerta. Portanto, embora o preço
real desse tipo de produto tenda naturalmente a subir com o progresso,
ainda assim, de acordo com os diferentes acidentes que podem fazer com
que os esforços do trabalho humano tenham mais ou menos sucesso em
aumentar a quantidade do produto, às vezes pode até mesmo acontecer de
ele diminuir ou, às vezes, manter a mesma quantidade em diferentes
períodos; em outras situações, pode aumentar em maior ou menor grau
no mesmo período.
Existem alguns tipos de produtos que a natureza transformou em uma
espécie de acessório de outros tipos de produtos; de tal forma que a
quantidade que um país consegue obter de um deles está necessariamente
limitada pela quantidade que pode obter do outro. A quantidade de lã ou
de couro cru, por exemplo, que qualquer país consegue obter está
necessariamente limitada pelo número grande ou pequeno de cabeças de
gado grande e pequeno de que o país dispõe. O estado do seu progresso e
a natureza da sua agricultura determinam necessariamente esse número.
Pode-se imaginar que as mesmas causas que fazem com que o preço da
carne aumente com o progresso deveriam surtir o mesmo efeito nos
preços da lã e do couro bruto, e que também deveriam elevá-los quase na
mesma proporção. Seria provavelmente assim se nos primórdios
rudimentares do processo de evolução o mercado destas últimas
mercadorias estivesse confinado dentro de limites tão estreitos quanto o
das primeiras. Mas a extensão de seus respectivos mercados costuma ser
extremamente diferente.
O mercado para a carne, em quase todos os lugares, está limitado ao
país que a produz. A Irlanda e, de fato, uma parte da América britânica
realizam um comércio considerável em alimentos salgados; mas eles são,
creio eu, os únicos países do mundo que o fazem ou que exportam uma
boa parte de sua carne para outros países.
Nos primórdios rudimentares do desenvolvimento, o mercado de lã e
couro bruto, pelo contrário, está raramente limitado ao país produtor. Os
produtos podem ser facilmente transportados para países distantes — a lã
sem nenhum preparo e o couro cru com muito pouco. E, por serem
material de muitas outras manufaturas, a indústria de outros países pode
ter uma demanda por eles, mesmo que ela não exista no país produtor.
Nos países mal cultivados e, portanto, com poucos habitantes, o preço
da lã e do couro é, em proporção ao preço do animal inteiro, sempre maior
do que em países onde, por causa do estado mais avançado da população e
da economia em geral, há mais demanda por carne de açougue. O senhor
Hume241 observa que no tempo dos saxões a lã valia 2/5 da ovelha inteira,
e que essa proporção estava muito acima de sua estimativa atual.
Garantiram-me que em algumas províncias da Espanha a ovelha é
frequentemente morta apenas por sua lã e gordura. A carcaça é muitas
vezes deixada para apodrecer no chão ou para ser devorada por animais
selvagens e aves de rapina. Se isso ocorre às vezes até mesmo na Espanha,
então ocorre de forma quase constante no Chile, em Buenos Aires e em
muitas outras partes da América espanhola, onde o gado com chifres é
morto de forma quase constante apenas por sua pele e gordura. Isso
também costumava acontecer quase constantemente em Hispaniola,
enquanto estava infestada de bucaneiros e antes que os assentamentos,
benefícios e povoamento das colônias francesas (que atualmente se
estende em torno da costa de quase toda a metade ocidental da ilha)
oferecessem algum valor para o gado dos espanhóis, que ainda continuam
sendo donos não só da parte oriental da costa, mas também de todo o
interior e das regiões montanhosas do país.
Embora durante o curso do progresso e aumento da população o preço
do animal inteiro necessariamente aumente, ainda assim o preço da
carcaça fica propenso a ser mais afetado por esse aumento do que o da lã e
o da pele. Já que no estado rudimentar da sociedade o mercado de
carcaças sempre está confinado ao país produtor, ele necessariamente se
expande em proporção ao crescimento e à população daquele país. Mas o
mercado de lã e couro, mesmo o de um país bárbaro, costuma se estender
para todo o mundo comercial, mas raramente pode ser ampliado na
mesma proporção. O estado de todo o mundo comercial raramente fica
muito afetado pelas melhorias de uma nação específica qualquer e, depois
da ocorrência das melhorias, o mercado para essas mercadorias pode
permanecer igual ou quase igual a antes. Mas pode-se esperar que, no
curso natural das coisas, a totalidade do mercado se expanda um pouco
como consequência dele. Para que as manufaturas floresçam no país,
especialmente as que utilizam aqueles bens como matéria-prima, o
mercado — embora não possa ser muito ampliado — deverá, ao menos,
ficar mais próximo do local de crescimento do que antes; e o preço desses
materiais deverá ao menos ser aumentado pelo valor que se gastava
normalmente para transportá-los até países distantes. Embora seus preços
não consigam aumentar na mesma proporção dos preços da carne,
deverão aumentar naturalmente um pouco e, certamente, não diminuirão.
Não obstante o estado florescente da indústria de lã na Inglaterra, o
preço de seu produto vem diminuindo muito desde a época de Eduardo
III. Muitos registros autênticos indicam que durante o reinado do príncipe
(em meados do século XIV, ou cerca de 1339), o que era considerado um
preço razoável e moderado do tod, isto é, 28 libras de lã inglesa, não era
menos do que 10 xelins em valores daquele período, contendo, à taxa de
20 pence a onça, 6 onças-tower de prata, ou seja, cerca de 30 xelins no
dinheiro atual. Atualmente, 21 xelins por tod pode ser considerado um
bom preço pela lã inglesa de boa qualidade. O preço em dinheiro da lã,
portanto, nos tempos de Eduardo III em relação ao seu preço em dinheiro,
atualmente estaria em uma proporção de 10 para 7. A superioridade do
seu preço real era ainda maior. A uma taxa de 6 xelins e 8 pence por
“quarto”, 10 xelins representavam, naquela época, o preço de 12 bushels de
trigo. A uma taxa de 28 por quarto, 21 xelins é atualmente apenas o preço
de 6 bushels. A relação entre os preços reais dos tempos antigos e os da
atualidade, portanto, é aproximadamente de 12 para 6, ou 2 para 1.
Naqueles tempos, um tod de lã poderia comprar duas vezes mais
subsistência que atualmente; e, consequentemente, duas vezes mais
trabalho, se a remuneração real do trabalho fosse a mesma em ambos os
períodos.
Essa degradação dos valores real e nominal da lã nunca poderia ter
acontecido em consequência do curso natural das coisas. Nesse sentido,
ela é consequência da violência e do artifício, causados, em primeiro lugar,
pela proibição absoluta da exportação de lã da Inglaterra; em segundo
lugar, pela permissão de importá-la da Espanha com isenção dos tributos
aduaneiros; em terceiro lugar, pela proibição de exportá-la da Irlanda para
qualquer outro país, exceto para a Inglaterra. Por causa dessas regras, em
vez de o mercado de lã inglesa crescer como consequência do progresso da
Inglaterra, a lã ficou confinada ao mercado doméstico, onde se permite
que a lã de vários outros países concorra com a inglesa e onde a irlandesa é
forçada a competir com a lã inglesa. Já que a manufatura de lã da Irlanda
está tão completamente desestimulada quanto é possível pela justiça e
equidade das transações comerciais, os irlandeses somente conseguem
trabalhar com uma pequena fração de sua própria lã, e, desse modo, são
obrigados a enviar uma proporção maior de sua produção à Grã-Bretanha,
o único mercado em que sua lã é permitida.
Não consegui encontrar registros autênticos sobre o preço dos couros
brutos nos tempos antigos. A lã costumava ser paga como uma subvenção
à coroa, e sua avaliação em tal subvenção certifica, pelo menos em algum
grau, o seu preço corrente na época. Mas isso não parece ter ocorrido em
relação ao couro. Fleetwood, no entanto, com base em umas contas de
1425 entre o prior de Burcester em Oxford e um de seus cônegos, nos dá
seu preço, pelo menos conforme foi estabelecido naquela ocasião
específica: cinco peles de boi a 12 xelins; cinco peles de vaca a 7 xelins e 3
pence; 36 peles de ovelha a 9 xelins; 16 peles de bezerro a 2 xelins. Em
1425, 12 xelins continham aproximadamente a mesma quantidade de
prata que 24 xelins na moeda atual. De acordo com esse registro, o couro
do boi custava, portanto, a mesma quantidade de prata que 4,8 xelins de
nossa moeda atual. Seu preço nominal era muito menor do que o atual.
Mas à taxa de 6 xelins e 8 pence o quarto, 12 xelins comprariam, naquela
época, 14,8 bushels de trigo, que, a 3 xelins e 6 pence o bushel, custariam,
nos tempos atuais, 51 xelins e 4 pence. O couro de um boi, portanto,
compraria, naqueles tempos, tanto cereal quanto 10 xelins e 3 pence
comprariam no presente. Seu valor real era igual a 10 xelins e 3 pence de
nossa moeda atual. Não há como supor que o gado daqueles tempos
antigos fosse muito grande, pois passava fome durante a maior parte do
inverno. O couro de um boi que pese 4 stone de 16 libras averdupois não é
considerado ruim atualmente, e naqueles tempos antigos isso talvez fosse
considerado como algo muito bom. Mas a meia coroa o stone, que acredito
ser hoje (fevereiro de 1773) o preço corrente, esse couro custaria apenas 10
xelins. Apesar de seu preço nominal ser maior hoje do que antes, seu preço
real, isto é, a quantidade real de alimentos que ele pode comprar ou
comandar, é um pouco menor. O preço do couro de vaca, conforme
afirmado pelas contas mencionadas, se faz quase na proporção comum ao
couro de boi. Em relação ao couro de ovelha, em uma proporção bastante
aumentada; ele provavelmente era vendido junto com a lã. Em relação ao
couro de bezerro, pelo contrário, em uma proporção bem abaixo. Nos
países em que o gado é barato demais, os bezerros, que não se destinam à
criação para a manutenção do número de cabeças, são geralmente
abatidos ainda muito jovens; assim ocorria na Escócia há vinte ou trinta
anos. Tal prática representa uma economia em leite que o preço dos
bezerros não conseguiria cobrir. O couro deles, portanto, costuma valer
quase nada.
O preço do couro bruto é bem mais baixo hoje do que há alguns anos,
devido provavelmente à retirada das taxas de importação sobre a pele de
foca, bem como à permissão, por um tempo limitado, das importações —
isentas de taxas — de couro cru da Irlanda e das colônias, concedida em
1769. Se tomarmos a média do atual século, veremos que seu preço real
provavelmente terá sido um pouco maior do que naqueles tempos antigos.
Diferentemente da lã, a natureza da mercadoria a torna menos adequada
para ser transportada até mercados distantes. Seu armazenamento causa
mais danos. O couro salgado é considerado inferior ao fresco e é vendido
por um preço mais baixo. Essa circunstância deve necessariamente tender,
de algum modo, a derrubar o preço do couro produzido em um país que
não o manufatura, mas que é obrigado a exportá-lo; e, comparativamente,
a elevar o preço do couro produzido em um país que o manufatura. Deve
tender, de algum modo, a baixar o seu preço em um país bárbaro e a
aumentá-lo em um país manufatureiro e aprimorado. Deve ter tendido, de
algum modo, portanto, a derrubar seu preço na Antiguidade e a aumentá-
lo nos tempos modernos. Nossos curtidores, além do mais, não tiveram
tanto sucesso quanto os nossos fabricantes de roupas em convencer a
nação de que a segurança da commonwealth depende da prosperidade de
sua indústria. Assim, eles têm sido muito menos favorecidos. A
exportação de couro bruto foi, de fato, proibida e declarada um incômodo:
mas sua importação de países estrangeiros passou a ser taxada; e, embora
essa taxa não seja cobrada dos produtos vindos da Irlanda e das colônias
(por cinco anos apenas), a Irlanda não se limita ao mercado da Grã-
Bretanha para a venda de seu excedente de couro ou para a venda do
couro que não é manufaturado localmente. Somente nos últimos anos, o
couro do gado comum foi enquadrado entre os produtos listados que as
colônias podem enviar apenas à metrópole; neste caso, com o objetivo de
oferecer apoio às manufaturas inglesas, o comércio da Irlanda também
não foi reprimido até então.
Quaisquer regulamentos que tendam a reduzir o preço da lã ou do
couro cru a um valor abaixo do preço que teriam naturalmente,
incentivam, em um país aprimorado e bem cultivado, alguma tendência a
aumentar o preço da carne de açougue. O preço do gado de grande e
pequeno porte que é criado em terras aprimoradas e cultivadas deve ser
suficiente para pagar a renda do dono da terra e o lucro que o fazendeiro
espera da terra aprimorada e cultivada. Caso isso não aconteça, o gado
deixará de ser criado ali. Portanto, qualquer fração desse preço que não
seja paga pela lã e pelo couro deverá ser paga pela carcaça. Quanto menos
for pago por um, mais será pago pelo outro. A maneira como esse preço
será dividido entre as diferentes partes do animal é indiferente para os
proprietários e os fazendeiros, desde que tudo seja pago a eles. Portanto,
em um país aprimorado e bem cultivado, seus interesses como
proprietários e fazendeiros não podem ser muito afetados por tais
regulamentos; mas seus interesses como consumidores podem ficar
bastante afetados pelo aumento do preço das provisões. Seria
completamente diferente, no entanto, em um país primitivo e não
cultivado, onde a maior parte das terras somente poderia ser usada para a
alimentação do gado e onde a lã e o couro constituíssem o componente
principal do valor do gado. Seus interesses como proprietários e
agricultores seriam, nesse caso, profundamente afetados por tais
regulamentos, e seus interesses como consumidores, muito pouco; a queda
do preço da lã e do couro não causaria o aumento do preço da carcaça,
pois, já que a maior parte das terras do país serve unicamente para a
criação de gado, o mesmo número de cabeças continuaria a ser
alimentado. A mesma quantidade de carne continuaria a ser levada para o
mercado. Sua demanda não seria maior do que antes. Seu preço, portanto,
seria o mesmo que antes. O preço integral do gado cairia; junto com ele,
tanto a renda quanto o lucro de todas aquelas terras em que o gado é o
produto principal, ou seja, na maior parte das terras do país. A proibição
perpétua da exportação de lã — que é comumente, mas muito falsamente,
atribuída ao rei Eduardo III — seria, nas circunstâncias em que o país se
encontrava, a lei mais destrutiva que se poderia imaginar. Além de ter
reduzido o valor real da maior parte das terras do Reino, a lei, ao reduzir o
preço das mais importantes espécies de gado de pequeno porte, teria
retardado muito o seu subsequente aperfeiçoamento.
A lã escocesa sofreu uma queda bastante considerável em seu preço em
decorrência da união com a Inglaterra, pois o produto foi excluído de um
grande mercado europeu e confinou-se ao mercado mais estreito da Grã-
Bretanha. Se o aumento do preço da carne não tivesse compensado
inteiramente a queda do preço da lã, o valor da maior parte das terras dos
condados ao sul da Escócia, as quais servem principalmente como área de
pastagem para ovelhas, teria sido profundamente afetado pela união.
Assim como é limitada a eficácia do trabalho humano para gerar um
aumento da quantidade de lã ou de couro, pois depende do produto do
país, essa eficácia também é incerta, pois depende do produto dos outros
países. Ela não depende tanto da quantidade que eles produzem, mas da
quantidade não manufaturada por eles e das restrições que considerem
adequado impor ou não sobre as exportações desse tipo de produto
agrícola. Já que essas circunstâncias são completamente independentes da
indústria doméstica, elas fazem com que a eficácia de seus esforços se
torne mais ou menos incerta. Quando esse tipo de produto é multiplicado,
portanto, a eficácia do trabalho humano se torna limitada e incerta.
Ao multiplicarmos outro tipo muito importante de produto natural, a
quantidade de peixes levada ao mercado, a eficácia fica do mesmo modo
limitada e incerta. É limitada pela situação local do país, pela proximidade
ou distância de suas diferentes províncias até o mar, pelo número de seus
lagos e rios e pelo que pode ser chamado de fertilidade ou infertilidade
daqueles mares, lagos e rios em relação a esse produto natural. Com o
aumento da população, aumenta também o produto anual da terra e do
trabalho e passa a existir um número maior de compradores de peixes;
estes compradores também têm uma maior quantidade e variedade de
outros bens com os quais comprar, ou, o que dá na mesma, o preço de
uma maior quantidade e variedade de outros bens. Mas geralmente será
impossível suprir um mercado grande e ampliado sem empregar uma
quantidade de trabalho proporcionalmente maior do que a utilizada para
atender um outro mais estreito e confinado. Se um mercado que exigia
apenas mil toneladas imperiais de peixe por ano passasse a exigir 10 mil,
ele raramente poderia ser suprido sem o emprego de dez vezes mais
trabalho que a quantidade anteriormente suficiente para supri-lo. O peixe
geralmente teria de ser trazido de distâncias maiores, navios maiores
deveriam ser empregados e todos os tipos de máquinas caras precisariam
ser utilizados. Assim, o preço real dessa mercadoria aumenta
naturalmente com o progresso. E foi mais ou menos isso o que aconteceu,
acredito, em todos os países.
Embora o sucesso de um dia específico de pesca seja uma questão
muito incerta, supondo-se a situação local do país, poderíamos imaginar
que, no curso de um ano ou de vários anos seguidos, a eficácia geral da
indústria para levar determinada quantidade de peixe para o mercado é
suficientemente certa; e, sem dúvida, ela é assim. Já que depende mais, no
entanto, da situação local do país do que do estado de sua riqueza e
indústria, e já que, por essa razão, o sucesso pode, em vários países, ser o
mesmo em diferentes estágios do progresso e muito diferente no mesmo
estágio, sua conexão com a fase do progresso é incerta, e é desse tipo de
incerteza que estou falando aqui.
Ao aumentar a quantidade dos diferentes minerais e metais que são
retirados das entranhas da terra, particularmente dos mais preciosos, a
eficácia da indústria humana não parece estar limitada, mas é
completamente incerta.
A quantidade de metais preciosos que pode ser encontrada em um país
qualquer não se limita por algum elemento de sua localização, como a
fertilidade ou infertilidade de suas próprias minas. Esses metais costumam
ser abundantes em países que não possuem minas. Sua quantidade em
cada país específico parece depender de duas circunstâncias diferentes: em
primeiro lugar, de seu poder de compra, do estado da sua indústria, do
produto anual de sua terra e do trabalho, em consequência do que pode se
permitir empregar uma maior ou uma menor quantidade de trabalho e
provisões para levar ao mercado ou adquirir produtos supérfluos, como o
ouro e a prata, de suas próprias minas ou de outros países; e, em segundo
lugar, da fertilidade ou do esgotamento das minas, que pode acontecer a
qualquer momento em particular para abastecer o mundo comercial com
aqueles metais. A quantidade desses metais nos países mais distantes da
maioria das minas deve ser mais ou menos afetada por essa fertilidade ou
infertilidade, devido ao transporte fácil e barato desses metais, ao seu
pequeno volume e grande valor. As quantidades existentes na China e no
Hindustão devem ter sido mais ou menos afetadas pela abundância das
minas americanas.
Tendo em vista que, em qualquer país específico, sua quantidade
depende da primeira das duas circunstâncias (o poder de compra), seu
preço real, assim como o preço real de todos os outros produtos supérfluos
e de luxo, tende a aumentar com a riqueza e o progresso do país, e a cair
com a sua pobreza e depressão. Os países que têm uma grande quantidade
de trabalho e que possuem subsistência de sobra podem assumir a compra
de quaisquer quantidades específicas desses metais, em vez de uma maior
quantidade de trabalho e de subsistência, do que os países que têm
excedentes menores.
Na medida em que, em qualquer país específico, a quantidade depende
da segunda circunstância (a riqueza ou infertilidade das minas que
abastecem o mundo comercial), seu preço real, a quantidade de trabalho e
de subsistência que podem comprar ou trocar, irá, sem dúvida, cair de
forma mais ou menos proporcional à fertilidade e irá aumentar
proporcionalmente à escassez de metais das minas.
No entanto, a fertilidade ou escassez das minas que em um certo
momento particular abastecem o mundo comercial é uma circunstância
que, evidentemente, pode não ter nenhum tipo de conexão com o estado
da indústria de um determinado país. Parece mesmo não ter nenhuma
conexão muito necessária com a do mundo em geral. Conforme os ofícios
e o comércio, de fato, espalham-se gradualmente por porções cada vez
maiores do globo e a busca por novas minas compreende uma superfície
muito mais ampla, as chances de êxito passam a ser muito maiores do que
quando as buscas estavam confinadas a limites mais estreitos. A
descoberta de novas minas, tendo em vista a gradual exaustão das antigas,
é uma questão extremamente incerta que não pode ser garantida por
nenhuma habilidade ou empenho. Todas as indicações são
reconhecidamente duvidosas; somente a descoberta real e a exploração
bem-sucedida de uma nova mina podem dar conta da realidade de seu
valor, ou até mesmo de sua existência. Nessa busca, parece não haver
limites certos para o sucesso possível, nem para a possível decepção do
empenho. No decurso de um século ou dois, é possível que sejam
encontradas novas minas mais férteis do que as atualmente conhecidas; e é
igualmente possível que a mina mais produtiva que se descubra seja mais
pobre do que qualquer outra mina explorada até antes da descoberta das
minas da América. Entre esses dois eventos, a ocorrência de um ou de
outro é de muito pouca importância para a verdadeira riqueza e
prosperidade do mundo, para o valor real do produto anual da terra e do
trabalho da humanidade. Seu valor nominal, a quantidade de ouro e prata
pela qual esse produto anual pode ser expresso ou representado, seria sem
dúvida muito diferente; mas seu valor real, a quantidade real de trabalho
que ele poderia comprar ou comandar, seria exatamente o mesmo. No
primeiro caso, 1 xelim talvez não represente mais trabalho do que 1 penny
atualmente; e 1 penny, no outro, talvez represente tanto quanto 1 xelim
vale atualmente. Mas, no primeiro caso, a pessoa que carregava 1 xelim em
seu bolso não seria mais rica que aquela que, no presente, levasse 1 penny;
e, no outro, a pessoa com 1 penny seria somente tão rica quanto a outra
que hoje tivesse 1 xelim. O baixo preço e a abundância dos utensílios de
prata e de ouro seriam as únicas vantagens que o mundo obteria do
primeiro evento, e os únicos inconvenientes do outro evento seriam o
preço alto e a escassez desses produtos supérfluos e insignificantes.

Conclusão da digressão sobre as variações do valor da prata


A maioria dos escritores que coletou os preços em dinheiro dos produtos
nos tempos antigos parece ter considerado o baixo preço em dinheiro dos
cereais e das mercadorias em geral — ou, em outras palavras, o elevado
valor do ouro e da prata — não apenas como prova da escassez desses
metais, mas também da pobreza e da barbárie do país na época desse
preço baixo. Essa ideia está ligada ao sistema de economia política que
representa a riqueza nacional como a abundância de prata e ouro e a
pobreza nacional como a escassez desses metais; um sistema que me
esforçarei para explicar e examinar com mais detalhes no Livro IV da
presente obra. Neste momento, observarei apenas que o valor elevado dos
metais preciosos não é evidência da pobreza ou da barbárie de nenhum
país ao tempo em que ocorreu. Ele evidencia apenas a esterilidade das
minas que supriam o mundo comercial daquela época. Um país pobre que
não tenha condições de comprar mais tampouco pode pagar mais caro
que um país rico pelo ouro e pela prata, por isso não é provável que o valor
desses metais seja mais elevado no primeiro do que no segundo. Na China,
um país muito mais rico que qualquer outra região da Europa, o valor dos
metais preciosos é muito mais alto do que em qualquer parte da Europa.
Assim como a riqueza da Europa, com efeito, tem aumentado bastante
desde a descoberta das minas da América, o valor do ouro e da prata
também tem diminuído gradualmente. Mas a diminuição do seu valor não
se deve ao aumento da riqueza real da Europa, do produto anual de sua
terra e trabalho, mas da descoberta acidental das minas mais ricas
conhecidas até então. O aumento da quantidade de ouro e prata na Europa
e o crescimento de sua indústria e agricultura são dois eventos que, apesar
de terem ocorrido quase ao mesmo tempo, ainda assim decorreram de
causas muito diferentes, não apresentando praticamente nenhuma
conexão natural entre si. O primeiro evento surgiu de um mero acidente,
no qual nem a prudência nem a política tiveram ou poderiam ter qualquer
participação; o outro surgiu da decadência do sistema feudal e do
estabelecimento de um governo que oferecia à indústria o único incentivo
de que necessitava, a saber, alguma segurança tolerável de que as pessoas
poderiam aproveitar os frutos de seu próprio trabalho. A Polônia, onde o
sistema feudal ainda persiste, é atualmente um país tão mendicante como
era antes da descoberta da América. O preço em dinheiro dos cereais, no
entanto, aumentou; o valor real dos metais preciosos caiu na Polônia da
mesma forma como em outras partes da Europa. Sua quantidade,
portanto, deve ter aumentado tanto ali quanto em outros lugares, e quase
na mesma proporção que o produto anual de sua terra e do seu trabalho.
Ao que parece, no entanto, o aumento da quantidade desses metais não
causou qualquer aumento do produto anual e também não melhorou a
indústria e a agricultura nem reparou as circunstâncias de seus habitantes.
Espanha e Portugal, os donos dessas minas, são, depois da Polônia, talvez,
os dois países mais miseráveis da Europa. O valor dos metais preciosos, no
entanto, deve ser mais baixo na Espanha e em Portugal do que em
qualquer outra parte da Europa, pois a distribuição desses metais para
todas as outras partes da Europa origina-se desses dois países e estão
sobrepesadas não apenas com o frete e o seguro, mas também com as
despesas relativas ao contrabando, estando sua exportação ou proibida ou
sujeita a um tributo. Em proporção ao produto anual da terra e do
trabalho, portanto, sua quantidade deve ser maior nesses países do que em
qualquer outra parte da Europa: esses países, no entanto, são mais pobres
do que a maior parte do continente. Embora o sistema feudal tenha sido
abolido na Espanha e em Portugal, não foi substituído por algo muito
melhor.
Assim como o baixo valor do ouro e da prata não provam a riqueza e a
prosperidade do país onde essa variação ocorre, o seu valor alto ou o baixo
preço em dinheiro — das mercadorias em geral ou dos cereais em
particular — também não constituem prova de sua pobreza e barbárie.
Mas, embora o baixo preço em dinheiro das mercadorias em geral ou
dos cereais em particular não constitua prova alguma da pobreza ou
barbárie de uma época, o baixo preço em dinheiro de alguns tipos
específicos de bens — tais como o gado, as aves, todos os tipos de animais
de caça, etc. — em proporção ao preço dos cereais é uma prova decisiva.
Demonstra claramente, em primeiro lugar, sua grande abundância em
relação aos cereais e, consequentemente, a grande extensão de terras que
ocupavam em proporção à que era ocupada pelos cereais; e, em segundo
lugar, o baixo valor dessas terras em relação ao das terras plantadas com
cereais e, consequentemente, o estado não cultivado e não aprimorado da
maior parte das terras do país. Demonstra claramente tanto que o capital e
a população do país não guardam a mesma proporção em relação à
extensão de seu território, proporção que costuma existir nos países
civilizados, quanto que a sociedade daquela época e os países, cada um
especificamente, estavam apenas em sua infância. Com base no alto ou
baixo preço em dinheiro das mercadorias em geral, ou dos cereais em
particular, podemos inferir apenas que as minas que abasteciam o mundo
comercial com ouro e prata naquela época eram opulentas ou
improdutivas, não que o país era rico ou pobre. Mas com a análise do alto
ou baixo preço em dinheiro de alguns tipos de mercadoria em relação ao
de outros, podemos deduzir — com um grau de probabilidade que quase
se aproxima de uma certeza — se um país é rico ou pobre, se a maior parte
de suas terras está aprimorada ou não e se seu grau de barbárie é maior ou
menor, assim como se é maior ou menor o grau do seu processo
civilizatório.
Todo aumento do preço em dinheiro das mercadorias que deriva
inteiramente da degradação do valor da prata pode afetar igualmente
todos os tipos de bens e elevar seu preço universalmente em um terço, um
quarto ou um quinto, conforme a prata perca um terço, um quarto ou um
quinto de seu antigo valor. Mas o aumento do preço dos alimentos, que
tem sido objeto de tantas conversas e debates, não afeta igualmente todos
os tipos de alimentos. Tomando o decorrer do presente século como
média, se reconhece — mesmo por aqueles que consideram que esse
aumento seja causado pelo valor da prata — que o preço dos cereais
aumentou muito menos que o de alguns outros tipos de alimentos. O
aumento do preço desses outros tipos de alimentos, portanto, não pode ser
explicado somente pela degradação do valor da prata. Outras causas
devem ser levadas em consideração; e as mencionadas anteriormente
talvez possam — sem recorrer à suposta degradação do valor da prata —
oferecer uma boa explicação para o aumento daqueles alimentos cujos
preços, na verdade, subiram em relação aos preços dos cereais.
Quanto ao preço do próprio cereal, este foi um pouco mais baixo
durante os primeiros 64 anos do presente século e antes do término da
sequência anormal de péssimas condições climáticas do que foi durante os
64 últimos anos do século passado. Esse fato, além de ser atestado pelas
contas do mercado de Windsor, também o é pela fixação pública dos
preços dos grãos242 de todos os condados da Escócia e pelos valores
praticados em vários mercados da França, os quais foram coletados com
grande diligência e fidelidade pelo senhor Messance e pelo senhor Dupré
de Saint-Maur. A evidência é mais completa do que poderíamos esperar
em questões que são naturalmente muito difíceis de ser apuradas.
O preço alto dos cereais durante os últimos dez ou doze anos pode
bem ser explicado pelo clima ruim das estações do ano, sem a necessidade
de supormos qualquer degradação do valor da prata.
A ideia, portanto, de que o valor da prata vem caindo de forma
contínua não parece ser sustentada por boas observações, tanto em relação
aos preços dos cereais quanto em relação ao preço de outros alimentos.
Até mesmo de acordo com as razões aqui oferecidas, poder-se-ia talvez
dizer que uma mesma quantidade de prata compraria, nos dias atuais,
muito menos alimentos de vários tipos do que conseguiria comprar
durante uma parte do século passado; além disso, verificar se essa
mudança ocorre por causa do aumento no valor destas mercadorias ou
por causa da queda no valor da prata significa apenas estabelecer uma
distinção vã e inútil que não presta nenhum serviço às pessoas que
possuem apenas uma quantidade certa de prata para levar ao mercado, ou
um certo rendimento fixo em dinheiro. Eu certamente não suponho que o
conhecimento dessa distinção permitirá que essas pessoas consigam
comprar por preços mais baratos. Mas, nem por isso, essa distinção será
totalmente inútil.
Ao oferecer uma prova fácil da condição próspera do país, ela pode ter
alguma utilidade pública. Se o aumento do preço de alguns tipos de
alimentos ocorre somente por causa da queda no valor da prata, isso se
deve a uma circunstância sobre a qual a única coisa que podemos inferir é
a abundância das minas americanas. Não obstante essa circunstância, a
verdadeira riqueza do país, isto é, o produto anual de sua terra e do
trabalho, poderá estar gradualmente declinando (como em Portugal e na
Polônia) ou progredindo gradualmente (como na maioria das outras
partes da Europa). Mas se esse aumento do preço de alguns tipos de
alimentos estiver ocorrendo por causa do aumento do valor real da terra
que os produz, de sua maior fertilidade, ou porque a terra se tornou mais
apta para a produção de cereais devido às melhorias e aos bons cultivos,
isso se deve a uma circunstância que indica da maneira mais clara possível
o estado de prosperidade e avanço do país. A terra constitui de longe a
maior, a mais importante e a mais duradora fração da riqueza de todos os
países de grandes extensões. Ter uma prova tão decisiva do aumento do
valor de algo que, de longe, constitui a maior, a mais importante e a mais
duradora fração de sua riqueza pode ser bastante útil ou, ao menos, pode
oferecer certa satisfação ao público.
Pode também ter alguma utilidade para que o público consiga
regulamentar a compensação pecuniária de parte de seus trabalhadores
mais pobres. Caso o aumento do preço de alguns tipos de alimentos
ocorra por causa da queda do valor da prata, sua recompensa pecuniária,
desde que não seja muito alta, deverá ser certamente aumentada
proporcionalmente à extensão dessa queda. Caso isso não ocorra, sua
remuneração real ficará evidentemente muito diminuída. Mas, caso esse
aumento de preço ocorra por causa do aumento de valor, em consequência
da fertilidade melhorada da terra que produz esses alimentos, então fica
muito mais fácil julgar a proporção em que deve ser aumentada qualquer
remuneração pecuniária, ou se ela realmente deve ser aumentada. Assim
como a extensão das melhorias e dos cultivos necessariamente aumenta o
preço de todo tipo de alimento animal mais ou menos em proporção ao
preço dos cereais, então creio que ela também necessariamente baixa o
preço de todo tipo de alimento vegetal. Essas melhorias e cultivos
aumentam o preço do alimento animal, porque uma grande parte da terra
que o produz, após ter se tornado apta para o plantio de cereais, deve
pagar, para o dono da terra e para o fazendeiro, a renda e o lucro dos
cereais. Eles também reduzem o preço dos alimentos vegetais porque, ao
aumentar a fertilidade da terra, aumenta-se a abundância desses
alimentos. O progresso agrícola introduz muitos tipos diferentes de
alimentos vegetais que chegam muito mais baratos ao mercado, pois
exigem menos terras e a mesma quantidade de trabalho que os cereais.
Assim ocorre com as batatas e o milho, ou o que é chamado de milho
flint,243 os dois avanços mais importantes que a agricultura da Europa
(talvez até mesmo a Europa em si) recebeu da grande extensão de seu
comércio e navegação. Além disso, muitos tipos diferentes de alimentos
vegetais, tais como os nabos, as cenouras, as couves, etc., que, durante o
estado rudimentar da agricultura, estão confinados a uma pequena horta e
são cultivados apenas com a enxada, passam a ser cultivados, no estado
avançado, em campos comuns e por meio do arado. Portanto, com os
aperfeiçoamentos, se o preço real de uma espécie de alimento
necessariamente aumenta, o preço de outra necessariamente diminui; e a
determinação de quanto o aumento de uma espécie pode ser compensado
pela queda da outra se torna uma questão muito mais delicada. Quando o
preço real da carne de açougue chega ao seu valor máximo (algo que,
exceto em relação à carne de porco, parece ter ocorrido em uma grande
parte da Inglaterra há mais de um século com todos os outros tipos de
carne), todo aumento posterior em qualquer outro tipo de alimento
animal não conseguirá afetar muito as condições das pessoas pertencentes
às classes econômicas mais baixas. Em grande parte da Inglaterra, as
condições dos pobres não mudam tanto pelo aumento do preço de aves,
peixes, aves selvagens ou carne de veado, mas são bastante aliviadas pela
queda do preço da batata.
No atual período de escassez, o alto preço dos cereais sem dúvida traz
sofrimentos indubitáveis aos pobres. Mas, em tempos de abundância
moderada, quando os cereais estão em seu preço normal ou médio, o
aumento natural do preço de qualquer tipo de produto agrícola não os
afeta muito. Eles sofrem mais, talvez, com o aumento artificial às vezes
gerado pelos impostos sobre os preços de alguns bens manufaturados
como o sal, o sabão, o couro, as velas, o malte, a cerveja, etc.

EFEITOS DO CURSO DO PROGRESSO SOBRE O PREÇO REAL DAS


MANUFATURAS
A diminuição gradual do preço real de quase todas as manufaturas é, no
entanto, o efeito natural do progresso. O preço da mão de obra fabril
diminui, talvez, em todas elas, sem exceção. Como consequência de um
maquinário melhor, de maior destreza e de uma divisão e distribuição
mais adequadas do trabalho, que são consequências naturais do progresso,
uma quantidade muito menor de trabalho se torna necessária para a
fabricação de qualquer produto específico; e, embora o preço real do
trabalho possa aumentar de forma considerável em consequência da
prosperidade da sociedade, a grande diminuição da quantidade
geralmente sobrecompensará qualquer aumento que o preço possa ter.
Há, de fato, algumas manufaturas em que o aumento necessário do
preço real das matérias-primas sobrecompensará todas as vantagens que o
progresso possa introduzir na execução do trabalho. No trabalho dos
carpinteiros e marceneiros e no trabalho mais grosseiro de fabricação de
móveis, o necessário aumento do preço real da madeira para construção,
em consequência da melhoria das terras, irá sobrecompensar todas as
vantagens originadas das melhores máquinas, da melhor destreza e da
divisão e distribuição mais adequadas do trabalho.
Mas em todos os casos em que o preço real das matérias-primas não
sofre aumento algum, ou que não se elevam muito, o preço dos produtos
manufaturados diminui bastante.
Essa diminuição do preço, no decurso do atual século e do anterior, foi
mais perceptível nas manufaturas que utilizam metais comuns como
matéria-prima. Com 20 xelins seria possível comprar atualmente um
mecanismo de relógio melhor do que aquele que seria possível comprar
em meados do século passado por 20 libras. No trabalho dos cuteleiros e
serralheiros, em todos os brinquedos que são construídos com metais
comuns, as mercadorias que são vulgarmente conhecidas pelo nome de
“manufaturas de Birmingham e Sheffield” (Birmingham and Sheffield
ware) têm sofrido uma grande redução de preço durante o mesmo
período, embora não tão grande como a dos relógios. No entanto, ela foi
suficiente para causar assombro aos trabalhadores de todas as outras
partes da Europa que, em muitos casos, reconhecem não ser capazes de
produzir produtos tão bons, mesmo que seja pelo dobro ou pelo triplo do
preço. Talvez não existam manufaturas em que a divisão do trabalho possa
ser levada mais adiante ou em que a maquinaria empregada admita uma
maior variedade de aperfeiçoamentos do que aquelas que empregam os
metais comuns como matéria-prima.
Durante o mesmo período, não houve na manufatura de roupas uma
redução tão grande de preços. Foi-me garantido que o preço dos tecidos
superfinos, pelo contrário, aumentou um pouco nos últimos 25 ou 30 anos
em proporção à sua qualidade; as mesmas fontes me disseram que isso
ocorreu devido ao aumento no preço de sua matéria-prima, isto é, a lã
espanhola. De fato, informaram-me que o preço do tecido de Yorkshire,
que é feito apenas com lã inglesa, caiu muito no decurso do presente
século em proporção à sua qualidade. A qualidade, no entanto, é uma
questão muito discutível e, por isso, considero as informações desse tipo
como algo um tanto quanto incerto. Na manufatura de vestuário, a divisão
do trabalho é nitidamente a mesma de um século atrás; e os equipamentos
empregados não são muito diferentes. É possível, no entanto, que tenham
ocorrido algumas pequenas melhorias em ambos os casos e esses avanços
talvez tenham causado alguma redução nos seus preços.
Mas a redução parecerá muito mais notável e inegável quando
compararmos os preços atuais desta manufatura com os preços de um
período muito mais remoto, no final do século XV, quando o trabalho
estava provavelmente muito menos subdividido e o maquinário utilizado
era muito mais imperfeito que o atual.
Em 1487, no 4º ano do reinado de Henrique VII, foi decretado que
“todo aquele que, no varejo, vender tecidos largos com comprimento de
uma jarda244 do melhor tecido de lã escarlate, ou de quaisquer outros
tecidos de boa fabricação, acima de 16 xelins, pagará uma multa de 40
xelins para cada jarda assim vendida”. Dezesseis xelins, portanto, contendo
aproximadamente a mesma quantidade de prata que 24 xelins em valores
atuais, eram, naquela época, considerados um preço justo para uma jarda
do mais fino tecido; e como se trata de uma lei suntuária, é possível que o
tecido fosse geralmente vendido por um preço um pouco mais alto. Hoje,
o preço máximo seria 1 guinéu. Mesmo que a qualidade dos tecidos
devesse ser igual e que a qualidade dos tempos atuais seja provavelmente
muito superior, ainda assim, mesmo após essa suposição, o preço em
dinheiro do melhor tecido parece ter sido consideravelmente reduzido
desde o fim do século XV. Mas seu preço real foi reduzido ainda mais. Seis
xelins e 8 pence eram considerados, tanto naquela época quanto muito
posteriormente, o preço médio de 1 quarter de trigo. Dezesseis xelins era o
preço de 2 quarters e mais 3 bushels de trigo. Tomando o quarter de trigo
dos tempos atuais a 28 xelins, o preço real de uma jarda de tecido fino
devia chegar naqueles tempos a pelo menos 3 libras, 6 xelins e 6 pence de
nosso dinheiro atual. Seu comprador deveria entregar o comando de uma
quantidade de trabalho e alimentos igual ao que essa quantia poderia
comprar nos tempos atuais.
A redução do preço real da manufatura de qualidade grosseira, embora
considerável, não foi tão grande como a da manufatura de boa qualidade.
Em 1463, durante o 3º ano do reinado de Eduardo IV, foi promulgado
que “nenhum servo na agricultura, trabalhador comum ou servo de
artesão que habite em uma cidade ou burgo deve vestir tecidos acima de 2
xelins por jarda”. No 3º ano do reinado de Eduardo IV, 2 xelins continham
quase a mesma quantidade de prata que 4 xelins de nossa moeda atual.
Mas o tecido de Yorkshire, que agora é vendido a 4 xelins a jarda, é
provavelmente muito superior a qualquer outro tecido fabricado na época
para ser usado pela classe mais baixa de trabalhadores comuns. Portanto,
até mesmo o preço em dinheiro de seu vestuário pode, em proporção à
qualidade, ser menor no presente do que naqueles tempos antigos. O
preço real é certamente muito mais baixo. Dez pence eram considerados
na época um preço moderado e razoável para o bushel de trigo. Dois
xelins, portanto, era o preço de 2 bushels e quase 2 pecks de trigo, que, nos
tempos atuais, a 3 xelins e 6 pence o bushel, valeria 8 xelins e 9 pence. Por
uma jarda deste tecido o trabalhador pobre deveria entregar o poder de
compra de uma quantidade de alimentos equivalente ao que 8 xelins e 9
pence poderiam comprar no presente. Essa também é uma lei suntuária,
que restringia o luxo e os excessos dos pobres. O vestuário deles, portanto,
custava muito mais caro.
A mesma classe de pessoas era, pela mesma lei, proibida de usar calças
justas245 (hose) cujo preço excedesse 14 pence o par, equivalente a cerca de
28 pence em moeda atual. Mas, naqueles tempos, 14 pence era o preço de
um bushel e quase 2 pecks de trigo; que, no presente, a 3 xelins e 6 pence o
bushel, custaria 5 xelins e 3 pence. Deveríamos, nos tempos atuais,
considerar esse preço por um par de meias (stockings, ver nota 245) muito
alto para um empregado da mais baixa classe social. Eles devem, no
entanto, ter pagado naqueles tempos o que era realmente equivalente a
esse preço para eles.
É possível que, na época de Eduardo IV, a arte de tricotar meias não
fosse conhecida na Europa. Suas calças justas eram feitas de um tecido
comum, que pode ter sido uma das causas de seu preço elevado. Dizem
que a primeira pessoa a usar meias na Inglaterra foi a rainha Isabel. Ela as
recebeu como um presente do embaixador espanhol.
O maquinário utilizado na manufatura de lã, tanto das mais grosseiras
quanto das mais finas, era muito mais imperfeito naqueles tempos antigos
do que nos tempos atuais. Desde então, ele recebeu três melhorias
importantíssimas, bem como muitas melhorias menores cuja identificação
em quantidade ou importância se mostra de difícil apuração. As três
melhorias mais importantes são: primeiro, a troca da roca e do fuso pela
roda de fiar, que é capaz de produzir mais do que o dobro com a mesma
quantidade de trabalho: em segundo lugar, o uso de diversas máquinas
muito engenhosas que facilitam e abreviam ainda mais o enrolamento dos
fios de lã penteados ou cardados ou a disposição adequada da teia e da
trama246 antes de serem postos no tear, uma operação que devia ser
extremamente tediosa e problemática antes da invenção das máquinas; em
terceiro lugar, o emprego do pisão247 para engrossar o tecido, em vez da
realização da pisoagem na água. Os moinhos de água, de vento ou de
qualquer outro tipo não eram conhecidos até o início do século XVI, nem
na Inglaterra nem, até onde sei, em nenhuma outra parte da Europa ao
norte dos Alpes. Na Itália, foram introduzidos algum tempo antes.
A consideração dessas circunstâncias talvez possa, em certa medida,
nos explicar por que o preço real tanto das manufaturas grosseiras como
das de boa qualidade era muito mais elevado naqueles tempos que
atualmente. Levar bens ao mercado custava uma quantidade maior de
trabalho. Quando eram levados para lá, portanto, deviam comprar ou
podiam ser trocados pelo preço de uma maior quantidade.
Na Inglaterra, a manufatura de produtos inferiores era provavelmente,
naqueles tempos antigos, feita da mesma forma como sempre tem sido nos
países em que os ofícios e as manufaturas ainda estão em sua infância.
Essa manufatura era provavelmente doméstica; e todas as diferentes etapas
do trabalho eram ocasionalmente realizadas por todos os diferentes
membros de quase todas as famílias privadas; mas esse era o trabalho que
realizavam sempre que não tinham mais nada para fazer, ou seja, não era
sua atividade principal por meio da qual obtinham a maior parte da sua
subsistência. Conforme já foi observado, o trabalho realizado dessa forma
costuma chegar muito mais barato ao mercado do que o trabalho que
constitui a fonte exclusiva ou principal de subsistência do trabalhador. As
manufaturas de melhor qualidade, por outro lado, não eram naqueles
tempos produzidas na Inglaterra, mas na região rica e mercantil de
Flandres; e eram fabricadas naquela época da mesma maneira que o são
agora, por pessoas que obtinham delas a totalidade ou a parte principal de
sua subsistência. Além disso, tratava-se de uma manufatura estrangeira e,
por isso, talvez pagasse algum imposto alfandegário à coroa, no mínimo o
antigo costume de cobrar uma taxa sobre o peso.248 Na verdade, esse
imposto não seria muito alto. Naquela época, a Europa não praticava a
política de restringir a importação de manufaturas por meio de altos
impostos alfandegários, mas sim de incentivá-la para que os comerciantes
pudessem, a um preço acessível, fornecer aos grandes homens os confortos
e luxos que desejavam, mas que não eram proporcionados pela indústria
de seu próprio país.
A consideração dessas circunstâncias talvez possa, em certa medida,
nos explicar por que o preço real das manufaturas rudes — em relação ao
das de boa qualidade — era muito mais baixo naqueles tempos que
atualmente.
Ã
CONCLUSÃO DO CAPÍTULO
Concluo este longo capítulo observando que toda melhoria nas
circunstâncias da sociedade tende também direta ou indiretamente a
aumentar a renda real da terra, aumentar a riqueza real dos proprietários
da terra — sua capacidade de comprar trabalho ou o produto do trabalho
de outras pessoas.
A amplitude da melhoria e do cultivo tende a aumentá-la diretamente.
A fração do produto pertencente ao proprietário da terra aumenta
necessariamente com o aumento do produto.
O aumento do preço real do produto rude da terra, que é primeiro o
efeito da extensão das melhorias e do cultivo e depois a causa de
continuarem se expandindo, o aumento do preço do gado, por exemplo,
tende também a elevar a renda da terra diretamente, e em uma proporção
ainda maior. O valor real da fração do proprietário da terra, seu comando
real sobre o trabalho de outras pessoas, não só aumenta com o valor real
do produto, mas a fração de sua participação, em relação ao produto total,
aumenta com ele. Esse produto, após o aumento de seu preço real, não
requer mais trabalho do que antes para coletá-lo. Por conseguinte, uma
proporção menor será suficiente para repor, junto com o lucro ordinário, o
capital que emprega para esse trabalho. Uma proporção maior pertencerá,
por conseguinte, ao proprietário.
Todos esses aperfeiçoamentos das forças dos poderes produtivos do
trabalho, que tendem a reduzir diretamente o preço real da manufatura,
tendem indiretamente a aumentar a renda real da terra. O proprietário da
terra troca aquela fração de seu produto que excede o consumo próprio
ou, o que vem a ser mesma coisa, troca o preço daquela fração por
produtos manufaturados. Tudo o que reduz o preço real deste último eleva
o preço do anterior. Uma igual quantidade de matérias-primas torna-se,
assim, equivalente a uma quantidade maior de produtos manufaturados; e
o dono da terra pode comprar uma quantidade maior de conveniências,
ornamentos ou luxos de que precisa.
Todo aumento da riqueza real da sociedade, todo aumento da
quantidade de trabalho útil empregada nela, tende a, indiretamente,
aumentar a renda real da terra.249 Uma certa proporção desse trabalho vai
naturalmente para a terra. Um maior número de homens e gado é
empregado em seu cultivo, o produto aumenta com o aumento do capital
que é assim empregado na criação e a renda aumenta junto com a
produção.
A situação contrária, isto é, o abandono do cultivo e das melhorias, a
queda do preço real de todo componente do produto rude da terra, o
aumento do preço real das manufaturas por causa da decadência da arte e
do trabalho manufatureiro, bem como o declínio da riqueza real da
sociedade, são, todos eles, fatores que tendem a baixar a renda real da
terra, a reduzir a riqueza real do proprietário e a diminuir seu poder de
comprar o trabalho ou o produto do trabalho de outras pessoas.
O produto anual total da terra e do trabalho de cada país ou, o que
vem a ser a mesma coisa, o preço integral do produto anual divide-se
naturalmente em três partes, ou componentes, conforme já foi observado:
a renda da terra, os salários do trabalho e os lucros do capital; constituindo
um rendimento para três classes diferentes de pessoas, a saber, aquelas que
vivem da renda, aquelas que vivem dos salários e aquelas que vivem dos
lucros. Essas são as três grandes classes, originais e constituintes de toda
sociedade civilizada de cujos rendimentos derivam, em última análise,
todos os rendimentos das outras categorias.
Pelo que acaba de ser dito, parece que o interesse da primeira grande
classe está exclusiva e inseparavelmente ligado ao interesse geral da
sociedade. Tudo o que promova ou obstrua os interesses do proprietário
necessariamente promove ou obstrui os interesses da sociedade. Quando o
setor público delibera sobre qualquer regulamento comercial ou de
política, os proprietários da terra não podem nunca os induzir ao erro
para promover os interesses específicos de sua própria classe, pelo menos
se tiverem um conhecimento aceitável desse interesse. Eles são,
certamente, também muitas vezes deficientes nesse conhecimento
aceitável. Dentre as três classes, eles compõem a única cujos rendimentos
não lhes custam nem trabalho nem cuidados, pois poderíamos dizer que
chegam até eles de forma espontânea e independente de quaisquer
planejamentos ou projetos próprios. Essa indolência, que é a consequência
natural da facilidade e da segurança de sua situação, os torna
frequentemente não só ignorantes, mas também incapazes do raciocínio
necessário para prever e entender as consequências de quaisquer
regulamentações públicas.
O interesse da segunda classe, aquela formada por pessoas que vivem
de salários, está tão exclusivamente ligado ao interesse da sociedade
quanto o da primeira classe. Os salários dos trabalhadores, conforme já
demonstrado, nunca são tão altos como quando a demanda por trabalho
está em um aumento contínuo ou quando a quantidade empregada cresce
consideravelmente a cada ano. Quando essa riqueza real da sociedade se
torna estacionária, seus salários são rapidamente reduzidos ao que é
estritamente necessário para a manutenção de uma família, ou seja, para a
reprodução da raça dos trabalhadores. Quando a sociedade declina, os
salários ficam abaixo até mesmo desse nível. É possível que a classe dos
proprietários ganhe mais que os trabalhadores com a prosperidade da
sociedade: mas nenhuma outra classe sofre de forma mais cruel com o
declínio que a classe dos trabalhadores. Mas, embora o interesse do
trabalhador esteja exclusivamente ligado ao interesse da sociedade, ele é
incapaz de compreender esse interesse ou de entender a ligação deste com
o seu próprio interesse. Sua posição o deixa sem tempo para receber as
informações necessárias; mas, mesmo que ele esteja plenamente
informado, sua educação e hábitos costumam torná-lo incapaz de julgar.
Nas deliberações públicas, portanto, sua voz é pouco ouvida e considerada,
exceto em certas ocasiões específicas, quando seu clamor é animado,
encorajado e apoiado por seus empregadores, que lutam em defesa de
objetivos próprios, e não dos trabalhadores.
Os empregadores constituem a terceira classe: aqueles que vivem do
lucro. O capital empregado para a obtenção do lucro é o que coloca em
movimento a maior parte do trabalho útil de toda sociedade. Os planos e
projetos daqueles que utilizam o capital regulam e dirigem todas as
operações mais importantes do trabalho; e o lucro é o fim proposto por
todos aqueles planos e projetos. Mas diferentemente da renda e do
trabalho, a taxa de lucro não se eleva com a prosperidade da sociedade e
não cai com o declínio dela. Pelo contrário, é naturalmente baixa nos
países ricos e alta nos pobres, e é sempre a mais elevada nos países que
caminham em passo acelerado para a ruína. O interesse dessa terceira
classe, portanto, não tem a mesma ligação com o interesse geral da
sociedade, como o têm as outras duas classes.250 Comerciantes e mestres-
manufatureiros são, nessa classe, os dois tipos de pessoas que, em geral,
empregam os maiores capitais e que, pela sua riqueza, atraem para si a
maior parte da consideração pública. Como passam toda a vida envolvidos
em planos e projetos, costumam ser mais inteligentes que a maior parte
dos senhores do campo. No entanto, já que seus pensamentos costumam
tratar mais do interesse relacionado ao seu próprio ramo de negócios do
que ao interesse da sociedade, suas opiniões, mesmo quando dadas com
toda a franqueza (algo que não ocorre sempre), dependerão muito mais do
primeiro desses dois objetos do que deste último. Sua superioridade sobre
os senhores do campo não é tanto em seus conhecimentos sobre o
interesse público, mas por terem um melhor conhecimento sobre seu
próprio interesse do que o proprietário rural tem do dele. Por meio desse
conhecimento superior sobre seu próprio interesse, eles conseguem fazer
imposições à generosidade dos proprietários e persuadi-los a desistir de
seu próprio interesse e do interesse público com base em uma convicção
muito simples, mas honesta: a de que seu interesse, e não o deles, é o
interesse público. O interesse dos negociantes, como sempre, em qualquer
ramo comercial ou manufatureiro específico, é sempre diferente — e até
mesmo oposto — do interesse público. O interesse dos negociantes é
sempre a ampliação do mercado e a restrição da concorrência. A
ampliação do mercado pode muitas vezes concordar com o interesse do
público; mas a restrição da concorrência sempre discordará dele; serve
apenas para permitir que os negociantes, ao elevar seus lucros acima do
que eles naturalmente seriam, cobrem, em benefício próprio, uma taxa
absurda de seus concidadãos ao elevar seus lucros a um valor acima do
natural. A proposta de qualquer nova lei ou o regulamento do comércio
que venha dessa classe devem sempre ser ouvidos com grande
acautelamento e nunca devem ser adotados antes de ter sido longa e
cuidadosamente estudados, não só com a mais meticulosa atenção, mas
também com extrema desconfiança. Ela vem de uma classe de pessoas
cujos interesses nunca coincidem exatamente com os interesses do
público, pessoas que geralmente têm interesse em enganar e até mesmo
oprimir o público, e que, nesse sentido, têm conseguido em várias ocasiões
fazer as duas coisas: enganar e oprimir.

Preço do quarter de Média dos preços de Preço médio de cada ano


A trigo a cada ano um mesmo ano em valores atuais
n
o £ xelim pence £ xelim pence £ xelim pence
1
2
— 12 — — — — 1 16 —
0
2

1 — 12 —
2
— 13 4 — 13 5 2 — 3
0
5
— 15 —

1
2
— 12 — — — — 1 16 —
2
3

1
2
— 3 4 — — — — 10 —
3
7

1
2
— 2 — — — — — 6 —
4
3

1
2
— 2 — — — — — 6 —
4
4

1
2
— 16 — — — — 2 8 —
4
6

1
2
— 13 4 — — — 2 — —
4
7

1
2
1 4 — — — — 3 12 —
5
7
1 1 — — — — — 2 11 —
2
5 — 15 —
8
— 16 —

1 4 16 —
2
5 12 — 16 16 —
7
0 6 8 —

1 — 2 8 — 9 4
2
1 8 —
8
6 — 16 —

Total 35 9 3

Preço médio 2 19 1,25

Preço do quarter de Média dos preços de Preço médio de cada ano


A
trigo a cada ano um mesmo ano em valores atuais
n
o
£ xelim pence £ xelim pence £ xelim pence

1
2
— 3 4 — — — — 10 —
8
7

1 — — 8 — 3 0,25 0 9 0,75
2
8 — 1 —
8
— 1 4

— 1 6

— 1 8

— 2 —

— 3 4

— 9 4
— 12 —

1 — 6 —
2
— 2 — — 10 1,5 10 4,5
8
9
— 10 8

1 — —

1
2
— 16 — 2 8 —
9
0

1
2
— 16 — 2 8 —
9
4

1
3
— 4 — — 12 —
0
2

1
3
— 7 2 1 1 6
0
9

1
3
1 — — 3 — —
1
5

1 — —
1
1 10 —
3
4 11 6
1
1 12 — 1 10 6
6
2 — —

1 2 4 — 5 18 6
3
— 14 —
1
2 13 — 1 19 6
7
4 — —

— 6 8

1
3
— 2 — — 6 —
3
6

1
3
— 3 4 — 10 —
3
8

Total 23 4 11,25

Preço médio 1 18 8

Preço do quarter de Média dos preços de Preço médio de cada ano


A
trigo a cada ano um mesmo ano em valores atuais
n
o
£ xelim pence £ xelim pence £ xelim pence

1
3
— 9 — — — — 1 7 —
3
9

1
3
— 2 — — — — — 5 2
4
9

1
3
1 6 8 — — — 3 2 2
5
9

1
3
— 2 — — — — — 4 8
6
1
1 — 15 — — — — 1 15 —
3
6
3

1 1 — —
3
1 2 — 2 9 4
6
9 1 4

1
3
— 4 — — — — — 9 4
7
9

1
3
— 2 — — — — — 4 8
8
7

— 13 4
1
1
3 — —
4 — 14 5 1 13 7
9
0
1
— —
6

1
4
— 16 — — — — 1 17 4
0
1

1 — 4 4,75
4
— 3 10 — 8 11
0
7 — 3 4

1
4
— 16 — — — — 1 12 —
1
6

Total 15 9 4
Preço médio 1 5 9,33

Preço do quarter de Média dos preços de Preço médio de cada ano


A
trigo a cada ano um mesmo ano em valores atuais
n
o
£ xelim pence £ xelim pence £ xelim pence

1
4
— 8 — — — — — 16 —
2
3

1
4
— 4 — — — — — 8 —
2
5

1
4
1 6 8 — — — 2 13 4
3
4

1
4
— 5 4 — — — — 10 8
3
5

1 1 — —
4
1 3 4 2 6 8
3
9 1 6 8

1
4
1 4 — — — — 2 8 —
4
0

1 — 4 4
4
— 4 2 — 8 4
4
4 — 4 —

1 — 4 6 — — — — 9 —
4
4
5

1
4
— 8 — — — — — 16 —
4
7

1
4
— 6 8 — — — — 13 4
4
8

1
4
— 5 — — — — — 10 —
4
9

1
4
— 8 — — — — — 16 —
5
1

Total 12 15 4

Preço médio 1 1 3,33

Preço do quarter de Média dos preços de Preço médio de cada ano


A trigo a cada ano um mesmo ano em valores atuais
n
o £ xelim pence £ xelim pence £ xelim pence

1
4
— 5 4 — — — — 10 8
5
3

1
4
— 1 2 — — — — 2 4
5
5

1 — 7 8 — — — — 15 4
4
5
7

1
4
— 5 — — — — — 10 —
5
9

1
4
— 8 — — — — — 16 —
6
0

1 — 2 —
4
1 10 — — 3 8
6
3 — 1 8

1
4
— 6 8 — — — — 10 —
6
4

1
4
1 4 — — — — 1 17 —
8
6

1
4
— 14 8 — — — 1 2 —
9
1

1
4
— 4 — — — — — 6 —
9
4

1
4
— 3 4 — — — — 5 —
9
5

1 1 — — — — — 1 11 —
4
9
7

Total 8 9 —

Preço médio — 14 1

Preço do quarter de Média dos preços de Preço médio de cada ano


A
trigo a cada ano um mesmo ano em valores atuais
n
o
£ xelim pence £ xelim pence £ xelim pence

1
4
— 4 — — — — — 6 —
9
9

1
5
— 5 8 — — — — 8 6
0
4

1
5
1 — — — — — 1 10 —
2
1

1
5
— 8 — — — — — 2 —
5
1

1
5
— 8 — — — — — 8 —
5
3

1
5
— 8 — — — — — 8 —
5
4

1 — 8 — — — — — 8 —
5
5
5

1
5
— 8 — — — — — 8 —
5
6

— 4 —
1
— 5 —
5
— 12 7 — 12 7
5
— 8 —
7
2 13 4

1
5
— 8 — — — — — 8 —
5
8

1
5
— 8 — — — — — 8 —
5
9

1
5
— 8 — — — — — 8 —
6
0

Total 6 5 1

Preço médio — 10 5

Preço do quarter de Média dos preços de Preço médio de cada ano


A
trigo a cada ano um mesmo ano em valores atuais
n
o
£ xelim pence £ xelim pence £ xelim pence

1
5
— 8 — — — — — 8 —
6
1
1 — 8 — — — — — 8 —
5
6
2

1 2 16 —
5
2 — — 2 — —
7
1 4
4

1
5
3 4 — — — — 3 4 —
8
7

1
5
2 16 — — — — 2 16 —
9
4

1
5
2 13 — — — — 2 13 —
9
5

1
5
4 — — — — — 4 — —
9
6

1 5 4 — 4 12 — 4 12 —
5
9
7 4 —

1
5
2 16 8 — — — 2 16 8
9
8

1
5
1 19 2 — — — 1 19 2
9
9
1 1 17 8 — — — 1 17 8
6
0
0

1
6
1 14 10 — — — 1 14 10
0
1

Total 28 9 4

Preço médio 2 4 9,33

Preços do quarter de 9 bushels do melhor ou do mais caro trigo do


mercado de Windsor nos dias de Nossa Senhora e de São Miguel entre
1595 e 1764, incluindo estes; o preço de cada ano é a média entre os preços
mais altos daqueles dois dias de mercado.

Trigo por quarter Trigo por quarter


Ano Ano
£ xelim pence £ xelim pence

159 162
— — 2 0 0 — — 1 10 4
5 1

159 162
— — 2 8 0 — — 2 18 8
6 2

159 162
— — 3 9 6 — — 2 12 0
7 3

159 162
— — 2 16 8 — — 2 8 0
8 4

159 162
— — 1 19 2 — — 2 12 0
9 5

160 162
— — 1 17 8 — — 2 9 4
0 6

160 162
— — 1 14 10 — — 1 16 0
1 7
160 — — 1 9 4 162 — — 1 8 0
2 8

160 162
— — 1 15 4 — — 2 2 0
3 9

160 163
— — 1 10 8 — — 2 15 8
4 0

160 163
— — 1 15 10 — — 3 8 0
5 1

160 163
— — 1 13 0 — — 2 13 4
6 2

160 163
— — 1 16 8 — — 2 18 0
7 3

160 163
— — 2 16 8 — — 2 16 0
8 4

160 163
— — 2 10 0 — — 2 16 0
9 5

161 163
— — 1 15 10 — — 2 16 8
0 6

161 1 4
— — 1 18 8 0 0
1 6) 0

161
— — 2 2 4 2 10 0
2

161
— — 2 8 8
3

161
— — 2 1 8,5
4

161
— — 1 18 8
5

161
— — 2 0 4
6

161 — — 2 8 8
7

161
— — 2 6 8
8

161
— — 1 15 4
9

162
— — 1 10 4
0

2 5
0 6,5
6) 4

2 1 6,69

Trigo por Trigo por


quarter quarter
A A
n n
xe pe xe pe
o o
£ li nc £ li nc
m e m e

So
ma 7
14 10
par 9
cial

1 1
6 6
— —2 13 0 —— 2 2 0
3 7
7 1

1 1
6 6
— —2 17 4 —— 2 1 0
3 7
8 2

1 1
6 6
— —2 4 10 —— 2 6 8
3 7
9 3

1 — —2 4 8 1 —— 3 8 8
6 6
4 7
0 4

1 1
6 6
— —2 8 0 —— 3 4 8
4 7
1 5

1 1
6 6
—0 0 0 —— 1 18 0
4 7
2 6

1 1
6 6
0 0 0 —— 2 2 0
4 7
3 7
Anos sem dados nas contas. Valores de
1646 fornecidos pelo bispo Fleetwood.
1 1
6 6
0 0 0 —— 2 19 0
4 7
4 8

1 1
6 6
0 0 0 —— 3 0 0
4 7
5 9

1 1
6 6
— —2 8 0 —— 2 5 0
4 8
6 0

1 1
6 6
— —3 13 8 —— 2 6 8
4 8
7 1

1 1
6 6
— —4 5 0 —— 2 4 0
4 8
8 2

1 — —4 0 0 1 —— 2 0 0
6 6
4 8
9 3

1 1
6 6
— —3 16 8 —— 2 4 0
5 8
0 4

1 1
6 6
— —3 13 4 —— 2 6 8
5 8
1 5

1 1
6 6
— —2 9 6 —— 1 14 0
5 8
2 6

1 1
6 6
— —1 15 6 —— 1 5 2
5 8
3 7

1 1
6 6
— —1 6 0 —— 2 6 0
5 8
4 8

1 1
6 6
— —1 13 4 —— 1 10 0
5 8
5 9

1 1
6 6
— —2 3 0 —— 1 14 8
5 9
6 0

1 1
6 6
— —2 6 8 —— 1 14 0
5 9
7 1

1 — —3 5 0 1 —— 2 6 8
6 6
5 9
8 2

1 1
6 6
— —3 6 0 —— 3 7 8
5 9
9 3

1 1
6 6
— —2 16 6 —— 3 4 0
6 9
0 4

1 1
6 6
— —3 10 0 —— 2 13 0
6 9
1 5

1 1
6 6
— —3 14 0 —— 3 11 0
6 9
2 6

1 1
6 6
— —2 17 0 —— 3 0 0
6 9
3 7

1 1
6 6
— —2 0 6 —— 3 8 4
6 9
4 8

1 1
6 6
— —2 9 4 —— 3 4 0
6 9
5 9

1 1
6 7
— —1 16 0 —— 2 0 0
6 0
6 0

1 — —1 16 0 6 1 1 8
6 0 5
) 3
6
7

1
6 0,
— —2 0 0 2 11
6 33
8

1
6
— —2 4 4
6
9

1
6
— —2 1 8
7
0

7
Soma parcial 14 10
9

Trigo por quarter Trigo por quarter


A A
no no
£ xelim pence £ xelim pence

Soma parcial 69 8 8

17 17
— — 1 17 8 — — 1 18 10
01 34

17 17
— — 1 9 6 — — 2 3 0
02 35

17 17
— — 1 16 0 — — 2 0 4
03 36

17 17
— — 2 6 6 — — 1 18 0
04 37

17 17
— — 1 10 0 — — 1 15 6
05 38

17 17
— — 1 6 0 — — 1 18 6
06 39
17 — — 1 8 6 17 — — 2 10 8
07 40

17 17
— — 2 1 6 — — 2 6 8
08 41

17 17
— — 3 18 6 — — 1 14 0
09 42

17 17
— — 3 18 0 — — 1 4 10
10 43

17 17
— — 2 14 0 — — 1 4 10
11 44

17 17
— — 2 6 4 — — 1 7 6
12 45

17 17
— — 2 11 0 — — 1 19 0
13 46

17 17
— — 2 10 4 — — 1 14 10
14 47

17 17
— — 2 3 0 — — 1 17 0
15 48

17 17
— — 2 8 0 — — 1 17 0
16 49

17 17
— — 2 5 8 — — 1 12 6
17 50

17 17
— — 1 18 10 — — 1 18 6
18 51

17 17
— — 1 15 0 — — 2 1 10
19 52

17 17
— — 1 17 0 — — 2 4 8
20 53

17 17
— — 1 17 6 — — 1 14 8
21 54

17 — — 1 16 0 17 — — 1 13 10
22 55

17 17
— — 1 14 8 — — 2 5 3
23 56

17 17
— — 1 17 0 — — 3 0 0
24 57

17 17
— — 2 8 6 — — 2 10 0
25 58

17 17
— — 2 6 0 — — 1 19 10
26 59

17 17
— — 2 2 0 — — 1 16 6
27 60

17 17
— — 2 14 6 — — 1 10 3
28 61

17 17
— — 2 6 10 — — 1 19 0
29 62

17 17
— — 1 16 6 — — 2 0 9
30 63

17 17
— — 1 12 10 — — 2 6 9
31 64

17 12
— — 1 6 8 64) 13 6
32 9

17
— — 1 8 4 2 0 6,59
33

6
Soma parcial 8 8
9

Trigo por quarter Trigo por quarter


Ano Ano
£ xelim pence £ xelim pence

173 174
— — 1 12 10 — — 2 6 8
1 1
173 — — 1 6 8 174 — — 1 14 0
2 2

173 174
— — 1 8 4 — — 1 4 10
3 3

173 174
— — 1 18 10 — — 1 4 10
4 4

173 174
— — 2 3 0 — — 1 7 6
5 5

173 174
— — 2 0 4 — — 1 19 0
6 6

173 174
— — 1 18 0 — — 1 14 10
7 7

173 174
— — 1 15 6 — — 1 17 0
8 8

173 174
— — 1 18 6 — — 1 17 0
9 9

174 175
— — 2 10 8 — — 1 12 6
0 0

1 1 1 1
12 8 18 2
0) 8 0) 6

1 17 3,33 1 13 9,80
LIVRO II
NATUREZA, ACUMULAÇÃO E APLICAÇÃO DO
CAPITAL
INTRODUÇÃO
Naquele estado primitivo da sociedade em que não há divisão do
trabalho, em que as trocas são realizadas raramente e em que cada um
fornece a si mesmo tudo de que precisa, não é necessário que qualquer
estoque (stock)251 seja acumulado ou armazenado previamente para dar
continuidade aos negócios da sociedade. Por sua própria conta e por
meio do próprio trabalho, cada um se empenha para satisfazer as
próprias necessidades conforme se manifestem. Quando tem fome, o
indivíduo vai para a floresta caçar; quando seu casaco está gasto, ele se
veste com a pele do primeiro animal grande que matar, e quando seu
casebre começa a ficar decrépito, ele o repara da melhor forma possível
com as árvores e a relva das proximidades.
Mas, após a implementação completa da divisão do trabalho, o
produto do trabalho de uma única pessoa passa a oferecer a cada um a
satisfação de apenas uma parte muito pequena de suas necessidades
ocasionais. A maior parte delas é atendida pelo produto do trabalho de
outras pessoas, que é comprado com o produto ou, o que dá na mesma,
com o preço do produto de seu próprio trabalho. Mas essa compra só
poderá ser realizada depois que o produto de seu próprio trabalho tiver
sido não apenas concluído, mas vendido. A pessoa deverá armazenar em
algum lugar um estoque de diferentes tipos de bens que seja suficiente
para sustentá-la e que possa lhe fornecer a matéria-prima e as
ferramentas de seu trabalho pelo menos até o momento em que a compra
ou a venda ocorrerem. Um tecelão não pode dedicar-se inteiramente ao
seu negócio peculiar caso não tenha armazenado previamente — na sua
posse ou na de alguma outra pessoa — um fundo (stock) que seja
suficiente para sustentá-lo e fornecer-lhe a matéria-prima e as
ferramentas de seu trabalho até que ele conclua e venda os seus tecidos.
Evidentemente, essa acumulação deverá ser prévia para que ele possa
dedicar seu trabalho por tão longo tempo a um negócio tão específico.
Assim como a acumulação de capital deve, por sua natureza, ser
anterior à divisão do trabalho, o trabalho somente poderá ser ainda mais
subdividido em proporção à maior acumulação prévia de capital. A
quantidade de matéria-prima que o mesmo número de pessoas pode
utilizar aumenta em uma proporção maior conforme o trabalho vai
sendo cada vez mais subdividido; e conforme as operações de cada
trabalhador vão sendo aos poucos reduzidas a um maior grau de
simplicidade, diversas novas máquinas passam a ser inventadas para
facilitar e abreviar essas operações. Portanto, à medida que avança a
divisão do trabalho — e com o objetivo de oferecer emprego contínuo a
um número igual de trabalhadores —, devem ser acumulados
antecipadamente um estoque igual de provisões e um estoque maior de
matérias-primas e ferramentas do que teria sido necessário em um
estágio mais primitivo. Mas o número de trabalhadores em cada ramo de
negócios em geral aumenta com a divisão do trabalho neste ramo, ou
melhor, é o aumento do número de trabalhadores que permite a eles que
se classifiquem e se subdividam dessa forma.
Tendo em vista que a acumulação prévia de capital (stock) é
necessária para a promoção desse grande desenvolvimento dos poderes
produtivos do trabalho, então aquela acumulação leva naturalmente a
esse desenvolvimento. A pessoa que utiliza seu capital (stock) na
manutenção de trabalho necessariamente deseja aplicá-lo de forma a
produzir a maior quantidade possível de trabalho. Ela se empenha,
portanto, para realizar a distribuição mais adequada do trabalho entre
seus trabalhadores, bem como para equipá-los com as melhores
máquinas que tenha conseguido inventar ou tido recursos para comprar.
Nesses dois aspectos, suas capacidades são, em geral, proporcionais ao
tamanho de seu capital ou ao número de pessoas que esse capital pode
empregar. A quantidade de trabalho dos países, portanto, não aumenta
somente em cada país com o aumento do capital que emprega esse
trabalho, mas, como consequência desse aumento, a mesma quantidade
de esforço produz uma quantidade de trabalho muito maior.
Tais são, em geral, os efeitos do aumento do capital (stock) sobre as
atividades do trabalho e seus poderes produtivos.
Eu procuro explicar neste livro a natureza do capital (stock), os efeitos
de sua acumulação em capitais (capitals) de diferentes tipos e os efeitos
de seus diferentes usos. O livro está dividido em cinco capítulos. No
primeiro capítulo, busco mostrar quais são as diferentes partes ou ramos
em que o capital, tanto de um indivíduo quanto de uma grande
sociedade, naturalmente se divide. No segundo, procuro explicar a
natureza e o funcionamento do dinheiro, considerado como um ramo
específico do capital geral da sociedade. O fundo (stock) acumulado em
capital (capital) pode ser utilizado por seu dono ou pode ser emprestado
a outras pessoas. No terceiro e no quarto capítulos, examino o
funcionamento do capital nessas duas situações. O quinto e último
capítulo trata dos diversos efeitos que as diferentes aplicações (ou
emprego) do capital (capital) produzem de forma imediata sobre a
quantidade de atividade nacional e sobre o produto anual da terra e do
trabalho.

CAPÍTULO I
A DIVISÃO DO CAPITAL
Quando o estoque (stock) de uma pessoa é suficiente apenas para
sustentá-la por alguns dias ou algumas semanas, ela raramente pensa em
obter qualquer rendimento desse estoque. O indivíduo consome seu
capital com moderação e se esforça para, com seu trabalho, adquirir algo
que possa substituí-lo antes de ser totalmente consumido. Seu
rendimento, nesse caso, deriva apenas de seu trabalho. Essa é a situação
da maioria dos trabalhadores pobres em todos os países.
Mas quando ele possui fundos (stock) suficientes para mantê-lo por
meses ou anos, naturalmente se esforça para obter um rendimento da
maior parte desses fundos, reservando apenas o suficiente para seu
consumo imediato até que esses rendimentos comecem a entrar. A
integralidade de seus fundos, portanto, divide-se em duas partes: o
capital (capital), isto é, a parte que poderá lhe proporcionar esses
rendimentos; a outra parte é aquela que satisfaz o seu consumo imediato.
Esta outra consiste, em primeiro lugar, na porção de seus fundos (stock)
que estava originalmente reservada para essa finalidade; ou, em segundo
lugar, no ingresso gradual de seu rendimento, independentemente da
fonte de origem; ou, em terceiro lugar, são as coisas compradas em anos
anteriores por uma dessas duas partes e que ainda não foram
completamente consumidas, como, por exemplo, um estoque de roupas,
mobiliários domésticos e similares. Os fundos (stock) que as pessoas
normalmente reservam para o seu consumo imediato consistem em uma,
na outra ou em todas essas três categorias.
O capital (capital), a fim de produzir um rendimento ou lucro para
quem o aplica, pode ser utilizado de duas maneiras.
Em primeiro lugar, pode ser empregado para a criação, fabricação ou
aquisição de bens que serão revendidos com lucro. O capital aplicado
dessa maneira não produzirá nenhum rendimento ou lucro ao seu titular
enquanto permanecer em sua posse ou mantiver a mesma forma. As
mercadorias do comerciante não lhe rendem rendimentos ou lucros até
que ele as consiga vender em troca de dinheiro; o dinheiro, novamente,
somente lhe renderá algo quando for trocado por mercadorias. De modo
contínuo, seu capital (capital) tem uma forma quando sai de suas mãos e
outra quando a elas volta; e é somente por meio de tal circulação, ou de
trocas sucessivas, que o capital poderá lhe render algum lucro. Esse
capital pode, portanto, ser corretamente chamado de capital circulante.
Em segundo lugar, ele pode ser empregado para o aprimoramento das
terras, para a compra de máquinas úteis e instrumentos de trabalho ou
em coisas afins que gerem rendimentos ou lucros sem mudar de dono ou
circular mais. Esse capital pode, portanto, ser corretamente chamado de
capital fixo.
Diferentes ocupações exigem a aplicação de proporções muito
diferentes entre os capitais fixo e circulante.
O capital de um comerciante, por exemplo, é formado exclusivamente
por capital circulante. Ele não precisa de máquinas ou instrumentos de
trabalho, a menos que sua loja ou armazém sejam considerados como
tais.
Parte do capital de todo mestre-artesão ou fabricante deve ser fixo,
isto é, deve estar fixado em seus instrumentos de trabalho. Essa parte, no
entanto, é muito pequena em alguns casos e, em outros, muito grande.
Um mestre-alfaiate não precisa de outros instrumentos de trabalho
exceto um pacote de agulhas. Os instrumentos de trabalho do mestre-
sapateiro são um pouco mais caros, mas não muito. Os do tecelão são
bem mais caros que os do sapateiro. A maior parte do capital (capital) de
todos esses mestres-artífices, no entanto, circula na forma de salários
para os seus trabalhadores ou no preço de suas matérias-primas, e são
reembolsados com lucro aos mestres pelo preço de seu produto.
Em outras atividades, o capital fixo necessário é muito maior. Em
uma grande siderúrgica, por exemplo, o forno para derreter o minério, a
forja e a máquina de corte são instrumentos de trabalho que somente
poderão ser construídos por meio de grandes despesas. Na indústria
carvoeira e minas de todo tipo, o maquinário necessário para bombear
água e para outros fins costuma ser ainda mais caro.
A parte do capital do agricultor que é aplicada nos instrumentos
agrícolas é chamada de capital fixo; a parte usada para pagar os salários e
a manutenção de seus trabalhadores é chamada de capital circulante. O
lucro do capital fixo é obtido pela posse dos bens, o lucro do capital
circulante deriva da disponibilização dos bens. Da mesma forma que os
instrumentos agrícolas, o preço ou o valor do gado utilizado na
agricultura é um capital fixo: a manutenção deles é um capital circulante
da mesma maneira que o é a manutenção dos trabalhadores. O lucro do
agricultor advém da posse desse gado e dos pagamentos efetuados para a
manutenção dos animais. O preço e a manutenção do gado que é
comprado e engordado, não para trabalhar, mas para ser vendido, são
capitais circulantes. O agricultor obtém seu lucro quando os
disponibiliza. O rebanho de ovelhas ou de vacas e bois será capital fixo se,
em uma região criadora, os animais não forem comprados nem para o
trabalho nem para a venda, mas para que o lucro venha da lã, do leite e
da criação. O lucro provém da posse desses animais. Sua manutenção é
um capital circulante. O lucro se consolida por sua disponibilização; e,
então, o capital retorna com seu próprio lucro e com o lucro sobre o
preço integral do gado, o preço da lã, do leite e das crias. O valor total da
semente também pode ser corretamente chamado de capital fixo. Embora
elas sejam transportadas para cá e para lá entre a terra e o celeiro, não
mudam de dono e, portanto, não se pode dizer que realmente circulam.
O agricultor não lucra com a venda das sementes, mas pela multiplicação
delas.
Os fundos (stock) ou o capital total de um país ou de uma sociedade
qualquer são iguais aos fundos ou ao capital de todos os seus habitantes
ou membros e, portanto, naturalmente se dividem nas mesmas três
porções, cada uma das quais com uma função ou um papel específico.
A primeira porção é aquela reservada para o consumo imediato, e
cuja característica é não render rendimentos nem lucros. Trata-se dos
estoques de alimentos, roupas, mobiliários domésticos, etc. que foram
comprados pelas pessoas que os consumirão, mas que ainda não foram
completamente consumidos. O total de casas, apenas para habitação,
existentes a qualquer tempo no país também integram essa primeira
porção. O capital (stock) investido em uma casa que servirá de moradia
ao seu titular deixa, naquele instante, de servir na função de um capital
(capital) ou não proporcionará qualquer rendimento ao seu dono. Uma
casa desse tipo não contribui em nada para o rendimento de seu
morador; e embora seja, sem dúvida, extremamente útil, a casa é como
suas roupas e o mobiliário doméstico, que são úteis para ele, mas fazem
parte de suas despesas e não de seus rendimentos. Se a casa for entregue a
um inquilino para que produza renda (rent), tendo em vista que a
própria casa nada pode produzir, o inquilino deverá sempre pagar o
aluguel (renda) a partir de outras receitas que ele retira de seu trabalho,
capital ou terras. Apesar de uma casa ser capaz, desse modo, de gerar
uma renda ao seu proprietário e ter, então, a função de um capital
(capital) para ele, a casa nada rende ao público, nem cumpre qualquer
função de capital para ele, nem o rendimento da população como um
todo é minimamente aumentado. Roupas e mobiliário doméstico podem,
da mesma forma, gerar algum rendimento e, assim, funcionam como
capital para alguns indivíduos. Em países onde há bailes a fantasia, o
aluguel de fantasias funciona como um negócio comercial. Os
estofadores de móveis costumam locar o mobiliário doméstico por mês
ou por ano. Agentes funerários alugam a mobília dos funerais por dia e
por semana. Muitas pessoas alugam casas mobiliadas e recebem uma
renda não só pelo uso da casa, mas também pelo da mobília. No entanto,
o rendimento obtido por tais formas deverá sempre ter origem em
alguma outra fonte de rendimento. De todas as partes do capital — seja
de um indivíduo, seja de uma sociedade — reservadas para o consumo
imediato, aquela que é investida em casas é a que leva mais tempo para
ser consumida. Um estoque de roupas pode durar vários anos, um
estoque de móveis, meio século ou um século, mas um estoque de casas
bem construídas e devidamente cuidadas pode durar séculos. Embora o
período de seu consumo total esteja mais distante, ainda assim as casas
são realmente um capital (stock) reservado para o consumo imediato,
assim como o mobiliário doméstico ou as roupas.252
A segunda das três partes em que se divide o capital total da
sociedade é o capital fixo, cuja característica é gerar rendimentos ou
lucros sem que circule ou mude de titular. Este capital é formado por
quatro artigos principais.
O primeiro: todas as máquinas úteis e instrumentos de trabalho que
facilitam e abreviam o trabalho.
O segundo: todos os edifícios comerciais que são meios de obtenção
de rendimento não apenas ao proprietário que os aluga em troca de um
aluguel, mas também àqueles que têm apenas a posse e pagam um
aluguel pelos imóveis, tais como lojas, armazéns, oficinas, casas de
fazenda com todos os seus edifícios necessários, isto é, estábulos, celeiros,
etc. Todos esses edifícios são muito diferentes das casas de moradia. Eles
são uma espécie de instrumento de trabalho e podem ser analisados sob
a mesma luz.
O terceiro: as melhorias das terras, isto é, tudo o que se dispendeu
proveitosamente para limpá-la, drená-la, cercá-la, adubá-la e deixá-la nas
condições mais adequadas para o plantio direto e o cultivo. Uma fazenda
com aprimoramentos pode ser analisada de forma bastante justa sob a
mesma luz das máquinas úteis que facilitam e abreviam o trabalho, e por
meio das quais um mesmo capital circulante pode proporcionar ao seu
investidor um rendimento muito maior. Uma fazenda com
aprimoramentos é igualmente vantajosa e mais duradoura que qualquer
uma dessas máquinas, requerendo apenas a aplicação mais rentável do
capital investido pelo agricultor para cultivá-la.
O quarto: as capacidades adquiridas e úteis de todos os habitantes ou
membros da sociedade. A aquisição de tais competências, pela
manutenção de quem as adquire durante sua formação acadêmica,
estudos ou aprendizado, sempre se traduz em uma despesa real, que é um
capital, por assim dizer, que está fixo em sua pessoa. Assim como essas
competências fazem parte da fortuna de seu adquirente, elas também
fazem parte daquela sociedade a que ele pertence. A destreza aprimorada
de um trabalhador pode ser analisada sob o mesmo prisma de uma
máquina ou instrumento de trabalho que facilita e abrevia o trabalho, e
que, embora tenha um certo custo, é reembolsada com lucro.253
A terceira e última das três porções em que o capital total da
sociedade se divide naturalmente é o capital circulante, cuja característica
é gerar um rendimento apenas por meio de sua circulação ou mudança
de titular. Ela é igualmente composta de quatro partes.
A primeira: o dinheiro por meio do qual todas as outras três partes
circulam e são distribuídas às pessoas que as consumirão.
A segunda: o estoque de suprimentos do açougueiro, do pecuarista,
do agricultor, do comerciante de grãos, do cervejeiro, etc., de cuja venda
se espera obter lucro.
A terceira: as matérias-primas, compostas totalmente de matérias-
primas propriamente ditas ou de produtos, mais ou menos
manufaturados, de roupas, móveis e edifícios, que ainda não fazem parte
de nenhuma dessas três formas, mas que permanecem nas mãos dos
produtores, dos fabricantes, dos comerciantes de tecidos, dos
comerciantes de madeira, dos carpinteiros, marceneiros, oleiros, etc.
Em quarto lugar, e por último: o trabalho realizado e concluído, mas
que continua nas mãos do comerciante ou do fabricante e ainda não foi
alienado ou distribuído às pessoas que os irão consumir; como, por
exemplo, o produto acabado que costumamos encontrar pronto para o
uso nas lojas do ferreiro, do marceneiro, do ourives, do joalheiro, dos
comerciantes de porcelana, etc. O capital circulante é composto desse
modo de suprimentos, matérias-primas e produtos acabados de todos os
tipos que estão nas mãos de seus respectivos negociantes, e do dinheiro
necessário para fazê-los circular e para distribuí-los àqueles que
finalmente os usarão ou consumirão.
Destas quatro partes, três delas — suprimentos, matérias-primas e
produtos acabados — são regularmente (anualmente, ou em um período
mais longo ou mais curto) retiradas do capital circulante e aplicadas
como capital (capital) fixo ou como capital (stock) reservado para o
consumo imediato.254
Todo capital fixo origina-se de um capital circulante e precisa ser
constantemente suportado por ele. Todas as máquinas úteis e
instrumentos de trabalho originam-se de um capital circulante, o qual
lhes oferece os materiais de que são feitos e o sustento dos trabalhadores
que os fabricam. Eles também exigem um capital do mesmo tipo para
mantê-los sempre em bom estado.
Não há capital fixo capaz de proporcionar rendimento senão por
meio de um capital circulante. As máquinas e os instrumentos de
trabalho mais úteis nada produzirão sem o capital circulante que lhes
entrega os materiais necessários e paga o sustento dos trabalhadores que
os utilizam. A terra, mesmo que aprimorada, não produzirá nenhum
rendimento sem um capital circulante que ofereça sustento aos
trabalhadores que a cultivam e colhem seus produtos.
Manter e ampliar o capital que pode ser reservado para o consumo
imediato é o único fim e propósito tanto do capital fixo quanto do capital
circulante.255 São esses capitais que alimentam, vestem e alojam as
pessoas. A riqueza ou a pobreza delas depende do fornecimento
abundante ou minguado que esses dois capitais podem oferecer ao capital
reservado para o consumo imediato.
A parte do capital circulante constantemente retirada para ser usada
nos outros dois ramos do capital total da sociedade é tão grande que, por
sua vez, precisa ser constantemente abastecida para que não deixe
rapidamente de existir. Esse abastecimento possui três fontes principais:
os produtos da terra, das minas e da pesca. Essas fontes oferecem
suprimentos e matérias-primas de forma constante; parte delas é
incorporada aos produtos acabados e por meio delas são repostos os
suprimentos, as matérias-primas e o trabalho acabado que são
constantemente retirados do capital circulante. Das minas também se
retira o que é necessário para manutenção e aumento da parte do capital
que consiste em dinheiro. Pois, embora no curso normal dos negócios
comerciais essa parte não seja, como as outras três, retirada
obrigatoriamente do capital circulante para ser colocada nos outros dois
ramos do capital total da sociedade, ela irá, no entanto, como todas as
outras coisas, envelhecer e se desgastar; às vezes, também poderá ser
perdida ou enviada para o exterior e, assim, deve requerer um
reabastecimento constante, embora muito menor.
As terras e a exploração de minas e pesqueiros exigem um capital fixo
e um capital circulante para que possam ser mantidas; e, além disso, seus
produtos substituem com lucro não só aqueles capitais, mas todos os
outros capitais da sociedade. Assim, o agricultor anualmente repõe os
suprimentos consumidos e as matérias-primas utilizadas pelo fabricante
no ano anterior; e, ao mesmo tempo, o fabricante repõe ao agricultor o
produto acabado que ficou velho e desgastado no mesmo período. Esse é
o verdadeiro intercâmbio realizado anualmente entre essas duas classes
de pessoas, embora raramente aconteça de a matéria-prima de um ser
trocada diretamente pelos produtos manufaturados do outro, pois
raramente acontece de o agricultor vender seus cereais, seu linho, seu
gado e sua lã para a mesma pessoa da qual compra seu vestuário, seus
móveis e seus instrumentos de trabalho. Ele vende, portanto, sua
matéria-prima por dinheiro, com o qual ele pode, em qualquer lugar,
comprar os produtos manufaturados de que precisa. Pelo menos em
parte, a terra repõe até mesmo os capitais com os quais as minas e os
pesqueiros são explorados. São os produtos da terra que retiram os peixes
da água; e são os produtos da superfície da terra que extraem os minerais
de suas entranhas.
Quando os produtos da terra, das minas e da pesca possuem a mesma
fertilidade natural, eles são proporcionais à quantidade e à aplicação
correta dos capitais utilizados. Quando os capitais são iguais e igualmente
bem aplicados, o produto é proporcional à sua fertilidade natural.
Em todos os países onde há uma segurança razoável, todos, pelo
senso comum, se esforçarão para empregar todo capital que possa
comandar para obter fruição presente ou lucros futuros. Se for utilizado
para a aquisição de fruição presente, então se trata de um capital
reservado para o consumo imediato. Se for utilizado para a obtenção de
lucros futuros, ele deverá buscar esse lucro mantendo o capital em sua
posse ou afastando-se dele. No primeiro caso, o capital é fixo, no outro,
circulante. Sempre que a segurança for razoável, será loucura não aplicar
em alguma dessas três maneiras todo o capital que a pessoa tenha sob seu
comando, seja dela própria ou emprestado.256
É verdade que, nos países mal-afortunados onde as pessoas temem
constantemente a violência de seus superiores, frequentemente elas
enterram e ocultam uma grande parte de seus capitais e, assim, podem
sempre tê-los à mão para levá-los para um lugar seguro sempre que
estiverem ameaçados por quaisquer tipos de desastres a que se veem
expostos a todo momento. Dizem que essa é uma prática comum na
Turquia, no Hindustão e, acredito, na maioria dos outros países da Ásia.
Parece ter sido uma prática comum entre nossos antepassados durante a
violência dos governos feudais. A descoberta de tesouros não era,
naquela época, considerada uma parte desprezível das receitas dos
maiores soberanos na Europa. Eram tesouros enterrados e que,
posteriormente, foram encontrados; tesouros sobre os quais ninguém
tinha como provar a propriedade. Eram considerados tão importantes
naqueles tempos que sempre foram vistos como pertencentes ao
soberano e não a quem os encontrasse, nem ao proprietário da terra,
exceto se o direito estivesse expressamente garantido a este último por
uma cláusula de sua escritura. Estavam em pé de igualdade com as minas
de ouro e de prata, que, sem uma cláusula especial na escritura, não
faziam parte do contrato de concessão geral de terras, diferentemente das
minas de chumbo, cobre, estanho e carvão, que eram vistas como objetos
de menor importância.

CAPÍTULO II
O DINHEIRO CONSIDERADO COMO UM RAMO
ESPECÍFICO DO CAPITAL TOTAL DA SOCIEDADE, OU OS
GASTOS DE MANUTENÇÃO DO CAPITAL NACIONAL
Conforme mostrado no primeiro livro, o preço da maioria dos bens se
resolve em três partes, das quais uma paga os salários do trabalho, a outra
paga os lucros do capital e uma terceira, a renda da terra que foi utilizada
para produzir e levar os produtos para o mercado; foi mostrado que
existem, com efeito, alguns produtos cujo preço é composto por apenas
duas partes: os salários do trabalho e os lucros do capital; e, por fim,
alguns poucos produtos cujo preço consiste em apenas uma parte: os
salários do trabalho; mas o preço de toda mercadoria se resolve
obrigatoriamente em uma, duas ou todas essas três partes; a parte que
não se destina nem ao pagamento de salários nem à renda é,
necessariamente, o lucro de alguém.
Uma vez que este é o caso observado no que diz respeito a todas as
mercadorias individuais tomadas uma a uma; então o mesmo deve valer
para todas as mercadorias que compõem a totalidade do produto anual
da terra e do trabalho de cada país tomadas em conjunto. O preço
integral ou valor de troca desse produto anual será dividido nas mesmas
três partes e distribuído entre os diferentes habitantes do país na forma
de salários de seu trabalho, lucros do seu capital ou renda de suas terras.
Mas, apesar de o valor total do produto anual da terra e do trabalho
de cada país ser dividido entre seus diferentes habitantes e a eles
constituir um rendimento, ainda assim, da mesma forma que na renda de
uma propriedade privada distinguimos entre a renda bruta e líquida,
então podemos fazer a mesma distinção entre os rendimentos de todos
os habitantes de um país grande.
A renda bruta de uma propriedade privada abrange tudo o que é pago
pelo agricultor; a renda líquida é o que sobra para o proprietário da terra
após serem deduzidas as despesas de gestão, de manutenção e todos os
outros encargos necessários; ou o que, sem danificar sua propriedade, ele
pode transferir ao seu capital (stock) reservado para o consumo imediato,
ou o que pode gastar com alimentos, equipamentos, ornamentos para sua
casa e móveis, bem como com seus prazeres e divertimentos privados.
Sua verdadeira riqueza não é proporcional à sua renda bruta, mas, sim, à
sua renda líquida.
O rendimento bruto de todos os habitantes de um grande país
abrange a soma do produto anual de suas terras e do trabalho; o
rendimento líquido é o que sobra após a dedução das despesas para a
manutenção, primeiro, de seu capital fixo, e, em segundo lugar, de seu
capital circulante; ou o que, sem reduzir o capital, pode ser transferido
para o fundo reservado ao consumo imediato, isto é, aquilo que pode ser
gasto com subsistência, comodidades e divertimentos. A riqueza real dos
habitantes de um país também não é proporcional ao seu rendimento
bruto, mas ao líquido.
É evidente que todos os gastos efetuados com a manutenção do
capital fixo devem ser excluídos do rendimento líquido da sociedade.
Também não podem fazer parte dele as matérias-primas necessárias para
a manutenção de suas máquinas e instrumentos de trabalho, seus
edifícios comerciais, etc. nem o produto do trabalho necessário para dar
a forma apropriada à matéria-prima. O preço de tal trabalho pode
certamente fazer parte dele, já que os trabalhadores assim empregados
podem transferir o valor integral de seus salários para seu fundo
reservado para o consumo imediato. Mas em outros tipos de trabalho,
tanto o preço como o produto são transferidos para esse capital (stock). O
preço, para o capital dos trabalhadores; os produtos, para o capital de
outras pessoas cuja subsistência, comodidades e divertimentos
aumentam por meio do trabalho desses trabalhadores.
O objetivo do capital fixo é aumentar os poderes produtivos do
trabalho ou permitir que o mesmo número de trabalhadores realize uma
quantidade de trabalho muito maior. Em uma fazenda onde todos os
edifícios imprescindíveis, cercas, drenos, comunicações, etc. estão na
mais perfeita ordem, o mesmo número de trabalhadores e gado de
trabalho será capaz de produzir muito mais do que em uma extensão de
terras igualmente boas, mas que não esteja esquipada com os mesmos
tipos de comodidades. Nas manufaturas, o mesmo número de mãos,
equipado com as melhores máquinas, irá produzir uma quantidade
muito maior de mercadorias do que quando se utiliza de instrumentos de
trabalho inadequados. Os gastos adequadamente investidos em um
capital fixo qualquer sempre são reembolsados com grandes lucros e
elevam o produto anual a um valor muito maior do que o das despesas
que a promoção desses aprimoramentos requer. Essa despesa, no entanto,
ainda requer uma certa porção do produto. Uma certa quantidade de
matéria-prima e o trabalho de um certo número de trabalhadores que
possam, ambos, ser empregados de forma imediata para aumentar os
alimentos, o vestuário, a habitação, a subsistência e as comodidades da
sociedade são, desse modo, aplicados em outra área altamente vantajosa,
de fato, mas diferente desta. Por essa razão, todos esses aperfeiçoamentos
mecânicos que possibilitam que o mesmo número de trabalhadores
realize uma quantidade igual de trabalho com máquinas mais baratas e
mais simples são sempre considerados vantajosos para toda a sociedade.
Uma certa quantidade de matéria-prima e o trabalho de um certo
número de trabalhadores, que antes eram empregados em máquinas mais
caras e complexas, poderão servir para o aumento da quantidade de
trabalho daquela ou de qualquer outra máquina. Caso o empresário de
uma grande manufatura que aplica 1.000 libras por ano para a
manutenção de suas máquinas consiga reduzir essa despesa para 500
libras, ele irá naturalmente utilizar as outras 500 libras para comprar uma
maior quantidade de matéria-prima, que será transformada por um
número adicional de trabalhadores. A quantidade de trabalho que seu
maquinário consegue realizar aumentará naturalmente, e, com ela, todos
os benefícios e comodidades que a sociedade obtém desse trabalho.
As despesas de manutenção do capital fixo de um grande país podem
ser comparadas muito apropriadamente aos reparos necessários de uma
propriedade privada. Os gastos com reparos costumam ser necessários
para oferecer apoio ao produto daquela propriedade e,
consequentemente, à renda bruta e à renda líquida de seu proprietário.
No entanto, quando, por meio de uma administração mais adequada, é
possível diminuir os gastos sem diminuir o produto, a renda bruta
permanecerá, no mínimo, igual, e a renda líquida será obrigatoriamente
maior.
Mas, embora os gastos totais com a manutenção do capital fixo
fiquem, portanto, necessariamente excluídos das receitas líquidas da
sociedade, o mesmo não ocorre em relação à manutenção do capital
circulante. Das quatro partes que compõem este último capital —
dinheiro, suprimentos, matérias-primas e produto acabado —, as três
últimas, conforme observado, são regularmente retiradas dele e aplicadas
no capital fixo da sociedade ou no capital (stock) reservado para o
consumo imediato. Qualquer parcela desses bens consumíveis que não
seja empregada para a manutenção da primeira será integralmente
transferida para a segunda e passará a fazer parte da receita líquida da
sociedade. A manutenção dessas três partes do capital circulante,
portanto, retira do produto anual das receitas líquidas da sociedade
apenas o que é necessário para a manutenção do capital fixo.
Nesse ponto o capital circulante de uma sociedade é diferente do
capital circulante de um indivíduo. O do indivíduo está totalmente
excluído de seu rendimento líquido, que deve ser composto somente por
seus lucros. Mas embora o capital circulante de todo indivíduo faça parte
do capital circulante da sociedade a que pertence, ele não está, por essa
razão, completamente excluído do rendimento líquido. Embora toda a
mercadoria da loja de um comerciante não deva ser colocada de forma
alguma em seu próprio capital reservado para o consumo imediato, isso
pode ser feito no capital de outras pessoas, que, a partir dos rendimentos
obtidos de outros fundos, podem regularmente repor ao comerciante o
valor das mercadorias juntamente com os seus lucros sem que isso resulte
na diminuição do capital de nenhuma das duas partes.
O dinheiro, portanto, é a única parte do capital circulante de uma
sociedade cuja manutenção pode causar alguma diminuição em seu
rendimento líquido.257
O capital fixo e a parte do capital circulante que consiste em dinheiro,
na medida em que afetam o rendimento da sociedade, guardam entre si
uma semelhança muito grande.
Em primeiro lugar, tendo em vista que aquelas máquinas,
instrumentos de trabalho, etc. exigem certa despesa para que sejam
construídos e para que sejam mantidos, essas duas despesas, embora
façam parte do rendimento bruto, são deduções do rendimento líquido
da sociedade; da mesma forma, o capital em dinheiro que circula em
todo o país exige certos gastos, primeiro para produzi-lo e, em seguida,
para mantê-lo; despesas que, embora façam parte da receita bruta, são da
mesma forma deduções do rendimento líquido da sociedade. Uma
determinada quantidade de matéria-prima muito valiosa, prata e ouro, e
de mão de obra muito especializada, em vez de aumentar o capital
reservado para o consumo imediato, a subsistência, as comodidades e o
lazer dos indivíduos, é empregada na manutenção desse notável, mas
caro, instrumento de comércio, por meio do qual cada indivíduo da
sociedade tem sua subsistência, comodidade e lazer regularmente
distribuídos em proporções adequadas.
Em segundo lugar, assim como as máquinas, os instrumentos de
trabalho, etc. que compõem o capital fixo de um indivíduo ou de uma
sociedade não fazem parte nem do rendimento bruto nem do
rendimento líquido de nenhum dos dois, o dinheiro, por meio do qual o
total dos rendimentos da sociedade é regularmente distribuído entre
todos os seus diferentes membros, também não faz parte daqueles
rendimentos. A grande roda da circulação é totalmente diferente das
mercadorias que circulam por meio dela. O rendimento da sociedade é
formado pela totalidade das mercadorias que nela circulam, e não pela
roda que as circula. Ao contabilizarmos os rendimentos brutos ou
líquidos de uma sociedade qualquer, devemos sempre deduzir, da
circulação anual total de dinheiro e bens, o valor total do dinheiro, dos
quais nem mesmo um único quarto de penny deve jamais fazer parte.
Somente a ambiguidade da linguagem pode fazer com que essa
proposição pareça duvidosa ou paradoxal. Ao ser devidamente explicada
e compreendida, ela quase se torna evidente por si só.
Quando falamos de um valor específico qualquer em dinheiro, às
vezes temos em mente apenas as peças de metal que compõem tal
quantidade, às vezes nosso significado inclui uma referência obscura aos
bens que podem ser obtidos em troca desse valor, ou ao poder de compra
que sua posse transmite. Assim, quando dizemos que a moeda circulante
da Inglaterra foi calculada em 18 milhões, queremos apenas expressar a
quantidade de peças de metal que circulam no país de acordo com o
cálculo, ou melhor, de acordo com a estimativa de certos autores. Mas
quando dizemos que um homem vale 50 ou 100 libras por ano,
queremos, em linguagem comum, expressar não apenas a quantidade das
peças de metal que são anualmente pagas a ele, mas o valor das
mercadorias que ele anualmente pode adquirir ou consumir.
Normalmente desejamos verificar qual é ou deveria ser seu nível de vida,
ou seja, a quantidade e a qualidade dos bens de primeira necessidade e
comodidades que a pessoa pode proporcionar a si mesma.
Por meio de uma determinada soma em dinheiro, podemos expressar
não apenas a quantidade de peças de metal que compõem essa soma, mas
também incluir em sua significação alguma referência obscura às
mercadorias que podem ser obtidas em troca delas; neste caso, a riqueza
ou o rendimento é igual apenas a um dos dois valores, que são, assim, um
tanto ambiguamente, referidos pela mesma palavra, a qual é mais
apropriada ao segundo caso que ao primeiro, isto é, mais aos
benefícios258 do dinheiro que ao dinheiro em si.
Assim, suponhamos que 1 guinéu seja a pensão semanal de uma
determinada pessoa; com isso, ela poderá comprar no decorrer da
semana uma certa quantidade de itens de subsistência, comodidades e
lazer. À medida que tal quantidade seja grande ou pequena, sua
verdadeira riqueza, isto é, o rendimento semanal, também o será. Seu
rendimento semanal certamente não é igual ao guinéu e, ao mesmo
tempo, ao que pode ser comprado com ele, mas somente a um desses
dois valores iguais; mais adequadamente ao segundo valor que ao
primeiro, mais aos benefícios do guinéu do que ao guinéu em si.259
Se a pensão dessa mesma pessoa não fosse paga a ela em ouro, mas
em uma nota de crédito semanal equivalente a 1 guinéu, seu rendimento
certamente não consistiria literalmente no pedaço de papel, mas em tudo
que é possível comprar com ele. Um guinéu pode ser considerado como
uma ordem de pagamento equivalente a uma determinada quantidade de
bens de primeira necessidade e comodidades, e aceita por todos os
comerciantes da região. O rendimento da pessoa a quem se paga a nota
ou ordem de pagamento não consiste literalmente em uma peça de ouro,
mas naquilo que pode ser obtido com ela ou naquilo que é possível ser
trocado por ela. Caso não pudesse ser trocada por nada, seu valor não
seria maior que o do papel mais inútil, como uma nota emitida por
alguém que foi à falência.
Embora o rendimento semanal ou anual de todos os diferentes
habitantes de um país qualquer possa, da mesma forma, ser pago em
dinheiro (e na realidade é isso o que ocorre com frequência), suas
verdadeiras riquezas — o rendimento real semanal ou anual de todos eles
juntos — devem, no entanto, ser sempre maiores ou menores em
proporção à quantidade de bens de consumo que todos eles podem
comprar com esse dinheiro. Evidentemente, o rendimento total dos
habitantes não é igual ao dinheiro nem aos bens de consumo em
conjunto, mas apenas a um desses dois valores, e mais ao último que ao
primeiro.
Embora o rendimento de uma pessoa seja frequentemente indicado
pela quantidade de peças de metal que são anualmente pagas a ela, isso
ocorre porque a quantidade dessas peças regula a extensão de seu poder
de compra ou o valor dos bens que ela pode pagar anualmente por seu
consumo. E ainda assim consideramos que seu rendimento consiste no
poder de compra ou consumo, e não nas peças que exprimem esse poder.
Mas se isso é suficientemente evidente, até mesmo no que se refere a
um indivíduo, é ainda mais evidente no que diz respeito a toda uma
sociedade. Muitas vezes, a quantidade de peças de metal pagas
anualmente a um indivíduo é exatamente igual ao seu rendimento; por
isso, a melhor e mais resumida expressão de seu valor. Mas a quantidade
de peças de metal que circula em uma sociedade nunca é igual às receitas
de todos os seus membros. Assim como a mesma moeda de guinéu que
hoje paga a pensão de uma pessoa pode, amanhã, pagar a de uma outra e,
depois de amanhã, a de uma terceira, a quantidade de peças de metal que
circula anualmente em todo o país deve sempre ter um valor muito
menor do que o total de pensões anuais pagas com essas peças. Mas o
poder de compra, ou o total de bens que podem ser sucessivamente
comprados com o total dessas pensões em dinheiro, deve sempre ser
igual ao valor de todas as pensões; o mesmo deve ocorrer em relação aos
rendimentos das diferentes pessoas que as recebem. Esse rendimento,
portanto, não pode consistir naquelas peças de metal, pois sua
quantidade é muito inferior ao seu valor; deve consistir no poder de
compra, nos bens que podem ser sucessivamente comprados com elas
conforme circulam de mão em mão.260
Embora o dinheiro — a grande roda da circulação, o grande
instrumento do comércio —, assim como todos os outros instrumentos
de trabalho, faça parte (e uma parte valiosa) do capital, ele não integra o
rendimento da sociedade à qual pertence; e, apesar de as peças de metal
que a integram distribuírem, no decorrer de sua circulação anual, os
rendimentos que pertencem a cada uma das pessoas, elas não fazem
parte daquelas receitas.261
Em terceiro e último lugar, as máquinas e instrumentos de trabalho,
etc. que compõem o capital fixo possuem mais uma semelhança com a
parte do capital circulante que consiste em dinheiro: assim como a
economia realizada com os gastos de construção e manutenção das
máquinas, que não prejudica as forças produtivas do trabalho, é uma
elevação do rendimento líquido da sociedade, então toda economia com
os gastos de coleta e administração da parte do capital circulante que
consiste em dinheiro é uma elevação exatamente do mesmo tipo.
É suficientemente óbvio, e em parte também já explicado, a forma
como toda a economia com os gastos de administração do capital fixo é
um aperfeiçoamento do rendimento líquido da sociedade. A
integralidade do capital de quem contrata qualquer trabalho (isto é, do
empresário) está obrigatoriamente distribuída entre seus capitais fixo e
circulante. Enquanto todo o seu capital for o mesmo, quanto menor for
uma das partes, maior será a outra. O capital circulante fornece as
matérias-primas e os salários do trabalho e, desse modo, é ele quem põe
o trabalho em movimento. Portanto, toda economia realizada com os
gastos de manutenção do capital fixo que não diminua as forças
produtivas do trabalho deve aumentar o fundo que coloca o trabalho em
movimento e, consequentemente, o produto anual da terra e do trabalho,
o verdadeiro rendimento de toda sociedade.
A troca das moedas de ouro e prata por papel substitui um
instrumento comercial muito caro por outro muito menos dispendioso e,
às vezes, igualmente apropriado. A circulação passa a ser operada por
uma nova roda, a qual possui construção e manutenção menos custosas
que a anterior. Mas a execução dessa operação, a forma como ela tende a
aumentar ou a receita bruta ou a líquida da sociedade, não é tão óbvia
assim, e, portanto, pode exigir alguma explicação adicional.
Existem diferentes tipos de papel-moeda; mas as notas de circulação
de bancos e banqueiros são as espécies mais conhecidas e as que parecem
estar mais bem adaptadas para essa finalidade.
Sempre que o povo de um país qualquer tem confiança suficiente na
fortuna, probidade e prudência de um banqueiro específico, e acredita
que, sempre que requisitado, ele estará pronto para pagar as notas
promissórias que, a qualquer momento, sejam apresentadas a ele; então
essas notas passam a ser moeda corrente como o ouro e a prata, pois
existe a confiança de que esse dinheiro poderá ser recuperado a qualquer
momento por eles.262
Façamos uma suposição: um banqueiro específico empresta suas
próprias notas promissórias a seus clientes até o valor de 100 mil libras. Já
que essas notas se adequam a todos os propósitos do dinheiro, seus
devedores lhe pagarão os mesmos juros como se ele houvesse emprestado
a eles a mesma soma em dinheiro. Esses juros são a fonte de seu ganho.
Embora algumas daquelas notas sejam constantemente devolvidas para
pagamento, parte delas continua a circular por meses e anos. Embora
suas notas em circulação alcancem em geral 100 mil libras, um estoque
de 20 mil libras em ouro e prata costuma ser uma provisão suficiente
para atender às demandas ocasionais que possam surgir. Por essa
operação, portanto, 20 mil libras em ouro e prata cumprem todas as
funções que poderiam ser realizadas por 100 mil.263 Portanto, as mesmas
trocas podem ser feitas, a mesma quantidade de bens de consumo pode
circular e ser distribuída às pessoas que os irão consumir por meio de
suas notas promissórias, que totalizam 100 mil libras ou por igual valor
em moedas de ouro e prata. É possível, dessa forma, deixar de fazer
circular 80 mil libras de ouro e prata no país; e se for necessário realizar
diferentes operações da mesma natureza ao mesmo tempo por diferentes
bancos e banqueiros, toda a circulação poderá, portanto, ser realizada
apenas com a quinta parte do ouro que de outra forma se exigiria.
Imaginemos, por exemplo, que a soma do dinheiro em circulação de
determinado país em determinado momento seja 1 milhão de libras
esterlinas, e que essa soma seja suficiente para fazer circular todo o
produto anual de suas terras e trabalho. Vamos supor também que,
algum tempo depois disso, vários bancos e banqueiros passaram a emitir
notas promissórias pagáveis ao portador no valor total de 1 milhão,
reservando em seus diferentes cofres 200 mil libras para atender a
quaisquer demandas ocasionais. Haveria, portanto, na prática, 800 mil
libras em ouro e prata e 1 milhão em notas bancárias, isto é, 1.800.000
libras em papéis e moedas. Mas o produto anual da terra e do trabalho do
país exigia anteriormente apenas um milhão para fazer circular e
distribuir seus produtos aos seus consumidores, e, além disso, o produto
anual não pode ser imediatamente aumentado por meio das operações
bancárias. Após essas operações, um milhão, portanto, será suficiente
para fazer circular o produto anual. Já que os bens comprados e vendidos
serão exatamente os mesmos de antes, a mesma quantidade de dinheiro
será suficiente para comprá-los e vendê-los.264 O canal de circulação, se
me permitem uma expressão, continuará a ser precisamente o mesmo de
antes. Suponhamos que 1 milhão de libras seja suficiente para preencher
esse canal. Assim, tudo que nele for vertido além dessa soma não
conseguirá fluir pelo canal, transbordando-o. Um milhão e oitocentas mil
libras são vertidas no canal. Haverá o transbordamento, portanto, de 800
mil libras, já que a soma está acima do valor que o país consegue
empregar na circulação. Mas, embora essa soma não possa ser empregada
internamente, ela é muito valiosa para que fique ociosa, e, por isso, será
enviada ao exterior com o objetivo de buscar uma aplicação vantajosa
que não consegue encontrar internamente. Mas os papéis não podem ir
para o estrangeiro, pois eles não serão recebidos nos pagamentos comuns
devido à distância entre eles e os bancos que os emitiram e o país em que
o pagamento deles pode ser exigido por lei. Ouro e prata, portanto, no
montante de 800 mil libras, serão enviados no estrangeiro, e o canal
doméstico de circulação continuará a ser preenchido com 1 milhão em
papéis, e não com o milhão em metais que antes preenchiam o canal.265
Mas, embora uma grande quantidade de ouro e prata seja, assim,
enviada ao exterior, não devemos imaginar que esse envio ao exterior é
realizado em troca de nada, ou que seus proprietários entreguem prata e
ouro às nações estrangeiras como se fossem um presente. Os metais serão
trocados por algum tipo de mercadoria estrangeira que deverá suprir a
demanda de seu próprio país ou a de algum outro país estrangeiro.
Caso esse dinheiro seja aplicado para comprar mercadorias de um
país estrangeiro com o objetivo de suprir a demanda de um outro país
estrangeiro, isto é, para o comércio de transporte, o lucro obtido será
adicionado ao rendimento líquido de seu próprio país. Funciona como
um novo fundo, criado para o exercício de um novo comércio; desse
modo, os negócios domésticos passam a ser transacionados por meio dos
papéis, enquanto o ouro e a prata são convertidos para os fundos desse
novo comércio.
Caso esse dinheiro seja aplicado para comprar mercadorias
estrangeiras para o consumo interno, pode-se, em primeiro lugar,
comprar mercadorias, tais como vinhos estrangeiros, sedas estrangeiras,
etc. que poderão ser consumidas por pessoas ociosas que nada
produzem; ou, em segundo lugar, pode-se comprar um estoque adicional
de matérias-primas, ferramentas e suprimentos para manter e empregar
um número adicional de pessoas diligentes, que reproduzem, com lucro,
o valor de seu consumo anual.
Quando é aplicado da primeira forma, ele promove a prodigalidade,
aumenta os gastos e o consumo sem aumentar o produto ou sem
estabelecer qualquer fundo permanente para sustentar esse gasto, e, em
todos os aspectos, prejudica a sociedade.
Quando é aplicado da segunda forma, promove o trabalho; e, embora
eleve o consumo da sociedade, fornece um fundo permanente para
sustentar esse consumo, pois as pessoas que o consomem repõem com
lucro todo o valor de seu consumo anual. O rendimento bruto da
sociedade, o produto anual de suas terras e trabalho, é aumentado pelo
valor que o trabalho dos empregados acrescenta às matérias-primas
utilizadas; já o rendimento líquido sofre o mesmo efeito pelo que resta
desse valor, deduzindo-se o que é necessário para a manutenção das
ferramentas e dos instrumentos de seu trabalho.
Além de provável, parece ser quase inevitável que a maior parte do
ouro e da prata — a qual, ao ser forçada para o exterior por essas
operações bancárias, é empregada na compra de mercadorias
estrangeiras para o consumo interno — seja e deva ser empregada na
compra dos bens desse segundo tipo. Embora certas pessoas às vezes
consigam aumentar bastante seus gastos sem aumentar seus
rendimentos, podemos estar certos de que nenhuma classe ou ordem de
pessoas jamais o faz; pois, embora os princípios da prudência comum
nem sempre governem a conduta de cada indivíduo, eles sempre
influenciam a conduta da maioria dos indivíduos de cada classe ou
ordem.266 Mas os rendimentos das pessoas ociosas, consideradas como
uma classe ou ordem, não podem, em menor grau, ser aumentados por
meio de operações bancárias. Seus gastos em geral, portanto, não podem
ser muito aumentados por meio delas, embora isso possa ocorrer, e na
verdade ocorre, com alguns indivíduos do grupo. Portanto, se as pessoas
ociosas demandarem mercadorias estrangeiras e essa demanda
permanecer a mesma ou quase a mesma de antes, é provável que apenas
uma pequena parte do dinheiro levado ao estrangeiro por essas
operações bancárias seja utilizada para a compra de mercadorias
estrangeiras para consumo interno. A maior parte se destinará
naturalmente para o trabalho, e não para a manutenção da ociosidade.
Quando calculamos a quantidade de trabalho que o capital circulante
de uma sociedade qualquer pode empregar, sempre devemos levar em
conta apenas as partes formadas pelos seguintes elementos: suprimentos,
matérias-primas e produtos acabados; a outra parte, formada por
dinheiro e que serve apenas para a circulação dos três elementos
anteriores, deverá ser sempre deduzida. Três itens são necessários para
colocar o trabalho em movimento: matérias-primas a serem trabalhadas,
ferramentas de trabalho e salários ou remuneração pela qual o trabalho é
realizado. O dinheiro não é nem matéria-prima para ser trabalhada nem
ferramenta de trabalho; e, apesar de o salário do trabalhador ser
comumente pago a ele em dinheiro, seu rendimento verdadeiro, como a
de todas as outras pessoas, não consiste no dinheiro em si, mas no valor
do dinheiro; não consiste nas peças de metal, mas no que pode ser
comprado com elas.
A quantidade de trabalho que pode ser empregada pelo capital deve,
evidentemente, ser igual ao número de trabalhadores a quem o capital
pode oferecer matérias-primas, ferramentas e salários adequados à
natureza do trabalho. O dinheiro poderá ser necessário para comprar as
matérias-primas e as ferramentas de trabalho, bem como para o sustento
dos trabalhadores. Mas a quantidade de trabalho que pode ser
empregada por todo o capital certamente não é igual nem às matérias-
primas, ferramentas e aos salários que são adquiridos com o dinheiro
nem ao dinheiro que os compra; mas é igual apenas a um desses dois
valores, mais precisamente ao primeiro que ao último.
Quando as moedas de ouro e de prata são substituídas pelo papel, a
quantidade de matérias-primas, ferramentas e salários que a soma do
capital circulante é capaz de oferecer pode ser aumentada pelo valor total
de ouro e prata que costumava ser utilizado para comprá-los. O valor
total da grande roda da circulação e distribuição é adicionado às
mercadorias que circulam e são distribuídas por meio dela. A operação,
em certa medida, se assemelha à do empresário de uma grande oficina
que, em consequência de alguns avanços mecânicos, aposenta suas
antigas máquinas e adiciona a diferença entre seu preço e o preço das
novas máquinas ao seu capital circulante, isto é, ao fundo de onde ele
retira as matérias-primas e os salários para os seus funcionários.
Talvez seja impossível determinar a proporção entre a moeda que
circula em um país qualquer e o valor total do produto anual que circula
por meio dela. Cada autor calculou uma proporção diferente, a saber, 1/5,
1/10, 1/20 e 1/30 desse valor. Mas, por menor que seja a proporção entre
a moeda circulante e o valor total do produto anual, como apenas uma
parte do produto — e frequentemente apenas uma pequena parte dele —
já está destinada à manutenção da atividade do trabalho, sempre terá
uma proporção considerável em relação a essa parte. Dessa forma,
quando, ao serem substituídos por papel, o ouro e a prata necessários
para a circulação são reduzidos a, talvez, 1/5 da quantidade anterior, se
for acrescentado aos fundos para a manutenção da atividade do trabalho
apenas o valor da maior parte dos outros 4/5, isso deverá constituir um
acréscimo muito considerável à quantidade de trabalho e,
consequentemente, ao valor do produto anual da terra e do trabalho.
Uma operação desse tipo foi realizada na Escócia durante os últimos
25 ou 30 anos, com a instalação de novas empresas do setor bancário em
quase todas as cidades de porte considerável e até mesmo em alguns
povoados do interior do país. Os efeitos disso foram precisamente os
acima descritos. Os negócios do país são quase todos realizados por meio
dos papéis das diferentes empresas bancárias, com os quais as compras e
os pagamentos de todos os tipos são comumente realizados. A prata é
vista raramente, aparecendo somente como troco de uma nota bancária
de 20 xelins, e o ouro, de forma mais rara ainda. Embora todas essas
diferentes empresas não apresentassem condutas muito exemplares —
necessitando, inclusive, de uma lei que as regulamentasse —, o país, não
obstante, obteve grandes vantagens de seu negócio. Ouvi dizer que as
atividades da cidade de Glasgow duplicaram em cerca de quinze anos
após a instalação dos primeiros bancos; e que a economia da Escócia
mais que quadruplicou desde a implantação dos dois primeiros bancos
públicos de Edimburgo, dos quais um, chamado de Banco da Escócia, foi
estabelecido por uma lei de 1695; o outro, chamado Banco Real, por uma
autorização real de 1727. Não tenho como saber se as atividades da
Escócia, em geral, ou da cidade de Glasgow, em particular, realmente
cresceram tanto durante um período tão curto. Caso esse crescimento
tenha ocorrido nas proporções indicadas, essa parece ser uma
consequência muito grande para ter ocorrido pela operação exclusiva
desta causa. No entanto não há como duvidar de que, na Escócia, as
atividades e o trabalho aumentaram consideravelmente durante o
período e que os bancos têm contribuído muito para esse crescimento.
O valor das moedas de prata que circulavam na Escócia antes da
união, em 1707, e que, imediatamente depois, foram levadas para o
Banco da Escócia para ser novamente cunhadas, era de 411.117 libras
esterlinas, 10 xelins e 9 pence. Não há contabilização das moedas de ouro,
mas, pelas contas antigas da casa da moeda da Escócia, parece que o
valor do ouro anualmente cunhado ultrapassava um pouco o da prata.267
Na ocasião, também houve um bom número de pessoas que,
desconfiadas do reembolso, não levaram sua prata para o Banco da
Escócia e, além disso, algumas moedas inglesas não foram requisitadas.
O valor total de ouro e prata, portanto, que circulava na Escócia antes da
união das coroas não pode ser estimado em menos de 1 milhão de libras
esterlinas. Essa era quase toda a moeda em circulação no país. Devemos
levar em conta que, embora a moeda em circulação do Banco da Escócia,
que na época não tinha concorrentes, fosse considerável, sua participação
era apenas de uma parte muito pequena do todo. Nos tempos atuais, o
dinheiro em circulação na Escócia não pode ser estimado em menos de 2
milhões de libras; sendo que a parte formada por ouro e prata muito
provavelmente não chegue a 500 mil libras esterlinas. Mas embora a
circulação de ouro e prata da Escócia tenha diminuído muito durante
esse período, o mesmo não parece ter ocorrido com sua verdadeira
riqueza e prosperidade. Pelo contrário, houve um evidente crescimento
de sua agricultura, indústria e comércio, isto é, do produto anual de suas
terras e do trabalho.
A maior parte dos bancos e banqueiros emite suas notas promissórias
pelo desconto de letras de câmbio, ou seja, adiantam o dinheiro devido a
elas antes do vencimento. Seja qual for o valor adiantado, eles sempre
deduzem os juros legais até o vencimento da letra. O pagamento da letra
em seu vencimento restitui ao banco o valor que havia sido adiantado
juntamente com o lucro líquido dos juros. Ao descontar a letra, o
adiantamento que o banqueiro faz ao comerciante não é formado por
ouro e prata, mas por notas promissórias do banco; assim, ele tem a
vantagem de poder descontar uma soma muito maior pelo valor total de
suas notas promissórias que, ele sabe por experiência, costumam estar
em circulação. Pode, assim, obter um ganho líquido em juros sobre uma
soma muito maior.268
O comércio da Escócia, que, neste momento, não é muito grande, era
ainda menos importante na época em que seus dois primeiros bancos
foram estabelecidos; e haveria pouquíssimas atividades dessas duas
companhias se elas tivessem confinado seus negócios ao desconto de
letras de câmbio. Por isso, inventaram outro método de emissão de suas
notas promissórias: a concessão do que chamaram de contas de caixa,
isto é, ofereciam certa quantia em crédito (2 ou 3 mil libras, por exemplo)
a qualquer pessoa que conseguisse apresentar dois fiadores com crédito
inquestionável e boas terras como garantias de que, mediante pedido do
banco e dentro dos limites do crédito concedido, pudessem restituir todo
o dinheiro adiantado juntamente com os juros legais. Eu acredito que
esse tipo de crédito é geralmente concedido por bancos e banqueiros de
todo o mundo. Mas as facilidades de reembolso aceitas pelos bancos
escoceses são, tanto quanto eu sei, peculiares a eles e, talvez, a principal
causa tanto do grande volume de atividades dessas empresas quanto dos
benefícios que o país tem obtido deles.
Qualquer um que tenha um crédito desse tipo com uma dessas
companhias e tome emprestadas mil libras, por exemplo, poderá
reembolsar a soma em prestações de 20 e 30 libras por vez, sendo que o
banco descontará uma parte proporcional dos juros do valor principal
desde o dia em que cada uma das pequenas prestações é paga até que,
dessa forma, o valor total seja reembolsado. Todos os comerciantes,
portanto, e quase todos os empresários acham conveniente manter essas
contas de caixa com os bancos e se interessam, assim, em promover a
atividade comercial dessas companhias recebendo prontamente suas
notas em todos os pagamentos e incentivando todas as pessoas de sua
esfera de influência a fazer o mesmo. Os bancos, sempre que seus clientes
lhes pedem dinheiro, geralmente o adiantam por meio de notas
promissórias próprias. Os comerciantes entregam as notas aos fabricantes
em troca de bens, os fabricantes as entregam aos agricultores em troca de
matérias-primas e suprimentos, os agricultores aos donos da terra como
arrendamento, os donos de terras as devolvem aos comerciantes em troca
de comodidades e bens de luxo que fornecem a eles e, por fim, os
comerciantes as devolvem aos bancos para manter o saldo positivo de
suas contas de caixa ou para reembolsar algum dinheiro tomado
emprestado dos bancos; e, assim, quase todos os negócios que envolvem
dinheiro de todo o país são transacionados por meio dos bancos. Daí os
grandes negócios dessas companhias.269
Por meio dessas contas de caixa, os comerciantes podem, sem
cometer imprudência, realizar transações comerciais muito maiores do
que seria possível sem as contas. Imaginemos dois comerciantes, um em
Londres e o outro em Edimburgo, que aplicam um capital igual em um
mesmo ramo comercial; o de Edimburgo poderá, sem imprudência,
realizar maiores transações comerciais e empregar um maior número de
pessoas do que o comerciante de Londres. O comerciante de Londres,
para responder às sucessivas demandas para pagamento das mercadorias
compradas a crédito, deve sempre ter uma soma considerável de dinheiro
que não lhe renda juros, seja em seus próprios cofres, seja nos de seu
banqueiro. Digamos que a quantidade comum dessa soma seja 500 libras.
O valor das mercadorias de seu armazém deverá ser sempre 500 libras
menor do que poderia ser se ele não tivesse sido obrigado a manter essa
soma parada. Suponhamos que, uma vez ao ano, ele consiga, em geral,
movimentar todo o seu estoque ou vender todas as suas mercadorias no
valor desse estoque. Sendo obrigado a manter ociosa uma soma tão
grande, o comerciante deve vender em um ano 500 libras a menos em
bens do que venderia em outro caso. Seus lucros anuais devem ser
menores, proporcionalmente a tudo o que ele poderia ter ganhado com a
venda de 500 libras a mais de bens; e o número de pessoas empregadas na
preparação de seus bens para o mercado será menor proporcionalmente
às 500 libras a mais que poderiam ter sido utilizadas.
O comerciante de Edimburgo, por outro lado, não mantém dinheiro
parado para responder a essas demandas ocasionais. Quando elas
realmente ocorrem, ele as satisfaz por meio de sua conta de depósitos
com o banco e gradualmente substitui a soma emprestada com o
dinheiro ou o papel das vendas ocasionais de seus bens. Com o mesmo
capital, portanto, ele pode, sem ser imprudente e a qualquer momento,
ter em seu armazém uma quantidade maior de bens que o comerciante
de Londres; pode, assim, ter maiores lucros e oferecer emprego constante
para um número maior de pessoas diligentes que irão preparar as
mercadorias para o mercado. Daí vem o grande benefício que o país tem
obtido pelas atividades bancárias.
Pode-se imaginar de fato que a facilidade de descontar letras de
câmbio oferece aos comerciantes ingleses uma conveniência equivalente
às contas de caixa dos comerciantes escoceses. Mas devemos lembrar que
os comerciantes escoceses podem descontar suas letras de câmbio de
forma tão fácil quanto os comerciantes ingleses; mas, além disso, há a
conveniência adicional de suas contas de caixa.
O papel-moeda total de qualquer tipo que circula facilmente em um
país nunca pode exceder o valor do ouro e da prata que ele substitui ou
que ali circularia (supondo que as atividades comerciais são as mesmas)
se o papel-moeda não existisse. Se as notas de 20 xelins, por exemplo, são
as cédulas de menor valor na Escócia, o total de dinheiro em circulação
não poderá exceder a soma de ouro e prata que seria necessária para
efetuar as transações anuais de 20 xelins ou mais que geralmente se
realizam naquele país. Já que o excesso de papel-moeda em circulação
não pode nem ser enviado para o exterior nem ser empregado na
circulação interna do país, se, a qualquer momento, ele exceder aquela
quantia, então deverá retornar imediatamente aos bancos para que seja
trocado por ouro e prata. Ao perceberem que possuem mais papéis do
que precisam para suas transações domésticas, e, por não poderem enviá-
los ao exterior, muitas pessoas exigiriam dos bancos sua troca imediata
por ouro e prata. Assim que esse papel supérfluo é convertido em ouro e
prata, pode adquirir uma utilidade imediata ao ser enviado para o
exterior; utilidade inexistente enquanto o dinheiro é mantido na forma
de papel. Assim, haveria uma corrida aos bancos para realizar a troca de
todos os papéis e, caso as instituições demonstrassem alguma dificuldade
ou demorassem a pagar, o alarme que isso geraria causaria,
necessariamente, uma maior corrida aos bancos.270
Além dos gastos que são comuns a todos os ramos de negócio, como
as despesas de aluguel, os salários dos funcionários, secretários,
contabilistas, etc., as despesas peculiares a um banco consistem
principalmente em dois itens: o primeiro é a despesa realizada para a
guarda contínua em seus cofres de uma grande soma de dinheiro
metálico para atender às demandas ocasionais dos titulares de suas notas,
soma que deixa de receber juros; e o segundo item é a despesa para o
rápido reabastecimento dos cofres tão logo sejam esvaziados na resposta
a tais demandas ocasionais.
Uma empresa bancária, que emite mais papéis do que os que podem
ser utilizados na circulação do país e cujo excesso faz com que eles sejam
constantemente devolvidos ao banco para pagamento, deverá aumentar a
quantidade de ouro e prata que guarda em seus cofres não só em
proporção a esse aumento excessivo da circulação de papéis, mas em uma
proporção muito maior, pois suas notas serão devolvidas em velocidade
muito maior que o aumento excessivo de sua quantidade. Tal empresa,
portanto, deverá aumentar os gastos do primeiro item não só em
proporção ao aumento forçado de seus negócios, mas em uma proporção
muito maior.
Além de os cofres da empresa precisarem ser reabastecidos com
muito mais, eles também acabam se esvaziando muito mais rapidamente
do que se a sua atividade estivesse confinada dentro de limites mais
razoáveis; e, além de exigirem custos muito maiores para que sejam
reabastecidos, também devem exigir despesas mais constantes e
ininterruptas. As moedas que, portanto, são constantemente retiradas em
grandes quantidades de seus cofres não podem ser utilizadas na
circulação do país. Elas substituem um papel que está muito além do que
pode ser empregado na circulação e, portanto, muito além do que
também pode ser utilizado no país. Mas, já que a moeda não poderá ficar
ociosa, ela deverá, de uma forma ou de outra, ser enviada ao exterior,
com o objetivo de encontrar a aplicação rentável que não encontra em
seu país de origem; e essa exportação constante de ouro e prata causa
mais dificuldades e, necessariamente, maiores gastos do banco em sua
busca por mais ouro e prata para abastecer os cofres que foram
esvaziados de forma tão rápida. Portanto, uma empresa desse tipo deve,
proporcionalmente a esse aumento forçado de seus negócios, aumentar o
segundo item de seus gastos em proporção muito maior que o primeiro
item.
Imaginemos que todos os papéis de um banco qualquer que a
circulação do país possa facilmente absorver e empregar equivalha a
exatamente 40 mil libras; e que, para atender a demandas ocasionais, este
banco é obrigado a manter em seus cofres uma quantidade constante de
10 mil libras em ouro e prata. Caso esse banco tente colocar 44 mil libras
em circulação, as 4 mil libras que excedem aquilo que a circulação
consegue facilmente absorver e empregar serão devolvidas ao banco
quase tão rapidamente quanto a emissão desses papéis. Para atender a
demandas ocasionais, portanto, esse banco deverá manter
constantemente em seus cofres 14 mil libras e não apenas 11 mil. Desse
modo, a circulação das 4 mil libras a mais não lhe renderá juros, e o
banco perderá o total de gastos utilizados para a coleta das 4 mil libras
em ouro e prata que estarão de forma constante saindo de seus cofres
com a mesma rapidez com que entraram.
Se cada um dos bancos tivesse sempre compreendido e cuidado de
seu próprio interesse particular, nunca teria havido excesso de notas
bancárias em circulação. Ocorre que os bancos nunca compreenderam e
cuidaram de seus próprios interesses particulares e, por isso, a circulação
foi frequentemente sobreabastecida com papel-moeda.
Ao emitir uma quantidade muito grande de papel, cujo excesso é
ininterruptamente devolvido para ser trocado por ouro e prata, o Banco
da Inglaterra se viu obrigado por muitos anos a cunhar moedas de ouro
que somavam valores entre 800 mil e 1 milhão de libras por ano; ou, em
média, 850 mil libras. Para esse fim, o banco, em consequência do estado
degradado e desgastado em que se encontravam as moedas de ouro há
alguns anos, era frequentemente obrigado a comprar barras de ouro ao
elevado preço de 4 libras a onça, que, logo depois, cunhava por 3 libras,
17 xelins e 10,5 pence a onça, perdendo, dessa forma, de 2,5% a 3% sobre
a cunhagem de uma soma tão grande. Embora o banco não precisasse
pagar taxas de senhoriagem e o governo estivesse a cargo da despesa de
cunhagem, a generosidade do governo não evitou que o Banco da
Inglaterra tivesse gastos.271
Os bancos escoceses, em consequência de um mesmo tipo de excesso,
eram obrigados a manter agentes permanentes em Londres para recolher
o dinheiro necessário, com gastos que raramente estavam abaixo de 1,5%
ou 2%. O dinheiro era enviado em carros e assegurado pelos
transportadores por um gasto adicional de 0,75%, isto é, 15 xelins por
cada 100 libras. Os agentes nem sempre conseguiam reabastecer os cofres
de seus empregadores com a mesma rapidez com que eram esvaziados.
Nesse caso os bancos emitiam letras de câmbio a seus correspondentes
em Londres contendo o valor de que necessitavam. Quando esses
correspondentes levavam as notas aos bancos para o pagamento desse
montante, juntamente com os juros e a comissão devida, alguns desses
bancos, pelo incômodo que o excesso de papéis em circulação havia lhes
causado, não tinham outra forma de satisfazer esse débito senão pelo
lançamento de uma segunda letra de câmbio para o mesmo ou para um
outro grupo de correspondentes em Londres; e a mesma soma, ou
melhor, notas representando a mesma soma, faziam, assim, mais de duas
ou três viagens; o devedor, isto é, o banco, pagava sempre os juros e a
comissão sobre o valor acumulado do montante. Até mesmo os bancos
escoceses, que nunca se distinguiram por uma extrema imprudência,
eram, às vezes, obrigados a empregar esse recurso ruinoso.
As moedas de ouro pagas pelo Banco da Inglaterra ou pelos bancos
escoceses em troca de parte de seu papel que excedia o montante que
poderia ser empregado na circulação do país, estando da mesma forma
além do que poderia ser empregado naquela circulação, eram enviadas ao
exterior em forma de moeda: às vezes, fundidas e enviadas ao exterior em
forma de lingotes, e, às vezes, derretidas e vendidas para o Banco da
Inglaterra ao elevado preço de 4 libras a onça. Apenas as peças de metal
(moedas) mais novas, mais pesadas e melhores eram cuidadosamente
escolhidas e enviadas ao exterior ou derretidas. Localmente e enquanto
ainda tinham a forma de moeda, as peças de metal mais pesadas eram
tão valiosas quanto as mais leves; elas tinham maior valor no estrangeiro
ou, domesticamente, quando eram derretidas em barras de ouro. O
Banco da Inglaterra, não obstante sua grande cunhagem anual, descobriu
que, para sua surpresa, a cada novo ano ocorria a mesma escassez de
moedas do ano anterior; e que, não obstante a grande quantidade de
moedas boas e novas emitidas anualmente pelo banco, o estado das
moedas, em vez de estar em constante melhora, piorava cada vez mais. A
cada novo ano, o banco se via obrigado a cunhar quase a mesma
quantidade de ouro que havia cunhado no ano anterior, e, devido ao
constante aumento do preço do ouro por causa do desgaste contínuo e
das lascas tiradas das moedas,272 as despesas dessa grande cunhagem
anual se tornavam cada vez maior. Observou-se que, ao provisionar
moedas para seus próprios cofres, o Banco da Inglaterra ficava
indiretamente obrigado a provisioná-las a todo o Reino, para onde, desde
seus cofres, a moeda fluía constantemente de diversas maneiras. Assim,
independentemente da moeda que fosse necessária para dar suporte a
essa circulação excessiva dos papéis escoceses e ingleses,
independentemente do vazio causado pela circulação excessiva da moeda
necessária para o Reino, o Banco da Inglaterra se via obrigado a fornecê-
las. Não há dúvida de que todos os bancos escoceses pagaram muito caro
por sua própria imprudência e desatenção. Mas o Banco da Inglaterra
pagou muito caro não apenas por sua própria imprudência, mas também
pela imprudência muito maior de quase todos os bancos escoceses.273
A causa original dessa circulação excessiva de papel-moeda foi a
atividade comercial exagerada de alguns especuladores audaciosos em
ambas as partes do Reino Unido.
O valor adequado que um banco pode adiantar a um comerciante ou
a qualquer tipo de empresário não é todo o capital de suas atividades
comerciais, nem mesmo uma parte considerável desse capital, mas
apenas o capital que deve ser mantido ocioso e em dinheiro vivo para
poder atender a alguma demanda ocasional. Quando o papel-moeda
adiantado pelo banco nunca excede esse valor, ele nunca poderá exceder
o valor de ouro e prata que, necessariamente, circularia no país se o
papel-moeda não existisse; ele nunca poderá exceder a quantidade que a
circulação do país é capaz de absorver e empregar com facilidade.
Quando um banco desconta de um comerciante uma letra de câmbio
real, emitida por um credor real a um devedor real, e que, tão logo vença,
é realmente paga por aquele devedor, o banco somente adianta a parte do
valor que ele, caso contrário, deveria manter ociosa e em dinheiro vivo
para atender a suas demandas ocasionais. O pagamento da letra em seu
vencimento restitui ao banco o valor que havia sido adiantado
juntamente com o lucro líquido dos juros. Os cofres do banco, desde que
suas negociações se limitem a esses clientes, assemelham-se a uma lagoa
de onde sai um fluxo contínuo de água, mas para onde também chega
outro fluxo de igual vazão; e, dessa forma, sem qualquer cuidado ou
atenção, a lagoa mantém sempre o mesmo nível de água ou quase o
mesmo nível de completude. Pouca ou nenhuma despesa será necessária
para reabastecer os cofres desse tipo de banco.
Um comerciante que não comete excessos em seu volume de negócios
pode necessitar frequentemente de uma soma de dinheiro vivo para uso
imediato, mesmo que não tenha letras para descontar. Quando um
banco, além de descontar os títulos desse comerciante, ainda lhe adianta,
em tais ocasiões, essas somas em sua conta de caixa e, nas mesmas
condições facilitadas das empresas bancárias da Escócia, aceita um
reembolso em pequenas prestações, conforme o recebimento pelo
comerciante do dinheiro das vendas ocasionais de suas mercadorias,
então essa prática dispensa o comerciante inteiramente da necessidade de
manter ociosa parte de seu capital, e ainda com dinheiro em mãos para
poder responder a demandas ocasionais. Quando elas realmente
ocorrem, ele pode satisfazê-las de forma adequada com sua conta de
caixa. Ao lidar com esses clientes, o banco, no entanto, deve observar
com muita atenção se no decurso de um curto período (digamos, de
quatro, cinco, seis ou oito meses, por exemplo) a soma dos pagamentos
que comumente recebe deles é ou não igual aos adiantamentos feitos a
eles. Se, durantes esses curtos períodos, a soma dos pagamentos de certos
clientes é, na maioria das vezes, exatamente igual aos adiantamentos,
então o banco poderá seguramente continuar a fazer negócios com esses
clientes. Nessas situações, embora o fluxo que sai de forma contínua de
seus cofres possa ser muito grande, o fluxo contínuo de entradas deverá
ser, no mínimo, igualmente grande, para que, sem muitos cuidados ou
atenção, aqueles cofres estejam sempre cheios ou muito próximos disso; e
quase nunca será necessário recorrer a gastos extraordinários para
reabastecê-los. Se, pelo contrário, a soma dos pagamentos de outros
clientes fica normalmente muito aquém dos adiantamentos realizados a
eles, então o banco não poderá continuar a negociar com esses clientes de
forma segura, pelo menos se continuarem com o mesmo
comportamento. Dessa forma, o fluxo contínuo de saída dos cofres é
necessariamente muito maior do que o fluxo de entrada; e, a menos que
sejam reabastecidos por meio de gastos volumosos e constantes, os cofres
estarão totalmente exauridos em pouco tempo.
Por isso, durante bastante tempo, as empresas de serviços bancários
da Escócia tiveram o cuidado de exigir reembolsos frequentes e regulares
de todos os seus clientes e não negociavam com pessoas que,
independentemente de fortuna ou crédito, não realizassem o que os
bancos chamavam de operações frequentes e regulares com eles. Por
meio de tais cuidados, além de economizar quase inteiramente o custo
extraordinário de reabastecimento de seus cofres, eles obtiveram duas
outras vantagens consideráveis.
Primeiro, esse acautelamento lhes permitiu formar juízos aceitáveis
sobre as circunstâncias relativas à prosperidade ou decadência de seus
devedores sem que precisassem buscar quaisquer outras evidências além
das que constavam em seus próprios livros contábeis; pois a maioria das
pessoas ou cumpre seus pagamentos de forma regular ou de forma
irregular, conforme as circunstâncias de suas vidas — se lhes forem
prósperas ou decadentes. Um indivíduo particular que empresta seu
dinheiro a meia dúzia ou uma dúzia de devedores pode, por si próprio ou
por meio de seus agentes, observar e investigar de forma constante e
detalhada a conduta e a situação de cada um deles. Mas uma empresa de
serviços bancários que empresta dinheiro a talvez cinco centenas de
pessoas diferentes e cuja atenção está sempre ocupada por assuntos
muito diferentes não poderá obter informações regulares sobre a conduta
e as circunstâncias da maior parte dos seus devedores senão por meio de
seus livros contábeis. É provável que os bancos escoceses tivessem esse
objetivo ao exigir reembolsos frequentes e regulares de todos os seus
clientes.274
Em segundo lugar, com esse acautelamento, eles evitam a
possibilidade de emitir mais papel-moeda do que a quantidade que pode
ser facilmente absorvida e empregada pela circulação do país. Quando
observaram que em períodos moderados os reembolsos de um
determinado cliente eram, na maioria das ocasiões, exatamente iguais aos
adiantamentos que haviam feito ao seu cliente, podiam ter certeza de que
o papel-moeda adiantado a ele não excedia, em nenhum momento, a
quantidade de ouro e prata que em outro caso seriam obrigados a manter
em mãos para atender às demandas ocasionais; e que, consequentemente,
os papéis que puseram em circulação por meio deste cliente não haviam
excedido em nenhum momento a quantidade de ouro e prata que, caso
não existissem papéis-moedas, circularia no país. A frequência, a
regularidade e a quantidade de seus reembolsos demonstram
suficientemente que a quantidade de adiantamentos feitos pelos bancos
em nenhum momento ultrapassou essa parte de seu capital que, em outro
caso, eles teriam sido obrigados a manter ocioso e em dinheiro vivo para
responder às demandas ocasionais; ou seja, com a finalidade de manter o
restante de seu capital constantemente empregado. É somente essa parte
de seu capital que, em períodos moderados, é devolvida aos comerciantes
em forma de dinheiro, seja em papel, seja em moeda, e continuamente é
liberado por ele do mesmo jeito. Se os adiantamentos do banco sempre
excedessem essa parte de seu capital, a quantidade normal de seus
reembolsos não conseguiria, em períodos moderados, igualar a
quantidade normal de seus adiantamentos. O fluxo que, por meio dessas
transações, entrava nos cofres do banco não conseguiria se igualar ao
fluxo que, mediante as mesmas transações, deles sai. Os adiantamentos
dos papéis do banco, ao excederem a quantidade de ouro e prata que,
caso os adiantamentos não tivessem sido realizados, ele teria sido
obrigado a guardar para responder às ocasionais demandas, podem
rapidamente exceder toda a quantidade de ouro e de prata que
(mantendo-se as mesmas transações comerciais) circulariam no país se
não existisse o papel-moeda; e, consequentemente, excederia a
quantidade que a circulação do país conseguiria facilmente absorver e
empregar; e os papéis excedentes teriam sido imediatamente devolvidos
ao banco para ser trocados por ouro e prata. Essa segunda vantagem,
embora igualmente real, talvez não tenha sido tão bem entendida quanto
a primeira pelos bancos da Escócia.
Quando — em parte pela conveniência de poder descontar seus
títulos e, em parte, por aquela das contas de caixa — os comerciantes
solventes de qualquer país se veem livres da necessidade de manter uma
fração qualquer de seu capital junto a si (ocioso e em dinheiro vivo) para
o uso em demandas ocasionais, eles não podem esperar de forma
arrazoada alguma assistência adicional de bancos e banqueiros, que,
tendo ido tão longe até o momento, não conseguirão ir mais longe de
forma equilibrada em relação aos seus próprios interesses e segurança.
Para manter-se consistente com seus próprios interesses, um banco não
pode adiantar a um comerciante todo o capital ou mesmo a maior parte
do capital circulante com que transaciona; pois, embora esse capital
retorne constantemente aos bancos na forma de dinheiro, e dele saia na
mesma forma, ainda assim o total de entradas está muito distante do total
de saídas, e a soma dos reembolsos não consegue igualar-se à soma de
seus adiantamentos dentro de limites moderados de tempo que são
convenientes aos bancos. Muito menos poderá um banco adiantar aos
clientes uma parte considerável de seu capital fixo; por exemplo, do
capital que o empresário de uma fundição emprega para a montagem de
sua forja e casa de fundição, suas oficinas e armazéns, as casas de seus
trabalhadores, etc.; ou do capital que o empresário de uma mina utiliza
para perfurar seus poços, para a construção dos drenos de água, estradas
e trilhos para os vagões, etc.; do capital que a pessoa que se compromete
a melhorar a terra emprega em sua limpeza, drenagem, cercamento,
adubação e aragem dos campos baldios e não cultivados, na construção
das sedes das fazendas com todos os seus acessórios necessários,
estábulos, celeiros, etc. Os retornos do capital fixo são quase sempre
muito mais lentos do que os retornos do capital circulante; esses gastos,
mesmo quando realizados com extrema prudência e discernimento,
muito raramente retornam ao empresário senão após um período de
muitos anos, um período grande demais para que seja conveniente a um
banco. Sem dúvida e de forma bastante apropriada, os comerciantes e
outros empresários podem tomar dinheiro emprestado para dar
continuidade a grande parte de seus projetos. No entanto, para ser justo
com seus credores, seu próprio capital deve, neste caso, ser suficiente
para assegurar, se me permitem dizer, o capital daqueles credores, ou
então tornar extremamente improvável que os credores incorram em
perdas, mesmo que o sucesso do projeto deva ficar muito aquém da
expectativa de seus idealizadores. Mesmo com essa precaução, o dinheiro
que é tomado emprestado e que não será devolvido antes de um período
de vários anos não deve ser tomado emprestado de um banco, mas,
mediante caução ou hipoteca, de pessoas privadas que se propõem a
viver com os juros de seu dinheiro sem que tenham, elas mesmas, o
trabalho de aplicar o capital. Estão, desse modo, dispostas a emprestar
esse capital para pessoas de bom crédito que, provavelmente, serão
capazes de manter essas pessoas privadas por vários anos. De fato, um
banco que emprestasse seu dinheiro sem o gasto dos selos dos papéis ou
dos honorários advocatícios para o recebimento de títulos e hipotecas e
que aceitasse o pagamento das dívidas nos termos simples dos bancos da
Escócia seria, sem dúvida, um credor bastante adequado para esses
comerciantes e empresários. Mas tais comerciantes e empresários,
certamente, seriam devedores bastante inadequados para um banco desse
tipo.
Vão-se hoje mais de 25 anos desde que o papel-moeda emitido pelas
diversas companhias bancárias equivalia a exatamente, ou melhor,
equivalia a um pouco mais do que poderia ser facilmente absorvido e
empregado pela circulação do país. Assim, por todo esse tempo, tais
companhias ofereceram aos comerciantes e outros empresários da
Escócia toda a assistência que bancos e banqueiros poderiam dar de
forma consistente com os seus próprios interesses. Fizeram até um pouco
mais que isso.
Eles comercializaram de forma um pouco exagerada e, por isso,
foram obrigados a arcar com a perda ou pelo menos com a diminuição
do lucro que, nessa atividade, sempre surge ao menor grau de
comercialização exagerada. Após terem recebido tanta ajuda de bancos e
banqueiros, os comerciantes e outros empresários queriam ainda mais.
Pareciam imaginar que os bancos eram capazes de ampliar seus créditos
à soma que desejassem sem incorrer em nenhuma outra despesa senão o
custo de algumas resmas de papel. Queixaram-se da visão estreita e do
espírito vil dos diretores daqueles bancos, que, segundo eles, não
ampliavam seus créditos proporcionalmente à extensão dos negócios do
país; sem dúvida, ao se referirem à extensão dos negócios, referiam-se à
extensão de seus próprios projetos para além do que seria possível com
seu próprio capital ou com o crédito que conseguissem obter emprestado
de indivíduos da mesma forma habitual que ocorre com os títulos e as
hipotecas. Pareciam imaginar que os bancos tinham uma obrigação
moral de suprir a deficiência e lhes oferecer todo o capital de que eles
quisessem dispor. A opinião dos bancos, no entanto, era diferente e, ao
recusarem a ampliação de crédito aos comerciantes, alguns deles
passaram a recorrer a um expediente que, por um tempo, serviu ao seu
propósito, com um custo muito maior, mas de forma tão efetiva quanto a
maior ampliação possível dos créditos bancários. O expediente utilizado
foi o conhecido encadeamento de saques e ressaques de títulos ao qual
certos comerciantes mal-afortunados costumam recorrer quando estão à
beira da falência. A prática de obter dinheiro dessa maneira já era
conhecida havia muito tempo na Inglaterra; e dizem que ocorreu muito
durante a última guerra, quando os altos lucros comerciais
proporcionavam uma grande tentação para a concretização de transações
que excedessem o capital disponível. A prática foi levada da Inglaterra
para a Escócia, onde, proporcionalmente ao comércio muito limitado e
ao capital muito moderado do país, ganhou rapidamente uma extensão
muito maior que na Inglaterra.
Já que a prática dos saques e ressaques é tão bem conhecida por todos
os comerciantes, é possível que sua explicação seja considerada
desnecessária. Mas, tendo em vista que este livro poderá ser lido por
muitas pessoas que não são homens de negócios e tendo em vista que os
efeitos dessa prática sobre o negócio bancário talvez não sejam
entendidos por todos, nem mesmo pelos próprios homens de negócios,
então tentarei explicar essa prática da forma mais clara possível.
Os costumes dos comerciantes, estabelecidos quando as leis bárbaras
da Europa não garantiam o cumprimento de seus contratos, e que no
decorrer dos dois últimos séculos foram adotados pelas legislações de
todas as nações europeias, concederam privilégios tão extraordinários
para as letras de câmbio que se adianta dinheiro mais prontamente a elas
do que a qualquer outra espécie de obrigação; especialmente quando
vencem em um curto período de dois ou três meses após a data de sua
emissão. Quando a letra vence e o aceitante275 não a paga assim que ela é
apresentada, a partir daquele momento ele entra em falência. A letra é
protestada e devolvida ao sacador,276 o qual, se não a pagar
imediatamente, também entra em falência. Se, antes de chegar à pessoa
que a apresenta ao aceitante para pagamento,277 a letra passou pelas mãos
de várias outras pessoas, que adiantaram o valor do título umas para as
outras de forma sucessiva, seja em dinheiro ou em bens, e se essas
pessoas, para indicar que cada uma delas recebeu o valor do título, a
endossaram em sua vez, isto é, escreveram seus nomes no verso da letra,
todas elas, por sua vez, se tornam obrigadas a devolver o valor do título
ao seu proprietário e, caso não paguem, elas também, a partir daquele
momento, entram em falência. Embora sacador, sacado (aceitante) e
endossantes da letra sejam pessoas de crédito duvidoso, ainda assim, o
prazo de vencimento curto oferece alguma segurança ao proprietário da
letra. Mesmo existindo a possibilidade de que todos eles entrem em
falência, é provável que isso não ocorra a todos em tão pouco tempo. Um
viajante cansado diz para si mesmo: “A casa está em ruínas e não ficará
em pé por muito tempo, mas é provável que não desmorone hoje à noite,
então correrei o risco e dormirei nela”.
Suponhamos que o comerciante A de Edimburgo emita uma letra
contra B em Londres a ser paga em dois meses. Na realidade, B em
Londres não deve nada a A em Edimburgo; mas ele aceita a letra de A
com a condição de, antes do vencimento, poder ressacar contra A em
Edimburgo outra letra de mesmo valor mais os juros e uma comissão,
com vencimento para dois meses após a emissão. B, da mesma forma,
antes do vencimento dos primeiros dois meses, ressaca a letra contra A
em Edimburgo, o qual, mais tarde, antes do segundo vencimento de dois
meses, ressaca uma segunda letra contra B em Londres que, da mesma
forma, vencerá dois meses após sua emissão; e antes do terceiro
vencimento de dois meses, B em Londres ressaca contra A em
Edimburgo outra letra que também vencerá dois meses após a sua
emissão. Em alguns casos, a prática tem durado vários meses e, às vezes,
até anos; a letra sempre retorna a A em Edimburgo com juros
acumulados e comissão das letras anteriores. Os juros eram de 5% ao
ano, e a comissão, nunca menos de 0,5% por emissão. Ao repetir essa
comissão mais de seis vezes no ano, todo o dinheiro que A consiga
levantar por esse expediente custará necessariamente algo mais de 8%
por ano; e às vezes muito mais: por exemplo, quando o preço da
comissão aumentava ou quando era obrigado a pagar juros compostos
sobre os juros e comissão das letras anteriores. Essa prática foi chamada
de financiamento por circulação.
Em um país em que os lucros ordinários do capital da maior parte
dos projetos comerciais giram supostamente entre 6% e 10%, somente
uma especulação muito afortunada poderia render o suficiente para
pagar os enormes custos do empréstimo para o projeto e, além disso,
também garantir um bom lucro excedente ao especulador. No entanto,
muitos projetos de grande monta foram realizados durante vários anos
sem recorrer a nenhum outro fundo senão ao que era obtido por meio
desses enormes gastos. Em seus sonhos, os especuladores, sem dúvida,
tinham uma visão bastante clara desses grandes lucros. Quando
acordados, no entanto, ou no final de seus projetos, ou quando já não
conseguiam mais dar continuidade a eles, creio que muito raramente
tinham a boa sorte de encontrar aqueles grandes lucros.278
As letras sacadas por A em Edimburgo contra B em Londres eram
regularmente descontadas dois meses antes de seu vencimento em algum
banco ou banqueiro de Edimburgo; e as letras ressacadas por B em
Londres contra A em Edimburgo eram descontadas regularmente com o
Banco da Inglaterra ou com outros banqueiros de Londres. Todo o
montante adiantado em troca dessas letras de circulação era, em
Edimburgo, adiantado em papéis dos bancos escoceses e, em Londres,
quando eram descontadas no Banco da Inglaterra, em papéis desse
banco. Embora as letras contra as quais se adiantavam os papéis fossem
todas reembolsadas assim que venciam, o valor realmente adiantado pela
primeira letra nunca era realmente devolvido aos bancos, pois, antes do
vencimento de cada uma das letras, emitia-se sempre outra letra por um
valor um pouco maior do que a que estava prestes a ser paga; e o
desconto dessa outra letra era essencialmente necessário para a realização
do pagamento do título que estava prestes a vencer. Esse pagamento,
portanto, era totalmente fictício. O fluxo que, mediante aquelas letras de
câmbio de circulação, saiu dos cofres dos bancos nunca foi substituído
por um fluxo de entrada.
Os papéis emitidos em troca daquelas letras de câmbio de circulação
atingiam, em várias ocasiões, o valor total destinado a dar continuidade a
algum projeto de grande monta na agricultura, no comércio ou na
manufatura; e não se limitavam apenas àquela parte que, caso não
existisse papel-moeda, o empresário teria sido obrigado a guardar
consigo, ociosa e em dinheiro vivo, pronta para responder às demandas
ocasionais. A maior parte desses papéis estava, por conseguinte, muito
acima do valor do ouro e da prata que circularia no país, caso não
existisse o papel-moeda. Ia, assim, além do que a circulação do país
conseguia absorver e empregar facilmente e, por esse motivo, foi
imediatamente devolvida aos bancos a fim de ser trocada por ouro e
prata que os bancos deveriam encontrar da forma que conseguissem. Era
um capital que aqueles empresários haviam retirado dos bancos de forma
muito astuta, não só sem o conhecimento ou o consentimento deliberado
deles, mas, por algum tempo, talvez, sem mesmo que os bancos tivessem
a menor suspeita de que o haviam realmente adiantado.
Quando duas pessoas que fazem saques e ressaques frequentes uma à
outra descontam suas letras sempre com o mesmo banqueiro, ele
consegue descobrir imediatamente o que está acontecendo e é capaz de
ver claramente que as negociações entre aquelas duas pessoas não são
realizadas com o capital deles, mas com o capital adiantado a eles
próprios. Mas não é muito fácil descobrir essa artimanha quando as
letras são descontadas às vezes com um banqueiro, às vezes com outro,
ou, ainda, quando as mesmas duas pessoas nem sempre sacam e
ressacam mutuamente as letras, mas, ocasionalmente, recorrem a um
grande círculo de empresários aventureiros, os quais têm interesse em
prestar assistência uns aos outros por meio desse método de angariar
dinheiro, tornando, assim, extremamente difícil distinguir entre uma
letra de câmbio real e uma letra de câmbio fictícia; entre uma letra sacada
por um credor real contra um devedor real e uma letra de crédito sem
nenhum outro credor real senão o banco que a desconta, sem nenhum
outro devedor real senão o empresário aventureiro que faz uso do
dinheiro. Quando um banqueiro chega a descobrir a artimanha, isso às
vezes ocorre tarde demais e ele pode acabar descobrindo que já havia
descontado uma soma tão alta das letras daqueles empresários que a
posterior recusa em descontar outras letras levaria necessariamente todos
eles à falência. E, assim, a ruína dos empresários poderia, talvez, causar a
ruína do próprio banqueiro. Desse modo, para sua própria segurança e
interesse, ele poderá considerar ser necessário, nessa situação muito
perigosa, continuar realizando as operações por algum tempo e, ao
mesmo tempo, tentar se retirar gradualmente por meio da criação de
novas e maiores dificuldades para o desconto a fim de forçar os
empresários aventureiros a recorrer gradualmente a outros banqueiros ou
outros métodos de levantar dinheiro; tudo para que ele consiga sair o
mais rápido possível desse círculo. Por conseguinte, as dificuldades que
— após um certo tempo, e quando todos eles já tinham ido longe demais
— o Banco da Inglaterra, os principais banqueiros de Londres e até
mesmo os bancos mais prudentes da Escócia começaram a impor sobre
os descontos alarmou e, mais que isso, enfureceu os empresários
aventureiros no mais alto grau possível. Chamaram seu próprio
desconforto (cuja causa imediata foi, sem dúvida, essa reserva prudente e
necessária dos bancos) de necessidades do país; e em relação às
necessidades do país, disseram que advinham exclusivamente da
ignorância, pusilanimidade e má conduta dos bancos, que não haviam
oferecido um auxílio suficientemente generoso aos empreendimentos
inspiradores daqueles que se esforçavam para embelezar, melhorar e
enriquecer o país. Pareciam dizer que os bancos tinham o dever de lhes
emprestar quaisquer valores que os empresários quisessem tomar
emprestado e pelo tempo que desejassem. Os bancos, no entanto,
recusando-se dessa forma a oferecer mais crédito àqueles que já haviam
recebido em demasia, promoveram o único método pelo qual seria
possível naquele momento salvar seu próprio crédito ou o crédito público
do país.
Em meio a esse clamor e dificuldades, estabeleceu-se um novo banco
na Escócia cujo objetivo expresso era aliviar as necessidades do país. O
projeto era generoso; mas a execução foi imprudente e a natureza e as
causas das necessidades que ele deveria aliviar não foram, talvez, bem
compreendidas. Esse foi o banco mais generoso já criado até então, tanto
na concessão de contas de caixa quanto no desconto de letras de câmbio.
No que diz respeito aos descontos, parece que o banco não fazia qualquer
distinção entre as letras reais e as letras de circulação, e as descontava
todas igualmente. O banco tinha como princípio declarado o
adiantamento, mediante qualquer garantia razoável, de todo o capital a
ser aplicado em aprimoramentos com rendimentos mais lentos e
distantes, como ocorre em relação às melhorias realizadas em
propriedades rurais. Foi até mesmo dito que a promoção dessas
melhorias era um dos principais propósitos de espírito público dessa
instituição. Devido, sem dúvida, a sua generosidade na concessão de
contas de caixa e no desconto de letras de câmbio, o banco emitiu
grandes quantidades de notas bancárias. Mas, já que grande parte do
volume de notas bancárias era maior do que a circulação que o país
conseguia absorver e empregar com facilidade, as notas eram devolvidas
ao banco para que fossem trocadas por ouro e prata quase na mesma
velocidade em que eram emitidas. Seus cofres nunca estavam bem
abastecidos. O capital do banco, que havia sido subscrito em duas
ocasiões diferentes, chegou a 160 mil libras; apenas 80% dele foi pago.
Essa soma deveria ser paga em várias prestações. Grande parte dos
proprietários abriu uma conta de caixa logo após ter pago a primeira
prestação; e os diretores, imaginando que deveriam tratar os
proprietários com a mesma generosidade que tratavam todas as outras
pessoas, permitiram que muitos deles tomassem emprestado dessas
contas os valores a serem pagos em todas as outras prestações. Esses
pagamentos, por conseguinte, só colocavam em um cofre os valores que,
no momento anterior, haviam sido retirados de outro. Mas, mesmo que
os cofres do banco estivessem muito bem abastecidos, a circulação
excessiva os esvaziaria mais rapidamente do que eles poderiam ser
abastecidos por quaisquer outros expedientes menos ruinosos que a
operação de sacar contra Londres e, no vencimento da letra, pagá-la
juntamente com os juros e a comissão por meio de uma outra letra
sacada contra a mesma praça. Já que seus cofres estavam tão mal
abastecidos, diz-se que o banco foi obrigado a recorrer a tal recurso
poucos meses após ter iniciado suas operações. As terras dos
proprietários desse banco valiam milhões e, ao subscreverem ao contrato
original de fundação, elas realmente passaram a servir como garantia
para todos os compromissos da empresa. O banco, apesar de sua conduta
extremamente generosa, foi capaz de exercer suas atividades por dois
anos devido ao crédito oferecido necessariamente por uma garantia tão
extensa. Quando foi obrigado a encerrar suas operações, o banco tinha
em circulação cerca de 200 mil libras em notas bancárias. A fim de
manter a circulação dessas notas, que eram devolvidas ao banco com a
mesma rapidez com que eram emitidas, o banco sacava
ininterruptamente letras de câmbio contra Londres; a quantidade e o
valor dessas letras aumentavam de forma constante e, quando o banco
cessou suas atividades, essas letras somavam mais de 600 mil libras.
Desse modo, em pouco mais de dois anos esse banco adiantou para
pessoas diferentes mais de 800 mil libras a 5%. Sobre as 200 mil libras que
o banco circulou em notas bancárias, estes 5% talvez possam ser
considerados o ganho líquido, sem qualquer outra dedução senão as
despesas de administração. Mas, sobre as mais de 600 mil libras, pelas
quais se sacavam de forma contínua letras contra Londres, estava
pagando, na forma de juros e de comissão, mais de 8% e,
consequentemente, perdia mais de 3% em mais de 3/4 de todas as suas
operações.
As operações desse banco parecem ter produzido efeitos opostos
àqueles pretendidos pelas pessoas que o projetaram e dirigiram. Parece
que pretendiam oferecer apoio aos empreendimentos que consideravam
empolgantes e que, na época, eram realizados em diferentes partes do
país; ao mesmo tempo, ao atrair toda a atividade bancária para si
mesmos, pretendiam suplantar todos os outros bancos da Escócia;
particularmente aqueles estabelecidos em Edimburgo, cuja lentidão para
realizar os descontos das letras de câmbio havia causado certo
aborrecimento. Esse banco, sem dúvida, ofereceu alguma ajuda
temporária àqueles empresários aventureiros e lhes permitiu dar
continuidade a seus projetos por cerca de mais dois anos; algo que, caso
contrário, não seria possível. Mas a atuação do banco, na verdade, apenas
levou a um endividamento muito mais profundo desses empresários; e,
desse modo, o golpe da ruína, assim que ela se estabeleceu, caiu com um
peso muito maior sobre eles e seus credores. Portanto, as operações desse
banco, na verdade, em vez de aliviarem, agravaram, no longo prazo, os
problemas que os empresários causaram a si mesmos e ao seu país. Teria
sido muito melhor para eles, seus credores e seu país se a maior parte
fosse obrigada a encerrar seus negócios dois anos antes. A ajuda
temporária, no entanto, que este banco ofereceu aos aventureiros
mostrou ser uma ajuda real e permanente às outras instituições bancárias
da Escócia. Todos os negociantes de letras de câmbio de circulação, as
quais passaram a ser descontadas de forma tão lenta pelos outros bancos,
recorreram ao novo banco, onde foram recebidos de braços abertos. Os
outros bancos, portanto, conseguiram se desvencilhar facilmente desse
círculo fatal, do qual eles não teriam conseguido se livrar sem incorrer
em uma perda considerável e talvez também em até algum grau de
descrédito.
Assim, no longo prazo, as operações desse banco causaram, ao país, o
aumento do verdadeiro mal-estar que desejava sanar; e efetivamente
aliviaram o mal-estar dos rivais, os quais desejavam suplantar.
No início das operações desse banco, alguns acreditavam que, por
mais rápido que se esvaziassem os seus cofres, eles poderiam ser
facilmente reabastecidos com o dinheiro obtido por meio dos títulos
daqueles a quem adiantavam seus papéis. A experiência, eu acredito, logo
os convenceu de que esse método de levantar dinheiro era muito lento
para satisfazer seus propósitos; e que os cofres que estavam originalmente
tão mal abastecidos, e que eram rapidamente esvaziados, somente
poderiam ser reabastecidos por um ruinoso expediente: a emissão de
letras contra Londres que, quando estivessem vencidas, seriam pagas por
outras letras emitidas contra a mesma praça com juros acumulados e
comissão. Mas, embora eles tenham conseguido por esse método levantar
dinheiro de maneira rápida, em vez de obter lucro, eles sofreram perdas
em cada uma dessas operações; assim, no longo prazo, isso deve ter
causado sua própria ruína como uma empresa mercantil, embora, talvez,
não tão cedo como ocorreria pela prática mais custosa de saque e
ressaque (título de favor). Nada podiam obter com os juros de seus
papéis, pois, já que eles ultrapassavam o valor que a circulação do país
era capaz de absorver e aplicar logo após serem emitidos, eram sempre
devolvidos para que fossem trocados por ouro e prata; e, para efetuar
esses pagamentos, o banco era obrigado a tomar empréstimos contínuos.
Pelo contrário, o total gasto realizado com esses empréstimos, com a
contratação de agentes para procurar por pessoas que tivessem dinheiro
para emprestar, com as negociações com essas pessoas e com a emissão
dos títulos ou contratos apropriados deve ter recaído sobre o banco e ter
representado uma perda bastante evidente sobre o saldo de suas contas.
O projeto de reabastecer os cofres dessa maneira pode ser comparado ao
projeto do dono de um tanque com vazão de saída contínua, mas cuja
vazão de entrada é descontínua; e que, mesmo assim, tendo decidido que
deveria mantê-lo sempre cheio, emprega várias pessoas que, com baldes,
caminham alguns quilômetros até um poço para buscar a água necessária
para o reabastecimento do tanque.
Embora essa operação se mostrasse viável e rentável ao banco como
empresa comercial, o país não obteria nenhuma vantagem com ela; mas,
pelo contrário, sofreria uma perda considerável. A operação não
conseguiria aumentar em nada a quantidade de dinheiro a ser
emprestada. Ela apenas elevaria a condição deste banco a uma espécie de
agência geral de empréstimos para todo o país. Quem desejasse fazer
empréstimos deveria pedir a esse banco, e não aos indivíduos que haviam
emprestado dinheiro ao banco. Mas um banco que empresta dinheiro,
talvez, a quinhentas pessoas diferentes cuja maior parte os diretores mal
conhecessem provavelmente não será mais prudente na escolha de seus
devedores que uma pessoa privada, a qual empresta seu dinheiro a
algumas pessoas que ele conhece bem e em cuja conduta prudente e
frugal acredita ter boas razões para confiar. Os devedores de tal banco,
cuja conduta venho descrevendo, seriam provavelmente, em sua maior
parte, empresários quiméricos, os sacadores e ressacadores de letras de
câmbio de circulação que utilizariam o dinheiro em atividades
extravagantes; as quais, mesmo com toda a assistência possível, eles
provavelmente nunca conseguiriam terminar; e que, caso fossem
concluídas, nunca pagariam as despesas de seus custos reais, nunca
permitiriam fundos capazes de manter a quantidade de trabalho igual
àquela empregada em formá-los. Por outro lado, os devedores prudentes
e frugais das pessoas privadas provavelmente empregariam o dinheiro
emprestado em empreendimentos prudentes e proporcionais ao capital
aplicado; que, embora menos grandiosos e fascinantes, seriam mais
sólidos e rentáveis e retribuiriam com um grande lucro quaisquer
investimentos realizados com a soma emprestada; e, assim, seria possível
criar um fundo capaz de manter uma quantidade de trabalho muito
maior do que a que havia sido realmente empregada na constituição do
fundo. O sucesso dessa operação, portanto, sem aumentar em nada o
capital do país, teria apenas transferido uma grande parte do capital
aplicado em empreendimentos prudentes e rentáveis para os
imprudentes e não rentáveis.
Segundo a opinião do famoso senhor Law,279 a atividade econômica
da Escócia havia definhado por falta de dinheiro. Para remediar essa
falta, ele propôs a criação de um banco específico para a emissão de
papéis cuja soma atingiria o valor de todas as terras do país. Quando
apresentou pela primeira vez sua proposta, o Parlamento da Escócia não
a considerou apropriada. Ela foi adotada posteriormente, mas com
algumas modificações realizadas pelo Duque de Orleans,280 que, na
época, era regente da França. A ideia de que é possível multiplicar o
papel-moeda em qualquer medida foi a base real do que é conhecido
como Sistema de Mississippi,281 talvez o plano mais extravagante já visto
em todo o mundo relacionado aos sistemas bancário e de bolsas. As
diferentes operações desse sistema são explicadas de forma completa,
clara, ordenada e distinta pelo senhor Du Verney282 em seu Examination
of the Political Reflections upon Commerce and Finances of Mr. Du Tot
(Exame sobre as reflexões políticas sobre o comércio e as finanças do
senhor Du Tot), mas não as comentarei aqui. Seus princípios
fundamentais são explicados pelo próprio senhor Law em um discurso
sobre dinheiro e comércio publicado na Escócia na época em que
formalizou sua proposta pela primeira vez. As ideias esplêndidas e
visionárias apresentadas nessa e em outras obras baseadas nos mesmos
princípios ainda continuam a causar uma boa impressão a muita gente e,
talvez, em parte, tenham contribuído para o excesso de atividades
bancárias que tem sido ultimamente criticado tanto na Escócia quanto
em outros lugares.283
O Banco da Inglaterra é, na Europa, o maior banco emissor. Foi
constituído em decorrência de uma lei do Parlamento de 27 de julho de
1694, e por meio de estatuto autenticado com o Grande Selo do Reino.284
Na época, o banco adiantou ao governo a soma de 1.200.000 libras, com
uma anuidade de 100 mil libras, ou seja, 96 mil libras por ano de juros a
8% e 4 mil libras por ano em despesas administrativas. Há razões para
acreditar que o crédito do novo governo estabelecido pela revolução deve
ter sido muito baixo, pois ele se viu obrigado a tomar emprestado a juros
tão altos.
Em 1697, o banco foi autorizado a realizar um aumento de 1.001.171
libras e 10 xelins em seu capital social. Seu capital social passou a ser de
2.201.171 libras e 10 xelins. Dizem que o objetivo desse aumento era
oferecer apoio ao crédito público. Em 1696, os títulos de crédito da coroa
eram descontados a 40%, 50% e 60%; os títulos bancários, a 20%.285
Durante a grande recunhagem da prata, que estava acontecendo naquele
momento, o banco imaginou que seria adequado suspender o pagamento
de suas notas, fato que necessariamente ocasionou o descrédito delas.
Em conformidade com o capítulo 7 da lei publicada no 7º ano do
reinado de Ana,286 o banco adiantou e pagou à fazenda pública a soma de
400 mil libras; completando a soma de 1.600.000 libras que havia
adiantado pela anuidade original de 96 mil libras de juros e 4 mil libras
em despesas administrativas. Em 1708, portanto, o crédito do governo
era tão bom quanto o de indivíduos particulares, já que ele podia tomar
emprestado a 6% de juros, a taxa legal e de mercado comum daquela
época. Nos termos da mesma lei, o banco cancelou letras do tesouro no
montante de 1.775.027 libras, 17 xelins e 10,5 pence a 6% de juros; ao
mesmo tempo, para dobrar seu capital, recebeu permissão para aceitar
novas subscrições. Em 1708, portanto, o capital do banco era formado
por 4.402.343 libras e havia adiantado ao governo a soma de 3.375.027
libras, 17 xelins e 10,5 pence.
Em 1709, oferecendo 15%, o banco conseguiu 656.204 libras, 1 xelim
e 9 pence.; e, em 1710, por 10%, conseguiu 501.448 libras, 12 xelins e 11
pence. Em consequência dessas duas subscrições, portanto, o capital do
banco passou a ser de 5.559.995 libras, 14 xelins e 8 pence.
Em consequência de lei do 3º ano do reinado de Jorge I (c.8),287 o
banco determinou o cancelamento de 2 milhões em letras do tesouro.
Portanto, havia entregue ao governo naquele momento 5.375.027 libras,
17 xelins e 10 pence. Em consequência de uma lei do 8º ano do reinado
de Jorge I,288 o banco adquiriu um fundo no valor de 4 milhões de libras
da South Sea (Cia. do Mar do Sul); e, em 1722, em consequência das
subscrições que havia realizado para permitir essa operação, seu capital
social recebeu um aumento de 3.400.000 libras. Naquele momento,
portanto, o banco havia adiantado ao governo 9.375.027 libras, 17 xelins
e 10,5 pence.; e seu capital social somava apenas 8.959.995 libras, 14
xelins e 8 pence. Pela primeira vez, a soma adiantada pelo banco ao setor
público (e pela qual recebia juros) começou a exceder o seu capital social
ou a soma que pagava dividendos aos titulares do capital do banco; ou,
em outras palavras, além de seu capital divisível, o banco passou a ter um
capital indiviso. Desde então, passou a ter um capital indiviso do mesmo
tipo. Em 1746, o banco havia emprestado 11.686.800 libras ao governo
em ocasiões diversas e seu capital divisível havia aumentado, por meio de
subscrições, a 10.780.000 libras. Essas duas somas permaneceram nesse
mesmo estado desde então. Em consequência de uma lei do 4º ano do
reinado de Jorge III,289 o banco concordou em pagar 110 mil libras ao
governo para a renovação de sua carta-patente, sem juros nem
reembolso. Esta soma, portanto, não causou aumento a nenhuma das
duas outras somas.
Os dividendos do banco têm variado de acordo com as variações das
taxas de juros que, em diferentes momentos, recebeu pelo dinheiro que
adiantou ao governo, e também por outras circunstâncias. Essa taxa de
juros foi gradualmente reduzida de 8% para 3%. Durante alguns anos, os
dividendos do banco permaneceram em 5,5%.
A estabilidade do Banco da Inglaterra é igual à do governo britânico.
Para que os seus credores sofram perdas, todos os empréstimos
realizados pelo banco ao governo deveriam ser perdidos. Na Inglaterra,
os bancos não podem ter mais de seis membros e não há mais a
possibilidade do estabelecimento de outro banco, por lei parlamentar. O
Banco da Inglaterra, além de funcionar como um banco comum,
representa uma grande engrenagem do Estado.290 Ele recebe e paga a
maior parte das anuidades que são devidas aos credores do governo, põe
em circulação as letras do tesouro e empresta ao governo o montante
anual dos impostos sobre a terra e sobre o malte, que não costumam ser
pagas senão após alguns anos. Nessas diferentes operações, o seu dever
para com o Estado deve, por vezes, ter-lhe obrigado, sem nenhuma culpa
de seus diretores, a sobreabastecer a circulação com papel-moeda. Ele
também desconta as letras mercantis e, em diversas ocasiões, ofereceu
apoio ao crédito das principais casas, não só da Inglaterra, mas também
de Hamburgo e da Holanda. Diz-se que, em certa ocasião em 1763, o
banco emprestou para esse fim, em uma semana, cerca de 1.600.000
libras; grande parte em lingotes. Eu não tenho, no entanto, como garantir
a grandeza dessa soma ou o curto espaço de tempo de seu empréstimo.
Em outras ocasiões, esse grande banco se viu forçado a efetuar
pagamentos em moedas de 6 pence.
As operações bancárias mais criteriosas poderão aumentar as
atividades comerciais de um país não pelo aumento do seu capital, mas
quando conseguem tornar ativa e produtiva uma maior parcela do capital
que, de outra forma, ficaria parado. A parte do capital que um
comerciante é obrigado a guardar em dinheiro vivo, pronta para
responder a demandas ocasionais, é capital ocioso; enquanto for mantido
assim, nada produzirá, nem para ele nem para seu país. As operações
bancárias mais criteriosas permitem que ele converta esse capital ocioso
em capital ativo e produtivo; em matéria-prima, em ferramentas de
trabalho e em provisões e subsistência para o trabalho; em capital que
produz algo para ele e para o país. O dinheiro em ouro e prata que circula
em um país qualquer e por meio do qual o produto da terra e do trabalho
circula e é anualmente distribuído aos consumidores apropriados é, da
mesma forma que o dinheiro vivo do comerciante, capital ocioso. É uma
parte muito valiosa do capital do país que não produz nada para ele. As
operações bancárias mais criteriosas, ao substituir uma grande parte
desse ouro e prata por papel, permitem que o país transforme grande
parte desse capital ocioso em capital ativo e produtivo; em capital que
produz algo para o país.291 O dinheiro em ouro e prata que circula em
todo o país pode, de forma bastante correta, ser comparado a uma
estrada de rodagem que circula e transporta ao mercado todas as ervas e
cereais do país, mas que não produz nem mesmo um bocado de
nenhuma dessas duas mercadorias. As operações bancárias mais
criteriosas oferecem — peço perdão pelo uso de uma metáfora tão
violenta — uma espécie de rodovia aérea e, assim, o país pode converter,
por assim dizer, uma grande parte de suas rodovias em boas pastagens e
campos de cereais; dessa forma, aumentará consideravelmente o produto
anual de suas terras e de seu trabalho. No entanto, deve-se notar que,
embora as atividades comerciais e o trabalho do país possam ser
ligeiramente ampliados, jamais estarão totalmente seguros quando, em
vez de viajarem sobre o chão sólido do ouro e da prata, voam, por assim
dizer, suspensos no ar pelas asas dedalianas do dinheiro de papel. Além
dos acidentes a que estão expostos pela imperícia dos condutores desse
papel-moeda, correm muitos outros riscos dos quais não conseguirão se
desviar nem pela prudência nem pela habilidade de seu condutor.
Uma guerra fracassada, por exemplo, em que o inimigo tomasse
posse do capital e, consequentemente, do tesouro que sustenta o crédito
do papel-moeda, ocasionaria uma confusão muito maior em um país
cuja circulação total fosse realizada por esse meio do que em um país
cuja maior parte dela fosse realizada por meio de ouro e prata. Assim que
o principal instrumento comercial perde seu valor, nenhuma troca pode
ser realizada, exceto por meio de escambo ou a crédito. Quando todos os
impostos são normalmente pagos por papel-moeda, o príncipe deixa de
ter meios para pagar seus soldados e supri-los com provisões; e o país
ficaria muito mais irrecuperável do que se a maior parte da sua circulação
monetária fosse realizada com moedas de ouro e prata. O príncipe,
desejando sempre manter seus domínios em um estado de fácil defesa,
não deve apenas evitar a multiplicação excessiva de papel-moeda, ação
que destrói os próprios bancos que os emitem, mas também evitar a
multiplicação que permite aos bancos compor a maior parte da
circulação monetária do país com ele.
Podemos dividir em duas a circulação realizada nos países: a
circulação realizada pelos comerciantes uns com os outros e a circulação
entre os comerciantes e os consumidores. Embora a mesma peça de
moeda, de papel ou de metal, seja utilizada às vezes no primeiro tipo de
circulação e às vezes no segundo, é preciso notar, contudo, que, porque
ambas ocorrem ao mesmo tempo, cada uma exige um determinado
estoque de dinheiro de um tipo ou de outro para que possa prosseguir. O
valor das mercadorias que circulam entre os diferentes comerciantes
nunca pode exceder o valor dos bens que circulam entre os comerciantes
e os consumidores; o que for comprado pelos comerciantes e que tem
como destino a venda aos consumidores. A circulação entre os
comerciantes é realizada por atacado e, por isso, geralmente exige uma
soma muito alta em cada uma de suas transações específicas. Já a
circulação entre comerciantes e consumidores é, pelo contrário,
geralmente realizada pelo varejo, o qual costuma exigir apenas pequenas
somas: moedas de 1 xelim ou até mesmo de meio penny são
normalmente suficientes. Mas essas pequenas somas circulam muito
mais rapidamente que as grandes. Um xelim muda mais de mãos que 1
guinéu, e meio penny, mais que 1 xelim. Embora as compras anuais de
todos os consumidores sejam, no mínimo, iguais ao valor das compras
anuais de todos os comerciantes, elas podem geralmente ser negociadas
com uma quantidade muito menor de dinheiro, pois as mesmas peças, ao
circularem mais rapidamente, servem de instrumento para mais compras
no varejo que por atacado.
O papel-moeda pode ser, assim, regulado para que se restrinja à
circulação entre os diversos comerciantes ou para que seja estendido a
uma grande parte da circulação entre comerciantes e consumidores. Nos
lugares em que não circulam notas bancárias com valor inferior a 10
libras, como em Londres, o papel-moeda fica restrito à circulação entre
os comerciantes. Quando uma nota de 10 libras chega às mãos de um
consumidor, ele é geralmente obrigado a trocá-la na primeira loja em que
tiver a oportunidade de comprar 5 xelins em mercadorias, de modo que,
muitas vezes, a nota retorna para as mãos de um comerciante antes
mesmo que o consumidor tenha utilizado 1/4 de seu valor. Nos lugares
em que são emitidos papéis para valores tão baixos como 20 xelins — na
Escócia, por exemplo —, o papel se estende a uma parte considerável da
circulação entre negociantes e consumidores. Antes da lei que pôs fim à
circulação das notas de 10 e 5 xelins, elas compunham uma parte ainda
maior dessa circulação. Na América do Norte, emitiam-se papéis de
valores tão baixos quanto 1 xelim, e eles ocupavam quase toda essa
circulação. Em Yorkshire foram emitidos papéis para valores tão baixos
quanto 6 pence.
Onde a emissão de notas bancárias para tais quantias tão pequenas é
permitida e comumente utilizada, muitas pessoas com poucos meios
passam a se ver aptas e incentivadas a tornar-se banqueiras. Assim, uma
pessoa cuja nota promissória de 5 libras ou mesmo de 20 xelins seria
rejeitada por todos teria suas notas de valor tão baixos quanto seis pence
recebidas sem escrúpulos. Mas as recorrentes falências a que esses
banqueiros mendigos estão sujeitos podem ocasionar um inconveniente
muito grande, às vezes até mesmo uma grande calamidade aos pobres
que receberam essas notas como pagamento.
Talvez fosse melhor que, em todo o Reino, não se emitissem notas de
menos de 5 libras. Assim, o papel-moeda ficaria provavelmente
confinado em todo o país à circulação entre os diversos comerciantes,
assim como acontece atualmente em Londres, onde não se emitem notas
de valor abaixo de 10 libras; na maior parte do Reino, 5 libras é uma
soma que — embora compre talvez pouco mais da metade dos bens — é
tão estimada (e também raramente gasta de uma só vez) quanto 10 libras
em meio às despesas profusas daquela cidade.
Devemos notar que, nos locais em que o papel-moeda está confinado
à circulação entre comerciantes, como acontece em Londres, há sempre
uma abundância de ouro e prata. Quando ele se estende a uma parte
considerável da circulação entre comerciantes e consumidores, como na
Escócia e ainda mais na América do Norte, o papel-moeda bane quase
todo o ouro e a prata do país; desse modo, quase todas as transações
ordinárias de seu comércio interno passam a ser realizadas com papel-
moeda. A supressão de notas de 10 e 5 xelins aliviou um pouco a escassez
de ouro e prata na Escócia; e a supressão das notas de 20 xelins iria,
provavelmente, trazer um maior alívio. Dizem que esses metais também
se tornaram mais abundantes na América desde a supressão de alguns de
seus meios circulantes de papéis. Dizem também que os metais eram
mais abundantes antes da instituição desse meio circulante.
Ainda que o papel-moeda ficasse bastante confinado à circulação
entre negociantes, os bancos e os banqueiros poderiam oferecer quase a
mesma assistência ao trabalho e ao comércio do país que haviam
oferecido quando o papel-moeda ocupava quase toda a circulação. O
dinheiro vivo que o comerciante é obrigado a manter com ele para
responder às demandas ocasionais é destinado completamente para a
circulação entre ele e outros comerciantes dos quais compra mercadorias.
Não precisa ter dinheiro vivo para a circulação entre ele e os
consumidores, pois estes são seus clientes e lhe entregam dinheiro vivo,
não o retiram dele. Assim, embora só fosse permitida a emissão de papel-
moeda com valores que os mantivessem confinados à circulação entre
comerciantes, ainda assim, em parte pelos descontos de letras de câmbio
reais e em parte pelos empréstimos realizados por meio de contas de
caixa, os bancos e os banqueiros ainda conseguiriam ajudar a maior parte
dos comerciantes a não precisar manter parte considerável de seu capital
em mãos, ocioso e em dinheiro vivo para atender às demandas
ocasionais. Podem, ainda, oferecer a máxima assistência que bancos e
banqueiros podem prestar de forma apropriada a todos os tipos de
comerciantes.
Impedir que os particulares recebam em pagamento quaisquer
valores — grandes ou pequenos — em notas promissórias de um
banqueiro, quando eles próprios estão dispostos a recebê-las, ou impedir
que um banqueiro emita tais notas, quando todos os seus vizinhos estão
dispostos a aceitá-las, é uma violação manifesta daquela liberdade natural
que a lei deve apoiar, não infringir. De certa forma, tais regulamentos
podem, sem dúvida, ser considerados como uma violação da liberdade
natural. Mas se o exercício da liberdade natural de alguns poucos
indivíduos põe em perigo a segurança de toda a sociedade, então eles são
e devem ser impedidos pelas leis de todos os governos: desde o mais livre
até o mais despótico.292 Por exemplo, a obrigação de construir muros
para impedir a comunicação do fogo é uma violação da liberdade
natural, exatamente do mesmo tipo dos regulamentos das operações
bancárias aqui propostas.
Um papel-moeda formado por cédulas bancárias emitidas por
pessoas de indiscutível crédito, pagáveis assim que requisitados sem
nenhuma condicionante e, de fato, sempre pagas imediatamente após sua
apresentação, possui, em todos os aspectos, o mesmo valor que o
dinheiro em moedas de ouro ou prata, pois com ele é possível obter
moedas de ouro e prata a qualquer momento. Tudo o que é comprado ou
vendido com tal papel-moeda deve, obrigatoriamente, poder ser
comprado ou vendido por um preço tão baixo como na compra ou venda
realizada com ouro e prata.
Diz-se que o aumento da quantidade de papel-moeda e a consequente
diminuição do valor de todo o meio circulante obrigatoriamente
aumenta o preço em dinheiro das mercadorias. Mas, já que a quantidade
de ouro e prata que é retirada do meio circulante é sempre igual à
quantidade de papel que a ele é adicionado, o papel-moeda nem sempre
gera um aumento obrigatório da quantidade de meio circulante. Desde o
início do século passado até o presente momento, os suprimentos na
Escócia nunca foram tão baratos quanto em 1759, embora, por causa da
circulação de cédulas bancárias de 10 e 5 xelins, houvesse mais papel-
moeda naquele momento do que agora. Atualmente, a proporção entre o
preço das provisões na Escócia e na Inglaterra é a mesma que a existente
antes da grande multiplicação de companhias bancárias na Escócia. Na
maioria das vezes — embora haja uma grande quantidade de papel-
moeda na Inglaterra, e quase nada na França — os cereais na Inglaterra
são tão baratos quanto na França. Entre 1751 e 1752, quando o senhor
Hume293 publicou seus Discursos políticos, e logo após a grande
multiplicação do papel-moeda na Escócia, houve uma elevação bastante
sensível no preço das provisões, ocorrida, provavelmente, por causa do
mau tempo, e não devido à multiplicação do papel-moeda.294
Ocorreria o contrário se o papel-moeda fosse formado por notas
promissórias cujo pagamento imediato dependesse apenas da boa
vontade de seus emitentes ou de alguma condição que o detentor das
notas nem sempre pudesse cumprir; ou ainda se o pagamento não fosse
exigível até depois de um determinado número de anos durante os quais
não rendesse juros algum. Não há dúvida de que o valor desse papel-
moeda ficaria mais ou menos abaixo do valor do ouro e da prata, de
acordo como a maior ou menor dificuldade ou incerteza de se obter o
pagamento imediato; ou de acordo com o maior ou menor período de
tempo em que o pagamento se tornasse exigível.
Alguns anos atrás, as várias companhias bancárias da Escócia
costumavam inserir em suas notas bancárias aquilo que elas chamavam
de cláusula opcional, mediante a qual se comprometiam a pagar ao
portador assim que a nota fosse apresentada ou, segundo opção dos
diretores, seis meses após a apresentação, juntamente com os juros legais
dos referidos seis meses. Por vezes, os diretores de alguns desses bancos
se aproveitavam dessa cláusula opcional; eles ameaçavam utilizá-la se as
pessoas que desejassem trocar um número considerável de suas notas por
ouro e prata não aceitassem trocar apenas uma parte delas. As notas
promissórias desses bancos formavam à época a maior parte do meio
circulante na Escócia, e essa incerteza em relação ao pagamento fez com
que seu valor ficasse abaixo das moedas de ouro e prata. Durante o
período desse abuso (que prevaleceu principalmente em 1762, 1763 e
1764), as trocas comerciais entre Londres e Carlisle estavam ao par, mas
aquela entre Londres e Dumfries às vezes chegava a 4% contra Dumfries,
embora essa cidade estivesse a menos de 30 quilômetros de distância de
Carlisle. Mas, em Carlisle, as ordens eram pagas em ouro e prata; em
Dumfries, eram pagas em cédulas do banco escocês, e a incerteza de
conseguir trocar essas cédulas por moedas de ouro e prata rebaixou o
valor dessas ordens a 4% do valor da moeda. A mesma lei do Parlamento
que eliminou as cédulas bancárias de 10 e 5 xelins295 eliminou também a
cláusula opcional. Desse modo, restaurou as trocas entre a Inglaterra e a
Escócia à sua taxa natural, ou seja, à taxa determinada pelo curso do
comércio e dos pagamentos.
No papel-moeda de Yorkshire, o pagamento de um valor tão pequeno
como 6 pence às vezes dependia da seguinte condição: que o portador da
nota trouxesse o troco de 1 guinéu para a pessoa que a havia emitido, o
que os titulares dessas notas achavam muito difícil de cumprir; isso deve
ter desvalorizado esse meio circulante a um valor abaixo das moedas de
ouro e prata. Uma lei do Parlamento296 declarou ilegais todas essas
cláusulas e suprimiu, como na Escócia, todas as notas promissórias ao
portador cujos valores fossem menores que 20 xelins.
Os papéis-moedas da América do Norte não eram formados por
notas bancárias pagáveis à vista ao portador; consistiam em um papel do
governo cujo pagamento somente se tornava exigível vários anos após
sua emissão; e, embora os governos da colônia não pagassem juros aos
portadores desse papel, declaravam-no — e de fato o transformaram
nisso — um meio de pagamento de curso legal pelo valor total pelo qual
havia sido emitido. Mas, supondo que a segurança da colônia fosse
perfeita, 100 libras pagáveis em quinze anos, por exemplo, em um país
com juros de 6%, valeriam pouco mais de 40 libras em dinheiro em
espécie. Portanto, obrigar um credor a aceitar isso como o pagamento
integral de uma dívida de 100 libras paga em dinheiro vivo foi um ato de
injustiça tão violento que, talvez, mal tenha sido tentado pelo governo de
qualquer outro país que se diga livre. Esse ato carrega as marcas evidentes
de ter sido originalmente um esquema criado por devedores fraudulentos
para enganar seus credores; o honesto e sincero doutor Douglas297 nos
assegura que esse foi realmente o caso. Em 1722, o governo da
Pensilvânia, em sua primeira emissão de papel-moeda, quis que seu valor
fosse o mesmo do ouro e da prata, criando sanções a todos que
estabelecessem qualquer diferença no preço de seus bens ao vendê-los
em troca de papéis da colônia ou em troca de ouro e prata; um
regulamento igualmente tirânico, mas muito menos efetivo do que aquele
que se pretendia realmente sustentar. A lei positiva pode dizer que o
xelim é o meio legal para o pagamento equivalente a 1 guinéu, pois pode
exigir que os tribunais de justiça liberem o devedor que tenha utilizado
esse meio. Mas a lei positiva não pode obrigar uma pessoa que vende
mercadorias e que tem a liberdade de vendê-las ou não quando quiser a
aceitar que 1 xelim seja equivalente a 1 guinéu no preço de suas
mercadorias.
Não obstante qualquer regulamentação desse tipo, notou-se pela taxa
de câmbio com a Grã-Bretanha que 100 libras esterlinas eram
equivalentes a 130 libras em algumas colônias; em outras, o valor chegava
a 1.100 libras. Essa diferença decorria da quantidade de papéis emitidos
nas várias colônias e da distância e probabilidade do termo de sua
quitação e resgate finais.
Nenhuma lei, portanto, poderia ter sido mais equitativa que o ato do
Parlamento,298 tão injustamente criticado nas colônias, que declarou que
nenhum meio de pagamento a ser emitido lá fosse considerado meio de
pagamento legal.
Mais do que nossas outras colônias, a Pensilvânia sempre foi mais
moderada em suas emissões de papel-moeda. Por isso dizem que seu
papel-moeda nunca chegou a valer menos que o ouro e a prata, metais
que eram a moeda corrente da colônia antes de sua primeira emissão de
papel-moeda. Antes dessa emissão, a colônia tinha elevado a
denominação de sua moeda; por meio de um ato legislativo, ordenou-se
que 5 xelins esterlinos valessem 6 xelins e 3 pence na colônia e, mais
tarde, passassem para 6 xelins e 8 pence. Assim, o valor de 1 libra em
dinheiro corrente da colônia, mesmo em moeda de ouro e prata, era mais
de 30% menor que o valor de 1 libra esterlina, e, quando aquele meio de
pagamento foi transformado em papel, seu valor raramente ultrapassou
aquela taxa de 30%. O pretexto para se aumentar a denominação da
moeda era impedir a exportação do ouro e da prata, resultando que
quantidades iguais daqueles metais passassem por valores muito maiores
na colônia que na metrópole. Descobriu-se, entretanto, que o preço de
todas as mercadorias da metrópole havia aumentado exatamente na
mesma proporção da elevação da denominação de sua moeda, de modo
que o ouro e a prata da colônia passaram a ser exportados a uma
velocidade nunca vista.
O papel-moeda das colônias era aceito como pagamento dos
impostos provinciais por seu valor pleno de emissão; esse uso lhe rendeu
necessariamente certo valor adicional, ultrapassando o valor que teria
devido à distância real ou suposta do prazo de sua quitação e resgate
finais. Esse valor adicional podia ser maior ou menor, dependia de a
quantidade de papéis emitidos ultrapassar ou não o montante que
poderia ser utilizado para o pagamento dos impostos daquela colônia
específica que os havia emitido. Todas as colônias emitiram muito mais
papéis do que a quantidade necessária para o pagamento dos impostos.
Um soberano, ao promulgar que uma determinada porção dos
impostos deverá ser paga com certo tipo de papel-moeda, poderá, dessa
forma, adicionar certo valor a esse papel-moeda, mesmo que o termo de
sua quitação e resgate finais dependa totalmente da vontade desse mesmo
soberano. Caso o banco emissor mantivesse a quantidade de papéis
sempre um pouco abaixo do que poderia ser comodamente utilizado
dessa maneira, sua demanda seria tal que poderia se pagar uma
bonificação por eles ou eles poderiam ser vendidos no mercado por um
preço um pouco maior do que a quantidade correspondente de moedas
de ouro ou de prata para a qual foram emitidos. Algumas pessoas dizem
que isso explica o que chamam de Ágio do Banco de Amsterdã ou a
superioridade da moeda bancária (papel-moeda) sobre o dinheiro
corrente; no entanto, essa moeda bancária não pode ser sacada do banco
pela simples vontade de seu proprietário. A maior parte das letras de
câmbio estrangeiras deve ser paga em moeda bancária, ou seja, por meio
de uma transferência nos livros do banco; e alega-se que os diretores do
banco são bastante prudentes e mantêm a quantidade total de moeda
bancária sempre abaixo da demanda ocasionada por esse uso. É por essa
razão, dizem, que o dinheiro bancário se vende com um prêmio ou
possui um ágio de 4% ou 5% sobre o mesmo montante nominal em
moedas correntes de ouro e prata do país. No entanto, grande parte desse
relato sobre o Banco de Amsterdã, como se verá a seguir, é fantasiosa.
Ainda que o papel-moeda fique abaixo do valor das moedas de ouro e
de prata, isso não derrubará o valor dos metais, isto é, não fará com que
quantidades iguais deles sejam trocadas por uma quantidade menor de
bens de qualquer outro tipo. A proporção entre o valor do ouro e da
prata e o valor de bens de qualquer outro tipo não depende da natureza
ou da quantidade de qualquer tipo de papel-moeda em particular, o qual
pode ser a moeda corrente em um país específico qualquer; depende, na
verdade, da abundância ou esterilidade das minas que em um dado
momento abasteçam o grande mercado do mundo comercial com esses
metais. Depende da proporção entre a quantidade de trabalho que é
necessária para levar uma certa quantidade de ouro e prata para o
mercado e a necessária para levar a ele uma certa quantidade de qualquer
outro tipo de mercadoria.
Se os banqueiros forem impedidos de emitir cédulas bancárias de
circulação, ou notas pagáveis ao portador, abaixo de um determinado
valor, e se forem obrigados a pagar essas cédulas bancárias de modo
imediato e de forma incondicionada logo que apresentadas, seu negócio
poderia, com segurança para o público, ser deixado completamente livre
em todos os outros aspectos. A recente multiplicação de empresas
bancárias em ambas as partes do Reino Unido — um evento que tem
alarmado muita gente — não diminui a segurança do público, mas a faz
aumentar. Ela, na verdade, obriga os bancos a uma maior circunspecção
em sua conduta e — ao não alargar o volume de seu meio circulante a
uma proporção que não seja adequada ao seu dinheiro efetivo — a se
proteger contra as corridas maliciosas a que estão sujeitos pela rivalidade
entre tantos concorrentes. Ela limita a circulação de cada uma das
empresas a um círculo mais estreito e reduz seus bilhetes de circulação a
um número menor. Ao dividir a circulação total em um maior número
de partes, a insolvência de um banco, um acidente que, no decorrer das
coisas, às vezes acontece, torna-se de menor consequência ao público.
Essa livre concorrência também obriga todos os banqueiros a ser mais
generosos com seus clientes, pois somente assim eles não os perderão
para os seus rivais. Em geral, se qualquer ramo do comércio ou qualquer
divisão do trabalho é vantajoso ao público em geral, tanto mais o será
quanto mais livre e geral for a competição.299

CAPÍTULO III
A ACUMULAÇÃO DO CAPITAL, OU O TRABALHO
PRODUTIVO E IMPRODUTIVO
Há um tipo de trabalho que aumenta o valor do objeto sobre o qual é
aplicado; há outro tipo que não tem esse efeito. O primeiro pode ser
chamado de produtivo, pois produz valor; o segundo é o trabalho
improdutivo.300 Deriva-se disso que o trabalho de um trabalhador
manufatureiro, em geral, acrescenta ao valor da matéria-prima, sobre a
qual ele trabalha, aquele de seu próprio sustento e o do lucro de seu
mestre. O trabalho de um criado doméstico, pelo contrário, não
acrescenta nenhum valor. Embora o salário do trabalhador
manufatureiro lhe seja adiantado por seu mestre, ele, na realidade, nada
custa a este último, pois o valor dos salários costuma ser restituído a ele
(juntamente com um lucro) no valor aumentado do objeto sobre o qual
aplica seu esforço. Mas não há restituição do sustento de um criado
doméstico. Uma pessoa enriquece ao empregar uma multidão de
trabalhadores manufatureiros; empobrece ao sustentar uma multidão de
criados domésticos. O trabalho destes últimos, no entanto, tem o seu
valor e merece sua recompensa assim como o trabalho dos primeiros.
Mas o trabalho do trabalhador manufatureiro está fixado e se manifesta
em um objeto específico ou na mercadoria comercializável, que perdura
por algum tempo após o fim do trabalho. É, por assim dizer, uma certa
quantidade de trabalho estocada e armazenada para ser empregada, se
necessário, em alguma outra ocasião. Esse objeto ou, o que é a mesma
coisa, o preço desse objeto poderá, depois, se necessário, colocar em
movimento uma quantidade de trabalho igual ao que originalmente o
produziu. O trabalho do criado doméstico, pelo contrário, não se fixa
nem se manifesta em nenhum objeto específico ou produto
comercializável. Seus serviços geralmente perecem no próprio instante de
sua execução e raramente deixam qualquer vestígio ou valor
armazenados pelo qual, posteriormente, possa se conseguir uma
quantidade igual de serviço.301
Em algumas das classes mais respeitáveis da sociedade, o trabalho,
como o dos criados domésticos, não produz qualquer valor e não se fixa
nem se materializa em nenhum objeto permanente — ou mercadoria
comercializável — que dure após a execução do trabalho e pelo qual se
possa, posteriormente, obter uma igual quantidade de trabalho. Por
exemplo, o soberano, junto com todos os funcionários da justiça e da
guerra que o servem, todo o exército e a marinha, são trabalhadores
improdutivos. Eles são os servidores do público e são mantidos por uma
parte do produto anual do trabalho de outras pessoas. O serviço dessas
pessoas, mesmo que sendo extremamente honroso, útil ou necessário,
não produz nada pelo qual possa ser obtido posteriormente com uma
mesma quantidade de serviço. A proteção, a segurança e a defesa da
commonwealth realizada em um ano, isto é, o efeito de seu trabalho
anual, não compra a proteção, a segurança e a defesa do ano seguinte. Em
uma mesma classe estarão tanto as profissões mais sérias e importantes
quanto as mais frívolas: pastores religiosos, advogados, médicos, homens
de letras de todos os tipos; jogadores, bufões, músicos, cantores e
dançarinos de ópera, etc. Mesmo o trabalho mais simples dentre estes
possui certo valor que é regulado pelos mesmos princípios que regulam o
valor do outro tipo de trabalho; e mesmo o trabalho mais útil e nobre
dentre estes não produz nada que possa, posteriormente, comprar ou
adquirir uma quantidade igual de trabalho. Como a declamação do ator,
o discurso do orador ou a melodia do músico, o trabalho de todos eles
perece no instante em que é produzido.302
Todas as pessoas — sejam elas trabalhadoras produtivas ou
improdutivas, bem como aquelas que em nada trabalham — são
igualmente sustentadas pelo produto anual da terra e do trabalho do país.
Por maior que seja esse produto, ele nunca será infinito e deve ter certos
limites. Assim, de acordo com a maior ou menor quantidade do produto
empregada em um ano qualquer para o sustento de mãos improdutivas;
no primeiro caso, ou seja, quando a quantidade é maior, sobrarão menos
recursos — no segundo, menos — para o sustento das mãos produtivas; e
o produto do ano seguinte também será maior ou menor de acordo com
a mesma lógica, pois seu resultado anual total, se excetuarmos o produto
espontâneo da terra, é consequência do trabalho produtivo.303
Embora a soma do produto anual da terra e do trabalho de cada país
seja, sem dúvida, destinada a suprir o consumo de seus habitantes e a
proporcionar-lhes receitas, quando sua origem primária é a terra ou as
mãos dos trabalhadores produtivos, essa soma termina por dividir-se em
duas porções. Uma delas, normalmente a maior, destina-se, em primeiro
lugar, a substituir um capital ou repor provisões, matérias-primas e
produtos acabados que haviam sido retirados de um capital; a outra, para
constituir um rendimento, ou para o proprietário desse capital (como
lucro de seu capital) ou para alguma outra pessoa (como renda de sua
terra). Assim, do produto da terra, uma parte repõe o capital do
agricultor e a outra paga o seu lucro e a renda do proprietário da terra; e,
portanto, constitui um rendimento tanto para o proprietário desse capital
(os lucros de seu capital) como para alguma outra pessoa (a renda de sua
terra). Da mesma forma, do produto de uma grande manufatura, uma
parte — e aqui é sempre a maior — repõe o capital do empresário do
trabalho; a outra paga o seu lucro e, assim, constitui uma receita do
proprietário desse capital.
Em todos os países, a parte do produto anual da terra e do trabalho
que serve para repor o capital nunca é empregada imediatamente senão
para a subsistência dos trabalhadores produtivos. Ela paga somente os
salários do trabalho produtivo. A parte que é imediatamente destinada a
formar o rendimento, quer como lucro ou como renda, pode
indiferentemente oferecer subsistência para manter trabalhadores
produtivos ou improdutivos.
Seja qual for a parte de seu capital (stock) que uma pessoa aplique
como capital (capital), ela sempre espera que seja reposta com lucro. Essa
pessoa a utiliza, portanto, somente para o sustento de trabalhadores
produtivos; assim, depois de ter servido como capital para ele, constituirá
um rendimento para os trabalhadores. Sempre que ele emprega qualquer
parte de seu capital para a manutenção de quaisquer tipos de mãos
improdutivas, essa parte é, a partir daquele momento, retirada de seu
capital e colocada em seu fundo (stock) de reserva para o consumo
imediato.
Os trabalhadores improdutivos e aqueles que não trabalham em coisa
alguma obtêm seu sustento de rendimentos advindos, em primeiro lugar,
daquela parte do produto anual que, originalmente, destina-se a
constituir um rendimento para algumas pessoas específicas, quer como
renda da terra ou como lucro do capital; ou, em segundo lugar, por
aquela parte que, embora originalmente se destine apenas à reposição de
um capital e à manutenção de trabalhadores produtivos, quando chega às
mãos destes últimos, qualquer parte dela que ultrapasse o necessário para
sua subsistência pode ser empregada indiferentemente na manutenção de
mãos produtivas ou improdutivas. Dessa forma, não somente o grande
proprietário ou o comerciante rico, mas também os trabalhadores
comuns, caso seus salários sejam consideráveis, podem manter um
criado doméstico; ou, então, a pessoa vai às vezes a uma peça ou a um
espetáculo de fantoches e, desse modo, contribui para a subsistência de
um grupo de trabalhadores improdutivos; ou, ainda, ele pode pagar
alguns impostos e, assim, ajudar a manter um outro grupo, mais honrado
e útil, de fato, mas igualmente improdutivo. No entanto, nenhuma parte
do produto anual destinada originalmente apenas a repor um capital será
utilizada para a manutenção de mãos improdutivas após ter colocado em
movimento todo o seu complemento de trabalho produtivo ou tudo o
que poderia colocar em movimento pela forma como foi empregada.
Antes que possa empregar qualquer parte de seu salário dessa maneira, o
trabalhador deverá ter recebido seu salário pelo trabalho executado. Mas
aquela parte também costuma ser pequena. É apenas o que sobra de seu
rendimento, e que, no caso dos trabalhadores produtivos, não costuma
ser muito. Eles, no entanto, costumam ter alguma sobra e, quando pagam
seus impostos, o grande número de pessoas que compõem esse grupo
pode, em certa medida, compensar o pequeno valor de sua contribuição.
Em todos os lugares, a renda da terra e os lucros do capital são, portanto,
as principais fontes de subsistência das mãos improdutivas. Estes são os
dois tipos de rendimento que os proprietários geralmente mais têm para
gastar. Com essa sobra eles podem, indiferentemente, manter mãos
produtivas ou improdutivas; parecem, no entanto, ter alguma predileção
pelo segundo tipo. As despesas de um grande senhor geralmente servem
mais para alimentar pessoas ociosas do que trabalhadoras. O comerciante
rico, embora seu capital seja utilizado apenas para a manutenção de
pessoas trabalhadoras, ainda assim, por suas despesas, isto é, pelo
emprego de seus rendimentos, costuma alimentar exatamente o mesmo
tipo de gente que o grande senhor.
Dessa forma, a relação entre as mãos produtivas e improdutivas de
cada país depende muito da relação entre aquela parte do produto anual
que, assim que sai do solo ou das mãos dos trabalhadores produtivos,
destina-se a repor um capital e a parte do produto que se destina a
constituir um rendimento, seja na forma de renda ou de lucro. Essa
relação é muito diferente entre os países ricos e os pobres.304
Assim, atualmente, nos países ricos da Europa, uma grande parcela,
muitas vezes a maior parcela, do produto da terra destina-se a repor o
capital do fazendeiro rico e independente; e a outra parcela, a pagar seus
lucros e a renda do proprietário da terra. Mas antigamente, durante a
predominância do governo feudal, uma parcela muito pequena do
produto já era suficiente para repor o capital empregado no cultivo. Esse
capital era geralmente formado por algumas poucas e miseráveis cabeças
de gado, sustentadas totalmente pelo produto da terra não cultivada, e
que, consequentemente, podiam ser consideradas como parte desse
produto espontâneo. Em geral, também pertenciam aos proprietários da
terra que as adiantava aos ocupantes da terra. Todo o resto do produto
também pertencia a ele, fosse como renda de sua terra ou como lucro
sobre aquele capital insignificante. Os ocupantes da terra eram
geralmente servos, cujas pessoas e posses eram igualmente sua
propriedade. Aqueles que não eram servos eram arrendatários a título
precário305 e, embora a renda paga por eles costumasse ser
nominalmente pouco maior que a taxa chamada de quitrent,306 ela
realmente equivalia a todo o produto da terra. Seu senhor poderia, a
qualquer momento, comandar o trabalho dessas pessoas em tempos de
paz e seu serviço em momentos de guerra. Embora vivessem a certa
distância da casa do senhor feudal, estavam tão vinculadas a ele quanto
os serviçais que nela viviam. Mas todo o produto da terra, sem dúvida,
pertencia a quem podia utilizar o trabalho e os serviços de todos aqueles
que eram mantidos pelo produto. No estado atual da Europa, a parcela do
senhor de terras raramente excede um terço do produto total da terra e,
por vezes, não chega nem à quarta parte. A renda da terra, no entanto,
em todas as partes desenvolvidas do país foi triplicada e quadruplicada
desde os tempos antigos; e esta terça ou quarta parte do produto anual
parece ser três ou quatro vezes maior que aquele antigo produto na
totalidade. Com o progresso e as melhorias, embora a renda aumentasse
em proporção à extensão, ela diminuía como proporção do produto da
terra.
Nos países ricos da Europa, os grandes capitais estão atualmente
empregados no comércio e na manufatura. Na Antiguidade, o comércio
minguado e as poucas manufaturas caseiras e primitivas exigiam muito
pouco capital. Devem, no entanto, ter rendido lucros altíssimos. Em
nenhum lugar cobrava-se uma taxa de juros inferior a 10%; e seus lucros
deviam ser suficientemente bons para proporcionar taxas de juros tão
altas. Na atualidade, a taxa de juros, nas partes avançadas da Europa, não
ultrapassa, em nenhum lugar, os 6%, e, em algumas das mais avançadas,
as taxas são baixas, chegando a 4%, 3% e 2%. Tendo em vista que o
capital dos países ricos é sempre muito maior do que o dos países pobres,
a parte do rendimento dos habitantes que deriva dos lucros do capital é
sempre muito maior nos países ricos, mas, em proporção ao capital, os
lucros das regiões ricas são geralmente inferiores.
Portanto, a parte do produto anual que, logo que deixa a terra ou as
mãos dos trabalhadores produtivos, se destina a repor um capital não é
apenas muito maior nos países ricos do que nos pobres, mas guarda uma
proporção muito maior do que aquela que tem como destino imediato a
formação de um rendimento, seja na forma de renda ou de lucro. Os
fundos destinados à manutenção do trabalho produtivo não são apenas
muito maiores nos primeiros do que nos últimos, mas guardam uma
proporção muito maior para aqueles fundos que, embora possam ser
utilizados para a manutenção de mãos produtivas ou improdutivas, têm
geralmente uma predileção pelas improdutivas.
Em todos os países, a proporção entre esses diferentes fundos
determina necessariamente a disposição geral dos habitantes em relação
ao trabalho ou à ociosidade. Somos mais industriosos que nossos
antepassados; porque, em comparação a dois ou três séculos atrás,
atualmente os fundos destinados para a manutenção do trabalho são
proporcionalmente muito maiores que aqueles que podem ser
empregados para a manutenção da ociosidade. Nossos antepassados
eram ociosos por falta de incentivo suficiente ao trabalho. É melhor jogar
por nada que trabalhar por nada, diz o provérbio. Nas cidades mercantis
e fabris, onde as classes inferiores da população obtêm sua subsistência
principalmente pela aplicação do capital, a maioria das pessoas é
industriosa, prudente e próspera, como ocorre em muitas cidades
inglesas e na maioria das holandesas. Nas cidades cujo principal sustento
deriva da residência ocasional ou constante de uma corte, e em que as
classes inferiores da população obtêm sua subsistência principalmente
pelo gasto de rendimentos, a maioria das pessoas é ociosa, dissoluta e
pobre, como ocorre em Roma, Versalhes, Compiègne e Fontainebleau.
Com exceção de Rouen e Bordeaux, há pouco comércio ou indústria em
todas as cidades parlamentares da França; e as classes mais baixas da
população, cuja subsistência deriva principalmente das despesas dos
membros das cortes de justiça, e daqueles que a elas vem pleitear algo,
são geralmente ociosas e pobres. Em sua totalidade, o grande comércio
de Rouen e Bordeaux parece ser apenas a consequência de sua
localização. Rouen é o entreposto comercial obrigatório de quase todos
os bens que são trazidos dos países estrangeiros ou das províncias
marítimas da França para ser consumidos na grande cidade de Paris.
Bordeaux, da mesma forma, é o entreposto dos vinhos produzidos nas
margens do Garonne e de seus afluentes, uma das regiões vinícolas mais
ricas do mundo e que parece produzir o vinho mais adequado para
exportação ou o mais bem adaptado ao gosto das nações estrangeiras.
Situações tão vantajosas atraem necessariamente um grande capital, pois
lhes oferecem muitos empregos; e a aplicação desse capital é a causa da
aplicação existente nessas duas cidades. Parece que nas outras cidades
parlamentares da França aplica-se apenas o capital necessário para suprir
seu próprio consumo; ou seja, pouco mais do que o capital mínimo que
nelas pode ser aplicado. O mesmo pode ser dito de Paris, Madri e Viena.
Dessas três cidades, Paris é de longe a que exibe maior atividade; mas a
própria Paris é o mercado principal de todas as manufaturas da cidade; e
o principal objetivo de todos os negócios ali existentes é o seu próprio
consumo. Londres, Lisboa e Copenhague talvez sejam as únicas três
cidades europeias que funcionam como residência permanente de uma
corte e que podem, ao mesmo tempo, ser consideradas cidades
comerciais ou cidades que não negociam apenas para o próprio consumo,
mas para o de outras cidades e países. A localização de todas as três é
extremamente vantajosa, e naturalmente cabe a elas ser o centro
comercial de uma grande parte dos bens destinados ao consumo de
lugares mais distantes. Em uma cidade em que se gasta um grande
rendimento, será provavelmente muito mais difícil aplicar com vantagem
um capital para qualquer outro propósito que não seja o suprimento do
consumo dessa cidade do que em uma cidade cuja única fonte de
subsistência das classes inferiores da população seja aquilo que elas
conseguem obter pela aplicação desse capital. É provável que a ociosidade
da maior parte das pessoas que são mantidas pelos gastos de rendimentos
corrompa a atividade daquelas que deveriam ser sustentadas pela
aplicação do capital, tornando menos vantajoso aplicar um capital ali do
que em outros lugares. Antes da União das Coroas, havia pouco comércio
ou trabalho em Edimburgo. Quando o Parlamento escocês deixou de se
reunir ali, quando deixou de ser a residência obrigatória da principal
nobreza e da aristocracia da Escócia, a cidade desenvolveu algum
comércio e indústria. Ela ainda é, no entanto, a sede dos principais
tribunais de justiça da Escócia, dos postos aduaneiros e tributários, etc.
Portanto, rendimentos consideráveis ainda são gastos ali. Em volume de
comércio e manufaturas, ela ainda é muito inferior a Glasgow, onde a
aplicação do capital é a principal fonte de subsistência de seus habitantes.
Observou-se que, às vezes, os habitantes de uma grande cidade, depois de
terem realizado progressos consideráveis em suas manufaturas, tornam-
se ociosos e pobres, em consequência de um senhor poderoso
estabelecer-se na vizinhança.307
Parece, portanto, que é a proporção entre capital e rendimentos que
determina a proporção entre trabalho (atividade) e ociosidade. Onde o
capital predomina, prevalece a atividade; onde a receita predomina, a
ociosidade prevalece. Todo aumento ou diminuição do capital, portanto,
tende naturalmente a aumentar ou diminuir a quantidade real de
atividade, o número de trabalhadores produtivos e, consequentemente, o
valor de troca do produto anual da terra e do trabalho da região, a
verdadeira riqueza e renda de todos os seus habitantes.
Os capitais crescem com a parcimônia e diminuem com a
prodigalidade e a má conduta.
Tudo o que alguém poupa de seu rendimento é acrescentado ao seu
capital; e, então, ou o utiliza para a si mesmo na manutenção de um
número adicional de mãos produtivas ou permite que alguma outra
pessoa o utilize dessa forma, emprestando o capital a juros, ou seja, por
uma parcela dos lucros. Já que o capital de um indivíduo somente pode
ser aumentado pelo que ele economiza de seu rendimento anual ou de
seus ganhos anuais, então o capital de uma sociedade, que é o mesmo que
o capital de todos os indivíduos que a compõem, somente pode ser
aumentado assim.
A causa imediata do aumento do capital é a parcimônia, e não o
trabalho. Trabalho, de fato, oferece o objeto que é acumulado pela
parcimônia. Mas o capital nunca aumentaria se tudo que fosse adquirido
pelo trabalho não fosse poupado e armazenado pela parcimônia.308
Ao aumentar o fundo que se destina à subsistência das mãos
produtivas, a parcimônia tende a aumentar o número de mãos cujo
trabalho acrescenta ao valor do objeto ao qual se incorpora. Ela tende,
em consequência, a aumentar o valor de troca do produto anual da terra
e do trabalho do país. Põe em movimento uma quantidade adicional de
trabalho que dá um valor adicional ao produto anual.
O que é economizado anualmente é consumido de forma tão regular
quanto o que é gasto anualmente e também quase ao mesmo tempo; mas
é consumido por um grupo diferente de pessoas. A parte de seu
rendimento que uma pessoa rica gasta anualmente é, na maioria dos
casos, consumida por convidados ociosos e criados domésticos, que nada
entregam em troca de seu consumo. A parte que ela economiza
anualmente — e que, ao buscar o lucro, é imediatamente aplicada como
um capital — também é consumida da mesma maneira e quase ao
mesmo tempo, mas por um grupo diferente de pessoas, a saber, por
trabalhadores, fabricantes e artesãos, que reproduzem com lucro o valor
do seu consumo anual. Devemos supor que essa pessoa receba seu
rendimento em dinheiro. Caso ela o gaste integralmente, então os
alimentos, vestuários e habitação que poderia comprar serão distribuídos
entre o primeiro grupo de pessoas (convidados ociosos e criados
domésticos). Ao economizar uma parcela dele, buscará o lucro
aplicando-o imediatamente como um capital para ele mesmo ou para
outra pessoa, então os alimentos, vestuários e habitação que podem ser
comprados com ele são necessariamente reservados para o segundo
grupo de pessoas (trabalhadores, fabricantes e artesãos). O consumo é o
mesmo, mas os consumidores são diferentes.
Com aquilo que uma pessoa frugal economiza anualmente, ela não só
oferece o sustento a um número adicional de trabalhadores produtivos
para aquele ano ou para o seguinte, mas — assim como o fundador de
uma oficina pública — ela, por assim dizer, estabelece um fundo
perpétuo para o sustento de um número igual de trabalhadores para todo
o futuro. A alocação e a destinação perpétuas desse fundo, de fato, nem
sempre estão sob o resguardo de alguma lei, fideicomisso ou escritura de
perpetuidade.309 São sempre resguardadas, no entanto, por um princípio
muito poderoso, o interesse simples e evidente de cada um dos
indivíduos que sejam proprietários de uma fração qualquer desse fundo.
Nenhuma fração dele poderá ser utilizada posteriormente para outro fim,
senão para o sustento de mãos produtivas, sem que haja uma perda
evidente para a pessoa que, assim, o desvie de sua função própria.
É assim que os pródigos o desviam de sua função. Ao não limitar suas
despesas à sua renda, eles invadem seu capital. Como a pessoa que desvia
a função dos rendimentos de uma fundação de caridade para fins
profanos, ele paga o salário da ociosidade com os fundos que a
frugalidade de seus antepassados havia, por assim dizer, consagrado à
manutenção das atividades do trabalho. Ao reduzir os recursos
destinados ao emprego do trabalho produtivo, reduz-se necessariamente,
na medida em que isso depende dele, a quantidade daquele trabalho que
agrega um valor ao objeto que o recebe e, consequentemente, o valor do
produto anual da terra e do trabalho de todo o país, as verdadeiras
riquezas e o rendimento de seus habitantes. Quando a prodigalidade de
alguns não é compensada pela frugalidade de outros, a conduta do
pródigo — que alimenta o ocioso com o pão do industrioso — tende não
só a levá-lo à miséria, mas a empobrecer todo o seu país.
Mesmo que todos os gastos do pródigo sejam efetuados em bens
domésticos, e não em mercadorias estrangeiras, o efeito sobre os fundos
produtivos da sociedade ainda será o mesmo. A cada novo ano, uma
certa quantidade de alimentos e vestuários que deveria servir para a
manutenção de mãos produtivas seria utilizada para o sustento de mãos
improdutivas. A cada novo ano, portanto, o valor do produto anual da
terra e do trabalho do país ficaria cada vez menor em relação ao que, em
outro caso, poderia ter sido.
É possível argumentar que, se essa despesa não é realizada em bens
estrangeiros e não ocasiona nenhuma saída de ouro e prata, a mesma
quantidade de dinheiro permaneceria no país como antes. Mas se a
quantidade de alimentos e vestuário consumida por mãos improdutivas
houvesse sido distribuída entre as mãos produtivas, estas teriam reposto
com lucro o valor total de seu consumo. Nesse caso, a mesma quantidade
de dinheiro teria permanecido no país e, além disso, haveria a reposição
de um valor igual de bens de consumo. Haveria dois valores em vez de
um.
Além disso, não há como manter por muito tempo a mesma
quantidade de dinheiro em um país em que o valor do produto anual
diminui. O dinheiro serve apenas para a circulação de bens de consumo.
Por meio dele, suprimentos, matérias-primas e produtos acabados são
comprados, vendidos e distribuídos às pessoas que os irão consumir. A
quantidade de dinheiro, portanto, que pode ser empregada anualmente
em qualquer país deve ser determinada pelo valor dos bens de consumo
que circulam anualmente dentro dele. Estes ou são o produto imediato da
terra e do trabalho do país próprio ou algo que foi comprado com
alguma porção desse produto. Seu valor, portanto, deve diminuir à
medida que o valor desse produto diminui e, junto com ele, a quantidade
de dinheiro que pode ser utilizada para efetivar a sua circulação. Mas não
se permite que o dinheiro retirado anualmente da circulação doméstica
pela diminuição anual do produto fique ocioso. O interesse de seu
possuidor exigirá que ele seja aplicado. Mas não tendo nenhum emprego
doméstico, ele será, apesar de todas as leis e proibições, enviado para o
exterior e empregado na compra de bens de consumo que podem ter
alguma utilidade no território nacional. Sua exportação anual continuará
assim por algum tempo, acrescentando, além do valor de seu próprio
produto anual, algo ao consumo anual do país. Tudo o que foi poupado
de seu produto anual durante os momentos de prosperidade e utilizado
para comprar ouro e prata contribuirá por um breve período,
sustentando seu consumo durante a adversidade. Aí, a exportação de
ouro e prata não é a causa, mas o efeito da decadência; e, por algum
tempo, ela poderá até mesmo oferecer alívio a essa decadência.
Ao contrário, a quantidade de dinheiro de cada país deve aumentar
naturalmente conforme aumenta o valor do produto anual. Sendo maior
o valor dos bens de consumo que circulam anualmente dentro da
sociedade, será exigida uma quantidade maior de dinheiro para fazê-los
circular. Uma parte desse produto maior, portanto, será naturalmente
empregada para comprar — onde quer que possa ser encontrada — a
quantidade adicional de ouro e prata necessária para fazer circular o resto
do produto. Nesse caso, o aumento da quantidade de metais será o efeito,
e não a causa, da prosperidade pública.310 Em todos os lugares do
mundo, ouro e prata são comprados da mesma maneira. O preço pago
por eles, tanto no Peru quanto na Inglaterra, são os alimentos, vestuário e
habitação, o rendimento e a subsistência de todos aqueles cujo trabalho
ou capital são empregados para trazê-los da mina para o mercado. Todo
país que puder pagar esse preço nunca ficará muito tempo sem a
quantidade dos metais de que necessita; e nenhum país guardará por
muito tempo uma quantidade de que não necessite.
Portanto, independentemente daquilo em que imaginemos consistir
as verdadeiras riquezas e o rendimento de um país, seja o valor do
produto anual de sua terra e do trabalho, conforme parece indicar a razão
comum, seja a quantidade de metais preciosos que circula dentro do país,
conforme supõem as predisposições vulgares, em qualquer uma dessas
duas visões sobre o assunto, todo pródigo parece ser o inimigo público e
todo indivíduo frugal, um benfeitor público.
Os efeitos da má conduta são muitas vezes os mesmos que os da
prodigalidade. Todo projeto insensato e malsucedido realizado nas áreas
da agricultura, das minas, da pesca, do comércio ou da manufatura tende
da mesma forma a diminuir os fundos destinados à subsistência do
trabalho produtivo. Em todos esses projetos, embora o capital seja
consumido apenas por mãos produtivas, ocorre que, pela forma
imprudente com que é aplicado, ele não consegue repor o valor total de
seu consumo, havendo sempre alguma diminuição no que em outro caso
seriam os fundos produtivos da sociedade.
Mas a situação de uma grande nação é raramente muito afetada tanto
pela prodigalidade como pela má conduta dos indivíduos, pois o
esbanjamento ou imprudência de alguns é sempre mais do que
compensada pela frugalidade e boa conduta dos outros.
No que diz respeito ao esbanjamento, o princípio que leva o indivíduo
a essas despesas é a paixão pela fruição presente; que, embora às vezes
violenta e muito difícil de ser contida, é, em geral, apenas momentânea e
ocasional. Mas o princípio que nos leva a economizar é o desejo de
melhorar a nossa condição, um desejo que, embora geralmente calmo e
desapaixonado, nos acompanha desde o ventre e somente nos abandona
em nossa sepultura.311 Durante todo o intervalo que separa esses dois
momentos, quase não há um só instante em que toda pessoa esteja tão
perfeitamente e completamente satisfeita com sua situação a ponto de
não desejar nenhum tipo de mudança ou melhoria. A maioria das
pessoas busca e propõe melhorar sua condição por meio do aumento de
sua fortuna. É o meio mais comum e o mais óbvio; e a maneira mais
provável de aumentar sua fortuna ocorre pela economia e pelo acúmulo
de uma porção de tudo o que se adquire, seja regular e anualmente ou em
algumas ocasiões extraordinárias. Desse modo, embora o princípio da
despesa prevaleça em quase todas as pessoas em algumas ocasiões, e em
algumas pessoas em quase todas as ocasiões, ocorre que, na maior parte
das pessoas, tomando por média todo o decorrer de sua vida, o princípio
da frugalidade parece não apenas predominar, mas dominar de forma
incontestável.
No que diz respeito à má conduta, o número de empreendimentos
prudentes e bem-sucedidos é cada vez maior que o de empreendimentos
insensatos e malsucedidos. Depois de todas as nossas queixas sobre a
frequência das falências, os infelizes que caem nessa desgraça são apenas
uma parte muito pequena do número total de pessoas envolvidas no
comércio e em todos os outros tipos de negócio; não muito mais, talvez,
que uma em cada mil. A falência é talvez a maior e mais humilhante
calamidade que pode ocorrer a um inocente. A maioria das pessoas,
portanto, toma bastante cuidado para evitá-la. Algumas, de fato, não a
evitam; são como aquelas que não evitam a forca.
As grandes nações nunca empobrecem por má conduta privada,
embora às vezes isso ocorra pela prodigalidade e pela má conduta
pública. Todo ou quase todo o rendimento público é, na maioria dos
países, empregado para a subsistência de mãos improdutivas. A saber, as
pessoas que compõem uma corte numerosa e esplêndida, um grande
aparato eclesiástico, grandes frotas e exércitos — que, em tempo de paz,
não produzem nada, e, em tempo de guerra, não adquirem nada que
compense as despesas de sua manutenção, mesmo enquanto alguma
guerra ainda está em andamento. Já que essas pessoas nada produzem,
são todas mantidas pelo produto do trabalho de outros homens. Quando
se multiplicam e chegam a um número desnecessário, elas podem, em
um determinado ano, consumir uma porção muito grande desse produto
e não deixar o suficiente para a subsistência dos trabalhadores
produtivos, os quais deveriam repor tal produto no ano seguinte. O
produto do ano seguinte, portanto, será menor do que o do ano anterior;
e se houver a continuidade do mesmo transtorno, o produto do terceiro
ano será ainda menor do que o do segundo. Essas mãos improdutivas
que deveriam ser sustentadas apenas por uma porção do rendimento
poupado do povo podem consumir uma porção tão grande de sua receita
total — e, assim, obrigar um número tão grande de pessoas a dilapidar
seus próprios capitais, seus fundos destinados à manutenção do trabalho
produtivo — que toda a frugalidade e boa conduta dos indivíduos não
compensarão os desperdícios e a degradação do produto ocasionados por
essa destruição violenta e forçada.
No entanto, notamos pela experiência que, na maioria das vezes, a
frugalidade e a boa administração são suficientes para compensar não só
a prodigalidade privada e a má conduta dos indivíduos, mas também a
extravagância pública do governo. O esforço uniforme, constante e
ininterrupto de cada um para melhorar sua condição, o princípio que dá
origem tanto à opulência pública e nacional quanto à opulência privada,
costuma ser suficientemente poderoso para sustentar o progresso natural
das coisas no caminho do aperfeiçoamento, apesar das extravagâncias do
governo e dos grandes erros de sua administração. Funciona como o
princípio desconhecido da vida animal, que, apesar das doenças e das
receitas absurdas dos médicos, frequentemente consegue restaurar a
saúde e o vigor do corpo.
O produto anual da terra e do trabalho de qualquer nação somente
pode ter seu valor aumentado pelo aumento do número de seus
trabalhadores produtivos ou pelo aumento dos poderes produtivos dos
trabalhadores que já estão empregados. É evidente que não há como
aumentar muito o número de trabalhadores produtivos, exceto como
consequência do aumento do capital ou dos fundos destinados à
subsistência deles. Os poderes produtivos de um mesmo número de
trabalhadores não podem ser aumentados, exceto como consequência de
algum acréscimo e melhoria das máquinas e dos instrumentos que
facilitam e abreviam o trabalho ou como consequência de uma melhor
divisão e distribuição do emprego. Em qualquer um desses casos, quase
sempre será necessário um capital adicional. Somente por meio de um
capital adicional o tomador de qualquer trabalho poderá tanto oferecer
um maquinário melhor aos seus trabalhadores como fazer uma
distribuição mais apropriada do trabalho entre eles. Quando o trabalho a
ser realizado se divide em certo número de partes, manter cada
trabalhador em uma tarefa específica exige um capital muito maior do
que quando cada homem é ocasionalmente empregado em diferentes
partes do trabalho. Assim, quando comparamos as condições de uma
nação em dois períodos diferentes e verificamos que, no segundo
período, o produto anual de suas terras e trabalho é evidentemente
maior, que suas terras estão mais bem cultivadas, sua manufatura mais
numerosa e mais florescente, e seu comércio mais extenso, podemos ter a
certeza de que o seu capital aumentou durante o intervalo entre esses
dois períodos e que a ele foi acrescentado pela boa conduta de alguns
mais do que tinha sido retirado pela má conduta privada dos outros ou
pela extravagância pública do governo. Mas perceberemos que o mesmo
aconteceu em quase todas as nações, em todos os tempos razoavelmente
tranquilos e pacíficos, mesmo dentre aquelas que não puderam desfrutar
de governos mais prudentes e parcimoniosos. Para formarmos um juízo
correto da situação, devemos comparar as condições do país em períodos
um pouco distantes uns dos outros. Os progressos costumam ser tão
graduais que, em períodos muito próximos, além de não serem
perceptíveis, muitas vezes ocorre a suspeita de que as riquezas e a
indústria do todo estão em decadência, pois o declínio ocasional de
certos ramos da indústria ou de certos distritos do país é um evento que
pode ocorrer mesmo quando essa nação em geral está em fase de grande
prosperidade.
Por exemplo, o produto anual da terra e do trabalho da Inglaterra é
certamente muito maior do que era há pouco mais de um século, durante
a restauração de Carlos II.312 Acredito que atualmente poucas pessoas
duvidam disso, mas, mesmo assim, não houve período de cinco anos
durante esse período que não testemunhasse a publicação de algum livro
ou panfleto, escrito de forma habilidosa para obter certa autoridade em
meio ao público e com a pretensão de demonstrar que a riqueza da nação
estava em rápido declínio, que o país estava despovoado, a agricultura
negligenciada, as manufaturas em decadência e o comércio em
desarranjo. Nem todas essas publicações eram panfletos partidários, essa
descendência miserável da falsidade e da venalidade. Muitos deles foram
escritos por pessoas muito sinceras e inteligentes que discorreram
somente sobre aquilo em que acreditavam, e por nenhuma outra razão
senão porque acreditavam no que estavam dizendo.
Assim, repito que o produto anual da terra e do trabalho da Inglaterra
era certamente muito maior durante a restauração313 do que podemos
supor que tenha sido cerca de cem anos antes, na ascensão ao trono no
período da rainha Isabel.314 Temos todas as razões para crer que, durante
esse mesmo período, o país estava muito mais desenvolvido do que há
cerca de um século antes, durante o fim das dissensões entre as casas de
York e Lancaster.315 E mesmo assim estava, provavelmente, em uma
condição melhor do que durante a conquista normanda316 e, durante a
conquista normanda, melhor do que durante a confusão da heptarquia
dos saxões.317 E mesmo durante este último período, certamente era um
país mais avançado do que durante a invasão de Júlio César,318 quando
seus habitantes estavam quase no mesmo estado dos selvagens da
América do Norte.
Em cada um desses períodos, no entanto, ocorreu muito
esbanjamento privado e público, muitas guerras caras e desnecessárias,
bem como um grande desvio do produto anual do país para a
manutenção das mãos improdutivas e produtivas e, além disso tudo, às
vezes, na confusão dos conflitos civis, ocorreram perdas e destruições tão
grandes dos capitais que, conforme poderia se supor, não apenas
retardariam — algo que certamente ocorreu — a acumulação natural de
riquezas como deixariam o país mais empobrecido no final do período
do que no início. Assim, no período mais feliz e afortunado de todos eles,
isto é, aquele que ocorreu desde a restauração, quantas foram as
desordens e os infortúnios que poderiam não apenas ter anunciado o
empobrecimento como também a ruína total do país? Temos o incêndio
e a peste de Londres, as duas guerras holandesas, as desordens da
revolução, a guerra na Irlanda, as caras guerras francesas de 1688, 1702,
1742 e 1756, juntamente com as duas rebeliões de 1715 e 1745. No
decorrer das quatro guerras francesas, a nação contraiu mais de 145
milhões em dívidas, além de todas as outras despesas extraordinárias
anuais que foram ocasionadas pelas guerras, de modo que o total não
pode ser calculado em menos de 200 milhões. Uma parcela igualmente
grande do produto anual da terra e do trabalho do país tem sido utilizada
desde a revolução em diferentes ocasiões para sustentar um número
extraordinário de mãos improdutivas. Mas se essas guerras não tivessem
dado esse particular direcionamento a um capital tão avultado, uma
grande parcela teria sido naturalmente empregada para manter mãos
produtivas, cujo trabalho teria reposto, com lucro, todo o valor de seu
consumo. O valor do produto anual da terra e do trabalho do país teria
sido consideravelmente aumentado por ela todos os anos, e o aumento de
cada ano teria gerado um incremento maior para o ano seguinte. Mais
casas teriam sido construídas, mais terras teriam sido aprimoradas e
aquelas que haviam sido aprimoradas anteriormente teriam sido mais
bem cultivadas, mais manufaturas teriam sido fundadas e aquelas que já
estavam estabelecidas anteriormente teriam crescido mais; e que
tamanho a verdadeira riqueza e o rendimento do país poderiam ter
atingido hoje não é algo muito fácil de imaginar.
Mas, embora a extravagância do governo tenha, sem dúvida,
retardado o progresso natural da Inglaterra rumo à riqueza e ao
progresso, ela não foi capaz de pará-lo. O produto anual de suas terras e
do trabalho é, sem dúvida, muito maior no presente do que foi durante a
restauração ou na revolução. Assim, o capital empregado anualmente no
cultivo dessa terra e na manutenção desse trabalho deve também ser
muito maior. Em meio a todas as exações do governo, esse capital tem
sido silenciosa e gradualmente acumulado pela frugalidade privada e boa
conduta dos indivíduos, pelo seu esforço universal, contínuo e
ininterrupto para melhorar a sua própria condição. Foi esse esforço —
protegido por lei e permitido pela liberdade de ser exercido da maneira
que for mais vantajosa — que manteve a Inglaterra na direção da riqueza
e do progresso em quase todas as épocas passadas, e que, é de se esperar,
irá mantê-la no mesmo caminho no futuro. Mas a Inglaterra, no entanto,
nunca foi abençoada com um governo muito parcimonioso e, por isso, a
parcimônia não tem sido, em nenhum momento, a virtude característica
de seus habitantes. Assim, é da mais alta impertinência e presunção que
reis e ministros pretendam vigiar a economia privada do povo e limitar
as suas despesas, seja por meio de leis que visem regular hábitos de
consumo, seja pela proibição de importação de bens estrangeiros de luxo.
Esses reis e ministros são sempre, e sem nenhuma exceção, os maiores
dilapidadores da sociedade. Que vigiem eles as próprias despesas e
deixem que cada uma das pessoas do povo cuide das suas. Se a própria
extravagância de reis e ministros não causa a ruína do Estado, não será a
de seus súditos que o fará.319
Assim como a frugalidade aumenta o capital público e a
prodigalidade o diminui, a conduta daqueles cujas despesas equivalem a
seu rendimento, sem acumulá-lo nem dilapidá-lo, nem o aumenta nem o
diminui. Algumas formas de despesas, no entanto, parecem contribuir
mais para o crescimento da riqueza e da opulência pública do que outras.
O rendimento de um indivíduo ou será gasto em objetos de consumo
imediato em que o gasto de um dia de despesas não alivia nem oferece
apoio ao gasto de outro ou será gasto em objetos mais duráveis que
podem, portanto, ser acumulados, e cujas despesas de cada dia podem,
de acordo com a vontade do indivíduo, oferecer alívio ou apoio e
aumentar o efeito das despesas do dia seguinte. Por exemplo, um homem
de fortuna pode gastar seu rendimento com uma mesa cheia de muitos
alimentos suntuosos, com a manutenção de um grande número de
empregados domésticos e uma multidão de cães e cavalos; ou,
contentando-se com uma mesa frugal e poucos empregados, ele pode
usar a maior parte desse rendimento para decorar sua casa ou residência
rural, em edifícios de uso ou ornamentais, pode utilizá-lo em móveis
úteis ou ornamentais, para colecionar livros, estátuas e quadros; ou em
coisas mais frívolas ainda como joias, diversos tipos de bugigangas
engenhosas; ou, o que é mais insignificante ainda, em compor um grande
guarda-roupa com vestes finas, como o fez o favorito e ministro de um
grande príncipe que morreu há alguns anos. Imaginemos dois homens
com fortunas iguais; o primeiro gasta seus rendimentos da primeira
forma, e o segundo, da segunda. A magnificência da pessoa cujas
despesas foram realizadas principalmente em bens duráveis aumentará
de forma contínua; e as despesas de cada dia contribuirão um pouco para
manter e aumentar a eficácia do gasto do dia seguinte. A magnificência
da outra pessoa, pelo contrário, não seria maior no fim do período do
que no início. No fim, a primeira pessoa também será a mais rica das
duas. Ela terá um estoque de bens de um tipo ou outro que, embora
talvez não valha mais o que custou, sempre valerá alguma coisa. Das
despesas da segunda não sobrará nenhum traço ou vestígio, e os efeitos
de dez ou vinte anos de esbanjamento serão completamente aniquilados
como se nunca tivessem existido.
Assim como uma das formas de realização de despesas é mais
favorável do que a outra para a opulência do indivíduo, o mesmo vale
para os gastos de uma nação. Em pouco tempo, as casas, a mobília e o
vestuário dos ricos se tornam úteis às classes média e baixa da
sociedade.320 Elas podem comprá-las quando as pessoas das classes altas
se cansam desses objetos e, assim, as comodidades gerais de todo o povo
vão gradualmente melhorando quando essa forma de realização de
despesas se torna universal entre os ricos homens de fortuna. Nos países
que já são ricos há muito tempo, é possível encontrar com frequência
pessoas das classes mais baixas da população que possuem casas e
mobília em condições perfeitas de uso, mas que não foram construídas
ou feitas para seu uso. O que antes havia sido o lar da família Seymour é
hoje uma pousada na estrada para a cidade de Bath. A cama de casal de
Jaime I da Grã-Bretanha, que a rainha trouxe da Dinamarca junto com
ela como um presente digno de um soberano para outro, era, há alguns
anos, o enfeite de uma taverna em Dunfermline. Em algumas cidades
antigas, que ou estão estagnadas há muito tempo ou passaram por uma
certa decadência, às vezes é muito difícil encontrar uma única casa que
tenha sido construída para os seus atuais habitantes. Ao entrarmos em
uma delas, encontraremos com muita frequência um excelente
mobiliário que, embora antiquado, ainda está muito bom para o uso e
que não poderia ter sido construído para os seus moradores. Palácios
nobres, vilas magníficas, grandes coleções de livros, estátuas, quadros e
outras curiosidades costumam ser um ornamento e uma honra para a
vizinhança e para todo o país a que pertencem. Versalhes é um
ornamento e uma honra para a França, Stowe e Wilton,321 para a
Inglaterra. A Itália continua suscitando algum tipo de veneração por
possuir uma grande quantidade de monumentos desse tipo, embora a
riqueza que os produziu já tenha sido deteriorada e embora o gênio que
os planejou pareça ter se extinguido, talvez por não ter tido o mesmo uso.
Além disso, os gastos com bens duráveis também favorecem tanto a
acumulação quanto a frugalidade. Se, em dado momento, uma pessoa se
exceder, poderá mudar facilmente sem se expor à censura pública. Por
outro lado, quando a pessoa passa a reduzir muito o número de seus
empregados, quando sua mesa deixa de ser superabundante e passa a ser
muito frugal, quando começa a se desvencilhar de seu equipamento
quando já o havia organizado, essas mudanças não escapam da
observação de seus vizinhos e implicam o reconhecimento de uma
suposta má conduta. Poucos daqueles que já tiveram a infelicidade de
lançar-se tão longe nesse tipo de despesa têm mais tarde a coragem de
realizar mudanças antes de ser obrigados a fazê-lo pela bancarrota e pela
ruína. Mas se, a qualquer momento, uma pessoa começar a gastar demais
com prédios, móveis, livros ou quadros, não há como inferir algum tipo
de imprudência em tal mudança de conduta. Nesses gastos, a despesa
adicional é normalmente vista como desnecessária pela despesa anterior;
e quando uma pessoa deixa de realizar tais gastos, ela parece fazê-lo não
porque tenha excedido sua fortuna, mas porque já satisfez o seu desejo.
Além disso, os gastos com bens duráveis costumam sustentar um
número maior de pessoas do que os gastos feitos com a mais profusa
hospitalidade. Das 200 ou 300 libras-peso de suprimentos que às vezes
podem ser servidas em uma grande festa, a metade, talvez, é jogada no
lixo, e há sempre uma grande quantidade desperdiçada e mal utilizada.
Mas se as despesas desse entretenimento fossem empregadas para pôr a
trabalhar pedreiros, carpinteiros, estofadores, mecânicos, etc., uma
quantidade de provisões de igual valor teria sido distribuída entre um
número ainda maior de pessoas, que as teriam comprado com moedas de
penny e pesos em libra, e não jogariam fora nem mesmo 1 onça desse
material. De certo modo, essas despesas sustentam, de um lado, as mãos
produtivas e, do outro, as improdutivas. Pelo primeiro modo, elas
aumentam o valor de troca do produto anual da terra e do trabalho do
país; pelo segundo, não.
Não quero, no entanto, com tudo isso dizer que a primeira espécie de
despesa significa sempre um espírito mais liberal ou generoso do que a
outra. Quando um homem de fortuna gasta seu rendimento
principalmente com hospitalidade, ele compartilha a maior parte de seus
bens com seus amigos e companheiros; mas quando a emprega na
compra de artigos duráveis, muitas vezes gasta tudo consigo mesmo e
não dá nada a ninguém sem receber algo equivalente em troca. Essa
última espécie de despesa, portanto, especialmente quando se refere a
objetos frívolos, como pequenos ornamentos para vestido e móveis, joias,
bijuterias, bugigangas, frequentemente indica não só um caráter
insignificante, mas também desprezível e egoísta. Tudo o que quero dizer
é que uma espécie de despesa, na medida em que sempre ocasiona
alguma acumulação de bens valiosos e em que é mais favorável à
frugalidade privada e, consequentemente, ao aumento do capital público,
e na medida em que mantém mãos produtivas, ao invés de improdutivas,
conduz mais que a outra ao crescimento da opulência pública.

CAPÍTULO IV
O CAPITAL EMPRESTADO A JUROS
O capital (stock) emprestado a juros é sempre considerado como um
capital (capital) pelo credor. Este espera que, no tempo devido, o valor
lhe seja restituído, e que, nesse ínterim, o tomador do empréstimo lhe
pague uma renda anual certa pelo seu uso. O tomador de empréstimo
pode usá-lo como um capital ou como um fundo de reserva para
consumo imediato. Caso ele o utilize como um capital, o usará para a
subsistência de trabalhadores produtivos que reproduzam o valor
juntamente com um lucro. Ele pode, nesse caso, repor o capital e pagar os
juros sem alienar nem invadir qualquer outra fonte de rendimento. Se o
utilizar como um fundo de reserva para consumo imediato, ele faz o
papel do pródigo, dissipando com a manutenção de mãos ociosas o que
estava destinado à subsistência do trabalhador produtivo. Ele não pode,
nesse caso, nem repor o capital nem pagar os juros sem alienar ou
dissipar alguma outra fonte de rendimento, tal como a propriedade ou o
arrendamento da terra.
O capital (stock) emprestado a juros é, sem dúvida, ocasionalmente
empregado em ambas as formas, mas a primeira costuma ser mais usada
que a última. Quem toma emprestado apenas para gastar logo irá à ruína,
e quem lhe empresta, em geral, terá encontrado ocasião para se
arrepender de sua tolice. Em todos os casos em que a usura pura está fora
de questão, tomar emprestado ou emprestar para tal finalidade é
contrário ao interesse de ambas as partes; e embora, sem dúvida, às vezes
as pessoas acabem realizando tais ações, ainda assim, tendo em vista a
consideração que todas têm por seu próprio interesse, podemos estar
seguros de que a frequência desses atos não é tão grande quanto
podemos ser levados a acreditar. Pergunte a qualquer pessoa rica e
prudente se ela empresta a maior parte de seu capital a quem o
empregará — ele acredita — de forma rentável ou a quem o gastará de
forma ociosa; apenas a proposição dessa questão fará com que essa
pessoa ria de você. Mesmo entre os tomadores de empréstimo — que não
são conhecidos como os mais famosos do mundo por sua frugalidade —,
o número de pessoas frugais e aplicadas ultrapassa consideravelmente o
número de pessoas pródigas e ociosas.
As únicas pessoas a quem o capital é geralmente emprestado sem que
se espere o uso muito rentável dele são os senhores de terra que tomam
empréstimos hipotecários. Mas nem mesmo eles tomam dinheiro
emprestado apenas para gastá-lo. Aquilo que tomam emprestado,
poderíamos dizer, costuma ser gasto antes de ser tomado emprestado.
Em geral, eles costumam consumir uma quantidade tão grande em bens
adiantados a eles por crédito por lojistas e comerciantes que se veem
obrigados a tomar emprestado a juros a fim de pagar seu débito. O capital
tomado emprestado repõe o capital daqueles lojistas e comerciantes que
os proprietários de terra não conseguem repor por meio da renda de suas
propriedades. Não é tomado emprestado para ser realmente gasto, mas
para repor um capital já gasto anteriormente.
Quase todos os empréstimos a juros são realizados em dinheiro, seja
em papel-moeda ou em moedas de ouro e prata. Mas o que o tomador de
empréstimo realmente quer e o que o credor realmente lhe fornece não é
o dinheiro, mas o valor do dinheiro ou os bens que tal valor pode
comprar. Se o tomador quer um fundo para o seu consumo imediato, ele
somente poderá colocar tais bens naquele fundo. Se precisa do capital
para empregar trabalho, somente o aplicará em bens que servirão aos
trabalhadores, como ferramentas, matérias-primas e a subsistência
necessárias para a realização do trabalho. Por meio do empréstimo, o
credor, por assim dizer, atribui ao tomador seu direito a uma
determinada parcela do produto anual da terra e do trabalho do país para
ser empregada da forma que o tomador desejar.
A quantidade de capital, portanto, ou, como se diz normalmente, a
quantidade de dinheiro que pode ser emprestada a juros em qualquer
país não é regulamentada pelo valor do dinheiro — sejam cédulas ou
moedas, que servem como o instrumento dos diferentes empréstimos
realizados nesse país —, mas pelo valor daquela parte do produto que,
logo que sai do solo ou das mãos dos trabalhadores produtivos, se destina
à reposição de um capital que o seu próprio dono não quer se dar ao
trabalho de empregar ele próprio. Já que esses capitais são geralmente
emprestados e devolvidos em dinheiro, constituem o que chamamos de
interesse do dinheiro (monied interest).322 É diferente não apenas dos
interesses fundiários, mas também dos interesses dos negócios e dos
interesses das manufaturas, pois nesses últimos são só seus donos que
empregam seus próprios capitais. Mesmo no interesse do dinheiro,
entretanto, o dinheiro é, por assim dizer, apenas o instrumento de cessão
que transfere de uma mão para outra aqueles capitais que seus
proprietários não se importam em aplicar eles mesmos. Esses capitais
podem ser maiores do que o montante de dinheiro que serve como
instrumento de seu transporte, pois as mesmas moedas que servem para
diversos empréstimos sucessivos também servem para muitas compras
diferentes. Por exemplo, A empresta mil libras para W; imediatamente,
com este valor, W compra de B mil libras em mercadorias; B, que não
tem necessidade imediata do dinheiro em si, empresta moedas idênticas
a X, com as quais X compra, imediatamente de C, mais mil libras em
bens. Da mesma forma, e pela mesma razão, C os empresta a Y, que
novamente compra bens com eles de D. Dessa forma, as mesmas peças,
em metal ou em papel, podem, no decorrer de alguns dias, servir como
instrumento de três empréstimos diferentes e de três compras diferentes,
cada um deles de igual valor ao total de peças. O que os três credores, A,
B, e C, entregam aos três devedores — W, X, Y — é o poder de fazer essas
compras. Nesse poder se encontram tanto o valor quanto o uso dos
empréstimos. O valor emprestado pelos três credores é igual ao valor dos
bens que podem ser comprados com ele e três vezes maior do que o valor
do dinheiro com o qual as compras são feitas.323 Esses empréstimos, no
entanto, podem ser perfeitamente seguros se os bens adquiridos pelos
diferentes devedores forem aplicados para que, em sua maturidade,
reponham determinado valor igual — em metais ou em papel — com
lucro. E, assim como as mesmas peças físicas de dinheiro podem servir
como instrumentos para três diferentes empréstimos ou, pela mesma
razão, para trinta vezes seu valor, da mesma forma podem servir
sucessivamente como instrumentos de reembolso.
Um capital emprestado a juros pode, dessa maneira, ser considerado
uma atribuição do credor ao devedor de uma parcela considerável do
produto anual, sob a condição de que o devedor também deve, em
contrapartida e enquanto durar o empréstimo, transferir anualmente ao
credor uma parcela menor: os juros. Ao final do contrato, o devedor
precisa entregar uma parcela tão grande quanto a que lhe foi
originalmente repassada: o reembolso. Embora o dinheiro, seja de metal
ou papel, sirva em geral como o instrumento de atribuição tanto da
parcela menor quanto da maior, ele é, em si mesmo, completamente
diferente daquilo que é atribuído por ele.
À mesma proporção que a parcela do produto anual — a qual, assim
que deixa o solo ou as mãos dos trabalhadores produtivos, destina-se a
repor um capital — aumenta em qualquer país, aquilo que chamamos de
interesse do dinheiro (monied interest) também aumenta naturalmente.
O aumento daqueles capitais específicos com os quais os seus
proprietários desejam obter um rendimento sem ter o trabalho de aplicá-
los eles mesmos acompanha naturalmente o aumento geral dos capitais,
ou, em outras palavras, à medida que o estoque de capital (stock)
aumenta, a quantidade de capital (stock) a ser emprestada a juros torna-se
cada vez maior.
Conforme aumenta a quantidade do estoque de capital (stock) a ser
emprestada a juros, os juros — ou o preço que deve ser pago pelo uso
desse capital (stock) — necessariamente diminuem, não apenas devido às
causas gerais que costumam diminuir o preço de mercado dos bens
quando a quantidade deles aumenta, mas devido também a outras causas
que são peculiares a esse caso específico. À medida que, em qualquer
país, os capitais aumentam, os lucros que podem ser obtidos com sua
aplicação obrigatoriamente diminuem. Aos poucos, fica cada vez mais
difícil encontrar dentro do país um método rentável para se aplicar um
novo capital qualquer. Cria-se, como consequência, uma competição
entre diferentes capitais: o titular de um certo emprego do capital busca
ser titular do que é ocupado por outros. Mas, na maioria das vezes, ele
pode apenas esperar ter conseguido afastar o outro de uma certa
aplicação, negociando por meio de termos mais razoáveis. Além de
precisar vender seus produtos a preços um pouco mais baratos, o
comerciante deverá, por vezes, comprá-los a preços mais altos caso os
queira ter para a venda. A demanda por trabalho produtivo, por meio do
aumento dos recursos destinados ao sustento deles, está cada dia maior.
Os trabalhadores encontram emprego rapidamente, mas os titulares dos
capitais acham difícil encontrar trabalhadores para empregar. Essa
competição causa o aumento dos salários do trabalho e a diminuição dos
lucros do capital. Mas quando os lucros que podem ser obtidos pela
aplicação do capital ficam diminuídos, por assim dizer, em ambas as
extremidades, o preço que pode ser pago pelo uso dele, isto é, a taxa de
juros, cai obrigatoriamente junto com eles.324
Os senhores Locke, Law e Montesquieu,325 assim como muitos outros
autores, parecem ter imaginado que a verdadeira causa da redução da
taxa de juros na maior parte da Europa fosse o aumento da quantidade de
ouro e prata, em consequência da descoberta das Índias Ocidentais
espanholas. Aqueles metais, dizem, perderam seu valor e, assim, o uso de
quaisquer parcelas específicas deles também foi perdido e,
consequentemente, o preço que se poderia pagar por eles. Essa ideia, que
à primeira vista parece tão plausível, foi rebatida de forma tão plena pelo
senhor Hume que talvez seja desnecessário falar mais sobre o tema.326 A
seguir descrevo um argumento muito claro e curto, que entretanto pode
servir para explicar mais distintamente a falácia que parece ter levado
aqueles senhores ao engano.
Antes da descoberta das Índias Ocidentais espanholas, parece que a
taxa de juros comum em toda a Europa era de 10%. Desde então, ela
passou a diminuir em diferentes países para 6%, 5%, 4% e 3%.
Suponhamos que, em todos os países, o valor da prata tenha caído
precisamente na mesma proporção que a taxa de juros; e que, por
exemplo, nos países em que os juros foram reduzidos de 10% para 5%, a
mesma quantidade de prata é agora capaz de comprar apenas metade da
quantidade de bens que comprava anteriormente. Creio que essa
suposição não condiz com a verdade, mas é a mais favorável para o
argumento que examinaremos; e, mesmo com base nessa suposição, é
absolutamente impossível que a redução do valor da prata possa sugerir
qualquer tendência de diminuição da taxa de juros. Se, em tais países,
100 libras não valem hoje as 50 libras que valiam anteriormente, 10 libras
não valerão hoje mais do que as 5 libras que valiam até então.
Independentemente das causas que reduziram o valor do capital, elas
devem obrigatoriamente ter reduzido o valor dos juros, e exatamente na
mesma proporção. Embora a taxa nunca tenha sido alterada, a proporção
entre o valor do capital e o dos juros deve ter se mantido igual. Ao ser
alterada a taxa, pelo contrário, a proporção entre esses dois valores fica
necessariamente alterada. Se 100 libras não valem hoje as 50 que valiam
anteriormente, 5 libras podem hoje não valer mais que as 2 libras e 10
xelins que então valiam. Ao reduzir a taxa de juros, portanto, de 10%
para 5%, damos à aplicação do capital que supostamente vale hoje
metade de seu valor original juros iguais a somente um quarto do que
antes valiam.
Qualquer aumento na quantidade de prata — se a quantidade de
mercadorias que circulam por meio dela fosse mantida igual — não
poderia ter outro efeito senão diminuir o valor desse metal. O valor
nominal de todos os bens seria maior, mas seu valor real seria
exatamente o mesmo que antes. Eles seriam trocados por um maior
número de moedas de prata; mas a quantidade de trabalho que poderiam
comandar, o número de pessoas que poderiam sustentar e empregar,
seria exatamente o mesmo. O capital do país não seria modificado,
embora talvez houvesse a necessidade da circulação de um maior
número de moedas para transferir qualquer porção igual de uma mão
para outra. Os documentos legais de transferência preparados por um
advogado verborrágico seriam mais complicados, mas a coisa cedida
seria precisamente a mesma de antes e, é claro, somente poderia produzir
os mesmos efeitos. Já que os fundos para sustentar o trabalho produtivo
são os mesmos, a demanda por ele também seria a mesma. Seu preço ou
salários, portanto, embora nominalmente maior, seriam os mesmos em
valores reais. Eles seriam pagos em um maior número de moedas de
prata, mas poderiam comprar somente a mesma quantidade de bens. Os
valores real e nominal dos lucros do capital seriam os mesmos. Os
salários do trabalho são computados geralmente pela quantidade de prata
que é paga ao trabalhador. Quando isso é aumentado, seus salários
parecem ser consequentemente aumentados, embora possam às vezes
não ser maiores do que antes. Mas os lucros do capital não são
computados pelo número de moedas de prata com que são pagos, mas
pela proporção dessas moedas em relação ao capital total aplicado.
Assim, em um país específico, 5 xelins por semana são vistos como o
salário normal do trabalho, e 10%, os lucros normais do capital. Mas se o
capital total do país permanecesse igual, a concorrência entre os
diferentes capitais (resultantes da divisão do capital total) dos indivíduos
também seria a mesma. Todos eles negociariam com as mesmas
vantagens e desvantagens. A proporção normal entre o capital e o lucro,
portanto, seria a mesma, e, consequentemente, também os juros normais
do dinheiro, pois aquilo que geralmente se paga pelo uso do dinheiro é
regulado obrigatoriamente pelo que, em geral, se pode normalmente
fazer com seu uso.
Qualquer aumento da quantidade de mercadorias que realmente
circulam anualmente dentro do país, se o dinheiro que as faz circular
permanece o mesmo, produziria, pelo contrário, muitos outros efeitos
importantes, além de elevar o valor do dinheiro. O capital do país,
embora fosse nominalmente o mesmo, poderia ter sofrido um aumento
real. Ele poderia continuar a ser designado pela mesma quantidade de
dinheiro, mas controlaria uma quantidade maior de trabalho. A
quantidade de trabalho produtivo que poderia sustentar e empregar seria
aumentada, o que, da mesma maneira, faria aumentar a demanda para
esse trabalho. Seus salários se elevariam naturalmente com a demanda e,
mesmo assim, pareceriam estar em declínio. Seria possível pagá-los com
uma quantidade menor de dinheiro, mas essa quantidade menor poderia
comprar mais bens do que a quantidade maior podia anteriormente.
Os lucros do capital seriam diminuídos na aparência e na realidade.
Ao aumentar o capital total do país, a concorrência entre os diferentes
capitais que compõem a quantidade total seria naturalmente aumentada
junto com ele. Os titulares desses capitais particulares seriam obrigados a
se contentar com uma proporção menor do produto desse trabalho
empregado por seus respectivos capitais. Os juros do dinheiro, mantendo
sempre o mesmo passo dos lucros do capital, podem, assim, ficar
extremamente diminuídos, embora o valor do dinheiro, ou a quantidade
de bens que uma soma específica consiga comprar, fique extremamente
aumentado.
Em alguns países, os juros sobre o dinheiro foram proibidos por lei.
Mas, tendo em vista que, em qualquer lugar, é possível ganhar algo com a
aplicação do dinheiro, então algo deve sempre ser pago por sua
utilização. A experiência nos mostra que essa regra jurídica, em vez de
impedir, aumenta o mal da usura; o devedor fica obrigado não apenas a
pagar pela utilização do dinheiro, mas também a pagar o risco que o
credor corre ao aceitar um pagamento em troca desse uso do dinheiro.
Podemos dizer que ele é obrigado a fornecer um seguro a seu credor
contra as penalidades da usura.
Nos países em que os juros são permitidos, a lei, a fim impedir a
extorsão da usura, costuma fixar a taxa máxima que pode ser praticada
sem penalidade. Essa taxa deve estar sempre um pouco acima do preço
mínimo de mercado ou do preço que é comumente pago pela aplicação
do dinheiro por aqueles que podem oferecer a mais alta segurança. Se a
taxa legal for fixada abaixo da taxa mínima de mercado, os efeitos dessa
fixação devem ser quase os mesmos que aqueles da proibição total dos
juros. O credor não emprestará seu dinheiro por menos do que vale o seu
uso e o devedor lhe deverá pagar pelo risco que ele corre ao aceitar o
valor total dessa utilização. Se a taxa for exatamente igual ao preço
mínimo de mercado, então ela arruinará, junto com o crédito das pessoas
honestas que respeitam as leis de seu país, o crédito de todos aqueles que
não podem oferecer a melhor segurança, e os obrigará a recorrer à
exorbitância da usura. Desse modo, em um país como a Grã-Bretanha,
em que o dinheiro é emprestado ao governo a 3% e às pessoas privadas
possuidoras de garantia a 4% ou 4,5%, para as pessoas privadas
possuidoras de garantia, então, a taxa atual legal de 5% talvez seja
bastante adequada.
É importante observar que, embora a taxa legal deva estar um pouco
acima da taxa mínima de mercado, ela não deve estar muito acima desse
valor. Se a taxa legal de juros da Grã-Bretanha, por exemplo, fosse fixada
em 8% ou 10%, a maior parte do dinheiro reservado para ser emprestado
seria emprestada aos pródigos e empresários aventureiros, pois seriam os
únicos dispostos a aceitar juros tão altos. As pessoas mais prudentes, que
pagam pelo uso do dinheiro não mais que uma parte do valor que
acreditam ser possível obter pelo uso dele, não entrariam em tal tipo de
aventura. Uma grande parte do capital do país seria, assim, mantida
longe das mãos daquelas pessoas com maior chance de utilizar o dinheiro
de forma rentável e vantajosa, e seria entregue às pessoas com maior
chance de desperdiçá-lo e destruí-lo. Ao contrário, sempre que a taxa
legal de juros for fixada apenas um pouco acima da taxa mínima de
mercado, as pessoas mais prudentes serão universalmente preferidas
como tomadoras de empréstimos, enquanto os pródigos e empresários
aventureiros serão preteridos. A pessoa que empresta dinheiro recebe
quase o mesmo valor em juros dos primeiros quanto se arrisca a obter
dos segundos, e seu dinheiro está muito mais seguro quando se encontra
nas mãos do primeiro grupo de pessoas do que nas do segundo grupo.
Grande parte do capital do país é, dessa forma, entregue às pessoas com
maior chance de empregá-lo com vantagem.
Nenhuma lei é capaz de reduzir a taxa normal de juros a um valor
abaixo da taxa mínima de mercado no momento em que a lei é
promulgada. Não obstante o decreto de 1766, por meio do qual o rei da
França tentou reduzir a taxa de juros de 5% para 4%, o dinheiro
continuou a ser emprestado a 5% na França; e, assim, a lei deixou de ser
cumprida de várias maneiras.
Devemos observar que, em todos os lugares, o preço normal de
mercado da terra depende da taxa de juros de mercado normal. O titular
de um capital que deseja obter receitas dele sem se dar ao trabalho de
utilizá-lo irá deliberar consigo mesmo se é melhor comprar terras ou
emprestar a juros. A maior segurança das terras, juntamente com
algumas outras vantagens que, em quase todos os lugares, assistem essa
espécie de propriedade, geralmente levam o titular a contentar-se com a
menor renda proporcionada, em vez de arriscar-se no que poderia obter
caso emprestasse seu dinheiro a juros. Essas vantagens são suficientes
para compensar uma certa diferença de rendimentos; mas elas apenas
compensam uma certa diferença e nada mais; assim, se a renda da terra
ficasse aquém dos juros do dinheiro por uma diferença maior, ninguém
compraria terras, reduzindo rapidamente o preço normal delas. Caso
contrário, se as vantagens mais do que compensassem a diferença, todo
mundo compraria terras, elevando rapidamente seu preço normal.
Quando os juros estavam em 10%, a terra era geralmente vendida pelo
valor de 10 a 12 anos de rendas. Com a queda dos juros para 5% e 4%, o
preço da terra subiu para 20 e 25 anos de rendas. A taxa de juros de
mercado é mais elevada na França do que na Inglaterra; e o preço normal
das terras é menor. Na Inglaterra, as terras são geralmente vendidas pelo
valor de 30 anos de rendas; na França, por 20 anos.

CAPÍTULO V
OS DIFERENTES EMPREGOS DO CAPITAL
Embora todos os capitais sejam destinados somente à manutenção do
trabalho produtivo, a quantidade de trabalho que capitais iguais são
capazes de pôr em movimento varia extremamente de acordo com a
diversidade de seus empregos; o mesmo vale para o valor que esse
emprego adiciona ao produto anual da terra e do trabalho do país.
Um capital pode ser empregado de quatro formas diferentes:
primeiro, para obter o produto bruto necessário anualmente para o uso e
o consumo da sociedade; segundo, para manufaturar e preparar o
produto bruto para uso e consumo imediato; terceiro, para transportar o
produto bruto ou os produtos manufaturados dos locais em que são
abundantes para os locais onde estão em falta; e, por último, para dividir
porções particulares desse produto em pequenas parcelas específicas que
se adéquem às suas demandas ocasionais. Na primeira forma são
aplicados os capitais de todos aqueles que empreendem a melhoria ou o
cultivo de terras, minas ou pesqueiros; na segunda, os capitais de todos
os donos de manufaturas; na terceira, os de todos os comerciantes
atacadistas; e, na quarta, os de todos os varejistas. É difícil conceber uma
forma de uso do capital que não se encaixe em umas dessas quatro
classificações.
Cada uma dessas quatro formas de emprego do capital é
essencialmente necessária para a existência ou para a extensão dos outros
três ou para a conveniência geral da sociedade.
Caso não seja empregado um capital para o fornecimento de certa
quantidade abundante de produtos brutos, nem a manufatura nem
qualquer tipo de comércio poderá existir.
Caso não seja aplicado um capital para a manufatura daquela parte
do produto bruto que exige muito preparo para que possa ser usada e
consumida, os bens nunca poderão ser produzidos, pois não existirá
demanda por eles; ou, caso sejam produzidos espontaneamente, não
terão nenhum valor de troca e nada acrescentarão à riqueza da
sociedade.
Caso não seja aplicado um capital para o transporte do produto bruto
ou dos produtos manufaturados para transferi-los dos locais onde são
abundantes para os locais em que são demandados, somente será possível
produzir a quantidade necessária para o consumo da vizinhança. O
capital do comerciante serve para trocar o produto excedente de uma
localidade pelo de outra e, desse modo, é capaz de estimular a indústria e
de aumentar o bem-estar de ambas as localidades.
Caso não seja aplicado um capital para separar e dividir determinadas
porções dos produtos brutos ou manufaturados em pequenas porções
específicas que se adéquem às demandas ocasionais daqueles que querem
esses produtos, cada pessoa será obrigada a comprar quantidades de bens
superiores àquelas ditadas por suas necessidades imediatas. Se não
existisse o açougueiro, por exemplo, cada um de nós se veria obrigado a
comprar um boi ou uma ovelha inteira. Isso seria, em geral,
inconveniente para os ricos e muito mais para os pobres. Se um
trabalhador pobre fosse obrigado a comprar as provisões de um ou seis
meses por vez, ele seria forçado a transferir uma grande parcela dos
fundos que emprega como capital — seja nos instrumentos de sua
atividade ou no mobiliário de sua oficina, e que lhe proporcionam um
rendimento — para a parte de seus fundos reservados para o consumo
imediato, a qual não lhe proporciona nenhum rendimento. Para alguém
em tais condições, nada é mais conveniente do que poder prover sua
subsistência por meio de compras diárias ou mesmo realizando-as mais
de uma vez por dia, conforme for melhor. Desse modo pode empregar
quase todos os seus fundos (stock) como um capital (capital). E, além
disso, consegue fornecer trabalho de um valor maior, e o lucro que
obteria dessa maneira mais do que compensa o preço adicional que o
lucro do varejista impõe às mercadorias. O preconceito de alguns autores
políticos contra os lojistas e os comerciantes não tem fundamento algum.
A ideia de tributá-los ou restringir o número de pessoas que exercem
essas profissões para que não se multipliquem demais e causem danos ao
público é algo muito distante, pois, na verdade, é mais fácil que causem
danos entre si caso tal multiplicação venha a ocorrer. A quantidade de
gêneros alimentícios, por exemplo, que pode ser vendida em
determinada cidade está limitada pela demanda do local e de sua
vizinhança. O capital que pode ser empregado no comércio de alimentos,
portanto, não pode exceder aquilo que é suficiente para comprar essa
quantidade. Se esse capital estiver dividido entre dois comerciantes
distintos, a competição entre eles tenderá a fazer com que ambos vendam
a preços mais baixos do que se ele estivesse nas mãos de apenas um deles;
e, se fosse dividido entre vinte, a competição seria proporcionalmente
maior e a possibilidade de se unirem para elevar o preço,
proporcionalmente menor. Essa competição talvez leve alguns deles à
falência; mas esse assunto diz respeito apenas às partes envolvidas e pode
ser deixado com segurança à discrição delas. Ela nunca deve causar
danos ao consumidor nem ao produtor; pelo contrário, a competição
tenderá a fazer com que os varejistas vendam mais barato e comprem
mais caro do que se todo o comércio fosse monopolizado por uma ou
duas pessoas. Às vezes, alguns deles talvez possam enganar um cliente
mais ingênuo, fazendo-o comprar algo de que não necessita. Esse mal, no
entanto, é de pouca importância para merecer a atenção pública, e nem
seria necessariamente resolvido pela restrição da quantidade de seus
comerciantes. Ofereçamos o exemplo mais suspeito: não é o grande
número de tavernas que dispõe as pessoas comuns à embriaguez; mas
essa disposição decorrente de outras causas, necessariamente, ocasiona a
multiplicação de muitas tavernas.
Os indivíduos cujos capitais são empregados de qualquer uma dessas
quatro maneiras são trabalhadores produtivos. Quando devidamente
orientado, seu trabalho se fixa e se materializa no objeto ou na
mercadoria comercializável sobre a qual é aplicado e, geralmente,
adiciona ao seu preço o valor de seu próprio sustento e consumo. Os
lucros do agricultor, do fabricante, do comerciante e do varejista são
todos extraídos do preço dos bens que os dois primeiros produzem e os
dois últimos compram e revendem. Capitais iguais, entretanto,
empregados em cada uma das quatro formas colocarão imediatamente
em movimento quantidades muito diferentes de trabalho produtivo e,
também, causarão o aumento — em proporções muito diferentes — do
valor do produto anual da terra e do trabalho da sociedade a que
pertencem.
O capital do varejista repõe com seus lucros o capital do comerciante
de quem compra os bens, permitindo-lhe, assim, continuar os seus
negócios. O próprio varejista é o único trabalhador produtivo
imediatamente empregado pelo capital. Seus lucros constituem o valor
total que seu emprego adiciona ao produto anual da terra e do trabalho
da sociedade.
O capital do atacadista repõe, juntamente com seus lucros, os capitais
dos agricultores e fabricantes de quem compra matérias-primas e
produtos manufaturados que serão revendidos por ele, e, assim, permite-
lhes dar continuidade aos seus respectivos negócios. É principalmente
por esse serviço que ele contribui, indiretamente, tanto para a
manutenção do trabalho produtivo da sociedade quanto para aumentar o
valor do produto anual dessa mesma sociedade. Seu capital também
emprega marinheiros e carregadores que transportam seus bens de um
lugar para outro, aumentando o preço dessas mercadorias pelo valor de
seus lucros e dos salários deles. Esse é todo o trabalho produtivo que ele
coloca imediatamente em movimento e, também, todo o valor que ele
adiciona imediatamente ao produto anual. Em ambos os aspectos, a
operação do capital do atacadista é bastante superior à do capital do
varejista.
Parte do capital do mestre-manufatureiro é empregada como um
capital fixo nos instrumentos de seu comércio, e repõe, junto com seus
lucros, o capital de algum outro artesão de quem os compra. Parte de seu
capital circulante é empregada na compra de matérias-primas, e repõe,
com seus lucros, os capitais dos agricultores e mineiros de quem ele as
compra. Mas a maior parte desse capital é sempre, seja anualmente, seja
em um período muito mais curto, distribuída entre os diferentes
trabalhadores a quem emprega. Ao valor da matéria-prima, essa parte
acrescenta o salário dos trabalhadores e o lucro do fabricante sobre todo
o capital dos salários, das matérias-primas e dos instrumentos comerciais
utilizados nos negócios. E coloca imediatamente em movimento,
portanto, uma quantidade muito maior de trabalho produtivo, e
acrescenta um valor muito maior ao produto anual da terra e do trabalho
da sociedade do que um capital igual nas mãos de qualquer comerciante
atacadista.
Não há capital igual que coloque em movimento uma maior
quantidade de trabalho produtivo que o do agricultor. Não só seus
trabalhadores são produtivos, mas também o gado utilizado na
agricultura. Na agricultura, a natureza também trabalha ao lado do ser
humano; e embora seu trabalho nada custe, seu produto possui valor,
assim como o dos trabalhadores mais caros. As operações mais
importantes da agricultura parecem dirigidas não tanto a aumentar
(embora também façam isso), mas a dirigir a fertilidade da natureza para
a produção de plantas mais úteis para o ser humano. Um campo coberto
de plantas espinhentas costuma produzir uma quantidade tão grande de
vegetais como os melhores vinhedos ou os campos de cereais cultivados.
O plantio e o cultivo costumam mais regular do que estimular a
fertilidade ativa da natureza; e, após a realização dessa tarefa, a maior
parte do trabalho ainda deve ser realizada pela natureza. Os
trabalhadores e o gado utilizados na agricultura — como os
trabalhadores na manufatura — não só repõem um valor igual ao seu
próprio consumo ou ao capital que os emprega, juntamente com os
lucros de seus proprietários, mas também criam um valor muito maior
que esse. Além do capital do agricultor e de todos os seus lucros, eles
costumam repor a renda dos proprietários da terra. Essa renda pode ser
considerada como o produto das forças da natureza cujo uso o
proprietário da terra empresta ao agricultor. Será maior ou menor de
acordo com a suposta extensão dessa força ou, em outras palavras, de
acordo com a suposta fertilidade natural ou aprimorada da terra. Após
deduzirmos ou compensarmos tudo o que pode ser considerado como
trabalho humano, o que resta é o trabalho da natureza. Raramente é
menos que um quarto e, frequentemente, mais que um terço do produto
total. Não há quantidade igual de trabalho produtivo empregado na
manufatura que seja capaz de gerar uma reprodução tão grande. Na
manufatura, a natureza não faz nada. O homem faz tudo. Assim, a
reprodução será sempre proporcional à força dos agentes que a geram. O
capital empregado na agricultura, portanto, não só coloca em movimento
uma quantidade de trabalho produtivo maior do que qualquer capital
igual empregado nas manufaturas, mas, em proporção também à
quantidade de trabalho produtivo que emprega, adiciona um valor muito
maior ao produto anual da terra e do trabalho do país, às verdadeiras
riquezas e aos rendimentos de seus habitantes. De todas as formas nas
quais o capital pode ser investido, esta é de longe a mais vantajosa para a
sociedade.
Os capitais aplicados na agricultura e no comércio varejista de toda a
sociedade devem sempre fazer parte dessa sociedade, isto é, residir nela.
A aplicação desses capitais confina-se a locais quase precisos: a fazenda e
a loja do varejista. Embora haja algumas exceções, eles também devem,
em geral, pertencer a membros residentes dessa mesma sociedade.
O capital de um comerciante atacadista, pelo contrário, parece não ter
residência fixa ou necessária em qualquer lugar, mas pode vaguear de um
lugar para outro de acordo como a possibilidade de comprar barato ou
vender caro.
O capital do produtor manufatureiro deve, sem dúvida, residir no
local em que ocorre a manufatura; mas seu local preciso não está
necessariamente determinado. Pode muitas vezes estar a uma grande
distância do local de extração das matérias-primas ou do local em que a
manufatura completa é consumida. Lyon está muito distante tanto das
fontes de matérias-primas de sua manufatura quanto de seus
consumidores. As pessoas elegantes da Sicília são vestidas com as sedas
manufaturadas em outros países, mas com a matéria-prima produzida
em seu próprio território. Parte da lã da Espanha é manufaturada na Grã-
Bretanha, e alguma parte desses tecidos é depois reenviada para a
Espanha.
É de muito pouca importância saber se o comerciante cujo capital
exporta o produto excedente de qualquer sociedade é nativo ou
estrangeiro. Se é um estrangeiro, o número de seus trabalhadores
produtivos é necessariamente menor do que seria o de um nativo
somente por uma pessoa; e o valor de seu produto anual, pelos lucros
dessa única pessoa. Da mesma forma como seria realizado por um
comerciante nativo, os marinheiros ou transportadores empregados
podem também pertencer indiferentemente ao seu país ou ao país deles,
ou a algum outro país. O capital de um estrangeiro confere valor ao
produto excedente da mesma forma que o de um nativo, pois este será
intercambiado por algo que possua uma demanda interna. Com a mesma
efetividade, ele repõe o capital da pessoa que produz esse excedente e lhe
permite dar continuidade aos seus negócios: o serviço pelo qual o capital
de um comerciante atacadista oferece sua principal contribuição para a
manutenção do trabalho produtivo e para o aumento do valor do
produto anual da sociedade a que pertence.
É mais importante que o capital do produtor manufatureiro
mantenha-se dentro do país. Ele necessariamente coloca em movimento
uma maior quantidade de trabalho produtivo e adiciona um maior valor
ao produto anual da terra e do trabalho da sociedade. No entanto, esse
capital pode ser muito útil para o país mesmo se não estiver em seu
território. Os capitais dos fabricantes britânicos que manufaturam o linho
e o cânhamo importados anualmente das costas do Báltico são
certamente muito úteis aos países que os produzem. Essas matérias-
primas fazem parte do produto excedente dos países e, a menos que
fossem trocados anualmente por algo em falta nesses países, o produto
não teria nenhum valor e logo deixaria de ser produzido. Os
comerciantes que os exportam repõem os capitais das pessoas que os
produzem e, assim, as incentivam a continuar sua produção; e os
fabricantes britânicos repõem os capitais desses comerciantes.
Um determinado país, da mesma forma que um indivíduo, pode não
ter capital suficiente para aprimorar e cultivar todas as suas terras, para
fabricar e elaborar toda a sua matéria-prima para uso e consumo
imediatos e para transportar a parte excedente de suas matérias-primas
ou produtos manufaturados para aqueles mercados distantes onde
podem ser trocados por algo em falta domesticamente. Os habitantes de
muitas partes diferentes da Grã-Bretanha não têm capital suficiente para
aprimorar e cultivar todas as suas terras. Uma grande parte da lã dos
condados do sul da Escócia, após uma longa jornada terrestre por
estradas muito ruins, é manufaturada em Yorkshire; isso ocorre pela falta
de capital para manufaturá-la localmente. Há muitas pequenas cidades
manufatureiras na Grã-Bretanha onde seus habitantes não têm capital
suficiente para transportar os produtos de sua indústria para aqueles
mercados distantes onde há demanda e consumo para eles. Quando
existem comerciantes entre eles, estes são apenas agentes de comerciantes
mais ricos que residem em algumas das maiores cidades comerciais.
Quando o capital de qualquer país não é suficiente para todos esses
três propósitos, quanto maior for a parcela do capital empregada na
agricultura, maior será a quantidade de trabalho produtivo que é
colocada em movimento dentro do país; o mesmo vale para o valor que
sua aplicação adicionará ao produto anual da terra e do trabalho da
sociedade. Depois da agricultura, o capital que coloca em movimento a
maior quantidade de trabalho produtivo e adiciona o maior valor ao
produto anual é aquele aplicado na manufatura. Dos três, o capital
aplicado no comércio de exportação é o que causa menor efeito.
O país, de fato, que não tem capital suficiente para todos esses três
propósitos ainda não atingiu o grau de riqueza para o qual parece
naturalmente destinado. No entanto, tentar realizar todos os três
propósitos prematuramente e com um capital insuficiente certamente
não é o caminho mais curto para que uma sociedade adquira capital
suficiente, da mesma forma como não o é para o indivíduo. O capital de
todos os indivíduos de uma nação tem limites da mesma maneira que o
capital de um único indivíduo e, então, é capaz de realizar somente
alguns propósitos. O capital de todos os indivíduos de uma nação é
aumentado da mesma forma que a de um único indivíduo, isto é, ao ser
acumulado de forma contínua, adicionando-lhe tudo o que for possível
economizar com seus rendimentos. Mas é possível que aumente de forma
mais rápida quando é aplicado de forma que gere o maior rendimento
para todos os habitantes do país, pois somente assim eles poderão ter
economias maiores. Mas o rendimento de todos os habitantes do país é
necessariamente proporcional ao valor do produto anual de suas terras e
do trabalho.
Quase todo o capital de nossas colônias americanas foi empregado até
hoje na agricultura, e esse fato é a principal causa de seu rápido progresso
rumo à riqueza e à grandeza. Excetuando-se as manufaturas domésticas e
mais grosseiras que obrigatoriamente acompanham o progresso da
agricultura e que constituem o trabalho das mulheres e das crianças em
todas as famílias, as colônias não possuem manufaturas. A maior parte
tanto do comércio de exportação quanto do costeiro da América é
realizada por meio do capital de comerciantes que residem na Grã-
Bretanha. Até mesmo muitas lojas e armazéns que vendem mercadorias
no varejo em algumas províncias, especialmente na Virgínia e em
Maryland, pertencem a comerciantes que residem na metrópole; este é
um dos poucos exemplos de comércio varejista de uma sociedade levado
a cabo pelo capital de pessoas que não residem no local do comércio.
Caso os americanos — fosse por acordo entre si ou fosse por qualquer
outro tipo de coerção — deixassem de importar as manufaturas da
Europa e entregassem o monopólio desses produtos para os seus próprios
compatriotas que fossem capazes de manufaturar bens similares,
desviando, assim, uma boa parte de seu capital para este emprego, eles
não causariam a aceleração, mas o retardamento de um maior
crescimento no valor de seu produto anual, e não promoveriam, mas
imporiam obstáculos ao progresso de seu país rumo às verdadeiras
riquezas e à grandeza. Isso se daria em grau ainda maior se tentassem, da
mesma forma, monopolizar para elas mesmas todo o seu comércio de
exportação.
A prosperidade humana, certamente, parece quase nunca ter se
mantido de forma contínua por um tempo que permitisse que qualquer
grande país adquirisse o capital suficiente para todos aqueles três
propósitos; salvo, talvez, se dermos crédito aos relatos maravilhosos sobre
a riqueza e o cultivo na China, aos do Egito Antigo e aos do Hindustão.
Mesmo aqueles três países, os mais ricos, de acordo com todos os relatos,
que já existiram no mundo, são conhecidos principalmente por sua
superioridade na agricultura e na manufatura. Não parecem ter sido
eminentes por seu comércio exterior. Os antigos egípcios tinham uma
antipatia supersticiosa em relação ao mar; uma superstição quase do
mesmo tipo prevalece entre os indianos; e os chineses nunca se
destacaram em seu comércio externo. A maior parte do produto
excedente de todos os três países parece ter sido sempre exportada por
estrangeiros, que em troca dela entregavam algum produto que ali era
demandado, geralmente o ouro e a prata.
Desse modo, portanto, o mesmo capital de um país movimentará
uma maior ou menor quantidade de trabalho produtivo e acrescentará
um maior ou menor valor ao produto anual de sua terra e do trabalho de
acordo com as diferentes proporções em que ele é empregado na
agricultura, manufatura e comércio atacadista. A diferença também é
muito grande, de acordo com os diferentes tipos de comércio atacadista
nos quais é aplicado uma parte qualquer desse capital.
Todo o comércio atacadista, toda compra que tenha a revenda por
atacado como objetivo, pode ser reduzido a três tipos: o comércio
doméstico, o comércio externo para o consumo e o comércio de
transporte. O doméstico abarca a compra do produto do trabalho
realizada em uma região do país e revendida em outra região do mesmo
país. Compreende o comércio interno e o costeiro. O externo para o
consumo é a compra de bens estrangeiros para o consumo doméstico. O
comércio de transporte é utilizado para a realização do comércio com
países estrangeiros, ou para levar o produto excedente de um país a
outro.
O capital empregado para comprar o produto do trabalho de uma
região do país a fim de revendê-lo em outra costuma repor em cada uma
dessas operações dois capitais distintos que haviam sido aplicados na
agricultura ou nas manufaturas desse país, permitindo que esses setores
continuem realizando o mesmo tipo de aplicação. Quando esse comércio
envia da residência do negociante um determinado valor em
mercadorias, geralmente traz de volta, ao menos, um valor igual em
outras mercadorias. E, quando ambos os tipos de mercadoria são
produtos da indústria doméstica, daí obrigatoriamente são repostos em
cada operação os dois capitais distintos que haviam sido empregados
para a manutenção do trabalho produtivo, e isso lhes permite continuar
essa manutenção. O capital que envia as manufaturas escocesas para
Londres e, depois, leva os cereais e as manufaturas inglesas para
Edimburgo repõe obrigatoriamente em cada operação os dois capitais
britânicos que foram empregados na agricultura ou nas manufaturas da
Grã-Bretanha.
O capital empregado na compra de bens estrangeiros para o consumo
doméstico, quando essa compra é realizada com produtos da indústria
doméstica, também repõe em cada operação dois capitais distintos, mas
um deles apenas é utilizado para o sustento da indústria doméstica. O
capital que envia bens britânicos a Portugal e traz bens portugueses para
a Grã-Bretanha repõe, em cada operação, somente um capital britânico.
O outro capital reposto é português. Assim, embora os retornos do
comércio externo para o consumo sejam tão rápidos quanto aqueles do
comércio doméstico, o capital empregado nele oferecerá apenas metade
do incentivo à indústria ou ao trabalho produtivo do país.
Mas apenas muito raramente os rendimentos do comércio externo
para o consumo são tão rápidos quanto aqueles do comércio doméstico.
Os rendimentos do comércio doméstico são geralmente obtidos antes do
fim do ano, e às vezes três ou quatro vezes ao ano. Os rendimentos do
comércio externo para o consumo raramente ocorrem antes do fim do
ano e, às vezes, apenas depois de dois ou três anos. Desse modo, um
capital empregado no mercado doméstico às vezes realizará doze
operações, isto é, será aplicado e retornará doze vezes antes que o capital
empregado no comércio externo para o consumo tenha um único
rendimento. Se os capitais forem iguais, portanto, o capital aplicado no
comércio doméstico oferecerá 24 vezes mais incentivo e apoio à indústria
do país do que o outro.
Os bens estrangeiros para o consumo doméstico podem às vezes ser
comprados com alguns outros bens estrangeiros em vez de utilizar o
produto da indústria doméstica para tal fim. Os bens estrangeiros,
entretanto, devem ter sido comprados ou imediatamente por meio do
produto da indústria doméstica ou de outras mercadorias que tenham
sido compradas com eles; excetuando-se os casos da guerra e da
conquista, os bens estrangeiros só podem ser adquiridos em troca de algo
que tenha sido produzido domesticamente, ou imediatamente ou após
duas ou mais trocas diferentes. Portanto, um capital empregado no
comércio externo para o consumo por meio dessas transações indiretas
possui, em todos os aspectos, os mesmos efeitos do capital empregado no
comércio mais direto do mesmo tipo, exceto que os retornos podem ficar
muito mais distantes, pois dependem dos retornos de duas ou três
transações estrangeiras distintas. Se o linho e o cânhamo de Riga são
comprados com o tabaco da Virgínia, o qual foi comprado com
manufaturas britânicas, o comerciante deve esperar os retornos de duas
transações estrangeiras distintas antes de poder empregar o mesmo
capital para recomprar uma quantidade semelhante de manufaturas
britânicas. Se o tabaco da Virgínia não tivesse sido comprado com as
manufaturas britânicas, mas com o açúcar e o rum da Jamaica que
tinham sido comprados com aquelas manufaturas, ele, então, deveria
esperar pelos retornos de três transações. Se essas duas ou três transações
estrangeiras distintas fossem realizadas por dois ou três comerciantes
distintos, dos quais o segundo compra os bens importados pelo primeiro
e o terceiro compra os bens importados pelo segundo para exportá-los
novamente, cada comerciante, de fato, nesse caso, receberia mais
rapidamente os retornos de seu próprio capital; mas os retornos finais do
capital total empregado no comércio terão a mesma lentidão de sempre.
Não faz nenhuma diferença ao país que o capital total empregado nesse
comércio indireto pertença a um ou a três comerciantes, embora possa
fazer diferença aos comerciantes. Nos dois casos, para que se possa
realizar a troca de determinado valor de manufaturas britânicas por uma
quantidade específica de linho e de cânhamo, será preciso aplicar um
capital três vezes maior do que seria necessário se as manufaturas, de um
lado, e o linho e o cânhamo, do outro, tivessem sido trocados
diretamente uns pelos outros. O capital total empregado, portanto, nessa
forma indireta de comércio externo para o consumo geralmente
oferecerá menos incentivo e apoio ao trabalho produtivo do país do que
um capital igual empregado em um comércio mais direto do mesmo tipo.
Seja qual for a mercadoria estrangeira utilizada para comprar os bens
estrangeiros para o consumo doméstico, ela não pode gerar nenhuma
diferença essencial nem na natureza da transação nem no incentivo e no
sustento que dá ao trabalho produtivo do país em que ocorre. Por
exemplo, sejam as mercadorias compradas com o ouro do Brasil ou com
a prata do Peru, esse ouro e essa prata, assim como o tabaco da Virgínia,
devem ter sido comprados ou com um produto da indústria do país ou
com outra coisa comprada com esse produto. Portanto, no que diz
respeito ao trabalho produtivo do país, o comércio externo para o
consumo que é realizado com o ouro e a prata tem todas as vantagens e
todas as inconveniências de qualquer outro comércio externo para o
consumo realizado de forma indireta, e irá repor com a mesma rapidez
ou lentidão o capital que é imediatamente empregado para a manutenção
do trabalho produtivo. Parece, mesmo, que o comércio que utiliza a prata
e o ouro possui uma vantagem sobre o comércio exterior indireto. O
transporte desses metais de um lugar para outro, por causa de seu
pequeno volume e grande valor, é menos dispendioso do que o
transporte de quase todos os outros bens estrangeiros de igual valor. O
frete é mais barato e o seguro não é mais caro; não há outro produto,
além disso, menos suscetível de sofrer danos pelo transporte que os
metais. Como consequência, a utilização do ouro e da prata (em vez de
outros produtos estrangeiros) permite que uma quantidade igual de bens
estrangeiros seja comprada com uma quantidade menor de produtos da
indústria nacional. A demanda do país pode, com frequência, estar mais
plenamente suprida dessa maneira e com despesas menores do que de
qualquer outra forma. Mais à frente terei a oportunidade de examinar de
forma mais detalhada se esse tipo de comércio contribui ou não para o
empobrecimento do país que o realiza devido à exportação contínua
desses metais.
A porção do capital que um país qualquer emprega no comércio de
transportes é, em sua integralidade, retirada do sustento do trabalho
produtivo desse país e transferida para o sustento do trabalho produtivo
de países estrangeiros. Embora seja capaz de repor dois capitais distintos
em cada operação, nenhum deles pertencerá ao primeiro país. O capital
do mercador holandês, que transporta os cereais da Polônia para
Portugal e leva de volta as frutas e os vinhos de Portugal para a Polônia,
repõe dois capitais em cada uma dessas operações, mas nenhum deles
será empregado para o sustento do trabalho produtivo da Holanda; um
deles sustentará o da Polônia, e o outro, o de Portugal. Apenas os lucros
retornam regularmente à Holanda, constituindo o valor total que esse
comércio obrigatoriamente adiciona ao produto anual da terra e do
trabalho desse país. De fato, quando o comércio de transporte de
qualquer país em particular é realizado com os navios e marinheiros
desse mesmo país, parte do capital empregado para pagar o frete é
distribuída entre um certo número de trabalhadores e também os coloca
em movimento. Quase todas as nações que tiveram uma porção
considerável do comércio de transportes o realizaram, de fato, dessa
maneira. A própria atividade talvez tenha recebido o nome de comércio
de transportes por tal fato, pois as pessoas desses países são as
transportadoras para outros países. No entanto, não parece essencial à
natureza do comércio que esse deva ser o caso. Um comerciante holandês
pode, por exemplo, empregar o seu capital em transações comerciais
entre a Polônia e Portugal, transportando parte do produto excedente de
um para o outro em um navio britânico, não em um navio holandês.
Pode-se presumir que ele realmente faça isso em algumas ocasiões
específicas. É nesse sentido, entretanto, que o comércio de transporte tem
sido considerado peculiarmente vantajoso para aqueles países, como a
Grã-Bretanha, cuja defesa e cuja segurança dependem do número de seus
marinheiros e navios. Mas o mesmo capital pode empregar tantos
marinheiros e navios de transporte quantos forem necessários para o
comércio de transportes, tanto no comércio externo para o consumo
quanto no comércio doméstico (neste último caso, por navios de
cabotagem). O número de marinheiros e embarcações que pode ser
utilizado por um capital particular qualquer não depende da natureza do
comércio, mas, em parte, do volume dos bens em proporção ao seu valor
e, em parte, da distância até o porto de entrega das mercadorias; mas
principalmente do primeiro fator. O comércio de carvão entre Newcastle
e Londres, por exemplo, emprega mais navios do que todo o comércio de
transportes da Inglaterra, embora a distância entre os portos não seja
muito grande. É por isso que forçar, por meio de incentivos
extraordinários, uma maior parcela de qualquer país ao comércio de
transporte, em vez daquela que naturalmente seria escoada a ele, não
causará necessariamente o aumento do setor de transportes daquele país.
Portanto, o capital empregado no comércio doméstico de um país
qualquer geralmente oferecerá estímulo e apoio a uma maior quantidade
de trabalho produtivo nesse país e aumentará o valor de seu produto
anual mais do que um capital igual empregado no comércio externo para
o consumo; e, em relação a esses dois tópicos, o capital empregado no
comércio externo tem uma vantagem ainda maior sobre um capital igual
empregado no comércio de transporte. As riquezas e o poder de cada
país (já que o poder depende das riquezas) devem ser sempre
proporcionais ao valor de seu produto anual, o fundo a partir do qual
todos os impostos são ao final pagos. Mas o grande objetivo da economia
política de todo país é aumentar as riquezas e o poder daquele país. Não
se deve, portanto, dar preferência nem incentivo superior ao comércio
externo para o consumo em detrimento do comércio doméstico nem ao
comércio de transporte em detrimento de qualquer um dos outros dois.
Não se deve forçar ou atrair para esses dois canais uma parcela maior do
capital do país do que a quantidade que naturalmente fluiria para eles por
iniciativa própria.
No entanto, cada um desses diferentes ramos do comércio não é
apenas vantajoso, mas necessário e inevitável sempre que é naturalmente
introduzido pelo curso normal das coisas, sem nenhum constrangimento
nem violência.
Quando o produto de qualquer ramo específico das atividades excede
a demanda do país, o excedente deve ser enviado ao exterior e trocado
por algo que supra alguma demanda doméstica. Sem a exportação, uma
parte do trabalho produtivo do país seria interrompida e o valor de seu
produto anual diminuiria. As terras e o trabalho da Grã-Bretanha
costumam produzir mais cereais, artigos de lã e ferramentas do que é
requerido pela demanda de seu mercado interno. Portanto, o seu
excedente deve ser enviado para o exterior e trocado por algo que atenda
à demanda interna do país. Somente a exportação pode oferecer ao
excedente valor suficiente para compensar o trabalho e as despesas para
produzi-lo. Os locais vizinhos à costa marítima e às margens de todos os
rios navegáveis trazem vantagens para as atividades, pois facilitam a
exportação e a troca dos excedentes por outras mercadorias com maior
demanda lá.
Quando os bens estrangeiros que são comprados com o produto
excedente da indústria doméstica ultrapassam a demanda do mercado
doméstico, a parte excedente deles deve ser enviada novamente para o
exterior e trocada por alguma outra mercadoria que esteja em falta no
mercado doméstico. Cerca de 96 mil barris de tabaco são comprados
anualmente na Virgínia e em Maryland com uma parte do produto
excedente da indústria britânica. Mas a atual demanda da Grã-Bretanha
não comporta, talvez, mais de 14 mil barris. Se os outros 82 mil barris,
portanto, não pudessem ser enviados para o exterior e trocados por algo
em falta no mercado doméstico, a importação do tabaco seria
imediatamente interrompida e, com ela, o trabalho produtivo de todos os
habitantes da Grã-Bretanha cujo trabalho é a preparação dos bens com os
quais esses 82 mil barris são comprados anualmente. Se esses bens, que
fazem parte do produto da terra e do trabalho da Grã-Bretanha, não
tiverem um mercado doméstico e perderem seu mercado externo, eles
deixarão de ser produzidos. O comércio externo para o consumo
realizado de forma mais indireta, portanto, pode, em algumas ocasiões,
ser tão necessário para oferecer sustento ao trabalho produtivo do país e
ao valor de seu produto anual quanto o comércio mais direto.
Quando o estoque de capital de um país qualquer aumenta a tal
ponto que não pode ser totalmente empregado para suprir o consumo e
sustentar o trabalho produtivo desse país em particular, seu excedente
naturalmente se lança ao comércio de transporte e é empregado para a
realização das mesmas funções em outros países. O comércio de
transporte é o efeito natural e o sintoma da grande riqueza nacional, mas
parece não ser a causa natural dela. Os estadistas que se dispuseram a
favorecê-lo com estímulos especiais parecem ter confundido o efeito e o
sintoma com a causa. A Holanda, proporcionalmente à extensão de seu
território e ao número dos seus habitantes, é de longe o país mais rico da
Europa e, consequentemente, possui a maior parcela do comércio de
transporte da Europa. Supõe-se que a Inglaterra, talvez o segundo país
mais rico da Europa, também administre uma boa parcela desse
comércio; embora aquilo que normalmente é considerado comércio de
transporte da Inglaterra talvez seja nada mais que um comércio externo
para o consumo realizado de forma indireta. Assim é, em grande medida,
o comércio que transporta os bens das Índias Orientais e Ocidentais e da
América para diferentes mercados europeus. Esses bens são geralmente
comprados imediatamente, ou com o produto da indústria britânica, ou
com algo que tenha sido comprado com esse produto; e os retornos finais
daqueles comércios são normalmente usados ou consumidos na Grã-
Bretanha. O comércio realizado com navios britânicos entre os vários
portos do Mediterrâneo e algumas transações similares realizadas por
comerciantes britânicos entre os diferentes portos da Índia são, talvez, os
principais ramos do que, na verdade, é o comércio de transportes da Grã-
Bretanha.
A extensão do comércio doméstico e do capital que pode ser
empregado nele é necessariamente limitada pelo valor do produto
excedente de todos os lugares distantes dentro de um único país que
necessitam trocar uns com os outros as suas respectivas produções. A do
comércio externo de consumo é limitada pelo valor do produto
excedente de todo o país e do que pode ser comprado com ele. A do
comércio de transportes, pelo valor do produto excedente de todos os
países do mundo. Sua extensão possível, portanto, é de uma forma
infinita em comparação à dos outros dois, e é capaz de absorver os
maiores capitais.
A consideração exclusiva com seus próprios lucros é o único motivo
que obriga o titular de qualquer capital a aplicá-lo na agricultura, na
manufatura ou em algum ramo específico do comércio atacadista ou
varejista. O mesmo titular nunca pensa sobre as diferentes quantidades
de trabalho produtivo que seu capital pode colocar em movimento e os
diferentes valores que pode adicionar ao produto anual da terra e do
trabalho da sociedade, dependendo de ser aplicado em uma ou outra
dessas diferentes formas. Nos países, portanto, em que a agricultura é a
mais rentável de todas as aplicações, em que a agricultura e as melhorias
são as estradas mais diretas para amealhar uma boa fortuna, os capitais
dos indivíduos serão naturalmente empregados da forma mais vantajosa
para toda a sociedade. Em toda a Europa, no entanto, os lucros da
agricultura não parecem ser superiores aos de outras aplicações do
capital. De fato, nos últimos poucos anos, os empresários aventureiros
dos quatro cantos da Europa têm entretido o público com relatos
mirabolantes sobre os lucros que podem ser obtidos pelo cultivo e pela
melhoria das terras. Sem entrar em qualquer discussão específica de seus
cálculos, uma observação muito simples pode nos mostrar que os seus
resultados devem ser falsos. Todos os dias vemos grandes fortunas que
foram adquiridas no decorrer de uma única vida pelo comércio e pela
manufatura, frequentemente a partir de um capital bastante pequeno e às
vezes sem capital algum. Mas, ao mesmo tempo, não se produziu um
único exemplo de alguma fortuna adquirida pela agricultura, e por meio
de tal capital, na Europa durante o decorrer do presente século. Em todos
os grandes países da Europa, no entanto, existem muitas terras boas que
ainda não foram cultivadas, e a maioria das terras cultivadas está longe
de ter recebido melhoramentos em seu mais alto grau. A agricultura,
portanto, está em quase todas as partes apta a absorver um capital muito
maior do que aquele que nela foi investido até hoje. Nos dois livros
seguintes me esforçarei para explicar em detalhes as circunstâncias da
política da Europa que deram aos comércios que são realizados nas
cidades uma vantagem tão grande sobre o comércio realizado no campo
que os indivíduos passaram a considerar mais vantajoso aplicar seus
capitais nos mais distantes comércios de transporte da Ásia e da América
do que na melhoria e no cultivo dos campos mais férteis existentes em
sua própria vizinhança.
LIVRO III
O PROGRESSO DA OPULÊNCIA
EM DIFERENTES NAÇÕES
CAPÍTULO I
O PROGRESSO NATURAL DA OPULÊNCIA
Em toda sociedade civilizada, o maior comércio é aquele realizado entre
os habitantes da cidade e os do campo, e ele consiste na troca de
matérias-primas por produtos manufaturados; as trocas podem ocorrer
diretamente ou pela intervenção do dinheiro ou de algum tipo de papel
que represente o dinheiro. O campo supre a cidade com os meios de
subsistência e matérias-primas manufaturáveis. A cidade paga esse
suprimento com o envio de parte do produto manufaturado aos
habitantes do campo. Podemos dizer de forma bastante apropriada que,
na cidade, na qual não há e nem pode haver nenhuma reprodução de
substâncias, toda a riqueza e a subsistência são oriundas do campo. Não
devemos, por isso, imaginar que o ganho da cidade signifique uma perda
para o campo. Os ganhos de ambos são mútuos e recíprocos; a divisão do
trabalho é, nesse caso e em todos os outros, vantajosa para todas as
diferentes pessoas que são empregadas nas várias ocupações em que esse
trabalho se subdivide. Os habitantes do campo compram da cidade uma
quantidade maior de bens manufaturados com o produto de uma
quantidade muito menor de seu próprio trabalho do que empregariam
caso eles mesmos tentassem produzi-los. A cidade oferece um mercado
para os produtos excedentes do campo ou o que excede o sustento dos
lavradores; é na cidade que os habitantes do campo os trocam por algum
outro produto que esteja em falta entre eles. Quanto maior o número e os
rendimentos dos moradores da cidade, mais extenso será o mercado que
ela oferecerá aos habitantes do campo; e quanto mais extenso esse
mercado, mais vantajoso será para um maior número de pessoas. Os
cereais plantados a uma milha da cidade são vendidos pelo mesmo preço
que os plantados a 20 milhas. Mas o preço destes últimos, geralmente,
além de pagar as despesas de seu plantio e o transporte ao mercado, deve
também pagar os lucros ordinários da agricultura ao fazendeiro.
Portanto, os proprietários e os lavradores do campo que vivem nas
vizinhanças da cidade, além de receberem os lucros ordinários da
agricultura, também ganham, no preço do que vendem, o valor total do
transporte de produtos similares trazidos de locais mais distantes e, no
preço de tudo o que compram, também economizam o valor total desse
mesmo transporte. Compare o cultivo de terras situadas na vizinhança de
toda cidade de tamanho considerável com aquele situado a certa
distância da cidade e será possível entender o benefício que as relações
comerciais com a cidade leva ao campo. Dentre todas as especulações
absurdas que têm sido propagadas sobre a balança comercial, jamais se
tentou supor que o campo perdesse algo no comércio com a cidade, ou a
cidade no comércio com o campo que a sustenta.327
É da natureza das coisas que a subsistência preceda as comodidades e
os bens de luxo, então o trabalho que produz bens de subsistência
também será anterior àquele dedicado às comodidades e aos bens de
luxo. Portanto, o cultivo e a melhoria do campo, que proporciona essa
subsistência, devem ocorrer obrigatoriamente antes do crescimento da
cidade, que fornece apenas as conveniências e os luxos. O produto
excedente do campo — ou seja, tudo o que ultrapassa o sustento dos
lavradores — constitui a subsistência total da cidade; consequentemente,
a cidade somente cresce com o aumento do produto excedente do campo.
Nem sempre a subsistência total da cidade provém das áreas rurais
vizinhas, nem mesmo do país a que ela pertence, mas de regiões muito
distantes; e isso, embora não constitua exceção à regra geral, tem gerado
muitas variações no progresso da riqueza em períodos e nações
diferentes.
A ordem de coisas que a necessidade costuma impor em geral,
embora não em todos os países particulares, é ditada pelas inclinações
naturais dos seres humanos. Se as instituições humanas nunca tivessem
contrariado essas inclinações naturais, as cidades não teriam crescido
além do tamanho que o progresso e o cultivo de seus territórios fossem
capazes de sustentar, ou seja, até o ponto em que todo o território de
determinado país estivesse completamente cultivado e aprimorado.328
Com lucros iguais ou quase iguais, a maioria das pessoas prefere
empregar seu capital nas melhorias e no cultivo da terra do que em
manufaturas ou no comércio externo. Ao empregar seu capital em terras,
a pessoa o tem mais à vista e sob o seu controle; há, assim, menores riscos
de que sua fortuna sofra quaisquer reveses; por outro lado, o comerciante
que é obrigado a confiar sua fortuna não apenas aos ventos e às marés,
mas aos elementos mais incertos da insensatez e da injustiça humanas,
oferecendo, em países distantes, crédito a pessoas com cujo caráter e cuja
situação ele raramente estará completamente familiarizado. O capital do
proprietário da terra, pelo contrário, que é utilizado de forma fixa no
aprimoramento da sua terra, parece estar tão bem seguro quanto é
admitido pela natureza dos assuntos humanos. Além disso, a beleza do
campo, os prazeres de uma vida rural, a tranquilidade de espírito que ela
promete e, onde quer que a injustiça das leis humanas não a perturbe, a
independência que ela realmente oferece têm encantos que atraem todos,
em maior ou menor grau; e já que o destino original das pessoas era o
cultivo da terra, então parece que mantivemos uma predileção por este
emprego primitivo em todas as etapas de nossa existência.
Sem a ajuda de alguns artesãos, de fato, a continuidade do cultivo da
terra somente pode ser realizada com grande inconveniente e muitas
interrupções. Os serviços dos ferreiros, dos carpinteiros, dos fabricantes
de rodas e de arados, dos pedreiros, dos oleiros, dos curtidores de peles,
dos sapateiros e dos alfaiates são frequentemente requisitados pelos
agricultores. Ocasionalmente, esses artesãos também precisam da ajuda
uns dos outros; e como a residência deles, diferentemente da dos
agricultores, não está obrigatoriamente presa a um ponto específico,
naturalmente se estabelecem em uma mesma vizinhança e, assim,
formam uma pequena cidade ou povoado. O açougueiro, o cervejeiro e o
padeiro logo se juntam a eles, também chegam muitos outros artesãos e
varejistas necessários ou úteis para satisfazer suas demandas ocasionais e
que contribuem ainda mais para o crescimento da cidade. Os habitantes
da cidade e do campo são mutuamente servos uns dos outros. A cidade é
uma feira ou um mercado permanente, ao qual recorrem os habitantes
do campo para trocar suas matérias-primas por produtos manufaturados.
Esse comércio é responsável pelo fornecimento dos materiais para o
trabalho e dos meios para a subsistência dos habitantes da cidade. A
quantidade de produtos acabados que eles vendem aos habitantes do
campo regula necessariamente a quantidade de matérias-primas e
provisões que compram. Consequentemente, seu emprego e subsistência
somente podem aumentar na proporção do aumento da demanda do
campo por produtos acabados; e essa demanda pode aumentar somente
proporcionalmente à extensão do aperfeiçoamento e do cultivo. Assim, se
as instituições humanas não tivessem perturbado o curso natural das
coisas, a riqueza e o crescimento progressivo das cidades seriam, em
todas as sociedades políticas, consequência apenas do aperfeiçoamento e
do cultivo de suas terras e a eles proporcionais.329
Em nossas colônias norte-americanas, onde ainda é fácil
encontrarmos terras não cultivadas, não há uma só manufatura em todas
as suas cidades que realize vendas para destinos mais longínquos. Na
América do Norte, quando o capital de um artesão que oferece produtos
à área urbana vizinha é um pouco maior do que a quantidade exigida por
seu próprio negócio, ele não tenta abrir uma manufatura para percorrer
uma distância maior e efetuar sua vendas, mas o utiliza para comprar e
aprimorar terras não cultivadas. Passa de artesão a agricultor; nem os
altos salários nem a subsistência fácil que esse país oferece aos artesãos
são capazes de persuadi-lo a trabalhar para outras pessoas em vez de
trabalhar para si mesmo. Ele acredita que o artesão é servo de seus
clientes, de quem obtém sua subsistência; mas acredita que um agricultor,
por cultivar sua própria terra e obter sua subsistência necessária a partir
do trabalho de sua própria família, é realmente um mestre
completamente independente.
Nos países onde, pelo contrário, todas as terras estão cultivadas ou
onde não é possível obtê-las facilmente, todo artesão que adquire mais
capital do que consegue empregar nos trabalhos ocasionais feitos na
vizinhança esforça-se para preparar produtos que possam ser vendidos a
locais mais distantes. O ferreiro constrói algum tipo de manufatura para
produtos de ferro e o tecelão constrói um para os produtos feitos de linho
ou lã. Com o passar do tempo, essas manufaturas vão sendo
gradualmente subdivididas e, desse modo, aprimoradas e refinadas de
muitas maneiras; algo que pode ser facilmente compreendido e que, por
isso, não precisa de mais explicações.
Em condições de lucros iguais ou praticamente iguais, ao buscar
emprego para um capital, preferem-se naturalmente as manufaturas ao
comércio externo pela mesma razão que se prefere naturalmente a
agricultura à manufatura. Da mesma forma que o capital do proprietário
da terra ou do agricultor está mais seguro que o do fabricante, o capital
do produtor manufatureiro, estando a todo tempo mais próximo de sua
vista e controle, é mais seguro que o capital do comerciante externo. De
fato, em quaisquer períodos de quaisquer sociedades a parte excedente
das matérias-primas, dos produtos manufaturados e dos produtos sem
demanda doméstica deve ser enviada para o exterior para ser trocada por
algo que tenha demanda doméstica. Pouco importa se o capital que
transporta o produto excedente é estrangeiro ou nacional. Se a sociedade
não adquiriu capital suficiente para cultivar todas as suas terras nem para
transformar da forma mais completa toda a sua matéria-prima, então
ainda é muito vantajoso que essa matéria-prima seja exportada por um
capital estrangeiro para que todo o capital da sociedade possa ser
empregado em propósitos mais úteis. A riqueza do Antigo Egito, a da
China e a do Hindustão são provas contundentes de que uma nação pode
atingir um elevado nível de riqueza mesmo que a maior parte do seu
comércio de exportação seja realizada por estrangeiros. O progresso de
nossas colônias da América do Norte e da Índia Ocidental teria sido
muito mais lento se fosse utilizado, na exportação de seus produtos
excedentes, apenas o capital pertencente a elas mesmas.
De acordo com o curso natural das coisas, portanto, a maior parte do
capital de toda sociedade em crescimento é, em primeiro lugar, dirigida à
agricultura, depois à manufatura e, por fim, ao comércio exterior. Essa
ordem é tão natural que já foi observada, creio eu, em todas as sociedades
com território próprio. Antes do surgimento de qualquer cidade de
tamanho considerável, algumas de suas terras precisaram ser cultivadas; e
alguma forma de trabalho bruto de tipo manufatureiro deve ter sido
colocada em prática em tais cidades antes mesmo que seus habitantes
pudessem se imaginar trabalhando em comércio exterior.
Mas, embora essa ordem natural das coisas deva ter ocorrido em
maior ou menor grau em todas as sociedades, ela foi, em muitos aspectos,
completamente invertida nos Estados modernos da Europa. O comércio
externo de algumas de suas cidades introduziu todas as suas manufaturas
mais finas ou aquelas que podiam ser vendidas para lugares mais
distantes; e a manufatura e o comércio externo, juntos, deram origem aos
principais aprimoramentos da agricultura. Os usos e os costumes
introduzidos pela natureza de seu governo original, e que foram
mantidos até bem depois de o governo ter sido extremamente
modificado, forçaram-nos necessariamente a essa ordem antinatural e
retrógrada.330

CAPÍTULO II
DESENCORAJAMENTO DA AGRICULTURA NA EUROPA
ANTIGA APÓS A QUEDA DO IMPÉRIO ROMANO
Quando os povos germânicos e os citas dominaram as províncias
ocidentais do Império Romano, as desordens que se seguiram a essa
enorme reviravolta duraram por diversos séculos. A rapina e a violência
dos bárbaros contra os antigos habitantes interromperam o comércio
entre as cidades e o campo. As cidades foram abandonadas e o campo
deixou de ser cultivado; as províncias ocidentais da Europa, que haviam
desfrutado de um grau considerável de opulência durante o Império
Romano, mergulharam em uma profunda pobreza e no barbarismo.
Nesse período de desordens, os chefes e principais líderes desses povos
adquiriram ou usurparam a maior parte das terras desses países. Uma
grande parte delas incultas; mas, fossem elas cultivadas ou não, não
houve pedaço de terra que ficasse sem dono. Todas foram ocupadas: a
maior parte por alguns grandes proprietários.
Essa ocupação original de terras não cultivadas, embora fosse um
grande mal, poderia ser algo transitório. Em pouco tempo, as terras
poderiam ser mais uma vez divididas, repartidas em pequenos lotes pela
sucessão ou pela venda. No entanto, a lei da primogenitura impedia que
fossem divididas pela sucessão; e a introdução das vinculações331 impediu
que fossem repartidas e vendidas em pequenos lotes.
Quando a terra, assim como os bens móveis, é considerada apenas
um meio de subsistência e de fruição, a lei natural da sucessão a divide,
como os móveis, entre todos os filhos da família; pois subentende-se que
a subsistência e a fruição de todos os filhos são igualmente desejadas pelo
pai. Assim como fazemos atualmente com os bens móveis, a lei natural
da sucessão de terras era utilizada entre os romanos que não faziam
distinção entre filhos mais velhos e mais novos nem entre homens e
mulheres.332 Mas quando a terra deixou de ser considerada apenas um
meio de mera subsistência, e a ela foram associados poder e proteção,
imaginou-se que seria melhor que ela fosse entregue indivisa a apenas
um herdeiro. Naqueles tempos de desordem, todo grande proprietário de
terra podia ser considerado como um rei menor. Seus arrendatários eram
seus súditos. Ele era juiz e, em alguns aspectos, legislador nos períodos de
paz e líder em tempos de guerra. Ele declarava guerra de acordo com sua
própria vontade, frequentemente contra seus vizinhos; às vezes, contra
seu soberano. Consequentemente, a segurança de uma propriedade
fundiária e a proteção que seu proprietário poderia oferecer àqueles que
nela habitavam dependiam de seu tamanho. Dividi-la era arruiná-la,
expondo-a totalmente à opressão e à possibilidade de ser tomada com as
incursões de seus vizinhos. A lei da primogenitura, portanto, não se deu
de forma imediata, mas ocorreu lentamente a cada sucessão de terras
rurais; e, em geral, pelo mesmo motivo que foi utilizada nas sucessões
monárquicas, embora nem sempre desde a sua primeira instituição: isto
é, para que o poder e, consequentemente, a segurança da monarquia não
ficassem enfraquecidos pela divisão, ela deveria recair inteiramente sobre
um dos filhos. Para determinar a qual filho essa preferência tão
importante deveria recair, era preciso estabelecer alguma regra geral que
não fosse baseada em distinções duvidosas de mérito pessoal, mas em
alguma diferença clara e evidente que não admitisse nenhuma
divergência. Entre as crianças de uma mesma família não há diferenças
mais incontestáveis que as diferenças de sexo e de idade. O sexo
masculino é universalmente preferido ao feminino; e quando todas as
outras coisas são iguais, em todo o mundo prefere-se o mais velho aos
mais jovens. Daí a origem do direito de primogenitura e do instituto que
chamamos de linha sucessória.
As leis costumam se manter em vigor muito depois de terem
desaparecido as circunstâncias que deram causa a elas e que eram as
únicas que lhes emprestavam razoabilidade. No estado atual da Europa, o
proprietário de um único acre de terra tem tanta segurança de sua posse
quanto o proprietário de 100 mil acres. O direito de primogenitura, no
entanto, continua a ser respeitado; e, já que, dentre todas as instituições, é
a mais adequada para sustentar o orgulho das distinções familiares, então
é provável que ainda perdure por muitos séculos. Em todos os outros
aspectos, nada pode ser mais contrário ao verdadeiro interesse de uma
família numerosa do que um direito que, a fim de enriquecer um,
empobrece todos os outros filhos.333
As vinculações são consequências naturais da lei da primogenitura.
Sua ideia original foi tomada da progenitura e elas foram estabelecidas
para preservar uma determinada linha sucessória e para impedir que
qualquer parcela da propriedade original fosse deslocada da linha
sucessória proposta, fosse por doação, legado ou alienação; fosse pela
tolice ou pelo infortúnio de qualquer um dos seus proprietários
hereditários. Os romanos não tinham conhecimento desse instituto. Nem
as substituições romanas nem os fideicomissos tinham semelhanças com
o morgadio, embora alguns advogados franceses insistam em vestir as
instituições modernas com a linguagem e a roupagem das antigas.
É possível justificar a existência das vinculações quando as grandes
propriedades fundiárias eram semelhantes a principados. Assim como as
leis fundamentais de algumas monarquias, as vinculações podiam
impedir que a segurança de milhares de pessoas fosse ameaçada pelo
capricho ou pela extravagância de um único homem. Mas, em nossa
Europa atual, nada pode ser mais absurdo, pois tanto nas pequenas
quanto nas grandes propriedades a segurança é garantida pelas leis do
país em que estão localizadas. Baseiam-se na suposição mais absurda de
todas: a suposição de que as gerações sucessivas de homens não têm
direitos iguais à terra e a tudo o que ela possui; mas que a propriedade da
geração atual deve ser contida e regulada de acordo com a fantasia
daqueles que morreram, talvez, há quinhentos anos. As vinculações,
todavia, ainda são respeitadas na maior parte da Europa, naqueles países
em particular em que nascer nobre é uma qualificação necessária para o
gozo de honras civis ou militares. Imagina-se que as vinculações são
necessárias para que a nobreza possa manter seu privilégio exclusivo a
altos cargos e honras de seu país; e, uma vez que essa classe já tenha
tomado injustamente um privilégio sobre o resto de seus concidadãos,
para impedir que a pobreza a tornasse ridícula, imaginou-se razoável que
deveria receber outro privilégio. Diz-se, de fato, que o direito comum da
Inglaterra abomina as perpetuidades e, assim, elas são certamente mais
restritas na Inglaterra que em qualquer outra monarquia europeia, mas
nem mesmo a Inglaterra está completamente livre delas. Supõe-se que, na
Escócia, mais de 1/5, talvez mais de 1/3 de todas as terras do país estejam
marcadas pelas vinculações.
As grandes extensões de terra não cultivadas, além de serem
ocupadas por certas famílias, se tornaram, na medida do possível,
impedidas para sempre de ser novamente divididas. No entanto,
raramente um grande proprietário é um grande inovador. Naqueles
tempos sem ordem que deram origem a essas instituições bárbaras, a
defesa de seus próprios territórios ou a extensão de sua jurisdição e
autoridade às terras vizinhas já ocupavam muito o grande senhor de
terras. Ele não tinha tempo livre para atender ao cultivo e ao
aprimoramento das terras. Quando o estabelecimento da ordem pública
lhe proporcionou esse tempo livre, costumavam faltar-lhe a inclinação e,
quase sempre, as habilidades necessárias para a promoção dos
aprimoramentos. Quando as suas despesas pessoais e domésticas se
igualavam ou excediam seus rendimentos, um fato bastante frequente, ele
ficava sem capital para aplicar em suas terras. Se fosse uma pessoa
econômica, o proprietário poupador geralmente considerava mais
rentável empregar suas poupanças anuais em novas compras do que na
melhoria de sua velha propriedade rural. O aprimoramento lucrativo da
terra, como em quaisquer outros empreendimentos comerciais, exige
uma atenção detalhada às pequenas economias e aos pequenos ganhos:
uma atividade raramente possível para uma pessoa que, mesmo sendo
naturalmente frugal, já tenha nascido em meio a uma grande fortuna. A
situação de tal pessoa naturalmente a dispõe a preferir os ornamentos
que agradam às suas fantasias aos pequenos lucros. Desde a infância,
acostumou-se a dar importância à elegância de seus trajes, de seus
equipamentos,334 de sua casa e de seu mobiliário doméstico. A
mentalidade formada naturalmente por esse hábito está presente quando
ela passa a pensar nos aprimoramentos das terras. Ela embeleza talvez
400 ou 500 acres em torno de sua casa e, com isso, gasta dez vezes mais
do que a terra valerá após todas essas melhorias; e descobre que, se
resolvesse aprimorar toda a sua propriedade da mesma forma (pois
somente consegue realizar esse tipo de aprimoramento), ela iria à
bancarrota antes que terminasse a décima parte das melhorias. Ainda
existem em ambas as partes do Reino Unido algumas grandes
propriedades que estão em posse ininterrupta de uma mesma família
desde os tempos da anarquia feudal. Compare a condição atual dessas
propriedades com a dos pequenos proprietários em sua vizinhança e
você não precisará de nenhum outro tipo de argumento para convencer-
se de quão desfavoráveis aos aprimoramentos são essas propriedades tão
extensas.
Se a pouca melhoria já era esperada daqueles grandes proprietários,
menos ainda se poderia esperar daquelas pessoas que as ocupavam sob
sua ordem. Na Europa Antiga, os ocupantes das terras eram todos
arrendatários a título precário. Todos, ou quase todos, eram escravos —
uma escravidão de um tipo mais suave que o daquela conhecida entre os
antigos gregos e romanos ou mesmo o daquela existente em nossas
colônias das Índias Ocidentais. Essas pessoas pertenciam supostamente
mais à terra que ao seu senhor. Dessa forma, podiam ser vendidas junto
com a propriedade rural, mas nunca de forma separada. Elas podiam se
casar, desde que fosse com o consentimento de seu senhor; e este último
não podia dissolver a união posteriormente, vendendo o homem e a
esposa para duas pessoas diferentes. Se o senhor os mutilasse ou os
assassinasse, ele seria punido de alguma forma, mas, em geral, sua pena
era leve. Os escravos, entretanto, não podiam adquirir propriedades.
Tudo o que compravam era comprado para o seu senhor, o qual, a seu
bel-prazer, podia tomar tudo o que haviam adquirido. Todo cultivo e
toda melhoria que pudessem ser realizados pelos escravos eram
considerados como executados pelo senhor. Tudo corria às expensas do
senhor. As sementes, o gado e os instrumentos agrícolas pertenciam ao
senhor. Tudo estava voltado para o seu benefício. Os escravos nada
podiam adquirir, exceto sua subsistência diária. Nesse caso, pode-se dizer
de forma segura que o proprietário ocupava as suas terras e as cultivava
por intermédio de seus servos. Essa espécie de escravidão ainda existe na
Rússia, na Polônia, na Hungria, na Boêmia, na Morávia e em outras
partes da Alemanha. Ela foi gradualmente abolida somente das
províncias ocidentais e do sudoeste da Europa.335
Se as grandes melhorias na agricultura raramente são esperadas dos
grandes proprietários, elas devem ser ainda menos esperadas quando eles
utilizam escravos como trabalhadores. A experiência de todas as eras e
nações, creio eu, demonstra que o trabalho feito por escravos é sempre o
mais caro, mesmo que pareça custar apenas o valor do sustento deles. Os
únicos interesses de quem não pode adquirir nenhuma propriedade são
comer o máximo possível e trabalhar o mínimo. Nenhum interesse de
sua parte será capaz de retirar dele algum trabalho adicional quando ele
já realizou além do suficiente para poder custear a própria subsistência,
apenas a violência teria esse poder.336 Plínio e Columela notam quanto,
na Antiga Itália, o cultivo de cereais ficou degenerado e quão
desvantajoso se tornou para o senhor quando o realizava por meio de
escravos. Isso não era muito melhor na Grécia Antiga, no tempo de
Aristóteles. Ao discorrer sobre a República ideal descrita nas leis de
Platão, a manutenção de 5 mil homens ociosos (o número de guerreiros
supostamente necessário para a sua defesa), juntamente com suas
mulheres e servos, exigiria, diz ele, um território de extensão e fertilidade
ilimitadas, assim como as planícies da Babilônia.
O orgulho humano o faz amar a dominação; e nada o mortifica mais
que ser obrigado a condescender para persuadir seus inferiores. Sempre
que a lei o autorizar e a natureza do trabalho o permitir, ele, em geral,
preferirá o serviço dos escravos àquele dos homens livres.337 O plantio de
cana-de-açúcar e de tabaco é capaz de compensar as despesas do cultivo
escravista. Parece que, atualmente, os cereais não têm a mesma
capacidade. Nas colônias inglesas, cujos produtos principais são os
cereais, a maior parte de todo o trabalho é realizada por homens livres. A
recente resolução dos quakers da Pensilvânia de libertar todos os seus
escravos negros nos faz acreditar que o seu número não deve ser muito
alto. Se o número de escravos tomasse uma parte considerável de sua
propriedade, tal decisão nunca poderia ter sido tomada. Pelo contrário,
em nossas colônias de açúcar, todo o trabalho é realizado por escravos e,
em nossas colônias de tabaco, grande parte dele. Os lucros dos
latifúndios de uma plantação de açúcar em qualquer uma de nossas
colônias da Índia Ocidental são geralmente muito maiores do que os de
qualquer outro cultivo realizado na Europa ou na América; além disso,
embora os lucros de uma plantação de tabaco sejam inferiores aos do
açúcar, eles são superiores aos dos cereais, conforme já observado.
Ambos podem suportar as despesas do cultivo escravista, mas o açúcar as
suporta melhor que o tabaco. A proporção entre o número de escravos e
o número de brancos é consequentemente muito maior em nossas
colônias de açúcar que nas de tabaco.
O cultivo escravista de épocas antigas foi gradualmente substituído
por uma espécie de agricultor, conhecida atualmente na França como
meeiro.338 Em latim, são chamados de coloni partiarii. Deixaram de
existir há tanto tempo na Inglaterra que, no momento, não conheço
nenhuma palavra que os defina. O proprietário das terras lhes garantia as
sementes, o gado e os instrumentos agrícolas, isto é, todo o capital
necessário para o cultivo da fazenda. O produto era dividido entre o
proprietário e o agricultor em partes iguais, depois de se separar tudo o
que era considerado necessário para a manutenção do capital, que era
restaurado ao titular quando o agricultor desistia ou era dispensado de
sua parcela da fazenda.
A terra ocupada por esses arrendatários é cultivada de forma
apropriada às expensas do proprietário, assim como a terra ocupada por
escravos. Há, no entanto, uma diferença muito essencial entre os dois
tipos. Esses arrendatários, sendo homens livres e, por isso, capazes de
adquirir propriedades e ter uma determinada porção do produto da
terra, têm interesse em que o total produzido seja o maior possível para
que sua própria porção também seja grande. Um escravo, pelo contrário,
não pode adquirir nada que ultrapasse a sua subsistência e, assim, busca
sua própria comodidade, fazendo com que a terra produza apenas o
necessário para sua subsistência ou o mínimo possível acima disso. É
provável que a ocupação de suas terras por vilões tenha se desgastado de
forma gradual na maior parte da Europa, em parte por causa dessa
vantagem e, em parte, porque o soberano — sempre temendo os grandes
senhores — incentivava a intrusão gradual dos vilões sobre a autoridade
dos proprietários de terras; as intrusões parecem ter sido tão extensas que
chegaram a tornar essa espécie de servidão completamente
inconveniente. Entretanto, o momento em que essa tão importante
revolução aconteceu e a definição de sua forma são dois dos pontos mais
obscuros da história moderna.339 A Igreja romana diz ter grande mérito
nisso: e é certo que, já no século XII, o papa Alexandre III publicou uma
bula requerendo a emancipação geral dos escravos. Parece, no entanto,
ter sido mais uma exortação religiosa do que uma lei que exigisse
obediência estrita dos fiéis. No entanto, a escravidão continuou a ocorrer
em quase todos os lugares por muitos séculos até ser gradualmente
abolida pela operação conjunta dos dois interesses acima mencionados, o
do proprietário, por um lado, e o do soberano, por outro. Um vilão
emancipado a que, ao mesmo tempo, fosse permitido manter a posse da
terra não tinha nenhum capital próprio e somente seria capaz de cultivá-
la por meio do capital adiantado pelo proprietário da terra; isso devia ser
o que os franceses chamaram de meeiro.
Mas, com o pouco capital que conseguiam economizar com sua
parcela do produto, não interessava a esses lavradores realizar novos
aprimoramentos na terra, pois o dono da terra que nada investia recebia
metade de tudo o que era produzido. Se o dízimo, que representa apenas
a décima parte do produto, já constitui um enorme obstáculo para os
aprimoramentos, então um imposto que arrecadava metade dele deve ter
sido uma barreira bastante eficiente contra quaisquer aprimoramentos.
Talvez interessasse ao meeiro que sua terra produzisse o máximo possível
com o capital oferecido pelo proprietário; mas esse cultivador não tinha
nenhum interesse em misturar seu próprio capital com o do dono da
terra. Na França, onde se diz que 5/6 de todo o reino ainda está ocupado
por essa espécie de cultivador, os proprietários se queixam de que seus
meeiros aproveitam quaisquer oportunidades para utilizar o gado do
proprietário mais para o transporte que para o cultivo, pois, no primeiro
caso, eles ficam com todo o lucro para si mesmos, no outro, eles devem
compartilhá-lo com o proprietário da terra. Essa espécie de arrendatário
ainda existe em algumas partes da Escócia. Lá, eles são chamados de
arrendatários steelbow.340 Provavelmente do mesmo tipo eram aqueles
antigos arrendatários ingleses que, segundo Gilbert341 e o doutor
Blackstone, eram mais capatazes do proprietário da terra do que
agricultores propriamente ditos.
Essa espécie de arrendamento foi sendo lentamente substituída por
pessoas que podem ser devidamente chamadas de fazendeiros, que
cultivavam a terra com o seu próprio capital e pagavam uma certa renda
ao proprietário da terra.342 Quando o contrato de arrendamento desses
agricultores possui um prazo estendido, eles podem, por vezes,
considerar interessante aplicar parte de seu capital no aprimoramento de
sua parcela de terra, pois, às vezes, é possível resgatá-lo com um grande
lucro, antes do vencimento do contrato de arrendamento. A posse até
mesmo desses arrendatários, no entanto, era há muito tempo
extremamente precária, e ainda é assim em muitas partes da Europa. Se
as terras fossem vendidas, os arrendatários podiam ser legalmente
retirados de suas parcelas de terra antes do final de seu contrato; na
Inglaterra, isso podia ocorrer até mesmo pela ação fictícia de uma
recuperação comum (common recovery).343 Se fossem despejados
ilegalmente pela violência do dono da terra, a ação reparatória da época
era algo extremamente imperfeito. Ela nem sempre reintegrava a posse da
terra, mas lhes pagava uma indenização que nunca atingia o valor da
verdadeira perda. Mesmo na Inglaterra, o país europeu que mais respeita
os pequenos proprietários de terras, somente no 14º ano do reinado de
Henrique VII foi inventada a ação de despejo (action of ejectment), por
meio da qual o arrendatário não recebe apenas uma indenização, mas é
reintegrado em sua posse e na qual sua reivindicação não é
necessariamente resolvida pela decisão incerta de uma única Corte de
Assize. Essa ação foi considerada um remédio tão eficaz que, na prática
moderna, quando o proprietário precisa requerer a posse da terra, ele
raramente utiliza as ações que lhe são apropriadas como senhor de terras,
a saber, o writ of right ou o writ of entry, mas processa em nome de seu
inquilino arrendatário por meio do writ of ejectment.344 Na Inglaterra,
consequentemente, a segurança do arrendatário é igual àquela do
proprietário. Na Inglaterra, além disso, um arrendamento vitalício de 40
xelins por ano é uma propriedade livre (freehold) que dá direito ao
locatário de votar em um membro do Parlamento; e como uma grande
parte dos pequenos proprietários de terras possui propriedade desse tipo,
a classe se torna respeitável em sua integralidade aos proprietários das
terras por causa da consideração política que tal fato lhes dá. Não há,
creio eu, em nenhum lugar na Europa, exceto na Inglaterra, qualquer
exemplo em que um arrendatário pode construir um edifício sobre uma
terra da qual não possui contrato e confiar que o dono da terra, sendo
honrável, não se aproveitará de uma melhoria tão importante. Essas leis e
costumes, tão favoráveis aos pequenos proprietários, talvez tenham
contribuído mais para a atual grandeza da Inglaterra do que todo o seu
tão vangloriado conjunto de regulamentos comerciais.345
A lei que assegura os arrendamentos mais longos contra todos os
tipos de sucessor é, tanto quanto eu sei, um instituto específico da Grã-
Bretanha. Foi introduzido na Escócia já em 1449 por uma lei de Jaime
II.346 Sua influência benéfica, entretanto, ficou muito obstruída pelas
vinculações; os herdeiros de uma vinculação não podiam, em geral,
arrendá-la por longos prazos, normalmente não podiam ultrapassar o
prazo de um ano. Embora ainda sejam bastante estritas, um ato posterior
do Parlamento347 afrouxou um pouco essas amarras. Na Escócia, além
disso, como nenhum arrendamento dá direito a voto para membros do
Parlamento, os pequenos proprietários são vistos, por isso, como uma
classe menos respeitável pelos donos de terras que na Inglaterra.
Ainda que, em outras partes da história, tenha se percebido a
conveniência de proteger os arrendatários contra herdeiros e
compradores, sua proteção ainda estava limitada a um período muito
curto; na França, por exemplo, era de nove anos a partir do início do
contrato de arrendamento. Neste país, na verdade, o prazo foi
recentemente estendido para 27 anos, um período que é ainda
demasiadamente curto para incentivar o arrendatário a realizar
melhorias importantes. Antigamente, os proprietários de terras eram os
legisladores de todas as partes da Europa. Assim, todas as leis relativas às
terras foram preparadas para satisfazer aquilo que se supunha ser o
interesse dos proprietários. Imaginava-se ser do interesse deles que
nenhum arrendamento concedido por seus antecessores deveria impedi-
los de desfrutar por um longo período o valor integral de suas terras.
Ocorre que a avareza e a injustiça são sempre míopes e, por isso, não se
previu o quanto essas regras imporiam obstáculos às melhorias e, por
fim, prejudicariam a longo prazo os verdadeiros interesses do
proprietário.
Além de pagar a renda, supunha-se que, em tempos antigos, os
arrendatários se limitassem a realizar um grande número de serviços aos
proprietários da terra, os quais raramente estavam especificados nos
contratos de arrendamento ou em normas específicas, mas eram
regulados pelos usos e costumes do senhor da mansão rural ou do
baronato. Esses serviços eram quase inteiramente arbitrários e, por isso,
acabavam submetendo os arrendatários a muitas humilhações. Na
Escócia, a abolição de todos os serviços que não estivessem estipulados
com exatidão nos contratos de arrendamento trouxe, em alguns poucos
anos, melhorias às condições do campesinato do país.
Os serviços públicos obrigatórios dos agricultores não eram menos
arbitrários que os privados. Dentre esses serviços, a construção e a
manutenção de estradas não eram os únicos; acredito que esta seja uma
obrigação servil comum em todos os lugares, embora com diferentes
graus de opressão em diferentes países. Quando as tropas do rei, seu
séquito ou quaisquer funcionários viajavam pelo país, os arrendatários
eram obrigados a lhes oferecer cavalos, carruagens e provisões a um
preço regulado por aqueles que iriam fornecer esses objetos. Eu acredito
que a Grã-Bretanha é a única monarquia europeia onde a opressão dessa
obrigação foi totalmente abolida. No entanto, ela ainda existe na França e
na Alemanha.
Os impostos públicos a que estavam sujeitos eram tão irregulares e
opressivos quanto os serviços que eram obrigados a prestar. Embora os
antigos senhores não tivessem nenhuma disposição para oferecer ajuda
pecuniária ao seu soberano, eles permitiam sem muitas considerações a
cobrança (tallage)348 de impostos de seus arrendatários, e não foram
capazes de compreender quanto isso, ao final, afetava o seu próprio
rendimento. Esse tributo, da forma ainda existente na França, pode servir
como um exemplo daquelas antigas obrigações feudais. É um imposto
cobrado sobre os supostos lucros do arrendatário, calculado pelo capital
empregado em suas terras. Portanto, na aparência, ele desejará que seu
capital seja o menor possível e, consequentemente, empregará o mínimo
possível no cultivo e nada para aprimorar suas terras. Caso algum capital
seja acumulado nas mãos de um fazendeiro francês, o tributo funciona
quase como uma proibição de empregá-lo na terra. Além disso, supõe-se
que esse imposto desonre qualquer um que esteja sujeito a ele,
rebaixando-o não apenas a uma classe inferior à de cavalheiro, mas à de
um morador da cidade;349 todo aquele que arrenda as terras de outras
pessoas sujeita-se ao imposto. Nenhum nobre cavalheiro, nem mesmo
um morador da cidade que tenha capital, irá se submeter a tal
degradação.
Esse imposto, portanto, além de impedir que o capital acumulado na
terra seja empregado em seu aperfeiçoamento, também o repele. Os
antigos dízimos e décimo-quintos, tão comuns na Inglaterra em épocas
anteriores, parecem, na medida em que afetam a terra, ter sido impostos
da mesma natureza que o taille.350 Tendo em vista tantos
desencorajamentos, poucas melhorias poderiam ser esperadas dos
ocupantes das terras. Mesmo que as leis ofereçam liberdade e segurança,
essa classe de pessoas se vê obrigada a prosperar sob o jugo de muitas
desvantagens. O arrendatário, em comparação ao proprietário, é como
um comerciante que trabalha com dinheiro emprestado em comparação
a um que trabalha com o seu próprio. O capital de ambos pode aumentar,
mas o do primeiro — conduzindo igualmente bem os seus negócios —
deve sempre crescer mais lentamente do que o do outro, pois grande
parte dos seus lucros é consumida pelos juros do empréstimo. Se as terras
cultivadas pelo arrendatário forem tão bem administradas quanto as do
proprietário, elas também serão aprimoradas mais lentamente do que as
cultivadas pelo proprietário, por causa da grande parcela dos produtos
consumida pelo arrendamento da terra, o qual, caso o agricultor fosse
proprietário, ele poderia ter aplicado no aprimoramento adicional das
terras. Além disso, a situação social de um arrendatário é, pela natureza
das coisas, inferior àquela de um proprietário. Na maior parte da Europa,
os camponeses são considerados como uma classe social inferior, mesmo
em relação aos melhores tipos de comerciantes e artífices, e, em toda a
Europa, aos grandes mercadores e mestres manufatureiros. Portanto, é
muito difícil vermos um homem com capital considerável abandonar sua
condição superior para juntar-se a uma inferior. Mesmo na Europa atual,
portanto, pouco capital possivelmente será deslocado de outra profissão
qualquer para a melhoria das terras por meio da agricultura. Talvez mais
na Grã-Bretanha do que em todo o outro país; ainda que, mesmo ali, os
grandes capitais — que em alguns outros lugares são aplicados na
agricultura — tenham sido geralmente adquiridos pela agricultura, cujo
capital, em comparação a todos os outros negócios, talvez seja o de
acumulação mais lenta. No entanto, depois dos pequenos proprietários,
as principais melhorias são realizadas pelos grandes e ricos agricultores,
que existem, talvez, em maior número na Inglaterra do que em qualquer
outra monarquia europeia. Dizem que nos governos republicanos da
Holanda e Berna, na Suíça, os agricultores não são inferiores aos da
Inglaterra.
Além de tudo isso, a antiga política da Europa era desfavorável às
melhorias e ao cultivo da terra, fossem eles realizados pelo proprietário
ou pelo fazendeiro; em primeiro lugar, pela proibição geral da exportação
de cereais sem uma licença especial, que parece ter sido uma
regulamentação muito universal; e, em segundo lugar, pelas restrições
que foram impostas sobre o comércio interno, não apenas de cereais, mas
de quase todos os outros produtos rurais, por leis absurdas contra os
açambarcadores, atravessadores e intermediários, e pelos privilégios de
feiras e mercados. Já observamos como a proibição da exportação de
cereais, aliada a algum incentivo à importação de cereais estrangeiros,
obstruiu o cultivo na Itália antiga: o país naturalmente mais fértil da
Europa e, naquele tempo, a sede do maior império do mundo. Assim,
talvez não seja muito fácil percebermos até que ponto as restrições sobre
o comércio interno de cereais, aliadas à proibição geral imposta sobre sua
exportação, podem ter desestimulado o cultivo em países menos férteis e
com circunstâncias menos favoráveis.

CAPÍTULO III
A ASCENSÃO E O PROGRESSO DAS CIDADES E DOS
POVOADOS APÓS A QUEDA DO IMPÉRIO ROMANO
Após a queda do Império Romano, os habitantes das cidades e dos
povoados ficaram tão mal amparados quanto os habitantes do campo.
Eles eram, de fato, uma classe de pessoas muito diferentes dos primeiros
habitantes das antigas repúblicas da Grécia e da Itália. As antigas
repúblicas eram compostas principalmente por proprietários de terras
entre os quais o território público havia sido originalmente dividido e
que acharam conveniente construir casas avizinhadas, cercando-as com
um muro em prol da defesa comum. Após a queda do Império Romano,
pelo contrário, os proprietários de terras parecem ter vivido geralmente
em castelos fortificados, construídos em suas propriedades e em meio aos
ocupantes de suas terras e seus dependentes.351 Os principais habitantes
das cidades eram os comerciantes e os artesãos que, naqueles tempos,
pareciam viver em estado servil ou em condição semelhante. A concessão
de privilégios que encontramos em antigas cartas concedidas aos
habitantes de algumas das principais cidades da Europa é suficiente para
nos mostrar em que condições eles viviam antes das concessões. Os
privilégios recebidos mostram que, antes dessas concessões, as pessoas na
cidade deviam viver no mesmo estado (ou em estado semelhante) de
vilania que viviam os ocupantes de terras rurais, enquanto agora eles
poderiam entregar suas filhas em casamento sem consentimento do
senhor; após a morte, seus bens seriam herdados por seus próprios filhos,
e não pelo senhor; e poderiam dispor sobre os efeitos de sua sucessão por
testamento.352
Sem dúvida, parecem ter sido pessoas muito pobres, acostumadas a
viajar com seus bens de um lugar para outro e de uma feira para outra,
como os mascates e vendedores ambulantes dos tempos atuais. Em todos
os países da Europa, assim como ocorre em vários governos tártaros da
atual Ásia, os impostos costumavam ser cobrados sobre as pessoas e os
bens dos viajantes, sempre que passavam por certos domínios, quando
atravessavam certas pontes, quando, em uma feira, transportavam seus
bens de um lugar para outro, quando montavam um estande ou uma
barraca na feira. Esses impostos eram conhecidos na Inglaterra pelos
nomes de passage, pontage, lastage e stallage.353 Às vezes o rei, às vezes
um grande senhor tinha autoridade para conceder a alguns comerciantes,
especialmente àqueles que viviam em seus domínios, uma isenção geral
dessas taxas.
Embora em outros aspectos esses comerciantes vivessem em
condições servis (ou quase servis), ainda assim eram chamados de
comerciantes livres por causa dessas isenções. Em troca, eles geralmente
pagavam ao seu protetor uma espécie de imposto pessoal e anual.
Naqueles tempos, raramente se concedia alguma proteção sem uma
valiosa compensação, e essa taxa talvez possa ser considerada como a
compensação àquilo que seus senhores perderiam se fossem isentos de
outros impostos. No início, tanto esse imposto anual (poll tax) quanto as
isenções parecem ter sido completamente pessoais e parecem ter afetado
apenas indivíduos particulares, fosse durante toda a vida deles, fosse
enquanto seus protetores assim os quisessem manter. Nos relatos
bastante incompletos do Domesday Book354 sobre várias cidades da
Inglaterra, há menções frequentes aos impostos, pagos por certas pessoas
da cidade, quer ao rei, quer a algum outro grande senhor, para obter esse
tipo de proteção; e também ao valor total de todos os impostos.355
Independentemente do quão servil tenha sido a condição original dos
habitantes das cidades, parece evidente que eles obtiveram liberdade e
independência muito antes que os habitantes do campo. A parte da
receita da coroa originada desses impostos anuais e pessoais (poll taxes)
das cidades costumava, por um determinado período, ser arrendada por
uma renda fixa, sob administração do xerife do condado ou de outras
pessoas que, em contrapartida, recebiam uma renda fixa.
Os próprios moradores da cidade costumavam deter crédito
suficiente para que pudessem ser aceitos como administradores das
receitas obtidas dessa forma pela própria cidade e, assim, tornarem-se
conjunta e solidariamente responsáveis pela receita total.356 Acredito que
esse tipo de arrendamento de tributos deve ter sido adotado pelos
soberanos de todos os países da Europa, que costumavam entregar
feudos inteiros a todos os arrendatários daqueles feudos, que se tornavam
conjunta e solidariamente responsáveis por toda a renda; mas, em troca,
eles podiam recolhê-la de sua própria maneira e pagá-la ao tesouro real
por intermédio de seu próprio representante, ficando, assim,
completamente livres da insolência dos funcionários do rei; uma
circunstância considerada de grande importância na época.
No início, é provável que o arrendamento dos tributos tenha sido
entregue aos habitantes da cidade da mesma forma que ocorria em
outros foros, isto é, por um número certo de anos. Com o passar do
tempo, no entanto, parece ter-se tornado a prática geral conceder-lhes o
arrendamento como propriedade absoluta (in fee), isto é, para sempre,
retendo uma renda certa cujo valor nunca mais seria aumentado. Assim
que o pagamento se tornou perpétuo, em troca também se tornaram
perpétuas as isenções. Estas, portanto, deixaram de ser pessoais e, assim,
não poderiam mais ser consideradas como pertencentes aos indivíduos
como indivíduos, mas como moradores de uma certa cidade (ou burgo)
que, por essa razão, passou a ser chamada de cidade livre (burgo livre),
pela mesma razão que anteriormente as pessoas haviam sido chamadas
de cidadãos (burgueses livres) ou comerciantes livres.357
Junto com essa concessão, conferiam-se aos cidadãos dos burgos os
importantes privilégios mencionados, isto é, entregar suas próprias filhas
em casamento, sucessão de seus bens aos próprios filhos e livre
disposição sobre os efeitos de sua sucessão por testamento. Não sei se
esses privilégios eram anteriormente concedidos a moradores específicos
da cidade juntamente com a liberdade de comércio. Não me parece
improvável que isso tenha acontecido, mas não tenho evidências dessa
prática. Independentemente de como isso tenha ocorrido, após terem
sido afastados os principais atributos da vilania e da servidão, eles agora,
pelo menos, eram livres em nosso sentido atual da palavra liberdade.
Mas isso não foi tudo. Os habitantes também passavam a integrar
uma associação ou uma corporação com o privilégio de ter magistrados e
um conselho municipal próprios, de instituir leis para sua própria
administração, de construir muros para sua própria defesa e de submeter
todos os seus habitantes a uma espécie de disciplina militar, obrigando-os
a vigiar, isto é, a guardar e defender essas muralhas de dia e de noite
contra todos os ataques e surpresas. Na Inglaterra, eles estavam
geralmente isentos de comparecer a outros tribunais regionais; assim,
todos os litígios que surgissem entre eles, exceto os litígios com a coroa,
eram decididos por seus próprios magistrados. Em outros países, a
jurisdição a eles garantida era muito mais ampla e extensa.358
Talvez tenha se tornado necessário estabelecer nas cidades que
adquiriram permissão de tributar as suas próprias receitas algum tipo de
jurisdição compulsória para obrigar seus próprios cidadãos a pagar.
Naqueles tempos desordenados, poderia ter sido extremamente
inconveniente que esse tipo de justiça tivesse de ser obtido junto a
qualquer outro tribunal. Talvez pareça muito estranho que os soberanos
de todos os países da Europa tenham decidido que, em troca de uma
renda fixa que nunca mais seria aumentada, cederiam o ramo de suas
receitas que parecia ser o mais suscetível de ser aumentado pelo curso
natural das coisas sem nenhuma despesa ou atenção de seus próprios
funcionários; e que, agindo assim, esses mesmos soberanos tenham,
dessa forma, voluntariamente criado algo parecido com repúblicas
independentes no coração de seus próprios domínios.359
Para que esse tema seja bem compreendido, devemos nos lembrar de
que, naqueles tempos, nenhum soberano de um país europeu era capaz,
em toda a extensão de seus domínios, de proteger os seus súditos mais
fracos da opressão dos grandes senhores. Aqueles que a lei não protegia e
que não tinham força para se defender foram obrigados a recorrer à
proteção de algum grande senhor; e, para tanto, precisaram se tornar
escravos ou vassalos; ou então precisaram filiar-se a uma liga de defesa
mútua para se proteger. Individualmente, cada habitante das cidades e
burgos não tinha poder para se defender: mas, ao se filiar a uma liga de
defesa mútua com seus vizinhos, tornava-se capaz de opor uma
resistência nada desprezível. Os senhores não gostavam dos habitantes
dos burgos, a quem não consideravam apenas como uma classe diferente,
mas como um grupo de escravos emancipados, quase como uma espécie
diferente de si mesmos. A riqueza dos burgueses sempre provocava o
ressentimento e a indignação dos senhores e, por isso, sempre que
tinham a oportunidade, eles os saqueavam sem misericórdia nem
remorso. Os burgueses naturalmente odiavam e temiam os senhores. O
rei também os odiava e os temia; embora ele talvez pudesse desprezar os
burgueses, pois não tinha nenhum motivo para odiá-los ou temê-los. O
interesse mútuo, portanto, os dispunha a apoiar o rei e o rei a apoiá-los
contra os senhores.360 Os burgueses eram os inimigos de seus inimigos; e
ao rei interessava vê-los seguros e independentes daqueles inimigos. Ao
conceder-lhes o direito de nomear seus próprios magistrados, o
privilégio de fazer leis para o seu próprio governo e de construir muros
para a sua própria defesa e o direito de submeter todos os seus habitantes
a uma espécie de disciplina militar, o monarca fazia o que estava ao seu
alcance para que pudessem ficar seguros e independentes dos barões.
Sem o estabelecimento de um governo assim estável, sem nenhuma
autoridade para obrigar seus habitantes a agir de acordo com algum
plano ou sistema determinado, nenhuma liga voluntária de defesa mútua
conseguiria lhes oferecer segurança permanente nem lhes permitiria dar
ao rei qualquer tipo de apoio. O rei, ao lhes conceder a coleta de seus
próprios tributos, afastou daqueles que pretendia ter como amigos — e,
poderíamos dizer mais, como aliados — toda e qualquer base que
pudesse gerar ressentimento e suspeita de que a intenção futura do
monarca era oprimi-los, quer pelo aumento do valor do arrendamento de
atributos, quer concedendo o arrendamento a algum outro coletor.
Os monarcas cujo relacionamento com os barões era pior parecem ter
realizado as concessões mais generosas aos seus burgos. O rei João da
Inglaterra,361 por exemplo, parece ter sido um benfeitor extremamente
munificente de suas cidades.362 O rei Filipe I da França363 perdeu toda a
autoridade que tinha sobre os seus barões. De acordo com o padre
Daniel, no final de seu reinado, seu filho Luís, conhecido posteriormente
pelo nome de Luís, o Gordo,364 consultou os bispos dos domínios reais
em busca dos meios mais adequados para conter a violência dos grandes
senhores. O conselho dos bispos consistia em duas propostas diferentes.
Uma delas era a construção de uma nova ordem jurisdicional,
estabelecendo magistrados e um conselho municipal em cada cidade de
tamanho considerável de seus domínios. A outra era a formação de uma
nova milícia, para que os habitantes daquelas cidades, sob o comando de
seus próprios magistrados, oferecessem ajuda ao rei sempre que
necessário. De acordo com os estudiosos franceses do passado, devemos
situar a instituição de magistrados e conselhos municipais na França a
partir desse período. Foi durante os reinados desafortunados dos
príncipes suevos que a maior parte das cidades livres da Alemanha
recebeu as primeiras concessões de privilégios; durante esse mesmo
período a Liga Hanseática começou a se tornar grandiosa.365
Parece que, naqueles tempos, as milícias das cidades não eram
inferiores às dos campos; e, já que era mais fácil reunir rapidamente as
milícias urbanas em situações de emergência, elas costumavam ter
vantagem nas disputas com os senhores da vizinhança. Em países como a
Itália e a Suíça, nos quais o soberano havia perdido toda a autoridade —
por conta da sua distância da sede principal do governo, da força natural
do próprio país ou de alguma outra razão —, as cidades geralmente se
tornaram repúblicas independentes e conquistaram toda a nobreza de
sua vizinhança; obrigando-a a destruir seus castelos rurais e a viver nas
cidades como os outros habitantes pacíficos. Em resumo, essa é a história
da República de Berna, assim como de diversas outras cidades suíças.
Com a exceção de Veneza, cuja história é um pouco diferente das outras,
esta é a história de todas as repúblicas italianas importantes que em tão
grande número surgiram e desapareceram entre o fim do século XII e o
início do XVII.
Em países como a França ou a Inglaterra, onde a autoridade do
soberano, embora frequentemente muito diminuída, nunca foi destruída
por completo, as cidades não tiveram oportunidade de se tornar
totalmente independentes. Elas, no entanto, se tornaram tão importantes
que, sem o consentimento delas, ao soberano não era possível aplicar
outros tributos senão o já mencionado aforamento das rendas da cidade.
Então, elas eram convidadas a enviar seus representantes para uma
assembleia geral dos Estados do reino, onde se juntariam ao clero e aos
barões para discutir a concessão de alguma ajuda extraordinária ao rei.
Por serem geralmente muito mais favoráveis ao poder da coroa, parece
que o rei utilizava os representantes das cidades nas assembleias como
um contrapeso à autoridade dos grandes senhores. Essa é a origem da
representação dos burgos nos Estados Gerais de todas as grandes
monarquias europeias.
A ordem, o bom governo e, junto com eles, a liberdade e a segurança
dos indivíduos foram, dessa forma, estabelecidos nas cidades em um
momento em que os ocupantes de terras rurais estavam expostos a todo
tipo de violência. Mas quando há falta de segurança, as pessoas se
contentam naturalmente com a sua subsistência necessária, pois apenas o
fato de tentarem adquirir algo a mais já poderia atrair a injustiça de seus
opressores. Por outro lado, quando se sentem seguras para usufruir os
frutos de seu trabalho, elas se esforçam naturalmente e o empregam para
melhorar sua condição e para obter não apenas os bens de primeira
necessidade, mas também as comodidades e as elegâncias da vida. Por
essa razão, o esforço que visa algo além da subsistência necessária surgiu
nas cidades muito antes de se tornar comum no campo. Se um cultivador
pobre e oprimido pela servidão do feudo conseguisse acumular algum
pequeno capital, ele, naturalmente, o esconderia com muito cuidado de
seu senhor (a quem de outro modo teria pertencido) e, na primeira
oportunidade que encontrasse, fugiria para uma cidade. A lei era naquela
época tão indulgente com os habitantes das cidades e se desejava tanto
diminuir a autoridade dos senhores rurais que, se uma pessoa
conseguisse se esconder da busca de seu senhor em uma cidade por um
ano, seria livre para sempre. Portanto, o capital acumulado pelo grupo de
pessoas industriosas do campo (em oposição às ociosas) foi naturalmente
levado para as cidades, pois eram os únicos santuários em que o capital
estaria seguro para a pessoa que o adquiriu.
É verdade que os habitantes da cidade acabam sempre tirando do
campo a sua subsistência, bem como as matérias-primas e os meios de
seu trabalho. Mas os de uma cidade situada perto do mar ou às margens
de um rio navegável não são necessariamente obrigados a obtê-los nas
áreas rurais vizinhas. Eles têm à disposição possibilidades muito mais
amplas e podem buscá-los nos cantos mais remotos do mundo, seja em
troca de produtos manufaturados de seu próprio trabalho, seja realizando
o serviço de transporte entre dois países distantes, trocando os produtos
de um país pelos produtos do outro. Desse modo, podia acontecer de
uma cidade conseguir grandes riquezas e esplendor enquanto sua área
rural e seus parceiros comerciais estivessem em grande pobreza e
miséria. Cada um desses países, talvez, tomados individualmente,
somente conseguiria dispor de uma pequena parte de sua subsistência ou
trabalho; mas todos eles em conjunto conseguiriam dispor de muitos
alimentos e trabalho. Entretanto, no estreito círculo comercial daqueles
tempos, existiam alguns países ricos e industriosos. Assim foi o império
grego durante a sua existência e o dos sarracenos durante a dinastia dos
abássidas. Esse também foi o caso do Egito até ser conquistado pelos
turcos, bem como o de algumas partes da Costa Berbere366 e de todas as
províncias da Espanha governadas pelos mouros.367
Na Europa, as cidades italianas parecem ter sido as primeiras a atingir
algum grau importante de riqueza pelo comércio. A Itália estava no
centro do que era considerado, naquela época, a região mais
desenvolvida e civilizada do mundo. Embora as Cruzadas tenham
necessariamente retardado o progresso da maior parte da Europa com
grande desperdício de capital e destruição de populações, elas foram
extremamente favoráveis ao progresso de algumas cidades italianas. Os
grandes exércitos que marchavam de todos os cantos para a conquista da
Terra Santa deram um extraordinário incentivo aos serviços de
transporte realizados por Veneza, Gênova e Pisa, às vezes, transferindo-
os e sempre fornecendo-lhes provisões. Tais cidades eram, por assim
dizer, intendências daqueles exércitos; assim, o frenesi mais destrutivo
que já se abateu sobre as nações europeias constituía uma fonte de
riqueza para essas repúblicas.
Os habitantes das cidades comerciais, ao importar os produtos
manufaturados melhorados e os caros artigos de luxo vindos de países
mais ricos, alimentavam a vaidade dos grandes proprietários, que
ansiosamente compravam esses bens e os pagavam com grandes
quantidades de matérias-primas retiradas de suas próprias terras. Como
consequência, o comércio de uma grande parte da Europa consistia
principalmente na troca de sua própria matéria-prima pelo produto
manufaturado de nações mais civilizadas. Assim, a lã da Inglaterra
costumava ser trocada pelos vinhos da França e pelos panos finos de
Flandres, da mesma forma que os cereais da Polônia são atualmente
trocados pelos vinhos e aguardentes da França e pelas sedas e veludos da
França e da Itália.
Assim, o comércio exterior introduziu um gosto pelas manufaturas
mais refinadas e modernas em países em que esse tipo de trabalho não
era realizado. Mas, quando esse gosto se tornou tão generalizado a ponto
de gerar uma grande demanda, os comerciantes, para economizar com as
despesas de transporte terrestre, passaram naturalmente a estabelecer
algumas manufaturas do mesmo tipo em seu próprio país. Daí a origem
das primeiras manufaturas para venda de produtos a locais distantes que
parecem ter sido estabelecidas nas províncias ocidentais da Europa após
a queda do Império Romano.
Devemos observar que nunca ocorreu de um país grande ter existido
sem algum tipo de manufatura; e, quando se diz que um país não possui
manufatura, o que se quer realmente dizer é que esse país não possui
manufatura de produtos mais refinados e aperfeiçoados, ou de bens que
possam ser vendidos a regiões distantes. Nos grandes países, tanto o
vestuário quanto o mobiliário doméstico da grande maioria do povo são
produtos de sua própria indústria. Tal afirmação vale muito mais para os
países pobres que dizemos não ter manufaturas do que para os ricos que
possuem muitas manufaturas. Geralmente encontraremos nos vestuários
e nos mobiliários domésticos das classes mais baixas deste último tipo de
país uma proporção muito maior de produtos estrangeiros do que nos do
primeiro tipo.
As manufaturas que podem ser vendidas a lugares distantes parecem
ter sido introduzidas de duas maneiras diferentes.
Às vezes, conforme dito anteriormente, foram introduzidas pela
operação agressiva, por assim dizer, dos capitais de certos comerciantes e
empresários, que as fundavam, imitando alguma manufatura estrangeira
do mesmo tipo. Como consequência, essas manufaturas são filhas do
comércio exterior, como, por exemplo, as antigas manufaturas de seda, de
veludo e de brocados que floresceram em Luca368 durante o século XIII.
Elas foram banidas de lá pela tirania de um dos heróis de Maquiavel:369
Castruccio Castracani. Em 1310, novecentas famílias foram expulsas de
Luca; dessas, 31 foram para Veneza e, ali, se ofereceram para instalar a
manufatura da seda.370 A oferta foi aceita; muitos privilégios foram
conferidos a elas e, assim, iniciou-se a manufatura com trezentos
trabalhadores. O mesmo parece também ter ocorrido com a manufatura
de tecidos finos, a qual floresceu na antiga Flandres e foi, no início do
reinado de Isabel I, introduzida na Inglaterra; e essa é a situação das
atuais manufaturas de seda de Lyon e Spitalfields. As manufaturas assim
instaladas, por serem imitações de manufaturas estrangeiras, geralmente
utilizam matérias-primas estrangeiras. Quando foram instaladas em
Veneza, sua matéria-prima era toda trazida da Sicília e do Levante. A
manufatura mais antiga de Luca também utilizava matéria-prima
estrangeira. O cultivo de amoreiras e a criação de bichos-da-seda
parecem não ter sido comuns no norte da Itália antes do século XVI.
Essas artes somente chegaram à França durante o reinado de Carlos IX.
As manufaturas de Flandres trabalhavam principalmente com lãs
espanholas e inglesas. A lã espanhola não foi a matéria-prima da
primeira manufatura de lã da Inglaterra, mas da primeira capaz de
realizar vendas a locais distantes. Atualmente, mais da metade da
matéria-prima da manufatura de Lyon é constituída pela seda
estrangeira; assim que foi instalada, ela era inteiramente, ou quase
inteiramente, estrangeira. Provavelmente nenhuma parte da matéria-
prima de manufatura de Spitalfields jamais poderá ser produzida na
Inglaterra. Essas manufaturas são projetadas por apenas alguns
indivíduos e, por isso, às vezes são estabelecidas em uma cidade litorânea,
às vezes em uma cidade do interior, de acordo com a determinação de
seus interesses, julgamentos ou caprichos.
Outras vezes, como se tivessem vida própria, as manufaturas para
venda a lugares distantes crescem naturalmente por meio de
refinamentos graduais daquelas manufaturas mais grosseiras realizadas
em agregados familiares e que devem sempre existir, mesmo nos países
mais pobres e primitivos. Essas manufaturas geralmente utilizam a
matéria-prima produzida pelo próprio país e parecem ter sido em
primeiro lugar refinadas e modernizadas em regiões mais internas que
estavam a uma distância considerável, mas não muito distante do mar ou
até mesmo de vias hídricas. Uma região interna que seja naturalmente
fértil e de fácil cultivo é capaz de produzir um grande excedente de
provisões que ultrapassam o que é necessário para a manutenção de seus
lavradores, e, por causa dos custos do transporte terrestre e da
inconveniência da navegação fluvial, costuma ter dificuldade para enviar
esse excedente ao estrangeiro. A abundância, portanto, torna as provisões
baratas e incentiva um grande número de trabalhadores a se estabelecer
nas vizinhanças, pois eles acreditam que ali o seu trabalho poderá lhes
fornecer um maior número de bens de primeira necessidade e
comodidades do que em outros lugares. Eles transformam em
manufaturas as matérias-primas produzidas pela terra e trocam seus
produtos acabados, ou — o que dá na mesma — o preço deles, por mais
materiais e provisões. Ao economizarem com as despesas de levar as
matérias-primas até as vias hídricas ou a algum mercado distante,
acrescentam novo valor à parte excedente da matéria-prima; os
lavradores, por sua vez, recebem em troca algo que lhes seja útil ou
apreciável, em condições mais simples do que as que existiam antes. Os
lavradores recebem um preço melhor por seu produto excedente e
podem comprar outras comodidades de que necessitem por preços mais
baixos. Assim, ambos ganham a possibilidade e são encorajados a
aumentar esse produto excedente por meio de novas melhorias e melhor
cultivo da terra; e, assim como a fertilidade da terra causou o nascimento
da manufatura, o progresso da manufatura reage sobre a terra,
aumentando ainda mais a sua fertilidade. No início, os manufaturadores
suprem apenas a sua vizinhança e, depois, conforme seu trabalho se
torna mais aprimorado e refinado, passam a suprir mercados mais
distantes. Enquanto as matérias-primas e mesmo a manufatura mais
grosseira só conseguem suportar as despesas de uma longa viagem por
terra com muitas dificuldades, as manufaturas aprimoradas e refinadas as
suportam facilmente. Esta última costuma, em um volume pequeno,
conter o preço de uma grande quantidade de matérias-primas. A peça de
um bom tecido, por exemplo, com apenas 80 libras-peso, contém em si o
preço não apenas de 80 libras-peso de lã, mas, às vezes, de vários
milhares de libras de cereais, a subsistência dos vários trabalhadores e a
manutenção de seus empregadores imediatos. Os cereais, que poderiam
com dificuldade ser transportados para o exterior em sua forma original,
são transportados facilmente para as regiões mais remotas do mundo
quando são vendidos como bens completamente manufaturados. Foi
dessa forma que as manufaturas de Leeds, Halifax, Sheffield, Birmingham
e Wolverhampton desenvolveram-se naturalmente, quase como se
tivessem vontade própria. Tais manufaturas foram geradas pela
agricultura. Em geral, na história moderna da Europa, sua extensão e sua
modernização têm sido posteriores às das manufaturas geradas pelo
comércio exterior. A Inglaterra já era famosa pela fabricação de tecidos
de boa qualidade feitos de lã espanhola mais de um século antes de as
manufaturas existentes hoje nos locais acima mencionados estarem aptas
a vender seus produtos no mercado estrangeiro. A extensão e
modernização destas últimas manufaturas não poderiam ter ocorrido
senão como consequência da extensão e do progresso (aperfeiçoamento)
da agricultura, que, conforme explicarei em seguida, são os últimos e
mais importantes efeitos do comércio exterior e das manufaturas
introduzidas imediatamente por eles.

Í
CAPÍTULO IV
A CONTRIBUIÇÃO DO COMÉRCIO DAS CIDADES PARA A
MELHORIA DO CAMPO
O crescimento e a riqueza das cidades comerciais e manufatureiras
contribuíram de três formas para o aprimoramento e o cultivo das
regiões a que pertenciam.
Primeiro, ao proporcionar um mercado amplo e imediato para o
produto bruto do campo, incentivaram seu cultivo e maior
aperfeiçoamento. Este benefício não se limitou às regiões agrícolas em
que estavam situadas, mas estendeu-se mais ou menos a todas aquelas
com as quais realizavam trocas comerciais. Proporcionavam a todas um
mercado para alguma parte de seu produto bruto ou manufaturado e,
consequentemente, ofereceram algum estímulo para a atividade e o
progresso de todas. No entanto, sua própria região agrícola, por estar
mais próxima, obteve necessariamente desse mercado o maior benefício.
Já que o transporte de seu produto é mais barato, os comerciantes podem
pagar um preço melhor aos lavradores e, além disso, vender mais barato
aos consumidores locais e aos de regiões mais distantes.
Em segundo lugar, a riqueza adquirida pelos habitantes das cidades
era frequentemente empregada na compra de terras postas à venda que,
em grande parte, não eram propriedades cultivadas. Os comerciantes, em
geral, têm a ambição de se tornar senhores de terra, ou senhores rurais, e,
quando conseguem, geralmente são as pessoas que mais aprimoram suas
terras. Um comerciante está acostumado a empregar seu dinheiro
principalmente em projetos rentáveis; já um mero senhor rural costuma
aplicá-lo principalmente em despesas. O primeiro vê seu dinheiro ir
embora e, novamente, voltar com lucro: já o outro, quando se separa de
seu dinheiro, raramente o vê voltar. Esses dois hábitos diferentes afetam
naturalmente o seu humor e disposição em todo tipo de negócio. O
comerciante costuma ser audacioso; o senhor rural, um empresário
tímido. O primeiro não tem medo de aplicar uma grande soma em
dinheiro para a melhoria de suas terras sempre que nota alguma
perspectiva provável de, em relação às despesas, elevar o valor de suas
propriedades. Já o outro, sempre que tem algum capital — e ele nem
sempre o tem — raramente se arrisca a empregá-lo dessa forma. Mas, no
caso incomum de ele realizar alguma melhoria, normalmente não o fará
com um capital, mas com o valor que consegue economizar de sua renda
anual. Qualquer um que tenha tido a sorte de viver em uma cidade
mercantil situada em um país atrasado deve ter notado com frequência
como as operações dos comerciantes são muito mais animadas que as
realizadas por simples senhores rurais. Além disso, os hábitos de classe
social, a ordem, a economia e a atenção a que os negócios mercantis
costumam expor os comerciantes os tornam muito mais aptos para
realizar quaisquer projetos de melhoria com lucro e sucesso.
Em terceiro lugar, e por último, o comércio e a manufatura
introduziram de forma gradual a ordem e o bom governo e, com eles, a
liberdade e a segurança individual dos habitantes do campo que,
anteriormente, viviam quase em um estado contínuo de guerra com seus
vizinhos e de dependência servil a seus superiores. Embora esses efeitos
tenham sido pouco observados, eles são de longe os mais importantes.
Pelo que sei, o senhor Hume é o único escritor que tomou conhecimento
disso até este momento.
Em um país sem comércio exterior nem qualquer tipo de manufatura
mais fina, um grande proprietário, não podendo trocar por nada a maior
parte dos produtos de suas terras que excedam a subsistência dos
agricultores, a consome em hospitalidades rústicas em sua própria casa.
Se o produto excedente é suficiente para manter cem ou mil homens, ele
não os poderá usar para nada mais senão sustentar esses cem ou mil
homens. Desse modo, ele está o tempo todo cercado por uma multidão
de serviçais e dependentes que não têm nada equivalente para dar em
troca de seu sustento; e, já que são alimentados somente pela
generosidade desse senhor, se veem obrigados a obedecer-lhe pela
mesma razão pela qual os soldados devem obedecer ao soberano que lhes
paga o soldo. Assim, antes de o comércio e a manufatura se ampliarem
por toda a Europa, a hospitalidade dos ricos e dos grandes, desde o
soberano até o mais ínfimo barão, excedia tudo o que é possível
imaginarmos atualmente. O Palácio de Westminster era a sala de jantar
de Guilherme II;371 e, possivelmente, talvez não fosse suficientemente
grande para todos os que o acompanhavam. Sobre a riqueza de Thomas
Becket,372 contava-se que ele espalhava no chão de seu salão feno ou,
durante a estação certa, juncos limpíssimos para que cavaleiros e
escudeiros (que não tinham cadeiras) não estragassem suas roupas finas
quando se sentassem no chão para jantar. Dizem que o grande conde de
Warwick recebia 30 mil pessoas todos os dias em suas várias
propriedades; e, embora esse número possa ter sido exagerado, a
quantidade de pessoas deve, no entanto, ter sido muito grande para que
esse exagero pudesse ser aceito. Uma hospitalidade quase do mesmo tipo
era realizada há não muitos anos em muitas partes das Terras Altas da
Escócia. Parece ser algo comum em todas as nações em que o comércio e
a manufatura são pouco conhecidos. “Eu vi”, diz o doutor Pocock, “um
chefe árabe jantando nas ruas de uma cidade onde tinha ido vender seu
gado; ele convidava todos os pedestres, mesmo os pedintes comuns, para
que se sentassem à mesa com ele e participassem de seu banquete”.
Em todos os aspectos, os ocupantes de terras eram tão dependentes
do grande proprietário como o eram os seus serviçais. Mesmo aquelas
pessoas que não viviam em vilania eram arrendatários a título precário
que pagavam uma renda que em nada equivalia à subsistência que as
terras lhes proporcionavam. Uma coroa, meia coroa, uma ovelha ou um
cordeiro eram, há alguns anos nas Terras Altas da Escócia, a renda
comum por uma parcela de terra capaz de sustentar uma família. Em
alguns lugares ainda é assim até hoje; e, atualmente, o dinheiro não
compra uma quantidade maior de produtos ali do que em outros lugares.
Em uma região cujo produto excedente de uma grande propriedade deva
ser consumido na própria propriedade, será mais conveniente para o
proprietário que parte dele seja consumida a uma certa distância de sua
própria casa, contanto que seja consumida por alguém tão dependente
dele como seus serviçais e servos domésticos. Pois, assim, ele evita o
embaraço de consumi-la com um grande séquito ou uma grande família.
Um arrendatário a título precário que possua uma quantidade suficiente
de terras para alimentar sua família por pouco mais que um quit-rent373 é
tão dependente do proprietário quanto seus servos, devendo também
obedecer-lhe sem restrições. Assim como esse proprietário alimenta seus
dependentes e servos em sua própria casa, ele também alimenta seus
arrendatários em suas casas. A subsistência de ambos depende da
generosidade do senhor de terras, e a manutenção dessa subsistência
depende unicamente de sua vontade.
Em tais condições, o poder dos antigos barões fundamentava-se nessa
autoridade que os grandes proprietários necessariamente tinham sobre os
que ocupavam suas terras (tenants) e seus dependentes (retainers). De
todos os que habitavam em suas propriedades, os senhores eram juízes
nos tempos de paz e líderes durante as guerras. Eles podiam manter a
ordem e executar a lei dentro de suas respectivas propriedades, porque
cada um deles era capaz de usar a força de todos os moradores contra a
injustiça de qualquer um. Nenhuma outra pessoa detinha autoridade
para isso. O rei, em particular, não a possuía. Naqueles tempos antigos,
ele era pouco mais do que o maior proprietário em seus domínios, a
quem os outros grandes proprietários respeitavam até certo ponto, para
manter a defesa comum contra seus inimigos comuns. Se o rei tentasse
cobrar por meio de sua própria autoridade uma pequena dívida dentro
das terras de um grande proprietário, onde todos os habitantes estavam
armados e ofereciam apoio uns aos outros, isso exigiria dele um esforço
semelhante ao de tentar acabar com uma guerra civil. Ele foi, então,
obrigado a entregar a administração da justiça de grande parte do país
para quem era capaz de administrá-la; e, pela mesma razão, teve que
deixar o comando das milícias a quem os soldados obedeciam.374
É um erro imaginar que aquelas jurisdições territoriais têm origem na
lei feudal. Não só as mais altas jurisdições civis e criminais, mas o poder
de alistar soldados, de cunhar moedas e até mesmo de publicar leis locais
para o governo de seu próprio povo eram direitos alodiais dos grandes
proprietários de terras que já existiam há vários séculos, antes mesmo de
o direito feudal ser conhecido na Europa por esse nome.375 Na Inglaterra,
parece que a autoridade e a jurisdição dos senhores saxões eram tão
grandes antes da conquista como a de qualquer um dos senhores
normandos depois dela. Mas o direito feudal não se tornaria a lei comum
da Inglaterra até depois da conquista. É fato que não admite qualquer
dúvida que, na França, a maior autoridade e as mais extensas jurisdições
pertenciam de forma alodial aos seus grandes senhores muito antes de o
direito feudal ser introduzido naquele país. Essa autoridade e essas
jurisdições originam-se obrigatoriamente das condições anteriormente
descritas em que se encontravam o direito de propriedade e os costumes.
Sem remontar às antiguidades remotas das monarquias francesas ou
inglesas, é possível encontrar em períodos mais tardios provas de que tais
efeitos devem sempre fluir de tais causas. Há menos de trinta anos, o
senhor Cameron de Lochiel, um cavalheiro de Lochaber, na Escócia, sem
nenhum mandado judicial, não sendo o que era então chamado um
“senhor de regalia”, nem mesmo um tenente, mas apenas um vassalo do
Duque de Argyll, e sem ser juiz, costumava exercer, não obstante, a mais
alta jurisdição criminal sobre seu próprio povo. Dizem que ele a aplicou
com bastante equidade, embora sem nenhuma das formalidades da
justiça; e não é improvável que a situação daquela parte do país naquele
tempo impusesse que ele assumisse esse cargo para manter a ordem
pública. Pois bem, esse cavalheiro, cuja renda nunca ultrapassou 500
libras por ano, levou consigo, em 1745, oitocentas pessoas de seu próprio
povo à rebelião.
A introdução do direito feudal pode ser considerada como uma
tentativa de moderar a autoridade dos grandes senhores de terras
alodiais, não de aumentá-la. Esse direito criou uma subordinação regular,
acompanhada de uma longa lista de serviços e deveres, que ia do rei até
os menores proprietários. Enquanto o proprietário não atingisse sua
maioridade legal, a renda, juntamente com a gestão de suas terras, ficava
nas mãos de seu superior imediato; a regra também valia para todos os
grandes proprietários, cujas terras ficavam nas mãos do rei, nesse caso; o
superior que ficava obrigado a alimentar e a educar o menor e, por sua
autoridade como guardião, supostamente detinha também o direito de
dispor sobre o casamento do tutelado, desde que não fosse de modo
inadequado para o seu nível social. Mas, embora essa instituição tendesse
necessariamente a fortalecer a autoridade do rei e a enfraquecer a dos
grandes proprietários, não conseguia impor nenhum dos dois objetivos
de forma suficiente para o estabelecimento da ordem e do bom governo
entre os habitantes do país, pois não era capaz de causar mudanças
suficientes naquele estado de propriedade e costumes que davam origem
às desordens. A autoridade do governo continuou ainda a ser como
antes: sua cabeça era demasiadamente fraca e seus membros inferiores,
demasiadamente fortes; a força excessiva dos membros inferiores era a
causa da fraqueza da cabeça. Após a instituição da subordinação feudal, o
rei, como antes, se manteve incapaz de conter a violência dos grandes
senhores. Eles ainda continuaram a fazer guerra uns contra os outros de
acordo com a sua própria discrição e de forma quase contínua; muito
frequentemente contra o rei; e o campo aberto continuava dominado pela
violência, a pilhagem e a desordem.
Mas tudo aquilo que a violência das instituições feudais nunca
conseguiu realizar ocorreu gradualmente pela operação silenciosa e
intangível do comércio exterior e da manufatura. Estes últimos ofereciam
aos grandes proprietários algo pelo qual poderiam trocar todo o produto
excedente de suas terras, e que eles próprios poderiam consumir sem
precisar compartilhá-lo com seus arrendatários ou dependentes. Em
todos os períodos de nossa história, o “tudo para nós e nada para os
outros” parece ter sido a máxima vil dos senhores da humanidade.
Portanto, assim que encontram um meio de consumir toda a sua renda,
eles perdem a vontade de compartilhá-la com quaisquer outras pessoas.
Por um par de fivelas de diamante, talvez, ou por algo igualmente frívolo
e inútil, eles trocavam a subsistência ou, o que dá na mesma, o preço da
subsistência de mil homens por um ano e, assim, também perdiam toda a
gravidade e autoridade que isso lhes ofereceria. Entretanto, as fivelas
seriam só deles e de nenhuma outra criatura humana; no sistema mais
antigo de gastos, eles teriam que partilhá-la com pelo menos mil pessoas.
Essa diferença era totalmente decisiva para aqueles que precisavam
escolher entre um ou outro; e para gratificar a mais infantil, a mais
mesquinha e a mais sórdida de todas as vaidades, eles, aos poucos,
venderam todo o seu poder e autoridade.376
Em um país sem comércio exterior nem manufaturas mais refinadas,
uma pessoa que disponha de 10 mil libras por ano não conseguirá aplicar
muito bem o seu rendimento de qualquer outra forma senão no sustento
de, talvez, mil famílias, as quais são obrigatoriamente comandadas por
ela. No estado atual da Europa, um homem que disponha de 10 mil libras
por ano poderá gastar todo o seu rendimento — e ele geralmente o faz —
sem conseguir sustentar diretamente vinte pessoas nem controlar mais de
dez lacaios sem muito valor. Indiretamente, ele talvez sustente o mesmo
número de pessoas ou mais do que ele conseguiria manter pelo antigo
sistema de gastos. Pois, embora a quantidade de preciosidades pelas quais
ele troca toda a sua receita seja muito pequena, o número de
trabalhadores empregados em sua coleta e preparação é necessariamente
muito grande. Seus preços altos geralmente derivam do salário de seu
trabalho e dos lucros de todos os seus empregadores imediatos. Ao pagar
esse preço, paga-se indiretamente todos os salários e lucros, e, portanto,
contribui-se indiretamente para o sustento de todos os trabalhadores e
seus empregadores. No entanto, o comprador contribui com uma
porcentagem muito pequena do sustento de cada um; um décimo para
alguns poucos, menos de um centésimo para não muitos, e para outros,
nem mesmo um décimo de milésimo de todo o seu sustento anual. Dessa
forma, embora ele contribua para o sustento de todos, eles são mais ou
menos independentes dele, pois, em geral, todos eles receberiam seu
sustento mesmo sem esse comprador específico.377
Quando os grandes proprietários de terra gastam suas rendas para
sustentar os ocupantes de suas terras e dependentes, cada um deles os
sustenta integralmente. Mas quando gastam sua renda com o sustento de
comerciantes e artesãos, eles talvez consigam sustentar em conjunto um
número tão grande ou, por conta dos gastos gerados pela hospitalidade
rústica, um número maior de pessoas do que antes. Cada um deles, no
entanto, tomado isoladamente, contribui com uma porção muito
pequena do sustento de uma pessoa qualquer desse conjunto maior. Cada
comerciante ou artesão obtém sua subsistência não de um cliente, mas de
cem ou mil. Embora esteja em certa medida obrigado a todos os seus
clientes, ele não depende totalmente de nenhum deles.
Tendo em vista que, desse modo, as despesas pessoais dos grandes
proprietários foram aumentando gradualmente, seria impossível que o
número de seus serviçais não diminuísse gradualmente até que o último
deles fosse dispensado. A mesma causa os levou a dispensar
gradualmente os ocupantes desnecessários de suas terras (tenants). As
fazendas foram ampliadas, e os ocupantes da terra, não obstante as
queixas de despovoamento, foram reduzidos ao número necessário de
pessoas para cultivá-las, de acordo com as condições imperfeitas de
cultivo e técnicas daqueles tempos. Ao dispensar as bocas desnecessárias
e ao extrair dos fazendeiros o valor total da fazenda, o proprietário pôde
obter um excedente maior ou o preço de um excedente maior; os
comerciantes e fabricantes logo apresentaram uma forma para que os
donos de terras gastassem esse excedente com bens para si mesmos, da
mesma maneira como os haviam feito gastar o resto de suas rendas.
Continuando sob a influência da mesma causa, o dono de terras resolveu
aumentar suas rendas a um valor acima do que suas terras — na
condição de suas melhorias — poderiam proporcionar. Seus
arrendatários concordaram, mas impuseram uma única condição: a eles
deveria ser assegurada a posse da terra pelo tempo necessário para que
pudessem recuperar com lucro o valor que gastariam com as novas
melhorias. A cara vaidade do senhorio o dispôs a aceitar essa condição;
essa é a origem dos arrendamentos de longo prazo.378
Nem mesmo os arrendatários a título precário, que pagam o valor
integral da terra, são totalmente dependentes dos proprietários. As
vantagens pecuniárias que recebem uns dos outros são mútuas e iguais, e,
além disso, o arrendatário não exporá nem sua vida nem sua fortuna
para servir o proprietário. Mas se seu arrendamento é de longo prazo, ele
será completamente independente; e o dono das terras não poderá
esperar que o arrendatário realize nem mesmo o serviço mais
insignificante se não estiver expressamente estipulado no contrato de
arrendamento ou na lei comum e conhecida do país.
Após os ocupantes de suas terras (tenants) terem se tornado
independentes e os serviçais terem sido dispensados, os grandes
proprietários já não podiam mais interromper a execução regular da
justiça nem perturbar a paz do país. Tendo vendido seu direito de
primogenitura — não como Esaú, que o trocou por um prato de lentilhas
em tempos de fome e necessidade, mas durante o desvario da abundância
— em troca de bugigangas mais apropriadas como brinquedo de criança
do que pertencentes aos sérios objetivos humanos, eles se tornaram tão
insignificantes quanto qualquer burguês ou comerciante das cidades. Foi
estabelecido um governo regular tanto no campo como na cidade, sendo
que nenhum dos dois tinha poder suficiente para intervir nas operações
do outro.
Talvez não haja relação com o assunto, mas não posso deixar de
observar que, em países comerciais, são muito raras aquelas famílias
muito antigas que passam seus imóveis de tamanho considerável de pai
para filho durante muitas gerações sucessivas. Mas são muito comuns nos
países com pouco comércio, como é o caso do País de Gales ou das Terras
Altas da Escócia. As histórias árabes parecem estar cheias de genealogias;
há uma história escrita por um Khan tártaro, traduzida em várias línguas
europeias, que não contém praticamente nada além disso; uma prova de
que as famílias antigas são muito comuns entre essas nações. Nos países
em que uma pessoa rica somente pode gastar seu rendimento com o
sustento do maior número de pessoas possível, ela não costuma
ultrapassar isso, e sua benevolência raramente será tão grande a ponto de
tentar manter mais do que seus recursos lhe permitem. Mas nos lugares
em que se pode gastar a maior parte de sua receita consigo, não há limites
para gastos, pois a vaidade da pessoa — a afeição por sua própria pessoa
— também não tem limites. Portanto, nos países comerciais, apesar da
legislação mais forte para evitar a dilapidação do patrimônio, este
raramente permanece por muito tempo na mesma família. Entre as
nações simples, pelo contrário, não há necessidade de regulamentação
legal; pois a natureza consumível da propriedade das nações pastoris —
como as dos tártaros e árabes — necessariamente impossibilita a edição
desses regulamentos.
Duas classes diferentes de pessoas que não tinham a menor intenção
de servir o público provocaram, dessa forma, uma revolução
extremamente importante para a felicidade pública. Os grandes
proprietários desejavam apenas gratificar uma vaidade extremamente
pueril. Os comerciantes e os artesãos, muito menos ridículos, apenas
atuaram sob seus próprios interesses; seguiam o lema dos mascates:
ganhar dinheiro onde quer que o dinheiro esteja. Nenhuma das duas
classes podia prever a grande revolução que seria gradualmente causada
pela tolice de um e pelo trabalho do outro.379
Em quase toda a Europa, portanto, o comércio e a manufatura das
cidades não foram o efeito do desenvolvimento e do cultivo do campo,
mas sua causa.
Mas, já que essa é uma ordem contrária ao curso natural das coisas,
ela se torna obrigatoriamente lenta e incerta. Compare o progresso lento
dos países europeus cuja riqueza depende muito de seu comércio e
manufatura com os avanços rápidos de nossas colônias norte-americanas
cuja riqueza depende totalmente da agricultura. Enquanto não se espera
que o número de habitantes da maior parte da Europa dobre em menos
de 500 anos, descobriu-se que, em várias colônias norte-americanas, ele
dobrará em 20 ou 25 anos. Na Europa, a lei da primogenitura e muitos
outros tipos de perpetuidade evitam a divisão das grandes propriedades
e, assim, dificultam a multiplicação dos pequenos proprietários. O
pequeno proprietário, entretanto, que conhece cada canto de sua
pequena parcela de terra, que a vê com todo o afeto que a propriedade,
especialmente a pequena propriedade, naturalmente inspira e que, por
isso, considera prazeroso cultivá-la e decorá-la, costuma ser, em geral, de
todos os inovadores, o mais aplicado, o mais inteligente e bem-
sucedido.380 Além disso, as mesmas regulamentações deixam tanta terra
fora do mercado que há sempre mais capitais para comprar do que há
terra para vender; assim, o que se consegue vender é vendido sempre a
preço de monopólio. A renda não cobre nunca os juros do dinheiro da
compra, e, além disso, fica sobrecarregada com reparos e outros encargos
ocasionais a que não estão expostos os juros do dinheiro. Em toda a
Europa, a compra de terras é a aplicação menos lucrativa de um capital
pequeno. Ao se aposentar, uma pessoa de circunstâncias moderadas
pode, às vezes, querer aplicar seu pequeno capital em terras em busca de
uma maior segurança. Aqueles que têm uma profissão cujo rendimento é
derivado de outra fonte também preferem, muitas vezes, aplicar suas
economias em terras. Mas se um jovem, em vez de abraçar o comércio ou
alguma outra profissão, resolvesse aplicar um capital de 2 ou 3 mil libras
na compra e no cultivo de um pequeno lote de terra, ele teria a chance de
viver muito feliz e de forma muito independente, mas precisaria
abandonar para sempre toda e qualquer esperança de conseguir obter
uma grande fortuna ou um grande reconhecimento, que, caso aplicasse
seu capital de outra maneira, teria a mesma chance de adquirir que as
outras pessoas. Essa pessoa, embora não possa aspirar a ser um
proprietário, muitas vezes desdenhará sua condição de agricultor.
Portanto, a pequena quantidade de terra que é levada para o mercado e
seu preço elevado impedem que os capitais, não fossem essas barreiras,
sejam aplicados no cultivo e na melhoria das terras. Na América do
Norte, pelo contrário, costuma-se considerar 50 ou 60 libras como capital
suficiente para começar uma plantação. Ali, a compra e a melhoria da
terra não cultivada são a aplicação mais rentável dos pequenos e dos
grandes capitais; este também é o caminho mais curto para a obtenção de
toda a fortuna e reconhecimento possíveis de ser adquiridos naquele país.
De fato, na América do Norte, a terra pode ser obtida por quase nada ou
a um preço muito abaixo do valor de seu produto natural; isso é algo
impossível na Europa, ou, na verdade, em qualquer país onde todas as
terras já são propriedades privadas há muito tempo. Se, no entanto, as
propriedades fundiárias fossem divididas igualmente entre todos os
filhos após a morte de um proprietário qualquer que tivesse deixado uma
família numerosa, elas seriam vendidas normalmente. O mercado teria
tanta terra que o preço monopolista de venda teria de ser abandonado. A
renda líquida da terra se aproximaria mais dos juros do dinheiro que a
comprou; e, assim, seria possível aplicar um pequeno capital para
comprar terras de forma tão lucrativa quanto em qualquer outra
atividade.
A Inglaterra — tendo em vista a fertilidade natural de seu solo, sua
grande extensão costeira em relação ao tamanho do país, os muitos rios
navegáveis que a atravessam e garantem a conveniência do transporte
hídrico até as regiões mais internas do país — talvez seja mais bem-
adaptada pela natureza que qualquer outro grande país da Europa para
ser a sede do comércio exterior, da exportação de manufaturas e de todo
o progresso que podem gerar. Além disso, desde o início do reinado de
Isabel, o legislador inglês tem estado particularmente atento aos
interesses do comércio e da manufatura e, na realidade, não há país na
Europa (nem mesmo a Holanda é exceção) em que as leis sejam mais
favoráveis a essas atividades. O comércio e a manufatura tiveram
progressos contínuos durante todo esse período. E, sem dúvida, o cultivo
e as melhorias do campo também estão progredindo gradualmente, mas
parecem seguir lentamente e a distância o progresso mais acelerado do
comércio e da manufatura. É provável que grande parte do campo já
estivesse cultivada antes do reinado de Isabel; mas uma grande parte
ainda não foi cultivada, e o cultivo de uma parte muito maior é pior do
que poderia ser. O direito inglês, entretanto, favorece a agricultura não
somente indiretamente pela proteção do comércio, mas também por
meio de vários estímulos diretos. Exceto em tempos de escassez, a
exportação de cereais é livre e incentivada por subsídios. Em períodos de
abundância moderada, a importação de cereais é tão tributada que chega
a equivaler a uma proibição. A importação de gado vivo é sempre
proibida, exceto da Irlanda, de onde só recentemente foi permitida.
Aqueles que cultivam a terra, portanto, detêm contra seus compatriotas o
monopólio dos dois maiores e mais importantes produtos da terra, o
trigo e a carne de consumo. Embora esses estímulos talvez sejam
totalmente ilusórios, conforme mostrarei mais adiante, eles pelo menos
demonstram de forma clara a boa intenção do legislador em favor da
agricultura. Mas muito mais importante que isso é que os agricultores da
Inglaterra recebem toda a segurança, independência e respeitabilidade
que a lei pode lhes garantir. Portanto, nenhum país onde ainda existe o
direito de primogenitura, onde se pagam dízimos e onde as
perpetuidades, embora contrárias ao espírito da lei, sejam admitidas em
alguns casos, é capaz de oferecer maior incentivo à agricultura do que a
Inglaterra. E apesar de tudo isso, essa é a situação de seus campos
cultivados. Qual seria a situação atual se a lei não tivesse oferecido
incentivos diretos à agricultura e ela só tivesse recebido os incentivos
indiretos do progresso do comércio, e se os camponeses estivessem na
mesma condição que os da maioria dos outros países da Europa? Mais de
duzentos anos já se passaram desde o início do reinado de Isabel, um
período tão longo quanto costuma normalmente durar a prosperidade
humana.
Ao que parece, a França já detinha uma parcela importante do
comércio exterior cerca de um século antes de a Inglaterra se distinguir
como um país comercial. A marinha francesa era grande, de acordo com
as noções de uma época anterior à expedição de Carlos VIII a Nápoles.
Mas o cultivo e os aprimoramentos franceses são, em geral, inferiores aos
existentes na Inglaterra, pois suas leis nunca ofereceram o mesmo
incentivo direto à agricultura.
O comércio exterior da Espanha e de Portugal com outras partes da
Europa também é bastante grande, embora o transporte de seus produtos
seja realizado principalmente por navios estrangeiros. O comércio com
suas colônias é realizado com seus próprios barcos e é muito maior por
causa das grandes riquezas e do tamanho dessas colônias. Mas em
nenhum desses países o comércio deu início a nenhuma grande
manufatura para a venda de bens em mercados distantes; além disso,
grande parte das terras desses dois países ainda não é cultivada. Entre os
grandes países da Europa, o comércio exterior de Portugal é o mais
antigo, com exceção do da Itália.
A Itália é o único grande país da Europa que parece ter sido
totalmente cultivado e aprimorado por meio do comércio exterior e da
fabricação de manufaturas para a venda em mercados distantes. Antes da
invasão de Carlos VIII, a Itália, de acordo com Guicciardini,381 foi
cultivada tanto em suas regiões mais montanhosas e estéreis quanto nas
planícies mais férteis. A situação vantajosa do país e o grande número de
Estados independentes existentes naquele tempo na Itália provavelmente
tenham contribuído bastante para esse cultivo generalizado. Não
obstante a opinião de um dos mais judiciosos e reservados historiadores
modernos, é possível que a Itália ainda não estivesse em estado de cultivo
muito melhor que o da Inglaterra atual.
No entanto, o capital de um país qualquer, obtido pelo comércio e
pela manufatura, constituirá uma posse muito precária e incerta
enquanto uma parcela dele não estiver destinada ao cultivo e às
melhorias de suas terras. Diz-se de forma bastante apropriada que o
comerciante não é necessariamente cidadão de algum país específico.
Para ele, o local de exercício de seu comércio não faz muita diferença; e
qualquer problema, mesmo que muito insignificante, o fará transferir seu
capital — e todo o trabalho gerado por ele — de um país para outro. Não
se pode dizer que um capital pertença a um país específico até que ele se
espalhe por esse mesmo país, seja em edifícios ou na melhoria duradoura
de suas terras. Dizem que as cidades hanseáticas eram muito ricas, mas,
exceto pelas histórias obscuras dos séculos XIII e XIV, não há mais
vestígios dessa grande riqueza. Até mesmo a localização delas é incerta,
tampouco se sabe a que cidades europeias pertenciam os nomes latinos
dados a algumas delas. Mas, embora os infortúnios italianos do final dos
séculos XV e início do XVI tenham causado uma grande diminuição do
comércio e da manufatura das cidades da Lombardia e da Toscana, essas
regiões ainda são as mais populosas e mais bem cultivadas da Europa. As
guerras civis de Flandres e o governo espanhol que as sucedeu acabaram
com o grande comércio da Antuérpia, de Gante e de Bruges.
Mas Flandres continua a ser uma das províncias mais ricas, mais bem
cultivadas e mais populosas da Europa. As reviravoltas comuns da guerra
e do governo causam o rápido esgotamento das fontes de riqueza
advindas apenas do comércio. A riqueza originada de aperfeiçoamentos
mais sólidos da agricultura é muito mais duradoura e não pode ser
destruída, exceto por convulsões mais violentas ocasionadas pela
devastação de nações hostis e bárbaras que perduram por um ou dois
séculos, tais como aquelas que ocorreram nas províncias ocidentais da
Europa antes e depois da queda do Império Romano.
LIVRO IV
SISTEMAS DE ECONOMIA POLÍTICA
INTRODUÇÃO
A economia política, considerada como um ramo da ciência de um
estadista ou legislador, propõe dois objetos distintos: em primeiro lugar, a
oferta abundante de rendimentos ou subsistência ao povo, ou, de forma
mais apropriada, a capacitação de seus indivíduos para que eles próprios
obtenham esses rendimentos ou subsistência; e, em segundo lugar, o
provimento do Estado ou da commonwealth com receitas suficientes para
os serviços públicos. Ela propõe o enriquecimento tanto do povo quanto
do soberano.
Os diferentes desenvolvimentos da riqueza em diferentes países e
épocas fizeram surgir em diversos períodos e nações dois sistemas de
economia política que tinham como referência o enriquecimento do
povo. O primeiro pode ser chamado de sistema de comércio; o outro, de
sistema da agricultura. Tentarei explicar os dois sistemas da forma mais
clara possível e começarei pelo de comércio: este é o sistema moderno e é
mais bem conhecido em nosso próprio país e em nossa época.

CAPÍTULO I
PRINCÍPIO DO SISTEMA COMERCIAL OU MERCANTIL
Tendo em vista a dupla função do dinheiro como instrumento de
comércio e como medida de valor, surge naturalmente uma noção
popular de que a riqueza consiste em dinheiro ou em ouro e prata. Já que
o dinheiro é um instrumento de comércio, quando o temos em mãos
podemos obter os bens de que necessitamos de forma mais rápida do que
por meio de qualquer outra mercadoria. A grande dificuldade, sempre
achamos, é conseguir dinheiro. E quando o temos, não há nenhuma
dificuldade para realizar qualquer compra subsequente. Já que o dinheiro
é uma medida de valor, mensuramos o valor de todas as outras
mercadorias pela quantidade de dinheiro pela qual podem ser trocadas.
Dizemos que uma pessoa rica vale muito dinheiro e que uma pobre vale
muito pouco. Dizemos que uma pessoa frugal ou uma que deseja ser
muito rica ama o dinheiro; e que alguém descuidado, generoso ou
esbanjador é indiferente ao dinheiro. Enriquecer significa conseguir
dinheiro; e riqueza e dinheiro, em suma, são, em linguagem comum,
considerados sinônimos em todos os aspectos.
Da mesma forma que uma pessoa rica, um país rico tem
supostamente muito dinheiro; supõe-se também que a acumulação de
ouro e prata em um país é a maneira mais rápida de enriquecê-lo. Pouco
tempo após a descoberta da América, sempre que os espanhóis chegavam
a uma costa desconhecida qualquer, sua primeira pergunta costumava ser
se havia ouro ou prata na vizinhança. Dependendo da informação que
recebiam, decidiam se valia mais a pena estabelecer ali um assentamento
ou conquistar o país. Plano Carpini,382 um monge-embaixador enviado
pelo rei da França a um dos filhos do famoso Gengis Khan, diz que os
tártaros costumavam lhe perguntar se havia muitos bois e ovelhas no
Reino da França. Esse questionamento era semelhante ao dos espanhóis.
Queriam saber se o país era suficientemente rico para que uma conquista
valesse a pena. Entre os tártaros, como entre todas as outras nações
pastoris que, em geral, ignoram o uso do dinheiro, o gado é tanto um
instrumento de comércio quanto uma medida de valor. Portanto, a
riqueza, para eles, consistia em gado, enquanto para os espanhóis
consistia em ouro e prata. Das duas noções, a mais próxima da verdade
talvez fosse a tártara.
Segundo o senhor Locke, há uma distinção entre dinheiro e outros
bens móveis. Todos os outros bens móveis, diz ele, têm uma natureza tão
consumível que não há como confiar na riqueza gerada por esses bens;
assim, uma nação que os possua em abundância durante um ano pode
estar em grande carência no ano seguinte se nada exportar e apenas os
utilizar por desperdício e consumo próprio. O dinheiro, pelo contrário, é
um amigo estável que, embora circule de mão em mão, ainda assim, caso
seja possível garantir que fique no país, não se sujeita muito ao
desperdício e ao consumo. O ouro e a prata, portanto, são, de acordo com
Locke, a parte mais sólida e substancial da riqueza móvel de uma nação e,
por esse motivo, ele acredita que a multiplicação desses metais é o grande
propósito da economia política de um país.383
Outros admitem que, se fosse possível manter uma nação separada do
resto do mundo, a maior ou menor circulação de dinheiro não traria a ela
nenhuma consequência. Os bens de consumo que circulavam por meio
desse dinheiro só seriam trocados por um número maior ou menor de
moedas;384 mas a real riqueza ou a pobreza do país, dizem eles,
dependeria apenas da abundância ou da escassez daqueles bens de
consumo. Mas eles acreditam que o oposto ocorre aos países que têm
ligações com nações soberanas e que são obrigados a exercer guerras
estrangeiras, bem como manter frotas e exércitos em países distantes.
Pois isso, dizem, somente pode ser realizado pelo envio de dinheiro ao
exterior para pagá-los; e uma nação somente pode enviar muito dinheiro
ao exterior se, internamente, tiver bastante dinheiro em casa.385 Cada
uma dessas nações, portanto, deve se esforçar em tempo de paz para
acumular ouro e prata para, sempre que a ocasião exigir, ter meios para
realizar guerras externas.
Como consequência dessas noções populares, as várias nações da
Europa passaram a estudar, mesmo que em vão, todos os meios possíveis
de acumular ouro e prata em seus respectivos países. Portugal e Espanha,
os proprietários das principais minas que abastecem a Europa com esses
metais, proibiram a sua exportação por meio de penalidades mais severas
ou as sujeitaram a uma carga tributária considerável. Proibições
semelhantes parecem ter sido parte da antiga política de grande parte das
nações europeias. Podem, inclusive, ser encontradas onde menos
esperaríamos vê-las, como em alguns velhos atos do Parlamento escocês,
que proibiam o transporte de ouro ou prata para fora do Reino por meio
de penalidades severas. Política semelhante havia sido aplicada
antigamente na França e na Inglaterra.
Quando esses países se tornaram mercantis, os comerciantes, em
diversas ocasiões, passaram a considerar a proibição extremamente
inconveniente. Pois, com frequência, era mais vantajoso comprar os bens
estrangeiros desejados com ouro e prata do que com qualquer outra
mercadoria, quer fosse para importá-los para o seu próprio país, quer
fosse para transportá-los para algum outro país estrangeiro. Portanto, eles
argumentavam que a proibição prejudicava o comércio.
Em primeiro lugar, argumentavam que a quantidade de ouro e de
prata nem sempre diminuía com sua exportação para a compra de bens
estrangeiros. Mas que, pelo contrário, a compra costumava aumentar a
quantidade dos metais, pois, se o consumo de bens estrangeiros não
aumentasse, esses bens poderiam ser reexportados para outros países
estrangeiros, onde seriam vendidos com uma ampla margem de lucro,
devolvendo ao país exportador um tesouro muito maior do que aquele
originalmente enviado para a compra dos bens. O senhor Mun compara
essa operação de comércio exterior ao período entre a semeadura e a
colheita. “Se olharmos apenas”, diz ele, “o período de semeadura em que
o lavrador lança ao solo muitas sementes boas de cereal, poderíamos
achar que ele é mais louco do que lavrador. Mas quando levamos em
conta o trabalho realizado na colheita, que é a parte final de seus
empreendimentos, só então percebemos o grande valor de suas ações”.386
Em segundo lugar, argumentavam que a proibição não impediria a
exportação de ouro e prata, os quais, por conta de seu pequeno volume
em proporção ao seu valor, poderiam facilmente ser contrabandeados
para o exterior. Diziam que essa exportação somente poderia ser evitada
por meio de muita atenção ao que chamaram de balança de comércio.
Afirmavam, desse modo, que, quando o valor das exportações
ultrapassava o das importações, o saldo deveria ser pago ao país pelas
nações estrangeiras, necessariamente em ouro e prata, aumentando,
assim, a quantidade dos metais que circulavam no reino. Mas quando o
valor das importações ultrapassava o das exportações, o saldo deveria ser
pago ao estrangeiro, isto é, a balança se tornava desfavorável e o país
passava, da mesma maneira, a ser necessariamente devedor de ouro e
prata às nações estrangeiras, diminuindo a quantidade dos metais dentro
do reino.387 Nesse caso, diziam, proibir a exportação desses metais não
causaria nenhum tipo de impedimento, apenas tornaria a empreitada
mais perigosa e, por isso, aumentaria os preços do ouro e da prata.
Assim, o câmbio seria mais desfavorável ao país que tivesse uma balança
desfavorável: o comerciante que comprasse uma nota emitida por um
país estrangeiro seria obrigado a pagar ao banqueiro que a vendeu não
apenas os adicionais do risco natural, das dificuldades e das despesas de
se enviar o dinheiro para lá, mas também os do risco extraordinário
gerado pela proibição. Ocorre que, quanto mais o câmbio for
desfavorável ao país, mais a sua balança comercial será negativa ou
desfavorável, pois o dinheiro desse país obrigatoriamente desvaloriza-se
em comparação ao do país com balança comercial favorável. Assim, por
exemplo, se o câmbio entre a Inglaterra e a Holanda fosse de 5% contra a
Inglaterra, seriam necessárias 105 onças de prata inglesa para comprar
uma nota de crédito de 100 onças de prata holandesa; 105 onças de prata
na Inglaterra, portanto, valeriam apenas 100 onças de prata na Holanda e
comprariam somente uma quantidade proporcional de bens holandeses;
mas 100 onças de prata na Holanda, pelo contrário, valeriam 105 onças
na Inglaterra e comprariam uma quantidade proporcional de bens
ingleses. Assim, os bens ingleses que fossem vendidos à Holanda seriam
vendidos por preços mais baixos, e os bens holandeses que fossem
vendidos à Inglaterra, mais altos, conforme a diferença do câmbio; no
primeiro caso, menos dinheiro holandês seria enviado à Inglaterra; no
segundo, muito mais dinheiro inglês para a Holanda, conforme a
diferença do câmbio. A balança comercial, portanto, seria
obrigatoriamente muito mais desfavorável à Inglaterra e exigiria que um
maior saldo de ouro e prata fosse exportado para a Holanda.388
Esses argumentos eram em parte sólidos e em parte sofísticos. Eram
sólidos porque afirmavam que a exportação de ouro e prata no comércio
poderia, em muitos momentos, ser vantajosa para o país. Eram sólidos
também porque afirmavam que nenhuma proibição seria capaz de
impedir a sua exportação sempre que alguém a considerasse vantajosa.
Mas eles eram sofísticos quando supunham que a preservação ou o
aumento da quantidade de metais exigia mais atenção do governo do que
a preservação ou o aumento da quantidade de quaisquer outras
mercadorias úteis que a própria liberdade de comércio é capaz de
proporcionar ao mercado nas quantidades adequadas sem precisar de
qualquer atenção especial. Talvez também fossem sofísticos quando
afirmavam que o preço elevado do câmbio causava o aumento
obrigatório do que chamavam de balança comercial desfavorável ou
gerava a exportação de uma quantidade maior de ouro e de prata. Esse
preço elevado era, de fato, extremamente desvantajoso para os
comerciantes que precisavam realizar pagamentos em países estrangeiros.
Isso porque pagavam mais caro pelas ordens de pagamento que eram
emitidas por seus banqueiros contra aqueles países. Mas, embora o risco
decorrente da proibição possa dar origem a alguma despesa
extraordinária para os banqueiros, ele não retira uma maior quantidade
de dinheiro do país. Em geral, para retirar dinheiro do país, essa despesa
seria feita integralmente dentro do país e raramente exigiria a exportação
de sequer 1 centavo a mais que a soma precisa para saldar o débito. O
preço elevado do câmbio também encorajaria naturalmente os
comerciantes a se esforçar para que suas exportações quase
correspondessem às suas importações e para que pudessem pagar o
menor valor possível em razão desse câmbio mais alto. O alto preço do
câmbio, além disso, operaria necessariamente como um imposto,
aumentando o preço dos bens estrangeiros e, desse modo, diminuindo
seu consumo. Portanto, em vez de aumentar, tenderia a diminuir aquilo
que eles chamam de balança comercial desfavorável, e,
consequentemente, a exportação de ouro e prata.389
Entretanto, da forma como estavam construídos, aqueles argumentos
conseguiram convencer as pessoas a quem se dirigiam, e eram dirigidos
dos comerciantes para o Parlamento e para os conselhos dos reis, para os
nobres e para os senhores rurais, isto é, daqueles que supostamente
entendiam de comércio para aqueles que, conscientemente, sabiam que
nada entendiam do assunto. Que o comércio estrangeiro enriqueceu o
país, a experiência mostrou aos nobres, aos senhores rurais e aos
comerciantes, mas como, ou de que maneira, nenhum deles sabia bem.
Os comerciantes sabiam perfeitamente como o comércio os havia
enriquecido. Esse conhecimento era o seu negócio. Mas não fazia parte
do seu negócio saber como isso enriquecia o país. O tema nunca fez parte
de suas considerações, exceto quando precisaram que seu país
modificasse algumas leis relacionadas ao comércio externo. Só então
houve a necessidade de se dizer algo sobre os efeitos benéficos do
comércio externo e sobre a maneira como aqueles efeitos eram
obstruídos pelas leis que vigoravam naquele momento. Os juízes que
decidiriam sobre o tema consideraram satisfatórias as explicações
oferecidas, pois lhes foi dito que o comércio exterior traria dinheiro para
o país, mas que as leis em questão dificultavam a entrada de grandes
somas. Em consequência, os argumentos produziram o efeito desejado.
Na França e na Inglaterra, a proibição de exportar ouro e prata ficou
confinada à moeda desses dois países. A exportação de moedas
estrangeiras e de lingotes foi liberada. Na Holanda e em alguns outros
lugares, essa liberdade foi estendida até mesmo para as moedas do país.
O governo deixou de dar atenção à proibição da exportação de ouro e
prata e passou a vigiar o equilíbrio da balança de comércio, pois
acreditava que era a única causa do aumento ou da diminuição desses
metais. Uma atenção infrutífera foi trocada por outra muito mais
intricada, muito mais embaraçosa e igualmente infrutífera. O título do
livro de Mun, “O tesouro da Inglaterra pelo comércio externo”,
transformou-se em uma máxima fundamental da economia política, não
só da Inglaterra, mas de todos os outros países mercantis. O comércio
interno ou doméstico, o mais importante de todos, o comércio em que
um capital igual proporciona o maior rendimento e cria o maior número
de empregos para as pessoas do país, era considerado apenas subsidiário
ao comércio exterior.390 Diziam que ele não trazia dinheiro para o país e
nem o levava para fora. O país, portanto, nunca se tornaria mais rico nem
mais pobre por meio do comércio interno, exceto na medida em que a
sua prosperidade ou decadência pudesse influenciar indiretamente a
situação do comércio exterior.
Um país que não tem minas próprias deve, sem dúvida, buscar seu
ouro e sua prata nos países estrangeiros, da mesma forma que um país
sem vinhedos próprios faz com o vinho. Não parece necessário, no
entanto, que a atenção do governo se volte mais para um objeto que para
o outro. Um país que tem meios para comprar vinho sempre terá o vinho
que deseja; e um país que tem meios para comprar ouro e prata nunca
ficará sem esses metais. Como todas as outras mercadorias, eles devem
ser comprados por um determinado preço e, já que eles são o preço de
todas as outras mercadorias, então todas as outras mercadorias são o
preço desses metais. Podemos então ter certeza absoluta de que a
liberdade comercial, sem que o governo dê qualquer atenção a isso,
sempre nos suprirá com o vinho que desejamos; e podemos ter a mesma
certeza absoluta de que também nos suprirá com todo o ouro e prata que
pudermos comprar ou utilizar, seja na circulação de nossas mercadorias,
seja em outros usos.391
A quantidade de mercadoria que o trabalho humano é capaz de
comprar ou produzir regula-se naturalmente de acordo com a demanda
efetiva de cada país ou de acordo com a demanda daqueles que estão
dispostos a pagar toda a renda, o trabalho e os lucros que devem ser
pagos para transformá-la e levá-la ao mercado. Mas nenhuma
mercadoria se autorregula mais facilmente ou mais exatamente de acordo
com essa demanda efetiva do que o ouro e a prata; pois, por conta do
pequeno volume e grande valor desses metais, nenhuma mercadoria
pode ser mais facilmente transportada de um lugar para outro; dos
lugares em que são baratas para os locais em que são caras; dos lugares
onde são excedentes para os locais em que são inferiores à demanda
efetiva. Por exemplo, caso ocorra na Inglaterra uma demanda efetiva por
uma quantidade adicional de ouro, um barco poderia trazer de Lisboa ou
de qualquer outro lugar possível 50 tuns de ouro; com essa quantidade
seria possível cunhar mais de 5 milhões de guinéus. Por outro lado, caso
haja uma demanda efetiva pelo mesmo valor em grãos, sua importação, a
5 guinéus por tun, exigiria 1 milhão de tuns em transporte, ou mil navios
de 1.000 tuns cada um. Nem mesmo todos os navios da marinha inglesa
seriam suficientes.
Quando, em qualquer país, a quantidade de ouro e prata importada
excede a demanda efetiva, não há vigilância estatal que consiga impedir a
sua exportação. As muitas leis sanguinárias da Espanha e de Portugal não
são capazes de manter seu ouro e sua prata em casa. As importações
contínuas de prata e ouro do Peru e do Brasil excedem a demanda efetiva
daqueles países e derrubam o preço dos metais a valores menores que os
de seus vizinhos. Se, pelo contrário, a quantidade de metais de qualquer
país ficar abaixo da demanda efetiva, de modo a elevar o seu preço acima
daquele praticado nos países vizinhos, o governo não precisará tomar
nenhuma medida para importá-los. E mesmo que o governo tivesse de
assumir a proibição de sua importação, ele não seria capaz de realizar tal
feito. Quando os espartanos possuíam meios para comprar esses metais,
desobedecia-se a todas as leis impostas por Licurgo para impedir a sua
entrada na Lacedemônia. As sanguinárias leis alfandegárias não são
capazes de impedir a importação dos chás das Companhias Holandesa e
Sueca da Índia Oriental, pois o chá delas é um pouco mais barato que o
da Companhia Britânica. Uma libra-peso de chá, no entanto, é cerca de
cem vezes o volume de um dos preços mais altos, 16 xelins, que
normalmente se paga em prata por ela; e mais de 2 mil vezes o volume do
mesmo preço em ouro e, consequentemente, seu contrabando é
proporcionalmente mais difícil.392
A facilidade de se transportar o ouro e a prata dos lugares onde
abundam para onde são demandados é parte da causa pela qual o preço
desses metais não está em flutuação contínua, como ocorre com a maior
parte das outras mercadorias, cujo volume não permite que sejam
facilmente transportadas de um mercado para outro, conforme os
mercados estejam sobreabastecidos ou subabastecidos delas. Na verdade,
o preço desses metais também está sujeito a variações, mas elas são
geralmente lentas, graduais e uniformes. Na Europa, por exemplo, supõe-
se — talvez sem um fundamento muito sólido — que, no decurso do
século passado e do presente, o valor dos metais foi diminuindo de forma
constante por conta das frequentes importações das Índias Ocidentais
espanholas. Mas, para se realizar uma mudança repentina no preço do
ouro e da prata para que eleve ou diminua imediatamente e de forma
perceptível o preço do dinheiro de todas as outras mercadorias, é preciso
que haja uma revolução comercial, tal como aquela gerada pela
descoberta da América.393
Se, não obstante tudo isso, faltassem ouro e prata em um momento
qualquer a um país que possua meios para comprá-los, haveria uma
quantidade de expedientes para substituí-los muito maior que as
existentes para a substituição de quaisquer outras mercadorias. Se há falta
de matérias-primas para as manufaturas, as atividades devem parar. Se há
falta de provisões, há fome generalizada. Mas, não havendo dinheiro, é
possível substituí-lo pelo escambo, mesmo que este traga consigo muitas
inconveniências. A compra e a venda a crédito, tendo diferentes
comerciantes que compensem seus créditos uns com os outros uma vez
por mês ou uma vez por ano, seriam uma substituição com menos
inconveniências. O papel-moeda bem regulamentado poderia substituí-
lo, livrando-se das inconveniências e ganhando algumas vantagens. De
todo modo, portanto, a atenção do governo nunca foi tão desnecessária
como quando é empregada para vigiar a preservação ou o aumento da
quantidade de ouro e prata em qualquer país.
No entanto, não há reclamação mais comum do que a da escassez de
dinheiro. O dinheiro, assim como o vinho, sempre será escasso a quem
não tem meios para comprá-lo nem crédito para tomá-lo emprestado. A
quem possui os dois raramente faltará o dinheiro ou o vinho que deseja.
Entretanto, a reclamação de falta de dinheiro nem sempre se restringe
aos gastadores imprudentes. Ela, às vezes, é feita por toda uma cidade
mercantil e sua zona rural. Uma de suas causas comuns é o excesso de
transações comerciais. Assim, como os pródigos cujas despesas são
desproporcionais aos rendimentos, as pessoas prudentes com
empreendimentos desproporcionais aos seus capitais estão igualmente
propensas a não ter nem meios para comprar dinheiro nem crédito para
tomá-lo emprestado. Antes mesmo de seus projetos começarem a dar
frutos, seu capital já acabou, e, junto com ele, o seu crédito. Recorrem a
todos os lugares em busca de dinheiro emprestado, mas só ouvem
recusas daqueles que dizem nada ter. Mesmo essas queixas gerais da
escassez de dinheiro nem sempre provam que o número habitual de
moedas de ouro e prata não está circulando no país, mas, sim, que muitas
pessoas querem aquelas moedas, mesmo nada tendo para dar em troca.
Há um erro muito comum entre pequenos e grandes comerciantes
sempre que os lucros do comércio são maiores do que o ordinário: o
excesso de negócios. Eles nem sempre enviam mais dinheiro ao exterior
do que o habitual, mas, tanto em seu país quanto no exterior, eles
compram a crédito uma quantidade incomum de mercadorias e as
enviam para algum mercado distante na esperança de que os retornos
financeiros ocorram antes de precisarem pagar pelo crédito. Mas o prazo
de pagamento de seus créditos ocorre antes dos retornos, e, assim, eles
nada têm em mãos para poder comprar dinheiro ou para oferecer como
boa garantia para um empréstimo. A queixa generalizada de falta de
dinheiro não está ligada à escassez de ouro e prata, mas à dificuldade das
pessoas para tomar dinheiro emprestado e de seus credores para começar
a receber seus pagamentos; tudo isso gera uma queixa generalizada de
escassez de dinheiro.
Seria bastante ridículo tentar provar de forma séria que a riqueza não
consiste em dinheiro ou em ouro e prata, mas naquilo que o dinheiro
pode comprar, e seu único valor é poder comprar. Não há dúvida de que
o dinheiro é parte do capital nacional; mas já foi demonstrado que, em
geral, é uma parte pequena e sempre a menos rentável.394
O comerciante geralmente considera mais fácil comprar bens com
dinheiro do que comprar dinheiro com bens; não porque, em sua
essência, a riqueza consista mais em dinheiro do que em bens, mas
porque o dinheiro é o instrumento comercial conhecido e estabelecido,
por meio do qual se dá a troca imediata de quaisquer bens, mas que nem
sempre pode, com a mesma presteza, ser obtido em troca de quaisquer
bens. Além disso, já que a maior parte dos bens é mais perecível do que o
dinheiro, a sua manutenção pode resultar em uma perda muito maior.
Quando o comerciante tem seus bens em mãos, há maior possibilidade
de que seja cobrado pelo dinheiro que não tem do que quando ele já
recebeu pelas mercadorias vendidas. Além de tudo isso, seu lucro direto
provém mais da venda do que da compra, e, por todos esses motivos, ele
geralmente está mais ansioso em trocar seus bens por dinheiro que seu
dinheiro por bens. Mas, embora um comerciante qualquer que tenha um
grande estoque de bens em seu armazém possa, às vezes, falir por não ser
capaz de vendê-los a tempo, uma nação ou país não está exposto a tal
evento. A integralidade do capital de um comerciante costuma ser
formada por bens perecíveis destinados à compra de dinheiro, isto é, a
ser trocados por dinheiro. Mas apenas uma parte muito ínfima do
produto anual da terra e do trabalho de um país está reservada para
comprar o ouro e a prata de seus vizinhos. A maior parte circula e é
consumida dentro do país; e mesmo em relação ao excedente que é
enviado ao exterior, sua parte maior destina-se geralmente para a compra
de outros bens estrangeiros. Portanto, embora não seja possível obter o
ouro e a prata por meio da troca dos bens destinados a comprá-los, a
nação não iria à bancarrota. De fato haveria perdas e inconvenientes, e o
país seria forçado a adotar algumas medidas necessárias para suprir a
falta de dinheiro. O produto anual da terra e do trabalho, no entanto,
seria, como de costume, igual ou quase igual, pois o mesmo ou quase o
mesmo capital consumível seria utilizado em sua manutenção. E embora
os bens nem sempre consigam atrair dinheiro tão rapidamente quanto o
dinheiro atrai bens, no longo prazo os bens atraem o dinheiro mais do
que o dinheiro os atrai. Além de comprar dinheiro (isto é, ser trocado
por dinheiro), os bens podem ter muitas outras finalidades, mas o
dinheiro possui apenas uma finalidade: a compra de bens. Assim, é o
dinheiro que necessariamente corre atrás dos bens; os bens nem sempre
nem necessariamente correm atrás do dinheiro. Quem compra um bem
nem sempre pretende revendê-lo, mas o compra para usá-lo ou consumi-
lo; enquanto quem vende sempre pretende comprar novamente. O
primeiro pode ter realizado a integralidade de seu negócio, mas o
segundo não terá realizado mais de metade de sua atividade. As pessoas
não desejam dinheiro pelo próprio dinheiro, mas pelos bens que podem
ser comprados com ele.
Dizem que as mercadorias consumíveis são rapidamente destruídas,
mas que o ouro e a prata são de uma natureza mais durável e, não fosse
sua constante exportação, poderiam ser acumulados por várias eras, o
que traria um aumento incrível à riqueza real do país. Afirma-se, assim,
que nada pode ser mais desvantajoso para qualquer país do que o
comércio que consiste na troca de um bem duradouro por mercadorias
perecíveis.395 No entanto, ninguém considera desvantajosa a troca de
ferramentas e objetos metálicos ingleses por vinhos franceses; lembremos
que esses objetos são mercadorias bastante duráveis e, não fosse por sua
constante exportação, também teria sido possível acumulá-los durante
eras, o que traria um aumento incrível dos potes e panelas do país. Mas
sabemos que, nos diferentes países, a quantidade desses utensílios limita-
se necessariamente pelo uso que há para eles; que seria absurdo ter mais
potes e panelas do que a quantidade necessária para cozinhar os
alimentos que normalmente são consumidos ali; e que, se a quantidade
de víveres aumentasse, o número de potes e panelas aumentaria
prontamente junto com ela e uma parte da quantidade aumentada de
víveres seria utilizada para comprar esses objetos ou para manter um
número adicional de trabalhadores cuja atividade comercial seria
produzi-los. De forma igualmente rápida, devemos compreender que a
quantidade de ouro e de prata de cada país limita-se pelo uso que há para
esses metais; na forma de moedas, seu uso consiste em fazer circular
mercadorias e, na forma de prataria, seu uso compõe uma espécie de
mobiliário doméstico; que a quantidade de moeda de cada país é
regulada pelo valor das mercadorias que circulam por meio das moedas:
aumente esse valor e uma parte delas será imediatamente enviada ao
exterior para comprar, onde quer que seja, a quantidade adicional de
moedas necessárias para manter a circulação dos bens; que a quantidade
da prataria é regulada pelo número e pela riqueza das famílias que
desejam gastar com esses luxos: aumente o número e a riqueza dessas
famílias, e uma parte dessa riqueza aumentada será provavelmente
utilizada para comprar mais prataria onde quer que seja encontrada; que
tentar aumentar a riqueza de qualquer país, quer introduzindo ou
mantendo nele uma quantidade desnecessária de ouro e prata, é tão
absurdo como tentar aumentar o sustento das famílias obrigando-as a
manter um número desnecessário de utensílios de cozinha. Assim como
a compra de utensílios desnecessários diminuiria em vez de aumentar a
quantidade ou a qualidade das provisões da família, a compra de uma
quantidade desnecessária de ouro e prata também diminuiria
necessariamente em todo país a riqueza que alimenta, veste e aloja, a
riqueza que sustenta e emprega as pessoas. Devemos lembrar que o ouro
e a prata, seja na forma de moeda ou de prataria, são utensílios tanto
quanto o mobiliário da cozinha. Se aumentarmos o seu uso e se
aumentarmos as mercadorias consumíveis que devem ser postas em
circulação, administradas e transformadas por meio do ouro e da prata,
então a sua quantidade será infalivelmente aumentada; mas se, por meios
extraordinários, tentarmos aumentar essa quantidade, o seu uso e até
mesmo a sua quantidade — que nunca pode ser maior que a requerida
por seu uso — também serão infalivelmente diminuídos. Quando sua
acumulação ultrapassa a quantidade de seu uso, o seu transporte é tão
fácil e a perda causada por sua ociosidade é tão grande que nenhuma lei
pode impedir o seu imediato envio para fora do país.
Nem sempre é necessário acumular ouro e prata para que um país
possa realizar guerras estrangeiras e manter suas armadas e seus exércitos
em países distantes. Armadas e exércitos não são mantidos com ouro e
prata, mas com bens consumíveis. Toda nação que tenha meios para
comprar bens consumíveis em países distantes — obtidos a partir do
produto anual de sua indústria doméstica, a partir do rendimento anual
decorrente de suas terras, seu trabalho e estoque de consumíveis — é
capaz de manter guerras estrangeiras naqueles países.
Há três maneiras para que uma nação obtenha os pagamentos e as
provisões de um exército que esteja estacionado em um país distante:
enviar uma fração de seu ouro e prata ao exterior ou, em segundo lugar,
enviar parte do produto anual de suas manufaturas, ou, em último lugar,
enviar alguma parte de sua matéria-prima anual.
O ouro e a prata considerados como corretamente acumulados ou
armazenados em um país podem ser divididos em três partes: o dinheiro
circulante, a prataria das famílias e o dinheiro coletado por muitos anos
de parcimônia e aplicado no tesouro real.
É raro que muito possa ser economizado do dinheiro circulante do
país, pois nele quase nunca há excessos. O valor dos bens comprados e
vendidos anualmente em qualquer país requer uma certa quantidade de
dinheiro para que as mercadorias possam circular e ser distribuídas para
as pessoas que as irão consumir, e não há possibilidade de aplicar mais do
que isso. A soma necessariamente atraída para o canal de circulação é
suficiente para o seu preenchimento, e nada além disso é admitido. No
entanto, costuma-se sacar algo desse canal quando há guerras com outros
países. O sustento de um grande número de pessoas no exterior diminui
o número de pessoas sustentadas no próprio país. Há um número menor
de bens circulando no país, e uma quantidade menor de dinheiro torna-
se necessária para circulá-los. Nessas ocasiões, costuma-se emitir uma
grande quantidade de algum tipo de papel-moeda, tais como notas do
tesouro, letras da marinha e letras bancárias da Inglaterra; assim, essa
substituição do ouro e da prata em circulação possibilita o envio de uma
maior quantidade desses metais ao exterior. Tudo isso, no entanto,
poderia resultar em poucos recursos para a manutenção de uma guerra
estrangeira cara e de longa duração.396 Ainda mais insignificante é o
derretimento da prataria das famílias. No início da última guerra, a
vantagem auferida pelos franceses por meio desse recurso não
compensou a perda daqueles objetos.
Em épocas anteriores, os tesouros acumulados pela coroa
proporcionavam recursos muito maiores e mais duradouros. Nos tempos
atuais, com exceção da coroa prussiana, o acúmulo de tesouros parece
não mais fazer parte da política dos monarcas europeus.
Os fundos que sustentaram as guerras estrangeiras do atual século,
talvez as mais caras já registradas pela história, parecem ter dependido
muito pouco das exportações de moeda circulante, da prataria das
famílias ou do tesouro dos monarcas. A última guerra francesa custou à
Grã-Bretanha mais de 90 milhões de libras, incluindo não só os 75
milhões em novas dívidas, mas também o imposto territorial adicional de
2 xelins por libra397 e o valor anualmente retirado do fundo de
amortização de empréstimos. Mais de 2/3 desses gastos foram realizados
em países distantes: Alemanha, Portugal, América, nos portos do
Mediterrâneo, nas Índias Orientais e Ocidentais. A coroa inglesa não
possuía tesouro acumulado. Nunca ouvimos falar sobre nenhuma
fundição de uma grande quantidade de prataria. Supõe-se que o ouro e a
prata em circulação no país não superassem o valor de 18 milhões de
libras. Acredita-se, no entanto, que o ouro tenha sido bastante
subestimado desde a sua última recunhagem. Portanto, de acordo com os
cálculos mais exagerados que me lembro de ter visto ou ouvido falar,
vamos supor que o ouro e a prata juntos tenham atingido 30 milhões de
libras. Se fosse dada continuidade à guerra com nosso dinheiro, a soma
total, mesmo de acordo com esse cálculo exagerado, teria sido enviada
para fora do país e a ele retornado pelo menos duas vezes num período
de seis a sete anos. Com essa suposição em mente, teríamos o argumento
mais decisivo para demonstrar a inutilidade de o governo cuidar da
preservação do dinheiro (acumulação e guarda), já que, por essa
suposição, todo o dinheiro do país foi enviado para fora e a ele retornou
— duas vezes em um período muito curto — sem que ninguém soubesse
nada sobre o assunto. No entanto, durante o período, o canal de
circulação não esteve mais vazio do que o habitual em nenhum
momento, pois sempre havia dinheiro para quem tivesse algo para dar
por ele. De fato, os lucros do comércio exterior foram maiores do que o
usual durante toda a guerra, especialmente no final. Isso gerou o que
sempre gera, um excesso generalizado de transações comerciais em todos
os portos da Grã-Bretanha; e isso novamente gerou a costumeira
reclamação sobre escassez de dinheiro, algo que sempre ocorre após um
período de excesso de transações comerciais. Muitas pessoas queriam
dinheiro, mas não tinham nem meios para obtê-lo nem crédito para
tomá-lo emprestado; e, já que os devedores não estavam conseguindo
tomar emprestado, os credores não conseguiam obter seus pagamentos.
Por seu valor, ouro e prata, entretanto, eram geralmente aceitos por quem
tivesse algo de mesmo valor para entregar.
As enormes despesas da última guerra, portanto, devem ter sido
pagas principalmente com a exportação de algum tipo de mercadoria
britânica, não com ouro e prata. Quando o governo ou aqueles que o
representam contratavam um comerciante para o envio a um país
estrangeiro qualquer, eles naturalmente se esforçavam para pagar a letra
ou nota previamente emitida a seu correspondente estrangeiro, enviando
para o exterior mercadorias em vez de ouro e prata. Caso não houvesse
demanda, naquele país, pelas mercadorias da Grã-Bretanha, o
comerciante as enviava para algum outro país de quem pudesse comprar
uma letra ou nota pagável ao primeiro país. O transporte das
mercadorias apropriadas ao mercado é sempre realizado com um bom
lucro, mas este é quase inexistente no transporte de ouro e prata. Quando
esses metais são enviados para o exterior para a compra de mercadorias,
o comerciante não lucra com a compra, mas com a venda dos produtos
importados. Mas quando os metais são enviados para o exterior apenas
para pagar uma dívida, não há produtos e, consequentemente, nenhum
lucro. Desse modo, ele usa sua criatividade para descobrir uma maneira
de pagar suas dívidas estrangeiras mais pela exportação de mercadorias
que pelo envio de ouro e prata. Foi por isso que o autor de The Present
State of the Nation (O estado atual da nação inglesa) notou a grande
quantidade de bens britânicos exportados durante o curso da última
guerra sem que houvesse contrapartida em bens importados.
Além dos três usos de ouro e prata anteriormente mencionados, há
em todos os grandes países mercantis uma boa quantidade de lingotes
que são alternadamente importados e exportados para fins de comércio
exterior. Já que o lingote circula em diferentes países mercantis da mesma
forma como a moeda nacional de cada país circula em suas próprias
fronteiras, podemos considerá-lo como a moeda da grande república
mercantil. As mercadorias que circulam dentro de cada país específico
geram o movimento e dão a direção da moeda nacional; a moeda da
república mercantil os recebe das mercadorias que circulam entre
diversos países.398 As duas moedas são utilizadas para facilitar as trocas,
a primeira entre diferentes indivíduos de uma mesma nação, a segunda
entre os indivíduos de nações diversas. Parte do dinheiro da grande
república mercantil pode ter sido utilizada (e provavelmente o foi) para a
realização da última guerra. Em períodos de guerra generalizada, é
natural supor que se daria à moeda da república mercantil um
movimento e uma direção diferentes do que geralmente sucede em
períodos de grande paz; e também que circularia mais em torno da
região em guerra, e seria mais empregada em comprar, ali e nos países
vizinhos, o pagamento e as provisões dos vários exércitos. Mas,
independentemente da quantidade de moeda da república mercantil que
a Grã-Bretanha utilizasse anualmente desse modo, esta deveria ser
comprada com mercadorias britânicas ou com quaisquer outras coisas
compradas com elas, levando-nos de volta às mercadorias, ao produto
anual da terra e do trabalho do país, como os recursos últimos que nos
permitiram dar continuidade à guerra. Na verdade, é natural supor que
uma despesa anual tão elevada tenha sido custeada por um produto
anual superior. As despesas de 1761, por exemplo, chegaram a mais de 19
milhões de libras. Nenhuma acumulação teria sido capaz de suportar um
gasto anual tão elevado. Nenhum produto anual, nem mesmo de ouro e
de prata, seria capaz de suportá-lo. De acordo com os melhores relatos, o
total de ouro e prata importado anualmente pela Espanha e por Portugal
não costuma exceder muito mais de 6 milhões de libras esterlinas, que,
em certos anos, seriam insuficientes para o pagamento das despesas de
quatro meses da última guerra.
As mercadorias mais adequadas para o transporte a países distantes
parecem ser as manufaturas mais refinadas e aprimoradas, que contêm
muito valor em um volume pequeno e que, consequentemente, podem
ser exportadas a grandes distâncias com pequenas despesas; tais
mercadorias serão utilizadas para, naqueles países, comprar os
pagamentos e as provisões de um exército ou para obter alguma porção
da moeda da república mercantil para ser empregada na compra deles.
Um país cuja indústria produz um grande excedente anual dessas
manufaturas, as quais são, em geral, exportadas para países estrangeiros,
pode dar continuidade por vários anos a uma guerra estrangeira muito
cara, mesmo que não exporte grandes quantidades de ouro e prata ou
que não possua tais metais para exportar. Nesse caso, uma parte
considerável do excedente anual de suas manufaturas é certamente
exportada, sem trazer retornos para o país, embora os traga para o
comerciante; pois o governo compraria do comerciante letras emitidas
por países estrangeiros para neles poder realizar o pagamento dos soldos
e das provisões de um exército. Parte desse excedente, entretanto, ainda
pode trazer algum retorno ao país exportador. Durante a guerra, os
fabricantes deverão atender a uma dupla demanda: em primeiro lugar,
serão chamados para produzir bens de exportação utilizados para pagar
as letras de câmbio emitidas nos países estrangeiros, as quais servem para
pagar os soldos e as provisões dos exércitos; e, em segundo lugar, para
produzir o que for necessário para poder comprar as mercadorias
comuns de retorno que são geralmente consumidas no país. A maior
parte das manufaturas, consequentemente, costuma crescer muito em
meio à mais destrutiva guerra estrangeira; e, pelo contrário, podem
entrar em declínio com a volta da paz. Eles podem crescer em meio à
ruína de seu país e começar a declinar com a volta de sua prosperidade.
Durante a última guerra e por algum tempo após a restituição da paz, os
diversos estágios de desenvolvimento dos diversos ramos das
manufaturas inglesas podem servir como ilustração do que acabamos de
dizer. Nenhuma guerra estrangeira cara e duradoura poderia ser
convenientemente realizada apenas por meio da exportação da matéria-
prima do solo. Os custos do envio a um país estrangeiro de uma
quantidade de matéria-prima que fosse suficiente para pagar os soldos e
as provisões de um exército seriam demasiadamente elevados. Além
disso, poucos países produzem mais matérias-primas do que o que é
suficiente para a subsistência de seus próprios habitantes. Assim,
exportar uma grande quantidade delas seria como enviar para o exterior
uma parte da subsistência necessária da população. A exportação de
manufaturas segue uma lógica inversa. O valor do sustento das pessoas
empregadas nas manufaturas é mantido internamente; exporta-se apenas
a parte excedente do trabalho delas. O senhor Hume costuma notar a
incapacidade que os antigos reis da Inglaterra tinham para dar
continuidade, sem interrupções, a quaisquer guerras estrangeiras de
longa duração. Naqueles tempos, os únicos meios de que os ingleses
dispunham para realizar o pagamento dos soldos e a compra das
provisões de seus exércitos em países estrangeiros eram as matérias-
primas de seu solo, cuja integralidade era consumida internamente, ou
então as mais grosseiras manufaturas, cujo transporte era tão caro quanto
o das matérias-primas. Essa incapacidade não decorre da falta de
dinheiro, mas da falta de manufaturas mais refinadas e aprimoradas. As
compras e vendas naquela época ocorriam por meio de dinheiro na
Inglaterra, da mesma forma como ocorre hoje. Da mesma forma que
acontece atualmente, a quantidade de moeda circulante deveria manter,
naqueles tempos, sempre a mesma proporção com o número e o valor
das compras e das vendas que eram normalmente realizadas; ou melhor,
deveriam guardar uma proporção maior, pois ainda não existia o papel-
moeda, que, hoje em dia, substitui grande parte do uso do ouro e da
prata. Os soberanos daquelas nações com pouco comércio e manufaturas,
por razões que serão explicadas a seguir, raramente conseguem obter
muita ajuda de seus súditos nessas ocasiões extraordinárias. Em geral,
esses países são aqueles em que o soberano se esforça para acumular
tesouros como o único recurso útil em tais emergências.
Independentemente dessa necessidade, sua situação naturalmente os
dispõe à parcimônia que é necessária para a acumulação. Nesse estágio,
as despesas, mesmo do soberano, não são ditadas pela vaidade que se
compraz com a elegância espalhafatosa de uma corte, mas é empregada
nos subsídios que oferece a seus arrendatários e na hospitalidade a seus
dependentes. Ora, os subsídios e a hospitalidade raramente conduzem à
extravagância; mas a vaidade quase sempre o faz. Portanto, todo chefe
tártaro tem um tesouro. Dizem que os tesouros de Mazepa,399 chefe dos
cossacos na Ucrânia e famoso aliado de Carlos XII,400 eram muitos.
Dentre os franceses, todos os reis da dinastia merovíngia tinham
tesouros. Quando dividiam seu reino entre seus vários filhos, eles
também dividiam seus tesouros. Os príncipes saxões e os primeiros reis
após a conquista [normanda, em 1066] também parecem ter acumulado
tesouros. A apreensão do tesouro do rei anterior costumava ser o
primeiro ato de todo novo reinado como medida essencial para garantir a
sucessão. Os soberanos dos países mercantis desenvolvidos não têm a
mesma necessidade de acumular tesouros, porque, em ocasiões
extraordinárias, eles geralmente podem obter ajudas extraordinárias de
súditos. Assim, estão menos dispostos à acumulação de tesouros.
Naturalmente, talvez necessariamente, seguem a moda dos tempos, e
suas despesas vêm a ser reguladas pelas mesmas vaidades extravagantes
que ditam as despesas de todos os outros grandes proprietários em seus
domínios. A pompa insignificante de sua corte vai se tornando cada dia
mais abrilhantada; além de as despesas com esse tipo de gasto impedirem
a acumulação, frequentemente invadem os fundos destinados a despesas
mais necessárias. Pode-se dizer de muitos monarcas europeus o mesmo
que Dercílidas401 disse da corte da Pérsia: ali se vê muito esplendor, mas
pouca força, e muitos servos, mas poucos soldados.
A importação de ouro e prata não é o principal, muito menos o único
benefício que uma nação deriva de seu comércio exterior. Esse comércio
oferece duas vantagens a todas as partes que dele fazem uso. Ele retira do
país o excedente do produto da terra e do trabalho para o qual inexiste
demanda interna e, em troca, traz mercadorias demandadas. O comércio
exterior valoriza os bens supérfluos, pois os troca por alguma outra
mercadoria que possa satisfazer uma parte de suas necessidades e
aumentar sua satisfação. Por meio do comércio exterior, os pequenos
limites do mercado doméstico não impedem que a divisão do trabalho
alcance a mais alta perfeição em todos os ramos dos ofícios ou das
manufaturas. Ao abrir um mercado mais amplo para qualquer parte do
produto do trabalho que exceda o consumo doméstico, o comércio
exterior incentiva o país a melhorar sua capacidade produtiva e a elevar
seu produto anual ao máximo e, desse modo, a aumentar o rendimento e
a riqueza reais da sociedade.402 O comércio exterior presta
constantemente esses grandes e importantes serviços a todos os países
entre os quais ele é realizado. Todos eles são bastante beneficiados pelo
comércio exterior, mas o maior benefício geralmente cabe ao país de
residência do comerciante, pois ele, em geral, supre mais as necessidades
e retira mais os supérfluos de seu próprio país do que de outro qualquer.
Não há dúvida de que faz parte das atividades do comércio exterior a
importação de ouro e prata que podem ser necessários aos países que não
possuem minas. É, no entanto, uma parte bastante insignificante. Um
país que conduzisse seu comércio exterior somente em razão desses
metais mal teria a oportunidade de fretar um navio em um século.
Não foi por meio da importação de ouro e prata que a descoberta da
América enriqueceu a Europa. Por causa da abundância das minas
americanas, esses metais se tornaram mais baratos. Atualmente, uma
baixela de prata pode ser comprada por aproximadamente um terço dos
cereais, ou um terço do trabalho que teria custado no século XV. Com a
mesma quantidade anual de trabalho e de mercadorias, a Europa pode
comprar uma quantidade anual de prataria cerca de três vezes maior do
que poderia ter comprado naquela época. Mas quando uma mercadoria
passa a ser vendida a um terço a menos que seu preço usual, além de as
pessoas que antes a compravam poderem comprar uma quantidade três
vezes maior dela, um número muito maior de compradores passa a ter a
possibilidade de comprá-la; talvez mais de dez, talvez mais de vinte vezes
o número anterior de compradores. Por isso é possível que, atualmente,
haja na Europa não apenas três vezes mais prata, mas vinte ou trinta
vezes a quantidade que — mesmo em seu estado atual de
desenvolvimento — haveria se as minas americanas não houvessem sido
descobertas. Sem dúvida, a Europa obteve uma verdadeira vantagem,
mesmo que, certamente, uma vantagem bastante insignificante.
O baixo preço do ouro e da prata torna esses metais um pouco menos
adequados que antes para as finalidades monetárias. Para que possamos
fazer as mesmas compras de antes, deveremos carregar conosco uma
quantidade maior de metais; carregaríamos cerca de 1 xelim em nosso
bolso quando, anteriormente, um groat403 teria sido suficiente. É difícil
dizer o que é mais insignificante, esse inconveniente ou a conveniência
oposta. Nenhum dos dois seria capaz de causar alguma grande mudança
na situação da Europa. A descoberta da América, no entanto, certamente
causou mudanças essenciais. A abertura de um mercado novo e
inesgotável para todas as mercadorias da Europa ocasionou novas
divisões de trabalho e desenvolvimentos dos ofícios, algo que nunca
ocorreria no estreito círculo do antigo comércio por falta de um mercado
para onde enviar a maior parte de seus produtos. As forças produtivas do
trabalho foram aprimoradas, e seu produto aumentou em todos os países
da Europa; junto com ele, as rendas e riquezas reais de seus habitantes. As
mercadorias da Europa eram quase todas novas para a América, e muitas
das mercadorias da América eram novas para a Europa. Assim, começou
a ser estabelecido um novo conjunto de trocas nunca antes imaginado e
que, naturalmente, deveria mostrar-se tão vantajoso para o novo
continente quanto certamente o era para o velho. A injustiça selvagem
dos europeus transformou um evento que deveria ter sido bom para
todos em algo ruinoso e destrutivo para vários desses países infelizes.
A descoberta de uma passagem para as Índias Orientais pelo Cabo da
Boa Esperança, que aconteceu mais ou menos na mesma época, talvez
tenha dado ao comércio exterior uma amplitude maior que a da América,
não obstante a distância maior. Na América, apenas duas nações eram
superiores aos selvagens; elas foram destruídas pouco depois de terem
sido descobertas. O resto do continente era formado por meros
selvagens. Mas, nas Índias Orientais, os impérios da China, do
Hindustão, do Japão e vários outros, mesmo não possuindo minas mais
ricas de ouro ou prata, eram em todos os outros aspectos muito mais
ricos, mais bem cultivados e mais avançados em todos os ofícios e
manufaturas do que o México ou o Peru, ainda que déssemos crédito ao
que claramente não merece nenhum, isto é, os relatos exagerados dos
escritores espanhóis sobre o antigo estado daqueles impérios. Mas as
nações ricas e civilizadas sempre podem trocar valores muito mais altos
entre si do que com selvagens e bárbaros. No entanto, até o momento, a
Europa tem obtido muito menos vantagens em seu comércio com as
Índias Orientais do que no realizado com a América. Os portugueses
monopolizaram o comércio das Índias Orientais por cerca de um século;
e, por isso, as outras nações da Europa somente podiam enviar ou receber
quaisquer mercadorias das Índias de forma indireta e por intermédio
deles. Quando os holandeses, no início do século passado, começaram a
infringir o monopólio português, eles confiaram todo o comércio da
Índia Oriental a uma companhia exclusiva. Os ingleses, franceses, suecos
e dinamarqueses seguiram o exemplo e, desse modo, nenhuma grande
nação na Europa conseguiu até agora obter o benefício de um comércio
livre com as Índias Orientais. Não há que se buscar outro motivo para
esse comércio nunca ter sido tão vantajoso como o comércio realizado
com a América, pois, entre quase todas as nações da Europa e suas
colônias, este comércio é livre para todos os seus súditos. Os privilégios
exclusivos dessas companhias da Índia Oriental, suas grandes riquezas,
os favores e proteção que recebem de seus respectivos governos, têm
gerado muitos ressentimentos contra elas. Soma-se a esse ressentimento
o costume de ver o comércio das companhias como algo totalmente
pernicioso, devido às grandes quantidades de prata exportadas
anualmente dos países que realizam o comércio com a Índia Oriental. As
partes interessadas responderam que o seu comércio, por essa contínua
exportação de prata, poderia, de fato, tender a empobrecer a Europa em
geral, mas não o país exportador; pois, pela reexportação de uma parte
das mercadorias da Índia Oriental a outros países europeus, a entrada
anual de prata no país exportador era maior que sua saída. Tanto a
objeção quanto a resposta fundamentam-se na ideia popular que estive
examinando até o momento. É, portanto, desnecessário falar mais sobre o
assunto. Por causa da exportação anual de prata às Índias Orientais, o
valor da prataria provavelmente manteve-se um pouco mais alto na
Europa do que estaria em outro caso; e a prata cunhada é provavelmente
capaz de comprar uma maior quantidade de trabalho e mercadorias. A
primeira é uma perda muito pequena, e a última, uma vantagem muito
pequena; ambas são muito insignificantes para merecerem qualquer
consideração pública. Ao abrir um mercado para as mercadorias da
Europa, ou, o que dá na mesma coisa, para o ouro e a prata que são
comprados com essas mercadorias, o comércio com as Índias Orientais
tende obrigatoriamente a aumentar a produção anual de mercadorias
europeias e, consequentemente, suas riquezas e rendimentos reais. Isso
ter ocorrido muito pouco até o momento deve-se provavelmente às
restrições impostas a tal comércio em todos os lugares.
Mesmo correndo o perigo de ser tedioso, considero necessário
examinar de forma completa a noção popular de que a riqueza é formada
pelo dinheiro, ou seja, por ouro e prata. Conforme já observei, dinheiro
costuma ser sinônimo de riqueza na linguagem comum; e essa
ambiguidade da expressão se tornou tão familiar para nós que até mesmo
as pessoas que entendem o absurdo da noção tendem a esquecer seus
próprios princípios; no decorrer de seus raciocínios, acabam aceitando a
noção como uma verdade certa e inegável. Alguns dos melhores autores
ingleses que escrevem sobre comércio iniciam seus trabalhos com a
observação de que a riqueza de um país não consiste apenas em seu ouro
e sua prata, mas em suas terras, casas e todos os tipos de bens de
consumo. Ao discorrerem sobre suas linhas de raciocínio, no entanto, as
terras, as casas e bens de consumo parecem desaparecer de suas mentes, e
a série de argumentos que usam costuma levar à suposição de que toda a
riqueza consiste em ouro e prata, e que a multiplicação desses metais é o
grande objetivo do trabalho e do comércio nacionais.
Com o estabelecimento desses dois princípios — a saber, que a
riqueza consistia em ouro e prata e que esses metais poderiam ser
trazidos para um país sem minas apenas por meio da balança comercial,
ou exportando-se mais do que se importa —, a diminuição máxima das
importações de bens estrangeiros para consumo interno e o aumento
tanto quanto possível da exportação dos produtos da indústria doméstica
tornaram-se obrigatoriamente o grande objetivo da economia política.
Como consequência, suas duas grandes ferramentas para enriquecer o
país foram as restrições sobre a importação e os incentivos à
exportação.404
As restrições à importação eram de dois tipos.
Primeiro, as restrições à importação — de qualquer país de origem —
daquelas mercadorias estrangeiras para consumo interno que podiam ser
produzidas domesticamente.
Segundo, as restrições à importação de quase todos os tipos de
mercadoria daqueles países em que a balança comercial era
supostamente desvantajosa.
As restrições podiam ser materializadas por meio de altos impostos
de importação ou por proibições absolutas da importação.
O incentivo à exportação ocorria por meio de drawbacks, de
subsídios, de tratados comerciais vantajosos com estados estrangeiros,
ou, ainda, pelo estabelecimento de colônias em países distantes.
Os drawbacks eram concedidos em duas ocasiões: quando as
manufaturas domésticas estavam sujeitas a impostos ou taxas, todo o
tributo, ou uma parte dele, era frequentemente devolvido no momento
de sua exportação; e quando as mercadorias estrangeiras que estavam
sujeitas a impostos eram importadas para ser novamente exportadas,
todo o tributo, ou uma parte dele, poderia ser devolvido no momento da
exportação.
Os subsídios eram dados para incentivar algumas manufaturas em
estágio inicial ou outros tipos de trabalho que, supostamente,
mereceriam certo favor particular.
Por meio de tratados comerciais vantajosos, buscava-se adquirir de
algum Estado estrangeiro certos privilégios específicos, superiores aos
daqueles que eram concedidos a todos os outros países, para suas
mercadorias e seus comerciantes.
Por meio do estabelecimento de colônias em países distantes, não se
buscavam apenas privilégios específicos, mas costumava-se obter um
monopólio para os bens e os comerciantes do país que os estabelecia.
Os dois tipos de restrição sobre a importação e os quatro tipos de
incentivo à exportação anteriormente mencionados constituem os seis
principais meios pelos quais o sistema comercial propõe aumentar a
quantidade de ouro e prata de uma nação, fazendo com que sua balança
comercial se torne favorável. Analisarei cada um deles em um capítulo
particular e, sem levar muito mais em consideração a suposta tendência
que possuem para trazer dinheiro ao país, examinarei principalmente os
prováveis efeitos de cada um deles sobre o produto anual da indústria
nacional. Eles devem tender evidentemente a aumentar ou diminuir a
riqueza e o rendimento reais do país, de acordo com sua tendência a
aumentar ou diminuir o valor do produto anual.

CAPÍTULO II
RESTRIÇÕES SOBRE A IMPORTAÇÃO DE MERCADORIAS
QUE PODEM SER PRODUZIDAS DOMESTICAMENTE
Ao restringir-se a importação — seja por meio de tributos elevados ou
por meio de proibições absolutas — daqueles bens estrangeiros que
podem ser produzidos domesticamente, garante-se mais ou menos o
monopólio do mercado doméstico ao trabalho que o próprio país
emprega para produzi-los. Assim, ao proibir-se a importação de bovinos
vivos ou de carnes salgadas, garante-se aos pecuaristas da Grã-Bretanha o
monopólio do mercado doméstico de carne. Os altos tributos sobre a
importação de cereais, que em períodos de abundância moderada
equivalem a uma proibição, oferecem uma vantagem semelhante aos
produtores de cereal. A proibição da importação de artigos de lã
estrangeiros é igualmente favorável aos lanifícios. A manufatura da seda,
embora realizada totalmente com materiais estrangeiros, tem recebido
recentemente a mesma vantagem. A manufatura do linho ainda não
ganhou essas vantagens, mas faz grandes avanços nessa direção. Na Grã-
Bretanha, muitos outros tipos de produtores manufatureiros têm, da
mesma forma, obtido um monopólio total ou quase total contra seus
compatriotas. A variedade de bens cuja importação para a Grã-Bretanha
é proibida — seja absolutamente ou em determinadas circunstâncias —
excede muito o que supõem as pessoas pouco familiarizadas com as leis
aduaneiras.
Não há dúvida de que o monopólio do mercado doméstico costuma
oferecer um grande incentivo às atividades que dele desfrutam e, com
frequência, entrega a esse uso uma maior parte do trabalho e do capital
da sociedade do que entregaria em outro caso. Mas não temos muitas
evidências para concluir se o monopólio tende a aumentar as atividades
gerais da sociedade ou se a ela imprime a direção mais vantajosa.
As atividades gerais da sociedade nunca podem exceder o valor que o
capital da sociedade é capaz de empregar. Da mesma forma que o
número de trabalhadores que pode ser mantido empregado por uma
pessoa qualquer deve guardar uma certa proporção com o capital
daquela pessoa, o número daqueles que podem ser constantemente
empregados por todos os membros de uma grande sociedade deve
guardar uma certa proporção com o capital total dessa sociedade, e de
forma alguma deve ultrapassar essa proporção. Nenhuma
regulamentação comercial é capaz de aumentar a quantidade de trabalho
de uma sociedade além daquilo que seu capital consegue manter. Pode
somente desviar uma parte desse emprego para uma direção que não
tomaria de outra forma; e não há como ter certeza de que essa direção
artificial será mais vantajosa para a sociedade do que aquela que teria
tomado por si mesma.
Todo indivíduo se esforça de forma constante para descobrir o
emprego mais vantajoso de qualquer quantidade de capital que lhe seja
possível controlar. A vantagem que ele tem em vista é, de fato, a sua
própria, e não a da sociedade. Mas o estudo de sua própria vantagem o
leva a preferir naturalmente, ou melhor, necessariamente, o emprego
mais vantajoso para a sociedade.405 Em primeiro lugar, todo indivíduo se
esforça para empregar seu capital o mais próximo possível de casa e,
consequentemente, o máximo possível em apoio à indústria doméstica,
sempre desde que consiga obter os lucros ordinários do capital ou não
muito menos do que isso.
Assim, considerando lucros iguais ou quase iguais, todo comerciante
atacadista prefere naturalmente o comércio doméstico ao comércio
exterior de consumo e prefere o comércio exterior de consumo ao
comércio de transporte. Diferentemente do que ocorre no comércio
exterior, no comércio doméstico o capital nunca fica longe de sua vista
por muito tempo. O comerciante doméstico tem a possibilidade de
conhecer melhor o caráter e a situação das pessoas nas quais ele confia e,
caso seja enganado, conhece melhor as leis do país para pedir reparações.
No comércio de transporte, o capital do mercador está, por assim dizer,
dividido entre dois países estrangeiros, e nenhuma dessas duas partes
costuma ser necessariamente trazida para casa nem posta sob sua vista e
controle imediato. Em geral, metade do capital que um comerciante de
Amsterdã emprega no transporte de cereais de Königsberg para Lisboa e
de frutas e vinhos de Lisboa para Königsberg ficará em Königsberg, e a
outra metade, em Lisboa. Nenhuma parte desse capital precisará ir para
Amsterdã. A residência natural desse comerciante deveria ser em
Königsberg ou em Lisboa; apenas alguma circunstância muito particular
poderia fazê-lo preferir Amsterdã às outras duas cidades. No entanto, o
desconforto que sente por estar tão longe de seu capital geralmente o
obriga a trazer para Amsterdã parte dos bens de Königsberg destinados
para o mercado de Lisboa e parte dos bens de Lisboa destinados para o
mercado de Königsberg; e embora isso necessariamente o sujeite a
duplicar suas obrigações de carga e descarga, bem como a pagar alguns
impostos e taxas aduaneiros, somente para que alguma parte de seu
capital fique sempre próximo de sua vista e de seu controle, ele
voluntariamente se submete a esse ônus extraordinário; e é dessa maneira
que todo país que tenha uma participação considerável no comércio de
transporte torna-se sempre o empório, isto é, o mercado geral, para os
bens de todos os países com os quais ele realiza o seu comércio. O
comerciante, a fim de não precisar realizar uma segunda carga e
descarga, sempre se esforça para vender o máximo possível de bens de
todos os outros países em seu mercado doméstico, e, portanto, até onde
consiga, transformar seu comércio de transporte em um comércio
exterior de consumo. Da mesma forma, quando um comerciante que está
envolvido no comércio exterior de consumo recolhe bens para os
mercados estrangeiros, ele sempre irá preferir, caso os lucros sejam iguais
ou quase iguais, vender o máximo que puder em seu próprio país. Ele se
livra dos riscos e das dificuldades da exportação sempre que, na medida
do possível, transforma seu comércio exterior de bens de consumo em
um comércio doméstico. Desse modo, sua casa, seu país, passa a ser o
centro, se é que posso chamá-lo assim, em torno do qual os capitais dos
habitantes de outros países estão em constante circulação e para o qual
eles estão sempre se dirigindo, mesmo que, às vezes, por causas
particulares, sejam expulsos e repelidos para ser utilizados em locais mais
distantes. Mas sabemos que um capital empregado no comércio
doméstico, conforme já demonstrado, necessariamente põe em
movimento uma maior quantidade de atividades domésticas e oferece
renda e emprego a um maior número de habitantes do país do que um
capital igual empregado no comércio exterior de bens de consumo; e o
capital empregado no comércio exterior de bens de consumo oferece a
mesma vantagem em relação a um capital igual empregado no comércio
de transporte. Com lucros iguais ou quase iguais, portanto, todo
indivíduo inclina-se naturalmente a empregar seu capital da forma que
possa proporcionar o maior apoio às atividades internas e gerar renda e
empregos para o maior número de pessoas de seu próprio país.406
Em segundo lugar, todo indivíduo que emprega o seu capital em
apoio às atividades internas necessariamente se esforça para dirigir essa
atividade para que seu produto tenha o maior valor possível.
O produto do trabalho é aquilo que este acrescenta ao objeto ou à
matéria-prima em que é empregado. Quanto maior ou menor o valor
desse produto, também, na mesma proporção, o serão os lucros do
empregador. Mas sempre que alguém aplica seu capital no fomento de
alguma atividade, esse indivíduo somente o faz por causa do lucro; e,
portanto, ele sempre procurará empregá-lo na sustentação daquelas
atividades cujo produto possa atingir o maior valor possível, ou seja,
aquele produto que possa ser trocado pela maior quantidade de dinheiro
ou de outros bens.
Mas o rendimento anual de toda sociedade é sempre exatamente igual
ao valor de troca de todo o produto anual de suas atividades, ou melhor, é
precisamente igual àquele valor de troca. E já que cada indivíduo,
portanto, se esforça ao máximo para empregar seu capital no fomento da
indústria doméstica e, assim, dirigir aquela indústria para que seus
produtos possam obter os maiores valores, então cada indivíduo se
esforça para que o rendimento anual da sociedade seja sempre o maior
possível. Em geral, os indivíduos não pretendem promover o interesse
público nem sabem o quanto eles o estão promovendo. Ao preferir
sustentar as atividades internas às externas, ele apenas busca sua própria
segurança; e ao direcionar essas atividades de tal forma que seu produto
obtenha o maior valor possível, ele visa apenas aos seus próprios ganhos;
assim, tanto neste caso como em muitos outros, ele será conduzido por
uma mão invisível a promover um objetivo que não fazia parte de sua
intenção.407 Nem sempre é pior para a sociedade que a intenção do
indivíduo não seja a promoção daquele objetivo. Ao buscar seus próprios
interesses, ele costuma promover os da sociedade de forma mais eficaz do
que quando realmente pretende promovê-los. Não posso citar muitas
coisas boas realizadas por aqueles que dissimulam trabalhar somente
pelo bem público. Na verdade, essa é uma dissimulação pouco comum
entre os comerciantes e, além disso, não são necessárias muitas palavras
para dissuadi-los de fazer isso.
Muito melhor do que qualquer estadista ou legislador, todo
indivíduo, em sua situação local, é quem melhor pode julgar o tipo de
atividade interna para aplicação de seu capital e o tipo de produto que
poderá produzir maior valor.408 Quando o estadista tenta dirigir a forma
como os indivíduos devem empregar seus capitais, ele toma para si um
encargo bastante desnecessário e uma autoridade que, seguramente, não
pode ser confiada nem a um indivíduo nem a um conselho ou assembleia
qualquer: um poder extremamente perigoso quando entregue a alguém
suficientemente louco e presunçoso para se imaginar apto a executar tal
tarefa.
A concessão de monopólios do mercado doméstico para os produtos
da indústria doméstica, em qualquer ofício ou manufatura, serve, em
certa medida, para dar direção aos indivíduos sobre a maneira de
empregar seus capitais e, em quase todos os casos, constitui uma medida
inútil ou prejudicial. Se o produto das atividades internas puder ser
levado ao mercado a preços tão baixos quanto os preços dos produtos
estrangeiros, a lei é inútil. Caso não possa ser levado ao mercado a preços
mais baixos, a regulamentação é prejudicial. A máxima dos chefes de
família prudentes é nunca fabricar em casa o que lhe custaria mais fazer
do que comprar quando a manufatura de um produto é mais cara que a
sua compra. O alfaiate não tenta fazer seus próprios sapatos, mas os
compra do sapateiro. O sapateiro não tenta fazer suas próprias roupas,
mas contrata um alfaiate. O agricultor não tenta fazer nem um nem
outro, mas busca empregar aqueles diversos artesãos. Todos eles
acreditam ser de seu interesse empregar todo o seu trabalho pra que
possam obter certas vantagens em relação aos seus vizinhos e comprar
com uma parte de seu produto ou, o que é a mesma coisa, com o preço
de uma parte dele, tudo de que necessitam.
Tudo o que é considerado prudente na conduta das famílias privadas
dificilmente será considerado tolice na conduta de um grande reino.
Quando um país estrangeiro é capaz de nos fornecer uma mercadoria
com preço mais baixo do que o de sua produção interna, é melhor
comprá-la daquele país com alguma parte do produto de nossa própria
indústria, empregada de um modo no qual temos alguma vantagem. As
atividades gerais do país, sendo sempre proporcionais ao capital que as
empregam, não diminuirão por esse motivo, da mesma forma como não
diminuem as atividades dos artesãos anteriormente mencionados; elas
devem buscar um caminho em que possam ser empregadas de forma
mais vantajosa. E, certamente, não há vantagem máxima quando é
direcionada a um objeto cuja compra é mais barata que a produção. O
valor de seu produto anual fica certamente diminuído em maior ou
menor grau quando o capital se afasta da produção de bens de valor
evidentemente maior do que o produto que é obrigado a produzir. De
acordo com a suposição, comprar esses bens em países estrangeiros seria
mais barato que os produzir internamente. Poderia, portanto, ter sido
comprado com apenas uma parte das mercadorias ou, o que dá na
mesma, com apenas uma parte do preço das mercadorias que a indústria
empregada por um capital igual teria produzido domesticamente caso o
país tivesse seguido o seu caminho natural.
Assim, a indústria do país é desviada de um emprego mais vantajoso
para outro menos vantajoso, e o valor de troca de seu produto anual, em
vez de aumentar, de acordo com a intenção do legislador, fica
necessariamente diminuído por todas aquelas regulações.
Por meio de tais regulações, na verdade, uma manufatura específica
pode, por vezes, ser adquirida antes do que teria sido por outra forma e,
depois de um certo tempo, a mercadoria pode ser manufaturada no
próprio país com preço mais baixo ou tão baixo quanto o preço dado
pelo país estrangeiro. Mas, mesmo que o trabalho da sociedade possa ser,
portanto, realizado com vantagem em um canal específico mais rápido
do que se utilizasse outra forma, a soma total, ou de sua indústria ou de
seu rendimento, não pode ser aumentada por meio daquela regulação. O
trabalho da sociedade somente pode aumentar de forma proporcional ao
aumento de seu capital, e seu capital somente pode aumentar de forma
proporcional ao que pode ser gradualmente poupado de seus
rendimentos. Mas o efeito imediato de todas essas regulações é a
diminuição do rendimento; e o que causa a diminuição do rendimento
certamente não conseguirá fazê-lo aumentar seu capital de forma mais
veloz do que ocorreria de forma espontânea se se tivesse deixado o
capital e o trabalho buscarem seus empregos naturais.409
Embora por falta de tais regulações a sociedade nunca conseguisse
obter a mercadoria desejada, não fosse por essas leis, a sociedade também
não seria necessariamente por essa razão a mais pobre em nenhum
período de sua existência. Em cada período de sua história, todo o seu
capital e o seu trabalho ainda poderiam ter sido empregados, embora
sobre objetos diferentes, da forma mais vantajosa naquele período. Em
cada período, seu rendimento poderia ter sido o maior que seu capital
pudesse proporcionar, e tanto o capital quanto os rendimentos poderiam
ter sido aumentados com a maior rapidez possível.
As vantagens naturais que alguns países têm sobre outros em relação
à produção de certas mercadorias são, por vezes, tão grandes que todo o
mundo considera vão opor concorrência a tais produtos. Por meio de
vidrarias e estufas é possível cultivar excelentes uvas na Escócia; e vinhos
muito bons também podem ser fabricados com essas uvas por valores
aproximadamente trinta vezes maiores que os dos vinhos importados.
Haveria razoabilidade em uma lei que proibisse a importação de todos os
vinhos estrangeiros apenas para incentivar a fabricação de vinhos tintos
Clarete e Borgonha na Escócia?
Mas se fosse um absurdo manifesto empregar trinta vezes mais capital
e trabalho do país do que seria necessário para comprar uma quantidade
igual de mercadorias estrangeiras em falta, também seria absurdo —
embora não tão flagrante, mas exatamente do mesmo tipo — empregar
mais a trigésima ou até mesmo a trecentésima parte do capital ou do
trabalho. A esse respeito, não importa se as vantagens que um país tem
sobre outro são naturais ou adquiridas. Enquanto um país tiver vantagens
que faltem aos outros, sempre será mais vantajoso que estes últimos
comprem do primeiro em vez de manufaturar o bem. A vantagem que
um artesão tem sobre seu vizinho, que exercita uma outra atividade
mercantil, é apenas uma vantagem adquirida; e, ainda assim, ambos
acham mais vantajoso comprar um do outro do que produzir o que não
faz parte de suas atividades mercantis específicas.
Os comerciantes e os fabricantes são os indivíduos que mais ganham
com o monopólio do mercado doméstico. As proibições de importar
gado estrangeiro e provisões salgadas, junto com os elevados tributos
impostos aos cereais estrangeiros, que em períodos de abundância
moderada equivalem a uma proibição, não proporcionam aos pecuaristas
e agricultores da Grã-Bretanha as vantagens que outras regulações do
mesmo tipo oferecem aos comerciantes e fabricantes. É muito mais fácil
transportar manufaturas, principalmente as mais refinadas, de um país
para outro do que os cereais ou o gado. Assim, a busca e o transporte de
manufaturas são as principais funções do comércio exterior. Em relação a
elas, uma vantagem muito pequena permitirá que os estrangeiros
vendam a preços mais baixos que nossos próprios trabalhadores, mesmo
em nosso mercado interno. Para que pudessem fazer o mesmo em
relação às matérias-primas, precisariam ter uma vantagem muito grande.
Se fosse permitida a importação livre da manufatura estrangeira, diversos
fabricantes do país iriam penar e alguns deles, talvez, fossem à
bancarrota; uma parte considerável do capital e do trabalho atualmente
empregados em suas manufaturas seria forçada a buscar outras
aplicações. Mas nem mesmo a mais livre importação de matérias-primas
seria capaz de produzir tal efeito na agricultura do país.
Se a importação de gado estrangeiro, por exemplo, fosse assim livre, a
importação seria tão pequena que a criação da Grã-Bretanha mal seria
afetada. O gado vivo talvez seja a única mercadoria cujo transporte
marítimo é mais caro que o terrestre. Por vias terrestres, o gado leva a si
mesmo até o mercado. Pelo mar, não só o gado, mas também a sua
comida e a sua água devem ser transportadas, com grandes despesas e
inconvenientes. O pequeno trecho marítimo entre a Irlanda e a Grã-
Bretanha é, certamente, um facilitador para a importação do gado
irlandês. Mas, mesmo que sua livre importação — que recentemente
havia sido permitida apenas por um tempo limitado — tenha se tornado
perpétua, isso não deve causar nenhum efeito considerável sobre o
interesse dos pecuaristas da Grã-Bretanha. Todas as regiões da Grã-
Bretanha que fazem fronteira com o mar da Irlanda são áreas de pasto. O
gado irlandês nunca poderia ser importado para o consumo daquelas
regiões, mas precisaria passar por essas regiões muito extensas, às custas
de muitos gastos e inconvenientes, antes de chegar ao seu mercado
apropriado. O gado gordo não poderia ser levado para muito longe.
Assim, só seria possível importar gado magro; e tal importação poderia
interferir, não com o interesse das regiões de alimentação ou de engorda
para as quais haveria a vantagem da redução do preço do gado magro,
mas apenas com o interesse das regiões reprodutoras. O pequeno número
de bovinos irlandeses importados desde a sua permissão, juntamente
com o bom preço de venda mantido pelo gado magro, parece demonstrar
que nem mesmo as regiões reprodutoras da Grã-Bretanha foram muito
afetadas pela livre importação do gado irlandês. Dizem, na verdade, que
o povo irlandês, às vezes, se opõe com violência à exportação de seu
gado. Mas se os exportadores tivessem encontrado alguma boa vantagem
para dar continuidade ao comércio, seria fácil, quando a lei estava do
lado deles, conquistar essa oposição ruidosa.
Além disso, enquanto as regiões de alimentação e de engorda sempre
são mais desenvolvidas, as regiões reprodutoras não costumam ser
cultivadas. O alto preço do gado magro aumenta o valor da terra não
cultivada e, assim, funciona como um subsídio contra o desenvolvimento
e os aprimoramentos. Para as regiões completamente aprimoradas, é
mais vantajoso importar seu gado magro em vez de criá-lo. Dizem que,
atualmente, a província da Holanda segue essa máxima. É impossível
levar muitos aprimoramentos para as montanhas da Escócia, do País de
Gales e da Nortúmbria; elas parecem ter sido destinadas pela natureza a
ser as regiões reprodutoras da Grã-Bretanha. A importação mais livre de
gado estrangeiro não poderia ter nenhum outro efeito senão impedir que
as regiões de criação de gado tirassem proveito do aumento da população
e da melhoria do restante do Reino, elevassem o seu preço a um valor
exorbitante e estabelecessem um imposto real sobre todas as áreas mais
aprimoradas e cultivadas do país.
A importação mais livre de carnes salgadas também poderia ter
pouquíssimo efeito sobre o interesse dos pecuaristas da Grã-Bretanha,
como as de gado vivo. As provisões salgadas são produtos muito
volumosos e, quando comparadas à carne fresca, são mercadorias de
qualidade inferior e mais caras, pois custam mais em termos de trabalho
e despesas. Dessa forma, é impossível haver concorrência entre elas e a
carne fresca, embora pudessem concorrer com as provisões salgadas do
país. Podem ser usadas para abastecer os navios em viagens longas e para
outros usos, mas nunca chegariam a constituir uma grande fração da
alimentação do povo. A pequena quantidade de provisões salgadas
importadas da Irlanda desde que sua importação se tornou livre é uma
evidência experimental de que nossos pecuaristas não têm nada a temer.
Não nos parece que o preço da carne de açougue tenha sido afetado por
essa liberdade.
Até mesmo a livre importação de cereais estrangeiros pouco afetaria
os interesses dos agricultores da Grã-Bretanha. Cereais são mercadorias
muito mais volumosas do que a carne fresca. Uma libra-peso de cereais a
1 penny é tão cara como 1 libra-peso de carne fresca a 4 pence. A pequena
quantidade de cereais estrangeiros importados, mesmo em épocas de
maior escassez, prova aos nossos agricultores que eles não têm nada a
temer em relação à importação mais livre. A quantidade média
importada anualmente atinge apenas, de acordo com o extremamente
bem-informado autor dos tratados sobre o comércio de cereais, 23.728
quarters de todos os tipos de grãos, e não excede a 571ª (quingentésima
septuagésima primeira) parte do consumo anual. Mas, já que o subsídio
aos cereais gera uma exportação maior em anos de abundância do que
ocorreria nas condições reais da agricultura, ele também deverá,
consequentemente, gerar uma maior importação nos anos de escassez do
que ocorreria no atual estado de cultivo. A abundância de um ano não
compensa a escassez de outro por meio do subsídio e, já que a
quantidade média exportada fica necessariamente aumentada, o mesmo
ocorre em relação à quantidade média importada nas condições atuais da
agricultura. Se não houvesse subsídio, menos cereais seriam exportados
e, por isso, é possível que a quantidade de cereais importados anualmente
também fosse menor que a atual. Os comerciantes de cereais, aqueles que
buscam e transportam os cereais entre Grã-Bretanha e os países
estrangeiros, teriam muito menos emprego e seriam bastante
prejudicados; mas os senhores de terras e os agricultores mal notariam
qualquer prejuízo. É por esse motivo que a ansiedade pela renovação e
pela continuidade dos subsídios é maior entre os comerciantes de cereais
do que entre os senhores de terras e agricultores.410
Dentre todas as pessoas, os senhores de terras e os agricultores são os
que menos se sujeitam ao espírito miserável do monopólio. Às vezes, o
empresário de uma grande manufatura fica alarmado quando uma outra
manufatura do mesmo tipo se estabelece a 20 milhas dele. Em Abbeville,
na Holanda, um empresário da indústria da lã estipulou que nenhuma
atividade do mesmo tipo poderia se estabelecer a 30 léguas daquela
cidade. Os fazendeiros e senhores de terras, pelo contrário, costumam
estar mais dispostos a promover — e não obstruir — o cultivo e o
aprimoramento das fazendas e propriedades de seus vizinhos.
Diferentemente da maior parte dos fabricantes, eles não têm segredos; na
verdade, costumam conversar bastante com seus vizinhos, trocando
informações sobre quaisquer novas técnicas vantajosas. Diz Catão, o
Velho: Pius Questus stabilissimusque, minimeque invidiosus; minimeque
male cogitantes sunt, qui in eo studio occupati sunt.411 Os senhores de
terras e os agricultores, espalhados por diversas regiões do país, não
conseguem se associar tão facilmente quanto os comerciantes e
manufatureiros, os quais, estando concentrados nas cidades e
acostumados a um espírito corporativo e exclusivo que entre eles
prevalece, naturalmente se esforçam para adquirir contra todos os seus
concidadãos o mesmo privilégio exclusivo que costumam deter contra os
habitantes de suas respectivas cidades. Dessa forma, parece que são os
criadores das restrições sobre a importação de bens estrangeiros que lhes
garantem o monopólio do mercado doméstico. Foi, provavelmente, à
imitação deles, e para se colocarem no mesmo nível daqueles que,
segundo acreditavam, estavam dispostos a oprimi-los, que os senhores de
terras e os agricultores da Grã-Bretanha deixaram a generosidade natural
dessa classe de pessoas de lado e passaram a exigir privilégios exclusivos
para o fornecimento de cereais e carnes aos seus compatriotas. Talvez não
tenham tido tempo para considerar que a liberdade de comércio afetaria
muito menos os seus interesses do que os das pessoas cujo exemplo
seguiram.
Proibir a importação de cereais e carnes por meio de uma lei
perpétua é, na realidade, decretar que a população e a indústria do país
nunca devem exceder o que as matérias-primas de seu próprio solo são
capazes de sustentar.
Mas parece que existem dois casos em que a oneração da indústria
estrangeira é útil para incentivar a indústria doméstica.
O primeiro ocorre quando certo tipo específico de indústria é
necessário para a defesa do país. A defesa da Grã-Bretanha, por exemplo,
depende muito do número de marinheiros e navios que possui. O Ato de
Navegação,412 portanto, muito corretamente se esforça para dar aos
marinheiros e às atividades de navegação da Grã-Bretanha o monopólio
do comércio de seu próprio país; por meio de proibições absolutas em
alguns casos e, em outros, por meio da forte oneração dos transportes
marítimos vindos de países estrangeiros. Seguem-se as principais
disposições dessa lei.
I. Sob pena de confisco do navio e da carga, todos os navios cujos
proprietários, capitães e 3/4 dos tripulantes não são súditos britânicos
ficam proibidos de realizar transações comerciais com assentamentos e
colônias britânicas ou de ser empregados para o comércio costeiro da
Grã-Bretanha.
II. Uma grande variedade daqueles artigos mais volumosos de
importação somente pode ser trazida para a Grã-Bretanha ou em navios
como os que foram anteriormente descritos ou em navios pertencentes
ao país onde esses bens são produzidos, e cujos proprietários, capitães e
3/4 da tripulação pertençam a esse país; e mesmo quando essas
mercadorias são importadas por navios deste último tipo, ficam sujeitas a
uma dupla tributação aduaneira. Quando os bens são importados em
navios de quaisquer outros países, a pena é a perda do navio e das
mercadorias.
Na época da edição dessa lei, os holandeses eram (e ainda são) os
grandes transportadores da Europa e, por meio dessa nova regra,
passavam a ser totalmente excluídos do transporte para a Grã-Bretanha
ou de importar bens de qualquer outro país europeu para a Grã-
Bretanha.
III. Sob pena de perda do navio e da carga, fica proibida a importação
de uma grande variedade de artigos mais volumosos de quaisquer países,
exceto de seu país produtor, mesmo em navios britânicos. É provável que
essa regra também fosse dirigida contra os holandeses. Na época, e ainda
atualmente, a Holanda funcionava como o grande empório de todos os
bens europeus; e, por esse regulamento, os navios britânicos ficavam
impedidos de, na Holanda, ser carregados com bens de todos os outros
países da Europa.
IV. Todos os tipos de peixes salgados, barbatanas e ossos de baleia,
óleo e gordura que não forem capturados e curados a bordo de navios
britânicos ficam sujeitos à dupla tributação aduaneira.
Os holandeses, que são atualmente os principais pescadores da
Europa, eram então os únicos pescadores europeus que tentavam
oferecer peixes às nações estrangeiras. Essa regra estabelece um ônus
muito pesado pelo fornecimento de peixes à Grã-Bretanha.
Embora a Inglaterra e a Holanda não estivessem realmente em guerra
quando o Ato de Navegação foi instituído, a lei havia alimentado uma
animosidade muito violenta entre as duas nações. A animosidade
começou durante o governo do Parlamento Longo,413 que havia criado
esse ato; e irrompeu logo em seguida nas guerras holandesas durante o
governo do Protetorado414 e de Carlos II.415 Existe, assim, a possibilidade
de parte dessas regras ter sido criada com base em uma animosidade
nacional. Mesmo assim, esses dispositivos são muito inteligentes, como
se tivessem sido ditados por conhecimentos muito bem ponderados. A
animosidade nacional daquele momento específico buscava o mesmo que
o mais ponderado conhecimento poderia ter recomendado, a saber, a
redução do poder naval da Holanda, o único poder naval capaz de pôr
em perigo a segurança da Inglaterra.
O Ato de Navegação não é favorável ao comércio exterior nem ao
crescimento da riqueza oriunda dele. O interesse de uma nação em suas
relações comerciais com as nações estrangeiras é a mesma de um
comerciante em relação às diferentes pessoas com quem ele lida: comprar
tão barato e vender tão caro quanto possível. Será mais provável que um
Estado consiga comprar barato quando, por meio da perfeita liberdade
de comércio, incentivar todas as outras nações a lhe trazer os bens de que
necessita; e, pela mesma razão, será mais provável vender caro quando os
seus mercados possuem o maior número possível de compradores. O Ato
de Navegação, é verdade, não onera os navios estrangeiros que exportam
os produtos da indústria britânica. Até mesmo o antigo tributo
aduaneiro, que costumava ser pago sobre todas as mercadorias
exportadas e importadas, foi retirado da maior parte dos artigos de
exportação por meio de vários atos subsequentes. Mas, quando
impedimos que os estrangeiros entrem em nossos mercados para vender,
quer por meio de proibições, quer por meio de altos tributos, também os
impedimos de entrar em nossos mercados para comprar, pois, ao aqui
chegarem sem carga alguma, eles obrigatoriamente perdem o frete que
poderiam ganhar ao levar para a Grã-Bretanha as mercadorias de seu
próprio país.
Quando se diminui o número de vendedores, o de compradores
também diminui e, assim, provavelmente não só teremos que comprar
bens estrangeiros mais caros, mas teremos que vender as nossas próprias
mercadorias por valores mais baixos do que se a liberdade de comércio
fosse mais perfeita. No entanto, já que a defesa é muito mais importante
que a riqueza, o Ato de Navegação talvez seja o regulamento comercial
mais inteligente da Inglaterra.416
O segundo caso em que geralmente é vantajoso onerar o trabalho
estrangeiro para incentivar o nacional ocorre quando há a imposição de
algum tributo interno doméstico sobre o produto nacional. Nesse caso,
parece razoável que um tributo igual seja imposto sobre o produto
similar do trabalho estrangeiro. Isso não garantiria à indústria nacional o
monopólio do mercado doméstico nem forçaria na direção de certa
aplicação específica maior porção do capital e do trabalho do país do que
aquela que ali seria aplicada naturalmente. Apenas impediria que tudo o
que se dirigisse naturalmente a essa aplicação tomasse, por meio do
tributo, uma direção menos natural e, na medida do possível, faria com
que a concorrência entre a indústria estrangeira e a doméstica ficasse,
após o imposto, próxima do estado em que se encontrava antes dele. Na
Grã-Bretanha, quando o produto do trabalho nacional é tributado,
costuma-se estabelecer, ao mesmo tempo, um tributo muito mais pesado
sobre a importação de todos os produtos do mesmo tipo, pois assim é
possível aplacar os clamores de comerciantes e fabricantes que se
queixam de que os produtos estrangeiros serão vendidos a preços
menores. De acordo com algumas pessoas, essa segunda limitação da
liberdade de comércio deveria, em algumas ocasiões, ultrapassar a lista
precisa de mercadorias estrangeiras que têm o potencial de entrar em
concorrência com as mercadorias nacionais tributadas. Quando um país
tributa seus bens de primeira necessidade, alegam eles, então passa a ser
necessário tributar não somente os gêneros semelhantes e importados de
primeira necessidade, mas todos os tipos de bens estrangeiros que
possam vir a concorrer com quaisquer produtos da indústria doméstica.
A subsistência, dizem, torna-se necessariamente mais cara em
consequência de tais impostos; e o preço do trabalho sempre aumenta
com o aumento do preço da subsistência do trabalhador. Embora as
mercadorias produzidas internamente não sejam imediatamente
tributadas, elas se tornam mais caras em consequência desses impostos,
pois o trabalho que as produz também está mais caro. Dizem, portanto,
que esses tributos equivalem a um imposto sobre cada mercadoria
específica produzida nacionalmente. Assim, a fim de pôr as indústrias
doméstica e estrangeira em pé de igualdade, imaginam ser necessário
tributar todos os bens estrangeiros de forma proporcional ao aumento
dos preços das mercadorias nacionais com as quais poderão vir a
concorrer.
Em seguida, ao investigar os impostos, examinarei se os tributos
sobre os bens de primeira necessidade — tais como aqueles empregados
pela Grã-Bretanha sobre o sabão, o sal, o couro, as velas, etc. —
obrigatoriamente elevam o preço do trabalho e, consequentemente, o de
todas as outras mercadorias. Supondo, entretanto, que tenham esse efeito
— e não há dúvida de que o têm —, esse aumento geral do preço de todas
as mercadorias, decorrente do aumento do preço do trabalho, é um caso
que difere em dois aspectos do aumento do preço de uma mercadoria
específica em decorrência de um tributo específico imposto
imediatamente sobre ela.
Em primeiro lugar, é sempre possível saber exatamente quanto será o
aumento do preço de um produto em decorrência de um imposto; mas
não é possível saber com qualquer exatidão razoável como o aumento
geral dos preços do trabalho poderá afetar o preço de cada produto sobre
o qual o trabalho foi empregado. Consequentemente, seria impossível
estabelecer uma proporção razoável entre o tributo imposto a cada
produto estrangeiro e o aumento de preço de todas as mercadorias
nacionais.
Em segundo lugar, os tributos impostos sobre os bens de primeira
necessidade têm quase o mesmo efeito sobre as condições da população
que um solo pobre e um clima ruim. As provisões ficam, dessa forma,
mais caras, como se exigissem mais trabalho e gastos para cuidar delas.
Como na escassez natural decorrente do solo e do clima, seria absurdo
escolher a forma como as pessoas deveriam aplicar seu capital e trabalho;
o mesmo vale para a escassez artificial decorrente dos tributos
mencionados. O que em ambos os casos seria vantajoso para todos é
deixar que cada um acomode seu trabalho da melhor forma possível a
suas circunstâncias e, também, busque empregos que, não obstante suas
circunstâncias desfavoráveis, possam oferecer alguma vantagem, seja no
mercado interno, seja no externo. Aplicar um novo tributo às pessoas,
pelo fato de estarem sobrecarregadas por impostos e já pagarem muito
caro pelos bens de primeira necessidade, assim como obrigá-las a pagar
mais caro por grande parte das outras mercadorias, impondo-lhes novos
tributos, é certamente a forma mais absurda de se corrigir um erro.
Quando esses tributos aumentam até atingir um certo nível,
equivalem a um infortúnio semelhante à esterilidade da terra e à
inclemência atmosférica; e, ainda assim, os países que mais impõem
tributos costumam ser os mais ricos e mais industriosos. Os demais
países não teriam condições para suportar tamanha desordem. Da
mesma forma que apenas o organismo mais forte é capaz de sobreviver e
manter sua saúde quando submetido a um regime insalubre, somente a
nação que, em todas as formas de atividade, possui as maiores vantagens
naturais e adquiridas é capaz de sobreviver e prosperar quando
submetida a essa tributação. A Holanda é o país europeu com maior
tributação e que, por circunstâncias específicas, continua a prosperar, não
por meio da tributação conforme se supôs de forma absurda, mas apesar
dela.
Os dois casos anteriormente descritos mostram que, em geral,
objetivando o fomento da indústria nacional, é vantajoso impor certa
oneração ao produto estrangeiro; há outros dois casos em que, às vezes,
deve-se deliberar, no primeiro caso, por quanto tempo continuar com a
importação livre de certos bens estrangeiros e, no segundo, até que
ponto, ou de que maneira, será apropriado restaurar a livre importação
de bens depois de ela ter sido interrompida por algum tempo.
O primeiro caso, isto é, deliberar para saber até quando será
apropriado manter a livre importação de certos bens estrangeiros, ocorre
quando uma nação estrangeira restringe a entrada de nossas manufaturas
em seu país, seja por meio de impostos altos ou pela proibição da
importação. Nesse caso, a contrapartida exige naturalmente a retaliação,
isto é, a imposição de tributos e proibições semelhantes à importação de
algumas ou de todas as manufaturas daquele país. Consequentemente, as
nações raramente deixam de promover esse tipo de retaliação. Os
franceses em particular têm favorecido bastante a manufatura de seu
país, restringindo a importação daqueles bens estrangeiros que possam
vir a concorrer com os similares nacionais. Esse foi o objetivo de grande
parte da política do senhor Colbert,417 a qual — apesar de sua grande
competência — parece, neste caso, ter sido imposta pelos argumentos
ardilosos de comerciantes e fabricantes que estão sempre exigindo um
monopólio contra os seus compatriotas. Atualmente, as pessoas mais
inteligentes da França garantem que as operações desse tipo não têm sido
benéficas para o seu país. Pela tarifa de 1667, aquele ministro impôs
tributos muito altos sobre um grande número de manufaturas
estrangeiras. Em 1671, após os franceses terem se recusado a moderar
seus tributos em favor dos holandeses, estes últimos proibiram a
importação de vinhos, destilados e manufaturas francesas. Parece que a
guerra de 1672 foi, em parte, ocasionada por essa disputa comercial. Em
1678, os tratados de paz de Nimega418 puseram fim à guerra, moderando
alguns desses tributos em favor dos holandeses, que, por sua vez,
cancelaram as proibições que haviam imposto. Quase na mesma época,
franceses e ingleses começaram a pressionar a indústria uns dos outros
por meio de proibições e tributos; os franceses, no entanto, parecem ter
dado o primeiro exemplo. O espírito de hostilidade existente entre as
duas nações desde então impede qualquer moderação de ambas as
partes. Em 1697, os ingleses proibiram a importação da renda de bilros,
uma manufatura vinda de Flandres. Por sua vez, a região, que na época
era domínio espanhol, proibiu a importação da lã inglesa. Em 1700, a
proibição da importação da renda de bilros para a Inglaterra foi retirada
sob a condição de que a importação de lã inglesa para Flandres voltasse a
seu estado anterior.
Retaliações desse tipo podem ser consideradas uma boa política se o
seu uso gerar a probabilidade da revogação dos altos tributos ou das
proibições. A recuperação de um grande mercado estrangeiro, em geral,
mais do que compensa a inconveniência transitória de pagar mais caro,
durante um curto período de tempo, para alguns tipos de bens. Julgar se
esses efeitos podem ser produzidos por aquelas retaliações talvez não faça
parte tanto da ciência do legislador, cujas deliberações devem ser regidas
por princípios gerais e imutáveis, quanto das habilidades daquele animal
traiçoeiro e ardiloso que é vulgarmente chamado de estadista ou político
e cujos conselhos são dirigidos pelas flutuações transitórias dos
acontecimentos.419 Quando não há nenhuma probabilidade de se
conseguir tal revogação, compensar o mal causado a certas classes de
nossa população por meio de outro mal a ser realizado por nós mesmos
parece não ser um bom método, não só para aquelas classes, mas para
quase todo o restante da população. Quando os nossos vizinhos impõem
proibições a algumas de nossas manufaturas, nós, em geral, além de
impormos uma proibição idêntica — já que somente essa ação lhes causa
poucos efeitos —, também impedimos a entrada de algum outro bem.
Isso, sem dúvida, poderá incentivar certa categoria específica de
trabalhadores de nosso país e, ao excluir alguns rivais, permitir que essa
categoria aumente seus preços no mercado doméstico. No entanto, esses
trabalhadores que sofreram perdas com a proibição de nosso vizinho não
serão beneficiados pelas proibições impostas por nós. Pelo contrário, eles
e quase todas as outras classes de nossos cidadãos serão, portanto,
obrigados a pagar mais caro do que antes por certos bens. Assim, toda lei
desse tipo impõe um tributo real sobre todo o país, não em favor daquela
categoria específica de trabalhadores que sofreu perdas pela proibição de
nosso vizinho, mas de alguma outra categoria.
O caso em que há necessidade de se deliberar até que ponto ou de que
maneira será adequado restaurar a livre importação de mercadorias
estrangeiras, depois de esta ter sido interrompida por algum tempo,
ocorre quando a manufatura de certos bens — por causa dos altos
tributos ou proibições impostos sobre todos os bens estrangeiros que
podem vir a concorrer com ela — se torna tão abrangente que passa a ser
necessário o emprego de um enorme contingente de trabalhadores. Nesse
caso, a sensibilidade humana poderá exigir que a liberdade de comércio
seja lenta e gradualmente restaurada com uma boa dose de moderação e
cautela. Se os altos tributos e proibições fossem retirados de uma só vez,
os bens estrangeiros mais baratos e do mesmo tipo seriam derramados de
forma tão rápida no mercado doméstico que, imediatamente e ao mesmo
tempo, milhares de pessoas perderiam seu emprego mais comum e meios
ordinários de subsistência. Certamente esse evento poderia causar muitas
perturbações. No entanto, há duas razões para acreditarmos que os
problemas seriam provavelmente muito menores do que se imagina:
I. Todas as mercadorias exportadas para outros países europeus sem a
necessidade do estabelecimento de subsídios são muito pouco afetadas
pela mais livre importação de bens estrangeiros. Assim como quaisquer
outros bens estrangeiros da mesma qualidade e tipo, essas mercadorias
devem ser vendidas no exterior a preços identicamente baixos e,
consequentemente, também devem ser vendidas a preços mais baixos no
mercado doméstico. Tais produtos manteriam, assim, a posse do
mercado doméstico; é verdade que uma pessoa caprichosa e dada a
modismos poderia, por vezes, preferir mercadorias estrangeiras (só
porque são estrangeiras) aos bens nacionais do mesmo tipo, mais baratos
e melhores; mas apesar de tal preferência, essa tolice, pela própria
natureza das coisas, se estenderia a pouquíssimas pessoas e, por isso,
nada causaria ao nível geral de emprego da população. Mas ocorre que
grande parte de todos os diferentes ramos de nossas manufaturas de lã,
de couro curtido e de ferragens é anualmente exportada para outros
países europeus sem a necessidade da imposição de subsídios, e essas são
as indústrias que empregam o maior número de trabalhadores. A seda é,
talvez, a manufatura que sofreria as maiores perdas pela liberdade de
comércio; em seguida, viria o linho. Mas as perdas do linho seriam bem
menores que as da seda.
II. Embora a restauração da liberdade de comércio leve um grande
número de pessoas a perder seu emprego mais habitual e a forma
ordinária de obter subsistência, isso não significa, de forma alguma, que
elas ficariam privadas de qualquer emprego ou forma de subsistência.
Após o fim da última guerra, o exército e a marinha dispensaram mais de
100 mil soldados e marinheiros, um número igual ao que é empregado
nas maiores manufaturas; eles perderam seu emprego ordinário de forma
imediata, mas, embora sem dúvida tenham sofrido algumas
inconveniências, não foram, assim, privados de todo e qualquer emprego
e subsistência. É provável que a maior parte dos marinheiros tenha se
deslocado gradualmente para o serviço mercantil sempre que
encontrasse a oportunidade e, nesse meio-tempo, eles e os soldados
foram absorvidos pela grande massa da população e passaram a ser
empregados em uma grande variedade de ocupações. Essa grande
mudança na vida de mais de 100 mil homens não causou nenhuma
grande revolta, nenhuma desordem relevante; lembremo-nos de que
todos eles estavam acostumados a carregar armas e muitos eram dados
ao saque e à pilhagem. O número de vagabundos quase não foi alterado
por isso, nem mesmo os salários do trabalho foram reduzidos em
nenhum tipo de ocupação, exceto, pelo que sei, os salários dos
marinheiros que passaram ao serviço mercante. Mas se compararmos os
hábitos de um soldado e dos trabalhadores manufatureiros,
perceberemos que os hábitos dos manufatureiros não tendem a
desqualificá-los para um novo emprego, enquanto os dos soldados não os
qualificam a nenhum outro emprego. O manufatureiro acostumou-se a
obter sua subsistência apenas por meio de seu trabalho; o soldado, a
esperá-la de seu soldo. Dedicação e trabalho árduo são familiares ao
primeiro; ociosidade e dissipação, ao segundo. Mas é certamente muito
mais fácil ver uma pessoa laboriosa mudar de um tipo de trabalho para
outro do que uma ociosa e esbanjadora encontrar alguma ocupação.
Além disso, conforme já observado, existem outras indústrias análogas,
tão semelhantes que a maioria dos trabalhadores manufatureiros é capaz
de transferir facilmente seu trabalho de uma para outra.
Ademais, a maior parte desses trabalhadores é ocasionalmente
empregada no trabalho do campo. O capital que os empregou
anteriormente em certa manufatura será mantido no país e, de alguma
outra maneira, empregará um número igual de pessoas. Mantendo-se o
mesmo capital, a demanda por trabalho também será a mesma, ou quase
a mesma, embora dirigida a outros locais e a ocupações diferentes. De
fato, quando soldados e marinheiros são dispensados do serviço do rei,
podem exercer qualquer outra atividade, em qualquer cidade ou lugar da
Grã-Bretanha ou da Irlanda. Deixemos que a mesma liberdade natural de
exercitar qualquer tipo de trabalho seja estendida a todos os súditos de
Sua Majestade, da mesma maneira como ocorre aos soldados e
marinheiros; isto é, acabemos com os privilégios exclusivos das
corporações e revoguemos o estatuto dos aprendizes, duas instituições
que realmente violam a liberdade natural; e, por fim, revoguemos a lei do
domicílio, de modo que, ao perder seu emprego em uma atividade ou
outra, o trabalhador pobre possa buscar trabalho em outras atividades ou
em outros locais sem medo de ser processado ou expulso da cidade; se
todas essas medidas fossem tomadas, nem o governo nem os indivíduos
sofreriam muito mais pela ocasional dissolução de algumas categorias
específicas de manufatureiros do que pela desmobilização dos soldados.
Nossos trabalhadores manufatureiros, sem dúvida, possuem grande
mérito, mas o valor deles não sobrepuja o daqueles que defendem nossa
nação com o próprio sangue, tampouco eles merecem ser tratados com
mais delicadeza.
De fato, acreditar que algum dia haverá uma completa liberdade de
comércio na Grã-Bretanha é algo tão absurdo quanto esperar que a nação
se torne uma Oceana ou Utopia.420 Não só os preconceitos do público em
geral, mas também os interesses privados de muitos indivíduos, que são
muito mais insuperáveis, se opõem irresistivelmente a ela. Se os oficiais
do exército se opusessem com o mesmo zelo e unanimidade a qualquer
redução no número de seus efetivos, como os mestres-manufatureiros se
opõem a todas as leis que possam criar a possibilidade do aumento do
número de seus rivais no mercado doméstico; se aqueles oficiais
incentivassem seus soldados da mesma forma que os manufatureiros
inflamam seus trabalhadores a atacar com violência e indignação os
proponentes dessas leis; então, tentar reduzir o contingente do exército
seria tão perigoso quanto tentar diminuir o monopólio que nossas
manufaturas obtiveram atualmente contra nós. Esse monopólio causou
um aumento tão grande de alguns grupos particulares de
manufaturadores que estes, como um exército permanente e
excessivamente grande, se tornaram formidáveis perante o governo e, em
muitas ocasiões, chegam a intimidar os legisladores. Os membros do
Parlamento que apoiam todas as propostas de fortalecimento desses
monopólios, além de garantirem a si mesmos a reputação de
conhecedores do comércio, também ganham grande popularidade e
influência com pessoas cujos números e riqueza lhes asseguram grande
importância. Por outro lado, se algum membro do Parlamento se opõe às
propostas e, além disso, se ele tem autoridade suficiente para bloquear os
monopolistas, nem a probidade mais bem reconhecida, nem o mais alto
escalão, nem os seus grandes serviços públicos podem protegê-lo das
mais infames agressões e difamações, dos insultos pessoais e, por vezes,
nem mesmo de um verdadeiro perigo proveniente da indignação
insolente de monopolistas furiosos e decepcionados.
O empresário de uma grande manufatura que se vê obrigado a
abandonar seus negócios pela repentina abertura dos mercados
domésticos à competição estrangeira será certamente bastante
prejudicado. A parte de seu capital que era utilizada para comprar
matéria-prima e pagar seus funcionários poderia ser, sem muita
dificuldade, utilizada em outras aplicações. Mas a parte fixa do capital,
aplicada em oficinas e instrumentos de trabalho, sofreria uma perda
considerável. Portanto, por respeito à equidade que se deve oferecer aos
interesses desse empreendedor, exige-se que as mudanças desse tipo
nunca sejam introduzidas de forma repentina, mas lenta e gradualmente,
e após um longo tempo com a publicação de repetidas advertências. Por
essa razão, os legisladores deveriam — caso suas deliberações não
dependessem da importunação clamorosa de interesses parciais, mas
pudessem ser sempre dirigidas por uma visão mais ampla do bem geral
— tomar bastante cuidado para que suas ações não possibilitassem a
criação de novos monopólios nem aumentassem os que já haviam sido
criados. Toda regulamentação desse tipo introduz algum grau de
desordem real à constituição do Estado, desordem essa que, mais tarde,
será difícil de remediar sem a criação de alguma nova desordem.
Adiante, ao tratar dos impostos, examinarei a adequação de se impor
tributos sobre a importação de bens estrangeiros, não para impedir a sua
importação, mas para aumentar a receita do governo. Tributos impostos
para impedir ou mesmo para diminuir as importações evidentemente
destroem tanto as receitas alfandegárias quanto a liberdade de comércio.

CAPÍTULO III
AS RESTRIÇÕES EXTRAORDINÁRIAS SOBRE A
IMPORTAÇÃO DE QUASE TODOS OS TIPOS DE BENS
PROCEDENTES DOS PAÍSES CUJA BALANÇA COMERCIAL
É SUPOSTAMENTE DESFAVORÁVEL

Parte I – O absurdo dessas restrições em


relação aos próprios princípios do sistema
comercial
O segundo expediente pelo qual o sistema comercial se propõe a
aumentar a quantidade de ouro e prata é a imposição de restrições
extraordinárias sobre a importação de bens de quase todos os tipos
daqueles países cuja balança comercial é supostamente desvantajosa.
Dessa forma, pagando certos tributos aduaneiros, a Grã-Bretanha pode
importar tecidos de trançado fino da Silésia para o consumo doméstico.
Mas a importação da cambraia e dos tecidos de trançado fino da França
está proibida, exceto no porto de Londres, onde os tecidos ficam
armazenados para exportação. Os vinhos vindos da França recebem
tributos maiores que os de Portugal ou mesmo de qualquer outro país.
Enquanto a lei conhecida como imposto de 1692 estabelecia um tributo
de 25% sobre o valor de todos os bens franceses, a maior parte dos bens
de outras nações estava sujeita a tributos muito mais leves que raramente
excediam 5%. O vinho, o conhaque, o sal e o vinagre da França
constituíam exceções à regra, pois essas mercadorias já estavam sujeitas a
outros tributos pesados, estabelecidos por outras leis ou por artigos
específicos da mesma lei. Foi imposto, em 1696, um segundo tributo de
25% sobre todos os bens franceses, exceto conhaque, pois imaginou-se
que o primeiro não havia sido suficiente para desencorajar a importação;
além disso, criou-se uma nova taxa aduaneira de 25 libras sobre a
tonelada421 de vinho francês e outra de 15 libras sobre a tonelada (ton) de
vinagre francês. Os bens franceses nunca foram omitidos dos subsídios
gerais ou das taxas de 5%, impostas a todos os bens — ou a grande parte
deles — listados no livro de tarifas. Se juntarmos todos os subsídios de
um terço e de dois terços em um tipo único, poderíamos dizer que
existiram cinco subsídios gerais; assim, antes do início da guerra atual, é
possível considerar que a menor taxa aduaneira a que grande parte dos
bens cultivados, produzidos ou manufaturados da França estavam
sujeitos era de 75%. Mas, para a maior parte dos bens, essas taxas são
equivalentes a uma proibição. Eu acredito que os franceses, por sua vez,
também têm tratado nossos bens e manufaturas com o mesmo rigor; mas
não estou muito bem familiarizado com as particularidades dos rigores
impostos sobre os bens ingleses. Essas restrições mútuas acabaram com
quase todo o comércio justo entre as duas nações; atualmente, os
contrabandistas são os principais importadores, quer de bens britânicos
na França, quer de bens franceses na Grã-Bretanha. Os princípios
examinados no capítulo anterior têm o interesse privado e o espírito de
monopólio como fundamentos; os do presente capítulo, o preconceito e a
animosidade entre as nações.422
Consequentemente, como seria de esperar, eles são ainda mais
arbitrários. E assim o são, ainda que tenham os princípios do sistema
mercantil como fundamento.
Em primeiro lugar, mesmo que, no caso de um comércio livre entre a
França e a Inglaterra, por exemplo, a balança comercial fosse mais
favorável à França, não poderíamos concluir, de forma alguma, que tal
comércio seria desvantajoso para a Inglaterra ou que a balança geral de
todo o comércio inglês seria ainda mais desfavorável. Se o vinho da
França é melhor e mais barato do que o de Portugal, ou se o seu linho é
melhor que o da Alemanha, então será mais vantajoso que a Grã-
Bretanha compre o vinho e o linho da França, não de Portugal e da
Alemanha. Embora o valor das importações anuais de bens produzidos
na França ficasse, desse modo, extremamente aumentado, o valor das
importações anuais totais teria uma diminuição, pois os bens franceses
da mesma qualidade seriam proporcionalmente mais baratos que os
produtos dos outros dois países. Esse seria o caso, mesmo se supondo
que todos os bens importados da França fossem consumidos na Grã-
Bretanha.
Mas, em segundo lugar, é possível reexportar grande parte desses
bens para outros países e, assim, após serem vendidos com lucro, eles
podem trazer um retorno que, talvez, seja equivalente ao custo primário
da importação dos bens franceses. Sobre o comércio da Índia Oriental
dizia-se que, embora a maior parte das mercadorias da Índia Oriental
tenha sido comprada com ouro e prata, a reexportação de uma parcela
para outros países trazia mais ouro e prata para o importador do que o
custo total utilizado para comprá-la; talvez o mesmo possa ser dito em
relação aos negócios com a França. Um dos atuais ramos mais
importantes do comércio holandês consiste no transporte de mercadorias
francesas para outros países europeus. Sabemos que parte do vinho
francês bebido na Grã-Bretanha é importada clandestinamente da
Holanda e da Zelândia. Se o comércio entre a França e a Inglaterra fosse
livre ou, ainda, se os tributos pagos pela importação de bens franceses
fossem os mesmos pagos pelas mercadorias de outras nações europeias,
que podem ser recuperados (drawback) por meio da exportação, então a
Inglaterra poderia participar desse comércio, que é considerado tão
vantajoso para a Holanda.
Em terceiro e último lugar, não existe um critério certo pelo qual seja
possível determinar para qual lado a balança comercial entre os dois
países pende ou qual deles exporta o maior valor. O preconceito e a
animosidade entre as nações, estimulados sempre pelos interesses
privados de certos comerciantes, são, em geral, os princípios que ditam
nosso julgamento sobre todas as questões desse tipo. Nessas ocasiões, no
entanto, normalmente recorremos a dois critérios: os livros aduaneiros e
a flutuação do câmbio. Sabemos atualmente que, por conta da avaliação
imprecisa dos preços da maior parte dos bens neles listados, os livros
aduaneiros são um critério muito incerto. A flutuação do câmbio talvez
seja um critério igualmente incerto.423 Quando o câmbio entre dois
lugares — Londres e Paris, por exemplo — encontra-se ao par, dizemos
que isso indica que os valores devidos por Londres a Paris são
compensados pelo que Paris deve a Londres. Pelo contrário, quando em
Londres é preciso pagar um prêmio por uma nota emitida em Paris,
dizemos que isso indica que os valores devidos por Londres a Paris não
são compensados pelos valores devidos por Paris a Londres, e, por isso,
Londres deve enviar a Paris um saldo em dinheiro, prêmio exigido e
entregue pelo risco, pelo trabalho e pelas despesas da exportação. No
entanto, dizemos que o estado ordinário dos débitos e dos créditos entre
essas duas cidades deve necessariamente ser regulado pelas flutuações
ordinárias de suas relações e negociações mútuas. Quando nenhuma
delas importa mais do que exporta para a outra, seus débitos e créditos
podem, assim, se compensar. Mas quando as importações de uma cidade
a outra superam as exportações a esta, a primeira cidade se torna
devedora da segunda em um valor maior do que a segunda da primeira:
os débitos e os créditos de ambas as cidades não se compensam e, por
isso, a cidade cujos débitos são maiores que os créditos deve enviar
fundos a outra cidade. As flutuações ordinárias do câmbio, portanto,
sendo uma indicação do estado ordinário de débito e créditos entre dois
lugares, devem igualmente ser uma indicação das flutuações ordinárias
de suas exportações e importações, já que esse estado é necessariamente
regulado por elas.
Mas, embora devamos aceitar as flutuações ordinárias do câmbio
como um indicador suficiente do estado ordinário de débitos e créditos
entre dois lugares quaisquer, não podemos concluir disso que o equilíbrio
da balança comercial seja favorável ao local cujo estado ordinário de
débitos e créditos lhe seja favorável. O estado ordinário de débitos e
créditos entre dois lugares nem sempre é inteiramente regulado pelo
curso ordinário de seus negócios mútuos; mas, muitas vezes, é
influenciado pelos negócios desses lugares com muitos outros. Se, por
exemplo, os comerciantes da Inglaterra têm o hábito de pagar pelos bens
que compram em Hamburgo, Danzig, Riga, entre outros, por notas
emitida sobre a Holanda, o estado ordinário de débitos e créditos entre a
Inglaterra e a Holanda não será regulado inteiramente pelo curso
ordinário das negociações entre esses dois países, mas será influenciado
pelas negociações entre a Inglaterra e aqueles outros locais. Desse modo,
a Inglaterra pode ser obrigada a enviar dinheiro anualmente para a
Holanda, mesmo que o valor anual de suas exportações para lá exceda
em muito o de suas importações, isto é, mesmo que aquilo que é
chamado balança comercial de exportações com a Holanda lhe seja
extremamente favorável.424
Além disso, pela forma como se tem calculado a paridade do câmbio
(par of exchange) até o momento, as flutuações ordinárias do câmbio não
constituem indicação suficiente de que o estado ordinário de débitos e
créditos seja favorável ao país cuja flutuação ordinária do câmbio esteja,
ou supostamente deva estar, a seu favor; em outras palavras, o câmbio
real pode ser, e, de fato, muitas vezes é, tão diferente do câmbio calculado
que, em muitas ocasiões, a partir deste último não é possível chegar a
nenhuma conclusão sobre o câmbio real.
Quando, para uma soma de dinheiro paga na Inglaterra, equivalente
— de acordo com o padrão da casa da moeda inglesa — a um certo
número de onças de prata pura, se recebe um título correspondente a
uma quantia de dinheiro a ser paga na França, equivalente — de acordo
com o padrão da casa da moeda francesa — a um número igual de onças
de prata pura, então dizemos que há paridade entre o câmbio da
Inglaterra e o da França. Quando se paga um valor maior, supõe-se o
pagamento de um prêmio e, neste caso, dizemos que o câmbio está a
favor da França e contra a Inglaterra. Quando se paga um valor menor,
supõe-se o recebimento de um prêmio e, neste caso, dizemos que o
câmbio está a favor da Inglaterra e contra a França.
Mas, em primeiro lugar, nem sempre é possível julgar o valor da
moeda corrente dos diferentes países pelo padrão de suas respectivas
casas da moeda. Pois, dependendo do país, as moedas podem estar
menos ou mais desgastadas, lascadas ou, por algum outro motivo, abaixo
dos padrões estabelecidos. Mas o valor atual da moeda corrente de cada
país, comparado ao valor daquelas de outros países, não é proporcional à
quantidade de prata pura que a moeda deveria conter, mas à quantidade
que elas realmente contêm.425 Antes da reforma da moeda de prata no
tempo do rei Guilherme, o câmbio entre a Inglaterra e a Holanda,
calculado da maneira tradicional de acordo com o padrão de suas
respectivas casas da moeda, era de 25% contra a Inglaterra. Mas, naquela
época, o valor atual da moeda inglesa, conforme nos esclarece o senhor
Lowndes, mantinha-se pouco mais de 25% abaixo de seu valor-padrão.
Consequentemente, é até mesmo possível que o câmbio real daquela
época fosse favorável à Inglaterra, embora o câmbio calculado estivesse
contra ela; assim, seria possível que um número menor de onças de prata
pura efetivamente pagas na Inglaterra pudesse comprar um título que, na
Holanda, pagasse um maior número de onças de prata pura, e a pessoa
que supostamente deveria pagar o prêmio seria, na verdade, seu
recebedor. Antes da última reforma da moeda de ouro inglesa, a moeda
francesa estava muito menos desgastada do que a inglesa e estava, talvez,
2% ou 3% mais próxima de seu padrão. Se, consequentemente, o câmbio
calculado em relação à França não fosse maior que 2% ou 3% contra a
Inglaterra, o câmbio real poderia ter sido favorável a esta última. Desde a
reforma da moeda de ouro, o câmbio tem se mantido a favor da
Inglaterra e contra a França.
Em segundo lugar, em alguns países, os gastos de cunhagem
competem ao governo; em outros, são custeados pelos indivíduos que
levam seus lingotes até a Casa da Moeda; neste último caso, o governo
pode até obter receitas da cunhagem. Na Inglaterra, a cunhagem é
custeada pelo governo; quando um indivíduo leva à Casa da Moeda 1
libra-peso de prata de lei, ele recebe 62 xelins contendo a mesma libra-
peso de prata de lei. Na França há a dedução de uma taxa de 8% para a
Casa da Moeda, que, além de pagar as despesas de cunhagem, ainda
oferece uma pequena receita ao governo. Na Inglaterra, já que a
cunhagem é gratuita, a moeda corrente nunca pode ser muito mais
valiosa do que a quantidade de metal que realmente contém. Na França,
já que se paga pela cunhagem, o valor desse trabalho é adicionado à
moeda, assim como ocorre em relação aos produtos de prata trabalhada.
Portanto, uma soma de dinheiro francês que contenha um certo peso de
prata pura vale mais do que uma soma de dinheiro inglês que contenha o
mesmo peso de prata pura; por isso, para comprar a soma francesa será
necessário ter maior quantidade de metal ou de outras mercadorias.
Embora as moedas correntes dos dois países estivessem próximas do
padrão de suas respectivas casas da moeda, uma soma de dinheiro inglês
não poderia comprar uma soma de dinheiro francês, contendo um
número igual de onças de prata pura, nem, como consequência, uma
nota emitida pela França equivalente àquela quantia. Caso não se pagasse
nada mais por essa nota, senão o suficiente para compensar as despesas
de cunhagem da moeda francesa, poderia haver paridade do câmbio real
entre os dois países, seus débitos e créditos poderiam ser mutuamente
compensados, mesmo que o câmbio calculado fosse muito mais favorável
à França. Se menos do que isso fosse pago, o câmbio real estaria a favor
da Inglaterra, enquanto o calculado estaria a favor da França.426 Em
terceiro e último lugar, em alguns lugares, como em Amsterdã,
Hamburgo, Veneza, etc., as letras de câmbio estrangeiras são pagas pelo
que chamam de dinheiro bancário (bank money); em outros, como
Londres, Lisboa, Antuérpia, Leghorn, etc., são pagos na moeda corrente
do país. O valor do dinheiro bancário é sempre maior do que a mesma
quantia nominal de moeda corrente. Em Amsterdã, mil florins bancários,
por exemplo, valem mais do que mil florins em moeda corrente. A
diferença entre esses dois valores é chamada de ágio do banco, que, em
Amsterdã, costuma ser de 5%. Imaginemos que a moeda corrente dos
dois países esteja igualmente próxima do padrão de suas respectivas casas
da moeda e que o primeiro paga as letras estrangeiras em moeda
corrente, enquanto o outro as paga em dinheiro bancário; é evidente que
o câmbio calculado poderá estar a favor do país que paga com dinheiro
bancário, embora o câmbio real esteja a favor de quem paga com
dinheiro corrente; pela mesma razão que o câmbio calculado poderá
estar a favor daquele que paga com o melhor dinheiro ou com o dinheiro
que mais se aproxima de seu padrão, embora o câmbio real esteja a favor
daquele que paga com a pior moeda. O câmbio calculado, antes da última
reforma da moeda de ouro, costumava ser contra Londres em relação a
Amsterdã, Hamburgo, Veneza e, acredito, a todos os outros lugares que
pagavam em dinheiro bancário. De modo algum podemos concluir que o
câmbio real era desfavorável a Londres. Mas, desde a reforma da moeda
de ouro, o câmbio tem sido favorável a Londres, mesmo em relação a
esses lugares. O câmbio calculado tem sido geralmente favorável a
Londres em relação a Lisboa, Antuérpia, Livorno e, se excetuarmos a
França, acredito, em relação à maioria das outras regiões da Europa que
pagam em moeda corrente comum; e não é improvável que o mesmo
também ocorra com o câmbio real.

Digressão sobre os bancos de depósito,


particularmente o de Amsterdã427
A moeda corrente de um grande estado, como a França ou a Inglaterra,
costuma ser formada quase inteiramente por sua própria moeda
metálica. Portanto, caso essa moeda esteja, a qualquer momento,
desgastada, lascada ou, por qualquer outro motivo, abaixo de seu valor-
padrão, o estado poderá reformá-la para que seja efetivamente aceita
como meio de pagamento. Mas a moeda corrente de um Estado pequeno,
tal como Gênova ou Hamburgo, é raramente formada somente por suas
próprias peças de moeda, mas compõe-se, em grande medida, de moedas
de todos os Estados vizinhos com os quais seus habitantes mantêm um
comércio constante. Esse tipo de Estado, portanto, nem sempre será
capaz de reformar sua moeda corrente por meio da reforma de suas peças
de moedas individuais. Quando letras de câmbio estrangeiras são pagas
com essa moeda corrente, o valor incerto de qualquer quantia, que já é
tão incerto por sua própria natureza, deixará o câmbio sempre muito
desfavorável a esse Estado; e, em todos os Estados estrangeiros, o valor de
sua moeda ficará necessariamente abaixo de seu efetivo valor.
A fim de remediar o inconveniente a que estariam expostos os
comerciantes por causa desse câmbio desvantajoso, os Estados pequenos,
assim que começaram a apoiar os interesses do comércio, passaram a
decretar que as letras de câmbio estrangeiras acima de um determinado
valor deixariam de ser pagas em moeda corrente; estas seriam pagas por
meio de ordem ou registro nos livros de um determinado banco,
estabelecido com crédito e proteção do Estado; o banco está sempre
obrigado a pagar com moeda boa e exatamente de acordo com o padrão
do Estado. Os bancos de Veneza, Gênova, Amsterdã, Hamburgo e
Nuremberg parecem ter sido originalmente fundados com essa visão,
embora alguns deles possam, posteriormente, ter assumido outros fins. O
dinheiro desses bancos era melhor que a moeda corrente do país e, por
isso, possuía um ágio que podia ser maior ou menor, dependendo de a
moeda estar supostamente muito ou pouco abaixo do padrão do Estado.
O ágio do banco de Hamburgo, por exemplo — que costuma ser de
aproximadamente 14% — é a suposta diferença entre a boa moeda-
padrão do Estado e a moeda lascada e desgastada que ali chega, vinda de
todos os Estados vizinhos.
Antes de 1609, a grande quantidade de moedas estrangeiras lascadas
e desgastadas, trazidas de todas as regiões da Europa pelo amplo
comércio de Amsterdã, reduziu o valor de sua moeda em 9% abaixo da
excelente moeda recém-saída de sua Casa da Moeda. Mas, assim que
surgia, tal moeda era rapidamente derretida ou levada para fora, como
sempre acontece nessas circunstâncias. Os comerciantes, com muita
moeda corrente, nem sempre conseguiam encontrar quantidade
suficiente de moedas em bom estado para pagar suas letras de câmbio; e
o valor dessas letras, apesar das várias regulações feitas para evitar tal
fato, tornou-se bastante incerto.
A fim de remediar essas situações inconvenientes, foi fundado, em
1609, um banco sob a garantia da cidade. Esse banco recebia tanto as
moedas estrangeiras como as próprias moedas leves e desgastadas por
seu valor intrínseco, mensurado pela moeda-padrão e em bom estado do
país; deduzia apenas o valor necessário para pagar as despesas de
cunhagem e outras despesas administrativas necessárias. O valor que
sobrava após essa pequena dedução era registrado como crédito em seus
livros. Esse crédito foi chamado de dinheiro bancário, o qual, por ser
uma representação exata do dinheiro de acordo com o padrão da Casa da
Moeda, possuía sempre o mesmo valor real e, intrinsecamente, valia mais
do que a moeda corrente. Ao mesmo tempo, estabeleceu-se que todas as
letras emitidas ou negociadas em Amsterdã com montante superior a 600
florins deveriam ser pagas em dinheiro bancário, ato que acabou de uma
vez por todas com a incerteza sobre o valor dessas letras. Como
consequência desse regulamento, todo comerciante foi obrigado a ter
uma conta no banco para que pudesse pagar suas letras de câmbio
estrangeiras, o que necessariamente gerou uma certa demanda por
dinheiro bancário.
O dinheiro bancário, além de sua superioridade intrínseca à moeda
corrente e do valor adicional que essa demanda obrigatoriamente lhe
oferece, tem do mesmo modo algumas outras vantagens. Está assegurado
contra o fogo, o roubo e outros acidentes; a cidade de Amsterdã é sua
garantidora; ele pode ser pago por meio de uma simples transferência,
sem o problema dos erros de contagem ou o risco de transportá-lo de um
lugar para outro. Em consequência dessas diferentes vantagens, parece
que o dinheiro bancário sempre carregou um ágio; e, em geral, acredita-
se que todo o dinheiro originalmente depositado no banco pode
permanecer lá, pois ninguém quis exigir o pagamento de uma dívida que
poderia ser vendida no mercado com um prêmio. Ao exigir o pagamento
do banco, o titular de um crédito bancário perderia esse prêmio. Assim
como 1 xelim que acabou de sair da Casa da Moeda não poderá comprar
mais bens no mercado do que um dos nossos velhos xelins desgastados, o
mesmo vale para a moeda de boa qualidade que tenha sido sacada dos
cofres do banco e levada para a casa de um indivíduo, pois ela será
misturada e confundida com a moeda corrente do país, passando a valer
tanto quanto ela: a distinção imediata entre uma e outra moeda deixa de
existir. Enquanto estava nos cofres do banco, sua superioridade era
conhecida e assegurada. Ao passar para as mãos de um particular, sua
superioridade já não pode mais ser assegurada sem que isso incorra,
talvez, em um problema maior do que pode ser sugerido apenas pela
diferença entre os dois valores. Além disso, ao ser retirada dos cofres do
banco, ela perde todos os outros benefícios do dinheiro bancário:
segurança, fácil e segura transferibilidade e uso para o pagamento de
letras de câmbio estrangeiras. De mais a mais, conforme veremos adiante,
a moeda não poderia ser retirada dos cofres sem o pagamento prévio das
taxas de depósito e manutenção.
Os depósitos em moeda, ou os depósitos que o banco era obrigado a
restaurar em moeda, constituíam o capital original do banco, ou o total
do valor representado pelo dinheiro bancário. Acredita-se que
atualmente que esses valores constituem apenas uma pequena parte do
capital dos bancos. A fim de facilitar o comércio em metal, o banco tem,
há muitos anos, se valido da prática de conceder crédito em seus livros
sobre depósitos de lingotes de ouro e de prata. O crédito costuma ser
cerca de 5% menor que o preço praticado pela Casa da Moeda para o
mesmo lingote. Ao mesmo tempo, o banco concede um recibo ou
certificado que dá direito ao depositário ou ao portador reaver o lingote a
qualquer momento após seis meses, depois de transferir para o banco
uma quantidade em dinheiro bancário igual ao crédito que havia sido
concedido em seus livros na época do depósito e de pagar 0,25% de taxa
de manutenção para o depósito realizado em prata e 0,5%, para o
depósito em ouro; mas, ao mesmo tempo, declara que, por omissão de tal
pagamento, e após a expiração desse prazo, o depósito deverá pertencer
ao banco, ao preço em que havia sido recebido ou pelo qual o crédito
havia sido concedido nos livros de transferência. O valor pago pela
manutenção do depósito pode ser considerado uma espécie de renda pela
armazenagem (aluguel de armazém); várias razões foram supostas para
justificar o fato de o preço dessa renda de armazenagem ser muito mais
elevado para o ouro do que para a prata. Dizem que o grau de pureza do
ouro é mais difícil de ser verificado do que o da prata. Assim, o ouro fica
mais sujeito às fraudes e causa perdas maiores no metal mais precioso.
Além disso, já que a prata é o metal-padrão, dizem que o Estado prefere
incentivar mais os depósitos de prata do que os de ouro.
Os metais são, em geral, depositados quando o preço está um pouco
abaixo do normal e são retirados novamente quando o preço sobe. Na
Holanda, o preço de mercado do lingote costuma ser mais alto que o da
Casa da Moeda pela mesma razão que era assim na Inglaterra antes da
última reforma da moeda de ouro. Diz-se que a diferença costuma ser de
aproximadamente 6 a 16 stivers por marco, ou 8 onças da prata
constituídas por onze partes puras e uma de liga. O preço do banco, ou o
crédito que o banco concede pelo depósito desse tipo de prata (quando
feita em moeda estrangeira com pureza bem conhecida e verificada,
como os dólares mexicanos), é de 22 florins por marco; o preço da Casa
da Moeda é de cerca de 23 florins, e o preço de mercado varia de 23
florins e 6 stivers a 23 florins e 16 stivers, ou de 2% a 3% acima do preço
da Casa da Moeda.428 As proporções entre o preço do banco, o preço da
Casa da Moeda e o preço de mercado do lingote de ouro são quase as
mesmas. Em geral, o recibo ou certificado de depósito pode ser vendido
pela diferença entre o preço da Casa da Moeda e o preço de mercado do
lingote. O recibo ou certificado quase sempre vale alguma coisa, e, por
isso, apenas muito raramente acontece de alguém deixar que ele expire
ou permitir que o seu lingote fique com o banco ao preço em que tinha
sido recebido na época do depósito, seja por não retirá-lo antes do final
do prazo de seis meses, seja por deixar de pagar a taxa de 0,25% ou 0,5%
para a obtenção de um novo recibo com validade de seis meses. Embora
isso somente aconteça raramente, dizem que, quando ocorre, ocorre com
maior frequência em relação ao ouro do que à prata por conta da taxa,
chamada de renda de armazenagem, mais alta para a guarda do metal
mais precioso.
A pessoa que, ao realizar o depósito de lingotes, recebe tanto um
crédito bancário quanto um recibo, paga suas letras de câmbio, conforme
vão vencendo, com o seu crédito bancário; e ou vende ou mantém o seu
recibo conforme seu julgamento sobre o preço do lingote, se aumentará
ou diminuirá. O recibo e o crédito bancário são raramente mantidos
juntos por muito tempo; e, na verdade, não há razão para que isso ocorra.
O portador de um recibo que deseja reaver o seu lingote sempre
encontrará um grande número de créditos ou dinheiro bancário para
comprar pelo preço ordinário; o portador de dinheiro bancário que quer
reaver seu lingote, da mesma forma, sempre encontrará um grande
número de recibos.
As pessoas que têm créditos bancários e os titulares de recibos
constituem dois tipos diferentes de credores do banco. O titular de um
recibo não pode retirar o lingote para o qual seu crédito foi concedido
sem entregar ao banco uma soma de dinheiro bancário igual ao preço
pelo qual o lingote foi recebido no momento do depósito. Se não tiver
dinheiro bancário próprio, essa pessoa deverá comprá-lo de quem o tem.
O proprietário de dinheiro bancário não pode retirar o lingote sem
apresentar ao banco os recibos que somem a quantidade desejada. E se
não os possui, deverá comprá-los de quem os tem. Quando o titular de
um recibo compra dinheiro bancário, ele compra o poder de retirar uma
quantidade de metal cujo preço da Casa da Moeda está 5% acima do
preço do banco. Portanto, o ágio de 5% que costuma pagar por isso é
pago por um valor real, e não por um valor imaginário. Quando o
proprietário de dinheiro bancário compra um recibo, ele compra poder
de retirar uma quantidade de metais cujo preço de mercado está entre 2%
e 3% acima do preço da Casa da Moeda. O preço que paga,
consequentemente, também é pago por um valor real. O preço do recibo
e o preço do dinheiro bancário compõem, entre eles, o valor total de
metal, isto é, o seu preço.
O banco também concede recibos e crédito por depósitos de moeda
corrente do país, mas esses recibos não costumam ter valor e, por isso,
não recebem preço no mercado. Pelo depósito de ducatões, por exemplo,
que na moeda corrente valem 3 florins e 3 stivers cada, o banco concede
um crédito de apenas 3 florins, ou 5% abaixo de seu valor atual. Da
mesma forma, concede um recibo que intitula o portador a sacar os
ducatões depositados a qualquer tempo dentro de seis meses e após o
pagamento de uma taxa de manutenção de 0,25%. Esse recibo não
costuma receber preço no mercado. Três guilders em dinheiro bancário
em geral valem no mercado 3 guilders e 3 stivers, o valor integral dos
ducatões se eles fossem retirados do banco. Em geral, se fossem retirados
do banco, o mercado compraria 3 florins em dinheiro bancário por 3
florins e 3 stivers, o valor cheio dos ducatões; e antes que eles possam ser
retirados, é preciso pagar a taxa de manutenção de 0,25%, representando
uma perda para o titular do recibo. Se o ágio do banco, no entanto, caísse
a qualquer momento para 3%, esses recibos poderiam obter algum preço
no mercado sendo vendidos por 1,75%. Mas, já que o ágio do banco está
atualmente na casa dos 5%, as pessoas deixam que esses recibos expirem,
ou, como se diz, passem para os cofres dos bancos. Os recibos entregues
pelos depósitos de ducados de ouro passam para os cofres dos bancos
com maior frequência, pois têm uma renda de armazenagem mais alta,
ou seja, uma taxa de administração de 0,5% deve ser paga para que
possam ser retirados. Os ganhos de 5% obtidos pelo banco quando os
depósitos em moeda ou lingotes passam para os seus cofres podem ser
considerados como uma renda de armazenagem pela manutenção
perpétua daqueles depósitos.
Deve ser bastante grande a soma do dinheiro bancário cujos recibos
expiram a favor do banco. A soma deve abarcar todo o capital original do
banco que, em geral, supõe-se ter sido autorizado a permanecer no banco
desde o momento em que foi depositado pela primeira vez, pois,
conforme as razões já assinaladas anteriormente, ninguém se preocuparia
em renovar seus recibos ou sacar seu depósito, uma vez que não haveria
como fazê-lo sem perdas. Mas independentemente da quantidade dessa
soma, supõe-se que a proporção entre ela e o volume total de dinheiro
bancário seja muito pequena. O banco de Amsterdã tem sido por muitos
anos a grande casa de depósitos ou armazém europeu de lingotes; os
titulares de seus recibos de depósito raramente os deixam expirar, ou,
como dizem, passar para o banco. Supõe-se que a maior parte do
dinheiro bancário, ou dos créditos escriturados nos livros do banco, foi
criada durante esses muitos anos por meio dos depósitos que os
negociantes de lingotes constantemente fazem e, depois, sacam.
Não se pode requisitar ao banco nenhum pagamento senão por meio
de um recibo ou certificado. O volume menor de dinheiro bancário cujos
recibos costumam expirar se mistura e se confunde com o volume muito
maior daquele com recibos ainda em vigor; dessa forma, mesmo que
ainda exista um volume considerável de dinheiro bancário sem recibo,
não há nenhuma soma ou parcela específica dele que não possa, a
qualquer momento, ser exigida do banco por meio de um recibo. O
banco não pode ser devedor da mesma soma a duas pessoas diferentes; e
o proprietário de dinheiro bancário sem recibo não poderá exigir o seu
pagamento sem antes ter comprado um recibo. Em tempos normais e
tranquilos, não há nenhuma dificuldade em se comprar um recibo ao
preço de mercado, que geralmente corresponde ao preço pelo qual é
possível vender a moeda ou o lingote cujo recibo permite retirá-los do
banco.
Isso não é o que ocorre durante uma calamidade pública: uma
invasão como, por exemplo, a francesa de 1672. Nesse caso, todos os
proprietários de dinheiro bancário desejam sacá-lo do banco para tê-lo
em sua própria guarda; assim, a demanda por recibos pode elevar o seu
preço a um valor exorbitante. Os seus titulares podem criar expectativas
extravagantes e, em vez de 2% ou 3%, exigir metade daquele dinheiro
bancário para o qual foi assinalado um crédito sobre os depósitos que
geraram seus respectivos recibos. O inimigo, informado sobre a estrutura
do banco, poderia até comprar os recibos a fim de evitar a retirada do
tesouro. Nessas emergências, o banco desobedeceria à sua regra comum
de pagar somente aos titulares de recibos. Os titulares de recibos que não
tinham dinheiro bancário receberiam entre 2% ou 3% do valor do
depósito para o qual foram concedidos os respectivos recibos. Portanto,
diz-se que, nesse caso, o banco não teria escrúpulo algum em pagar com
dinheiro ou lingote o valor total daquilo que os proprietários de dinheiro
bancário, sem recibo, tivessem creditado em seus livros; e, ao mesmo
tempo, pagariam 2% ou 3% aos titulares de recibos que não tivessem
dinheiro bancário, pois este seria o valor integral que, em tais
circunstâncias, seria justamente devido a eles.
Mesmo em tempos normais e tranquilos, os titulares de recibos têm
interesse em diminuir o ágio para que possam comprar dinheiro
bancário (e, consequentemente, os lingotes, que seus recibos lhes
permitiriam sacar do banco) a preços muito mais baixos, ou vender seus
recibos para aqueles que têm dinheiro bancário e que querem sacar metal
a preços muito mais altos; o preço de um recibo que é geralmente igual à
diferença entre o preço de mercado do dinheiro bancário e o preço de
mercado da moeda ou do lingote para o qual o recibo havia sido
concedido. Pelo contrário, os proprietários de dinheiro bancário têm
interesse em elevar o ágio para vender o seu dinheiro bancário a preços
mais altos, ou para comprar um recibo a preços muito baixos. Para evitar
fraudes e golpes que aqueles interesses opostos poderiam ocasionalmente
gerar, o banco, nos últimos anos, resolveu vender seu dinheiro bancário
por moeda corrente com um ágio de 5%, recomprando-o com ágio de
4%. Em consequência dessa resolução, o ágio nunca poderá superar os
5% ou ficar abaixo de 4%, e a proporção entre o preço de mercado do
dinheiro bancário e o da moeda corrente deve, a todo momento, ser
mantida muito próxima da proporção entre seus valores intrínsecos.
Antes de essa resolução ter sido tomada e conforme o mercado era
influenciado por interesses opostos, o preço de mercado do dinheiro
bancário costumava, às vezes, elevar o ágio a valores que chegavam a 9%
e, às vezes, derrubá-lo até chegar à paridade.
O banco de Amsterdã afirma não emprestar parte alguma de seus
depósitos e declara que, para cada florim a que concede crédito em seus
livros, mantém em seus cofres o valor de 1 florim, seja em moeda, seja
em lingote.429 Não há dúvida de que o banco mantém em seus cofres
todas as moedas ou lingotes para os quais há recibos em vigor, pois estes
podem ser requisitados a qualquer momento e, na realidade, são
depositados e retirados de seus cofres de forma contínua. Um tema mais
incerto, no entanto, é saber se o banco faz o mesmo com a parte de seu
capital cujos recibos já expiraram há muito tempo — os quais, em épocas
ordinárias e calmas, não podem ser requisitados e que, na realidade,
provavelmente permanecerão nos cofres do banco para sempre ou pelo
tempo de existência dos Estados das Províncias Unidas. Em Amsterdã,
no entanto, não há artigo da fé mais bem estabelecido do que aquele que
diz que para cada florim que circula como dinheiro bancário há 1 florim
correspondente em ouro ou prata no tesouro do banco. A cidade é a
garantidora dessa situação. O banco é administrado por quatro
burgomestres, que são trocados a cada ano. Cada novo grupo de
burgomestres visita o tesouro, compara-o com os livros, recebe-o
mediante juramento e, com a mesma solenidade terrível, o entrega para o
grupo seguinte; e sabemos que naquela região sóbria e religiosa os
juramentos ainda não são deixados de lado. Isoladamente, somente esse
tipo de rotatividade já parece ser segurança suficiente contra quaisquer
práticas não admitidas. Em meio a todas as revoluções políticas do
governo de Amsterdã, o partido vencedor nunca acusou seus
antecessores de má administração do banco. Nenhuma acusação afetaria
mais profundamente a reputação e a sorte do partido perdedor; e, caso
existissem provas para uma acusação desse tipo, estamos certos de que
ela teria sido apresentada. Em 1672, quando o rei francês estava em
Utrecht, o banco de Amsterdã pagava tão prontamente que não deixava
nenhuma dúvida da fidelidade com que observava seus compromissos.
Algumas das moedas que foram então trazidas de seus depósitos
pareciam ter sido marcadas pelo incêndio que ocorreu no prédio logo
após a fundação do banco. Essas moedas, portanto, deviam estar lá desde
aquela época.
A quantidade de moeda entesourada no banco é uma questão que há
muito tempo visita as especulações dos curiosos. Apenas conjecturas
podem ser oferecidas. Calcula-se que cerca de 2 mil pessoas têm conta no
banco; supondo-se que cada uma delas tenha o valor de 1.500 libras
esterlinas em suas respectivas contas (uma suposição alta), o total de
dinheiro bancário e, consequentemente, de seu tesouro, será de cerca de 3
milhões de libras esterlinas, ou, a 11 florins a libra esterlina, 33 milhões
de florins; uma grande soma, suficiente para manter uma circulação
bastante extensa, mas extremamente menor que o volume extravagante
imaginado por algumas pessoas.
A cidade de Amsterdã obtém uma receita considerável do banco.
Além daquilo que pode ser chamado renda de armazenagem — a taxa
anteriormente mencionada —, ao abrir uma conta no banco, cada pessoa
paga uma taxa de 10 florins; e, para cada nova conta, 3 florins e 3 stivers;
2 stivers para cada transferência; e se a transferência for menor que 300
florins, pagam-se 6 stivers para desencorajar a multiplicação de pequenas
transações. Quem deixa de ajustar suas contas duas vezes ao ano perde 25
florins. Quem ordena a transferência de soma maior do que possui em
conta é obrigado a pagar 3% sobre o excedente sacado, e sua ordem fica
reduzida ao valor existente em sua conta. O banco, supostamente,
também obtém lucro considerável com a venda de moedas estrangeiras
ou lingotes que às vezes passam a lhe pertencer pela expiração de seus
recibos, os quais são sempre mantidos até que possam ser vendidos com
vantagem. Também obtém lucro ao vender dinheiro bancário com ágio
de 5% e comprá-lo com ágio de 4%. Esses diferentes emolumentos
somados atingem um montante que ultrapassa bastante o valor
necessário para pagar os salários de seus funcionários e cobrir as
despesas de gestão. Supõe-se que o montante pago pela guarda de
lingotes mediante recibo atinge uma receita anual líquida entre 150 mil e
200 mil florins. O objetivo original dessa instituição, no entanto, era o
serviço público, e não as receitas. Seu objetivo era resguardar os
comerciantes dos inconvenientes do câmbio desvantajoso. As receitas do
banco foram um efeito imprevisto e podem ser consideradas acidentais.
Mas agora devemos deixar de lado essa longa digressão a que fui levado
insensivelmente para tentar explicar as razões pelas quais o câmbio entre
os países que utilizam dinheiro bancário como meio de pagamento e
aqueles que utilizam moeda corrente parece, em geral, estar a favor do
primeiro e contra o último. Os primeiros pagam em uma espécie de
dinheiro cujo valor intrínseco é sempre o mesmo, mantendo o padrão de
suas respectivas casas da moeda; os outros pagam em uma espécie de
dinheiro cujo valor intrínseco está em contínua flutuação, quase sempre
um pouco mais ou um pouco menos abaixo do padrão.

Parte II – O absurdo das restrições


extraordinárias em relação a outros
princípios
Na parte precedente deste capítulo, tentei mostrar que, mesmo com base
nos princípios do sistema comercial, é desnecessário estipular restrições
extraordinárias sobre a importação de mercadorias dos países com os
quais a balança comercial está supostamente desfavorável.
Nada, no entanto, é mais absurdo do que toda essa doutrina da
balança comercial que fundamenta não só essas restrições, mas quase
todos os outros regulamentos do comércio. De acordo com essa doutrina,
quando há comércio entre duas regiões, se a balança estiver equilibrada,
nenhum deles perde ou ganha; mas se ela se inclina para um lado, um
deles perde e o outro ganha proporcionalmente à exata inclinação da
balança comercial. As duas suposições são falsas. Conforme procurarei
demonstrar adiante, um comércio forçado por meio de subsídios e
monopólios pode ser, e normalmente é, desvantajoso ao país em cujo
favor é estabelecido. No entanto, o comércio que, sem força nem
constrangimento, se realiza de forma natural e regular entre duas regiões
é sempre vantajoso, embora nem sempre para ambas as partes.
Pelos termos vantagem ou ganho entendo o aumento da quantidade
do valor de troca do produto anual da terra e do trabalho do país ou o
aumento do rendimento anual de seus habitantes, não o aumento da
quantidade de ouro e prata.
Se a balança está equilibrada e se o comércio entre as duas regiões
consiste na troca de suas mercadorias nacionais, então, na maioria das
vezes, as duas regiões não só saem ganhando, mas ganharão igualmente
ou quase igualmente; cada uma delas, nesse caso, oferecerá um mercado
para uma parte do produto excedente da outra: cada uma repõe o capital
que foi empregado para produzir e preparar para a venda a parte do
produto excedente da outra, a qual é distribuída, gera rendimentos e
sustenta um determinado número de habitantes das duas regiões. Em
consequência, uma parte dos habitantes de cada região obterá da outra,
de forma indireta, seu rendimento e sustento. As mercadorias trocadas
devem ser supostamente de igual valor; dessa forma, os dois capitais
empregados no comércio serão, na maioria das vezes, iguais ou quase
iguais; e já que ambos serão aplicados para aumentar as mercadorias
nacionais dos dois países, o rendimento e o sustento obtidos por sua
distribuição aos habitantes de cada país serão iguais ou quase iguais. O
rendimento e o sustento, assim mutuamente oferecidos, serão maiores ou
menores em proporção ao volume de suas negociações. Se, por exemplo,
as negociações atingirem o volume de 100 mil ou 1 milhão de libras por
ano em cada país, cada um deles produzirá um rendimento anual de 100
mil libras aos habitantes do outro país no primeiro caso e de 1 milhão no
segundo.
Se o comércio entre eles fosse de tal natureza que um deles exportasse
para o outro somente as suas mercadorias nacionais, enquanto os
retornos do outro fossem completamente formados por bens
estrangeiros; a balança comercial, neste caso, ainda estaria supostamente
em equilíbrio, pois se pagam mercadorias com mercadorias. Nesse caso,
também, ambos ganhariam, mas não igualmente; e os habitantes do país
que apenas exportou suas mercadorias nacionais teriam um maior
rendimento do comércio. Se, por exemplo, a Inglaterra importasse da
França somente as mercadorias nacionais daquele país e, não possuindo a
Inglaterra os bens demandados pela França, efetuasse seu pagamento
pelo envio anual de uma grande quantidade de bens estrangeiros, como
tabaco, podemos supor, bem como mercadorias da Índia Oriental, esse
comércio, embora fornecesse alguma renda aos habitantes de ambos os
países, ofereceria uma maior renda aos da França que aos da Inglaterra.
A integralidade do capital francês empregado anualmente nesse comércio
seria distribuída entre os habitantes franceses. Mas entre os habitantes da
Inglaterra seria distribuída apenas a parte do capital inglês que foi
empregada para produzir as mercadorias inglesas com as quais os bens
estrangeiros foram comprados. A maior parte desse capital seria usada
para repor os capitais empregados na Virgínia, no Hindustão e na China;
capitais estes que ofereceram rendimento e subsistência aos habitantes
desses países longínquos. Se os capitais fossem iguais ou quase iguais,
portanto, esse emprego do capital francês faria aumentar muito mais o
rendimento do povo da França do que o emprego do capital inglês faria
aumentar o rendimento do povo da Inglaterra. Nesse caso, o comércio
externo de bens de consumo realizado pela França com a Inglaterra seria
direto; a Inglaterra realizaria um comércio exterior de mesmo tipo, mas
indireto, com a França. Os diferentes efeitos de um capital empregado no
comércio exterior de bens de consumo direto ou indireto já foram
explicados anteriormente.
É provável que não encontremos no mundo dois países cujo comércio
consista totalmente na troca de mercadorias nacionais de ambos os lados
ou de mercadorias nacionais de um lado e de mercadorias estrangeiras
do outro. Quase todos os países fazem trocas que mesclam bens
nacionais e estrangeiros. No entanto, o principal ganhador será sempre o
país cuja carga de mercadorias contenha maior proporção de bens
nacionais e menor de bens estrangeiros.
Se a Inglaterra não pagasse as mercadorias importadas anualmente da
França com tabaco e bens da Índia Oriental, mas com ouro e prata,
supõe-se que, nesse caso, a balança seria desigual, pois as mercadorias já
não estariam sendo pagas com outras mercadorias, mas com ouro e
prata. Assim como no exemplo anteriormente exposto, o comércio
ofereceria algum rendimento para os habitantes de ambos os países, mas
mais aos da França que aos da Inglaterra. Ofereceria, também,
rendimento aos habitantes da Inglaterra. O capital que havia sido
aplicado para produzir os bens ingleses que serviriam para comprar esse
ouro e prata, o capital que havia sido distribuído entre os ingleses e
oferecido rendimentos a determinados habitantes da Inglaterra seria,
desse modo, reposto, permitindo a continuidade da mesma aplicação.
Todo o capital da Inglaterra não ficaria mais diminuído por essa
exportação de ouro e de prata do que pela exportação de um valor igual
de quaisquer outros bens. Pelo contrário, o capital, na maioria dos casos,
aumentaria. Os países somente exportam aqueles bens cuja demanda é
supostamente maior no exterior do que no âmbito doméstico e cujos
retornos terão maior valor internamente do que as mercadorias
exportadas. Na Inglaterra, o tabaco vale apenas 100 mil libras; com esse
valor é possível comprar o vinho da França que, na Inglaterra, vale 110
mil libras. A troca, assim, aumentará o capital da Inglaterra em 10 mil
libras. Quando, da mesma forma, 100 mil libras de ouro compram o
vinho da França que, na Inglaterra, vale 110 mil libras, essa troca também
aumentará o capital da Inglaterra em 10 mil libras. Um comerciante que,
em sua adega, tenha 110 mil libras em vinhos é um homem mais rico do
que aquele que tenha apenas 100 mil libras de tabaco em seu armazém;
assim, ele também é mais rico do que quem, em seus cofres, tenha apenas
100 mil libras em ouro. O primeiro pode pôr em movimento uma maior
quantidade de trabalho e também pode entregar rendimentos,
subsistência e emprego a um número maior de pessoas do que qualquer
um dos outros dois últimos. Mas o capital de um país é igual à soma dos
capitais de todos os seus habitantes; e a quantidade de trabalho que pode
ser anualmente mantida no país é igual à quantidade de trabalho que
pode ser sustentada por todos esses capitais. Portanto, esse tipo de
comércio, em geral, causa o aumento tanto do capital quanto da
quantidade de trabalho que pode ser sustentada anualmente pelo país.
Seria, de fato, mais vantajoso para a Inglaterra se ela comprasse os vinhos
da França pagando-os com seus instrumentos feitos de ferro e com seus
tecidos do que com o tabaco da Virgínia, ou com o ouro e a prata
trazidos do Brasil e do Peru. O comércio exterior de bens de consumo
direto é sempre mais vantajoso do que o indireto.
Mas quando o comércio exterior de bens de consumo indireto é
realizado com ouro e prata, ele não se mostra menos vantajoso do que
qualquer outro comércio exterior indireto. Um país que não tenha minas
próprias não está mais exposto a esgotar seu ouro e sua prata pela
exportação anual desses metais quanto um país que não planta tabaco,
pela exportação anual desse vegetal. Assim como nunca faltará tabaco
por muito tempo a um país que tenha meios para comprá-lo, também
não faltará ouro e prata por muito tempo àqueles que tenham meios para
comprá-los.430
Dizem que o comércio realizado entre o trabalhador e uma taverna é
um mau negócio; o comércio que uma nação manufatureira
naturalmente realizasse com um país produtor de vinhos também pode
ser considerado como um comércio da mesma natureza. Eu acredito que
o comércio com a taverna não é necessariamente um mau comércio. Em
sua própria natureza, ele é tão vantajoso como qualquer outro comércio,
embora, talvez, um pouco mais suscetível a incorrer em certos abusos. O
emprego de um mestre-cervejeiro e até mesmo o de um varejista de
bebidas alcoólicas fazem parte das divisões do trabalho tão necessárias
como quaisquer outras. Em geral, será mais vantajoso se um trabalhador
comprar do cervejeiro a quantidade de que precisa do que ele mesmo
fazer a sua cerveja; e se ele for um trabalhador pobre, será geralmente
mais vantajoso comprá-la aos poucos do varejista do que comprar uma
grande quantidade do cervejeiro. Sem dúvida, o trabalhador poderia
comprar em excesso de qualquer um, como ele poderia comprar em
demasia de outros negociantes de sua vizinhança, talvez do açougueiro,
se for um glutão, ou do vendedor de tecidos, se, entre seus companheiros,
ele quiser parecer um dândi elegante. É vantajoso para a grande massa de
trabalhadores, não obstante, que todas essas atividades sejam livres,
mesmo que tal liberdade possa sofrer abusos em todas elas (e em
algumas atividades será provavelmente mais abusada que em outras).
Embora os indivíduos possam às vezes arruinar suas fortunas pelo
consumo excessivo de bebidas alcoólicas, não parece haver nenhum risco
de que uma nação também o faça. Embora existam em todos os países
muitas pessoas que gastem mais do que podem pagar com bebidas
alcoólicas, a quantidade de pessoas que gastam menos é sempre maior.
Também é preciso notar que, ao consultarmos a experiência, o baixo
preço do vinho parece ser a causa da sobriedade, não da embriaguez. Os
habitantes de países produtores de vinho são, em geral, as pessoas mais
sóbrias da Europa; testemunha disso são os espanhóis, os italianos e os
habitantes das províncias do sul da França. As pessoas raramente
cometem excessos em suas tarefas cotidianas. Ninguém se mostra
generoso e companheiro ao esbanjar com um licor, uma bebida que é tão
barata quanto uma cerveja ordinária. Pelo contrário, nos países em que,
seja pelo calor ou pelo frio excessivo, não se produzem uvas e onde o
vinho, consequentemente, é caro e raro, a embriaguez é um vício comum;
isso é o que ocorre nas nações setentrionais e na zona intertropical, por
exemplo, entre os negros da costa da Guiné. Me dizem ter observado que,
quando um regimento francês de algumas províncias setentrionais da
França, onde o vinho é um pouco caro, aquartela-se no sul, onde é muito
barato, os soldados de início degeneram-se pelo baixo preço e pela
novidade do bom vinho, mas, depois de alguns meses de residência, a
maior parte deles se torna tão sóbria quanto o resto dos habitantes. Se as
taxas aduaneiras sobre os vinhos estrangeiros e a tributação seletiva sobre
o malte e a cerveja fossem retiradas de uma só vez, isso, da mesma forma,
poderia ocasionar uma embriaguez generalizada e temporária na Grã-
Bretanha entre as classes intermediárias e baixas, a qual logo seria
provavelmente seguida por uma sobriedade permanente e quase
universal. No momento, a embriaguez não é de forma alguma o vício das
pessoas elegantes ou daqueles que podem facilmente pagar as bebidas
alcoólicas mais caras. Raramente vemos entre nós um cavalheiro
embriagado com cerveja. Na Grã-Bretanha, além disso, as restrições
sobre o comércio de vinho não parecem ter sido criadas nem para
impedir que as pessoas frequentem, se me permitem dizê-lo, a taverna,
nem para impedir que comprem a melhor e mais barata bebida alcoólica
onde quer que a encontrem. Favorecem o comércio de vinhos de
Portugal e desencorajam o da França. Dizem que os portugueses são
melhores clientes que os franceses para as nossas manufaturas inglesas, e
devem, portanto, ser encorajados e preferidos aos franceses. Assim como
eles nos dão sua preferência, deveríamos dar-lhes a nossa. É dessa forma
que, a partir das artes furtivas de comerciantes subalternos, são
construídos esses preceitos políticos que guiam um grande império: pois
empregar principalmente seus próprios clientes é regra apenas para os
comerciantes mais subalternos. Um grande comerciante sempre compra
suas mercadorias onde são mais baratas e melhores, sem levar em
consideração pequenos interesses desse tipo.
Entretanto, as nações foram ensinadas por preceitos como esses que
seus interesses consistiam em empobrecer todos os seus vizinhos. Fez-se
com que cada uma das nações lançasse um olhar invejoso sobre a
prosperidade de todas as outras nações com as quais realizava trocas
comerciais, e que cada uma delas considerasse os ganhos das outras
como sua própria perda. O comércio, que, entre as nações e os
indivíduos, deveria constituir um vínculo de união e amizade, tornou-se
a fonte mais fértil de discórdia e animosidade. Durante este século e o
anterior, a ambição caprichosa de reis e ministros não tem sido mais fatal
para a tranquilidade da Europa do que o ciúme impertinente de
comerciantes e manufaturadores. A violência e a injustiça dos
governantes da humanidade são um mal antigo, para o qual, receio, a
natureza dos assuntos humanos mal consegue conceber um remédio
qualquer. Mas, embora a cobiça vil e o espírito monopolizador dos
comerciantes e dos manufaturadores — que não são nem deveriam ser
governantes da humanidade — talvez não possam ser corrigidos, podem
muito bem ser impedidos de perturbar a tranquilidade de outras pessoas,
exceto a deles mesmos.
Não há dúvida de que essa doutrina foi inventada e propagada pelo
espírito do monopólio; e aqueles que a ensinavam não eram de modo
algum tão tolos como aqueles que nela acreditavam. Em todos os países,
sempre é e deve sempre ser interesse da população em geral comprar
tudo o que quiser daqueles que vendem por preços mais baixos.
A proposição se apresenta tão clara que parece ser ridículo
preocupar-se com prová-la verdadeira; e nunca teria sido questionada
não fossem os argumentos enganosos e egoístas de comerciantes e
manufaturadores que desorientaram o senso comum da humanidade. O
interesse deles, a esse respeito, é diretamente oposto ao interesse da
população em geral. Assim como os homens livres de uma corporação
têm interesse em impedir que os habitantes empreguem quaisquer outros
trabalhadores exceto eles mesmos, os comerciantes e manufaturadores de
todos os países também têm interesse em garantir o monopólio do
mercado doméstico somente para eles. Daí a Grã-Bretanha e a maioria
dos outros países europeus possuírem taxas aduaneiras extraordinárias
sobre quase todos os bens importados por comerciantes estrangeiros. Daí
as altas taxas e proibições sobre todas as manufaturas estrangeiras que
poderiam concorrer com as nossas próprias manufaturas. Daí, também,
as restrições extraordinárias impostas sobre a importação de quase todos
os tipos de mercadoria dos países com os quais a balança comercial é
supostamente desvantajosa; ou seja, aqueles contra os quais a
animosidade nacional está mais violentamente inflamada.
Mas, embora a riqueza de uma nação vizinha seja perigosa para a
guerra e a política, ela é certamente vantajosa para o comércio. Em
tempos de hostilidade, a riqueza permite que nossos inimigos sustentem
frotas e exércitos superiores aos nossos; mas, em períodos de paz e de
comércio, ela, da mesma forma, lhes permite que realizem trocas
comerciais mais valiosas e que tenham um mercado melhor, seja para o
produto direto de nossa própria indústria, seja para tudo o que é
comprado com esse mesmo produto. Uma pessoa rica pode ser um
cliente melhor que a pobre para os trabalhadores de sua vizinhança; o
mesmo vale para uma nação rica e sua vizinhança. De fato, alguém que é
rico e também manufaturador é um vizinho muito perigoso para todos
aqueles que realizam o mesmo tipo de atividade. No entanto, todas as
outras pessoas da vizinhança, ou a grande maioria delas, lucram com o
bom mercado que as despesas da pessoa rica lhes oferece; também
lucram, inclusive, por a pessoa rica vender mais barato que os
trabalhadores mais pobres que realizam o mesmo negócio. Sem dúvida,
os manufaturadores de uma nação rica podem, da mesma forma, ser
rivais muito perigosos dos manufaturadores de sua vizinhança. Mas essa
própria concorrência é vantajosa para a população em geral, que lucra
muito mais com o bom mercado que, por muitas outras formas, as
grandes despesas de uma nação desse tipo lhe oferece. Os indivíduos que
querem fazer uma fortuna nunca pensam em ir embora para as
províncias mais remotas e pobres do país, mas se estabelecem na capital
ou em algumas das grandes cidades comerciais do país. Eles sabem que
onde há pouca riqueza circulando há pouco a se ganhar, mas que, onde
há grande circulação de riquezas, é possível que alguma parte dela
chegue até suas mãos. Os mesmos preceitos que, dessa maneira, guiam o
sentido comum de um, dez, ou vinte indivíduos devem determinar o
julgamento de um, dez, ou vinte milhões, e devem fazer com que uma
nação inteira considere as riquezas de seus vizinhos como a causa
provável e oportunidade para adquirir suas próprias riquezas. Uma nação
que queira enriquecer-se por meio do comércio exterior terá mais
chances de fazê-lo quando seus vizinhos são nações ricas, trabalhadoras e
mercantis. Uma grande nação cercada por selvagens errantes e bárbaros
pobres pode, sem dúvida, adquirir riquezas com o cultivo de suas
próprias terras e com o seu comércio doméstico, mas não com comércio
exterior. Os antigos egípcios e os chineses modernos parecem ter
adquirido suas riquezas dessa forma. Dizem que os antigos egípcios
negligenciaram o comércio exterior e que os chineses modernos o viam
com extremo desprezo e mal se deram ao trabalho de lhe oferecer a
proteção decente das leis. Os preceitos modernos do comércio exterior
visam ao empobrecimento de todos os nossos vizinhos e, em vez de
produzir os efeitos desejados, tendem a tornar esse comércio muito
insignificante e desprezível.
Como consequência desses preceitos, o comércio entre a França e a
Inglaterra ficou sujeito, em ambos os países, a muitos desestímulos e
restrições. Se esses dois países, no entanto, considerassem seus
verdadeiros interesses, sem ciúmes mercantis nem animosidades
nacionais, o comércio entre a França e a Grã-Bretanha poderia ser mais
vantajoso para ambos do que o comércio deles com quaisquer outros
países. A França é o vizinho mais próximo da Grã-Bretanha. Assim,
poder-se-ia esperar que, semelhante ao comércio interno, o comércio
entre a costa sul da Inglaterra e as costas norte e nordeste da França traria
retornos quatro, cinco ou seis vezes ao ano. Portanto, nesses dois países, o
capital empregado em tal comércio poderia, em cada um, manter em
movimento quatro, cinco ou seis vezes a quantidade de trabalho e
garantir emprego e subsistência para quatro, cinco ou seis vezes mais
pessoas que um capital igual em relação à maior parte dos outros ramos
do comércio exterior. Entre as regiões mais remotas da França e da Grã-
Bretanha seria possível esperar a obtenção de retornos de, pelo menos,
uma vez ao ano, e até mesmo esse comércio seria, no mínimo, tão
vantajoso quanto a maior parte dos outros ramos de nosso comércio
exterior com a Europa. Seria, no mínimo, três vezes mais vantajoso que o
nosso tão vangloriado comércio com as colônias norte-americanas, cujos
retornos raramente ocorrem antes de três anos, frequentemente não em
menos de quatro ou cinco anos. Supõe-se, além disso, que a França tenha
24 milhões de habitantes. Por outro lado, supõe-se que nossas colônias
norte-americanas nunca tiveram mais de 3 milhões; além disso, a França
é um país muito mais rico do que a América do Norte, embora haja
muito mais pobreza e mendicância na primeira que na última por conta
da distribuição mais desigual das riquezas. A França, portanto, poderia
proporcionar um mercado pelo menos oito vezes maior e, por causa da
maior frequência de retornos, 24 vezes mais vantajoso do que o que
nossas colônias norte-americanas jamais conseguiram oferecer. O
comércio da Grã-Bretanha seria tão vantajoso para a França — e, em
proporção à riqueza, à população e à proximidade dos respectivos países,
teria a mesma superioridade — quanto o comércio entre a França e suas
próprias colônias. Tal é a enorme diferença entre esse comércio, que a
sabedoria de ambas as nações imagina ser apropriado desestimular, e
aquele que consideraram importante favorecer.
Mas as mesmas circunstâncias que teriam criado um comércio
aberto, livre e muito vantajoso entre os dois países causaram as principais
obstruções a esse comércio. Sendo vizinhos, eles são necessariamente
inimigos; e a riqueza e o poder de cada um se torna, por esse motivo,
mais formidável para o outro; e aquilo que iria aumentar a vantagem da
amizade nacional serve apenas para inflamar a violência da animosidade
nacional. As duas nações são ricas e laboriosas; e os comerciantes e
manufaturadores de ambos os países temem a concorrência da
habilidade e da atividade uns dos outros. O ciúme mercantil, estimulado,
inflama e é inflamado pela violência da animosidade nacional; e os
comerciantes dos dois países, cheios daquela confiança apaixonada que
existe na falsidade egoísta, anunciam a ruína garantida de cada um deles,
resultante da balança comercial desfavorável, que, de acordo com eles,
seria o efeito infalível do comércio desimpedido com o outro.
Na Europa não há um só país mercantil cuja ruína iminente não
tenha sido prevista mais de uma vez com base na balança comercial
desfavorável pelos pretensos doutores desse sistema. Mas, após tanta
ansiedade gerada por eles sobre o assunto, após todas as nações mercantis
terem realizado muitas tentativas vãs para que suas respectivas balanças
comerciais pendessem a favor delas e contra seus vizinhos, parece que
nenhum país europeu tenha, de uma forma ou de outra, ficado
empobrecido por causa da balança desfavorável. Pelo contrário, na
medida em que abriram seus portos a todas as nações, todas as cidades e
países enriqueciam em vez de falir por causa do livre-comércio,
conforme os princípios do sistema mercantil nos levariam a acreditar. De
fato, embora existam algumas cidades europeias que, em alguns aspectos,
mereçam o nome de portos livres, não há países que o sejam. A Holanda
talvez seja a que mais se aproxime desse caráter, embora ainda esteja
muito distante de ser um porto livre; sabemos que a Holanda obtém do
comércio exterior toda a sua riqueza e grande parte de sua subsistência
necessária.
Há certamente outra balança — já explicada anteriormente — que é
muito diferente da balança comercial e que necessariamente ocasiona a
prosperidade ou a decadência de toda nação, dependendo de a balança
ser favorável ou desfavorável, respectivamente, ao país. Essa é a balança
entre produto e consumo anuais. Se o valor de troca do produto anual,
conforme já observado, excede o do consumo anual, o capital da
sociedade aumentará anualmente em proporção a esse excesso. Nesse
caso, a sociedade vive por meio de seus rendimentos e o que é
anualmente economizado desses rendimentos é naturalmente adicionado
a seu capital e empregado para aumentar ainda mais o produto anual. Se
o valor de troca do produto anual, pelo contrário, é menor que o
consumo anual, o capital da sociedade diminuirá anualmente em
proporção a essa insuficiência. As despesas da sociedade, nesse caso,
excedem as suas receitas e necessariamente invadem o seu capital. Seu
capital, portanto, deverá necessariamente diminuir, e, juntamente com
ele, o valor de troca do produto anual de seu trabalho.
A balança entre produto e consumo é totalmente diferente da balança
comercial. Ela pode existir em uma nação sem comércio exterior e que
esteja totalmente separada do resto do mundo. Ela pode existir em toda a
esfera terrestre, cuja riqueza, população e aprimoramentos podem estar
gradualmente aumentando ou diminuindo.
A balança entre produto e consumo pode se manter constantemente
favorável a uma nação, embora o que é denominado de balança
comercial lhe seja, em geral, desfavorável. Uma nação, por exemplo, pode
importar a um valor maior do que exporta por, talvez, meio século; o
ouro e a prata que entram nela durante todo esse tempo podem ser
enviados imediatamente para fora do país; sua moeda circulante pode
diminuir de forma gradual, sendo substituída por diversos tipos de
papel-moeda, e as dívidas que contrai das principais nações com quem
faz negócios podem gradualmente aumentar; e, ainda assim, sua riqueza
real, o valor de troca do produto anual de suas terras e trabalho, pode,
durante o mesmo período, ter aumentado em uma proporção muito
maior. A situação de nossas colônias norte-americanas e do comércio que
realizavam com a Grã-Bretanha, antes do início dos atuais distúrbios,431
mostra que isso não é, de forma alguma, uma suposição impossível.

CAPÍTULO IV
DRAWBACK
Os comerciantes e os manufaturadores não se contentam com o
monopólio do mercado interno e desejam, do mesmo modo, exportar
suas mercadorias da forma mais ampla possível. O país deles não tem
jurisdição sobre as nações estrangeiras e, portanto, raramente podem
deter qualquer tipo de monopólio em outros países. Em geral, são
obrigados a se contentar em peticionar por certos incentivos à
exportação.
Dentre esses incentivos, os mais razoáveis parecem ser os drawbacks.
Permitir que os comerciantes recuperem na exportação a integralidade
ou parte do valor pago em taxas ou impostos internos incidentes sobre as
mercadorias da indústria doméstica nunca poderá gerar exportações de
uma quantidade de bens maior do que aquela que teria sido exportada
caso não incidissem tributos internos. Esses tipos de incentivo à
exportação não tendem a destinar a quaisquer aplicações específicas uma
porção do capital nacional maior do que a que seria espontaneamente
vertida a elas; eles apenas impedirão que o tributo desvie uma parcela do
capital para outras aplicações. Não são uma forma de inverter o
equilíbrio da balança que naturalmente se estabelece entre os muitos
ramos de atividade da sociedade; mas impedem que a balança seja
invertida pelos tributos. Não tendem a destruir, mas a preservar algo que,
na maioria dos casos, é vantajoso preservar: a divisão e a distribuição
naturais do trabalho na sociedade.
O mesmo pode ser dito dos drawbacks para a reexportação de
mercadorias estrangeiras importadas; que, na Grã-Bretanha, em geral,
representam de longe a maior parte dos tributos sobre a importação de
mercadorias. Pela segunda regra anexada ao ato parlamentar432 que
impôs o que é agora chamado de o antigo subsídio, todos os
comerciantes, ingleses ou não, foram autorizados a recuperar metade
desses tributos na exportação; ao comerciante inglês, desde que a
exportação ocorresse em até doze meses; ao estrangeiro, desde que a
exportação ocorresse em até nove meses. Vinhos, passas de Corinto e as
manufaturas de seda eram as únicas mercadorias que não se
enquadravam na regra, pois tinham outros subsídios mais vantajosos. Os
tributos desse ato parlamentar eram, naquele tempo, os únicos tributos
impostos sobre a importação de bens estrangeiros. O período para
requisitar a restituição deste e de todos os outros drawbacks foi
posteriormente prorrogado para três anos. (7 George I, c.21, s.10).
A maior parte dos tributos criados desde a imposição do antigo
subsídio é totalmente restituída depois da exportação. Essa regra geral,
no entanto, é aberta a um grande número de exceções; além disso, a
doutrina dos drawbacks tornou-se uma questão muito menos simples do
que era no tempo em que foi instituída.
Após a exportação de alguns bens estrangeiros, cuja importação
excede em muito a quantidade necessária para o consumo doméstico,
todos os tributos são restituídos, sem a retenção de nem mesmo a metade
do antigo subsídio. Antes da revolta ocorrida em nossas colônias norte-
americanas, tínhamos o monopólio do tabaco de Maryland e da Virgínia.
Nós importávamos aproximadamente 96 mil hogsheads de tabaco, mas
nosso consumo interno não excedia 14 mil. Para facilitar a grande
exportação necessária para nos livrar do resto, todos os tributos seriam
restituídos desde que a exportação ocorresse no prazo de três anos.
Ainda temos o monopólio dos açúcares de nossas ilhas das Índias
Ocidentais, embora não em sua integralidade, mas muito próximo disso.
Sempre que o açúcar é exportado no prazo de um ano, todos os tributos
sobre a importação são restituídos e, se exportados dentro de três anos,
todos os tributos são restituídos, exceto a metade do antigo subsídio, pois
este continua a ser retido na exportação da maior parte dos bens. Embora
a importação de açúcar exceda bastante a quantidade de açúcar
necessária para o consumo doméstico, o excesso é extremamente
pequeno em comparação ao que costumava ser o excesso de tabaco.
Certas mercadorias, por serem objetos específicos de rivalidade com
nossas próprias manufaturas, têm a importação para o consumo
doméstico proibida. Elas podem, no entanto, pagando certos tributos, ser
importadas e armazenadas para exportação. Mas, sobre essas
exportações, nenhum tributo é retirado (restituído). Ao que parece,
nossos manufaturadores não desejam ver nenhum incentivo dado a essas
importações já bastante restritas; eles temem que parte desses bens seja
roubada do armazém e, assim, venha a concorrer com os seus próprios
produtos. Assim, somente podemos importar sob essa regulamentação
alguns produtos, a saber, manufaturas de seda, cambraias e tecidos finos
franceses, calicôs pintados, estampados, pigmentados ou tingidos, etc.
Não estamos dispostos nem mesmo a transportar as mercadorias
francesas; preferimos renunciar a um lucro a deixar que aqueles que
consideramos nossos inimigos obtenham quaisquer lucros por nosso
intermédio. Retêm-se não só a metade do antigo subsídio à exportação
de todas as mercadorias francesas, mas também o segundo tributo de
25%.
Pela quarta regra anexada ao ato parlamentar sobre subsídios,433 o
drawback (restituição de tributos) concedido na exportação de vinhos
atingia muito mais da metade dos tributos aduaneiros que, naquele
momento, eram pagos em sua importação; e parece que, na época, o
propósito dos legisladores foi oferecer um incentivo maior do que o
ordinário ao comércio de transporte de vinhos. Muitos dos outros
tributos que foram impostos na mesma época do antigo subsídio ou
depois dele — conhecidos como taxa adicional, o novo subsídio, os
subsídios de 1/3 e 2/3, o imposto de 1692, tributação sobre o vinho —
também receberam autorização para que pudessem ser totalmente
restituídos na exportação. No entanto, já que todos esses tributos, com
exceção da taxa adicional e do imposto de 1692, eram pagos na
importação em dinheiro vivo, os juros de uma soma tão vultosa geravam
despesas tão grandes que a obtenção de lucros com o comércio de
transportes desse artigo passou a ser considerada impossível. Apenas
uma parte do tributo chamado de imposto sobre o vinho podia ser
restituída, mas nenhuma parte das 25 libras por tonelada sobre os vinhos
franceses, ou dos tributos impostos em 1745, em 1763 e em 1778,
recebeu autorização para que pudesse ser restituída na exportação. Já que
os dois tributos de 5% impostos em 1779 e 1781 sobre todas as taxas
aduaneiras anteriores receberam permissão para ser integralmente
restituídos na exportação de todos os outros bens, também receberam
permissão para ser restituídos na exportação de vinho. O último tributo
imposto especificamente sobre o vinho, o de 1780, podia ser
integralmente restituído; mas essa tolerância nunca geraria a
oportunidade para a exportação de nem sequer uma única tonelada de
vinho, pois o governo já retinha uma multiplicidade de tributos pesados.
Essas regras vigem para todos os locais de exportação legal, exceto nas
colônias britânicas na América.
O ato parlamentar publicado durante o 15º ano do reinado de Carlos
II, no capítulo 7º,434 chamado de ato para o incentivo do comércio, deu à
Grã-Bretanha o monopólio do fornecimento a suas colônias de todas as
mercadorias cultivadas ou manufaturadas na Europa; consequentemente,
o fornecimento de vinhos. Em um país com uma costa tão extensa como
a de nossas colônias norte-americanas e das Índias Ocidentais, onde a
nossa autoridade sempre foi muito tênue e onde os habitantes foram, em
um primeiro momento, autorizados a transportar, em seus próprios
navios, as suas mercadorias não listadas435 a todas as partes da Europa e,
logo em seguida, para todas as partes da Europa ao sul do Cabo
Finisterra, não é muito provável que este monopólio tenha sido muito
respeitado; e, além disso, as colônias provavelmente encontravam meios
para trazer mercadorias dos países para os quais estavam autorizadas a
realizar o transporte. Elas parecem, no entanto, ter encontrado alguma
dificuldade na importação de vinhos europeus a partir dos seus locais de
origem, e elas não podiam importá-los da Grã-Bretanha, pois ali os
vinhos estavam carregados com tributos pesadíssimos; e grande parte
desses tributos não podia ser recuperada na exportação. O vinho da Ilha
da Madeira, não sendo uma mercadoria europeia, poderia ser importado
diretamente para a América e as Índias Ocidentais, que, em todas as suas
mercadorias não enumeradas, desfrutaram de um comércio livre com a
Ilha da Madeira. É provável que essas circunstâncias tenham introduzido
esse gosto geral pelo vinho da Madeira, que nossos oficiais encontraram
já estabelecido em todas as nossas colônias em 1755, no início da guerra;
gosto que trouxeram de volta com eles ao país natal, onde esse vinho não
era muito consumido anteriormente. Em 1763, após o fim da guerra,
todos os tributos (pelo ato parlamentar 4 George III, c.15, s.12), exceto o
de 3 libras e 10 xelins, foram autorizados a ser retirados na exportação
para as colônias de todos os vinhos, exceto os vinhos franceses, pois o
preconceito nacional não permitiria nenhum tipo de incentivo ao
comércio e consumo destes últimos. O período entre a concessão dessa
indulgência e a revolta de nossas colônias norte-americanas foi
provavelmente muito curto para encontrarmos alguma mudança
considerável nos costumes daqueles países.
O mesmo ato que, no drawback de todos os vinhos exceto os
franceses, favoreceu muito mais as colônias do que outros países
favoreceu-as muito menos no drawback da maior parte das outras
mercadorias. Na exportação da maior parte das mercadorias para outros
países, metade do antigo subsídio era recuperada. Mas essa lei afirmava
que nenhuma parte desse tributo deveria ser recuperada na exportação
para as colônias de quaisquer mercadorias cultivadas ou manufaturadas
na Europa ou nas Índias Orientais, exceto os vinhos, os calicôs brancos e
as musselinas.
Os drawbacks talvez tenham sido originalmente concedidos para
incentivar o comércio de transporte pois, tendo em vista que o frete dos
navios costuma ser pago em dinheiro pelos estrangeiros, imaginava-se
que este meio era especialmente eficaz para trazer ouro e prata ao país.
Mas, embora o comércio de transporte de mercadorias certamente não
precise de incentivos específicos e embora o motivo da instituição do
drawback tenha sido bastante tolo, o instituto em si parece ser bastante
sensato. Esses drawbacks não têm capacidade de injetar neste comércio
uma parcela maior do capital do país do que o que teria fluído
espontaneamente a ele caso não existissem tributos sobre a importação.
Eles só impedem que esse tipo de comércio seja completamente
eliminado por esses tributos. Embora o comércio de transporte de
mercadorias não mereça preferência, ele também não deve ser impedido,
devendo ser deixado livre como todos os outros comércios. É um recurso
necessário para aqueles capitais que não puderam ser aplicados nem na
agricultura nem na manufatura do país; nem no seu comércio doméstico
nem no comércio exterior de bens de consumo.
As receitas alfandegárias não perdem com os drawbacks, mas lucram
com a parte retida dos tributos. Se os tributos fossem retidos em sua
integralidade, os bens estrangeiros (que os pagaram na importação)
raramente poderiam ser reexportados, nem, como consequência,
importados, por falta de mercado interno. Portanto, os tributos
aduaneiros (que têm uma parte retida) nunca teriam sido pagos.
Essas razões parecem suficientes para justificar os drawbacks, e os
justificariam ainda que os tributos sobre os produtos da indústria
doméstica ou sobre os bens estrangeiros sempre fossem integralmente
recuperados na exportação. Nesse caso, as receitas do imposto de
consumo, de fato, perderiam um pouco, e as aduaneiras perderiam mais;
mas o equilíbrio natural da indústria, a divisão natural e a distribuição do
trabalho, que sempre ficam mais ou menos perturbados por tais tributos,
poderiam quase se restabelecer por meio de tal regulamento.
Essas razões, entretanto, somente justificarão os drawbacks para a
exportação de mercadorias aos países que são completamente
estrangeiros e independentes, não àqueles em que nossos comerciantes e
manufaturadores possuem algum monopólio. Por exemplo, o drawback
sobre a exportação de bens europeus para as nossas colônias americanas
nem sempre irá gerar uma exportação maior do que aquela que existiria
sem esse instituto. Por meio do monopólio que nossos comerciantes e
manufaturadores possuem ali, a mesma quantidade de mercadorias
poderia ser enviada para lá, mesmo com a retenção integral dos tributos
incidentes. Os drawbacks, portanto, podem se constituir em pura perda
para as receitas dos impostos de consumo e alfandegários, sem alterar o
estado do comércio nem torná-lo mais amplo de alguma forma. Mais à
frente, quando tratarmos das colônias, veremos até onde esses drawbacks
podem ser justificados como um incentivo adequado para a indústria de
nossas colônias ou até onde é vantajoso para a metrópole que as colônias
sejam isentas de impostos que são pagos por todos os outros súditos.
Devemos sempre entender, no entanto, que os drawbacks são úteis
apenas nos casos em que as mercadorias sejam realmente exportadas
para algum país estrangeiro; e não clandestinamente reimportadas para o
nosso próprio país. São bem conhecidos os casos de drawbacks,
particularmente aqueles sobre o tabaco, que sofrem esses abusos e geram
oportunidades para fraudes igualmente danosas tanto para as receitas
públicas quanto para o comerciante de boa-fé.

Í
CAPÍTULO V
SUBSÍDIOS
Na Grã-Bretanha, os subsídios para a exportação são, em geral,
requisitados e, então, concedidos ao produto de alguns ramos específicos
da indústria doméstica. Por meio deles, supõe-se que nossos
comerciantes e manufaturadores conseguem vender seus bens no
mercado exterior a preços tão baixos — ou mais baixos — quanto os de
seus rivais. Assim, quando uma maior quantidade é exportada, dizem, a
balança comercial se torna, consequentemente, mais favorável ao nosso
próprio país. Aos nossos comerciantes e produtores, não podemos
conceder-lhes no exterior o mesmo monopólio que eles detêm no
mercado interno. Não podemos forçar que os estrangeiros, assim como
fizemos com nossos próprios compatriotas, comprem seus bens.
Portanto, um segundo melhor expediente, imaginam, seria pagá-los para
comprar. Essa é, então, a forma como o sistema mercantil propõe
enriquecer todo o país — e colocar dinheiro em nossos bolsos — por
meio da balança comercial.
Admite-se que os subsídios devem ser concedidos somente àqueles
ramos do comércio que não poderiam ser realizados sem eles. Mas todos
os ramos comerciais nos quais um comerciante é capaz de vender seus
bens por um preço que lhe reponha todo o capital empregado para a
preparação e o transporte deles ao mercado, juntamente com os lucros
ordinários do capital, é um ramo que pode ser operado sem subsídios.
Evidentemente, todos esses ramos estão no mesmo nível de outros ramos
comerciais que são realizados sem subsídios e, portanto, uns não podem
exigir mais que os outros. Somente exigem subsídios aquelas atividades
comerciais em que o comerciante é obrigado a vender seus bens por um
preço que não lhe repõe seu capital, juntamente com o lucro ordinário;
ou a atividade em que o comerciante é obrigado a vender seus bens por
menos do que custa colocá-los no mercado. O subsídio é concedido para
compensar esta perda e para incentivar o comerciante a continuar, ou
talvez a começar, uma atividade cujas despesas são supostamente maiores
que os retornos, no qual cada operação consome uma parte do capital
empregado nela e que é de tal natureza que, se todas as outras atividades
se assemelhassem a ela, em breve não haveria mais nenhum capital no
país.
Devemos observar que as atividades comerciais que são exercidas por
meio de subsídios são as únicas que podem ser realizadas por bastante
tempo entre duas nações, de tal modo que uma delas sempre deva sofrer
perdas regulares e constantes ou tenha de vender seus bens por valores
mais baixos que o preço de colocá-las no mercado. Mas, se os subsídios
não devolvessem ao comerciante o valor sobre o preço de seus bens que,
de outra forma, ele perderia, então seus próprios interesses logo o
obrigariam a aplicar seu capital de outra forma, ou seja, a descobrir uma
atividade em que o preço dos bens fosse capaz de lhe repor, juntamente
com o lucro ordinário, o capital aplicado para levá-los ao mercado. O
único efeito dos subsídios, como o de todas as outras ferramentas do
sistema mercantil, deve ser o de obrigar as atividades comerciais de um
país a entrar em um canal muito menos vantajoso do que aquele em que
fluiriam de forma espontânea.
O inteligente e bem-informado autor dos tratados sobre o comércio
de cereais mostrou muito claramente que, desde a criação dos subsídios
para a exportação de cereais, o preço dos cereais exportados, que era
suficientemente moderado, excedeu o preço dos cereais importados, cujo
valor era muito elevado, por uma quantia muito maior do que o
montante de todos os subsídios que foram pagos durante aquele período.
Isso, ele imagina, segundo os verdadeiros princípios do sistema
mercantil, é uma prova clara de que esse comércio forçado de cereais é
benéfico à nação, pois o valor de exportação excede o da importação por
uma quantia muito maior do que todo o gasto extraordinário que o
governo tem feito para poder exportá-lo. Ele não considera que essa
despesa extraordinária, isto é, os subsídios, seja a menor parte das
despesas que a exportação de cereais realmente custa à sociedade. O
capital empregado pelo agricultor em sua plantação também deve ser
levado em conta. A menos que o preço dos cereais quando vendido nos
mercados estrangeiros seja capaz de repor tanto o subsídio quanto o
capital e seus lucros ordinários, a sociedade perderá pela diferença, ou
então o capital nacional ficará diminuído pelo mesmo tanto. Mas a razão
em si pela qual considera-se necessária a concessão de um subsídio é a
suposta insuficiência do preço para se fazer isso.
O preço médio dos cereais, dizem, caiu consideravelmente desde a
criação dos subsídios. Já me esforcei para mostrar que o preço médio do
milho começou a cair um pouco já no final do século passado e
continuou com a mesma tendência durante o curso dos 64 primeiros
anos do presente século. Mas esse evento, supondo que seja tão real como
acredito que seja, deve ter ocorrido independentemente dos subsídios; e
não há como ter ocorrido como consequência deles. Ocorreu na França,
bem como na Inglaterra, embora na França não existissem subsídios e,
até 1764, a exportação de cereais estivesse completamente proibida.
Desse modo, a queda gradual do preço médio dos grãos não ocorreu, em
última análise, devido às leis, mas a esse aumento gradual e imperceptível
no valor real da prata, tema abordado no primeiro livro deste discurso,
em que tento mostrar a ocorrência do evento em todos os mercados da
Europa no decorrer do presente século. Parece ser algo completamente
impossível que o preço do subsídio tenha contribuído para a queda do
preço dos cereais.
Em anos de abundância, já foi observado, os subsídios ocasionaram
uma exportação extraordinária e, assim, necessariamente mantiveram o
preço dos cereais do mercado doméstico em um patamar acima do que,
naturalmente, teria caído. Tal era o propósito declarado dessa instituição.
Embora os subsídios ficassem regularmente suspensos durante os
períodos de escassez, ainda assim a grande exportação dos períodos de
abundância deveria dificultar, com maior ou menor força, que a
abundância de um ano compensasse a escassez do outro. Tanto em
períodos de abundância quanto nos de escassez, portanto, os subsídios
tendem obrigatoriamente a elevar o preço em dinheiro dos cereais a um
valor um pouco maior do que, em outro caso, teria no mercado
doméstico.
Eu compreendo que, nas condições atuais de cultivo, ninguém
contestará que os subsídios devem seguir necessariamente essa
tendência. Mas muita gente imaginou que os subsídios tendem a
incentivar o plantio de duas maneiras diferentes; em primeiro lugar, a
abertura de um mercado estrangeiro maior aos cereais do agricultor
tende, acredita-se, a aumentar a demanda pela mercadoria e,
consequentemente, a sua produção; e, em segundo lugar, garantir-lhe um
preço melhor do que seria possível obter nas condições atuais da
agricultura tende, supõe-se, a incentivar o plantio. Eles imaginam que, no
longo prazo, esse incentivo duplo deverá gerar um aumento na produção
de cereais capaz de diminuir o seu preço no mercado doméstico muito
mais do que o subsídio poderia elevá-lo, ao final do período, nas
condições reais em que esteja a agricultura no final do período.
Minha resposta: seja qual for o tamanho do mercado externo gerado
pelos subsídios, ele deverá, a cada ano, ocorrer inteiramente à custa do
mercado doméstico; isso ocorreria porque todo bushel de cereais que
seria exportado por meio de subsídios e que não teria sido exportado
sem os subsídios teria permanecido no mercado doméstico para
aumentar o consumo e para baixar o preço dessa mercadoria. É preciso
observar que os subsídios dos cereais, bem como todos os outros
subsídios sobre a exportação, impõem dois tributos à população: o
primeiro, o imposto obrigatório para o pagamento dos subsídios; e o
segundo, o tributo derivado do preço aumentado da mercadoria no
mercado doméstico, tributo que — já que a maior parte da população é
formada por compradores de cereais — deve ser pago por toda a
sociedade, em relação a essa mercadoria específica. Em relação a esse
produto específico, consequentemente, o segundo tributo é muito mais
pesado que o primeiro. Suponhamos que o subsídio de 5 xelins para a
exportação de cada quarter de trigo eleve, em uma média anual, o preço
desse produto no mercado doméstico para apenas 6 pence por bushel, ou
4 xelins por quarter acima do valor que teria nas condições reais da
colheita. Mesmo em uma suposição bastante moderada como essa, a
população, além de contribuir com o tributo que paga o subsídio de 5
xelins por quarter de trigo exportado, deve pagar um outro de 4 xelins
por quarter consumido por ela mesma. Mas, de acordo com o autor
muito bem informado dos tratados sobre o comércio de cereais, a
proporção média dos cereais exportados em relação à dos consumidos no
mercado interno não é maior que 1 para 31. Desse modo, para cada 5
xelins pagos para o custeio do primeiro imposto, a população deve
contribuir com 6 libras e 4 xelins para o pagamento do segundo. Assim,
um tributo tão pesado sobre um bem de primeira necessidade poderá
reduzir o valor do sustento dos trabalhadores pobres ou aumentar os seus
salários pecuniários, proporcionalmente ao preço pecuniário daquele
mesmo sustento. Na medida em que opera da primeira forma, reduzirá a
capacidade dos trabalhadores pobres para educar e criar os seus filhos e,
como consequência, limitará o tamanho da população do país. Na
medida em que opera da segunda forma, reduzirá a capacidade de os
empregadores dos pobres oferecerem trabalho ao grande número de
pessoas que, em outras circunstâncias, poderiam empregar e tenderá,
como consequência, a limitar o trabalho do país. Portanto, a exportação
extraordinária de cereais ocasionada pelos subsídios não só propiciou a
diminuição anual do mercado doméstico, no montante do aumento do
mercado externo e da expansão do consumo, mas também, ao acarretar
em limitações à população e ao trabalho do país, a sua tendência final foi
a de tolher e limitar o crescimento gradual do mercado doméstico; e,
assim, a longo prazo, a diminuir, em vez de aumentar, todo o mercado e o
consumo de cereais.
Imagina-se, no entanto, que a valorização do preço em dinheiro dos
cereais, por tornar a mercadoria mais rentável ao agricultor, deve
necessariamente incentivar a sua produção.
Minha resposta: este poderia ser o caso se o subsídio tivesse como
efeito o aumento do preço real dos cereais ou se o agricultor, com a
mesma quantidade, conseguisse manter um maior número de
trabalhadores da mesma forma que outros trabalhadores são
normalmente mantidos em sua vizinhança, a saber, com gastos
generosos, moderados ou parcos. Mas é evidente que nem o subsídio
nem qualquer outro instituto humano consegue produzir tal efeito.
Apenas o preço nominal dos cereais pode ser afetado pelo subsídio em
certo grau considerável, mas não o preço real. E embora o tributo
imposto pelo instituto a toda a população seja muito pesado para aqueles
que o pagam, é muito pouco vantajoso para aqueles que o recebem.
O verdadeiro efeito do subsídio não é tanto o de elevar o valor real
dos cereais, mas o de degradar o valor real da prata; ou ainda o de fazer
com que uma quantidade igual dela seja trocada por uma quantidade
menor tanto de cereais quanto de todas as outras mercadorias
manufaturadas internamente: pois o preço em dinheiro dos cereais regula
o preço de todas as outras mercadorias manufaturadas internamente.436
Regula o preço em dinheiro do trabalho, que deve sempre ser tal que
permita ao trabalhador adquirir uma quantidade suficiente de cereais
para manter a si e a sua família de modo generoso, moderado ou parco
com que as circunstâncias da sociedade — de avanço, estagnação ou
declínio — obrigam seus empregadores a mantê-lo.
Regula o preço em dinheiro de todas as outras partes do produto
bruto da terra que, em cada período de melhoria, deve guardar uma certa
proporção com o dos cereais, ainda que essa proporção seja diferente em
diferentes períodos. Regula, por exemplo, o preço em dinheiro da grama
e do feno, da carne para consumo, dos cavalos e de sua manutenção e,
como consequência, do transporte terrestre, ou seja, da maior parte do
comércio interno do país.
Ao regular o preço em dinheiro de todos os outros produtos naturais
da terra, também regula o preço dos materiais de quase todos os
produtos manufaturados. Ao regular o preço em dinheiro do trabalho,
regula o preço em dinheiro das indústrias e artes manufatureiras. E, ao
regular o preço das duas, regula o preço do ciclo completo da
manufatura. O preço em dinheiro do trabalho — e de tudo aquilo que
seja produto da terra ou do trabalho — deve necessariamente aumentar
ou diminuir em proporção ao preço em dinheiro dos cereais.
Assim, embora em consequência do subsídio, se o agricultor pudesse
vender seus cereais por 4 xelins o bushel, em vez de 3 xelins e 6 pence, e
pagar ao proprietário da terra uma renda proporcional a esse aumento do
preço em dinheiro de seu produto, ainda assim, se — em consequência
desse aumento no preço dos cereais — não for possível comprar com 4
xelins outros produtos nacionais que poderiam, anteriormente, ser
comprados com 3 xelins e 6 pence, então nem as circunstâncias do
agricultor nem as do proprietário de terra serão melhoradas por tal
mudança de preços. O cultivo da terra, realizado pelo agricultor, não será
muito melhor; o proprietário da terra não terá condições de manter um
padrão de vida muito melhor. Na compra de mercadorias estrangeiras,
esse aumento no preço dos cereais pode dar-lhes alguma pequena
vantagem. Mas, em relação às mercadorias manufaturadas internamente,
o aumento não gerará nenhuma vantagem. E quase todas as despesas dos
agricultores e mesmo a maior parte das despesas dos proprietários de
terras são realizadas em mercadorias produzidas internamente.
A degradação do valor da prata, resultado da fertilidade das minas e
que funciona em quase todo o mundo mercantil de forma igual ou muito
semelhante, é uma questão de pouquíssima importância para quaisquer
países. O consequente aumento de todos os preços em dinheiro, embora
não torne mais ricos aqueles a quem eles são pagos, também não os torna
realmente mais pobres. A prataria da casa torna-se realmente mais
barata, mas todo o resto continuará a ter precisamente o mesmo valor
real de antes.
Mas, já que essa degradação do valor da prata — que, por ser o efeito
de uma situação peculiar ou das instituições políticas de um determinado
país — ocorre somente naquele país, então ela é uma questão de grande
consequência que, longe de tender a causar o enriquecimento de alguém,
tende a empobrecer todos. O aumento do preço em dinheiro de todas as
mercadorias que, nesse caso, é algo específico ao país em tela, é um
assunto com grandes consequências, que, longe de deixar a todos ricos,
torna todo mundo mais pobre. O crescimento do preço em dinheiro de
todas as mercadorias, que é, aqui, peculiar àquele país, tende a
desestimular em maior ou menor grau qualquer tipo de trabalho
realizado nele e a permitir que as nações estrangeiras — por meio do
fornecimento de quase todos os tipos de bens por uma menor
quantidade de prata do que seria possível a seus próprios trabalhadores
— as vendam por preços mais baixos não só no estrangeiro, mas também
no mercado doméstico.
Espanha e Portugal são proprietários das minas e, nessa situação,
também são distribuidores do ouro e da prata para todos os outros países
da Europa. Dessa forma, esses metais devem ser naturalmente um pouco
mais baratos na Espanha e em Portugal do que em qualquer outra parte
da Europa. A diferença, no entanto, não pode ultrapassar o montante do
frete e do seguro; e, por conta do grande valor e do pequeno volume
desses metais, seu frete não é um grande problema, e seu seguro não é
diferente daquele pago a quaisquer outras mercadorias de igual valor.
Espanha e Portugal, portanto, sofreriam muito pouco por sua situação
peculiar se as suas instituições políticas não agravassem suas
desvantagens.
A Espanha, por meio da tributação, e Portugal, pela proibição da
exportação de ouro e prata, oneram essa exportação com as despesas de
contrabando, aumentando, pelo montante total dessas despesas, o valor
desses metais em outros países a níveis muito acima do valor praticado
em seu próprio país. Assim que a área represada de um pequeno córrego
fica cheia, toda a água transborda a barreira e continua seu curso como se
não existisse nenhuma barreira contendo aquele fluxo. A proibição de
exportação não consegue manter na Espanha ou em Portugal uma maior
quantidade de ouro e prata do que aquela que esses países conseguem
empregar, aquela cujo produto anual de sua terra e trabalho lhes permite
empregar em moeda, prataria, utensílios banhados em ouro e outros
ornamentos de ouro e prata. Uma vez atingida essa quantidade, a represa
estará cheia e o córrego que nela deságua transbordará em sua
integralidade. As exportações anuais de ouro e prata vindas da Espanha e
de Portugal são, por todos os relatos e não obstante suas restrições, quase
iguais ao total da importação anual. Seguindo a mesma comparação, da
mesma forma como a água deve ser sempre mais profunda na parte que
precede o bloqueio da barragem, e não depois dela, a quantidade de ouro
e prata que essas restrições e limitações conseguem manter em território
espanhol e português deve, proporcionalmente ao produto anual da sua
terra e trabalho, ser maior do que a quantidade encontrada em outros
países. Quanto mais alto e mais forte o bloqueio, maior deve ser a
diferença da profundidade da água antes e depois do bloqueio. Do
mesmo modo, quanto maiores os tributos, quanto maiores forem as
penalidades que os garantam, quanto mais vigilante e severa for a política
que cuida da execução das leis, maior deverá ser a diferença da
proporção de ouro e prata em relação ao produto anual da terra e do
trabalho da Espanha e de Portugal em relação à de outros países. Diz-se,
portanto, que a diferença é muito grande e que é muito fácil encontrar
nas casas uma abundância de objetos de prata; riqueza que dificilmente
seria considerada adequada ou encontrada em outros países. O baixo
preço do ouro e da prata, ou, o que dá na mesma, o alto preço de todas as
mercadorias — que é o efeito necessário dessa redundância dos metais
preciosos — desencoraja a agricultura e a manufatura na Espanha e em
Portugal; permite, desse modo, que as nações estrangeiras cumpram a
tarefa de suprir esses países com muitos tipos de matérias-primas e com
quase todos os tipos de produtos manufaturados, pagando-se por isso
uma quantidade de ouro e prata menor do que Portugal e Espanha
utilizariam — para cultivar, no primeiro caso, ou manufaturar, no
segundo — em seu próprio país.437 Tributos e proibições operam de duas
maneiras diferentes. Além de baixarem muito o valor dos metais
preciosos na Espanha e em Portugal, eles também, ao manter naqueles
países uma certa quantidade dos metais que em outra circunstância
transbordariam para outros países, mantêm, nos outros países, o valor
dos metais um pouco acima do que seriam em outra circunstância e,
assim, oferecem a esses países uma dupla vantagem em seu comércio
com a Espanha e Portugal. Abrindo as comportas, inicialmente haverá
menos água na parte de superior e mais na parte inferior da barragem;
em pouco tempo, as duas áreas estarão niveladas. Ao remover o tributo e
a proibição, a quantidade de ouro e prata diminuirá bastante na Espanha
e em Portugal; a quantidade aumentará um pouco em outros países e o
valor desses metais, isto é, a proporção deles em relação ao produto anual
da terra e do trabalho se nivelará, ou ficará muito próximo disso. A perda
suportada por Espanha e Portugal com tal exportação de seu ouro e prata
seria apenas nominal e imaginária. O valor nominal de seus bens e do
produto anual de sua terra e do trabalho diminuiria e seria expresso ou
representado por uma quantidade de prata menor do que antes; mas seu
valor real seria o mesmo de antes e seria suficiente para sustentar,
controlar e empregar a mesma quantidade de trabalho. Já que o valor
nominal de seus bens cairia, o valor real do restante de seu ouro e prata
subiria e, assim, os mesmos objetivos comerciais e de circulação que
anteriormente foram perseguidos por uma quantidade maior de ouro e
prata responderiam, agora, a uma quantidade menor daqueles metais. O
ouro e a prata exportados não sairiam do país em troca de nada, eles
seriam permutados no estrangeiro por um valor igual de bens. Esses
bens, por sua vez, não seriam compostos apenas por artigos de luxo e de
altos gastos para o consumo de pessoas ociosas que nada produzem em
troca deles. Já que a riqueza e a receita reais das pessoas ociosas não
aumentariam com essa exportação extraordinária de ouro e prata, seu
consumo também não aumentaria muito. Esses bens — provavelmente a
maior parte deles e certamente alguma parte deles — são matérias-
primas, ferramentas e provisões para o emprego e a manutenção de
pessoas trabalhadoras, que iriam repor, com lucro, o valor total de seu
consumo. Uma parte do capital ocioso da sociedade seria transformada
em capital ativo e poria em movimento uma quantidade de trabalho
maior do que aquela que havia sido empregada anteriormente. O produto
anual da sua terra e do trabalho ficaria um pouco aumentado de forma
imediata, mas aumentaria muito em alguns poucos anos; e, assim, a
atividade laboral do país se veria livre de um de seus encargos mais
opressivos.
Os subsídios à exportação de cereais funcionam exatamente da
mesma forma que as políticas absurdas da Espanha e de Portugal.438
Sejam quais forem as condições atuais da agricultura, os nossos cereais
são um pouco mais caros no mercado doméstico — e um pouco mais
baratos no exterior — do que seriam caso as condições fossem outras; e
como o preço médio em dinheiro dos cereais regula até certo grau o
preço em dinheiro de todas as outras mercadorias, os subsídios baixam
bastante o valor da prata no mercado interno e tendem a aumentá-lo um
pouco no externo. Conforme afirma o senhor Matthew Decker,439 uma
grande autoridade, os subsídios permitem que os estrangeiros — os
holandeses, em particular — não apenas consumam nossos cereais a
preços mais baixos do que seriam em outras circunstâncias, mas, nas
mesmas ocasiões, venham a consumi-los por um preço mais baixo do
que o nosso próprio povo pode produzir. Ele dificulta que os nossos
próprios trabalhadores ofertem seus bens pela menor quantidade
possível de prata, e permite que os holandeses ofertem os deles por uma
quantidade de prata menor ainda. Assim, tendem a tornar nossas
manufaturas um tanto mais caras em todos os mercados, e as
manufaturas deles, um tanto mais baratas do que seriam sob outras
circunstâncias e, consequentemente, a oferecer à indústria deles uma
vantagem dupla sobre a nossa própria.
Tendo em vista que os subsídios aumentam no mercado doméstico
mais o preço nominal que o preço real de nossos cereais, e tendo em vista
que os subsídios, em vez de aumentarem a quantidade de trabalho que
uma certa quantidade de cereais é capaz de sustentar e empregar,
aumentam apenas a quantidade de prata pela qual poderão ser trocadas,
então pode-se dizer que os subsídios desencorajam nossas manufaturas e
não prestam nenhum grande serviço aos nossos agricultores ou senhores
de terras. De fato, os subsídios põem um pouco mais de dinheiro no
bolso dos dois e, por esse motivo, talvez seja um pouco difícil convencer
a maior parte deles de que isso não lhes presta nenhum grande serviço.
Mas conforme essa moeda perde valor ou perde a capacidade de comprar
a mesma quantidade de trabalho, provisões e todo tipo de mercadoria
manufaturada do país, tanto quanto cresce em sua quantidade, o serviço
prestado por ela não será muito mais do que algo nominal e imaginário.
Há, talvez, apenas um grupo de pessoas em toda a nação a quem os
subsídios poderiam ser, ou foram, muito úteis. Falo dos comerciantes de
grãos, os exportadores e importadores de cereais. Em períodos de
abundância, os subsídios levam obrigatoriamente a uma maior
exportação do que aquela que ocorreria sem eles; e, já que impedem que
a abundância do ano anterior alivie a escassez do seguinte, geram, nesses
períodos de escassez, um maior volume de importações do que seria
necessário caso não houvesse subsídios. Os negócios do comerciante de
grãos aumentaram em ambos os períodos; mais que isso, nos períodos de
escassez, os subsídios, além de permitirem que ele importasse uma maior
quantidade, também possibilitaram que os vendesse por um melhor
preço e, consequentemente, com lucro maior do que conseguiria obter
normalmente caso a abundância do ano anterior compensasse, em certo
grau, a escassez do ano seguinte. É, portanto, nesse grupo de pessoas que
vejo um maior interesse pela continuidade ou pela renovação dos
subsídios.
Parece que os senhores de terras de nosso país estavam imitando os
manufaturadores quando resolveram impor altos tributos sobre a
importação de cereais estrangeiros — tributos que, em períodos de
abundância moderada, equivalem a uma proibição — e quando
estabeleceram os subsídios. Por meio do primeiro instituto, garantiram a
si mesmos o monopólio do mercado doméstico e, por meio do outro,
tentaram evitar que o mercado ficasse sobreabastecido com seus
produtos. Por meio dos dois institutos, esforçaram-se para aumentar o
valor real de seus produtos da mesma maneira que nossos fabricantes
haviam aumentado o valor real de diversos bens manufaturados por meio
de institutos semelhantes. Eles talvez não tenham dado atenção à grande
e essencial diferença estabelecida pela natureza entre os cereais e quase
todos os outros tipos de bens. Quando se permite que nossos
manufaturadores de lã ou de linho vendam seus bens por um preço um
pouco melhor do que teriam, quer pelo monopólio do mercado
doméstico, quer por subsídios sobre a exportação, aumenta-se não só o
preço nominal, mas o preço real desses bens. Tornam-se equivalentes a
uma maior quantidade de trabalho e de bens para a subsistência,
aumenta-se não só o lucro nominal, mas também o lucro real, a riqueza e
o rendimento reais desses manufaturadores, e permite-se que estes vivam
melhor ou que empreguem uma quantidade maior de trabalho naquelas
manufaturas específicas. Há, assim, um real incentivo aos
manufaturadores, direcionando-se para eles uma quantidade de trabalho
maior do que a que a eles chegaria de forma espontânea. Mas quando
elevamos pelos mesmos institutos o preço em dinheiro ou o valor
nominal dos cereais, não aumentamos o seu valor real.440 Não se
aumenta a riqueza real, isto é, a receita real de nossos agricultores e
senhores de terras. Não há incentivo para a plantação de cereais porque
não há estímulos para que agricultores e senhores de terras mantenham e
empreguem um maior número de trabalhadores para o cultivo. A própria
natureza das coisas marcou os cereais com um valor real que não pode
ser alterado apenas por meio da mera alteração de seu preço em dinheiro.
Nenhum subsídio às exportações e nenhum monopólio do mercado
doméstico é capaz de elevar esse valor. A concorrência mais livre é
incapaz de reduzi-lo. Em todo o mundo esse valor costuma ser igual à
quantidade de trabalho que é capaz de manter; e em cada região
específica é igual à quantidade de trabalho que é capaz de manter de
forma generosa, moderada ou parca, de acordo com a forma como é
normalmente mantida naquela região específica. Os tecidos de lã ou de
linho, por um lado, não são mercadorias reguladoras, isto é, por meio das
quais o valor real de todas as outras mercadorias são mensuradas e
determinadas; os cereais, por outro lado, são. O valor real das outras
mercadorias é, ao final, mensurado e determinado pela proporção entre o
preço médio em dinheiro da mercadoria e o preço médio em dinheiro
dos cereais. O valor real dos cereais não varia com as variações de seu
preço médio em dinheiro, as quais podem ocorrem entre um século e
outro. Apenas o valor real da prata varia com elas.
Os subsídios à exportação de quaisquer mercadorias produzidas no
país estão sujeitos, em primeiro lugar, a essa objeção geral que pode ser
feita a todas as diferentes ferramentas e aos princípios do sistema
mercantil, isto é, a objeção de levar, forçadamente, certa parte do
trabalho do país a um canal menos vantajoso do que aquele para o qual
seria espontaneamente escoado: e, em segundo lugar, a objeção específica
de levá-lo forçadamente não apenas a um canal menos vantajoso, mas
também a um canal verdadeiramente desvantajoso, pois a atividade
comercial que só pode ser realizada por meio de subsídios é
necessariamente uma atividade que traz perdas. Os subsídios à
exportação de cereais estão sujeitos a uma objeção adicional, a saber, que
não podem, sob nenhum aspecto, promover essa mercadoria específica,
da qual se tinha como objetivo encorajar a produção. Portanto, quando
os senhores de terras de nosso país exigiram a criação de subsídios,
estavam imitando os nossos comerciantes e fabricantes, mas não com
uma total compreensão de seu próprio interesse, algo que costuma guiar
a conduta daquelas duas outras classes de pessoas. Eles oneraram a
receita pública com uma despesa bastante alta e impuseram um tributo
muito pesado sobre toda a população, mas não aumentaram, de forma
perceptível, o valor real de sua própria mercadoria; e, ao diminuir um
pouco o valor real da prata, eles desencorajaram, em certo grau, o nível
geral do trabalho do país, e, em vez de acelerarem, retardaram mais ou
menos as melhorias de suas próprias terras, que dependem
obrigatoriamente do nível geral do trabalho do país.
É possível imaginar que, para estimular a produção de uma
mercadoria qualquer, o subsídio à produção teria um impacto mais
direto que o subsídio à exportação. Além disso, equivaleria a onerar a
população com apenas um tributo para o pagamento desse subsídio. Em
vez de elevar o preço da mercadoria no mercado doméstico, o
diminuiria; e, assim, em vez de onerar a população com um segundo
tributo, o subsídio à produção poderia, pelo menos em parte, devolver a
ela parte de sua contribuição ao primeiro tributo. Os subsídios à
produção, entretanto, são raramente concedidos. Os preconceitos
estabelecidos pelo sistema mercantil nos ensinaram a acreditar que a
origem imediata da riqueza nacional depende mais das exportações do
que da produção. Assim, deu-se preferência às exportações, pois
acreditava-se que eram o meio mais imediato para se trazer dinheiro ao
país. Também disseram que, pela experiência, os subsídios à produção
estavam mais sujeitos às fraudes que os subsídios às exportações. Não sei
até que ponto essas afirmações são verdadeiras. Sabemos bem que os
subsídios às exportações foram bastante utilizados para fins fraudulentos.
Mas não interessa aos comerciantes e fabricantes — os grandes
inventores de todos esses expedientes e ferramentas — que o mercado
doméstico fique sobreabastecido com seus bens, algo que, às vezes, pode
ocorrer por causa de algum subsídio à produção. O subsídio à exportação
impede o sobreabastecimento, pois permite que se envie ao exterior a
parte excedente de mercadorias e que se mantenha alto o preço daquelas
que permanecem no mercado doméstico. De todos os expedientes e
ferramentas do sistema mercantil, por conseguinte, o subsídio à
exportação é o que mais agrada a essas pessoas. Eu fiquei sabendo que
vários empresários de certas manufaturas específicas concordam entre si
que devem oferecer um subsídio de seus próprios bolsos sobre a
exportação de determinada proporção dos bens negociados por eles. Esse
expediente foi tão bem-sucedido que, apesar de um aumento
considerável da produção, o seu preço no mercado doméstico mais do
que dobrou. A operação dos subsídios sobre os cereais seria
admiravelmente diferente se tivessem baixado o preço em dinheiro
daquele produto.
Algo semelhante a um subsídio à produção, no entanto, foi concedido
em algumas ocasiões específicas. Pode-se dizer que os subsídios
oferecidos aos pesqueiros de arenque e de baleia sobre o número de
toneladas talvez tenham um pouco dessa natureza. Eles tendem
diretamente, pode-se imaginar, a tornar os bens do mercado doméstico
mais baratos do que seriam em outro caso. Em outros aspectos, seus
efeitos, deve-se reconhecer, são os mesmos dos subsídios à exportação.
Por meio deles, parte do capital do país é utilizada para levar ao mercado
aqueles bens cujo preço não cobre os custos, junto com os lucros
ordinários do capital.
Mas, embora os subsídios àqueles pesqueiros sobre o número de
toneladas não contribuam para a riqueza da nação, é possível que se
pense que contribuam para a sua defesa por meio do aumento da
quantidade de marinheiros e navios. Pode-se dizer, então, que a defesa
pode ser realizada por meio desses subsídios com despesas muito
menores do que as que seriam realizadas para a manutenção de uma
marinha permanente, se me permitem utilizar essa expressão, da mesma
forma como se faz com um exército permanente.
Não obstante essas alegações favoráveis, no entanto, as seguintes
considerações me levam a acreditar que, ao conceder pelo menos um
desses subsídios, os legisladores foram compelidos de forma excessiva a
agir dessa maneira.
Em primeiro lugar, o subsídio sobre o arenque parece ter sido muito
grande.
A partir do início da temporada de pesca do inverno de 1771 até o
final da temporada de pesca do inverno de 1781, o subsídio oferecido aos
pesqueiros de arenque tem sido de 30 xelins por tonelada. Durante esses
onze anos, os pesqueiros escoceses recolheram 378.347 barris de arenque.
Os arenques capturados e curados no mar são chamados, em inglês, de
sea sticks, isto é, “palitos marinhos”. A fim de transformá-los em arenques
comercializáveis, é necessário reembalá-los com uma quantidade
adicional de sal; e, nesse caso, sabe-se que três barris de “palitos
marinhos” costumam render dois barris de arenques comercializáveis.
Portanto, a quantidade de arenques comercializáveis capturados durante
esses onze anos será apenas, de acordo com essas informações, de
252.231,33 barris. Durante esses onze anos, os subsídios pagos pela
tonelada chegaram a 155.463 libras e 11 xelins, ou a 8 xelins e 2,25 pence
por barril de “palitos marinhos” e a 12 xelins e 3,75 pence por barril de
arenque comercializável.
O sal com que esses arenques são curados pode ser escocês ou
estrangeiro; para a cura dos peixes, os dois tipos são entregues com
isenção de tributos. O tributo sobre o sal escocês é atualmente de 1 xelim
e 6 pence; sobre o sal estrangeiro é de 10 xelins por bushel. Supõe-se que
um barril de arenques precise de cerca de 1,25 bushel de sal estrangeiro.
Supõe-se que, em média, são necessários 2 bushels de sal escocês para o
mesmo uso. Se os arenques são postos para exportação, ficam isentos de
tributos; se postos para o consumo interno — curados com sal
estrangeiro ou escocês —, pagam somente 1 xelim por barril. Esse era o
velho tributo escocês sobre o bushel de sal: quantidade que, em uma
estimativa baixa, supunha-se necessária para a cura de um barril de
arenque. Na Escócia, o sal estrangeiro é muito pouco usado para
qualquer outro propósito senão a cura de peixes. Mas, entre 5 de abril de
1771 e 5 de abril de 1782, a quantidade de sal estrangeiro importado
atingiu 936.974 bushels, ao preço de 84 libras por bushel; já a quantidade
de sal escocês fornecida aos curadores não passou de 168.226, custando
apenas 56 libras por bushel. Parece, portanto, que o principal sal utilizado
pelos pesqueiros é o sal importado. Sobre cada barril de arenque
exportado há, além disso, um subsídio de 2 xelins e 8 pence; e mais de 2/3
dos arenques pescados são exportados. Ao juntarmos todos esses dados,
descobriremos que, durante esses onze anos, o barril de arenque
capturado e curado com sal escocês custou 17 xelins e 11,75 pence ao
governo; quando posto para o consumo doméstico, 14 xelins e 3,75
pence; e que a exportação do barril curado com sal estrangeiro custou ao
governo 1 libra, 7 xelins e 5,75 pence; quando postos para o consumo
doméstico, 1 libra, 3 xelins e 9,75 pence. O preço de um barril de bons
arenques comercializáveis ficava entre 17 ou 18 xelins e 24 ou 25 xelins; 1
guinéu, em média.441
Em segundo lugar, o subsídio à pesca de arenque branco é um
subsídio concedido à tonelagem e é proporcionado à carga do navio, não
à diligência ou ao sucesso da empreitada pesqueira; e, por isso,
infelizmente, os navios costumavam estar equipados para pescar
subsídios, e não peixes. Em 1759, quando o subsídio estava em 50 xelins
a tonelada, a indústria pesqueira da Escócia trouxe do mar apenas quatro
barris de arenques curados. Naquele ano, cada barril de arenque curado
custou ao governo 113 libras e 15 xelins em subsídios; o barril de
arenques comercializável, 159 libras, 7 xelins e 6 pence.
Em terceiro lugar, essa forma de oferecer subsídios por toneladas à
pesca do arenque (em barcos do tipo buss442 ou embarcações com convés
e capacidade de 20 a 80 toneladas) parece mais bem adaptada às
condições holandesas que às condições da Escócia; prática que parece ter
sido trazida daquele país. A Holanda situa-se muito longe dos mares
habitados pelos arenques; e, por isso, somente consegue realizar suas
atividades de pesca em embarcações com convés, pois estas podem
transportar água e provisões suficientes para uma viagem mais longa em
mares distantes. Mas as Hébridas, ou Ilhas Ocidentais, as Ilhas Shetland,
e as costas norte e noroeste da Escócia — regiões em cuja vizinhança
mais se realiza a pesca de arenque — são cortadas por braços de mar que
seguem terra adentro; na língua do país, esses braços são chamados de
sea-lochs.443 Durante algumas estações, os arenques costumam nadar até
esses sea-lochs; mas as visitas destes e de muitos outros tipos, tenho
certeza, não são muito regulares e constantes. Um barco pesqueiro
simples, portanto, parece ser o modo de pesca mais bem adaptado para
as condições específicas da Escócia; logo após serem pescados, os
arenques são levados para a terra firme e ali serão curados ou utilizados
para o consumo imediato. Mas o grande incentivo que um subsídio de 30
xelins por tonelada oferece aos pesqueiros do tipo buss é necessariamente
visto como um desencorajamento para os barcos pesqueiros simples; que,
não recebendo subsídio, não podem levar o seu peixe curado para o
mercado nos mesmos termos da pesca com pesqueiros do tipo buss. A
pesca com barcos comuns quase não existe mais; mas dizem que, antes
da criação dos subsídios à pesca com barcos do tipo buss, aquele tipo de
pesca empregava o mesmo número de marinheiros que a pesca com
barcos do tipo buss emprega atualmente. No entanto, devo reconhecer
que não tenho como falar com muita precisão sobre a antiga forma de
pescar, hoje decadente e abandonada. Como nenhum subsídio foi pago
para equipar esses barcos de pesca comuns, os fiscais da aduana ou do
imposto do sal não tomaram nenhum conhecimento desse tipo de pesca.
Em quarto lugar, em muitas partes da Escócia, durante certas épocas
do ano, os arenques não constituem uma parte desprezível do alimento
básico das pessoas comuns. Um subsídio que tendesse a diminuir o preço
desses peixes no mercado doméstico poderia trazer grande alívio para
muitos de nossos concidadãos cuja situação financeira não é, de forma
alguma, afluente. Mas o subsídio concedido à pesca de arenques do tipo
buss em nada contribui para um propósito bom como esse. Ele, na
verdade, arruinou a pesca com barcos pesqueiros simples, que é, de
longe, o tipo mais bem adaptado de pesca para o abastecimento do
mercado doméstico; e o subsídio adicional de 2 xelins e 8 pence por barril
sobre a exportação faz com que a maior parte do produto dos pesqueiros
do tipo buss, mais de 2/3, seja levada para fora do país. Entre 30 e 40 anos
atrás, antes da criação do subsídio sobre a pescaria do tipo buss, fui
informado de que o preço comum do arenque branco era de 16 xelins
por barril.
Entre dez e quinze anos atrás, antes de a pesca com barcos pesqueiros
comuns ter sido completamente destruída, o preço, segundo dizem,
variava entre 17 e 20 xelins por barril. Nos últimos cinco anos, o preço é,
em média, de 25 xelins por barril. Mas é possível que a causa desse preço
elevado seja a escassez real de arenques em toda a costa escocesa.
Também devo observar que os arenques são guardados em barris ou
tonéis cujo preço está incluído em todos os preços mencionados e vem
aumentando desde o início da guerra americana, tendo dobrado de cerca
de 3 xelins para cerca de 6 xelins. Além disso, também devo observar que
os relatos que recebi sobre os preços do passado não são, de modo algum,
uniformes e consistentes; um velho senhor de grande precisão e
experiência assegurou-me que há mais de cinquenta anos o preço
habitual de um barril de bons arenques comercializáveis era de 1 guinéu;
e este, imagino, ainda pode ser visto como o preço médio do barril
comercializável. No entanto, acredito que todos os relatos apresentam
uma mesma opinião: o preço dos peixes no mercado doméstico não
diminuiu com os subsídios sobre a pescaria em barcos do tipo buss.
Quando os empresários dos pesqueiros — depois da concessão desses
generosos subsídios a eles — continuam a vender a sua mercadoria pelo
mesmo preço de antes, ou, ainda, por um preço mais elevado, pode-se
esperar que seus lucros também sejam bem altos; e sabemos que alguns
indivíduos obtiveram lucros altos. Em geral, no entanto, tenho muitas
razões para acreditar que tem sido de outro modo. O efeito comum desse
tipo de subsídio é incentivar os empreendedores imprevidentes a investir
em uma atividade que não conhecem, pois tudo aquilo que perdem, por
sua própria negligência e ignorância, mais do que compensa tudo o que
podem ganhar pela enorme generosidade do governo. Em 1750 — pela
mesma norma que criou o subsídio de 30 xelins a tonelada para o
incentivo da pesca de arenque branco (23 George II, c.24) — foi criada
uma sociedade por ações com capital de 500 mil libras, a que os seus
subscritores (sobre e acima de todos os outros incentivos, a recompensa
da tonelagem mencionada agora, a recompensa da exportação de 2 xelins
e 8 pence o tambor, a entrega do sal britânico e estrangeiro sem tributos)
teriam — durante quatorze anos — direito a 3 libras por ano para cada
100 libras que integralizassem, valor que seria pago semestralmente em
valores iguais pelo tesoureiro geral da alfândega. Além dessa grande
empresa, cujos diretores e presidente deveriam residir em Londres, foi
declarada a legalidade da construção de diferentes câmaras pesqueiras
nos muitos portos do Reino distantes da sede, desde que se subscrevesse
uma soma não inferior a 10 mil libras ao capital de cada uma delas; as
câmaras deveriam ser administradas por conta e risco do próprio
subscritor, e, além disso, a ele também pertenceriam os lucros e as
perdas. Os mesmos prêmios anuais e os mesmos incentivos de todos os
tipos concedidos àquela grande empresa londrina também foram
concedidos a essas empresas subordinadas. Em pouco tempo, a
subscrição da grande empresa londrina foi totalmente integralizada e
diversas subsidiárias foram construídas em vários portos do Reino.
Mesmo com todos esses incentivos, quase todas aquelas várias empresas,
grandes e pequenas, ou perderam todo o seu capital ou perderam grande
parte dele; atualmente, não existe praticamente nenhum vestígio da
existência delas: a pesca do arenque branco é exercida totalmente — ou
quase totalmente — por empreendedores privados.
Quando, de fato, uma manufatura se faz necessária para a defesa da
sociedade, talvez não seja sempre prudente depender de nossos vizinhos
para o abastecimento desta ao nosso país; e, caso essa manufatura não
seja financeiramente viável no próprio país, talvez seja razoável tributar
todas as outras atividades comerciais a fim de torná-la viável. Talvez
possamos defender os subsídios à exportação de tecidos britânicos para
velas de navios e da pólvora britânica por meio desse princípio.
Mas, embora a tributação do trabalho da maior parte da população
com o objetivo de apoiar o trabalho de um grupo específico de
manufaturadores seja raramente razoável, ocorre que a concessão de tais
subsídios a certas manufaturas preferenciais seja, talvez, tão natural
quanto incorrer em qualquer outra despesa supérflua sempre que a
sociedade se vê em um período de generosa prosperidade, momento em
que o público goza de rendimentos maiores do que aqueles aos quais sabe
dar destino útil. Uma grande riqueza costuma ser vista como desculpa
para a realização de grande irracionalidade em relação tanto às despesas
públicas quanto às privadas. Mas, certamente, estaremos lidando com
algo que ultrapassa o simples absurdo se, nos momentos de crise, dermos
continuidade a tal esbanjamento.
Muitas vezes o que chamamos de subsídio não é nada mais que um
drawback e, consequentemente, não está sujeito às mesmas objeções de
um subsídio propriamente dito. Por exemplo, o subsídio à exportação do
açúcar refinado pode ser considerado como um drawback dos tributos
relativos aos açúcares moreno ou mascavo, a partir do qual é produzido.
O subsídio à exportação da seda manufaturada, um drawback dos
tributos relativos à importação da seda crua (ou bruta) e torcida. O
subsídio à exportação da pólvora, um drawback dos tributos à
importação de enxofre e salitre. Na linguagem alfandegária, drawbacks
são incentivos concedidos a mercadorias cuja forma não sofreu muita
alteração entre sua importação e sua exportação. Quando a forma da
manufatura fica tão alterada que até mesmo o nome do produto passa a
ser outro, então os incentivos são chamados de subsídios.
Os prêmios públicos oferecidos a artesãos e manufaturadores que se
destacam em suas ocupações particulares não recebem as mesmas
objeções que os subsídios. Esses prêmios incentivam a destreza e a
engenhosidade extraordinárias e, assim, servem para manter o
sentimento competitivo dos trabalhadores realmente empregados
naquelas atividades e, além disso, não são valores muito altos e, por isso,
não entregam a nenhum deles uma maior porção do capital nacional do
que aquela que a eles chegaria espontaneamente. Não tendem a
desestabilizar o equilíbrio natural dos empregos, mas a elevar a qualidade
do trabalho das atividades realizadas no país. As despesas realizadas com
os prêmios, além disso, são bastante insignificantes; as realizadas com os
subsídios, muito grandes. O subsídio dos cereais já chegou a custar mais
de 300 mil libras em um ano ao governo e ao público.
Por vezes chamamos os subsídios de prêmios, da mesma forma que
chamamos os drawbacks de subsídios. Mas devemos, em todos os casos,
atender à natureza do instituto sem dar atenção ao nome utilizado pelas
pessoas.

Digressão sobre o comércio de cereais e as


Corn Laws (leis dos cereais)
Não há como concluir este capítulo sobre subsídios sem observar que são
completamente imerecidos os louros oferecidos à lei que criou os
subsídios à exportação de cereais e sobre o sistema de regulamentos
relacionado a eles. Um exame particular sobre a natureza do comércio de
cereais e sobre as principais leis britânicas relacionadas ao assunto será
suficiente para demonstrar a verdade dessa afirmação. Devido à grande
importância do assunto, a digressão também se faz longa.
A atividade do comerciante de cereais é composta de quatro ramos
diferentes que, embora sejam por vezes realizados pela mesma pessoa,
possuem naturezas distintas e, assim, são considerados ramos diversos.
São eles: o comércio do negociante interno; em segundo lugar, o do
importador de bens para o consumo doméstico; em terceiro lugar, o do
exportador de produtos domésticos para o consumo estrangeiro; e, em
quarto lugar, o do transportador, ou daquele que importa cereais para
reexportá-los.

I
Os interesses do negociante interno e os da população em geral podem, à
primeira vista, parecer completamente opostos, mas são idênticos, até
mesmo em períodos de maior escassez. Ao negociante interessa elevar o
preço de seus cereais até o ponto máximo exigido pela escassez real da
estação; não lhe interessa elevá-lo a um preço maior do que este. Ao
elevar o preço, ele desencoraja o consumo e, assim, todas as pessoas,
particularmente as classes mais pobres, se veem obrigadas a poupar mais
e a exercer uma boa gestão de seus bens. Ao elevar muito o preço, ele
desestimulará tanto o consumo que os suprimentos daquela estação
talvez ultrapassem o seu consumo e durem até pouco depois da entrada
dos produtos da colheita seguinte; assim, correrá o risco de perder uma
boa parte de seus cereais por causas naturais e poderá ser obrigado a
vender o restante por um preço muito menor que o valor de venda de
muitos meses atrás. Ao não elevar suficientemente o preço, ele
desestimulará tão pouco o consumo que a oferta da estação poderá ficar
aquém do seu consumo e, assim, ele perderá uma parte do lucro que
poderia ganhar em outro caso e causará sofrimento às pessoas antes do
final da estação, expondo-as aos horrores terríveis da fome, em vez de às
dificuldades de uma escassez. À população interessa que seu consumo
diário, semanal e mensal seja proporcional, da maneira mais exata
possível, à oferta da estação. O interesse do negociante interno de cereais
é o mesmo. De acordo com seu melhor julgamento, ele buscará abastecer
o mercado com essa proporção e, então, poderá vender todo o seu
suprimento de cereais pelo preço mais alto e com o maior lucro possível;
seu conhecimento sobre a situação da colheita e sobre suas vendas
diárias, semanais e mensais permite-lhe julgar, com maior ou menor
precisão, até que ponto os cereais estão realmente suprindo a população
de acordo com aquela proporção. Sem pretender satisfazer o interesse da
população, ele, ao atender aos seus próprios interesses, é necessariamente
levado a atender, mesmo em períodos de escassez, ao interesse público,
quase da mesma maneira que o capitão de um navio é obrigado, às vezes,
a tratar a sua tripulação. O capitão, ao notar que estoques não serão
suficientes para a viagem, diminui a ração de toda a tripulação. Embora,
por seu excesso de cautela, isso, às vezes, seja realizado sem nenhuma
necessidade real, ainda assim, todos os possíveis inconvenientes causados
à sua tripulação são muito pequenos em comparação ao perigo, miséria e
colapso a que a tripulação poderia estar exposta por uma conduta menos
cautelosa. Da mesma forma, o comerciante interno de cereais, por seu
excesso da avareza, precisa, às vezes, aumentar o preço de seus cereais a
um valor um pouco mais elevado do que o valor exigido pela escassez da
estação, mas, apesar de todos os inconvenientes que a população possa
sofrer por essa conduta — que efetivamente a protege de uma carestia no
final da estação —, estes são muito pequenos em comparação aos perigos
a que a população estaria exposta por uma conduta comercial mais
generosa no início da estação. É possível que o próprio comerciante de
grãos seja a pessoa que mais sofra por seu excesso de avareza; não só pela
indignação geral que causará contra si mesmo, mas também (embora ele
consiga escapar dos efeitos dessa indignação) pela quantidade de trigo
que obrigatoriamente ficará em suas mãos no final da temporada e que,
se a próxima estação se mostrar favorável, deverá ser vendida por um
preço muito mais baixo do que poderia ser vendida.
Se uma grande empresa de comerciantes pudesse ser realmente dona
de todos os cereais de um grande país, talvez pudéssemos dizer o mesmo
que dizem sobre os holandeses em relação às especiarias das Molucas,
isto é, que a empresa teria interesse em destruir toda a colheita ou jogar
fora uma grande parte dela para que o preço do restante pudesse ser
mantido alto. Mas é quase impossível, mesmo pela violência da lei,
estabelecer um monopólio tão grande em relação aos cereais; e, onde
quer que o comércio seja legalmente livre, os cereais são a mercadoria
menos suscetível de ser absorvida ou monopolizada pelo poder de
poucos grandes capitais que possam comprar a maior parte da colheita.
Pois seu valor é muito superior ao que o capital de alguns poucos homens
é capaz de comprar; mas, supondo que tivessem capital suficiente para
comprar todas as colheitas, a forma de produção dos cereais torna essa
compra totalmente impraticável. Em todos os países civilizados, esta é a
mercadoria com maior consumo anual, por isso a produção de cereais
emprega anualmente uma quantidade de trabalho maior do que a
utilizada para a produção de quaisquer outras mercadorias. Ao serem
colhidos, os cereais são obrigatoriamente divididos entre mais
proprietários do que quaisquer outras mercadorias; note-se que,
diferentemente do que ocorre em relação a um número de
manufatureiros independentes, é impossível congregar todos os
proprietários em um único lugar, pois estão necessariamente espalhados
por todos os diferentes cantos do país. Estes primeiros proprietários
fornecem seus produtos diretamente aos consumidores de sua
vizinhança, ou os fornecem a negociantes internos que, por sua vez, os
vendem aos consumidores. Consequentemente, os negociantes internos
de cereais, incluindo o agricultor e o padeiro, são necessariamente mais
numerosos do que os negociantes de quaisquer outras mercadorias; e, já
que fazem parte desse grupo tão disperso, é impossível reunirem-se em
uma associação geral. Portanto, se, em um período de escassez, um
desses negociantes vier a notar que há mais cereais em sua posse do que
ele conseguirá vender, ao preço atual, até o final da estação, ele nunca
pensaria em deixar altos os preços de suas mercadorias, pois teria
prejuízos e beneficiaria seus rivais e concorrentes; de fato, o comerciante
baixaria imediatamente o preço de seus cereais para que pudesse se livrar
deles antes da chegada dos produtos da nova safra. Os mesmos motivos,
os mesmos interesses, que, dessa forma, regulam a conduta de qualquer
negociante também orientariam a conduta de todos os outros,
obrigando-os, em geral, a vender seus cereais ao preço que julgassem
mais adequado à escassez ou à abundância daquela estação.
Ao examinarmos com atenção a história da escassez e das fomes na
Europa durante o curso do presente século ou dos dois séculos
precedentes (tenho relatos bastante exatos sobre vários momentos desse
período), descobriremos, creio, que nunca houve escassez por culpa de
uma associação entre os negociantes internos de cereais nem por
nenhuma outra causa senão uma verdadeira escassez provocada, às vezes,
talvez, e em alguns lugares específicos, pela devastação das guerras; mas o
maior número de casos deve-se, de longe, às estações desfavoráveis. Além
disso, nunca houve fome por nenhuma outra causa senão como resultado
da violência de um governo qualquer que, por meios inadequados, tenta
remediar as inconveniências de uma escassez.
Quando um país com grandes áreas plantadas de cereais possui
liberdade de comércio e de comunicação entre todas as suas diversas
regiões, a escassez ocasionada pelas estações mais desfavoráveis nunca
será tão grande a ponto de produzir fome; e a colheita mais escassa, se
administrada com frugalidade e economia, alimentará, ao longo do ano,
a mesma quantidade de pessoas que é normalmente alimentada de uma
forma mais farta por uma colheita de abundância moderada. As estações
mais desfavoráveis à colheita são aquelas de seca excessiva ou de chuva
excessiva. Mas, tendo em vista que os cereais crescem de forma igual
tanto em áreas montanhosas quanto nas planícies, tanto nos terrenos
mais úmidos quanto nos mais secos, então a seca ou a chuva, que são
eventos danosos para uma parte do país, são favoráveis para outra; e
embora a estação seca e a chuvosa resultem em uma colheita bastante
menor do que uma na região com condições mais adequadamente
temperadas, em ambos os casos o que se perde em uma região do país é,
em certa medida, compensado pelo que se ganha na outra. Nos países
plantadores de arroz, os efeitos de uma seca são muito mais devastadores,
pois esta é uma cultura que, além de requerer um solo muito úmido,
também necessita, em certo período de seu crescimento, que as plantas
fiquem sob a água. Entretanto, mesmo em tais países, sempre que o
governo permite o livre-comércio, é provável que a seca jamais chegue a
ser tão grande a ponto de causar uma carestia. Há alguns anos, a seca em
Bengala poderia ter ocasionado apenas uma grande escassez. Mas
algumas leis impróprias e algumas restrições nada prudentes impostas
pelos funcionários da Companhia das Índias Orientais sobre o comércio
de arroz contribuíram, talvez, para transformar essa escassez em uma
carestia.
Quando o governo, a fim de remediar os inconvenientes de uma
escassez, ordena que todos os negociantes vendam seus cereais a um
preço que ele supõe ser razoável, tal medida irá impedi-los de levar suas
mercadorias ao mercado, produzindo, por vezes, uma carestia, mesmo no
início da temporada; ou, caso os negociantes levem os produtos ao
mercado, isso permitirá e, assim, incentivará que a população os
consuma muito rapidamente, produzindo obrigatoriamente uma carestia
antes do final da estação. A liberdade ilimitada e sem restrições do
comércio de cereais é o único meio eficaz para prevenir os horrores da
fome e, por isso, é o melhor paliativo para os inconvenientes causados
por uma escassez; na verdade, os inconvenientes causados por uma
verdadeira escassez não podem ser remediados; contra ela só há medidas
paliativas. Nenhum outro comércio merece mais a proteção total da lei, e
não há outro comércio que mais necessite dessa proteção, pois nenhum
outro comércio está tão exposto à execração popular.
Durante os períodos de escassez, as classes mais baixas da população
atribuem seu sofrimento à avareza dos comerciantes de grãos, os quais
passam a ser o objeto de seu ódio e indignação. Nessas ocasiões, em vez
de lucrar, eles, muitas vezes, correm perigo de ruína e de saque e
destruição de seus armazéns pela violência da população. No entanto, os
comerciantes de grãos esperam obter seus maiores lucros durante os
períodos de escassez, pois estes são momentos nos quais os preços estão
altos. Os comerciantes costumam garantir para si, por meio de contratos
celebrados com alguns agricultores, o fornecimento de uma certa
quantidade de cereais a um determinado preço e por um certo número
de anos. Esse preço de contrato é estabelecido de acordo com o que se
supõe ser moderado e justo, ou seja, o preço ordinário ou médio, que,
antes dos últimos anos de escassez, costumava ser de 28 xelins pelo
quarter de trigo, sendo o preço dos outros cereais estabelecidos em
proporção a este. Em períodos de escassez, portanto, os comerciantes de
grãos compram uma grande parte de seus cereais pelo preço ordinário e a
vende por um valor muito mais alto. No entanto, já que fortunas são tão
raramente construídas neste e em quaisquer outros comércios, parece
bastante claro que este lucro extraordinário não é mais do que o
suficiente para manter a atividade desses comerciantes em pé de
igualdade com outras atividades, bem como para compensar as perdas
sofridas por eles em outras ocasiões, tanto por causa da natureza
perecível da mercadoria em si quanto pelas flutuações frequentes e
imprevistas de seu preço. Mas a execração popular que recebem em
períodos de escassez — o único período que pode ser muito rentável —
faz com que as pessoas ricas e de bom caráter sejam adversas à atividade.
A atividade fica relegada a um grupo inferior de negociantes; e, assim, os
moleiros, padeiros, vendedores e produtores de farinha, junto com um
número de mascates desprezíveis, são quase os únicos intermediários
que, no mercado interno, existem entre os produtores e os consumidores.
Em vez de desencorajar, a antiga política da Europa parece, na
verdade, ter autorizado e incentivado este ódio popular contra uma
atividade extremamente benéfica à população.
Pelos decretos do 5º e 6º anos do reinado de Eduardo VI, capítulo
14,444 foi promulgado que todo indivíduo que comprasse cereais ou grãos
com a intenção de revendê-los seria considerado um açambarcador fora
da lei. O primeiro cometimento seria apenado com dois meses de prisão
e a devolução do valor dos cereais; o segundo seria apenado com seis
meses de prisão e o pagamento do dobro do valor dos cereais; o terceiro
cometimento seria apenado com o pelourinho, prisão por tempo
determinado pelo rei e confisco de todos os bens e posses pessoais. A
antiga política de grande parte do resto da Europa não era melhor que a
da Inglaterra.
Nossos antepassados parecem ter imaginado que a população
compraria cereais mais baratos do agricultor que dos comerciantes de
grãos, pois temiam que estes últimos exigissem, além do preço pago ao
agricultor, um lucro exorbitante para si mesmo. Por esse motivo,
houveram por bem tentar aniquilar a atividade desse comerciante.
Tentaram dificultar ao máximo que os intermediários de quaisquer tipos
se pusessem entre o cultivador e o consumidor; tal foi o significado das
muitas restrições impostas às atividades daqueles que chamavam de
mascates de cereais (kidders)445 ou transportadores de cereais, uma
atividade que só podia ser exercida por pessoas que tivessem uma licença
afirmando suas qualificações como comerciante probo e justo. Pelo
estatuto de Eduardo VI, a licença deveria ser concedida por três juízes de
paz.446 Posteriormente, nem mesmo essas restrições eram vistas como
suficientes e, por meio de um estatuto da rainha Isabel, a concessão da
licença passou a ser competência das intermitentes assembleias do
condado.447
A antiga política da Europa empenhou-se, assim, em regulamentar a
agricultura — a grande atividade comercial do campo — por meio de
princípios diferentes daqueles estabelecidos para as manufaturas — o
grande comércio das cidades. Não deixando ao agricultor nenhum outro
cliente, exceto os consumidores ou seus representantes diretos (os
mascates e os transportadores de cereais), essa política tentava forçá-lo a
exercitar tanto a atividade de agricultor quanto a de comerciante ou
varejista de grãos. Por outro lado, em muitos casos, a política proibiu que
o manufaturador exercesse a atividade de lojista ou vendesse seus
próprios bens no varejo. A primeira lei pretendia promover o interesse
geral do campo, isto é, pretendia baratear os cereais, sem, talvez,
esclarecer o modo como isso seria feito. A segunda pretendia incentivar o
interesse de uma classe específica de pessoas, os lojistas, pois, se os
manufaturadores pudessem vender suas próprias mercadorias no varejo,
supõe-se que eles as venderiam a preços muito baixos, levando os lojistas
à falência.
No entanto, embora o manufaturador tenha sido autorizado a ter uma
loja e a vender seus próprios bens no varejo, ele não conseguiria vendê-
los por preços mais baixos que os do lojista. Independentemente da parte
de seu capital que ele aplicasse na loja, precisaria retirá-la de sua
manufatura. Para ter condições de igualdade com outras pessoas e dar
continuidade à sua atividade comercial, ele deverá, por um lado, lucrar
como um manufaturador e, por outro, como um lojista. Por exemplo,
suponhamos que, em sua cidade, o lucro ordinário tanto do
manufaturador quanto do lojista seja de 10%; nesse caso, ele deveria
onerar cada peça vendida em sua loja com um lucro de 20%. Quando ele
a transporta de sua oficina para sua loja, deverá acrescentar-lhe o preço
pelo qual poderia vendê-la a um negociante ou a um lojista, que
comprariam várias peças por atacado. Ao não acrescentar tal valor, o
manufaturador perderá a parte do lucro de seu capital referente à
manufatura. Em sua loja, caso ele não venda as peças ao preço de outros
lojistas, perderá a parte do lucro do capital referente à loja. Embora o
lucro obtido sobre uma mesma mercadoria possa parecer dobrado, este
consiste em um único lucro sobre o capital total aplicado, e isso ocorre
porque a mercadoria faz parte sucessivamente de dois capitais distintos;
e, ao obter um lucro menor, ele perde por não aplicar a integralidade de
seu capital com a mesma vantagem que a maior parte de seus vizinhos.
Assim, aquilo que era proibido ao manufaturador era, em certa
medida, obrigatório ao agricultor, a saber, dividir seu capital em duas
aplicações diferentes: a primeira seria aplicada em seus celeiros e
depósito para suprir as demandas ocasionais do mercado; e a outra, no
cultivo de sua terra. Mas, assim como ele não pode aplicar a segunda
parte do capital por menos que os lucros ordinários do capital agrícola,
ele também não pode aplicar a primeira parte por menos que os lucros
ordinários do capital mercantil. Se o capital que realmente propiciava a
atividade do comerciante de grãos pertencesse quer à pessoa que
chamamos de agricultor, quer à pessoa que chamamos de comerciante de
grãos, em ambos os casos os lucros deveriam ser os mesmos, tendendo a
indenizar seu proprietário por tê-lo aplicado de determinada forma para
manter sua atividade comercial em condições de igualdade com outras
atividades e visando impedir a rápida migração de seu capital para outras
atividades. Assim, no caso da livre concorrência, o preço dos cereais
daquele agricultor que foi forçado a exercer as atividades de um
comerciante de grãos não poderia ser mais baixo que o preço de qualquer
outro comerciante de cereais.
O negociante que pode empregar a integralidade de seu capital em
uma única atividade comercial tem a mesma vantagem do trabalhador
que pode empregar a integralidade de seu trabalho em uma única
operação. Assim como o trabalhador adquire uma destreza que o permite
realizar, com as mesmas duas mãos, uma quantidade muito maior de
trabalho, o negociante aprende métodos de negociação — compra e
venda de seus bens — tão fáceis e rápidos que, com o mesmo capital, ele
passa a ser capaz de realizar uma quantidade muito maior de negócios.
Da mesma forma que um pode geralmente oferecer seu trabalho a preços
mais baixos, o outro também pode, em geral, negociar seus bens a preços
um tanto mais baixos do que quando o capital e a atenção deles estão
ambos empregados em uma variedade maior de ações. A maioria dos
fabricantes não poderia vender seus próprios bens no varejo a preços tão
baixos quanto um lojista ativo, cuja única atividade é comprar os bens no
atacado e vendê-los no varejo. A maior parte dos agricultores teria ainda
menos recursos para vender seus próprios cereais no varejo ou para
abastecer os habitantes de uma cidade que estivesse a 4 ou 5 milhas de
distância de boa parte de suas terras, bem como vendê-los a preços tão
baixos quanto um comerciante de cerais vigilante e ativo, cuja única
atividade é a aquisição atacadista dos cereais, sua guarda em um grande
armazém e a venda a varejo.
A lei que proibiu o fabricante de exercitar o comércio de um lojista
tentou impor uma maior velocidade a essa divisão no emprego do capital,
algo que não ocorreria sem a lei. A lei que obrigou o agricultor a exercer
a atividade de um comerciante de grãos tentou impedir o seu rápido
desenvolvimento. Ambas as leis eram evidentes violações da liberdade
natural e, portanto, injustas; e ambas eram tão impolíticas quanto
injustas. É de interesse da sociedade que coisas desse tipo nunca sejam
forçadas ou impedidas. Aquele que emprega seu trabalho ou seu capital
em formas muito mais variadas do que sua situação permite nunca
conseguirá prejudicar seu vizinho ao vender mais barato que ele. Ele
poderá se prejudicar, e geralmente é isso mesmo que ele faz. O João-faz-
tudo nunca será rico, diz um provérbio.448 Mas a lei deve sempre deixar a
cada indivíduo o arbítrio de seus próprios interesses, pois ele é
geralmente capaz de julgar a situação local melhor do que o legislador.
Dessas duas leis, entretanto, a mais perniciosa foi a que obrigou o
agricultor a exercer a atividade de comerciante de grãos.
Ela não apenas impediu que a aplicação do capital fosse dividida, algo
tão vantajoso para a sociedade, mas também impediu que as terras
fossem aprimoradas e cultivadas. Ao obrigar o agricultor a realizar dois
negócios em vez de um, a lei o obriga a dividir seu capital em duas
porções, sendo que apenas uma delas pode ser aplicada no cultivo. Mas
se ele tivesse tido a liberdade de vender todos os seus grãos a um
comerciante logo após a colheita, todo o seu capital poderia ter retornado
imediatamente para a terra, e ele poderia tê-lo aplicado na compra de
mais gado e na contratação de mais empregados para aprimorá-la e
cultivá-la melhor. Mas, ao ser obrigado a vender seus cereais no varejo,
ele foi obrigado a manter grande parte de seu capital parado em seus
celeiros e armazéns durante o ano, deixando, portanto, de cultivar tão
bem quanto poderia caso pudesse utilizar todo o seu capital. Esta lei,
portanto, necessariamente impediu o aprimoramento das terras e, em vez
de causar uma tendência ao barateamento dos cereais, revelou uma
tendência de escassez e, portanto, de encarecimento.
Depois dos agricultores, a atividade do comerciante de grãos é, na
realidade, o negócio que, se protegido e incentivado corretamente, mais
contribuiria para a colheita de cereais. Essa atividade ofereceria apoio ao
comércio do agricultor da mesma forma que a atividade do negociante
atacadista oferece apoio à atividade do manufaturador.
Ao oferecer um mercado imediato para o fabricante, ao retirar de
suas mãos as mercadorias que acabaram de ficar prontas e, até mesmo, ao
adiantar o preço de suas mercadorias antes que elas estejam prontas, o
negociante atacadista permite que o manufaturador mantenha todo o seu
capital — e, às vezes, pouco mais que todo o seu capital — aplicado de
forma constante na manufatura e, consequentemente, permite a
fabricação de uma quantidade de mercadorias muito maior do que se ele
mesmo fosse obrigado a vendê-las aos consumidores imediatos ou
mesmo para os varejistas. Tendo em vista que o capital do atacadista
costuma também ser suficiente para repor o capital de muitos
manufaturadores, esta relação entre o atacadista e os manufaturadores faz
com que o proprietário de um grande capital tenha interesse em apoiar
os proprietários de um grande número de pequenos capitais e ajudá-los
nas perdas e infortúnios, que de outro modo seriam desastrosos para
eles.
Um mesmo tipo de relação, estabelecida universalmente entre os
agricultores e os comerciantes de grãos, teria efeitos igualmente benéficos
para o agricultor. Eles poderiam manter a integralidade de seus capitais, e
algo mais que essa integralidade, empregada constantemente no cultivo.
No caso de imprevistos e adversidades, às quais nenhuma outra atividade
está mais sujeita que a dos agricultores, eles encontrariam em seu cliente
comum — o rico comerciante de grãos — uma pessoa interessada em
ajudá-los e com a capacidade de fazê-lo; assim, os agricultores não
ficariam completamente dependentes, como o são atualmente, da
tolerância do proprietário das terras ou da misericórdia de seu
administrador. Se fosse possível — mas talvez não seja — estabelecer essa
relação de uma só vez e de forma universal, se fosse possível dirigir, de
uma só vez, todo o capital agrícola do reino à sua atividade apropriada,
isto é, ao cultivo de terra, retirando-o de qualquer outro emprego
primário em que qualquer parte dele estivesse atualmente desviado e, por
fim, se, com o objetivo de apoiar e oferecer assistência emergencial em
ocasiões específicas às operações deste grande capital, fosse possível
proporcionar imediatamente um capital de valor semelhante, não seria
muito fácil imaginar quão grande, quão extenso e quão súbito seria o
aprimoramento que essas mudanças de circunstâncias sozinhas
produziriam em todo o país.
O estatuto de Eduardo VI, portanto, ao proibir que os intermediários
se pusessem entre o produtor e os consumidores, tentou destruir uma
atividade em que a liberdade de comércio não é apenas o melhor
paliativo contra os inconvenientes de uma escassez, mas a melhor ação
preventiva contra tal calamidade; isso porque, depois da atividade
comercial do agricultor, nenhuma outra atividade contribui tanto para o
cultivo dos cereais quanto a do comerciante de cereais.
O rigor desta lei foi posteriormente suavizado por outros estatutos,
que sucessivamente passaram a permitir o açambarcamento de trigo
sempre que seu preço não ultrapassasse 20, 24, 32 e 40 xelins o quarter.
Por fim, o decreto do 15º ano do reinado de Carlos II, em seu capítulo 7,
declarou ser legal o acúmulo de grandes quantidades de cereais para
revenda, contanto que o preço do trigo não excedesse 48 xelins o quarter,
e o de outros grãos na mesma proporção; a medida estendia-se a todas as
pessoas que não fossem atravessadores, isto é, proibia-se a revenda do
produto no mesmo mercado pelo prazo de três meses. Toda a liberdade
que a atividade do negociante interno de cereais possui atualmente foi
concedida por este estatuto. O estatuto do 12º ano do reinado do atual
rei,449 que revoga quase todas as outras antigas leis contra o
açambarcamento e a compra antecipada por atravessadores de
mercadorias, não revoga as limitações desse estatuto específico, que, por
isso, continuam em vigor.
O estatuto, no entanto, autoriza, em certa medida, dois absurdos
preconceitos populares.
Em primeiro lugar, toda vez que o preço do trigo atinge o preço de 48
xelins o quarter (e os outros grãos atingem altas proporcionais), supõe-se
que os cereais passam a ser açambarcados para causar danos à população.
Mas, pelo que já foi exposto até aqui, acredito estar suficientemente
evidente a impossibilidade de os cereais serem acumulados dessa forma
pelos negociantes internos a ponto de causar danos à população, seja qual
for o preço; além disso, embora 48 xelins o quarter pareça um preço
muito alto, ainda assim, em períodos de escassez, os cereais costumam
atingir esse preço imediatamente após a colheita, momento em que ainda
não se vendeu quase nada da nova safra, sendo impossível, mesmo por
ignorância, supor que qualquer parte dela possa ter sido tão acumulada a
ponto de causar danos à população.
Em segundo lugar, supõe-se que há um certo preço ao qual os cereais
se tornam suscetíveis de ser intermediados, ou seja, comprados para ser
imediatamente revendidos no mesmo mercado, com o objetivo de causar
danos à população. Mas quando um comerciante compra cereais em um
determinado mercado para revendê-los no mesmo mercado, isso deve
ocorrer porque ele acredita que aquela ocasião é o momento de máximo
suprimento do mercado, o qual não estará tão generosamente suprido
durante toda a estação quanto naquele momento particular, e, por isso, o
preço daquela mercadoria deverá elevar-se logo. Caso seu julgamento
esteja incorreto e o preço dos cereais não suba, ele não só perderá todo o
lucro do capital aplicado de tal forma, mas também uma parte do capital
em si, que será gasto com despesas e perdas que necessariamente recaem
sobre o armazenamento e a manutenção dos cereais. Dessa forma, ele
causa a si mesmo danos muito maiores do que às pessoas que, por sua
causa, não compraram seus suprimentos naquele dia em particular; pois
estas poderão obtê-los a preços mais baixos em outro dia do mercado. Se
seu julgamento estiver correto, em vez de causar danos à população em
geral, ele estará prestando a ela um importante serviço público; pois,
fazendo-os passar pelos inconvenientes de uma escassez um pouco antes
do momento de seu acontecimento, ele permite que a sensação futura da
população fique mais atenuada do que certamente seria se o preço baixo
a incentivasse a consumir de forma mais rápida do que o modo exigido
pela escassez real da estação. Quando a escassez é real, a melhor coisa a
ser feita para a população é dividir os seus inconvenientes da forma mais
equitativa possível, diluindo-os por todos os meses, semanas e dias do
ano. Por seus interesses, o comerciante de grãos se empenha em fazer isso
da forma mais precisa possível; e, já que ninguém mais tem o mesmo tipo
de interesse — nem o mesmo conhecimento, nem a mesma capacidade
— para fazê-lo de forma tão precisa quanto ele, esta operação
extremamente importante do comércio deve ser confiada inteiramente a
ele; ou, em outras palavras, o comércio de grãos, pelo menos no que diz
respeito ao abastecimento do mercado doméstico, deve ser perfeitamente
livre.
O medo popular dos crimes de açambarcamento de bens e
intermediação (engrossing e forestalling) pode ser comparado ao pânico e
às suspeitas populares relacionados à bruxaria. Os infelizes desgraçados
acusados deste último crime eram tão inocentes dos infortúnios
imputados a eles quanto aqueles que foram acusados do primeiro. A lei
que pôs fim a todas as perseguições e processos contra a bruxaria, que
afastou das pessoas o poder de recompensar sua própria maldade sempre
que acusavam seus vizinhos de tal crime imaginário, parece ter
efetivamente dado fim a esses medos e suspeitas, eliminando o
instrumento que os incentivava e oferecia suporte. É possível que a lei
que restaurar a total liberdade ao comércio interno de cereais seja
igualmente eficaz e consiga acabar com os temores populares relativos ao
acúmulo de bens e à intermediação.
O decreto do 15º ano do reinado de Carlos II, c.7, no entanto, com
todas as suas imperfeições, talvez tenha trazido mais contribuições para o
abastecimento abundante do mercado doméstico e para o aumento do
cultivo de terras do que qualquer outra lei do livro de estatutos. Após esse
decreto, o comércio interno de cereais passou a desfrutar de toda a
liberdade e proteção que hoje possui; e tanto o abastecimento do
mercado interno quanto os interesses da agricultura são muito mais
efetivamente promovidos pelo comércio doméstico que pelos de
importação ou exportação.
Segundo os cálculos do autor dos tratados sobre o comércio de
cereais, a porcentagem entre a quantidade média de todos os tipos de
grãos importados para a Grã-Bretanha e a de todos os tipos de grãos
consumidos não excede a proporção de 1 para 570. Para abastecer o
mercado doméstico, consequentemente, a importância do comércio
interno em relação ao comércio de importação deve ser de 570 para 1.
De acordo com o mesmo autor, a quantidade média de todos os tipos
de grãos exportados da Grã-Bretanha não excede a proporção de 1 para
31 do produto anual. Portanto, para incentivar o plantio, pelo
fornecimento de um mercado para o produto doméstico, a importância
do comércio interno em relação ao comércio exportador deve ser 30 para
1.
Eu não tenho muita fé na aritmética política e, por isso, não garanto a
exatidão desses cálculos.450 Eu os menciono apenas para mostrar o
quanto, na opinião das pessoas mais judiciosas e experientes, o comércio
externo de cereais é muito menos importante que o comércio interno. O
preço muito baixo dos cereais nos anos que precederam o
estabelecimento dos subsídios pode, com razão, talvez ser atribuído em
alguma medida à operação desse estatuto de Carlos II, o qual foi
promulgado aproximadamente 25 anos antes, tendo, portanto, tempo
suficiente para produzir a integralidade de seus efeitos.
Algumas poucas palavras poderão explicar tudo o que tenho a dizer
sobre os outros três ramos do comércio de cereais.

II
O comércio do importador de cereais estrangeiros para consumo
doméstico contribui, evidentemente, para o abastecimento imediato do
mercado doméstico, devendo, assim, trazer benefícios imediatos a toda a
população. De fato, essa atividade tende a baixar de certa forma o preço
médio em dinheiro dos cereais, mas não tende a baixar seu valor real
nem a quantidade de trabalho que é capaz de manter. Se a importação
tivesse sido sempre livre, nossos agricultores e senhores de terras teriam,
um ano pelo outro, recebido menos dinheiro por seus cereais do que
recebem hoje (momento em que a importação está, na maioria das vezes,
efetivamente proibida), mas o dinheiro conseguido por eles valeria mais,
isto é, com ele poderiam comprar maior quantidade de quaisquer outros
tipos de bens e empregar mais trabalho. Embora designada por uma
menor quantidade de prata, sua verdadeira riqueza, seu real rendimento,
portanto, seria o mesmo que a possuída atualmente; e, além disso, não
seriam impedidos nem desencorajados de plantar a mesma quantidade
de cereais que atualmente cultivam. Pelo contrário, já que o aumento do
valor real da prata (como consequência da queda do preço em dinheiro
dos cereais) causaria uma certa queda no preço em dinheiro de todas as
outras mercadorias, isso ofereceria às atividades do país onde ocorre
alguma vantagem em todos os mercados estrangeiros e, assim, tenderia a
incentivar e aumentar essas atividades. Mas o tamanho do mercado
doméstico para os cereais deve ser proporcional ao nível geral de
trabalho do país em que ocorre o seu cultivo ou ao número de pessoas
que produzem outras mercadorias e, portanto, possuem outros bens (ou
o preço deles, o que é o mesmo) para trocar pelos cereais. Em todos os
países o mercado interno é o mais próximo e mais conveniente e, por
isso, este é o maior e mais importante mercado para os cereais. Aquele
aumento no valor real da prata, portanto, que é o efeito da diminuição do
preço médio em dinheiro dos cereais, tende a ampliar o maior e mais
importante mercado para os cereais e, assim, em vez de desencorajar o
seu crescimento, tende a incentivá-lo.451
Pelo decreto do 22º ano do reinado de Carlos II, c.13, a importação
do trigo foi submetida a um tributo de 16 xelins por quarter sempre que,
no mercado doméstico, o preço não ultrapassasse 53 xelins e 4 pence o
quarter; e a um tributo de 8 xelins sempre que o preço não ultrapassasse 4
libras. Desses dois preços, o primeiro ocorreu apenas em períodos de
grande escassez nos últimos dois séculos; o segundo, pelo que sei, nunca
ocorreu. No entanto, antes que o trigo ultrapassasse este último preço, o
estatuto já o submetia a um tributo muito alto; e, até que superasse o
primeiro preço, o estatuto já o teria submetido a um tributo equivalente a
uma proibição. A importação de outros tipos de grãos era restringida por
proporções e tributos quase igualmente altos e que variavam de acordo
com o valor do grão.452 Esses tributos foram elevados ainda mais por leis
subsequentes.
A execução fria dessas leis provavelmente causava, em anos de
escassez, muita aflição à população. Mas, nessas ocasiões, o cumprimento
estrito da lei costumava ser suspenso por estatutos temporários,
permitindo, por tempo limitado, a importação de cereais estrangeiros. A
necessidade desses estatutos temporários demonstra de forma cabal a
impropriedade dos estatutos gerais.
Essas restrições à importação, embora anteriores ao estabelecimento
dos subsídios, guiavam-se pelo mesmo espírito e pelos mesmos
princípios que, mais tarde, levaram à sua criação. Por mais prejudiciais
que estas e algumas outras restrições à importação fossem, elas se
tornaram necessárias em consequência da criação dos subsídios. Pois, se
o preço do trigo tivesse ficado abaixo de 48 xelins ou não muito acima
disso, teria sido possível importar cereais com isenção de tributos ou pelo
pagamento de pequenas taxas, e eles poderiam ter sido novamente
exportados com as vantagens dos subsídios, com uma grande perda de
receitas públicas e com a completa subversão da instituição, cujo objetivo
era aumentar o mercado em favor dos cereais cultivados internamente,
não daqueles cultivados no exterior.

III
O comércio do exportador de cereais para consumo estrangeiro
certamente não contribui diretamente para o abastecimento abundante
do mercado doméstico. No entanto, ele o faz de forma indireta.
Independentemente da origem desse abastecimento, seja interno ou pela
importação, a oferta no mercado interno nunca será muito abundante, a
menos que, no país, se plante ou se importe mais cereais do que a
quantidade normalmente consumida nele. Mas, a menos que o excedente
possa, em todos os casos ordinários, ser exportado, os produtores terão o
cuidado de nunca plantar uma quantidade maior, e os importadores de
nunca importar mais do que o requerido pelo consumo do mercado
interno. Esse tipo de mercado raramente estará sobreabastecido; mas, em
geral, estará desabastecido, pois as pessoas que trabalham para abastecê-
lo costumam ter medo de não dar vazão a seus estoques. A proibição da
exportação limita o aprimoramento e o cultivo do país à quantidade de
suprimentos exigida por seus próprios habitantes. A liberdade de
exportação permite estender o cultivo para o abastecimento de nações
estrangeiras.
O decreto do 12º ano do reinado de Carlos II, c.4, permitiu a
exportação de cereais sempre que o preço do trigo não ultrapassasse 40
xelins o quarter e, na mesma proporção, a de outros grãos. Pelo decreto
do 15º ano do reinado do mesmo monarca, essa liberdade foi estendida
até que o preço do trigo ultrapassasse 48 xelins o quarter; e pelo decreto
do 22º, a todos os preços mais elevados. De fato, não se deixou de pagar à
coroa um tributo relativo ao peso-libra das exportações. No entanto, no
livro de tarifas, o valor registrado dos grãos era tão baixo que a tarifa
sobre o peso do trigo chegava apenas a 1 xelim; sobre o peso da aveia, a 4
pence; e sobre todos os outros grãos, a 6 pence por quarter. Pelo estatuto
do 1º ano do reinado de Guilherme e Maria — o ato que estabeleceu os
subsídios —, esse pequeno tributo deixava de ser devido sempre que o
preço do trigo não ultrapassasse 48 xelins por quarter; e pelos decretos do
11º e do 12º ano do reinado de Guilherme III, c.20, o tributo deixou de
ser devido a todos os preços mais elevados.
Dessa forma, além de o comércio do exportador ter sido incentivado
por subsídios, também se tornou mais livre do que a atividade do
negociante interno. Por este último estatuto, os cereais poderiam ser
acumulados em grandes quantidades para que atingissem qualquer preço
para a exportação; mas não poderiam ser acumulados para a venda no
mercado doméstico, exceto quando o preço não ultrapassasse 48 xelins
por quarter. Entretanto, conforme já mostramos, não há como o interesse
do negociante interno opor-se ao interesse da população. Pelo contrário,
o interesse do exportador pode se opor e, na verdade, às vezes se opõe.
Se, por exemplo, enquanto o seu próprio país trabalha em meio a uma
escassez, um país vizinho é afligido por uma fome, então talvez o
primeiro tenha interesse em exportar ao outro país cereais em
quantidades que poderiam agravar em muito as calamidades da escassez.
Os estatutos não tinham o abastecimento abundante do mercado
doméstico como meta imediata; mas, com o pretexto de fomentar a
agricultura, objetivavam elevar o preço em dinheiro dos cereais ao
máximo e, assim, causar, tanto quanto possível, uma constante escassez
no mercado doméstico. Ao desincentivar a importação, o suprimento
desse mercado, mesmo em épocas de grande escassez, limitava-se aos
cereais cultivados internamente; e ao incentivar as exportações quando o
preço atingia 48 xelins por quarter, o mercado ficava privado, mesmo em
tempos de considerável escassez, de desfrutar da totalidade de suas
próprias colheitas. As leis temporárias que proibiam a exportação de
cereais por um certo período limitado, e que, também por um certo
período, tornavam suas importações isentas de tributos — expedientes e
ferramentas que a Grã-Bretanha foi obrigada a utilizar com muita
frequência — demonstram a fraqueza desse sistema geral. Se o sistema
fosse bom, o país não se veria obrigado a deixar de usá-lo com tanta
frequência.
Se todas as nações seguissem o sistema liberal de livre exportação e
importação, os diferentes Estados de um grande continente se
assemelhariam mais às diferentes províncias de um grande império.453
Assim como entre as diversas províncias de um grande império a
liberdade do comércio interno prova ser, pela razão e pela experiência,
não somente o melhor paliativo contra a escassez, mas a mais efetiva
prevenção da fome, o mesmo ocorreria se houvesse liberdade de
exportação e de importação entre os diferentes Estados de um grande
continente. Quanto maior o continente, mais fácil a comunicação entre
todas as suas diferentes regiões — seja por vias terrestres ou hídricas — e
menor a probabilidade de uma região qualquer estar exposta a essas
calamidades, pois a escassez de uma área específica estaria mais propensa
a ser aliviada pela abundância das outras. Mas pouquíssimos países
adotaram esse sistema liberal. Em quase todos os lugares, a liberdade do
comércio de cereais é mais ou menos limitada e, em muitos países, tal
comércio está amarrado a regulamentos tão absurdos que costumam
agravar os infortúnios inevitáveis de uma escassez, transformando-os na
calamidade terrível da fome. A demanda por cereais de tais países
costuma ser tão grande e tão urgente que, caso um pequeno Estado
vizinho esteja passando por um certo grau de escassez, este não poderia
se aventurar a abastecer o primeiro sem se expor a semelhante
calamidade. Assim, a política ruim de um país pode tornar, em alguma
medida, perigoso e imprudente estabelecer qual seria, em outras
circunstâncias, a melhor política do outro país. A liberdade ilimitada de
exportação, no entanto, seria muito menos perigosa aos grandes Estados,
pois estes têm colheitas muito maiores e neles a oferta não costuma ser
muito afetada pela exportação de quaisquer quantidades de cereais.
Talvez seja necessário conter a exportação dos cereais em um cantão
suíço ou em alguns dos pequenos estados da Itália. Mas, em países
grandes, como a França ou a Inglaterra, isso quase nunca ocorre. Além
disso, limitar o envio das mercadorias dos agricultores aos melhores
mercados equivale, evidentemente, a sacrificar as leis ordinárias da
justiça a uma ideia de utilidade pública, a uma espécie de razão de
Estado; um ato de autoridade legislativa que só deve ser exercido ou
perdoado em caso de necessidade urgentíssima. O preço em que a
exportação de grão é proibida (se é que deve ser proibida), deveria ser
sempre um preço muito elevado.
No mundo todo, as leis relativas aos cereais podem ser comparadas às
leis relativas à religião. É tão grande o interesse das pessoas por tudo o
que se relaciona à sua subsistência nesta vida e à sua felicidade na vida
após a morte que o governo deveria aceitar tais preconceitos e, para
preservar a tranquilidade pública, estabelecer o sistema aprovado pela
população. Talvez por esse motivo seja muito raro encontrarmos um
sistema justo e racional que vise a qualquer um desses dois importantes
objetos.454

IV
A atividade do transportador ou daquele comerciante que importa
cereais estrangeiros para exportá-los novamente contribui para o
abastecimento abundante do mercado doméstico. De fato, a venda
interna de seus cereais não faz parte do objetivo primário de seu
comércio. Mas, em geral, ele está disposto a fazê-lo até mesmo por um
preço mais baixo do que o do mercado externo, pois, ao vender
internamente, não incorrerá em outras despesas: frete, seguro e serviços
de carregamento e descarregamento. Raramente falta algo aos habitantes
do país que, por meio do transporte de mercadorias, passaram a ser a loja
e o armazém para o suprimento de outros países. O transporte de
mercadorias contribui para reduzir o preço médio em dinheiro dos
cereais no mercado interno, mas não é por isso que é capaz de baixar o
seu valor real. Esse comércio apenas causa uma pequena elevação ao
valor real da prata.
Na verdade, em todas as ocasiões normais, o comércio de transporte
de mercadorias era proibido na Grã-Bretanha por meio dos altos tributos
sobre a importação de cereais estrangeiros, cuja maior parte não
desfrutava das vantagens do drawback (reembolso); e em ocasiões
extraordinárias, quando a escassez obrigava a suspensão desses tributos
por meio de estatutos temporários, a exportação era sempre proibida. Por
esse sistema legal, consequentemente, o comércio de transporte de
mercadorias era efetivamente proibido em qualquer ocasião.
Portanto, esse sistema legal, ligado à criação dos subsídios, parece não
merecer o louvor que lhe foi conferido. O desenvolvimento e a
prosperidade da Grã-Bretanha, que tantas vezes foram atribuídos a essas
leis, podem muito facilmente ser imputados a outras causas. As leis da
Grã-Bretanha asseguram a cada pessoa os frutos de seu próprio trabalho;
por si só, isso já é suficiente para que qualquer país floresça, não obstante
esses e vinte outros regulamentos absurdos de comércio; além disso, essa
segurança foi aperfeiçoada pela revolução, aproximadamente na mesma
época em que os subsídios foram criados. Quando se permite que o
indivíduo trabalhe com liberdade e segurança, o esforço natural de cada
um para melhorar a sua própria condição é um princípio tão poderoso
que, por si só e sem qualquer ajuda, é capaz de não apenas conduzir a
sociedade à riqueza e à prosperidade, mas também de fazê-la superar
uma centena de obstáculos inapropriados, muitas vezes impostos pela
falta de bom senso das leis humanas, embora esses obstáculos sempre
tenham como consequência a maior ou menor invasão da liberdade ou a
diminuição da segurança das pessoas. Na Grã-Bretanha, o trabalho é
perfeitamente seguro; e, apesar de estar longe de ser perfeitamente livre,
ele é tão livre ou mais livre que em qualquer outra parte da Europa.455
Embora o período de maior prosperidade e desenvolvimento da Grã-
Bretanha tenha sido posterior a esse sistema de leis relacionado aos
subsídios, não devemos, por isso, imputar a prosperidade a essas leis. Da
mesma forma, essa prosperidade também é posterior à dívida nacional e,
sabemos muito bem, não há como a dívida ter sido sua causa.
Embora o sistema de leis relacionado aos subsídios tenha exatamente
a mesma tendência que as políticas da Espanha e de Portugal, isto é,
diminuir um pouco o valor dos metais preciosos no país onde são
utilizados, ocorre que a Grã-Bretanha é certamente um dos países mais
ricos da Europa, enquanto a Espanha e Portugal talvez possam estar no
rol dos mais pobres. Essa diferença, no entanto, pode ser facilmente
explicada por duas causas diferentes. Em primeiro lugar, os tributos
espanhóis, a proibição portuguesa de exportar ouro e prata e a política
vigilante que cuida da execução dessas leis devem — nesses dois países
muito pobres que, entre eles, importam mais de 6 milhões de libras
esterlinas anuais — operar de forma mais direta e mais imperativa na
redução do valor daqueles metais em seus países do que as leis de cereais
(Corn Laws) britânicas o fazem. E, em segundo lugar, naqueles países
essa política ruim não se vê contrabalançada pela liberdade e pela
segurança gerais do povo. Em Portugal e na Espanha as atividades
comerciais não são livres nem seguras; mesmo com leis comerciais tão
sábias quanto são absurdas em sua maior parte todas as outras, os
governos civil e eclesiástico desses países são tais que já bastariam para
perpetuar o estado atual de pobreza que neles impera.
O decreto do 13º ano do atual reinado, c.43, parece ter estabelecido
um novo sistema em relação às leis que tratam dos cereais que, em
muitos aspetos, é muito melhor do que o anterior; mas no que diz
respeito a um ou dois aspectos, o sistema talvez não seja tão bom assim.
Por esse estatuto, os altos tributos impostos à importação para o
consumo interno deixam de ser devidos assim que o preço do trigo
médio atingir 48 xelins o quarter; do centeio, da ervilha e dos feijões
médios, a 32 xelins; o da cevada, a 24 xelins; e o da aveia, a 16 xelins; e,
em vez de altos tributos, paga-se uma pequena taxa de apenas 6 pence por
quarter de trigo, e taxas proporcionais para o quarter de outros grãos. No
que diz respeito a todos esses tipos diferentes de grãos, mas
particularmente no que diz respeito ao trigo, o mercado doméstico está,
assim, aberto aos fornecimentos estrangeiros a preços consideravelmente
mais baixos do que antes.
De acordo com o mesmo estatuto, o velho subsídio de 5 xelins sobre a
exportação do trigo deixa de ser pago assim que o preço atinge 44 xelins
o quarter, em vez de 48, que era o limite anterior; o de 2 xelins e 6 pence
sobre a exportação da cevada deixa de ser pago assim que o preço atinge
22 xelins, em vez de 24, o limite anterior; o de 2 xelins e 6 pence sobre a
exportação da farinha de aveia deixa de ser pago assim que o preço atinge
14 xelins, em vez de 15, o limite anterior. O subsídio sobre o centeio foi
reduzido de 3 xelins e 6 pence para 3 xelins e deixa de ser pago assim que
o preço atinge 28 xelins, em vez do limite anterior de 32. Esforcei-me até
aqui para demonstrar que os subsídios são uma impropriedade; assim,
quanto antes deixam de ser pagos e quanto menor o seu valor, tanto
melhor.
Ainda segundo o estatuto, é permitida a importação de cereais a
preços mais baixos para a reexportação, isenta de tributos, desde que, no
período entre uma operação e outra, os produtos sejam armazenados em
um local com custódia conjunta entre o rei e o importador. Essa
liberdade, de fato, estende-se a somente 25 portos da Grã-Bretanha. No
entanto, são os principais portos do país, não havendo, acredito,
armazéns adequados para esse fim na maioria dos outros portos.
Até o momento, a lei é evidentemente muito melhor que o antigo
sistema.
Mas, de acordo com a mesma lei, cria-se um subsídio de 2 xelins o
quarter para a exportação de aveia enquanto seu preço não exceder 14
xelins. Os subsídios para a exportação desse tipo de grão, assim como
para a exportação de ervilhas ou feijões, são criações da nova lei.
Também pela mesma lei fica proibida a exportação de trigo quando
seu preço sobe para 44 xelins o quarter; a de centeio, quando chega a 28
xelins; a de cevada, quando chega a 22 xelins; e a de aveia, quando chega
a 14 xelins. Todos esses preços parecem muito baixos e, além disso,
parece haver uma impropriedade em proibir totalmente a exportação
quando os produtos atingem o preço exato da retirada do subsídio que
havia sido concedido para forçar a exportação. O subsídio deve
certamente deixar de ser pago a um preço muito mais baixo, ou a
exportação deveria ter sido permitida em um preço muito maior.
Até agora, portanto, a lei parece ser inferior ao antigo sistema. No
entanto, mesmo com todas as suas imperfeições, talvez possamos dizer
dela o mesmo que foi dito sobre as leis de Sólon, que, embora não sejam
as melhores leis de todas, são as melhores possíveis para os interesses,
preconceitos e temperamentos de nossa época. Talvez, no devido tempo,
prepare o caminho para uma melhor.

CAPÍTULO VI
OS TRATADOS OU ACORDOS COMERCIAIS
Quando, por meio de tratados, uma nação se compromete a admitir a
entrada de certas mercadorias de um certo país estrangeiro enquanto
proíbe a entrada dos mesmos bens de todos os outros, ela se compromete
a isentar ou os bens de um certo país dos tributos a que sujeita os bens de
todos os outros países ou, pelo menos, os comerciantes e
manufaturadores do país cujo comércio é tão favorecido, que obtêm
obrigatoriamente muitas vantagens devido ao acordo. Esses comerciantes
e manufaturadores desfrutam de uma espécie de monopólio em um país
que é bastante indulgente com eles. Esse país passa a constituir um
mercado maior e mais vantajoso para seus bens: maior porque, ao excluir
os bens de outras nações ou submetê-los a um regime de tributação
muito pesado, remove seus bens da concorrência; mais vantajoso porque
os comerciantes do país favorecido, desfrutando de uma espécie de
monopólio, venderão seus bens por um preço melhor do que se
estivessem expostos à livre concorrência de todas as outras nações.
Mas, embora esses tratados possam ser vantajosos aos comerciantes e
aos manufaturadores do país favorecido, são necessariamente
desvantajosos aos do país que concede o favor. Um monopólio é, assim,
concedido a uma nação estrangeira e contra os comerciantes do país que
o concede; estes deverão frequentemente comprar os bens estrangeiros de
que necessitam por preços mais altos do que se a livre competição das
outras nações fosse admitida. Tal nação venderá por preços mais baixos
aquela parte de seu próprio produto com a qual compra bens
estrangeiros, porque, quando se trocam duas coisas, o preço baixo de
uma é consequência necessária, ou melhor, é a mesma coisa que o preço
alto da outra. O valor de troca de seu produto anual será provavelmente
diminuído a cada tratado ou acordo semelhante. Essa diminuição, no
entanto, não chega a representar uma perda positiva, mas apenas a
diminuição do ganho que esta nação poderia ter obtido em
circunstâncias diferentes. Embora venda seus bens por preços mais
baixos do que os venderia em outra circunstância, provavelmente não os
venderá por um preço abaixo do que custam; nem, como no caso dos
subsídios, por um preço que não reponha, junto com os lucros ordinários
do capital, o capital utilizado para levar os bens ao mercado. A atividade
teria uma vida muito curta se isso ocorresse. Embora ganhe menos do
que no caso da livre concorrência, até mesmo o país que concede o favor
poderá ganhar algo com o comércio.
No entanto, alguns tratados comerciais com base em princípios muito
diferentes destes têm sido considerados vantajosos; há relatos de nações
mercantis que concederam esse tipo de monopólio contra si mesmas a
certos bens de uma nação estrangeira, porque, tomando a integralidade
do comércio de bens entre os dois países, esperavam que o valor de suas
vendas anuais superasse o das compras, e que, anualmente, sua balança
seria positiva se proporcionasse um retorno de ouro e prata ao país. Com
base nesse princípio, o tratado comercial, celebrado em 1703 entre a
Inglaterra e Portugal pelo senhor Methuen, tem sido muito elogiado. O
Tratado de Methuen consiste em apenas três artigos, e segue uma
reprodução literal:
“Art. 1. Sua Sagrada Magestade El Rey de Portugal promette tanto em Seu
próprio Nome, como no de Seus Sucessores, de admitir para sempre d’aqui em
diante no Reyno de Portugal, os Panos de lãa, e mais fabricas de lanifício de
Inglaterra, como era costume até o tempo que forão prohibidos pelas Leys, não
obstante qualquer condição em contrario.
Art. II. He estipulado, que Sua Sagrada e Real Magestade Britannica, em Seu
próprio Nome, e no de Seus Successores, será obrigada para sempre, d’aqui em
diante, de admittir na Gram Bretanha os Vinhos do producto de Portugal, de
sorte que em tempo algum (haja Paz ou Guerra entre os Reynos de Inglaterra e
de França) não se poderá exigir de Direitos de Alfandega nestes Vinhos, ou
debaixo de qualquer outro Título, directa ou indirectamente, ou sejam
transportados para Inglaterra em Pipas, Toneis, ou qualquer outra vasilha que
seja; mais que o que se costuma pedir para igual quantidade, ou de medida de
Vinho de França, diminuindo ou abatendo huma terça parte do Direito de
costume. Porem, se em qualquer tempo esta dedução, ou abatimento de
Direitos, que será feito, como acima he declarado, for por algum modo
infringido e prejudicado, Sua Sagrada Majestade Portuguesa poderá, justa e
legitimamente, prohibir de lãa, e todas as mais fabricas de lanifício de
Inglaterra.
Art III. Os Excelentíssimos Senhores Plenipotenciarios promettem, e tomão
sobre si, que Seus Amos acima mencionados ratificarão este Tratado, e que
dentro do tempo de dous Mezes se passarão as Ratificações”.456

Por este tratado, a coroa portuguesa obrigou-se a admitir em seus


domínios as manufaturas de lã inglesas sob as mesmas condições que
eram admitidas antes da proibição, isto é, sem elevar os tributos que
então eram pagos por sua importação. Mas não está obrigada a admitir as
manufaturas sob termos mais favoráveis para os ingleses do que para
quaisquer outras nações, por exemplo, a França ou a Holanda. A coroa da
Grã-Bretanha, pelo contrário, obriga-se a admitir os vinhos portugueses,
que pagarão apenas dois terços dos tributos devidos pelos vinhos
franceses, os vinhos mais propensos a concorrer com eles. Quanto a isso,
o tratado parece ser evidentemente vantajoso para Portugal e
desvantajoso para a Grã-Bretanha.457
No entanto, o acordo tem sido celebrado como uma obra-prima da
política comercial inglesa. Portugal recebe anualmente do Brasil uma
maior quantidade de ouro do que pode ser aplicada em seu comércio
interno, seja na forma de moeda ou produtos trabalhados. O excedente é
demasiadamente valioso para que fique ocioso e trancado em cofres; e,
por não encontrar nenhum mercado vantajoso no país, deve,
independentemente de quaisquer proibições, ser enviado para o exterior
e trocado por produtos que possam ser vendidos no mercado doméstico.
Grande parte desse tesouro chega anualmente na Inglaterra em troca de
mercadorias inglesas ou bens de outras nações europeias, os quais, por
sua vez, são pagos pela Inglaterra. O senhor Baretti458 foi informado de
que, semanalmente, chega à Inglaterra um paquete459 vindo de Lisboa
com um carregamento de mais de 50 mil libras em ouro. Provavelmente
essa soma é exagerada. Se estivesse correta, equivaleria a um montante de
mais de 2 milhões e 600 mil libras por ano, uma soma maior que o valor
entregue anualmente pelo Brasil a Portugal.
Há alguns anos nossos comerciantes não estavam contentes com a
coroa de Portugal. Ocorre que foram violados ou revogados alguns
privilégios que lhes haviam sido concedidos, não por meio de tratados,
mas pela livre generosidade da coroa; na verdade, é possível que esses
privilégios fossem obtidos por solicitação da coroa britânica em troca de
favores muito maiores, a saber, defesa e proteção. As pessoas, portanto,
geralmente mais interessadas em celebrar o comércio com Portugal,
estavam, então, mais dispostas a vê-lo como menos vantajoso do que se
costumava imaginar. E por isso diziam que quase a totalidade do ouro
enviado de Portugal para a Grã-Bretanha não pertencia a esta última,
mas às outras nações europeias, e que as frutas e os vinhos portugueses
importados anualmente para a Grã-Bretanha quase compensavam o
valor dos bens britânicos exportados para Portugal.
Suponhamos, no entanto, que todo o ouro ficasse na Inglaterra e que
seu montante fosse ainda maior do que nos conta o senhor Baretti: esse
comércio não seria, por essa razão, mais vantajoso do que qualquer outro
em que por certo valor exportado recebêssemos um mesmo valor em
bens de consumo.
Supostamente, apenas uma pequena parte dessa importação seria
anualmente acrescentada aos metais do reino. O resto deveria ser enviado
ao exterior e trocado por bens de consumo. Mas se a Inglaterra
comprasse seus bens de consumo diretamente com o produto de sua
indústria, isso seria muito mais vantajoso do que comprar o ouro de
Portugal com seu produto para, mais tarde, com esse mesmo ouro,
comprar bens de consumo de outros países.460 O comércio exterior
direto de bens de consumo é sempre mais vantajoso do que um comércio
indireto; além disso, o comércio exterior direto exige um capital muito
menor que o indireto para trazer o mesmo valor de bens estrangeiros ao
mercado interno. Seria mais vantajoso para a Inglaterra se uma pequena
parte de sua indústria, por conseguinte, fosse empregada na produção de
bens para o mercado de Portugal, e uma parte maior, na produção de
bens para os outros mercados em que os bens de consumo demandados
pela Grã-Bretanha podem ser encontrados. Essa forma de obtenção tanto
do ouro, que ela deseja para uso próprio, quanto dos bens de consumo
utilizaria muito menos capital do que o atualmente utilizado. Ela haveria
poupado capital, portanto, para empregá-lo em outros fins, para
incentivar uma maior quantidade de trabalho e para a geração de um
maior produto anual.461
Mesmo se a Grã-Bretanha fosse totalmente excluída do comércio com
Portugal, teria pouquíssimas dificuldades para adquirir a quantidade
anual desejada de ouro, quer fosse para sua transformação em utensílios,
quer para a cunhagem de moedas, quer para uso no comércio exterior. O
ouro, assim como qualquer outra mercadoria, sempre estará disponível
em algum lugar para quem pode pagar o valor pedido. Além disso, o
excedente anual de ouro em Portugal não deixaria de ser enviado ao
exterior e, apesar de não ser levado pela Grã-Bretanha, seria levado por
alguma outra nação, a qual se alegraria em poder revendê-lo por seu
preço, da mesma forma como o faz atualmente a Grã-Bretanha. Quando
compramos o ouro de Portugal, na verdade, somos os primeiros
compradores; ao passo que, ao comprá-lo de qualquer outra nação,
exceto da Espanha, estaríamos comprando ouro de algum primeiro
comprador e, por isso, pagaríamos um pouco mais caro por ele. Essa
diferença, no entanto, seria certamente muito insignificante para merecer
a atenção das pessoas em geral.
Dizem que quase todo o nosso ouro vem de Portugal. Em relação às
outras nações, o equilíbrio de nossa balança comercial nos é desfavorável
ou não é muito favorável. Mas devemos lembrar que, quanto mais ouro
importamos de um certo país, menos devemos necessariamente importar
de todos os outros. A demanda efetiva pelo ouro, assim como a demanda
por qualquer outra mercadoria, limita-se por uma certa quantidade que
varia de país para país. Se 9/10 dessa quantidade são importados de um
país, restará apenas 1/10 para ser importado de todos os outros. É
importante notar que, quanto mais ouro — além do que é necessário para
a manufatura de utensílios e para a cunhagem de moedas — é importado
anualmente de certos países específicos, mais deverá ser necessariamente
exportado a alguns outros; e quanto mais o equilíbrio da balança
comercial (esse objeto insignificante da política moderna!) parecer nos
favorecer em relação a certos países específicos, mais ela nos será
necessariamente desfavorável em relação a muitos outros.462
Mas, por causa dessa ideia tola — a saber, que a Inglaterra não
conseguiria manter sua existência sem o comércio com Portugal —,
França e Espanha, para dar fim à última guerra e sem querer causar
ofensa ou provocação, exigiram que o rei de Portugal expulsasse todos os
navios britânicos de seus portos e que ele recebesse as guarnições
francesas e espanholas para garantir a segurança dessa expulsão. Se o rei
de Portugal tivesse se submetido a esses termos ignominiosos que o seu
cunhado, o rei de Espanha, lhe propunha, a Grã-Bretanha teria se livrado
de uma inconveniência muito maior que a perda do comércio com
Portugal, isto é, o fardo de apoiar um aliado muito fraco, tão
desguarnecido de tudo para sua própria defesa que, mesmo que todo o
poderio inglês fosse direcionado para esse único fim, talvez nem isso
seria capaz de defendê-lo de novos ataques. A perda do comércio com
Portugal teria, sem dúvida, ocasionado um constrangimento considerável
aos comerciantes envolvidos em tal atividade naquele momento; talvez
ficassem, por um ano ou dois, sem encontrar uma outra forma tão
vantajosa para aplicar seus capitais; este seria provavelmente todo o
prejuízo que a Inglaterra sofreria com essa política comercial que foi
considerada tão notável.
O grande volume de importação anual de ouro e prata não se destina
aos utensílios e moedas, mas ao comércio exterior. Um comércio externo
indireto de bens de consumo pode ser realizado de forma mais vantajosa
com esses metais do que com outras mercadorias. Por serem
considerados os instrumentos comerciais universais, são recebidos em
troca de quaisquer mercadorias de forma mais imediata que qualquer
outro bem; também, por conta de seu pequeno volume e grande valor, o
custo de seu transporte é mais baixo que o custo do transporte de
qualquer outro produto; e, por fim, não perdem muito valor ao serem
transportados de um lugar para o outro. Portanto, entre todas as
mercadorias que são compradas em um país estrangeiro, por nenhum
outro propósito, senão para serem vendidas ou trocadas novamente por
outros bens em outro mercado, não há outra mercadoria mais
conveniente que ouro e prata. A principal vantagem do comércio com
Portugal é que ele facilita o comércio exterior indireto de bens de
consumo realizado pela Grã-Bretanha; e, embora não seja uma vantagem
capital, é, sem dúvida, importante.463
Parece bastante razoável supor que qualquer acréscimo anual
realizado à prataria ou à moeda do Reino exigiria apenas uma
importação anual muito pequena de ouro e prata; e, mesmo sem realizar
um comércio direto com Portugal, essa pequena quantidade poderia ser
sempre facilmente obtida em um ou outro lugar.
Embora o comércio dos ourives seja grande na Grã-Bretanha, a vasta
maioria da nova prataria anualmente vendida é feita pelo derretimento
da velha prataria; desse modo, não há nenhum grande acréscimo anual à
prataria do Reino, exigindo apenas uma importação anual muito
pequena.
É o mesmo caso com a moeda. Ninguém imagina, creio eu, que
mesmo a maior parte da cunhagem anual — a qual, por dez anos, antes
da última reforma da moeda de ouro, chegou a 800 mil libras por ano em
ouro — tenha representado um acréscimo anual à moeda anteriormente
corrente no Reino. Em um país onde as despesas de cunhagem são
custeadas pelo governo, o valor da moeda, mesmo que ela ainda
contenha a totalidade de seu peso-padrão em ouro e prata, nunca pode
ser muito maior do que o valor de uma quantidade igual de metais não
cunhados; pois exige somente o trabalho de ir até a Casa da Moeda e a
demora, talvez de algumas semanas, para transformar uma quantidade
não cunhada de ouro e prata em uma quantidade igual daqueles metais
em forma de moeda. Mas a maior parte da moeda atual de todos os
países está quase sempre desgastada ou então distante de seu padrão. Este
era o caso da Grã-Bretanha antes da última reforma; o ouro estava mais
de 2% abaixo de seu peso-padrão, e a prata, mais de 8%. Mas se 44,5
guinéus, contendo seu peso-padrão total, isto é, uma libra-peso de ouro,
eram capazes de comprar pouquíssimo mais do que uma libra-peso de
ouro não cunhado, 44,5 guinéus que tenham perdido parte de seu peso
não poderiam comprar uma libra-peso e, então, seria necessário
adicionar algo para compensar essa deficiência. Consequentemente, o
preço atual do lingote de ouro no mercado não era igual ao preço da Casa
da Moeda, isto é, 46 libras, 14 xelins e 6 pence, mas aproximadamente 47
libras e 14 xelins; às vezes, aproximadamente 48 libras. Quando a maior
parte da moeda, no entanto, já estava desgastada, 44,5 guinéus recém-
saídos da Casa da Moeda não comprariam mais bens no mercado do que
quaisquer outros guinéus comuns, porque, ao entrarem nos cofres do
comerciante, confundem-se com outras moedas, não podendo ser
distinguidos de outras sem que incorramos em um trabalho maior do
que vale tal diferença. Como outros guinéus, eles não valem mais do que
46 libras, 14 xelins e 6 pence. Se derretidos, no entanto, eles produzem,
sem nenhuma perda notável, 1 libra-peso de ouro-padrão, que poderia
ser vendida a qualquer momento por um valor entre 47 libras e 14 xelins
e 48 libras em ouro ou prata, tão apropriado a todos os usos da moeda
como o da que foi derretida. Portanto, o derretimento de moeda recém-
cunhada produzia um lucro óbvio, e isso era realizado tão
instantaneamente que nenhuma medida do governo era capaz de
impedir tal procedimento. Por esse motivo, as operações da Casa da
Moeda assemelhavam-se ao sudário tecido por Penélope; o trabalho
realizado durante o dia era desfeito na mesma noite. A Casa da Moeda
era utilizada não tanto para realizar acréscimos diários à moeda nacional,
mas servia apenas para substituir a melhor parte da moeda existente, a
qual era diariamente derretida.464
Se as pessoas que levam seu ouro e prata à Casa da Moeda pagassem
pela cunhagem, isso acrescentaria algo ao valor daqueles metais da
mesma forma que o trabalho adiciona valor à prataria. O ouro e a prata
cunhados seriam mais valiosos do que os não cunhados. Se a taxa de
cunhagem não fosse exorbitante, ela adicionaria o valor integral da taxa
ao lingote; pois, já que o governo detém, em todos os lugares, o privilégio
exclusivo de cunhagem, nenhuma moeda chegará ao mercado custando
menos do que o valor considerado adequado. Se a taxa fosse realmente
exorbitante, ou seja, se estivesse muito acima do valor real do trabalho e
das despesas de cunhagem, falsos cunhadores, tanto em nosso país como
no exterior, poderiam ser encorajados, pela grande diferença entre o
valor dos lingotes e o da moeda, a derramar uma quantidade tão grande
de dinheiro falsificado que poderia reduzir o valor do dinheiro do
governo. No entanto, embora a França tenha uma taxa de cunhagem de
8%, não há testemunhos de nenhum tipo notável de inconvenientes
causados por ela. Os perigos a que um falsificador de moeda está sujeito,
se ele vive no país em que falsifica, ou a que estão sujeitos os seus agentes
ou correspondentes, se ele vive em um país estrangeiro, são muito
grandes e quase ninguém correria esse tipo de perigo por um lucro de
apenas 6% ou 7%.
Na França, a taxa de cunhagem aumenta o valor da moeda a um
ponto maior que a proporção de ouro puro contida nela. Assim, pelo
édito de janeiro de 1726, o preço465 do ouro 24 quilates da Casa da
Moeda foi fixado em 740 libras francesas, 9 sols, 1,09 dinheiro, o marco
de 8 onças de Paris.466 A moeda de ouro da França, levando em
consideração a correção da Casa da Moeda, é formada por 21,75 quilates
de ouro puro e 2,25 quilates de liga. O marco de ouro-padrão, portanto,
não vale mais do que cerca de 671 libras francesas e 10 deniers. Mas, na
França, o marco de ouro-padrão é cunhado em 30 moedas Louis-d’ors de
24 libras francesas cada uma, ou em 720 libras francesas. A cunhagem,
dessa forma, aumenta o valor do lingote de 1 marco de ouro-padrão pela
diferença entre 671 libras francesas, 10 deniers e 720 libras francesas; ou
por 48 libras francesas, 19 sols e 2 deniers.467
Em muitos casos, a taxa de cunhagem eliminaria totalmente e, em
outros, diminuiria o lucro obtido pelo derretimento da moeda nova. Tal
lucro ocorre sempre que exista uma diferença entre a quantidade de
metal puro que a moeda comum deveria conter e a quantidade que ela
realmente contém. Se a diferença é menor do que a taxa de cunhagem,
haverá perda em vez de lucro. Se for igual à taxa, não haverá lucro nem
perda. Se for maior do que a taxa de cunhagem, haverá certamente algum
lucro, mas menor do que seria se não houvesse taxa de cunhagem. Se,
antes da última reforma da moeda de ouro, por exemplo, houvesse uma
taxa de cunhagem de 5%, o derretimento da moeda de ouro traria uma
perda de 3%. Se a taxa de cunhagem fosse de 2%, não haveria nem lucro
nem perda. Se a taxa de cunhagem fosse de 1%, haveria lucro, mas de
apenas 1%, não de 2%. Se o dinheiro é recebido pelo valor de face,
portanto, e não por seu peso, a taxa de cunhagem passa a ser o meio mais
eficaz para impedir o derretimento da moeda e, pela mesma razão, a sua
exportação. Normalmente são derretidas ou exportadas as melhores e as
mais pesadas moedas, pois os maiores lucros são obtidos com elas.
A lei para o encorajamento da cunhagem, tornando-a isenta de
tributos, foi promulgada primeiramente durante o reinado de Carlos II468
e teve validade limitada; mas, por meio de diferentes prorrogações, foi
continuada até 1769, quando se tornou perpétua. Com frequência o
banco da Inglaterra é obrigado a levar suas barras de ouro à Casa da
Moeda para transformá-las em moeda; o banco acreditava que seus
interesses eram mais bem atendidos quando a cunhagem corresse às
expensas do governo, não dele. É provável que essa lei tenha se tornado
perpétua para favorecer essa grande companhia. Se, no entanto, o
costume de pesar o ouro vier a ser descontinuado, como provavelmente
será por causa de sua inconveniência, e se a moeda de ouro da Inglaterra
vier a ser recebida por seu valor de face, como o era antes da última
recunhagem, então essa grande companhia talvez perceba que não
entendeu quais são seus próprios interesses nem nesse ponto nem em
muitos outros.
Antes da última recunhagem, a moeda de ouro da Inglaterra estava
2% abaixo de seu peso-padrão e, já que não havia uma taxa de
cunhagem, a moeda estava 2% abaixo do valor da quantidade de lingotes
de ouro-padrão que deveria conter. Quando essa grande companhia,
portanto, comprou lingotes de ouro para serem cunhados, foi obrigada a
pagar, por cada lingote, 2% a mais do que ele valeria após a cunhagem.
Mas se tivesse havido uma taxa de cunhagem de 2%, embora a moeda
corrente comum de ouro estivesse 2% abaixo do seu peso-padrão, seria
em valor igual à quantidade de ouro-padrão que deveria conter; e, assim,
o valor de fabricação compensaria, nesse caso, a diminuição de seu peso.
O banco, de fato, precisaria pagar a taxa de cunhagem; e, tendo em vista
que a taxa seria de 2%, a perda do banco sobre o total da transação teria
sido de 2%, exatamente a mesma porcentagem, mas não maior do que
realmente era.
Se a taxa tivesse sido de 5% e a moeda de ouro estivesse apenas 2%
abaixo do seu peso-padrão, o banco, nesse caso, ganharia 3% sobre o
preço dos lingotes; mas, como a taxa de cunhagem havia sido de 5%
sobre a cunhagem total, da mesma maneira, sua perda total seria de
exatamente 2%.
Se a taxa de cunhagem tivesse sido de 1% e a moeda de ouro estivesse
apenas 2% abaixo do seu peso-padrão, o banco, nesse caso, perderia
apenas 1% sobre o preço dos lingotes; mas, como o banco teria uma taxa
de cunhagem de 1%, sua perda sobre a transação total seria exatamente
de 2%, da mesma maneira como em todos os outros casos.
Se houvesse uma taxa de senhoriagem razoável, enquanto, ao mesmo
tempo, a moeda mantivesse a totalidade de seu peso-padrão, fato que tem
ocorrido de forma bastante próxima após a última recunhagem, o que
quer que o banco perdesse pela taxa de senhoriagem ganharia sobre o
preço do lingote; e o que quer que ganhasse sobre o preço dos lingotes
perderia pela senhoriagem.469 Desse modo, portanto, não haveria nem
perdas nem ganhos ao final do ciclo; e nesse e em todos os outros casos, o
banco ficaria exatamente na mesma situação em que se veria caso não
existisse uma taxa de senhoriagem.
Quando o tributo sobre uma mercadoria é tão moderado que não
incentiva o seu contrabando, o comerciante que lida com ela não está
realmente pagando um imposto, pois, embora adiante o valor do tributo,
ele recebe o valor de volta com o preço da mercadoria. O imposto só é
realmente pago pela última pessoa que a compra ou consome.470 Mas
todas as pessoas são comerciantes em relação ao dinheiro. Ninguém o
compra senão para vendê-lo novamente; e no que diz respeito ao próprio
dinheiro, não há casos normais de um último comprador ou consumidor.
Quando, portanto, a taxa de cunhagem é tão moderada que não incentiva
a cunhagem de dinheiro falso, embora todo mundo adiante o valor do
imposto, ninguém o paga, pois todos receberão de volta no sobrevalor da
moeda.
Uma taxa de cunhagem moderada, consequentemente, não
aumentaria em nenhum caso as despesas do banco ou de quaisquer
pessoas que levassem seu metal à Casa da Moeda para ser cunhado; e a
falta de uma taxa moderada de cunhagem não diminui a despesa de
forma alguma. Quando a moeda contém a integralidade de seu peso-
padrão, a cunhagem não custa nada a ninguém, havendo ou não uma
taxa; se o peso da moeda for menor, o preço da cunhagem será sempre a
diferença entre a quantidade de metal que a moeda deveria conter e a
quantidade que ela realmente contém.
Assim, quando o governo paga pelas despesas de cunhagem, não
incorre somente em alguma despesa pequena, mas também perde
alguma pequena receita que poderia obter por meio de uma função
apropriada; e, por fim, nem o banco nem quaisquer outras pessoas são
minimamente beneficiados por essa demonstração inútil de generosidade
pública.
É provável que os diretores do banco,471 no entanto, não estejam
dispostos a concordar com a imposição de uma taxa com base na
autoridade de uma especulação que não lhes promete nenhum ganho,
mas apenas pretende segurá-los contra qualquer perda. Nas condições
atuais das moedas de ouro, e contanto que elas continuem sendo
recebidas por seu peso, eles certamente não ganhariam nada com tal
mudança. Mas, se o costume de pesar as moedas de ouro entrar em
desuso, como é muito provável que aconteça, e se a moeda de ouro não
atingir o mesmo estado de degradação em que se encontrava antes da
última recunhagem, o ganho, ou, mais adequadamente, as economias que
o banco obteria como consequência da imposição de uma taxa de
cunhagem seriam bastante consideráveis. O Banco da Inglaterra é a única
companhia que envia uma grande quantidade de lingotes para a Casa da
Moeda e, por isso, o fardo da cunhagem anual recai inteiramente, ou
quase inteiramente, sobre ele. Se a única utilidade dessa cunhagem anual
for o reparo de algumas perdas inevitáveis e o necessário desgaste da
moeda, raramente a cunhagem ultrapassará 50 mil ou, no máximo, 100
mil libras. Mas, quando a moeda degradada está abaixo de seu peso-
padrão, a cunhagem anual deve, além do serviço descrito anteriormente,
preencher o vácuo contínuo deixado pela exportação e pelo derretimento
da moeda corrente. Esse foi o motivo pelo qual, durante os dez ou doze
anos imediatamente anteriores à última reforma da moeda de ouro, a
cunhagem anual chegou a atingir uma média de mais de 850 mil libras.
Mas, caso houvesse sido imposta uma taxa de cunhagem de 4% ou 5%
sobre as moedas de ouro, tanto a exportação quanto o derretimento de
moedas teriam provavelmente acabado, mesmo no estado em que as
coisas estavam na época. O banco, em vez amargar uma perda anual de
cerca de 2,5% sobre os lingotes de ouro que seriam transformados em
mais de 850 mil libras em moedas, ou incorrer em uma perda anual de
mais de 21.250 libras, provavelmente não teria incorrido nem em 1/10
dessa perda.
Orçamentariamente, o Parlamento reserva 14 mil libras para custear
as despesas de cunhagem, mas, segundo me disseram, suas verdadeiras
despesas, ou as taxas dos funcionários da Casa da Moeda, não excedem a
metade dessa soma em condições normais. A economia de uma soma tão
pequena ou mesmo o ganho de outra soma não muito maior são temas
pequenos para merecer a atenção séria do governo. Mas a economia de
18 ou 20 mil libras por ano em caso de um evento que não é improvável,
o que já aconteceu com frequência anteriormente e que provavelmente
acontecerá novamente, é certamente um tema que bem merece a atenção
séria de uma companhia tão grande como o Banco da Inglaterra.
Alguns raciocínios e observações realizados aqui talvez tivessem feito
mais sentido se estivessem nos capítulos do primeiro livro, que tratam da
origem e do uso do dinheiro, e da diferença entre o preço real e o
nominal dos produtos. Mas, já que a lei de incentivo da cunhagem
origina-se daqueles preconceitos ordinários introduzidos pelo sistema
mercantil, julguei mais adequado reservá-los para o presente capítulo.
Nada poderia estar mais de acordo com o espírito daquele sistema
(mercantil) do que uma espécie de subsídio à produção de dinheiro,
exatamente aquilo que tal sistema supõe constituir a riqueza de toda
nação.472 É um de seus muitos expedientes e ferramentas admiráveis para
enriquecer o país.

CAPÍTULO VII
AS COLÔNIAS
Parte I – Motivos para o estabelecimento de
novas colônias
O estabelecimento das diversas colônias europeias na América e nas
Índias Ocidentais não foi realizado por um interesse tão simples e
distinto quanto o que orientou o estabelecimento das colônias gregas e
romanas.
Os diferentes estados da Grécia Antiga eram formados por territórios
muito pequenos; e, quando as pessoas em qualquer um deles se
multiplicavam além do número de pessoas que esses territórios eram
capazes de manter, parte delas era enviada em expedições para a busca de
habitação em locais remotos do mundo; ao mesmo tempo, seus vizinhos
belicosos faziam com que a ampliação local de seus territórios fosse uma
tarefa árdua. Os dórios criaram colônias principalmente na Itália e na
Sicília, regiões que, antes da fundação de Roma, eram habitadas por
nações bárbaras e não civilizadas; Jônios e Eólios, as duas outras grandes
tribos gregas, buscaram terras na Ásia Menor e nas ilhas do Mar Egeu,
cujos habitantes pareciam, naquele tempo, se encontrar no mesmo
estágio que as populações da Sicília e da Itália. A cidade-mãe via a
colônia como uma criança, merecedora de seus favores e assistência a
qualquer tempo e que, em troca, devia oferecer muita gratidão e respeito,
mas a considerava como um filho emancipado, sobre quem não buscava
reivindicar nenhuma autoridade direta ou jurisdição. A colônia
estabelecia sua própria forma de governo, promulgava suas próprias leis,
elegia seus próprios magistrados e declarava guerra e paz com seus
vizinhos como um Estado independente sem tempo para esperar a
aprovação ou o consentimento da cidade-mãe. Nada pode ser mais
simples e mais distinto do que o interesse que levou à criação dessas
colônias.
Roma, como a maioria das outras repúblicas antigas, foi fundada
originalmente sobre uma lei agrária, que dividia o território público em
certas porções e o distribuía entre os diferentes cidadãos que
compunham o estado. Com o transcorrer dos assuntos humanos, fosse
pelo casamento, pela sucessão ou pela alienação, aquela divisão original
foi sendo desfeita e, com frequência, as terras que anteriormente haviam
sido distribuídas para a manutenção de muitas famílias passaram a
pertencer a uma única pessoa. Para remediar essa desordem, pois
acreditava-se que isso era um desarranjo, os romanos publicaram uma lei
restringindo a quantidade de terras de cada cidadão a 500 jugera,
aproximadamente 350 acres ingleses. Embora essa lei, segundo lemos,
tenha sido executada em uma ou duas ocasiões, ela foi negligenciada ou
evadida; assim, a desigualdade entre fortunas manteve seu aumento
contínuo. A maior parte dos cidadãos não tinha terras; e, sem elas, os
usos e costumes daquela época tornavam difícil a uma pessoa livre
manter sua independência. Nos tempos atuais, embora uma pessoa pobre
não tenha terras próprias, ela poderá cultivar as terras de outra pessoa
caso tenha um pequeno capital, ou poderá exercer algum pequeno
comércio varejista; não tendo capital, ela poderá encontrar emprego,
como um trabalhador rural ou um artesão urbano. Mas, entre os antigos
romanos, as terras dos ricos eram todas cultivadas por escravos, que
laboravam sob as vistas de um supervisor, que era também um escravo;
de modo que uma pessoa livre e pobre tinha poucas chances de ser
empregada, fosse como agricultor ou como um trabalhador. Além disso,
os escravos dos ricos conduziam todos os comércios e manufaturas, até
mesmo o comércio varejista, para beneficiar seus mestres; os pobres
livres não tinham meios para competir com tal riqueza, autoridade e
proteção. Portanto, os cidadãos que não tinham terras não tinham
praticamente outra fonte de subsistência senão as recompensas que os
candidatos às eleições anuais lhes davam. Sempre que os tribunos
resolviam pôr o povo contra os ricos e os grandes, lembravam-no da
antiga divisão de terras e argumentavam que a lei que restringia esse tipo
de propriedade privada era a lei fundamental da República. Podemos
dizer que, enquanto as pessoas passaram a querer terras de forma mais
clamorosa, os ricos e os grandes estavam perfeitamente determinados a
não lhes entregar nenhuma parcela de suas terras. Para, em parte,
satisfazer esses desejos, portanto, eles costumavam propor o
estabelecimento de uma nova colônia. Mas a Roma conquistadora,
mesmo nessas ocasiões, não tinha nenhuma necessidade de, digamos
assim, largar seus cidadãos na vastidão do mundo para que buscassem
fortunas sem saber onde poderiam realmente se estabelecer. Roma lhes
atribuía terras que, geralmente, faziam parte das províncias conquistadas
na península italiana; e, já que estavam dentro dos domínios da
república, não havia a possibilidade de formarem estados independentes;
formavam, na melhor das hipóteses, uma espécie de corporação que,
embora tivesse o poder de promulgar leis locais para o seu próprio
governo, estava completamente sujeita à correção, jurisdição e autoridade
legislativa da cidade-mãe. Além de oferecer uma certa satisfação ao povo,
o estabelecimento desse tipo de colônia também costumava estabelecer
uma espécie de guarnição militar nas províncias recém-conquistadas,
locais cuja obediência poderia ter sido um pouco duvidosa em outras
circunstâncias. Assim, se considerarmos a natureza de seu próprio
estabelecimento ou os motivos para isso, uma colônia romana era
completamente diferente de uma grega. Da mesma forma, as palavras
originais de cada uma das duas línguas que indicam esses diferentes tipos
de estabelecimentos também têm significados diversos. A palavra latina
colonia significa simplesmente uma colônia. A palavra grega ἀποικία
(apoikía), pelo contrário, significa separar-se de uma habitação, partir do
lar, sair de casa. Mas, embora as colônias romanas fossem em muitos
aspectos diferentes das gregas, o interesse que encorajava seu
estabelecimento era igualmente claro e evidente. Ambas as instituições se
originam de uma necessidade irresistível ou de uma utilidade clara e
evidente.
O estabelecimento de colônias europeias na América e nas Índias
Ocidentais não foi determinado por uma necessidade; e, embora a
utilidade resultante tenha sido bastante grande, ela não é completamente
clara e evidente. A utilidade do estabelecimento de colônias não foi
entendida no início e não foi causa nem do primeiro estabelecimento
nem das descobertas subsequentes; além disso, a natureza, a extensão e
os limites dessa utilidade talvez não estejam bem compreendidos nem
mesmo hoje.
Durante os séculos XIV e XV, os venezianos realizavam um comércio
bastante vantajoso de especiarias e outros bens vindos da Índia Oriental,
que, posteriormente, distribuíam entre as outras nações da Europa. Em
sua maioria, as mercadorias eram compradas no Egito, na época,
domínio dos mamelucos, os inimigos dos turcos, que, por sua vez, eram
inimigos dos venezianos; e essa união de interesses, auxiliada pelo
dinheiro de Veneza, gerou um tipo de conexão que acabou oferecendo
aos venezianos quase um monopólio desse comércio.
Os grandes lucros dos venezianos instigaram a avidez dos
portugueses. Os mouros atravessavam desertos e levavam marfim e pó de
ouro a Portugal; os portugueses, por sua vez, se esforçaram durante todo
o século XV para descobrir uma rota marítima que os levasse aos países
de origem dessas mercadorias. Assim, eles descobriram os arquipélagos
da Madeira, das Canárias, dos Açores, as ilhas de Cabo Verde, as costas
da Guiné, de Loango, do Congo, da Angola e de Benguela e, finalmente, o
Cabo da Boa Esperança. Eles também, por muito tempo, haviam
desejado fazer parte do comércio rentável realizado pelos venezianos;
aquela última descoberta abriu-lhes uma provável perspectiva para isso.
Em 1497, Vasco da Gama partiu do porto de Lisboa com uma frota de
quatro navios e, após navegar por onze meses, chegou à costa do
Hindustão, completando, assim, um curso de quase um século de
descobertas, que haviam sido perseguidas com grande firmeza e
pouquíssimas interrupções.
Alguns anos antes disso, enquanto a Europa aguardava com
expectativa os resultados dos projetos portugueses, cujo sucesso ainda
parecia bastante duvidoso, um piloto genovês criou um projeto ainda
mais ousado, a saber, ele pretendia velejar até as Índias Orientais pelo
Ocidente. Naquela época, os europeus tinham uma noção bastante
imperfeita sobre a localização daqueles países. Os poucos viajantes
europeus que haviam estado lá criaram uma distância maior do que a
real em seus relatos; talvez por sua simplicidade e ignorância (que era
realmente muito grande), criaram distâncias que pareciam quase infinitas
para aqueles que não sabiam medi-la; ou, talvez, as tenham criado para
incrementar o aspecto colossal de suas próprias aventuras em visitar
regiões tão imensamente remotas da Europa. Colombo afirmou
corretamente que, quanto maior fosse o caminho pelo Oriente, menor
seria pelo Ocidente. Ele propôs, portanto, seguir o caminho pelo
Ocidente por ser o mais curto e o mais seguro; Colombo também teve a
sorte de conseguir convencer a rainha Isabel de Castela sobre a
viabilidade de seu projeto. Ele partiu do porto de Palos em agosto de
1492 (cerca de cinco anos antes de a expedição de Vasco da Gama ter
partido de Portugal) e, após navegar por dois ou três meses, descobriu
primeiro algumas pequenas ilhas do arquipélago das Bahamas ou das
Lucaias, e depois a grande ilha de São Domingos.473
Mas as regiões descobertas por Colombo nesta primeira viagem ou
nas subsequentes não tinham nenhuma semelhança com os países que
ele buscava. Em vez da riqueza, do cultivo e da grande população da
China e do Hindustão, ele encontrou, tanto em São Domingos quanto em
todas as outras partes do Novo Mundo que visitou, apenas regiões
completamente cobertas por florestas, não cultivadas e habitadas
somente por algumas tribos de selvagens nus e miseráveis. Mas não
estava muito disposto a acreditar que essas regiões não fossem as mesmas
descritas por Marco Polo, o primeiro europeu a visitar ou a deixar relatos
sobre a China ou as Índias Orientais; e qualquer semelhança que
encontrasse, mesmo que mínima — como, por exemplo, a que encontrou
entre o nome de uma montanha em São Domingos, chamada de Cibao, e
outra mencionada por Marco Polo, Cipango —, costumava ser suficiente
para fazê-lo voltar a essa conjectura favorita, mesmo que contrariasse as
evidências mais claras. Em suas cartas a Fernando e Isabel, ele chamou os
países que havia descoberto de Índias.
Ele não tinha nenhuma dúvida, acreditava que a região era a
extremidade dos países descritos por Marco Polo e que, por isso, não
estava muito distante do Ganges ou dos países que haviam sido
conquistados por Alexandre.474 Mesmo quando se convenceu de que
estava em outra região, ele ainda adulava a si próprio, dizendo que
aqueles países ricos do Oriente não estavam muito longe; e, por isso, em
uma viagem subsequente, foi em busca deles ao longo da costa da
província de Terra Firme e em direção ao Istmo de Darién.475
Em consequência desse erro de Colombo, cravou-se, desde então, o
nome “Índias” a esses países infelizes; e quando se descobriu de forma
clara que as novas Índias eram completamente diferentes das antigas
Índias, passaram a chamar a primeira região de Índias Ocidentais e a
segunda de Índias Orientais.
No entanto, independentemente do que fossem, era importante para
Colombo que os países descobertos por ele pudessem ser apresentados à
coroa espanhola como muito relevantes; mas não havia naquela época
nada que pudesse justificar tal apresentação, pois não se encontraram ali
as verdadeiras riquezas de um país, isto é, seus produtos animais e
vegetais.
O cori, algo entre um rato e um coelho, que o senhor Buffon supõe
ser o preá (Cavia aperea) do Brasil, era o maior vivíparo quadrúpede em
São Domingos. A espécie parece nunca ter sido muito numerosa; e,
segundo dizem, foi quase totalmente exterminada há muito tempo pelos
cães e gatos dos espanhóis, juntamente com outras espécies de tamanhos
ainda menores. Estes animais, no entanto, juntamente com um lagarto
muito grande, conhecido como “ivana” ou iguana, constituía o principal
alimento animal oferecido pelas terras da região.
O alimento vegetal dos habitantes, embora não fosse muito
abundante pela pouca atividade de seus habitantes, também não era de
todo escasso. Os habitantes consumiam milho, inhame, batatas, bananas,
etc.; esses vegetais eram completamente desconhecidos na Europa da
época, e, por isso, não receberam o apreço devido ou considerava-se que
não produziam um sustento igual ao tirado dos tipos comuns de grãos e
legumes cultivados na Europa desde tempos imemoriais.
O algodoeiro fornecia certamente o material de uma manufatura
muito importante, e, naquele tempo, era indubitavelmente considerado
pelos europeus o produto vegetal mais valioso daquelas ilhas. Mas,
embora no final do século XV a musselina e outros produtos do algodão
das Índias Orientais fossem muito apreciados em toda a Europa, não há
relatos de haver manufaturas de algodão em nenhuma parte do
continente. Naquele momento, então, essa produção algodoeira das ilhas
não parecia ser de grande consequência aos olhos dos europeus.
Não encontrando nada nos reinos animal ou vegetal dos países
recentemente descobertos que justificasse uma representação vantajosa
da região, Colombo voltou-se para os minerais; ele acreditava ter
encontrado na riqueza deste terceiro reino uma compensação completa
para a insignificância dos outros dois. Informaram-no de que os
pequenos fragmentos de ouro com os quais os habitantes ornamentavam
suas roupas eram encontrados com frequência nos riachos e torrentes
que vinham das montanhas; isso foi suficiente para Colombo acreditar
que as montanhas estavam repletas de riquíssimas minas de ouro. A ilha
de São Domingos foi, portanto, apresentada como uma região repleta de
ouro e, por esse motivo (de acordo não só com as pressuposições dos
tempos atuais, mas também daqueles tempos), como uma fonte
inesgotável de riqueza real para a coroa e para o reino da Espanha. Após
regressar de sua primeira viagem, Colombo apresentou-se aos soberanos
de Castela e Aragão com uma espécie de honra triunfal, levando consigo
em procissão solene os principais produtos das regiões que ele havia
descoberto. A única parte valiosa eram alguns pequenos filetes, pulseiras
e outros enfeites de ouro, bem como alguns fardos de algodão. Todo o
resto eram meros objetos de admiração comum e curiosidade; alguns
juncos extraordinariamente grandes, algumas aves de linda plumagem e
peles empalhadas dos enormes jacarés do gênero Alligator e de peixes-
boi; os produtos eram precedidos por seis ou sete nativos miseráveis, cuja
cor e aparência singulares complementavam a novidade do espetáculo.
Em consequência das apresentações de Colombo, o Conselho Real de
Castela resolveu tomar posse daqueles países cujos habitantes eram
claramente incapazes de se defender. A injustiça do projeto foi santificada
pelo piedoso propósito de converter ao cristianismo os habitantes da
região descoberta. Mas o único motivo que levou esse Conselho a realizar
o projeto foi a esperança de encontrar ouro; e para dar a esse motivo um
maior peso e seriedade, Colombo propôs entregar à coroa metade de
todo o ouro e prata que fosse encontrado ali. A proposta foi aprovada.
Talvez não fosse muito difícil pagar essa altíssima tributação
enquanto todo o ouro (ou sua maior parte) levado para a Europa pelos
primeiros aventureiros fosse obtido por métodos muito fáceis: a
pilhagem do ouro pertencente a nativos indefesos. Mas, após terem
tomado todo o metal dos nativos — ação que, em São Domingos e em
todos os outros países descobertos por Colombo, foi realizada em seis ou
oito anos — e quando, a fim de encontrar mais metais preciosos, foi
preciso iniciar a abertura de minas, o tributo tornou-se extremamente
oneroso e impossível de ser pago. Assim, dizem que essa tributação
rigorosa provocou o abandono total das minas de São Domingos, as
quais nunca mais foram exploradas. O imposto foi logo sendo reduzido,
primeiro para um terço, depois para um quinto, para um décimo e,
finalmente, para 1/20 do produto bruto das minas de ouro. A tributação
sobre a prata foi mantida em 1/5 do produto bruto por um longo tempo.
Foi reduzida a um décimo somente no curso do século atual. Mas os
primeiros aventureiros não pareciam muito interessados na prata. Nada
menos precioso que o ouro parecia digno de sua atenção.
Após as viagens de Colombo, todos os outros empreendimentos dos
espanhóis no Novo Mundo parecem ter sido impelidos pelo mesmo
motivo. A sagrada sede de ouro levou Ojeda, Nicuesa e Vasco Núñes de
Balboa ao Istmo de Darién (Istmo do Panamá), foi ela que carregou
Cortés para o México e Almagro e Pizarro para o Chile e o Peru.476
Quando esses aventureiros chegavam a uma costa desconhecida, sua
primeira ação era saber se havia ouro ali; de acordo com as informações
que eles recebiam em relação a esse tema específico, eles resolviam se
deixariam o país ou ali se estabeleceriam.
De todos esses empreendimentos caros e incertos que levam à
falência a maior parte das pessoas que neles se envolvem, talvez não
exista nenhum outro tão ruinoso quanto a busca por novas minas de
prata e de ouro. Essa talvez seja a loteria mais desfavorável do mundo, ou
seja, aquela em que o ganho de quem retira o prêmio é menor em
proporção à perda de quem não ganha prêmio algum: pois, embora os
prêmios sejam poucos e as peças sem prêmio muitas, o preço comum
para a compra de um único bilhete é a fortuna total de um homem muito
rico. Os projetos de mineração não conseguem repor o capital
empregado e os lucros ordinários do capital; eles, na verdade, costumam
absorver tanto o capital quanto o lucro.477 Portanto, entre todos os outros
projetos que objetivam aumentar o capital de uma nação, estes seriam
aqueles que um legislador prudente classificaria como última escolha
caso precisasse oferecer quaisquer incentivos extraordinários a certos
empreendimentos, isto é, caso precisasse dirigir a eles uma parcela maior
do capital do que seria espontaneamente investido neles. Tal é, na
realidade, a confiança absurda que quase todas as pessoas têm em relação
à sua própria sorte: que, sempre que um projeto tiver a menor
probabilidade de sucesso, uma parcela muito grande do capital será
espontaneamente direcionada a ele.
Mas embora esses empreendimentos sejam sempre vistos como
extremamente desfavoráveis pela experiência e pela razão sóbria, a cobiça
humana normalmente os enxerga de forma diferente. A mesma paixão
que sugeriu a tantas pessoas a ideia absurda da pedra filosofal sugeriu a
outras a ideia igualmente absurda de minas de ouro e prata imensamente
ricas. Elas esquecem que, em todas as eras e nações, o valor desses metais
origina-se de sua escassez; e que essa escassez existe porque, em todos os
lugares, esses metais foram depositados em pequenas quantidades pela
natureza, porque essas pequenas quantidades costumam estar cercadas
por substâncias duras e intratáveis e, consequentemente, porque é
necessário muito trabalho e despesas para chegar até os metais preciosos
e coletá-los. Acreditam na possibilidade de encontrar veios de ouro e
prata tão grandes e tão abundantes quanto os de chumbo, cobre, estanho
ou ferro. O sonho de Walter Raleigh478 sobre a cidade dourada e o país
do Eldorado prova que nem mesmo os sábios estão isentos dos delírios
mais estranhos. Mais de cem anos após a morte daquele grande homem,
o jesuíta Gumila479 ainda estava convencido da realidade daquele país
maravilhoso e disse com grande fervor — e, atrevo-me a dizer, com
grande sinceridade — que ele ficaria feliz em levar a luz do evangelho a
um povo capaz de recompensar tão bem os trabalhos piedosos de seus
missionários.
Nos primeiros países descobertos pelos espanhóis, não se conhece
atualmente minas de ouro ou prata cuja exploração valha a pena. Os
relatos sobre as quantidades de metais que os primeiros aventureiros
dizem ter encontrado ali são provavelmente exageros, assim como a
fertilidade das minas que foram exploradas imediatamente após as
descobertas. No entanto, os relatos daqueles aventureiros foram
suficientes para inflamar a cobiça de todos os seus compatriotas. Todo
espanhol que navegou até a América tinha a esperança de encontrar o seu
Eldorado. Desta vez, no entanto, a fortuna deixou acontecer algo que
ocorre somente em algumas outras poucas oportunidades. Pois, em certa
medida, realizou as esperanças extravagantes de seus seguidores; e, na
ocasião da descoberta e conquista do México e do Peru (a primeira, cerca
de trinta anos após a expedição de Colombo, e a segunda, após quarenta
anos), presenteou-lhes com uma profusão de metais preciosos muito
semelhante àquela que buscavam.
Um projeto de comércio com as Índias Orientais, portanto, levou à
primeira descoberta das Ocidentais. Um projeto de conquista levou ao
estabelecimento de todos os assentamentos espanhóis naqueles países
recém-descobertos. O motivo que os animou a essa conquista foi um
projeto de exploração de minas de ouro e prata; e, além disso, uma série
de incidentes, que mal poderiam ser previstos pela sabedoria humana,
tornaram esse projeto muito mais bem-sucedido do que seus
empreendedores poderiam esperar com base em fundamentos razoáveis.
Os primeiros aventureiros de outras nações europeias que tentaram
criar assentamentos na América foram estimulados pela mesma quimera,
mas não obtiveram o mesmo sucesso. As minas de prata, ouro ou
diamantes foram descobertas no Brasil somente mais de cem anos após o
estabelecimento do primeiro assentamento. Não foram descobertas
minas nas colônias inglesas, francesas, holandesas e dinamarquesas, pelo
menos nenhuma cuja exploração valesse a pena. Os primeiros colonos
ingleses na América do Norte, no entanto, ofereceram entregar à coroa
1/5 de todo o ouro e prata que ali encontrassem para que lhes fossem
concedidos os direitos de exploração. Assim, os contratos das concessões
de Sir Walter Raleigh, das Companhias de Londres, e de Plymouth, do
Conselho de Plymouth, etc. passaram a reservar esse 1/5 à coroa. À
expectativa de encontrar minas de ouro e prata, os primeiros colonos
juntaram a de descobrir uma passagem às Índias Orientais pelo noroeste.
As duas expectativas se mostraram decepcionantes.
Parte II – Causas da prosperidade das novas
colônias
A colônia de uma nação civilizada que se estabeleça em um país deserto,
ou em um país com uma população tão pequena que os nativos
facilmente aceitem os novos colonos, prossegue mais rapidamente no
caminho da riqueza e da grandeza do que qualquer outra sociedade
humana.
Os colonos levam com eles um conhecimento de agricultura e de
outras técnicas úteis muito superior ao que poderia crescer de modo
espontâneo no curso de muitos séculos nas nações selvagens e bárbaras.
Possuem também o hábito da subordinação, alguma noção de governo
regular que ocorre em seu próprio país, do sistema de leis que o sustenta
e de uma administração regular da justiça; e, além disso, naturalmente
estabelecem algo semelhante no novo assentamento. Mas após o
estabelecimento da lei e do governo nas nações selvagens e bárbaras,
necessário para a sua proteção, o progresso natural do governo e da lei é
ainda mais lento do que o progresso natural das artes e das técnicas. Todo
colono recebe mais terras do que é capaz de cultivar. Ele não paga
arrendamento e quase não há impostos. Não precisa entregar parte de
seu produto a nenhum proprietário de terras e, além disso, a parte devida
à coroa costuma ser insignificante. Ele tem todos os motivos para obter a
maior produção possível, que pertencerá, portanto, quase inteiramente
ao próprio colono. Mas a propriedade costuma ser tão extensa que,
mesmo quando se usa toda a força de trabalho própria e mesmo com
toda a força laboral de pessoas empregadas nas terras, o colono
raramente consegue ser capaz de produzir em sua décima parte. Por esse
motivo ele busca trabalhadores de todos os locais e os recompensa com
salários extremamente generosos. Mas, por causa desses salários
generosos, somados à abundância e ao baixo preço das terras, os
trabalhadores o abandonam para que eles mesmos possam se tornar
proprietários e recompensar outros trabalhadores com igual
generosidade, os quais os deixarão logo pela mesma razão que os levaram
a deixar o primeiro empregador. Os salários generosos do trabalho
incentivam o casamento. Durante os primeiros anos da infância, as
crianças são bem alimentadas e recebem os devidos cuidados; quando
crescem, o valor do trabalho dessas pessoas excede o custo de sua
subsistência. Já na maturidade, o alto preço do trabalho e o baixo preço
da terra permitem-lhes que se estabeleçam da mesma forma que seus
pais.
Em outros países, a renda e o lucro devoram os salários, e as duas
classes superiores da população oprimem a mais baixa. Em novas
colônias, no entanto, os interesses das duas classes superiores as obrigam
a tratar a classe baixa com mais generosidade e humanidade; este não é o
caso quando a classe inferior é constituída por escravos. As terras
incultas e de grande fertilidade natural são compradas por uma ninharia.
O aumento das receitas que o proprietário (que é sempre o
empreendedor) espera obter pela melhoria de suas terras constitui o seu
lucro, que nessas circunstâncias costuma ser muito alto. Mas não haverá
altos lucros sem que outras pessoas sejam empregadas para limpar e
cultivar as terras; mas essa é uma mão de obra que não pode ser obtida
facilmente, por causa da desproporção, comum nas colônias, entre a
grande extensão de terras e o pequeno número de pessoas que nelas pode
trabalhar. O proprietário, desse modo, não discute salários e está disposto
a empregar o trabalhador a qualquer preço. Os altos salários do trabalho
incentivam a população. O baixo preço e a abundância de terras boas
incentivam o aprimoramento e permitem ao proprietário pagar salários
elevados. Nesses salários consiste quase todo o preço da terra; e embora
sejam elevados quando considerados como salário do trabalho, são
baixos quando considerados como o preço de algo tão valioso. Tudo o
que incentiva o aprimoramento e o progresso da população também
incentiva o progresso da riqueza real e da grandeza.480
Do mesmo modo, parece que o progresso de muitas colônias gregas
antigas em direção à riqueza e à grandeza foi muito rápido. No decorrer
de um século ou dois, várias delas parecem ter rivalizado e até mesmo
ultrapassado a metrópole. Siracusa e Agrigento na Sicília, Tarento e
Locros na Itália, Éfeso e Mileto na Ásia Menor, todas parecem ter, no
mínimo, se igualado a qualquer uma das cidades da Grécia Antiga.
Embora tenham sido estabelecidas posteriormente, todas as artes do
refinamento, da filosofia, da poesia e da oratória parecem ter sido
cultivadas e aprimoradas desde cedo e com a mesma intensidade que em
qualquer parte da metrópole. Devemos notar que as escolas de dois dos
mais antigos filósofos gregos, a de Tales e a de Pitágoras, não foram
estabelecidas na Grécia Antiga, mas a primeira em uma colônia asiática, e
a segunda, em uma italiana. Todas essas colônias se estabeleceram em
países habitados por nações selvagens e bárbaras que facilmente cederam
aos novos colonos. As regiões conquistadas eram abundantes em terras
férteis e, por serem completamente independentes da metrópole, podiam
administrar livremente seus próprios assuntos da maneira que julgassem
mais adequada ao seu próprio interesse.
A história das colônias romanas não é, de forma alguma, tão
brilhante. De fato, algumas delas, como Florença, se tornaram grandes
estados no curso de muitas eras e após a queda da metrópole. Mas
nenhuma delas parece ter progredido de forma rápida. Todas as suas
colônias foram estabelecidas em províncias conquistadas que, na maioria
dos casos, haviam sido totalmente habitadas antes. A quantidade de
terras distribuídas aos colonos não costumava ser grande e, como a
colônia não era independente, eles nem sempre podiam administrar
livremente seus próprios assuntos da maneira que julgassem mais
apropriada a seu próprio interesse.
As colônias europeias estabelecidas na América e nas Índias
Ocidentais assemelham-se às da Grécia Antiga (e até as ultrapassam em
muito) pela abundância de terras férteis; e assemelham-se às da Roma
Antiga quanto à dependência em relação à metrópole; mas, por estarem
muito distantes da Europa, os efeitos da dependência são mais ou menos
diminuídos. A posição geográfica das colônias as afastava da visão e do
poder da metrópole. E ao perseguir seus interesses de maneira peculiar,
sua conduta tem sido, em muitas ocasiões, ignorada, pois os europeus a
desconhecem ou não a compreendem; e, em algumas ocasiões, a
metrópole simplesmente a aceita, porque a distância entre a colônia e a
metrópole dificulta a contenção da primeira. Por medo de uma
insurreição generalizada, até mesmo o governo violento e arbitrário da
Espanha tem, em muitas ocasiões, sido forçado a cancelar ou abrandar as
ordens dadas ao governo de suas colônias. O progresso de todas as
colônias europeias em direção a riqueza, população e aprimoramentos
tem sido bastante grande.
A coroa espanhola obteve rendimentos advindos dos tributos da
exploração do ouro e da prata desde o estabelecimento de suas primeiras
colônias. A natureza desses rendimentos incitava a cobiça humana a
manter as mais extravagantes expectativas de encontrar riquezas ainda
maiores. As colônias espanholas, consequentemente, atraíram muito a
atenção de sua metrópole desde o momento em que começaram a ser
estabelecidas, enquanto as colônias das outras nações europeias ficaram
bastante negligenciadas por um longo período. Mas as colônias
espanholas talvez não tenham se tornado mais prósperas em razão dessa
atenção; nem as colônias dos outros países, piores em razão da
negligência. Em proporção à extensão do território que, em alguma
medida, compreendem, as colônias espanholas são consideradas menos
populosas e prósperas do que as de quase todas as outras nações
europeias. Entretanto, o progresso até mesmo das colônias espanholas,
em relação à população e aos aprimoramentos, ocorreu de forma muito
rápida e grande. Ulloa diz que, há cerca de trinta anos, a cidade de Lima,
fundada no período da conquista, possuía 50 mil habitantes. O mesmo
autor diz que Quito, anteriormente apenas uma aldeia miserável habitada
por índios, era, em seu tempo, uma cidade igualmente populosa. Gemelli
Careri,481 alguém que dizem ser um falso viajante, mas que parece ter
sempre escrito com base em informações extremamente boas, diz que a
cidade do México possui 100 mil habitantes; um número que, apesar de
todos os exageros dos escritores espanhóis, é, provavelmente, mais de
cinco vezes maior do que no tempo de Montezuma. Esses números
excedem em muito a população das três maiores cidades das colônias
inglesas, a saber, Boston, Nova York e Filadélfia. Antes da conquista
espanhola não havia gado de carga nem no México nem no Peru. A
lhama era a única besta de carga existente, mas parece que sua força era
bastante inferior à do burro comum. O arado era desconhecido entre
eles. Não conheciam os usos do ferro. Não tinham dinheiro cunhado
nem qualquer outro tipo de instrumento comercial estabelecido. O
comércio era realizado pelo escambo. Uma espécie de pá de madeira era
o seu principal instrumento agrícola. Utilizavam pedras afiadas como
facas e machados para cortar; ossos de peixes e os tendões duros de
certos animais eram usados como agulhas para costurar; e estes parecem
ter sido os seus principais instrumentos de trabalho. Naquele estado de
coisas, parece impossível que qualquer um desses impérios estivesse tão
aprimorado ou bem cultivado como o estão hoje em dia após a
introdução profusa de todos os tipos de gado de origem europeia, do uso
do ferro, do arado e de muitas técnicas da Europa. Mas a população de
cada país deve ser proporcional ao grau de seu progresso e cultivo.
Apesar da cruel destruição dos nativos que se seguiu à conquista, estes
dois grandes impérios são, provavelmente, mais populosos hoje do que
jamais foram; e a população é certamente muito diferente; pois eu
entendo que devemos reconhecer que os espanhóis nascidos na
América482 são em muitos aspectos superiores aos antigos índios que
habitavam aquelas regiões.
Na América, após os assentamentos espanhóis, a colônia portuguesa
no Brasil é a mais antiga a ser estabelecida por uma nação europeia. Mas,
já que a descoberta de minas de ouro e prata ocorreu apenas muito
tempo depois do estabelecimento desta colônia, e já que, por essa razão, a
colônia oferecia pouca ou nenhuma receita para a coroa, ela ficou em
certo grau negligenciada por um longo tempo; durante esse estado, ela
cresceu até se tornar uma grande e poderosa colônia. Enquanto Portugal
estava sob o domínio da Espanha (União Ibérica), o Brasil foi atacado
pelos holandeses, que tomaram posse de sete das quatorze capitanias em
que a colônia estava dividida. Eles esperavam conquistar rapidamente as
outras sete quando Portugal recuperou a sua independência pela
ascensão da casa de Bragança ao trono. Os holandeses, que na época
eram inimigos dos espanhóis, tornaram-se amigos dos portugueses, que
também eram inimigos dos espanhóis. Eles concordaram, portanto, em
deixar para o rei de Portugal a parte do Brasil que ainda não haviam
conquistado; o rei concordou em deixar a parte conquistada com os
holandeses, pois não valia a pena brigar com aliados tão bons por tal
questão. Mas, logo, o governo holandês começou a oprimir os colonos
portugueses, que, em vez de perderem tempo com queixas, armaram-se
contra os seus novos senhores e os expulsaram do Brasil por sua própria
bravura e resolução — com a conivência, de fato, mas sem nenhuma
assistência da metrópole. Os holandeses, portanto, achando impossível
manter a posse de qualquer parte do país para si mesmos, não acharam
de todo mal vê-lo ser totalmente devolvido à coroa de Portugal. Dizem
que nessa colônia há mais de 600 mil pessoas, incluindo portugueses ou
descendentes de portugueses, crioulos, mulatos483 e uma raça mista entre
portugueses e brasileiros. Nenhuma outra colônia americana possui um
número tão grande de pessoas de extração europeia.
No final do século XV e durante grande parte do século XVI,
Espanha e Portugal eram os dois grandes poderes navais do oceano; e,
embora o comércio de Veneza se estendesse a todas as partes da Europa,
as suas frotas de navios mal haviam conseguido ultrapassar as fronteiras
do Mediterrâneo. Os espanhóis, em virtude de seus primeiros
descobrimentos, reivindicavam toda a América para si próprios; e,
embora a Espanha não conseguisse impedir que uma potência naval
como Portugal se estabelecesse no Brasil, o terror causado por ela era
capaz de afugentar da América a maioria das nações europeias. Quando
os franceses tentaram se estabelecer na Flórida, foram todos assassinados
pelos espanhóis. Mas o declínio de seu poderio naval no final do século
XVI — em consequência da derrota ou fracasso daquilo que os espanhóis
chamavam de sua Invencível Armada —, tirou-lhes o poder de obstruir
os assentamentos de outras nações europeias. No decorrer do século
XVII, portanto, os ingleses, franceses, holandeses, dinamarqueses e
suecos, isto é, todas as grandes nações que possuíam portos no oceano,
tentaram estabelecer assentamentos no Novo Mundo.
Os suecos se estabeleceram em Nova Jersey; e o número de famílias
suecas que ainda vivem ali nos prova que esta colônia poderia ter
prosperado se sua metrópole a tivesse protegido. Mas, negligenciada pela
Suécia, foi rapidamente tomada pela colônia holandesa de Nova York,
que, por sua vez, passou a ser domínio inglês em 1674.
Os dinamarqueses tomaram posse de apenas duas pequenas ilhas no
Novo Mundo, a saber, São Tomás e Santa Cruz. Pequenos assentamentos
eram governados por uma companhia que detinha tanto o poder
exclusivo de comprar o produto excedente dos colonos quanto de
fornecer-lhes as mercadorias de outros países de que necessitavam. Desse
modo, a companhia, tanto na compra como na venda, não tinha apenas o
poder para oprimir os colonos, mas era tentada ao máximo a fazê-lo. De
todos os tipos de governo, o pior talvez seja aquele empreendido por uma
companhia monopolista de comerciantes.484 A prática, no entanto, não
foi capaz de deter completamente o progresso dessas colônias, embora o
tenha tornado mais lento e sem vigor. O falecido rei da Dinamarca
dissolveu essa companhia e, desde então, as colônias se tornaram
bastante prósperas.
As colônias holandesas nas Índias Ocidentais, bem como aquelas nas
Índias Orientais, também foram originalmente colocadas sob o governo
de uma companhia monopolista. Assim, embora algumas delas tenham
progredido de forma considerável quando as comparamos com as regiões
que foram colonizadas e povoadas já há muito tempo, o progresso tem
ocorrido de forma vagarosa e apática quando as comparamos com a
maior parte das novas colônias. Ainda que a colônia do Suriname seja
bastante digna de consideração, ainda assim é inferior à maioria das
colônias açucareiras das outras nações europeias. A colônia dos Novos
Países Baixos (Nova Bélgica), agora dividida nas duas províncias de Nova
York e Nova Jersey, provavelmente também logo se tornaria digna de
consideração, mesmo sob o governo dos holandeses. A abundância e o
baixo preço de terras férteis são causas tão poderosas para a prosperidade
de uma região que nem mesmo o pior governo é capaz de destruir
completamente os resultados que delas advêm. A grande distância entre a
colônia e a metrópole também permitiria que seus habitantes
escapassem, por meio do contrabando, do monopólio imposto pela
companhia. Atualmente, a companhia permite que todos os navios
holandeses negociem com o Suriname pelo pagamento de uma licença de
2,5% sobre o valor de sua carga, reservando para si mesma a
exclusividade do comércio direto entre a África e a América, o qual
consiste quase inteiramente no comércio de escravos. O abrandamento
dos privilégios exclusivos da companhia é a provável causa do grau de
prosperidade que essa colônia aprecia no momento. Curaçao e Santo
Eustáquio, as duas principais ilhas pertencentes aos holandeses, são
portos livres abertos aos navios de todas as nações; e essa liberdade, em
meio a colônias muito melhores, mas cujos portos estão abertos apenas
aos navios de uma única nação, tem sido a grande causa da prosperidade
dessas duas ilhas inférteis.
A colônia francesa do Canadá também foi governada por uma
companhia monopolista durante a maior parte do século passado e em
parte do atual. Assim, sob uma administração tão desfavorável, seu
progresso era obrigatoriamente muito lento em comparação ao de outras
novas colônias; mas tornou-se muito mais rápido quando essa
companhia foi dissolvida após o fim de algo que foi chamado de esquema
do Mississippi. Quando os ingleses tomaram posse da região,
encontraram ali quase o dobro do número de habitantes que o padre
Charlevoix485 havia atribuído a ela entre vinte e trinta anos antes. O
jesuíta havia percorrido todo o país e não tinha nenhum motivo para
apresentá-lo de forma menos vantajosa.
A colônia francesa de São Domingos foi fundada por piratas e
flibusteiros que, por um longo tempo, nem exigiam proteção nem
reconheciam a autoridade da França; e quando aqueles bandidos se
tornaram cidadãos e passaram a reconhecer tal autoridade, esta precisou
ser exercida de forma bastante tênue por um longo tempo. Durante esse
período a população e os aprimoramentos da colônia cresceram muito
rapidamente. Mesmo a opressão da companhia monopolista, a que
também esteve sujeita por algum tempo junto com todas as outras
colônias da França, embora tenha certamente retardado o seu progresso,
não foi capaz de detê-lo por completo. Voltou ao curso de sua
prosperidade assim que se liberou da opressão da companhia. A ilha é
atualmente a colônia açucareira mais importante das Índias Ocidentais;
dizem que seu produto é maior do que o de todas as colônias açucareiras
da Inglaterra juntas. As outras colônias açucareiras da França são, em
geral, muito prósperas.
Mas nenhuma outra colônia progrediu de forma tão rápida quanto as
dos ingleses na América do Norte.
A abundância de terras férteis e a liberdade para administrar os seus
próprios negócios de sua própria maneira parecem ser as duas grandes
causas da prosperidade de todas as novas colônias.
Em relação à abundância de terras férteis nas colônias inglesas da
América do Norte: embora estas sejam, sem dúvida, realmente bem
providas, suas terras, entretanto, são inferiores às dos espanhóis e
portugueses, e não eram superiores a algumas daquelas que os franceses
possuíam antes da última guerra. Mas as instituições políticas das
colônias inglesas têm sido mais favoráveis ao aprimoramento e ao cultivo
de suas terras do que as instituições de qualquer uma das outras três
nações.
Em primeiro lugar, embora a ocupação por um único proprietário486
de terras não cultivadas não tenha sido completamente evitada, ela é mais
contida nas colônias inglesas do que em quaisquer outras. Nesse sentido,
há uma lei colonial que obriga todo proprietário a aprimorar e cultivar,
dentro de um tempo limitado, uma certa proporção de suas terras,
declarando que, caso fracasse, as terras negligenciadas podem ser
entregues a outra pessoa; mesmo que a lei não tenha sido executada de
forma rigorosa, ela tem gerado algum efeito.
Em segundo lugar, na Pensilvânia não existe o direito de
primogenitura e, assim, móveis e imóveis são divididos igualmente entre
todos os filhos da família. E, em três províncias da Nova Inglaterra, o
mais velho recebe uma porção dupla de sua parte, como na lei Mosaica.
Embora nessas províncias, portanto, uma quantidade muito grande de
terras possa, por vezes, ser açambarcada por um indivíduo em particular,
é provável que o decurso de uma ou duas gerações seguidas seja
suficiente para que os bens sejam novamente divididos. As demais
colônias inglesas, de fato, mantêm o mesmo direito de primogenitura
existente na Inglaterra. Mas em todas as colônias inglesas a posse de
terras, mantida por free socage,487 facilita a alienação; além disso, o
beneficiário de uma grande parcela de terra geralmente deseja alienar
rapidamente a maior parte dela, reservando para si apenas uma pequena
renda. Nas colônias espanholas e portuguesas, há o mayorazgo488 que
ocorre nas sucessões de todas as grandes propriedades ligadas a títulos de
nobreza. Tais propriedades vão todas a uma só pessoa e são efetivamente
vinculadas e inalienáveis. As colônias francesas, de fato, estão sujeitas aos
costumes de Paris que, em relação à herança, favorecem mais os filhos
mais jovens do que as leis da Inglaterra. Mas, nas colônias francesas,
quando se aliena qualquer parte de uma concessão ligada a títulos mais
nobres, ela fica sujeita por um tempo limitado ao direito de resgate, seja
pelo herdeiro do superior ou pelo herdeiro da família; a posse de todas as
grandes propriedades do país está ligada a títulos de nobreza que,
necessariamente, embaraçam a sua alienação. Em uma nova colônia, no
entanto, uma grande propriedade não cultivada costuma ser dividida
muito mais rapidamente por alienação do que por sucessão. Conforme já
observado, a abundância e o baixo preço de terras férteis são as principais
causas da rápida prosperidade das novas colônias. A ocupação de muitas
terras por uma só pessoa (açambarcamento), na verdade, arruína a
abundância e os preços baixos. A ocupação de muitas terras não
cultivadas por uma só pessoa, além disso, constitui a maior obstrução ao
progresso e ao aprimoramento dessas terras. Mas, para a sociedade, o
trabalho empregado no aprimoramento e no cultivo de terras é o seu
maior e mais valioso produto. O produto do trabalho, nesse caso, além de
pagar os seus próprios salários e os lucros do capital que o emprega,
também paga a renda da terra que utiliza. Desse modo, já que o trabalho
dos colonos ingleses é empregado de forma mais ostensiva para o
aprimoramento e o cultivo de suas terras, esse mesmo trabalho é capaz
de gerar um produto maior e mais valioso do que o das outras três
nações, que, por causa da ocupação de muitas terras por uma única
pessoa, é mais ou menos desviado para outros empregos.
Em terceiro lugar, além de o trabalho dos colonos ingleses gerar um
produto maior e mais valioso, uma maior porção desse produto, em
consequência da moderação de seus tributos, pertence aos próprios
colonos, que podem armazená-la e empregá-la para movimentar uma
quantidade ainda maior de trabalho. Os colonos ingleses não contribuem
para a defesa da metrópole ou para a manutenção de seu governo civil.
Pelo contrário, são defendidos quase inteiramente pela metrópole. Mas os
gastos das armadas e dos exércitos são desproporcionalmente maiores do
que as despesas necessárias para a administração do governo civil.489 Os
gastos da metrópole com o governo civil das colônias sempre foram
muito moderados. Em geral, estavam restritos aos valores necessários
para pagar os salários de seus governadores, juízes e certos oficiais da
polícia, bem como para manter algumas poucas obras públicas
consideradas mais úteis. Antes do começo dos distúrbios atuais, as
despesas do governo civil da Baía de Massachusetts costumavam ser de
aproximadamente 18 mil libras por ano. As de Nova Hampshire e Rhode
Island, 3.500 libras em cada uma. As de Connecticut, 4 mil libras. As de
Nova York e da Pensilvânia, 4.500 libras em cada uma. As despesas de
Nova Jersey, 1.200 libras. As da Virgínia e da Carolina do Sul, 8 mil libras
em cada uma. Os governos civis da Nova Escócia e da Geórgia são
sustentados em parte por uma verba anual do Parlamento. Mas, além
disso, a Nova Escócia paga cerca de 7 mil libras por ano para as despesas
públicas da colônia; e a Geórgia, cerca de 2.500 libras por ano. Em suma,
antes dos atuais distúrbios, todos os diferentes governos civis da América
do Norte — excetuando-se Maryland e a Carolina do Norte, dos quais
não possuo detalhes exatos — não custavam aos habitantes mais de
64.700 libras por ano; um belo exemplo de que 3 milhões de pessoas
podem ser governadas, ou melhor, bem governadas com uma despesa
bastante pequena. De fato, a parte mais importante dos gastos públicos,
isto é, defesa e proteção, sempre esteve a cargo da metrópole. Deve-se
observar que, nas colônias, os cerimoniais do governo civil durante a
recepção de um novo governador, a abertura de uma nova assembleia,
etc., embora fossem bastante decentes, não eram acompanhados de
desfiles caros e excesso de pompa. O governo eclesiástico das colônias é
conduzido de forma igualmente frugal. O dízimo não existe e seu clero,
longe de ser numeroso, é mantido por estipêndios moderados ou por
contribuições voluntárias da população. Espanha e Portugal, pelo
contrário, obtêm alguns recursos dos tributos cobrados de suas colônias.
Já a França, na verdade, nunca obteve nenhuma receita considerável de
suas colônias, pois os tributos cobrados delas costumam ser gastos com
as próprias colônias. Mas o governo colonial dessas três nações é muito
mais caro e costuma estar acompanhado de cerimoniais também muito
mais caros. No Peru, por exemplo, os valores gastos com a recepção de
um novo vice-rei costumam ser gigantescos. Além de constituírem
verdadeiros tributos pagos pelos colonos ricos nessas ocasiões específicas,
essas cerimônias também servem para introduzir entre eles o hábito da
vaidade e dos gastos em todas as outras ocasiões. Não são apenas
impostos ocasionais e pesados, mas contribuem para o estabelecimento
de impostos semelhantes ainda mais pesados, e, além do mais, perpétuos:
os tributos perniciosos sobre o luxo privado e a extravagância. Todas
essas três colônias também possuem um governo eclesiástico
extremamente opressivo. O dízimo é prática comum em todas elas; mas o
tributo é cobrado com rigor máximo nas colônias espanholas e
portuguesas. Ademais, todas elas eram oprimidas por uma raça
numerosa de frades indigentes, cuja mendicância — que, além de
permitida pela religião, é por ela consagrada — constitui um tributo
gravíssimo sobre os pobres, que são diligentemente ensinados a dar
esmolas, sendo um grande pecado recusar-lhes a caridade. Além de tudo
isso, o clero é, em todas as nações, o grupo que mais detém terras em
nome de uma só entidade.
Em quarto lugar, em relação à disposição de seus excedentes, isto é,
dos produtos que excedem o seu próprio consumo, as colônias inglesas
têm sido mais favorecidas, pois possuem um mercado mais extenso do
que os das (colônias) de qualquer outra nação europeia. As nações
europeias tentaram, em maior ou menor grau, monopolizar o comércio
de suas colônias, proibindo, por tal razão, que navios de nações
estrangeiras realizassem qualquer tipo de comércio com elas, proibindo-
as, assim, de importar bens europeus de quaisquer outras nações. Mas
cada nação realiza seu monopólio de maneira diversa.
Algumas nações entregaram todo o comércio de suas colônias para
uma companhia monopolista, de quem os colonos são obrigados a
comprar todos os bens europeus necessários e a quem são obrigados a
vender todo o seu produto excedente. A companhia, assim, tinha
interesse em vender caro aos colonos e, deles, comprar barato, mas nunca
— mesmo a preços baixos — comprar da colônia mais do que sabia ser
possível vender a um preço altíssimo na Europa. Era seu interesse não
somente degradar em todos os casos o valor do produto excedente da
colônia, mas em muitos casos desencorajar e manter baixo o aumento
natural de sua quantidade. De todas as manobras que podem muito bem
ser inventadas para impedir o crescimento natural de uma nova colônia,
a mais efetiva é, sem dúvida, o uso de uma companhia monopolista. E,
mesmo assim, esta é a política utilizada pela Holanda, embora sua
companhia venha abandonando, no decurso do presente século, muitos
aspectos do exercício de seu privilégio exclusivo. A Dinamarca utilizava a
mesma política até o falecimento de seu último rei. Ocasionalmente, essa
política também foi utilizada pela França; e recentemente, desde 1755,
após ter sido abandonada por todas as outras nações, devido ao seu
caráter absurdo, tornou-se a política de Portugal em relação a pelo menos
duas de suas principais províncias brasileiras, Pernambuco e
Maranhão.490
Outras nações, sem estabelecer uma companhia monopolista,
limitaram todo o comércio de suas colônias a um porto específico da
metrópole, de onde somente poderiam partir navios em frota e em uma
estação específica do ano; o navio individual somente poderia navegar a
partir do porto com uma licença especial, que na maioria dos casos era
muito bem paga. Essa política abria, de fato, o comércio das colônias para
todos os nativos da metrópole, desde que negociassem a partir do porto
adequado, na época adequada e com os barcos adequados. Mas já que os
diversos comerciantes reuniam seus capitais para equipar os navios
licenciados, eles acabavam vendo ser de seu interesse comum atuar em
conjunto e, assim, esse tipo de comércio passava a ser necessariamente
conduzido sob princípios muito similares aos do comércio realizado por
uma companhia monopolista. O lucro desses comerciantes era quase tão
exorbitante e opressivo quanto o das companhias. As colônias eram mal
supridas e obrigadas a comprar muito caro e vender muito barato. No
entanto, essa era a política da Espanha ainda há poucos anos; dizem que
o preço de todos os bens europeus era altíssimo nas Índias Ocidentais
espanholas. Ulloa nos informa que, em Quito, uma libra de ferro é
vendida por cerca de 4 ou 6 pence; e uma libra de aço, por cerca de 6 ou 9
pence esterlinos. Mas é principalmente para comprar a mercadoria
europeia que as colônias vendem seu próprio produto. Desse modo,
quanto mais pagam pela primeira, menos ganham com a segunda, e o
preço elevado de uma é a mesma coisa que o baixo preço da outra. Nesse
sentido, a política de Portugal em relação a todas as suas colônias, exceto
Pernambuco e Maranhão, era igual àquela utilizada pela Espanha; em
relação a estas duas últimas colônias, Portugal adotou uma política ainda
pior.
Outras nações deixam o comércio de suas colônias livres a todos os
seus súditos que podem realizá-lo a partir de todos os portos da
metrópole sem a necessidade de nenhuma outra licença senão os
despachos comuns da Casa da Alfândega. Neste caso, por serem muito
numerosos e estarem espalhados pelo país, os comerciantes ficam
impossibilitados de celebrar um acordo geral e a concorrência entre eles é
suficiente para impedi-los de obter lucros exorbitantes. Essa política
liberal permite que as colônias vendam seus próprios produtos e
comprem bens europeus a preços razoáveis. Mas esta foi a política da
Inglaterra desde a dissolução da Companhia de Plymouth, quando as
colônias inglesas ainda estavam em sua infância. Em geral, essa também
foi a política da França; e, de forma uniforme, a tem utilizado desde a
dissolução de sua Companhia do Mississippi. Consequentemente, os
lucros do comércio da França e da Inglaterra com suas colônias não são,
de forma alguma, exorbitantes — mas, obviamente, são um tanto maiores
do que seriam no caso de livre concorrência entre todas as outras nações;
e o preço dos bens europeus, portanto, não é excepcionalmente elevado
na maior parte das colônias de qualquer uma dessas duas nações.
Em relação, também, à exportação de seus próprios excedentes,
apenas alguns produtos das colônias britânicas estão restritos ao
comércio exclusivo com a metrópole. Esses produtos estão listados no
Ato de Navegação e em algumas outras leis posteriores; por isso, são
chamados de mercadorias listadas. As outras mercadorias são chamadas
de não listadas e podem ser exportadas diretamente para outros países,
desde que a exportação ocorra em navios britânicos ou de suas colônias;
os proprietários das embarcações e três quartos dos marinheiros devem
ser súditos britânicos.
Entre as mercadorias não listadas estão alguns dos produtos mais
importantes da América e das Índias Ocidentais: grãos de todos os tipos,
madeira, suprimentos salgados, peixe, açúcar e rum.
Os grãos são naturalmente o primeiro e principal objeto de cultivo de
todas as novas colônias. Ao oferecer-lhes um mercado bastante vasto, a
lei os incentiva a plantar muito mais do que consomem em um país
pouco habitado e, assim, a fornecer de antemão a subsistência para uma
população em constante crescimento.
Em um país completamente coberto por florestas, onde a madeira,
consequentemente, possui pouco ou nenhum valor, o principal obstáculo
para o desenvolvimento são os gastos com a limpeza do terreno. Ao
permitir que as colônias tenham um grande mercado para a sua madeira,
a lei tenta viabilizar o desenvolvimento elevando o preço de uma
mercadoria que de outra forma teria um valor muito baixo e, assim,
permitindo-lhes obter lucro com algo que, não fosse a abertura,
constituiria uma mera despesa.
O gado de um país que não possui nem a metade da população que é
capaz de suportar, nem a metade do cultivo que suas terras podem
desenvolver, se multiplicará naturalmente até atingir uma quantidade que
exceda o consumo de seus habitantes e, por isso mesmo, muitas vezes,
passará a valer pouco ou quase nada. Mas, conforme já demonstramos,
antes que a maior parte das terras de uma região qualquer possa ser
aprimorada, o preço do gado deve necessariamente guardar uma certa
proporção com o preço dos cereais. Ao permitir que todo o gado
americano, morto ou vivo, tenha um mercado mais amplo, a lei busca
elevar o valor de uma mercadoria cujo alto preço é essencial para o
aprimoramento. No entanto, os bons efeitos desta liberdade ficam um
pouco diminuídos pelo estatuto publicado no 4º ano do reinado de Jorge
II (4 George II, c.I, 5) que coloca couros e peles entre as mercadorias
listadas, e assim tende a reduzir o valor do gado americano.
O aumento do poder naval e marítimo da Grã-Bretanha por meio do
aumento dos pesqueiros coloniais é um objeto que o Parlamento
britânico parece nunca ter perdido de vista. Por esse motivo, esses
pesqueiros receberam a integralidade de incentivos que só a liberdade
comercial pode oferecer e, consequentemente, prosperaram. Antes dos
últimos distúrbios, a pesca da Nova Inglaterra, em particular, era, talvez,
uma das mais importantes do mundo. A pesca de baleia, não obstante
seus subsídios exorbitantes, é tão desprezada na Grã-Bretanha que, na
opinião de muitas pessoas (mas que eu, no entanto, não tenho como
garantir), seu produto total não excede muito o valor dos subsídios que
são anualmente pagos para ela; a mesma pesca é realizada na Nova
Inglaterra de forma muito mais ampla e sem a ajuda de quaisquer
subsídios. No comércio que os norte-americanos realizam com a
Espanha, Portugal e o Mediterrâneo, o peixe constitui um de seus
principais artigos.
Originalmente, o açúcar era uma mercadoria listada, podendo, assim,
somente ser exportada para a Grã-Bretanha. Mas em 1731, após uma
petição dos plantadores de cana, permitiu-se que ela fosse exportada para
todo o mundo. Acontece que as restrições impostas sobre essa liberdade,
aliadas ao alto preço do açúcar na Grã-Bretanha, tornaram essa
permissão, em grande parte, ineficaz. A Grã-Bretanha e suas colônias
ainda são quase o único mercado para todo o açúcar produzido nas
plantações britânicas. Seu consumo aumenta de forma tão rápida que,
embora a importação de açúcar tenha aumentado muito nos últimos
vinte anos (em consequência do aprimoramento crescente da Jamaica e
das ilhas cedidas),491 há informações de que a exportação para os países
estrangeiros não é muito maior do que antes. No comércio que os
americanos realizam com a costa da África, o rum é um artigo muito
importante, pois é trocado por escravos negros.
Se todo o excedente produzido na América, a saber, grãos de todos os
tipos, suprimentos salgados e peixes, fossem mercadorias listadas,
forçando sua entrada no mercado da Grã-Bretanha, eles causariam
muitas interferências nos produtos similares do trabalho britânico.
Assim, é muito provável que a metrópole não estivesse levando em
consideração os interesses da América, mas que o motivo para manter
importantes mercadorias fora da lista e proibir a importação de todos os
tipos de grãos — exceto o arroz — e suprimentos salgados para a Grã-
Bretanha tenha sido o ressentimento que a interferência poderia gerar.
Originalmente, as mercadorias não listadas podiam ser exportadas
para todo o mundo. A madeira e o arroz, após se tornarem mercadorias
listadas e, posteriormente, não listadas novamente, ficaram restritas, no
que se refere ao mercado europeu, aos países que se encontram ao sul de
Cabo Finisterra. Pelo Estatuto do 6º ano do reinado de Jorge III, c.52,
todas as mercadorias não listadas foram submetidas a restrição
semelhante. As regiões da Europa que se encontram ao sul do Cabo
Finisterra não são países produtores de manufaturas, e os ingleses, assim,
não temiam que os navios da colônia trouxessem desses países quaisquer
manufaturas que pudessem se confundir com as inglesas.
As mercadorias listadas são de dois tipos: em primeiro lugar,
produtos específicos da América, ou mercadorias que não podem ser
produzidas, ou que, por algum motivo, não são produzidas na metrópole.
Nesse tipo estão incluídos melaços, café, cacau, tabaco, pimentão,
gengibre, barbatana de baleia, seda crua, algodão, pele de castor e outras
pelarias da América, anileira, taiuva492 e outras madeiras corantes; em
segundo lugar, as mercadorias que não são específicas da América, mas
que são e podem ser produzidas pela metrópole, embora não em
quantidades capazes de suprir a maior parte de sua demanda, que é
garantida, principalmente, por países estrangeiros. Nesse tipo estão
incluídos todos os produtos navais, tais como mastros, vergas e gurupés,
alcatrão, piche e terebintina, gusa e barra de ferro, minério de cobre,
couros e peles, potassa e perlasso. Mesmo que a importação de
mercadorias do primeiro tipo fosse grande, ela não poderia nem
desencorajar o crescimento nem interferir na venda dos produtos da
metrópole. Ao confiná-las ao mercado doméstico, esperava-se que os
comerciantes ingleses conseguissem, primeiro, comprá-las a preços mais
baixos nas colônias e, consequentemente, vendê-las na metrópole com
um bom lucro e, segundo, estabelecer um comércio de transporte
vantajoso entre as colônias e os países estrangeiros, dos quais a Grã-
Bretanha seria o centro comercial ou empório, isto é, o país europeu de
entrada daquelas mercadorias. Supunha-se que a importação das
mercadorias do segundo tipo também poderia ser administrada para que
sua entrada não interferisse na venda dos produtos do mesmo tipo
produzidos domesticamente, mas na de produtos importados de outros
países; pois, por meio da tributação adequada, elas poderiam chegar ao
mercado doméstico sempre um pouco mais caras do que as mercadorias
da metrópole, mas mais baratas que as importadas de outros países.
Assim, ao se restringirem aquelas mercadorias para o mercado
doméstico, não se desejava desencorajar o produto da Grã-Bretanha, mas
sim o de alguns países estrangeiros cuja balança comercial, acreditava-se,
era desfavorável à Grã-Bretanha.
A proibição de exportar das colônias para qualquer outro país, exceto
para a Grã-Bretanha, mastros, vergas e gurupés, alcatrão, piche e
terebintina naturalmente exerce influência sobre a diminuição do preço
da madeira nas colônias e, consequentemente, sobre o aumento das
despesas com o desmatamento e a limpeza das terras, o principal
obstáculo para o seu desenvolvimento. Mas, no início do atual século, em
1703, a companhia de alcatrão e piche da Suécia tentou elevar o preço de
seus produtos na Grã-Bretanha ao permitir que esses produtos somente
fossem exportados em seus próprios navios por preços ditados pela
companhia e em quantidades consideradas adequadas para ela. A fim de
contrariar a incrível peça de política mercantil e para tornar-se, na
medida do possível, independente não só da Suécia como também de
todas as outras potências do norte, a Grã-Bretanha passou a oferecer
subsídios para a importação de provisões navais da América; o efeito
desses subsídios foi aumentar o preço da madeira na América muito mais
do que o confinamento da mercadoria ao mercado doméstico era capaz
de reduzi-lo; e como ambos os regulamentos foram promulgados ao
mesmo tempo, seu efeito comum mais incentivou do que desencorajou o
desmatamento e a limpeza das terras americanas.
Embora o gusa e as barras de ferro também fizessem parte das
mercadorias listadas, quando são importadas da América, essas
mercadorias são isentas dos tributos a que estão sujeitas quando
importadas de quaisquer outros países; assim, das duas partes desse
regulamento, a primeira incentiva mais a construção de fornos na
América do que a outra a desencoraja. Não há nenhuma manufatura que
gere um consumo tão grande de madeira como uma fornalha ou que
possa contribuir tanto para o desmatamento de uma região em que há
madeira em abundância.
A tendência que alguns desses regulamentos possuem para elevar o
preço da madeira na América e, assim, incentivar o desmatamento da
terra foi um efeito, talvez, nem desejado nem compreendido pelos
legisladores ingleses. Embora os seus efeitos benéficos tenham sido
acidentais, não foram por esse motivo menos reais.
Em relação às mercadorias listadas e às não listadas, permite-se a
liberdade de comércio mais perfeita entre as colônias britânicas da
América e as Índias Ocidentais. Essas colônias estão agora se tornando
tão povoadas e prósperas que cada uma delas encontra nas outras um
grande e amplo mercado para todos os seus produtos. Todas elas,
tomadas em conjunto, passaram a constituir um grande mercado interno
para os seus próprios produtos.
No entanto, a liberalidade da Inglaterra com o comércio de suas
colônias limita-se principalmente aos seus produtos em estado bruto ou
no que pode ser chamado de primeira etapa da manufatura. Pois os
comerciantes e fabricantes da Grã-Bretanha reservaram as manufaturas
mais avançadas ou mais refinadas, mesmo produzidas nas colônias, para
si mesmos; além disso, persuadiram os legisladores a evitar o
estabelecimento de manufaturas mais refinadas nas colônias, às vezes por
meio de tributos altíssimos e, outras, por proibições absolutas.
Por exemplo, enquanto o açúcar mascavo das colônias britânicas
pagam na importação somente 6 xelins e 4 pence por 100 libras-peso, o
açúcar branco paga 1 libra, 1 xelim e 1 pence, e o açúcar em cone493 e
refinado uma ou duas vezes, 4 libras, 2 xelins, 5,4 pence. Quando esses
altos tributos foram impostos, a Grã-Bretanha era o único mercado — e
ainda é o principal mercado — para o qual o açúcar das colônias
britânicas podia ser exportado. Equivaliam, então, a uma proibição,
primeiro contra o clareamento ou refino do açúcar para qualquer
mercado externo e, atualmente, uma proibição de clareá-lo ou refiná-lo
para qualquer mercado, o que equivale à retirada de mais de 9/10 da
produção total. Assim, embora a manufatura de refino do açúcar tenha
florescido em todas as colônias açucareiras da França, foi pouco cultivada
nas colônias inglesas, exceto para o consumo do próprio mercado
colonial. Enquanto Granada estava sob domínio francês, havia uma
refinaria de açúcar — ou, no mínimo, algum método de clareamento —
em quase todas as plantações da ilha. Depois de passar para o domínio
inglês, quase todos os trabalhos desse tipo foram abandonados;
atualmente, outubro de 1773, me informaram que ainda existem apenas
duas ou três refinarias na ilha. Hoje, entretanto, por uma indulgência da
Casa da Alfândega, o açúcar clareado ou refinado em formato de pó (e
não em cones) pode ser importado como se fosse mascavo.
Ao mesmo tempo que incentiva na América as manufaturas de ferro
gusa e em barra, ao isentá-la dos tributos a que mercadorias similares
estão sujeitas quando importadas de qualquer outro país, a Grã-Bretanha
impõe uma proibição absoluta em relação à construção de altos-fornos e
de oficinas para o corte de chapas de ferro em todas as suas colônias
americanas. Ela não permite que seus colonos tenham manufaturas mais
refinadas, mesmo que seja para consumo próprio, obrigando-os, sempre
que precisarem, a comprar todos os bens manufaturados de comerciantes
e fabricantes britânicos.
A Grã-Bretanha proíbe que uma província exporte a outra — seja por
hidrovias, ou até mesmo por terra, a cavalo ou carreta — chapéus, lãs e
produtos de lã produzidos na América; um regulamento que impede
efetivamente o estabelecimento de manufaturas desses produtos para
mercados distantes, confinando o trabalho de seus colonos àquelas
manufaturas grosseiras e caseiras que toda família produz para o seu
próprio uso ou para alguns de seus vizinhos na mesma província.
No entanto, proibir um grande povo de fazer tudo o que pode ser
feito com seus próprios produtos, ou proibi-lo de empregar seu capital e
trabalho da maneira que julgar mais vantajosa para si, é uma violação
manifesta dos direitos mais sagrados da humanidade. Por mais injustas
que essas proibições possam ser, elas ainda não causaram muitos
prejuízos às colônias. A terra ainda é tão barata e, consequentemente, o
trabalho tão caro entre eles que podem importar da metrópole quase
todas as manufaturas mais refinadas ou mais modernas a preços mais
baixos do que eles mesmos seriam capazes de produzir. Assim, embora
não tenham sido proibidos de estabelecer tais manufaturas, eles, no
estado atual de desenvolvimento em que se encontram, provavelmente
teriam deixado de fazê-lo em respeito ao seu próprio interesse. Em seu
estado atual de desenvolvimento, ainda que essas proibições não causem
danos ao trabalho dos colonos, ou os afastem de qualquer emprego a que
iriam por vontade própria, elas são, na verdade, emblemas impertinentes
da escravidão imposta a eles, sem nenhum verdadeiro motivo, pelo
ressentimento sem fundamento dos comerciantes e manufaturadores da
metrópole. Em um estado mais avançado essas proibições poderiam ser
realmente opressivas e insuportáveis.
Mas, assim como a Grã-Bretanha restringe ao seu próprio mercado
alguns dos produtos mais importantes das colônias, ela também, em
compensação, oferece vantagens a algumas delas nesse mercado, seja pela
imposição de tributos mais elevados aos produtos similares importados
de outros países, seja pela concessão de subsídios aos produtos
importados das colônias. A primeira oferece vantagens, no mercado
doméstico, ao açúcar, tabaco e ferro de suas próprias colônias; a segunda,
à seda crua, cânhamo, linho, anileira, provisões navais e madeira de
construção da colônia. Tanto quanto sei, esta segunda maneira de
incentivar o produto colonial por meio de subsídios à importação é algo
peculiar à Grã-Bretanha. A primeira não. Portugal não se contenta em
impor tributos mais elevados para impedir a importação de tabaco de
outros países, ele a proíbe com sanções mais severas.
No que diz respeito à importação de mercadorias da Europa para suas
colônias, a Inglaterra tem tratado o assunto de forma mais liberal que
qualquer outra nação.
A Grã-Bretanha permite que os tributos pagos na importação de
produtos estrangeiros — quase sempre a metade, geralmente uma parcela
maior e às vezes o valor integral — sejam recuperados (drawback) no
momento da exportação desses produtos a quaisquer países estrangeiros.
É fácil perceber que nenhum país estrangeiro e independente compraria
esses produtos se eles ali chegassem onerados com os pesados tributos
impostos a quase todos os bens estrangeiros importados pela Grã-
Bretanha. Desse modo, o comércio de transporte de mercadorias — um
comércio bastante favorecido pelo sistema mercantil — seria aniquilado
se parte desses tributos não fosse recuperada no momento da exportação.
As colônias inglesas, entretanto, não são países estrangeiros
independentes; e a Grã-Bretanha, tendo assumido o direito exclusivo de
supri-las com todos os bens da Europa, poderia tê-las forçado (da mesma
forma que outros países fizeram com suas colônias) a receber tais bens,
onerados com todos os mesmos tributos já pagos na metrópole. Mas,
pelo contrário, até 1763, a mesma política de recuperação de tributos
praticada em relação às exportações a países independentes também
ocorria em relação à exportação de grande parte dos bens estrangeiros
enviados às nossas colônias. Em 1763, de fato, o decreto do 4º ano do
reinado de Jorge III, c.15, reduziu bastante essa concessão: “exceto em
relação aos vinhos, calicôs brancos e musselinas, não haverá drawback da
taxa conhecida como ‘antigo subsídio’ para quaisquer mercadorias
cultivadas, produzidas ou manufaturadas na Europa ou nas Índias
Orientais, quando exportadas deste reino para qualquer colônia ou
estabelecimento britânicos na América”. Antes dessa lei, muitos bens
estrangeiros eram mais baratos nas colônias do que na metrópole; e
alguns ainda o são.
Devemos observar que os principais consultores da maior parte dos
regulamentos relativos ao comércio colonial são os próprios
comerciantes que o realizam. Não devemos ficar imaginando, portanto,
se, na maior parte dessas leis, os interesses dos comerciantes estão mais
bem representados do que os das colônias ou os da metrópole. Os
interesses das colônias foram sacrificados para dar vez aos interesses
desses comerciantes, pois eles detinham o privilégio exclusivo de suprir
as colônias com todos os bens europeus necessários, e, além disso,
detinham o poder de comprar o produto excedente das colônias,
escolhendo aqueles que não atrapalhassem o comércio que eles próprios
realizavam na Grã-Bretanha. Os interesses da metrópole também foram
sacrificados, mesmo de acordo com as ideias mercantis desses interesses,
no momento em que os regulamentos permitiram a recuperação de
tributos (drawback) sobre a reexportação da maior parte dos bens da
Europa e das Índia Orientais para as colônias, assim como acontecia na
reexportação de produtos para quaisquer países independentes. Aos
comerciantes interessava pagar o mínimo possível pelos bens
estrangeiros que enviavam às colônias e, consequentemente, recuperar o
máximo possível de todos os tributos pagos pela importação dos mesmos
produtos à Grã-Bretanha. Podiam, desse modo, vender a mesma
quantidade de bens nas colônias com um lucro maior ou vender uma
quantidade maior com o mesmo lucro, e, consequentemente, ganhar
mais de um modo ou de outro. Ademais, aos colonos interessava obter
todos esses bens da forma mais barata e na quantidade mais abundante
possível. Mas essas práticas nem sempre estavam alinhadas aos interesses
da metrópole. Ela frequentemente perdia receitas ao devolver uma
grande parte dos tributos que haviam sido pagos sobre a importação das
mercadorias; suas manufaturas também perdiam, pois, como
consequência da facilidade oferecida pelos drawbacks, as manufaturas
estrangeiras chegavam mais baratas às colônias, desvalorizando os
produtos da metrópole. Dizem que o progresso da manufatura de linho
da Grã-Bretanha foi bastante retardado pelo drawback sobre a
reexportação do linho alemão às colônias americanas.
Mas, embora a política da Grã-Bretanha, no que diz respeito ao
comércio com suas colônias, seja ditada pelo mesmo espírito mercantil
das outras nações, essa mesma política, em geral, tem sido menos
antiliberal e opressiva que a empregada pelos outros países.
Em tudo, exceto no comércio exterior, os colonos ingleses têm
liberdade total para administrar seus próprios negócios da maneira que
considerarem mais adequada. Em todos os aspectos, essa liberdade é a
mesma de que gozam seus concidadãos na metrópole e, da mesma forma,
está garantida pela assembleia dos representantes do povo, que possui o
direito exclusivo de impor tributos para sustentar os governos das
colônias. A autoridade dessa assembleia intimida o poder executivo e,
assim, nem mesmo o pior ou o mais detestável colono, contanto que
obedeça a lei, precisa temer o ressentimento do governador ou de
qualquer outro funcionário civil ou oficial militar da província. As
assembleias da colônia, assim como a Câmara dos Comuns na Inglaterra,
embora nem sempre representem o povo de maneira absolutamente
equânime, são o que mais se aproxima desse caráter; e, seja porque o
poder executivo não tem meios para corrompê-las, seja pela falta de
necessidade de corrompê-las por conta do apoio que recebem da
metrópole, elas, em geral, são mais influenciadas pelas inclinações de
seus constituintes. Os conselhos, que, no legislativo da colônia,
correspondem à Câmara dos Lordes na Grã-Bretanha, não são
compostos por uma nobreza hereditária. Em algumas colônias, como
acontece em três governos da Nova Inglaterra, esses conselhos não são
nomeados pelo rei, mas escolhidos pelos representantes do povo. Não
existe nobreza hereditária em nenhuma colônia inglesa. Em todas elas, de
fato, como em todos os outros países livres, o descendente de uma antiga
família colonial é mais respeitado do que um arrivista de igual mérito e
fortuna: mas ele é apenas mais respeitado, nada mais; ele não possui
privilégios que o permitam importunar os seus vizinhos. Antes do início
dos distúrbios atuais, as assembleias coloniais abraçavam o poder
legislativo e parte do executivo. Os governadores de Connecticut e de
Rhode Island eram eleitos por elas. Nas outras colônias, elas nomeavam
os agentes coletores de impostos que cobravam os tributos impostos pelas
respectivas assembleias; esses agentes respondiam diretamente às
assembleias. Assim, há mais equidade entre os colonos ingleses do que
entre os habitantes da metrópole. Tal modo de agir é algo mais
republicano, e, de fato, o governo dessas colônias, particularmente o das
três províncias da Nova Inglaterra, também têm se mostrado mais
republicanos.
Por outro lado, os governos absolutos da Espanha, de Portugal e da
França estabelecem-se em suas colônias; e os poderes discricionários que
esse tipo de governo absoluto costuma delegar a todos os seus oficiais
inferiores são, por causa da grande distância, naturalmente exercidos nas
colônias com violência extraordinária. Em todos os governos absolutistas
há mais liberdade na capital do que em qualquer outra parte do país. O
próprio soberano nunca pode ter qualquer interesse ou inclinação para
subverter a ordem da justiça ou para oprimir a população em geral. Em
maior ou menor grau, sua presença na capital intimida todos os oficiais
inferiores, os quais, nas províncias mais remotas — de onde as queixas
das pessoas têm menor probabilidade de alcançar o rei — podem
exercitar sua tirania com muito mais segurança. Ora, as colônias
europeias da América são mais remotas do que as províncias mais
distantes de qualquer grande império que já tenha existido. O governo
das colônias inglesas talvez seja o único que, desde o início do mundo,
tenha conseguido oferecer segurança absoluta aos habitantes de uma
província tão distante. A administração das colônias francesas, no
entanto, sempre foi conduzida com mais suavidade e moderação do que a
dos espanhóis e portugueses. Essa conduta superior se adequa tanto ao
caráter da nação francesa, e àquilo que forma o caráter de qualquer outra
nação, isto é, a natureza de seu governo que, embora arbitrário e violento
em comparação com o da Grã-Bretanha, é legal e livre em comparação
com os governos da Espanha e de Portugal.
Mas é principalmente no progresso das colônias norte-americanas
que a superioridade da política inglesa fica evidente. O progresso das
colônias açucareiras da França é, no mínimo, igual, ou talvez superior, ao
da maior parte das colônias inglesas; e, ainda assim, as colônias
açucareiras da Inglaterra possuem um governo livre, quase tão igual ao
governo de suas colônias norte-americanas. Porém, as colônias
açucareiras da França, diferentemente do que ocorre com as colônias
inglesas, não são desestimuladas a refinar seu próprio açúcar; e, o que é
de importância ainda maior, o gênio do seu governo naturalmente
introduz uma melhor gestão de seus escravos negros.
Em todas as colônias europeias, o cultivo da cana-de-açúcar é
realizado por escravos negros. Supõe-se que a constituição física das
pessoas nascidas no clima temperado da Europa não seja capaz de
suportar o trabalho de cavar o solo sob o sol ardente das Índias
Ocidentais; e a cultura da cana-de-açúcar, da forma como é atualmente
administrada, baseia-se totalmente no trabalho manual; apesar de muitos
acreditarem que esse cultivo seria bastante beneficiado com a introdução
do arado sulcador. Mas, assim como o lucro e o sucesso do cultivo
realizado com o uso de gado dependem muito da boa administração
desses animais, o lucro e o sucesso do cultivo realizado por escravos
dependem igualmente da boa administração desses escravos; e, conforme
bem reconhecido, os fazendeiros franceses são superiores aos ingleses em
relação à boa gestão de seus escravos. A lei, na medida em que oferece
alguma proteção fraca aos escravos contra a violência de seu dono, é
provavelmente mais bem cumprida em uma colônia sob um governo
muito arbitrário do que em uma colônia cujo governo é totalmente livre.
Em todos os países onde a infeliz lei da escravidão está instituída, sempre
que o magistrado protege o escravo, ele acaba, em certa medida,
interferindo na administração da propriedade privada do dono desse
escravo; mas, em um país livre, onde o dono do escravo talvez seja
membro da Assembleia da Colônia, ou eleitor de tal membro, o
magistrado não se atreve a proteger o escravo senão com muita cautela e
circunspeção. O respeito que este último deve ao proprietário dificulta a
proteção do escravo. Mas quando o governo do país é muito mais
arbitrário, o magistrado costuma intrometer-se na gestão da propriedade
privada dos indivíduos — às vezes, prendendo-os, sem julgamento nem
defesa, quando não administram da forma requerida; nesses países,
portanto, é muito mais fácil oferecer certa proteção ao escravo; além
disso, a sensibilidade humana comum a todos o obriga a fazer isso. A
proteção do magistrado torna o escravo menos desprezível aos olhos de
seu dono, que é assim induzido a considerá-lo com mais respeito e tratá-
lo com mais gentileza. O uso mais gentil torna o escravo mais fiel, mais
inteligente e, consequentemente, duas vezes mais útil. Ele se aproxima
mais da condição de um servo livre, podendo abranger algum grau de
integridade e apego aos interesses de seu dono, virtudes que
frequentemente pertencem a servos livres, mas nunca a um escravo que
seja tratado como são normalmente tratados os escravos em países onde
o dono goza de liberdade e segurança perfeitas.494
A condição de um escravo ser melhor sob um governo arbitrário do
que em um governo livre é, eu acredito, um fato apoiado pela história de
todas as eras e nações. Na história romana, é apenas durante o império
que, pela primeira vez, temos o registro de um magistrado protegendo
um escravo da violência de seu mestre. Quando Védio Polio, na presença
de Augusto, ordena que um de seus escravos, que havia cometido uma
pequena falha, seja cortado em pedaços e jogado em sua lagoa para
alimentar os peixes, o imperador obriga Védio, com indignação, a
emancipar imediatamente não só aquele escravo, mas todos os outros
que lhe pertenciam.495 Durante a república, nenhum magistrado teria
autoridade suficiente para proteger o escravo, muito menos para punir
seu proprietário.
Devemos notar que o capital para o aprimoramento das colônias de
açúcar da França, particularmente o da grande colônia de São Domingos,
foi levantado quase inteiramente do aprimoramento e cultivo gradual
dessas colônias. Esse capital tem sido gerado quase inteiramente pelo
produto do solo e do trabalho dos colonos, ou, o que é a mesma coisa,
pelo preço do produto gradualmente acumulado pela boa gestão e
empregado na criação de um produto ainda maior. Mas o capital para
aprimorar e cultivar as colônias de açúcar da Inglaterra é — grande parte
dele — enviado pela Inglaterra e de forma alguma foi completamente
gerado pelo produto do solo e do trabalho dos colonos. A prosperidade
das colônias de açúcar da Inglaterra se deve, em grande medida, às
grandes riquezas da Inglaterra; pode-se dizer que parte dessa riqueza
transbordou para essas colônias. Mas a prosperidade das colônias de
açúcar da França se deve totalmente à boa conduta de seus colonos que,
portanto, possuem certa superioridade sobre os das colônias inglesas; e
essa superioridade em nada ficou mais patente quanto na boa
administração de seus escravos.
Em linhas gerais, essas são as políticas das várias nações europeias no
que diz respeito a suas colônias.
A política da Europa, portanto, tem muito poucos motivos para se
gabar quanto ao estabelecimento original das colônias americanas ou, no
que diz respeito ao governo interno dessas colônias, quanto à
subsequente prosperidade dessas colônias.
A loucura e a injustiça parecem ter sido os princípios que presidiram
e dirigiram o primeiro projeto de estabelecimento dessas colônias; a
loucura da caça às minas de ouro e prata e a injustiça de cobiçar a posse
de uma região cujos nativos inofensivos, longe de terem lesado em
qualquer momento o povo da Europa, haviam recebido os primeiros
aventureiros com extrema gentileza e hospitalidade.
De fato, os aventureiros que fundaram alguns estabelecimentos mais
recentes reuniram ao projeto quimérico de encontrar minas de ouro e
prata outros mais razoáveis e mais louváveis; mas mesmo esses motivos
pouco honram a política da Europa.
Os puritanos ingleses, sentindo-se presos na Inglaterra, buscaram
liberdade na América e, ali, estabeleceram os quatro governos da Nova
Inglaterra. Os católicos ingleses, tratados com “muito mais” injustiça,
fundaram Maryland; os quakers estabeleceram a Pensilvânia. Os judeus
portugueses foram perseguidos pela Inquisição, destituídos de suas
fortunas e banidos para o Brasil, onde introduziram, pelo seu exemplo,
algum tipo de ordem e trabalho entre os criminosos e as meretrizes que,
originalmente, povoaram aquela colônia, ensinando-lhes, por fim, o
cultivo da cana-de-açúcar. Em todos esses casos, o cultivo e o
povoamento da América não se deram pela sabedoria e política dos
governos europeus, mas por sua desordem e injustiça.
Em relação à criação efetiva de algumas colônias mais importantes, os
governos da Europa tiveram tão pouco mérito quanto ao projetá-las. A
conquista do México não foi planejada pelo Conselho Real da Espanha,
mas por um governador de Cuba; e foi realizada pelo espírito ousado do
aventureiro a quem foi confiada, apesar de tudo o que o governador, após
arrepender-se de ter confiado a conquista àquela pessoa, fez para frustrar
o projeto. Os conquistadores do Chile, do Peru e de quase todos os outros
assentamentos espanhóis no continente americano promoveram seus
projetos sem nenhum outro incentivo público, exceto uma permissão
geral para criar assentamentos e realizar conquistas em nome do rei da
Espanha. Os riscos e as despesas dessas aventuras correram por conta de
seus próprios empreendedores privados. O governo da Espanha mal
contribuiu com qualquer uma delas. O governo inglês também
contribuiu muito pouco para o estabelecimento de algumas de suas
colônias mais importantes na América do Norte.
Quando essas colônias já estavam estabelecidas e suficientemente
grandes a ponto de atrair a atenção da metrópole, esta passa a criar
regulamentos: os primeiros tinham sempre em vista garantir a si mesma
o monopólio do comércio colonial; isto é, limitar o mercado delas e, à
custa das colônias, ampliar o mercado da metrópole; e,
consequentemente, enfraquecer e desencorajar, em vez de acelerar e
promover, a prosperidade. As diferenças mais essenciais das políticas
empregadas pelas nações europeias no que diz respeito às suas colônias
estão nas diferentes formas em que esse monopólio foi exercido. Mesmo
a melhor delas, a utilizada pela Inglaterra, é apenas um pouco mais
generosa e menos opressiva que a forma utilizada pelas outras nações.
De que forma, portanto, a política da Europa contribuiu quer para o
estabelecimento da primeira colônia, quer para a atual grandeza das
colônias da América? De uma — e apenas uma — forma contribuiu
bastante. Magna virum mater!496 Ela criou e formou homens capazes de
produzir ações tão grandiosas e de estabelecer a fundação de um império
tão grande; não há outro lugar no mundo em que a política seja capaz de
formar homens assim, ou que tenha alguma vez realmente e de fato
formado. As colônias devem à política da Europa a educação e a larga
visão de seus fundadores ativos e empreendedores; e algumas das
maiores e mais importantes colônias, na medida em que diz respeito ao
seu governo interno, nada mais devem à política europeia.

Parte III – Das vantagens que a Europa obteve


com a descoberta da América, da passagem
para as Índias Orientais pelo Cabo da Boa
Esperança
Essas são as vantagens que as colônias da América obtiveram da política
da Europa.
Agora, quais vantagens a Europa tem obtido da descoberta e
colonização da América?
Essas vantagens podem ser divididas, em primeiro lugar, nas
vantagens gerais que a Europa, considerada como um grande país, tem
obtido desses grandes acontecimentos; e, em segundo lugar, nas
vantagens particulares que cada país colonizador obteve de suas colônias
específicas como consequência da autoridade ou do domínio que exerce
sobre elas.
As vantagens gerais que a Europa, considerada como um grande país,
obteve da descoberta e colonização da América, consistem, em primeiro
lugar, no aumento de bens de fruição; e, em segundo lugar, no
crescimento de sua indústria.
O produto excedente da América, importado para a Europa, oferece
aos habitantes deste grande continente uma variedade de mercadorias
que não poderiam possuir de outra forma; algumas servem para o uso e a
comodidade, algumas para o prazer e outras são apenas ornamentos; e,
desse modo, o excedente americano contribui para o aumento dos bens
de fruição dos europeus.
Acredito haver consenso de que a descoberta e a colonização da
América contribuíram para o aumento do trabalho; primeiro de todos os
países que negociam diretamente com as colônias, como Espanha,
Portugal, França e Inglaterra; e, em segundo lugar, de todos aqueles que
produzem bens próprios e, sem negociar diretamente com as colônias, a
elas enviam seus produtos; como a Flandres austríaca e algumas
províncias da Alemanha que, por meio dos países que detêm o comércio
direto com as colônias, enviam a elas uma grande quantidade de tecidos
de linho e outros bens. Todos esses países ganharam evidentemente um
mercado mais amplo para o seu produto excedente e, consequentemente,
foram estimulados a aumentar a sua quantidade.
Mas o fato de esses grandes acontecimentos terem igualmente
contribuído para incentivar a atividade de outros países, como, por
exemplo, a Hungria e a Polônia, que talvez nunca tenham enviado uma
única mercadoria própria para a América, não é, talvez, algo muito
evidente. Mas não há como duvidar de que esses acontecimentos
realmente produziram tais consequências. Uma parte do produto da
América é consumida na Hungria e na Polônia, países onde há alguma
demanda para os produtos originados dessa nova região do mundo,
como o açúcar, o chocolate e o tabaco.
Mas essas mercadorias devem ser compradas com o produto do
trabalho da Hungria e da Polônia, ou com algo que tenha sido comprado
com alguma parte desse produto. As mercadorias americanas constituem
novos valores, novos equivalentes, introduzidos na Hungria e na Polônia
para ali serem trocados pelo produto excedente desses países. Quando
são transportados a países europeus, criam neles um mercado novo e
mais amplo para o seu produto excedente. Aumentam o valor desse
produto e incentivam o aumento de sua quantidade. Esse produto, por
fim, talvez nunca seja levado para a América, mas pode ser levado para
outros países que o compram com uma parte de sua participação no
excedente da América; assim, os produtos húngaros e polacos podem
abrir novos mercados por meio de um comércio que, originalmente, foi
posto em movimento pelo produto excedente da América.
Esses grandes eventos podem até ter contribuído para aumentar os
bens de fruição e a atividade laboral não apenas de países que nunca
exportaram para a América, mas daqueles que nunca importaram
nenhum produto dela. Até mesmo esses países podem ter recebido
maiores quantidades de outras mercadorias vindas de países cujo
produto excedente tenha aumentado por causa do comércio com a
América. Já que essa maior quantidade deve ter aumentado os bens de
fruição desses países, ela também deve ter ampliado a atividade laboral
deles. Um maior número de novos equivalentes de um ou outro tipo deve
ter sido apresentado a eles para ser trocado pelo produto excedente
daquela atividade laboral. Um mercado mais amplo deve ter sido criado
para esse produto excedente, de modo a aumentar o seu valor e, assim,
incentivar o seu aumento. O produto excedente total da América deve ter
produzido o aumento do volume de mercadorias que são postas
anualmente em circulação no grande comércio europeu e que, após
vários ciclos, são anualmente distribuídas a todas as diferentes nações
abrangidas por tal comércio. Assim, é possível que uma maior porção
desse volume, também maior, tenha sido atribuída a cada uma daquelas
nações, com o consequente aumento dos bens de fruição e da atividade
laboral.
O comércio exclusivo das metrópoles tende a causar a diminuição,
ou, no mínimo, a manter abaixo do nível que poderiam ter atingido,
tanto dos bens de fruição quanto da atividade laboral de todas as nações
em geral e das colônias americanas em particular. É um peso morto que
se coloca sobre a ação de uma das grandes molas que põem em
movimento grande parte dos negócios da humanidade.497 Quando o
produto das colônias é mais caro em todos os outros países, o seu
consumo cai, tolhendo a atividade laboral das colônias, bem como os
bens de fruição e a atividade laboral de todos os outros países, pois a
fruição é menor quando é preciso pagar mais por aquilo de que se gosta;
e a produção também é menor quando a mercadoria produzida perde seu
valor. Por outro lado, o encarecimento, nas colônias, do produto de todos
os outros países tolhe, da mesma forma, a atividade laboral de todos os
outros países, juntamente com os bens de fruição e a atividade laboral
das colônias. É uma obstrução que, enquanto supostamente beneficia
alguns países específicos, inibe a fruição de bens e onera a atividade
laboral de todos os outros (mais das colônias que de qualquer outra
entidade). Não só exclui, tanto quanto possível, todos os outros países de
um determinado mercado, mas limita, tanto quanto possível, as colônias
a apenas um mercado particular; é importante perceber que há uma
diferença muito grande entre ser excluído de um mercado particular,
quando todos os outros estão abertos, e estar confinado a um mercado
particular quando todos os outros mercados estão fechados. O produto
excedente das colônias, no entanto, é a fonte original do aumento geral
dos bens de fruição e das atividades laborais que a Europa obtém pela
descoberta e colonização da América; o comércio exclusivo das
metrópoles com as colônias tende a tornar essa fonte original muito
menos abundante do que seria sem o comércio exclusivo.
As vantagens particulares que cada país colonizador obtém das
colônias que lhe pertencem são de dois tipos: em primeiro lugar, as
vantagens comuns que todo império obtém das províncias sujeitas ao seu
domínio; e, em segundo lugar, aquelas vantagens peculiares que resultam
de províncias tão peculiares como as colônias europeias da América.
As vantagens comuns que cada império deriva das províncias sujeitas
ao seu domínio consistem, em primeiro lugar, na força militar que elas
fornecem para a sua defesa; e, em segundo lugar, nas receitas que
fornecem para a manutenção de seu governo civil. Ocasionalmente, as
colônias romanas ofereciam as duas vantagens. As colônias gregas, às
vezes, forneciam força militar, mas raramente ofereciam receitas. Elas
raramente se reconheciam como súditas da metrópole. Em geral, as
colônias eram aliados bélicos de suas metrópoles na guerra, mas muito
raramente contavam entre seus súditos em tempos de paz.
Em nenhuma ocasião, até o momento, as colônias europeias da
América ofereceram forças militares para defender a metrópole. Até hoje,
as forças militares das colônias nunca foram suficientes para a própria
defesa delas; e, além disso, as metrópoles estão envolvidas em várias
guerras, e a defesa das colônias costuma desviar bastante a atenção das
forças militares. A esse respeito, portanto, todas as colônias europeias
têm sido, sem exceção, mais uma causa de fraqueza que de força para
suas respectivas metrópoles.
Apenas as colônias espanholas e portuguesas têm contribuído com
receitas para a defesa da metrópole ou para a manutenção de seu governo
civil. Os tributos cobrados nas colônias de outras nações europeias, nas
inglesas em particular, raramente se igualaram às despesas gastas com
elas em tempo de paz e, em tempo de guerra, nunca pagaram os gastos
causados por elas. Tais colônias, portanto, têm sido uma fonte de
despesas, e não de receitas, para suas respectivas metrópoles.498
As vantagens produzidas por essas colônias a suas respectivas
metrópoles consistem unicamente nas vantagens específicas que
supostamente resultam de províncias tão peculiares quanto as colônias
europeias da América; e, em geral, acredita-se que o comércio exclusivo é
a única fonte de todas essas vantagens específicas.
Como consequência desse comércio exclusivo, toda parcela do
produto excedente das colônias inglesas, por exemplo, que consiste nas
chamadas mercadorias listadas, não pode ser enviada para nenhum outro
país exceto a Inglaterra. Posteriormente, os outros países podem comprar
essas mercadorias somente na Inglaterra. Desse modo, o preço dessas
mercadorias deverá ser menor na Inglaterra do que em quaisquer outros
países e deve contribuir mais para aumentar os bens de fruição na
Inglaterra que em outros países. Deve também contribuir para incentivar
mais as atividades laborais do país que se beneficia do comércio
exclusivo. Por cada fração de seu próprio produto excedente que a
Inglaterra troca por mercadorias listadas, ela obtém um preço melhor do
que quaisquer outros países conseguiriam obter com a comercialização
das mesmas mercadorias por frações iguais de seus excedentes. As
manufaturas da Inglaterra, por exemplo, podem comprar uma
quantidade maior de açúcar e de tabaco de suas próprias colônias do que
podem as manufaturas similares de outros países. Portanto, já que as
manufaturas inglesas e as de outros países serão trocadas pelo açúcar e
pelo tabaco das colônias inglesas, essa superioridade de preços oferece
incentivos para as primeiras que vão muito além do que as últimas
poderiam nessas circunstâncias desfrutar. O comércio exclusivo das
colônias, portanto, diminui — ou, pelo menos, mantém abaixo do valor
que poderiam atingir — tanto os bens de fruição quanto as atividades
laborais dos países que não possuem esse tipo de comércio, oferecendo,
então, uma vantagem evidente aos países que possuem esse comércio
exclusivo sobre aqueles outros países que não o possuem.
Percebe-se, no entanto, que essa vantagem é mais relativa que
absoluta; e a superioridade que oferece ao país beneficiado ocorre mais
pela depressão que causa à atividade laboral e ao produto dos outros
países do que pelo aumento que esses dois itens naturalmente receberiam
se houvesse livre-comércio.
Por meio do monopólio inglês, por exemplo, o tabaco de Maryland e
da Virgínia chega certamente mais barato na Inglaterra e mais caro na
França, a qual compra da primeira uma grande parte desse produto
colonial. Mas, se a França e todos os outros países europeus pudessem
comercializar livremente e a qualquer momento com as colônias de
Maryland e da Virgínia, o preço do tabaco dessas colônias poderia estar
mais baixo do que é hoje, não só para todos os outros países, mas
também para a Inglaterra. A produção de tabaco, em consequência de
um mercado muito mais amplo do que o existente até o momento,
poderia ter (e, provavelmente, por esta altura já teria) aumentado tanto
que os lucros de uma plantação de tabaco já voltariam ao seu nível
natural, igualando-se aos lucros de uma plantação de cereais, aos quais,
supostamente, ainda são um pouco superiores. O preço do tabaco
poderia chegar (e provavelmente, por esta altura, já teria chegado) a um
preço um pouco abaixo de seu valor atual. Uma quantidade igual de
mercadorias da Inglaterra ou desses outros países poderia comprar em
Maryland e na Virgínia mais tabaco do que é possível comprar
atualmente e, consequentemente, poderia ser vendida nessas colônias por
preços muito melhores. Portanto, na medida em que o tabaco é capaz de
aumentar a fruição ou as atividades laborais da Inglaterra ou de qualquer
outro país por seu preço baixo e abundância, é possível que, caso existisse
livre-comércio, ele produzisse esses dois efeitos em um grau um pouco
maior do que o produzido atualmente. Na verdade, a Inglaterra não teria,
nesse caso, qualquer vantagem sobre os outros países. Ela poderia
comprar o tabaco de suas colônias a preços um pouco mais baixos e,
consequentemente, vender algumas de suas próprias mercadorias a
preços um pouco mais altos do que os atuais. Mas ela não conseguiria
comprar mais barato o seu tabaco nem vender mais caro a sua
mercadoria do que qualquer outro país poderia. Ela poderia, talvez, obter
uma vantagem absoluta, mas certamente teria perdido uma vantagem
relativa.
Mas, para conseguir essa vantagem relativa no comércio colonial,
para realizar o projeto odioso e maligno de excluir tanto quanto possível
todas as outras nações de tal comércio, a Inglaterra — e há boas razões
para acreditarmos nisso —, além de sacrificar parte da vantagem absoluta
que, assim como todas as outras nações, poderia ter obtido desse
comércio, também sujeitou-se tanto a uma desvantagem absoluta quanto
a uma relativa em quase todos os outros ramos do comércio.
Quando, pelo Ato de Navegação, a Inglaterra tomou para si o
monopólio do comércio com a colônia, os capitais estrangeiros, que antes
faziam parte desse comércio, foram necessariamente retirados. O capital
inglês, que antes era responsável por apenas parte desse comércio, agora
deveria cuidar de sua integralidade. O capital, que antes servia para
suprir as colônias com apenas uma parte dos bens europeus de que
necessitavam, era agora tudo o que lhes restava para supri-las com o
todo. Mas esse capital era incapaz de fornecer-lhes tudo e, além disso, os
bens fornecidos eram vendidos necessariamente a preços altos. O capital
que antes comprava apenas uma parte do produto excedente das colônias
agora era tudo o que havia para comprar todos os seus bens. Mas já que
não podia mais comprar todos os bens necessários por preços iguais aos
antigos, nem mesmo próximos, então, o que quer que pudesse realmente
comprar, compraria necessariamente muito barato. Mas quando o
comerciante vende muito caro e compra muito barato, esse tipo de
aplicação do capital gera lucros muito altos, muito acima dos lucros
ordinários de outros ramos do comércio. De maneira óbvia, os lucros
superiores do comércio colonial retiraram dos outros ramos comerciais
uma parte do capital que, anteriormente, era neles aplicada. Mas, já que
essa revulsão do capital deve ter causado o aumento gradual da
competição entre capitais no comércio colonial, também deve ter
causado a diminuição gradual dessa mesma competição em todos os
outros ramos do comércio; já que deve ter causado a diminuição gradual
dos lucros do comércio colonial, deve ter causado o aumento gradual do
outro comércio, até que os lucros de todos chegassem a um novo
patamar, diferente e um pouco mais alto que o anterior.
A retirada do capital de todos os outros negócios e a elevação da taxa
de lucro um pouco acima da taxa que, de outra forma, existiria em todos
os ramos comerciais são efeitos produzidos pela criação desse
monopólio, e que continuaram a ser produzidos por ele desde então.
Em primeiro lugar, esse monopólio atrai continuamente para si o
capital de todos os outros negócios para serem empregados no comércio
colonial.
Embora a riqueza da Grã-Bretanha tenha aumentado muito desde a
criação do Ato de Navegação, ela certamente não aumentou na mesma
proporção que a das colônias. Mas o comércio exterior dos países
aumenta naturalmente em proporção à sua riqueza e seu produto
excedente aumenta em proporção ao seu produto total; além disso, já que
a Grã-Bretanha tomou para si mesma quase tudo aquilo que pode ser
chamado de comércio exterior das colônias, e não tendo o seu capital
aumentado na mesma proporção que o crescimento desse comércio, ela
não poderia sustentá-lo sem a retirada contínua de parte do capital que
anteriormente estava empregado em outros ramos do comércio,
afastando desses negócios muito mais capital do que, de outra forma,
teriam sido neles empregados. Por isso, desde a criação do Ato de
Navegação, o comércio colonial tem aumentado continuamente,
enquanto muitos outros ramos do comércio exterior, especialmente o
realizado entre a Inglaterra e outras partes da Europa, foram sofrendo
uma contínua deterioração. Em vez de a maior parte das manufaturas
inglesas para exportação estarem adequadas, como ocorria antes do Ato
de Navegação, ao mercado europeu mais próximo, ou ao mercado mais
distante realizado com os países do Mar Mediterrâneo, ele passou a
adequar-se ao mercado das colônias, um mercado ainda mais distante
sobre o qual a Grã-Bretanha detinha o monopólio, afastando-se, assim,
do mercado onde há competidores. O senhor Matthew Decker e outros
autores buscaram as causas da decadência de outros ramos do comércio
exterior no modo excessivo e impróprio da tributação, no alto preço do
trabalho, no aumento dos bens de luxo, etc., mas poderiam tê-las
encontrado no crescimento excessivo do comércio colonial. Embora o
capital mercantil da Grã-Bretanha seja muito grande, não é infinito; e
embora tenha aumentado muito desde a publicação do Ato de
Navegação, não aumentou na mesma proporção que o comércio das
colônias, e, por isso, o comércio não poderia ser realizado sem que parte
desse capital fosse retirada de outros ramos do comércio e sem a
consequente decadência desses outros ramos.
É importante observarmos que a Inglaterra era um grande país
comercial, seu capital mercantil era muito grande e suscetível a se tornar
cada vez maior, não apenas antes de o Ato de Navegação ter estabelecido
o monopólio colonial, mas antes mesmo de esse comércio se tornar
grande. Na guerra contra a Holanda, durante o governo de Cromwell, sua
marinha era superior àquela da Holanda; e na guerra que eclodiu no
início do reinado de Carlos II, era pelo menos igual, talvez superior, às
marinhas da França e da Holanda combinadas.499 Essa superioridade mal
pareceria maior no presente, ao menos se a marinha holandesa tivesse
mantido hoje a mesma proporção com o comércio holandês que possuía
naquela época. Ocorre que não há como relacionar ao Ato de Navegação
o grande poderio naval que o país possuía durante essas duas guerras.
Durante a primeira delas, o Ato de Navegação ainda estava sendo
planejado; e embora antes do início da segunda a lei já houvesse sido
promulgada pela autoridade legal, ainda assim não havia passado tempo
suficiente para que suas disposições legais houvessem produzido efeitos
consideráveis, menos ainda para que os artigos que estabeleceram o
comércio exclusivo com as colônias tivessem quaisquer consequências.
Naquele momento, tanto as colônias quanto o seu comércio eram muito
pequenos em comparação ao que são agora. A Ilha da Jamaica era um
deserto insalubre, pouco habitado e quase nada cultivado. Nova York e
Nova Jersey pertenciam aos holandeses; e metade da Ilha de São
Cristóvão500 era francesa. A Ilha de Antígua, as duas Carolinas, a
Pensilvânia, a Geórgia e a Nova Escócia ainda não haviam sido
implantadas. Virginia, Maryland e Nova Inglaterra já existiam; e, embora
fossem colônias muito prósperas, não havia uma única pessoa na
América ou na Europa naquele tempo que pudesse prever ou, ao menos,
suspeitar que progrediriam tão rapidamente em termos de riqueza,
população e aprimoramentos. A Ilha de Barbados era, em suma, a única
colônia britânica com certa importância cuja condição naquele momento
apresentava alguma semelhança com sua situação atual. O comércio
colonial — do qual a Inglaterra, mesmo por algum tempo após o Ato de
Navegação, desfrutou apenas em parte (pois a lei passou a ser cumprida
de forma mais estrita somente muitos anos depois de sua promulgação)
— não poderia naquele tempo ser a causa do grande comércio inglês
nem do grande poderio naval que era sustentado por esse comércio. O
comércio que, na época, sustentava aquele grande poderio naval era o
comércio realizado com a Europa e com os países situados em torno do
Mar Mediterrâneo. Mas a parcela que a Grã-Bretanha detém atualmente
desse comércio não é capaz de sustentar nenhum grande poderio naval.
Se o comércio em expansão das colônias tivesse sido deixado livre para
todas as nações, qualquer parcela dele que coubesse à Grã-Bretanha — e,
certamente, uma grande parcela dele teria sido mantida por ela — seria
adicionada àquele grande comércio que possuía anteriormente. Por causa
do monopólio, em vez de adicionar o crescente comércio colonial aos
seus negócios anteriores, a Inglaterra mudou completamente a direção de
seu comércio.
Em segundo lugar, este monopólio contribui para que a taxa de lucro
de todos os ramos do comércio britânico seja obrigatoriamente mantida
acima do que naturalmente seria se todas as nações pudessem
comercializar livremente com as colônias britânicas.
Assim como o monopólio do comércio colonial atraiu
necessariamente para si uma maior proporção do capital da Grã-
Bretanha do que o que ocorria de forma espontânea, da mesma forma,
pela exclusão de todos os capitais estrangeiros, ele reduziu
necessariamente o capital total empregado nesse comércio a um patamar
mais baixo do que naturalmente estaria no caso do livre-comércio. Mas a
diminuição da concorrência de capitais nesse ramo do comércio causou o
aumento obrigatório de sua taxa de lucros. Por outro lado, a diminuição
da concorrência entre os capitais britânicos em todos os outros ramos do
comércio também elevou necessariamente os lucros britânicos em todos
os outros ramos. Independentemente de qual tenha sido o montante ou
estado do capital mercantil da Grã-Bretanha em qualquer outra época, é
certo que, desde a criação do Ato de Navegação, o monopólio do
comércio colonial causou a elevação da taxa ordinária de lucro britânico
acima do patamar em que se manteria se o ato não tivesse sido criado,
tanto em relação ao comércio colonial quanto em relação a todos os
outros ramos do comércio britânico. A taxa ordinária de lucro britânico
com certeza caiu consideravelmente desde a criação do Ato de
Navegação, mas ela teria caído ainda mais se o monopólio não tivesse
sido criado por essa lei.
Mas, independentemente dos motivos que elevem a taxa ordinária de
lucros de um país a patamares mais altos do que seriam em
circunstâncias normais, eles necessariamente sujeitam esse país também
necessariamente a uma desvantagem absoluta e outra relativa em todos
os ramos comerciais em que não detenha o monopólio.501
Há uma desvantagem absoluta para a Grã-Bretanha, pois, em tais
ramos do comércio, seus comerciantes somente conseguirão obter esse
lucro maior se venderem suas mercadorias — tanto as de países
estrangeiros que importam para o seu próprio país quanto as de seu
próprio país que exportam para países estrangeiros — a preços mais altos
do que normalmente o fariam. Seu próprio país deve tanto comprar
quanto vender mais caro, deve comprar e vender menores quantidades e
deve desfrutar e produzir menos do que faria em outras circunstâncias.
Há uma desvantagem relativa para a Grã-Bretanha, pois, em tais
ramos de comércio, os outros países que não estão sujeitos à mesma
desvantagem absoluta tomam uma posição ou mais acima ou menos
abaixo dela do que naquela em que se acomodariam em outras
circunstâncias. Proporcionalmente, permite que os outros países
desfrutem e produzam mais que a Grã-Bretanha. Torna a sua
superioridade maior ou a sua inferioridade menor do que seriam. Ao
elevar o preço de seu produto acima do valor que teria em outra
circunstância, ela permite que os comerciantes de outros países vendam
mais barato que ela em mercados estrangeiros e, assim, ela se afasta de
quase todos os ramos de comércio em que não detenha o monopólio.
Os comerciantes ingleses costumam se queixar, dizendo que os altos
salários do trabalho britânico são a causa de suas manufaturas serem
mais caras nos mercados estrangeiros; mas eles nada dizem sobre os altos
lucros produzidos do seu capital. Queixam-se do ganho exagerado de
outras pessoas, mas nada dizem sobre seus próprios ganhos. Os lucros
elevados produzidos pelo capital britânico, no entanto, podem, em
muitos casos, contribuir para elevar os preços das manufaturas
britânicas, igualando-os ou, às vezes, superando os altos salários do
trabalho britânico.
Podemos, assim, dizer corretamente que o capital da Grã-Bretanha foi
parcialmente retirado e parcialmente afastado da maioria dos diferentes
ramos de comércio dos quais ela não detém o monopólio,
especificamente do comércio europeu e do comércio com os países que
circundam o Mar Mediterrâneo.
Foi parcialmente retirado desses ramos de comércio pelo apelo dos
altos lucros do comércio colonial, como consequência do aumento
constante desse comércio e da insuficiência constante, no ano seguinte,
daquele capital que o havia feito girar no ano anterior.
Foi parcialmente afastado deles pela vantagem que a alta taxa de
lucros da Grã-Bretanha oferece aos outros países em todos os diferentes
ramos do comércio nos quais ela não detém o monopólio.
Já que o monopólio do comércio colonial tem retirado dos outros
ramos uma parte do capital britânico que, de outra forma, teria sido
aplicada neles, então, por isso, tem forçado a entrada de capitais
estrangeiros que nunca teriam sido dirigidos a esses ramos se não
tivessem sido expulsos do comércio colonial. Nos outros ramos do
comércio, o monopólio causou a diminuição da concorrência dos capitais
britânicos e, assim, elevou a taxa de lucro britânico acima do patamar
que atingiria se não houvesse monopólio. Pelo contrário, causou o
aumento da concorrência de capitais estrangeiros e, assim, derrubou a
taxa de lucro estrangeiro abaixo do patamar que atingiria se não houvesse
monopólio. De uma maneira ou de outra, o monopólio deve,
evidentemente, ter sujeitado a Grã-Bretanha a uma desvantagem relativa
em todos aqueles outros ramos do comércio.
Talvez possamos dizer que, para a Grã-Bretanha, o comércio colonial
é mais vantajoso que qualquer outro; o monopólio, ao forçar a esse
comércio uma porção do capital britânico maior do que a que receberia
em outra circunstância, transformou esse capital numa aplicação mais
vantajosa do que outra que pudesse ser encontrada.
A aplicação mais vantajosa de um capital qualquer para o país a que
pertence é aquela que mantém no país a maior quantidade de trabalho
produtivo e que aumenta ao máximo o produto anual da terra e do
trabalho do país. Mas a quantidade de trabalho produtivo que qualquer
capital aplicado no comércio exterior de bens de consumo é capaz de
manter é exatamente proporcional, conforme demonstrado no Livro II, à
frequência de seus retornos. Por exemplo, um capital de mil libras
empregado no comércio exterior de bens de consumo, em uma
negociação cujos retornos ocorrem regularmente uma vez por ano, é
capaz de manter, no país a que pertence, o emprego contínuo de uma
quantidade de trabalho produtivo igual ao que mil libras podem manter
por um ano. Se os retornos ocorrem duas vezes ou três ao ano, o capital é
capaz de manter o emprego contínuo de uma quantidade de trabalho
produtivo igual ao que 2 mil ou 3 mil libras podem manter no país por
um ano. Conforme o exposto, o comércio exterior de bens de consumo
realizado com um país vizinho é, em geral, mais vantajoso do que com
um país distante; e, pela mesma razão, o comércio exterior direto de bens
de consumo, como também foi demonstrado no Livro II, é, em geral,
mais vantajoso do que o comércio indireto.
Mas o monopólio do comércio colonial, na medida em que influencia
o emprego do capital britânico, tem forçado, em todos os casos, que parte
desse capital seja retirada do comércio exterior de bens de consumo
realizado com um país vizinho e aplicada no comércio exterior com um
país mais distante e, em muitos casos, retirada do comércio exterior
direto de bens de consumo e aplicada no comércio indireto.
Em primeiro lugar, o monopólio do comércio colonial tem forçado,
em todos os casos, que parte desse capital seja retirada do comércio
exterior de bens de consumo realizado com um país vizinho e aplicada
no comércio exterior com um país mais distante.
Em todos os casos, o monopólio tem forçado a retirada de parte do
capital aplicado no comércio com a Europa e com os países situados no
entorno do Mar Mediterrâneo para que seja posteriormente aplicado em
regiões mais distantes, na América e nas Índias Ocidentais, cujos
retornos são necessariamente menos frequentes, não só por conta da
maior distância, mas por causa das circunstâncias peculiares desses
países. Conforme já observado, as novas colônias estão sempre
subcapitalizadas. Seu capital é sempre muito menor do que o capital que
poderiam aplicar com grande lucro e vantagem no aprimoramento e no
cultivo de suas terras. Elas possuem, então, uma demanda constante por
mais capital do que possuem; e, a fim de suprir a sua própria deficiência,
tomam emprestado o máximo que podem da metrópole, com a qual
estão sempre em dívida. Embora os colonos, às vezes, se endividem por
meio de empréstimos afiançados por pessoas ricas da metrópole, eles,
normalmente, se endividam ao atrasar o quanto puderem os pagamentos
devidos aos seus correspondentes que lhes fornecem mercadorias
europeias. Seus rendimentos anuais não costumam ser mais do que um
terço de sua dívida; e, às vezes, nem chegam a isso. Em consequência, a
integralidade do capital adiantado a eles raramente volta à Grã-Bretanha
em menos de três anos, e, às vezes, não retornam antes de quatro ou
cinco anos. Ocorre que um capital britânico de, por exemplo, mil libras
que volta à Grã-Bretanha somente uma vez a cada cinco anos é capaz de
manter o emprego contínuo de apenas um quinto do trabalho britânico
que poderia manter se o capital total fosse devolvido uma vez por ano; e,
em vez de manter a quantidade de trabalho que mil libras é capaz de
sustentar por um ano, só poderá manter em constante emprego a
quantidade que 200 libras é capaz de sustentar em um ano; o agricultor
americano recompensa — provavelmente, mais do que recompensa —
toda a perda que seu correspondente é capaz de sustentar pelo atraso de
seus pagamentos, seja pelo preço elevado que paga pelos bens europeus,
pelos juros sobre as notas de crédito com vencimento a longo prazo ou,
ainda, pela comissão sobre a renovação das notas com vencimento a
curto prazo. Mas, embora ele possa compensar a perda de seu
correspondente, ele não recompensa a perda da Grã-Bretanha. Em um
comércio cujos rendimentos são pagos em datas muito distantes umas
das outras, os lucros do comerciante devem ser tão grandes ou maiores
do que os lucros de uma negociação com rendimentos muito frequentes e
próximos; no entanto, as vantagens do país de residência do comerciante,
a quantidade de trabalho produtivo ali empregada de forma contínua e o
produto anual da terra e do trabalho sempre serão muito menores. Por
fim, imagino que toda pessoa com experiência nesses diferentes ramos de
comércio concorda sem relutância que os rendimentos do comércio
americano, e ainda mais os rendimentos do comércio realizado com as
Índias Ocidentais, são, em geral, mais distantes, mais irregulares e
também mais incertos do que os rendimentos do comércio realizado com
qualquer outro país europeu, ou mesmo com aqueles situados em torno
do Mar Mediterrâneo.502
Em segundo lugar, o monopólio do comércio com a colônia tem, em
muitos casos, forçado a retirada de parte do capital do comércio exterior
direto de bens de consumo para posterior aplicação no comércio
indireto.
Entre as mercadorias listadas que somente podem ser enviadas para o
mercado da Grã-Bretanha, há várias cuja quantidade excede em muito o
consumo da Grã-Bretanha e, por isso, é necessário exportar parte delas
para outros países. Mas isso não pode ser feito sem forçar que alguma
parte do capital da Grã-Bretanha passe a circular no comércio exterior
indireto de bens de consumo. Maryland e Virgínia, por exemplo, enviam
anualmente à Grã-Bretanha mais de 96 mil pipas de tabaco; dizem, no
entanto, que o consumo da Grã-Bretanha não excede 14 mil. Desse
modo, mais de 82 mil pipas devem ser exportadas para outros países:
França, Holanda e os países situados em torno do Báltico e do
Mediterrâneo. Mas o capital britânico que traz as 82 mil pipas para a
Grã-Bretanha, que as reexporta para outros países e que, daqueles países,
traz de volta para a Grã-Bretanha bens ou dinheiro é empregado no
comércio exterior indireto de bens de consumo; e é necessariamente
forçado a esse uso para conseguir se desfazer de seu enorme excedente.
Se quisermos calcular em quantos anos esse capital poderá retornar à
Grã-Bretanha, devemos adicionar ao tempo em que os rendimentos
americanos levam para voltar à Grã-Bretanha o período de retorno dos
rendimentos daqueles outros países. Se no comércio exterior direto de
bens de consumo que a Grã-Bretanha realiza com a América o capital
total empregado somente retornar após três ou quatro anos, então os
retornos do capital empregado naquele comércio indireto somente
ocorrerão após quatro ou cinco anos. Se o primeiro é capaz de manter o
emprego contínuo de apenas um terço ou um quarto do trabalho que
poderia ser mantido por um capital cujos rendimentos ocorressem
apenas uma vez ao ano, o outro consegue manter o emprego contínuo de
apenas um quarto ou um quinto desse mesmo trabalho. Em alguns
portos de saída, costuma-se oferecer crédito para aqueles
correspondentes estrangeiros a quem exportam seu tabaco. No porto de
Londres, na verdade, ele costuma ser vendido por dinheiro vivo. A regra
é: pese e pague. No porto de Londres, portanto, a distância entre os
rendimentos finais de todo comércio indireto é maior que a do comércio
americano pelo tempo apenas em que os bens permanecem parados nos
armazéns, locais em que, às vezes, podem permanecer por muito tempo.
Mas se as colônias não estivessem limitadas ao mercado da Grã-Bretanha
para a venda de seu tabaco, esta última receberia pouco mais do que é
necessário para o seu consumo interno. Nesse caso, as mercadorias para
consumo próprio, as quais a Grã-Bretanha compra atualmente com o
grande excedente de tabaco que exporta para outros países, poderiam ser
compradas com o produto imediato de seu próprio trabalho ou com
alguma parte de suas próprias manufaturas. Esse produto, essas
manufaturas, em vez de servirem quase inteiramente a apenas um grande
mercado, como ocorre hoje, serviriam provavelmente a um grande
número de mercados menores. Em vez de precisar lidar com um grande
comércio exterior indireto de bens de consumo, a Grã-Bretanha
provavelmente estaria realizando um comércio exterior formado por um
grande número de pequenas negociações diretas do mesmo tipo. Por
conta da frequência dos retornos, uma parte e, provavelmente, apenas
uma pequena parte — talvez não acima de um terço ou um quarto do
capital que gira nesse grande comércio indireto — seria suficiente para a
realização de todas as pequenas negociações diretas, manteria o emprego
contínuo de uma quantidade igual de trabalho britânico e também
sustentaria o mesmo produto anual da terra e do trabalho da Grã-
Bretanha. Dessa forma, após contemplar todos os propósitos desse
comércio por meio de um capital muito menor, ainda sobraria bastante
capital para outras aplicações: aprimorar as terras, aumentar as
manufaturas e ampliar o comércio da Grã-Bretanha; competir, no
mínimo, com outros capitais britânicos empregados de todas essas
diversas maneiras; reduzir a taxa de lucro em todas elas e, em todas elas,
oferecer à Grã-Bretanha uma superioridade sobre os outros países ainda
maior do que aquela de que atualmente desfruta.
O monopólio do comércio colonial também forçou a retirada de
alguma parte do capital da Grã-Bretanha de todo o comércio exterior de
bens de consumo para sua posterior aplicação no comércio de transporte;
e, consequentemente, forçou a retirada de seu apoio maior ou menor à
indústria britânica para ser totalmente aplicado em parte no trabalho das
colônias e em parte no de alguns outros países.
Por exemplo, os bens comprados anualmente com o grande excedente
de 82 mil pipas de tabaco, que são anualmente reexportadas da Grã-
Bretanha, não são todos consumidos na Grã-Bretanha. Parte deles — o
linho da Alemanha e da Holanda, por exemplo — retorna às colônias
para o seu consumo particular. Mas essa parte do capital da Grã-
Bretanha que compra o tabaco com o qual esse linho é comprado mais
tarde é necessariamente retirada do apoio ao trabalho britânico para ser
integralmente aplicada na manutenção do trabalho das colônias e dos
países específicos que pagam por esse tabaco com o produto de seu
próprio trabalho.503
Além de o monopólio do comércio colonial atrair para si uma porção
muito maior do capital da Grã-Bretanha do que o que naturalmente teria
sido nele empregado, parece ter destruído o equilíbrio natural que, sem
ele, existiria entre todos os diferentes ramos da indústria britânica. Em
vez de o trabalho da Grã-Bretanha estar acomodado a um grande
número de pequenos mercados, ele precisou se adequar a um grande
mercado único. Em vez de seu comércio fluir por uma grande quantidade
de pequenos canais, foi ensinado a percorrer um único grande canal.
Todo o sistema britânico de trabalho e de comércio tornou-se, assim,
menos seguro; seu corpo político, menos saudável do que poderia ser.
Em seu estado atual, a Grã-Bretanha parece um corpo enfermo; algumas
partes vitais cresceram mais do que deveriam e, por esse motivo, estão
sujeitas a muitas perturbações graves que raramente atingem os corpos
com proporções mais bem ajustadas. Uma pequena parada naquele
grande vaso sanguíneo, que foi artificialmente inchado para muito além
de suas dimensões naturais, e através do qual uma proporção antinatural
do trabalho e do comércio do país foi forçado a circular, provavelmente
causará as mais graves perturbações a todo o corpo político. Por isso, a
perspectiva de ruptura com as colônias provocou na população britânica
muito mais pavor do que teria lhe causado a armada espanhola ou uma
invasão francesa. Tal pavor, fundado em boa razão ou não, gerou a
revogação da Lei do Selo de 1765, uma medida considerada popular, pelo
menos entre os comerciantes. Mesmo que a exclusão total do mercado
colonial durasse apenas alguns anos, a maior parte de nossos
comerciantes costumava ver nela a paralisação total de seu comércio; a
maior parte de nossos fabricantes, a ruína de seus negócios; e a maior
parte de nossos trabalhadores, o fim de seu emprego. Enquanto isso,
embora fosse bastante provável que a ruptura com qualquer um de
nossos vizinhos continentais pudesse também causar certas interrupções
dos empregos de toda ordem de pessoas, não se percebia tanta comoção
em relação a ela. Quando se interrompe a circulação sanguínea de alguns
pequenos vasos, o sangue passa facilmente a circular por um vaso maior,
sem ocasionar uma perturbação grave; mas a interrupção dos vasos de
maior calibre causará convulsões, apoplexia ou morte como
consequências imediatas e inevitáveis. Quando apenas uma daquelas
manufaturas crescidas em excesso — as quais atingiram cumes
antinaturais por meio dos subsídios ou do monopólio dos mercados
colonial e doméstico — se depara com uma pausa ou pequena
interrupção em seu emprego, ela, sozinha, costuma gerar um motim e
uma desordem que alarmam o governo e constrangem até mesmo as
deliberações dos parlamentares. Assim, se perguntavam, quão grande
será a desordem e a confusão necessariamente causadas pela parada
súbita e total de uma proporção tão grande de nossos principais
fabricantes?
Algum abrandamento moderado e gradual das leis que dão à Grã-
Bretanha a exclusividade do comércio colonial, até que possa, em uma
grande medida, ser considerado livre, parece ser a única medida capaz
de, no futuro, livrar a Grã-Bretanha desse perigo que pode lhe permitir
ou até mesmo forçá-la a retirar desse emprego exageradamente crescido
alguma parte de seu capital, realocando-a, embora com menos lucro, em
outros empregos; tal medida irá gerar a diminuição gradual de um ramo
de sua indústria e o aumento gradual de todo o resto, podendo restaurar
lentamente todos os diferentes ramos até chegar àquela proporção
natural, saudável e adequada, necessariamente estabelecida pela
liberdade perfeita e que só pode ser mantida por esta. Além de provocar
inconvenientes transitórios, a abertura total e imediata do comércio
colonial para todas as nações pode gerar perdas permanentes para a
maior parte daqueles cujo trabalho ou capital está atualmente aplicado
nele. A perda repentina do emprego — mesmo dos navios que importam
as 82 mil pipas de tabaco, que excedem o consumo da Grã-Bretanha —
poderia, por si só, ser sentida de forma muito forte. Tais são os efeitos
infelizes de todos os regulamentos do sistema mercantil! Eles não só
contaminam o corpo político com graves perturbações, mas também,
muitas vezes, não há como tratá-las sem ocasionar, ao menos por certo
tempo, perturbações ainda maiores. Como, então, o comércio da colônia
deve ser gradualmente aberto? Quais restrições retirar primeiro, quais
por último? De que forma o sistema natural da liberdade e justiça
perfeitas deve ser gradualmente restaurado? Todos esses são temas cujas
determinações devemos deixar para a sabedoria de futuros estadistas e
legisladores.504
Felizmente, a ocorrência de cinco eventos diferentes, imprevistos e
não imaginados, impediram que a Grã-Bretanha fosse, como se esperava,
fortemente atingida pela exclusão total que se deu já há mais de um ano
(desde 1o de dezembro de 1774) de uma área muito importante para o
comércio colonial, o das doze províncias unidas da América do Norte.
Em primeiro lugar, essas colônias, quando se preparavam para
implementar seu acordo conjunto de não importação, retiraram da Grã-
Bretanha todas as mercadorias que estavam preparadas para o seu
mercado; em segundo lugar, neste ano, a demanda extraordinária da
frota espanhola retirou da Alemanha e do norte muitas mercadorias, o
linho em particular, que costumavam concorrer, mesmo no mercado
britânico, com as manufaturas da Grã-Bretanha; em terceiro lugar, a paz
entre a Rússia e a Turquia tem gerado uma demanda extraordinária no
mercado turco, que, durante a angústia do país, e enquanto a frota russa
cruzava o arquipélago, havia sido muito mal suprida; em quarto lugar, a
demanda do norte da Europa por manufaturas britânicas tem, já há
algum tempo, aumentado anualmente; e, em quinto lugar, a partição e a
consequente pacificação da Polônia abriram o mercado desse grande país
que, neste ano, adicionou uma demanda extraordinária à crescente
demanda do norte. Todos esses eventos, exceto o quarto, são transitórios
e acidentais por natureza; e se, com pouca sorte, a exclusão do comércio
colonial de uma região tão importante continuar por muito mais tempo,
ela ainda será capaz de gerar algum grau de aflição. No entanto, essa
aflição será gradual e percebida de forma muito menos severa do que se
tivesse ocorrido de uma só vez; e, nesse ínterim, o trabalho e o capital do
país poderão encontrar novos empregos e direção, de modo a impedir
que essa aflição atinja patamares mais altos.
O monopólio do comércio colonial, portanto, na medida em que
tenha desviado para si uma porção do capital britânico maior do que
teria sido nele empregado de outra forma, transferiu, em todos os casos,
o capital do comércio exterior de bens de consumo com um vizinho para
a realização do comércio com um país mais distante; em muitos casos, do
comércio exterior direto de bens de consumo para o comércio indireto; e,
em alguns casos, do comércio exterior de bens de consumo para o
comércio de transporte. Por isso, em todos os casos, desviou o capital de
uma direção em que teria sustentado uma maior quantidade de trabalho
produtivo para outra em que é capaz de manter uma quantidade muito
menor.505 Além disso, ao adequar uma parte tão grande do trabalho e do
comércio da Grã-Bretanha apenas a um mercado específico, o monopólio
tornou o estado geral do trabalho e do comércio mais precário e menos
seguro do que se seu produto estivesse adequado a uma maior variedade
de mercados.
Devemos distinguir cuidadosamente entre os efeitos do comércio
colonial e os efeitos do monopólio desse comércio. Os primeiros são
sempre e necessariamente benéficos; os efeitos do segundo são sempre —
e necessariamente —, prejudiciais. Mas os primeiros são tão benéficos
que o comércio colonial, embora esteja sujeito a um monopólio e, assim,
aos efeitos prejudiciais desse monopólio, é benéfico quando tomado em
sua integralidade — e muito benéfico —, embora bem menos benéfico do
que seria caso não houvesse monopólio.
O efeito do comércio colonial em seu estado natural e livre é a
abertura de um grande, embora distante, mercado aos produtos do
trabalho britânico que excedam a demanda dos mercados mais
próximos, dos mercados europeus e dos países que se situam em torno
do Mar Mediterrâneo. Em seu estado natural e livre, o comércio colonial,
sem retirar desses mercados nenhuma parte do produto que já havia sido
enviado a eles, incentiva a Grã-Bretanha a aumentar seu excedente de
forma contínua, apresentando novos equivalentes a serem trocados por
ele. Em seu estado natural e livre, o comércio colonial tende a aumentar a
quantidade de trabalho produtivo na Grã-Bretanha, mas sem alterar a
direção do que havia sido empregado lá antes. No estado natural e livre
do comércio colonial, a concorrência de todas as outras nações impediria
que a taxa de lucro ultrapassasse seu patamar normal, quer no novo
mercado, quer no novo emprego. Podemos dizer que o novo mercado,
sem retirar nada do antigo, criaria um novo produto para seu próprio
suprimento; e o novo produto formaria um novo capital para a realização
do novo emprego, que, da mesma forma, não retiraria nada da antiga.
O monopólio do comércio colonial, pelo contrário, ao impedir a
competição entre as nações e, assim, elevar a taxa de lucro no novo
mercado e nos novos empregos, retira o produto do antigo mercado e
retira o capital de sua antiga aplicação. A finalidade explícita do
monopólio é aumentar a participação da Grã-Bretanha no comércio
colonial a um nível superior ao que seria possível sem o monopólio. Não
haveria razão para se estabelecer o monopólio se a participação britânica
nesse comércio não se tornasse maior. Mas tudo que force a certo ramo
comercial — no qual os retornos são mais lentos e mais distantes do que
os da maior parte dos outros comércios — uma porção do capital do país
maior do que a que seria naturalmente aplicada em tal ramo
necessariamente reduz a quantidade total de trabalho produtivo
anualmente ali mantido, a totalidade do produto anual da terra e do
trabalho do país, a níveis mais baixos do que os que seriam atingidos sem
essa política. Mantém, também, os rendimentos dos habitantes desse país
abaixo do que naturalmente poderiam ser e, assim, diminui o seu poder
de acumulação. Não só impede que o capital mantenha a mesma
quantidade de trabalho produtivo que, em outro caso, seria capaz de
sustentar, mas também impede que o capital aumente de forma rápida e,
consequentemente, o impede de sustentar uma quantidade de trabalho
produtivo ainda maior.
Para a Grã-Bretanha, os bons efeitos naturais do comércio colonial,
no entanto, mais do que contrabalançam os maus efeitos do monopólio,
de modo que o monopólio e o seu comércio como um todo, mesmo da
forma como são realizados atualmente, não são apenas vantajosos, mas
extremamente vantajosos. O novo mercado e o novo emprego abertos
pelo comércio colonial são muito maiores do que a parcela dos antigos
mercados e empregos que são perdidos em consequência do monopólio.
O novo produto e o novo capital, gerados pelo comércio colonial,
mantêm na Grã-Bretanha uma maior quantidade de trabalho produtivo
do que a quantidade dispensada pela realocação do capital que,
anteriormente, era aplicado em outros comércios com retornos mais
frequentes. No entanto, se o comércio colonial — mesmo da forma como
é realizado atualmente — é vantajoso para a Grã-Bretanha, isso não
ocorre por causa do monopólio, mas apesar dele.506
O comércio colonial costuma criar um novo mercado mais para os
produtos manufaturados da Europa que para as suas matérias-primas. A
agricultura é o negócio adequado para todas as novas colônias; um
negócio muito mais vantajoso que qualquer outro por causa dos preços
baixíssimos das terras. Abundam, portanto, em matérias-primas e, em
vez de importá-las de outros países, costumam possuir um grande
excedente para exportação. Nas novas colônias, a agricultura ou atrai
para si a mão de obra de todos os seus outros empregos, ou impede que
seja usada em qualquer outro emprego. Há poucos trabalhadores para os
produtos essenciais e nenhum para as manufaturas de luxo. Esses dois
tipos de manufaturas, em sua maior parte, são comprados de outros
países a preços mais baixos do que o preço para produzi-los nas colônias.
Justamente, ao incentivar as manufaturas europeias, o comércio colonial
incentiva indiretamente sua agricultura. As manufaturas europeias, às
quais esse comércio dá emprego, constituem um novo mercado para o
produto da terra, e o mercado mais vantajoso de todos. Isto é, o mercado
doméstico para os cereais e para o gado (o pão e a carne) da Europa fica,
assim, extremamente ampliado por meio do comércio com a América.
Mas é importante lembrar que os exemplos da Espanha e de Portugal
são provas cabais de que o monopólio do comércio realizado com
colônias populosas e prósperas não é suficiente, por si só, nem para criar,
nem mesmo para sustentar as manufaturas de um país.
Espanha e Portugal eram países manufaturadores antes de haver
colônias consideráveis. Mas, assim que se tornaram donos das colônias
mais ricas e mais férteis de todo o mundo, os dois países deixaram as
manufaturas de lado.
Na Espanha e em Portugal, os efeitos ruins do monopólio, agravados
por outras causas, talvez quase tenham contrabalançado os bons efeitos
naturais do comércio colonial. Como causas podemos citar outros
monopólios de diferentes tipos; a degradação do valor do ouro e da prata
a um valor abaixo do que é na maioria dos outros países; a exclusão dos
mercados estrangeiros por meio de impostos inadequados sobre a
exportação e o estreitamento do mercado doméstico, por meio de
impostos ainda mais inadequados sobre o transporte de mercadorias de
uma parte do país para outra; mas, acima de tudo, a administração
irregular e parcial da justiça, que muitas vezes protege os devedores, ricos
e poderosos, da perseguição de seus credores prejudicados, fazendo com
que a parte industriosa da nação tenha medo de preparar mercadorias
para o consumo de ricos e arrogantes, a quem não ousam recusar a venda
a crédito, mas cujo reembolso é completamente incerto.507Na Inglaterra,
pelo contrário, os bons efeitos naturais do comércio colonial, com
assistência de outras causas, superaram, em grande medida, os efeitos
ruins do monopólio. Como causas podemos citar a liberdade geral de
comércio, que, apesar de algumas restrições, é pelo menos igual, talvez
superior, à de outros países; a liberdade de exportar, sem pagar impostos,
quase todos os produtos da indústria doméstica para quase todos os
países estrangeiros; e, talvez mais importante, a liberdade ilimitada de
transportá-los dentro da Grã-Bretanha, sem a necessidade de informar os
órgãos públicos e sem estar sujeito a qualquer tipo de questionamento ou
verificação; mas, acima de tudo, a administração igual e imparcial da
justiça, pela qual os direitos dos mais insignificantes súditos britânicos
devem ser respeitados pelos mais importantes; e, dessa forma, garante a
toda pessoa o fruto de seu próprio trabalho, tornando-se o maior e mais
eficaz incentivo a todo tipo de trabalho.
Por tudo isso, quando dizemos que as manufaturas da Grã-Bretanha
progrediram, e certamente progrediram, pelo comércio colonial, tal
movimento não se deu por conta do monopólio, mas apesar dele. O
efeito do monopólio não tem sido o de aumentar a quantidade, mas o de
modificar a qualidade e a forma de uma parte das manufaturas da Grã-
Bretanha, bem como o de adequar a um mercado, cujos rendimentos são
bem mais lentos e distantes, o que seria acomodado a um em que os
retornos são frequentes e mais próximos da Europa. Seu efeito tem sido,
consequentemente, o de retirar parte do capital britânico de uma
aplicação em que teria sido capaz de manter uma maior quantidade de
trabalho manufatureiro para uma em que a quantidade mantida é muito
menor e, assim, diminuir, em vez de aumentar, todo o trabalho
manufatureiro da Grã-Bretanha.
O monopólio do comércio colonial, portanto, assim como todos os
outros expedientes baixos e malignos do sistema mercantil, deprime a
indústria de todos os outros países, mas principalmente a das colônias,
sem ao menos aumentar — na verdade, diminui — a quantidade de
trabalho do país em cujo favor foi criado.
O monopólio impede que o capital desse país — independentemente
do tamanho desse capital a qualquer momento — mantenha uma
quantidade de trabalho produtivo que, não fosse esse o caso, seria
possível manter; o monopólio impede que o capital ofereça o rendimento
que seria capaz de proporcionar aos habitantes industriosos. Mas, já que
o capital só pode ser aumentado pela poupança advinda dos
rendimentos, o monopólio, ao impedir que o capital proporcione um
rendimento tão grande como se obteria na ausência dele,
necessariamente o impede de aumentar com maior velocidade e,
consequentemente, de sustentar uma quantidade ainda maior de trabalho
produtivo e proporcionar um rendimento ainda maior para os habitantes
produtivos desse país. E, assim, os salários do trabalho, que são uma das
fontes originais de rendimentos, se tornam menos abundantes do que
seriam caso o monopólio não houvesse sido criado.
Ao elevar a taxa dos lucros mercantis, o monopólio desencoraja a
melhoria das terras. Os lucros do aprimoramento dependem da diferença
entre o que uma terra realmente produz e o que, pela aplicação de um
determinado capital, pode passar a produzir. Se essa diferença oferece um
lucro maior do que, com o mesmo capital, é possível obter em qualquer
outra aplicação mercantil, então o capital de todas as aplicações
mercantis será levado para o aprimoramento das terras. Se o lucro for
menor, o capital do aprimoramento das terras será drenado pelas
aplicações mercantis. Desse modo, tudo o que eleva a taxa dos lucros
mercantis diminui a superioridade ou aumenta a inferioridade dos lucros
da melhoria; no primeiro caso, impede que o capital chegue à melhoria e,
no segundo, o utiliza para outros fins. Mas, ao desestimular a melhoria, o
monopólio obrigatoriamente retarda o aumento natural de outra fonte
original de rendimentos, a renda da terra. Ao elevar demasiadamente a
taxa de lucros, o monopólio mantém a taxa de juros do mercado em
níveis mais altos do que seria de outro modo. Mas o preço da terra em
proporção à renda que ela oferece, ou a renda do número de anos que
normalmente se paga pela compra dela, cai obrigatoriamente com o
aumento da taxa de juros e sobe com a queda da taxa de juros. Por esse
motivo, o monopólio prejudica o interesse dos proprietários da terra de
duas maneiras diferentes retardando o aumento natural, em primeiro
lugar, de sua renda, e, em segundo lugar, retardando o aumento do preço
que receberia por sua terra em proporção à renda que ela lhe oferece.508
É certo que o monopólio aumenta a taxa dos lucros mercantis e, assim,
aumenta um pouco os ganhos dos comerciantes britânicos. Mas, uma vez
que obstrui o aumento natural do capital, tende mais a diminuir do que a
aumentar o total de rendimentos que os habitantes do país obtêm dos
lucros do capital; pois, em geral, os pequenos lucros obtidos sobre um
grande capital proporcionam mais rendimentos do que os grandes lucros
sobre um capital pequeno. O monopólio eleva a taxa de lucros, mas
impede que a soma dos lucros seja tão alta quanto seria sem o
monopólio.
Sob uma política monopolista, todas as fontes originais de
rendimentos, isto é, os salários do trabalho, a renda da terra e os lucros
do capital, são menos abundantes do que poderiam ser. A promoção do
pequeno interesse de um pequeno grupo de pessoas de um país prejudica
o interesse de todos os outros grupos de pessoas daquele país e de todas
as pessoas dos outros países.
O monopólio somente se mostra (ou se mostraria) vantajoso para
qualquer ordem particular de pessoas quando eleva a taxa ordinária de
lucros. Mas, além de todos os efeitos ruins para o país em geral, que já
foram mencionados como sendo necessariamente resultantes da alta taxa
de lucros, há um efeito que talvez seja mais fatal do que todos os outros
juntos, mas que, julgando pela experiência, está inseparavelmente ligado
a ele. Parece que, em todos os lugares, a alta taxa de lucros destrói a
frugalidade que, em outras circunstâncias, é parte natural do caráter do
comerciante. Quando os lucros estão altos, aquela virtude sóbria — a
frugalidade — parece supérflua, e o luxo parece convir melhor à sua
afluência. Mas os donos dos grandes capitais mercantis são
necessariamente os líderes e condutores de toda a atividade laboral de
uma nação; e seu exemplo tem influência muito maior sobre a conduta
de toda a parte industriosa da população que a de qualquer outra classe
de pessoas. Quando o empregador é atento e frugal, é sempre possível
que o trabalhador também o seja; mas quando o patrão é dissoluto e
desordenado, o subordinado — que realiza seu trabalho de acordo com o
modelo prescrito por seu chefe — também viverá de acordo com o
modelo definido por aquele. Assim, todos aqueles que estão
naturalmente mais dispostos a acumular deixam de fazê-lo; e os fundos
destinados ao sustento e à manutenção do trabalho produtivo não são
aumentados por meio dos rendimentos daqueles que naturalmente
causariam seu maior aumento. O capital do país, em vez de aumentar,
diminuiu gradualmente; e, diariamente, a quantidade de trabalho
produtivo mantido passa a crescer cada vez menos. Os lucros
exorbitantes dos comerciantes de Cádiz e de Lisboa causaram algum
aumento ao capital da Espanha e de Portugal? Foram capazes de
diminuir a pobreza ou chegaram a promover o trabalho desses dois
países mendicantes? Nessas duas cidades, o tom das despesas mercantis
tem sido tão imodesto que, longe de aumentar o capital geral do país,
esses lucros extraordinários mal parecem ter sido suficientes para manter
os capitais que os criaram. Os capitais estrangeiros estão intervindo, se
me permitem assim falar, cada vez mais no comércio de Cádiz e Lisboa.
Com o objetivo de expulsar o capital estrangeiro de um comércio para o
qual o seu próprio capital é cada vez mais insuficiente, espanhóis e
portugueses vêm se esforçando diuturnamente para apertar cada vez
mais as desagradáveis amarras de seu monopólio absurdo. Contraponha
o comportamento mercantil de Cádiz e de Lisboa com os de Amsterdã e
será possível notar como a conduta e o caráter dos comerciantes são
diversamente afetados pelos altos e pelos baixos lucros do capital. Os
comerciantes de Londres, na verdade, ainda não se tornaram senhores
tão pomposos como os de Cádiz e Lisboa; mas, em geral, também não
são cidadãos tão atenciosos e frugais como os de Amsterdã. No entanto,
supõe-se que muitos deles são bem mais ricos do que a maiorias dos
primeiros, mas não tão ricos como os de Amsterdã. Mas a sua taxa de
lucro costuma ser bem menor que a dos primeiros, e bem maior que a
dos segundos. Vai fácil o que vem fácil, diz o provérbio; e o tom das
despesas não parece estar de acordo com uma capacidade real de realizar
despesas, mas com a suposta facilidade de se obter dinheiro para gastar.
Por isso, a única vantagem que o monopólio oferece a uma única
classe de pessoas é, de muitas maneiras diferentes, prejudicial ao interesse
geral do país.
Fundar um grande império com o único propósito de formar uma
população de clientes pode, à primeira vista, parecer um projeto próprio
apenas para uma nação de lojistas. No entanto, é um projeto
completamente impróprio para uma nação de lojistas; mas extremamente
próprio para uma nação cujo governo é influenciado por lojistas. Tais
estadistas, e somente eles, conseguem imaginar que terão alguma
vantagem no emprego do sangue e do tesouro de seus concidadãos para
fundar e manter tal espécie de império. Diga a um lojista: “compre-me
uma boa propriedade e, para sempre, somente comprarei minhas roupas
em sua loja, mesmo que eu precise pagar um pouco mais caro do que eu
pagaria em outras lojas”; faça isso e perceberá que o comerciante não se
mostrará muito ansioso para abraçar a sua proposta. Mas caso um
terceiro compre essa propriedade para você, o lojista ficará muito grato a
este terceiro benfeitor se ele lhe solicitar a compra de todas as suas roupas
na loja dele. Para alguns dos súditos inquietos da metrópole, a Inglaterra
comprou uma grande propriedade em um país distante. Era, de fato,
muito barata, e em vez de ser uma compra ao custo das rendas de trinta
anos, o preço normal das terras nos tempos atuais, o preço chegava a um
valor um pouco acima das despesas dos diferentes equipamentos
necessários para a descoberta do país, a exploração de sua costa e sua
tomada de posse fictícia. A terra era boa e de grande extensão e, já que
seus colonos detinham terras abundantes e boas para trabalhar e, por
algum tempo, a liberdade para vender seus produtos onde quer que
desejassem, tornaram-se em pouco mais de trinta ou quarenta anos
(entre 1620 e 1660) um povo tão numeroso e próspero que os lojistas e
outros comerciantes da Inglaterra desejaram garantir a si mesmos o
monopólio dessa clientela. Portanto, sem nem mesmo poderem afirmar
que haviam contribuído para o estabelecimento da colônia ou para as
subsequentes despesas de aprimoramento das terras, eles pediram ao
Parlamento que os colonos da América ficassem, no futuro, restritos à
sua loja sempre que, em primeiro lugar, quisessem comprar bens
europeus e, em segundo lugar, desejassem vender quaisquer produtos
cuja compra fosse considerada conveniente pelos comerciantes
britânicos. Isso porque os comerciantes não achavam conveniente
comprar todo o produto da colônia. Se parte desse produto fosse
importada para a Inglaterra, poderia interferir em alguns bens já
comercializados na metrópole. Os comerciantes, portanto, permitiam
que os colonos vendessem essa parte do produto colonial a quaisquer
compradores; quanto mais longe da metrópole, melhor; e, por esse
motivo, propuseram que o mercado da colônia deveria restringir-se aos
países ao sul do Cabo Finisterra. Um artigo do famoso Ato de Navegação
transformou essa proposta verdadeiramente lojista em uma lei.
Até o presente momento, a manutenção desse monopólio tem sido o
principal, ou mais propriamente, talvez, o único fim e propósito do
domínio assumido pela Grã-Bretanha sobre suas colônias. Supõe-se que
a grande vantagem das colônias — as quais, até o momento, não
oferecem rendimento nem força militar para a manutenção do governo
civil ou para a defesa da metrópole — está no comércio exclusivo. O
monopólio é a principal marca de sua dependência, sendo também o
único fruto que até então foi possível colher dessa dependência. Toda
despesa incorrida pela Grã-Bretanha para a manutenção dessa
dependência foi realmente gasta para sustentar o monopólio. As despesas
ordinárias de manutenção das colônias em tempos de paz eram
equivalentes, antes do começo dos atuais distúrbios, ao que se pagava
para a manutenção de vinte regimentos de infantaria, para as despesas da
artilharia, materiais e provisões extraordinárias com as quais era
necessário supri-las e para as despesas de uma grande força naval
constantemente mantida para proteger a imensa costa da América do
Norte e das ilhas da Índia Ocidental contra as incursões de navios de
contrabandistas de outras nações. As despesas coloniais totais, em
tempos de paz, constituíam um encargo sobre as receitas da Grã-
Bretanha, mas, ao mesmo tempo, foram a menor parte de tudo o que o
domínio colonial custou à metrópole. Se quiséssemos conhecer o
montante total, deveríamos acrescentar às despesas anuais das colônias
em tempos de paz os juros dos valores empregados em diferentes
ocasiões para a defesa destas, pois a metrópole considerava suas colônias
como parte de seus domínios. É preciso, em particular, acrescentar as
despesas totais da última guerra [1775] e uma grande parte das despesas
incorridas na penúltima. A última guerra pode ser considerada
inteiramente uma querela por desavenças coloniais, e suas despesas, em
qualquer parte do mundo onde tenham sido incorridas, seja na
Alemanha ou nas Índias Orientais, deveriam justamente entrar na conta
das colônias. As despesas atingiram mais de 90 milhões de libras
esterlinas, incluindo não só a nova dívida contratada, mas também o
imposto territorial adicional de 2 xelins por libra509 e as somas que eram
anualmente tomadas dos fundos de amortização de empréstimos (sinking
fund). A guerra espanhola, iniciada em 1739, foi essencialmente uma
querela por desavenças coloniais. Seu objetivo era impedir a inspeção dos
navios das colônias que realizavam o comércio de contrabando com os
espanhóis da costa caribenha da América do Sul. O total dessas despesas
é, na realidade, um subsídio oferecido para a manutenção do monopólio.
Supunha-se que as despesas incentivariam as manufaturas e o comércio
da Grã-Bretanha. Mas o seu verdadeiro efeito foi o de aumentar a taxa
dos lucros mercantis e permitir que os comerciantes ingleses passassem a
investir uma porção maior de seu capital em um ramo do comércio com
retornos mais lentos e distantes do que os da maioria dos outros
comércios; se esses dois eventos pudessem ter sido evitados pela
aplicação de um subsídio, então essa aplicação teria valido a pena.
Sob o atual sistema de gestão, portanto, a Grã-Bretanha não obterá
outra coisa senão perdas com o domínio de suas colônias.
Propor que a Grã-Bretanha abandone voluntariamente toda a
autoridade sobre suas colônias, deixar que elas elejam seus próprios
magistrados, promulguem suas próprias leis e declarem guerra e
celebrem a paz conforme lhes seja adequado, seria propor uma medida
que nunca foi adotada por uma nação e nunca o será. Não há nação no
mundo que, voluntariamente, tenha desistido do domínio de uma
província qualquer, por mais difícil que fosse o seu governo e mesmo que
a receita gerada por elas fosse minimamente proporcional às suas
despesas. Embora esses sacrifícios frequentemente agradem aos
interesses, eles seriam mortificantes ao orgulho das nações e, o que talvez
seja pior, são sempre contrários ao interesse particular dos detentores de
cargos da facção governante, que, nesse caso, ficariam privados de muitos
pontos de confiança e lucro e, também, perderiam muitas oportunidades
para a aquisição de riqueza e fama, que a posse da província mais
turbulenta e — para grande parte da população — menos lucrativa
raramente deixa de proporcionar. Nem mesmo o entusiasta mais
visionário seria capaz de propor tal medida com sérias esperanças de que
fosse adotada em algum momento. Se, no entanto, fosse adotada, a Grã-
Bretanha não só se libertaria, da noite para o dia, de todas as despesas
anuais de administração de suas colônias em tempos de paz, mas
também poderia celebrar com elas um tratado comercial, assegurando-
lhe um comércio efetivamente livre, o qual traria vantagens para a
população, mas, para os comerciantes, seria menos vantajoso que o atual
monopólio desfrutado pela Grã-Bretanha. Ao se separarem como boas
amigas, o afeto natural entre colônias e metrópole — que foi quase
totalmente destruído por nossas últimas desavenças — renasceria
rapidamente. Essa ação as disporia, por muitos séculos, a respeitar o
tratado comercial celebrado com a Grã-Bretanha durante o período de
separação e, além disso, a favorecer a antiga metrópole tanto na guerra
quanto no comércio e, em vez de serem súditos turbulentos e dissidentes,
os colonos se tornariam aliados fiéis, afetuosos e generosos; e poderia
renascer entre a Grã-Bretanha e as colônias o mesmo tipo de afeto
parental, por um lado, e respeito filial, por outro, que costumavam existir
entre as colônias da Grécia Antiga e as cidade da qual descendiam.510
Para que uma província qualquer seja vantajosa ao império a que
pertence, ela deve, em tempos de paz, oferecer não apenas uma receita
que seja suficiente para custear todas as despesas de sua própria
administração, mas também seu apoio proporcional ao governo geral do
império. Cada uma das colônias contribui necessariamente, um pouco
mais ou um pouco menos, para o aumento das despesas desse governo
geral. Portanto, quando uma província qualquer não contribui com a sua
parcela para o custeio dessas despesas, lança-se um encargo desigual a
alguma outra parte do império. Pela mesma razão, as receitas
extraordinárias das colônias em tempos de guerra devem guardar a
mesma proporção com as receitas extraordinárias totais do império,
assim como acontece com as receitas ordinárias em tempos de paz. Ora,
sabe-se bem que as receitas ordinárias e extraordinárias que a Grã-
Bretanha recebe de suas colônias não guardam essa proporção com as
receitas totais do Império Britânico. Supõe-se que o monopólio, de fato,
ao aumentar os rendimentos privados da população da Grã-Bretanha e,
assim, permitir-lhes pagar mais impostos, compensa a deficiência das
receitas públicas das colônias. Mas esse monopólio, conforme tentei
demonstrar, embora constitua um tributo muito pesado sobre as
colônias, e embora possa aumentar as receitas de uma classe específica de
pessoas na Grã-Bretanha, diminui, em vez de aumentar, as da população
em geral; e, consequentemente, diminui, em vez de aumentar, a
capacidade contributiva da população em geral. Conforme tentarei
demonstrar no próximo livro, as pessoas que têm seus rendimentos
aumentados pelo monopólio também constituem uma classe específica
que não pode ser tributada além da proporção que se cobra das outras;
além do mais, seria extremamente impolítico tentar tributá-la além dessa
proporção. Desse modo, não há como obter mais recursos dessa classe
específica.
As colônias podem ser tributadas por suas próprias assembleias ou
pelo Parlamento britânico.
Mas não parece muito provável que consigam administrar as
assembleias das colônias de modo a tributar seus próprios constituintes
para obter uma renda pública que seja suficiente tanto para a
manutenção civil e militar da colônia a qualquer tempo quanto para
pagar a parcela proporcional devida ao governo geral do Império
Britânico. O próprio Parlamento da Inglaterra levou muito tempo,
mesmo sob a supervisão direta do soberano, para aceitar tal sistema de
gestão ou para tornar-se suficientemente generoso em suas concessões e
oferecer apoio à administração civil e militar até mesmo de seu próprio
país. Esse sistema de gestão somente poderia ser estabelecido, mesmo no
que diz respeito ao Parlamento da Inglaterra, pela distribuição entre os
membros do Parlamento de uma grande parte dos próprios cargos ou da
concessão desses cargos resultantes dessa administração civil e militar.
Mas a distância entre as assembleias das colônias e o olho do soberano, o
número de assembleias, sua localização dispersa e suas várias
constituições tornariam seu gerenciamento muito difícil, mesmo que o
soberano tivesse os mesmos meios para fazê-lo; mas esses meios não
existem. Seria absolutamente impossível distribuir uma participação do
mesmo tipo a todos os principais membros de todas as assembleias
coloniais, seja dos cargos ou da concessão de cargos decorrentes do
governo geral do Império Britânico, para que se dispusessem a desistir de
sua popularidade em seus locais e passassem a tributar os seus
constituintes, os quais pagariam um imposto cujas receitas serviriam
para apoiar o governo geral e cujos emolumentos seriam distribuídos
entre pessoas totalmente estranhas a eles. Outros fatos parecem tornar
esse sistema de gestão completamente impraticável em relação às várias
assembleias coloniais: o inevitável desconhecimento da administração
sobre a importância relativa dos diferentes membros daquelas várias
assembleias, as ofensas que seriam frequentemente infligidas, os erros
que seriam constantemente cometidos na tentativa de administrá-las por
meio desse sistema.
Não há como supor que as assembleias das colônias, além disso,
sejam juízes adequados para conhecer o que é necessário para defender e
oferecer apoio a todo o império. Cuidar da defesa e do sustento não faz
parte de suas competências. Não é sua competência e elas não possuem
meios regulares de informação sobre esses assuntos. A assembleia de uma
província, assim como o comitê de uma paróquia (ou freguesia), tem
competência para bem julgar os assuntos de seu próprio distrito, mas não
tem meios apropriados para lidar com assuntos de todo o império. Não é
capaz de julgar corretamente nem mesmo sobre a parcela que sua própria
província tem em relação ao império inteiro; ou sobre o grau relativo da
sua riqueza e importância em comparação com as outras províncias; isso
porque as outras províncias não são inspecionadas nem supervisionadas
pela assembleia de uma determinada província. Somente essa assembleia
que inspeciona e supervisiona os negócios de todo o império é capaz de
julgar o que é necessário para a defesa e o apoio de todo o império e
decidir a proporção da contribuição de cada parcela.
Foi proposto, nessa medida, que as colônias fossem tributadas por
requerimento, cabendo ao Parlamento da Grã-Bretanha determinar o
montante que cada colônia deveria pagar, e cabendo à Assembleia
Provincial a avaliação e a cobrança da maneira mais adequada às
circunstâncias da província. O que diz respeito a todo o império seria,
dessa forma, determinado pela assembleia que inspeciona e supervisiona
os negócios de todo o império; e os negócios provinciais de cada colônia
continuariam a ser geridos por suas próprias assembleias. E, nesse caso,
mesmo que as colônias não tivessem nenhum representante no
Parlamento britânico, ainda assim, julgando pela experiência, não há
nenhuma probabilidade de que a requisição parlamentar fosse algo
desarrazoado. Em nenhuma ocasião o Parlamento da Inglaterra mostrou
a mínima disposição para sobrecarregar as áreas do império que não são
representadas no Parlamento. Os tributos das ilhas de Guernsey e Jersey,
sem nenhum meio de resistir à autoridade do Parlamento, são menos
pesados do que aqueles incidentes em qualquer outra parte da Grã-
Bretanha. O Parlamento, na tentativa de exercer o seu suposto direito,
fundado em boa razão ou não, de tributar as colônias, nunca exigiu delas
nada que sequer se aproximasse de uma proporção justa com o que era
pago pelos outros súditos da Grã-Bretanha. Além disso, se a contribuição
das colônias precisasse aumentar ou diminuir em proporção ao aumento
ou diminuição do tributo territorial, o Parlamento não poderia tributá-
las sem tributar ao mesmo tempo seus próprios constituintes e, assim, as
colônias poderiam, nesse caso, ser consideradas como virtualmente
representadas no Parlamento.
Há muitos exemplos de impérios cujas províncias não são tributadas
em massa, se me permitem usar a expressão, mas em que o soberano
determina a soma que cada província deve pagar, sendo que, em algumas
delas, ele avalia e cobra de acordo com a forma que considera mais
adequada; enquanto, em outras, ele deixa que a avaliação e a cobrança
sejam realizadas pelos respectivos estados de cada província. Em algumas
províncias da França, por exemplo, o rei não só impõe os tributos que ele
considera adequados, mas também os avalia e cobra da mesma maneira.
De outras, ele exige uma soma determinada, mas deixa que os estados de
cada província avaliem e cobrem essa soma da forma mais adequada a
eles. De acordo com o regime de tributação por requisição, o Parlamento
da Grã-Bretanha ficaria, em relação às suas colônias, quase na mesma
situação que se encontra o rei da França em relação aos estados daquelas
províncias que ainda têm o privilégio de possuir estados próprios: as
províncias da França que, supostamente, são as colônias mais bem
governadas do mundo.
De acordo com este regime, as colônias não precisavam temer que a
sua parcela de encargos públicos excedesse o valor adequado em
proporção à parcela de seus concidadãos na metrópole; mas a Grã-
Bretanha, sim, tinha razões justas para temer que a parcela colonial
nunca chegaria a uma proporção adequada. Já há algum tempo o
Parlamento britânico não possui mais a mesma autoridade sobre suas
colônias que o rei francês detém sobre aquelas províncias da França que
ainda possuem o privilégio de ter estados próprios. Sempre que as
assembleias coloniais não estivessem muito propensas a concordar (e a
menos que sejam administradas de forma mais hábil, elas jamais estarão
propensas a concordar), elas encontravam muitos pretextos para se
evadir ou rejeitar até mesmo as requisições mais justas do Parlamento.
Suponhamos que haja uma guerra com a França e que, para defender a
sede do império, seja necessário arrecadar 10 milhões de libras
imediatamente. Esse montante deverá ser tomado a crédito de algum
fundo parlamentar, hipotecado para pagamento dos juros. O Parlamento
propõe que parte desses fundos seja levantada por meio de um imposto a
ser cobrado na Grã-Bretanha, e parte por meio de requisição para todas
as assembleias coloniais da América e das Índias Ocidentais. Será que as
pessoas iriam prontamente entregar seu dinheiro, confiando no crédito
de um fundo que, em parte, depende do bom humor de todas as
assembleias coloniais que se encontram muito distantes da guerra e que
podem não estar preocupadas com tal evento? Esse fundo,
provavelmente, não teria mais dinheiro do que os valores arrecadados na
Grã-Bretanha. Todo o ônus da dívida contratada por causa da guerra
recairia — como sempre recaiu até o presente momento — sobre a Grã-
Bretanha, ou seja, sobre uma parte do império e não sobre todo o
império. Desde o começo do mundo, a Grã-Bretanha talvez seja o único
Estado que, ao ampliar seu império, só aumentou sua despesa sem nunca
aumentar seus recursos. Em geral, os outros Estados repassam a maior
parte do ônus financeiro da defesa do império às suas províncias e
colônias. Até o momento, a Grã-Bretanha apenas conseguiu fazer com
que suas províncias e colônias repassem todas as suas despesas à
metrópole. Para que a Grã-Bretanha fique em pé de igualdade com suas
próprias colônias — as quais, segundo a lei, deveriam ser suas súditas e
subordinadas — parece necessário, sobre o regime de tributação por
requerimento parlamentar, que o Parlamento possua meios para que suas
requisições se tornem imediatamente efetivas, para que as assembleias
coloniais não tentem se evadir delas ou rejeitá-las; ocorre que esses meios
ainda não foram explicados e, por isso, não é muito fácil conceber o que
seriam.
Mas se o Parlamento da Grã-Bretanha passasse ao mesmo tempo a ter
o direito pleno de tributar suas colônias sem o consentimento das
assembleias coloniais, estas perderiam, nesse exato momento, sua
importância, e, com ela, a de todas as principais figuras da América
britânica. As pessoas desejam partilhar a administração dos assuntos
públicos, principalmente pelo prestígio que isso lhes oferece. A
estabilidade e a duração de todo sistema de governo livre dependem do
poder que a maior parte de seus líderes — a aristocracia natural de cada
país — tem para preservar ou defender sua própria importância. O jogo
da dissensão e da ambição domésticas consiste inteiramente nos ataques
à importância dos outros e na defesa de sua própria reputação. Os líderes
da América, assim como os de todos os outros países, desejam preservar
sua própria importância. Eles acreditam ou imaginam que, se suas
assembleias — que gostam de chamar de Parlamento e dizem possuir a
mesma autoridade do Parlamento da Grã-Bretanha — fossem
degradadas até se tornarem apenas humildes executoras das ordens do
Parlamento inglês, isso também destruiria a maior parte da própria
importância dessas pessoas. Assim, eles rejeitaram a proposta da
tributação por requisição parlamentar e, como outras pessoas ambiciosas
e entusiasmadas, escolheram, em vez disso, desembainhar a espada em
defesa de sua própria importância.
Próximo do declínio da República Romana, os aliados de Roma que
haviam suportado o ônus de sua defesa e da ampliação de seu império
passaram a exigir os mesmos privilégios dos cidadãos romanos. A recusa
trouxe a guerra social. Durante a guerra, Roma começou a conferir os
direitos de cidadão à maioria deles, um a um e na medida em que
abandonavam aquela aliança geral. O Parlamento da Grã-Bretanha
insiste em tributar as colônias; e elas se recusam a ser tributadas por um
Parlamento em que não estão representadas. Se, a cada colônia que
abandonasse a aliança geral, a Grã-Bretanha permitisse um número de
representantes em seu Parlamento proporcional à sua contribuição à
receita pública do império; e como consequência, por estar submetida
aos mesmos impostos, admitisse a ela a mesma liberdade comercial de
que desfrutam os súditos da metrópole; se, além disso, o número de seus
representantes pudesse, mais tarde, aumentar proporcionalmente ao de
sua contribuição; então os líderes das colônias teriam um novo método
de aquisição de importância e prestígio, um novo e mais deslumbrante
objeto de ambição se apresentaria a eles. Dessa forma, em vez de se
atravancarem pelos pequenos prêmios encontrados nisso que podemos
chamar de a rifa insignificante da dissensão colonial, eles poderiam ter a
esperança de — a partir da presunção natural de que todos temos sorte e
habilidade — ganhar os mais altos prêmios que, às vezes, são sorteados
pela grande loteria estatal da política britânica. A menos que a Grã-
Bretanha utilize este ou algum outro método — e parece não haver nada
mais óbvio do que isso para preservar a importância e gratificar a
ambição dos líderes da América —, é pouco provável que eles se
submetam voluntariamente à metrópole; e devemos considerar que, se a
metrópole resolver forçá-los a pagar, todo o sangue derramado, cada gota
dele, será de compatriotas britânicos ou de pessoas que os britânicos
gostariam de ter como compatriotas. São muito fracos aqueles que
acreditam que, na situação atual, as colônias podem ser conquistadas
apenas pela força. As pessoas que hoje administram as resoluções daquilo
que chamam de Congresso Continental sentem, neste momento, um grau
de importância pessoal tão grande que nem mesmo os maiores súditos
da Europa foram capazes de sentir. São lojistas, comerciantes e advogados
que se tornaram estadistas e legisladores; e seu trabalho é inventar uma
nova forma de governo para um enorme império que, segundo eles, se
tornará — e que, de fato, parece muito provável que se torne — um dos
maiores e mais formidáveis impérios do mundo. Quinhentas pessoas,
talvez, que agem de diferentes maneiras sob ordem do Congresso
Continental, e 500 mil, talvez, que agem sob ordens daquelas quinhentas,
sentem, da mesma forma, um aumento proporcional de sua própria
importância. Atualmente, quase todos os indivíduos do partido
governista da América ocupam, em sua própria fantasia, um cargo
superior, não somente em relação ao que já ocupou anteriormente, mas
em relação ao que nunca imaginou um dia ocupar; e, se essas pessoas
possuem aquele mesmo espírito comum a todas as pessoas, elas morrerão
em defesa daquele cargo, a menos que algum novo objeto de ambição
seja apresentado a elas ou aos seus líderes.
O presidente Hénaut511 notou que os relatos de muitas pequenas
negociações da Liga, que hoje lemos com prazer, parecem não ter sido
considerados notícias muito importantes na época em que aconteceram.
Mas, segundo ele, todas as pessoas se imaginavam importantes naquele
momento; assim, os inúmeros relatos da época que chegaram até nós
foram, em sua maioria, escritos por pessoas que se sentiam envaidecidas
por terem participado de certos eventos, registrando-os e tornando-os
maiores. É bem conhecida a forma obstinada com que a cidade de Paris
naquela ocasião se defendeu, e a fome terrível que suportou, em vez de
submeter-se ao melhor e, depois, mais amado de todos os reis franceses.
A maior parte de seus cidadãos, ou aqueles que governaram a maior
parte deles, lutou para defender sua própria importância, que, para ela,
chegaria a um fim assim que o antigo governo fosse restabelecido. Assim,
a menos que as colônias britânicas sejam induzidas a integrar-se em uma
união parlamentar, elas provavelmente se defenderão contra a melhor de
todas as metrópoles de forma tão obstinada quanto a cidade de Paris o
fez contra um dos melhores reis que já teve.
Na Antiguidade, a ideia de representação ainda era desconhecida.
Quando as pessoas de um Estado recebiam o direito de cidadania de
outro, elas não tinham nenhum outro meio de exercitar esse direito senão
integrando um organismo para votar e deliberar com as pessoas do outro
Estado. A concessão da cidadania romana para grande parte dos
habitantes da Itália levou a República Romana à ruína. Chegou um ponto
em que já não era mais possível distinguir entre quem era e quem não era
cidadão romano. As tribos não conheciam mais seus próprios membros.
Uma turba qualquer poderia ser introduzida nas assembleias do povo,
expulsar os verdadeiros cidadãos e decidir sobre os assuntos da república
como se fosse composta por verdadeiros cidadãos. Mas, ainda que a
América enviasse cinquenta de sessenta novos representantes ao
Parlamento, o porteiro da Câmara dos Comuns não teria muita
dificuldade para distinguir entre quem era e quem não era membro
daquele Parlamento. Embora a Constituição romana tenha ficado
necessariamente arruinada pela união de Roma com os Estados aliados
da Itália, não há a menor probabilidade de que a Constituição britânica
seja prejudicada pela união da Grã-Bretanha com suas colônias. A
Constituição britânica, pelo contrário, seria completada pela união e
parece imperfeita sem ela. A assembleia que delibera e decide sobre os
assuntos de todo o império certamente deveria ter representantes de
todas as partes deste, para que fosse devidamente informada sobre tudo.
Mas não há como dizer que tal união poderia ser facilmente
implementada ou que não existiriam dificuldades e grandes dificuldades
em sua implementação. Mas ainda não me chegou aos ouvidos nenhuma
dificuldade que pareça intransponível. É possível que a principal delas
não decorra da natureza das coisas, mas dos preconceitos e das opiniões
de pessoas que vivem dos dois lados do Atlântico.512
Do lado europeu há o temor de que a multidão de representantes
americanos destrua o equilíbrio da Constituição e cause o aumento da
influência da coroa, por um lado, ou a força da democracia, por outro.
Mas se o número de representantes americanos fosse proporcional ao
produto da tributação americana, o número de pessoas a serem
administradas aumentaria exatamente na proporção dos meios para
administrá-las; e os meios para administrá-las aumentariam em
proporção ao número de pessoas a serem administradas. Após a união, as
partes monárquicas e democráticas da Constituição teriam exatamente o
mesmo grau de força relativa de antes.
Do lado do Atlântico, as pessoas temem que a distância entre elas e a
sede do governo possa expô-las a muita opressão. Mas as colônias teriam
um número considerável de representantes no Parlamento, os quais
poderiam facilmente protegê-las de qualquer opressão. A distância
poderia não enfraquecer muito a dependência do representante sobre o
constituinte; o representante ficaria com o sentimento de que seu lugar
no Parlamento, e todas as consequências disso, devia-se à boa vontade do
seu constituinte. O primeiro, portanto, teria interesse em cultivar essa
boa vontade e apontar — investido de toda a autoridade de um membro
do Parlamento — todo ultraje cometido por um funcionário civil ou
militar naquelas partes remotas do império. Além disso, a distância entre
a América e a sede do governo não duraria muito tempo; em relação a
isso, os nativos americanos parecem ter alguma razão para se gabar. Os
Estados Unidos, até o momento, vêm progredindo tanto em riquezas,
população e aprimoramentos que, no curso de pouco mais de um século,
o produto americano talvez consiga exceder o valor da tributação
britânica. A sede do império, então, naturalmente se mudaria para o local
que mais tivesse contribuído para a defesa e a manutenção do todo.
A descoberta da América e a de uma passagem para as Índias
Orientais pelo Cabo da Boa Esperança são os dois maiores e mais
importantes eventos registrados na história da humanidade. Apesar de
suas consequências já terem sido muito grandes, no curto período entre
dois e três séculos que se passaram desde que essas descobertas foram
feitas, é impossível que todos os seus efeitos já tenham ocorrido. Não há
como prever todos os benefícios ou infortúnios que aqueles grandes
acontecimentos ainda reservam para a humanidade. Ao unir, em certa
medida, as partes mais distantes do mundo, ao permitir-lhes satisfazer as
necessidades uns dos outros, aumentar os bens de fruição uns dos outros
e incentivar o trabalho uns dos outros, a sua tendência geral parece ser
benéfica. No entanto, para os nativos das Índias Orientais e Ocidentais,
todos os benefícios comerciais em que esses acontecimentos poderiam
resultar ficaram arruinados e perdidos nos terríveis infortúnios causados
por estes. Esses infortúnios, entretanto, parecem ter surgido mais por um
acidente do que por algo que fizesse parte da natureza daqueles eventos.
No momento específico em que essas descobertas foram feitas, a
superioridade da força europeia era muito grande, permitindo que este
povo cometesse impunemente todo tipo de injustiça nesses países
remotos. Daqui em diante, talvez os nativos desses países possam se
tornar mais fortes, ou os da Europa possam ficar mais fracos, e, assim, os
habitantes de todos os diferentes cantos do mundo possam chegar a uma
igualdade de coragem e força que, inspirando o medo mútuo, seja capaz
de, por si só, intimidar a injustiça das nações independentes,
equilibrando-as por meio de algum tipo de respeito mútuo pelos direitos
umas das outras. Mas nada parece mais apto a estabelecer essa igualdade
de forças do que a comunicação mútua do conhecimento e de todos os
tipos de melhoria que apenas o comércio de todos os países com todos os
outros países naturalmente, ou, ainda, necessariamente, carrega consigo.
Nesse meio-tempo, um dos efeitos principais daquelas descobertas foi
a elevação do sistema mercantil a um grau de esplendor e de glória que
nunca teria sido atingido de outra maneira. O objetivo desse sistema é
enriquecer uma grande nação mais pelo comércio e pela manufatura do
que pelo aprimoramento e cultivo da terra, mais pelo trabalho urbano
que pelo rural. Mas, como consequência daquelas descobertas, em vez de
as cidades comerciais da Europa serem produtoras de manufaturas e
transportadoras para apenas uma parte muito pequena do mundo (a
Europa atlântica e os países situados em torno dos mares Báltico e
Mediterrâneo), elas produzem atualmente manufaturas para os inúmeros
e prósperos agricultores da América; além disso, realizam o transporte e,
em alguns aspectos, também produzem manufaturas para quase todas as
diferentes nações da Ásia, da África e da América. Dois novos mundos se
abriram para a sua indústria, cada um deles muito melhor e mais amplo
do que o antigo mundo; sendo que o mercado de um deles se torna cada
dia maior.
Os países que possuem colônias na América e que realizam comércio
direto com as Índias Orientais desfrutam, de fato, da totalidade e do
esplendor desse grande comércio. Os outros países, apesar de todas as
restrições que visam excluí-los desse mercado, também costumam
desfrutar de uma grande parcela dos benefícios reais desse comércio. As
colônias da Espanha e de Portugal, por exemplo, oferecem mais incentivo
à indústria de outros países do que à indústria da Espanha e de Portugal.
Se tomarmos apenas produtos de linho como exemplo, dizem — mas não
tenho como garantir a verdade desse valor — que essas colônias
consomem mais de 3 milhões de libras esterlinas por ano. Mas este
enorme consumo é suprido quase integralmente pela França, Flandres,
Holanda e Alemanha. Espanha e Portugal suprem apenas uma pequena
parte dessa demanda. O capital que abastece as colônias com essa grande
quantidade de linho é distribuído anualmente — e lhes fornece um
rendimento — entre os habitantes desses outros países. Somente os
lucros desse capital são gastos na Espanha e em Portugal, onde ajudam a
sustentar o esbanjamento suntuoso dos comerciantes de Cádiz e de
Lisboa.
Até mesmo os regulamentos por meio dos quais as nações tentam
manter o comércio exclusivo de suas próprias colônias costumam ser
mais prejudiciais aos países que os estabelecem do que àqueles que
pretendem excluir. As opressões injustas contra o trabalho dos outros
países caem de volta, se me permitem a expressão, nas cabeças dos
opressores, e esmagam muito mais a sua indústria do que a dos outros
países. Por esses regulamentos, por exemplo, quando o comerciante de
Hamburgo deseja vender seu linho na América, ele deve primeiro enviar
o linho para o mercado de Londres e, deste mercado, trazer o tabaco, que
venderá no mercado alemão, pois não pode nem enviar o primeiro
produto nem trazer o segundo diretamente da América. Essa limitação o
obriga a vender o linho um pouco mais barato e a comprar o tabaco a um
preço um pouco mais alto do que ele teria no comércio direto; e, por fim,
seus lucros são provavelmente um pouco mais rebaixados por isso. Neste
comércio, no entanto, entre Hamburgo e Londres, ele certamente recebe
os rendimentos de seu capital com maior velocidade do que se tivesse
realizado uma negociação direta com a América, mesmo supondo que os
pagamentos americanos fossem tão pontuais quanto os de Londres, algo
que não ocorre. Desse modo, no negócio em que essas leis restringem o
comerciante de Hamburgo, seu capital pode manter o emprego contínuo
de uma quantidade muito maior de trabalho alemão do que teria sido
possível manter no negócio do qual foi excluído. Assim, embora o
primeiro emprego talvez possa ser menos rentável ao comerciante, não é
menos vantajoso para o seu país. Caso diverso é o emprego em que o
monopólio atrai, digamos, naturalmente o capital do comerciante de
Londres. Esse emprego pode, para o comerciante, ser mais lucrativo que a
maioria dos outros, mas, por causa de seus rendimentos lentos, não há
como ser mais vantajoso para o seu país.
Portanto, depois de todas as tentativas injustas de todos os países da
Europa para tomar para si mesmos todas as vantagens do comércio de
suas próprias colônias, nenhum país conseguiu tomar para si mesmo
outra coisa senão os gastos para manter e defender, em tempos de paz e
de guerra, a autoridade opressiva que possui sobre suas colônias. Cada
país absorveu completamente para si todos os inconvenientes resultantes
da posse de suas colônias. Os benefícios resultantes de seu comércio, no
entanto, foram obrigados a partilhar com muitos outros países.
À primeira vista, sem dúvida, o monopólio do grande comércio
americano parece ser naturalmente uma aquisição extremamente valiosa.
Aos olhos sem discernimento de uma ambição leviana, o monopólio
naturalmente se apresenta, em meio a uma mistura confusa de política e
de guerra, como um objetivo bélico bastante deslumbrante pelo qual se
deve lutar. Entretanto, o esplendor deslumbrante de seu objetivo e o
tamanho gigantesco desse comércio são qualidades que tornam o seu
monopólio prejudicial, ou que faz o seu emprego — por sua própria
natureza, necessariamente menos vantajoso para o país do que a maioria
dos outros empregos — absorver uma parcela do capital do país muito
maior do que teria ido para ele em outras circunstâncias.
Conforme mostrei no segundo livro, o capital mercantil de cada país
busca naturalmente, por assim dizer, o emprego mais vantajoso para
aquele país. Se for aplicado no comércio de transporte, o país a que
pertence transforma-se no armazém dos bens de todos os países cujo
comércio é realizado com tal capital. Mas o dono desse capital
necessariamente desejará vender a maior quantidade possível desses bens
no próprio país. E, desse modo, o comerciante poupa a si mesmo do
problema, do risco, e das despesas de exportação; e, por esse motivo, fica
feliz em vendê-los no mercado doméstico, não somente por um preço
muito menor, mas também com um lucro menor do que obteria se os
tivesse enviado ao exterior. Como consequência, se empenha,
naturalmente, da melhor maneira possível para transformar seu
comércio de transporte em um comércio exterior de bens de consumo.
Se, por outro lado, seu capital for aplicado no comércio exterior de bens
de consumo, o comerciante, pela mesma razão, ficará feliz em vender, no
mercado doméstico, a maior parte dos bens domésticos que ele guarda
para ser exportada; e ele, assim, irá se empenhar para transformar seu
comércio exterior de bens de consumo em um comércio doméstico.
Dessa maneira, o capital mercantil de cada país corteja naturalmente o
emprego mais próximo e se afasta do distante; corteja naturalmente o
emprego com retornos mais frequentes e evita os retornos distantes uns
dos outros e lentos; corteja naturalmente o emprego capaz de manter a
maior quantidade de trabalho produtivo no país a que pertence, ou no
país de residência de seu proprietário, e evita a aplicação capaz de manter
a menor quantidade de trabalho produtivo nesse mesmo país. O capital
corteja naturalmente o emprego que, em casos normais, é mais vantajoso,
e evita aquele que, em casos normais, é menos vantajoso para o país.
Mas se o lucro de um desses empregos mais distantes, que, em casos
normais, são menos vantajosos para o país, ultrapassar o valor
considerado suficiente para equilibrar a preferência natural do capital
pelos empregos mais próximos, este maior lucro atrairá o capital desses
empregos mais próximos, até que os lucros de todos voltem ao seu nível
adequado. Esse lucro maior, entretanto, prova que, nas circunstâncias
reais da sociedade, aqueles empregos distantes ficam um pouco
descapitalizados em relação a outros empregos; prova ainda que o capital
da sociedade não está distribuído da forma mais adequada entre todos os
seus muitos empregos. Isso atesta que as coisas ou são compradas mais
baratas ou vendidas mais caras do que deveriam ser, e que algumas
classes particulares de cidadãos são oprimidas em maior ou menor grau,
seja porque pagam mais ou porque recebem menos do que é adequado à
igualdade que deve existir e que, naturalmente, existe entre todas as
diferentes classes de pessoas. Embora um mesmo capital não seja capaz
de manter a mesma quantidade de trabalho produtivo em um emprego
distante ou próximo, o emprego distante pode ser tão necessário para o
bem-estar da sociedade quanto uma aplicação próxima, pois as
mercadorias que o emprego distante negocia podem ser necessárias para
que muitos empregos mais próximos sejam consumados. Mas se os
lucros daqueles que negociam tais mercadorias estiverem acima de seu
nível apropriado, aqueles bens serão vendidos por um preço mais alto do
que deveriam ou um pouco acima de seu preço natural; e todos aqueles
com empregos mais próximos ficarão mais ou menos oprimidos por esse
preço elevado. Nesse caso, portanto, o interesse dessas pessoas exige que
alguns capitais sejam retirados dos empregos mais próximos e levados
para os mais distantes para que os lucros voltem aos níveis adequados e
para que os bens comercializados voltem ao seu preço natural. No caso
extraordinário, o interesse público exige que alguns capitais sejam
retirados dos empregos que, nos casos comuns, são mais vantajosos e
aplicados naqueles que, nos casos comuns, são menos vantajosos para o
público; os interesses e as inclinações naturais dos homens coincidem tão
exatamente com o interesse público quanto em todos os outros casos
comuns, levando-os a retirar capital dos empregos próximos e empregá-
lo nos distantes.
É assim que os interesses e as paixões privadas dos indivíduos os
dispõem naturalmente a levar seu capital para aplicações que, nos casos
ordinários, são mais vantajosas para a sociedade. Mas, caso essa
preferência natural os faça levar muito capital para aqueles empregos, a
queda dos lucros nestes últimos e o seu aumento em todos os outros os
disporão imediatamente a alterar essa má distribuição. Assim, sem
qualquer intervenção da lei, os interesses privados e as paixões dos
homens os levam naturalmente a dividir e distribuir o capital de toda a
sociedade entre todos os diversos empregos nela existentes; divisão e
distribuição que se aproximam, na medida do possível, da proporção
mais adequada aos interesses de toda a sociedade.513
Os diversos regulamentos do sistema mercantil claramente
perturbam, em maior ou menor grau, essa distribuição natural e mais
vantajosa do capital. Mas os que dizem respeito ao comércio com a
América e as Índias Orientais a perturbam mais do que quaisquer outros
regulamentos, pois o comércio realizado com esses dois grandes
continentes absorve uma quantidade de capital maior do que quaisquer
outros ramos comerciais. Entretanto, os regulamentos que perturbam a
distribuição em relação aos outros ramos do comércio não são
totalmente iguais. O monopólio é o grande causador dos dois tipos de
perturbação, mas é um tipo diferente de monopólio. O monopólio, seja
de um tipo ou de outro, no entanto, parece ser o único motor do sistema
mercantil.
No comércio com a América, as nações se empenham para ocupar a
integralidade do mercado de suas próprias colônias, excluindo todas as
outras nações de todo o comércio direto com elas. Durante a maior parte
do século XVI, os portugueses se esforçaram para administrar seu
comércio com as Índias Orientais da mesma forma, reivindicando direito
exclusivo de velejar nos mares indianos, pois haviam descoberto o
caminho até aqueles países. Os holandeses ainda excluem todas as outras
nações europeias do comércio direto com suas ilhas de especiarias. Os
monopólios desse tipo são evidentemente criados contra todas as outras
nações europeias, que, assim, não só são excluídas de um comércio em
que poderiam aplicar vantajosamente parte de seu capital, mas também
são obrigadas a comprar os bens daquele comércio a preços mais
elevados do que seriam praticados se pudessem importar diretamente
dos países produtores.
Mas desde a queda do poder de Portugal, nenhuma nação europeia
reivindicou direito exclusivo de velejar nos mares indianos, cujos
principais portos estão atualmente abertos aos navios de todas as nações
europeias. Exceto Portugal, no entanto e, há poucos anos, a França, todos
os outros países europeus submeteram o comércio com as Índias
Orientais a uma companhia monopolista. Monopólios desse tipo acabam
se voltando contra a própria nação que os cria. Portanto, a maior parte
dessa nação fica não só excluída de um comércio em que poderia, caso
fosse conveniente, aplicar parte de seu capital, mas também é obrigada a
comprar os bens desse comércio a preços mais elevados do que se este
estivesse aberto e livre a todos os seus cidadãos. Desde a criação da
companhia inglesa das Índias Orientais, por exemplo, além de todos os
outros habitantes da Inglaterra terem sido excluídos daquele comércio,
foram obrigados a pagar, no preço dos bens das Índias Orientais que
consumiam, não apenas os lucros extraordinários recebidos pela
companhia como consequência do seu monopólio, mas também todas as
perdas extraordinárias causadas por fraude e abuso, institutos
inseparáveis da gestão de negócios de uma empresa tão grande.514 O
absurdo deste segundo tipo de monopólio, portanto, é muito mais
evidente que o do primeiro.
Esses dois tipos de monopólios perturbam, em maior ou menor grau,
a distribuição natural do capital da sociedade, mas nem sempre a
perturbam da mesma maneira.
Os monopólios do primeiro tipo sempre atraem ao comércio
específico para o qual foram criados uma parcela maior do capital da
sociedade do que a parcela que escoaria espontaneamente àquele
comércio.
Os monopólios do segundo tipo podem, às vezes, atrair capital para o
comércio específico para o qual foram criados, mas, às vezes, podem
afastá-lo desse comércio de acordo com as diferentes circunstâncias dos
países. Em países pobres, eles naturalmente atraem para o comércio
específico mais capital do que nele seria aplicado se não existissem
monopólios. Em países ricos, eles naturalmente repelem uma quantidade
de capital maior do que de outra forma seria aplicada.
Os países pobres, como a Suécia e a Dinamarca, por exemplo, nunca
teriam enviado um único navio para as Índias Orientais se o comércio
não houvesse sido entregue a uma companhia monopolista. A criação de
tais companhias necessariamente incentiva os aventureiros. O monopólio
lhes oferece garantias contra todos os concorrentes no mercado
doméstico e também a chance de lutar por mercados estrangeiros em pé
de igualdade com os comerciantes de outras nações. Seu monopólio lhes
mostra grandes lucros sobre uma quantidade considerável de bens, e a
possibilidade de lucros consideráveis sobre uma grande quantidade. Sem
esse incentivo extraordinário, os comerciantes pobres de países pobres
provavelmente nunca teriam pensado em arriscar seus pequenos capitais
em uma aventura tão distante e incerta como, naturalmente, deve ter-lhes
parecido o comércio com as Índias Orientais.
Por outro lado, um país rico, como a Holanda, provavelmente, caso
houvesse comércio livre, enviaria muito mais navios para as Índias
Orientais do que o faz atualmente. O capital limitado da companhia
holandesa das Índias Orientais provavelmente repele daquele comércio
muitos grandes capitais mercantis que seriam aplicados nele. O capital
mercantil da Holanda é tão grande que, por assim dizer, está sempre
transbordando, às vezes para os fundos públicos de países estrangeiros, às
vezes para empréstimos a comerciantes privados e aventureiros de países
estrangeiros, às vezes para o comércio exterior indireto de bens de
consumo e, às vezes, para o comércio de transporte. Após todos os
empregos próximos já terem sido realizados, após todo o capital que
podia ser alocado com qualquer lucro razoável já ter sido alocado, o
capital da Holanda necessariamente escoa para as aplicações mais
distantes. O comércio com as Índias Orientais, se fosse completamente
livre, absorveria provavelmente a maior parte desse capital
superabundante. As Índias Orientais oferecem um mercado muito maior
e mais amplo que a Amércia e a Europa juntas, tanto para as manufaturas
da Europa quanto para o ouro, a prata e outros produto da América.
Toda perturbação da distribuição natural do capital é,
necessariamente, prejudicial para a sociedade em que ela acontece, seja
repelindo o capital de um negócio específico que, de outra forma, o
receberia, seja atraindo para um negócio específico que, de outra forma,
não o receberia. Se, sem nenhuma companhia monopolista, o comércio
da Holanda com as Índias Orientais fosse maior do que realmente é, o
país sofreria uma perda considerável, pois uma parcela de seu capital
seria excluída da aplicação mais conveniente para aquela parcela. E, da
mesma forma, caso não existisse uma companhia monopolista, o
comércio da Suécia e da Dinamarca com as Índias Orientais seria menor
do que realmente é ou — o que é mais provável — não existiria, e esses
dois países também sofreriam uma perda considerável, pois uma parcela
de seu capital teria sido utilizada em um emprego mais ou menos
inadequado para as suas atuais circunstâncias. Talvez fosse melhor, em
suas circunstâncias atuais, que esses países comprassem os bens da Índia
Oriental de outras nações, mesmo que fossem obrigados a pagar um
pouco mais caro em vez de aplicar uma parcela tão grande de seu
pequeno capital em um comércio tão distante, em que os retornos são
lentos; um comércio cujo capital é capaz de manter uma quantidade tão
pequena de trabalho produtivo em casa, onde falta tanto trabalho
produtivo; onde se faz tão pouco e onde há tanto a fazer.
Embora um país não seja capaz de realizar comércio com as Índias
Orientais sem uma companhia monopolista, isso não implica que essa
empresa deva ser criada nesse país, mas que o país não poderá realizar
negócios diretos com as Índias Orientais. A experiência portuguesa —
que, sem precisar criar uma companhia, desfrutou integralmente do
comércio com as Índias Orientais por mais de um século — demonstra
de forma clara que essas empresas não são, em geral, necessárias para a
realização do comércio com as Índias Orientais.
Dizem que nenhum comerciante privado teria capital suficiente para
manter representantes e agentes nos diferentes portos das Índias
Orientais para carregar os navios que ele, ocasionalmente, pudesse enviar
para lá; além disso, dizem que, exceto se fosse capaz, a dificuldade de
encontrar uma carga faria seus navios perderem a temporada de retorno
e as despesas que incorreria por um atraso tão grande não só devorariam
todos os lucros da empreitada, mas causariam perdas bastante
consideráveis. No entanto, caso esse argumento provasse alguma coisa,
seria a impossibilidade de levar adiante quaisquer grandes ramos
comerciais sem a criação de uma companhia monopolista, contrariando
a experiência de todas as nações. Não existe nenhum grande ramo
comercial em que o capital de um comerciante privado qualquer seja
suficiente para movimentar todas as atividades subordinadas que são
necessárias para a realização da atividade principal. Mas, quando uma
nação está madura para levar adiante um grande ramo comercial, alguns
comerciantes naturalmente levam seus capitais para o ramo principal, e
outros, para os subordinados; e embora todos os diferentes ramos desse
comércio sejam movimentados, muito raramente acontece de serem
todos movimentados pelo capital de um único comerciante privado.
Desse modo, quando uma nação já está madura para o comércio com as
Índias Orientais, uma determinada parcela de seu capital se dividirá
naturalmente entre todos os vários ramos desse comércio. Alguns
comerciantes terão interesse em residir nas Índias Orientais e aplicar seus
capitais lá, para abastecer de bens os navios que serão enviados pelos
comerciantes que residem na Europa. Se os assentamentos que as várias
nações europeias obtiveram nas Índias Orientais fossem tirados das
companhias monopolistas a que pertencem atualmente e postos sob a
proteção imediata do soberano, então essa residência seria mais segura e
fácil, pelo menos para os comerciantes das nações às quais pertencem
aqueles assentamentos. Se em algum momento específico a parcela do
capital de um país qualquer que tendia e se inclinava espontaneamente,
por assim dizer, ao comércio com as Índias Orientais não fosse suficiente
para movimentar todos os ramos daquele comércio, isso provaria,
naquele momento específico, a imaturidade do país para o comércio das
Índias Orientais; para esse país, seria melhor importar de outras nações
europeias, por algum tempo e mesmo a preços mais elevados, os bens das
Índias Orientais de que necessitasse do que importá-los diretamente das
Índias Orientais. A perda que os preços mais elevados daqueles bens
causaria não chegaria nem perto das perdas que o país teria que sustentar
pelo desvio de uma grande porção de seu capital de outros empregos
mais necessários ou mais úteis, ou mais apropriados às suas
circunstâncias e situação, que um comércio direto com as Índias
Orientais.
Embora os europeus possuam muitos assentamentos consideráveis
em alguns países na costa da África e nas Índias Orientais, eles ainda não
estabeleceram nesses países colônias tão populosas e prósperas como
aquelas criadas nas ilhas e no continente da América. No entanto, a
África e os vários países compreendidos sob o nome genérico de Índias
Orientais são habitados por nações bárbaras. Mas essas nações não eram
tão fracas e indefesas como os pobres e indefesos americanos, e, em
proporção à fertilidade natural dos países que estes habitavam, eram,
além disso, muito mais populosas. Os povos mais bárbaros da África ou
das Índias Orientais eram pastores; até mesmo os hotentotes515 eram
pastores. Mas os nativos de todas as partes da América, exceto México e
Peru, eram apenas caçadores; e há uma diferença muito grande entre o
número de pastores e de caçadores que a mesma extensão de um
território igualmente fértil pode manter.516 Por isso, na África e nas
Índias Orientais, era mais difícil deslocar os nativos e estender os
latifúndios europeus sobre a maior parte das terras dos habitantes
originais. Além disso, conforme já observado, a inclinação das
companhias monopolistas é desfavorável ao crescimento de novas
colônias e, provavelmente, tem sido a principal causa do pouco progresso
que fizeram nas Índias Orientais. Os portugueses realizaram tanto o
comércio com a África quanto com as Índias Orientais sem a ajuda de
uma companhia monopolista; seus assentamentos no Congo, Angola e
Benguela — na costa da África — e em Goa — nas Índias Orientais —,
embora muito deprimidos por conta da superstição e de todo tipo de
maus governos, ainda carregam alguma pequena semelhança com as
colônias da América, sendo parcialmente habitados por portugueses há
várias gerações. Os assentamentos holandeses no Cabo da Boa Esperança
e na Batávia517 são, atualmente, as maiores colônias estabelecidas pelos
europeus tanto na África quanto nas Índias Orientais, e ambos os
assentamentos possuem uma localização peculiarmente afortunada. O
Cabo da Boa Esperança era habitado por um grupo de pessoas quase tão
bárbaras e incapazes de se defender como os nativos da América. Está,
digamos, a meio caminho entre a Europa e as Índias Orientais, porto de
parada de quase todos os navios europeus tanto na ida quanto na volta. O
suprimento daqueles navios com todo o tipo de provisões frescas, frutas
e, às vezes, vinhos, oferece, por si só, um grande mercado para o produto
excedente dos colonos. Enquanto o Cabo da Boa Esperança está entre a
Europa e todos os países das Índias Orientais, a Batávia situa-se em meio
aos principais países das Índias Orientais. Ela se encontra na via mais
movimentada entre o Hindustão, a China e o Japão, situando-se
aproximadamente no meio dessa rota. Quase todos os navios que
navegam entre a Europa e a China aportam na Batávia; e, além de tudo
isso, ela é o centro e o principal mercado da área de comércio das Índias
Orientais, seja do comércio europeu ou daquele realizado pelos nativos;
assim, as embarcações navegadas pelos habitantes da China e do Japão,
de Tonquim, de Malaca, da Cochinchina e da Ilha de Celebes são
frequentemente vistas no porto da Batávia. A localização vantajosa dessas
duas colônias permitiu que superassem todos os obstáculos que as
inclinações opressivas de uma companhia monopolista poderiam ter
ocasionalmente contraposto ao seu crescimento. Essa localização
permitiu que a Batávia transpusesse outra desvantagem: ter um dos
climas mais insalubres do mundo.
As companhias inglesas e holandesas, apesar de não terem
estabelecido grandes colônias, exceto as duas anteriormente
mencionadas, realizaram grandes conquistas nas Índias Orientais. Mas,
pelo modo como ambas governam seus novos súditos, as inclinações
naturais de uma companhia monopolista têm se apresentado de forma
bastante distinta. Dizem que, nas ilhas produtoras de especiarias, estas
são queimadas pelos holandeses quando, durante uma estação fértil,
excedem a quantidade que esperam vender na Europa com lucros
considerados suficientes por eles. Nas ilhas em que não possuem
assentamentos, as companhias oferecem prêmios para quem colete as
flores recém-desabrochadas e as folhas verdes da árvore do cravo-da-
índia e da moscadeira que ali crescem naturalmente, mas que, dizem,
estão quase extintas por essa política selvagem. Dizem que, mesmo nas
ilhas em que elas possuem assentamentos, o número dessas árvores
também vem diminuindo. Sempre que o produto de suas próprias ilhas
fosse muito maior do que a quantidade que se adequava ao seu mercado,
elas suspeitavam que os nativos encontrariam meios para levar parte dele
para outras nações; assim, a melhor maneira, imaginavam, para garantir
o próprio monopólio seria tomar cuidado para que nada mais crescesse
além da quantidade que elas, as companhias, conseguiam transportar ao
seu mercado. Por diferentes meios de opressão, reduziram a população de
várias ilhas pertencentes ao arquipélago das Molucas quase a um número
suficiente de habitantes necessários para abastecer suas próprias
guarnições insignificantes com provisões frescas e outros bens de
primeira necessidade, bem como para carregar seus navios que
ocasionalmente chegavam ali em busca de especiarias. Sob o governo
português, essas ilhas, dizem, haviam sido razoavelmente bem habitadas.
A companhia inglesa ainda não teve tempo de estabelecer em Bengala
um sistema tão perfeitamente destrutivo. Mas o plano daquele governo
tem exatamente a mesma tendência. Asseguram-me que não é incomum
que o chefe, ou seja, o administrador de uma feitoria, ordene que um
camponês are um rico campo de papoulas e, em seguida, mande-o
semeá-lo com arroz ou outro grão qualquer. Como desculpa, diziam que
isso serviria para evitar uma escassez de alimentos; mas a verdadeira
razão era oferecer ao chefe a oportunidade de vender uma grande
quantidade de ópio, que ele tinha em mãos, a um preço melhor. Em
outras ocasiões, dava-se a ordem inversa: um rico campo de arroz ou
outro grão deveria ser arado para dar espaço a uma plantação de
papoulas; isso acontecia sempre que o chefe previa lucros extraordinários
com o ópio. Os funcionários da companhia tentaram em várias ocasiões
criar um monopólio favorável a eles mesmos dos ramos mais
importantes não só do comércio externo, mas também do comércio
interno do país. Se tivessem sido autorizados a continuar, é impossível
que, em algum momento, não tentassem restringir a produção dos
artigos cujo monopólio haviam usurpado, limitando-a não só à
quantidade que eles mesmos poderiam comprar, mas também à
quantidade que esperavam vender com lucros considerados, por eles
mesmos, suficientemente bons. Após um ou dois séculos, é provável que
a política da companhia inglesa se mostraria, dessa forma, tão
completamente destrutiva quanto a dos holandeses.
Nada, entretanto, pode ser mais diretamente contrário ao interesse
real daquelas companhias, consideradas como soberanas dos países que
haviam conquistado, do que esse plano destrutivo. Em quase todos os
países, o rendimento da coroa é extraído do povo. Assim, quanto maior
for o rendimento do povo, maior será o produto anual da terra e do
trabalho e mais eles poderão entregar ao soberano. Ao soberano, então,
interessa aumentar ao máximo esse produto anual. Ora, se esse é o
interesse de todo e qualquer soberano, também será daquele cujo
rendimento origina-se principalmente da renda da terra, como ocorre
com o soberano (isto é, a companhia monopolista) de Bengala. Essa
renda deve necessariamente ser proporcional à quantidade e ao valor do
produto, sendo que tanto um quanto o outro dependem da extensão do
mercado. A quantidade será sempre adequada, em maior ou menor grau
de exatidão, ao consumo daqueles que podem pagar pelo produto e o
preço que pagarão será sempre proporcional ao entusiasmo de sua
concorrência. Em vista disso, interessa a esse soberano que o mercado
para o produto de seu país seja o mais amplo possível e que haja a mais
perfeita liberdade de comércio para aumentar tanto quanto possível a
quantidade de compradores e a concorrência entre eles; e, assim, que
sejam abolidos não só todos os monopólios, mas todas as restrições sobre
o transporte do produto doméstico de uma parte do país para outra parte
do mesmo país, todas as restrições à exportação do produto para países
estrangeiros ou à importação de bens de qualquer tipo, pelos quais o
produto possa ser trocado. Desse modo, é mais provável que o soberano
aumente a quantidade e o valor do produto e, consequentemente, a
parcela que detém dele, isto é, a sua própria receita.
Mas uma companhia de comerciantes é, ao que parece, incapaz de se
considerar como soberana, mesmo depois de ter se transformado em tal
figura. O comércio, ou seja, a compra para revenda, ainda é considerado
como seu negócio principal e, por um estranho absurdo, os comerciantes
acreditam que o soberano é apenas um apêndice do mercador, uma
função subserviente a eles por meio da qual são autorizados a comprar
mais barato na Índia e vender com melhores lucros na Europa. Para esse
fim, os comerciantes da companhia buscam afastar, tanto quanto
possível, todos os concorrentes dos países que governam e,
consequentemente, reduzir ao menos uma parte do produto excedente
desses países a uma quantidade mínima, suficiente apenas para o
abastecimento da demanda da própria companhia, ou a uma quantidade
que esperam conseguir vender no mercado europeu com lucros que
imaginam ser razoáveis. Seus hábitos mercantis os levam — quase
necessariamente, embora talvez insensivelmente — a preferir em todas as
ocasiões comuns os lucros pequenos e transitórios do monopolista ao
rendimento vultoso e permanente do soberano, levando-os gradualmente
a tratar os países sujeitos ao seu governo quase da mesma forma que a
Holanda trata as Molucas. À companhia das Índias Orientais,
considerada como soberana, interessa que os bens europeus
transportados a seus domínios indianos sejam vendidos ali pelos preços
mais baixos possíveis; e que os bens indianos levados à Europa tenham
bons preços, isto é, sejam vendidos pelos preços mais altos possíveis. Mas
o interesse da companhia como comerciante é o inverso disso. Como
soberana, o seu interesse é exatamente o mesmo do país que governa.
Como comerciante, seu interesse é diametralmente oposto ao interesse
do país governado.518
Mas se as inclinações de tal governo, mesmo em relação ao seu corpo
de diretores na Europa, são essencialmente e, talvez, incuravelmente
falhas, as inclinações de sua administração na Índia são ainda piores.
Essa administração é necessariamente composta por um conselho de
comerciantes, uma profissão, sem dúvida, extremamente respeitável, mas
que em nenhum país do mundo possui esse tipo de autoridade que
naturalmente apavora o povo e que, sem usar a força, consegue a
obediência espontânea da população. A obediência dada a esse tipo de
conselho somente existe porque há uma força militar que o acompanha;
consequentemente, seu governo é necessariamente militar e despótico. A
sua atividade apropriada, dessa forma, é a de comerciante. A sua
atividade consiste em vender, por conta de seus chefes, as mercadorias
europeias consignadas à companhia e, em troca, comprar mercadorias
indianas para o mercado europeu. A sua atividade consiste em vender
caro a primeira e comprar barato a segunda e, consequentemente, afastar
o máximo possível todos os rivais do mercado específico em que
possuem negócios. As inclinações da administração, portanto, no que diz
respeito ao comércio da companhia, são as mesmas que as de seus
diretores. Tendem a subordinar o governo aos interesses do monopólio e,
assim, tolher o crescimento natural de pelo menos algumas partes do
produto excedente do país a patamares que mal conseguem responder à
demanda da companhia.
Além disso, todos os membros da administração realizam negócios,
em maior ou menor grau, por conta própria, sendo em vão proibi-los de
fazer isso. Nada pode ser mais tolo do que acreditar que os funcionários
de um grande escritório a 10 mil milhas de distância e,
consequentemente, quase completamente fora de vista, iriam, ao receber
uma simples ordem de seus chefes, imediatamente desistir de realizar
quaisquer negócios por conta própria, abandonar para sempre todas as
esperanças de fazer fortuna, cujos meios estão em suas mãos, e, por fim,
se contentar com os salários moderados que seus superiores lhes pagam e
que, mesmo já sendo muito moderados, não podem ser aumentados,
pois costumam ser tão altos quanto permitem os lucros reais da
companhia. Em tais circunstâncias, proibir que os funcionários da
companhia realizem negócios por conta própria terá um único efeito, a
saber, permitir que os funcionários superiores, com a desculpa de
estarem executando as ordens de seus chefes, oprimam os funcionários
inferiores que tiverem o infortúnio de se tornar objeto de seu
descontentamento. Os funcionários naturalmente buscam estabelecer em
seu comércio privado o mesmo monopólio de que a companhia desfruta
em seu comércio público. E se for dado a eles permissão para agirem da
forma que quiserem, eles criarão esse monopólio aberta e diretamente,
proibindo que todas as outras pessoas façam negócios com os artigos que
eles escolheram comercializar; essa talvez seja a melhor e menos
opressiva maneira de estabelecer um monopólio. Mas se, por uma ordem
da Europa, eles forem proibidos de fazer isso, eles irão, não obstante, se
esforçar para estabelecer um monopólio do mesmo tipo, secreta e
indiretamente, de uma forma muito mais destrutiva para o país. Eles irão
empregar toda a autoridade do governo e perverter a administração da
justiça para fustigar e arruinar todo aquele que interferir em qualquer
ramo de comércio que, por meio de agentes secretos ou, no mínimo, sem
declará-lo publicamente, escolherem realizar. Mas o comércio privado
dos funcionários se estenderá a uma variedade de artigos muito maior
que os da própria companhia. Os negócios públicos da companhia não
vão além dos negócios com a Europa, compreendendo apenas uma parte
do comércio exterior do país. O comércio privado dos funcionários, por
outro lado, pode se estender a todos os diferentes ramos tanto de seu
comércio interno quanto de seu comércio exterior. Assim, o monopólio
da companhia tenderá apenas a impedir o crescimento natural da parcela
do produto excedente que, no caso de um comércio livre, seria exportada
para a Europa. O monopólio dos funcionários tende a impedir o
crescimento natural de todo produto que escolhem negociar, do que é
destinado para o consumo doméstico, assim como do que é destinado
para a exportação; e, consequentemente, degrada o cultivo de todo o país
e reduz o número de seus habitantes. Esse monopólio tende a reduzir a
quantidade de qualquer produto que os funcionários da companhia
resolvam comercializar — até mesmo a quantidade dos bens de primeira
necessidade — a um número que permita que os funcionários o
comprem e possam vendê-lo com os lucros que mais lhes agradem.
Pela natureza de sua situação, também, a disposição dos funcionários
para defender seu próprio interesse com maior rigor e severidade contra
os interesses do país que governam é maior que a disposição de seus
chefes em relação aos interesses da companhia. O país pertence a seus
chefes, que não podem deixar de ter alguma consideração pelo interesse
do que lhes pertence. Mas o país não pertence aos funcionários. O
interesse real de seus chefes, se estes fossem capazes de entender isso, é o
mesmo do país;519 e, se o oprimem, é por ignorância ou pela maldade das
preocupações mercantis. Já o verdadeiro interesse dos funcionários não é,
de forma alguma, o mesmo do país; e nem mesmo a informação mais
perfeita seria capaz de pôr fim às suas opressões. Assim, embora os
regulamentos publicados na Europa não possuam muita força para que
sejam cumpridos, são, em geral, bem-intencionados. As regras impostas
pelos funcionários na Índia revelam-se mais inteligentes e, talvez, não tão
bem-intencionadas quanto as vindas da Europa. É um governo muito
ímpar em que todos os membros da administração desejam ir embora do
país e, consequentemente, livrar-se rapidamente do governo; no
momento em que deixam o país e levam consigo toda a fortuna
amealhada, eles se tornam completamente indiferentes aos interesses
daquele povo, mesmo que um terremoto engula o país.
Ocorre que não pretendo, por tudo o que eu disse até aqui, desabonar
o caráter geral dos funcionários da Companhia das Índias Orientais,
muito menos a reputação de quaisquer pessoas específicas. Censuro, na
verdade, o sistema de governo, a situação em que os funcionários estão
colocados, não o caráter daqueles que agiram dentro desse sistema. Eles
agiram conforme a situação naturalmente os obrigou, e aqueles que mais
os criticaram provavelmente não teriam agido melhor. Na guerra e nas
negociações, os conselhos de Madras e Calcutá têm, em várias ocasiões,
tomado atitudes tão resolutas e decisivamente sábias que teriam honrado
o Senado de Roma nos melhores dias daquela república. Os membros
desses conselhos, no entanto, se criaram em profissões muito diferentes
da guerra e da política. Mas a própria situação em que se encontram —
sem estudos adequados ao cargo, sem experiência e nem mesmo
exemplos — parece ter produzido neles todas as grandes qualidades
necessárias, insuflando-os com habilidades e virtudes que eles próprios
desconheciam possuir. E se, em algumas ocasiões, essa situação os levou
a atos de grandeza que dificilmente esperaríamos deles, não é de admirar
que em outras ocasiões fossem levados a façanhas de natureza um pouco
diferente.
Essas empresas monopolistas, portanto, são estorvos em todos os
aspectos; sempre, em maior ou menor grau, inconvenientes para os
países que as criaram e destrutivas para aqueles que têm a infelicidade de
ser governados por elas.

CAPÍTULO VIII
CONCLUSÃO SOBRE O SISTEMA MERCANTIL
Embora o incentivo à exportação e o desestímulo à importação sejam as
duas grandes ferramentas com as quais o sistema mercantil propõe
enriquecer os países, ainda assim, no que diz respeito a certas
mercadorias específicas, o sistema parece seguir o plano inverso, isto é,
desestimular a exportação e incentivar a importação. Seu objetivo, no
entanto, segundo supõe o sistema, é sempre o mesmo: enriquecer o país
por meio de uma balança de comércio vantajosa. Visando a oferecer uma
vantagem aos nossos trabalhadores ingleses, permitindo-lhes vender seus
produtos por preços melhores que aqueles praticados por outras nações
em todos os mercados estrangeiros, o sistema mercantil desestimula a
exportação das matérias-primas e dos instrumentos de trabalho; e, assim,
restringindo a exportação de algumas mercadorias mais baratas, propõe
criar exportações muito maiores e mais valiosas de outras mercadorias. O
sistema incentiva a importação de matérias-primas para diminuir os
custos das manufaturas britânicas, evitando, assim, uma maior
importação de produtos manufaturados mais caros. Após pesquisar o
Livro de Estatutos do Reino, não encontrei nenhum incentivo à
importação de instrumentos de trabalho. Quando as manufaturas
atingem um determinado nível de grandeza, a fabricação dos
instrumentos de trabalho transforma-se, ela mesma, em objeto de um
grande número de manufaturas muito importantes. Quaisquer incentivos
especiais para a importação desses instrumentos causariam muita
interferência nos interesses dos fabricantes. Por conseguinte, não há
incentivos para esse tipo de importação, que costuma ser proibido.
Assim, a importação de lã cardada, exceto da Irlanda, ou quando trazida
como despojo de guerra ou de um naufrágio, foi proibida pelo estatuto
publicado no 3º ano do reinado de Eduardo IV;520 a proibição foi
renovada pelo estatuto do 39º ano do reinado de Isabel521 e, em seguida,
foi proibida em perpetuidade por leis subsequentes.522
A importação de matérias-primas para manufaturas tem sido, por
vezes, incentivada pela isenção dos tributos a que outras mercadorias
estão sujeitas, e, outras vezes, por subsídios.
A importação de lã de ovelha de vários países, de algodão de todos os
países, de linho não processado, da maior parte dos corantes, da maior
parte dos couros crus da Irlanda ou das colônias britânicas, das peles de
foca da Groenlândia britânica, de gusa e barra de ferro das colônias
britânicas, assim como a importação de diversas outras matérias-primas,
tem sido incentivada pela isenção de todos os tributos devidos, contanto
que essas mercadorias cheguem de forma correta pela Casa de Alfândega.
É possível que essas isenções, bem como grande parte dos regulamentos
comerciais da Inglaterra, tenham sido extorquidas dos legisladores pelo
interesse privado dos comerciantes e manufaturadores britânicos. No
entanto, são perfeitamente justas e razoáveis e se, de acordo com as
necessidades do Estado, forem estendidas a todas as outras matérias-
primas, a sociedade certamente sairá ganhando.
Ocorre que a cobiça dos grandes manufaturadores britânicos tem, em
alguns casos, estendido essas isenções para muito além do que pode
justamente ser considerado como matéria-prima do trabalho deles. Pelo
estatuto do 24º ano do reinado de Jorge II, c.46,523 um pequeno tributo
de somente um penny por libra-peso foi imposto sobre a importação do
fio de linho marrom estrangeiro, em vez dos tributos muito mais
elevados a que essa mercadoria estava submetida anteriormente, a saber,
6 pence por libra-peso sobre o linho de vela, de 1 xelim por libra-peso
sobre o linho francês e holandês e de 2 libras, 13 xelins e 4 pence sobre o
hundredweight (112 libras)524 do linho russo (ou linho de abeto). Mas os
manufaturadores britânicos não estavam totalmente satisfeitos com essa
redução. Pelo estatuto do 29º ano do mesmo rei, c.15,525 até mesmo esse
pequeno tributo sobre a importação do fio de linho marrom foi retirado
por esse ato, o mesmo que ofereceu subsídio à exportação do linho
britânico e irlandês, cujo preço não excedesse 18 pence a jarda. No
entanto, utiliza-se muito mais trabalho nas diferentes operações que são
necessárias para a preparação dos fios de linho do que na operação
seguinte, isto é, na manufatura do tecido a partir dos fios de linho. Isso
sem contar o trabalho de seus produtores e cardadores, dos pelo menos
três ou quatro fiandeiros que são necessários para manter um tecelão
continuamente empregado; assim, mais de 4/5 de todo o trabalho
necessário para a preparação do tecido de linho são empregados na
preparação dos fios de linho; além disso, os fiandeiros britânicos são
pessoas pobres, normalmente mulheres, espalhadas por todas as regiões
do país, sem nenhum apoio ou proteção. Os grandes manufaturadores
não obtêm seus lucros pela venda de seu trabalho, mas pela venda do
trabalho finalizado dos tecelões. Eles desejam vender caro a manufatura
finalizada e, da mesma forma, desejam comprar a matéria-prima pelo
preço mais baixo possível. Ao extorquir do legislador subsídios para a
exportação de seu próprio linho, a exigência de tributos elevados sobre a
importação de todo linho estrangeiro e uma proibição total do consumo
interno de alguns tipos de linho francês, eles buscam vender suas
mercadorias ao preço mais alto possível. Ao incentivar a importação de
fios de linho estrangeiros e, assim, trazê-los para concorrer com o
produto britânico, eles buscam comprar o trabalho dos fiandeiros pobres
pelo valor mais baixo possível. A intenção deles é manter baixos os
salários de seus próprios tecelões e fiandeiros pobres e, se buscam elevar
o preço do trabalho finalizado ou diminuir o preço das matérias-primas,
em nenhuma hipótese o fazem para beneficiar o trabalhador. Na verdade,
o sistema mercantil incentiva principalmente o trabalho que se realiza
para beneficiar ricos e poderosos. O trabalho realizado para beneficiar
pobres e indigentes costuma ser negligenciado ou oprimido.
Tanto o subsídio à exportação de linho quanto a isenção dos tributos
sobre a importação do linho estrangeiro — que, apesar de terem sido
concedidos por apenas quinze anos, foram mantidos por duas outras
leis526 — deixarão de vigorar no fim da sessão parlamentar que segue,
isto é, após o dia 24 de junho de 1786.
O incentivo dado à importação de matérias-primas por meio de
subsídios foi confinado principalmente aos bens importados das colônias
americanas.
Os primeiros subsídios desse tipo foram aqueles concedidos, no
início do atual século, à importação de produtos navais vindos da
América. Sob essa rubrica estavam incluídos a madeira para mastros,
vergas e gurupés; cânhamo; alcatrão, piche e terebintina. Mas o subsídio
de 1 libra por tonelada de madeira de mastro e o subsídio de 6 libras por
tonelada de cânhamo foram estendidos aos mesmos materiais quando
fossem importados da Escócia para a Inglaterra. Os dois subsídios
continuaram a existir sem nenhuma variação, à mesma taxa, até terem
recebido autorização para que expirassem, separadamente; o subsídio
sobre o cânhamo, no dia 1º de janeiro de 1741 e o da madeira para
mastros, no final da sessão parlamentar, imediatamente após o dia 24 de
junho de 1781.
Os subsídios sobre a importação de alcatrão, piche e terebintina
foram submetidos, durante sua existência, a várias alterações.
Inicialmente, o subsídio do alcatrão era de 4 libras por tonelada;527 o do
piche, igual; e o subsídio sobre a terebintina, de 3 libras por tonelada.
Mais tarde, o subsídio de 4 libras por tonelada de alcatrão ficou restrito a
um tipo de alcatrão preparado de maneira especial; e o subsídio do
alcatrão bom, limpo e comercializável foi reduzido para 2 libras e 4 xelins
por tonelada. O subsídio sobre o piche também foi reduzido para 1 libra;
e o da terebintina, para 1 libra e 10 xelins por tonelada.
Em ordem cronológica, o segundo subsídio sobre a importação de
quaisquer matérias-primas foi aquele concedido pela lei do 21º ano do
reinado de Jorge II, c.30,528 à importação de anileira das colônias
britânicas. Quando a anileira das colônias chegava a 3/4 do preço da
melhor anileira francesa, recebia, por esse ato parlamentar, um subsídio
de 6 pence por libra-peso. Esse subsídio — que, como a maioria dos
outros, havia sido concedido por tempo limitado — recebeu diversas
prorrogações, mas foi reduzido para 4 pence por libra-peso. Ele deixou de
existir ao final da sessão parlamentar que se encerrou em 25 de março de
1781.
O terceiro subsídio desse tipo foi concedido (na época em que a Grã-
Bretanha começava às vezes a cortejar e às vezes a brigar com as colônias
americanas) pelo estatuto do 4º ano do reinado de Jorge III, c.26,529 à
importação do cânhamo ou do linho não processado das colônias
britânicas. Esse subsídio foi concedido por 21 anos, de 24 de junho de
1764 a 24 de junho de 1785, e deveria ser de 8 libras por tonelada nos
primeiros sete anos, 6 libras nos sete anos seguintes e 4 libras nos últimos
sete anos. O subsídio não se estendeu para a Escócia, cujo clima não é
muito adequado para o produto (o cânhamo, no entanto, é plantado
neste país, mas em pouca quantidade e com qualidade inferior). Um
subsídio à importação do linho escocês para a Inglaterra teria
desestimulado os produtos nativos da parte meridional do Reino Unido.
O quarto subsídio desse tipo foi concedido pela lei publicada no 5º
ano do reinado de Jorge III, c.45,530 à importação de madeira da
América. Foi concedido por nove anos, de 1º de janeiro de 1766 até 1º de
janeiro de 1775. Durante os primeiros três anos, o subsídio seria de 1
libra para cada 120 toras de boa qualidade; e de 12 xelins para 50 pés
cúbicos de outras madeiras esquadradas. Durante os três anos seguintes,
as toras teriam o subsídio de 15 xelins e as outras madeiras esquadradas,
de 8 xelins; nos últimos 3 anos, as toras teriam um subsídio de 10 xelins e
as outras madeiras esquadradas, de 5 xelins.
O quinto subsídio desse tipo foi concedido pela lei publicada no 9º
ano do reinado de Jorge III, c.38,531 à importação de seda crua das
colônias britânicas. Foi concedido por 21 anos, de 1º de janeiro de 1770
até 1º de janeiro de 1791. Nos primeiros sete anos, seria de 25 libras para
cada 100 libras-peso; nos sete anos seguintes, 20 libras; e, nos últimos
sete anos, 15 libras. A criação do bicho-da-seda e a preparação da seda
exigem tanto trabalho manual e o trabalho é tão caro na América que
nem mesmo esse grande subsídio, segundo fui informado, foi capaz de
produzir qualquer efeito considerável.
O sexto subsídio desse tipo foi concedido pela lei publicada no 11º
ano do reinado de Jorge III, c.50,532 à importação de pipas, hogsheads e
varas para barril das colônias britânicas.533 Foi concedido por nove anos,
de 1º de janeiro de 1772 até 1º de janeiro de 1781. Para os primeiros três
anos, o subsídio seria de 6 libras para uma determinada quantidade de
cada um deles; para os três anos seguintes, 4 libras; e para os últimos três
anos, 2 libras.
O sétimo e último subsídio desse tipo foi concedido pela lei publicada
no 19º ano de reinado de Jorge III, c.37,534 à importação de cânhamo da
Irlanda. Foi concedido da mesma forma que os subsídios à importação
de cânhamo e de linho não processado da América, por 21 anos — de 24
de junho de 1779 até 24 de junho de 1800. Da mesma forma, o prazo foi
dividido em três períodos de sete anos cada um; e em cada um desses
períodos a taxa dos subsídios aos bens irlandeses é igual à dos bens
vindos da América. Diferentemente do subsídio americano, este não se
estendia à importação do linho não processado. Pois isso desestimularia
muito o cultivo daquela planta na Grã-Bretanha. Quando este último
subsídio foi concedido, os legisladores britânicos e irlandeses não
mantinham um relacionamento melhor do que aquele que,
anteriormente, existia entre legisladores britânicos e americanos. Mas
espera-se que esse benefício à Irlanda tenha sido concedido sob
condições mais afortunadas do que todos aqueles que foram concedidos
à América.
As mesmas mercadorias que recebiam subsídios quando importadas
da América foram submetidas a tributos consideráveis quando
importadas de quaisquer outros países. A metrópole via os interesses das
colônias americanas e os seus como iguais. A riqueza das colônias era
considerada como riqueza da metrópole. Dizia-se que o dinheiro enviado
a elas voltava integralmente para a Grã-Bretanha pela balança comercial e
que as despesas efetuadas com as colônias nunca deixariam a metrópole
nem um centavo mais pobre. As colônias pertenciam à própria metrópole
em todos os aspectos, e as despesas com elas eram efetuadas para o
aprimoramento de nossa propriedade e para o emprego rentável de nosso
povo. Neste momento, me parece ser desnecessário dizer qualquer coisa a
mais para expor a loucura desse sistema quando esta já ficou claramente
exposta pela experiência fatal. Se as colônias americanas tivessem
realmente sido uma parte da Grã-Bretanha, esses subsídios poderiam ter
sido considerados como subsídios à produção e ainda estariam sujeitos a
todas as objeções cabíveis a tais subsídios, mas a nenhuma outra.
A exportação de matéria-prima para manufaturas pode ser
desestimulada por meio de proibições absolutas ou por meio de uma
carga tributária alta.
A categoria de trabalhadores britânicos que mais conseguiu persuadir
os legisladores de que a prosperidade da nação dependia do sucesso e
expansão de seu ramo comercial foi a dos manufaturadores de lã. Além
de terem obtido o monopólio contra os consumidores por meio da
proibição absoluta da importação de tecidos de lã de quaisquer países
estrangeiros, também receberam o monopólio contra os criadores de
carneiros e os cultivadores da lã por meio da proibição similar à
exportação de carneiros vivos e de lãs. A severidade de muitas das leis
que foram promulgadas para garantir a segurança desses rendimentos
recebeu queixas bastante justas, pois a lei impôs penalidades severas
sobre ações que, antes de serem tipificadas como crimes pelo estatuto,
sempre foram consideradas atitudes inocentes. Mas arrisco-me a dizer
que as mais cruéis leis relativas às receitas são suaves e gentis quando
comparadas com as leis que o clamor de nossos comerciantes e
manufaturadores tem extorquido dos legisladores para oferecer apoio aos
seus próprios monopólios, absurdos e arbitrários. Podemos dizer que são
leis como as de Drácon, escritas com sangue.
Pelo ato publicado no 8º ano do reinado de Isabel, c.3,535 em sua
primeira infração, o exportador de ovelhas, cordeiros ou carneiros
perderia, para sempre, todos os seus bens, ficaria preso por um ano e,
depois disso, sua mão esquerda seria cortada em um dia de feira em uma
cidade comercial e ali ficaria pregada; ao infringir a lei uma segunda vez,
seria sentenciado à morte. Parece que o objetivo dessa lei era evitar que a
raça de ovelhas britânicas fosse levada para outros países. O estatuto
publicado no 14º ano do reinado de Carlos II, c.18,536 tipificou a
exportação de lã como crime grave e sujeitou o exportador às mesmas
penalidades e confiscos desse tipo de crime.
Espera-se, para honrar o sentimento de humanidade da nação, que
nenhum desses estatutos sejam jamais cumpridos. Até onde sei, o
primeiro nunca foi diretamente revogado e, assim, William Hawkins537
parece considerá-lo como ainda em vigor. No entanto, talvez devamos
considerá-lo como virtualmente revogado pelo estatuto do 12º ano do
reinado de Carlos II. c.32, s.3,538 que, sem tirar expressamente as sanções
impostas pelos antigos estatutos, impõe uma nova sanção, a saber, uma
multa de 20 xelins para cada ovelha exportada, ou pela tentativa de sua
exportação, juntamente com a perda das ovelhas e da parcela do
proprietário do navio. O estatuto foi expressamente revogado pelo ato
dos anos 7º e 8º do reinado de Guilherme III, c.28, s.4,539 o qual declara
que, “considerando que o estatuto dos anos 13 e 14 do reinado de Carlos
II contra a exportação das lãs, entre outras coisas mencionadas no dito
ato, decreta que aquele ato seja considerado crime grave; considerando
que a severidade da penalidade não tem sido efetivamente aplicada aos
infratores: a autoridade acima declara que a parte da referida lei que
considera aquele crime como grave seja revogada e anulada”.
Ocorre que as sanções impostas por esse estatuto mais ameno — ou
que, embora impostas por estatutos mais antigos, não tenham sido
revogadas por esse estatuto — ainda são bastante severas. Além do
confisco de seus bens, o exportador deve pagar 3 xelins para cada libra-
peso de lã exportada de fato, ou que se tiver tentado exportar, ou seja,
cerca de quatro ou cinco vezes o valor da mercadoria. As pessoas
condenadas por essa infração ficam impedidas de exigir o pagamento de
dívidas ou contas devidas a elas por quaisquer agentes ou outras pessoas.
Independentemente de sua fortuna ser capaz ou não de pagar as pesadas
penalidades impostas ao infrator, o objetivo da lei é arruiná-lo
completamente. Mas, já que a moral da grande população ainda não está
tão corrompida como a dos planejadores desse estatuto, ainda não ouvi
falar sobre nenhuma vantagem que tenha sido obtida dessa cláusula. Se a
pessoa condenada por esse delito não for capaz de pagar as penalidades
no prazo de três meses após o julgamento, deverá ser deportada para
alguma colônia por sete anos e, se retornar antes do vencimento desse
termo, ficará sujeita aos castigos do crime mais grave (pena de morte) e
perde o benefício do clero.540 Se o proprietário do navio for conhecedor
do crime, ele perde o navio e seu mobiliário. Se o capitão e os marujos
forem conhecedores da infração, eles são presos por três meses e perdem
todas as suas mercadorias e bens pessoais. Uma lei posterior aumenta a
prisão do capitão para seis meses.
A fim de evitar a exportação, todo o comércio interno de lã passa a
sofrer restrições muito pesadas e opressivas. A lã não pode ser embalada
em caixas, barris, barricas, malas, baús ou quaisquer outros tipos de
pacote, exceto em embalagens de couro ou de pano, nas quais se marca
no exterior as palavras LÃ ou FIO, em letras grandes, com comprimento
não inferior a 3 polegadas, sob pena de confisco da carga ou do pacote e
o pagamento de 3 xelins por libra-peso, que deverá ser realizado pelo
proprietário ou pelo empacotador. A lã não pode ser carregada por
cavalo ou carroça nem transportada por terra dentro de 5 milhas da
costa, senão entre o nascer e o pôr do sol, sob pena de confisco da carga,
dos cavalos e das carroças. O cantão adjacente à costa do mar, a partir do
qual ou pelo qual a lã é transportada ou exportada, pagará 20 libras se o
valor da lã for menor que 10 libras; e, se o valor for maior que isso,
pagará o triplo do valor, juntamente com o triplo dos custos que serão
exigidos em um ano. O processo correrá contra quaisquer dos habitantes
do local, a quem as sessões de julgamento devem reembolsar pela
cobrança de uma taxa dos outros habitantes, como nos casos de roubo. E,
se qualquer pessoa transigir com o cantão por um valor menor que essa
penalidade, ela deverá ser presa por cinco anos; e qualquer outra pessoa
poderá iniciar o processo. Esses regulamentos valem para todo o Reino.
Mas nos condados de Kent e Sussex, as restrições são ainda mais
preocupantes. Três dias após a tosquia, os proprietários de lã que
estiverem a 10 milhas da costa do mar devem prestar informações por
escrito ao funcionário alfandegário mais próximo, comunicando a
quantidade de lã e o local de seu armazenamento. E, antes de remover
quaisquer quantidades de lã, o proprietário deverá informar a quantidade
e o peso da lã, bem como o nome e o endereço do comprador e o local
para onde se pretende transportá-la. A 15 milhas do mar, nos referidos
condados, ninguém pode comprar nenhuma quantidade de lã sem antes
comprometer-se com a coroa a não vender a lã assim comprada para
alguma outra pessoa que esteja a 15 milhas do mar. Se, nesses condados,
ocorrer o transporte de lã em direção ao mar, exceto quando processado
pela alfândega conforme mencionado anteriormente, a lã será confiscada
e o infrator deverá pagar 3 xelins para cada libra-peso da mercadoria. Se
alguém, a 15 milhas do mar, possuir lã sem o processo alfandegário
anteriormente mencionado, a mercadoria será apreendida e confiscada; e
se, após tal apreensão, a lã for reivindicada por alguém, essa pessoa
deverá garantir ao tesouro que, caso seja condenada, pagará o triplo dos
custos, juntamente com todas as outras penalidades impostas pela lei.
Quando esses tipos de restrições são impostas ao comércio interior,
podemos ter certeza de que a liberdade do comércio costeiro é muito
pequena. O proprietário de lã que transportar ou fizer transportar
qualquer quantidade de lã para qualquer porto ou local da costa, para
que seja transportada por mar para qualquer outro porto ou local da
costa, deverá, primeiro, antes de levar sua carga a uma distância de 5
milhas do porto de embarque, requerer autorização, informando o peso,
as marcas e o número de pacotes que serão transportados, sob pena de
perder a carga e também os cavalos, carroças e outros carros e sob pena
de outros confiscos e penas estipuladas por outras leis em vigor contra a
exportação de lã. No entanto, esta lei (1 William III, c.32) é muito
indulgente ao declarar que “isto não impedirá ninguém de transportar
sua lã do lugar da tosquia para casa, ainda que esteja a 5 milhas do mar,
contanto que, dentro de dez dias a contar da tosquia, e antes de remover a
lã, declare de próprio punho ao funcionário alfandegário mais próximo a
verdadeira quantidade de lã e o local onde a está armazenando e não a
remova sem antes certificar — de próprio punho e com antecedência de
três dias — a esse oficial sua intenção de removê-la”. Deve-se dar garantia
de que a lã a ser transportada pela costa será desembarcada no porto
previamente especificado; e se qualquer parte da carga for desembarcada
sem a presença de um oficial, além do confisco da lã, assim como ocorre
com outros bens, haverá uma penalidade adicional de 3 xelins para cada
libra-peso.
Os manufaturadores ingleses de lã, a fim de justificar a sua demanda
por tais restrições e regulamentos extraordinários afirmavam
confiantemente que a lã inglesa possuía uma qualidade peculiar, superior
à de qualquer outro país; que, sem misturar-se com a lã inglesa, a lã de
outros países não era capaz de ser transformada em manufaturas
adequadas; que não havia possibilidade de produzir tecidos finos sem ela;
diziam ainda que a Inglaterra, consequentemente, poderia monopolizar
quase todo o comércio mundial de lã se a sua exportação fosse proibida;
e, assim, não tendo rivais, poderia vender sua lã ao preço que melhor lhe
aprouvesse e, em um curto espaço de tempo, adquirir o mais incrível
grau de riqueza por meio de uma balança comercial extremamente
favorável. Essa doutrina, assim como a maioria das outras doutrinas que
são confiantemente afirmadas por qualquer grupo considerável de
pessoas, foi, e ainda é, levada a sério por um grupo muito maior; a saber,
por quase todos aqueles que não estão familiarizados com o comércio de
lã ou que não pesquisaram o assunto mais a fundo. Dizer que a lã inglesa
é necessária para a confecção de tecidos finos é algo muito desonesto,
pois, na verdade, a lã é completamente inadequada para tal manufatura.
A manufatura de tecidos finos utiliza somente as lãs espanholas. A lã
inglesa não pode nem mesmo ser misturada com a lã espanhola e entrar
na composição da fábrica do tecido sem, em algum grau, estragá-la e
degradá-la.
Já demonstramos anteriormente (Livro I, capítulo XI) que esses
regulamentos deprimem o preço da lã inglesa, não só a um valor abaixo
daquele que teria hoje de forma natural, mas muito abaixo do valor que
ela realmente tinha na época de Eduardo III. Dizem que o preço da lã
escocesa caiu aproximadamente à metade após a união das coroas inglesa
e escocesa (março, 1603), pois essa lã passou a sujeitar-se aos mesmos
regulamentos. Em seu livro, Memoirs of Wool, o reverendo senhor John
Smith541 observa de forma muito exata e inteligente que, na Inglaterra, o
preço da melhor lã inglesa costuma ser mais baixo do que o preço da lã
de qualidade inferior que é vendida no mercado de Amsterdã. A
finalidade declarada daqueles regulamentos seria deprimir o preço desse
produto a um valor abaixo do que pode ser chamado de seu preço
natural e apropriado; parece não haver nenhuma dúvida de que os
regulamentos produziram os efeitos esperados.
Seria possível imaginar que a redução do preço, ao desencorajar o
cultivo da lã, causaria uma grande redução do produto anual dessa
mercadoria, embora não abaixo do valor anterior, mas abaixo do que, no
estado atual das coisas, provavelmente teria atingido, se, como
consequência de um mercado aberto e livre, tivesse sido permitido que o
preço chegasse a seu valor natural e adequado. No entanto, estou disposto
a acreditar que a quantidade anual do produto não tenha sido muito
afetada pelos regulamentos, embora talvez tenha sido um pouco afetada.
O principal objetivo do criador de ovelhas, ao aplicar seu capital e seu
trabalho, não é a produção de lã. Ele espera obter mais lucro com a
carcaça do animal que com a lã; o preço médio ou ordinário da carcaça
deve, em muitos casos, compensar-lhe quaisquer deficiências que possam
ocorrer ao preço médio ou ordinário da lã. Na parte anterior deste
trabalho (Livro I, capítulo XI) observei que: “Quaisquer regulamentos
que tendam a reduzir o preço da lã ou do couro cru a um valor abaixo do
preço que teriam naturalmente em um país aprimorado e bem cultivado
têm alguma tendência a aumentar o preço da carne. O preço do gado de
grande e pequeno porte que é criado em terras aprimoradas e cultivadas
deve ser suficiente para pagar a renda do dono da terra e o lucro que o
agricultor espera da terra aprimorada e cultivada. Caso isso não aconteça,
o gado deixará de ser alimentado. Portanto, qualquer fração desse preço
que não seja paga pela lã e pelo couro deverá ser paga pela carcaça.
Quanto menos for pago por um, mais será pago pelo outro. A maneira
como esse preço será dividido entre as diferentes partes do animal é
indiferente para os proprietários e os agricultores, desde que tudo seja
pago a eles. Portanto, em um país aprimorado e bem cultivado, seus
interesses como proprietários e agricultores não podem ser muito
afetados por tais regulamentos, embora seus interesses como
consumidores possam ficar bastante afetados pelo aumento do preço dos
alimentos”. De acordo com esse raciocínio, portanto, não é provável que a
degradação do preço da lã cause, em um país desenvolvido e cultivado,
alguma diminuição do produto anual dessa mercadoria, exceto na
medida em que o aumento do preço da carne de carneiro possa diminuir
um pouco a demanda e, consequentemente, a produção daquele
determinado tipo de carne. Mesmo assim, é possível que seu efeito não
seja muito grande.
Mas, embora seu efeito sobre a quantidade do produto anual não seja
muito grande, é possível imaginar que o efeito sobre a qualidade deve ser
necessariamente muito grande. Talvez seja possível supor que a
degradação da qualidade da lã inglesa — que, se já não estiver abaixo de
sua antiga qualidade, está, ao menos, abaixo da qualidade que
naturalmente teria no atual estado de desenvolvimento e cultivo — esteja
muito proporcional à degradação de seu preço. Considerando que a
qualidade depende da raça, do pasto e do trato e da limpeza das ovelhas
durante todo o crescimento da lã, então é natural imaginar que, para se
recompensar o trabalho e as despesas necessários para atender a essas
circunstâncias especiais, esses custos não podem ser proporcionalmente
maiores que o valor atingido pelo velo. Acontece, no entanto, que a
qualidade do velo depende bastante da saúde, do crescimento e do
volume do animal; assim, a mesma atenção que é necessária para o
desenvolvimento da carcaça é, em alguns aspectos, suficiente para a
obtenção de uma lã melhor. Não obstante a degradação do preço, dizem
que a lã inglesa melhorou bastante, mesmo no transcorrer do atual
século. A melhoria talvez tivesse sido maior se o preço também tivesse
sido melhor; embora seu preço baixo possa ter retardado essa melhoria,
certamente não impediu sua ocorrência.
A violência das leis, portanto, parece não ter afetado nem a
quantidade nem a qualidade do produto anual da lã da forma esperada
(embora eu acredite que a violência tenha afetado mais a qualidade que a
quantidade); e, embora os interesses dos produtores de lã possam ter sido
prejudicados, parece que, no geral, foram muito menos prejudicados do
que poderíamos imaginar.
Ocorre que essas considerações não justificam a proibição absoluta da
exportação de lã, mas justificam plenamente a imposição de um imposto
considerável sobre essa exportação.
Pois ferir os interesses de qualquer grupo de cidadãos, mesmo que
minimamente, apenas para promover os de outro grupo é,
evidentemente, contrário à justiça e à igualdade que o soberano deve
entregar a todos os grupos e classes de súditos de seu reino. A proibição,
com o único objetivo de promover os interesses dos manufaturadores,
certamente traz algum grau de prejuízo aos interesses dos produtores de
lã.542
As diferentes classes de cidadãos são obrigadas a contribuir,
oferecendo suporte ao soberano ou à commonwealth. Um imposto de 5
xelins, ou mesmo de 10, sobre a exportação de cada tod (28 libras) de lã
produziria uma receita bastante considerável ao soberano. Além disso, os
interesses dos produtores seriam menos prejudicados do que o são pela
proibição, pois é possível que o imposto não causasse uma redução tão
grande do preço da lã. Garantiria, ainda, uma boa vantagem para o
manufaturador, pois, embora ele não conseguisse comprar sua lã a um
preço tão baixo quanto o impulsionado pela proibição, ele, ainda assim, a
compraria a valores que seriam 5 ou 10 xelins mais baixos do que aqueles
obtidos por qualquer manufaturador estrangeiro e também economizaria
no frete e no seguro, que os estrangeiros seriam obrigados a pagar. É
quase impossível imaginar outro tributo que pudesse produzir receitas
tão boas para o soberano e, ao mesmo tempo, não causar quase nenhum
inconveniente aos outros envolvidos.
A proibição, não obstante todas as sanções que a protegem, não
impede a exportação de lã. É bem sabido que ela é exportada em grandes
quantidades. A diferença entre o preço da lã no mercado externo e no
mercado inglês gera uma grande tentação para o contrabando, incapaz de
ser contida por qualquer rigor legal. Essa exportação ilegal não é
vantajosa para ninguém, senão para o contrabandista. Quando a
exportação legal se sujeita a um imposto, ela proporciona receitas ao
soberano e, assim, evitando a imposição de outro tributo talvez mais
pesado e inconveniente, pode revelar-se mais vantajosa para todos os
diferentes súditos do Estado.
A exportação da argila de branqueamento, supostamente necessária
para a preparação e a limpeza das manufaturas de lã, foi submetida a
quase todas as mesmas penalidades que a exportação de lã. Até mesmo a
argila para cachimbo, o argilito, recebeu as mesmas proibições e
penalidades; embora o argilito seja diferente da argila de branqueamento,
ambos eram muito semelhantes, e a argila de branqueamento era, às
vezes, exportada como argilito.
O estatuto publicado no 14º ano do reinado de Carlos II543 proibiu
não só a exportação de couros crus, mas também de couros curtidos,
exceto em forma de botas, sapatos ou chinelos; e a lei garantiu esse
monopólio aos sapateiros ingleses, não somente contra os pecuaristas
ingleses, mas também contra os seus curtidores. Por estatutos
subsequentes os curtidores ingleses foram isentos desse monopólio pelo
pagamento de um pequeno imposto de apenas 1 xelim por
hundredweight de peso de couro curtido, ou 112 libras. Também
obtiveram o drawback de 2/3 dos impostos de consumo tributados sobre
sua mercadoria, mesmo quando exportados sem terem recebido
aprimoramentos. Todas as manufaturas de couro estão isentas do
imposto sobre a exportação; e, além disso, o exportador tem o direito de
reaver todos os impostos de consumo pelo drawback. Os pecuaristas, no
entanto, continuam sujeitos ao antigo monopólio. Os pecuaristas,
separados uns dos outros e espalhados por todos os diferentes cantos do
país, só conseguem se associar com grande dificuldade, seja para impor
monopólios sobre seus concidadãos, seja para isentar-se daqueles
impostos por outros grupos. Já os manufaturadores de todos os tipos o
conseguem facilmente, pois, em todas as grandes cidades, estão reunidos
em numerosos organismos. Até mesmo os chifres do gado têm sua
exportação proibida; e, assim, esses dois ramos comerciais insignificantes
— dos comerciantes de chifres e dos fabricantes de pentes — desfrutam,
nesse sentido, de um monopólio contra os pecuaristas.
As restrições sobre a exportação de bens parcialmente
manufaturados, sejam elas por meio de proibições ou da tributação, não
são características especiais das manufaturas de couro. Os fabricantes
ingleses acreditam que, enquanto faltar algo a ser feito para que uma
mercadoria possa ser imediatamente utilizada e consumida, eles mesmos
devem realizar esse trabalho. A exportação de fios de lã cardados e
penteados é proibida e está sujeita às mesmas penalidades da exportação
da lã. Até mesmo os tecidos brancos estão sujeitos a um imposto sobre a
exportação e, até o momento, os tintureiros britânicos obtiveram um
monopólio contra os fabricantes de roupas. Os fabricantes britânicos de
roupas provavelmente teriam conseguido se defender contra esse
monopólio, mas acontece que os nossos principais fabricantes de roupas
também são, em sua maioria, tintureiros. Proibiu-se também a
exportação de caixas e mostradores para relógios de parede e de bolso.
Parece que os fabricantes britânicos de relógios de parede e de bolso não
querem que o preço desses acabamentos aumente pela concorrência
estrangeira.
Alguns antigos estatutos de Eduardo III, Henrique VIII e Eduardo VI
proibiram a exportação de todos os metais. Apenas o chumbo e o
estanho foram excetuados, provavelmente por conta da grande
abundância desses metais; naquela época, uma parte considerável do
comércio do Reino consistia na exportação desses metais. Para incentivar
a mineração, o ato publicado no 5º ano do reinado de Guilherme e
Maria, c.17,544 isentou daquela proibição o ferro, o cobre e a pirita de
ferro formada por minérios britânicos. A exportação de todos os tipos de
barras de cobre, estrangeiros ou britânicos, foi posteriormente permitida
pelo ato do 9º ano do reinado de Guilherme III, c.26.545 A exportação de
latão não manufaturado — também conhecido como bronze e utilizado
para armas, sinos e outros — continua proibida. Na exportação, todos os
manufaturados de latão estão isentos de tributos.
Quando a exportação de matérias-primas não é totalmente proibida,
está, em muitos casos, sujeita a uma pesada carga tributária.
O ato publicado no 8º ano do reinado de Jorge I, c.15,546 deixou de
tributar a exportação de todos os bens produzidos ou manufaturados na
Grã-Bretanha que, por força de estatutos anteriores, eram obrigados a
pagar tributos na exportação. Os seguintes bens, no entanto, foram
excetuados: pedra-ume, chumbo, minério de chumbo, estanho, couro
curtido, carvão, sulfato de ferro, cardas de lã, tecidos brancos de lã,
calamina (minério de zinco), todos os tipos de pele, cola, pelo ou lã de
coelho, lã de lebre, pelos de todos os tipos, cavalos e litargírio (óxido de
chumbo). Exceto os cavalos, todos esses bens são matérias-primas,
manufaturas incompletas (isto é, matéria-prima para outras
manufaturas) ou instrumentos de trabalho. Esse estatuto os sujeita a
todos os tributos que já haviam sido impostos a eles, ao “antigo subsídio”
e ao imposto de 1% sobre a exportação.
Pelo mesmo estatuto, um grande número de corantes estrangeiros fica
isento de todos os tributos sobre a importação. Cada um deles,
entretanto, fica, mais tarde, sujeito a um determinado imposto
(certamente não muito alto) sobre a exportação. Parece que, ao mesmo
tempo que os tintureiros britânicos acreditavam que a importação
daquelas tinturas, isentando-as de todos os tributos, seria de seu
interesse, também imaginavam que um pequeno desestímulo à
exportação dessas tinturas seria importante para eles. Entretanto, é
extremamente provável que a cobiça, sugerida por essa notável obra da
engenhosidade mercantil, tenha fracassado em seus objetivos. Com isso,
os importadores aprenderam a ser mais cuidadosos para que suas
importações não excedessem o necessário para suprir o mercado
doméstico. O mercado doméstico ficaria provavelmente suprido de
forma mais escassa; e as mercadorias ficariam um pouco mais caras ali do
que teriam sido se a exportação fosse tão livre quanto a importação.
Pelo estatuto anteriormente mencionado, a goma arábica incluía-se
entre os produtos para tintura listados e, então, estava isenta dos
impostos de importação. Sujeitava-se, certamente, a uma pequena taxa
que se pagava por peso, a saber, 3 pence por hundredweight sobre sua
reexportação. A França detinha, naquele tempo, o comércio exclusivo
com o país que mais produzia a mercadoria, aquele que se encontra
próximo ao Senegal; e não era facilmente possível suprir o mercado
britânico por meio da importação direta da goma de seu local de
produção. O estatuto do 25º ano do reinado de Jorge II,547 portanto,
autorizou a importação da goma arábica (contrariamente às disposições
gerais do Ato de Navegação) de qualquer parte da Europa. No entanto, já
que a lei não desejava incentivar essa espécie de comércio, que era tão
contrária aos princípios gerais da política mercantil da Inglaterra, ela
impôs um tributo de 10 xelins por hundredweight sobre essa importação,
e nenhuma parte desse tributo deveria ser posteriormente restituída em
sua reexportação (drawback). A guerra bem-sucedida que começou em
1755 deu à Grã-Bretanha o mesmo direito de comércio exclusivo com
aqueles países que, anteriormente, tinha sido da França. Assim que a paz
foi estabelecida, nossos manufaturadores se empenharam para tirar
proveito dessa vantagem e para que fosse criado um monopólio em seu
próprio favor, ambos contra os lavradores e contra os importadores dessa
mercadoria. Pelo estatuto do 5º ano do reinado de Jorge III, c.37,548
portanto, a exportação de goma arábica dos domínios de Sua Majestade
na África passou a ser apenas da Grã-Bretanha e foi submetida a todas as
mesmas restrições, aos regulamentos, confiscos e penalidades aplicados
às mercadorias listadas das colônias britânicas na América e nas Índias
Ocidentais. Sua importação, de fato, foi levemente taxada em 6 pence por
hundredweight, mas sua reexportação foi onerada com um enorme
tributo de 1 libra e 10 xelins por hundredweight. Os manufaturadores
britânicos desejavam que o produto total daqueles países fosse importado
para a Grã-Bretanha e, para que eles mesmos pudessem comprá-lo ao
preço que melhor lhes aprouvesse, que nenhuma parte fosse novamente
exportada, a não ser pelo pagamento de despesas que seriam suficientes
para desestimulá-la. No entanto a cobiça, nessa e em muitas outras
ocasiões, fracassou em seus objetivos. A enorme carga tributária tornava
o contrabando bastante tentador; e, assim, grandes quantidades da
mercadoria foram clandestinamente exportadas, provavelmente para
todos os países manufatureiros da Europa, mas particularmente para a
Holanda, não só da Grã-Bretanha, mas também da África. Por esse
motivo, o estatuto do 14º ano do reinado de Jorge III, c.10,549 estabeleceu
que a tributação sobre a exportação do produto seria reduzida para 5
xelins por hundredweight.
O livro de tarifas, de acordo com o qual o antigo subsídio era
cobrado, estimava as peles de castor em 6 xelins e 8 pence550 por peça; os
diferentes subsídios e impostos, que antes de 1722 eram devidos em sua
importação, chegavam a 1/5 desse valor, ou seja, 16 pence por pele; todos
eles, exceto metade do antigo subsídio que chegava apenas a 2 pence,
eram recuperados (drawback) após a exportação. Viu-se que esse tributo
sobre a importação de uma matéria-prima tão importante era muito
elevado, e, em 1722, o valor foi reduzido para 2 xelins e 6 pence,551 o que
reduziu o imposto de importação para 6 pence, e apenas metade disso
seria recuperada após a reexportação (drawback). A mesma guerra bem-
sucedida pôs o país que mais produzia peles de castor sob o domínio da
Grã-Bretanha e, tendo em vista que as peles do castor faziam parte das
mercadorias listadas, sua exportação dos Estados Unidos ficou restrita ao
mercado da Grã-Bretanha. Os manufaturadores britânicos rapidamente
perceberam as vantagens que poderiam tirar das circunstâncias e, em
1764, o tributo sobre a importação da pele de castor foi reduzido a 1
penny, mas o imposto de exportação foi elevado a 7 pence por pele, e foi
retirada a possibilidade de recuperação (drawback) do imposto sobre a
importação. A mesma lei impôs um tributo de 18 pence por libra-peso
sobre a exportação de lãs de castor sem alterar o tributo sobre a
importação desse produto; assim, quando importados por britânicos e
em navios britânicos, chegavam na época a 4 ou 5 pence por peça.
O carvão pode ser tanto considerado como uma matéria-prima
quanto como um instrumento de trabalho. Por isso, sua exportação foi
onerada com pesados tributos, os quais hoje (1783) chegam a mais de 5
ou 6 xelins por tonelada, ou a mais de 15 xelins por caldeirão, a medida
de Newcastle;552 o que, na maioria dos casos, é mais do que o valor
original do produto na mina de carvão, ou mesmo no porto de
transporte para a exportação.
No entanto, a exportação dos instrumentos de trabalho propriamente
ditos não costuma ser restringida por tributos, mas por proibições
absolutas. Desse modo, o estatuto dos 7º e 8º anos do reinado de
Guilherme III, c.20, s.8,553 proibiu a exportação dos caixilhos ou
engenhos para tecer luvas ou meias, sob pena não apenas de confisco dos
caixilhos ou engenhos que tenham sido objeto de exportação ou de
tentativa de exportação, mas também do pagamento de 40 libras, metade
para a coroa e metade para o informante ou autor da ação contra o
exportador. Da mesma forma, o estatuto do 14º ano do reinado de Jorge
III, c.71,554 proíbe a exportação para países estrangeiros de quaisquer
utensílios utilizados na manufatura do algodão, linho, lã e seda, sob pena
de confisco dos utensílios e do pagamento de 200 libras por quem
houvesse cometido o delito; outras 200 libras eram pagas pelo capitão do
navio que, conscientemente, tivesse liberado a entrada dos utensílios em
seu navio.
Se por um lado as penalidades impostas sobre a exportação de
instrumentos inanimados de trabalho eram bastante pesadas, então não
há como se esperar que a exportação de instrumentos vivos, isto é, dos
próprios artífices, fosse permitida. Assim, pelo estatuto do 5º ano do
reinado de Jorge I, c.27,555 a pessoa que for condenada por persuadir
qualquer artífice britânico, ou qualquer um dos manufaturadores da Grã-
Bretanha, a entrar em um país estrangeiro para praticar ou ensinar o seu
ofício será, pela primeira infração, multada em valor que não ultrapasse
100 libras e presa por três meses até o pagamento da multa; e, para a
segunda infração, será multada em qualquer quantia a critério do
tribunal e preso por doze meses até que a multa seja paga. Pelo estatuto
do 23º ano do reinado de Jorge II, c.13,556 a penalidade é aumentada
para, na primeira infração, 500 libras para cada artífice persuadido e para
doze meses de prisão até que a multa seja paga; e, na segunda infração,
para mil libras e dois anos de prisão até que a multa seja paga.
De acordo com o primeiro desses dois estatutos, mediante prova de
que alguém está tentando persuadir um artífice qualquer, ou que
qualquer artífice tenha prometido ou sido contratado para ir a um país
estrangeiro para os fins referidos, esse artífice pode ser obrigado a
oferecer garantias a critério do tribunal de que ele não atravessará o mar
e poderá ser preso até que ofereça tal garantia.
Se algum artífice tiver atravessado o mar e estiver exercitando ou
ensinando seu ofício em um país estrangeiro qualquer, e se, tendo sido
advertido a voltar para o Reino por algum ministro de Sua Majestade, ou
por seus cônsules no exterior, ou por um de seus secretários de Estado,
não retornar no prazo de seis meses após a advertência e passar a habitar
continuamente dentro do território britânico, ele será declarado incapaz
de receber legados destinados a ele dentro do Reino, ou de ser
testamenteiro ou administrador dos bens de qualquer pessoa, ou de
tomar quaisquer terras dentro deste Reino por herança, inventário ou
compra. Além disso, todas as suas terras, patrimônio e bens pessoais são
confiscados pela coroa e ele passa a ser declarado estrangeiro em todos os
aspectos, deixando de estar protegido pelo rei.
Não é necessário, assim imagino, informar quão contrárias essas leis
são à liberdade das pessoas, que dizemos defender com tanta tenacidade,
mas que, nesse caso, foi claramente sacrificada para dar passagem aos
interesses fúteis de nossos comerciantes e manufaturadores.
Há um motivo louvável em todos esses regulamentos, a saber, ampliar
o mercado das manufaturas inglesas, não apenas pelo aperfeiçoamento
delas, mas depreciando as manufaturas de todos os seus vizinhos e
destruindo, tanto quanto possível, a concorrência incômoda daqueles
desagradáveis e odiosos rivais. Os donos de manufaturas imaginam ser
razoável que eles próprios detenham o monopólio da engenhosidade de
todos os seus compatriotas. Embora restrinjam, em algumas profissões, o
número de aprendizes que podem ser empregados ao mesmo tempo e
imponham a necessidade de um longo tempo de aprendizado a todas as
profissões, ainda assim eles se empenham, todos eles, para confinar o
conhecimento de seus respectivos ofícios ao número mais reduzido
possível de pessoas; não estão dispostos, no entanto, a aceitar que
qualquer pessoa desse reduzido grupo saia do país e ensine seu ofício aos
estrangeiros.
O consumo é o único fim e propósito de toda a produção; os
interesses do produtor devem ser atendidos, mas apenas na medida em
que são necessários para promover os interesses do consumidor. Esse
princípio é tão óbvio que seria absurdo tentar prová-lo verdadeiro. Mas,
no sistema mercantil, os interesses do consumidor são quase sempre
sacrificados aos do produtor; além disso, o sistema parece considerar a
própria produção, e não o consumo, como fim e objetivo irrevogável do
trabalho e do comércio.557
Nas restrições sobre a importação de todas as mercadorias
estrangeiras que podem vir a concorrer com os produtos ou manufaturas
britânicos, os interesses dos consumidores domésticos foram
evidentemente sacrificados aos interesse do produtor. É totalmente em
benefício deste último que os primeiros são obrigados a pagar pelo
aumento do preço que o monopólio quase sempre causa.
É totalmente em benefício do produtor que os subsídios são
concedidos para a exportação de alguns produtos. O consumidor
doméstico é obrigado a pagar, em primeiro lugar, o imposto necessário
para custear os subsídios e, em segundo lugar, o imposto ainda maior que
decorre necessariamente do aumento do preço das mercadorias no
mercado doméstico.
Pelo famoso tratado de comércio com Portugal, o consumidor, por
meio de elevados tributos, não pode comprar em um país vizinho uma
mercadoria que não pode ser produzida sob o clima britânico, sendo
obrigado a comprá-la de um país distante, embora, reconhecidamente, a
qualidade do produto do país distante seja inferior àquela do país mais
próximo. O consumidor doméstico é obrigado a submeter-se a essa
inconveniência para que o produtor possa importar para o país distante
alguns de seus produtos em termos mais vantajosos do que poderia em
outro caso. O consumidor, também, fica obrigado a pagar qualquer
aumento no preço desses mesmos produtos que a exportação forçada
provoque no mercado doméstico.
Mas, muito mais do que em todos os demais regulamentos comerciais
da Grã-Bretanha, o sistema legal estabelecido para administrar as
colônias inglesas na América e nas Índias Ocidentais tem sacrificado de
forma exagerada o interesse do consumidor doméstico para beneficiar o
interesse do produtor. Estabeleceu-se um grande império com um único
objetivo: criar uma nação de clientes que são obrigados a comprar das
lojas de nossos diferentes produtores todos os bens que estes podem lhes
oferecer. Em nome desse pequeno aumento de preço que o monopólio é
capaz de oferecer aos produtores britânicos, oneram os consumidores
domésticos com o total das despesas incorridas para a manutenção e a
defesa do império. Para esse propósito, e somente por esse motivo,
gastou-se nas duas últimas guerras mais de 200 milhões de libras e,
também, foi contraída uma nova dívida de mais de 170 milhões sobre o
que já havia sido gasto para o mesmo propósito em guerras anteriores.
Somente os juros dessa dívida já ultrapassam todos os lucros
extraordinários que jamais se poderiam esperar do monopólio do
comércio colonial; ultrapassam também o valor total desse comércio ou o
valor total dos bens que, em média, foram exportados anualmente para
as colônias.
Não é muito difícil determinar quem projetou todo esse sistema
mercantil; não foram os consumidores, podemos crer, cujo interesse foi
totalmente negligenciado, mas os produtores cujos interesses foram tão
cuidadosamente atendidos; e, entre esta última classe, os comerciantes e
manufaturadores britânicos foram, de longe, os seus principais
arquitetos. Nos regulamentos mercantis, que foram apresentados neste
capítulo, vemos que os interesses mais bem atendidos são os dos nossos
manufaturadores; e, a esses interesses, foram sacrificados, não tanto os
interesses dos consumidores, mas os de alguns outros grupos de
produtores.
(O apêndice relativo ao Livro IV está no final do livro.)

CAPÍTULO IX
OS SISTEMAS AGRÍCOLAS, OU AQUELES SISTEMAS DA
ECONOMIA POLÍTICA QUE REPRESENTAM O PRODUTO
DA TERRA COMO FONTE ÚNICA OU PRINCIPAL DO
RENDIMENTO E DA RIQUEZA DOS PAÍSES
Os sistemas agrícolas da economia política não exigem uma explicação
tão longa como a que foi dada ao sistema mercantil ou comercial.
Até onde sei, nenhuma nação jamais adotou o sistema que representa
o produto da terra como a única fonte de rendimentos e de riquezas em
todos os países e, no presente, esse sistema existe apenas nas especulações
de alguns franceses bastante eruditos e engenhosos.558 Certamente não
valeria a pena examinar longamente os erros de um sistema que nunca
causou e que, provavelmente, nunca causará nenhum prejuízo em
nenhum lugar do mundo. Mesmo assim, tentarei explicar da forma mais
clara possível os grandes contornos desse engenhoso sistema.
O senhor Colbert, famoso ministro de Luís XIV, era um homem
probo, muito ativo e detalhista; de grande experiência e exatidão no
exame das contas públicas, e de habilidades, em resumo, totalmente
adequadas para a introdução de método e boa ordem para a arrecadação
e gasto das receitas públicas. Infelizmente, esse ministro havia abraçado
todos os preconceitos do sistema mercantil que, por sua natureza e
essência, é um sistema de restrições e regulamentações que dificilmente
deixaria de agradar a um homem de negócios laborioso e perseverante,
acostumado a impor regulamentos às diversas repartições dos serviços
públicos, bem como a estabelecer os freios e controles necessários para
manter cada uma delas em suas próprias esferas. Ele tentou regulamentar
a indústria e o comércio de um grande país pelo mesmo modelo utilizado
para os departamentos dos serviços públicos; e, em vez de permitir que
cada um cuidasse de seus próprios interesses da maneira que melhor lhe
aprouvesse, com base no plano liberal de igualdade, liberdade e justiça,
ele preferiu conceder privilégios extraordinários a certos ramos da
indústria e, ao mesmo tempo, estabelecer restrições extraordinárias a
outros. Além de estar disposto, como outros ministros europeus, a
incentivar mais a indústria das cidades que a do campo — objetivando
oferecer apoio ao trabalho urbano —, ele estava pronto até mesmo para
deprimir e manter baixos os níveis da produção do campo. A fim de
tornar mais baratos os alimentos para os habitantes das cidades e, assim,
incentivar a manufatura e o comércio exterior, ele proibiu de forma
absoluta a exportação de cereais e, assim, excluiu os moradores do campo
de todos os mercados estrangeiros, onde não poderiam mais vender a
parte mais importante do produto de seu trabalho. Essa proibição —
junto com as restrições impostas pelas antigas leis provinciais da França
sobre o transporte de cereais de uma província para outra, junto também
com os impostos arbitrários e degradantes que são cobrados dos
cultivadores em quase todas as províncias — desestimulou e manteve a
agricultura desse país muito abaixo do nível que teria atingido
naturalmente em um país com solo tão fértil e clima tão propício. Esse
estado de desestímulo e depressão foi sentido em maior ou menor grau
em toda a região rural e, por isso, foram realizadas muitas investigações
para se entenderem as suas causas. Parece que uma das causas desse
estado de coisas é a preferência dada pelas instituições do senhor Colbert
ao trabalho urbano em relação ao rural.559
Quando uma haste é dobrada um tanto para um lado, diz o
provérbio, é preciso dobrá-la o mesmo tanto para o outro lado para que
ela fique reta. Os filósofos franceses, que propuseram um sistema em que
a agricultura é a única fonte de rendimento e de riqueza dos países,
parecem ter adotado esse provérbio como princípio; e, da mesma forma
como o plano do senhor Colbert sobrevaloriza o trabalho urbano em
comparação ao rural, este último também parece estar certamente
subvalorizado em seu sistema.
Eles dividem em três classes os diferentes grupos de pessoas que
podem contribuir de alguma forma com o produto anual da terra e do
trabalho. A primeira é a classe dos proprietários da terra. A segunda é a
classe dos cultivadores, dos fazendeiros e dos trabalhadores rurais, a
quem honram com a alcunha especial de classe produtiva. A terceira é a
classe de artesãos, fabricantes e comerciantes, a quem se esforçam para
degradar, chamando-os pela alcunha humilhante de classe estéril ou
improdutiva.560
A classe dos proprietários contribui para o produto anual por meio de
seus gastos ocasionais com o aprimoramento das terras, dos edifícios, dos
drenos, dos cercamentos e outras melhorias, sejam elas novas ou de
manutenção; os aprimoramentos permitem que os cultivadores, com o
mesmo capital, aumentem seu produto e, consequentemente, paguem
uma maior renda. Esse adiantamento da renda pode ser considerado
como os juros ou lucros devidos ao proprietário por seus gastos ou
capital aplicado para o aprimoramento de suas terras. Nesse sistema,
esses gastos são chamados de despesas fundiárias (dépenses foncières).
Ainda nele, os cultivadores ou fazendeiros contribuem para o
produto anual por meio das despesas originais e anuais (dépenses
primitives e dépenses annuelles) com o cultivo da terra. As despesas
originais compreendem as despesas realizadas com instrumentos
agrícolas, gado, sementes e manutenção da família do fazendeiro, de seus
empregados e de seu gado, durante pelo menos uma grande parte do
primeiro ano em que o agricultor ocupa a terra, ou até que ele receba
algum retorno da terra. As despesas anuais são as despesas realizadas
com sementes, desgaste dos instrumentos agrícolas e manutenção anual
de empregados e animais do fazendeiro, bem como de sua família
também, sempre que algum membro possa ser considerado empregado
da lavoura. A parte do produto da terra que sobra ao fazendeiro após
pagar o valor da renda ao dono da terra deverá ser suficiente para, em
primeiro lugar, repor o valor total de suas despesas originais dentro de
um prazo razoável, ao menos durante o período de sua ocupação,
juntamente com os lucros ordinários do capital e, em segundo lugar,
deverá ser suficiente para, anualmente, repor o total de suas despesas
anuais, também com os lucros ordinários do capital. Esses dois tipos de
despesas são dois tipos de capital que o fazendeiro emprega em seu
cultivo; e, a menos que sejam regularmente restauradas a ele, juntamente
com um lucro razoável, ele não conseguirá manter essas aplicações em
condições de igualdade com outras mais rentáveis; mas, em respeito aos
seus próprios interesses, deverá abandoná-las o mais rapidamente
possível e buscar outras. Portanto, a parte do produto da terra que é
necessária para permitir que o fazendeiro continue em seu negócio deve
ser considerada como um fundo consagrado a cultivo; quando o
proprietário viola esse fundo, necessariamente reduz o produto de sua
própria terra e, em poucos anos, não só impede que o fazendeiro lhe
pague essa renda espoliada, mas o impede de lhe pagar uma renda
razoável. A renda do proprietário não é nada mais que o produto líquido
que resta após terem sido pagas todas as despesas necessárias, que foram
previamente aplicadas para dar origem ao produto bruto ou produto
total.561 Nesse sistema, a classe dos cultivadores recebe a alcunha honrosa
de classe produtiva, porque seu trabalho, além de pagar todas aquelas
despesas necessárias, ainda é capaz de proporcionar esse tipo de produto
líquido. Pela mesma razão, suas despesas originais e anuais são chamadas
nesse sistema de despesas produtivas, pois, além de reporem seu próprio
valor, elas proporcionam a reprodução anual desse produto líquido.
As despesas fundiárias, isto é, aquilo que o proprietário aplica para o
aprimoramento de suas terras, também são chamadas honrosamente de
despesas produtivas.562 Até que toda essa despesa, juntamente com os
lucros ordinários do capital, tenha sido completamente reembolsada a ele
por meio do adiantamento da renda que ele recebe por suas terras, esse
adiantamento deverá ser considerado sagrado e inviolável, tanto pela
Igreja quanto pelo rei, não podendo sujeitar-se nem ao dízimo nem à
tributação. Caso contrário, ao desestimular o aprimoramento das terras,
a Igreja desestimula o futuro aumento de seus próprios dízimos; o rei, o
futuro aumento de seus próprios impostos. Assim, já que, em um estado
bem ordenado de coisas, aquelas despesas fundiárias, além de
reproduzirem seu próprio valor da maneira mais completa, também
geram, após um determinado período, a reprodução de um produto
líquido, então, nesse sistema, também são consideradas despesas
produtivas.
As despesas fundiárias do proprietário da terra, no entanto,
juntamente com as despesas originais e anuais do fazendeiro, são os
únicos três tipos de despesa considerados produtivos de acordo com esse
sistema. Neste, todas as outras despesas e todos os outros grupos de
pessoas, mesmo aqueles que são normalmente considerados pelo
entendimento geral dos homens extremamente produtivos, são
representados como completamente estéreis e improdutivos.
Os artesãos e os manufaturadores, em particular, cujo trabalho, na
visão comum das pessoas, aumenta tanto o valor do produto bruto da
terra, são, nesse sistema, vistos como uma classe de pessoas
completamente estéril e improdutiva. Dizem que o trabalho desse grupo
repõe apenas o capital empregado pelo próprio grupo junto com seus
lucros ordinários. Esse capital consiste na matéria-prima, nas ferramentas
e nos salários adiantados a eles por seu empregador; é o fundo destinado
ao seu emprego e sustento. Os lucros desse capital formam um fundo
destinado ao sustento do empregador. O empregador, ao lhes adiantar o
estoque de matérias-primas, ferramentas e salários necessários para o seu
emprego, adianta para si mesmo o que é necessário para o seu próprio
sustento; sustento que, em geral, é proporcional ao lucro que espera obter
pelo preço do trabalho alheio. A menos que esse preço lhe pague o
sustento que adianta a si mesmo, assim como as matérias-primas,
ferramentas e salários que adianta aos seus trabalhadores, evidentemente
o preço não lhe reembolsa todos os gastos ali aplicados. Os lucros do
capital manufatureiro, consequentemente, não são como a renda da terra,
isto é, não são um produto líquido que remanesce após o reembolso total
dos gastos incorridos para produzi-lo. O capital do fazendeiro lhe rende
um lucro, o mesmo acontece com o capital do dono da manufatura; mas
enquanto o capital do fazendeiro gera uma renda para um terceiro, o
mesmo não acontece com o capital do dono da manufatura. Assim, os
gastos para empregar e sustentar artífices e manufaturadores não fazem
nada além de dar continuidade, por assim dizer, à existência de seu
próprio valor e não produzem nenhum novo valor. E, portanto, são
despesas completamente improdutivas e estéreis.563 Por outro lado, os
gastos para empregar agricultores e trabalhadores rurais, além de darem
continuidade à existência de seu próprio valor, produzem um valor novo,
a saber, a renda do proprietário. São, portanto, uma despesa produtiva.
Assim como o capital manufatureiro, o capital mercantil é igualmente
estéril e improdutivo. Sem produzir novos valores, ele apenas dá
continuidade à existência de seu próprio valor. Seus lucros são apenas o
reembolso do sustento que o empregador do capital adianta para si
mesmo durante o tempo que ele o utiliza, ou até que ele receba os
retornos deste. Seus lucros são apenas o reembolso de uma parte das
despesas que utiliza para aplicar o capital.
O trabalho dos artesãos e manufaturadores nunca acrescenta nada ao
valor total anual do produto bruto da terra. É verdade que esse trabalho
acrescenta muito ao valor de algumas partes específicas dele. Mas o
consumo que, nesse ínterim, faz de outras partes do produto da terra é
precisamente igual ao valor que acrescenta a essas partes específicas; de
modo que, em nenhum momento, o valor total chega a ser minimamente
aumentado por esse trabalho. Por exemplo, a pessoa que produz o
rendado para um par de babados finos para os punhos pode, às vezes,
fazer com que um penny de linho passe a valer 30 libras esterlinas.
Embora pareça à primeira vista que a pessoa está multiplicando o valor
de uma parte da matéria-prima em cerca de 7.200 vezes, ela, na realidade,
não acrescenta nada ao valor da quantidade total de matéria-prima
anualmente produzida. Esse rendado talvez lhe custe dois anos de
trabalho. As 30 libras que recebe pelo trabalho acabado não é mais do
que o reembolso da subsistência que ela adianta para si mesma durante
aqueles dois anos de trabalho. O valor que ela adiciona ao linho a cada
dia, mês ou ano de trabalho apenas repõe o valor de seu próprio
consumo durante aquele dia, mês ou ano. Em nenhum momento,
portanto, essa pessoa adiciona algo ao valor total da matéria-prima
produzida anualmente; a parcela da matéria-prima que ela consome de
forma constante é sempre igual ao valor que produz de forma constante.
A extrema pobreza da maior parte das pessoas empregadas na fabricação
dessa manufatura cara, embora insignificante, é prova suficiente de que,
nos casos comuns, o preço de seu trabalho não ultrapassa o valor de sua
subsistência. O trabalho dos fazendeiros e trabalhadores rurais é bem
diferente. A renda do proprietário é um valor que, nos casos comuns, está
sendo constantemente produzido por esse trabalho, que, além disso,
repõe da forma mais completa o consumo total, isto é, as despesas totais
investidas para empregar e sustentar os trabalhadores e seu empregador.
Artesãos, manufaturadores e comerciantes podem aumentar o
rendimento e a riqueza de sua sociedade apenas por meio da parcimônia;
ou, conforme é dito por este sistema, pela privação, isto é, privando-se de
uma parte dos fundos destinados à sua própria subsistência.564
Anualmente, eles não reproduzem outra coisa senão esses fundos. Assim,
a menos que, anualmente, economizem alguma parte desses fundos, isto
é, a menos que, anualmente, se privem do gozo de alguma parte desses
fundos, seu trabalho nunca será capaz de aumentar minimamente o
rendimento e a riqueza de sua sociedade. Os fazendeiros e os
trabalhadores rurais, pelo contrário, podem desfrutar do valor total dos
fundos destinados à sua própria subsistência e, ao mesmo tempo,
aumentar o rendimento e a riqueza de sua sociedade. Além dos valores
destinados à sua própria subsistência, seu trabalho proporciona
anualmente um produto líquido cujo aumento necessariamente aumenta
o rendimento e a riqueza de sua sociedade. Portanto as nações como a
França ou a Inglaterra, que, em sua maior parte, são formadas por
proprietários e cultivadores, podem enriquecer enquanto trabalham e
desfrutam de seus bens. Por outro lado, nações que, como a Holanda e
Hamburgo, são formadas principalmente por comerciantes, artesãos e
manufaturadores somente poderão enriquecer por meio da parcimônia e
da privação. Da mesma forma que são diferentes os interesses das nações
que se distinguem pelas circunstâncias em que vivem, o mesmo pode-se
dizer sobre o caráter comum das pessoas. No primeiro tipo de nação,
parte desse caráter comum é naturalmente formada pela liberalidade,
pela franqueza e pelo sentimento de grupo. No segundo tipo, o caráter
comum inclui uma certa estreiteza, mesquinhez e uma disposição
egoísta, avessas a todo prazer e fruição sociais.
A classe improdutiva, isto é, a dos comerciantes, artesãos e
manufaturadores é, em sua totalidade, sustentada e empregada à custa de
duas outras classes, a dos proprietários e a dos cultivadores. A classe
produtiva fornece à improdutiva a matéria-prima para o seu trabalho e os
fundos de sua subsistência, com o gado e os cereais que são consumidos
pela classe improdutiva enquanto cuida de seu trabalho. Por fim, os
proprietários e os cultivadores pagam tanto os salários de todos os
trabalhadores da classe improdutiva quanto os lucros de todos os seus
empregadores. Aqueles trabalhadores e seus empregadores podem ser
corretamente chamados de criados dos proprietários e dos cultivadores.
Eles são apenas criados que trabalham fora do recinto doméstico,
enquanto os criados domésticos trabalham dentro. Ambos, no entanto,
são igualmente mantidos à custa dos mesmos patrões. O trabalho de
ambos é igualmente improdutivo. Ele nada acrescenta ao valor total do
produto rude da terra. Em vez de aumentar o valor desse total, o trabalho
deles constitui um encargo e despesas que devem ser pagas pelo produto
da terra.
No entanto, a classe improdutiva não é apenas útil, mas muito útil às
outras duas classes. Por meio da indústria de comerciantes, artesãos e
manufaturadores, os proprietários e cultivadores podem comprar todos
os bens estrangeiros e produtos manufaturados de seu próprio país que
desejarem, com o produto de uma quantidade muito menor de seu
próprio trabalho do que seriam obrigados a utilizar caso resolvessem, eles
próprios e de forma desajeitada e sem nenhuma habilidade, importar os
bens estrangeiros ou manufaturar os produtos domésticos para uso
próprio. Por meio da classe improdutiva, os cultivadores se escusam de
muitos encargos aos quais, de outra forma, seriam obrigados a atender e
os quais os afastariam do cultivo da terra. O aumento da produção que
são capazes de obter como consequência dessa atenção exclusiva é
plenamente suficiente para pagar todas as despesas que o sustento e o
emprego da classe improdutiva custam, tanto aos proprietários quanto a
eles próprios. Embora o trabalho dos comerciantes, artesãos e
manufaturadores seja improdutivo por sua própria natureza, ainda assim
ele contribui de forma indireta para o aumento do produto da terra;
aumenta a capacidade produtiva do trabalho produtivo, deixando-o livre
para dedicar-se única e exclusivamente ao seu emprego, isto é, o cultivo
da terra; assim, arar a terra costuma ser mais fácil e melhor por meio do
trabalho daqueles cujos negócios estão muito distantes do trabalho
agrícola.
Não interessa aos proprietários e cultivadores limitar ou desestimular
em nenhum aspecto o trabalho de comerciantes, artesãos e
manufaturadores. Quanto maior for a liberdade desfrutada pela classe
improdutiva, maior será a concorrência em todos os diferentes negócios
que a compõem, e mais baratas ficarão as mercadorias de bens
estrangeiros e de produtos domésticos manufaturados para as outras
duas classes.
Não interessa à classe improdutiva oprimir as duas outras classes. O
que sustenta e emprega a classe improdutiva é o produto excedente da
terra, ou seja, o produto restante após deduzir-se dele o sustento dos
cultivadores e, em seguida, o dos proprietários. Quanto maior for o
excedente, maior será o sustento e o emprego da classe improdutiva. O
estabelecimento da justiça, da liberdade e da igualdade perfeitas é o
segredo mais simples que, de forma mais efetiva, assegura o grau mais
elevado de prosperidade a todas as três classes.
Os comerciantes, artesãos e manufaturadores dos estados mercantis,
como a Holanda e Hamburgo, que se compõem principalmente dessa
classe improdutiva, são, da mesma forma, sustentados e empregados à
custa dos proprietários de terras e dos cultivadores. A única diferença é
que a maior parte desses proprietários e cultivadores está a uma distância
extremamente inconveniente dos comerciantes, artesãos e
manufaturadores a quem fornecem os materiais de seu trabalho e os
fundos de sua subsistência, a saber, os habitantes de outros países e
súditos de outros governos.
Esses estados mercantis, entretanto, são não somente, mas
extremamente, úteis aos habitantes daqueles outros países. Eles
preenchem, em certa medida, um vazio muito importante, substituem os
comerciantes, artesãos e manufaturadores que os habitantes desses países
deveriam encontrar em solo nacional, mas que, por algum defeito em sua
política, não os encontram lá.565
Não interessa àquelas nações fundiárias, se é que posso chamá-las
assim, desestimular ou afligir a indústria desses estados mercantis
impondo tributos elevados ao seu comércio ou às mercadorias fornecidas
por ela. Esses tributos encareceriam as mercadorias e, assim, serviriam
apenas para derrubar o valor real do produto excedente de sua própria
terra, com o qual — ou, o que é a mesma coisa, com o preço do qual —
aquelas mercadorias são compradas. Esses tributos serviriam apenas para
desestimular o aumento do produto excedente e, consequentemente, a
melhoria e o cultivo de suas próprias terras. O expediente mais eficaz,
pelo contrário, para elevar o valor do produto excedente, para incentivar
o seu crescimento e, consequentemente, a melhoria e o cultivo de sua
própria terra seria permitir a mais perfeita liberdade ao comércio de
todas as nações mercantis.
Essa liberdade perfeita de comércio seria até mesmo o expediente
mais eficaz para oferecer, no tempo devido, às nações fundiárias todos os
artesãos, manufaturadores e comerciantes de que necessitam em seu
território e, assim, preencher, de maneira apropriada e vantajosa, esse
grave vazio.
O crescimento contínuo do produto excedente de suas terras criaria,
no momento oportuno, um capital maior do que aquele que poderia ser
aplicado, com a taxa ordinária de lucros, no aprimoramento e no cultivo
da terra; e a parcela excedente dele seria naturalmente utilizado para
empregar artífices e manufaturadores no país. Mas aqueles artesãos e
manufaturadores, ao encontrarem no próprio país a matéria-prima de
seu trabalho e os fundos de sua subsistência, poderiam imediatamente,
mesmo com muito menos competência, trabalhar a preços tão baixos
quanto os artesãos e manufaturadores dos Estados mercantis que
precisavam trazer matéria-prima e sustento de lugares distantes. Mesmo
que, por serem pouco competentes, não conseguissem trabalhar a preços
tão baixos por algum tempo, ao encontrar um mercado no próprio país,
poderiam vender seus produtos por preços tão baixos quanto os
praticados pelos artesãos e manufaturadores dos Estados mercantis, que
só poderiam chegar ali após cruzarem grandes distâncias; e, conforme
sua arte e habilidade progredissem, eles logo seriam capazes de vendê-los
mais baratos. Desse modo, os artesãos e manufaturadores dos Estados
mercantis seriam imediatamente rivalizados no mercado daquelas nações
fundiárias e, em seguida, seus produtos se tornariam mais caros e seriam
empurrados para fora do mercado. O baixo preço das manufaturas
daquelas nações fundiárias, como consequência das melhorias graduais
da competência e da habilidade de seus artesãos e manufaturadores, as
levariam, no tempo devido, a ampliar os limites de seu mercado
doméstico, levando-o a muitos mercados estrangeiros, de onde
gradualmente, da mesma forma, excluiriam daqueles mercados muitas
manufaturas das nações mercantis.
Esse aumento contínuo da matéria-prima e do produto manufaturado
das nações fundiárias ou agrícolas criaria, em seu devido tempo, um
capital maior do que aquele que, com a taxa ordinária de lucro, poderia
ser empregado tanto na agricultura quanto na manufatura.566 O
excedente desse capital fluiria naturalmente ao comércio exterior e seria
aplicado para exportar a parcela da matéria-prima e das manufaturas de
seu próprio país que ultrapassasse a demanda de seu mercado interno.
Na exportação do produto de seu próprio país, os comerciantes de uma
nação fundiária teriam sobre as nações mercantis as mesmas vantagens
que seus artesãos e manufaturadores tiveram em relação aos artesãos e
manufaturadores das nações mercantis, a saber, a vantagem de encontrar
em seu próprio território a carga, os suprimentos e as provisões que os
outros foram obrigados a procurar em locais distantes. Assim, mesmo
com arte e habilidade inferiores na navegação, conseguiriam vender sua
carga nos mercados externos a preços tão baixos quanto os comerciantes
das nações mercantis; e, chegando à mesma competência, seriam capazes
de vendê-la a preços mais baixos. Em pouco tempo, passariam a competir
com nações mercantis no comércio externo de seus produtos e, em seu
devido tempo, as excluiriam totalmente de tal comércio.
De acordo com esse sistema liberal e generoso, portanto, o método
mais vantajoso para que uma nação fundiária possa gerar seus próprios
artesãos, manufaturadores e comerciantes é por meio da concessão da
mais perfeita liberdade de comércio para os artesãos, manufaturadores e
comerciantes de todas as outras nações. Aumenta, desse modo, o valor do
produto excedente de sua própria terra, cujo crescimento contínuo
estabelece gradualmente um fundo que, no devido tempo, dará origem a
todos os artesãos, manufaturadores e comerciantes necessários no país.
Por outro lado, quando uma nação fundiária oprime o comércio das
nações estrangeiras por meio de tributos ou por proibições, ela
necessariamente fere seus próprios interesses de duas formas: em
primeiro lugar, ao aumentar o preço de todos os bens estrangeiros e de
todos os tipos de manufatura, essa nação, necessariamente, derruba o
valor real do produto excedente de sua própria terra com o qual compra
ou, o que dá no mesmo, com o preço do qual compra os bens
estrangeiros e as manufaturas. Em segundo lugar, ao entregar uma
espécie de monopólio de seu mercado doméstico aos seus próprios
comerciantes, artesãos e manufaturadores, o país eleva a taxa de lucro
mercantil e manufatureiro em relação ao lucro agrícola e,
consequentemente, retira da agricultura uma parcela do capital que havia
sido aplicada nela, ou impede que uma parcela do capital que seria
aplicada nela o seja. Essa política, portanto, desencoraja a agricultura de
duas maneiras diferentes: primeiro, baixando o valor real de seu produto
e, assim, reduzindo a taxa de seu lucro; e, em segundo lugar, elevando a
taxa de lucro de todos os outros empregos. Enquanto a agricultura passa
a ser menos vantajosa, o comércio e a manufatura se tornam mais
vantajosos do que seriam; e, assim, por seu próprio interesse, todas as
pessoas ficam tentadas a migrar seu capital e trabalho do primeiro
emprego para aqueles outros dois.
Embora uma nação fundiária seja capaz de gerar artesãos,
manufaturadores e comerciantes próprios por meio dessa política
opressiva um pouco antes do que conseguiria gerar por meio da
liberdade de comércio — essa questão, no entanto, é bastante controversa
—, ela os geraria de forma, digamos, um pouco prematura, ou antes de
estar perfeitamente madura para isso. Pois, ao promover apressadamente
uma espécie de trabalho, ela deprime uma outra espécie mais valiosa de
trabalho. Ao promover, ou gerar, apressadamente uma espécie de
trabalho que apenas repõe o capital que emprega este mesmo trabalho e
seus lucros ordinários, deprime uma espécie de trabalho que, além de
repor esse capital com seus lucros, ainda proporciona um produto
líquido, uma renda líquida ao proprietário da terra. Enfim, deprimiria o
trabalho produtivo e, ao mesmo tempo, incentivaria muito
apressadamente um trabalho completamente estéril e improdutivo.
O inteligente e profundo autor desse sistema, o senhor Quesnay,567
utiliza algumas tabelas aritméticas para descrever como, nesse sistema, o
produto anual total das terras é distribuído entre as três classes
anteriormente mencionadas e de que maneira o trabalho da classe
improdutiva apenas substitui o valor de seu próprio consumo sem, em
nenhum aspecto, aumentar o valor desse total. Sua primeira tabela, que,
por sua importância específica, é chamada de “Quadro econômico”,
mostra a forma como, segundo ele, funciona essa distribuição em um
Estado com a mais perfeita liberdade e, portanto, da maior prosperidade;
em um Estado em que o produto anual é capaz de gerar o maior produto
líquido possível e em que cada classe desfruta a parcela do produto anual
total que lhe cabe. Algumas tabelas subsequentes mostram, segundo
supõe esse autor, como a distribuição acontece em diferentes estágios de
restrições e regulação; em que ou a classe dos proprietários ou a classe
estéril e improdutiva é mais favorecida do que a classe dos lavradores e
na qual uma classe ou outra invade em maior ou menor grau a parcela
que caberia adequadamente a essa classe produtiva. Cada invasão desse
tipo, cada violação da distribuição natural que seria estabelecida pela
liberdade mais perfeita deve necessariamente, de acordo com esse
sistema e de um ano para o outro, degradar em maior ou menor grau o
valor e o total do produto anual, e deve, necessariamente, levar a um
declínio gradual da riqueza real e dos rendimentos da sociedade; um
declínio que progredirá de forma mais rápida ou lenta na medida em que
o grau dessa invasão, conforme a distribuição natural estabelecida pela
liberdade mais perfeita, tenha sido violado em maior ou menor grau.
Essas outras tabelas apresentam os diferentes graus de declínio que, de
acordo com esse sistema, correspondem aos diferentes graus de violação
da distribuição natural das coisas.568Alguns médicos teóricos parecem ter
imaginado que a saúde do corpo humano somente poderia ser
preservada por um único regime preciso de dieta e exercícios; a menor
violação desse regime seria obrigatoriamente responsável por algum grau
de doença ou distúrbio proporcional ao grau de violação. A experiência,
entretanto, pareceria mostrar que o corpo humano costuma preservar,
pelo menos na aparência, um estado perfeito de saúde sob uma variada
gama de diferentes regimes, mesmo sob aqueles geralmente vistos como
os mais danosos à saúde. Mas parece que o estado saudável do corpo
humano contém em si alguns princípios desconhecidos de preservação
capazes de impedir ou de corrigir, em muitos aspectos, os efeitos
deletérios até mesmo de um regime muito ruim. O senhor Quesnay, que
era ele próprio um médico, e um médico bastante teórico, parece ter
estabelecido uma noção do mesmo tipo para o corpo político e, assim,
imaginou que este corpo somente prosperaria sob um determinado
regime específico, um regime preciso de liberdade e justiça perfeitas. Ele
parece não ter considerado que no corpo político o esforço natural que
cada um realiza de forma contínua para melhorar sua própria condição é
um princípio de preservação capaz de impedir e corrigir, em muitos
aspectos, os maus efeitos de uma economia política que, em certo grau,
seja parcial e opressiva. Embora uma economia política desse tipo seja,
sem dúvida, capaz de retardar, em maior ou menor grau, o progresso
natural de uma nação em direção à riqueza e à prosperidade, nem
sempre é capaz de fazê-lo parar por completo ou regredir. Ocorre que, se
uma nação não fosse capaz de prosperar sem liberdade e justiça perfeitas,
não haveria no mundo sequer uma nação que tivesse prosperado. No
corpo político, no entanto, a sabedoria da natureza, felizmente, tomou
providências para corrigir muitos dos efeitos deletérios da loucura e da
injustiça humanas; da mesma forma, o corpo natural também toma
providências para corrigir os efeitos da preguiça e da falta de moderação.
No entanto, o erro de capital desse sistema parece estar em apresentar
a classe dos artesãos, manufaturadores e comerciantes como
completamente estéril e improdutiva. As seguintes observações podem
servir para demonstrar o desacerto dessa caracterização.
Em primeiro lugar, sabe-se que essa classe repõe anualmente o valor
de seu próprio consumo anual e que, no mínimo, dá continuidade à
existência do fundo ou capital que a sustenta e emprega. Note que essa
razão isolada já é capaz de demonstrar que o apelido de classe estéril ou
improdutiva é aplicado de forma indevida a ela. Não diríamos que um
casamento é estéril ou improdutivo mesmo que gerasse apenas um filho e
uma filha para repor, no mundo, o pai e a mãe e mesmo que apenas desse
continuidade ao número de pessoas existentes anteriormente, sem
acrescentar mais gente à espécie humana. De fato, os fazendeiros e os
trabalhadores rurais, além de reproduzirem o capital que os sustenta e
emprega, também geram anualmente um produto líquido, uma renda
líquida ao proprietário. Assim como um casamento que gera três filhos é
certamente mais produtivo do que um que gera apenas dois, o trabalho
dos agricultores e trabalhadores rurais é certamente mais produtivo do
que o trabalho dos comerciantes, artesãos e manufaturadores. Mas o
produto superior de uma classe não torna a outra estéril ou improdutiva.
Em segundo lugar, por essa razão parece ser totalmente inapropriado
colocar a classe dos artesãos, manufaturadores e comerciantes na mesma
categoria dos criados domésticos. O trabalho dos criados domésticos não
dá continuidade à existência dos fundos que os mantêm e emprega. A
manutenção e o emprego destes correm à custa de quem os emprega; e o
reembolso dessa despesa não pode ser gerado pelo trabalho que
executam. O trabalho desses criados consiste em serviços que costumam
acabar no instante em que são desempenhados, o trabalho não se fixa
nem se transforma em uma mercadoria vendável, capaz de repor o valor
de seus salários e sustento. Por outro lado, o trabalho dos artesãos,
manufaturadores e comerciantes se fixa naturalmente e se transforma em
um produto vendável. É por essa razão que, no capítulo em que trato do
tema “trabalho produtivo e improdutivo”, classifico artesãos,
manufaturadores e comerciantes entre os trabalhadores produtivos e os
criados domésticos entre os estéreis e improdutivos.
Em terceiro lugar, sob qualquer suposição, parece totalmente
impróprio dizer que o trabalho de artesãos, manufaturadores e
comerciantes não aumenta o rendimento real da sociedade. Embora, por
exemplo, devêssemos supor — como parece ter sido suposto por este
sistema — que o valor do consumo diário, mensal e anual dessa classe é
exatamente igual ao de sua produção diária, mensal e anual, daí não
poderíamos concluir que o seu trabalho nada tenha acrescentado ao
rendimento real, ao valor real do produto anual da terra e do trabalho da
sociedade. Por exemplo, um artesão que nos primeiros seis meses após a
colheita execute um trabalho que valha 10 libras, embora ele deva, ao
mesmo tempo, consumir o valor de 10 libras em cereais e outros bens de
primeira necessidade, ainda assim ele realmente acrescentou o valor de
10 libras ao produto anual da terra e do trabalho da sociedade. Enquanto
ele consumiu uma receita semestral no valor de 10 libras em cereais e
outros bens de primeira necessidade, produziu um valor igual de
trabalho, suficiente para comprar um rendimento semestral idêntico para
si mesmo ou para alguma outra pessoa. Portanto, o valor consumido e
produzido durante esses seis meses é igual a 20 libras, e não 10.569 De
fato, é possível que, em um momento qualquer, nunca tenha existido
mais do que o valor de 10 libras. Mas, se o valor de 10 libras em cereais e
outros bens de primeira necessidade consumidos pelo artífice tivesse sido
consumido por um soldado ou por um criado doméstico, o valor da
parcela do produto anual que existisse no final dos seis meses teria sido
10 libras menor do que o valor que efetivamente existe como
consequência do trabalho prestado pelo artífice. Assim, embora o valor
daquilo que o artífice produz não seja, em nenhum momento, superior
ao valor do que consome, ainda assim o valor das mercadorias
efetivamente existentes no mercado é, em cada instante e em
consequência daquilo que ele produz, superior ao que seria em outro
caso. Quando os defensores desse sistema afirmam que o consumo dos
artesãos, manufaturadores e comerciantes é igual ao valor do que eles
produzem, eles provavelmente querem apenas dizer que o consumo é
igual a seu rendimento, ou ao fundo destinado ao seu consumo. Mas se
eles se expressassem com maior exatidão e afirmassem que os
rendimentos dessa classe são iguais ao valor daquilo que ela produz, o
leitor já teria compreendido que tudo o que se economizasse do
rendimento necessariamente aumentaria em maior ou menor grau a
riqueza real da sociedade. Mas, para que pudessem construir algo como
um argumento, eles precisaram se expressar daquela forma; ocorre que,
mesmo supondo que as coisas fossem realmente como presumem aqueles
autores, o argumento acaba sendo muito inconclusivo.
Em quarto lugar, se não forem parcimoniosos, os fazendeiros e os
trabalhadores rurais não conseguem aumentar o rendimento real, o
produto anual da terra e do trabalho de sua sociedade, mais do que os
artesãos, manufaturadores e comerciantes. O produto anual da terra e do
trabalho de qualquer sociedade somente pode ser aumentado de duas
maneiras; pode, em primeiro lugar, ser aumentado por alguma melhoria
na capacidade produtiva do trabalho útil efetivamente mantido na
sociedade; ou, em segundo lugar, pelo aumento da quantidade desse
trabalho.
A melhoria da capacidade produtiva do trabalho útil depende, em
primeiro lugar, da melhoria das habilidades do trabalhador; e, em
segundo lugar, da melhoria do maquinário utilizado por ele. Mas, já que
o trabalho dos artesãos e dos manufaturadores pode ser mais subdividido
e já que o trabalho de cada trabalhador pode ser reduzido a uma
operação mais simplificada do que o trabalho dos fazendeiros e
trabalhadores rurais, então o trabalho de artesãos e manufaturadores é,
da mesma forma, capaz de receber ambos os tipos da melhoria em um
grau muito maior.570 Nesse sentido, portanto, a classe dos lavradores não
pode levar nenhum tipo de vantagem sobre a classe dos artesãos e
manufaturadores.571
O aumento da quantidade de trabalho útil efetivamente empregado
em uma sociedade qualquer depende totalmente do aumento do capital
que o emprega; e o aumento desse capital também deverá ser exatamente
igual ao montante que se economiza dos rendimentos, quer de pessoas
que administram e aplicam esse capital, quer daquelas pessoas que o
emprestam para as primeiras. Se os comerciantes, artesãos e fabricantes
estão, conforme parece supor esse sistema, naturalmente mais inclinados
à parcimônia e à poupança do que os proprietários e lavradores, então,
até este momento, eles estão mais propensos a aumentar a quantidade de
trabalho útil empregada em sua sociedade e, consequentemente, a
aumentar o rendimento real de seu país, isto é, o produto anual de suas
terras e trabalho.
Em quinto e último lugar, embora as receitas dos habitantes de cada
país devessem, supostamente, ser formadas completamente, como parece
supor esse sistema, pela quantidade de bens que seu trabalho é capaz de
comprar para a sua subsistência, ainda assim, mesmo aceitando a
suposição, o rendimento de um país comerciante e manufaturador
deverá, mantidas inalteradas todas as outras condições, ser sempre muito
maior do que o de um país que não possua comércio e manufaturas. Por
meio do comércio e das manufaturas é possível importar uma quantidade
de bens de subsistência maior do que a quantidade que, no atual estado
de cultivo, suas próprias terras conseguiriam lhes oferecer. Embora os
habitantes de uma cidade não costumem possuir terras, ainda assim, por
meio de seu próprio trabalho, eles atraem para si mesmos a matéria-
prima das terras de outras pessoas que os abastecem com o material para
seu trabalho e com os fundos para sua subsistência.
Aquilo que é uma cidade em relação ao meio rural que a circunda é o
que um estado ou país independente pode ser em relação a outros
estados ou países independentes. É assim que a Holanda atrai de outros
países grande parte de seus bens de subsistência: gado vivo do ducado de
Holstein e da Jutlândia e cereais de quase todos os outros países da
Europa. Uma quantidade pequena de produtos manufaturados compra
uma grande quantidade de matérias-primas. Portanto, um país
comerciante e manufatureiro, naturalmente, compra com uma pequena
parcela de seus produtos manufaturados uma grande parte da matéria-
prima de outros países; enquanto, pelo contrário, um país sem comércio
e manufatura é geralmente obrigado a comprar, à custa de uma grande
parcela de sua matéria-prima, uma parcela muito pequena dos produtos
manufaturados de outros países. O primeiro exporta bens capazes de
sustentar e acomodar poucas pessoas e, por outro lado, importa bens
para sustentar e acomodar muitas pessoas. O outro exporta bens capazes
de acomodar e sustentar um grande número de pessoas e, por outro lado,
importa bens para acomodar e sustentar pouquíssimas pessoas. Os
habitantes do primeiro desfrutam sempre de uma quantidade muito
maior de bens para sua subsistência do que seria possível obter de suas
próprias terras em seu estado efetivo de cultivo. Os habitantes do outro
desfrutam sempre de uma quantidade muito menor.
No entanto, mesmo com todas as suas imperfeições, esse sistema
talvez seja, dentre todos os textos já publicados sobre economia política,
o que mais se aproxima da verdade e, por essa razão, vale muito a pena
examinar com atenção os princípios dessa importante ciência. Embora,
ao caracterizar o trabalho rural como o único trabalho produtivo,
apresente ideias que podem ser consideradas muito estreitas e limitadas;
ainda assim, quando diz que a riqueza das nações não é formada pelas
riquezas inconsumíveis do dinheiro, mas por bens consumíveis que são
anualmente reproduzidos pelo trabalho da sociedade, e quando diz que a
liberdade perfeita é o único expediente eficaz para que essa reprodução
anual seja a maior possível, então, nesses aspectos, a teoria parece ser tão
justa quanto é generosa e liberal.572 Seus seguidores são muito
numerosos; e, já que as pessoas gostam de paradoxos e de parecer
compreender o que ultrapassa o entendimento das pessoas comuns, o
paradoxo dessa teoria sobre a natureza improdutiva do trabalho
manufatureiro talvez tenha contribuído um pouco para aumentar o
número de seus admiradores. Eles se tornaram nos últimos anos uma
seita bastante considerável, conhecida na República das Letras pelo nome
de “Os economistas”.573 Suas obras prestaram certamente um bom
serviço a seu país; pois, além de trazerem à discussão geral muitos
assuntos que nunca haviam sido bem examinados anteriormente,
também influenciaram, em certa medida, a administração pública em
favor da agricultura. Foi em consequência de suas ideias que a agricultura
da França se libertou das arbitrariedades a que estava anteriormente
sujeita. O termo dos contratos de arrendamento, válido contra todos os
futuros compradores ou proprietários de terras, foi aumentado de nove
para vinte e sete anos. As antigas restrições ao transporte de cereais de
uma província do Reino para outra foram totalmente retiradas; e, em
todos os casos comuns, a liberdade de exportação a todos os países
estrangeiros foi estabelecida como regra geral do Reino. Todas as obras
publicadas por essa seita — muito numerosas e que tratam não só do que
é propriamente chamado de economia política (isto é, sobre a natureza e
as causas da riqueza das nações), mas de todas as outras áreas do sistema
de governo civil — seguem implicitamente, e sem qualquer variação
sensata, a doutrina do senhor Quesnay. Por essa razão, há pouquíssima
variação na maioria de seus trabalhos. O relato mais distinto e coerente
da teoria pode ser encontrado em um pequeno livro escrito pelo senhor
Mercier de La Rivière,574 intendente da Martinica por algum tempo,
intitulado, “a ordem natural e essencial das sociedades políticas”. A
admiração de toda essa escola por seu mestre, um homem de muita
modéstia e simplicidade, não é inferior àquela que os antigos filósofos
prestavam aos fundadores de seus respectivos sistemas. “Desde o início
do mundo”, diz um autor bastante diligente e respeitável, o Marquês de
Mirabeau,575 “três grandes invenções foram as principais responsáveis
pela estabilidade das sociedades políticas, independentemente de muitas
outras invenções que as enriqueceram e enfeitaram. A primeira foi a
invenção da escrita que, por si só, oferece à natureza humana o poder de
transmitir, sem alteração, suas leis, seus contratos, suas memórias e suas
descobertas. A segunda foi a invenção do dinheiro, pois uniu todas as
relações entre as sociedades civilizadas. A terceira é a tabela econômica,
resultado das outras duas, que as completa ao aperfeiçoar seus fins; a
grande descoberta da nossa era, cujo benefício será colhido por nossa
posteridade”.
Se por um lado a economia política das nações da Europa moderna
foi mais favorável à manufatura e ao comércio exterior, isto é, mais ao
trabalho urbano do que à agricultura, o trabalho do campo; por outro, a
economia política de outras nações seguiu um plano diferente,
favorecendo mais a agricultura que a manufatura e o comércio exterior.
A política da China favorece a agricultura mais do que todos os
outros empregos. Dizem que na China as condições de vida de um
trabalhador são ditas muito melhores que as de um artesão, da mesma
forma que, na maior parte da Europa, as condições de um artesão são
muito melhores que as de um trabalhador. A maior ambição dos chineses
é a posse de um bocado de terras, seja como donos ou arrendatários;
dizem que os arrendamentos seguem regras bastante moderadas,
oferecendo boas garantias aos arrendatários. Os chineses têm pouco
respeito pelo comércio exterior. Seu comércio mendicante era a forma
como os mandarins de Pequim se referiam ao comércio quando
conversavam com o senhor de Lange, o enviado russo.576 Excetuando seu
comércio com o Japão, os próprios chineses, utilizando seus próprios
barcos, mantêm pouco ou nenhum comércio exterior; e só admitem a
entrada de navios estrangeiros em um ou dois portos de seu reino.
Consequentemente, o círculo do comércio exterior na China está
totalmente confinado a uma área muito mais estreita do que aquela que
naturalmente poderia abraçar caso esse comércio possuísse maior
liberdade para que fosse realizado em seus próprios navios ou nos navios
de nações estrangeiras.
As manufaturas em pequeno volume costumam ter um grande valor e
podem, por esse motivo, ser transportadas de um país para outro por
despesas menores do que a maior parte das matérias-primas; em quase
todos os países, esses tipos de manufaturas constituem a base principal
do comércio exterior. Além disso, em países menores que a China e com
condições menos favoráveis ao comércio interno, as manufaturas
costumam exigir o apoio do comércio exterior. Sem um grande mercado
externo, as manufaturas não poderiam prosperar muito; nem naqueles
países tão pequenos que, por isso, só possuem um pequeno mercado
interno, nem naqueles países em que a comunicação entre uma província
e outra é tão difícil que as mercadorias de um determinado local ficam
impossibilitadas de aproveitar todo o mercado interno que o país poderia
oferecer. É importante lembrarmos que a perfeição do trabalho
manufatureiro depende completamente da divisão de trabalho; e,
conforme já foi demonstrado, o grau em que a divisão de trabalho pode
ser introduzida em qualquer manufatura é obrigatoriamente
determinado pelo tamanho do mercado. Ocorre que a grande extensão
do império chinês, sua vasta multidão de habitantes, sua grande
variedade de climas e, como consequência, das produções de suas várias
províncias, bem como a comunicação facilitada pelo transporte hídrico
entre a maior parte delas, são características que tornam o mercado
interno desse país tão amplo que, sozinho, ele é suficiente para sustentar
manufaturas muito grandes e permitir que o trabalho delas seja bastante
subdividido. É possível que o mercado doméstico da China não seja, em
extensão, muito inferior ao mercado de todos os países da Europa juntos.
Entretanto, um comércio exterior mais amplo que a esse grande mercado
interno acrescentasse o mercado externo de todo o resto do mundo —
especialmente se uma parcela considerável qualquer desse comércio fosse
realizada em navios chineses — aumentaria em demasia as manufaturas
da China e melhoraria muito a capacidade produtiva de sua indústria
manufatureira. Com uma navegação mais ampla, os chineses
aprenderiam naturalmente a arte de usar e construir as diferentes
máquinas utilizadas em outros países, bem como todos os outros avanços
da arte e do trabalho que são praticados em todas as diferentes partes do
mundo. De acordo com o plano atual, a China tem poucas oportunidades
para se desenvolver por meio do exemplo de quaisquer outras nações,
exceto pelo dos japoneses.
A política do Egito Antigo e a do governo do Hindustão também
parecem ter favorecido mais a agricultura do que todos os outros
empregos.
Tanto no Egito Antigo quanto no Hindustão, a população dividia-se
em castas ou tribos, cujos membros limitavam-se a uma atividade ou
classe de atividades específicas que eram passadas de pai para filho. O
filho de um sacerdote, obrigatoriamente, se tornaria também um
sacerdote; o filho de um soldado, um soldado; o filho de um trabalhador,
um trabalhador; o filho de um tecelão, um tecelão; o filho de um alfaiate,
um alfaiate, etc. Nesses dois países, a casta dos sacerdotes ocupava o topo
da pirâmide social e, em seguida, vinha a casta dos soldados; e, em ambos
os países, a casta dos agricultores e trabalhadores era superior à casta dos
comerciantes e fabricantes.
O governo de ambos os países estava particularmente atento aos
interesses da agricultura. As obras construídas pelos antigos soberanos
do Egito para a distribuição adequada das águas do Nilo eram famosas na
Antiguidade; e as ruínas de alguns desses aquedutos ainda causam a
admiração dos viajantes. Embora os aquedutos construídos pelos antigos
soberanos do Hindustão para a distribuição apropriada das águas do
Ganges e de muitos outros rios tenham sido menos celebrados, eles
parecem ter sido igualmente grandiosos. Ambos os países, por
conseguinte, embora sujeitos ocasionalmente à escassez, eram famosos
por sua grande fertilidade. Embora ambos fossem extremamente
populosos, ainda assim, em anos de abundância moderada, ambos eram
capazes de exportar grandes quantidades de grãos para seus vizinhos.
Os antigos egípcios tinham uma aversão supersticiosa ao mar; e,
como a religião da Índia não permitia que seus seguidores acendessem
fogo e, consequentemente, preparassem quaisquer alimentos sobre a
água, isso os proibia de realizar viagens marítimas mais longas. Tanto os
egípcios como os indianos dependiam quase completamente da
navegação de outras nações para a exportação de seu produto excedente;
e, assim como essa dependência deve ter limitado o mercado desses dois
povos, também deve ter desestimulado o aumento do produto excedente.
Também deve ter desestimulado mais o crescimento do produto
manufaturado do que das matérias-primas. As manufaturas exigem um
mercado muito mais amplo do que as parcelas mais importantes das
matérias-primas da terra. Um único sapateiro é capaz de fazer mais de
300 pares de sapatos por ano; e sua própria família provavelmente não
gastará nem seis pares. Portanto, a menos que tenha 50 famílias
semelhantes à sua como clientes, ele não será capaz de vender o produto
total de seu próprio trabalho. Em um país grande, a classe mais numerosa
de artesãos raramente perfará uma a cada cinquenta ou cem famílias que
o habitam. Alguns autores calcularam que o número de pessoas
empregadas na agricultura, em países grandes como a França e a
Inglaterra, seria a metade de toda a sua população, outros disseram que
essa quantidade era de um terço, mas nenhum autor que eu conheça
chegou a uma fração menor que um quinto. Mas, já que a maior parte do
produto da agricultura da França e da Inglaterra é consumida em seus
mercados internos, cada pessoa empregada nela deve, de acordo com
esses cálculos, exigir para si uma clientela pouco maior que uma, duas
ou, no máximo, quatro famílias iguais à sua para conseguir vender todo o
produto de seu próprio trabalho. Em meio ao desestímulo e um mercado
limitado, portanto, a agricultura pode sustentar-se melhor do que as
manufaturas. De fato, tanto no Egito como no Hindustão, o mercado
externo limitado ficava de certa forma compensado pela comodidade das
fartas navegações internas, que abriam, de maneira extremamente
vantajosa, todo o mercado doméstico para o produto total de cada um
dos vários distritos desses países. A vastidão do Hindustão também
tornava seu mercado doméstico extremamente amplo e suficiente para
sustentar uma grande variedade de manufaturas. Já a pequena extensão
do Egito Antigo, sendo menor que a da Inglaterra, tornava seu mercado
doméstico muito pequeno, impossibilitando-o de sustentar uma grande
variedade de manufaturas. Como consequência, Bengala, a província do
Hindustão que, em geral, mais exporta arroz, foi sempre mais conhecida
pela exportação de uma grande variedade de manufaturas do que pela
exportação de seu grão. O Egito Antigo, pelo contrário, embora
exportasse algumas manufaturas — o linho fino, em particular —, bem
como alguns outros bens, foi sempre mais conhecido por sua grande
exportação de grãos. Foi, por muito tempo, o celeiro do Império
Romano.
Os soberanos da China, do Egito Antigo e dos vários reinos que, em
diferentes épocas, formavam o Hindustão, sempre obtiveram todos os
seus rendimentos — ou, de longe, a maior parte deles — de algum tipo de
renda fundiária ou imposto sobre a terra. A renda ou o imposto
fundiário, semelhante ao dízimo europeu, consistia em uma determinada
parcela — um quinto, segundo dizem — do produto da terra, que ou era
entregue em espécie ou era paga em dinheiro, de acordo com uma
determinada avaliação, e que portanto variava anualmente de acordo
com todas as variações do produto. Assim, era natural que os soberanos
desses países estivessem particularmente atentos aos interesses da
agricultura, cuja prosperidade ou declínio estava diretamente ligada ao
aumento ou diminuição anual de seu próprio rendimento.
Embora a política de Roma e das antigas repúblicas da Grécia
honrasse mais a agricultura do que a manufatura ou o comércio exterior,
ainda assim essa política parece antes ter desestimulado esses dois
últimos empregos do que ter incentivado direta ou intencionalmente a
agricultura. O comércio exterior era completamente proibido em vários
estados gregos da Antiguidade; e, em vários outros, o emprego de
artesãos e manufaturadores era considerado muito prejudicial à força e à
agilidade do corpo humano, pois o tornava incapaz de manter a firmeza
incutida pelos exercícios militares e atléticos, e, dessa forma, o
desqualificava em maior ou menor grau para suportar as fadigas e
enfrentar os perigos da guerra. Essas ocupações eram consideradas
adequadas somente para escravos, e, assim, os cidadãos livres eram
proibidos de exercê-las. Mesmo naqueles Estados onde não existia essa
proibição, como em Roma e Atenas, a população geral estava
efetivamente excluída de todas as atividades comerciais que atualmente
são exercidas pela classe mais baixa de habitantes das cidades. Essas
atividades eram, em Atenas e em Roma, realizadas pelos escravos dos
ricos para beneficiar seus mestres, cuja riqueza, poder e proteção
tornavam quase impossível para um pobre livre, quando resolvia
concorrer com esses escravos, obter meios para encontrar mercado para
seu trabalho. Ocorre que os escravos não costumam ser inventivos; e, por
isso, foram os homens livres que realizaram todas as mais importantes
melhorias, seja em relação ao maquinário, seja em relação ao arranjo e à
distribuição do trabalho que facilita e abrevia o trabalho. Quando um
escravo propõe esse tipo de melhoria, os mestres costumam achar que a
proposta pode indicar preguiça e um desejo de trabalhar menos às suas
custas. E, em vez de ser recompensado, o pobre escravo será maltratado,
talvez com algum castigo. Assim, é provável que, para o mesmo produto,
tenha sido empregado muito mais trabalho nas manufaturas realizadas
por escravos do que naquelas realizadas por homens livres. O trabalho
dos escravos, por esse motivo, seria, em geral, mais caro do que o de
homens livres. Conforme nos informa o senhor Montesquieu, na
Hungria, as minas não eram mais ricas que as da vizinha Turquia, mas
foram exploradas com menores gastos e, portanto, maiores lucros. A
exploração das minas turcas é realizada por escravos; e os turcos nunca
quiseram empregar outras máquinas senão os braços desses escravos. A
exploração das minas húngaras é realizada por homens livres, que
empregam uma grande quantidade de máquinas, por meio das quais o
seu trabalho é facilitado e abreviado. A partir do pouco que se sabe sobre
o preço das manufaturas nos tempos dos gregos e romanos, parece que as
do tipo mais refinado eram excessivamente caras. A seda era vendida por
seu peso em ouro. De fato, naqueles tempos a seda não era uma
manufatura europeia; trazia-se toda seda das Índias Orientais e, por isso,
a distância do carregamento pode, até certo ponto, ser responsável por
seu preço alto. Dizem, no entanto, que o preço que uma dama às vezes
pagava por um pedaço de linho muito fino era igualmente exorbitante; e
como o linho era sempre uma manufatura europeia, ou, no máximo, uma
manufatura egípcia, a causa desse preço tão alto somente se explica pelo
trabalho dispendioso desse produto, e os gastos desse trabalho somente
podem ser causados pelo maquinário complicado que se utilizava nessa
manufatura. Parece que, antigamente, o preço das lãs finas também era
muito mais elevado, embora não tão exorbitante. Plínio nos informa que
o preço de alguns tecidos tingidos de uma forma específica era de 100
denários, isto é, 3 libras, 6 xelins e 8 pence por libra-peso.577 Outros,
tingidos de outra maneira, custavam mil denários por libra-peso, ou 33
libras, 6 xelins e 8 pence. É importante lembrar que a libra romana
continha apenas 12 onças avoirdupois. A causa desse alto preço, de fato,
parece ter sido o tingimento. Mas se os próprios tecidos não fossem
muito mais caros do que os tecidos feitos hoje, provavelmente não se
teria utilizado um tingimento tão caro neles. A desproporção entre o
valor do acessório e o do principal teria sido muito grande. O preço
citado pelo mesmo autor de uma certa Triclinaria, uma espécie de
travesseiro de lã ou almofada usada para reclinar-se em sofás à mesa,
ultrapassa toda a credibilidade; ele diz que esses produtos podiam chegar
a custar mais de 30 mil e, outros, mais de 300 mil libras. Não podemos
dizer que, nesse caso, o alto preço ocorra por causa do tingimento. O
vestuário das pessoas elegantes de ambos os sexos parece ter variado
muito menos, observa o doutor Arbuthnot,578 nos tempos antigos que
nos modernos; essa observação é confirmada pela pequena variedade dos
tipos de roupas encontrados nas estátuas antigas. Disso ele infere que o
vestuário antigo devia ser mais barato que o que usamos hoje em dia:
mas essa conclusão não parece sólida. Ocorre que, quanto mais caras são
as roupas elegantes, menor é sua variedade. Mas, quando se melhora a
capacidade produtiva das manufaturas, as roupas passam a custar mais
barato e sua variedade passa a ser naturalmente bem maior. Assim,
quando os ricos não conseguem mais se distinguir pelo alto preço de suas
roupas, eles naturalmente buscam se distinguir pela abundância e
variedade de roupas que possuem.
Conforme já dito, o maior e mais importante ramo comercial de uma
nação é aquele que se realiza entre os habitantes da cidade e os habitantes
do campo. Os habitantes da cidade extraem do campo a matéria-prima
que funciona como material de trabalho e fundo para sua subsistência; a
matéria-prima, depois de ser manufaturada e preparada para consumo
imediato, é enviada ao campo como pagamento. O comércio entre esses
dois diferentes grupos de pessoas é realizado pela troca de uma
determinada quantidade de produto bruto por uma determinada
quantidade de produto manufaturado. Quanto mais caro é o último, mais
barato é o primeiro; e tudo o que tende a elevar os preços dos produtos
manufaturados tende a diminuir os preços do produto bruto, e, portanto,
a desencorajar a agricultura. Quanto menor a quantidade de produtos
manufaturados que uma certa quantidade de matéria-prima, ou, o que é
a mesma coisa, que o preço de uma certa quantidade de matéria-prima é
capaz de comprar, menor será o valor de troca daquela certa quantidade
de matéria-prima; menor será também o incentivo para que o
proprietário da terra aumente o seu produto pelo aprimoramento da
terra, ou o fazendeiro, pelo cultivo da terra. Além disso, tudo o que tende
a diminuir o número de artesãos e manufaturadores tende a diminuir o
mercado doméstico — que, entre todos os mercados, é o mais importante
para a matéria-prima — e, assim, tende a desestimular ainda mais a
agricultura.
Portanto, aqueles sistemas que, preferindo a agricultura a todas as
outras atividades e desejando promovê-la, impõem restrições à
manufatura e ao comércio exterior agem contra o fim buscado por eles e,
indiretamente, desencorajam o tipo de trabalho que queriam promover.
Por essa razão, talvez sejam mais incongruentes do que até mesmo o
sistema mercantil. Este último, ao incentivar a manufatura e o comércio
exterior mais do que a agricultura, faz com que uma determinada parcela
do capital da sociedade deixe de sustentar um tipo de trabalho mais
vantajoso e passe a sustentar um menos vantajoso. Mas, ainda assim, o
sistema acaba realmente ao final incentivando a espécie de trabalho que
desejava promover. Os sistemas agrícolas ou fundiários, pelo contrário,
acabam realmente desestimulando suas espécies favoritas de trabalho.
Há sistemas que, por meio de encorajamentos extraordinários,
buscam atrair para uma determinada espécie de trabalho uma parcela
maior do capital da sociedade do que aquela que naturalmente seria
dirigida para esta espécie; ou, por meio de restrições extraordinárias,
buscam retirar de uma determinada espécie de trabalho alguma parcela
do capital que de outra forma seria dirigida para esta espécie. Esses
sistemas, na realidade, subvertem o grande objetivo que desejam
promover. Em vez de acelerar, eles retardam o progresso da sociedade em
direção à riqueza e à grandeza reais; e, em vez de aumentar, diminuem o
valor real do produto anual de sua terra e trabalho.
Dessa forma, se todos esses sistemas de preferência ou de restrição
fossem completamente afastados, impor-se-ia de forma espontânea, no
lugar deles, o sistema óbvio e simples da liberdade natural. Toda pessoa,
contanto que não violasse as leis da justiça, ficaria perfeitamente livre
para buscar seus próprios interesses de sua própria maneira, bem como
para levar seu trabalho e capital para competir com o trabalho e capital
de todas as outras pessoas ou grupo de pessoas. O soberano fica
completamente desobrigado de um dever que, caso tente realizar, o
exporá a uma multitude de desapontamentos; e para cujo bom
desempenho nenhuma sabedoria humana ou conhecimento jamais
poderia ser suficiente; isto é, o dever de supervisionar o trabalho dos
indivíduos e de direcioná-lo a empregos mais adequados para o interesse
da sociedade.579 De acordo com o sistema da liberdade natural, o
soberano tem apenas três deveres; de fato, são três deveres muito
importantes, mas simples e inteligíveis ao entendimento comum: em
primeiro lugar, o dever de proteger a sociedade contra a violência e a
invasão de outras sociedades independentes; em segundo lugar, o dever
de proteger, na medida do possível, todos os membros da sociedade
contra a injustiça ou a opressão de qualquer outro membro da mesma
sociedade, ou o dever de estabelecer a aplicação exata da justiça; e, em
terceiro lugar, o dever de construir e manter certas obras públicas e certas
instituições públicas, cuja construção e manutenção nunca serviriam aos
interesses de um único indivíduo, ou de um pequeno grupo de
indivíduos, pois, embora seus lucros mais que recompensem os gastos da
sociedade em geral, eles nunca seriam suficientes para reembolsar as
despesas de qualquer indivíduo ou pequeno grupo de indivíduos.
O bom desempenho desses vários deveres do soberano
necessariamente supõe certas despesas; e essas despesas necessariamente
exigem uma certa receita para sustentá-las. No próximo livro, portanto,
tentarei explicar os seguintes tópicos: primeiro, quais são as despesas
necessárias do soberano ou da commonwealth, quais dessas despesas
devem ser custeadas pela contribuição geral de toda a sociedade e quais
delas por apenas alguns grupos específicos; em segundo lugar, quais são
os diversos métodos para que todos contribuam para custear as despesas
que cabem a toda a sociedade e quais são as principais vantagens e
inconvenientes de cada um desses métodos; e, em terceiro lugar, quais
são as razões e causas que levaram quase todos os governos modernos a
hipotecar parte dessas receitas ou contrair dívidas e quais foram os efeitos
das dívidas sobre a riqueza real, o produto anual da terra e do trabalho da
sociedade. O quinto livro, portanto, divide-se naturalmente em três
capítulos.
LIVRO V
A RECEITA DO SOBERANO OU DA
COMMONWEALTH
CAPÍTULO I
AS DESPESAS DO SOBERANO OU DA COMMONWEALTH
Parte I – As despesas da defesa
O primeiro dever do soberano, o de proteção da sociedade contra a
violência e a invasão de outras sociedades independentes, só pode ser
realizado por meio da força militar. Mas tanto as despesas para preparar
essa força militar em tempos de paz quanto para empregá-la em tempos
de guerra variam muito, de acordo com os diversos estágios da sociedade
e seus diferentes períodos de progresso e aprimoramento.
Entre as nações de caçadores, que é o estágio mais baixo e mais
primitivo da sociedade — as tribos nativas da América do Norte, por
exemplo —, toda pessoa é, ao mesmo tempo, um guerreiro e um caçador.
Quando ela vai para a guerra, seja para defender sua sociedade, seja para
vingar os prejuízos causados por outras sociedades, precisa se sustentar
por meio de seu trabalho, da mesma forma como quando está em casa. Já
que, nesse estado de coisas, não há nem soberano nem commonwealth,
sua sociedade não tem gastos, seja para preparar seus guerreiros, seja
para sustentá-los enquanto lutam.
Entre as nações de pastores, um estágio um pouco mais avançado da
sociedade — tártaros e árabes são exemplos —, cada indivíduo também é
um guerreiro. As pessoas dessas nações não costumam possuir
habitações fixas e vivem em tendas ou em carroças cobertas que podem
ser facilmente levadas de um lugar para outro. A tribo ou a nação muda
sua localização de acordo com as diferentes épocas do ano, bem como de
acordo com outras casualidades. Quando seus rebanhos consomem toda
a forragem de uma parte do país, o grupo muda-se para um segundo
lugar, depois para um terceiro. Durante a estação seca, vivem às margens
dos rios; na estação chuvosa vão para as terras altas do país. Quando
essas nações vão à guerra, os guerreiros não confiam seus rebanhos à
defesa frágil dos velhos, mulheres e crianças; velhos, mulheres e crianças
também não são abandonados sem defesa e subsistência. A nação inteira,
já acostumada a uma vida errante em tempos de paz, também sai em
campanha durante os tempos de guerra. Quer marchem como um
exército, quer caminhem como um grupo de pastores, o modo de vida é
quase o mesmo, embora o objetivo seja muito diferente. Portanto, vão
todos juntos à guerra e cada um faz sua parte da melhor maneira
possível. Entre os tártaros, sabemos que mesmo as mulheres costumam
se envolver nos combates. Quando vencem, todos os pertences da tribo
hostil passam a ser sua recompensa. Mas, quando são vencidos, perdem
tudo, não apenas seus rebanhos, mas suas mulheres e filhos, e tornam-se
espólio da tribo vencedora. Mesmo a maior parte daqueles que
sobrevivem à ação é obrigada a submeter-se aos vencedores para o bem
de sua subsistência imediata. O restante costuma desaparecer ou
dispersar-se no deserto.
A vida ordinária, os exercícios ordinários de um tártaro ou árabe,
costuma prepará-lo suficientemente para a guerra. Corrida, luta, jogos
com bastões, lançamento de dardos, arco e flecha, etc. são os passatempos
comuns daqueles que vivem ao ar livre, são passatempos que evocam
imagens bélicas. Quando um tártaro ou um árabe realmente vai para a
guerra, ele é sustentado por seus próprios rebanhos, os quais leva para
todos os lados, seja na paz ou na guerra. Seu chefe ou soberano — pois
tais nações possuem chefes ou soberanos — não incorre em gastos para
prepará-los para a batalha; e, assim, quando está lutando, o único
pagamento que esse indivíduo quer ou exige é a oportunidade de saque.
Um exército de caçadores raramente ultrapassa duzentos ou trezentos
homens. A subsistência precária que se obtém pela caça raramente
permite o agrupamento de um número maior de pessoas por muito
tempo. Um exército de pastores, pelo contrário, pode, por vezes, chegar a
200 mil ou 300 mil pessoas. Contanto que não encontrem obstáculos e
contanto que consigam passar de um distrito cuja forragem já foi
completamente consumida a outro que ainda está integro, então quase
parece não haver limite para o número de pessoas que podem marchar
juntas em grupo. Uma nação de caçadores nunca poderá ser uma força
assustadora para as nações civilizadas de sua vizinhança. Uma nação de
pastores pode. Nada pode ser mais desprezível que uma guerra com os
índios da América do Norte. Por outro lado, nada pode ter sido mais
terrível do que as frequentes invasões tártaras na Ásia. A experiência de
todas as eras mostrou ser verdadeiro o que disse Tucídides, a saber, que
nem a Europa nem a Ásia resistiriam aos ataques dos citas unidos. Os
habitantes das amplas mas indefesas planícies da Cítia ou da Tartária
costumam unir-se sob o comando do chefe de hordas ou clãs vencedores:
o caos e a devastação da Ásia sempre sinalizaram essa união. Os
habitantes dos desertos inóspitos da Arábia, a outra grande nação de
pastores, nunca se uniram, exceto uma vez sob o comando de Maomé e
seus sucessores imediatos. Essa união, que foi mais uma consequência do
entusiasmo religioso que da conquista, também foi sinalizada da mesma
forma. Se as nações caçadoras da América tivessem se tornado pastoris,
essa vizinhança teria sido muito mais perigosa para as colônias europeias
do que é atualmente.
Em um estágio ainda mais avançado da sociedade, entre aquelas
nações de agricultores com pouco comércio externo e nenhum outro tipo
de manufatura senão aquelas mais grosseiras e domésticas feitas
separadamente por cada família para seu próprio uso, nesse estágio,
também, cada indivíduo é um guerreiro ou pode facilmente se tornar um
guerreiro. Os indivíduos que vivem da agricultura costumam passar o dia
todo ao ar livre, expostos a todas as inclemências das estações. A
dificuldade de suas vidas diárias os prepara para as fadigas da guerra,
algumas das quais são muito análogas a certas atividades da agricultura.
As atividades de um cavador o preparam tão bem para trabalhar nas
trincheiras e para fortificar um acampamento quanto para cercar uma
fazenda. Os passatempos ordinários desses agricultores são os mesmos
que aqueles dos pastores e, da mesma forma, constituem imagens bélicas.
Mas, como os agricultores têm menos tempo para o lazer que os pastores,
nem sempre os primeiros se valem desses passatempos. Eles são
soldados, mas são soldados que não dominam muito sua função. Sendo
assim, no entanto, o soberano ou a commonwealth não incorre em
nenhuma despesa para prepará-los para a guerra.
A agricultura, mesmo em seu estágio mais primitivo e não
desenvolvido, supõe algum tipo de assentamento; algum tipo de
habitação fixa que não pode ser abandonada sem grande prejuízo. Assim,
quando uma nação de meros agricultores vai à guerra, nem todos podem
ir ao campo de batalha juntos. Velhos, mulheres e crianças, ao menos,
devem permanecer em casa para cuidar da habitação. Mas todos os
homens em idade militar devem ir à guerra e isso é o que normalmente
ocorre em nações pequenas desse tipo. Em todas as nações, os homens
em idade militar perfazem cerca de um quarto ou um quinto da
população. O agricultor e seus principais ajudantes podem ir para o
campo de batalha sem muito prejuízo sempre que a campanha tiver
início após a semeadura e acabar antes da colheita. O trabalho
intermediário pode ser bem executado por velhos, mulheres e crianças.
Os indivíduos, dessa forma, costumam estar dispostos a servir de forma
gratuita durante uma campanha curta e, normalmente, o soberano ou a
commonwealth paga muito pouco para sustentá-los ou para prepará-los
para ela. Os cidadãos dos muitos estados da Grécia Antiga parecem ter
servido dessa maneira até após a segunda guerra greco-persa; e a
população do Peloponeso, até depois da Guerra do Peloponeso. Segundo
Tucídides, os peloponésios costumavam deixar o campo de batalha no
verão e voltavam para casa para realizar a colheita. Em todo o período
monárquico da Roma Antiga e durante as primeiras eras da República, os
romanos serviram da mesma maneira. Foi somente após a época da
Batalha de Veios580 que aqueles que ficavam em casa começaram a
contribuir com algo para manter os cidadãos que iam para a guerra. Nas
monarquias europeias, fundadas sobre as ruínas do Império Romano,
tanto antes como por algum tempo após o estabelecimento do que é
chamado corretamente de direito feudal, os grandes senhores, com todos
os seus dependentes imediatos, costumavam servir à coroa às suas
próprias expensas. Tanto no campo de batalha quanto em casa,
sustentavam-se com suas próprias receitas, e não por meio de algum
salário ou pagamento que recebessem do rei nessas ocasiões especiais.
Em um estágio mais avançado da sociedade, duas causas contribuem
para que seja totalmente impossível que os que vão ao campo de batalha
se sustentem com seus próprios recursos. As duas causas: o
desenvolvimento da manufatura e o aprimoramento da arte da guerra.581
Mesmo que o agricultor participe de uma expedição, contanto que
comece após a semeadura e termine antes da colheita, a interrupção de
seu negócio nem sempre gera uma diminuição considerável de sua
receita. Sem a intervenção de suas mãos, a natureza realiza sozinha a
maior parte do trabalho faltante. Mas, no momento em que um artesão,
um ferreiro, um carpinteiro, ou um tecelão, por exemplo, fecham a sua
oficina, perdem a sua única fonte de receitas. A natureza não faz nada por
ele, pois ele faz tudo por si mesmo. Essas pessoas não têm receita que as
sustentem, e, por isso, quando são convocadas para defender a nação, elas
devem necessariamente ser sustentadas pela nação. Mas quando a maior
parte dos habitantes de um país é formada por artesãos e
manufaturadores, uma grande parte das pessoas que vão para a guerra
são arregimentadas desses grupos e devem, desse modo, ser sustentadas
pela esfera pública enquanto estiverem a serviço dela.
Quando a arte da guerra, também, foi aprimorando-se gradualmente
até se tornar uma ciência muito complexa e complicada, quando a guerra
deixou de ser resolvida por uma só batalha ou combate — como nas
primeiras eras da sociedade — e o mesmo conflito, em geral, passou a
prolongar-se por várias campanhas — que costumam, cada uma delas,
tomar a maior parte do ano —, então, torna-se universalmente necessário
que o Estado (nação) sustente as pessoas que servem a ele nas guerras,
pelo menos enquanto estiverem empregadas nesse serviço. Pois, caso
contrário, essa prestação tão tediosa e cara seria um encargo muito
pesado àqueles que vão à guerra, independentemente da ocupação que
tenham em tempos de paz. Desse modo, após a segunda guerra greco-
persa, os exércitos atenienses começaram a ser, em geral, formados por
mercenários; que, embora fossem formados por cidadãos e estrangeiros,
todos eles eram igualmente contratados e pagos à custa do Estado. Desde
o Cerco de Veios, os exércitos romanos passaram a ser pagos por seus
serviços durante o tempo que estivessem em guerra. Nos governos
feudais, o serviço militar dos grandes senhores e de seus dependentes
imediatos foi substituído, após certo tempo, pelo pagamento em
dinheiro, o qual era empregado para sustentar aqueles que serviam no
lugar desses grandes senhores e dependentes.582
O número de pessoas que podem ir à guerra, em proporção à
população total, é necessariamente muito menor em uma sociedade em
estágio civilizado que na sociedade em estágio primitivo. Tendo em vista
que, em uma sociedade civilizada, os soldados são totalmente
sustentados pelo trabalho daqueles que não são soldados, o número de
soldados não pode exceder o contingente de pessoas que os não soldados
são capazes de sustentar, além de sustentar, de forma condizente com
seus respectivos cargos, tanto eles mesmos quanto os outros oficiais do
governo e da lei, a quem eles são obrigados a manter. Nos pequenos
estados agrários da Grécia Antiga, um quarto ou um quinto de todas as
pessoas se considerava soldado e, conforme foi dito, saía às vezes em
campanha. Entre as nações civilizadas da Europa moderna, costuma-se
computar que um país não é capaz de empregar mais que 1% de seus
habitantes como soldados sem prejuízo ao país que paga as despesas de
seus serviços.
Parece que as despesas de preparo do exército para sair em campanha
somente se tornaram consideráveis para as nações muito tempo depois
de o sustento ter se tornado obrigação do soberano ou da commonwealth.
Em todas as diferentes repúblicas da Grécia Antiga, os exercícios
militares eram uma parte necessária da educação imposta pelo Estado a
todo cidadão livre. Parece que em toda cidade havia um campo público
no qual, sob a proteção do magistrado público, diferentes mestres
ensinavam os jovens a realizar seus exercícios bélicos. As despesas dos
estados gregos consistiam, segundo o que se crê, nessa instituição muito
simples para a preparação de seus cidadãos para a guerra. Na Roma
Antiga, os exercícios realizados no Campo de Marte respondiam ao
mesmo propósito do ginásio da Grécia Antiga. Nos governos feudais, as
muitas ordenanças públicas, requerendo que os cidadãos de cada distrito
praticassem o arco e flecha, bem como vários outros exercícios militares,
visavam promover o mesmo objetivo, mas parecem não o ter promovido
tão bem. Quer pela falta de interesse dos encarregados pela execução
dessas ordenanças, quer por alguma outra causa, elas parecem ter sido
universalmente negligenciadas; e no decorrer de todos esses governos, os
exercícios militares parecem ter caído gradualmente em desuso entre a
população.
Nas repúblicas das antigas Grécia e Roma, durante todo o período de
suas existências, e sob os governos feudais, por um bom tempo após
terem sido estabelecidos, as atividades de um soldado não eram
atividades isoladas e distintas que constituíam a única ou principal
ocupação de uma determinada classe de cidadãos. Todo súdito do
Estado, independentemente de sua atividade ou ocupação comum por
meio da qual obtinha seu sustento, considerava-se, em todas as ocasiões
comuns, apto para exercer as atividades de um soldado e, em muitas
ocasiões extraordinárias, obrigado a exercê-las.
Assim, da mesma forma que a arte da guerra é certamente a mais
nobre de todas as artes, também se torna necessariamente uma das mais
complicadas durante o curso do progresso. O estado das artes mecânicas
— assim como o estado de algumas outras artes às quais a arte bélica está
necessariamente ligada — determina o grau de perfeição que é capaz de
atingir em um determinado momento. Mas, para que atinja esse grau de
perfeição, é necessário que a arte da guerra se torne a ocupação única ou
principal de uma classe particular de cidadãos; e a divisão do trabalho é
tão necessária para o aprimoramento dessa arte quanto o é para todas as
outras. Em outras artes, a divisão do trabalho é introduzida naturalmente
pela prudência dos indivíduos, os quais perceberam que, ao restringirem
suas atividades, seus interesses particulares são mais bem promovidos do
que quando realizam um grande número delas. Mas somente a sabedoria
(ou prudência) do Estado pode fazer com que as tarefas de um soldado se
tornem uma atividade isolada e distinta de todas as outras. O cidadão
privado que, em tempo de profunda paz, e sem nenhum incentivo
particular da esfera pública, passasse a maior parte de seu tempo em
exercícios militares, poderia, sem dúvida, divertir-se e aprimorar-se
muito neles; mas, certamente, deixaria de promover os seus próprios
interesses. Somente a sabedoria do Estado pode fazer com que seja
interesse daquela pessoa usar a maior parte de seu tempo para essa
ocupação específica; mas os Estados nem sempre tiveram essa sabedoria,
mesmo quando as circunstâncias ditaram que a preservação de sua
existência os obrigava a criar esse interesse.
O pastor tem muito tempo livre; o agricultor, no estado primitivo da
agricultura, tem algum tempo livre; já um artífice ou manufaturador não
tem nenhum. O primeiro pode, sem nenhum prejuízo, usar grande parte
de seu tempo em exercícios marciais; o segundo pode empregar alguma
parte dele; mas o último não pode empregar nem uma hora nesses
exercícios sem que incorra em algum prejuízo; e a atenção que dá ao seu
próprio interesse o leva naturalmente a negligenciar totalmente os
exercícios marciais. Os aprimoramentos agrícolas, necessariamente
introduzidos pelo progresso das artes e da manufatura, também deixam o
lavrador com pouquíssimo tempo livre. Os exercícios militares passaram
a ser negligenciados tanto pelos habitantes do campo como por aqueles
da cidade, e, assim, a população tornou-se totalmente avessa ao
treinamento militar. Ao mesmo tempo, essa mesma riqueza que sempre
se segue aos aprimoramentos da agricultura e da manufatura e que, na
realidade, é apenas o produto acumulado desses aprimoramentos,
provoca a invasão de todos os seus vizinhos. Dentre todas as nações, as
mais laboriosas e, por isso, as mais ricas estão muito mais sujeitas a ser
atacadas; e a menos que o Estado tome algumas novas medidas de defesa
pública, os hábitos naturais da população a tornam completamente
incapaz de se defender.
Nessas circunstâncias, os Estados parecem ter apenas dois métodos
para realizar qualquer provisão razoável para a defesa pública.
Em primeiro lugar, por meio de uma política muito rigorosa e
abandonando-se todos os interesses e inclinações do povo, o Estado pode
impor a prática de exercícios militares, obrigando todos os cidadãos em
idade militar, ou um certo contingente deles, a realizar, em certa medida,
as atividades de um soldado, em detrimento de quaisquer outras
atividades ou profissões que estivessem realizando.
Ou, em segundo lugar, ao sustentar e empregar um determinado
número de cidadãos para que pratiquem seus exercícios militares de
forma constante, o Estado pode fazer com que as atividades de um
soldado se tornem uma atividade específica, isolada e distinta de todas as
outras.
Quando um Estado recorre à primeira política, dizemos que suas
forças militares são uma milícia; quando usa a segunda, dizemos que suas
forças militares formam um exército permanente. A prática de exercícios
militares é a ocupação única ou principal dos soldados de um exército
permanente, cujo fundo principal e ordinário de subsistência é formado
pelo sustento ou pagamento proporcionado pelo Estado. A prática de
exercícios militares é apenas a ocupação ocasional dos soldados de uma
milícia, e eles obtêm os fundos principais e ordinários de sua subsistência
de alguma outra ocupação. Em uma milícia, o caráter de trabalhador,
artesão ou comerciante predomina sobre o de soldado; em um exército
permanente, o caráter de soldado predomina sobre todos os outros; e,
assim, parece que a diferença essencial entre aquelas duas espécies
diferentes de forças militares reside nesta distinção.583
Existem vários tipos de milícias. Em alguns países, parece que os
cidadãos destinados à defesa do Estado realizavam seus treinamentos
sem estar arregimentados, isto é, sem estar divididos em companhias
separadas e distintas que realizassem, cada uma delas, seus exercícios sob
o comando de oficiais próprios e permanentes. Nas repúblicas das antigas
Grécia e Roma, os cidadãos, quando estavam em casa, parecem ter
praticado seus exercícios, quer separadamente e de forma independente,
quer com seus semelhantes que mais lhes agradassem; e não se uniam a
nenhuma companhia específica até que realmente fossem chamados para
o campo de batalha. Em outros países, a milícia recebia treinamento e era
arregimentada. Na Inglaterra, na Suíça, e, acredito, em todos os outros
países da Europa moderna, onde qualquer força militar imperfeita desse
tipo foi estabelecida, todo miliciano é anexado a determinado regimento
que, mesmo em tempos de paz, realiza seus exercícios sob o comando de
oficiais próprios e permanentes.
Antes da invenção das armas de fogo, considerava-se superior o
exército cujos soldados tivessem, individualmente, a maior habilidade e
destreza no manejo de suas armas. Força e agilidade física produziam as
mais importantes consequências e, normalmente, determinavam o
destino das batalhas. Mas, assim como na esgrima atualmente, a
habilidade e a destreza no uso de suas armas somente podiam ser
adquiridas pela prática, não em regimentos, mas cada um por si, em uma
escola individual, com um mestre individual ou com seus próprios
companheiros e semelhantes. Após a invenção das armas de fogo, força e
agilidade física, ou mesmo a destreza e a habilidade extraordinárias no
uso de armas, embora estejam longe de não produzir consequências,
geram, no entanto, consequências menores. Embora a natureza da arma
não deixe, de forma alguma, o desajeitado em pé de igualdade com o
soldado habilidoso, o deixa mais próximo do que nunca. Supõe-se que
toda a destreza e a habilidade necessárias para usar uma arma de fogo
podem ser adquiridas pela prática em grupo.
A regularidade, a ordem e a obediência imediata ao comando são
qualidades que, em exércitos modernos, são mais importantes para
determinar o destino das batalhas do que a destreza e a habilidade dos
soldados no uso de suas armas. Mas, mesmo no início de uma batalha
moderna, deve ser muito difícil manter qualquer grau considerável de
regularidade, ordem e obediência imediata com o barulho das armas de
fogo, com a fumaça e a morte invisível a que todos, assim que estejam ao
alcance dos canhões e frequentemente muito tempo antes de podermos
considerar a batalha como iniciada, se sentem expostos a todo momento.
Os únicos barulhos das batalhas da Antiguidade eram os originados da
voz humana; não havia fumaça, não existiam causas invisíveis para
feridas ou morte. As pessoas podiam ver claramente que não havia
nenhuma arma mortal perto delas até que alguma arma mortal realmente
se aproximasse delas. Nessas circunstâncias, e entre as tropas que tinham
alguma confiança em sua própria habilidade e destreza no uso de suas
armas, deve ter sido bem menos difícil manter algum grau de
regularidade e ordem, não só no início, mas durante todo o progresso de
uma batalha da Antiguidade e até o momento em que um dos dois lados
estivesse realmente derrotado. Mas os hábitos de regularidade, ordem e
obediência imediata aos comandos somente podem ser adquiridos por
tropas treinadas em grandes regimentos.
No entanto, uma milícia, independentemente da forma como tenha
sido disciplinada ou treinada, será sempre muito inferior a um exército
permanente bem disciplinado e bem treinado.
Os soldados que treinam apenas uma vez por semana, ou uma vez
por mês, nunca serão tão bons no uso de suas armas como aqueles que
treinam todos os dias, ou em dias alternados; e embora, modernamente,
essa circunstância não gere tantas consequências quanto geravam em
épocas mais antigas, a superioridade reconhecida dos soldados da
Prússia, que se deve, segundo dizem, à expertise superior de seu
treinamento, é suficiente para nos provar que, até mesmo hoje em dia, as
consequências do treinamento são bastante consideráveis.
Os soldados que são obrigados a obedecer ao seu superior apenas
uma vez por semana, ou uma vez por mês, e que, dessa forma, estão
livres em todos os outros momentos para gerir seus próprios negócios da
forma que melhor lhes aprouver, sem necessidade de reportar suas
atividades ao oficial, nunca temerão o seu superior, nunca terão a mesma
disposição para lhe prestar obediência imediata que os soldados cuja vida
e conduta são, todos os dias, comandadas por ele, e que, todos os dias,
acordam e vão dormir (ou, no mínimo, se recolher aos seus alojamentos)
de acordo com as suas ordens. No que diz respeito à disciplina, ou ao
hábito da obediência imediata, uma milícia será sempre muito inferior a
um exército permanente, mais do que ocorre, às vezes, em relação aos
exercícios manuais, isto é, à gestão e uso de suas armas. Na guerra
moderna, no entanto, o hábito da obediência imediata possui
consequências muito maiores do que a superioridade considerável no
manejo das armas.
Mas as milícias que vão à guerra sob o comando do mesmo chefe a
que estão acostumadas a obedecer em períodos de paz, como é o caso das
milícias tártara e árabe, são, de longe, as melhores. Em relação ao respeito
que prestam aos seus oficiais superiores e ao hábito da obediência
imediata, elas são as que mais se aproximam dos exércitos permanentes.
A milícia das Terras Altas tinha o mesmo tipo de vantagem quando
servia a seus próprios chefes. Mas, já que os habitantes das Terras Altas
não eram nômades, mas sim pastores sedentários, e já que todos tinham
residência fixa e não estavam acostumados, em tempos de paz, a seguir
seu chefe de um local para outro; então, em tempos de guerra, eles se
viam menos dispostos a segui-lo por vastas distâncias ou a permanecer
por longo tempo nos campos de batalha. Sempre que obtinham um
espólio qualquer, passavam a ficar ansiosos para voltar para casa; a
autoridade do chefe não costumava ser suficiente para detê-los. Em
relação à obediência, eram sempre muito inferiores aos relatos que temos
sobre os tártaros e os árabes. Já que os habitantes das Terras Altas, por
serem sedentários, não passavam muito tempo ao ar livre, estavam
menos acostumados aos exercícios militares e possuíam menos destreza
do que os tártaros e os árabes em relação ao manejo de suas armas.
No entanto, é preciso observar que qualquer tipo de milícia que tenha
lutado em várias campanhas sucessivas no campo torna-se um exército
permanente em todos os aspectos. Todos os dias os soldados treinam e
são comandados por seus oficiais superiores e, por isso, estão
acostumados à mesma obediência imediata que ocorre nos exércitos
permanentes. Pouco importa o que eram antes de chegar ao campo de
batalha. Em todos os aspectos, elas necessariamente passam a ser um
exército permanente após algumas campanhas. Se a guerra na América
fosse levada a uma nova campanha, a milícia americana poderia, em
todos os aspectos, ter atingido o mesmo nível de um exército
permanente, cuja coragem, na última guerra, não foi inferior à dos
veteranos mais aguerridos da França e da Espanha.
Tendo compreendido essa distinção, percebemos que a história de
todas as eras é testemunha da irresistível superioridade que um exército
permanente e bem dirigido tem sobre uma milícia.
Um dos primeiros exércitos permanentes de que temos notícia com
base em fontes históricas autênticas é o de Filipe da Macedônia. Suas
tropas, que, no início, deviam ser milícias, foram gradualmente forjadas
por suas guerras frequentes com os trácios, ilírios, tessálios e algumas
cidades gregas do entorno da Macedônia até atingirem a disciplina exata
de um exército permanente. Durante os raros e curtos períodos de paz,
ele se esforçava cuidadosamente para que o seu exército não se
dispersasse. De fato, após uma longa e violenta luta, seu exército venceu e
subjugou as milícias intrépidas e bem treinadas das principais repúblicas
da Grécia Antiga; e depois, com muito pouca luta, a milícia afeminada e
mal treinada do grande Império Persa. A superioridade irresistível que
um exército permanente tem sobre todo os tipos de milícia foi a causa da
queda das repúblicas gregas e do Império Persa. Na história da
humanidade, essa foi a primeira grande revolução cujos relatos distintos
e circunstanciais foram preservados.
A segunda foi a queda de Cartago e a consequente ascensão de Roma.
Todas as sortes ou reveses dessas duas famosas repúblicas recaem sobre a
mesma causa.
Desde o final da primeira Guerra Púnica até o início da segunda, os
exércitos de Cartago permaneceram em guerra e tiveram três grandes
generais, que sucederam um ao outro no comando: Amílcar, seu genro
Asdrúbal e seu filho Aníbal; eles castigaram os seus próprios escravos
rebeldes, depois subjugaram as nações revoltosas da África e, finalmente,
conquistaram o grande reino da Espanha. O exército que Aníbal
conduziu da Espanha até a Itália deve necessariamente ter sido
gradualmente forjado naquelas várias guerras até atingir a disciplina
exata de um exército permanente. Nesse ínterim, embora os romanos não
estivessem em um período de completa paz, eles não haviam lutado em
guerras de grandes consequências, e, segundo dizem, sua disciplina
militar ficou bastante relaxada. Os exércitos romanos que Aníbal
encontrou nas batalhas do Rio Trebbia, do Lago Trasimeno e de Canas584
eram milícias opostas a um exército permanente. É possível que essa
circunstância tenha contribuído mais do que qualquer outra para
determinar o destino dessas batalhas.
O exército permanente que Aníbal deixou na Espanha tinha essa
mesma superioridade em relação às milícias enviadas pelos romanos para
se opor a ele, e, em poucos anos, sob o comando de seu irmão, o jovem
Asdrúbal, os romanos foram quase inteiramente expulsos daquele país.
Mas os suprimentos enviados de Cartago para Aníbal não eram
suficientes. E, no decorrer da guerra, as milícias romanas, por estarem
continuamente em campo, transformaram-se em um exército
permanente bem disciplinado e bem treinado; e, assim, a superioridade
de Aníbal tornava-se cada vez menor. Asdrúbal julgou ser necessário
levar todo ou quase todo o seu exército permanente, que estava
estacionado na Espanha, para dar assistência a seu irmão na Itália. Dizem
que, em sua marcha, ele foi enganado por seus guias, e, em um país que
ele não conhecia, foi surpreendido e atacado e derrotado por outro
exército permanente que, em todos os aspectos, era igual ou superior ao
seu próprio exército.
Quando Asdrúbal deixou a Espanha, o grande Cipião encontrou ali
apenas uma milícia inferior para fazer frente à sua. Ele conquistou e
subjugou aquela milícia cartaginesa e, no decorrer da guerra, sua própria
milícia se transformou em um exército permanente bem disciplinado e
bem treinado. Esse mesmo exército permanente foi, então, deslocado
para a África, onde encontrou apenas uma milícia para fazer frente a ele.
Além disso, para defender Cartago, tornou-se necessário chamar de volta
o exército permanente de Aníbal. A desanimada e frequentemente
derrotada milícia africana se juntou ao exército permanente e, na batalha
de Zama,585 compôs a maior parte das tropas de Aníbal. Os eventos
daquele dia determinaram o destino das duas repúblicas rivais.
Desde o final da segunda Guerra Púnica até a queda da república
romana, as forças romanas foram sempre compostas por exércitos
permanentes. O exército permanente da Macedônia opôs alguma
resistência às armas romanas. No auge de sua grandeza, Roma precisou
enfrentar duas grandes guerras e três grandes batalhas para subjugar esse
pequeno reino; cuja conquista provavelmente teria sido ainda mais difícil
se não fosse pela covardia do último rei macedônio.586 As milícias de
todas as nações civilizadas do mundo antigo — Grécia, Síria e Egito —
opuseram uma fraca resistência aos exércitos permanentes de Roma. As
milícias de algumas nações bárbaras opuseram defesas muito melhores.
As milícias cita ou tártara, que Mitrídates recrutou dos países ao norte
dos mares Euxino e Cáspio, foram os inimigos mais formidáveis que os
romanos encontraram após a segunda Guerra Púnica. As milícias dos
partos e dos germanos também eram sempre respeitáveis e, em diversas
ocasiões, obtiveram vantagens muito consideráveis sobre os exércitos
romanos. No entanto, geralmente quando os exércitos romanos estavam
bem comandados, eles eram muito superiores; e se os romanos não
chegaram a conquistar a Pártia ou a Germânia, provavelmente foi porque
julgaram que não valia a pena acrescentar esses dois países bárbaros a um
império que já era muito grande. Parece que os antigos partos formavam
uma nação de origem cita ou tártara que sempre manteve grande parte
dos costumes de seus antepassados. Os antigos germanos, assim como os
citas ou tártaros, também eram uma nação de pastores nômades que iam
à guerra sob o comando dos mesmos chefes que estavam acostumados a
seguir durante os períodos de paz. Sua milícia era exatamente do mesmo
tipo que a dos citas ou tártaros, de quem também eram prováveis
descendentes.
Muitas causas contribuíram para relaxar a disciplina dos exércitos
romanos. Sua extrema severidade foi, talvez, uma dessas causas. Em seus
dias de glória, quando nenhum inimigo parecia capaz de se opor a eles,
sua pesada armadura foi posta de lado por ser considerada
desnecessariamente incômoda, seus treinamentos laboriosos foram
negligenciados por serem considerados desnecessariamente cansativos.
Além disso, durante o período dos imperadores romanos, os exércitos
permanentes de Roma, particularmente aqueles que defendiam as
fronteiras com a Germânia e a Panônia, tornaram-se perigosos a seus
próprios donos, contra os quais costumavam opor seus próprios generais.
A fim de torná-los menos desafiadores, Diocleciano, de acordo com
alguns autores, ou Constantino, de acordo com outros, retirou-os da
fronteira onde estiveram sempre acampados em grandes regimentos,
geralmente formados por duas ou três legiões cada, e os dispersou,
separando-os em pequenos regimentos nas várias cidades provinciais, de
onde só eram raramente removidos pela necessidade de se repelir uma
invasão. Esses pequenos regimentos foram aquartelados em cidades
mercantis e manufatureiras e eram raramente removidos; por isso, seus
soldados acabaram se tornando comerciantes, artesãos e
manufaturadores. O caráter civil passou a predominar sobre o militar, e
os exércitos permanentes de Roma foram gradualmente se degenerando
em uma milícia corrupta, negligenciada e indisciplinada, incapaz de
resistir ao ataque das milícias germanas e citas que começavam a invadir
o império ocidental. Os imperadores somente conseguiram se defender
por algum tempo porque contrataram a milícia de algumas dessas nações
para se opor às outras. Na história da humanidade, a queda do Império
Romano foi a terceira grande revolução cujos relatos distintos e
circunstanciais foram preservados. Ocorreu por causa da superioridade
irresistível que a milícia de uma nação bárbara tem sobre a milícia de
uma nação civilizada, que a milícia de uma nação de pastores tem sobre a
milícia de uma nação de agricultores, artesãos e manufaturadores. As
milícias não costumam vencer os exércitos permanentes, mas vencem
outras milícias com treinamento e disciplina inferiores. Exemplo disso
são as vitórias das milícias gregas sobre as do Império Persa, e, nos
últimos tempos, a vitória das milícias suíças sobre as austríacas e
borgonhesas.
As forças militares das nações germanas e citas levaram-nas a se
estabelecer sobre as ruínas do império ocidental e, por algum tempo,
essas forças mantiveram, em seus novos assentamentos, a mesma forma
que tinham em seus países de origem. Essas forças eram milícias de
pastores e agricultores que, em tempos de guerra, recebiam o comando
do mesmo chefe que estavam acostumados a obedecer durante os
períodos de paz. Eram, portanto, razoavelmente bem treinadas e
razoavelmente bem disciplinadas. Entretanto, conforme as artes e o
trabalho se modernizavam, a autoridade dos chefes deteriorava-se
gradualmente e a população tinha menos tempo livre para o treinamento
militar. Como consequência, tanto a disciplina quanto o treinamento das
milícias feudais deterioraram-se gradualmente, enquanto os exércitos
permanentes eram introduzidos gradualmente para tomar o espaço delas.
Além disso, assim que uma nação civilizada adotava o exército
permanente, todos os seus vizinhos se viam obrigados a seguir o
exemplo. Descobriram rapidamente que sua segurança dependia disso e
que sua própria milícia era totalmente incapaz de resistir ao ataque de
um exército.
Mesmo que os soldados de um exército permanente nunca tivessem
visto um inimigo, eles, com frequência, pareciam ter toda a coragem das
tropas veteranas e, no momento em que chegavam ao campo de batalha,
pareciam aptos a enfrentar os veteranos mais aguerridos e experientes.
Em 1756, quando o exército russo marchou sobre a Polônia, os soldados
russos não pareciam menos valorosos que os prussianos, que, naquela
época, eram considerados os veteranos mais aguerridos e experientes da
Europa. O Império Russo, no entanto, havia desfrutado por quase vinte
anos de uma paz profunda e, naquele momento, é possível que
pouquíssimos soldados já tivessem encontrado algum inimigo. Com a
eclosão da guerra espanhola (Guerra da Orelha de Jenkins), em 1739, a
Inglaterra também havia desfrutado de uma paz profunda por cerca de
28 anos. A grande coragem de seus soldados, como sempre, longe de ter
sido corrompida por essa longa paz, nunca foi maior do que no ataque a
Cartagena, a primeira façanha infeliz dessa guerra infeliz. Durante uma
paz prolongada, é possível que os generais esqueçam suas habilidades;
mas, quando um exército permanente e bem dirigido é mantido em
forma, os soldados não esquecem sua coragem.
Sempre que a defesa de uma nação civilizada depender de uma
milícia, ela estará o tempo todo exposta a ser conquistada por qualquer
nação bárbara que se avizinhe dela. As frequentes conquistas de todos os
países civilizados da Ásia pelos tártaros são provas da superioridade
natural que a milícia de uma nação bárbara tem sobre a de uma nação
civilizada. Um exército permanente e bem dirigido é superior a todos os
tipos de milícia. Já que um exército desse tipo só pode ser mantido da
melhor forma possível por uma nação rica e civilizada, ele é capaz de
defender sozinho essa nação contra a invasão de um vizinho pobre e
bárbaro. Somente um exército permanente é capaz de perpetuar, ou
manter por tempo considerável, a civilização de um país qualquer.
Assim, tendo em vista que somente um exército permanente e bem
dirigido é capaz de defender um país civilizado, então, é somente por
meio dele que um país bárbaro pode se tornar rápida e razoavelmente
civilizado. Um exército permanente estabelece, com uma força
irresistível, a lei do soberano nas províncias mais remotas do império e
mantém algum grau de governo regular em países incapazes de mantê-lo
por quaisquer outros meios. Qualquer pessoa que examine com atenção
as melhorias introduzidas no Império Russo por Pedro, o Grande, notará
que quase todas elas são determinadas pelo estabelecimento de um
exército permanente e bem dirigido. Pois esse foi o instrumento que
executou e manteve todos os seus outros regulamentos. Esse grau de
ordem e paz interna, usufruído por esse império desde então, deve-se
totalmente à influência desse exército.587
Homens de princípios republicanos suspeitam dos exércitos
permanentes, pois os consideram um perigo à liberdade. Eles certamente
o serão sempre que os interesses do general e dos principais oficiais não
estiverem necessariamente alinhados à constituição do Estado. O exército
permanente de César destruiu a República Romana. O exército
permanente de Cromwell dissolveu o Longo Parlamento. Mas um
exército permanente nunca será um perigo à liberdade quando o próprio
soberano é o general do exército e a nobreza e a aristocracia rural são os
oficiais do alto escalão, nem quando a força militar é comandada por
aqueles que têm maior interesse em receber apoio da autoridade civil,
porque eles mesmos possuem a maior parte da autoridade. Pode, pelo
contrário, e em alguns casos, ser bastante favorável à liberdade. A
segurança que ele oferece ao soberano torna desnecessária essa suspeita
problemática que, em algumas repúblicas modernas, parece controlar as
menores ações e estar sempre pronta para perturbar a paz de todos os
cidadãos a qualquer momento. Quando a segurança de um magistrado,
embora apoiado pelas pessoas mais importantes do país, está ameaçada
por quaisquer descontentamentos populares; quando um pequeno
tumulto é suficiente para, em poucas horas, causar uma grande
revolução, toda a autoridade do governo deve ser empregada para
suprimir e punir todos os murmúrios e reclamações contra ele. Pelo
contrário, para um soberano que se sente apoiado não só pela
aristocracia natural do país, mas por um exército permanente e bem
dirigido, nem mesmo as queixas mais rudes, mais sem sentido e mais
licenciosas são capazes de gerar perturbações. Ele pode, de forma segura,
perdoá-los ou negligenciá-los; a consciência de sua própria superioridade
o dispõe naturalmente a agir assim. Esse grau de liberdade que se
aproxima do descomedimento só é tolerado em países onde o soberano
possui a segurança de um exército permanente e bem dirigido. Somente
nesses países a segurança pública não exige que o soberano tenha
poderes discricionários para suprimir até mesmo o excesso impertinente
dessa liberdade descomedida.588 Portanto, o primeiro dever do soberano,
isto é, defender a sociedade contra a violência e a injustiça de outras
sociedades independentes, vai se tornando gradualmente mais caro
conforme a sociedade progride para um estágio civilizatório mais
avançado. No início, as forças militares da sociedade nada custavam ao
soberano, nem em períodos de paz nem durante as guerras, mas, durante
o curso do progresso, elas passam a ser sustentadas pelo soberano,
primeiro durante os períodos de guerra e, em seguida, também nos
períodos de paz.
A grande mudança introduzida na arte da guerra pela invenção das
armas de fogo elevou ainda mais as despesas para treinar e disciplinar
qualquer número específico de soldados em tempos de paz, bem como
nos períodos de guerra. Armas e munições se tornam mais caras. Um
mosquete é uma máquina mais cara do que uma lança ou arco e flechas;
um canhão ou um morteiro, mais caros do que uma balista ou uma
catapulta. A pólvora gasta quando se passa o exército em revista é
completamente perdida e gera uma despesa bastante alta. Antigamente,
quando se passava revista a uma tropa, os dardos e as flechas lançadas ou
atiradas podiam ser facilmente recolhidos e, além disso, eram muito
baratos. Além de o canhão e o morteiro serem máquinas muito mais
caras e muito mais pesadas do que a balista ou catapulta, também exigem
gastos maiores, não apenas para prepará-las para o campo de batalha,
mas também para transportá-las para lá. Já que a artilharia moderna é
muito superior à artilharia antiga, tornou-se muito mais difícil e, dessa
forma, muito mais caro fortificar uma cidade para que ela possa opor
resistência, mesmo durante poucas semanas, aos ataques de uma
artilharia superior. Nos tempos modernos, muitas causas contribuem
para que a defesa da sociedade seja mais cara. A esse respeito, os efeitos
inevitáveis do progresso natural desses aprimoramentos ganharam o
reforço de uma grande revolução na arte da guerra, revolução que foi
gerada por uma mera casualidade, isto é, pela invenção da pólvora.
Na guerra moderna, os grandes gastos com armas de fogo oferecem
uma vantagem evidente às nações que tenham melhores recursos para
cobrir essas despesas e, consequentemente, a uma nação rica e civilizada
sobre uma nação pobre e bárbara. Na Antiguidade, as nações ricas e
civilizadas encontravam mais dificuldades para se defender das nações
pobres e bárbaras. Atualmente, as pobres e bárbaras encontram mais
dificuldades para se defender das ricas e civilizadas. A invenção de armas
de fogo, que à primeira vista parece ser tão deletéria, é certamente
benéfica tanto para a perpetuação quanto para a expansão da civilização.

Parte II – Das despesas da justiça


O segundo dever do soberano, a saber, proteger, da melhor maneira
possível, todos os membros da sociedade da injustiça ou da opressão de
quaisquer outros membros da mesma sociedade, isto é, o dever de aplicar
a justiça de forma exata, exige, nos diferentes períodos da sociedade,
diferentes graus de despesas.589
Entre as nações de caçadores, a propriedade é quase inexistente, ou,
quando existe, não excede o valor de dois ou três dias de trabalho;
portanto, elas normalmente não possuem nem magistrados permanentes
nem uma aplicação regular da justiça. A falta de propriedades lhes
permite ferir somente a pessoa ou a reputação dos outros. Mas quando
alguém mata, fere, surra ou difama outrem, o prejudicado sofre, mas o
causador do prejuízo não obtém nenhum benefício. Não acontece o
mesmo em relação aos prejuízos à propriedade. O benefício do causador
do prejuízo costuma ser igual à perda do prejudicado. Inveja, maldade ou
ressentimento são as únicas paixões que podem levar alguém a ferir a
pessoa ou a reputação de outrem. Mas a maior parte das pessoas não
costuma estar sob a influência dessas paixões; além disso, elas ocorrem
ocasionalmente apenas às piores. A gratificação delas,
independentemente de quanto esteja de acordo com o caráter de certas
pessoas, não contém vantagens reais ou permanentes e, por isso, a maior
parte dos homens as costuma restringir por meio de considerações
prudenciais. As pessoas conseguem viver juntas em sociedade com
algum grau aceitável de segurança, mesmo que não haja magistrado civil
para protegê-las da injustiça produzida por aquelas paixões. Mas, nos
ricos, a avareza e a ambição e, nos pobres, o ódio ao trabalho e o amor ao
pouco esforço e aos prazeres atuais são as paixões que levam à invasão da
propriedade; essas paixões são muito mais estáveis em sua operação e
muito mais universais em sua influência. Onde quer que haja uma grande
propriedade, haverá grande desigualdade. Para cada indivíduo muito
rico, deve haver pelo menos quinhentos pobres; e a afluência dos poucos
supõe a indigência de muitos. A afluência dos ricos excita a indignação
dos pobres, que muitas vezes são tão movidos pela privação quanto
motivados pela inveja para invadir as posses dos primeiros. É somente
sob o abrigo do magistrado civil que o dono daquela propriedade valiosa,
adquirida pelo trabalho de muitos anos, ou talvez de muitas gerações
sucessivas, pode dormir à noite em segurança. Ele está cercado a todo
momento por inimigos desconhecidos que nunca conseguirá apaziguar,
mesmo nunca os tendo provocado, e de cuja injustiça somente poderá ser
protegido pelo braço poderoso do magistrado civil, sempre em riste para
castigar o infrator. A aquisição de grandes e valiosas propriedades,
portanto, requer necessariamente a criação do governo civil. Onde não
há propriedade, ou pelo menos nenhuma que exceda o valor de dois ou
três dias de trabalho, o governo civil não é tão necessário.
O governo civil supõe uma certa subordinação. Mas, conforme
aumenta a necessidade de um governo civil com a aquisição de
propriedades valiosas, também se tornam maiores as principais causas
que introduzem naturalmente a subordinação com o crescimento
daquelas propriedades valiosas.
Parece haver quatro causas ou circunstâncias que naturalmente
introduzem a subordinação, ou que naturalmente, e anteriormente a toda
instituição civil, oferecem a alguns certa superioridade sobre a maior
parte de seus irmãos.
A primeira causa ou circunstância é a superioridade das qualificações
pessoais, da força, da beleza e da agilidade física, da sabedoria e da
virtude, da prudência, da justiça, da fortaleza e da moderação da mente.
As qualificações do corpo, a menos que apoiadas pelas da mente,
oferecem pouca autoridade em qualquer período da sociedade. Muito
forte é toda pessoa que, por mera força física, é capaz de obrigar duas
fracas a obedecê-la. As qualificações da mente, por si sós, são capazes de
oferecer uma autoridade muito grande. Elas são, no entanto, qualidades
invisíveis, sempre discutíveis e, geralmente, discutidas. Nenhuma
sociedade, bárbara ou civilizada, jamais achou conveniente estabelecer
regras de precedência, de hierarquia e de subordinação, de acordo com
essas qualidades invisíveis, mas de acordo com algo mais simples e
palpável.
A segunda causa ou circunstância é a superioridade de idade. Um
velho, desde que sua idade não seja muito avançada a ponto de poder-se
suspeitar de senilidade, é, em todos os lugares, mais respeitado do que
um jovem que tenha a mesma hierarquia, fortuna e capacidades. Entre as
nações de caçadores — nas tribos nativas da América do Norte, por
exemplo —, a idade é o único fundamento para a hierarquia e a
precedência. Entre eles, pai é a denominação de um superior; irmão, de
um igual; e filho, de um inferior. Nas nações mais ricas e civilizadas, a
idade determina a posição hierárquica entre aqueles que são iguais em
todos os outros aspectos, não havendo, portanto, nenhum outro critério
para determinar a posição hierárquica. Entre irmãos e irmãs, o mais
velho tem sempre preferência; e na sucessão da propriedade paterna, os
bens não divisíveis que devem ser recebidos por inteiro, como um título
honorífico, são dados, na maioria dos casos, ao mais velho. A idade é
uma qualidade simples, palpável e indiscutível.
A terceira causa ou circunstância é a superioridade de fortuna.
Embora a autoridade das riquezas seja grande em todas as eras da
sociedade, ela talvez seja maior em uma era mais primitiva da sociedade
em que qualquer grande desigualdade de fortuna já é aceita. As crias dos
rebanhos de um chefe tártaro são suficientes para manter mil pessoas,
mas não há como utilizar essas crias de qualquer outra maneira senão
para a subsistência de mil pessoas. O estado primitivo de sua sociedade
não lhe permite obter nenhum tipo de produto manufaturado nem
nenhum tipo de bugiganga ou badulaque pelo qual possa trocar aquela
parcela de sua matéria-prima que ultrapassa seu próprio consumo. As
mil pessoas que ele sustenta dependem inteiramente dele para a sua
subsistência e, por isso, devem obedecer às suas ordens na guerra e
submeter-se à sua jurisdição nos períodos de paz. Ele é obrigatoriamente
o general e o juiz delas, sua chefia é consequência necessária da
superioridade de sua fortuna. Em uma sociedade rica e civilizada, é
possível que um homem tenha uma fortuna muito maior e, ainda assim,
não seja capaz de comandar uma dúzia de pessoas, embora o produto de
sua propriedade possa ser suficiente para sustentar, e talvez realmente
sustente, mais de mil pessoas; no entanto, já que essas pessoas pagam por
tudo o que obtêm dele, já que ele nada entrega, senão em troca de algo
equivalente, quase ninguém se considera totalmente dependente dele e
sua autoridade se estende apenas a alguns criados domésticos.590
Entretanto, a autoridade da fortuna é muito grande, mesmo em uma
sociedade rica e civilizada. É muito maior do que a autoridade da idade
ou das qualidades pessoais: esta tem sido a queixa permanente em todos
os períodos da sociedade em que qualquer grande desigualdade de
fortuna já é aceita. O primeiro período da sociedade, aquele dos
caçadores, não aceita esse tipo de desigualdade. Naquele período, a
pobreza universal estabelece a igualdade universal; e a superioridade, seja
de idade, seja de qualidades pessoais, é o único frágil fundamento da
autoridade e da subordinação. Há, portanto, pouca ou nenhuma
autoridade ou subordinação durante esse período da sociedade. O
segundo período, o dos pastores, aceita as grandes desigualdades de
fortuna, não havendo outro período em que a superioridade da fortuna
ofereça tanta autoridade para aqueles que a possuam. Assim, em nenhum
outro período a autoridade e a subordinação estão tão perfeitamente
estabelecidas. A autoridade de um chefe árabe é muito grande; já a de um
Khan Tártaro é completamente despótica.
A quarta causa ou circunstância é a superioridade de nascimento. A
superioridade do nascimento supõe uma antiga superioridade da fortuna
familiar da pessoa que a reivindica. Todas as famílias são igualmente
antigas; e os ancestrais do príncipe, embora possam ser mais conhecidos,
não são mais numerosos que os do mendigo. Em todo o mundo, a
antiguidade da família significa a antiguidade da riqueza ou daquela
grandeza que normalmente nasce da riqueza ou a acompanha. Em todo o
mundo, a grandeza do arrivista é menos respeitada do que a grandeza
antiga. O ódio aos usurpadores e o amor à família de um monarca antigo
estão, em grande medida, fundados sobre o desprezo que naturalmente
se tem por um e sobre a veneração que se tem pelo outro. Assim como
um oficial militar se submete sem relutância à autoridade de um superior
por quem sempre foi comandado, mas não suporta que seu inferior seja
colocado acima dele, da mesma forma, as pessoas se sujeitam facilmente
a uma família a quem elas e seus antepassados sempre se sujeitaram, mas
se enchem de indignação quando outra família, da qual nunca haviam
reconhecido tal superioridade, assume o domínio sobre elas.
Já que a distinção de nascimento é consequência da desigualdade da
fortuna, então ela não existe nas nações de caçadores, pois, onde todos
possuem fortunas iguais, todos devem, da mesma forma, ser quase iguais
em relação ao nascimento. De fato, o filho de um homem sábio e corajoso
pode, mesmo nessas nações, ser um pouco mais respeitado do que um
homem de igual mérito que teve o infortúnio de ser filho de um tolo ou
de um covarde. A diferença, no entanto, não será muito grande; e
acredito nunca ter existido no mundo uma grande família cuja distinção
derivasse inteiramente da herança da sabedoria e da virtude.
A distinção de nascimento não só pode ocorrer, mas sempre ocorre,
nas nações de pastores. Essas nações são sempre estranhas a todo tipo de
luxo e, entre elas, a grande riqueza raramente se dissipa por meio do
esbanjamento imprudente. Dessa forma, não há nações com mais
famílias reverenciadas e honradas por descenderem de uma longa
linhagem de grandes e ilustres antepassados, porque não há nações em
que a riqueza seja capaz de permanecer por mais tempo nas mesmas
famílias.
Nascimento e fortuna são evidentemente as duas principais
circunstâncias que situam uma pessoa acima da outra. Elas são as duas
grandes fontes de distinção pessoal e são, portanto, determinantes
naturais da autoridade e da subordinação entre as pessoas. Nas nações de
pastores, ambas as causas operam com força total. O grande pastor —
respeitado por causa de sua grande riqueza e pelo grande número
daqueles que dependem dele para a sua subsistência, reverenciado por
causa da nobreza de seu nascimento e da antiguidade imemorial de sua
ilustre família — tem uma autoridade natural sobre todos os pastores
inferiores de sua horda ou seu clã. Ele é capaz de comandar as forças
unidas de mais pessoas do que qualquer outro. Seu poder militar é maior
do que o de qualquer outro. Em tempos de guerra, todos estão
naturalmente dispostos a reunir-se sob sua bandeira, não sob a de
qualquer outro. Assim, seu nascimento e fortuna lhe proporcionam
naturalmente algum tipo de poder executivo. Além disso, já que é capaz
de comandar as forças unidas de mais pessoas do que qualquer outro,
está mais apto a compelir aqueles que tenham prejudicado um terceiro a
compensá-lo por seu erro. Dessa maneira, ele é a pessoa de quem todos
aqueles que são fracos demais para se defender buscam naturalmente a
proteção. É a ele que as pessoas naturalmente se queixam dos prejuízos
de que imaginam ter sido vítimas; e, em tais casos, sua interposição é
mais facilmente aceita, mesmo pelo acusado, do que seria a de qualquer
outra pessoa. Assim, seu nascimento e fortuna lhe proporcionam
naturalmente algum tipo de autoridade judicial.
É na era dos pastores, no segundo período da sociedade, que a
desigualdade de fortuna começa a ocorrer e introduz entre as pessoas um
grau de autoridade e de subordinação que não poderia existir antes dela.
Ela introduz, desse modo, algum grau daquele governo civil que é
indispensavelmente necessário para a sua própria preservação, e parece
fazer isso naturalmente e mesmo independentemente da consideração
dessa necessidade. Sem dúvida, em um momento posterior, a
consideração dessa necessidade contribui muito para manter e assegurar
essa autoridade e subordinação. Os ricos, em particular, estão
necessariamente interessados em apoiar essa ordem de coisas que, por si
só, é capaz de lhes garantir a posse de suas próprias vantagens. As pessoas
com riquezas menores se unem para defender a posse da propriedade
daquelas com riquezas maiores; o objetivo delas é que as pessoas com
riquezas maiores se unam para defender a posse da propriedade daquelas
com riquezas menores. Todos os pastores comuns sentem que a
segurança de seus próprios rebanhos depende da segurança dos rebanhos
dos grande pastores, que a manutenção da sua autoridade menor
depende da manutenção da autoridade maior dos grandes pastores, e que
o poder que esses pequenos pastores exercem para manter os seus
inferiores subordinados a eles depende de sua própria subordinação ao
grande pastor. Esses pequenos pastores constituem uma espécie de baixa
nobreza; eles se veem interessados em defender a propriedade e oferecer
apoio à autoridade de seu próprio pequeno soberano, a fim de que este
último seja capaz de defender a propriedade e oferecer apoio à
autoridade deles. O governo civil, na medida em que se constitui para
garantir a propriedade, é, na realidade, instituído para defender os ricos
contra os pobres, ou defender aqueles que possuem propriedades contra
aqueles que nada têm. No entanto, a autoridade judicial desse soberano,
longe de ser uma causa de despesas, foi por um longo tempo uma fonte
de receitas para ele. As pessoas que se submetiam ao seu julgamento
estavam sempre dispostas a pagar; as petições vinham infalivelmente
acompanhadas por um presente. Após o completo estabelecimento da
autoridade do soberano, a pessoa considerada culpada, além da
reparação que era obrigada a entregar à outra parte, também era forçada
a pagar uma multa para o soberano. Ela havia causado problemas, ele
havia sido perturbado, ela havia violado a paz de Sua Majestade, o rei, e
acreditava-se que deveria pagar uma pena pecuniária591 por essas
infrações. Nos governos tártaros da Ásia, nos governos da Europa que
foram fundados pelas nações germânica e cita, que derrubaram o
Império Romano, a aplicação da justiça constituía uma fonte considerável
de receitas, tanto para o soberano quanto para todos os chefes ou
senhores menores que, sob seu mando, exerciam qualquer jurisdição
específica, fosse sobre alguma tribo ou clã, fosse sobre algum território
ou distrito específico. Originalmente, chefes menores e soberanos
costumavam exercer pessoalmente sua jurisdição. Mais tarde, acharam
mais conveniente delegá-la a algum substituto, bailio ou juiz. Esse
substituto, no entanto, ainda era obrigado a prestar contas ao seu
superior ou constituinte pelos lucros da jurisdição. Quem ler as
instruções592 que foram dadas aos juízes do circuito593 no tempo de
Henrique II, verá claramente que esses juízes eram uma espécie de
representantes itinerantes, enviados a todo país com o propósito de
cobrar certos itens das receitas do rei. Naqueles dias, a aplicação da
justiça não só proporcionava uma certa receita para o soberano como
também a obtenção dessa receita parece ter sido uma das principais
vantagens que ele se propunha a obter pela aplicação da justiça.
Esse regime de fazer a aplicação da justiça servir aos objetivos da
coleta de receitas dificilmente deixaria de gerar muitos abusos
extremamente graves. A pessoa que solicitasse justiça com um grande
presente em suas mãos tinha chances de obter algo a mais do que justiça;
enquanto aquela que a solicitasse com um pequeno presente tinha
chances de obter algo a menos. Além disso, a justiça costumava demorar
para que o solicitante pudesse repetir o presente. Ademais, a pena
pecuniária devida pelo acusado costumava ser um forte motivo para
considerá-lo culpado, mesmo que os fatos não indicassem isso. A história
de todos os países da antiga Europa é testemunha de que esses abusos
não eram nada incomuns.
Quando o soberano ou chefe exercia sua autoridade judicial em sua
própria pessoa, por muito que ele pudesse abusar dela, devia ser quase
impossível obter qualquer reparação, pois é possível que ninguém fosse
suficientemente poderoso para chamá-lo a prestar contas. De fato,
quando a autoridade era exercida por um bailio, era, às vezes, possível
obterem-se reparações. Quando o bailio era considerado culpado por ter
cometido atos de injustiça para seu próprio benefício, o próprio soberano
nem sempre estava indisposto a puni-lo ou obrigá-lo a consertar o erro.
Mas, se ele tivesse cometido algum ato de opressão para beneficiar seu
soberano, se o tivesse realizado para cortejar a pessoa que o havia
nomeado e que poderia lhe oferecer alguma preferência, a reparação
seria, na maioria das vezes, tão impossível como se o próprio soberano
tivesse cometido o ato. Por conseguinte, em todos os governos bárbaros
e, especialmente, em todos os antigos governos da Europa, que foram
fundados sobre as ruínas do Império Romano, a aplicação da justiça
parece ter sido, por um longo tempo, extremamente corrupta: longe de
ser bastante isonômica e imparcial, mesmo sob os melhores monarcas, e
completamente imoral sob os piores.
Entre as nações de pastores, onde o soberano ou o chefe é apenas o
maior pastor ou pastor da horda ou do clã, ele, assim como todos os seus
vassalos ou súditos, é sustentado pelas crias de seus próprios rebanhos.
Entre as nações de agricultores que acabaram de sair do estado pastoril e
que, por isso, ainda não avançaram muito além desse estado, como
pareciam se encontrar, por exemplo, as tribos gregas durante a época da
Guerra de Troia, bem como nossos antepassados germânicos e citas,
quando se assentaram sobre as ruínas do império ocidental; da mesma
forma, o soberano ou chefe é apenas o maior proprietário de terras do
país e, como qualquer outro proprietário de guerra, é sustentado por uma
receita derivada de sua propriedade privada, ou por aquilo que na Europa
moderna foi chamado de demesne da coroa, isto é, domínio real. Seus
súditos, em ocasiões ordinárias, não contribuem com nada para o seu
apoio, exceto quando necessitam de sua autoridade para protegê-los da
opressão de alguns de seus companheiros. Os presentes que, nessas
ocasiões, dão ao soberano constituem a sua receita ordinária total, o total
de emolumentos que — exceto, talvez, em algum caso de emergência
extraordinária — ele obtém por meio do domínio que exerce sobre os
súditos. Em Homero, quando Agamenon, para ganhar a amizade de
Aquiles, lhe oferece a soberania de sete cidades gregas, a única vantagem
que ele menciona como possível é que o povo o honraria com muitos
presentes. Mas, enquanto tais presentes, isto é, enquanto os emolumentos
da justiça, ou o que pode ser chamado de taxas judiciais, constituíssem a
receita ordinária total que o soberano obteria por sua soberania, não
havia como se esperar, não havia como se propor decentemente que ele
os abandonasse de vez. Ele poderia, e isso era regularmente proposto,
regulamentá-los e determiná-los. Mas, após terem sido regulamentados e
determinados, a questão de como impedir que uma pessoa onipotente os
estendesse para além desses regulamentos continuava muito difícil de ser
respondida, para não dizermos impossível. Portanto, durante esse estado
de coisas, a corrupção da justiça — resultado espontâneo da natureza
arbitrária e incerta desses presentes — não aceitava praticamente
nenhum remédio eficaz.
Quando por várias causas, mas principalmente pelas crescentes
despesas de defesa da nação contra a invasão de outras nações, a
propriedade privada do soberano tornou-se insuficiente para custear as
despesas do exercício da soberania, e quando passou a ser necessário que
as pessoas, para sua própria segurança, contribuíssem para essas despesas
por meio de diferentes tributos, parece ter sido comum que se estipulasse
que nenhum presente para a aplicação da justiça deveria, sob nenhum
pretexto, ser aceito pelo soberano, ou pelos seus bailios e substitutos, os
juízes. Parece que se supôs ser mais fácil abolir completamente os
presentes do que efetivamente regulamentá-los e determiná-los. Os juízes
passaram a receber salários fixos, que deveriam compensar-lhes a perda
da parcela que, anteriormente, detinham dos antigos emolumentos da
justiça; pois, ao soberano, os impostos mais do que compensavam a
perda de sua parcela. Diz-se que, desde então, a aplicação da justiça
passou a ser gratuita.
A justiça, no entanto, nunca foi aplicada de forma gratuita em
nenhum lugar. Os advogados, pelo menos, deviam sempre ser pagos
pelas partes; e, se não pagassem, os advogados exerceriam seus deveres
de forma ainda pior do que realmente os exerciam. As taxas pagas
anualmente aos advogados atingem, em todas as cortes, uma soma muito
maior do que os salários dos juízes. E, assim, a circunstância de seus
salários serem pagos pela coroa não é capaz de causar, em lugar nenhum,
grandes reduções nas despesas necessárias a um processo judicial. Os
juízes foram proibidos de receber presentes ou taxas das partes, não tanto
para diminuir as despesas da justiça, mas para evitar a sua corrupção.
O cargo de juiz é, em si, tão honroso que os homens estão dispostos a
aceitá-lo, mesmo que seus emolumentos sejam muito pequenos. Embora
o cargo de juiz de paz, inferior ao de juiz, seja mais conflituoso e, na
maioria dos casos, não ofereça nenhum emolumento, ainda assim é
objeto da ambição da maioria dos senhores de terras ingleses. Os salários
de todos os juízes, superiores e inferiores, juntamente com todas as
despesas da aplicação e execução da justiça, mesmo quando não é gerida
de forma muito econômica, constituem, em qualquer país civilizado,
apenas uma parcela insignificante das despesas totais do governo.594
O total de despesas da justiça também poderia ser facilmente
custeado pelas taxas judiciais, e, sem expor a aplicação da justiça a
qualquer perigo real de corrupção, a receita pública poderia, portanto,
ficar completamente livre de um certo ônus, mesmo que este talvez seja
pequeno. É difícil regulamentar efetivamente as taxas judiciais quando
uma pessoa tão poderosa como o soberano deve receber uma parcela
delas e, a partir delas, auferir uma parcela considerável de suas receitas.
Isso é muito fácil quando o juiz é a pessoa principal que pode obter
algum benefício delas. A lei pode facilmente obrigar o juiz a respeitar a
regulamentação, embora nem sempre seja capaz de fazer com que o
soberano a respeite. Quando as taxas judiciais estão regulamentadas e
determinadas de forma precisa, quando são pagas de uma só vez, em um
determinado período de cada processo, a um caixa ou tesoureiro, que as
distribuirá em certas proporções conhecidas entre os diferentes juízes
após o processo estar decidido, e não até que esteja decidido, nessas
circunstâncias o perigo de corrupção parece não ser maior do que
quando essas taxas são proibidas de forma absoluta. Essas taxas, sem
causarem grandes aumentos às despesas de uma ação judicial, podem ser
consideradas suficientes para custear todas as despesas da justiça. Por
não serem pagas aos juízes antes da decisão do processo, elas podem
constituir um certo estímulo para que o tribunal o examine e decida com
diligência. Nos tribunais que eram formados por um grande número de
juízes, se a parcela devida a cada juiz fosse proporcional ao número de
horas e dias usados para analisar o processo, quer no tribunal ou em um
comitê formado por ordem do tribunal, essas taxas poderiam oferecer
certo encorajamento à diligência de cada um dos juízes. Os serviços
públicos nunca são mais bem realizados do que quando sua gratificação é
paga somente após a realização dos serviços e quando é proporcional à
diligência empregada na realização deles. Nos diferentes parlamentos da
França, as taxas judiciais (chamadas de épices e vacations) constituem, de
longe, a parte maior dos emolumentos dos juízes. Após todas as
deduções, o salário líquido pago pela coroa a um conselheiro ou juiz no
Parlamento de Toulouse, o segundo Parlamento mais importante do
reino em hierarquia e dignidade, equivale a apenas 150 livres, isto é, cerca
de 6 libras esterlinas e 11 xelins por ano. Há aproximadamente sete anos,
naquele mesmo lugar, o valor era igual aos salários anuais ordinários de
um soldado comum de infantaria. A distribuição dos épices se fazia de
acordo com a diligência dos juízes. Um juiz diligente obtinha por seu
cargo uma receita razoável, embora moderada; um juiz ocioso recebia
pouco mais do que seu salário. Esses parlamentos talvez não sejam, em
muitos aspectos, tribunais de justiça muito convenientes, mas eles nunca
foram acusados; na verdade, parecem nunca sequer terem sido suspeitos
de corrupção.
No início, as taxas judiciais parecem ter sido o principal suporte dos
diversos tribunais de justiça na Inglaterra. Os tribunais se esforçavam
para atrair para si mesmos a maior quantidade possível de competências
e, por esse motivo, todos eles estavam dispostos a dar conhecimento a
muitos processos que, originalmente, não faziam parte de suas
jurisdições. A Corte do Assento do Rei (Court of King’s Bench), instituída
para julgar somente as causas criminais, passou a tomar conhecimento de
processos civis; o pretexto: o requerente dizia que o requerido (o
acusado), ao não lhe fazer justiça, seria culpado de alguma transgressão
ou contravenção. A Corte do Tesouro (Court of Exchequer), instituída
para coletar as receitas da coroa e para impor o pagamento das dívidas
devidas à coroa, passou a tomar conhecimento de todas as outras dívidas
contratuais; o pretexto: o requerente alegava não poder pagar à coroa
enquanto o requerido não o pagasse. Em muitos casos, como
consequência dessas ficções, a questão de para qual corte ou tribunal
levar suas causas acabava dependendo totalmente das partes; e cada uma
das cortes se esforçava para atrair para si, por seus despachos superiores e
por sua imparcialidade, tantas causas quanto pudesse. Talvez a atual e
admirável constituição dos tribunais de justiça da Inglaterra tenha sido,
originalmente e em uma grande medida, formada por essa antiga
competição entre seus respectivos juízes; cada juiz se esforça para dar, em
seu próprio tribunal, o remédio admitido pela lei mais rápido e mais
eficaz para todo tipo de injustiça. Originalmente, os tribunais só
garantiam indenização quando havia quebra de contrato. A Corte de
Chancelaria (Court of Chancery), como tribunal de consciência, foi a
primeira a assumir o encargo de se fazer o cumprimento específico dos
acordos. Quando a quebra de contrato consistia no não pagamento de
dinheiro, não havia como compensar os danos sofridos de nenhuma
outra forma senão pela execução do pagamento, o que equivalia a um
cumprimento específico do acordo. Nesses casos, portanto, o remédio
oferecido pelos tribunais de justiça já era suficiente. O mesmo não
acontecia nos outros casos. Quando o arrendatário processava o
proprietário por tê-lo despejado injustamente de seu arrendamento, a
indenização obtida não era, de forma alguma, equivalente à posse da
terra. Assim, essas causas, por algum tempo, passaram a ser levadas à
Corte da Chancelaria, causando grande perda aos outros tribunais de
justiça. Dizem que, para trazer essas ações de volta para si mesmos, os
tribunais de justiça inventaram o artificial e fictício writ of ejectment
(mandado de reintegração), o remédio mais eficaz contra os despejos
injustos ou a expropriação de terra.
Um imposto do selo que recaia sobre os procedimentos legais dos
tribunais, a ser cobrado por cada um dos tribunais e utilizado para o
sustento dos juízes e de outros funcionários ligados a eles, poderia, da
mesma maneira, proporcionar receitas suficientes para custear as
despesas da aplicação da justiça sem acarretar nenhum ônus sobre as
receitas gerais da sociedade. Nesse caso, os juízes poderiam, de fato, ficar
tentados a multiplicar desnecessariamente o número de procedimentos
dos processos para aumentar, tanto quanto possível, o produto do
imposto do selo. Na Europa moderna, costuma-se regulamentar, na
maioria das vezes, o pagamento dos advogados e escrivães do tribunal de
acordo com o número de páginas escritas por eles; o tribunal, no entanto,
exige que cada página tenha um número determinado de linhas e cada
linha, um número determinado de palavras. Com o intento de aumentar
o valor de seu pagamento, advogados e escrivães têm criado maneiras de
multiplicar as palavras para além de toda a necessidade, corrompendo a
linguagem do direito — creio — de todos os tribunais de justiça da
Europa. Esse tipo de tentação poderia, talvez, causar uma corrupção
semelhante em relação à forma dos procedimentos legais.
Mas, mesmo que a aplicação da justiça seja capaz de custear suas
próprias despesas, ou que os juízes sejam sustentados por meio de
salários fixos pagos a eles a partir de algum outro fundo, não parece
necessário que a pessoa ou as pessoas detentoras do poder executivo
estejam encarregadas da gestão desse fundo ou do pagamento desses
salários. Esse fundo pode ser formado pelas rendas das propriedades
fundiárias e a administração dessas propriedades, confiada ao tribunal
que seria sustentado pelo fundo. Esse fundo pode ser formado até
mesmo pelos juros de uma quantia de dinheiro, cujos empréstimos
podem, da mesma forma, ser confiados ao tribunal que será sustentado
por ele. Uma parcela, embora seja de fato uma pequena parcela, do
salário dos juízes do Tribunal de Sessão da Escócia é paga pelos juros
produzidos por uma quantia de dinheiro. A instabilidade obrigatória
desse fundo parece, no entanto, torná-lo impróprio para manter o
sustento de uma instituição que deve durar para sempre.
A separação entre o poder judiciário e o poder executivo parece ter
sido em sua origem consequência do número cada vez maior de negócios
da sociedade, o qual decorre de seu progresso contínuo. A aplicação da
justiça tornou-se um dever tão trabalhoso e tão complicado que passou a
exigir a atenção exclusiva das pessoas a quem foi confiada. Já que a
pessoa confiada com o poder executivo não tinha tempo para atender
pessoalmente à decisão de causas privadas, nomeou-se um delegado para
decidir em seu lugar. Conforme progredia a grandeza romana, o cônsul
passou a ocupar-se excessivamente com os assuntos políticos do Estado,
não podendo dar atenção à aplicação da justiça. Nomeou-se, então, um
pretor para aplicá-la em seu lugar. Conforme progrediam as monarquias
europeias, as quais foram fundadas sobre as ruínas do Império Romano,
os soberanos e os grandes senhores passaram a considerar a aplicação da
justiça como um cargo muito trabalhoso e também muito desonroso para
que eles mesmos o exercessem. Todos eles, portanto, desoneraram-se do
cargo e nomearam um delegado, bailio ou juiz.
Quando os poderes judiciário e executivo estão unidos, os interesses
da justiça serão frequentemente sacrificados aos interesses daquilo que
vulgarmente chamamos de política. As pessoas que detêm os grandes
interesses do Estado podem, às vezes, e mesmo sem nenhum objetivo
corrupto, acreditar ser necessário sacrificar os direitos de um indivíduo
específico àqueles interesses. Mas a liberdade de todo indivíduo, o seu
sentimento de estar seguro, depende da administração imparcial da
justiça. Para que todo indivíduo se sinta perfeitamente seguro em relação
à posse de todos os direitos que lhe pertencem, não é necessário apenas
que o judiciário esteja separado do poder executivo, mas também que
seja o mais independente possível. Um juiz não deve ser removido de sua
função de acordo com os caprichos do poder executivo. O pagamento
regular de seu salário não deve depender da boa vontade nem mesmo da
situação econômica do poder executivo.
Parte III – Das despesas das obras e
instituições públicas
O terceiro e último dever do soberano ou da commonwealth é o de
construir e manter aquelas instituições públicas e obras públicas que,
embora sejam extremamente benéficas para uma grande sociedade, são,
no entanto, de tal natureza que os lucros gerados por elas nunca seriam
capazes de reembolsar os gastos a qualquer indivíduo ou pequeno
número de indivíduos, e que, portanto, não se pode esperar que qualquer
indivíduo ou pequeno número de indivíduos as construam ou
mantenham. O desempenho desse dever exige graus muito diferentes de
despesas em diferentes períodos da sociedade.
Após as instituições públicas e obras públicas necessárias para a
defesa da sociedade e para a aplicação da justiça, ambas já mencionadas,
as outras obras e instituições desse tipo são principalmente aquelas cujo
objetivo é facilitar o comércio da sociedade e aquelas cujo objetivo é a
promoção da educação da população. As instituições para a promoção da
educação são de dois tipos: aquelas para a educação da juventude e
aquelas para a instrução de pessoas de todas as idades. As considerações
sobre a forma como os gastos desses diferentes tipos de obras públicas e
instituições podem ser custeados de maneira apropriada dividem a
terceira parte do presente capítulo em três artigos.

ARTIGO I — AS OBRAS E AS INSTITUIÇÕES PÚBLICAS CUJO OBJETIVO


É FACILITAR O COMÉRCIO DA SOCIEDADE E, EM PRIMEIRO LUGAR,
DAQUELAS QUE SÃO NECESSÁRIAS PARA FACILITAR O COMÉRCIO
EM GERAL595
É evidente, não havendo necessidade de provas, que a construção e
manutenção das obras públicas que facilitam o comércio de qualquer
país, isto é, boas estradas, pontes, canais navegáveis, portos, etc., exigem,
nos diferentes períodos da sociedade, graus muito diferentes de despesas.
É evidente que as despesas para a construção e a manutenção de vias
públicas em todo o país aumentam com o aumento do produto anual da
terra e do trabalho do país, ou com o aumento da quantidade e do peso
dos bens que devem ser buscados e transportados por essas vias. A força
de uma ponte deve ser adequada ao número e ao peso dos carros que
passarão por cima dela. A profundidade e o suprimento de água de um
canal navegável devem ser proporcionais ao número e à tonelagem dos
barcos que realizarão o transporte de mercadorias por ele; a extensão de
um porto, ao número de navios que provavelmente ficarão ali abrigados.
Não parece necessário que as despesas dessas obras públicas sejam
custeadas pelas receitas públicas, como são comumente chamadas, cujas
coleta e aplicação são, na maioria dos países, atribuídas ao poder
executivo. A maior parte dessas obras públicas pode ser facilmente
administrada de tal forma a gerar uma receita que seja suficiente para
custear as suas próprias despesas sem acarretar nenhum ônus sobre as
receitas gerais da sociedade.
Uma estrada, uma ponte, um canal navegável, por exemplo, podem,
na maioria dos casos, ser construídos e mantidos por um pedágio
cobrado dos carros que utilizam esses serviços; um porto, por uma taxa
portuária moderada sobre a tonelagem dos navios de transporte que nele
carregam ou descarregam suas mercadorias. Em muitos países, a
cunhagem — outra instituição cujo objetivo é facilitar o comércio — não
apenas custeia suas próprias despesas, mas também garante uma pequena
receita ou taxa de cunhagem para o soberano. Os correios — outra
instituição com o mesmo objetivo —, além de custearem suas próprias
despesas, garantem em quase todos os países uma receita bastante
considerável para o soberano.
Quando os carros que passam por cima de uma rodovia ou de uma
ponte e os barcos que trafegam sobre um canal navegável pagam um
pedágio proporcional ao seu peso ou tonelagem, eles pagam a
manutenção dessas obras públicas na proporção exata do desgaste
causado por eles. Mal parece possível inventar uma maneira mais
equitativa para a manutenção dessas obras. Embora esse imposto ou
pedágio também seja adiantado pelo transportador, ao final ele é pago
pelo consumidor, de quem é sempre cobrado no preço das mercadorias.
Entretanto, já que essas obras públicas levam a uma grande redução das
despesas de transporte, os bens — não obstante o pedágio — chegam
mais baratos ao consumidor do que chegariam sem as obras; o aumento
de preço gerado pelo pedágio é menor que a redução gerada pelo
barateamento do transporte. Assim, a pessoa que, ao final, paga esse
imposto ganha mais por essa aplicação do que perde com o pagamento
do imposto. O pagamento é exatamente proporcional ao seu ganho. Na
realidade, ela é obrigada a entregar apenas uma parcela desse ganho para
que possa obter todo o resto. Parece impossível imaginar um método
mais equitativo de se impor um tributo.
Quando o pedágio sobre carros de luxo, sobre os coches, as
carruagens postais (post-chaises), etc. é um pouco mais elevado, em
proporção ao seu peso, do que sobre os carros utilitários, isto é, sobre as
carroças de carga, os vagões, etc., então é possível fazer com que a
indolência e a vaidade dos ricos passem a contribuir de maneira muito
fácil para aliviar os pobres, pois isso barateia o transporte de bens
pesados a todas as partes do país.596
Quando as estradas de rodagem, as pontes, os canais, etc. são dessa
maneira construídos e sustentados pelo comércio que se realiza por meio
deles, eles somente podem ser construídos nos locais exigidos por esse
comércio e, consequentemente, nos locais em que sua construção se fizer
apropriada. Suas despesas, também sua grandeza e magnificência, devem
ser adequadas ao que o comércio é capaz de pagar. Consequentemente,
devem ser construídos sempre que for apropriado. Uma estrada de
rodagem magnífica não pode ser feita em uma região deserta onde há
pouco ou nenhum comércio, ou para simplesmente criar um caminho até
a casa de campo do intendente da província ou até a casa de algum
grande senhor a quem o intendente acha conveniente agradar. Não se
pode lançar uma grande ponte sobre um rio em um lugar onde ninguém
passa, ou apenas para embelezar a vista das janelas de um palácio
vizinho: coisas que às vezes acontecem em países onde as obras desse tipo
são realizadas por meio de quaisquer outras receitas que não sejam
aquelas possíveis de serem geradas pelas próprias obras.
Em diversas partes da Europa, o pedágio ou taxa de passagem de um
canal é um direito privado de certos indivíduos cujo interesse privado os
obriga a manter o canal. Quando o canal não é mantido de forma
razoável, a navegação sobre ele deixa necessariamente de existir e, junto a
ela, todo o lucro que poderia ser recebido pela cobrança do pedágio. Se
esses pedágios fossem entregues para que comissionados, sem nenhum
interesse pessoal nesses pedágios, os administrassem, é possível que eles
não dessem muita atenção à manutenção das obras que construíram. O
canal de Languedoc custou ao rei da França e à província mais de 13
milhões de livres, ou seja (a 28 livres o marco da prata, que era o valor da
moeda francesa no final do século passado), mais de 900 mil libras
esterlinas. Quando essa grande obra foi concluída, considerou-se que,
para mantê-la sempre em bom estado, o melhor método seria presentear
os pedágios ao engenheiro Riquet, que havia projetado e conduzido a
execução da obra. Atualmente, aqueles pedágios constituem-se em uma
vasta propriedade pertencente aos diferentes ramos da família daquele
cavalheiro, que, consequentemente, possuem muito interesse na
manutenção do bom estado da obra. Mas, se os pedágios houvessem sido
entregues à gestão de comissionados que não tivessem nenhum interesse
pessoal nesses pedágios, eles poderiam dissipar as taxas cobradas em
ornamentos e despesas desnecessárias, deixando que as partes mais
essenciais da obra se deteriorassem.
Os pedágios para a manutenção de uma estrada de rodagem não
podem, com segurança, ser propriedades de indivíduos particulares.
Uma estrada de rodagem, mesmo que sua conservação seja totalmente
negligenciada, não pode se tornar completamente intransitável, mas um
canal pode. Assim, os proprietários dos pedágios de uma estrada de
rodagem podem negligenciar completamente a conservação da estrada e,
ainda assim, continuar cobrando as mesmas taxas. Desse modo, é
adequado que os pedágios, isto é, as taxas para a manutenção desse tipo
de obra, sejam entregues à gestão de comissionados ou administradores.
Na Grã-Bretanha, os abusos cometidos pelos comissionados na
gerência desses pedágios têm sido, em muitos casos, alvos justos de
muitas reclamações. Dizem que em muitos postos de pedágio a taxa
cobrada é mais do que o dobro do que é necessário para a execução e a
conclusão da obra, que costuma ser realizada de forma bastante
desleixada e, em alguns casos, nem são realizadas. Devemos observar, no
entanto, que esse sistema de manutenção de estradas de rodagem por
meio de pedágios não é muito antigo. Portanto, não devemos nos
surpreender se o sistema ainda não chegou ao grau de perfeição que
parece ser capaz de atingir. Se, para a sua administração, são
frequentemente nomeadas pessoas ineptas, e se ainda não há tribunais de
inspeção e de contas para controlar a conduta dos nomeados e para
reduzir as taxas a valores que sejam apenas suficientes para a execução da
obra que será realizada com eles, a novidade da instituição serve como
esclarecimento e desculpas por esses defeitos, dos quais, pela sabedoria
do Parlamento, a maior parte deles poderá, no devido tempo, ser
gradualmente resolvida.
Supõe-se que a taxa cobrada nos diversos postos de pedágio da Grã-
Bretanha excede tanto o valor necessário para a manutenção das estradas,
que a economia que poderia ser gerada por uma administração adequada
desses valores tem sido considerada, mesmo por alguns ministros, um
grande recurso que poderá, em algum momento ou outro, ser aplicado
para atender às necessidades do Estado. Afirma-se que, se o governo
tomasse para si a administração dos postos de cobrança e empregasse
soldados, que trabalhariam por um pequeno adicional a seu salário, seria
possível manter as estradas em bom estado de conservação com uma
despesa muito menor do que com os comissionados, que não têm outros
trabalhadores para empregar senão aqueles cuja subsistência é totalmente
dependente desses salários. Tem sido sugerido que, desse modo, seria
possível obter-se uma grande receita, talvez597 meio milhão de libras, sem
a imposição de nenhum novo ônus sobre a população; e, assim, as
estradas com pedágios poderiam contribuir para as despesas gerais do
Estado, da mesma maneira que os correios o fazem atualmente.
Não tenho dúvida de que esse método geraria receitas consideráveis,
embora provavelmente não tão grandes quanto o que supõem os
criadores desse plano. O plano em si, no entanto, parece passível de
várias objeções muito importantes.
Em primeiro lugar, se as taxas cobradas nos postos de pedágio
fossem, em algum momento, consideradas como recurso para suprir as
necessidades do Estado, elas, certamente, aumentariam de acordo com a
suposta exigência dessas necessidades. De acordo com a política da Grã-
Bretanha, portanto, elas provavelmente seriam aumentadas muito
rapidamente. A facilidade de se extraírem grandes receitas dessas taxas
iria, provavelmente, encorajar a administração a recorrer a esse recurso
com muita frequência. Embora seja muito duvidoso que se consiga, a
partir das atuais taxas, poupar meio milhão de libras por qualquer tipo de
administração, não há como duvidar da possibilidade de se poupar um
milhão com essas taxas se elas fossem duplicadas; e, talvez, 2 milhões se
fossem triplicadas.598 Além disso, essa grande receita poderia ser
tributada sem a necessidade de nomear-se um novo funcionário para a
sua cobrança e recebimento. Mas, em vez de o aumento contínuo dos
pedágios facilitar o comércio interno do país, como ocorre no presente,
ele, rapidamente, se tornaria um estorvo. Os gastos com transporte de
todos os bens pesados de uma parte do país a outra aumentariam tanto e
os mercados para todos esses bens ficariam consequentemente tão
diminuídos que a sua produção seria em grande medida desencorajada, e
os ramos mais importantes da indústria doméstica do país ficariam
totalmente aniquilados.
Em segundo lugar, embora um imposto sobre carros,
proporcionalmente ao seu peso, seja um imposto equitativo quando
aplicado com o único propósito de manutenção das estradas, ele é muito
desigual quando aplicado a qualquer outro propósito ou para suprir as
necessidades ordinárias do Estado. Quando é aplicado à única finalidade
acima mencionada, supõe-se que os carros pagam exatamente pelos
desgastes que cada um deles causa às estradas. Mas quando é aplicado a
qualquer outro propósito, supõe-se que os carros pagam um valor que
ultrapassa o desgaste e contribuem para suprir outras necessidades do
Estado. Mas, já que a taxa de pedágio aumenta o preço das mercadorias
em proporção ao seu peso, e não ao seu valor, então ela é paga
principalmente pelos consumidores de mercadorias pesadas e volumosas,
não por aqueles de mercadorias preciosas e leves. Portanto,
independentemente da necessidade do Estado que se pretenda suprir
com o imposto, essa necessidade seria atendida principalmente à custa
dos pobres, não dos ricos; à custa daqueles com menor capacidade
contributiva, não daqueles com maior capacidade. Em terceiro lugar, se,
em algum momento, o governo negligenciasse a manutenção das estradas
de rodagem, seria ainda mais difícil do que é atualmente obrigá-lo a
aplicar corretamente quaisquer parcelas das taxas de pedágio. Poder-se-
ia, assim, coletar da população uma grande receita sem que qualquer
parte desse tributo fosse aplicada ao único objetivo para o qual uma
receita assim criada deveria ser aplicada. Se, atualmente, a mediocridade
e a pobreza dos que cuidam dos postos de pedágio fazem com que seja
difícil obrigá-los a reparar seus erros, seria dez vezes mais difícil obrigá-
los se fossem ricos e poderosos.
Na França, os fundos destinados à reparação das estradas de rodagem
estão sob o comando direto do poder executivo. Esses fundos originam-
se, em parte, de um determinado número de dias de trabalho que a
população rural da maioria dos países da Europa é obrigada a entregar
para a manutenção das rodovias; e, em parte, originam-se de parcela da
receita geral do Estado, separada pela coroa de suas outras despesas.
Pela antiga lei da França, assim como pelas antigas leis da maior parte
da Europa, o trabalho das pessoas do campo era controlado por um
magistrado provincial sem nenhuma dependência imediata do Conselho
Real. Mas, pela prática atual, tanto o trabalho da população rural quanto
quaisquer outros fundos escolhidos pela coroa para a manutenção das
estradas de rodagem, em quaisquer províncias ou généralités, são
integralmente administrados por um intendente: um funcionário
nomeado e exonerado pelo Conselho Real, que recebe suas ordens desse
Conselho e está em constante correspondência com ele. Durante o
desenvolvimento do despotismo, a autoridade do poder executivo vai,
gradualmente, absorvendo a autoridade de quaisquer outros poderes do
Estado, assumindo para si a gestão de todos os ramos das receitas que se
destinam a quaisquer finalidades públicas. Na França, no entanto, as
grandes estradas postais, as estradas que ligam as principais cidades do
Reino, são, em geral, mantidas em boa ordem; e, em algumas províncias,
chegam a ser superiores à maior parte das estradas com postos de
pedágio da Inglaterra. Mas as estradas que chamamos de secundárias, ou
seja, a grande maioria das estradas do país, são totalmente negligenciadas
e, em muitos lugares, se tornam absolutamente intransitáveis para
quaisquer carros pesados. Em alguns lugares é até perigoso viajar a
cavalo; e, assim, as mulas são o único meio de transporte
incontestavelmente seguro. O ministro orgulhoso de alguma corte muito
rica costuma envaidecer-se com a execução de uma obra cheia de
esplendor e magnificência, como uma grande estrada de rodagem que é
normalmente frequentada pela principal nobreza, cujos aplausos não só
adulam a sua vaidade, mas até mesmo oferecem apoio aos seus interesses
na corte. Mas a execução de um grande número de pequenas obras, nas
quais nada que se faça é capaz de estimular muito a visão ou causar o
menor grau de admiração em qualquer viajante, em suma, obras que não
têm nada que as recomende senão a sua extrema utilidade, é um negócio
que, sob todos os aspectos, parece muito medíocre e irrisório para
merecer a atenção de tão grande magistrado. Sob esse tipo de
administração, portanto, essas obras costumam ser completamente
negligenciadas.
Na China, e em diversos outros governos da Ásia, o poder executivo
encarrega-se da administração das estradas de rodagem e da manutenção
dos canais navegáveis. Dizem que, nas instruções dadas aos governadores
de todas as províncias, esses objetivos lhes são constantemente
recomendados; e o conceito que a corte forma sobre a conduta de cada
um deles depende muito da atenção que parecem dar a essa parte de suas
instruções. Desse modo, essa parte da política pública é bastante
respeitada em todos aqueles países, mas particularmente na China, onde
supõe-se que as estradas de rodagem e, ainda mais, os canais navegáveis
superam em muito as obras do mesmo tipo que são conhecidas na
Europa. No entanto, os relatos sobre essas obras têm chegado à Europa
pela boca de viajantes débeis e deslumbrados, frequentemente por
missionários estúpidos e mentirosos. Se elas tivessem sido examinadas
por olhos mais inteligentes, e se os relatos tivessem sido feitos por
testemunhas mais fidedignas, talvez as obras não nos parecessem tão
maravilhosas. O relato de Bernier sobre algumas obras desse tipo no
Hindustão fica muito aquém do que havia sido relatado sobre elas por
outros viajantes, os quais pendiam mais para o deslumbre que ele. É
também possível que aconteça naqueles países o mesmo que ocorre na
França, onde cuida-se das grandes estradas, das grandes vias de
comunicação, sempre que exista a possibilidade de essas obras serem
temas de conversas na corte e na capital, negligenciando-se todo o resto.
Além disso, na China, no Hindustão e em diversos outros países da Ásia,
as receitas do soberano originam-se quase totalmente de um tributo
fundiário ou da renda fundiária, que flutuam de acordo com a flutuação
do produto anual total das terras. Nesses países, portanto, o grande
interesse do soberano, suas receitas, está, necessária e imediatamente,
ligado ao cultivo da terra, bem como ao volume e ao valor de seu
produto. Mas, para que o volume e o valor desse produto sejam bastante
elevados, é necessário oferecer-lhe o mercado mais extenso possível e,
consequentemente, estabelecer as comunicações mais livres, mais
simplificadas e menos dispendiosas possíveis entre todas as regiões do
país, algo que somente pode ser realizado por meio das melhores estradas
de rodagem e dos melhores canais navegáveis. Mas as receitas do
soberano não têm como fonte principal, em nenhum lugar da Europa,
um tributo fundiário ou uma renda fundiária. A maior parte das receitas
de, talvez, todos os grandes reinos da Europa depende, em última análise,
do produto da terra. Mas essa dependência não é nem tão imediata nem
tão evidente. Na Europa, portanto, o soberano não se sente tão
diretamente solicitado nem a promover o aumento da quantidade e do
valor do produto da terra nem a oferecer um mercado mais amplo para
esse produto por meio da manutenção de boas estradas de rodagem e
canais. Portanto, embora deva ser verdade que em algumas partes da Ásia
essa área da política pública é administrada de maneira bastante
apropriada pelo poder executivo (e, pelo que entendo, isso não é nem um
pouco duvidoso), não há a menor probabilidade de que, em qualquer
parte da Europa, essa área pudesse ser, nas atuais circunstâncias,
razoavelmente gerida pelo poder executivo.
Mesmo aquelas obras públicas que, por sua natureza, são incapazes de
gerar quaisquer receitas para sua própria manutenção, mas cuja
conveniência limita-se quase a apenas alguma região ou distrito
específicos, são sempre mais bem mantidas por meio de receitas locais ou
provinciais gerenciadas por uma administração local e provincial do que
pelas receitas gerais do Estado, as quais são sempre administradas pelo
poder executivo. Se a iluminação e a pavimentação das ruas de Londres
fossem custeadas pelo tesouro, será que elas seriam tão bem iluminadas e
pavimentadas como atualmente, será que os gastos seriam tão baixos?
Além disso, a despesa, em vez de ser custeada por um imposto local
cobrado dos habitantes de cada rua, freguesia ou distrito específicos de
Londres, seria, neste caso, custeada pelas receitas gerais do Estado e,
consequentemente, por um tributo cobrado de todos os habitantes do
Reino que, majoritariamente, não desfrutariam de nenhum tipo de
benefício da iluminação e da pavimentação das ruas de Londres.
Mesmo que os abusos que às vezes se inserem na administração local
e provincial de uma receita local e provincial pareçam enormes, eles, na
realidade, são quase sempre muito insignificantes em comparação
àqueles que costumam ocorrer na administração e no dispêndio das
receitas de um grande império. Além disso, podem ser corrigidos de
forma muito mais fácil. Sob a administração local ou provincial dos
juízes de paz na Grã-Bretanha, os seis dias de trabalho que a população
rural é obrigada a entregar para a administração das estradas de rodagem
talvez nem sempre sejam aplicados de modo muito criterioso, mas
raramente são exigidos de modo cruel ou opressivo. Na França, sob a
administração dos intendentes, a aplicação nem sempre é mais criteriosa
e, além disso, a exigência costuma ser realizada de modo mais cruel e
opressivo. Essas corvées, como são chamadas, são um dos principais
instrumentos de tirania por meio dos quais esses funcionários castigam
as paróquias ou communautés que tenham a infelicidade de cair no seu
desagrado.

DAS OBRAS E DAS INSTITUIÇÕES PÚBLICAS QUE SÃO NECESSÁRIAS


PARA FACILITAR OS RAMOS ESPECÍFICOS DO COMÉRCIO
O objetivo das obras e instituições públicas acima mencionadas é facilitar
o comércio em geral. Mas, a fim de facilitar alguns ramos específicos do
mesmo comércio, são necessárias instituições específicas, que, por sua
vez, exigem despesas específicas e extraordinárias.
Alguns ramos específicos do comércio, realizados com as nações
bárbaras e não civilizadas, exigem uma proteção extraordinária. Um
depósito comum, ou casa contábil, oferecia pouca segurança aos bens dos
comerciantes que negociavam na costa ocidental da África. Para defendê-
los dos nativos bárbaros, é necessário que o local em que os bens são
depositados seja, até certa medida, fortificado. Supõe-se que as desordens
do governo do Hindustão criaram a necessidade de uma precaução
semelhante mesmo entre aquela população dócil e tranquila; sob o
pretexto de garantir a segurança das pessoas e de suas propriedades,
permitiu-se que as companhias inglesas e francesas das Índias Orientais
construíssem os seus primeiros fortes naquele país. Entre outras nações,
cujo governo mais forte não permite que estrangeiros possuam
fortificações dentro de seu território, pode ser necessário manter algum
embaixador, ministro ou cônsul que possa decidir as diferenças que
surgem entre seus próprios compatriotas de acordo com os costumes
próprios daquelas nações; e, nas contendas com os nativos, podem, por
meio de seu caráter público, interferir com mais autoridade e
proporcionar-lhes uma proteção mais poderosa do que poderiam esperar
de uma pessoa de caráter privado. Os interesses do comércio costumam
criar a necessidade de se manterem ministros em países estrangeiros
onde os objetivos, bélicos ou pacíficos, não os exigiriam. As atividades
comerciais da Companhia Turca levaram à instalação do primeiro
embaixador ordinário em Constantinopla. Os ingleses instalaram suas
primeiras embaixadas na Rússia devido somente aos interesses
comerciais. A interferência permanente que esses interesses
necessariamente causavam entre os súditos dos diversos Estados da
Europa provavelmente criou o costume de manter, em todos os países
vizinhos, embaixadores ou ministros com residência permanente, mesmo
nos períodos de paz. Parece que esse costume, desconhecido na
Antiguidade, não surgiu antes do final do século XV ou começo do XVI;
ou seja, não surgiu antes do período em que o comércio começou a se
espalhar para a maior parte das nações da Europa e quando estas
começaram a atender aos interesses do comércio.
Parece razoável que as despesas extraordinárias geradas pela proteção
a um ramo específico do comércio devam ser custeadas por um tributo
moderado sobre esse ramo específico; por uma taxa de entrada
moderada, por exemplo, a ser paga pelos comerciantes quando iniciam
nesse ramo; ou, o que é mais justo, por um tributo específico de tantos
porcento sobre os bens que importam para os países específicos com os
quais mantêm seu comércio ou sobre os bens que deles exportam. Dizem
que a proteção ao comércio em geral contra piratas e flibusteiros foi a
causa da instituição dos primeiros tributos alfandegários. Mas, se parece
sensato o estabelecimento de um tributo geral sobre o comércio, a fim de
custear as despesas destinadas à proteção ao comércio em geral, deve
parecer igualmente sensata a imposição de um tributo específico sobre
determinado ramo do comércio para custear as despesas extraordinárias
destinadas à proteção desse ramo.
A proteção ao comércio em geral sempre foi considerada como
essencial para a defesa da commonwealth e, por esse motivo, uma parte
necessária dos deveres do poder executivo. A cobrança e a aplicação dos
tributos aduaneiros gerais, portanto, sempre couberam a esse poder. Ora,
a proteção de qualquer ramo específico do comércio é parte da proteção
geral ao comércio, uma parte, portanto, dos deveres desse poder; e se as
nações sempre agissem de maneira consistente, os tributos específicos
cobrados para essa proteção específica também deveriam caber ao poder
executivo. Mas, sob esse aspecto, assim como sob muitos outros, as
nações nem sempre agiram de maneira consistente; e na maior parte dos
Estados comerciais da Europa, certas companhias de comerciantes
buscam persuadir os legisladores a lhes confiar o cumprimento desse
dever do soberano, juntamente com todos os poderes que estão
necessariamente ligados ao seu cumprimento.
Embora essas companhias tenham sido possivelmente úteis para a
introdução de alguns ramos do comércio — realizando por conta própria
um experimento que o Estado talvez considerasse imprudente realizar —,
elas têm, no longo prazo, se mostrado universalmente inadequadas ou
inúteis, gerindo mal ou limitando a atividade comercial.
As companhias regulamentadas são aquelas que não atuam como
sociedade por ações, que são obrigadas a admitir qualquer pessoa
devidamente qualificada que pague uma certa taxa e concorde em
submeter-se aos regulamentos da empresa e, por fim, são companhias em
que cada membro realiza suas negociações com seu próprio capital e por
sua própria conta e risco. As companhias de capital por ações são aquelas
que operam por meio de um capital coletivo; todos os seus membros
compartilham os lucros ordinários ou as perdas proporcionalmente à
parcela que detêm do capital. Essas companhias, sejam elas
regulamentadas ou de capital coletivo, às vezes têm e às vezes não têm
privilégios exclusivos.599
As companhias regulamentadas lembram, em todos os aspectos, as
corporações de comércios, tão comuns nas cidades e vilas de todos os
países da Europa; elas constituem uma espécie de monopólio ampliado
do mesmo tipo. Assim como, em um vilarejo, ninguém pode exercer seu
comércio sem estar incorporado, isto é, sem primeiro obter uma licença
da corporação, da mesma forma nenhum súdito do Estado pode exercer
legalmente qualquer ramo do comércio exterior para o qual já exista uma
empresa regulamentada sem primeiro tornar-se membro dessa empresa.
A força desse monopólio será maior ou menor de acordo com a maior ou
menor dificuldade das condições de admissão; de acordo, também, com a
maior ou menor autoridade dos diretores da empresa, isto é, conforme o
grau de seu poder para administrar a companhia de tal forma a restringir
a maior parte do comércio para si e para seus amigos particulares. Nas
companhias regulamentadas mais antigas, os privilégios de aprendizagem
eram os mesmos que os de outras corporações; e autorizavam a pessoa
que havia servido a um membro da companhia pelo tempo devido a,
também, tornar-se um membro, sem o pagamento de nenhuma taxa ou
pelo pagamento de uma pequena taxa, menor do que aquela exigida de
outras pessoas. Enquanto lei nenhuma o limitar, o espírito corporativo
habitual prevalecerá em todas as empresas regulamentadas. Sempre que
lhes for permitido agir de acordo com suas inclinações naturais, elas se
esforçarão para limitar a competição ao menor número possível de
pessoas, para sujeitar o comércio a muitos regulamentos inconvenientes.
Assim que a lei impôs limites a esse tipo de comportamento, as
companhias se tornaram completamente inúteis e insignificantes.
Aquelas que são regulamentadas para o comércio exterior que
existem atualmente na Grã-Bretanha são a antiga Companhia dos
comerciantes aventureiros, agora comumente chamada de Companhia de
Hamburgo, a Companhia Russa (ou de Moscóvia), a Companhia do Mar
do Norte (Eastland), a Companhia Turca e a Companhia Africana.
Dizem que as condições de admissão da Companhia de Hamburgo
são, atualmente, bastante simples; e que os diretores já não possuem mais
poder para sujeitar o comércio a restrições ou regulamentações
onerantes, ou que, pelo menos ultimamente, não têm exercido tal poder.
Nem sempre foi assim. Em meados do século passado, a taxa para
admissão era de 50 libras, chegando, certa vez, a 100; e se afirmava que a
conduta da Companhia era extremamente opressiva. Em 1643, em 1645 e
em 1661, os fabricantes de roupas e os comerciantes autônomos do oeste
da Inglaterra se queixaram dela ao Parlamento, acusando-a de
monopolista, de restringir o comércio e oprimir os manufaturadores do
país. Embora essas queixas não tenham produzido nenhuma lei, elas
provavelmente intimidaram as companhias, obrigando-as a mudar de
conduta. Desde aquela época, pelo menos, não houve mais nenhuma
queixa contra elas. Pelos estatutos do 10º e 11º ano do reinado de
Guilherme III, c.6,600 a taxa de admissão na Companhia Russa foi
reduzida para 5 libras; e pelo estatuto do 25º ano do reinado de Carlos II,
c.7,601 a admissão na Companhia do Mar do Norte (Eastland) foi
reduzida para 40 xelins, enquanto, ao mesmo tempo, excetuaram-se de
seus privilégios comerciais Suécia, Dinamarca e Noruega, países do lado
norte do Báltico. A conduta dessas companhias foi provavelmente a causa
dessas duas leis. Antes dessa época, o senhor Josiah Child602 já havia
descrito essas companhias, juntamente com a Companhia de Hamburgo,
como extremamente opressivas, e também havia acusado a má gestão
delas como causa do péssimo estado em que, naquela época, se
encontrava o comércio da Inglaterra com os países compreendidos nas
cartas de autorização comercial de cada companhia. Mas, embora essas
companhias não sejam mais tão opressivas, elas, atualmente, são com
certeza completamente inúteis. Chamá-las somente de inúteis é, de fato,
um dos maiores elogios que se podem conferir a uma empresa
regulamentada; elogio que, em seu estado atual, todas as três empresas
anteriormente mencionadas parecem merecer.
A taxa de admissão na Companhia Turca era anteriormente de 25
libras para todas as pessoas com menos de 26 anos de idade e 50 libras
para todas as pessoas com mais. Apenas mercadores de longa distância
eram admitidos; essa restrição excluía todos os lojistas e varejistas. Por
uma lei local, nenhuma manufatura britânica podia ser exportada para a
Turquia senão nos navios gerais da companhia; e como os navios saíam
sempre do porto de Londres, essa restrição confinava o comércio a esse
porto caro e limitava os comerciantes àqueles que viviam em Londres e
em seus arredores. Por outra lei local, não se admitiria como membro
ninguém que, mesmo vivendo a 20 milhas da cidade, não fosse cidadão
livre da cidade;603 outra restrição que, juntando-se à anterior,
necessariamente excluía todos, exceto os homens livres de Londres. Já
que o tempo para o carregamento e a navegação desses navios gerais
dependia de seus diretores, eles podiam facilmente carregá-los com seus
próprios bens e os de seus amigos particulares, com a exclusão de outros
que, poderiam dizer, haviam feito suas propostas tarde demais. Nesse
estado de coisas, então, essa companhia era, em todos os aspectos, um
monopólio rigoroso e arbitrário. Esses abusos deram origem ao estatuto
do 26º ano do reinado de Jorge II, c.18,604 reduzindo a taxa de admissão
para 20 libras para todas as pessoas, sem nenhuma distinção de idade, ou
qualquer restrição, seja para meros comerciantes ou para os homens
livres de Londres, garantindo a todas essas pessoas a liberdade de
exportar — a partir de todos os portos da Grã-Bretanha para quaisquer
portos da Turquia — todos os bens britânicos cuja exportação não
estivesse proibida, e de importar de lá todos os bens turcos cuja
importação não estivesse proibida, pagando tanto os tributos
alfandegários gerais como os tributos particulares, pagos para custear as
despesas necessárias da companhia e, ao mesmo tempo, submetendo-se à
autoridade legal do embaixador e dos cônsules britânicos residentes na
Turquia, bem como aos estatutos da companhia devidamente
promulgados. Para evitar quaisquer arbitrariedades por parte desses
regulamentos da companhia, o mesmo ato ordenou que, se quaisquer
sete membros da companhia se considerassem prejudicados por
quaisquer regulamentos promulgados após a aprovação do estatuto do
Parlamento, eles poderiam apelar à Câmara de Comércio e das Colônias
(à qual sucedeu agora um comitê do Conselho Privado), desde que tal
recurso fosse entregue no prazo de doze meses após a promulgação do
regulamento; e que, se quaisquer sete membros se considerassem
prejudicados por quaisquer regulamentos internos da companhia,
promulgados antes da aprovação desse estatuto, eles também poderiam
apelar, desde que o fizessem no prazo de doze meses após a promulgação
do estatuto. A experiência de um ano, no entanto, nem sempre é
suficiente para que todos os membros de uma grande companhia
descubram a tendência perniciosa de um regulamento interno específico;
e, quando se descobriam várias dessas tendências após o prazo
estabelecido, nem a Câmara de Comércio nem o comitê do conselho
eram capazes de oferecer quaisquer reparações. Além disso, o objetivo da
maior parte dos estatutos de todas as companhias regulamentadas, bem
como de todas as outras corporações, não é tanto oprimir aqueles que já
são membros, mas desencorajar outros a se tornarem membros, o que
pode ser feito não só por meio de uma taxa de adesão alta, mas por
muitos outros artifícios. Essas companhias têm como objetivos
permanentes o aumento máximo de seus próprios lucros e a manutenção
de um mercado subabastecido, tanto para os bens que exportam como
para aqueles que importam, metas realizáveis apenas por meio da
restrição da concorrência ou pelo desencorajamento da entrada de novos
empreendedores no mercado. Além disso, embora a taxa de 20 libras
talvez não seja suficiente para desencorajar alguém que queira entrar e
manter um comércio contínuo com a Turquia, pode, no entanto, ser
suficiente para desencorajar que um comerciante especulador se arrisque
em uma única empreitada nesse comércio. Em todos os negócios, os
comerciantes já bem estabelecidos, mesmo que não participem de
nenhuma corporação, naturalmente se associam para conseguir
aumentar seus lucros, os quais, de forma alguma, podem ser mantidos
continuamente abaixo de seu nível apropriado, senão pela competição
ocasional de especuladores. Embora o comércio com a Turquia tenha
sido aberto, em certa medida, por esse ato do Parlamento, muitas pessoas
ainda o consideram muito longe de ser totalmente livre. A Companhia da
Turquia contribui para manter um embaixador e dois ou três cônsules, os
quais, como acontece com outros ministros públicos, devem ser
inteiramente mantidos pelo Estado, e o comércio aberto a todos os
súditos de Sua Majestade. Os vários tributos cobrados pela companhia
para essas e outras finalidades corporativas são capazes de arrecadar uma
receita muito mais do que suficiente para permitir que o Estado sustente
esses ministros.
As companhias regulamentadas, observou o senhor Josiah Child,
embora apoiassem ministros públicos, jamais mantiveram fortes ou
guarnições nos países com os quais mantinham comércio; as sociedades
por ações, por outro lado, haviam feito isso com frequência. E, na
realidade, as primeiras parecem ser muito mais inadequadas para esse
tipo de serviço do que as últimas. Em primeiro lugar, os diretores de uma
companhia regulamentada não têm nenhum interesse particular na
prosperidade do negócio geral da empresa, motivo pelo qual esses fortes
e guarnições são mantidos. A decadência desse negócio geral costuma até
mesmo trazer vantagens aos seus negócios privados; já que, ao diminuir
o número de seus concorrentes, ambos podem comprar mais barato e
vender mais caro. Os diretores de uma sociedade por ações, pelo
contrário, tendo apenas a sua quota nos lucros das ações ordinárias
administradas por eles, não possuem nenhum negócio privado cujos
juros possam ser separados do negócio geral da empresa. Seus interesses
privados estão ligados à prosperidade do negócio geral da empresa; e à
manutenção dos fortes e guarnições, os quais são necessários para sua
defesa. Eles estão mais propensos, portanto, a demonstrar uma
preocupação contínua e cuidadosa que essa manutenção
obrigatoriamente requer. Em segundo lugar, os diretores de uma
sociedade por ações sempre administram um grande capital, o capital
conjunto da empresa; parte desse capital é frequentemente empregada de
forma apropriada para a construção, a reparação e a manutenção desses
fortes e guarnições. Mas os diretores de uma companhia regulamentada
não possuem um capital comum que possam administrar e, por isso, não
têm outro fundo para empregar desse mesmo modo senão a receita
casual decorrente das taxas de admissão e outras obrigações exigidas
pelas operações da companhia. Portanto, embora tivessem o mesmo
interesse, a saber, atender à manutenção dos fortes e das guarnições,
raramente tinham a mesma habilidade de tornar efetiva essa atenção. A
manutenção de um ministério público, que exige muito pouca atenção e
somente alguns gastos moderados e limitados, está muito mais de acordo
com as disposições e as capacidades de uma companhia regulamentada.
Muito tempo depois da época de Sir Josiah Child, no entanto, em
1750, criou-se uma companhia regulamentada — a atual companhia de
comerciantes que negociam com a África, que foi expressamente
encarregada, em primeiro lugar, de manter todos os fortes e guarnições
britânicos que se localizavam entre o Cabo Branco e o Cabo da Boa
Esperança, e depois com a manutenção daqueles localizados entre o
Cabo Vermelho e o Cabo da Boa Esperança. A lei que criou a empresa
(estatuto do 23º ano do reinado de Jorge II, c.31)605 parecia ter dois
objetivos distintos em vista: primeiro, a contenção efetiva do espírito
opressivo e monopolizante, algo natural aos diretores de uma companhia
regulamentada; segundo, forçá-los a dar atenção, tanto quanto possível —
o que não é natural para eles —, para a manutenção de fortes e
guarnições.
Para cumprir o primeiro objetivo, as taxas de admissão limitavam-se
a 40 xelins. A companhia foi proibida de negociar com fundos conjuntos
ou incorporados; de tomar dinheiro emprestado em conjunto sobre selo
ou firma comum; ou de impor restrições sobre o comércio que pode ser
realizado livremente de todos os lugares e por todos os súditos britânicos
que paguem as taxas. Sua administração foi posta a cargo de uma
comissão de nove pessoas que se reúne em Londres; elas são escolhidas
anualmente dentre os associados da Companhia em Londres, Bristol e
Liverpool; três de cada lugar. Os membros da comissão não podem se
manter nesses cargos por mais de três anos seguidos. Qualquer membro
da comissão pode ser removido pela Câmara de Comércio e das
Colônias; atualmente por um comitê do conselho, após ser ouvido em
sua própria defesa. A comissão está proibida de exportar negros da África
ou de importar quaisquer bens africanos para a Grã-Bretanha. Mas como
está encarregada da manutenção de fortes e guarnições, seus membros
podem, para esse fim, exportar diferentes tipos de bens e provisões da
Grã-Bretanha para a África. Do dinheiro que esses membros recebem da
Companhia, uma soma que não ultrapassa 800 libras é utilizada para
pagar seus empregados e agentes em Londres, em Bristol e em Liverpool,
para o aluguel de um escritório em Londres e para todas as outras
despesas relativas à administração, comissão e atividades na Inglaterra.
Após o pagamento dessas diversas despesas, os membros da comissão
poderão distribuir entre si o valor restante como compensação por seu
trabalho, da maneira que considerarem mais adequada. Por essas
normas, seria de se esperar que o espírito monopolista ficasse
efetivamente contido e que o primeiro desses objetivos fosse realmente
atingido. Parece, no entanto, não ter sido esse o caso. Embora o estatuto
do 4º ano do reinado de Jorge III, c.20,606 tivesse entregado o forte de
Senegal e todas as suas dependências à companhia, ocorreu que, no ano
seguinte (pelo estatuto do 5º ano do reinado de Jorge III, c.44), não
somente o forte de Senegal e suas dependências, mas toda a costa, desde
o porto de Sallee, no sul da Barbária, até o Cabo Vermelho, foram
retirados da jurisdição dessa Companhia e entregues à coroa; assim, o
comércio na região foi declarado livre para todos os súditos de Sua
Majestade. Suspeitava-se que a Companhia estava restringindo o
comércio e que havia estabelecido alguma espécie imprópria de
monopólio. No entanto, não é muito fácil entender como a Companhia
pode ter feito isso sob as regras do estatuto do 23º ano do reinado de
Jorge II. Os debates impressos da Câmara dos Comuns, que nem sempre
são os registros mais autênticos da verdade, demonstram, porém, que
essas foram as acusações feitas aos membros da Companhia. Já que todos
os nove membros da comissão eram comerciantes e que todos os
administradores e agentes dos fortes e assentamentos dependiam deles,
não é improvável que estes últimos possam ter oferecido uma atenção
especial às remessas e comissões daqueles primeiros, fato que
estabeleceria um verdadeiro monopólio.
Já em relação ao segundo objetivo, isto é, para a manutenção dos
fortes e guarnições, o Parlamento concedeu à Companhia uma soma
anual de cerca de 13 mil libras. Para a aplicação correta desse valor, a
comissão é obrigada a prestar contas anualmente ao barão diretor do
tesouro,607 as quais são, posteriormente, submetidas ao Parlamento. Mas
um Parlamento que dá tão pouca atenção à aplicação de milhões não
dará muito atenção a 13 mil libras por ano; e o chefe do tesouro, por sua
profissão e educação, não está profundamente qualificado para lidar com
as despesas adequadas de fortes e guarnições. Os capitães da marinha de
Sua Majestade, de fato, ou quaisquer outros oficiais comissários,
nomeados pelo Conselho do Almirantado,608 podem levantar questões
acerca das condições dos fortes e guarnições e relatar suas observações a
este conselho. Mas o conselho parece não ter jurisdição direta sobre a
comissão nem autoridade para corrigir a conduta daqueles que estão
sendo investigados; e, além disso, não devemos imaginar que os capitães
da marinha de Sua Majestade sejam sempre profundos conhecedores da
ciência das fortificações. A remoção do cargo ocupado, que dura apenas
três anos e cujos emolumentos legais, mesmo durante esse período, são
tão pequenos, parece ser a punição máxima que se pode aplicar a um
membro da comissão por qualquer falta que não seja a malversação
direta ou a apropriação indevida, seja de dinheiro público ou da
Companhia; o medo dessa punição nunca terá peso suficiente para forçar
os membros da comissão a oferecer uma atenção contínua e cuidadosa a
uma atividade da qual eles não têm interesse em participar. A comissão é
acusada de ter enviado tijolos e pedras da Inglaterra para a reparação do
Castelo da Costa do Cabo, na costa da Guiné, um negócio para o qual o
Parlamento já havia, várias vezes, concedido uma soma extraordinária
em dinheiro. Dizem, também, que esses tijolos e pedras enviados em
uma viagem tão longa eram de tão má qualidade que era necessário
reconstruir, desde a fundação, as paredes que tinham sido reparadas com
eles. Os fortes e guarnições que se encontram ao norte do Cabo
Vermelho não são apenas mantidos à custa do Estado, mas estão sob a
administração direta do poder executivo; e parece ser muito difícil
encontrar uma boa razão para que aqueles que se encontram ao sul do
Cabo, e que também são, pelo menos em parte, mantidos à custa do
Estado, estejam sob outra administração. A proteção do comércio no
Mediterrâneo foi o objetivo original ou pretexto para a construção das
guarnições de Gibraltar e Minorca, e a manutenção e a administração
dessas guarnições sempre foram, de forma bastante acertada, delegadas
ao poder executivo, e não à Companhia da Turquia. O orgulho e a
dignidade do poder executivo consistem, em grande medida, na extensão
de seus domínios; e, assim, não é muito provável que ela deixe de realizar
tudo o que for possível para a defesa de seus domínios. As guarnições em
Gibraltar e Minorca, por isso, nunca foram negligenciadas; e embora
Minorca já tenha sido tomada por duas vezes e, agora, tenha sido
provavelmente perdida para sempre, esse desastre jamais pode ser
imputado a qualquer negligência do poder executivo. Não obstante, eu
não desejo insinuar que essas duas guarnições caras tenham sido, mesmo
no menor grau, necessárias para o intento que serviu de pretexto para
que fossem desmembradas da monarquia espanhola. Esse
desmembramento, talvez, nunca tenha servido a qualquer outro
propósito real senão afastar a Inglaterra de seu aliado natural, o rei da
Espanha, e unir os dois principais ramos da casa de Bourbon em uma
aliança muito mais forte e permanente do que jamais poderia existir
apenas pelos laços de sangue.
As sociedades por ações, criadas por autorização real ou por lei do
Parlamento, diferem em diversos aspectos das companhias
regulamentadas e das associações privadas.
Primeiro, em uma associação privada, nenhum sócio pode transferir
sua parte para outra pessoa ou trazer um novo associado sem o
consentimento da companhia. No entanto, após prévio aviso, os sócios
podem se retirar da associação e exigir dela a devolução de sua parcela
aplicada ao capital comum. No caso de uma sociedade por ações, pelo
contrário, nenhum membro pode exigir o pagamento de sua parte; os
sócios, no entanto, podem, sem o consentimento prévio da companhia,
transferir suas ações para outra pessoa e, assim, trazer um novo sócio. O
valor de uma ação no capital da empresa é sempre o preço que ela obtém
no mercado, que pode ser maior ou menor, em qualquer proporção, do
que a soma que seu proprietário possui no capital da empresa.
Em segundo lugar, em uma associação privada, os associados são
responsáveis pelas dívidas contratadas pela empresa em toda a sua
fortuna. Em uma sociedade por ações, pelo contrário, a responsabilidade
dos sócios limita-se pela extensão de sua participação acionária naquela
empresa.
Os negócios de uma sociedade por ações são sempre geridos pelos
diretores. O conselho, de fato, costuma ser controlado, em muitos
aspectos, por uma assembleia geral de acionistas. Mas a maior parte
desses acionistas raramente entende dos negócios da empresa; e quando
o espírito partidário não prevalece entre eles, não se intrometem nos
assuntos da sociedade e ficam felizes em receber os dividendos de forma
semestral ou anual, conforme os diretores considerem mais adequado.
Essa isenção total de problemas e de risco, além de uma quantia limitada,
incentiva muitas pessoas — que nunca arriscariam suas fortunas em
associações privadas — a investir nas sociedades por ações. Assim, essas
sociedades costumam atrair para si capitais muito maiores do que
quaisquer associações privadas seriam capazes de obter. Certa vez, o
capital acionário da Companhia dos Mares do Sul atingiu mais de 33
milhões e 800 mil libras. Atualmente, o capital do Banco da Inglaterra
equivale a 10 milhões e 780 mil libras. No entanto, não é de esperar que
os diretores dessas empresas, por serem mais gestores do dinheiro de
outras pessoas do que de seu próprio, cuidem dele com a mesma
preocupação vigilante com que os membros de uma associação privada
costumam cuidar do seu. Assim como os administradores de um homem
rico, eles costumam considerar que a atenção a pequenos detalhes não
seria algo honroso a seus patrões e, com muita facilidade, dispensam-se
deles. Dessa forma, em maior ou menor grau, prevalecem sempre a
negligência e o esbanjamento na gestão dos negócios dessas empresas. É
por isso que, no comércio exterior, as sociedades por ações raramente
têm conseguido sustentar a concorrência contra os investidores privados.
Consequentemente, elas raramente conseguem algum êxito quando não
têm privilégios exclusivos; e, frequentemente, não o obtêm nem mesmo
quando têm privilégios. Sem privilégios exclusivos, elas costumam
administrar mal os seus negócios. Com privilégios exclusivos, elas os
administram mal e descambam para o monopólio.
A Companhia Real Africana, antecessora da atual Companhia
Africana, obteve privilégios exclusivos por autorização real; a
autorização, no entanto, não foi confirmada por lei parlamentar e o
comércio, em consequência da declaração de direitos, foi, logo após a
revolução, aberto a todos os súditos de Sua Majestade. A Companhia da
Baía de Hudson está, quanto aos seus direitos legais, na mesma situação
que a Companhia Real Africana. A sua autorização real exclusiva não foi
confirmada por lei do Parlamento. A Companhia dos Mares do Sul
(South Sea Company), enquanto continuou a funcionar como uma
empresa comercial, teve seus privilégios exclusivos confirmados por lei
parlamentar; o mesmo aconteceu com a atual Companhia Unida de
Comerciantes que negociam com as Índias Orientais (United Company of
Merchants trading to the East Indies).
A Companhia Real Africana logo descobriu que não poderia
sustentar a concorrência contra os aventureiros particulares que, apesar
da declaração de direitos, continuaram sendo chamados de intrusos por
algum tempo e foram perseguidos como tal. Em 1698, no entanto, os
aventureiros particulares foram submetidos a uma taxa de 10% sobre
quase todos os diferentes setores de suas atividades comerciais, a qual
seria aplicada na manutenção dos fortes e das guarnições da Companhia.
Mas, apesar desse pesado tributo, as companhias continuavam incapazes
de sustentar a concorrência. Suas ações e crédito declinaram
gradualmente. Em 1712, suas dívidas se tornaram tão grandes que o
Parlamento se viu obrigado a editar uma lei específica para garantir a
segurança das companhias e de seus credores. Decretou-se que a
resolução de dois terços desses credores, em número e valor, vincularia
todos os outros, tanto no que diz respeito ao prazo que se daria à
companhia para o pagamento de suas dívidas quanto no que diz respeito
a qualquer outro acordo que se considerasse adequado de ser feito com
ela em relação a essas dívidas. Em 1730, suas atividades estavam em uma
desordem tão grande que ela se viu completamente incapaz de manter
seus fortes e guarnições, o único propósito e pretexto de sua instituição.
A partir daquele ano — e até a sua dissolução final —, o Parlamento
julgou necessário garantir a ela um valor anual de 10 mil libras para esse
fim. Em 1732, após ter perdido muito dinheiro com o transporte de
escravos negros para as Índias Ocidentais, ela finalmente resolveu
abandonar suas atividades por completo, vender aos comerciantes
particulares que negociavam com a América os escravos negros que
compraram na costa e empregar seus funcionários no comércio ligado ao
interior da África, a saber, ouro em pó, dentes de elefantes, corantes, etc.
Mas seu êxito nesse comércio mais confinado não foi maior do que no
mais extenso. Seus negócios continuaram a declinar gradualmente até
que, após ter se tornado uma companhia falida em todos os aspectos, foi
finalmente dissolvida por uma lei do Parlamento; seus fortes e guarnições
foram entregues à atual companhia regulamentada de comerciantes que
realizam negócios com a África. Antes da criação da Companhia Real
Africana, três outras sociedades por ações haviam sido criadas
sucessivamente, uma após a outra, para o comércio com a África. Todas
elas foram igualmente malsucedidas. Todas elas possuíam autorização
real de exclusividade que, mesmo não confirmada por lei do Parlamento,
era, na época, suficiente para autorizar um verdadeiro privilégio
exclusivo.
Antes de seus infortúnios no final da guerra, a Companhia da Baía de
Hudson foi muito mais afortunada do que a Companhia Real Africana.
Suas despesas obrigatórias são muito menores. Dizem que o total de
pessoas que honram seus diferentes assentamentos e habitações com o
nome de forte não ultrapassa cento e vinte. No entanto, esse número é
suficiente para preparar de antemão a carga de peles de animais e outros
bens necessários para carregar seus navios, os quais, por causa do gelo,
raramente podem permanecer mais do que seis ou oito semanas naqueles
mares. Por muitos anos, os empreendedores privados não conseguiram
adquirir essa vantagem de já ter uma carga preparada para o embarque e,
sem isso, parece não haver possibilidade de comércio para a Baía de
Hudson. O pequeno capital da empresa, que, segundo fui informado, não
ultrapassa 110 mil libras, pode ser suficiente para abarcar todo ou quase
todo o comércio e o produto excedente da região compreendida dentro
de sua autorização real, área que, apesar de grande, é miserável. Por isso,
nenhum empreendedor privado jamais tentou realizar atividades
comerciais na região concorrendo com a Companhia. O comércio dessa
companhia, na verdade, sempre foi exclusivo, ainda que, legalmente, ela
não tenha direito a ele. Além de tudo isso, diz-se que o pequeno capital
dessa companhia está dividido entre um número muito pequeno de
proprietários. Mas uma sociedade por ações, composta por um pequeno
número de proprietários, com um capital pequeno, se aproxima quase da
natureza de uma associação privada, e pode administrar suas atividades
com quase o mesmo grau de vigilância e atenção. Não seria de estranhar,
portanto, se, em consequência dessas diferentes vantagens, a Companhia
da Baía de Hudson tivesse conseguido, antes da última guerra, continuar
as suas atividades com um grau considerável de sucesso. Não parece
provável, entretanto, que seus lucros tenham se aproximado do valor
estimado pelo falecido senhor Dobbs. Um escritor muito mais sóbrio e
criterioso, o senhor Anderson, autor de The Historical and Chronological
Deduction of Commerce (Uma dedução histórica e cronológica da origem
do comércio),609 observa com bastante acerto que, após examinar os
relatórios das exportações e importações da Companhia, fornecidos pelo
próprio senhor Dobbs durante vários anos, levando em consideração os
seus riscos e despesas extraordinários, não parece que seus lucros
mereçam ser invejados ou que sejam capazes de exceder os lucros
comuns da atividade.
A Companhia dos Mares do Sul nunca teve fortes ou guarnições e,
portanto, estava completamente isenta de uma grande despesa à qual
estão sujeitas as outras sociedades por ações para o comércio exterior.
Possuía, porém, um capital imenso dividido entre um número imenso de
proprietários. Naturalmente, era de esperar que a estultice, a negligência
e o esbanjamento prevalecessem em toda a gestão de seus negócios. A
desonestidade e o exagero de seu processo de especulações com ações na
bolsa de valores são bastante conhecidos, e explicá-los seria estranho ao
tema deste livro. Seus projetos mercantis não foram conduzidos de
melhor maneira.610 A primeira atividade comercial em que a Companhia
se envolveu foi o fornecimento de escravos negros às Índias Ocidentais
espanholas, de cujo tráfico (em consequência do contrato comercial
chamado de Asiento,611 garantido pelo Tratado de Utrecht) teve o
privilégio exclusivo. Mas, como não se esperava que essa atividade
gerasse muito lucro — tanto as companhias portuguesas como as
francesas, que haviam desfrutado das mesmas condições no passado,
foram arruinadas por esse comércio —, foram autorizadas, como
compensação, ao envio anual de um navio com certa carga para negociar
diretamente com as Índias Ocidentais espanholas. Das dez viagens que
esse navio pode realizar, dizem que a companhia obteve lucro
considerável em apenas uma delas: a do navio Royal Caroline, em 1731.
Houve prejuízo em todas as outras. A má fortuna foi imputada, por seus
representantes e agentes, à extorsão e às arbitrariedades do governo
espanhol; mas, na verdade, talvez tenha ocorrido principalmente por
causa do esbanjamento e da pilhagem desses mesmos representantes e
agentes; dizem que alguns deles adquiriram grandes fortunas, mesmo em
apenas um ano. Em 1734, devido aos lucros minguados, a companhia
solicitou ao rei autorização para que pudesse se desfazer daquela
atividade comercial e de seu direito anual de enviar um navio às Índias
Ocidentais espanholas, bem como a liberdade de aceitar o equivalente ao
que pudesse obter do rei da Espanha.
Em 1724, essa companhia passou à pesca de baleias. Nessa operação,
de fato, ela não tinha nenhum monopólio; mas enquanto esteve
envolvida nela, nenhum outro súdito britânico parece ter exercido a
atividade. Das oito viagens que seus navios fizeram para a Groenlândia,
obtiveram lucro em uma e prejuízo em todas as outras. Após sua oitava e
última viagem, quando já tinha vendido seus navios, estoques e
utensílios, a Companhia descobriu que todo o seu prejuízo neste ramo,
incluindo capital e juros, atingiu mais de 237 mil libras.
Em 1722, essa companhia pediu ao Parlamento que lhe autorizasse
dividir o seu imenso capital de mais de 33 milhões e 800 mil libras, cujo
total havia sido emprestado ao governo, em duas partes iguais: a primeira
metade, ou mais de 16 milhões e 900 mil libras, a ser colocada em pé de
igualdade com outras rendas anuais (annuities) do governo, não estando
sujeita às dívidas contraídas ou aos prejuízos incorridos pelos diretores
da Companhia na persecução de seus projetos mercantis; a outra metade
para que permanecesse como antes: um capital de negócios, sujeito a
dívidas e prejuízos. A petição era bastante razoável para não ser
concedida. Em 1733, a Companhia peticionou novamente ao Parlamento
para que 3/4 de seu capital de negócios fosse transformado em annuities e
apenas 1/4 fosse mantido como fundo mercantil, expondo-se aos perigos
decorrentes da má gestão de seus diretores. Nesse momento, tanto suas
annuities quanto seu capital de negócios haviam perdido mais de 2
milhões de libras, por causa de vários pagamentos diferentes do governo,
de modo que esse quarto atingia somente 3.662.784 libras, 8 xelins e 6
pence. Em 1748, todas as exigências da empresa ao rei da Espanha, em
consequência do Tratado de Asiento, foram, em virtude do Tratado de
Aquisgrão, substituídas por um suposto equivalente. Assim, encerrou-se
seu comércio com as Índias Ocidentais espanholas, o restante de seu
capital de negócios foi transformado em uma annuity e, em todos os
aspectos, a Companhia deixou de ser uma empresa comercial.
Deve-se observar que, no comércio que a Companhia dos Mares do
Sul manteve por meio de seu navio anual, o único comércio que podia
lhe prometer algum lucro, não lhe faltavam concorrentes, fosse no
exterior ou no mercado doméstico. Em Cartagena, Porto Bello e Vera
Cruz, ela teve que enfrentar a concorrência dos comerciantes espanhóis
que a partir de Cádiz levavam para aqueles mercados bens europeus do
mesmo tipo que a carga levada pelo navio inglês; na Inglaterra,
enfrentava a concorrência dos comerciantes ingleses, que importavam de
Cádiz as mesmas mercadorias que o navio da Companhia trazia das
Índias Ocidentais espanholas. É verdade que os bens dos comerciantes
espanhóis e ingleses estavam sujeitos a uma tributação mais elevada. Mas
as perdas ocasionadas pela negligência, esbanjamento e malversação dos
funcionários da Companhia consistiam em um imposto muito mais
pesado do que toda a tributação a que os comerciantes estavam sujeitos.
Parece contrário a toda experiência que uma sociedade por ações tenha
êxito nos ramos do comércio exterior em que haja concorrência aberta e
honesta com os empreendedores privados.
A antiga Companhia Inglesa das Índias Orientais foi criada em 1600
por autorização da rainha Isabel. Nas primeiras doze viagens à Índia, a
companhia parece ter realizado suas atividades como se fosse uma
companhia regulamentada, com capitais individualizados, embora
apenas nos navios gerais da empresa. Em 1612, os capitais se uniram em
uma companhia por ações. A Companhia tinha autorização real de
exclusividade e, mesmo que ela não fosse confirmada por lei do
Parlamento, era, na época, suficiente para lhe autorizar um verdadeiro
privilégio exclusivo. Por muitos anos, portanto, a Companhia não foi
muito perturbada por intrusos em seus negócios. Seu capital, que nunca
ultrapassou 744 mil libras, cuja ação valia 50 libras, não era tão
exorbitante nem suas transações tão grandes que pudessem oferecer
pretexto para grandes negligências e esbanjamentos, ou servissem para
encobrir alguma grande malversação. Não obstante alguns grandes
prejuízos, ocasionados em parte pela malícia da Companhia Holandesa
das Índias Orientais e em parte por outros acidentes, ela realizou com
sucesso suas atividades comerciais por muitos anos. Com o passar do
tempo, no entanto, quando os princípios da liberdade estavam mais bem
compreendidos, tornou-se cada vez mais duvidoso até que ponto uma
autorização real não confirmada por lei do Parlamento seria capaz de lhe
garantir um privilégio exclusivo. As decisões dos tribunais de justiça não
eram uniformes sobre essa questão, mas variavam de acordo com a
autoridade do governo e os humores do momento. A atividade foi
invadida por muitos intrusos; no final do reinado de Carlos II e por todo
o reinado de Jaime I, e durante uma parte do de Guilherme III, a
Companhia foi reduzida a um estado lamentável. Em 1698, uma proposta
foi feita ao Parlamento para que ela adiantasse ao governo 2 milhões, a
8%, desde que os subscritores criassem uma nova Companhia das Índias
Orientais com privilégios de exclusividade. A velha Companhia das
Índias Orientais ofereceu 700 mil libras, quase a quantidade de todo o
seu capital, a 4% nas mesmas condições. Mas a situação do crédito
público estava tão ruim que o governo considerava mais conveniente
tomar emprestado 8 milhões a 8% do que 700 mil libras a 4%. A proposta
dos novos subscritores foi aceita e uma nova Companhia das Índias
Orientais foi criada. A velha Companhia das Índias Orientais, no entanto,
tinha o direito de continuar suas atividades até 1701. Ao mesmo tempo,
em nome de seu tesoureiro, ela havia subscrito, muito engenhosamente,
315 mil libras no capital da nova Companhia. Por negligência na forma
de expressão da lei do Parlamento que concedeu o direito de
comercializar com as Índias Orientais aos subscritores desse empréstimo
de 2 milhões, não parecia evidente que todos eles estavam obrigados a se
unir em sociedade por ações. Alguns comerciantes privados, que haviam
subscrito apenas 7.200 libras, insistiram no privilégio de empreender suas
atividades sozinhos, por conta de seu capital e a seu risco. A velha
Companhia das Índias Orientais tinha o direito de realizar suas próprias
atividades, utilizando seu antigo capital, até 1701; e, da mesma forma,
antes e depois desse período, ela agora detinha o direito, assim como os
outros comerciantes privados, de realizar suas próprias atividades
comerciais por conta das 315 mil libras, valor de sua subscrição ao capital
da nova empresa. Dizem que a concorrência das duas empresas com os
comerciantes privados e entre elas mesmas quase levou-as à ruína. Em
uma ocasião subsequente, em 1730, quando se apresentou ao Parlamento
para que a atividade fosse administrada por uma companhia
regulamentada, deixando-a em certa medida aberta à concorrência, a
Companhia das Índias Orientais, opondo-se a essa proposta, argumentou
em termos muito fortes acerca dos efeitos miseráveis daquela
competição. Na Índia, afirmava, essa concorrência elevou tanto os preços
das mercadorias que já não valia mais a pena comprá-las; e na Inglaterra,
pelo sobreabastecimento do mercado, seus preços ficaram tão baixos que
impossibilitavam a obtenção de lucro com as vendas. Não há como
duvidar de que uma oferta abundante — gerando grande vantagem e
comodidade à população — tenha levado a uma forte redução do preço
das mercadorias indianas no mercado inglês; mas não parece muito
provável que o mesmo fato tenha levado a um forte aumento de seus
preços no mercado indiano, pois toda a demanda extraordinária que essa
concorrência poderia causar deve ser apenas uma gota de água no
imenso oceano do comércio indiano. Além disso, embora possa
inicialmente gerar um aumento nos preços dos bens, o aumento da
demanda sempre os baixa no longo prazo. O aumento da demanda
incentiva a produção e aumenta, assim, a competição dos produtores,
que, com a intenção de vender a preços mais baixos que seus
concorrentes, podem criar novas divisões do trabalho e melhores
técnicas de produção que, em outras circunstâncias, nunca se imaginaria.
Os efeitos miseráveis dos quais a Companhia se queixava eram o baixo
preço dos bens de consumo e o incentivo dado à produção, precisamente
os dois grandes efeitos que a economia política tem de promover.
Entretanto, a concorrência sobre a qual a Companhia mostrava um
quadro tão lastimoso não foi autorizada a continuar por muito mais
tempo. Em 1702, as duas empresas estavam, em certa medida, unidas por
um acordo tripartite, no qual a rainha era a terceira parte; e, em 1708, por
lei do Parlamento, houve a fusão das duas companhias sob o nome de
Companhia Unida de Mercadores que negociam com as Índias Orientais.
Considerou-se que valia a pena inserir nessa lei uma cláusula que
permitisse aos comerciantes individuais manter suas atividades até a festa
de São Miguel de 1711,612 mas ao mesmo tempo autorizando os
diretores, após um aviso prévio de três anos, a resgatar seu pequeno
capital de 7.200 libras e, assim, converter o capital total da empresa em
um capital acionário. Pela mesma lei, o capital da Companhia, em
consequência de novo empréstimo ao governo, foi aumentado de 2
milhões para 3 milhões e 200 mil libras. Em 1743, a empresa adiantou
mais 1 milhão ao governo. Mas, já que este último empréstimo não se
originou de uma solicitação aos proprietários, mas da venda de annuities
e de títulos de dívida corporativa, ela não aumentou o capital sobre o
qual os proprietários tinham direito de reclamar dividendos. Aumentou,
no entanto, seu capital de negócios, que se sujeitava, junto com os outros
3 milhões e 200 mil libras, às perdas sofridas e às dívidas contraídas pela
Companhia durante a persecução de seus projetos mercantis. A partir de
1708, ou pelo menos a partir de 1711, a companhia — livre de todos os
concorrentes e completamente firmada no monopólio do comércio inglês
com as Índias Orientais — obteve êxitos comerciais e, com seus lucros
anuais, passou a oferecer dividendos moderados aos seus acionistas.
Durante a guerra com a França de 1741, a ambição do senhor Dupleix,613
o governador francês de Pondicherry, envolveu a Companhia nas guerras
carnáticas e na política dos príncipes indianos. Após muitos êxitos
extraordinários e muitas derrotas igualmente notáveis, a Companhia
finalmente perdeu Madras, que, na época, era seu principal
estabelecimento na Índia. Foi-lhes devolvida pelo Tratado de Aquisgrão;
por volta dessa época, parece que seus funcionários na Índia foram
tomados por um espírito de guerra e de conquista que nunca mais os
abandonou. Durante a guerra com a França de 1755, seu exército
compartilhou da boa sorte geral das tropas da Grã-Bretanha. A
companhia defendeu Madras, tomou Pondicherry, recuperou Calcutá e
adquiriu as rendas de um território rico e extenso que, segundo minhas
fontes, chegavam a mais de 3 milhões por ano. A companhia manteve-se
por vários anos na posse pacífica dessa renda; mas, em 1767, a
administração reivindicou suas aquisições territoriais e a renda que delas
provinha, pois, por direito, pertenciam à coroa; e a empresa, em
compensação por essa reivindicação, concordou em pagar ao governo
400 mil libras por ano. Antes disso, ela havia aumentado gradualmente
seus dividendos de aproximadamente 6% para 10%; isto é, sobre seu
capital de 3 milhões e 200 mil libras, ela os tinha aumentado em 128 mil
libras, ou de 192 mil libras por ano para 320 mil. Nesse período, a
Companhia estava tentando aumentar ainda mais os seus dividendos
para 12,5%, o que faria com que os pagamentos anuais pagos aos seus
acionistas equivalessem ao que a Companhia tinha concordado em pagar
anualmente ao governo, isto é, 400 mil libras por ano. Porém, durante os
dois anos em que o seu acordo com o governo deveria vigorar, ela foi
impedida de aumentar os dividendos por duas leis sucessivas do
Parlamento, cujo objetivo era garantir que a Companhia pagasse mais
rapidamente suas dívidas, que, na época, estavam estimadas em mais de 6
ou 7 milhões de libras esterlinas. Em 1769, ela renovou seu acordo com o
governo por mais cinco anos e estipulou que, durante esse período,
estaria autorizada a aumentar gradualmente os seus dividendos para
12,5%; o aumento, no entanto, não poderia ser maior que 1% ao ano.
Consequentemente, quando esse aumento dos dividendos chegasse ao
seu ponto máximo, ele poderia elevar os pagamentos anuais da
Companhia a seus acionistas e ao governo a apenas 608 mil libras acima
do que eram antes de suas últimas aquisições territoriais. A suposta renda
bruta dessas aquisições já foi mencionada; e, de acordo com o cálculo
feito pela Cruttenden East Indiaman em 1768, a renda líquida, após todas
as deduções e encargos militares, ficaria em 2.048.647 libras. Dizem que,
na época, a Companhia possuía outra renda, decorrente, em parte, de
suas terras, mas principalmente das casas alfandegárias estabelecidas em
seus vários assentamentos, que atingia o valor de 439 mil libras. Os lucros
de seu comércio, também, de acordo com a evidência dada por seu
presidente à Câmara dos Comuns, chegavam neste período a pelo menos
400 mil libras ao ano; de acordo com o relato de seu contador, a pelo
menos 500 mil libras; e, de acordo com a conta mais baixa, os lucros
seriam, no mínimo, iguais aos dividendos mais altos a serem pagos aos
seus acionistas. Uma renda tão alta poderia certamente ter permitido um
aumento de 608 mil libras em seus pagamentos anuais e, ao mesmo
tempo, poderia ter gerado um grande fundo de amortização de
empréstimos, suficiente para a rápida redução de suas dívidas. Em 1773,
no entanto, suas dívidas, em vez de serem reduzidas, foram aumentadas
por contas atrasadas ao tesouro no pagamento das 400 mil libras devidas,
por outro atraso à casa alfandegária, por uma grande dívida com o banco
por dinheiro emprestado e por títulos emitidos contra a Companhia na
Índia e injustificadamente aceitos, em valor superior a 1 milhão e 200 mil
libras. O tormento que esse acúmulo de demandas trouxe à companhia
obrigou-a não somente a reduzir bruscamente seus dividendos a 6%, mas
a ver-se dependente da misericórdia do governo, suplicando, em
primeiro lugar, que a dispensasse do pagamento das estipuladas 400 mil
libras por ano e, em segundo lugar, que lhe concedesse um empréstimo
de 1 milhão e 400 mil libras para salvá-la da falência imediata. Parece,
então, que o grande incremento de sua fortuna serviu apenas como
pretexto para que seus funcionários esbanjassem muito mais e como
cobertura para uma malversação proporcionalmente maior que o
incremento de sua própria fortuna. A conduta dos seus funcionários na
Índia e o estado geral dos seus negócios, tanto na Índia como na Europa,
tornaram-se objeto de um inquérito parlamentar; em consequência disso,
diversas alterações muito importantes foram feitas na constituição de sua
administração, tanto na Grã-Bretanha quanto no exterior. Na Índia, seus
principais assentamentos de Madras, Bombaim e Calcutá, que antes eram
completamente independentes entre si, foram submetidos a um
governador-geral, assistido por um conselho de quatro assessores; o
Parlamento reservou a si mesmo a primeira nomeação desse governador-
geral e conselho, cuja sede seria em Calcutá, cidade que agora passava a
ser o que Madras era antes, isto é, o assentamento inglês mais importante
da Índia. O tribunal do prefeito de Calcutá, originalmente instituído para
o julgamento de causas mercantis da cidade e da vizinhança, foi
gradualmente estendendo sua jurisdição com o aumento do império. Sua
jurisdição foi novamente reduzida e, hoje, possui o mesmo propósito
original de sua instituição. Para substituí-lo foi criado um novo supremo
tribunal de justiça, composto por um juiz-presidente e mais três juízes,
todos nomeados pela coroa. Na Europa, a qualificação necessária para
que um acionista tivesse direito de voto em suas assembleias gerais foi
elevado de 500 libras, o preço original de uma ação da Companhia, para
mil libras. Além disso, para poder votar com base nessa qualificação, foi
declarado necessário que o acionista deveria possuí-la, se a houvesse
adquirido por compra e não por herança, por pelo menos um ano, em
vez de seis meses, o prazo exigido anteriormente. Antes, a assembleia de
24 diretores era escolhida anualmente; mas, depois, determinou-se que,
no futuro, cada diretor ocuparia seu cargo por quatro anos; seis deles, no
entanto, seriam substituídos anualmente em um sistema de rodízio, não
podendo ser reeleitos no ano seguinte. Esperava-se que, em consequência
dessas alterações, as assembleias dos acionistas e dos diretores agissem
com mais dignidade e uniformidade do que anteriormente. Porém,
parece impossível que por meio de quaisquer alterações se possa, sob
qualquer aspecto, tornar essas assembleias adequadas a governar um
grande império ou dele participar, pois a maior parte de seus membros
tem necessariamente muito pouco interesse na prosperidade daquele
império para atender com seriedade a qualquer coisa que tenda a
promovê-lo. Frequentemente o possuidor de uma grande fortuna, e, às
vezes, mesmo o possuidor de uma pequena fortuna, está disposto a
comprar mil libras em ações meramente pela influência que espera
adquirir por seu voto na assembleia de acionistas. Isso lhe dá uma
participação não no saque, mas na nomeação dos saqueadores da Índia;
pois, embora o responsável por essa nomeação seja o conselho de
administração, este está necessariamente, em maior ou menor grau, sob a
influência dos acionistas, que não somente elegem esses diretores como
também, às vezes, indeferem as nomeações de seus funcionários na Índia.
Desde que ele possa desfrutar dessa influência por alguns anos, e, assim,
atender a um certo número de amigos, ele costuma se preocupar pouco
com os dividendos e menos ainda com o valor das ações que lhe
garantem um voto. Ele raramente se importa com a prosperidade do
grande império, de cujo governo aquele voto lhe garante uma
participação. Devido a causas morais irresistíveis, nunca houve soberano
— nem jamais haverá pela própria natureza das coisas — tão
completamente indiferente à felicidade ou à miséria de seus súditos, à
melhoria ou ao desperdício de seus domínios, à glória ou à desgraça de
sua administração como o é, e necessariamente deve ser, a maior parte
dos acionistas de tal empresa mercantil. Essa indiferença, além disso,
tinha maior probabilidade de ser aumentada do que diminuída em
virtude dos novos regulamentos aplicados em consequência do inquérito
parlamentar. Por uma resolução da Câmara dos Comuns, por exemplo,
foi declarado que, quando a Companhia pagasse ao governo o
empréstimo de 1 milhão e 400 mil libras e seus títulos da dívida
corporativa fossem reduzidos para 1 milhão e 500 mil libras, ela, então, e
somente nesse caso, poderia distribuir dividendos de 8% sobre o seu
capital; e que tudo o que restasse de suas rendas e lucros líquidos na Grã-
Bretanha deveria ser dividido em quatro partes, três delas a serem pagas
ao tesouro para uso em gastos públicos e a quarta parte a ser reservada
como um fundo, seja para a redução de seus títulos de dívidas
corporativas ou para a quitação de outras exigências contingentes que
viessem a atingir a Companhia. Mas, tendo em vista que a Companhia
era uma má administradora e má soberana quando toda a sua receita
líquida e os lucros pertenciam a ela mesma e estavam à sua disposição,
ela certamente não seria melhor quando três quartos deles estivessem nas
mãos de terceiros e o último quarto, embora pudesse ser utilizado em
benefício da empresa, deveria ser inspecionado e aprovado por terceiros.
A Companhia preferia que apenas os seus próprios funcionários e
dependentes pudessem ter o prazer de desperdiçar ou de lucrar com a
subtração de todo excedente que sobrasse após a distribuição dos
dividendos propostos de 8% a vê-lo passar para as mãos de um grupo de
pessoas com o qual aquelas resoluções dificilmente poderiam deixar de
colocá-la, em certa medida, em discordância. Até aquele momento, o
interesse desses funcionários e dependentes possuía tanta força na
assembleia dos acionistas a ponto de, às vezes, dispô-la a apoiar os
autores dos danos cometidos em violação direta à sua própria autoridade.
Para a maioria dos acionistas, até mesmo o apoio à autoridade de sua
própria assembleia era, por vezes, uma questão menos importante do que
o apoio àqueles que haviam desafiado essa autoridade.
Desse modo, os regulamentos de 1773 não puseram fim às desordens
do governo da Companhia na Índia. Não obstante isso, durante um
momentâneo ataque de boa conduta, a Companhia, certa vez, juntou
mais de 3 milhões de libras esterlinas ao tesouro de Calcutá; mesmo
assim, ela, mais tarde, estendeu o seu domínio ou suas depredações a um
vasto território de algumas das regiões mais ricas e férteis da Índia; tudo
foi desperdiçado e tudo foi destruído. A Companhia se viu
completamente despreparada para deter ou resistir à incursão de Hyder
Ali; e, em consequência desses distúrbios, a empresa está agora (1784) em
maior apuro do que jamais esteve e, a fim de evitar a falência imediata,
precisou, mais uma vez, suplicar a assistência do governo. Diversos
grupos do Parlamento propuseram uma variedade de estratégias que
objetivavam melhorar a administração da Companhia. E todas essas
estratégias parecem concordar em supor, o que era de fato sempre
abundantemente evidente, que a Companhia era completamente incapaz
de governar suas possessões territoriais. Até mesmo a própria empresa
parecia estar convencida de sua própria incapacidade e parecia, por conta
disso, disposta a entregá-las à coroa britânica.
Ao direito de possuir fortes e guarnições em países distantes e
bárbaros liga-se necessariamente o direito de celebrar a paz e declarar
guerra nesses mesmos países. As sociedades por ações que detinham o
primeiro direito costumavam exercer regularmente o segundo, o qual
lhes era com frequência expressamente concedido. A experiência recente
nos mostra bem o quão injustamente, caprichosamente e cruelmente elas
costumam exercer tal direito.
Quando uma companhia de comerciantes se compromete, por conta
e risco próprios, a criar um novo comércio com alguma nação remota e
bárbara, parece ser razoável que seus membros se unam em uma
sociedade por ações e que, em caso de êxito, lhes seja concedido o
monopólio daquele comércio por alguns anos. É a maneira mais fácil e
mais natural de o Estado recompensá-los por se arriscar em uma
tentativa perigosa e cara, cujos benefícios serão posteriormente
desfrutados pela população. É possível justificar esse tipo de monopólio
temporário pelos mesmos princípios que regulam o monopólio
concedido ao inventor de uma nova máquina e o dado ao autor de um
novo livro. Porém, após a expiração do termo, o monopólio deve
certamente ser encerrado; os fortes e as guarnições, sempre que tenha
sido necessário estabelecê-los, deverão ser entregues à coroa; seu valor,
pago à companhia; e o comércio, aberto a todos os súditos do Estado.
Com um monopólio perpétuo, todos os outros súditos do Estado são
tributados de forma muito absurda de duas maneiras: primeiro, pelo alto
preço das mercadorias, que, no caso de um comércio livre, os súditos
poderiam comprar a preços muito mais baixos; e, em segundo lugar, pela
exclusão total de um ramo de negócios que poderia ser bastante
conveniente e rentável para muitos cidadãos. A população é tributada por
um objetivo extremamente inútil, isto é, para que a companhia apoie a
negligência, o esbanjamento e malversação de seus próprios funcionários,
cuja conduta desordeira raramente permite que os dividendos da
companhia excedam a taxa ordinária de lucros das atividades em que há
liberdade de comércio, e muito frequentemente a taxa de lucros dessas
companhias fica bem abaixo da taxa ordinária. No entanto, a experiência
nos mostra que uma sociedade por ações não é capaz de manter suas
atividades por muito tempo em nenhum ramo do comércio exterior sem
um monopólio.614 Comprar em um mercado para vender com lucro em
outro, quando há muitos concorrentes em ambos; vigiar, não só as
variações ocasionais na demanda, mas também as variações muito
maiores e mais frequentes da concorrência ou da oferta que essa
demanda poderá gerar de outras pessoas; e se adequar com destreza e
prudência tanto à quantidade quanto à qualidade de todos os tipos de
mercadoria para essas várias circunstâncias representa uma espécie de
guerra cujas operações mudam continuamente e que raramente podem
ser realizadas com êxito sem que haja um esforço incessante de vigilância
e atenção, algo que os diretores de uma sociedade por ações não
conseguem sustentar por muito tempo. A Companhia das Índias
Orientais, após o resgate de seus fundos e a expiração de seu privilégio de
exclusividade, tem o direito, por lei do Parlamento, de manter-se
incorporada em uma sociedade por ações e de realizar, ao lado dos
outros súditos, atividades comerciais com a Índia por meio de sua
capacidade corporativa. Entretanto, nessa situação, a vigilância superior e
a atenção dos empreendedores privados fariam com que a Companhia se
cansasse rapidamente dessa atividade.
Um eminente autor francês, com muito conhecimento em matéria de
economia política, o abade Morellet, nos oferece uma lista de cinquenta e
cinco sociedades por ações de comércio exterior que foram criadas em
diferentes partes da Europa desde 1600; de acordo com ele, todas faliram
por sua má gestão, mesmo tendo privilégios de exclusividade. Ele foi
mal-informado no que diz respeito à história de duas ou três delas, que
não eram sociedades por ações e que não faliram. Mas, em compensação,
ele omitiu várias sociedades por ações que faliram.
As únicas atividades comerciais que as sociedades por ações parecem
conseguir conduzir com êxito, sem que precisem de quaisquer privilégios
de exclusividade, são aquelas em que todas as operações podem ser
reduzidas ao que se chama de rotina, ou seja, um método tão uniforme
que admite pouca ou nenhuma variação. Empresas desse tipo: em
primeiro lugar, o negócio bancário; em segundo lugar, o negócio de
seguros contra incêndios, contra riscos da navegação e da captura em
períodos de guerra; em terceiro lugar, a atividade de construção e
manutenção de passagens ou canais navegáveis; e, em quarto lugar, a
atividade semelhante que consiste em trazer água para o abastecimento
de uma grande cidade.
Embora os princípios do comércio bancário possam parecer um
pouco obscuros, é possível reduzir sua prática a regras rígidas. Afastar-se
em qualquer ocasião dessas regras, em consequência de alguma
especulação vantajosa com ganhos extraordinários, é quase sempre
extremamente perigoso e frequentemente fatal para a empresa bancária
que tenta fazê-lo. Mas a constituição das sociedades por ações as torna,
em geral, mais presas às regras estabelecidas do que quaisquer
associações privadas. Essas companhias, portanto, parecem ser
extremamente apropriadas para esse comércio. Por isso, as principais
empresas bancárias da Europa são sociedades por ações, muitas das quais
gerenciam suas atividades com muito êxito mesmo sem nenhum
privilégio de exclusividade. O Banco da Inglaterra não tem outro
privilégio exclusivo senão ser a única empresa bancária da Inglaterra que
pode ser composta por mais de seis pessoas. Os dois bancos de
Edimburgo são sociedades por ações sem nenhum privilégio exclusivo.
O valor do risco, seja contra incêndios, ou prejuízos da navegação ou
da captura, não pode ser calculado de forma extremamente exata; no
entanto, é possível realizar-se uma estimativa aproximada dele e, por isso,
ele pode ser reduzido, em algum grau, a regras e métodos rígidos. Assim,
a atividade seguradora pode ser realizada com êxito por uma sociedade
por ações, mesmo sem qualquer privilégio exclusivo. Nem a London
Assurance Company nem a Royal Exchange Assurance Company
possuem tal privilégio.
A administração de uma passagem ou de um canal navegável, depois
de construído, é algo extremamente simples e fácil, podendo se reduzir a
regras e métodos rígidos. Até mesmo a sua construção, porque pode ser
realizada por empreiteiras que cobrarão certos valores fixos por
quilômetro e por eclusas. A mesma coisa pode ser dita de um canal, de
um aqueduto ou de uma grande tubulação que sirva para abastecer uma
grande cidade. Como consequência, esses empreendimentos podem e
costumam ser administrados com muito sucesso por sociedades por
ações sem que elas precisem de um privilégio de exclusividade.
No entanto, certamente não seria nada razoável criar-se uma
sociedade por ações para quaisquer empreendimentos apenas porque
essas empresas poderiam administrá-los com êxito; nem isentar um
determinado grupo de negociantes de algumas leis gerais, aplicadas a
todos os outros, simplesmente porque eles poderiam ter a chance de
prosperar se tivessem essa isenção. Para que a criação da empresa por
ações seja perfeitamente razoável, é preciso que, além de seus processos
poderem ser redutíveis a regras e métodos rígidos, ocorram duas outras
circunstâncias. Em primeiro lugar é preciso identificar, por meio de
evidências claras, se o empreendimento possui utilidade maior e mais
geral do que a maior parte das outras atividades comuns; e, em segundo
lugar, se exige um capital maior do que pode ser facilmente obtido em
uma associação privada. Sendo suficiente um capital moderado, a grande
utilidade do empreendimento não constitui uma razão suficiente para a
criação de uma sociedade por ações, pois, neste caso, a demanda pelo que
elas produziriam poderia ser pronta e facilmente oferecida por
empreendedores privados. Nas quatro atividades comerciais
anteriormente mencionadas ocorrem ambas as circunstâncias.
A utilidade grande e generalizada da atividade bancária, quando
administrada de forma prudente, já foi explicada de forma completa no
segundo livro da presente investigação. Por exemplo, um banco público
que deva sustentar o crédito público e durante algumas emergências
específicas adiantar ao governo o valor total de alguma tributação,
chegando, talvez, ao montante de vários milhões de libras que precisam
ser entregues um ano ou dois antes de sua real arrecadação, necessitaria
de um capital maior do que pode ser facilmente obtido por qualquer
associação privada.
O ramo de seguros protege as fortunas das pessoas e, dividindo entre
um grande número de pessoas os prejuízos que arruinariam um
indivíduo, faz com que eles se tornem leves e suportáveis para toda a
sociedade. No entanto, as seguradoras devem necessariamente ter um
capital muito grande. Antes da criação das duas sociedades por ações em
Londres, uma lista de 150 seguradores privados que haviam falido no
decurso de alguns anos foi colocada perante o procurador-geral.
É óbvio que os canais, as passagens navegáveis e as obras, às vezes
necessários para abastecer de água uma grande cidade, são geralmente de
grande utilidade; e, ao mesmo tempo, sabe-se que exigem despesas
maiores do que as que são adequadas às fortunas das pessoas privadas.
Com exceção das quatro atividades anteriormente mencionadas, não
fui capaz de recordar nenhuma outra em que ocorram todas as três
circunstâncias necessárias para que a criação de uma sociedade por ações
possa ser considerada razoável. A companhia de cobre inglesa em
Londres, a companhia de fundição de chumbo, a companhia de moagem
de vidro não têm como alegar que suas atividades possuem alguma
utilidade grandiosa ou ímpar nem que seus objetivos exijam despesas que
não se adequem às fortunas de muitos capitais particulares. Além disso,
não pretendo saber se o negócio dessas empresas é redutível a regras e
métodos tão rígidos a ponto de se tornarem condizentes com a
administração de uma sociedade por ações, ou se possuem alguma razão
para exibir lucros extraordinários. A companhia de mineradores está
falida já há muito tempo. Uma ação da companhia britânica de linho em
Edimburgo é vendida, atualmente, muito abaixo do par, embora não tão
abaixo como ocorria há alguns anos. As sociedades por ações criadas
com o objetivo público de promover alguma manufatura específica, além
de administrarem mal os seus próprios negócios, diminuindo o capital
geral da sociedade, nunca falham, em outros aspectos, ao produzir mais
males do que benefícios. Não obstante as intenções mais escorreitas, a
parcialidade inevitável de seus diretores em relação a determinados
setores da manufatura, imposta pelos empreendedores, é um verdadeiro
desestímulo para o resto e, necessariamente, fragmenta, em maior ou
menor grau, a proporção natural que, de outra forma, se estabeleceria
entre o trabalho e o lucro razoáveis, e que representa o maior e mais
eficaz incentivo para o nível geral de trabalho no país.

ARTIGO II — AS DESPESAS DAS INSTITUIÇÕES PARA A EDUCAÇÃO


DOS JOVENS
As instituições voltadas à educação dos jovens podem, da mesma forma,
oferecer receitas que sejam suficientes para custear suas próprias
despesas. A remuneração ou os honorários que o estudante paga ao
professor naturalmente constituem uma receita desse tipo.
Mesmo quando a remuneração do professor não provém somente
dessa receita natural, ainda assim não é necessário que ela derive da
receita geral da sociedade, cuja coleta e aplicação, na maioria dos países,
são atribuídas ao poder executivo. Na maior parte da Europa,
consequentemente, a dotação de escolas e faculdades não representa
nenhum custo à receita geral, ou é muito pequena. Em todos os lugares, o
valor deriva principalmente de rendimentos locais ou provinciais, da
renda de alguma propriedade fundiária ou dos juros de alguma soma
destinada a essa finalidade e gerida por curadores, às vezes doada pelo
próprio soberano, e, às vezes, por algum doador privado.
É possível dizer que, em geral, essas dotações públicas contribuíram
para promover o objetivo de sua instituição? Contribuíram para
incentivar a diligência e melhorar as habilidades dos professores?
Encaminharam a educação para objetivos mais úteis, tanto para os
indivíduos quanto para a população, do que aqueles a que ela teria
atingido espontaneamente? Não parece muito difícil oferecer pelo menos
uma resposta provável a cada uma dessas perguntas.
Em toda profissão, o esforço da maior parte dos que a exercem é
sempre proporcional à necessidade de realizar aquele esforço. Essa
necessidade é maior entre as pessoas cujos emolumentos de sua profissão
são a única fonte da qual esperam obter fortuna ou pelo menos seus
rendimentos e sua subsistência normais. Para adquirir sua fortuna, ou
mesmo para obter sua subsistência, elas devem, no decorrer de um ano,
realizar uma certa quantidade de trabalho de valor conhecido; e, quando
a concorrência é livre, a rivalidade dos concorrentes, que estão sempre
buscando tomar o emprego do outro, obriga cada um a realizar seu
trabalho com um certo grau de precisão. Não há dúvida de que a
grandeza dos objetivos que podem ser conquistados pelo êxito em
algumas profissões específicas é capaz, às vezes, de estimular o esforço de
alguns homens de espírito e ambição extraordinários. Grandes objetivos,
entretanto, não são necessários para gerar esforços extraordinários.
Rivalidade e competição fazem com que a excelência seja, mesmo nas
profissões mais humildes, um objeto de ambição e frequentemente geram
os esforços mais extraordinários. Pelo contrário, os grandes objetivos por
si mesmos, sem estar sustentados pela necessidade da dedicação,
raramente têm sido suficientes para gerar esforços consideráveis. Na
Inglaterra, o sucesso da advocacia leva a alguns objetivos muito
ambiciosos; e, ainda assim, pouquíssimas pessoas, nascidas para
amealhar fortunas fáceis, são eminentes nessa profissão.
As dotações feitas às escolas e às faculdades têm causado a
diminuição, em maior ou menor grau, da necessidade da dedicação e do
empenho dos professores. Sua subsistência, na medida em que advém de
seus salários, deriva evidentemente de um fundo que não depende do
sucesso e da reputação que adquirem em suas profissões específicas.
Em algumas universidades o salário é apenas parte — frequentemente
pequena — dos emolumentos do professor, já que a maior parte é obtida
dos honorários ou das remunerações de seus alunos particulares. A
necessidade da dedicação, ou do esforço, embora fique sempre mais ou
menos diminuída, não é, neste caso, completamente abandonada. A
reputação em sua profissão ainda possui alguma importância, e ele ainda
depende, em certa medida, do carinho, da gratidão e dos relatos
favoráveis daqueles que assistiram às suas aulas; e não há como receber
esses sentimentos favoráveis senão por merecimento, isto é, pelas
habilidades e pela diligência com que o professor cumpre todas as etapas
de seu dever.615
Em outras universidades, o professor está proibido de receber
honorários ou remunerações de seus alunos; seu salário constitui toda a
receita que obtém de sua função. Nesse caso, seus interesses são postos
em máxima oposição aos seus deveres. O interesse de cada pessoa é viver
da forma mais tranquila possível; assim, quando os emolumentos de
alguém são precisamente os mesmos, executando ou não deveres
extremamente trabalhosos, seu interesse — pelo menos da forma como a
palavra interesse é vulgarmente entendida — fará com que a pessoa
negligencie completamente os seus deveres, ou, quando está sujeita a
alguma autoridade que a obriga a cumprir seus deveres, os executará de
forma tão descuidada e desleixada quanto permitido por essa autoridade.
Quando o indivíduo é naturalmente ativo e amante do trabalho, ele, em
vez de desempenhar seus deveres que não lhe trazem nenhuma
vantagem, irá preferir utilizar essa atividade de alguma forma que lhe
traga benefícios.
Se ele responde a uma autoridade corporativa, isto é, uma faculdade
ou uma universidade da qual é membro e em que a maior parte dos
outros membros são, assim como ele, pessoas que são ou deveriam ser
professores, todos eles estarão interessados em ser muito indulgentes uns
com os outros e, assim, cada um deles consentirá que seu par negligencie
seus deveres, desde que ele próprio também seja autorizado a
negligenciar os seus deveres. Na Universidade de Oxford, a maior parte
dos professores públicos, durante estes muitos anos, desistiu
completamente até mesmo de fingir que está lecionando.
Se a autoridade a que ele responde é menos a corporação a que
pertence e mais algumas outras pessoas estranhas, por exemplo, o bispo
da diocese, o governador da província, ou, talvez, algum ministro de
Estado, não é, de fato, neste caso, muito provável que ele negligencie por
completo os seus deveres. Porém, tudo o que esses superiores podem
forçá-lo a fazer é atender a seus alunos por um certo número de horas,
isto é, dar um certo número de aulas por semana ou por ano. Entretanto,
o que serão essas aulas ainda depende da diligência do professor, e essa
diligência é provavelmente proporcional aos motivos que ele tem para as
ofertar. Além disso, esse tipo de jurisdição estranha também pode ser
exercido de forma pouco inteligente e caprichosa. Por sua natureza, essa
jurisdição é arbitrária e discricionária, e as pessoas que a exercem — por
não terem participado das aulas e por, talvez, não entenderem o conteúdo
ensinado pelo professor, raramente são capazes de exercê-la com bom
discernimento. Tendo em vista a impertinência da função, muitas vezes
não se preocupam com o modo como exercem essa autoridade, estando
muito propensos a censurar o professor ou afastá-lo de seu cargo
arbitrariamente e sem justa causa. A pessoa sujeita a tal jurisdição é
necessariamente rebaixada por ela, e, em vez de estar entre os mais
respeitáveis, ela se torna uma das pessoas mais vis e desprezíveis da
sociedade. Somente com alguma proteção poderosa o professor é capaz
de defender-se de forma eficaz contra os maus-tratos aos quais está
constantemente exposto; e essa proteção ele provavelmente não obterá
por sua capacidade ou diligência profissionais, mas por obsequiosidade à
vontade de seus superiores, e por estar pronto, em todos os momentos,
para sacrificar os direitos, os interesses e a honra do corpo corporativo do
qual é membro àquela vontade. Ao se observar a administração de uma
universidade francesa, é possível notar os efeitos que naturalmente
resultam de uma jurisdição arbitrária e externa desse tipo.
Tudo que force um determinado número de estudantes a frequentar
faculdades ou universidades, independentemente do mérito ou da
reputação dos professores, tende, em maior ou menor grau, a diminuir a
necessidade desse mérito ou reputação.
Quando os graduados em atividades manuais, direito, medicina e
teologia só podem obter esse título por meio da frequência, por um certo
número de anos, em certas universidades, tal obrigação necessariamente
força um certo número de estudantes a frequentar essas universidades,
independentemente do mérito ou da reputação de seus professores. Os
privilégios dos licenciados funcionam como uma espécie de estatuto do
aprendiz, que contribuiu para a melhoria da educação, tal como aqueles
estatutos dos aprendizes das artes e das manufaturas.
As fundações que oferecem bolsas de estudos necessariamente levam
certo número de estudantes para certas faculdades, independentemente
do mérito dessas faculdades específicas. Se os estudantes bolsistas
pudessem escolher livremente a faculdade que desejam frequentar, tal
liberdade talvez pudesse contribuir para avivar a competição entre as
diferentes faculdades. Por outro lado, um regulamento que proibisse até
mesmo os membros independentes das faculdades de a deixarem e irem
para quaisquer outras, sem licença prévia daquela que desejavam
abandonar, tenderia a extinguir essa competição.
Se, nas faculdades, o tutor ou o professor, que deveria instruir os
alunos em todas as artes e ciências, não pudesse ser voluntariamente
escolhido pelo aluno, mas fosse nomeado pelo chefe da faculdade, e se,
em caso de negligência, incapacidade ou maus-tratos, o aluno não
estivesse autorizado a trocar de professor sem licença prévia, tal
regulamento tenderia não somente a extinguir qualquer competição
entre os tutores da mesma faculdade, mas também diminuiria a
necessidade de serem diligentes e atenciosos com seus respectivos
pupilos. Assim, esses professores, embora muito bem pagos por seus
alunos, estariam dispostos a negligenciá-los, tanto quanto aqueles que
não são pagos por eles ou aqueles cuja única fonte de renda é o salário.
O professor de bom senso deve considerar muito desagradável notar
que, em suas aulas, ele está falando ou lendo absurdos, ou algo muito
próximo disso. Além disso, também deve ser desagradável observar que a
maior parte de seus alunos abandona suas aulas ou talvez as assista com
demonstrações bastante óbvias de negligência, desprezo e escárnio.
Portanto, se ele é obrigado a lecionar um certo número de aulas, esses
motivos por si sós, sem nenhum outro interesse, poderiam deixá-lo mais
disposto a se esforçar para oferecer aulas razoavelmente boas. Entretanto,
também há muitos expedientes capazes de efetivamente embotar o gume
de todos esses incitamentos à diligência. O professor pode ler algum livro
sobre a ciência que pretende ensinar, em vez de explicar, ele mesmo, o
tema que propõe ensinar; e se esse livro estiver escrito em uma língua
estrangeira e morta, ele o traduzirá para os seus alunos; ou, o que lhe
daria ainda menos trabalho, pediria que os alunos o interpretassem e,
fazendo observações ocasionais aqui e ali, poderia congratular-se por
estar dando uma verdadeira aula. Um grau mínimo de conhecimento e
dedicação permitirá que ele faça isso sem se expor ao desprezo ou ao
escárnio e sem dizer qualquer coisa que seja realmente tola, absurda ou
ridícula. A disciplina da faculdade, ao mesmo tempo, pode permitir-lhe
forçar todos os seus alunos a frequentar suas aulas falsas com bastante
regularidade e a manter um comportamento decente e respeitoso durante
o período de atuação do professor.
Em geral, a disciplina das faculdades e universidades não é criada
para beneficiar os alunos, mas para defender os interesses dos
professores, ou, de forma mais apropriada, para facilitar as suas vidas.
Seu objetivo é, em todos os casos, manter a autoridade do professor, que,
negligenciando ou realizando seus deveres, obriga os estudantes, em
todos os casos, a se comportar como se as aulas fossem dadas com
extrema diligência e habilidade. A disciplina parece pressupor sabedoria
e virtude perfeitas de um grupo e o máximo de fraqueza e loucura do
outro. Quando os professores, no entanto, realmente desempenham seus
deveres, não há exemplos, creio eu, de que a maior parte dos alunos
negligencie os dela. Como se sabe, não é necessária nenhuma ordem ou
disciplina para obrigar as pessoas a comparecer a aulas que realmente
valham a pena, onde quer que tais aulas sejam ministradas. Força e
contenção podem, sem dúvida, ser, em algum grau, necessárias para
obrigar as crianças, ou os meninos muito jovens, a frequentar aquelas
aulas que, segundo se acredita, são necessárias durante esse período
inicial da vida; mas depois dos 12 ou 13 anos de idade, desde que o
professor cumpra os seus deveres, força ou contenção são dificilmente
necessárias para dar continuidade à educação dos jovens. A generosidade
da maioria dos jovens é tal que, longe de estarem dispostos a negligenciar
ou desprezar as instruções de seu professor, contanto que este demonstre
sérias intenções de lhes ser útil, eles, em geral, estão inclinados a perdoar
as incorreções no desempenho de seus deveres e às vezes até mesmo a
esconder do público uma boa dose de suas negligências mais grosseiras.
Devemos observar que, geralmente, as matérias mais bem ensinadas
são aquelas em que não há instituições públicas para cuidar delas.
Quando um jovem toma aulas de esgrima ou de dança, ele nem sempre
aprende a lutar esgrima ou a dançar muito bem; ele, no entanto,
raramente deixa de aprender a lutar esgrima ou a dançar. Os bons efeitos
da escola de equitação não costumam ser tão evidentes. Os gastos de uma
escola de equitação são tão grandes que, na maioria dos lugares, ela é
uma instituição pública. As três partes mais importantes da educação
literária, isto é, ler, escrever e contar, ainda são mais comumente
ensinadas nas escolas particulares que nas públicas, e raramente acontece
de alguém não as aprender no grau em que se fazem necessárias.
Na Inglaterra, as escolas públicas estão muito menos corrompidas que
as universidades. Nas escolas ensina-se, ou pelo menos pode-se ensinar,
grego e latim aos jovens; isso é tudo o que os professores supostamente
ensinam ou que se espera que ensinem. Nas universidades, não se ensina
aos jovens as ciências — que seria o objetivo dessas instituições —, e os
jovens nem sempre conseguem encontrar meios adequados para serem
ensinados. A recompensa dos professores das escolas depende
principalmente, na maior parte dos casos — e quase inteiramente em
outros —, dos honorários e das remunerações pagos por seus alunos. As
escolas não possuem privilégios exclusivos. Para obter as honras da
graduação, não é necessário que uma pessoa apresente certificado de
haver estudado durante um certo número de anos em uma escola
pública. Se, após ser examinada, a pessoa demonstra que entende o que é
ensinado lá, não se pergunta onde adquiriu seu conhecimento.
As matérias educacionais comumente ensinadas nas universidades,
talvez possa ser dito, não são muito bem ensinadas. Ocorre que, se não
fosse por essas instituições, essas matérias não teriam sido comumente
ensinadas e tanto o indivíduo quanto a população teriam sofrido muito
com a falta dessas matérias importantes para a educação.
Grande parte das atuais universidades da Europa era composta, a
princípio, de corporações eclesiásticas, instituídas para a educação dos
clérigos. Foram fundadas pela autoridade do papa e estavam tão
inteiramente sob sua proteção imediata que seus membros, fossem
professores ou estudantes, detinham o que era então chamado de
“benefício do clero”, isso é, estavam isentos da jurisdição civil dos países
em que suas respectivas universidades estavam situadas e respondiam
somente aos tribunais eclesiásticos. Na maioria dessas universidades
ensinavam-se as matérias adequadas para os objetivos da instituição, ou
seja, teologia ou algo que era meramente preparatório para a teologia.
Assim que o cristianismo foi pela primeira vez estabelecido por lei, a
língua comum de todas as partes ocidentais da Europa passou a ser um
latim corrompido. Consequentemente, tanto as missas quanto a tradução
da Bíblia, que era lida nas missas, eram realizadas naquele latim
corrompido, isto é, na língua comum da região. Após as invasões das
nações bárbaras que derrubaram o Império Romano, o latim deixou
gradualmente de ser a língua utilizada na Europa. Entretanto, a
reverência do povo naturalmente preserva as formas estabelecidas e as
cerimônias da religião, mesmo muito tempo depois de não mais
existirem as circunstâncias que as introduziram e as tornavam razoáveis.
Embora o latim não fosse mais compreendido em qualquer lugar pela
população em geral, as missas ainda eram realizadas nessa língua. Assim
como ocorreu no Egito Antigo, duas línguas diferentes passaram a
coexistir na Europa: a linguagem dos sacerdotes e uma linguagem do
povo; uma sagrada e outra profana; uma língua erudita e uma língua
vulgar. Era certamente necessário que os sacerdotes entendessem algo
dessa língua sagrada e erudita, pois seu ofício dependia dela, e, portanto,
o estudo da língua latina foi, desde o início, parte essencial da educação
universitária.
O mesmo não pode ser dito do grego ou do hebraico. Os decretos
infalíveis da Igreja haviam pronunciado que a tradução latina da Bíblia,
comumente chamada de Vulgata Latina, havia sido igualmente ditada por
inspiração divina e, portanto, possuía a mesma autoridade do texto
original em grego e hebraico. Portanto, já que o conhecimento dessas
duas línguas deixou de ser indispensavelmente necessário para um
clérigo, o estudo delas não se manteve por muito tempo como matéria
necessária de um curso normal de educação universitária. Há algumas
universidades espanholas, conforme me asseguraram, em que o estudo
da língua grega nunca foi parte do currículo. Os primeiros Reformadores
achavam que o texto em grego do Novo Testamento e até mesmo o texto
em hebraico do Antigo Testamento eram mais favoráveis a suas teses do
que a tradução da Vulgata, a qual, como seria natural supor, havia sido
gradualmente ajustada para oferecer suporte às doutrinas da Igreja
Católica. Eles resolveram, portanto, expor os muitos erros dessa
tradução, a qual o clero católico romano se viu obrigada a defender ou
explicar. Mas não havia como realizar isso sem algum conhecimento das
línguas originais, cujo estudo foi sendo gradualmente introduzido na
maioria das universidades; tanto naquelas que abraçavam quanto
naquelas que rejeitavam as doutrinas da Reforma. A língua grega estava
intimamente ligada aos estudos clássicos e, embora tenha sido
inicialmente cultivada principalmente por católicos e italianos, caiu no
gosto público mais ou menos na mesma época em que as doutrinas da
Reforma foram estabelecidas. Na maioria das universidades, portanto,
essa língua era ensinada antes dos estudos de filosofia e logo que o aluno
tivesse feito algum progresso no latim. O estudo da língua hebraica, por
não ter nenhuma conexão com os estudos clássicos e, excetuando-se as
escrituras sagradas, por não existir literatura de maior importância, não
se iniciava antes do final do curso de filosofia e do início das aulas de
teologia.
No início, ensinava-se nas universidades apenas os primeiros
rudimentos das línguas grega e latina; atualmente é isso o que ocorre em
algumas universidades. Em outras, o aluno deveria, no mínimo, já ter
adquirido os rudimentos de uma ou de ambas as línguas, as quais
continuam a ser em todos os lugares uma parte muito considerável da
educação universitária.
A antiga filosofia grega foi dividida em três grandes ramos: física, ou
filosofia natural; ética, ou filosofia moral; e lógica. Essa divisão geral
parece concordar perfeitamente com a natureza das coisas.
Os grandes fenômenos da natureza, as revoluções dos corpos celestes,
os eclipses, os cometas, os trovões, os relâmpagos e outros fenômenos
atmosféricos extraordinários, a geração, a vida, o crescimento e a morte
de plantas e animais são coisas que, por despertarem necessariamente a
nossa admiração, convocam naturalmente a curiosidade da humanidade
para pesquisar as suas causas. A superstição foi a primeira a tentar
satisfazer essa curiosidade, atribuindo todas essas aparições maravilhosas
à agência imediata dos deuses. A filosofia, em seguida, esforçou-se para
explicá-las a partir de causas mais familiares aos humanos, ou por meio
de causas mais bem entendidas do que a agência dos deuses. Como esses
grandes fenômenos são os primeiros objetos da curiosidade humana,
então a ciência que pretende explicá-los deve ter sido naturalmente o
primeiro ramo da filosofia a ser cultivado. E, por isso, os primeiros
filósofos que dão alguma conta dos relatos históricos parecem ter sido
filósofos naturais.
Em todas as eras e regiões do mundo, os homens devem ter prestado
atenção às características, desejos e ações uns dos outros, e muitas regras
e máximas respeitáveis de conduta da vida humana devem ter sido
estabelecidas e aprovadas por meio do consentimento comum. Assim que
a escrita se espalhou pelo mundo, os sábios, ou aqueles que se
imaginavam como tal, naturalmente se esforçaram para aumentar o
número de máximas estabelecidas e respeitadas e para expressar suas
próprias ideias sobre o que seriam condutas adequadas ou impróprias, às
vezes sob a forma mais artificial de apólogos, como as fábulas de
Esopo,616 e, às vezes, sob a forma mais simples de apotegmas, ou ditos
sábios, como os Provérbios de Salomão,617 os versos de Teógnis e
Focílides, e alguma parte das obras de Hesíodo.618 Eles poderiam
continuar fazendo o mesmo por um longo tempo apenas para multiplicar
o número dessas máximas de prudência e moralidade sem sequer tentar
organizá-las em alguma ordem muito distinta ou metódica, muito menos
reduzi-las a princípios mais gerais, por meio dos quais todas elas
pudessem ser deduzidas, como se fossem efeitos gerados por suas causas
naturais. A beleza de um arranjo sistemático de observações diversas,
ligadas entre si por alguns poucos princípios comuns, foi vista pela
primeira vez nos rudes ensaios de um sistema de filosofia natural da
Antiguidade. Algo semelhante foi tentado mais tarde em relação à moral.
As máximas da vida comum foram organizadas em certa ordem
metódica e conectadas por alguns princípios comuns, da mesma forma
que se tentou organizar e conectar os fenômenos da natureza. A ciência
que investiga e explica esses princípios conectivos é o que
adequadamente chamamos de filosofia moral.
Diferentes autores ofereceram diferentes sistemas de filosofia natural
e moral. Porém, os argumentos que sustentavam esses diversos sistemas,
longe de sempre serem demonstrações, costumavam ser, na melhor das
hipóteses, apenas probabilidades muito frágeis e, às vezes, meros sofismas
que não tinham outro fundamento senão a imprecisão e a ambiguidade
da linguagem comum. Sistemas especulativos têm sido adotados em
todas as épocas do mundo por razões muito frívolas e, por isso, não
foram cruciais para determinar o julgamento de nenhum homem de bom
senso nas questões que envolvessem mesmo o menor interesse
pecuniário. Assim, os sofismas grosseiros quase nunca influenciaram as
opiniões da humanidade, exceto em temas filosóficos e especulativos, nos
quais costumam ter grande influência. Os defensores dos sistemas de
filosofia natural e moral naturalmente se esforçaram para expor as
fraquezas dos argumentos aduzidos para apoiar os sistemas que eram
opostos aos seus próprios. Ao analisar esses argumentos, eles foram
obrigados a considerar a diferença entre argumentos prováveis e
demonstrativos, entre um falacioso e um conclusivo; assim, as
observações desse tipo de exame minucioso deram origem à lógica, ou a
ciência dos princípios gerais do bom e do mau raciocínio. Embora seja
originalmente posterior tanto à física quanto à ética, ela foi comumente
ensinada, não em todas, mas na maioria das antigas escolas de filosofia,
antes mesmo das duas primeiras ciências. Imaginavam, ao que parece,
que o estudante deveria primeiro compreender bem a diferença entre o
bom e o mau raciocínio, antes de ser levado a raciocinar sobre assuntos
de grande importância.
A maioria das universidades europeias trocou a antiga divisão
tripartite da filosofia por uma divisão em cinco partes.
Na filosofia antiga, o que quer que tivesse sido ensinado sobre a
natureza da mente humana ou da divindade fazia parte do sistema da
física. Esses entes, independentemente da suposta constituição de sua
essência, eram partes do grande sistema do universo e, assim, partes
produtoras de efeitos importantíssimos. Tudo o que a razão humana
fosse capaz de concluir ou conjecturar a respeito deles acabou formando,
por assim dizer, dois capítulos muito importantes de uma ciência que
pretendia dar conta da origem e das revoluções do grande sistema do
universo. Ocorre que, nas universidades da Europa, onde a filosofia era
ensinada apenas como subserviente à teologia, era natural que os estudos
desses dois capítulos demandassem mais tempo do que os concernentes
aos outros ramos da ciência. Eles foram sendo gradualmente estendidos e
foram divididos em muitos capítulos menores, até que, finalmente, a
doutrina dos espíritos, da qual é possível conhecermos tão pouco, passou
a ocupar no sistema filosófico tanto espaço quanto a doutrina dos corpos,
da qual é possível conhecermos muito. As doutrinas relativas a esses dois
assuntos foram consideradas como ciências distintas. A metafísica ou
pneumática foi posta em oposição à física e cultivada não somente como
a mais sublime, mas, entre as duas e para os propósitos de uma
determinada profissão, como a ciência mais útil. O estudo apropriado
sobre a experiência e a observação, isto é, aquele tema sobre o qual a
atenção meticulosa pode levar a muitas descobertas úteis, foi quase
totalmente negligenciado. Já o estudo do tema sobre o qual, depois de se
chegar a algumas verdades muito simples e quase óbvias, a atenção mais
meticulosa nada pode descobrir senão obscuridades e incertezas e,
consequentemente, nada pode produzir além de sutilezas e sofismas foi
muito cultivado.
Quando essas duas ciências foram postas, assim, em oposição uma à
outra, a comparação entre elas naturalmente deu origem a uma terceira,
que foi chamada de ontologia, ou a ciência que tratava das qualidades e
dos atributos comuns aos objetos das duas outras ciências. Se a maior
parte da metafísica ou pneumática nas escolas era constituída por
sutilezas e sofismas, estes eram a totalidade da emaranhada ciência da
ontologia, às vezes também chamada de metafísica.
A antiga filosofia moral propunha-se a investigar em que consistia a
felicidade e a perfeição de um homem, considerado não só como um
indivíduo, mas como membro de uma família, de um Estado e da grande
sociedade da humanidade. Nessa filosofia, os deveres da vida humana
eram tratados como subservientes à felicidade e à perfeição da vida
humana. Mas quando as filosofias moral e a natural passaram a ser
ensinadas apenas como subservientes à teologia, os deveres da vida
humana foram tratados como subservientes à felicidade de uma vida que
estava por vir. Na filosofia antiga dizia-se que a perfeição da virtude
necessariamente produzia ao seu possuidor a felicidade mais perfeita
nesta vida. Na filosofia moderna a mesma perfeição era, em geral, ou
melhor, quase sempre representada como inconsistente com qualquer
grau de felicidade nesta vida; e o paraíso deveria ser conquistado apenas
pela penitência e pela mortificação, pelas austeridades e humilhações de
um monge, não pela conduta liberal, generosa e determinada de um
homem. Grande parte da filosofia moral das escolas era composta de
casuísmos e de uma moralidade ascética. O ramo mais importante da
filosofia tornou-se, dessa forma, o mais corrompido.
Tal era, portanto, o curso comum da educação filosófica na maior
parte das universidades europeias. Ensinava-se primeiro a lógica; em
seguida, vinha a ontologia; a pneumatologia, compreendendo a doutrina
sobre a natureza da alma humana e da divindade, era a terceira matéria; a
quarta matéria era um sistema degradado de filosofia moral, que foi
imediatamente considerado como ligado às doutrinas da pneumatologia,
à imortalidade da alma humana e às recompensas e punições que se
podiam esperar da justiça da deidade em uma vida no além. O curso
geralmente terminava com o ensino de um sistema curto e superficial de
física.
Desse modo, todas as alterações introduzidas pelas universidades da
Europa ao antigo curso de filosofia destinavam-se à educação de
eclesiásticos, funcionando também como uma introdução mais
apropriada aos estudos teológicos. Entretanto, a quantidade adicional de
sutilezas e sofismas, bem como a casuística e a moralidade ascética
introduzidas por essas alterações, certamente não tornou o curso mais
adequado para a educação de fidalgos ou homens do mundo, nem mais
adequado para aprimorar o conhecimento, nem para melhorar os
sentimentos.
Esse curso de filosofia ainda continua a ser ensinado na maioria das
universidades europeias, com maior ou menor grau de diligência,
dependendo de cada universidade, por meio de sua constituição, tornar
sua aplicação necessária em maior ou menor grau para os professores.
Em algumas das universidades mais ricas e mais bem-dotadas, os tutores
contentam-se em ensinar apenas algumas partes e parcelas desconectadas
desse curso corrompido, e até mesmo esse curso é ensinado de forma
bastante negligente e superficial.
A maior parte dos progressos realizados em tempos modernos nos
diversos ramos da filosofia não foi feita nas universidades embora alguns
o tenham sido. Após a realização desses progressos, a maioria das
universidades não se mostrou muito pronta para adotá-los tão
rapidamente, e muitas dessas várias sociedades eruditas resolveram
continuar sendo, por um longo tempo, santuários em que os sistemas
desacreditados e os preconceitos obsoletos podiam encontrar abrigo e
proteção, mesmo após terem sido caçados e expulsos de todos os outros
cantos do mundo. Em geral, as universidades mais ricas e mais bem-
dotadas têm sido as mais lentas em adotar esses progressos e as mais
avessas a qualquer mudança considerável no plano educacional
estabelecido. Esses progressos foram introduzidos mais facilmente em
algumas universidades mais pobres, cujos professores, que dependiam de
sua reputação para a obtenção da maior parte de sua subsistência, foram
obrigados a prestar mais atenção às opiniões atuais do mundo.
Mas embora as escolas públicas e as universidades europeias tenham
se destinado originalmente apenas à educação de uma profissão
específica, a dos eclesiásticos, e embora nem sempre tenham sido muito
diligentes em instruir os seus alunos, mesmo nas ciências que eram
supostamente necessárias para essa profissão, elas atraíram gradualmente
para si a educação de quase todas as outras pessoas, particularmente de
quase todos os fidalgos e homens de fortuna. Parece que não se poderia
ter encontrado um método melhor para, com certa vantagem, passar o
longo intervalo entre a infância e aquele período da vida em que os
homens começam a se dedicar com seriedade às verdadeiras atividades
do mundo, as quais os manterão ocupados pelos resto de suas vidas. No
entanto, a maior parte do que é ensinado nas escolas e universidades não
parece ser a preparação mais adequada para aquelas atividades.
Na Inglaterra, é cada vez mais comum que os jovens viajem para
conhecer países estrangeiros imediatamente após terminarem a escola,
sem serem mandados para a universidade. Nossos jovens, diz-se,
geralmente voltam para casa muito melhores após essas viagens. Um
jovem que vai para o exterior aos 17 ou 18 anos, e retorna para casa com
21, volta três ou quatro anos mais velho do que era quando foi para o
exterior; nessa idade é muito difícil não melhorar bastante após três ou
quatro anos. No decorrer de suas viagens, ele geralmente adquire algum
conhecimento de uma ou duas línguas estrangeiras; esse conhecimento,
no entanto, não costuma ser suficiente para permitir-lhe falar ou escrever
esses idiomas com propriedade. Em outros aspectos, ele geralmente
retorna para casa mais vaidoso, mais sem princípios, mais dissipado e
mais incapaz de se dedicar a algo com seriedade, quer para os estudos,
quer para os negócios, do que poderia ter se tornado em tão pouco
tempo se tivesse ficado em casa. Viajando tão jovem, gastando os anos
mais preciosos de sua vida com a mais frívola dissipação, longe da
inspeção e do controle de seus pais e parentes, todos os hábitos úteis —
que os períodos anteriores de sua educação tenderiam a formar nele —,
em vez de serem fixados e confirmados, são quase necessariamente
enfraquecidos ou apagados. Nada, senão o descrédito em que as
universidades estão se permitindo cair, jamais teria sido capaz de dar
renome a uma prática tão absurda como a de viajar neste período inicial
da vida. Ao enviar seu filho para o exterior, um pai se afasta, pelo menos
por algum tempo, de algo tão desagradável como um filho
desempregado, negligenciado e a caminho da ruína diante de seus
olhos.619
Estes são os efeitos de algumas instituições educacionais modernas.
A educação parece ter convivido com planos e instituições diversas
em outras épocas e regiões.
Nas repúblicas da Grécia Antiga, os cidadãos livres eram instruídos,
sob a direção do magistrado público, em exercícios de ginástica e música.
Os exercícios físicos destinavam-se a calejar o seu corpo, para aguçar sua
coragem e para prepará-los para as fadigas e os perigos da guerra; e como
a milícia grega era, em todos os sentidos, uma das melhores que já
existiram no mundo, essa parte da sua educação pública deve ter
correspondido completamente ao propósito para o qual havia sido
instituída. A educação musical propunha-se, ao menos pelo que nos
relataram sobre essas instituições os filósofos e os historiadores, a
humanizar a mente, suavizar o temperamento e dispor os cidadãos a
desempenhar todos os deveres sociais e morais das vidas pública e
privada.
Na Roma Antiga, os exercícios no Campo de Marte respondiam ao
mesmo propósito do Ginásio na Grécia Antiga, e eles parecem ter
correspondido igualmente bem ao seu objetivo. Mas entre os romanos
não havia nada que correspondesse à educação musical dos gregos. A
moral dos romanos, no entanto, tanto na vida privada quanto na pública,
parece ter sido não só igual, mas, em geral, bem superior à dos gregos.
Sobre a superioridade moral na vida privada, temos o testemunho
expresso de Políbio620 e de Dionísio de Halicarnasso,621 dois autores bem
familiarizados com ambas as nações; e todo o tom da história grega e
romana é testemunha da superioridade da moral pública dos romanos. O
bom temperamento e a moderação dos grupos em disputa parecem ser a
circunstância mais essencial da moral pública de um povo livre. Mas as
disputas dos gregos eram quase sempre violentas e sanguinárias,
enquanto, entre os romanos, até o tempo dos Gracos, nenhum sangue
havia sido derramado em suas disputas partidárias e, a partir do período
dos Gracos, a República Romana pode ser considerada como realmente
dissolvida. Não obstante, portanto, a autoridade muito respeitável de
Platão, Aristóteles e Políbio, e não obstante as razões muito engenhosas
pelas quais o senhor Montesquieu se esforça para apoiar aquelas
autoridades, parece provável que a educação musical dos gregos não teve
grande efeito em relação à sua moral, uma vez que, mesmo sem o ensino
de música, a moral dos romanos era, em geral, superior. O respeito dos
antigos sábios pelas instituições de seus antepassados talvez os tenha
levado a encontrar muita sabedoria política em algo que talvez fosse
apenas um antigo costume, continuado sem interrupção desde o início
dessas sociedades até o momento em que atingiram um grau
considerável de refinamento. Música e dança são as grandes diversões de
quase todas as nações bárbaras e os grandes dons que supostamente
manteriam a ordem da população. Assim acontece ainda hoje entre os
negros na costa da África. Era assim entre os antigos celtas, entre os
antigos escandinavos e, como vemos em Homero, entre os gregos antigos
no período anterior à Guerra de Troia. Quando as tribos gregas se
reuniram em pequenas repúblicas, era natural que o estudo dessas
realizações passasse, por um longo tempo, a fazer parte da educação
pública e comum do povo.
Parece que os mestres que instruíam os jovens em música ou nos
exercícios militares não eram pagos ou nomeados pelo Estado, nem em
Roma e nem mesmo em Atenas, que é a república grega sobre cujas leis e
costumes possuímos melhores informações. O Estado exigia que seus
cidadãos livres estivessem aptos para defendê-lo na guerra e, por conta
disso, deveriam aprender seus exercícios militares. Deixava, no entanto,
que os cidadãos buscassem os seus próprios mestres e, ao que parece,
nada lhes oferecia para esse fim senão uma área ou campo público para a
prática dos exercícios.
Ao que parece, os outros componentes da educação durante o
período inicial das repúblicas grega e romana consistiam em aprender a
ler, a escrever e a contar de acordo com a aritmética daquela época. Os
cidadãos mais ricos parecem ter adquirido essas habilidades em casa,
com a ajuda de algum pedagogo doméstico, que, geralmente, era um
escravo, ou um liberto; e os cidadãos mais pobres, nas escolas de mestres
que cobravam por suas aulas. Essa parte da educação, no entanto, era
deixada completamente aos cuidados dos pais ou responsáveis de cada
indivíduo. Não parece que o Estado tenha realizado inspeções ou
estabelecido diretrizes em relação a isso. Uma lei de Sólon, de fato,
desobrigava os filhos de sustentar durante a velhice aqueles pais que
tivessem negligenciado instruí-los em algum comércio ou atividade
rentável.
Com o tempo e o apuro, quando a filosofia e a retórica se tornaram
práticas comuns, os mais ricos passaram a enviar seus filhos para as
escolas dos filósofos e retóricos para que fossem instruídos nessas
ciências modernas. Mas essas escolas não eram sustentadas pelo poder
público. Por um longo tempo, eram apenas toleradas por ele. Durante
muito tempo, a demanda por filosofia e retórica foi tão pequena que seus
primeiros professores declarados não conseguiam encontrar emprego
contínuo em nenhuma cidade, sendo obrigados a viajar de um lugar para
outro. Dessa forma viveram Zenão de Elea, Protágoras, Górgias, Hípias e
muitos outros. À medida que a demanda aumentava, as escolas, tanto de
filosofia quanto de retórica, iam se tornando fixas; primeiro em Atenas e
depois em várias outras cidades. O Estado, no entanto, parece nunca as
ter incentivado, senão atribuindo-lhes um local específico para que
pudessem ensinar, algo que também costumava ser feito por doadores
privados. O Estado parece ter atribuído a Academia a Platão, o Liceu a
Aristóteles e o Pórtico a Zeno de Citta, o fundador da filosofia estoica.
Mas Epicuro legou os seus jardins para sua própria escola. Ao que parece,
até a época de Marco Antônio, nenhum professor jamais havia recebido
salário do Estado nem possuía outros emolumentos senão o que obtinha
pelos honorários ou remunerações de seus estudantes. O subsídio que
esse imperador filosófico, conforme nos informa Lucian, concedeu a um
dos professores de filosofia provavelmente durou apenas enquanto o
imperador estava vivo. Não havia nada equivalente aos privilégios da
graduação, e os cidadãos não precisavam ter frequentado uma dessas
escolas para que fossem autorizados a praticar quaisquer atividades ou
profissões específicas. Se a opinião sobre a utilidade das escolas não fosse
capaz de atrair estudantes a elas, a lei não forçava ninguém a frequentá-
las nem recompensava ninguém por tê-las frequentado. Os professores
não tinham nenhuma jurisdição sobre seus alunos, nem qualquer outra
autoridade além da autoridade natural, que, devido à sua virtude e às
suas habilidades superiores, os jovens sempre reconheciam naqueles a
quem estava confiada alguma parte de sua educação.
Em Roma, o estudo do direito civil fazia parte da educação, não da
maioria dos cidadãos, mas de algumas famílias específicas. No entanto, os
jovens que quisessem adquirir conhecimentos legais não dispunham de
escolas públicas para esse fim, e não tinham outro método de estudar o
direito senão frequentando a companhia de parentes e amigos que
conheciam a matéria. Talvez valha a pena observar que, embora as leis
das doze tábuas tenham sido, muitas delas, copiadas das antigas leis de
algumas repúblicas gregas, ainda assim não parece que o direito tenha
sido capaz de se tornar uma ciência em nenhuma das antigas repúblicas
gregas. Em Roma, o direito tornou-se uma ciência ainda muito cedo,
tornando consideravelmente ilustres os cidadãos que tinham a reputação
de compreendê-lo. Nas repúblicas da Grécia Antiga, particularmente em
Atenas, os tribunais de justiça comuns consistiam em numerosos grupos
de pessoas — e, portanto, desordenados — que, frequentemente,
decidiam quase aleatoriamente, ou conforme determinassem o clamor e
o espírito de grupo ou partidário. Quando a ignomínia de uma decisão
injusta é dividida entre quinhentas, mil ou mil e quinhentas pessoas, pois
alguns de seus tribunais eram muito numerosos, os membros individuais
dos tribunais não a sentem de forma muito pesada. Em Roma, pelo
contrário, os principais tribunais de justiça consistiam em um único juiz
ou eram formados por um pequeno número de juízes cujas qualidade
pessoais, especialmente porque deliberavam em público, sempre seriam
afetadas por quaisquer decisões precipitadas ou injustas. Em casos de
dúvida, os tribunais, para evitar a culpa, naturalmente se esforçam para
abrigar suas decisões em exemplos ou precedentes dos juízes mais antigos
de seu ou de outros tribunais. Essa atenção à prática e aos precedentes fez
com que a lei romana necessariamente se tornasse esse sistema regular e
ordenado que nos foi entregue; e efeitos semelhantes são observados em
outros países que adotaram essa mesma atenção. A superioridade do
caráter romano em relação ao grego, tanto comentada por Políbio como
por Dionísio de Halicarnasso, provavelmente se deveu mais à melhor
constituição de seus tribunais de justiça do que a qualquer uma das
circunstâncias descritas por esses dois autores. Diz-se que os romanos se
distinguiam particularmente por respeitarem mais os juramentos. Mas as
pessoas que estavam acostumadas a fazer um juramento somente diante
de um tribunal de justiça diligente e bem-informado estariam
naturalmente muito mais atentas ao que juraram do que aquelas
acostumadas a fazer o mesmo ante assembleias tumultuadas e
desordenadas.
As habilidades civis e militares dos gregos e dos romanos podem ser
prontamente reconhecidas como, no mínimo, iguais às de qualquer
nação moderna. Costumamos, no entanto, sobrestimá-las um pouco.
Porém, exceto no que diz respeito aos exercícios militares, o Estado
parece não ter se esforçado muito para promover a formação dessas
grandes habilidades, pois nada me fará acreditar que a educação musical
dos gregos poderia ser de muita consequência para a formação daquelas
habilidades. No entanto, ao que parece, encontraram-se mestres para
ensinar aos melhores tipos de pessoas daquelas nações todos os ofícios e
ciências cuja instrução era percebida como necessária e conveniente pelas
circunstâncias daquelas sociedades. A demanda por tal instrução
produziu o que sempre produz, isto é, o talento para oferecê-la; e a
ambição, que uma competição desenfreada nunca deixa de suscitar,
parece ter elevado esse talento a um grau muito alto de perfeição. Os
filósofos antigos parecem ter sido muito superiores a todos os professores
modernos pela atenção que suscitaram, pela autoridade que adquiriram a
partir das opiniões e dos princípios de seus ouvintes, pela faculdade que
possuíram de dar determinado tom e caráter à conduta e à conversação
daqueles ouvintes. Nos tempos modernos, a diligência dos professores
públicos está mais ou menos corrompida pelas circunstâncias, o que os
torna mais ou menos independentes do sucesso e da reputação que
detêm em suas profissões particulares. Os seus salários, além disso,
colocam o professor particular que pretendesse competir com eles no
mesmo estado em que se encontraria um comerciante que, sem
subsídios, tentasse competir com outros que tivessem subsídios de
valores consideráveis. Caso o primeiro venda seus produtos a preços
similares aos dos outros, ele não terá o mesmo lucro e, assim, se não a
falência e a ruína, seu destino será infalivelmente, no mínimo, a pobreza
e a mendicância. Se ele tentar vendê-los mais caro, provavelmente terá
tão poucos clientes que sua situação não muito melhor. Os privilégios da
graduação, além disso, são, em muitos países, necessários, ou pelo menos
extremamente convenientes, para a maioria dos homens de profissões
eruditas, ou seja, para a maior parte daqueles que têm a oportunidade de
obter uma educação erudita. No entanto, esses privilégios só podem ser
obtidos frequentando-se as aulas dos professores públicos. O
comparecimento mais meticuloso às melhores aulas de quaisquer
professores particulares nem sempre é capaz de garantir ao aluno algum
título que lhe permita exigir aqueles privilégios. Atualmente, essas são as
causas pelas quais o professor particular de qualquer uma das ciências
comumente ensinadas nas universidades é, em geral, considerado como a
ordem mais baixa dos homens de letras. Um homem de habilidades reais
dificilmente encontrará uma profissão mais humilhante ou desvantajosa.
Dessa maneira, as dotações às escolas e faculdades não só corromperam a
diligência dos professores públicos, mas tornaram quase impossível
encontrar bons professores particulares.
Se não houvesse instituições públicas para a educação, não se
ensinaria nenhum sistema e nenhuma ciência para as quais não houvesse
alguma demanda; não se ensinariam também aquelas matérias cujas
circunstâncias da época não tornassem necessárias, convenientes ou, no
mínimo, objeto de algum modismo. Um professor particular nunca
poderia achar vantajoso ensinar um sistema desacreditado ou antiquado
de uma ciência reconhecida como útil, ou uma ciência considerada
universalmente como um conjunto inútil e pedante de sofismas e
absurdos. Esses sistemas e essas ciências não existem em nenhuma outra
parte, a não ser naquelas instituições educacionais cuja prosperidade e
cujos rendimentos são, em grande medida, independentes de sua
reputação e completamente independentes de seu trabalho. Se não
existissem instituições públicas para a educação, um cavalheiro, após
submeter-se, com dedicação e capacidade, ao curso mais completo que as
circunstâncias de sua época fossem capazes de oferecer, não entraria no
mundo completamente ignorante de todos os assuntos que são o assunto
comum de uma conversa entre fidalgos e homens do mundo.
Não existem instituições públicas para a educação das mulheres, e
não há, portanto, nada inútil, absurdo ou fantástico no curso comum de
sua educação. A elas é ensinado o que seus pais ou responsáveis julgam
necessário ou útil que aprendam, e nada mais se ensina a elas. Toda a sua
educação tende evidentemente a algum propósito útil, seja para melhorar
os atrativos naturais de sua pessoa, seja para formar sua mente em
relação à discrição, à modéstia, à castidade e à economia doméstica, para
que possam ser boas esposas e responsáveis pelo lar e se comportarem
adequadamente quando se tornarem ambas. Em cada período de sua
vida, uma mulher percebe a existência de alguma conveniência ou
vantagem de todas as fases de sua educação. O homem, por outro lado,
raramente, em qualquer período de sua vida, percebe uma conveniência
ou vantagem de algumas das fases mais laboriosas e problemáticas de sua
educação.
Poderíamos então perguntar: será que o poder público deveria deixar
de oferecer educação ao povo? Ou, então, caso deva oferecê-la, quais
seriam as diferentes matérias que deveria oferecer aos diversos grupos de
pessoas? E de que maneira deveria oferecê-las?
Em alguns casos, o estágio em que a sociedade se encontra coloca
necessariamente a maior parte dos indivíduos em situações que lhe
proporcionam naturalmente, sem qualquer intervenção do governo,
quase todas as habilidades e virtudes que aquele estágio requer ou talvez
admita. Em outros casos, o estágio da sociedade não coloca a maior parte
dos indivíduos em tais situações, e alguma atenção do governo é
necessária para evitar a corrupção e a degeneração quase total da
população.
Com o desenvolvimento da divisão do trabalho, o emprego da maior
parte daqueles que vivem do trabalho, isto é, da maior parte da
população, passa a ser limitado a algumas operações muito simples,
frequentemente a uma ou duas. Os entendimentos da maior parte dos
homens são necessariamente formados por suas funções comuns. O
homem cuja vida inteira é gasta na realização de algumas operações
simples, das quais os efeitos também são, talvez, sempre os mesmos, ou
quase os mesmos, não tem nenhuma oportunidade para exercer o seu
entendimento ou para exercitar a sua criatividade em descobrir meios
para remover dificuldades que nunca ocorrem. Ele naturalmente perde,
portanto, o hábito desses esforços e, em geral, se torna tão estúpido e
ignorante quanto é possível a uma criatura humana. Além de o torpor de
sua mente o tornar incapaz de deleitar-se com uma conversa racional ou
dela participar, ele o impossibilita de conceber qualquer sentimento
generoso, nobre ou terno e, consequentemente, de formar qualquer juízo
justo sobre muitos deveres, mesmo sobre aqueles que são comuns à vida
privada. Esse homem é completamente incapaz de julgar os grandes e
vastos interesses de seu país; e, a menos que se tenha feito um grande
esforço para modificá-lo, é igualmente incapaz de defender seu país
durante a guerra. A uniformidade de sua vida estagnada naturalmente
corrompe a coragem de sua mente e faz com que ele tenha aversão à vida
irregular, incerta e aventureira de um soldado. Corrompe até mesmo a
atividade de seu corpo e o torna incapaz de utilizar a sua força com vigor
e perseverança em qualquer outro emprego senão naquele para o qual foi
criado. Sua destreza em sua própria atividade parece, dessa maneira, ser
adquirida à custa de suas virtudes intelectuais, sociais e marciais. Assim,
nas sociedades aprimoradas e civilizadas, a menos que o governo se
esforce para evitar tal situação, esse é o estado a que os trabalhadores
pobres, isto é, o grosso da população, acabam necessariamente chegando.
O contrário ocorre nas sociedades bárbaras, como são comumente
chamadas, de caçadores, de pastores e até mesmo agrícolas que se
encontram em um estágio primitivo da agricultura que precede o
aprimoramento das manufaturas e a extensão do comércio exterior.
Nessas sociedades, as variadas ocupações de cada homem o obrigam a
exercer suas habilidades e a inventar meios para remover as dificuldades
que ocorrem de forma constante. A criatividade é mantida viva e a mente
não é levada àquela estupidez sonolenta que, em uma sociedade
civilizada, parece entorpecer a inteligência de quase todas as pessoas das
classes sociais mais baixas. Naquelas sociedades bárbaras, como são
chamadas, todo homem, conforme já foi observado, também é um
guerreiro. Todo homem também é, em certa medida, um estadista e pode
formar um julgamento tolerável sobre os interesses da sociedade e a
conduta daqueles que a governam. Até que ponto seus chefes são bons
juízes em tempos de paz ou bons líderes durante as guerras é algo
evidente a quase todos os membros dessas sociedades. Em uma
sociedade desse tipo, ninguém é capaz de adquirir aquele conhecimento
aprimorado e refinado que às vezes possuem alguns poucos homens em
um estágio mais civilizado. Embora, em uma sociedade primitiva, as
ocupações de cada indivíduo sejam variadas, não há muita variedade de
ocupações para a sociedade inteira. Todo mundo faz ou é capaz de fazer
quase tudo o que todos os outros fazem ou são capazes de fazer. Todos
possuem um grau considerável de conhecimentos, engenhosidade e
inventividade, mas quase ninguém os possui em grau elevado. O grau
comum, entretanto, é geralmente suficiente para conduzir todas as
atividades simples da sociedade. Em um estado civilizado, pelo contrário,
embora haja pouca variedade nas ocupações da maior parte dos
indivíduos, há uma variedade quase infinita de ocupações para a
sociedade inteira. Essas variadas ocupações apresentam também uma
variedade quase infinita de objetos que podem ser contemplados por
aqueles poucos que, por não se ligarem a nenhuma ocupação específica,
têm tempo e inclinação para examinar as ocupações de outras pessoas. A
contemplação de uma variedade tão grande de objetos necessariamente
exercita suas mentes a realizar comparações e combinações
intermináveis, tornando seus entendimentos altamente aguçados e
abrangentes. Entretanto, a menos que esse grupo pequeno de pessoas se
encontre em algumas situações muito específicas, suas grandes
habilidades, embora honrosas a eles mesmos, contribuem muito pouco
para o bom governo ou para a felicidade de sua sociedade. Não obstante
as grandes habilidades desses poucos, todas as partes mais nobres do
caráter humano correm o grande risco de ser obliteradas e de se extinguir
na grande maioria da população.
A educação das pessoas comuns requer, talvez, em uma sociedade
comercial e civilizada, a atenção do setor público mais do que a de
pessoas ricas das classes mais altas. As pessoas ricas das classes mais altas
costumam iniciar suas atividades comerciais, negócios ou profissão pela
qual se propõem a distinguir-se no mundo aos 18 ou 19 anos. Antes
disso, eles têm tempo integral para adquirir — ou pelo menos para
preparar-se para posterior aquisição — toda qualificação que os possa
tornar recomendáveis à estima pública ou torná-los dignos dela. Seus
pais ou responsáveis costumam preocupar-se bastante com a aquisição
dessas qualificações e estão, na maioria dos casos, suficientemente
dispostos a despender o que for necessário para esse propósito. Se nem
sempre são educados da maneira mais apropriada, isso raramente tem a
falta de investimento como causa, mas a aplicação indevida das despesas.
Raramente é por falta de mestres, mas por causa da negligência e
incapacidade dos mestres escolhidos e pela dificuldade, ou melhor, pela
impossibilidade de se encontrarem melhores mestres nas atuais
circunstâncias. Além disso, os trabalhos das pessoas ricas e das classes
mais altas não são como os das pessoas comuns, simples e uniformes;
costumam ser extremamente complicados e exercitar mais a cabeça do
que as mãos. A inteligência daqueles que se ocupam com essas atividades
raramente se torna entorpecida pela falta de exercícios. Suas atividades
laborais, além disso, raramente os atormentam desde a manhã até a noite.
Eles geralmente têm bastante tempo livre, durante o qual podem se
aperfeiçoar em qualquer ramo de conhecimento, útil ou decorativo, para
o qual tenham lançado alguma base ou pelo qual tenham adquirido certo
gosto na juventude.
Isso não é o que ocorre com as pessoas comuns. Elas têm pouco
tempo livre para a educação. Seus pais mal conseguem sustentá-las,
mesmo durante a infância. Assim que estão aptas ao trabalho, buscam
trabalhar em alguma atividade por meio da qual possam ganhar o seu
sustento. Essa atividade costuma ser tão simples e uniforme a ponto de
oferecer pouco exercício a seu conhecimento; enquanto, ao mesmo
tempo, seu trabalho é tão contínuo e tão cruel que lhes oferece pouco
tempo livre, deixando-as pouco inclinadas a se dedicar, ou até mesmo a
pensar, em qualquer outra coisa.
No entanto, embora as pessoas comuns não possam, em uma
sociedade civilizada, ser tão bem instruídas como as pessoas mais ricas e
de classes sociais mais altas, as partes mais essenciais da educação, a
saber, ler, escrever e contar, podem ser adquiridas em um período tão
inicial da vida que a maioria das pessoas, até mesmo aquelas criadas para
as ocupações mais baixas, tem tempo para adquiri-las antes de poder ser
empregada naquelas ocupações. Por meio de uma despesa muito
pequena, o setor público pode facilitar, incentivar e até mesmo obrigar a
população a adquirir essas partes mais essenciais da educação.622
O setor público pode facilitar essa aquisição estabelecendo em cada
paróquia ou distrito uma pequena escola onde as crianças possam ser
ensinadas em troca de um valor tão baixo que até mesmo um trabalhador
comum possa pagar; o mestre seria parcialmente, mas não totalmente,
pago pelo setor público, pois, se fosse integralmente, ou mesmo
principalmente pago pelo setor público, ele logo aprenderia a
negligenciar suas atividades. Na Escócia, o estabelecimento de tais
escolas paroquiais possibilitou que quase toda a população comum fosse
ensinada a ler e uma grande parte dela, a escrever e a contar. Na
Inglaterra, a criação de escolas beneficentes teve um efeito do mesmo
tipo, embora não tão universalmente, porque a criação delas não é tão
universal. Se, nessas escolas, os livros pelos quais as crianças são
ensinadas a ler fossem um pouco mais instrutivos do que normalmente o
são, e se, em vez de um pouco de latim, que é ensinado lá aos filhos das
pessoas comuns (que dificilmente teria alguma utilidade para eles), lhes
fosse ensinado geometria e mecânica elementares, a educação literária
dessa classe social talvez fosse a mais completa possível. Quase todas as
atividades comuns oferecem algumas oportunidades para se aplicar a elas
os princípios da geometria e da mecânica, e, assim, são capazes de
exercitar e aprimorar as pessoas comuns nesses princípios, os quais são
uma introdução necessária às ciências mais elevadas e mais úteis.
O Estado poderia incentivar a aquisição das partes mais essenciais da
educação oferecendo pequenos prêmios e pequenos emblemas de
distinção aos filhos das pessoas comuns que venham a se destacar neles.
O Estado poderia impor à população a necessidade de adquirir as
partes mais essenciais da educação obrigando as pessoas a realizar um
exame ou período de experiência para que pudessem obter seus direitos
em quaisquer corporações ou ser autorizadas a iniciar quaisquer
atividades, quer em uma aldeia ou em uma cidade.
Foi assim que as repúblicas da Grécia e de Roma mantiveram o
espírito marcial de seus respectivos cidadãos, a saber, facilitando o
aprendizado de seus exercícios militares e de ginástica, encorajando-os e
até mesmo impondo a todos a necessidade de aprender esses exercícios.
Essas repúblicas facilitavam o aprendizado daqueles exercícios,
designando um local determinado para o aprendizado e a prática e
concedendo a determinados mestres o privilégio de ensinar. Ao que
parece, esses mestres não recebiam nenhum tipo de salário ou privilégio
exclusivo. Sua remuneração consistia apenas no que eles recebiam de seus
alunos; e um cidadão que tivesse aprendido seus exercícios no ginásio
público não recebia nenhum tipo de vantagem legal sobre alguém que os
havia aprendido em um local privado, desde que este último tivesse
aprendido igualmente bem. Para incentivar o aprendizado dos exercícios,
essas repúblicas concediam pequenos prêmios e medalhas de distinção
àqueles que se destacavam neles. Assim, ganhar um prêmio nos jogos
olímpicos, ístmicos ou nemanos oferecia prestígio não só ao ganhador,
mas também a toda a sua família e amigos. A obrigação que todo cidadão
tinha de servir o exército por um determinado número de anos, quando
chamado, era suficiente para lhe impor a necessidade de aprender aqueles
exercícios, sem os quais se tornava completamente inapto para o serviço.
O exemplo da Europa moderna demonstra de forma bastante clara
que, durante o curso do progresso, a prática de exercícios militares, a
menos que o governo se esforce para apoiá-la, vai gradualmente
diminuindo e, juntamente com ela, o espírito marcial da população em
geral. Mas a defesa de cada nação depende sempre, em maior ou menor
grau, do espírito marcial de sua população em geral. Nos tempos atuais,
de fato, o espírito marcial por si só, sem o apoio de um exército
permanente bem disciplinado, não seria, talvez, suficiente para defender
e garantir a segurança de nenhuma sociedade. Mas sempre que os
cidadãos possuam o espírito de um soldado, certamente apenas um
pequeno exército permanente se fará necessário. Além disso, esse espírito
leva à diminuição necessária dos perigos à liberdade, sejam eles reais ou
imaginários, normalmente gerados por um exército permanente. Da
mesma forma como facilitaria muito as operações desse exército contra
um invasor estrangeiro, também o conteria no caso infeliz de esse
exército se voltar contra a constituição do próprio Estado.
As antigas instituições da Grécia e de Roma parecem ter sido muito
mais eficazes em manter o espírito marcial da população em geral do que
as chamadas, milícias dos tempos modernos. Aquelas instituições eram
muito mais simples. Após criadas, passavam a funcionar por si próprias,
com pouca ou nenhuma atenção do governo para mantê-las em pleno
vigor. Por outro lado, a manutenção, mesmo que de forma apenas
razoável, dos regulamentos complexos de qualquer milícia moderna
requer a atenção constante e dolorosa do governo, sem o qual elas caem
em total negligência e abandono. Além disso, a influência das instituições
da Antiguidade era muito mais universal. Por meio delas, a população
toda recebia instruções sobre como utilizar armas. Por outro lado, pelos
regulamentos das milícias modernas, apenas uma parcela muito pequena
da população recebe instruções tão completas, exceto, talvez, nas milícias
da Suíça. Um covarde, isto é, um homem incapaz de se defender ou de se
vingar, evidentemente carece de uma das atribuições mais essenciais do
caráter de um homem. Pode-se dizer que sua mente está tão mutilada e
deformada quanto o corpo de alguém que tenha sido privado de alguns
de seus membros mais importantes ou tenha perdido o movimento deles.
Dos dois, o covarde é, evidentemente, o mais triste, porque felicidade e
tristeza, que residem completamente na mente, devem necessariamente
depender mais do estado saudável ou enfermo, do estado mutilado ou
íntegro da mente, do que dos mesmos estados do corpo. Mesmo que o
espírito marcial do povo não fosse útil para a defesa da sociedade, ainda
assim seria necessária atenção mais séria do governo para evitar que esse
tipo de mutilação mental, deformidade e miséria gerado necessariamente
pela covardia se espalhasse pela população em geral, da mesma forma
como o governo deveria oferecer a mais severa atenção para evitar que a
lepra ou qualquer outra doença repugnante e prejudicial, mesmo que não
fosse nem mortal nem perigosa, se propagasse por toda a população; o
governo deveria oferecer essa atenção mesmo que ela não causasse
nenhum outro bem público senão a prevenção de um mal público tão
grande.
A mesma coisa pode ser dita da ignorância e da estupidez grosseiras
que, em uma sociedade civilizada, parecem tão frequentemente
entorpecer a inteligência de todas as classes mais baixas da população.
Um homem, sem o uso adequado de suas faculdades intelectuais, é, se
isso é possível, mais desprezível até mesmo do que um covarde e parece
estar mutilado e deformado em uma parte ainda mais essencial da
natureza humana. Embora não obtenha nenhuma vantagem com a
instrução das classes mais baixas da população, o Estado, ainda assim,
precisa atendê-las para que recebam o mínimo de instrução. No entanto,
a educação oferece ao Estado uma vantagem que não é nada
negligenciável. Quanto mais instruída é a sua população, menos sujeita
estará aos delírios do fanatismo e da superstição, os quais costumam
causar os mais terríveis distúrbios nas nações ignorantes. Além disso, um
povo instruído e inteligente é sempre mais decente e ordenado do que
um ignorante e estúpido. As pessoas, individualmente, se sentem mais
respeitáveis e com maior probabilidade de serem respeitadas por seus
superiores legítimos, estando, desse modo, mais dispostas a respeitar
esses superiores. Ficam mais preparadas para analisar e mais aptas a
distinguir as queixas partidárias e sediciosas, e deixam de ser facilmente
induzidas a realizar uma oposição leviana e desnecessária às medidas do
governo. Nos países livres, onde a segurança do governo depende
bastante do julgamento favorável que a população faz sobre a sua
conduta, é extremamente importante que as pessoas não estejam
dispostas a julgar o governo de forma precipitada ou arbitrária.

ARTIGO III — AS DESPESAS DAS INSTITUIÇÕES PARA A EDUCAÇÃO


DAS PESSOAS DE TODAS AS IDADES
As instituições dedicadas à instrução de pessoas de todas as idades são
principalmente aquelas voltadas para a instrução religiosa. Esta é uma
espécie de instrução cujo objetivo não é tornar as pessoas boas cidadãs
neste mundo, mas prepará-las para um outro mundo melhor em uma
vida que está por vir. A subsistência dos mestres da doutrina que contém
essa instrução pode, da mesma forma que outros professores, depender
inteiramente das contribuições voluntárias de seus ouvintes, ou então sua
subsistência pode originar-se de algum outro fundo assegurado pelas leis
de seu país; por exemplo, uma propriedade fundiária, um dízimo ou
imposto fundiário, um salário ou um estipêndio fixo. Seus esforços, zelo e
trabalho serão provavelmente muito maiores no primeiro do que no
segundo caso. A esse respeito, os professores de novas religiões sempre
tiveram uma grande vantagem para atacar aqueles sistemas antigos e
estabelecidos nos quais o clero, repousando sobre seus benefícios, passou
a negligenciar a manutenção do fervor da fé e da devoção da população
em geral; e, por estarem entregues à indolência, tornaram-se
completamente incapazes de realizar qualquer esforço vigoroso, até
mesmo para defender a sua própria instituição. O clero de uma religião
oficial e bem financiada costuma se transformar em um grupo de
homens eruditos e distintos, com todas as virtudes de fidalgos ou com
aquelas que os poderiam recomendar à estima destes; porém, esse clero
tende a ir perdendo gradualmente as qualidades, tanto as boas quanto as
más, que lhe garantiam autoridade e influência sobre as classes mais
baixas da população e que, talvez, tenham sido a causa original do
sucesso e da implantação de sua religião. Quando um clero desse tipo é
atacado por um grupo de entusiastas populares e audaciosos — ainda
que possivelmente estúpidos e ignorantes —, sente-se completamente
indefeso, assim como se sentiram as nações indolentes, efeminadas e
mais que bem alimentadas das regiões meridionais da Ásia quando foram
atacadas pelos ativos, resistentes e famintos tártaros vindos do norte.
Durante esse tipo de irrupção, esse clero não costuma ter nenhuma outra
saída senão recorrer ao magistrado civil para perseguir, destruir ou
expulsar seus adversários por estarem perturbando a tranquilidade
pública. Foi assim que o clero da Igreja Católica Romana recorreu ao
magistrado civil para perseguir os protestantes, e a Igreja da Inglaterra
para perseguir seus dissidentes ingleses;623 e isso é, em geral, o que fazem
todas as seitas religiosas quando, após terem desfrutado da segurança de
uma instituição legalmente estabelecida durante um ou dois séculos,
sentem-se incapazes de se defender de forma enérgica contra quaisquer
novas seitas que ataquem suas doutrinas ou disciplinas. Em tais ocasiões,
a educação e a boa escrita podem, às vezes, estar do lado da Igreja oficial.
Mas as artes da popularidade, todas as artes de ganhar seguidores, estão
constantemente do lado de seus adversários. Na Inglaterra, essas artes
têm sido negligenciadas pelo clero bem financiado da Igreja oficial e
atualmente são cultivadas principalmente pelos dissidentes ingleses e
pelos metodistas. No entanto, as provisões independentes que, em muitos
lugares, foram criadas para o sustento dos professores dissidentes — seja
por meio de subscrições voluntárias ou por contratos fiduciários e outras
evasões da lei — parecem ter causado a diminuição do zelo e da
produção desses professores. Muitos deles se tornaram muito eruditos,
inventivos e respeitáveis, mas eles, em geral, deixaram de ser pregadores
muito populares. Os metodistas, mesmo sem possuírem metade dos
conhecimentos dos dissidentes, estão muito mais em voga.
Na igreja de Roma, o trabalho e o zelo do baixo clero se mantêm
vivos mais pela poderosa motivação do interesse pessoal do que, talvez,
em qualquer igreja protestante bem estabelecida. Muitos clérigos das
paróquias obtêm grande parte de sua subsistência das doações
voluntárias feitas pela população: fonte de receitas a que a confissão
oferece muitas oportunidades de melhora. As ordens mendicantes
derivam toda a sua subsistência dessas doações. Vale para eles o mesmo
lema dos hussardos e da infantaria leve de alguns exércitos: sem pilhagem
não há pagamento. O clero das paróquias funciona como aqueles
professores cuja recompensa depende em parte de seu salário e, em parte,
das remunerações ou dos honorários que recebem de seus alunos, e esses
honorários dependem sempre, em maior ou menor grau, do trabalho que
realizam e de suas reputações. As ordens mendicantes são como aqueles
professores cuja subsistência depende somente do trabalho que realizam.
São obrigados, portanto, a usar todos os artifícios capazes de estimular a
devoção das pessoas comuns. Maquiavel observa que a criação das duas
grandes ordens mendicantes, a de São Domingos e a de São Francisco,
reavivou, nos séculos XIII e XIV, a fé e a devoção da Igreja Católica, que
estavam definhando. Nos países católicos romanos, o espírito de devoção
é mantido apenas pelos monges e pelo clero mais pobre das paróquias.
Os grandes dignitários da Igreja, com todas as habilidades dos fidalgos,
dos homens do mundo e, às vezes, com as dos homens eruditos, tomam
bastante cuidado para manter a disciplina necessária de seus inferiores,
mas raramente se preocupam com a instrução da população.
Segundo o filósofo e historiador mais ilustre de nossa época:624
A maior parte das artes e profissões em um Estado é de tal natureza que,
enquanto promove os interesses da sociedade, também é útil ou agradável a
alguns indivíduos; e, nesse caso, a regra permanente dos magistrados, exceto,
talvez, em relação à introdução de alguma nova arte, é não intervir na
profissão e confiar seu incentivo àqueles que dela se beneficiam. Quando os
artesãos percebem que seus lucros aumentam por meio de seus clientes, eles
expandem, tanto quanto possível, sua habilidade e seu trabalho; e enquanto as
coisas não são perturbadas por nenhuma adulteração imprudente, a oferta de
mercadorias será, certamente e em todos os momentos, quase proporcional à
demanda.
Mas há também algumas atividades que, embora úteis e até mesmo necessárias
em um Estado, não oferecem nenhuma vantagem ou prazer para ninguém, e o
poder supremo se vê obrigado a alterar sua conduta em relação aos detentores
dessas profissões. O governo deve oferecer incentivo público a elas para que
possam continuar existindo; e deve prevenir-se contra a negligência a que elas
estarão naturalmente sujeitas, seja por meio da garantia de honrarias
específicas à profissão, ou pela criação de uma longa linha de subordinações
hierárquicas e dependência estrita, ou por algum outro meio. As pessoas
empregadas nas finanças, nas esquadras e na magistratura são exemplos dessa
classe de homens.
Naturalmente, é possível, à primeira vista, imaginar que os eclesiásticos
pertencem à primeira classe e que seu incentivo, assim como o de advogados e
médicos, pode ser seguramente confiado à generosidade dos indivíduos que
estão ligados às suas doutrinas e que encontram benefício ou consolo no
ministério e na assistência espirituais prestados por eles. Seu trabalho e
vigilância ficarão, sem dúvida, aguçados por mais esse motivo; e suas
habilidades profissionais, bem como sua atenção (empenho) para orientar as
mentes da população, serão diariamente aprimoradas por meio da prática, dos
estudos e da atenção cada vez maiores.
Se, entretanto, considerarmos o assunto mais de perto, constataremos que
todos os legisladores sábios estudarão formas para evitar essa diligência
interessada do clero, pois, em todas as religiões, exceto na verdadeira, ela é
altamente perniciosa, tendo, inclusive, uma tendência natural para perverter a
verdadeira, infundindo nela uma forte mistura de superstição, tolices e ilusão.
Todo praticante das artes espiritualistas, a fim de tornar-se mais precioso e
sagrado aos olhos de seus seguidores, irá insuflá-los com a mais violenta
aversão a todas as outras seitas e, por meio de novidades, tentará estimular
continuamente a fraca devoção de sua audiência. Nas doutrinas ensinadas,
nenhuma atenção será dada à sua verdade, moral ou decência. Serão adotados
todos os princípios que melhor se adequam aos sentimentos desordenados da
constituição humana. Os clientes serão atraídos a cada conventículo por uma
nova atividade e abordagem que trabalha sobre as paixões e a credulidade do
povo. E, ao final, o magistrado civil descobrirá que pagou caro por sua pretensa
economia ao não criar uma instituição para os sacerdotes; e que, na realidade,
o acordo mais decente e vantajoso que poderia fazer com esses guias espirituais
seria subornar sua indolência, destinando salários determinados à sua
profissão, tornando supérfluas quaisquer outras atividades que não aquela de
impedir que seu rebanho se desviasse para buscar novas pastagens. E, dessa
forma, embora os institutos eclesiásticos surjam, em geral, a partir de ideais
religiosos, eles, ao final, passam a ser vantajosos para os interesses políticos da
sociedade.

Porém, a despeito dos bons ou maus efeitos causados pela provisão


independente do clero, ela talvez lhe tenha sido muito raramente
concedida visando a esses efeitos. Os períodos de controvérsia religiosa
violenta têm, em geral, sido períodos de divisões políticas igualmente
violentas. Nessas ocasiões, os partidos políticos consideraram ou
imaginaram ser interessante se unir a uma das seitas adversárias. Mas só
conseguiriam realizar isso ao adotar ou, ao menos, favorecer os
princípios da seita escolhida. A seita que tivesse a sorte de estar coligada
ao partido vencedor partilhava necessariamente da vitória de seu aliado,
por cujo favor e proteção passava rapidamente a ter condições, até certo
ponto, de silenciar e subjugar todos os seus adversários. Esses adversários
costumavam se aliar aos inimigos do partido vencedor e, portanto, eram
inimigos desse partido. Assim, no momento em que os clérigos dessa
seita específica passavam a ser os donos completos da situação e,
portanto, assim que sua influência e autoridade atingisse seu maior poder
em relação à população, eles se tornavam suficientemente poderosos para
intimidar os chefes e líderes de seu próprio partido, obrigando o
magistrado civil a respeitar suas opiniões e inclinações. Em geral a
primeira exigência desse clero era que o magistrado silenciasse e
subjugasse todos os seus adversários; e a segunda era a concessão de
provisões independentes para eles mesmos. E, já que, em geral, eles
haviam oferecido uma grande contribuição para a vitória do partido, não
parecia irrazoável que tivessem alguma participação nos despojos. Além
disso, eles estavam cansados de agradar as pessoas e de depender do
capricho delas para que pudessem obter sua subsistência. Essa demanda,
portanto, avalizava sua própria facilidade e conforto, e eles não se
preocupavam com o efeito que isso poderia gerar no futuro em relação à
influência e autoridade de sua ordem. O magistrado civil quase nunca
estava muito inclinado a conceder ao clero uma exigência que só poderia
cumprir dando-lhe algo que ele mesmo preferiria tomar ou reter para si
mesmo. A necessidade, no entanto, sempre acabava forçando-o a aceitar
a situação, mesmo que, muitas vezes, só cedesse após muita
procrastinação, evasões e desculpas artificiais.
Mas se os políticos nunca tivessem pedido ajuda à religião e se o
partido vencedor nunca tivesse adotado mais os princípios de uma seita
do que de outra, eles, após a vitória, teriam provavelmente lidado de
maneira igual e imparcial com as diversas seitas e permitiriam que cada
indivíduo escolhesse o sacerdote e a religião que melhor lhe conviesse.
Neste caso, sem dúvida, as seitas religiosas teriam se multiplicado muito.
Quase todas as congregações poderiam ter formado sua própria pequena
seita ou ter adotado algumas doutrinas próprias. Todo doutrinador teria,
sem dúvida, sentido a necessidade de dar o melhor de si e de usar todas
as artes conhecidas para preservar e aumentar o número de seus
discípulos. Porém, já que todos os outros doutrinadores teriam sentido a
mesma necessidade, nenhum doutrinador ou grupo de doutrinadores
conseguiria obter muito êxito. O zelo interessado e ativo dos
doutrinadores religiosos será perigoso e incômodo apenas quando uma
única seita é tolerada no país ou, então, quando uma grande sociedade
está dividida entre duas ou três grandes seitas, os doutrinadores de cada
uma delas age em conjunto, obedecendo a uma disciplina e subordinação
regulares. Esse zelo, no entanto, será completamente ineficaz se a
sociedade estiver dividida em duzentas, trezentas ou, talvez, milhares de
pequenas seitas, das quais nenhuma é suficientemente grande para
perturbar a paz pública. Os doutrinadores de cada seita, vendo-se
cercados por todos os lados mais por adversários do que por amigos,
seriam obrigados a aprender a utilizar aquela franqueza e moderação que
é tão raramente encontrada entre os doutrinadores das grandes seitas —
cujas doutrinas, apoiadas pelo magistrado civil, são veneradas por quase
todos os habitantes de grandes reinos e impérios e que, por isso, estão
sempre rodeados por seguidores, discípulos e humildes admiradores. Os
doutrinadores de cada pequena seita, encontrando-se quase sozinhos,
seriam obrigados a respeitar os de quase todas as outras seitas, e as
concessões que achariam mutuamente conveniente e agradável fazer uns
aos outros poderiam provavelmente reduzir a doutrina da maior parte
deles àquela religião pura e racional, sem absurdos, embustes ou
fanatismos, como os sábios de todas as eras desejaram ver criada; uma
religião, no entanto, que a lei positiva talvez nunca tenha criado e que,
provavelmente, nunca poderá criar em nenhum país, pois, no que diz
respeito à religião, a lei positiva sempre foi e provavelmente sempre será
influenciada em maior ou menor grau pela superstição e pelo entusiasmo
popular. Esse foi o plano de governo eclesiástico — ou, mais
adequadamente, de um governo eclesiástico omisso — que a seita
chamada “Independentes”, uma seita, sem dúvida, de entusiastas muito
selvagens, propôs implantar na Inglaterra no final da guerra civil.625 Se
tivesse sido implantado, embora de origem muito antifilosófica,
provavelmente a essa altura teria produzido as mais filosóficas
benevolência e moderação no que diz respeito a todo tipo de princípio
religioso. Foi implantado na Pensilvânia, onde, embora os quakers sejam
os mais numerosos, a lei, na realidade, não favorece nenhuma seita mais
do que a outra, e lá se diz que produziu essa benevolência e moderação
filosóficas.
Mas, embora essa igualdade de tratamento não causasse essa
benevolência e moderação em todas, ou mesmo na maior parte das seitas
religiosas de uma determinada região, ainda assim, se as seitas tivessem
sido suficientemente numerosas e cada uma delas, consequentemente,
muito pequena para perturbar a paz pública, o zelo excessivo de cada
uma por seus princípios particulares não seria capaz de produzir efeitos
muito prejudiciais, mas, pelo contrário, vários efeitos positivos; e se o
governo estivesse perfeitamente decidido a deixá-las em paz e a obrigá-
las a deixar umas às outras em paz, elas rapidamente se subdividiriam
por si mesmas até se tornarem suficientemente numerosas.
Em todas as sociedades civilizadas, em todas as sociedades em que a
distinção entre as classes sociais já está completamente estabelecida,
sempre existiram dois regimes ou sistemas de moralidade convivendo
simultaneamente, dos quais um pode ser chamado de rigoroso ou austero
e o outro de liberal ou, conforme a preferência, de sistema flexível. O
primeiro é geralmente admirado e reverenciado pelas pessoas comuns; o
último é comumente mais estimado e adotado por aqueles que
chamamos de pessoas distintas. O grau de desaprovação com o qual os
vícios da leviandade são marcados — isto é, os vícios que podem surgir
da grande prosperidade e do excesso de alegria e de bom humor —
parece constituir a principal distinção entre esses dois regimes ou
sistemas opostos. No sistema liberal ou flexível, a luxúria, a lascívia e até
mesmo a alegria desordenada, a busca do prazer em certo grau de
intemperança, a violação da castidade, ao menos em um dos dois sexos,
etc., desde que não estejam acompanhados de indecência grosseira e não
levem à falsidade ou à injustiça, são tratados, em geral, com uma boa
dose de indulgência e são facilmente desculpados ou perdoados
completamente. No sistema austero, pelo contrário, esses excessos são
vistos com muita aversão e repulsa. Os vícios da leviandade são sempre
ruinosos para as pessoas comuns e uma única semana de negligência e
dissipação costuma ser suficiente para levar um pobre trabalhador à
ruína para sempre e para encorajá-lo, em seu desespero, a cometer os
maiores crimes. Por isso, entre as pessoas comuns, as mais sábias
costumam ter grande aversão e repulsa a tais excessos, pois sabem, por
experiência, que eles são instantaneamente fatais às pessoas de sua
condição. Por outro lado, o desregramento e a extravagância de vários
anos nem sempre leva um homem das classes mais altas à ruína, e as
pessoas desse grupo costumam estar bastante aptas a considerar esse
poder de se entregar, até certo ponto, aos excessos como uma das
vantagens de sua fortuna e veem a liberdade de poder fazer isso sem
censura ou repreensão como um dos privilégios adequados à sua posição
social. Desse modo, quando se trata de pessoas de sua mesma posição,
consideram os excessos com muito pouca desaprovação e não os
censuram, ou o fazem de forma muito leve.
Quase todas as seitas religiosas começaram em meio às pessoas
comuns, nas quais buscam seus primeiros e mais numerosos seguidores.
O sistema austero de moralidade, portanto, tem sido quase sempre
adotado por essas seitas, havendo pouquíssimas exceções à regra. Esse
era o sistema pelo qual melhor podiam se apresentar a essa classe de
pessoas à qual haviam primeiro proposto seu plano para reformar a
religião já estabelecida. Muitas delas, talvez a maior parte, tentaram até
mesmo ganhar crédito ao intensificar ainda mais esse sistema austero,
levando-o a certo grau de insensatez e exagero; mais do que qualquer
outra coisa, esse rigor excessivo muitas vezes lhes garante o respeito e a
veneração do povo comum.
O homem de posição e fortuna é, pela sua própria situação, membro
distinto da sociedade em que vive, a qual presta atenção a todos os
detalhes de sua conduta, obrigando-o, dessa forma, a prestar atenção a
todos esses mesmos detalhes. Sua autoridade e consideração dependem
muito do respeito que a sociedade lhe oferece. Ele não ousa fazer nada
que o desonre ou o desacredite perante a sociedade, obrigando-se a
observar de forma muito rigorosa a espécie de moral, seja liberal ou
austera, que o consentimento geral dessa sociedade prescreve para
pessoas de sua posição e fortuna. Ao contrário, alguém de condições
mais baixas está longe de ser um membro distinto de qualquer grande
sociedade. Quando ele vive em uma aldeia rural, no entanto, sua conduta
pode ser observada pelos outros e ele talvez seja obrigado a dar atenção a
sua própria conduta. Nessa situação, e apenas nessa situação, ele pode ter
o que é chamado de reputação a perder. Mas, assim que passa a morar em
uma cidade grande, ele é abandonado à obscuridade e ao esquecimento.
Ninguém observa a sua conduta e, por isso, ele mesmo passa a ficar
muito disposto a negligenciá-la e a abandonar-se a todos os tipos de
prodigalidade e vícios. Ele nunca sai efetivamente dessa obscuridade e
sua conduta nunca suscita a atenção de nenhum grupo social respeitável,
exceto no momento em que se torna membro de uma pequena seita
religiosa. A partir desse momento, ele adquire um grau de consideração
que nunca teve. Todos os seus irmãos de seita, zelando pelo nome desta,
estão interessados em observar sua conduta e — se ela for causa de
qualquer escândalo, se ele se desviar muito dessa moral austera que eles
quase sempre exigem uns dos outros — o punirão de forma sempre
bastante severa, a saber, pela expulsão ou pela excomunhão, mesmo
quando seus atos não tenham gerado efeitos civis. Assim, nas pequenas
seitas religiosas, a moral do povo comum costuma, quase sempre, ser
admiravelmente habitual e ordeira; geralmente, muito mais do que na
Igreja oficial. A moral dessas pequenas seitas costuma ser, de fato,
desagradavelmente rigorosa e antissocial.
Há, porém, dois remédios muito fáceis e eficazes por meio dos quais,
quando aplicados em conjunto, o Estado poderia, sem violência, corrigir
os aspectos antissociais e desagradavelmente rigorosos da moral de todas
essas pequenas seitas que dividem o país.
O primeiro remédio seria o estudo da ciência e da filosofia, que o
Estado poderia tornar quase universal entre todas as pessoas das classes
médias ou um pouco superiores a elas; isso não deve ser realizado pela
oferta de salários aos professores, que os tornam negligentes e ociosos,
mas instituindo algum tipo de período de experiência, mesmo nas
ciências mais elevadas e mais difíceis, a que se submeteriam todas as
pessoas antes que recebessem autorização para exercer qualquer profissão
liberal, ou antes que pudessem ser recebidas como candidatas para
qualquer cargo honroso de confiança ou lucrativo. Se o Estado impusesse
a essa classe de homens a necessidade do aprendizado, ele não precisaria
se preocupar em fornecer-lhes professores adequados. Eles logo
encontrariam melhores professores para si mesmos do que qualquer um
que o Estado fosse capaz de lhes oferecer. A ciência é o grande antídoto
para o veneno do entusiasmo e da superstição; e se todas as classes
superiores estivessem livres desse veneno, as classes inferiores deixariam
de estar tão expostas a ele.
O segundo remédio é a frequência e a animação das diversões
públicas. O Estado poderia oferecer liberdade total a todos aqueles que,
por interesse próprio, pudessem, sem escândalo nem indecência, divertir
e entreter a população com a pintura, a poesia, a música, a dança, com
todos os tipos de representações dramáticas e exposições; esse incentivo
facilmente dissiparia aquele humor melancólico e sombrio da maioria
das pessoas, o qual costuma nutrir a superstição popular e o entusiasmo.
Todos os promotores fanáticos dessas violentas exaltações populares
sempre viram as diversões públicas com pavor e ódio. A animação e o
bom humor inspirados por essas diversões são totalmente inconsistentes
com o estado mental mais apropriado aos objetivos desses fanáticos, ou o
estado mais fácil com o qual se trabalhar. As representações dramáticas,
além disso — frequentemente ridicularizando seus artifícios de forma
pública e, às vezes, até os levando à execração pública —, eram, por isso, e
muito mais que as outras diversões, objeto peculiar de sua aversão.
Em um país cujas leis não favorecessem mais os professores de uma
religião do que os de outra, nenhuma delas precisaria depender de forma
específica ou imediata do poder soberano ou do executivo; o poder
soberano também não precisaria ter nenhuma ligação com a nomeação
ou a demissão dos professores. Em tal situação, o soberano não precisaria
se preocupar com eles senão para manter a paz entre eles, da mesma
forma que o faz para manter a paz entre seus outros súditos, ou seja,
impedindo que perseguissem, abusassem ou oprimissem uns aos outros.
É outra a situação dos países em que há uma religião oficial ou
governante. O soberano, nesse caso, nunca estará seguro, a menos que
tenha meios para influenciar em um grau considerável a maior parte dos
doutrinadores dessa religião.
O clero de toda Igreja oficial constitui uma grande corporação. Ele
pode agir em conjunto e perseguir seus interesses com um mesmo plano
e a mesma mentalidade, como se estivesse sob a direção de uma única
pessoa; e ele frequentemente está sob essa direção única. Seus interesses
como corporação nunca são os mesmos do soberano, sendo, às vezes,
diametralmente opostos aos dele. Seu maior interesse consiste em manter
sua própria autoridade sobre o povo, e essa autoridade depende da
suposta certeza e importância da totalidade de doutrina que infunde e da
suposta necessidade de adotá-la integralmente e com fé incondicional, a
fim de evitar o tormento eterno. Caso o soberano, de forma imprudente,
pareça ridicularizar ou duvidar do artigo mais insignificante de sua
doutrina, ou, de forma humanitária, tente proteger aqueles que o fizeram,
a honra cerimoniosa de um clero que em nada depende desse soberano é
imediatamente instigada a proscrevê-lo como uma pessoa profana e a
empregar todos os terrores da religião para obrigar o povo a transferir
sua lealdade a algum monarca mais ortodoxo e obediente. O soberano
correrá o mesmo perigo caso se oponha a qualquer uma das pretensões
ou usurpações do clero. Os monarcas que, dessa forma, se atreveram a se
rebelar contra a Igreja, além do crime de rebelião, geralmente foram
acusados também de cometer o crime da heresia, não obstante suas
declarações solenes sobre sua fé e humilde submissão a cada princípio
que ela considerasse adequado prescrever a eles. A autoridade da religião
é superior a todas as outras autoridades. Os medos incutidos por ela
conquistam todos os outros medos. Quando os doutrinadores
conceituados da religião espalham, em meio ao povo, ideias subversivas à
autoridade do soberano, este último somente conseguirá manter sua
autoridade pela violência ou pela força de um exército permanente. Nem
mesmo um exército permanente será capaz, nesse caso, de oferecer-lhe
uma segurança duradoura, pois, se os soldados não forem estrangeiros —
o que raramente acontece —, mas tiverem sido arregimentados da
própria população — o que acontece quase sempre —, eles
provavelmente serão logo corrompidos por essas mesmas doutrinas. As
constantes revoluções que a turbulência do clero grego provocou em
Constantinopla durante a existência do império oriental e as constantes
convulsões que, durante vários séculos, a turbulência do clero romano
provocou em todas as partes da Europa são suficientes para demonstrar
quão precária e insegura é a situação do soberano que não tem meios
próprios para influenciar o clero da religião oficial e governante de seu
país.
É bastante evidente que os artigos da fé, assim como todos os outros
assuntos espirituais, não fazem parte das competências adequadas a um
soberano secular, que, embora possa estar muito bem qualificado para
proteger a população, raramente o está para instruí-la. No que diz
respeito a tais assuntos, portanto, sua autoridade não costuma ser
suficiente para contrabalançar a autoridade unificada do clero da Igreja
oficial. A paz pública, no entanto, e a sua própria segurança podem
frequentemente depender das doutrinas que a Igreja considere adequadas
propagar em relação a tais assuntos. Portanto, já que o soberano
raramente pode se opor diretamente a essas decisões com o devido peso
e autoridade, é necessário que ele seja capaz de influenciar o clero; e ele é
capaz de influenciá-lo apenas pelos medos e expectativas que consegue
suscitar na maior parte dos indivíduos da ordem. Esses medos e
expectativas podem consistir no medo da destituição ou de outra
punição e na expectativa de futuras promoções.
Em todas as igrejas cristãs, os benefícios do clero são como títulos de
posse absoluta de que desfrutam não enquanto o desejarem, mas por
toda a vida ou enquanto se comportarem bem. Se essa posse fosse mais
precária e os indivíduos do clero estivessem sujeitos a perdê-la em cada
ligeira falta de responsabilidade, fosse ao soberano ou aos seus ministros,
talvez não conseguissem manter sua autoridade em relação à população,
a qual, então, os consideraria como mercenários dependentes da corte e,
por isso, não confiaria mais na sinceridade de suas instruções. No
entanto, se, de forma irregular e pela violência, o soberano tentasse
retirar o título de posse absoluta de quaisquer membros do clero, talvez
por terem propagado com zelo exacerbado alguma doutrina facciosa ou
sediciosa, essa perseguição apenas tornaria esses membros e sua doutrina
dez vezes mais populares e, assim, dez vezes mais problemáticos e
perigosos do que antes. O medo é quase sempre um instrumento
deplorável de governo e, em particular, nunca deve ser empregado contra
qualquer grupo de pessoas que tenha a mínima pretensão de
independência. Tentar aterrorizá-las serve apenas para irritar seu mau
humor e confirmá-las em uma oposição que um tratamento mais gentil
talvez pudesse facilmente induzi-las a moderar suas ideias ou a
abandoná-las completamente. Foram muito raros os êxitos da violência
que o governo francês costumava empregar para obrigar todos os seus
parlamentos ou tribunais de justiça soberanos a publicar quaisquer
decretos impopulares. No entanto, poder-se-ia imaginar que os meios
comumente empregados — por exemplo, a prisão de todos os membros
refratários — fossem suficientemente persuasivos. Os monarcas da Casa
de Stuart626 às vezes empregavam meios semelhantes para influenciar
alguns dos membros do Parlamento da Inglaterra e, em geral, descobriam
que essa não era uma boa solução. Atualmente, lida-se de outra forma
com o Parlamento inglês; e uma experiência muito simples, realizada
pelo duque de Choiseul627 há cerca de doze anos no Parlamento de Paris,
provou que seria possível ter negociado de maneira muito mais simples
com todos os parlamentos da França. A experiência não foi mantida.
Pois, embora as negociações e a persuasão sejam sempre os instrumentos
de governo mais fáceis e mais seguros — assim como a força e a violência
são os piores e mais perigosos —, parece que, ainda assim, a insolência
natural do homem é tal que quase sempre despreza o uso do instrumento
bom, exceto quando não pode ou não se atreve a usar o mau. O governo
francês pode e ousou usar a força, desprezando, assim, o uso das
negociações e da persuasão. Mas, segundo nos dita a experiência de todas
as eras, parece não existir outro grupo contra o qual o emprego da força e
da violência seja tão perigoso, ou melhor, tão perfeitamente danoso,
como contra o respeitado clero de qualquer Igreja oficial. Os direitos, os
privilégios e a liberdade pessoal de cada eclesiástico que possua um bom
relacionamento com a sua própria ordem são, mesmo nos governos mais
despóticos, mais respeitados do que os de qualquer outra pessoa com
posição social e fortuna semelhantes. Esse é o caso em toda gradação de
despotismo, desde o governo gentil e moderado de Paris até o governo
violento e frenético de Constantinopla. Mas embora essa categoria de
pessoas não possa ser forçada, é possível negociar tão facilmente com ela
como com qualquer outra categoria; ora, a segurança do soberano, bem
como a paz pública, parece depender bastante dos meios que ele possui
para negociar com ela; e esses meios parecem ser apenas as promoções
que podem ser concedidas pelo soberano.
Na antiga constituição da igreja cristã, o bispo de cada diocese era
eleito pelos votos conjuntos do clero e do povo da cidade episcopal. O
povo não manteve seu direito de voto por muito tempo, e, durante o
período que o manteve, quase sempre agia sob a influência do clero, que
em tais questões espirituais parecia ser o guia natural da população. O
clero, no entanto, logo se cansou das trabalhosas negociações com o povo
e achou que seria mais fácil eleger ele mesmo os seus bispos. O abade, da
mesma forma, era eleito pelos monges do mosteiro, pelo menos na maior
parte das abadias. A colação628 dos benefícios eclesiásticos inferiores de
uma diocese era realizada pelo bispo, que os concedia aos clérigos que
considerasse mais adequados. Todas as promoções da igreja estavam,
dessa forma, à disposição da igreja. Embora o soberano pudesse ter
alguma influência indireta nessas eleições e embora, às vezes, fosse
comum pedir seu consentimento para eleger alguém e sua aprovação do
eleito, ainda assim não tinha meios diretos ou suficientes para dirigir
(manejar) o clero. A ambição dos clérigos os levava naturalmente a
cortejar menos o soberano e mais a sua própria ordem, pois somente ela
poderia lhes oferecer promoções.
Na maior parte da Europa, o papa gradualmente tomou para si
mesmo, primeiro, a colação de todos os bispados e abadias, ou os
chamados benefícios consistoriais e, recorrendo a várias maquinações e
pretextos, também obteve posteriormente a maior parte dos benefícios
inferiores de todas as dioceses, deixando ao bispo pouco mais do que o
estritamente necessário para lhe garantir razoável autoridade sobre seu
próprio clero. Por esse estado de coisas, a condição do soberano tornou-
se ainda pior do que antes. Assim, o clero de todos os países da Europa
tornou-se uma espécie de exército espiritual, disperso, de fato, por muitos
lugares, mas cujos movimentos e operações podiam agora ser dirigidos
por um único chefe e conduzidos por meio de um planejamento
uniforme. O clero de cada país específico podia ser considerado como
um destacamento específico desse exército, cujas operações podiam ser
facilmente apoiadas e auxiliadas por todos os outros destacamentos
alojados nos países vizinhos. Esses destacamentos eram independentes
do soberano do país em que estavam alojados e pelo qual eram mantidos,
mas respondiam a um soberano estrangeiro que, a qualquer momento,
poderia voltar suas armas contra o soberano daquele país específico com
o apoio das armas de todos os outros destacamentos.
Essas armas eram as mais formidáveis da época. Na antiga Europa,
anterior ao desenvolvimento das artes e das manufaturas, a riqueza do
clero garantia aos seus membros o mesmo tipo de influência sobre as
pessoas comuns que os grandes barões possuíam sobre seus respectivos
vassalos, arrendatários e dependentes. Nas grandes propriedades
fundiárias — que a piedade equivocada tanto de príncipes quanto de
pessoas privadas havia concedido à Igreja — foram estabelecidas
jurisdições similares às dos grandes barões e pela mesma razão. Nessas
grandes propriedades fundiárias, o clero ou seus bailios podiam
facilmente manter a paz sem o apoio ou a assistência do rei ou de
qualquer outra pessoa; e nem o rei nem qualquer outra pessoa era capaz
de manter a paz nesses locais sem o apoio e a ajuda do clero. Portanto, as
jurisdições do clero em suas baronias ou propriedades senhoriais
particulares eram tão independentes da autoridade dos tribunais do rei
quanto as dos grandes senhores seculares. Os arrendatários do clero
eram, como os dos grandes barões, quase todos arrendatários a título
precário, completamente dependentes de seus senhores imediatos e,
portanto, passíveis de serem convocados sempre que necessário para
lutar em quaisquer querelas em que o clero desejasse se envolver. Além e
acima das rendas dessas propriedades, o clero possuía, por meio do
dízimo, uma parcela muito grande das rendas de todas as outras
propriedades em todos os reinos da Europa. A maior parte das receitas
decorrentes dessas rendas era paga em espécie, isto é, milho, vinho, gado,
aves, etc. A quantidade de bens excedia em muito o que o próprio clero
era capaz de consumir; e ainda não existiam nem artes nem manufaturas
para que pudessem trocar o excedente. A única vantagem que o clero
poderia tirar de seu gigantesco excedente seria empregá-lo da mesma
forma que os grandes barões utilizavam o excedente similar de suas
rendas, isto é, na hospitalidade mais pródiga e na caridade mais
abrangente possíveis. Dizem que tanto a hospitalidade quanto a caridade
do antigo clero eram muito grandes. A Igreja não só mantinha quase
todos os pobres de todos os reinos, mas também muitos cavaleiros e
nobres que, frequentemente, não possuíam nenhum outro meio de
subsistência senão ir de mosteiro em mosteiro sob o pretexto da devoção,
mas, na realidade, para desfrutar da hospitalidade do clero. Muitas vezes,
os serviçais de certos prelados eram tão numerosos quanto os dos
maiores senhores leigos; e os serviçais de todos os clérigos juntos eram,
talvez, mais numerosos do que os de todos os senhores leigos. Sempre
houve muito mais união entre o clero do que entre os senhores leigos. Os
primeiros estavam submetidos a uma disciplina e subordinação regulares
da autoridade papal. Os senhores leigos não estavam submetidos a
nenhuma disciplina ou subordinação regulares e, quase sempre,
protegiam igualmente uns aos outros e ao rei. Embora os arrendatários e
serviçais do clero fossem, ambos juntos, menos numerosos do que os dos
grandes senhores leigos, e os arrendatários fossem provavelmente muito
menos numerosos, sua união os tornava mais temíveis.
Além disso, a hospitalidade e a caridade do clero não somente lhe
garantiam o controle de uma grande força secular, mas aumentavam
muito o peso de suas armas espirituais. Essas virtudes lhe asseguravam o
mais alto respeito e veneração entre as classes mais baixas da população,
entre as quais muitas pessoas eram regularmente alimentadas por ele e,
ocasionalmente, quase todas. Tudo o que pertencesse ou estivesse
relacionado a uma ordem tão popular — suas posses, seus privilégios,
suas doutrinas — necessariamente parecia sagrado aos olhos das pessoas
comuns, e tudo o que a violasse, de forma real ou não, constituía ato da
maior perversidade e profanação sacrílegas. Sendo assim, se o soberano
às vezes encontrava dificuldade em resistir ao conluio de alguns
membros da grande nobreza, não é de admirar que achasse ainda mais
difícil resistir à união das forças do clero de seus próprios domínios,
apoiadas pelas forças do clero de todos os domínios vizinhos. Em tais
circunstâncias, não surpreende que ele às vezes fosse obrigado a ceder,
mas que tenha sido capaz de resistir em alguns momentos.
Os privilégios do clero naqueles tempos antigos (que para nós, que
vivemos nos tempos atuais, parecem os mais absurdos) — por exemplo, a
sua completa insubmissão à jurisdição secular ou o privilégio que na
Inglaterra ficou conhecido como benefício do clero — eram
consequências naturais, ou melhor, necessárias desse estado das coisas.
Quão perigoso deve ter sido para o soberano tentar punir um clérigo por
qualquer crime que fosse se sua própria ordem estivesse disposta a
protegê-lo, afirmando que a prova seria insuficiente para condenar um
homem tão santo, ou que a punição seria muito severa para alguém cuja
pessoa havia se tornado sagrada pela religião. Em tais circunstâncias, o
melhor que o soberano poderia fazer era deixar que ele fosse julgado
pelos tribunais eclesiásticos, que, pela honra de sua própria ordem,
estavam interessados em impedir, tanto quanto possível, que seus
membros cometessem grandes crimes, ou mesmo que dessem causa a
algum escândalo tão repulsivo que pudesse levar a população a sentir-se
enojada.
No estado em que se encontrava a maior parte da Europa durante os
séculos X, XI, XII e XIII e, por algum tempo, antes e depois desse
período, a constituição da Igreja de Roma pode ser considerada como a
mais formidável associação já formada contra a autoridade e a segurança
do governo civil, bem como contra a liberdade, a razão e a felicidade da
humanidade, as quais só conseguem florescer quando o governo civil é
capaz de protegê-las. Nessa constituição, as ilusões supersticiosas mais
grosseiras eram apoiadas tão fortemente pelos interesses privados de um
número tão grande de pessoas que isso as punha a salvo de qualquer
ataque da razão humana; pois, embora a razão humana pudesse talvez ter
conseguido revelar algumas das ilusões da superstição, até mesmo aos
olhos das pessoas comuns ela jamais conseguiria desfazer as amarras do
interesse privado. Se essa constituição não tivesse sido atacada por outros
inimigos, senão pelos fracos esforços da razão humana, ela teria durado
para sempre. Mas essa construção imensa e benfeita, que nem mesmo
toda a sabedoria e virtude humana poderiam abalar, muito menos
derrubar, foi, pelo curso natural das coisas, enfraquecida e, em seguida,
parcialmente destruída; e, agora, é provável que no decorrer de mais
alguns séculos desmorone completamente.
As melhorias graduais das artes, das manufaturas e do comércio, as
mesmas causas que destruíram o poder dos grandes barões, destruíram
da mesma forma, na maior parte da Europa, todo o poder secular do
clero. Na produção dos ofícios, das manufaturas e do comércio, o clero,
assim como os grandes barões, encontrou algo pelo qual ele poderia
trocar sua matéria-prima e, assim, descobriu os meios para gastar seus
rendimentos totais com suas próprias pessoas, sem precisar entregar aos
outros nenhuma parcela considerável destes. Sua caridade tornou-se
gradualmente menos abrangente, sua hospitalidade, menos liberal,
generosa ou profusa. Seus serviçais tornaram-se, consequentemente,
menos numerosos, e foram gradualmente desaparecendo. O clero, assim
como os grandes barões, também desejava obter a melhor renda por suas
propriedades fundiárias e gastá-la da mesma forma que os barões, isto é,
para gratificar sua própria vaidade e insensatez. Mas só seria possível
aumentar a renda pela concessão de arrendamentos, a qual, por sua vez,
tornava independentes em grande medida os arrendatários do clero. Os
laços de interesse que ligavam as classes mais baixas da população ao
clero foram, dessa forma, sendo gradualmente rompidos e desfeitos. Eles
foram rompidos e desfeitos até mesmo antes dos laços que uniam as
mesmas classes sociais aos grandes barões, pois, já que a maior parte dos
benefícios da Igreja era muito menor do que as propriedades dos grandes
barões, o possuidor do benefício era capaz de gastar muito antes todo o
seu rendimento com a sua própria pessoa. Durante a maior parte dos
séculos XIV e XV, o poder dos grandes barões estava em pleno vigor em
grande parte da Europa. Enquanto o poder secular do clero, o comando
absoluto que anteriormente detinham sobre a população em geral, estava
muito deteriorado. O poder da Igreja estava naquela época, na maior
parte da Europa, reduzido quase somente ao âmbito de sua autoridade
espiritual; e até mesmo essa autoridade espiritual estava muito
enfraquecida quando deixou de ser apoiada pela caridade e hospitalidade
do clero. As classes mais baixas da população já não viam essa ordem
como antes, isto é, como consolo de suas angústias e alívio de sua
indigência. Pelo contrário, a população se sentia provocada e enojada
com a vaidade, o luxo e os gastos do clero mais rico, que parecia gastar
com seus próprios prazeres o que antes havia sido sempre considerado
como o patrimônio dos pobres.
Nessa situação, os soberanos dos diferentes Estados da Europa se
esforçaram para recuperar a influência que já haviam tido em relação à
distribuição dos grandes benefícios da Igreja, proporcionando aos deãos
e capítulos de todas as dioceses a restauração de seu antigo direito de
eleger seu bispo, e, aos monges de cada abadia, o direito de eleger seu
abade. O restabelecimento dessa antiga ordem foi objeto de vários
estatutos promulgados na Inglaterra durante o século XIV, especialmente
de um que foi chamado de Estatuto de Provisores, e da Pragmática
Sanção promulgada na França no século XV. Para tornar a eleição válida,
era necessário que o soberano oferecesse sua concordância prévia e,
depois, aprovasse a pessoa eleita; e embora a eleição ainda fosse
supostamente livre, o soberano tinha todos os meios indiretos que sua
posição necessariamente lhe proporcionava para influenciar o clero em
seus próprios domínios. Outros regulamentos com tendência semelhante
foram criados em outras partes da Europa. No entanto, ao que parece, o
poder do papa para a colação, isto é, para a distribuição dos grandes
benefícios da Igreja, antes mesmo da Reforma Protestante, parece não ter
sido em nenhum outro lugar restringido de forma tão eficaz e universal
como na França e na Inglaterra. Mais tarde, no século XVI, a Concordata
deu aos reis da França o direito absoluto de apresentar629 candidatos aos
grandes benefícios, os chamados benefícios consistoriais da igreja gálica.
Desde o estabelecimento da Pragmática Sanção e da Concordata, o
clero da França tem demonstrado, em geral, menos respeito aos decretos
da corte papal do que o clero de qualquer outro país católico. Em todas as
disputas que seu soberano teve com o papa, ele tem quase
constantemente tomado partido do primeiro. Essa independência do
clero da França em relação à corte de Roma parece estar fundada
principalmente sobre a Pragmática Sanção e a Concordata. Nos períodos
anteriores da monarquia, o clero da França parece ter sido tão dedicado
ao papa quanto o de qualquer outro país. Quando Roberto, o segundo
príncipe da dinastia capetiana, foi excomungado de forma extremamente
injusta pela corte de Roma, dizem que seus próprios servidores
domésticos jogavam a comida que vinha de sua mesa aos cães e se
recusavam a provar qualquer coisa que houvesse sido poluída por ter tido
contato com alguém naquela situação. Podemos presumir com segurança
que eles foram instruídos a agir desse modo pelo clero de seus próprios
domínios.
A alegação de distribuir os grandes benefícios da Igreja — alegação
que levou a corte de Roma a, muitas vezes, abalar e até a derrubar os
tronos de alguns dos maiores soberanos da cristandade — foi desse modo
restringida, modificada ou mesmo totalmente abandonada em muitos
países da Europa, mesmo antes do período da Reforma. A influência do
clero sobre a população estava agora diminuída e, por isso, o Estado
passou a ter mais influência sobre o clero. O clero, portanto, tinha menos
poder e estava menos inclinado a perturbar o Estado.
A autoridade da Igreja de Roma estava nesse estado de declínio
quando as disputas que deram origem à reforma começaram na
Alemanha e logo se espalharam por toda a Europa. As novas doutrinas
foram recebidas em todos os lugares com um alto grau de favor popular.
Elas foram propagadas com todo aquele zelo entusiasmado que
comumente anima o espírito partidário quando ataca a autoridade
estabelecida. Os professores dessas doutrinas, embora, talvez, em outros
aspectos, não fossem mais instruídos que muitos teólogos que defendiam
a Igreja oficial, pareciam, em geral, conhecer melhor a história
eclesiástica e a origem e o progresso daquele sistema de opiniões sobre o
qual a autoridade da Igreja havia se estabelecido, e detinham, assim,
alguma vantagem em quase todas as disputas. A austeridade de seus
costumes lhes dava autoridade junto às pessoas comuns, que
comparavam a regularidade estrita de sua conduta com a vida
desordenada da grande parte das pessoas de seu próprio clero. Eles
também detinham, em um grau muito mais alto do que seus adversários,
todas as artes da popularidade e da obtenção de seguidores, artes que os
altivos e dignos filhos da Igreja já negligenciavam havia muito tempo,
pois as viam como algo bastante inútil. A razoabilidade das novas
doutrinas atraía alguns, sua novidade atraía muitos; o ódio e o
menosprezo contra o clero oficial atraíam um número ainda maior de
pessoas; o número máximo de pessoas, no entanto, era atraído pela
eloquência zelosa, passional e fanática, embora grosseira e rústica, com a
qual, em quase todos os lugares, essas novas doutrinas eram incutidas.
O êxito das novas doutrinas foi em quase todos os lugares tão grande
que os príncipes cujas relações com a corte de Roma não estivessem boas
na época conseguiram facilmente, mediante essas doutrinas, derrubar,
em seus próprios domínios, a Igreja, que — tendo perdido o respeito e a
veneração das classes mais baixas da população — dificilmente podia
opor alguma resistência. A corte de Roma descontentou alguns monarcas
menores do norte da Alemanha, os quais, provavelmente, considerou
insignificantes demais para serem mais bem tratados. Então, eles
implementaram de modo universal a Reforma em seus próprios
domínios. A tirania de Cristiano II e de Troll, arcebispo de Upsala,
permitiu que Gustavo Vasa os expulsasse da Suécia.630 O papa defendia o
tirano e o arcebispo; e Gustavus Vasa não teve dificuldade para
estabelecer a Reforma na Suécia. Cristiano II foi posteriormente deposto
do trono da Dinamarca, onde sua conduta o tornou tão odioso quanto na
Suécia. O papa, no entanto, ainda estava disposto a defendê-lo, e
Frederico de Holstein, que havia subido ao trono em seu lugar, vingou-se
seguindo o exemplo de Gustavo Vasa. Os magistrados de Berna e de
Zurique, que não tinham nenhuma desavença específica com o papa,
estabeleceram a Reforma com grande facilidade em seus respectivos
cantões, onde, um pouco antes, alguns membros do clero haviam, por
uma impostura um pouco mais grosseira do que o normal, tornado
odiosa e desprezível toda a sua ordem religiosa.
Nessa situação crítica, a corte papal se esforçava muito para cultivar a
amizade dos poderosos soberanos da França e da Espanha; na época, este
último era imperador da Alemanha. Com a ajuda deles, ela conseguiu,
embora com muitas dificuldades e muito derramamento de sangue, ou
suprimir totalmente ou, ao menos, dificultar muito o avanço da Reforma
nestes domínios. Além disso, estava bem inclinada a ser complacente
com o rei da Inglaterra. Ocorre que, devido às circunstâncias daquele
período, a Igreja não conseguiria fazer isso sem ofender um soberano
ainda maior, Carlos V, rei da Espanha e imperador da Alemanha. Desse
modo, embora Henrique VIII não aceitasse pessoalmente a maior parte
das doutrinas da Reforma, pôde ainda assim, com a grande popularidade
do movimento, fechar todos os mosteiros e abolir a autoridade da Igreja
de Roma em seus domínios. Os patronos da Reforma ficaram de certa
forma satisfeitos pelo fato de o rei ter chegado tão longe, mas não ter
prosseguido; esses patronos tomaram o poder no reinado do filho e
sucessor de Henrique VIII e completaram sem nenhuma dificuldade a
obra que este havia iniciado.
Em alguns países, como na Escócia, onde o governo era fraco,
impopular e não estava estabelecido de modo muito firme, a Reforma foi
suficientemente forte para derrubar não apenas a Igreja, mas também o
Estado por tentar apoiar a Igreja.
Entre os seguidores da Reforma, espalhados por todos os países da
Europa, não havia um tribunal geral que, como o tribunal de Roma, ou
um conselho ecumênico, pudesse resolver todas as disputas entre eles e,
com autoridade irresistível, prescrever a todos os limites precisos da
ortodoxia. Quando os seguidores da Reforma em um país, portanto,
passaram a diferir de seus irmãos em outro — pois não havia a figura de
um juiz comum para o qual apelar —, a disputa não ficava resolvida, e
muitas dessas disputas surgiram entre eles. As disputas mais importantes
para a paz e o bem-estar da sociedade civil foram aquelas relativas ao
governo da Igreja e ao direito de conferir benefícios eclesiásticos. Essas
disputas deram origem aos dois principais partidos ou seitas entre os
seguidores da Reforma, as seitas luterana e calvinista, as únicas entre elas
cuja doutrina e disciplina ainda não tinham, até então, sido estabelecidas
por lei em algum país da Europa.
Os seguidores de Lutero, juntamente com o que é chamado de Igreja
da Inglaterra, preservaram em maior ou menor grau o governo episcopal,
estabeleceram subordinação entre o clero, deram ao soberano o direito
de distribuir todos os bispados e outros benefícios consistoriais dentro de
seus domínios, transformando-o, assim, no verdadeiro chefe da Igreja; e,
sem privar o bispo do direito de distribuir os benefícios menores dentro
de sua diocese, eles, mesmo para esses benefícios, não só admitiram, mas
favoreceram o direito de apresentação (Ius Praesentandi) tanto ao
soberano quanto a todos os outros patronos leigos. Esse sistema de
governo eclesiástico foi desde o início favorável à paz, à boa ordem e à
submissão ao soberano civil. Por isso, nunca deu causa a qualquer
tumulto ou comoção civil nos países em que foi estabelecido. A Igreja da
Inglaterra, em particular, sempre se valorizou — e com grande razão —
pela lealdade inatacável de seus princípios. Nesse tipo de governo, o clero
naturalmente se esforça para mostrar-se digno ao soberano, à corte e à
nobreza e às classes altas do país, por cuja influência eles esperam obter
sua promoção. Não há dúvida de que, às vezes, os clérigos procuram
agradar a esses patronos por meio da bajulação e do assentimento
obsequioso mais vis, mas, muitas vezes, também o fazem cultivando
todas as artes que mais merecem — e que, por isso, possuem maior
probabilidade de lhes garantir — a estima de pessoas de posição e
fortuna; também pelo conhecimento que têm de todos as diversos ramos
das artes úteis e decorativas, pela liberalidade moderada de suas
maneiras, pelo bom humor social de sua conversação e pelo seu
declarado desprezo em relação à austeridade absurda e hipócrita que os
fanáticos inculcam e pretendem praticar para atrair para si a veneração
da população e, ao mesmo tempo, levar esta última a sentir repugnância
pela maior parte das pessoas de posição e fortuna que confessam não
praticar essa austeridade. Esse clero, no entanto, enquanto corteja as
camadas mais altas da sociedade, fica muito propenso a negligenciar
completamente os meios para manter sua influência e autoridade nas
camadas mais baixas. Ele é ouvido, estimado e respeitado por seus
superiores, mas, diante de seus inferiores, costuma ser incapaz de
defender, de forma efetiva e convincente para tais ouvintes, suas próprias
doutrinas sóbrias e moderadas contra o entusiasta mais ignorante que
resolva atacá-los.
Pelo contrário, os seguidores de Zuínglio, ou, mais adequadamente,
os de Calvin,631 concediam ao povo de cada paróquia o direito de eleger
seu próprio pastor em caso de vacância na igreja; e, ao mesmo tempo,
estabeleceram um clero sem subordinações. A primeira norma, enquanto
esteve em vigor, parece não ter produzido nada além de desordem e
confusão e ter igualmente tendido a corromper a moral do clero e do
povo. A segunda norma parece ter produzido apenas bons efeitos.
Enquanto as pessoas de cada paróquia mantiveram o direito de eleger
seus próprios pastores, eles, quase sempre, agiram sob influência do clero
e, em geral, dos membros mais divisivos e fanáticos da ordem. A fim de
manter sua influência em tais eleições populares, muitos membros do
clero se tornavam, ou fingiam se tornar, fanáticos e, assim, encorajavam o
fanatismo da população e, quase sempre, davam preferência ao candidato
mais fanático. Um assunto tão pequeno quanto a nomeação de um pastor
paroquial quase sempre ocasionava uma disputa violenta, não apenas em
uma paróquia, mas em todas as paróquias vizinhas, que raramente
deixavam de participar da querela. Quando a paróquia estava situada em
uma grande cidade, a briga dividia todos os habitantes em dois partidos;
e quando essa cidade era uma pequena república, ou a capital e principal
centro de uma pequena república, como é o caso de muitas das cidades
respeitáveis da Suíça e da Holanda, toda disputa insignificante desse tipo,
além de exacerbar a animosidade de todas as suas outras facções,
ameaçava deixar em seu rastro um novo cisma na Igreja e criar uma nova
facção no Estado. Nessas pequenas repúblicas, portanto, o magistrado
cedo achou necessário, a fim de preservar a paz pública, tomar para si o
direito de apresentação (Ius praesentatio) em todas as vacâncias. Na
Escócia, o maior país em que essa forma presbiteriana de governo
eclesiástico já foi estabelecida, os direitos de padroado foram
efetivamente abolidos pela lei que estabeleceu presbitério no início do
reinado de Guilherme III. Essa lei, ao menos, deu a certos grupos de
pessoas de cada paróquia o poder de comprar, por um preço bastante
baixo, o direito de eleger seu próprio pastor. A constituição estabelecida
por essa lei ficou em vigor por cerca de 22 anos, sendo abolida pelo
estatuto do 10º ano do reinado de Ana, c.12,632 por conta das confusões e
desordens que essa forma mais popular de eleição tinha ocasionado em
todos os lugares. Em um país tão grande como a Escócia, no entanto, o
tumulto ocorrido em uma paróquia remota não tinha tanta chance de
perturbar o governo quanto em um Estado menor. O estatuto do 10o ano
do reinado de Ana restaurou os direitos de padroado. Porém, embora na
Escócia a lei dê o benefício, sem qualquer exceção, à pessoa apresentada
pelo patrono, ainda assim a Igreja às vezes exige (pois ela não tem sido, a
esse respeito, muito uniforme em suas decisões) uma certa concordância
do povo, antes de conferir ao apresentado aquilo que é chamado de cura
das almas, ou seja, a jurisdição eclesiástica da paróquia. A Igreja, pelo
menos às vezes, fingindo preocupação com a paz da paróquia, retarda
esse assentamento até que a concordância seja obtida. As manipulações
particulares de alguns membros do clero vizinho, às vezes para conseguir
essa cooperação, mas normalmente para impedi-la, e as artes populares
que cultivam para que possam, nessas ocasiões, realizar essas
manipulações de forma mais eficaz são talvez as principais causas da
manutenção de tudo aquilo que ainda resta do antigo espírito fanático,
seja em meio ao clero, seja em meio ao povo da Escócia.
A igualdade que a forma presbiteriana de governo eclesiástico
estabelece entre o clero consiste, em primeiro lugar, na igualdade de
autoridade ou de jurisdição eclesiástica e, em segundo lugar, na igualdade
de benefícios. Em todas as igrejas presbiterianas a igualdade de
autoridade é perfeita, a de benefícios, não. A diferença, entretanto, entre
um benefício e outro não costuma ser tão grande a ponto de instigar o
possuidor — até mesmo dos menores benefícios — a cortejar o seu
patrono por meio das vis artes da bajulação e do assentimento
obsequioso para obter um melhor. Em todas as igrejas presbiterianas em
que os direitos de padroado já estão completamente bem estabelecidos, o
clero geralmente se esforça por meio de artes mais nobres e melhores
para obter o favorecimento de seus superiores, a saber, por sua erudição,
pela regularidade irrepreensível de suas vidas e pelo cumprimento fiel e
diligente de seus deveres. Seus patronos costumam até mesmo reclamar
da independência de seu espírito, podendo interpretar essa atitude como
ingratidão a favores passados, mas que, na pior das hipóteses, talvez,
raramente é mais do que aquela indiferença que surge naturalmente
quando se tem a consciência de que não se devem esperar novos favores
do mesmo tipo. Dificilmente se encontrará em qualquer parte da Europa
um grupo de homens mais instruídos, decentes, independentes e
respeitáveis do que a maioria dos membros do clero presbiteriano da
Holanda, de Genebra, da Suíça e da Escócia.
Sempre que os benefícios eclesiásticos são todos quase iguais,
nenhum deles pode ser muito grande; e embora a mediocridade dos
benefícios possa, sem dúvida, ser levada longe demais, tem, no entanto,
alguns efeitos muito positivos. Nada além da moral mais exemplar
oferece dignidade a um homem de pequena fortuna. Os vícios de
leviandade e da vaidade necessariamente o tornam ridículo e são, além
disso, quase tão danosos para ele quanto para as pessoas comuns. Em sua
própria conduta, portanto, ele é obrigado a seguir o sistema de moral que
o povo comum mais respeita. Ele obtém estima e afeto ao seguir o estilo
de vida que seu próprio interesse e situação o levariam a seguir. As
pessoas comuns o veem com a mesma bondade com a qual naturalmente
consideramos alguém que está próximo de nossas próprias condições,
mas que, acreditamos, deveria estar em um nível superior. A bondade do
povo naturalmente provoca a sua bondade. Ele passa a instruir as pessoas
de forma diligente e se torna atencioso para assisti-las e aliviá-las. Ele
nem sequer despreza os preconceitos das pessoas que estão dispostas a
ser muito favoráveis a ele, e nunca as trata com aqueles ares desdenhosos
e arrogantes que muitas vezes notamos nos orgulhosos dignitários de
igrejas opulentas e bem financiadas. O clero presbiteriano, portanto, tem
mais influência sobre as mentes das pessoas comuns do que, talvez, o
clero de qualquer outra Igreja oficial. Portanto, é somente nos países
presbiterianos que encontramos quase todas as pessoas comuns
completamente convertidas, sem perseguição, à Igreja oficial.
Nos países em que os benefícios eclesiásticos são em sua maior parte
muito moderados, uma cátedra universitária costuma ser melhor do que
um benefício eclesiástico. As universidades têm, nesse caso, o poder de
escolher seus membros dentre todos os religiosos do país, que, em todos
os países, constituem de longe o maior grupo de homens letrados. Por
outro lado, sempre que muitos dos benefícios eclesiásticos são muito
grandes, a Igreja naturalmente retira das universidades a maior parte de
seus eminentes homens de letras, os quais geralmente encontram algum
patrono que se sente honrado em lhes proporcionar uma promoção
eclesiástica. Na primeira situação, é provável que encontremos as
universidades cheias dos mais eminentes homens letrados que se
encontram no país. Na segunda, é provável que encontremos nela poucos
homens eminentes e estes poucos, entre os membros mais jovens da
sociedade, os quais também podem ser retirados da universidade antes
que tenham adquirido experiência e conhecimento suficientes para que
possam ser úteis a ela. Segundo o senhor Voltaire,633 o padre Porée,634
jesuíta sem grande eminência na república das letras, era o único
professor francês de cujas obras valia a pena a leitura. Em um país que
tem produzido tantos homens de letras eminentes, talvez pareça um
pouco singular que apenas um deles tenha sido professor em uma
universidade. O famoso Gassendi635 foi, no início de sua vida, professor
da universidade de Aix. Assim que sua genialidade despontou, lhe
afirmaram que, ao se tornar um membro da Igreja, além de obter
facilmente uma subsistência muito mais tranquila e cômoda, ele também
teria uma situação melhor para prosseguir os seus estudos; o conselho foi
imediatamente seguido por ele. A observação do senhor Voltaire pode
ser aplicada, creio eu, não só à França, mas a todos os outros países
católicos romanos. Raramente encontramos nesses países algum
eminente letrado que seja professor em uma universidade, exceto, talvez,
alguém entre os profissionais do direito e da medicina, profissões a partir
das quais há menor probabilidade de a Igreja conseguir recrutar pessoas.
Depois da Igreja Católica Romana, a Igreja da Inglaterra é, de longe, a
mais rica e mais bem financiada em toda a cristandade. Por isso, na
Inglaterra, a Igreja está constantemente esvaziando as universidades de
todos os seus melhores e mais capacitados membros; e um antigo tutor
universitário, que seja conhecido e renomado na Europa como um
eminente homem de letras, é algo tão raro de se encontrar nas
universidades inglesas quanto em qualquer país católico romano. Em
Genebra, ao contrário, nos cantões protestantes da Suíça, nas regiões
protestantes da Alemanha, na Holanda, na Escócia, na Suécia e na
Dinamarca, os letrados mais eminentes produzidos por esses países
foram professores universitários — não todos, de fato, mas a grande
maioria. Nesses países, as universidades estão constantemente esvaziando
a Igreja de todos os seus letrados mais eminentes.
Talvez seja importante observarmos que, com exceção dos poetas, de
alguns poucos oradores e alguns historiadores, os outros eminentes
homens de letras, tanto da Grécia como de Roma, em sua grande
maioria, parecem ter sido professores públicos ou particulares e, em
geral, de filosofia ou de retórica. Essa observação é considerada
verdadeira desde o período de Lísias e de Isócrates, de Platão e de
Aristóteles, até os de Plutarco e de Epicteto, de Suetônio e Quintiliano.636
Na verdade, impor a alguém a necessidade de ensinar, ano após ano,
alguma área particular da ciência parece ser o método mais eficaz para
torná-lo um mestre completo desse conhecimento. Ao ser obrigado a
rever a mesma matéria todos os anos, se ele for realmente bom, o
professor necessariamente conhecerá todos os pontos de sua ciência; e se,
em um determinado ponto, formar uma opinião muito precipitada em
um ano, ele poderá corrigi-la durante o curso de suas palestras no ano
seguinte, reconsiderando o mesmo tema. Assim como ser professor de
ciências é certamente a ocupação natural de um mero homem de letras,
da mesma forma, também, talvez a educação seja aquilo que mais lhe
torne um homem de erudição e conhecimentos sólidos. No país onde
ocorre, a mediocridade dos benefícios eclesiásticos tende naturalmente a
levar a maior parte dos homens de letras para alguma ocupação na qual
eles possam ser mais úteis ao público e tende, ao mesmo tempo, a dar-
lhes, talvez, a melhor educação que poderiam receber. Ela tende a tornar
sua educação a mais sólida e útil possível.
Devemos observar também que as receitas de toda Igreja oficial,
excetuadas as parcelas provenientes de terras ou propriedades senhoriais
particulares, é um ramo das receitas gerais do Estado, que é, dessa forma,
desviado para outra finalidade que não a defesa do Estado. O dízimo, por
exemplo, é um verdadeiro imposto fundiário, que retira dos proprietários
de terra o poder de contribuir muito mais para a defesa do Estado como
de outra forma poderiam contribuir. No entanto, a renda da terra é o
único fundo, segundo alguns, ou o fundo principal, segundo outros, pelo
qual as necessidades do Estado são, em última instância, supridas em
todas as grandes monarquias. Quanto mais se retira desse fundo para
entregar à Igreja, menos, é evidente, sobrará ao Estado. É possível
estabelecermos um princípio certo: supondo-se iguais todas as outras
condições, quanto mais rica for a Igreja, tanto mais pobre será
necessariamente o soberano, de um lado, ou o povo, de outro; e, em
todos os casos, menor será a capacidade de o Estado defender-se. Em
vários países protestantes, particularmente em todos os cantões
protestantes da Suíça, notou-se que a receita que antigamente pertencia à
Igreja Católica Romana, isto é, os dízimos e as terras eclesiásticas,
formam um fundo suficiente tanto para proporcionar bons ordenados ao
clero oficial quanto para custear todas as demais despesas do Estado, com
pouco ou nenhum valor adicional. Os magistrados do poderoso cantão
de Berna, em particular, acumularam uma soma muito grande das
economias desse fundo eclesiástico que, supostamente, atingiu vários
milhões; uma parte desse valor está depositada em um tesouro público e
a outra parte está aplicada para render juros nos fundos públicos das
diversas nações endividadas da Europa, sobretudo nos da França e da
Grã-Bretanha. Não sei dizer qual o montante total da despesa que a
Igreja, seja de Berna ou de qualquer outro cantão protestante, custa ao
Estado. Mas, de acordo com um relato bastante exato, parece que, em
1775, a receita total do clero da Igreja da Escócia, incluindo suas glebas
ou terras eclesiásticas e o aluguel de suas residências paroquiais ou casas
de moradia, estimada segundo uma avaliação razoável, representava
apenas 68.514 libras, 1 xelim e 5,08 pence. Essa receita bastante moderada
oferece uma subsistência decente a 944 ministros. As despesas totais da
Igreja, incluindo o valor ocasionalmente utilizado para a construção e
reparos das igrejas e das residências paroquiais dos ministros, não devem
ultrapassar 80 ou 85 mil libras por ano. Essa Igreja muito mal financiada
da Escócia é, muito mais do que a Igreja mais rica da cristandade, capaz
de manter a uniformidade da fé, o fervor da devoção, o espírito de
ordem, a regularidade e a moral austera da população em geral. Todos os
bons efeitos, sejam eles civis ou religiosos, que uma Igreja oficial pode
produzir são tão bem produzidos por ela quanto por qualquer outra. A
maior parte das igrejas protestantes da Suíça, que em geral não são mais
bem financiadas do que a Igreja da Escócia, produz esses efeitos em um
grau ainda maior. Na maior parte dos cantões protestantes, não
encontramos uma única pessoa que não diga pertencer à Igreja oficial. Se
ela declara pertencer a alguma outra Igreja, a lei a obriga a deixar o
cantão. Mas uma lei tão severa, ou melhor, uma lei tão opressiva, nunca
poderia ter sido aplicada nesses países tão livres, se a diligência do clero
não houvesse convertido anteriormente toda a população à Igreja oficial,
com exceção, talvez, de alguns poucos indivíduos. Assim, em algumas
partes da Suíça em que, devido à união acidental entre uma área
protestante e uma católica romana, a conversão não tenha sido tão
completa, além de ambas as religiões serem toleradas, elas são
consideradas oficiais por lei.
A execução adequada de cada serviço parece exigir que seu
pagamento ou recompensa seja, da forma mais exata possível,
proporcional à natureza do serviço. Se algum serviço estiver sendo
excessivamente mal pago, ele estará sujeito a ser prejudicado pela
mediocridade e incapacidade da maioria daqueles que estão empregados
em sua execução. Se for excessivamente bem pago, estará sujeito a ser,
talvez, ainda mais prejudicado por negligência e ociosidade das pessoas.
Alguém cuja renda seja alta, independentemente de sua profissão,
acredita que deve viver como os outros de igual renda, isto é, acha que
deve gastar grande parte do seu tempo com festas, vaidades e
desperdícios. Porém, para um homem do clero, esse tipo de vida não
somente consome o tempo que poderia empregar nos deveres de sua
função, mas também, aos olhos do povo, destrói quase inteiramente a
santidade de sua reputação, da qual depende inteiramente para poder
cumprir seus deveres com o devido peso e autoridade.

Parte IV – As despesas que sustentam a


dignidade do soberano
Além das despesas necessárias para permitir que o soberano cumpra suas
diversas funções, há outras que são necessárias para dar sustento à sua
dignidade. Essas despesas variam tanto com os diferentes períodos de
prosperidade quanto com as diferentes formas de governo.
Em uma sociedade rica e desenvolvida, onde todas as diversas classes
de pessoas gastam cada dia mais com suas casas, isto é, com mobília,
mesas, vestuário e equipamentos, não se pode esperar que somente o
soberano não siga a mesma tendência. Portanto, ele naturalmente, ou
melhor, necessariamente, também passa a gastar mais com todos esses
artigos. Sua dignidade até parece exigir que ele faça isso.
Tendo em vista que, no que tange à dignidade, um monarca está
acima de seus súditos mais do que o magistrado-chefe de alguma
república jamais estará em relação a seus concidadãos, então, da mesma
forma, é necessário um gasto maior para sustentar essa dignidade
superior do primeiro. Esperamos naturalmente ver maior esplendor na
corte de um rei do que na mansão de um doge ou de um burgomestre.

Conclusão do capítulo
As despesas destinadas à defesa da sociedade e aquelas destinadas ao
sustento da dignidade do magistrado-chefe são estabelecidas em
benefício geral de toda a sociedade. Assim, é razoável que ambas sejam
custeadas pela contribuição geral de toda a sociedade, todos
contribuindo na proporção mais aproximada de suas respectivas
capacidades.
As despesas da administração da justiça também podem, sem dúvida,
ser consideradas como estabelecidas em benefício de toda a sociedade.
Não há impropriedade, portanto, em serem custeadas pela contribuição
geral de toda a sociedade. Porém, as pessoas que geram essas despesas
são aquelas que, por sua injustiça, cometida de uma forma ou de outra,
tornam necessária a busca de reparação ou proteção dos tribunais de
justiça. Por sua vez, os beneficiários imediatos dessas despesas são as
pessoas cujos direitos são restituídos ou mantidos pelos tribunais de
justiça. Por esse motivo, as despesas da administração da justiça,
portanto, podem ser muito apropriadamente custeadas pela contribuição
particular de um, de outro ou de ambos os grupos de pessoas, conforme
as exigências da ocasião, isto é, por meio das taxas judiciais. Não é
necessário recorrer à contribuição geral de toda a sociedade, exceto pela
condenação daqueles criminosos que não têm nenhum patrimônio ou
fundos suficientes para o pagamento dessas taxas.
As despesas locais ou provinciais cujo benefício é apenas local ou
provincial (por exemplo, o valor gasto com o policiamento de apenas
uma cidade ou de um distrito) devem ser custeadas por uma receita local
ou provincial, sem onerar a receita geral da sociedade. É injusto que toda
a sociedade contribua para uma despesa cujo benefício está confinado a
apenas uma parte da sociedade.
Não há dúvida de que as despesas para a manutenção de boas
estradas e comunicações beneficiam toda a sociedade e, portanto, devem
ser, de forma justa, custeadas pela contribuição geral de toda a sociedade.
Essa despesa, no entanto, traz benefícios imediatos e diretos àqueles que
viajam ou transportam mercadorias e para aqueles que consomem esses
bens. As tarifas de pedágios na Inglaterra e os impostos conhecidos como
peages em outros países recaem sobre esses dois grupos de pessoas e,
assim, retiram da receita geral da sociedade um ônus bastante
considerável.
Não há dúvida de que as despesas das instituições educacionais e de
instrução religiosa beneficiam toda a sociedade e, portanto, devem ser, de
forma justa, custeadas pela contribuição geral de toda a sociedade. No
entanto, essas despesas poderiam, talvez de forma igualmente apropriada
e até com alguma vantagem, ser totalmente custeadas pelos beneficiários
imediatos de tal educação e instrução, ou pela contribuição voluntária
daqueles que acreditam ter ocasião a uma ou a outra.
Quando as instituições ou obras públicas que beneficiam toda a
sociedade não podem ser — ou não são — mantidas totalmente pela
contribuição daqueles membros particulares da sociedade que são mais
diretamente beneficiados por elas, essa deficiência deve, na maioria dos
casos, ser compensada pela contribuição geral de toda a sociedade. A
receita geral da sociedade, além de custear as despesas de defesa da
sociedade e de oferecer sustento à dignidade do magistrado-chefe, deve
compensar a deficiência de muitas áreas particulares das receitas. No
capítulo seguinte explicarei sobre as fontes dessa receita geral ou pública.

Í
CAPÍTULO II
AS FONTES DAS RECEITAS GERAIS OU PÚBLICAS DA
SOCIEDADE
A receita ou renda que deve custear não apenas as despesas de defesa da
sociedade e de sustento à dignidade do magistrado-chefe, mas todas as
outras despesas necessárias do governo, para as quais a constituição do
Estado não proveu (ou proporcionou) alguma receita específica, pode ser
retirada, em primeiro lugar, de algum fundo que pertença exclusivamente
ao soberano ou à commonwealth e que seja independente das rendas de
sua população, ou, em segundo lugar, das rendas do povo.

Parte I – Os fundos ou fontes de receitas que


pertencem especificamente ao soberano ou à
commonwealth
Os fundos ou fontes de receita que pertencem exclusivamente ao
soberano ou à commonwealth são formados por capital ou por terras.
O soberano, como qualquer outro proprietário de capital, pode obter
rendimentos desse capital aplicando-o ou emprestando-o. Seu
rendimento é chamado de lucro no primeiro caso e de juros no segundo.
A receita de um chefe tártaro ou árabe consiste no lucro. Origina-se
do leite e do crescimento de seus rebanhos, cuja administração é
supervisionada por ele mesmo, que é o pastor-chefe de sua própria horda
ou tribo. Entretanto, é somente nesse estágio anterior e mais primitivo de
governo civil que a principal receita pública de um Estado monárquico é
sempre constituída pelo lucro.
As pequenas repúblicas às vezes derivaram receitas consideráveis dos
lucros dos projetos mercantis. Diz-se que a República de Hamburgo o faz
a partir dos lucros de uma adega e de uma loja de boticário do setor
público.637 Não é muito grande um Estado cujo soberano tem tempo
para realizar as atividades de um comerciante de vinhos ou boticário. Os
Estados um pouco maiores encontram uma fonte de receitas nos lucros
de um banco público. Isso tem ocorrido não só em Hamburgo, mas
também em Veneza e Amsterdam. Esse tipo de receita tem sido visto por
alguns como algo que deve ser levado em consideração até mesmo por
um grande império como o da Grã-Bretanha. Calculando os dividendos
normais do Banco da Inglaterra em 5,5%, e seu capital em 10.780.000
libras esterlinas, o lucro líquido anual, após terem sido pagas as despesas
de administração, deve atingir, segundo dizem, 592.900 libras.
Suponhamos que o governo tomasse emprestado esse capital a juros de
3%, e, caso assumisse a gestão do banco, pudesse obter um lucro líquido
de 269.500 libras por ano. Pela experiência, nota-se que a administração
ordeira, vigilante e parcimoniosa de aristocracias como as de Veneza e de
Amsterdã é extremamente adequada para gerenciar um empreendimento
mercantil desse tipo. Ocorre que é mais duvidoso que a administração de
tal empreendimento pudesse, com segurança, ser confiada a um governo
como o da Inglaterra, que, independentemente de suas virtudes, nunca
foi reconhecido com governo econômico e que, em tempos de paz,
costuma conduzir-se com aquela prodigalidade indolente e negligente
que talvez seja natural às monarquias e, em tempos de guerra, age
constantemente com o exagero irrefletido a que as democracias
costumam ser levadas.
Os serviços postais são, apropriadamente, um empreendimento
comercial. O governo adianta as despesas para a criação de suas várias
lojas, bem como para comprar ou contratar os cavalos ou as carruagens
necessários, e é reembolsado com grandes lucros pelas tarifas sobre os
itens transportados. Acredito que esse talvez seja o único projeto
comercial administrado com êxito por todo tipo de governo. O capital
adiantado não é muito grande. Não há segredos nessa atividade. Além de
certos, os retornos também são imediatos.
Os monarcas, no entanto, frequentemente se envolvem em muitos
outros empreendimentos comerciais, e estão dispostos, como se fossem
pessoas privadas, a aumentar suas fortunas, tornando-se empreendedores
nos ramos comuns do comércio. Eles quase nunca obtêm sucesso. O
esbanjamento com que os negócios dos monarcas costumam ser
gerenciados torna quase impossível que eles obtenham algum êxito. Os
agentes de um monarca consideram inesgotável a riqueza de seu chefe;
são descuidados com o preço de compra; são descuidados com o preço
de venda; são descuidados com os custos de transporte de suas
mercadorias. Esses agentes frequentemente convivem com a
prodigalidade dos monarcas e, às vezes, também, apesar desse
esbanjamento, e por um método adequado de arranjar suas contas,
adquirem a fortuna de monarcas. Conforme nos diz Maquiavel, era assim
que os agentes de Lorenzo de Médici, um monarca de grandes
habilidades, geriam seus negócios.638 A República de Florença foi várias
vezes obrigada a pagar as dívidas causadas pela extravagância dos
agentes. Assim, o monarca considerou conveniente abandonar as
atividades de comerciante, origem da fortuna de sua família, e na última
parte de sua vida resolveu empregar tanto o que restou dessa fortuna
quanto a receita estatal de que dispunha em projetos e gastos mais
condizentes com sua posição.
Não há duas características mais incompatíveis que a de comerciante
e a de soberano. Se o espírito comercial da Companhia das Índias
Orientais o torna um péssimo soberano, o espírito de soberania parece
tê-lo tornado um comerciante igualmente péssimo. Enquanto eram
apenas comerciantes, obtiveram êxito em suas transações, podendo
pagar, a partir dos lucros auferidos, dividendos razoáveis aos seus
acionistas. Desde que se tornaram soberanos, com um rendimento que,
segundo se diz, era originalmente de mais de 3 milhões de libras
esterlinas, eles foram obrigados a implorar pela ajuda extraordinária do
governo para evitar a falência imediata. Em sua situação anterior, seus
empregados na Índia se consideravam como funcionários de
comerciantes: em sua situação atual, esses mesmos funcionários se veem
como ministros de soberanos.
Um Estado pode, às vezes, obter parte de sua receita pública dos juros
do dinheiro, bem como dos lucros do capital. Se tiver acumulado uma
fortuna, ele poderá emprestar uma parte desse tesouro para estados
estrangeiros ou para os seus próprios súditos.
O cantão de Berna obtém uma receita considerável ao emprestar
parte de seu tesouro a estados estrangeiros; ou seja, colocando-o nos
fundos públicos das diferentes nações endividadas da Europa,
principalmente nos da França e da Inglaterra. A segurança dessa receita
deve depender, em primeiro lugar, da segurança dos fundos em que ela é
colocada ou da boa-fé do governo que os administra; e, em segundo
lugar, da certeza ou da probabilidade da manutenção da paz com a nação
devedora. No caso de guerra, o primeiro ato de hostilidade da nação
devedora pode ser o confisco dos fundos de seu credor. Essa política de
emprestar dinheiro a países estrangeiros é, pelo que sei, algo específico do
cantão de Berna.
A cidade de Hamburgo639 implantou uma espécie de casa oficial de
penhores, que empresta dinheiro aos súditos do Estado sob fiança a juros
de 6%. Supõe-se que essa casa de penhores ou Lombard, como são
chamadas, proporciona ao Estado uma receita de 150 mil coroas, as
quais, ao câmbio de 4,5 xelins por coroa, equivalem a 33.750 libras
esterlinas.
O governo da Pensilvânia, sem acumular nenhum tesouro, inventou
um método de emprestar a seus súditos não dinheiro, de fato, mas algo
equivalente. Ao adiantar a pessoas particulares, a juros e mediante caução
em terras equivalente ao dobro do valor emprestado, títulos de crédito a
serem resgatados quinze anos após serem emitidos e, durante esse
período, transferíveis como cédulas bancárias e declarados por lei da
Assembleia como moeda corrente em todos os pagamentos realizados
por um habitante da província a outro, o governo levantou uma receita
moderada que contribuiu bastante com o custeio de uma despesa anual
de aproximadamente 4.500 libras esterlinas, montante total das despesas
normais daquele governo comedido e organizado. O êxito de um
expediente desse tipo depende de três circunstâncias: em primeiro lugar,
da demanda por algum outro instrumento de comércio, além do
dinheiro em ouro e prata ou da demanda por uma quantidade tão grande
de bens consumíveis que não poderia ser obtida sem o envio da maior
parte de seu dinheiro em ouro e prata ao exterior para comprá-la; em
segundo lugar, do bom crédito do governo que fez uso desse expediente;
e, em terceiro lugar, da moderação com que foi utilizado, nunca deixando
o valor total das notas de crédito em papel exceder o valor do dinheiro
em ouro e prata necessário para a circulação caso não existissem notas de
crédito de papel. O mesmo expediente foi, em diversas ocasiões, adotado
por outras colônias americanas: mas a falta de moderação produziu, na
maioria delas, muito mais desordem do que conveniência.
No entanto, a natureza instável e perecível do capital e do crédito os
tornam pouco seguros para que sejam os fundos principais de um
rendimento seguro, estável e permanente, que, sozinho, oferece
segurança e dignidade ao governo. Ao que parece, o governo de
nenhuma grande nação que tenha ultrapassado o estado pastoril jamais
obteve a maior parte de suas receitas públicas a partir dessas fontes.
A terra é um fundo de natureza mais estável e permanente; assim, a
renda das terras públicas tem sido a principal fonte de receitas públicas
de muitas grandes nações que haviam avançado para muito além do
estado pastoril. A partir do produto ou da renda das terras públicas, as
antigas repúblicas da Grécia e da Itália derivaram, por muito tempo, a
maior parte daquela receita que custeava as despesas necessárias do
Estado. Durante muito tempo, a renda das terras da coroa constituiu a
maior parte da renda dos antigos soberanos da Europa.
A guerra e a preparação para ela são as duas circunstâncias que, nos
tempos modernos, geram a maior parte das despesas necessárias de todos
os grandes Estados. Nas antigas repúblicas da Grécia e da Itália,
entretanto, cada cidadão era um soldado, que servia e se preparava para o
serviço às suas próprias custas. Nenhuma daquelas duas circunstâncias,
portanto, era capaz de gerar despesas muito grandes ao Estado. A renda
de uma propriedade fundiária bastante moderada era suficiente para
custear todas as outras despesas necessárias do governo.
Nas antigas monarquias da Europa, os usos e os costumes da época
preparavam a população em geral para a guerra e, quando ia ao campo
de batalha, ela, pela condição de seus títulos feudais, devia custear-se a si
própria ou era custeada por seus senhores imediatos, não acarretando
nenhum novo ônus para o soberano. As outras despesas do governo eram
em sua maior parte muito moderadas. A administração da justiça,
conforme já dito anteriormente, em vez de ser uma causa de gastos, era
uma fonte de receitas. O trabalho das pessoas do campo, obrigadas a
prestá-lo três dias antes e três depois da colheita, era considerado
suficiente para a construção e a manutenção de todas as pontes, estradas
e outras obras públicas que se supunham necessárias para o comércio do
país. Naquele período, ao que parece, a principal despesa do soberano era
a manutenção de sua própria casa e família. Os oficiais de sua casa, nesse
sentido, eram, então, os grandes oficiais de Estado. O lorde tesoureiro, o
tesoureiro-mor, recebia suas rendas. O lorde Steward (senescal ou
mordomo-mor) e o lorde Chamberlain (camareiro-mor) cuidavam das
despesas de sua família. Os cuidados de seus estábulos eram função do
lorde Condestável e do lorde Marechal. Suas casas eram todas
construídas em forma de castelos e parecem ter sido suas fortalezas
principais. Os guardas dessas casas ou castelos podiam ser considerados
como uma espécie de governadores militares. Eles parecem ter sido os
únicos oficiais militares necessários em tempos de paz. Nessas
circunstâncias, a renda de uma grande propriedade fundiária era muito
bem capaz de custear, em ocasiões ordinárias, todas as despesas
necessárias do governo.
No estado atual da maior parte das monarquias civilizadas da Europa,
a renda de todas as terras do país, administradas como seriam se todas
pertencessem a um só proprietário, mal atingiria a receita ordinária que é
recolhida do povo em tempos de paz. As receitas ordinárias da Grã-
Bretanha, por exemplo, incluindo não apenas o necessário para custear as
despesas correntes do ano, mas para pagar os juros das dívidas públicas e
para amortizar uma parte do capital dessas dívidas, equivalem a mais de
10 milhões por ano. O imposto fundiário, no entanto, a 4 xelins por libra,
fica aquém de 2 milhões por ano. Esse imposto fundiário, no entanto,
deve representar a quinta parte não só da renda de todas as terras, mas
também de todas as casas e dos juros de todo o capital da Grã-Bretanha,
com exceção apenas da parte que é emprestada ao público ou empregada
como capital agrícola para o cultivo de terras. Uma parte bastante grande
do produto desse imposto provém do aluguel de casas e dos juros do
capital. O imposto fundiário da cidade de Londres, por exemplo, a 4
xelins por libra, equivale a 123.399 libras, 6 xelins e 7 pence. O da cidade
de Westminster, a 63.092 libras, 1 xelim e 5 pence. O dos palácios de
Whitehall e Saint James, a 30.754 libras, 6 xelins e 3 pence. Da mesma
forma, uma determinada proporção do imposto fundiário é cobrada de
todas as outras cidades e governos locais do Reino, provindo quase
exclusivamente do aluguel de casas ou do que se supõe serem os juros do
comércio e do capital. Portanto, segundo a estimativa pela qual a terra da
Grã-Bretanha é aferida para seu imposto fundiário, o total das receitas
auferidas pela renda de todas as terras, de todas as casas e dos juros de
todo capital, excetuando-se apenas a parcela deste que é emprestada ao
público ou aplicada no cultivo da terra, não ultrapassa 10 milhões de
libras por ano, valor que representa a receita ordinária que o governo
recolhe da população mesmo em tempos de paz. A estimativa feita sobre
o imposto territorial da Grã-Bretanha, sem dúvida, considerando-se a
média de todo o Reino, está muito abaixo de seu valor real, embora em
vários condados e distritos específicos ela seja, segundo me informam,
quase igual a esse valor. A renda da terra, excluindo-se a das casas e dos
juros do capital, foi estimada por muitas pessoas em 20 milhões, uma
estimativa feita em grande parte de forma aleatória e que, segundo
entendo, pode estar igualmente muito acima ou muito abaixo da
realidade. Se as terras da Grã-Bretanha, em seu estado atual de cultivo,
não proporcionam uma renda superior a 20 milhões por ano, elas não
seriam capazes de proporcionar nem a metade dessa renda,
provavelmente nem mesmo a quarta parte, caso todas pertencessem a um
único proprietário e fossem entregues à administração negligente, cara e
arbitrária de seus representantes e agentes. As terras da coroa britânica
não proporcionam, no momento, a quarta parte da renda que,
provavelmente, poderia ser extraída delas se pertencessem a particulares.
Se as terras da coroa fossem ainda maiores, sua administração seria,
provavelmente, ainda pior.
Os rendimentos que a população em geral aufere da terra são
proporcionais não à renda, mas ao produto da terra. O produto anual
total das terras de cada país, excetuando-se a parte reservada para a
semeadura, é consumido anualmente pela população em geral ou é
trocado por outra coisa consumida por ela. Tudo o que reduz o produto
da terra abaixo do que ela, de outra forma, produziria diminui muito
mais os rendimentos da população em geral do que os dos proprietários
da terra. A renda da terra, isto é, a parte do produto que pertence aos
proprietários, não atinge, em quase nenhum lugar da Grã-Bretanha, mais
do que 1/3 do produto total. Se a terra, que em um estado de cultivo
proporciona uma renda de 10 milhões de libras esterlinas anuais,
proporcionasse, em um outro estado de cultivo, uma renda de 20 milhões
(supondo-se que, em ambos os casos, a renda seja de 1/3 da produção), o
rendimento dos proprietários seria 10 milhões por ano inferior ao que
seria de outra forma, ao passo que o rendimento da população em geral
seria 30 milhões por ano menor em relação ao que seria de outra forma,
deduzindo apenas a parcela necessária para a semeadura. A população do
país contrairia ao número de pessoas que essa redução de 30 milhões por
ano, deduzindo sempre a semeadura, seria capaz de manter de acordo
com o modo particular de vida e com os gastos das diferentes classes
entre as quais o restante estaria distribuído.
Embora atualmente na Europa não haja nenhum país civilizado que
aufira a maior parte de sua receita pública da renda das terras que são
propriedades do Estado, ainda assim, em todas as grandes monarquias da
Europa ainda existem muitas faixas grandes de terras que pertencem à
coroa. São, em geral, florestas, e, às vezes, florestas onde, mesmo após
caminhar várias milhas, dificilmente encontramos uma única árvore;
representam o mero desperdício e a perda de terras tanto em relação ao
produto quanto à população. Em toda grande monarquia da Europa, a
venda de terras da coroa produziria uma quantidade muito grande de
dinheiro, que, se fosse aplicada ao pagamento das dívidas públicas,
liberaria da hipoteca um rendimento muito superior a qualquer renda
que essas terras já tenham proporcionado à coroa. Em países em que
terras — extremamente aprimoradas e cultivadas e que, no momento da
venda, geram uma renda tão grande quanto a que facilmente se poderia
obter delas — costumam ser vendidas pelo valor da renda dos próximos
trinta anos, as terras da coroa, não aprimoradas nem cultivadas e com
arrendamento baixo, poderiam ser vendidas pelo valor da renda dos
próximos quarenta, cinquenta ou sessenta anos. A coroa poderia
desfrutar imediatamente dos rendimentos que esse grande preço liberaria
da hipoteca. No decorrer de alguns anos, provavelmente desfrutaria de
outro rendimento. Quando as terras da coroa se tornassem propriedade
privada, elas, ao longo de alguns anos, se tornariam bem-aprimoradas e
bem-cultivadas. O aumento de seu produto levaria ao crescimento da
população do país, aumentando o rendimento e o consumo das pessoas.
Os rendimentos que a coroa obteria dos impostos alfandegários e
daqueles sobre os produtos manufaturados necessariamente
aumentariam os rendimentos e o consumo da população.
Embora pareça que os rendimentos obtidos por qualquer monarquia
civilizada de suas próprias terras nada custem aos indivíduos, eles, na
realidade, talvez custem à sociedade mais do que qualquer outro
rendimento semelhante que a coroa possa ter. A sociedade teria, em
todos os casos, interesse em substituir esse rendimento da coroa por
algum outro rendimento, dividindo essas terras entre as pessoas; e, para
isso, talvez o melhor a se fazer fosse colocá-las à venda pública.
As terras dedicadas ao lazer e ao embelezamento, a saber, parques,
jardins, passeios públicos, etc., terras que em toda parte são consideradas
fontes de despesas e não de receitas, são as únicas que, em uma grande
monarquia civilizada, deveriam pertencer à coroa.
Portanto, se tanto o capital público quanto as terras públicas — as
duas fontes de receitas que podem pertencer exclusivamente ao soberano
ou à commonwealth — são fundos inadequados e insuficientes para
custear as despesas necessárias de um grande país civilizado, é inegável
que a maior parte dessas despesas deve ser paga por algum tipo de
tributo, fazendo com que o povo contribua com uma parte de seus
próprios rendimentos privados para formar um rendimento público para
o soberano ou para a commonwealth.

Parte II – Os impostos
Segundo exposto na primeira parte desta obra, o rendimento privado dos
indivíduos origina-se em última instância de três fontes diferentes: renda,
lucro e salários. Todo tributo deve, por fim, ser pago por um desses três
tipos de rendimentos ou por todos eles indiferentemente. Tentarei
oferecer a melhor explicação possível sobre, primeiro, os tributos que
deveriam recair sobre a renda; em segundo lugar, aqueles que deveriam
recair sobre o lucro; em terceiro, aqueles que deveriam recair sobre os
salários; e, em quarto lugar, aqueles que deveriam recair indiferentemente
sobre todas essas três fontes diferentes de rendimentos privados. As
considerações específicas sobre cada um desses quatro tipos diferentes de
tributos dividirão a segunda parte do presente capítulo em quatro artigos,
três dos quais exigirão várias outras subdivisões. Muitos desses tributos,
como se verá pela revisão que farei a seguir, não são realmente pagos
pelos fundos ou fonte de rendimentos sobre a qual deveriam recair.640
Antes de entrarmos no exame de cada tributo, é necessário
estabelecer as quatro seguintes máximas em relação aos tributos em
geral.641
I. Os súditos de todo Estado devem contribuir para a manutenção do
governo o mais próximo possível às suas respectivas capacidades, isto é,
em proporção ao rendimento de que desfrutam individualmente sob a
proteção do Estado. Os gastos do governo com os indivíduos de uma
grande nação são como os gastos de administração dos muitos
arrendatários de uma grande propriedade, os quais são obrigados a
contribuir proporcionalmente aos respectivos interesses que possuem
sobre a propriedade. Na observância ou negligência dessa máxima
consiste o que chamamos de equidade ou não equidade da tributação.
Todo imposto, devemos observar de uma vez por todas, que recai apenas
sobre um dos três tipos de rendimentos anteriormente mencionados é
necessariamente desigual, na medida em que não afeta os outros dois. No
exame que farei sobre cada um dos tributos, não falarei muito mais sobre
esse tipo de desigualdade, mas, na maioria dos casos, limitarei minhas
observações à falta de equidade que ocorre quando um determinado
tributo recai desigualmente até mesmo sobre aquele tipo específico de
rendimento privado que é afetado por ele.642
II. O tributo que cada indivíduo é obrigado a pagar deve ser certo e
não arbitrário. O vencimento, a forma de pagamento, o valor a ser pago
devem ser claros e evidentes, tanto para o contribuinte quanto para todas
as outras pessoas. Se não for assim, toda pessoa sujeita ao imposto ficaria
à mercê em maior ou menor grau do poder do coletor de impostos, que
poderá aumentar o valor do tributo de qualquer contribuinte que deteste
ou extorquir algum presente ou gratificação a si mesmo pela ameaça
desse aumento. A incerteza da tributação incentiva a insolência e
favorece a corrupção de um grupo de homens naturalmente impopulares,
mesmo quando não são insolentes nem corruptos. Em relação à
tributação, a certeza sobre quanto cada indivíduo deve pagar possui tanta
relevância que, acredito, com base na experiência de todas as nações, um
grau muito elevado de falta de equidade não é, nem de longe, um mal tão
grande quanto um grau muito pequeno de incerteza.643
III. Todos os tributos devem ser arrecadados no momento ou da
forma mais conveniente para que o contribuinte os pague. Quando se
cobra um tributo sobre a renda da terra ou o aluguel de casas no mesmo
momento em que essas rendas são geralmente recebidas, o tributo estará
sendo exigido no momento mais conveniente para que o contribuinte o
pague; isto é, no momento em que há maior probabilidade de o
contribuinte possuir meios para pagar o tributo. Os tributos sobre bens
de consumo como os artigos de luxo são pagos pelo consumidor final e,
em geral, de maneira bastante conveniente para ele. Ele os paga aos
poucos, conforme compra suas mercadorias. E, já que tem a liberdade de
comprar ou não comprar as mercadorias que deseja, será culpa dele
mesmo caso sofra quaisquer inconveniências consideráveis desses
tributos.644
IV. Cada tributo deve ser concebido de tal modo que as pessoas
tenham que desembolsar o mínimo possível acima do que traz ao tesouro
público do Estado. Há quatro maneiras com as quais os tributos podem
levar as pessoas a desembolsar muito mais do que o valor arrecadado ao
tesouro público. Em primeiro lugar, é possível que a cobrança do tributo
exija um grande número de funcionários, cujos salários absorvam uma
grande parte do produto do imposto, e cujas gratificações acabem
gerando um imposto adicional à população. Em segundo lugar, pode
impor obstáculos ao trabalho da população e desencorajá-la de aplicar-se
a certos ramos de negócios que poderiam oferecer subsistência e
emprego a grandes multidões. Já que tal tributo obriga as pessoas a pagar,
ele pode, dessa forma, causar a diminuição ou, talvez, até mesmo a
destruição de alguns fundos com os quais seria possível aplicar-se àqueles
ramos com maior facilidade. Em terceiro lugar, por meio de confiscos e
outras penalidades que são aplicadas aos infelizes que tentam, sem
sucesso, sonegar o tributo; isso os acaba arruinando e, assim, dá fim aos
benefícios que a comunidade poderia ter recebido pelo emprego de seus
capitais. Um imposto pouco criterioso oferece uma grande tentação ao
contrabando. Mas as penalidades por contrabando devem agravar-se
proporcionalmente a essa tentação. A lei, ao contrário de todos os
princípios comuns da justiça, primeiro cria a tentação e depois pune
aqueles que se rendem a ela; e, por fim, geralmente a punição é também
agravada em proporção à própria circunstância que certamente deveria
atenuá-la, a tentação de cometer o crime.645 Em quarto lugar, ao sujeitar
as pessoas às visitas frequentes e ao exame odioso dos coletores de
impostos, os tributos podem expô-las a muitos problemas
desnecessários, vexames e arbitrariedades; e embora o vexame não
constitua, estritamente falando, uma despesa, é certamente equivalente às
despesas que todos estariam dispostos a incorrer para se livrar de tal
situação. É devido a uma dessas quatro maneiras que os tributos
costumam ser muito mais incômodos para as pessoas do que benéficos
para o soberano.646
A evidente justiça e utilidade dessas máximas as recomendaram, em
maior ou menor grau, à atenção de todas as nações. Todas as nações
buscam, utilizando seu melhor juízo, criar os tributos mais equitativos
possíveis, os mais certos e convenientes para os contribuintes, seja em
relação ao momento e à forma de pagamento, seja em proporção às
receitas que rendem ao príncipe, e os que gerem o menor incômodo às
pessoas. A breve revisão de alguns dos principais tributos de diferente
épocas e países mostrará que, a esse respeito, as nações não obtiveram os
mesmos êxitos por seus esforços.

ARTIGO I
TRIBUTOS SOBRE A RENDA; TRIBUTOS SOBRE A RENDA DA TERRA
Um tributo sobre a renda da terra pode ser imposto de acordo com
determinado padrão, fixando-se determinada renda da terra para cada
distrito, a qual não deve ser posteriormente alterada; ou, então, pode ser
imposto de modo a variar toda vez que houver variação na renda real da
terra e a aumentar ou diminuir de acordo com o aumento ou a
diminuição do cultivo.
Um imposto fundiário que, como o da Grã-Bretanha, é cobrado de
cada distrito segundo determinado padrão invariável, ainda que tenha
sido equitativo no momento de sua criação, necessariamente se torna
desigual com o decorrer do tempo, conforme os graus desiguais de
aperfeiçoamento ou a negligência dos cultivos nas regiões do país. Na
Inglaterra, a forma como os diferentes condados e paróquias foram
avaliados para a cobrança do imposto fundiário pelo estatuto do 4º ano
do reinado de Guilherme e Maria647 foi muito desigual mesmo em sua
criação. Das quatro máximas anteriormente citadas, esse tributo
contraria a primeira. Ele obedece às outras três. É perfeitamente certo. O
momento do pagamento do tributo, sendo o mesmo do recebimento da
renda, é o mais conveniente possível para o contribuinte. Embora o
proprietário da terra seja, em todos os casos, o verdadeiro contribuinte, o
tributo costuma ser adiantado pelo arrendatário, valor que é
obrigatoriamente descontado do pagamento da renda. Este imposto é
cobrado por um número muito menor de funcionários do que qualquer
outro que proporcione quase a mesma receita. Já que o imposto sobre
cada distrito não aumenta com o aumento da renda, o soberano não
participa dos lucros das melhorias realizadas pelo proprietário. De fato,
às vezes, essas melhorias contribuem para desonerar os outros
proprietários do distrito. Contudo, o aumento do imposto que, às vezes,
pode ser causado pelas melhorias de uma propriedade específica é
sempre tão pequeno que nunca poderá desestimulá-las nem manter o
produto da terra abaixo do nível que ela poderia atingir em outro caso.
Assim como esse aumento não tende a diminuir a quantidade do
produto, também não tende a elevar o seu preço. E, por isso, não cria
obstáculos ao trabalho da população. Ele sujeita o proprietário apenas ao
inconveniente inevitável de pagar o imposto.
A vantagem, no entanto, que o proprietário da terra aufere da
invariabilidade da avaliação das terras da Grã-Bretanha para efeito de
imposto fundiário se deve a algumas circunstâncias totalmente estranhas
à natureza do tributo.
Deve-se, em parte, à grande prosperidade de quase todas as regiões
do país, pois, desde o momento em que essa avaliação foi criada, as
rendas de quase todas as propriedades da Grã-Bretanha vêm
aumentando de forma constante e não diminuíram em quase nenhuma.
Dessa forma, quase todos os proprietários ganharam a diferença entre o
imposto que pagariam de acordo com o atual valor da renda de suas
propriedades e o que eles realmente pagam de acordo com a antiga
avaliação. Se o país se encontrasse em outra situação, se o valor das
rendas tivesse diminuído gradualmente em consequência do declínio do
cultivo, quase todos os proprietários teriam perdido pelo valor dessa
mesma diferença. No estado de coisas estabelecido após a revolução, a
invariabilidade da avaliação tem trazido vantagem para o proprietário da
terra e sido prejudicial para o soberano. Em um estado de coisas
diferente, poderia ter sido vantajosa para o soberano e prejudicial para o
proprietário da terra.
Já que o tributo deve ser pago em dinheiro, a avaliação da terra é
expressa em dinheiro. Desde a criação dessa avaliação, o valor da prata
tem se mantido bastante uniforme, não tendo ocorrido alteração no
padrão da moeda, nem em seu peso, nem em seu grau de pureza. Se o
valor da prata tivesse aumentado consideravelmente de valor, como
parece ter acontecido no decurso dos dois séculos que precederam a
descoberta das minas na América, a invariabilidade da avaliação poderia
ter se mostrado muito arbitrária para o proprietário da terra. Se o valor
da prata tivesse diminuído bastante, como certamente o fez durante cerca
de um século, ao menos após a descoberta daquelas minas, a mesma
avaliação invariável teria reduzido muito esse tipo de rendimento do
soberano. Se tivesse ocorrido alguma grande mudança no padrão da
moeda, ou pelo rebaixamento da mesma quantidade de prata para uma
denominação baixa, ou pela elevação a uma alta, por exemplo, se, em vez
de se cunhar 1 onça de prata em 5 xelins e 2 pence, ela tivesse sido
cunhada em moedas de denominação tão baixa quanto 2 xelins e 7 pence,
ou então em moedas com denominação alta de 10 xelins e 4 pence, então,
no primeiro caso, a invariabilidade da avaliação teria prejudicado o
rendimento do proprietário, e, no segundo, o do soberano.
Portanto, em circunstâncias um pouco diferentes daquelas que
realmente ocorreram, essa invariabilidade da avaliação poderia ter sido
muito inconveniente para os contribuintes e para a commonwealth. No
entanto, essas circunstâncias deverão ocorrer em algum momento ou
outro no decorrer do tempo. Porém, embora os impérios, como todas as
outras obras da humanidade, sejam finitos, todos eles buscam a
imortalidade. Desse modo, toda constituição que se queira tão
permanente quanto o próprio império deve ser conveniente não apenas
em algumas circunstâncias, mas em todas elas; ou então deve adequar-se
não às circunstâncias transitórias, ocasionais ou acidentais, mas àquelas
que são necessárias e, portanto, sempre as mesmas.
Um tributo sobre a renda da terra que varie com cada variação da
renda, ou que aumente e diminua de acordo com o cultivo aprimorado
ou negligenciado, é recomendado por aquele grupo de letrados franceses
que se autodenominam “os economistas”648 como o mais equitativo de
todos os tributos. Segundo eles, todos os tributos recaem em última
instância sobre a renda da terra e, por isso, deveriam ser impostos com
igualdade ao fundo que, ao final, será o responsável pelo pagamento
deles. É verdade que todos os tributos deveriam recair da forma mais
equitativa possível sobre o seu fundo pagador. Mas sem entrar na
discussão desagradável dos argumentos metafísicos nos quais eles
apoiam sua teoria muito inventiva, a análise que se segue mostrará
adequadamente quais são os tributos que, em última análise, recaem
sobre a renda da terra e quais são aqueles que, ao final, recaem sobre
algum outro fundo.
No território de Veneza, o tributo de todas as terras aráveis,
arrendadas aos agricultores, equivale a 1/10 da renda.649 Os
arrendamentos são inscritos em um registro público que é mantido pelos
funcionários de receita em cada província ou distrito. Quando o
proprietário cultiva suas próprias terras, elas são avaliadas de acordo com
uma estimativa equitativa, permitindo-se que ele deduza 1/5 de seu
tributo; assim, em tais terras, ele pagará apenas 8% — e não 10% — da
suposta renda.
Esse tipo de imposto fundiário é certamente mais equitativo que o
imposto fundiário da Inglaterra. Talvez ele não seja completamente certo
e seu cálculo possa gerar incômodos mais frequentes ao proprietário da
terra. É possível, também, que sua coleta seja muito mais cara.
Mas talvez seja possível imaginar um sistema em grande medida
capaz de evitar essa incerteza e diminuir esses gastos.
Por exemplo, o proprietário da terra e o arrendatário poderiam,
juntos, ser obrigados a inscrever o contrato de arrendamento em um
registro público. Poderiam existir multas adequadas contra a ocultação
ou a inexatidão de qualquer uma das condições; e se parte do valor dessas
multas fosse paga àquele que denunciasse ou comprovasse que o outro foi
causador de ocultação ou inexatidão, isso impediria efetivamente que as
duas partes se associassem para fraudar a receita pública. Todas as
condições do contrato de arrendamento estariam registradas para
consulta.
Alguns proprietários de terra, em vez de aumentarem o valor da
renda a ser paga, cobram uma taxa para a renovação do contrato. Essa
prática é, na maioria dos casos, o expediente utilizado pelo esbanjador,
que, por uma soma de dinheiro vivo, vende uma renda futura muito mais
valiosa. É, portanto, na maioria dos casos, prejudicial para o proprietário.
Costuma ser prejudicial para o arrendatário e é sempre prejudicial para a
comunidade. A prática costuma subtrair uma parcela tão grande do
capital do arrendatário e, assim, diminui tanto sua capacidade de cultivar
a terra que ele acaba tendo mais dificuldade para pagar essa pequena
renda do que teria para pagar a renda maior, aquela a que estaria sujeito
se não houvesse renovado o contrato pela taxa. Tudo aquilo que diminui
sua capacidade de cultivar necessariamente reduz a parte mais
importante do rendimento da comunidade a um valor abaixo do que
atingiria em outro caso. Ao tornar o tributo sobre essas multas bem mais
oneroso do que o tributo sobre a renda normal, seria possível
desestimular essa prática prejudicial para o benefício de todas as partes
envolvidas, isto é, do proprietário da terra, do arrendatário, do soberano
e de toda a comunidade.
Alguns arrendamentos obrigam o arrendatário a utilizar um certo
modo de cultivo e uma certa sucessão (ou alternância) de cultivos
durante o período do contrato. Essa condição, que geralmente resulta da
presunção do proprietário sobre a superioridade de seu próprio
conhecimento (uma presunção que, na maioria dos casos, é muito mal
fundamentada), deve ser sempre considerada como uma renda adicional
como uma renda em serviços em vez de uma renda em dinheiro. A fim
de desencorajar essa prática, geralmente tola, pode-se avaliar essa espécie
de renda em um grau relativamente mais alto que o normal e,
consequentemente, tributá-la a um valor um pouco maior do que o das
rendas em dinheiro.
Alguns proprietários de terra, em vez da renda em dinheiro, exigem
uma renda em espécie, por exemplo, em milho, gado, aves, vinho, óleo,
etc., enquanto outros, por sua vez, exigem uma renda em serviços. Essas
rendas são sempre mais prejudiciais para o arrendatário do que benéficas
para o proprietário. Essas rendas retiram mais do primeiro do que
entregam ao último. Em todos os países onde ocorrem, os arrendatários
são pobres e mendicantes, muito de acordo com o grau com que
ocorrem. Da mesma forma, avaliar essas rendas em um grau
relativamente mais alto que o normal e, consequentemente, tributá-las a
um valor um pouco maior do que o das rendas em dinheiro talvez seja
suficiente para desencorajar essa prática, que é tão prejudicial para toda a
comunidade.650
Quando o proprietário da terra resolve ocupar ele mesmo uma parte
de suas próprias terras, a renda poderia ser avaliada segundo uma
arbitragem dos agricultores e dos proprietários de terras da redondeza,
podendo ser concedido a ele um abatimento moderado do imposto, da
mesma forma que ocorre no território de Veneza, contanto que a renda
das terras que ele ocupar não supere certa soma. É importante que o
proprietário seja encorajado a cultivar uma parte de suas próprias terras.
Seu capital é geralmente maior do que o do seu arrendatário e, com
menos habilidade, ele pode ser capaz de gerar um produto maior. O
proprietário pode se dar ao luxo de realizar experimentos e, em geral,
está disposto a fazê-lo. Suas experiências malsucedidas ocasionam apenas
uma perda moderada para si mesmo. As bem-sucedidas contribuem para
o aprimoramento e para a melhoria do cultivo em todo o país.
Entretanto, talvez seja importante que a redução do tributo o incentive a
cultivar apenas uma certa extensão. Se a maior parte dos proprietários
resolvesse cultivar toda a extensão de suas próprias terras, o país (em vez
de arrendatários sérios e trabalhadores, que, por interesse próprio, devem
cultivar as terras da melhor forma permitida por seu capital e habilidade)
estaria repleto de bailios preguiçosos e esbanjadores, cuja administração
abusiva logo degradaria o cultivo, reduziria o produto anual total das
terras e, com isso, diminuiria não apenas o rendimento de seus senhores,
mas também o da parcela mais importante de toda a sociedade.651
Esse sistema de administração poderia, talvez, liberar um tributo
desse tipo de qualquer grau de incerteza que pudesse acarretar
arbitrariedades ou inconvenientes para o contribuinte e, ao mesmo
tempo, serviria para incorporar à administração comum da terra um
plano ou política que contribuísse bastante para o aprimoramento geral e
para o bom cultivo do país.
Os gastos com a arrecadação de um imposto fundiário que variasse
com qualquer variação da renda seriam, sem dúvida, um pouco maiores
do que a despesa para arrecadar um imposto calculado de acordo com
uma avaliação fixa. Haveria necessariamente alguma despesa adicional,
devido tanto aos diversos registros públicos que seria indicado criar nos
diferentes distritos do país quanto pelas avaliações que deveriam ser
ocasionalmente realizadas nas terras que o proprietário decidisse ocupar.
Toda essa despesa, entretanto, poderia ser bem pequena, muito inferior à
que se incorre para a arrecadação de muitos outros tributos, os quais
proporcionam uma receita muito pequena em comparação àquela que
poderia ser facilmente obtida por meio desse tipo de tributo.
O desestímulo que esse tipo de imposto fundiário variável poderia
causar ao aprimoramento da terra parece constituir a objeção mais
importante que se possa fazer sobre o sistema. O proprietário da terra
certamente estaria menos disposto a realizar aprimoramentos se
precisasse compartilhar os lucros dessas melhorias com o soberano, que
nada contribuiu para cobrir as despesas. Talvez até mesmo essa objeção
pudesse ser evitada ao se permitir que o proprietário da terra, antes de
dar início aos aprimoramentos, fixasse, juntamente com os funcionários
da receita, o valor efetivo de suas terras, de acordo com uma arbitragem
justa de certo número de proprietários de terras e agricultores da
redondeza, escolhidos igualmente pelas duas partes; e, classificando-o de
acordo com essa avaliação, mantivesse-a por um número de anos que
fosse suficiente para garantir sua completa indenização. Uma das
principais vantagens propostas por essa espécie de imposto fundiário
seria chamar a atenção do soberano para o aprimoramento da terra como
fonte de aumento de sua própria receita. Desse modo, o termo fixado
para a indenização do proprietário não deve ser muito maior do que o
necessário para esse fim, pois o soberano poderá perder o interesse se a
compensação estiver em um futuro muito distante. No entanto, seria
melhor se o período fosse um pouco mais longo do que, sob quaisquer
aspectos, curto demais. Nenhuma incitação à atenção do soberano jamais
poderá contrabalançar o menor desestímulo à atenção do proprietário da
terra. A atenção do soberano pode ser, na melhor das hipóteses, apenas
uma consideração muito genérica e vaga daquilo que poderia contribuir
para o melhor cultivo da maior parte de seus domínios. A atenção do
proprietário é uma consideração especial e minuciosa de tudo o que pode
ser aplicado da forma mais vantajosa a cada polegada de terra de sua
propriedade. A principal preocupação do soberano deve ser a de
incentivar, por todos os meios possíveis a ele, a atenção do dono da terra
e a do agricultor, deixando que ambos persigam seus próprios interesses,
à sua maneira e de acordo com seus próprios juízos, dando a ambos a
mais perfeita segurança de que poderão desfrutar plenamente da
recompensa de seu próprio trabalho, proporcionando a ambos o
mercado mais amplo para todos os itens de seu produto, como
consequência da criação das comunicações mais fáceis e mais seguras a
todas as regiões de seus domínios, seja por via terrestre ou por hidrovia e,
por fim, oferecendo liberdade ilimitada para que possam exportar seu
produto para os domínios de todos os outros monarcas.
Se, por tal sistema de administração, fosse possível gerir um imposto
desse tipo para que não oferecesse nenhum desestímulo ao
aprimoramento das terras, mas que, pelo contrário, oferecesse algum
incentivo à melhoria, então não parece provável que esse sistema fosse
capaz de provocar algum outro inconveniente ao proprietário senão a
sempre inevitável obrigação de pagar o tributo.
Em todos os estágios da sociedade, no progresso e no declínio da
agricultura, em todas as variações do valor da prata e em todas as
variações do padrão da moeda, um imposto desse tipo se adequaria
prontamente, de forma espontânea e sem nenhuma atenção do governo,
à situação efetiva das coisas, e seria igualmente justo e equitativo em
todas essas diversas mudanças. Seria, desse modo, muito mais adequado
que fosse criado por meio de um regulamento perpétuo e inalterável, isto
é, por meio daquilo que é chamado de lei fundamental da commonwealth,
e não como um tributo que deva ser sempre arrecadado de acordo com
uma certa avaliação.
Alguns Estados, em vez do expediente simples e óbvio de um registro
dos contratos de arrendamento, recorrem à estratégia trabalhosa e cara
de um levantamento e avaliação de todas as terras do país. Suspeitavam,
provavelmente, que arrendador e arrendatário, a fim de fraudar a receita
pública, poderiam se associar para ocultar os termos reais do contrato. O
Doomsday book652 parece ter sido o resultado de um levantamento
bastante preciso do mesmo tipo.
Nos antigos domínios do rei da Prússia, o imposto fundiário é
avaliado de acordo com um levantamento e avaliação efetivos, que é
revisado e alterado de tempos em tempos.653 De acordo com essa
avaliação, os proprietários leigos pagam entre 20% e 25% de sua receita.
Os eclesiásticos, entre 40% e 45%. O levantamento e a avaliação da Silésia
foram feitos por ordem do atual rei, e, segundo dizem, com grande
precisão. De acordo com essa avaliação, as terras pertencentes ao bispo
da Breslávia são tributadas em 25% da renda que auferem. Os outros
rendimentos dos eclesiásticos de ambas as religiões, em 50%. Os
comandantes da ordem teutônica e da ordem de Malta, em 40%. Terras
mantidas por título de nobreza, em 38,33%. Terras mantidas sem título
de nobreza, em 35,33%.
Diz-se que foram precisos cem anos para que o levantamento e a
avaliação da Boêmia ficassem completos. Não foi terminado até depois
da paz de 1748, por ordens da atual rainha-imperatriz.654 O
levantamento do ducado de Milão, que foi iniciado na época de Carlos
VI, somente foi concluído após 1760. É visto como um dos mais precisos
já realizados. O levantamento da Savoia e de Piemonte foi executado por
ordem do falecido rei da Sardenha.655
Nos domínios do rei da Prússia, a tributação dos rendimentos da
Igreja é muito mais alta do que a dos proprietários leigos. A maior parte
dos rendimentos da Igreja constitui um ônus sobre a renda da terra.
Quase nunca acontece de alguma parte dessas rendas ser utilizada para o
aprimoramento das terras ou ser utilizada de tal forma que possa
contribuir de algum modo para aumentar os rendimentos da população
em geral. Sua Majestade prussiana provavelmente, por conta disso,
considerou razoável que ela deveria contribuir muito mais para atender
às exigências do Estado. Em alguns países, as terras da Igreja estão isentas
de todos os tributos. Em outros, os tributos de suas terras são mais baixos
do que os das outras. No ducado de Milão, as terras que a Igreja possuía
antes de 1575 devem pagar por apenas um terço de seu valor.
Na Silésia, a tributação das terras detidas por um título de nobreza
são 3% superiores àquelas das pessoas sem título de nobreza. Sua
Majestade prussiana provavelmente imaginou que os diferentes tipos de
honras e privilégios das terras detidas por título de nobreza
compensariam de forma suficiente o pequeno agravamento do tributo;
enquanto, ao mesmo tempo, a humilhante inferioridade do segundo tipo
de detentor, em alguma medida, seria aliviada por uma tributação um
pouco mais leve. Em outros países, o sistema de tributação, em vez de
aliviar, agrava essa desigualdade. Nos domínios do rei da Sardenha e nas
províncias da França que estão sujeitas ao que é chamado de talha real ou
predial, o imposto recai completamente sobre as terras detidas sem título
de nobreza. Aquelas mantidas por um título de nobreza estão isentas da
cobrança.
Mesmo que o imposto fundiário cobrado de acordo com um
levantamento e avaliação geral seja inicialmente equânime, ele se torna
desigual com o decurso de um período bastante curto. Para evitar que
isso ocorra seria necessária a atenção contínua e árdua do governo a
todas as variações no estado e na produção de todas as diferentes
fazendas do país. Os governos da Prússia, da Boêmia, da Sardenha e do
ducado de Milão realmente exercem uma atenção desse tipo; uma
atenção tão inadequada à natureza do governo que provavelmente não
durará por muito tempo e que, se durar, provavelmente causará, no longo
prazo, muito mais problemas e amolação do que ajuda aos contribuintes.
Em 1666, a generalidade de Montauban foi tributada com a talha real
de acordo, dizem, com um levantamento e avaliação bastante precisos.656
Em 1727, no entanto, essa tributação tornou-se completamente desigual.
Para sanar esse inconveniente, o governo não encontrou melhor
expediente do que impor a toda a generalidade um imposto adicional de
120 mil libras francesas. Esse imposto adicional foi designado a todos os
diferentes distritos sujeitos à talha de acordo com o antigo levantamento.
Mas é arrecadado apenas daqueles que, na situação atual e de acordo com
a antigo levantamento, estavam sendo tributados a menor e é aplicado
para aliviar aqueles que, pelo mesmo levantamento, estavam sendo
sobretributados. Por exemplo, dois distritos, um dos quais deveria, na
situação atual, ser tributado em 900 e o outro em 1.100 libras francesas,
são, de acordo com o antigo levantamento, tributados em mil libras. Pelo
atual imposto adicional, o tributo de ambos os distritos seria de 1.100
libras. Mas esse imposto adicional é arrecadado apenas do distrito com
tributação a menor e é aplicado integralmente para aliviar o distrito
sobretributado que, consequentemente, recolhe apenas 900 libras
francesas. O governo não ganha nem perde pelo imposto adicional, que é
aplicado apenas para sanar as desigualdades decorrentes do antigo
levantamento. A aplicação é regulada segundo o discernimento do
intendente da generalidade e, portanto, deve ser em grande parte
arbitrária.

TRIBUTOS QUE NÃO SÃO PROPORCIONAIS À RENDA, MAS AO


PRODUTO DA TERRA
Os tributos sobre o produto da terra são, na realidade, tributos sobre a
renda; e embora eles possam ser originalmente adiantados pelo
agricultor, são pagos, ao final, pelo proprietário. Quando uma certa parte
do produto deve ser paga como tributo, o agricultor calcula, da melhor
maneira possível, o valor anual provável dessa parcela e, então, faz uma
redução proporcional na renda que concorda em pagar ao proprietário.
Não há nenhum agricultor que não calcule de antemão o valor anual
provável do dízimo da Igreja, que é um imposto fundiário desse tipo.
O dízimo e todos os outros impostos fundiários desse tipo, embora
mantenham a aparência de serem perfeitamente equânimes, são
impostos muito desiguais, pois, em diferentes situações, uma certa
parcela do produto equivale a uma parcela muito diferente da renda. Em
algumas terras muito ricas, o produto é tão grande que a metade dele é
suficiente para repor ao agricultor o capital que ele empregou no cultivo,
juntamente com os lucros ordinários do capital agrícola praticados na
vizinhança. E a outra metade ou, o que é a mesma coisa, o valor da outra
metade poderia, se não houvesse dízimo, ser pago como renda ao
proprietário. Mas quando 1/10 do produto é retirado do agricultor para
pagar o dízimo, ele deveria exigir que a renda a pagar tenha uma redução
de 1/5, caso contrário ele não será capaz de recuperar seu capital com o
lucro ordinário. Nesse caso, a renda do proprietário, em vez de equivaler
à metade ou a 5/10 de todo o produto, será de apenas 4/10. Em terras
mais pobres, pelo contrário, o produto às vezes é tão pequeno e as
despesas de cultivo tão grandes que é requerido (ou é necessário) 4/5 de
todo o produto para repor ao agricultor o capital empregado e o lucro
ordinário. Nesse caso, mesmo que não houvesse dízimo, a renda paga ao
proprietário não poderia ultrapassar 1/5 ou 2/10 de todo o produto. Mas,
se o agricultor entregar 1/10 do produto em forma de dízimo, precisará
requerer uma dedução igual da renda a pagar ao proprietário, a qual fica
reduzida a apenas 1/10 do produto total. Em relação à renda de terras
ricas, o dízimo, às vezes, é um tributo de apenas 1/5, ou seja, de 4 xelins
por libra, ao passo que, no caso de terras mais pobres, o tributo equivale
à metade da renda, ou seja, a 10 xelins por libra.
Tendo em vista que o dízimo costuma ser tributo muito desigual
sobre a renda, ele constitui, por isso, sempre um grande desestímulo
tanto para os aprimoramentos do proprietário quanto para o cultivo do
agricultor. Quando a Igreja, que não contribui com nenhuma despesa,
participa de uma parte tão grande dos lucros, o primeiro não pode
aventurar-se a implantar os aprimoramentos mais importantes, que
geralmente são os mais caros, e o segundo não pode cultivar os cultivos
mais valiosos, que geralmente são também os mais caros. Por causa do
dízimo, o cultivo da garança657 ficou, por muito tempo, restrito às
Províncias Unidas, as quais, por serem presbiterianas e, então, isentas
desse tributo destrutivo, desfrutavam de uma espécie de monopólio desse
corante tão útil contra o resto da Europa. As últimas tentativas de
introduzir a cultura dessa planta na Inglaterra foram feitas apenas em
consequência do estatuto que declarou que se pagassem 5 xelins por acre
no lugar de qualquer tipo de dízimo sobre a garança.
Na maior parte da Europa, a Igreja — e em muitos países da Ásia, o
Estado — é sustentada principalmente por um imposto fundiário
proporcional ao produto da terra, e não à renda. Na China, a principal
receita do soberano consiste na décima parte do produto de todas as
terras do império. Esse 1/10, no entanto, é estimado de forma tão
moderada que, em muitas províncias, diz-se que não excede 1/30 do
produto ordinário. Segundo dizem, o imposto fundiário ou a renda da
terra que costumavam ser pagos ao governo maometano de Bengala,
antes que esse país caísse nas mãos da Companhia Inglesa das Índias
Orientais, teria chegado a cerca de 1/5 do produto. O imposto fundiário
do antigo Egito, afirmam, também equivalia a 1/5.
Na Ásia, esse tipo de imposto fundiário, segundo dizem, cria no
soberano o interesse pelo aprimoramento e pelo cultivo da terra. Afirma-
se, portanto, que os soberanos da China, os de Bengala durante o
governo maometano e os do Egito Antigo estavam extremamente atentos
à construção e à manutenção de boas estradas e canais navegáveis, para
aumentar, tanto quanto possível, tanto a quantidade quanto o valor de
todos os itens do produto da terra, proporcionando a cada item o
mercado mais amplo que seus próprios domínios pudessem oferecer. O
dízimo da Igreja é dividido em parcelas muito pequenas e, por isso, não
gera esse tipo de interesse em seus proprietários. O pároco de uma
paróquia não veria nunca nenhuma vantagem em construir uma estrada
ou um canal para uma região distante do país para ampliar o mercado
para o produto de sua própria paróquia. Os tributos que se destinam à
manutenção do Estado possuem algumas vantagens que, de certa forma,
podem equilibrar os seus inconvenientes. Quando se destinam ao
sustento da Igreja, eles são acompanhados somente por
inconveniência.658
Os tributos sobre a produção da terra podem ser cobrados em espécie
ou, de acordo com uma certa avaliação, em dinheiro.
O pároco em sua paróquia ou um cavalheiro de pequena fortuna que
viva em sua propriedade podem, às vezes, encontrar alguma vantagem
em receber seu dízimo ou renda, respectivamente, em espécie. A
quantidade a ser coletada e o distrito dentro do qual deve ser coletada são
tão pequenos que ambos podem fiscalizar, com seus próprios olhos, a
coleta e o uso da parte que lhes é devida. Um cavalheiro de grande
fortuna que viva na capital correria o risco de sofrer muito pela
negligência, e mais pela fraude, de seus agentes e representantes se as
rendas de uma propriedade em uma província distante fossem pagas a ele
dessa maneira. A perda do soberano, pelo abuso e pela pilhagem efetuada
por seus coletores de impostos, seria necessariamente muito maior. Os
funcionários da pessoa privada mais descuidada podem ser, talvez, mais
bem fiscalizados por seu chefe do que os do monarca mais cuidadoso; e
uma receita pública, que foi paga em espécie, sofreria tanto com a má
gestão dos coletores que uma parte muito pequena do que foi arrecadado
do povo chegaria ao tesouro do monarca. Segundo me informam, parte
da receita pública da China, no entanto, é paga dessa forma. Os
mandarins e outros coletores de impostos encontrarão, sem dúvida,
vantagem em manter a prática de um tipo de pagamento que se sujeita
muito mais a abusos do que qualquer pagamento em dinheiro.
Um tributo sobre o produto da terra que é arrecadado em dinheiro
pode ser cobrado de acordo com uma avaliação que varia com todas as
variações do preço de mercado ou de acordo com uma avaliação fixa — 1
bushel de trigo, por exemplo, sendo o trigo sempre avaliado ao mesmo
preço em dinheiro, independentemente da situação do mercado. O
produto de um tributo arrecadado da primeira forma somente variará
com as variações do produto real da terra, de acordo com o
aprimoramento ou a negligência do cultivo. O produto de um tributo
arrecadado desta última forma varia não apenas de acordo com as
variações do produto da terra, mas de acordo com as variações do valor
dos metais preciosos e as variações da quantidade desses metais nas
moedas de mesma denominação em diferentes períodos da história.659 O
produto do primeiro sempre guardará a mesma proporção com o valor
do produto real da terra. O produto do segundo pode, em momentos
diferentes, guardar proporções muito diferentes com esse valor.
Quando, em vez de certa parcela do produto da terra ou do preço de
determinada parcela, for preciso pagar determinada soma em dinheiro
como plena compensação da totalidade do imposto ou do dízimo, o
tributo passa a ter exatamente a mesma natureza que o atual imposto
fundiário da Inglaterra. Ele não aumenta nem decresce de acordo com a
renda da terra. Nem encoraja nem desencoraja o progresso. O dízimo da
maioria das paróquias que pagam aquilo que é chamado de modus em
substituição a todos os outros dízimos é um tributo desse tipo. No
período do governo maometano de Bengala, em vez do pagamento em
espécie de 1/5 dos produtos, foi criado um modus bastante moderado,
segundo dizem, na maior parte dos distritos ou zemindarias do país.
Alguns funcionários da Companhia das Índias Orientais, sob o pretexto
de restaurar a receita pública ao seu valor adequado, trocaram, em
algumas províncias, esse modus por um pagamento em espécie. Sob sua
gestão, essa mudança provavelmente desencorajaria o cultivo e
apresentaria novas oportunidades para abusos na coleta da receita
pública, a qual havia ficado muito abaixo do que dizem ter sido, quando,
pela primeira vez, passou a ser administrada pela Companhia. É possível
que os funcionários da Companhia tenham lucrado com essa mudança,
mas provavelmente à custa tanto de seus chefes quanto do país.

TRIBUTOS SOBRE O ALUGUEL (RENDA) DE CASAS


O aluguel de uma casa pode ser dividido em duas partes, das quais uma
pode ser chamada de renda do prédio e a outra é comumente chamada
de renda do terreno.
A renda do prédio são os juros ou o lucro do capital gasto na
construção da casa. Objetivando colocar a atividade do construtor no
mesmo nível de outras atividades, é necessário que essa renda seja
suficiente, primeiro, para pagar-lhe os mesmos juros que ele teria
conseguido obter com seu capital se o tivesse emprestado com uma boa
garantia; e, em segundo lugar, para manter a casa em constante reparo,
ou, o que é a mesma coisa, para lhe repor, dentro de um determinado
prazo de anos, o capital que tinha sido empregado em sua construção. A
renda do prédio, ou o lucro ordinário da construção, é, portanto,
regulada pelos juros ordinários do dinheiro. Quando a taxa de juros do
mercado está em 4%, o aluguel de uma casa, que, além de pagar a renda
do solo, paga 6% ou 6,5% sobre a despesa total da construção, poderá
talvez oferecer um lucro razoável ao construtor. Quando a taxa de
mercado de juros está em 5%, talvez sejam necessários 7% ou 7,5%. Se,
em proporção aos juros do dinheiro, a atividade do construtor oferece a
qualquer momento um lucro muito maior do que isso, em breve atrairá
tanto capital de outras atividades que o lucro será reduzido ao seu nível
adequado. Se oferecer, a qualquer momento, muito menos do que isso, o
capital será logo atraído a outras atividades de modo a fazer com que o
lucro da construção aumente novamente.
Qualquer parte do aluguel de uma casa que ultrapasse o valor
suficiente para proporcionar esse lucro razoável naturalmente será
dirigida para a renda do terreno; e quando o dono do terreno e o dono
do prédio são duas pessoas diferentes, o valor total costuma ser pago ao
primeiro. Essa renda excedente é o preço que o morador da casa paga por
alguma vantagem real ou suposta pela localização do terreno. Nas casas
rurais, distantes de qualquer grande cidade, onde há muito terreno para
se escolher o local da construção, a renda do terreno não é maior do que
o valor que o terreno sobre o qual a casa foi construída pagaria se este
fosse empregado na agricultura. Nas casas de campo, construídas na
vizinhança de uma grande cidade, esse valor é, às vezes, bem maior:
costuma-se pagar muito bem pela conveniência ou beleza específicas da
localização. A renda do terreno é geralmente mais alta na capital e em
locais específicos onde exista maior demanda por casas, seja qual for a
razão dessa demanda — para o comércio e para os negócios, para a
diversão e para as atividades sociais ou por mera vaidade e por estar na
moda.
Um imposto sobre o aluguel de casas, pago pelo inquilino e
proporcional ao aluguel total de cada casa, não poderia, pelo menos por
um tempo considerável, afetar a renda do prédio. Se o construtor não
obtivesse um lucro razoável, ele se veria obrigado a deixar a atividade;
isso aumentaria a demanda da construção e, em pouco tempo, levaria os
lucros de volta ao seu nível adequado em relação aos de outras atividades.
Esse tributo também não poderia recair somente sobre a renda do
terreno, mas deveria se dividir para recair, em parte, sobre o morador da
casa e, em parte, sobre o dono do terreno.
Suponhamos, por exemplo, que um indivíduo qualquer considere
viável pagar 60 libras por ano pelo aluguel de uma casa; suponhamos
também que exista um tributo pelo aluguel da casa de 4 xelins por libra,
ou seja, de 1/5, a ser pago pelo morador. Nesse caso, uma casa cujo
aluguel é de 60 libras por ano lhe custará 72 libras por ano, ou seja, 12
libras a mais do que ele considera viável pagar. Ele, portanto, se
contentará com uma casa inferior, ou uma casa de 50 libras por ano, que,
somando-se as 10 libras adicionais que ele deve pagar pelo tributo,
somará 60 libras por ano, a despesa que ele julga viável pagar; e para
poder pagar o tributo, deixará de lado uma parte da conveniência
adicional que teria obtido pela locação da casa cujo aluguel anual é 10
libras mais caro. Digo que ele deixará de usufruir apenas de uma parte
dessa conveniência adicional, pois raramente será obrigado a desistir de
toda a conveniência, mas, em consequência do tributo, terá por 50 libras
anuais uma casa melhor do que seria capaz de encontrar se não houvesse
a incidência do tributo. Pois um tributo desse tipo, ao retirar essa pessoa
específica da concorrência, deve diminuir a concorrência por casas de 60
libras por ano; consequentemente, deve também diminuir a mesma
concorrência para as casas de 50 libras por ano e, da mesma forma,
diminuirá a concorrência para os aluguéis de todas as outras casas,
exceto para os alugueis de valores mais baixos, cuja concorrência
aumentaria por um certo período. Assim, os aluguéis de todos os tipos de
casas com menor concorrência ficariam necessariamente reduzidos, em
maior ou menor grau. Entretanto, como nenhuma parte dessa redução
poderia, pelo menos por um certo período, afetar a renda do prédio; sua
totalidade deve, a longo prazo, necessariamente recair sobre a renda do
terreno. Como consequência, o pagamento final desse tributo recairá, em
parte, sobre o morador da casa, o qual seria obrigado, para pagar sua
parcela, a abrir mão de uma parte de sua conveniência, e, em parte, sobre
o proprietário do terreno, o qual seria obrigado, para pagar sua parcela, a
desistir de uma parte de seu rendimento. Talvez não seja muito fácil
calcular a proporção em que esse pagamento final deveria ser dividido
entre os dois. A divisão seria provavelmente muito diferente em
circunstâncias diferentes, e um tributo desse tipo poderia, de acordo com
diferentes circunstâncias, afetar de forma bastante desigual o morador da
casa e o proprietário do terreno.
A desigualdade com a qual um tributo desse tipo poderia recair sobre
os proprietários de terrenos com rendas diferentes proviria inteiramente
da desigualdade acidental dessa divisão. Mas a desigualdade que poderia
recair sobre os diferentes moradores não proviria somente disso, mas
também de outra causa. Pessoas de diferentes graus de riqueza possuem
diferentes proporções entre suas despesas com aluguel e suas despesas
totais. Talvez seja maior no grau mais alto de riqueza e vá diminuindo
gradualmente nos graus inferiores, de modo a, em geral, ser menor no
grau mais baixo de riqueza. Os bens de primeira necessidade são os
maiores gastos dos pobres. Pare eles, é difícil conseguir comida, e a maior
parte de seu pequeno rendimento é gasta com sua obtenção. Os luxos e as
vaidades são as principais despesas dos ricos, pois uma casa magnífica
embeleza e realça todos os outros luxos e vaidades que possuem. Um
tributo sobre o aluguel, portanto, seria, em geral, mais pesado para os
ricos, e talvez esse tipo de desigualdade não seja nada desarrazoada. É
bastante razoável que os ricos contribuam para as despesas públicas, não
apenas em proporção a seus rendimentos, mas em proporção um pouco
maior.
Embora o aluguel das casas se assemelhe em alguns aspectos à renda
da terra, eles são essencialmente diferentes em um aspecto. A renda da
terra é paga pelo uso de algo produtivo. A terra que a paga a produz. O
aluguel das casas é pago pelo uso de algo improdutivo. Nem a casa nem o
terreno em que ela foi construída produzem algo. A pessoa que paga o
aluguel, portanto, deve retirar esse valor de alguma outra fonte distinta e
independente de rendimentos. Um tributo sobre o aluguel de casas, na
medida em que recai sobre os seus moradores, deve ser retirado da
mesma fonte que o próprio aluguel, e deve ser pago de seus rendimentos,
derivados dos salários do trabalho, dos lucros do capital ou da renda da
terra. Na medida em que recair sobre os moradores, é um daqueles
tributos que não recaem sobre apenas uma das três fontes de receitas,
mas indiferentemente sobre todas as três, e, por isso, sob todos os
aspectos, possui a mesma natureza de um imposto incidente sobre
quaisquer outros tipos de bens de consumo. Em geral, é possível que não
exista nenhum outro item de despesa ou de consumo pelo qual seja
possível julgar melhor a liberalidade ou avareza dos gastos de uma pessoa
do que o aluguel que paga por sua casa. Um tributo proporcional sobre
essa despesa específica poderia, talvez, produzir uma receita maior do
que qualquer uma que se obteve até agora por ela (a despesa específica)
em qualquer parte da Europa. Se o tributo fosse de fato muito alto, a
maioria da população tentaria, na medida do possível, fugir dele,
contentando-se com casas menores e redirecionando a maior parte de
suas despesas para algum outro escoadouro.
O aluguel de casas poderia ser facilmente calculado com bastante
precisão por meio de uma política do mesmo tipo que a necessária para
calcular a renda comum da terra. Casas sem moradores não deveriam
pagar tributos. Um tributo sobre elas recairia completamente sobre o
proprietário, que, portanto, seria tributado por algo que não lhe oferece
nem vantagens nem receitas. As casas habitadas pelo proprietário devem
ser tributadas não de acordo com a despesa gerada por sua construção,
mas de acordo com o valor do aluguel que, de acordo com uma
arbitragem equitativa, lhe renderia se estivesse alugada. Se tributado de
acordo com a possível despesa de sua construção, um imposto de 3 ou 4
xelins por libra, junto com outros impostos, arruinaria quase todas as
grandes famílias ricas deste e, acredito, de todos os outros países
civilizados. Se examinarmos com atenção as casas urbanas e rurais de
algumas das mais ricas e mais importantes famílias do país, veremos que,
à taxa de apenas 6,5% ou 7% sobre as despesas originais de construção,
seu aluguel é quase igual à renda líquida total de suas propriedades. De
fato, as despesas dessas construções foram acumuladas por várias
gerações sucessivas e aplicadas em objetos de grande beleza e
magnificência, mas, proporcionalmente ao que custam, de valor de troca
muito reduzido.660
As rendas do terreno são um item de tributação ainda mais
apropriado do que o aluguel das casas. Um tributo sobre a renda do
terreno não aumentaria os aluguéis das casas. Ele recairia totalmente
sobre o proprietário da renda do terreno, que age sempre como
monopolista e exige a maior renda possível pelo uso de seu terreno. A
renda do terreno pode ser maior ou menor de acordo com a maior ou
menor riqueza dos que competem por seu terreno, ou de acordo com o
poder que tenham para satisfazer seu desejo por determinado terreno
com maior ou menor gasto.
Em todos os países, o maior número de competidores ricos está na
capital e, portanto, é sempre lá que se encontram as maiores rendas
relativas aos terrenos. Como a riqueza desses concorrentes em nada
aumenta com um tributo sobre as rendas dos terrenos, eles
provavelmente não estariam dispostos a pagar mais pelo uso do terreno.
Não faria nenhuma diferença o tributo ser adiantado pelo morador ou
pelo proprietário do terreno. Quanto mais o morador fosse obrigado a
pagar pelo imposto, menos ele estaria inclinado a pagar pelo solo; assim,
o pagamento final do tributo recairia totalmente sobre o proprietário da
renda do terreno. As rendas relativas aos terrenos de casas desabitadas
não devem pagar impostos.
Tanto as rendas relativas aos terrenos como a renda ordinária da terra
são uma espécie de rendimento de que o proprietário desfruta, em
muitos casos, sem nenhum cuidado ou atenção. Embora uma parte dessa
receita deva ser usada para custear as despesas do Estado, não se
desestimula com isso nenhum tipo de trabalho. Após a aplicação desse
tributo, o produto anual total da terra e trabalho da nação, a verdadeira
riqueza e receita da população em geral, seria idêntico ao produto antes
do tributo. Por isso, as rendas relativas aos terrenos e a renda ordinária da
terra talvez sejam os rendimentos que melhor suportam a imposição de
um tributo específico.661 Nesse aspecto, as rendas relativas aos terrenos
parecem ainda mais adequadas a uma tributação específica do que a
renda ordinária da terra. A renda ordinária da terra se deve, em muitos
casos, em parte ao menos à atenção e à boa gestão do proprietário. Um
tributo muito pesado pode desestimular sobremaneira essa atenção e boa
gestão. A renda do terreno, na medida em que excede a renda comum da
terra, deve-se totalmente à boa administração do soberano, o qual, ao
proteger o trabalho de toda a população ou então o dos habitantes de
algum lugar específico, lhes possibilita pagar muito mais que o valor real
pelo terreno em que constroem suas casas, ou seja, lhes possibilita dar ao
proprietário do terreno muito mais do que uma simples compensação
pela perda que o uso do terreno poderá lhe acarretar. Não há nada mais
sensato do que a imposição de um tributo especial a um fundo que deve
sua existência à boa administração do Estado, ou que esse fundo
contribua um pouco mais do que a maior parte dos outros fundos para
sustentar o governo.
Embora se tenham cobrado tributos sobre os aluguéis de casas em
muitos países da Europa, não conheço nenhum em que a renda do
terreno tenha sido considerada separadamente para a tributação. É
provável que os criadores dos tributos encontrem alguma dificuldade em
determinar qual parte da renda deveria ser considerada como renda do
terreno e qual parte deveria ser considerada como renda do prédio. No
entanto, não nos parece ser tão difícil distinguir essas duas partes da
renda.
Na Grã-Bretanha, o aluguel de casas deveria ser tributado na mesma
proporção que a renda da terra por algo chamado de imposto fundiário
anual. A avaliação para a determinação do tributo para todas as
paróquias e distritos é sempre a mesma. Desde o início, o tributo sempre
foi — e continua a ser — extremamente desigual. Na maior parte do
Reino este tributo continua sendo menor para o aluguel de casas que
para a renda da terra. O tributo sobre a terra de 3 ou 4 xelins por libra
chega a equivaler, dizem, a uma proporção igual ao aluguel real das casas
apenas em alguns poucos distritos, cujos tributos eram originalmente
altos e onde os aluguéis de casas caíram consideravelmente. As casas não
alugadas e sem moradores, embora, por lei, estejam sujeitas ao tributo,
são, na maioria dos distritos, isentas dele por gentileza dos avaliadores
fiscais, e essa isenção às vezes ocasiona alguma pequena variação na taxa
de algumas casas específicas, embora a do distrito seja sempre a mesma.
As melhorias ou o aumento de renda causados pela construção de novos
edifícios, reparos, etc. são um benefício a encargo do distrito, o que gera
nova variação na taxa das casas particulares.
Na província da Holanda662 as casas são tributadas em 2,5% de seu
valor; não se leva em consideração nem o aluguel realmente pago nem se
as casas estão alugadas ou não. Parece haver uma dificuldade em obrigar
o proprietário a pagar um tributo por uma casa sem inquilinos, pela qual
ele não pode obter nenhum rendimento, especialmente se o tributo for
muito alto. Na Holanda, onde a taxa de juros de mercado não excede 3%,
2,5% sobre o valor total da casa deve, na maioria dos casos, equivaler a
mais de 1/3 da renda do prédio e, em outros, ao total dessa renda.
Embora a avaliação, de fato, segundo a qual as casas são taxadas seja
muito desigual, dizem que está sempre abaixo do valor real. Quando uma
casa é reconstruída, melhorada ou ampliada, há uma nova avaliação, a
qual fará o tributo variar para se adequar a ela.
Os criadores dos vários tributos sobre as casas que foram impostos
pela Inglaterra em períodos diferentes parecem ter imaginado haver uma
grande dificuldade para determinar o aluguel de cada casa com exatidão
aceitável. Assim, os tributos foram normatizados de acordo com uma
circunstância que lhes parecia mais óbvia, a qual provavelmente
imaginaram que guardaria, na maioria dos casos, alguma proporção com
a renda.
O primeiro tributo desse tipo foi aquele cobrado por lareira; um
tributo de 2 xelins por lareira. A fim de determinar a quantidade de
lareiras em cada casa, o coletor de impostos devia entrar em todos os
cômodos de todas as casas. Essa visita detestável tornou o tributo
igualmente detestável. Logo após a revolução, portanto, ele foi abolido
como um símbolo de um tipo de escravidão.
Em seguida, tentou-se cobrar um tributo de 2 xelins por toda
moradia efetivamente habitada. Mas uma casa com dez janelas deveria
pagar 4 xelins a mais. Uma casa com vinte janelas e acima disso pagaria 8
xelins. Esse tributo foi posteriormente alterado para que as casas com
vinte janelas, e com menos de trinta, pagassem 10 xelins, e aquelas com
trinta janelas e acima disso pagassem 20 xelins. O número de janelas
pode, na maioria dos casos, ser contado de fora, e, em todos os casos,
sem entrar em todos os cômodos da casa. A visita do coletor de
impostos, portanto, era menos ofensiva nesse tributo do que no das
lareiras.
Posteriormente, esse tributo foi revogado e em seu lugar foi
estabelecido o tributo das janelas, que passou por várias alterações e
aumentos. Esse tributo, da forma como está no momento (janeiro de
1775), além da taxa de 3 xelins sobre todas as casas da Inglaterra e de 1
xelim sobre as casas da Escócia, estabelece uma taxa sobre cada janela,
que, na Inglaterra, vai de 2 pence, a menor taxa, cobrada das casas que
não tenham mais de sete janelas, e chega a 2 xelins, a taxa mais alta,
cobrada sobre as casas com 25 janelas e acima disso.
A principal objeção em relação a todos esses tributos é sua
desigualdade, a pior espécie de desigualdade, pois eles são
frequentemente muito mais onerosos aos pobres que aos ricos. Uma casa
de 10 libras, alugada em uma cidade do interior, pode às vezes ter mais
janelas do que uma casa de 500 libras alugada em Londres; e embora o
morador da primeira seja provavelmente um homem muito mais pobre
do que o da última, ele deverá, na medida em que sua contribuição está
regulamentada pelo imposto de janelas, contribuir mais para sustentar o
Estado. Portanto, esses tributos se opõem diretamente à primeira das
quatro máximas anteriormente mencionadas. Não parecem, no entanto,
contrariar nenhuma das outras três.
A tendência natural do tributo das janelas, bem como a de todos os
outros tributos sobre casas, é a redução dos aluguéis. Quanto maior o
tributo, a capacidade para se pagar um aluguel se torna evidentemente
menor. Desde a imposição do tributo sobre o número de janelas, no
entanto, os aluguéis de casas aumentaram, em maior ou menor grau, em
quase todas as cidades e vilas da Grã-Bretanha que conheço. A demanda
por casas tem sido tão grande em todos os lugares que fez aumentar os
aluguéis mais do que seria possível fazê-los baixar por meio do tributo
sobre o número de janelas; essa é uma das muitas provas da grande
prosperidade do país e do aumento de renda de seus habitantes. Não
fosse esse tributo, os aluguéis provavelmente teriam subido ainda mais.

ARTIGO II
TRIBUTOS SOBRE O LUCRO OU SOBRE
O RENDIMENTO DECORRENTE DO CAPITAL
O rendimento ou lucro decorrente do capital naturalmente se divide em
duas partes: a que paga os juros e que pertence ao proprietário do capital
e a parte excedente que ultrapassa o que é necessário para pagar os juros.
Evidentemente, esta última parte do lucro não está sujeita à
tributação direta. Ela é a compensação e, na maioria dos casos, não passa
de uma compensação muito moderada, pelo risco e pela preocupação da
aplicação do capital. O aplicador deve ter essa compensação, caso
contrário, ele não poderá, consistentemente com seu próprio interesse,
continuar a aplicação. Se ele fosse tributado diretamente, portanto, em
proporção a todo o lucro, seria obrigado a elevar a sua taxa de lucro ou a
cobrar o tributo sobre os juros do dinheiro, ou seja, a pagar menos juros.
Se ele aumentasse a taxa de seu lucro em proporção ao tributo, o total do
tributo, ainda que fosse adiantado por ele, seria pago, ao final, por um
dos dois seguintes grupos de pessoas, de acordo com a forma como ele
aplicasse o capital que administra. Se o aplicasse como um capital
agrícola no cultivo da terra, ele somente conseguiria aumentar a taxa de
seu lucro se mantivesse uma parcela maior do produto da terra, ou, o que
é a mesma coisa, se mantivesse o preço de uma parcela maior desse
produto; e como isso somente poderia ser realizado por meio da redução
da renda, o pagamento final do imposto recairia sobre o proprietários da
terra. Se ele o empregasse como capital na manufatura ou no comércio,
somente conseguiria aumentar a taxa de seu lucro por meio do aumento
do preço de suas mercadorias, caso em que o pagamento final do tributo
recairia integralmente sobre os consumidores dessas mercadorias. Se não
aumentasse a taxa de seu lucro, ele seria obrigado a onerar a
integralidade do tributo sobre a parte do lucro destinada a pagar os juros
do dinheiro. Ele pagaria menos juros por qualquer capital que tomasse
emprestado e o ônus do tributo recairia, nesse caso, em última análise,
sobre os juros do dinheiro. Se não fosse capaz de minorar seu imposto da
primeira maneira, ele se via obrigado a minorá-lo da segunda.
À primeira vista, os juros do dinheiro, assim como a renda da terra,
parecem um elemento igualmente capaz de ser tributado diretamente.
Assim como a renda da terra, os juros constituem o produto líquido que
resta após a completa compensação de todos os riscos e preocupações
gerados pela aplicação do capital. Assim como um tributo sobre a renda
da terra não é capaz de causar o aumento da renda, pois o produto
líquido que resta após a reposição do capital do agricultor, juntamente
com um lucro razoável, não pode ser maior depois do tributo do que
antes dele; assim, pela mesma razão, um tributo sobre os juros do
dinheiro não poderia causar o aumento da taxa de juros, já que a
quantidade de capital ou de dinheiro no país, assim como a quantidade
de terra, permanece supostamente a mesma, tanto depois quanto antes
do tributo. Em todos os lugares, a taxa ordinária de lucro, como já foi
mostrado no primeiro livro, é regulada pelo montante de capital a ser
aplicado proporcionalmente à quantidade de emprego ou de atividade
que deve ser realizada por ele. Mas a quantidade de emprego ou de
atividade que deve ser realizada pelo capital não pode ser aumentada
nem diminuída por nenhum tributo sobre os juros do dinheiro. Portanto,
se o montante de capital a ser aplicado não fosse aumentado nem
diminuído pelo tributo, a taxa ordinária de lucro permaneceria
necessariamente a mesma. Mas a parcela de lucro necessária para
compensar o risco e a preocupação do aplicador permaneceria a mesma,
pois não há nenhuma alteração nesse risco e preocupação. Desse modo, o
resíduo, isto é, a parcela pertencente ao proprietário do capital e que paga
os juros do dinheiro, também permaneceria necessariamente idêntico. À
primeira vista, portanto, os juros do dinheiro, assim como a renda da
terra, parecem um elemento igualmente capaz de ser tributado
diretamente.
No entanto, há duas circunstâncias que tornam os juros do dinheiro
um elemento muito menos adequado de tributação direta do que a renda
da terra.
Em primeiro lugar, a quantidade e o valor da terra possuída por uma
pessoa qualquer nunca são um segredo, pois podem ser sempre
averiguados com grande precisão. Ocorre que o montante total do capital
que a pessoa possui é quase sempre um segredo e, raramente, pode ser
determinado com alguma exatidão aceitável. Além disso, ele está sujeito a
sofrer variações quase contínuas. Raramente se passa um ano, muitas
vezes nem mesmo um mês e, às vezes, nem mesmo um dia no qual o
montante não aumente ou diminua em maior ou menor grau. Uma
inquirição sobre as condições específicas de todo homem e uma
inquirição que, no intuito de adequar o tributo a elas, vigiasse todas as
flutuações de sua fortuna seria uma fonte de amolações tão insistentes e
intermináveis que ninguém a suportaria.
Em segundo lugar, enquanto a terra é um elemento que não pode ser
afastado, o capital pode ser facilmente retirado. O proprietário da terra é,
obrigatoriamente, um cidadão do país específico em que sua propriedade
está localizada. O proprietário do capital é, literalmente, um cidadão do
mundo e não está necessariamente ligado a nenhum país específico. Ele
seria capaz de abandonar o país em que esteve exposto a alguma
inquirição aborrecedora para cobrar dele algum tributo oneroso e, então,
levaria seu capital para algum outro país onde ele poderia continuar suas
atividades comerciais ou desfrutar de sua fortuna de forma mais
tranquila. Ao retirar seu capital, ele daria fim a todas as atividades que
haviam sido mantidas naquele país. O capital cultiva a terra; o capital dá
emprego ao trabalho. Um tributo que tenda a afastar o capital do país
tenderia a secar todas as fontes de rendimentos, tanto para o soberano
quanto para a sociedade. Não só os lucros do capital, mas também a
renda da terra e os salários do trabalho, seriam, em maior ou menor grau,
necessariamente diminuídos pela retirada do capital.
Nesse sentido, as nações que tentaram tributar os rendimentos do
capital, em vez de realizar severas inquirições do tipo mencionado, foram
obrigadas a se contentar com algumas estimativas muito frouxas e,
portanto, mais ou menos arbitrárias. A desigualdade e a incerteza
extremas de um imposto calculado dessa forma só podem ser
compensadas por sua extrema moderação e, como consequência, toda
pessoa será tributada tão abaixo de seus rendimentos reais que não se
perturbará muito com isso, mesmo que seu vizinho seja tributado em
valor um pouco mais baixo.
Pelo imposto fundiário, pretendia-se, na Inglaterra, que o capital fosse
tributado na mesma proporção que a terra. Quando o tributo fundiário
estava em 4 xelins por libra, ou em 1/5 da suposta renda, pretendia-se
que o capital fosse tributado em 1/5 dos supostos juros. Quando o atual
imposto fundiário foi criado, a taxa legal de juros era de 6%. Cada 100
libras de capital, nesse sentido, deveriam ser tributadas em 24 xelins, a
quinta parte de seis libras. Uma vez que a taxa de juros legal foi reduzida
para 5%, cada cem libras do capital seriam supostamente tributadas em
20 xelins. A soma a ser levantada pelo que é chamado de imposto
fundiário ficou dividida entre o campo e as principais cidades. A maior
parte dela foi cobrada do campo e, da porção cobrada das cidades, a
maior parte foi das casas. O restante a ser cobrado do capital ou dos
negócios das cidades (pois o capital sobre a terra não deveria ser
tributado) estava muito abaixo do valor real desse capital ou negócio.
Portanto, quaisquer que tenham sido as desigualdades existentes na
cobrança original, elas incomodaram muito pouco. Todas as paróquias e
distritos ainda são tributados por suas terras, suas casas e seu capital de
acordo com a avaliação original; e a prosperidade quase universal do
país, que na maioria dos lugares elevou bastante o valor de todos eles,
torna essas desigualdades ainda menos importantes agora. Já que a taxa
de cada distrito continua sempre a mesma, a incerteza desse tributo, na
medida em que poderia ser cobrado do capital de qualquer indivíduo,
ficou muito diminuída e perdeu muito de sua importância. Se a maior
parte das terras da Inglaterra não são taxadas, para efeito do imposto
fundiário, pela metade do seu valor real, a maior parte do capital da
Inglaterra talvez mal seja taxada em 1/50 de seu valor real. Em algumas
cidades, todo o imposto fundiário é cobrado das casas como em
Westminster, onde há isenção para o capital e para o comércio. Não é o
que ocorre em Londres.
Em todos os países, tem-se evitado de forma muito cuidadosa uma
grave inquirição sobre as condições de vida das pessoas privadas.
Em Hamburgo,663 os habitantes são obrigados a pagar ao Estado
0,25% de tudo o que possuem; e como a riqueza do povo de Hamburgo
consiste principalmente em capital, esse imposto pode ser considerado
como um imposto sobre o capital. As pessoas taxam-se a si mesmas e, na
presença do magistrado, depositam anualmente nos cofres públicos uma
certa soma em dinheiro, que elas declaram, sob juramento, ser 0,25% de
tudo o que possuem, mas sem declarar o seu montante nem estar sujeitas
a nenhuma inspeção em relação ao assunto. Supõe-se que, em geral, o
tributo é pago com grande fidelidade. Em uma pequena república, onde a
população tem total confiança em seus magistrados, ela está convencida
da necessidade do tributo para oferecer suporte ao Estado e acredita que
este será fielmente aplicado para esse propósito; pode-se, às vezes, esperar
esse tipo de pagamento consciente e voluntário. Isso não ocorre somente
em Hamburgo.
O cantão de Underwald, na Suíça, costuma ser devastado por
tempestades e inundações e, assim, está sempre exposto a despesas
extraordinárias. Em tais ocasiões, as pessoas se reúnem e declaram com
muita franqueza o valor de suas posses para serem tributadas de acordo
com ele. Em Zurique, a lei ordena que, em casos de necessidade, todos
devem ser tributados proporcionalmente aos seus rendimentos, cujos
valores são obrigados a declarar sob juramento. Dizem que eles não têm
suspeitas de que serão enganados por algum de seus concidadãos. Na
Basileia, a principal receita do Estado origina-se de um pequeno tributo
alfandegário imposto sobre as mercadorias exportadas. Todos os
cidadãos fazem juramento de que pagarão a cada três meses todos os
tributos impostos pela lei. Confia-se que todos os comerciantes e até
mesmo todos os estalajadeiros manterão, eles mesmos, a contabilização
das mercadorias que vendem dentro ou fora do território. A cada três
meses, eles enviam essa conta para o tesoureiro, com o valor do imposto
calculado ao final. Não se suspeita que a receita seja prejudicada por essa
confiança.664
Ao que parece, obrigar todos os cidadãos a declarar publicamente e
sob juramento o montante de sua fortuna não é considerado algo difícil
nesses cantões suíços. Em Hamburgo seria considerado extremamente
difícil. Todos os comerciantes envolvidos em arriscados projetos
comerciais tremem só de pensar em ser obrigados a expor todas as vezes
o estado real de suas condições financeiras. Preveem que a consequência
disso seria, com frequência, a ruína de seu crédito e o fracasso de seus
projetos. Já um povo sóbrio e parcimonioso, que desconhece todos esses
empreendimentos, não sente a necessidade de ocultar o valor de seu
patrimônio.
Na Holanda, logo após o agora falecido príncipe de Orange ter se
tornado regente, um imposto de 2%, chamado de quinquagésimo penny,
incidiu sobre o patrimônio total de cada cidadão. Os cidadãos avaliavam
o valor que eles mesmos deviam e, da mesma forma que em Hamburgo,
pagavam o tributo; e, em geral, supunha-se que o tributo tenha sido pago
com bastante fidelidade. O povo, naquela época, havia acabado de
estabelecer um novo governo por meio de uma insurreição geral, e,
assim, tinha grande afeição por seu regente. O tributo deveria ser pago
apenas uma vez para que o Estado pudesse atender a uma exigência
específica. Ele era, de fato, muito pesado para ser permanente. Em um
país cuja taxa de juros de mercado raramente supera 3%, um tributo de
2% representa 13 xelins e 4 pence por libra sobre a receita líquida mais
alta que se costuma obter do capital. É um imposto que muito poucas
pessoas poderiam pagar sem precisar invadir, em maior ou menor grau,
seu capital. Em uma necessidade específica, o povo pode, por grande zelo
público, fazer um grande esforço e ceder até mesmo uma parte de seu
capital, a fim de ajudar o Estado. Mas seria impossível que a população
continuasse a fazer o mesmo esforço por mais tempo; e se o fizesse, o
imposto logo a arruinaria completamente e a deixaria completamente
incapaz de sustentar o Estado.
O tributo sobre o capital criado pela lei do imposto fundiário na
Inglaterra, embora seja proporcional ao capital, não tem a intenção de
diminuir ou retirar qualquer parte desse capital. Destina-se apenas a ser
um tributo sobre os juros do dinheiro, proporcional ao tributo sobre a
renda da terra, de modo que, quando o último for de 4 xelins por libra, o
primeiro também poderá ser de 4 xelins por libra. O tributo de
Hamburgo e os tributos ainda mais moderados de Underwald e Zurique
destinam-se, da mesma forma, não a tributar o capital, mas os juros ou os
rendimentos líquidos do capital. O da Holanda foi criado como um
tributo sobre o capital.

TRIBUTOS SOBRE O LUCRO DE DETERMINADOS EMPREGOS DE


CAPITAL
Em alguns países, tributos extraordinários são impostos sobre os lucros
do capital; às vezes, quando este é aplicado em ramos específicos dos
negócios e, às vezes, quando é aplicado na agricultura.
Na Inglaterra, do primeiro tipo são os tributos sobre os vendedores
ambulantes e mascates, sobre coches ou liteiras de aluguel, e os tributos
pagos pelos donos de bares para obter uma licença de venda de cerveja e
destilados no varejo. Durante a última guerra, outro imposto do mesmo
tipo foi proposto sobre as lojas. Já que a guerra foi realizada, conforme
dizem, em defesa do comércio do país, então os comerciantes, que
lucrariam com ela, deveriam contribuir com o seu custeio.
Um tributo, entretanto, sobre os lucros do capital aplicado em
qualquer ramo específico dos negócios nunca pode recair, ao final, sobre
os negociantes (que devem, em todos os casos normais, obter um lucro
razoável e, sempre que a concorrência for livre, raramente conseguem
obter um lucro superior a isso), mas sempre sobre os consumidores, que
são obrigados a pagar, embutido no preço das mercadorias, o tributo
pago antecipadamente pelo comerciante e, ainda por cima, geralmente
com algum excesso.
Quando um tributo desse tipo é proporcional aos negócios do
comerciante, ele é, ao final, pago pelo consumidor e não gera nenhuma
arbitrariedade ao negociante. Quando não é proporcional, mas é o
mesmo sobre todos os negociantes, embora neste caso também seja, ao
final, pago pelo consumidor, favorecerá mais os grandes comerciantes e,
às vezes, poderá gerar algumas arbitrariedades aos pequenos. O tributo
de 5 xelins por semana sobre os coches de aluguel e o de 10 xelins por
ano sobre cada liteira, na medida em que seu pagamento é adiantado
pelos donos dos coches e das liteiras, é exatamente proporcional à
extensão de seus respectivos negócios. Não favorece o grande nem
oprime o pequeno negociante. Todos os varejistas pagam o mesmo
tributo de 20 xelins por ano para obter uma licença para vender cerveja,
de 40 xelins para uma licença para vender destilados e de 40 xelins a mais
para se obter uma licença para vender vinho; isso oferece
necessariamente alguma vantagem aos grandes comerciantes e gera
alguma arbitrariedade aos pequenos. Os primeiros devem recuperar o
imposto embutido no preço de suas mercadorias com maior facilidade
que os pequenos comerciantes. A moderação do tributo, no entanto,
diminui a importância dessa desigualdade e muitas pessoas não acham
errado oferecer algum desestímulo para a multiplicação de pequenos
bares. O tributo sobre as lojas deveria ser o mesmo para todas elas. Não
poderia ter sido de outra maneira. Teria sido impossível proporcionar
com exatidão aceitável o tributo a ser cobrado de uma loja em relação ao
seu volume de negócios sem que se realizasse uma inquirição
completamente insustentável em um país livre. Se o tributo fosse alto,
traria problemas ao pequeno comerciante e forçaria a entrega de quase
todo o comércio varejista para as mãos dos grandes negociantes. Se a
concorrência dos pequenos comerciantes fosse eliminada, os grandes
gozariam de um monopólio da atividade e, como todos os outros
monopolistas, logo se associariam para aumentar seu lucro a valores
muito maiores que o necessário para pagar o tributo. O pagamento final,
em vez de recair sobre o lojista, teria recaído sobre o consumidor, com
uma considerável sobrecarga para o lucro do lojista. Por essas razões, o
projeto de um tributo sobre as lojas foi deixado de lado, sendo
substituído pelo subsídio de 1759.
O que na França é chamado de talha pessoal constitui, talvez, o
tributo mais importante sobre os lucros do capital aplicado na agricultura
que se conhece em qualquer país da Europa.
No estado desordenado da Europa durante a existência do governo
feudal, o soberano era obrigado a se contentar com a tributação daqueles
que eram fracos demais para se recusar a pagar impostos. Os grandes
senhores, embora dispostos a ajudar o soberano em certas emergências,
recusavam-se a submeter-se a qualquer tributação contínua; e, além
disso, o rei não tinha poder suficiente para forçá-los. Em toda a Europa, a
maior parte dos ocupantes da terra era composta de servos. Eles foram
sendo gradualmente emancipados em quase toda a Europa. Alguns
adquiriram a propriedade fundiária que mantinham por algum título
simples e não nobre, às vezes sob o rei e às vezes sob algum outro grande
senhor, como os antigos copyholders665 da Inglaterra. Outros, sem
adquirir a propriedade, obtiveram arrendamentos por certo número de
anos das terras que ocupavam sob mando de seu senhor e, portanto, se
tornaram menos dependentes dele. Os grandes senhores parecem ter
observado com uma indignação ameaçadora e desdenhosa o grau de
prosperidade e independência de que essa classe inferior de pessoas
agora desfrutava e, sem coerção, concordaram que o soberano as devia
tributar. Em alguns países, esse tributo confinava-se às terras com título
de posse não nobre; e, nesse caso, dizia-se que a talha era real. O imposto
fundiário, criado pelo agora falecido rei da Sardenha, e a talha das
províncias de Languedoc, Provença, Dauphine e Bretanha, da
generalidade de Montauban e do eleitorado de Agen e Condom, bem
como em alguns outros distritos da França, são tributos sobre terras
mantidas em propriedades por um título não nobre. Em outros países, o
tributo recaía sobre os supostos lucros de todos aqueles que arrendavam
terras pertencentes a outras pessoas, independentemente de seu título de
propriedade; e, nesse caso, dizia-se que a talha era chamada de pessoal.
Essa é a talha existente na maior parte daquelas províncias da França
chamadas de Países de Eleições. A talha real é imposta apenas a uma
parte das terras do país e, assim, é necessariamente um tributo desigual,
mas nem sempre arbitrário, embora o seja em algumas ocasiões. A talha
pessoal, cuja intenção é ser proporcional aos lucros de determinado
grupo de pessoas, os quais só eram conhecidos por conjecturas, é
necessariamente arbitrária e desigual.
Na França, atualmente (1775), a talha pessoal imposta anualmente às
vinte generalidades, chamadas de Países de Eleições, equivale a
40.107.239 libras francesas e 16 sous.666 A proporção em que essa soma é
estimada nessas diferentes províncias varia de ano para ano, de acordo
com os relatórios que são entregues ao conselho do rei sobre as safras,
boas ou ruins, bem como sobre outras circunstâncias que podem
aumentar ou diminuir suas respectivas capacidades de pagamento. As
generalidades são divididas em certo número de eleições, e a proporção
em que a soma imposta a toda a generalidade é dividida entre essas
diferentes eleições também varia a cada ano de acordo com a capacidade
de pagamento de cada uma delas, conforme descrito nos relatórios
entregues ao conselho. Parece impossível que o Conselho, com as
melhores intenções, possa regular com exatidão aceitável a proporção de
qualquer uma dessas duas estimativas (ou lançamentos) às reais
capacidades de pagamento da província ou do distrito a que foram
impostas. A ignorância e a desinformação devem sempre levar o
Conselho mais honesto a errar, em maior ou menor grau. A proporção
que cada paróquia deve suportar sobre o que é lançado em toda eleição e
a proporção que cada indivíduo deve suportar sobre o que é lançado em
sua paróquia específica variam anualmente conforme se supõe exigirem
as circunstâncias. Essas circunstâncias são julgadas, em um caso, pelos
funcionários da eleição; no outro, pelos da paróquia; e tanto estes quanto
aqueles estão, em maior ou menor grau, sob a direção e a influência do
intendente. Dizem que não só a ignorância e a desinformação, mas que a
amizade, a animosidade partidária e os ressentimentos particulares
também costumam levar os cobradores a errar. É evidente que ninguém
que esteja sujeito a esse tributo consiga estar certo, antes de ser cobrado,
do que deve pagar. Não existe certeza nem mesmo após a tributação.
Quando se tributa uma pessoa que deveria estar isenta ou quando
alguma pessoa é tributada a maior, embora ambas devam pagar
imediatamente, ocorre que, se essas pessoas apresentarem queixa e
estiverem corretas, a paróquia toda será novamente tributada no ano
subsequente, a fim de reembolsá-las. Se algum contribuinte falir ou se
tornar insolvente, o coletor é obrigado a adiantar o imposto dessa pessoa
e a paróquia toda é novamente tributada no ano seguinte, para
reembolsar o coletor. Se o próprio coletor falir, a paróquia que o elege
deve responder por sua conduta perante o coletor-geral da eleição. Mas,
já que seria problemático processar toda a paróquia, o coletor-geral
escolhe cinco ou seis de seus contribuintes mais ricos e os obriga a
reparar o que foi perdido pela insolvência do coletor. A paróquia,
posteriormente, é novamente tributada para reembolsar esses cinco ou
seis. Essas cobranças estão sempre acima da talha do ano específico em
que foram cobradas.
Quando se impõe um tributo sobre os lucros do capital de um
determinado ramo do comércio, todos os comerciantes têm o cuidado de
não levar mais mercadorias ao mercado do que aquelas que podem
vender a um preço que seja suficiente para reembolsá-los pelo
adiantamento do tributo. Alguns deles retiram uma parte de seu capital,
suprindo o mercado de forma mais moderada do que antes. O preço das
mercadorias sobe e o pagamento final do tributo recai sobre o
consumidor.667 Mas quando um tributo é imposto sobre os lucros do
capital empregado na agricultura, não interessa aos agricultores retirar
nenhuma parte de seu capital dessa aplicação. Cada agricultor ocupa uma
certa porção de terra e, por ela, paga a renda. Para o cultivo adequado
dessa terra, ele necessita de uma certa quantidade de capital; e ao retirar
qualquer parcela dessa quantidade necessária, o agricultor deixa de ser
capaz de pagar a renda ou o tributo. Para pagar o tributo, ele jamais pode
ter interesse em diminuir a quantidade de seu produto, nem,
consequentemente, em suprir o mercado de forma mais moderada do
que antes. O tributo, portanto, nunca permitirá que ele aumente o preço
de seu produto, de modo a reembolsar-se jogando o pagamento final
para o consumidor. O agricultor, no entanto, assim como todos os outros
negociantes, deve obter um lucro razoável, pois, caso contrário,
abandonará a sua atividade. Após a imposição de um tributo desse tipo,
ele só poderá obter um lucro razoável se pagar uma renda menor ao
proprietário. Quanto mais ele for obrigado a gastar com um tributo,
menos será capaz de pagar a renda. Um tributo desse tipo, imposto
durante o curso de um arrendamento, poderá, sem dúvida, afligir ou
arruinar o agricultor. Na renovação do contrato de arrendamento, ele
deverá sempre recair sobre o proprietário da terra.
Nos países em que se deve pagar a talha pessoal, o agricultor costuma
ser cobrado proporcionalmente ao capital que parece empregar no
cultivo. Por isso ele costuma ter medo de possuir bons cavalos ou bois e
se esforça para cultivar a terra com os piores e mais miseráveis
instrumentos agrícolas que puder. Tal é a sua desconfiança na justiça dos
aferidores que ele finge pobreza e deseja parecer incapaz de pagar o
mínimo por medo de ser obrigado a pagar muito. Por essa política
miserável, é possível que ele nem sempre consulte seus próprios
interesses de maneira eficaz; e, além disso, ele provavelmente perde mais
com a redução do volume de seu produto do que economiza com o
tributo. Embora, em consequência desse cultivo miserável, o mercado
fique, sem dúvida, um pouco mais desabastecido, o pequeno aumento de
preço que isso pode ocasionar, já que nem sequer é capaz de indenizar o
agricultor pela diminuição de seu produto, tem ainda menos
possibilidade de permitir-lhe pagar uma renda maior ao proprietário da
terra. O público, o agricultor e o proprietário, todos sofrem em maior ou
menor grau com esse cultivo degradado. Já tive oportunidade de
observar no terceiro livro desta obra que a talha pessoal tende, de muitas
formas diferentes, a desencorajar o cultivo, e consequentemente a secar a
principal fonte de riqueza de todo grande país.
Os tributos que são chamados de impostos per capita (capitação) nas
províncias meridionais da América do Norte e nas ilhas das Índias
Ocidentais, tributos anuais cobrados por cabeça de cada escravo negro,
constituem propriamente tributos sobre os lucros de certo tipo de capital
empregado na agricultura. Como a maior parte dos latifundiários são
tanto agricultores quanto proprietários, o pagamento final do imposto
recai sobre eles em sua qualidade de proprietários sem qualquer
retribuição.
Parece que, antigamente, a capitação sobre os servos ou cativos era
uma forma comum de tributação em toda a Europa. Ainda existe hoje
um tributo desse tipo no império da Rússia. É provavelmente por isso
que os impostos per capita de todos os tipos costumam ser vistos como
um símbolo de escravidão. No entanto, todo tributo não constitui para a
pessoa que o paga um símbolo de escravidão, mas de liberdade. Ele
mostra que a pessoa está, de fato, sujeita ao governo, mas que, já que
possui uma propriedade, ela não pode ser propriedade de ninguém. Um
imposto per capita sobre escravos é completamente diferente de um
imposto per capita sobre homens livres. Este último é pago pelas pessoas
a quem é imposto; o primeiro é pago por um outro grupo de pessoas.
Este último é completamente arbitrário ou completamente desigual, e na
maioria dos casos é as duas coisas; o primeiro, embora seja desigual em
alguns aspectos, pois diferentes escravos possuem valores diferentes, não
é de forma alguma arbitrário. Todo proprietário que conhece o número
de seus próprios escravos sabe exatamente o que teve de pagar. No
entanto, tem-se considerado que esses dois tributos diferentes, por terem
nomes iguais, possuem a mesma natureza.668
Os tributos que na Holanda são impostos às servidoras (ou
empregadas) domésticas não são tributos incidentes sobre o capital, mas
sobre as despesas; e, nesse sentido, assemelham-se aos tributos sobre os
bens de consumo. O recente tributo britânico de 1 guinéu por cabeça de
cada servidor (ou empregado) masculino é do mesmo tipo. Ele recai de
forma mais pesada para a classe média. Um homem que ganhe 200 libras
por ano poderá manter um único empregado. Um homem que ganhe 10
mil por ano não conseguirá manter cinquenta. O tributo não afeta os
pobres.
Os tributos sobre os lucros do capital de determinadas aplicações
jamais afetam os juros do dinheiro. Ninguém emprestará seu dinheiro a
juros menores àqueles que empregam o capital em aplicações tributadas
do que aos que o empregam em aplicações não tributadas. Em muitos
casos, quando o governo tenta arrecadar com algum grau de exatidão os
tributos sobre a renda de todas as aplicações do capital, estes recairão
sobre os juros do dinheiro. O vingtième, ou vigésimo penny, na França, é
um imposto do mesmo tipo do imposto fundiário inglês, sendo também
cobrado sobre os rendimentos das terras, das casas e do capital. Na
medida em que afeta o capital, é cobrado, não com muito rigor, mas pelo
menos com precisão muito maior do que aquela parcela do imposto
fundiário inglês que é imposto ao mesmo fundo. Em muitos casos, recai
somente sobre os juros do dinheiro. Na França, o dinheiro costuma ser
aplicado nos chamados contratos para a constituição de renda; isto é,
uma renda anual perpétua, resgatável a qualquer tempo pelo devedor
após o pagamento do valor originalmente adiantado, mas cuja devolução
não é exigível pelo credor, exceto em casos particulares. O vingtième
parece não ter aumentado a taxa dessas rendas perpétuas, embora todas
elas sejam tributadas de forma bastante exata.

APÊNDICE AOS ARTIGOS I E II


TRIBUTOS SOBRE O VALOR CAPITAL DAS TERRAS, DAS CASAS E DO
CAPITAL
Enquanto a propriedade se mantiver na posse da mesma pessoa, os
tributos permanentes que possam incidir sobre ela nunca têm como
objetivo diminuir ou retirar qualquer parcela de seu valor capital, mas
apenas uma parte dos rendimentos decorrentes dele. Mas quando a
propriedade muda de mãos, quando é transmitida dos mortos para os
vivos (causa mortis), ou entre vivos (inter vivos), esses tributos costumam
ser impostos à propriedade para, necessariamente, retirar uma parcela de
seu valor capital.
A transferência de todos os tipos de bens dos mortos para os vivos e a
de bens imóveis, de terras e casas, inter vivos, são transações públicas e
notórias por natureza, isto é, são transações que não podem permanecer
ocultas por muito tempo. Essas transações, assim, podem ser tributadas
diretamente. A transferência de capital, ou de bens móveis, inter vivos,
pelo empréstimo de dinheiro, costuma ser uma transação secreta,
podendo ser sempre realizada assim. E, portanto, sua tributação direta é
mais difícil. A transferência é tributada indiretamente de duas maneiras:
primeiro, pela exigência de que o documento que contenha a obrigação
de restituir o empréstimo seja escrito em papel ou pergaminho que tenha
pago taxas públicas (stamp-duties), sob pena de invalidade do ato;
segundo, sob a mesma pena de invalidade, pela exigência de que o título
seja arquivado em um registro público ou secreto, impondo-se certas
taxas a esse arquivamento. Têm-se cobrado frequentemente taxas
públicas (stamp-duties) e taxas de registro aos documentos que
transferem a propriedade de qualquer tipo, causa mortis, e aos que
transferem propriedades imóveis inter vivos, transações estas que
facilmente poderiam ter sido tributadas diretamente.
A Vicesima Hereditatum, ou seja, o vigésimo penny sobre heranças,
imposto aos antigos romanos por Augusto, era um tributo sobre a
transferência de propriedade causa mortis. Dion Cássio,669 autor que
escreve sobre isso de forma menos indistinta, diz que se cobrava o tributo
em todas as sucessões, legados e doações, em caso de morte, exceto nas
transferências aos parentes mais próximos e aos pobres.
O tributo holandês sobre sucessões é do mesmo tipo.670 As sucessões
colaterais são tributadas entre 5% e 30% do valor total da sucessão, de
acordo com o grau de parentesco. As doações por testamento ou os
legados a parentes colaterais estão sujeitos às mesmas alíquotas. Do
marido para a mulher ou vice-versa, estão sujeitos ao quinquagésimo
penny. A Luctuosa Hereditas, a sucessão de ascendentes para
descendentes, sujeita-se apenas ao vigésimo penny. As sucessões diretas,
de descendente para ascendente, são isentas. A morte de um pai, para os
filhos que vivem na mesma casa com ele, raramente gera aumento nos
rendimentos e, com frequência, promove sua considerável diminuição,
como consequência da perda de seu trabalho, cargo, ou de alguma
propriedade de que detivesse a posse e uma renda vitalícia. O tributo que
agravasse a perda sofrida pelos filhos, privando-os de alguma parte de
sua herança, seria cruel e opressivo. Entretanto, pode ser outra a situação
do filho que, na linguagem do direito romano, é chamado de emancipado
e que, na linguagem do direito escocês, é chamado de forisfamiliatus, isto
é, aquele que já recebeu sua parcela da herança, constituiu sua própria
família e se sustenta por meio de fundos diferentes e independentes dos
de seu pai. Qualquer parcela da sucessão de seu pai que lhe coubesse
seria um acréscimo real à sua fortuna e poderia, portanto, pagar algum
tributo, talvez sem sofrer outros inconvenientes senão aqueles que são
provocados por todos os impostos desse tipo.
No direito feudal, as causalities eram tributos sobre a transferência de
terras, tanto dos mortos para os vivos (causa mortis) quanto dos vivos
para os vivos (inter vivos). Antigamente, em toda a Europa, elas
constituíam uma das principais fontes de receita da coroa.
O herdeiro de cada vassalo imediato da coroa, ao receber a
investidura da propriedade, pagava um certo tributo, geralmente a renda
de um ano. Se o herdeiro fosse menor de idade, todas as rendas da terra,
durante a continuidade da minoridade, eram transferidas para o seu
superior e não lhe era cobrado mais nada exceto o sustento do menor e o
pagamento do contradote da viúva, sempre que a terra estivesse gravada
com um contradote. Quando o menor atingia a maioridade, era preciso
pagar outro tributo ao seu senhor, chamada de relief, e, em geral,
equivalente a um ano de renda. Uma longa minoridade que, nos tempos
atuais, é capaz de desobrigar uma grande propriedade de todos os seus
ônus e restaurar a família ao seu antigo esplendor poderia não gerar esses
efeitos naqueles tempos. O efeito comum de uma longa minoridade era o
desperdício, e não a desoneração dos encargos sobre as terras.
O direito feudal não permitia que o vassalo alienasse sem o
consentimento de seu superior, que geralmente lhe extorquia uma multa
ou uma compensação para conceder o direito de venda. A multa, que,
inicialmente, era arbitrária, passou a ser regulada, em muitos países, por
uma parcela do preço da terra. Em alguns países, onde a maior parte dos
outros costumes feudais caiu em desuso, esse tributo sobre a alienação da
terra ainda é um ramo muito considerável de receitas para o soberano.
No cantão de Berna esse imposto chega a 1/6 do preço de todos os feudos
nobres e 1/10 dos feudos não nobres.671 No cantão de Lucerna, o imposto
sobre a venda de terras não é universal e ocorre apenas em certos
distritos. Mas quem vende suas terras com a intenção de sair do território
paga 10% sobre o preço total da venda.672 Em muitos outros países
existem as mesmas espécies de tributos sobre a venda integral de terras
ou sobre a venda de terras detidas por certos tipos de título; e, em maior
ou menor grau, são ramos consideráveis de receitas do soberano.
Essas transações podem ser tributadas indiretamente, por meio de
impostos de selo (stamp duties) ou de taxas sobre o registro, e esses
tributos podem ser proporcionais ou não ao valor daquilo que será
transferido.
Na Grã-Bretanha, os impostos de selo são maiores ou menores de
acordo não muito com o valor da propriedade transferida (um selo de 18
pence é suficiente para um contrato sobre uma quantia extrema de
dinheiro), mas sim de acordo com a natureza do ato. Os maiores não
excedem 6 libras sobre cada folha de papel, ou pele de pergaminho; e
esses valores altos recaem principalmente sobre concessões da coroa e
sobre certos processos judiciais, sem levar em consideração o valor do
objeto principal. Na Grã-Bretanha não existem taxas sobre o registro de
títulos ou documentos, excetuados os honorários dos oficiais de registro,
que raramente representam mais que uma remuneração justa pelo
trabalho desses oficiais. A coroa não obtém receitas delas.
Na Holanda673 existem os dois, impostos de selo e taxas sobre o
registro, que, em alguns casos, são proporcionais ao valor do imóvel
transferido e, em outros, não o são. Todos os testamentos devem ser
escritos sobre o papel selado, cujo preço é proporcional ao imóvel
transmitido; existem, assim, selos que vão de 3 pence, ou 3 stivers por
folha, até 300 florins, isto é, cerca de 27 libras esterlinas e 10 xelins em
nosso dinheiro. Se o selo for de preço inferior ao que o testador deveria
ter usado, a sucessão é confiscada. Esse imposto incide em conjunto com
todos os outros tributos sobre sucessão. Exceto as letras de câmbio e
alguns outros títulos mercantis, todos os outros títulos, obrigações e
contratos estão sujeitos a uma taxa pública (stamp duty). Esse imposto,
no entanto, não aumenta proporcionalmente ao valor do objeto. Todas as
vendas de terras e casas e todas as hipotecas sobre ambas devem ser
registradas e, no momento do registro, devem pagar ao Estado um
imposto de 2,5% sobre o valor do preço ou da hipoteca. Esse imposto
estende-se à venda de navios e embarcações de mais de duas toneladas de
capacidade, sejam elas com ou sem convés. Estas, ao que parece, são
consideradas como uma espécie de casa flutuante. A venda de bens
móveis, quando ordenada por um tribunal de justiça, está sujeita a um
tributo semelhante de 2,5%.
Na França também existem os dois tributos, impostos de selo e taxas
sobre o registro. O primeiro tributo é considerado como um ramo dos
aides ou dos tributos sobre o consumo; e, nas províncias em que esses
impostos ocorrem, são cobradas pelos funcionários do imposto sobre
bens de consumo. As taxas sobre o registro são consideradas um domínio
da coroa e são recolhidas por outra categoria de funcionários.
Essas formas de tributação, por meio de taxas públicas e das taxas
sobre o registro, são uma invenção bem moderna. No decurso de pouco
mais de um século, no entanto, os impostos de selo tornaram-se, na
Europa, quase universais, e as taxas sobre o registro são extremamente
comuns. Não há outra arte que um governo aprenda de outro com maior
celeridade do que a de extrair dinheiro dos bolsos da população.
Os tributos causa mortis de transferência recaem, em última análise e
também diretamente, sobre a pessoa para a qual se faz a transferência. Os
impostos sobre a venda de terras recaem inteiramente sobre o vendedor.
O vendedor quase sempre têm necessidade de vender, e deve, portanto,
aceitar o preço que lhe for possível conseguir. O comprador quase nunca
tem necessidade de comprar e, portanto, oferecerá o preço que quiser. Ele
leva em consideração quanto a terra lhe custará no total, somando-se os
tributos e o preço. Quanto mais ele for obrigado a pagar em tributos,
menos estará disposto a pagar pelo preço. Esses tributos, portanto, quase
sempre recaem sobre uma pessoa em necessidade e, por isso, muitas
vezes são necessariamente muito cruéis e arbitrários. Os tributos sobre a
venda de casas recém-construídas, em que o prédio é vendido sem o
terreno, recaem geralmente sobre o comprador, porque o construtor
deve, em geral, obter seu lucro; caso contrário, ele será obrigado a
abandonar sua atividade. Portanto, se ele adiantar o pagamento do
imposto, o comprador deve, em geral, reembolsá-lo. Os tributos sobre a
venda de casas antigas, pelo mesmo motivo dos tributos sobre a venda de
terras, recaem geralmente sobre o vendedor, que, na maioria dos casos, é
obrigado a vender por conveniência ou necessidade. O número de casas
recém-construídas e, anualmente, levadas ao mercado é regulado, em
maior ou menor grau, pela demanda. A menos que a demanda não seja
capaz de garantir o lucro do construtor, ele, depois de pagar todas as
despesas, não mais construirá casas. O número de casas antigas que
chegam ao mercado a qualquer momento é regulado por acidentes que,
em sua maioria, não possuem nenhuma relação com a demanda. Duas
ou três grandes bancarrotas em uma cidade mercantil já são capazes de
levar muitas casas à venda, que serão vendidas pelo preço que for
possível se conseguir. Os tributos sobre a venda das rendas do terreno
recaem por inteiro sobre o vendedor, pelo mesmo motivo dos tributos
incidentes sobre a venda de terra. Os impostos de selo e as taxas sobre o
registro de obrigações e contratos de empréstimo recaem completamente
sobre o tomador, e, de fato, são sempre pagos por ele. Tributos do mesmo
tipo, devidos em processos judiciais, recaem sobre os litigantes. Para
ambos, eles reduzem o valor intrínseco do objeto sob disputa. Quanto
mais custar adquirir qualquer bem imóvel, menor será o seu valor
líquido no momento da aquisição.
Na medida em que todos os tributos sobre a transferência de
quaisquer propriedades diminuem o valor dessa propriedade, eles
tendem a diminuir os fundos destinados ao sustento do trabalho
produtivo. Em maior ou menor grau, são todos tributos que levam ao
desperdício, aumentando as receitas do soberano, as quais normalmente
sustentam apenas trabalhadores improdutivos, à custa do capital da
população, o qual sustenta apenas trabalhadores produtivos.674
Esses tributos continuam sendo desiguais, mesmo quando são
proporcionais ao valor da propriedade transferida, pois a frequência das
transferências nem sempre é igual em relação às propriedades de mesmo
valor. Quando não são proporcionais a esse valor, que é o caso da maior
parte dos impostos de selo e tributos sobre o registro, eles são ainda mais
desiguais. Não são arbitrários em nenhum aspecto, mas são, ou podem
ser, perfeitamente claros e certos em todos os casos. Embora recaiam, às
vezes, sobre a pessoa com pouca capacidade para pagá-lo, a data de
pagamento é, na maioria dos casos, bastante conveniente para ele. Na
data de vencimento do tributo, o contribuinte, na maioria dos casos,
costuma ter o dinheiro para pagar. Eles são arrecadados com o mínimo
de despesas e, em geral, os contribuintes não estão sujeitos a outros
inconvenientes senão o incômodo inevitável de pagar o tributo.675
Na França não há muita reclamação contra os impostos de selo. Mas
há em relação aos tributos sobre o registro, chamado de contrôle.
Afirmam que geram muita extorsão contra os contribuintes por parte dos
funcionários da Fazenda que recolhem o tributo, o qual, na maioria dos
casos, é altamente arbitrário e incerto. Na maioria dos libelos escritos
contra o atual sistema de finanças vigente na França, os abusos do
contrôle são o principal assunto. A incerteza, no entanto, não parece ser
necessariamente inerente à natureza desses tributos. Caso as reclamações
populares sejam arrazoadas, o abuso não deve sua origem tanto à
natureza do tributo, mas à falta de precisão e de clareza gramatical dos
editos ou leis que o criaram.
O registro de hipotecas e, em geral, de todos os direitos sobre bens
imóveis oferece grande segurança tanto aos credores quanto aos
compradores e, por isso, é extremamente vantajoso para o setor público.
O registro da maior parte dos títulos de outros tipos costuma ser
inconveniente e até mesmo perigoso para os indivíduos, não trazendo
nenhuma vantagem para o público. Todos os registros que precisam ser
mantidos em segredo certamente nunca deveriam existir. É certo que o
crédito dos indivíduos não deve nunca depender de uma segurança tão
fraca quanto a probidade e a religião dos funcionários inferiores da
receita. Mas sempre que as taxas de registro são transformadas em fonte
de receitas para o soberano, os cartórios dos registros geralmente se
multiplicam ao infinito, tanto para os títulos que devem ser registrados
como para os que não devem. Na França, existem vários tipos de
registros secretos. Embora esse abuso talvez não seja um efeito necessário
dessas taxas, devemos reconhecer que é um efeito muito natural delas.
Os impostos de selo semelhantes aos existentes na Inglaterra,
incidentes sobre jogos de cartas e de dados, sobre jornais, folhetos
periódicos, etc., são, na verdade, tributos sobre o consumo; o pagamento
final deles recai sobre as pessoas que utilizam ou consomem essas
mercadorias. Embora se desejasse, talvez, que os impostos de selo sobre
as licenças para vender cerveja, vinho e destilados no varejo recaíssem
sobre os lucros dos varejistas, eles são, ao final, pagos pelos consumidores
dessas bebidas. Embora esses tributos tenham o mesmo nome, sejam
recolhidos pelos mesmos funcionários e da mesma forma que os
impostos de selo sobre a transferência de propriedade anteriormente
mencionados, eles são, entretanto, de natureza totalmente diversa e
recaem sobre fundos bastante diferentes.

ARTIGO III
TRIBUTOS SOBRE O SALÁRIO DO TRABALHO
Conforme mostrei no primeiro livro, os salários das categorias inferiores
de trabalhadores são, em toda parte, necessariamente regulados por duas
circunstâncias diferentes: a demanda por trabalho e o preço comum ou
médio dos mantimentos. A demanda por trabalho, conforme esteja
crescente, estagnada ou em declínio, ou conforme exija uma população
crescente, estagnada ou em declínio, regula a subsistência do trabalhador
e determina em que grau ela será: liberal, moderada ou escassa. O preço
comum ou médio dos mantimentos determina a quantidade de dinheiro
que deve ser paga ao trabalhador para permitir que ele, um ano com
outro, compre essa subsistência liberal, moderada ou escassa. Desse
modo, enquanto a demanda por trabalho e o preço dos mantimentos
permanecerem iguais, um tributo direto sobre os salários do trabalho não
terá outro efeito senão aumentá-los a um valor um pouco acima do
tributo. Vamos supor, por exemplo, que em um determinado lugar a
demanda por trabalho e o preço dos mantimentos sejam tais que os
salários comuns do trabalho possam ser de 10 xelins por semana;
suponhamos que os salários sejam tributados em 1/5, isto é, em 4 xelins
por libra. Se a demanda por trabalho e o preço dos mantimentos
permanecessem iguais, ainda assim seria necessário que o trabalhador,
sem pagar o imposto, ganhasse para sua manutenção tudo o que pode ser
comprado com apenas 10 xelins por semana, ou seja, que, depois de
pagar o tributo, ele ainda tivesse 10 xelins por semana como salário livre.
Para que ele tenha esse salário livre após o pagamento do tributo, o preço
do trabalho neste lugar hipotético deverá aumentar não apenas para 12
xelins por semana, mas para 12 xelins e 6 pence; isto é, para que o
trabalhador possa pagar um tributo de 1/5, seu salário deve
necessariamente ter um aumento de 1/4 e não de apenas 1/5. Seja qual
for a proporção do tributo, os salários do trabalho devem, em todos os
casos, aumentar, não só nessa proporção, mas em uma proporção maior.
Se, por exemplo, o tributo for de 1/10, os salários do trabalho devem
necessariamente aumentar, não apenas em 1/10 mas em 1/8.
Assim, ainda que o tributo direto sobre os salários do trabalho fosse,
talvez, pago pelo próprio trabalhador, não poderíamos dizer com
propriedade que o imposto estaria sendo adiantado pelo trabalhador, ao
menos se a demanda por trabalho e o preço médio dos mantimentos
permanecessem os mesmos antes e depois do tributo. Em todos esses
casos, não apenas o tributo, mas algo mais do que ele, seria na verdade
adiantado pela pessoa que o emprega de forma direta. O pagamento final
caberia, em cada caso específico, a pessoas diferentes. O aumento que
esse tributo poderia ocasionar nos salários do trabalho manufatureiro
seria adiantado pelo dono da manufatura, que teria direito e seria
obrigado a embuti-lo, com lucro, no preço de suas mercadorias. O
pagamento final desse aumento salarial, portanto, juntamente com o
lucro adicional do dono da manufatura, recairia sobre o consumidor. O
aumento que esse tributo poderia gerar nos salários do trabalho rural
seria adiantado pelo agricultor, o qual, para manter o mesmo número de
trabalhadores que antes, seria obrigado a aplicar um capital maior.
Objetivando recuperar esse capital maior, juntamente com os lucros
ordinários do capital, ele precisaria reter uma parcela maior, ou, o que dá
no mesmo, o preço de uma parcela maior do produto da terra e,
consequentemente, precisaria pagar uma renda menor ao proprietário da
terra. Portanto, o pagamento final desse aumento salarial, juntamente
com o lucro adicional do agricultor, que o havia adiantado, recairia sobre
o proprietário da terra. Em todos os casos, um imposto direto sobre os
salários do trabalho deve, a longo prazo, gerar tanto uma maior redução
da renda da terra quanto um maior aumento do preço dos bens
manufaturados do que poderia obter-se de uma soma igual de tributos
cobrados em parte sobre a renda da terra e em parte sobre os bens de
consumo.
Se os impostos diretos sobre os salários do trabalho nem sempre
conseguem gerar um aumento proporcional desses salários, é porque eles
geralmente causam uma queda considerável na demanda por trabalho.
Em geral, o efeito desses tributos tem sido o declínio do trabalho, a
diminuição dos postos de trabalho para os pobres e a redução do produto
anual da terra e do trabalho do país. Como consequência desses tributos,
porém, o preço do trabalho deve sempre ser mais alto do que seria no
estado real da demanda efetiva; e esse aumento de preço, juntamente com
o lucro dos que o adiantam, sempre será inevitavelmente pago pelos
proprietários de terras e pelos consumidores.
Um imposto sobre os salários do trabalho rural não eleva o preço da
matéria-prima das terras em proporção ao tributo, pela mesma razão que
um tributo sobre o lucro dos agricultores não eleva esse preço em
proporção ao tributo.
Ainda que sejam absurdos e destrutivos, esses tributos existem em
muitos países. Na França, aquela parcela da talha que é cobrada sobre as
atividades dos trabalhadores das aldeias rurais é um tributo desse mesmo
gênero. Seus salários são calculados de acordo com a taxa comum do
distrito em que residem, e, para que possam se sujeitar o menos possível
a quaisquer encargos extraordinários, seus ganhos anuais são estimados
em no máximo duzentos dias úteis no ano.676 O imposto de cada
indivíduo sofre variações anuais de acordo com diferentes circunstâncias,
das quais são juízes o coletor ou o comissário, quem for nomeado pelo
intendente para ajudá-lo. Na Boêmia, em consequência da alteração no
sistema de finanças, iniciado em 1748, impõe-se um tributo muito
pesado ao trabalho dos artesãos. Eles estão divididos em quatro classes. A
classe mais alta paga 100 florins por ano, que, ao câmbio de 22,5 pence,
equivale a 9 libras, 7 xelins e 6 pence. O tributo da segunda classe é de 70
florins; da terceira, 50; e da quarta, compreendendo os artífices das
aldeias e a classe mais baixa de artífices nas cidades, de 25 florins.
Conforme me empenhei para mostrar no primeiro livro desta obra, a
remuneração dos artesãos engenhosos e dos profissionais liberais
mantém necessariamente certa proporção com os salários das profissões
menores. Um tributo sobre essa remuneração, portanto, não poderia ter
outro efeito senão elevá-la um pouco mais do que proporcionalmente ao
tributo. Se não aumentasse dessa maneira, as artes engenhosas e as
profissões liberais, não estando mais no mesmo nível das outras
atividades, ficariam tão esvaziadas que rapidamente voltariam a esse
nível.
Os salários das funções públicas, diferentemente dos recebidos pelas
atividades comerciais e pelas profissões, não são regulados pela livre
concorrência do mercado e, portanto, nem sempre guardam uma
proporção exata com o que a natureza do emprego exige. Na maioria dos
países, talvez, esses vencimentos são mais altos que o exigido; aqueles que
fazem parte da administração pública estão, em geral, dispostos a
oferecer a si mesmos e a seus dependentes imediatos remunerações que
ultrapassam o valor necessário. Na maioria dos casos, portanto, os
emolumentos dos cargos públicos estão muito aptos a suportar a
tributação. Além disso, as pessoas que desfrutam de cargos públicos,
especialmente os mais lucrativos, estão em todos os países sujeitas à
inveja geral; e um tributo sobre seus emolumentos, embora deva ser um
pouco maior do que o tributo sobre qualquer outro tipo de rendimento, é
sempre um tributo muito popular. Na Inglaterra, por exemplo, na época
em que, por causa do imposto fundiário, se supunha que todos os outros
tipos de rendimentos deveriam ser cobrados a uma taxa de 4 xelins por
libra, era muito popular impor um tributo real de 5 xelins e 6 pence por
libra sobre os vencimentos dos cargos públicos que passassem de 100
libras anuais, excetuando-se as pensões dos grupos mais jovens da
família real, o pagamento dos oficiais do exército e da marinha e alguns
outros menos sujeitos à inveja. Não há, na Inglaterra, nenhum outro
imposto direto sobre os salários do trabalho.

ARTIGO IV
TRIBUTOS QUE, CONFORME SE PRETENDE, DEVEM RECAIR
INDIFERENTEMENTE SOBRE TODAS AS DIFERENTES ESPÉCIES DE
RENDIMENTOS
Os tributos que, conforme se pretende, devem recair indiferentemente
sobre todas as diferentes espécies de rendimentos são os impostos de
capitação e os tributos sobre os bens de consumo Devem ser pagos por
todos os contribuintes, independentemente da origem de seus
rendimentos: sejam provenientes da renda de suas terras, dos lucros de
seu capital ou do salário de seu trabalho.

CAPITAÇÃO
Os impostos de capitação tornam-se completamente arbitrários caso se
tente fazê-los proporcionais à fortuna ou ao rendimento de cada
contribuinte. A situação da fortuna de uma pessoa varia diariamente e,
sem uma inquirição um pouco mais intolerável do que qualquer tributo e
que deve ser repetida todos os anos, ela somente poderá ser presumida.
Por conseguinte, a sua tributação dependerá, na maior parte dos casos,
do bom ou mau humor de seus cobradores, sendo, portanto,
completamente arbitrária e incerta.
Os impostos de capitação se tornam completamente desiguais, caso
sejam feitos proporcionais à posição social de cada contribuinte, e não à
fortuna que supostamente possui; isso porque os graus de fortuna de uma
mesma posição são frequentemente diferentes.
Assim, caso se tente fazer tais tributos iguais, eles acabam se tornando
completamente arbitrários e incertos, e caso se tente fazê-los certos e não
arbitrários, tornam-se completamente desiguais. Não importa se o
tributo é leve ou pesado, sua incerteza é sempre uma grande injustiça.
Em um tributo leve é possível suportar-se um grau considerável de
desigualdade; em um pesado, ela é completamente intolerável.
Nos diversos impostos de capitação que existiram na Inglaterra
durante o reinado de Guilherme III, a maior parte dos contribuintes era
tributada conforme o grau de sua posição, a saber, duques, marqueses,
condes, viscondes, barões, escudeiros, cavalheiros, filhos primogênitos e
os mais moços dos pares, etc. Todos os lojistas e comerciantes com
patrimônio acima de 300 libras esterlinas, ou seja, os melhores em sua
classe, estavam sujeitos à mesma tributação, independentemente da
diferença que pudesse haver entre suas fortunas. Considerava-se mais a
posição social que a fortuna. Várias pessoas que, na primeira capitação,
haviam sido tributadas de acordo com sua suposta fortuna foram
posteriormente tributadas de acordo com sua posição social. Os
profissionais do direito, conhecidos na Inglaterra como serjeants,
attorneys e proctors, que na primeira capitação foram tributados em 3
xelins por libra de seus supostos rendimentos, foram posteriormente
tributados como cavalheiros. Considerou-se que, na cobrança de um
imposto que não era muito pesado, um grau considerável de
desigualdade era menos insuportável do que qualquer grau de incerteza.
Na capitação francesa, arrecadada sem nenhuma interrupção desde o
início do século atual, as classes mais altas são tributadas de acordo com
sua posição por uma tarifa invariável; as classes mais baixas, de acordo
com sua suposta fortuna, por uma tributação que varia de ano para ano.
Os funcionários da corte real, os juízes e outros funcionários dos
tribunais superiores de justiça, os oficiais das tropas, etc. são tributados
da primeira forma. Nas províncias, as classes mais baixas da população
são tributadas da segunda forma. Na França, as classes mais altas se
submetem facilmente a um grau considerável de desigualdade de um
tributo que, na medida em que as afeta, não é muito pesado, mas não
toleram a cobrança arbitrária realizada por um intendente. As classes
mais baixas devem, naquele país, sofrer pacientemente com o tratamento
que seus superiores acham adequado lhes oferecer.
Na Inglaterra, os diversos impostos per capita nunca produziram a
soma que se esperava deles, ou que, supostamente, poderiam produzir
caso fossem recolhidos com exatidão. Na França, a capitação sempre
produz a receita que dela se espera. Quando o governo comedido da
Inglaterra tributou as diferentes classes de pessoas pelo imposto per
capita, contentou-se com o valor produzido por essa tributação e não
requisitou compensações pelas perdas do Estado, advindas tanto
daqueles que não eram capazes de pagar quanto daqueles que
simplesmente não pagavam (pois havia muita gente assim) e que não
eram obrigados a pagar, pois a lei era executada de forma muito
indulgente. O governo mais severo da França estipula o valor do tributo a
ser pago por cada generalidade, cujo intendente deve arrecadá-lo como
puder. Se alguma província se queixar por estar pagando um tributo
muito alto, poderá, no ano seguinte, obter uma redução proporcional ao
excesso do ano anterior; deve, no entanto, pagar o tributo estipulado para
aquele ano. O intendente, objetivando arrecadar a quantia imposta à sua
generalidade, podia impor-lhe uma soma maior para que a sonegação ou
a incapacidade de alguns contribuintes pudesse ser compensada pela
sobrecarga dos outros; até 1765, a fixação dessa cobrança excedente ficava
inteiramente a seu critério. Naquele ano, de fato, o conselho tomou para
si esse poder. Na capitação imposta às províncias, conforme observa o
muito bem-informado autor dos Mémoires sobre os impostos na França,
a menor parcela é a que recai sobre a nobreza e sobre aqueles cujos
privilégios os isentam do pagamento da talha. A maior parcela recai
sobre aqueles que estão sujeitos ao pagamento da talha; e, para eles, o
valor da capitação é específico por cada libra paga na talha.
Os impostos de capitação, na medida em que são cobrados das classes
mais baixas da população, são tributos diretos sobre os salários do
trabalho, e são acompanhados de todos os inconvenientes desses tributos.
As despesas para a arrecadação da capitação são baixas; e, sempre que
são cobrados de maneira rigorosa, oferecem uma renda bastante segura
para o Estado. É por esse motivo que os impostos de capitação são muito
comuns nos países em que o bem-estar, o conforto e a segurança das
classes mais baixas da população são pouco observados. No entanto, em
um grande império, esses tributos costumam ser responsáveis por uma
pequena parcela das receitas públicas; e o valor máximo que eles são
capazes de proporcionar pode sempre ser arrecadado de alguma outra
maneira muito mais conveniente para a população.

TRIBUTOS SOBRE BENS DE CONSUMO


A impossibilidade de tributar a população proporcionalmente ao seu
rendimento mediante qualquer imposto de capitação parece ter dado
origem à invenção dos tributos sobre bens de consumo. O Estado, não
sabendo como tributar, direta e proporcionalmente, o rendimento de
seus súditos, busca tributá-los indiretamente, tributando suas despesas, a
qual, supõem-se, será quase proporcional aos seus rendimentos. Suas
despesas são tributadas ao se tributarem os bens de consumo sobre os
quais aplicam seus rendimentos.
Os bens de consumo dividem-se em bens necessários e supérfluos.
Por bens necessários entendo não somente os bens
indispensavelmente necessários para o sustento, mas também tudo aquilo
que as pessoas respeitáveis (até mesmo para as pessoas das classes mais
baixas) devem ter, pois a sua falta é considerada indecente pelos
costumes do país. Uma camisa de linho, por exemplo, não é, estritamente
falando, um bem de primeira necessidade. Suponho que, mesmo sem o
linho, gregos e romanos viviam de maneira bastante confortável. Mas, na
maior parte da Europa atual, um trabalhador diarista respeitável se
envergonharia de aparecer em público sem uma camisa de linho, cuja
falta supostamente denotaria um grau vergonhoso de pobreza ao qual,
segundo se presume, ninguém chega, exceto por uma conduta
extremamente má. Os costumes, da mesma forma, tornaram os sapatos
de couro um bem de primeira necessidade na Inglaterra. A pessoa mais
pobre de qualquer sexo teria vergonha de aparecer em público sem eles.
Na Escócia, o costume fez deles um bem necessário para a classe mais
baixa de homens, mas não para a mesma classe de mulheres, que podem,
sem nenhum descrédito, andar descalças. Na França, eles não são bens
necessários nem para os homens nem para as mulheres; homens e
mulheres das classes mais baixas aparecem em público, sem nenhum
descrédito, usando calçados de madeira ou, às vezes, descalços. Desse
modo, entendo por bens necessários não somente as coisas que, por
natureza, são necessárias para as classes mais baixas da população, mas
também as coisas que as regras estabelecidas de decência julgam
necessárias. A todo o resto chamo de bens supérfluos; não pretendo, com
esse nome, lançar nenhuma censura a quem faz uso moderado desses
bens. Por exemplo, a cerveja na Grã-Bretanha e o vinho, mesmo nos
países vinícolas, eu chamo de bens supérfluos. Uma pessoa de qualquer
classe, sem nenhuma censura, pode abster-se totalmente dessas bebidas.
Por sua natureza, não são bens necessários para o sustento da vida e, em
lugar nenhum, o costume declara ser indecente viver sem eles.
Tendo em vista que, em todos os lugares, os salários do trabalho são
regulados, em parte, pela demanda por trabalho e, em parte, pelo preço
médio dos bens necessários para a subsistência, tudo o que eleva esse
preço médio necessariamente eleva aqueles salários para que, assim, o
trabalhador ainda seja capaz de comprar a quantidade de bens
necessários que é exigida pela situação da demanda por trabalho, seja ela
crescente, estagnada ou em declínio.677 Um imposto sobre esses artigos
eleva inevitavelmente seu preço a um valor um pouco acima do montante
do imposto, pois o negociante, que adianta o tributo, geralmente precisa
recuperá-lo com lucro. Esse imposto deve, portanto, causar aumento dos
salários do trabalho proporcionalmente a esse aumento de preço.
Assim, um tributo sobre bens necessários opera exatamente da
mesma forma que um tributo direto sobre os salários do trabalho.
Embora o trabalhador possa ser a pessoa que o paga, não se pode dizer
com propriedade mesmo que ele o adiante. O imposto a pagar no longo
prazo deverá ser sempre adiantado ao trabalhador por meio do aumento
de seu salário pelo seu empregador imediato. Se o empregador for um
manufaturador, ele cobrará esse aumento salarial e uma parcela de seus
lucros no preço de suas mercadorias; assim, o pagamento final do
imposto, juntamente com essa cobrança adicional, recairá sobre o
consumidor. Se o empregador for um agricultor, o pagamento final, junto
com uma sobrecarga similar, recairá sobre a renda do senhor da terra.
O mesmo não ocorre com os tributos sobre o que eu chamo de
supérfluo, mesmo sobre o dos pobres. O aumento do preço das
mercadorias tributadas não ocasionará necessariamente aumento nos
salários do trabalho. Um tributo sobre o tabaco, por exemplo, embora se
trate de um bem supérfluo tanto para os pobres quanto para os ricos, não
fará aumentar os salários. Embora o tributo na Inglaterra corresponda ao
triplo de seu preço original e na França a quinze vezes o seu preço
original, esses altos impostos parecem não causar efeito sobre os salários
do trabalho. O mesmo pode ser dito dos tributos sobre o chá e o açúcar,
que, na Inglaterra e na Holanda, se tornaram bens supérfluos das classes
mais baixas da população, e aqueles sobre o chocolate, que dizem que na
Espanha se tornaram supérfluos do mesmo modo. Os diferentes tributos
que, na Grã-Bretanha, foram impostos às bebidas destiladas no decorrer
do atual século não se supõem que tenham causado qualquer efeito sobre
os salários do trabalho. O aumento do preço da cerveja do estilo porter
resultante de um tributo adicional de 3 xelins por barril de cerveja de alto
teor alcoólico não causou aumento nos salários do trabalho comum em
Londres. Eram de aproximadamente 18 a 20 pence por dia antes do
imposto e mantiveram-se iguais após a tributação.
O alto preço dessas mercadorias não diminui necessariamente a
capacidade das classes mais baixas para sustentar suas famílias. Em
relação aos pobres prudentes e trabalhadores, os impostos sobre tais
mercadorias agem como leis suntuárias, levando-os a moderar ou abster-
se completamente do uso de bens supérfluos que não conseguem mais
obter com facilidade. Sua capacidade de sustentar suas famílias, em
consequência dessa frugalidade forçada, em vez de ficar diminuída, é
frequentemente, talvez, aumentada pelo tributo. São os pobres prudentes
e trabalhadores que geralmente sustentam as mais numerosas famílias e
que mais suprem a demanda por trabalho útil. Nem todos os pobres, de
fato, são prudentes e trabalhadores, e os dissolutos e desregrados podem
continuar a utilizar os bens supérfluos após o aumento de seu preço da
mesma forma que antes, dando pouca atenção à angústia que isso pode
causar em suas famílias. Essas pessoas desregradas, no entanto,
raramente criam famílias numerosas; em geral, seus filhos morrem por
negligência, pelos maus cuidados e pela escassez ou insalubridade de seus
alimentos. É possível que, pela força de sua constituição, esses filhos
sobrevivam às dificuldades a que foram expostos pela má conduta de
seus pais; no entanto, o exemplo dessa má conduta costuma corromper a
moral dos filhos e, assim, em vez de se tornarem úteis à sociedade pelo
seu trabalho, eles se transformam em pessoas indesejáveis por causa de
seus vícios e distúrbios que provocam. Assim, embora o alto preço dos
bens supérfluos dos pobres possa levar a um pequeno aumento da
miséria dessas famílias desregradas e, consequentemente, diminuir a
capacidade de sustento dos seus filhos, ainda assim, provavelmente a
população útil do país não ficaria muito diminuída.
Todo aumento do preço médio dos bens necessários, exceto quando
compensado pelo aumento proporcional dos salários do trabalho,
necessariamente reduz, em maior ou menor grau, a capacidade dos
pobres para sustentar famílias numerosas e, consequentemente, para
atender à demanda por trabalho útil, qualquer que seja a situação dessa
demanda — crescente, estagnada ou em declínio — e conforme exija
uma população crescente, estagnada, ou em declínio.
Os tributos sobre os bens supérfluos não tendem a elevar o preço de
outras mercadorias, exceto o das mercadorias tributadas. Os tributos
sobre os bens necessários, por aumentarem os salários do trabalho,
tendem a, necessariamente, elevar o preço de todas as manufaturas e,
consequentemente, diminuir a extensão de sua venda e consumo. Os
tributos sobre os bens supérfluos são, ao final, pagos pelos consumidores
das mercadorias tributadas, sem nenhuma retribuição. Eles recaem
indiferentemente sobre todas as espécies de rendimentos, os salários do
trabalho, os lucros do capital e a renda da terra. Os tributos sobre os bens
necessários, na medida em que afetam os trabalhadores pobres, são, ao
final, pagos em parte pelos proprietários da terra, pela redução da renda
de suas terras, e, em parte, pelos consumidores ricos, sejam eles
proprietários de terras ou outras pessoas, pelo preço aumentado dos bens
manufaturados, os quais sempre embutem um considerável sobrepreço.
Por serem verdadeiros bens necessários e destinados ao consumo dos
pobres — a exemplo das lãs comuns —, o preço aumentado dessas
manufaturas deve ser compensado aos pobres pelo aumento de seus
salários. Se as classes média e alta da população entendessem seus
próprios interesses, deveriam sempre opor-se a todos os tributos sobre os
bens necessários, bem como a todos os tributos diretos sobre os salários
do trabalho. O pagamento final dos dois tributos recai integralmente
sobre essas classes e sempre com um considerável sobrepreço. Recai de
forma mais pesada sobre os proprietários de terras, que sempre pagam a
dois títulos: na condição de proprietários de terras, pela redução de suas
rendas, e na condição de consumidores ricos, pelo aumento de suas
despesas. Em relação aos tributos sobre os bens necessários, é correta a
observação do senhor Matthew Decker de que, no preço de certas
mercadorias, certos tributos são, às vezes, repetidos e acumulados quatro
ou cinco vezes. Por exemplo, no preço do couro, você não pagará apenas
o tributo incidente sobre o couro de seus próprios sapatos, mas também
por uma parcela do tributo sobre o couro do sapateiro e do curtidor.
Além disso, também deverá pagar pelo tributo sobre o sal, o sabão e as
velas que esses trabalhadores consomem quando trabalham para você,
bem como pelo tributo sobre o couro que os produtores de sal, de sabão e
de velas consomem quando trabalham para eles.
Na Grã-Bretanha, os principais tributos sobre bens necessários são
aqueles sobre as quatro mercadorias mencionadas: sal, couro, sabão e
velas.
O sal é um objeto de tributação bastante antigo e universal. Foi
tributado entre os romanos e, imagino, continua a ser tributado
atualmente em todas as partes da Europa. A quantidade consumida
anualmente por cada indivíduo é tão pequena e pode ser comprada de
forma tão gradual que parece se ter imaginado que ninguém daria muita
importância para um tributo bastante pesado sobre essa mercadoria. Na
Inglaterra, o sal é tributado em 3 xelins e 4 pence por bushel, cerca de três
vezes o preço original da mercadoria. Em alguns outros países, o tributo
é ainda maior. O couro é uma verdadeiro bem de primeira necessidade.
O uso de linho faz do sabão um bem necessário. Em países onde as noites
de inverno são longas, as velas são um instrumento necessário de
trabalho. Na Grã-Bretanha, o couro e o sabão são tributados em 1,5 pence
por libra; as velas, em 1 penny; tributos que, em relação ao preço original
do couro, podem chegar a aproximadamente 8% ou 10%;
aproximadamente 20% ou 25%, em relação ao preço original do sabão; e
aproximadamente 14% ou 15% em relação ao das velas. Esses tributos,
embora mais leves que o incidente sobre o sal, ainda assim são bem
pesados. Como todas essas quatro mercadorias são verdadeiros bens
necessários, essa tributação tão pesada causa certo aumento nos gastos
dos pobres prudentes e trabalhadores e, consequentemente, leva a um
aumento, em maior ou menor grau, dos salários de seu trabalho.
Em um país com invernos frios como na Grã-Bretanha, o
combustível é, durante essa estação do ano, um bem de primeira
necessidade no sentido rigoroso do termo, utilizado não apenas para o
preparo dos alimentos, mas também para a manutenção do conforto de
muitos tipos de pessoas que trabalham em locais fechados; entre todos os
combustíveis, o carvão é o mais barato. O preço do combustível possui
uma influência tão grande sobre o preço do trabalho que, em toda a Grã-
Bretanha, as manufaturas têm se limitado a instalar-se principalmente
nas regiões produtoras de carvão, pois as outras regiões do país, devido
ao alto preço desse artigo necessário, não são capazes de trabalhar com
um preço tão baixo. Em algumas manufaturas, além disso, o carvão é um
instrumento de trabalho necessário, como nas de vidro, ferro e outros
metais. Caso um subsídio fosse em alguma situação razoável, um bom
candidato talvez fosse o transporte de carvão das regiões do país em que
há muito carvão para as regiões em que ele é escasso. Mas, em vez de um
subsídio, o legislativo criou um imposto de 3 xelins e 3 pence por
tonelada sobre o transporte costeiro do carvão, o que, para a maioria dos
tipos de carvão, representa mais de 60% do preço original do carvão na
mina. Não há tributos a pagar para o carvão transportado por terra ou
pela navegação interna. Onde ele é naturalmente barato, é consumido
sem que tenha de pagar tributos; onde é naturalmente caro, ele é onerado
com um tributo bastante pesado.
Embora esses tributos elevem o preço da subsistência e,
consequentemente, os salários do trabalho, ainda assim eles oferecem
rendimentos consideráveis para o governo, os quais não são facilmente
obtidos de nenhuma outra forma. Pode haver, portanto, boas razões para
mantê-los. O subsídio para a exportação de cereais, na medida em que,
nas condições atuais da agricultura, tende a elevar o preço desse artigo
necessário, produz todos os mesmos efeitos ruins e, em vez de gerar
rendimentos, muitas vezes leva o governo a gastar muito mais. Os altos
tributos sobre a importação de cereais estrangeiros que, em períodos de
abundância moderada, equivalem a uma proibição, bem como a
proibição legal absoluta de importar gado vivo ou suprimentos salgados,
que existe pela legislação atual e que, devido à escassez, está atualmente
suspensa por tempo limitado em relação à importação da Irlanda e das
colônias britânicas, acarretam todos os efeitos negativos que são próprios
dos tributos incidentes sobre os bens necessários, além de não
produzirem rendimentos para o governo. Nada mais parece ser
necessário para revogar essas leis senão convencer o público da futilidade
do sistema que levou à sua criação.
Os tributos sobre bens necessários são bem maiores em muitos outros
países do que na Grã-Bretanha. Muitos países tributam a farinha integral
e a refinada quando moídas no engenho, e o pão, quando cozido no
forno. Na Holanda, supõe-se que o preço em dinheiro do pão consumido
nas cidades dobra por causa desses tributos. Em vez de pagar uma certa
parcela desses tributos, a população rural paga anualmente um tanto por
cabeça, conforme o tipo de pão que supostamente consome. Aqueles que
consomem pão de trigo pagam 3 gilders e 15 stivers, cerca de 6 xelins e
9,5 pence. Dizem que esses e outros tributos do mesmo gênero, ao
elevarem o preço do trabalho, levaram a maior parte das manufaturas da
Holanda à ruína.678 Tributos similares, embora não tão pesados, existiam
em Milão, nos estados de Gênova, no ducado de Módena, nos ducados
de Parma, Piacenza, Guastala e nos Estados Papais. Um autor francês679
de algum renome propôs reformar as finanças de seu país substituindo-se
a maior parte dos outros impostos por esse tributo muito mais
prejudicial. Não há nada tão absurdo, diz Cícero, que já não tenha sido
afirmado por alguns filósofos.
Tributos sobre a carne de açougue são ainda mais comuns do que os
tributos sobre o pão. De fato, cabe saber se a carne constitui uma
necessidade de vida em algum lugar. Os cereais e outros vegetais,
juntamente com o leite, o queijo, a manteiga ou o azeite (nos lugares onde
não há manteiga), como se sabe por experiência, propiciam, sem que
precisemos da carne, uma alimentação bastante abundante, sadia,
nutritiva e revigorante. A decência, na maioria dos lugares, exige que se
use uma camisa de linho ou um par de sapatos de couro, mas, em
nenhum lugar, exige que se coma carne.
Os bens de consumo, sejam eles necessários ou supérfluos, podem ser
tributados de duas maneiras. O consumidor pode pagar uma quantia
anual por conta de seu uso ou consumo de certos tipos de bens, ou então
os produtos podem ser tributados enquanto estiverem nas mãos do
comerciante, antes de serem entregues ao consumidor. Os bens de
consumo que duram bastante tempo antes de serem completamente
consumidos são tributados com maior efetividade da primeira maneira.
Aqueles cujo consumo é imediato ou mais rápido, pela segunda. Os
tributos sobre carruagens e sobre a prataria são exemplos do primeiro
método de imposição; a maior parte dos outros tributos sobre bens de
consumo e aduaneiros é exemplo do segundo método.
Se for bem-cuidada, uma carruagem pode durar dez ou doze anos.
Pode ser tributada apenas uma vez antes de sair das mãos de seu
manufaturador. Entretanto, para o comprador, é certamente mais
conveniente pagar 4 libras por ano pelo privilégio de ter uma carruagem
do que pagar 40 ou 48 libras adicionais sobre o preço do construtor de
carruagens, isto é, uma soma equivalente ao que pagaria pelo tributo
durante o período de uso da carruagem. Uma baixela de prata, da mesma
forma, pode durar mais de um século. Certamente é mais fácil para o
consumidor pagar 5 xelins por ano para cada 100 onças de prataria,
aproximadamente 1% do valor, do que resgatar essa longa anuidade pelo
valor de vinte e cinco ou trinta anos de uso do produto, algo que elevaria
o seu preço original em, no mínimo, 25% ou 30%. É certamente mais
cômodo pagar os diversos tributos que incidem sobre as edificações em
prestações anuais moderadas do que pagar um pesado tributo de valor
igual, seja no momento da construção, seja no da venda da nova casa.
É bem conhecida a proposta do senhor Matthew Decker: para ele,
todas as mercadorias, mesmo aquelas cujo consumo é imediato ou muito
rápido, devem ser tributadas dessa forma; o vendedor não adianta o seu
pagamento, mas o consumidor paga uma certa quantia anual pela licença
para consumir certos bens. O objetivo desse método era promover todos
os diferentes ramos do comércio exterior, particularmente o comércio de
transporte, eliminando todos os tributos de importação e de exportação
e, assim, permitindo que o comerciante empregasse todo o seu capital e
crédito na compra de mercadorias e no frete de navios sem que precisasse
desviar nenhuma parcela para o pagamento adiantado de tributos. No
entanto, a tributação de bens de consumo imediato ou rápido dessa
forma parece passível de quatro objeções muito importantes. Em
primeiro lugar, o tributo seria mais desigual, ou não tão proporcional, às
despesas e ao consumo dos diferentes contribuintes, como na forma
como é comumente imposto. Os impostos sobre cerveja, vinho e bebidas
destiladas, que são adiantados pelos negociantes, são pagos, ao final,
pelos diferentes consumidores na proporção exata de seus respectivos
consumos. Mas se o tributo precisasse ser pago por meio da compra de
uma licença para consumir essas bebidas, as pessoas sóbrias, em
proporção ao seu consumo, seriam tributadas de forma muito mais
pesada do que o consumidor assíduo dessas bebidas. A tributação de
uma família hospitaleira seria muito mais leve do que a de uma que
recebesse apenas alguns convidados. Em segundo lugar, essa modalidade
de tributação, isto é, o pagamento de uma licença anual, semestral ou
trimestral para consumir determinadas mercadorias diminuiria muito
uma das principais conveniências dos tributos sobre bens de rápido
consumo, a saber, o pagamento gradual. No preço de 3,5 pence, que
atualmente se paga por um pote de cerveja do estilo porter, os diferentes
tributos que incidem sobre o malte, o lúpulo e a cerveja, somados ao
lucro extraordinário que o cervejeiro cobra por tê-los adiantado, podem
talvez chegar a cerca de 1,5 pence. Se um trabalhador for capaz de,
comodamente, poupar esse 1,5 pence, ele poderá comprar um pote de
cerveja porter. Se não conseguir, ele se contentará com um pint de
cerveja, e, já que “1 penny economizado é 1 penny ganho”, ele ganha,
então, 0,25 penny (1 farthing) por sua temperança. Ele paga o imposto
parceladamente da maneira que puder pagar e quando puder; cada ato de
pagamento é perfeitamente voluntário, podendo evitá-lo se escolher fazer
isso. Em terceiro lugar, esses tributos não funcionam muito bem como
leis suntuárias. Após a compra de uma licença, o consumidor pode beber
muito ou pouco, o tributo será o mesmo. Em quarto lugar, se um
trabalhador tivesse que pagar de uma vez — por meio de pagamentos
anuais, semestrais ou trimestrais — um tributo igual ao que ele paga
atualmente, com pouco ou nenhum incômodo, sobre todos os diferentes
potes e pints de porter que bebe em um período qualquer de tempo, a
soma poderia afligi-lo muito. Esse modo de tributação, portanto, parece
evidente, jamais poderia, sem a mais grave arbitrariedade, produzir uma
receita quase igual à que se obtém do modo atual sem qualquer
arbitrariedade. Em vários países, no entanto, os bens de consumo
imediato ou muito rápido são tributados dessa forma. Na Holanda, as
pessoas pagam um certo valor por uma licença para beber chá. Já
mencionei um imposto sobre o pão, que, na medida em que é consumido
nas fazendas e nas aldeias rurais, é cobrado da mesma maneira.
Os tributos sobre o consumo são impostos principalmente sobre bens
produzidos internamente no país e destinados ao consumo interno. Eles
são impostos apenas sobre alguns tipos de bens de uso mais geral. Não
deve haver nenhuma dúvida quanto aos bens que estão sujeitos a esses
tributos ou quanto ao tributo específico a que cada espécie de mercadoria
está sujeita. Eles recaem quase totalmente sobre os bens que chamamos
de supérfluos, excetuando-se sempre os quatro tributos anteriormente
mencionados, sobre o sal, o sabão, o couro, as velas, e, talvez, o tributo
incidente sobre o vidro verde.
Os tributos alfandegários (custom duties) são muito mais antigos do
que os existentes sobre o consumo. Parece que são chamados de customs
pois denotam pagamentos costumeiros realizados desde tempos
imemoriais.680 Originalmente, parece que eram considerados como
tributos sobre os lucros dos comerciantes. Durante os tempos bárbaros
da anarquia feudal, os comerciantes, como todos os outros habitantes de
burgos, eram considerados pouco melhores do que escravos
emancipados, eram desprezados, e seus ganhos, invejados. A grande
nobreza, que havia consentido que o rei tributasse os lucros de seus
próprios arrendatários, não discordava da tributação de um grupo de
pessoas que ela tinha muito menos interesse em proteger. Naquele
período de ignorância, não se entendia que os lucros dos comerciantes
não admitem tributação direta, ou seja, que o pagamento final desses
impostos sempre recai, somado a um sobrepreço considerável, sobre os
consumidores.
Os ganhos dos comerciantes de outros países eram vistos com mais
desconfiança que os lucros dos mercadores ingleses. Era natural,
portanto, que os tributos onerassem mais os ganhos dos primeiros do
que os lucros destes últimos. Essa distinção entre os tributos cobrados
dos comerciantes estrangeiros e aqueles cobrados dos ingleses começou
por ignorância e foi prolongada pelo espírito monopolista, isto é, pelo
desejo de oferecer aos nossos comerciantes uma vantagem, tanto no
mercado interno como no externo.
Com essa distinção, os antigos tributos alfandegários foram
igualmente impostos a todos os tipos de bens, tanto os necessários
quanto os supérfluos, tanto os exportados quanto os importados. Por que
favorecer mais os comerciantes de um tipo de mercadoria — parecem ter
imaginado — em vez de outros de outro tipo? Ou por que o exportador
deveria ser mais favorecido que o importador?
Os antigos tributos alfandegários dividiam-se em três ramos. O
primeiro, e talvez o mais antigo de todos esses tributos, era o incidente
sobre a lã e o couro. Parece ter sido principal ou integralmente um
tributo sobre a exportação. Com o surgimento dos lanifícios na
Inglaterra, para que o rei não perdesse nenhuma parcela de seus tributos
alfandegários sobre a lã pela exportação de tecidos de lã, impôs-se um
tributo similar sobre esses tecidos. Quanto aos outros dois ramos, temos,
em primeiro lugar, o tributo sobre o vinho, o qual, por ser cobrado em
certo valor por tonelada, foi denominado tonelagem (tonnage); segundo,
um imposto sobre todas as outras mercadorias, o qual, por ser cobrado
um certo valor por libra de seu valor presumido, denominava-se
libragem (poundage). No 47º ano do reinado de Eduardo III, impôs-se
um tributo de 6 pence por libra a todas as mercadorias exportadas e
importadas, excetuadas as seguintes: lãs, pelegos, couro e vinhos, sujeitos
a tributos especiais. No 14º ano do reinado de Ricardo II, esse tributo foi
aumentado para 1 xelim por libra, mas, três anos depois, foi novamente
reduzido para 6 pence. Foi elevado para 8 pence no 2o ano do reinado de
Henrique IV e, no 4º ano do reinado do mesmo rei, para 1 xelim. Daí até
o 9º ano do reinado de Guilherme III, este tributo se manteve em 1 xelim
por libra. Os tributos de tonelagem e libragem eram, em geral,
concedidos ao rei por meio de um ato único do Parlamento e receberam
o nome de Subsídio (subsidy) da Tonelagem e da Libragem. Por muito
tempo, a alíquota da libragem se manteve em 1 xelim por libra, ou seja,
em 5%; assim, na linguagem alfandegária, um subsídio passou a
significar um tributo genérico com alíquota de 5%. Esse subsídio, que
agora é chamado de Antigo Subsídio, ainda continua a ser cobrado de
acordo com o livro de tarifas criado no 12º ano de reinado de Carlos II. O
método de apurar, por um livro de tarifas, o valor das mercadorias
sujeitas a esse tributo é, segundo se diz, mais antigo do que o tempo de
Jaime I. O novo subsídio imposto nos anos 9º e 10º do reinado de
Guilherme III institui uma cobrança adicional de 5% a quase todas as
mercadorias. Os subsídios proporcionais de 1/3 e o de 2/3 somavam
outros 5%. O subsídio de 1747 perfez um quarto 5% sobre a maior parte
das mercadorias; e o de 1759, um quinto 5% sobre alguns tipos especiais
de mercadoria. Além desses cinco tributos, uma grande variedade de
outros tributos têm sido ocasionalmente imposta a determinados tipos
de mercadoria, às vezes para atender às necessidades do Estado e, outras
vezes, para regular o comércio do país, de acordo com os princípios do
sistema mercantil.
Gradualmente, esse sistema vem se tornando cada vez mais em voga.
O antigo subsídio foi imposto de forma indiferente tanto à exportação
quanto à importação. Os quatro subsídios subsequentes, bem como as
outras obrigações que, desde então, têm sido ocasionalmente impostas a
determinados tipos de mercadoria, são, com poucas exceções, cobrados
inteiramente das importações. A maior parte dos antigos tributos que
haviam sido impostos sobre a exportação dos bens produzidos
internamente ou foi reduzida, ou retirada. Na maior parte dos casos, os
tributos foram retirados. Houve até a concessão de subsídios (bounties)
para a exportação de alguns deles. Drawbacks — reembolsando-se, às
vezes, o valor total e, na maioria dos casos, uma parcela dos tributos
pagos na importação de bens — também foram concedidos na
exportação dos bens anteriormente importados. Apenas a metade dos
tributos referentes ao antigo subsídio sobre a importação é reembolsada
no momento da exportação; porém, o valor total dos valores exigidos
pelos subsídios e por outros impostos recentes é, em relação à maior
parte dos bens, reembolsado da mesma maneira. Esse crescente
favorecimento à exportação e o desestímulo crescente à importação
possuem apenas algumas exceções, relacionadas principalmente às
matérias-primas de algumas manufaturas. Nossos comerciantes e
manufaturadores desejam que essas matérias-primas cheguem até eles ao
preço mais baixo possível e ao preço mais alto possível para seus rivais e
concorrentes de outros países. As matérias-primas estrangeiras, por essa
razão, podem, por vezes, ser importadas sem o pagamento de tributos.
Isso é o que ocorre, por exemplo, com a lã espanhola, o cânhamo e o fio
de linho bruto. A exportação da matéria-prima interna e daquela
extraída de nossas colônias ora tem sido proibida e ora submetida a
tarifas mais elevadas. A exportação da lã inglesa foi proibida. A
exportação de peles e pelo de castor e de goma arábica tem sido sujeita a
tributos mais elevados, já que, com a conquista do Canadá e do Senegal, a
Grã-Bretanha adquiriu quase o monopólio dessas mercadorias.
Empenhei-me para, no Livro IV desta obra, mostrar que o sistema
mercantil não tem sido muito favorável aos rendimentos da população
em geral e ao produto anual da terra e do trabalho do país. Parece que o
sistema também não favorece muito os rendimentos do soberano, ao
menos na medida em que dependam dos tributos alfandegários.
Como consequência desse sistema, houve a proibição total de
importação de vários tipos de mercadorias. Essa proibição, em alguns
casos, impede completamente e, em outros, diminui muito a importação
dessas mercadorias, levando os importadores à necessidade de realizar o
contrabando delas. Impediu por completo a importação de lãs
estrangeiras e diminuiu muito a de sedas e veludos estrangeiros. Em
ambos os casos, aniquilou totalmente as receitas alfandegárias que
poderiam ter sido obtidas pela importação desses produtos.
Os altos tributos que têm sido impostos à importação de muitas
mercadorias estrangeiras, objetivando desestimular seu consumo na Grã-
Bretanha, têm servido, em muitos casos, apenas para incentivar o
contrabando e, em todos os casos, reduziram as receitas aduaneiras a
somas menores do que teriam sido obtidas se os tributos de importação
tivessem sido mais moderados. O doutor Swift diz que, na aritmética da
alfândega, em vez de a soma dois mais dois resultar em quatro, às vezes
ela resulta em apenas um; esta é uma afirmação perfeitamente verdadeira
em relação a esses tributos elevados, que nunca poderiam ter sido
impostos se o sistema mercantil não nos tivesse ensinado, em muitos
casos, a utilizar a tributação como um instrumento do monopólio, e não
da receita.
Os subsídios que, às vezes, se concedem à exportação do produto e da
manufatura interna e os drawbacks que se pagam no momento da
reexportação da maior parte das mercadorias estrangeiras têm causado
muitas fraudes e um tipo de contrabando que, para a receita pública, é
mais destrutivo que qualquer outro. Para se obter o subsídio ou o
drawback, as mercadorias são, por vezes e como se sabe muito bem,
embarcadas em navios e enviadas para o mar, mas logo em seguida
voltam clandestinamente para algum outro porto do país. O desfalque
das receitas aduaneiras causado por subsídios e drawbacks, obtidos em
sua maioria de forma fraudulenta, é muito grande. O produto bruto das
alfândegas, no exercício encerrado em 5 de janeiro de 1755, foi de
5.068.000 libras esterlinas. Os subsídios pagos com essa receita, embora
não houvesse, naquele ano, subsídio para os cereais, totalizaram 167.800
libras. Os drawbacks pagos em virtude de debêntures e certificados
atingiram 2.156.800 libras. Juntos, os subsídios e os drawbacks somaram
2.324.600 libras. Em consequência dessas deduções, as receitas
aduaneiras foram de apenas 2.743.400 libras, a partir do que, deduzindo-
se 287.900 libras para os gastos administrativos com salários e outras
rubricas, a receita alfandegária líquida do ano chegou a 2.455.500 libras.
Assim, as despesas administrativas ficam entre 5% e 6% da receita
alfandegária bruta e em algo um pouco acima de 10% do que sobra da
receita após a dedução dos pagamentos realizados em forma de subsídios
e drawbacks.
Por causa da imposição de tributos pesados a quase todos os produtos
importados, o importador inglês traz ao país o máximo de contrabando
que consegue e, de forma legal, importa o mínimo possível. Nosso
exportador, pelo contrário, dá saída legal a mais mercadorias do que
realmente exporta, às vezes por vaidade e para se fazer de grande
comerciante de bens que não pagam nenhum tributo, às vezes para obter
algum subsídio ou drawback. As exportações inglesas, em consequência
dessas fraudes, são mostradas nos registros da alfândega como muito
superiores às importações, trazendo um inexprimível alento àqueles
políticos que medem a prosperidade nacional com base no que chamam
de balança comercial.681 Todas as mercadorias importadas, a menos que
excepcionalmente isentas (isenções que, aliás, não são muito numerosas),
estão sujeitas a alguns tributos aduaneiros. Se forem importadas
mercadorias não mencionadas no livro de tarifas, elas serão tributadas a 4
xelins e 9,45 pence pelo valor de cada 20 xelins,682 de acordo com a
declaração juramentada do importador; isso equivale a quase cinco
subsídios,683 ou 5 pence por libra (25%). O livro de tarifas é extremamente
abrangente e sua lista possui um grande número de artigos, muitos deles
pouco utilizados e, portanto, pouco conhecidos. Por esse motivo, há
incertezas sobre qual artigo aplicar a certas mercadorias e,
consequentemente, qual tributo devem pagar. Esse tipo de erro costuma
levar o oficial da alfândega à ruína e, frequentemente, causa muitos
problemas, despesas e vexames para o importador. Em termos de
simplicidade, certeza e precisão, portanto, os tributos alfandegários são
muito inferiores aos de consumo.
Para que a maior parte dos membros de uma sociedade contribua para
a receita pública em proporção às suas respectivas despesas, não parece
necessário tributar todos os artigos dessas despesas. Supostamente, os
rendimentos arrecadados pelos tributos sobre o consumo recaem sobre os
contribuintes com a mesma igualdade que aqueles arrecadados pelos
tributos alfandegários, e, ainda assim, os tributos de consumo incidem
somente sobre alguns artigos que são usados e consumidos de forma mais
geral. Muitos acreditam que, por meio de uma administração adequada,
também seja possível restringir os tributos alfandegários a apenas alguns
artigos, sem nenhuma perda para a receita pública e com grande
vantagem para o comércio exterior.
Os artigos estrangeiros, usados e consumidos de forma mais geral na
Grã-Bretanha, parecem, atualmente, consistir principalmente em vinhos e
conhaques importados do exterior, bem como em alguns produtos da
América e das Índias Ocidentais, como açúcar, rum, fumo, castanhas de
cacau, etc., e em alguns artigos trazidos das Índias Orientais, como chá,
café, porcelanas, especiarias, vários tipos de mercadorias vendidos por
peça, etc. Esses diversos artigos proporcionam, no momento, talvez, a
maior parte das receitas arrecadadas pelos tributos alfandegários. A
maioria dos tributos que atualmente incidem sobre as manufaturas
estrangeiras, se excetuarmos os incidentes sobre os poucos artigos
contidos na enumeração feita anteriormente, não foi imposta para o bem
das receitas, mas para o do monopólio, isto é, para oferecer aos
comerciantes ingleses uma vantagem no mercado interno. Ao eliminar
todas as proibições e sujeitar todas as manufaturas estrangeiras a tributos
moderados que, pela experiência, descobriu-se que proporcionariam
sobre cada um de seus artigos uma renda bastante considerável para o
governo, nossos próprios trabalhadores poderiam continuar a usufruir
uma vantagem considerável no mercado interno e muitos artigos (alguns
que, atualmente, não proporcionam nenhuma receita para o governo, e
outros que proporcionam uma receita irrelevante) poderiam proporcionar
uma receita bastante grande.
Tributos altos — às vezes pelo fato de reduzirem o consumo das
mercadorias tributadas, às vezes por incentivarem o contrabando —
costumam proporcionar ao governo uma receita muito inferior àquela que
se poderia obter por meio de tributos mais baixos.
Quando a diminuição da receita é causada pela redução do consumo,
só há um remédio, a saber, a redução do tributo.
Quando a diminuição da receita é causada pelo incentivo dado ao
contrabando, talvez possamos falar de dois remédios: ou a diminuição da
tentação de contrabandear ou o aumento da dificuldade para
contrabandear. A tentação de contrabandear só pode ser diminuída pela
redução do tributo e a dificuldade para contrabandear só pode ser
aumentada pela criação de um sistema de administração apropriado para
combatê-la.
Ao que, para mim, parece por experiência é que as leis relativas aos
impostos sobre o consumo obstruem e atrapalham as operações do
contrabandista muito mais efetivamente do que as leis alfandegárias. Com
a introdução, nas alfândegas, de um sistema de administração semelhante
ao dos tributos sobre o consumo, conforme seja admitido pela natureza
desses diferentes tributos, é possível criar maiores obstáculos ao
contrabando. Muitos acreditam que essa alteração poderia ser facilmente
realizada.684
Dizem que o importador de mercadorias sujeitas a tributos
alfandegários poderia, se assim o desejasse, ou levar seus bens ao seu
próprio armazém ou guardá-los em um depósito custeado por ele ou pelo
poder público, mas cuja chave permanecesse com o oficial aduaneiro, só
podendo ser aberto na presença deste funcionário. Se o comerciante as
levasse para seu próprio armazém privado, os tributos seriam pagos
imediatamente e nunca mais poderiam ser recuperados, ficando o
armazém sempre sujeito à visita e ao exame do oficial da alfândega, que
poderia verificar a correspondência entre a quantidade de bens contida
nele e os tributos pagos. Se o comerciante as levasse para o depósito
público, não pagaria nenhum tributo até o momento de serem retiradas de
lá para o consumo interno. Se fossem retiradas para exportação, as
mercadorias estariam isentas de tributos, oferecendo-se garantias
adequadas de que seriam realmente exportadas. Os comerciantes dessas
mercadorias específicas, seja no atacado, seja no varejo, estariam sempre
sujeitos à visita e ao exame do oficial da alfândega e seriam obrigados a
validar, por meio de certificados apropriados, o pagamento do tributo
sobre o total de mercadorias de suas lojas ou armazéns. Os impostos de
consumo sobre o rum importado são, atualmente, arrecadados dessa
maneira; e talvez seja possível levar esse mesmo sistema de administração
a todos os tributos sobre mercadorias importadas, contanto que esses
tributos, da mesma forma que os tributos de consumo, estejam sempre
limitados a alguns tipos de mercadorias usados e consumidos de forma
mais geral. Se fossem estendidos a quase todos os tipos de mercadorias,
não seria fácil, na atualidade, oferecer armazéns públicos suficientemente
grandes; e em relação a bens muito delicados ou cuja preservação exigisse
muito cuidado e atenção, o comerciante não teria como confiar em
nenhum outro armazém senão em seu próprio.
Se, por meio desse sistema de administração, fosse possível impedir o
contrabando de forma considerável, mesmo com tributos bastante altos, e
se cada tributo baixasse ou subisse ocasionalmente, de acordo com sua
maior probabilidade de proporcionar o máximo de receitas para o Estado,
empregando-se sempre a tributação como instrumento de receita e nunca
de monopólio, não parece improvável que se poderia arrecadar uma
receita no mínimo igual à atual receita alfandegária líquida dos tributos
sobre a importação de apenas alguns tipos de mercadorias que são
utilizados e consumidos de forma mais geral, e que, dessa forma, os
tributos alfandegários pudessem ter os mesmos graus de simplicidade,
certeza e precisão dos tributos de consumo. Nesse sistema, seria possível
manter a receita que é atualmente perdida por meio de drawbacks na
reexportação de mercadorias estrangeiras que, após saírem do país, voltam
para os portos ingleses e são consumidas internamente. Se adicionarmos a
essa economia, que por si só já seria considerável, o fim de todos os
subsídios concedidos à exportação do produto doméstico, sempre que
esses subsídios não fossem na realidade o drawback de algum tributo de
consumo anteriormente adiantado, dificilmente se poderia duvidar que a
receita alfandegária líquida, depois desse tipo de mudança, não fosse capaz
de atingir os mesmos valores obtidos até ali.
Se por essa mudança de sistema a receita pública não sofresse
nenhuma perda, o comércio e as manufaturas do país certamente
obteriam uma vantagem bastante considerável. O comércio de
mercadorias não tributadas, que é de longe o maior comércio, seria
perfeitamente livre, e poderia ser realizado para — e a partir de — todo o
mundo, com todas as vantagens possíveis. Entre essas mercadorias
estariam incluídos todos os bens de primeira necessidade e todas as
matérias-primas da manufatura. Na medida em que a livre importação dos
bens de primeira necessidade reduzisse o preço médio em dinheiro no
mercado interno, reduziria também o preço em dinheiro do trabalho, mas
sem reduzir, em nada, sua remuneração real. O valor do dinheiro é
proporcional à quantidade dos bens de primeira necessidade que ele irá
comprar. O valor dos bens de primeira necessidade é totalmente
independente da quantidade de dinheiro que se pode obter por eles. A
redução do preço em dinheiro do trabalho seria necessariamente atingida
pela redução proporcional no preço em dinheiro de todas as manufaturas
internas, as quais, assim, obteriam alguma vantagem em todos os
mercados externos.685 O preço de algumas manufaturas seria reduzido em
proporção ainda maior pela importação livre de matérias-primas. Se fosse
possível importar a seda crua da China e do Hindustão sem a incidência
de nenhum tributo, os manufaturadores de seda da Inglaterra poderiam
vender a preços muito menores que os praticados por franceses e italianos.
E não haveria razão para proibir a importação de sedas e veludos
estrangeiros. O preço baixo de suas mercadorias garantiria aos
trabalhadores ingleses não apenas a posse do mercado interno, mas
também um grande controle do mercado externo. Até mesmo o comércio
de mercadorias tributadas seria realizado com muito mais vantagem do
que o é atualmente. Se essas mercadorias fossem retiradas do armazém
público para exportação estrangeira, estando neste caso isentas de todos
os tributos, o comércio delas seria perfeitamente livre. O comércio de
transporte de todos os tipos de mercadoria desfrutaria de todas as
vantagens possíveis. Se essas mercadorias fossem retiradas para o
consumo interno — sendo que o importador não seria obrigado a adiantar
o tributo enquanto suas mercadorias não fossem vendidas a algum
comerciante ou a algum consumidor —, ele sempre poderia vendê-las a
preços mais baixos do que se houvesse sido obrigado a adiantar o
pagamento do tributo no momento da importação. Com os mesmos
tributos, o comércio exterior de bens de consumo, mesmo em relação às
mercadorias tributadas, poderia, assim, ser realizado com muito mais
vantagem do que o é atualmente.
O objetivo do famoso regime tributário sobre o consumo criado por
Robert Walpole686 era implantar, para o vinho e o fumo, um sistema não
muito diferente do aqui proposto. Embora o projeto de lei apresentado na
época ao Parlamento incluísse apenas essas duas mercadorias, todos
acreditavam que ele serviria para introduzir um regime mais amplo do
mesmo tipo. Facciosismo, combinado com os interesses de comerciantes
contrabandistas, levou a um clamor tão violento, embora tão injusto,
contra esse projeto de lei que o ministro considerou indicado retirá-lo; e
por medo de suscitar o mesmo tipo de clamor, nenhum de seus sucessores
ousou retomar o projeto.
Embora os tributos sobre os bens estrangeiros supérfluos importados
para o consumo doméstico possam recair sobre os pobres, recaem
principalmente sobre as pessoas de posição média e alta. É o que ocorre,
por exemplo, com os tributos sobre vinhos estrangeiros, sobre o café, o
chocolate, o chá, o açúcar, etc.
Os tributos que incidem sobre a produção interna de bens supérfluos
mais baratos destinados ao consumo doméstico recaem com bastante
equidade sobre as pessoas de todas as classes, proporcionalmente aos seus
respectivos gastos. Os pobres pagam os tributos sobre o malte, o lúpulo e a
cerveja no momento de seu consumo próprio; os ricos os pagam tanto por
seu consumo próprio quanto pelo consumo de seus empregados.
É preciso observar que o consumo total dos estratos mais baixos da
população ou daquelas pessoas que estão abaixo dos estratos médios é, em
todos os países, muito maior — não apenas em quantidade, mas em valor
— que o consumo dos segmentos médios e acima do médio. O gasto total
das classes inferiores é muito maior que o das classes superiores. Em
primeiro lugar, quase todo o capital de um país é distribuído anualmente
entre as classes mais baixas da população, na forma de salários do trabalho
produtivo. Em segundo lugar, grande parte do rendimento decorrente
tanto da renda da terra quanto dos lucros do capital é distribuída
anualmente entre a mesma classe, na forma de salários e manutenção de
criados domésticos e outros trabalhadores improdutivos. Em terceiro
lugar, parte dos lucros do capital pertence à mesma classe, na forma de
rendimento advindo da aplicação de seus pequenos capitais. O montante
de lucros anualmente obtidos por pequenos lojistas, comerciantes e
varejistas de todos os tipos é, em todos os lugares, bem considerável e
compõe uma parcela bastante considerável do produto anual. E, por fim,
em quarto lugar, até mesmo uma parcela da renda da terra pertence à
mesma classe; uma parcela considerável pertence àqueles que estão um
pouco abaixo da classe média e uma pequena parcela, à classe mais baixa,
já que os trabalhadores comuns, às vezes, possuem um ou dois acres de
terra. Portanto, ainda que, individualmente, os gastos das classes mais
baixas da população sejam muito pequenos, coletivamente, o volume total
desses gastos atinge sempre a maior parcela do total de gastos do país; o
produto anual da terra e do trabalho do país que resta para o consumo das
classes superiores é sempre muito menor, não somente em quantidade
mas também em valor. Assim, os tributos sobre os gastos, que recaem
principalmente sobre as despesas das classes mais altas da população, isto
é, sobre a menor parcela do produto anual do país, são, provavelmente,
muito menos produtivos do que os que recaem indistintamente sobre os
gastos de todas as classes e, até mesmo, do que os que recaem
principalmente sobre os gastos das classes mais baixas, ou seja, do que
aqueles que recaem indistintamente sobre o produto anual total, bem
como aqueles que recaem principalmente sobre a maior parcela desse
produto. Então, o tributo de consumo sobre as matérias-primas e sobre a
manufatura de bebidas alcoólicas fermentadas e destiladas produzidas no
país é, entre todos os diversos tributos incidentes sobre os gastos, de longe,
o mais produtivo; e essa tributação sobre o consumo recai muito mais,
talvez principalmente, sobre os gastos das pessoas comuns. No exercício
findo em 5 de julho de 1775, a arrecadação bruta desse setor chegou a
5.341.837 de libras, 9 xelins e 9 pence.
Devemos sempre ter em mente, no entanto, que o que se deve tributar
das classes mais baixas da população são os gastos com supérfluos, e não
os gastos com bens necessários. O pagamento final de qualquer tributo
sobre os gastos necessários das classes mais baixas recairia totalmente
sobre as classes mais altas da população, isto é, sobre a menor parcela do
produto anual, e não sobre a maior. Esse tributo deverá, em todos os casos,
ou elevar os salários do trabalho ou diminuir a demanda por ele. Não
poderia elevar os salários do trabalho sem lançar o pagamento final do
imposto para as classes mais altas da população. Não poderia diminuir a
demanda por trabalho sem diminuir o produto anual da terra e do
trabalho do país, o fundo pelo qual todos os tributos são, ao fim, pagos.
Qualquer que seja o estado a que um tributo desse tipo reduza a demanda
por trabalho, ele sempre eleva os salários a um nível mais alto do que, de
outro modo, seriam naquele estado; e o pagamento final desse aumento
deve recair, em todos os casos, sobre as classes mais altas da população.
Quando as bebidas fermentadas e destiladas não se destinam à venda,
mas ao consumo próprio, elas não se sujeitam, na Grã-Bretanha, a tributos
de consumo. Essa isenção, cujo objetivo é poupar as famílias da odiosa
visita e inspeção do coletor de impostos, faz com que o ônus desses
tributos seja normalmente mais leve para os ricos do que para os pobres.
Embora seja às vezes realizada, a destilação para o uso privado, de fato,
não é muito comum. Mas, no campo, muitas famílias médias e quase todas
as ricas fabricam sua própria cerveja. Sua cerveja de alto teor alcoólico,
portanto, custa-lhes 8 xelins a menos por barril do que custa ao cervejeiro
comum, que deve obter lucro mesmo após o pagamento adiantado do
tributo e de todos os outros gastos necessários. Essas famílias, portanto,
devem beber sua cerveja pagando, no mínimo, 9 ou 10 xelins a menos por
barril do que qualquer bebida da mesma qualidade tomada pela
população comum, para a qual é sempre mais conveniente comprar sua
cerveja aos poucos em uma cervejaria ou taverna. Da mesma forma, o
malte que se dispõe para o uso de uma família privada não é passível da
visita ou inspeção do coletor de impostos, mas, nesse caso, a família deve
concordar em pagar um tributo de 7 xelins e 6 pence por cabeça. Sete
xelins e 6 pence equivalem ao tributo de consumo sobre 10 bushels de
malte, quantidade que é plenamente igual ao que todos os membros de
uma família sóbria, formada por homens, mulheres e crianças, poderiam
consumir em média. Entre as famílias ricas e importantes, no entanto, que
costumam receber muitos hóspedes no campo, as bebidas produzidas com
malte e consumidas pelos membros da família representam apenas uma
pequena parcela do consumo da casa. Seja por causa desse arranjo ou por
outros motivos, entretanto, a malteação não é tão comum como a
fermentação para o consumo privado. É difícil imaginar alguma razão
justa que explique por que aqueles que fermentam ou destilam álcool para
o consumo privado não estejam sujeitos a um arranjo do mesmo tipo.
Afirma-se com frequência que, por meio de um tributo muito mais leve
sobre o malte, seria possível arrecadar uma receita maior do que a que é
atualmente recolhida por todos os pesados tributos sobre o malte e a
cerveja, sendo que as oportunidades para fraudar a receita em uma
cervejaria são muito maiores do que as que ocorrem em um
estabelecimento para preparação de malte, e porque aqueles que
fermentam cerveja para o consumo privado estão isentos de todos os
tributos ou acordos para seu pagamento, o que não é o caso daqueles que
preparam o malte para consumo próprio.
Em Londres, a produção da cerveja porter costuma usar um quarter de
malte para fermentar mais de dois barris e meio e, às vezes, até três barris
de cerveja porter. Os vários tributos que incidem sobre o malte chegam a 6
xelins por quarter e os incidentes sobre a cerveja de alto teor alcoólico são
de 8 xelins por barril. Na produção de cerveja porter, o montante dos
vários tributos que incidem sobre o malte e a cerveja fica entre 26 e 30
xelins sobre o produto de um quarter de malte. Nas cervejarias do restante
do país, para venda comum, raramente se usa um quarter de malte para
fermentar menos de dois barris de cerveja de alto teor alcoólico e um
barril de cerveja de baixo teor alcoólico; ele, com frequência, é usado para
dois barris e meio de cerveja de alto teor alcoólico. Os diversos tributos
sobre a cerveja de baixo teor alcoólico atingem 1 xelim e 4 pence por
barril. Nas cervejarias do interior, portanto, os diversos impostos sobre o
malte e a cerveja raramente são menores que 23 xelins e 4 pence, sendo,
com frequência, 26 xelins sobre o produto de um quarter de malte.
Portanto, tomando a média de todo o Reino, o montante total dos tributos
sobre o malte e a cerveja não pode ser estimado em menos de 24 ou 25
xelins sobre o produto de um quarter de malte. Dizem que, se forem
retirados, entretanto, todos os tributos que incidem sobre a cerveja e se
fosse triplicado o tributo sobre o malte, ou seja, elevando-o de 6 para 18
xelins por quarter de malte, seria possível, com esse único tributo,
arrecadar uma receita maior do que a que se recolhe atualmente com
todos os tributos mais pesados.

pe
xel
libras nc
ins
e

722.02
Em 1772, o antigo tributo sobre o malte produziu… 11 11
3

356.77 9,
O adicional… 7
6 75

561.62 7,
Em 1773, o antigo tributo produziu… 3
7 5

278.65 3,
O adicional… 15
0 75

621.61 5,
Em 1774, o antigo tributo produziu… 17
4 75

O adicional… 310.74 2 8,
5 5

657.35 8,
Em 1775, o antigo tributo produziu… *
7 25

323.78 6,
O adicional… 12
5 25

4)
0,
3.835. 12
75
580

958.89 0,
Média desses quatro anos 3
5 06

1.243.
Em 1772, os tributos sobre o consumo produziram… 5 3
128

408.26 2,
A cervejaria londrina… 7
0 75

1.245.
Em 1773, o tributo sobre o consumo… 3 3
810

405.40 10
A cervejaria londrina… 17
6 ,5

1.246. 5,
Em 1774, o tributo sobre o consumo… 14
373 5

320.60 0,
A cervejaria londrina… 18
1 25

1.214.
Em 1775, o tributo sobre o consumo… 6 1
583

463.67 0,
A cervejaria londrina… 7
0 25

4)
2,
6.547. 19
25
832

1.636. 9,
Em média, nesses quatro anos… 4
958 5
Ao que se adiciona o tributo médio sobre o malte, ou… 958.89 3 0,
5 18

2.595. 9,
O valor total desses diferentes tributos atinge… 7
853 68

Mas, triplicando o tributo sobre o malte, ou elevando-o de 6 para


2.876. 0,
18 xelins sobre o quarter de malte, 9
685 56
esse malte produziria…

280.83 2,
Uma soma que excede o valor precedente em… 1
2 87

De fato, no velho tributo sobre o malte inclui-se um imposto de 4


xelins sobre o hogshead de cidra e outro de 10 xelins sobre o barril da
cerveja do tipo mum. Em 1774, o imposto sobre a cidra produziu apenas
3.083 libras, 6 xelins e 8 pence. Provavelmente ficou um pouco abaixo de
seu valor normal, já que, naquele ano, todos os outros tributos sobre a
cidra produziram menos do que o montante habitual. O tributo sobre a
cerveja do tipo mum, embora muito mais pesado, continua sendo menos
produtivo, por conta do menor consumo dessa bebida. Mas para
equilibrar o montante normal desses dois tributos, seja ele qual for, estão
incluídos no chamado tributo de consumo do país: primeiro, o antigo
tributo de 6 xelins e 8 pence por hogshead de cidra; segundo, um tributo
igual de 6 xelins e 8 pence por hogshead de agraço; terceiro, um outro de 8
xelins e 9 pence por hogshead de vinagre; e finalmente um quarto tributo
de 11 pence por galão de hidromel com especiarias ou ervas (metheglin). O
produto desses tributos provavelmente sobre-equilibrará o produto dos
tributos arrecadados pelo imposto anual do malte sobre a cidra e a cerveja
do tipo mum.
O malte é consumido não só para a fermentação de cerveja, mas
também na fabricação de vinho baixo687 e destilados. Para que o tributo
do malte fosse aumentado para 18 xelins por quarter, talvez fosse
necessário realizar algum abatimento nos vários tributos de consumo
impostos a esses tipos específicos de vinhos baixos e destilados, de cuja
matéria-prima o malte faz parte. Nos assim chamados destilados de
malte,688 ele costuma representar apenas um terço da matéria-prima,
sendo que os outros dois terços são constituídos ou por cevada crua ou
por um terço de cevada e um terço de trigo. Nas destilarias dos destilados
de malte, tanto a oportunidade como a tentação para o contrabando são
muito maiores do que em uma cervejaria ou em uma malteria: a
oportunidade se deve ao menor volume e ao maior valor da mercadoria, e
a tentação se deve ao fato de os tributos serem mais elevados, a saber, 3
xelins e 10,67 pence689 por galão de destilado. O aumento dos tributos
sobre o malte e a redução dos tributos sobre a destilaria levariam a uma
redução tanto das oportunidades quanto da tentação de contrabando, o
que poderia causar um maior aumento da receita.
Nos últimos tempos, a Grã-Bretanha tem adotado uma política para
desestimular o consumo de bebidas alcoólicas destiladas por conta de sua
suposta tendência a arruinar a saúde e corromper a moral das pessoas
comuns. De acordo com essa política, a redução dos tributos sobre as
destilarias não deve ser tão grande a ponto de reduzir, sob qualquer
aspecto, o preço dessas bebidas alcoólicas. Os destilados podem manter-se
tão caros como sempre foram, enquanto, ao mesmo tempo, os preços das
saudáveis e revigorantes cervejas podem ser reduzidos. A população,
assim, poderia ver-se em parte livre de um dos ônus de que mais se queixa
na atualidade e, ao mesmo tempo, a receita poderia ser consideravelmente
aumentada.
As objeções feitas pelo doutor Davenant sobre essa alteração do atual
sistema de tributos de consumo parecem não ter fundamento. Suas
objeções são as seguintes: que o tributo, em vez de dividir-se, como ocorre
atualmente, de forma bastante equitativa sobre o lucro do malteador, sobre
o lucro do cervejeiro e sobre o do varejista, recairia, na medida em que
afeta o lucro, totalmente sobre o malteador; que o malteador não
conseguiria recuperar o montante do tributo pelo alto preço de seu malte,
com a mesma facilidade que o cervejeiro e o comerciante varejista o fazem
em relação ao alto preço de suas bebidas; e que um tributo tão pesado
sobre o malte poderia reduzir a renda e o lucro das terras que cultivam a
cevada.
Nenhum imposto é capaz de reduzir por muito tempo a taxa de lucros
de um comércio particular, pois estes devem sempre manter-se no mesmo
nível das outras atividades comerciais de suas redondezas. Os tributos
atuais sobre o malte e a cerveja não afetam os lucros dos que
comercializam essas mercadorias, pois todos eles recuperam o imposto
com um lucro adicional no maior preço de suas mercadorias. Um tributo
pode certamente diminuir o consumo das mercadorias sobre as quais
incide ao torná-las muito caras. No entanto, já que o consumo de malte se
dá apenas por meio dos destilados de malte, um tributo de 18 xelins sobre
o quarter de malte não seria capaz de encarecer mais essas bebidas do que
o fazem os diferentes tributos que sobre elas incidem atualmente,
totalizando 24 ou 25 xelins. Essas bebidas, pelo contrário, poderiam ficar
mais baratas e seu consumo teria maior probabilidade de aumentar do que
de diminuir.
Não é muito fácil compreender por que é mais difícil para o malteador
recuperar 18 xelins no alto preço de seu malte do que é atualmente para o
cervejeiro recuperar 24 ou 25 xelins, às vezes até 30 xelins, pelo preço mais
alto de sua bebida. O malteador, de fato, em vez de um tributo de 6 xelins,
seria obrigado a adiantar um de 18 xelins por quarter de malte. Mas, no
momento, o cervejeiro está obrigado a adiantar um imposto de 24 ou 25
xelins, às vezes 30, sobre o quarter de malte que ele fermenta. Não seria
mais inconveniente o malteador adiantar um tributo menor do que é, no
presente, adiantar um tributo maior ao cervejeiro. O malteador nem
sempre guarda em seus celeiros um estoque de malte que leve mais tempo
para vender do que o estoque de cerveja que o cervejeiro costuma manter
em suas adegas. O primeiro, portanto, normalmente consegue obter o
retorno de seu dinheiro tão rapidamente quanto o segundo. Todavia,
independentemente dos inconvenientes que sejam causados ao malteador
por ser obrigado a adiantar um tributo mais alto, isso poderia ser
facilmente resolvido ao se conceder ao malteador alguns meses a mais de
crédito do que aqueles que se costumam dar atualmente ao cervejeiro.
Nada poderia reduzir a renda e o lucro das terras em que se planta a
cevada sem que, com isso, reduzisse a demanda por cevada. Mas uma
mudança no sistema que reduzisse os tributos do quarter de malte para a
produção de cerveja, de 24 e 25 xelins para 18 xelins, teria maior
probabilidade de aumentar essa demanda, não de diminuí-la. Além disso,
a renda e o lucro das terras em que a cevada é cultivada devem sempre ser
quase iguais aos de outras terras igualmente férteis e igualmente bem-
cultivadas. Se fossem menores, uma parte da terra em que se cultiva a
cevada logo seria utilizada para outro propósito, e, se fossem maiores, logo
se utilizariam mais terras para o cultivo da cevada. Quando o preço
ordinário de algum produto específico da terra chega a algo que podemos
chamar de preço de monopólio, o tributo sobre ele necessariamente
reduzirá a renda e o lucro da terra em que é cultivado. Um tributo sobre o
produto daqueles preciosos vinhedos, cujo vinho está tão longe de
alcançar a demanda efetiva que seu preço está sempre acima da proporção
natural que deveria guardar com o produto de outras terras igualmente
férteis e igualmente bem-cultivadas, obrigatoriamente reduziria a renda e
o lucro daqueles vinhedos. Pelo fato de o preço dos vinhos já ser o mais
alto que se poderia obter pela quantidade normalmente posta à venda, não
haveria como aumentar mais o preço sem que se diminuísse a quantidade
de vinho no mercado; ocorre que não há como diminuir essa quantidade
sem perdas maiores, pois suas terras não podem ser usadas para o cultivo
de produtos igualmente valiosos. Desse modo, todo o peso do tributo
recairia sobre a renda e o lucro, mais propriamente sobre a renda do
vinhedo. Sempre que é proposto um novo tributo sobre o açúcar, os
plantadores de cana-de-açúcar com frequência se queixam de que o total
desses tributos não recairá sobre o consumidor, mas sobre o produtor,
pois, após a aplicação de um novo tributo, nunca conseguiam elevar o
preço de seu produto a um valor maior do que o anteriormente praticado.
O preço antes do imposto, ao que parece, era um preço de monopólio; e o
argumento apresentado para demonstrar que o açúcar era um produto
inapropriado para a tributação demonstrou, talvez, que era apropriado,
pois os ganhos dos monopolistas, independentemente de sua origem, são
certamente os elementos que mais se adequam à tributação. Mas o preço
ordinário da cevada nunca foi um preço de monopólio, e a renda e o lucro
das terras de cevada nunca estiveram acima de sua proporção natural com
os de outras terras igualmente férteis e igualmente bem-cultivadas. Os
vários tributos incidentes sobre o malte e a cerveja nunca fizeram baixar o
preço da cevada e nunca reduziram a renda e o lucro das terras em que a
cevada é cultivada. Para o cervejeiro, o preço do malte sempre aumentou
em proporção aos tributos que incidem sobre ele; e esses tributos,
juntamente com os vários tributos incidentes sobre a cerveja, sempre
fizeram aumentar o preço dessas mercadorias, ou, o que dá no mesmo,
fizeram reduzir a qualidade dessa mercadoria para o consumidor.
Normalmente, o pagamento final desses tributos recai sobre o
consumidor, não sobre o produtor.
As únicas pessoas que poderiam sofrer com a mudança de sistema
aqui proposta são as que fazem cerveja para seu próprio uso. Mas a
isenção, de que atualmente essa classe mais alta da população desfruta, do
pagamento de tributos muito altos, os quais são pagos pelos trabalhadores
pobres e artesãos, é decerto extremamente injusta e desigual e, por isso,
deveria ser abolida, mesmo que nunca se consiga implementar um novo
sistema tributário. Talvez seja o interesse desse estrato superior de pessoas
que, até o momento, tem impedido uma mudança de sistema que
aumentaria a renda pública e aliviaria a população.
Além dos tributos alfandegários e daqueles incidentes sobre o
consumo anteriormente mencionados, existem vários outros que afetam o
preço das mercadorias de forma mais desigual e indireta. A esse tipo
pertencem os tributos que em francês são chamados de péages, que na
época dos antigos saxões eram chamados de tributos de passagem e que
em sua origem parecem ter sido criados com o mesmo objetivo de nossos
postos de pedágio de vias terrestres e hídricas, ou seja, para a manutenção
das estradas ou da navegação. Quando aplicados com esse objetivo, os
tributos são impostos de forma mais apropriada quando incidem sobre o
volume ou o peso da mercadoria. Por serem originalmente tributos locais
e provinciais, que se destinam a objetivos locais e provinciais, sua
administração, na maioria dos casos, era confiada à cidade, paróquia ou
senhorio específico em que eram recolhidos, ficando essas comunidades,
de uma forma ou de outra, responsáveis pela aplicação das receitas. Em
muitos países, o soberano, que está dispensado de prestar contas, chamou
para si a administração desses tributos; e se, na maior parte dos casos, os
tenha elevado muito, em muitos outros negligenciou a aplicação de seus
rendimentos. Caso os postos de pedágio da Grã-Bretanha precisassem se
transformar em recursos financeiros para o governo, o exemplo de muitas
outras nações ensinaria aos ingleses a provável consequência disso. Não há
dúvidas de que esses tributos são, ao final, pagos pelo consumidor;
entretanto, o consumidor não é tributado de forma proporcional a seus
gastos, pois não paga com base no valor, mas com base no volume ou no
peso do que consome. Quando esses tributos são impostos não com base
no volume ou peso, mas com base no suposto valor das mercadorias, eles
passam a ser propriamente um tipo de tributo alfandegário interno ou de
consumo que atravanca bastante o mais importante de todos os setores do
comércio — o comércio interno do país.
Em alguns Estados pequenos, há a imposição de tributos semelhantes
aos de passagem sobre bens transportados por todo o território, seja por
via terrestre ou hídrica, de um país estrangeiro para outro. Em alguns
países são chamados de tributos de trânsito. Alguns pequenos estados da
Itália, localizados às margens do rio Pó e dos rios que desembocam nele,
auferem alguma receita por meio de tributos desse tipo, que são pagos
somente por estrangeiros e que, talvez, sejam os únicos que um Estado
pode impor aos súditos de outro sem obstruir, de forma alguma, seu
próprio trabalho ou comércio. O tributo de trânsito mais importante do
mundo é o cobrado pelo rei da Dinamarca sobre todos os navios
mercantes que passam pelo estreito de Öresund.
Os impostos sobre bens supérfluos, tais como a maior parte dos
tributos alfandegários e dos tributos de consumo, embora todos recaiam
indistintamente sobre todas as fontes de rendimentos e embora sejam
pagos, ao final ou sem nenhuma retribuição, por todos aqueles que
consomem as mercadorias sobre os quais são impostos, ainda assim, nem
sempre recaem com igualdade ou proporcionalidade sobre os
rendimentos de todos os indivíduos. Assim como o humor de cada um
serve para regular o grau de seu consumo, cada um contribui mais de
acordo com seu humor que em proporção aos seus rendimentos; os
esbanjadores contribuem mais e os parcimoniosos menos do que suas
respectivas proporções adequadas. Durante a sua minoridade, uma pessoa
rica costuma, por meio de seu consumo, contribuir muito pouco para o
sustento daquele Estado cuja proteção lhe garante a obtenção de uma
grande renda. Aquelas pessoas que vivem em outro país em nada
contribuem, por meio de seu consumo, para o sustento do governo
daquele país no qual está localizada a sua fonte de renda. Se neste último
não houver imposto fundiário, nem nenhum grande tributo sobre a
transferência de bens móveis ou imóveis, como ocorre na Irlanda, aqueles
ausentes podem obter uma grande renda pela proteção de um governo
para cujo sustento nada contribuem. Essa desigualdade é provavelmente
maior em um país cujo governo está, sob alguns aspectos, subordinado e é
dependente do governo de algum outro. As pessoas que possuem as
maiores propriedades no país dependente geralmente, nesse caso, optarão
por viver no país que governa. A Irlanda está precisamente nessa situação
e, portanto, não podemos imaginar que a proposta de um tributo sobre os
ausentes seja muito popular naquele país. Talvez seja um pouco difícil
determinar precisamente que tipo ou que grau de ausência sujeitará uma
pessoa a ser tributada como ausente, ou em que momento exato o tributo
deve começar ou terminar. Se, porém, excetuarmos essa situação bastante
específica, toda desigualdade na contribuição dos indivíduos que se
origine desses tributos é muito mais do que compensada pela própria
circunstância que causa essa desigualdade: toda contribuição é
completamente voluntária, pois o consumo ou não da mercadoria
tributada é uma escolha feita somente por cada indivíduo. Portanto,
sempre que esses tributos são devidamente cobrados e incidem sobre as
mercadorias apropriadas, eles são pagos com menos reclamações do que
quaisquer outros. Quando são adiantados pelo comerciante ou pelo
manufaturador, o consumidor, que é quem os paga no final, acaba logo
confundindo os tributos com o preço das mercadorias e quase esquece
que os está pagando.
Esses tributos são ou podem ser perfeitamente certos ou podem ser
cobrados de modo a não deixar dúvidas sobre o que deve ser pago ou
quando deve ser pago, isto é, em relação à quantidade ou à data de
pagamento. Seja qual for a incerteza que possa por vezes haver, tanto nos
tributos alfandegários da Grã-Bretanha quanto em outros tributos do
mesmo tipo de outros países, ela não se origina da natureza desses
tributos, mas sim da forma inexata ou inábil do texto legal que os institui.
Em geral, os tributos incidentes sobre os bens supérfluos são, e sempre
podem ser, pagos gradualmente, isto é, à medida que os contribuintes
compram as mercadorias sobre as quais eles incidem. Quanto à data e à
forma de pagamento, eles são, ou podem ser, os tributos mais
convenientes. No geral, portanto, talvez haja tanta conformidade desses
tributos às três primeiras das quatro máximas gerais relativas à tributação
como de qualquer outro. São contrários em todos os aspectos à quarta.
Esses tributos, em proporção ao que arrecadam para o tesouro público,
sempre tomam ou mantêm fora dos bolsos do povo mais do que quase
todos os outros tributos. Parecem fazer isso de todas as quatro maneiras
em que é possível fazê-lo.
Em primeiro lugar, a cobrança desses tributos, mesmo quando
impostos da forma mais criteriosa, exige um grande número de fiscais
alfandegários e de consumo, cujos salários e gratificações constituem um
verdadeiro imposto sobre a população e nada recolhem para o tesouro
público. No entanto, é preciso reconhecer que essa despesa é mais
moderada na Grã-Bretanha do que na maioria dos outros países. No
exercício findo em 5 de julho de 1775, o produto bruto dos vários tributos,
sob gestão dos responsáveis pelo tributo de consumo na Inglaterra, foi de
5.507.308 libras, 18 xelins, 8,25 pence, que foi arrecadado a um custo de
pouco mais de 5,5%. Do produto bruto é preciso deduzir os valores pagos
em subsídios e drawbacks sobre a exportação de bens de consumo, o que
reduzirá o produto líquido para menos de 5 milhões.690 A cobrança do
tributo sobre o sal, um tributo de consumo, mas sob uma gestão diferente,
é muito mais cara. A receita alfandegária líquida não chega a 2,5 milhões,
arrecadada a um custo de mais de 10% em salários dos funcionários e
outras rubricas. Entretanto, as gratificações dos funcionários da alfândega
são em toda parte muito superiores a seus salários; em alguns portos, elas
são o dobro ou o triplo desses salários. Portanto, se os salários dos
funcionários e outras rubricas chegam a mais de 10% da receita
alfandegária líquida, o custo total do recolhimento dessa receita,
somando-se os salários e as gratificações, chega a mais de 20% ou 30%. Os
funcionários responsáveis pelo imposto de consumo recebem pouca ou
nenhuma gratificação; e, já que a administração desse setor da receita foi
estabelecida recentemente, ela é, em geral, menos corrupta que a
administração alfandegária, na qual, devido ao seu longo tempo de
funcionamento, foram introduzidos e autorizados muitos abusos. Ao se
recolher do malte a receita total que é arrecadada atualmente pelos vários
tributos sobre o malte e sobre as bebidas destiladas de malte, seria
supostamente possível poupar mais de 50 mil libras em despesas anuais
para a cobrança do tributo de consumo. Confinando-se os tributos
alfandegários a apenas alguns tipos de mercadoria e recolhendo esses
impostos segundo as leis do tributo de consumo, seria possível poupar
uma soma muito maior em despesas alfandegárias anuais.
Em segundo lugar, esses tributos necessariamente causam certa
obstrução ou desestímulo a certas atividades. Já que sempre elevam o
preço da mercadoria tributada, eles, então, desestimulam seu consumo e,
consequentemente, sua produção. Se a mercadoria for algo que se cria ou
se manufatura no país, menos trabalho será empregado para cultivá-la e
produzi-la. Se a mercadoria cujo preço aumenta por causa do tributo for
estrangeira, sem dúvida as mercadorias do mesmo gênero produzidas no
país poderão, com isso, ganhar alguma vantagem no mercado interno; um
número maior de trabalho doméstico poderá, então, ser desviado para a
produção delas. Contudo, ainda que o aumento do preço de uma
mercadoria estrangeira possa incentivar a atividade do país em um setor
específico, ele necessariamente desestimula a atividade de quase todos os
demais setores. Quanto mais caro o manufaturador de Birmingham pagar
pela compra de seu vinho estrangeiro, mais baixo será necessariamente o
valor de venda, ou o preço, da parcela de sua manufatura com a qual
compra o vinho. Essa parcela das manufaturas, portanto, perde seu valor
para ele, que, então, passa a estar menos incentivado a produzi-las.
Quanto mais caro os consumidores de um país pagam pelo produto
excedente de outro, mais barato eles necessariamente vendem a parcela de
seu próprio produto excedente, com o qual, ou, o que é a mesma coisa,
com o preço do qual compram o excedente alheio. Essa parcela de seu
próprio produto excedente passa a ter menos valor para eles, que, então,
tornam-se menos incentivados a aumentar a sua quantidade. Portanto,
todos os tributos incidentes sobre bens de consumo tendem a reduzir a
quantidade de trabalho produtivo a um nível abaixo do que estaria sem
eles, seja no preparo das mercadorias tributadas do mercado interno, seja
no preparo daquelas com as quais se compram as mercadorias
estrangeiras. Esses tributos, ademais, sempre alteram, em maior ou menor
grau, a orientação natural da atividade nacional e sempre a direcionam
para um caminho diferente e, em geral, menos vantajoso do que aquele no
qual se manteria de forma espontânea.
Em terceiro lugar, a esperança de sonegar esses tributos por meio do
contrabando costuma causar frequentes confiscos e outras penalidades,
que levam à ruína o contrabandista, pessoa que, embora seja, sem dúvida,
culpada por violar as leis de seu país, muitas vezes é incapaz de violar as
leis da justiça natural e, em todos os aspectos, poderia ser um excelente
cidadão se as leis de seu país não tivessem transformado em crime aquilo
que a natureza nunca quis que o fosse. Nos governos corruptos em que
existe ao menos uma suspeita geral da realização de muitos gastos
desnecessários e muita má aplicação da receita pública, há muito pouco
respeito pelas leis que protegem os tributos. Poucas pessoas são
escrupulosas em relação ao contrabando quando, sem cometer perjúrio,
encontram alguma oportunidade fácil e segura de praticá-lo. Aqueles que
afirmam ter qualquer escrúpulo em comprar mercadorias
contrabandeadas, embora isso seja um claro incentivo à violação das leis
da receita e ao perjúrio que quase sempre a acompanha, são vistos, na
maioria dos países, como pedantes e hipócritas e, isso, em vez de lhes dar
crédito, serve apenas para expô-los à suspeita de serem mais tratantes do
que a maioria de seus vizinhos. Por essa indulgência pública, o
contrabandista costuma ser encorajado a continuar uma atividade que
aprendeu a considerar como inocente em certa medida; e quando a
severidade das leis da receita se mostra iminente, ele, frequentemente, está
disposto a defender com violência aquilo que acostumou-se a considerar
como sua propriedade justa. Mesmo que, no início, ele talvez tenha sido
mais imprudente do que criminoso, ao final ele muitas vezes se transforma
em um dos mais resistentes e perseverantes infratores das leis da
sociedade. Pela ruína do contrabandista, seu capital, que anteriormente
havia sido empregado para a manutenção de um trabalho produtivo, é
absorvido pela receita do Estado ou pela renda do funcionário da receita,
sendo empregado, a partir dali, para a manutenção do trabalho
improdutivo, reduzindo o capital geral da sociedade e da atividade útil,
que, no caso contrário, seria mantido.691
Em quarto lugar, ao sujeitar os comerciantes das mercadorias
tributadas, ao menos, às visitas frequentes e ao exame odioso dos coletores
de impostos, os tributos podem, sem dúvida, expô-los às vezes a algum
grau de arbitrariedade e sempre a muitos problemas desnecessários e ao
vexame; e embora o vexame, conforme já dito, não constitua, estritamente
falando, uma despesa, é certamente equivalente às despesas que todos
estariam dispostos a incorrer para se livrar de tal situação. As leis
tributárias sobre o consumo, embora mais eficazes para o propósito para o
qual foram instituídas, são, neste respeito, mais vexatórias do que as leis
alfandegárias. Após importar mercadorias sujeitas a certos tributos
alfandegários, o comerciante paga esses tributos, guarda as mercadorias
em seu armazém e, então, na maioria dos casos, não se sujeita a nenhum
outro problema ou vexame do funcionário da casa alfandegária. Isso não
vale para as mercadorias sujeitas aos tributos sobre o consumo. Os
comerciantes não têm descanso das constantes visitas e inquirições dos
fiscais. Esses tributos são, por esse motivo, mais impopulares do que os
alfandegários; os funcionários dos tributos de consumo também. Afirma-
se que esses funcionários, embora, no geral, talvez cumpram seu dever tão
bem quanto os funcionários da alfândega, ainda assim, pelo fato de seu
dever os obrigar a, frequentemente, causar muitos incômodos a alguns de
seus vizinhos, eles, então, costumam adquirir uma certa dureza de caráter
que os outros não costumam ter. Essa observação, no entanto, pode muito
provavelmente ser apenas a mera sugestão de comerciantes fraudulentos,
cujo contrabando foi impedido ou detectado pela diligência daqueles
funcionários.
Os inconvenientes, no entanto, que talvez sejam, até certo grau,
inseparáveis dos tributos que incidem sobre os bens de consumo, recaem
de forma tão leve sobre o povo da Grã-Bretanha quanto sobre os de
qualquer outro país cujo governo possui despesas igualmente altas. Nosso
Estado não é perfeito e pode ser consertado, mas é tão bom ou melhor do
que o da maioria dos nossos vizinhos.
Em consequência da noção de que os tributos sobre bens de consumo
eram impostos sobre os lucros dos comerciantes, em alguns países têm-se
repetido esses tributos a cada venda sucessiva das mercadorias. Se os
lucros do importador ou do manufaturador fossem tributados, a equidade
pareceria exigir que os lucros de todos os compradores intermediários que
estivessem intervindo entre qualquer um deles e o consumidor também
fossem tributados. Esse parece ter sido o princípio que serviu de base para
a criação da famosa alcabala da Espanha. No início, era um tributo de
10%, depois passou para 14%, sendo atualmente de apenas 6% sobre a
venda de todo tipo de propriedade, seja móvel ou imóvel; e é repetido toda
vez que a propriedade é vendida.692 A cobrança desse tributo requer uma
multidão de fiscais que bastem para cobrir todo o transporte de
mercadorias, não apenas de uma província para outra, mas de uma loja
para outra. Ela submete não só os comerciantes de alguns tipos específicos
de mercadoria, mas aqueles de todos os outros tipos, todos os agricultores,
todos os manufaturadores, todos os comerciantes e lojistas, às visitas
constantes e ao exame dos coletores de impostos. Na maior parte de um
país em que exista esse tipo de tributo, não se pode produzir nada para a
venda a locais distantes. O produto de cada região do país tem de ser
proporcional ao consumo de sua vizinhança. Desse modo, Ustaritz
atribuiu a ruína das manufaturas na Espanha à alcabala. A ela poderia,
igualmente, ter imputado o declínio da agricultura, já que o tributo não
incide somente sobre os manufaturados, mas também sobre a matéria-
prima da agricultura.
No reino de Nápoles há um tributo semelhante de 3% sobre o valor de
todos os contratos e, consequentemente, sobre o valor de todos os
contratos de venda. Esse tributo é, ao mesmo tempo, mais leve que o
espanhol, e a maior parte das cidades e paróquias pode pagar um valor
acordado em vez dele. Arrecadam esse valor acordado da maneira que
quiserem em geral, de uma forma que não interrompa o comércio interno
da região. O tributo napolitano, portanto, não é tão ruinoso quanto o
espanhol.
O sistema uniforme de tributação, que, com algumas exceções de
pouca importância, está implantado em todas as diferentes regiões do
Reino Unido da Grã-Bretanha, deixa o comércio interno do país, o
comércio interior e costeiro, quase inteiramente livre. O comércio interior
é quase perfeitamente livre, e a maior parte das mercadorias pode ser
transportada de um lado do Reino para o outro sem exigir nenhuma
permissão ou autorização de passagem, sem sujeitar-se aos
questionamentos, visitas ou inspeções dos oficiais da receita. Há algumas
exceções, mas essas não são capazes de causar nenhuma interrupção a
alguma área importante do comércio interior do país. As mercadorias
transportadas pela costa, de fato, exigem certificados alfandegários.
Excetuando-se o carvão, no entanto, quase todo o resto está isento de
tributação. Essa liberdade de comércio interior, efeito da uniformidade do
sistema de tributação, é talvez uma das principais causas da prosperidade
da Grã-Bretanha, já que todo grande país representa necessariamente o
melhor e o mais vasto mercado para a maior parte do produto de suas
próprias atividades. Se a mesma liberdade, em consequência da mesma
uniformidade, pudesse ser estendida à Irlanda e às colônias, a grandeza do
Estado e a prosperidade de cada região do império seriam, provavelmente,
ainda maiores do que o são atualmente.693
Na França, as diferentes leis tributárias de suas várias províncias
exigem uma multidão de funcionários da receita para cercar não apenas as
fronteiras do reino, mas as de quase todas as províncias dele, para que
estas sejam impedidas de importar certos bens ou para submetê-las ao
pagamento de certos tributos, gerando uma considerável interrupção do
comércio interior do país. Algumas províncias podem fazer um acordo
para o pagamento da gabela ou imposto sobre o sal. Outras estão isentas
desse tributo. Algumas províncias estão isentas do tributo sobre a venda
exclusiva de tabaco que, na maior parte do reino, é arrecadada por
coletores particulares. As aides, ou auxílios, que correspondem ao tributo
sobre bens de consumo da Inglaterra, são bastante diferentes em suas
diversas províncias. Algumas províncias estão isentas e pagam um valor
acordado ou equivalente. Naquelas em que estão estabelecidas e são
arrecadadas, há muitos tributos locais que não se estendem além de uma
determinada cidade ou distrito. As traites, que correspondem à nossa
alfândega, dividem o reino em três grandes partes: primeiro, as províncias
sujeitas à tarifa de 1664, que são chamadas de províncias das cinco
grandes fazendas públicas, a saber, a Picardia, a Normandia e a maior
parte das províncias interiores do reino; em segundo lugar, as províncias
sujeitas à tarifa de 1667, que são as províncias consideradas estrangeiras,
entre elas a maior parte das províncias fronteiriças; e, em terceiro lugar, as
províncias que são tratadas como estrangeiras, ou que, por terem
permissão de manter comércio livre com países estrangeiros, estão, em seu
comércio com as demais províncias da França, sujeitas aos mesmos
tributos que outros países estrangeiros. Estas são a Alsácia, os três
bispados de Metz, Toul e Verdun, e as três cidades de Dunquerque, Baiona
e Marselha. Tanto nas províncias das cinco grandes fazendas públicas —
embora hoje estejam todas unidas em uma única fazenda pública, são
assim chamadas devido a uma antiga divisão dos tributos alfandegários
em cinco grandes regiões, sujeitas, cada uma delas, a uma administração
específica — como naquelas que são consideradas estrangeiras, há muitos
tributos locais que não se estendem além de uma cidade ou distrito
específico. Ainda há alguns desses nas províncias que são tratadas como
estrangeiras, especificamente na cidade de Marselha. É desnecessário
observar quanto é preciso multiplicar as restrições ao comércio interior do
país e o número de funcionários da receita para vigiar as fronteiras das
diversas províncias e distritos que estão sujeitos a esses diferentes sistemas
de tributação.
Além das restrições gerais decorrentes desse complicado sistema de
leis tributárias, o comércio de vinho, depois do de cereais, talvez o produto
mais importante da França, está na maior parte das províncias sujeito a
restrições específicas decorrentes do favor que tem sido dado aos vinhedos
de determinadas províncias e distritos em detrimento dos de outros.
Notem que as províncias mais famosas por seus vinhos são aquelas em
que o comércio de vinhos está menos sujeito a restrições desse tipo. O
amplo mercado de que essas províncias desfrutam incentiva a boa
administração do cultivo de seus vinhedos e da subsequente preparação
de seus vinhos.
Esse emaranhado de leis tributárias não é peculiar à França. O
pequeno ducado de Milão está dividido em seis províncias e em cada uma
delas vigora um sistema de tributação diferente no que diz respeito a
diversos tipos de bens de consumo. Os territórios ainda menores do
ducado de Parma estão divididos em três ou quatro, cada um dos quais
tem, da mesma forma, seu próprio sistema. Sob uma administração tão
absurda, nada, exceto a grande fertilidade do solo e um bom clima, era
capaz de impedir que esses países recaíssem rapidamente ao estado mais
baixo de pobreza e barbárie.
Os tributos sobre bens de consumo podem ser cobrados por uma
administração cujos funcionários são nomeados pelo governo e
respondem diretamente a ele; nesse caso, a receita deve variar anualmente,
de acordo com as variações ocasionais do resultado dos tributos, ou então
eles podem ser cobrados e administrados por particulares, a troco de uma
renda certa, permitindo-se ao administrador nomear seus próprios
funcionários, que, embora sejam obrigados a arrecadar o tributo da
maneira indicada pela lei, estão sob sua inspeção direta e são diretamente
responsáveis perante ele. A melhor e mais comedida maneira de se cobrar
um tributo nunca pode ser a arrecadação privada. Além do que é
necessário para pagar a renda estipulada, os salários dos funcionários e
todas as despesas de administração, o administrador deverá sempre
deduzir do produto dos tributos um certo lucro que seja, no mínimo,
proporcional aos adiantamentos que ele realiza, aos riscos que corre, aos
incômodos que lhe recaem e ao conhecimento e habilidade requeridos
para administrar uma atividade tão complicada. O governo, ao estabelecer
uma administração sob sua própria inspeção imediata, do mesmo tipo que
aquela estabelecida pelo arrecadador privado, poderia, no mínimo, poupar
esse lucro, que é quase sempre exorbitante. Assumir a coleta privada de
tributos em qualquer grande área da receita pública exige um grande
capital ou um grande crédito, fator que por si só já limita a concorrência
desse tipo de empreendimento a um número muito pequeno de pessoas.
Entre as poucas pessoas que dispõem desse capital ou crédito, um número
ainda menor tem o conhecimento ou a experiência necessários —
circunstância que restringe ainda mais o círculo dos possíveis
concorrentes. As poucas pessoas que estão em condições de competir
acabam achando mais interessante unirem-se em uma sociedade em vez
de serem concorrentes; e, desse modo, quando a arrecadação particular é
posta em leilão, sua administração não oferece renda, ficando muito
abaixo de seu valor real. Nos países em que a receita pública é
administrada por particulares, esses administradores costumam ser as
pessoas mais ricas. Sua riqueza, por si só, bastaria para excitar a
indignação pública; e a vaidade que quase sempre acompanha os novos
ricos, a ostentação descabida com que essas pessoas geralmente dão vazão
a essa riqueza, excitam ainda mais a indignação popular.
Os arrendadores da receita pública nunca acreditam que sejam muito
severas as leis que punem quaisquer tentativas de evitar o pagamento de
um tributo. Eles não têm nenhuma simpatia pelos contribuintes, que não
são seus súditos, sendo que a falência de todos eles, se ocorresse um dia
depois do fim de seu contrato de administração fiscal com o governo, não
afetaria muito seus interesses. Mesmo nas maiores necessidades do Estado,
quando a preocupação do soberano com o pagamento exato de seus
rendimentos está necessariamente em seu cume, raramente deixam de
alegar que, sem leis mais rigorosas do que as atuais, eles não conseguirão
lhe pagar nem mesmo a renda usual. Nesses momentos de aflição pública,
não há como contestar as imposições deles. As leis tributárias, portanto,
tornam-se gradualmente cada vez mais severas. As mais sanguinárias são
sempre encontradas em países onde a maior parte da receita pública é
administrada por particulares. As mais leves, em países em que a cobrança
é realizada mediante a inspeção imediata do soberano. Mesmo um
soberano ruim sente mais compaixão por seu povo do que jamais se pode
esperar dos administradores particulares de sua receita. Ele sabe que a
grandeza permanente de sua família depende da prosperidade de seu
povo, e nunca arruinará conscientemente essa prosperidade em nome de
um interesse passageiro que venha a ter. É outro o caso dos
administradores particulares de sua receita, cuja grandeza pode
frequentemente ser consequência da ruína de seu povo, não da
prosperidade.694
Um tributo, por vezes, não é somente administrado em troca de uma
certa renda, mas, além disso, o administrador (arrecadador) particular
tem o monopólio da mercadoria tributada. Na França, os tributos sobre o
tabaco e o sal são recolhidos dessa maneira. Nesses casos, o administrador,
em vez de arrecadar um, recolhe dois lucros exorbitantes da população: o
lucro que ganha como administrador (arrecadador) e o lucro ainda mais
exorbitante que ganha como monopolista. Já que o tabaco é um bem
supérfluo, pode-se escolher comprá-lo ou não. Mas o sal é um bem
necessário, e todos são obrigados a comprar do administrador uma certa
quantidade dessa mercadoria, pois, se não comprarem essa quantidade do
administrador, a comprarão, presumivelmente, de algum contrabandista.
Os tributos sobre essas duas mercadorias são exorbitantes.
Consequentemente, a tentação de contrabandear se torna irresistível para
muitas pessoas; ao mesmo tempo, o rigor da lei e a vigilância dos
funcionários do administrador quase certamente levam à ruína aqueles
que cedem à tentação. O contrabando de sal e de tabaco envia anualmente
várias centenas de pessoas às galeras e um número muito considerável à
forca. Esses impostos cobrados dessa forma rendem uma receita muito
considerável ao governo. Em 1767, a arrecadação do tributo sobre o
tabaco atingiu 22.541.278 libras francesas por ano. A do sal chegou a
36.492.404 libras francesas. A arrecadação particular em ambos os casos
deveria começar em 1768 e duraria seis anos. Aqueles que consideram o
sangue do povo como se fosse nada em comparação à receita do rei talvez
possam aprovar esse método de cobrar tributos. Tributos e monopólios
semelhantes sobre o sal e o tabaco foram criados em muitos outros países,
particularmente nos domínios austríacos e prussianos, bem como na
maior parte dos estados da Itália.
Na França, a maior parte da receita da coroa origina-se de oito fontes:
a talha, a capitação, os dois vingtièmes, as gabelas, as aides, as traites e a
administração do tabaco. As cinco últimas estão, na maior parte das
províncias, sob administração de particulares. As três primeiras são
cobradas em todas as regiões por uma administração sob inspeção e
comando diretos do governo e, conforme reconhecido por todos, em
proporção ao que retiram dos bolsos da população, essas três fontes levam
mais para o tesouro do rei do que as outras cinco, cuja administração gera
muito mais desperdícios e gastos.
As finanças da França parecem, em seu estado atual, autorizar três
reformas muito óbvias. Em primeiro lugar, abolindo-se a talha e a
capitação e aumentando o número de vingtièmes, de modo a produzir
uma receita adicional igual à quantidade desses outros tributos, a receita
da coroa pode, assim, ser preservada; os gastos com arrecadação poderiam
ser bastante diminuídos; o vexame das classes mais baixas da população,
causado pela talha e pela capitação, pode ser inteiramente evitado; e as
pessoas das classes superiores poderiam deixar de estar tão
sobrecarregadas quanto estão, em sua maioria, no momento. Conforme já
observei, o vingtième é um tributo muito similar ao imposto fundiário da
Inglaterra. Reconhece-se que o ônus da talha recai, ao final, sobre os
proprietários de terras; e como a maior parte da capitação é cobrada por
um valor específico por cada libra paga na talha, a maior parte da
capitação também acaba recaindo necessariamente sobre os proprietários
de terras. Assim, ainda que o número dos vingtièmes fosse aumentado, de
maneira a produzir uma receita adicional igual ao montante da talha e da
capitação, a classe alta da população não ficaria mais onerada do que está
atualmente. Sem dúvida, muitos indivíduos ficariam; isso, por causa das
grandes desigualdades com que a talha é normalmente cobrada das
propriedades e dos arrendatários de diferentes indivíduos. O interesse e a
oposição desses súditos favorecidos são os obstáculos mais propensos a
impedir esta ou qualquer outra reforma do mesmo tipo. Em segundo
lugar, fazendo com que a gabela, as aides, as traites, os tributos sobre o
fumo, bem como todos os tributos alfandegários e de consumo, sejam
uniformes em todas as regiões do reino, esses tributos poderiam ser
recolhidos com muito menos gastos e o comércio interno do reino
poderia tornar-se tão livre quanto o da Inglaterra. Em terceiro e último
lugar, submetendo todos esses impostos a uma administração sob a
inspeção e comando diretos do governo, os lucros exorbitantes dos
administradores particulares poderiam ser adicionados à receita do
Estado. A oposição do interesse privado de indivíduos pode ser tão eficaz
para impedir esses dois regimes de reforma quanto o será para impedir a
concretização do primeiro citado.
O sistema de tributação francês parece, em todos os aspectos, inferior
ao britânico. Na Grã-Bretanha são arrecadados 10 milhões de libras
esterlinas anualmente de uma base de menos de 8 milhões de pessoas, sem
que seja possível dizer que uma classe específica é oprimida. A partir dos
dados compilados pelo abade Expilly e das observações do autor do Essay
upon the Legislation and Commerce of Corn (Ensaio sobre a legislação e o
comércio de cereais), parece provável que a França, incluindo as
províncias de Lorena e de Bar, tenha aproximadamente 23 ou 24 milhões
de pessoas, talvez o triplo da população da Grã-Bretanha. O solo e o clima
franceses são superiores aos da Grã-Bretanha. O país tem estado há muito
mais tempo em situação de aprimoramento e cultivo e, por essa razão,
possui um melhor estoque de tudo aquilo que se leva muito tempo para
cultivar e acumular, como grandes cidades e casas confortáveis e bem
construídas, tanto na cidade quanto no campo. Com essas vantagens, seria
de esperar que, na França, fosse possível obter-se uma receita de 30
milhões para o sustento do Estado, com tão poucos inconvenientes quanto
uma receita de 10 milhões na Grã-Bretanha. Em 1765 e 1766, o total de
rendimentos pagos ao tesouro da França, de acordo com os melhores
cálculos, porém, reconheço, muito imperfeitos que consegui obter, era em
geral entre 308 e 325 milhões de libras francesas, isto é, menos de 15
milhões de libras esterlinas; nem a metade do que se poderia esperar se as
pessoas contribuíssem na mesma proporção de seu contingente, como
ocorre na Grã-Bretanha. Em geral, no entanto, o povo da França é
reconhecidamente muito mais oprimido pelos tributos do que a
população da Grã-Bretanha. A França, entretanto, é certamente, depois da
Grã-Bretanha, o grande império europeu com o governo mais suave e
indulgente.
Diz-se que, na Holanda, os tributos pesados sobre os bens de primeira
necessidade arruinaram suas principais manufaturas e podem
desencorajar gradualmente até mesmo sua pesca e construção naval. Os
tributos sobre os bens de primeira necessidade são insignificantes na Grã-
Bretanha, e nenhuma manufatura foi, até o momento, arruinada por eles.
Os tributos britânicos que mais pesam sobre os produtos manufaturados
são alguns impostos incidentes sobre a importação de matérias-primas,
particularmente aqueles incidentes sobre a seda crua. No entanto, a receita
dos Estados Gerais e das diversas cidades, segundo se diz, ultrapassa 5,25
milhões de libras esterlinas; e já que a população das Províncias Unidas
mal ultrapassa um terço da população da Grã-Bretanha, ela deve, em
proporção à sua população, ser tributada de forma muito mais pesada.
Se, após estarem exauridos todos os itens adequados para tributação,
as necessidades do Estado continuarem a exigir novos tributos, eles
deverão recair sobre aqueles itens inadequados para a tributação. Por isso,
os tributos sobre os bens necessários talvez não deponham contra a
sabedoria daquela república, que, para adquirir e manter sua
independência, apesar de sua grande frugalidade, envolveu-se em guerras
tão caras que foi obrigada a contrair grandes dívidas. Aliás, as regiões
características da Holanda e da Zelândia requerem gastos consideráveis
até para que consigam preservar sua existência, ou seja, para não serem
engolidas pelo mar, o que deve ter contribuído para aumentar
consideravelmente o peso dos impostos naquelas duas províncias. A forma
republicana de governo parece ser o principal apoio da atual grandeza da
Holanda. Os proprietários de grandes capitais, as grandes famílias de
comerciantes costumam ou ter alguma participação direta ou alguma
influência indireta na administração daquele governo. Pelo respeito e
autoridade que derivam dessa posição, estão dispostos a viver em um país
em que seu capital, quando aplicado por eles mesmos, lhes traga menos
lucro e, se o emprestam a outros, lhes traga menos juros, e onde a renda
muito modesta que conseguem obter possa comprar menos bens de
primeira necessidade e comodidades do que em qualquer outro país da
Europa. A residência dessas pessoas tão ricas necessariamente mantém
vivo, apesar de todas as desvantagens, um certo grau de atividade no país.
Qualquer calamidade pública que destruísse a forma republicana de
governo, que deixasse toda a administração nas mãos de nobres e de
soldados, que aniquilasse totalmente a importância desses comerciantes
ricos, logo os indisporia a viver onde não houvesse mais probabilidade de
serem publicamente respeitados. Eles mudariam o local de sua residência
e levariam seu capital para algum outro país, e, então, o trabalho e o
comércio da Holanda também iriam atrás dos capitais que os
sustentavam.695

Í
CAPÍTULO III
DÍVIDAS PÚBLICAS
No estado primitivo da sociedade que precede o aumento do comércio e a
melhoria das manufaturas, quando aqueles bens caros e supérfluos que
somente o comércio e os manufaturadores podem introduzir são
completamente desconhecidos, a pessoa que possui uma renda elevada,
conforme demonstrei no terceiro livro desta obra, não tem meios de gastá-
la nem de desfrutá-la exceto pela manutenção do máximo de pessoas que
essa renda é capaz de sustentar. Pode-se sempre dizer que uma renda
elevada consiste no comando sobre uma grande quantidade de bens de
primeira necessidade. Naquele estado primitivo, a renda elevada
costumava ser paga na forma de uma grande quantidade desses bens de
primeira necessidade, em matérias-primas para a alimentação simples e
vestes grosseiras, em cereais e gado, em lã e couros crus. Quando nem o
comércio nem os manufaturadores oferecem algo para que o proprietário
possa trocar a maior parte desses materiais que ultrapassam o seu próprio
consumo, ele não pode fazer nada com o excedente, senão alimentar e
vestir quase todos aqueles que for capaz de alimentar e vestir. A
hospitalidade sem luxo (ou supérfluos) e a liberalidade (generosidade) em
que não há ostentação geram, nesse estado de coisas, as principais
despesas dos ricos e dos grandes. Entretanto, conforme também
demonstrei no terceiro livro, essas despesas são pouco aptas a levar as
pessoas à ruína. Talvez não haja nenhum prazer egoísta que seja tão
frívolo que sua busca não tenha alguma vez arruinado até mesmo uma
pessoa sensata. A paixão por rinha de galos arruinou muitos. No entanto,
segundo acredito, não há muitos exemplos de pessoas que tenham perdido
todo o seu dinheiro por uma hospitalidade ou generosidade desse tipo,
ainda que a hospitalidade com luxo e a generosidade ostensiva tenham
levado muitas pessoas à ruína. Entre nossos ancestrais feudais, o longo
período em que as propriedades costumavam permanecer na mesma
família demonstra suficientemente que as pessoas estavam dispostas a
viver dentro dos limites de seus rendimentos. Embora a hospitalidade
rústica, constantemente exercida pelos grandes proprietários de terras,
não possa, para nós nos tempos atuais, parecer consistente com essa classe,
que costumamos considerar como inseparavelmente ligada à boa
economia, ainda assim devemos certamente aceitar que essas pessoas
tenham sido frugais a ponto de, pelo menos, não conseguir, normalmente,
gastar toda a sua renda (income). Elas, em geral, tinham oportunidade de
vender parte de sua lã e de seus couros crus por dinheiro. Talvez
gastassem parte desse dinheiro para comprar os poucos objetos de vaidade
e luxo que as circunstâncias da época eram capazes de oferecer, mas
parece que conseguiam acumular alguma parcela daquilo que obtinham.
Não havia, na verdade, muito o que fazer senão acumular o dinheiro
economizado. A prática do comércio era algo vergonhoso para um
cavalheiro, e emprestar dinheiro a juros, que naquela época era
considerado como usura e proibido por lei, teria sido ainda mais
vergonhoso. Naquele período de violência e desordem, além disso, era
apropriado ter em mãos uma reserva de dinheiro, pois, se as pessoas
fossem expulsas de seu próprio lar, teriam algo de valor conhecido para
que pudessem levar consigo a algum lugar seguro. A mesma violência que
propiciava a estocagem de dinheiro propiciava também esconder esse
dinheiro. A frequência da descoberta de tesouros, ou seja, de tesouros
cujos donos não eram conhecidos, é prova suficiente do costume daquele
período de acumular e esconder tesouros. A descoberta de tesouros
passou, então, a ser considerada como uma fonte importante das receitas
do soberano. Todos os tesouros encontrados no Reino atualmente mal
conseguiriam formar uma fonte importante de rendimentos de algum
cavalheiro dono de boas terras.
Soberano e súditos mantiveram a mesma disposição para economizar
e acumular. Conforme foi observado no Livro IV, entre as nações que
pouco conhecem o comércio e as manufaturas, o soberano está em uma
situação que naturalmente o dispõe à parcimônia necessária para a
acumulação. Nessa situação, nem mesmo os gastos de um soberano
podem ser ditados por aquela vaidade que se deleita com os adereços
pomposos de uma corte. A ignorância dos tempos oferece apenas alguns
poucos artigos entre esses adereços pomposos. Os exércitos permanentes
não eram necessários na época, de modo que os gastos, sejam de um
soberano ou de um grande senhor qualquer, dificilmente podem ser
aplicados em outras coisas senão em generosidades a quem trabalhava em
suas terras e em hospitalidade a seus dependentes. A generosidade e a
hospitalidade, entretanto, raramente levam ao exagero; a vaidade, por
outro lado, quase sempre. Assim, todos os antigos soberanos da Europa,
conforme observado, possuíam tesouros. Dizem que todos os chefes
tártaros da atualidade possuem um tesouro.
Em um país comercial repleto de todo tipo de supérfluos caros, o
soberano, da mesma forma que quase todos os grandes proprietários em
seus domínios, naturalmente gasta grande parte de seus rendimentos na
compra desses bens supérfluos. Seu próprio país e os seus vizinhos
também lhe oferecem em abundância todos os caros adereços
pertencentes à esplêndida — mas insignificante — pompa de uma corte.
Para que possam possuir adereços do mesmo tipo, mas de qualidade
inferior, seus nobres dispensam seus dependentes, oferecem
independência aos que trabalham suas terras e, gradualmente, se tornam
tão insignificantes quanto a maior parte dos burgueses ricos de seus
domínios. As mesmas paixões frívolas que influenciam a conduta de uns
também influenciam a do outro. Como supor que o rei seja o único
homem rico, em seus domínios, insensível aos prazeres desse tipo? Se ele
não gastar, o que provavelmente fará, com esses prazeres uma parcela tão
grande de seus rendimentos a ponto de enfraquecer muito o poder
defensivo do Estado, não há como esperar que deixe de gastar com eles
toda a parcela que ultrapassa o necessário para sustentar esse poder
defensivo. Seus gastos ordinários se tornam iguais aos seus rendimentos
ordinários, e tudo estará bem se suas despesas não ultrapassarem as
receitas com frequência. Não há como esperar que ele consiga acumular
tesouros e, quando necessidades extraordinárias exigirem despesas
extraordinárias, ele, necessariamente, pedirá uma ajuda extraordinária aos
seus súditos. Supõe-se que o atual e o falecido rei da Prússia são os únicos
grandes reis da Europa que, desde a morte de Henrique IV da França, em
1610, acumularam um tesouro considerável. A parcimônia que leva à
acumulação tornou-se quase tão rara no governo republicano como nos
monárquicos. As repúblicas italianas, as Províncias Unidas dos Países
Baixos estão todas endividadas. O cantão de Berna é a única república
europeia que foi capaz de acumular um tesouro considerável. As outras
repúblicas suíças não o conseguiram. O gosto por adereços caros, por
edifícios esplêndidos, no mínimo, e outras obras ornamentais públicas
costuma prevalecer tanto na sobriedade aparente da casa do senado de
uma pequena república quanto na corte dissoluta de um grande rei.
A falta de parcimônia em tempos de paz impõe a necessidade de
contrair dívidas em tempos de guerra. Quando chega a guerra, não há
dinheiro no tesouro senão o necessário para cobrir as despesas ordinárias
dos tempos de paz. Em tempos de guerra, essas despesas para a defesa do
Estado se tornam três ou quatro vezes maiores e, como consequência, se
faz necessária uma receita três ou quatro vezes superior àquela dos tempos
de paz. Supondo-se que o soberano tivesse, algo que raramente tem, os
meios imediatos para aumentar suas receitas em proporção ao aumento de
suas despesas, ainda assim o produto dos impostos, por meio do qual se
chegaria a esse aumento de receitas, somente começaria a entrar no
tesouro talvez dez ou doze meses depois de terem sido impostos. Mas no
momento em que a guerra começa, ou melhor, no momento em que
parece provável que ela começará, o exército deve ser aumentado, a frota
deve ser aparelhada, as cidades fortificadas devem ser colocadas em
postura de defesa; esse exército, essa frota, essas cidades fortalecidas
precisam de armas, munições e provisões. É preciso realizar-se uma
grande despesa imediata nesse momento de perigo imediato, que não
esperará pela entrada gradual e lenta dos novos tributos. Em tal momento,
o governo não tem outro recurso a não ser tomar um empréstimo.696
O mesmo estado comercial da sociedade que, pela operação de causas
morais, leva o governo a, dessa forma, buscar por empréstimos também
produz nos súditos a capacidade e a inclinação para emprestar. Se esse
estado traz com ele a necessidade de empréstimos, ele, da mesma forma,
traz consigo a facilidade de consegui-los.
Um país repleto de comerciantes e manufaturadores também está
necessariamente repleto de muitas pessoas por cujas mãos passam não
apenas os seus próprios capitais, mas os capitais de todos aqueles que lhes
emprestam dinheiro ou lhes confiam mercadorias, e isso ocorre com a
mesma frequência ou, ainda, com maior frequência do que ocorre com os
rendimentos de uma pessoa particular que, por não ser comerciante ou
negociante, vive de sua renda (income). A renda dessa pessoa pode com
frequência passar por suas mãos apenas uma vez por ano. Já o total do
capital e do crédito de um comerciante que lida com um negócio cujos
retornos são muito rápidos pode, às vezes, passar duas, três ou quatro
vezes por ano por suas mãos. Um país com muitos comerciantes e
manufaturadores, portanto, também está necessariamente repleto de um
grande número de pessoas que, a todo tempo, pode adiantar, se assim
decidir fazer, uma quantia muito grande de dinheiro para o governo. Daí a
capacidade que os súditos de um estado comercial têm para conceder
empréstimos.697
O comércio e as manufaturas raramente conseguem sobreviver por
muito tempo em um Estado que não desfrute de uma administração
regular da justiça, no qual as pessoas não se sintam seguras na posse de
sua propriedade, no qual a fé dos contratos não seja assegurada por lei, no
qual não se supõe que a autoridade do Estado deva ser regularmente
empregada para obrigar o pagamento das dívidas de todos aqueles que são
capazes de pagar. Em resumo, o comércio e as manufaturas raramente
conseguem sobreviver em um Estado em que não haja um certo grau de
confiança na justiça do governo. A mesma confiança que, em ocasiões
ordinárias, leva os grandes comerciantes e manufaturadores a confiar sua
propriedade à proteção de um determinado governo também os leva, em
ocasiões extraordinárias, a confiar o uso de sua propriedade ao mesmo
governo. Ao emprestar dinheiro ao governo, eles nem por um momento
diminuem sua capacidade de manter suas atividades e manufaturas. Pelo
contrário, eles geralmente a aumentam. As necessidades do Estado
dispõem o governo, na maioria dos casos, a tomar empréstimos em
condições extremamente vantajosas para o credor. A garantia que concede
ao credor original é transferível para qualquer outro credor e, por causa da
confiança que todos têm na justiça do Estado, pode, em geral, ser vendida
no mercado por mais do que se pagou originalmente por ela. O
comerciante ou homem endinheirado ganha ao emprestar ao governo e,
em vez de diminuir, aumenta seu capital de negócios. Portanto, em geral,
ele considera um favor quando a administração o admite entre os da
primeira subscrição a um novo empréstimo. Daí a inclinação ou
disposição que os súditos de um estado comercial têm para conceder
empréstimos.698
O governo de um Estado desse tipo está preparado para confiar na
capacidade e na disposição de seus súditos a lhe emprestar seu dinheiro
em ocasiões extraordinárias. O Estado prevê a facilidade de tomar
empréstimos e, assim, dispensa-se do dever de poupar.
No estado primitivo da sociedade não existem grandes capitais
mercantis ou de manufaturas. Os indivíduos que acumulam qualquer
dinheiro que conseguem poupar e que escondem seu tesouro o fazem
porque não confiam na justiça do governo e temem ser rapidamente
saqueados se souberem que possuem um tesouro e onde ele está
escondido. Em tal estado de coisas, poucas pessoas seriam capazes e
ninguém estaria disposto a emprestar seu dinheiro ao governo em
momentos extraordinários. O soberano, então, sabendo que deverá prover
essas exigências, poupa, porque prevê a absoluta impossibilidade de obter
um empréstimo. Essa previsão aumenta ainda mais a sua disposição
natural para poupar. Tem sido bastante uniforme o crescimento das
enormes dívidas que atualmente oprimem e que, a longo prazo,
provavelmente arruinarão todas as grandes nações da Europa. As nações,
assim como os homens privados, geralmente começaram a tomar
empréstimos com base no que pode ser chamado de crédito pessoal, sem
designar nem hipotecar nenhum fundo específico para o pagamento da
dívida; e quando esse recurso não mais funcionava, passaram a tomar
emprestado com base na designação ou na hipoteca de fundos
particulares.
A dívida não fundada da Grã-Bretanha foi contraída pelo primeiro
desses dois caminhos. Consiste, em parte, em uma dívida que não paga ou
se supõe não pagar juros e que se assemelha às dívidas em conta
contraídas por um particular, e, em parte, consiste em uma dívida que
paga juros e que se assemelha à dívida contraída por um particular sobre
sua nota de crédito ou promissória. Do primeiro tipo costumam ser as
dívidas que são devidas por serviços extraordinários ou por serviços não
previstos ou não pagos no momento em que são realizados; também, parte
dos serviços extraordinárias do exército, da marinha e da artilharia, os
atrasos de subsídios a monarcas estrangeiros, os dos salários dos
marinheiros, etc. Os títulos da marinha e do tesouro, que, às vezes, são
emitidos em pagamentos como parte de tais dívidas e, às vezes, para
outras finalidades, constituem uma dívida do segundo tipo; os títulos do
tesouro rendem juros a partir do dia de sua emissão, e os da marinha, seis
meses depois de sua emissão. O Banco da Inglaterra — seja ao descontar
voluntariamente esses títulos ao valor corrente, seja ao realizar um acordo
com o governo em relação a certos termos para a circulação dos títulos do
tesouro, isso é, para recebê-los ao par e pagando os juros que lhes são
devidos — mantém seu valor e facilita sua circulação e, desse modo,
costuma permitir que o governo contraia grandes dívidas desse tipo.699 Na
França, onde não existe um banco como o da Inglaterra, os títulos do
Estado700 chegaram a ser vendidos com 60% ou 70% de desconto. Durante
a grande recunhagem, ocorrida no reinado do rei Guilherme, quando o
Banco da Inglaterra imaginou ser apropriado sustar suas transações
costumeiras, afirma-se que os títulos e as notas com garantia701 do tesouro
foram vendidos com desconto entre 25% e 60%; isso, sem dúvida, ocorreu,
em parte, por causa da suposta instabilidade do novo governo instaurado
pela Revolução, mas, também, em parte, por causa da falta de apoio do
Banco da Inglaterra.
Quando esse recurso se esgota e, para arrecadar dinheiro, torna-se
necessário designar ou hipotecar alguma área específica da receita pública
para o pagamento da dívida, o governo, em diferentes ocasiões, fez isso de
duas maneiras distintas. Às vezes, faz essa designação ou hipoteca somente
a curto prazo, um ano ou alguns poucos anos, por exemplo; e, às vezes, de
forma perpétua. No primeiro caso, supunha-se que o fundo fosse
suficiente para pagar, em um período limitado, o principal e os juros do
dinheiro emprestado. No outro caso, supunha-se que isso fosse suficiente
apenas para pagar os juros ou uma renda anual equivalente aos juros,
ficando o governo livre para resgatar a anuidade a qualquer momento,
restituindo-se o valor do principal emprestado. Quando o dinheiro era
obtido pela primeira maneira, dizia-se que ele havia sido arrecadado por
antecipação; na segunda, que havia sido arrecadado mediante um
financiamento perpétuo ou, mais concisamente, por um fundo.702
Na Grã-Bretanha, os tributos anuais sobre a terra e o malte costumam
ser, todos os anos, antecipados, em virtude de uma cláusula de
empréstimo normalmente inserida nas leis que os impõem. O Banco da
Inglaterra geralmente adianta — com juros que, desde a Revolução, tem
variado entre 8% e 3% — as somas pelas quais aqueles impostos são
concedidos e recebe o pagamento à medida que o produto da arrecadação
vai lentamente entrando nos cofres públicos. Se houver uma deficiência, e
sempre há, ela será recuperada no ano seguinte. A única rubrica
considerável de receita pública que ainda permanece livre de hipoteca é,
assim, regularmente gasta antes de ser arrecadada. Como um esbanjador
imprevidente, cujas necessidades prementes não permitem que ele espere
o pagamento regular de seus rendimentos, o Estado costuma tomar
dinheiro emprestado de seus próprios representantes e lhes paga juros
para utilizar seu próprio dinheiro.
No reinado do rei Guilherme e durante grande parte do da rainha
Ana, antes de estarmos familiarizados com a prática do financiamento
(funding) perpétuo, a maior parte dos novos tributos era imposta por
apenas um curto período (somente por quatro, cinco, seis ou sete anos), e
grande parte das subvenções de cada ano consistia em empréstimos por
antecipação, que adiantavam o produto desses tributos. Já que o produto
era frequentemente insuficiente para pagar, em um prazo limitado, o
principal e os juros do empréstimo, surgiam algumas insuficiências e, para
remediá-las, se tornava necessário prorrogar o seu prazo.
Em 1697, pelo estatuto publicado no 8º ano do reinado de Guilherme
III, c.20,703 as insuficiências de vários tributos recaíam sobre o que então
era chamado de primeira hipoteca ou fundos gerais, consistindo em uma
prorrogação, até o dia 1º de agosto de 1706, de vários tributos que teriam
expirado em um prazo mais curto e cujo produto havia sido guardado em
um fundo geral. As insuficiências cobradas durante essa prorrogação
atingiram 5.160.459 libras, 14 xelins e 9,25 pence.
Em 1701, esses tributos, junto com alguns outros, receberam uma
prorrogação maior para fins semelhantes até o dia 1º de agosto de 1710 e
foram chamados de 2ª hipoteca ou fundo geral. As insuficiências cobradas
durante essa prorrogação atingiram 2.055.999 libras, 7 xelins e 11,5 pence.
Em 1707, esses tributos foram prorrogados ainda mais, como um
fundo para novos empréstimos, até o dia 1º de agosto de 1712, e foram
chamados de 3ª hipoteca ou fundo geral. A soma emprestada foi de
983.254 libras, 11 xelins e 9,25 pence.
Em 1708, todos esses tributos (excetuado o antigo Subsídio de
Tonelagem e Libragem, do qual somente a metade passou a fazer parte
desse fundo, bem como um tributo sobre a importação de linho escocês,
que havia sido suprimido pelo Tratado de União de 1707) foram
prorrogados mais uma vez, como fundo para novos empréstimos, até 1º de
agosto de 1714, e foram chamados de 4ª hipoteca ou fundo geral. A soma
emprestada foi de 925.176 libras, 9 xelins e 2,25 pence.
Em 1709, todos esses tributos (excetuado o antigo Subsídio de
Tonelagem e Libragem, que agora foi deixado completamente fora desse
fundo) foram prorrogados mais uma vez para o mesmo propósito até 1º
de agosto de 1716 e foram chamados de 5ª hipoteca ou fundo geral. A
soma emprestada foi de 922.029 libras e 6 xelins.
Em 1710, esses tributos foram prorrogados ainda mais até o dia 1º de
agosto de 1720 e foram chamados de 6ª hipoteca ou fundo geral. A soma
emprestada foi de 1.296.552 libras, 9 xelins e 11,75 pence.
Em 1711, os mesmos tributos (que, a essa altura, estavam, portanto,
sujeitos a quatro antecipações), juntamente com vários outros, foram
prorrogados por tempo indefinido, tornando-se um fundo para o
pagamento dos juros do capital da Companhia dos Mares do Sul que,
naquele ano, havia adiantado ao governo, para pagar dívidas e cobrir
insuficiências, a soma de 9.177.967 libras, 15 xelins e 4 pence: o maior
empréstimo até então contraído.704
Antes dessa época, os principais tributos e, no que pude observar, os
únicos que haviam sido estabelecidos como perpétuos para pagar os juros
de uma dívida eram aqueles destinados a pagar os juros do dinheiro que
havia sido adiantado ao governo pelo banco e pela Companhia das Índias
Orientais e aquele que seria adiantado (mas nunca o foi) por um futuro
banco com hipoteca de terras. O fundo do banco era na época de
3.375.027 libras, 17 xelins e 10,5 pence, ao qual era paga uma anuidade ou
juros de 206.501 libras, 13 xelins e 5 pence. O fundo das Índias Orientais
atingiu 3.200.000 libras, pagando renda anual ou juros de 160 mil libras;
os juros do banco eram de 6%, e o das Índias Orientais, 5%.
Em 1715, pelo estatuto publicado no primeiro ano do reinado de Jorge
I, c.12,705 os diversos tributos que haviam sido hipotecados para pagar a
anuidade do banco, juntamente com vários outros que, por esse ato,
também se transformaram em rendas perpétuas, foram reunidos em um
fundo comum chamado de Fundo Agregado, o qual, além de pagar a
anuidade do banco, pagava várias outras anuidades e outros diversos tipos
de ônus. Mais tarde, esse fundo recebeu acréscimos dos estatutos do 3o
ano do reinado de Jorge I, c.8, e do 5o ano do reinado do mesmo rei, c.3;
os diversos tributos que foram então adicionados a ele também foram
transformados em perpétuos.
Em 1717, pelo estatuto do 3o ano do reinado de Jorge I, c.7,706 vários
outros tributos também se tornaram perpétuos e foram levados a um
outro fundo comum, chamado de Fundo Geral, que objetivava o
pagamento de certas anuidades e cujo montante chegou a 724.849 libras, 6
xelins e 10,5 pence.
Como consequência desses estatutos, a maior parte dos tributos que
anteriormente haviam sido antecipados apenas por um curto número de
anos se tornou perpétua, servindo como fundo cujo objetivo não era o
pagamento do capital, mas somente o pagamento dos juros do dinheiro
que havia sido tomado emprestado com base nesses fundos por meio das
diversas e sucessivas antecipações.
Se nunca se tivesse arrecadado dinheiro por outro modo senão por
antecipação, o decurso de alguns poucos anos poderia ter desonerado a
receita pública sem nenhuma outra atenção do governo exceto a de não
sobrecarregar o fundo, onerando-o com mais dívidas do que aquelas que
era capaz de pagar no prazo fixado, e a de não realizar uma segunda
antecipação antes de a primeira ter expirado. A maior parte dos governos
europeus, porém, tem sido incapaz de oferecer esse tipo de atenção. Eles,
com frequência, sobrecarregam o fundo já na primeira antecipação; e,
quando isso não ocorre, geralmente cuidam de sobrecarregá-lo ao realizar
uma segunda ou terceira antecipação antes mesmo de a primeira ter
expirado. Assim, o fundo se tornou completamente insuficiente para pagar
tanto o principal como os juros do dinheiro que tomou emprestado, e foi
necessário onerá-lo apenas com os juros ou com uma renda anual
perpétua equivalente aos juros; essas antecipações negligentes
inevitavelmente deram origem à prática ainda mais ruinosa dos
financiamentos (funding) perpétuos. Mas, ainda que essa prática adie
necessariamente a liberação da receita pública de um período fixo para
um período tão indefinido que tem muito pouca chance de nunca chegar;
ainda assim, já que é possível arrecadar uma soma maior com essa nova
prática do que com a antiga prática de antecipações, então, tem-se
preferido, quando as pessoas se familiarizam com ela, a primeira à
segunda nos casos de grandes necessidades do Estado. Abrandar a
urgência atual é sempre o objetivo que mais interessa àqueles que estão
ligados diretamente à administração dos negócios públicos. A futura
liberação da receita pública, eles deixam aos cuidados da
administração.707
Durante o reinado da rainha Ana, a taxa de juros do mercado caiu de
6% para 5% e, no 12º ano de seu reinado, declarou-se que a taxa de juros
máxima que se poderia cobrar legalmente por dinheiro emprestado contra
garantia particular seria de 5%. Pouco tempo depois de a maior parte dos
tributos temporários da Grã-Bretanha ter se tornado perpétua e
distribuída entre os fundos Agregado, dos Mares do Sul e Geral, os
credores do setor público, assim como os do setor privado, foram
induzidos a aceitar 5% de juros por seu dinheiro, o que gerou uma
economia de 1% sobre o capital da maior parte das dívidas que haviam
sido contraídas em perpetuidade, isto é, 1/6 da maior parte das rendas
anuais que se pagavam dos três grandes fundos anteriormente
mencionados. Essa economia deixava um excedente considerável no
produto dos diversos tributos que se haviam acumulado nesses fundos,
um valor que ultrapassava o necessário para pagar as rendas anuais que
agora se retirava deles; esse excedente formou algo que, desde então,
passou a ser chamado de Fundo de Amortização de Empréstimos. Em
1717, este era de 323.434 libras, 7 xelins e 7,5 pence. Em 1727, os juros da
maior parte das dívidas públicas foram reduzidos ainda mais, para 4% e,
em 1753 e 1757, para 3,5% e para 3%; essas reduções aumentaram ainda
mais o Fundo de Amortização.708
Embora um fundo de amortização de empréstimos seja instituído para
o pagamento das dívidas antigas, ele facilita muito a contração de novas. É
um fundo subsidiário que está sempre disponível para ser hipotecado
como garantia a qualquer outro fundo duvidoso do qual se pretende
arrecadar dinheiro em quaisquer urgências e necessidades do Estado. Se o
Fundo de Amortização de Empréstimos da Grã-Bretanha tem sido
aplicado com mais frequência para uma ou outra dessas duas finalidades
será demonstrado suficientemente pelo que for sendo dito.
Além desses dois métodos de empréstimo, por antecipações e por
financiamento perpétuo, existem dois outros métodos que ocupam uma
espécie de lugar intermediário entre os dois primeiros. Estes são: tomar
emprestado por meio de rendas anuais por prazo certo de anos e tomar
emprestado por meio de rendas anuais vitalícias.
Durante os reinados do rei Guilherme e da rainha Ana, grandes somas
eram frequentemente emprestadas por meio de rendas anuais por prazo
certo de anos, que às vezes eram mais longos e, às vezes, mais curtos. Em
1693, foi aprovada uma lei para tomar emprestado 1 milhão com rendas
anuais de 14%, ou 140 mil libras por ano, durante dezesseis anos. Em
1691, foi aprovada uma lei para tomar emprestado 1 milhão com
anuidades vitalícias e em condições que, nos tempos atuais, pareceriam
muito vantajosas. Mas a subscrição não se completou. No ano seguinte, as
insuficiências foram completadas com novo empréstimo, com pagamento
de rendas anuais vitalícias de 14%, ou por pouco mais de sete anos de
renda anual. Em 1695, as pessoas que haviam comprado essas anuidades
puderam trocá-las por outras de 96 anos, pagando ao tesouro 63 libras por
cada 100, ou seja, a diferença entre os 14% vitalícios e os 14% por 96 anos
foi vendida por 63 libras, ou pelas rendas de 4,5 anos. A suposta
instabilidade do governo era tão grande que, mesmo com essas condições
vantajosas, surgiram poucos compradores. Durante o reinado da rainha
Ana, o dinheiro era tomado emprestado tanto por meio de anuidades
vitalícias quanto por meio de anuidades por prazos de 32, 89, 98 e 99 anos.
Em 1719, os proprietários das rendas anuais de 32 anos foram induzidos a
trocá-las por fundos da Mares do Sul no valor das rendas de 11,5 anos das
anuidades, juntamente com uma quantidade adicional de capital igual aos
atrasados que lhes estivessem devendo naquele momento. Em 1720, a
maior parte das outras rendas anuais por prazo certo de anos, tanto as
longas quanto as curtas, foi subscrita no mesmo fundo. As anuidades de
longo prazo somavam na época 666.821 libras, 8 xelins e 3,5 pence por
ano. No dia 5 de janeiro de 1775, o restante das rendas anuais, ou o que
não havia sido subscrito na época, era de apenas 136.453 libras, 12 xelins e
8 pence.
Durante as duas guerras que começaram em 1739 e em 1755, tomou-
se pouco dinheiro emprestado, tanto em rendas anuais por prazo certo de
anos quanto em rendas anuais vitalícias. Uma renda anual de 98 ou 99
anos, no entanto, vale quase tanto dinheiro quanto uma renda vitalícia, e,
portanto, poder-se-ia imaginar que fosse capaz de tomar uma quantidade
de empréstimo semelhante. No entanto, aqueles que, a fim de amealhar
fundos para a família e economizar para um futuro remoto, comprassem
fundos públicos, não fariam questão de comprar de um cujo valor
estivesse diminuindo constantemente; essas pessoas constituem uma
proporção bastante considerável dos proprietários e dos compradores de
fundos. Assim, embora o valor intrínseco da renda anual de longo prazo
possa ser quase o mesmo de uma renda vitalícia, ela não terá o mesmo
número de compradores. Os subscritores de um novo empréstimo que, em
geral, pretendem vender sua subscrição o mais rápido possível preferem
uma renda anual vitalícia resgatável pelo Parlamento a uma renda anual
de longo prazo não resgatável que tenha apenas o mesmo valor. É possível
supor que o valor do primeiro fundo seja sempre o mesmo, ou quase o
mesmo, tornando-o, assim, um capital transferível mais conveniente do
que o segundo.
Durante as duas últimas guerras mencionadas, as rendas anuais por
prazo certo de anos ou as vitalícias raramente eram concedidas, senão
como prêmios para os subscritores de um novo empréstimo, além da
anuidade ou dos juros resgatáveis sobre cujo crédito se realizaria o
empréstimo. Eram concedidas não como fundo propriamente dito sobre o
qual se havia emprestado o dinheiro, mas como um incentivo adicional
aos subscritores.
As rendas anuais vitalícias foram ocasionalmente concedidas de duas
maneiras diferentes: ou pela duração de vidas individuais ou pela duração
das vidas de um grupo de pessoas, que em francês são chamadas
tontines,709 a partir do nome de seu inventor. Nas rendas anuais
concedidas por vidas individuais, a morte de qualquer beneficiário
desonera a receita pública da obrigação a que estava afetada por essa
renda. Quando são concedidas rendas anuais por tontinas, a receita
pública só é desonerada com a morte de todos os beneficiários da renda
anual de um grupo, o qual às vezes pode ser formado por vinte ou trinta
pessoas, sendo que os sobreviventes do grupo recebem, como sucessores,
as rendas anuais de todos aqueles que faleceram antes deles; o último
sobrevivente recebe as rendas totais do grupo. Supondo-se a mesma
receita, sempre se pode arrecadar mais dinheiro por meio de tontinas do
que por rendas anuais por vidas individuais. Uma renda anual, com
direito de sobrevivência, vale mais do que uma renda anual individual de
mesmo valor; e, por causa da crença que cada indivíduo tem sobre sua
própria boa sorte — o princípio fundamental do sucesso de todas as
loterias —, essa renda anual costuma ser vendida por mais do que vale.
Por isso, naqueles países em que o governo costuma arrecadar dinheiro
por meio de rendas anuais, as tontinas, em geral, são preferidas às rendas
anuais individuais. Quase sempre se prefere o expediente capaz de
arrecadar mais dinheiro ao que provavelmente seria capaz de desonerar a
receita pública de forma mais rápida.
Na França, há uma porção muito maior de dívidas públicas que
consistem em rendas anuais vitalícias do que na Inglaterra. De acordo com
um memorando apresentado em 1764 pelo Parlamento de Bordeaux ao
rei, estima-se que a dívida pública total da França seja de 2,4 bilhões de
libras francesas; supõe-se que o montante do capital das rendas anuais
vitalícias chegue a 300 milhões, isto é, a oitava parte de toda a dívida
pública. Calcula-se que as próprias rendas anuais somem 30 milhões por
ano, a quarta parte de 120 milhões, isto é, os supostos juros do valor total
da dívida. Sei bem que essas estimativas não são exatas, mas tendo sido
apresentadas por um grupo bastante respeitável como aproximações da
verdade, entendo que possam ser consideradas como tal. Não é o maior ou
menor grau de preocupação dos governos com a desoneração da receita
pública que causa essa diferença nas respectivas modalidades de tomar
empréstimos na França e na Inglaterra. Ela surge exclusivamente das
diferentes visões e interesses dos credores.
Na Inglaterra, país em que a sede do governo fica na maior cidade
mercantil do mundo, os comerciantes são as pessoas que, em geral,
emprestam dinheiro para o governo. Ao adiantar esse dinheiro, eles não
querem diminuir, mas, ao contrário, aumentar seu capital mercantil; e,
caso não esperassem vender com algum lucro sua parcela na subscrição de
um novo empréstimo, nunca o subscreveriam. Ocorre que, se, ao
adiantarem seu dinheiro, em vez de comprarem rendas anuais perpétuas,
comprassem apenas rendas anuais vitalícias, relativas à sua vida ou à de
outras pessoas, nem sempre conseguiriam vendê-las com lucro. As rendas
anuais por suas próprias vidas seriam sempre vendidas com prejuízo,
porque ninguém pagaria por uma renda anual sobre a vida de uma outra
pessoa, mesmo com idade e estado de saúde semelhantes, o mesmo preço
que pagaria por uma renda anual pelo tempo de duração de sua própria
vida. Uma renda anual relativa à vida de uma terceira pessoa tem, sem
dúvida, valor igual para o comprador e para o vendedor, porém seu valor
real começa a diminuir a partir do momento em que é concedida, e
continuará diminuindo enquanto a renda existir. Essa renda anual,
portanto, jamais será capaz de formar um capital transferível tão
conveniente quanto uma anuidade perpétua, cujo valor real se mantém
supostamente sempre igual ou quase igual.
Já na França, onde a sede do governo não está localizada em uma
grande cidade mercantil, os comerciantes não constituem uma porção tão
grande das pessoas que adiantam dinheiro ao governo. A maior parte dos
que emprestam seu dinheiro para todas as necessidades públicas é
constituída por pessoas ligadas às finanças, os arrecadadores privados de
tributos, aqueles que recebem os tributos que não são arrecadados
privadamente, os banqueiros da corte, etc. Essas pessoas não costumam
ser homens bem-nascidos, mas muito ricos e, normalmente, muito
orgulhosos. Eles são orgulhosos demais para se casar com seus iguais, e as
mulheres de qualidade os desdenham. Por isso mesmo, eles
frequentemente resolvem permanecer solteiros e, por não terem nem
família própria nem muita consideração pelas famílias de seus parentes,
que eles nem sempre gostam muito de reconhecer, desejam apenas levar
uma vida esplendorosa e não se preocupam caso sua fortuna e sua vida
terminem ao mesmo tempo. Além disso, o número de ricos que são
avessos ao casamento, ou cujas condições de vida o tornam impróprio ou
inconveniente, é muito maior na França do que na Inglaterra. Para essas
pessoas que pouco ou nada se preocupam com a posteridade, nada é mais
cômodo do que trocar seu capital por uma renda que dure exatamente —
e não mais — pelo período que desejam.
A despesa ordinária em tempos de paz da maior parte dos governos
modernos é igual ou quase igual às suas receitas ordinárias, então, durante
as guerras, eles não desejam nem têm condições para aumentar suas
receitas proporcionalmente ao aumento de seus gastos. Eles não estão
dispostos por medo de ofender o povo, que, por causa de um aumento tão
grande e tão repentino dos tributos, logo ficaria desgostoso com a guerra;
e, também, não são capazes por não saberem bem quais impostos seriam
suficientes para produzir a receita desejada. A facilidade da obtenção de
empréstimos os livra do constrangimento que, de outra forma, seria
causado por esse medo e incapacidade.
Com um aumento bastante moderado dos tributos, os empréstimos
permitem aos governos uma arrecadação, de um ano para o outro, de
dinheiro suficiente para a manutenção da guerra e, com um aumento
mínimo dos tributos, a prática do financiamento perpétuo permite a
obtenção anual da maior quantia possível de dinheiro. Nos grandes
impérios, muitas das pessoas que vivem na capital e nas províncias
distantes do campo de batalha não sentem quase nenhum incômodo em
relação à guerra; elas, na verdade, desfrutam do prazer de,
confortavelmente, ler nos jornais sobre as façanhas das esquadras e dos
exércitos de seu país. Para elas, essa diversão compensa a pequena
diferença entre os tributos que pagam por causa da guerra e aqueles que
estavam acostumados a pagar em tempos de paz. Normalmente, ficam até
mesmo tristes com o retorno da paz, pois esta põe fim à sua diversão e a
milhares de esperanças visionárias de conquistas e glórias nacionais que
poderiam resultar de uma guerra mais longa.
O retorno da paz, de fato, raramente as livra da maior parte dos
tributos impostos durante a guerra. Estes são hipotecados para pagar os
juros da dívida contraída para dar prosseguimento à guerra. Se além de
pagarem os juros dessa dívida e custearem os gastos ordinários de
governo, a antiga receita, juntamente com os novos tributos, produzir
alguma receita excedente, esta talvez possa ser convertida em um fundo de
amortização de empréstimos para liquidar a dívida. No entanto, em
primeiro lugar, esse fundo de amortização, mesmo supondo-se que não
seja aplicado para nenhum outro fim, é, em geral, completamente
insuficiente para pagar, no decurso de qualquer período durante o qual se
possa razoavelmente esperar que a paz seja mantida, a dívida total
contraída durante a guerra; e, em segundo lugar, esse fundo é quase
sempre aplicado para outros fins.
Os novos tributos foram impostos com o único fim de pagar os juros
do dinheiro tomado emprestado. Quando produzem mais do que isso,
geralmente se trata de algo que não se pretendia nem se esperava e,
portanto, raramente é muito considerável. Em geral, os fundos de
amortização não se originam tanto de algum excedente dos impostos, que
ultrapassaria o necessário para pagar os juros ou as rendas anuais
originalmente cobradas pelos empréstimos, mas sim de uma subsequente
redução desses juros. Assim foram criados, em 1655, o fundo de
amortização da Holanda e, em 1685, o do Estado Pontifício. Daí a
insuficiência habitual desses fundos.
Durante a paz mais profunda ocorrem vários eventos que exigem
despesas extraordinárias, e o governo sempre acha mais conveniente
custear essas despesas por meio da má aplicação do fundo de amortização
do que pela imposição de novos tributos. Em maior ou menor grau, todo
tributo novo é imediatamente sentido pela população. Ele sempre
ocasiona algumas reclamações e encontra alguma oposição. Quanto maior
o número de tributos, mais alto terão recaído sobre os diferentes objetos
de tributação; quanto mais as pessoas reclamam de cada novo imposto,
mais difícil se torna encontrar novos objetos de tributação ou aumentar
muito mais os tributos impostos sobre os artigos já tributados. A
suspensão temporária do pagamento da dívida não é imediatamente
sentida pelo povo e, assim, não gera nem murmúrios nem reclamações.
Tomar emprestado do fundo de amortização é sempre um expediente
óbvio e fácil para sair da dificuldade atual. Quanto mais as dívidas
públicas tenham sido acumuladas, quanto mais necessário tenha se
tornado estudar uma forma de reduzi-las, por mais perigosa, mais
prejudicial que seja a má aplicação de alguma parcela do fundo de
amortização, tanto menor será a probabilidade de se reduzir a dívida
pública em medida considerável, maior será a probabilidade, maior será a
certeza de que o fundo de amortização será mal aplicado para custear
todas as despesas extraordinárias dos tempos de paz. Quando uma nação
já está sobrecarregada por tributos, nada senão as exigências de uma nova
guerra, nada senão a animosidade da vingança nacional ou a preocupação
pela segurança nacional pode levar a população a se submeter a um novo
tributo com razoável paciência. Daí a má aplicação do fundo de
amortização de empréstimos.
Desde que a Grã-Bretanha recorreu ao expediente ruinoso do
financiamento perpétuo, a redução da dívida pública em tempos de paz
nunca manteve nenhuma proporção com o seu acúmulo em tempos de
guerra. Os fundamentos da enorme dívida atual da Grã-Bretanha foram
estabelecidos na guerra iniciada em 1688 e concluída em 1697 com a
assinatura do Tratado de Ryswick.
Em 31 de dezembro de 1697, a dívida pública da Grã-Bretanha,
financiada ou não, era de 21.515.742 libras, 13 xelins e 8,5 pence. A maior
parte dessas dívidas havia sido contraída por meio de antecipações breves
e uma parte menor delas, por meio de rendas anuais vitalícias; de modo
que, antes de 31 de dezembro de 1701, isto é, em menos de quatro anos, a
soma de 5.121.041 libras, 12 xelins, 0,75 pence já havia sido parcialmente
paga e parcialmente revertida ao setor público, a maior redução da dívida
pública já obtida em tão pouco tempo. A dívida remanescente, portanto,
era de apenas 16.394.701 libras, 1 xelim e 7,25 pence.
Na guerra que começou em 1702 e foi concluída pelo Tratado de
Utrecht, as dívidas públicas haviam se acumulado ainda mais. Em 31 de
dezembro de 1714, chegavam a 53.681.076 libras, 5 xelins e 6,08 pence. A
subscrição das rendas anuais de curto e longo prazo da Mares do Sul
causou o aumento do capital da dívida pública, de sorte que, em 31 de
dezembro de 1722, ela era de 55.282.978 libras, 1 xelim e 3,83 pence. A
redução da dívida começou em 1723 e continuou de forma tão lenta que,
em 31 de dezembro de 1739, durante dezessete anos de uma profunda paz,
o total amortizado não passava de 8.328.354 libras 17 xelins e 11,25 pence;
o capital da dívida pública, na época, atingia 46.954.623 libras, 3 xelins e
4,58 pence.
A guerra da Espanha, que começou em 1739, e a guerra da França, que
logo a seguiu, causaram um novo aumento da dívida, que, em 31 de
dezembro de 1748, após a guerra ter sido concluída pelo Tratado de
Aquisgrão totalizava 78.293.313 libras, 1 xelim e 10,75 pence. O período de
paz profunda de dezessete anos conseguiu abater dela apenas 8.328.354
libras, 17 xelins e 11,25 pence. Por outro lado, uma guerra de menos de
nove anos lhe acrescentou 31.338.689 libras, 18 xelins e 6,16 pence.710
Durante a administração do senhor Pelham, os juros da dívida pública
foram reduzidos de 4% para 3%, ou ao menos foram adotadas medidas
para reduzi-los; o fundo de amortização foi aumentado e parte da dívida
pública foi liquidada. Em 1755, antes do início da última guerra, a dívida
financiada da Grã-Bretanha chegava a 72.289.673 libras. Em 5 de janeiro
de 1763, na celebração da paz, a dívida financiada era de 122.603.336
libras, 8 xelins e 2,25 pence. A dívida não fundada era de 13.927.589 libras,
2 xelins e 2 pence. Mas os gastos gerados pela guerra não cessaram com a
celebração da paz; assim, embora, em 5 de janeiro de 1764, a dívida
fundada tenha aumentado (em parte por causa de um novo empréstimo e,
em parte, por se estar fundando (ou consolidando) uma parcela da dívida
não fundada para 129.586.789 libras, 10 xelins e 1,75 pence, restava ainda
(segundo o muito bem-informado autor de Considerations on the Trade
and Finances of Great Britain) uma dívida não fundada que, naquele ano e
no seguinte, chegava a 9.975.017 libras, 12 xelins e 2,34 pence. Em 1764,
portanto, a dívida pública da Grã-Bretanha — fundada e não fundada —
era, segundo esse autor, de 139.561.807 libras, 2 xelins e 4 pence. Além
disso, as rendas anuais vitalícias, as quais, em 1757, haviam sido
outorgadas como prêmios aos subscritores dos novos empréstimos e
estimadas em rendas de catorze anos, foram avaliadas em 472.500 libras; e
as rendas anuais de longo prazo, também, em 1761 e 1762, dadas como
prêmios e estimadas em rendas de 27,5 anos, foram avaliadas em
6.826.875 libras. Durante uma paz contínua de cerca de sete anos, a
administração prudente e verdadeiramente patriótica do senhor Pelham
não conseguiu liquidar uma velha dívida de 6 milhões. Durante a guerra,
que teve quase a mesma duração, foi contraída uma nova dívida de mais
de 75 milhões.
Em 5 de janeiro de 1775, a dívida fundada (ou consolidada) da Grã-
Bretanha era de 124.996.086 libras, 1 xelim e 6,25 pence. A não fundada
(ou consolidada), não levando em conta uma grande lista de dívidas civis,
era de 4.150.236 libras, 3 xelins e 11,87 pence. Juntas, elas somavam
129.146.322 libras, 5 xelins e 6 pence. De acordo com esse relato, a dívida
total liquidada durante onze anos de paz profunda foi de apenas
10.415.474 libras, 16 xelins e 9,87 pence. No entanto, nem mesmo essa
pequena redução da dívida foi obtida por meio da poupança da receita
ordinária do Estado. Várias somas estranhas, completamente
independentes dessa receita ordinária, contribuíram para isso. Entre elas
podemos citar o xelim adicional por libra do imposto fundiário por três
anos; os 2 milhões recebidos da Companhia das Índias Orientais como
indenização por suas aquisições territoriais; e as 110 mil libras recebidas
do banco para a renovação de sua carta-patente. A esses valores devemos
adicionar várias outras somas que, por terem surgido após a última
guerra, talvez devessem ser consideradas como deduções de suas despesas.
As principais são:

libras xelin penc


s e

O produto de capturas francesas 690.449 18 9

Acordo sobre prisioneiros franceses 670.000 0 0

Valor recebido da venda das ilhas cedidas 95.000 0 0

Total 1.455.949 18 9

Se a esta soma adicionarmos o saldo das contas do conde de Chatham


e do senhor Calcraft,711 e outras economias do exército, do mesmo tipo,
juntamente com o que foi recebido do banco, da Companhia das Índias
Orientais e do imposto fundiário de 1 xelim sobre a libra, o total deve
chegar a bem mais de 5 milhões. A dívida, portanto, que, desde a
celebração da paz, foi paga com a poupança da receita ordinária do Estado
não chegou a meio milhão por ano. O fundo de amortização, sem dúvida,
aumentou consideravelmente desde a celebração da paz, pela dívida
liquidada, pela redução dos juros de 4% para 3% e pela diminuição das
rendas anuais vitalícias; e, se a paz continuasse, talvez fosse possível retirar
desse fundo 1 milhão por ano para a quitação da dívida. Dessa forma,
outro milhão foi pago no decurso do ano passado; mas, ao mesmo tempo,
permaneceu sem ser pago um grande débito da lista civil e, no momento,
estamos envolvidos em uma nova guerra que, em seu desenvolvimento,
poderá ser tão dispendiosa como qualquer outra guerra anterior.712 A
nova dívida que será provavelmente contraída antes do fim da próxima
campanha talvez seja igual ao total da velha dívida liquidada com o que se
economizou da receita ordinária do Estado. Seria, portanto, uma completa
ilusão esperar que a dívida pública fosse integralmente paga com as
economias que se façam a partir das receitas ordinárias da forma que estão
atualmente estabelecidas.
Os fundos públicos das diferentes nações endividadas da Europa,
particularmente os da Inglaterra, foram descritos por certo autor como
sendo a acumulação de um grande capital adicionado ao outro capital do
país, por meio do qual seu comércio se amplia, suas manufaturas se
multiplicam e as suas terras são cultivadas e aprimoradas muito além do
que se utilizassem apenas aquele outro capital do país. Ele não leva em
consideração que o capital que os primeiros credores do Estado
adiantaram ao governo era, desde o momento em que o emprestaram,
uma determinada parcela do produto anual que foi desviada, deixando de
servir como capital para servir como renda; deixando de sustentar os
trabalhadores produtivos para sustentar os trabalhadores improdutivos e
para ser gasta e desperdiçada, geralmente no decurso do ano, sem a
esperança sequer de ser futuramente reproduzida. Sem dúvida, pelo
capital que adiantaram ao governo, esses credores recebiam uma renda
anual sobre os mesmos fundos públicos que, na maioria dos casos, era de
valor maior. Essa renda anual, sem dúvida, lhes repôs o capital e lhes
permitiu continuar seu comércio e seus negócios da mesma forma, ou
talvez de maneira mais extensa que antes; ou seja, tiveram a possibilidade
de tomar emprestado um novo capital de outras pessoas sobre o crédito
dessa renda anual, ou, vendendo-a, de comprar de outras pessoas um novo
capital próprio, igual ou superior àquele que haviam emprestado ao
governo. Entretanto, esse novo capital que, dessa forma, compraram ou
emprestaram de outras pessoas precisa ter existido no país anteriormente
e precisa ter sido empregado, como o são todos os capitais, para a
manutenção do trabalho produtivo. Quando chegou às mãos daqueles que
tinham adiantado seu dinheiro ao governo, embora fosse para eles um
novo capital em certos aspectos, não era novo para o país; era apenas um
capital retirado de certas aplicações e desviado para outras. Embora lhes
tenha reposto o que tinham emprestado ao governo, não o repôs ao país.
Se não tivessem adiantado esse capital ao governo, haveria no país dois
capitais (duas porções do produto anual) em vez de apenas um,
empregado para a manutenção do trabalho produtivo.
Quando, para custear as despesas do governo, uma receita é
arrecadada durante o ano a partir do produto dos tributos livres ou não
hipotecados, certa parcela da renda dos indivíduos é apenas desviada da
manutenção de uma espécie de trabalho improdutivo para a manutenção
de outra. Não há dúvida de que parte do que essas pessoas pagam nesses
impostos poderia ter sido acumulada como capital e, consequentemente,
empregada para a manutenção do trabalho produtivo; mas a maior parte
teria sido provavelmente gasta e, consequentemente, empregada para a
manutenção do trabalho improdutivo. Os gastos públicos, no entanto,
quando custeados dessa forma, costumam, sem dúvida, dificultar em
maior ou menor grau o acúmulo adicional de novos capitais, mas não
causam necessariamente a destruição do capital efetivamente existente.713
Quando os gastos públicos são custeados por meio de fundos de
financiamento, eles são custeados pela destruição anual de algum capital
que antes existia no país, tomando-se uma parcela da produção anual que
antes era destinada à manutenção do trabalho produtivo e desviando-a
para a manutenção do trabalho improdutivo. No entanto, como neste caso
os impostos são mais leves do que teriam sido caso uma receita suficiente
para custear a mesma despesa houvesse sido obtida naquele ano, então a
renda privada dos indivíduos fica necessariamente menos onerada e,
consequentemente, sua capacidade de economizar e acumular parte dessa
renda em capital fica muito menos prejudicada. O método de instituição
de fundos destrói mais o capital velho e, ao mesmo tempo, dificulta menos
a acumulação ou a aquisição de capital novo do que o método de custeio
das despesas públicas por uma receita arrecadada durante o ano. No
sistema de fundos, a frugalidade e o trabalho dos indivíduos são mais
capazes de reparar com facilidade os buracos que o desperdício e os
exageros do governo podem ocasionalmente causar ao capital geral da
sociedade.
No entanto, o sistema de financiamento por fundos possui essa
vantagem sobre o outro sistema apenas durante o prosseguimento da
guerra. Se as despesas da guerra fossem sempre custeadas por uma receita
arrecadada durante o ano, os tributos dos quais essa receita extraordinária
foi retirada não durariam mais do que o período da guerra. Embora a
capacidade que os indivíduos possuem para acumular seja menor durante
a guerra, teria sido maior durante o período de paz do que sob o sistema
de fundos. A guerra não teria necessariamente ocasionado a destruição de
capitais velhos, e a paz teria ocasionado o acúmulo de muitos capitais
novos. As guerras seriam, em geral, mais rápidas e menos desejadas. A
população, durante o prosseguimento da guerra, sentiria todo o seu peso e
ônus, cansando-se rapidamente dela; então, o governo, a fim de satisfazê-
la, não se veria obrigado a prosseguir em guerra além do tempo
necessário. A previsão dos pesados e inevitáveis ônus da guerra impediria
que a população somente clamasse por ela quando houvesse interesse real
ou sólido para a luta. Os períodos em que a capacidade dos indivíduos
para acumular fica um pouco prejudicada ocorreriam mais raramente e
seriam mais breves. Por outro lado, os períodos em que essa capacidade
atinge o ponto máximo durariam por muito mais tempo do que sob o
sistema de fundos.714
Além disso, após certo progresso do financiamento por fundos, a
multiplicação de tributos que ele traz consigo às vezes prejudica a
capacidade de acumular dos indivíduos, mesmo em tempos de paz, tanto
quanto o faz o outro sistema em tempos de guerra. A receita tributária da
Grã-Bretanha em tempos de paz é atualmente superior a 10 milhões por
ano. Se fosse livre e não hipotecada, poderia ser suficiente, com uma
gestão adequada e sem contrair nem mesmo 1 xelim em novas dívidas,
para dar continuidade até mesmo à guerra mais vigorosa. Os rendimentos
privados dos habitantes da Grã-Bretanha estão atualmente tão
comprometidos em tempos de paz e sua capacidade de acumular tão
prejudicada quanto estariam durante a mais cara guerra, se esse sistema
pernicioso de financiamento não tivesse sido adotado.
No pagamento dos juros da dívida pública, conforme dizem, é a mão
direita que paga a esquerda. O dinheiro não sai do país. Na verdade,
apenas parte do rendimento de um grupo de habitantes é transferida para
outro e, com isso, a nação não fica nem um centavo mais pobre. Essa
apologia está inteiramente fundada nos sofismas do sistema mercantil e,
depois do longo exame que fiz desse sistema, talvez seja desnecessário
continuar tratando do assunto. Supõe, além disso, que toda a dívida
pública se deve aos habitantes do país, o que não é verdade, posto que
tanto a Holanda quanto várias outras nações estrangeiras possuem uma
participação bastante considerável nos fundos públicos da Grã-Bretanha.
Mas, mesmo que a dívida total se devesse aos habitantes do país, nem por
isso ela seria menos perniciosa.715
A terra e o capital são as duas fontes originais de todo rendimento
(revenue), tanto privado quanto público. O capital paga os salários do
trabalho produtivo, seja na agricultura, na manufatura ou no comércio. A
gestão dessas duas fontes originais de receita pertence a dois grupos
diferentes de pessoas: os proprietários de terras e os proprietários ou
empregadores do capital.
O proprietário de terras está interessado, pensando em seus próprios
rendimentos, em manter sua propriedade em tão boas condições quanto
pode, construindo e reparando as casas de seus arrendatários, fazendo e
mantendo os drenos e cercas necessários, bem como todas as outras caras
melhorias a que o proprietário de terras está corretamente obrigado a
fazer e manter. No entanto, por causa dos diversos impostos fundiários, o
rendimento do proprietário de terras pode diminuir na mesma proporção
e, devido aos diversos tributos sobre bens de primeira necessidade e
comodidades, essa renda reduzida pode passar a ter um valor real tão
pequeno que o próprio proprietário de terras pode ser totalmente incapaz
de realizar ou manter essas caras melhorias. No entanto, quando o
proprietário de terras deixa de fazer sua parte, o arrendatário fica
completamente impossibilitado de continuar fazendo a dele. À medida
que a dificuldade do proprietário de terras aumenta, declina
necessariamente a agricultura do país.
Quando, pelos vários tributos sobre os bens de primeira necessidade e
comodidades, os proprietários e aplicadores de capital percebem que
quaisquer rendimentos que possam obter do capital não são, em um
determinado país, capazes de comprar a mesma quantidade de bens de
primeira necessidade e comodidades que poderiam comprar em quase
todos os outros países, então, nesse caso, eles estarão dispostos a se mudar
para algum outro país. E quando, a fim de aumentar esses tributos, todos
ou a maior parte dos comerciantes e manufaturadores, ou seja, a maior
parte dos aplicadores de grandes capitais, passam a estar constantemente
expostos às visitas mortificantes e vexatórias dos coletores de impostos,
essa disposição para mudar de país logo se transforma em uma mudança
efetiva. A atividade do país cairá necessariamente com a retirada do
capital que a sustentava e, assim, a ruína do comércio e dos
manufaturados seguirá o declínio da agricultura.
Transferir dos donos a maior parte do rendimento originário dessas
duas grandes fontes de rendimentos isto é, terra e capital, transferir das
pessoas diretamente interessadas nas boas condições de cada parcela
específica de terra e na boa gestão de cada parcela específica de capital
para um outro grupo de pessoas (os credores do governo, que não
possuem esse interesse especial), deverá, a longo prazo, causar a
negligência das terras e o desperdício ou a retirada do capital. Um credor
do governo tem, sem dúvida, um interesse geral na prosperidade da
agricultura, das manufaturas e do comércio do país, e, consequentemente,
nas boas condições de suas terras e na boa gestão de seu capital. Caso
ocorra uma falência geral ou declínio em qualquer uma dessas áreas, o
produto dos diferentes tributos talvez não seja mais suficiente para lhe
pagar a renda anual ou os juros devidos a ele. Porém um credor do
governo, considerado meramente como tal, não tem interesse nas boas
condições de nenhuma parcela específica de terra ou na boa gestão de
nenhuma parcela específica do fundo de capital. Como credor do governo,
ele não tem conhecimento dessas parcelas específicas. Ele não as
inspeciona. Não pode se importar com elas. Em alguns casos, ele
desconhece a ruína dessas parcelas e elas não o afetam diretamente.716
A prática do financiamento por dívida vem gradualmente
enfraquecendo todos os Estados que a adotaram. Essa prática parece ter
sido iniciada nas repúblicas italianas. Gênova e Veneza, as duas únicas que
ainda se podem dizer independentes, foram enfraquecidas pela prática. A
Espanha parece ter aprendido essa prática com as repúblicas italianas e
(seus tributos sendo provavelmente menos criteriosos do que os deles),
proporcionalmente à sua força natural, ficou ainda mais debilitada. As
dívidas da Espanha são muito antigas. Ela estava profundamente
endividada antes do final do século XVI, cerca de cem anos antes de a
Inglaterra chegar a dever 1 xelim. A França, apesar de todos os seus
recursos naturais, definha sob o mesmo tipo de carga opressiva. A
república das Províncias Unidas está tão debilitada por suas dívidas
quanto Gênova ou Veneza. Será que essa prática, a qual enfraqueceu ou
levou desolação a todos os outros países, se mostrará inofensiva somente
na Grã-Bretanha?717
O sistema de tributação estabelecido nesses diferentes países, pode-se
dizer, é inferior ao da Inglaterra. Acredito que isso seja verdadeiro. Mas é
preciso lembrar que, quando até mesmo o governo mais sábio esgotou
todos os objetos adequados a serem tributados, ele deve, em casos de
necessidade urgente, recorrer aos objetos inadequados à tributação. Em
algumas ocasiões, a sábia República da Holanda foi obrigada a recorrer a
impostos tão inconvenientes quanto a maior parte daqueles existentes na
Espanha. Uma guerra que seja iniciada antes de uma liberação
considerável da receita pública e que, em sua escalada, vá se tornando tão
cara quanto a última guerra, pode, por necessidade irresistível, tornar o
sistema tributário britânico tão opressivo quanto o sistema da Holanda ou
até mesmo o da Espanha. De fato, elogiosamente, o atual sistema de
tributação da Grã-Bretanha causou constrangimentos tão pequenos até
agora às atividades que, durante o curso mesmo das guerras mais caras, a
frugalidade e a boa conduta dos indivíduos parecem ter sido capazes, por
meio da poupança e da acumulação, de reparar todas as brechas que o
desperdício e o exagero do governo haviam causado ao capital geral da
sociedade. No final da última guerra, a mais cara que a Grã-Bretanha já
travou, sua agricultura era tão próspera, suas manufaturas continuavam
tão numerosas e totalmente empregadas e seu comércio tão extenso como
nunca tinham sido. Desse modo, o capital que sustentava todos os
diferentes ramos do trabalho deve ter se mantido igual ao que sempre
existiu anteriormente. Desde a celebração da paz, a agricultura melhorou
ainda mais, a locação de casas aumentou em todas as cidades e vilas do
país, uma prova do aumento da riqueza e da renda da população, e o
montante anual da maior parte dos antigos tributos, particularmente os da
aduana e do consumo, tem aumentado continuamente, uma prova
igualmente clara de que o consumo está aumentando e,
consequentemente, do aumento do produto, que poderia sustentar esse
consumo. A Grã-Bretanha parece sustentar com facilidade uma carga que,
há meio século, ninguém acreditava que ela fosse capaz de suportar. No
entanto, não devemos concluir precipitadamente que seja capaz de
suportar toda e qualquer carga, nem mesmo estar muito confiantes de que
poderia suportar, sem grande dificuldade, uma carga um pouco maior do
que a que já possui.
Quando as dívidas nacionais já tiverem sido acumuladas até certo
ponto, dificilmente haverá, acredito, um único exemplo de país em que
elas tenham sido correta e totalmente pagas. A liberação da receita
pública, se é que isso já tenha ocorrido alguma vez, somente se dá por
meio de alguma bancarrota, às vezes explícita, mas sempre por uma
bancarrota real, ainda que, muitas vezes, seja realizada por meio de
pagamentos aparentes.
O aumento da denominação da moeda tem sido o expediente mais
comum para disfarçar uma bancarrota pública real por meio de
pagamentos aparentes. Se uma moeda de 6 pence, por exemplo, por ato do
Parlamento ou proclamação real, passasse a valer 1 xelim e vinte moedas
de 6 pence passassem a valer 1 libra esterlina, a pessoa que tivesse tomado
emprestado 20 xelins pela velha denominação, ou seja, aproximadamente
4 onças de prata, iria, sob a nova, pagar a dívida com vinte moedas de 6
pence, isto é, um pouco menos de 2 onças. Uma dívida nacional de cerca
de 128 milhões, quase o capital da dívida fundada e não fundada da Grã-
Bretanha, poderia desta forma ser paga com cerca de 64 milhões do nosso
dinheiro atual. Seria, de fato, apenas um pagamento aparente, e os
credores do governo teriam sido fraudados em 10 xelins por libra do que
lhes era devido. A calamidade também se estenderia muito mais do que
aos credores do governo e os credores de todos os indivíduos sofreriam
uma perda proporcional; e isso não traria nenhuma vantagem,
acarretando, na maioria dos casos, um grande prejuízo adicional aos
credores do governo. Se os credores do governo estivessem de fato muito
endividados com outras pessoas, eles poderiam, em certa medida,
compensar seu prejuízo pagando seus credores com a mesma moeda paga
a eles pelo governo. Mas, na maioria dos países, a maior parte dos credores
do governo são pessoas ricas, que se destacam mais como credores do que
como devedores em relação ao resto de seus concidadãos. Um pagamento
aparente desse tipo, portanto, em vez de aliviar, agrava, na maioria dos
casos, o prejuízo dos credores do governo; e, sem nenhuma vantagem para
o público, estende a calamidade a um grande número de outras pessoas
inocentes. Ele ocasiona uma subversão geral e mais perniciosa das
fortunas das pessoas privadas, enriquecendo, na maioria dos casos, o
devedor ocioso e esbanjador em detrimento do credor trabalhador e
comedido, transferindo uma grande parcela do capital nacional das mãos
de quem provavelmente o aumentaria e o aprimoraria para as de quem
provavelmente o dissiparia e o destruiria. Quando um Estado se vê
obrigado a declarar sua falência, da mesma forma que quando se torna
necessário para um indivíduo fazê-lo, a bancarrota explícita, aberta e
declarada é sempre a medida menos desonrosa para o devedor e, ao
mesmo tempo, menos prejudicial para o credor. A honra de um Estado
está certamente muito mal servida quando, para cobrir a desgraça de uma
bancarrota real, ele recorre a esse tipo de malabarismo: tão fácil de ser
percebido e, ao mesmo tempo, tão pernicioso.718
Entretanto, quase todos os Estados, antigos e modernos, quando se
viram premidos por essa necessidade, têm recorrido, em algumas
ocasiões, a esse tipo de malabarismo. Os romanos, ao final da primeira
Guerra Púnica, reduziram o asse — a moeda ou valor nominal pela qual
calculavam o valor de todas as suas outras moedas — de 12 onças de cobre
para apenas 2; ou seja, eles tomaram 2 onças de cobre e a elevaram a uma
denominação que antes expressava o valor de 12 onças. Assim, a
República foi capaz de pagar as grandes dívidas que havia contraído com a
sexta parte daquilo que realmente devia. Atualmente, imaginaríamos que
uma bancarrota tão súbita e tão grande deve ter provocado um clamor
popular bastante violento. Esse não parece ter sido o caso. A lei que
promulgou essa mudança, como todas as outras leis relativas à moeda, foi
apresentada e formulada na assembleia do povo por um tribuno, sendo,
provavelmente, uma lei muito popular. Em Roma, como em todas as
outras repúblicas antigas, os pobres estavam sempre endividados com os
ricos e poderosos, os quais, a fim de garantir seus votos nas eleições
anuais, costumavam emprestar-lhes dinheiro a juros exorbitantes, que, por
nunca serem pagos, logo se acumulavam em uma quantia tão grande que
nem o devedor conseguia pagar a dívida nem um terceiro em seu lugar. O
devedor, por medo de uma execução muito severa, ficava obrigado, sem
nenhuma outra retribuição, a votar no candidato indicado pelo credor.
Apesar de todas as leis contra o suborno e a corrupção, a generosidade dos
candidatos, juntamente com as distribuições ocasionais de cereais,
ordenadas pelo Senado, eram os principais fundos dos quais, durante os
últimos tempos da República Romana, os cidadãos mais pobres obtinham
sua subsistência. Para libertar-se dessa sujeição a seus credores, os
cidadãos mais pobres protestavam incessantemente por uma abolição total
das dívidas ou pelo que denominavam de Novas Tábuas, ou seja, por uma
lei que lhes assegurasse a quitação total após o pagamento de apenas uma
parte de suas dívidas acumuladas. A lei, que reduziu em 1/6 o valor de
todas as moedas, permitindo que a população pagasse suas dívidas com
1/6 de seu valor efetivo, foi a lei mais vantajosa das Novas Tábuas. Para
satisfazer a população, os ricos e os poderosos eram, em várias ocasiões,
obrigados a aceitar tanto as leis que aboliam as dívidas quanto aquelas que
introduziam novas tábuas; e, provavelmente, foram induzidos a aceitar
essa lei, em parte pela mesma razão e, em parte, para que liberassem a
receita pública e fossem capazes de restituir vigor àquele governo sobre o
qual eles mesmos detinham o controle. Uma operação desse tipo reduziria
uma dívida de 128 milhões para 21.333.000 libras, 6 xelins e 8 pence. No
curso da segunda Guerra Púnica, o asse foi ainda mais reduzido; primeiro,
de 2 onças de cobre para 1 e, depois, de 1 para meia onça; isso é, para 1/24
de seu valor original. Combinando as três operações romanas em uma só,
uma dívida de 128 milhões de libras esterlinas poderia, dessa forma, ser
reduzida de uma só vez para uma dívida de 5.333.333 libras, 6 xelins e 8
pence. Mesmo a gigantesca dívida da Grã-Bretanha poderia, assim, ser
paga rapidamente.
Por meio desses expedientes, as moedas de todas as nações, acredito,
foram sendo gradualmente reduzidas cada vez mais abaixo de seu valor
original, permitindo que a mesma soma nominal passasse gradualmente a
conter uma quantidade de prata cada vez menor.
Com o mesmo objetivo, as nações, por vezes, adulteraram o padrão de
sua moeda, ou seja, misturaram a ela uma maior quantidade de liga
metálica. Por exemplo, tomemos o peso da libra de nossa moeda de prata.
Se em vez de 18 libras-peso, de acordo com o padrão atual, ela contivesse 8
onças de liga mistas, então 1 libra esterlina, ou 20 xelins dessa moeda,
valeria pouco mais do que 6 xelins e 8 pence de nosso dinheiro atual. A
quantidade de prata contida em 6 xelins e 8 pence do nosso dinheiro atual
seria, assim, elevada a uma denominação muito próxima da de uma libra
esterlina. A adulteração do padrão da moeda tem exatamente o mesmo
efeito daquilo que os franceses chamam de aumento, ou seja, o aumento
direto da denominação de uma moeda.
Um aumento direto da denominação da moeda é sempre, e de sua
natureza deve ser, uma operação aberta e explícita. Por meio dela, as
moedas de menor peso e volume passam a ser chamadas pelo mesmo
nome que antes havia sido dado a moedas de maior peso e volume. No
entanto, a adulteração do padrão é, em geral, uma operação oculta. Por
meio dela, a Casa da Moeda emite moedas que contêm a mesma
denominação e, de forma astuciosa, os mesmos peso, volume e aparência
das moedas de maior valor que estavam anteriormente em circulação.
Quando o rei João da França,719 a fim de pagar suas dívidas, adulterou sua
moeda, todos os funcionários de sua Casa da Moeda precisaram jurar
guardar segredo. Ambas as operações são injustas. Um simples aumento,
entretanto, é uma injustiça de violência aberta, ao passo que a adulteração
é uma injustiça fraudulenta e traiçoeira. Esta última operação, portanto,
assim que é descoberta, pois nunca pode ser ocultada por muito tempo,
sempre desperta uma indignação muito maior do que a primeira. Após
sofrer qualquer aumento considerável, a moeda raramente volta ao seu
peso anterior; por outro lado, após as mais terríveis adulterações, é quase
sempre possível trazê-la de volta ao seu antigo grau de pureza. Pois, de
outro modo, não se conseguiria apaziguar a fúria e a indignação do povo.
No final do reinado de Henrique VIII e no início do de Eduardo VI,
além de se aumentar a denominação da moeda inglesa, seu padrão
também foi adulterado. Fraudes semelhantes foram praticadas na Escócia
durante o período de menoridade de Jaime VI. Também foram praticadas
ocasionalmente na maioria dos outros países.
Parece completamente inútil esperar que a receita pública da Grã-
Bretanha seja completamente liberada — ou mesmo que se consiga
realizar algum progresso considerável para essa liberação — enquanto o
excedente dessa receita, ou seja, o valor que ultrapassa o custeio das
despesas anuais em tempos de paz, for tão pequeno. Essa liberação, é
evidente, nunca pode ser provocada sem um aumento muito considerável
das receitas públicas ou alguma redução igualmente considerável das
despesas públicas.
Um imposto fundiário mais equânime, um imposto mais equânime
sobre a renda das casas e alterações no atual sistema de tributação
alfandegária e do consumo, como os que foram mencionados no capítulo
anterior, poderiam, talvez — sem aumentar o ônus para a maior parte da
população, mas apenas distribuindo o seu peso com maior equidade sobre
todos — produzir um aumento considerável da receita. Contudo, nem
mesmo o planejador mais otimista seria capaz de acreditar que qualquer
aumento desse tipo pudesse oferecer esperanças razoáveis de liberar
inteiramente a receita pública ou mesmo de realizar algum progresso para
sua liberação em tempos de paz e impedir ou compensar o futuro
acúmulo da dívida pública na próxima guerra.
Ao estender o sistema britânico de tributação a todas as províncias do
império, habitadas por pessoas de extração britânica ou europeia, poder-
se-ia esperar um aumento muito maior da receita. Ocorre, entretanto, que
não seria possível realizar isso sem contrariar os princípios da constituição
britânica, sem admitir no Parlamento britânico — ou, se preferir, nos
Estados Gerais do Império Britânico — uma representação honesta e
equitativa de todas essas diversas províncias, a qual deve guardar a mesma
proporção com o produto de seus tributos, assim como a representação da
Grã-Bretanha deve guardar proporção com o produto dos tributos
arrecadados na Grã-Bretanha. De fato, o interesse privado de muitos
indivíduos poderosos e os preconceitos confirmados de grandes grupos da
população parecem, na atualidade, opor a essa grande mudança
obstáculos que podem ser muito difíceis — ou, talvez, completamente
impossíveis — de serem superados. Sem, no entanto, pretender
determinar se tal união é praticável ou inviável, talvez não seja impróprio,
em um trabalho especulativo desse tipo, considerar até que ponto o
sistema de tributação britânico poderia ser aplicável a todas as diferentes
províncias do império, a receita que poderia ser esperada dele se fosse
assim aplicado e, por fim, de que maneira uma união geral desse tipo
poderia afetar o bem-estar e a prosperidade das diferentes províncias
abrangidas por ela. Essa especulação, na pior das hipóteses, pode ser
considerada como uma nova Utopia, certamente menos divertida do que a
antiga, porém não mais inútil e quimérica como a antiga.
O imposto fundiário, os impostos de selo e os diferentes impostos
alfandegários e sobre o consumo constituem os quatro principais ramos
dos tributos britânicos.
A Irlanda tem tanta capacidade de pagar o imposto fundiário quanto a
Grã-Bretanha, e nossas colônias na América e nas Índias Ocidentais têm
capacidade maior ainda. Quando o proprietário de terras não está sujeito
nem ao dízimo nem à taxa para os pobres, ele certamente terá mais
condições de pagar o imposto fundiário do que quando está sujeito a esses
dois ônus. O dízimo, nos lugares em que o modus não existe720 e onde ele
é cobrado em espécie, reduz ainda mais o valor daquilo que, em outro
caso, seria a renda do proprietário de terras do que um tributo sobre a
terra que realmente equivalesse a 5 xelins por libra. Na maioria dos casos,
perceber-se-á que tal dízimo atinge mais de 1/4 da renda real da terra, ou
do que resta após repor inteiramente o capital do agricultor, juntamente
com seu justo lucro. Se todos os modi e todas as cessões das terras da
Igreja a leigos fossem retiradas, o dízimo total da Igreja da Grã-Bretanha e
da Irlanda não poderia ser estimado em menos de 6 ou 7 milhões. Se não
houvesse dízimo na Grã-Bretanha ou na Irlanda, os senhores de terras
poderiam pagar 6 ou 7 milhões de impostos fundiários adicionais sem que
ficassem mais onerados do que grande parte deles está atualmente. A
América não paga o dízimo e, portanto, poderia muito bem pagar um
imposto fundiário. Em geral, as terras na América e nas Índias Ocidentais
não são, de fato, arrendadas nem alugadas a agricultores. Por isso, não
poderiam ser tributadas com base em uma lista de arrendatários. Mas
nem mesmo as terras da Grã-Bretanha, no 4º ano do reinado de
Guilherme e Maria, pagavam imposto de acordo com alguma lista de
arrendatários; pagavam-no com base em uma estimativa vaga e imprecisa.
O imposto fundiário na América poderia ser calculado da mesma forma,
ou de acordo com um valor equitativo, após a realização de um
levantamento preciso, como o que foi recentemente feito em Milão e nos
domínios da Áustria, Prússia e Sardenha.
É evidente que os impostos de selo podem ser cobrados sem nenhuma
variação em todas as regiões em que as formas dos processos judiciais e os
títulos de transferência de propriedade real e pessoal são os mesmos ou
mais ou menos os mesmos.
A ampliação do direito alfandegário da Grã-Bretanha à Irlanda e às
colônias, desde que fosse acompanhada, como deveria ser, de forma justa,
com a ampliação da liberdade de comércio, seria extremamente vantajosa
para ambas. Todas as restrições hostis que atualmente oprimem o
comércio da Irlanda, a distinção entre as mercadorias listadas e as
mercadorias não listadas da América, acabariam por completo. Os países
ao norte do Cabo Finisterra estariam tão abertos a toda a produção da
América, assim como o estão atualmente os países ao sul do Cabo em
relação a parte dessa produção. O comércio entre todas as diferentes
partes do Império Britânico seria, em consequência dessa uniformidade
do direito alfandegário, tão livre quanto o é o comércio costeiro da Grã-
Bretanha. Assim, o Império Britânico entregaria a si mesmo um imenso
mercado interno para todos os produtos de todas as suas diferentes
províncias. A grande extensão desse mercado logo compensaria tanto a
Irlanda quanto as colônias por tudo o que pudessem ter sofrido com o
aumento dos tributos alfandegários.
Os tributos sobre o consumo são a única parte do sistema de
tributação britânico que requereria uma certa variação ao serem aplicados
às diferentes províncias do império. Poderiam ser aplicados à Irlanda sem
qualquer variação; a produção e o consumo desse reino são exatamente da
mesma natureza dos da Grã-Bretanha. Em sua aplicação à América e às
Índias Ocidentais, por possuírem produto e consumo muito diversos dos
da Grã-Bretanha, poderiam ser necessárias algumas modificações, assim
como ocorre na aplicação do sistema aos condados produtores de cidra e
de cerveja na Inglaterra.
Por exemplo, uma bebida alcoólica fermentada que é chamada de
cerveja, mas que, por ser feita de melaço, possui muito pouca semelhança
com a cerveja que conhecemos, é uma bebida bastante comum na
América. Conserva-se por apenas alguns dias e, por isso, não pode, como
a cerveja que conhecemos, ser preparada e armazenada para venda em
grandes cervejarias; é, na verdade, uma bebida preparada pelas famílias
para consumo próprio, da mesma maneira que cozinham seus alimentos.
Mas submeter todas as famílias privadas às odiosas visitas e inspeções dos
coletores de impostos, da mesma forma que submetemos os donos de
bares e cervejarias que vendem seus produtos ao público, seria algo
completamente inconsistente com a liberdade. Se, por uma questão de
igualdade, fosse necessário impor-se um tributo sobre essa bebida
alcoólica, ele poderia ser tributado pelos impostos sobre os ingredientes
da bebida, seja no local de fabricação ou, se as circunstâncias do comércio
tornassem esse recolhimento inapropriado, poder-se-ia tributar a
importação dos ingredientes à colônia em que fossem consumidos. Além
do tributo de 1 penny por galão, imposto pelo Parlamento britânico sobre
a importação de melaço da América, existe um tributo provincial desse
tipo sobre sua entrada na Baía de Massachusetts, quando transportado em
navios pertencentes a qualquer outra colônia, de 8 pence por galão, e um
outro sobre a importação das colônias do norte para a Carolina do Sul, de
5 pence por galão. Ou então, se nenhum desses métodos fosse considerado
apropriado, cada família poderia realizar algum tipo de acordo para o
consumo dessa bebida, seja considerando o número de pessoas integrantes
do grupo, da mesma forma que, na Grã-Bretanha, as famílias particulares
se reúnem para o pagamento dos tributos sobre o malte, seja considerando
as diferenças de idade e de sexo dessas pessoas, da mesma maneira que
vários tributos são cobrados na Holanda; ou, por fim, de alguma forma
próxima ao que foi proposto pelo senhor Matthew Decker a respeito do
modo como todos os tributos sobre bens de consumo são cobrados na
Inglaterra. Essa modalidade de tributação, conforme já observado, não é
muito conveniente quando aplicada a objetos de consumo rápido. Pode ser
adotada, porém, sempre que não se encontrar outra solução.
O açúcar, o rum e o fumo não são bens de primeira necessidade em
nenhum lugar do mundo, mas se tornaram elementos quase universais de
consumo e, por conseguinte, são mercadorias extremamente apropriadas
para tributação. Se ocorresse uma união com as colônias, essas
mercadorias poderiam ser tributadas antes de sair das mãos do
manufaturador ou do produtor; ou se esse modo de tributação não se
adequasse às circunstâncias dessas pessoas, as mercadorias poderiam ser
depositadas em armazéns públicos tanto no local de fabricação quanto em
todos os diferentes portos do império para os quais elas teriam
possibilidade de serem transportadas e lá permanecerem, sob a custódia
conjunta do proprietário e do funcionário da receita, até o momento em
que fossem liberadas ou para o consumidor, ou para o varejista para
consumo interno, ou para o exportador: o tributo não seria pago antes
dessa liberação. Quando a mercadoria fosse liberada para exportação, não
haveria tributos alfandegários, contanto que fossem dadas garantias
adequadas de que eles seriam realmente exportados para fora do império.
Estas, talvez, sejam as principais mercadorias em relação às quais uma
união com as colônias poderia exigir alguma mudança considerável no
atual sistema de tributação britânico.
Seria inteiramente impossível determinar com razoável exatidão qual
seria o montante da receita que esse sistema de tributação, ampliado a
todas as diferentes províncias do império, poderia produzir. Por meio
desse sistema, a Grã-Bretanha arrecada anualmente mais de 10 milhões de
libras de menos de 8 milhões de pessoas. A Irlanda possui mais de 2
milhões de habitantes e, de acordo com as contas apresentadas ao
congresso, as doze províncias associadas da América contam com mais de
três milhões. Esses cálculos, no entanto, podem ter sido exagerados, talvez
para incentivar a população daquelas regiões ou talvez para intimidar a
população de nosso país, pelo que, portanto, deveríamos supor que,
juntas, as colônias inglesas na América do Norte e nas Índias Ocidentais
não possuam mais de 3 milhões de habitantes, ou que todo o Império
Britânico, na Europa e na América, não possui mais de 13 milhões de
habitantes. Se esse sistema de tributação consegue levantar uma receita de
mais de 10 milhões de libras esterlinas de uma população de menos de 8
milhões de habitantes, deveria levantar uma receita de mais de 16.250.000
libras esterlinas de treze milhões de habitantes. Dessa receita, supondo que
esse sistema fosse capaz de produzi-la, deveríamos subtrair a receita
normalmente arrecadada na Irlanda e nas colônias para custear as
despesas de seus respectivos governos civis. As despesas civis e militares
na Irlanda, juntamente com os juros da dívida pública, equivalem, em
uma média dos dois anos que terminaram em março de 1775, a pouco
menos de 750 mil libras por ano. Segundo uma conta bastante exata sobre
as receitas das principais colônias da América e das Índias Ocidentais, elas
equivaliam, antes do início dos atuais distúrbios, a 141.800 libras. No
entanto, dessa conta foram omitidas as receitas de Maryland, na Carolina
do Norte, e de todas as nossas recentes aquisições tanto no continente
quanto nas ilhas, o que talvez dê uma diferença de 30 mil ou 40 mil libras.
Entretanto, para mantermos os números arredondados, suponhamos que
as receitas necessárias para sustentar o governo civil da Irlanda e as
colônias cheguem a 1 milhão de libras. Como consequência, restariam
15.250.000 libras em receitas para serem aplicadas ao custeio das despesas
gerais do império e ao pagamento da dívida pública. Mas se, com as atuais
receitas da Grã-Bretanha, há a possibilidade de se economizar 1 milhão
em tempos de paz para o pagamento da dívida, seria possível economizar
6.250.000 libras dessa receita aumentada. Esse grande fundo de
amortização também poderia ser aumentado anualmente pelos juros da
dívida pagos no ano anterior e, dessa maneira, poderia crescer com tanta
rapidez que, em poucos anos, o fundo seria suficiente para o pagamento
total da dívida, restaurando-se completamente o vigor do império, que,
atualmente, se encontra debilitado e exaurido. Nesse ínterim, a população
poderia ser desonerada de alguns dos tributos mais pesados: aqueles sobre
os bens de primeira necessidade ou aqueles sobre as matérias-primas para
manufatura. Assim, os trabalhadores pobres poderiam viver melhor,
trabalhar com insumos mais baratos e gastariam menos para levar suas
mercadorias ao mercado. O preço baixo de suas mercadorias aumentaria a
demanda por elas e, consequentemente, a demanda pelo trabalho de quem
as produz. Esse aumento na demanda por trabalho causaria o aumento da
quantidade e a melhoria das condições dos trabalhadores pobres. Seu
consumo aumentaria e, com isso, também aumentaria a renda derivada de
todos os seus bens de consumo, sobre os quais poderiam ser mantidos os
tributos atuais.
É possível, no entanto, que as receitas decorrentes desse sistema de
tributação não aumentassem imediatamente em proporção ao número de
pessoas sujeitas a ele. Seria preciso demonstrar, por algum tempo, grande
indulgência às províncias do império que houvessem sido submetidas a
fardos a que não estavam acostumadas e, mesmo quando os mesmos
tributos passassem a ser cobrados em todos os lugares da forma mais exata
possível, ainda assim não produziriam, em todos os lugares, uma receita
proporcional ao número de habitantes. O consumo dos principais artigos
sujeitos a impostos alfandegários e de consumo é muito pequeno em um
país pobre e, por outra parte, em um país com poucos habitantes, as
oportunidades de contrabando são muito grandes. O consumo de bebidas
alcoólicas maltadas entre as classes mais baixas da população na Escócia é
muito pequeno e, assim, o produto da tributação sobre o malte e a cerveja
é menor lá do que na Inglaterra em proporção ao número de pessoas e à
alíquota dos tributos, que sobre o malte é diversa por conta da suposta
diferença de qualidade. Entendo que, nesses ramos particulares da
tributação sobre o consumo, o contrabando de um país não é muito maior
que o do outro. Os tributos sobre a destilação e a maior parte dos tributos
alfandegários, em proporção ao número de habitantes dos respectivos
países, produzem menos receitas na Escócia do que na Inglaterra, não só
pelo menor consumo de mercadorias tributadas como também pela maior
facilidade de se contrabandearem mercadorias. Na Irlanda, as classes mais
baixas da população são ainda mais pobres que na Escócia e muitas
regiões possuem igualmente baixa densidade populacional. Na Irlanda,
portanto, o consumo das mercadorias tributadas, em proporção à sua
população, talvez seja ainda menor do que na Escócia, e a facilidade de
contrabando, mais ou menos igual. Na América e nas Índias Ocidentais, a
situação dos brancos, mesmo das classes mais baixas, é bem melhor que a
das pessoas da mesma classe na Inglaterra e, além disso, eles podem
permitir-se um consumo muito maior de bens supérfluos. Os negros, que,
de fato, representam a maior parte dos habitantes, tanto nas colônias
meridionais do continente como nas ilhas da Índia Ocidental, são escravos
e, por isso, estão sem dúvida em uma situação pior do que a das pessoas
mais pobres da Escócia ou da Irlanda. Entretanto, não devemos imaginar
que eles sejam por isso mal-alimentados ou que seu consumo de artigos
que poderiam estar sujeitos a impostos moderados seja menor que o
consumo das classes mais baixas da população da Inglaterra. Para que
trabalhem bem, é de interesse de seu dono que se alimentem bem e
tenham boa disposição, da mesma forma que desejam o mesmo ao gado
utilizado na agricultura. Portanto, em quase todos os lugares, os negros
recebem sua porção de rum e de melaço ou cerveja de espruce, da mesma
forma que os empregados brancos; e essa concessão provavelmente não
seria retirada mesmo que esses artigos estivessem sujeitos a alguma
tributação moderada. O consumo das mercadorias tributadas, portanto,
em proporção ao número de habitantes, provavelmente seria tão grande
na América e nas Índias Ocidentais como em qualquer parte do Império
Britânico. As oportunidades de contrabando, de fato, seriam muito
maiores, pois a densidade demográfica dos Estados Unidos, em proporção
à extensão do país, é muito menor do que a da Escócia ou da Irlanda.
Porém, se a receita atualmente arrecadada pelos diversos tributos sobre o
malte e as bebidas maltadas fosse coletada por meio de um tributo único
sobre o malte, a oportunidade de contrabando no ramo mais importante
da tributação sobre o consumo seria quase inteiramente afastada. Além
disso, se os tributos alfandegários, em vez de serem exigidos de quase
todos os artigos de importação, se limitassem a alguns artigos de uso e
consumo mais gerais, e se a cobrança desses tributos fosse submetida às
leis que regulam os tributos sobre o consumo, a oportunidade de
contrabando, embora não fosse completamente afastada, ficaria bastante
diminuída. Em consequência dessas duas alterações, aparentemente muito
simples e fáceis, os tributos alfandegários e de consumo poderiam
produzir, proporcionalmente ao consumo das províncias menos
densamente habitadas, uma receita tão grande quanto a que, atualmente, é
produzida proporcionalmente à das províncias mais densamente
habitadas.
Dizem que os americanos não possuem dinheiro de ouro ou de prata
e, assim, o comércio interno do país é realizado por meio de papel-moeda;
todo ouro e prata que ocasionalmente circula entre eles é enviado para a
Grã-Bretanha como pagamento pelas mercadorias importadas de lá. Mas
sem ouro e prata, acrescentam, não há possibilidade de pagar impostos. A
Grã-Bretanha já tomou todo o ouro e a prata que tinham. Como retirar
deles o que não possuem?
A atual escassez de dinheiro em ouro e prata na América não é efeito
da pobreza do país ou da incapacidade de comprar esses metais. Em um
país em que os salários do trabalho são muito mais altos e o preço das
provisões são muito mais baixos do que os praticados na Inglaterra, a
maior parte da população deve certamente ter meios para comprar uma
quantidade maior, sempre que isso lhe for necessário ou conveniente.
Portanto, a escassez desses metais deve ser efeito de uma escolha, e não de
necessidade.
Ouro e prata são necessários ou convenientes apenas para as
transações nacionais ou estrangeiras.
Conforme demonstrado no segundo livro da presente obra, o
comércio doméstico de qualquer país pode ser realizado por meio de
papel-moeda, ao menos em tempos de paz, quase com o mesmo grau de
conveniência que por meio de moedas de ouro e prata. Aos americanos —
que, para o aprimoramento do cultivo de suas terras, sempre podem, com
lucro, aplicar um capital superior ao que conseguem facilmente obter — é
apropriado economizar ao máximo o valor que gastariam com um
instrumento de comércio tão caro como o ouro e a prata; eles devem
preferir empregar a parcela de seu produto excedente que é necessária
para adquirir esses metais na compra de instrumentos de trabalho, de
matérias-primas para o vestuário, partes de mobiliários domésticos e de
ferragens necessárias para construir e ampliar seus assentamentos e
plantações; em outras palavras, na aquisição de capital ativo e produtivo,
não de capital morto. Os governos das colônias acreditam que é de seu
interesse suprir a população com uma quantidade de papel-moeda que
seja suficiente e, em geral, mais do que suficiente para realizar as
transações de seus negócios domésticos. Alguns desses governos,
particularmente o da Pensilvânia, obtêm receitas ao emprestar papel-
moeda a juros de tantos porcento aos seus súditos. Outros, como o da Baía
de Massachusetts, adiantam, durante emergências extraordinárias, um
papel-moeda desse tipo para custear as despesas públicas e depois, em um
momento mais conveniente para a colônia, o resgatam pelo valor
depreciado a que, gradualmente, chega. Em 1747,721 aquela colônia pagou
dessa forma a maior parte de suas dívidas públicas, com 1/10 do dinheiro
pelo qual seus títulos haviam sido concedidos. Aos plantadores é
conveniente economizar o valor que gastariam com o uso de ouro e prata
em suas transações domésticas; e é conveniente aos governos das colônias
lhes oferecer um meio que, embora acompanhado de algumas
desvantagens bastante consideráveis, permite que economizem aquele
valor. O excesso de papel-moeda elimina necessariamente o ouro e a prata
das transações domésticas das colônias, pela mesma razão que eliminou
esses metais da maior parte das transações domésticas da Escócia; e, em
ambos os países, não é a pobreza, mas o espírito empreendedor e
resistente de seu povo, seu desejo de aplicar todo o capital que consiga
obter como capital ativo e produtivo, a causa do excesso de papel-moeda.
No comércio exterior realizado pelas várias colônias com a Grã-
Bretanha, ouro e prata são, em maior ou menor grau, empregados na
proporção exata de sua maior ou menor necessidade. Quando esses metais
não são necessários, eles raramente estão presentes. Quando são
necessários, eles são, em geral, encontrados.
No comércio entre a Grã-Bretanha e as colônias de tabaco, as
mercadorias britânicas costumam ser adiantadas aos colonos a um crédito
bastante longo e, depois, são pagas em tabaco, avaliados a um certo preço.
Os colonos preferem pagar em tabaco a pagar em ouro e prata. Todo
comerciante preferiria pagar as mercadorias que seus agentes lhe tivessem
vendido com alguma mercadoria de seu comércio do que com dinheiro.
Esse comerciante não precisaria manter consigo um capital parado e em
dinheiro vivo para atender às demandas ocasionais. Ele poderia ter, a
qualquer momento, uma quantidade maior de mercadorias em sua loja ou
armazém e poderia realizar um maior número de transações. Porém,
raramente convém a todos os agentes de um comerciante receber como
pagamento pelas mercadorias que lhe vendem algum outro tipo de
mercadoria que faça parte de seus negócios. Os comerciantes britânicos
que comercializam com a Virgínia e Maryland são um grupo especial de
agentes para os quais é preferível receber o pagamento das mercadorias
que vendem àquelas colônias em fumo do que em ouro e prata. Eles
esperam lucrar com a venda do tabaco, pois nada lucrariam com a venda
do ouro e da prata. Assim, ouro e prata raramente aparecem no comércio
entre a Grã-Bretanha e as colônias de tabaco. Maryland e Virgínia quase
não necessitam desses metais para poderem realizar tanto seu comércio
exterior quanto o interno. Por esse motivo, dizem que elas possuem menos
moedas de ouro e prata do que as outras colônias americanas. E, ainda
assim, são reconhecidas como tão prósperas e, consequentemente, tão
ricas quanto qualquer uma de suas vizinhas.
Nas colônias do norte, Pensilvânia, Nova York, Nova Jérsei, os quatro
governos da Nova Inglaterra, etc., o valor dos produtos que exportam para
a Grã-Bretanha não é igual ao das manufaturas que importam para uso
próprio e para uso de algumas outras colônias para as quais realizam o
transporte. Portanto, um saldo deve ser pago à metrópole em ouro e prata,
e esse saldo costuma ser satisfeito.
Nas colônias açucareiras, o valor do produto exportado anualmente
para a Grã-Bretanha é muito maior do que o de todos os bens importados
de lá. Se o açúcar e o rum enviados anualmente para a metrópole fossem
pagos nessas colônias, a Grã-Bretanha seria obrigada a enviar todos os
anos um saldo muito grande em dinheiro e, assim, o comércio com as
Índias Ocidentais seria considerado extremamente desvantajoso por
políticos de certo tipo. Mas acontece que muitos dos principais
proprietários de plantações açucareiras residem na Grã-Bretanha. Suas
rendas lhes são enviadas em açúcar e rum, o produto de suas
propriedades. O açúcar e o rum que os comerciantes das Índias Ocidentais
compram nessas colônias por conta própria não são iguais em valor às
mercadorias que lá vendem anualmente. Portanto, um saldo deve ser pago
a eles em ouro e prata, e esse saldo costuma ser satisfeito.
A dificuldade e a irregularidade do pagamento das diversas colônias à
Grã-Bretanha não são, de forma alguma, proporcionais ao tamanho dos
saldos devidos por elas. Os pagamentos das colônias do norte têm sido,
em geral, mais regulares que os das colônias de tabaco, embora as
primeiras tenham em geral pago um saldo bastante grande em dinheiro,
enquanto as segundas não pagaram nenhum saldo ou pagaram um saldo
muito menor. A dificuldade de receber o pagamento de nossas diversas
colônias açucareiras tem sido maior ou menor em proporção não tanto ao
tamanho dos saldos respectivamente devidos por elas, mas sim ao número
de terras não cultivadas que possuem; ou seja, em proporção à maior ou
menor tentação dos plantadores de realizar transações comerciais
excessivas ou de levar a cabo a colonização e o plantio de quantidades de
terras não cultivadas superiores ao tamanho de seus capitais. Os retornos
da grande Ilha da Jamaica, onde ainda há muita terra não cultivada, têm
sido, em geral, mais irregulares e incertos do que os das ilhas menores de
Barbados, Antígua e São Cristóvão, que, durante os últimos anos,
passaram a ser inteiramente cultivadas e, por esse motivo, proporcionaram
um campo menor para as especulações do plantador. As novas aquisições
de Granada, Tobago, São Vicente e Dominica abriram um novo campo
para especulações desse tipo; e os retornos dessas ilhas têm sido tão
irregulares e incertos quanto os da grande Ilha da Jamaica.
Não é, portanto, a pobreza das colônias que gera, na maior parte delas,
a atual escassez de moedas de ouro e prata. A grande demanda por capital
ativo e produtivo as faz preferir deter a menor quantidade possível de
capital morto, predispondo-as, assim, a se contentar com um instrumento
comercial mais barato, embora menos apropriado do que o ouro e a prata.
Podem, desse modo, converter o valor desse ouro e prata em instrumentos
comerciais, em materiais para o vestuário, em partes de mobiliários
domésticos e de ferragens necessárias para construir e ampliar seus
assentamentos e plantações. Nas atividades comerciais que não podem ser
realizadas sem o uso do ouro ou da prata, as colônias parecem sempre
conseguir encontrar a quantidade necessária desses metais; e quando não
conseguem encontrar esses metais, a falha geralmente não é consequência
de sua inevitável pobreza, mas de seu empreendimento desnecessário e
excessivo. Não é porque são pobres que seus pagamentos são irregulares e
incertos, mas porque estão muito ansiosas para se tornar excessivamente
ricas. Embora o produto dos tributos da colônia que excedesse o valor
necessário para custear as despesas de suas próprias instituições civis e
militares devesse ser enviado para a Grã-Bretanha em ouro e prata, as
colônias possuem meios abundantes para comprar a quantidade
necessária desses metais. Nesse caso, seriam obrigadas, de fato, a trocar
uma parte do produto excedente, com o qual agora compram capital ativo
e produtivo, por capital morto. No tocante a seus negócios domésticos,
elas seriam obrigadas a empregar um instrumento de comércio caro em
vez de um barato, e os gastos para a compra desse instrumento caro
poderiam deprimir um pouco a vivacidade e o ardor de sua empreitada
excessiva no aprimoramento das terras. No entanto, talvez não fosse
necessário enviar nenhuma parte da receita americana em ouro e prata.
Ela poderia ser remetida em títulos emitidos e aceitos por comerciantes ou
empresas particulares na Grã-Bretanha, a quem uma parte do produto
excedente da América havia sido consignada, que, então, pagariam ao
tesouro a receita americana em dinheiro, após terem recebido o valor dela
em mercadorias; e, desse modo, a transação inteira poderia ser
frequentemente realizada sem a necessidade de se exportar uma única
onça de ouro ou prata da América.
Não é contrário à justiça que tanto a Irlanda quanto a América devam
contribuir para o pagamento da dívida pública da Grã-Bretanha. Essa
dívida foi contraída para oferecer apoio ao governo estabelecido pela
Revolução, um governo ao qual os protestantes da Irlanda devem não
apenas toda a autoridade de que atualmente desfrutam em seu próprio
país, mas toda a segurança que possuem em relação à sua liberdade, sua
propriedade e sua religião; um governo ao qual várias das colônias da
América devem suas atuais cartas de privilégios e, consequentemente, suas
atuais constituições, e ao qual todas as colônias da América devem a
liberdade, a segurança e a propriedade de que desfrutam desde a
concessão desses privilégios. Essa dívida pública não foi contraída para
defender apenas a Grã-Bretanha, mas todas as diferentes províncias do
império; além disso, a gigantesca dívida do final da última guerra, em
especial, e grande parte da dívida contraída na guerra anterior foram
ambas contraídas especificamente para defender a América.722
Por meio da união com a Grã-Bretanha, a Irlanda ganharia, além da
liberdade de comércio, outras vantagens muito mais importantes que
compensariam muito mais do que qualquer aumento de impostos que
pudesse acompanhar essa união. Pela união com a Inglaterra, as classes
mais baixas e medianas da população escocesa libertaram-se
completamente do poder de uma aristocracia que sempre as oprimiu. Pela
união com a Grã-Bretanha, a maior parte da população de todas as classes
da Irlanda também se libertaria completamente de uma aristocracia muito
mais opressiva, uma aristocracia que não se fundamenta, como na
Escócia, nas diferenças naturais e respeitáveis de nascimento e de fortuna,
mas na mais odiosa de todas as diferenças, a dos preconceitos religiosos e
políticos, distinções que, mais do que quaisquer outras, despertam tanto a
insolência dos opressores quanto o ódio e a indignação dos oprimidos, e
que, em geral, tornam os habitantes de um mesmo país mais hostis entre si
do que jamais seriam em relação aos de outros países. Sem uma união
com a Grã-Bretanha, os habitantes da Irlanda não conseguirão se ver
como um só povo por muitas gerações.
Nenhuma aristocracia opressiva foi capaz de prevalecer nas colônias.
Mesmo elas, no entanto, no que diz respeito à felicidade e à tranquilidade,
ganhariam bastante pela união com a Grã-Bretanha. A união, no mínimo,
as libertaria daquelas facções rancorosas e virulentas que são inseparáveis
das pequenas democracias e que tão frequentemente têm dividido os
sentimentos de sua população e perturbado a tranquilidade de seus
governos, que, em sua forma, estão tão próximos da democracia. No caso
de uma separação total da Grã-Bretanha — a qual, se não for evitada por
uma união desse tipo, parece ter grande probabilidade de ocorrer —, tais
facções se tornarão dez vezes mais virulentas. Antes do início dos atuais
distúrbios, o poder coercitivo da metrópole foi sempre capaz de impedir
que essas divisões se transformassem em algo pior que a brutalidade e os
insultos generalizados. Se esse poder coercitivo fosse totalmente retirado,
elas provavelmente logo passariam à violência aberta e ao derramamento
de sangue. Em todos os grandes países que estão unidos sob um governo
uniforme, o espírito de grupo costuma prevalecer menos nas províncias
remotas do que no centro do império. A grande distância entre essas
províncias e a capital, a sede das grandes disputas do espírito faccioso e da
ambição, faz com que elas se imponham menos às partes em luta,
tornando-as espectadoras mais indiferentes e imparciais da conduta geral.
O espírito partidário prevalece menos na Escócia do que na Inglaterra. No
caso de uma união, provavelmente prevaleceria menos na Irlanda do que
na Escócia; e as colônias provavelmente desfrutariam logo de um grau de
concordância e unanimidade atualmente desconhecido em qualquer parte
do Império Britânico. Tanto a Irlanda como as colônias ficariam, de fato,
sujeitas a tributos mais pesados do que os atualmente pagos por elas. No
entanto, como consequência de uma aplicação diligente e fiel da receita
pública para o pagamento da dívida nacional, a maior parte desses
tributos não seria de longo prazo, e a receita pública da Grã-Bretanha
poderia logo atingir o nível necessário para a manutenção de um estado
moderado de paz.
As aquisições territoriais da Companhia das Índias Orientais, que
constituem direito incontestável da coroa, isto é, do Estado e do povo da
Grã-Bretanha, poderiam ser transformadas em uma outra fonte de
receitas, talvez mais abundante do que todas as já mencionadas. Afirma-se
que esses países são mais férteis, maiores e, em proporção ao seu tamanho,
muito mais ricos e mais densamente povoados que a Grã-Bretanha. Para
se obter deles uma grande receita, provavelmente não seria necessário o
estabelecimento de um novo sistema de tributação, pois esses países já são
tributados de formas suficientes ou, até mesmo, excessivamente
tributados. Talvez fosse mais apropriado aliviar e não agravar o ônus
desses países infelizes, e buscar receitas não por meio da imposição de
novos tributos, mas impedindo a malversação e a má gestão da maior
parte dos tributos atualmente pagos.
Se a obtenção de um aumento considerável de receitas a partir dos
recursos mencionados fosse considerada inviável pela Grã-Bretanha, ela
seria obrigada a recorrer apenas à diminuição de suas despesas. A coleta e
o emprego de receitas, ainda que as duas áreas precisem de
aprimoramentos, parecem ser, no mínimo, realizados na Grã-Bretanha de
forma tão econômica quanto nos outros países vizinhos. A organização
militar que mantém para sua própria defesa em tempos de paz é mais
moderada do que a de qualquer outro Estado europeu que pretenda
rivalizar com ela em riqueza ou poder. Nenhum desses itens, portanto,
admitiria nenhuma redução de despesas. As despesas de manutenção das
colônias em tempos de paz eram, antes do início dos atuais distúrbios,
muito grandes, sendo despesas que podem ser economizadas em sua
integralidade, e este será certamente o caso se não for possível obter
nenhuma receita delas. Essa despesa constante em tempos de paz, embora
muito grande, é insignificante em comparação ao que a defesa das colônias
custou à Grã-Bretanha em tempos de guerra. Conforme já observamos, a
última guerra realizada somente por conta das colônias custou mais de 90
milhões à Grã-Bretanha. A guerra de 1739 com a Espanha ocorreu
principalmente por causa das colônias; nesta guerra e na ocorrida contra a
França — a qual foi consequência da primeira —, a Grã-Bretanha gastou
mais de 40 milhões, e, sem incorrer em injustiça, grande parte desse valor
deveria ser cobrado das colônias. Nessas duas guerras, as colônias
custaram à Grã-Bretanha muito mais do que o dobro do valor da dívida
nacional antes do início da primeira delas. Se não fosse por essas guerras,
a dívida poderia ter sido integralmente paga e, provavelmente, já teria sido
paga neste momento; e se não fosse pelas colônias, a primeira guerra
talvez não ocorresse e a segunda certamente não teria sido travada.
Realizamos esses gastos com as colônias porque supúnhamos que eram
províncias do Império Britânico. Mas as regiões que não contribuem nem
com receitas nem com forças militares em apoio ao império não podem
ser consideradas como províncias. Elas podem talvez ser consideradas
como áreas anexadas, como se fossem parte do séquito esplêndido e
vistoso do império. Mas, se o império não é mais capaz de suportar as
despesas de manutenção desse equipamento, deve, certamente, deixá-lo de
lado, e, se não tiver condições de aumentar suas receitas
proporcionalmente às suas despesas, deve, no mínimo, adequar seus
gastos às suas receitas. Se, apesar de recusarem os tributos britânicos, as
colônias, ainda assim, forem consideradas províncias do Império
Britânico, sua defesa em alguma guerra futura pode acarretar à Grã-
Bretanha despesas tão altas quanto as de quaisquer guerras anteriores. Os
governantes da Grã-Bretanha ocuparam a mente de sua população
durante mais de um século fazendo-a imaginar que ela possuía um grande
império no lado ocidental do Atlântico. Acontece que, até hoje, esse
império só existiu na imaginação. Até o momento, não é um império, mas
um projeto de império; não uma mina de ouro, mas um projeto de mina
de ouro; um projeto com custo, que continua a custar e que, se mantido da
mesma forma, provavelmente acarretará uma despesa gigantesca e não
gerará nenhum lucro provável, pois, para a grande massa da população, a
consequência do monopólio do comércio colonial, conforme já mostrei, é
o mero prejuízo, não o lucro. Certamente, já está na hora de nossos
governantes transformarem em realidade esse sonho dourado, ao qual se
entregaram juntamente, talvez, com o povo; ou, então, está na hora de, eles
mesmos, acordarem desse sonho e de se esforçarem para também
despertar o povo. Se não se pode concluir o projeto, que seja deixado de
lado. Se não se consegue que as províncias do império contribuam para o
sustento de todo o império, então certamente já é hora de a Grã-Bretanha
se liberar das despesas com a defesa dessas províncias em tempos de
guerra e das despesas com a manutenção de qualquer parte de suas
instituições civis ou militares em tempos de paz; é hora também de tentar
adequar suas perspectivas e planos futuros à mediocridade real de suas
circunstâncias.
APÊNDICE
Reuni os dois cálculos a seguir para exemplificar e confirmar o assunto
tratado no Livro IV, capítulo V, a saber, o subsídio por tonelada à pesca do
arenque branco. Acredito que o leitor pode confiar na exatidão dos dois
cálculos.

Subsídios pagos
aos
Barris pesqueiros do
A
Número de pesqueiros vazios Barris de arenques tipo buss
n
do tipo buss carregado capturados
os
s pe
libr xel
nc
as ins
e

17 2.08
29 5.948 2.832 0 0
71 5

17 11.0
168 41.316 22.237 7 6
72 55

17 12.5
190 42.333 42.055 8 6
73 10

17 16.9
248 59.303 56.365 2 6
74 52

17 19.3
275 69.144 52.879 15 0
75 15

17 21.2
294 76.329 51.863 7 6
76 90

17 17.5
240 62.679 43.313 2 6
77 92

17 16.3
220 56.390 40.958 2 6
78 16
17 206 55.194 29.367 15.2 0 0
79 87

17 13.4
181 48.315 19.885 12 6
80 45

17 9.61
135 33.992 16.593 12 6
81 3

To 155.
2.186 550.943 378.347 2 0
tal 463

O cálculo a seguir é relativo aos barcos pesqueiros do tipo buss para a


pesca de arenque usados na Escócia por onze anos, com o número de
barris vazios carregados, o número de barris de arenques capturados, o
subsídio médio em cada barril de palitos marinhos e de cada barril cheio.

lib pe
xel
ra nc
ins
s e

Palitos Subsídio médio para cada barril de palitos 2,2


378.347 0 8
marinhos marinhos 5
Entretanto, um barril de palitos marinhos
126.115,6 corresponde a 2/3 de um barril completamente
1/3 deduzido 0 12 3,75
6 cheio, então se faz a dedução de 1/3, levando o
subsídio para…
Barris
252.231,3
completament
3
e cheios
E se os arenques forem exportados, há também
0 2 8
um prêmio de…
De modo que os subsídios pagos pelo governo
0 14 11,75
em dinheiro para cada barril são…
Mas se a isso se acrescentar o tributo sobre o
sal, que, em geral, é creditado como gasto para
a cura de cada barril, imposto que, por ser 0 12 6
sobre o sal estrangeiro, é de 1,25 bushel a 10
xelins por bushel
O subsídio de cada barril equivaleria a… 1 7 5,75
Se os arenques são curados com sal britânico,
0 14 11,75
ficará assim, com o mesmo subsídio…
Mas, se a este subsídio se adiciona o tributo 0 3 0
sobre 2 bushels de sal escocês a 1 xelim e 6
pence por bushel, que, supostamente, é a
quantidade média usada para a cura de cada
barril, teremos…
O subsídio de cada barril equivaleria a… 0 17 11,75
E…
Quando, na Escócia, se introduz no mercado
interno os pesqueiros de arenque do tipo buss e 0 12 3,75
se paga o tributo de 1 xelim por barril, o
subsídio permanece igual, isto é…
Desse valor deve ser deduzido 1 xelim por
0 1 0
barril
0 11 3,75
Mas a isso deve ser adicionado novamente, o
tributo sobre o sal estrangeiro usado na cura de 0 12 6
um barril de arenque, isto é…
De modo que o prêmio permitido para cada
barril de arenque registrado para o consumo 1 3 9,75
interno é…
Se os arenques são curados com sal britânico,
ficará assim, com o mesmo subsídio, a saber…
O subsídio por cada barril trazido pelos barcos
0 12 3,75
pesqueiros como acima…
Disso se deduz o tributo de 1 xelim por barril
pago no momento em que eles são registrados 0 1 0
para o consumo interno…
0 11 3,75
Mas se a este subsídio se adiciona o tributo
sobre 2 bushels de sal escocês a 1 xelim e 6
pence por bushel, que, supostamente, é a 0 3 0
quantidade média usada para a cura de cada
barril, teremos…
O prêmio para cada barril registrado para
0 14 3,75
consumo interno será…

Embora a perda dos tributos relativos aos arenques exportados não


possa, talvez, ser considerada como um subsídio, aquela imposta aos
arenques registrados para o consumo interno pode certamente ser assim
considerada.
Tabela com a quantidade de sal estrangeiro importado pela Escócia e
de sal escocês isento entregue por suas salinas aos pesqueiros — de 5 de
abril de 1771 a 5 de abril de 1782, contendo a média de ambos por um
ano.

Sal estrangeiro Sal escocês entregue pelas


importado salinas
Período
Bushels Bushels

De 5 de abril de 1771 a 5 de abril


936.974 168.226
de 1782

Média de um ano 85.179,45 15.293,27

Deve-se observar que o bushel de sal estrangeiro pesa 84 libras,


enquanto o do sal britânico pesa apenas 56 libras.
SOBRE O AUTOR
Adam Smith (1723-1790) é considerado o pai da economia moderna.
Estudou filosofia nas universidades de Glasgow e de Oxford e, aos 25
anos, passou a lecionar em Edimburgo. Logo expôs pela primeira vez sua
filosofia econômica baseada na liberdade natural. Aproximou-se dos
filósofos David Hume e Edmund Burke — este último, pai do
conservadorismo moderno. De 1751 a 1763, foi professor de Lógica na
universidade de Glasgow. Deixou o cargo para tornar-se tutor do Duque
de Buccleuch e escrever, durante dez anos, sua obra máxima: A riqueza
das nações.
NOTAS
1. As datas indicam os anos em torno dos quais se publicaram os principais trabalhos
desses autores.
2. Datas aproximadas das principais obras. O Ensaio sobre a natureza do comércio em
geral, de Cantillon, embora publicado na França em 1755, foi redigido por volta de
1730. Antecipa a fisiocracia.
3. Francis Hutcheson, mestre de Smith, incluiu troca e dinheiro entre os temas de
Sistema de filosofia moral (1755).
4. Ressalvado sempre o liberalismo pioneiro dos fisiocratas.
5. Uma investigação sobre os princípios de economia política, de James Steuart, foi
apontado por Say e comentadores diversos como a epítome do mercantilismo.
6. Veja-se o primeiro capítulo da terceira edição (1821) de Ricardo, D. (1817), The
Principles of Political Economy and Taxation. Cambridge, Cambridge University Press,
1951.
7. A este respeito ver Viner, J., Studies in the Theory of International Trade. London,
Harper & Brothers, 1937.
8. A este respeito, ver Cannan, E., A History of the Theories of Production and
Distribution in English Political Economy from 1776 to 1848 (1898). Cannan teve
também um papel decisivo na modernização dos estudos smithianos, por ser o
responsável por uma edição muito prestigiada de A riqueza das nações, em 1904. Antes,
em 1896, havia publicado uma versão das notas de aula de Smith sobre Jurisprudência
(Lectures on Justice, Police, Revenue and Arms, delivered in the University of Glasgow by
Adam Smith).
9. Wilson e Skinner (eds.), The Market and the State — Essays in Honour of Adam
Smith. Oxford, Oxford University Press, 1976. Apenas dois dos onze ensaios da
coletânea tratam de gasto e receita pública.
10. Stigler, G., “Smith’s Travels on the Ship of the State”. History of Political Economy
3(2), 1971.
11. Viner, J., “Adam Smith and Laissez-Faire”. In: Viner, J., Essays on the Intellectual
History of Economics. Princeton, Princeton University Press, 1991.
12. Ver Viner, J., 1937.
13. A esse respeito, ver Rasmussen, D. C., The Infidel and the Professor — David Hume,
Adam Smith, and the Friendship that shaped Modern Thought. Princeton, Princeton
University Press, 2017.
14. Duas biografias autorizadas de Smith são: Rae, J., Life of Adam Smith. London,
Macmillan, 1895; Ross, I. S., The Life of Adam Smith. Oxford, Clarendon Press,
1995. Sobre o iluminismo escocês e sobre a filosofia de Smith, ver: Berry, C. J., The idea
of Commercial Society in the Scottish Enlightenment. Edinburgh, Edinburgh University
Press, 2013; Campbell, R. H. e Skinner, A. (eds.), The Origins and Nature of the Scottish
Enlightenment. Edinburgh, John Donald, 1982; Raphael, D., The Impartial Spectator:
Adam Smith’s Moral Philosophy, Oxford, Oxford University Press, 2007; Rotschild, E.,
Economic Sentiments: Adam Smith, Condorcet and the Enlightenment. Cambridge,
Harvard University Press, 2013; Tribe, K., The Economy of the Word: language, history,
and economics. Oxford, Oxford University Press, 2015; Cerqueira, H. E. A. G., “Sobre a
Filosofia Moral de Adam Smith”. Síntese, vol. 35, n. 111, 2008; Cerqueira, H. E. A. G.,
“Adam Smith e o surgimento do discurso econômico”. Revista de Economia Política, vol.
24, n. 3(95), 2004.
15. Smith, A., Lectures on Jurisprudence. Ed. Meek, R. L., Raphael, D. D., Stein, P. G.
Oxford, Clarendon Press, 1978. A versão da sessão de 1762-1763 já havia sido publicada
em 1898 por Cannan, como referido na nota 8 desta “Introdução”.
16. Talvez uma das razões para a permanência de A riqueza das nações no panteão das
grandes obras seja sua qualidade literária.
17. Exposições amplas sobre a ‘teoria econômica’ de A riqueza das nações podem ser
encontradas em Holander, S., The Economics of Adam Smith. Toronto, University of
Toronto Press, 1973; Aspromourgos, T., The Science of Wealth: Adam Smith and the
Beginnings of Political Economy. London, Routledge, 2009.
18. Essa definição, afixada ao término do capítulo V, é pouquíssimo observada pelos
estudiosos.
19. Similar à que viria a ser sustentada por Malthus e Ricardo, e bastante próxima à que
fora proposta por Cantillon.
20. A rigor, há no capítulo XI uma certa confusão entre produtos naturais e produtos
agrícolas e minerais. Os dois últimos sempre demandam trabalho em proporções
variadas. Não são, a rigor, oferecidos pela natureza. É importante ter em vista as
hesitações de Smith no tratamento de produtos “naturais”.
21. Smith tem grande dificuldade em entender a natureza dos serviços na sociedade e
no processo produtivo. Além disso, em sua noção de trabalho produtivo há ecos de uma
qualidade que chama a atenção dos economistas ao menos desde Locke e que foi
essencial nos debates monetários dos séculos XVII e mesmo XVIII: a durabilidade.
22. Por exemplo, Smith defende os Navigation Acts e outras medidas de favorecimento
aos navios ingleses e de exclusão da concorrência estrangeira em nome da segurança.
23. Thomas Mun (1571-1641) foi um influente dirigente da Companhia das Índias
Orientais e escritor de textos econômicos. A obra a que Smith se refere, England’s
Treasure by Foreign Trade, embora publicada apenas em 1664, foi escrita em 1628, no
ambiente de uma crise econômica e de exportações têxteis na Inglaterra.
24. Hume desenvolve o tema no ensaio sobre “Crédito Público” dos Ensaios.
25. Em ordem crescente, as designações firkin, kilderkin, barrel (barril), hogshead, butt
são os nomes dados aos diversos tamanhos de tonéis de madeira para
armazenamento de cervejas, ales; já os tonéis para vinhos recebem os seguintes nomes,
também em ordem crescente de tamanho: rundlet, barrel (barril), tierce, hogshead,
puncheon, pipe ou butt, tun. A medida para líquidos de Lisboa era, em ordem crescente,
a seguinte: quarto de quartilho, meio quartilho, quartilho, canada, pote (ou cântaro),
almude, pipa e tonel. Já que não há correspondência perfeita entre as designações em
inglês e em português, preferi manter os nomes das medidas em inglês, exceto em
palavras como barril (barrel) e galão (gallon). (N.T.)
26. Essa medida poderia receber as seguintes traduções: pinto, pinta, quartilho. Preferi
adotar o nome em inglês, por ser mais usual. Confira a nota anterior. (N.T.)
27. Há duas medidas diferentes com nomes semelhantes, o quart e o quarter. Foram
mantidas com a grafia conforme o original para que não sejam confundidas: a tradução
para as duas seria “quarto”. Veja o caso das medidas para cereais indicadas na sequência.
(N.T.)
28. Há medidas para secos utilizadas em Lisboa, a saber, quarto de selamim, meio
selamim, selamim, maquia, oitava, quarta, alqueire, fanga e moio; mas, assim como
acontece em relação às medidas para líquidos, as correspondências entre as medidas
inglesas e portuguesas não são perfeitas. (N.T.)
29. Em Portugal usavam-se as seguintes medidas: ponto, linha, polegada, polegada de
côvado, palmo de craveira, palmo de côvado, pé, côvado, vara, passo geométrico, toesa e
braça. Mas, novamente, as medidas nem sempre são correspondentes: 1 palmo em
Lisboa equivale a 8 polegadas, e no Reino Unido 1 palmo equivale a 3 polegadas. (N.T.)
30. Grafado avoirdupoize pelo autor. Antigo sistema de peso utilizado desde o século
XIII. Suas unidades eram a libra e a onça. No século XVI, Henrique VIII (24 Henry
VIII, c. 3) autorizou que esse se tornasse o sistema-padrão. O nome deriva do francês
normando utilizado na Inglaterra, aveir de peis, isto é, bens de peso (bens vendidos pelo
peso), e utilizava os seguintes termos: part, once, livre, pere e sak de leine e, mais tarde,
drachm (dracma), ounce (onça), pound (libra) e stone; sak de leine, ou saco de lã,
desapareceu e surgiram as medidas quarter, hundredweight e ton. Dezesseis dracmas
fazem 1 onça; 16 onças, 1 libra; 25 libras, 1 quarto (quarter); 4 quartos (quarters) é igual
a 1 hundredweight e 20 hundredweight valem 1 ton (aproximadamente 1,016 kg). (N.T.)
31. Commonwealth, em inglês. Segundo Samuel Johnson, o termo é sinônimo de polity,
forma estabelecida de vida civil. (A Dictionary of the English Language: A Digital Edition
of the 1755 Classic by Samuel Johnson. Ed. Brandi Besalke. Disponível em:
https://johnsonsdictionaryonline.com. Acesso em: 14 jun. 2017.). (N.R.T.)
32. Henry Hope (1735-1811). Banqueiro e comerciante nascido em Boston. Ele e seus
irmãos eram donos do banco mercantil Hope & Co. (N.T.)
33. Divisão do trabalho e suas vantagens era um tema consolidado à época de Smith. O
exemplo da fabricação de alfinetes foi utilizado por Smith em suas aulas em Glasgow
(anotações publicadas postumamente como Lectures on Jurisprudence). (N.R.T.)
34. Os benefícios da divisão do trabalho se estenderem a todos na sociedade sob a
forma de bens (e trabalho alheio) à disposição é parte da visão de Smith sobre o
progresso social. A disposição sobre o trabalho alheio ou sobre o produto alheio, por
meio do intercâmbio, é um elemento essencial da teoria do valor de Smith, apresentada
no capítulo V do Livro I. (N.R.T.)
35. Essa passagem tem sido recorrentemente utilizada como exemplo significativo da
onipresença do interesse próprio (self-interest) no sistema de Smith. Ao longo da obra,
diversos outros ângulos do interesse próprio aparecerão. A compatibilidade entre o
interesse próprio e outros fatores de impulsão da ação individual em Smith deve ser
apreciada tendo em vista sua obra anterior a A riqueza das nações, Teoria dos
sentimentos morais (1759). (N.R.T.)
36. Mar Negro. (N.T.)
37. Vale notar que apenas após um longo tratamento da divisão do trabalho, nos três
capítulos iniciais, Smith introduz dinheiro, o tema dominante nos debates econômicos
que precederam A riqueza das nações. Este capítulo expressamente dedicado ao
dinheiro — o quarto — é bastante sintético. Outras considerações sobre dinheiro e
teoria monetária estão presentes em capítulos subsequentes, nos cinco livros de A
riqueza das nações. (N.R.T.)
38. Ao situar o dinheiro como um elemento que surge para contornar os
inconvenientes do escambo, Smith segue uma tradição plurissecular. Menos do que um
relato histórico sobre o dinheiro e suas origens, temos aqui uma construção lógica, que
privilegia troca e mercadoria como os elementos constitutivos de uma “sociedade
mercantil”. (N.R.T.)
39. Plínio, o Velho (23-79), História Natural, Livro 33, cap. 3, citando a Ilíada, canto VI,
verso 236, de Homero. Esta obra do naturalista romano, uma enciclopédia do século I,
no Livro 33 trata dos metais ouro, prata e mercúrio. (N.T.)
40. Timeu, historiador grego que nasceu por volta de 352 a.C. Seus livros não foram
conservados, mas há fragmentos e citações de sua obra, que foi provavelmente vasta.
(N.T.)
41. Plínio, op. cit., Livro 33, cap. 3. (N.A.)
42. Sérvio Túlio (?-539) teria sido, de acordo com a tradição, o sexto rei de Roma, tendo
governado de 578 a.C. a 539 a.C. (N.T.)
43. Farthing é o nome que se dá ao valor de 0,25 penny, ver “Pesos e medidas” em
“Notas à tradução”. (N.T.)
44. Supervisor oficial da forma, dos pesos e das medidas dos tecidos; a profissão surgiu
durante o reinado de Eduardo I. O nome vem de ell (alne em francês antigo), medida
correspondente a 1,25 jarda. (N.T.)
45. Cf. Gênesis 23,16. (N.T.)
46. Eduardo I (1239-1307) foi coroado rei da Inglaterra em 19 de agosto de 1274. (N.T.)
47. O sistema tower de peso era o nome comum da libra do rei Offa, que governou a
Mércia, reino da Inglaterra anglo-saxã, por volta de 757 até julho de 796. Esse sistema
foi utilizado até 1527. A libra tower foi substituída pela libra troy, que, por lei, valia
exatamente 16⁄15 da libra tower (proclamação de Henrique VIII de 5 de novembro de
1526. Proclamação 112 no livro Tudor Royal Proclamations, vol. 1. Ed. Hughes, P. L. e
Larkin, J. F. New Haven, Yale University Press, 1964. Ver também equivalências na seção
“Pesos e medidas” em “Notas à tradução”. (N.T.)
48. Pesos aproximados em gramas: libra tower (≈ 350 g), troy (≈ 373 g) e romana (≈ 327
g). (N.T.)
49. Henrique VIII (1491-1547) foi coroado rei da Inglaterra em 24 de junho de 1509.
(N.T.)
50. A feira de Troyes, na antiga província francesa da Champanha. (N.T.)
51. Alexandre I (c. 1078-1124), rei da Escócia entre 1107 e 1124. (N.T.)
52. Robert de Bruce (1274-1329), rei da Escócia entre 1306 e 1329. (N.T.)
53. Plural de penny. Ver “Tabelas de pesos e medidas” e “Dinheiro” em “Notas à
tradução”. (N.T.)
54. Ver “Tabelas de pesos e medidas” e “Cereais” em “Notas à tradução”. Aqui, 1 quarter
é uma medida de peso. (N.T.)
55. Antigo tipo de pão inglês que já era mencionado no poema narrativo Piers
Plowman. (N.T.)
56. A diminuição da quantidade de metal precioso em uma moeda de mesma
denominação, ou debasement, foi o tema central dos debates monetários nos três
séculos que precederam A riqueza das nações. Smith dá pouca atenção ao debasement ao
longo de A riqueza das nações, mas, curiosamente, volta a ele com ênfase no capítulo
final da obra (Livro V, capítulo III, sobre a dívida pública). (N.R.T.)
57. O “paradoxo da água e do diamante” é um tema familiar aos economistas, do século
XVIII aos nossos dias. Registre-se que não foi Smith que o inventou — aparece em
diversas versões em obras anteriores e, em versão praticamente idêntica à que viria a ser
sempre lembrada a partir de A riqueza das nações, na obra de Joseph Harris, An Essay
upon Money and Coins (1757-1758). (N.R.T.)
58. Adam Smith atribui a frase “Riqueza é poder” a Thomas Hobbes (1588-1679),
filósofo inglês, autor do Leviatã (1651) que estabeleceu a teoria do contrato social.
(N.T.)
59. Note que, para Smith, iguais quantidades de trabalho possuem o mesmo valor “para
o trabalhador”, o que está associado ao fato de o trabalho ser “real medida do valor” por
representar “esforço e sacrifício”, elementos subjetivos. Por outro lado, ao introduzir o
metal como medida usual do valor de troca, Smith se defronta, dada a variabilidade do
valor do metal (uma mercadoria), com a impossibilidade lógica de uma medida em si
variável. A impossibilidade e, ao mesmo tempo, as consequências de uma medida de
valor variável são temas recorrentes na literatura econômica do século XVIII. (N.R.T.)
60. Isabel (Elizabeth I, em inglês), 1533-1603, reinou entre 1558 e 1603. (N.T.)
61. 18 Elizabeth I. c6. (1575), trata da concessão (lease) feita às seguintes escolas:
Oxford, Cambridge, Winchester e Eton. (N.T.)
62. William Blackstone (1723-1780) foi jurista e juiz inglês. Escreveu o livro
Comentários sobre as leis da Inglaterra (Commentaries on the laws of England), livro
dividido em quatro volumes e publicado pela Claredon Press em Oxford, entre 1765 e
1769. Vol. I, Livro II, Capítulo VIII, par. 322. (N.T.)
63. Felipe II da Espanha (1527-1598) e Maria I (1516-1558) reinaram juntos entre 1554
e 1558 (N.T.)
64. Notar que Smith introduz uma terceira referência para o valor de troca, afora
trabalho (comandado) e dinheiro: quantidade de cereais. Nesta passagem, Smith está
preocupado com contratos de longo prazo, como o arrendamento, que poderão ser
afetados se relacionados exclusivamente a uma medida de valor muito variável, como o
dinheiro. Em outras passagens, Smith se referirá à relação secular entre trabalho e
subsistência, ou à possibilidade de aferirmos o valor do trabalho em cereais ao longo do
tempo. (N.R.T.)
65. Smith admite que nos negócios ordinários o dinheiro é uma medida satisfatória do
valor das mercadorias. O investigador (o filósofo), no entanto, precisa de comparações
plurisseculares; daí a necessidade de uma “medida real” de valor. E, como temos poucas
indicações sobre o preço do trabalho, recorrer aos cereais é um bom expediente.
(N.R.T.)
66. Plínio, lib. XXXIII, c.3. (N.A.)
Plínio, História Natural. Livro XXXIII, Capítulo XIII, par. 3º. (N.T.)
67. Asses (singular, as ou asse) é o nome de uma moeda romana de bronze e, mais
tarde, de cobre. O “ás” subdividia-se em 12 onças (unciae). Esta era a “libra romana”.
(N.T.)
68. Eduardo III (1312-1377), coroado em 1º de fevereiro de 1327. (N.T.)
69. Jaime I (1566-1625) foi rei da Escócia a partir de 1567 e era conhecido como Jaime
IV; Após a União das Coroas, tomou o nome de Jaime I; coroado em 24 de março de
1603, reinou até sua morte, em 1625. (N.T.)
70. Smith expõe neste relato algumas das características emblemáticas de sistemas
monetários metálicos, como o de seu tempo. Nos sistemas metálicos, temos uma
medida de valor — a libra esterlina, por exemplo — cuja expressão em metais (moedas
de certo peso) pode variar. Além disso, uma das moedas apenas — ouro ou prata —
costuma ser considerada o padrão oficial de valor, sendo ou não facultada a liquidação
de contratos indiferentemente em moedas dos dois metais. Finalmente, a relação de
valor entre ouro e prata varia no mercado. Como regulamentar as transações em
condições que envolvem medida de valor (“moeda ideal”) e moedas de metais cujo valor
relativo varia é o tema de Smith nesta passagem. (N.R.T.)
71. Uma libra avoirdupois vale 16 onças avoirdupois, que é aproximadamente 454
gramas; meia libra, nesse caso, seria equivalente a 227 gramas. (N.T.)
72. Afora a variação do valor relativo de ouro e prata, Smith leva em consideração
nestas passagens dois elementos. Um deles é a existência de um “preço da casa da
moeda” (mint price), que não necessariamente é o preço de mercado de ouro e prata. O
outro é a possibilidade de se ter de pagar uma taxa pela cunhagem. A Inglaterra não
cobrava taxa de cunhagem, o que afetava (como veremos adiante) a taxa de câmbio da
libra esterlina com relação a moedas de outros países. De todo modo, sempre que se
cobra taxa de cunhagem estabelece-se uma diferença entre o “preço da moeda”, ou o
preço do metal na forma de moeda, e o preço do metal em lingote. (N.R.T.)
73. Guilherme III (ou William IIII, em inglês), 1650-1702, foi coroado rei no dia 11 de
abril de 1689. (N.T.)
74. John Locke (1632-1704) em Considerações sobre as consequências da redução do juro
(Considerations on the Consequences of the Lowering of Interest and the Raising of the
Value of Money, 1691). (N.T.)
75. O texto de Locke, representativo do debate inglês sobre o “valor da moeda” do final
do século XVII, será uma referência obrigatória para os economistas do século seguinte.
(N.R.T.)
76. Desde a sua introdução, em 1551, durante o reinado de Eduardo VI (r: 1547-1553),
as moedas de 6 pence eram feitas de prata. Elas continuaram sendo assim cunhadas até
1947. (N.T.)
77. Além do debasement, uma medida de alteração do valor do dinheiro introduzida
por determinação governamental, os sistemas metálicos convivem ainda com o desgaste
da moeda, que provoca redução de seu peso e, desse modo, divergência entre o valor da
moeda, definido por seu conteúdo metálico, e aquele estabelecido pelo governo.
Diferenças significativas de peso afetam a taxa de câmbio e podem provocar evasão de
metal. Além disso, essas diferenças ensejaram um debate permanente entre os
economistas: as mercadorias diversas referem seus preços ao valor efetivo (em metal)
das moedas ou a seu valor de face? Embora Smith escape desse debate, ou ao menos não
o enfrente abertamente, veremos que a relação entre valor da moeda e seu valor em
metal é decisiva para ele. (N.R.T.)
78. Esse parágrafo final do capítulo IV é decisivo, porque Smith esclarece que, quando
se refere ao “preço em dinheiro” dos bens, tem em vista, na verdade, a quantidade de
metal que as moedas de denominações específicas deveriam em tese conter. “Preço em
dinheiro”, portanto, não se refere ao estado efetivo da peça metálica, mas a seu peso
ideal ou àquele que deveria ter ao sair da Casa da Moeda. As comparações seculares de
preços efetuadas por Smith terão sempre em vista o “preço em dinheiro” nesse exato
sentido. (N.R.T.)
79. No capítulo VIII, sobre salários, Smith irá elaborar essa relação entre os diferentes
tipos de trabalho e sua remuneração. (N.R.T.)
80. Embora não tenha sido o primeiro economista a identificar o “lucro” como um
componente específico do preço das mercadorias, e como um rendimento distinto de
salários e renda da terra — o pioneiro nessa distinção, sem utilizar o termo “lucro”, foi
Cantillon em Ensaio sobre a natureza do comércio em geral (1755) —, Smith é o autor
que integra “lucro” como rendimento do capital ao raciocínio econômico de modo
definitivo. Nisso se distingue dos fisiocratas — a esse respeito, veja o capítulo VIII do
Livro IV. (N.R.T.)
81. David Ricardo (Princípios de economia política, 1817) viria a utilizar essa passagem
de Smith para afirmar, em especial no famoso capítulo I da terceira edição de seu livro
(1821), que o autor oscila entre uma teoria do valor correta — o valor depende do
trabalho contido — e outra incorreta — o valor depende do trabalho que se comanda.
(N.R.T.)
82. Smith, nessa passagem, enfatiza que há apenas “três fontes originais de
rendimentos” — as demais são derivadas — e também que o “produto anual do trabalho
do país” emana das fontes individuais e, na verdade, equivale à soma das fontes
individuais. Há, desse modo, uma relação entre “rendas individuais” e o produto anual
do país. (N.R.T.)
83. “Perfeita liberdade”, no caso, é a prevalência de mobilidade e concorrência entre os
capitais. Smith, em certas passagens, identifica essa situação com o “sistema de liberdade
natural”. “Perfeita liberdade” ou ausência de concorrência é um contraste-chave ao longo
de toda A riqueza das nações. (N.R.T.)
84. Determinação do preço de mercado por oferta e demanda é um tema antigo em
economia. A especificidade da formulação de Smith reside na distinção entre “preço
natural” e preço de mercado, por um lado (havendo uma regra para a determinação do
“preço natural”), e a associação entre desajustes nos dois preços e impactos sobre
rendimentos específicos (salários, lucros, renda). A mobilidade dos ofertantes de
trabalho, terra e capital, em busca de rendimentos mais vantajosos, ajusta os respectivos
mercados. Em um sistema em que haja capital, a mobilidade do capital motivada por
lucros abaixo ou acima do “normal” é o fator-chave de ajustamento dos mercados.
Pode-se dizer que o sistema de Smith estabelece a mobilidade do capital como um fator
essencial nas economias modernas. (N.R.T.)
85. A ideia de gravitação dos preços de mercado em torno do preço natural tem sido
enfatizada em incontáveis comentários a Smith. A rigor, aproxima a economia dos
sistemas naturais — gravitação, órbitas planetárias —, tema com o qual Smith era
familiarizado. Ver sua História da Astronomia. (N.T.)
86. Vender a um preço superior ao natural é a consequência do estabelecimento de
monopólios, sejam os naturais, sejam os assegurados pelo governo. O combate ao
“sistema mercantil”, o tema central de A riqueza das nações, é feito em nome das
desvantagens para os consumidores da permanência de um preço de mercado acima do
preço natural sem possibilidades de ajustamento. (N.R.T.)
87. O combate aos privilégios das corporações e aos estatutos dos aprendizes, sistemas
impeditivos da concorrência, é um tema recorrente em A riqueza das nações. (N.R.T.)
88. Tema do Capítulo VIII. (N.T.)
89. Tema do Capítulo IX. (N.T.)
90. Tema do Capítulo X. (N.T.)
91. Tema do Capítulo XI. (N.T.)
92. Trabalho de um dia, a day’s labour, em inglês. Aqui, o vocábulo labour, trabalho em
inglês, tem o sentido de “atividades realizadas para se produzir algo”. (N.T.)
93. Quantidade de trabalho, quantity of work, em inglês, aqui utilizado como grandeza
física que engloba a atividade realizada e os produtos gerados. Samuel Johnson oferece
outros sinônimos para work, a saber, qualquer coisa feita, ação, feito, ato. (N.T.)
94. O lucro como dedução do produto do trabalho é uma fórmula que identifica Smith.
Viria a ser, no século XIX, compartilhada por Ricardo e, depois disso, por Marx.
(N.R.T.)
95. O capital, nessa formulação de Smith, é identificado como “adiantamentos”
necessários para o processo produtivo. Para que haja produção, mesmo na agricultura,
algo (sementes, alimentos para os trabalhadores) deve ter sido adiantado durante certo
período de tempo para que se obtenha o produto final. (N.R.T.)
96. Além de definir de modo muito claro que na relação entre trabalhadores e
capitalistas há uma assimetria de poderes, Smith se expressa — nesta e em inúmeras
passagens — de modo bastante cru em relação às características morais dos capitalistas.
Como se verá, Smith é muito pouco condescendente também em relação às
características pessoais dos proprietários de terras. (N.R.T.)
97. Smith faz nesta passagem uma referência direta a Cantillon, um autor cuja obra
(Ensaio sobre a natureza do comércio em geral, 1755) foi lida com muita atenção por ele.
A solução de Smith para as diferenças salariais, apresentada adiante, é inteiramente
calcada em Cantillon. (N.R.T.)
98. Smith utiliza a frase common humanity (literalmente, “humanidade comum”) com o
significado de salários de subsistência que, para ele, são comuns a toda a humanidade.
(N.T.)
99. O autor estabelece uma relação muito clara, e enfatizada em toda a obra, entre
salários altos (e crescimento dos salários) e caráter progressivo, estagnado ou em
retrocesso das economias. Note-se que, na comparação imediata entre salários na
Inglaterra e na América do Norte, Smith situa um tema que é frequentemente retomado
em sua obra, qual seja, o progresso e o caráter virtuoso da colonização norte-americana
continental. (N.R.T.)
100. Public fiars: na Escócia, são os preços dos diferentes tipos de grãos para o ano
atual, conforme fixados pelo xerife de cada concelho e um júri, após a produção de
provas especializadas e a audição de todas as partes interessadas (The Century
Dictionary and Cyclopedia, Whitney, William Dwight, 1827-1894; Smith, Benjamin Eli,
1857-1913: 1897) (N.T.)
101. O ocupante do cargo de Lord Chief Justice, além de presidir o sistema judiciário,
também é o representante desse poder no Parlamento e no governo. Matthew Hale
(1609-1676) tornou-se presidente do sistema judiciário inglês em 18 de maio de 1671 e
aposentou-se pouco antes de sua morte, em 1676. (N.T.)
102. Carlos II (1630-1685) foi coroado rei da Inglaterra, da Escócia e da Irlanda em 23
de abril de 1661. (N.T.)
103. Ver sua política de assistência aos pobres em História da Lei dos Pobres, de Burn.
(N.A.) Richard Burn (1709-1785) foi um autor inglês de textos legais. (N.T.)
104. Gregory King (1648-1712) foi estatístico e genealogista. (N.T.)
105. Charles Davenant (1656-1714) foi economista e político. (N.T.)
106. Smith penetra aqui em um tema que reaparecerá em outras passagens de sua obra,
o trabalho escravo. Na visão de Smith, o trabalho escravo é necessariamente menos
eficiente do que o trabalho livre. (N.R.T.)
107. Bernardino Ramazzini (1633-1714) foi um médico italiano que publicou o livro
Doenças do trabalho (De morbis artificum diatribe). (N.T.)
108. Louis Messance (1734-1796) foi o demógrafo francês que realizou os primeiros
estudos demográficos sobre a França. (N.T.)
109. As divisões administrativas da França durante o antigo regime eram conhecidas
como Recettes générales, também chamadas de Généralités (Generalidades); Elbeuf
situa-se a 18 quilômetros de Rouen. Ambas localizam-se na região da Normandia.
(N.T.)
110. Yorkshire, na Inglaterra, subdividia-se historicamente em três partes: North
Riding, West Riding e East Riding (terço norte, terço oeste e terço leste). Riding
(Thryding, em inglês antigo) é uma palavra de origem norueguesa que significa terça
parte. (N.T.)
111. Lei do Parlamento Inglês criada em 1765 e revogada em 1766. (N.T.)
112. Aqui, um ponto-chave da posterior crítica de Ricardo a Smith. Para Ricardo
(Princípios de economia política, 1817), o aumento dos salários reduz imediatamente os
lucros sem afetar os preços das mercadorias. Para Smith, o aumento dos salários exerce
um efeito imediato sobre o preço das mercadorias. (N.R.T.)
113. Lei contra a usura: 9º decreto de 1545, isto é, do 37º ano do reinado de Henrique
VIII (37 Henry VIII, c.9). (N.T.)
114. Lei contra a usura de 1551 (5 e 6 Edward VI, c.20). (N.T.)
115. 13 Elizabeth I, c.8 (1571). (N.T.)
116. 21 James I, c.17 (1623). (N.T.)
117. Segundo as notas de rodapé da edição Cannan, trata-se da lei 12 Charles II, c.13. A
edição Glasgow adiciona o ano: 1660. Assim, é o 13º ato publicado no 12º ano do
reinado de Carlos II. (N.T.)
118. Lei de 1713 (13 Anne, c.15). Ana (1665-1714) foi rainha da Inglaterra, Escócia e
Irlanda entre 8 de março de 1702 e 1º de maio de 1707, e, então, após a união da
Inglaterra e da Escócia, foi rainha da Grã-Bretanha e Irlanda entre 1707 e 1714. (N.T.)
119. Segundo a edição Cannan da RN, a guerra de 1756 a 1773, isto é, a guerra dos sete
anos entre França e aliados (Saxônia, Rússia, Suécia, Espanha) de um lado e Inglaterra e
aliados (Portugal, Prússia, Hanôver) do outro. (N.T.)
120. Clément Charles François de l’Averdy (1723-1793) foi um estadista membro do
Parlamento francês e, a partir de 14 de dezembro de 1763 até 1768, ministro das
finanças de Luís XV. (N.T.)
121. Joseph Marie Terray (1715-1778) foi ministro das finanças de Luís XV entre 1769 e
1774. (N.T.)
122. Marco Túlio Cícero (106-46 a.C.) foi político e escritor durante a República
Romana e eleito cônsul em 63 a.C. A referência é ao livro Cartas para Ático, VI, i. 5-6
(Ad Atticum). (N.T.)
123.
Tomar todos os negócios para si, açambarcar, ou, em inglês, engrossing, era, na
Inglaterra, uma forma ilegal de influenciar o mercado por meio da criação de um
monopólio local para certos produtos. Engrossing era tomar para si, ou absorver,
grandes quantidades de produtos para revendê-los, isto é açambarcar. Os produtos
comprados ficavam, assim, nas mãos de poucas pessoas que podiam revendê-los ao
preço que desejassem. Forestalling e regrating eram as duas outras formas de influenciar
o mercado. Regrating também é a compra de mercadoria para revenda, mas, nesse caso,
aumenta-se o preço ao se comprar a mercadoria em um mercado para revendê-la em
outro. Por fim, forestalling, agir antecipadamente; consiste em comprar antecipadamente
as mercadorias que chegariam a um mercado, isto é, comprar antes que cheguem à
barraca de venda (stall) e, então, vendê-las por um preço mais alto, isto é, agir como
atravessador, intermediário. (N.T.)
124. Como sentia dificuldade para aferir os lucros das diversas aplicações de capital e a
taxa de lucros, Smith adota como expediente acompanhar as taxas de juros, que são
mais conhecidas. Os juros não podem exceder e sequer atingir os lucros — já que
derivam deles. Por outro lado, os lucros são diminuídos pela existência de muitos
capitais na concorrência. Desse modo, em sociedades que progridem há redução dos
lucros. Note-se que, excetuando-se a referida relação entre estados progressivos e
declinantes, não há em A riqueza das nações uma discussão sobre o que determina os
lucros. (N.R.T.)
125. Ver Idyllium, XXI. (N.A.)
Teócrito (310 a.C.-250 a.C.) foi um poeta grego bucólico, autor de Idílios. Há uma
tradução para o inglês: The Greek Bucolic Poets. Trad. Edmonds, J. M., Loeb Classical
Library, vol. 28. Cambridge, MA, Harvard University Press, 1912. Em português, Érico
Nogueira as traduziu em sua tese de doutorado para a Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP): “Verdade, contenda e
poesia nos Idílios de Teócrito”, 2012, publicada com o mesmo título pela Editora
Humanitas em 2013. (N.T.)
126. Os diaristas (journeymen, em inglês), já citados anteriormente no texto, são
trabalhadores qualificados e disponíveis para o trabalho que não têm relação de
exclusividade nem salários fixos; são pagos por sua produção, e não pelo tempo. (N.T.)
127. No que se refere a diferenciações dos salários do trabalho, até este ponto Smith
segue exatamente o que havia sido apontado por Cantillon no Ensaio sobre a natureza
do comércio em geral (1755). (N.R.T.)
128. Inns of court, em inglês, são as associações profissionais dos advogados conhecidos
como barristers (advogados especialistas, em oposição aos solicitors) da Inglaterra e do
País de Gales. São quatro, a saber, Gray’s Inn, Lincoln’s Inn, Inner Temple e Middle
Temple. (N.T.)
129. Um guinéu contém 21 xelins. (N.T.)
130. Três libras contêm 60 xelins; isto é, os salários aumentam muito. (N.T.)
131.
Cotters ou cottagers, também chamados de cottars, compunham a classe mais baixa de
trabalhadores rurais. Recebiam uma pequena casa (cottage, em inglês) em troca de seu
trabalho. (N.T.)
132. Aproximadamente 9 litros, ver “Tabelas de pesos e medidas”, “Cereais”, em “Notas
à tradução”. (N.T.)
133. Shetland é um arquipélago escocês situado no nordeste da Grã-Bretanha; sua
capital é Lerwick. Leith é uma região situada ao norte da cidade de Edimburgo, na
Escócia. Aproximadamente 480 quilômetros separam as duas cidades. (N.T.)
134. Conferir: 1 guinéu = 21 xelins, 1 xelim = 12 pence, 21 xelins × 12 pence = 252
pence. O trabalhador, recebendo 10 pence por dia, precisaria trabalhar 25,2 dias para
comprar um par de meias tricotadas. (N.T.)
135. Rent, em inglês, é um vocábulo importante para as considerações de Smith. No
entanto, em português, ele pode ser traduzido por aluguel, renda ou arrendamento,
dependendo do contexto. (N.T.)
136. Essas três formas de restrição à concorrência existem em especial nas sociedades
em que prevalecem as determinações do “sistema mercantil”. Smith antecipa então sua
crítica ao “sistema mercantil”, que, embora receba destaque específico no Livro IV, está
presente em toda a obra. (N.R.T.)
137. 19 e 20 Charles II, c.II (I670) em Statutes of the Realm, v. 640; 20 Charles II, c.6 na
edição de Ruffhead. (N.T.)
138. 5 Elizabeth I, c.4, isto é, a quarta lei publicada em 1562. (N.T.)
139. Compagnonnage, em francês. (N.T.)
140. Ver Firma Burgi, de Madox, p. 26, etc. (N.A.)
Livro publicado em 1723, de Thomas Madox (1666-1727), historiador e antiquário.
(N.T.)
141. Tomar para si, açambarcar (engrossing). Ver nota 123. (N.T.)
142. Descriptions des Arts et Métiers faites ou approuvées par Messieurs de l’Académie
Royale des Sciences (1761-1788). (Descrição das artes e matérias feitas ou aprovadas
pelos senhores da Academia Real de Ciências). (N.T.)
143. Hindustão ou Industão era um subcontinente indiano onde se situam os atuais
territórios dos seguintes países: Índia, Paquistão, Bangladesh, Nepal e Butão, e as ilhas
do Sri Lanka (antigo Ceilão) e Maldivas. (N.T.)
144. O mestre (master) pedreiro é um trabalhador completamente qualificado que
contrata outros trabalhadores qualificados. Os diaristas (journeyman) são os
trabalhadores qualificados, isto é, que concluíram seu período como aprendizes. (N.T.)
145. Isócrates (436 a.C.-338 ou 336 a.C.) foi orador e retórico grego. (N.T.)
146. Plutarco (46-120) escreveu Vidas paralelas. (N.T.)
147. Hípias (460 a.C.-400 a.C.) e Protágoras (490 a.C.-415 a.C.) foram filósofos gregos
mais conhecidos por meio dos diálogos de Platão. (N.T.)
148.
Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.) foi filósofo, discípulo de Platão e, a partir de 343 a.C.,
tutor de Alexandre, o Grande. (N.T.)
149. Carnéades (214 a.C.-? a.C.) foi um filósofo grego que criticava o estoicismo e
favorecia o ceticismo; e Diógenes (230 a.C.-140 a.C.) era estoico. Eles, juntamente com
Critolau, o Peripatético, foram enviados a Roma em missão diplomática no ano de 155
a.C. (N.T.)
150. Poor laws, em inglês. Sistema de ajuda aos pobres. Smith faz referência ao
Settlement Act de 1662, segundo o qual cada pessoas possuía domicílio em uma
paróquia específica. (N.T.)
151. 43 Elizabeth I, c.2 (1601). Lei de Assistência aos Pobres. (N.T.)
152. 14 Charles II, c.2 (1662). (N.T.)
153. 1 James II, c.17 (1685). (N.T.)
154. 3 William e Mary, c.11, s 2 (1691). (N.T.)
155. Trata-se de Richard Burn (1709-1785), jurista inglês. Publicou Justice of the Peace
(O juiz de paz), em 1755, e History of the Poor Laws (História da Lei de Assistência aos
Pobres), em 1764. (N.T.)
156. R. Burn, Justice of the Peace. (N.T.)
157. 3 William e Mary, c.11, ss 5-7 (1691). (N.T.)
158. 8 e 9 William III, c.30 (1696). (N.T.)
159. 9 William III, c.2 (1697). (N.T.)
160. 12 Anne, c.18 (1712). (N.T.)
161. R. Burn, Justice of the Peace (1764), II, p. 274. (N.T.)
162. R. Burn, History of the Poor Laws, p. 235-236. (N.T.)
163. Burn, History of the Poor Laws, p. 130. A edição Cannan oferece a referência e a
edição Glasgow a transcreve, já que a citação de Smith não é exata: “pela experiência de
mais de 400 anos, parece que chegou a hora de pormos de lado todos os esforços para
regulamentar de forma minuciosa algo que parece, por sua própria natureza, incapaz de
ser limitada: já que, desse modo, não dá espaço para o trabalho duro ou para o engenho;
pois, se todas as pessoas do mesmo tipo de trabalho recebessem salários iguais, não
haveria campo para a ambição”. (N.T.)
164. 8 George III, c.17 (1768). (N.T.)
165. A nota da edição Cannan nos informa que a lei 1 Ann., Stat. 2, c.18 aplica-se aos
trabalhadores das manufaturas de lã, linho, fustão, algodão e ferro; e que 13 George II,
c.8 aplica-se aos fabricantes de luvas, botas, sapatos e outras peças de couro. (N.T.)
166. Assize, literalmente, significa sentar-se em sessão. No caso são normas para
aferição de medidas ou pesos, preço dos mantimentos ou preço (ou medida) de outras
coisas. O Assize do Pão e da Cerveja é uma lei do século XIII que regulava o preço, o
peso e a qualidade do pão e da cerveja que eram vendidos nas cidades inglesas. Smith
fala mais sobre o assunto no Capítulo XI, em “Digressão sobre as variações no valor da
prata no decurso dos últimos quatro séculos”. (N.T.)
167. 31 George II, c.29 (1757). (N.T.)
168. Segundo a nota 77 da edição Glasgow de A riqueza das nações, o decreto 3
George III, c.6 (1762) deu poder aos magistrados e juízes de paz para agir contra os
agentes do mercado. A edição de Cannan nos informa que o defeito está descrito no
preâmbulo da lei. (N.T.)
169. Pela classificação científica, kelps são laminariales, que pertencem a uma ordem de
algas da classe Phaeophyceae. Usava-se a palavra “kelp” tanto para as algas quanto para
as cinzas de sua combustão, ricas em carbonato de sódio (o “sal alcalino” de Smith).
(N.T.)
170. Os dois exemplos, “kelp” e peixes em Shetland, são casos claros de renda
diferencial — ou renda devida à terra que oferece algo adicional, sob as mesmas
condições de cultivo que outras. Smith não identifica com precisão a renda diferencial.
Abaixo, Smith vai se referir a dois diferenciais que permitem renda, localização e
fertilidade, mas, mesmo nesse caso, o mecanismo de estabelecimento da renda
diferencial (do valor da renda) não fica claro. (N.T.)
171. Este é o aspecto principal da abordagem de Smith sobre a renda: como os preços
dos produtos primários são estabelecidos pela demanda, há produtos cuja demanda
permite preços que excedam os necessários para remunerar o capital do produtor às
taxas normais, e outros cuja demanda nem sempre permite. No primeiro caso, haverá
renda da terra; no segundo, ocasionalmente. Portanto, há produtos da terra cujo preço
envolve renda, e outros cujo preço não envolve renda. (N.R.T.)
172. Veja-se que o diferencial de fertilidade das terras é associado por Smith a
diferentes produtos; no caso, cereais e gado. Smith pretende (ver parágrafo seguinte)
examinar a diferença de preços relativos entre os dois produtos, grãos e carne, nos
diversos períodos. A evolução dos preços relativos nos diversos períodos é o fio
condutor da apresentação da renda da terra de Smith. Os cereais ocupam uma posição
especial nesse relato porque estão, como se viu (capítulo VIII), claramente associados à
subsistência humana e aos salários. (N.R.T.)
173. Antonio de Ulloa (1716-1795) foi militar da marinha espanhola, escritor,
explorador, astrônomo e cientista. Entre 1736 e 1744, participou da missão geodésica
francesa ao Equador, uma missão científica para mensurar o equador terrestre. Em 1758
foi governador de Huancavelica, no Peru. Huancavelica possuía minas de mercúrio,
elemento que permitiu a produção em larga escala da prata de Potosí. Ulloa foi o
primeiro governador espanhol da Louisiana, território cedido à Espanha pela França
após esta última ter sido derrotada pela Inglaterra na Guerra dos Sete Anos. Em 1748,
ele publicou em francês o relato de suas observações e descobertas durante a expedição.
O livro foi traduzido para o inglês em 1808 e recebeu o nome Voyages to South America
(Viagens à América do Sul). (N.T.)
174. As riquíssimas minas de Potosí ficam na região que os espanhóis chamavam de
Alto Peru, atual Bolívia. Foram descobertas em 1545. (N.T.)
175. A renda e o lucro dos cereais regulam a renda e o lucro das terras em geral; apenas,
porém, em iguais condições locacionais e sendo as terras igualmente aptas à produção
de cereais. (N.R.T.)
176. Life of Henry, Prince of Wales (London, 1760) foi escrito pelo historiador inglês
Thomas Birch (1705-1766), sobre Henrique Frederico Stuart, Príncipe de Gales
(1594-1612). (N.T.)
177. Um farthing equivale a 1/4 de penny. (N.T.)
178. Isto é, 144 libras. O padrão é conhecido por Winchester, pois era usado no
mercado da cidade de Winchester. O bushel de Winchester é definido como o volume de
64 libras de trigo, logo, 9/4 de bushel pesam 144 libras. (N.T.)
179. Esses preços estão tabelados no final do capítulo. (N.T.)
180. Neste caso, Smith presume que o proprietário faça despesas para a melhoria da
terra. Maior renda passa a ser devida a ele; porém, no sentido estrito, essa parcela da
renda (que excede a que ele receberia caso não houvesse adiantamentos em melhorias
da terra) é lucro do capital aplicado pelo proprietário. De todo modo, a situação em que
o proprietário efetua investimentos na melhoria de sua terra, e é remunerado por isso, é
considerada com frequência por Smith. (N.R.T.)
181. Demócrito (460 a.C.-370 a.C.). (N.T.)
182. Columela, De Re Rustica, XI, p. 3. Columela era o apelido de Lúcio Júnio Moderato
(4-70), escritor romano de tratados sobre agronomia. (N.T.)
183. De Re Rustica. (N.T.)
184. Os vinhedos produtores de vinhos especiais foram exemplos frequentemente
utilizados pelos economistas para representar terras de oferta muito restrita; nas quais,
portanto, a demanda por um produto de qualidade excepcional excederá largamente a
oferta. Teremos, então, altos preços do produto e elevada renda da terra. Esse é um caso
extremo de renda diferencial ou de renda da escassez. (N.R.T.)
185. Antiga colônia francesa localizada no atual sul do Vietnã. (N.T.)
186. Pierre Poivre (1719-1786) foi um horticultor e botânico francês, autor do livro
Voyages d’un Philosophe (Viagens de um filósofo), de 1769. (N.T.)
187. William Douglass (c. 1691-1752) foi um médico escocês. Viveu em Boston, nos
Estados Unidos, a partir de 1716. Escreveu panfletos polêmicos sobre medicina,
economia e política. Dentre eles, publicou, em 1748, A Summary, Historical and
Political, of the First Planting, Progressive Improvements and Present State of the British
Settlements in North America (Um resumo histórico e político sobre os primeiros
plantios, avanços progressivos e estado atual das colônias inglesas da América do
Norte). (N.T.)
188. Açúcar e tabaco são dois importantes produtos coloniais beneficiados por
proteções especiais que ensejam preço de monopólio ou por regimes tributários
específicos. Qualquer comparação com produções não protegidas ou submetidas a
tributação especial — como é o caso dos cereais — é complexa. Smith voltará a tratar
dos produtos coloniais, em particular no Livro IV. (N.R.T.)
189. Equipage, em inglês, é um termo que indica coisas como carruagem, cavalos,
uniforme dos empregados, faqueiros chiques, etc. (N.T.)
190.
O carvão mineral é um produto natural especial por duas razões: elevado custo de
transporte, uma vez que a quantidade utilizada é muito grande; e possibilidade de
substituição em diversos usos por madeira ou carvão vegetal. O interessante nesta
passagem é que Smith a seguir faz comparações com outros produtos minerais e,
finalmente, com ouro e prata, os dois metais que formam a base dos sistemas
monetários da época. Abre-se uma discussão sobre renda das minas de ouro e de prata e
sobre diversos temas monetários. O capítulo XI, portanto, contém passagens essenciais
para o entendimento da abordagem monetária de Smith. (N.R.T.)
191. William Borlace (1696-1772) foi antiquário, geólogo e naturalista. Segundo nota
da edição de Cannan de A riqueza das nações, a citação foi retirada do livro Natural
History of Cornwall (A história natural da Cornualha). Oxford, 1758, p. 175. A Edição
Glasgow, também em nota, transcreve o trecho: “Após ser retirado da mina, o minério
de estanho é dividido entre todos os senhores e empreendedores envolvidos no negócio.
O senhor geralmente fica com um sexto livre de custos, mas, para preservar a mina e
incentivar os empreendedores, ele muitas vezes se contenta com um oitavo; às vezes,
com um décimo”. (N.T.)
192. Amédée-François Frézier (1682-1773) foi explorador, navegador, engenheiro e
botânico francês. Após suas viagens de reconhecimento à América do Sul, ele publicou
Relation du voyage de la mer du Sud (Uma viagem ao mar do sul). Paris, 1714. Seu livro
foi traduzido para o inglês em 1717; para o holandês e alemão, em 1718. (N.T.)
193. Ver nota 173. (N.T.)
194. O sistema está descrito em Borlase, Natural History of Cornwall (História natural
da Cornualha), p. 167, 175. (Nota das edições de Cannan e Glasgow). (N.T.)
195. Uma vez que o preço de ouro e prata é muito influenciado por sua demanda,
Smith propõe-se a discutir os dois elementos essenciais desta demanda: a utilização
destes metais em objetos de adorno ou em utensílios; sua utilização como moeda. De
todo modo, ouro e prata são mercadorias ordinárias, no sentido de que seu valor é
determinado como o de qualquer outra mercadoria. Smith lança argumentos para a
crítica do “sistema mercantil”, cujos adeptos — em seu entendimento — identificam
ouro e prata com riqueza. O capítulo XI, deste modo, é um momento especial da crítica
ao “sistema mercantil”, a ser desenvolvida no Livro IV. (N.R.T.)
196. Jean-Baptiste Tavernier (1605-1689) foi um mercador francês. Entre 1630 e 1668,
viajou seis vezes para a Pérsia e para a Índia. Publicou Les six voyages de Jean Baptiste
Tavernier (As seis viagens de Jean Baptiste Tavernier, Paris, 1675). No entanto, segundo
nota das edições de Cannan e Glasgow, o livro não parece conter o que Smith sugere; na
verdade Tavernier conta que algumas minas foram fechadas pois seus donos estavam
cometendo fraude para obter lucros. (N.T.)
197. Golconda é uma cidade e fortaleza indiana situada no estado de Andhra Pradesh.
A cidade era famosa por seu comércio de diamantes. Visapur situa-se no estado de
Maharashtra. (N.T.)
198. Smith introduz aqui a questão da oferta de metais (ouro e prata), a qual depende
da fertilidade das minas. Em certas situações, ouro e prata tiveram seu valor elevado por
esgotamento das minas; em outras (a partir do século XVI), a multiplicação da oferta
rebaixou o valor relativo dos metais e, portanto, elevou o preço nominal das diversas
mercadorias. O assunto é recorrentemente tratado por Smith. (N.R.T.)
199. O preço do grão é o tema quase exclusivo deste “Primeiro período”; Smith utiliza
como referência a prata e, portanto, leva em consideração oscilações na oferta de prata.
Observe neste primeiro parágrafo (e nos demais) que Smith, para efeito de comparações
temporais, equipara os preços dos grãos a pesos constantes de prata — um critério de
“preço em dinheiro” que havia sido explicitado no parágrafo final do capítulo V. (N.R.T.)
200. A Abadia de Santo Agostinho na Cantuária ou, em inglês, Canterbury fica no
condado de Kent, no sudeste da Inglaterra. A abadia foi fundada em 598 e funcionou
como monastério até sua dissolução, em 1538, durante a Reforma inglesa. Ralph de
Born (ou Bourn) foi eleito abade em 7 de março de 1309. Edward Hasted, “The abbey of
St. Augustine: Abbots”. In: The History and Topographical Survey of the County of Kent,
vol. 12. Canterbury, 1801, p. 177-225. Disponível em: British History Online,
http://www.british-history.ac.uk/survey-kent/vol12/pp177–225. Acesso em: 8 ago. 2018.
(N.T.)
201. William Thorn foi um historiador beneditino do século XIV. Escreveu a história da
abadia desde sua fundação até 1397. Disponível em:
https://en.wikisource.org/wiki/Thorne,_William_(fl.1397)_(DNB00). Acesso em: 8 ago.
2018. (N.T.)
202. The Assize of Bread and Ale, em inglês. (N.T.)
203. Título original do livro de contas: The Regulations and Establishment of the
Household of Henry Algernon Percy, the fifth Earl of Northumberland, at his castles of
Wresill and Lekinfield in Yorkshire, begun anno domini MDXII. (N.T.)
204. 15 Henry VI, c.2 (1436). (N.T.)
205. 3 Edward IV, c.2 (1463). (N.T.)
206. 1 e 2 Philip and Mary, c.5 (1554). (N.T.)
207. 1 Elizabeth I, c.2 (1558). (N.T.)
208. 5 Elizabeth, c.5 (1562). (N.T.)
209. Nicolas-François Dupré de Saint-Maur (1695-1774) foi um economista e
estatístico francês. Segundo a nota de rodapé da edição Cannan, nem o livro Recherches
sur la valeur des monnaies et sur le prix des grains avant et après le concile de Francfort
(Pesquisa sobre o valor dos preços das moedas e dos grãos antes e depois do Concílio de
Frankfurt), 1762, nem o Essai sur les monnaies ou réflexions sur le rapport entre l’argent
et les denrées (Ensaio sobre as moedas ou reflexões sobre a relação entre dinheiro e
gêneros alimentícios), 1746, possuem qualquer justificativa para essa referência. (N.T.)
210. Durante as Guerras da Gália, Júlio César invadiu duas vezes o sudeste (condado de
Kent) da Inglaterra, a primeira em 55 a.C. e a segunda em 54 a.C. As minas de prata de
Potosí, no Alto Peru (atual Bolívia), foram descobertas em 1545. (N.T.)
211. Atribuir a redução do valor da prata ao aumento de sua quantidade sem levar em
conta o maior uso de prata (e o aumento de sua demanda) é um equívoco que Smith
acredita perdurar nos adeptos do “sistema mercantil”. Ao longo deste capítulo e também
no Livro IV, Smith insistirá no uso alargado dos metais com o progresso e, assim, no
constante reequilíbrio de oferta e demanda. (N.R.T.)
212. Public fiars, ver nota 100. (N.T.)
213. William Fleetwood (1656-1723) foi pastor, bispo de St. Asaph e bispo de Ely. Em
seu livro Chronicon Preciosum, de 1707, construiu um dos primeiros índices de preços.
Título original do livro: Chronicon Preciosum: or An Account of English Money, the Price
of Corn and Other Commodities, for the Last 600 Years (Um relato sobre o dinheiro
inglês, o preço dos cereais e outros bens nos últimos 600 anos). (N.T.)
214. Owen Ruffhead (1723-1769) começou, em 1762, a publicar os estatutos da cora
desde a Magna Carta até 1763. Disponível em:
https://en.wikisource.org/wiki/The_Statutes_at_Large_(Ruffhead). Acesso em: 8 ago.
2018. (N.T.)
215. Ver seu “Prefácio” ao livro Diplomata Scotiae, de Anderson. (N.A.)
Thomas Ruddiman (1674-1757) foi acadêmico escocês, e James Anderson (1662-1728),
historiador e antiquário do mesmo país. (N.T.)
216. John Byron (1723-1786), político e oficial da marinha real, publicou, em 1780,
Narrative of the Hon. John Byron, Containing an Account of the Great Distresses Suffered
by himself and his Companions on the Coast of Patagonia, from the Year 1740, till their
Arrival in England, 1746 (Narrativa do honrável John Byron, contendo os relatos dos
grandes perigos que ele e seus companheiros enfrentaram na costa da Patagônia em
1740 até a chegada à Inglaterra em 1746). Londres, 1780. (N.T.)
217. Quantidades de cereais representam quantidades de trabalho. Os cereais são a base
da subsistência, e, por isso, indicam pessoas (ou trabalho) com certa invariabilidade.
Temos aqui uma das bases para uma teoria do valor — a de Smith — que é de certo
modo tripla, no sentido de estar identificada com três elementos: dinheiro (medida de
valor), trabalho (medida de valor) e cereais (medida de trabalho e, portanto, de valor).
(N.R.T.)
218. Esta “ideia popular” equivocada é partilhada pelos adeptos do “sistema mercantil”,
como se verá. (N.R.T.)
219. Smith trata no segundo e no terceiro períodos de um fenômeno de impacto
extraordinário: a desmedida expansão da oferta de ouro e prata no mundo em função
da descoberta da América. O fenômeno resultou em uma elevação geral de preços na
Europa, assim como, na visão de Smith, na decadência dos países detentores das minas,
Espanha e Portugal. Esse era um tema recorrente para os economistas dos séculos XVII
e XVIII e será explorado profusamente por Smith. (N.R.T.)
220. Lowndes, Essay on the Silver Coin, p. 68. (N.A.)
William Lowndes (1652-1724) foi secretário do tesouro durante os reinados de
Guilherme III e de Ana. Durante o ano de 1695, escreveu seu A Report Containing an
Essay for the Amendment of the Silver Coins (Relato contendo um ensaio sobre a
recunhagem das moedas de prata). (N.T.)
221. Smith se refere aqui a dois fenômenos: a crise monetária dos anos 1690,
caracterizada por uma extrema deterioração das moedas de prata; e a possibilidade ou
não (facultada pela legislação) de saldar compromissos com moedas de ouro e prata,
apesar de a prata ser o padrão monetário inglês. (N.R.T.)
222. Gregory King, State and Condition of England (O estado e a condição da
Inglaterra), 1688. (N.T.)
223. Senhor Messance, ver nota 108; senhor Dupré, ver nota 209. (N.T.)
224. Ver Tracts on the Corn Trade, Tract 3d. (N.A.)
Smith, C. (1733-1777), Three Tracts on the Trade and Corn Laws (Três tratados sobre o
comércio de cereais e suas leis). London, 1766. (N.T.)
225. Smith se refere a um fenômeno que chamava a atenção dos europeus e reorganizou
o comércio internacional da Inglaterra e de outros países: o elevado preço da prata nos
mercados orientais (em comparação com o preço em vigor na Europa) e, portanto, a
constante drenagem de prata para o Oriente. O tema volta a ser considerado no
próximo segmento do capítulo XI e também no Livro IV. (N.R.T.)
226. Suplemento ao Universal Merchant, p. 15-16. O posfácio foi impresso apenas em
1756, três anos após a publicação do livro, o qual nunca teve uma segunda edição. Dessa
forma o posfácio só pode ser encontrado em algumas poucas cópias. O documento
corrige vários erros do livro. (N.A.)
Publicado em 1753, livro de Nicolau Magens — ou Magen — e chamado por Adam
Smith de Meggens. Magens foi um comerciante alemão que viveu por muitos anos em
Londres. A título de curiosidade, a Blackwell’s possui uma cópia. (N.T.)
227. Livro de Guillaume Thomas François Raynal (1713-1796). Escritor e homem de
letras durante o Iluminismo, escreveu L’Histoire philosophique et politique des
établissements et du commerce des Européens dans les deux Indes (História filosófica e
política do estabelecimento e do comércio dos europeus nas duas Índias), 1770. (N.T.)
228. Galinholas são aves da espécie Scolopax rusticola encontradas na Europa e na Ásia.
(N.T.)
229. Unidade de medida equivalente a aproximadamente um peck ou 9 litros. (N.T.)
230. Lib. X, c. 29. (N.T). Plínio, História Natural, Livro X, c. 29. (N.A.)
231. Lib. IX, c. 17. (N.T.). Plínio, História Natural, Livro IX, c. 17. (N.A.)
232. Kalm’s Travels, vol. I., p. 343-344. (N.A.)
Peter Kalm (1716-1779) foi um explorador finlandês. Seu livro As viagens de Peter Kalm
na América do Norte foi traduzido para o inglês em 1770. (N.T.)
233. Marco Terêncio Varrão (116 a.C.-27 a.C.), filósofo e antiquário romano. Escreveu
o livro Das coisas do campo (De Re Rustica). (N.T.)
234. Ver nota 182. (N.T.)
235. Ave da espécie Emberiza hortulana. (N.T.)
236. Indian corn, em inglês, é o milho do tipo Zea mays indurata, também conhecido
como milho indurato ou milho “flint”. (N.T.)
237. Este é o trigo da espécie Fagopyrum esculentum. (N.T.)
238.
Georges-Louis Leclerc (1707-1788), Conde de Buffon, foi enciclopedista francês e
escreveu Histoire naturelle, générale et particulière, avec la description du Cabinet du Roi
(História natural, geral e particular, com a descrição do gabinete do rei). (N.T.)
239. Ver nota 131. (N.T.)
240. Buttermilk, em inglês. O leitelho ou leite de manteiga é o soro do leite coalhado,
sobra do processo de fabricação da manteiga. (N.T.)
241. David Hume (1711-1776) foi um filósofo escocês. A referência encontra-se em sua
History of England (História da Inglaterra), 1778, vol. 1, p. 226. (N.T.)
242. Public fiars, ver nota 100. (N.T.)
243. Milho e milho flint, em inglês, maize e Indian corn, respectivamente. (N.T.)
244. Em inglês, a broad yard (1 jarda vale cerca de 90 cm) significa que, ao comprar
uma jarda de tecido, a pessoa compra uma jarda multiplicada pela largura em polegadas
desse mesmo tecido. (N.T.)
245. Hose e stockings, traduzidos, respectivamente, como calças justas e meias. As hosen
(plural de hose) foram utilizadas desde a Idade Média, eram similares às atuais meias-
calças, mas eram grossas e utilizadas como vestimentas para as pernas. Essas “calças
justas” foram, então, divididas em duas partes, uma superior, os culotes (breeches, em
inglês, calças que vão até os joelhos), e a outra inferior, as meias (stockings). (N.T.)
246. Um tecido é produzido pelo cruzamento e entrelaçamento de duas séries de fios:
uma série longitudinal (a teia) e a outra transversal (a trama). (N.T.)
247. Máquina para pisoar (bater) o pano. (N.T.)
248. A saber, tonnage e poundage. A primeira medida baseava-se no barril de vinho
chamado de tun (aproximadamente 1.016 quilos). A segunda baseava-se na libra-peso
das mercadorias. (N.T.)
249. O aumento da renda da terra com o progresso é uma conclusão que leva Smith a
fazer ponderações sobre a (feliz) sorte da classe dos proprietários fundiários. Os lucros,
pelo contrário, tendem a ser espremidos pelo progresso, pela expansão da concorrência.
A supressão da concorrência via monopólios eleva os lucros apenas da classe de
capitalistas cujos negócios estiverem nos ramos favorecidos, em detrimento de toda a
população e dos demais capitalistas. (N.R.T.)
250. A distinção de caráter econômico entre trabalhadores (salários), proprietários
(renda) e capitalistas (lucros) leva Smith ao estabelecimento da curiosa distinção
política, que associa os interesses dos trabalhadores e proprietários ao progresso da
sociedade, e leva os capitalistas à busca de proteção do Estado e até mesmo a oprimir o
público. (N.R.T.)
251. Stock, em inglês, significa estoque, fundo, capital; é a riqueza acumulada nas mãos
dos indivíduos. Capital (capital, dinheiro) é a parcela do stock empregado para a
obtenção de rendimento, não para consumo imediato. (N.T.)
252. Há dois ângulos para percepção do(s) problema(s) a que Smith se refere. O
primeiro é o capital geral da sociedade, visto como a soma do capital de seus membros.
O outro é a transferência de renda já existente versus a criação de rendimentos. O
aluguel de um imóvel ou bem de consumo familiar significa transferência de renda de
uma família a outra, sem criação de renda (e, portanto, sem acréscimo ao rendimento
nacional). Acredito que a visão de Smith sobre criação ou transferência de renda ficará
mais clara no capítulo III do Livro II, sobre consumo produtivo e improdutivo. (N.R.T.)
253. O fato de a capacitação ou educação profissional ter um custo e dever se traduzir
em diferenciais de salários é um problema já abordado nos capítulos sobre salários e
diferenciais de salários (VII e X, Livro I). No Livro II, Smith aborda o problema sob
outro ângulo: o do acréscimo do estoque de capital — um capital intelectual — do
adquirente, algo que tem custo, mas potencializa o trabalho e concede acesso a maiores
rendimentos. (N.R.T.)
254 A outra parte do capital circulante — dinheiro — receberá um tratamento especial
de Smith no capítulo II. (N.R.T.)
255. Para Smith, o consumo é a finalidade da produção, e a riqueza da sociedade pode
ser traduzida nos bens de consumo produzidos e disponíveis. O consumo como
finalidade da produção é uma perspectiva repetida na obra em contextos diversos.
(N.R.T.)
256. É o predomínio dos lucros futuros sobre o consumo presente, ou a renúncia ao
consumo presente, que induz o capitalista a acumular capital. A parcimônia explica o
comportamento poupador dos detentores de capital. Smith virá a desenvolver o
paradoxo frugalidade versus compulsão ao consumo imediato em inúmeras situações.
(N.R.T.)
257. Smith exclui o dinheiro dos rendimentos da sociedade e acredita que o custo de
manutenção do dinheiro — falamos de dinheiro metálico — é subtraído do rendimento
líquido. Economizar dinheiro (metálico), portanto, é um meio de reduzir a subtração ao
rendimento líquido da sociedade. Como se verá adiante, é desse modo que Smith se
aproxima do dinheiro não metálico: como um meio de economizar despesas de
manutenção do capital circulante da sociedade. (N.R.T.)
258. Worth, em inglês, faz referência aos benefícios, qualidade, crédito ou
possibilidades do dinheiro. (N.T.)
259. Smith quer se referir ao fato de que, considerando que existem em circulação
dinheiro e mercadorias, e na medida em que todas as mercadorias são transacionadas
por dinheiro, não podemos considerar riqueza, ou rendimento, a soma de ambos —
mercadorias e dinheiro. E as mercadorias transmitem uma ideia mais adequada de
riqueza. Vai aqui uma crítica àqueles que consideram dinheiro a expressão por
excelência da riqueza, assim como uma advertência a não somarmos (como riqueza ou
rendimentos) o valor das mercadorias e do dinheiro por meio das quais são
transacionadas. (N.R.T.)
260. Smith expressa o fato de que as moedas em circulação efetuam diversas transações
por unidade de tempo — o ano, digamos. A quantidade total de dinheiro em circulação,
portanto, é necessariamente menor do que o valor total dos bens circulados em
determinado período de tempo. A estimativa da quantidade ideal de dinheiro em
circulação foi objeto da atenção de diversos economistas — Petty, Locke, Cantillon — e
Smith irá se referir a seus esforços. (N.R.T.)
261. Os rendimentos são, por definição, aquilo que hoje denominamos uma variável de
fluxo, estabelecida em determinado intervalo de tempo; enquanto o montante total
de dinheiro (moedas metálicas) em circulação representa uma variável de estoque.
(N.R.T.)
262. Por “nota promissória de um banco” Smith se refere aos bilhetes (moeda-papel)
emitidos por esse banco e que circulam como moeda. Na Escócia (como na Inglaterra),
o papel-moeda em circulação era emitido por bancos privados. Outros títulos privados,
como letras de câmbio, também poderiam circular, mas Smith dá destaque em sua
apresentação do papel-moeda às notas bancárias. (N.R.T.)
263. Na Inglaterra, como na maior parte dos países, o papel-moeda podia ser trocado a
qualquer momento nos bancos emissores por moedas de ouro ou prata no mesmo valor.
Por outro lado, a partir dos depósitos (em metal) dos clientes, os bancos emitem crédito
em valor superior aos depósitos por saber que a cada momento apenas uma parte das
notas emitidas como crédito voltará ao banco emissor para ser trocada por metal. Com
isso, naturalmente, o total de crédito (e de notas em circulação) pode ser muito superior
ao estoque metálico depositado e mantido em reserva nos bancos. A isso se chama de
um “sistema bancário de reserva fracionária”. (N.R.T.)
264. Para o autor, a quantidade (valor e preço) das mercadorias em circulação
determina a qualquer momento a quantidade de meio circulante. Se parte do meio
circulante for constituída por moeda-papel, a moeda metálica refluirá da circulação. O
preenchimento da circulação com papel-moeda, a quantidade total de meio circulante
(papel e moedas metálicas) e o refluxo das moedas metálicas são os temas em discussão.
(N.R.T.)
265. Nas transações internacionais — compra de mercadorias, empréstimos,
pagamentos —, o papel-moeda de um país não é capaz de liquidar compromissos em
outros. É necessário que se expresse, ou se transforme, em meios de pagamentos
metálicos, ouro em particular. Por essa razão, costumava-se dizer que o ouro era a
“moeda internacional”. Falta introduzir, para considerarmos o fluxo de meios de
pagamento de um país a outro, a taxa de câmbio ou a relação de troca entre moeda de
um país e de outro. A taxa de câmbio é no momento deixada de lado, mas Smith tratará
dela adiante. (N.R.T.)
266. A prevalência da prudência sobre o desperdício, ou da poupança sobre o
desbaratamento do capital visando ao usufruto imediato, é uma característica das
sociedades mercantis. Os trabalhadores são frugais por necessidade, os capitalistas, por
ambição de ganhos futuros. Os grandes proprietários fundiários quase nunca são
frugais. É a frugalidade dos capitalistas que garante a continuidade do processo de
acumulação e o progresso do país. (N.R.T.)
267. Ver o “Prefácio” de Ruddiman ao livro Diplomata Scotiae de Anderson. (N.A.)
Thomas Ruddiman (1674-1757) foi um acadêmico escocês, e James Anderson (1662-
1728), um historiador e antiquário escocês. (N.T.)
268. Smith se refere aqui ao crédito concedido a comerciantes e empresários,
geralmente na forma de desconto de letras de câmbio, ou seja, de adiantamento de seu
valor em relação à data de vencimento, com os juros devidos. (N.R.T.)
269. Aqui o autor se refere a uma forma de empréstimo bancário em uso na Escócia,
por meio de cash accounts e sem envolver o desconto de letras mercantis usuais.
(N.R.T.)
270. “O valor total do papel-moeda que pode circular facilmente em um país não pode
exceder o dos metais que circulariam se todas as moedas fossem metálicas”: essa é uma
espécie de máxima de Smith para propor a quantidade máxima de crédito que se pode
emitir com segurança. Acima disso, surgiriam dúvidas quanto à possibilidade de
converter os papéis em metal e a corrida aos bancos seria inevitável. Em princípio,
portanto, havendo conversibilidade, a circulação (e o crédito) deveria se autocontrolar, o
que nem sempre ocorre. Há possibilidade de crises bancárias, e Smith adiantará
algumas hipóteses a respeito logo adiante. (N.R.T.)
271. Nesta ilustração que envolve as atividades do Banco da Inglaterra, Smith lança
uma outra questão, que é o prejuízo obtido por quem busca moedas na Casa da Moeda
(converte ouro e prata em moeda), a despeito de na Inglaterra não haver na ocasião
cobrança de taxa de cunhagem. Como o Banco da Inglaterra era obrigado a trocar as
notas por ele emitidas por moedas, recorria ao mercado de venda de metais, nos quais
pagava (devido ao desgaste das moedas) um preço pelo quilo de ouro e prata acima do
valor das moedas. As moedas eram aceitas com desconto — ou, o que é semelhante, o
lingote valia mais que o metal amoedado. (N.R.T.)
272. Clipping, em inglês, é uma palavra muito utilizada para se referir a “tirar lascas” da
moeda. O análogo em português seria “cerceadura” ou “cerceio”, palavra que caiu em
desuso. (N.R.T.)
273. Ao examinar os efeitos do crédito excessivo, Smith introduz um problema
adicional, que é a recorrente falta de moedas metálicas, em decorrência de as moedas
em bom estado (com peso completo) serem vendidas a peso de metal, permanecendo
em circulação apenas moedas desgastadas. O derretimento e a evasão de moedas eram
atividades ilegais, mas, mesmo assim, praticadas. A Casa da Moeda trabalhava
incessantemente e, não obstante, os bancos (principalmente o Banco da Inglaterra)
tinham que comprar metal a preço elevado para levá-lo à cunhagem, com prejuízos
recorrentes. (N.R.T.)
274. Smith introduz uma questão interessante, que é a existência de assimetria de
informações entre banqueiros e clientes. Os bancos negociam com uma tal quantidade
de clientes que não podem conhecer o estado efetivo de seus negócios ou a solvência de
seus projetos. Para contornar a falta de conhecimento completo da situação dos clientes,
sugere aos bancos regras de prudência. (N.R.T.)
275. Isto é, o sacado, normalmente o banco. (N.T.)
276. Emissor da ordem de pagamento. (N.T.)
277. Beneficiário, tomador. (N.T.)
278. O método descrito no texto não era de forma alguma nem o mais comum nem o
mais caro que esses aventureiros às vezes utilizavam para levantar dinheiro por meio da
circulação. Com frequência, a pessoa A de Edimburgo permitia que a pessoa B de
Londres pagasse a primeira letra de câmbio sacando, poucos dias antes de seu
vencimento, uma segunda letra, com vencimento para três meses depois, contra a
mesma pessoa B de Londres. Sendo essa letra pagável à sua própria ordem, A a vendia
em Edimburgo com paridade de câmbio e com esse dinheiro comprava notas contra
Londres, pagáveis à vista e à ordem de B, ao qual as enviava pelo correio. No final da
última guerra, o câmbio entre Edimburgo e Londres costumava apresentar uma
defasagem de 3% contra Edimburgo, sendo esse o prêmio ou o ágio que esses títulos à
vista devem ter custado a A. A transação, que era repetida no mínimo quatro vezes por
ano e incluía custos de comissão de no mínimo 0,5% em cada operação, custava a A, no
mínimo, 14% ao ano. Em outras ocasiões, A permitia que B liberasse a primeira letra de
câmbio sacando, poucos dias antes do vencimento desta, uma segunda letra, com data
de vencimento para dois meses depois, a uma terceira pessoa (C, por exemplo) em
Londres. Essa outra letra era pagável à ordem de B; B a descontava em algum banco de
Londres após o aceite de C; e A permitia que C a liquidasse, sacando, alguns dias antes
do vencimento, uma terceira letra, também com vencimento para dois meses depois, às
vezes contra o seu primeiro correspondente B, às vezes contra uma quarta ou quinta
pessoa (D ou E), por exemplo. Essa terceira letra era pagável à ordem de C, o qual a
descontava da mesma forma em algum banco londrino logo após ter sido aceita. Essas
operações eram repetidas no mínimo seis vezes por ano, a comissão sobre cada
repetição era de no mínimo 0,5%, juntamente com os juros legais de 5%; esse modo de
levantar dinheiro, da mesma forma como o que está descrito no texto principal, deve ter
custado um pouco mais de 8% a A. No entanto, pelo fato de se economizar o câmbio
entre Edimburgo e Londres, esse método era um pouco menos caro do que o relatado
na primeira parte desta nota; nesse caso, porém, a pessoa deveria ter bom crédito em
mais de um estabelecimento em Londres, condição esta que muitos desses aventureiros
não tinham. (N.A)
279. John Law (1671-1729) escreveu Money and Trade Considered (Considerações
sobre dinheiro e comércio). Edinburgh, 1705. (N.T.)
280. Filipe II, Duque de Orleans (1674-1723), foi regente da França após a morte de
Luís XIV, em 1715. (N.T.)
281. Sistema ou Esquema do Mississippi foi uma bolha financeira causada por John
Law com consequências importantes para a futura Revolução Francesa de 1789-1799.
(N.T.)
282. Joseph Paris Duverney (ou du Verney) (1684-1770) publicou um livro cujo nome
correto é Examen du livre intitulé Réflexions politiques sur les finances et le commerce
(Análise do livro intitulado Reflexões políticas sobre as finanças e o comércio). La Haye,
1740. Réflexions politiques sur les finances et le commerce foi publicado em 1738; seu
autor é o economista francês Nicolas Dutot (1684-1741). (N.T.)
283. John Law foi um personagem emblemático, presente em todos os textos de
economia do século XVIII por haver atuado como ministro na França e, nessa condição,
liderado o que ficou conhecido como Sistema de Mississippi, um esquema de reforma
monetária executado na França em 1719 e 1720 e que redundou em fracasso. O Sistema
de Mississippi passou a ser visto como exemplo de manobra especulativa imprudente.
Smith se refere a Law tanto na condição de líder do Sistema de Mississippi como na de
proponente de um sistema bancário baseado em notas de crédito com garantias
hipotecárias, ou land banks. A versão mais bem fundamentada das propostas de land
banking, que circularam na Inglaterra com força entre 1650 e 1720, foi a de John Law
em Money and Trade Considered. (N.R.T.)
284. O Grande Selo do Reino é uma instituição britânica criada em 1066 pelo rei saxão
Eduardo, o Confessor. É um selo real que, quando aposto em documentos oficiais,
autoriza algo sem que haja a necessidade da assinatura do monarca. (N.T.)
285. Postlethwaite, J., History of the Public Revenue (História das receitas públicas), p.
301. (N.A.)
286. 7 Anne, c.30 (1708) em Statutes of the Realm (Estatutos do Reino), vol. IX, p. 113-
132, 7 Anne, c.7 na edição de Ruffhead. (N.T.)
287. 3 George I, c.8 (1716). (N.T.)
288. 8 George I, c.21. (N.T.)
289. 4 George III, c.25. (N.T.)
290. Como Smith descreve nestes parágrafos, o Banco da Inglaterra financiava o
governo inglês, assumindo as letras emitidas pelo governo e impulsionando sua
circulação. Apesar de ser um banco privado, sua associação ao governo (no que diz
respeito à dívida pública) fazia com que sua estabilidade — como conclui Smith — fosse
chancelada pelo governo inglês. O Banco da Inglaterra atuava também como
emprestador de última instância para os diversos bancos da Grã-Bretanha. (N.R.T.)
291. Como frequentemente repetido por Smith, o grande mérito da emissão de notas
bancárias seria possibilitar, pela retirada de metal da circulação, a conversão do valor
das moedas substituídas em capital posto a circular (e a produzir) pelos empresários. Ao
“economizar” ouro e prata, as notas bancárias convertem seu valor em capital “ativo e
produtivo”. (N.R.T.)
292. As regras de prudência aplicadas ao sistema bancário, como a restrição de emissão
de notas de valor determinado e sob certas condições, é um exemplo significativo de
como Smith admite, em certas condições, que a comunidade viole as “liberdades
naturais”; neste caso, em nome da proteção da segurança econômica da sociedade.
Outros casos de restrição à liberdade natural por atos governamentais serão
mencionados, em particular no Livro IV e no Livro V. (N.R.T.)
293. David Hume (1711-1776) foi filósofo escocês do empirismo britânico, juntamente
com John Locke e George Berkely. (N.T.)
294. Hume, grande amigo de Smith, era bastante cético em relação às virtudes do
papel-moeda. Sua opinião (à qual Smith se refere) está expressa no ensaio “Sobre o
Dinheiro”, dos Discursos Políticos. (N.R.T.)
295. 5 George III, c.49 (1765). (N.T.)
296. 15 George III, c.51 (1775). (N.T.)
297. William Douglas, British Settlements in North America (Assentamentos ingleses na
América do Norte). (N.T.)
298. 4 George III, c.34 (1764). (N.T.)
299. Note-se que, em seguida à sugestão de impedir a emissão de notas bancárias de
pequeno valor, uma manifesta violação da “liberdade natural”, Smith enaltece a
competição entre os bancos, o que requer a existência de muitos bancos. (N.R.T.)
300. Alguns autores franceses de muita erudição e conhecimento usam estes termos em
um sentido diferente. No último capítulo do Livro IV, mostrarei que o sentido utilizado
por eles é equivocado. (N.A.)
301. Smith tinha por objetivo, como ele próprio assinala na nota anterior, distinguir sua
noção de trabalho produtivo daquela dos fisiocratas. Enquanto, para os fisiocratas,
trabalho produtivo ou trabalho produtor de excedente era aquele realizado na
agricultura, Smith o expandia a outras atividades — a manufatureira, a comercial — a
realização de trabalho produtivo.
A concepção de Smith, embora inovadora e de múltiplas dimensões, aplica ao trabalho
produtivo uma ideia remota e duradoura em economia, que é a de durabilidade. O
trabalho produtivo “se manifesta em um objeto específico […] que perdura por algum
tempo após o fim do trabalho”. (N.R.T.)
302. Note-se que, para Smith, o trabalho dos prestadores de serviço — privados ou
governamentais — não é considerado produtivo porque seus efeitos não duram,
esvaem-se no ato da prestação. (N.R.T.)
303. É tal a importância atribuída por Smith ao trabalho produtivo ou à proporção
entre trabalhadores produtivos e improdutivos que, na própria Introdução da obra
(terceiro parágrafo), ele adianta que a riqueza da nação depende da produtividade do
trabalho e da relação entre trabalhadores empregados e não empregados em trabalhos
“úteis” ou produtivos. (N.R.T.)
304. Na medida em que os proprietários de terra representam a classe mais propensa a
dispender seus rendimentos contratando trabalhadores improdutivos, Smith passa a
analisar a proporção do produto que pode ser destinada ao pagamento de renda da terra
em diversas épocas. (N.R.T.)
305. Tenants at will, em inglês. No arrendamento a título precário, o proprietário da
terra arrendada tem a opção de desfazer o acordo no momento em que quiser (at will).
(N.T.)
306. Em vez de pagar o senhor feudal em serviços, paga-se este imposto chamado
quitrent. Podemos traduzi-lo imperfeitamente por censo ou foro. (N.T.)
307. O relato de Smith sobre as condições em que predomina o trabalho produtivo
representa um elogio às sociedades mercantis. Nelas, não apenas o excedente é elevado,
mas tende a ser aplicado produtivamente, o que não tende a acontecer em uma
sociedade rural pré-mercantil. O contraponto entre sociedades rurais e urbano-
mercantis será desenvolvido no Livro III. (N.R.T.)
308. Dado o caráter virtuoso da parcimônia e sua relação com a acumulação, resta
esclarecer por que razão o capitalista tende a ser parcimonioso, e não a despender sua
renda em consumo faustoso, uma vez tendo acumulado certo volume de capital. No que
segue, Smith explora a distinção entre frugalidade e prodigalidade e avança em uma
explicação para o predomínio da primeira. (N.R.T.)
309. Mortmains ou mãos-mortas. (N.T.)
310. Smith está pavimentando o caminho para o ataque concentrado aos cultores do
“sistema mercantil”, que identificam prosperidade (e riqueza) à abundância de
metais preciosos. Para Smith, enquanto os defensores do “sistema mercantil” sustentam
que o único meio de o país acumular metais é a obtenção de superávits na balança
comercial, ouro e prata, sendo mercadorias como quaisquer outras, sempre podem ser
obtidas por quem se dispuser a “pagar o preço”. O tema será desenvolvido no Livro IV.
(N.R.T.)
311. O desejo de “melhorar nossa condição” (bettering our condition), que é inerente ao
homem, é o que explica, afinal, o predomínio da frugalidade. (N.R.T.)
312. Carlos II da Inglaterra (1630-1685). (N.T.)
313. A restauração da monarquia inglesa foi iniciada em 1660 com Carlos II da
Inglaterra. (N.T.)
314. Isabel I (1533-1603) reinou entre 17 de novembro de 1558 e 24 de março de 1603.
(N.T.)
315. Guerra das Rosas ou Guerra das Duas Rosas. Lutas dinásticas pelo trono da
Inglaterra que duraram trinta anos (1455-1485). (N.T.)
316. Guilherme I, duque da Normandia, conquistou a Inglaterra em 1066. (N.T.)
317. Heptarquia é o nome dado ao período da história (500-850) da Inglaterra em que
o território se dividia em sete reinos. O período tem início com a conquista dos anglo-
saxões e termina com a chegada dos vikings. (N.T.)
318. Júlio César (100 a.C.-44 a.C.) invadiu a Inglaterra em 55 a.C. e 54 a.C. (N.T.)
319. Em diversas passagens o autor manifesta sua objeção à ideia de que o homem de
Estado (statesman) possa saber o que favorece os negócios e o país para orientar a
política econômica nessa direção. Nestas passagens específicas, a objeção a “reis e
ministros” é ainda mais crua, já que eles são vistos como esbanjadores. (N.R.T.)
320. Nos exemplos citados, mais um dos aspectos benéficos da durabilidade dos
objetos. A opulência em duráveis acaba, com o passar do tempo, a oferecer às classes
inferiores o acesso a bens que representaram, em outra ocasião, opulência. (N.R.T.)
321. Stowe House e Wilton House são palácios localizados respectivamente nas cidades
de Stowe e Wilton. (N.T.)
322. A expressão monied interest denota o interesse daqueles que têm o dinheiro como
a parte mais expressiva de sua riqueza. Em geral, contrasta com o landed interest, que
identifica os grandes proprietários de terra. Para Hume, como para Smith, a sociedade
inglesa moderna se caracteriza pela ascensão do monied interest sobre o landed interest.
(N.R.T.)
323. A exemplo do que foi visto no capítulo II, o mesmo dinheiro (moeda metálica ou
papel-moeda) pode cumprir várias operações em certo intervalo de tempo. O total de
empréstimos a ser concedido por certa quantia de dinheiro, a qual circula de uma
operação a outra, não é limitado pelo montante físico de moeda em mãos dos
envolvidos nas operações. (N.R.T.)
324. A concorrência e a abundância de capitais diminuem os lucros, na visão de Smith;
e não apenas pela elevação dos salários devido à pressão no mercado de trabalho. Por
outro lado, à medida que os lucros caem, menores são os juros que podem ser pagos
pelo capital. No limite, quem toma dinheiro emprestado para aplicar em algum negócio
tem que pagar os juros do empréstimo e ficar com um resíduo, a partir dos lucros
obtidos. (N.R.T.)
325. Ver Locke, J. (1632-1704), “Some Considerations of the Consequences of the
Lowering of Interest and the Raising the Value of Money” (Algumas considerações
sobre as consequências da redução do juro e do aumento do valor do dinheiro). Works,
vol. 47; John Law, J. (1671-1729), Money and Trade Considered (Considerações sobre
dinheiro e comércio). Edinburgh, 1705, p. 71-72; Montesquieu (1689-1755), O espírito
das leis, XXII, VI, 1748. (N.T.)
326. Hume, D. (1711-1776), “Of Interest”, Essays Moral, Political, and Literary (“Sobre os
juros” em Ensaios morais, políticos e literários), diz que os preços estão quatro vezes
mais altos desde a descoberta das Índias, mas que os juros não caíram nem pela metade,
e que, por isso, os juros não estavam atrelados à quantidade de ouro e prata. Segundo
ele, os juros altos derivam de três circunstâncias: (1) uma grande demanda por
empréstimos, (2) pouco dinheiro para suprir tal demanda e (3) grandes lucros
comerciais. Segundo Hume, essas circunstâncias não indicam uma escassez de metais
preciosos, mas um progresso lento do comércio e do trabalho. (N.T.)
327. Por doutrina da balança comercial, com suas especulações absurdas, Smith entende
os defensores do “sistema mercantil”, que virão a ser atacados no Livro IV. (N.R.T.)
328. A “ordem das coisas” ditada pelas “inclinações naturais dos seres humanos” é a
precedência do pleno desenvolvimento da agricultura sobre a manufatura e o comércio.
As “instituições humanas” alteram a “ordem das coisas”. Smith analisará no Livro III
como a “ordem das coisas” foi alterada no caso específico de alguns territórios da
Europa Ocidental, em especial a Inglaterra. (N.R.T.)
329. O surgimento das cidades, ou ao menos a expansão das cidades antes do pleno
desenvolvimento dos campos, é um dos transtornos da ordem econômica natural mais
comentados por Smith. Convém notar que a precedência “natural” dos negócios rurais
também indica conveniência dos negócios: por diversas razões, o campo deveria
oferecer mais rendimento do que as atividades urbanas, em condições “naturais”. A
ordem de preferência dos negócios — agricultura, manufatura, comércio — é uma
questão decisiva para Smith. (N.R.T.)
330. A subversão da “ordem natural” é um episódio histórico particular; portanto,
referido a condições específicas de desenvolvimento de países ou regiões. Smith vai se
deter no caso da Europa Ocidental, em particular no da Inglaterra, examinando o que
sucede na região após a queda do Império Romano. Em resumo, acidentes históricos,
específicos por definição, explicam a alteração da ordem agricultura-manufatura-
comércio. (N.R.T.)
331. Entails, em inglês, é a vinculação dos bens a certos empregos fixos, de acordo com
a ordem sucessória disposta pelo criador do vínculo, para que estes bens permaneçam
como propriedade de certo grupo. (N.T.)
332. Sucessão hereditária é um tema retomado diversas vezes em A riqueza das nações.
Smith era favorável à dispersão das propriedades entre todos os filhos e diversas vezes
discutiu as razões e as consequências de não se haver adotado uma legislação inspirada
na romana em diversos países europeus. (N.R.T.)
333. Smith é contrário ao direito de primogenitura e associa essa contrariedade à sua
objeção à grande propriedade fundiária. Essa objeção, por sua vez, baseia-se em
argumentos econômicos — ela é ineficiente — e políticos — ela consagra “pequenos
reis”, “baronetes”, figuras com predisposição despótica. (N.T.R.)
334. Isto é, prataria, carruagem, cavalos, etc. (N.T.)
335. A relação entre os proprietários de terra e os que a ocupam e cultivam é um tema
essencial em A riqueza das nações. Para Smith, até a emergência de contratos de
arrendamento modernos, a relação entre os proprietários e as diversas modalidades de
“servos” (servants) era contrária à liberdade e ao bom desenvolvimento da agricultura.
(N.R.T.)
336. Esta é uma das passagens mais célebres de Smith sobre a escravidão. Para ele, o
trabalho escravo é sempre mais ineficiente do que o livre e, em consequência disso, o
mais caro. O que, em última análise, impede a eficiência do trabalhador escravo é a
impossibilidade de acesso a qualquer forma de propriedade. (N.R.T.)
337. O que explica a escravidão, dadas suas notórias ineficiência e inferioridade em
relação ao trabalho livre, é o “amor à dominação” inerente aos seres humanos. Smith
introduz aqui uma razão baseada nas características humanas para explicar a
persistência de uma relação social ineficiente. (N.R.T.)
338. Em francês, métayers, no texto de Smith (N.T.)
339. A eliminação de qualquer forma de servidão na terra é condição para o progresso
não apenas da agricultura, mas também das liberdades na sociedade de modo geral.
Smith adiante vai explicar o papel do comércio e das cidades na eliminação das relações
servis no campo. (N.R.T.)
340. Arrendatários steelbow. Steelbow era, na Escócia, um tipo de contrato em que o
proprietário fornecia capital, grãos e equipamentos ao arrendatário, que deveria
devolvê-los em quantidade equivalente. O vocábulo bow ou bou tem origem no antigo
nórdico bú, isto é, gado, fazenda. (N.T.)
341. Jeffrey Gilbert (1674-1726), primeiro-barão (isto é, juiz) do Tribunal do Tesouro
(Chief Baron of the Exchequer). Na ausência do tesoureiro ou primeiro-lorde do tesouro
e do chanceler do tesouro, era ele quem presidia e falava pelo tribunal da equity.
Common Law e equity: após a conquista Normanda, para que fosse estabelecida a
soberania do rei, foram formados tribunais itinerantes para a aplicação de uma lei
uniforme em todo o Estado. No século XIII, a autoridade real já havia estabelecido um
direito comum a toda a Inglaterra (common law). No início, as cortes eram órgãos
adjuntos do Conselho Régio (Curia Regis) e, com o passar do tempo, as cortes passaram
a ter existência autônoma na forma do Tribunal do Tesouro (Court of Exchequer), do
Tribunal de Litígios Comuns (Court of Common Pleas) e o Tribunal do Assento do Rei
(Court of King’s Bench).
No entanto, o formalismo excessivo desses tribunais acabava julgando os casos
concretos de forma injusta, o que resultou na necessidade de criar-se um remédio
contra as fraquezas do sistema do common law.
Assim, paralelamente à atuação desses três tribunais, foi necessária a criação de uma
jurisdição de equidade (conhecida como equity, em inglês). Os litigantes que não
conseguiam utilizar nenhum dos três tribunais do common law podiam apelar
“diretamente” ao rei. O apelo era feito ao lorde-chanceler que os filtrava e resolvia. A
jurisdição exercida pelo chanceler era vista como justa e equitativa. (N.T.)
342. Os fazendeiros (farmers) são os arrendatários modernos. Caracterizam-se pela
liberdade nas relações com os proprietários e pela detenção de certo capital. Smith
descreve a situação na moderna agricultura inglesa, mas segue nessa caracterização do
fazendeiro, o que havia sido proposto pelos fisiocratas, em especial Quesnay, e, antes
deles, por Cantillon. (N.R.T.)
343. Ação que permitia a transformação de uma vinculação (fee tail ou entail) em uma
propriedade absoluta (fee simple). (N.T.)
344. No direito inglês, writs são ordens escritas e formais publicadas por um órgão que
possua jurisdição judicial ou administrativa. O writ of right, o writ of entry e o writ of
ejectment são ordens do common law para que alguém obtenha a devolução da posse de
terras semelhantes à reintegração, à reivindicação da posse e à ordem de despejo. O writ
of right é emitido a quem tem o direito de propriedade contra quem tem o direito de
posse e ocupa a terra naquele momento. O writ of entry é o remédio utilizado para
retomar a posse da terra que foi ilegalmente tomada por outrem. Por fim, o writ of
ejectment é uma ordem de despejo. (N.T.)
345. O arrendamento moderno exige uma série de garantias legais. Smith descreve a
legislação inglesa de proteção ao arrendamento. (N.R.T.)
346. Acts of the Parliament of Scotland, II.35 (1449). (N.T.)
347. 10 George III, c.51 (1770). (N.T.)
348. Na França e na Inglaterra, tallage ou taillage era um tributo cobrado sobre o uso e
o arrendamento da terra. (N.T.)
349. Smith usa o vocábulo burgher, isto é burguês, ou morador de um burgo. (N.T.)
350. Tributação inadequada e existência de obrigações externas ao mero pagamento do
arrendamento em dinheiro ou em produto rural, conforme especificado em contrato,
caracterizam a ausência de relações sociais modernas na agricultura. A superação do
feudalismo ocorrerá quando as relações entre proprietários de terras e produtores rurais
forem estritamente mercantis, mediadas por um contrato de arrendamento. (N.R.T.)
351. Tenant, em inglês. Aqui traduzido por “ocupante da terra”. (N.T.)
352. Após a descrição das transformações no campo, Smith passa a descrever as
modificações ocorridas nas cidades. Veremos no capítulo seguinte que, paradoxalmente
— e em contrariedade à ordem natural —, o progresso nas cidades acabou por estimular
a modernização no campo. (N.R.T.)
353.
Os dois primeiros são pedágios de passagem (passage e pontage), o terceiro (lastage) é
uma taxa de transporte de bens (last era uma medida de peso; origem da palavra
“lastro” em português) e o último (stallage), uma de permanência (stall é barraca em
inglês; origem da palavra “estalagem”). (N.T.)
354. Domesday Book (Livro de Winchester) foi o resultado de um grande levantamento
de informações sobre a Inglaterra. Após invadir o país em 1066, Guilherme I requisitou
a confecção de um livro com informações sobre as suas terras e proprietários. (N.T.)
355. Ver Brady, R., An Historical Treatise of Cities and Burghs or Burroughs, p. 3, etc.
(N.A.)
356. Ver Madox, T., Firma Burgi, p. 18, e History of the Exchequer. 1a ed., cap. 10. Sec. V,
p. 223. (N.A.)
357. O arrendamento dos tributos fortalece o “interesse do dinheiro” nas cidades e é
um elemento decisivo na constituição de uma sociedade urbana livre. (N.R.T.)
358. Ver Madox, T., Firma Burgi. Ver também Pfeffel a respeito dos eventos ocorridos
durante o reinado de Frederico II e seus sucessores da Casa da Suábia. (N.A.)
Christian-Frédéric Pfeffel (1726-1807) foi jurista e diplomata da Alsácia. A nota se
refere ao livro Nouvel Abrégé Chronologique de l’Histoire et du Droit Public d’Allemagne
(Novo resumo cronológico da história e do direito público da Alemanha). Paris, 1776.
(N.T.)
359. Para Smith, a distribuição da jurisdição ou do direito de aplicar a lei é um
elemento essencial na caracterização de sociedades livres. Nas sociedades controladas
por grandes proprietários rurais, é ele próprio ou, em certas situações, o soberano quem
determina a aplicação da lei. (N.R.T.)
360. Veja-se que a constituição de instituições liberais não resultou de uma concepção
geral e preliminar de liberdade, mas de cálculo e alianças ocasionais, em uma disputa
triangular que envolvia o soberano, proprietários rurais e burgueses. (N.R.T.)
361. João da Inglaterra (1166-1216) foi rei da Inglaterra de 1199 até sua morte. (N.T.)
362. Ver Madox, T., Firma Burgi, p. 35. (N.A.)
363. Filipe I da França (1052-1108). (N.T.)
364. Luís VI da França (1081-1137). (N.T.)
365. Ver Pfeffel. (N.A.)
366. Termo utilizado até o século XIX para o atual Magrebe, isto é, o noroeste da
África: atuais Marrocos, Argélia, Tunísia e Líbia. (N.T.)
367. A possibilidade de obtenção de subsistência em locais distantes, por meio do comércio,
quebra a dependência das cidades ao campo adjacente. Smith volta diversas vezes ao tema,
que lhe parece importante para explicar a constituição de cidades comerciais fortes e
independentes do domínio rural. As cidades, por outro lado, vão acelerar a transformação
das relações sociais e da economia no campo. Inverte-se, assim, a ordem natural agricultura-
manufaturas-comércio. (N.R.T.)
368. Luca é uma comuna italiana na região da Toscana; fundada pelos etruscos, a cidade se
tornou parte da província romana em 180 a.C. (N.T.)
369. Nicolau Maquiavel (1469-1527) foi um filósofo florentino. Após ter viajado para Luca,
escreveu o livro La Vita di Castruccio Castracani da Lucca (1520). (N.T.)
370. Ver Sandi, V., Istoria Civile de Vinezia, parte 2. vol. X, p. 247 e 256. (N.A.)
Vettor Sandi, Principi di storia civile della repubblica di Venezia (1755). (N.T.)
371. Guilherme II (1056-1100) foi rei da Inglaterra de 1086 até sua morte. (N.T.)
372. Thomas Becket (1118-1170), arcebispo da Cantuária entre 1162 e 1170. (N.T.)
373. Pequena renda paga por um ocupante da terra, que o libera da prestação de serviços
suplementares ao superior. (N.R.T.)
374. A entrega da administração da justiça aos proprietários, na visão de Smith, consumava
o poder dos grandes proprietários rurais. (N.R.T.)
375. Smith insiste na distinção entre regime alodial e feudal. Muitas das prerrogativas dos
proprietários atribuídas à lei feudal advinham, na realidade, do regime alodial. Há uma
controvérsia entre os historiadores sobre o grau de desenvolvimento das instituições feudais
na Inglaterra anteriormente à conquista normanda, que se deu em 1066. (N.R.T.)
376. Smith considera que o regime feudal, ao menos na Inglaterra, viveu um impasse
permanente em razão da impossibilidade de o rei impor a ordem e de certo modo
subordinar os senhores feudais. O comércio (as cidades), ao colocar diante dos senhores
rurais a possibilidade de aquisição de objetos de luxo, levou-os a abrir mão do poder
(controle sobre seus subordinados) em nome do acesso a essa outra forma de excedente. O
exemplo extremo de Smith — trocar o poder por uma fivela de diamantes — reforça a
atração oferecida pelo luxo e, por outro lado, mostra como mudanças econômicas e sociais
significativas ocorreram por circunstâncias ocasionais. (N.R.T.)
377. Smith retorna aqui à sua visão de divisão do trabalho e valor. Valor é a possibilidade de
comandar trabalho humano (ver capítulos IV e V do Livro I). Quem compra uma
preciosidade de altos preços indiretamente contribui para o pagamento do salário de muitas
pessoas. Os que fornecem trabalho, no entanto, são completamente independentes do
comprador. (N.R.T.)
378. Houve aqui uma negociação: em troca de melhorias no cultivo, que proporcionassem
maiores rendas, os proprietários tiveram que conceder aos arrendatários prazos contratuais
longos, que permitissem amortizar as despesas e proporcionar-lhes o lucro esperado. Para
Smith, esta foi a mudança que produziu uma revolução na agricultura. (N.R.T.)
379. Neste parágrafo temos um clássico exemplo dos resultados não intencionais das ações
econômicas — uma perspectiva que usualmente se associa a Smith. Ao perseguirem
benefícios próprios diversos, uma e outra classe produziram uma revolução social positiva e
não projetada. (N.R.T.)
380.
Smith é um admirador incondicional da pequena propriedade agrícola pelas razões
adiantadas: conhecimento de toda a propriedade, propensão a inovações. A América do
Norte continental, sob essa perspectiva, é o território que consegue captar todos os
benefícios da ordem natural: dominância da (pequena) agricultura e posse de terra
disseminada. (N.R.T.)
381. Francesco Guicciardini (1483-1540) foi um historiador e estadista da Renascença
italiana. (N.T.)
382. Giovanni da Pian del Carpine (?-1252) era também chamado de João de Plano Carpini
e foi um embaixador italiano enviado ao Grande Khan do Império Mongol. Escreveu, na
década de 1240, seu relato sobre a viagem: Ystoria Mongalorum (N.T.)
383. Locke (Further Considerations Concerning Raising the Value of Money, 1696) preocupa-
se, como muitos autores de sua época, com a possibilidade de que a escassez de dinheiro
retarde as atividades econômicas do país. Destaca a durabilidade como uma característica
especial e valiosa do dinheiro. Analisa ainda as relações entre quantidade de dinheiro em
circulação e nível de preços e vê o comércio externo como único meio para se obter acesso a
metais preciosos em nações que não possuem minas. Embora Smith se afaste de algumas
dessas proposições, admite (como Hume) as relações entre oferta monetária e nível de preços
e, ainda que não nos termos de Locke, não está desatento à durabilidade dos bens. Sua noção
de trabalho produtivo em parte ecoa a difundida questão da durabilidade. (N.R.T.)
384. Esta é a base da “teoria da representação” de Montesquieu — o dinheiro representa os
bens —, que está por detrás das diversas versões da teoria quantitativa de dinheiro. Se
elevarmos a quantidade de dinheiro diante do mesmo volume de bens, estes últimos serão
“representados” por mais dinheiro; vale dizer, se tornarão mais caros. Na visão de autores
como Hume, afora isso — efeito sobre os preços — mais ou menos dinheiro não produz
nenhuma consequência em uma economia isolada ou livre de trocas internacionais. (N.R.T.)
385. O complemento natural dessa proposição deveria ser o de que a nação somente
acumulará dinheiro se tiver saldos positivos na balança de comércio internacional. (N.R.T.)
386. Thomas Mun (England’s Treasure by Foreign Trade, 1664) é identificado por Smith
como o típico representante do mercantilismo ou do que ele denominava “sistema mercantil”.
Veremos, no entanto, que o “sistema mercantil” abrangia, para Smith, um conjunto de
práticas muito mais amplo do que a defesa de superávits comerciais. (N.R.T.)
387. O que é um truísmo: o único meio de se obter o meio de pagamento internacional
(metais preciosos, em particular ouro) é atingir superávits comerciais. A nação que detém
saldos comerciais negativos só pode saldar suas contas entregando metais às superavitárias.
(N.R.T.)
388. Hume, no ensaio sobre o “Balanço de Comércio” de seus Ensaios Políticos, formula um
modelo de equilíbrio do balanço de pagamentos envolvendo a reação dos preços à
quantidade de moeda (proporcionada, por sua vez, pelo comércio internacional). Em que
medida Smith aceita o modelo de equilíbrio do balanço de pagamentos de Hume, que a
literatura denomina de price-specie-flow — é um tópico controverso na literatura econômica.
De todo modo, Smith — como todos os economistas, ao menos desde Locke — preocupa-se
com a formação da taxa de câmbio. (N.R.T.)
389. Nesta passagem Smith insinua uma aceitação do mecanismo de ajustamento do balanço
de pagamentos de Hume. Mas não vai longe no mecanismo de ajustamento do câmbio,
restringindo-se a concluir que o câmbio caro prejudicará especialmente aqueles que devem
no exterior. (N.R.T.)
390. E sabemos que, para Smith (ver Livro II, capítulo V), o comércio interno é mais
favorável que o externo. A linha de prioridades no comércio conforme a capacidade de elevar
os rendimentos da nação é comércio interno-externo de trocas diretas-externo de trocas
indiretas-comércio de transporte. (N.R.T.)
391. Ou seja, para Smith. a liberdade de comércio dará acesso aos bens necessários. De que
modo, uma vez que o acesso a mercadorias importadas requer metais, Smith não esclarece
inteiramente. (N.R.T.)
392. A facilidade de transporte dos metais, devido a seu elevado valor por massa, facilita sua
circulação internacional e torna as medidas restritivas à saída de metais ou de moedas dos
países inefetivas. Smith insiste na inefetividade do impedimento à saída de metais e
concentra-se, no Livro IV, na crítica a outros meios supostamente capazes de reter metais no
país utilizando a balança de comércio, especialmente os tributários e alfandegários. (N.R.T.)
393. A maior ou menor estabilidade do preço dos metais a curto e a longo prazo, diante da
maior ou menor variabilidade do preço dos cereais, é elemento essencial da teoria do valor
de Smith. A esse respeito, ver Livro I, capítulo V. (N.R.T.)
394. O dinheiro como parte do capital nacional é uma matéria tratada no Livro II, capítulo
II. A queixa em relação à escassez de dinheiro, examinada logo acima por Smith, tem duas
dimensões. Em primeiro lugar, ela é parte do debate que se estendeu por ao menos dois
séculos a respeito dos efeitos negativos sobre o comércio (as atividades econômicas) da
escassez de dinheiro. Em segundo lugar, homens de negócios queixam-se frequentemente de
seu pouco acesso a crédito. Nesta passagem, Smith refere-se em especial a essa segunda
dimensão, descartando-a. Atribui o pouco acesso a crédito à falta de garantias sólidas dos
negociantes. (N.R.T.)
395. Volta aqui a questão da durabilidade dos metais e de outros elementos, que de fato
representava um ponto sensível no debate sobre riqueza em geral e sobre comércio vantajoso
ou desvantajoso em particular. Smith, nesta passagem, adota a estratégia de depreciar os
oponentes ao comparar moeda a mercadorias duráveis bastante triviais. (N.R.T.)
396. As guerras eram o elemento de maior pressão sobre os recursos de um governo
nacional e representavam, simultaneamente, pressão sobre recursos internacionais (metais),
uma vez que as despesas mais pesadas eram feitas no exterior. Smith discutirá em detalhes o
financiamento de guerra no Livro V, capítulo III (sobre a dívida pública). Os argumentos de
Smith no presente capítulo diminuem de modo exagerado a pressão sobre os recursos
nacionais e sobre meios de pagamento internacionais (moedas) efetivamente imposta pelas
guerras. (N.R.T.)
397. Note-se que 1 libra contém 20 xelins; logo, 2 xelins por libra significa um imposto de
10% além do que já existia. (N.T.)
398. O ouro é a “moeda da república mercantil”, uma vez que representa a referência nos
pagamentos efetuados no comércio internacional. Comerciantes internacionais tomam
sempre como referência o ouro e o valor de cada moeda nacional a partir de seu conteúdo
em ouro ou de sua relação de troca com o ouro. Curiosamente, Smith deixa de lado no
momento outro elemento sempre presente nas discussões sobre transações internacionais,
relacionado aos interesses da “república mercantil”, que é a taxa de câmbio. (N.R.T.)
399.
Ivan Mazepa (1639-1709) foi chefe militar (hetman) dos cossacos ucranianos. Em 1708,
aliou-se aos suecos durante a Grande Guerra do Norte (1700-1721). (N.T.)
400. Carlos XII (1682-1718), rei da Suécia a partir de 1697, teve seu reinado inteiramente
marcado pela Grande Guerra do Norte entre a Suécia e uma coligação formada por
Dinamarca-Noruega, Saxônia, Polônia e Rússia. (N.T.)
401. A frase é dita por Antíoco, e não por Dercílidas. A referência aparece em Helênicas
(Livro VII, capítulo I, seção 38), obra do historiador e filósofo grego Xenofonte; o livro relata
os fatos ocorridos após o conflito armado entre Esparta e Atenas, a Guerra do Peloponeso
(431 a.C.-404 a.C.).
“Antíoco […] relatou à Assembleia dos Arcadianos que o rei tinha um vasto número de
padeiros, cozinheiros, funcionários para servir vinho e porteiros, mas quanto a homens que
pudessem lutar com os gregos, embora os tenha procurado bastante, não viu nenhum.”
(N.T.)
402. “Vent for surplus”, ou o comércio exterior como meio de dar destino ao excedente em
produtos nacionais, é uma das dimensões — mas não a única e nem a mais importante — da
argumentação de Smith a respeito dos benefícios do comércio exterior. (N.R.T.)
403. Moeda inglesa de prata com valor de 4 pence. (N.T.)
404. Considerar que a riqueza consiste em ouro e prata estava longe de ser um argumento
sustentado pela maior parte dos autores que Smith enquadra entre os pertencentes ao
“sistema mercantil”. Por outro lado, a proposição de que apenas balanças comerciais positivas
asseguram acesso a metais é um truísmo. Apesar da fragilidade desses dois “princípios”, é
com base neles que Smith constitui sua crítica ao “sistema mercantil”. Admita-se, no entanto,
que certo número de autores do período mercantilista — a começar por Mun — defende
medidas de restrições às importações e de impulsionamento às exportações. (N.R.T.)
405. Aqui, Smith associa a lógica do “resultado não intencional” — o capitalista visa apenas
ao seu lucro, mas beneficia a toda a sociedade — à certeza de que a vantagem individual
necessariamente se traduz em ganho coletivo máximo. Nenhuma fratura existe entre busca
individual de benefícios e obtenção do máximo bem-estar social. (N.R.T.)
406. Smith permanece fiel à ideia de superioridade de alguns setores de atividade sobre
outros, apresentada no Livro II. A ordem de preferências para a aplicação do capital —
agricultura, manufaturas, comércio interno, comércio externo bilateral, comércio de
transporte — está sempre ao fundo. (N.R.T.)
407. Esta é a passagem de A riqueza das nações em que Smith utiliza a expressão “mão
invisível”, que acabou por se tornar um símbolo das virtudes do liberalismo econômico e da
própria obra de Smith. (N.R.T.)
408. Smith reforça sua percepção de que o estadista ou o legislador não podem julgar as
aplicações de capital mais vantajosas para os indivíduos e, em decorrência, para a sociedade.
Na literatura econômica da época e em especial na obra Principles of Political Economy
(1767), de James Steuart, há um apelo recorrente ao “statesman”. Sem se referir a Steuart,
Smith muito possivelmente o tem em vista em sua crítica. (N.R.T.)
409. Smith parece admitir a tese de que uma proteção na fase inicial de implantação de certa
manufatura pode levar a que, em certo momento, essa manufatura atinja os melhores níveis
internacionais de eficiência. Adverte, no entanto, que a proteção representa desvio de capital
de aplicações mais benéficas e insiste na perda de recursos no período que antecede a
obtenção de um padrão competitivo. (N.R.T.)
410. Smith dá um grande destaque à livre movimentação de produtos agrícolas — carnes,
gado, cereais — por haver um debate intenso, na Inglaterra e no continente europeu
(França, em especial), sobre a conveniência de controlar a importação ou a exportação de
alimentos de modo a garantir a subsistência da população. Smith não faz a menor concessão
às teses de que o controle do comércio exterior de alimentos garantiria a subsistência interna.
(N.R.T.)
411. Catão, o Velho (234 a.C.-149 a.C.), De Re Rustica (ou De Agri Cultura), “Introdução”, 4:
Mas os homens mais fortes e os soldados mais vigorosos originam-se dos agricultores; os
seus ganhos são mais respeitados e estáveis e, por isso, ensejam menos ressentimentos e, por
fim, aqueles que se ocupam dessa profissão estão menos inclinados aos maus pensamentos.
(At ex agricolis et viri fortissimi et milites strenuissimi gignuntur, maximeque pius quaestus
stabilissimusque consequitur minimeque invidiosus, minimeque male cogitantes sunt qui in eo
studio occupati sunt.). (N.T.)
412. O Ato (ou atos) de Navegação (Navigation Acts, em inglês) constituiu-se em uma série
de leis, a primeira em 1651, durante o governo de Oliver Cromwell, que traziam regras sobre
os navios ingleses, as atividades comerciais entre a Inglaterra, suas colônias e os países
estrangeiros, os pesqueiros, etc. (N.T.)
413. O Parlamento Longo é o nome dado ao período entre 1640 e 1660. (N.T.)
414. Esse período, entre 1653 e 1659, também foi chamado de ditadura Cromwell ou
República Puritana. (N.T.)
415. Carlos II (1630-1685) reinou de 1660 até 1685. (N.T.)
416. Na verdade, por meio do Ato de Navegação, a Inglaterra por muito tempo protegeu seu
comércio e seus capitais internos. Os historiadores hoje admitem que o Ato de Navegação foi
um elemento essencial para que os ingleses firmassem seu domínio econômico no mundo. A
aceitação da conveniência do Ato de Navegação por Smith representa uma imensa exceção
aos princípios liberais em nome da segurança interna. (N.R.T.)
417. Jean-Baptiste Colbert (1619-1683) foi ministro das finanças do rei Luís XIV e principal
defensor do mercantilismo na França. Sua influência foi tão grande que, naquele país, o
sistema mercantilista é chamado de colbertismo. (N.T.)
418. Tratados de Paz de Nimega. Tratados assinados entre 1678 e 1679 na Holanda, na
cidade de Nimega, pondo fim às guerras entre diversos países envolvidos na Guerra Franco-
Holandesa (1672-1678). (N.T.)
419. Smith retira o julgamento das retaliações, que é baseado em apreciação caso a caso, do
domínio da “ciência do legislador”, que abrange a economia. A “ciência do legislador” baseia-
se em “princípios gerais e imutáveis”. (N.R.T.)
420. Esta célebre passagem, em que Smith considera a liberdade completa de comércio um
ideal utópico, mostra que a defesa do liberalismo é uma batalha de princípios a ser
desenvolvida com paciência. O parágrafo, adicionalmente, reforça o papel dos interesses
grupais e localizados na moldagem da política e mesmo da opinião pública. (N.R.T.)
421. Ton, em inglês, é a medida do sistema avoirdupois equivalente a aproximadamente
1.016 quilos. (N.T.)
422. “Of the Jealousy of Trade” (Do ciúme de comércio), um dos Discursos políticos de Hume,
trata exatamente desse fenômeno. (N.R.T.)
423.
Smith tinha experiência em livros aduaneiros, pois atuou como Comissário de Alfândega da
Escócia a partir de 1777. De todo modo, a opinião de que as contas das alfândegas não
retratam com precisão a realidade do comércio externo era difundida. (N.R.T.)
424. As flutuações da taxa de câmbio refletem abundância ou escassez em um país de
créditos em moeda de determinado país, provocadas pelo balanço de negócios entre os dois.
Smith argumenta que o comércio não é bilateral, ou que pode haver compensações entre
diversas localidades das notas emitidas contra uma localidade específica. Em suma, a taxa de
câmbio, mesmo retratando a relação de troca entre moedas de dois países, leva em
consideração não apenas negócios entre esses dois países, mas também as negociações
multilaterais de cada país. (N.R.T.)
425. Smith afirma que a taxa de câmbio reflete o estado efetivo (peso efetivo) das moedas do
país, e não o peso metálico com que a moeda é emitida. Há desgaste do meio circulante, e
esse desgaste afeta a taxa de câmbio. (N.R.T.)
426. Smith acrescenta ao estado efetivo do meio circulante de um país outro fator a afetar a
taxa de câmbio: a cobrança (e o nível) das taxas de cunhagem. A Inglaterra era um caso
quase único de país a não cobrar taxas de cunhagem. No intercâmbio entre Inglaterra e
França, por exemplo, e na medida em que a França cobrava taxa de cunhagem, o detentor de
moedas inglesas deveria pagar um valor adicional na compra das moedas francesas — uma
quantia acima do valor efetivo do metal da moeda francesa — na proporção da taxa de
cunhagem. A taxa de cunhagem estabelece uma distinção entre preço do metal e preço do
metal na forma de moeda: esta diferença estará refletida nas taxas de câmbio. (N.R.T.)
427. Smith havia afirmado no parágrafo anterior que a taxa de câmbio referente a moedas de
algumas localidades, como Hamburgo e Amsterdã, importantes praças mercantis, deveria
refletir as características especiais do sistema monetário dessas localidades, que combinava
moedas efetivas em metal e um “dinheiro bancário” (bank money) com valor protegido em
relação às flutuações do estado efetivo das moedas. Na Digressão, Smith efetua uma longa (e
bastante fiel) exposição das características de um sistema que opera com dinheiro bancário, a
partir do exemplo fornecido pelo Banco de Amsterdã. A qualidade superior do dinheiro
bancário em relação às moedas em circulação irá se refletir em um ágio (bank agio) a favor
do dinheiro bancário. Toda transação com Amsterdã envolvia contas no Banco de Amsterdã,
denominadas na moeda bancária. (N.R.T.)
428. Preços praticados atualmente (setembro, 1775) pelo banco de Amsterdã em relação aos
lingotes e a diferentes moedas:
PRATA
Dólares mexicanos: B-22 florins por marco
Coroas francesas: Florins B-22 florins por marco
Moedas de prata inglesas: B-22 florins por marco
Dólares mexicanos, moeda nova: 21 10
Ducatões: 3
Dólares rix: 2 8
Barra de prata: com 11/12 de pureza, 21 por marco; e desta proporção para baixo, até
1/4 de pureza, pagam-se 5 florins
Barras puras: 93 por marco
OURO
Moedas de Portugal: B-310 por marco
Guinéus: B-310 por marco
Louis d’ors novos: B-310 por marco
Louis d’ors velhos: 300
Ducados novos: 4 19 8 por ducado
O ouro em barra ou lingote é recebido na proporção de sua pureza em relação às
moedas de ouro estrangeiras acima. Barras puras: o banco paga 340 por marco. Em geral, no
entanto, para as moedas com pureza reconhecida, paga-se um pouco mais do que para as
barras de ouro e prata, cuja pureza só poderá ser verificada pelos processos de fusão e
análise. (N.A.)
429. Nessa medida, o Banco de Amsterdã, ao contrário dos bancos escoceses e ingleses,
atuava em regime de reserva integral, ou seja, não multiplicava a moeda (via crédito) a partir
dos depósitos. (N.R.T.)
430. Smith repete diversas vezes que nunca faltará ouro e prata àqueles países que
dispuserem de meios para comprá-los, estabelecendo, assim, uma analogia entre os metais e
quaisquer outras mercadorias. Os “meios”, no entanto, necessariamente envolvem
disponibilidade de reservas na moeda do país do qual se compra ou aquisição de tais moedas
por meio da compra — algo que envolve a taxa de câmbio. Em última análise, e na medida
em que a compra envolve meios de pagamento admitidos internacionalmente (metais), o
país que importa deverá dispor desses meios, o que só pode ser garantido por saldos
comerciais pretéritos ou por endividamento externo. Em resumo, sem exportações
(geradoras de divisas) não há como garantir importações; e saldos negativos recorrentes
eliminam a capacidade de importar do país. A questão é bastante simples, mas Smith não
trata de esclarecê-la, possivelmente para sublinhar a máxima de que a riqueza não consiste
em metais. (N.R.T.)
431. Parágrafo escrito em 1775. (N.A.)
432. 12 Charles II, c.4 (1660). (N.T.)
433. 2 Charles II, c.4 (1660). (N.T.)
434. 15 Charles II, c.7 (1663). (N.T.)
435. Smith explica o conceito de mercadorias listadas e não listadas (non-enumerated
commodities) no capítulo VII, Parte II deste Livro V. Diz que “(…) apenas alguns produtos
das colônias britânicas estão restritos ao comércio exclusivo com a metrópole. Esses produtos
estão listados no Ato de Navegação e em algumas outras leis posteriores; por isso, são
chamados de mercadorias listadas. As outras mercadorias são chamadas de não listadas e
podem ser exportadas diretamente para outros países, desde que a exportação ocorra em
navios britânicos ou de suas colônias”. (N.R.T.)
436. Ver a respeito o capítulo V do Livro I, no qual Smith situa valor (preço) real e nominal.
Preço nominal é o preço em dinheiro. Na medida em que o cereal é a base da subsistência,
Smith estabelece uma equiparação entre grãos e trabalho, e considera ainda que o valor do
grão varia menos no longo prazo do que o dos metais. Identificada a remuneração dos
trabalhadores com o cereal, uma elevacão do preço do cereal pode conduzir à redução do
valor real do trabalho, com todas as suas consequências negativas, ou produzir uma elevação
geral de preços — o que significa uma “degradação do valor real da prata”. (N.R.T.)
437. Smith refere-se a um fenômeno conhecido e muito debatido, que foi a elevação do nível
de preços e o desestímulo à produção interna (e estímulo à importação) na Espanha e em
Portugal, em razão da abundância de ouro e prata decorrente da descoberta da América.
Para Smith, o ouro e a prata teriam sido retidos nos dois países por meio de tributos e de
proibições à exportação dos metais. Tais medidas, por sua vez, teriam apenas elevado o preço
dos metais e criado uma superabundância, produzindo a elevação geral dos preços; em certo
momento, no entanto, os metais “transbordam” para os outros países — fluem para o restante
da Europa na exata medida em que fluiriam caso não houvesse barreiras. Vale dizer, as
medidas de Espanha e Portugal não produziram os efeitos almejados (reter metais) e ainda
elevaram os preços internos — ou reduziram o preço dos metais — e estimularam as
importações de bens em geral. (N.R.T.)
438. A longa exposição sobre Espanha e Portugal encontra agora uma justificativa: Smith
compara as políticas ibéricas aos subsídios à exportação de cereais praticados pela Inglaterra.
(N.R.T.)
439. Matthew Decker (1679-1749) foi um comerciante e economista inglês nascido na
Holanda; governou a Companhia dos Mares do Sul de 1711 a 1712; e dirigiu a Companhia
das Índias Orientais de 1713 a 1743. (N.T.)
440. Não aumenta o valor real dos cereais, pois sobe o preço do trabalho e o de todas as
mercadorias. Para Smith, os cereais não são apenas uma mercadoria básica, essencial: seus
preços podem afetar os preços de todas as mercadorias. O valor real dos cereais — ver logo a
seguir — equivale à quantidade de trabalho que pode manter. (N.R.T.)
441. Veja as contas no final do livro. (N.A.)
442. Herring buss, barco pesqueiro muito usado por holandeses e flamengos entre os séculos
XV e XIX. Na época das Cruzadas eram navios de carga do Mediterrâneo chamados de
buzza, bucia ou bucius. Derivam dos barcos de guerra vikings da Escandinávia. (N.T.)
443. Braço de mar semelhante aos fjordes da Noruega. (N.T.)
444. 5 e 6 Edward VI, c.14 (1551). (N.T.)
445. O termo kidders, em inglês, refere-se tanto a açambarcadores quanto a vendedores
ambulantes de cereais. (N.T.)
446. Juízes de paz, ou justices of peace, eram magistrados locais nomeados pelo rei para
substituir a autoridade local de pessoas que não estavam ligadas à coroa. (N.T.)
447. Na Inglaterra, as chamadas quarter sessions, ou juntas trimestrais, somente foram
abolidas em 1971 e substituídas, juntamente com as assizes, por uma Corte Real permanente.
Sua competência incluía casos que não podiam ser tratados sumariamente pelos juízes de
paz sem um júri. (N.T.)
448. Jack of all trades, master of none; quem tem jeito para tudo não tem jeito para nada.
(N.T.)
449. 12 George III, c.71 (1772). (N.T.)
450. Aritmética política era como se denominava, no final do século XVII e no século XVIII,
a ciência dedicada ao estudo de questões econômicas mediante utilização profusa de dados
sobre população, renda, tributos, preços. William Petty (1623-1687) e Charles Davenant
(1656-1714) foram seus dois mais famosos praticantes na Inglaterra. Smith, como evidencia
neste parágrafo, não tinha entusiasmo pela economia política. (N.R.T.)
451. O raciocínio de Smith sustenta-se inteiramente na proposição de que variações no
preço em dinheiro dos cereais significam variações contrárias no valor real da prata — ou
seja, o valor real da prata mede-se em cereais (ou em trabalho). No caso, portanto, houve alta
no valor da prata. (N.R.T.)
452. Antes do estatuto do 13º ano do atual rei, estes eram os tributos a serem pagos pelos
diversos tipos de cereais.

Cereais Tributos Tributos

Feijão a 28 s/quarter 19 s 10 d depois até 40 s — 16 s 8 d então 12 d

Cevada a 28 s 19 s 10 d 32 s — 16 s 12 d

Malte, proibido pela Lei sobre a Tarifa da taxa anual do malte.

Aveia a 16 s 5 s 10 d depois 9,5 d

Ervilhas a 40 s 16 s 0 d depois 9,75 d

Centeio a 36 s 19 s 10 d até 40 s — 16 s 8 d então 12 d

Trigo a 44 s 21 s 9 d até 53 s 4 d — 17 s então 8s


até 4 libras e depois disso, aproximadamente 1 s 4 d
Trigo-sarraceno a 32 s/quarter a pagar 16 s

(s = xelim, d = pence)

Esses diversos tributos foram impostos, em parte, pelo estatuto do 22º ano de Carlos II, em
lugar do Antigo Subsídio, em parte pelo Novo Subsídio, pelo Subsídio de 1/3 e de 2/3, e pelo
Subsídio de 1747. (N.A.)
453. Smith recorre a uma metáfora imperfeita porque, a despeito do livre-comércio, as
diferentes nações ainda teriam moedas e tributos internos distintos e mesmo práticas
comerciais distintas. E ressalte-se que, no que se refere a cereais, diversas nações (a França,
por exemplo) impuseram ao longo do século XVIII obstáculos até mesmo à livre circulação
interna deles. (N.R.T.)
454. Neste parágrafo, Smith se vale de ironia ou de fato se rende à impraticabilidade do livre
comércio de cereais. A despeito de sua superioridade econômica, o livre comércio de cereais
atinge uma esfera em que são tão grandes os preconceitos que talvez seja melhor deixar o
ideal de lado, “para preservar a tranquilidade pública”. (N.R.T.)
455. Esta passagem evidencia a posição de Smith (reiterada em outras passagens): a despeito
da legislação restritiva ao livre comércio externo e da imposição de tributos e subsídios
indevidos, a Grã-Bretanha ainda desfruta de condições muito superiores às de outros países
no que se refere à liberdade. (N.R.T.)
456. Castro, J. F. B., Collecção dos Tratados, Convenções, Contratos e Actos Públicos
Celebrados entre Coroa de Portugal e as Mais Potências desde 1640 até o Presente. Lisboa,
Imprensa Nacional, tomo II, p. 195 e 196. (N.T.)
457. As referências ao comércio entre Inglaterra e Portugal e ao Tratado de Methuen são
inúmeras ao longo de A riqueza das nações. A rigor, Smith apresenta o Tratado de Methuen
como exemplo por excelência dos arranjos comerciais prejudiciais à Inglaterra.
Naturalmente, na medida em que um dos objetivos dos ingleses era o de obter superávit com
uma nação produtora de ouro e, portanto, ter esse ouro como a principal vantagem de seu
intercâmbio com os portugueses, o Tratado representa para Smith uma ilustração perfeita
dos equívocos do “sistema mercantil”. (N.R.T.)
458.
Giuseppe Marco Antonio Baretti (1719-1789) escreveu Lettere famigliari, relatando suas
viagens pela Espanha, Portugal e França entre 1761 e 1765. Posteriormente, o livro foi
publicado em Londres em 1770. (N.T.)
459. Do inglês packet-boat, navios que faziam travessias regulares levando pacotes e cartas.
(N.T.)
460. Mesmo que o comércio com Portugal renda um excedente de ouro para a Inglaterra
(Portugal paga seu déficit em outras mercadorias com ouro; ou exporta diretamente ouro
para a Inglaterra), diz Smith, esse ouro não ficará retido na Inglaterra e será utilizado para
compra de mercadorias de outros países; ou, o que é o mesmo, na cobertura de déficits
comerciais com outros países. Há duas questões em jogo aqui não totalmente esclarecidas
por Smith. Em primeiro lugar, para que a Inglaterra dirija esse ouro a outros países,
necessariamente seu balanço de comércio com esses países terá de ser negativo. Em segundo
lugar, se fosse possível cobrir esse déficit com outras mercadorias, a rigor não haveria déficit.
Em última análise, o ouro só sai da Inglaterra quando há déficit. (N.R.T.)
461. Notar que o argumento de Smith remete às vantagens do comércio direto de
mercadorias sobre o indireto, apresentado no Livro II. (N.R.T.)
462. A afirmação de que o ouro importado de alguns países é necessariamente exportado
para outros — vale dizer, não há retenção de ouro, à exceção daquele necessário para a
confecção de objetos ou de moeda — requereria uma demonstração teórica; por exemplo,
como aquela formulada por Hume em seu ensaio sobre a balança de comércio, dependente
de hipóteses sobre a reação dos preços e da taxa de câmbio. Ao menos nesta passagem, não
há sinal de adesão de Smith à hipótese de Hume nem a formulação de qualquer outro
mecanismo de equilíbrio obrigatório do balanço de pagamentos. Nessas condições, não fica
demonstrado por que o país não pode reter ouro. (N.R.T.)
463. Notar que permanece a questão: para haver ouro excedente no país, mesmo que seja
para favorecer o “comércio indireto”, é necessário que se formem excedentes comerciais. Em
última análise, para Smith, o ouro dirige-se a objetos ou à circulação (moeda); não há
possibilidade de retenção do ouro fora estas. No entanto, de onde se obtém o ouro para
“comércio indireto”? (N.R.T.)
464. Smith refere-se aqui aos efeitos de um meio circulante degradado (moedas com peso
abaixo daquele com que foram cunhadas): cria-se um diferencial de preços entre o ouro em
barras e o ouro na forma de moeda, o qual estimula o derretimento e a fuga de moedas. Esse
problema foi abordado tanto no Livro I (capítulo XI) quando no Livro II (capítulo II). A
cobrança de taxa de cunhagem, mencionada logo a seguir, ao abrir uma distância entre o
preço do ouro na forma de moeda e seu preço na forma de metal, atenuaria os ganhos dos
especuladores com a moeda, vindo a desestimular sua evasão. (N.R.T.)
465. Ver Dictionaire des Monnaies, tomo II: artigo “Seigneurage”, p. 489, de François-André
Abot de Bazinghen, conselheiro-comissário da Corte da Moeda (Cour des Monnaies) de
Paris. (N.A.)
Traité des monnoies et de la juridiction de la Cour des monnoies en forme de dictionnaire
(Paris, 1764), v. ii, p. 589. (N.T.)
466. Ver “Notas à tradução”, “Dinheiro”. Enquanto 8 onças de ouro (1 marco) valiam 740
libras e 9 sols, 8 onças de prata valiam 51 libras, 2 sols e 3 dinheiros. Desse modo, a taxa de
conversão entre ouro e prata passou a ser 14,4867:1. (N.T.)
467.
Ver “Notas à tradução”, “Dinheiro”. Uma libra francesa (livre) = 20 sols (ou sous) = 240
dinheiros (deniers). (N.T.)
468. 18 e 19 Charles II, c.5 (1666) in Statutes of the Realm; 18 Charles II, c.5 na edição de
Ruffhead. (N.T.)
469. Taxa de cunhagem e taxa de senhoriagem são, no caso, sinônimos. Costuma-se dizer
taxa de senhoriagem porque ela cobre o custo industrial da Casa da Moeda e proporciona
ainda receita líquida ao soberano. A cobrança de taxa de senhoriagem representou desde
tempos imemoriais um meio de proporcionar recursos à autoridade emissora. (N.R.T.)
470. Smith presume que o tributado (o comerciante) é capaz de repassar todo o valor do
tributo ao preço das mercadorias que vende; ou seja, adianta hipóteses sobre incidência
tributária. O tema será tratado profusamente no Livro V. (N.R.T.)
471. Smith se refere ao Banco da Inglaterra, mencionado anteriormente. (N.R.T.)
472. Smith inclui aqui o “subsídio à produção de dinheiro”, ou o custeio da cunhagem por
meio de outros recursos que não uma taxa direta de cunhagem, no conjunto das práticas
ditadas pelo “sistema mercantil”. Isso apenas evidencia que em A riqueza das nações a
abrangência das políticas atribuídas ou estimuladas pelo “sistema mercantil” é imensa.
(N.R.T.)
473. São Domingos é a segunda maior ilha do Caribe depois de Cuba. Atualmente a ilha,
que também é conhecida por Hispaniola, ou Espanhola, divide-se politicamente em Haiti e
República Dominicana. (N.T.)
474. Alexandre, o Grande (356 a.C.-323 a.C.) manteve um império que incluía a Grécia e
estendia-se até o Egito e o noroeste da Índia. (N.T.)
475. Terra Firme era o nome dado à costa norte do continente sul-americano.
Longitudinalmente, estendia-se até o Istmo de Darién (nome histórico do Istmo do Panamá).
(N.T.)
476. Conquistadores espanhóis: Alonso de Ojeda (c. 1468-1515), Diego de Nicuesa (?-1511),
Vasco Núñez de Balboa (c. 1475-1519), Hernán Cortés (1485-1547), Diego de Almagro (c.
1475-1538) e Francisco Pizarro (1471-1541). (N.T.)
477. Smith desenvolve este tema — a natureza da exploração das minas de metais preciosos,
sua lucratividade, possibilidade de obter renda ou tributos — no Livro I, capítulo XI. Na
medida em que considera a exploração aurífera comprovadamente não lucrativa, Smith
atribui o surto minerador e sua persistência à lógica das loterias; vale dizer, à atratividade
despertada por uma possibilidade (mesmo que estatisticamente muito tênue) de achar
fortuna. (N.R.T.)
478. Walter Raleigh (c. 1552-1618) foi senhor de terras, escritor, poeta, político e explorador
inglês; realizou duas expedições à América em busca da “Cidade Dourada”. Por volta de 1585,
fundou o primeiro núcleo de colonização inglesa na Ilha de Roanoke, situada no litoral da
atual Carolina do Norte, nos Estados Unidos. (N.T.)
479. Joseph Gumila (1686-1750) foi missionário jesuíta e explorador espanhol. Escreveu El
Orinoco ilustrado, y defendido, historia natural, civil, y geographica de este gran rio, y de sus
caudalosas vertientes. Madri, 1741, p. 272: “Dios N. Senhor permitiò aquellas ansias de
buscar el Dorado, para abrir puertas nuevas al S. Evangelio”. (N.T.)
480. Smith está se referindo a uma situação muito debatida por autores do século XIX, que é
a dificuldade de se constituir uma classe de trabalhadores assalariados em ocupações nas
quais as terras disponíveis são muitas ou de fácil acesso. Há duas soluções: ocupar por meio
de pequenos proprietários independentes (o caso de algumas das colônias inglesas da
América do Norte) ou recorrer à compulsão do trabalho (escravidão, servidão). Smith via
com muitos bons olhos as possibilidades abertas nas colônias que ocuparam a terra por meio
da pequena propriedade e do trabalho livre. (N.R.T.)
481. Giovanni Francesco Gemelli Careri (1651-1725) foi um aventureiro italiano. Deu a
volta ao mundo em navios cargueiros. Publicou Giro Del Mondo (Volta ao mundo) em 1699.
(N.T.)
482. O termo usado por Adam Smith é “creole”, que, na época, designava os espanhóis
nascidos na América espanhola. (N.T.)
483. Termos utilizados por Smith: creoles e mulattoes. (N.T.)
484. Smith manifesta desapreço em relação aos dois fenômenos: o governo ser executado
por uma companhia monopolista e a colonização por companhias com prerrogativas
especiais. Esses dois fenômenos orientarão sua apreciação das colonizações inglesas no
mundo, assim como os projetos de colonização de outros países. (N.R.T.)
485. Pierre-François-Xavier de Charlevoix (1682-1761) foi um padre jesuíta francês.
Costuma ser considerado o primeiro historiador da Nova França, isto é, da área colonizada
pela França na América do Norte de 1534 até 1763 (Tratado de Paris). (N.T.)
486. Engrossing, em inglês, isto é, açambarcamento. (N.T.)
487. Na Inglaterra feudal, as terras eram concedidas por um sistema chamado de tenure. As
concessões dependiam dos serviços que seriam prestados por aquele que recebia concessão
(os terratenentes, ocupantes, ou tenants, em inglês) e esses serviços nomeavam as concessões.
Esses serviços eram a principal contraprestação pela posse da terra. Os serviços podiam ser
militares, civis ou religiosos. Os serviços das classes mais baixas eram de produção agrícola e
podiam ser realizados por pessoas honradas e livres (free socage) ou não livres em relação ao
senhor feudal (villeinage). A concessão em socage também podia ser paga em espécie. Nos
Estados Unidos as terras das primeiras colônias foram concedidas em free socage,
especialmente na Pensilvânia, pois ali a carta real dada a William Penn (1644-1718) criou
uma concessão (tenure) em socage com renda anual de duas peles de castor pela terra. Após a
Revolução Americana, as terras concedidas em socage pela coroa inglesa foram tomadas
pelos estados soberanos, abolindo as concessões inglesas (tenures). (N.T.)
488. Jus Maioratus. (N.A.)
Morgadio em Portugal. (N.T.)
489. Smith insiste que as colônias norte-americanas não arcavam com os gastos militares
para sua defesa, e acaba por concluir que, afora pela extensão do mercado e consequente
aumento da divisão do trabalho, a colonização da América do Norte continental não
representava uma vantagem para a Inglaterra. Deve-se notar que A riqueza das nações foi
redigida durante os sérios embates que levaram à independência da América do Norte.
Smith participou ativamente dos debates ingleses sobre a rebelião norte-americana, e sua
opinião ecoa em A riqueza das nações. (N.R.T.)
490. Smith se refere às reformas introduzidas pelo Marquês de Pombal na administração
colonial portuguesa. (N.R.T.)
491. Ilhas cedidas à Inglaterra após a Guerra dos Sete Anos (1756-1763): Granada, São
Vicente, Tobago e Dominica. (N.T.)
492. Anileira: Indigofera suffruticosa. Taiuva: Maclura tinctoria ou amoreira, amora-do-mato.
(N.T.)
493. Até o final do século XIX, o açúcar refinado era vendido em formato de cone com topo
arredondado, o chamado pão de açúcar. (N.T.)
494. Esta passagem de Smith sobre a escravidão nas colônias contém várias ideias
importantes. Em primeiro lugar, Smith nela se apoia inteiramente — embora sem mencionar
— em uma famosa passagem de Do espírito das leis (de 1748), na qual Montesquieu credita a
escravidão colonial moderna à adaptabilidade física do negro ao ambiente tropical. Em
segundo lugar, Smith sustenta que regimes despóticos têm maiores condições de impedir o
maltrato dos escravos, uma vez que nos regimes liberais os governantes não se atrevem a
interferir na agressividade do senhor em relação a uma pessoa que é sua propriedade. A
melhor administração francesa da escravidão, comparativamente à dos ingleses, decorreria
da dificuldade em interferir em uma relação de propriedade no regime liberal. Finalmente,
Smith propõe que um escravo tratado sob condições menos hostis produzirá mais. (N.R.T.)
495. Védio Polio. Smith aumenta a história um pouco, pois não há fontes dizendo que
Augusto mandou libertar todos os outros escravos. (N.T.)
496. Magna virum mater, em tradução literal do latim, significa “a grande mãe dos homens”.
(N.T.)
497. Smith admite que as colônias representaram uma expansão dos mercados, deste modo
beneficiando todos os países envolvidos direta ou indiretamente com o comércio colonial.
Admite, no entanto, que a exclusividade colonial deprime os benefícios em relação ao nível
que poderia ser atingido sem as restrições. De um lado, portanto, as vantagens da expansão
dos mercados e do aumento de produtividade por ela propiciada; do outro, as desvantagens
da restrição à concorrência. (N.R.T.)
498. Como já foi visto, a temática tributária era especialmente relevante no contencioso
entre Inglaterra e sua colônia norte-americana. Smith era um participante ativo dos debates
sobre a colônia norte-americana. (N.R.T.)
499. A primeira Guerra Anglo-Holandesa (1652-1654) ocorreu durante o protetorado de
Oliver Cromwell e, por ele, foi finalizada. A segunda (1665-1667) e a terceira (1672-1674)
ocorreram durante o reinado de Carlos II (1660-1685) e a quarta Guerra Anglo-Holandesa
(1780-1784), durante o reinado de Jorge III. (N.T.)
500. São Cristóvão é a maior ilha do atual Estado de São Cristóvão e Névis no Caribe. (N.T.)
501. Para Smith, é uma regra geral que os benefícios obtidos por meio de um monopólio
sejam necessariamente restritos aos que são beneficiados pelo monopólio, e
contrabalançados pela queda dos benefícios nos outros ramos do comércio. (N.R.T.)
502. Em todas as situações, Smith relaciona os retornos do capital a um critério que foi
apresentado no Livro II, o período de retorno do capital. Se o capital produz o mesmo
retorno de lucro — digamos, 10% do valor original aplicado — em dois anos, em vez de em
um ano, é claro que o retorno medido pela taxa de lucro será menor no primeiro caso. Nem
sempre fica clara, nos exemplos de Smith, essa distinção entre retorno absoluto ou
relacionado ao valor do capital original e retorno referido a um período-padrão —
geralmente, um ano. Além do período de retorno, há outros fatores (devidamente
ponderados nesta passagem), como risco. (N.R.T.)
503. No limite, para Smith existe um montante de capital no país que, sendo transferido para
certo ramo do comércio, deixará de ser utilizado em outros. O critério preferencial é o
emprego de trabalho produtivo britânico; daí segue a ordem de preferências agricultura-
manufatura-diversos tipos de comércio (também ordenados). De todo modo, Smith não
concebe capital desocupado: há capital mais e menos bem ocupado no que se refere a seus
impactos sobre o emprego e os rendimentos no país. E poucas vezes — nenhuma em caráter
sistemático e decisivo — é mencionada a possibilidade de o crédito vir a proporcionar uma
frente de expansão para o capital sem prejuízo dos demais capitais. Implícita está a ideia de
que o crédito drena recursos que poderiam ser aplicados em um setor em benefício de outro.
A teoria da acumulação de capital de Smith não é uma teoria do crédito, por mais que
dinheiro e crédito tenham sido objetos do Livro II, que trata da acumulação. (N.R.T.)
504. O crescimento “antinatural” provocado pelo regime de monopólios, as vantagens do
“sistema de liberdade natural”, são juízos associados não apenas a aspectos econômicos
(emprego e taxa de acumulação), mas à distribuição do equilíbrio político na nação e à
atenuação da possibilidade de crises concentradas, provocada pela mudança nas condições
dos negócios monopolistas. Em suma, o balanço político da nação também está em jogo na
defesa incondicional da concorrência feita por Smith. (N.R.T.)
505. Smith reafirma nesta passagem a ordem de preferência das modalidades de comércio:
comércio exterior de bens de consumo com vizinhos; com países distantes; comércio exterior
indireto de consumo; comércio de transporte. Reafirma também o critério para o
estabelecimento das preferências: volume de emprego de trabalho produtivo no país. (N.R.T.)
506. Smith admite afinal as vantagens do comércio colonial britânico, mas as atribui à
extensão dos mercados. Tamanhas foram as vantagens abertas pelo comércio colonial que
mais do que compensaram os malefícios do monopólio. (N.R.T.)
507. Nesta comparação entre Espanha e Portugal, por um lado, e Inglaterra, pelo outro, há
uma síntese dos fatores institucionais levados em consideração por Smith no progresso dos
países. Neles, a administração imparcial da justiça é fundamental. (N.R.T.)
508. O preço da terra em proporção à renda anual (years purchase) era o modo corrente de
expressar o preço da terra e de organizar uma escala de preços, tanto na Inglaterra quanto em
outros países. O aumento da taxa de juros reduz o preço da terra pelo critério de proporção à
renda anual. (N.R.T.)
509. Lembrando que 1 libra contém 20 xelins, logo, 2 xelins por libra significa um imposto
de 10% além do que já existia. (N.T.)
510. Este parágrafo contém a síntese do pensamento de Smith sobre a política colonial
inglesa referente à América do Norte, em momentos de grande mobilização política e militar
em torno do processo de independência colonial. (N.R.T.)
511. Charles-Jean-François Hénault foi escritor e historiador francês; publicou Abrégé
chronologique de l’histoire de France (Resumo cronológico da história da França), Paris, 1744.
(N.T.)
512. Smith era favorável à participação dos representantes da América do Norte no
Parlamento britânico e à plena integração dessa colônia à Grã-Bretanha. Aqui e em outras
passagens, no entanto, fica claro que encara com ceticismo a aceitação de suas propostas.
(N.R.T.)
513. A convergência entre os benefícios do capital individual e os da sociedade é uma
expressão concreta do princípio de que a busca dos interesses privados beneficia a
coletividade. O princípio se aplica em situações em que a “liberdade natural” domina, vale
dizer, na ausência de monopólios e arranjos institucionais que embaraçam a concorrência.
(N.R.T.)
514. A Companhia das Índias Orientais é o monopólio comercial mais atacado por Smith.
Não por acaso, Thomas Mun, identificado em A riqueza das nações como representante
intelectual máximo do sistema mercantil, foi dirigente dessa companhia. (N.R.T.)
515. Modernamente chamados de coisãs. (N.T.)
516. Sociedades de caçadores e pescadores, de pastores, de agricultores, e comerciantes: estes
são os estágios típicos de evolução das sociedades, conforme Smith. (N.R.T.)
517. Atual Jacarta, na Indonésia. Era a capital das Índias Orientais holandesas. (N.T.)
518. A atuação da Companhia das Índias Orientais na Índia, na qualidade de companhia
monopolista e também de responsável pelo governo local, foi acerbamente atacada por
Smith. (N.R.T.)
519. O interesse de todo proprietário de capital da Companhia das Índias, entretanto, não é
de forma alguma igual ao do país em cujo governo seu voto lhe oferece alguma influência.
Ver Livro V, capítulo I, parte III. (N.A.)
520. 3 Edward IV, c.4 (1463). (N.T.)
521. 39 Elizabeth I, c.14 (1597). (N.T.)
522. 3 Charles I, c.5 (1627) e 14 Charles II, c.19 (1662). (N.T.)
523. 24 George II, c.46 (1756). (N.T.)
524. Isto é, 112 libras, ver “Notas à tradução”, “Pesos e medidas”, “Sistema avoirdupois”. (N.T.)
525. 29 George II, c.15 (1756). (N.T.)
526. 10 George III, c.38 (1770) e 19 George III, c.27 (I779). (N.T.)
527. No sistema avoirdupois, 1 tonelada é igual a 20 hundredweight, isto é, 2.240 libras. Duas
mil duzentas e quarenta libras equivalem a 1.016 quilos. (N.T.)
528. 21 George II, c.30 (1747). (N.T.)
529. 4 George III, c.26 (1764). (N.T.)
530. 5 George III, c.45 (1765). (N.T.)
531. 9 George III, c.38 (1769). (N.T.)
532. 11 George, c.50 (1771). (N.T.)
533. Recipientes para armazenar líquidos, em ordem crescente: barrel (barril), hogshead,
pipe (pipa) e tun (tonel). (N.T.)
534. 19 George III, c.37 (1779). (N.T.)
535. 8 Elizabeth I, c.3 (1566). (N.T.)
536. 14 Charles II, c.18 (1662). (N.T.)
537. William Hawkins (1673-1746) escreveu um tratado sobre direito criminal, A Treatise of
the Pleas of the Crown (Tratados dos fundamentos da Coroa), London, 1716. (N.T.)
538. 12 Charles II, c.32, s.3 (1660). (N.T.)
539. 7 e 8 William III, c.28, s.4 (1695). (N.T.)
540. O “benefício do clero” era um instrumento para evitar a pena de morte. (N.T.)
541. John Smith, Chronicon Rusticum-Commerciale (Crônicas comerciais rústicas) ou
Memoirs of Wool (Histórias da lã). (N.T.)
542. Um princípio semelhante de equidade, aplicado à tributação, será apresentado no Livro
V, capítulo II. (N.R.T.)
543. 14 Charles II, c.7 (1662). (N.T.)
544. 5 e 6 William e Mary, c.17 (1694). (N.T.)
545. 9 William III, c.26 (1697). (N.T.)
546. 8 George I, c.15 (1721). (N.T.)
547. 25 George II, c.32 (1751). (N.T.)
548. 5 George III, c.37 (1765). (N.T.)
549. 14 George III, c.10 (1774). (N.T.)
550. Isto é, 80 pence (N.T.)
551. Isto é, 30 pence (N.T.)
552. O caldeirão de Newcastle era usado para medir o carvão que vinha do norte da
Inglaterra e equivalia, em 1694, a 5.940 libras-peso; já o caldeirão de Londres era a medida-
padrão no leste e no sul da Inglaterra e equivalia a 36 bushels ou 3.140 libras-peso. (N.T.)
553. 7 e 8 William III, c.20 (1695). (N.T.)
554. 14 George III, c.10 (1774). (N.T.)
555. 5 George I, c.27 (1718). (N.T.)
556. 23 George II, c.13 (1749). (N.T.)
557. O consumo como fim último da produção é uma máxima repetida por Smith ao longo
de A riqueza das nações. A produção de equipamentos, por exemplo, é vista como um ato
intermediário visando à máxima produção de bens de consumo. Sem entrar em detalhes
sobre as implicações dessa visão de consumo e produção, vale notar que, no momento, Smith
está apenas confrontando os interesses do consumidor e os do produtor. Seria indevido
proteger o segundo em detrimento do primeiro. (N.R.T.)
558. Por “sistemas agrícolas” Smith entende a fisiocracia, uma corrente de pensamento
econômico que se firmou na França, tendo seu apogeu entre 1755 e 1770. A partir do
entendimento de que a agricultura representa a origem do excedente econômico, sendo,
portanto, “a única fonte de rendimentos”, a fisiocracia se converteu em um movimento cujas
principais bandeiras foram a defesa do liberalismo e a imposição de um único tributo sobre a
renda da terra (ou o excedente agrícola). Smith e Hume tinham um conhecimento profundo
da fisiocracia, e Smith teve a oportunidade de encontrar os principais representantes da
corrente em sua estadia em Paris, em 1766. (N.R.T.)
559. O “colbertismo” é considerado a expressão francesa do mercantilismo e se caracteriza
em especial pela defesa das manufaturas francesas por meio de toda sorte de proteções. Os
fisiocratas (e Smith) combatem o “colbertismo”. (N.R.T.)
560. A divisão da sociedade em três classes caracterizadas por sua posição econômica — a
dos proprietários rurais, a dos fazendeiros e cultivadores agrícolas e a dos trabalhadores — e,
em especial, a articulação entre rendimento e produção, uma característica expressiva da
abordagem de Smith, são uma herança clara da fisiocracia. (N.R.T.)
561. A identificação da renda da terra como o produto líquido após o pagamento das
despesas de cultivo, uma das conclusões da fisiocracia, na verdade é uma ideia desenvolvida
por Cantillon, no Ensaio sobre a natureza do comércio em geral (1755). Esta obra, escrita por
volta de 1730, foi publicada na França em 1755 por iniciativa de defensores da fisiocracia.
Smith se refere em A riqueza das nações ao Ensaio de Cantillon, cuja antecipação de diversas
das contribuições em geral atribuídas aos fisiocratas é notável. (N.R.T.)
562. Em A riqueza das nações Smith também enfatiza a importância dos adiantamentos
feitos pelos proprietários na melhoria da terra, até mesmo para torná-la cultivável. (N.R.T.)
563. Este, naturalmente, é um ponto de ruptura de Smith com os fisiocratas. Para ele, os
gastos dos produtores manufatureiros (a aplicação de seu capital) retorna com lucros, e o
trabalho manufatureiro é produtor de excedente. Além disso, na medida em que a divisão do
trabalho pode ir mais longe nas manufaturas que na agricultura, o trabalho manufatureiro é
um produtor privilegiado de excedente. O produto final claramente excede o custo das
matérias-primas e da manutenção dos envolvidos na produção — conclusão que contraria a
tese fisiocrática. (N.R.T.)
564. Parcimônia, como visto anteriormente, é uma ideia-chave em Smith. Na verdade, no
capítulo IX do Livro IV, Smith tanto descreve e critica a fisiocracia quanto efetua uma
apresentação de seu sistema de pensamento econômico. (N.R.T.)
565. Smith introduz aqui uma ideia muito importante, que é a possibilidade de
especialização de “estados mercantis”, e a utilidade e conveniência dessa especialização a
todas as nações. Essa conveniência será aproveitada de modo mais intenso, naturalmente, em
um ambiente de livre-comércio. (N.R.T.)
566. O desdobramento da agricultura em direção à manufatura e ao comércio é uma ideia
importante em Smith, comentada sob diversos ângulos no Livro III e no Livro IV. (N.R.T.)
567. François Quesnay (1694-1774) foi médico e economista francês da escola dos
fisiocratas. (N.T.)
568. Smith se refere ao “Quadro econômico” de Quesnay, que, em diversas versões, expõe o
sistema fisiocrático e o ilustra numericamente por meio de uma tabela (ou quadro) de
circulação do produto social na economia. (N.R.T.)
569. O exemplo de Smith, para mostrar que o trabalho não agrícola é produtivo, é confuso.
Se o artesão executa um “trabalho que vale 10 libras” e ao mesmo tempo consome 10 libras,
não haverá, em princípio, o referido excedente de 10 libras. E, para que o valor produzido
seja 20, “o valor consumido e produzido durante esses seis meses” não pode ser igual a 20;
salvo se Smith se refere ao consumo do artesão envolvido e de outras pessoas. (N.R.T.)
570. Ver Livro I, capítulo I. (N.A.)
571. Smith reafirma a importância da divisão do trabalho no trabalho manufatureiro, e os
limites à divisão do trabalho na agricultura. (N.R.T.)
572. Para Smith, a defesa do liberalismo e o ataque à concepção mercantilista de riqueza
metálica são as grandes virtudes da fisiocracia. (N.R.T.)
573. Eles se chamavam de “economistas”, mas são conhecidos como fisiocratas. Fisiocracia,
isto é, o governo da natureza, é uma teoria econômica desenvolvida na França do século
XVIII. Opondo-se ao mercantilismo, seus expoentes acreditavam que a riqueza nacional era
gerada pelo trabalho produtivo, não pelo acúmulo de ouro. Para eles, apenas o trabalho
agrícola podia ser chamado de produtivo. (N.T.)
574. Pierre-Paul Le Mercier de La Rivière (1719-1801) foi administrador colonial e
economista fisiocrata. Foi intendente da Martinica, nas Índias Ocidentais, entre 1759 e 1764.
(N.T.)
575. Victor Riqueti, marquês de Mirabeau (1715-1789), foi economista fisiocrata e filósofo
francês. (N.T.)
576. Ver o Diário do senhor De Lange in Bell’s Travels, vol. II. p. 258, 276. e 293. (N.A.)
John Bell (1691-1780), médico e viajante escocês, escreveu Travels from St. Petersburg in
Russia to diverse parts of Asia (Viagens para várias partes da Ásia a partir de São Petersburgo,
na Rússia). Glasgow, 1763. (N.T.)
577. Plínio, I. IX, c.39. (N.A.)
Plínio, História natural, IX, XIII (N.T.)
578. John Arbuthnot (1667-1735) foi médico e polímata residente em Londres. Ver Tables of
Ancient Coins, Weights and Measures (Tabelas de moedas, de pesos e de medidas antigos).
London, 1727, p. 140-148. (N.T.)
579. Embora Smith veja o colbertismo como uma forma elevada de dirigismo estatal, nesta
passagem sua visão ultrapassa a crítica estrita à política francesa dos séculos XVII e início do
XVIII e seu comentário se dirige à impossibilidade de qualquer soberano — qualquer
política — orientar a acumulação dos capitais individuais. Smith prepara a apresentação dos
“deveres do soberano” e dos meios de cumpri-los — objeto do Livro V. (N.R.T.)
580. Batalha ou Cerco de Veios. Batalha ocorrida em aproximadamente 396 a.C. entre a
República Romana e os etruscos da cidade de Veios. (N.T.)
581. Para explicar as despesas com a defesa, Smith fez uma progressão pelos quatro estágios
de evolução das sociedades: caça e pesca, pastoreio, agricultura e, finalmente, sociedade
comercial. Os requisitos e as possibilidades de defesa variam de um estágio a outro.
Naturalmente, Smith pretende debater as características da defesa em uma sociedade
moderna ou mercantil. (N.R.T.)
582. Note-se que Smith introduz uma variante. Não apenas o estágio da sociedade implica
profissionalização do exército. O aprimoramento da arte da guerra também exige
profissionalização. (N.R.T.)
583. À época de Smith, havia na Inglaterra e na Escócia uma contenda política entre os
defensores da milícia e os que acreditavam que tropas regulares (standing army) bastavam
para a manutenção da segurança e da paz internas. Essa polêmica explica a extensão que
Smith, um defensor do exército regular, dedica ao tema em A riqueza das nações. (N.R.T.)
584. O exército romano saiu derrotado nas batalhas de Trébias (218 a.C.), do Lago
Trasimeno (217 a.C.) e de Canas (216 a.C.).
585. A Batalha de Zama (202 a.C.) decidiu a segunda Guerra Púnica. Nela, Cipião Africano
derrotou as forças militares de Cartago, lideradas por Aníbal. (N.T.)
586. Andrisco, último rei da Macedônia, derrotado em 148 a.C. (N.T.)
587. O papel do exército excede o de repulsão dos inimigos externos: é essencial à
manutenção da paz interna. Os riscos à liberdade, a que Smith se refere a seguir, eram os
argumentos evocados na Inglaterra, desde o século XVII, contra o controle ou a eliminação
das milícias locais. (N.R.T.)
588. Um exército permanente é condição essencial não apenas para a manutenção da paz
interna, conforme Smith, mas para assegurar as dissensões e diferenças de opinião inerentes
a um regime de liberdade. (N.R.T.)
589. No Livro III, e mesmo no Livro IV, a forma de distribuição de justiça já é identificada
por Smith como um elemento crucial no estabelecimento de distinção entre sociedades
opressivas e livres. Note-se que é o estabelecimento de formas mais avançadas ou
significativas de propriedade que expande as contendas e, portanto, aumenta as exigências de
justiça. A rigor — e como se verá adiante —, o próprio estabelecimento de um governo civil
está relacionado à emergência da propriedade. (N.R.T.)
590. O comando sobre pessoas e sobre trabalho, como foi visto no Livro I, é um elemento
essencial da concepção de valor de Smith. Na verdade, para Smith, a evolução das
sociedades, o aumento do excedente e o modo como esse excedente é distribuído e
transacionado mudam as formas de “comandar” trabalho. (N.R.T.)
591. Amercement, em inglês, literalmente, significa “estar à mercê de” e era uma pena
pecuniária imposta pela corte ou pelos pares ao infrator. A diferença entre uma multa (fine) e
a pena em tela (amercement) é que a primeira possuía um montante fixo e era voluntária, isto
é, era paga para obter algum favor do rei ou para evitar uma punição; enquanto a segunda
era obrigatória e arbitrada por quem a impunha. (N.T.)
592. Essas instruções encontram-se em: Tyrrel, J., General History of England, both
Ecclesiastical and Civil (História geral da Inglaterra, eclesiástica e civil), 1700, vol. II, p. 576-
579. (N.A.)
593. Henrique II (1133-1189) estabeleceu tribunais itinerantes (circuit court, em inglês).
Seus juízes perfaziam um circuito anual, visitando vários locais e levando a justiça real às
pessoas; dispensava-se, assim, a necessidade de as pessoas se deslocarem até Londres para
que seus casos fossem ouvidos. Atualmente o termo faz referência a um tribunal com sede
em dois ou mais locais de uma mesma jurisdição, um tribunal regional. (N.T.)
594. Honraria como forma de remuneração, ou como um substituto à remuneração
pecuniária, é um tema sempre presente em Smith. Ver adiante suas considerações sobre a
remuneração de professores e clérigos. (N.R.T.)
595. As despesas públicas analisadas no Artigo I têm sido muito consideradas pelos
economistas modernos, por encontrarem semelhanças entre os critérios estabelecidos por
Smith e aqueles que identificam um “bem público”. “Bem público” é um bem com
características peculiares — indivisibilidade, impossibilidade de exclusão de usuários,
benefícios amplos — que fundamenta a teoria das finanças públicas desde meados do século
XX. (N.R.T.)
596. A distribuição de tributos ou de tarifas sobre ricos e pobres é uma matéria analisada
por Smith no capítulo II do Livro V. (N.R.T.)
597. Desde que publiquei as duas primeiras edições desta obra, tenho boas razões para
acreditar que o total das taxas de pedágio recolhidas na Grã-Bretanha não produz uma
receita líquida que chegue a meio milhão, quantia que, sob a administração do governo, não
seria suficiente para manter cinco das principais estradas do Reino. (N.A.)
598. Tenho atualmente boas razões para acreditar que todas essas estimativas estão muito
exageradas. (N.A.)
599. As companhias regulamentadas e as sociedades por ações podem deter, como diz
Smith, privilégios governamentais. As companhias por ações, no entanto, são abertas e seus
resultados são distribuídos na proporção das cotas dos proprietários diversos. As
companhias regulamentadas pertencem a um grupo específico de titulares. Adiante, Smith
vai detalhar as diferenças entre as duas formas de sociedade. (N.R.T.)
600. 10 e 11 William III, c.6 (1698). (N.T.)
601. 25 Charles II, c.7 (1672). (N.T.)
602.
Josiah Child (c. 1630-1699) foi um político e comerciante inglês autor de New Discourse of
Trade (Novo discurso sobre o comércio), 1668. (N.T.)
603. Nas cidades inglesas medievais, os homens livres (free of the city, em inglês), isto é, seus
“cidadãos”, desfrutavam de direitos e privilégios que os forasteiros não tinham. (N.A.)
604. 26 George II, c.18 (1753). (N.T.)
605. 23 George II, c.31 (1749). (N.T.)
606. 4 George III, c.20 (1764). (N.T.)
607. Cursitor Baron of the Exchequer, em inglês: juiz do tribunal do tesouro inglês. (N.T.)
608. Board of Admiralty, em inglês: Conselho do Almirantado. (N.T.)
609. Adam Anderson (1692-1765), economista escocês, foi funcionário da Companhia dos
Mares do Sul e, em 1764, publicou The Historical and Chronological Deduction of Commerce.
(N.T.)
610. As ações da Companhia dos Mares do Sul estiveram ligadas a um forte processo
especulativo no mercado financeiro londrino nos anos de 1719 e 1720, o qual redundou em
quebra generalizada na bolsa de valores e mesmo em crise da economia inglesa, em 1720.
Essa crise, conhecida como South Sea Bubble, foi concomitante e guardou certa semelhança
com a crise do Sistema de Mississippi, ocorrida na França na mesma época em decorrência
das políticas de reforma monetária impulsionadas por John Law. Ambos os episódios
passaram a designar, na geração de Smith, aventuras financeiras malsucedidas e com amplas
repercussões econômicas negativas. (N.R.T.)
611. Pelo Tratado de Utrecht, em 1713, os ingleses ganharam o Contrato de Asiento para o
tráfico de escravos por trinta anos. O tratado assinado em Utrecht, nos Países Baixos, entre
1713 e 1715, pôs fim à guerra da sucessão espanhola (1701-1714). (N.T.)
612. Comemoração cristã do calendário litúrgico anglicano, luterano e de algumas igrejas
cristãs ortodoxas que ocorre em 29 de setembro. (N.T.)
613. Joseph Marquis Dupleix (1697-1763) foi governador-geral da Índia Francesa, nome
geral das possessões coloniais do país no subcontinente indiano. Atualmente, Pondicherry é
o nome de uma cidade indiana, capital do território de mesmo nome. O município se tornou
colônia francesa em 1674. Dupleix chegou à Índia em 1715 e logo começou a reunir tropas
para expandir a influência francesa na região. (N.T.)
614. Esta associação entre sociedades por ações voltadas à prática de comércio exterior e
monopólios é muito representativa dos limites vistos por Smith à atuação bem-sucedida de
sociedades por ações. Adiante, Smith especifica quais negócios considera compatíveis com a
forma de sociedade por ações. (N.R.T.)
615. Em sua formação, Smith teve uma experiência longa e não muito proveitosa como
aluno bolsista na Universidade de Oxford. Smith atribui parte do fracasso do ensino em
Oxford ao fato de que, sendo a remuneração dos professores totalmente independente do
pagamento de taxas pelos alunos matriculados, eles não se esforçariam para manter um nível
elevado em suas classes de modo a atrair alunos. Smith contrasta fortemente os regimes em
Oxford e na Universidade de Glasgow, onde estudou e veio a se inserir profissionalmente.
(N.R.T.)
616. Esopo foi um fabulista grego nascido no final do século VII a.C. ou no início do século
VI a.C. (N.T.)
617.
O Livro dos Provérbios ou Provérbios de Salomão é o segundo livro da Bíblia hebraica e o
24º livro dentre os livros poéticos e sapienciais do Antigo Testamento da Bíblia cristã. (N.T.)
618. Teógnis de Mégara foi um poeta lírico grego do século VI a.C.; Focílides,
contemporâneo de Teógnis, foi um poeta grego de Mileto. (N.T.)
619. Esta passagem, que confere pouco crédito às experiências no exterior de jovens com
recursos, é curiosa porque o próprio Smith foi tutor de um jovem aristocrata no exterior no
período que imediatamente antecede a redação de A riqueza das nações. (N.R.T.)
620. Políbio (c. 203 a.C.-120 a.C.) foi um geógrafo e historiador da Grécia Antiga; sua obra
Histórias trata do mundo Mediterrâneo entre 220 a.C. e 146 a.C. (N.T.)
621. Dionísio ou Dioniso de Halicarnasso foi um historiador e crítico literário grego da Ásia
Menor. (N.T.)
622. Smith é um defensor da instrução pública para os pobres. Em seu entendimento, entre
outros méritos, um mínimo de educação combate o embrutecimento a que as ocupações
manuais regulares em uma sociedade moderna conduzem os jovens. (N.R.T.)
623. Dissidentes ingleses ou não conformistas. Grupo da Reforma Protestante inglesa que se
opunha à intervenção do Estado; entre eles podemos citar os batistas, os metodistas, os
presbiterianos e os quakers. (N.T.)
624. David Hume (1711-1776) foi um filósofo escocês conhecido por seu empirismo e
ceticismo. (N.T.)
625. Guerra Civil Inglesa (1642-1649) entre os partidários do rei Carlos I da Inglaterra e o
Parlamento (liderado por Oliver Cromwell).
626. Casa de Stuart era uma família nobre real da Escócia, Inglaterra, Irlanda e, por fim, da
Grã-Bretanha. Originada em Robert II da Escócia em 1371, seu último monarca foi a rainha
Ana da Grã-Bretanha (1702-1714). (N.T.)
627. Conde de Choiseul, Étienne-François (1719-1785) foi embaixador e, mais tarde,
secretário de Estado de Luís XV. (N.T.)
628. Colação é o direito de conferir benefícios eclesiásticos. (N.T.)
629. Ius Praesentandi, em latim, é o direito de indicar clérigos quando o cargo ficava vago.
(N.T.)
630. Cristiano II (1481-1559) foi rei da Dinamarca e da Noruega de 1513 até sua deposição,
em 1523, e rei da Suécia entre 1520 e 1521; Gustavo Trolle (1488-1535) foi arcebispo de
Upsala; Gustavo Vasa (1496-1560), ou Gustavo I, foi rei da Suécia de 1523 até sua morte.
(N.T.)
631. Ulrico Zuínglio (1484-1531) foi um teólogo, líder da Reforma Protestante na Suíça.
João Calvino (1509-1564) foi um teólogo cristão francês que se converteu ao protestantismo
por volta de 1533, o qual passou a ensinar. (N.T.)
632. 10 Anne, c.21 (1711). (N.T.)
633. Voltaire, pseudônimo de François-Marie Arouet (1694-1778), foi um filósofo iluminista
francês. Defensor das liberdades civis, religiosa e de comércio. (N.T.)
634. Charles Porée (1675-1741), nascido na Normandia, é citado em O século de Luís XIV.
(N.T.)
635. Pierre Gassendi (1592-1655) foi filósofo, astrônomo, matemático e clérigo francês.
(N.T.)
636. Períodos e pessoas: Lísias (459 a.C.-380 a.C.); Isócrates (436 a.C.-338 a.C); Platão (c.
428 a.C.-c. 348 a.C.); Aristóteles (384 a.C-322 a.C.); Plutarco (46-120); Epicteto (55-
135); Suetônio (69-141) e Quintiliano (35-95). (N.T.)
637. Ver Mémoires Concernant les Droits & Impositions en Europe (Relatos sobre os deveres e
encargos na Europa), tomo I, p. 73. Essa obra foi compilada por ordem da corte para uso de
uma comissão que, há alguns anos, estudou os meios apropriados para a reforma das
finanças da França. O relato sobre os tributos franceses, que ocupam três volumes in quarto,
pode ser considerado perfeitamente autêntico. O relato sobre os tributos de outras nações
europeias é uma compilação das informações que os ministros franceses nas diferentes cortes
conseguiram obter; é muito mais breve e provavelmente não tão exato quanto o relato sobre
os tributos franceses. (N.A.)
Beaumont, J. L. M. (1715-1785), Mémoires Concernant les Droits et Impositions en Europe,
publicado em Paris nos anos de 1768 e 1769. (N.T.)
638. Lorenzo de Médici (1449-1492) foi soberano de facto da República Florentina. (N.T.)
639. Ver Mémoires Concernant les Droits & Impositions en Europe, tomo I, p. 73. (N.A.)
640. A abordagem dos tributos de Smith está totalmente vinculada à sua teoria dos
rendimentos, exposta no Livro I. Inclui ainda o exame da incidência tributária, vale dizer, a
determinação de quem efetivamente arca com o tributo que é lançado sobre uma das rendas
(ou categorias sociais) específicas. A incidência depende do impacto dos tributos sobre os
diversos preços, da reação dos consumidores a variações de preços e também da relação
entre preços e rendimentos. Smith tinha ideias próprias sobre estes elementos, expostas no
Livro I, porém complementadas ou evidenciadas com mais apuro no Livro IV e,
especialmente, no Livro V. (N.R.T.)
641. As quatro máximas de tributação estarão sempre presentes na avaliação de cada tributo
específico. Nem sempre um tributo consegue atender às quatro máximas, escapando a uma
ou mais delas. Nesses casos, Smith fará uma avaliação sobre a gravidade da infringência das
normas diante das eventuais virtudes do tributo específico. (N.R.T.)
642. Equidade tributária é um objetivo sempre perseguido, e até hoje discutido, pelos
economistas. As diversas percepções de equidade dependem não apenas das concepções de
justiça social, mas também das teorias de rendimentos e preços assumidas. (N.R.T.)
643. Notar que a incerteza é tão mais agravada quanto, no século XVIII, o coletor mais
pudesse dispor de certa autonomia no tocante aos critérios de cobrança dos tributos.
Havendo fazendas privadas, ou seja, licenças de arrecadar arrendadas a indivíduos, a
incerteza pode ser levada a extremos. (N.R.T.)
644. Em uma sociedade em que formas expressivas de rendimento — por exemplo, a renda
da terra — eram arrecadadas em datas previstas e espaçadas (na Inglaterra, a renda da terra
era paga em prestações semestrais), a coincidência entre o recebimento da renda e a
obrigação de tributar era um critério muito importante. (N.R.T.)
645. Ver Sketches of the History of Man (Aspecto geral da história do homem), p. 474 ss.
(N.A.)
Henry Home, Lord Kames (1696-1782), foi um juiz, advogado e filósofo escocês. Sketches foi
publicado em 1774. (N.T.)
646. O “exame odioso dos coletores de impostos” era execrado por Smith. (N.R.T.)
647. 4 William e Mary, c.1 (1692). (N.T.)
648. Os fisiocratas franceses eram denominados como “os economistas”, grupo de
economistas e homens de Estado liderados por François Quesnay. (N.R.T.)
649. Ver Mémoires Concernant les Droits & Impositions en Europe, p. 240, 241. (N.A.)
650. Smith acredita que o pagamento do arrendamento em bens agrícolas, e não em
dinheiro, indica propriedades atrasadas e arrendatários sem poder de capitalização. (N.R.T.)
651. Se todos os grandes proprietários cultivassem suas próprias terras, desapareceria o
regime de arrendamento capitalista que caracteriza a agricultura moderna. (N.R.T.)
652. Doomsday book (Livro do Juízo Final), em inglês, foi o resultado de um grande
levantamento topográfico da Inglaterra e de partes do País de Gales requisitado por
Guilherme I e finalizado em 1088. (N.T.)
653. Mémoires Concernant les Droits & Impositions en Europe, tomo I, p. 114, 115, 116, etc.
(N.A.)
654. Ibidem, p. 83, 84. (N.A.)
655. Ibidem, p. 208, etc., também p. 287, etc. até 316. (N.A.)
656. Mémoires Concernant les Droits & Impositions, tomo II, p. 139, etc. (N.A.)
657. Planta da espécie Rubia tinctorum. (N.T.)
658. Nota-se que em nenhum momento Smith esconde sua inconformidade com um tributo
pago à Igreja. (N.R.T.)
659. Smith se refere ao fato de que a variação do valor dos metais, assim como da
quantidade de metais em moedas de mesma denominação, introduz uma variável adicional
no valor real da renda da terra percebida, que é a variação no valor real (expresso em grãos,
ou em trabalho) da moeda percebida como pagamento. (N.R.T.)
660. Desde a publicação da primeira edição desta obra, foi criado um tributo cujos
princípios se aproximam dos acima mencionados. (N.A.)
661. Nota-se que Smith se refere a um imposto sobre a renda da terra, e não a um imposto
sobre certa modalidade de propriedade (a terra). E, no que se refere à renda da terra, dois
fatores estão em jogo na análise de sua conveniência: a terra tanto pode proporcionar renda
ao proprietário que nada ou muito pouco faz por ela como ao proprietário que efetua
despesas em sua melhoria. O terreno urbano não envolve essa última despesa pelo
proprietário, e por tal razão a renda do terreno se parece mais própria a uma tributação
específica. Além disso, a renda do terreno urbano beneficia-se muito com a despesa do
soberano — mais um motivo para conceder ao Estado uma parte dela. (N.R.T.)
662. Mémoires Concernant les Droits & Impositions en Europe, p. 223. (N.A.)
663. Mémoires Concernant les Droits & Impositions en Europe, tomo I, p. 74. (N.A.)
664. Mémoires Concernant les Droits & Impositions en Europe. tomo I, p. 163, 166, 171.
(N.A.)
665. Copyholders, em inglês, são pessoas detentoras de um título consuetudinário de posse
de terras. Literalmente são os “detentores de uma cópia” do registro da parcela de terra a ele
cedida. Esse registro era guardado na casa do proprietário da terra. (N.T.)
666. Mémoires Concernant les Droits & Impositions en Europe, tomo II, p. 17. (N.A.)
667. Pode-se argumentar que, se muitos comerciantes retiram produtos do mercado para
elevar o preço, alguns comerciantes optarão por vender todas as suas mercadorias àquele
preço mais alto, esvaziando o movimento. Enfim, se há concorrência, o comportamento
previsto por Smith pode não se realizar. E, de todo modo — e quase analogamente ao
agricultor do exemplo subsequente —, o comerciante que retirar produtos do mercado
deixará uma parte de seu capital sem rendimento, o que não é o desejado. (N.R.T.)
668. O imposto sobre o escravo é um tributo sobre a propriedade, o qual, naturalmente, terá
de ser pago a partir dos lucros obtidos no negócio pelo proprietário do escravo. O
rendimento afetado é o lucro do dono. Já o imposto pessoal sobre homens livres terá de ser
pago a partir da renda que a pessoa obtiver pelo exercício de suas atividades, pelo emprego
de seu capital ou pelos rendimentos de suas propriedades. Mas parece que o decisivo é o
aspecto simbólico entendido por Smith: pagar imposto é um símbolo de liberdade. (N.R.T.)
669. Livro 55º. Ver também Burman, De Vectigalibus Populi Romani, capítulo XI; e
Bouchaud. De l’Impôt du Vingtième sur les Successions. (N.A.)
670. Ver Mémoires Concernant les Droits & Impositions en Europe, tomo I, p. 225. (N.A.)
671. Mémoires Concernant les Droits & Impositions en Europe, tomo I, p. 154. (N.A.)
672. Ibidem, p. 157. (N.A.)
673. Mémories Concernant les Droits & Impositions en Europe, tomo I, p. 223, 224, 225.
(N.A.)
674. Smith toca aqui em um ponto que é, para ele, chave. Todo ou quase todo imposto —
transferência de renda da população para o governo — representa subtração de recursos que
podem ser aplicados em trabalho produtivo, para gastos (do governo) que, por definição,
implicam contratação de trabalho improdutivo. (N.R.T.)
675. Não estar sujeito a outro inconveniente, senão o de pagar o tributo, é uma expressão
muitas vezes repetida por Smith. Indica que o tributo atende às “quatro máximas”, não
causando, portanto, os constrangimentos possíveis identificados por cada uma das máximas.
(N.R.T.)
676. Mémoires Concernant les Droits & Impositions en Europe, tomo II, p. 108. (N.A.)
677. Livro I, capítulo VIII. (N.A.)
678. Mémoires Concernant les Droits…, p. 210, 211. (N.A.)
679. Le Réformateur. (N.A.)
680. O termo alfândega, em português, por sua vez, origina-se do árabe al-fundaq,
“estalagem, hospedaria”. (N.T.)
681. Há uma análise detalhada dos subsídios e drawbacks no Livro IV, uma vez que estes
eram, na visão de Smith, os tributos por excelência do “sistema mercantil”. Nota-se que, além
de induzirem a fraudes variadas, esses tributos eram vistos também como responsáveis por
registros enganosos nas alfândegas, distorcendo o que habitualmente se apurava como
resultado da balança comercial. (N.R.T.)
682. Isto é, 57,45 pence para cada 240 pence, quase 5 pence por libra. (N.T.)
683. A saber, 5 x 5%, isto é 25%. (N.T.)
684. Smith comenta dois aspectos indesejados, ou não esperados pelas autoridades, dos
tributos sobre importação. Um deles é o incentivo ao contrabando. O outro é a promoção de
uma elevação de preços que, no limite, reduza o montante arrecadado, devido à redução do
consumo da mercadoria. Este último aspecto, diretamente relacionado à incidência,
demanda no entanto uma análise dos bens cujo consumo seria favorecido por essa
“liberação” da renda dos consumidores do montante antes gasto com o bem tributado. A
análise é de certa complexidade por envolver a substituição de um produto por outro
conforme a reação do consumo às variações de preços dos diversos bens — ou ao que se
denomina de elasticidade-preço cruzada da demanda. Smith às vezes alude à reatividade da
quantidade demandada aos preços; porém, em situações em que os bens são em certa
medida substituíveis por outros, não leva adiante o raciocínio sobre o impacto de variações
dos tributos sobre a receita tributária total. (N.R.T.)
685. Nota-se que Smith não apenas assume que o valor “real” dos bens de primeira
necessidade independe de seu preço — o que está em conformidade com a teoria do valor
exposta no Livro I —, como admite que as acomodações do salário nominal ao preço
nominal das mercadorias se dão sem maiores problemas ou sem intervalos consideráveis
para o ajuste. (N.R.T.)
686. Robert Walpole (1676-1745) foi um político britânico considerado o primeiro
primeiro-ministro de facto da Grã-Bretanha. (N.T.)
687. Low wine, em inglês, é o produto da primeira destilação da cerveja, com teor alcoólico
de aproximadamente 20%. (N.T.)
688. Malt spirits, em inglês. O tempo mínimo de envelhecimento de um whisky é de dois ou
três anos; antes disso, eles são chamados de destilados de malte. (N.T.)
689. Embora os tributos diretamente impostos aos proof spirits (destilados com 50% de água
e 50% de álcool) sejam de apenas 2 xelins e 6 pence por galão, se acrescentarmos isso aos
tributos sobre os vinhos baixos, a partir dos quais são destilados, chegam a 3 xelins e 10,67
pence. Para evitar fraudes, tanto os vinhos baixos quanto os proof spirits são agora tributados
com base no produto de saída do primeiro destilador (washstill). (N.A.)
690. A receita líquida daquele ano, deduzidos os descontos e todas as despesas, foi de
4.975.652 libras, 19 xelins e 6 pence. (N.A.)
691. Nesta apreciação sobre o contrabando e o contrabandista, há dois elementos
importantes. Em primeiro lugar, Smith mostra como há certa tolerância com o contrabando
e poucos se furtam a consumir produtos contrabandeados. O contrabandista é quase
induzido pelo Estado (que impôs tributos muito elevados) a praticar a infração. Em segundo
lugar, de todo modo a atividade do contrabandista dá margem a empregos produtivos,
enquanto a do Estado, por definição, não dá. (N.R.T.)
692. Mémoires Concernant les Droits…, tomo I, p. 455. (N.A.)
693. A importância conferida por Smith à liberdade do comércio interno é imensa: ela
expande os mercados e elimina custos com os exames de trânsito. É muito significativa a
comparação com a França, país que, por admitir diferenças tributárias entre as províncias,
criou um sistema excessivamente complexo. Muito significativa também — porque
inteiramente de acordo com seu sistema — a alusão de Smith aos benefícios que seriam
trazidos pela incorporação da Irlanda e das colônias ao mesmo espaço tributário. (N.R.T.)
694. A objeção de Smith ao arrendamento da arrecadação de tributos a capitalistas privados
é baseada em vários argumentos, que vão dos custos do sistema (já que os arrecadadores
auferem lucros) à falta de sentimentos de compaixão dos arrendatários da receita, sem
esquecer as inúmeras induções à corrupção e ao engano do público provocadas por esse
sistema. (N.R.T.)
695. É muito significativo que Smith conclua o capítulo sobre as receitas públicas com
comentários fundamentados sobre a França e a Holanda; não por acaso, rivais constantes da
Inglaterra e países com economia avançada e regimes políticos liberais ou ao menos não
opressivos (aos olhos de Smith). Com todos os defeitos examinados detidamente ao longo do
capítulo, o sistema inglês é muito mais produtivo do que os dos países rivais e menos sujeito
à infração das quatro máximas fundamentais. (N.R.T.)
696. A despesa com guerras, além de ser imprevista, representava um impacto
extraordinário sobre o orçamento público. A solução é o endividamento. O endividamento
público está, portanto, associado em suas origens — e, como se verá, persistentemente — às
despesas de guerra. (N.R.T.)
697. Smith toca aqui em um ponto essencial, que é a necessidade da existência de
alternativas de aplicação em títulos que rendem juros em uma sociedade mercantil dinâmica.
A dívida pública, portanto, oferece uma saída segura para recursos momentaneamente
ociosos dos capitalistas, que sempre existem em uma sociedade mercantil moderna. (N.R.T.)
698. Smith introduz um ponto essencial que caracterizará com perfeição a dívida pública
inglesa: ela introduz instrumentos (títulos da dívida) que, além da elevada garantia oferecida,
são passíveis de transformação em dinheiro a qualquer momento. São aplicações que rendem
juros e são transformáveis em dinheiro. (N.R.T.)
699. O Banco da Inglaterra, desde sua fundação (1694), foi o grande instrumento de
colocação e circulação da dívida pública inglesa. (N.R.T.)
700. Ver Examen des Réflexions Politiques sur les Finances (Análise das reflexões políticas
sobre finanças). (N.A.)
Livro escrito por Joseph Pâris, chamado de Duverney ou Du Verney ou Du Vernay (1684-
1770). (N.T.)
701. Tally, em inglês. A talha era um pedaço de madeira em que se marcava o que outrem
devia. A talha era, então, quebrada e cada uma das partes, devedor e credor, ficava com um
pedaço. O sistema de talhas foi introduzido na Inglaterra durante o reinado de Henrique I (?
-1135) e manteve-se vigente até 1826. (N.T.)
702. Os títulos perpétuos tornaram-se característicos da dívida pública inglesa. O
emprestador, ou detentor do título, visa aos juros periódicos e tem sempre a possibilidade de
negociar esses títulos no mercado. (N.R.T.)
703. 8 Willliam III, c.20 (N.T.)
704. Vê-se como a dívida pública inglesa vai modelando a própria estrutura tributária — no
caso, pela extensão de certos tributos que haviam sido lançados por tempo determinado.
(N.R.T.)
705. 1 George I, c.12 (1714). (N.T.)
706. 3 George I, c.7 (1716). (N.T.)
707. O grande dilema da dívida pública inglesa consiste, na opinião de Smith, no
compromisso da arrecadação com o pagamento da dívida. Fundos de receita são destinados
ao pagamento de dívidas já contraídas, como forma de garantia. Ou, então, contrai-se uma
dívida previamente designando tributos a serem arrecadados no futuro em garantia. Smith
percebe que isso diminui radicalmente a possibilidade de extinção, ou mesmo de contração,
da dívida pública, o que significa que parte da receita pública estará sempre consignada ao
pagamento da dívida do Estado. (N.R.T.)
708. A diminuição dos juros da dívida pública reduz os encargos e garante a possibilidade de
expansão da dívida. Há demanda para tomadores de títulos a taxas reduzidas, o que tanto
evidencia a funcionalidade da articulação entre o Banco da Inglaterra e o tesouro quanto
mostra a possibilidade de não se reduzir — eventualmente, manter ou mesmo elevar — o
endividamento público mesmo em períodos de paz. (N.R.T.)
709. Lorenzo de Tonti (c. 1602-c. 1684) foi um banqueiro de Nápoles, Itália. Tontinas em
português. (N.T.)
710. Postlethwayt, J., History of the Public Revenue (História da receita pública). (N.A.)
James Postlethwayt (1711-1761) escreveu sobre finanças e demografia. (N.T.)
711. William Pitt (1708-1788), 1º Conde de Chatham, foi ministro da guerra durante a
Guerra dos Sete Anos (1756-1763) e primeiro-ministro entre 1766 e 1768; John Calcraft
(1726-1772) foi político e agente do exército britânico. (N.T.)
712. Esta guerra tem se mostrado mais dispendiosa do que as guerras anteriores, envolvendo
a Grã-Bretanha em uma dívida adicional superior a 100 milhões. Em onze anos de paz,
foram pagos pouco mais de 10 milhões em dívidas; durante uma guerra de sete anos,
contraiu-se mais de 100 milhões em dívidas. (N.A.)
713. Para Smith, a questão de fundo é a transferência de um capital que empregava (ou
poderia empregar) trabalho produtivo para um fundo governamental que certamente não
emprega trabalho produtivo. Ou, ainda, pode haver uma transferência de tributos livres para
o custeio de despesas do governo, o que representa apenas uma transferência de um fundo de
manutenção de trabalho improdutivo para outro. (N.R.T.)
714. Smith pondera as vantagens e desvantagens do sistema de fundos. Sem fundos, a receita
tributária em tempos de guerra tem de subir acentuadamente; com fundos, o custeio da
guerra se estende por um período bem maior. Com fundos, a população deixa de sentir a
emergência tributária da guerra e talvez se torne menos impaciente com enfrentamentos
militares de longa duração. (N.R.T.)
715. Smith retoma aqui o argumento, ao qual se opõe, de que o pagamento de juros da
dívida pública, por envolver transferências de recursos entre indivíduos dentro da nação, não
é prejudicial. Pondera, ainda, que uma parte dos detentores de fundos públicos da Grã-
Bretanha era estrangeira; com o que se destrói mesmo o argumento de que não haverá
transferências de recursos para o exterior. (N.R.T.)
716. Smith argumenta que o endividamento público transfere rendimentos de pessoas
diretamente interessadas nos negócios individuais — capitalistas, fazendeiros — para
credores do governo que, embora interessados na situação geral do país, não se envolvem
com parcelas específicas do capital. Deixa de haver o controle intenso que caracteriza os
envolvidos em negócios específicos. No entanto, Smith havia destacado anteriormente que a
constituição de fundos que proporcionem rendimentos seguros — fundos de dívida pública
— é uma necessidade das sociedades mercantis avançadas. Há aspectos positivos e negativos,
portanto, no sistema de endividamento público. (N.R.T.)
717. Em seu ensaio sobre o crédito público, nos Ensaios políticos, Hume é absolutamente
alarmista em relação à dívida pública: ou a Inglaterra destrói a dívida pública ou será
destruída por ela. Smith, embora cauteloso, é bem menos pessimista. Pondera as
consequências negativas do sistema de dívida pública, mas parece ao final admitir que a
Inglaterra pode conviver com ele. (N.R.T.)
718. O curioso é que a “bancarrota real” a que Smith se refere é o debasement. Vale dizer,
Smith sai neste momento do exame de tributos, da receita e da dívida pública — a matéria do
Livro V — para retornar a uma matéria usualmente explorada nas passagens sobre moeda e
política monetária. Admita-se, no entanto, que nesta passagem do capítulo da dívida pública
temos a explicação mais minuciosa do debasement de A riqueza das nações. Nota-se, por
outro lado, que o debasement deixara de ser uma política usual na Inglaterra nos tempos de
Smith. (N.R.T.)
719. Ver Du Cange. Glossarium, verbete “Moneta”, Ed. Beneditina. (N.A.)
Charles du Fresne, senhor Du Cange (1610-1688), foi um filólogo e historiador francês,
escreveu Glossarium mediae et infimae Latinitatis (Glossário de latim da Idade Média e
Moderna). (N.T.)
720. O modus ou modus decimandi é uma forma alternativa de dízimo. Trata-se de uma
compensação ou valor equivalente entregue em substituição ao dízimo em espécie. (N.T.)
721. Ver Hutchinson, T., History of Massachusetts Bay (História da Baía de Massachusetts),
vol. II, p. 436 ss. (N.A.)
722. É muito significativo que na conclusão de A riqueza das nações Adam Smith volte,
agora sob o ângulo das finanças públicas, à questão da relação entre os diversos segmentos
territoriais da Grã-Bretanha. (N.R.T.)
Sumário
Capa
Créditos
Folha de rosto
Sumário
Prefácio
Notas à tradução
O texto
Notação das leis
Pesos e medidas
Tabelas de pesos e medidas
Cerveja e Ale
Vinho
Cereais
Secos
Carvão
Tecido
Medidas lineares
Medida quadrada
Medida cúbica
Sistema avoirdupois
Sistema troy
Sistema farmacêutico

Dinheiro
Introdução e plano da obra
Notas à terceira edição
Notas à quarta edição
Livro I. As causas da melhoria dos poderes produtivos do trabalho e a
ordem em que seu produto é naturalmente distribuído entre as
diferentes classes da população
Capítulo I A divisão do trabalho
Capítulo II O princípio gerador da divisão do trabalho
Capítulo III A divisão do trabalho está limitada pela extensão do
mercado
Capítulo IV A origem e o uso do dinheiro
Capítulo V O preço real (em trabalho) e nominal (em dinheiro)
das mercadorias
Capítulo VI Partes componentes do preço das mercadorias
Capítulo VII Preço natural e preço de mercado das mercadorias
Capítulo VIII Os salários do trabalho
Capítulo IX Os lucros do capital
Capítulo X O salário e o lucro nos diferentes empregos do
trabalho e do capital
Parte I — Desigualdades decorrentes da natureza dos próprios
empregos
Parte II — Desigualdades causadas pela política da Europa
Capítulo XI A renda da terra
Parte I — Os produtos da terra que sempre proporcionam
renda
Parte II — Os produtos da terra que às vezes proporcionam
renda e outras, não
Parte III — As variações entre os respectivos valores dos tipos
de produtos que sempre proporcionam renda e daqueles que
às vezes proporcionam renda, em outras, não
Digressão sobre as variações no valor da prata no decurso dos
últimos quatro séculos
Primeiro período
Segundo período
Terceiro período
Variações da proporção entre os respectivos valores do
ouro e da prata
Natureza e causas da suspeita de que o valor da prata ainda
continua a diminuir
Diferentes efeitos do curso do progresso sobre o preço real
de três tipos de matéria-prima
Efeitos do curso do progresso sobre o preço real das
manufaturas
Conclusão do capítulo
Livro II. Natureza, acumulação e aplicação do capital
Introdução
Capítulo I A divisão do capital
Capítulo II O dinheiro considerado como um ramo específico do
capital total da sociedade, ou os gastos de manutenção do capital
nacional
Capítulo III A acumulação do capital, ou o trabalho produtivo e
improdutivo
Capítulo IV O capital emprestado a juros
Capítulo V Os diferentes empregos do capital
Livro III. O progresso da opulência em diferentes nações
Capítulo I O progresso natural da opulência
Capítulo II Desencorajamento da agricultura na Europa Antiga
após a queda do Império Romano
Capítulo III A ascensão e o progresso das cidades e dos povoados
após a queda do Império Romano
Capítulo IV A contribuição do comércio das cidades para a
melhoria do campo
Livro IV. Sistemas de economia política
Introdução
Capítulo I Princípio do sistema comercial ou mercantil
Capítulo II Restrições sobre a importação de mercadorias que
podem ser produzidas domesticamente
Capítulo III As restrições extraordinárias sobre a importação de
quase todos os tipos de bens procedentes dos países cuja balança
comercial é supostamente desfavorável
Parte I — O absurdo dessas restrições em relação aos próprios
princípios do sistema comercial
Digressão sobre os bancos de depósito, particularmente o de
Amsterdã
Parte II — O absurdo das restrições extraordinárias em
relação a outros princípios
Capítulo IV Drawback
Capítulo V Subsídios
Digressão sobre o comércio de cereais e as Corn Laws (leis dos
cereais)
I
II
III
IV
Capítulo VI Os tratados ou acordos comerciais
Capítulo VII As colônias
Parte I — Motivos para o estabelecimento de novas colônias
Parte II — Causas da prosperidade das novas colônias
Parte III — Das vantagens que a Europa obteve com a
descoberta da América, da passagem para as Índias Orientais
pelo Cabo da Boa Esperança
Capítulo VIII Conclusão sobre o sistema mercantil
Capítulo IX Os sistemas agrícolas, ou aqueles sistemas da
economia política que representam o produto da terra como fonte
única ou principal do rendimento e da riqueza dos países
Livro V. A receita do soberano ou da commonwealth
Capítulo I As despesas do soberano ou da commonwealth
Parte I — As despesas da defesa
Parte II — Das despesas da justiça
Parte III — Das despesas das obras e instituições públicas
Artigo I — As obras e as instituições públicas cujo objetivo
é facilitar o comércio da sociedade e, em primeiro lugar,
daquelas que são necessárias para facilitar o comércio em
geral
Das obras e das instituições públicas que são necessárias
para facilitar os ramos específicos do comércio
Artigo II — As despesas das instituições para a educação
dos jovens
Artigo III — As despesas das instituições para a educação
das pessoas de todas as idades
Parte IV — As despesas que sustentam a dignidade do
soberano
Conclusão do capítulo
Capítulo II As fontes das receitas gerais ou públicas da sociedade
Parte I — Os fundos ou fontes de receitas que pertencem
especificamente ao soberano ou à commonwealth
Parte II — Os impostos
Artigo I
Tributos sobre a renda; tributos sobre a renda da terra
Tributos que não são proporcionais à renda, mas ao
produto da terra
Tributos sobre o aluguel (renda) de casas
Artigo II
Tributos sobre o lucro ou sobre o rendimento decorrente
do capital
Tributos sobre o lucro de determinados empregos de
capital
Apêndice aos artigos I e II
Tributos sobre o valor capital das terras, das casas e do
capital
Artigo III
Tributos sobre o salário do trabalho
Artigo IV
Tributos que, conforme se pretende, devem recair
indiferentemente sobre todas as diferentes espécies de
rendimentos
Capitação
Tributos sobre bens de consumo
Capítulo III Dívidas públicas
Apêndice
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