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Sumário
As habilidades cognitivas e a estrutura do Sistema Nervoso ...................................... 3
A arte de aprender .................................................................................................... 9
INPUT – Fase de Entrada de Informações ................................................................. 14
[FI.2] Distinções verbais e a percepção da realidade: ............................................... 16
[F.I.1] Gerenciamento do foco: ................................................................................ 18
[F.I.7] Discernir o essencial e constante do acidental e variável. ................ 21

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As habilidades cognitivas e a estrutura do Sistema Nervoso
Se você chegou aqui é porque está interessado em ampliar sua capacidade intelectiva.

A inteligência atua e se manifesta por uma série de meios, que são as funções
cognitivas. Toda a capacidade intelectual de um indivíduo emana dessas habilidades
cognitivas. Se o sujeito tem um bom desempenho intelectual, é porque essas funções
cognitivas estão desenvolvidas e estão funcionando;
Caso não tenha um bom desempenho intelectual, é porque essas funções cognitivas
não estão desenvolvidas. Estão funcionando de modo deficiente.

Logo, as funções cognitivas são a condição sine qua non do bom desempenho
intelectual, quer o sujeito conheça essas funções, com a nomenclatura e descrição
apresentadas por Feuerstein, quer não conheça.

Todo o método Feuerstein gira em torno de promover o domínio e a masterização


dessas funções cognitivas – que também podem ser chamadas de habilidades
cognitivas.

Mas, afinal de contas, o que são as funções cognitivas?


São determinados comportamentos e parâmetros comportamentais tais como coletar
informações, diferenciar o essencial do variável, identificar problemas, avaliar
situações, elaborar e verificar hipóteses, contenção da impulsividade, etc.

Porém, antes de mais nada, para entendermos com clareza a dinâmica do sistema
cognitivo temos de examinar a sua infraestrutura material: o sistema nervoso.

Aquilo que uma estrutura faz depende da sua forma específica. É o princípio
anatômico e fisiológico da complementariedade entre estrutura e função.1 Por isso, o
modo como o sistema nervoso está organizado e estruturado se reflete no modo como
se manifesta a nossa atividade cognitiva.

O primeiro princípio que eu quero demonstrar para você é que:

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Uma grande ideia que perpassa todo o campo da anatomia e fisiologia é a de que a
função de uma célula, órgão ou organismo sempre decorre de sua forma.
“A função decorre da forma.”
Sendo que função aqui se refere simultaneamente àquilo que uma estrutura é capaz
de fazer (causa eficiente) e qual a propósito que ela cumpre (causa final) ao fazer
aquilo.
Forma se refere à organização estrutural de um determinado ente. Aquilo pelo qual
sabemos que uma coisa é o que é (causa formal). Além disso temos ainda a causa
material, que se refere àquilo de que um ente é feito.
Essa é a famosa distinção das 4 causas feitas por Aristóteles.

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pela sua forma, o sistema nervoso está organizado estruturalmente como um sistema
de entrada, processamento e saída de informações.

Mais tarde quando formos estudar as funções cognitivas, veremos que o processo de
funcionamento cognitivo também vai se organizar em entrada, processamento e
saída.2

O sistema nervoso não é apenas o cérebro contido na caixa craniana. Ele está
espalhado por todo o corpo. Há mais tecido nervoso fora do crânio do que dentro
dele.

Ø Assim, atuando como canais de ENTRADA de informações nós temos:


• os nervos sensoriais, captando informações do ambiente.

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Esse tipo de dinâmica foi estudada por Norbert Wiener, que a denominou de
“cibernética”. O próprio Feuerstein usa um modelo cibernético para ilustrar o processo
de funcionamento cognitivo.

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• os nervos do sistema nervoso autônomo captando informações internas (do
próprio corpo)

Ø essa informação é PROCESSADA no cérebro. É aqui que aparece a parte mais


significativa das atividades cognitivas, tais como a identificação do problema,
avaliação da situação, comparações, análise, classificação e categorização,
integração com outras informações, soma dos dados, elaboração e verificação
de hipóteses, planejamento, etc.

Ø e então, atuando como canais de SAÍDA, temos os nervos motores, por meio
dos quais manipulamos o nosso corpo no espaço e o usamos para atuar sobre o
mundo, seja por meio de ações diretas, seja por meio de comunicação.

Se olharmos até mesmo para um neurônio (que é a menor unidade constitutiva do


sistema nervoso), veremos que ele é estruturado com:
Canais de entrada de informações – Dendritos
central de processamento – Soma ou corpo celular
Canais de saída de informações – Axônio e bainha de mielina

Assim, podemos dizer que nosso sistema nervoso é essencialmente um sistema de


processamento de informações, desde a sua menor unidade constitutiva, até a
totalidade constituída do seu sistema.
--//--

Vamos partir de um exemplo para examinar as diferentes etapas de funcionamento do


sistema nervoso

Pense em uma situação cotidiana: alguém lhe pergunta alguma coisa, você pensa a
respeito e lhe responde.
Quando alguém te faz uma pergunta, isso corresponde a uma entrada de informações
no seu sistema cognitivo.
Você pensa em uma resposta adequada (elaboração) e então responde à pessoa (saída
de informações).

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No simples ato de responder uma pergunta feita por alguém percorremos todas essas
etapas.

Podemos ir um pouco mais além e usar esse modelo para avaliar de que maneira a
falha em alguma dessas etapas afeta o processo, que no caso é responder a uma
pessoa de maneira adequada.

Um exemplo.
Considerando a fase de input. Você ouviu uma pergunta, mas sua atenção flutuou em
algum momento e você perdeu parte do que estava sendo dito. Houve aqui um
problema na fase de entrada de informações, e agora você não tem elementos
suficientes para fazer a elaboração adequadamente.

Outro exemplo.
Digamos que você escutou bem a pergunta, mas nunca havia pensado a respeito do
assunto. Então precisaria de um tempo a mais para pensar e responder. Mas você não
tem esse tempo e acaba respondendo mal. Isso corresponde a um problema na fase
de elaboração.

Último exemplo.
Imagine que você ouve a pergunta. A elaboração corre bem pois se trata de algo que
você já está preparado para responder, mas na hora de verbalizar a resposta você
acaba sendo afobado e não concatena bem o que você vai dizer e a sua resposta sai
meio truncada e confusa. Ou ainda, você não considerou o ponto de vista do outro na
hora de elaborar uma resposta e você se expressa de um jeito que faz sentido para
você, mas não faz sentido para o outro. No fim das contas, você até sabia o que dizer
mas o modo como verbalizou a sua resposta não foi bom. Ou seja, houve um problema
na fase de saída das informações

A questão toda envolvendo o método Feuerstein é que ele observou que, ao realizar
uma tarefa, as pessoas se saiam mal devido a falhas muito específicas em alguma
dessas etapas (entrada, elaboração e saída), tal como procuramos descrever nos
exemplos acima. Foi então que ele, com base nessas observações e no diagnóstico das
deficiências cognitivas que se manifestavam, compilou uma lista de deficiências
cognitivas.

Depois constatou que essas deficiências cognitivas representavam a ausência de uma


habilidade cognitiva que deveria estar presente para que a pessoa se desempenhasse
bem. É daí que vem a nossa lista das 29 funções cognitivas. Cada uma delas representa
uma habilidade da qual o método procura fazer você se conscientizar.

Aqui embaixo temos a lista de funções cognitivas.

Todas essas habilidades cognitivas são capacidades latentes da sua inteligência que
podem se tornar manifestas mediante o tipo adequado de prática e mediação de
aprendizagem.

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O Programa de Enriquecimento Instrumental (PEI) desenvolvido por Reuven Feuerstein
é uma ferramenta projetada especialmente para ser aplicada por um mediador
qualificado para levar o aprendiz ao desenvolvimento de cada uma dessas habilidades.

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A arte de aprender
O que é aprender?

Muitos estudantes – tanto no ensino básico quanto nas universidades – acham que
basta assistir uma aula ou ler um livro para que se produza o aprendizado. Eles
consideram que o seu papel nessas situações é passivo em comparação com o ato de
falar e escrever, que seriam considerados ativos.

De fato, há uma diferença entre ler e ouvir e falar e escrever, mas não é a diferença
entre passividade e atividade, mas entre os papeis de:
Ø receptor de informações – ler e ouvir
e
Ø emissor de informações – escrever e falar

Todos esses são comportamentos que estão na categoria da AÇÃO, e devem ser
praticados ativamente pelo sujeito. Você não recebe uma informação de uma maneira
totalmente passiva, como quem recebe um tapa, uma rajada de vento ou a incidência
da luz, esses sim estão na categoria do PADECER (uma ação ou efeito que o sujeito
padece).

No ato de receber uma informação ou um conhecimento, você é como um goleiro


num jogo de futebol. O sujeito emissor, que está jogando a bola, está sendo ativo no
processo: ele mira para o alvo, regula sua força e coordena as pernas pra que a bola
chegue no alvo, etc. E o receptor? Ele também é extremamente ativo. Ele está alerta
observado o emissor, vendo para onde ele vai jogar a bola. A todo momento ele
coordena e ajusta todo o corpo para ir em direção a bola e apanhá-la.

Portanto, tanto o emissor quanto o receptor da ação são ativos no processo.


Distinguem-se apenas pelo tipo de atividade praticada por cada um deles.

Do mesmo, modo quem está aprendendo está ativamente fazendo uso de uma série
de funções cognitivas. Ele está gerenciando o foco da sua atenção, fazendo distinções,
coletando dados, identificando problemas, discernindo o que é relevante do que não é
relevante, conectando informações, organizando dados em categorias, internalizando
representações integradas de múltiplas dimensões do conhecimento, etc.
Ainda levando a comparação adiante. Do mesmo modo que o goleiro está treinado
pela vários tipos de chutes diferentes – bolas altas, baixas, rápidas, lentas, com efeito,
etc – também o aprendiz está munido de uma série de recursos para apanhar qualquer
tipo de comunicação.

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O produto do aprendizado

Até agora ao falar da relação entre o indivíduo e o mundo, caracterizamos essa relação
tendo como referência a variável da informação. No entanto, há uma diferença crucial
entre a informação factual sobre um determinado dado da realidade, e a informação
que lhe faz compreender algo que você não entendia antes.
Em suma, a diferença entre:
Ø Dados e fatos
Ø Compreensão e entendimento.

No primeiro caso, estou meramente informado que algo é um fato.


No segundo, além de saber de um fato eu sei do que se trata esse fato, por que ele é
assim, que interrelações possui com outros fatos, em que aspectos são iguais, em que
diferem, etc. Podemos dizer que nesse caso, além de estar informado eu também
tenho um conhecimento.

O conhecimento modifica o modo como eu organizo as minhas informações e joga


uma luz diferente sobre tudo aquilo que eu já sei. Digamos que eu tenha centenas de
informações sobre os animais de uma floresta. No momento em que eu compreendo o
ecossistema daquela floresta, todas aquelas informações passam a se inserir num
quadro maior que lhes dá uma posição relativa umas às outras e suas causas. O
conhecimento torna-se um filtro por meio do qual nós percebemos o mundo.

Coletar e colecionar informações sem conhecimento é guardar informação que não faz
sentido. E o que não faz sentido, assim como o que não é útil, é rapidamente
esquecido e descartado.
Por outro lado, o conhecimento depende de informações, pois ele é feito de
informações, dado e fatos. Para compreender bem certas coisas é preciso estar bem
informado. Mas para adquirir conhecimento é preciso ir além dos fatos e entender as
causas, as interrelações e a ordem dentro da qual algo se insere.

Mesmo que um determinado sujeito não seja um intelectual e esteja com o foco
voltado para agir no mundo e produzir resultados, ainda assim o conhecimento será
crucial para que a sua ação seja efetiva e seus resultados tangíveis.

A esfera da compreensão e do entendimento precede a esfera da ação.


Sua ação está limitada pelo alcance do seu entendimento. Na imagem abaixo temos
representado esse esquema. A esfera da ação é abarcada pela esfera do
entendimento. A ação atua sobre o mundo valendo-se de meios e ferramentas e gera
produtos.

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Ação sem conhecimento de causa tende a gerar resultados que não são aqueles que o
agente esperava ou que gostaria de obter, e com isso ele acaba ficando frustrado.

Por exemplo, nas academias é comum que as séries de exercícios físicos sejam
organizadas em séries de 12 repetições.
O motivo das 12 repetições é um estudo que demonstrou que para haver ganhos de
hipertrofia muscular é necessário um tempo de exercício de 45 segundos. Foi a partir
desse dado que se concebeu que ao demorar 4 segundos por repetição, a pessoa
praticando exercício teria êxito em obter ganhos de hipertrofia muscular.
O sujeito desinformado, ignorando esse dado, pode fazer suas séries rápido, ficando
abaixo do tempo de 45 segundos e não obter todos os ganhos que poderia com seu
esforço.

A ação humana é orientada pelo entendimento humano. Se o entendimento é turvo, a


ação é ineficiente.

Modos e meios de aprendizado

Quem busca conhecimento, está buscando aprendizado

Quem busca aprender algo, só poderá fazê-lo de duas maneiras diferentes:


Ø Por meio do ensino
à Com auxílio de professores
à Com auxílio de livros

Ø Por meio da descoberta


à Em contato direto com a natureza ou o mundo.

O ensino ocorre quando uma pessoa instrui outra oralmente ou por escrito.

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Descoberta é um processo onde, sem a ajuda de ninguém e por meio de pesquisas,
investigações e reflexões eu chego a obter determinadas informações ou
conhecimentos.

A diferença entre descoberta e ensino é que:


à a descoberta é aprendizado sem professor,
à enquanto que o ensino é aprendizado com professor.

Uma vez que o ensino é aprendizado com professor, é importante considerar a


qualidade do ensino promovido pelo professor.

Esse ensino pode acontecer de duas maneiras diferentes.

O professor pode colocar a informação diante do aluno sob a forma de um discurso ou


apresentação do conteúdo, e aluno terá de fazer o seu melhor para extrair daquele
discurso as informações e os conhecimentos que forem relevantes.
Nesse caso o professor age como alguém que está entregando um pacote de
informações que o aluno deve se virar para absorver, e que depois deverá ser capaz de
reproduzir, mais ou menos como uma gravação inserida num dispositivo de som. No
momento apropriado ele aperta o play e o pacote de informações é “tocado”. Eles
reproduzem a informação sem terem pensado a respeito.

Ou então, o professor pode conduzir os alunos por um processo de descoberta guiada.


Na descoberta o professor vai munindo os alunos das ferramentas cognitivas para que
eles se apropriem das informações e conhecimentos que o assunto requer. O
professor introduz as distinções, critérios e de certa forma conduz os alunos numa
exploração daquele campo. Ao proceder assim, o professor vai fazendo o que
Feuerstein chama de Mediação da aprendizagem.

Infelizmente esse tipo de professor é raro.

A capacidade que nós temos de aprender sozinhos, seja diretamente a partir de


palestras e livros, seja explorando e investigando diretamente o mundo vai depender
fortemente da quantidade de mediação da aprendizagem que recebemos, seja de
algum dos nossos professores, seja dos nossos pais. Do quanto eles foram capazes de
nos munir de ferramentas cognitivas para aprender com as informações colocadas
diante de nós.

Quando falo em ferramentas cognitivas, estou me referindo precisamente às


habilidades do pensamento de que trata esse livro. As capacidade de fazer distinções,
discernir o que é essencial do que é variável, coletar informações, identificar e avaliar
problemas, discernir a relevância dos dados, comparar, identificar critérios,
categorizar, elaborar e verificar hipóteses, planejar ações, somar dados, raciocinar
logicamente, buscar evidências, estabelecer relações, etc.

Quem está engajado na investigação de um fenômeno em contato direto com o


mundo, ou a natureza, está mobilizando todas essas funções cognitivas; mas também

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quem está aprendendo por meio de um livro ou de uma aula não pode se esquecer
que o objeto do seu aprendizado não se esgota ali. Ele também está olhando para algo
do mundo ou da natureza e também deve estar engajado nisso como um pesquisador
que mobiliza todos os seus meios cognitivos para aprender e fazer descobertas.

Dito isso vamos passar agora ao estudo dessas ferramentas cognitivas tão cruciais para
o aprendizado.

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INPUT – Fase de Entrada de Informações
A fase de input, como um todo, diz respeito a 2 funções:

Ø apreensão de informações: diz respeito à sua capacidade de perceber coisas,


características e dinâmicas do mundo.
Ø coleta de informações: ato de ativamente buscar informações, como numa
investigação ou pesquisa.

Todas as habilidades cognitivas de entrada estarão relacionadas a essas 2 funções.

Há ainda os sistemas de orientação espacial e temporal, que se tratam de filtros


perceptivos. São uma sub-função da capacidade de apreensão.
Uma vez que todas as informações que nos chegam tem um momento e um lugar, ter
um sistema de orientação preciso ajuda a melhor se orientar no espaço e no tempo. É
por isso que esses sistemas de orientação estão entre as funções cognitivas.

--//--

A base de todo o processo intelectivo é a apreensão.

Quando você olha à sua volta, você é capaz de distinguir diferentes tipos de ente,
como por exemplo: um computador, uma mesa, um gato, a luz do sol entrando pela
janela. O fato de você perceber cada uma dessas coisas como entes com existência
própria é um ato de apreensão.

Quando olho para minha parede e depois para meu gato e percebo que um é branco e
outro é laranja, estou apreendendo suas cores. Por meio da apreensão percebo as
diferenças entre os entes e também as qualidades das coisas, assim como muitos
outros atributos. Todos são objeto da minha apreensão.

Por exemplo, na figura abaixo temos diferentes tons da cor branca

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Colocadas lado a lado separadamente e contrastando contra um fundo ainda mais
branco do que todas elas, nós percebemos claramente a diferença. No nosso dia a dia,
nós chamaríamos indiscriminadamente qualquer uma delas de branco. Fazemos isso
porque discriminar de maneira tão precisa as tonalidades do branco não é relevante
para nossa ocupação.
Mas o fato é que seríamos capazes, se quiséssemos e necessário fosse, de identificar
cada uma dessas tonalidades por um nome e chama-la por esse nome sempre que a
encontrássemos em um objeto.

Isso deixa patente que apreendemos mais do que somos capazes de verbalizar, e não
verbalizamos tudo o que apreendemos.

Mas não apreendemos apenas a presença imediata de um ente e de seus atributos.


Quando olhamos para algo também captamos o seu potencial latente, que se reflete
de alguma maneira no modo como aquele ente está estruturado.
Quando olho para o meu gato, eu consigo apreender que ele não pode voar ou andar
em duas patas. Não é apenas a minha memória: eu percebo a partir da sua estrutura
que isso é uma impossibilidade.

Ou seja. existe uma série de noções que você possui e uma série de aspectos da
realidade que você apreende sem necessariamente pensar a respeito.

Dentre as funções cognitivas de entrada descritas por Feuerstein, as [F.i.1], [F.i.2] e


[F.i.7] estão relacionadas ao ato de apreensão das informações. Vamos tratar das
funções cognitivas foram da sua ordem numérica de modo a torna-las mais
compreensíveis.

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[FI.2] Distinções verbais e a percepção da realidade:
Discriminar e fazer distinções verbais e conceituais para apreender
diferentes entes e aspectos da realidade.
De modo geral, prestamos atenção àquelas coisas para as quais temos palavras,
conceitos e símbolos. Existe um ditado hindu que fala que a sua alma é do tamanho da
sua linguagem. É essa linguagem com seus rótulos verbais e conceitos que nos permite
perceber certos aspectos da realidade ao invés de outros. São eles, em grande parte,
os responsáveis pela nossa visão de mundo.

Por exemplo, imagine três homens diferentes entrando em uma floresta.

O primeiro é um botânico. Ao entrar na floresta o que ele vê? Ele consegue identificar
qual a espécie de cada vegetal ali presente, seu nome científico e a qual ramo
filogenético cada planta pertence. Consegue descrever o tipo de casca de árvore, o
tipo de brotação das plantas, tipo de raiz, de caule e até mesmo de folha.

Agora imagine um carpinteiro entrando nessa mesma floresta. Ele não vê a floresta do
mesmo jeito que a vê um botânico. Vejam bem, ele enxerga toda a floresta e vê a
mesma floresta que o botânico, mas ele percebe essa floresta de um jeito diferente.

Ele percebe apenas aqueles aspectos da floresta para os quais ele possui rótulos e
conceitos verbais, e nesse caso ele utiliza rótulos e conceitos verbais bastante
diferentes dos do botânico. Ele consegue identificar que árvores são boas para cortar e
produzir móveis. Olha para as árvores em termos da sua dureza ou maciez e da sua
resistência. Ele sabe identificar essas árvores. Sabe identificar também sinais que o
orientam a respeito de onde e como serrar o tronco.

Imagine agora um artista, um pintor, entrando na floresta. Ele perceberá a floresta


como um ambiente contendo possíveis cenários. Estará atento a padrões de
iluminação, ângulo, enquadramento, etc. Verá a floresta sob um prisma
completamente diferente dos outros dois.

E o que determina em grande parte o que cada um vê é a linguagem que eles


possuem. Essa linguagem contém as distinções e discriminações que orientam a sua
atenção para aspectos específicos da realidade.

Um médico atuando na clínica geral possui uma linguagem que lhe permite identificar
uma série de sintomas. Também possui uma linguagem para identifica o quadro do
paciente com base no conjunto de sintomas apresentados.

Uma pessoa que tenha conhecimentos gramaticais de sintaxe consegue olhar para um
texto e identificar sua estrutura: o que ali é sujeito, predicado, as orações coordenadas
e subordinadas.

Qualquer área de estudo, qualquer profissão e até mesmo qualquer técnica, por mais

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simples que pareça, traz consigo algumas distinções que visam orientar o foco da sua
atenção para determinados aspectos da realidade.

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[F.I.1] Gerenciamento do foco:
dirigir e orientar o foco da atenção de modo a ter uma percepção clara.
Essa função cognitiva de Gerenciamento do Foco diz respeito à capacidade de dirigir e
manipular intencionalmente o foco da atenção.

Fatores inerentes ao foco

De certa forma o foco é aquilo que nos constitui de maneira mais imediata. Se não
estamos com o foco em algo, prestando atenção em algo, isso significa que, de certa
forma, estamos ausentes. Podemos estar totalmente ausentes, como quando estamos
totalmente desatentos, ou podemos estar parcialmente ausentes, quando a qualidade
da nossa atenção é baixa. Por outro lado, se estamos totalmente focados, estamos
totalmente presentes.

Além disso, temos que considerar que o foco não possui apenas um único tipo ou
modo. Há muitas ações possíveis de serem praticadas com o nosso foco.

O foco pode ser amplo, abrangendo uma área grande, mas com baixo nível de
apreensão de detalhes, ou pode ser estreito com alto nível de apreensão de detalhes.
Pode ser de longa duração ou de curta duração – seu fôlego.
Pode ser mais ou menos intenso.
Todos esses parâmetros fazem com que o foco empregado por um músico seja muito
diferente de um lutador, de um analista ou de um escritor.

Outro aspecto relevante do foco é o quanto ele é orientado pelos conceitos e


distinções que já temos em mente. Precisamente o tema tratado na [F.I.2]. Muitas
vezes chegamos a perceber coisas, aspectos e dinâmicas das coisas para os quais não
temos termos ou conceitos, e então nossa tendência é desconsiderá-las. O mundo do
que percebemos fica do tamanho da nossa linguagem.

Atenção fugaz e evanescente

Um tema que se sobressai inevitavelmente quando o assunto é atenção e foco é nossa


desatenção e distração involuntárias. É frequente que o nosso foco saia daquilo que
nos havíamos proposto prestar atenção e atentemos aleatoriamente para outra coisa.
Pode ser um pensamento que nos veio à mente, pode ser uma lembrança que surgiu
espontaneamente.
Esse tipo de flutuação do foco é natural e inevitável.

Uma vez que temos consciência dessa dinâmica inerente ao processo de focar, com
suas inevitáveis flutuações e distrações; tudo o que nos resta fazer é redirecionar a
atenção novamente para nosso ponto central de interesse.

No fundo é uma dinâmica simples. Você se treina para perceber a flutuação do seu
foco no momento em que ele acontece. Perceber que o foco flutuou significa que você
já recuperou o foco. Depois disso você vai redirecioná-lo imediatamente ao seu centro

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de interesse. Algumas pessoas ficam irritadas com essas flutuações de foco, mas isso é
inevitável e irritar-se com isso só gera mais desgaste.

Esse exercício pode ser praticado quando se está praticando qualquer atividade, desde
uma habilidade física, até a leitura de um livro ou a escritura de um relatório. Com o
tempo, o praticante vai ser tornando cada vez mais hábil em recobrar a atenção e
também a sua atenção vai se tornando mais constante e mais intensa.3

EXEMPLOS

Exemplo 1 – flutuação do foco durante uma conversa.

Digamos que você esteja conversando com alguém e a sua atenção flutue porque você
subitamente lembrou-se que tem uma conta para pagar e que depois tem que enviar o
comprovante para fulano, e se lembra também que é conveniente arquivar uma cópia
do comprovante de pagamento.
Tudo isso passa muito rápido pela sua cabeça, mas foi o suficiente para você perder 6
segundos da conversa. É claro que esse pagamento é algo do seu interesse. Mas
aquela conversa que você estava tendo é o que estava efetivamente no centro dos
seus interesses.

Exemplo 2 – Distração enquanto dirige.

Imagine uma pessoa que está dirigindo em uma pista de alta velocidade. Ela está
prestando atenção na pista, nos sinais de trânsito e regulando sua velocidade. Ao
mesmo tempo, esse é um comportamento muito habitual, então a pessoa pensa em
outras coisas enquanto faz isso. No entanto, pode chegar um ponto em que seu foco
no trânsito divaga. Ela mantém os comportamentos automático de dirigir, mas não
está muito ciente da velocidade em que está, nem dos sinais de trânsito. De repente,
ela se dá conta de que divagou e que está a 90km/h e tem um radar bem do seu lado.

Exemplo 3 – A atenção na hora de ler

A leitura é uma operação mental de decodificação em três fases: você decodifica as


palavras em sons; depois decodifica os sons do discurso em imagens; e será sobre isso
que você irá exercitar seu entendimento. É complexo. Você pode estar fazendo uma
coisa sem estar fazendo a outra: pode estar lendo, mas não está focado em entender o
que está lendo. Pode na verdade estar até pensando em outra coisa. E isso pode
acontecer de vez em quando até mesmo quando se trata de uma leitura muito do seu
interesse.
Você está lendo o livro e buscando compreender o conteúdo. Então, seu foco divaga e
você começa a pensar em outra coisa e ao mesmo tempo continua decodificando as
palavras em sons.

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Uma prática excelente para aumentar a capacidade de foco é a meditação do tipo
mindfulness, que na realidade é um exercício de foco e de presença da atenção.

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É por isso que para adquirir uma compreensão aprofundada sobre o que determinado
livro diz, pode ser necessário lê-lo mais de uma vez. Uma das coisas que faz diminuir a
complexidade de uma tarefa é a familiaridade com certos aspectos e variáveis da
tarefa. Portanto, se você está familiarizado com o conteúdo de um livro e o está
relendo pela segunda ou terceira vez e agora o está compreendendo melhor isso se
deve ao fato de que você agora tem mais familiaridade ou com o texto, o discurso ou
as imagens e portanto sobra mais espaço cognitivo disponível para se empenhar na
compreensão da matéria.

Exemplo 4 – A atenção na prática de exercícios físicos

Imagine que você está praticando uma atividade física. Onde está a sua atenção no
momento em que está se exercitando? Está divagando a respeito de lembranças e
pensamentos que dizem respeito a coisas que aconteceram ontem ou vão acontecer
amanhã, ou está focado no trabalho desempenhado no seu corpo?
Digamos que você esteja focado no seu próprio corpo. Qual a amplitude do seu foco?
Você está focado nos segmentos ósseos? Nas articulações ou nos músculos? Está
focado em uma unidade isolada ou em toda uma cadeia de ossos e músculos? Você
consegue perceber o encadeamento dos músculos trabalhando para gerar movimento
em uma direção? Você precisa olhar-se no espelho para prestar atenção no
movimento do seu corpo, ou consegue monitorar-se apenas pela propriocepção?
Como fica a sua respiração enquanto você presta atenção no corpo? Você consegue
prestar atenção nas duas coisas ao mesmo tempo?

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[F.I.7] Discernir o essencial e constante do acidental e
variável.

Consiste em reconhecer que um objeto é o mesmo apesar de mudanças


terem sido feitas em atributos secundários seus. Para isso a pessoa tem de
ser capaz de discernir entre atributos essenciais e atributos acidentais ou
variáveis.

Por exemplo, o que faz com que o quadrado seja um quadrado é que tem 4
pontos, 4 semirretas, 4 ângulos retos, todos os lados iguais, e dois pares de
paralelas. Se a figura geométrica tiver essas características, será um
quadrado, independentemente da sua orientação.
Quando vemos um quadrado de pé sobre o seu eixo, algumas pessoas
confundem-no com um losango. Isso é uma confusão onde se toma uma
característica secundária (sua orientação) como essencial.

Essa função cognitiva é fundamental para o reconhecimento e a identificação


dos objetos.

Todo objeto possui algumas características que são fundamentais para


determinar a sua essência: aquilo que faz com que algo seja o que é. Além
disso, o ente terá alguns atributos e características acidentais, que variam sem
afetar o ser do objeto.

Sempre que um objeto tem uma propriedade fundamental alterada,


automaticamente ele é modificado em sua identidade; porém, quando uma
propriedade acidental é alterada, a identidade do objeto permanece constante.

EXEMPLO 1

Um exemplo disso são as inúmeras diferenças entre raças de cachorros.


Todos são cachorros. São animais pertencentes à mesma espécie; ou seja,
são todos semelhantes naquilo que é essencial: tem organismo de cachorro.
No entanto, as raças variam em uma série de características acidentais, tais
como tamanho, cor, pelugem, etc.

EXEMPLO 2 (aplicado a eventos)

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Imagine um garoto que responde ao professor de maneira desaforada e
depois também bate em um menino do uma turma mais nova. O que há de
comum e constante nesses comportamentos?
Uma pessoa que não vê a conservação das constâncias pode não perceber
que os comportamentos são diferentes, mas o modo de se comportar é
semelhante: trata-se de ações agressivas nos dois casos.
Mas temos de olhar para outras situações em que o rapaz se comporta para
saber se foram episódios circunstanciais ou se a agressividade é um aspecto
da sua personalidade.

EXEMPLO 3

Imagine que temos um carro que bateu e cujo formato ficou levemente
deformado. No entanto, ainda o chamamos de carro, porque ele retém sua
configuração básica e seus atributos pelos quais ele é chamado de carro. Ele
ainda funciona como um carro, tem a estrutura e o funcionamento de um
carro, ainda que seu formato esteja levemente deformado.

EXEMPLO 4

E o que dizer de batatas que foram cozidas e então amassadas e


transformadas em um purê? São ainda batatas apesar de seus componentes
terem passado por uma transformação?
Vemos que nesse caso a estrutura e o funcionamento do objeto não está em
questão. A batata é feita de uma determinada matéria. Após ter sido cozida e
amassada ainda temos essa mesma matéria, apenas alterada em relação a
maciez, sabor e formato. No entanto, consideramos que ainda se trata de uma
batata porque a sua matéria é a mesma, seja uma batata crua, seja um purê.

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Orientação no tempo e no espaço

Continua...

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