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Trecho do livro “Os Santos Que Abalaram o Mundo”, do escritor René Füllop-

Müller, no capítulo sobre a vida de Santo Antão – o eremita do deserto – em que


fala-se sobre a contenda que levaria à dissolução da Igreja a partir da tese
racionalista do bispo Ario de que Cristo era uma criatura “semelhante em
essência” do Deus Pai e não – como diz o próprio Cristo – idêntico em essência
ao Deus Pai criador. Essa tese ficou conhecida como Arianismo e foi
considerada posteriormente uma heresia, pois ameaçava a própria Verdade da
religião Cristã e da Igreja (corpo de Cristo). A fé no Cristo Eterno, como fora
professada por Antão em Alexandria, estava destinada a tornar-se o credo
dominante da Cristandade. No momento, porém, formidáveis obstáculos
permaneciam no caminho duma vitória ortodoxa final. Imperadores arianos
perseguiam a verdadeira fé com todo o seu poder e força, e o próprio Atanásio
foi enviado três vezes a exílio. Os povos jovens do Norte, entre eles os vândalos
e godos, que invadiram o império com forças indomáveis, abraçaram o
Cristianismo, sob sua forma ariana. Mas por fim, nenhuma interferência
mundana, nenhuma perseguição brutal pôde quebrar a fé em Cristo Deus.

Os grandes Padres das eras que se seguiram, inclusive Ambrósio e Agostinho,


professaram -na e, finalmente, sob o imperador Teodósio, o mesmo fez todo o
império cristão. "O próprio Cristianismo estivera então em jogo", disse Carlyle a
respeito da época da contenda ariana. "Se os arianos tivessem vencido, o
Cristianismo ter-se-ia reduzido a simples lenda." E de fato, se naquele tempo o
Cristo ariano houvesse vencido o Filho de Deus, Seus sublimes ensinamentos
poderiam ter-se reduzido meramente a uma daquelas doutrinas ética, que
passam tão depressa, com os mutáveis padrõs de moralidade.

Somente um Deus poderia manter Seu lugar nos corações dos homens durante
quase dois mil ano e exercer Seu poder de redenção, que hoje como Santo
Antão antigamente, dá alívio e bênção aos fiéis. E não é apenas a Igreja Católica
que repousa sobre o dogma da divindade de Cristo. A mesma garantia de que
Deus apareceu sob forma humana deu à mensagem luterana sua força viril.

Se Cristo tivesse sido simplesmente um homem, a alegria jubilosa da fé cristã


não poderia ter nascido. Não haveria ressureição, nem milagre do Espírito Santo,
nem graça, nem. Sacramento, nem redenção. Não haveria a misericordiosa Mãe
de Deus, não haveria Natal, não haveria Páscoa. Os áridos conceitos do
racionalismo ariano não poderiam ter jamais engendrado as obras-primas
imortais da arte cristã. Foi a ascensão de Cristo que inspirou o movimento para
o céu das pesadas massas de pedra, erguendo-se em pilastras e colunas, e os
arcobotantes, as arcadas e abóbadas das igrejas e catedrais góticas. o
sofrimento terrestre de um Deus irradia das cores em Ravena.

O poder de redenção do filho de Deus 'é louvado nos painéis do altar dos Van
Eyck, em Gand. O abençoado conhecimento de que um Deus viveu na terra
guiou o seráfico pincel de Fra Angélico. E todos os seus anjos, bem como as
amoráveis madonas de Memling, Rafael, Murillo, as crucifixões, piedades,
ascensões de Dürer, Grnewald e todos os grandes pintores e escultores, .o
milage inteiro de cor, linha e forma da arte cristã, no Ocidente, brotaram
exclusivamente da mais fervente absorção em conhecimento através da fé. El
Greco, o visionário santo, utilizou seu gênio para mostrar a luz sobrenatural na
qual o Senhor apareceu a S. Antão e outros grandes santos. E finalmente, a fé
no Redentor inspirou as obras de Dante, de Dostoievski e de muitos outros,
capacitando-os a ocupar o lugar elevado que mantêm para nós hoje no reino das
letras.

O pequeno retintim que Ario inventou está esquecido. Mas a grande música de
Cristo, o Redentor, soará através de toda a eternidade. Se tempo vier em que
Sua Igreja não mais exista, a música a que a fé n’Ele deu origem continuará a
proclamar Sua Verdade, a espalhar alegria sobre a terra, até ao dia do Juízo
Final. Em todas as centenas e centenas de obras de João Sebastião Bach, em
todas as suas cantatas, missas, paixões, hinos, está vocalizada a oração de
alguém cuja fé se acha profundamente arraigada na confiança cena em Deus
Redentor. É a Ele que Bach louva nas suas fugas, nos recitativos, nas árias e
coros da Paixão segundo S. Mateus e na Missa em Si menor. No Oratório de
Handel, uma voz de solo rejubila-se: "Sei que meu Redentor vive!''; e coro e
orquestra respondem, num hino regozijante de "Aleluia!" Na Missa Solemnis de
Beethoven há o poderoso motivo do "Et incarnatus est!". "Deus encarnado"
tornou-se uma verdade eterna. Mil e seiscentos anos antes, S. Antão havia dado
testemunho disso na basílica de Alexandria.

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