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Área de Competência-Chave: Linguagem e Comunicação

Formadora: Elsa Pereira

Cartas a Mariana

A carta que abaixo se transcreve é dirigida a Mariana Alcoforado (1640-


1723), uma das religiosas da Ordem de Santa Clara, do Convento da
Conceição, em Beja. Em 1810, o jornal L'Empire divulgou o nome de
Mariana como autora das já afamadas Lettres Portugaises, cinco cartas de
amor dedicadas ao cavaleiro francês Noël Bouton, Marquês de Chamilly.

Leia, atentamente, a carta ficcionada, da autoria de José Luís Peixoto, tendo


em atenção a diferença de épocas que distancia este autor contemporâneo
da presumível autora das cinco cartas de amor a Chamilly.

Fw: Love

Amor, escrevo-te e, mais uma vez, cada palavra é um cofre onde deposito
toda a minha esperança. Sei que se os teus dedos de marfim abrirem a
fechadura de cada unia destas palavras, sei que se os teus olhos tocarem o
brilho do seu interior, essa será única recompensa que meu coração
necessita para continuar, segundo a segundo, a cumprir o seu trabalho cada
vez mais árduo, cada vez mais difícil de justificar.

Amor, desde que cheguei, os corredores do palácio têm sido as


testemunhas mais fiéis da minha mágoa. Caminho abandonado pela sua
distância e, às vezes, parece-me que todos os passos que perdi, somados,
seriam suficientes para de novo me encontrar no consolo dos teus braços,
para de novo me encontrar. Confidentes dos meus pensamentos mais
íntimos, estes corredores são demasiado infinitos. Neles, envelheço e,
sendo nada, aproximo-me de ser ainda menos.

Amor, irremediavelmente, o tempo sepulta cada instante que passámos


juntos. Acredita, sou como o guerreiro que apenas possui uma espada para
resistir contra a tempestade. Até aqui. tenho encontrado forças para
revolver essa espada sobre a minha cabeça a uma velocidade tal que, nem
uma gota, nem metade de uma gota, encontrou meios de pousar sobre o
corpo que tocaste, profanando com a sua pureza, a pureza ainda maior do
teu desejo passado. É assim que o teu rosto brilha ainda dentro de mim,
mas não sei durante quanto tempo poderei aguentar.

Amor, um ponto foi a minha desgraça. Quando te dei o meu endereço de


correio eletrónico, esqueci-me de colocar o ponto maldito que separa o meu
título do meu nome. Não imaginas o que sofri, não imaginas as insónias, ao
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imaginar-te a enviar-me e-mails constantemente devolvidos. Tu a julgares
porventura que não te amo. Ao mesmo tempo, estou certo que recordas o
valor das palavras que dividimos. Por essa razão, custa conformar-me que
não tenhas tentado usar todas as combinações habituais para endereços de
correio eletrónico: pontos, hífenes e underscores. Não faças caso,
coelhinha, estas são as sombras que me enevoam o pensamento nos dias
em que duvido de tudo.

Amor, não foi por descuido que guardei o lenço de papel onde escreveste o
teu endereço de correio eletrónico, junto aos mantimentos, foi porque não
tinha outro lugar onde guardá-lo. Hoje, penitencio-me mil vezes, por não
ter tido o engenho de decorá-lo imediatamente, de guardá-lo no espaço da
memória onde, displicentemente, acumulo informação desnecessária, como
o número de contribuinte ou o NIB. Quando estou mais triste, penso que
não te mereço. Quando a esperança me reconquista, penso que não te
terias agradado de mini se fosse de outra maneira.

Amor, tento todas as palavras que te digam e acrescento-lhes @, tento


recordar-me do endereço que escreveste com a tua caligrafia sagrada no
lenço de papel, fiz todas as buscas que consegui no Google e, em vez do
teu endereço, apenas encontrei o teu nome na lista de inscrições do
convento, num abaixo-assinado contra a fome no mundo e fiquei a saber
que ganhaste uma menção honrosa nuns jogos florais em 98.

Amor, existem 160.800.762 resultados para a palavra desespero. De cada


vez que te envio um e-mail e chega devolvido, o meu nome aparece nos
resultados de 1 a 25. Escrevo-te para que me escrevas. Escrevo-te para
que saibas que teu é o meu amor.

José Luís Peixoto, Cartas a Mariana,

Mem Martins, Ed. Coolbooks, 2005

1. Indique o assunto do e-mail.

2. O destinatário é referido, no início de cada parágrafo, sempre através da


mesma palavra. Indique-a, esclarecendo a sua importância na estrutura do
texto.

3. Explicite os motivos subjacentes ao estado emocional do destinador


deste e-mail.

4. Transcreva uma expressão que remeta para um espaço característico de


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um tempo passado, a época em que viveu Mariana Alcoforado.

5. Identifique dois aspetos que sugiram o tempo do presente da escrita.

6. Explique os obstáculos que levaram a que a comunicação não se


efetuasse.

7. «Hoje, penitencio-me mil vezes, por não ter tido o engenho de decorá-lo
imediatamente, de guardá-lo no espaço da memória onde,
displicentemente, acumulo informação desnecessária, como o número de
contribuinte ou o NIB.» (II. 47-49)

7.1. Explique, por palavras suas, o sentido do excerto transcrito.

II

Redija um texto, de cem a duzentas palavras, no qual evidencie a sua


opinião sobre as vantagens e desvantagens da comunicação por
telefone/telemóvel e internet em detrimento do tradicional discurso
epistolar.

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