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A Vida Secreta de Deus - Parte 4 PDF
A Vida Secreta de Deus - Parte 4 PDF
A Escolha é Sua
No musical O Violinista no Telhado, Tevye, o pobre leiteiro, farto de levar uma vida
miserável às custas da sua única vaca, canta Se eu fosse um homem rico.
Ele fantasia sobre como sua vida seria luxuosa: uma casa com um lance de escada
para subir e outro ainda maior para descer; sua esposa, Goldie, "com o apropriado
queixo duplo", gritaria com os empregados; e ele teria sete horas por dia para
estudar os livros sagrados.
A música termina com a questão:
"Deus, que fez o leão e o cordeiro, decretou que eu devo ser o que sou; arruinar-
se-ia algum vasto plano eterno se eu fosse um homem rico?"
Tevye era destinado a ser pobre ou poderia ter ficado rico de algum modo?
Qual a relação entre destino e livre-arbítrio?
Em que medida somos livres para determinar os acontecimentos e as conquistas da
vida?
E até que ponto Deus realmente comanda o mundo?
Parece, então, que a situação é tão definida como preto e branco — há livre-
arbítrio.
Você tem a escolha de ser bom.
Você tem a escolha de ser mau.
Fim da história.
Bem que eu gostaria que fosse o fim da história — seria mais fácil escrever este
capítulo.
A questão, porém, é uma das mais complexas da Torá e da Cabalá.
Aprendi cedo que todos temos livre-arbítrio.
Após alguns anos estudando Cabala, descobri um livro intitulado Leshem Shevo
Veachlama, de um grande cabalista de Jerusalém, o Rabino Shelomo Eliyashiv
(1841-1925).
[O título do livro significa: "Opala, Ágata e Ametista" (Êxodo 28:19), uma
referência à descrição da Torá das pedras preciosas do peitoral do Sumo-
Sacerdote.]
No livro, ele apresenta tradicionais fontes judaicas que expressam uma quantidade
chocante de determinismo, que sugerem não sermos livres.
Mas não pode ser.
A solução desse dilema requer a exploração de ideias bastante polêmicas, mas, ao
final, tudo se esclarece.
O plano de Deus
Muita gente já ouviu a famosa frase do Livro de Eclesiastes:
"Para tudo há uma estação e para todo propósito que se passa sob o céu há um
tempo."
O Midrash (literatura rabinica que elucida nuanças dos Cinco Livros de Moisés)
elabora:
"Havia uma hora para o homem entrar no Jardim do Éden e uma hora para sair."
Mas e o livre-arbítrio?
E se Adão tivesse escolhido não comer da Árvore do Conhecimento?
Ele e seus descendentes não teriam ficado no Éden para sempre?
Segundo o Midrash, ele tinha de sair.
Isso quer dizer que a sua saída — e, por conseguinte, o seu pecado — estava
predeterminada?
O Midrash continua: "Havia uma hora para Noé entrar na arca e uma hora para
sair."
O Dilúvio foi predeterminado?
Não foi consequência das más escolhas dos seres humanos, que escolheram
cometer crimes uns contra os outros em vez de viver em paz?
Mas o Midrash parece indicar que o Dilúvio era inevitável.
E Noé não foi salvo em razão do seu bom comportamento, que ele escolheu
livremente?
Ou era seu destino entrar na arca, não obstante suas escolhas e ações?
Novamente, o Midrash:
"Havia um momento para Abrahão receber a aliança. E havia um momento para se
passarem os mandamentos."
A aliança não foi a recompensa de Abrahão por ter descoberto o inefável Deus por
trás da Criação?
E se ele tivesse escolhido permanecer na fábrica de ídolos do pai?
Abrahão não tinha livre escolha?
E o povo judeu não recebeu os mandamentos porque escolheu aceitá-los e viver
conforme suas determinações?
Ainda assim, o Midrash parece estar dizendo que todos esses eventos já estavam
arranjados desde o começo.
Em outra passagem, o Midrash vai mais adiante e aumenta o nosso problema:
"Muitos foram designados antes de vir. A morte recebeu a ordem de vir ao mundo,
e Deus não a trouxe exceto através da serpente, que estava predestinada à morte."
Essa declaração parece contradizer a clássica escolha descrita no Livro de Gênesis.
Adão e Eva tinham de decidir se comiam da Árvore do Conhecimento, trazendo,
assim, a morte ao mundo, ou se obedeciam ao mandamento de Deus de não comer
daquela árvore específica.
Esse Midrash infere que houve uma armadilha, que a morte já estava destinada a
vir ao mundo, não obstante a escolha de Adão e Eva.
O Midrash comprova seu argumento citando um versículo de Gênesis (2:17):
"E ordenou o Eterno Deus ao homem, dizendo: De toda árvore do jardim podes
comer. E da Árvore do Conhecimento, do Bem e do Mal, não comerás dela; porque
no dia em que comeres dela, morrerás."
Deus não estava dizendo "se comeres" ou "talvez comas".
Ele disse "no dia em que comeres", ou seja, "irás comer. Sei que Eu te falei para
não fazer isso, mas sei que vais comer. E morrerás."
Se isso não é suficiente, o salmo 66 nos diz:
"Vinde perceber os feitos do Eterno, que por Sua grandeza despertam reverência
nos homens."
O Midrash, quando explica esse salmo, diz que Deus já havia orquestrado como a
morte deveria vir ao mundo por meio do ser humano.
E o Midrash continua a discutir outros acontecimentos predeterminados.
Se alguém ler tudo, pode equivocadamente concluir que não existe liberdade, não
existem escolhas, o roteiro já foi escrito e estamos apenas interpretando nosso
papel.
Para que, então, nos levantaremos amanhã se vamos apenas ler um roteiro que já
foi escrito?
Reflexões assim sobre o destino podem parecer metafísicas, mas em toda a nossa
vida passamos por acontecimentos e encontros que, em retrospectiva, parecem ter
sido destinados a acontecer.
Você já brigou com alguém muito próximo?
Você fica tão furioso que decide pegar um avião e voar ao Polo Norte.
Quanto mais longe, melhor.
Você chega à recepção de um iglu cinco estrelas e quem você encontra ali, fazendo
o check-in ao seu lado?
Seu amigo, tentando fugir para o lugar mais longe possível de você.
Então, ao fundo, o tema musical do seriado Além da Imaginação começa a tocar.
Deus, o Autor
Certa vez, uma professora minha disse:
"Quando você faz uma escolha ruim entre duas opções, pode não ser uma questão
de má escolha, mas apenas de falta de imaginação. Havia uma terceira opção que
você nem imaginava existir."
Há séculos os filósofos debatem sobre a questão do livre-arbítrio versus
determinismo.
No entanto, talvez isso seja um problema de imaginação fraca e exista uma terceira
opção além do "ou isso ou aquilo".
Antes de analisarmos essa terceira opção, quero lembrá-lo do aviso que fiz no
começo do estudo: sempre que falamos de Deus, necessariamente falamos em
metáforas.
Estou prestes a apresentar uma metáfora que, espero, vai lhe trazer um
sentimento diferente sobre suas escolhas, além de mostrar o quanto Deus está
envolvido na sua vida.
Porém, essa metáfora é apenas isto — uma metáfora.
Às vezes as pessoas interpretam literalmente as metáforas sobre Deus.
A metáfora-padrão da relação entre Deus e a humanidade é a do rei e súdito, ou a
do pai e filho.
Há outras metáforas: marido e mulher e até mesmo Deus como criança e o ser
humano como mãe.
Quanto mais metáforas, melhor.
Assim não nos prendemos a uma só analogia, pensando ser realidade.
Cada metáfora é como o olho mágico na porta, que nos deixa ver um pouco dos
diferentes tipos de relacionamento que temos com Deus.
A analogia seguinte é um novo olho mágico.
Deus é o Autor e nós somos os personagens de Deus.
Os escritos de um autor são um ato de auto expressão.
Cada personagem do livro tem um pouco do autor.
É por isso que os cursos de redação sempre nos recomendam escrever sobre o que
sabemos.
Não escreva sobre gueixas no Japão a menos que você tenha sido uma; um
romance sobre uma mulher suburbana de Nova Jersey pode ser menos dramático,
mas será mais bem escrito, porque o autor deve conhecer e ter alguma ligação com
seus personagens.
Cada personagem expressa um aspecto diferente do autor.
Cada personagem é criado a imagem do autor.
A Torá, no Livro de Genesis, faz uma afirmação estranha.
Diz que Deus criou o homem à Sua imagem.
O que isso quer dizer?
Deus criou o homem à Sua imagem do mesmo modo que um autor cria todos os
seus personagens à sua imagem.
Cada personagem na história expressa um aspecto diferente do autor.
Até mesmo a interação dos personagens é de certo modo uma descoberta da
verdade do autor.
Por outro lado, há outros personagens com os quais o autor não se identifica.
Toda boa história tem um antagonista, um vilão.
Todo bom livro tem um personagem-problema que cria toda a tensão.
Por que aquele personagem está ali?
Porque o vilão tem o papel essencial de trazer a tona a natureza mais profunda de
todos os outros personagens.
Esse papel é importante.
O papel dos maus na história é ajudar os bons a revelar seu mais profundo ser.
O vilão cria a oportunidade para que os outros personagens encarem seus desafios
e demonstrem coragem, força e assumam um novo compromisso.
O Talmud se refere às forças do mal no universo como o fermento na massa.
O fermento consiste de fungos microscópicos.
Quem quer comer fungo?
Mas é o fermento na massa do pão que age como o catalisador que a faz crescer.
Assim também o mal foi criado no mundo para ser um catalisador do crescimento e
do enriquecimento pessoal de outros.
Ele também serve o autor dentro dom contexto da história.
O Zohar, obra clássica da Cabala, descreve metaforicamente o mal do mundo como
uma prostituta contratada pelo rei para seduzir o príncipe.
É claro que o rei não quer que ela seja bem-sucedida; ele quer criar uma
oportunidade para o príncipe perceber sua própria integridade real ao resistir a essa
grande tentação e escolher agir de acordo com sua nobreza.
Até o momento desse teste, o status real do príncipe era apenas um titulo herdado
e um armário de roupas reais, mas não a expressão genuína de si mesmo,
conquistada através do poder de suas próprias escolhas e de seus próprios
esforços.
Monólogo ou diálogo?
Agora vamos falar sobre a questão de termos livre-arbítrio ou da nossa vida ser
predeterminada.
A história da vida é um monólogo em que o autor fala em vozes diferentes consigo
mesmo através de seus personagens e as suas vidas são totalmente determinadas?
Ou a história da vida é urn diálogo em que os personagens interagem com o autor
e contribuem para a história por meio de suas escolhas livres?
A resposta é sim e sim.
O livre-arbítrio e o determinismo coexistem — a história da vida vai além de "ou
isso ou aquilo".
Durante o processo criativo, a maioria dos grandes escritores atestam que, em suas
passagens mais brilhantes, sua escrita tomou vida própria.
Os personagens criaram vida e contribuíram para a história.
E esse é o mistério da história.
Ela é um monólogo dentro de Deus (por assim dizer) e escrito com detalhes, mas
também é, paradoxalmente, um diálogo entre Deus e nós,
Seus personagens — uma obra escrita em conjunto por Deus e pelo homem.
Ingmar Bergman, o famoso diretor, respondeu certa vez à pergunta "Como você
dirige um filme?":
"Não dirijo filmes. Deixo os filmes me dirigirem. O mais importante no trabalho
criativo é deixar a intuição lhe dizer o que fazer. Estou escrevendo um roteiro e o
plano para esse homem é que ele vai fazer tal e tal; todas as outras coisas na
trama vão se acomodando. Mas a minha intuição me diz que de repente esse
homem não vai fazer tal e tal. Então pergunto à minha intuição o porquê. E ela me
diz: 'Nunca lhe direi por quê. Você tem de descobrir sozinho.' Então você vai a um
longo safari na floresta para seguir a sua intuição. Mas se eu rejeito a minha
intuição, apenas arranjo as coisas. Os meus personagens não me obedecem. Eles
seguem seu próprio caminho. Se eles tivessem de me obedecer, morreriam."
A Escolha Suprema
Uma maravilhosa história no Talmud, sobre um rabino chamado Eliezer ben Pedat,
ensina bastante sobre como fazermos o nosso papel e sobre as verdadeiras
escolhas que deveriam nos interessar.
O Rabi Eliezer era um homem muito, muito pobre.
Ele sobrevivia com uma dieta escassa de pão e alho.
Um dia, o rabino estava tão faminto que desmaiou.
Inconsciente, ele dialogou com Deus.
Quando foi reanimado por seus alunos, anunciou: "Deus falou comigo."
"O que Ele disse?"
"Perguntei a Deus: 'Por que você não me criou como um homem rico? Por que
tenho de sofrer assim?'
E Deus respondeu:
'Rabi Eliezer, meu querido filho, você preferiria que eu destruísse e recriasse o
mundo inteiro para que você talvez nascesse com um destino diferente?'
Eu disse: 'Destruir o mundo todo? E seria apenas um talvez? Não terei
seguramente um papel diferente no próximo roteiro que Você escrever?'
Deus respondeu: 'Isso mesmo."
Vamos medir a profundidade do que essa conversa revela.
Cada um de nós tem o papel certo.
E o mundo inteiro teria de ser destruído e recriado, toda a história teria de ser
apagada e reescrita, para uma tentativa de nos dar outro papel.
E mesmo depois de tudo isso, não há nenhuma promessa de que teríamos um
papel melhor na peça.
Isto porque todo o tecido da história é interligado.
Deus leva em consideração o papel de todo mundo quando Ele escreve o nosso
papel.
Deus não pode simplesmente nos tirar da história para escrever uma cena diferente
para nós.
Somos todos parte da história.
Cada um de nós com nossos problemas, desafios, alegrias e dores, estamos todos
no roteiro conforme um plano vasto e eterno.
O Rabi Eliezer ben Pedat (como muitos outros antes e depois dele) perguntou:
"Não posso fazer o papel do rico? Não posso ter um papel diferente no roteiro?"
A resposta de Deus é que o roteiro é tão interconectado, os personagens são tão
ligados uns com os outros, que tirar uma pessoa e lhe dar outro papel significaria
ter de reescrever toda a história.
Então, como o Rabi Eliezer ben Pedat respondeu a essa revelação?
Ele perguntou:
"Mestre do Universo, eu já passei da metade da minha vida?"
Deus respondeu: "Sim, já passou."
E o Rabi Eliezer disse: "Bom, então eu fico com o meu papel."
Este é o fim enigmático da história.
Em suma
É um paradoxo.
A história do mundo e a sua história pessoal são um monólogo escrito por Deus... e
ainda assim, misteriosamente, são também um diálogo escrito em conjunto por
Deus e por nós.
Deus cria as cenas, determina o enredo e orquestra cada ato nos mínimos detalhes.
Mas as cenas oferecem aos personagens a escolha de aproveitar a maior
oportunidade de conhecer Deus, de fazer o bem e de ser bom.
O Talmud ensina que tudo o que nos acontece é sempre para o bem.
As pessoas supõem que isso significa que se eu perco meu emprego, um emprego
ainda melhor cruzará o meu caminho.
Não estou certo de que é sempre assim.
Perder aquele ótimo emprego pode ser para o bem porque o próximo trabalho, que
paga menos e é em uma companhia de pessoas muito difíceis, me dá um contexto
melhor para algumas escolhas importantes sobre conhecer Deus e fazer o bem.
Nesse novo trabalho ruim, ganho menos e me torno mais.
No final, o melhor não é o que acontece por fora, mas o que acontece
internamente.
As suas escolhas fazem sim a diferença, mas a verdadeira diferença é como essas
escolhas irão modificá-lo.
Continua