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RESUMO
Este artigo apresenta os princípios bíblicos da missio Dei (missão de Deus) e das missiones
ecclesiae (missões da igreja), como parâmetros para uma efetiva atuação missionária da igreja
hoje. A consciência desses princípios ajudará a Igreja atual a não cometer os mesmos
equívocos outrora cometidos em sua história. Logo, através da pesquisa bibliográfica ou
revisão de literatura se apresentará a definição, e as perspectivas bíblico-históricas da missio
Dei e das missiones ecclesiae.
ABSTRACT
This article presents the biblical principles of missio Dei (mission of God) and missiones
ecclesiae (church missions), as parameters for effective missionary activity of the church
today. An awareness of these principles will help the Church to not make the same mistakes
previously committed in its history. Soon, through bibliographic research or literature review
this article will present the definition and the biblical-historical perspectives of the missio Dei
and missiones ecclesiae.
PALAVRAS-CHAVE
Missio Dei, missiones ecclesiae, Igreja, missão.
KEYWORDS
Missio Dei, missiones ecclesiae, Church, mission.
1 INTRODUÇÃO
No decorrer da história, a Igreja tem apresentado diferentes concepções a respeito do
seu papel missionário. Essas diferentes concepções sobre as missiones ecclesiae (missões da
igreja) implicam em distintas formas de atuação missionária. Logo, essa ação missionária ora
converge e ora diverge da missio Dei (Missão de Deus), revelada nas Escrituras Sagradas.
A partir da Bíblia, fica evidente que Deus é o autor da missão. Esse caráter
missionário da Trindade pode ser percebido do Gênesis ao Apocalipse, ou seja, da criação à
consumação. Assim, para que as missiones ecclesiae sejam, de fato, relevantes, a ação
missionária deve estar dentro dos princípios estabelecidos pela missio Dei.
1
Graduanda em Teologia pela Faculdade Batista de Minas Gerais.
2
Mestre em Teologia Dogmática, mestre em Filosofia da Religião, especialista em Estudo
da Bíblia, especialista em Teologia Sistemática e graduado em Teologia. É professor da
Faculdade Batista de Minas Gerais, no curso de Teologia, e do Centro Universitário
Metodista Izabela Hendrix, nos cursos de Teologia e Direito.
2
3
David J. Bosch (1929 – 1992), proeminente missiólogo sul-africano. Prestou serviço
missionário em Transkei, foi professor de missiologia na Universidade da África do Sul,
Secretário geral da Sociedade Missiológica Sul-africana, dentre outras funções. Um ano
após a publicação de “Missão Transformadora”, morreu em um acidente de carro.
4
Christopher J. H. Wright é filho de missionários, estudou Teologia em Cambridge. Preside o
Grupo de Trabalhos Teológicos do Movimento de Lausanne e o Conselho de Recursos
Teológicos da Agência Tearfund, uma organização cristã de assistência e desenvolvimento
humanitário.
3
Percebe-se neste conceito que, a missão parte de Deus, que confere à igreja o
privilégio de participar do seu relacionamento com o mundo. Ed René Kivitz (2011)5, assim
como Bosch (2002), defende o senhorio de Deus sobre a missão. Em sua concepção, a ação de
Deus não se restringe à atuação da igreja:
Deus é o principal agente da missão, e a executa através de muitas maneiras,
não necessariamente exclusivamente (sic) debaixo do guarda-chuva da
igreja. [...] Deus age através da igreja, com a igreja, além da igreja, apesar da
igreja, e, de quando em vez, contra a igreja (KIVITZ, 2011).
Neste conceito fica evidenciado que a missio Dei não se restringe à atuação da Igreja no
mundo, mas a ação de Deus no mundo.
A partir do pensamento de Kivitz (2011), em consonância com a definição de Bosch
(2002), depreende-se que Deus é agente ativo na história, dando-se a conhecer aos seres
humanos e viabilizando a restauração da criação caída. A igreja participa dessa missão de
Deus porque ele como o principal agente, a capacita a ser uma agência missionária.
A proposta de Bosch (2002, p.26) é que “[...] a fé cristã é intrinsecamente
missionária”. Negar este fato é negar a razão de ser do cristianismo. É este caráter que “[...] dá
expressão ao relacionamento dinâmico entre Deus e o mundo [...]” (idem). Esse
relacionamento leva em conta todas as esferas da vida humana:
as pessoas vivem numa série de relações integradas: portanto, divorciar a
esfera espiritual ou pessoal da esfera material e social é indicativo de uma
antropologia e sociologia errônea (BOSCH, 2002, p.28).
O conceito de Bosch se harmoniza com a definição de Jarbas Ferreira da Silva, que
afirma que a razão de ser da igreja é a missio Dei, esse deve ser o seu foco. De acordo com
Silva (2013), “a missão de Deus é trazer pecadores a Cristo através da igreja”6.
A partir das perspectivas aqui apresentadas, conclui-se que, uma vez que a Igreja
nasceu de Deus pela obra redentora de Cristo, o trabalho em prol da missio Dei faz parte da
sua essência. Este trabalho não encontra fundamento na própria Igreja, mas em Deus.
2.2.1 Missio Dei no Antigo Testamento: uma análise a partir da promessa de Deus a
Abraão
5
Texto extraído do site oficial do autor: <http://edrenekivitz.com/blog/2011/06/um-novo-
paradigma-da-missao> Acesso em: 16 ago. 2013. Ed René Kivitz é mestre em Ciências da
Religião pela Universidade Metodista de São Paulo.
6
Palestra proferida por Jarbas Ferreira da Silva, em abril de 2013, na Faculdade Batista de
Minas Gerais. Silva é professor no Programa de Capacitação da Junta de Missões Mundiais
da Convenção Batista Brasileira.
4
Bosch (2002, p.35) afirma que no Antigo Testamento não há indícios de que os crentes
da antiga aliança seriam enviados a conquistarem outros povos para a fé em Javé. Se houver
adesão à concepção tradicional de missão, como envio de pregadores a lugares distantes, esta
poderia ser a diferença básica entre o Antigo e o Novo Testamento, já que este último é um
livro essencialmente sobre missão. “Ainda assim o Antigo Testamento é fundamental para a
compreensão de missão no Novo [Testamento]” (BOSCH, 2002, P.35).
O ser humano foi criado à imagem e semelhança de Deus. Sobre isso, Timóteo
Carriker (2000, p.15) afirma: “Toda a criação tem sua centralidade e finalidade na
humanidade”. Por possuir a imagem de Deus, o ser humano recebeu também o mandato
cultural. Este refere-se à responsabilidade imputada ao ser humano de dominar sobre a
criação, isto é, cuidar e manter a sua ordem. O texto a seguir é referente ao mandato cultural:
Também disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa
semelhança; tenha ele domínio sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu,
sobre os animais domésticos, sobre toda a terra, e sobre todo os répteis que
rastejam pela terra. Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de
Deus o criou; homem e mulher os criou. E Deus os abençoou e lhes disse:
sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os
peixes do mar, sobre as aves do céu e sobre todo animal que rasteja pela
terra.(Gn.1:26-28)7
Carriker esclarece que há três áreas em que se aplica o domínio da criação conferido
ao ser humano:
[...] o versículo 28 esclarece quanto ao conteúdo da função dada ao homem
de “dominar” a criação. Elabora a imagem de Deus no homem em três áreas
de responsabilidade e administração: a sua experiência social e familiar
(“multiplicar”, “encher”, “dar nome”); a responsabilidade econômica e
ecológica (“sujeitar”, “cultivar”, “guardar”) e o governo (“dominar”, “dar
nome”) (CARRIKER, 2000, p.21).
Esse domínio conferido ao ser humano manteria a harmonia de toda a criação.
Entretanto, a alienação do ser humano em relação a Deus trouxe consequências catastróficas
(CARRIKER, 2000, p.15). O pecado levou a uma ruptura do relacionamento entre o ser
humano e Deus, entre o humano e seu semelhante, entre o ser humano e a criação e do ser
humano consigo mesmo. Dessa forma, a missio Dei visa restaurar a criação trazendo
reconciliação em todas essas áreas.
John Stott (2009, p.34) afirma que o julgamento de Deus contra essa rebeldia do ser
humano “[...] é atenuado pela primeira promessa evangélica de que um dia a semente da
mulher ‘pisaria’ – na realidade ‘esmagaria’ - a cabeça da serpente (Gn. 3:15)”. Em meio a
toda alienação do ser humano Deus chama Abraão e pronuncia a promessa de que abençoaria
7
Neste artigo está sendo utilizada a Bíblia na versão Almeida Revista e Atualizada.
5
por meio dele todo o mundo. Segundo Stott (2009, p.35), a promessa de Deus a Abraão
consistia em diversas etapas: uma posteridade, uma terra e uma bênção.
Stott parte da premissa de que os autores do Novo Testamento viam o cumprimento de
uma promessa como triplo: passado, presente e futuro:
O cumprimento passado fora imediato, ou histórico, na vida da nação de
Israel. O cumprimento presente era intermediário, ou evangélico em Cristo e
sua Igreja. O cumprimento futuro será final, ou escatológico, no novo céu e
na nova terra (STOTT, 2009, p.35).
Assim, Stott (2009, p.36) conclui que o cumprimento da promessa de Deus a Abraão
acontece nos três níveis. O cumprimento histórico imediato se deu nos descendentes carnais
de Abraão, ou seja, o povo de Israel. O cumprimento intermediário se deu em Cristo e sua
Igreja. A Igreja é formada pelos crentes em Cristo, que por sua vez são a verdadeira
descendência de Abraão. Tem-se então um cumprimento espiritual para a promessa da
posteridade.
Quanto ao cumprimento escatológico, Stott (2009, p.38), mostra que esse ocorrerá
quando o Reino de Deus for estabelecido em sua plenitude, na segunda vinda de Cristo. Nessa
ocasião também se vislumbrará “[...] a terra prometida, a saber, todas as ricas bênçãos que
fluem do governo cheio de graça de Deus” (STOTT, 2009, p.39). Observa-se então, a partir
do Antigo Testamento, o movimento de Deus para o cumprimento de sua missão. De redimir
o seu povo, e direcioná-lo ao senhorio de Cristo.
2.2.2 Missio Dei no Novo Testamento: uma análise a partir do ministério de Jesus e da
teologia paulina.
No Novo Testamento, nota-se claramente a ação plena de Deus na missio Dei, com o
Verbo se tornando carne e executando o plano redentor. Observa-se também, além da
execução da obra salvífica, Jesus Cristo impulsionando a Igreja a atuar em prol da missio Dei.
Deus está inaugurando o seu reinado escatológico, e o está fazendo entre as pessoas pobres,
humildes e desprezadas” (BOSCH, 2002, p.47). Em Cristo o Reino de Deus foi inaugurado,
tornando-se acessível e mostrando, de forma ainda mais evidente, a eficácia da missio Dei.
Embora a missão de Jesus tenha sido realizada entre os judeus, encontra-se nele
também o fundamento para a missão entre os gentios.
Durante muito tempo os pesquisadores do Novo Testamento tendiam a negar
a dimensão missionária fundamental do ministério terreno de Jesus [...] e a
atribuir todo o fenômeno da missão entre os gentios após a Páscoa a várias
circunstâncias sociorreligiosas ou o imputar quase exclusivamente a líderes
cristãos individuais, como Paulo, por exemplo, embora tais opiniões ainda
sejam ocasionalmente trazidas à baila, seria, creio eu, correto dizer que as
pesquisadoras estão muito mais dispostas (sic) a atribuir ao próprio Jesus a
colocação dos fundamentos para a missão entre os gentios (BOSCH, 2002,
p.51).
Esta afirmação faz jus às palavras de Jesus em Atos 1:8: “Mas recebereis poder, ao
descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas, tanto em Jerusalém como em
toda a Judeia e Samaria, e até aos confins da terra”. Percebe-se, então, as palavras de Jesus
impulsionando o movimento missionário da Igreja, que se constitui agência de Deus para a
realização da missio Dei.
Observa-se, então, que a ação missionária da Igreja, não é algo inédito, pois faz parte
do caráter trinitário de Deus. Ele é o fundamento da missão.
8
Artigo publicado na revista “Ultimato Online”. Disponível em <
http://www.ultimato.com.br/conteudo/joao-calvino-e-a-teologia-missionaria > Acesso em 16
ago. 2013.
9
Apostila editada pelo Prof. Guilherme Vilela Ribeiro de Carvalho da Faculdade Evangélica
de Teologia de Belo Horizonte. Documento sem notas tipográficas (s.n.t).
7
“O Pai, origem”:
Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos tem
abençoado com toda sorte de bênção espiritual nas regiões celestiais em
Cristo, assim como nos escolheu nele antes da fundação do mundo, para
sermos santos e irrepreensíveis perante ele; e em amor nos predestinou para
ele, para a adoção de filhos por meio de Jesus Cristo, segundo o beneplácito
de sua vontade, para louvor da glória da sua graça, que ele nos concedeu
gratuitamente no Amado, [...] (3-6)
10
XAVIER, Luiz Felipe. Teologia Bíblica do Novo Testamento. Notas de aulas, 2013.
8
Reino, mostrando que Deus está em missão. Logo, o trabalho da igreja para a missio Dei deve
visar a glória de Deus.
“Paulo e Barnabé [...] foram enviados para evangelizar e plantar igrejas” (WRIGHT,
2012, p. 30), como indica o texto a seguir:
Havia na igreja em Antioquia profetas e mestres, a saber: Barnabé, Simeão,
por sobrenome Níger, Lúcio de Cirene, Manaém, colaço de Herodes o
tetrarca, e Saulo. E servindo eles ao Senhor e jejuando, disse o Espírito
Santo: Separai-me, agora, Barnabé e Saulo para a obra a que os tenho
chamado. Então, jejuando, e orarando, e impondo sobre eles as mãos, os
despediram. (At. 13:1-3)
11
Wright (2012, p. 43) assim conceitua a Grande Comissão: “[...] as palavras finais de Jesus
aos seus discípulos, antes da sua ascenção, enviando-os ao mundo para fazerem discípulos
de todas as nações”.
12
O caráter kerigmático diz respeito ao substantivo grego kerygma. kerygma, de acordo com
Brown e Coenen (2000, p.1857), quer dizer proclamação, anúncio, pregação.
11
Deve-se levar em conta que Deus tem uma missão e um propósito para com toda a
criação. É dessa missão que partem as missiones ecclesiae (WRIGHT, 2012, p.31). Resume-
se o conceito a respeito das missões da seguinte forma:
[...] quando me refiro a missões, estou pensando nas inúmeras atividades que
o povo de Deus pode se engajar, participando da missão de Deus [...] na
variedade de missões que Deus confiou à sua igreja, como um todo, não é
conveniente que um tipo de missão menospreze a outra [...] (WRIGHT,
2012, p.32).
As missiones ecclesiae devem ser realizadas levando em conta todos os âmbitos da
criação. O ser humano deve ser visto de maneira holística, para que o objetivo máximo da
missão, que é a glória de Deus, seja atingido integralmente e esse ser humano se conforme à
imagem de Deus em todas as dimensões de sua vida.
Pode-se afirmar que Israel era o caminho para que as outras nações pudessem olhar para Deus
e serem salvas.
Toda a história bíblica deve ser lida tendo-se a consciência de que ela parte de um
Deus que está em missão. Da mesma forma, em toda a Bíblia está presente a ação do povo de
Deus que age em prol do cumprimento dessa missão. Sobre o tema da missão realizada pelo
povo de Deus no Antigo Testamento, é dito “O Antigo Testamento conta não apenas a
história que leva a Jesus, mas a que leva também à missão a todas as nações” (WRIGHT,
2012, p.47).
Não se pode pensar em missão, partindo-se do Antigo Testamento, sem se considerar
alguns pressupostos. O ser humano foi criado bom. Ele se relacionava com o Criador e
recebia dele suas instruções (Gn. 2:16-17). Entretanto, o ser humano escolheu o caminho da
desobediência. Assim, tendo pecado, a humanidade se alienou de Deus. Agora era necessário
um meio para que a comunhão fosse restabelecida. Não obstante, todas as esferas de
relacionamento foram afetadas: do ser humano com Deus, com a criação e consigo mesmo.
Tem início a história da redenção, Wright (2012, p.50), define o chamado de Abraão,
para que nele fossem abençoadas todas as nações da terra, como a “primeira grande
comissão”. A história continua com Deus fazendo aliança com o seu povo, entregando-lhe a
lei, apontando para a bênção futura através dos profetas. O plano de Deus era alcançar todas
as nações da terra. Embora Israel tenha fracassado devido à sua insistente rebeldia, isso não
representou um fracasso do plano de Deus (WRIGHT, 2012, p.51). O ápice do plano seria
atingido no Novo Testamento através de Jesus, e a continuidade se daria através da igreja.
A respeito da evangelização dos gentios, Bosch (2002, p.64/5) afirma que havia certa
resistência dos cristãos judeus a esta prática. Desta forma, os primeiros gentios a se
converterem foram fruto da missão dirigida aos judeus, e aos mesmos era imposta a prática da
circuncisão. Neste contexto, a perseguição aos cristãos em Jerusalém representou uma
expressiva mudança do paradigma missionário na igreja primitiva. O texto a seguir descreve a
atmosfera que se desenvolveu contra os cristãos judeus: “Naquele dia, levantou-se grande
perseguição contra a igreja em Jerusalém; e todos, exceto os apóstolos, foram dispersos pelas
regiões da Judéia e Samaria” (At. 8:1).
A perseguição aos cristãos impulsionou a ação missionária entre os gentios. A partir
de então, deu-se início ao cumprimento da ordem de Jesus para que seus discípulos fossem
suas testemunhas em Jerusalém, Judéia, Samaria e até os confins da terra (At. 1:8). Duas das
principais igrejas no século I, Antioquia da Síria e Alexandria, são produto do acolhimento
dos cristãos perseguidos.
Sobre isto, Bosch (2002, p.66) afirma:
Assim, quando foram expulsos de Jerusalém, começaram naturalmente a
pregar entre samaritanos desprezados, bem como entre os gentios na Fenícia
e Síria, chegando até Antioquia. Era igualmente natural que eles
proclamassem um evangelho que não exigia mais a circuncisão e a
observância da lei ritual.
Bosch (2002, p.71) destaca alguns aspectos da missão da igreja primitiva, que não se
restringia à proclamação. Ele afirma que “a missão cristã primitiva era política e de fato
revolucionária”. Essa revolução, no mundo greco-romano, se caracterizava pela rejeição dos
deuses pagãos e apresentação de Jesus como verdadeiro Senhor. Ao fazer isso, a igreja
primitiva estava também abalando estruturas políticas.
Também houve benefícios sociais alcançados pela ação da igreja, através dos novos
relacionamentos que surgiam a partir de sua missão: “Judeus e romanos, gregos e bárbaros,
livres e escravos, ricos e pobres, mulheres e homens aceitavam uns aos outros como irmãos e
irmãs” (BOSCH, 2002, p.71).
Essa análise da missão da igreja, tendo por base o Antigo e Novo Testamento, conduz
à reflexão sobre a abrangência missionária na atualidade. Tem-se dado uma ênfase quase
exclusiva à missão kerigmática, deixando-se de lado os outros aspectos que ela deve abranger.
Entretanto, fica evidente na história bíblica a amplitude que as missiones ecclesiae devem
alcançar. É necessário um olhar integral sobre toda a criação.
13
Até então, outros termos eram empregados para se referir à atividade missionária da
Igreja, como descreve Bosch (2002, p.281): “[...] ‘propagação da fé’, ‘pregação do
15
4 CONCLUSÃO
Durante a pesquisa, buscou-se evidenciar o fato de que a igreja precisa ser submissa a
Deus no cumprimento de sua missão. Quando ela age de forma contrária, promovendo a si
mesma ao invés do Reino de Deus, compromete-se o objetivo principal da missão, que é a
glória divina. Procurou-se ainda, demonstrar que as atribuições missionárias concedidas por
Deus à Igreja vão além da chamada “Grande Comissão”, visando transformação do ser
humano, da sociedade e do cosmos de maneira integral.
No que tange à missio Dei, observou-se que a iniciativa da missão parte de Deus. Sua
atuação missionária pode ser percebida em toda Escritura. Esta missão possui um
desdobramento trinitário: O Pai planeja a obra redentora, o Filho executa esse plano
entregando-se na cruz e o Espírito Santo aplica esse plano ao coração do ser humano. O fim é
a redenção não apenas do ser humano, mas de todo o cosmos, sendo todas as coisas
convergidas em Cristo. Através da missio Dei, serão restabelecidos todos os âmbitos das
relações corrompidas pelo pecado: do ser humano com Deus, consigo mesmo, com seu
semelhante e com a criação.
Quanto às missiones ecclesiae, conclui-se que devem ser submissas à missio Dei, uma
vez que a Igreja não é a fundadora da missão, mas agência de Deus para sua realização. Essa
submissão implica na rejeição de uma ação missionária eclesiocêntrica e na busca da
realização do propósito da missio Dei, que é redimir não apenas o ser humano, mas todo o
cosmos. Para tanto, a Igreja deve empenhar-se em promover o Reino de Deus, não apenas
através de palavras, mas também por atitudes que reflitam sua presença transformadora na
terra. Estas atitudes foram demonstradas neste trabalho através da explanação da diversidade
de funções para as quais Deus envia a Igreja. Com a Igreja agindo assim, Deus é glorificado
em sua soberania sobre toda a criação.
O intuito final deste artigo foi avaliar, à luz dos conceitos da missio Dei e das
missiones ecclesiae, os aspectos positivos e negativos do engajamento missionário da Igreja
hoje. Espera-se que o mesmo possa contribuir para uma atuação missionária mais efetiva da
igreja. Por fim, é válido destacar que, em nenhum momento houve a pretensão de esgotar esse
importante assunto. A diversidade igrejas locais e as inúmeras atividades desenvolvidas pela
Igreja em missão deixam aberto um vasto campo para a realização de outros estudos.
REFERÊNCIAS
BÍBLIA: Almeida Revista e atualizada. 2ª ed. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 1993.
18
SILVA, Jarbas Ferreira da. Teologia, missiologia, teologia de missões ou missio Dei? Belo
Horizonte, 23 abr. 2013. Palestra proferida aos alunos de Teologia da Faculdade Batista de
Minas Gerais.
SILVA, Jarbas Ferreira da. Teomissiologia em Efésios. Belo Horizonte, 25 abr. 2013.
Palestra proferida aos alunos de Teologia da Faculdade Batista de Minas Gerais.
STOTT, John R. W. O Deus vivo é um Deus missionário. In: BRADFORD, Kevin D.;
HAWTHORNE, Steven C.; WINTER, Ralph D. (Orgs.) Perspectivas no movimento cristão
mundial. São Paulo: Vida Nova, 2009. Cap. 3, p.33-40.