Você está na página 1de 63

Camões… Lírico

da medida velha … ao

dolce stil nuovo


Renascimento em síntese:

Características gerais:
* Racionalidade
* Rigor Científico
* Dignidade do Ser Humano
* Ideal Humanista
* Reutilização das artes greco-romanas

a) Racionalismo – a razão é o único caminho para se chegar ao conhecimento.

b) Experimentalismo – todo o conhecimento deverá ser demonstrado racionalmente.

c) Antropocentrismo – colocava o homem como a suprema criação de Deus e como o centro do


universo.

d) Humanismo – glorificação do homem e da natureza humana, em contraposição ao divino e ao


sobrenatural.

e) Classicismo - movimento cultural que valoriza e recupera os elementos artísticos da cultura clássica
(greco-romana). Ocorreu nas artes plásticas, teatro e literatura, nos séculos XIV ao XVI.
A lírica tradicional também identificada com a medida velha.
- Revela grande influência da lírica trovadoresca, quer no que diz respeito à forma,
quer no que diz respeito ao conteúdo;
- Uso da redondilha – utilização de versos de cinco (menor) e sete (maior)sílabas
métricas;
- Algumas dessas composições são por exemplo vilancetes e cantigas;
. vilancete – composição com um mote de dois ou três versos e uma ou mais voltas
ou glosas de sete versos; o último verso das voltas repete, com ou sem variantes o
último verso do mote;
. cantiga - composição com um mote de quatro ou cinco versos e uma ou mais voltas
ou glosas de oito versos; o último verso das voltas repete, com ou sem variantes o
último verso do mote;
. Endechas ou Trovas – número variável de estrofes, frequentemente quadras ou
oitavas
. Esparsa – composição de uma estrofe só / entre oito e dezasseis versos

- Ambiente cortesão;
- Arte de ser galante; elogio; mesura; amor cortês;
- Inspiração amorosa predominante; os queixumes do coração resultantes da
saudade, da distância, da coita/sofrimento de amor ; a morte de/por amor; submissão
amorosa; cativo do amor perante a beleza sobrenatural da amada;
- Inspiração de ocasião entre o jocoso e o trivial; as trivialidades do dia-a-dia;
- Ambiente pastoril; o mar; a fonte, etc. – o Bucolismo.
A lírica de corrente renascentista,
também identificada com a medida nova e o dolce stil nuovo
- A maioria das composições adotam os géneros líricos herdados da estética clássica: o
soneto, a canção, terceto, a ode, a elegia, a écloga;
- Revela as grandes influências de Virgílio, Ovídio, Horácio e Petrarca, Neoplatonismo;
- Influência da poesia provençal e do romance cortês presente na lírica de inspiração
tradicional:
. a mulher como ser superior, quase divina e de beleza inefável; idealização da
mulher;
. atitude de reverência perante a amada, mantendo o sentido da distância que os
separa; platonismo;
. a morte de/por amor.
- Análise psicológica de todo o processo, dos seus impulsos contraditórios e a
manifestação de desejos opostos;
- O temperamento ardente e apaixonado do poeta;
- O amor: desde uma abordagem superficial a uma abordagem intensa e trágica;
- O amor platónico; conflito entre o amor puro/espiritual e o amor sensual/carnal;
- Amor ideal – exclui a sensualidade e é concebido como uma contemplação espiritual.
As contradições que este amor acarreta faz parte de um processo de purificação.
- Desconcerto sentimental; sentimento de perda; travo de melancolia; saudade;
- Consciência do pecado;
- O ideal de mulher – cabelos loiros, pele branca, olhos claros; alegria grave, harmonia
pura e exata, o gesto sereno; a mulher amada é um ideal de beleza e perfeição;
- Petrarquismo: temas de Petrarca – a mulher amada, o amor e os seus efeitos, os
conflitos interiores do sujeito, visão subjetiva da natureza.
- Neoplatonismo – perceção da realidade através de dois mundos ( sensível e inteligível)
- Por vezes não segue este modelo e aparecem a sensualidade e descrições de mulher que
se afastam do modelo.
- A natureza como confidente e espelho do estado de espírito do poeta;
- Animização da natureza;
- Locus amoenus – natureza harmoniosa, serena, luminosa, alegre, cristalina,
transparente;
- Referências à mitologia pagã: mitologia grega e romana;
- As circunstâncias da realidade dramática pessoal do poeta;
- A contínua mudança, o destino e o desconcerto do mundo.
- Soneto – duas quadras dois tercetos; decassílabos; esquema rimático abba abba
cdc dcd/ou cde cde;

- Canção – série de estrofes com número regular de versos, com uma estrofe mais
pequena;

- Ode – Louvor feitos nacionais, a vida campesina, a celebrar o amor e a vida, etc.;

- Elegia – Exprimem sentimentos de tristeza;

- Écloga – intranquilidade e desassossego aliada ao bucolismo;

- Oitava – poemas habitualmente endereçados a individualidades. Estrofe de oito


versos decassilábicos, esquema rimático abababcc.
Análise

Medida velha
Análise de composições poéticas
- A influência tradicional
Quem ora soubesse
- A medida velha Onde o amor nasce,
Que o semeasse.

Verdes são os campos


da cor do limão
assim são os olhos
do meu coração.

Vós, Senhora, tudo tendes,


senão que tendes os olhos verdes.
Aquela cativa Se Helena apartar
que me tem cativo, Do campo seus olhos,
Porque nela vivo Nascerão abrolhos
Já não quer que viva.
MOTE ALHEIO Análise formal
Vós, Senhora, tudo tendes, Vilancete: mote alheio de dois versos
senão que tendes os olhos verdes. Redondilha maior – 7 silabas métricas
Duas voltas
Rima: abbaacc deeddcc
Dotou em vós Natureza
o sumo da perfeição O sujeito poético elogia a beleza da amada, referindo que ela é perfeita, no
que, o que em vós é senão, entanto refere que ela tem os olhos verdes e isso é um “senão”, segundo o
é em outras gentileza; mote alheio que está na base deste vilancete.
o verde não se despreza, Se há alguns que desprezam os olhos verdes, agora não há razão para tal,
uma vez que ela tem os olhos verdes e isso não pode ser defeito.
que, agora que vós o tendes,
são belos os olhos verdes.

Ouro e azul é a milhor


cor por que a gente se perde;
mas a graça desse verde A maioria das pessoas acredita que os olhos azuis são os mais belos.
tira a graça a toda a cor. O sujeito poético faz um trocadilho com a “graça” do verde, dizendo que
Fica agora sendo a flor a “graça”, ou seja a beleza do verde, rouba a beleza a todas as outras
cores.
a cor que nos olhos tendes,
porque são vossos... e verdes!
MOTE ALHEIO
Vós, Senhora, tudo tendes,
senão que tendes os olhos verdes.
O segundo verso do mote constitui a questão
a ser desenvolvida ao longo do vilancete e
Dotou em vós Natureza
encontra continuidade nos últimos versos das
o sumo da perfeição
voltas.
que, o que em vós é senão,
O sujeito poético conclui que os olhos verdes
é em outras gentileza;
são belos, porque são os da amada.
o verde não se despreza,
que, agora que vós o tendes,
são belos os olhos verdes.

Ouro e azul é a milhor Traços comuns na temática camoniana:


cor por que a gente se perde;
mas a graça desse verde Idealização da mulher
tira a graça a toda a cor. Ênfase no olhar – espelho da alma
Fica agora sendo a flor Elogio e a galanteria
a cor que nos olhos tendes,
porque são vossos... e verdes!
Mote:

Verdes são os campos


da cor do limão
assim são os olhos
do meu coração.

Voltas:

Campo que te estendes


com verdura bela;
ovelhas que nela
vosso pasto tendes:
d’ervas vos mantendes
que traz o Verão,
e eu das lembranças
do meu coração.

Gado que paceis,


comcontentamento
vosso mantimento
não o entendeis;
isso que comeis
não são ervas , não:
São graças dos olhos
Do meu coração.
O sujeito poético começa por
apresentar o ponto de partida para a
criação poética:
Está já presente a devoção
A semelhança entre a cor dos olhos da
amorosa e os elementos da
amada e a cor dos campos/ da
Natureza. Mote alheio Natureza.
Destaca-se já a banalidade e
trivialidade da inspiração Verdes são os campos
da cor do limão Estabelece uma comparação entre
poética.
assim são os olhos ambos.
do meu coração. Os olhos representam a amada no
Os elementos bucólicos estão
seu todo
presentes, reforçando essa
(a parte pelo todo – sinédoque)
simplicidade e trivialidade.
É apresentado o destinatário ou destinatários deste
lamento: Campo, Ovelhas e Gado.
O sujeito poético dirige-se a estes elementos.

Primeiro começa por invocar o campo verde que se


Voltas: estende de forma bela, mas passa logo de seguida
para as ovelhas que estão tão próximas dessa beleza
Campo que te estendes verde.
com verdura bela;
ovelhas que nela O sujeito poético deixa-lhes um recado, ao lembrar-
vosso pasto tendes:
lhes que, por um lado, elas se alimentam/ elas se
d’ervas vos mantendes
que traz o Verão, mantêm vivas por causa dessa verdura que o verão
e eu das lembranças torna possível, por outro lado o sujeito poético
do meu coração. alimenta-se vive por causa das lembranças/ das
memórias que tem da amada.

Pressupomos, portanto uma relação dominada pela


saudade, pela tristeza e pela nostalgia.
Dirige-se agora ao Gado, no geral, que não tem consciência
da realidade do seu sofrimento.

O sujeito poético de uma forma exagerada (hipérbole)


assume a projecção da amada na Natureza, assumindo que,
sem se dar conta, o gado come a graciosidade dos olhos da
amada.
Gado que paceis,
co contentamento Ao longo da cantiga temos uma comparação entre os olhos
vosso mantimento da amada e os campos que se vai tornando cada vez mais
não o entendeis; evidente aos olhos do sujeito poético.
isso que comeis A repetição do advérbio de negação “não” transmite um
não são ervas , não: tom de oralidade ao poema, e temos a certeza de que o
São graças dos olhos sujeito poético está convencido desta projeção da amada
Do meu coração na Natureza.

No final da composição poética os olhos não são como os


campos (comparação)
São os próprios campos verdes (metáfora).
(10pts) 1 – Que relação o sujeito poético estabelece entre os campos e a amada.
Mote:

Verdes são os campos


da cor do limão
assim são os olhos
do meu coração. Os campos
Voltas:
 ponto de partida para a recordação da amada
Campo que te estendes
com verdura bela;  semelhança entre a cor dos campos e os olhos da
ovelhas que nela natureza
vosso pasto tendes:  os campos alimentam/ dão vida e a amada também
d’ervas vos mantendes
mantém o sujeito vivo através das recordações.
que traz o Verão,
e eu das lembranças  projeção e posterior união entre a amada e a
do meu coração. Natureza.
Gado que paceis,
co contentamento
vosso mantimento
não o entendeis;
isso que comeis
não são ervas , não:
São graças dos olhos
Do meu coração.
Mote:
(10pts) 2 – A presença da cor é importante na construção desta cantiga. Demonstra a
sua importância simbólica.
Verdes são os campos
da cor do limão
assim são os olhos
do meu coração. Verde

Voltas: – símbolo da Natureza, que é o elemento de


Campo que te estendes comparação com a amada;
com verdura bela;
ovelhas que nela
vosso pasto tendes: - Símbolo da esperança, uma vez que a separação
d’ervas vos mantendes causa sofrimento, há o desejo de reencontrar a
que traz o Verão, amada.
e eu das lembranças
do meu coração.

Gado que paceis,


co contentamento
vosso mantimento
não o entendeis;
isso que comeis
não são ervas , não:
São graças dos olhos
Do meu coração.
Mote: (10pts) 3 – Quais os sentimentos que dominam o sujeito poético ao longo da cantiga.
Verdes são os campos
da cor do limão
assim são os olhos
do meu coração. Apaixonado – porque a natureza o faz recordar as
características da amada
Voltas:
Campo que te estendes
com verdura bela;
ovelhas que nela
vosso pasto tendes:
d’ervas vos mantendes
que traz o Verão, Nostálgico/ Saudoso – vive de recordações de
e eu das lembranças
passado e não de presente
do meu coração.

Gado que paceis,


co contentamento
vosso mantimento
Triste/Incompreendido/Apaixonado – porque os
não o entendeis;
isso que comeis outros, a natureza não o compreende; porque as
não são ervas , não: saudades são muitas e tudo o que tem são
São graças dos olhos recordações
Do meu coração.
(10pts) 4 – Observa as palavras “Campo” “ovelhas” “Gado”. Relaciona a sua utilização
Mote:
com o tema da composição poética.
Verdes são os campos
da cor do limão
assim são os olhos
do meu coração.
É apresentado o destinatário ou destinatários deste
Voltas: lamento: Campo, Ovelhas e Gado.
Campo que te estendes O sujeito poético dirige-se a estes elementos.
com verdura bela;
ovelhas que nela
vosso pasto tendes:
Primeiro começa por invocar o campo verde que se
d’ervas vos mantendes estende de forma bela, mas passa logo de seguida para as
que traz o Verão, ovelhas que estão tão próximas dessa beleza verde.
e eu das lembranças
do meu coração.
O sujeito poético deixa-lhes um recado, ao lembrar-lhes
Gado que paceis, que por um lado elas se alimentam, elas se mantêm vivas
co contentamento por causa dessa verdura que o verão torna possível, por
vosso mantimento outro lado o sujeito poético alimenta-se/vive por causa das
não o entendeis;
isso que comeis
lembranças/ das memórias que tem da amada.
não são ervas , não:
São graças dos olhos
Do meu coração.
Mote:
(15pts) 5 – Este poema retoma aspectos característicos da poesia tradicional. Identifica-os.
Ver//des// são// os //cam//pos
Da// cor// do// li//mão Formal :
assim são os olhos • Cantiga / redondilha menor (5 sílabas métricas)
do meu coração.
• mote: quatro versos
Voltas: • voltas com oito versos
Campo que te estendes • repetição do último verso do mote no final de cada volta
com verdura bela;
ovelhas que nela
vosso pasto tendes: Conteúdo:
d’ervas vos mantendes
que traz o Verão, • Saudade
e eu das lembranças • elogio à beleza da amada
do meu coração.
• as características da mulher : os olhos claros
Gado que paceis, a graciosidade
co contentamento • 0 bucolismo: a natureza, os campos, as ervas, as ovelhas, o
vosso mantimento gado, o pasto
não o entendeis;
isso que comeis
não são ervas , não: • a simplicidade, trivialidade e banalidade dos elementos que
São graças dos olhos estão na base da inspiração poética: os campos verdes
Do meu coração.
(15pts) 6 – Apresenta a Paráfrase da última volta. Identificando e clarificando a intenção do recurso expressivo presente nos
últimos quatro versos.
Dirige-se agora ao Gado, no geral, que não tem consciência da
Mote: realidade do seu sofrimento.
Verdes são os campos
da cor do limão
assim são os olhos O sujeito poético de uma forma exagerada (hipérbole) assume
do meu coração.

Voltas:
a projeção da amada na Natureza, assumindo que, sem se dar
Campo que te estendes
conta, o gado come a graciosidade dos olhos da amada.
com verdura bela;
ovelhas que nela
vosso pasto tendes: Ao longo da cantiga, temos uma comparação entre os olhos da
d’ervas vos mantendes
que traz o Verão, amada e os campos que se vai tornando cada vez mais evidente
e eu das lembranças
do meu coração. aos olhos do sujeito poético.
Gado que paceis, A repetição do advérbio de negação “não” transmite um tom
co contentamento de oralidade ao poema, e temos a certeza de que o sujeito
vosso mantimento poético está convencido desta projeção da amada na Natureza.
não o entendeis;
isso que comeis No final da composição poética os olhos não são como os
não são ervas , não: campos (comparação)
São graças dos olhos São os próprios campos verdes (metáfora).
Do meu coração.
(20pts) 1 - Organiza as temáticas recorrentes na poesia de influência tradicional, exemplificando com os versos acima apresentados.

A B C
“Pretos os cabelos “Os ventos serena,
Onde o povo vão
“Tão linda que o mundo espanta” Faz claras de abrolhos
perde opinião
Que os louros são belos” O ar dos seus olhos.”

D E F
“Pretidãode amor, “Mais branca que a neve pura(…)”
“Presença serena Tão doce a figura, “Cabelos de ouro o trançado.”
Que a tormenta amansa” Que a neve lhe jura
que trocou a cor.”

• O modelo de mulher correspondia à mulher loura, mas em Camões há muitas vezes a dúvida, a alteração dos padrões habituais. ( A )

• Serenidade no perfil psicológico (D e C)


• A presença da antítese, por um lado está presente a inquietação, por outro lado está presente a serenidade. (D)

• A beleza da mulher é sempre enaltecida, dando muitas vezes origem à hipérbole. (B)

• A brancura da pele é sempre motivo para a metáfora e símbolo da sua pureza e simplicidade. Novamente as dúvidas e contradições
do sujeito poético. (E)
• A amada é um agente transformador da natureza supra-humano, divinizado, capaz de fazer coisas que a maioria dos mortais não
consegue. (C)
• Além da brancura e dos cabelos louros, ainda se acrescenta a metáfora constante, recorrendo aos metais preciosos (ouro e prata)
construindo-se assim um retrato ainda mais valorativo. (F)
(20pts) 2.1 - Clarifica as afirmações e exemplifica com a análise dos versos que se seguem:

2 - “ A experiência do humanista, a experiência amorosa e a experiência de vida


colocam Camões perante uma constatação: a de que o mundo, a realidade, é absurda e
domina o desconcerto. Esta constatação deixou marcas amargas em poemas de revolta,
queixa, desengano, perplexidade angustiada.”
In Amélia Pinto Pais, Eu cantarei de amor – Lírica de Luís de Camões.

Camões foi um humanista, viajou e conheceu o mundo


• humanismo alimenta a capacidade nas capacidades humanas;
• valorização da razão e do juízo crítico
• certificação da verdade através da experimentação
• desenvolve a capacidade de conhecer o mundo de o questionar e de reflectir sobre os comportamentos humanos.

No primeiro excerto, conclui que o mundo vive em


desconcerto, pois o trabalho deveria levar ao mérito e à Todo o trabalho bem Os bons vi sempre passar
honra, o que não acontece. Promete gostoso fruito, No mundo graves tormentos;
Mas os trabalhos, que vêm E, para mais m’espantar,
Para quem dita(1) dita não tem, Os maus vi sempre nadar
No segundo excerto, conclui que o mundo vive em Valem pouco e custam muito. Em mar de contentamentos.
desconcerto, pois a bondade deve ser premiada e não é. (1) Boa fortuna, felicidade
A maldade deve ser castigada e também não é.
Aquela cativa
que me tem cativo,
Porque nela vivo
Já não quer que viva.
Eu nunca vi rosa Pretidão de amor,
Em suaves molhos, Tão doce a figura,
Que pera meus olhos Que a neve lhe jura
Fosse mais fermosa. Que trocara a cor.
Leda mansidão
Nem no campo flores, Que o siso acompanha;
Nem no céu estrelas Bem parece estranha
Me parecem belas Mas bárbara não.
Como os meus amores.
Rosto singular Presença serena
Olhos sossegados Que a tormenta amansa;
Pretos e cansados, Nela, enfim descansa
Mas não de matar. Toda a minha pena.
Esta é a cativa
ua graça viva, Que me tem cativo,
Que neles lhe mora, E, pois nela vivo,
Pera ser senhora É força que viva.
de quem é cativa.
Pretos os cabelos,
Onde o povo vão
Perde a opinião
Que os louros são belos
O sujeito poético começa com um jogo de
palavras: cativo/cativa que é sugestivo da
escravidão amorosa do sujeito poético.
Se por um lado Bárbara é escrava/cativa
(socialmente), o sujeito poético também o é.
Aquela cativa É escravo do seu amor.
que me tem cativo
Porque nela vivo
Já não quer que viva. O sujeito poético faz um elogio à beleza da
Eu nunca vi rosa amada, construindo já a tradicional
Em suaves molhos, hipérbole, onde superioriza a amada.
Que pera meus olhos
Fosse mais fermosa.

Os elementos da Natureza são os


escolhidos para ajudar a descrever a beleza
da amada
Comparativamente com as flores e/ou as
estrelas, a sua amada é muito mais bela.
Nem no campo flores, Note-se que todo o elogio é pessoal, ou seja,
Nem no céu estrelas parece ao sujeito poético que a sua amada
Me parecem belas tem uma beleza incomparável à beleza da
Como os meus amores. grandiosidade da Natureza. Está presente
Rosto singular uma comparação.
Olhos sossegados
O rosto da amada não é um rosto banal, é
Pretos e cansados,
singular/diferente/único, ou seja não
Mas não de matar.
corresponde aos padrões habituais.

Mais uma vez o


Mais uma vez, os olhos são apresentados como um espelho
sujeito poético
da alma, neste caso estão sossegados, o que mais uma vez
joga com as
reforça a ideia da calma e serenidade que caracterizava as
palavras e diz que
mulheres da lírica camoniana.
ela está cansada,
Mas logo de seguida, apresenta características que se
mas não de matar
opõem ao modelo de mulher: “olhos pretos e cansados”,
…de amor, não de
ou seja, olhos escuros e doridos do trabalho duro.
seduzir e de
inspirar paixões.
Antecedente – “olhos”
O reforço da graciosidade da
mulher é contínuo e assemelha-se
ao modelo de mulher.
ua graça viva,
Que neles lhe mora, Mais uma vez se joga com as palavras
Pera ser senhora “senhora” e “cativa”, reforçando a ideia de que
de quem é cativa. apesar de ser cativa/escrava, domina, é
Pretos os cabelos, senhora dos corações apaixonados.
Onde o povo vão
Perde a opinião
Que os louros são belos.

O “povo vão”, ou seja, a opinião geral e pouco


acertada é de que os cabelos louros é que são
belos.
O sujeito poético põe em causa o modelo da
época e substitui-o por outro.
Inicia esta oitava com uma apóstrofe à
Pretidão de amor, mulher amada, pondo em destaque
Tão doce a figura, precisamente as características que se
Que a neve lhe jura opõem ao modelo de mulher da época,
Que trocara a cor.
Leda mansidão Mas logo se sucedem características
Que o siso acompanha; psicológicas que se adequam ao modelo:
Bem parece estranha Doçura, leda mansidão, siso.
Mas bárbara não.
Toda esta descrição pode parecer
diferente, mas não agressiva, ofensiva
(“bárbara”).

Presença serena Novamente o reforço da serenidade. E também a


Que a tormenta presença da antítese, que põe em destaque as
amansa; contradições amorosas e os conflitos de opinião.
Nela, enfim descansa
Toda a minha pena. O sujeito poético encaminha para uma conclusão
Esta é a cativa todo este elogio, dizendo que nela se concentra a sua
Que me tem cativo. inspiração poética e sofrimento poético (“pena”).
E, pois nela vivo,
É força que viva.
“Aquela” implica um
Aquela cativa
que me tem cativo, distanciamento, pois
Porque nela vivo o sujeito poético
Já não quer que viva. ainda não
Pretidão de amor,
Eu nunca vi rosa apresentou a Tão doce a figura,
Em suaves molhos, personagem. Que a neve lhe jura
Que pera meus olhos Que trocara a cor.
Fosse mais fermosa. “ Esta” implica Leda mansidão
proximidade, pois Que o siso acompanha;
Em no campo flores, Bem parece estranha
Nem no céu estrelas agora as Mas bárbara não.
Me parecem belas características desta
Como os meus amores.
personagem são Presença serena
Rosto singular Que a tormenta amansa;
Olhos sossegados conhecidas.
Ela, enfim descansa
Pretos e cansados, Toda a minha pena.
Mas não de matar.
Esta é a cativa
ua graça viva, Que me tem cativo.
Que neles lhe mora, E, pois nela vivo,
Pera ser senhora É força que viva.
de quem é cativa.
Pretos os cabelos,
Onde o povo vão
Perde a opinião
Que os louros são belos
A escrava contraria o modelo de mulher renascentista pelas suas características
físicas que fogem ao pré-estabelecido: loiro, olhos claros, pele branca.

A sua serenidade, sensatez, calma e forma distante já se inscrevem nesse modelo.


Se Helena apartar
Do campo seus olhos,
Nascerão abrolhos

Voltas:
A verdura amena
Gados que pasceis
Sabei que a deveis
Aos olhos de Helena.
Os ventos serena,
Faz flores de abrolhos
O ar de seus olhos.

Faz serras floridas,


Faz claras as fontes;
Se isto faz nos montes,
Que fará nas vidas?
Trá-las suspendidas
Como ervas em molhos,
na luz de seus olhos.

Os corações prende
Com graça inumana
De cada pestana
Ua alma lhe pende.
Amor se lhe rende
E, posto em giolhos,
Pasma nos seus olhos.
No mote, o sujeito poético deixa evidente que
os olhos de Helena irradiam uma luz especial,
de origem “divina”, inumana capaz de
transfigurar a Natureza, transformando-a de
Se Helena apartar forma bela.
Do campo seus olhos,
Nascerão abrolhos.

Está presente o universo bucólico, onde a


Natureza é o cenário da acção da mulher e
do seu elogio.
Continuam a estar presentes os elementos
da Natureza e são o destinatário da
mensagem do sujeito poético.
Voltas: Está presente uma anástrofe, que reforça a
A verdura amena ação dos olhos de Helena.
Gados que pasceis ( “Gado que pasceis, sabei que deveis a
Sabei que a deveis verdura amena aos olhos de Helena”).
Aos olhos de Helena.
Os ventos serena, (Outro caso de inversão da ordem natural:
Faz flores de abrolhos “o ar de seus olhos faz flores de abrolhos”)
O ar de seus olhos.
O sujeito poético parece querer tornar claro
Faz serras floridas, para o gado que este deve tudo à capacidade
Faz claras as fontes; que os olhos de Helena têm de transmutar a
Natureza.

Anáfora – “Faz” Esta ação está reforçada quer pela utilização


Reforça o sentido de verbos, quer pela utilização de
transformador. Sem o seu olhar adjectivação e adjectivo anteposto,
nada existiria.
Os dois primeiros versos desta volta
completam a primeira parte do vilancete:
• A acção dos olhos de Helena na
Natureza
----------------------------
---------------------------- Agora inicia-se a segunda parte:
Se isto faz nos montes, • A acção dos olhos de Helena nas vidas
Que fará nas vidas? humanas.
Trá-las suspendidas
Como ervas em molhos,
na luz de seus olhos.
Esta segunda parte começa com uma questão
retórica que nos leva a reflectir sobre os efeitos que
esta mulher terá nos humanos.
Logo de seguida, o sujeito poético responde a esta
questão, com uma comparação.
Conclui que também as almas humanas estão
dependentes dela.
Helena é uma figura graciosa, inatingível,
espiritualizada, pertencente a um outro mundo,
Os corações prende onde a matéria se suspende e de si depende.
Com graça inumana
De cada pestana O amor que inspira é um amor espiritualizado,
Ua alma lhe pende. inefável.
Amor se lhe rende
E, posto em giolhos,
Pasma nos seus olhos.

Até o amor lhe presta vassalagem.


Mote
Quem ora soubesse
Onde o amor nasce,
Que o semeasse.

Voltas:

D’Amor e seus danos


Me fiz lavrador;
Semeava amor
E colhia enganos;
Não vi em meus anos,
Homem que apanhasse
O que semeasse.

Vi terra florida
De lindos abrolhos,
Lindos para os olhos,
duros para a vida;
Mas a rês(1) perdida
Que tal erva pace(2)
Em forte hora nace.

Com quanto perdi,


Trabalhava em vão;
Se semeei grão
Grande dor colhi.
Amor nunca vi
Que muito durasse,
Que não magoasse. Luís de Camões
O sujeito poético utiliza o Pretérito
Mote Imperfeito do Conjuntivo para expressar as
Quem ora soubesse suas dúvidas e os seus conselhos.
Onde o amor nasce,
Que o semeasse.

O sujeito poético começa por lançar uma


questão, uma dúvida para o ar. Ele diz que se
alguém conhece o terreno fértil do amor
deveria plantá-lo.

O sujeito poético inicia aqui esta metáfora que


aproxima o amor de uma cultura que necessita
terreno especial, ou seja cuidados especiais.
O sujeito poético conta que se tornou
lavrador de amor.
D’ Amor e seus danos Inicia aqui uma metáfora que se irá
Me fiz lavrador; prolongar ao longo de todo o texto: Todo
Semeava amor este processo de colher, nascer, cuidar e
E colhia enganos;
colher está presente como a metáfora de
Não vi em meus anos,
Homem que apanhasse sentir amor de o alimentar e conduzir ao
O que semeasse. longo da vida.

Os aspectos da Natureza dominam


completamente a metáfora em
construção.
O sujeito poético afirma que ao longo da vida
Por fim refere que, partindo da sua semeou amor, mas só colheu enganos, ou seja
experiência pessoal, nunca viu faz alusão a um amor infeliz e sofrido.
ninguém que apanhasse o que
recolheu , ou seja nunca ninguém
foi verdadeiramente feliz no amor.
O sujeito poético recorda que já teve
momentos felizes, porém momentos
Vi terra florida
contraditórios: Por um lado eram “lindos”,
De lindos abrolhos,
Lindos para os olhos, por outro eram “duros”, porque levavam ao
duros para a vida; sofrimento .
Mas a rês(1) perdida Constrói-se uma antítese, pois os “abrolhos”
Que tal erva pace(2)
Em forte hora nace. não são plantas bonitas, pelo contrário, têm
picos , ou seja, representam aqui uma ilusão e
um perigo de sofrimento.

A “rês perdida” representa aqui o Homem que se


alimenta de “tal erva”, ou seja, do amor ilusório.
Destaca-se também o facto deste amor (erva)
nascer forte/ intenso e condenar o homem.
Aliteraçã
Com quanto perdi,
Trabalhava em vão;
o
Se semeei grão
Grande dor colhi.
Amor nunca vi
O investimento, a dedicação, o
Que muito durasse, trabalho que este lavrador
Que não magoasse. (homem) dedicou à sementeira
( ao amor) foi em vão, ou seja
Luís de Camões foi inútil, porque a única coisa
que colheu foi dor e sofrimento.

Anáfora

O sujeito poético conclui a metáfora,


tornando-a clara nos últimos três versos
onde diz que nunca conheceu um Amor que
perdure e que não conduza ao sofrimento.
(15pts) 1 – Logo na primeira volta o sujeito poético apresenta-se
metaforicamente. Justifica a afirmação.

O sujeito poético inicia esta metáfora que aproxima o amor de


uma cultura que necessita terreno especial, ou seja cuidados
D’ Amor e seus danos especiais.
Me fiz lavrador;
Semeava amor
E colhia enganos; O sujeito poético conta que se tornou lavrador de amor.
Não vi em meus anos, Inicia aqui uma metáfora que se irá prolongar ao longo de todo o
Homem que apanhasse texto: Todo este processo de colher, nascer, cuidar e colher está
O que semeasse. presente como a metáfora de sentir amor, de o alimentar e
conduzir ao longo da vida.

Os aspectos da Natureza dominam completamente a metáfora


em construção.

O sujeito poético afirma que ao longo da vida semeou amor, mas


só colheu enganos, ou seja faz alusão a um amor infeliz e sofrido.
Mote
Quem ora soubesse
(15pts) 2 – Este texto é uma reflexão pessoal.
Onde o amor nasce, Justifica a afirmação e apresenta o possível destinatário deste
Que o semeasse.
vilancete.
Voltas:

D’Amor e seus danos O sujeito poético começa por lançar uma questão, uma dúvida para
Me fiz lavrador;
Semeava amor o ar. Ele diz que se alguém conhece o terreno fértil do amor deveria
E colhia enganos; plantá-lo.
Não vi em meus anos,
Homem que apanhasse
O que semeasse.

Vi terra florida
De lindos abrolhos,
Lindos para os olhos,
Tudo isto é uma reflexão pessoal, porque o sujeito poético recorre à
duros para a vida; sua experiência pessoal para tirar conclusões. Isto é ele vai contando
Mas a rês(1) perdida o que fez, o que semeou, o que colheu, o que viu, o que perdeu, o
Que tal erva pace(2)
Em forte hora nace.
que trabalhou, e a que conclusões chega: o amor conduz sempre ao
sofrimento…
Com quanto perdi,
Trabalhava em vão;
Se semeei grão
Grande dor colhi.
Amor nunca vi
Que muito durasse,
Que não magoasse.

Luís de Camões
Mote
Quem ora soubesse (10pts) 3 – Quais os efeitos e características do Amor?
Onde o amor nasce, Justifica, fazendo o levantamento de palavras que o
Que o semeasse.
comprovam.
Voltas:

D’ Amor e seus danos


Me fiz lavrador; Efeitos: Características:
Semeava amor
E colhia enganos;
Não vi em meus anos, Danos Enganoso
Homem que apanhasse Sofrimento Ilusório
O que semeasse. Desilusão Contraditório
Vi terra florida Dor Forte/intenso
De lindos abrolhos, magoa Exigente
Lindos para os olhos,
duros para a vida;
Mas a rês(1) perdida
Que tal erva pace(2) O Amor é apenas uma ilusão, cria expectativas, alimenta as
Em forte hora nace.
esperanças, mas no final acaba sempre por levar ao sofrimento
e à desilusão.
Com quanto perdi,
Trabalhava em vão;
Se semeei grão É também forte e exigente, pois quando surge é intenso e
Grande dor colhi. arrebatador, e todo o apaixonado deve “trabalhar”, ou seja
Amor nunca vi
Que muito durasse,
empenhar-se nesta tarefa.
Que não magoasse.

Luís de Camões
Mote (15pts) 4 – Este poema retoma aspectos característicos da
Quem ora soubesse
Onde o amor nasce,
poesia tradicional. Identifica-os.
Que o semeasse.

Voltas:
Formal :
• vilancete / redondilha menor (5 sílabas métricas)
D’ Amor e seus danos • mote: três versos
Me fiz lavrador;
Semeava amor • voltas com sete versos
E colhia enganos;
Não vi em meus anos,
• repetição do último verso do mote no final de
Homem que apanhasse cada volta
O que semeasse.

Vi terra florida Conteúdo:


De lindos abrolhos,
Lindos para os olhos,
•0 bucolismo: a natureza, os campos, o lavrador, a
duros para a vida; sementeira, o gado, o pasto
Mas a rês(1) perdida
Que tal erva pace(2)
Em forte hora nace. • a simplicidade, trivialidade e banalidade dos
elementos que estão na base da inspiração
Com quanto perdi, poética: a sementeira.
Trabalhava em vão;
Se semeei grão • o sofrimento amoroso e a submissão amorosa. A
Grande dor colhi. coita de amor.
Amor nunca vi
Que muito durasse,
Que não magoasse.

Luís de Camões
Mote
Quem ora soubesse
Onde o amor nasce, (15pts) 5 – Apresenta a Paráfrase da última volta.
Que o semeasse.
Identificando e clarificando a intenção do recurso
Voltas: expressivo presente nos últimos quatro versos.
D’ Amor e seus danos
Me fiz lavrador;
Semeava amor O investimento, a dedicação, o trabalho que este
E colhia enganos; lavrador (homem) dedicou à sementeira ( ao
Não vi em meus anos,
Homem que apanhasse amor) foi em vão, ou seja foi inútil, porque a
O que semeasse. única coisa que colheu foi dor e sofrimento.
Vi terra florida
De lindos abrolhos,
Lindos para os olhos, O sujeito poético conclui a metáfora, tornando-a
duros para a vida;
Mas a rês(1) perdida
clara nos últimos três versos onde diz que nunca
Que tal erva pace(2) conheceu um Amor que perdure e que não
Em forte hora nace.
conduza ao sofrimento.

Com quanto perdi,


Trabalhava em vão;
Se semeei grão
Grande dor colhi.
Amor nunca vi
Que muito durasse,
Que não magoasse.
Luís de Camões
Análise

Medida nova
dolce stil nuovo
O texto é constituído por duas quadras e dois tercetos em metro
Ondados fios de ouro reluzente decassilábico, com um esquema rimático ABBA // ABBA // CDE //
CDE, verificando-se a existência de rima interpolada em “A”,
Ondados fios de ouro reluzente, emparelhada em “B” e interpolada em “C,D,E”.
Que agora da mão bela recolhidos,
Agora sobre as rosas estendidos O soneto aborda o tema da mulher, mais propriamente, o
Fazeis que sua graça se acrescente; ideal Petrarquista.
Este ideal é sempre descrito como uma mulher perfeita,
Olhos, que vos moveis tão docemente, bela, nobre, só descritível em imagens hiperbólicas.
Em mil divinos raios encendidos, Verifica-se a descrição física, à maneira de Petrarca, de
Se de cá me levais alma e sentidos, uma mulher, que contribui para a sua caracterização moral.
Que fora, se de vós não fora ausente? O poema apresenta uma enumeração metafórica dos
atributos físicos da mulher.
Honesto riso, que entre a mor fineza Esta caracterização respeita o ideal feminino petrarquista e
De perlas e corais nace e parece, assume também a ausência da amada.
Se n'alma em doces ecos não o ouvisse! Assim, afastado do objeto da sua devoção, o poeta deseja
a proximidade.
Se imaginando só tanta beleza, Utiliza um discurso expressivo, marcado pelas expressões
De si, em nova glória, a alma se esquece, interjetivas.
Que será quando a vir? Ah! Quem a visse!
Presença bela, angélica figura,
Em quem, quanto o Céu tinha, nos tem dado;
Gesto alegre, de rosas semeado,
Entre as quais se está rindo a Fermosura;

Olhos, onde tem feito tal mistura


Em cristal branco e preto marchetado,
Que vemos já no verde delicado
Não esperança, mas enveja escura;

Brandura, aviso e graça que, aumentando


A natural beleza c'um desprezo
Com que, mais desprezada, mais se aumenta;

São as prisões de um coração que, preso,


Seu mal ao som dos ferros vai cantando,
Como faz a sereia na tormenta.
Leda serenidade deleitosa,
Que representa em terra um paraíso;
Contradição do amor
Entre rubis e perlas doce riso;
felicidade e sofrimento
Debaixo de ouro e neve cor-de-rosa;
Retrato idealizado da amada:
Presença moderada e graciosa,
Traços físicos e psicológicos
Onde ensinando estão despejo e siso
Que se pode por arte e por aviso,
Estrutura interna
Como por natureza, ser fermosa;
Recursos expressivos
Fala de quem a morte e a vida pende,
Rara, suave; enfim, Senhora, vossa;
Efeitos da mulher no sujeito
Repouso nela alegre e comedido:
lírico
Estas as armas são com que me rende
Presença/ausência do
E me cativa Amor; mas não que possa
dialogismo
Despojar-me da glória de rendido.
Dizei, Senhora, da Beleza ideia:
Para fazerdes esse áureo crino,
Onde fostes buscar esse ouro fino?
Retrato idealizado, concetual e
De que escondida mina ou de que veia?
divinizado da amada:
Traços físicos e psicológicos
Dos vossos olhos essa luz febeia,
Sedução, fatalidade do amor
Esse respeito, de um império dino?
Se o alcançastes com saber divino,
Influência do classicismo –
Se com encantamentos de Medeia?
Febo, Medeia, Vénus, Narciso
De que escondidas conchas escolhestes
Estrutura interna
As perlas preciosas orientais
Que, falando, mostrais no doce riso?
Recursos expressivos
Pois vos formastes tal como quisestes,
Efeitos da mulher no sujeito
Vigiai-vos de vós, não vos vejais;
lírico
Fugi das fontes: lembre-vos Narciso.
Presença do dialogismo
Pág. 278
Locus amoenus
Está o lascivo e doce passarinho
Metáfora do enamoramento Co'o biquinho as penas ordenando,
O verso sem medida, alegre e brando,
Amor – prisão, cegueira, Espedindo no rústico raminho.
fatalidade
O cruel caçador, que do caminho
Ambiente bucólico Se vem, calado e manso, desviando,
Na pronta vista a seta endireitando,
Lhe dá no Estígio lago eterno ninho.

Destarte o coração, que livre andava,


(Posto que já de longe destinado),
Onde menos temia, foi ferido.

Porque o Frecheiro cego me esperava,


Para que me tomasse descuidado,
Em vossos claros olhos escondido.
Pág. 278

Locus amoenus Como quando o mar tempestuoso


o marinheiro, lasso e trabalhado,
Metáfora do enamoramento de um naufrágio cruel já salvo a nado,
só ouvir falar nele o faz medroso,
Amor – tormenta, cruel,
fatalidade e jura que, em que veja bonançoso
o violento mar e sossegado,
Ambiente bucólico não entre nele mais, mas vai forçado
pelo muito interesse cobiçoso;

assi, Senhora, eu, que da tormenta


de vossa vista fujo, por salvar-me,
jurando de não mais em outra ver-me:

minh’alma, que de vós nunca se ausenta,


dá-me por preço ver-vos, faz tornar-me
donde fugi tão perto de perder-me.
Pág 290

Locus amoenus O céu, a terra, o vento sossegado...


As ondas, que se estendem pela areia...
Metáfora do enamoramento Os peixes, que no mar o sono enfreia...
O nocturno silêncio repousado...
Amor – tormenta, cruel,
fatalidade O pescador Aónio, que, deitado
Onde co vento a água se meneia,
Ambiente bucólico Chorando, o nome amado em vão nomeia,
Que não pode ser mais que nomeado:

— Ondas – dezia – antes que Amor me mate,


Tornai-me a minha Ninfa, que tão cedo
Me fizestes à morte estar sujeita.

Ninguém lhe fala; o mar de longe bate;


Move-se brandamente o arvoredo;
Leva-lhe o vento a voz, que ao vento deita.
Página 293

Desconcerto emocional Males, que contra mim vos conjurastes,


Quanto há-de durar tão duro intento?
(pág. 298) Se dura, por que dure meu tormento,
Baste-vos quanto já me atormentastes.

Mas se assim porfiais, porque cuidastes


Derribar o meu alto pensamento,
Mais pode a causa dele, em que o sustento,
Que vós, que dela mesma o ser tomastes.

E pois vossa tenção com minha morte


É de acabar o mal destes amores,
Dai já fim a tormento tão comprido.

Assim de ambos contente será a sorte:


Em vós por acabar-me, vencedores,
Em mim porque acabei de vós vencido.
Pág. 291

Desconcerto emocional O dia em que nasci moura e pereça,


Não o queira jamais o tempo dar;
Não torne mais ao Mundo, e, se tornar,
Eclipse nesse passo o Sol padeça.

A luz lhe falte, O Sol se [lhe] escureça,


Mostre o Mundo sinais de se acabar,
Nasçam-lhe monstros, sangue chova o ar,
A mãe ao próprio filho não conheça.

As pessoas pasmadas, de ignorantes,


As lágrimas no rosto, a cor perdida,
Cuidem que o mundo já se destruiu.

Ó gente temerosa, não te espantes,


Que este dia deitou ao Mundo a vida
Mais desgraçada que jamais se viu!

http://www.slideshare.net/HMECOUT/o-dia-em-que-eu-nasci-morra-e-perea
Pág. 301
Desconcerto do mundo
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
(pág. 304) Muda-se o ser, muda-se a confiança:
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,


Diferentes em tudo da esperança:
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem (se algum houve) as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,


Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

E afora este mudar-se cada dia,


Outra mudança faz de mor espanto,
Que não se muda já como soía.
O mundo tem-me feito desfeitas atrás de desfeitas. Na maior parte das vezes, o mundo entretém-se a mostrar-
me que sou estúpido. Admito que, quando isso acontece, o mundo quase não tem de fazer nada para o
conseguir. Mas é realmente incrível o trabalho a que o mundo se tem dado para me fazer sentir velho. Todos os
dias faz piruetas impossíveis, sem outra justificação que não seja obrigar-me a dizer, como um octogenário, "No
meu tempo isto não era assim". A última dessas cabriolas foi esta: neste momento, o regime político que as
pessoas ricas preferem é o da Rússia. No meu tempo isto não era assim. Gérard Dépardieu, francês, actor,
milionário e reputado bêbado urinador no chão de aviões, pediu a cidadania russa para pagar menos impostos.
E obteve-a porque, ao passo que no meu tempo a Rússia achava que o ocidente era demasiado capitalista,
agora acha que não o é suficientemente.
No meu tempo, os russos queriam sair para o ocidente. Agora, os ocidentais querem entrar na Rússia. Alguém
substituiu a cortina de ferro por aquela cortina que, nos aviões, separa a ralé da primeira classe. E foi
rapidíssimo. Todo o mundo é composto de mudança, eu sei. Jamais te banharás duas vezes nas águas do
mesmo rio, e tal. De acordo. Mas isto é um exagero. Qual rio, Heraclito? Quais águas? O próprio rio deixou de
ser um rio. E já não estamos a banhar-nos em água. Isto é vinho. E Gérard Depardieu está a bebê-lo todo, como
é evidente. Não se muda já como soía porque o próprio devir mudou. E ou muito me engano ou está drogado.
Em pouco mais de 20 anos, a Rússia transfigurou-se. Não sei se aguento mudanças do mesmo género nos
próximos 20 anos. Receio que a minha saúde não resista ao choque se, em 2033, a Coreia do Norte for um país
livre, a Alemanha for um país pobre, e Portugal for um país decente. O sobressalto poderia matar-me. Creio que
é isso que o mundo pretende, e o mais triste é que estou convencido de que acabará por consegui-lo. Resta-me
retaliar como posso. Vou comprar dois ou três aerossóis bem poluentes e ajustar contas com o mundo. Logo
veremos se continuará com vontade de fazer pouco de mim quando tiver a camada de ozono toda esburacada.
Ricardo Araújo Pereira, Visão
O mundo tem-me feito desfeitas atrás de desfeitas. Na maior parte das vezes, o mundo entretém-se a mostrar-
me que sou estúpido. Admito que, quando isso acontece, o mundo quase não tem de fazer nada para o conseguir.
Mas é realmente incrível o trabalho a que o mundo se tem dado para me fazer sentir velho. Todos os dias faz
piruetas impossíveis, sem outra justificação que não seja obrigar-me a dizer, como um octogenário, "No meu
tempo isto não era assim". A última dessas cabriolas foi esta: neste momento, o regime político que as
pessoas ricas preferem é o da Rússia. No meu tempo isto não era assim. Gérard Dépardieu, francês, actor,
milionário e reputado bêbado urinador no chão de aviões, pediu a cidadania russa para pagar menos
impostos. E obteve-a porque, ao passo que no meu tempo a Rússia achava que o ocidente era demasiado
capitalista, agora acha que não o é suficientemente.
No meu tempo, os russos queriam sair para o ocidente. Agora, os ocidentais querem entrar na Rússia. Alguém
substituiu a cortina de ferro por aquela cortina que, nos aviões, separa a ralé da primeira classe. E foi rapidíssimo.
Todo o mundo é composto de mudança, eu sei. Jamais te banharás duas vezes nas águas do mesmo rio, e tal. De
acordo. Mas isto é um exagero. Qual rio, Heraclito? Quais águas? O próprio rio deixou de ser um rio. E já não
estamos a banhar-nos em água. Isto é vinho. E Gérard Depardieu está a bebê-lo todo, como é evidente. Não se
muda já como soía porque o próprio devir mudou. E ou muito me engano ou está drogado.
Em pouco mais de 20 anos, a Rússia transfigurou-se. Não sei se aguento mudanças do mesmo género nos
próximos 20 anos. Receio que a minha saúde não resista ao choque se, em 2033, a Coreia do Norte for um país
livre, a Alemanha for um país pobre, e Portugal for um país decente. O sobressalto poderia matar-me. Creio que é
isso que o mundo pretende, e o mais triste é que estou convencido de que acabará por consegui-lo. Resta-me
retaliar como posso. Vou comprar dois ou três aerossóis bem poluentes e ajustar contas com o mundo. Logo
veremos se continuará com vontade de fazer pouco de mim quando tiver a camada de ozono toda esburacada.
TOPONÍMIA

Agora, neste estreito


Mudam-se os tempos. Já quadrilátero, de onde saímos
não sabemos as matinais canções e mal regressámos, sem índias nem
nem habitamos vilas morenas. quinto império - salvou-se o manuscrito do
Toleramos serventes de pedreiro louros, Luís Vaz a nado - restam-nos a sardinha
de preferência não legalizados. Queremos e a conquilha - ao que consta cercadas
um grande apartamento em condomínio de barcos espanhóis - o bacalhau
fechado, um ferrari, uma piscina, um topo que já não vem da Terra Nova, a memória
de gama de uma coisa qualquer. dos pescadores de baleias, esgotada a captura
nas ilhas.

Temos ruas, temos praças e pontes


com nome de revolução. Como todos Também temos o treze
os países temos hino - nação valente de Maio, o negócio clandestino
imortal. Tivemos canela e diamantes, das abortadeiras, a broa de Avintes,
santos, barregãs e dinastias de os tintos, por enquanto de marca e
tiranos e servos. Andámos muito o leitão da Bairrada e o Benfica e
no mar, trocando rotas e poderes, o Sporting e o Futebol
escravos, inquisições e cruzes. Clube do Porto.
Temos ruas, temos praças e
pontes com nome de revolução,
topónimos nebulosos que a distância
apagará. Apenas aquela rua
chamada Cantor Zeca Afonso
poderá surpreender o transeunte
se acrescentarem o aviso:

nunca quis uma rua


só para si.

Inês Lourenço
Elabora um Texto de Opinião que comece assim:

“No meu tempo não era nada assim…”

E que inclua no seu desenvolvimento alguns dos versos de Camões


presentes neste soneto.

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,


Muda-se o ser, muda-se a confiança:
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,


Diferentes em tudo da esperança: O tempo cobre o chão de verde manto,
Do mal ficam as mágoas na lembrança, Que já coberto foi de neve fria,
E do bem (se algum houve) as saudades. E em mim converte em choro o doce canto.

E afora este mudar-se cada dia,


Outra mudança faz de mor espanto,
Que não se muda já como soía.
Maria de Lurdes Augusto - 2014

Você também pode gostar