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S154f
PEDIDOS PEW REEMBOLSO POSTAL Caixa Postal 23.052 - Rio de Janeiro, RJ - 20922
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SUMÁRIO
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o Craque da Copa 169
. Jogo Ficou Fácil 173
"Toma, Faz o Teu..." 175
A Festa Bonita 177
Nem Sempre se Agüenta 179
.A Itália Mereceu 181
Futebol Caipira 183
Nem Sempre É Pênalti 185
GATO PRETO EM CAMPO DE NEVE
Gato Preto em Campo de Neve 189
Compra-se ou Vende-se 191
Emancipação da CBD 193
"O que Segura Governo Não É Futebol. É Tanque!" 197
O Grande Clássico203
Futebol Olímpico205
Uma das boas coisas da vida para se fazer sem compromisso é bater papo com João
Saldanha. Nem todos, porém, têm esse privilégio. Uma alternativa é ouvi-lo pelo
rádio ou pela TV: a mesma inteligência, o mesmo entusiasmo, as mesmas opiniões
bem informadas.
Para o seu grande público, João praticamente só fala de futebol. E como fala!
Para
o público menor, o dos privilegiados, o dos seus íntimos, fala de muito mais
coisas.
E que coisas!
Futebol e outras histórias passa a fazer parte da Coleção Adão Juvenal de Souza,
iniciada em 1973 por
outro gaúcho, este de Cruz Alta, Érico Veríssimo. A coleção foi inspirada e
criada pelo
nosso companheiro que, ao nos deixar, legou-lhe o nome. Além de Érico Veríssimo
(duas
vezes, Solo de Clarineta I e 11), publicou Carlos Dru!)1Ríond de Andrade, Mario
Quintana, Menotti dei Picchia, Gilberto Freyre, Graciliano Ramos, Jorge Amado,
Fernando Sabino, Guimarães Rosa, Barão de Itararé, Monteiro Lobato e Luís
Fernando
Veríssimo: escritores, poetas, sociólogos, humoristas, jornalistas bissextos.
Meus amigos, como diz o João, é com grande prazer e grande orgulho que lhes
oferecemos este Futebol e outras histórias. Ninguém fica indiferente ao que João
Saldanha fala ou escreve. Este livro fará o seu Natal e o seu Ano Novo melhores.
São os nossos votos. E talvez os faça até repensar, rever alguns conceitos.
Inclusive
sobre futebol.
// Churrasco em Pigalle
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E fui morar em Sentier, lá perto da Rue de Rome, subindo como quem sai da
Gare Saint Lazare, 8? Arrondissement. Lugar quente e de pura onda. Lá por cima
se
toma o Boulevard Clichy e se está na Place Pigalle, centro sexual de Montmartre.
Russo veio morar junto, e no prédio estava o argentino Oscar Tarrio, grande
zagueiro que tinha sido do San Lorenzo de Almagro. Se não me engano, foi da
seleção argentina e campeão junto com o Valdemar de Brito. Tarrio jogava como
estrangeiro e era o cobra do time. Mas o caso era outro. Todos 'os sábados,
madame
Tarrio, uma ítalo-argentina gorda, assava um churrasco... Carne não era
problema.
Pagando bem se compra na França, até hoje, carne de primeiríssima. De gado
"puro". Finíssimo. O churrasco era feito na brasa, na parrilla, como dizem os
gringos. E o cheiro exalava por todo o predinho de três andares. Velho e com um
elevador daqueles que só cabem duas pessoas e tinha uma corda forte que passava
por dentro da cabine. A tal corda acionava um vácuo, e o elevador subia. Assim
como "elevador" de posto de gasolina. Por baixo dele saía do solo, onde também
se
enterrava, um baita cilindro que empurrava o bicho para cima e controlava a
velocidade na descida. Nos primeiros dias fiquei cismado com o troço. Mas havia
tantos em Paris que acostumei fácil.
Este temor não foi só meu. Não é por nada não, mas no Rio tínhamos vários
mais modernos e velozes. Aquele até que descia mais ou menos. Mas a subida até o
segundo andar era triste. O bichinho ia bem devagar . No terceiro, mal
alcançava.
Mais garantido tomar a escada.
Nos sábados, sempre o tal churrasco e outras coisas na parrilla. Uma
verdadeira parrillada, como dizem os argentinos. .Em resumo, tratava-se de
carnes
grelhadas.
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Mas o cheiro era algo de fantástico. Não que a França não tivesse bons bifes.
Não
era isso. O caso é que a madame Tardo assava a carne com molhos especiais. Fazia
o braseiro e era na grelha mesmo. Eles, os franceses, estavam acostumados ao
fogão
a gás. E a grelha dava aquele cheiro que invadia todo o predinho de Sentier.
Os moradores ficavam loucos e não poupavam elogios e "lambe-beiços". Mas
nós no nem-te-ligo. Nunca nos convidaram para nada, - então o que queriam?
Conheci uma moça, filha de uma viúva da Primeira Guerra, que eu levava
sempre para jantar. Algumas vezes ela foi ao churrasco, pois morava ali mesmo
bem
perto. Eu a levava na porta a toda hora e nunca me ofereceu um copo d'água
sequer.
E as duas, porque às vezes eu também convidava a "velha" para comer junto,
vinham correndo. Mas nunca tive uma forra.
Assim é a natureza, e eu explicava pensando que era porque as duas, uma
pensionista de falecido na guerra e a outra simples funcionária de um
laboratório,
viviam na conta.do chá. Por isso eram tão econômicas. Mas aos poucos fui sabendo
quanto elas ganhavam, pagavam de apartamento e tudo. A fácil conclusão foi de
que
se tratava de duas sovinas, que ganhavam mais do que eu e eram mesmo unhas-de-
fome. Barrei as duas no churrasco. Mas ainda andei levando a garota para comer
por
aqui e por ali. Mas no churrasco não.
Moravam no prédio dois bonitões, de físico atlético. Bonitos demais e muito
produzidos, o que me fez chegar à fácil conclusão de que se tratava de dois'
'boizões" . Em outras palavras, eram duas bichas. Mas faziam papel de machões
num show pornõ no Caprice Viennois, um cabaré até que dos bonzinhos, da Rue
Pigalle. E os dois, ou as duas, faziam caras, bocas e gestos a respeito do
churrasco.
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A toda hora vinham com aquele' 'oh-Iálá" dos franceses, quando querem
exaltar alguma coisa. E sempre essa onda era no sábado do churrasco. Até parece
que ficavam vigiando quando a gente entrava ou saía para comprar algumas coisas.
Se insinuaram de todo o jeito, mas nós endurecemos.
Ao fim de algum tempo, num sábado, o churrasco soberbo. Madame Tarrio se
esmerou e fez misérias num molho que ela disse ter aprendido lá em Rosario,
cidade
às margens do rio Paraná. Grande centro de exportação de gado em pé. Gado ' 'em
pé" significa que os animais viajam vivos. E é naquelas enormes gaiolas que
descem
o rio na direção de Buenos Aires. Carne tão boa que até os ingleses por vezes
arriscavam que a "tropa" de exportação "em pé" morresse de pneumonia na viagem
transatlântica. Isto não era muito difícil, pois bastava uma chuva fria para
castigar os
animais, e tudo ia para o beleléu. Mas os ingleses milionários inportavam esse
gado
a todo risco. Às vezes essa carne chegava muito cara, outras não. Claro que os
frigoríficos já existiam, e há muito tempo. Mas essa carne era diferente.
E como cheirava na parrilla do assado de madame Tarrio! E o molho que ela
preparava! As duas bichas enlouqueceram, e nós fizemos chantagem: se eles
dissessem tomo era o show, inteirinho, nós daríamos parte do churrasco. Do
contrário não havia acordo.
. O show do Caprice Viennois era famoso e muito bem montado. Duas partes.
entretanto eram as mais famosas e causavam grande sucesso. Uma era a da "pornô"
,
onde os dois tomavam párte. Eu estava invocado. Como é que eles agüentavam o
lance? Afinal, duas sessões por noite, e ainda por cima sábado e domingo tinha
matinê. Era preciso fôlego e muita saúde. E como o espetáculo
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fazia sucesso, o dono apresentava sempre, sem descanso. E nós pensávamos: Não é
possível. E eles não brocham! Como? Isso nos invocava.
A outra parte do show também fazia muito sucesso. Consistia numa cena onde
um chimpanzé e uma loura muito bonita faziam sexo. A mulher se apresentava
primeiro. Ficava deitada numa chaise-longue e ali fazia seu strip-tease com
muita
classe, ao som de um blues bem malemolente do Louis Armstrong. E ia tirando a
roupa, bem devagar, ante o entusiasmo da platéia. Ao mesmo tempo, lá de cima, do
teto, aparecia uma gaiola dourada. Dentro dela o chimpanzé.
Quando a gaiola chegava embaixo o bicho endoidava. A mulher nua e se
contorcendo na chaise-longue. Virava pra lá e pra cá. O chimpanzé dava voltas
por
dentro da gaiola dourada. E dando volta sobre volta, de repente encontrava duas
barras que se soltavam. Saía da gaiola, pulava em cima da loura e lambia ela
toda. O
blues atacava mais alto e o macaco lambendo a mulher, que se contorcia e gritava
em êxtase, se virando pra lá e pra cá. E o macaco chupando tudo que podia.
O distinto público vibrava e batia palmas frenéticas. Um pau-d'água quis entrar
na gaiola. Foi preciso a "segurança" intervir. Como vi isso duas vezes, manjei
que
fazia parte do espetáculo.
Mas como o macaco fazia aquilo tão bem? E como os dois caras do prédio
agüentavam sua parte duas vezes por dia, e aos sábados e domingos com matinê?
Não. Não era possível, e daí a chantagem. Se quisessem comer o churrasco, tinham
de dar o "serviço". E da parte que faziam e da do macaco. Se não, não iriam ter
churrasco.
Mas nesse tal dia em que o churrasco estava estalando e o cheiro fazia o
"prédio" todo soltar suspiros,
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eles pediram arrego. Antes porém fizeram a gente prometer que guardaria
segredo. Prometemos e ainda nos fizeram jurar por Santa Genoveva, a padroeira de
Paris. Topamos, e aí eles contaram tudo, indo buscar seus apetrechos. Muito bem-
feitos. Se adaptavam completamente sobre o pênis. Por dentro dos falsos corriam
umas bolinhas de chumbo bem pesadas e presas a um elástico que esticava na
medida em que as bolinhas desciam para o escroto. O resto era fácil. As
mulheres,
bem treinadas, faziam o diabo. E eles, sempre em forma até o momento desejado.
Aí
era só espremer para sair o falso esperma. Um creme de chantilly ou coisa
parecida.
Fácil, não? Pois era muito bem bolado. Agora, na época da eletrônica, deve ser
mais
fácil ainda. E o negócio era perfeito. Aliás, essas casas de diversão vendem
tudo. E
parece mesmo muito real.
Mas e o lance do macaco chimpanzé? Como era feito? Muito fácil, disse um
deles: o chimpanzé é louco por mel. Naquela movimentação toda, ela vai se
contorcendo na chaise e passando mel por onde quiser. O chimpanzé só vai
lambendo. Simples não? E naquele dia o churrasco de madame Tarrio teve mais dois
convidados. Palavra é palavra, e palavra de homem não volta atrás...
Mas o Russo, o Adolfo Milmann, quase se estrepa. Estourou a guerra e Sandos
foi convocado logo de cara. O Russo se apavorou, mas um cônsul brasileiro o aju-
dou. Russo entrou num reservado, rasgou os documentos do francês convocado e
voltou a usar os seus. Estava vencido, mas deram um jeito. E até hoje estão
procu-
rando o insubmisso Sandos, que se recusou a se apresentar para defender a França
na Segunda Guerra Mundial.
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//Invasão em Varsóvia
Em Varsóvia, por onde passei também ali por 1950, fiquei de cara
no chão. Já tinha.andado por algumas cidades destruídas, mas como aquela não. Em
Stalingrado, por exemplo, não se podia quase ver dois tijolos juntos. A guerra
foi lá
dentro da cidade, casa por casa, entre dois exércitos com grande capacidade de
ex-
termínio. Mas Stalingrado nem existia mais. A reconstrução foi mais para um
lado.
Nem valeria a pena aproveitar nada. Mas Varsóvia era uma calamidade. A cidade
apertada pelo Vístula e separada por este rio, da outra cidade, menor, quase que
só
residencial, que se chama Praga. Um bairro mais propriamente dito.
Varsóvia antes da guerra era a capital, e continua sendo, mas antes de tudo era
uma cidade eminentemente cultural. Lindos parques e teatros, edifícios e monu-
mentos marcando as épocas de ouro e fausto da cidade. Era até perigoso andar
perto
daqueles pedaços de edifícios. A cada momento uma parede caía. Tinha apenas um
começo da reconstrução em melhor andamento. Foi no lugar chamado Praça do
Século XII, que também fora
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de ter ido lá uma meia dúzia de vezes para ver shows musicais, canto ou danças
folclóricas. Também atos políticos e outros. Quase tudo era lá. Eu era capaz de
ir de
olhos fechados. Quando aparecia um guia dizendo "Olha, hoje tem um..." , nem
terminava e eu já perguntava a que horas, pois o local só poderia ser o Teatro
da
Ópera. Não foi totalmente arrasado e o reconstruíram rápido.
Bem em frente à nossa casa havia um grande monumento em bronze que
serviria de material para um outro que deveria marcar a vitória final da
Alemanha
nazista nà guerra. Aliás, o monumento já estava quase pronto quando a guerra
tomou outro rumo. Então ali foi construído um bem diferente, saudando a vitória
contra o nazismo. No cimo do monumento, um jovem de fuzil em riste
representando a revolta do Gueto de Varsóvia. E o bairro de Mokotuf foi
edificado
precisamente sobre as ruínas do Gueto. Ali nós moramos uns tempinhos.
Havia poucos divertimentos, e se escutava muito música no rádio, pois o que o
locutor dizia era muito difícil de entender. Uma ou outra palavra eu me
lembrava,
porque na primeira vez que fomos morar no Paraná foi ali perto da colônia Afonso
Pena, onde fica o aeroporto de Curitiba, bem entre a colônia Murici e Roseira,
outra
colônia de polacos. E ali, no meio deles, sempre se aprendia muita coisa. Garoto
sempre aprende mais o que não serve. Mas em Varsóvia bem que servia. .
Na Polônia muitos podem pensar que o problema mais sério é o de comida e
habitação. Sim, é verdade. Mas havia um outro seriíssimo e que ninguém poderia
resolver a curto prazo. É que lá foram mortos seis milhões e meio de homens e
rapazes entre dezesseis e qua
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renta e cinco anos. Isto, de uma população aproximada de trinta milhões. Quer
dizer, a parte mais válida, o que criou um terrível problema social a que nenhum
plano poderia dar jeito. A não ser o tempo. E um tempo bem grande, até que novas
gerações. de homens crescessem e se tornassem adultos. Um dos problemas mais
sérios de uma guerra que, entre mortos, desaparecidos e inutilizados, somaram
quase
cinqüenta milhões, dos quais menos de um quarto foi de mulheres.
Niccolau Kornetchuk, intelectual ucraniano, dizia-nos em Praga: "Eu também
sou deputado ao Soviete Supremo. Este ano estive em Kiev, e um grande número de
mulheres invadiu nosso escritório. Chegaram agressivas e gritavam: 'Cadê os
homens para casarem com nossas filhas?'" E ele nos dizia: "Como responder a
elas?
O que falar?"
E o diabo era que éramos homens, e em certas horas não era fácil andar por
Varsóvia. Elas atacavam firme. Bonitas, meio bonitas, feias, magras e gordas, de
todo jeito. Uma vez, estávamos dormindo, e meu companheiro de quarto era
Mumuni, do Marrocos francês. Um negão alto e forte, muito simpático e alegre.
Ele
dizia: "Ei, Brasil (Brasil era eu), não agüento mais. Elas atacam de todo jeito.
Acho
que vou embora antes de terminar meu trabalho aqui. " De fato, e independente da
guerra, a "cor" agrada muito naquelas regiões. Em Moscou também, e lá não morreu
um quarto da população masculina.
Pobre do neguinho. E estávamos nesse papo, já meio sonolentos e para dormir,
quando arrebentaram a porta. Não era nada demais. Uma porta como outra qualquer
não era preciso arrebentar. Bastaria bater que abriríamos. E entraram,
"ferozes", três
mulheres, que "tararam" o crioulo. Embaixo, o vigia, um homem bem velho, ficou
sem sentidos. Elas entraram como invaso
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ras. Mumuni não ofereceu resistência e deixou o barco correr. Quando a que
sobrou me viu, partiu feroz.
E não era difícil se encontrar duas mulheres de braço dado ou se beijando na
boca. Este problema nem sei como resolveram. Ou nem sei como se acostumaram.
A minha experiência diz que o homem é o animal que mais capacidade tem se de
adaptar. Não sei se isso é muito certo. Mas fui forçado a encarar situações
muito
difíceis. E até já tinham me falado no problema que poderíamos enfrentar na
Polônia
daqueles tempos. Mas não pensei que fosse tão sério.
Enfim, já láse vão quarenta anos, e creio que o equilíbrio dessa parte da
ecologia deve ter sido resolvido. Épossível que alguém tenha encarado essa
situação
como engraçada. Não queiram se meter nela.
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Foi na Suécia. A seleção brasileira jogaria lá, onde seu cartaz era
grande. A copa de 1958 e depois uma excursão do Botafogo, no verão seguinte. E
todos os suecos queriam ver Garrincha, "o aleijado gênio do futebol".
Pois é. Garrincha era o gênio. De cara um seriíssimo problema, e Sven
Lindquist se ofereceu para ajudar. Logo no dia seguinte, Lindquist, desta vez
acompanhado por Gunnar Goranson, reapareceu muito preocupado e disse: "A
questão é muito difícil. Aconselho-os a procurarem um bom advogado e também a
pedirem auxílio da sua embaixada." E saiu abanando a cabeça dizendo muito
baixinho: "É grave... é grave."
Claro que quem esclareceu isso foi um intérprete, se não como saberíamos o
que Lindquist estava dizendo no seu pensamento em voz baixa? É assim, sueco fala
em voz muito baixa. Uma vez eu e o Hílton Gosling estávamos preparando planos
para a enorme excursão pela Europa. Eram dezenove jogos, e o planejamento era
difícil. Mas não podíamos conversar direito. Estávamos numa sala do imenso hotel
onde os donos nos concede
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No cimo de suas casas há sempre um corvo ou uma caveira. Bem em frente à porta,
um imenso tacho onde elas ficam fazendo e engarrafando poções que são boas para
tudo. As bruxas mais modernas exportam seus produtos. O símbolo principal dessa
província é o Dolos Hast ou "Cavalo da Sorte". É branco com arreios em ouro,
azul
e outras cores, ou é vermelho com arreios iguais aos do cavalo branco. Tem de
todos
os tamanhos. Desde pequenos, mínimos, de pouco mais de dois centímetros,
atégrandões, quase do tamanho de um cavalo normal. O mais comum é o que tem
uns dez ou doze centímetros.
Lindquist, o nosso esperto empresário, levou um para cada membro da
delegação. Um grande time, precedido da maior publicidade futebolística da
Suécia,
mas tínhamos perdido de um a zero nosso primeiro jogo em Estocolmo para o time
de um cantor de rádio. E quem fez o gol foi o cantor. Em seguida demos um pulo a
Copenhague,. onde empatamos com o time local e perdemos uma dúzia de gols
feitos. .Então o esperto empresário, não podendo levar-nos a Dalicárnia, um
pouco
longe, trouxe Dalicárnia até nós. Um Cavalo da Sorte para cada um. Do presidente
da delegação até o Aloísio, roupeiro, massagista, encarregado dos transportes
maríti-
mos, aéreos e terrestres. O sueco era prático e organizava tudo. Mas não custava
"calçar" seu negócio.
O fato é que jogamos mais dezessete partidas na Europa e não perdemos
nenhuma. E foram jogos contra seleções da Áustria, de Madri, contra o Milan em
seu campo,contra a da Bélgica, e ninguém se separou mais do Dalas Hast. .
Sueco é primeiro time na sabedoria mundial. Falase muito nos judeus. Pois
apesar de já terem comemorado cinco mil.e muitos anos, destes três eles perdem.
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so afirmar que o turco é capaz de chegar na frente dos judeus. É sim, são mais
"fortes". Dizem que uma das grandes características do sueco é a moita. Fazem
tudo
na moita e baixinho. Pude perceber isto, e então eu de propósito falava mais
baixinho do que eles. Só para ouvilos dizer: "Hein?" Aí, olhava com ar superior
e
não dizia mas pensava: "Aprendeu, seu merda..."
Mas o grande caso nessa viagem foi o julgamento que tanto preocupava os
homens de lá e os de cá. Garrincha estava indiciado, e me pareceu que estava em
ca-
na. Dizia ele que não, que era apenas um convite para esclarecer as coisas.
Então o
Dr. Gosling, para clarear tudo, disse a ele: "Se é assim, tenta sair daqui."
Mané
olhou para os dois guardas a seu lado, maiores çlo que um guarda-roupa e achou
melhor ficar quieto.
A questão era séria e o próprio advogado sueco, tal como o nosso, achava que
não tinha saída. O melhor seria assumir e pedir clemência ao juiz.
A sala do júri era solene. O meritíssimo togado e com roupas da Idade Média.
Tinha até a cabeleira, como os juízes ingleses. Seu semblante não demonstrava
ser
ele capaz de uma clemência. E o caso prosseguia com testemunhas, declarações e
tudo. Seguinte: quando o Botafogo estivera lá em Umea, cidade que fica a norte,
co-
mo quem vai para a Lapônia, na província de Vãsterbotten, fez um jogo de dia
contra um time bem veterano. Ouso afirmar que a média de idade daquele pessoal
andava ali pelos quarenta. Nem mais nem menos. Pois mesmo assim foi um custo
para ganhar deles. Dois a um ou três a um, no finzinho. Foi lá que Tião Macalé
virou
"ponto de história natural". Acho que nunca tinham visto negros e tão retintos.
Mas
ficamos lá mais de vinte e quatro horas. E pronto: bateu, valeu. Nunca vi tanta
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reria. Sven, que acompanhava tudo, e Gunnar Goranson disseram: "Ou terá de
indenizar a moça, e é uma fortuna, ou vai para a cadeia no mínimo por três
anos."
E explicavam a complicação: a moça era .menor. Tinha menos de dezesseis anos, e
as leis suecas são severíssimas neste caso. .Depois dos dezoito, cada um ou cada
uma que se cuide, e parece que depois dos dezesseis a coisa é menos dura. Mas
antes... é fogo.
E veio o julgamento. O libelo era forte. O promotor - acho que era promotor -
era fera. Os advogados de defesa estavam atordoados, sem saber o que fazer. A
única pes.soa calma e segura de si era o Garrincha. Nem piscava quando o
intérprete
ia traduzindo todos os lances do julgamento. Garrincha só se manifestou uma vez,
quando criticou o promotor: "Por que esse cara está tão brabo por uma coisinha
tão
à-toa? ..." O juiz levantou a cabeça e intimou o intérprete a traduzir o que o
acusado
estava falando. Mas o intérprete foi esperto e disse que não era nada relevante
em
relação ao processo. O juiz ainda olhou com severidade, e o negócio continuou.
Eu
só estava com medo de Garrincha perguntar ao juiz, com aquela enorme cabeleira,
a
qual escola de samba ele pertencia.
E o processo continuava. Pelo jeito Garrincha não tinha escapatória, quando a
Corte resolveu interpelá-Io sobre a questão e o que ele desejaria fazer para
resolver
tudo. Ou uma indenização fabulosa ou a cadeia. Garrincha começou a falar
sentado,
mas teve de levantar. E foi dizendo: "Pra que tanta onda? É por causa da garota
?Eu
levo ela comigo e boto um apartamento pra ela. Se quiserem eu caso, pombas. Lá
no
Brasil casei na igreja e posso casar de novo. Lá eu tenho dez meninas (oito com
a
Nair. O Bolacha só veio depois) e quero muito um
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menino. Eu boto um apartamento pra ela em Botafogo e posso ficar com ela
uns dois dias por"semana. Nos outros eu vou lá pra Pau Grande ou durmo no
Botafogo. Por que tanta onda?"
Quando Mané falou que botava um apartamento pra ela, olhei para o Dr.
Gosling e ele já estava olhando pa ra mim. É que nós sabíamos que Garrincha
tinha tido uma garota que trouxe de Porto Alegre. E a garota teve um filho bem
magrinho. O menino adoeceu e o doutor foi ao "apartamento". Ficava nos fundos de
um quintal, não passava de um quarto úmido .e sem banheiro. A cama era um sumiê
velho. Na parede, um cabide de pendurar coisas e no chão, um fogão de uma boca.
Desses "jacaré", de carvão. A moça estava muito magra. O Botafogo pagou tudo e,
de acordo com sua vontade, mandou-a de volta para Porfo Alegre.
Por isso eu tremi, e o doutor também, quando ouvimos Mané dizer que casava e
botava um apartamento pra ela, que ficaria indo e, voltando para ver seus
filhos. O
doutor falou com Gunnar, eu não sei o quê. Gunnar arregalou dois olhos muito
grandes e falou com o advogado. O juiz estava prestando atenção em Garrincha
mas,
a essa altura, mesmo baixinho como sueco fala, .havia um burburinho na sala do
júri. Todos falavam ao mesmo tempo. A garota baixinha, as velhas da Liga, o pro-
motor, os advogados. O juiz quis saber o que estava acontecendo. A reunião foi
suspensa e o promotor esclareceu tudo.
Só havia uma pessoa calma naquela sala, e era Garrincha. Sua proposta firme
de casamento e de levar a mãe e a criança para o Brasil surpreendera a todos.
Inclusive a mim, que já tinha dito ao Mané: "Olha, você agora vai continuar
usando
a camisa do Botafogo. Mas é em
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listras horizontais, seu torto de uma figa." Ele deu uma gargalhada. .
A idéia de virem para o Brasil, a proposta simples da bigamia, apavorou a todos
os suecos. A Liga das Mães Solteiras resolveu assumir todos os prejuízos.
Garrincha
caiu fora como se estivesse saindo de um cinema, e foi embora. E um rapaz
mulatão,
fortão, até hoje vive e trabalha lá no norte da Suécia...
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//Operação Aniquilamento
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vez em Pequim, um dos nossos amigos perguntou pela tal "sopa de andorinha".
Um dos intérpretes respondeu, rindo: "Não é sopa de andorinha. Isso não existe.
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sopa de baba do ninho da andorinha. E é este consomê que vocês comem quase
todos os dias." De fato, sempre vinha, e eu sempre comi aquele caldinho meio
amarelo e bem aceitável. Pensei um pouco, mas resolvi continuar comendo.
Muita coisa se diz a respeito da comida chinesa. Falavam muito de chineses
que eram capazes de comer ratos. E ainda explicavam: "Trata-se de um prato
sofis-
ticado, que as classes mais abastadas comiam metendo o rato num pote de mel."
Pois eu nunca vi isso, e perguntei. Pura onda. É claro que um homem morrendo de
fome come até cadáver de outro homem. A história está cheia disso. E um ratinho
com mel, nessa altura, pode até ser considerado um manjar requintado.
Um fato insólito foi a história que nos contaram e que se passou em Dairen,
aquela cidade que me pareceu Porto Alegre, importante porto do mar Amarelo. A
dominação japonesa ali foi ferocíssima. Nos passaram um filme do enterro de
gente
viva. Esse filme por sinal passou também como parte do filme O último imperador,
de Bertolucci, e mostra friamente autoridades ocidentais vendo o tal enterro.
Fui visitar um dos locais onde faziam issocomumente com os prisioneiros
políticos e de guerra. É uma região arenosa, e os próprios prisioneiros cavavam
o
grande buraco. O que vi era ou é redondo e com profundidade de pouco mais de
dois
metros. Os prisioneiros cavavam sua própria sepultura. Muitos reagiam, mas eram
mortos a tiros ou a ponta de "baioneta calada". Quando o tal buraco já estava
suficientemente grande para o en
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"campo" foi pego intacto, e não deu tempo.de ser inutilizado, como os de
Dachau, Bushenwald, e mesmo o de Treblinka, dos quais restou muito pouca coisa.
O de Maidanek foi pego de surpresa, cercado por tropas soviéticas e
guerrilheiros
poloneses. Os prisioneiros chegaram a matar a dentadas alguns de seus algozes. E
o
Jorge Cúri, quando chegou a um pavilhão onde se encontram vestidos, cabelos,
sapatos e bonecas de crianças, e com aquele cheiro que ainda existe, teve um
princípio de desmaio. Começou a suar muito, ia caindo quando foi amparado por
nós. Em seguida pediu para cair fora da visita e não quis mais ver o resto.
Desta vez o nosso cicerone era o Afonso Celso, exilado brasileiro e mais tarde
secretário municipal aqui do Rio de Janeiro. Não deixa de ser uma visita
importante
para quem deseje conhecer os horrores da última guerra mundial. Não muito
aconselhável às pessoas mais sensíveis. Maidanek é hoje uma espécie de museu e
está aberto diariamente. Menos às segundas-feiras, e até às seis horas no verão.
Acho que mais cedo no inverno porque escurece logo. .
Mas meu negócio era o peixe a bordo do barco no lago. Comi muito peixe na
China e digo com toda a certeza que este é o prato nacional. E peixe de água
doce.
Tipo peixe-rei ou truta. Também o tallambari dos grandes. Há bastante arroz.
Como
aqui. Entretanto, é um prato que não pude ver muito. E eles cozinham o arroz
meio
pastoso, para facilitar comer com os pauzinhos. Fica uma espécie de bolo, é
facílimo
ingeri-Io. O gosto é o mesmo do nosso. É só botar sal. O duro era arranjar sal e
era
sempre bom levar um saquinho. O sal quebra todos os galhos. Lá no norte do
Paraná
a turma de jagunços do Celestino, e também a turma que fazia luta armada, dos
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posseiros, andava sempre com um saquinho de sal. E era bem como diziam:
"Com um saco de sal dá para ficar brigando a vida inteira."
Na China, apesar de superpopulosa, se encontra bastante comida. E uma coisa
curiosa. A não ser em Xangai, que é um grande conglomerado habitacional, nunca
pude ver muitos chineses juntos. Mesmo em Pequim, cidade que, na década de
1950, diziam que se poderia encontrar uns quatro milhões de chineses, nunca vi
muita gente aglomerada. Cheguei a me indagar: "Pombas, onde é que eles se
metem?"
Dizem que hoje em Pequim podem ser encontrados uns sete milhões de
habitantes. Cometeram o grave erro de concentrar lá várias indústrias. Lógico
que
isto atraiu muita gente.
Mas onde os chineses se encontram é na região dos campos de cultivo. Mas
será que alguém pode acreditar que, lá pelo norte e num trem em alta velocidade,
chegamos a passar um dia sem encontrar mais de uns poucos chineses, ou -melhor,
mongóis? E depois, mesmo na direção sul, através da Manchúria, passávamos muito
tempo sem encontrar viva alma.
Aqueles que Se baseiam na teoria de Malthus, a da superpopulação, podem
ficar tranqüilos. Por muitos séculos ainda caberá gente na China.
Mas que diabo íamos fazer lá pelo sudoeste chinês, região montanhosa e
pedregosa? É que nos avisaram e convidaram para ver uma grande operação de
"cerco e aniquilamento" de bandidos.
Tal operação consistia em estar perto de uma ação importante. Os "bandidos" já
não eram muitos. Mas foram muitíssimos. E poderosos. Formavam verdadeiros
exércitos. Um destes bandos tinha dois tanques, um avião
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breza ou algo assim que representasse um grande poder. Nada disso. Mandarim
significa apenas "capataz". Sim, é claro que havia capatazes mais importantes do
que outros. Mas a "importância" não era propriamente deles. A importância era de
seus patrões. Em alguns casos funcionavam como executores de ordens. Se esta
capatazia fosse grande, bem, o mandarim era mais importante. Em resumo, creio
que
algo assim como um leão-de-chácara. Como se sabe, os "leões" de gente muito
importante se tornam importantes também. Dou um exemplo, o Gregório do
Getúlio. Na China Imperial ele seria, sem dúvida, um importante mandarim. Mas
não é só este o significado da palavra. Quer dizer também o idioma falado na
China
propriamente dita. Rigorosamente, na China, dois idiomas são mais importantes: o
mandarim, o mais de todos, e o cantonês, falado ao sul. E na região sul era uni
buraco o negócio de intérpretes. De saída, eu mesmo falava em francês. Isto já
era
uma tradução nem sempre fiel. Depois daí, do francês para o mandarim. Lá no sul
o
mandarim era traduzido para o cantonês. Francamente, não sei o que chegava do
outro lado.
Uma vez mandei fazerem a tradução de volta, quer dizer, do cantonês para o
mandarim, daí para o francês e para mim. Eu tinha falado sobre a Revolução de
1930. Mas quando o cara começou, eu disse: "É melhor tratarmos de outro
assunto."
É que ele de cara foi dizençlo que eu havia dito que "os bandidos do Sul tomaram
o
governo do Norte". Então, daí em diante eu parei e ia falando e ouvindo o que
desse.
Sem preocupação de precisão de linguagem.
E fomos ver a operação de cerco e aniquilamento dos últimos remanescentes
mais organizados dos bandidos da região sudeste da China. Digo os grupos maio
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Mais tarde lembrei desta passagem. Foi aqui no Brasil, lá perto de Boa Vista,
no território de Roraima. Todos se lembram do "fanático" sabido. O tal de
reverendo
Jim Jones, que massacrou cerca de oitocentas pessoas ao sul da Guiana Inglesa.
Lá
eles compraram ou arrendaram uma área grande e atraíram muita gente crente e re-
ligiosa. E ali, em plena selva da região amazônica, induziram os crentes a se
envenenar. O chefe, o tal do Jim Jones, também morreu na ação. A história é até
ho-
je controvertida. Ele e seus asseclas tentaram exterminar os crentes e fiéis.
Mas uma
das vítimas percebeu a trama e matou Jim, que na véspera havia fuzilado um
deputa-
do americano que lá estava numa investigação do Congresso. Este deputado e mais
três acompanhantes foram assassinados, perto. do pequeno avião que os conduziu,
por Jones e seu bando.
Bem, nossas organizações jornalísticas, como nos encontrássemos lá perto, em
Boa Vista, para um jogo do Flamengo, pediram matéria. O Hélio Cunha, deputado
federal, comandante da base aérea de Roraima, contou que dois filhos de Jim
Jones
haviam fugido para a fronteira do Brasil. Eles sabiam onde estariam enterrados
cin-
co milhões de dólares, parte da grande fortuna de Jones. Mas, segundo as
autoridades de Boa Vista, por mais que tivessem sido habilmente interrogados, os
dois "filhos" de Jones não disseram onde estariam os dólares.
Ingenuamente, os jornais do Rio de Janeiro mandaram telex a seus jornalistas
esportivos que cobriam a presença do Flamengo, pedindo para que fossem até a
fronteira com a Guiana, uns 180 quilômetros em estrada razoavelmente boa, e de
lá
mandassem dizer onde J 0nes havia enterrado os dólares.
Viagem.totalmente inútil. Os "garotões" de Jones
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//A Fronteira
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Munição faltava sempre, e também era comprada do lado de lá. Teria a mesma
origem, pois umas balas negavam fogo. Talvez tenha sido bom porque muita gente
escapou com vida por causa delas. Então nos chamaram e foram dizendo:. "Olha aí,
piás, vocês levam e'stes dois embrulhos lá para Santana. Mas não vão ali pela
Sarandi, vocês farão a volta lá pelo Marco. " A Calle Sarandi, cheia de
plátanos, é a
que dava direto na Internacional, fazendo fronteira de Santana com Rivera, as
duas
cidades geminadas do Uruguai e Brásil. Naqueles tempos era fronteira "aberta", e
se
passava para lá e para cá, a pé, de cavalo, carroça ou automóvel. Bem,
automóveis
só tinham dois. Dois fordecos, e acho que eram dos dois prefeitos, o de Santana
e o
de Rívera. Quem mais iria ter um?
O movimento na Sarandi e na Internacional sempre foi muito intenso. Havia
um café que era metade lá e metade cá. Chamava-se Internacional, mas a
civilização
acabou com ele. E, como se sabe, o idioma ali era o "guasca", uma mistura de
espanhol e português. Isto ainda não mudou muito. Mas por ali não era
aconselhável
passar, então deveríamos ir lá pelo Marco.
O Marco era a marcação da divisa da nossa fronteira e a dos castelhanos. Fica a
uns dois ou três quilômetros do centro. E de longe até parece pequeno. Mas
quando
se chega perto o bicho cresce. Feito na base, de cimento. Redondo, e em cima uma
cruz de madeira bem grandinha. Fronteira seca e aberta.
E pegamos os embrulhos, bem grandinhos. Como eram pesados, pusemos
dentro de um carrinho destes que se faz usando rodas de qualquer coisa e um
caixote
de querosene Jacaré. E fomos em frente, eu e o guri que mandava, porque era mais
esperto. Gorducho e muito cheio de si. Bem queimado do sol, trajava como qual
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Nós fomos de galopinho. Olhei para trás e pude ver os dois nos cavalos
grandes, logo perto.
Chegando no Marco, o Beto foi falando: "Meu pai mandou eu vir buscar
aquelas balas de mosquetão... o senhor... "
O polícia já foi berrando: "Balas o quê, seu piá...vai dando o fora."
Mas nem chegou a terminar. De cima do cavalo Seu Gabriel disse forte: "Olha
aqui, os guris voltaram aqui para pegar aquelas balas que você guardou para
eles. É
só isso." O guarda olhou para ele e olhou para o Kanti, que estáva sentado no
selim,
preguiçoso e com o rifle no colo. O guarda repensou e disse: "Bem, eu sou guarda
da fronteira. Não sei se as balas de mosquetão..." "Tu não sabe mas vai
aprender.
Quando as bala forem minha, elas passam, não é?", disse seu Gabriel.
O Kanti apeou e foi para trás do cavalo com o rifle na mão... Eu e o Beto
corremos para trás do Marco. O guarda então disse logo: "É, pois é... elas estão
aqui... bem que eu precisava de algumas... o governo não manda nenhuma."
Seu Gabriel desceu do cavalo, pegou os embrulhos e nos deu, um para cada
um. Ainda disse: "Amarrem bem no tento."
O Kanti então falou para o guarda: "Mas tu tem mate aí, seo, vamos ferver... e
tomá uma chaleira. Olha, se o mate tiver bom eu te dou umas balas do meu. E olha
que são das boas. São americana e não são estas porquera que fazem por aí."
Montamos nos petiços e fomos em direção à casa
de Seu Arlindo, ali em Santana do Livramento. Quando andamos um pouco, olhei
para trás e vi os três homens de cócoras em roda, esperando o mate ferver na
chaleira.
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cardeal Leme para o forte de Copacabana e dali para a Europa. Estava ganha a
famosa revolução de 1930. Poucos tiros, como é a praxe da casa, e um ou outro
sentinela desprevenido morrendo como herói.
Mas isto tudo é para diferenciar o Norte do Paraná do outro Norte do Paraná. O
Novo começou mais ou menos em fins de 1930. Eu era um garoto esperto e fui parar
lá em 1938, se não me falha uma boa memória. Fui lá de xereta, acompanhando meu
pai, que era considerado um grande perito em questões de registros de
propriedade
imobiliária: terras, casas, terrenos, prédios de apartamentos, grilos e outras
coisas do
ramo. Qualquer dúvida e chamavam ele, na época titular de um cartório de
registro
de imóveis. E sempre seu veredito era o mesmo: "É, os Camargo têm razão, mas a
razão que têm não vale muita coisa. Isto aqui é muito longe de tudo. É de quem
chegar primeiro e derrubar. este mato imenso. Como todos sabem, o que garante o
grilo é a posse.' ,
E fomos lá onde alguns começavam a brigar por glebas bem grandes. O local
mais perto para se ir com certo conforto era por Ourinhos, na fronteira de São
Paulo.
Dali a gente ia até Jataizinho, à margem do impetuoso rio Tibagi, afluente do
Paranapanema. Atravessava-se o rio numa balsa, e a razão desta balsa era
fundamentalmente transportar peroba. Porco e milho também vinham muito na
balsa.
Muito realista este tipo de produção: porco e milho. Seguinte: naquela região, a
oeste do Tibagi, minha nos- sa senhora, o que não era terra devoluta! Terra
devoluta
no Brasil quer dizer terra do governo. Terra da.viúva era terra "desprotegida".
Mas,.
ali mesmo onde fica Londrina hoje, havia um lugarejo de meia dúzia de casas, um
bo
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licho que só tinha pinga fedorenta, umas rapaduras e uns três ou quatro sacos
onde
provavelmente estariam feijão, fubá e farinha. Pendurado tinha toucinho e
torresmo.
Por sinal bem bonitos. E ali estávamos com uma turma da Paraná Plantation e de
um
senhor que parecia o Hemingway quando morava em Cuba. Sempre de roupa branca
ou creme, camisa creme também e sapatos ou sandálias marrons. Muito sujo no
geral e com a barba sempre por fazer.
Era o Willie Davis, que estava comprando ou já comprara terras por ali. Tinha
alguns títulos de cartório, porém O mais era uma papelada infernal de posseiros
e outras espécies de grileiros que lhe haviam vendido pedaços grandes.
Um homem formidável o inglês, mas só fiquei sabendo disso depois, quando
fui morar lá logo que vim da China, ali por 1951. Willie Davis era um inglês
dife-
rente. Não reverenciava sua rainha e por isso não era lámuito bem visto pelas
autoridades de seu país. Não raro dizia, quando praguejava: "Ô, eu quero que a
rainha se foda. Ela nunca me deu nada. Nada mesmo. Dizem que ela só dá para o
pessoal da Corte... ah-ah-ah."
Mas era muito audacioso e empreendedor. Queria mais desbravar aquela região
fantástica e que produzia tudo do que enriquecer com seus planos de colonização.
Foi o responsável pela chamada "linha tronco". Fez um traçado mais ou menos a
olho em algumas linhas que mais tarde ficaram consagradas como divisas de muni-
cípios e zonas de alto progresso. Bolou uma estra<!a ali de Jataizinho ou de
Ibipora
e que passava por Londrina e seguia por Cambé, Rolândia, Arapongas, Apucarana, J
andaia do Sul, Marialva, Mandaguari, Maringá e acho que até Marilá. Lá pra cima,
a
noroeste do Norte Novo,
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onde fica Paranavaí, já foi outra gente. E para oeste, para o Paraná Grande,
também.
Willie Davis comprara o alqueire paulista, 2.400 metros, a oito mil-réis. E
vendia desde cento e cinqüenta até quatrocentos onde passavam as estradas.
Estradas
que eram picadas até mesmo depois da guerra, quando apareceu o jipe, o inglês
Land-Rover e o Willis, com tração nas quatro rodas e tudo. Pois mesmo de jipe
quem quisesse se aventurar nas estradas do Norte Novo do Paraná tinha de levar
pás,
picaretas, um mourão de no mínimo 1 ,80m e um cabo de aço. Isto era para fincar
o
mourão no barro e puxar o jipe pela polia que estava atrelada ao cabo de aço e
que
tinha no mínimo uns vinte metros. E o pessoal passava. Para se ter uma idéia,
depois
abriram estradas e picadas da região até Foz do Iguaçu, passando por Campo
Mourão, Paraná do Oeste, Campina da Lagoa e indo para o sudoeste, ali por
Cascavel e Toledo, dois lugarzinhos muito mixas e abandonados no meio daquele
matão imenso. Mas é a tal coisa: ali vivia gente e nunca se sabe como e por que
foram parar lá.
Lógico que o Willie Davis não atuava nestas regiões. Ficou nas cercanias de
Londrina, para leste e para oeste ou norte e sul, mas sem ir além de Maringá. E
por
todos os lados apareceram grandes e pequenos grileiros. Uma multidão de
paulistas,
mineiros, gaúchos principalmen"te, e os "baianos". Baianos eram os nordestinos.
Chegavam aos magotes e por todos lados. Muitos compravam terras direitinho.
Outros compravam terras dos espertalhões. A turma de "vendedores" vendeu até o
quinto andar de Londrina. Não sei até hoje como se acertaram. Um velho habitante
da região tentava me explicar: o "jacu" comprava vinte alqueires. Chegava lá com
seu pa-
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pel e encontrava outros, que também tinham comprado glebas por ali. Às vezes
saía
briga feia, mas a terra é tão boa queeles se acertavam e dividiam. O diabo é
quando
chegavam mais outras gentes.
Aconteceu de tudo, mas a região do inglês floresceu primeiro. E creio que todos
já perceberam por que a cidade mais importante e florescente da região se
chamava
e se chama Londrina. Pois se. fosse um francês o desbravador talvez o nome fosse
Parísia ou Parisienne, sei lá.
Willie Davis tinha algumas concepções engraçadas mas muito realistas do
empreendimento. Ele achava e assim fez com que para a região, nova e muito
agreste, primeiro viessem os homens, e depois de limpa a área é que trariam suas
famílias. Com paulistas e mineiros acertou em cheio. Com os "baianos" então nem
se fala. Os baianos vêm largando mulher pelo caminho e de Pirapora pra baixo já
vão se casando e descasando. Mas os gaúchos já vinham com toda a família. Como
diziam alguns, "Até a sogra veio". Mas a grande maioria era de solteiros, e
Willie
Davis calculava isso. Se muita terra era grilada de todo o jeito, as do inglês
eram
boas. Suas vendas e os títulos que dava eram bons. Eram "sãos". Então, a região
precisou de mulheres. Bem aí tem muita mentira espalhada no meio das verdades.
Dizem que o "velhão" botou escritório em São Paulo para contratar mulheres.
Prostitutas ou "precisadas", termo que se usou muito na região. E eram mulheres
moças, largadas dos noivos ou maridos, que também foram para lá. Pois olhem, co-
nheci muitas, muitas mesmo, que se tornaram gente de família e se entrosaram
perfeitamente com a sociedade. Mas o inglês sabia que não bastaria o bordel do
tipo
clássico. Claro que em Londrina tinha, localizados na rua Curitiba, onde logo
entraram em funcionamento os ba-
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res, botecos e cabarés. Mas tudo dentro de um respeito muito peculiar. Quando
saíam às ruas para as compras as mulheres se misturavam com as damas e pronto. E
não aparecia nenhum gaiato para bancar o engraçadinho e identificar a
companheira
da noite passada. Se alguém fizesse isso se dava mal. Muito mal.
Mas a visão de Davis era maior. Apareceram bancos e empresas que faziam
grandes empreendimentos. Na região e na cidade em formação este pessoal já
procurava formar clubes society. O bispo se instalou logo na zona chique. Davis,
com sua visão, bolou as "chacrinhas" e por todos os quadrantes, norte, sul,
saída
leste ou oeste, apareceram algumas. Nunca vi em parte alguma, e olhem que tenho
corrido mundo, "chacrinhas" daquele tipo. Gente muito fina. Ainda recentemente,
cheguei a Londrina e lá havia uma reunião de cartolas dos grandes clubes
brasileiros. Um carro particular estava no aeroporto - ainda era o aeroporto
velho. O
cafezal em volta ainda produzia muito. O carro nos levou e pensei que era um
hotel
moderno. O presidente do Vasco, que ia comigo, também; mas nem pudemos largar
as malas direito e nos levaram para um salão-refeitório. Só mulheres serviam e
eu já
estava achando que o melhor hotel era aquele. E eu, que morara lá, nem sabia?
Deveria ser novo. Era uma casa grande e bonita, estilo suíço, muita madeira
ornamentando e servindo de colunas ou vigas. O refeitório era assim, mais ou
menos
de estilo alsaciano. Mas em seguida nos levaram ao bar da piscina, onde também
só
moças serviam. E muito bonitas. Pronto. É aqui mesmo que vou ficar estes três
dias,
pensei. E quando manifestei este propósito ao dirigente vascaíno, ele respondeu
com
os olhos brilhando: "Claro, claro." Parecia um fauno falando.
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Estávamos na beira da piscina, sem ser muito perto, quando chegaram correndo
alegres e dando gritinhos umas cinco ou seis moças, nuazinhas, que entraram
dentro
d'água. Um dos convidados não vacilou: pulou dentro d'água de roupa e tudo. Só
aí é
que percebi o "hotel" em que estávamos. O dono era importante dirigente do clube
local e estava fazendo as honras. O nosso "presidente" , que também descobriu
onde
estávamos, levantou-se muito digno, mas sem tirar. os olhos da piscina, e disse:
"Sinto muito. Sou um homem de negócios conceituado e não posso ficar assim
exposto." Manjei o bicho e vi que ele não tirava os olhos da piscina, .na
direção das
meninas. Dito isto, e sempre com a maior dignidade, deu o fora. Se voltou mais
discretamente não sei. Mas o entusiasmo era notório.
Bom, sem dúvida que aí já estávamos encontrando um aprimoramento das
idéias de Willie Davis. Em todo caso, sua idéia foi boa e muito útil naquele
início de
colonização.
Quem chegasse no norte do Paraná, na década de quarenta ou em princípios da
década de cinqüenta, creio que se julgaria naquela fase da "marcha para o oeste"
dos
Estados Unidos. Carroças e caminhões. Jipes e uns cavalos magrelos. Faziam casas
de madeira num abrir e fechar de olhos. Já na década de cinqüenta, Paranavaí era
de
se ver. No meio da rua central havia de tudo. O barbeiro que ainda não tivera
tempo
de ,construir o salão tinha uma cadeira velha. Quem segurava o espelho era o
freguês. Logo adiante uma espécie de "casa de ferragens" ao ar livre onde
vendiam
de tudo. Ferramentas, pás, enxadas e também material doméstico de cozinha e
copa.
Quando chovia era um lamaçal, mas a vida não parava. Até cinema já tinha. Vez
por
outra, o gerador
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pifava e a turma dava vaia. VoItava de novo, aos trancos, mas até que se podia
entender o filme em preto e branco e remendado. Outras vezes não muito bem, pois
partes do começo apareciam no meio e no fim.
Outras cidades e vilarejos se formaram assim. Municípios se avantajaram e
fizeram eleições com vereadores, juiz de comarca e tudo. Outros eram mais ou
menos em formação. Mas uma coisa é verdade: impossível encontrar um trouxa
naquela região. Parece que os sabidos de todo o Brasil marcaram encontro ali. Em
Londrina já havia algumas ruas calçadas de paralelepípedo, agências bancárias às
dúzias, bons restaurantes e uns três hotéis de primeira. Bom, não eram cinco
estrelas, mas confortáveis e com cozinha excelente.
Algumas regiões se desenvolviam pacificamente. Eram as regiões de pequenas
propriedades. Propriedades de dez, quinze ou até mais alqueires. Algumas
fazendas
grandes de produção de café também prosperavam. Mas uma coisa é certa: cidades
cercadas de pequenos proprietários ou sitiantes foram para a frente. As outras,
cer-
cadas por grandes fazendas e latifúndios, marcam passo até hoje.
O café ali foi uma loucura. Enquanto o café velho da Alta Paulista ou da
Mogiana não dava mais do que um saco para doze pés, ou mesmo quinze, no Norte
do Paraná se conseguia um saco de coco para cada três pés. Um saco de coco dá
meio de grão. Havia mesmo o caso da Fazenda Maravilha, dos Rocha Loures, que
todos comentavam que dava um saco por pé de café. Pudera, o café do homem era
tratado mesmo. Faziam ali três, quatro"carpas" por ano. E nos carreadores,
nenhuma
plantação. Explico: os proprietários de pequenas glebas, no meio do café, no
carreador, plantavam ou plantam uma
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fieira de milho, às vezes uma carreira de feijão ou algodão. Um ou outro
plantava
arroz seco. Isto era para se defender da intempérie ou da broca mineira, que
apare-
ceu por lá. Mas na "Maravilha" nada disto acontecia. E tome café por todos os
lados.
Ainda não tinha soja, mas a cana-de-açúcar apareceu em bruto na região de
Bandeirantes e nas "terras de areia" de Porecatu e Centenário.
Nesta zona tinha café e muito. Meio falhado, um "talhão" ou outro não dava
bem, mas deveria ser compensador. Os bancos emprestavam dinheiro na "florada"
de outubro para receber o café em março. Um que outro na entressafra, mas não
valia como peso. Os juros eram relativamente bons e a zona voando para frente.
Isto
atraía cada vez mais gente de todos os lados e de todos os feitios. Uns
compravam
glebas e outros simplesmente invadiam. Na região de Porecatu e Centenário as
contradições foram sérias entre os grandes grileiros e os pequenos e médios. Uns
eram também grileiros e outros haviam comprado suas terras. Os conflitos se
generalizaram e apareceram grandes proprietários amparados pelo dinheiro, sem
dúvida um forte argumento, mas também pelos governos de São Paulo e do Paraná.
Ademar em São Paulo e Lupion no Paraná apoiavam de todas as maneiras os
grandes proprietários, que também se diziam donos da área de Porecatu e
Centenário. Lunardeli, Jeremias Lunardeli, era o mais forte de todos. Afirmava
que
tinha comprado as terras. Chegou a ter ali três imensas fazendas que produziam
muito café. Eram fazendas de mais de "mil pés". A Ibi, a Ibiá e a Ibianê. As
relações
de trabalho eram com "colonos" que recebiam casa, ferramentas e tinham direito a
uma pequena roça perto da casa. Depois isto desapareceu. O café
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não era dos mais produtivos e agora creio que não tem mais nenhum pé. Tudo virou
cana-de-açúcar.
E os grandes proprietários associados a Ademar e Lupion tentaram expulsar os
pequenos e médios proprietários. Esta posição fez detonara mais feroz luta pela
posse da terra no Brasil. Talvez nem o Contestado tenha movimentado tanta gente,
tanta arma e tanta munição.
É muito difícil se saber quantos morreram ou quantos foram expulsos e não
voltaram mais. Mas a luta teve fases distintas. Bem distintas.
Entre os posseiros havia alguns que se revelaram grandes mestres da arte
militar. E não eram homens de pequenas posses. Um deles, conhecido como
Espanhol, se dizia dono de dois mil alqueires. Tinha um trator e dois caminhões
de
segunda mão, mas eram bons. Não sei quanto mato estava derrubado, mas pela
"pelada" bem uns quatrocentos àlqueires. E os caminhões não paravam de
transportar peroba e outras madeiras de lei para Assis ou para São Paulo. Outros
proprietários também tinham áreas de grande plantio. Não muito café, mas o milho
era uma festa. Os porcos também.
E as brigas eram ferozes. Gente morria e os soldados das polícias do Paraná não
estavam muito felizes. Apesar de bem pagos, tinham de enfrentar um inimigo
feroz,
que às vezes saía de um lugar e aparecia no outro com mais raiva e mais munição.
Creio que é impossível bater gente que luta por sua propriedade. Poderiam ser
até
pequenos grileiros, mas já estavam ali radicados há mais de dez anos. Alguns até
vinte.
A política fez Ademar e Lupion caírem fora da luta, pelo menos
ostensivamente. A política e alguns reveses acachapantes.
Uma vez o Ademar resolveu mandar a célebre Polí-
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cia Marítima de Santos. Era uma ' polícia" especial" e muito bem treinada no
manejo
do cassetete e de armas leves. Muito bons para acabar com comícios ou mani-
festações na cidade. A revista O Cruzeiro da época fez uma imensa reportagem com
eles. Todos perfilados, rigorosamente perfilados. Os uniformes de "briga", botas
curtas e mangas arregaçadas. Cada um portava uma metralhadora Ina daquelas
pequenas e que dão rajadas de uns trinta ou quarenta tiros. O "cabo" de aço e
sem
miolo. Dobra por cima da parte de tiro e se transforma numa pequena arma a
tiracolo. Muito boa para tiro rápido e para acabar com comícios ou manifestações
de
estudantes nas cidades. Foram muito cumprimentados na saída e tinham a missão de
acabar com os posseiros do Norte do Paraná. Segundo declarações do comandante,
tinham todos os mapas dos pequenos e grandes caminhos e das casas dos renitentes
posseiros. "Se não desocuparem as terras por bem,- terão de sair por mal." Eta,
ferro.
Brancaleone não faria um discurso diferente. E partiram, gloriosos. .
Sem dqvida eram homens atléticos e muito bons em saltos e em dar socos e
pontapés. Depois era só expulsar quem estivesse pela frente. Mas a coisa no mato
é
um pouco diferente. Não tinham pela frente estudantes gritando por anistia nem
trabalhadores reivindicando salários. Ali estavam cerca de oitenta mil pessoas
que
resolveram só sair mortas. "Esta terra tem dono" , diziam eles. E os valorosos
homens da Polícia Marítima de Santos chegaram lá. Não eram muitos. Uns noventa,
confortavelmente instalados em três enormes caminhões muito bem calçados com
pneus antiderrapantes e especiais para rodar no barro, barracas e um caminhão
pequeno que era a cozinha. Boa comida e sem dúvida estavam prepa-
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bém uma Ina rápida de quinze ou dezoito tiros. Nunca foram vistos andando sós.
No
mínimo uns quatro.
O que fizeram é inenarrável. Apesar de os colonos e posseiros esconderem,
sabia-se de um enorme número de mulheres estupradas. Destelharam, queimaram e
jogaram em cima das carroças mais de duzentas casas. E o número de jagunços foi
aumentando. Calculava-se que tinham formado um bando de cerca de duzentos
homens, todos sob as ordens do Celestino. Mas o ódio crescia e ninguém lhes dava
nem bom-dia. Sem dúvida que eram protegidos dos pequenos delegados ou das
forças policiais de menos de meia dúzia de gente. Faziam e desfaziam. O império
destes homens na região sem dúvida foi uma interminável noite de São Bartolomeu.
Um dia, Getúlio ganhou a eleição e um posseiro da região de Cornélio
Procópio résolveu ir ao Rio de
Janeiro para expor a situação. Getúlio ainda não tinha tomado posse, mas
recebeu e ouviu o homem. Não lembro bem seu nome, mas na região ficara
conhecido como Salustiano. E o homem voltou muito contente com a promessa
formal de Vargas, que disse que resolveria a questão em seus primeiros atos.
E na ponte que atravessa o rio Paranapanema, ali em Ourinhos, do lado de São
Paulo, e do caminho para Cornélio, no Paraná, Celestino e seus homens aguardavam
o pacífico posseiro. Pegaram o homem, amarraram numa árvore, e na frente de todo
mundo o espancaram de chicote. Bateram tanto que o homem morreu. Alguns
jornais se ocuparam do caso, que levantou uma onda de indignação na região do
Norte do Paraná.
Espanhol exigiu dos seus filhos e da turma mais ativa: "Se não pegarmos este
bandido estaremos desmoralizados." O pessoal logo topou e muitos planos foram
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feitos. Mas CeIes tino cada vez ficava mais forte. Armas modernas e mais gente
ao
redor. E sempre chegando de surpresa em qualquer lugar.
O Espanhol resolveu firme: "É besteira fazer planos de Dom Quixote. Temos
de ter paciência. Este bandido tem de ter um lado fraco. Onde ele mora? Onde ele
tem mulher? Por que ele usa esporas se só anda de jipe? Não terá um cavalo no
meio
disso?"
E a turma caiu em campo. Não se tratava de pegar Celestino diretamente. E isso
era quase impossível. O jagunço estava sempre arisco. Ele bem que sabia o que
que-
riam com ele. Tratava-se de localizar seu pouso. Também era praticamente
impossível.
Mas um dia o vento veio em direção favorável. Dois posseiros, Pedrão e
Jacinto, estavam na casa de um âmigo quando entram dois garotinhos. Uns oito ou
nove anos. Pedrão estava lendo um jornal velho, do tempo da morte de Salustiano,
quando um dos garotos exclamou: "Olha aqui o retrato do Seu Tibúrcio! É ele... é
ele sim." O retrato era o do Celestino, e Pedrão, como quem não quer nada, foi
questionando o menino: "Escuta, de onde você conhece ele?" O piá respondeu: "Ele
é muito brabo. É namorado da irmã do Bagaroni, mas ele não gostou da gente estar
lá. Depois se acostumou e até nos deu bala." Pedrão então perguntou ao menino:
"Onde é que você mora, garoto?" "É lá pra.baixo, lá perto da fazenda do Alemão,
que tem uma enorme serraria. Eu moro bem perto dali."
Pronto, tratava-se de localizar a fera e isso levou quase mais um mês. Celestino
chegava lá perto num jipão, até uma picada meio fechada. Ali o estava esperando
um garoto com um cavalo castanho, meio baio. Ele mandava o jipe embora,
montava no cavalo e o garoto
63
ia na garupa, até a casa da cabocla, onde passava a noite. Ia lá uma vez em cada
dez
dias, no máximo. E o filho do Espanhol e mais o lacintão organizaram o negócio.
Pedrão, que era bom de rifle, também foi. Ao todo nove homens. O caso não era
fácil. Tratava-se de pegar um homem que sabia tudo de coitar alguém. Bandido
desde nascença. Desconfiava de tudo e era extremamente hábil no manejo de armas.
E o plano foi formado. Nove homens bem espalhados pelo caminho do jipe, o que
não era difícil. Ali havia uns empreiteiros desmatando uma área. Quando o jipe
passasse, então a trama era ir para o local da espera. Uma peroba de um lado e
um
morrinho de nem um metro do outro. Cinco de um lado e quatro do outro.
Logo de madrugada, não seriam cinco horas, e lá veio o jagunço no seu cavalo
a passo. Como era madrugada, o resfolegar do animal despejava aquela fumaça das
narinas. Estava um pouco frio e o cavalo seguia no passo, e chegando perto
estava
tudo combinado. O fogo seria cruzado entre a peroba e o morrinho. O primeiro
tiro
seria dado pelo Espanhol filho. Mas, em cima da hora, todos avistaram o garoto
na
garupa e houve uma fração de segundo de indecisão. lacintão disse: "É comigo!" E
tacou um tiro no peito do cavalo, que estaria no máximo a uns três metros dele.
O
animal empinou e o moleque deu um pulo para trás e saiu correndo.
Celestino quis fazer o mesmo, mas levou uma saraivada de tiros cruzados por
cima. O jagunço era tão ágil que pulou do cavalo atirando com sua arma. Mas os
tiros saíram perdidos. Mais uma saraivada e um total de 42 buracos, todos pelo
peito
e uns dois na cabeça. Três metros, não tinha escapatória.
Em seguida o jagunço foi sangrado e embrulhado
64
numa velha lona de caminhão, que veio logo em. seguida numa perua.
Os homens do Celestino, ouvindo o tiroteio, arrancaram no jipe e
desapareceram na poeira da estrada. Uns homens que estavam indo para o eito
ainda
deram uma de curiosos, mas Pedrão deu dois berros e eles se mandaram. Celestino
na sua guaiaca tinha 17 notas novas de um cruzeiro, bem embrulhadas, e no fundo
da perua foi transportado lá para o norte. E num cruzeiro enorme que tinha ou
ainda
tem na encruzilhada que aponta a estrada para Porecatu e para Centenário, foi
dependurado na cruz e amarrado bem no alto. Embaixo escreveram um cartaz de
madeira: "Morte aos Jagunços no Norte do Paraná." E isto apareceu escrito por
todos os lados nas porteiras e nas pedras. Tinha mais desta inscrição do que os
anúncios das Casas Pernambucanas e das Casas Buri.
Andaram pegando mais um ou dois jagunços e o resto se mandou.
Getúlio cumpriu sua promessa. Bento Munhoz da Rocha, apesar de ser da
UDN, também topou o negócio. Deram aos posseiros terras muito boas, e com escri-
turas ou títulos bons, firmes e valiosos. O Espanhol que se dizia titular de
dois mil
alqueires nas terras de areia, recebeu uns quatrocentos em terra roxa dos novos
mu-
nicípios. E os outros posseiros também. Sempre em quantidade menor, mas de terra
garantida. E os municípios de Bentópolis, Lupianópolis e Iporã, principalmente,
re-
ceberam toda aquela gente. A luta acabou. Ainda houve um pequeno grupo que
tentou manter o "fogo sagrado". Mas era falso. A luta foi pela posse da terra.
Sustentar posições "mais altas e elevadas" não passava de quixotismo. E assim
terminou uma das mais belas páginas das lutas pela posse da terra no Brasil.
65
//Liu Chao-si nos Tapeou
67
cadeira favorita era a de pegar. Sempre quatro contra quatro. Por que, não sei,
nem
fiquei sabendo apesar de ter perguntado. Eles riam muito e continuavam em seu
joguinho. Nosso consolo era que, se houvesse alguma mina no caminho, eles iriam
para o espaço primeiro. Mas, como afirmava um húngaro que fizera toda a Segunda
Guerra, a mina poderia falhar no primeiro trem e explodir no segundo. Aí, era o
nosso, que também não formava uma composição muito grande. Na Sibéria chegou
a ter uns trinta vagões e mais os de carga. Mas quando pulamos para a Mongólia,
numa bitola bem mais estreita, não passava de cinco ou seis carros. A comida...
bem,
a comida era a tradicional comida de trem de segunda. Bem ruinzinha na parte
chinesa. Na soviética, que ia para Vladivostok, era boa. E se pagássemos mais
caro
era bem boa.
Os guardas chineses que gostavam de brincar de pegar tinham razão. Não
aconteceu nada de anormal e fomos tomar um ônibus velho, já perto de Chang-
Chung, aliás estava bem destruída, as casas e edifícios da bela cidade
seriamente
danificados. A retirada dos exércitos de Chiang ali foi na briga. Mas em outras
cidades não. Custava de 20 a 50 mil dólares o suborno de um comando. E, caramba,
já tínhamos passado por várias cidades grandes, principalmente na Manchúria, que
estavam praticamente intactas. Harbin, importante entroncamento ferroviário,
Mukden uma cidade moderna. Dali demos um pulo até a península da China, que dá
para o Mar da China, e pude ver Port Arthur e Dairen. Confesso um grande
desapontamento. Eu esperava encontrar uma China com chineses de rabicho,
quimonos, sapatos tipo alpargatas, as mulheres de pés pequenos e deformados e
nada disso eu estava vendo. Sim, nas cidades mais a norte
68
da Mongólia Interior o pessoal trajava costumes curiosos e com muitas cores
vivas.
Os cavalos que eles montavam eram pequenos e peludos. Lá fazia muito frio. No
inverno a temperatura cai até quinze abaixo de zero e dizem que até mais.
Mas o que me impressionou na Manchúria, mais abaixo do que a Mongólia,
foram as grandes cidades bem modernas. Aquela região esteve tradicionalmente
ocupada pelos russos e pelos japoneses, que andaram por ali desde 1911. E mais
tarde, desde 1930.
Eles consideraram aquele imenso território definitivamente japonês e
instalaram fábricas bem modernas. Vi em Mukden fábricas de tecidos equipadas
com teares Toyoda bastante modernos. Um trabalhador tocava 24 teares sozinho
porque eram automáticos. Na indústria metalúrgica também estavam bem
equipados. Parece que os japoneses chegaram a considerar a Manchúria defini-
tivamente como território japonês. Do contrário a ShogoTosho não teria investido
daquela maneira. Shogo- Tosho era ou é a organização dos grandes impérios
econômicos do Japão. Ouso dizer que Dairen, por exemplo, cidade de um milhão de
habitantes na época, era muito parecida com Porto Alegre. Seus habitantes com
roupas bastante iguais às nossas. Mas muitos já estavam usando aquela espécie de
uniforme que os chineses usam até hoje. Há quem pense que trata-se da
"uniformização" da população. Nada disso. Assim como aqui se usava paletó,
calça,
colarinho e gravata, os chineses, e também japoneses ou manchus, faziam a mesma
coisa sem a gravata. Concordo totalmente com eles. Só uso gravata sob tremenda
pressão.
As roupas variam de cor. Parda, cinza e azulmarinho são as mais comuns.
Alguns, poucos é verda
69
de, usavam cores mais vivas. O jeito deles não enganava. Puxa, os gays estão por
todos os quadrantes do mundo. E por ali, muitos. Talvez a guerra explicasse o
fenômeno, que é raro em outras regiões do centro e do sul da china. Ou é raro ou
eles são muito enrustidos por ali.
Tínhamos três intérpretes muito bons. Chegamos a ser quinze, mas
normalmente não passávamos de seis. Os outros foram até Pequim, no dia 2 de
outubro de 49 e se mandaram de volta. Os intérpretes falavam bastante bem
francês
e inglês. Um deles falava russo, mas o soviético que foi conosco no trem tinha
gente
de sua embaixada ou legação por onde andasse.
Então tínhamos três intérpretes para cinco, o que dava de sobra. Além da
mímica internacional.
A chegada em Pequim das tropas de Mao foi muito bem programada. Quando
lá aportamos, no dia 2 de outubro, eles já estavam lá há muito tempo e Chiang
Kai-
chek tinha escapado para Hainam, ilha perto de Cantão, no extremo sul. Gozado
que
de lá expediu "energicamente" um mandado de prisão para Mao Tsé-tung, Chu En-
lai, Liu Chao-si, Chu-té e para madame Shung Sin-lin, viúva de Sun Yat-sen, o
pai
da república chinesa e chefe da revolução que eliminou da China os velhos
impera-
dores e as chamadas dinastias. Dizem que até hoje ainda existem resquícios, e
não
duvido. Afinal de contas, com uns cinco mil anos de tradição, muita coisa fica,
de
qualquer maneira.
As mulheres de pés pequenos, por exemplo. Sun Yatsen, em 1911, baixou o
decreto proibindo esta prática tenebrosa e que consistia no seguinte: ao chegar
aos
quatro anos, eles colocavam nas meninas sapatos de couro cru que evitavam o
crescimento dos pés. Uma terrível de
70
formação. As crianças sofriam muito nos primeiros meses, mas depois se
acostumavam. Claro que nunca mais podiam andar direito. Os pés disformes e
retorcidos obrigavam-nas a caminhar aos pulinhos e pisar nos calcanhares. Correr
era impossível. Pois olhem que até hoje ainda existe isto; pouco, mas existe.
Ficou
sendo uma espécie de religião, e principalmente os camponeses bem atrasados e
não
atingidos pelo progresso, até pouco tempo mantinham esta prática punida com
severas penas. Não se admirem. Na Suíça, entre Berna e Zurique, quem sair da
moderníssima auto-estrada e subir a montanha à direita que a circunda, ainda
pode
ver algumas espécies de tribos ou clãs que vivem como na Idade Média. Embora por
cima de suas aldeias passem fios de alta tensão, se recusam a usar luz elétrica.
São
fedorentos e comem e plantam como se estivessem há quatrocentos anos atrás.
Na imensa China, muitos costumes e práticas religiosas ou outras ainda
persistem. Creio que as mulheres de pés pequenos já estão acabando ou acabarão
fatalmente em mais uma geração. Mas esta prática era fundamentalmente de
exploração das mulheres pelos seus donos. A poligamia era a tônica e ainda
existe
regularmente em bom número. Basta que o cidadão possa sustentá-las. Eles fazem
isto, mas escravizando-as. Os chineses ficam brabos quando se fala nisto, mas
eles
sabem que ainda não resolveram todos os problemas, principalmente o das culturas
milenares.
Mas na China nosso principal trabalho foi a Coréia. Explodiu o negócio do
paralelo 38. Eu ainda estava no Brasil para ver a Copa de 1950. Meus amigos
diziam: "Cuidado, se eles te pegam vais ficar uns cinco anos." Pois eu adiava
que
não tinha ninguém atrás de mim e
71
nem dos outros. Claro que, se déssemos muita sopa, nos enjaulariam. Mas atrás
mesmo, nunca senti. E eu não era muito conhecido fora da zona da praia onde
jogara
futebol até 46 ou 47. Nosso time, o Copacabana Clube, remanescente do "Posto 4"
era uma seleção. Nele jogavam Tim, Heleno, Jaime, Pirica, Sérgio Porto, o nosso
goleiro, Vivinho. Uma seleção. E éramos bem populares no bairro. Eu também
jogara nos juvenis, "amadores" e segundos times do Botafogo. Se não era muito
conhecido, era razoavelmente manjado. E o Maurício Grabois, deputado cassado e
caçado e morto na guerrilha do Araguaia, dizia: "Te cuida bem. E sabe de uma
coisa, agora que você vai voltar para a China e a Coréia? Pois eu acho que esta
guerra saiu de uma encrenca de fronteiras entre dois exércitos inimigos. Vão
ficar
para cima e para baixo e no fim ficarão de novo no paralelo 38." Ainda perguntei
em
que se baseava e ele respondeu: "Isto nasceu de uma grossa piroquetagem. O Mac-
Arthur, muito reacionário e belicoso, está querendo invadir e ocupar a Coréia do
Norte. Claro que os soviéticos, chineses e coreanos do norte não permitirão a
escalada. Mas no fim vão voltar todos para a divisa que foi aprovada pela ONU. E
do outro lado? Será que MacArthur ou os Estados Unidos se conformam em sair
daquela cabeça-de-ponte? Será que o outro bloco vai abandonar a Coréia do Norte?
Duvido."
Esta análise me orientou durante toda a cobertura. A Guerra da Coréia foi
muito dura em algumas fases. Mas em outras mais parecia um desfile de tropas.
Muitas armas novas estavam sendo experimentadas, e Truman chegou a
ameaçar com a bomba atômica, igual à de Hiroshima e Nagasaki. A tensão foi
grande, pois MacArthur queria ir muito longe e chegou até as fron
72
teiras do rio Yalu, divisa da Coréia do Norte com a China. Ali foi meu pouso
durante algum tempo. E também em Pequim, onde se tinha mais noticiário do que
em Piongiang ou em Seul.
E foi em Pequim, pela manhã, nos primeiros dias de outubro, que lemos num
release em inglês uma declaração de Chu En-Iai, o ministro do Exterior e membro
importante do Politburo do Partido Comunista Chinês. Dizia Chu En-Iai em sua
declaração: "A China não suportará ver seus amigos invadidos. Tampouco a presen-
ça de forças hostis em nossa fronteira."
O negócio era sério e pedimos uma audiência a Liu Chao-si, segundo homem
da China e que sempre estava conosco. Muito simpático e sorridente como todos os
chineses. Mesmo Mao Tsé-tung, que vimos umas quatro vezes, era um homem bem
alegre. Mao era alto e"nada tinha de "amarelo". Era bem rosado, com as maçãs do
rosto salientes e até avermelhadas. Aliás, este troço de raça amarela eu acho
que já
acabou. Estive no Japão mais tarde e não vi nenhum amarelo. Me parece que,
anteriormente, eram opilados. Com a melhoria de vida e muita comida os
"amarelos" são muito poucos.
Então, fomos entrevistar Liu Chao-si. A questão era delicada. As declarações
do ministro do Exterior eram muito incisivas e até belicosas. Então achei que
tinha
de dar uma volta na pergunta e disse: "Ministro, as declarações de Chu En-Iai
esta
manhã significam uma mudança radical na política externa e de paz da Nova
China?" Eu queria apenas perguntar sobre o que lera e dar margem a qualquer
resposta. Liu Chao-si riu e disse: "Todos que tentaram invadir a China vieram
pelo
norte. Pela Manchúria ou pela Mongólia. Ora, para tomar a China, vindo do mar, é
necessário ocupar a Coréia. Isto eles já
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Mais tarde, alguns anos mais tarde, li as memórias de Molotov sobre a guerra.
Havia nelas muita correspondência trocada entre os altos comandos. Uma delas - e
está lá no livro - é a de Franklin Roosevelt e Winston Churchill para Stalin,
onde diz
textualmente: "Necessitamos que o exército soviético antecipe seus planos de
contra-ofensiva. Nossas tropas estão sendo seriamente castigadas numa contra-
ofensiva nas Ardenas, deflagrada pelo general alemão von Rundsted." Tratava-se
de
corrigir um erro sério do fanfarrão general Patton, que atirou o exército
invasor da
segunda frente numa aventura que causou muitas mortes e quase entorna o caldo no
final da guerra. A correspondência foi dirigida a Molotov e a Stalin e a
resposta foi
quase igual à que o desgraçado do chinês nos dera. Disseram Stalin e Molotov:
"Estamos em certas dificuldades e um ataque prematuro poderá nos causar muitas
perdas. Mas dentro de dois meses, antes do fim da segunda semana do segundo mês,
desencadearemos a ofensiva solicitada por nossos amigos e aliados. Até a vitória
final e a incondicional rendição de nossos inimigos e inimigos da humanidade."
Tudo bem. A ofensiva foi desencadeada quase no dia seguinte. Não mentiram e
Molotov disse que Churchill e Roosevelt eram aliados. Mas não era necessário que
soubessem o dia certo. Quer dizer, na guerra não se confia em ninguém.
A notícia da invasão chinesa explodiu em todo mundo, na hora mesmo, e nós
ficamos sabendo, nós que estávamos lá, por um telefonema do dia seguinte e vindo
de Paris. Até em Alegrete ou Cachoeiro do Itapemirim já sabiam. Filho da mãe de
chinês, sempre sorrindo e com aquela carinha de anjo.
A verdade é que na Coréia, andando pra lá e pra
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cá, em verdade nunca passamos perigo. Sempre achei mais perigoso atravessar a
avenida Rio Branco do que Seul ou Piongiang. Foi na época do Lotação. E eles
sem-
pre proibiam os correspondentes de chegar mais perto do que umas seis horas das
frentes de combate. As notícias mais quentes foram sem dúvida as da guerra
bacte-
riológica. A guerra da Coréia foi um campo experimental de armas inventadas no
após-guerra. Porém as que mais sensação causaram foram as armas da "guerra
química" e da "guerra bacteriológica". Fui a Piongiang para isso. Estavam lá
diferentes comissões internacionais. A Cruz Vermelha Internacional,
principalmente. Não foi difícil constatar a presença das tais armas
bacteriológicas.
Milhares de insetos contaminados foram encontrados. A guerra química creio que
não chegou a ser detonada, mas não faltaram os insanos para tentarem a guerra
bacteriológica. Entretanto, a presença na Coréia das diferentes organizações
impediu
que alguns malucos tentassem suas experiências. A gritaria foi grande e a tal
guerra
não se consumou. A outra, a do conflito entre as duas Coréias também não durou
muito. MacArthur seguiu até a fronteira da China, mas depois foi empurrado de
volta até o mar. No final, os dois lados voltaram para a fronteira demarcada na
ONU
e em Yalta em 1945, paralelo 38, onde estão até hoje, não muito pacificamente.
Entretanto, me parece que o desejo dos coreanos éo de formarem um único país.
Isto
aliás ficou evidente com a falta de entusiasmo deles pela guerra das fronteiras.
Brigaram mais americanos e chineses do que propriamente os coreanos, que
deveriam estar interessados. A guerra não passou de um conflito de fronteiras
que se
alastrou. Dizem que morreram cerca de cento e cinqüenta mil. Outros afirmam que
foram duzentos. Não
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importa, morreram inutilmente. Mas acho, e quando não sei, que as duas Coréias
são
uma só e cedo ou tarde se unificarão. Têm a mesma cultura, o mesmo idioma, a
mesma divisão geográfica milenar e não deve demorar muito que se acertem no
mesmo tipo de economia.
Esta guerra que vi bem de perto me ensinou muita coisa. A mais importante é
que a vida não pára. Eu já tinha estado na Europa logo em seguida à guerra e
ficara
admirado com os escombros. "Fiz" para a imprensa várias cidades destruídas e
alguns campos de concentração também totalmente destruídos. O único que estava
tenebrosamente intacto era o de Maidanek, perto de Lublin, na Polônia, a uns
seis
quilômetros da saída sul da cidade. Os demais que vi tinham apenas pequenos
restos
de fornos crematórios e de um ou outro pavilhão de presos. Minha admiração é de
como aqueles povos sobreviveram. As cidades da Holanda, a~ da Alemanha, como
Hamburgo, Berlim, Bremen, Hanover, e um monte de outras, como Karkov,
Stalingrado, Kiev, Varsóvia, Gdansk, e muitas e muitas outras. O espetáculo era
o de
destruição por todos os lados. E eu pensava como aquelas populações tinham
sobrevivido. Soube que em Leningrado, cercada pelo inimigo durante quase três
anos, comeram até cola de parede fervida e cadáveres. Fantástico, mas é incrível
a
capacidade de sobrevivência e de continuar a vida das populações.
Isto pude sentir em Piongiang logo após um bombardeio. Não morreu muita
gente, pelo que soubemos, mas um distrito inteiro ficou arrasado. Fomos ver e lá
estava a vida continuando. Gente pra lá e pra cá. Mulheres com crianças no colo
e
nas costas, comércio abrindo de novo, os transportes se ajeitando e as ruas
sendo
limpas imediatamente. A vida continuava e acho que é
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ia ficar lá em cima. Parece que foi para um bar ou restaurante, desses de beira
de
rua. Voltanios, uns vinte minutos depois, e ele estava morto. O Dmitri tinha o
ape-
lido de Dmitri Macropulus (gigante, grandão) mas porque era exatamente o
contrário. Baixinho e muito alegre. Emérito contador de piadas. Falava francês,
mas
aquele sotaque dava mais graça a tudo o que ele dizia.
. Aconteceu simplesmente que onde ele sentou havia um carro velho por perto.
Os estilhaços provocados por uma bomba que caiu a uns trezentos metros dali é
que
o atingiram. Bomba nenhuma cai em cima de alguém. Puxa, seria muito azar. O caso
é que provoca ruínas, destruição e estilhaços. Estes sim são muito perigosos.
Quem
ficar atrás dos sacos de areia ou atrás de alguma coisa sólida, dificilmente
sofrerá
alguma coisa. Ele estava perto de um carro velho que se arrêbentou pela explosão
da
bomba.
Esta imprudência causou a única perda em nosso grupo em quase dois anos, pra
lá e pra cá. Depois e durante esta estada, excluindo os dois meses em que voltei
ao
Brasil, dei várias voltas pela China para conhecer melhor. Ou tentar conhecer,
pois
acho que para os ocidentais tão cedo não será fácil entender bem aqueles povos.
Como todos sabem, são culturas milenares. Costumes arraigados de tal forma que
eles próprios, de um lugar a outro, não entendem muito bem.
A ópera, por exemplo. Para eles a ópera é um valetudo. Claro que tem as mais
sofisticadas, como a famosa Ópera de Pequim, que já andou por aqui. Mas a ópera
popular, do povão e das aldeias e cidades menores, eu juro que é de lascar. Mais
vinte minutos e eu confessava tudo. Foi em Paoting, em Hopei, que é a província
de
Pequim. E lá, fui homenageado com uma "ópera".
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dor gostava de ver toda sorte de espetáculo. Então foi resolvida a questão.
Entre o
camarote do imperador, bem na frente, e a ribalta, construíram uma "rua", de uns
cinco ou seis metros de largura, calçada de pedra e tudo. Por sinal que de
pedras
grandes, daquelas do calçamento de Ouro Preto. Então, o imperador e sua corte
esta-
vam separados dos artistas plebeus por uma rua que vinha desde lá de fora do
teatro.
Este teatro está lá até hoje. E qualquer turista que for a Pequim e ao Palácio
de Ve-
rão pode visitá-Io. A não ser que esteja preservado. A abertura aos turistas
causou
muitos prejuízos. Andaram quebrando muita coisa. Como nos famosos castelos da
Europa. Em Fontainebleau, por exemplo, os aposentos de Napoleão e os do papa
Leão XIII estão quase impossíveis de se visitar. Os franceses estão certos. Em
1938
o Everardo deu uma sentadinha rápida numa bergere do imperador enquanto o guia
estava mais na frente. Se ficasse como era antigamente, os aposentos de Napoleão
já
tinham ido para o brejo. Agora tem cordas por todos os lados e algumas partes
definitivamente fechadas.
Outra coisa engraçada ou tragicôinica se passou em Xangai. Nos chamaram lá
para ver os resultados da reforma agrária, ali perto. Se a reforma agrária, logo
ao
norte da grande cidade, deu certo eu não sei. O terreno era muito acidentado e
meio
pedregoso, misturado com areia. Deram a cada família de três pessoas um mu qua-
drado, medida que é quase a de um alqueire, um pouco menos. Dizem que mais
tarde deu bode. As terras não prestavam e os camponeses chiaram muito. Não sei
se
foi ali mesmo, mas a chiadeira aconteceu. Mas não é por este lado a coisa. Eu
havia
estado em Xangai um ano e pouco antes, e fiquei assombrado com o que vi. Uma ci-
dade imensa com cinco ou seis milhões de habitantes e
81
havia gente que dizia que eram sete. Ainda era uma terrível balbúrdia, e ali
vários
países tinham seu pedaço: ingleses, franceses, inclusive alemães que desde 1945
tinham saído, dinamarqueses e outros. Sei lá. Mas quando cheguei tinham caído
fora, ficando uma ou outra legação ou representantes.
A cidade ainda estava muito complicada. A parte pior era a das margens do
Yang-pu. E ali mesmo, no delta deste rio, e não do Yang-tse, como muitos dizem,
havia talvez a favela mais infecta do mundo. A nossa incrível e malcheirosa
favela
da Maré, perto daquela parecia a avenida Vieira Souto. Nem eu nem ninguém
sabíamos ao certo quantos habitavam aquela imundície na beira do rio e da lama
quando a maré baixava. Gente que nem formiga e muito andrajosa andava por ali.
Na maré baixa um mau cheiro horrível de detritos e tudo. E ninguém pensou em
reformar aquilo. Mas a chamada para a reforma agrária, acho que não muito longe
dali, ou mesmo em aldeias mais afastadas, milagrosamente limpou a área em um ano
mais ou menos. Os pouquíssimos remanescentes foram retirados para outro lugar. A
favela mais suja do mundo acabou. Por isto digo: não sei se a reforma agrária
feita
apressadamente naquela época deu certo. Mas a favela acabou. O prefeito de
Xangai
na época era o general Cheng- Yi, um chinês grande, gordão e de óculos, muito
alegre, dizia que seus objetivos eram tomar Formosa e acabar com a favela. Um
foi
conseguido. O outro parece que foi abandonado.
Mas ali mesmo, no 16º pavimento do hotel que nos hospedava, eu e um
italiano que também se chamava Saverio tivemos uma experiência amarga.
Estávamos sem ver mulher há uns cinco ou seis meses. E na China não é fácil.
Elas
não gostam dos "narigudos" e os narigu
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dos somos nós, os ocidentais. Nada feito. Mesmo entre as prostitutas, que eram
seriamente perseguidas mas que ainda se podia encontrar, não tivemos sorte. Elas
também não queriam nada com os narigudos.
Mas no hotel havia umas dinamarquesas de uma legação ou coisa parecida. Não
me pareceram do corpo diplomático, pois tinham as mãos muito grossas. Quem sabe
eram do corpo de domésticas dos dinamarqueses? De qualquer maneira, isto era
irrelevante. Falavam mal o inglês, e na base da mímica nós as convidamos para
uma
cerveja. Toparam e foram topando as coisas. Dali fomos à boate do hotel e depois
lá
para cima, para o 16º andar. Bom, as duas juntas deviam pesar uns duzentos
quilos.
Uma cento e vinte e a outra uns oitenta. Guerra é guerra. A mais volumosa nós
chamamos de Miss Dinamarca. Elas não entendiam; mas riam muito. O caso é que
estávamos há muitos meses sem ver muÍher e ninguém conseguia um resultado mais
digno sexualmente. Ao contrário, fomos um fracasso. O italiano, exagerado como
os
italianos, exclamava: "Não é possível... estou liquidado... vou me atirar pela
janela."
Elas riam muito e nós naquele constrangimento. Nada feito. Mas chegamos à
conclusão de que o longo prazo de abstinência conduzira ao inevitável fracasso.
Mas Saverio não se conformava e ficou atrás das duas. A Miss Dinamarca
topou e levou a outra. Tudo bem. Mas palavra que chegamos a temer a circunstân-
cia. Ele dizia a toda hora: "Será que não foi a comida? Ou o chá... dizem que
muito
chá acalma a gente..." De repente, sem mais nem menos, exclamou: "Já sei... é a
tal
da água quente que nos dão todas as manhãs. É isso, é isso! Não tomo mais esta
droga."
É que os chineses nos recomendaram só beber água
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fervida. A gente deixava esfriar, mas eles diziam que água morna era muito bom
para o funcionamento do organismo, intestinos e tudo. De fato era. Todos os
dias,
em jejum, um copo de água quente. Mas o italiano estava achando que também era
bom para o não funcionamento de certas partes do organismo. Foi a um médico que
afirmou que isto era besteira. A China toda estava bebendo água quente o dia
inteiro
e isto não impedia que nascesse um chinês por décimo de segundo. Felizmente não
era a água morna. Era falta de treino.
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Tive de sair correndo. O que ele disse não sei, mas calculo.
Os mongóis souberam do troço, gozaram muito e até confraternizaram com a
gente naquela estada de umas quatro ou cinco horas. Fomos a uma comida e em
1950 um professor muito engraçado e inteligente falou-nos sem muita cerimônia e
sem demonstrar medo de nada: "Saibam que muita gente aqui acha que cometemos
um erro sério em manter Stalin de primeiro-ministro. Os ingleses têm mil anos
mais
de experiência de poder do que nós e apesar do Churchill ter sido ídolo e grande
herói na guerra, eles o aposentaram na paz. Não quiseram um homem belicoso à
frente do governo. Nós aqui deveríamos ter feito o mesmo com Stalin. Brigou
muito, perdeu filhos e amigos..."
Alguém ainda disse: "Mas Stalin é bem mais jovem, tem apenas setenta anos e
Churchill já estava com no. venta..." O professor não se abalou e retrucou:
"Sim, não
duvido da capacidade de Stalin... é um gênio... Eu o aproveitaria de ministro do
Câncer. (!!!) Ele acabaria com o câncer em dois meses..." Não sei que fim levou
o
simpático professor. Mas o espírito crítico dos russos sempre foi muito
acentuado.
Tolstoi já afirmava isto. Entramos no trem e fomos em direção à China. Os dois
ca-
minhões de opinião pública estavam lá para a despedida.
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para dentro. Deu a impressão que até o Duce estava no lance. Um a um. Veio a
prorrogação e deu o que tinha de dar: Itália. E Mussolini, da tribuna de honra
do
estádio, berrando "A noi... A noi..." E só deu isto, até a final contra a
Tchecoslováquia. Um a zero para os tchecos, um a um e na prorrogação o argentino
Raimondo Orsi, que mais tarde veio para o Flamengo, fez o gol da vitória. Eu já
tinha me mandado no jogo Itália e Espanha. Qualquer observador neutro
verificaria
com facilidade que a Itália ganharia a final. Além do mais, o time da
Tchecoslováquia na semifinal e na final chegava em frente à tribuna e fazia com
toda a energia a saudação fascista.
Bolas, eu só não assisti a todas as Copas porque preferi uma corrida de cavalos,
e~ cancha reta. E a Copa de 1930 era perto de onde morávamos. Eu era um garo-
tinho e todo o mundo foi ver a final Uruguai e Argentina. Menos os carreiristas
que
preferiam a mais célebre e importante "cancha reta" da história das carreiras da
fronteira. "Fronteira", para nós, era a do Uruguai. Apesar de Argentina,
Paraguai,
Bolívia, Colômbia, VenezueIa e Guianas, fronteira para qualquer gaúcho significa
a
do Uruguai. E os "castelhanos" levavam de barbada o cavalo Remendado, um filho
de Vai Dór, o célebre pai de Sim Rumbo, avô do Santarém e da cavalhada dos PauIa
Machado. Eu ia perder uma cancha reta dessas? Nem todas as Copas do Mundo
juntas.
Uma carreira como aquela não era assim qualquer coisa. O páreo entre os dois
cavalos era para as quatro horas. Mas desde cedo, quando clareava o dia, saíam
car-
reiras de todo o jeito. Pegavam a gente, os guris que ficavam sentadinhos perto
do
"vencedor" ou chegada, para montar. A gente gritava, cada um com um chicoti
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nho na mão: "Eu! Eu!" Os gaúchos velhões desatrelavam cavalos até das carroças e
desafiavam um outro carroceiro: "Sou mais meu zaino contra qualquer bagual de
carroça..."
Havia espertalhões que traziam "parelheiros" (cavalinhos corredores) atrelados
nas carroças para comer um páreo. O pessoal não era trouxa e chiava: "Já vi este
burro correndo no Quaraí. É cavalo de vinte e dois." Isto queria dizer que era
um
cavalo que "metia patas" em trezentos e sessenta ou três quadras de campo, páreo
normal na cancha reta. Uma carreira de cancha reta que se preze tem de ter de
tudo.
E tem. Churrasco e vinho a valer; e se o páreo principal é de muito dinheiro, o
chur-
rasco é oferta da casa. Mas tem de tudo e a peãozada se diverte o dia inteiro.
Quer
dizer, até a hora do grande p,áreo entre o Clarim, um baio de Bagé, tão veloz
que até
se "tocava nos machinhos" (dizem que era dos Mércio) e o Remendado, um puro-
sangue, uma' 'bala" e recordista em Marofias dos páreos de velocidade. Até os
1.400
metros era barbada para ele. Daí em diante, "morria" . Só correu os 1.500 uma
vez e
chegou lá nos troços. Nos últimos cem a "tropa" passou por cima. E o jogo
campeando. Jogo do "osso", mas o principal era o "sete em porta". Uma mesa
comprida e a turma senta de um lado e do outro nos bancos de madeira. O "sabô",
isto é, a caixa de baralhos,.é muito alto. Carrega 32 baralhos. Ganha a parada
maior
de cartas combinadas, assim mais ou menos como no bacará, sem "pedida". Dois ou
três crupiês com suas pás, conforme o tamanho da mesa. E a turma faz escrita. O
banqueiro só "puxa" quando dá o encarte. Quem jogar aquilo uns três "baralhos"
fica
duro na certa. Mas enche de gente apostando, e o banqueiro só com aquela
conversa:
"Façam jogo,
92
93
Então eu vim ao Brasil, desde a China, só para ver a Copa de 50. Aqui eu e
outros estávamos condenados a cinco ou seis anos. Foi por causa de um
"bochincho"
na UNE. O Dr. Mário Fabião disse: "Declaro aberto o 1º Congresso dos Partidários
da PAZ." E aí foi que começou um tremendo tiroteio com a polícia, em abril de
1949. Fui ferido, mas tive sorte. O cara deu um tiro à queima-roupa, nas costas.
A
bala calibre 32 bateu na ponta da costela do lado esquerdo. O cara tentou dar no
co-
ração, mas a bala resvalou no osso, atravessou a parte côncava da coluna fazendo
risco preto, e foi se alojar na pleura do pulmão direito. Não pude fugir na hora
e fui
parar no pronto-socorro. Estava cheio de gente. Fomos dezenove feridos. Entre
nós e
eles, dois mortos, um de cada lado. Mas no hospital, na hora de extrair a bala,
o
médico exigiu raios X. Era no andar de cima e fui num carrinho. A camisa estava
furada e ficou lá embaixo na Emergência, mas o paletó, com um baita furo nas
cos-
tas, foi pendurado na maca. Subi e fui para a sala de raios X." Apareceu um cara
e
disse que voltava. Na porta ficou um tira. Mas havia uma janela que ,dava para a
va-
randa do segundo andar. Ou era o terceiro. Senti o drama, pois já sabia do
resultado
do "entrevero". Pulei da maca e doeu um pouco as costas. Mas não era dor muito
forte. Eu estava meio escabreado, pois passei as mãos pelo ferimento e senti o
buraquinho. Como não tinha saída pelo lado da frente, percebi que a bala estava
pelas costas. Onde, eu não sabia. Mas sangrava um pouco. A dor era fraca e
resolvi
sair da maca e ver a tal janela. Abri devagar para não atrair o "sentinela" que
estava
do lado de fora no corredor da frente. A janela dava para a varanda que
circundava,
lá por cima, o pátio interno. Não vacilei e me mandei por ali, fazendo a
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volta na tal varanda. Fui até o outro lado. Havia uma escada de ferro, dessas em
caracol. FuÍ descendo até o térreo e tentei fugir pela saída das ambulâncias.
Mais lá
estava coalhado de soldados do exército e de tiras, comandados por um general,
Zenóbio da Costa, que gritava muito com o povo que estava na rua.
Dei para trás, e no pátio havia um muro não muito alto. Não tive dúvida: pulei o
tal muro e mais um outro que dava nos fundos de uma casa velha que era ao lado
do
Souza Aguiar, como se chama hoje o antigo prontosocorro.
Na tal casa havia uma porta que estava fechada. Tive a idéia e bati na porta
umas duas vezes e bem forte. Veio um homem, abriu e perguntou de onde eu saíra.
Olhei para dentro e vi que era uma casa funerária e que estava preparada para um
velório. Então eu disse: "Saí ali para mijar e fecharam a porta." O cara ainda
esbravejou: "A porta já estava fechada, onde é que..." Já nem escutei mais e fui
saindo fora. Passei pelo caixão prontinho e acho que ainda pensei: "Puxa, podia
ser
o meu." Mas fui me mandando e o cara atrás, fazendo "psiu, psiu, ei..." Ganhei a
rua
e corri na direção da Gomes Freire.
Eu estava com o paletó mas sem camisa, o que dava uma aparência estranha.
Mas que remédio? Era a roupa que eu tinha. A camisa um pouco ensangüentada
tinha sido garfada no hospital. Praxe da casa. Então fui na direção de um táxi.
O
chofer ainda olhou meio apalermado, mas dei a ordem firme: "Toca para o
Flamengo, rua Paissandu." Dei a ordem assim como marginal e acho que ele achou
melhor obedecer e tocou para o Flamengo. Meti a mão no bolso e achei uma nota de
vinte. O táxi foi doze e dei quinze para o chofer. Então fui à casa de um amigo
ali na
rua Barão do Flamengo, arrumei ou
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outra camisa e um médico que veio examinar o ferimento. Acho que era o Mílton
Lobato, mas não perguntei. Dali, claro que não fui para casa. Eles tinham me
tirado
os documentos dos bolsos e foram aonde eu morava. Reviraram tudo, quebraram
alguma coisa, levaram outras, e eu fui para a Europa. Em seguida para a China,
fazer
a cobertura jornalística do final da guerra. Mao Tsé-tung já havia tomado Chan-
chung e se dirigia para Tien-tsin, onde começa a Grande Muralha. Dali a Pequim
era
um pulo. Além do mais, as tropas de Chiang Kai-chek estavam se "retirando
velozmente. Se eu quisesse acompanhar Mao antes de chegar a Pequim teria de ir
muito depressa.
96
//Mr. Goncalves
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te. Sempre pela esquerda. Os caras que queriam mais velocidade obviamente
ultrapassavam pela direita. Confesso meu desconforto, e cada vez que passava
gente
a mais de cem por hora eu me encolhia.
De repente, pintou um baita viaduto. É fogo este negócio de "mão inglesa". Até
para pedestres. Nas calçadas cheias de Londres, eles, disciplinadamente, vão
pela
esquerda da gente. Aqui não há mais disciplina. Mas em São Paulo, naquelas ruas
mais congestionadas podem reparar que o povão vai "pela mão direita". Lá eles
fa-
zem a mesma coisa.
Mas é fogo se atravessar uma rua. A gente está acostumado a virar a cabeça
primeiro para a nossa esquerda e depois para a direita. Pombas, lá é ao
contrário, e
se alguém bobeia pode até morrer atropelado. E isto já aconteceu. Eu estava
muito
"cabreiro" , e o Austin dirigido pelo Cúri mandando brasa. Éramos quatro e
quando
o turco passava de cinqüenta lá vinha o coro: "Aqui o velocímetro é em milhas.
Já
estamos a mais de oitenta."
E veio o tal viaduto. Bem no meio do bicho, que fazia um "oito", um conserto
na estrada. Os guardas desviaram a gente e o Cúri mandou brasa. Quando fomos
fazer a primeira curva lá vinham "eles" em nossa direção. Foi aquela gritaria:
"Lá
vêm eles contramão."
Um guarda chegou apitando feroz e foi logo pedindo documentos. Tentamos
explicar com aquele papo de Copa do Mundo, jornalistas brasileiros e não sei o
quê.
O guarda, com um gesto enérgico, fez o Cúri sair do lugar. Pegou o volante e
fez a volta completa. Um outro guarda paralisou o trânsito enquanto ele nos
tirava
da sinuca. Encostou o carro fora da estrada e perguntou para onde Íamos.
Dissemos:
"Liverpool... Copa do Mundo." Ele mandou a gente calar a boca e disse: "Não
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posso ir até lá. Nem os senhores. Se querem um chofer, podemos pedir pelo rádio.
Ou então deixem o carro aqui e tomem um ônibus ou táxi." E fim de papo. Cúri
achou que deveríamos ir de ônibus, mas colocamos em votação e achamos que
melhor seria contratar um chofer. Chegamos em Liverpool, entregamos o carro com
o papel vermelho colado e pronto.
Fomos dormir. Pensei: "O resto da viagem se faz calmamente por outros meios.
A mão inglesa é só para inglês. Está tudo resolvido."
Mas não estava tudo resolvido. O Mário Vianna havia preferido economizar
mais. Contratou uma companhia de turismo, que aliás fez tudo certinho, e ele foi
parar em Liverpool. Estávamos num hotel muito grande e bo
nito, que tinha o nome de AIkron. E com este negócio de "pacote" de turismo
era mais ou menos o que o Mário ViaNNa, com dois enes, estava pagando. Mas
onde estava o Mário que não aparecia? De repente entram no hotel dois gaúchos,
contando que acharam Mário dormindo de madrugada debaixo de uma marquise de
uma loja. Chamaram o Mário e ele explicou: chegando ao hotel, se registrou e
sentiu
fome. Nada para comer e ele saiu à procura de um sanduíche. Liverpool é uma
cidade cheia de "voltinhas" e ruas estreitas e apertadas, em contraste com
avenidas
iluminadas e largas. Mário achou o sanduíche. Escolheu na base do "dedão".
Depois
quis voltar para seu hotel. Onde era? Tentou perguntar a um guarda mas não saía
nada. Além do mais, deixara tudo no hotel. Passagens, estadia paga, passaporte,
tudo. Como dizer ao guarda onde estava hospedado se nem sabia o nome do hotel?
Mário só sabia que era: "Chuvusti... qualquer coisa."
O guarda se chateou e deixou o Mário, que andou
99
100
Saímos do Alkron em três táxis, pois nesta altura éramos uns dez. A caravana
chegou ao Centro de Imensa. Pusemos uma senhora que era chefe do setor de
Djamentos a par da questão. Não foi fácil fazê-la entender. Só dizia
delicadamente:
"No... no... impossible." E dali, com ela à frente, fomos ao setor de
comunicações,
onde trabalhava muita gente. Contamos de novo a história e eles riam de
mansinho.
Mário Vianna, todo barbado e com a camisa suja com que tinha vindo do tio de
Janeiro, já estava se invocando: "Eu amasso um nglês desses..." Acalmamos o
Mário, e a chefe sugeriu :telefonar para os hotéis. Era uns cinqüenta na lista e
as
mocinhas da comunicação ajudaram. A pergunta era uma só: "Está hospedado aí
Mister Vianna?" E a resposta também era uma só: não. A lista inteira foi
percorrida
e nada feito: Mister Vianna não estava registrado em nenhum hotel. Mário se
enfurecia cada vez mais. Xingava desde a rainha Elizabeth até o ponta-esquerda.
Nisto, Mário deu um salto e seus olhos brilhavam... "Aquele cara... cara... ele.
está
no meu hotel. " E já em cima do cara, mas nós seguramos. Fui indicado para
perguntar onde ele estava hospedado. E isto não é fácil. Creiam. Imagine alguém
chegar para o senhor, num país estrangeiro, e perguntar onde está hospedado?
Pode
parecer à primeira vista que não tem importância. Mas a pergunta éde invocar.
Então, eu, muito metido a lorde, cheguei perto do cidadão e fui falando em meu
inglês que positivamente é mais da "Mauá Square" do que de Oxford ou Cambridge.
Mas cheguei perto do cara, mostrei minha credencial da Copa e disse o mais
docilmente possível o que se passava. Que nosso companheiro, o ex-árbitro inter-
nacional Mário Vianna, não sabia onde estava hospeda
101
do. O cara, grosso como um estivador, grunhiu: "E que tenho eu com isso?" Então,
timidamente, eu disse: "É que ele está hospedado no seu hotel. Ele viu o senhor
lá
ontem quando chegou." O cara era realmente inconfundível. Cara grande, fortão,
barba ruiva e torta para uril lado. Usava um paletó horroroso, xadrez meio sobre
o
amarelo, vermelho e preto. Sapatos"enormes de sola grossa. Quem visse aquela
fera
uma vez jamais o esqueceria. E perguntei onde ele estava hospédado. Virou bicho
e
respondeu, com seu grunhido quase ininteligível: "No... No." E foi embora
dizendo:
"Let me alone." Mário já queria briga. Seguramos o Mário e ainda bem que éramos
uns nove ou dez. O "Leão" nos arrastou alguns metros e berrava: "Eu mato este
cara... eu mato este cara... "
E o Centro de Imprensa inteiro veio ali. Perguntavam o que era. Tentei explicar,
mas
não consegui. Ninguém entendia como um jornalista não sabia onde estava hos-
pedado e nem o nome do hotel. Nisso, apareceu o Peter Lorenzo, nosso velho
conhecido de outras Copas. Peter é um gentleman e resolvi pedir-lhe socorro. Ele
nos saudou carinhosamente e comecei a contar a história, a "Odisséia Mário
Vianna". Peter gentilmente prestou atenção, mas no fim também disse, incrédulo:
"No... no... it's impossible!" Aí apareceu lá na porta o tal cara do paletó
horrível. O
barba-ruiva. E eu disse: "Olha, Peter, aquele cara, aquele ruivo está no hotel
do
Mário. Se ele disser onde é, a pátria está salva." Peter olhou, olhou outra vez,
e nos
disse: "Aquele é o jornalista mais grosso do Império Britânico. É um galês... um
animal... eu nem sei como insistir em perguntar."
Dissemos que dávamos cobertura e fomos em direção ao cara. Quando ele viu o
grupo chegando, já começou a grunhir. Peter, então, seu velho conhecido, foi
102
perguntando onde ele estava hospedado, A resposta veio mais alta e mais
agressiva
que da primeira vez, e acho que o "No" foi ouvido na França. E saiu porta afora.
Mário ainda tentou pegá-lo, mas pulamos em cima.
Nesta altura, o Centro de Imprensa estava em polvorosa. Então, veio uma
mocinha e disse: "Isto é irregular, mas acho que posso ver onde aquele galês
mal-
educado está hospedado, já que não encontramos o registro de Mister Vianna.
Nesta
altura, Mário já estava mais conhecido em Liverpool do que Harold Wilson. A moça
foi aos registros, a chefe fez que não sabia de nada, fechou os olhos. A garota
voltou
triunfante: "Aquele animal está hospedado no Shaftsbury Hotel. Ele deveria estar
é
no Jardim Zoológico."
Mário disse, triunfante: '.'É este hotel mesmo. Eu sabia que era um nome
assim... como é mesmo? Chivistibur... " Não aceitamos a pronúncia e fizemos
vários
papeizinhos com o nome do hotel. Demos um "hurra" para a moça e fomos em
frente. Ainda olhei a Lista Telefônica. O Shaftsbury era logo um dos mais
cotados.
Estava em negrito. Como é que não achamos o registro?
Chegando lá, o homem da portaria estava intrigado. Mário chegara, assinara o
registro, nem subiu ao quarto e desapareceu. Mas o registro ficou esclarecido.
Completamente esclarecido. O sobrenome saliente não era Vianna. Era Goncalves.
Sim, Goncalves com C e não com C-cedilha. Então era Mister Goncalves e não Mis-
ter Vianna. O nome de Mister Goncalves valeu até o fim da Copa de 1966. "O
senhor vai bem, Mister Goncalves?" "Agora vai falar Mário Goncalves ViaNNa com
Dois enes e com C sem cedilha!" ... E nós quase rompemos relações com o Reino
Unido da Grã-Bretanha por causa destá cedilha.
103
//o Intérprete
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Os fios de microfone pareciam uma imensa macarronada. "Cuidado com meu fio!",
berrava um. O outro remendava: "Este fio é meu, vai te criar e não enche." No
meio
disso o Caçapa, eficiente operador da Rádio Mundial, gritou: "Estou preso... me
tirem daqui... posso morrer... aqui também tem fio de força da Light." (A Light
já
tinha saído do Brasil na década de 40, mas Caçapa queria era socorro urgente.)
O homem do Galeão, que já tinha pedido socorro à PM, não conversou. Foi ao
comutadore desligou a luz geral. Pra quê... A berraçada aumentou. Alguns na
certa
pensavam que poderiam chegar aos ouvintes diretamente, no .grito.
Chegou alguém com uma lanterna e um alicate. Cortou os fios e livrou Caçapa.
Ligaram a luz e começaram as duas berraçadas. A da turma que estava transmitindo
e a outra, a que não estava mais, porque seus fios tinham sido cortados.
Conserta
daqui e dali, e recomeçou a balbúrdia. O alto-falante tentava gritar mais alto
ainda
sua mensagem: "Senhores... senhores! Tenham paciência... nosso vôo nº 700 para
Lisboa já está chamando há meia hora. Senhores passageiros, dirijam-se urgente
para o embarque no portão 7... por favor... Senhores membros da delegação de
futebol... nosso avião..."
Mas não adiantou. muito. Não valeu muito o "último aviso" . Ainda tiveram de
dar mais uns oito "último aviso". E quando um dos rapazes da Companhia Aérea
tentava tirar um dos jogadores do meio de um bolo de microfones um dos
repórteres
gritou: "Estão impedindo nossa missão de bem informar. Isto é uma censura...uma
ditadura... uma arbitrariedade. Estamos aqui há várias horas... nao pode... é...
Até que apareceu alguém da delegação e foi tirando
106
os jogadores das entrevistas. Mas veio a réplica: "Este cara não joga nada...
não
passa de um carona~.. e carona que recebe para viajar... este cara viaja à custa
do
contribuinte brasileiro!" Mas o cara era enérgico, o avião já estava atrasado
uma
hora, os outros passageiros reclamavam e uma mãe gritava quase em desespero:
"Isto é falta de respeito... aqui tem senhoras e crianças... aqui..." Não
adiantava.
Uma "rádio" entrara no avião e lá de dentro o repórter gritava: "A única
emissora
que entrou no avião da Seleção..." Um passageiro que já estava cheio de esperar
corrigiu: "Ué, e eu que pensava que este avião era da Varig..." O repórter ficou
fera
e disse, sem se lembrar que estava de microfone aberto: "Ora, não enche e vai
tomar
banho, seu engraçadinho! Vai ver a mamãe em Portugal?" No dia seguinte se soube
que vários ouvintes se julgaram ofendidos e reclamaram à emissora.
"Senhores passageiros, apertem os cintos e boa viagem", disse finalmente o
comissário e o avião se dirigiu para a pista. Eu sempre invoquei com este
negócio de
apertar cintos. E se a barriga doer? Não bastaria dizerem "coloquem os cintos de
segurança" ou algo assim? Já vi passageiros apertarem tanto que se sentiram mal.
Tem coisas que precisariam ser mais bem estudadas.
Por exemplo, quando a gente chega em São Paulo, no aeroporto de Congonhas,
e desce, bem em frente, em letras enormes e no topo do prédio mais alto está
escrito
"São Paulo". Pombas, se ali não. for São Paulo o aviador cometeu um terrível
engano, não é? Por que não botam "Aeroporto de Congonhas", ou "Afonso Pena"?
Ah, por falar neste, no Afonso Pena, que serve a Curitiba, é um aeroporto bem
grande, com uns doze mil metros quadrados. E nesta área toda, lá dentro, uma
salinha
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de três metros por quatro, no máximo, onde escreveram em cima "Recinto reservado
aos não-fumantes". E ali apertadinhos, às vezes se empurrando e se acotovelando,
ficam encurraladas umas trinta ou quarenta pessoas. Mulheres, crianças de colo,
os
não-fumantes. Nos outros onze mil e tantos metros, os fumantes saboreiam
cigarros
e charutos à vontade. E muitas vezes, só de molecagem eu brinco com a mocinha
que marca lugar para a gente. Ela pergunta, delicada e solícita: "O senhor
passageiro
deseja assento de não-fumante ou de fumante?" Finjo inocência e respondo:
"Filha...
me dá um não-fumante, mas com a janela aberta... tá?" Ela responde:
"Engraçadinho..." E dá qualquer um.
São coisas da era moderna, da comunicação, e a gente vai aprendendo. Lá em
Lisboa, o aeroporto Portella de Sacavém fica bem ao lado do mar. Bonito lugar, e
os
portugueses são encantadores. Mas um deles, quando a pista acaba e onde tem um
murinho, escreveu "Fim da Pista". Bom, se o aviador não parar a aeronave, o
bicho
vai para dentro d'água. E se o aviador for inglês ou sueco? Como é que fica?
Todo
molhado?
Fizemos fotografar a inscrição e também uma plaquinha que existia na avenida
da Liberdade, bem perto do monumento ao marquês de Pombal. Lá estava, em letras
brancas sobre a plaquinha preta de uns vinte centímetros de altura sobre
cinqüenta
de largura: "É proibido pisar na grama. Quem não souber ler pergunte ao guarda."
E
agora? Mandei as fotos para o Samuel Wainer no Última Hora, que publicou.
Tiraram a placa imediatamente. Mas a inscrição do aeroporto ainda ficou.
Os portugueses sempre nos recebem com muito carinho, em todos os aspectos.
O primeiro jogo daquela seleção foi na cidade do Porto. Nosso time era bem fra
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e teve de jogar Didi. E após o jogo cpm a União Soviética, o primeiro jogo fácil
e
que ganhamos por dois a zero, com fantástica exibição de Garrincha, o dirigente
máximo de nossa equipe afirmava em sua conferência de imprensa após o jogo: "E
ganhamos com quatro reservas... "
É sim, mas felizmente os "quatro reservas" não saíram mais do time até o final.
Eram simplesmente o mulato Garrincha, que estraçalhou, o negro Pelé, o crioulo
Didi, que foi cognominado pela imprensa internacional de "Mister Futebol" e o
mestiço Zito. A idéia inicial, que os fados impediram, era a de manter De Sordi,
o
pequenino lateral que felizmente a "onda" fez sair para a entrada do negro
Djalma
Santos. Os demais brancos; e creio que todos se lembram que o ataque iniçial da
seleção era Joel, Dida, Mazzola e Zagalo. Este ataque, depois do terceiro jogo,
ficou
constituído com a entrada dos "reservas" Garrincha, Vavá e Pelé...
Isto está até hoje gravado em várias transmissões e nos anais da Copa de 58. E
mesmo depois da vitória de 62, onde o mulato Garrincha foi o grahde herói, em
1966 e comigo, em janeiro de 69, foi apresentado o tal relatório, onde estava
escrito
que "os jogadores de raça negra...."time brasileiro de 1970 tínhamos os
seguintes ne-
gros, mulatos e mestiços: Carlos Alberto, Brito, Everaldo ou Marco Antônio,
Clodoaldo, Jair, Pelé, e mais Edu e Paulo César, que substituíam o efetivo
Rivelino.
Pois saibam que esta mentalidade ainda nos prejudica até hoje. Ésó perdermos um
jogo ou uma Copa que ressuscitam o relatório que está na CBF, subscrito e
assinado.
Nas competições olímpicas de atletismo temos dois vencedores unicamente: Ademar
e Joaquim Cruz. Um negro e um mestiço.
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Mas o time da seleção portuguesa não tinha nada com isso e lá não havia
preconceito na formação da seleção. O mulato Oto Glória foi durante anos o
laureado treinador.
Então eles nos meteram um a zero no estádio das Antas, no Porto. O jogo foi
"abafado ao alho", realizado durante os festejos de São João. E os portugueses
fazem a festa dando porradas na cabeça de quem estiver sem chapéu com um bom
dente de alho-poró. Levei duas ou três e voltei ao hotel para me cobrir. O Jorge
Cúri
rpe perguntou: "Ué, já estás de volta? É a festa de São João!?" Fiquei na moita
sobre
a "festa", mas disse: "Depois da esquina é que é o quente." Alguém que também
estava voltando, ao ver a careca do Cúri, uma bola de bilhar e bem limpinha,
reforçou: "É, é ali mesmo... ali que é o bom da festa."
Jorge chegou na esquina com aquela linda cabeça e os gajos caíram-lhe em
cima. Diziam, entusiasmados: "Ai, que rica carequinha..." E tome porrad~ com o
alho. O Cúri não esquentou, voltou para o hotel, botou um gorro de lã e entrou
na
festa. No dia seguinte, aquela rua e as vizinhas estavam cobertas de alho. Ali
pelo
meiodia estavam limpas. Mas o cheiro ficou.
Íamos saindo do estádio, com o um a zero no "coco" , quando chegaram dois
brasileiros em um carro que vinha veloz. Frearam de repente e dele saltaram os
dois
passageiros, perguntando ansiosos pelo resultado. Respondemos: um a zero para
eles! Os dois aumentaram seu ar de desapontamento e confessaram: "Olha, saímos
do Brasil ontem à noite. Atrasou tudo e chegamos em Lisboa um pouco tarde.
Fretamos um avião, alugamos um carro e mandamos brasa... mas não deu tempo esó
agora..." Pombas, gastar uma nota daquelas de avião, fre
111
tar outro avião; alugar um carro no aeroporto e chegar depois do jogo!? Era
dose.
Mas o Antônio Carlos de AImeida Braga, que era um deles, pediu encarecidamente:
"Não digam nada... não digam que chegamos atrasados... não espalhem... estávamos
batendo um papo ontem lá em casa, no Rio, quando resolvemos ver o jogo... puxa,
não deu jeito." O outro era o jornalista Armando Nogueira, que implorou: "Não
digam nada, se não vão nos gozar até o J uízo Final."
Todos prometeram não mandar nada a respeito. Mas com a derrota... e a falta
de notícias... acho que nem todos cumpriram o prometido.
Logo depois do jogo voltei para o hotel. Tive sorte e nem bem saía do estádio
das Antas apareceu o Pimenta num carro muito bonito e me deu carona. No caminho
ele disse: "Aluguei isto. Eú queria um Mercedes, mas eles não tinham."
E fomos flanando pelas ruas do Porto. Mal chegamos ao hotel, uma senhora
chegou-se e me reconheceu: "Conheço-o da televisão, quando lá estive no Rio de J
aneiro." E despencou uma saraivada de palavras e de críticas ao nosso time.
Achava
que fizemos. péssima partida. Eu tentei dizer-lhe que a seleção portuguesa era
muito
boa, mas não pude nem respirar. A dona falava como metralhadora e me abafou. E
ia dizendo: "O sr. Feola que me perdoe, deveria ter mandado marcar os dois prin-
cipais jogadores nossos, o Eusébio e o Coluna. Foi um erro... foi um erro." "Mas
minha senhora...", tentei argumentar. "Não, não e não, cavalheiro. Isto foi um
tre-
mendo erro tático..." Concordei e ia dizendo: "É isso, mas..." "Não, não é isto
coisa
alguma", dizia ela, entrando de sola. E desceu a ripa no nosso time, do goleiro
ao
ponta-esquerda.
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113
Pois o Giga entrou num restaurante, com aquele andar de machão. Sentou-se,
amarrou o enorme guardanapo em torno ao pescoço e fez o pedido em puro francês:
"Messiê, moi quer um bife e petit-pois." E olhou para nós com um ar de vitória.
O
garçom era francês mesmo, e entendeu ser chamado de "garçom" e também o pedido
do bife. Bife é internacional. Pode pedir assim até em Moscou. Mas o diabo foi o
petit-pois. Bom, o nome é francês, mas não há garçom francês no mundo que en-
tenda o que é petit-pois. Então ele fez um gesto de ignorância, abrindo os
braços
como quem pergunta o que é. Giga virou-se para nós e disse: "Eu acho que este
cara
não é francês. Deve ser um imigrante qualquer. Aqui tem de monte." E fez um
gesto,
ou gestinho, apertando o dedo polegar com o indicador. Assim em curva. O que ele
queria era mostrar uma pequena bolinha, uma espécie de rodinha, sei lá. Ele
tentava
mostrar ao homem o petitpois. Um colega ainda gozou e disse: "Olha, isso que
vocêestá pedindo eu também gosto... mas em restaurante não sei se tem."
O Gigante se enfureceu, xingou a.mãe de todos edisse peremptório ao garçom:
"Escuta, cara... moi champion du monde, tá bom? E eu quero bife competit-pois,
tá
bom?" O garçom fazia um gesto de ignorância total e procurava saber: champion du
monde de quê? Como poderia saber que o Giga também se julgava campeão do
mundo em futebol?
Então eu saí de detrás do toco e ajudei: "Giga, pede arricot-vert. Quem sabe ele
traz o teupetit-pois?" Gigante ainda fez cara de brabo, eu pedi e o garçom deu a
maior gargalhada. Veio o prato escolhido e bateram palmas.
Mas isso foi na passagem por Paris, onde fomos dar
114
uma volta e espairecer os cinco a um. E lá, na hora do jogo, eles já estavam
ganhando de quatro a zero e o Darcy Reis, locutor da "Cadeia Verde-Amarela
Norte-Sul do Brasil", 42 estações sob o comando da Rádio Bandeirantes, ia
transmitindo. Para abrilhantar as apresentações da gloriosa seleção brasileira,
que
estava desbravando a Europa, seguiram duzentos e poucos jbrnalistas e uns
trezentos
radialistas. A Rádio de Ponta Grossa estava presente e também uma de Recife, que
dizia com aquela voz grave de locutor de rádio que se preza: "De Recife, para o
Brasil e para o muuuundo!" Eta, ferro! E o Darcy transmitindo.
Na praça da Sé, em São Paulo, o Eli Coimbra acionava um enorme "campo de
futebol eletrônico" que acompanhava a transmissão. O time do Brasil em luz
amarela. O dos "belgicanos" em luz vermelha. A bola era uma luzinha móvel, que
andava para todos os lados, passando pelos "jogadores". De repente, a bolinha
que
era verde entrava num dos gols. O diabo é. que o Darcy ia transmitindo e um tal
de
Stockmon, atacante belga, dava cada porrada que a bolinha ia lá dentro. Com
tanta
força que a rede esticava e a bolinha voltava quase fora da área. Lá em
Bruxelas,
claro que não sabíamos dos detalhes. Mas o Eli entrou na linha de retorno e
disse,
choroso: "Pombas, vê se transmite um gol do Brasil, se não a massa aqui na praça
da
Sé vai me tascar."
Nesta altura, o Darcy, muito coloquialmente, me perguntou: "Saldanha, que tal
este jogo?" Eu nem percebi que estávamos no ar e respondi: "Nosso time está uma
bosta." O microfone quase caiu das mãos dele e então me toquei que estávamos no
ar. O Darcy tentou consertar e ainda emendou, para ajeitar o troço: "Quer dizer
que
você não gosta", e repetiu: "...não gosta?" Percebi
115
tudo, mas repeti: "Não adianta, velho, nosso time está uma bosta mesmo. " E dei
outra vez ênfase no BOSTA.
No dia seguinte, recebemos um telegrama de São Paulo, assim: "Darcy Reis
VG Bruxelas VG Bélgica PT Transmissão boa VG som local PT Avise Saldanha
contenção nos termos PT ConteI multou em 25 mil PT Entretanto praça da Sé
vibrou PT Murilo Leite PT Melhores dias virão PT"
Mas não vieram. Dali fomos para a Yolanda, como disse Mendonça Falcão,
conclamando o time para uma reação. Também não foi desta vez e nem na Itália,
onde perdemos feio por três a zero. Na Holanda, tínhamos perdido por um a zero
ou
dois a um. E apesar de tudo estar previsto na delegação. Menos o time. Foi um
dos
piores que já saiu do Brasil, com Pe~é e tudo. Mas a organização era perfeita.
Quem
quisesse saber o hotel da seleção, hora de chegada ou saída dos vôos,
temperatura
dos locais dos jogos, tudo enfim, era só perguntar que eles sabiam. Eles da
delegação, é claro.
Levaram uns dez ou onze "especialistas", inclusive um intérprete. Havelange
disse aqui no Brasil: "São vários países diferentes e necessitamos de gente que
saiba
esclarecer as coisas. Por isto a CBD leva um intérprete." É. Nosso primeiro jogo
foi
na cidade do Porto e o intérprete foi perfeito. Nota dez. Entendia tudo. Mas o
se-
gundo jogo foi na Bélgica e o intérprete ficou mudo. Depois Holanda e mais mudo
ainda. Daí Alemanha, Itália e Moscou. Lá sim é que era preciso um intérprete.
Mas
ele garantiu que "o idioma russo ele não dominava". Paciência, o jeito era
apelar
para a mímica ou para algum brasileiro do local. E como tem brasileiro por aí
afora.
Ainda não tinham espalhado o tal de "Ame-o ou deixe-o". Mas em Moscou o
intérprete se apavorou.
116
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uns gritos surdos e um pouco longínquos. Olhamos para cima e o intérprete estava
lá, sem camisa e fazendo sinais. Custou um pouco, mas deu para perceber que algo
estava se passando. E ele chamando.
Subimos a seu quarto, mas quase não se ouvia nada. O quarto era assim
mesmo: para ninguém ouvir nada. Mas, encostando o ouvido, sentimos que ele
estava preso. Chamamos a gerência e veio a gerente. Uma mulher que só falava
russo. Ela chamou um cara e explicamos a ele que havia um nosso companheiro
detido ládentro. Então chamaram um chaveiro. O cara mexeu, mexeu e nada. A
porta não abria. Veio um carpinteiro que, sob protestos da gerente, fez um
buraquinho com uma enorme verruma. Aquilo já era uma pua. Pelo buraquinho foi
mais fácil se saber das coisas. Mas havia uma visita ao Kremlim programada e
ninguém queria ficar ali. Explicamos ao carpinteiro o que se passava e caímos
fora.
Depois fomos almoçar em outro hotel e mais tarde voltamos. O intérprete estava
solto. Conseguiram tirá-lo. A madeira era muito dura e os parafusos não saíam.
Descobriram o troço todo, mas a gerente não deixou abrir um buraco maior na
porta
que talvez tivesse servido a Catarina a Grande.
Mas pela janela do outro apartamento ao lado, provavelmente o do czar
Nicolau, por ali entrou alguém e conseguiram salvar o homem. O melhor intérprete
de português que já saiu do Brasil.
Na saída de Moscou, Pimenta filosofava. Pimenta era um senhor muito bem
educado. Educadíssimo, aliás. Amigo do pessoal da CBD e muito rico. Sempre que
saía a seleção, lá ia o bom Pimenta junto. Sempre solitário e não chateava
ninguém.
Pimenta sabia sair de qualquer situação, homem viajado que era. Vestia-se
elegantemen
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te. Comprava suas roupas em Lisboa, mas de uma alfaiataria que só o nome bastava
para sentir o peso da bola: The London Tailors. E mais embaixo de um leão
britânico estava escrito: "English Spoken." Mas ficava em Lisboa, e lá o Pimenta
anualmente renovava seu guarda-roupa. Saiu de Portugal ainda jovem. Vindo da
província, deu muito duro no Brasil. Ganhou dinheiro honradamente, e como era
celibatário gastara muito pouco para sua imensa fortuna. Pimenta era o tipo do
ho-
mem para uma delegação de futebol. Recebia uma taça com aquelas roupas inglesas
que fariam inveja ao príncipe de Gales. Apenas aquele gesto fidalgo de agradeci-
mento e ali ficava, firme e durinho, até que executassem os hinos ou qualquer
coisa
que indicasse o fim da cerimônia. Pimenta era um craque em comemorações, bustos
inaugurados, enfim, falava sempre corretamente em português em qualquer país e
pronto. Ninguém melhor.
Mas a excursão estava terminando. Mais de dois terços das organizações de
rádio e jornal já tinham voltado às bases, chamados pelas editorias, que
cansaram de
convencer o "Homem" a manter um pessoal passeando pela Europa. Já não era mais
aquela pomposa delegação que saíra do Rio ao som das fanfarras. O jeito era
filo-
sofar e tentar aproveitar um ou dois dias de folga para sair à toa e voltar ao
Brasil.
Todos um tanto derrotados e humildes, menos o Pimenta, que estava lá, firme como
no dia da saída. Firme e impecável, desta vez no seu terno britânico azul-
marinho.
Discreto, mas uma tremenda pinta de lorde. E vem um e diz: "Vou sair pela
Itália. É
mais perto." Outro preferia voltar via Paris e assim ia a coisa. Alguém
perguntou: "E
você, Pimenta, o que vai fazer?" Pimenta fez aquele ar sério mas calmo e disse:
"Bem, daqui da Rússia vou dar uma volta pelos paí
119
120
//Maragatos e Chimangos
121
índia charrua meio velha, sempre reclamava, resmungando: "Eta, cafuza enxerida,
qualquer coisa ela se mete!" E se metia mesmo.
Numa noite saiu um tremendo entrevero na Prefeitura. Era dia de eleição. Se
arrastou noite adentro. Lá pelas tantas, contestaram os votos e começou o
tiroteio.
Os dois grupos queriam a posse da Prefeitura, cor-derosa, bem na esquina da
praça.
Para quê não sei. Mas sei que queriam. A noite inteira se escutava o barulho dos
tiros. E vira e mexe a Camuja ia até a esquina e levava umas coisas para encher
uma
cestinha de mantimentos. E a cestinha ia e voltava a noite toda, quando, já de
madrugada, a negrinha disse: "Esperei na esquina, mas ninguém trouxe a cesta."
As balas tinham parado de pipocar e um silêncio invadiu a madrugada do
Alegrete por mais de meia hora. Daqui a pouco espocaram os gritos de "Viva o
Assis". Era o Assis Brasil, líder dos maragatos. Perderam a eleição, mas tomaram
a
Prefeitura. Só saíram quando o prefeito e uns "brigada provisório", exército de
farda
azul, do Borges de Medeiros, abandonaram o prédio e fugiram. Aí terminou a
briga.
Brigar mais para quê, se ninguém estava lá dentro? Positivamente não foi vitória
eleitoral. Mas era uma vitória dos maragatos. E meu pai dizia: "Uma vergonha!
Nos
roubaram de novo. Eles têm o dinheiro fácil e compram os votos e fazem as melan-
cias com proteção do juiz eleitoral." As melancias eram as cédulas envelopadas
obrigatoriamente pela Lei Eleitoral. E os cabos eleitorais do Borges usavam
envelopes iguais aos do Assis. Por dentro estavam as cédulas do candidato dos
chimangos. Como a melancia. Uma cor por fora e outra por dentro. Descobriram o
negócio, protestaram e tome bala. E a vitória ficou sendo a da expul
122
são dos "provisório" da sede da Prefeitura. Por isto eles voltaram dando hurras
a
todo mundo. Foi apenas razoável a "vitória". Um morto e poucos feridos. E a
Camu-
ja com os olhos acesos anunciou a volta dos revolucionários para casa.
E a polícia? Ora, a polícia não era besta de se meter nas lutas políticas. O
último delegado a tentar fazer isto... bem, virou nome de rua e sua viúva vivia
pedindo pensão. O que naquela época não era muito comum. Só aos veteranos da
Guerra do Paraguai.
Mas desta vez foi diferente e a negrinha vinha esbaforida e foi dizendo:
"Balearam o dr. Olavo... balearam o dr. Olavo." Mamãe perguntou: "Mas onde foi
isto, sua escandalosa? Precisa berrar tanto?" A Camuja respondeu: "Foi lá no
Quaraí, perto da Assunção. Ele vinha voltando a cavalo e pegaram ele." A velha
não
se abalou e disse: "Foram os Chamorro, aqueles índios safados." E foi logo dando
ordens: "João, vai ali na farmácia do seu Quintana* e traz uns quatro rolos de
atadura, um vidro grande de iodo, uns três rolos de algodão e linha de sutura.
Agulha
eu tenho." Eu ia começar a correr para cumprir a ordem, mas a Camuja exclamou:
"Mas Dona Jenny, foi lá no Quaraí que aconteceu! Daqui lá tem mais de duzentos
quilômetros e..." Nem terminou e a velha foi logo dizendo: "Pára de ser
bobagenta,
sua metida... a briga foi com os Chamorro outra vez e tem dois deles que andam
aqui pelo Alegrete. Nós somos capazes de precisar de material." E berrou de
novo,
mas desta vez foi comigo: "João, vai lá e diz para seu Quintana que depois eu
pago.
Manda botar no caderno."
123
E a mamãe, com sua experiência, não estava longe da verdade. O Alegrete fica
longe do Quaraí. Mas no dia seguinte um outro tio, o Alípio, encontrou um
Chamor-
ro na praça e se pegaram a bala. O índio foi ferido e a velha mandou umas
ataduras,
dizendo: "Eu preferia ter mandado uma coroa." Isto ficou famoso no Alegrete. Mas
o negócio da briga com os índios Chamorro rendeu mais.
A briga com os Chamorro era mais antiga. Já vinha de algum tempo atrás. Seu
Olavo não perdoava uma coisa: "Uma vez estes índios sem-vergonha pegaram o Seu
Francelino, um velho amigo da gente, e esfaquearam ele até a morte. Seu filho, o
Coralino, foi em socorro. Matou um, mas também foi morto a facadas. Pelearam
muito, mas eram quatro contra dois. E o pai e o filho foram desde o bolicho até
os
cavalos lá fora para pegar as armas. Pois desde aí foram levando facadas."
Seu .Francelino uma vez foi a Porto Alegre para conhecer a capital. Pegou um
bonde aberto para dar umas voltas. De repente, deu falta do seu relógio. Não
duvi-
dou. Segurou o cobrador pelo cangote. O pobre do homem deixou espalhar níqueis
dos bolsos por todos os lados. O bonde parou e seu Francelino dizia: "Na certa
foi
este sujeitinho. Ele é que está andando pra lá e pra cá." Foi um buraco tirar o
cobrador do bonde das mãos do Francelino. Mas ele também tinha rixa com os
índios e desta vez pegaram ele e o filho. Depois, gente do Francelino pegou um
deles. Tio Olavo tinha uma tremenda raiva deles. Era só se encontrar. Os índios
eram atrevidos e também brigavam. Desta vez que a notícia chegou lá no Alegrete,
tio Olavo tinha levado um balaço bem ruim. Pegou na virilha. Era um tiro
perigoso.
O lugar era capaz de se arruinar. Uma vez extraída a bala, o jei
124
to era meter iodo, e também usavam malvona. Foi bem antes dos antibióticos.
Uns tempos depois, meteram bala nos Chamorro de novo e eles desapareceram
da fronteira.
Muito especial aquela briga. Havia certas coisas de espírito altaneiro. A tomada
do Alegrete pelos maragatos foi assim. Até que podiam tomar lá de dentro. Mas
não
ficava bem. Era assim como dar um tiro pelas costas. Então os revolucionários
saíram da cidade e depois voltaram e entraram vitoriosos, pela rua Ipiranga.
Naquela revolução houve combates muito sérios. Cruéis até. Como se sabe,
como uma bala custasse quase um mil-réis, eles não prendiam ninguém e nem
fuzilavam os presos mais importantes. Foi a terrível época da degola. Um golpe
de
facão bem afiado e pronto. Muitos pensam que as cabeças rolavam. Nada disso. Era
apenas uma secção da carótida. E isso não começou entre os maragatos e
chimangos, brasileiros. O Borges, tendo dificuldade de combater os maragatos
somente com suas forças dos brigadianos, contratou os serviços profissionais de
dois
caudilhos castelhanos. Uns diziam que os castelhanos Gumercindo e Nepomuceno
Saraiva eram dali de perto, do norte do Üruguai. Outros afirmavam que eram
correntinos, lá da província de Corrientes, na Argentina. Tanto faz. Eram
bandidos e
o fato é que eles iniciaram a degola. Claro que levaram a volta. Entre os
brasileiros
havia uma certa fidalguia no trato com os presos. Mas quando pra um castelhano,
não tinha perdão. A questão era fazer o reconhecimento. Duas práticas foram
adotadas. Uma era a de obrigá-Ios a dizer "queroquero". O quero-quero é um
pequeno gavião que anda sempre em dupla com a companheira. Às vezes anda em
bandos pequenos. Se acomoda fácil e até toma conta das
125
estâncias. Bastava chegar alguma pessoa nas porteiras e eles começavam a gritar.
"Davam o aviso" como se dizia por lá. Mas os castelhanos não conseguiam dizer
"quero-quero" com o E bem aberto, como nós dizemos. Eles diziam ou "quiêro-
quiêro'.' ou no máximo saía um "quêro-quêro". Pronto, era um deles. Outros
preferiam fazer os presos dizerem "dezessete". Não há castelhano que consiga.
Nem
aqueles que moram no Brasil há muitos anos. Eles dizem sempre "dezessiête" ou
"dezassiête" ou o que seja. Mas dezessete, não. De jeito algum. Então, pronto. A
degola vinha certa porque ninguém tinha pena dos mercenários bandidos do
Gumercindo e do Nepomuceno Saraiva. Correu muito sangue. Não havia perdão.
Uma vez, três irmãos ali do Alegrete foram degolados por eles. Os trouxeram em
"cama-de-vento" para lá. Tia Odith pegou a gente e mais uns dois guris da
redondeza e nos levou para ver os corpos. Lá estavam os três irmãos,
estrebuchados
e com o pescoço quase decepado. Dizia ela que era só para a gente ficar com mais
raiva daquela gente carnicera.
A revolução ia feia, mas os combates não eram dos mais ferozes. Muitos anos
de luta, que vinha desde o tempo dos republicanos contra federalistas. Mas o
curioso
é que havia maragatos federalistas e republicanos.. Entre os chimangos também.
Mas uma vez saiu um combate sério. Ficou célebre, pois foi muito feroz. Bem
pertinho passa o rio Ibirapuitã. Riozinho sem-vergonha. Às .vezes enche e invade
tudo, outras vezes parece mais um riachuelo. Aconteceu que por ali, quase no
meio
da ponte, duas forças antagônicas se encontraram: as do Borges, comandadas por
Flores da Cunha, e os maragatos do Honório Lemos, o "Leão do Caverá" (Meu pai
se queimou e chamou o Honório de "leão de tapete" .), e mais a tur
126
ma do Alegrete, onde estavam meu pai e outros parentes. Pois se encontraram, sem
patrulhas nem nada. Tiro e lança por todo o lado. Não dava para piscar ou se es-
conder. O rio, que estava baixo, ficou tinto de sangue. Foi um horror. Ninguém
ganhou, ninguém perdeu. A briga foi tão séria que, creio, apressou a Paz de
Pedras
Altas.
Em meio a isso tudo aconteciam fatos pitorescos, mas sem dúvida eram de
gente que tomava partido. Por exemplo: a linha do trem. Ali era federal e o
governo
federal não se metia na encrenca. Mas também não permitia que suas linhas de
trem
ou do telégrafo fossem atingidas. E bem no Cacequi, onde o trem bifurca de um
lado
para o Alegrete e Santana, na fronteira do Uruguai, do outro o trem toma a
direção
de Uruguaiana, na fronteira de Paso de los Libres, na Argentina. Nós estávamos
nele
e os chimangos souberam. Tentaram fazer o trem tomar um desvio que saía da zona
federal para nos pegar. Éramos cinco crianças e a mãe. Num instante o trem ficou
em pé de guerra. Os homens maragatos se entrincheiraram e ameaçaram os
chimangos: se desviassem o trem ia sair fogo.
O chefe do trem foi enérgico e parece que veio ordem superior e eles recuaram.
Não sei o que queriam. Talvez fazer chantagem com o velho Gaspar, meu pai,
fazendeiro rico, deputado, advogado e veterano de guerra. Tinha um grupo de
cerca
de trezentos homens bem armados, uma metralhadora Hotchiss, bastante munição
para ela, e trezentos fuzis tipo 1908 novos, além de farta munição para eles.
Acho
que ninguém sabia usar a metralhadora, que era refrigerada a água. Mas ela
estava
lá.
E estas armas tiveram uma história curiosa. O Mi
127
guel Costa, o próprio, era amigo de meu pai. Naquela época creio que era apenas
capitão. Mas era bem simpático aos maragatos. Ele dizia que os maragatos defen-
diam as liberdades e o borgismo era o despotismo. E numa conversa informal com
nossa gente ele se lamentava da falta de segurança com que as munições e armas
vinham para o exército. E disse: "Agora mesmo, um comboio de carros vem vindo
por Santa Catarina e vai entrar por Passo Fundo. O comboio vem bem protegido por
uma força bem armada. Mas acontece que um carro desgarrou e parece que ficou
sozinho. Ele vem por uma estradinha, lá por perto de Passo Fundo. Só tem dois
sol-
dados. Se cai nas mãos de alguém, vai ser um buraco para explicar ao estado-
maior."
O papo acabou na hora. O pessoal que estava escutando,.inclusive meu pai, se
man-
dou e sumiu na poeira. Talvez esta tenha sido a origem principal de tanta arma e
munição. Pois é, talvez mesmo um ano ou dois mais tarde, Miguel Costa mandou
um homem levar um bilhete lá em casa em Porto Alegre. Dizia mais ou menos o
seguinte: "Uma vez eu ajudei. Agora preciso daquelas armas, que podem ser
entregues em Santo Ângelo." Depois mandou dizer a quem. As armas foram atrás do
Miguel Costa, mas ele não veio. Serviram também para armar um grupo que foi
muito eficiente em 1930, já no Paraná. Até bem pouco tempo se encontravam
enterradas na antiga granja da Roseira, a dezoito quilômetros de Curitiba, no
município de São José dos Pinhais. Foram embrulhadas em capim, bastante palha,
óleo grosso de carroça, mais palha e capim. E por cima de tudo envoltas em lona
de
barraca. Não sei, mas se não encontraram até hoje estão lá, no mesmo lugar.
Em seguida, ali por fins de 1927, o Getúlio foi can
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//o Cristo
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Alemanha já em 1938, antes da guerra. Creio até que invasão é um pouco forte.
Diria melhor que foi ocupada pelas tropas nazistas de Hitler.
E deve ser dito que muita gente do povo tcheco saudou efusivamente a entrada
das tropas. Logo depois, quando Hitler andou por lá, foi saudado com o povo
aglomerado na praça Wiascheslavka e na Prikope, de braços erguidos, fazendo a
saudação nazifascista. Eu diria que foi uma invasão pacífica e bem tolerada,
menos
por uma parte, que lutou muito pela libertação do país, novo de formação mas uma
das mais antigas civilizações da Europa. Há castelos e torres em Praga que datam
de
mil anos e estão bem conservados. É uma cidade limpíssima e o povo muito
ordeiro.
Os tchecos têm coisas bem engraçadas, pelo menos para nós. Já nem falo do
idioma, que sofrendo a influência de tantas guerras e invasões que assolaram o
país,
ganhou uma acentuação tônica bem esquisita para nossos ouvidos. O idioma é
eslavo e se pareceria muito com o russo, não fosse o diabo da acentuação. As
palavras em tcheco são quase todas proparoxítonas. Se um russo diz "narôdni"
(nacional), o tcheco diz "národni" com a última sílaba aguda e "desaparecendo".
Mas a gente se vira.
Outra coisa peculiar é a comida. Parece que eles não gostam muito de açúcar.
Os doces, que são lindos na vitrine, não têm gosto de doce! Talvez isto fosse
porque
a guerra mal havia terminado e o açúcar estivesse racionado. Pode ser, mas então
por que fazer doce sem açúcar? Não dá, não é? Mas os doces não são tudo, a
comida
também é diferente. O prato nacional é o tal de Kendly, que consiste num pedaço
de
pão de fôrma, fatia grossa, com um molho de carne ensopada. Lenin, de passagem
por Praga, disse aos camaradas num restaurante após co
132
mer o "prato nacional": "Meus amigos, com esta comida vocês jamais farão uma
revolução socialista." Depois Lenin explicou que para se ter uma boa comida, uma
comida internacionalmente saboreada, era necessário se ter tido um grande
império.
Acho que tinha razão.
Mas Praga é linda e deve ser roteiro importante em qualquer visita à Europa. E
assim as demais cidades. Bratislava, às margens do Danúbio e na fronteira da
Áus-
tria, é outra cidade que vale a pena ver. Por sinal que acho que quem puder
fazer
uma viagem folgada e muito gostosa não deve perder o roteiro do Danúbio. O rio
não é mais azul, mas os naviozinhos que fazem a rota são bem gostosos. Podem
sair
de Viena, Bratislava, Belgrado, Budapeste e desembocar no mar Negro, em Cons-
tança. Eu garanto.
Mas Lídice é apenas uma placa rememorando uma das mais cruéis façanhas do
nazismo. Como se sabe, foi lá que os partisans pegaram Heidrych, conhecido como
"Herr protector Heydrich", ou ainda como o "carrasco Heydrich". Contam que ele
ia
passando num carro . ali perto, numa floresta muito bonita que ainda existe. Uma
bomba eliminou o carrasco, que era o Quisling da Tchecoslováquia. Prenderam
todos os habitantes da cidadezinha, e de cada dez presos matavam um para saber
quem tinha sido. Acontece que ali em Lídice ninguém sabia, pois tinha sido gente
de
fora. Foram até o fim na chacina de um pouco mais de cem pessoas entre homens,
mulheres e crianças. Não perdoaram nada. E um Verbotten que ainda estava lá
afixado mandava eliminar a cidade do mapa. Isto foi feito e ali hoje é apenas um
campo aberto onde plantaram flores.
Ficou muito bonito, mas a história é tenebrosa.
E por lã passei quando voltava da China e aprovei
133
tei para visitar o Jorge Amado, que lá vivia em Dobris, um castelo perto de
Praga,
cerca de uma hora de ônibus e meia hora de carro, que até podia ser um Porsche
pois
o engenheiro Porsche, o genial inventor do Volkswagen alemão, era tcheco e foi o
primeiro a fazer um motor direto nas rodas e com refrigeração a ar. Não tenho
necessidade de propaganda e não entendi por que pararam de fabricar o Fusca-
Besouro, o melhor carro que já vi. Uma vez, estando em Mendoza, na Argentina, e
querendo atravessar a cordilheira dos Andes pelo Paso de Cumbre, me disseram que
era necessário fazer uma adaptação ao carro. Algo de um filtro de ar antes do
carburador e não sei o que mais. Fui buscar o carro, um Fusca, e o mecânico de
Mendoza foi logo dizendo: "Neste não precisa fazer nada. É refrigerado a ar.
Passe
tranqüilo." E fui em frente sem nenhum problema. Na estrada, subida da
cordilheira,
encontrei vários carros enguiçados. E eu passava orgulhoso. O Porsche também era
o construtor do Tatra, o carro grande tcheco. Um gênio que Hitler tratou logo de
aproveitar. E saiu o Fusca.
Mas lá de Praga fui até o castelo onde morava o Jorge. Não, ele não ocupava o
castelo. Só um quarto. Era apenas hóspede da Associação de Escritores da
Tchecos-
lováquia, presidida na época por Jan Drda, um gorducho muito simpático que,
segundo soube mais tarde, caiu em desgraça. Agora, com a Peristroika, não sei.
Mas
lá estavam vários escritores famosos porque realizavam um Congresso de
Escritores.
Fiquei conhecendo vários, como Ilia Eremburg, que era um grande escritor
interna-
cional e um fabuloso contador de anedotas. Quando contava alguma dos dirigentes
do Kremlin sempre dizia, sorridente: "Não digam que fui eu que contei." Era
muito
amigo de Stalin, mas contou a todos os presentes aque
134
135
enorme saco que deveria pesar no mínimo uns vinte quilos. Expliquei que
precisava
de apenas uns dois. Ele pensou, pensou e nem quis cobrar: me deu uns dois quilos
de excelente feijão-preto, meio roxo. Uma delícia. Mas lá é comida para porco.
Não
se assustem, em vários países o feijão serve apenas para alimentar certos
animais.
O resto tinha, e muito bom. Salsichas, carne de porco e o diabo. Faltava, como
sempre falta, a farinha. Mas a feijoada saiu excelente. Pelo menos pra nós.
Mas eu estava com um problema sério, que veio desde a China. Era uma
lembrança da viagem: um baita busto do Mao Tsé-tung. Sei lá. Ainda era o Dutra o
governo do Brasil. Dutra tinha manifestado sua formação de direita várias vezes.
E
com muito vigor. E eu estava achando que o busto não seria bem recebido no
Brasil
pelas autoridades policiais e aduaneiras. Eu tinha andado metido nas encrencas
da
UNE e... sei lá. Falei com o Jorge e ele tentou me convencer do contrário.
"Afinal,
que mal faria o busto?", disse Jorge Amado. E eu perguntei: "Bem, eu também acho
que um busto não faz mal a ninguém. O problema não é o que eu acho. É o que
'eles'
podem achar, não é?" E emendei: "E você, por que está há tanto tempo na Europa?
Você estava em Paris no hotel da 'Madame' na 'Rue Cuja' e agora tem de estar
aqui."
O Jorge pensou e disse: "É, acho bom não arriscar. O busto pode esperar aqui e
não
vai cansar."
Passado um tempo, não muito, eu estava num avião não sei para onde e vi uma
revista O Cruzeiro na bolsa do avião. Aquela que fica bem na frente da gente.
Pe-
guei a revista ao acaso e logo na capa um retrato conhecido. Era do busto do Mao
Tsé-tung. Dizia: "Ampla reportagem na página doze."
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Fui lá depressa e uma página inteira de fotos. O busto de novo e, sentados numa
poltrona, duas figuras bem conhecidas. Um era o Fernando Pedreira, conhecido
jor-
nalista, mas naquele tempo estudante recém-formado, e que estava em Praga para
tratár de coisas da UNE e da União Internacional dos Estudantes. O Pedreira
estava
desconsolado com cara de brocoió. O outro, um cidadão com um baita bigode, terno
branco e dando a pinta do personagem do coronel Limoeiro. Mas era o hoje de-
putado federal pela Bahia Fernando Santana. Os dois estavam em cana e tinham de
explicar onde tinham arranjado aquilo. A polícia tinha mandado traduzir as
inscri-
ções chinesas, onde se podia ler: "Tudo pelo socialismo." E assinado: Mao Tsé-
tung.
Os dois foram em cana. Jorge Amado os tinha convencido a trazer o busto, e que
aqui não daria nada. Afinal de contas, quem iria reconhecer o revolucionário
chinês?
Pois é, mas a polícia reconheceu. Os dois foram soltos dias depois, mas o busto
ficou em cana. Deve estar lá até hoje.
137
//A Silhueta
Toda cidade que se preza tem uma esquina, uma praça, um largo
onde se reúnem turmas. Em Porto Alegre o largo do Medeiros, onde desde a revolu-
ção entre chimangos e maragatos está o Beregaray, que veio de Uruguaiana para
Porto Alegre. É o "prefeito" do largo, onde atende seu expediente. Sempre de
chapéu gelo!, mas nem sempre de gravata sobre a camisa listrada. Às vezes de
sobretudo. Comanda o papo com certa soberba. Deve ser muito amplo aquele papo
do largo do Medeiros, pois resistiu a vários governos e a algumas ditaduras
gaúchas
e federais. Em Florianópolis lá estão os barrigas-verdes, fazendo onda. Aquela
com
o Figueiredo nasceu ali. Até ovos apareceram não se sabe como. Em Curitiba é a
famosa Boca Maldita. Importante organização, muito peculiar. É presidida por uma
carismática figura da Lapa, o Anfrísio Siqueira. A Boca ficou célebre quando, só
falando mal, derrubou o governo León Peres. Sua sede fica no largo Luís Xavier.
Ali
fizeram um obelisco de mármore cinzento. E falam mal de todo o Brasil e do
mundo. Reúne gente de toda a estirpe: juízes togados e de futebol, médicos e
cirugiões con
139
sagrados. O Félix de Almeida já operou quase todos, mas nunca recebeu de nenhum.
Esta importante organização de rua faz de escritório uma agência do Bamerindus,
onde sem a menor cerimônia entram e saem para usar a mesa do gerente e o
telefone
local e interurbano. Quem quiser escrever para a Boca basta colocár o endereço:
"Boca Maldita, agência Bamerindus da praça Luís Xavier, Curitiba, Paraná,
Brasil."
Para teste mandei um cartão ao Anfrísio, de Tóquio, com este endereço, e batata:
chegou lá.
No inverno eles vão para dentro do saguão de um hotel. Lá em Porto Alegre a
turma do largo do Medeiros também entra para um local daqueles. Em São Paulo o
pessoal é mais civilizado. Ou mais rico. Sentam num bar e fazem despesa. Turma
de
esquina era a dos cariocas, que se reunia na esquina da São João com Ypiranga.
Parece que a barra pesou ali: um assalto em cima do outro, e saíram.
No Rio vários e vários pontos ficaram famosos. Mas nenhuma esquina seguiu a
fama da esquina da rua Miguel Lemos com avenida Copacabana. O prefeito no co-
meço era o Cristiano Lacorte, já falecido. Cristiano, paraplégico, usava cadeira
de
rodas mas comparecia a tudo. Futebol, turfe, samba, comícios, tudo. A turma re-
solveu e Cristiano foi um dos vereadores mais votados do Rio de Janeiro. Depois,
aquela esquina elegeu o Paulo Alberto, o Artur da Távola, e o Edson Khair.
Nestas
últimàs eleições, Macaé, o atual "prefeito", apoiou Brizola, depois Saturnino e
a
Alice Tamborindegui. Todos foram eleitos. Não que a esquina tenha sido decisiva,
mas de qualquer forma demonstra sua profunda sabedoria e experiência política.
Uma série de fatos e ocorrências fizeram a esquina
140
sempre mais famosa. Ali teve e tem de tudo. Andou sendo proibido o carnaval
organizado nos bairros. Menos alit onde começaram bailes infantis e depois com
tablado orquestra e tudo bailes de marmanjos. O futebol é um dos grandes
assuntos
da esquina, mas nunca saiu briga séria por este lado. Uma democracia plena
existe
láaté hoje. Os mais consagrados craques do futebol, locutores esportivos e
outros
fazem ponto na esquina. E personalidades de "alto bordo", como juízes,
dirigentes
de clubes e das principais entidades esportivas do país. A esquina sempre esteve
presente, ora por uns ora por outros, a todos os grandes fatos ou eventos
nacionais e
internacionais. E quando apareceu no Rio de Janeiro um programa de televisão
chamado o "Céu É o Limite" vários representantes da esquina foram lá ganhar
prêmios grandes. Havia piadas, apelidos sérios, e mesmo quando após a revolução
de 64, mandaram espiões para evitar qualquer propagação de idéias, em pouco
tempo os "espiões " estavam integrados ao espírito comunitário e democrático da
esquina. Houve um importante delegado especializado em política que dizia,
quando
o papo esquentava: "Bem, tenho de ir andando porque minha velha está me
esperando". E caía fora. De fato não seria conveniente ficar ali. Denunciar
quem?
E depois ter de sair dali?
Um dia, a esquina inteira se mobilizou. Foi quando um edifício ali perto foi
apelidado de "edifício Silhueta". Já era mais de meia-noite quando chegou na
roda
um garoto, com os olhos maiores do que um pires e disse, gaguejando: "Ali
naquele
edifício tem um casal... eu acho. Estão lá dentro, mas se vê tudo da rua". Era
sábado
e a roda estava imensa. Até dividida em duas ou três rodinhas de papo. Um
fundador
do Botafogo, um
141
142
o "sinal" de silêncio foi mais forte. O cara saiu, ficou meio atônito de ver a
rua tão
cheia. E, ante os gestos e vozes surdas de "cai fora... cai fora..." , olhou
para trás e
entendeu tudo. Procurou se ajeitar ali pela frente, mais foi energicamente
barrado.
Arrumou um lugar mais atrás e toda aquela pressa da saída do edifício
desapareceu.
O casal lá dentro engrenou de novo. Do começo. Fizeram tudo e de repente
terminou. Um "oh... oh!" se fez ouvir. O cara do casal se arrumou, ela também.
Ele
deu um beijinho e veio para a rua. Mal a porta se abriu, uma tremenda ovação.
Bateram palmas e saudaram o cidadão. Ele, meio aturdido, tomou a rua e se
mandou, sumindo na primeira esquina da rua Miguel Lemos em direção à rua Barata
Ribeiro. Desapareceu na noite e o papo bem entusiasmado voltou para a esquina. O
ônibus foi embora e os carros puderam passar.
143
//Caso de Polícia
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superior caindo aos pedaços contra um, time .medíocre , contra um time que só
soube dar botinadas e ainda foi apoiado pela polícia que achou de bater em
fotógrafo, achou de pedir massagista e médico para não atender jogadores fora do
campo. Eles não conhecem sequer a lei do jogo, e foi necessária a intervenção de
um
delegado para que o Sócrates, que saíra de campo e tinha o direito de ser
atendido,
pudesse ter um médico perto dele, sim, porque, àquela altura, até os guardas
queriam
fazer gols.
O time da Bolívia é fraco, não é nada no ranking mundial e nem vai ser
enquanto pretender ganhar apenas nessa base, enquanto não sair para o futebol
puro,
enquanto estiver importando jogadores. O futebol nacional de cada país só é bom
quando praticado nacionalmente. Claro que a seleção boliviana é de bolivianos,
mas
a grande estrela deles agora é o Jairzinho, que foi um grande jogador, mas está
em
final de carreira.
Então, o que dificultou realmente foi o medo da altitude. Nos primeiros 15
minutos, quando os dois times estavam inteiros, foi uma brincadeira. Pena que
não
tivéssemos feito os gols necessários para liquidar este jogo em 15 minutos.
Oportunidades não faltaram, e os gols só não surgiram por falta de sorte e pelos
belos chutes que demos na trave.
Mas, no final, o jogo só pôde ser vencido pela alta qualidade dos jogadores
brasileiros, pela enorme diferença de técnica entre os dois times. Tivemos o
Sócrates
caminhando em campo e chupando laranja, mas ditando o ritmo apesar de estar
,sentindo falta de ar. Sentiu falta de ar, mas teve uma categoria fabulosa para
levar o
jogo dentro daquilo que nos interessava.
149
met, o bom velhinho, que de suas duas salinhas de Paris dirigia com firmeza o
futebol internacional, depois Suíça e sempre a FIF A, na sua modéstia, levando
cada
vez mais alto suas competições e gastando pouco. De repente, e lembro a história
daquele padre malandro que chegava num vilarejo e logo dizia: "E bisogno
edificare
una chiesa", quer dizer: é preciso construir uma igreja. E tome rifa, flâmula,
livro de
ouro, e vida que segue. Agora a FIF A tem uma sede enorme. Os dois funcionários
parece que agora se multiplicaram, e a FIFA é hoje também uma poderosa
organização que veicula publicidade e materiais esportivos. A Copa da Espanha
terá
24 concorrentes. Os tradicionais quatro grupos acabaram. Claro que é mais fácil
agradar 24 do que 16. E nós subindo e descendo morro porque não pudemos fazer
valer nossos antigos propósitos de entrar sempre com espírito altamente
esportivo
nas competições. E acho que "non era bisogno edificare Ia chiesa". Francamente
temo que o futebol tome os rumos do boxe profissional, principalmente nos pesos-
pesados. E vejam bem: quanto mais comércio dentro dos clubes e entidades, quanto
mais entradas na contabilidade, o prejuízo é maior. Como eles gostam dos cargos
de
sacrifício!
150
151
Mas como toda cidade antiga, nem sempre as ruas têm placas, além disso, dão
mil voltas. Ruas pequenas. Algumas não têm saída, nem o aviso de rua sem saída.
O
remédio é perguntar, mas não tem gente conhecida por perto. Pergunto a qualquer
um. Pois todos foram amabilíssimos e solícitos. Várias vezes saíram de seus
lugares
e de sua direção para ensinar o caminho, quando o negócio complicou. Teve um que
desviou o seu itinerário e me levou a domicílio. Isso, de carro. Quando andamos
a
pé, são mais atenciosos ainda. Posso mesmo garantir que nunca vi tanta gente
disposta a ajudar como aqui ou em Moscou. Lá também. Se um tem dúvida,
aparecem uns cinco ou seis, discutem e, no mínimo, um leva até o objetivo. Não
raro, vão os cinco ou seis.
Claro que posso dar azar e perguntar logo ao Ali-Babá e ele me levar para a
toca. Mas até agora, repito, só tivemos amabilidades dos sevilhanos. Não tenho
re-
médio, senão perguntar. Ou teria de abandonar o carro, voltar para o Rio e tomar
mais precauções ainda. A vantagem daqui é que não matam. Bondosamente, só le-
vam a grana, um reloginho. Paciência. Mas a polícia coloca um item impossível de
ser obedecido, embora tenhamos o máximo de boa vontade. Seguinte: caminhe em
direção contrária aos veículos, situando sua carteira ou bolso (deve ser o do
dinheiro) na parte interior.
Dificílimo atender. Imagine o amável leitor , se um cara me diz: "É pra lá que
fica o restaurante." E se o trânsito vier ao contrário? Ainda teria o recurso de
ir
comer num restaurante favorável ao trânsito. Mas se não tiver nenhum? Acho que
se
eu seguir rigorosamente a instrução, sou capaz de ir parar em outro país. Ou
152
tra recomendação diz para evitar aglomerações. Como creio que haverá bastante
gente nos jogos, como deverei proceder? Não ir aos jogos? Positivamente estou
me-
tido numa encrenca. Logo eu que sempre me amarrei em Sevilha.
153
A fraqueza do adversario leva a que se analise com prudência o que vem por aí.
Para mim, agora é que vai começar a Copa. Foram desclassificados aqueles que
mais ou menos se esperava. Talvez certa surpresa com o Peru, mas mesmo este não
duraria muito.
No final do jogo, entraram Edinho e Isidoro. Gostei muito da personalidade de
Edinho. Joga uma bola fina e quando necessário engrossa bastante bem.. Sabe
atacar. Também com Isidoro, apesar de pouco tempo, o time se mexeu com mais
facilidade, mas é justo que se diga que Serginho neste jogo fez boa partida. Mas
quando falo em Isidoro no time é porque isto permite que Zico ande mais pelo
meio
da área., e ali o Galinho é fogo. O cobra do jogo foi o Falcão. Mas o Doutor
Sócrates e Cerezo também ajudaram muito ao pessoal da frente. Outro grande no
time foi Júnior, um extra-série, sem dúvida alguma. Seu excepcional controle de
bola levantou a torcida várias vezes.
Em resumo, nosso time foi muito bem e.muito aplaudido. Também o homem da
pipa que, em certos momentos, chamava mais atenção do que o jogo. Chegou a ser
ovacionado quando o árbitro tentou pegar a pipa e levou um drible.
156
//Também Quero
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cartazes, muitas vezes impedem a cobrança esportiva dos córneres, por exemplo.
Digo e repito: A Espanha possui os melhores estádios do mundo para se jogar e
ver
futebol. Mas em alguns, como em Málaga e no magnífico Villamarin, ficou
prejudicada a cobrança dos escanteios porque os tais cartazes colocados entre a
mureta e o campo espremeram o espaço. Mas o pior de tudo é o visual.
O pessoal de Wimbledon optou por um anúncio caríssimo em vez daquela
bagunça que se verifica atualmente nos campos de futebol e por um dinheiro que
em
nada ajuda a despesa, que não é tão grande assim. Estão propalando os exageros.
Não são absolutamente necessários cinco mil guardas de trânsito para organizarem
apenas dois ou três mil veículos. Se tanto. Nem tantas mocinhas e rapazes para
mostrarem que a saída é ali onde está escrito saída. Coisas da vida onde a
política
eleitoral se mete.
Claro que os colombianos vão estudar bem isto. Lá como cá também existem
eleições. Por isso, fizeram na Espanha dezessete cidades-sede quando bastariam
oito
ou dez. Na Colômbia, fazer mais de quatro ou seis, se forem mesmo vinte e quatro
disputantes, o que foi uma boa idéia, seria um erro e uma complicação.
Já pensaram se toca ao Brasil organizar 1986? Todos gritando: "Também
quero, também quero". A FIFA deve sim tomar a frente com sua larga experiência
positiva e negativa. Por toda parte existem o PSD e a UDN querendo prefeitos e
governadores. Não há mal nisto absolutamente. O mal é prejudicar o espetáculo
esportivo, transformando-o em simples objeto de proselitismo, ganância e de
interes-
ses mesquinhos. A Colômbia tem todas as condições para fazer uma magnífica
Copa. Mas que sirvam os exemplos.
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//Jogos Horizontais
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Iugoslávia. Foi até engraçado porque nossa gente não conhecia o regulamento e os
jogadores da Iugoslávia, no campo, é que nos fizeram compreender que o empate
classificaria os dois times. O outro, não menos famoso, foi o da Copa de 1962.
No jogo de classificação, nosso grupo estava composto com a Tchecoslováquia,
México e Espanha. Foi naquela partida em que Pelé sofreu seriíssima distensão
muscular que o afastou do resto da competição, entrando depois Amarildo em seu
lugar. Ficamos com 10, mas os tchecos não vieram para cima e propuseram o empa-
te. Dessa vez aceitamos imediatamente e foi a partida mais horizontal da
história das
Copas, desde 1930 até hoje. A Espanha entrou pelo cano e teve de voltar.
Protestou,
mas como diz o célebre ditado cearense: "Quem protesta já perdeu."
Agora a Argélia foi prejudicada, pois qualquer outro escore classificaria seu
time. Mas o que pode a FIFA
fazer se não dizer que recebeu e anotou o protesto? A Argélia vai voltar, como
a
Espanha em 62, esperneando em árabe, mas isto continuará a acontecer até que mu-
dem o regulamento.
160
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cercam o campo de jogo não foi ao ponto de querer mandar tirar as faixas dos
torcedores? Faixas que incentivam seu time e que dão colorido honesto à festa?
O jogo não chega a parar ao ser dado um dose nesta ou naquela chuteira,
calção, ou marquinha de um uniforme? O próprio árbitro, às vezes, não está
fazendo
publicidade em seu uniforme? E a majestade do cargo? A Copa foi seriamente
atingida pela ganância dos homens que dirigiram o negócio hoteleiro a ponto de
vá-
rios donos de hotel, homens honestos, serem também altamente prejudicados em seu
negócio permanente e que não necessita de Copa alguma para progredir.
Em Valência, exatamente onde estava a seleção da Espanha, os hoteleiros
protestaram contra o que eles disseram ser "o pior mês de junho dos últimos.
anos" . Na
região da Costa do Sol, ao redor de Málaga, para Norte e Sul e mesmo até as
praias
do Atlântico, perto de Huelvas e Cádiz, bastou um telefonema ou simplesmente
che-
gar, em hotéis de qualquer qualidade, para se ter alojamento sem problemas. Os
malandros espalharam o pânico.entre os turistas convencionais e afastaram muitos
de suas visitas normais. Extorquiam os que vieram assistir à Copa, os
torcedores,
obrigando-os a tais pacotes, vendidos a preços tão exorbitantes que escandalizam
os
próprios hoteleiros.
Ainda por cima de tudo, veio o jogo da Áustria e Alemanha. A fabulosa
adjetivação do rico idioma espanhol, depois de vários sinônimos, chegou a um
acordo para definir a partida: imoral. Cuidado, senhores dirigentes. O futebol
não
pode seguir os tristes rumos do boxe internacional que está visivelmente
desacreditado e avacalhado.
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//Sapato Alto
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caminho fácil. Quase que intuitivo. Saíram dois gols e outro foi desperdiçado. A
Argentina tentou reagir, mas não ameaçou muito. O gol saiu de falta muito bem
co-
brada por Passarela, quando os italianos tentavam burlar a distância obrigatória
da
barreira. O árbitro teve uma dificílima partida. Muito temperamental, muito
latina,
com jogo de cena digno de uma prima-dona. Quando expulsou o Gallego, o fez
corretamente. O jogo, embora com boa dose de violência, foi leal, ninguém bateu
pelas costas, a não ser o que foi expulso.
Eu teria preferido um empate, pois entraríamos com melhores condições. É
verdade que nosso próximo adversário, o perdedor, tem de nos atacar
obrigatoriamente, e isto já determina a nossa tática com facilidade. Espero que
saibamos aproveitar tal vantagem. Os italianos, apesar de terem começado a se
preparar mais tarde, estavam melhores fisicamente do que os argentinos,
visivelmente cansados no final do jogo. Os grandes da partida foram Conti,
Antognoni, Tardeli e Gentile pela Itália. Na Argentina, Ardiles.e Passarela. O
árbitro, imparcial e muito frio, acho que fez uma excelente interpretação quando
os
dois times se atiravam no chão como se fossem cachorro atropelado.
Inegavelmente,
a Itália jogou melhor.
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espanhóis, que estão neutros, pelo menos enquanto seu time não melhora. Eles
tinham fumaças com Juanito, o cobrinha do Real Madri. Mas no duro, no duro, até
agora o melhor atacante da competição foi o polonês Boniek. Seu jogo contra a
Bélgica e as partidas anteriores o qualificaram assim. Não sei se irá mais
longe, mas
foi o melhor de todos, inclusive do que Blokhin, o excelente atacante soviético.
Falta
muita água correr por debaixo da ponte. Mesmo o polaco, que para mim foi, se não
o melhor, o que chamou mais atenção, talvez veja despontar outro. De nossa
gente,
Júnior, Sócrates e Éder, se não foram mais consagrados, pelo menos chamaram mais
atenção. A verdade é que o craque da Copa ainda não pintou.
Até agora não me assusta o que tenho visto e creio que aí no Brasil tampouco.
A impressão deixada pelos jogos de televisão não deve ser muito diferente da
minha.
Apenas a Polônia apresentou um jogo mais solto e desenvolvido. Será que isso
quer
dizer que a Copa é uma barbada, e que os adversários não são de nada?
Creio que pensar assim seria cometer um erro bastante sério. O que se podê ver
acima de tudo é que as equipes européias, todas, sem exceção, estão jogando na
boca de espera. Defensivamente. Mesmo a Polônia, que apresentou mais gols, fez
tudo o que a Bélgica queria fazer: jogou de contra-ataque. Quer dizer que quem
saiu
mandando bala caiu do cavalo? É verdade. Vejam a Argentina contra a Itália. No
primeiro tempo, a Argentina atacou bastante. A Itália se fechou em seu ferrolho,
agüentou o primeiro tempo inteiro e pegou a Argentina, que desesperou e tomou
outro. O jogo de Alemanha e Inglaterra parecia jogo de xadrez com saída
siciliana.
Todo mundo trancado, não arriscando sequer o avanço de
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um peãozinho. Nem Trevor Francis, pelos ingleses, nem Rummenigge tentou mais
coisa. Apenas o alemão, assim mesmo de longe, chutou aquela que bateu na trave.
A
atividade dos goleiros tem sido quase nula.
As fases de classificação geralmente são assim, muito cuidadosas. O Peru, que
vinha bem, foi ingênuo e perdeu sua classificação nada difícil. Saiu atacando
sem
mais nem menos e não agüentou o rojão. Com isto, não quero dizer que devemos
sair defendendo. Isto seria fazer o que eles fazem: jogar apenas para não
perder.
Nossa chance de sair vencedor da competição é a de arriscar, e acho que
poderemos
fazer isto sem temer muito. A única coisa que temo tem sido o excesso de
contusões
ou dodóis que alguns dos nossos apresentam. Então, trata-se de amainar o
treinamento. O que não foi feito até agora não será conseguido mais. De qualquer
maneira, o nosso time já foi apontado como o melhor, e isto é altamente
gratificante
para nosso futebol alegre e com características nacionais próprias. Estamos no
grupo
mais difícil, mas nossa chance é muito boa.
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tenhamos ponta-direita, mas não é proibido que alguém utilize este importante
espaço de campo. Todas as vezes que alguém apareceu por lá, fIzemos coisas muito
boas, inclusive aquela magistral entrada do Falcão que deu o passe de bandeja
para o
Serginho fazer o segundo gol do jogo. Esse era o nosso maior problema, mas se
tínhamos dois ou três que não jogavam bem, os argentinos tinham uns cinco ou
seis.
Excluídos Passarela, Maradona, Ardiles e Filol, os outros estiveram perdidos.
Entraram no campo precisando de muita coisa, e o gol levou-os a total
descontrole.
Já nem falo da entrada desleal de Passarela em Zico, que foi imperdoável. Mas a
entrada de Maradona sobre Batista é realmente o retrato de um descontrole
emocional total.
O time argentino também faz parte de um povo que atravessa momentos
difíceis. Sempre achei nosso time superior. Mas o jogo chegou a ficar tão fácil
que
pensei em uma escandalosa goleada. Francamente, não gostei de uma ou duas
firulas. Time que está disputando Copa do Mundo não pode fazer isto. Dar show é
uma coisa, rebolar é outra, e nunca dá bom resultado. De qualquer maneira, penso
que o Brasil já apresentou o nível superior de seu futebol. Apenas algumas
jogadas
táticas devem ser melhor acertadas para uma harmonia em nosso ataque. Zico,
visivelmente, ficou contrariado em ser o principal responsável pela direita, e o
revezamento com Sócrates, e uma ou duas vezes com Falcão, idealmente pode ser
bom, mas na prática não foi. Felizmente o desenvolvimento da partida facilitou
bastante, e pudemos obter uma vitória justa e incontestável. O grau de exigência
que
se apodera de nós está intimamente ligado à dificuldade cada vez maior de um
final
de Copa.
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absoluto de 62? É isto o craque. Em uma jogada define tudo. Pelé em 1970 fez seu
mais bonito gol de todos e o mais importante da Copa de 1970. Pois foi
exatamente
o gol que não entrou. É sim, o gol mais bonito dos mil e tantos não foi gol.
Aquele
em cima do Viktor, da Tchecoslováquia, lá no meio do campo. Aquele chute fez to-
dos os adversários se encolherem. Se sentirem pequeninos ante o nosso time. Um
time capaz de surpreender de qualquer lugar. Um futebol criador.
Nosso melhor jogador é o Zico, e da Argentina o Maradona. Zico não foi tão
brilhante no jogo da Argentina. Mas fez somente isto: o primeiro gol e depois o
passe para o Falcão, que matou a defesa argentina, no gol do Serginho. Logo em
seguida, fez a jogada manjada do Flamengo, dando ao Júnior uma daquelas: "Toma,
faz o teu..." E o Maradona? Não é mais craque? .Então por que toda vez que
Maradona pegava na bola toda a torcida brasileira se sentia mãe? É um garoto.
Perdeu a cabeça porque não esperava ser derrotado, e de tanto lhe pegarem.
Pelé respondia de outro jeito. O Didi também e o Gérson e Zizinho também.
Mas o craque é assim. Em uma jogada decide o jogo, e é por isto que é melhor do
que os outros. O craque nem sempre é o melhor em campo, mas é o mais importante
da partida. É o que ocupa mais espaço nas crônicas mesmo para dizerem que não
jogou bem. Craque é craque.
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Então é assim. Fico nervoso, mas só no começo. Agora tiro de letra. Agora já
pudemos provar a todos e principalmente aos nossos torcedores, isto é o mais im-
portante, que nosso futebol, o futebol brasileiro é o maior espetáculo da terra.
Damos alegria ao espectador que entra e sai do campo satisfeito. Claro que com
uma
derrota logo na cara a gente fica sem argumento. Com cara de besta. Mas ninguém
tira mais: o melhor time que está disputando esta Copa, com qualquer resultado,
é o
nosso. E é tão bom que se dá ao luxo de dar vantagem aos outros. Estamos jogando
torts, sem que ninguém avance pela direita.
Já disse e repito: não é necessário ter o ponta especialista, mas é
imprescindível
que alguém vá por ali. Zico, disciplinadamente, obedientemente vai. Mas os
outros
não fazem o rodízio. Contra a Itália, até que não tem muita importância. Eles
marcam homem a homem, e se nós não tivermos ninguém ali, eles também não
terão. De qualquer maneira, estou satisfeito e feliz. O futebol arte se impôs, e
creio
que definitivamente. Lembram de 1978? Sabíamos que seríamos derrotados. Poderia
ter sido no primeiro turno mas escapamos. Estávamos jogando o "futebol-força",
para mim o futebol estúpido e pouco inteligente. Agora, tudo é lucro. Já fizemos
a
festa mais bonita.
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o time cansou na tal preparação física que exigia toalhas quentes quase que
diariamente e os boletins acusando sempre dores musculares neste ou naquele
joga-
dor. O Careca não estourou na tal preparação?
Dou um exemplo que deve entrar na antologia da preparação física negativa. Se
Sérgio Porto fosse vivo, o seu Febeapá (Festival de Besteira que Assola o País)
ganharia mais uma. Leiam com atenção o que vai aqui repetido. Antes, vou contar
a
anedota do português, não, perdão, do espanhol, que se gabou de ser capaz de
deitar
com 20 mulheres na mesma noite.
O negócio foi espalhado, tomou conta da cidade e marcaram o Maracanã para
palco da façanha. Na décima nona mulher, o nosso herói fracassou e foi estron-
dosamente vaiado. Quando saiu, se queixava a um amigo: "Não compreendo o que
se passou comigo. Hoje de tarde fiz um treino com 20 mulheres e tudo foi bem.
Não
posso entender meu fracasso."
Bem, está aqui guardada a declaração de nossos preparadores, sem tirar nem
pôr: "Submeti os jogadores a um trabalho semelhante ao esforço que fariam no
cole-
tivo. Isto para saber sua reação. Se estiverem bem, estarão liberados. Como o
Zico e
o Falcão agüentaram até o fim, sem reclamar, creio que não serão problemas..."
E vai por aí afora este excelente material para o Febeapá. Zico e Falcão não
agüentaram de noite o que tinham feito naquela tarde.
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para o Lato, mas sem grande perigo, além da bola na trave depois da cobrança de
uma falta. Os italianos são mestres na cera, mas com isso fizeram os poloneses
ganharem mais torcedores. Os neutros tomaram partido ante a passividade do
árbitro
uruguaio, que aceitou o retardamento.
Aqui uma digressão: Não deve mais ser organizada nenhuma Copa de mais de
três semanas. Ninguém agüenta. E aproveito para outra reclamação, já que o jogo
não me entusiasmava até certa altura. Seguinte: Os cartazes de publicidade, que
tanto enfeiam e poluem a visão do jogo, mais uma vez se fizeram sentir obrigando
jogadores a pulos e pinotes, e ao italiano, que me pareceu ser Scirea, a quase
sair do
jogo. Mas até aos 25 minutos do segundo tempo a Polônia, embora atacasse com
desespero, não conseguiu fazer Dino Zoff ter trabalho sério. Com a torcida
obrigando os poloneses a atacarem, veio um outro contra-ataque, muito à feição
do
futebol italiano, que colocou três contra dois defensores. Conti bateu, e Paolo
Rossi,
comodamente, fez outro gol. Isso liquidou o jogo. De qualquer forma, os
poloneses
foram bravos na luta. Chegaram em colocação altamente honrosa na semifinal da
mais longa Copa do Mundo.
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//Futebol Caipira
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a quatro, mas o pênalti não foi batido. Washington Luís nunca mais compareceu a
um jogo de futebol.
Os jogos regionais de seleção eram o ponto máximo. Um juiz que apitou em
Pernambuco o jogo contra a Bahia era carioca. A Bahia perdeu e o juiz voltou de
navio, a única condução. Mas o navio tinha de parar em Salvador. Uma multidão
foi
ao cais, e o delegado disse ao capitão do navio que se considerava impotente
para
conter a ira dos torcedores. O capitão afirmou que o juiz não estava no navio.
Invadiram o Ita que vinha do norte e revistaram tudo. Não encontraram nada. De
fato não estava. O capitão sabido fez arriar um escaler, meteu o juiz no barco e
mandou sair lá para longe, perto de Itaparica. Quando zarpou para o Rio, pegou o
juiz de novo, que aqui era considerado o"apito de ouro", e chegou são e salvo em
São Sebastião do Rio de Janeiro.
Estes jogos perderam muito. Os jogadores andam por toda parte. O
Internacional de Porto A1egre ganhou um campeonato com apenas dois gaúchos no
time: o Cláudio e o Vacaria. Os gremistas chamavam "o time de Pernambuco" por
causa do Manga, do Lula e mais um outro que acho era o Ramon. Assim como
Tancredo chama PDS de partido nordestino. E se botarem uni baiano numa seleção
gaúcha, o pessoal do CTG (Centro de Tradições Gaúchas) encilha os cavalos,
agarra
as lanças, mete o relho no "chimango" e não deixa o time sair. Já viram? Baiano
num time gaúcho? Assim o campeonato regional acabou. O time da Bahia hoje teria
pouca gente autenticamente baiana. Mas é válido para que os jogadores
confraternizem. E pênalti é pênalti e o juiz não necessita ir parar em Niterói
dentro
de um barquinho.
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//Gato Preto em Campo de Neve
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No caso do restaurante francês, a questão é mais séria. Custa uma nota a viagem.
Mas, por falar em viagem, um atleta só se recupera depois de uma Rio-Paris,
em cinco dias. Atualmente, são cinco horas de fuso horário. E cada hora,
cientifica-
mente, obrigada um dia de reparação. Se o Paulo César fosse um cachorro (também
poderia comer no Maxim's, porque eles sempre arranjam um meio de ajeitar o cão
conforme o dono. É sabido o fato de que muitos cães, na França, recebem melhor
tratamento do que negros em outras partes do mundo); repetindo: se o Paulo César
fosse um cachorro, teria fome na hora do Brasil, até se adaptar ao horário. O
caso é
que se fosse o Edinho ou o Leão que tivesse comido no restaurante, não seria
notícia. Observou bem Érico Veríssimo - um gato preto em campo de neve chama
atenção. Em todo o caso, aviso mais uma vez ao Paulo César que há dois diretores
do clube francês em cana, por escritas falsas e roubo de dinheiro. Mas nisto o
Paulo
César é teimoso. No Marseille, também o ex-presidente estava em cana.
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//Compra-se ou Vende-se
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Depois deste jogo, vários outros foram trocados de local com o mesmo
expediente. Aqui, lembro bem que o Botafogo aceitou uma inversão de tabela com o
Atlético Mineiro e se estrepou em Belo Horizonte, quando perdeu pelo sorteio a
decisão do título, vendido pelos chamados interesses financeiros maiores. Agora,
depois da magnífica vitória de Bjorn em Wimbledon, chega-nos a apreensão dos
dirigentes do maior torneio de tênis, que estão sem saber se poderão continuar
elevando bem alto o grande espírito esportivo da competição, ou se acabam com a
disputa ou, pior de tudo, se deixam avacalhar a guerra pelo excesso de
explorações
em nome de tamanho profissionalismo, que só tem arrasado vários esportes. O
boxe,
o basquete profissional, o futebol americano e, em boa dose, o beisebol sofreram
grande desgaste e alguns estão em véspera de sucumbir. Os empresários? Bem, se
mandam com o dinheiro no bolso. Agora estão vorazmente se dirigindo para o
futebol, para o atletismo e para a natação. Cuidado. Eles vendem e compram quase
tudo.
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//Emancipação da CBD
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como dirigente. Como é um esporte que nunca empolgou muito aqui no Brasil, não
adiantava cobrar entrada. Mesmo de graça, pouca gente comparecia. Então a CBD
sempre lidou com esportes altamente deficitários. É verdade que à medida que
alguns foram formando suas federações, independentes da CBD, não só
progrediram, mas passaram a arranjar verbas por todos os meios e modos. Os que
ficaram na CBD têm-se atrofiado. Cada dia estão mais distantes dos índices já
alcançados na década de 30, por exemplo.
Um deles e bem importante é o atletismo. Sempre pendurado nos clubes de
futebol, até regrediu. As pistas em torno de campos de jogo só são feitas para
conseguir verbas para a construção do estádio e para o futuro. Em Caio Martins,
a
pista só serve para os caminhões de cerveja e refrigerantes chegarem mais perto
dos
bares. No Mineirão, com exatamente 13 anos de vida, nunca aconteceu competição
naquela pista demagógica. Talvez agora, com uma federação independente, as
coisas
melhorem para o esporte olímpico.
Só uma coisa não me parece certa: o futebol de salãofica na CBD, com o
futebol de campo. Não tem nada a ver. O futebol de' salão, bem como este futebol
society de fim de semana, está para o futebol de campo assim como o pingue-
pongue está para o tênis. Borg e Connors ficariam furibundos se lhes dissessem
que
o tênis estava integrado ao pingue-pongue.
Evidentemente não basta que a CBD se especialize só em futebol. Os clubes
que são eminentemente de futebol também têm de fazer isto. O esporte não pode
mais ser eclético. O certo é que o remo seja de um clube de remo ou, no máximo,
de
náutica (já pensaram André Richer com sua fabulosa experiência de coisas do remo
di
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acorda, bica o ovo, sai um chupim lá d~ dentro. Ele não tem nenhum lucro. Não
reproduz a espécie.
Vou dar outro exemplo, na Bahia. Os dois clubes principais de lá, o Bahia e o
Vitória, não queriam jogar lá a classificação pelo Campeonato Nacional. Lá é en-
joado jogar. Aí o Feira de Santana topou jogar lá, para prestigiar a Arena.
O primeiro jogo que teve em Feira de um time grande foi com o Flamengo. Na
hora, o Flamengo não queria entrar em campo, porque não tinha luz e isso e
aquilo.
Quer dizer, tinha, mas não era das melhores.
Aí foram até o prefeito, que era do MDB, eleito pelo Chico Pinto (deputado
cassado) com 800/0 dos votos. O prefeito disse: "Eu não tenho nada que ver com
isso, que se dane o estádio. Não pedi, não botei time em Campeonato Nacional.
Isso
não é comigo. Eu tenho pouco dinheiro na prefeitura e o dinheiro é para obras
prioritárias, esgoto e saneamento que eu tenho que fazer em dois bairros. V ocês
vão
lá ver os dois bairros e vão me dar razão. Tem esgoto correndo pelo meio da rua
e eu
não vou gastar dinheiro em fanfarronada de futebol."
Mais escandaloso foi o caso de Otávio Pinto Guimarães (presidente da
Federação Carioca de Futebol hámais de uma década). Lembra que na loteria
esportiva tinha o Torneio OPG? Era ele. Otávio Pinto Guimarães. Fez um torneio
para ser candidato pelo MDB. Perdeu, perdeu feio.
Depois, para continuar na presidência da Federação, virou Arena. O mesmo
aconteceu com Rubens Hoffmeister, presidente da Federação Gaúcha, e com Rubem
Moreira, da Federação Pernambucana.
Eu acho que o torcedor, o torcedor não, o eleitor, prefere que o político seja
político partidário. Porque po
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líticos todos somos desde quando escovamos os dentes. Política é a vida. O fato
de o
político se meter no futebol não é mal nenhum. Ele vai aonde está a massa
porque,
afinal de .contas, ele é o representante das massas.
A forma de comunicação de um deputado antigamente, que eu me lembro -
tenho uma excelente memória, pois já faz tanto tempo - era o comício. Era a
forma
direta de protesto. Quando tinha um galho, o político ia lá e fazia um discurso.
Podia
ser demagógico ou não. A forma de comunicação de um deputado era o comício, era
o jornal.
O que acontece hoje é a falta de abertura, falta de democracia no Brasil. Por
isso os políticos estão se dirigindo para o setor do futebol, das escolas de
samba. Um
dia, escola de samba vem' 'piriri piriri eu sou o Figueiredo, piriri piriri eu
sou o
Magalhães". Escola de samba canta o que encher a bola.
Como a Mangueira, que num desses anos saiu puxando a bola aí de um
ministério - ah, da aviação. O Juvenal, diretor da escola, chorava. Entrou em
quinto
ou sexto lugar na classificação. Aí eu disse para o Juvena!: também, você queria
o
quê? As baianas de avião na cabeça, levantando vôo? Ele dava risada e dizia que
es-
tavam precisando de uma "erva" e eles ajudaram, coisa e tal, estávamos devendo
muito a eles.
Leônidas da Silva, Garrincha, Pelé foram todos expoentes de suas gerações.
São raros, como é raro todo expoente. Como é raro um Cassius Clay, sem comparar
esses três caras ao Cassius Clay, homem que luta pelos direitos humanos. O
Leônidas da Silva também, mas os outros não eram muito de lutar por direito
nenhum.
Esses expoentes surgem, inevitavelmente, porque são o ponto máximo de uma
atividade. Mas, em matéria de
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qualidade, é obvio que a Europa nos últimos dez anos. avançou muito.
A África tem todas as condições étnicas e etnológicas para se desenvolver no
futebol. A agilidade de uma raça, que lutou mais tempo num meio primitivo e que
tinha como meios de defesa apenas a agilidade das pernas e dos braços. Não é por
acaso que os crioulos são recordistas de atletismo, os melhores jogadores de
futebol,
e quando se dedicam ao tênis também são os melhores, quando deixam eles
entrarem. Como acontece também nas piscinas: branco pode, crioulo não. Como no
golfe também. O cobrão era um crioulo: acabaram com os torneios só para ele não
aparecer. Você não vê crioulo com um taco de golfe. Quando vê, pensa que ele
roubou o taco.
Eu nunca disse que o Pelé era míope. Não sou burro nem idiota nem
oftalmologista. Depois quiseram jogar o Pelé para cima de mim. Eu encontrei com
ele e disse: o que que há, negão? E ele disse: "Não tem nada, estou por fora
disso,
não tenho nada a ver com isso." Eu ainda disse: "Mas você está aceitando." Ele
disse: "Não, isso é coisa desses caras aí, não tenho nada com isso.' ,
Esses caras contavam com a ajuda de alguns coleguinhas insatisfeitos que
falavam nas colunas. Essas colunas de jornal que são cheias de anúncio, sabe
como
é? Esses caras são do tipo que não reivindicam aumento de salário nem precisam.
Não mexem no dinheiro do jornal.
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//Futebol Olímpico
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