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Graduada pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, UNESP campus de Franca.
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credibilidade que um curandeiro tinha. Mesmo em Portugal, onde as ideias Iluministas
estavam mais próximas das pessoas, do que no Brasil, a população dedicava maior confiança
aos curandeiros do que aos médicos. Como afirma Lycurgo Filho:
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No entanto, tanto Metrópole quanto Colônia, práticas mágicas semelhantes são
apresentadas. Daniela Calainho em sua obra Metrópole das Mandingas defende a ideia de
uma continuidade de prática entre ambas. O uso de tesouras, peneiras, as borras de café,
bacias com água, eram itens comuns para a adivinhação ou procurar objetos perdidos; ovos,
azeites e ervas para a cura; saliva, cabelos, unhas ou qualquer excremento do corpo humano,
seja de um bem amado, seja de um inimigo, eram usados para se forjar feitiçarias de amor ou
de malefício para uma determinada pessoa; eram práticas consideradas mágicas, por se
relacionarem com o sobrenatural, e por aparentarem eficiência no que eram destinadas.
Certamente que alguns itens comuns na metrópole, como o vinho, por exemplo, era
substituído no Brasil pela cachaça, por ser de mais fácil acesso a população do que o vinho.
No Livro da Visitação do Santo Ofício da Inquisição ao Estado do Grão-Pará 1763-
1769, o historiador Amaral Lapa edita as denúncias que houve nessa região. Assim, é possível
verificar como se davam essas práticas, e quais objetos eram comuns de serem usados.
Podemos citar uma delas, como o caso da branca Ludovina Ferreira. Inês Maria de Jesus,
mulata livre, solteira, que vivia de suas costuras e rendas na rua de São Vicente, no dia 14 de
outubro de 1763, denuncia Ludovina Ferreira, a qual segundo a denunciante, mesmo já se
passado vinte anos daquele fato, dizia que “estava ciente de que deveria relatar coisas feitas
contra a nossa Santa Fé Católica [...] depois que ouviu ler o monitório e édito da fé, quando se
publicou esta visita”1, assim Maria de Jesus explicou de forma detalhada como se dava as
rezas mágicas usadas por Ludovina Ferreira na ocasião em que fora chamada a prestar auxílio
à Dona Mariana Barreto, viúva moradora da rua do Açougue que sofria de uma hemorragia
uterina, mal do qual viria a falecer logo. Segundo a denunciante, Ludovina realizava sessões
noturnas na casa do enferma, seguido de cantigas que não se entendiam, tocando um chocalho
ou “maracá”, nos quais se ouvia vozes estranhas que respondiam as perguntas feitas por
Ludovina, e quando o dia amanhecia ela mostrava a família qual era o mal que perturbava o
doente.
Muitas das denúncias relatam que Ludovina, muitas vezes vinha acompanhada de um
índio, cujo nome não consta na documentação. Ludovina era branca, mas seus rituais eram
cercados de objetos indígenas como o chocalho ou o “maracá”. O que é uma característica
comum nas denúncias do Grão-Pará, esse “sincretismo religioso”, como afirma Laura de
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“Denúncia de Inês Maria de Jesus a branca Ludovina Ferreira” In: Livro da Visitação do Santo Ofício da
Inquisição ao Estado do Grão-Pará 1763-1769. Op. cit.
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Mello e Souza no livro O Diabo e a Terra de Santa Cruz. Outro caso que atestamos isso, é o
da Índia Sabina. Em seus rituais, ela se utilizava de defumadores, rezas e ervas. Ela
aconselhava aos seus “pacientes” que se caso seus procedimentos não surtissem efeito, que
eles fossem buscar os exorcismos da igreja.
Assim, chocalhos, unguentos, ervas, terços, crucifixo, hóstias, defumadores, eram
usados simultaneamente. Bem como o pronunciamento dos nomes de Jesus e Maria nas rezas
que esses curandeiros faziam. Graças aos arquivos disponíveis na Torre do Tombo em
Portugal, é possível o estudo dos processos desses personagens, como também do o negro
José, a Índia Domingas Gomes da Ressurreição, Índio Antônio e Índio Domingos de Souza,
que também tiveram denúncias sobre práticas de curandeirismo.
Tendo em vista os aspectos mencionados, a pesquisa está em andamento, mas tem
como objetivo analisar e comparar os processos de curandeirismo, juntamente com outras
práticas de mágico-religiosas, levando-se em conta que foram práticas muito frequentes na
visitação do Grão-Pará e, provavelmente, há muito enraizadas na população colonial.
Pretende-se perceber como os inquisidores as julgavam de acordo com a fé católica que se
chocava contra o cotidiano místico colonial, seja para levá-las à condenação, seja para
suspendê-las. Com isso, pode-se entender melhor a relação do visitador com as práticas
mágicas, para, posteriormente, comparar os processos de curas que foram levados à
condenação e outros não, buscando desvendar as causas dessa diferença na sentença, frente a
mesma prática que diversas pessoas recorriam.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFIA:
BETHENCOURT, Francisco. História das Inquisições: Portugal, Espanha e Itália Séculos
XV-XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
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DOMINGUES, Evandro. A pedagogia da desconfiança: o estigma da heresia sobre as
práticas de feitiçaria colonial durante a Visitação do Santo Ofício ao Grão-Pará (1763-1772).
Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas. Campinas, 2001
FILHO, Lycurgo Santos Filho. Pequena história da medicina brasileira. São Paulo: Parma,
1980