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A PRÁTICA PEDAGÓGICA NO PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO

Aline dos Santos Rios1 - PUCPR

Grupo de Trabalho - Educação da Infância


Agência Financiadora: não contou com financiamento

Resumo

Compreende-se prática pedagógica como a ação do professor no espaço de sala de aula e


alfabetização como um processo de natureza complexa, engajado em práticas de letramento.
Partindo, dessa concepção, esse tema tornou-se foco de muitas investigações no cenário
educacional, dado a importância de levar o professor alfabetizador a refletir sobre suas
práticas de ensino. O presente artigo originou-se de uma pesquisa de abordagem
qualitativa, do tipo estudo de caso, realizada com professoras alfabetizadoras dos anos iniciais
do Ensino Fundamental de uma escola particular localizada em Curitiba. A problemática
desta pesquisa está pautada nos seguintes questionamentos: Quais as principais dificuldades
que o professor se depara ao alfabetizar seus alunos? Como a prática pedagógica possibilita
ao docente superar as dificuldades presentes na alfabetização? Esta pesquisa tem como
objetivo analisar a prática pedagógica do professor alfabetizador diante das dificuldades no
processo de alfabetização e como sua prática pedagógica possibilita superar esses
obstáculos presentes no processo. O estudo desenvolvido neste artigo está
fundamentado teoricamente em: Behrens (1999,2011); Soares (1998, 2002,2003,
2004); Mortatti (2006); Freire (1996). Essa investigação foi obtida com professoras
alfabetizadoras através de questionário. Os resultados adquiridos mostram que a prática
pedagógica das professoras no processo de alfabetizar é uma prática comprometida, reflexiva
e mediadora do conhecimento, embora, ‘complexa e cheia de desafios’. As professoras
compreendem a alfabetização como processo multifacetado e indissociável de práticas de
letramento. Conclui lembrando que toda prática pedagógica deve estar associada a momentos
de reflexão, o qual o professor tem a possibilidade de pensar e repensar aquilo que foi feito
até o momento e assim poder melhorar.

Palavras-Chave: Docência. Alfabetização. Práticas Pedagógicas.

Introdução

Diante de inúmeras pesquisas realizadas sobre métodos de alfabetizar, fracasso escolar


nos anos iniciais, aquisição e desenvolvimento da linguagem escrita em seus diversos
1
Graduada em Licenciatura em Pedagogia pela Faculdade Adventista da Bahia, especialista em Alfabetização e
Letramento pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. E-mail: aline.rios@educadventista.org.br.

ISSN 2176-1396
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contextos sociais, tornou-se indispensável refletir sobre a complexidade do processo de


alfabetização, na perspectiva do professor alfabetizador. Quais as principais dificuldades que
o professor se depara ao alfabetizar seus alunos? Como a prática pedagógica possibilita ao
docente superar as dificuldades presentes na alfabetização?
Com base nesses questionamentos, a presente pesquisa teve como objetivo analisar a
prática pedagógica do professor alfabetizador diante das dificuldades do processo de
alfabetização. A pesquisa foi realizada com professoras alfabetizadoras de uma rede particular
de ensino localizada em Curitiba. A coleta de dados foi feita por meio de questionários para
as alfabetizadoras e a análise dos dados buscou estabelecer uma relação entre a
fundamentação teórica construída, e as informações coletadas de forma interpretativa e
reflexiva, diante da visão da pesquisadora.
A alfabetização é uma etapa indispensável na formação intelectual do aluno. Segundo
Soares (2002, p. 31), “[...] alfabetização é a ação de alfabetizar” e alfabetizar por sua vez “é
tornar o indivíduo capaz de ler e escrever”. Durante muito tempo, pensou-se que, codificar e
decodificar o código era o suficiente para caracterizar um indivíduo como ‘alfabetizado’ e que
o educador era o único responsável por transmitir para o aluno o conhecimento sobre o código
alfabético.
No entanto, atualmente, sabemos que o processo de alfabetização deve ultrapassar a
codificação e a decodificação. O aluno precisa apropriar-se da leitura e da escrita, e fazer uso
destas nas mais diversas situações da sociedade. Sabemos ainda, que o educando não aprende
apenas na escola. Ao iniciar sua vida escolar o aluno já possui um conhecimento de leitura de
mundo, através de jornais, revistas, livros, rótulos, outdoors, internet, televisão, etc. É com
base nessa perspectiva, que o professor tem a função de mediador desse conhecimento,
através de práticas de alfabetização que estimulem a leitura e a escrita, de maneira que
aconteça a aprendizagem efetiva na a vida dos alunos.

O Processo de alfabetização

Como se deve o processo de ensinar a ler e a escrever? Tal questão sempre permeia o
processo de alfabetização. Por muito tempo acreditou-se que o aprendizado da leitura e da
escrita era de responsabilidade apenas da escola, e que a solução para as
dificuldades acarretadas neste processo estava na escolha adequada do método de
alfabetização, o qual garantiria ao educador ter o domínio sobre a aprendizagem
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do aluno. Muito se tem discutido sobre o assunto, fazendo-se necessário retomar algumas
considerações a respeito da alfabetização no Brasil.
Segundo Mortatti (2006), a alfabetização no Brasil ganhou destaque no século
XIX. Durante este período, a metodologia era baseada na dificuldade das crianças em
aprender a ler e a escrever. A partir da Proclamação da República, o estudo ordenado sobre as
práticas de leitura e escrita ganhou maior ênfase, “saber ler e escrever se tornou instrumento
privilegiado de aquisição de saber/esclarecimento e imperativo da modernização e
desenvolvimento social” (MORTATTI, 2006, p. 2).
A aprendizagem, que até então era restrita a algumas classes sociais e oferecida no
próprio ambiente familiar, tornou-se gratuita nas escolas, como direito de todos. Assim, fazia-
se necessário um “ensino organizado, sistemático e intencional, demandando, para isso, a
preparação de profissionais especializados” (MORTATTI, 2006, p. 3).
Neste contexto, desde muito tempo vem se mobilizando administradores públicos,
intelectuais de diferentes áreas do conhecimento e educadores a buscarem soluções para os
problemas de ensino e aprendizado da língua escrita, visando o fim do “fracasso escolar” na
alfabetização.
No entanto, como afirma Mortatti (2006), por muito tempo os esforços para
solucionar tais problemas estavam associados apenas aos métodos de alfabetização. Havia
aqueles que defendiam métodos revolucionários, e os que consideravam apenas os antigos e
tradicionais como válidos.
A partir desta perspectiva, Soares (2004) assegura que a alfabetização era
compreendida, até então, apenas como a aprendizagem do sistema convencional de escrita,
por isso oscilava-se em busca do melhor método de alfabetização, os quais tinham por
objetivo a aprendizagem do sistema alfabético e ortográfico da escrita.
Para o mesmo autor, até meados dos anos 80 a alfabetização escolar no Brasil pendia
entre os métodos analítico e sintético, com a hipótese de que para o aluno aprender o sistema
de escrita precisaria de estímulos externos. O domínio do sistema de escrita era pré-
requisito para o desenvolvimento das capacidades de uso da leitura e da escrita, “isto é,
primeiro, aprender a ler e a escrever [...] para só depois de vencida essa etapa [...] ler textos,
livros, escrever histórias, cartas, etc” (SOARES, 2004, p. 98).
Porém, com o objetivo de sanar problemas ainda relacionados ao fracasso escolar na
alfabetização de crianças, introduziu-se no Brasil o pensamento construtivista sobre
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alfabetização, resultante de pesquisas de Emília Ferreiro e outros participantes. O foco deixa


de ser o processo de aprendizagem através dos métodos de ensino, e volta-se para o processo
de aprendizagem da criança.
Esse novo olhar da escola sobre o ensino e aprendizagem da leitura e escrita como
processo de alfabetização, trouxe uma significativa mudança para a área de educação,
pois quebrou os paradigmas da mera codificação (escrever) e decodificação
(ler), contrapondo-se com o “tradicional”.
Soares (2004, p. 98) explica que o construtivismo “alterou fundamentalmente a
concepção do processo de aprendizagem e apagou a distinção entre aprendizagem do sistema
de escrita e práticas efetivas de leitura e de escrita”. Tal mudança permitiu explicar a maneira
pela qual uma criança constrói o conceito sobre o sistema e as práticas de leitura e escrita, o
que possibilitou identificar como o processo se desenvolveria de modo mais adequado, a
partir da interação dos alunos com práticas e materiais reais.
Todavia, a ênfase dada na maneira como a criança constrói o conceito de alfabetização
e a relevância da interação com práticas de leitura e escrita levou os educadores a
compreenderem de maneira equivocada a importância de um ensino sistemático da
aprendizagem inicial da língua escrita.
Com o construtivismo, os professores foram levados a pensar que o aluno poderia
aprender de maneira natural, desde que estivesse inserido em variadas práticas e materiais de
leitura e escrita, ou seja, “através de atividades de letramento, prevalecendo, pois, estas sobre
as atividades de alfabetização” (SOARES, 2004, p. 98).
Para Soares (2003), esse novo conceito na educação contribuiu significativamente para
a área da educação, entretanto, também conduziu a caminhos que levaram à perda da
especificidade do processo de alfabetização. Primeiro, focou-se no processo de construção do
sistema de escrita da criança, ignorando que os processos linguísticos de relações entre
fonemas e grafemas deveriam ser ensinados de maneira convencional. “Em outras palavras,
privilegiando a faceta psicológica da alfabetização, obscureceu-se sua faceta linguística –
fonética e fonologia” (SOARES, 2003, p. 11).
Depois, derivou-se da compreensão construtivista que os métodos de ensino de
alfabetização eram incompatíveis com a nova concepção, sendo considerados tradicionais.
A concepção tradicional de alfabetização por meio dos métodos analítico e sintético
tratava o processo de alfabetização e letramento como independentes. Este, visto como
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aquisição do sistema convencional de escrita alfabética e ortográfica, desapareceu em


detrimento do letramento, que parte da compreensão das funções da escrita. Cabe ressaltar
que embora ambos sejam processos distintos, são indissociáveis e simultâneos, “não são
processos independentes, mas interdependentes, e indissociáveis, a alfabetização desenvolve-
se no contexto de e por meio de práticas sociais de leitura e escrita, isto é, através de
atividades de letramento” (SOARES, 2004, p. 14).
Dessa forma, faz-se necessário a distinção entre alfabetização e letramento e o
reconhecimento do uso das duas dimensões no processo de aprendizagem da língua
escrita, sem perder a especificidade de cada processo.
A alfabetização deve ser “entendida como processo de aquisição e apropriação do
sistema da escrita, alfabético e ortográfico” (SOARES, 2004, p. 16). É importante que ocorra
em um contexto de letramento compreendido, como “a participação em eventos variados de
leitura e escrita, e o consequente desenvolvimento de habilidades de uso da leitura e escrita
nas práticas sociais que envolvam a língua escrita” (SOARES, 2004, p. 16).
Assim, entende-se que a aprendizagem da língua inicial acontece
de diversificadas maneiras, sendo um processo complexo que exige metodologias
diferenciadas.

Prática Pedagógica

A prática pedagógica tem sido foco de investigação nas últimas décadas por muitos
pesquisadores preocupados com os problemas da educação.
Devido à complexidade do assunto e à diversidade de olhares reflexivos sobre o tema,
é necessário discorrer sobre o papel do professor diante de sua prática pedagógica na sala de
aula, com a intenção de superar a visão conservadora e tradicional da ação docente perante as
demandas da sociedade contemporânea.
Para Caldeira e Zaidan, “a prática pedagógica é entendida como uma prática social
complexa acontece em diferentes espaços/tempos da escola, no cotidiano de professores
e alunos nela envolvidos e, de modo especial, na sala de aula, mediada pela interação
professor-aluno-conhecimento” (CALDEIRA; ZAIDAN, 2010, p. 2).
Apesar de apontamentos teóricos apresentarem a importância de romper com o ensino
conservador e tradicional em sala de aula, há ainda docentes que são fortemente influenciados
pelo paradigma newtoniano-cartesiano, o qual “propôs a fragmentação do todo e por
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consequência as escolas repartiram o conhecimento em áreas, as áreas em cursos, os cursos


em disciplinas, as disciplinas em especificidades” (BEHRENS, 1999, p. 2).
Com esse pensamento, a ação docente torna-se isolada em sala de aula, restringindo a
prática pedagógica do professor a constante busca pela reprodução do conhecimento.
O ensino é mecânico, o aluno precisa ler, decorar e repetir o que
lhe é transmitido. É importante observar que esse pensamento fragmentado da ação docente
perpassa todos os níveis da educação. Desde a educação básica até o ensino superior, os
discentes, neste contexto, são formados para reproduzirem conhecimento.
Os educadores devem buscar práticas pedagógicas que oportunizem a construção do
conhecimento. Com os avanços científicos da sociedade, uma visão fragmentada não atende
as necessidades atuais, pó isso a importância de um novo paradigma.
Na visão de Kuhn (2005, p. 6), paradigma é “um conjunto de realizações cientificas
universalmente reconhecidas, que durante certo tempo proporcionam modelos de problemas e
soluções a uma comunidade científica”. As mudanças de um paradigma conservador para um
inovador trazem maiores possibilidades para a educação.
Behrens (2011, p. 41) caracteriza paradigma conservador como aquele que
privilegia a reprodução do conhecimento. Neste campo encontram-se o paradigma tradicional,
escolanovista e tecnicista. Por sua vez, no paradigma inovador (também conhecido
como holístico, sistêmico ou emergente), o aluno não é visto como um reprodutor do
conhecimento, não aprende apenas de maneira fragmentada, mas sim participa da
construção do conhecimento como um todo. Este novo olhar sobre o ensino deve desafiar
professores a “buscarem uma prática pedagógica que supere a fragmentação e a reprodução
do conhecimento”. De acordo com a mesma autora (2011, p. 55-56), o docente “deve propor
um estudo sistemático, uma investigação orientada, para ultrapassar a visão de que o aluno é
um objeto e torná-lo sujeito e produtor do seu próprio conhecimento”.
Freire (1996, p. 25) afirma que “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar
possibilidades para a sua produção ou construção”. Corroborando com essa
ideia, Behrens (2011, p. 55) enfatiza que “o ensino como produção de conhecimento propõe
enfaticamente o envolvimento do aluno no processo educativo”.
Baseando-se nas afirmações acima, torna-se evidente que a prática pedagógica ocorre
através de uma reflexão crítica ao ensino bancário. O que se espera alcançar, enquanto
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professor: um indivíduo capaz apenas de reproduz o que lhe é ensinado ou um ser crítico,
reflexivo e criativo, capaz de transformar a realidade na qual está inserido?
A construção do conhecimento deve ocorrer na relação entre professor e aluno.
Segundo Freire (1996, p. 25), “quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao
aprender. Quem ensina, ensina alguma coisa a alguém”. O trabalho docente deve ser mediado
por uma prática reflexiva, onde o professor constrói e reconstrói seu fazer em sala de aula.

A Prática Pedagógica no Processo de Alfabetização

É imprescindível destacar a importância de articular uma prática pedagógica


reflexiva durante o processo de alfabetização e letramento.
Historicamente, sob um viés tradicionalista, a alfabetização era, segundo Batista (et
al, 2007, p.10), compreendida como a “capacidade de decodificar os sinais gráficos,
transformando-os em “sons”, e, na escrita, a capacidade de codificar os sons da fala,
transformando-os em sinais gráficos”. Com passar do tempo, os estudos de Emília Ferreiro e
Ana Teberosky sobre a psicogênese da aquisição da língua escrita trouxeram uma ampliação
ao conceito de alfabetização. A partir de tais estudos, o aprendizado da escrita não se reduzia
apenas a codificação e decodificação. Assim, surge o termo letramento, que é “o resultado da
ação de ensinar ou de aprender a ler e escrever, bem como o resultado da ação de usar essas
habilidades em práticas sociais” (BATISTA et al. 2007, p.11).
A nova concepção do ensino da língua escrita trouxe contribuições para a prática
pedagógica dentro da alfabetização. O foco aqui é o processo pelo qual a criança aprende, não
mais o professor como transmissor de conhecimento. Essas contribuições para a educação
passaram a exigir dos profissionais de educação uma busca de maiores competências para
ensinar, o que ocasionou numa mudança no pensamento mecanicista.
É papel do professor alfabetizar a criança dentro de um contexto, através de práticas
de letramento. É durante este processo que o alfabetizador deve despertar no educando o
gosto pela leitura.
Para Ferreiro (2011, p. 32), as reflexões empreendidas sobre esse aspecto nos levam a
pensar “através de que tipos de práticas a criança é introduzida na língua escrita”.
Há aquelas que possibilitam meios para que as crianças construam o conhecimento junto com
o educador, e há outras que distanciam as crianças do aprendizado, tornando-as meros
espectadores. Isto não se trata de um método novo de alfabetização, mas sim da maneira pela
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qual a escrita é introduzida. É necessário rever as práticas e pensar na criança como alguém
capaz de aprender. A prática pedagógica é, em suma, a ação realizada pelo docente em sala de
aula, focando o aprendizado do educando.

Encaminhamento Metodológico

A fim de alcançar os objetivos desta pesquisa, tomou-se como princípio metodológico,


a abordagem qualitativa que segundo Creswell (2010), é uma forma de explorar e aprender o
significado que as pessoas ou os grupos conferem a um determinado problema social humano
que não tendem a quantificação. Através da coleta de dados realizada por meio de
questionários, foi possível refletir sobre as dificuldades apresentadas pelas professoras
alfabetizadoras referentes ao processo de ensino e aprendizagem da língua escrita.
Essa pesquisa caracterizou ainda, como estudo de caso, que de acordo Yin (apud Gil
2007), trata-se de um estudo profundo a um fenômeno atual dentro do seu contexto de
realidade. A pesquisa foi realizada com professoras alfabetizadoras de uma rede particular de
ensino localizada em Curitiba. Através das perguntas respondidas no questionário, percebeu-
se que todas as professoras apresentam formação de nível superior e tem entre 3 e 10 de
atuação como docentes alfabetizadoras.
As informações coletadas, através dos questionários respondidos pelas professoras
alfabetizadoras, configuram-se como um relato significativo das dificuldades que as
professoras encontram ao alfabetizar seus alunos, bem como os princípios metodológicos que
norteiam suas práticas pedagógicas no processo de alfabetização. A análise das informações
buscou estabelecer uma relação entre as teorias que orientam esse estudo e os dados coletados
de forma interpretativa e reflexiva diante da visão da pesquisadora.
Partindo do entendimento de que a escola da atualidade tem enfrentado diversos
desafios ao alfabetizar seus alunos, e que “é importante que aprendamos a refletir e a
sistematizar nossos próprios saberes e que aprendamos a coordenar sozinhos nossas ações e
colocar à disposição o que sabemos para resolver problemas” (LEAL, 2005, p.92),
refletiremos através das falas das professoras, o que elas consideram as principais
dificuldades no processo de alfabetização:

a maior dificuldade é quando a criança não apresenta interesse e quando não há


apoio da família no processo. (Professora/Alfabetizadora W).
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Conseguir planejar e executar atividades que alcancem os diversos níveis de


desenvolvimentos dos alunos a fim de manter a turma em um nível equiparado no
processo de alfabetização ou conclusão da mesma. Os alunos apresentam níveis de
escrita e leitura bem diferentes. Acredito que na maioria, seja devido ao
acompanhamento e incentivo familiar. (Professora/Alfabetizadora C).

De maneira geral, a fala das professoras alfabetizadoras no que diz respeito às


principais dificuldades no processo de alfabetização, aponta para os diferentes níveis de
desenvolvimento do conhecimento dos alunos e a falta de apoio familiar. Ao se referir aos
diferentes níveis de aprendizagem dos alunos em sala de aula, é importante considerarmos
que, ao iniciar a alfabetização, as crianças possuem diferentes tipos de conhecimento,
principalmente em decorrência das oportunidades de envolvimento em práticas sociais de uso
real da leitura e da escrita, “[...] há diferentes tipos e níveis de letramento, dependendo das
necessidades, das demandas do indivíduo e do seu meio, do contexto cultural” (SOARES,
1998, p. 49).
É natural que existam diferentes níveis de aprendizagem em uma classe de
alfabetização, pois a aprendizagem da escrita é um processo que se dá em diferentes níveis
para cada indivíduo. “O ponto de partida dessa discussão é o fato de que o aprendizado das
crianças começa muito antes de elas frequentarem a escola” (VIGOTSKI, 1998, p. 110).
Todas as práticas do alfabetizador, nessas circunstâncias, devem estar voltadas para os
conhecimentos prévios do aprendiz, ao seu contexto de letramento.
É nessa perspectiva que o papel da família, citado pelas docentes como parte das
dificuldades no processo de alfabetizar se torna pertinente, pois vale salientar que dentro do
contexto familiar das crianças ocorrem situações em que elas participam direta ou
indiretamente do uso da escrita, desde escrever um bilhete, ler o jornal, enviar uma
correspondência, o que permite a criança identificar a funcionalidade, o significado do ler e
escrever. “Assim, o letramento é desenvolvido mediante a participação da criança em eventos
que pressupõem o conhecimento da escrita e o valor do livro [...] aspectos esses que subjazem
ao processo de escolarização em vistas do letramento acadêmico” (KLEIMAN,
1998, p. 183).
Quando questionadas sobre como procuram solucionar essas dificuldades a partir de
sua prática pedagógica, as professoras apresentaram respostas similares que se
complementaram, indicando para duas situações. A primeira para o contato com a família e a
conscientização da mesma nesse processo. E a segunda aponta para o trabalho com atividades
diferenciadas, a partir do contexto social o qual a criança está inserida:
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tornando as aulas mais motivadas e dinâmicas, procuro me aproximar da realidade


do aluno. (Professora/Alfabetizadora L). Procuro trabalhar com a família para que
eles entendam a participação deles fazendo com que a criança progrida, e levo para a
sala de aula atividades diferenciadas, visando explorar as diferentes formas de
aprendizagem. (Professora/Alfabetizadora W).

A maneira pela qual as professoras procuram solucionar as dificuldades do processo


de alfabetização nos leva ao seguinte questionamento: Quais as práticas pedagógicas você já
utilizou e considera que obteve melhores resultados no processo de alfabetização? As
professoras apontaram diferentes respostas, dentre elas destacou-se o trabalho da leitura e
escrita com o foco em sua função social:

sem dúvida trabalhar a leitura e a escrita com o foco em sua função social. Em
atividades simples, mas que possibilitem ao aluno entender a importância do uso da
língua escrita e falada, como por exemplo, a leitura de rótulos, de placas de
informação, a escrita e leitura interpretativa de textos comunicativos (bilhete, carta,
e-mail). (Professora/Alfabetizadora C).

Nesse sentido, percebe-se que através de sua prática pedagógica a professora


alfabetizadora está garantindo que seus alunos sejam alfabetizados e letrados, ou seja,
“ensinar a ler e escrever no contexto das práticas sociais da leitura e da escrita”, (SOARES, p.
47, 2002), o que permeia os objetivos da alfabetização, possibilitar ao aluno não apenas o
domínio do código alfabético, mas dar sentido aquilo que eles estão aprendendo para fazer
uso em situações de usos reais.
O processo de alfabetização é complexo e norteado por diversas dificuldades além das
já mencionadas através das falas das professoras, e constitui-se um desafio, principalmente no
que se refere à avaliação da aprendizagem. Pensando, na avaliação no processo de
alfabetização dos alunos as professoras deram respostas diferentes e complementares:

os alunos são avaliados continuamente e como um todo, observando a capacidade e


o ritmo de cada um. (Professora/Alfabetizadora R).

Primeiramente, o processo de alfabetização é medido com base nos objetivos


planejados anteriormente. Assim, busco avaliar até que ponto o aluno conseguiu se
desenvolver. Esses objetivos podem ser de caráter prático ou não. Uma vez que o
processo de avaliação é trabalhado de forma processual, se os alunos não conseguem
alcançar um dado objetivo, procuro desenvolver atividades que possam
complementar o conhecimento que não fora construído. (Professora/Alfabetizadora
C).

A concepção de avaliação apresentada pelas professoras é processual e contínua, o que


permite respeitar os conhecimentos já adquiridos pelos alunos e refletir sobre o que será
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necessário reavaliar e/ou refazer no que diz respeito à prática pedagógica. “A avaliação é a
reflexão transformada em ação. Ação essa que nos impulsiona para novas reflexões. Reflexão
permanente do educador sobre a realidade, e acompanhamento, passo a passo do educando, na
sua trajetória de construção do conhecimento” (HOFFMANN, 1995, p. 18).
Vale salientar que, embora a prática pedagógica no processo de alfabetização esteja
norteada por inúmeras dificuldades, a visão que o educador tem em como enfrentá-las
possibilitará o alcance de objetivos satisfatórios tanto para si quanto para os educandos.

Considerações finais

Essa investigação buscou subsídios para reflexões acerca da prática pedagógica do


professor alfabetizador, diante das dificuldades no processo de alfabetização. Considerando os
objetivos apresentados nesse estudo, procurou-se refletir sobre quais são as principais
dificuldades que o alfabetizador se depara ao alfabetizar seus alunos e como sua prática
pedagógica possibilita ao docente superar essas dificuldades presentes na alfabetização.
Embasando-se na teoria, foi possível caracterizar o processo de alfabetização como
‘complexo e cheio de desafios’ concernentes à prática pedagógica do professor. Através da
fala das docentes foi possível identificar uma prática pedagógica reflexiva e comprometida.
Segundo Freire (1996) para o professor formador, o momento mais significativo em
sua experiência é o da reflexão sobre a própria pratica, pois, pensando e repensando a prática
atual e a mais antiga é que se pode transformar a próxima prática. Sendo assim, cabe ao
professor alfabetizador aprimorar cada vez mais seu trabalho cotidiano, a partir da reflexão do
que já se tem realizado e do que pode ser melhorado.
A preocupação apresentada em diversificar as metodologias e considerar a
contextualização do aluno no processo de alfabetização é de grande relevância e demonstra
um momento reflexivo de cada educador.
A concepção de alfabetização apresentadas pelo grupo de professoras entrevistadas,
embora subjacente, está permeada por uma prática indissociável do letramento, e
compreendida como um processo no qual o educando não está apenas submetido ao que o
educador tem a ensinar, mas um agente participante e construtor do conhecimento.
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REFERÊNCIAS

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