A análise de propriedades eletroforéticas de aloenzimas (enzimas com a mesma função,
mas com padrões de migração eletroforéticos distintos codificados por alelos do mesmo locus tem sido extensivamente empregada no estudo dos Triatominae. Esta metodologia representou, por décadas a primeira escolha para examinar a taxonomia e os relacionamentos evolutivos de inúmeros organismos, incluindo insetos (Thorpe & Solé-Cava 1994, Loxdale & Lushai 1998, Dujardin et al. 2002). Análises no nível intraespecífico possibilitam (1) a avaliação do grau de variabilidade genética dentro de determinada espécie ou população (dado pelo número esperado de indivíduos heterozigotos nos loci analisados – He), (2) a detecção de desvios do equilíbrio de Hardy-Weinberg [H-W] intrapopulacional (através da observação do excesso ou déficit de heterozigotos – FIS), e (3) a estimação de níveis de estruturação genética (medida como a diferenciação entre populações com base no componente interpopulacional da variação genética total – FST). Por fim, (4) níveis de fluxo gênico (i.e. migração efetiva) entre populações podem ser estimados (Thorpe & Solé-Cava 1994, Frías & Dujardin 1996, Loxdale & Lushai 1998, Dujardin et al. 2002). Aloenzimas são marcadores adequados para o estudo da variação intra-específica na maioria dos grupos de insetos vetores (Loxdale & Lushai 1998). Contudo, triatomíneos em particular tendem a apresentar níveis muito baixos de variabilidade aloenzimática (tanto em termos de heterozigosidade quanto de loci polimórficos), o que impõe certa limitação do uso deste marcador para estudos populacionais. Ainda assim, alguns estudos foram capazes de detectar variação suficiente que permitisse a realização de inferências sobre estrutura populacional. Populações de T. infestans, por exemplo, são panmíticas dentro de vilarejos Andinos na Bolívia e no Peru, mas altamente estruturadas (e seguindo o modelo de isolamento por distância) entre vilarejos. Análise das freqüências alélicas permitiu a determinação da área provável de origem de T. infestans (Dujardin et al. 1998b). Estudos posteriores indicaram que estruturação dentro de localidades também ocorre, sugerindo que a unidade populacional básica é representada pelas próprias habitações humanas (Breniére et al. 1998). Empregando metodologia similar, Noireau et al. (1999b) mostraram que a unidade panmítica de populações bolivianas de T. sordida (grupo aloenzimático 1) é maior do que a descrita para T. infestans, com desvios ao equilíbrio de H-W detectado somente entre populações distando mais de 20km entre si; isso sugere uma melhor capacidade de dispersão de T. sordida do que se supunha anteriormente (Noireau et al. 1999b). Além disso, a baixa diversidade aloenzimática em Triatominae tem sido vista como possível indicação de maior vulnerabilidade ao controle químico, já que seria menos provável que resistência a inseticidas surgisse em populações geneticamente empobrecidas (Schofield et al. 1995, Guhl & Schofield 1996, Schofield & Dujardin 1997, Dujardin et al. 1998a, 2002, Monteiro et al. 2001). Em taxonomia (ou sistemática alfa, i.e., identificação e descrição de espécies), a eletroforese de aloenzimas é usada na distinção de espécies crípticas e na determinação do status correto de populações duvidosas. Detecção de isolamento reprodutivo entre duas ou mais espécies crípticas é particularmente fácil quando suas populações são simpátricas. Isso ocorre porque a premissa ‘se as populações pertencem ao mesmo pool gênico, elas têm que estar trocando genes’ pode ser usada como hipótese nula. Então, se loci apresentarem alelos diferentes fixados nas duas populações (i.e., forem diagnósticos), a hipótese nula é rejeitada em favor da hipótese alternativa da existência de mais de um táxon ocorrendo naquela área (para mais detalhes ver Thorpe & Solé-Cava 1994). Esse raciocínio não pode ser aplicado a populações alopátricas, entre as quais troca genética pode não ocorrer simplesmente devido à separação geográfica. Esses casos requerem a comparação de valores de distâncias genéticas par-a-par entre populações, àqueles da literatura. Este método também funciona bem, pois, desde que um número grande de indivíduos e loci são amostrados, distâncias genéticas são muito maiores entre populações de espécies proximamente relacionadas do que entre populações co-específicas. Valores de corte de distância genética (D, Nei 1972) para distinção de espécies têm sido sugeridos como D ≈ 0,16 (Thorpe & Solé-Cava 1994). Em insetos de importância medica, valores de D > 0,1 são considerados indicativos de nível específico (Noireau et al. 1998). Em triatomíneos, valores médios de D = 0,504 ± 0,341 foram detectados em 30 comparações interespecíficas, enquanto populações co-específicas (142 comparações) foram separadas por valores médios de D = 0,013 ± 0,009 (Dujardin et al. 2002). Em geral, quando diferenças claras (loci diagnósticos em simpatria ou distâncias genéticas grandes, em alopatria) foram detectadas entre populações, a conclusão usual foi de que mais de um táxon estava envolvido, ou devido a erros de identificação (e.g., R. colombiensis identificado equivocadamente como R. prolixus) ou especiação críptica (como com T. sordida) (Moreno et al. 1999, Noireau et al. 1998, respectivamente). A caracterização de diversas populações cromáticas de T. brasiliensis pareciam representar uma exceção quando diferenças aloenzimáticas fixas foram encontradas entre populações co-específicas (Costa et al. 1997). A visão alternativa de que vários táxons distintos estavam envolvidos foi posteriormente sustentado por análise de seqüências de DNA (Monteiro et al. 2004). Vários exemplos ilustram o uso de aloenzimas na avaliação da taxonomia de triatomíneos. A ausência de diferenças fixas entre R. prolixus (um vetor de grande importância) e R. robustus (silvestre e de importância médica secundária) da Venezuela levou à sugestão de que se tratassem do mesmo taxon (Dujardin et al. 1991, Harry et al. 1992a, b, Harry 1993, Solano et al. 1996). Uma comparação de aloenzimas de indivíduos de prolixus e robustus cuja identidade fora confirmada previamente por DNA mitocondrial continuou sem detectar diferenças. Esse achado foi interpretado como indicação de divergência recente ao invés de co-especificidade (Monteiro et al. 2002). Em casos similares, aloenzimas revelaram diferenciação negligenciável entre espécies proximamente relacionadas dentro dos complexos phyllosoma e oliveirai (Flores et al. 2001, Noireau et al. 2002). T. sordida, T. garciabesi, T. guasayana e T. patagonica são muito parecidas morfologicamente, mas apresentam tendências sinantrópicas distintas; suas áreas de distribuição que se sobrepõe e alta variabilidade anatômica intraspecífica dificultam sua identificação (Gorla et al. 1993). Eletroforese de aloenzimas confirmou sordida, guasayana e patagonica como táxons válidos e levaram à revalidação de T. garciabesi e ao descobrimento de duas espécies crípticas dentro de T. sordida (García et al. 1995, Panzera et al. 1997, Jurberg et al. 1998, Noireau et al. 1998). A identidade específica de T. petrochii foi também confirmada por aloenzimas (Monteiro et al. 1998). Por fim, a identificação por aloenzimas de espécimes vindos do campo (incluindo ninfas) tem sido fundamental no desenvolvimento de investigações eco-epidemiológicas meticulosas. Após a definição de marcadores aloenzimáticos para várias espécies e populações, Noireau e colaboradores investigaram profundamente os ecotópos, o comportamento e a significância epidemiológica de vários triatomíneos bolivianos (Noireau et al. 1998, 1999a, 2000a, b, Noireau & Dujardin 2001). Descoberta importante foi o achado de focos silvestres de T. infestans são muito mais amplos do que se acreditava, estendendo dos planaltos Andinos as áreas do Chaco boliviano (Noireau et al. 2005). A interpretação evolutiva de dados aloenzimáticos tem sido feito mediante a interpretação do relacionamento direto entre zimogramas e genes. Relações filogenéticas podem ser investigadas através da comparação de medidas de distância genética derivadas de freqüências alélicas (e.g., Nei 1972). Análises cladísticas se baseiam na capacidade de identificação dos estados primitivos (plesiomórfico) e derivado (apomórfico) dos caracteres do grupo estudado mediante comparação com um ‘grupo de fora’ (outgroup); somente caracteres derivados e compartilhados (sinapomórficos) são usados nas inferências filogenéticas (Avise 1994, Thorpe & Solé-Cava 1994). Com base nessas premissas, o relacionamento filogenético de vários grupos de triatomíneos tem sido explorado usando aloenzimas. Esses estudos, em geral, envolvem a avaliação de distâncias genéticas entre poucas espécies proximamente relacionadas (e.g., García et al. 1995, Pereira et al. 1996b, Solano et al. 1996, Panzera et al. 1997, Flores et al. 2001), mas investigações mais completas foram realizadas com membros da tribo Rhodniini. Usando técnicas fenéticas três agrupamentos principais foram identificados dentro do gênero Rhodnius: um grupo basal (pallescens (ecuadoriensis-colombiensis)) e dois grupos irmãos (prolixus (nasutusneglectus)) e (stali (pictipes-brethesi)) (Chávez et al. 1999). A maior parte desses relacionamentos foi confirmada por análises cladísticas, embora o grupo (brethesi (pictipes-stali)) tenha aparecido como o mais basal no cladograma; a posição de Psammolestes coreodes dentro da tribo não pôde ser resolvida satisfatoriamente (Dujardin et al. 1999a). Mais recentemente, a filogenia de Rhodniini foi estudada usando-se 12 loci enzimáticos. Análises de distância genética produziram um dendrograma mostrando a parafilia de Rhodnius, com Psammolestes tertius como grupo irmão do ‘grupo prolixus’ dentro do cluster (domesticus (Ps. Tertius (nasutus-neglectus) (prolixus-robustus))). Um segundo grupo era constituído de (pictipes (brethesi (pallescens-ecuadoriensis))) (Monteiro et al. 2002).