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1. INTRODUÇÃO

Desde os primeiros contatos com os habitantes do Novo Mundo, no século XV, os

europeus passaram a acreditar que a população aborígine americana descendia de um único

estoque biológico de morfologia mongolóide, provinda das populações leste-asiáticas. Em

outras palavras, todos os nativos americanos teriam uma origem única a partir do leste

asiático. (NEVES e BLUM, 2002).

Um dos principais fatos que embasaram essa idéia foi a descoberta nos EUA, em

meados do século vinte, de locais de matança de grandes animais já extintos, como bisontes

fósseis e mamutes. Junto às carcaças foram encontrados instrumentos de manufatura humana

(pontas de pedra lascada ditas “Clovis”, com uma técnica original e sofisticada de acaneladura

destinada a facilitar o acabamento). As análises radiocarbônicas permitiram datar esta cultura

“Clovis” entre 10,5 mil e 11 mil anos atrás. (PROUS, 1997). Durante a segunda metade do

último século, considerava-se que os famosos “caçadores Clovis”, armados com seus projéteis

de pontas acanaladas, teriam sido os primeiros humanos a atravessar o nordeste da Ásia em

direção ao Alaska (através do Estreito de Bering), entre 11 mil e 11,5 mil anos, colonizando o

Novo Mundo (MELTZER, 1989; LYNCH, 1990; BRYAN, 1991; STANFORD, 1991).

Faltava ainda um modelo científico plausível que explicasse o processo de

povoamento pré-colombiano das Américas e isso só foi conseguido a partir dos estudos

realizados por Greenberg, Turner e Zegura (1986), onde se elaborou o que viria ser chamado

de a “hipótese da três migrações”. Segundo esse modelo, o continente americano teria sido

ocupado recentemente (há cerca de 11,4 mil anos), apenas três migrações teriam dado origem

à elevada diversidade biológica e cultural das populações nativas americanas, e todas as

populações fundadoras seriam de descendência mongolóide (nordeste asiático). As

populações aborígines americanas formariam um grupo homogêneo, de morfologia


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mongolóide, apresentando o mesmo padrão genético, complexo dentário único e um tronco

lingüístico principal, segundo o modelo citado.

Teorias e hipóteses distintas para o modo e idade da colonização das Américas,

contudo, também são propostas. Guidon e Delibrias (1986), por exemplo, situam em mais de

32 mil anos a entrada do homem nas Américas. Com base nos estudos da morfologia craniana

de paleoíndios americanos, Neves (2003), indica que os estoques morfológicos dos

paleoíndios americanos não são apenas de mongolóides, como muitos defendem, mas sim,

também, de negróides.

O teor interdisciplinar é intrínseco à questão das migrações pré-históricas humanas.

Em conseqüência disso, diferentes áreas do conhecimento trabalham no sentido de recuperar

parte da história das migrações realizadas pelo homem. São a genética, a arqueologia, a

morfologia (principalmente craniana e dentária) e a lingüística, os principais tipos de estudos

que, em conjunto, podem ajudar na elucidação do processo de povoamento nas Américas.

2. PROPOSTA DE TRABALHO

Este documento tem por objetivo, o estudo compilatório e crítico das diferentes linhas

de pesquisa envolvidas com o povoamento das Américas.

Para tanto, pretende-se utilizar, com mais enfoque, os trabalhos em morfologia

(craniana e dentária), genética (com base em sistemas genéticos clássicos, marcadores

genéticos no DNA mitocondrial e em polimorfismos de DNA em cromossomo Y) e

arqueologia, inclusive com dados paleoparasitológicos, pois são essas as linhas de pesquisas

melhores estudadas e registradas na literatura disponível sobre o assunto.

Almeja-se, assim, a análise das evidências consideradas pelas diferentes linhas de

pesquisa, assim como a identificação de eventuais limitações na abordagem adotada por cada
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uma delas. Desse modo, esse documento não se trata apenas de um trabalho compilatório, mas

sim de um estudo onde as diferentes teorias serão interpretadas e discutidas sob uma

perspectiva holística dado ao teor interdisciplinar do assunto abordado.

3. METODOLOGIA

As distintas teorias propostas e discutidas neste documento foram reunidas a partir de

diferentes fontes de referências bibliográficas. Foram considerados os trabalhos da literatura

científica internacional assim como as publicações dos pesquisadores brasileiros em caráter

regional.

Neste sentido, é de fundamental importância a utilização de catálogos de referências

bibliográficas. Preferiu-se, nesse estudo, a utilização do catálogo da Universidade de São

Paulo disponível na rede internacional de computadores (Internet), locado na página

www.usp.br/sibi. Tal procedimento mostrou-se adequado, pois os principais e mais recentes

catálogos de referência bibliográfica das áreas de geologia (e.g., Georef, Geobase) e biologia

(e.g., Zoological Abstracts) estão disponíveis de maneira on line.

Adicionalmente, os principais centros de pesquisa brasileiros da questão abordada

(Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos, do Instituto de Biociências da USP;

Departamento de Biologia da USP; Museu de História Natural da Universidade de Minas

Gerais; Departamento de Genética do Instituto de Biociências da UFRGS; Departamento de

Bioquímica e Imunologia da UFMG; Departamento de Biologia da UFMG; Fundação

Oswaldo Cruz, Escola Nacional de Saúde Pública; Fundação do Homem Americano, do

Piauí) foram contactados, com o intuito de averiguar os mais recentes estudos na área.
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4.RESULTADOS E DISCUSSÕES

4.1. Genética

A área da genética voltada para o povoamento da América trabalha no sentido de

estudar a diversidade genética das populações nativas americanas e tentar estabelecer relações

de ancestralidade e descendência entre as populações do mundo. Dados coletados a partir das

análises envolvendo sistemas genéticos clássicos, como os marcadores de imunoglobulina,

possibilitam, com base em cálculos de distâncias genéticas, a construção de árvores

genealógicas, que podem representar o grau de afinidade genética entre diferentes populações.

(SALZANO, 1997).

Outra contribuição da genética provém do desenvolvimento de técnicas de estudo

direto do DNA, o que tornou possível a investigação de regiões gênicas livres de

recombinação ao de seu processo de transmissão pela via sexual. Estão elas presentes no

DNA mitocondrial (mtDNA) e em regiões do cromossomo Y. Segundo Salzano (1997), isso

fornece algumas vantagens na consideração de comparações entre eventuais populações

ancestrais e suas derivadas.

A figura 1 e tabela 1 sintetizam os dados e principais conclusões dos trabalhos de

evolução humana nas Américas, baseados em informações genéticas. As seguir, os principais

trabalhos são comentados e analisados. Como já mencionado, nos anos 1980, a partir de

trabalhos aglutinadores de evidências lingüísticas, genéticas e dentais dos nativos americanos,

uma equipe de cientistas americanos cunhou o que viria a ser chamado de “Modelo das três

migrações”. (GREENBERG, TURNER e ZEGURA, 1986). Este modelo prevê a entrada de

hominídeos nas Américas há não mais que 11,4 mil anos. Ainda pressupõe que apenas
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populações mongolóides, de dentição sinodonte, estariam relacionadas às três levas

migratórias. A primeira leva teria dado origem à praticamente todas as populações indígenas

Tabela 1 - Principais referências sobre a entrada do homem na América com base em dados genéticos.

Autor Base Ondas Rotas Data de Origem

de Referência migratórias migratórias Entrada geográfica

Greenberg et al., (1986) Genética três Estreito 12.000 anos Ásia

Molecular de Bering

Szathmary (1993) Genética uma Estreito 12.000 anos Ásia

Molecular de Bering

Cann (1994) genética uma Estreito entre 11.000 Ásia

Molecular de Bering e 12.000 anos

Foster et al., (1986) Seqüências uma Estreito 30.000 anos Ásia

de mt DNA de Bering

Schanfield (1992) alótipos de quatro Estreito 20.000 anos Ásia

imunoglobulinas de Bering

Wallace (1995) haplogrupos quatro Estreito 30.000 anos Ásia

de mt DNA de Bering

Horai et al., (1993) Seqüências quatro Estreito entre 14.000 Ásia

de mt DNA de Bering e 20.000 anos

Pena et al., (1997) cromossomo Y uma Estreito entre 12.000 Ásia

de Bering e 30.000 anos


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conhecidas na América; a segunda leva migratória teria dado origem apenas aos índios

Nadene, encontrados hoje na costa pacífica do norte dos E.U.A e do Canadá; e a terceira leva

migratória teria originado exclusivamente os Inuit (esquimós) e os índios Aleuta, do extremo

setentrional da América do Norte.

Mais recentemente, Szthmary (1993) e Cann (1994), utilizando métodos de biologia

molecular, estudaram as afinidades genéticas de um grande número de populações americanas

e encontraram, novamente, uma considerável homogeneidade interna entre esses três grupos.

Essa homogeneidade, segundo os pesquisadores, sugere que um único estoque gênico teria

dado origem a todas as populações encontradas nas Américas (tabela 1, figura 1). Estes

estudos em biologia molecular, que traçaram um perfil homogêneo entre os grupos étnicos

americanos, fortaleceram o apoio da comunidade científica ao modelo proposto por

Greemberg et al. (1986) (tabela 1).

Adicionalmente, os resultados obtidos por Pena et al., (1997) a partir da análise de

regiões do cromossomo Y, apontam para um haplótipo fundador principal para os ameríndios

das três Américas, o que forneceria, segundo o autor, forte evidência de que uma única onda

migratória teria dado origem a todas as populações do continente americano. (tabela 1, figura

1). O mesmo pesquisador, entretanto, atenta para o fato de que os dados obtidos do

cromossomo Y, que indicam uma homogeneidade entre as populações americanas, também

poderiam ser explicados por fluxo gênico entre os grupos populacionais do Novo Mundo.

A partir dos dados obtidos dos sistemas genéticos clássicos, mais especificamente dos

marcadores de imunoglobulinas, Salzano (1997), questiona a idéia de que as populações

americanas sejam geneticamente homogêneas, indicando a existência de um consenso de que

o Estreito de Bering foi a única via de entrada das primeiras populações americanas, porém
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mantendo em aberto a quantidade de migrações ocorridas. Já as datas de entrada no

continente, de acordo com esse tipo de análise genética, estariam situadas ao redor de 30 mil

anos. (SALZANO, 1997).

Finalmente, é importante salientar que grande parte dos pesquisadores dessa área

afirma que os trabalhos em genética não podem elucidar a respeito de grupos populacionais

que tenham sido extintos desde as primeiras migrações para o Novo Mundo. (PENA et al.,

1997). Por se basearem em material genético de populações atuais, as pesquisas genéticas

aplicadas ao estudo do povoamento americano se limitam a estabelecer relações de

descendência e

FIGURA GEN[ETIVCA
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ancestralidade entre os grupos humanos atuais. A molécula de DNA, por ser extremamente

instável, não se conserva de forma íntegra em materiais humanos datados de alguns milênios.

(SALZANO, 1997).

Outros pesquisadores, entretanto, ao divulgarem seus resultados em genética, omitem

algumas limitações características de sua linha de pesquisa, e sugerem, por exemplo, que os

seus dados possam por um fim na discussão a respeito do processo de povoamento do Novo
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Mundo. Essa postura, em geral, é tomada por pesquisadores que têm trabalhos muitos bem

fundamentados, mas que pecam ao atribuir importância maior aos seus resultados do que eles

realmente representam. Este tipo de conduta, muitas vezes, contribui para o acúmulo de

informações desencontradas no meio científico, o que dificulta, ainda mais, a busca por um

melhor entendimento do complexo processo migratório associado ao povoamento pré-

colombiano das Américas.

4.2. Arqueologia

Outra linha de pesquisa voltada para o povoamento da América é a arqueologia, que

tem como unidade de estudo o sítio arqueológico. Os sítios arqueológicos são locais onde, por

razões específicas (abandono de restos resistentes, ausência de perturbações erosivas e

deposição rápida de sedimentos; condições estáveis de umidade), foram preservados vestígios

reconhecíveis da presença e das atividades do homem. Estando tais condições raramente

unidas, as chances de um local de ocupação ser preservado e encontrado pelos arqueólogos

depois de milênios de abandono são sempre reduzidíssimas. (PROUS, 1997).

Sabe-se que os supostos sítios pleistocênicos americanos (aqueles que teriam uma

origem em mais de 10 mil anos) apresentam vestígios que podem ser atribuídos tanto à ação

antrópica quanto a fenômenos naturais. Pedras encontradas que se apresentam toscamente

lascadas podem resultar de fenômenos naturais e até mesmo os sinais de fogo podem ter uma

origem duvidosa. Os carvões, virtualmente indestrutíveis, são muito importantes como

testemunhas da atividade humana e também por serem datados por métodos físicos bastantes

confiáveis. No entanto, existem fogos naturais, particularmente de estações secas em regiões

de cerrados e campos rupestres. Mesmo que os vestígios encontrados sejam claramente de

origem humana, sua idade estimada pode ser questionada se a posição estratigráfica ou a
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associação dos mesmos com os materiais datados por análise física forem duvidosas.

(PROUS, 1997).

Conforme pode ser observado na tabela 2, dentre os pesquisadores que trabalham com

os dados arqueológicos existe uma distinção entre aqueles que sugerem, segundo seus

achados e suas datações, que o povoamento do continente americano se deu em períodos

remotos, em torno de 32 mil anos (GUIDON e DELIBRIAS, 1986), 300 mil anos

(BELTRÃO, 1996) e até 1 milhão de anos atrás (BELTRÃO, 1996), e os pesquisadores que

apostam num processo de colonização mais recente, como é o caso de Prous (1997), Dillehay

(1997) e Roosevelt et al., (2002), que sugerem datas em torno de 13 mil e 14 mil anos atrás.

Um ramo da arqueologia é a paleolingüística. Vale lembrar que estudos em lingüística

(GREENBERG e RUHLEN, 1992), separaram as línguas presentes entre os aborígines

americanos em três famílias ou troncos lingüísticos diferentes. Nos resultados, cada uma das

três famílias mostrou maior afinidade com famílias lingüísticas asiáticas do que com as

próprias famílias encontradas nas Américas. Seguindo as formulações apresentadas pelo

modelo tripartido (GREENBERG, TURNER e ZEGURA, 1986), Greenberg e Ruhlen (1992)

sugeriram que cada tronco lingüístico encontrado nas Américas teria uma origem distinta na

Ásia. As três famílias lingüísticas encontradas em continente americano representariam,

segundo esses autores, as três levas migratórias de populações mongolóides vindas da Ásia e

atravessando o Estreito de Bering que teriam dado origem aos povos americanos, há no

máximo 12 mil anos.


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Tabela 2 - Principais referências sobre a entrada do homem na América com base em dados arqueológicos. As diferentes

cores agrupam hipóteses similares.

Autor Sítio Arqueológico Datações Evidências

Beltrão (1996) Itaboraí, RJ, Brasil 1.000.000 de anos seixos de quartzo

lascados

Beltrão (1996) Gruta Toca da Esperança, entre 200.000 e seixos de quartzo

Central, Bahia, Brasil 300.000 anos lascados

Guidon (1989) Boqueirão da Pedra Furada, 50.000 anos pedras lascadas,

Piauí, Brasil seixos e carvões

Prous (1991) Lapa Vermelha IV, Lagoa entre 15.000 e carvões esparsos e um

Santa, MG, Brasil 25.000 anos único artefato de pedra

Vialou e Vialou (1994) Santa Elina, MT, Brasil 23.000 anos carvões naturais

associados às lascas

Prous (1991) Lapa do Boquete, entre 11.000 e instrumentos de

MG, Brasil 12.000 anos pedra lascada

Roosevelt et al., (1996) Lapa do Sol, AM, Brasil entre 11.000 e instrumentos de

12.000 anos pedra lascada

Dillehay (1987) Monte Verde I, Chile 33.000 anos pedras lascadas

e fogueiras

Dillehay (1994) Monte Verde II, Chile entre 12.000 e pedras lascadas
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13.000 anos e fogueiras

Adovasio e Carlisle (1984) Nordeste dos USA entre 15.000 e pedras lascadas

20.000 anos

Gruhn (1987) Nicarágua entre 22.000 e instrumentos líticos

32.000 anos e ossos

4.2.1. Os sítios de datações mais antigas

Guidon e Delibrias (1986) apontam para a presença do homem na América já há 32

mil anos atrás. Segundo os autores, a visão de que os hominídeos não chegaram nas Américas

em períodos anteriores à última glaciação (glaciação Würn, entre 30 mil e 12 mil anos antes

do presente), deve-se ao fato dos sítios arqueológicos americanos não possuírem grandes

antiguidades. Nessa ocasião, Guidon e Delibrias (1986) trabalharam no sítio arqueológico

Boqueirão da Pedra Furada, Piauí, Brasil e dataram carvões de suposta origem antrópica em

até 32 mil anos. Este sítio, que é uma das mais de 200 cavernas que abrigam grande

quantidade de arte rupestre no Piauí, foi descoberto no ano de 1973 por uma missão

arqueológica franco-brasileira na região.(GUIDON e DELIBRIAS, 1986).

Adicionalmente, Guidon e Delibrias (1986) classificaram os estratos sedimentares,

onde foram encontrados e datados os carvões de provável origem antrópica, de acordo com os

critérios arqueológicos de datação e indústria lítica associada com a estrutura de fogueiras. A

partir desses critérios duas culturas pré-históricas humanas, presentes em diferentes períodos,

foram identificadas, estando a mais antiga (Cultura Pedra Furada), presente entre 32 mil e 17
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mil anos atrás e a mais recente (Cultura Serra Talhada) presente entre 10 mil e 6 mil anos

atrás.

Assim, a partir das datações e dos vestígios encontrados, Guidon e Dilibrias (1986)

estabeleceram uma seqüência de fases da presença do homem pré-histórico no Piauí. Segundo

os autores, os achados do sítio do Boqueirão da Pedra Furada apontam para a presença do

Homem no norte da América do Sul já há 32 mil anos e sugerem, portanto, que o povoamento

da América teria ocorrido anteriormente aos primeiros registros da presença humana já

encontrados na América do Norte (tabela 2).

Outra contestadora das hipóteses mais conservadoras da entrada do homem nas

Américas é Maria Beltrão, pesquisadora que se destaca desde os anos 1970 por estudar locais

de ocupações humanas pré-históricas. Beltrão (1996), divulgou os dados de suas escavações

na jazida paleontológica de Itaboraí, Rio de Janeiro, Brasil, uma cascalheira onde encontrou

centenas de seixos de quartzo lascados, aos quais ela atribuiu uma idade estimada de mais de

1 milhão de anos (tabela 2). Seus achados, entretanto, foram contestados por boa parte dos

arqueólogos, entre os quais, Prous (1997) que se apóia no argumento de que os seixos

encontrados por Beltrão (1996) poderiam ser facilmente creditados a processos naturais.

Beltrão (1996) também dirigiu pesquisas na região calcária de Central, Bahia, Brasil,

tendo encontrado na gruta Toca da Esperança algumas lascas e três seixos de quartzito

toscamente lascados associados aos ossos da megafauna extinta, tendo esses ossos datações

entre 200 mil e 300 mil anos pelo método 230th/234u. Mais uma vez, Prous (1997) questiona

os dados obtidos pela pesquisadora e salienta que o método de datação é pouco usado por ser

pouco confiável, concluindo, ainda, que os “artefatos”, de tecnologia simples, poderiam ser

produzidos pela natureza. Beltrão (1996) rebate e salienta que a gruta é formada no calcário e

o quartzito não existe nas proximidades, o que sugere um transporte pelo homem. Em

resposta ao argumento da pesquisadora, Prous (1997) coloca que na estratigrafia regional, o


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quartzito teria se formado acima do calcário e que alguns blocos desse material poderiam ter

sido transportados por condutos calcários depois de erosões de cobertura. Durante esse

transporte, haveria naturalmente o lascamento das porções mais frágeis dos blocos de

quartzito. Outro argumento lançado por Beltrão (1996), a favor da presença humana no local é

que os grandes herbívoros não teriam condições de chegar à gruta, de difícil acesso para

animais de pouca agilidade. Para Prous (1997), os ossos dos grandes herbívoros poderiam ter

sido depositados no local por condutos a partir de outra entrada ou os herbívoros, ainda,

poderiam representar a caça de grandes felinos, como o tigre-dente-de-sabre, que os teriam

transportado até a gruta.

Ao propor uma presença humana nas Américas há cerca de 300 mil e até 1 milhão de

anos, inevitavelmente, Beltrão (1996) sugere a existência de uma humanidade pré-sapiens nas

Américas. A comunidade científica, no entanto, não considera viável tal suposição. (PROUS,

1997).

Em geral, as teorias sobre o povoamento das Américas sempre consideraram o Estreito

de Bering como via principal de entrada dos primeiros americanos. Isso se deve a

proximidade geográfica entre o Alaska (extremo setentrional da América do norte) e a Sibéria

(extremo noroeste do continente asiático) existente nessa região. Outro dado importante é que

grande parte dessas teorias estabelece datas de entrada nas Américas dentro do intervalo de

tempo preenchido pela ocorrência da última glaciação, período o qual o nível do mar teria

diminuído em cerca de 100 metros, descobrindo ilhas ou, até mesmo, formando uma faixa

contínua de terra entre a Sibéria e o Alaska (a Beríngia), na região do Estreito de Bering.

De fato, algumas implicações devem ser consideradas quando se sugere, como é o

caso de Guidon e Delibrias (1986) que os humanos estavam presentes no Novo Mundo num

período anterior a última glaciação (há cerca de 30 mil anos) ou, ainda, há cerca de 100 mil

anos atrás (GUIDON, 2003, informação pessoal). Além de propor uma idade bastante antiga
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para a colonização das Américas, Guidon (1989, 2003) abre mão das facilidades (para um

processo migratório) oferecidas pelo Estreito de Bering durante a Glaciação Würn e sugere

que os primeiros americanos teriam chegado no Novo Mundo através de migrações

transoceânicas (tabela 2, figura 2).

Por essa questão ser bastante controvérsia, discussões em torno da possibilidade do

homem pré-histórico ter manufaturado equipamentos náuticos capazes de atravessar o oceano

pacífico ou até mesmo o atlântico, se fazem necessárias. Segundo Neves (2003) o Homo

sapiens, no final do Pleistoceno, não tinha tal capacidade. Sabe-se que os primeiros Homo

sapiens que povoaram a Austrália há pelo menos 40 mil anos, já usavam embarcações

bastante rudimentares (PROUS, 1997). Nesse caso, porém, a proximidade entre o sul da Ásia

e a Austrália, além das muitas ilhas que as separam, teriam facilitado as migrações. Na

realidade, Prous (1997), não apóia as hipóteses de migrações transpacíficas (tabela 2, figura

2).

FIGURA 2 ARQUEOLOGIA
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Para que as considerações sobre a presença humana nas Américas em períodos

anteriores a 30 mil ou 40 mil anos fossem mais facilmente aceitas pela comunidade científica,

evidências mais sólidas dessas populações nas Américas deveriam ser encontradas. Mesmo se

for comprovada a presença humana nas Américas, há mais de 30 mil anos, novas hipóteses no
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que diz respeito às rotas migratórias utilizadas por essas populações deveriam ser

consideradas. Uma passagem pelo Estreito de Bering, por exemplo, poderia ser uma

alternativa às propostas sobre migrações transpacíficas ou até mesmo atlânticas lançadas por

Guidon (1989, 2003). Nesse caso hipotético, estudos sobre as condições climáticas,

geológicas e ecológicas da região do Estreito de Bering, há 30 mil anos, seriam necessários.

4.2.2. Os sítios de datações mais recentes

Apesar de grande parte dos estudiosos terem, por muito tempo, aceitado a cultura

“Clovis” como a primeira que teria se estabelecido nas Américas, estudos mais recentes

contestam essa “verdade” intocável. Por exemplo, baseado em vários anos de pesquisas

arqueológicas realizadas no sítio de Monte Verde, sul do Chile, Dillehay (1997) afirma que,

atualmente existem evidências sólidas, com base na arqueologia, que indicam a chegada dos

hominídeos no Novo Mundo num período em torno de 13 mil anos atrás (tabela 2), e que as

populações “Clovis” não foram as primeiras a migrar do norte em direção ao sul do continente

americano.

Para Dillehay (1997) o fato dos arqueólogos não terem conseguido, até o momento,

localizar os restos mortais dos primeiros americanos, inclusive os das populações “Clovis”,

sugere uma singularidade inerente aos primeiros americanos ou ao tipo de prática

arqueológica usada para estudar esses registros que, até agora, não foi bem sucedido em achar

seus restos esqueléticos.

Seguindo a mesma linha de argumentação de Dillehay, Roosevelt (2002), realizando

pesquisas arqueológicas no sítio de Pedra Pintada, no município de Monte Alegre, Pará,

Brasil, demonstrou que os humanos já estavam presentes na região amazônica a partir de 11,3

mil anos atrás (tabela 2), no mesmo período da suposta entrada das populações “Clovis” na
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América do Norte. Roosevelt (2002) sugeriu ainda um novo modelo para o processo de

povoamento do Novo Mundo denominado “Clovis em contexto”. Nessa formulação tenta-se

reafirmar a idéia de que as populações “Clovis” não representam a primeira cultura a se

estabelecer no Novo Mundo. A cultura “Clovis”, segundo o novo modelo, seria apenas uma

cultura dentre as várias que se formaram em diferentes pontos do continente americano.

Ainda, segundo Roosevelt (2002) a cultura “Clovis” já não pode ser vista como a ancestral de

todas as culturas americanas pré-históricas já documentadas.

4.2.3 Paleoparasitologia

Outra interessante linha de estudo, que, por sinal, utiliza-se dos achados

arqueológicos, é a paleoparasitologia. Esta dá sua contribuição no sentido de estudar a

presença de parasitismo em populações pré-históricas. Os trabalhos em paleoparasitologia

aplicados ao povoamento da América deram início quando ovos de Ancylostoma duodenale

foram encontrados junto com os restos fecais humanos fossilizados datados de pouco mais de

7 mil anos. (ALLISON et al., 1974; FERREIRA et al., 1980). A grande problemática em

torno dessa questão é que essa espécie de parasita humano é originária da África e atualmente

se encontra somente em regiões tropicais. Isso implicaria, segundo Araújo e Ferreira (1997),

que a espécie A. duodenale, uma vez que surgida na África, teria sido introduzida nas

Américas junto com populações pré-históricas que teriam chegado ao Novo Mundo através de

rotas migratórias diferentes das do Estreito de Bering.

Como demonstrado na tabela 3, a idéia de que os ancilostomídeos teriam sido

introduzidos no Novo Mundo através de contatos transpacíficos realizados por navegadores

pré-históricos, foi primeiramente lançada por Darling (1920). Darling sugeriu que a

distribuição de duas espécies de ancilostomídeos humanos, A. duodenale e Necator


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americanus, poderia indicar a origem dos primeiros americanos. Na mesma década, Soper

(1927), a partir da confirmação da presença de A. duodenale no oeste do Paraguai, durante um

período anterior ao contato com os espanhóis, também lançou a hipótese de introdução

transpacífica da espécie. Quase meio século depois, Manter (1967) sugeriu que a espécie A.

duodenale teria sido introduzida junto com japoneses pré-históricos e que a espécie N.

americanus por um subseqüente contato de populações sul-asiáticas.

Tabela 3 - Principais referências sobre a entrada do homem na América com base em dados

paleoparasitológicos. As diferentes cores agrupam hipóteses similares.

Autor Rotas migratórias Origem geográfica

Darling (1920) migrações transpacíficas Ásia

Soper (1927) migrações transpacíficas Ásia

Manter (1967) migrações transpacíficas Ásia

Hawdon e Johnston (1996) Estreito de Bering Ásia

Araújo e Ferreira (1997) migrações transpacíficas Ásia

Seguindo as formulações de seus antecessores, Manter (1967) desconsiderou a rota via

Estreito de Bering e reforçou a idéia de que um contato transpacífico seria a forma mais

provável de entrada dessas espécies no Novo Mundo.

Pesquisas já apontaram que a espécie N. americanus, atualmente a espécie mais

predominante na América, foi introduzida através do tráfico negreiro, a partir do século XV.
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(SMILLIE, 1922; BEAVER, 1964) Já as hipóteses em torno da entrada da espécie A.

duodenale, apresentam divergências. Sob o enfoque da paleoparasitologia, existem,

atualmente, duas vertentes principais que buscam esclarecer alguns aspectos da entrada de A.

duodenale no Novo Mundo, em períodos pré-colombianos (tabela 3, figura 3).

De acordo Araújo e Ferreira (1997), durante a fase adulta, esses parasitas humanos

fixam-se na mucosa intestinal e provocam a perda constante de sangue pelo hospedeiro. Os

indivíduos infectados eliminam ovos embrionários de A. duodenale com as fezes nas quais os

ovos se desenvolvem em larvas. Estas permanecem viáveis no solo em condições ideais de

temperatura e umidade. Ao atingirem o terceiro estágio larvar, tornam-se infectantes e deixam

de se alimentar, extinguindo-se se não alcançarem um novo hospedeiro humano. A. duodenale

infecta o homem preferencialmente por via oral, mas também o faz pela pele.

Ainda, segundo Araújo e Ferreira (1997), pela argumentação de ordem biológica, os

ancilostomídeos não poderiam ter mantido seu ciclo reprodutivo no solo, sob condições

climáticas adversas para a espécie, como as da região de Bering há cerca de 10 mil anos antes

do presente. Esses pesquisadores se apóiam, principalmente, em estudos sobre a biologia dos

ancilostomídeos. Estes estudos demonstram que a espécie A. duodenale encontra-se em clima

subtropical, até 52º de latitude do hemisfério norte, uma vez que as larvas sobrevivem em

temperaturas, no solo, acima de 22ºC. A presença de alguns focos dessa espécie em latitudes

mais ao norte estaria associada a locais específicos como minas e túneis, que oferecem

microclimas favoráveis à sobrevivência da espécie. (ARAÚJO e FERREIRA,1997).

Tomando como referência Schad (1990), Araújo e Ferreira (1997), sugerem ainda,

existir a possibilidade de transmissão vertical ou infecção transmamária de A. duodenale. Os

pesquisadores afirmam,

Fig 3
21
22

entretanto, não haver conhecimento científico suficiente, por conta de poucos casos dessa

natureza terem sido diagnosticados, para atribuir a importância da transmissão vertical entre

as populações pré-históricas que migraram para o Novo Mundo. Outro argumento de Araújo e

Ferreira contra uma possível rota por Bering é o de que estudos (FREEMAN e JAMISON,

1976) já demonstraram não haver, na região holoártica, entre os esquimós atuais, registro de

A. duodenale, embora outros parasitos intestinais estejam presentes.

Curiosamente, Hawdon e Johnston (1996) propõem uma alternativa para a hipótese de

que esses vermes teriam sido introduzidos no Novo Mundo através de migrações

transpacíficas de populações pré-históricas (tabela 3). Estes pesquisadores sugerem que o A.

duodenale não seria um parasita estritamente tropical, pois seria dotado de mecanismos

biológicos adaptados às condições adversas de sobrevivência, como aquelas encontradas na

região de Bering.

De acordo com Hawdon e Jhonston (1996), algumas características biológicas dos

ancilostomídeos associadas às peculiaridades inerentes aos processos migratórios e ao modo

de organização social dos grupos pré-históricos, possibilitariam a entrada de espécies de

ancilostomídeos nas Américas junto com as populações que habitavam as regiões geladas

próximas ao Estreito de Bering e que atingiram, como mostra a figura 3, o extremo norte do

continente americano.
23

Estes autores se baseiam, principalmente, na argumentação de que a dormência ou

hipobiose, já observada em A. duodenale (SCHAD, 1973), poderia ter representado uma

importante adaptação às condições ambientais as quais os homens pré-históricos, ao cruzarem

Bering, teriam sido submetidos.

Do ponto de vista biológico, a hipobiose é um estado biológico em que o metabolismo

se encontra em seu nível mais baixo, onde somente as funções vitais estão em funcionamento.

A hipobiose está freqüentemente associada a uma adaptação do organismo em se manter vivo

sob condições ambientais adversas. As espécies de ancilostomídeos apresentam dormência

durante a fase larvar.

Em Ancylostoma canina, espécie que parasita o cão, foi observado (SCHAD, 1990;

YU e SHEN, 1990) que a hipobiose está associada com a transmissão vertical do parasita, o

que significa que os filhos de mães infectadas podem adquirir os parasitas por via oral,

durante o período da amamentação. Hawton e Jhonston (1996) sugerem que o mesmo ocorre

entre os ancilostomídeos humanos e poderia ter ocorrido entre os grupos humanos pré-

históricos que chegaram no Novo Mundo.

Hawdon e Jhonston (1996) apostam que as peculiaridades biológicas das espécies de

ancilostomídeos (como a hipobiose e a transmissão vertical) associadas à formação de

microclimas artificiais pelos aglomerados humanos e à contaminação, por fezes, das áreas

habitadas, poderiam ter sido cruciais para a persistência dessas espécies, sob condições

ambientais adversas, entre os grupos humanos que habitavam a região do Estreito de Bering.

(figura 3)

Curiosamente, contudo, Aspöck et al., (1996) relataram ocorrência de ovos de Tricura

tricuris, parasita intestinal humano que necessita das mesmas condições ambientais requeridas

pelo A. duodenale, em um corpo humano mumificado depositado na região dos Alpes

europeus, com cerca de 7000 anos. Esse fato poderia ser interpretado como uma evidência de
24

que alguns ancilostomídeos teriam realmente capacidade de se manter sob condições extremas

de temperatura no solo. (HAWDON E JHONSTON, 1996). Por outro lado, Araújo e Ferreira

(1997), defensores da introdução transpacífica de A. duodenale, interpretaram o achado como

um fato isolado. O homem achado, segundo esses pesquisadores, teria se perdido do grupo

original e atingido aquelas regiões frias dos Alpes. Isso não forneceria, portanto, nenhuma

evidência de que as espécies de ancilostomídeos suportariam temperaturas extremas.

Além dos resultados obtidos pelos diferentes grupos de pesquisadores, um dado

interessante a ser notado é a discussão que se estabeleceu por conta das diferentes visões em

torno da presença de um parasita humano, originado na África, em território americano

durante um período pré-histórico. Na realidade, são mais que visões, ou idéias, são

conjecturas calcadas em conhecimento científico. Mas como a Ciência, com todo o seu rigor

metodológico, permitiu que houvesse tamanha divergência entre duas de suas concepções? Na

verdade, esses últimos parágrafos, ao contrário do que aparentam, podem nos mostrar um dos

princípios que regem o conhecimento científico, a discussão. Esta confere uma ferramenta

que difere a Ciência de outros modelos de conhecimento fundamentados em verdades

absolutas. Através da discussão, a Ciência permite o surgimento de novas concepções em

torno de um fenômeno, desde que estas estejam apoiadas em evidências sólidas e que passem

por experimentações rigorosas.

A discussão leva, inevitavelmente, ao uso de uma outra ferramenta, que também

caracteriza o método científico. Uma discussão surge quando, pelo menos, duas hipóteses

estão sendo consideradas a fim de esclarecer um determinado fenômeno. Mas como escolher

entre as hipóteses que explicam o que estudamos? É nesse momento que o método científico

lança mão de um outro dispositivo, a parcimônia. Esta, por sua vez, julga como melhor a

teoria que explica um determinado fenômeno de maneira mais simples, ou seja, que dependa

de um menor número de eventos envolvidos na ocorrência desse mesmo fenômeno. Sob essa
25

perspectiva é que os diferentes modelos para o povoamento pré-histórico das Américas devem

ser trabalhos para que consigamos reconstruir, o mais próximo possível, parte da história

evolutiva dos primeiros americanos.

4.3 Morfologia

Os estudos em morfologia tentam reconstruir o processo migratório humano em

direção ao continente americano ao estabelecer o grau de parentesco entre os diferentes

grupos de populações. Duas subáreas principais são representadas nesses estudos, a

morfologia craniana e a dentária.

4.3.1 Morfologia Dentária

Pode-se descrever os dentes humanos em termos de dimensões métricas de tamanho e

forma, como através de caracteres não mensuráveis, fator que é especialmente útil para

reconstruir a história da população humana, particularmente do povoamento do Novo Mundo.

Adicionalmente, os dentes, no registro arqueológico, são bem preservados e prestam-se ao

exame fácil, tanto em indivíduos vivos como nos mortos. O mais importante é saber que os

traços fenotípicos dentários se encontram sob rígido controle genético e, portanto, podem ser

usados a fim de estimular o parentesco genético entre grupos humanos do passado e do

presente (POWELL, 1997). Dessa maneira, a variação dentária fornece indícios de como e

porque as populações americanas mudaram no decorrer do tempo, servindo também para

testar os modelos atuais de povoamento das Américas e gerar novas idéias a respeito da

variação dentária no continente. (POWELL, 1997).


26

No início dos anos 1980, a partir da análise morfológica dos dentes de 12 paleoíndios,

com idade estimada em 11 mil anos, Turner e Bird (1981) e Turner (1983) já sugerem um

perfil morfológico homogêneo entre as populações americanas (tabela 4). As datações do tipo

Carbono-14 foram obtidas a partir de carvões de uma fogueira de suposta origem antrópica

associada a megafauna extintas e às supostas ferramentas humanas encontradas no local. Com

base na morfologia dentária estes autores compararam os paleoíndios encontrados com

populações recentes de índios do norte e sul da América, norte asiático e europeus. Os

resultados demonstraram que os paleoíndios do Chile, os índios americanos atuais e as

populações do nordeste asiático são muito similares entre si e formam um grupo homogêneo,

porém morfologicamente distinto das populações européias. Estes resultados reforçaram a

idéia de que os índios americanos teriam uma origem única no nordeste asiático e que pouca

evolução da morfologia dentária teria ocorrido entre os americanos, nos últimos 11 mil anos.
27

Tabela 4 - Principais referências sobre a entrada do homem na América com base em dados morfológicos. As diferentes

cores agrupam hipóteses similares.

Autor Morfologia (primei- Ondas Rotas Data de Origem

ros americanos) migratórias Migratórias entrada geográfica

Lund (1844) negróide e hipótese do surgimento do H. sapiens nas Américas

mongolóide

Rivet (1943) negróide e indefinido migrações indefinida Oceania

mongolóide transpacíficas

Greenberg et al., (1986) mongolóide três Estreito de em torno de Ásia

Bering 12.000 anos

Neves e Pucciarelli (1989) negróide e quatro Estreito de em torno de Ásia

mongolóide Bering 13.000 anos

Lahr (1997) negróide e indefinido Estreito de indefinida Ásia

mongolóide Bering

Powell (1997) negróide e indefinido Estreito de indefinida Ásia

mongolóide Bering

Neves e Blum (2001) negróide e indefinido Estreito de indefinida Ásia

Mongolóide Bering

Adicionalmente, Turner e Bird (1981) e Turner (1983) sugerem que pequenos grupos

humanos, geneticamente homogêneos, teriam povoado o Novo Mundo no final do

Pleistoceno.

Uma das principais críticas aos trabalhos de Turner e Bird (1981), Turner (1983) e ao

modelo tripartido (GREENBERG, TURNER e ZEGURA, 1986), provém de Powell (1997)


28

que trabalha com a análise da morfologia dentária de populações de todo o mundo, incluindo

amostras de populações americanas atuais, do Holoceno médio e do final do Pleistoceno.

Powell (1997) propõe que as populações fundadoras do Novo Mundo eram

morfologicamente homogêneas (e tipicamente mongolóides) e que a morfologia dos

ameríndios atuais refletem, apenas, a morfologia dos primeiros habitantes das Américas de

cerca de 12 mil anos. Adicionalmente, Powell (1997) sugere que a morfologia apresentada

pelos ameríndios atuais não é resultado apenas de migrações passadas, mas também de

processos microevolutivos ocorridos durantes cerca de 12 mil anos no continente americano.

Utilizando-se de modelos de genética de populações, que envolvem crescimento

populacional, deriva genética, fluxo gênico e grau de diversidade biológica, Powel (1997)

produziu simulações matemáticas no sentido de testar o modelo de Turner (1983).

Nessas simulações, estabeleceu-se que a variação genética entre os fundadores era

zero, o que condizia com a homogeneidade dos primeiros americanos até então proposta, além

da utilização de valores de tamanho de populações dentro da faixa de tamanho para

populações de caçadores-coletores (POWELL, 1997). Os valores foram introduzidos em

equações de previsão, o que foi repetido para 100 gerações. A realização dos cálculos

objetivava prever qual seria o perfil biológico, em termos de variabilidade morfológica, de

uma população atual que teve sua origem a partir de uma população original homogênea há

cerca de 12 mil anos atrás. Curiosamente, Powell (1997) observou em seus dados que, com o

passar do tempo, ocorria um aumento da diversidade de fenótipos para um caráter dentário, ou

seja, uma diferenciação dos grupos populacionais. Seus resultados, portanto, sugerem ser

pouco provável que um único tipo morfológico tivesse povoado as Américas e mantido o

mesmo caráter fenotípico no decorrer de cerca de 12 mil anos.

Como explica Powell (1997), a deriva genética está associada a grupos populacionais

pequenos, que apresentam baixas taxas decrescimento anual, e que tendem a se diferenciar de
29

outros grupos, o que implica no aparecimento da heterogeneidade entre os grupos. Já o fluxo

gênico tem efeito contrário, ou seja, leva a homogeneização entre os grupos e está associado a

altas taxas de crescimento populacional ou a rápida expansão demográfica de uma população.

Ainda segundo Powell (1997), o modelo de Turner e Bird (1981), Tuner (1983) e

Greenberg et al. (1986) se apóia numa rápida expansão populacional logo após a chegada dos

primeiros americanos. Essa rápida expansão, dentro do continente americano, teria anulado o

efeito da deriva genética e mantido, dessa forma, o tipo morfológico (mongolóide) dos

primeiros americanos entre os aborígines americanos atuais. Ainda de acordo com essa

análise, seria necessário aplicar uma alta taxa de crescimento, em torno de 0,02 (crescimento

populacional de 2% ao ano), a fim de evitar que os efeitos da deriva genética se

manifestassem e que uma heterogeneidade dentária surgisse entre as populações americanas.

Entretanto, as populações caçadoras-coletoras modernas exibem uma baixa taxa de

crescimento. Os dobe!Kung da África do Sul apresentam uma taxa de crescimento anual de

apenas 0,0026 (crescimento populacional de 0,26% ao ano). Na realidade, taxas de

crescimento em torno de 0,02 são observadas somente nas populações industrializadas da

atualidade. (POWELL, 1997).

Considerar que as populações iniciais das Américas detinham uma heterogeneidade

biológica considerável (tabela 4) e incluir o fluxo gênico entre os grupos no decorrer do

tempo como um fator presente entre as populações americanas da pré-história, seria uma

forma de explicar a suposta homogeneidade observada entre os aborígines americanos

modernos. Powell (1997) produziu uma série de simulações genéticas nas quais os primeiros

americanos eram extremamente diversos, ao contrário do que foi proposto por Turner e Bird

(1981) e Turner (1983). Quando se incorporou nas simulações baixos níveis de migração (um

migrante por geração), obteve-se como resultado, uma variação biológica decrescente ao
30

longo do tempo, o que sugere a ocorrência de um processo microevolutivo, no sentido de uma

homogeneização dos grupos populacionais, através de fluxo gênico.

Para confirmar a suposta heterogeneidade entre os primeiros grupos que habitaram o

Novo Mundo, Powell (1997) realizou uma série de análises morfológicas, através das quais,

comparou amostras de paleoíndios e populações do Holoceno médio com os aborígines

americanos atuais. Nos resultados, os paleoíndios não se assemelharam aos índios americanos

atuais (mongolóides típicos), mas sim às amostras de morfologia mais generalizada (não

mongolóides). Já as amostras do Holoceno médio refletiram um mosaico entre as populações

americanas atuais e as amostras de morfologia generalizada, associada a populações sul-

asiáticas. Resultados semelhantes foram obtidos por diversos pesquisadores (MUNFORD et

al., 1995; NEVES et al., 1996, 1997) a partir de análises morfocranianas de paleoíndios

americanos (tabela 4).

Finalmente, a explicação mais parcimoniosa, segundo Powell (1997), seria que as

populações fundadoras originais seriam biologicamente heterogêneas (tabela 4) devido a

migrações múltiplas do Velho Mundo ou a uma elevada variabilidade fenotípica entre os

fundadores. A combinação de ambas explicações também poderia ocorrer. Uma vez

estabelecidas no Novo Mundo, os processos microevolutivos, tais como o fluxo gênico,

poderiam ter resultado na homogeneidade dentária crescente no decorrer do tempo.

4.3.2 Morfologia Craniana

Curiosamente, foi Peter Lund, o pai da paleontologia brasileira, o primeiro a perceber,

em meados do século XIX, algo peculiar na morfologia craniana da população humana de

Lagoa Santa, Minas Gerais, Brasil, que, de certa forma, a fazia algo distinta da “raça

americana” (tabela 4). (LUND, 1950a,b[1842, 1844]).


31

Em carta enviada ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Lund (1950a[1842])

referiu-se ao fato de a população pré-histórica de Lagoa Santa apresentar em sua morfologia

craniana, características que a tornava distinta das populações de morfologia tipicamente

mongolóide (que são os americanos atuais e os seus supostos ancestrais, as populações do

nordeste asiático) caracterizadas, principalmente, pelo formato largo do crânio e ortognatismo

maxilar. O naturalista encontrou em Lagoa Santa crânios estreitos e com grande prognatismo

maxilar, um tipo morfológico primitivo em relação à morfologia mongolóide e associada às

formas inferiores de humanidade, segundo o paradigma antropológico da época. Para explicar

a peculiaridade morfocraniana encontrada, Lund lançou a hipótese de que índios americanos

teriam passado por um processo de degeneração e, assim, dado origem à morfologia cranial

encontrada em Lagoa Santa. Esta hipótese, entretanto, foi abandonada quando o pesquisador

percebeu a contemporaneidade entre o homem e a megafauna de Lagoa Santa, condição que

indicava a grande antiguidade dos homens americanos. Sob essa nova perspectiva, Lund

(1950b[1844]) enviou nova carta ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, na qual

defendia a idéia de que o homem teria surgido na América e migrado para a Ásia, onde teria

dado origem ao tipo mongolóide de crânio (figura 4). Curiosamente, nenhum dos

antropólogos que sucederam a Lund deu importância às suas observações, nem tampouco às

explicações que ele sugeriu para dar conta dos fenômenos estudados. (BLUM e NEVES,

2002).

Outros autores também sugeriram que a colonização das Américas se deu de maneira

mais complexa do que até então se considerava. Rivet (1943), por exemplo, considerou a

morfologia craniana dos primeiros habitantes do Novo Mundo semelhante às dos aborígines

australianos (tabela 4). A rota de colonização, assim, seria transoceânica, direto da Oceania

para as Américas. Tal idéia, contudo, não foi assimilada totalmente pela comunidade

científica. Em verdade, sempre se considerou que a espécie Homo sapiens seria capaz de
32

manufaturar equipamentos náuticos que permitissem efetuar navegação em águas oceânicas

no final do Pleistoceno. Outra suposta evidência contrária à proposta de Rivet (1943) seria a

de que a ocupação das ilhas polinésicas se deu muito recentemente, a não mais que 2 mil ou 3

mil anos. Não haveria, portanto, nessas ilhas, qualquer evidência de ocupações humanas do

final do Pleitoceno ou início do Holoceno.

Fig 4 morf
33

quando se teria dado a ocupação do Novo Mundo (NEVES e BLUM, 2002).

Neves e Pucciarelli (1989), aplicando metodologias estatísticas mais modernas na

morfologia dos crânios humanos escavados por Lund no Sumidouro (armazenados no museu

de zoologia de Copenhague, Dinamarca), confirmaram a suspeita do paleontólogo

dinamarquês de que os primeiros americanos não apresentavam similaridades morfocranianas

com os índios americanos recentes. (tabela 4). Curiosamente, os crânios do Sumidouro,

inclusive o da “Luzia”, o fóssil humano mais antigo das Américas e amplamente divulgado

pela mídia, apresentam sua forma craniana (neurocrânio longo e estreito associado a uma face

também estreita e baixa com nariz e órbitas baixos e largos) muito similar a dos aborígines

australianos e das populações africanas subsaharianas atuais.


34

Com o objetivo de demonstrar as afinidades biológicas dos primeiros americanos com

os seus contemporâneos do Velho Mundo, Neves e Pucciarelli (1990 e 1991) iniciaram uma

série de análises baseadas nos mesmos métodos estatísticos utilizados no trabalho deles de

1989. Nesses estudos, os pesquisadores compararam a morfologia craniana de populações do

final do Pleistoceno e início do Holoceno da África, Ásia, Europa e Austrália com três

amostras de paleoíndios americanos (duas amostras de Lagoa Santa, Minas Gerais, Brasil e

uma de Tequendama, Colômbia). Nos resultados os paleoíndios americanos se mostram mais

semelhantes às amostras cranianas recentes e pré-históricas da Austrália e distintos das

amostras mongolóides, resultados semelhantes aos que os dois pesquisadores já haviam

obtido em trabalhos anteriores.(NEVES e PUCIARELLI, 1989).

Desse modo, com base nas informações geradas entre 1989 e 1995, Munford et al.,

(1995) e Neves et al., (1996, 1997) sugeriram um novo modelo que acrescentava uma

migração anterior às três migrações já defendidas por Greenberg et al., (1986). Por esse

motivo o novo modelo foi denominado de “modelo das quatro migrações”, segundo o qual se

manteriam as três migrações de origem mongolóide apresentadas pelo velho modelo, aceito

por grande parte da comunidade científica à época. Segundo o modelo de Neves, as três

migrações, de origem mongolóide, que teriam originado, primeiramente, os ameríndios,

depois os índios Nadene e mais recentemente os Inuit (esquimós) e os índios Aleuta, teriam

sido precedidas por uma onda migratória de um grupo de morfologia cranial mais

generalizada, semelhante aos aborígines australianos e africanos atuais (tabela 4).

Outro fato curioso é que Blum et al. (2000, 2001, 2002) encontraram uma significante

similaridade morfológica entre os crânios de Lagoa Santa, as atuais populações aborígines

australianas e africanas e os fósseis dos primeiros Homo sapiens, encontrados no Oriente

Médio e datados de 100 mil anos. (SCHWARCZ et al., 1988). Adicionalmente, Blum et al.,

(2001), também demonstraram haver incontestáveis afinidades morfocranianas entre os


35

primeiros americanos e os primeiros habitantes da Austrália. Blum et al., (2001) sugerem que

o povoamento da América está intimamente relacionado com a saída dos primeiros Homo

sapiens do continente africano e com o povoamento da Austrália (figura 5). Nesse sentido, os

primeiros americanos e os australianos atuais teriam compartilhado uma população ancestral,

por volta de 50 mil ou 60 mil anos atrás no sudeste asiático. Este ancestral, com uma origem

direta na África, teria migrado deste continente para o sudeste asiático provavelmente através

de uma rota tropical, abaixo do Himalaia. (NEVES e BLUM, 2002).

Curiosamente, depois de pouco mais de meia década defendendo o “modelo das quatro

migrações” (MUNFORD et al., 1995; NEVES et al., 1996, 1997), há uma mudança de

pensamento e uma nova postura com relação ao número de rotas propostas para o

povoamento do continente americano. Na realidade, os pesquisadores evitam determinar

precisamente o número de rotas migratórias para o Novo Mundo, dada a alta complexidade

dos fenômenos estudados. Nesse sentido, o “modelo das quatro migrações” foi substituído

pelo “modelo dos dois componentes biológicos principais” (tabela 4)

Figura mark 5
36
37

(NEVES et al., 2001) que representa os principais dados obtidos pelo estudo da morfologia

craniana dos primeiros americanos e sugerem a presença de pelo menos duas morfologias

distintas presentes no Novo Mundo, em períodos pré-colombianos. (NEVES e BLUM, 2002).

Com o acúmulo de evidências reunidas a favor da presença de mais de um tipo

morfológico presente no continente americano em períodos pré-colombianos, obtidas por

Neves e colaboradores, novas perguntas surgem e desafiam os pesquisadores destinados ao

estudo das origens das populações americanas.

Essas novas perguntas questionam, por exemplo, se as populações não-mongolóides

teriam sido substituídas pelas populações mongolóides ou teria havido uma miscigenação

entre os dois grupos que teriam chegado as Américas em períodos distintos.

Estudos realizados com o crânio do famoso “Homem de Kennewick” (CHATTERS et

al., 1999) sugerem pelo menos duas hipóteses interessantes em torno da questão. Nessas

análises, o “Homem de Kennewick” apresentou uma morfologia craniana intermediária, entre

generalizada e mongolóide. As características morfológicas do “Homem de Kennewick”

poderiam ser resultado de uma miscigenação in situ entre os primeiros americanos (de

morfologia não-mongolóide) e os primeiros mongolóides vindos da Ásia. (NEVES e BLUM,

2002). Um outro dado interessante para tentar entender o complexo “Homem de Kennewick”,

já salientado por alguns autores (LAHR, 1996; JANTS e OWSLY, 2001 e POWELL e

NEVES, 1999), seria aceitar a possibilidade de que populações com diferentes graus de

mongolização teriam entrado na América, a partir da Ásia, caracterizando um fluxo contínuo

entre o Velho e o Novo Mundo, desde o final do Pleistoceno até o início do Holoceno. Estas

questões estão em aberto e recentemente tem sido o foco principal de pesquisadores que se

debruçam sobre as problemáticas associadas ao povoamento do Novo Mundo. (NEVES e

BLUM, 2002).
38

Os estudos morfológicos são de extrema importância à elucidação de alguns aspectos

relacionados com as origens dos povos americanos. Esta linha de pesquisa, em especial, tem

acesso às características morfológicas de populações presentes no continente americano em

tempos muito remotos, o que lhe confere uma vantagem em relação a outras linhas de

pesquisa como, por exemplo, os estudos em genética, que são aplicados apenas às populações

atuais.

4.4 Novas propostas de deslocamento pelo Estreito de Bering.

No passado acreditava-se que os primeiros americanos teriam aqui chegado através da

Beríngia (ponte de terra firme na região do Estreito de Bering que teria unido a Sibéria ao

Alaska, durante a última glaciação), formada com a retração do nível do mar no final do

Pleistoceno. A partir da região do Alaska, os primeiros americanos teriam migrado para o sul

do continente através de um estreito corredor livre das duas geleiras que, nesse período,

cobriam a América do Norte. Este caminho teria condições climáticas compatíveis com a

sobrevivência dos homens pré-históricos. Segundo esse modelo, o conjunto de fatores

favoráveis à migração e ao estabelecimento, de fato, da nossa espécie no continente

americano, teria ocorrido num curto intervalo de tempo e no mesmo período do suposto

aparecimento da cultura “Clovis”. (NEVES, 2003).

Propostas recentes, entretanto, apostam num novo modelo de passagem pelo Estreito

de Bering. Defendem-se, nessas propostas, deslocamentos (da Sibéria para o Alaska e do

Norte para o Sul da América) pelo litoral, por meio de navegação de cabotagem. De acordo

com o novo modelo, o processo de interiorização teria ocorrido, primeiramente ao sul do

continente, de oeste para leste. Com o retraimento das massas de gelo, as populações teriam

migrado para o norte, dando origem a novas culturas, entre elas a cultura “Clovis”. Curioso
39

notar que o novo modelo de deslocamento pelo Estreito de Bering pode explicar o porquê dos

sítios norte-americanos não serem mais antigos que os sul-americanos. (NEVES, 2003).

5. CONCLUSÕES

• Estudos em genética sugerem uma origem asiática, de populações mongolóides,

para os aborígines americanos. Todos os trabalhos indicam também uma passagem

pelo Estreito de Bering, entre 30 mil e 12 mil anos. Há divergências, contudo, com

relação ao número de levas migratórias associadas ao povoamento das Américas.

• Estudos arqueológicos, que ainda não são aceitos por grande parte da comunidade

científica, sugerem que a colonização das Américas ocorreu há mais de 30 mil

anos, período o qual a passagem pelo Estreito de Bering estava inacessível. Outros

estudos sugerem até a presença de uma humanidade pré-sapiens no continente

americano há 300 mil anos, ou ainda, há 1 milhão de anos. Por outro lado, há

registros arqueológicos inquestionáveis da presença humana, há 13 mil anos, em

território americano.

• Grande parte das pesquisas em paleoparasitologia indica que contatos

transpacíficos estiveram envolvidos no processo de colonização das Américas.

Alguns autores, entretanto, mantém o Estreito de Bering como via principal de

entrada dos primeiros americanos.

• Estudos morfológicos, como já previsto por Lund (século XIX), confirmaram que

o povoamento da América foi marcado pela presença de, no mínimo, dois estoques

morfológicos distintos, um negróide e outro mongolóide. Intensificam-se,


40

atualmente, as pesquisas que tentam elucidar o destino da morfologia negróide na

pré-história do continente americano.

• Rotas pelo Estreito de Bering ainda são consideradas as mais prováveis vias de

entrada dos primeiros americanos.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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