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CLAUDE LÉVI - STRAUSS

da Academia Francesa

A VIA
DAS MÁSCARAS .
Edição revista. e aumentada e' acompanhada de
TRÊS EXCURSÕES

EDITORIAL PRESENÇA

UNICAMP
BIB 101 ECA CENTRAL
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PRIMEIRA PARTE

A VIA DAS MÁSCARAS

Título original
LA VOIE DES MASQUES
© Copyright by Librairie Plon, 1979
Tradução de Manuel Ruas
Revisão de texto de Wanda Ramos

Reservados todos os direitos


para a língua portuguesa à
EDITORIAL PRESENÇA, LDA.
Rua Augusto Gil, 35-A - LISBOA
I

~ «Há em Nova Iorque - escrevia eu em 1943 - um lugar


mágico onde os sonhos de infância marcaram encontlro;
onde troncos de árvores seculares cantam e falam; onde
objectos indefiníveis espreitam o visitante com a ansiosa
fi xidez de rostos; onde animais de sobre-humana delica-
deza juntam as patinhas como mãos, a pedir o privilégio
de construk para um ser eleito o palácio do oastor, de
lhe servir de guia no reino das focas ou de lhe ensiinar,
num beijo místico, a linguagem da rã ou do pica-peixe.
Esse lugar, a que métodos museológicos anacrónicos mas
singularmente eficazes conferem o prestígio suplementar do
laro-escuro das cavernas e do amontoar de tesouros per-
dridos, pode ser visitado todos os dias das 10 às 5 da tarde,
no American Museum of Natural History: é a vasta sala do
rés-do-chão, consagrada às tribos índias da costa norte do
Pacífico entre o Alasca e a Colômbia britânica. }
<<Não vem longe, certamente, o tempo em que as colec-
çõ·es provenientes dessa região deixarão os museus etnográ-
ficos para tomar lugar, nos museus de Belas-Artes, entre
o Egipto ou a Pérsia antigos e a Idade Média europeia. Pois
essa arte não é diferente das maiores; e, durante o século
meio que da sua históda conhecemos, deu provas de uma
diversidade superior à delas e mostrou capacidades de reno-
vação aparentemente inesgotáveis.»
( ... ... ......... ....... ... ..... ..... ...... .................. .. ............ .... .)
«Este século e meio viu nascer e .f lorescer não apenas
uma, mas dez formas de arte diferentes: das capas de
lapeçaria do Chilkat, ainda inéditas no princípio do século x1x

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e que, de repente, alcançam a mais ailta perfeição da arte cuja densidade variava, conforme as regiões, de ú,l a 0,6
têxtil sem outrO's meios que o amairelo violento extraido habitantes po1r quilómetro quadrado. A norte viviam os
dos . musgos, o negro da casca de cedro e o azul cuproso Tlingit, a quem devemos esculturas de subtil e poética ima-
dos óxidos minerais, até à'S esquisitas esculturas de argilite, gi:nação e ornamentos preciosos; a seguir, mais ao sul,
polida até brilhar como opsidiana negra, que demonstram os Haida, com obras monumentais e plenas de vigor; os
a decadência flamejante - no estádio do .b ibelot - de uma Tsimshian, que lhes são comparáveis, mas com uma sensibi-
arte a que foram dados utensílios de aço e que o aço há-de lidade talvez mai'S humana; os Bella Coola, cujas máscaras
de~truir; passando pela moda louca - que a:penas durnria afecta:m um estilo pomposo em que predomina .o azul de
alguns anos - dos toucados de dança, .com .figums escul- cobalto; os Kwakiutl, de imaginação desenfreada, que na
pidas num fundo de nácar, rodeadas de peles ou de penugem criação das suas . máscaras de dança 'Se entr,ega~ a estupen-
branca; de onde pendem, em ca:scata, peles de arminho dos festivais de forma e cores; . os Nootka; caracterizàdos.
côm& se fossem ·caracóis . Esta ÍQ.cessante renovação, esta por um realismo mais.· contido; e, enfim, no extremo '~ul, os,.
, segurança de inventiva que garante o ,êxito onde quer que Salish, cujo e'StilÓ .rri.uito simplificado é angulbso e e~queri}ª,­
·seja.· &plicada, este desdém pelos lugares-comuns, a forçar tico e no seio dos quais se diluem as influência·s ~ seten-
·\
improvisações sempre novas que infalivelmente conduzem
a brilhantes resultados, só poderiam vir a ser vagamente
compreendidos pelos nossos contemporâneos na sequência
trionais.»

«Para os espectadores dos ritos de iniciação; estas


:
. ~\
( .. . . .... . ..... ' ....·.. ' ... . ..... ' ...... ·.·, ............ ... ' .. .·..... ... ...· . ; •. • . . ' · ' ._.)

do excepcional destino de um Picasso . Mas com uma dife- máscaras de dança que de repente se abrem em duas para
rença: os arriscados exercícios de um único homem, que mostrar uma segunda face ·e, às vezes, mp.a terceira por trás
durante trinta anos no'S tiraram o fôlego, foram pratica- desta, todas elas marcadas pelo mistério e pela austeridade,
dos por toda uma cultura indígena ao . longo de cento e atestavam a omnipresença do sobrenatural e a . pululação
cinquenta ainos, mesmo mais; pois não temos motivos para dos mitos. Abalando a placidez da vida quotidiana, est~
duvidar de que esta arte multiforme •s e terá desenvolvido, mensagem primitiva mantém-se tão violenta que o isola-
·ao mesmo ritmo, desde as suas mais remotas origens - que mento profHáctico da:s «vitrines» ainda hoje · nãó cÔI)$e-
a1nda hoje continuam desconhecidas. E alguns objectos de gue impedir a sua comu;:icação. Vagueai durante um~ ?u
pedra· 1recolhidos nas escavações atestam que esta arte, de duas horas por esta sala atravancada de «pilaires .vivos»;
'-umá poderosa individualidade já identificável nas sua'S pro- por uma correspondência diferente, as palavra'S do poeta i[a-
' duções arcaicas, .vem de uma época muito antiga - dando-se duzem exactamente a locução indígena que designa os postes
a este termo o valor relativo habitual na sua aplicação à esculpido·s que suportavam as vigas das casas:. postes-·qhei .
arqueologia americaina. mais que coisas, são seres de «olhares familiares»~ ,p~i'S,
· ··«Seja como for, no final do século XIX airida havia um "' nos dias de dúvidas e tnrmentos, também eles soltam t«cori>
rosário de aldeias espalhadas ao longo da costa e nas ilhas, fusas palavra'S>), guiam o haibitante, aconselham-no, recon-
desde o golfo do Alasca até ao ·sul de Vancouver. Na oca- foirtam-no, mostram-lhe a saída das dificuldades. Mesmo hoje
sião da sua maior prosperidade, as tribos da costa noroeste - em dia, é-nos necessário um certo esforço para só reconhecer
reuniam cem a cento e cinquenta mil almas: número neles os troncos mortos e ficar surdos às sua'S vozes aba- ·.
irrisório quando se pensa na intensa e'x;pressão e nas deci- fadas; como também no-lo é necessário para, por detrás
sivas liçõe'S de uma arte inteiramente elaborada naquela . do vidro das «vitrines» e de um e outiro lado de uma caran-
proVínda longínqua do Novo Mundo por uma população tonha tenebrosa, não entrever o <~Corvo canibal» a dar

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es.talos com o bko à maneira de asas ou o «Senhor das
maré's» a comandar o fluxo e o refluxo das águas com um vanos animais e um homem. A caixa fala, vela eficazmente
pestanejar dos seus olhos engetnhosamente articulados. pelos tes9uros que lhe foram confiados, a um canto da casa
<~Com efeito, quase todas e·stas máscaras são mecanis- em que tudo proclama que ela própria é a carcaça de outro
mos a um tempo ingénuos e veementes. Um conjunto de · animal maior no qual se entra pela porta-:- goela escan-
cordéis, 1roldanas e dobradiças permite, às boca·s, troçar carada .:_ e em cujo interior se ergue, com cem aparências
dos terrores do novato; aos olhos, chorar a sua morte; aos amáveis ou trágicas, uma floresta de símbolos humanos e _
bicos, devorá-lo. única no género, esta arte .r eúne 'nas suas não humaino:s.»
figuraçôes a serenidade contemplativa das estátuas ~e Conheci mais tarde outras colecções da costa noroeste.
Chartres ou dos túmulos egípcios e os artifícios do Carnaval. A do Ameirican Museum, vítima ~como muitas outras) das
Estas tradições, de igual grandeza e de autenticidade com- aberrações dos conservadmes; perdeu boa parte dos atracti-
parável, cujos restos desmembrados são hoje conservados vos que a apresentação concebida por Franz Boas tão bem
nas 'barracas de feira e nas catedrais, reinam aqui na sua tinh·a sabido conservar-lhe. Partilhando entre nós, conforme
primitiva unidade. Este dom ditirâmbico da síntese, esta as disponibilidades do momento, as peças encontradas à
faculdade quase monstruosa de perceber como semelhante venda nos antiquários de Nova Iovque - numa época que
o que os outros homens coincebem como diferente consti- também hoje nos parece mística e na qual estas obras não
tuem, sem dúvida, a marca excepcional e genia.l da arte da despe1rtavam qualquer interesse - , Max Ernst, André Bre-
Colômbia britânica. De «vitrine» em <<Vitrine», de objecto em ton, Georges Duthuit e eu formámos c~lecções mais modes-
objecto e, por vezes, de uma a outra parte ·do· mesmo objecto, tas; a minha, tive de vendê-la em 1951. Conselheiro cultural
julgar-se-ia passar do Egipto ao nosso :século xu, dos Sas- -da Embaixada, tinha tido, por alturas de 1947, oportunidade
sânidas aos carrocéis das fei1ras de subúrbio, do palácio de de adquirir piara a França uma célebre colecção que agora
Versailles (com a sua insolente acentuação dos emblemas e se encontra num museµ da costa ocidental dos Estados
troféus e o seu recurso quase despudorado às metáforas Unidos: em vez de dólares, sujeitos a impostos, o vendedor
plásticas e às alegorias) à floresta do Congo. Observai de preferia receber algumas telas de Matisse e de Picas:so. Ape-
perto estas caixas de provisões, esculpidas em baixo-relevo· sar de todos os esforços, não consegui convencer os res-
e realçadas a negro e vermelho: a ornamentação parece ponsáveis pela nossa política artística que, por coincidência,
puramente decorativa:. Mas os cânones tradicionais exigem estavam nessa altura de visita a Nova forque. :e certo que
que nelas estejam representados um urso, um tubarão ou um nesse tempo as colecções nacionais não tinham pintura
cast~r - porém sem nenhuma daquelas limitações que nou- moderna para ·r evenda, e . consideraram utópico o meu plano
. tros ·sítios travam o artista. Na verdade, o animal aparece de fazer um pedido directo aos dois artistas citados - mesinb ,
S;Ímultaneamente de tirente, de costas e de lado; é visto, · ao que se lhes desse o usufruto ou até a propriedade destes ·
· mesmo tempo, de cima e de baixo, de fora e de dentro .. por maravilhosos objectos, pois, urna vez em França, tarde ou' -
uma extraordinária mistura de convenção e realismo um cedo iriam parar aos museus. . ·'
cir~rgião-de:senhador esfolou-o e esquartejou-o, tiro~-lhe Apesar destes dissabores, e sem dúvida .em pa'rt~ .po~ ·
mesmo: as entranha~,- para reconstituir um novo ser que, em causa deles, nunca se desfez a ligação quase carnal. .l!J.Ue, \.
- todos o_s pontos da sua· anatomia, coincide com as superficiés desde o período irntre as duas gueuas ·e ao ver ?S · raro~~
do ~ parn1elepjpêdo, e criar um objecto que seja ao· mesmo
1
objectos entã:o existentes nas colecções tirancesas e nalguns_
tempo ·caJxa .e animal e..:_ ao mesmo tempo também - um ou antiquários, eu tinha criado com a arte da costa noroesté
Sentia-a ainda muito recentemente · ~o pé dos lugares onde

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_essa arte nasceu e se desenvolveu, ao visitar os museus de feitos com- dois cilindros de madeim esculpidos na massa
Vancouver e de Victoria e ao vê-la reviver sob o cinzel ou o ou embutidos, e fortemente salientes nas órbitas.
buril dos hábeis escultores e ourives índios - muitos dos Olhando essas máscairas, repetia incessantemente' para
quais são dignos dos seus grandes antepassados. comigo as mesmas p·e rguntas. Porquê esta forma invulgar
E todavia, com o co1rrer dos anos, este sentimento de e tão mal adaptada à sua função? Bem entendido, eu via-as
veneração vinha :sendo sempre minado por uma inquietação: incompletas, pois, noutros tempos, tinham sido encimadas
aquela arte punha-me um problema que eu não conseguia por um diadei::na de penas de cisne ou de águia da montanha
resolver. 1 Certas máscaras, todas do mesmo tipo, . perturba- (umas completamente brancas e outras brancas nél. _ponta),
vam-me pela sua estrutura. O estilo e a forma eram estra- entre as quais se eriçavam várias hastes muito finas orna-
mentadas com bolas de penugem e que tremiam a cada
nhos; a sua justificação plástica fugia-me~ Embo1ra pro-
movim~nto do bailarino. E a base da máscara assentava
fund amente escavadas pelo cinzel do escultor, embora lhes
numa espécie de ~r:ande cabeção, outrora de penas rígidas
tivessem sido acrescentadas algumas peças, apesar das
e, mais recentemente, de tecido bordado. Mas esses enfeites,
suas partes s alientes, tinham uma aparência maciça: feitas / , visíyeis em fotografias antigas, 'ainda mais acentuam a estra-
para ser postas à frente da cara, a sua parte posterior - de nha ap·a rência da rpáscara e não esclarecem os seus aspec-
fraca concavidade - não se ajustava bem a ela. tos misteriosos: _porquê essa boca tão aberta, essa mandí-
Muit o mais largas que um rosto humano, est as más- bula pendente exibindo uma língua enorme? Porquê essas
cairas são arredondadas na parte de cima, mas os lados, a cabeças d~ pássaros sem relação aparente com o resto e
princípio encurvados, aproximam-se um do outro e tor- dispostas de maneira tão inexplicável? Porquê esses olhos
nam-se paralelos · ou a:té oblíquos; o terço ' infer ior tem, protuberantes, que constituem o traço invariante de todo's
assim, o aspecto aproximado de um rectângulo ou de um os tipos? Porquê, enfim, esse estilo quase demoníaco a que
trapézio inverüdo. Na extremidade inferior, a pequena base nada mais se aparent a nas culturas · próximas - como,
é pe1rfeitamente horizontal, como se alguém tivesse serrado tão-pouco, nesta em que •surgiu?
a máscara em pleno motivo - o qual representa uma ,f ui incapaz de responder a todas estas interrogações
maxila inferior descaída, de , cuja parte central pende uma enquanto não compreendi que, t_aJ_ como os_ mitos, as más-
grande língua esculp1ida em baixo-relevo ou pintada de ver- caras não podem ser interpretadas -em s.i e por si, como
melho. A cerca de um terço da altura da máscara está a objectos isolados. Considerad9 no ?Specto semântico, um
maxila superior, salie1nte. Lo:go po1r cima dela, o nariz - por mito só adquire sentido quando inserido no grupo das suas
vezes indicado de modo esquemáJtico ou até ausente - é tran;;formações; e, do mesmo modo, urri certo tipo de más-
muitas vezes substituído por uma cabeça de pássaro muito cara, oonsidera:do apenas . do ponto de vista plástico, é
saliente, de bico entreaberto ou fechado; e no alto da más- réplica de outros tipos, cujas formas e cores transforma
cara surgem duas ou três cabeças semelhant es, como cornos.· ao assumir a sua individualidade. Pàra que esta ' individua-
Estas variações da forma do nari~ e o. número e disposições lidade se oponha à de outra máscara é necessário e basta
dos cornos distinguem diversos tipos de máscaras chama- que prevaleça _uma mesma relação entre a mensagem que
das Casto1r, Pato Bico-dé-_$erra, · Corvo e Serpente em certos a primeira máscara deve transmitir ou conotar e a mensa-
grupos; e, noutros, Castor, Pato Bico:de-serra, Corvo, Mocho gem que, na mesma cultura ou nt\ma cultura vizh.1ha, deve
e Salmão da Primavera. 1\1,fas,, q_ualquer que seja o tipo, a ser vekulada pe1a outra más.caira. Nestà perspectiva, por-
forma g~r~l é sempre a mesma- bem ·como a dos olhos,_ tanto, dever-se-á constatar que as , funções · s9ciàis ou reli-

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giosas atribuídas aos vamos tipos de máscaras que opomos
para comparação se encontram entre si na mesma relação
de transformação que a plástica, o grafismo e o coloddo
das :próprias máscaras, encaradas como objectos materiais.
E, como a cada tipo de máscaras se ligam mitos que têm
por fim explicar a sua origem lendária ou sobrenatural e
fundamentar o seu papel no ritual, na ·economia, na socie-
dade, uma hipótese que alargue él obras de arte (que, porém,
o não são exclusivamente) um método que já deu boas
provas no estudo dos mitos (que também são criações artís-
ticas) encontrará verificação se, em última análise, puder-
mos descobrir, entre os mitos que estão na base de cada
tipo de máscara, relações de transformação homólogas
daqueLas que, somente do ponto de vista plástico, preva-
lecem entre as máscaras propriamente ditas.
Para levar a cabo este ,programa, é importante consi-
derar em primeiro luga1r aquele tipo de másca11a que 'nos
colocou tantos enigmas, a fim de reunir o conjunto das
informações disponíveis a seu respeito - isto é: tudo o
que se sabe dos seus caractere$ estéticos, da sua técnica
de fabricação, do uso 'ª que se destina e dos resultados
que dele são esperados; e ainda, finalmente, acerca dos
mitos que narram a sua origem, a sua aparência e as suas
condições de uso. Com e.feito, só constituído esse «dos-
sier» global é que se poderá confrontá-lo utilmente com
outros «dossiers».

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II

O tipo de máscara que acabamos de descrever é pró-


prio de uma dúzia de grupos índios que são membros da
família linguística salish. Estes grupos ocupavam dois ter-
!ritóri.os, cada um dos quais com cerca de trezentos quiló-
metros de comprimento: no continente, <:10 norte e ao sul
do estuário do rio Fraser; e, do outro lado do estreito da
Geórgia, na parte oriental da ilha de Vancouver. Em geral,
chama-se a estas máscaras swaihwé -nome que têm no
vale do Frase1r (1 ); as palavras com que elas são designa-
das noutros locais são muito . semelhantes e parece inútil
fazer aqui a sua lista, bastando assinalar que, na região
de Puget Sound, onde a máscara é desconhecida, há uma
palavra quase idêntica, sqwéqwé, para designar o potlatch
- género de cerimónias durante as quais um hospedeiro
distribui dquezas pelos convidados que reúne para validar,
com a ·s ua presença, o facto de receber um novo título ou
de .passar a novo estatuto social. Voltaremos a falar desta
proX!imidade .
. A cor branca era a que dominava no vestuário dos
portadores da máscara. O cabeção que já mencionámos
era feito de · penas de cisne, tal como o saiote, as grevas .
e os braçais - estes por vezes de pele de mergulhão -
que os. bailarinos envergavam. _C.eutos grupos setentrionais
- os Klahuse e os Slaiamun - emprngavam, em vez de

( 1) O fonema da língua salish que geralmente representamos


com um h ou um x é uma fricativa uvular. Do ponto de vista fonético,
a transcrição sxwaixwe seria mais exacta.

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d1 •, l 11:: diferem nitidamente uns dos outros conforme são
penas, uma palha brilhante, também branca. Os mascara- d 1 ilha ou da costa continental.
dos seguravam na mão um sistro especial, feito com con- As versões insulares contam que, nos primeiiros tem-
chas de um molusco enfiadas num aro de madeira. Na po:i, os antepassados das máscaras caíram do céu. As suas
época em que Curtis visitou os Cowichan da ilha de Van- faces eram, em todos os pormenores, s.e melhantes às da:s
couver, havia entre estes índios sete proprietários de más- nctuais máscaras. Duas dessas personagens foram as pri-
caras swaihwé, que se apresentavam quando se realizavam n1 iras ·a chegar à terra; expulsaram a terceira, que veio
os potlatch mas não pa:rticipavam nos ritos de Inverno. pouco depois, devido ao receio de que o seu odor corporal
Quem quisesse dar um poU.atch ou alguma outra festa (dizem uns) ou o ruído do seu si'stro (dizem outros) espan-
, ,rof-ªf!ª pagava aos possuidores de máscaras paira obter a tasse os salmõ~s. A quarta, ao tocar no solo, fez estre-
sua colaboração. Estes, enquanto dançavam, apontavam , inecer a terra. Ao todo, eram seis; e cada uma delas trazia
com o dedo p,a ra o céu a füm de recordar que, como adiante um bem especial: arma, engenho de caça ou pesca, utensílio
veremos, dai tinham vindo os seus antepassados. Os Mus- doméstico, remédio mágico ...
queam do estuário do Fraser, que obtiveram a máscara de Já nessa altura um homem habitava naquela região.
grupos mais a montante, exibiam-llla nos potlatch, nos casa- Tinha uma filha e, como esta fosse preguiçosa, fê-la cas,a r
mentos, nos funerais e nas danças profanas que acompa- com um dos recém-chegados, reputado como, bom caçador.
nhavam as cerimónias de iniciação. Em certos grupos do Acompanhada de dois escravos, a jovem percorreu um
estuário, um palhaço cerimonial, com uma máscara um longo caminho a-té chegar junto do noivo, a quem ofereceu
pouco diferente, atacava os mascarados swaihwé à lançada, salmões secos. Os viajantes receberam caI1lle em troca desse
como que para lhes vazar os olhos, e os dançarinos fingiam presente. Mas o casamento não correu bem: os três filhos
expulsá-lo. morreram em tenra idade e o esposo enviou a mulher para
As máscaras swaihwé e o direito de as envergar nas casa do pai.
cerimónias pertenciam exclusivamente a algumas linhagens O mesmo antepassado resolveu então casar com a fülha
~levadas . Tais privilégios eram transmitidos por herança ou que um do'S seus companheiros tivera de uma estrangeira.
por casamento: ~uma mulher que pertencesse a uma dessas E tiveram muitos filhos. Juntamente com o irmão (ch:egado
linhagens proprietárias da máscara transmitia esse direito do céu imediatamente depois), descobriu um dia o cão,
aos filhos. que desse ao marido. Assim se explica que, P''!-r- que os auxiliou na caça. Mas, desprezando as recomenda-
ti1ndo de um ponto originário talvez único, a máscara se ções do irmão mais velho, o outro toMou-se culpado de
haja espalhado do continente até à ilha de Vancouver e, incontinência sexual com a mulher e, como previsto,· o cão
desc;le o e'stuário do Fraser, ao longo de cerca de du~entos desapareceu. Os dois homens partiram então à prõctira dele
quilómetros para norte e para sul. Na ilha, entre os Cowi- e chegaram junto de uma queda de água que os salmõe!?
chan . e os seus vizinhos Nanaimo, a exibição das más,c aras tentavam subir. Isto fê-los reflectir: confeccionaram cestos
tinha uma função purificadoq:1: «lavava» os esp~ctadores. de vime que depois suspenderam ao longo da queda de ·
E, em toda a área que estamos a considerar, as máscaras água; muitos dos peixe'S que saltavam iam cair nesses ces-
traziam boa sorte e favoreciam a aquisição de riquezas. tos. Puseram a secar uma gmnde quantidade de peixes e,
carregados de provisões, regressaram à aldeia.
Embora esta última função esteja presente em todos Mais desenvolv,i da que outras que no'S disp·eins·amos de
os locais, e embora se possa, port:a1nto, ver nela um atri- resumir, esta versão não é mais coerente que elas. Os epi-
buto invariante das máscaras, os mitos relativos à origem
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sódi:os não têm ligação e ·a narrativa acaba abruptamente do cão, não podendo a'Ssim matar a caça com que um
numa pescaria que não tem função alguma na intriga e lllarido tem o dever de alimentar a esposa. A esta dupla
não lhe dá uma conclusão definida. Distinguimo'S, porém, f'alta de um marido para com a mulher correspondem, na
vários paralelismos: o p;riincipal antepassado contrai dois l)rimeira parte do mito, as faltas de uma mulher para com
casamentos sucessivos - um com ·uma esposa anterior (já o pai e para com o marido: falta contm a cultura quando
vivia na terra antes dele) e afastada, pois pertencia a um a jovem preguiçosa se recusa a coser peles para fazer ves-
povo diferente; o outro com uma esposa posterior (nascida tuário; e falta COlntra a natureza quando, já oasada, se
depois de ele ter chegado à terra) e p·r óxima (filha de um revela incapaz de procriar crianças que vinguem. As ver-
do'S seus companheiros). sões da ilha mostram-se, em tudo o mais, rebeldes aos
esforços de formalização. Só na comparação com as ver-
homem - - - - - - mulher sões continentais se pode esclarecer a sua estrutura. Con-
~-...
..·.... .. .. ..~ sideremos então essas versões continentais.
v?J.'<-f:\e • • • • • º • • .Oe,-t
•• •• s Com pequenas diferenças, todos os grupos do médio
cão• • • • • • escravos e baixo Fraser narram o mesmo. Havia um rapazinho que
sofria de uma espécie de lepra. O seu corpo exalava um
Dois tipos de au)Giliares se manifestam por ocasiao de cheiro fétido e até os parentes mais próximos o evitavam.
cada casamento: os escravos da primeira mulher, que são O infeliz resolveu matar-se atirando-se a um lago. No fundo
pescadores - , certamente, do sexo masculino·- , e o cão das águas, foi embater nn telhado de uma casa guardada
de caça descoberto pouco depois do segundo casamento. por me11guihões (Gavia sp.) e cujos habitantes sofriam
O cão é, de facto, no pensar dos Salish, uma espécie de todos de uma doença misteriosa (ou, consoante as versões,
escravo: «Até um cão ou um escravo trabalha melhor apenas uma criança de peito, ou a filha do chefe, sofriam
quallldo é bem tratado», diz-se na'S bandas de Puget Sound. de convulsões depois de o herói lhes ter cuspido nas costas
Não sabemos se o· animal do mito é macho ou fêmea, mas ou no estômago). Em troca da sua própria oura, curou o
os Salish do interior ;relacionavam os cães com as mulhe- ou os doentes, obteve a jovem em casamento e viu pela
res. Um mito okanagon explica «porque há hoje mulheres primeira vez as máscaras, os sistros e o vestuário dos
e cães». Ao invocar ritualmente a alma do urso morto na bailarinos swaihwé. Em seguida, viu-se trainsportado mira-
caça, promete-se-lhe: «Nenhuma mulher comerá a tua culosamente até ao local onde tinha mergulhado; ou então
carne e nenhum cão te insultará». Era vedado· às mulheres O· castor e o salmão da espécie chamada Cohoe - e, por
e aos cães urinar perto dos locais reservados aos homens; vezes, outros animais, cf. nomes das máscaras, p. 14- abri-
e um cão que urinasse no mesmo sítio que uma mulher iram-lhe uma passagem subterrânea que vinha dar perto
era morto. Nas habitações dos Carrier (que são athapaskan da aotual cidade de Yale.
limítmfes dos Salish), o lado da porta era atribuído às O herói mandou ou levou a irmã até à beira do lago
mulheres e aos cães. De facto, no mito, o reforço do laço entre e ordenou-lhe que deitasse à água a linha de pesca com
o caçador e o seu cão implica, como se viu, o enfraqueci- ou sem anzol (numa das versões, com penas a fazer de
mento dos laços entre o homem e a esposa. Ao compor- isco). A rapadga eapturou e trouxe até à tona da água
tar-se demasiado apaixonadamente, o marido lesa a mulher, os espíritos aquáticos, que se libertaram e voitaram para
pois esta vio1ação dos tabus de caça o priva dos serviços o fundo deixando ficar uma máscara e um sistro. Os dois

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jovens colocaram estes preciosos objeotos num cesto orna- 110 cesto. O irmão exibe a másca1r a em certas danças. Daí
mentado que para o efeito entreteceram; ou então embru- e1n diante, a máscara será tnp1smitida por herança 'ou por ·
lharam-nos na mais bela manta de sua mãe. ·Ora, numas ·asamento, mas também acontece ser roubada durante as
versões, o herói devolve às águas "ª máscara original depois guerras: acidente sem consequências de maior, visto que os
de ter feito uma cópia e de encanre_gar o primo de a trazer stranhos não conhecem os cantos e as danças que dão
em público (pois, diz o mito, não tem, pessoalmente, meios ficácia à máscaira.
para . tal ,fiunção); ora, noutras versões,., e ,pelos mesmos ·Na foz da ribeira Harrison, também no baixo Fraser,
motivos, dá o origitnal ao · irmão mais novo. _Mas, quer seja conta-se que o primeiro antepassado teve dois filhos e duas
o original quer seja uma cópia, a máscara passa, como filhas. Estas iam todas as manhãs à pesca. Um dia, puxa-
dote, em quase todas as versões, para a irmã oU paira a ram com a linha uma coisa pesada e viram os olhos pro-
filha do herói quando ela casa. Só uma versão se afasta tuberantes e as penas da swaihwé (que aqui se chama
da norma, dizendo que a máscara caiu nas mãos de inimi- sqoâéqoé). Chamaram o pai e o ser sobrenatural desapa-
'gos. Era, na verdade, preciosa; deu ao seu primeiro pos-
receu, deixando a máscara e o vestuário. Os descendentes
suidor o poder de curar convulsões e doenças de pele ·e,
desta família casaram com mulheres de tribos diferentes,
de um modo geral - diz a mesma versão do mito - , «tudo
e foi deste modo que se espalhou o uso da máscara.
é fácil para quem tiver a máscara».
No mês de Julho de 1974 ouvi no baixo Fraser uma
Os mitos do continente oferecem outra característica
comum: lo·ca1izam com precisão a narirativa. Uns dizem versão ligeiramente diferente, proveniente de Sardis, perto
que os acontecimentos se passam em rwawus, ou Ewawus, de Chilliwack. A máscara teria sido pescada em Harrison
aldeia a llil1S três quilómetros a montante da actual cidade Lake por duas irmãs solteiras, ferozmente hostis ao casa-
de Hope. O lago onde o herói procura a morte é · o laigq mento, ,cujo único irmão tinha a mesma atitude. A máscara
Kaukwé ou Kawkawa, próximo da foz da ribeira de Coqui- tinha um . bico comprido e era 0irnamentada de penas, às
halla; afluente da margem esquerda do ,Fraser, no qual se quais o irmão ficou devendo a vida: um dia em que . era
lança · por alturas de Hope. Depois do trajecto subterrâneo, persegurido por inimigos fugiu a nado e ninguém suspeitou
o herói volta, à superfície perto de Yak, e é também para da sua presença sob as penas que emergiam da água. Este
Yale que toda a sua família vai pe~car. incidente demonstrou as virtudes da máscara. Mais tarde,
Os índios Thompson, grupo Utamqt, têm uma versão um xamã completou-a com um traje de dança f.eirto de
muito próxima das anteriormente mencionadas. Citam a penas de águia; as duas irmãs arrependeram-se e consen-
aldeia Wau'us e situam-na a quatro ou dnco quilómetros tiram em casar - uma com um membro dos Squamish e
para leste de Hope. Esta versão levanta todo um problema, outra com um dos Sumas.
ao qual dedicamos um capítulo da segunda parte deste Como outras ql!e vamos examinar, esta versão eYQca .
livro (infra, p. 137). Uma versão· proveniente do baixo implicitamente uma situação inicial quase incestuosa: o
F1raser dá maior importância à irmã. No inicio da narra- irmão e as irmãs são abusivamente aproximados pela sua
tiva, esta vive sozinha com o irmão; ao içar a máscara que comum hostilidade ao casamento, que os incita a viver jun-
os espíritos do lago lhe prnndem ao anzo·I, começa por jul- tos; mas mo fim, e como noutras versões, ·a obtenção da
gar ter apanhado um peixe; ao ver as penas assusta-se e máscara e o seu uso levam as mulheres ao casamento
foge. O irmão manda-a voltar, ela recomeça ;:i, pesca, pega exógamo. Por outro lado, o motivo do isco flutuante faz
finalmente na máscara, envolve-a numa manta e coloca-a recordar um episódio análogo da versão squamish (infra

24 25
p. 30) que provém, precisamente, de um dos dois grupos prometeu-lhe acompanhá-lo durante a próxima prova a
onde as duas jovens foram casar (1 ). fim de o ajudar a encont.rar a1gum alimento. Deu-lhe raízes
A, sul da fronteira entre o Canadá e os Estados Uni- de fetos mas, na volta, o rapaz sentiu-se mal; desconfiando
dos, os Lummi do Estado de Washington chamam à más- de alguma desobediêncià, o pai expulsou-o e prometeu-lhe
cara sxoaxi e dão-lhe uma forma um pouco diferente: uma uma morte próxima.
grande cara em cuja boca faltam um ou dois dentes da O. herói partiu à aventura e o seu corpo cobriu-se de
frente, para que o seu portador veja alguma coisa pelo úlceras. Certo de estar para morrer, resolveu andar até
interstício. Uma cabeça de corvo com o bico para baixo tão longe que inão encontrassem o seu cadáver. Um dia,
faz as vezes de nariz; prolonga-se para cima por uma forma esgotado pela fadiga e, pela doença, parou junto de um
humana cuja cabeça redonda encirtia a máscara, eriçada . regato. Dois homens - um deles pintado de _vermelhQ e o
de finas. hastezinhas onde foi colada penugem de cisne. 'outro de negro - apa~eceram-Jhe enquanto dormia e pre-
O dançarino, nu até à cintura, vestia um saiote de pele de disseram-lhe que encontraria, no dia seguinte, dois . sal;-
cabra selva cm e grevas de pele de cisne e tinha ma mão
1
mões, um vermelho e o outro negro. Deveria 'prepará-los
um sistro do tipo anteriormente descrito. Qualquer pessoa segundo os ritos, assá-los e pô-los numa cama de couves
que se apoclcrass indev ida.monte da máscara ficmria, segundo fétidas (Lysichiton) mas, mesmo que tivesse muita fome,
a crença, com a cara cob rta de úlceras. Um palhaço 111ão deveria comê-los. Fazendo isso, nunca mais teria fome.
cerimonial participava na dança. Trazia uma máscara ver- Este par bicolor de salmões que tentam o herói· faz-nos,
melha de um lado e negra do outro, com a boca a toda evidentemente, . pt:;nsar no bailarino com uma máscara ver-
a largura e os cabelos em desalinho. ·Os espectadores não melha de um lado e negra do outro, que, a seu modo,
deviam rir-se ao vê-lo, sob pena de ficarem também cheios provoca os po:r:tado1res das máscaras sxoaxi. Mas não há
l
de úlceras no corpo e nas vias respiratórias. Esse palhaço indícios bastantes para a exploração desta pista. Voltemos,
perseguia os bailarinos mascarados e procurava, em par- portanto, à narrativa mítica.
ticular, vazar-fües os olhos, que. como nos outros locais, O herói observou rigorosamente as indicações dos
eram fortemente protuberantes. visitantes hocturnos; das suas faces e do peito saltaram rãs
As máscaras sxoaxf saíam por ocasião de cerimónias para . cima dos. salmões. Os dois homens voltairam na noite
profanas como os potfutch. Não. lhes tinham acesso os dan- seguinte e ordenaram ao seu protegido que seguisse o curso
çarinos que tivessem ganho · a protecção . de · illn . espírito de uma . torrente que se_ l?erdia nas montanhas. O jovem
guardião - devido ao receiô de que, manifestandó-se a des- deixou-sé levar pela corrente até chegar a uma grande casa
propósito, esse espírito · desvirtuasse a cérimónia. O mito em cujas . paredes estavam pendurados . trajes de dança. Fo·j
da origem da máscara merece atenção especial. Ei-lo: recebido por um velho, que lhe pediu desculpa por nada
Um jovem, órfão de mãe, preparava-se para a inicia- lhe poder dar ali: . «Volta para a tua aldeia - disse - e
ção . O pai tratava-o com dureza e tnfüigia-lhe todas as exige que purifiquem a tua casa e que façam dois cestos».
espécies de provações, proibindo-o até de se aproximar No dia seguinte - prosseguiu o velho - , a irmã do herói
da irmã única. Esta, condofda, foi vê-lo às escondidas; deveria cortar três madeixas de cabelo, atá-las pelas pon-
tas umas às outras e mergulhá-las na água como se fossem
1
( ) Agradeço ao chefe Malloway, de Sardis, que teve a gentileza uma linha de pesca.
de me contar este mito, bem como aos doutores W. G. Jilek e L. M. A irmã assim fez, e puxou a linha quando sentiu peso.
Jilek-Aall, que me proporcionaram encontrar-me com ele. Ouviu-se um rumor no fundo da água; a rapariga trouxe

26 27
p~ra a margem uma máscara, que achou horrível, à qual
vmham; presos dois sistros. Pescou outra máscara ainda; qttt ~ se desloca para longe para encontrar mmrido (eixo
o irmão pôs cada uma delas em seu cesto. Caída a noite, lwri:.wntal) , por outro, o terceiro antepassado caído do· céu
c9m toda a gente da aldeia reunida, entoou o canto das más- t'' mantido à distância com receio de que o ruído do sistro
. /
caras, que deu a envergar a dois jovens robustos escolhidos t n1. o mau cheiro do corpo faça fugtr os peixes. Só a versão

éntre os parentes mais chegados. Depois disto, várias aldeias lummi adapta a fórmula pai-filho, especificando que a mãe
o ·C ontrataram para exibir as máscaras nas suas cerimónias morreu, mas à custa de uma inversão - que op.õ e est~ a
.·e ficou muito rico. 1odas as outras versões continentais. De facto, nesta ver-
Htlo o herói adoece em col'lJSequênoia da sua ·,desobediência,.
Ao contrário das versões da ilha, vemos que as ver- . esta é a causa do seu exílio - ao passo- que, noutràs
sões continent~is têm um entrecho claro e bem estruturado. versões, ele se exila voluntariamente devido à doença que o
M_a s ~emos também que a aparente incoe1rência daquelas ;,tflige.
se. deve a elas se limitarem a inverter todos os episódios e Nas versões insula1res, a jovem preguiçosa casá' 'com o
a terem de elaborar outro entrecho que permita ligá-los, primeiro mascarado; mas priva-o dos meios de se tornar
com o ~ inconvenienrte de modificarem a ordem por que se um antepassado, pois todas as crianças nascidas d,a si,Ía .
encont;am., colocando no final .a imagem transformada de união morrem muito cedo. Nas versões do continente, pele;>
contrário, o Jovem doente casa com a filha ' do chefe dos
um erpisódio cuja forma original se encontrava no prin-
cípio., esp.íritos .aquáticos, · que é a primeira figura · mçisca.rada, e
cura também todos os outros que, pelo seu casamento e
Esta manipulação manifesta-se já na origem atribuída
por ter recup·e rado a saúde, poderão passar a ser antepas-
às máscaras num e noutro sítio. Nas versões do Fraser sados. Depois disto, a heroína das versões insulares e o
há que içá-las laboriosamente da sua morada subaquátic~ herói das continentais são mandados, ela, para junto do pai,
para terra firme; nas da ilha, as máscaras caem esponta- e ele, para junto da mãe. A primeira máscara das versõés
neamente do céu sem intervenção exterior. Se o ponto de da Hha casa então com uma parente próxima que não é
ohegada, o . solo, é o mesmo, o de origem é, num caso, 0 uma irmã; e, nos mitos continentais, o herói dá uma tarefa
r céu - ou seja, o alto; noutro caso, o mundo ctoniano à irmã - a quem, prtncipalmente na versão lummi, está
situado pelos mitos no fundo da água. As versões da ilha unido por uma intimidade de carácter quase incestuoso.
e as da costa continental mantêm entre si, em todos os Esta excessiva intimidade evoca a incontinência sexual de
pormenores, a mesma relação de inversão. Umas trazem que, nas versões insulares, um dos protagonistas é culpado
para o primeiro plano do entrecho a relação entre marido com a mulher, embora ambas as aproximações hajam sido
e muJher; as outras, a relação entre irmão e irmã. Ao epi- proibidas - pelo pai do herói, numa caso, e peilo irmão,
sódio inicial dos mitos da costa, relacionado com 0 filho no outro.
doente e incurável de uma mãe (uma das. versões especifica Compreende-se agora a razão de ser da bizarra pes-
que o pai morreu), que é mantido à distância por causa do caria ení que terminam as versões insulares. Tendo posto
seu ~au cheiro, e que se atiira à água - indo, portanto, a origem das máscaras no início da narrativa em vez de
de c1ma · para baixo {eixo vertical) - correspondem, nas no final, ao contrário das versões continentais, em que
versões insulares, por um lado a filha preguiçosa e inútil elas são trazidas do fundo da água, as versões da ilha não
de um pai (os mitos nada dizem da ascendência materna), sabem, literalmente, .como acabar. Necessitam de uma con-
dusão; mas, indispensável a este título, a conclusão das
28
29
versões continentais já não pode subsistir senão sob a forma nté que, por fim, consentiu, afirmando logo a seguir ser
paradoxal de uma pesca fora de água em que os peixes que o irmão mais velho. «Não - disseram os dois irmãos-,
procuram subirr uma queda de água vão cair nos cestos de tu és o. mais novo, porque nós já cá estávamos antes de
vime. Esta efabulação corresponde rigorosamente à pesca das ti». E, ao ouvir isto, o homem pôs-se a dançar outra vez,
máscaras que estão no fundo das águas e que sãn colocadas não querendo parar. Os irmãos, encolerizados, expulsaram-no
em cestos_ expressamente confeccionados para tal. Obtemos para jusante, para uma baía. Aí o desconhecido casou com
assim ,duas conclusões simétricas: uma, em que seres huma- uma mulher que veio não se sabe donde e teve numerosa
nos pescam à linha máscaras que estão na água e as colocam descendência com temperamento vivo e enérgico. Por vezes,
nos cestos; outra, em que seres sobrenaturais, protótipos as focas iam a um recife próximo da sua aldeia. Quando
dàs máscaras, fabricam cestos que depois penduram ao ar ' as focas ladravam, os habitantes da aldeia primitiva, mais
livre, segundo uma técnica de pesca concebida para as neces- afastada da costa, vinham caçá-las; mas em vão, pois os
sidades da ocasião a fim de capturar peixes trazidos para fora seus rivais, que estavam ali mesmo ao pé, já as tinham
de água pot uma ginástica muito especial. ·· · apanhado ·.t odas. Esta situação agravou-se cada vez mais
Resultam, des ta análise, duas conclusões. Em primeiro e a fome começou a atormentar os primitivos habitantes.
lugar, verifica-se que é mais fácil transformar as versões Havià entre eles um feiticeiro que imaginou um estra-
continentais nas versões insulares que o contrário. Na ver- tagema. Passou meses; talvez anos, a fabricar uma foca
dade, as versões continentais são logicamente cónstruídas artificial. 'Quando a foca artificial apareceu no rio, os habi-
e as da ilha não, . mas adquirem uma lógica derivada da tantes ,p.riÍnitivos que viviam a montante simularam sair pata
outra se- e somente se- as interpretarmos ' como· o resul- a caça. Os de j~sante, advertidos pelo escarcéu, quiseram
tado de uma transformação cujo estado inicial é ilustrado ser os primeiràs a arpoar a falsa presa, que os atraiu para
por aquelas. Decorre disso que as versões continentais devem montante. A seguir, desceu o rio arrastando os homens
ser consideradas como primitivas e as versões insulares presos à corda do arpão e, atrás deles, as mulheres e as
como . derivadas, confirmando a opinião dos especialistas crianças, que ·tinham reunido as suas coisas e embaircado.
desta região do mundo, que situam no médio Fraser a A foca de madeira tomou o rumo da ilha grande. Algumas
origem e o centro de difusão das máscaras swaihwé - mas famílias, cujos homens tinham largado a corda durante a
valendo-se de argumentos bastante vago~, menós convin- viagem, foram dar à ilha Kuper (próxima da ilha de Van-
centes que os que podem ser extraídos da comparação que couver ' em .frente do estuáirio do Fraser). Os que continuaram
'
acabamos de realizar. Longe, portanto, de virar as costas agarrados à corda foram dar a Nanoose (um pouco mais
à his tó ria, a análise estrutural traz-lhe um contributo. \ - . .
a norte, . na costa da ilha de Vancouver). E por isso que os
Squamislí da costa continental são amigos dos povos que
Assim s ndo, notar-se-á o carácter híbrido de uma versão vivem do outro lado do estreito.
squamish, qu s parece ter como objectivo principal o dar Esta versão confirma a nossa interpretação. De facto,
conta de uma antiga migração da costa para as ilhas. passando-se entre o continente e a ilha, adapta sempre
Nos prim iros tempos, quando ainda havia muito pouca soluções intermédias. Em vez de cair do céu ou de emergir
gente na terra, dois irmãos ouviram um ruído no telhado do fundo de um lago, a primeira máscara aparece np telhado
da sua casa. Era um hom m a dançar com uma máscara de uma casa: a meia altura entre o alto e o baixo e no pró-
sxaixi (a palavra squamish que significa swaihwé). Pedi- prio sítio onde, nas versões «aquáticas», aterra o herói
ram-lhe que descesse, mas ele recusou e continuou a dança1r, que involuntariamente visita os espíritos do lago (supra,
30
31
p. 23). É recebida por dois irmãos, que constituem um par pendente, que é um dos seus atributos característicos, se
nãocmarcado, nos quais é neutralizada a oposição marcada parece com um peixe, com o qual é possível confundi-la;
quer de marido e esposa quer de irmão e irmã. Embora de e metonímica, _visto que elas são pescadas e que é pela
origem relativamente celeste, esta máscara não é o primeiro língua que se apanham os peixes: «Ü monstro aquático
antepassado, pois os irmãos e os seus concidadãos habitavam fêmea- conta outro mito proveniente de Coeur d'Alêne
já a terra e desempenhavam um papel mais importante que - ficou ali, com o anzol na boca .. .».
o papel, muito apagado, atribuído pelas versões insulares Entre outros Salish do inte1r:ior citámos há pouco os
a um único indivíduo reconhecido como primeiro ocupante. Lilloet. Não se pode afirmar categoricamente que as suas
Finalmente, a oposição entre o eixo horizontal e o eixo ver- máscaras, denominadas sainnuX:, correspondessem às más-
tical é também neutralizada, pois a máscara desce sim- . , caras swaihwé do.s seus vizinhos do Fraser, pois não chegou
plesmente do telhado de uma casa e uma caça à foca, até nós nenhum exemplar. Mas isso parece provável, se
que se passa inteiramente à tona de água, substitui a pesca se considerar, por um lado, os postes esculpidos encontrados
à linha nos abismos otonianos. em território lilloet, nos quais é fácil reconhecer as máscaras
Chegamos assim ao segundo ponto. Viu-se que, ao siwaihwé; e, rpor outro lado, o facto de que, tal como estas,
passar das vcrsõ s continentais para as versões da ilha, as máscairas ditas sainnux er~ p·rivilégio de linhagens
o episódio final substitui as máscaras por peixes. Sem especiais que as .e nvergavam por ocasião dos potlach e
dúvida que já eram peixes nas versões continentais - não representavam seres semi-humanos, semi-peixes. Voltaremos
no sentido próprio, claro, mas no sentido figurado, pois a isto na segunda parte deste livro (p. 191). O mito original,
eram pescadas à linha. E não será por serem assimiladas porém, e apesar de certas analogias, é diferente; visita a
a peixes, tanto no sentido próprio como no figurado, que seres sobrenaturais, habitantes de um mundo subterrâneo,
as máscaras têm a língua de fora? Um mito proveniente amigos da água e poderosos como mágicos. Mas, em vez
da região de Coeur d' Alêne, portanto também salish mas de o herói - que o visita involuntariamente - os fazer adoe-
oriundo do interior, fala de um espírito das águas que foi cer para depois os curar e receber, em paga, uma esposa,
pescado por uma mulher que confundiu a sua língua com agora são os espíritos aquáticos q;,,ie fazem perecer por
um peixe. Invertendo esta analogia - mas a comparação de doença os ~ovens que vieram na esperança de desposar
mitos mais ou menos afastados confirma muitas vezes este as suas filhas. Um destes visitantes, dotado de poderes mági-
tipo de transformações -, os Chinook Clackamas da baixa cos, consegue finalmente · a reconciliação com os hospe- .
Colúmbia conhecem um papão chamado «Língua» por causa deiros e a sedução de duas irmãs devido à sua pele lumi-
da sua língua de fogo, devoradora, que peixes de barbatanas nosa e macia. É, pois, o contrário de um leproso, embora a
cortantes dilaceram. Esses peixes são, certamente, Escor- segu1r' ele se transforme num velho doente que uma dás
rpenídeos, que voltaremos a encontrar mais adiante (pp. 45-46). duas esposas - a única que lhe continua fiel - transporta
Dos Salish da ilha de Vancouver provém uma escultura que num cesto.
representa uma máscara swaihwé cuja parte geralmente Há outros aspectos dos mitos de origem das máscaras
ocupada pela língua tem, em relevo, a efígie de um peixe; swaihwé que se conservam intactos entre os Lílloet, mas_
e, dos Lililoet aos Shuswap, perdura, no interior, uma crença referem-se à origem do cobre. Sabe-se que os povos desta
em espfritos aquáticos meio-humanos e meio-peixes. Todas região do mundo apreciavam muito este metal, que obtinham
estas indicações sugerem uma dupla afinidade das máscair as outrora por troca com. tribos setentrionais, ·que o arran-
swaihwé com os peixes: metafórica, pois a gr!lnde língua javam junto de índios da. família linguística athapaskan, ·que
. .

32 33
o extraíam no estado naturaL Nos tempos históricos, os l lm mito skagit narra-nos a mesma história que os
navegadores e traficantes introduziram o cobre em folhas, 11i1l11n do Fraser acerca da swaihwé, mas aí os espíritos sobre-
que rapidamente suplantou o outro. 1111 t urnis que moram no fundo das águas não dão máscaras
Uma avó e o neto - contam os Lilloet - foram os únicos 1111 visitante; dão-lhe «riquezas dos quatro pontos cardeais»,
sobreviventes de uma epidemia. Como a criança não parasse l11 1 11H que são comparáveis àqueles que noutros locais são
de cho~ar, a velha, para a distrair, fez-lhe uma linha de p111poreionados pela máscara ou pelo cobre. Na outra extre-
pesca com o próprio cabelo, colocando uma bofa de cabelo 111 dnde da região de difusão das máscaras swaihwé, os
à guisa de isco. Assim equipado, o jovem herói pescou o 1,wnkiutl têm um mito a respeito de um rapaz chamado
primeiro cobre- talismã que fez dele um bom caçador. A l lc 'kín. Sempre doente e com a pele coberta de úlceras,
avó secava a carne e curtia e cosia as peles; ficaram ricos. --vui refugiar-se no cume de um monte para aguardar a morte.
O herói resolveu viajar. Conheceu os Squamish e convidou- l /1n a sapa que aí se encontra cura-o com um unguento
-os bem corno a outras tribos; com os convidados reunidos, 111 tigico e dá-lhe uma placa de cobre trabalhada (um desses
'
dançou, cantou, mostrou o cobre que possuía e distribuiu as 1•11 1 ranhos objectos que os Kwakiutl e os povos vizinhos
riquezias que acumulara. Dois chefes ofereceram-lhe as filhas C'Onsideravam como os seus bens mais preciosos e que desem-
1

em casamento; e, em troca, receberam pedaços de cobre. O penhavam notável papel nas transformações sociais, econó-
jovem e a esposa tiveram muitos filhos, principalmente 111icas e rituais) chamando-lhe Fazedor-de-cobres, Laqrwagila.
rapazes, a quem outros chefes deram as suas filhas, não O herói volta para junto dos seus e a irmã recebe-o e felicita-o
sem receber cobre em troca. Foi assim que o metal se espa- p lo seu novo aspecto. Ele oferece-lhe o cobre «para que
lhou em todas as tribos. Os que o possuíam consideravam-no o leve como dote ao seu futuro marido».
um bem muito precioso do qual não queriam desfazer-se ( Apesar da inversão do lugar onde o he~ói procura a
- tal o prestígio que esse material raro lhes conferia. morLe ( cume de uma mont@h_a em vez de um lago pro-
( Este mito atribui, portanto, ao cobre, a mesma origem fundo), este mito relaciona com ~rigem__du cohre.-a mesma
aquática que outros mitos dão à máscara swaihwé. Um intriga e muitos dos pormenores que já se nos revelaram
e outro são pescados, e a sua posse dá riqueza, Cobre e significativos nos mitos de origem da swaihwé - em espe-
máscara espalham-se igualmente por meio de casamentos cial o papel que cabe -ª....irm~. '.Até_ª" s;pa_ benfazeja estava
contraídos em grupos estrangeiros, com uma diferença: o já presente naqueles mitos - sob a forma q_~s rãs que, na
sentido de circulação não é o mesmo - a máscara swailrwé versão lummi,, saem do corpo do herói libertando-o da
passa da mulher para o marido e descendentes, ao passo doença.)E:ste batráquio tem também o seu pap~l n.uµia.x_ersã.o
que o cobre vai do marido para o pai da mulher, ou seja, do baixo Fraser já citada (p. 23), embora nãÜ'tenhalli.Ôs
para um ascendente. Dir-se-ia que, passando das tribos do men,êic>'n'aâó õ';pisódio: quando o herói pára à beira do
Fraser para os Lilloet, o mito da origem das máscaras lago onde pretende a:fogair-se, começa por pescar um salmão,
swaihwé sofre uma espécie de fissão: encontramo-lo em que assa; mas, quando está para o comer, encontra em seu
parte no mito de origem das máscaras sainnux, que são, lugar uma rã. Esta decepção desmoraliza-o e executa então
provavelmente, as mesmas que as swaihwé; e, em parte, no o seu plano. Como era necessário que ele se atirasse à
mito de origem do cobre, substância metálica sem relação água para encontrar os espiritos que o curariam e lhe dariam
aparente com as máscaras apesar de, no aspecto económico as máscaras, pode dizer-se que a rã, substituindo º"- salmão,
~ c.:::.._------·-
e sociológico, desempenhar a mesma fue-ção - sob reserva é a causa directa da sua boa sorte. Do mesmo modo, na
do sentido percorrido pela propagação. J versão --=-_:5--'-'
lummi, as-=---
rãs libertam-no da sua presença maléfica
l:

34 35
em troca - poder-se-ia dizer - da renúncia aos dois sal-
mões, sobre os quais elas saltam como para neles se incor-
porarem ou substituirem (p. 27). O mito kwaikiutl e os mitos Escala
o 1020 40 ao 80 100 11'.m
dos Salish estabelecem a mesma relação de correlação e ATHAPASKAN
de oposição entre a sapa (ou a rã) e o salmão e dão ao
batráquio idêntico papel numa intriga respeitante à aquisição
ora do cobre ora da swaihwé:
iAlgumas S,Qgçlusq~~--_provisórias podem ser já extraídas
de tudo o que expusemos. Foram postos em evidência certos
traços invariantes das máscaras swaihwé, encaradas quer
~o aspecto plástico que~ nos m11õ'SõrigiiiárJos. Entre as
~ ---
invariantes plásticas estão a cor branca do vestuário, devida
- -.. .......
ao uso :tirequente de penas de cisne e de penugens; a I.íllgY-ª
pendente e os olhos protuberantes; e .i:t§._cabeç,as .de pássaros
a substituir por vezes o nariz ou a encimar a cabeça. No
aspecto sociológico, verifica-se que a posse ou auxílio das
máscaras favoreciam a aquisição de riquezas; que as máscaras
compareciam nos potlatch e noutras cerimónias profanas
mas eram excluídas dos ritos do inverno; que pertenciam
a algumas linhagens nobres e eram transmitidas exclusiva-
mente por herança ou por casamento. ~ponto-de ir-ista
.·semântico, finalmente, os mitos fazem ressaltar uma dupla
afinidade das máscaras swaihwé: com os peixes, po1r um

~·:.
lado; e com o cobre, por outr<G:será possível compreender
a razão de ser destes traços dispersos e articulá-los num
sistema? Tal é, no ponto ·em que estamos, o duplo problema
posto pelas máscaras swaihwé.
...
·.···•····••·..•··..::·.·.i·
...•·
..··.....
•···;···.··:
. :. ...·..·:.:
•...··:
....•...·:.....·:
:·... ·:.:
. ···1
. . . .•.....1·
. . ..••
'.••.:
,...

1
•••••••••••••••

:::::(:(
.)~lff~
.:·'.r t

Mapa de distribuição tribal

36
III

Na ilha de Vancouver, os grupos de língua salislJ eram


vizinhos dos Noot:ka - a oeste - e dos Kwakiutl - a norte.
Essa proximidade explica que ambos esses povos tenham_
recebido dos Salish as máscaras swaihwé e até o seu n_ômé,
que em kwaikiutl se diz xwéxwé ou kwékwé; De execução
mais realista, as máscaras' nootka e kwakiutl representam
um rosto animado de expressão violenta mas conservam
todas as características que já identificámos na máscara
swaih:wé. São ornamentadas com penugem de ganso selva-
gem. Certos exemplares provenientes dos Kwakiutl, pintados
de branco, têm na parte superior motivos estilizados que
) representam as penas que, entre os Salish, guarnecem as
mesmas máscaras. E todas· as máscaras X'wé:xiwé, tanto dos
Nootka cómo ·dos Kwakiutl, têm a língua pendente, os olhos
protuberantes e apênaices em forma de cabeça de pássaro
- nestes casos, por vezes, distribuídos de forma mais capri-
chosa. Os dançarinos usam um sistro idêntico. Não é pois
possível duvidar que se trate da mesma máscara, mas trans-
posta para um estilo men'os liiérático, mais lírico e mais
veemente.
Os,Kwakiutl associavam as máscaras xwéxwé aos sismos:
«As · suas danças - escreve Boas --- faziam, ao que se jul-
gava, tremer a terra - meio seguro de trazer o hamatsa»,
isto é: .o novo iniciado na confraria de g1rau mais elevado,
a dos «canibais». Durante a iniciação, o nóviço, enfurecido
e selvagem, refugiava-se nos bosques, e era preciso con-
seguir o seu regresso para o reintegrar na comunidade da
aldeia. Esta associação entre a xwéxwé (ou swaihwé) e o

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abalo de terra vinha já dos mitos salish (p. 21) e lança uma dos Kwaikiult meridionais da ilha de Vancouver. Uma dessas
luz interessante sobre o simbolismo dos sistros usados pelos nurrativas comeÇa no momento em que um chefe da região de
bailarinos, bem como, de resto, sobre o das hastezinhas Fort Rupert, território do sub-grupo Kwakiutl, faz anunciar
trémulas que enchiam as máscaras dos Salish. No livro Du polo seu arauto que pretende casar com a filha do chefe
miel aux cendres chamámos já a atenção. para como Plutarco ·omox. Logo a seguir a essa proc:lamação vai para o mar
explica __uunção dos sistros entre . os. antigos egípcios: «0 ·om numeroso séquito. Os Comox recebem-nos muito bem,
sistro ( ... ) dá a entender que é necessário que as coisas se aceitam as prendas de casamento, que enchiam duas embar-
agitem e nunca deixem de se mexer e que despertem e ações e a noiva prepara a bagagem para partir. Ouve-se
desmoronem, como se adormecessem e esmorecessem». O sis- então um ruído como de trovão e, ao mesmo tempo, soam
tro era um símbolo do deus das coxas pegadas, «de tal o·s sistros de conchas; aparem quatro figuras mascaradas,
modo que, com vergonha, se refugiava na solidão, mas ( ... ) que se põem a dançar. Durante o banquete que se segue,
ísis cortou-lhas e separou-lhas, pondo-o a andar correcta- os Kwakiutl provam pela primeira vez os camas (liliáceas
mente e à vontade». Pensamos no herói incapacitado pela de bolbo comestível). O chefe Comox ordena que se faça
doença nos mitos de origem da swaihwé e também - como o «apaziguamento» das máscaras e oferece-as como prenda
na devida altura notámos - no demiurgo dos índios Carajá, ao genro. Este recebe ainda um nome novo e vinte caixas de
amarrado para evitar que, livre de movimentos, destruísse camas com que, no regresso, regala o seu povo. Faz, depois,
a terra. ~ Segundo o testemunho de Gloria Cranmer Webster, dançar as siwaihwé. A mulher dá-lhe três filhos; e, depois do
então conservadora do Museu de Antropologia de Vancouver, nascimento de um quarto, os esposos divorciam-se; ela volta
e kwakiutl de nascimento, as máscaras xwéxwé, depois de
começada a dança, já não queriam parar; era preciso obrigá-
o
para a aldeia natal com duas das crianças e direito, para
os Comox, de executar algumas danças kwakiutl do cerimo-
-las fisicamente (p. 30). Impediam assim as crianças de se nial de inverno. Ambas as criança$ tinham nomes kwakiutl
apoderar dos presentes (moedas, em época recente) que
que, por seu intermédio, «entraram» no povo Comox. J
durante o espectáculo eram lançadas ao ar/ Voltaremos a
Outra narrativa lendária diz respeito a dois Comox que
este pormenor (p. 45), que é tanto mais interessante quanto,
foram junto dos K:waik iutl na esperança de obter mulheres
na outra extremidade da área de difusão da swaihwé, os
para o filho e neto, respectivamente. O pretendente foi satis-
Lummi escolhiam, para envergar a máscara, os homens
mais robustos - esperando, com isso, que dançassem mais feito, .recebeu novo nome (o do avô paterno da noiva), ofere-
demoradamente. Esses atletas davam, por fim, lugar à pessoa ceu um potlatch aos novos aliados e obteve como prenda
em cuja intenção era feita a festa e esta distribuía pre- a máscara do Sisiul- serpente de duas cabeças-, cuja
sentes à sua volta sob os olhares atentos dos assistentes dança pôde, assim, mostrar aos seus parentes Comox, que
mais novos, que aguardavam os momentos de confusão para nunca a tinham visto. Instalou-se entre os -K:wa:kiutl e foi
se apoderarem das prendas. o pai que se encarregou de levar o Sisiul aos Comox. É desde_
essa altura que estes índios celebram o cerimonial de inverno,
:Para explicar a origem das máscaras, os Kwakiutl do qual faz pair te a dança do Sisiul.
tinham dois tipos de narrativas: umas declaradamente míticas Uma 'terceira narrativa envolve, além dos Comox, dois
e outras de carácter mais lendári~. Conformes, grosso modo, grupos kwakiutl ailia<los pelo casamento: os Nimkish da
,à verdade histórica, estas últimas narrativas relacionam-se ilha e, mesmo em frente deles, no continente, os Koeksotenok.
com alianças concluídas com os Comox, povo salish limítrofe O chefe Nimkish vivia em Xülk, na costa oriental da ilha.

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a um acontecimento mitico (1 ). Chegou ao cair da noite a
Um dia ensinou ao genro a «boa dança» dos Comox isto
Gwegwakawalis, pequena baía junto ao cabo, construiu um
~: a swaihwé. Esse genro tinha um irmão, a quem pers~adiu abrigo, acendeu uma fogueira, jantou - mas não conseguia
~r fazer guerra aos Comox, para se apoderar da dança. o
adormecer. Ouviu,' durante a noite, um rugido, enquanto o
JOvem embarcou, acompanhado de cem vigorosos guerreiros.
chão estremecia como num tremor-de-terra. Saiu, sentou-se
Chegados à vista das terras dos Comox, ouviram um ruído
e ouviu um rumor de falas que pareciam provir de Axdem,
de trovões: eram os estrangeiros a «cantar para a xwéxwé».
na margem oposta do cabo. Voltou a deitar-se e adormeceu.
Toda a gente desembarcou na outra extremidade da baía
A areceu-lhe .e ntão em sonhos um homem que o mandou puri-
de onde se podiam ver os dançarinos e nuvens de penuge~
fica r-se · e que fosse a Axdem e, quando a terra tremesse
de águia, que subiam para o céu. Depois da dança, metade .quatro vezes, entrasse numa casa cerimonial que havia de
dos recém-chegados aproximou-se; os Comox fize ram-nos encontrar. Deveria sentar-se no interior dessa casa e aguar-
sent~, r e ofereceiram-Ihes um banquete. Novamente rugiu 0
dar os acontecimentos. A visão repetiu-se na noite seguinte.
t rovao e apareceram quatro máscaras, pintadas de ocre, cober- Durante dois dias o herói banhou-se e jejuou e pôs-se
t as de penas e segurando sistros de conchas. O chefe Comox depois a caminho de Axdem.
fez um discurso aos visitantes e concedeu-lhes o direito de Chegou lá ao cair da noite, viu uma g;rande casa e
executar a dança um baú com as máscaras e respectivos entrou. No meio da casa acendeu-se de súbito uma fogueira;
acessórios. dali a pouco apareceu um grupo de homens e mulheres e
·A Ent re os Salish da ilha e os Kwakiutl, t anto da ilha um orador dirigiu uma invocação aos espíritos. Por quatro
como do continent e, havia portanto uma rede de relações vezes ~mulheres se transformaram em grandes p~ixes ver-
ambíguas que iam da aliança matrimonial até à guerra. Em Qlelhos animado_s de movimentos convulsivos, que eram a
ambos os casos as máscaras e os privilégios a elas ligados causa dos ruídos ouvidos pelo herói; no fim, retomaram
eram o centro de rivalidades e de t rocas, tal como 0 eram o aspecto humano. ~m frent e delas dançavam quatro por-
as mulheres, os nomes de pessoas e os bens alimentares. A tadores de máscaras xwéxwé, agitando sistros de conchas.
más:ara swaihwé ou xwéxwé, excluída do ritos sagrados Ao mesmo tempo, outros participantes cantavam:
do m: emo, passa, nestas narrativas, dos Salish para os
<~Medonhos, ide-vos emb0ira» (bis)
Kwakmtl por ocasião de uma expedição guerreira ou de um
«Os medonhos de língua pendente» (bis)
casamento; neste segundo caso, a transferência faz-se no
«Os medonhos de olhos salientes» (biils)
mesmo sentido que o da noiva.) arte integrante do cerimonial
de inverno, a máscara sisiul passa, ao contrário, dos Kwakiutl à. De
cada vez que os dançarinos saíam, os peixes reto-
para os Comox, isto é: no sentido oposto, que é também o mavam a forma de mulheres.
do, noivo comox que se instala entre os parentes da noiva.
Est as nanrativas evocam sem dúvida costumes que existiram. (1) Duas águias e o seu filhote desceram um dia do céu e
poisaram em Qum'qaté, perto do cabo Scott. Libertaram-se das penas
Outras relevam, declaradamente, da mitologia. e transformaram-se em seres humanos, primeiros habitantes daquela
região. Se era este O· acontecimento a que se referia o mito, deve
. 1:ma delas é a história daquele índio ikwalkiutl, do grupo ter-se por significativo que conserve o código dos mitos salish insu-
~1~k1sh , que partindo da aldeia de Xulk, já citada, onde lares acerca da origem da swaihwé, da qual só subsiste a mensagem,
v1v1a, prntendia alcançar a extremidade do cabo Scott na sob forma invertida, no mito que estamos agora a narrar e que o
ponta norte da ilha, a fim de visitar um local célebre de~ido
transpõe em termos de código não já celeste mas aquático .

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..:-. O oradoir saudou o herói, deu-lhe o nome de Peixe. xwéxwé que os Salish conferem aos humanos até que a
_Vermelho e ofereceu-lhe «os tesouros sobrenaturais desta máscara - a que é atribuída a virtude oposta - lhes per:
grande cerimónia». O herói pediu que mandassem para a mita libertar-se dela. Recordemos que as máscaras xwéxwe
aldeia a casa cerimonial; disseram-lhe que voltasse para a dos Kwakiutl mostram de outra maneira o seu carácter sór-
aldeia e que a casa e o resto iiria depois. O nosso homem dido: impedem as crianças de apanhar as moedas que lhes
voltou, portanto, para Xulk, ficou na cama durante quatro são lançadas (p. 40). . .
dias . e depois ohamou toda a população, à qual pediu que Em contrapartida, as máscairas sahsh e kwakmtl .con-
se purificasse primeiro. À noite, murmúrios de seres invisí- servam um traço comum, pois as convulsões que a:fllgem
veis deram-lhe a saber que a cas;l chegaira. Entrou nela os peixes - relacionadas com os ;rugidos subterr~neos e com
com todos os convidados. Ouviram-se rugidos, a terra tremeu -os sismos - evocam directamente as convu1soes de que
quatro vezes, as máscaras apareceram e dançarnm. O herói sofrem os espíritos aquáticos dos mitos salish, infectados pela
mostrou a todos os presentes o que recebera dos peixes: os saliva do herói, e o poder de curar as convulsões -q ue é
quatro postes esculpidos da casa, as quatro máscaras atribuído às máscaras que os repr.e sentam (pp. 23-24). Mas
xwéxwé, os quatro tambores de madeira e os paus com antes de procurar uma via que permita abordar estes proble-
serri:lhas que .,e esfregavam contra as respectivas caixas para mas (já que as informações directas de que. actua~men~e se
provocar os rugidos e os quatro sistros de conchas. «Tudo dispõe não são esclarecedoras), convém prec.1sar a identida~e
isso foi posto na sala, pois não havia provisões alimentares dos peixes de que fala o mito e descobrir a sua funçao
nem riquezas de espécie alguma entre aqui·lo que o herói semântica.
obtivera dos peixes vermelhos à guisa de tesouro. ,,É por Comummente chamados em inglês Red Cod ou Red
esse motivo que se diz que .QQ.__p_eixes são avarentos» . . Sn:apper, éstes peixes não são bacalhaus mas p~ixes ?~s
Moralidade desconcertante, se não esquece,r mos que, rochas e das águas proifundas, que pertencem a especie
entre os Salish, as máscaras swaihwé têm características Sebastodes ruberrimus, da família dos Escorpenídeos. Como
opostas: enriquecem os seus possuidores e quem !lSSegure indica 0 seu nome cientifico, são vermelhos, mas a mesma
o seu auxílio. Que uma máscara, tomada por uma população família inclui espécies negras ou de outras cores. Aquela
de outra população sua vizinha, veja nesta mudança inver- que nos interessa é constituída por animais muito cor_pu-
terem-se os seus atributos, eis um facto rico de ensinamentos lentos, que podem ter mais de um metro de co.mpndo.
que mais adiante reterá a nossa atenção. Tanto mais que, Notabiliza-se pelas barbatanas e pelas escamas espmhosas,
numa versão salish já mencionada (p. 25), duas irmãs e o que podem ferir os pescadores. Não é, portanto, de éspantar
irmão, que viviam voltados para eles próprios e se recusa- que os mitos desta região falem frequentemente dos Escor-
vam a casar, isto é, a abrir-se para o mundo exte.rior, são penídeos vermelhos, bichos assustadores por causa da barba-
portadores de «estômagos de pedra»; ora, W. G. Jilek e tana cortante e dos espinhos eriçados (of. p. 32). De um
_L. M. Jilek-Aall, grandes conhecedores da cultura salish, tive- ponto de vista mais trivial, estes peixes têm uma carne
ram a amabilidade de nos explica;r que esta locução figura mag.r a e seca, que tem de ser copiosamente regada ~om
também nos cantos da swaihwé, t·al como é actualmente óleo - com os inconvenientes digestivos a que ·os mitos
celebrada, e que ela se aplica ao egoísta, ao homem ou também aludem e dos quais nos ocuparemos noutro local
_mulher que só pensa em si e se recusa a fazer alguma coisa (p. 185). Segundo os Nootka, o Escorpeníde? vern_ielho era
pelos outros e a comunicar com eles. É, portanto, a mesma_ um mágico poderoso e temível, que um dia cozmhou no
característica atribuída pelos Kwaikiutl à sua máscara forno de terra doze jovens virgens pa.ra com elas dar de

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c?mer ao seu hóspede, o Corvo, e logo a seguir as ressus- v1•ram queimar o cobre e descobriram nessa altura o que
citou. O Corvo quis fazer o mesmo ao retribuir o convite p 11· ce dever ser interpretado como q. arte de fundir metais.
~as as raparigas morreram e o Escorpenídeo declarou-s~ t•:Htc episódio é tanto mais misterioso quanto é certo que,
mcapaz de as fazer voltar à vida. gt1ralmente, se rejeita a hipótese de esta arte ser conhecida
~Um mito dos Tsimshian (que vivem a norte dos Kwakiutl dos índios da costa do Pacífico - os quais, antes da intro-
continentais) a~socia o Escorpenídeo vermelho à origem do dução do cobre em folhas pelos navegadores e comerciantes,
cobre. Uma noite, um príncipe de origem celeste, «vestido Hl! limitavam a serrar e martelar o metal nativo. Seja como
de luz», apar~ceu à filha de um chefe, zelosamente guar- l't}r, o príncipe vo'1tou à terra e ressuscitou o genro. Deu
dada, que de.fmhava por n ão ter ma> rido. Na noite seguinte 11 saber que o «cobre vivo» é perigoso e proibiu o seu uso
mandou o escravo buscar a jovem, mas esta fez confusão n ri.ão ser ao genro e aos seus descendentes, que disse, serão
e .ent~ego~-se ao escravo. O P'r incípe voltou-se então para os únicos a saber «matar o cobre vivo e a transformá-lo em
a irma ~ais nova, que era coxa, e que curou deste defeito. objectos preciosos». De facto, ensinou-lhes como protege-
Em se.guida, como desforço, apoderou-se sozinho do cobre: rem-se dos vapores deletérios. Graças a este conhecimento,
0
precioso metal estava no alto de uma montanha inacessível, o casal enriqueceu de maneira fabulosa.
donde cl · o arrancou com a sua funda. O cobre escorregou Este mito, fundador de privilégios reivindicados por
~e~agar para o vale, onde se dividiu para dar origem aos ·crta linhagem quanto ao conhecimento e trabalho do cobre,
Jazigos conhecidos. Depois, numa pescaria, o príncipe e 0 repousa numa sucessão de oposições e de paralelismos. As
escravo zangaram-se. O príncipe transformou o escravo em personagens repartem-se em dois grupos segundo o seu des-
Escorpenídeo vermelho, cujo estômago lhe sai da boca de tino final: celeste ou aquático. Sob este aspecto, as duas
cada vez que e:rgue a cabeça. Os especialistas confirmam irmãs que são protagonistas da segunda parte reproduzem
~ue. um órgão interno deste peixe sobe até à boca quando as duas irmãs protagonistas da primeira parte, pois a mais
e. tirado para fora da água: o Escorpenídeo vermelho - veiha descobre uma riqueza aérea (os aromas da árvore)
dizem os Squamish - «vira-se do avesso». O príncipe tam- e a mais nova uma riqueza aquática (o salmão de cobre).
bém transformou a cunhada em Escorpenídeo da espécie dita Portanto, de uma geração para a outra, cruzam-se as afini-
de Flancos Azuis: «o mais belo de todos os peixes visto dades respectivas da mais nova e da mais velha. Há ainda
qu: já foi princesa»; depois voltou para o céu com a ~sposa, outras oposições: entre o príncipe e o escravo, entre a bela
~eixando na terra as suas duas filhas , que entretanto já princesa e a irmã aleijada, entre o cobre «morto» do alto.
tinham casado. Um dia, a .mais velha das duas informou da montanha e o cobre «vivo» da água, entre o doce aroma
o marido do jazigo de cobre criado pelo pai no alto Skeena. da árvore e o cheiro mortal do cobre --- ambos, po>rém,
O casal organizou uma viagem pair a se apoderar do cobre, fontes de riqueza - , etc.
mas. o plano não deu resultado: preferiram ficar a meio do 1Metamorfose de uma personagem .pér:fida e usurpadora
ca~mho e abater e cortar a «árvore dos suaves aromas». - o escravo - , o Escorpenídeo vermelho é, também aqui,
A filha do príncipe e o marido começaram a vender essa posto do lado da avareza; este peixe opõe-se ao salmão,
madeira e enriqueceram.
cobre vivo que enriquece generosamente os seus possuido-
Quanto à outra filha do príncipe - a mais nova - res sob condição de que saibam precaver-se contra o perigo
co_nvenceu o marido a que empreendesse a procura do _s_al~ que representa. Embora os Tsimshian desconheçam as más-
~mao que se transforma em cobr:e. Ele conseguiu apanhá-lo caras swaihwé ou xwéxwé, associam, pois, num par de
mas as exaiações desse «cobre vivo» envenenaram-no. Resol~ oposição, o Escorpenídeo ve,rmelho - que para os Kwakiutl
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é o doado'r das máscarâs - e o cobre, que os Salish rela- tamente relacionadas pelos Salis):l com a ~quisição das rique-
cionam dfrectamente
~ . com elas.
. . zas, enquanto - directamente nos Kwa:kiutl e indirec:amen~e
De resto, ·o mesmo mito - mas contado ao contrário ---' nos Tsimshian - os Escorpenídeos vermelhos (associados as
existe· também entre os Squamish (da costa continental, a máscaras pelos Kwakiutl) desempenham uma função oposta.
norte do Fraser), que possuíam a máscara com o nome de E isso embora, onde quer que existam máscaras destas,
, sxaixai. As duas filhas de um xamã iam muit}ls vezes até os seus caracteres plásticos sejam os mesmos e haja entre
junto de um lago para procurar marido. O Escorpenídeo las e os abalos de terra a mesma afinidade. Se não _a ceitarmos
negro foi o primeiro a responder . aos seus apelos mas elas encerrar o «dossien> com esta constatação de incertezas,
recusaram-no por causa dos olhos salientes. Apareceu depois teremos de inflectir o nosso caminho metodológico e desco-
o Escorpenídeo vermelho, resplandecente, com reflexos fla- brir uma via original que nos faça sair do impasse em que
mej antes, que fazia reluzk a água como se nela ardesse um provisoriamente nos encontramos.
fogo. Também o não quiseram, pois tinha a boca muito
grande e os olhos enormes. Na reailidade, as duas raparigas
desejavam fazer aparecer o «filho do dia luminoso», · no
qual reconhecemos um alter ego do príncipe «vestido de
luZ» que desce do céu no mito tsimshian - e que, aqui,
sobe do fundo das águas. Este acabou por apa,recer, «dourado,
claro e brilhante como o sol», consentindo em casar com
a mais nova das duas irmãs. Mas - tal como os espíritos
aquáticos do mito lilloet das máscaras sainnux (p. 33) - o
velho xamã servia-se das filhas para atrair os seus preten-
dentes e impor-lhes provas tidas pm mortais. O herói soube
iludir todas as ciladas e transformou a casa num rochedo
encantado onde prendeu o sogro. Esse rochedo existe; quando
é insultado, desencadeia-se uma tempestade e o culpado
afunda-se com o barco. ·~

Também aqui, portanto, um herói - a quem, noutro


sítio, se fica a dever o cobre-, que se distingue pelo brilho
solar e metálico, fica em correlação e oposição com os Escor-
penídeos. Aprofundaremos na segunda parte deste livro o
papel atribuído a estes peixes (p. 185). As indicações ante-
riores bastam para nos con'Vencer de que a sua intervenção
no mito kwakiutl sobre a origem das máscaras não é for-
tuita e se explica pela incompatibilidade entre as máscaras
xwéx:.wé é as riquezas, de que o cobre é, ao mesmo tempo,
matéria por excelência e símbolo. Todavia, estas indicações
parciais e fragmentárias não bastam para compreender que
- como verificámos - as máscaras swaihwé sejam di_rec-

48 49
4
IV

Todo e qualquer mito ou sequência de um mito seria


Incompreensível se cada mito não fosse oponível a outras
v rsões do mesmo mito ou a mitos aparentemente dife-
r ntes, cada sequência a outras sequências do mesmo ou
d outros mitos - e, principalmente, àqueles mitos ou
l'l quências de mitos cujos estrutura lógica e conteúdo con-
creto, considerado nos mínimos pormenores, parecem seguir
' m direcção oposta. Será concebível a · posstbilidade de se
uplica;r este método a obras plásticas? Seria preciso, para
isso, que çada obra - pelo seu contorno, pela sua orna-
mentação e pelas suas cores - se opusesse a outras, cujos
elementos, sendo os mesmos mas tratados de maneira dife-
rente, viessem contradizer os seus para servir de suporte
u uma mensagem especial. Se isto fosse verdade no caso
das máscaras, teríamos de reconhecer que, tal como as pala-
vras na linguagem, .çada máscara, isoladamente considerada,
não contém em si toda a sua sign1ficação. Esta resulta,
ao mesmo tempo, do sentido incluído no termo escolhido e
dos sentidos - excluídos por esta mesma escolha - de todos
os outros termos que poderiam figurar em lugar dele.
Admitamos, portanto, a título de hipótese de trabalho,
que a forma, a cor, os aspectos que nas máscaras swaihwé
nos pareceram característicos não possuem significação pró-
pria ou que essa significação, tomada isoladamente, é incom-
pleta. Todo e qualquer esforço para os interpretar isolada-
mente seria vão, portanto. Admitamos seguidamente que
essa forma, essas cores e esses aspectos são indissociáveis

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l

de .' ,outros, aos quais se opõem, porque foram escolhidos t lz mos, na realidade, que descrever e reconstituk, com todas.
para caracterizar um tipo de máscara de que uma das razÕes rn suas oaracterísticas plásticas, a máscara dita dzbnoikwa dos
de ser fo'r contradizer o outro. Nesta hipótese, só a com- l' wakiutl, ao mesmo tempo que muitas outras entie as quais
paração de ambos os tipos p~rmitirá definir um campo t'lgura - não esqueçamos - , com o nome de xwéxwé, a
semântico no interior do qual as funções próprias de cada - 111 úscara swaihwé oriunda dos Salish. De resto, as narrativas
tipo de máscara se completem mutuamente. É nesse càmp"a kwakiutl de tipo lendário estabelecem uma conexão entre
semântico global que temos de tentar colocar-nos. os dois tipos: o herói de uma dessas narrativas, que há-de
Supondo que existe um tipo de máscara, em relação de ·onseguir conquistar pacificamente as máscaras xwéx;.wé, é
oposição e de correlação com a máscara swaihwé, ' devere- •!'ilho do ser sobrenatural Dzonokwa; e o seu poder mágico
mos, portanto, ao conhecê-lo, ser capazes de deduzir os resulta principalmente da faculdade que tem de gritar como
seus aspectos distintivos a partir daiqueies que nos serviram o seu ascendente.
para a desorição do primeiro .. Tentemos a experiência. Pelos De um modo geral, a palavra Dzonokwa designa uma
seus acessórios e pelo vestuário que a acompanha, a más- ·ategoria de seres sobrenatu:mis, as ma.is das vezes fêmeas,
cara swa ihwé mostra afinidade com a cor branca. A outra mas sempre - independentemente do sexo - providos de
máscara será, pois, negra, ou manifestará uma afinidade enormes mamas. Usaremos esta palavra, portanto, principal-
com as tonalidades escuras. À máscara swaihwé e o seu mente no feminino. As Dzonoik:wa vivem nas profundezas
vestuário são ornamentadas com penas; a outra máscara dos bosques; são gigantes ferozes, p:apões que roubam os
se tiver ornamentos de origem animal, tê-los-á de pêios'. filhos dos índios para os comer. No entanto mantêm com
A máscara swaihwé tem os olhos protuberantes; os olhos os seres humanos relações ambíguas, ora hostis ora marcadas
da outra máscara terão o aspecto contrário. A máscara de certa cumplicidade. A estatuária ikwaikiutl compraz-se
swaihwé tem a boca escancarada e a mandíbula pendente, na representação da Dzono~wa; conhecem-se inúmeras más-
exibindo uma língua enorme; no outro tipo de máscara, a caras suas, facilmente identificáveis pelos seus traços carac-
forma da boca impedirá a língua de se mostrar. Deveremos, terísticos.
fina1lmente, esperar que os mitos de origem e as conotações Essas máscaras ou são negras ou o negro predomina
religiosas, sociais e económicas de um e outro tipo de más- na sua ornamentação, Na maioria dos casos, ,têm pêlos negros
cara ofereçam relações .dialécticas recíprocas - de simetria, a representar os cabelos, .a barba e o bigode ~que existem
de oposição ou de contradição- iguais às que-encontrámos mesmo nos exemplares femininos), e os seus portadores enver-
no plano plástico. Se pudermos . verificar um tal .paralelismo, gavam uma capa negra ou uma pele de urso de pelagem
ele confirmará definitivamente a hipótese inicial, segundo a escura. Em vez de salientes e escancarados, como os das
qual, num domínio como o das máscaras, que combina dados máscaras swaihwé, os olhos são perfurados no fundo de
míticos, funções sociais e religiosas e expressões plásticas, órbitas côncavas ou então estão semi-cerradas. Na reali-
&stas três ordens de fenómenos, por muito heterogéneas que dade, o aspecto côncavo não se limita aos olhos: as faces
_pareçam, estão ligadas funcionalmente. E, de facto, tornar- são-no também, bem como outras partes do corpo quando a
-se-ão passíveis de _U:IJ;Lfil~mp tratamento, Dzonokwa é representada de pé. Um mito kwakiutl evoca
Ora, basta ter enunciado a priori as condições que essa um herói que «viu num curso de água um rochedo com
máscara ideal deve satisfazer para reconhecer que ela existe buracos( . .. ). Percebeu que os buracos eram os olhos de uma
realmente. Partindo de exigências puramente formais, mais não Dzonokwa». Segundo outro mito, o crânio de uma Dzonokwa

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tlP um carnaval de quatro dias, chamado klasila, e durante
serviu de bandeira. Existem travessas cerimoniais, por vezes
muito grandes, que .representam o papão-fêmea. A travessa 0
qual apareciam as máscaras ancestrais, iniciava-se o período
principal é escavada no ventre da figura, deitada de costas 111 •tseka, que abarcava o outono e o inverno. Os nomes
com as pernas dobradas. É acompanhada de um verdadeiro própdos, os cantos e até o estilo musical mudavam de um
serviço de mesa, cujas peças escavadas representam, res- p ríodo para o outro. A organização profana em clãs dava
pectivamente, a cara, os seios, o umbigo e as rótulas. lugar à$ confrarias religiosas. Começava a vigorar um sis-
A boca das máscaras e das outras efígies não está e;can- 1cma social especial, definido pelas relações que se supunha
carada mas, pelo contrário, franzida pelo trejeito que o haver entre os indivíduos e o sobrenatural. Durante o período
monstro faz para emitir o seu grito característico <mh! uh!». invernal, totalmente consagrado aos ritos, cada confraria
Essa posição dos lábios impede que a língua saia ou sequer . procedia à iniciação daqueles de entre os seus membros
se veja; mas, na ausência da língua pendente, todas as está- que, por nascimento e posição social, tinham qualificação
tuas que representam Dzonokwa lhe acrescentam uns seios bastante para a reivindicar.
muito caídos - até ao chão , diz-se por vezes, de tão grandes. A aldeia dividia-se então em dois grupos. Os não-iniciados
Recordemos que, segundo os Salish, os protótipos das onstituíam um público para o qual os iniciados actuavam
másca1ras swaihw é provêm do céu ou do fundo da água, como espectáculo. E, entre estes iniciados, é ainda neces-
isto é: do alto ou das pmfunclidades. Os papões do sexo sário distinguir duas categorias principais. A classe superior
masculino ou feminino, protótipos das máscaras dzonokwa, compreendia as confrarias das Focas e dos Canibais e cada
provêm, como dissemos, das montanhas ou da floresta - uma destas subdividia-se em três graus, que eram percorridos
de longe, portanto. Do ponto de vista funcional, as máscaras em doze anos. Um pouco abaixo das duas grandes confrarias
swaihwé representam os antepassados que fundaram as linha- havia ainda a do espírito da guerra. Os Tentilhões ou Pás-
gens superiores: enca•rnam a ordem social, ao contrário das saros, que formavam a classe infer\01r e comp~eend.iam,
Dzonokwa, que são espíritos associais, e não antepassaçlos - talvez, tarnbém os antigos iniciados actualmente mactivos,
por de.finiç.ão, autores das gerações · que se lhes seguem; subdividiam-se - por ordem etária - em Pinguins *, Patos
são raptoras de crianças, que põem em perigo esta conti- bravos, Orcas e Baileias. As mulheres reuniam-se em confra-
nuidade. Durante as danças, uma personagem mascarada rias pa1ra:lelas. Nas duas extremidades da escala, entre os
procura cegar as máscaras swaihwé à lança (p. 20). Como Tentilhões e as Focas, reinava um espírito de rivalidade
adiante explicaremos, a Dzonokwa ou é cega · ou tem uma e mesmo de hostilidade. Os ritos de iniciação tinham um
deficiência visual {p. 67), e ela própria procura - colando- aspecto teatral: representações ora dramáticas ora como que
-lhes as pálpebras com resina -tirar a vista às crian,ç as circenses, que exigiam uma sá:bia encenação com a•rtifícios,
que rouba e leva na alcofa - ao passo que as máscaras acrobacias e passes de prestidigitação.
swaihwé são transportadas em cestos. Finalmente as más- Neste complexo sistema que nos limitamos a delinear
caras swaihwé nunca aparecem nos ritos sagrados de inverno, de uma forma muito genérica, a máscara dzonokwa - que
mas as máscaras dzonokwa figuram de direito nestas ceri- pertencia à confraria das Focas - desempenhava um papel
mónias.
É altura de recordar que -9~ Kwarkiutl dividiam o a~o
~m duas metades. O sistema dos clãs prevalecia na metade ('''} Macareux no original: aves do gen. Fratercula, aparentadas
dita bakus, que compreendia ª ~ Primavera e o verão. Depois aos Pinguins (sem nome português)-N. T.

55
54
secundário mas bem definido. O dançarino que envergava <;ns e de cujas cinzas - quando cai no fogo e nele arde-
fingia-se adormecido ou, pelo menos, sonolento, e uma corda nascem os mosquitos, esses minúsculos canibais. Ora, se
uso da máscara dava lugar a um privilégio hereditário,
- esticada desde' o seu lugar até à porta - permitia-lhe 1
deslocar-se às apalpadelas. Esta figura também chegava qualquer família podia comprá-la desde que tivesse os meios
s.e mpre com um certo atraso para assistir à carnificina a que bastantes para isso. Ao contrário da swaihwé, que é privi-
légio exclusivo de algumas linhagens de alta hierarquia, a
fingia entregar-se o noviço da confraria dos Canibais. O
·ompra · da máscara Tal constituía, para os «novos-ricos»,
poderio do monstro era glorificado nos cantos rituais: «Eis
um meio dispendioso mas fácil sob todos os outros aspectos;
a grande Dzonokwa, que arrebata os humanos nos seus
de adquirir um estatuto social. Os dois tipos de máscaras
braçqs, que causa os pesadelos e os desmaios. Grande cau-
.?põem-se, portanto, também neste aspecto.
sadora de pesadelos! Grande senhora que nos faz desmaiar!
Terrível Dzonokwa!» E, não obstante, ela está demasiado
sonolenta para poder dançar: engana-se no caminho, dá a
volta à fogueira, tropeça, e é preciso guiá-la até ao seu
lugar, onde adormece de imediato. Sempre que a acordam
é incapaz de participar activamente na cerimónia e, quando
lhe apontam o dedo, cai novamente a dormir. Não podería-
mos imaginar comportamento mais contrário ao dos dan- ..
çarinos s waihwé (ou xwéxwé) que, entre os Salish, apontam,
1

eles próprios, para o céu, a fim de indicar a sua origem


(enquanto é um terceiro que aponta para a Dzonokwa, ins-
talada no seu lugar, de onde não tem vontade de se mexer)
e que, entre os Kwakiutl, uma vez a dançar já não querem
deter-se, a menos que os travem (p. 40; of. também p. 30).
Se foram os Kwakiutl a obter a máscara swaihwé junto
dos Salish, estes partilham com aqueles a personagem Dzo-
noikwa ou o seu equivalente. Os grupos do Fraser e os
Comox da ilha chamam-lhe Sasquatch ou Tsanaq: uma
giganta negra de 11ohrancelhas espessas, com os olhos pro-
fundamente enterrados nas órbitas, uma cabeleira com-
prida e densa, boca franzida com grossos lábios e faces
encovadas cm;no as de um cadáver. O portador . d.a máscara
envolvia-se numa capa negra e cambaleava junto da porta,
como se não conseguisse vencer o sono. É, evidentemente,
a mesma personagem que a Tzua:luch dos Lummi, papão-
-fêmea de grande estatura que ronda a aldeia para levai:
as crianças na alcofa; como é também a mesma que a Tal
da ilha e do continente, um papão-fêmea· que assa as crian-
57
56
V

Encaradas apenas pelo lado plástico, a máscara swaihwé


- que poderíamos dizer toda feita de saliências - e a más- _
cara dzonokwa, toda feita de reentrâncias, opõem-se; mas,
ao mesmo tempo, quase como o molde e a peça que dele
sai, completam-se. Percebe-se que o mesmo se passará,
talvez, no que respeita às suas funções sociais, económicas
e rituais. Esta rede de oposições e de correspondências
estender-se-á também aos complexos mitológicos associados
a cada tipo de máscaras? Já analisámos e comentámos a
mitologia das máscaras swaihwé entre os Salish. Proceda-
mos agora a uma averiguação semelhante entre os Kwakiutl,
a respeito das máscaras dzonokwa.
Impõe-se uma primeira constatação. As narrativas rela-
cionadas com as máscaras xwéxwé - que correspondem
às swaihwé dos Salish - surgiram-nos como pertencen-
tes a dois Upos: um, do género histórico, ou pelo menos
lendário, e outro francamente mítico. O primeiro tipo
envolve, no que respeita aos ~wakiutl, os subgrupos Nim-
kish e Koeksotenok; e, no que respeita aos Salish, os
Comox. Do ponto de vista de quem as conta, estas histó-
rias têm por teatro uma zona central da ilha e da costa
continental e a parte da ilha situada imediatamente a sul.
No caso das narrativas de carácter mítico, dá-se o con-
trário: passam-se entre o país dos Nimkish e o cabo Scott,
ou seja: entre a mesma zona central da ilha e a sua parte
mais a norte. Reunindo estas duas observações, podemos
dizer que os mitos de origem das máscaras xwéxwé se
passam inteiramente ao longo de um eixo norte-sul.

59
Em contrapartida, os mitos em que figuram as Dzo- muito rica e, para que nos guiemos em tal dédalo, é ne~es­
nokwa provêm p·r incipalmente de grupos kwakiutl aproxi- Hária uma classificação preliminar. Os. mitos recolh1d~s
madamente distribuídos segundo um eixo leste-oeste: distribuem-se entre dois tipos extremos, que - da:nd?. as
Na!koaktok, Tsawatenok, Tenaktak, Awaitlala, Nimkish, palavras um sentido muito relativo - poderemos class1f1car
Tlaskenok, a que é preciso acrescentar os Nootka seten- ·orno fraco e forte. Comecemos pelo primeiro tipo. .
trionais. Muitos nomes de lugares recolhidos por Boas os Nimkish contam que, para fazer calar uma criança
aludem à Dzonokwa ou mencionam-na, mesmo, expressa- que chorava sem parar, a ameaçaram com o papão-fêmea.
mente. Ora, todos esses lugares nomeados - uma ilhota Durante a noite, a criança fugiu e a Dzonokwa, roubou-a
em frente da ribeira Nimkish, um local ao fundo de Sey- e levou-a para um lugar subterrâneo; ouviam-na chorar,
mour Inlet, várias localidades em Knight Inlet, onde se mas não podiam chegar até ela. Depois de muitos esforços
passam os mitos que vamos examinar - apresentam uma baldados, desistiram de procurar a criança. O pap~~ levou
distribuição análoga. De facto, o centro de gravidade, se a criança para muito longe, para o interior da regiao. M~~
assi m podemos dizer, dos mitos «com Dzonokwa» situa-se a vítima era ardilosa: sob o pretexto de dar à sua guardia
m Knight Inlet e arredores. Knight Inlet é o fiorde mais um remédio mágico destinado a embelezá-fa, matou-a e
prnfundo da região kwakiutl; penetra num maciço monta- queimou-a numa fogueira. De volta à aldeia, contou a
nhoso cujos cumes atingem entre 3000 e 4000 metros, e aventura. A população foi até à Dzonokwa e tomou conta
m smo mais: Silverthrone Mountain e os montes Wadding- de todas as suas riquezas: f.rutos em conserva, c~me seca,
ton , Tildemann, Munday, Rodell. Muito longe, para leste, peles .. . o pai do jovem herói distribuiu tudo isso num
encontra-se a região mais perigosa e de mais difícil acesso. potlach. . .
Se, portanto, os mitos da xwéxwé se distribuem entre dois Um mito dos Awaitlala, que viviam bastante para o
pólos, a região comox, isto é, o mundo dos estrangeiros, se interior, na margem direita de Knight Inlet, co:n:eça em
não mesmo dos inimigos, e o alto mar, o mundo do desco- Hanwati, na parte inferior do fiorde, que uma fam1ha resol-
nhecido, os pólos do eixo transversal, ao longo do qual se veu subir para pescar. Os salmões que eram postos a secar,
distribuem os mitos da Dzonokwa, correspondem, por um porém, desapareciam todos. Os pais repreender~m severa-
lado, ao mar e, por outro, à terra firme no que ela tem mente 0 filho pela sua preguiça: se tivesse segmdo as pro-
de mais inabordável e de mais assustador. vas prescritas aos rapazes da sua idade poderia talvez ~~r
Estas observações estão, claro, sujeitas a reservas. As obtido a protecção de um espírito que ajudasse a farmha
nossas informações acerca dos Kwakiutl, por ricas que a defender o fruto do seu trabalho.
pareçam quando as comparamos com outras, estão longe Picado no seu brio, o rapaz tomou banhos rituais. Apa-
de ser exaustivas, e não é de excluir que, na realidade, a receu-lhe então um espírito que o educou e lhe deu umas
distribuição dos mitos e dos nomes geográficos fosse pedras redondas com as quais o jovem, agora mais robus~o,
menos delimitativa. Mas, mesmo dando às investigações de conseguiu matar os ladrões de peixe - que outros nao
Boas e dos seus continuadores um valor de simples son- eiram senão um bando de .Dzonokwas; na sua morada, o
dagem, nem por isso de!xa de ser significativo o facto de herói e 0 pai foram encontrar dois desses papões-fêmeas,
se poder distribuir os mitos reportando-se aos dois tipos ainda pequenos, e várias riquezas acumuladas: carne, peles
de máscaras segundo eixos com orientações contrastantes.\ de urso e de cabra selvagem, f,r utos secos e todos os sal-
A mitologia propriamente dita das máscairas xwéxwi mões roubados. Levaram tudo, assim como as. duas peque-
pareceu-nos bastante pobre. A , das máscaras dzonokwa é nas Dzonokwas, para uma . aldeia que parece ser a de um

60 61
grupo kwakiutl, na costa oriental da ilha de Vancouver,
pura além do terdtório dos Awaitlala. O pai tomou Dzo-
11okwa como nome cerimonial e convidou «todas as tribos»
pura um banquete; no auge da animação, mostrou as duas
Dzonokwas que tinha escondidas. Toda a assistência se
H ntiu como que intoxicada com semelhante presença e o
jovem aproveitou esta circunstância para matar uma quan-
Lidade de gente. Aos poucos sobreviventes distribuiu depois
peles. Voltando à sua terra, erigiu diante de casa quatro
státuas de Dzonokwa p,a ra comemorar os altos feitos pra-
ticados.
É também em Hanwati que se passa um mito dos
Tenaktak, vizinhos dos Awaitlala, que vivem ao fundo de
l<night Inlet. Um caçador e a mulher, acampados à entrada
do fiord . para pescar, ouviram e viram durante a noite
uma figura indistinta a levantar o tecto do seu a:brigo para
lhes roubar os peixes que tinham posto a secar por debaixo.
O homem pegou no arco e disparou. A criatura, ~tingida,
caiu para os arbustos, mas conseguiu fugir.
No dia seguinte, de manhã, o caçador seguiu o rasto
e descobriu o cadáver de um ser estranho, com seios pen-
dentes, muito grandes, e a boca arredondada e de lábios
muito grossos. Era um . Dzonokwa-macho (quanto à estra-
nha anatomia. cf. p. 53). O casal subiu o fiorde até à
aldeia. No dia seguinte, alguns índios que vinham em sen-
tido oposto viram na margem rochosa uma grande Dzo-
nokwa-fêmea lavada em lágrimas. Voltaram à aldeia e con-
taram o que tinham encontrado, e o caçador compreendeu
O 10 20 AO 60 80Km que a criatura chorava o desaparecimento do seu congénere.
Os jovens, muito excitados, quiseram ir logo procurá-la,
© Alert Bay
@ HarbJedown mas os outros fizeram o possível para os dissuadir: «Tem
@ Cracroft
© Gillord
uns olhos enormes - explicaram; dir-se-ia que têm fogo. E a
cabeça é tão grande como um baú de provisões». Os
jovens partiram, porém, à procura da Dzonokwa e inter-
Mapa da região kwJdutl, com os «eixos» relativos aos mitos
rogaram-na: ela disse então que tinha perdido o filho.
da Dzonokwa e da Xwéxwé.
Receando vingança, os rapazes fugiram.
Na aldeia vivia um jovem muito feio, modesto e
calado. Ouviu o relato dos companheiros, levantou-se sem

63
dizer uma palavra e partiu na sua pequena piroga. Ao Mais tarde, veio a triunfar de vários monstros, entre os
encontrar a Dzonokwa, interrogou-a também, e ela pro- quais uma Dzonokwa, que transformou em pedra.
meteu fazer a fortuna de quem lhe devolvesse o filho. Outro grupo kwakiutl, os Tsawatenok, _vivia a norte
O jovem levou-a ao abrigo do caçador e seguiu o rasto de Kingcome Inlet. Qrn.. dos s~us mi!os menciona uma _prin::._
que conduzia ao cadáver, que a Dzonokwa levou para casa, <;esa que, pouco depois de alcançar a puberdade, gostava
acompanhada do herói.
de percorrer os bosques, com risco de ser raptada pela
A casa era muito ampla e estava cheia de provisões <~Dzonokwa da floresta». De facto, encontrou um dia uma
que o monstrn ofereceu ao seu protegido. Eram peles cur- mulher grande e forte que a convidou para casa dela
tidas, carne de cabra seca e .snna máscara que a represen- gaguejando, pois tinha um defeito na fala. O monstro
tava. A Dzonoik!wa ressuscitou o cadáver do filho com uma ·admirou muito as sobrancelhas rapadas da jovem e esta
água mágica que retirou de uma bacia, com a qual aspergiu prometeu fazê-la igualmente bela, recebendo, como prémio
tamlbém o feio herói, que se transformou num belo jovem. antecipado, os vestuários mágicos do monstro, que mais
Mas este disse-lhe, entretanto, que estava triste por ter não eram que os seus vestidos de puberdade. A princesa
perdido os pais. A Dzonofowa prometeu-Jhe que 0 faria levou a Dzonokwa para a aldeia, onde, a pretexto de a
capaz de os ~razer à vida. O herói voltou pa;ra ~ aldeia com confiar aos cuidados de um barbeiro, a entregaram a um
todas as riquezas, celebrou o primeiro ritual de Inverno gueffeiro, que a matou com um martelo e um escopro de
e ressuscitou o pai e a mãe com a água mágica da Dzo- pedra. Por ordem da princesa, o cadáver foi decapita.do
nokwa. No dia seguinte, perante todo o povo, executou a e queimado. Toda a aldeia se dirigiu para a casa da Dzo-
!!_ança . da Dzonokwa, cujas riquezas lhe peirrnitiram dar nokwa, que estava cheia de riquezas como peles, ;:tbafos,
uma festa aos convidados e cobri-los de presentes. Nessa carnes secas e gorduras. O pai da heroína apoderou-se de
altura interveio o caçador do princípio da história, para umét.Jnás_cai:a de face humana, encimada por uma águia no
ninho, chamada «máscara com o ninho da causadora de
reclamar o privilégio da dança, que, dizia, tinha conquis-
pesadelos» (cf. p. 54). Estes factos tinham-se passado
tado com o sangue que derramara. «Não - respondeu-lhe
durante a estação profana. As provisões da Dzonokwa
o herói - , foi só a mim que a Dzonokwa deu a dança.
foram distribuídas por todos e o clã da princesa passou a
Não me disse para a dar ao assassino do filho». Daí em primeiro na escala hierárquica. Foi a partir de então que,
diante, a inimizade e o ciúme reinam entre os descenden- na altura da puberdade, as raparigas se vestem com roupa-
tes desses d~is homens. /
gens de lã de cabra da Dzonokwa. Voltaremos a esta con-
Os Awa1tlala ~ os Tenaktak contam também, e quase clusão.
n?s. mes~os termos, que houve outrora uma mulher que _Os Nakoaktok da costa continental, ,em frente da parte
v1v1a sozmha com o filho. As suas provisões de salmão norte da ilha, çontam que doze crianças brincavam na
desapareciam, noite após noite. A mulher fez um a;rco e praia e comiam mexilhões. Repeliram com dureza uma
flechas de barbela, montou uma emboscada e viu a Dzo- menina, que desprezavam por ter o lábio leporino ( 1 ).
nokwa a levantar o tecto; disparou e feriu-a nos seios. A pequena viu aproximar-se uma Dzonokwa çom a alcofa
O _monstro fugiu, perseguido pela heroína, que foi encon-
tr~-la morta dentro de casa e lhe cortou a cabeça. Apro- (1) Quanto ao sentido- deste defeito, cf. o nosso artigo «Une
veito~ o crânio para nele dar banho ao filho, como numa préfiguration' anatomique de la gémellité», Systemes de signes. Textes
banhetra. Este tratamento deu ao rapaz um vigor invulgar. réunis en hommage à Germaine Dieterlen. Hermann, Paris, 1978, pp.
:369-376.
64
65
e, sabendo que seria apanhada em primeiro lugar, muniu-se Oh ·adáveres e até homens válidos, que paralisava dei-
de uma concha de mexHhão; com ela rasgou o fundo da t 1111<.10 faíscas pelos olhos, que eram como buracos. Um
akofa, fazendo-lhe uma fenda, por onde se deixou cair l11dio quis identificar os ladrões. Deixou-se levar pela
para o chão, seguida de mais cinco crianças. l<awâka e depois pôs-se em fuga. A aldeia moveu guerra
Chegada a casa, a Dzonokwa preparou-se para cozi- 1os Ka:wâka, que foram todos queimados, enquanto o herói
nhar as seis vítimas que ficaram na alcofa. Uma linda 11t: apoderava dos seus tesouros, constituídos por placas de
mulher, enterrada no chão até à cintura a um canto da l'Obre, peles e carne seca. Enriqueceu e tornou-se um grande
cabana, ensinou às crianças uma canção mágica para ador- rhefe. Os Heiltsuq também conhecem versões que pouco
mecer o papão-fêmea; feito isso, bastaria empurrá-la para diferem dos mitos que anteriormente examinámos. Já os
o fogo. Foi o que, na ·realidade, sucedeu. Quando os filhos ·di scutimos e, de resto, não viriam acrescentar muito ao
da Dzonokwa voltaram para casa, a bela jovem mandou-os 11osso «dossier». Passemos pois às versões fortes - que
sentar à mesa e as outras' crianças, que se tinham escon- provêm, principalmente, da ilha de Vancouver.
dido, criticaram-nas por estarem a comer o corpo da mãe.
Os monstrozinhos fugiram. Quanto às crianças, desenter- Limítrofes dos Nootka, os Tlaskenok viviam no norte
raram a sua protectora sobrenatural e levaram-na para a da ilha, na costa ocidental. Um dos seus mitos relata a
aldeia. visita de uma família a uma aldeia situada na margem de
Terminemos esta exposição das formas fracas pelos Klaskino Inlet oposta àquela onde residia. Um papão-fêmea
Heiltsuq ou Bella Beila, próximos dos Kwakiutl pela língua roubou-lhes os filhos, que antes cegara colando-lhes as pál-
e pela cultura, estabelecidos na costa continental entre pebras com resina. A mãe das crianças chorou tanto que
Rivers Inlet e Douglas Channel, em 1frente da parte sul das o ranho escorria do nariz até ao chão, e dele nasceu uma
ilhas da Rainha Carlota. Dizem eles que uma menina, que criança. Quando cresceu, este filho partiu em busca dos
chorava sem parar, tinha sido entregue à avó para que esta irmãos e encontrou uma mulher semi-enterrada (p. 66);
a conseguisse acalmar. Uma Dzonokwa disfarçou-se com o que lhe ensinou o sítio onde o monstro, para ser invul-
aspecto da avó e rnptou a criança. No caminho, a menina nerável, tinha enterrado o coração. O herói matou o papão-
foi arrancando e deixando cair no chão as franjas do ves- -fêmea a pretexto de a embelezar {p. 65); ela, porém,
tido. A pista foi depois seguida até ao ~lto de uma mon- ressuscitou logo a seguir; mas o herói, depois de final-
tanha, onde morava o monstro. Como a Dzonokwa não mente conseguir matá-la de uma vez para sempre, ressus-
estava em casa nessa altura, libertaram a criança. Ao vol- citou os irmãos e subiu ao céu.
tar, o monstro deu pela sua falta e pôs-se a procurá-la. Ainda na ilha, os Nimkish têm um mito acerca da
Alcançou o grupo dos que tinham ido buscar a criança, os descendência do primeiro homem que viveu na terra depois
quais, para a neutralizar, morderam a língua e cuspiram do dilúvio. O filho desse homem cons·e guiu casar com a
sangue na sua direcção. A Dzonokwa protestou, dizendo mulhe.r que amava depois de sair vitorioso das provas,
que gostava da criança e queria ficar junto dela; e, como tidas por mortais, que o futuro sogro lhe impôs. Tiveram
penhor das suas boas intenções, deu ao chefe as danças. um filho chamado Gigante, dono das máscaras dzonokwa
Não foi fácil pô-la em fuga. e casado algum tempo com a filha do sol. O filho deste
Outros mitos heiltsuq dão à Dzonokwa outro nome, casal preside aos redemoinhos que agitam o oceano.
o de Kawâka, que muitas vezes a designa neste dialecto. Estes mitos dos Kwakiutl insulares têm afinidades
Aproveitando uma epidemia mortífera, o monstro roubava certas com os dos seus vizinhos Noot:ka, dos quais temos

66 67
versões mais coerentes. Entre estes índios, o_ papão-fêmea , xrlusivamente de lutas com o papão-fêmea e fortes à:que-
chama-se Malâhas e - diz-se - roubou e matou os filhos 11111 que, a essas lutas, acrescentam uma visita do herói ao
de · uma mulher, pondo-os depois ·ao fumeiro da lareira. 1·t· u - onde, de forma explícita ou implícita, entra em con-
A mãe das crianças teve outro filho, nascido do ranho, o l'llt.o com o sogro, que frequentemente é identificado com
qual partiu à procura do monstro. Quando, um dia, subiu 11 1-iol. Quer o mito o afirme expressamente ou apenas o
a uma árvore, a Malâhas viu-lhe a imagem reflectida na 1111bcntenda, é ·de Jacto para casar com a filha do sol que
água e, ;:ipaixonada, foi surpreendê-lo no seu esconderijo, o herói empreende a sua ascensão. Nestas versões há, por-
pretendendo casar com ele. O jovem matou-a várias vezes l 11nto, duas pernonagens femininas: em primeiro lugar o
com o pretexto de a embeleza,r, mas ela ressuscitava sem- 111onstro, criatura ctoniana ou com afinidades com o mundo
pre, até que ele, finalmente, descobriu o sítio onde o monstro . H11bterrâneo, que, pela sua cegueira ou deficiência visual,
escondera o coração. Traspassado este, o herói ressuscitou l'Stá do lado nocturno; depois a filha do sol, criatura celeste
os irmãos urinando sobre os seus cadáveres e depois subiu q11 , por morada e por ascendência, está do lado do dia.
ao céu a .fim de, segundo disse, aí procurar o pai. ' Aí, Admitido isto, prestemos atenção a um mito dos Tenak-
começou por dar a vista a duas velhas cegas em troca de lnk, já mencionados (p. 64), cujas variantes operam uma
um itinerário que o conduzisse onde desejava; alcançado o
11otável síntese destes dois aspectos.
destino, lá ficou durante algum tempo junto do pai; depois
Havia outrora um rapaz coberto de crostas e de úlce-
voltou à terra para nela introduzir os peix·es e pôr o mundo
ras . Como a doença era contagiosa, o pai, chefe da aldeia,
em ordem. Chegou à terra em Dza' wadé, «lugar dos pei-
1

1 'solveu abandoná-lo para bem dos demais habitantes.


xes-candeia», para os lados de Knight Inlet, libertou os
1\ avó do rapaz, condoída com a sua sorte, forneceu-lhe
peixes que estavam presos e casou com a filha do chefe
local, tendo-o ela prevenido contra o pai. De facto, este rogo e algumas pirovisões. O infeliz ficou sozinho. De
tentou fazer morrer o genro por mefo de toda a espécie de repente, saiu-lhe do estômago uma criança que lhe revelou
provas. Mas o jovem levou a melhor, matou o seu persegui- ser a causa da doença, pedindo ao «pai» que lhe chamasse
dor e abandonou a mulher, para iniciar uma longa pere- 'rosta-de-Chaga. A miraculosa criança criou os peixes com
grinação durante a qual triunfou sobre os adversários, que ·aruma de coníferas apanhada nos túmulos das suas tias.
transformou em várias ·e spécies de animais, e deu uma Mas os peixes desapareceram ,r apidamente. Crosta-de-Chaga
anatomia normal a um casal de seres humanos incapaz fez uma emboscada e viu o ladrão, que era uma Dzonokwa.
de procriar porque amJbos tinham os órgãos sexuais na Disparou flechas para os grandes seios pendentes, pô-la
testa. Finalmente, deu vida a umas figurinhas de madeka, 'm fuga e, encontrando a filha do monstro, esta levou-o
de onde provém a humanidade actual. à sua morada. A Dzonokwa estava gravemente ferida e o
Para o especialista das comparações, estas formas for- herói acedeu a tratá-la e curá-la, não sem a atormentar
tes oferecem tanto maior interesse quanto é certo que primeiro, e t_eve como prémio a filha, água mágica e grande
podem ser encontradas, com ligeiras modificações, na Amé- quantidade de riquezas.
rica do Sul. Parecem, pois, pertencer a um estrato muito Voltando à aldeia depois de uma ausência que julgava
arcaico da mitologia do Novo Mundo. Não é esse o pro- ·urta mas que durara quatro anos, o jovem deu com a
blema que aqui nos preocupa: o que agora mais nos inte- ossada do pai, q~e entretanto mor,r era. A esposa Dzonokwa
ressa é justificar a repartição dos mitos de Dzonokwa em não podia ver os ossos, «pois estas criaturas têm os o1hos
dois grupos. Chamámos .fracas às versões que tratam profundamente enterrados nas órbitas», o que as torna pra-
68 69
ticamente cegas (1). Teve, portanto, de procurar o esqueleto lizável, a umao simultânea com esposas demasiado dis-
às apalpadelas e de o ressuscitar pelo tacto. Crosta-de- la ntes uma da outra contrasta impressionantemente com·
-Chaga depressa se cansou desta esposa ~ ~eu · pedido, o casamento a distância de uma mu,lher, possibilitado, nos
os adens }evaram-no ao céu_, O Sol e a Lua / deram-lhe a mitos salish do Fraser, pela máscara swaihwé recebida do
_!'ilha em casamento e, mais tarde, desceu com esta _esposa irmão como dote. Este casamento bem sucedido põe fim a
.celeste, à terra, vindo encontrar o pai e a primeira esposa uma intimidade quase ihcestuosa entre os germanos - tal
- na.t ur'almente com 'ciúmes da rival. Entre as duas houve, como aqui o casamento desfeito implicà, numa das versões,
a princípio, mal-estar; mas depois reconciliaram-se. Apesar uma intimidade quase incestuosa · e11tre o sogro e a nora .
disto, o herói quis voltar para o céu com a segunda esposa, .Tá sublinhei noutro local a analogia ·da ·história de Crosta-
porém adormeceu , durante o voo e morreu na queda. Na .-de-Chaga com os mitos gregos de ,Adónis, tais como Mar-
terra, ficaram sós , o pai do herói e a nora, a mulher D-;;-- cel Detienne os reinterpretou. Mas é sobre outra §l>na-
nokwa. logia - interna, agma, aos mitos americanos - que aqui
São conhecidas outras versões deste mito, recolhidas temos de insistir. De facto, em todos os mitos que anali-
por Boas junto de um mesmo informador mas com um sámos desde o início, o herói mal-cheiroso, descrito como
intervalo de trinta e dois anos. Segundo a mais antiga, coberto de chagas tanto no vale do F,raser como a norte
depois de o herói ter caído do céi'.i e morrido, a esposa de Knight Inlet, a criança chorona, o adolescente mole ou
Dzonokwa ressuscitou-o e viveram na terra como bons indolente até à inactividade, ou então vivo mas desobediente
esposos. Na outra versão, em que a criança doente e aban- e que, por motivos diferentes de local em local, se revela
donada pelos seus é uma rapariga (o que torna mais plau- insuportável aos seus, é sempre a mesma personagem, em
sível que lhe saia um rebento das entranhas), as duas que só a aparência muda, visto que os mitos se contentam
esposas de Crosta-de-Chaga, que se detestavam, abando- com transpor para o plano físico ou para o plano moral a
nam-no. O herói morreu quando procurava juntar-se no tara~ sinal invertido da sua condição de eleito.
céu àquela que preferia, 'm as o sogro Sol ressuscitou-o e
ele pôde retomar a vida conjugal com a esposa celeste.
Deste modo, o problema da mediação impossível entre
pólos demasiado afastados - representados respe~tiva­ ' l
mente, pela esposa terrestre e nocturna e pela esposa celeste
e luminosa - recebe, em cada uma das versões, uma solução
diferente. Mediador ineficaz, o herói encontracse no final
separado dos dois pólos que julgara poder unir e morre
(versão l); ou então separa-se definitivamente de um dos
pólos e fica ligado ao outro, que, conforme os casos, é o
pólo terrestre (versão 2) ou o pólo celeste (versão 3). Irrea-

( 1) É por este IJ}Otivo que as figuras tradicionais de Dzonokwa


têm as órbitas côncavas ou os olhos semi-cerrados (p. 53). Os actuais
escultores parecem ter perdido todo o interesse por esta característiCa
essencial do papão-fêmea e representam-na com os olhos muito aber-
tos - sem dúvida para acentuar o seu aspecto ruim.
71
70
VI

, ' -' Entre os Kwaikiutl meridionais, a Dzonokwa aparece


também nos potlatch. O figurante que a rep·r esenta traz
uma alcofa cheia de placas de cobre t.rabalhadas, de um
tipo que descreveremos (p. 119) e a que chamaremos, sim-
plesmente, «cobres». Entrega-os ao chefe. à medida que este
vai necessitando deles. No momento mais solene, o chefe
põe também uma máscara de Dzonokwa chamada geekumhl.,
Esta máscara é de execução inais cuidada e confere ao
monstro, em vez da habitual expressão de estupidez, um
aspecto firme e cheio de autoridade. O chefe com a más-
cara encarna Dzonokwa; é, pois, ela que põe à venda ou
dá os cobres inteiros ou que os corta previamente em peda-
ços com uma faca de madeira rija cujo cabo esculpido,
muitas vezes, a representa também.
Na realidade, todos os mitos :r espeitantes à Dzonokwa
fazem dela detentora de riquezas fabulosas ·q ue oferece
espontaneamente aos seus protegidos ou de que os huma-
nos se apoderam depois de a matarem ou pôr em fuga. Há
outra maneira de as obter: Dzonokwa tem um filho de peito
que nunca chora, diz ela com orgulho (ao contrário das
crianças que rapta). Quem conseguir apanhá-la com o
rebento e puder fazê-lo chorar, por meio de beliscões,
receberá do monstro presentes maravilhosos: uma piroga
mágica, água da eterna juventude e o raio da morte. Quando
alguém visita a Dzonokwa de surpresa vai, muitqs vezes,
encontrá-la a escavar uma piroga num tronco de árvore;
mas, como ela é cega ou vê muito mal, acaba sempre por
fazer um buraco irreparável na obra. Esta imperícia é t an to

73
..,
menos de admirar quanto é certo que, esta personagen 1· •s rituais, erguem-a.. travessa que estava oculta no exte-
parece ligada à terra: se a Dzonokwa rouba se~'pre os pei- r c)r e a intrpduzein na casa; a cabeça, com o filho do chefe
xes dos índios é po.z não ter produtos da água. Tal como 1 cavalgar-lhe o pescoço, aparece na abertura da porta.

são descritas pelos mitos, as riquezas da Dzonokwa pare- 1111 diatamente o orador da tribo de catego"'."rfa mais elevada
cem exclusivamente terrestres: cobres, peles, curtidos,. 1•xige que os transportadores pá,rem. Canta. então uma pro-
gorduras e càrnes de quadrúpedes, fruto's secos: «Oh, havia 111 •ssa . de festa: «para que a cabeça de Dzonokwa seja
lá tantas riquezas! Mas não havia alimentos provenientes micntada para nós, visto que somos a tribo superior»., Os
de rios ou ribeiros (.. .), pois tudo o que ela tinha para dar jovens levantam outra vez a travessa, continuam a avançar
de comer aos convidados era carne seca». E, no entanto, e• intervém o orador da segunda tribo para os fazer deter
há por vezes referências a uma «Dzonokwa do mar»; um .. 1• prometer também uma festa. Este incidente repete-se até

· prato cerimonial representa-a ao lado de três outras figu- q11' tenham falado todas as tribos convidadas. A travessa
ras que representam peixes, numa casa cujo espírito ances- 1 ntão depositada no chão, com a parte de trás para o
tral, pintado na fachada, é uma baleia. Mas os textos lado da porta - a menos que uma das tribos seja dema-
mencioµam também uma «Baleia da floresta». Em ambos 11l11do pobre para sé comprometer também. Nesse<- cas~, a
os -casos a atribuição paradoxal de um ser terrestre ou parte de trás da travessa fica apontada para essa c tri.Qo e
marJnho à região natural oposta parece referir-se, não à h (t uma discussão entre os donos da casa e os coU,vidaaos·,
terra ou ao mar tomados em absoluto, mas a um mundo 111' 'ndidos com tal procedimento. Os ofendidos procuram .
subterrâneo cuja entrada, veremos mais adiante, se abre doitar para o fogo uma das travessas acessórias; ou'- '.erµão,
lmtge, para norte, na parte mais funda do oceano. l'oda parte procura atirar alguém da outra para det},t ro da ·
, ,: ~á escu,l turas monumentais com a imagem da Dzo- t rnvessa principal: injúria suprema que marcà con} i'ndig-·
llQkWa. _Uma estátua com mais de sete metros de altura 1ilcl ude, para sempre, aquele ou aqueles «que foram _lav'ad~s, ~
mà?t.ra-a . com ' os braços abertos para receber os presentes 1111 trnvessa cerimonial». Assim, os movimentos deste uten- .
de' casamento devidos pela família da noiva. Já mencioná- lllo são ansiosamente vigiados. Se, por inadvertência, osí
' tqps . as travessas gigantescas escavadas no abdómen de portadores da travessa dirigem a parte de trás para alguma
e

um _papão-fêmea com mais de dois metros e deitado de d11H tribos convidadas, logo é dado_o alarme; e, não havendp
costas com os joelhos dobrados. Travessas mais pequenas 1·11c:tificação imediata, sofrem duro tratamento. A enorme
oc?pam os lugares da cara, dos seios e das rótulas. Todas l rnv 'ssa imobiliza-se finalmente na posição correcta, · i.S-to
,estas partes do corpo, que normalmente são convexas, 1": atrás da lareira, com a cabeça virada para o poste c~n­
pãssam, assim, a constituir concavidades (p. 54). Um texto t rnl do fundo da casa. O chefe toca sucessivamente as peças
admirável e pouco citado . de Barrett especifica que as pes- do i-;crviço que correspondem à cabeça, ao seio direito, ao
soas não gostam de ser servidas em tais travessas. Quando 1·!0 squerdo, ao umbigo, ao joelho direito e ao joelho
sabem que os donos da casa as vão trazer, os convidados ,, 1qucrdo. As travessas são distribuídas entre as tribos por
preparam-se para o que der e vier. Cada um se enfeita mdn111 hierárquica e vêm depois pratos vulgares e colheres
com ornamentos e pinturas corporais que lhe dêem aspecto p 1n1 H .fazer a distribuição geral dos alimentos colocados
assustador, senta-se na posição que lhe compete hierarqui- 111 (':tviclade abdominal. As operações são orientadas por
camente e aguarda a chegada da travessa com sentimentos 11111 l11Lcndente, que decide e anuncia o número de pratos
mistos de apreensão e hostilidade. Chega o momento em q111 cnbcm a cada grupo de convivas. Estes comem muito
que os jovens do clã do hospedeiro, no meio de exclama- p111wo, pois a maior parte da comida é para ser levada. Nes-

74 75
tas travessas cerimoma1s não se pode servir senão carne grande . çhefe, pois eu própria sou senhora {... ). Eu, a
de foca, de baleia, gordura, frutos e outros produtos vege- senhora, venho para ser vossa esposa, príncipes dos chefes
tais. Os animais terrestres, os peixes e os mariscos de das tribos! ~stou sentada sobre cobres e tenho muitos títu-
concha são excluídos do número dos alimentos normais e só los e privilégios que meu pai dará ao meu futuro esposo ... ».
são aceitáveis em festas pequenas, servidos em travessas Entre os ~wakiutl, de facto, o casamento - como
de uso corrente. mostrou Boas - era uma espécie de compra, conduzida em
Todos estes factos põem em evidência a ligação que conformidade com os mesmos princípios e as mesmas
existe entre a Dzonokwa e as rique'z as acumuladas ou regras que a compra de um cobre. Todavia - acrescenrta
distribuídas. Há outros exemplos, para os quais devemos este autor - , não devemos concluir daí que se trata apenas
também chamar as atenções. Um deles é a ligação esta- .. da compra da mulher pelo marido. O clã da mulher tam-
belecida pm um mito (p. 65) entre Dzonokwa e as rapa- bém compra o seu direito sobre as crianças •q ue nasçam
rigas púberes para exp.Ucar que o vestuário ritual destas do casamento a celebrar e o genro nada adquire para si,
imite o seu. Este vestuário é feito com pedaços de casca mas para esses filhos. Quando eles nascem, a família da
df' árvore e tiras de pele de cabra, que espartilham o corpo mulher oferece ao marido um pagamento superior ao que
da jovem e a impedem, praticamente, de se mexer. Um recebeu ao ·e ntregar a jovem esposa. Estas contra-pres-
texto descreve uma princesa nessas condições, que tem tações destinam-se a «resgatam a mulher; de tal modo que,
então um nome adaptado às circunstâncias, cujo sentido é: se ela resolver ficar com o marido, seja por sua plena
«Sentada-Imóvel-dentro-de-Casa». Na verdade, ela conser- vontade ·e, por assim dizer, gratuitamente. O genro res-
va-se agachada, imóvel, com os joelhos apertados contra ponde, pois, muitas vezes, com novo pagamento, a d'im de
o peito. A sua alimentação diária reduz-se a quatro boca- assegurar direitos sobre a esposa. A ligação entre as tran"
dinhos de salmão seco, humedecidos com um pouco de sacções matrimoniais e as transações de cobres ressalta
. óleo, que a mulher-xamã encarregada de cuidar dela lhe também do facto de, antes e depois do casamento, a mulher
mete na boca; e apenas bebe um pouco de água, que aspira se esforçar por acumula:r ·cobres: junta quatro na ponta
com um tubo de osso. Para manter a boca pequena, a de um pau, que oferece a:o marido.
jovem deve· abri-la o menos possível e, ao beber, tem de Estes usos fazem luz so:bre o motivo pelo qual a Dzo-
contentar-se com ·q uatro sucções, para não perder a esbel- nokwa dá às raparigas púberes o vestuário ritual que já
tez; só depois lhe é permitido comer, mastigando lenta- foi seu. Mitos e ritos revelaram-nos dois aspectos da per-
mente. Enquanto dura a reclusão, a jovem só se pode .lavar sonalidade do papão-fêmea. Ela é, em primeiro lugar,
uma vez em cada quatro dias. Passado um mês é libertada raptora de crianças; mas é também possuidora e doadora
do espartilho, depilam-lhe as soibmncelhas (p. 65) e cor- de meios de realização_do potlatch, entre os quais figuram,
tam-lhe o cabelo. A mulher-xamã coloca o espartilho nos à cabeça, os cobres. Uma máscara articulada' ,e m três peças
ramos de um teixo. revela, ao ser aberta por um jogo de cordéis, um fundo de
Se o pai da princesa tiver um cobre, coloca esse pre· cobre, que aparece assim como a essência última do
cioso objecto à direita da filha para que, depois, ela obte- monstro.
nha facilmente él!queles que .Ievllrá às costas ao futuro Ora, ao atingir a nubilidade, isto é, a idade do casa-
marido. O canto ritual da jovem púbere é dirigido aos futu- mento, a jovem torna-se ·c omparável à Dzono:kwa, e isto
ros pretendentes: «Aprontai-vos, filhos dos chefes de todas por duas razões. Oferece os cobres ao futuro marido e
as tribos! Aqui estou; meu pai fará do meu marido um rouba-.Ihe antecipadamente as crianças que nascerão da sua

76 77
união. Do ponto de vista da família da noiva tudo se passa, aos Musqueam do estuário, primeiro, e depois ao longo da
de facto, como se as crianças devessem pertencer ao grupo ·osta para norte e para sul e em frente, na ilha de Van-
da mulher em vez de ao do marido. Vista numa certa pers- ·ouver. Pelo mesmo mecanismo, as gentes da ilha transmi-
pectiva, a oposição entre os dois papéis desempenhados Liram-na aos Kwakiutl meridionais.
pelo papão~fêmea acentua o seu carácter associa!; mas, Em contrapartida a ligação entre a swaihwé e as
numa outra perspectiva, a rapariga desempenha então um riquezas, tão manifesta entre os Salish, inverte-se nos
papel social e uma função económica que a fazem surgir K:wakiutl, que conferem à sua máscara xwéxwé uma fun-
como uma Dzonokwa domesticadu: entrando no estado ção diametralmente oposta. Estas máscaras, de facto, são
conjugal, ela conduz-se perante os seus como Dzonokwa, avaras e impedem os espectadores de enriquecer, em vez
invertendo o sentido das trocas em proveito deles. O papão- de a tal os ajudarem (pp. 40 e 45). Depois das considerações
-fêmea- rouba as crianças aos humanos e, de boa ou má já feitas, que nos permitiram ver na Dzonokw~ o princípio
v_ont~de, cede-lhes os cobres; ;:i. jovem esposa, P!flo contrá-
de todas as riquezas, aparece, portanto, uma relação de
rio, tira os cobres à família .e dá-lhe as crianças. • • correlação e de oposição entre ambos os tipos de máscara
Esta apres ent ação dos factos explica a afinidade pos- as funções respectivas que os dois grupos lhes atribuem.
tulada pelos mitos entre Dzonok wa e a jovem em idade A forma canónica dessa relação pode ser enuinciada do
núbil, mas, aceintuando o direito materno, parece contra- seguinte modo:
dizer as opiniões que actualmente prevalecem quanto à
organização social dos Kwakiutl. A maioria dos autores Quando, de um grupo para outro, a forma plástica se
pensa, com efeito, que estes índios tinham uma regra de conserva, a função semântica inverte-se. Pelo cont.rário,
descendência indiferenciada, influenciada por uma orienta- quando se mantém a função semântica, é a forma plásticed
ção patrilinear nitidamente acentuada. Nós pensamos, que se inverte.
porém, que a verdadeira natureza das instituições kwakiutl
não foi compreendida pelos observadores e analistas e que Recapitulemos. Com a única reserva das diferenças de
ambos os princípios, o matrilinear e o patrilinear, aí se estilo, todos os caracteres plásticos das máscaras swaihwé
encontram em concorrência activa, a todos os níveis. reaparecem nas máscaras xwéxwé dos ~wakiutl - mas estas
O problema é demasiado vasto para ser tratado aqui e funcionam ao contrário daquelas e são avarentas em vez
preferimos deixar para mais tarde a sua discussão apro- de generosas. Pelo contrário, a máscara dzonokwa, doadora
fundada. Essa discussão é objecto do capítulo II d;:i. segunda de riquezas como a swaihwé, e que, como ela, transfere
parte. A ser correcta a nossa interpretação, é especialmente essas riquezas da .família da mulher para a do marido, apre-
perante os seus aliados que a mulher se comporta como senta características plásticas que, até aos mínimos por-
verdadeira Dzonokwa: roubando ao marido as Úianças que menores, constituem uma inversão sistemática das das
hão-de nascer e dando-lhe, em troca, as riquezas materiais máscaras swaihwé (p. 52).
e imateriais de que os cobres são, _ao mesmo tempo, subs- Fica assim provado que seres aparentemente tão dife-
tância e símbolo. rentes como a swaihwé salish e a dzonokwa kwakiutl-:- que
Também entre os Salish as máscaras swaihwé, origem ninguém sonharia comparar e~tre si - não são interpretá-
e símbolo de ;riqueza, eram transmitidas pela mulher ao veis cada um por si, isoladamente. Ambos são peças de um
· marido. É deste modo, como já vimos p. 20 e cf. p. 141), sistema em cujo interior se transformam reciprocamente.
que a máscara se difunde dos grupos do vale do Fraser até Tal como se verifica com os mitos, as máscaras, éom os

79
78
. .
·. -mitos. que:· fundamentam a. SUà .odgem ' e, "os :r itos em que
' figÜram, :so ; são compreensíveis através · das . relações que
as ligám runas às outras·. .A cor branca do · vesfoário: da .
swaihwé, a cor negra da máscara dzonokwa, os olhos
salientes de uma e os olhos ·côncavos ·da outra, a: língua·
pendente e a boca de lábios grossos e retesados significam
meP.as tomados isoladamente, do ·que o . sentido por assim
dizer diacrítico que deles se podé extrair. A atribuição de
caqa característica a este ou àquele ser sobrenatural é ifun-
. Ção da maneira como, no seio de urri. certo panteão, esses
seres se opõem uns aos outros para melhor assumir p:apéis
complementares.
· A análise poderia terminar aqui, já que não tiriha outra
finalidade ·que esta demonstração. Mas é, todavia, lícito
alargar o paradigma e, prolongando a investigação, alcan,
çar um conjunto ainda mais vasto em cujo s,eio se insira
este que acabamos de delimitar.

' '
1 .

·. '

Poste de casa (Tiingit).


Máscara swaihwé.Cowichan.

Escultura representando a swaihwé, tendo na parte inferior da


máscara uma efígie em forma de peixe.
Sistro damáscara swaihwé (Salish).
Máscara de Dzonokwa de olhos semicerrados (Kwakiutl).
Máscara swaihwé (Musqueam) .
Cobre ornamentado com wn
focinho de urso (Haida).

Máscara xwéxwé (Kwakiutl).

Chefe Kwakiutl segurando wn cobre


com olhos protuberantes
Jovem noiva Bell a Coola
fotog rafada em 1922 com
wn gisexstala Kw akiutl
encimado po r dois
cobres pequenos.

VII

A Dzoriokwa possui o cobre; e os mitos narram como ·


os humanos o obtiveram dela e puderam, .a$sim, dar os pri-
meiros potlatch. Mas de onde vem o" precioso .metal? Outto&
mitos o explicam, revelando o lugar aonde certos ind~víduos
bafejados pela sorte puderam . chegar · e r.eceber o cobre e
daí o levar aos seus concidadãos s1em passar pela mediação
do papão-fêmea.
Os · Kwakiutl imaginavam o mar como um rio imenso
que corria para norte. É também a norte (outros ; textos
dizem a oeste: em ambos os casos, . no mar . alto) . que se
abre a entrada para o mundo subterrâneo onde as a:lmas
dos mortos se juntam aos espíritos .sobrenaturais. Quando
baixa a maré, o mar invade o mundo subterrâneo; e, quando
ela sobe, esvazia-o. Nesse mundo ao mesmo tempo àqµático
e ctoniano, povoado de monstros e de animais marinhos,
reina uma poderosa divindade: Komogwa, senhor de todas
as riquezas. O seu :palácio é inteiramente feito de cobre,
bem como o mobiliário - entre outras peças, o canapé em
que ele .r eclina a corpulenta figur:a (a maioria dos mitos
descreve-o como um enorme inválido) e o barco. Os seus
guardas são os mergulhões; os servos, as focas; e as pro-
visões são inesgotáveis.
Uma princesa cega, perdida . no mar pelos seus escra-
vos, acostou um dia nessas paragens depois de perigosa
viagem ao s.a bor das . correntes. O filho do deus casou com
· ela e restituiu-lh'e . a .vista · com .unia água mila;grosa. Nas-
ceràm-lhe :quatro filhos que, depois de crescidos, voltaram
para a família da· mãe num barco mágico, foito de cobre,
O mergulhão coroado . Em
primeiro plano, o macho
6 81
que navegava sozinho. Iam carregados de cobres e de outros l'ormou-se em mulher ·e ele desposou-a, embora ela se
presentes. recusasse a dizer quem era e donde vinha. Um dia, levou
' rSegundo outro mito, uma princesa foi concedida pelos o marid<;> para longe, no interior, a pretexto de o fazer des-
pais a um estrangeiro altivo que depois se soube . ser um posar uma segunda mulher, filha de uma personagem cto-
urso. Uma prisioneira desse Barba-Azul avisou-a: deveria niana. Esta, pelo orifício que lhe servia de comunicação
abster-se de comer a comida do marido e, principalmente, com o exterior, estendeu ao visitante um :bebé e um vaso
dever:ia negar-se-lhe. Mas, um dia, vencida pelo sono, a de i:toite cheio de urina. O herói, como lhe repugnasse a
princesa deixou-se beijar e logo lhe cresceu uma grande perspectiva de ter de transportar às costas durante meses
barba, que lhe chegava ao peito. A infeliz conseguiu fugir esta noiva infantil, rejeitou delicadamente a oferta. Proce-
no único barco do monstro e a corrente levou-a até à costa, deu mal, pois ter-lhe-ia bastado aspergir a criança com o
em frente do sítio onde ele morava. Havia ali uma casa conteúdo do vaso para a transformar numa graciosa jovem.
onde ela entrou, sendo acolhida por uma personagem que A primeira esposa .repreendeu o marido, mas, de facto, a
ali se encontrava deitada de costas e que, tomando-a como sua preocupação não era tanto arranjar uma parceira mas
esposa, a libertou da barba. Eira Komogwa, cuja mora~a sim obter as peles de caribus que constituíam o dote - e
se chama Casa-da-Felicidade. A princípio, efectivamente, a que rapidamente colocou em lugar seguro. Serviu-se delas
jovem foi feliz e deu ao marido quatro filhos, rapazes e · para transformar o barco do marido em submarino, e isto
raparigas alternadamente; mas acabou por sentir saudades pem1itiu-lhe levá-lo junto de Komogwa, que então ficamos
dos seus. Compadecido, Komogwa mandou-a de volta para a saber ser pai dela. Trazia-lhe os bens terrestres que ele
a sua aldeia, com cobres preciosos, muitas provisões, tra- não possuía: varas de abeto, raízes, radículas, ramos de
vessas cerimoniais e variados presentes. Os mitos kwakiutl coníferas... De .facto, Komogwa possui os salmões, mas
narram outras visitas a Komogwa, cujo herói é um xamã não tem as matérias lenhosas indispensáveis à construção
em busca de poderes sobrenaturais ou um ·jovem que pro- de barragens de pesca. O herói passou algum tempo junto
cura a morte por ter sofrido uma humilhação. Em ambos os do sogro e voltou depois para os seus com a esposa e o
casos, deixa-se deslizar ou arrastar para o fundo das águas, filho, carregado de presentes sumptuosos.
chegando à morada de Komogwa, ·que tem uma ferida que Há nestes mitos três aspectos que nos chamam a aten-
só ele pode curar.· Em troca desta cura, recebe riquezas ção. Uma das princesas acolhidas por Komogwa sofria de
e dons mágicos e 1regressa à sua origem. . cegueira; dizem-nos também que Komogwa se alimenta de
Voltemos por instantes à princesa barbada do segundo olhos . humanos ·cujos primeiros possuidores, nafüralmente,
mito. A:s suas aventuras passam-se ao longo de um eixo , ficaram cegos por esse facto. Os mitos da costa do Pacífico
horizontal em ·que, dum lado, está a terra firme onde a falam frequentemente de uma criança sobrenatural que todas
prende o marido-urso ·e, do outro, o alto mar onde é rece- as noites arranca os olhos dos habitantes da aldeia onde
bida pelo d~us marinho. A esta história de uma mulher se encontra, par--.a os comer. Segundo os Tsimshian, vizi-
entre dois homens corresponde outra, respeitante a um nhos dos ~wakiutl, essa criança era o filho de um príncipe
homem entre duas mulheres, que tem lugar ao longo de e de uma divindade lacustre. As suas actividades crimi-
um eixo vertical, entre a terra (e, até, o céu, pois envolve nosas fizeram perecer toda a população menos o pai e
também uma ave) e o mundo ctoniano. O chefe de uma uma irmã deste. Cansado das queixas do príncipe seu
aldeia da costa apanhou certa vez um misterioso cisne marido, a Senhora do lago prometeu-lhe fazê-lo muito rico
branco que exalava um forte odor a cobre. A ave trans- e transformou a cunhada em Senhora Riqueza - persona-

82 83
1
associam à má vista a exogamia exagerada e o enriqueci-
gem de que falaremos adiante; todos aqueles que - disse mento desmedido.
- ouvissem chorar o .filho ficariam ricos. O irmão e a irmã A outra princesa não é cega; mas, casada com um
separaram-se: ele foi para o norte e ela para o sul. Quanto urso (o que vem a ser outra forma de exogamia exagerada),
à Senhora do lago, transformada em sereia, escolheu para ganha barba, sinal precursor da sua eventual transforma-
domicílio o fundo do mar. ção em Dzonokwa - personagem que se faz notar pela
Conhece-se um mastro esculpido haida que se encon-
sua pilosidade. Quando o barco do marido acosta, ela não
trava em Tanu, e cuja cópia - de manufactura indígena -
é capaz de subir a margem íngreme. Ele leva-a então às
ornamenta a entrada do museu de Victoria. Entre outras
costas, como a Dzonokwa leva às costas as crianças que
figuras míticas, esse mastro :r epresenta um «chefe do mar>~
rouba, mas ªº' contrário do herói do mito seguinte, que
de olhos pendentes: todas as noites os olhos lhe saíam das
órbitas e, à hora das refeições, os amigos punham-nos no se recusa a fazer o mesmo com a esposa infantil. A seguir,
o marido-urso, com a mulher às costas, trepa por uma
lugar para ele poder ver o que comia. Tais como foram
imaginados pelo escultor, os inúteis olhos, representados enorme raiz de conífera, posta à vista na ravina pela erosão,
por pequenas caras, descem, presos por longos pedúnculos, e ,que desce até ao mar {enquanto, no outro mito, são as
até aos pés da personagem. Nada pode contrastar mais com raízes, precisamente, o que falta nos tesouros de Komogwa).
os olhos ardentes das máscaras swaihwé, solidamente pre- Todas estas indicações sugerem que Komogwa, Dzonokwa
sos à sua base cilíndrica como que a sublinhar que, ao con- e os seres humanos formam um sistema. Cada termo define-
trário dos olhos humanos, que podem ser arrancados, ou -se pela posse de dois tipos de riquezas e pela carência . de
dos olhos do «chefe do mar», que se desprendem do seu um terceiro. Komogwa tem o cobre e os peixes mas não
lugar, estes são inamovíveis. Ora, as máscaras swaihwé possui produtos da .floresta. Dzonokwa tem produtos da
são, para um irmão, o meio de bem casar a irmã (p. 24); floresta e cobre mas não possui peixe, que se vê na neces-
ou seja, casá-la de maneira sensata, num grupo estrangeiro sidade de roubar aos humanos. Finalmente, os humanos
têm peixe e produtos da floresta mas, enquanto o não obti-
mas vizinho.
Em contrapartida, todos os mitos construídos directa verem de Komogwa ou de Dzonokwa, não possuem cobre:
ou indirectamente sobre o tema dos aldeãos de olhos desor-
bitados parecem referir-se a um casamento muito afastado, Cobre Produtos da floresta Peixe
seja ele com Komogwa, que vive no fim do mundo, ou com Komogwa ... + +
a Senhora do lago, que mora no fundo das águas. Esses Dzonokwa ... + +
casamentos arriscados podem :resultar em benefício ou em
Humanos ... + +
prejuízo daquele ou daquela que os contrai; mas nós não
somos, certamente, os únicos a conceber a Fortuna como Este sistema triangular, que associa e opõe à humanidade
uma deusa cega ou que faz cegar. Mesmo julgando arris- dois tipos de seres sobrenaturais, explica, provavelmente,
cada esta comparação, nem por isso deixa de manter-se as afinidades que encontramos entre Komogwa e Dzonokwa.
essa inversão {já observada na passagem dos ,Salish para Ambos são canibais, e há uma Dzonokwa do mar apesar de
os K'wakiutl) entre estes dois povos, se a considerarmos esta personagem ser de essência terrestre; mas, mesmo habi-·
sob outro ângulo: os Salish associam a exogamia contro- tando no cume de uma montanha, vive num lago muito
lada e o enriquecimento sensato à boa vista, e os Kwakiutl
85
84
fundo na companhia de otárias e de lontras marinhas. Na ver- protagonista úm jovem que sofre de uma lepra mal-cheirosa:
dade, Dzonokwa é, principalmente, uma personagem ctoniana, o jovem pesca um .s almão que se transforma em rã, levando
e o mesmo podemos dizer de Komogwa - descdto como um assim ao cúmulo a sua pouca sorte. Ou então, é a própria
espírito que vive no fundo do mar mas por vezes, também, tal doença que se escapa do corpo sob a forma de rãs; ao passo
como a Dzonokwa, no interior das montanhas. De resto, que os Kwakiutl, numa narrativa muito semelhante a esta,
diante de sua casa ergue-se um;:i. enorme estátua de Dzonokwa; fazem intervir uma sapa benfazej;:i. e doadora de cobre (p. 35).
e os postes suportam vigas esculpidas que representam Portanto há aqui um sistema quadripartido que põe em
otárias. Komogwa dá, ao despedir-se de um índio que acolheu, estreita relação um cheiro (descrito sempre com9 difícil de
cobres, uma máscara e um recipiente, estes dois com a suportar, mesmo quando emana de uma substância tão pro-
imagem de uma Dzonokwa; ou, noutra versão, um bastão curada como o cobre: diz-se do genro de Komogwa que «não
esculpido que, na parte inferior, representa o papão-fêmea. era capaz de suportar o penetrante cheiro do filho, pois este
O último dos três aspectos atrás mencionado vai prender tresandava a cobre»), o cobre propriamente dito, as rãs e -
um pouco mais a nossa atenção. Um mito que já resm;nimos os salmões. Dentro em breve voltaremos a esta associa'ção.
(pp. 82-83) atribui a Komogwa uma filha: uma princesa que Que Kominâga seja ou não a mesma filha de Komogwa
começa por se apresentar sob a forma de um cisne que que aquela de quem se fala noutro local, somos forçados
tresanda a cobre e que, mais adiante, tendo recuperado o. a constatar que pouco se sabe sobre esta Senhora Rica.
aspecto humano, dá à luz gémeos de sexos opostos. Vizinhos e parentes próximos dos Kwakiutl, os Heiltsuq ou
A pequenita morre muito cedo, e o rapaz exala o mesmo Bella Bella dão-lhe o mesmo nome, e são um pouco mais
cheiro que a mãe. Esta princesa confundir-se-á ou não com explícitos. Dizem que uma jovem pisou um dia excrementos
a filha atribuída noutras tradições a Komogwa? É füfícil de urso. Enojada, proferiu injúrias contra o animal e este, apa-
sabê-lo. Mas, seja a mesma ou outra, chama-se Ko;minâga, recendo imediatamente, perguntou-lhe que espécie de excre-
<fü Senhora Rica», esposa e cúmplice de Baxbakwalanuxsiwaé,
mentos fazia ela para ousar criticar os seus. A jovem respon-
deu, orgulhosamente, que os seus eram de nácar e de cobre.
«o Canibal que vive na extremidade do mundo setentrional».
Obrigada a provar o que dizia, a jovem agachou-se, fingiu
Por essa razão, ela tem importante papel na iniciação na
defecar e deixou cair no chão uma pulseira. O urso, entu-
confraria dos Canibais, que é, recordêmo-lo (p. 55), a mais
siasmado, casou com ela e levou-a para casa, onde os postes
alta sociedade secreta dos Kwakiutl.
O cheiro a cobre, sinal distintivo da filha e do neto esculpidos representavam o Pássaro Trovão empoleirado na
de Komogwa, chama-se em kwakiutl kílpala - palavra usada cabeça de uma Kawâka (o equivalente bella bella da Dzono-
também para designar o cheiro do salmão. Voltamos assim kwa (p. 66). Dentro de pouco tempo, a jovem deu à luz
a encontrar a relação de equivalência entre o cobre e o sal- um ursinho. Mais tarde os irmãos conseguiram libertá-la e
mão que já se observava nos mitos salish (pp. 35-36), mas há apoderaram-se dos acessórios que serviam para a «dança
mais ilações a e·x trair desta aproximação. Os mitos sa]jsh do urso canibal». De volta à aldeia, o irm:ão mais velho
da ilha acerca da origem das máscaras swaihwé assimilam e a irmã não tardaram a desaparecer; depois regressaram, ele
o cheiro característico de uma das personagens e o ruído como bailarino canibal e ela como Kominâga.
do seu sistro: de facto, esse cheiro ou esse ruído - con- _j( O casamento de· uma mulher sobrenatural com o Canibal-
forme as versões - ameaçam assustar os salmões (p. 21). -que-vive-no-fim-do-mundo, ou o de uma humana com um
Quanto aos mitos salish do ,Fraser e da costa, têm como urso, apresentam, em graus diferentes, o exemplo de uma

86 87
exogamia desmesurada. Os Tlingit, que têm o mesmo mito tidade de cobres ( 1 ); este rico dote permitiu-lhe casar com
que os Bella Bella (que, de resto, é conheci~o de todos os um príncipe, com o qual se foi estabelecer na terra tsimshian
povos costeiros), acrescentam, a jeito de comentário, que (no continente, em frente das ilhas da rainha Carlota, onde
desde então as mulheres, ao encontrar vestígios do urso, o vivem os Haida). Contraiu, pois, casamento em terra estra-
cobrem de louvores e lhe suplicam que as não rapte. A esta nha, é verdade; mas a uma distância razoável, como, na
forma extrema de exogamia opõe-se aquilo que podemos realidade, as famílias nobres pretendiam.
considerar como o seu limite inferior: a aproximação exces- Djilaqons tem também o nome de Skil-dja'a-dai, «Senhora
siva entre irmão e irmã, que os Bella Bella ilustram com a das Propriedades»; e a palavra skíl designa ainda uma ave
fase final do seu mito. Os Bella Coola, que são Salish isolados sobrenatural. Ninguém viu ainda essa ave, mas quem ouvir
entre os Kwa:kiutl e os Bella Bella, têm uma variante que o ruído que ela faz - semelhante ao de um sino ou ao
confirma esta interpretação. Segundo eles, a esposa do urso do bater de placas metálicas - ficará rico. Do mesmo modo
transformou-se numa ursa que assassinou todos . os seus· é prometida a fortuna a quem vir DjHaqons, principalmente
parentes, com excepção do irmão e da irmã, os quais conse- se puder apanhar-lhe um pedaço do manto ou se ouvir o
guiram depois matá-la e ent:r aram em relação incestuosa. filho a chorar. Os Kwakiutl dizem o mesmo a respeito de
Aprofundando a pesquisa, vamos sempre dar ao mesmo tema: Dzonokwa, quando se faz chorar o filho com beliscões, embora
a arbitragem entre o casamento excessivamente próximo e ela pretenda fazer crer que ele nunca chora (p. 73). Parece,
o casamento demasiado ~fastado. pois, que, entre estes índios, muítos dos habituais atributos
da Senhora Rica são acumulados pela Dzonokwa - uma
A filha de Komogwa, ou «Senhora Rica>>, dos K:wakiutl Senhora Riqueza em ponto pequeno, dir-se-ia sem rebuço
se se não tratasse de uma personagem gigantesca - e que
está envolta em certa obscuridade; mas há melhores infor-
é este facto que explica que eles dêem menor importância
mes acerca da Senhora Riqueza, que lhe corresponde entre
à Senhora Rica.
os vizinhos Haida e Tlingit. Os primeiros chamam-lhe Djila-
Os Haida e os Tlingit têm um equivalente de Komogwa,
qons, a principal das criaturas sobrenaturais que habitam as a quem os primeiros chamam Qonoqada e os segundos Gona-
nascentes dos rios costeiros e são senhoras dos peixes. A qadet. O estatuto do monstro marinho denominado Wasgo
origem do clã haida das Águias remonta a um antepassado pelos Haida é menos claro, embora, como o Gonaqadet, ele
que p·r endeu Djilaqons e casou com ela. Bastante mais morra numa armadilha feita numa árvore rachada. A pala-
tarde, uns pescadores encontraram no rio, certo dia, uma vra Gonaqadet tem dois sentidos: designa, em primeiro lugar,
rã com pele de cobre; sujeitaram-na a maus tratos um monstro marinho que dá enormes riquezas a quem o
e tentaram em vão queimá-la, mas foram eles a morrer. vê e cujas filhas, homólogas das Djilaqons haida, são, segundo
Djilaqons, de bengala, apareceu então. Tal como dizem os os Tlingit, senhoras dos rios costeiros. Recordemos que,
Kwakiutl a respeito de Dzonokwa, gaguejava: sofria, por- entre os Kwakiutl, Kominâga, a Senhora Rica, é também
tanto, de uma perturbação da comunicação acústica, para- filha de Komogwa. Por outro lado, os Tlingit chamam Gona-
lela à da comunicação visual (ou que a reforça, no caso qadet aos estrangeiros convidados para uma festa. De facto,
de Dzonokwa) conotada pela deficiência visual (pp. 53, 70).
Djilaqons fez cair uma chuva de fogo que destruiu a aldeia (1) de notar' que, nos dialectos salish do baixo Fraser (Hal-
É
dos culpados com todos os seus habitantes. A sua filha, komelem~, a palavra que designa cobre, sqwal, está ligada a uma
única a ser poupada, recolheu nas cinzas uma grande quan- raiz cujo sentido é «assado» ou «queimado»

88 89
estes terão de retribuir em breve o convite, e de forma ainda anatómicos são, segundo os mitos, as crostas das chagas.
mais sumptuosa; e a sua visita, como a de Gonaqadet, pres- Mais precisamente: conchas vazias, crostas e cobres parecem
sagia toda a espécie de larguezas. Esta assimilação faz lem - unidos por uma dupla relação - metafórica, já que as con-
brar a grande estátua de Dzonokwa fotografada por Curtis chas vazias se parecem com os cobres e que as crostas são
na região kwakiutl, cujos braços bem abertos acolhem os como que as conchas das pessoas; e metonímica, já que os
presentes devidos pela família da esposa, em troca dos que mitos fazem das conchas e das crostas dois meios de obten-
já foram entregues pelo marido. ção dos cobres.
A Senhora Riqueza dos Tlingit, Lenaxxidek, figura num
enredo muito parecido com o de um mito tsimshian de que
já falámos (p. 83). Um índio raptou, uma vez, um bebé
de sexo feminino à mãe, que era uma div~ndade aquática.
Mas a criança arrancava e comia, todas as noites, os olhos
dos habitantes da aldeia. Uma mulher doente, que vivia
isolada, foi a única pessoa a escapar, com o filho, ao pequeno
monstro, que depois matou com a bengala (atributo da
Senhora Riqueza dos Haida, ver p. 88). Ela transformou-se
em Lenaxxidek e quem ouvir chorar o filho e puder apode-
rar-se dele só deverá devolvê-lo em troca dos cobres que a
Senhora possui. Esta Lenaxxidek arranha as costas do raptor
com unhas de cobre e adverte-o de que quem receber, de
presente, uma crosta desses ferimentos, que levam muito
tempo a cicatrizar, ficará rico; e a promessa, realmente,
cumpre-se.
Há, de resto, um sinal da passagem da Senhora Riqueza:
esta tem o estranho hábito de empilhar cuidadosamente as
conchas dos mexilhões que come. Uma bengala cerimonial
kwakiutl, ornamentada com cobres sobrepostos, ilustra uma
lenda relacionada com conchas apanhadas nas margens are-
nosas e que se transformam em cobres. Outros mitos da
mesma região falam de crostas de chagas, ou de ranho, colo-
cados em conchas de tamanhos crescentes e que aumentam
de dimensões e se transformam numa criança a quem é
prometido um grande destino. Por seu lado, os Tlingit proibiam
que se apanhasse conchas nos areais. O desrespeito por esta
regra provocaria uma tempestade. Parece, portanto, que as
conchas vazias têm valor místico --:- talvez porque surgem
como contrapa,rtida natural dos cobres, cujos equivalentes
)

90 91
V:III

Os espíritos sobrenaturais com uma criança que chora,


ou que há que fa.'.ler chorar, ou que choram eles próprios
como se fossern crianças, estão muito espalhados na América; .
e podemos mesmo supor que constituem um tema suficien-
temente arcaico para se ter difundido em ambos os hemis-
1

férios. Os antigos Mexicanos viam na Lontra - auitzol em


nahuatl-uma encarnação maléfica do deus Tlaloc e atri-
buíam-lhe um grito parecido com o da criança que chora;
no entanto, infeliz daquele que, compadecido, se aproximasse:
seria capturado e afogado. Esta crença é tanto mais interes-
sante pa ra o nosso estudo quanto é certo que os Kwakiutl
invertiam de negativo para positivo o v;:tlor dado pelos Mexi-
canos às lontras; na verdade, faziam das lontras marinhas
doadora s de grandes riquezas. Portanto, entre eles, a função
das lontras reforça a da Senhora Riqueza. Ora, para os seus
vizinhos Tsimshian, esta era uma criatura aquática, que
deu urri «vestido de riqueza» à irmã do marido humano; e,
segundo os Haida e os Tlingit, a Senhora Riqueza enriquece
quem ouvir chorar o filho.
Há crenças semelhantes a estas na América do Sul.
Em toda a área guiano-amazónica se fala de espíritos aquá-
ticos que choram como crianças, e um desses €spíritos apre-
senta-se sob o aspecto de uma mulher de mairavilhosa beleza
que mata todos os rapazes que seduz. Os Arawak da Guiana
aínda se aproximam mais dos índios da costa norte do Pací-
fico, pois acreditam numa «Senq.ora da água» que, quando é
surpreendida por um ser humano, deixa na margem o pente
de prata.

93
Contíguos aos Tlingit a norte e a leste, os Tagish conhe- O mito da Mulher dos Metais é conhecido sob muitas
ciam também uma Senhora Riqueza, que descreviam como variantes. A respectiva economia geral não muda muito,
uma mulher-rã. Aquele ou aquela que, ao ouvir chorar o exoepto num aspecto: o mito ora explica porque passou o
filho, conseguisse apoderar-se dele, devia conservá-lo en- cobre a ser de difícil extracção, ora explica porque são
quanto a mulher-rã não segregasse ouro: esta associação hoje os europeus, e já não os índios, quem possui os metais.
entre a rã e os metais preciosos já nos apareceu mais a sul Em ambos o casos, portanto, trata-se de explicar uma perda
(vid. p. 87). De facto, segundo os Kwakiutl, a rã consegue - relativa num caso e .absoluta no outro. Mas, em todas
ver aquilo qut: se encontra no fundo da água, e esta aptidão as variantes, a heroína do mito é uma mulher Déné, raptada
natural permite-lhe descobrir a rica morada de Komogwa.1 por um caçador esquimó que a levou para longe, no norte,
Como recompensa, recebeu o privilégio de cortar o cobre e a desposou. Nasceu-lhe um filho, e a mulher, um dia,
com os dentes. Mais afastados ainda dos Tagish, os Salish fugiu com a criança. Prendeu uma sovela na ponta de um
fazem eco disso com a crença num ser sobrenatural que se pau e conseguiu assim matar um caribu, que cozinhou. A
parece com uma rã e chora como um bebé. Quem o encon- criança deitou-se à carne com tal voracidade que a mãe
trar deve embrulhá-lo numa capa e conservá-lo em casa, teve medo e abandonou-a. Continuando a caminhar para sul,
para enriquecer. Esse espírito chama-se, em salish~ Komakwé viu umas luzes, que a princípio julgou provir da fogueira de
- talvez o mesmo nome que os Kwakiutl dão ao deus algum acampamento: era, porém, o brilho de uma substância
marinho Komogwa, o doador de riquezas. Segundo os Comox, desconhecida com que, à martelada, fez uma faca. Retomou
Komokoae vive no alto de uma montainha sob a forma de a viagem e chegou junto do seu povo, a quem deu a conhecer
um urso cinzento. Possui um baú de metal, muito grande, a descoberta. 'Aceitou levar os homens até junto do cobre
onde guarda placas de cobre, brincos e outros tesouros. A sob condição de eles a respeitarem. Mas os homens, depois
crença salish recorda-nos também um feitiço haida com de terem fabricado todos os utensílios de metal que quiseram,
a forma de uma pequena figura atarracada. Quem o roubar violaram-na. A mulher recusou-se a acompanhá-los e ficou
e encher de fragmentos de objectos preciosos, também rou- no local. Na viagem seguinte, os homens encontraram-na
bados, terá grande fartura de agasalhos e de cobres. no mesmo sítio, mas enterrada no chão até à cintura; e o
Os Tagish são gente Déné, membros da família linguística cobre também estava meio enterrado. Ela recusou novamente
athapaskan, que, a partir do paralelo 50, mais ou menos, regressar com eles e ordenou-lhes que, quando voltassem,
povoa todo o noroeste da América do Norte, por detrás das trouxessem carne. Da vez seguinte, o cobre e a mulher
tribos costeiras de que até aqui temos vindo a falar. Ora, tinham desaparecido. Os homens deixaram a carne e, um
os Déné têm também mitos acerca de uma Senhora Riqueza, ano depois, encontraram-na transformada em cobre - mais
cujo nome foi muito bem traduzido numa locução por um ou menos rijo conforme provinha do fígado ou do bofe.
missionário francês do século x1x, Émile Petitot: a Mulher Outras versões dizem apenas que o cobre desapareceu sob
dos Metais - que se deve entender no sentido literal. De a terra.
facto, os índios atribuem a esta mulher - já não divina, J~ noutro livro opusemos duas imagens, a da piroga
mas humana - a descoberta do cobre. Por outro lado, e 'ª da ilha flutuante, e p·r opusemos que nelas se visse dois
enquaxito a Senhora Riqueza dos Tlingit e qos Haida tem corpos móveis à superfície da . água mas conotando, um,
uma criança chorona, a Mulher dos Metais tem um filh,o a cultura, e o outro a natureza. O mito da Mulher dos Metais
comilão, que é outro modo de mostrar insubordinação. confirma essa interpretação. A mulher em fuga vê ao longe

94 95
o mito déné, deve daí resultar que o movimento com que
um bando de caribus, que confunde com uma ilha flutuante;
a heroína deste último se afunda na terra com o cobre é
e, pelo menos numa das versões, todas as noites amarra a
um sismo às ave,ssas: num caso, a terra abre-se, no outro,
uma vara espetada no lodo o barco em que foge; pernoita
fecha-se. Voltaremos a este assunto.
em águas baixas e a embarcação, imóvel, serve-lhe de casa.
De momento, voltemos a nossa atenção para dois outros
Nada poderia marcar melhor - e até duplamente- o facto pormenores. Nas versões recentes do mito tlingit, o irmão
de, ao quebrar a união conjugal, a .fuga da mulher ser o e a irmã culpados de união demasiado próxima saíram do
contrário de uma viagem de pirog:a, apesar de ser também casamento de uma mulher com um cão - ou seja: uma
por via aquática. De facto, noutros mitos americanos, a união excessivamente longínqua, que reconstitui a estrutura
viagem de piroga simboliza a busca de esposa a uma distân- do mito déné e de outros que já analisámos. Além disso,
cia r:azoável - ao contrário do casamento da mulher raptada antes da falta, o irmão incestuoso realizou uma acção meri-
pelo esquimó do presente mito, que se realizou «muito tória ao roubar a um urso o «arco brilhante e cortante», que
longe, para norte, do outro lado da água», e, portanto, a partiu em dois, éltirando os pedaços ao ar, onde se trans-
distância demasiado grande para ter possibilidade de durar. formaram no arco-íris.
A essa união excessivamente longínqua, forçada por um Encontramos este arco mais a sul, entre os Salish,
inimigo, opõe-se o comportamento igualmente excessivo - primeiro num mito do grupo Squamish relacionado com a
se bem que no outro sentido - dos homens próximos da origem do cobre. Por intermédio do mito tlingit, este mito
heroína, que cometem um incesto - pelo menos socialmente reconduz-nos, assim, ao dos Déné sobre o mesmo tema. Dois
falando - violando-a, faltél de que resulta a perda do cobre irmãos tinham seis filhos cada. O filho mais novo de um
ou a dificuldade na sua extracção. deles tinha o estômago muito saliente. Um dia, os doze
rapazes viram um homem, no alto de uma montanha, a
Esta leitura do mito déné em termos de código socio- atirar ao mar um grande ar:co de cobre, que luzia ao sol, e que
lógico é corroborada por um mito simétrico que vamos encon- ele fazia voltar por aspiração. Conseguiram roubar o arco e
trar nos Tlingit. Um irmão e uma irmã incestuosos tiveram passaram-no de mão em mão, mas o dono do arco perseguiu-os
de separar-se. O irmão transformou-se em pássaro-trovão, e matou-os todos, com excepção do benjamim do estômago
responsável pelos furacões e tempestades. Uma vez por ano, disforme, que o empurrou na direcção do seu adversário:
na estação das trovoadas, vem visitar a irmã, que se chama o estômago transformou-se num espesso nevoeiro e o jovem
Agischanak nas versões antigas e Hayicanak noutras mais pôde ,escapar-se. Desesperados com a morte dos jovens, o
recentes, e se encontra enterrada no solo no alto de uma pai e o tio lançaram-se para a fogueira e os olhos salta-
montanha. É ela que sustenta a coluna em que a terra assenta,, ram-lhes como faíscas: os do lado direito para o norte
por ,amizade aos humanos, que fazem fogo e a aquecem, e os do lado esquerdo para o sul. O nevoeiro dissipou-·s e
visto que, quando ela tem fome, a terra treme e as pessoas imediatamente. Depois desta manifestação de pesar, o tio .
queimam gordura para a alimentar. Noutras versões, os do sobrevivente pôs-se a martelar o arco de cobre e fez mpa
' sismos dão-se quando ela resiste ao Corvo, o deus enganador, armadura. Protegido com ela e armado com os cornos de
que, para destruir os homens, a sacode e procura fazê-la um carneiro montês, matou o assassino dos filhos e recu-
deixar cair a coluna que sustenta a terra. Se este mito sobre perou os corações destes, que estavam intactos dentro do_
a . origem dos sismos estiver em relação de simetria com estômago do monstro: pô-los novamente nos seus . Íugares ··

96 97
e ressuscitou os rapazes. Depois disto, transformou a arma- dois pais do mito salish, transformados - pode supor-se -
dura num belo jovem a quem insuflou vida. Como era feito cm estrelas, afastam-se para norte e para sul. O rapaz
de cobre, era invulnerável e tornou-se um chefe poderoso e chinook do estômago grande que ressoa como metal trans-
um grande caçador. forma-se na lua, e o irmão no sol - a boa distância um do
Uma crença dos Kwakiutl esclarece o tema do estômago outro e, também, da terra. Ora, os Thompson, .que são Salish
protuberante. Dizem eles que, se alguém tocar num sapo, do interior, fazem de uma personagem vestida de cobre -
este se instalará no seu estômago. A vítima sofrerá de uma que recorda, singularmente, a do mito dos seus vizinhos
fome insaciável, a pele tomará a cor verde, como a do Squamish - o filho do sol; e, por esse motivo, dão a certo
animal, e os olhos tornar-se-ão salientes. Irá pedir comida coleóptero bronzeado o nome de «filho do sol».
de casa em casa e o sapo irá crescendo dentro do seu estô- l\1encionámos os Thompson. Estes índios têm em comum
mago, fazendo-o inchar até que a pessoa morre. Diz-se das com os seus vizinhos Shuswap um mito muito próximo,
crianças comilonas que p arecem pessoas que têm um sapo
1 também, do dos Squamish, com a diferença de que os filhos
no estômago. dos dó.is homens- chamados, aqui, Coiote e Antílope (Anti-
1Esta glosa é preciosa, já que permite uma aproximação loaap·t ri) - não roubam um arco de cobre mas uma bola de
entre i:i criança comilona do mito déné e o jovem herói ouro ou de cobre, conforme as versões, e cheia de excremen-
do estômago protuber ante do mito sa lish. É a mesma per- ~os. Coiote apodera-se da bola trazida pelo único filho sobre-
sonagem, cujo valor, porém, se inverte na passagem de um vivente de Antílo:pe (os seus filhos morreram todos) e trans-
grupo para o outro. Muito mais a sul, os Wasco, que são forma-se em cervo, coberto pelo invólucro metálico da bola
Chinook do baixo Columbia, falam, num dos seus mitos, de como por uma armadur:a. Enfrenta o assassino dos filhos e
uma criança chorona com apenas um ano de idade, que sobrinhos mas morre porque um ponto do seu corpo ficou
conhece o passado e prediz o futuro e tem um · grande estô- ainda vulnerável. Outras versões narram que os filhos de
mago que soa como um sino quando se lhe toca. /um dia, Coiote e de Antílope casaram e que ·e ssas uniões mistas
a mãe sugeriu ao seu outro filho que calcasse o estômago do foram a causa das várias cores de pele e de cabelo que act ual-
irmão com os pés para o fazer diminuir de tamanho, e de lá mente se observam entre os índios. Noutros sítios essas
saíram serpentes, lagartos e rãs. Mais tarde os dois rapazes diferenças são explicadas pelo casamento de Coiote com
mataram o sol, que produzia um calor insuportável para os duas mulheres, que tinham peles respectivamente branca e
seres humanos. O mais velho tomou o lugar do astro diurno, vermelha; ou, ainda, o mito explica o actual afastamento
e o outro transformou-se na lua. Daí em diante, o sol passou das duas famílias animais que dão o nome aos pais dos
a ser menos ardente e os dois astros começaram a alternar heróis.( De cosmológico ou sociológico, o código passa agora
regularmente no céu. / a anatómico ou zoológico; mas o problema é sempre o mesmo
- o da arbitragem entre afastamentos distintivos.
Detenhamo-nos por instantes no código cosmológico e
É evidente que estes mitos transpõem em termos de
vejamo-lo tomar um novo aspecto. Os Salish continentais ·
código cosmológico o problema da «colocação a boa dis- explicam a existência do arco-íris ou do sol: na origem,
tância», formulado em termos sociológicos por aqueles que era um aro de cobre roubado por um rapaz, ora manco
examinámos antes deles. Tal como o irmão e a iqnã sepa- (que, portanto, sofria de anormalidade no ritmo dos movi-
rados para sempre no mito tsimshian (p. 84), os olhos dos ·.mentos) ora sujo e coberto de chagas, no qual reconhece-
I

98 99
mos o herói dos mitos de origem da swaihwé (pp. 23-28. Uma concede o benefício do cobre à maioria. De facto, esta frui-
versão do grupo Skokomish especifica que, outrora, esse ção prometida pelos mitos é ilusória, dado que :riespeita a
arco brilhante era um brinquedo dos ricos e que os pobres objectos celestes que a todos os seres humanos dão o seu
nada tinham para se entreter. O roubo do arco pôs fim a espectáculo e os seus benefícios, e que os mitos apenas
tal injustiça. Quer o arco de cobre se transforme no sol acrescentam um valor de símbolo a essas va:ntagens
(versão cowlitz) quer o seu furto seja a causa ocasional gratuitas: símbolo das riquezas materiais que, na reali-
da aparição do arco-íris, como dizem os Sko!komish, de então dade, são parcimonio(:lamente propordonadas aos mais
em diante esses objectos celestes brilham para toda a gente, modestos.
sem distinção de hierarquia social ou de fortuna.
Voltando, com estes mitos, aos Salish, de quem par-
timos no início deste livro, fechamos um périplo, e isso é
também verdade noutro sentido: com o mito skokomish,
o cobre - por assim dizer, democratizado - sobe ao céu,
de onde, segundo os Salish insulares, tinha inicialmente
descido sob uma forma aristocrática: a da máscara swaihwé,
que constitui privilégio de algumas linhagens nobres que,
desse modo, detêm o meio mágico de enriquecer. Sem dúvida
que a máscara swaihwé não é o cobre; mas permite a sua
obtenção. Transmitida por direito hereditário ou · por casa-
mento, esta maneira de enriquecer permanece sempre nas
mãos de privilegiados, que recebem uma renda daqueles · que
desejam fazer uso dela. Isso mostra que; nos grupos em
que existe a máscara, as representações míticas com ela rela-
cionadas se mantêm subordinadas à infra-estrutura socio-
económica: não poderiam ter a pretensão de a fundamentar
se, antes, a não reflectissem.
É, pois, significativo que os mitos que hipostasiam o
cobre sob a forma de corpos celestes provenham de grupos
salish dotados de uma organização social não mais iguali-
tária, é certo, que a dos seus vizinhos, mas que não possuíam
a máscara swaihwé. Privados desse meio de sancionar e
perpetuar a desigualdade mediante um aparelho mágico e
ritual, podiam dar-se, com menor custo, ao luxo de uma
ideologia que, de maneira metafórica, é certo - visto que
o arco-íris e o sol, que brilham no céu como o cobre na terra,
não têm, em tal contexto, senão um valor de metáfora-,

100 101
IX

O mito déné que analisámos (vide p. 95) conta-nos como


os índios obtiveram inicialmente o cobre, sob a forma con-
creta de pedaços encontrados à superfície do solo em estado
bruto. Para tanto, foi preciso que uma mulher, raptada
por um esquimó inimigo, rompesse a união exógama - mas
re,a lizada a excessiva distância - que ele lhe impusera e que,
depois disso, afastando-se do marido e aproximando-se dos
seus, lhes revelasse a existência do cobre que descobrira
no caminho:

parentes masculinos
da heroína
f;;.=;1=0
Esquimó heroína
inimigo COBRE
,_
Fuga e regresso da heroína, qite leva o cobre aos parentes.

Este trajecto inverte o outro, pelo qual p.retendem os


K:wakiutl que a mulher e os cobres foram transferidos para
aliados - com a diferença de que agora os cobres não são
pedaços de metal no estado nativo mas sim placas rica-
mente trabalhadas cuja função equivale àquela que desem-
penham as máscaras swaihwé entre os Salish; as máscaras
e os cobres, com efeito, circulam no mesmo sentido:

A
parentes masculinos
.------ 11- - - -1 da noiva

À o A
esposo noiva COBRE
exógamo
swaihwé

Sentido da deslocação da noiva e das prestações matrimoniais.

103
Por conseguinte, o mito déné narra o contrário de um · Meio de realização _do casamento exógamo, isto ,é, de
casamento à maneira salisn ,ou de um potiach de casamento transformação de inimigÓs · reais ou virtuais em aliados, a
como ·o dos Kwakiutl. Mas há mais. O ,mito déné termina máscara swaihwé aparece, portanto, nos mitos salish, como
· com a perda do cobre, que :resulta do incesto praticado pelos uma coisa que força o mais improvável de todos os consen-
parentes• da heroína quando a , violam. Opõe-se, assim, aos timentos. Os Kwakiutl têm á swaihwé, que tomaram dos
mitos salish da costa ace;ca da' origem da swaihwé, nos quais Salish com o nome de .xwéxwé, mas invertem-lhe a função
um irmão e uma' irmã perigosámente . próxitnos (tal como e transferem-na para o cobre. Esta fünção do cobre, ·a náloga
a heroína do mito déné e os seus «ir~ãos» quando ela aceita à da swaihwé, estende-se mais para norte até aos 1:1ingit,
_ ir sozinha -eom eles; perig9 <;Ie que ela está tão consciente que parecem nunca ter possuído a máscara. A sua veJ;1são de
um mito, aliás muito espalhado, esclarece particularm.ente
que exige, antes de partir, a promessa de que a respeitarão)
sobre essa função do cobre.
escapam a esta situação quas~ incestuosa com a obtenção
Uma princesa, um dfa, · ao pisar excrementos de urso
das máscaras swaihwé: instrumentos - dizem os mitos -
pardo, proferiu injúrias contra. o animal 'e este apareceu
do .casamento e:x:ógamd e que, _deste modo, põem termo a imediatamente sob forma humana e raptou-a. No entanto;
uma intimidade escabrosa. Se, -i portanto, entre os Déné, a princesa conseguiu fugir~.(pp. 82~87) e encontrou um
o cobre é retirado aos índios ~para castigo de um incesto, barco mágico qU:e a levou ao s61. ' Os ' filhos' do astro a pai-
1 ! ~ } - .

a máscara swaihwé, entre os ' Sali's h, é-lhes dada como meio xonaram-se por ela·; mas já- eram casados. ' Começaram, por-
· de o .evitar. · · " ./ ,___ tanto, por matar ~ _rimlh~r comum, u~a caniba( e depois
Nestas condições, é importante · notar que os grupos espalharam os pedaços {!ti t'a dáver. Esse~ pédaços foram cair._
salish pratiçélm entre si uma eX'og(lniia . si'stematica que tinha na terra tsimshtan ~ onde, . des,de ·en:tão, abundam .os · eani-
' por finali~ade -principal---:- dizem os o.h servadores - assegu- bais. A heroína levou pa:ra ·a ;;tldeia os esposos soiares e um
rar, cerni tais alianças, a segurança dos seus membros em filho •q ue deles tiver~; foi bem acolhi.d a; mas te_nd~-se d~i-_
~ 1 ' .
terras estrangeirás. O _casamento exógamo protege como uma xado cortejar por um compatriota, foi aoandonada _p~los
c:i-rmadura. Compreende-se assim melhor que os Squamish,
a
maridos. Estes, voltando ao céu, votaram mulher e o filho
a uma sorte horrível: passaram a vivér, isolados e <;Iespre-,
cujo mito de origem da swaihwé, conforme notámos, apre-
zados, numa pobre cabana sobre a qual os outros habitantes
. senta · um carácter equívoco e lhes serve, principalmente,
da ;;tldeia despejavam todo o lixo e imundície. A criança
para fundar na tradição de uma origem comum _as relações
chamou-se, por esse motivo, Rapaz-de-:Lixo. Um dia, ele
de amizade que mantêm com os vizinhos (cf. p. 31), estejam descobriu o barco de seu pai, que era todo de cobre, par-
também a meio caminho entre os grupos que fazem a más- tiu-o em pedaços e construiu uma casa de cobre, escondida
oara swaihwé descer _do céu e os que, ao contrário, aí sob os ramos da cabana. Martelou o cobre durante todo o
fazem subir o cobre, assim transformado em corpo ou fenó- dia e assim foi enchendo a casa de tesouros. É preciso expli-
meno celeste. Com efeito, o seu mito de origem do cobre car que, nessa época, ainda se não conhecia o ferro nem
passa-se totalmente na terra, de onde provém o cobre, e o cobre.
onde fica - primeiro, sob a forma de uma armadura que Vivia na aldeia uma jovem em idade de se cas'a r, mas
confere invulnerabilidade ao seu portador e,. depois, sob a os pais rejeitavam todos os pretendentes. O nosso herói
forma de um herói com corpo de cobre dotado de igual conseguiu seduzi-la dando-lhe a cheirar, enquanto dormia,
propriedade (:p. 98). um cilindro de cobre.• A jovem seguiu-o até à sua morada,

104 ' 105


ficou ofuscada pela porta, que era toda de cobre, e aceitou mento de contrários: pertencem, ao mesmo tempo, ao ar
casar com ele. Foi procurada por toda a parte até que a e à água. Podemos, pois, incluí-las nessa vasta família de
encontraram na casa - que, uma vez liberta do disfarce mediadores cuja função, tal como no caso da serpente
exterior de ramagens, brilhava com tal esplendor que fazia emplumada dos iJ.ntigos Aztecas, se exprime por uma reunião
. recuar quem dela se aproximava. O pai da jovem foi apila- de termos normalmente incompatíveis: o céu e o mundo
cado com presentes de cobre; e desde então os índios pos- ctoniano ou o céu e a água.
suem este precioso metal. A rã também realiza essa função, mas por um motivo
Realizado por meio do cobre, este casamento une, pois, dtferente: em vez de unir em si termos extremos e opostos,
elementos duplamente afastados: ele é celeste e ela é terres- a rã está a meia distância entre a terra e a água. Recordemos
tre; e poder-se-ia recear que as suas condições sociais, dia- o papel que os mitos atribuem a esse animal. Nos do Fraser,
metralmente opostas, impossibilitassem para sempre uma o herói que deseja suicidar-se mata-se realmente quando o
união tanto mais problemática quanto é certo que todos os salmão que pescou se transforma em rã; ou, ao contrário,
anteriores pretendentes tinham sido rejeitados. Ora - fica dissuadido de cometer o acto fatal quando a doença
sublinha o mito - o poder do cobre força o consentimento; o deixa sob a forma de rã:s (p. 27). Também doente, o herói
e esse poder vem-lhe, p rincipalmente, de ele brilhar tanto de um mito kwakiutl fica a dever a cura a uma sapa que
que se não pode olhá-lo de frente: como sucede com o sol, o esfrega com um unguento tirado do ninho, dando-lhe ainda
de que é filho o Rapaz-do-Lixo. um precioso pedaço de cobre (p. 35). A Senhora Riqueza
-};:: Entende-se a razão secreta desse poder: extraído das dos Haida vinga uma rã martirizada que, sem dúvida, não
profundezas da terra ou - dizem também os mitos - reti- é senão ela própria; enquanto, entre os Tlingit, a mesma
rado do fundo das águas, o cobre desempenha o papel de divindade arranha com unhas de cobre aqueles que mais
um sol ctoniano. Pelo seu aspecto luminoso e pela sua ori- tarde há-de enriquecer devido aos ferimentos assim provo-
gem tenebrosa, o cobre realiza um casamento de contrá- cados (p. 90). Segundo os K:wakiutl, os comilões têm um
rios - como o é, na realidade, todo o casamento em regimes sapo dentro do estômago (p. 98); e os Tsimshian invertem
sociais caracterizados, como na costa do Pacífico, por um esta crença fazendo do herói - já não ávido, mas pródigo
permanente estado de tensão entre linhagens e onde só o - o conteúdo de uma rã em vez de o seu continente.
casamento a uma distância sensata opera a arbitragem Detenhamo-nos por instantes neste mito. Um órfão des-
entre os princípios contraditórios da exogamia e da endogamia. prezado, sobrinho do chefe da aldeia, consegue apoderar-se
,}<, Desde logo -e,.,se, como todo este trabalho no-lo mostra, sozinho de uma massa de cobre, caída do céu como um
as máscaras swaihwé são permutáveis com o cobre - se meteoro ardente, que ficara presa no alto de uma árvore.
esclarecem muitas singul~ridades do seu aspecto. As más- O chefe prometera a filha a quem tal conseguisse; mas,
caras swaihwé têm um «nariz» e uns «cornos» em forma furioso por ela ter caído em sorte ao sobrinho, abandonou-os
deI
cabeça de pássaro; são ornamentadas com penas e as a ambos e incitou em sua perseguição toda a população da
penas predominam também no vestuário dos bailarinos. Na aldeia, excepto a velha avó, que se juntou a eles. O herói
realidade, os mitos salish insulares fazem-nas descer do céu. ainda era muito novo para poder sustentar três pessoas e
Mas, .pela sua proveniência aquática, de acordo com o mitos a situação agravou-se. Um dia, o jorvem viu sair de um lago
salish continentais, que as dizem pescadas no fundo de um uma rã gigantesca que tinha garras, dentes, olhos e sobran-
lago, e devido à sua língua pendente - órgão que outros celhas de cobre. Apanhou-a numa armadilha feita com as
mitos iJ.SSimiiam a um peixe-, também realizam um casa- " duas metades de uma árvore rachada, matou-a e vestiu a

106 107
sua pele. A partir daí, começou a pescar muitos salmões e
até matou baleias. Ao mesmo tempo, transformou-se num
belo jovem de pele macia, deixando de ser doente como
dantes; e a princesa consentiu então em ca•sar com ele. Vive-
ram em abundância e receber:am bem os aldeões esfomeados
quando eles lhes vieram pedir ajuda. O herói perdoou ao tio,
agora sogro, e o tempo foi passando. Continuava a levar
para a aldeia enormes provisões de peixe e caça; mas, ao
voltar das viagens, tinha cada vez maior dificuldade em X
se libertar da pele de rã. Acabou por desistir, dizendo à
esposa que passaria a viver no fundo do mar, donde lhe O estudo que temos vindo a fazer ao longo deste livró
enviaria, e aos seus, rtodo o alimento de que necessitassem. permitiu-nos dois importantes resultados. Já era sabido- que
Encontrariam no areal tudo o que precisassem: focas, solhas, os mitos se invertem, frequentemente, na passagem de uma
baleias, marsuínos. A aldeia nunca mais teve falta de nada _população para outra, pelo que não é inútil, a título de reca-
mas não voltou a ver o seu benfeitor. ' pitulação, dar aqui alguns exemplos relacionados com per-
Os Tlingit, que têm um mito quase igual, especificam sonagens que já. nos são familiares.
que o generoso monstro em que se transforma o herói é O Komogwa dos Kwakiutl habita no fundo das águas
o Gonaqadet, cuja afinidade com Komogwa já atrás subli- e liberta da barba que a afligia uma índia perdida (p. 82).
nhámos i(p 89): Komogwa, recordemo-lo, é um deus marinho O seu homólogo salish Komokoae vive no cume de uma mon-
e senhor das riquezas para os Kwakiutl, e é sempre descrito tanha (p. 94) e dá a uma outra índia perdida que ficou calva,
como figura corpulenta; também a corpulência do batráquio a cabeleira que lhe arrancaram. Os próprios Kwakiutl pare-
mítico (ou a corpulência que ele provoca) é regularmente cem ter consciência desta transformação: quando descrevem
assinalada( Entre a pobreza e a. riqueza, entre a miséria e Komogwa como um «espfrito das montanhas» em vez de
a abundância, e também entre cônjuges demasiado afasta- senhor do oceano, a:doptam para o designar uma forma salish,
dos, a rã realiza, pois, à sua maneira (que é a de um termo Komo'koe. Igualmente, os Kwakiutl e os Salish conhecem o
médio), a mesma mediação que entre os Salish compete Cainibal-do-fim-do-mundo Baxbaxqwalanuxsiwaé (p. 86);
às máscaras swaihwé (que unem termos extremos). O lugar aqueles fazem dele um chefe que mora nas prO:fundezas dos
ocupado pela rã ou pelo sapo num vasto sistema mitológico bosques e estes ·um escravo que vive nos confins do oceano.
fica assim explicitado.) E, finalmente, se o papão ...fê1fea Tal corresponde, entre os
Sa'lish, à Dzondkwa dos Kw~iutl (p. 56), esta tem o hábito
de cegar as crianças que rapta col~ndo-lhes as pálpebras
com resina, ao passo que aquela, cega em vez de cegadora,
sofre o mesmo destino às mãos das crianças que . raptou.
Encontraremos, a propósito da máscara swaih:wé, um
óutro exemplo impressionante no primeiro capítulo da segunda
parte.
Ora já constatámos que as aparências plásticas de más-
caras portadoras de uma mesma mensagem se invertem

108 109
de maneira totalmente semelhante na passagem de uma popu- casa. A Dzo!Ilokwa, por seu lado, faz tremer o tecto (pp. 43,
lação para outra sua vizinha. Tal é, de facto, a relação que se 63). E também entre os Salish óbservámos a ligação entre
descobre existir entre a máscara swaihwé, doadora de rique- os sismos e as máscaras swaihwé (pp. 21-40).
zas para os Salish, e a máscara dzonokwa, cujo papel mítico Pelo menos em imaginação, os si'Smos podem ter um
e ritual é o mesmo nos Kwakiutl. Pelo contrário, quando resultado interessante: é de . esperar que, ao entreabrir-se,
os elementos plásticos se mantêm os me'Smos - como a terra exponha as riquezas metálicas que encerra. Re'Sul-
entre a máscara swaihwé dos Salish e a i:ma imitação tado teórico, sem dúvida, e que poucas probabilidades terá
kwakiutl sob o nome de xwéxwé - são as mensagens de ser verificado na realidade dos factos; mas é notável
que sofrem inversão (vide, p. 79). Fenómeno notável que s.e que os mito'S déné o ilustrem pelo seu contrário: ao
pode ilustrar por meio de um esquema - onde os traços" <-fechar-se sobre si, a terra dissimula aos homens as suas
a cheio correspondem à forma plástica e os traços a pon- r1queza'S metálicas, em vez de se abrir para as revelar.
teado correspondem à mensagem. O::: mitos déné não se contentam, pois, com inverter o sen-
tido da circulação do cobre nas trocas matrimoniais de
XWEXWE
uma forma que contradiz a prátka kwakiutl. Invertem tam-
SWAIHWE DZONOKWA
kwakiutl salish, kwakiutl
bém a noção de sismo, que os Sali'sh associam a essas
trocas e os Kwakiutl continuam a associar às próprias
máscaras - meios de aliança matrimonial para os Salish - ,
fazendo delas seres avarentos e, portanto, o contrário de
generosos doadores.
'.(Entre os Salish, portanto, a'S máscaras swaihwé cono-
tam, ao mesmo tempo, as riquezas facilmente adquiridas,
os sismos e (vide p. 25) o casamento a distância razoável,
_Em segundo lugar, a relação de inversão já observada que se opõe ao incesto. As máscaras xwéxwé dos Kwakiutl
entre máscaras respectivamente salish e kwakiutl aparece conotam, também, o casamento a distância razoável, por
também, no plano dos mitos, entre, por um lado, os Déné ocasião do qual se transmitem, e os sismos que os seus
e, por outro, diversas tribos costeims: os Kwakiutl e cer- bailarinos sabem desencadear; mas a sua relação com as
tos dos seus vizinhos, incluindo o conjunto dos Salish. Na riquezas opõe-se àquela que prevalece entre estas e as
verdade, os Déné atribuem ao cobre uma função inversa máscaras swaihwé, p9is os xwexwé recusam-nas ou reti-
quer daquela que lhe dão os Kwakiutl quer daquela que ram-nas até em vez de as dar. Os Tlingit, que não têm
os Salish atribuem à máscara swaihwé, que, como mos- a máscara, ligam o incesto à origem dos sismos (p. 96), e
trámos, encarada sob esta perspectiva, é permutável com o os Déné invertem esta relação fazendo do contrário de um
cobre. sismo (e da perda da máxima riqueza, o cobre) conse-
Para levar até ao fim esta dupla demonstração temos quência de um incesto e não sua causa. O valor operató-
de abordar um último aspecto do problema, pois, para o•s rio do . complexo sistema de transformações que identifi-
_Kwakiutl, a máscara x:.wéxwé e a personagem de Dzonokwa cámos confirma-se com esta nova observação. Ao mesmo
se opõem de outra maneira ainda. Intimamente relacio- tempo, somos levados a assinalar curiosas analogias entre
nadas com os sism?s, que - pensa-se - provocam, as más- a mitologia dos sismos no Japão antigo (cujos vestígios
caras xwéxwé fazem, ao dançar, estremecer o chão da subsistem, porém, na época contemporânea) e a do noroeste
1
110 lll
americano. Aproximação esta . que se poderia julgar aven- uma índia e de uma raiz comestível de umbeHfera (Peuce-
turosa se achados pré-históricos nesta última região não danum macrocarpum) à qual, por seu lado, os povos da
viessem recordar, singularmente, outros achados prove- costa marítima atribuem virtudes mágicas: mascada e
nientes do norte do Japão. Portanto, não se pode excluir cuspida, essa raiz dissipa ventos e tempestades, e os grãos,
a p~iori)ª existência de um fundo comum de crenças tratados do mesmo modo, afastam os monstros marinhos.
Diz-se que esse Filho-da-Raiz transformou em peixe-gato
arcaicas.
Esta relação não é única. Certos túmulos chineses do um velho que dele se ria por causa do seu nascimento. Mais
fim da dinastia Chu continham efígies de madeira esculpida tarde, transformou-se na lua. Ora, o herói que os Salish
que, pela sua língua pendente e os olhos protuberantes, se do continente prometem ao mesmo destino tem uma mãe
assemelham impressionantemente às máscaras swaihwé .. Se e uma avó associadas, respectivamente, aos sismos e aos
se pode ou não· esboçar alguma filiação entre estas escul- pântanos .(onde vivem os Silurídeos?). Como estes Salish
turas e outras , também de língua pendente, provenientes invertem em exogamia celeste a exogamia vegetal e ctoniana
da Indonésia e da Nova Zelândia, é assunto sobre o qual de onde provém o herói do primeiro mito - a menos que
muito se escreveu já e que continua controverso. Mas não dele façam o filho de uma virgem, neutralizando a relação
diz respeito, directamente, ao problema que pretendemos exógama em vez de a inverter - , podemos perguntar-nos
evocar, a não ser, talvez, neste aspecto; os Japoneses atri- se o velho peixe-gato dos mitos do interior, que procura
buíam os sismos, a certos peixes da família dos Silurídeos, afastar o herói, não representará uma contrapartida simé-
que representavam espontaneamente com olhos salientes. trica da mãe (por vezes, da avó) do herói, chamada Sismo,
Mais importante ainda é o facto de essa ligação entre peixes
e que, depois de este ter sido raptado, procura, pelo con-
e abalos de terra ir a par de outras que já observámos na
trário, reencontrá-lo.
América: também no Japão, os sismos proporcionam ocasião
para se adquirir riquezas metálicas, assimiladas a dejecções
Fechemos este parêntese, pois não está nas nossas
como entre os povos costeiros que já vimos (vide pp. 87-99)
intenções levar até ao Japão e à China um , estudo que, pelo
e entre os Déné: estes últimos dão ao cobre um nome que
contrário, baseia a sua solidez no facto de se restringir a
significa excrementos de urso ou de castor. Finalmente:
uma região da América do Norte. Esta região é vasta, claro,
C. Ouwehand, a quem fomos buscar muitos dos dados ante-
riormente mencionados, mostra que, no antigo pensamento mas já observámos por várias vezes que O's povos que a
japonês, os sismos desempenham o papel de correcção das _ocupam tiveram entre si contactos muito estreitos, ates-
desigualdades sociais e económicas, função que, corno já tados quer por uma língua comum (é o caso do conjunto
vimos, os Salish atribuem ao cobre, ligado ele próprio Salish) quer por migrações, guerras, empréstimos, trocas
aos abalos de terra e que, nesta parte do continente ame- comerciais e matrimoniais cujas provas são dadas pela
ricano, tem efectivamente o papel de mediador (como agente arqueologia, pelas tradições lendárias e pela história. Esta
do casamento exógamo) entre os concidadãos e os estran- ecúmena - perdoem-nos o neologismo - estendia-se desde
geiros. o Alasca, a norte, até ao baixo vale do rio Columbia, a sul.
Quanto aos Silurídeos, têm um lugar importante na Já mostrámos as relações de simetria existentes entre os
mitologia desta região do Novo Mundo. Dos Shuswap aos mitos dos Déné e os dos seus vizinhos da costa. Mas é
naturais de Coeur d'Alêne, os Salish do interior conhecem na própria costa, dos Tlingit aos Chinook, que essa simetria
um mito respeitante a um grande herói cultural, filho de ressalta com maior evidência.

112 113
Recordemos que os Tlingit ligam o brilho resplande- Como os Tlingit, os Chinook fazem, pois, remontar as
cente do cobre à sua origem 1 celeste: o primeiro cobre diferenças das espécies à primeira aparição do cobre -
conhecido dos homens proveio do barco, totalmente feito omente com a diferença de, para uns, o sol 'Ser o senhor
desse metal, que pertencia aos filhos do sol (p. 105). Segundo do cobre e, para os outros, haver um cobre inicial que,
os mesmos índios, na origem dos tempos, quando ainda rei~ sem dono, brilhava como o sol. Tal como muitas vezes
nava a treva no mundo, todas as espécies animais se con~ se observa no termo de uma série de transformações míti-
fundiam. Um mito diz que o demiurgo roubou e abriu o cas, àquelas que dizem respeito ao conteúdo vem juntar-se,
receptáculo que encerrava o sol e logo este «bril,P.ou com portanto, outra que inverte a forma. Para os Tlingit, a
todo o seu esplendor no céu. Ao vê-lo, as gentes (entende- relação do cobre com o céu é de ordem metonímica: é
mos: os seres vivo'S primitivos, ainda indiferenciadas) dis- de lá que ele provém. Entre os Kathlamet, e embora,
persaram-se em todas as direcções; alguns foram para as segundo eles, o cobre provenha da água, esta relação con-
flore'Stas, onde se transformaram em quadrúpedes, outros serva-se no plano retórico, mas transforma-se em metáfora:
para as árvores, onde se transformaram em pássaros, «Ele (o cobre) brilhava como o sol ( .. .) Quando o viravam
parecia vermelho, depois verde, depois branco ( ... ) Er~
outros, finalmente, para a água, onde se tornaram peixes».
exactamente como o sol».
Ora, na outra extremidade da zona que decidimos conside-
Se este brilho _o fuscante do cobre constitui o traço
rar, os Chinook invertem este sistema, que também trans-
invariante do sistema, isso permite compreender melhor a
põem para termos aquáticos em vez de celestes. Os razão última da oposição que existe, na ordem plástica,
Kathlamet, uma tribo desta família, dizem que o primeiro entre as máscaras swaihwé e a dzonokwa. Dzonokwa tem
cobre flutuava à superfície da água, onde brilhava como os olhos profundamente ent errados nas órbitas, ou semi-cer-
o sol. Todos os homens da aldeia tentaram atingi-lo com rados, porque estão perpetuamente encandeados. Pelo con-
flechas para dele se apoderar, mas o metal fugia-lhes. Só trário, a swaihwé tem olhos protuberantes; esta particula-
as duas filha'S do chefe, disfarçadas de homens, o conse- ridade anatómica significa, então, que eles não podem ser
guiram apanhar (1 ). Trouxeram-no na piroga e foi cortado encandeados. Ora, entre outras riquezas, estes dois seres
em pedaços, e estes foram depois distribuídos pelos habi- sobrenaturais dão aos humanos o cobre, mas não do mesmo
tantes. As ave'S receberam na partilha o «sangue»; todas modo. A Dzonokwa deixa que lho tirem, por vezes à custa
tiveram um pedacinho de vermelho para pôr na cabeça e, da 'Sua própria vida; mais liberal, a swaihwé garante a sua
no resto do corpo, foram pintadas de verde, branco ou obtenção.
preto. O Gaio Azul recebeu as cores mais bonitas, mas a
Concha roubou-lhas e levou-as para debaixo de água (onde Que os olhos cilíndricos das swaihwé denotem uma
as conchas, desde então, brilham pelo seu nácar). visão imperturbável é uma interpretação que necessita, sem
dúvida, de ser confirmada. Parece claro que em todo o norte
(1) Este travesti deve ser associado à crença - atestada assim da América o cilindro tem, nos mito'S e nos ritos, um papel
entre os povos da costa desde o estuário do Columbia, a sul, até ao que .consiste em captar, fixar e pôr em comunicação directa
Incão, muito a norte- segundo a qual «o .sol e outros seres especialmente termos muito afastados. Em toda a costa norte do Pacfüco
associados ao metal são "meio-homens"» (C. McClellan, My Old People
Say. An Ethnographic Survey of Southern Yukon Territory, National
os xamãs utilizam «armadilhas de almas»: pequeno'S objectos
Museums of Canada, Publications in Ethnology, N.º 6 (2), Ottawa de marfim ou de madeira esculpida, de forma muitas vezes
1975, II, p. 573). tubular, destinados a apanhar e aprisionar a alma fugitiva

114 115
do doente e reincorporá-la nele. Segundo os mitos tlingit,
o Corvo, deus enganador, antes de deixar os índios tinha-os Que também daí derivem os olhos protuberantes das
prevenido de que, quando ele voltasse à terra, ninguém máscaras swaihwé é coisa que, de resto, ressalta de outras
poderia olhá-lo a olho nu sem ficar transformado em pedra. indicações já dadas a seu respeito. Notámos (vide p. 84) a
Teria, pois, de ser visto através de um tubo feito com uma sua natureza inamovível. ~ecordemos também que, durante
folha de couve pôdre enrolada. Igualmente, quando os as danças, um palhaço armado de lança tenta vazar os seus
navios de La Pérouse foram arremessados à costa em 1786, olhos (pp. 20-26). Esse palhaço procura pois, em vão, cegar
os Tlingit das proximidades julgaram que essas grandes as máscarns - cujos_ ~lhos, de~ido à sua forma \>articular,
aves, cujas velas semelhavam asas, não eram senão o Corvo mostram, pelo contrano, que tem excelente vista. )
e o seu séquito. Fabricaram à pressa os tais estranhos teles-
cópios: com esses olhos protuberantes, o poder do seu
olhar estava, criam eles, multiplicado, e ousaram assim con-
templar o espantoso espectáculo que se lhes oferecia. )
Os Esquimós do norte do Alasca, e os que vivem mais
a leste, ditos «do cobre», uns e outros vizinhos dos Déné,
associam os olhos protuberantes a uma vista penetrante, ou
então supõem-nO's consequência do esforço para ver no
escuro. Segundo os Shuswap, que são Salish do interior,
o espírito do vento (que, como nós dizemos, é «penetrante»)
tem uma enorme cabeça e olhos salientes. Os xamãs das
tribos que falam algonquino, no Canadá oriental, têm teles-
cópios mágicos feitos com um pau de zimbro tornado oco
e revestido de pele de caribu branco. A «tenda que estre-
mece», também branca, na qual se fecham para os transes,
é concebida à imagem e semelhança de um cilindro: coluna
de vazio que permite ver infinitamente longe para baixo e
para cima. Encontra-se na América do Sul uma crença aná-
loga, entre os Tucano do Vaupés. Largamente espalhadas
no Novo Mundo, estas representações tomam uma forma
ainda mais precisa entre os Menomini dos Grandes Lagos.
Dizem eles que o sol suspendeu o seu curso ao meio-dia
para mirar a terra através de um longo cilindro de cobre.
Os tubos ocos dos cachimbos rituais kiowa são como que
modelos reduzidos desse cilindro. Nas estações arqueoló-
gicas da América do Norte encontrou-se uma grande abun-
dância de pequenas folhas de cobre, enroladas em cilindro,
que, sem dúvida, estão relacionadas com este tipo de ima-
gens simbólicas.

116
117
XI

A afinidade entre as máscaras swailrwé e o cobre tra-


duz-se no facto de o brilho deste metal não poder encan-
deá-las: é isso que, no .fim de contas, exprimem os olhos
protuberantes das máscaras. Esta verificação dá-nos con-
dições para resolver um último problema, levantado pela
forma singular das placas de cobre trabalhado que os
Kwakiutl e os vizinhos do norte consideravam como os seus
bens mais p·reciosos. Os mais importantes desses cobres
são distinguidos com o reconhecimento de uma individuali-
dade própria assinalada com um nome especial. Nos fins
do século x1x, o seu valor podia atingir alguns milhares
de dólares (da época) e o seu proprietário beneficiava de
crédito público até ao mesmo montante. Podia conser-
vá-los; mas, em geral, o destino dos cobres era mudar de
mãos durante os potlatch: eram vendidos ou dados, inteiros
ou em pedaços (vide p. 73) . .Por vezes o proprietário chegava
a deitá-los ao mar para dar provas da sua fortuna, sacrifi-
cando semelhante tesouro à sua glória pessoal e à da sua
linhagem.
1 Esses cobres têm, em geral, a mesma forma: encur-
vada em cima e em baixo, com os lados aproximando-ISe
um do outro, obliquamente, desde a parte superior até à
parte média, que é mais estreita, e divergindo depois ligei-
ramente ou conservando-se paralelos até à base. A parte
superior tem uma decoração frequentemente muito rica,
representando um animal visto de frente ou só o seu foci-
nho. Quase rectangular e sem ornamentos, a parte inferior,
ou «traseira», apresenta simplesmente dua'S arestas perpen-

119
diculares, em relevo martelado, que fazem lembrar o motivo de facto, que mesmo ·e ntre os Salish as máscaras swaihwé
denominado «chefe-pala» na linguagem da heráldica: uma, são permutáveis com o cobre, já que mitos idênticos dão
horizontal, ao nível em que os ·iados oblíquos mais se apro- conta da origem de ambos (p. 33); ao mesmo tempo, sabe-
ximam um do outro, e a outra, vertical, desde o chefe até mos também que, entre os Kwakiutl, a origem dos cobres
à base , do cobre - no qual se pode ver uma espécie de já descritos remonta à personagem de Dzonokwa, cuja
escudo. máscara inverte a swailrwé do ponto de vista plástico
'Esta forma complicada é tanto mais enigmática quanto enquanto, do ponto de vista semântico, lhe conserva a fun-
é certo que se não conhece qualquer exemplar anterior ao ção. Em contrapartida, a função inverte-se na passagem
contacto com os brancos: todos os cobres que foi possível da swaihwé salish para a xwéxwé kwakiutl: conserva-se
observar ou recolher são de cobre em folha de origem então a forma plástica de ambas as máscaras.
europeia, e não se conseguiu apurar se, antes da introdução 1' Por conseguinte, a razão profunda da semelhança
deste, já haveria objectos destes feitos com cobre nativo observada por Wingert fica esclarecida. Se os cobres apre-
- nem qual a sua forma. A um investigador que, cerca de sentam o mesmo aspecto geral que as máscaras swaihwé,
1920, interrogava os Tlingit a este respeito, responderam é porque, entre os Kwakiutl, ocupam o seu lugar como
eles que a forma dos cobres representa a testa do Gonaqadet causas de riqueza e como meios de aliança matrimonial, a
(vide p. 89). A zona inferior corresponderia então ao osso qual traz protecção contra a endogamia e segurança em
frontal e a zona superior à efígie de uma personagem ou de relação a povos estranhos. Para duas populações diferentes
um rosto ornamentando o toucado do monstro. Esta inter- mas contíguas e que estiveram ligadas por todas as espé-
pretação apoia-se num monumento figurado, mas não parece cies de trocas comerciais e matrimoniais, quando não eram
que o Gonaqadet fosse sempre representado desta maneira. as guerras a pô-las em contacto de outro modo, os cobres
Portanto, não se pode generalizar a partir de um único e as máscaras swaikwé constitufam duas soluções paralelas
exemplo e, mesmo que se identificassem outros, não séria para os mesmos problemas.
possível dizer se a forma dos cobres derivaria deles ou se, Para entender a origem deste paralelismo não temos,
pelo contrário, seriam eles a inspirar-se nela. Veremos, claro, rriais que as hipóteses. Mas estas podem apoiar-se
todavia, na segunda parte (capítulo III, p. 197), que, encarada nalgumas bases sólidas. A forma dos cobres seria inexpli-
sob outro ângulo, esta interpretaç.ão oferece um grande cável se não derivasse da forma das máscaras swaihwé.
interesse. Ora, mesmo tendo em conta o estilo arcaico, que de resto
Cabe a Paul S. Wingert o mérito de ter notado pela partilham com todos os outros produtos da arte salish, não
primeira vez a existência de uma semelhança de ordem parece que estas máscaras se tenham difundido na costa
mais geral entre o contorno dos cobres e o das máscaras e na ilha de Vancouver em época muito antiga. Os povos
swaihwé. Embora uns e outras provenham de culturas dife- sem escrita condensam, muitas vezes, as suas genealogias,
rentes, a forma global e as proporções entre as zonas infe- e o seu testemunho fica, portanto, sujeito neste aspecto
r-ior e superior são as mesmas nos cofres e nas másoaras; a caução. Voltaremos a este assunto na segunda parte
e em ambos os casos há uma aresta ou uma faixa vertical (p. 141). No entanto, não se pode ignorar que os Musqueam
a cortar ao meio a zona inferior) Mas ·esse aut9r relega a dizem terem decorrido apenas cinco gerações desde a
sua observação para uma nota e nada faz para a investigar. · passagem da máscara da costa para as ilhas. Eles próprios
_ As comparações que fizemos neste trabalho permi- a tinham recebido de grupos estabelecidos no vale do
tem-nos retomá-la e dar-lhe muito maior alcance, Sabemos, Fraser; mais para trás, perde-se a origem inicial.

120 121
Seja como for, só depois de a máscara ter chegado à a uma época mais antiga que aquela que nos é sugerida
ilha (de onde, voltando a atravessar o estreito, passou para pelas diversas tradições locais ou que, com a forma que lhes
grupos salish mais a norte) é que os ~ootka e os Kwakiutl conhecemos, cobres e máscaras perpetuam - cada um à
~puderam conhecê-la e adaptá-la. Entre os Kwakiutl esta sua maneira e de modos em certo aspecto paralelos -
adopção ter-se-ia feito sob duas formas e talvez mesmo temas arcaicos a cuja pesquisa iremos aventurar-nos no
em dois tempos: de longe primeiro, e como ideia geradora capítulo III da segunda parte.
dos cobres, que desempenham as mesmas funções sociais Teriam esses temas buscado apoio, desde a origem,
e económicas; de facto, no plano plástico, os cobres apenas num suporte figurativo comparável aos cobres e à swaihwé?
conservam o esquema abstracto das máscaras, materiali- Nada nos obriga a tal postulado, pois estes emblemas
zando na substância de que são feitos a essência inteligível não tiveram necessariamente precursor. Mas, para que o
destas - pois entre os Salish, como já vimos, as máscaras «dossier» fique completo, talvez convenha mencionar um
swaihwé conotavam já as riquezas e, portanto, o cobre. terceiro tipo de ohjecto, que está ligado ao mesmo, género de
Uma fotografia publicada por Boas nos fins dei século representações que os dois anteriores.
passado mostra um cobre que tem, no local onde habitual- Nas primeiras publicações, Boas menciona determi-
mente se vê um rosto, duas protuberâncias que bem pode- nados objectos que, em concorrência com os cobres, deti-
riam ser imitações dos olhos da swaihwé. nham um lugar importante nas cerimónias de casamento.
Os K'wakiutl teriam, então, reconstruído à sua maneira, Eram Qs gyi'serstâl (gyi'seqstâl, gisexstala), peças de ma-
em volta dos cobres, a mitologia e o ritual do papão deira muito antigas que, pela sua forma, lembravam tampas
gigante, raptor de crianças, cujo tema era comum a eles e de baús, mas maiores, pintadas e incrustadas de dentes de
a todos os povos costeiros - desde o Alasca até · ao estuário lontra marinha. A família da noiva juntava quantidades por
do Columbia e mesmo mais a sul. E, como tinham já ~·ezes consideráveis destes objectos para os oferecer sole-
encerrado a ideia da swaihwé nos cobres, ficando ela, assim, nemente à família do noivo. Apesar de terem, frequente-
indisponível, teriam, por contraste, emprestad~ _à máscara mente, decorações em forma de olhos, cada gisexstala
da detentora sobrenatural do metal precioso os caracteres representaria uma mandíbula humana - curiosa noção que
plásticos inversos dos da máscara swaihwé. Mais tarde, ou os informadores de Boas nem sempre pareciam interpretar
ao mesmo tempo, por ocasião de casamentos intertribais da mesma maneira. Para uns, os gisexstala simbolizariam
cuja memória se conserva nas tradições lendárias (pp. 40-41), o direito do marido de ordenar à mulher, conforme lhe
os Kwakiutl do sul teriam recebido as máscaras swaihwé aprouvesse, que falasse ou ficasse calada; para outros, os
- mas agora, por assim dizer, em carne e osso - dos seus gisexstala representariam os dentes da mulher: se não
vizinhos Comox. Suplantadas na sua função primitiva pelos tivesse oferecido tais objectos ao marido, seria acusada de
cobres, essas máscaras, num novo ambiente onde estavam não ter dentes ou de os ter demasiado fracos para poder
a mais, teriam sido dotadas da função oposta. morder o cobre.
Esta reconstituição histórica é plausível; mas, como Os Bella Coola dão esta segunda interpretação. Há
todos os efeitos que implica já eram observáveis no fim ainda cinquenta anos, sabiam que entre os Kwakiutl, seus
do século x1x, uma difusão recente da swaihwé não vizinhos, a mulher oferecia aos parentes do marido peças
teria dado tempo bastante a que , as coisas se tivessem de madeira com incrustações de dentes de lontra: «São -
passado deste modo. Preferíamos supor, de duas uma: ou explicavam - dentes para a noiva». Em caso de disputa
que a existência e a difusão da máscara swaihwé remontam com outra mulher, ela teria o direito de arreganhar os
122 123
dentes e apostrofar a rival: «Que podes tu contra: mim? Não de antigos povos americanos teríamos então levantado um
tens dentes, mas eu tenho duas fiadas deles» (ou tantas problema mais vasto: o do estilo. Estilos contemporâneos
quantas as peças ·oferecidas ao marido). uns dos outros não se ignoram mutuamente. Mesmo entre
· " '*'Passando dos gisexstala, através dos cobres, para as os povos ditos primitivos cria-se uma certa familiaridade .
por altura das guerras seguidas de pilhagens, das cerimó-
máscaras swaihwé ou X!Wéxwé, dir-se-ia pois que se veri-
ficou uma transferência: num caso são os dentes, no outro nias .intertribais, dos casamentos, dos mercados, das trocas
são os olhos, que assim aparecem como sede anatómica de comerciais de ocasião. A originalidade de cada estilo não
misterioso poder. Transferência tanto mais reveladora, . exclui, portanto, os empréstimos; explica-se mais por um
: talvez, quanto é certo que, como vimos, a mandíbula da desejo consciente ou inconsciente de se afirmar diferente:
'·máscara swaihwé, descaída sob o peso de enorme língua, de escolher, ·e ntre todos os estilos possíveis, alguns que a·
não mostra- singularmente- dentes ... arte dos povos vizinhos recusou. E isto é também verdadeiro
-quanto aos estilos que se sucedem. O estilo Luís XV pro-
Passe-se o que se passar a respeito desta hipótese, cuja
fragilidade não pretendemos dissimular, nem por isso os longa o estilo Luís XIV, e o estilo Luís XVI prolonga o
cobres e a swaihwé - para só falarmos deles - deixam de estilo Luís XV; mas, ao mesmo tempo, cada um deles
participar do mesmo espírito. Com efeito, se, entre os Salish, . rejeita o outro. De um modo que quer fazer seu diz o
a swaihwé é um meio de obtenção de riqueza, julgamos ter mesmo que dizia, na sua linguagem, o estilo anterior; e diz
estabelecido que, entre os Kwakiutl, os cobres - essas também outra coisa que este não dizia e que, tacitamente,
o convidava a enunciar.
supremas riquezas - são a metáfora da swaihwé, e que
este duplo jogo retórico nos reconduz ao sentido próprio ' Uma das noções mais perniciosas legadas pelo funcio-
do qual partíramos. nalismo e que ainda domina tantos etnólogos é a noção de
povos isolados, fechados sobre si próprios, vivendo cada
Seria, portanto, ilusório imaginar - como tantos etnó- um por sua conta uma experiência particular de ordem
logos e historiadores de arte fazem ainda hoje - que uma €:stética, mítica ou ritual. Ignora-se assim que, antes da era
máscara ·e, de forma mais geral, uma escultura ou um quadro colonial e dos séculos de acç.ão destruidora a distância que,
possam ser interpretados cada um por si só, pelo que repre- mesmo nas. regiões melhor protegidas, o mundo ocidental
sentam ou pelo uso estético ou ritual a que se destinam. exerceu com os seus germes patogénicos e os seus produtos
Vimos que, pelo contrário, uma máscara não existe em si; de exportação, esses povos mais numerosos se encontra-
a máscara pressupõe, sempre presentes a seu lado, outras vam também mais próximos uns dos outros. Com algumas
máscaras, reais ou possíveis, que poderiam ter sido escolhi- excepções, nada do que se passava num deles era ignorado
das para a substituirem. Esperamos ter mostrado, nesta pelos vizinhos ·e as modalidades de explicação e represen-
discussão de um problema particular, que uma máscara não tação do universo de cada um eram elaboradas no decurso .
é, principalmente, aquilo que representa mas aquilo que de um diálogo ininterrupto e veemente.
transforma, isto é: que escolhe não representar. Como um Aqueles que nos contestam o direito de interpretar os
mito, uma máscara nega tanto quanto afirma; não é feita mitos ou as obras de arte de uma população por meio da
somente daquilo que diz ou julga dizer, mas daquilo que comparação com os mitos e as obras de arte de outras
exclui. populações, e que consideram como único método legítimo
N~o ~e dará exactamente o mesmo com toda a obra aquele que consiste em relacionar, por exemplo, os mitos
de arte? Com esta reflexão sobre alguns tipos de máscaras de um grupo com a organização social, a vida económiça

124 . 125
e as crenças religiosas do mesmo grupo, a esses respon- pregou extraem a sua significação e o seu alcance do facto
deremos: sem dúvida que é necessário começar por aí e de terem sido escolhidas de preferência a outras que ele
pedir, em primeiro lugar, à etnografia do grupo em causa também poderia ter empregue e às quais, portanto, con-
tudo o que ela possa fornecer. De resto, foi isso que sempre vém fazer referência ao comentar o texto.
fizemos nas nossas pesquis·as sobre a mitologia americana, A importância desses contrapontos explícitos ou implí-
tomando o cuidado, em relação a cada grupo, de nos citos. ressalta de forma especialmente nítida dos casos exa-
rodearmos de todas as informações desse tipo recolhidas minados neste livro. As características plásticas das más-
por nós e por outros nos próprios locais ou disponíveis na caras dzonokwa continuariam ininteligíveis se não fossem
literatura existente sobre o assunto. Só estas últimas infor- comparadas com as das máscaras swaihwé. E, todavia, essas
mações podem ser utilizadas no caso de grupos fisicam ente máscaras provêm de populações diferentes pela língua e
desaparecidos ou cuja cultura, ao longo dos anos, se des- pela cultura mas suficientemente próximas, todavia, uma
moronou - vitimados por uma sorte que não pode justi- da outra para que uma das duas máscaras tenha podido ser
ficar esse outro crime, desta vez de carácter científico, adaptada: as características plásticas da máscara xwéxwé,
que consiste em actuar como se eles nunca tivessem exis- que pertence aos Kwakiutl, só são explicadas como imitação
tido. Só menosprezam a nossa deferência quase maníaca da máscara swailrwé dos Salish. Mas a sua carga semântica
para com os factos aqueles cuja cultura etnológica se é função, simultaneamente, da que, entre eles, tem a más-
circunscreve àquele único grupo que pessoalmente estu- cara dzonokwa e, entre os Salish, · a máscara swaihwé.
daram; como se, ainda hoje, se não trabalhasse de forma Paralelas ou opostas, todas estas funções semânticas formam
proveitosa e inovadora sobre a literatura grega, latina ou entre si um sistema que releva da ideologia do cobre e por
hindú, velhas de muitos milénios e legadas por povos ainda cujo intermédio só podem ser esclarecidas as semelhanças
mais irrevogavelmente desaparecidos que aqueles que nós apresentadas, no plano plástico, pelas máscaras swaihwé de
estudamos - e censuram-nos por isso - por meio das suas um grupo e pelas placas de cobre trabalhado do outro.
obras e sem irmos junto deles, o que, de resto, em três Por sua vez, essa ideologia do cobre e as funções
quartos dos casos, se não mais, de nada serviria para este sociais e económicas que ela exprime exigem, para ser com-
tipo de investigação, dado o estado de ruína em que a preendidas, que articulemos os mitos dos povos da costa
irrupção da civilização mecânica os pôs ... com os dos seus vizinhos do interior: os Déné. Aproximação
A verdadeira questão não está nisso. Mesmo na essa que só a proximidade geográfica poderia legitimar,
melhor das hipóteses - de uma cultura ainda viva e com mas que vai buscar uma razão suplementar ao facto de, no
crenças e práticas bem pr.e servadas '-- o estudo das corre- noroeste da Amérioa, ser em território atha:paskan que se
lações internas entre a mitologia ou a arte e tudo o encontram os principais jazigos de cobre e de, por inter-
resto constituiria um preâmbulo absolutamente necessário, médio dos Tlingit, quase todo o cobre indígena daí provir.
mas insuficiente. Uma vez exploradas essas fontes locais, E não é tudo; os Déné ou Athapaskan do norte, que no
outros esforços são exigidos ao analista. Com efeito, esses passado souberam recozer, destemperar e forjar o cobre
mitos opõem-se a outros mitos, contradizem-nos ou trans- nativo, ultrapassaram todos os seus vizinhos na arte meta-
formam-nos, e seria impossível compreendê-los sem nos lúrgica (vide p. 47): talvez porque seja de ver ne'les os. últi-
reportarmos a estes - do mesmo modo que todo e qual- mos herdeiros dessa velha cultura do cobre, florescente
quer enunciado se explica por meio de palavras que, preci- desde o quinto milénio na região dos Grandes Lagos, e
samente, nele não figuram, visto que as que o locutor em- cujos primeiros representantes, em consequência de modi~

126 . 127
ficações climáticas sobrevindas por alturias .do terceiro
milénio, teriam emigrado para norte a fim de acompanhar
o recuo da floresta boreal e da sua fauna, que constituía
a sua caça habitual.
Por intermédio de operações lógicas que projectam a
distância, transformam ou invertem as representações, uma
história à escala dos milénios, que teve lugar no extremo
norte, viria assim imbricar-se noutra, mais recente e de
periodicidade mais' curta: aquela que, mais longe para sul,
nos é atestada pelas migrações salish do continente em
direcção à ilha e, depois, da ilha para ó continente, bem
como pelos conflitos e alianças desses mesmos Salish com
os Kwakiutl meridionais: desenvolvimentos cuja recordação
é conservada nas tradições locais, mesmo .s e estas os trans- SEGUNDA PARTE
figuram em acontecimentos míticos. Ao longo de perto de
três mil quilómetros dispuseram-se estruturas ideológicas
que respeitam a todas as limitações inerentes à sua l)atureza
mental e que, em conformidade com elas, codificam - como
hoje se diz - os dados do meio e da história. Essas estru-
turas ideológicas incorporam estas informações em para-
dignas preexistentes e também engendram out:ms, novos,
sob a forma de crenças míticas, práticas rituais e . obras
plásticas. Nessa imensa extensão, essas crenças, práticas e
obras continuam solidárias en~re si quando se imitam e até,
talvez mesmo principalmente, guando parecem desmentir-se
umas às outras. Pois, em ambos os casos, estabelecem um
equilíbrio para além das fronteiras linguísticas, culturais e
políticas cuja transparência foi provada por toda a nossa
argumentação - a menos que o seu carácter fechado muitô
relativo fastaure uma limitação lógica e histórica e marque
os pontos onde as inversões se operam.
Pretendendo-se solitário, o artista alimenta uma ilusão
talvez fecunda, mas o privilégio que se arroga nada tem de
real. Quando julga exprimir-se de uma forma espontânea
e fazer obra original está a repetir outros criadores, passa-
dos ou presentes, reais ou virtuais. Saiba-se ou não, nunca
se caminha sozinho pelas veredas da criação.

128
9
TRÊS EXCURSÕES
\

PARA ALÉM DA SWAIHWÉ (1)

Quase sempre se faz ao prático da análise estrutural


a mesma pergunta: como se operam, na realidade, as trans-
formações míticas? Você- dizem - alinha mitos que, de
µma população para outra, se contrariam, se invertem ou
mostram ter entre si relações de simetria com eixos di-
versos. Esse quadro causa uma certa impressão mas, para
crer na sua veracidade, desejaríamos apreender também a
maneira como tais relações abstractas nascem umas das
outras. Em que condições históricas ou locais, sob que
influências externas ou internas, respondendo a que moti-
vações psicológicas aparecem tais inversões no espírito de
narradores e auditores -'-- espírito esse que, em todos os
demais aspectos, se pode supor que funciona de modo mais
banal? Em resumo: as pessoas recusam-se a ratificar um
inventário de estruturas acabadas, saídas como que já equi-
padas do espírito colectivo. Com efeito, este espírito colec-
tivo, dizem ainda, não é mais que uma ficção por detrás da
qual se agitam inúmeros espíritos individuais: e, em cada
um destes, as estruturas que o analista apresenta resulta-
ram de determinados processos, ~- são estes processos empí-
ricos que é necessário poder desenvolver para que, das
/

( 1) Título original: «Histoire d'une structure», in W. E. A. van Beek


e J. H. Scherer, orgs., Explorations in the Anthropology of Religion.
Esssays in honour of Jan van Baal, Haia, Martinus Nijhoff, 1975.

133
1
construções teóricas, se destaque o vivido. Caso contrário, até à costa do Pacífico, entre os paralelos 46 e 54 - ou seja:
essas construções poderão, parecer um produto mais ou uma área correspondente às metades norte do Estado de
menos gratuito de exercícios lógicos que só ao virtuosismo Washington e sul da · Colúmbia britânica.
de quem os pratica devem o carácter persuasivo. \ A maior ·parte dos grupos sa;lish da costa continental
Formulada desta maneira, a questão conduz-nos a . e da ilha de Vancouver possuíam um único tipo de máscara,
outra: à das relações entre a análise estrutural e a história. comummente chamada swaihwé, cuja área de difusão se
Entre mitos diferentes ou entre as versões de um mesmo estendia para o interior até cerca de 150 km para mon-
mito, o analista infere conexões lógicas cujos termos dis- tante do delta do rio Fraser. É, de resto, nessa zona orien-
tribui pelos nós de uma rede ou pelos ramos de uma árvot((. ' tal que se situa, provavelmente, a origem da máscara. Várias
Nesses gráficos, reconhece-se uma posição dominante a tais' tradições a fazem provir do grupo Tait, ou «de montante»,
e tais mitos ou variantes do mesmo mito; e, a outros, uma último representante a leste daqueles de entre os Salish
posição subordinada. Até que ponto e em que medida que colectivamente se denominam Stalo, ou seja, gentes
implicam estas relações hierárquicas uma sucessão tem - do rio (Duff, 1952: II, 19, 123-126). A norte, o:_s Tadt confi-
poral? Do facto de um mito parecer derivado de outro de navam com os Thompson, trtbo salish do interior que não
um ponto de vista lógico resultará que ele veio depois? E, .Possuía a másca:ra. Mais exactamente, segundo uma pre-
_nesse caso, como se deu, na realidade, a passagem?. Pedem- ciosa indicação de Teit, os Thompson do médio Fraser (grupo
_:-nos que, para além da história conj ectural e implícita - à
1
Utamqt), que mantinham relações muito cordiais com os
qual poderíamos recorrer se postulássemos que o quadro Tait, (1 ) possuíam dois exemplares da máscara, perten-
geral das conexões lógicas, que possibilita a interpretação
cendo cad;:i. um a uma família, pardalmente originária
de um conjunto de mito~, recobre a génese destes de um
do delta. Tinham-nas recebido, diz Teit, em época recente,
modo pelo menos aproximado - . alcancemos e desmon-
da qual se recordavam ainda os mais idosos informadores
Emos os mecanismos concretos que, no plano local e num
que ouviu.
preciso momento da história de cada grupo, funcionaram
\ No entanto, apesar da relativa novidade e dias espe-
aqui e acolá para que dos seus efeitos acumulados resul- ~
cialíssimas circunstâncias dessa dupla aquisição, os Thomp-
tassem as sínteses para as quais nos acusam de tender com
son meridionais conheciam o mito de origem da swaihwé
excessiva precipitação.
e reproduziam-no quase nos mesmos termos que os vizinhos
Seria legítimo mas decepdonante responder a estas
Stalo, aos quais, de resto, a sua versão se refere explicita-
objecções que,. nos povos sem escrita, tal história curta e
mente. De facto, os Thompson Utamqt atribuem a origem da .
localizada nos escapa por definição. Em vez de passar um
_máscara a uma época em que os grupos do delta residiam
atestado de pobreza, o que de melhor tem a fazer a análise
a montante, muito perto deles. 1
estrutural é manter-se à espreita das oportunidades - mesmo
De acordo com essa versão, havia outrora, entre os
que sejam, como são, raras-. de documentar as conjun-
Stalo, um ,rapaz doente que tinha o corpo cheio de .inchaço
j_uras cànqetas em que viu a luz do ,çlia uma transformação
e que, farto de sofrer, resolveu pôr fim aos seus .dias. Errou
mítica: .· É isso que gostaríamos de tentar fazer em relação
sem destino pelas montanhas, chegou- à beira de u~ lago
a urrí,,exemplo de origem · americana, proveniente da família
linguística (e, ' em 1 grand~ medida, também cultur'al) Salish, ( 1) Não se deve confundir ~ nome · de J. ' A Telt,;.a· no.ssa m~iór
cujos representantes Õ,cupavam na América setentrional um autoridade acerca· <los. Thompson, com· o dos -T.ait,·. vizihhos dos
território pr'a ticàmente contínuo, das Montanhas Rochosas Thompson no médio . ,Fraser.

134 135
() atirou-se a ele. Foi -bater no telhado de uma casa que
havia no fundo e os habitantes, ouvindo o ruído da queda,
víeram ver e mandaram-no entrar. O herói viu primeiro uma
mulher com uma criança; cuspiu nela ao passar e transmi-
tiu~lhe a doença. Os moradores, que eram espíritos aquá-
ticos, chamaram um feiticeiro•curandeiro, mas este não foi
capaz de curar a criança. Recorreram então ao responsável,
que - pensaram - devia ter poderes mágicos. O herói con-
sentiu em tratar a sua vítima desde que os espíritos o
curassem a ele também, e ambas as curas se deram.
Ao fim de algum tempo, o herói desejou voltar pará
casa. Foi conduzido para o ar livre por um s~bterrân:eo
cheio de água, a qual se afastava à frente dos guias; e pro-
meteram-lhe uma recompensa pelos cuidados que prestara
à criança. O herói chegou à aldeia natal e deu-se a conhe-
cer aos seus. No dia seguinte fo i procurar o povo do lago
para receber o prémio : uma máscar a, cuja descriç~o coin-
cide em todos os pormenores com a da máscara swaihwé.
O homem exibiu a máscara dançando nas festas e veio a
ser uma pessoa importante. A máscara passou para os filhos
e os respectivos descendentes como privilégio de linhagem.
Mas houve um desses descendentes que casou com uma
mulher de Spuzzum (no território thompson) e cujos filhos
herdaram também direitos sobre a máscara.
Ora, na mesma secção da tribo Thompson - a dos
Utamqt do sul-, encontra-se um mito acerca da origem de
uma máscara cuja existência, ao contrário da outra, não
é conhecida entre os Stalo. Quanto a máscaras, não se
conhece nestes senão a swaihwé. E, no entanto, o mito
thompson chama a esta máscara tsatsa'kwé, palavra que
proviria das línguas do delta com a significação de «peixe»
ou «salmão». Além disso, este mito de origem passa-se
perto de Yale, na região Tait, e envolve pessoas desta tribo.
Havia - diz o mito - uma menina tão desobediente que
os pais, um dia, fora de si, a espancaram, regara~ com urina
e expulsaram. Foi recolhida por um tio, que a escondeu.
Os pais, cheios de remorsos, em vão a procuraram. Acabru-
nhada pela malvadez dos seus e humilhada pelos maus tra-

136
Máscara swaihwé (Salish)
Máscara de Dzonokwa (Kwakiutl)

Máscara xwéxwé (Kwakiutl)


tos que recebera, a pequena resolveu matar-se. Depois de
ter andado sem rum.o pelas montanhas, chegou ao pé de
um lago onde nadavam muitos peixes. Sentou-se para os
contemplar e eles transformaram-se à sua vista em crianças
de cabelos muito compridos qÚe vinham à tona de água
para lhe sorrir. Er:am tão .simpáticas e pareciam tão felizes
que a menina sentiu desejo de se. lhes juntar e atirou-se
à água.
Imediatamente o. vento se levantou tempestuosamente,
· aevastando toda a . região e destruindo a casa dos pais dela.
A heroína verificou que o seu corpo não mergulhava . e,
rejeitada pela água, voltou para a margem. O vento acal-
moucse e, já não . havia ninguém no lago. A menina passara
a ser a senhora do vento. Voltou para a aldeia, casou e teve
muitos filhos. Esta história ficou a pertencer .à sua família
e a todos os seus descendentes, que esculpiram máscaras
representativas dos espíritos tsatsa'kwé. Alguns desses des-
cendentes tinham de nascença ou herdavam o domínio do
vento, que podiam desencadear à sua vontade. Teit declara
que ouviu esta narrativa a um homem idoso que apenas era
semi-thompson e que a tinha recebido dos seus antepassados
de Yale. Em Spuzzum, entre os Thompson, era ele o único
detentor do direito de envergar a máscara, mas partilhava-o
com os parentes de Yale.
Eis, pois, duas tradições recolhidas entre os Thompson
e que se referem, ambas, aos vizinhos destes. A primeira
diz respeito à máscara S'?v'ai1lwé - atestada nos grupos do
médio e baixo Fraser, onçie ainda hoje existe; os museus têm
muitos exemplares, quer antigos quer actuais. Também são
conhecidas muitas . versões do mito de origem, recolhidas
.nesses grupos (vide pp. 23-28), que, com a excepção de alguns
pormenores, são semelhantes à dos Thompson - os quais,
manifestamente, ali a foram buscar. Pelo contrário, entre
OS· Stalo nenhum objecto, nenhuma tradição mítica sugere
a existência do outro tipo de· máscara - únicos narradores
do mito de origem desta máscara, os Thompson são também
os únicos a atribuir-lhos, Seria estranho que um testemunho
externo, e para mais único, pudesse estabelecer a presença

137
Máscara de Dzonokwa do tipo geekurnhl
de um traço cultural numa população. Sentimo-nos mais Ambos os mitos têm, portanto, a mesma arquitectura;
inclinados a sugerir uma inovação local, surgida numa zona mas, quando examinados em pormenor, verifica-se que se
_de contactos e de trocas muito intensas entre povos vizi- opõem sistematicamente. lNum, a criança é um rapaz; no
nhos: como se, nessa fronteira em que _se perde o uso da outro, é uma rapariga. O pequeno sofre de urna tara física:
primeira máscara, se tivesse desejado compensar essa falha a doença; ela sofre de urna tara moral: a desobediência. Ele
criando ou imaginando uma nova máscara, ao mesmo tempo está sujo por dentro devido ao mal de que sofre; ela por fora,
semelhante e diferente dela. Essa máscara terá, Úllvez, exis- depois de regada com urina. Expulsa pelos pais - ao passo
tido, mas nenhum exemplar dela nos chegou. que o seu. homólogo masculino foge espontaneamente - ,
.Não é, pois·, de afastar em definitivo outra hipótese: a menina encontra auxílio e protecção junto do tio, perso-
a de a enigmática máscara tsatsa'kwé ser, simplesmente, .. nagern masculina; mas a maioria das versões stalo atribui
a máscara swaihwé, rebaptizada, de acordo com as necessi- ao herói uma irmã que o ajuda. Nestas versões os espí-
dades específicas, por urna linhagem que a houvesse adop- dtos. aquáticos desempenham o papel de antepassados espe-
tado invertendo o seu mito de origem e a função ritual. Nesse cialmente quando o herói casa com uma das filhas deles
caso, ,a solução de continuidade, tão estranha, introduzida e funda uma linhagem; e as máscaras são, efectivamente,
pelo mito entre a retirada dos espíritos aquáticos 'e a cria- antepassados nas versões da ilha de Vancouver (que, como
ção da máscara já teria a sua razão de ser; devido à inversão se viu, têm relaçôes muito estreitas com as da costa con-
que origina o segundo mito, e que se estende ao própdo tinental, cf. pp. 28-32). Pelo contrário, os espíritos tsatsa'kwé
retrato feito por este ·· dos espíritos aquáticos, a máscara são crianças muito peql)enas; e, enquanto a máscara swaihwé
e os espíritos deixariam de se assemelhar. Compreender-se-ia é ornamentada com penas - erguidas, corno diz a versão
então que o novo mito preferisse atrasar a fabr~cação da thornpson, «à maneira de cabelos» - , as crianças tsatsa'kwé
máscara e atribuí-la a descendentes da sua heroína, dispen- têm longos cabelos escorridos, negros - segundo se pode
sados assim de trabalhar sobre um modelo vivo. Mas, em supor, dado o aspecto físico dos ameríndios - e não bran-
ambas as hipóteses, a máscara swaihwé, tal corno existe cos corno as penas (que, especifica a versão thompson,
entre os Stalo, mantém a prioridade absoluta. Com efeito, são de cisne) da outra máscara. Nos mitos de origem da
quer a tsatsa'kwé seja por natureza diferente da s1w aihwé swaihwé, o herói é engolido pelas águas: no mito de origem
quer seja simplesmente um seu eco, o seu carácter derivado da tsatsa'kwé, a água rejeita a heroína que, ao voltar à aldeia,
resulta, indubitavelmente, da origem mítica que lhe é atri- aí casa (pois a máscara ficará, mesmo em Yale, propriedade
buída .e da função ritual que lhe cabe. · dos seus descendentes) - e isto, portanto, em dupla oposi-
Comecemos a demonstração pelo mito. Este mito, de ção com os mitos stalo da swaihwé, nos quais não é o prin-
um modo geral, tem o mesmo desenvolvimento que o da cipal protagonista - masculino - quem se casa, mas sim
outra máscara. Em ambos os casos nos falam de uma a sua irmã, e não na aldeia, mas num grupo diferente.
criança desprezada que pretende afogar-se num lago. A ten- Vê-se que os dois tipos de mitos se encontram numa
tativa condu-la junto de espíritos aquáticos que lhe dão situação de correlação e oposição; o mesmo se dá com as suas
poderes mágicos simbolizados numa máscara. Por outro lado, funções rituais atribuídas às duas máscaras. Dos grupos salish
a tsatsa'kwé, como o nome indica, é urna máscara-peixe. da ilha de Vancouver e da costa até aos Kwakiutl meridionais
Ora, as versões stalo do mito de origem da swaihwé são (que. a éles foram buscar a máscara, com o nome de xwéxwé),
praticamente unânimes em afirmar que esta foi pescada a swaihwé está associada aos sismos que os seus bailarinos
à linha, e há até exempla·r es que têm a efígie de um peixe. têm o poder de desencadear (vide pp. 21, 39-40, 42-43, 110).

138 139
Por isso, e só por isso, se pode explicar o poder sobre o vento povo Thompson ter-se-ia dado em vida deles (p. 135), quer
que é atribuído aos possuidores da máscar:a tsatsa'kwé. dizer: nunca antes da primeira metade do século x1x. Julga-
Sismo e vento opõem-se, visto que um pertence à terra mos ter estabelecido que o mito de origem da máscara
e o outro ao ar; mas são homófogos em relação aos ele- tsatsa'kwé deriva do mito de origem da máscara swaihwé,
mentos cuja instabilidade comum traduzem. A senhora do que foi trazido com ela dos Stalo pelos Thompson. Portanto,
vento corresponde, na ordem atmosférica, ao senhor dos o mito. da máscara tsatsa'kwé foi,' necessariamente, elabo-
sismos na ordem telúrica. rado in loco depois daquela adopção. Por conseguinte, tería-
Inferida de maneira hipotético-dedutiva, esta dupla liga- mos um exemplo particularmente claro de um mito recolhido,
ção de correlação e de oposição entre vento e sismo pode ser quando muito, cinquenta anos depois de ter sido engendrado
confirmada de um modo mais directo. Os Salish do interior · por transformação: conjuntura histórica suficientemente
- ~specialmente os Thompson-:-- e os Bella Coola .(que tam- recente para que possamos não só reconstitui-la, mas, ainda,
bém são Salish, mas isolados dos seus congéneres depois identificar os mecanismos que desencadearam toda a
de uma antiga migração) imaginam o céu como uma região operação.
plana, sem relevo nem vegetação arbustiva, perpetuamente Em assuntos destes convém, todavia, ser prudente. Os
varrida pelo vento. Portanto, põem em opos1çao max1ma o testemunhos indígenas de que dispomos acerca da difusão
mundo celeste, caracterizado por ser plano, e o mundo da swaihwé sugerem, todos, que a máscara partiu do médio
terrestre, onde, ao contrário - como o mostra a geografia Fraser e chegou à costa no último quartel do século xvrn
da região onde vivem - , predomina um acentuado relevo. (p. 121). As vádas cronologias convergem, mas deveremos
A mesma oposição entre estes fácies morfológicos se encon- acreditar nelas inteiramente? Em nossa opinião, estas crono-
tra junto dos Salish da costa, mas agora restrita ao mundo logias estão tão sujeitas a caução quanto o estão as indica-
terrestre, cujos aspectos define: terra plana e pantanosa de ções geográficas dadas pelos mesmos informadores quando,
um lado e. ieleyo- ondulante do outro. Ora, se na primeira ao narrar a sua versão do mito de origem, especificam
concepção o' vento é _&tributo do céu plano, na segunda o onde o antepassado de cada · um pescoµ a 'primeira más-
relevo ondulado, oposto ao terreno desprovido de acidentes cara: Burrard Inlet (na base do delta), diz um; o lago
naturais, é resultado dos sismos. Há mitos que explicitam Kawkawa (perto de Hope), diz outro; o lago Harrison (a
esta relação (vide p. 113): uma mulher e a filha transforma- meio caminho dos outros locais), diz um terceiro... Ao
ram-se, respectivamente, em pântano e em sismo; e diz-se conversar com um desses informadores, impressionou-nos
desta que «era capaz de modificar a superfície da terra, de a ouvi-lo fundamentar o seu direito à máscara numa filiação
ondular». Disso resulta que, no pensamento salish, o vento e o tão curta e tão directa quanto possível com um primeiro
sismo se encontram em oposição diametral, como o estão possuidor; mas, simultaneamente, o local onde este obteve
também, nesse mesmo pensamento, ia ausência e a presença a máscara muda - por curiosa coincidência, fica sempre
de relevo que caracterizam, ·r espectivamente, o mundo de muito perto.( Seja na ordem espacial seja na ordem temporal,
cima e o mundo de baixo. Assim deparamos de novo com a cada uma das famílias que reclamam direitos sobre a más-
conclusão a que chegáramos depois da ·análise .fornnal da cara situa a origem dela o mais perto possível; os lugares
transformação cujos dois estados são riepresentados pelos geográficos, paradoxalmente, multiplicam-se, enquanto as
mitos das máscaras swaihwé ·e tsatsa'kwé, respectivamente. genealogias se encurtam. Ora se, como tudo indica, a más-
~Vejamos agora um último tópico. Segundo os velhos cara se difundiu a partir de um único ponto, não pôde ter
informadores de Teit, a entrada da máscara .swaihwé no aparecido pela primeira vez em vários locais. As locali-

140 141
zações propostas parecem, pois, inaceitáveis; mas daí não
decorre que as genealogias esboçadas sejam falsas: cada
uma delas poderá ser uma rami,ficação de uma genealogia
mais longa, tronco comum cuja recordação se tenha perdido
devido à sua antiguidade ou tenha sido propositadamente
esquecidopor poder dar consistência a direitos de concorren-
tes prioritários.
Mesmo considerando prováveis algumas obliterações, o,s
mecanismos pelos quais certo tipo de máscaras se espalhou II
num vasto território por herança, casamento, conquista ou
adopção continuam visíveis. Podemos assim ver também A ORGANTZAçÃO SOCTAL DOS KWAKTUTL(t)
como, articulados com estes, outros mecanismos invertem
a imagem da primeira máscara onde, antes de se interrom-
per, a propagação perde força. O exemplo que discutimos Na pri,rneira parte deste livro (p. 78) evocámo's rapi-
resumidamente, para homenagear um sábio que nunca pensou damente a organização social dos Kwakiutl e indicámos
que fossem incornpatíveis a análise estrutural e as investi- que ela levanta problemas muito complexos. Na hora actual,
gações etno-históricas, mostra pelo menos como nos factos em que as instituições tradicionais se encontram, em grande
se pode engendrar uma transformação mítica. parte, desintegradas, os observadores e os analistas já só
têm testemunhos antigos que permitam tentar identificar a
natureza dessas instituições. Pelas suas hesitações e pelos
seus primeiros esboços, a obra de Franz Boas- a quem
devemos o essencial das informações disponíveis acerca dos
Kwakiutl - põe bem em evidência as dificuldades.
Estabelecidos na ,parte noroeste da ilha de Vancouver
e na costa continental em frente dela, os Kwakiutl estavam
distribuídos por agmpamentos locais a que Boas dá o nome
de <<tribos>>. Boas observa, nos seus primeiros trabalhos,
que essas tribos se subdividiam em formações mais peque-
nas e do mesmo tipo todas elas, compreendendo cada uma
urn número variável de unidades sociais a que se chama
((gens))porque, ao contrário dos vizinhos setentrionais, todos
matrilineares - Tsimshian, Haida e Tlingit - , os K'wakiutl
têm uma orientação patrilinear e apresentam, a este respeito,
certas afinidades com os povos de língua salish que com
eles confinam a sul.

C) Republicadocom algumas modificaçõese acrescentossegundo


in: Culture, scíenceet, dëveloppe-
a versão original: <<NoblesSauvages>>,
ment. MéIangesen I'honnewr de Charles Morazê, Toulouse,Privat, 1979.

t42 143
obrigado a inverter a hipótese inicial. Julga agora que os
Mas as dificuldades logo aparecem, e Boas tem delas
Kwakiutl, originalmente patrilineares como os Salish, evo-
plena consciência. Em primeiro lugar, é impossível aÍirmar
pretende a teoria dos sistemas unilineares - que luíram parcialmente para um regime matrilinear pelo contacto
com os vizinhos setentrionais. Chama, então, às subdivisões
as <<gentes>> são exógamas, pois cada indivíduo se'considera,
de seu pai e, em parte, mernbro da tribo <<sept>>, conforme o sentido inicial da palavra, Ç[u€,
em farte, membro da <<gensn
Além disso, subsistem aspectos matrilineares' na antiga lrlanda, designava um grupo bilateral de ascen-
da cle sua mãe.
dentes; e renuncia a ((gens)), que substitui por <<cÌã>para
pois entre os aristocratas (os Kwakiutl formam uma socie-
melhor acentuar a coloração matrilinear actual deste último
dade estratificada) o esposo toma o norne e as armas (ern
tipo de agrupamento. Esses clãs, sublinha Boas, podem ser
sentido heráldico) do sogro e entra assim na linhagem dal
designados de três maneiras: uns têm um nome colectivo,
esposa. Nome e armas passam 1lara os filhos; as raparigas I
forrnado segundo o do fundador; outros chamam-sepelo nome
conservam-nos e os ra'pazesperdem-nos ao casar e adoptar I
do local de origem; outros, enfim, adoptam um nome hono-
outros, os das esposas. Por conseguinte, os emblemas nobi- \
rífico como (<os ricos>), <<osgrandes)), ((os chefes>>,(os que
liárquicos transmitem-se, praticamente' pela linha feminina J
primeiro recebem>>(nos potlatch), <<aqueles sob cujos passos
e todo o homem solteiro recebe os de sua mãe' Mas há-
a terra treme>>,etc.
outros factos que militam em sentido oposto: o pai é o chefe
Precisando as indicações que anteriorrnente dera, Bo'as
da família, não o irmão da mãe; e, principalmente' a auto-
explioa que, aquando do casamento, <<amulher ttaz em dotel
ridade sobre a ((gens)) transmite-se de pai para filho' No
ao rnarido,, a posição e os títulos do pai; mas o marido não I
fim do século xx muitos indivíduos de nascimento nobre
fica a possuí-los como pro'priedade 'pessoal, antes os detém I
reclamavam títulos herdados nas duas linhas (Boas, 1889)'
em benefício do'filho. E corno o pai da mulher, por sua vez, ì
Estas incertezas explicam que' numa segunda fase da
tinha adquirido esses títulos da mesma maneira (...), fica I
sua reflexão, ilustrada por lndianísche Sagen (1895) e pela
grande obra sobre a organização social e as sociedades secre- estabelecida uma regra de descendência puramente femi- I
nina - embora sempre por intermédio do marido>>.Que esta -
tas dos Kwakiutl (1897), Boas tenha rnodificado a sua pers-
pectiva e a terminologia. Até então tinha principalmente regra híbrida milita pela anterioridade de um regime patri-
linear e não rnatrilinear, corno primeiro pensara, encontra-'o
ãproximado os Kwakiutl dos povos matrilineares que se lhes
Boas demonstrado por muitos factos: o filho da irmã não
seguem a norte da costa; daí a sua primeira imp'ressão de
quu, ,ru* fundo de instituições comuns, e portanto matrili- sucede a seu tio', a residência nunca é uxori- o'u matri-local
e, ,por fi'm, e principalm,ente, as tradições lendárias vêem
i,r"ur.r, os Kwakiutl tinham evoluído em sentido patrili'
na descendência patrilinear do primeiro antepassado mas'
near. Alguns anos depois, munido de novas observações'
culino a origem dos clãs e das tribos - ao contrário dos
Boas impressiona'se ainda mais com as semelhanças na
povos matrilineares do norte, que dão esse papel à descen-
organizaçáo s,ocial dos Kwakiutl e dos Salish - a leste e a
dência das irmãs.
sul. Em ambos os casos as unidades básicas da estrutura
Nem Durkheim nem Mauss que, em 1898-1899 e enr
social parecem formadas pela suposta descendência de um
I"905-1906, respectivam,ente, discutiram as interpretações
antepassado mítico que construiu residência num determi-
de Boas; nem, cinquenta anos depois, Murdock aceitaram a
nado local - mesmo se, depois disso, essa comunidade de
hipótese de um regime matr,ilinear poder substituir directa-
aldeia teve de deixar o território original e unir-se a outras
rnente um regim,e patrili'near; caberia a Goodenough (1976)
comunidades do mesmo tipo, sem por isso perder a memória
realizar esta demonstração. Mas, pelo, menos para os autores
dn sua origem. Ora, os Salish são patrilineares e Boas vê-se
t45
144
nome desde a origem, desde que o primeiro ser humano
quanto à natureza fundarnen-
franceses, não havia dúvida discor- apareceu na terra; pois os nomes não podem sair da famÍlia
instituições kwakiutl;
talmente matritinear das dos principais chefes dos numaym, antes devem ir para o
eles que a basg destas
dando de Boas, sustentavam filho mais velho do chefe principal (...). E esses nomes não
uterina' Não insistia Boas'
instituições era u- iitiaçao podem ir para o marido da filha: nenhum nome, a começar
de um regime sucessório nas
desde 1895-1897,na existência por aquele que a criança recebe aos dez meses e até ela
para o filho mais velho (quer seja
famílias nobres? Do pai do
tomar o nome do pai - o nome do chefe principal. Esses
mas também' por casamento' ÍÌornes são charnados <<,nomesdo mito>>.Entre a dízia de
rapaz quer seia
'upu-túuit por intermédio
pai da esposa para o genro e' ::1t^t:,::9 nomes (é melhor entender: títulos) que um nobre kwakiutl
orJ' este segundo modo de transmitt:: adquire em toda a sua vida, alguns - os mais importantes -
os filhos nascituros' I
dos Kwakiutl que um indivi \ continuam, pois, a ser propriedade da linhagem. Quanto aos
tinha tai innportância aos olhos
casa))onde não houvessefilhas | ' outros: <<osúnicos nomes de um chefe principal de numoym
duo desejosode <<entrarnuma
um filho e' não havend" lX que podem ser dados por ocasião de um casamento são os
para casar desposavasimbolicamente do I
um braço ou uma perna - que esse chefe obteve dos sogros juntamente com os privi-
filhos, uma pafte ao to'po -
peça da mobília' légios; pois não pode transmitir ao genro os seus próprios
chefe da casa ou até uma J
artigo de Boas'publicado em 1920 marca privilégios. Parece, portanto, que os títulos de nobreza se1
Um importante ele
pensamento' É que' entretanto' agrupavam em duas categorias: os que não podiam sair da \
um novo rumo do seu excepcio- linhagem e eram transmitidos de pai para filho ou filha por Ì
um informador
tinha formado e posto a trabalhar direito de primogenitura e os que o genro recebia do sogro I
filho de pai escocês e mãe
nalmente dotado: Cuo'ru Hunt' por intermédio da esposa mas para transmissão aos filhos. I
e casado entre os kwakiutl'
tlingit mas nascido, educado Essas duas categorias (que, porém, os Kwakiutl negavam I
ao-longo de anos milhares
Inquiridor exemplar, Hunt' recolheu que iam que fossem de naturezas diferentes) recordam respectiva-
de páginas t"fo'-es sobre a cultura kwakiutl mente - observa Boas - , mutüís mutandís, por um lado,
"o* de casa até às tradições
das receitas cuUnarias da dona até os morgados europeus; e, ,por outro, o modo de transmissão
e das,técnicas artesanais
dinásticas das linhagãs nobres por clas jóias de família, que em teoria são propriedades de uma
organizados e publicados
aos mitos. ora esseámateriais, linhagem mas passam de mãe para filha quando esta casa.
os
Boas (1921),ou'ifu'u*-"o a .reinterpretarque' 11]1't^,n""
mals que a Já se disse que os nomes e privilégios mencionados por
primeiro lugar'
possuía. Deles resu"ltava'em Hunt constituem, essencialmente,títulos de nobreza; de facto,
da sociedade kryakiutl
tribo o'u o sept, a unidade fundamental por (gens)) incluem o direito exclusivo ao uso de emblemas figurados,
era aquela que Boas -o designara sucessivamente que comparáveisàs armarias, e também de divisas, cantos, danças,
e <<c1ã>> contot-u u'pt"to patrilinear ou matrilinear funções nas sociedadessecretas (conforme a terminologia de
de muito hesitan>' Boas
the parecia oominani"' ttoep-ois Boas, discutida por Mauss): confrarias que, entre o início e
a utilizar o nome indí-
renuncia a estes termos e resigna-se o fim do inverno - estação ritual - , substituern a sociedade
social apresenta catac'
gena numrym, 'porque <<estaunidade ou civil que vigora durante o resto do ano.
que os termos ((gens>' <<c1ã>>
terísticas tão especiais Todavia, as riquezas d,o numnym nã,o eram exclusiva-
mesmo <<sib>> induziriam em erro))' mente de ordem espiritual. Além dos objectos ornament.ais,
vezes de maneira cate-
De facto, Hunt afirma muitas como máscaras,toucados,pinturas, esculturas,travessasccri-
nobres que ele recolheu o
górica - e todas as genealogias de moniais, etc., incluíam um domínio fundiário constituído por
kwakiutl ((nunca mudam
confirmam - q"; ï'-"o0"'-
l'|'7
l4ti
vem então
pesca uma linha com que não tenha parentesco>>'Que
cursos de água, locais de a- ser um numayma? Para bem entender
a sua estrutura'
terras de caça e de colheita, pesca)
também para a ' os indivíduos quo
e de barragens lque serviam os 'ltt:t
legítimos escreve Boas, <<maisvale não ter em conta
a"tu*ente defendidos: que o numayma con-
direitos territoriais átu* o co,mpõeme considerat em vez disso
não hesitavam em matar os intrusos' A cada uma
nr^"*ilttos -rà,, as siste num certo número de posições sociais'
Finalmente, ,o artigo de 1920, Boas completa um (posto))' um
de dessas posições estão ligados um norne'
casámento' A exogamia
suas informaçoes sobre o :!::1:
<<lugara conservar>),isto é: uma categoria
e privilégios' As
como mostra- o simbolismo guerrerro
era mais frequente, número limitado e
mas também são observáveis
casos categorias e os privilégios existem em
dos ritos matrimoúis; ("')' É esse o esque-
por exemplo entre meio-irmão formam uma hierarquia nobiliárquica
muito claros de endogamia- de a sua vida' podem
ou entre o filho mais velho leto do numayma; os indivíduos, durante
e meia-irmã de mães ãiferentes Hunt que os a elas ligados>>'
um pai e a sobriritru' nputu
impedir - diz - ocupar várias posições e tomam os nomes
deste modo' conser- de haver neste
suium au-tá*iìiu' Procedendo De resto, é difícil afastar a impressão
n.ì"í"*t"t Mas também acontecia que' na um regresso em força
vam entre eles os pti"itegio"' suce- último estádio do pensarnentode Boas
gttt"'o' esposo de uma filha única' dos aspectos matrilineares - apesar
da repetida afirmação
ausência de filhos, o homem
do numaym deste' Esse por Hunt se sabia que
desse ao sogÍo na clhefia filhos enviava de uma predominância patrilinear' Jâ
se tivesse vários entre si e que o
mudava, portanto, â" ""*"V*; e con- os germanos do mesmo pai podem casar
deorigem' para lhe sucederem' da mesma mãe' Boas
uns para o seunLlmaym a perpe' mesmo se não dá com os germanos
u ti* de assegurarem
servava consigo o'-ït'oot' no caso de acrescenta que, à pergunta <<de
quem és tu-otr de quem é
mãe' De um modo geral'
tuação do numaym da podiam com o nome da mãe'
do mesrno.grau, os filhos ele - filho?>>,sempre se ouve responder
casamento entre cônjuges e filha' o genro
matãrno e parterno
'atê' O sogro proclama que, ao casar com a sua
ser repartidos ettã'ií mantinha
dos avôs ou
"u*y^ mas cada indivíduo
bisavôs; (entra no seu numaymcL>>As testemunhas do casamento
parece, os no do sogro para
de tal modo que a filiação fazem coro: <<Agora o genro entra na casa
uma certa liberdaie ã" ut"offt"'
pelo- direito agnático' se apro- aumentar a gtandeza do seu nome))' Por
conseguinte' na
numaym, teoricamÀnte -ã" regida
ãi't"*u de sucessão cognática' altura da morte de Boas e numa época em
que as institui-
ximava, de facto, "* a em 1942' Boas não deixou quase por complcto'
Até à ,"u *oi'u' sobrevind ções tradicionais já tinham desaparecido
nem de elaborar os materiais continua dc pó;
de reflectir u""'"u ão' Kwakiutl ao o problema da sua naluteza- patrilinear -
estadias sucessivas' escalonadas os princÍpios' nÍl
recolhidos durante doze assim como o da coexistência de ambos
em 1966' os seus inéditos
longo de meio sec"i"' Publicados (ou' como hipótese da sua intervenção conjunta
(mas' ncsso cilso'
apresentam u Ut'i*a concepção do nurnaym portanl"o quo
't'u enle, numayma): <<Tais
como foram segundo que modalidades?)' Compreende-se
the chamou posreriorm pensar que numo tipologiu
qo" precede' p'oderíamos Boas haja renunciado a incluir o numdymo
descritos o, nu*oi"*"o tribos; cittcgorias suus
ou 'gentes' de outras da organização social; rejeitando todas as
são análogo, *oJ'ltibs" 'ltrãs; llrlus ttÍto podc
não nos permite aplicar-lhes conhecidas por nenhuma delas ser aplicávcl'
mas a s.ru
"sp"ciul "o"'titt'içao o ni^^y^o não é patri- dar uma definição do numaymo e resigna-sc
it tlcscrcvô-lct
cstes termo'' futa"Ao rigorosamente' criança de um
lincar, pois - d";;; ã"-""oto' limites - uma comoumtipodeestruturasemequivalctttctttlsetrquivosda
testa-
ser atribuída por disposições
ou rlo o,rrro ,""o";;" a etnologia.
de que descende ou até
ttttrttl.frriasu ou"ìï'i"lt"ãu'-ti"rtut t49

l4H
um pouco tnais lrlnp"ttltttt'tt
Se, porém, nos deslocarmos
Os Tsimshian t'Ôttttltrt sttt-
norte, tudo parecerá modificar-se' 'l'lirtp'll
i;úYês; o dos Haida c dos
tema de parentesco ;;;ú s{lo I't'ttn-
e todas estas três tribos
aproxima-se do tipo crow;
entanto' em nenhum 1":|t'.:..1i'l-
fora da América' especial- camente matrilineares' No
Ora, esse equivalente existe e até de base da estrutura socittl'
na Indonésia' na Melanésia casos se encontra' "ï' t'"iauaes
mente na Polinésia e que seria de esperar nunt
dedicados de aquela composição homogénea
todos os seus estudos Entre os T'simshian' rtrui$
em África, embora, em ditos não- regime de descendc*iu "ãifi"ear'
esta parte aos sistemas por untu
há vinte e cinco anos a a fim que de unidades, trata-se de
agregados constituídos
seria chamar indiferenciados' ãue the estão' subordinados
-unilineares (que melhor linhagem dominantl ã ã" ""tÃt
bilaterais' que são unilineares seÍnpre, raços de parentesco.
Entre
cle os distinguir d";;;";as reconhe- sem que corn ela tenham,
etnólogos não o tenham híbrido do regime da
pro-
mas em duplicado) t'l ' "t encontrar duas os Haida e os ftingit '--i'"u'ait'"t
ete ã' Podemos factores: abandono de
antigos
cido naquilo que '"àíá*u priedade resulta dã vários conces-
outros' por ocupação e uso;
razões Para isso' corncl
'de
dornínios e aquisição de para
lugar' este tip-o de instituição não iransferência de títulos
Em primeiro bili- são de domínios ì-ú*"t"s;
de ãescendência- unilinear' " ou de outros danos; anexação
com nenhum dos #t-;tn* tratados compensação de u"u"i"io'
são tendencialmente na ausência dos herdeiros
near, indiferenciada- ' QUê que nas institui- por vizinhos Ae Oireitos ou títulos
separadas mas
como se fossem "I"go'iu' naturais, etc"
pouco rígida umas regras
iá., ao tipo do
numayma se entrelaçam'
de pe.rto Corno aplicar de maneira tão tão
basta considerar mais formuladas em lslrnss
Para ter a certezadisto, Kwakiutl' Os de descendência e ã" 'uces'ão aos
se estabeleceram os põe em relação aos Kwakiutl,
a ârea geogtâflca onde estritos? o problema não se
os Nootka e os Bella
coola' que exploram a fundo (e mesmo
vizinho, *uir"iï;;";; Nootka e uos neiu óootu, a
seus qtlÏ' como entre os Kwa- pseudo-casamentosdos Kwakiutl)
têm as mesmas instituições'-u' mais, se pensarmos nos modo'
parentesco do cognático e podem' desse
de um sistema de elasticidade oo set
kiutl, se fazemu*putt'u' são designados 'i'**u de manobras sociopo;líticascom os
(em que germanos e primos revestir toda a "'pã"i" regras dos
tipo dito havaiano indife- Mas' pelo contrário' as
uma regra de descendência ouropéis ao p"'""i"'co'
pela mesma patavrà) e de o minmints s aos Tlingit parecem'
à primeira
ot' quase nada distingue Tsirnshian, d"' ;;i;; de um
renciada. De facto' nada no caso dos para que se deslize
tal como foi descrito impressão, demasiado rígidas propria-
bella coola dt ';'*y*" o papel do parentesco
plano para o outro; e também
i(wakiutl. pãlo qual as combinações ins-
mente dito se r"ririú",'*tivo mais às claras' Em
ou ambilateral'elementos
semprebem piradas por outros *On"l' aparecem os
C) Num sistemabilateral tU: uns na linha paterna
ambos os casos'a vida local
mistura inextricavelmente
que
do estatutorcs19af :1i":*tttdos' política ou económica ou
determinados
laços que resuttaà da t'istotia
os c,asosê' Pof vezes'conforme
eoutrosnalinha*ui""'ì'Umsistemaindiferenciado'pelocontrário' ot laços que reclamam basear-se em
por ela sao criados
é um sistem" u- nt" - consoante seus ascendentes - qualquerele- "o-
de cada i"i**"uAo ou dos genealogiasreais ou supostas'
a opção qualquerdas duas linhas' do norte da Cali-
menio do ïiã" J"ïtrunsmittl^:* transmr- Os Yurok, pequena população -costeira uto
"""t*"o do estatuto respectivamente o"ito exemplo-.da.manelll^:o'tttn,
Nos Kwakiutl, 'u JJãu"tentos Íossemde natureza diferente' fórnia, ot",""""'-"o' por assim dïzcr'
cadamento se dissolve'
ticlosna lintra agná-icuu no' seriaindiferenciado' o actual regra de descendènciaunilinear
uluïtiir'-t'-"u'o contrário' questão'
o sistema não permite decidir esta ll-rl
da 'u'i"
u""u^""iulu" disponível
trr't.tt<Itl

I ttO
a-ocontacto com instituições do tipo que temos vindo a con- fachada, a função cerim,onial,nonl(ì osrjo do rlttitl <Icriva o
siderar. De facto, os Yurok, ao contrário dos Tsimshian, dos cio ou dos seus proprietários.
Haida e dos Tlingit, são patrilineares. Mas Kroeber, que os Assim, por exemplo, o senhor da c:ltslrlur'ri1r,ottor, rta
estudou assiduamente (os Yurok têm, na sua obra, um lugar cidade de On'len-hipur,chama-se F{a'ii1;otìttt'r;olrin; c o tLt
quase comparável ao dos Kwakiutl na obra de Boas), acen- casa meitser, na cidade de Ko'otep, Ke-nlcitsot'.()r;t t'ss;ts
tua que <<todavia,um grupo de aparentados nunca está cir- casas,ern qrìe Kroeber só considera a técnicit <It'cottst.t'ttt;lìo
cunscrito, corno o estariam um clã, urna comunidade de aldeia e a função utilitária i(só fala delas no capítulo cftrllrrtrllrool,t
ou uma tribo. Esbate-segradualmente em inúmeras direcções cf the Indians of Californio dedicado à ctlltura trral.crirtldos
e funde-se com outros também em inúmeras direcções>>. Por- Yurok; e omite a sua existência quando passa ao tritllttttcltltr
tanto, entre os Yurok, <<oparentesco funciona de modo bila- da organizaçãosocial), constituem, de facto, pessoasIttotrtis.
teral e, portanto, difuso, pelo menos em certa medida; de Todos os textos indígenas,recoihidos pelo próprio Krot:lrt't'
maneira que não existia qualquer unidade social formada por ou pelo seu colaborador indígena Robert Spott, o estabclr'-
indivíduos aparentados uns com os outros, actuando em con- cem de modo indiscutível. Assim, a propÓsito da dissolt"t<.:lìtr
junto e capazes de acção colectiva otganizada>>. de um casamento: <<Umajovem de Sa'a tinha contraído urn
É notável que, em tal situação, Kroeber não queira reter casamento pleno (isto é: pelo quai fora pago um preço elc-
senão os aspectos negativos. Os Yurok - escreve- <<não vado) na casa wôgrvu de Weitspus>>.O marido morreu e,
têm sociedade,enquanto tal, nem organizaçã,osocial (...). Na passado algum tempo, ela resolveu regressar à cidade natal
a-usênciade governo, não conhecem autoridade (...). Os com a filha ainda pequena. <<Osparentes entregaram, por-
homens (chamados chefes) são indivíduos que, pela sua for- tanto, o pagamento matrimonial à casa wôgwu de Weitspus
tuna e pelo seu talento pata a conservar e tltilizar, reuniram porque queriam ficar com a criança' Mas a casa wÔgwu só
ern volta das suas pessoas um agregado de parentes, clien- quis aceitar metade para que a ctiança não passasse a ser
tes e semi-dependentesa quem prestam assistência e protec- ilegítima (..). De iguai rnodo, se a mulher tivesse sido
ção (...). Termos tão familiares como 'tribo', 'comunidade morta, ou se tivesse morto ou ferido outra pessoa, a corn-
de aldeia', 'chefe', 'governo', 'clã' não podem ser utilizados pensação pecuniária deveria ser repartida pelas duas casas>>.
a respeito dos Yurok a não ser com extrema prudência ('..). Neste caso, como em todos os demais que fervilham nos
Tomados no seu sentido habitual, são-lhes totalmente inapli- textos, não são os indivíduos nem as famílias quem actua:
cáveis>>. são as casas, únicos sujeitos de direitos-_ellev_91es'Quando,
É difícil conceber que uma colectividade humana que se junto ao leito de morte de K'e-(t)se'kwetl, da casa tsekwetl
distingue das outras pela língua e pela cultura possa ser tão de Weitspus, a mulher e a sobrinha disputaram a herança do
invertebrada. Na realidade, as instituições que estruturam nroribundo, este decidiu a favor da sobrinha antes de expirar
a sociedade yurok existem: são, em prirneiro lugar, as cin- porque, disse, <<afortuna não lhe pertencia pessoalmentemas
quenta e quatro <<cidades>> pelas quais se distribui a popula- sim à casa tsekwetl>>.
ção; e, principalmente, no interior de cada uma delas, as Mesmo que se tenha escrúpulos em exprimir dúvidas, ti
((casas)).Eis a palavra: a mesma, de resto, que os Yurok lícito perguntar se Kroeber não terá procedido mal ao des-
usam, na sua língua, para designar esses estabelecimentos, crever a otganização social dos Yurok exclusivamente ctrt
em princípio perpétuos, com um nome descritivo inspirado função dos aspectos que lhe faltam. Mas, se houve faltit,
pcla localização, a topografia local, a ornamentação da csta é menos do grande professor que da etnologia sua cotì-

l5:Ì llt : Ì
temporânea, que não dispunha, no seu arsenal institucional, ções da estrutura social: belo tema cm l)orsl)octivapara a
do conceito de casa mas apenas dos de tribo, aldeia, clã colaboração enrfe linguistas, etnólogos c hist.oriadorcs.
e linhagem. Na Idade Média, o processomais antigo Í'oi t.irlvt-.2
uma
Ora - e é esta a segundadas razões que anuncifsl6s -, combinatória fechada ou em campo fechado: puis <:lrarrrados
para reconhecer a casa, teria sido necessário que os etnólo- Eberhart e Adalhilt chamam a seus dois filhos luìÌ ritpiìz c
gos olhassem para a história: pata a da idade Média euro- uma rapaúga, Adalhart e Eberhilt, respectivarnonl.c. Há
peia, certamente, mas também pata a do .Iapão dos períodos rnenos de quarenta anos observei o mesmo proccsso nu Arrra-
Ileian e seguintes, para a da Grécia antiga e para muitas z6nia, mas estendido a três gerações. Os nomes mcrovÍngios
outras ainda. Para ficarmos pela nossa Idade Média, é muito e carolíngios ilustram uma combinação mais livrc, l)or scr
reveladora a comparação da definição dada por Boas para aberta na escolha e utilização dos morfemas. Os príncipcs
c numaymqkwakiutl (vide p. 149) com a que nos vem da pena merovíngios chamam-se Théodebert, Charibert, Childcbcrt,
de um medievalista europeu ao procurar estabelecer com Sigebert, Dagobert; mas também Théodoric, Théodebald...
ev.actidão o que é uma casa. Depois de sublinhar que a Na família de Carlos Magno vamos encontrar Hiltrudc,
linhagem nobre (Adelsgeschlecht) não coincide com a linha- Himiltrude, Rotrude, Gertrude, Adeltrude, etc.; mas o mor-
gem agnática e é mesmo, muitas vezes' desprovida de base fema inicial Rot- produz ainda: Rothaïde Rothilde; o mor-
biológica, renuncia a ver nela mais que uma <<herançaespiri- fema inicial Ger-: Gervinde, Gerberge; e o morfema inicial
tual e material, que compreende a dignidade, as origens, o Adel-: Adelinde, Adelchis, Adelaide, etc. Por outras pala-
parentesco, os nornes e os símbolos, a posição, o poderio e a vras, o mesmo radical admite vários sufixos, o mesmo sufixo
riqueza, e é assumida (...) em atenção à antiguidade e à dis- vários radicais e o sistema antroponímico é capaz de engen-
tinção das outras linhagens nobres>>.Como se vê, as lingua- drar formas novas por enxameação- digamos - em direc-
gens do etnólogo e do historiador são praticamente idênticas. ções opostas. Fechada num caso e aberta no outro, é sempre
Estamos pois, sem dúvida, em presença de uma única e uma combinatória. Uma terceira fórmula, que vigora sempre
mesrna instituição: pessoa moral detentora de um domíniíì em determinadas famílias ou regiões, caracteriza-se pelas
composto simultaneamente por bens materiais e imateriais I repetições periódicas: o nome do neto reproduz o do avô
c que se perpetua pela transmissão do nome, da fortuna paterno ou o nome do filho da irmã o do tio uterino.
" | Ì
dos títulos em linha real ou fictícia, tida como legítima sob / ' Assim, a alternância dos Pepinos e dos Carlos nos pri-
a condição única de esta continuidade poder exPrimir-se na / meiros Carolíngios: re5ra geral, do avô paterno para o ncto,
linguagem do parentesco ou da aliança e, as mais das vezes, I mas o segundo Pepino, sucessor do seu tio uterino, era I'ilho
em arnbas ao mesmo temPo. l da filha do Pepino origem da linhagem. As três fórmulas que
Na memória a que acabamos de fazet menção, Schmid indicámos não formam uma série evolutiva: cocxistctrt, ltur
observa que a origem das casas medievais se mantém obscura vezes,no tempo. E todas elas se encontram tambónr cnt.roos
porque até ao século xt, cada indivíduo era conhecido por índios a que fomos buscar os nossos exemplos.Os Kwakiutl
um só nome. Na verdade, os nomes simples e não recorrentes utilizam ambos os tipos de combinatória, a I'ccltitclrt t' a
rrada ou muito pouco nos podem dizer; mas os nomes antigos aberta, e dizem <<cortaro nome em dois>>llara clcsigtìnrurna
compõem-se, por vezes, a partir de nomes de ascendentes. forma mista. Quanto à fórmula periódica, podc scr obscr:-
Ora, não é de excluir que existam relações entre as várias vada nos Tsimshian,que acreditavamna rcirrcarnaçÍiotlo avô
rn<rdalidades observáveisdesse procedimento e certas varia- na pessoado neto.

t5,1 155
a
espinhos' etc' Fora da França:
de S. Dinis, a coroa de ou'
de parentesco europeus
nao a coroa de Santo Estêvão
É verdade que os sistemas lança sagrada de Constantino' o
; dos K-wakiutl nem
do tipo u recordação: assim' temos
;; na falta dos obÍecio'' "u arturianas' a quc a abadia de
são do tipo havaia; tipo crow como os
nem do graal e a lança aas i""aus
iroquês como o d";';ti*;;ian
são habitual- para aumento do prcstÍg'io dos
aos ttaida e dos Tlingit'
Os
:i't"*-u-:,:"'of"t" que se caractetlza Glastonbury lançou sortilégio

ffi"+ì;"*':-,*
o tipo esquimó' a antiga l'rança
mente relacionado' "ã*

e irmãs e os prlmos'
ïï::ï.4ilÏï::
^ï'f;:**"gt#ï":
tJustrrYe'!v'
:^;^
fralcês na mesr
^^-;'rnr{e nâ
confunde mesma
"""ï:,ï;:ï asota o parentesco fictício;
também não se coibiu
de recorrer a ele' Alguns
obrigados' pretendera m fazet
cronistas'
descender
esta distinçao, o u'iiigo 'i"u*uparentes mais afastados'Para Drovavelmente a isso l'rnta-
p"iu taz!7 extremamente
e os ãs Capetos Ao" Cu'-oringiãt pri-
designaçãoos primos Littré ainda sugere: ãã trË"'iq"e I ter sido
casada em
primeiro significado"ão-t"t'o'primo" que não aquelesque sista de a av6*ut"'ltï morto sem
o"ìr1ta3t V' o úiti'mo Carolíngio'
de todos meiras núpcias da Borgonha' Eudes-
<<Diz-se "o*-l-t"t xr' o dtlque
";n;";;t assimilaÇão cornparávet
:'i"" deixar herdeiro' N; ;é*1" perpetuasse
têm um nome t*ã"*;- germanos e pnmos' genro Otto'Guilherme
havaianos entre -ÏIenri, quis que ;;* pretendeu
fazem os sistemas aproximada- lx' Luis da Provença
de um grau' As-sim'dá a sua linhagemr N; ;;"1ï por a mãe seri:-tt"
salvo pelo desfasamento das manobras sociais
mesma riO"tã"a" de disfarce ter ascendência caro;tíngia-menos.
mente a adoptivì de carlos-o-Gordo'
parentesco' linhagem n," noo-'i"t-ïiilt"
i""s sob a capà do iï"r- dúrante a guerra dos cem
E conhece-r" o nunJi n*
""-p"ft g'áou'ao V ool- Carlos VI e Isabel da
Anos, a adopção â" vII'
p.oprio fitho, o futuro carlos
* Baviera u* autri*ïlro ão de uma linha sucessória
** A existênci" ;;;; át i<*urti"tl
que vai do avô por intermédio da filha e do marido
no seio dos
europeias apresentam
todos os
desta ainda a"i** dL alimentar discussões
"";;;;";
muito
Ora, as casas medievais aos Kwa- "ao de sucessãopareceter sido
em relação etnólogos.O'", t"ã-tipo -Ë*opu' se
traços tantas à onle- oor várias ocasiões
""""'-fu'udoxais-q":' de Boas e' relativamente frequente ,'u uitã-íuUuo ponte
kiutl, causavam o J*futuço etnÓlogos' seìs mulherãs podiam <<Ïazet
dificuldades aos pôs a questão o" podiam trâns-
outros povos, "o"titïïï- "ti"t ot.r se' tendo um filho' lhe
Vejamoi essestraços um
por uT e passagemu, (fora
possui um domínio' que con-
,---, ,.
direito, qo"'u:ãt
ãias proprias não podiam exercer
Europeia ou ináia' u "u'u mitir herda'
e riquezas materiais'
O chefe específicosque podiam ser
siste em riquezas iãáeriais
o caso de atguns-fu"oo, a adopção
rico' corno hâ.rcu1 iecordámos
mesmo imensamente dos por mulheres)' Ainda
da casa é rico, àt;;;;t de Carlos baseou-se,entre outras coisas,
ao analisar o testamento de Eduar o v; u.áu adopção ter
sublinha Montesquieu rico para que a II' genro de Filipe-o'Belo'
Magno; de qualque'-áoao'
é suficientemente no facto Ae o Uisavo'Eduãrdo per
e um meio em caso de sucessão
instrumento político podido subir ao trono de França
troça da importânciaque
um
sua fortuna constitua (<Dar'
tuf como Ai' em Gérard de Roussillon: ux.orem.Nosecuú xvl' Montaigne pelo facto
de governo. '" As riquezas da casa
incluem
os seus dao à figura das armas,
eis as suas torres'ã"u*uiutt'' "orrr.*porárreos para outra família>>'
e prerrogativas hereditárias - de <<umgenro '"i' u t'u"tportá-la
também os nomes' títulos acres- os contratos de casamento
que se <<honrarias>> - ' 4 que se deve Com efeito, foram inúmeros impunham a
a
aquilo
"f'u*ot'u i-Jio'':tb:1t de origem sobrenatu- que davam uo g;;; o direito' mas também
centar, tal como #;; bandeira
a Sagrada Ampola' a 157
ral: a capa de S' Martirúo'

l6B
que não tivesse her' Geroldingern; foi Ulrich, e não o pai, quem fundou uma
obrigação, de tomar as arÏnas do sogro casa, a dìs Udalrichingern, sem dúvida por causa da glória
transrnitir aos filhos' Já
deiros do sexo masculino, para as proporcionada pelo casamento da irmã com Carlos Magno'
a qual o último
no século xI tomava vulto ã lenda segundo A casa nasceu, assim, da sua aliança com os CarolÍngios;
legara' juntamente com- o
Carolíngio, Luís V, morto em 987' mas quem lhe deu o nome foi o irrnão e não a irm6'
rei Capeto' Na Escócja'
leino, a mulher ou a filha ao primeiro Vindo ao de cima, o princípio patrilinear abafou as
filha herdava os títulos
na Bretanha, no Maine e em Anjou' a
husband' como antigas tendências de ponderação das vantagens de uma
r" houvesse filho; o genro - incomíng
"a" uxoris ao ((entrar na e outra linha e de manutenção de um equilíbrio entre elas.
se diz em inglês - tomava- os iure MasháusospopulaÏesqueconservamvestígiosdessasten.
dos Kwakiutl' Por von-
casa))- que é a mesma expressão dências. Na região do Languedoque-Provença'e talvez tam-
passaria para-
tade de Henrique I, a coroa de França :eu
bém noutros locais, ainda hoje se observa um esforço de
pre-
da Flandres se o legítimo herdeiro'
cunhado Baldúno servação da simetria entre as duas linhas' Em Bouzigues' na
nesse caso' o conde da
Filipe I, morresse na juventude; comuna de Hérault, dá-se o nome do pai do pai ao filho mais
tornou-se herdeiro per
niunat"t, geffo de Roberto-o-Pio' velho e o do pai da mãe ao mais novo; e, simetricamente'
uxorem. o nome da mãe da mãe à filha mais velha e o da mãe
da sua orienta-
Boas surpreendera-seporque' a despeito
davam semlpre o nome da,mãe do pai à mais nova. O efeito de espelho é ainda mais visível
ção patrilinear, os Kwakiutl se considerarmos o parentesco espiritual: o pai do
pai e
filhos (vide p' 149)'
quando se lhes perguntava de quem eram filho e da filha
observa e comenta o a mãe da mãe são padrinho e madrinha do
Num interessanteãrtigo, D' Herlihy mais velhos; o pai da mãe e a mãe do pai são-no
dos
matrónimo' em vez do
lugar não despiciendo ãue e dado ao por vezes ao
Média euro'peia' mais novos. Por outro lado, acrescenta-se
patrónimo, petos textos juridicos da Idade só têm direito a fazë-lo os habi-
as causas histó' nome um sobrenome' mas
Considerando a generalidade do fenómeno' que, além da dualidade
não parecem absoluta' tantes da aldeia. Quer isto dizer
ricas e locais avançadas por Herlihy paternos/maternos, se tem de dar lugar à dualidade entre
os nobres lnvakiutl que se
mente convincentes. Tal como os <<naturais>>e os de fora.
em ambas as linhas'
vangioriavam de possuir títulos herdados Esta segunda forma de dualismo aparece
já nas leis
de uma ascendência
os Capetos aplicaram-se à aquisição sucessorial - em
na linha materna' bárbaras, em que persiste uma competição
carolíngia tanto na linha paterna corno graus, de resto, variáveis - entre as linhas directa e cola-
primeiro' graças ao
mas só o conseguiraln em três fases: denota
na linha-mat€rna' íeral, por um lado, e os vicini, por outro; este termo
parentesco fictício (p' 157); depois' apenas aqui-
'p"to descendente dos Caro- um esiatuto jurídico cujas regras precisam o modo de
de Luís VII com uma O dualismo da filiação e da
este' ao casar' por sição (Lei sálica,' títuto XLV).
iingios que foi mãe de Filipe Augusto; e
"uru*ento
simultânea daquilo
legar a dupla residência ressalta também da existência
sua vez, o*u Carolíniia, pôãe finalmente
"ornao filho Luís VIII' que, mesmo no caso dos nwmaymo kwakiutl, se pode chamar'
ascendência ((nomes de
os Nootka e os óo-o ,tu antiga Europa, ((nomes de raça)) e
Tal como strcede entre os Kwakiutl'
punha-se em lugar princi- terra>>.
Bella coola, durante muito tempo Parece que, na Idade Média, os descendentes cogná'
proporcionava'
pal aquela das duas linhas que mais prestígio
chamado Gerold que ticos ou agnáticos de um antepassadoilustre tomavam nomes
Schmid cita o caso de um senhor feudal depois
teve um filho Ulrich derivados do dele: Leitname em alemão. Juntava-se-lhe
era, teoricaÍnente, origem da casa e de
nunca citam os o nome de terra; e o nome antigo desempenhavaa função
e uma filha Hildegardl ora, os documentos
159
1õ8
matrimoniais, contraídas no interior ou no clxtcri<lr,só podem
XII e XIII teria
nome próprio colectivo' Por altura dos séculos realizar-seentre cônjuges de estatutos dil'crctlttrs('). Nessas
família' de nomes
corneçadoo uso' pelos membros da mesma sociedadeso casamentoé, portanto, incvitavt:ltttcntt-',aniso-
e dos seus palá-
cterivados das suas propriedades fundiárias gâmico. Não podendo escotrhersenão entrc a lripol,,rtt.ttia c a
herança, que tanto
cios; tomava-se o 1.,o*. uo receber a hipergamia, tambérn neste aspecto essas socicdadtrs t'Ôm dc
podia ser materna como paterna' Os nomes de terra desem- redigi<Ia,
combinar dois princípios. Utna memória 1lt'ovavcl-
verdadeiros' e ao mesmo
penharam então o papetrde nomes mente, entre 1484 e 1491 e intitulada tresHonneurs <le lrt <:our
como centro de
tempo afirmava-se o carácter da residência - verdadeiro tesouro de observações etnográficas
publicadrr
passou ser uma
a
u"çáo política. A habitação de um nobre no século XVIII por La Curne de Sainte-Palaye- pircr bom
ponto cen-
(casa nobre>),na medida em que representava o às claras este aspecto. A sua autora é Aliénor de Poitit:rs,
dimanava'
tral de ctistalização do poderio, que dali viscondessa de Furnes, filha de uma dama-de-honor dtr
Kwakiutl suficiente-
Não podemos ir no passado dos Isabel de Fortugal que acompanhou a atna quando esta loi
eles' se deu a
mente longe para descobrirn'los se' entre casar com Filipe-o-Bom' Ora, esta minuciosa descrição dos
que Boas os conheceu'
mesma evolução. Mas, na época ern usos vigentes na corte da Borgonha sugere qì're a terrninolo-
a eles próprios ou com nomes
as numvyma designavam-se gia francesa do parentesco por afinidade tal como a conhe-
do nome do fundador
de raça, termos colectivos derivados cemos hoje em dia, terâ resultado de uma espécie de deslize
que remetiam para o local
naítico, ou com nomes de terra, semântico. No século XV os epítetos <<beau>e <<belle>>, apos-
tipo de designação'
de origem real ou suposto; um terceiro tos ao termo de parentesco, eram usados por uma pessoa
por teimos honoríficos, tendia a suplantar esses dois: uma
de estatuto superior quando se dirigia a outra situada rnais
que, na Europa, atenuou
àvoltrção comparável, taïvez, àquela abaixo numa rede de parentesco directo ou colateral ou
das casas
gradualmente a conotação geográfica dos nomes ainda por aliança: quando, em 1456, o delfirn, futuro Luís XI,
Hanover' etc'
] Bourbon, orléans, Valois, Sabóia' orange' revoltado contra o pai, se foi refugiar na corte da Bor-
principalmente valores de poderio e de
- e thes associou gonha, chamou <<be1-oncie>r a Filipe-o-tsorn ajoelhado diante
prestígio. dele. <<MadaÍne ma soeur)) e <<Belle-soeuneram os termos
Trata-seounãodeumaconvergência,nemporrsso com que se falava a parentes prÓximos mas que tinham
e da resi-
deixa de haver nisto uma dialéctica da filiação feito casamentos desiguais.
fundamental' das
dência como traço comuln' e sem dúvida É, pois, apenas devido ao carácter hipergâmico ou hipo-
como noutras
sociedades <<decasasr>.Tanto nas Filipinas gâmico do casamento que estes termos ocorriam principal-
partes da Mela-
regiões da Indonésia, e tarnbém em muitas mente nas conversas entre parentes por aliança' O dtlque
hâ muito assinala-
nésia e da Polinésia' os observadores iá' da Borgonha, João-sem-Medo, ajoelhava diante da nora'
ram os conflitos de obrigações resultantes da dupla pertença esta respon-
Michèle de França, e chamava-lhe <<Madame>>;
unidade resi-
a um grupo de descendênciabilateral e a uma dia tratando-o, por <<Beau-père>>. Igualmente, Filipe-o-IJrttlt tl
terrninologia
denciai: aldeia, lugarejo ou aquilo que, na nossa
por <<bairro) ou (quarteirão>>'
administrativa, designaríamos (t) <<L'Astrëe é um romance da nobreza ("')' A prìtrtcirrt pr't'
da estrutura social estão
Quando as unidades de base gunta que um nobre punha a outro nobre quando sc olì(lolìllÍlvrtltl
distin- era sernpre, e continua a ser, a seguinte: <<A que casa, a tlttr' l:rtrlllitt
cstritamente hierarquizadas e quando esta hierarquia
E a esse nobre é dado um determinado lutÌrtr ttit lrit'trtr-
guc também os mernbros individuais de cada unidade con-
pertence?>>.
proximidade em quia consoante a resposta.>> N. Elias, Ld socíété d<t cttu|(l)it'ffÍi/i:tt'lttt
soante a sua ordem de nascimento e a Gesellschaft, 1969), Paris, Gallirnard, 1974, p. 291.
ao antepassado comum, é evidente que as alianças
lr,lar,rir<l
l( ; l
l( i( l
É então de boa estratégia utilizar conjunli.rrrrcnlcrrntlr()sos
a sua nora Catarina'
a mulher, Isabel, chamavam <<Madame>> e princípios, consoante o ternpo e a oportrruidirtkr,pirnr tttitxi-
<<Beau-père>>
filha do rei Carlos VII, e ela chamava-lhes mizar os ganhos e minimizar as perdas.
esta maneira
<<Belle-rnère>>.No entanto - nota a autora -' Do mesmo modo, as casaseuropeiassenìlll't'ltr;sot'iltt'ltttt
respectivos esta-
pãf" q*f dois interlocutores assinalavam os as duas práticas: o casamento a distância e o cltslttttt'ttltr
prescrita' nos graus supe-
tutos so era permitida, e mesmo muito próximo. As genealogiasapresentammuitos cxt:tttlllos
príncipes e princesas'
riores da nobreza: reis e rainhas' de casamentos próximos qìle reproduzem todas as fot'ttuts
casas de graus inferiores
duques e duquesas;era proibida às clássicas conhecidas dos etnólogos: com a prima cruzada,
dont
(sy comme de Comtesses,Vice-Comtesses'Baronnesses' patrilateral ou matrilateral, ou até, poderíamos quase dizt'i',
et Paystl e)'
if; grand nombre par plusieurs Royaumes <<àaustraliana)), como foram os casos de Filipe-o-Bom e dc
aussy d'appeler leurs
Nestas- casas, <<neleur ãppartient Francisco I, que casaram, um e outro' com a filha do filho
sinon autrement que
pu""tr, Beau'cousín oa Belle-cortsifle' do irrnão do pai do pai... Também podernos encontrar exem-
quiconque en use autrement
mon cousin et ma cousine, et plos de troca generalizada, corno se verifica entre a inicial
estre notoii à chacun que cela se fait
ãrr"-ai", est, il doibt casa capetiana, a casa da Borgonha e a casa de Autun'
réputé pour nul'
par gloire et présomption et doibt estre O casamento de Carlos VIItr com Ana da Bretanha, pelo
à cause que ce ,oti volontaires' dérégléeset hors do
"ho'"' contrário, foi- diplomaticamente falando - muito afastado,
raisoru> ('). pois tinha por finalidade preparar a reunião da Bretanha
e <tbelle>>'reser-
Assim se explica que o uso de <<beau>> à coroa de França; mas o contrato restabelecia logo o equi-
próximas do trono' tomasse
vado às casas de sangue real ou líbrio ao estipular que, em caso de morte do marido, a
aos olhos da burguesia'
uma conotaçao puramente honorífica viúva casaria em segundas núpcias com o ocupante seguinte
de Diderot e d'Alem-
Ainda no século xvIII, a Enciclopédia do trono: foi, de facto, o q-ue se passou, quando o duque
(<<nora>>) que <<belle-filleé de
bert observa, no artigo <<Bru>l ' de Orléans sucedeu ao prirno segundo com o nome de
um estatuto relativamente
uso mais fino>>.a cãnotaçao de Luís XII. Na geração seguinte, inverteu-se o ritmo: ao pri-
primeiros utiliza9-ol:::, o"
inferior, perceptível apenas aos meiro casamento de Fratrcisco I em grau próximo seguiu-se
rapidamente esquecida'
passou despercebidaaos outros ou foi ír sua união, afastada, com Eleonora de Habsburgo, irmã
contrário do que os
Nas sociedades <<decasas))' e ao cle Carlos V.
os princípios da exoga-
etnólogos observam noutros casos, Entre os povos sen'l escrita, tal como na Europa, tam-
mutuamente exclusivos'
mia e da endogamia já não são bém o cálculo político inspira e cornanda este movimento
o casamento exÓgariãl
Como vimos a respeito dos Kwakiutl' a.lternadode expansão e de retracção das alianças matrirno-
o casamento endÓ8amo
serve para captai novos títulos e I niais. Em vários locais e em diversas épocas, causas igual-
quì, depois de adquiridos' eles saiann da casl mente políticas levaram à conciliação de dois outros prin-
;; i
";itt I cípios também antagónicos: o direito hereditário e o direito
e Baronesas' de
(t) <<Taiscomo as de Condessas' Viscondessas conferido pelo voto. Foi para ultrapassar essa oposição que
rnuitos Reinos e Países>r (N' T')'
que há um grande número em Beou- rrs primeiros Capetos fizetam coroar os filhos, sistematica-
seus parentes
(') <Não lhes àabe também chamar aos
meu Primo ou minha Prima' nlente, em vida. Tinham, com efeito, de assegurar o con-
-cousín ou Belle-cousine, mas unicamente
nooceda de modo diferente
do que fica dito' scntimento - tácito que fosse - dos dignitários do reino
c a quem Orr", n* e presunção e
glória
deve ser-lhe teito t'oiar que isso
se faz por
caprichosas'
llara reforçar os direitos ainda incertos do sangue e dit
por serem coisas
rklvc ser considerado sem nenhum efeito' lrrimogenitura: jurata fidelítate ab omnibus regni principilttts,
(N' T')'
l'ora das regras e sem razão))
| ( i: Ì
I (;iÌ
T

como se escreveu, de forma reveladora - embora em cir- as suas irmãs e filhas com os herdeiros do trono inrpuliirl.
cunstâncias diferentes - a propósito da sucessão de.' Henri- Em sistemas desses,de facto, as rnulheres, habilmentc rrrani-
que I. Os Kwakiutl e alguns dos seus vizinhos possuíam um puladas, desempenhamo papel de operadores do poder. Aos
regime sucessório análogo e não menos ambíguo' Era de uso sucessivos casamentos de Leonor da Aquitânia (e de tantas
o pai transmitir publicamente ao filho de dez ou doze anos pessoas da sua condição e do seu sexo) corresponde o cos-
todos os seus títulos durante um potlatch que proporcionava tume kwakiutl de obrigar as raparigas da alta nobreza a
a ocasião, mas além disso traduzia a necessidadede obter quatro casamentos sucessivos, cada um dos quais lhes con-
o consentimento colectivo e de neuttalizat publicamente feria um grau de honorabilidade suplementar.
eventuais pretendentes' Diferida no primeiro caso (já que Como explicar estas propriedades tão especiais, mas
o herdeiro não,reinará senão depois de morto o pai) e ime- recorrentes em diverso's pontos do mundo, das sociedades
diata no outro (em que o'pai não desfruta já de qualquer dos <<decasas>>? Para as compreender temos de voltar rapida-
títulos depois de os transmitir), a fórmula que consiste em rnente aos povos índios pelos quais corneçámos este estudo.
um pai fazer herdar o filho ainda em vida fornece, aqui corno Entre os Tsimshian e os Tlingit, o neto podia suceder direc-
ali, um meio (talvez o tsnico possível) de vencer a antinornia tamente ao avô paterno em nomes e títulos apesar do regime
entre o direito da raça e o direito'da eleição. de descendência matrilinear vigente. É que ambas essas
Em todos os planos da realidade social, da família ao sociedades estavam divididas em metades exógamas: real-
Estado, a casa é, portanto' uma criação institucional que m'ente, para os Tlingit, e praticarnente para os Tsimshian,
permite conciliar forças que, onde quer que seja, parecem cujas quatro fratrias, de prestígio desigual, tendiam a rea-
não poder aplicar-se senão com exclusão uma da outra, lizar casamentos duas a duas. Em sistemas como esses, em
devido às suas orientaçõescontraditórias. Descendênciapatri- que alternam as gerações agnáticas, é normal, ou pelo
Iinear e descendênciamatrilinear, filiação e residência, hiper- menos frequente, que avô e neto reproduzam as respectivas
gamia e hipogamia, casamento próximo e casamento' afas- metades.
iado, raça e eleição: todas estas noções, que habitualmente Mas não há qualquer simetria entre estes sistemas e o
servemaosetnÓlogosparadistinguirunsdoso'utrososvários dos Kwakiutl e das sociedadesda Europa medieval, sistema
se
tipos conhecido'sde sociedade,reúnem-se na casa' como que, concorrentemente com um regirne sucessório de direito
o espírito (no sentido do século xvltr) desta instituição tra- paterno, fazia do neto herdeiro directo ou indirecto - con-
duzisse, em última análise, urn esforço para superar' em forme os casos- do avô materno. Nem a herança do filho
todos os domínios da vida colectiva, princípios teoricamente da filha, nem a do genro per uxorem, seriam cornpatíveis
inconciliáveis' Ao meter - por assim dizer - <<doiscoehof com uma regra de descendênciaunilinear. Na linha materno,
no mesmo saco)' a casa realiza urna espécie de viragem I como na linha paterna, tal regra impediria que qualqucr clc-
topológica do interior para o exterior e substitui uma duali- | mento do estatuto pessoal pudesse pertencer ao mosnìo
dade interna por umra unidade externa' O que se aplica tam- J tempo a um filho de filha e a um pai de mãe.
que este
bém às mulheres, ponto sensível de todo o sistema, Para interpretar o sistema é portanto preciso rocorror
temdedefinircombinandodoisparâmetros:oseuestatuto à hipótese de um conflito latente entre os ocupnntt's dtt
socialeosseusatractivosfísicos-podendosempreumdeles certas posições na estrutura social. As mais antigus dt:scrl-
x
servir para contrabalançar o outro' No Japão dos séculos ções de Boas são tão precisas gue não parece duvitlttttttt1ttn,
e xI, o ctã Fujiwara assegurou de modo duradouro o seu nas casas nobres de que provinham os scus inlirrnrttcfttrtrg,
podernosassuntospúblicosfazendocasar,sistematicamente, essa tensão entre linhagens- que constitui o prtnl.o fulcrul

164 |f i5
reaproximar. Também ela encontra o seu princípltl numa
à casa materna'
do sistema- dava preponderância relativa continuidade que é de ordem natural e nada impedo Jó quc'
também rloutros
Nos Bella Coo'la- cuja otganizaçáo social quando houver necessidade, a aliança venha substitulr <l
da dos Kwakiutl - '
aspectos parece ter siáo muito prÓxinaa parentesco pelo sangue.
as coisas do mesmo modo: <<O irmão
os observadores viram Com as sociedades <<decasas>>vemos' pois, formur-ro
dá nomes aos
de uma mulher casada no exterior também uma rede de direitos e de obrigações cujas linhas entrccru-
da sua incorpo-
filhos desta irmã' como marca suplementar zadas cortam as malhas da rede que ela vem substituir: o
relativa do
ração na família ancestral>>'Esta preponderância que anteriormente estava unido separa-se agota e o quo
a certos naitos
laão materno confirma o nosso comentário anteriormente estava separado une-se. verifica-se como quc
kwakiutl (vide P. 77). uma contradança entre os laços que a cultura deve tecer
aceite
Porém, esta preponderância nunca é francamente e aqueles em que antes se reconhecia a obra da natureza -
mulher' vê no filho um
pela outra parte: o pai, que tomou mesmo que, como na maior parte dos casos' isso fosse uma
tal como o avô
Lembro privilegiado da sua linhagem ilusão. Promovida assim a segunda natuteza, a cultura ofe-
essa mesma mulher' vê no neto um mem-
materno, que cedeu rece à história um palco à sua medida; fazendo aderir uns
destas perspec-
bro de purt" ittt*i.a da sua. É na intersecção aos outros os interesses reais e os pedígrees míticos, pro-
constitui' a casa'
tivas antitéticas que se situa, e talvez se porciona fundamento absoluto aos empreendimentos dos
jogo de espelhos' a oposi-
E na sequência disso, comio num grandes.
os planos da realidade social;
ção inicial reflecte-se em to'dos que se pensa
ãa tambem conta da equivalência estrutural
indiferen-
qo" o, regimes de descendência não puramente
estabelecem entre o
ciada (porque de orientação unilinear)
filho da filha e ou o filho ou o sobrinho uterino'
otrtros e
Estes conflitos corno que encaixados uns nos
que as sociedades<<de
as so,luçõessempre de duplo sentido
casas)) thes dão resultam, em última análise, do mesmo
estado de facto: estado esse em
que os interesses políticos
campo social' não
e eco,nórnicos' que tendem a invadir o
laços de sanguer>-
tomaram ainda a dianteira aos <<velhos
Para se exprimirem e se repro-
como diziam Marx e Engels'
inevitavelmente' de ir buscar
duzirem, esses inter"r,u, tê*,
ela thes ser hetero-
a linguagem do parentesco' apesar de
E' inevitavel-
gen"ã; Jom efeito, não há outra disponível'
Todo o fun-
mente também, só para a subverter a adoptam'
ou exóticas' implica
cionamento das casas nobres, europeias
paragens tidas como
uma confusão de categorias noutras
serão'tratadas
correlativas e opostas' e que daí ern diante
vale a aliança' a
como se fossem intermutáveis: a filiação
a troca deixa de ser
uli"rrçu vale a filiação' Desde então
sÓ a cultura pode
o lugãr original de ulna fenda cujos bordos
167
106
III

OS SEGREDOS DE UMA MASCARA (1)

Demos, na primeira parte deste livro, alguma atenção


a uma máscara de estilo estranho- chamada swaihwé - dos
Salish da costa continental e da ilha de Vancouver, na
Colúmbia britânica, e que os Kwakiutl meridionais imita-
ram sob o nome de xwéxwé (vide p. 39). Mais a norte, quer
dizer, entre os Tsimshian, os Haida e os Tlingit, não se
conhece qualquer equivalente desta máscara; é como se, a
algumas centenas de quilómetros do local que se supõe
ser da sua origem, máscaras, mitos e ritos a ela associados,
bem como as funções sociais e económicas que ela desem-
penha, deixassem repentinamente de encontrar eco.
Esta fronteira levanta um problema, visto que corta em
duas uma vasta região cujos habitantes nunca deixaram de
ceder uns aos outros mitos, ritos, motivos ornamentais e
outros objectos. Esses habitantes eram grandes viajantes
que, sozinhos ou em grupos, espontaneamente se visitavam
uns aos outros. Entre os vários povos costeiros ou insula-
res da Colúmbia britânica e do Alasca reinavam - conforme
as ocasiões - ora a hostilidade ou a guerra ora relações
pacíficas. Nesta última situação, as tribos faziam e retri-
buíam convites, realizavam trocas comerciais, estreitavam

( 1) Republicado, com algumas modificações e acrescentos, em


conformidade com a versão original publicada com o mesmo título
em L'Homme, revue française d'anthropologie, xvn (1), 1977, pp. 5-27.

169
alianças matrimoniais. Nada do que se passava numa delas O monstro, furioso, fez a ilha voltar-se, mas o pequeno
poderia ficar por muito tempo na ignorância das outras, grupo teve tempo de se refugiar no barco, que ficou em
mesmo das mais afastadas. Pareceria portanto surpreendente seco no meio da ilha quando as águas baixaram. Como a ilha
que um complexo cultural tão importante como este, cen- se tinha voltado, apresentava agora o aspecto de uma rocha
trado em volta da máscara swaihwé ou xwéxwé, não hou- escarpada de onde não era possível fugir.
vesse deixado vestígios em todos os grupos, mesmo que a . Passaram os dias e a criança sobrenatural, que os índios
existênciai da máscara não se encontrasse directamente tinham conservado consigo, morreu. Uma noite, o sobrinho
atestada; ou, se se preferir - já que, à partida, ambas as mais velho do chefe violou a própria irmã, e esta, no dia
hipóteses são aceitáveis - , que não se possa identificar seguinte, pôs-lhe atrás da cabeça uma pele de lontra branca,
indícios · de um fundo comum de onde só os Salish e os : _transformando-o assim num pato bico-de-serra. Provavel-
Kwakiutl tivessem extraído matéria para constituir um con-, mente, este animal é o Harlo ou Mergulhão coroado (Lopho-
junt.o organizado de mitos, ritos e obras plásticas. dytes cucullatus, L.), cujo «macho adulto tem, de verão e
1 Na realidade, parece bem que esse fundo existe a norte. de inverno, cabeça e pescoço negros com um grande triân-
Embora a pista da máscara swaihwé não seja aí facilmente gulo branco que vai desde a parte posterior até aos olhos».
reconhecível, há muitos indícios concretos que nos permi- Expirado o prazo previamente fixado, o chefe, auxiliado
tem segui-la até ao Alasca. Convém, todavia, começar _a _ pelos sobrinhos, conseguiu fazer deslizar o barco pelo
pusca o mais perto possível dos Kwakiutl, isto é: entre os . rochedo abaixo até o pôr novamente a flutuar. No caminho
Tsimshian. 1Estes índios têm um mito no qual há um episó- de regresso encontraram o monstro adormecido, içaram~no
dio aparentemente tão despropositado que uma observação para bordo, escaparam a um tremendo torvelinho de águas
superficial nos faria tomá-lo como uma interpolação devida provocado por ele e alcançaram a aldeia; aqui, por sua vez,
ao capricho do narrador ou a uma confusão gerada no seu o monstro morreu. Foram então para outra aldeia, ao que
espírito. Ei-lo: parece aliada à sua. O chefe e os três sobrinhos qu~ resta-
vam casaram nessa aldeia, e a · sobrinha também. Entre os
Outrora, entre 1duas ilhas prox1mas onde os habitantes presentes de casamento figurava a pele da criança flutuante.
da costa iam caçar a lontra marinha, via-se frequentemente Quanto à pele do monstro - que era uma fêmea - , foi
uma criança a boiar na água. Era tão bela que os caçadores acrescentada pelo herói desta aventura às suas 'insígnias.
não resistiam ao desejo de a recolher a bordo. Nessa altura,
vinha à superfície um monstro marinho chamado Hakulaq, A mitologia universal é rica em narrativas de vitórias
gritando: «Quem me roubou o meu -filho, o meu único sobre monstros, e este tema também não escasseia nos mitos
filho?». Provocava então uma tempestade medonha, em que desta região. Mas que vem aqui fazer a história do incesto,
a água engolia a terra, e os caçadores morriam afogados na · que nenhum episódio anterior faz antever e que, uma vez
ilha onde se tinham refugiado. Ao fim de algum tempo, descrito, deixa de desempenhar qualquer papel na narrativa?
já só havia na aldeia, como sobreviventes, um jovem chefe, Facilmente se reconhece neste episódio um tema também
uma mulher com uma filha e dois filhos - sobrinha e soõri- muito divulgado em todo o mundo; mas, neste caso parti-
nhos do chefe - e mais dois rapazes, também seus sobrinhos. çular, apresenta, em relação às suas outras ocorrências ame-
Depois de muitas tentativas, conseguiram construir um ricanas, uma dupla e estranha inversão. Nos mitos que ilus-
barco de solidez a toda a prova, fizeram-se ao mar, apanha- tram aquilo que se poderia designar por vulgata americana,
ram a criança flutuante e desembarcaram numa das ilhas. uma jovem recebe, sempre ·durante a noite, a visita de um

170 171
amante misterioso. Para o identificar, marca-lhe o rosto com mais ou menos razoáveis que o herói recusa; no outro
fuligem; e, no dia seguinte, descobre que se trata do irmão. caso, os casamentos a boa distância, entre aldeias vizi-
Ela transforma-se então em..&_&1.- e ele em Ju-'a. É por isso que nhas, preveniam a repetição de uniões demasiado próxi-
o astro da noite persegue o astro do dia sem o alcançar e mas, entre irmão e irmã. Este último tipo de união representa
tem a face marcada com _manchas escuras.- Ora, neste plitQ, uma ameaça muito real no segundo mito, em que um irmão
a parte marcada não é a fac~, mas sim a parte posterior_da e uma irmã são os únicos sobreviventes do massacre dos
cabeça; e, além disso, a ..!!larca é branca em vez de preta. parentes e concidadãos: ameaça que a futura Hakulaq afasta
Está~ dupla distorção, infligida a uma narrativa extrema- ao separar para sempre os jovens - que terão de partir, um,
mente vulgar em ambas as Américas, não é, certamente, des- para norte, e outro para sul. Antes disso, a senhora-do-lago
provida de significação. prometera ao irmão que ganharia uma enorme fortuna , e à
Uma variante do mesmo mito tsimshian, publicada por irmã dele que se transformaria em Senhora Riqueza, perso-
Barbeau, não inclui o episódio do incesto; mas, tal como a
nagem sobrenatural bem conhecida em toda a região e que
de Boas, termina com casamentos entre duas aldeias, isto é:
enriquece quem a encontrar ou ouvir o filho a chorar (vide
com o contrário de uniões incestuosas, cujo perigo - mas
p. 89). Ora, o monstro-fêmea Hakulaq é o contrário de uma
por que razão? - neste caso por preterição, é afastado com
a destruição do monstro. Senhora Riqueza: tem tamb~m uma criança que exerce
poderosa atracção sobre os seres humanos, mas neste caso
Esta conclusão - é-se tentado a dizer: esta morali-
dade - impõe-se-nos tanto mais quanto é certo que o mons- as consequências são desastrosas. A versão Barbeau acen-
tro-fêmea Hakulaq figura noutro mito de que já falámos tua esta relação de correlação e de oposição, ao explicar que
(vide p. 83), o qual, como este, gravita em redor de um os caçadores de lontras cometeram o erro fatal de confundir
problema de aliança matrimonial. Um jovem chefe recusava o filho do monstro com o da divindade benfajeza.
todas as pretendentes, pois estava casado secretamente com Os Gitksan do alto Skeena só se distinguem dos Tsim-
uma senhora-do-lago, de quem tinha um filho. O escândalo shian da costa por pequenas diferenças dialectais e de orga-
deu-se quando esta criança, apanhada por um companheiro nização social. Também eles conhecem o monstro Hakulaq;
do chefe e trazida para a _aldeia, deu a morte a todos os mas por motivos geográficos evidentes, situam-no num lago
habitantes (arrancava-lhes os olhos para os comer), com e não no oceano. Barbeau, que transcreve o nome do monstro
excepção do próprio chefe e da irmã deste. Isso desfez o sob as formas hagwelawrh e hagwelorh, pensa que os
casamento. Ao despedir-se do esposo, a senhora-do-lago Gitksan foram buscar o motivo aos grupos do estuário,
ordenou aos dois jovens que se separassem para se_mpre mas embora as suas versões apresentem pormenores originais.
prometeu-lhes que, tanto um como o outro, seriam senhores Nestas versões, quando o monstro aparece, saem-lhe do corpo
de grandes riquezas. Depois dirigiu-se para o oceano e trans- duas (ou mais) crianças; e do dorso emerge um objecto
formou-se no monstro Hakulaq. sobrenatural, «o-tronco-à -flor-das -águas-que-forma -escolho-
-por-cima-do-banco-de-areia». U:ma casa nobre tomou este
O primeiro mito trazia - de modo aparentement-e arbi- objecto para emblema depois de complicados sucessos, entre
trário- para a cena uma união incestuosa, portanto exces- os quais figura um incesto entre irmão e irmã a que os infor-
sivamente próxima. Aqui, pelo contrário, temos uma união madores conferem realidade histórica. Nesta fase da análise
excessivamente afastada, contraída com uma criatura é preferível pô-lo de parte, para o retomar mais adiante
sobrenatural em detrimento dos casamentos a distâncias (cf. p. 182).

172 173
U tCAMP
BIBLl01 ECA CENTR L
* Há em Wrangell um mastro esculpido que o representa a
* * meio-corpo, «com um chapéu e a túnica de pele de Escor-
penídeo com que matava os filhos ( ... ) em baixo, o pássaro-
No primeiro mito tsimshian que exammamos, o incesto -trovão (xel) representa Lq!a-yãk!, filho de Lakitcina».
dos germanos aparece fora do contexto como episódio sem Passemos então a esse filho e a seus irmãos.
função perceptível. Mas entre os Tlingit, pelo contrário, Com efeito, o cão mágico tivera filhos, quatro machos
desempenha um papel central. Veniaminov menciona-o desde e uma fêmea, que a mulher, desolada, conseguiu transformar
1838 sob duas formas diferentes. Umas vezes não há incesto em seres humanos (já <'.> eram em segredo, o que sugere que,
propriamente dito: envergonhado por a irmã ter um am:ante, como em muitos outros mitos americanos, foram concebi-
um homem leva -a para o céu onde ambos se transformam , 'dos pela própria mulher por obra do cão). Lakitciné não
em lua e sol, respectivamente. Outras vezes os amantes são ousou ,a tacar a nova progenitura e preferiu descarregar sobre
incestuosos, filhos da união de uma mulher com um cão. a mãe. Os filhos, para salvar a mãe, mataram Lakitciné e
Cheios de suspeitas, os outros irmãos da jovem puseram-lhe aplicaram-se depois à destruição de diversos monstros -
resina na cama, a qual se colou às nádegas do culpado e o uns marinhos e outros da floresta.
traiu. Transformado em trovão, afastou-se da irmã; e esta As duas lições recolhidas por Swanton divergem a partir
mergulhou na cratera do monte Edgecumbe, perto de Sitka, daqui. Numa delas, o irmão mais novo cometeu incesto com
onde se transformou em senhora dos sismos (vide p. 96). a irmã. Traído pela resina colada ao corpo, transformou-se
Muitos pormenores - como a origem semi-humana, semi- em trovão, que se apostrofa chamando-lhe «Coxa pegajosa»,
-animal dos protagonistas, o papel de destruidores de mons- e a irmã deitou-se à cratera do monte Edgecumbe: «É por
tros atribuído aos irmãos, a referência a um arco mágico
isso que, desde então; os homens exercem vigilância sobre
que corta ao meio o corpo de quem dele se apodera e se
as irmãs». A outra lição não fala de incesto, limitando-se a
transforma finalmente em fenómeno meteorológico (arco-íris,
dizer que os irmãos interromperam a caça aos monstros
halo lunar ou solar) - permitem identificar estas versões
para submeter a irmã aos tabus da puberdade (isolamento
com as que foram recolhidas por Swanton: ambas mais
ricas, embora desigualmente desenvolvidas. em cela, tubo para aspirar a bebida, uso de um penteado a
ocultar os olhos) e lhe darem as agulhas de osso, o fio de
Uma virgem, fecundada por serradura, deu à luz um couro e os picos de porco-espinho necessários aos trabalhos
herói que, na idade adulta, destruiu monstros, casou e legou femininos. Mais tarde, e embora ela ainda estivesse sujeita
ao filho um cão mágico e uma túnica feita com a pele espi- às proibições, levaram-na de viagem com a mãe, tomando
nhosa de um peixe, o Escorpenídeo vermelho (inglês Red precauções extremas. Mas, um dia, ao atravessar um curso
Cod: Sebastodes ruberrimus, cf. p. 45). Este filho, Laki- de · água, iam sendo arrastados pela corrente: a mãe deu um
tciné (1 ) , era uma personagem maléfica, dotada de poderes grito e a rapariga ergueu um pouco da aba do enorme cha-
sobrenaturais, que aterrorizava a mulher e matava t odos os péu para ver. Imediatamente toda a família ficou transfor-
filhos: a pretexto de os acarinhar, apertava-os c~mtra o peito mada nuns rochedos que desde então se encontram naquele
e trespassava-os com os espinhos da túnica; ou então rasga- sítio. Por conseguinte, nesta lição, a violação dos tabus da
va-lhes as faces nas asperezas de um rochedo, até morrerem. puberdade, impostos pelos irmãos à irmã, substitui o incesto
da outra versão. Ma:;; esse incesto, que transgride ainda mais
(*) Este L inicial é uma fricativa sem equivalente em francês. gravemente os tabus sexuais entre irmão e irmã, determina

174 175
as «precauções de vigilância» de que, para o futuro, serão No filho do monstro marinho Qing, que dorme com
objecto as irmãs - e portanto também os tabus da puber- os pés assentes no fundo do mar, apenas se vendo à flor da
água a face e os cabelos flutuantes, reconhecemos sem difi-
dade.
culdade a criança flutuante do mito tsimshian do qual parti-
mos: Aqui, como ali, o monstro, macho ou fêmea, aparece
* por diversas .vezes a reclamar o filho ou os seus restos.
* * Quando a pretensão é recusada, o monstro tenta destruir a
Os Haida contam a mesma história com pequenas dif e- ilha em que se refugiam os culpados, ou a sua aldeia, com
renças e sem modificarem os nomes das pessoas e dos locais. um cataclismo que em ambos os casos se assemelha a um
Portanto, foram buscar o mito aos Tlingit (a cuja língua per- abalo de terra.
tencem todos esses nomes) e bastar-nos-á indicar alguns
Sendo assim, vamos prestar especial atenção a outro
aspectos de pormenor. Mais realista que as versões tlingit
mito haida no qual reencontramos a criança flutuante mas,
que falam da união da mulher e do cão, a narrativa haida
desta vez, no final da narrativa em vez de no início. Havia
acentua também que o marido dessa mulher, portador de uma outrora uma aldeia à beira-mar. Um dia desembarcaram lá
túnica de pele de Escorpenídeo vermelho, era tão terrível uns visitantes misteriosos que tinham um chapéu mágiç_o
que ninguém ousava encará-lo. Mais adiante, quando os com que podiam desencadear cataclismos mariilhõs. Atemo-
jovens heróis decidiram atacar, entre outros monstros, a rizada, a população teve de lhes entregar uma princesa que
Grande Enguia que exterminara a família da mãe, por quatro o chefe queria desposar. Os viajantes partiram para o largo
vezes se serviram da irmã como isco. Acabaram, graças a com a cativa, para destino desconhecido. Os pais da jovem
esta ajuda, por triunfar sobre o monstro. Foi por essa altura estavam inconsoláveis e a mãe decidiu ir procurá-la em
que a rapariga teve as primeiras regras, e um dos irmãos, companhia do principal escravo do marido. Navegaram
impudente, violou-a. Os outros limitaram-se a troçar dele, durante anos à aventura, defrontando grandes perigos, e
chamando-lhe «cunhado». Em seguida os rapazes mataram chegaram por fim ao extremo do oceano. Esgueiraram-se
e decapitaram um monstro chamado «0-do-marn. O pai do sob o rebordo da abóbada celeste, agitada por um movimento
monstro, Qing, veio reclamar a cabeça ameaçando arrasar incessante, e, depois de vencido este último obstáculo, apor-
a aldeia, mas os heróis, não sem dificuldades, acabaram por taram às margens do além, onde encontraram a Senhora
se livrar deste novo perigo. Depois disto entraram em con- Riqueza com o filho (vide p. 93). Esta explicou-lhes que o
flito com um tal Norte, que se tornara amante da irmã e rei local tinha a jovem sequestrada numa gruta e lhe fizera
pretendia matá-los de frio. Depois ainda, o irmão mais novo perder o espírito. Na realidade, estava furioso por o filho
contraiu matrimónio durante algum tempo, o qual, nas ver- ter dado aos sogros humanos, como presente de casamento,
sões tlingit recentes, teve lugar no céu. Em seguida, parti- · à toucado mágico que estimava acima de tudo. Vê-se que,_
cipou de novas aventuras com os irmãos. Muito mais tarde neste mito, . a Senhora Riqueza aparece _ao princípio, como
ain~a, deixaram a mãe e levaram a irmã para novas pere- _ cúmplice dos humanos contra as potências do outro mundo.
grinações. Apesar de terem já decorrido dez anos sobre a O escravo partiu em missão de reconhecimento e desco-
época da sua puberdade, proibiram-na de os olhar durante briu o local onde estava escondida a prisioneira, mas não
a travessia de um rio a nado. Ela desobedeceu e todos se conseguiu fazê-la reagir: a jovem parecia imbecilizada.
transformaram em rochedos ou em montanhas. O escravo fez-se então temporariamente invisível e entrou

176 12 177
na casa dos sequestradores. As conversas que ali ouviu reve- mentado com nuvens. Ao voltar à aldeia, a jovem deu à luz,
laram-lhe que aquele povo era de canibais e que o soberano realmente, uma criança extraordinária: «Das suas pálpebras
só devolveria a saúde à jovem em troca do precioso toucado. saía qualquer coisa de achatado». Foi colocada no berço orna-
Os dois visitantes deram-se a conhecer e foram festiva~ mentado com nuvens e abandonada no alto mar. O berço e
mentes recebidos. Depois voltaram à sua terra e contaram o seu conteúdo transformaram-se num ·recife rochoso. Daí
as suas aventuras. Foi decidido organizar uma expedição em diante; quando vêem este recife, pela manhã, rodeado
para libertar a prisioneira mas, no momento da partida, os de nuvens, haverá abundância de comida; mas, quando for
irmãos desta desapareceram. Voltaram pouco depois: o mais visto (naturalmente, dever-se-á entender: sem nuvens), isso
velho casara com a Senhora Rato (intermediáfio habítual, será sinal de doenças.
nos mitos desta região, entre o mundo terrestre e o além)
e o mais novo com uma criatura impressionante, apesar de Swanton, a quem devemos este mito, assinala que é o,
muito pequena, que ninguém ousava encarar: mull\er «con- primeiro por si recolhido no dialecto de Skedans e que a
trária», cujos actos e palavras se desmentiam reciproca- _tradução se ressente disso. Claro que gostaríamos de saber
mente. Conduzida pela Senhora Rato, a expedição ch~gou com maior precisão o que seria a tal coisa achatada que saía
a bom porto. Os viajantes foram acolhidos com grande das pálpebras do recém-nascido. Mas, antes de procurar
pompa e apressaram-se a amontoar até ao telhado as conchas esclárecer este ponto, bem como alguns outros, · observare-
de amêijoas, que haviam apanhado em grande quantidade, mos que a mais curta das versões tlingit sobre os irmãos
pois, na viagem anterior, fora constatado que os habit;mtes incestuoso (vide p. 174) transforma o· irmão culpado em
do outro mundo utilizavam as conchas como colheres e que trovão, a quem se implora para «que expulse a doença e se
a vista de conchas novas os levava a transportes de admi- afaste para o norte». As conclusões dos dois mitos estão, pois,
ração e de cobiça. No alto do monte de conchas foi, por fim, ligadas - com a diferença de, visível numa delas, o principal
colocado o toucado mágico, objecto principal do litígio. protagonista trazer as doenças e, audível na outra, as afas-
Foram procurar o rei, a cuja aproximação a terra tar. Se agora compararmos as versões tlingit e haida do
tremeu. Tinha uma aparência maravilhosa, com as pálpe- mito· dos germanos incestuosos (vide pp. 170, 176), verifica-
bras tão abertas que ninguém se atrevia a olhá-lo por muito remos que o Norte tem, conforme acabamos de dizer, uma
tempo. A cada novo passo que ele dava, a terra punha-se conotação benéfica numa e maléfica na outra (1).
outra vez a tremer. Só a esposa do filho mais novo tinha Juntas à deslocação do motivo da criança flutuante do
força mágica bastante para poder suportar o seu olhar. Assim princípio (ou do meio) para o fim da narrativa ' estas duas
.
mantido em respeito, o assustador indivíduo limitou-se a indicações sugerem que existe uma relação de inversão entre
recuperar o toucado. As conchas foram distribuídas e a os mifos sobre o incesto dos germanos ~ este que estivemos
cativa, curada, foi devolvida aos pais. O rei começou a a resumir. E, com efeito, este último mito tem como motivo
dançar, mas caiu e partiu-se em dois pela cintura. Da bacia central o afastamento abusivo de uma mulher que, graças
e do tronco saíram-lhe penas de águia e de cada metade do às estrangeiras com quem casaram, os irmãos vão conse-
corpo começaram a sair, alternadamente, os companheiros
1
de viagem da nora, que ele tinha devorado. ( ) Maléfico, o Norte personific<J.do é o amante da irmã do
No dia seguinte, na altura da despedida, o rei confiou principal protagonista - o que remete para a versão Veniaminov
(cf. p. 174), em que o· herói, chocado por a irmã ter um amante (que é ,
secretamente à nora que tinha a intenção de renascer dela.
provavelmente, a mesma personagem em ambas as versões), se trans-
Quando ela o desse à luz, deveria pô-lo num berço orna- forma a si próprio em lua.

178 179
guir trazer de novo à terra natal. Além disso, em vez da turbilhão marinho por terem infringido as suas indicações:
' transformação dos heróis destruidores de monstros em roche- ele tinha-os cumulado de presentes e dera-lhes poder mágico
dos, juntamente com a irmã, aqui é o monstro vencido pelos sobre todas as presas terrestres, mas sob a condição de
heróis que sofre essa metamorfose. As duas narrativas, por- nunca mais matarem peixes nem outras criaturas do oceano.
tanto, seguem percursos inversos. É notável que esta história, em que o espírito marinho se
~ mostra. sob o duplo aspecto material de uma ilhota e de um
turbilhão marinho, seja, de todas aquelas que estamos a
* examinar, a única que lhe confere uma natureza moral ambí-
* * gua: por um lado é senhor de riquezas inesgotáveis, e como a
: Senhora Riqueza (vide pp. 89-90), assegura a fortuna dos seus
Mas não é tudo. Recordámos . acima que a criança - protegidos; mas por outro, subordina os benefícios a condi-
que inicialmente flutuava no berço - do mito há pouco ções draconianas - pois como poderiam os insulares subsis-
mencionado se transforma em recife marinho: um sólido que tir sem a pesca e a caça no mar? Nem inteiramente bom
emerge da água (1 ) . Ao contrário, no mito tsimshian de que nem inteiramente mau, Naguna'ks é mais um espírito ciu-
partimos, a criança flutuante faz cavar-se um abismo líquido mento e criador de dificuldades, que nada dá sem nada
que engole as embarcações. Mas, devido a uma oscilação receber em troca e que faz perecer quem lhe desobedece.
entre estes dois pólos, parece que, para -e stes mesmos Tsim- Dito isto, compreender-se-á melhor como a mitologia tsim-
shian, um espírito marinho também pode tomar a forma de shian, cuja gama mais rica possui graus intermédios entre os
um recife ou de uma ilhota. estados fortes que até agora temos vindo a considerar, pode
A versão Barbeau do mito que primeiro nos reteve a ajudar-nos a esclarecer certas dificuldades do grande mito
atenção localiza o entrecho. Chama à cena os Gitrhahla haida (vide pp. 177-179) cuja análise interrompemos proviso-
(Gitkatlah), habitantes das ilhas costeiras que ficam imedia- riamente.
tamente a sul do estuário do Skeena. Estes índios· parece
que acampavam na ilha Aristobel para caçar lontras em Recordemos que os Gitksan, embora vivendo a 200 qui-
pleno mar, em dois grupos de ilhotas actualmente chamadas lómetros da costa, também conhecem o monstro Hakulaq
Big Ganders e Little Ganders, respectivamente. O nome indí- ou Hagwelawrh; fazem-no, porém, lacustre em vez de mari-
gena das Little Ganders é Negun'aks. Um enorme monstro, nho (vide p. 173). Segundo eles, o monstro parece-se com um
sob a forma de turbilhão marinho, tinha aí a sua morada (2); urso pardo, mas primeiro é visto sob o aspecto de um tronco
atraía os caçadores ao estreito e afundava-os com os barcos. de árvore, que forma escolho à superfície das águas e está
Ora, os Tsimshian contam, num mito.. que uns caçadores sobre o corpo do monstro propriamente dito. Uns índios
visitaram o reino de um espírito marinho chamado Naguna'ks deram por esse tronco e quiseram puxá-lo para a margem.
ou Nuguna'ks - provavelmente idêntico ao nome do grupo Começou por lhes escapar das mãos, mas puderam ver que
de ilhotas que, segundo Barbeau, servem de esconderijo a estava coberto de criaturas variadas: crianças, cabeças sem
um monstro. Isso é tanto mais verosímil quanto os visitantes corpo, o pássaro-trovão em cima de uns seres pequenos ...
do espírito Naguna'ks pereceram, no fim de contas, num Içado aos poucos, o tronco mostrou depois o Weneel-dos-
-olhos-grandes, com um bico muito comprido, e a seguir o
Ou que aflora a superfície quando é um baixio.
<1)
Weneel-da-cara-grande, cujo corpo ficou imerso. Viram por
(2)«Nuguna'ks (uma baleia; esta palavra significa «que foi con-
fundida com a água»).»
fim o Pardo-da-água, que sustentava o tronco, e que o chefe

180 181
do grupo deu como emblema aos seus companheiros, mem- a um tal Mas-ranaa'o, que não sabemos se é um personagem
bros do clã Gispwudwada. histórico ou lendário. Quando ainda se chamava Kip-ranaa'o
Os info~madores sublinham a semelhançà da criatura apaixonou-se pela irmã uterina e esta cedeu-lhe. .Foram
chamada Weneel com o pássaro-trovão. Os monumentos ambos banidos ·e, durante algum tempo, viveram longe de
figurados representam-no com cabeça de pássaro, nariz com- toda a gente. Mais tarde, separaram-se. Ela voltou para a
prido e corpo ornado de penas. Segundo uma versão do mito aldeia e fez depois um bom casamento noutro local. Quanto
de origem, um índio cheio de fome viu sair de um lago o a ele, foi adaptado pelos chefes de outro clã, que deram uma
Weneel dito Olhos-grandes, que tinha uma grande face festa «para lhe lavar a vergonha», e tomou novo nome.
humana. Auxiliado pela família, cortou o monstro em duas. Celebrizou-se por várias ·acções bastante cruéis, mas tidas
partes e conseguiu retirar da água a de cima. Depois deu · por gloriosas, e tornou-se um grande chefe no clã de adop-
uma festa e adaptou Olhos-grandes como emblema. Esse ção. Foi quando passava fome «com a família» (deveremos
emblema tinha a forma de uma 7 enorme face humana so~re entender: a irmã e, talvez, os filhos de ambos?) para as
um corpo sem membros inferiores, um simples tronco: Outra ba.ndas do rio Nass, longe da aldeia natal, que ele se apo-
versão põe os vencedores do Weneel na situação de pns10- derou do Weneel e o introduziu nas suas insígnias.
neiros de um desmoronamento de rochas de onde só conse-
Um memorialista gitksan contemporâneo também conta
guiram libertar-se com muita dificuldade.
este incesto, entre um tal Massanal (em quem reconhecemos
Convenhamos que este _yveneel tsimshian se parece sin-
Mas-ranaa'o) e a irmã Demdelachu. Conformes, na genera-
gularmente com o rei do outro mundo descrito pelo mito
lidade, aos que nos são narrados por Barbeau, os aconte-
·,haida. Ambos são senhores de grandes agitações telúricas,
sismos ou desmoronamentos e prendem os adversários sob cimentos seguintes modificaram a ordem _de precedências no
as rochas ou numa gruta. Têm olhos grandes, um rosto ·que clã adoptivo do herói: a este foi dado o primeiro lugar, des-
se impõe pelo tamanho ou pelo aspecto e partem-se em duas cendo todos os outros dignitários um grau. Como ainda hoje
metades pela cintura. As penas saem das entranhas de uma este protocolo parece ser tido por anormal, pode ser que o
e cobrem o corpo do outro. O rei do outro mundo transfor- incidente que lhe deu origem tenha tido fundamento histó-
ma-se em criança dentro de um berço flutuante, e acaba por rico. <Mas o autor narra ainda outro incesto, que remonta a
tomar a forma de um recife. O Weneel, precedido de crian- tempos claramente míticos: passa-se também entre irmão
ças flutuantes, é sustentado por um tronco que forma e irmã, ambos transformados em pássaros-tro;vões - o que,
escolho à superfície da água. Os textos permitem-nos, enfim, pelo menos na parte que respeita ao irmão, remete para o
tratá-los a ambos como um avatar ou um aspecto do mons- conjunto de mitos já analisados.'
tro marinho chamado Hakulaq ou Hagwelawhr entre os
Tsimshian e Qing entre os Haida. *
Em contrapartida, se o rei do outro mundo dos Haida * *
rouba uma irmã aos irmãos, que só a recuperarão depois
de previamente casados, o Weneel dos Gitksan tem em Ora, é justamente este conjunto que agora temos de
comum com o Hakulaq dos Tsimshian o facto de que ambos considerar. Todos os elementos do complexo da máscara
estão associados a uma história de incesto. Já aludimos a este swaihwé se encontram nele. Em primeiro lugar, _a armação
aspecto (vide p. 172), mas agora é preciso dar-lhe mais aten- sociológica, pois tanto num caso como no outro o motivo
ção. As tradições gitksan atribuem a conquista do Weneel do incesto-aflorado, consumado ou evitado-está presente,

182 183
· opondo-se a outr9s ~ipos de casamento que ora se realizam Ora, já mostrámos (p. 44) qu~ há y.ma ,.ligação muito
a boa distância (vide pp. 171-172) ora são excessivamente
1
estreita entre 'a máscara xwéxwé (nome _J\:wakiutl _da swai-
\afastados: por exemplo, a união entre" uma mulher e um hwé) e os peixes desta espécie, a ponto de se poder pergrin- .
cão '(1 ) . óu, em registo diferente, o casamento forçado de tar se o aspecto tão estranho das máscaras swaiihwé.-não
uma princesa no outro mundo. É, pois, significativo que, ao derivará do deles. Mas há mais: o principal mito kwaldutl
raciocinar sobre os mitos de origem da máscara swaihwé, sobre a origem das más·c aras swaihwé acusa os Escorpení-
tenhamos sido levados (cf. p. 22) a introduzir uma oposição deos de avareza, e o pai disfarçado de Escorpenídeo é, tam-
ci:;ítica entre o cão e a esposa do protagonista, ao passo que, bém ele, um avarento e um egoísta. Se ele mata os filhos -
aqui, surge entre' os mesmos actores uma oposição não diz uma versão - é por ter medo que eles lh_e comam os
menos crítica mas, agora, de conexão. , melhores pedaços das solhas que pescou. Segundo outra
' Neste conjunto mitológico, a regra de afastamento versão, a mulher não se atreve a comer antes de ele acabar
importa a irmãos e irmãs e a obrigação de casar a distância a refeição e vigia os filhos para que façam como ela. Um
razoável, que dela decorre, aparecem durante ou no final deles, que o há~de matar, desafia o egoísta apoderando-se do
de uma campanha de extermínio de monstros, dos quais o seu jantar.
.J
mais importante' é aquele (ou aquela, visto que o sexo dos Portanto, não é desprovido de sentido nem de alcance
monl?tros mud~1 de versão para versão) que tem um filho que uma versão kwakiutl do mito do amànte-cão termi~e .
, flut'ua·n:te.' J?e forma implícita ou explícita (vide p. 173), os com uma refeição de' Escorpenídeo vermelho( Ve~são ate- .
mitos éoncebern este monstro como uma Senhora Riqueza às nuada, é certo, pois a filha do chefe de cer~~ aldeia, Ú~jus~
1 •
tamente abandonada pelos seus por razões qtié ·nada tinham
av.essas: fazem dele um avarento, portanto, e recorrem a
1

a ver com um crime de bestialidade, sobrevive'-graÇás ao


meios ,diversos para pôr em evidência esse carácter. Assim,
auxílio que os seus dois cães lhe prestam, como se fossem
o monstro Naguna'ks subordina a concessão dos benefícios
seus filhos. Um dia, a mulher conseguiu apanhar na rede o
a exigências insuportáveis. Por sua .vez, o rei do outro filho do espírito marinho Komügwa, senhor das riquezas, e
mundo exerce uma .pressão odiosa para que lhe restituam o jovem casou com ·ela. Quarido o chefe da aldeia soube que
o presente de casamento dado pelo filho aos sogros. Como a filha vivia na abundância, foi visitá-la com dois companhei-
já vimos, outros mitos trazem pdmeiro que tudo à cena um ros. O genro recebeu-os cortesmente · mas só lhes deu a
monstro, que será destruído como os outros: figura de apa. comer a parte mais delgada de um peixe seco. Era um Escor-
rência humana, mas de origem sobrenatural, que faz morrer penídeo vermelho, conhecido por ter - mesmo fresco - uma
os filhos uns atrás dos ou.t ros ao apertá-los contra a túnica carne magra e rija: coisa que qualquer seu consumidor pode
eri~ada de espinhos (p. 174). Essa túnica era feita de uma testemunhar. Por isso, o chefe quis guardar só para si a
pele de Escorpenídeo vermelho, peixe tido por monstruoso - . 1 pequena tijela de óleo de baleia que a filha pusera diante
até o pai desse personagem o matar e lhe tirar a pele, mais dos convivas. Mas a tijela mágka era inesgotável e o chefe
tarde usada pelo filho. engoliu tal quantidade de óleo que este já lhe corria do recto
e aJagava o chão: e ao mesmo tempo largava gases. A filha,
(1) Uma breve variante tlingit faz nascer o herói . da união de envergonhada, mandou expulsá-lo.
uma mulher com o sol. Tema que é invertido pelos Kwakiutl: a·
Um mito tsimshian, conhecido também dos povos vizi-
filha do sol deitou o filho ao mar, perto dos Seymour Narrows,
onde se transformou em perigo rápido - o que nos leva ao ponto de nhos, cita outra personagem, por vezP.s chamada Escorpe-
onde partimos. nídeo-vermelho. Este era escravo das Orcas, cetáceos que,

184 185
tendo raptado a esposa de um índio, se preparavam para a De entre estes mitos, aqueles em que a irmã indiscreta
transformar fisicamente em sua congénere. O marido foi e os irmãos se transformam em rochedos ou em montanhas
procurá-lá, ganhou a cumplicidade do escravo e fugiu com (vide pp. 175-176) apenas dão uma expressão mais radical ao
a mulher, enquanto o Escorpenídeo-vermelho obstruía as resultado obtido noutras narrativas com a separação dos ger-
passagens, fazendo inchar o abdómen para dificultar a perse- manos sem alteração da sua natureza ou com o seu casa-
guição. Sabe-se que um órgão interno destes peixes sai da mento. no exte~ior (vide pp. 171, 172, 175): irmãos e irmãs
boca e se dilata quando são retirados da água (vide p. 46). ficam próximos, mas presos ao chão, ou então afastam-se -
Perante o herói, embora não perante as Orcas, o compor- em qualquer dos casos, não poderão juntar-se. Em resumo:
t amento do escravo nada tem de avaro nem de frustrante, conforme as versões, os germanos culpados de incesto real ou
antes permite reunir esposos que a sorte afastara: problema · , ·m etafórico só podem optar por um de três tipos de destino,
inverso daquele posto pelo incesto de que será culpado o dois dos quais são diametralmente opostos, enquanto o outro
filho (real ou pretenso) do homem vestido de Escorpenídeo. ocupa uma f posição intermédia. ,Numa extremidade do eixo
Esta última personagem mata os filhos; conduz-se, por- estão o trovão e o 'sismo-por outras palavras, dois tipos de
tanto, como se não quisesse ter descendência. Ora, os mitos turbulência (1); na outra, os rochedos e as montanhas, que
de origem da máscara swaihwé provenientes da ilha de Van- são modalidades da inércia. Igualmente distante destes dois
couver falam de uma mulher a quem todos os filhos morrem destinos cósmicos, o destino sociológico do casamento exó-
muito pequenos e que, pela sua inaptidão para procriar crian- gamo oferece a única escapatória ,para irmãós e irmãs que
ças capazes de vingarem, impede o marido - que é a pri- · tenham a oportunidade de continuar huma_nos, mas com a
meira máscara- de fundar uma linhagem. As versões conti- condição de ir, cada um deles, casar fora do grupo.
.nentais invertem este motivo, já que o herói, tendo Também os monstros que os irmãos exterminam podem
recuperado a saúde, desposa a filha do chefe das másca- tomar duas aparências cósmicas: . a aparência a·ctiva da tur-
ras - a quem assegura, assim, a descendência (vide p. 29). bulência marinha e a aparência passiva de um recifé emerso
Neste aspecto, no mito dos Haida já discutido (pp. 177-179), ou de um escolho à flor das águas. Entre estes tipos extre-
o rei do outro mundo comporta-se de maneira pouco diferente mos, existe uma 1forma intermédia, ilu~trada na ordem soci9-
da da personagem que veste a pele do Escorpenídeo: se não
. lógica pelo espírito Naguna'ks, que pretende, ao mesmo
destrói, propriamente dizendo, a descendência, desfaz o casa- tempo, dar e conservar (vide p. 181), pelo espírito Lakitciné,
mento do filho, que poderia dar-lhe netos, e arranja as coisas que suprime metodicamente a descendência (vide p. 174) e
o
de maneira a ser ele próprio seu único descendente, irre- pelo rei do outro mundo dos Haida, que obtém o mesmo
vogavelmente petrificado na forma inerte de um recife. Que resultado por um processo mais indirecto (vide pp. 177-179).
o rei do outro mundo e a personagem vestida de Escorpe- Os mitos, portanto, põem em correspondência dois códigos: o
nídeo estejam no limite de se confundirem torna-se ainda Incesto e a recusa ou desgosto de procriar, comportamentos
mais visível numa curta versão tlingit em que a túnica de sociais abusivos, têm o seu equivalente na ordem natural,
Escorpenídeo vermelho pertence a um feiticeiro odiento e em que também são observáveis modalidades extremas da
maléfico que, como o povo do outro mundo do mito haida, turbulência e da imobilidade.
obriga os índios a entregar-lhe uma jovem. Os irmãos da
rapariga, que a libertam, têm os mesmos nomes que os filhos (1) Os Yurok consideram o Tro'l.'ão e o Sismo como «dois bons
do homem vestido de Escorpenídeo dos outros mitos - dos companheiros que fazem ambos a mesma coisa: um, no céu; e o outro,
quais um há-de vir a cometer o incesto com a irmã. na terra».

186 187
Essa turbulência é representada pelos mitos sob três mundo e os seus súbditos têm uma paixão pelas conchas; os
aspectos, que encontrámos sucessivamente: primeiro o tur- dançarinos swaihwé e xwéxwé usam, como atributo distin-
bilhão das águas, depois o trovão e, finalmente, o sismo, isto tivo, um sistro de conchas enfiadas num aro de madeira.
é: estremecimentos que abalam, respectivamente, o mar, o O Weneel tsimshian, criatura aquática, tem, todavia, o corpo
céu e a . terra. 'Têm, portanto, como denominador comum a ~rnamentado de penas; e o rei do outro mundo dos Haida -
instabilidade de tal ou tal elemento natural. Ora, as máscaras que também, em certo. sentido, é uma criatura aquática,
. swaihwé também comandam essa instabilidade. Entre os V)isto que mora nos confins do oceano e só de barco se
Kwakiutl e entre os Salish, são os senhores dos sismos; chega até lá - produz penas, que saem das duas metades
quando elas aparecem, podem ouvir-se rugidos surdos no do seu corpo. A máscara swaihwé apresenta o mesmo carác-
fundo das águas, e a terra treme (vide pp. 21, 27, 39-40, 42- ter ambíguo de criatura que, embora aquática - pois é pes-
-43, 110-111). Além disso, tal como os monstros dos mitos ' cada - , tem a cabeça e o corpo enfeitados com penas.
aqui examinados - entre os quais figura em lugar destacado . Nos mitos salish do continente, o herói só consegue
uma personagem vestida com a pele do Escorpenídeo - , as obter a máscara swaihwé com o auxílio, e mesmo a inter-
máscaras xwéxwé dos Kwakiutl, estreitamente relacionadas venção, da irmã. O herói incestuoso de um dos mitos tsim-
-com os Escorpenídeos, são avaras. Sem chegar a matar crian- shian, exilado, retira o W eneel da água «com a ajuda da
ças, como o homem vestido de Escorpenídeo, mostram-se família», que nessa altura se reduzia à irmã e, talvez, aos
quase tão egoi'Stas como ele ao procurarem impedir que elas_ filhos de, ambos - mas nada nos indica que os tivessem.
alcancem, não já o alimento, mas pelo menos os presentes A versão mais desenvolvida do mito haida acerca da perso-
que lhes são destinados. nagem vestida de Escorpenídeo afirma que, para capturar os
De resto, a forma como os mitos descrevem os monstros monstros, os heróis usaram a irmã como isco (vide p. 176) e
e as circunstâncias da sua captura recorda nos mínimos por- que, logo depois, ela os ajudou a tirar da água a presa. Final-
menores ·aquilo que outros mitos dizem das máscaras mente: segundo os mitos tlingit sobre o mesmo tema, o avô
swaihwé. O WeneeI tsimshian e o rei do outro mundo dos' -destes e~terminadores - que antecipa a obra destes, já que
Jfaida têm olhos enormes - pormenor que até dá um dos os monstros que ataca são parcialmentE;J idênticos - con-
riomes ao Weneel (vide p. 181). Diz-se da criança sob cuja serva a língua das vítimas: prática constante dos vencedores
forma renasce o rei do outro mundo que das suas pálpebras de monstros, que se apoderam da língua e às vezes também .
saía «algo de achatado». Este mesmo rei tem um tal brilho da mandíbula das suas vítimas - dua~ partes notáveis da
no olhar que se não pode encará-lo, tal como não se .Pode máscara swaihwé.
encarar a personagem vestida de Escorpenídeo. O Weneel Todas estas considerações nos reconduzem ao mito tsim-
tem, como outro traçÕ digno de nota, uma cabeça de grandes shian de que partimos, pois sugerem uma resposta para o
dimensões (vide p. 182); ora, a máscara swaihwé é também problema levantado pela dupla inversão que nele se observa:
muito grande, muito maior que a cabeça dos seus portadores: a das manchas negras no rosto - que, naquilo que designá-
· O rei do outro mundo dos Haida e o Weneel dos Tsim- mos por «vulgata americana», .denunciam o irmão inces-
shian partem-se em dois pela cintura. Não se consegue tirar tuoso -em marca branca na parte de trás da cabeça. Num
da água senão a metade superior do Weneel, do mesmo caso, o culpado transforma-se na lua de face manchada; no
modo, ou quase, que os espíritos aquáticos, protótipos da outro, em pato bico-de-serra. Esta inversão do . negro em
swaihwé, abandonam a grande máscara, presa no anzol como branco e da parte anterior da cabeça em parte posterior não
um peixe, e regressam às profundezas. O rei haida do outro resultará de uma tentativa de transformar o irmão inces-
188 189
tuoso do mito tsimshian numa espécie de equivalente da pson e a máscara sfünnux dos Lilloet - de que nenhum
máscara swaihwé? Com efeito, o branco é a cor distintiva exemplar chegou até nós - fossem a mesma coisa que a
das penas que ornamentam a máscara e o respectivo traje; swaihwé. Já noutra passagem (vide p .... ) tentámos estabe-
e há um tipo de swaihwé que tem o nome de Pato bico-de- lecer esse facto quanto aos Thompson. Quanto à máscara
-serra (vide p. 14). sãinnux, que representava um monstro semi-humano, semi-
Assim, portanto, a oposição entre branco e preto que, -peixe, tinha o branco ' como cor predominante, tal como a
na primeira! parte deste livro, nos parecera caracterizar prin- swaihwé. E a esta vêm juntar-se outras semelhanças. O mito
cipalmente a relação da máscara swaihwé ou xwéxwé com lilloet sobre a origem da máscara sãinnux apresenta um
a máscara do papão-fêmea Dzonokwa, seria igualmente per- parentesco seguro com os mitos dos Salish sobre a origem
_tinente segundo outro eixo de comparação. Nos dois pólos -da swaihwé. Há postes esculpidos provenientes da região
desse novo eixo ficariam, respectivamente, a lua manchada lilloet que representam indiscutivelmente esta última más-
de negro, resultante do incesto, e a máscara swaihwé, man- cara (vide p. 33). Por fim: tal como as máscaras swaihwé,
chada de branco, que proporciona os meios de o evitar. Efec- as máscaras sfünnux não podiam ser envergadas pelos seus
tivamente, é esse o seu papel na mitologia· dos Salish (vide proprietários por causa do perigo que ofereciam. Razão pela
p. 25); e é esse também o papel que o seu suposto equiva- qual, entre os Lilloet, se costumava alugar os serviços de
lente conserva no mito tsimshian, no qual, uma vez afas- um velho que já não tivesse muito a esperar da vida - ao
tado o incestuoso, os irmãos e a irmã vão encontrar noutra passo que os Salish da costa, fazendo talvez um raciocínio
aldeia os cônjuges adequados. Por conseguinte, em todos os inverso deste, confiavam as mesmas funções a um homem
mitos que analisámos e discutimos, a destruição de monstros jovem, escolhido pela sua robustez (vide, pp. 24, 28, 40).
com os aspectos característicos da máscara swaihwé permite A arqueologia convida-nos a alargar a fronteira ainda mais,
que se abra uma era em que depois de um incesto castigado até à região shuswap, onde foram já encontrados chocalhos
com maior ou menor dureza, os irmãos e as irmãs respeitam ou sistros feitos de conchas de vieiras que datam da fase
as distâncias que os devem separar. Tal como especifica de Kamloops, ou seja, de entre os séculos VII e VIII da nossa
outro mito tsimshian (vide pp. 172-173), a riqueza é garantida era. Recordemos que instrumentos do mesmo tipo são âtri-
sob essa condição; riqueza essa que, por seu lado, a máscara butos exclusivos das máscaras swaihwé e xwéxwé. Ora, os
swaihwé, protecção contra o incesto, assegura àqueles que , Shuswap criam na existência de um povo da água, cujos
a possuem por direito hereditário ou que vêm a obter a sua indivíduos, cobertos de pêlos na parte superior do corpo,
ajuda. como o monstro marinho Hakulaq dos Tsimshian, tinham a
parte posterior em forma de cauda de peixe; esse povo tinha
* o dom de entender a linguagem dos pássaros. A maior parte
* * das máscaras swaihwé tem ornamentos em forma de pássaro;
e os mitos salish atribuem-lhes uma origem ora celeste ora
Pensamos ter mostrado que o complexo em que nasceu aquática.
a swaihwé, longe de se restringir a alguns grupos Salish e Se o complexo da swaihwé teve esta enorme extensão
aos Kwakiutl meridionais, existe sob uma forma mal disfar- ao longo da costa e no interior, não devemos admirar-nos
çada nas outras populações costeiras da Colúmbia britânica por ser frequente, -nos mitos com ela relacionados, o motivo
e do Alasca. Essa área, já de si muito vasta, estender-se-ia do arco perigoso, cuja recorrência - raciocinando noutras
também para o interior se a máscara tsatsa'kwé dos Thom. bases - já tínhamos assinalado nos dois extremos da região
190 191
e até para além dela: desde os Tlingit, a norte, passando pelos A norte dos Salish, os Kwakiutl meridionais imputam,
Squamish, pelos Thompson e pelos Shuswap, até aos Sko- pelo contrário, à máscara xwéxwé, homóloga dai swaihwé,
komish de Puget Sound (vide pp. 97-101). Os mitos aqui e'X'ami- uma avareza em que se pode reconhecer, sob a forma ate-
nados fazem do arco perigoso um dos meios utilizados pelos nuada de tara moral, a maleficência intrínseca dos mons-
monstros para vencer os seus adversários: o arco brilhante - tros pré-históricos. E, ao lado da máscara swaihwé, têm
portanto, provavelmente, de cobre ou de outro metal - que outra, cujas características plásticas, exactamente opostas
pertence ao urso sobre o qual o herói, mais tarde incestuoso, às dela, atestam a sua complementaridade: é a máscara do
triunfa num mito tlingit; um objecto indefinido mas que rola, papão-fêmea Dzonokwa, sobrevivente do tempo dos mons-
segundo outro mito; um arco de lianas cortantes noutro ainda. tros, senhora de riquezas imensas que cede aos humanos ou
É verdade que ligámos o arco perigoso ao complexo da das quais estes se apoderam e, não esqueçamos, padroeira das
swaihwé por intermédio do cobre, ausente destes últimos raparigas submetidas aos ritos da puberdade (vide p. 65, 77).
mitos como dos dos 1-Iaida e dos Thimshian a que recorre- , Finalmente: entre os Tsimshian, os Haida e os Tlingit,
mos. Isso não é, porém, completamente exacto, pois a esta relação de complementaridade dá lugar a uma verda-
«mulher contrária» do mi:to haida, única pessoa capaz de deira antinomia: por um lado, os monstros na ordem cósmica
enfrentar o rei do- outro mundo, veste um manto de cobre. e, na ordem social, os germanos incestuosos; por outr:o, a
Mas ela é, justamente, contrária e, em todas estas versões Senhora Riqueza (algumas funções da qual são assumidas
em que a swaihwé se limita como que a transparecer, nós pela Dzonokw:a dos Kwakiutl sem por isso perder a sua
estamos, por assim dizer, do outro lado do cobre: os huma- natureza monstruosa), investida de dupla função: impedir
nos só poderão esperar obtê-lo da Senhnra Riqueza ou desse 'as uniões incestuosas ou ajudar à restituição de uma rapa-
outro senhor das riquezas, o espírito marinho Komogwa - . riga aos pais e enriquecer aqueles que aceitam obedecer-lhe.
sob cujo nome os Bella Bella conhecem o espírito invejoso Mas não nos iludamos: neste estado do sistema, são os mons-
dos Tsimshian e o rei do outro mundo dos Haida- , depois tros que ocupam o primeiro plano; a Senhora Riqueza fica
de terem posto todas as coisas em ordem: no universo, pela nos bastidores à espera da sua vez de entrar em cena (p. 173)
destruição ou pacificação dos monstros; e, na sociedade,
ou então desempenha um papel muito apagado (p. 177).
definindo e aplicando as medidas de vigilância que hão-de
É necessário que os monstros exterminados ou neutralizados
prevenir, ao mesmo tempo, o arrebatamento para muito longe
desapareçam, que o incesto seja castigado ou afastada a
de filhas e irmãs e a união de sexos num grau excessivamente
aproximado. sua ameaça, para a desordem desaparecer do universo, ou
O campo semântico assim percorrido envolve, consoante antes, para que, se ela subsistir, seja doravante sob a forma
as regiões, diversas modalidades que podemos caracterizar enfraquecida e intermitente dos turbilhões de águas, das
como se segue. A sul, entre os Salish da ilha e da costa, e tempestades e dos sismos; e também para que, na sociedade,
talvez também outrora no interior, a máscara e a persona~ se instaurem trocas matrimoniais bem reguladas, mas - a
gem da swaihwé desempenham um papel positivo em três · "história lendária destes povos atesta-o - sem as proteger
sentidos: curam as convulsões, isto é, os tremores que, completamente de abalos, que são igualmente imprevisíveis
embora só afectem o corpo humano, correspondem aos tur- e intervalados.
bilhões de águas, aos sismos e às tempestades na ordem A concordância do código cósmico com o código socio-
natural; como operadores do casamento a boa distância, que lógico mantém-se, portanto, mesmo nos pormenores. Porém,
afasta o perigo de incesto; e como dispensadores de riquezas. concordância não significa necessariamente paralelismo.

192 13
193
Tunlo entre os Haida e os Tlingit como entre os Salish, sobre a origem da máscara xwéxwé enuncia aquela carac-
as duas correntes de significações que distinguimos conver- terística em termos muito explícitos, para mais corrobora-
gem num outro ponto da narrativa. Essa junção dá-se quando dos pelos comportamentos rituais (cf. pp. 40, 44-45), vê-se
a jovem recebe dos irmãos a cabeça cortada a um monstro também agora qual é a significação profunda dessa avareza
a fim de festejar a sua nubilidade; e, de modo ainda mais atribuída às máscaras: eco ainda muito próximo, e reper-
explícito nos mitos salish da costa continental, quando o cutindo-se nos planos social e moral, da nocividade dos
irmão lhe entrega a máscara swaihwé que é, ou reproduz, monstros pré-históricos - de que a xwéxwé é o último
a cabeça de uma criatura sobrenatural. Essa oferta tem avatar e cuja natureza a swaihwé inverte; parentesco tam-
como efeito o afastamento dos germanos, pois fornece à bém comprovado pelo facto de, entre os Kwakiutl, na falta
rapariga um dote graças ao qual poderá casar (vide de um dançarino canibal - encarnação contemporânea dos
p. 24, 34, 104). Esse dote, todavia, não é apenas um bem , monstros desaparecidos - , ele ser substituído por uma
material. Como se a lei fundamental do casamento exógamo máscara xwéxwé.
impusesse à mulher, eternamente suspeita, que fizesse a Todavia, ao fazer-se a distinção entre três estados do
demonstração da sua inocuidade, o troféu que ela apresenta sistema, ter-se-á de evitar ver neles os estádios supostos
ao marido atesta que, antes de oferecerem a filha ou irmã de um desenvolvimento histórico. Igualmente, não seria legí-
em casamento, os seus parentes tiveram o cuidado de sanear timo supor que houve evolução de um tipo para outro, já
o universo, suprimindo ou dominando os monstros que que, e como sublinhámos no início deste capítulo (vide p. 169),
constituíam um obstáculo ao advento de uma sociedade os povos tomados para exemplo nunca deixaram de estar
civilizada. em contacto, provavelmente durante milénios, uma vez que
Enquanto esse passo decisivo - triunfo da cultura sobre os progressos realizados na arqueologia mostram que eles
a natureza - não for dado, os monstros senhores do uni- ocupam os seus territórios desde uma época muito remota.
verso conservarão o seu carácter original de bestas selva- Por conseguinte, qualquer que seja o sentido em que hajam
gens que se alimentam de carne humana ou sequestram uma evoluído as representações míticas num ou .n outro local,
vítima depois de, com o seu poder mágico, a terem des- cada uma delas ter-se-á necessariamente repercutido no exte-
tituído de forças para se mexer e para usar as suas faculda- rior, provocando transformações análogas ou - por um efeito
des (vide p. 177). São essas criaturas temidas que os Kwakiutl de reacção que tantas vezes se observa entre vizinhos muito
reduzem, moralmente falando, às dimensões de pequen~s chegados - opostas. Representações diferentes à partida e
divindades mesquinhas e os Salish, dando mais um passo, que, mesmo que o não fossem, deviam tender a diversi-
domesticam sob a forma da swaihwé; indo mesmo, nas ver- ficar-se, depressa se viram mutuamente influenciadas. De
sões insulares, a ponto de fazer delas os primeiros ante- modo que os estados do sistema, tais como se apresentam
passados, mas sem retirar às máscaras que as representam na época em que foi recolhida a maior parte dos mitos -
o seu aspecto demoníaco tão impressionante e, à primeira fim do século XIX e princípio do século XX - , aparecem
vista, tão enigmático (vide pp. 14-15). como o prcrduto de um corte efectuado num processo de
Julgamos ter, assim, dado . resposta às críticas que, evolução histórica muito c.omplexo ao qual seria imprudente
aquando da primeira publicação de A Via das máscaras, atribuir uma direcção privilegiada.
objectaram que a natureza por nós atribuída às máscaras Um único ponto parece seguro: toda a mitologia, bem
xwéxwé assentava em bases frágeis. Para além de que tais como tradições lendárias que reµ10ntam a um passado rela-
bases de modo nenhum são frágeis, pois o mito kwakiutl tivamente recente, atestam que, sob o nome e o aspecto da

194 195
máscara xwéxwé, os Kwakiutl meridionais receberam a que pretendem ter direito à máscara situa a origem desta
swaihwé dos seus vizinhos Salish. Resulta, porém, de toda o mais perto possível do seu habitat tradicional, de modo
a nossa investigação que os Salish não inventaram a swaihwé que estas curtas cronologias diferem quanto ao local em
a partir do nada. De uma ponta a outra de uma vasta área que teria sido obtida a primeira máscara. Como não é vero-
cultural arrastam-se as peças esparsas de um sistema ao símil que a máscara tenha sido inventada simultaneamente
qual, articulando-as, os Salish apenas acrescentaram uma coe~ em vários sítios, os dados temporais dessas tradições indí-
rência de sua lavra: monstros ou espíritos ligados à água, genas exigem, como dissemos, um exame crítico semelhante
com uma grande cara, olhos tão grandes (e talvez já salien- ao que se deve aplicar aos dados espaciais.
tes) que o seu olhar se torna insustentável e uma língua Melhor é, pois, reconhecer que a origem primeira da
que constitui um traço notável da sua fisionomia, pois é , , swaihwé, e mesmo a sua evolução num passado recente, é
ela que o vencedor conservará como troféu ... Esses mons- ainda obscura. A analogia de forma e de funções que, em
tros exercem sobre os elementos um poder que se traduz A Via das máscaras, apontámos entre esta máscara salish
em turbilhões de água, tempestades ou sismos: perturba- e os cobres dos Tsimshian, dos Haida e dos Tlingit vem
ções a que os mitos opõem fenómenos meteorológicos, por complicar ainda mais o problema. Em qualquer caso, não
assim dizer pacíficos, como o halo lunar ou solar e o arco- nos incita a ver nesses dois tipos de objectos criações. de
-íris (vide p. 174). Em toda a parte, enfim, se vê um parale- ontem nem sequer de anteontem. Colocada na perspectiva
lismo entre aquelas desordens da natureza e as que atingem deste estudo, a opinião recolhida de informadores tlingit por
a vida familiar e social. Watermann (vide p. 120), segundo a qual os cobrns imitariam
Os Salish não se limitaram a reunir todos estes temas a forma de uma criança a descansar na fronte de um espí-
para com eles criar um modelo de obras plásticas. Também rito marinho, poderia ter um alcance maior que a de uma
do ponto de vista moral operaram a síntese, sob a forma simples referência a um monumento figurado. Com efeito,
de espíritos sobrenaturais domesticados e até integrados na ao longo de toda a discussão sobre a origem da swaihwé
ordem social. E é preciso ainda notar que, no ritual da e, por implicação, dos cobres, encontrámos o motivo da
swaihwé, tal como desde há pouco recomeça a ser celebrado, criança flutuante ou sustentada por um espírito das águas.
as máscaras adaptam para com os espectadores um com- Efectivamente, por um lado, o monstro marinho a que
portamento assustador; só as mulheres a cantar em coro
os Tlingit chamam Gonaqadet (cf. p. 89) manifesta-se às
conseguem apaziguá-las e, depois de muitas irrupções amea- vezes sob a forma de um cobre ou então tem pelagem
çadoras, fazê-las retirar. Recordaremos a este respeito o papel acobreada; e, por outro, uma ou mais crianças figuram
determinante da irmã, ou seja, do elemento feminino de um muitas vezes a seu lado: «Via-se na fachada (de uma casa)
grupo ou de um par de germanos, na destruição dos mons- o monstro-chefe e, à sua direita, o monstro-ajudante; à
tros nos mitos haida e tlingit e na captura da máscara esquerda, a esposa. Por baixo estavam pintadas cinco crian-
swaihwé nos mitos salish continentais. ças-monstros. Com efeito, via-se que havia muitos mons-
Quando e onde terá aparecido a máscara entre estes últi- tros junto do Gonaqadet, incluindo monstros muito jovens:
mos? Já noutro local (vide pp. 140~141) formulámos reservas «:estes outros monstros - diz o Gonaqadet - não são verda-
acerca das cronologias indígenas, segundo as quais a swaihwé, deiramente monstros, são vossos concidadãos. Quando os
com origem no médio Fraser, teria chegado à costa no matei, as suas almas passaram a ser os meus filhos». Por
último quartel do século XVIII - e, portanto, ainda mais isso se via muitas crianças a corr.er-lhe pela espinha
tarde aos Kwakiutl. Com efeito, cada um dos grupos salish (cf. p. 173). Pelo lado da frente, estava todo coberto de cabe-
196 197
ças e de criaturas semelhantes a crianças, que lhe cobriam
a cara». Nagun'aks, o monstro marinho dos Tsimshian, tam-
bém tem crianças. A propósito da máscara tsatsa'kwé, pude-
mos seguir o motivo da criança flutuante até aos Thompson.
Desejamos que novos conhecimentos sobre as culturas
índias da Colúmbia britânica e do Alasca venham um dia
a permitir orientar a investigação neste sentido. Reunindo
fragmentos dispersos, apenas teremos procurado reconstituir
o pano de fundo de um cenário com uns dois mil quiló- REFER~NCIAS BIBLIOGRAFICAS
metros e talvez trezentos ou quatrocentos de .profundidade,
sobre cuja extensão total os actores de uma peça cujo texto C. Lévi-Strauss, «The Art of the Northwest Coast at the
não possuimos deixaram a marca dos seus passos. American Museum o.f Natural History», Gazette des
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of the· American Ethonological Society III), 1912, p. 147-
-192. Tshimshian Mythology; l.c., p. 840, 843-845, Harris, T. T.. Waterman, «Some Conundrums, etc.», !.e., Swanton,
Visitors who never Left, l.c., p. 100-104 . . 185-186 Tlingit Myths and Texts, l.c., p . 405 . 197

Swanton, Tlingit Myths and Texts, l.c., p. 297-298. Boas, India- R. L. Olson, Social Structure and Sooial L ife of the Tlingit in
nische Sagen, l.c., p. 21, 47, 60 . 186 Alaska (Anthropologicai Records 26), Berkeley-Los Ange-
les, University of California Press, 1967, p. 105, llO, 121.
J. A. Teit, The Lilloet I ndians, Leiden Nova Iorque, Brille- Boas, Tsimshian Mythology, l.c ., p. 288 . 197-198
Stechert (Memoirs of the American Museum of Natural
History IV), 1906, p. 253-290. «Traditions of the Lilloet
Indians», Journal of American Folklore, XXV, 1912, p. 344-
-346. The Lilloet Indians, l.c., p. 258, 290 . 191

212 213
LISTA DAS ILUSTBAÇõES

A cores

l. Máscaras swaiwhé (Salish). Nova Iorque, Museum of the Ameri-


·can Indian, Heye Foundation (fotografia do Museu).
2. Máscara de Dzonokwa (Kwakiutl). Vancouver, Museum of Anthro-
pology, University of British Columbia (fotografia de Johsel Nam-
kung)*.
3. Máscaras xwéxwé (Kwakiutl). Vancouver, Museum of Anthropo-
logy, University of British Columbia (fotografia do Museu) *.
4. Máscara de Dzonokwa do tipo geekumhl (Kwakiutl). Public
Museum o.f the City of Milwaukee (fotografia do Museu).

A preto e branco

1. Poste de casa (Tlingit). Wrangell, Alasca (fotografia de Adélaide


de Menil).
2. Máscara swaihwé (Cowichan) segundo E. Curtis, The North Ame-
rican Indian, vol. 9, pág. 114 (fotografia de Eileen Tweedy,
Londres).
3. Sistro da máscara siWaihwé, feito de conchas enfiadas. num aro
de madeira (Salish). Nova Iorque, Museum of the American
Indian, Heye Foundation (fotografia do Museu).
4. Escultura representando a swaihwé (madeira), segundo E. von
Sydow, Ahnenkult und Ahnenbild der Naturvolker, Berlim, 19<24,
gravura 18 (fotografia de Matthieu Lévi-Strauss).
5. Tapeçaria cerimonial representando em baixo o Sisiul e, em cima,
um cobre circundado por um arco-íris e ladeado por dois corvos,
algodão pintado (Kwakiutl). Vancouver, Museum of Anthropology,
University, of British Coiumbia (fotografia do Museu) *.
6. Dançarino mascarado, personificando a Dzonokwa (Kwakiutl) .
Segundo E. Curtis, The North American Indian, vol. 10, pág. 186
fotografia de Eileen Tweedy, Londres).

215
7. Conjunto de pratos cerimoniais representando a Dzonokwa, com-
primento 259 cm (Kwakiutl). Nova Iorque, American Museum of
Natural History (fotografia do Museu).
8. «Dzonokwa do marn, pintura sobre papel, cerca de 1950, por
Mungo Martin, artista kwakiutl (1880-1962). Victoria, British Colum-
bia Provincial Museum (fotografia do Museu).
9. Fotografia tirada no princípio do século xx mostrando uma dança
swaihwé. Victoria, British Columbia Provincial Museum (fotogra-
fia do Museu).
10. Máscara swaihwé (Musqueam). Vancouver, Museum o.f Anthro-
pology, University of British Columbia (fotografia do Museu). IN DICE
11. Máscara de Dzonokwa de olhos semi-cerrados (Kwakiutl). Berlim,
Museum für Võlkerkunde, colecção Jakobsen (1881 ~ 1883) (foto-
grafia do Museu) .
12. Máscara xwéxwé (Kwakiutl). Public Museum of the City of Mil-
waukee (fotografia do Museu). PRIMEIRA PARTE
13. Cobre ornamentado com um focinho de urso (Haida). Toronto, A vida das máscaras 7
Royal Ontario Museum (fotografia do Museu).
14. Chefe Kwakiutl segurando um cobre com olhos protuberantes.
Segundo F. Boas, The Social Organization and the Secret Socie- SEGUNDA PARTE
ties of the K wakiutl Indians, grav. 6, pág. 346 (fotografia de
Matthieu Lévi-Strauss). Três excursões
15. Jovem noiva Bella Coola, fotografada em 19Q2, com um gisex-
stala kwakiutl encimado por dois pequenos cobres. Ottawa, Natio- I. Para além da swaihwé 133
nal Museums of Canada (fotografia dos Museus). II. A organização social dos Kwakiutl 143
16. O mergulhão coroado. Em primeiro plano, o macho. Segundo III. Os segredos de uma máscara . 169
J.-J. Audubon, The Original Water Color Paintings. Reproduced
in çolor for the first time from the Collection at the New York
Historical Society, 1966, I, grav. 152: «Hooded Mergansern (foto- Referências bibliográficas 199
grafia da Biblioteca do Museu Nacional de História Natural, Lista das Ilustrações . . 215
Paris).

Mapas

Mapa de distribuição da máscara swaihwé . p. 17


Mapa de distribuição · tribal . . p. 37
Mapa da região kwakiutl, com os «eixos» relativos aos mitos
da Dzonokwa e da Xwéxwé . p. 62

(As fotografias marcadas com um asterisco foram realizadas pelas edi-


ções University of Washington Press, Seattle, para ilustrar a obra de
Audrey Hawthorn, Art of the Kwakiutl Indians and other Northwest
Coast Tribes, 1967.)

216
7.

8.

9.

10.

11.

12.

13.

14.

15.

16.

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Este livro acabou de
(As se imprimir em 1981
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Imprensa Portuguesa
Porto

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