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ALGUMAS REERÊNCIAS TEÓRICAS DE LÊNIN E A QUESTÃO AGRÁRIA


NO BRASIL.

SOME THEORETICAL REFERENCES LENIN AND THE AGRARIAN


QUESTION IN BRASIL

Marcos Cassin1

Resumo

Neste texto propomos apresentar alguns escritos de Vladimir Ilitch Lênin de antes e
durante os primeiros dias da Revolução Socialista Russa de 1917, selecionados a partir
da temática agrária. Esse corte tem como objetivo compreendermos os estudos e as
análises das formulações teóricas e políticas desse autor, frente ao desenvolvimento
capitalista de economia mercantil e seus impactos na organização do trabalho e na vida
dos camponeses, como também as primeiras propostas apresentadas para o campo e
camponeses no início da construção da Rússia Soviética. Nosso objetivo de buscar em
Lênin alguns referenciais teóricos a respeito da questão agrária são de contribuir nas
análises e estudos sobre o tema no Brasil hoje, como também, apontar algumas
reflexões aos debates e às lutas pautadas pelos movimentos sociais e sindicais, partidos
políticos e intelectuais a respeito da Reforma Agrária no Brasil, no que se refere aos
seus avanços e limites.

Palavras Chaves: Lênin, Questão Agrária, Reforma Agrária, Revolução Burguesa

Abstrat:

In this paper we propose some writings of Vladimir Ilyich Lenin before and during the
early days of the Russian Socialist Revolution of 1917, selected from the agrarian issue.
This section aims to understand the studies and analyzes of theoretical and political
formulations of this author, facing the capitalist development of commodity economy
and its impact on the organization of work and life of the peasants, as well as the first
proposals presented to the countryside and peasants at the beginning of construction of
Soviet Russia. We aim to seek Lenin in some theoretical references about the agrarian
question are to contribute to the analysis and studies on the subject in Brazil today, but
also point out some reflections to the debates and struggles guided by social and trade
union movements, political parties and intellectuals about the Agrarian Reform in
Brazil, with
regard to his advances and limits.

Key Words: Lenin, Agrarian Question, Agrarian Reform, Bourgeois Revolution

Introdução

1
Doutor em Educação pela Universidade Estadual de Campinas, Professor de Sociologia da Educação da
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras – Universidade de São Paulo campus Ribeirão Preto.
2

Neste texto propomos apresentar alguns escritos de Vladimir Ilitch Lênin de


antes e durante os primeiros dias da Revolução Socialista Russa de 1917, selecionados a
partir da temática agrária. Esse corte tem como objetivo compreendermos os estudos e
as análises das formulações teóricas e políticas desse autor, frente ao desenvolvimento
capitalista de economia mercantil e seus impactos na organização do trabalho e na vida
dos camponeses, como também as primeiras propostas apresentadas para o campo e
camponeses no início da construção da Rússia Soviética.
Nosso objetivo de buscar em Lênin alguns referenciais teóricos a respeito da
questão agrária são de contribuir nas análises e estudos sobre o tema no Brasil hoje,
como também, apontar algumas reflexões aos debates e às lutas pautadas pelos
movimentos sociais e sindicais, partidos políticos e intelectuais a respeito da Reforma
Agrária no Brasil, no que se refere aos seus avanços e limites. Nesse sentido, temos
claro que as contribuições de Lênin não devem ser transpostas mecanicamente, uma vez
que o autor analisa as condições do desenvolvimento capitalista no campo em países
específicos como Rússia e Estados Unidos num determinado desenvolvimento do
capitalismo em geral. Portanto, temos compreensão das contribuições e dos limites que
esses estudos possam nos ajudar na análise da realidade brasileira, que tem suas
particularidades no seu processo histórico de desenvolvimento das relações capitalistas
no campo, como síntese de suas contradições políticas, econômicas e sociais internas e
externas, mas com certeza as referências teóricas, de Lênin, das leis gerais do
desenvolvimento capitalista e, em particular no campo, pode nos ajudar a compreender
a formação e consolidação da Reforma Agrária burguesa no Brasil.

Lênin e a Questão Agrária

Lênin desde sua juventude esteve envolvido nos embates políticos e intelectuais
sobre a questão agrária da Rússia, tema de grande importância no movimento socialista,
sobretudo, após a Reforma Camponesa que aboliu a servidão em 1861, da criação do
Banco Camponês em 1883, do fim dos castigos corporais em 1903 e a reforma Stolypin
3

de 1906, que permitiu que as propriedades individuais saíssem do Mir2 e pudessem ser
vendidas. Essas, como outras medidas, foram importantes na transformação da terra em
mercadoria como também promoveu a desintegração do campesinato e a constituição de
uma burguesia camponesa e de um proletariado camponês.
Com relação à questão agrária, destacamos inicialmente três textos de Lênin, “A
que herança renunciamos?” escrito em 1897, “O desenvolvimento do capitalismo na
Rússia” obra que se tornou clássica, publicada em março de 1899 e “Capitalismo e
agricultura nos Estados Unidos da América: Novos dados sobre as leis de
desenvolvimento do capitalismo na agricultura”, escrito em 1915 e publicado em 1917.
Esses textos trazem uma grande contribuição para que possamos atender aos
objetivos deste nosso texto, o de buscarmos identificar concepções, categorias e
conceitos que se referem, sobretudo, à questão agrária e, em particular, a Reforma
Agrária e que são formulados e aparecem nos debates travados por Lênin no campo
intelectual e político/ideológico dentro e fora do campo marxista e que podem contribuir
nas análises e estudos das atuais concepções sobre a Questão Agrária e a Reforma
Agrária no Brasil. Como também nos ajudam a reconhecer as identidades e divergências
dos atuais movimentos sociais e políticos que lutam pela Reforma Agrária hoje no
Brasil.
O primeiro texto, “A que herança renunciamos?” , se constitui como resposta a
Mikháiloski, um populista liberal, que acusa os “discípulos” (seguidores de Marx e
Engels) de renunciarem à herança de lutas deixada pelos movimentos contra o
Tsarismo3 e as péssimas condições dos camponeses no início da segunda metade do
século XIX, pós Reforma Camponesa de 1861 na Rússia.
Lênin trava grande embate com os “populistas”, corrente revolucionária pequena
burguesa muito influente nas décadas de 60 e 70 do século XIX na Rússia, que lutavam
pelo fim do regime autocrático do país e pela distribuição das terras dos latifundiários
aos camponeses. Segundo o autor, esta corrente defendia a possibilidade da construção
do socialismo sem necessariamente passar pelo desenvolvimento capitalista, propunha o
socialismo “camponês” que incorporasse as tradições de produção aldeã da Rússia

2
Comunidades aldeãs rurais que tinham controle sobre as terras comunais e poder de distribuição dessas
terras para cultivo dos camponeses.
3
Nesse texto usaremos a grafia “Tsarismo”, “Tsar”, “Tsarista” etc. que é a utilizada nas “Obras
Escolhidas” de V. I. Lênin da Editora Alfa-Omega.
4

tzarista e esta posição levou essa corrente à “idealização do camponês e de sua


comunidade [constitui-se como] uma das partes integrantes e necessárias do populismo
(Lenine, 1982a, p.58)”. No texto, Lênin conceitua o populismo a partir de três traços:

Por populismo entendemos um sistema de concepções, que


compreende os três traços seguintes: 1) Considerar o
capitalismo na Rússia como uma decadência, uma regressão
[...] 2) Considerar original o regime económico russo em geral
e o camponês com a sua comunidade, artel, etc., em particular.
Não se considera necessário aplicar às relações económicas
russas os conceitos elaborados pela ciência moderna sobre as
diferentes classes sociais e os seus conflitos. O campesinato da
comunidade é considerado como algo superior e melhor em
comparação com o capitalismo; [...] 3) Ignorar as relações entre
a “intelectualidade” e as instituições jurídico-políticas do país,
por um lado, e os interesses materiais de determinadas classes
sociais, por outro . [...] (grifos do autor) (Lenine, 1982a, p.63).

Também é exposta a corrente intitulada “herança” que apresentava uma


concepção iluminista enquanto uma corrente intelectual e política que defendia a
reforma de 1861 e a aceleração das relações capitalistas na Rússia, pois esses
fenômenos políticos e econômicos levariam o país ao progresso e a sua ocidentalização.
Em suas análises das concepções dessa corrente, se utiliza da obra “Numa Aldeia
Perdida e na Capital” escrita em 1870 por Skáldine4, quando entende que esse autor era
um dos representantes desta corrente e que diferenciava-se da concepção populista a
respeito da reforma camponesa.

Skáldine considera a reforma sem qualquer ilusão, sem nenhuma


espécie de idealização, vê nela um acordo entre duas partes – os
latifundiários e os camponeses – que, até então, tinham
usufruído a terra em comum em determinadas condições e que
agora se dividiram, modificando-se com essa divisão a posição
jurídica de ambas as partes. Os interesses das partes foram o
factor determinante da forma dessa divisão e da extensão que
cada uma delas recebeu. Esses interesses determinavam as
aspirações de cada uma das partes, mas a possibilidade de uma
delas participar directamente na própria reforma e na solução
prática dos diversos problemas da sua realização foi, entre

4
Escritor e publicista russo que nos anos 60 foi um liberal burguês, colaborador na revista
“Otétchestvennie”.
5

outras coisas, o que determinou o seu predomínio (Lenine,


1982a, p.49).

Na análise da “herança”, os camponeses, na reforma agrária burguesa da Rússia,


tiveram condições bem mais desvantajosas em relação aos camponeses nas reformas
dos países ocidentais, decorrentes dos excessivos impostos, das relações monetárias que
as novas relações exigiam e das condições desiguais na obtenção das condições de
produção, como por exemplo: insumos, animais de tração, capacidade de compra de
terras, arrendamentos de novas terras e capacidade de uso da força de trabalho familiar e
assalariada.
Lênin, ao relacionar a corrente “populista” à corrente da “herança”, indica a
importância dos primeiros ao colocarem os problemas do capitalismo na Rússia, mas
também critica ao não apontarem soluções satisfatórias, quando afirma que os
populistas,

em consequência do seu ponto de vista pequeno-burguês e da


sua crítica sentimental do capitalismo, que numa série de
importantes questões da vida social ficou atrás em comparação
com os “iluministas”. A associação do populismo com a herança
e com as tradições dos nossos iluministas mostrou-se no fim de
contas um facto negativo: os novos problemas que o
desenvolvimento da Rússia posterior à reforma colocou ao
pensamento social russo não foram solucionados pelo
populismo, que se limitou a lamentações sentimentais e
reaccionárias a seu respeito, e obscureceu com o seu
romantismo os velhos problemas, que já tinham sido levantados
pelos iluministas, e retardou a sua completa solução (grifos do
autor) (Lenine, 1982a, p.71).

Ao relacionar as correntes populista e iluminista, afirma que a primeira teve


como virtude identificar os problemas sociais da reforma agrária de 1861 na Rússia,
mas sem propor soluções a esses e a segunda corrente, a iluminista, por ter o mérito de
enxergar as novas contradições que aparecem com o desenvolvimento capitalista na
Rússia, contudo, sem perceber o aprofundamento das desigualdades geradas a partir
desse desenvolvimento. Lênin ao se referir aos “discípulos” identifica essa corrente
como superação das posições das correntes acima mencionadas, afirmando que essa
6

“confia no actual desenvolvimento social, pois vê a garantia de um futuro melhor


unicamente no pleno desenvolvimento destas contradições (Lennine, 1982a, p.71)”.
Quanto ao segundo texto, “O desenvolvimento do capitalismo na Rússia”, Lênin
faz uma análise rigorosa do desenvolvimento do capitalismo na Rússia e de seus
desdobramentos na organização das novas formas de produção na agricultura e na
indústria, estudo que busca compreender as transformações do modo de produção
anterior e o surgimento de novas relações de produção e suas contradições típicas do
capitalismo, como também, o aparecimento das classes sociais fundamentais desse
modo de produção no campo e na cidade, o operariado agrícola e industrial e a
burguesia também desses setores da produção.
Há que se destacar, apesar de muito jovem, a capacidade que Lênin demonstra
de pesquisa, método e de análise ao lidar com os dados das estatísticas e relatórios
oficiais das províncias russas, competência demonstrada ao universalizar os resultados
de uma experiência singular. José Paulo Neto conclui sua apresentação do livro de
Lênin apontando a importância do mesmo, afirmando:

A relevância do Desenvolvimento5, nessa óptica, não se restringe


à pletora de informações históricas, econômicas, sociais,
culturais etc., que fornece sobre a evolução do capitalismo na
Rússia; reside, precisamente, no seu caráter de exemplar
reconstrução científica do movimento de uma estrutura cuja
especificidade é garantida e reposta no interior mesmo das
próprias categorias que a apreendem. Este o valor maior do
Desenvolvimento: a efetiva comprovação de que, face à
irredutível particularidade que constitui cada formação
econômico-social, o método se recria no confronto com a
empiria, cuja aparente opacidade é ultrapassada e dissolvida na
captação de sua essência movente (Paulo Neto. In: Lênin, 1982,
p.XXI).

Importante destacar que nesse texto já aparece a afirmação de que o


desenvolvimento capitalista no campo se dá pelo aumento da intensidade da exploração
da terra, com a produção e uso de meios de produção e de insumos e do uso do trabalho
assalariado, mesmo que a experiência russa se dê pela concentração da terra, não é a
extensão das propriedades que determinam o caráter capitalista da produção. Como, no

5
O termo Desenvolvimento se refere ao texto “O desenvolvimento do capitalismo na Rússia”.
7

mesmo texto, o autor defende que o desenvolvimento do capitalismo, enquanto


sociedade de mercado, se dá na substituição de um mercado de produtos pelo mercado
da força de trabalho, segundo Lênin:

O mercado interno aparece quando aparece a economia


mercantil: ele é criado pelo desenvolvimento dessa economia e é
o grau de fragmentação da divisão social do trabalho que
determina o nível desse desenvolvimento. O mercado interno se
amplia quando a economia mercantil passa dos produtos à força
de trabalho, e apenas na medida em que esta última se converte
em mercadoria o capitalismo cobre toda a produção do país,
desenvolvendo-se graças sobretudo à produção de meios de
produção que ocupam um lugar cada vez mais importante na
sociedade capitalista. O “mercado interno” para o capitalismo é
criado pelo próprio capitalismo em desenvolvimento que
aprofunda a divisão social do trabalho e decompõe os produtores
diretos em capitalistas e operários (Lênin, 1982, p.33).

Há que se destacar a compreensão do autor, nesse texto, no processo de


constituição do mercado interno de meios de produção e mão de obra a partir da
introdução da maquinaria na produção industrial como também agrícola. É interessante
a reflexão que Lênin já faz, no final do século XIX, do processo de aparecimento do
trabalho assalariado com o uso das máquinas e como o desenvolvimento das máquinas,
num segundo momento, substitui o trabalhador.

Sabemos já que a introdução de máquinas conduz à substituição


do sistema de pagamento em trabalho pelo trabalho assalariado
livre e à formação de estabelecimentos camponeses que
empregam mão-de-obra assalariada. O emprego maciço de
máquinas na agricultura implica a existência de um contingente
de assalariados agrícolas. Nas regiões em que o capitalismo
agrícola é mais desenvolvido, esse processo de introdução do
trabalho assalariado, paralelamente à introdução de máquinas,
cruza-se com outro processo, ou seja, com a substituição dos
operários assalariados pela máquina. De um lado, a formação de
uma burguesia camponesa e a passagem dos proprietários
fundiários do sistema de pagamento em trabalho ao capitalismo
criam uma demanda de operários assalariados. De outro lado
onde a atividade econômica já se baseia há muito tempo no
trabalho assalariado, a máquina substitui os operários
(Lênin,1982, p.149).
8

Não é intensão deste nosso texto fazer análise dessa obra clássica e tão
importante de Lênin, mas apenas identificar alguns elementos que nos ajudem a
compreender no Brasil, o seu processo de desenvolvimento capitalista no campo e seus
desdobramentos na distribuição desigual de terras, na constituição de novas classes
sociais e no novo quadro de forças políticas que atuam no campo. Assim, não podemos
deixar de apresentar um extrato do prefácio à segunda edição escrito em julho de 1907,
no final da revolução russa de 1905-1907, em que Lênin destaca a complexidade das
novas classes sociais e frações de classe que se apresentaram na revolução com
interesses políticos, econômicos e sociais particulares.

A revolução está trazendo cada vez mais à luz a dualidade do


campesinato, evidente quer do ponto de vista da sua situação,
quer do ponto de vista do seu papel. De um lado, os imensos
remanescentes da economia baseada na corvéia e toda sorte de
resíduos da servidão diante de uma pauperização inédita e da
ruina dos camponeses pobres explicam plenamente as raízes
profundas do movimento revolucionário camponês, do espírito
revolucionário do campesinato enquanto massa. De outro, a
estrutura internamente contraditória de classe dessa massa, seu
caráter pequeno-burguês, o antagonismo interno entre as
tendências proprietárias e proletárias manifestaram-se
claramente no processo revolucionário, na natureza dos
diferentes partidos e nas numerosas correntes políticas e
ideológicas. As vacilações do pequeno proprietário arruinado,
vacilando entre a burguesia contra-revolucionária e o
proletariado revolucionário, são tão inevitáveis como este outro
fenômeno que se observa em toda a sociedade capitalista: uma
insignificante minoria de pequenos produtores se enriquece,
‘sobe na vida’ e se aburguesa, enquanto a imensa maioria se
arruína completamente, transformando-se em trabalhadores
assalariados ou paupérrimos ou vivem eternamente no limite da
condição proletária (Lênin, 1982, p.9-10)

O terceiro texto, “Capitalismo e agricultura nos Estados Unidos da América”,


escrito em 1915 e publicado em 1917, é resultado da análise que o autor faz dos dados
“extraídos das estatísticas oficiais dos Estados Unidos da América do Norte; trata-se,
em primeiro lugar, dos tornos cinco do 12º e 13º recenseamentos de 1900 e 1910; e, em
segundo lugar, do Resumo Estatístico (Statistical Abstract aí Uniteds States) de 1911
(Lênin, 1980, p.14)”.
9

Para poder melhor viabilizar seus estudos, dada a diversidade das condições de
exploração do imenso território norte-americano, Lênin dividiu o país em três grandes
regiões para sua análise, o oeste em processo de colonização, o norte industrial e o
antigo sul escravista.
Como já afirmado acima, não pretendemos fazer análises criteriosas de nenhum
texto específico, portanto nesse texto de 1917, também apenas levantaremos alguns
aspectos que nos interessa para nossos objetivos. Nesse sentido, um dos primeiros
aspectos a ser levantado é a análise que realiza da reforma agrária burguesa nos Estados
Unidos da América, com a intensificação de inversão de capital em máquinas, insumos
etc. e na força de trabalho assalariada entre os anos de 1900 e 1910. Essas
características da Reforma Agrária burguesa já havia sido analisada no caso da Rússia,
mas o processo de reforma nos EUA, diferentemente da Rússia, resultou em uma
política fundiária de intensificação das relações capitalistas em pequenas e médias
propriedades e do desmembramento dos antigos latifúndios escravistas do sul.
Nesse texto, Lênin chama a atenção para a distinção entre pequena produção e
grande produção e sua relação com a dimensão das propriedades, ou seja, para ele a
definição de grande produção se caracteriza pela intensificação do processo de produção
e a utilização de trabalho assalariado.

Quando se fala da pequena agricultura, pensa-se sempre naquela


que não repousa no trabalho assalariado. Ora, a passagem à
exploração de trabalhadores assalariados está condicionada não
apenas pela extensão da unidade agrícola, conservando-se a sua
antiga base técnica (o que só ocorre numa economia extensiva,
primitiva), mas também pelo aperfeiçoamento e modernização
da técnica, pela aplicação numa mesma superfície de terreno de
um capital suplementar sob a forma, por – exemplo, de novas
máquinas ou de adubos artificiais, ou aumento e melhoria do
gado, etc.
O agrupamento segundo o valor dos produtos da farm reúne as
explorações que se caracterizam, realmente, por um volume
idêntico de produção, independente da quantidade de terra que
possuam. Uma exploração altamente intensiva numa pequena
parcela entra, neste caso, no mesmo grupo que uma exploração
relativamente extensiva de uma grande superfície; e estas duas
explorações serão de fato grandes, tanto pelo volume da
produção, quanto pelo nível de emprego do trabalho assalariado
(Lênin, 1980, p.45).
10

Ainda sobre a questão da produção e a dimensão das propriedades, Lênin verifica


que nos EUA as relações capitalistas de produção no campo se deram com uma
diminuição das unidades produtivas.

A eliminação da pequena produção pela grande consiste na


eliminação das farms “maiores” quanto à superfície, mas menos
produtivas, menos intensivas e menos capitalistas, pelas farms
“menores” quanto à superfície, mas mais produtivas, mais
intensivas e mais capitalistas (Lênin, 1980, p.49).

Logo, nos Estados Unidos da América as relações capitalistas se diferenciaram


da experiência da Reforma Agrária Russa, que a partir da lei de 1861 que estabeleceu o
fim da servidão naquele país, as relações capitalistas de produção foram implementadas
lentamente e com um processo de concentração de terras através da eliminação das
terras comunais dos camponeses e das pequenas propriedades.
Outros textos de Lênin também devem ser considerados sobre a questão agrária,
como “Um passo em frente, dois passos atrás”, escrito em 1904, referindo-se às disputas
dos vários grupos no interior do segundo congresso do Partido Operário Social-
Democrata Russo (POSDR) e, entre os vários debates, a proposta do Programa Agrário
feita pelos Iskristas6 tomou grande parte do tempo do congresso. Apesar do texto se
restringir às polêmicas e apresentar muito pouco o conteúdo do programa, consideramos
o debate entre Mákhov e Plekhánov emblemático, pois:

O ponto de vista do “marxismo” vulgar sobre a questão agrária


na Rússia teve a sua expressão culminante nas últimas palavras
do discurso do camarada Mákhov no qual este fiel defensor da
velha redação do Iskra expôs os seus princípios. Por alguma
razão as suas palavras foram recebidas com aplausos... irónicos,
é verdade. “Não sei verdadeiramente ao que se possa chamar
uma desgraça” – disse o camarada Mákhov, indignado com a
observação de Plekhánov de que o movimento a favor da
partilha negra7 não nos assustava de modo nenhum, e que não
seríamos nós a entravar esse movimento progressivo
(progressivo burguês) (Lenine, 1982b, p.240).

6
Grupo da redação do jornal Iskra (A Faísca), liderado por Lênin.
7
Palavra de ordem popular no interior do campesinato da Rússia tsarista, que exprimia o desejo dos
camponeses à partilha total da terra.
11

A citação acima nos aponta para uma das problemáticas fundamentais do texto
“O Programa Agrário da Social Democracia na Primeira Revolução Russa de
1905−1907”, escrito por Lênin no final de 1907, ou seja, a definição dos aliados e dos
inimigos da Revolução e qual a proposta do POSDR para a reforma agrária, mesmo que
essa seja de caráter burguês. E é nesse texto, que encontramos de forma mais
sistematizada as propostas e possibilidades de Reforma Agrária na Revolução Burguesa
na Rússia.
Referindo-se ao desenvolvimento agrário, Lênin afirma que só há um caminho
para esse desenvolvimento capitalista e de economia de mercado, mas apesar desse
único caminho, são possíveis duas formas diferentes desse desenvolvimento8:

[...] as formas desse desenvolvimento podem ser duas. Os restos


do feudalismo podem desaparecer, quer mediante a
transformação dos domínios dos latifundiários quer mediante a
destruição dos latifúndios feudais, isto é, por meio da reforma
ou por meio da revolução. O desenvolvimento burguês pode
verificar-se tendo à frente as grandes propriedades dos
latifundiários, que paulatinamente se tornarão cada vez mais
burguesa, que paulatinamente substituirão os métodos feudais de
exploração pelos métodos burgueses; e pode verificar-se
também, tendo à frente as pequenas explorações camponesas,
que, por via revolucionária, extirparão do organismo social a
“excrescência” dos latifúndios feudais e, sem eles, desenvolver-
se-ão livremente pelo caminho da agricultura capitalista dos
granjeiros.
A estes dois caminhos do desenvolvimento burguês,
objetivamente possíveis, chamaríamos de caminho tipicamente
prussiano e caminho do tipo norte-americano (Lênin, 2002,
p.28-29).

É necessário destacarmos que este texto foi escrito depois de “O


desenvolvimento do capitalismo na Rússia” de 1899, e antes de “Capitalismo e
agricultura nos Estados Unidos da América” de 1917, demonstrando uma linha
conceitual muito coerente em suas pesquisas, análises e estudos sobre o

8
Essa tese também aparece no Prefácio à segunda edição do livro “O desenvolvimento do capitalismo na
Rússia” escrito por Lênin em 1907. Ainda sobre essa edição cabe destacar a importância que dá às
divergências com os populistas, substituindo o título do primeiro capítulo de “Referências à Teoria” para
“Os erros Teóricos dos Economistas Populistas”.
12

desenvolvimento capitalista em geral e em especial na agricultura, como também ao


tratar da Reforma Agrária nos países capitalistas.
Julgamos esse texto importante para compreendermos as concepções e teorias
que hoje orientam os lutadores pela Reforma Agrária, ou Revolução Agrária 9, no Brasil.
Ao mesmo tempo, essas leituras nos possibilitam distinguir as concepções e orientações
no quadro político reacionário, reformista e revolucionário no que se refere ao
capitalismo e sua superação na perspectiva socialista.
Com relação ao Programa agrário do POSDR, assegura que:

O atual programa do Partido Social−Democrata, aprovado no


Congresso de Estocolmo, dá um grande passo adiante,
relativamente ao programa precedente, numa importante
questão. A saber: ao endossar o confisco das terras dos
latifundiários, o Partido Social−Democrata enveredou, pois, de
maneira decidida, pelo caminho do reconhecimento da
revolução agrária camponesa. As palavras do programa:
“apoiando a ação revolucionária dos camponeses até chegar ao
confisco das terras dos latifundiários” (Lênin, 2002, p.48).

Lênin afirma que a posição dos sociais-democratas frente à Revolução Russa


deve ser em defesa da forma norte-americana no caminho do desenvolvimento agrário,
esta é a mais democrática, do ponto de vista burguês. Na discussão da participação dos
sociais-democratas na Revolução, também defende a estatização das terras, sendo esta
proposta importante à própria burguesia que não precisaria dispor de capital para a
compra de terras, direcionando todo seu capital para a produção.
A defesa da estatização das terras e sua distribuição aos camponeses na
Revolução Russa defendida no texto de 1907, acima citado, também aparece dez anos
depois na “Resolução Sobre a Questão Agrária” da “VII Conferência (de abril) de toda a
Rússia do POSDR”, portanto, após a Revolução Russa de fevereiro e durante o governo
provisório. Nesse texto de 1917, volta a afirmar a estatização (nacionalização) das terras
como uma medida burguesa que:

9
É importante destacarmos a distinção que Lênin faz de Reforma e Revolução Agrária, mantendo os dois
conceitos a partir dos interesses da revolução burguesa com diferentes formas de distribuição das terras,
ou seja, o termo Reforma vinculado à proposta chamada de Prussiana de desenvolvimento agrário
burguês e o termo Revolução vinculado à proposta, chamada por Lênin, de norte−americana de
desenvolvimento agrário burguês.
13

significa a liberdade da luta de classe e a liberdade do usufruto


da terra, no grau mais elevado possível e concebível na
sociedade capitalista, de todos os apêndices não burgueses.
Além disso, a nacionalização da terra, como abolição da
propriedade privada sobre a terra, representaria na prática um
golpe tão poderoso na propriedade de todos os meios de
produção em geral que o partido do proletariado deve prestar
todo o seu concurso a essa transformação (Lenine, 1982g, 86).

Já no fim de setembro de 1917, às portas da Revolução Socialista de outubro na


Rússia, Lênin escreve o posfácio para edição do livro “O programa agrário da
social−democracia na primeira Revolução Russa de 1905-1907”, reafirmando que a
estatização da terra “não é só a ‘última palavra’ da revolução burguesa, mas também um
passo no sentido do socialismo (Idem, 2002, p.229)”.
No dia do assalto ao poder da Revolução Socialista Russa, 25 de outubro de
191710, Lênin se refere às questões agrárias no “Segundo Congresso dos Sovietes de
Deputados Operários e Soldados de Toda a Rússia”, realizado entre os dias 25 e 26 de
outubro de 191711, reafirmando a estatização de todas as terras e sua entrega aos
comitês camponeses. No segundo dia do congresso, apresenta o “Relatório sobre a
Terra” e o “Decreto sobre a Terra”. Com relação ao primeiro, Lênin afirma:

Consideramos que a revolução provou e mostrou como é


importante que a questão da terra seja colocada com clareza. O
desencadeamento da insurreição armada, da segunda revolução,
a de Outubro, prova claramente que a terra deve ser entregue nas
mãos dos camponeses [...]
O governo da revolução operária e camponesa deve resolver, em
primeiro lugar, a questão da terra – questão que pode acalmar e
satisfazer as imensas massas de camponeses pobres (Lenine,
1982e, p.403).

Quanto ao “Decreto sobre a Terra”, aponta cinco itens:

1) A propriedade latifundiária da terra é abolida imediatamente


sem qualquer indenização.

10
A data se refere ao calendário Juliano, usado na Rússia revolucionária. O calendário Juliano é 13 dias
defasado do calendário Gregoriano. Portanto, no calendário Gregoriano, o que usamos atualmente, a
tomada do poder pelos bolcheviques corresponde a 07 de novembro de 1917.
11
Neste congresso foi deliberado a formação de um governo provisório operário camponês que foi
denominado Conselho de Comissários do Povo, Lênin foi eleito Presidente desse conselho.
14

2) As propriedades dos latifundiários, bem como todas as terras


de apanágio, dos mosteiros e da Igreja, com todo o seu gado
e alfaias, edifícios e todas as dependências, passam a ficar à
disposição dos comités agrários de vólost e dos Sovietes de
deputados camponeses de uesd até à Assembleia
Constituinte.
3) Qualquer estrago dos bens confiscados, que doravante
pertencem a todo o povo, é declarado crime grave, punível
pelo tribunal revolucionário [...].
4) Para dirigir a realização das grandes transformações agrárias,
até à sua resolução definitiva pela Assembleia Constituinte12,
deve servir em toda a parte o seguinte mandato camponês,
elaborado pela Redacção do Izvéstia Vserossíiskogo Soveta
Krestiánskikh Deputátov13, na base dos 242 mandatos
camponeses locais, e publicado no número 88 deste Izvéstia
(Petrogrado, nº88, 19 de Agosto de 1917).
5) Não se confiscam as terras dos simples camponeses e dos
simples cossacos (grifos do autor) (Lenine, 1982e, p.403-
405).

Ainda nos primeiros dias da revolução Lênin, como Presidente do Conselho de


Comissários do Povo, em 05 de novembro de 1917, respondendo às incertezas dos
camponeses em relação à terra “apela para que os camponeses tomem eles próprios todo
o poder local em suas mãos (Lenine, 1982d, p.417)” e anuncia que os “operários
apoiarão os camponeses plena, totalmente e por todos os meios, organizarão a produção
de máquinas e instrumentos, [e os operários] pedem aos camponeses ajuda por meio do
envio de cereais (Lenine, 1982d, p.417)”.

Algumas considerações a partir de Lênin sobre a questão agrária no Brasil

O processo de trabalho no meio rural brasileiro deve ser entendido de forma


integrada ao desenvolvimento do capitalismo e como síntese de seu processo histórico,
além de compreender a introdução das relações capitalistas, a industrialização e a nova
divisão do trabalho do campo de forma combinada e desigual nas diferentes regiões.

12
Sobre a polêmica da Assembleia Constituinte e sua incompatibilidade com o Poder Soviético e a
necessidade de sua dissolução, ver os textos de Lênin “Teses sobre a Assembleia Constituinte” e
“Projecto de decreto sobre a dissolução da Assembleia Constituinte” ambos In: Obras Escolhidas . 2ª
edição. São Paulo, Editora Alfa-Omega, 1982, v.2
13
Notícias dos Sovietes de Deputados Camponeses de Toda a Rússia.
15

Percebemos então que as novas e velhas relações de trabalho do campo estão sempre
subordinadas às relações de produção capitalista, ou seja, ao capital.
No país encontramos diversas formas de organização e de relações de trabalho
no meio rural, desde os grandes proprietários de terras que compram a força de trabalho
dos não proprietários, os operários rurais, médios e pequenos proprietários, assentados
rurais, passando ainda pelos meeiros, parceiros, até pequenos proprietários que
compram força de trabalho nos períodos de safra e vendem a sua própria nos períodos
de entressafra. Diante desta multiplicidade de relações, devemos procurar entendê-las
em sua singularidade e universalidade, pois se trata de uma realidade determinada
historicamente pelas relações locais, porém, estas, subordinadas sempre aos interesses
gerais do capital.
A composição desigual na ocupação da terra, nas relações de trabalho, na
propriedade e na distribuição e comercialização dos produtos, também se manifestam na
incorporação de novas tecnologias e formas de organização do trabalho. Essa
incorporação não se dá de forma homogênea, mas diversificada e, ao mesmo tempo,
integrada às determinadas necessidades e interesses.
Partimos da tese de que o Brasil já fez sua Reforma Agrária de caráter burguês,
de “tipo prussiana”. Nesse sentido, apontamos para a questão do desenvolvimento
capitalista no Brasil a partir da Revolução de 193014, que traz no seu bojo mudanças das
relações capitalistas no campo, não com a rapidez das urbanas industriais, mas lentas e
graduais e que se aceleraram e consolidaram as relações capitalistas no campo no
regime civil-militar de 1964-1985. Importante destacarmos que foi no regime civil-
militar que o Estatuto da Terra foi promulgado, novembro de 1964, com o objetivo de
acabar com o latifúndio e minifúndio, transformando as propriedades em empresas
rurais e da necessidade de Desenvolvimento Agrícola e da Reforma Agrária. Para
alguns autores, o regime civil-militar abriu mão da segunda em detrimento da primeira,
ou seja, tivemos um desenvolvimento agrícola sem a correspondente mudança na
estrutura fundiária.
Parece-nos que essas análises tomam a distribuição de terras como princípio da
Reforma Agrária burguesa, diferentemente das referências teóricas de Lênin em que o
princípio da Reforma Agrária de caráter burguês são as mudanças das relações de
14
Neste momento não vamos entrar no debate sobre a Revolução Política Burguesa no Brasil e a tese
defendida por Décio Saes em seu livro “A formação do Estado Burguês no Brasil (1888-1891)”.
16

produção no campo com o aparecimento, desenvolvimento e a predominância do


assalariamento dos trabalhadores, “o indicador essencial do capitalismo na agricultura é
o trabalho assalariado (Lênin, 1980, p.63)”.
Ao defendermos, pois que o regime civil-militar acelerou e consolidou a
Reforma Agrária no Brasil, apesar de manter a estrutura fundiária, aprofundou as
relações de produção capitalista no campo, tendo o assalariamento como seu
fundamento e apesar da regulamentação do Estatuto do Trabalhador Rural Brasil ter
sido em março de 1963, o regime civil-militar só vai revogar em julho de 1973, pela lei
nº 5889, que “Estatui normas reguladoras do trabalho rural”, com uma nova redação,
mas mantendo os princípios da lei anterior.
O processo de consolidação da Revolução Burguesa no Brasil a partir da
Reforma Agrária promovida pelo regime civil-militar como exposto acima se
“moderniza” com o processo de reestruturação produtiva no campo a partir dos anos
2000.
Esse processo de reestruturação significou uma maior intensificação de
tecnologia no processo de mecanização iniciado com o regime civil/militar, como
também automação e informatização, o uso da química e da biologia na produção de
insumos e controle da produção desde seu planejamento inicial até a distribuição dos
produtos, principalmente para atender as exigências de qualidade do mercado externo.
Essas novas exigências na produção agrária impõe um montante de capital
necessário que leva a burguesia monopolista nacional a se associar ao capital
transnacional ou mesmo abrindo setores no campo para as empresas transnacionais se
consolidarem no sistema produtivo agrário. Esse movimento de grandes capitais
nacionais e internacionais faz com que a produção do campo se organize num sistema
hegemonizado a partir dos interesses desses mesmos capitais, o que se expressa no
chamado agronegócio.
O agronegócio se constituiu no setor em que o capital se expande mais rápido,
passando a ser um importante setor produtivo na economia nacional. Segundo
levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2011, o PIB
nacional foi de R$ 4,1 trilhões, sendo o agronegócio responsável por R$ 917 bilhões ou
22,3% na geração de riquezas do país (Moraes, sd). Ele também se caracterizou como a
principal força política do capital no campo através da fundação da Associação
17

Brasileira do Agronegócio (ABAG) em 1993, tendo hoje como seu núcleo central
empresas transnacionais como Bunge, Monsanto, Sadia, Abracem, Agroceres.
Deste modo, é o agronegócio que se constitui como o centro do “novo mundo
rural” no Brasil, articulado com pequenas e médias propriedades que abastecem suas
agroindústrias de matérias primas como também são responsáveis pelo abastecimento
de alimentos do mercado interno do país. Isso faz com que o agronegócio se dedique à
produção de exportação, mais lucrativa e com as melhores terras.
A importância das pequenas e médias propriedades, também chamadas de
agricultura familiar, produtora de mercadoria, na conformação do rural brasileiro no
século XXI pode ser ilustrado na passagem da tese de doutoramento de Frederico Daia
Firmiano:

Importante dizer que, no mesmo ano de 1999, veio a público um


documento do então Ministério da Política Fundiária e do
Desenvolvimento Agrário (que, em 2001, passou a ser o
Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA) intitulado
“Agricultura familiar, reforma agrária e desenvolvimento local
para um novo mundo rural. Política de desenvolvimento rural
com base na expansão da agricultura familiar e sua inserção no
mercado”. O documento – produto do receituário do Banco
Mundial (BM) – ficou conhecido como “Novo Mundo Rural” e
incorporava a nascente categoria da “agricultura familiar” ao
“desenvolvimento rural” baseado na expansão do mercado
interno. (2014, p.45)

Outro elemento importante desse “Novo Mundo Rural Brasileiro” que aparece
no final do regime civil-militar e início da nova república são os Assentamentos Rurais
da Reforma Agrária.
A opção do regime militar pela manutenção das grandes propriedades, de
desenvolvimento tecnológico e novas formas de organização do trabalho levou grandes
contingentes de trabalhadores a ficarem sem terras para trabalhar e à não ocupação nos
postos de trabalho assalariado. Essas demandas por trabalho e terra vão aparecer nas
pautas de lutas dos trabalhadores no final da década de 70 e início de 80 do século XX.
A pressão dos trabalhadores e a agonia do regime militar levaram os últimos governos
militares e os governos civis, pós-governo de exceção, a optarem pela formação de
assentamentos rurais apenas como forma de resolver pontos de conflitos no campo e
18

não como uma nova política de distribuição de terras no país. Então, no que se refere à
questão da Reforma Agrária do Brasil, os governos que se sucederam até hoje
reafirmam a política de Reforma Agrária do regime civil-militar, ou seja, manutenção
do monopólio da terra nas mãos de poucos proprietários e a formação de assentamentos
rurais, para além de resolver conflitos pontuais, também contribuir na produção de
alimentos e se constituírem como locais de reserva de força de trabalho assalariada para
os trabalhos sazonais do campo e do trabalho precarizado nas cidades e no campo.
Todo esse processo também é sinuoso, vulnerável a determinadas conjunturas
políticas, sociais, econômicas como contraditório. Ao mesmo tempo em que os
assentamentos da Reforma Agrária não alteram a estrutura fundiária do país, eles são
resultado da luta dos trabalhadores que ao serem assentados levam suas experiências de
vida, luta e organização política, social e de trabalho. Também há que se ressaltar que os
assentamentos não se constituem apenas em espaços de trabalhos, eles também são
espaços políticos, sociais, educacionais, religiosos, de lazeres etc., ou seja, é um espaço
onde se materializam todas as relações sociais numa comunidade marcada pelas
desigualdades e experiências de lutas.
Certos de que essas são algumas possibilidades de análises e pesquisas da
Questão Fundiária e da Reforma Agrária no Brasil, acreditamos que os escritos de Lênin
e outros clássicos do marxismo, podem nos ajudar a desvelar a complexidade em que se
constituiu esse universo rural brasileiro.

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