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PAULO DOS SANTOS

RAUL SEIXAS:
A MOSCA NA SOPA DA DITADURA MILITAR
Censura, tortura e exílio (1973-1974)

Dissertação apresentada à Banca


Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título de
MESTRE em História, sob a orientação
da Profa. Dra. Maria Izilda Santos de
Matos.

São Paulo
2007
Livros Grátis
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2

BANCA EXAMINADORA

_____________________________

_____________________________

_____________________________
3

Esta pesquisa é dedicada:


À Paulinha, minha filha

e também à memória de:


Maria Eugênia Seixas
Raul Santos Seixas
Raul Varella Seixas
e Rosália Venância dos Santos, minha mãe.
4

“Sabemos, através da experiência dolorosa, que a


liberdade jamais é dada voluntariamente pelos
opressores, ela deve ser exigida pelo oprimido.”

Martin Luther King


5

AGRADECIMENTOS

A todos aqueles que me incentivaram e que há anos me


acompanham. Aos colegas da PUC/SP, em especial ao amigo Hélio Fraga
Júnior, me ouvindo por horas com enorme atenção e paciência, à amiga
Leanira da Silva, uma linda pessoa com excelentes virtudes e um grande
exemplo de vida.
À CAPES (Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior), pela bolsa que incentivou e possibilitou as diversas
leituras e viagens às cidades de Salvador e Rio de Janeiro, que muito
contribuíram para o desenvolvimento estrutural desta pesquisa.
Às contribuições de Amailton Magno Azevedo e Frederico
Alexandre de Moraes Hecker, enquanto membros da banca de qualificação,
me direcionando nos melhores caminhos a seguir.
Com enorme carinho, às minhas orientadoras Profª Drª. Maria
Izilda Santos de Matos e Profª Drª. Maria Angélica Victória Miguela
Careaga Soler, pelas mais sinceras palavras que elucidaram o caminho
desta pesquisa. Às professoras Vera Lúcia Vieira, Olga Brites, Denise
Bernuzzi de Sant’anna, Márcia Barbosa Mansor D’Aléssio e, em especial,
aos mestres Antonio Rago Filho e Fernando Torres Londoño, por suas
preciosas horas prestadas ao meu trabalho e, principalmente, pelas
inúmeras citações desta pesquisa em suas aulas, que tanto me deram forças
para continuar.
Ao grande amigo Sylvio Passos, pelas maravilhosas histórias da
amizade com Raul Seixas, que, com certeza, colaboraram muito na
elaboração deste ofício. Aos amigos e parentes de Raul Seixas pelas
inúmeras e generosas correspondências e entrevistas, na esperança de
preservar sempre viva a memória de seu inesquecível Raulzito, em especial
aos amigos Delma e Thildo Gama, nas inúmeras caminhadas pelas ruas
6

soteropolitanas percorridas por Raul Seixas em sua infância e adolescência,


além das mais brilhantes histórias narradas através do imaginário do artista,
desde seus ensaios, shows, passeios e diversões, pela capital baiana.
À Kika Seixas, Sônia Castro e Johenir Jannotti (Arquivo Público do
Estado do Rio de Janeiro), Sandra (Arquivo Nacional), Alice (Academia
Brasileira de Letras), Celeste e Penha (Biblioteca Nacional), Carlos Marx
(Coordenação Regional do Arquivo Nacional no Distrito Federal em
Brasília) e Rosana da Câmara Teixeira (Universidade Federal do Rio de
Janeiro).
Aos amigos Sérgio Gabeloni, pela companhia nas viagens, Tadeu
Sena, pelas dicas ortográficas, e Emerson Matos, pelas horas ouvindo e
discutindo as músicas, e à Carol, um verdadeiro amor, tornando doces
muitas palavras aqui entoadas. Aos meus alunos e, em especial, aos meus
familiares, que sempre me apoiaram de verdade em todos os momentos da
minha vida, depositando confiança e crédito neste homem com tantos
ideais e propósitos, tantos sonhos e inquietudes, a minha mais profunda e
sincera gratidão.
7

RESUMO

Esta dissertação busca resgatar a importância do cantor e compositor Raul


Seixas (1945-1989) no período entre a ditadura militar e a promulgação da
Constituição de 1988. Procura, ainda, verificar sua inserção no cenário
artístico brasileiro e em outros segmentos durante a década de 1970, como
a contracultura, a censura, a repressão e a tortura a todos os considerados
subversivos.
Reconhecido como compositor de muitos talentos, o cantor figurou entre os
mais renomados artistas dos últimos anos na Música Popular Brasileira.
Divulgador da Sociedade Alternativa, que em pleno regime militar tinha
como lema “faz o que tu queres, pois é tudo da lei”, fez de suas músicas
discursos dotados de um espírito inovador para dizer coisas velhas com
características novas, misturando diferenciados ritmos que, segundo o
artista, “tinham as mesmas malícias”, como o rock and roll e o baião, e,
assim, constituindo tendências.
O presente estudo está dividido em três capítulos: no primeiro – “Se hoje eu
sou estrela, amanhã já se apagou... de Raulzito a Raul Seixas” – narram-se
a trajetória do artista desde o início de sua carreira, o sucesso e os últimos
anos de vida. No segundo – “O monstro SIST é retado e tá doido pra
transar comigo... Raul Seixas e a Censura” – são estudados a censura, o
gibi-manifesto, principal instrumento teórico para a implantação da
Sociedade Alternativa no Brasil, e o diálogo entre a censura e as músicas
censuradas. Por fim, no terceiro – “Porque só tem verdades pra dizer, pra
declarar... Raul Seixas e a Polícia Federal” – apresenta-se como
ocorreram a perseguição, a prisão, a tortura e o exílio ao artista.
8

ABSTRACT

This dissertation aims to rescue the importance of the singer and composer
Raul Seixas (1945-1989) in the period between the military dictatorship
and the promulgation of 1988 Constitution. It seeks, still, to verify his
insertion into the Brazilian artistic scenario and in other segments during
the 1970 decade, as the counterculture, the censorship, the repression and
the torture of all considered subversive.
Recognized as composer of many talents, the singer figures among the
most renowned artists of the last years in the Brazilian popular music.
Discloser of Alternative Society, that in full military regime had as slogan
"do what you want, because it is everything within the law", he did of his
music speeches having an innovative spirit to say old things with new
characteristics, mixing differentiated rhythms that, according to the artist,
"had the same malices", such as rock and roll and the “baião” (Brazilian
folk music and dance), and, thus, constituting trends.
This study is divided in three chapters: in the first - "If today I am a star,
tomorrow it has already faded... of Raulzito to Raul Seixas" - they narrate
the artist's path since the beginning of his career, the success and the last
years of life. In the second – "The monster SIST is gargantuan and crazy to
have sex with me... Raul Seixas and the Censorship" - the censorship, the
manifest comic book, main theoretical instrument for the implementing the
Alternative Society in Brazil, and the dialogue between the censorship and
the censured music, are studied. Finally, in the third party – "Because there
are just truths to say, to declare... Raul Seixas and the Federal Police" – it
presents how the persecution, the artist’s prison, torture and exile took
place.
9

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO........................................................................................................12

CAPÍTULO I – SE HOJE EU SOU ESTRELA AMANHÃ JÁ SE PAGOU...


DE RAULZITO A RAUL SEIXAS...................................................16
1.1 – VÁ E GRITE AO MUNDO QUE VOCÊ ESTÁ CERTO... O INÍCIO.................18
1.2 – EU SOU A LUZ DAS ESTRELAS... O MEIO......................................................37
1.3 – ENQUANTO EU SEI QUE TEM TANTA ESTRELA POR AÍ. E O FIM..........52

CAPÍTULO II – O MONSTRO SIST É RETADO E TÁ DOIDO PRA


TRANSAR COMIGO... RAUL SEIXAS E A CENSURA.............73
2.1 – É UM CÉU CARREGADO E RAJADO SUSPENSO NO AR...
O ESTADO E A CENSURA..................................................................................75
2.2 – FAÇA O QUE TU QUERES, POIS É TUDO DA LEI...
O GIBI-MANIFESTO............................................................................................87
2.3 – TANTO PÉ NA NOSSA FRENTE QUE NÃO SABE COMO ANDAR...
AS MÚSICAS CENSURADAS............................................................................102

CAPÍTULO III – PORQUE SÓ TEM VERDADES PRA DIZER, PRA


DECLARAR... RAUL SEIXAS E A POLÍCIA FEDERAL......117
3.1 – MARAVILHOSO APRENDI QUE SOU MAIS FORTE QUE VOCÊ...
A PERSEGUIÇÃO...............................................................................................119
3.2 – PORQUE VOCÊ MATA UMA E VEM OUTRA EM MEU LUGAR...
A PRISÃO E A TORTURA.................................................................................127
3.3 – LÁ EM NOVA YORK, TODO MUNDO É FELIZ...
O EXÍLIO.............................................................................................................136

CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................149

FONTES E BIBLIOGRAFIA......................................................................................151

ANEXOS.......................................................................................................................172
10

LISTA DE FIGURAS

Figura 01 – “Charanga do Urubu”..........................................................36


Figura 02 – Capa do gibi-manifesto.........................................................87
Figura 03 – Como construir um badogue................................................88
Figura 04 – Artigo 1000............................................................................91
Figura 05 – Artigo 2000............................................................................93
Figura 06 – Página 1 do Passaporte A 207250......................................141
Figura 07 – Páginas 4 e 5 do Passaporte A 207250..............................142
Figura 08 – Páginas 8 e 9 do Passaporte A 207250..............................143
Figura 09 – Páginas 10 e 11 do Passaporte A 207250...........................144
11

LISTA DE ANEXOS

Figura 01 – Gibi-Manifesto.....................................................................172
Figura 02 – Construção do Badogue......................................................173
Figura 03 – Saudação..............................................................................174
Figura 04 – Artigo 1000...........................................................................175
Figura 05 – Artigo 1055..........................................................................176
Figura 06 – Artigo 2000..........................................................................177
Figura 07 – Artigo 2001..........................................................................178
Figura 08 – Artigo 3000..........................................................................179
Figura 09 – Artigo 6900..........................................................................180
Figura 10 – Artigo 4000..........................................................................181
Figura 11 – Artigo 8002..........................................................................182
Figura 12 – Artigo 7000..........................................................................183
Figura 13 – O Sol.....................................................................................184
Figura 14 – Artigo Final.........................................................................185
Figura 15 – The End................................................................................186
Figura 16 – Conexão com o Álbum........................................................187
Figura 17 – Pareceres da música censurada “Óculosescuro”..............188
Figura 18 – Pareceres da música censurada “Óculosescuro”..............189
Figura 19 – Pareceres da música censurada “Óculosescuro”..............190
Figura 20 – Pareceres da música censurada “Óculosescuro”..............191
12

APRESENTAÇÃO

A opção por pesquisar a obra do artista Raul Seixas (1945-1989) se


deve à busca por elucidar a trajetória musical vivida por ele em um período
comumente denominado de “anos de chumbo”, representados pela
repressão militar e pela censura a vários artistas. A periodização busca
resgatar a memória do artista durante o biênio 1973 e 1974, considerado
por muitos conhecedores da obra musical de Raul Seixas como o seu
apogeu ou sua melhor fase produtiva.
Diversos documentos de pesquisa foram utilizados, como o áudio
dos álbuns, as apresentações e as entrevistas concedidas pelo artista em
diversos programas de rádio e televisão, assim como depoimentos na mídia
impressa, como em jornais e revistas, analisando-se cuidadosamente os
seus relatos, que, muitas vezes, entravam em contradição, dificultando o
entendimento dos acontecimentos.
Na tentativa de se registrar a importância da influência do rock and
roll e de leituras filosóficas, que desde a infância permearam sua
personalidade, o trabalho utiliza a análise dos conceitos de juventude e
geração, a partir de interpretações das canções, servindo como um diálogo
mediante depoimentos de pessoas que conviveram com o artista.
No ano de 1976, o ouvi pela primeira vez e fiquei assustado ao ver
a capa daquele álbum, em que um velho homem me olhava profundamente;
era um olhar que me indagava e, ao mesmo tempo, estranho. Ao ouvir os
versos da canção Há 10 mil anos atrás1, fiquei cada vez mais confuso.
Como um homem poderia viver tanto tempo:

1
SEIXAS, Raul; COELHO, Paulo (Compositores). “Há 10 mil anos atrás.” In: Há 10 mil anos
atrás (LP). Raul Seixas. Rio de Janeiro: Philips (81034817), 1976.
13

Um dia, numa rua da cidade,


Eu vi um velhinho sentado na calçada
Com uma cuia de esmola e uma viola na mão
O povo parou para ouvir
Ele agradeceu as moedas
E cantou essa música
Que contava uma história
Que era mais ou menos assim
Eu nasci há dez mil anos
E não tem nada nesse mundo
Que eu não saiba demais [...]

Quem seria aquele velhinho que pedia esmolas e cantava essa


música? Em que cidade isso teria acontecido? Que tipos de pessoas
parariam para ouvir o homem que sabia demais e que viveu tanto tempo, a
ponto de dialogar com fatos históricos da humanidade?
Esse foi o primeiro contato que tive com Raul Seixas. A partir daí,
outros fatos me instigaram quando o assunto era Raul. Procurava
compreender as músicas, perceber o que elas traziam, as imagens, as
acuidades nas palavras, tudo isso marcou minha infância e adolescência.
Outro fato que me causou profundo desejo de conhecer a obra de
Raul Seixas ocorreu em 1980, quando, em uma noite, na TV Bandeirantes,
o artista entrou no Programa do Chacrinha com um enorme turbante na
cabeça e uma aranha pendurada no pescoço, ironizando a moral da
sociedade pós-anistia. Ele mesmo, anos mais tarde, definiria o uso daquele
turbante como uma sátira ao Ali-Babá e os Quarenta Ladrões,
comparando-o ao Congresso Nacional.
Raul, certamente, viveu à frente de muitos artistas e intelectuais de
sua época. Fatos que relatava em suas músicas ocorrem nos dias atuais.
Diversas citações o caracterizaram como um dos mais cultuados de sua
geração, sendo considerado um cantor “maldito” durante a vida e
transformado em um “mito” após a morte. Letras fortes e abordando temas
como a religião, o amor, a política, o trabalho ou a felicidade inspiravam o
homem daquele período a pensar em seu cotidiano.
14

Durante as visitas ao Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro,


presenciei a quantidade de documentos referentes àquele momento, que
tanto contribuíram para a produção deste trabalho. Além disso, na visita à
cidade de Salvador, percorrendo os lugares vividos por Raul Seixas nas
décadas de 1950 e 1960, foi possível observar o quanto seu imaginário
ainda está presente nos diálogos estabelecidos com seus amigos de infância
e adolescência. Sua memória é preservada por todos os cantos; nos colégios
em que estudou, nas residências em que morou, no cemitério que guarda
seus restos mortais...
Lançando-se oficialmente como cantor em 1972, Raul Seixas
difundiu uma filosofia própria em que pregava, como ele mesmo definiria,
o “Raulseixismo”, com o objetivo de obter o ideal de liberdade. Já no
início de sua carreira era considerado por muitos produtores e artistas
contemporâneos como uma promessa musical. Ele falava o que o povo
queria ouvir de uma maneira simples e objetiva, utilizando o rock como um
instrumento de fácil transmissão de suas idéias e misturando diversos
ritmos diferentes às suas canções, como o baião, o bolero, o samba e o
tango, entre outros.
Esta pesquisa está dividida em três capítulos, sendo que o primeiro,
Se hoje eu sou estrela amanhã já se apagou... de Raulzito a Raul Seixas,
pretende caracterizar a sua memória mediante os depoimentos de amigos
de infância colhidos em Salvador. Analisa-se, ainda, sua relação com o
contexto histórico, bem como o início, o auge e os últimos anos da sua
carreira artística, destacando-se a discografia do período entre 1968 e 1989.
No segundo capítulo, O monstro SIST é retado e tá doido pra
transar comigo... Raul Seixas e a Censura, busca-se discutir a ditadura e a
censura no Brasil, percorrendo o cenário cultural, social, político e
econômico daquele período.
15

Já no terceiro capítulo, Porque só tem verdades pra dizer, pra


declarar... Raul Seixas e a polícia Federal, priorizam-se os documentos da
censura e as letras compostas e interpretadas pelo artista, além da sua
prisão, tortura e exílio nos Estados Unidos.
Enfim, procura-se compreender a importância da carreira artística
do artista desde o seu início, nas décadas de 1950 e 1960, e em sua fase
áurea, abordando-se mais diretamente a censura nas décadas de 1970 e
1980.
16

CAPÍTULO I – SE HOJE EU SOU ESTRELA


AMANHÃ JÁ SE PAGOU...
DE RAULZITO A RAUL SEIXAS


Fragmento da canção Metamorfose Ambulante, composta e gravada por Raul Seixas em 1973.
17

Lá vou eu aqui de novo falar de mim, porque eu não


consigo mais falar de ninguém. Lá vou eu aqui de novo
tentando me conhecer, porque eu sei que a gente não
conhece ninguém. Acabei de tomar meu Diempax, meu
Valium 10 e um Triptanol 25, e a chuva promete não
deixar vestígios. Eu olho a janela, e quando vou
percebendo algo, me transporto para Feira Velha, e não sei
se sinto saudade ou se eu não tenho medo de morrer.
Mergulho no baú. Revejo, repasso as minhas teorias, fico
me perguntando por que eu não choro e qual a última vez
que chorei? Fico com raiva da minha bobagem, digo que é
isso mesmo, tocar o barco pra frente. Levanto e fico
achando que o ser humano é engraçado.2

Analisar a obra do artista Raul Seixas (1945-1989), por ser ampla,


complexa e contraditória, é uma tarefa difícil. Os problemas com a censura
e com as gravadoras, as separações conjugais, as ausências em shows, as
drogas e o alcoolismo permearam sua carreira, diferenciando-o de outros
artistas da sua geração.
A sua memória foi, em boa parte, resgatada de um velho baú que o
acompanhou durante sua vida, contendo álbuns de fotografias, revistas,
livros, objetos pessoais e discos. Este baú está sob a guarda de uma das ex-
esposas do artista, na cidade do Rio de Janeiro. O cantor e compositor
baiano hoje é objeto de pesquisas no emergente estudo sobre a música
popular no Brasil entre os anos de 1970 e 1980.

2
Percebe-se claramente a indignação do artista frente às realidades encontradas em sua vida
cotidiana, demonstrada como uma certa depressão. SEIXAS, Kika. O Baú do Raul. São Paulo:
Globo, 1992. p.31.
18

1.1 – VÁ E GRITE AO MUNDO QUE VOCÊ ESTÁ CERTO...


O INÍCIO...

Raul Santos Seixas nasceu em Salvador no dia 28 de junho de 1945.


Sua infância foi marcada pela influência literária do pai, Raul Varella
Seixas, técnico da estrada de ferro federal da Bahia, e pela personalidade de
sua mãe.

Mamãe vivia nos chás, era senhora de sociedade. Era ela


quem mandava em casa, uma personalidade fortíssima.
Meu pai teve uma influência muito grande sobre mim. Ele
era engenheiro. Sempre foi um cara muito lido, tinha
muitos livros e lia pra mim desde que eu era pequeno. Me
impressionei com “Don Quixote de la Mancha”, “O
Tesouro da Juventude”, “O Livro dos Porquês”. Muitos
livros de astronomia, sobre o universo, que me
fascinavam. Meu pai sempre gostou de mistérios, de
coisas estranhas, e me meteu nesse mundo estranho, de
tudo que é inexplicável na face da terra, debaixo do mar,
no céu...3

Durante muitas entrevistas, o artista demonstrou que se


impressionava com os livros que retratavam o realismo fantástico, como os
supracitados, que influenciaram sua formação artística.

Quando eu era guri, lá na Bahia, música pra mim era uma


coisa secundária. O que me preocupava mesmo eram os
problemas da vida e da morte, o problema do homem, de
onde vim, pra onde vou, o que é que eu estou fazendo
aqui. O que eu queria mesmo era ser escritor.4


Fragmento da canção de Raul Seixas e Paulo Coelho Loteria da Babilônia, gravada por Raul
Seixas em 1974.
3
PASSOS, Sylvio Ferreira. Raul Seixas por ele mesmo. São Paulo: Martin Claret, 2003. p.14.
4
Depoimento de Raul Seixas. In: Ibidem. p.13.
19

Paralelamente à leitura dos livros, ouvia todos os ritmos musicais,


desde Luiz Gonzaga até as músicas cubanas e mexicanas, os boleros e as
guarânias. Conhecia pouco sobre a música brasileira. Para ele, Pixinguinha
ou Noel Rosa eram nomes desconhecidos.
O rádio era o principal instrumento de divulgação da música no
Brasil, já que a televisão, surgida na década de 1950, ainda era um aparelho
caro para muitas famílias brasileiras, difundindo-se com maior veemência
só nas décadas posteriores.

[...] Era a primeira mídia na cultura ocidental a ter acesso


direto e imediato aos lares das pessoas, acompanhando-as
em vários momentos ao longo do dia e da noite. A família
se reunia em torno do rádio ligado na sala. O rádio era o
centro gerador de modas e sonhos. Por tudo isso e, pelo
que significou em nossa cultura, como canal da paixão do
povo brasileiro, as décadas de 1930 e 1940 (e parte da
1950) foram, substancialmente, a Era do Rádio.5

Raul Seixas sofreu influência direta do rock and roll,


principalmente porque teve contato com garotos norte-americanos, já que
morava, em 1957, ao lado do consulado dos Estados Unidos em Salvador.
Esse convívio lhe proporcionou acesso aos discos de 78 rotações, que
tomava emprestado daqueles garotos. Entre os álbuns que mais ouvia
estavam os de Eddie Cochran, Chuck Berry, Bill Halley, Jerry Lee Lewis,
Fats Domino, Little Richard e, especialmente, Elvis Presley, que se tornou
seu grande ídolo.

5
ALBIN, Ricardo Cravo. O livro de ouro da MPB. A história de nossa música popular, de sua
origem até hoje. 2ªed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003. p.81.
20

No que se referia à música e juventude, a cidade de Salvador


dividia-se entre a turma do rock, freqüentadora do Cinema Roma6, na
Cidade Baixa, e a turma da Bossa Nova, que se reunia no Teatro Vila
Velha, em Campo Grande, no centro da cidade.

[...] O que me pegou foi tudo, não só a música. Foi todo o


comportamento rock. Eu era o próprio rock, o Teddy Boy
da esquina, eu e minha turma. Porque antes a garotada não
era garotada, seguia o padrão do adulto, aquela imitação
do homenzinho, sem identidade. Mas quando Bill Halley
chegou com Rock around the clock, o filme No balanço
das horas, eu me lembro, foi uma loucura pra mim. A
gente quebrou o cinema todo, era uma coisa mais livre, era
a minha porta de saída, era minha vez de falar, de subir
num banquinho e dizer eu estou aqui. Eu senti que ia ser
uma revolução incrível. Na época pensava que os jovens
iam conquistar o mundo.7

Enquanto o filme No balanço das horas significava, naquele


período, o autêntico comportamento a se seguir para determinados jovens
da sociedade baiana, para outros, sobretudo os freqüentadores do Teatro
Vila Velha, como Caetano Veloso, representava a irracionalidade do
comportamento daqueles que freqüentavam o Cinema Roma, quebrando
vidraças ou roubando pertences de lojas inspirados na rebeldia dos atores,
retratada no filme.

O filme No balanço das horas (Rock around the clock) foi


noticiado como tendo provocado, devido ao entusiasmo
dos espectadores, depredações em cinemas do Rio de
Janeiro e, quando afinal ele foi exibido em Salvador, no
Cine Guarany (hoje Glauber Rocha), suei frio com medo

6
Cinema Roma era o templo soteropolitano da rebeldia do rock and roll, ritmo dançante que
embalou o mundo a partir de 1956. Lá foram apresentados os primeiros filmes para o público
jovem, enquanto que do outro lado da cidade havia o Teatro Vila Velha, local freqüentado pelos
jovens da elite da cidade e por muitos nomes importantes da futura MPB, entre eles Caetano
Veloso. Esses eram considerados como “inimigos” daqueles que freqüentavam o Cinema Roma,
que, por sua vez, eram tachados de entreguistas ao novo estilo musical trazido dos Estados
Unidos.
7
PASSOS, Sylvio Ferreira. Op. cit. p.15.
21

de ser possuído por alguma força irracional [...] Só que, no


caso do filme do rock, por causa da onda feita na
imprensa, alguns espectadores fingiam estar
irresistivelmente tomados pelo novo ritmo e dançavam em
pé sobre as poltronas, provavelmente para ver se
quebravam algumas, dando assim matéria para os jornais,
numa identificação com aqueles que tinham quebrado
cinemas no Rio e que, por sua vez, identificavam-se com
os americanos, de quem dizia que tinham feito o mesmo
nos Estados Unidos.8

Percebe-se que o rock não foi incorporado uniformemente pela


juventude baiana, já que de um lado havia a turma da música popular,
entendida como autêntica música brasileira, aquela baseada na Bossa Nova
ou nas músicas dos anos 30, 40 e 50, enquanto que de outro lado Raulzito,
Thildo Gama, Waldir Serrão e Edy Star9 elegiam o rock seu ritmo musical
preferido.
Em outras regiões do país, como em São Paulo e no Rio de Janeiro,
havia o movimento da Jovem Guarda.10

Eu tinha catorze anos quando começou minha vida de


rockmaníaco. Para mim, o rock foi a coisa mais
importante do século. Acho que a juventude começou a se
libertar por causa dele, a sentir que mandava no mundo.
Quando ouvia o rock and roll me dava uma vontade
danada de ficar nu e sair pulando. Depois soube que isso
acontecia a milhares de outros jovens. Até parece que o

8
VELOSO, Caetano. Verdade Tropical. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p.42.
9
Raulzito era o apelido de Raul Seixas desde a infância. Thildo Gama foi o primeiro guitarrista
a acompanhar Raul Seixas no início da carreira; hoje é auditor fiscal da secretaria da fazenda do
estado da Bahia. Waldir Serrão, que hoje tem um programa de rádio em Salvador, foi o primeiro
grande amigo de Raul na infância e adolescência; organizava shows em vários salões de festas e
até mesmo em programas de rádio e televisão. Edy Star ou Edy Cooper, nomes artísticos de
Edvaldo de Souza, que na época se apresentava como artista circense em várias casas artísticas
de Salvador, gravou um álbum com Raulzito, Sérgio Sampaio e Miriam Batucada, em 1971,
chamado Sociedade da grã-ordem kavernista apresenta sessão das dez; hoje mora em Madri,
Espanha, e faz shows em diversas casas noturnas nas principais capitais da Europa.
10
Movimento de música jovem que, ocorrido na década de 1960, foi assim denominado pela
imprensa e pelo público do programa que levava o mesmo nome. Opunha-se ao movimento da
velha guarda, caracterizado pelos antigos compositores e intérpretes de tangos, boleros, sambas
e sambas-canções das décadas de 40 e 50.
22

rock foi um negócio astral que aconteceu para mostrar um


caminho e mudar tudo.11

Para a família Seixas, ser músico não constituía uma profissão


digna e decente, principalmente tratando-se daquele tipo de música voltada
à rebeldia e com palavras sensuais. As pessoas, em geral, associavam os
roqueiros àqueles jovens quebrando cinemas e vidraças, bebendo, fumando
e roubando chicletes.
Definitivamente, Raul se transformou ao conhecer Waldir Serrão12,
que possuía vários discos de rock e havia fundado um fã-clube de Elvis
Presley, o Elvis Rock Club, tornando-se seu grande amigo de infância e
adolescência.
Aquela juventude parecia facilmente construir uma relação de
afinidades com o outro, tendendo a agrupar-se em um grupo, uma gangue,
uma turma ou até mesmo um movimento. Diferenciava-se da geração13
anterior, que, na fase de transição social, física e psicológica, passava de
criança para pequeno homem, com características muito semelhantes às dos
adultos, dedicando-se ao estudo para a conquista de um emprego ou à
constituição de uma família.
Mas o que era o rock? O rock, de fáceis acordes ou melodias, era
visto como algo que alterava a personalidade do indivíduo, como se o
tirasse da realidade e o levasse para uma outra dimensão, fazendo-o refletir

11
Depoimento do cantor e compositor Erasmo Carlos. In: MEDEIROS, Paulo de Tarso Cabral.
A Aventura da Jovem Guarda. Coleção Tudo é História 92. São Paulo: Brasiliense, 1984. p.14-
15.
12
“Raulzito queria ser o melhor, tinha aquele pimpão do Elvis, mas eu conhecia tudo de rock,
tinha os discos e isso fascinou o Raul.” Depoimento de Waldir Serrão, concedido ao autor em
10 de janeiro de 2007, na cidade de Salvador/BA.
13
O conceito de geração é entendido como uma similaridade de situação num mesmo tempo
histórico, em que pessoas de um mesmo grupo etário têm uma localização comum na dimensão
histórica do processo social. A identificação não ocorre somente pela contemporaneidade, mas
também pela possibilidade de partilhar sentimentos, pensamentos, comportamentos, enfim,
experiências colocadas por circunstâncias históricas e sociais comuns. In: PEDERIVA, Ana
Bárbara Aparecida. Jovem Guarda: Cronistas Sentimentais da Juventude. São Paulo:
Companhia Editora Nacional, 2000. p.60.
23

sobre suas emoções. O ritmo e as letras agradavam à juventude,


respectivamente, porque estimulava a libertação na maneira de dançar e
diziam o que se queria ouvir.

[...] O rock pressupõe a troca, ou melhor, a integração do


conjunto ou do vocalista com o público, procurando
estimulá-lo a sair de sua convencional passividade perante
os fatos [...] O rock é, portanto, e antes de tudo, som. Ao
contrário de outras artes que nos tocam pelo mais racional
órgão dos sentidos, que é a visão, a música nos atinge pelo
mais sensível, que é a audição. Para nos desviarmos de um
quadro que não nos agrada, teremos muito mais facilidade
do que uma música. Seu leque de ação no espaço parece
ser muito mais aberto, quase infinito, porque as notas se
espalham em ondas mais amplas do que os traços presos
aos limites concretos das molduras. Nesse sentido, dentro
da música, uma nota distorcida de guitarra parece atingir
não só o ouvido e o cérebro, mas cada uma das células do
corpo humano, fazendo do rock um dos ritmos musicais
mais agitados que se conhece nas sociedades modernas
[...] O rock é muito mais do que um tipo de música: ele se
tornou uma maneira de ser, uma ótica da realidade, uma
forma de comportamento. O rock se define pelo seu
público.14

O rock foi, para aquela geração, uma novidade a que muitos jovens
aderiram em grandes cidades do mundo.

A novidade da década de 1950 foi que os jovens das


classes alta e média, pelo menos no mundo anglo-
saxônico, que cada vez mais dava a tônica global,
começaram a aceitar a música, as roupas e até a linguagem
das classes baixas urbanas, ou o que tomavam por tais,
como seu modelo. O rock foi o exemplo mais espantoso.
Em meados da década de 1950, subitamente irrompeu do
gueto de catálogos de Raça ou Rhythm and Blues das
gravadoras americanas, dirigidos aos negros pobres dos
EUA, para tornar-se o idioma universal dos jovens, e
notadamente dos jovens brancos.15

14
CHACON, Paulo Pan. O que é Rock. Coleção Primeiros Passos 68. São Paulo: Brasiliense,
1982. p.12-18.
15
HOBSBAWM, Eric J. A Era dos Extremos: O breve século XX 1914-1991. São Paulo:
Companhia das Letras, 1995. p.324.
24

O rock nos Estados Unidos era considerado o estilo musical do pós-


guerra. Foi, ainda, responsável pela aceleração do processo de “libertação”
do jovem, que passou a mascar chiclete, levantar a gola da camisa, usar
calça jeans, pilotar motocicleta e até dirigir carro. Esses eram os sinais de
liberdade que formavam um novo estilo de vida e, por conseguinte,
fomentavam a indústria cultural ou a cultura de massas16 para a juventude.
Quase tudo se voltava para aquele público, como a difusão do refrigerante,
das jaquetas de couro, das botas e até mesmo dos penteados.

[...] eu gostava muito de música, dos artistas da época,


Francisco Carlos, Emilinha Borba, Ângela Maria, Jackson
do Pandeiro e outros que vieram a surgir depois, o Cauby
[...] até o dia em que eu ouvi o Bill Halley e seus Cometas
com “Rock around the clock” [...] então a gente teve
consciência que era rock and roll e que era a música que a
juventude queria ouvir, porque a gente antes ouvia o que
os pais da gente queriam ouvir, então a gente pela primeira
vez passou a ter música própria.17

O rock cantado e dançado por Elvis Presley, a rebeldia de James


Dean no cinema e a junção dos dois com Bill Halley e seus Cometas em
Rock around the clock formaram a tendência da juventude em expor suas
idéias e comportamentos, mas sem a racionalidade de perceber as
transformações sociais, utilizando apenas a emoção.
Todavia, o rock contribuiu para o aparecimento de novos
comportamentos sociais. A geração de fãs do rock e do cinema abriu
caminhos para a divulgação de muitos cantores.

16
Aqui se observa como a indústria cultural se beneficia dessa nova camada de consumidores,
os jovens, já que passaram a consumir guloseimas, bebidas, vestimentas e até mesmo veículos
como carros e motocicletas, surgindo, assim, novos produtos voltados para esse público. “[...] A
cultura de massas, que, pela sua íntima imbricação com os sistemas de produção e mercado de
bens de consumo, acabou sendo chamada pelos intérpretes da Escola de Frankfurt, indústria
cultural, cultura de consumo.” BOSI, Alfredo. Dialética da Colonização. São Paulo:
Companhia das Letras, 2006. p.309.
17
Depoimento do cantor e compositor Erasmo Carlos. In: PEDERIVA, Ana Bárbara Aparecida.
Op. cit. p.74.
25

O cinema trazia algo novo ao jovem, porque além da


imagem, o filme era acompanhado da trilha sonora, e isso
provocaria em Raulzito a efervescência de querer ser
transformado em um ídolo, ou pelo menos, copiar o seu
grande ídolo Elvis Presley.18

A respeito do cinema, procurava-se demonstrar que:

[...] a atividade do espectador, quando vê um filme, não


deixando de ser uma atividade de compreensão, não lhe
dispensa a capacidade crítica. Construindo a sua história
no filme, o cineasta procura fazer com que seu
entendimento seja apreensível pelo espectador. É isso que
comumente se chama de impressão de realidade. Do
mesmo modo que o espectador, o cineasta realiza uma
construção, pedaço a pedaço. E, dada a dinâmica do
processo e, dada também a natureza fortemente individual
da construção do significado, não é possível admitir que os
espectadores se deixem manipular facilmente.19

Influenciado pelo cinema e pelo rock, Raulzito fundou, em 1962, ao


lado de Thildo Gama, o grupo Os Relâmpagos do Rock, que um ano mais
tarde teria seu nome mudado para The Panthers, com a chegada de Délcio
Gama – irmão de Thildo Gama – à banda, e em 1964 para Raulzito e os
Panteras. Nessas primeiras formações cantavam músicas de artistas
estrangeiros.
Localizada na rua Areal de Baixo, próxima ao largo Dois de Julho,
no centro de Salvador, a casa da família Gama era o local de ensaios do
conjunto, muito freqüentados por Gilberto Gil, Caetano Veloso, José
Carlos Capinam, Tom Zé e outros jovens da cidade.

18
ABONIZIO, Juliana. O Protesto dos Inconscientes: Raul Seixas e a Micropolítica.
Dissertação (Mestrado em História Social), UNESP, Assis, 1999. p.52.
19
DUTRA, Roger Andrade. “Da Historicidade da Imagem à Historicidade do Cinema.” In:
PROJETO HISTÓRIA. n.21. História e Imagem. São Paulo: Educ, 2000. p.138.
26

Raulzito, Thildo e Délcio sempre acompanhavam as novidades do


rock na América, assistindo, inclusive, à chegada do novo estilo de rock
dos Beatles, que provocou grande impacto nos jovens no início da década
de 1960. A banda inglesa trouxe ao Brasil muitas inovações musicais,
excursionando por diversas partes do mundo, como o Japão e os Estados
Unidos.
Compondo as próprias letras e vestindo-se de maneira diferenciada,
com ternos e gravatas, os Beatles criaram um estilo comportado,
diferenciando-se dos conjuntos americanos e dos outros grupos ingleses,
como os Rolling Stones. Para Raul Seixas, os Beatles, além de inovarem na
melodia, inventaram uma nova forma de se dizer algo.

Foram os Beatles que me deram a porrada. Foi quando os


Beatles chegaram e passaram a cantar as próprias coisas
deles que eu vi, pôxa, esses caras estão cantando
realmente a vida, estão dizendo o que há pelo mundo, o
que pensam. Então eu posso fazer a mesma coisa, dizer
exatamente o que penso em minhas músicas. Foi quando
eu comecei a compor, juntando tudo no meu caderninho.20

Seguindo seus novos ídolos, em 1963, Raulzito compôs sua


primeira letra, intitulada “Oh! Por Quê?”, demonstrando, influenciado
pelos Beatles, um romantismo inocente, diferente em relação ao rock
sensual e malicioso de Elvis Presley. A canção de Raul expressava o amor
a uma garota:

Oh! Não sei porque


Gosto tanto assim de você
Não sei mais viver sem teus olhos azuis
Oh! Não há razão!
Para ter esta louca paixão
Não sei mais viver, sem teus olhos azuis
Agora tenho mais porque viver

20
PASSOS, Sylvio Ferreira; BUDA, Toninho. Raul Seixas: uma antologia. São Paulo: Martin
Claret, 1992. p.77.
27

Tenho esta jóia que é você


Oh! Não há razão!
Para ter esta louca paixão
Não sei se são, os teus olhos azuis.21

Em 1964, Raulzito e Os Panteras faziam sucesso tocando e


cantando músicas dos Beatles e já ganhavam dinheiro se apresentando em
programas de rádio e televisão. No referido ano, excursionaram pelo
interior da Bahia e, em muitas ocasiões, foram contratados para
acompanhar artistas consagrados da Jovem Guarda durante suas
apresentações no Cinema Roma, como Roberto Carlos, Wanderléa,
Wanderley Cardoso e Jerry Adriani. Estabeleceu-se, assim, uma sintonia
musical perfeita, já que estes artistas também cantavam músicas inspiradas
nas letras dos Beatles, mas no ritmo “ie ie ie”22, e faziam várias traduções
da banda inglesa no Brasil.
Ainda em 1964, eclodiu no Brasil o Golpe Militar, que, entretanto,
nada interferiu no conjunto, já que os seus integrantes eram tachados de
entreguistas por cantarem músicas estrangeiras.

Estavam tão envolvidos com a música e haviam se


distanciado da escola de forma que o golpe militar não
teve realmente importância. Estavam realmente alienados,
embora cada um, isoladamente, tivesse sua própria opinião
a respeito.23

Delma Gama, irmã de Thildo e Délcio Gama, comentando sobre a


instalação da Ditadura Militar, revelou:

21
Letra extraída de gravações feitas por Raulzito Seixas na cidade de Salvador em 1964. In:
Raul Seixas Gravado em Casa (1964/1988). Produção independente de Sylvio Ferreira Passos,
presidente do Raul Rock Club – Raul Seixas Oficial Fã-Clube, 1993.
22
O termo “ie ie ie” acabou se tornando sinônimo dos seguidores da beatlemania, pois na
música “She loves you” os Beatles entoavam o refrão “ie ie ie”.
23
Depoimento de Carlos Eládio, guitarrista do grupo Raulzito e os Panteras. In: ABONIZIO,
Juliana. Op. cit. p.63.
28

Meu pai era engajado em questões políticas, tanto é que


alguns dias após o golpe, ele foi perseguido por alguns
homens que não se identificaram e obrigado a se esconder
em casa. Nós estávamos no fundo de casa e, como não
conseguiram encontrar papai, foram embora ameaçando-
nos. Pouco tempo mais tarde, papai foi assassinado.24

Mesmo depois deste episódio, o conjunto não se ateve aos


acontecimentos políticos do país e continuou a excursionar por várias
cidades da Bahia, aproveitando o momento propício para acompanhar
artistas conhecidos do rádio e da televisão. Dessa forma, Raul Seixas, no
início de sua carreira, foi considerado alienado, entreguista e adepto aos
ideais norte-americanos por não incluir assuntos políticos em suas letras,
como fazia a maior parte da MPB e o Tropicalismo.
Diferenciando-se das outras formas musicais, o Tropicalismo surgiu
procurando resgatar aspectos do passado cultural brasileiro e utilizando
instrumentos eletrônicos, o que o fez sofrer muitas críticas. O movimento
foi apresentado ao país no III Festival de Música Popular Brasileira,
promovido pela TV Record, em São Paulo, no ano de 1967.25

Dessa forma, quando explodiu o Tropicalismo, liderado


por Gilberto Gil e Caetano Veloso, este movimento
colorido e multiforme sofreu pesadas críticas, pois a
brasilidade não era tão patente em suas canções. Mesmo
Gil e Caetano, que despontaram para o meio artístico com
músicas que tratavam das temáticas privilegiadas pela
MPB, precisavam explicar-se para público e crítica. Em
1967, ao incorporar outros instrumentos além do violão e
outra estética, espantaram o público com uma proposta
que estava longe de ser uma música despolitizada.26

24
Depoimento de Delma Gama, concedido ao autor em 10 de janeiro de 2007, na cidade de
Salvador/BA.
25
VILARINO, Ramon Casas. A MPB em Movimento: Música, Festivais e Censura. São Paulo:
Olho d’Água, 2002. p.119.
26
Ibidem. p.20.
29

Após os Festivais da TV Record e o estabelecimento do AI-5, o


período entre 1968 e 1972 foi marcado não pela escassez de grandes nomes
da MPB ou pela falta de criatividade dos novos artistas, mas pela expansão
do mercado da música de apelo popular ou da Jovem Guarda, movimento
que ressaltava os sentimentos em vez dos protestos.

A maneira que a gente tinha de protestar era com atitudes,


não com letras, nem fazendo parte da juventude que estava
engajada, nada disso, a gente fazia nossa música, querendo
quebrar alguns tabus sem que a gente fosse se envolvendo
politicamente, pra não causar problemas familiares
principalmente, porque toda revolução é bolada pela
inteligência e feita pela classe mais baixa, a inteligência
induz você a pegar em armas, mas ela fica lá no gabinete
dando ordem pra você, e no nosso caso, como nós viemos
das massas [...] todos tinham muito medo de se envolver
politicamente, porque não sabiam se estavam sendo
envolvidos pelas elites [...] a gente tinha plena consciência
do que estava acontecendo...27

No final da década de 1960, sobretudo no Rio de Janeiro, o cenário


musical apresentava-se como promissor para muitos conjuntos e intérpretes
de outras regiões do país, principalmente oriundos do Norte e Nordeste.
Havia várias gravadoras multinacionais, além da diversidade de gêneros
musicais. De um lado estavam a Jovem Guarda e o Samba, freqüentemente
encontrados no subúrbio, e de outro a Bossa Nova, mais apreciada na zona
sul, despertando em muitos artistas brasileiros a expectativa de serem
contratados por gravadoras.
Após três anos acompanhando vários artistas em Salvador e nas
cidades do interior da Bahia, Raulzito e os Panteras foram convidados por
Jerry Adriani a participarem de um programa na TV Tupi, do Rio de
Janeiro, chamado A Grande Parada, apresentado pelo próprio cantor.
Embarcaram para o Rio de Janeiro, em 1967, Raulzito Seixas e Edith

27
Depoimento do cantor e compositor Márcio Antonucci (os Vips). In: PEDERIVA, Ana
Bárbara Aparecida. Op. cit. p.51.
30

Nadine Wisner, então sua esposa, Mariano, Carleba e Eládio. Após a


apresentação na TV Tupi, Jerry Adriani os levou para a Odeon, onde
gravaram seu primeiro álbum, que recebeu o mesmo nome do grupo. O
álbum não vendeu muito, como anos mais tarde Raul Seixas explicaria:

Por azar chegamos no final da safra, não entendíamos


nada do que se passava. Agnaldo Timóteo num lado e
Caetano, Gil e Mutantes do outro [...] Tivemos que
compor. Complicamos demais. Não tínhamos idéia do que
era ou não comercial em matéria em português. Algo
estava errado. Ninguém conhecia Chuck Berry, Mick
Jagger, Vanilla Fudge, Frank Zappa e outros caras desses
por aí.28

Naquele momento, as canções compostas pelo grupo não agradaram


no mercado comercial, o que foi assim justificado pelo seu líder: “[...] a
gente não sabia como fazer. Tocávamos umas coisas complicadas, minhas
letras falavam de agnosticismos, essas coisas.”29 Como no caso de Menina
de Amaralina:30

Menina de Amaralina
Eu quero o seu amor
Menina! Oh! Menina linda
Volte por favor [...]
Agora a praia chora
Querendo lhe rever
Nem mais a lua quer
Lá no céu aparecer

As músicas narravam histórias sentimentais com inocência ou de


lugares da Bahia, diferenciando-se dos temas da Jovem Guarda, com seus

28
PASSOS, Sylvio Ferreira. Op. cit. p.25.
29
Ibidem. p.44.
30
SEIXAS, Raul (Compositor). “Menina de Amaralina.” In: Raulzito e os Panteras (LP).
Raulzito e os Panteras. Rio de Janeiro: Odeon (0544225721A), 1967.
31

carrões e brotos. A canção Você ainda pode sonhar31, uma versão de Lucy
in the sky with diamonds32, dos Beatles, era na época a música mais
conhecida do conjunto.

Pense num dia com gosto de infância


Sem muita importância procure lembrar
Você por certo vai sentir saudades
Fechando os olhos verá
Doces meninas dançando ao luar
Outras canções de amor
Mil violinos e um cheiro de flores no ar
Você ainda pode sonhar
Você ainda pode sonhar
Você ainda pode sonhar
Feche os olhos bem profundamente
Não queira acordar procure dormir
Faça uma força, você não está velho demais
Pra voltar e sorrir
Passe voando por cima do mar
Para a ilha rever
Vá saltitando sorrindo a todos que vê
Você ainda pode sonhar
Você ainda pode sonhar
Você ainda pode sonhar

No entanto, forçados a adiar o sonho da carreira artística, os


membros do grupo tiveram que retornar a Salvador. Apesar das
dificuldades financeiras, Raul e Edith ainda permaneceram no Rio de
Janeiro por dois anos, como contaria o cantor, mais tarde, na música Ouro
de Tolo, de 1973: “Depois de ter passado fome por dois anos aqui na cidade
maravilhosa [...].”33

31
LENNON, John; McCARTNEY, Paul (Compositores). “Você ainda pode sonhar.” Versão de
“Lucy in the sky with diamonds.” In: Raulzito e os Panteras (LP). Raulzito e os Panteras. Rio
de Janeiro: Odeon (0544225721A), 1967.
32
LENNON, John; McCARTNEY, Paul (Compositores). “Lucy in the sky with diamonds.” In:
Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band (LP). Beatles. S.l.: Parlophone, 1967.
33
SEIXAS, Raul (Compositor). “Ouro de Tolo.” In: Krig-há, Bandolo! (LP). Raul Seixas. Rio
de Janeiro: Philips (6349078), 1973.
32

Depois de voltar desiludido para Salvador, em 1969, Raul Seixas


recebeu outro convite de Jerry Adriani, agora para trabalhar na CBS
Discos, gravadora presidida por Evandro Ribeiro, que a ele confiou o
promissor cargo de produtor musical. Em depoimento, o artista dizia:

Os Beatles aprenderam no estúdio e eu também. Aprendi


os macetes todos, aprendi a fazer a música fácil, que diz
direitinho o que a gente quer dizer. Eu já sabia que gostava
de palco. Mas foi no Rio, depois dos Panteras, que desisti
mesmo de ser escritor. Vi que os sulcos do disco levavam
muito melhor o que eu queria dizer.34

Durante o período em que esteve na CBS Discos, de 1969 a 1972,


Raul compôs cerca de oitenta músicas e produziu álbuns para diversos
artistas da Jovem Guarda, como Jerry Adriani, Trio Ternura, Renato e Seus
Blue Caps, Leno e Lílian, Ed Wilson, Diana e Odair José, entre outros.
Adquiriu, assim, certo prestígio, já que conseguiu introduzir músicas desses
artistas nas rádios de todo Brasil, emplacando alguns sucessos, tais como
Tudo que é bom dura pouco, Se pensamento falasse e Doce, doce amor,
com Jerry Adriani; Ainda queima a esperança, com Diana; Um drink ou
dois e Objeto voador, com Leno e Lílian, entre outros.

[...] produzi a dupla Tony & Frankie, o Trio Ternura e um


amigo chamado Sérgio Sampaio, que foi o primeiro artista
anônimo que eu realmente descobri. Acreditei muito nesse
cara.35

Em 1971, na ausência do presidente da gravadora, lançou, ao lado


de Edy Star, Miriam Batucada e Sérgio Sampaio, o álbum Sociedade da
grã-ordem kavernista apresenta sessão das dez. Gravado nos moldes do
movimento da Tropicália, o Disco misturava guitarras elétricas com

34
PASSOS, Sylvio Ferreira. Op. cit. p.45.
35
Ibidem. p.75.
33

instrumentos de percussão, fazendo uma sátira aos padrões


comportamentais da época36 e baseando-se na combinação de diversos sons
diferentes, sob a influência dos Beatles, principalmente da canção Sgt.
Pepper´s Lonely Hearts Club Band, de 1967, e de Frank Zappa. Entre as
faixas do álbum estava Aos trancos e barrancos:37

[...] Rio de Janeiro você não me dá tempo


De pensar com tantas cores
Sob este sol
Pra que pensar, se eu tenho o que quero
Tenho a nega e o meu bolero
A TV e o futebol [...]

Em um trecho de Sessão das dez38, outra canção do referido álbum,


Edy Star cantava de forma debochada sobre o sentimento, a dor e a solidão.

[...] Curtiu com meu corpo


Por mais de dez anos
E depois de tal engano
Foi você quem me deixou [...]

O álbum, contudo, não foi comercialmente bem-sucedido e, quando


o presidente da gravadora, Evandro Ribeiro, voltou às suas atividades, Raul
foi demitido e os discos recolhidos das lojas.

36
O álbum foi produzido por Raulzito Seixas; nele aparecem elementos voltados à
contracultura, como as palavras ditas pelo conjunto, caracterizando o movimento hippie
misturado com acordes da Jovem Guarda e padrões de consumismo, como no caso da compra
de televisores, partidas de futebol no estádio do Maracanã, carnaval e muitos outros assuntos
relacionados à cultura daquele período. Esse álbum foi, durante muitos anos, um dos mais raros
discos do Brasil.
37
SEIXAS, Raul (Compositor). “Aos trancos e barrancos.” In: Sociedade da grã-ordem
kavernista apresenta sessão das 10 (LP). Sérgio Sampaio, Raul Seixas, Miriam Batucada e Edy
Star. Rio de Janeiro: CBS Discos, 1971.
38
SEIXAS, Raul (Compositor). “Sessão das dez.” In: Sociedade da grã-ordem kavernista
apresenta sessão das 10 (LP). Sérgio Sampaio, Raul Seixas, Miriam Batucada e Edy Star. Rio
de Janeiro: CBS Discos, 1971.
34

Sobre a questão da produção do álbum, cabe refletir sobre como as


músicas são criadas e entendidas pelos diretores, produtores, intérpretes e
até mesmo pelo público:

As músicas atingem recordes de venda e caem no


esquecimento com incrível rapidez. No dizer do Sr. Milton
Miranda, diretor-artístico da ODEON, “o público é um
grande monstro, sempre à espera de alguma coisa que
ninguém sabe o que é” [...] Atira a culpa desses sucessos,
portanto, ao público; mas os discos foram produzidos por
alguém, no fim de contas; o produtor nada tem a ver com
esses sucessos, parece ser a tese do porta-voz da fábrica, a
“voz do dono” [...] Segundo tais declarações, nem só o
público consumidor é a fonte do baixo nível artístico das
gravações; os cantores participam, também, dessa
responsabilidade: “Com o repertório nas mãos, o produtor
pensa no cantor adequado. Este, convidado, poderá rejeitar
a gravação de músicas que não sinta ou não convenham à
sua carreira. Daí a insistência de alguns para que o
intérprete grave mesmo composições de que não goste.” O
Sr. Milton Miranda opina: “Um cantor realmente
profissional ouviria sempre o produtor, pois somos pagos
para pensar em termos de público. O artista, ao contrário,
em geral está unicamente preocupado com o lado pessoal
do problema.”39

A respeito desse período e, mais especificamente, desse álbum,


Raul Seixas, anos mais tarde, rememorou:

[...] Sérgio Sampaio, que foi o primeiro artista anônimo


que realmente eu descobri. Acreditei muito nesse cara.
Acreditei tanto que ele me incentivou a voltar a ser artista
outra vez. “Você produz bem, por que não produz a você
mesmo?”, dizia ele a toda hora. E fiz isso. Produzi um
disco (meu favorito) com o Sérgio Sampaio, comigo, com
Miriam Batucada e um excelente artista baiano chamado
Edy. Cada um cantava suas músicas em faixas separadas,
num trabalho que resumia o caos da época [...] Este álbum
merece algumas palavras a respeito. Todas as músicas,
exceto uma, foram escritas por mim e por Sérgio. Foi uma

39
Artigo: “Divulgadores, disc-jockeys e caititus promovem o sucesso. Mas o público é quem dá
a última palavra.” In: SODRÉ, Nelson Werneck. Síntese de História da Cultura Brasileira. São
Paulo: Difel, 1983. p.103-104.
35

caricatura incrível. Valeu a pena, apesar de ter vendido


pouco. Nós nos divertimos muito. Foi também a primeira
vez que fiz algo para ser consumido e do qual me senti
paranoicamente orgulhoso e feliz. Tem duas músicas
minhas nesse disco que não consigo esquecer. Uma
chama-se Sessão das Dez, que dei pro Edy cantar. Ficou
maravilhosa. A outra é Dr. Paxeco (com xis) na qual eu
toquei todos os instrumentos com exceção da bateria, além
de cantar comigo mesmo numa terça acima. O disco
termina com o público vaiando (que é costume desde o
grande advento dos festivais) e uma descarga de privada
pra terminar. Esse disco foi em 1971. Foi a última coisa
que eu fiz de bacana antes de colocar duas músicas no
festival.40

Ainda sobre esse álbum, vale referir que, ao ser lançado, Henfil
mostrou, com seus desenhos, o humor escrachado que os artistas
depositaram na gravação ao misturarem cafonices com ruídos,
simbolizando o que as pessoas fazem em casa frente a um gravador.
Segundo o cartunista, o álbum incomodava os censores, que demonstravam
insatisfação principalmente com a sátira realizada acerca do cotidiano e
com a confusão entre samba, futebol e televisão. Mas esse trabalho, na
verdade, procurava enaltecer a cultura da cidade do Rio de Janeiro,
conforme demonstrou Henfil na produção do seguinte desenho:

40
PASSOS, Sylvio Ferreira. Op. cit. p.75-76.
36

Figura 1 – “Charanga do Urubu”.41

41
SEIXAS, Kika. Raul Rock Seixas. 2ªed. São Paulo: Globo, 1996. p.66.
37

1.2 – EU SOU A LUZ DAS ESTRELAS...


O MEIO...

No final dos anos 1960 e, principalmente, no início dos anos 1970,


a cultura, para os brasileiros, ganhou novas dimensões com a difusão dos
meios de comunicação. Não só a televisão se expandiu, mas também as
revistas e os encartes semanais sobre os artistas, com fotonovelas,
entrevistas e pôsteres dos cantores, atingindo um público maior mediante as
bancas de jornal.
Porém, contrastava com a difusão cultural a implantação do AI-5,
em dezembro de 1968, os exílios e a censura a artistas e intelectuais
brasileiros. Com exceção à imprensa diária, que recebia censura direta, a
comunicação chegava rapidamente a várias camadas da população.42
Paralelamente à expansão da cultura de consumo e à repressão do governo
militar, surgiam no Brasil manifestações de contracultura na música, no
teatro e no cinema.
O ano de 1972 foi importante para a carreira artística de Raul
Seixas, embora o então produtor musical tenha sido demitido da CBS
Discos após produzir e lançar, na ausência do presidente da multinacional,
o álbum Sociedade da grã-ordem kavernista apresenta sessão das 10, que
o levou a decidir ser intérprete de suas próprias composições. Ele, então,
inscreveu-se no VII Festival Internacional da Canção, da TV Globo, com
duas músicas, que foram classificadas para as finais: “Eu sou eu, Nicuri é o
Diabo”, interpretada pelo grupo Os Lobos, e “Let me sing, let me sing”,
cantada por ele mesmo, usando o nome artístico “Raul Seixas”, além de
roupas de couro, topete e brilhantina no cabelo.


Fragmento da canção Gita, de Raul Seixas e Paulo Coelho, gravada por Raul Seixas em 1974.
42
NAPOLITANO, Marcos. Cultura brasileira utopia e massificação (1950-1980). Coleção
Repensando a História. São Paulo: Contexto, 2001. p.81.
38

Para sua performance, que foi uma homenagem ao rock and roll,
Raul preparou-se de maneira diferente da habitual, apresentando-se de
cabelos e barbas longos e de óculos escuros. Essa aparência permearia sua
carreira até a sua morte, em 1989; apenas em 1977 o cantor e compositor
adotou, ainda que temporariamente, outro visual, raspando a barba para
fazer uma homenagem ao seu grande ídolo, Elvis Presley, que morrera
naquele ano.
Raul misturou suas duas principais influências musicais da
adolescência: Elvis Presley, com o rock; e Luiz Gonzaga, com o baião.
Sobre esses dois gêneros43, comentou:

Sempre me é difícil falar das coisas que eu escrevo, isto é,


dissecar o trabalho numa análise mais além do que eu sei
que já disse nas letras. Já está lá. Tudo expresso nas letras.
É uma manifestação muito pessoal da situação atual da
coisa. Como eu vejo e sinto e devia dizer a coisa. Ou não
dizer nada. Isso depende. Na música Let Me Sing tenho a
influência de duas correntes de minha vida: o rock e o
baião. Eu sinto o rock primitivo que veio do country,
exatamente como sinto o baião, que é o nosso “country”.
Existe uma semelhança enorme nessas duas músicas, ou
pelo menos somente eu que vejo. Ouvi muito country e
baião quando era criança. Eu Sou Eu, Nicuri é o Diabo é
uma cucaracha, eu vejo assim, essa letra, não sei por que,
me lembra muito o estilo de Caetano ou Gil, sei lá como é
que me apareceu essa idéia na cabeça. Eu gosto.44

No dia 17 de setembro de 1972, Raul apresentou-se ao vivo no


Ginásio do Maracanãzinho, cantando a música Let me sing, let me sing45,

43
Esses dois gêneros musicais influenciaram Raul Seixas, pois eram os que mais o artista ouvia
durante sua infância e adolescência. Enquanto viajava com seu pai pelas estradas de ferro das
cidades do interior da Bahia e de outros estados da região nordeste, ouvia o baião de Luiz
Gonzaga e, quando ficava na capital, tinha contato direto com o rock and roll de Elvis Presley,
mediante seus amigos do consulado americano.
44
PASSOS, Sylvio Ferreira. Op. cit. p.76.
45
SEIXAS, Raul; WISNER, Edith Nadine (Compositores). “Let me sing, let me sing.” In: Let
me sing my rock’n’roll (Compacto Simples). Raul Seixas. São Paulo, 1972.
39

que, com uma letra que caracteriza o hibridismo musical, une os dois
ritmos supracitados que influenciaram sua carreira.

Let me sing, let me sing, let me sing my rock and roll


Let me sing, let me swing, let me sing my Blues and go
Não vim aqui tratar dos seus problemas
O seu Messias ainda não chegou
Eu vim rever a moça de Ipanema
E vim dizer que o sonho, o sonho terminou

Neste trecho da canção, Raul Seixas caracterizou o Rio de Janeiro


como uma cidade que representava a beleza feminina descrita na música
Garota de Ipanema, dos compositores Tom Jobim e Vinícius de Morais.
Em sua composição, teve, ainda, a intenção de lamentar que o “sonho
acabou”46, se referindo aos Beatles, que se separaram em 1970.

Let me sing, let me sing, let me sing my rock and roll


Let me sing, let me swing, let me sing my Blues and go
Tenho 48 quilos certos, 48 quilos de baião
Não vou cantar como a cigarra canta
Mas desse meu canto não lhe abro mão

O ritmo lembra um baião executado ao som da guitarra, enquanto


que a letra é ingênua, oferecendo, no entanto, certas provocações aos
intérpretes da música popular brasileira, com palavras inspiradas nas raízes
culturais nordestinas.

Let me sing, let me sing, let me sing my rock and roll


Let me sing, let me swing, let me sing my Blues and go
Não quero ser o dono da verdade
Pois a verdade não tem dono não
Se o verde, verde é o verde da verdade
Dois e dois são cinco não é mais quatro não

46
Frase dita por John Lennon, em 1970, ao decidir separar-se dos Beatles e seguir carreira solo.
40

O artista buscava inspiração em filosofias retiradas de suas leituras


na adolescência. Ainda em Let me sing, let me sing se referiu à ditadura
militar, dizendo-se inofensivo a qualquer tipo de ordem ou autoridade do
governo:

Let me sing, let me sing, let me sing my rock and roll


Let me sing, let me swing, let me sing my Blues and go
Não vim aqui querendo provar nada
Não tenho nada pra dizer também
Só vim curtir meu rockzinho antigo
Que não tem perigo de assustar ninguém

O artista relatou em diversas entrevistas a importância da língua


inglesa na sua formação musical: “[...] eu falava e falo fluentemente o
inglês.”47 Desde a infância habituou-se ao idioma, que conheceu mediante
o contato com os amigos do consulado dos Estados Unidos. Mais tarde, se
casou com duas mulheres americanas, Edith Nadine Wisner, filha de
pastores protestantes, em 1967, e Glória Vaquer, irmã de seu guitarrista
Gay Vaquer, em 1975.
A partir do VII Festival Internacional da Canção, Raul Seixas
passou a ser o novo contratado da Philips, deixando de vez a profissão de
produtor musical para dedicar-se à carreira de cantor. Ainda em 1972,
gravou seu primeiro compacto simples, com as músicas Let me sing, let me
sing e Teddy Boy rock e brilhantina.
O mercado musical se expandia, embora muitos cantores da MPB
se encontrassem fora do país. Restou aos muitos que aqui permaneceram
ou despontaram a tarefa de criar novos mecanismos para atender ao
mercado fonográfico brasileiro, como a Jovem Guarda, a Bossa Nova, o
Samba e a música de apelo popular. Esta última, com uma quantidade
consideravelmente grande de representantes, favoreceu a emergente

47
PASSOS, Sylvio Ferreira. Op. cit. p.142.
41

indústria cultural ou cultura de consumo em massa. Surgiram artistas dos


quatro cantos do Brasil.
Não se pode desconsiderar a importância que certas músicas de
apelo popular adquiriram para a sociedade brasileira, como a canção de
Odair José Pare de tomar a pílula48, que, ao ser censurada, foi uma das
mais tocadas no ano de 1973, mostrando de forma consciente o problema
do controle da natalidade ou até mesmo questões religiosas, verdadeiros
tabus para a sociedade brasileira.
A música no Brasil se dividia também em outros segmentos, como
a música universitária ou de protesto, a black music, as músicas
internacionais cantadas por intérpretes brasileiros e os temas das
telenovelas da Rede Globo de Televisão, então em destaque. Para as
canções-tema das tramas globais foi, inclusive, criada uma gravadora
especializada no assunto, a Som Livre, que as transformou em grandes
sucessos nacionais.
Havia também o rock nacional, com Secos e Molhados, Rita Lee e
o Tutti Frutti, Made in Brazil e Mutantes. Mas, entre os anos de 1973 e
1974, Raul Seixas se destacaria como o compositor e intérprete que
arquitetou um novo jeito de cantar rock no Brasil49, re-criando o rock
brasileiro, já que antes do artista este ritmo musical era uma cópia ou
tradução do que se fazia nos Estados Unidos e na Inglaterra, principalmente
com o Elvis Presley e os Beatles, que inspiraram diretamente os integrantes
do movimento da Jovem Guarda.
O cantor e compositor Raul Seixas criava suas canções com
questões metafísicas, filosóficas e, utilizando certas táticas, fazendo críticas

48
ARAÚJO, Paulo César de. Eu não sou cachorro não – Música popular cafona e ditadura
militar. 4ªed. Rio de Janeiro: Record, 2003. p.205.
49
NAPOLITANO, Marcos. Op. cit. p.87.
42

ao governo ou ao sistema burocratizado de algumas instituições, como a


Igreja e, principalmente, o Estado, já que os considerava “Monstro Sist”.50
Em 1973, lançou outro compacto simples, com as músicas A hora
do trem passar51 e Ouro de tolo.52 Esta última passou a ser cantada por todo
o Brasil, destacando Raul Seixas como um dos artistas mais ouvidos
naquele ano.

Eu devia estar contente


Porque eu tenho um emprego
Sou o dito cidadão respeitável
E ganho quatro mil cruzeiros por mês
Eu devia agradecer ao Senhor
Por ter tido sucesso na vida como artista
Eu devia estar feliz
Porque consegui comprar um corcel 73
Eu devia estar alegre
E satisfeito por morar em Ipanema
Depois de ter passado fome por dois anos
Aqui na “Cidade Maravilhosa”
Eu devia estar sorrindo e orgulhoso
Por ter finalmente vencido na vida
Mas eu acho isso uma grande piada
E um tanto quanto perigosa
Eu devia estar contente
Por ter conseguido tudo o que eu quis
Mas confesso abestalhado
Que eu estou decepcionado
Porque foi tão fácil conseguir
E agora eu me pergunto: e daí?
Eu tenho uma porção de coisas grandes
Para conquistar
E eu não posso ficar aí parado

50
Conforme o cantor mencionou várias vezes em entrevistas e músicas, o termo “Monstro Sist”
era o sistema vigente, aquele que dava ordens, e o próprio Raul, baseado nas idéias do mago
inglês Aleister Crowley e do anarquista Proudhon, não aceitava essas ordens, tendo como
objetivo autogovernar-se.
51
SEIXAS, Raul; COELHO, Paulo (Compositores). “A hora do trem passar.” In: Ouro de tolo
(Compacto Simples). Rail Seixas. Rio de Janeiro: Philips (6069076), 1973.
52
SEIXAS, Raul (Compositor). “Oureo de tolo.” In: Ouro de tolo (Compacto Simples). Raul
Seixas. Rio de Janeiro: Philips (6069076), 1973.
43

Neste trecho da canção o compositor faz uma sátira acerca da


facilidade com que conseguiu um emprego, um salário, um carro do ano,
uma vida de artista e uma casa num bairro nobre de uma cidade como o Rio
de Janeiro. Todos esses elementos constituíam o desejo de muitos, mas
poucos poderiam conquistá-los. Porém, com um certo cuidado, o autor
referia que tudo aquilo que conquistara podia ser facilmente perdido, pois o
período era economicamente emergente, e que podia ser arriscado o
excesso de consumo.
Este crescimento econômico ocorreu com altas exportações e com o
desenvolvimento da indústria automobilística, que recebeu altos
investimentos por parte do governo, diferentemente da educação ou da
saúde.53 Neste período assistiu-se ao fenômeno que ficou conhecido como
“milagre econômico”:

Um em cada dois brasileiros achava que o seu nível de


vida estava melhorando, e sete em cada dez achavam que
1971 seria um ano de prosperidade econômica superior a
1970. Era o Milagre Econômico. O século XX terminaria
sem que o país passasse por semelhante período de
prosperidade.54

Em outro trecho da canção, Raul Seixas se referia ao conformismo


da sociedade brasileira e à rotina da família, fazendo alusão ao lazer, ao
trabalho e ao papel do homem na sociedade, afirmando que o indivíduo
tinha de buscar algo além daquilo que estava ao seu redor ou da sua própria
capacidade.

53
SKIDMORE, Thomas E. Brasil de Castelo a Tancredo. 7ªed. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
p.277-280.
54
GASPARI, Elio. A Ditadura Escancarada: As ilusões armadas. São Paulo: Companhia das
Letras, 2002. p.209.
44

Eu devia estar feliz


Pelo Senhor ter me concedido o domingo
Pra ir com a família no jardim zoológico
Dar pipocas aos macacos
Ah! Mas que sujeito chato sou eu
Que não acho nada engraçado
Macaco, praia, carro, jornal, tobogã
Eu acho tudo isso um saco
É você olhar no espelho
Se sentir um grandessíssimo idiota
Saber que é humano, ridículo, limitado
E que só usa dez por cento
De sua cabeça animal
E você ainda acredita
Que é um doutor, padre ou policial
Que está contribuindo com sua parte
Para o nosso belo quadro social

No final da música, manifestava desconforto e insatisfação com


relação ao sistema e dizia querer fugir para outro planeta por não suportar a
pressão a que o homem, de forma passiva, se submetia.

Eu é que não me sento


No trono de um apartamento
Com a boca escancarada
Cheia de dentes, esperando a morte chegar
Porque longe das cercas embandeiradas
Que separam quintais
No cume calmo do meu olho que vê
Assenta a sombra sonora de um disco voador

Depois de fazer muito sucesso com a canção Ouro de tolo, Raul


Seixas foi convidado a lançar um álbum com músicas compostas por ele e
por seu parceiro Paulo Coelho, que antes de conhecê-lo, em 1972, estudou
teatro, percorreu cidades das Américas do Sul e Central e da Europa e foi
editor da revista 2001, que destacava o movimento hippie e abordava
assuntos esotéricos e ufológicos.
45

Paulo Coelho era filiado à Sociedade Secreta da Besta do


Apocalipse e dirigia uma revista alternativa chamada
2001. Raul o procurou para comentar sobre um artigo
acerca de discos voadores. Da fusão entre a Grã-Ordem
Kavernista e a Sociedade Secreta da Besta do Apocalipse,
nasceu um produto altamente explosivo: a Sociedade
Alternativa. A Sociedade Alternativa foi fundada em
setembro de 1973 por Raul Seixas, Paulo Coelho,
Adalgisa Halada e Salomé Nadine. Em fevereiro do
mesmo ano, participaram de um congresso reunindo as
principais sociedades alternativas do mundo, apresentando
sua declaração de créditos, baseada em Aleister
Crowley55, notório mago inglês que se autodenominou a
Besta do Apocalipse. A Sociedade Alternativa de Raul
Seixas e Paulo Coelho foi reconhecida mundialmente em
17 de fevereiro de 1974, mesmo ano do lançamento do LP
Gita.56

As músicas compostas pelos dois e gravadas por Raul Seixas


encerravam questões políticas e místicas que marcaram a carreira do
cantor.
Em junho de 1973, Raul lançou o álbum Krig-há, bandolo!57, com
enorme sucesso. Na capa aparecia, em letra gótica, a palavra Imprimatur,
que queria dizer “o que podia ser impresso”, divulgando a imposição da
Inquisição da Igreja Católica sobre as obras que eram lidas pelo Index
Librorum Prohibitorum, para serem ou não liberadas pela censura católica
no século XVI. Na foto da capa, Raul Seixas trazia em uma das mãos um
símbolo desenhado como uma chave, que era uma adaptação da Cruz
Ansata, representando a cruz da vida, em oposição à cruz da morte.58

55
Aleister Crowley (1875-1947), bruxo e ocultista inglês que se autoproclamava o anticristo ou
a Besta do Apocalipse, em 1904, escreveu o livro The Book of the Law, “Livro da Lei”, que
inspirou a dupla na composição da canção Sociedade Alternativa, de 1974.
56
PASSOS, Sylvio Ferreira; BUDA, Toninho. Op. cit. p.20.
57
Segundo o artista, a frase krig-há, bandolo! significa, na língua do Tarzan, “Cuidado! Aí vem
o inimigo!”.
58
ABONIZIO, Juliana. Op. cit. p.126.
46

Aquele símbolo é o símbolo de Amon Rá, acrescido de


uma chave. Esse símbolo tem uma história interessante.
Quando Paulo Coelho, meu parceiro, tava em Amsterdã,
em 1967, ele tava usando um símbolo hippie no pescoço.
E veio um sujeito estranhíssimo e arrancou o símbolo do
peito dele e colocou esse símbolo, sem a chave. E disse:
“Não é nada disso. Agora é isso.” Ele ficou assustadíssimo
com aquele símbolo no pescoço, mas começou a usar. E
nós fomos uma vez, há pouco tempo. Fomos lá em Mato
Grosso, numa tribo de índio. E numa barraquinha de índio,
tava vendendo esse mesmo símbolo. Uma coisa incrível
[...] Aí nós questionamos ele: “Por que você faz esse
símbolo?” Era de lata. Ele falou que não sabia por que.
Aconteceu, ele fez assim. Nós batizamos o símbolo como
se fosse o símbolo da sociedade.59

Músicas como A mosca na sopa e Al Capone estavam entre as mais


tocadas pelas rádios e aceitas pelo público em geral. Outra canção,
Metamorfose Ambulante60 – “prefiro ser essa metamorfose ambulante, do
que ter aquela velha opinião formada sobre tudo” – marcaria o enorme
sucesso de Raul Seixas no Brasil, num momento em que o país estava
conturbado pelo processo do “milagre econômico” e dividido entre as
promessas do governo Médici, anunciando que manteria o país em
desenvolvimento, e do governo Geisel, asseverando que empreenderia
reestruturação econômica e abertura política.

Sinto-me feliz todas as noites quando ligo a televisão para


assistir ao jornal. Enquanto as notícias dão conta das
greves, agitações, atentados e conflitos em várias partes do
mundo, o Brasil marcha em paz, rumo ao
desenvolvimento. É como se eu tomasse um tranqüilizante
após um dia de trabalho.61

59
Raul Seixas em entrevista para o jornal O Pasquim, em novembro de 1973. In: PASSOS,
Sylvio Ferreira. Op. cit. p.83.
60
SEIXAS, Raul (Compositor). “Metarmofose Ambulante.” In: Ouro de tolo (Compacto
Simples). Raul Seixas. Rio de Janeiro: Philips (6069076), 1973.
61
Depoimento do Presidente General Emílio Garrastazu Médici, em março de 1973. In:
BAHIANA, Ana Maria. Almanaque Anos 70: Lembranças e curiosidades de uma década muito
doida. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006. p.172.
47

Em 1974, ao lançar o álbum Gita62, Raul Seixas passou a ter


reconhecimento na MPB, assinando até um contrato com a Rede Globo de
Televisão para a produção de videoteipes para as músicas Sociedade
Alternativa, Trem das Sete e Gita.

Às vezes você me pergunta


Por que eu sou tão calado
Não falo de amor quase nada
Nem fico sorrindo ao teu lado
Você pensa em mim toda hora
Me come me cospe e me deixa
Talvez você não entenda
Mas hoje eu vou lhe mostrar
Eu sou a luz das estrelas
Eu sou a cor do luar
Eu sou as coisas da vida
Eu sou o medo de amar
Eu sou o medo do fraco
A força da imaginação
O blefe do jogador
Eu sou, eu fui, eu vou
Gita, Gita, Gita, Gita, Gita [...]63

Esta música se tornou o maior sucesso de Raul Seixas, que graças a


ela angariou um disco de ouro e gravou o primeiro videoclipe colorido da
televisão brasileira. Gita mostrava a característica mais precisa e profunda
da obra musical do artista, pois denunciava o individualismo do ser
humano.

[...] Os três principais livros sagrados da Humanidade são:


a Bíblia, com cerca de 2 mil anos de tradição da História
do Cristianismo. Depois o Tao-Te-King (Lao-Tse) da
China, datado aproximadamente de 600 anos antes de
Cristo. E finalmente o Bhagavad-Gita, datado
aproximadamente 6 mil anos antes de Cristo e com o
maior número de fiéis na face do Planeta [...] E foi no
Bhagavat-Gita que Raul Seixas e Paulo Coelho se
62
A palavra Gita foi extraída do livro Bhagavat Gita, que significa “Sublime Canção”, o livro
mais importante da religião hindu, no qual Arjuna (consciência) dialoga com Khrisna (Deus).
63
SEIXAS, Raul; COELHO, Paulo (Compositores). “Gita.” In: Gita (LP). Raul Seixas. Rio de
Janeiro: Philips (6349113), 1974.
48

inspiraram para compor a música Gita [...] É interessante


observar que na cultura oriental a Divindade é composta
da união entre o Bem e o Mal. Bem diferente da nossa
cultura, que busca eliminar o mal, o lado negativo da vida.
Deus para os Orientais não é somente composto das coisas
boas. Mas também do medo, da cegueira da visão, da
miséria, da dor, do sofrimento, etc.64

A discussão sobre a dualidade do bem e do mal aparecia também na


música O Trem das 7.65

Ói, olhe o céu.


Já não é o mesmo céu que você conheceu, não é mais
Vê, ói que céu, é um céu carregado e rajado, suspenso no
ar
Vê, é o sinal
O sinal das trombetas, dos anjos e dos guardiões
Ói, lá vem Deus
Deslizando no céu entre brumas de mil megatons
Ói, ói o Mal
Vem de braços e abraços com o Bem
Num romance astral
Amém

Raul Seixas, mais tarde – em 1975 –, rememoraria o sucesso deste


álbum ao responder a uma pergunta da Revista Rock:

Se sou um astro? Eu sou. Eu sou. Ser é um verbo, é o


verbo, é o mais importante. Ser é importante. Ganho muito
dinheiro, e quero sempre mais, ganho de quem pode me
pagar, não tiro de ninguém. Queriam me dar um Mercedes
e tal, mas como ousaram? Eu é que sei o que quero. Quero
a nota pra eu fazer o que bem entender. Crowley já dizia:
“Sucesso é a tua prova”.66

64
PASSOS, Sylvio Ferreira; BUDA, Toninho. Op. cit. p.23-24.
65
SEIXAS, Raul (Compositor). “O trem das 7.” In: Gita (LP). Raul Seixas. Rio de Janeiro:
Philips (6349113), 1974.
66
PASSOS, Sylvio Ferreira. Op. cit. p.33.
49

Em outro momento Raul declarou:

Não existe rock brasileiro. Existem pessoas que são


padrões da nova cultura brasileira. Raul Seixas é Brasil
hoje, Rita Lee é Brasil hoje, Teixeirinha é Brasil hoje,
Waldick Soriano é Brasil hoje [...] Veja bem: depois da
Tropicália é possível alguém chegar pra você e dizer que
música é uma coisa muito séria? Essa história de procurar
raízes é uma bobagem. As únicas raízes que eu conheço
são de amendoim e mandioca. Essa história de música de
protesto também já era. O que se tem pra protestar? Quem
é forte é forte e dá porrada. Você vai se lamentar? Se você
é mais fraco, dane-se! Isso pode parecer nazismo, mas se
você é fraco e não quer levar porrada, fique forte e passe a
dar. É Hitler mesmo! [...]67

Em diversas entrevistas, Raul Seixas afirmou que tudo o que fazia


era puramente Raulseixismo, ou seja, o egoísmo no bom sentido, aquele
que identifica o ser humano como diferente do outro, promovendo em cada
indivíduo a necessidade de pensar que toda pessoa é livre e tem o direito de
pensar e falar o que quiser. Isso Raul Seixas chamava de individualismo
ou, simplesmente, Raulseixismo.68
Em março de 1975, Carlos Caramez, colunista da revista Pop Hit
Pop, perguntou a Raul: “Você está meio sozinho no panorama artístico
brasileiro. Isso não pode prejudicar o seu trabalho? Quer dizer, você só se
alimenta de você mesmo?” E obteve como resposta:

A verdade é prenúncio de um momento, o caos é


prenúncio de um momento. Quando eu digo que sou a luz
das estrelas, não estou falando de mim. O pedreiro lá de
frente de casa, que está construindo um edifício, canta essa
música como se fosse ele. Isso porque nós somos o verbo
ser. Sendo o que você tem a vontade de ser, não existe
mais nada. Nós somos, e está acabado. Tudo é, Então, o eu
é fortíssimo. Você tem de ter primeiro a consciência do eu

67
Ibidem. p.110-111.
68
Ibidem. p.56.
50

para poder respeitar terceiros e então fazer o que você


quer, que é tudo da lei, da sua lei.69

O álbum Gita tornou Raul Seixas um dos artistas mais reconhecidos


daquele momento. Na música As aventuras de Raul Seixas na cidade de
Thor70 o artista chegou a mencionar a satisfação de não pertencer à MPB e
fez uma espécie de autobiografia, citando que a verdade absoluta foi
encontrada por ele aos 11 anos de idade, o rock and roll:

Ta rebocado meu compadre


Como os donos do mundo piraram
Eles já são carrascos e vítimas
Do próprio mecanismo que criaram
O monstro SIST tá retado
E ta doido pra transar comigo
E sempre que você dorme de touca
Ele fatura em cima do inimigo
A arapuca está armada
E não adianta de fora protestar
Quando se quer entrar num buraco de rato
De rato você tem que transar
Buliram muito com o planeta
E o planeta como um cachorro eu vejo
Se ele não agüenta mais as pulgas
Se livra delas num sacolejo [...]
Eu que sou vivo pra cachorro
No que eu tô longe eu tô perto
Se eu não estiver com Deus, meu filho
Eu to sempre aqui com o olho aberto
A civilização se tornou tão complicada
Que ficou tão frágil como um computador
Que se uma criança descobrir o calcanhar de Aquiles
Com um só palito pára o motor
Tem gente que passa a vinda inteira
Travando a inútil luta com os galhos
Sem saber que é lá no tronco
Que está o coringa do baralho [...]
Eu já passei por todas as religiões
Filosofias, políticas e lutas
Aos 11 anos de idade eu já desconfiava
Da verdade absoluta

69
Ibidem. p.106.
70
SEIXAS, Raul (Compositor). “As aventuras de Raul Seixas na cidade de Thor.” In: Gita (LP).
Raul Seixas. Rio de Janeiro: Philips (6349113), 1974.
51

Em outra canção, Prelúdio71, Raul dizia que um sonho se


transformava em realidade se compartilhado pelo conjunto das pessoas:

Sonho que se sonha só


É só um sonho que se sonha só
Mas sonho que se sonha junto
É realidade

Utilizando a mesma linguagem e tendo o mesmo objetivo, Raul, em


Loteria da Babilônia72, exprimia:

Vá! E grite ao mundo que você está certo


Você aprendeu tudo enquanto estava mudo
E agora é necessário gritar e cantar rock
Demonstrar os teoremas da vida
E os macetes do xadrez

A seguir, veremos outros momentos da carreira de Raul Seixas – no


final da década de 1970 e durante a década de 1980.

71
SEIXAS, Raul (Compositor). “Prelúdio.” In: Gita (LP). Raul Seixas. Rio de Janeiro: Philips
(6349113), 1974.
72
SEIXAS, Raul; COELHO, Paulo (Compositores). “Loteria da Babilônia.” In: Gita (LP). Raul
Seixas. Rio de Janeiro: Philips (6349113), 1974.
52

1.3 – ENQUANTO EU SEI QUE TEM TANTA ESTRELA POR AÍ 


E O FIM

Após o sucesso do álbum Gita, Raul Seixas separou-se da primeira


esposa, Edith Nadine Wisner, que voltou para os Estados Unidos com a
filha, Simone Andréa Wisner Seixas, nascida em 1970. Logo depois, Raul
casou-se novamente com outra americana, Gloria Vaquer, mãe de sua
segunda filha, Scarlet Vaquer Seixas, nascida em 1976.
Compondo ao lado de Paulo Coelho, continuou na Philips por mais
dois anos, lançando em 1975 e 1976, respectivamente, os álbuns Novo
Aeon e Há 10 mil anos atrás. No primeiro, a canção Tente outra vez73 era
uma espécie de incentivo à vida, necessário durante aqueles anos difíceis
politicamente. Após o milagre econômico, o país passou por sérias tensões
financeiras decorrentes da crise do petróleo, ocorrida em 1973.

[...] A OPEP triplicaria o preço mundial do petróleo e o


Brasil, que importava 80 por cento do produto, de repente
se viu às voltas com uma insuportável drenagem de suas
divisas apenas para ocorrer a um item de suas compras no
exterior, como o país se tornara tão vulnerável?74

Veja, não diga que a canção está perdida


Tenha fé em Deus, tenha fá na vida
Tente outra vez
Beba, pois a água viva ainda está na fonte
Você tem dois pés para cruzar a ponte
Nada acabou, não, não, não, não
Tente, levante sua mão sedenta e recomece a andar
Não pense que a cabeça agüenta se você parar
Há uma voz que canta, há uma voz que dança
Há uma voz que gira, bailando no ar
Queira, basta ser sincero e desejar profundo
Você será capaz de sacudir o mundo


Fragmento da canção S.O.S, composta e gravada por Raul Seixas em 1974.
73
SEIXAS, Raul; COELHO, Paulo; MOTTA, Marcelo (Compositores). “Tente outra vez.” In:
Novo Aeon (LP). Raul Seixas. Rio de Janeiro: Philips (81034718), 1975.
74
SKIDMORE, Thomas E. Op. cit. p.350.
53

Vai, tente outra vez


Tente, e não diga que a vitória está perdida
Se é de batalhas que se vive a vida
Tente outra vez

Em outra canção deste mesmo álbum, É fim de mês75, o artista


retratou aspectos do cotidiano, como as dificuldades em pagar dívidas,
misturando os ritmos brasileiros do candomblé e do baião com o rock
pesado:

É fim de mês, é fim de mês, é fim de mês


Eu já paguei a conta do meu telefone
Eu já paguei por eu falar e já paguei por eu escutar
Eu já paguei a luz, o gás, o apartamento
Kitnet de um quarto que eu comprei a prestação
Pela Caixa Federal, au, au, au [...]

Mesclou, nesta canção, crenças, prestações e marcas de produtos


que confortavam a população em seu cotidiano, como a de um cigarro ou a
de um posto de gasolina.

Eu liquidei, eu liquidei, eu liquidei


A prestação do paletó, do meu sapato, da camisa
Que eu comprei pra domingar com meu amor
Lá no Cristo Redentor, ela gostou e mergulhou
E o fim do mês vem outra vez
Eu já paguei o pegue-pague, meu pecado
Mais a conta do rosário que eu comprei
Pra mim rezar, eu também sou filho de Deus
Se eu não rezar, eu não vou pro céu
Já fui pantera, já fui hippie e beatnik
Tinha o símbolo da paz dependurado no pescoço
Porque nego disse a mim que era o caminho da salvação
Já fui católico, budista, protestante
Tenho livros na estante, todos têm a explicação
Mas não achei, mas procurei
Eu procurei fumar cigarro Hollywood
Que a televisão me diz que é o cigarro do sucesso
Eu sou sucesso!

75
SEIXAS, Raul (Compositor). “É fim de mês.” In: Novo Aeon (LP). Raul Seixas. Rio de
Janeiro: Philips (81034718), 1975.
54

No posto Esso eu encho o tanque do carrinho


Em troca um cafezinho, cortesia do matriz [...]
Do fim do mês eu já sou freguês
Eu já paguei o meu pecado na capela
Sob a luz de sete velas
Que eu comprei pro meu Senhor
do Bonfim, olhai por mim [...]
Eu já paguei a prestação da geladeira
Do açougue fedorento
Que me vende carne podre
Que eu tenho que comer
Que engolir sem vomitar
Quando às vezes desconfio
Se é gato, jegue ou mula
Aquele talho de acém
Que eu comprei pra minha patroa
Pra ela não, não, não me apoquentar
É o fim do mês

Em outro trecho da canção, Raul mencionou algumas questões do


trabalho e a consciência do trabalhador:

Eu consultei e acreditei
No velho papo do tal do psiquiatra que te ensina
Como é que você vive alegremente, acomodado
E conformado de pagar tudo calado
Ser bancário ou empregado, sem jamais se aborrecer
Ele só quer, só pensa em adaptar
Na profissão, seu dever é adaptar

Analisando-se a relação das letras das canções deste período com a


questão da religiosidade, percebe-se a intenção do artista em destacar Deus
ou o Diabo como seres comuns na vida de qualquer indivíduo. Estes seres
estiveram presentes em quase toda a sua obra, como nos trechos da música
Eu sou egoísta:76

Se você acha que tem pouca sorte


Se lhe preocupa a doença ou a morte
Se você sente receio do inferno

76
SEIXAS, Raul; MOTTA, Marcelo (Compositores). “Eu sou egoísta.” In: Novo Aeon (LP).
Raul Seixas. Rio de Janeiro: Philips (81034718), 1975.
55

Do fogo eterno, de Deus, do mal


Eu sou estrela no abismo no espaço
O que eu quero é o que penso e o que eu faço
Onde eu to não há bicho-papão [...]
Eu quero é ter tentação no caminho
Pois o homem é o exercício que faz [...]
O que eu como a prato pleno
Bem, pode ser o seu veneno
Mas como vai você saber, sem tentar?

Paranóia:77

Minha mãe me disse há um tempo atrás


Onde você for Deus vai atrás
Deus vê sempre tudo que você faz
Mas eu não via Deus
Achava assombração
Mas, mas eu tinha medo

E Novo Aeon:78

Querer o meu não é roubar o seu


Pois o que eu quero é só função de “eu”
Sociedade Alternativa
Sociedade Novo Aeon
É um sapato em cada pé
É o direito de ser ateu ou de ter fé
Ter o prato de comida que você mais gosta
É ser carregado ou carregar gente nas costas
Direito de ter riso, de prazer
E até direito de deixar Jesus sofrer

Em torno destes seres, estas letras levaram Raul Seixas a ser um


artista polêmico em relação à religiosidade. Muitas pessoas o consideravam
um maldito porque acreditavam que era ateu ou por perceberem a
continuidade do trabalho de Aleister Crowley, que adotou para si o título de
Besta do Apocalipse, na Sociedade Alternativa.

77
SEIXAS, Raul (Compositor). “Paranóia.” In: Novo Aeon (LP). Rio de Janeiro: Philips
(81034718), 1975.
78
SEIXAS, Raul; ROBERTO, Caudio; MOTTA, Marcelo (Compositores). “Novo Aeon.” In:
Novo Aeon (LP). Raul Seixas. Rio de Janeiro: Philips (81034718), 1975.
56

Em 1981, escreveu o poema Pai nosso da Terra:

Pai nosso que estais na Terra


Simplificado seja o vosso nome
Está em mim o vosso reino
Que seja minha a vossa vontade
Bendito ou maldito
Se o que eu mato eu como
O pão nosso de cada dia
Daí sempre ao bom merecedor
Não perdoa o devedor
Nem livrai o fraco do mal
Com vosso poder habitai na alma dos fortes
Senhor da máfia, deus dos deuses!
Pai nosso da Terra
Nada vos imploro, nada vos rezo
Mantende comigo vossa espada
Pai nosso da Terra!
Livrai-me da maldição dos fracos
AMÉM79

Em 1977, com a canção Há 10 mil anos atrás80, do álbum de


mesmo nome, Raul Seixas foi mal interpretado, sendo considerado um ser
oponente a Deus, pois afirmava ter visto a crucificação de Jesus Cristo e
presenciado algumas passagens bíblicas. Esta canção se tornou uma das
mais conhecidas do cantor.

[...] Eu vi Cristo ser crucificado


o amor nascer e ser assassinado
eu vi as bruxas pegando fogo
pra pagarem seus pecados, eu vi
eu vi Moisés cruzar o Mar Vermelho
Vi Maomé cair na terra de joelhos
Eu vi Pedro negar Cristo por três vezes
Diante do espelho, eu vi [...]
Eu vi as velas se acenderam para o Papa
Vi Babilônica ser riscada do mapa
Vi o Conde Drácula sugando sangue novo
E se escondendo atrás da capa, eu vi
Eu vi a Arca de Noé cruzar os mares

79
SEIXAS, Kika. Op. cit., 1992. p.205.
80
SEIXAS, Raul; COELHO, Paulo (Compositores). “Há 10 mil anos atrás.” In: Há 10 mil atrás
(LP). Raul Seixas. Rio de Janeiro: Philips (81034817), 1976.
57

Vi Salomão cantar seus salmos pelos ares


Eu vi Zumbi fugir com os negros pra floresta
Pro Quilombo dos Palmares, eu vi [...]
Eu vi o sangue que corria da montanha
Quando Hitler chamou a Alemanha
E o soldado que sonhava com a amada
Numa cama de campanha, eu li
Eu li os símbolos sagrados de umbanda
Eu fui criança pra poder dançar ciranda
E quando todos praguejavam contra o frio
Eu fiz a cama na varanda [...]
Eu tava junto com os macacos na caverna
Eu bebi vinho com as mulheres da taberna
E quando a pedra despencou da ribanceira
Eu também quebrei a perna, eu também
Eu fui testemunha do amor de Rapunzel
Eu vi a Estrela de Davi brilhar no céu
E para aquele que provar que estou mentindo
Eu tiro o meu chapéu

Neste período o artista passou por algumas crises. Rompeu a


parceria com Paulo Coelho, que só seria restabelecida, sem sucesso, em
1978, e saiu da Philips, não alcançando sucesso nos álbuns anteriores,
Krig-há e Gita. Sobre este momento, o artista relatou:

Não gosto de fazer shows em estados, viajar por aí, apesar


dos espetáculos estarem sempre superlotados de
“necessitados da resposta absoluta”. Eu não me sinto
bem. Eu não trago respostas e sim canto uma saída
própria, individual e intransferível; canto minha saída
mostrando que, se eu saio, todos podem sair pelas suas
próprias portas [...] Ninguém tem o direito de me julgar a
não ser eu mesmo. Eu me pertenço e de mim faço o que
quero. Se eu não quero mais cantar fora do Rio, onde eu
moro, eu não canto.81

Em outro depoimento declarou:

28/06/1976, dia de pôr voz em há 10.000 anos. Meu


aniversário. Ninguém tem a menor consideração. Eu sei
que tenho um sucessão nas mãos e fui ao estúdio
completamente bêbado. Pra me vingar do sistema enchi o
81
SEIXAS, Kika. Op. cit., 1992. p.36-37.
58

saco dos diretores e produtores com ironia e sarcasmo. O


período ia passando e eu comento peixinho frito... curtindo
com a gravadora... lavei a alma. Meu présente de
aniversário.82

Sobre a canção Eu também vou reclamar, do álbum Há 10 mil anos


atrás, Paulo Coelho, em entrevista ao Jornal da Música, em novembro de
1976, disse:

E tem mais uma: Eu também vou reclamar, dando uma


visão da chatice insuportável da MPB, com todo mundo
dizendo que é pra parar o mundo que eu quero descer, que
é um pobre rapaz latino-americano, que é nuvem
passageira e outras coisas mais [...].83

Paulo Coelho se referia às músicas Pare o mundo que eu quero


descer, Apenas um rapaz latino-americano e Nuvem passageira,
respectivamente de Silvio Brito, Belchior e Ednardo, grandes sucessos
nacionais em 1976. Reportando-se ao bom êxito de músicas como essas,
Raul Seixas e Paulo Coelho escreveram Eu também vou reclamar: 84

Mas é que se agora pra fazer sucesso


Pra vender disco de protesto
Todo mundo tem que reclamar
Eu vou tirar meu pé da estrada
E entrar também nessa jogada
E vamos ver agora quem é que vai agüentar
Porque eu fui o primeiro
E já passou tanto janeiro
Mas, se todos gostam eu vou voltar [...]
Dois problemas se misturam
A verdade do universo
E a prestação que vai vencer
Entro com a garrafa de bebida enrustida
Porque minha mulher não pode ver
Ligo o rádio e ouço um chato
Que me grita nos ouvidos
82
Ibidem. p.74.
83
PASSOS, Sylvio Ferreira. Op. cit. p.164.
84
SEIXAS, Raul; COELHO, Paulo (Compositores). “Eu também vou reclamar.” In: Há 10 mil
atrás (LP). Raul Seixas. Rio de Janeiro: Philips (81034817), 1976.
59

“Pare o mundo que eu quero descer” [...]


Porque eu “sou um rapaz latino-americano”
Que também sabe se lamentar
E sendo “nuvem passageira”
Não me leva nem à beira
Disso tudo que eu quero chegar
E fim de papo!

Entre 1977 e 1979, Raul Seixas foi contratado pela WEA Warner
Bros, gravadora recém-chegada ao Brasil. Nessa mesma época, separou-se
de Glória Vaquer, que também voltou para os Estados Unidos com a filha
Scarlet.
Em São Paulo, Raul se submeteu a uma cirurgia no pâncreas. Em
1978, ainda durante o período de recuperação, na Bahia, casou-se com
Tânia Menna Barreto, mas separou-se no ano seguinte, quando conheceu e
se casou com Ângela Maria Affonso Costa, que ficou conhecida como Kika
Seixas.
Pela WEA lançou três álbuns: O dia em que a Terra parou, com a
parceria do compositor Claudio Roberto, em 1977; Mata virgem, tendo
como parceiro musical Paulo Coelho, em 1978; e Por quem os sinos
dobram, compondo todas as canções com Oscar Rasmussem, em 1979.
Desde o princípio de sua carreira, Raul Seixas teve muitos
parceiros, chegando até a indicar o nome de amigos como seus
companheiros de composição, como na música Caroço de manga,
composta por ele em 1972, quando colocou o nome de Paulo Coelho como
co-criador da letra. Em outras canções indicou os nomes de suas esposas,
de seu advogado e amigo José Roberto Abrahão, de seu pai, Raul Varella
Seixas, e do presidente de seu fã-clube, Raul Rock Club/Raul Seixas Oficial
Fã-Clube, Sylvio Passos, entre outros, como seus parceiros.
60

Entre as músicas que o artista lançou em 1977, 1978 e 1979 duas


tiveram maior relevância junto ao seu público. Uma delas foi Maluco
Beleza85, composta com Cláudio Roberto:86

Enquanto você se esforça pra ser


Um sujeito normal
E fazer tudo igual
Eu do meu lado aprendendo a ser louco
Um maluco total
Na loucura real
Controlando minha maluques
Misturada com minha lucidez
Vou ficar, ficar com certeza
Maluco Beleza
E este caminho que eu mesmo escolhi
É tão fácil seguir
Por não ter onde ir [...]

Esta música trazia a dualidade do mundo, apresentando seu lado


real e aquele das drogas e do álcool, caracterizado pela loucura na lucidez,
em que o autor tinha posturas não condizentes com as normas sociais.
Nesse sentido, “o louco não seria um excluído, mas viveria em uma
marginalidade opcional ao negar de maneira ativa a subjetividade
dominante”.87
Entretanto, em entrevista à radialista Sônia Abraão, no Programa
Paulo Lopes, da Rádio Globo AM, em 1987, o artista rememorou:

É... o maluco beleza não é um maluco louco, envolvido


com drogas como o povo pensa não... o Maluco Beleza é
você estar iluminado, estar certo de você mesmo... certo
de sua loucura. Misturando lucidez com maluques. Uma

85
SEIXAS, Raul; AZEREDO, Claudio Roberto (Compositores). “Maluco Beleza.” In: O dia em
que a Terra parou (LP). Raul Seixas. Rio de Janeiro: WEA Warner Bros (6704094-B), 1977.
86
Segundo vários pesquisadores, o compositor Cláudio Roberto sempre foi considerado um
autêntico “Maluco Beleza”. Amigo e parceiro de Raul Seixas nas décadas de 1970 e 1980, hoje
cria animais de pequeno porte, como galinhas e porcos, em uma fazenda, na região serrana do
Rio de Janeiro.
87
ABONIZIO, Juliana. Op. cit. p.330.
61

loucura que não é prejudicial... ao contrário uma loucura


que contagia, que pega.88

A outra canção que alcançou grande sucesso naquele período foi


Sapato 36.89 Nela o artista sugeria que o povo não aceitasse tudo que lhe
era imposto:

Eu calço é 37
Meu pai me dá 36
Dói, mas no dia seguinte
Aperto o meu pé outra vez
Pai eu já tô crescidinho
Pague pra ver, que eu aposto
Vou escolher meu sapato
E andar do jeito que gosto
Por que cargas d´água
Você acha que tem o direito
De afogar tudo aquilo que eu
Sinto em meu peito?
Você só vai ter o respeito que quer
Na realidade
No dia em que você souber respeitar
A minha vontade
Meu pai, meu pai
Pai eu já tô indo embora
Quero partir sem brigar
Pois já escolhi meu sapato
Que não vai mais me apertar

Raul Seixas utilizou a figura do pai como metáfora nesta canção.


Não se referia ao senhor Raul Varella Seixas, por quem o artista guardava
grande devoção, e sim ao governo militar, que, naquele momento, passava
por momentos de crise90, com o Movimento Contra a Carestia, as greves
dos metalúrgicos em São Paulo, liderados pelo sindicalista Luis Inácio Lula
da Silva, e, em especial, a Anistia.

88
ALVES, Luciane. Raul Seixas e o sonho da Sociedade alternativa. São Paulo: Martin Claret,
s/d. p.78.
89
SEIXAS, Raul; AZEREDO, Claudio Roberto (Compositores). “Sapato 36.” In: O dia em que
a Terra parou (LP). Raul Seixas. Rio de Janeiro: WEA Warner Bros (6704094-B), 1977.
90
HABERT, Nadine. A década de 70. Apogeu e crise da ditadura militar brasileira. Série
Princípios. 3ªed. São Paulo: Ática, 2001. p.55-65.
62

Embora os problemas econômicos fossem urgentes, uma


das primeiras e mais importantes decisões de Figueiredo
foi política. Dizia respeito à anistia, questão vital para que
o Brasil abandonasse o regime autoritário e reintegrasse na
sociedade e na política os milhares de exilados políticos
que tinham fugido do país ou sido perseguidos no exterior
desde 1964. [...] A revogação por Geisel em dezembro de
1978 da maior parte dos atos de banimento foi seguida
agora pela lei da anistia, aprovada pelo Congresso em
agosto de 1979. Foram beneficiados com a medida todos
os presos ou exilados por crimes políticos desde 2 de
setembro de 1961. [...] A nova lei trouxe de volta grande
número de exilados, inclusive Leonel Brizola e Luís
Carlos Prestes [...].91

Em 1980, Raul Seixas voltou a ser presença constante na mídia com


o novo álbum Abre-te Sésamo, gravado pela CBS Discos. Sobre o título do
álbum, o artista dizia ser uma homenagem à abertura política do país. Duas
de suas músicas tornaram-se mais conhecidas pelo público, Rock das
“aranha”92, que foi censurada (vide capítulo 2), e Aluga-se93. Nesta Raul
sugeria que alugássemos o nosso país:

A solução pro nosso povo eu vou dar


Negócio bom assim você nunca viu
Tá tudo pronto aqui é só vir pegar
A solução é alugar o Brasil
Nós não vamos pagar nada
Nós não vamos pagar nada
É tudo free, tá na hora
Agora é free, tá na hora
Agora é free, vamos embora
Dar lugar pros “gringo” entrar
Esse imóvel tá pra alugar
Os estrangeiros, eu sei que eles vão gostar
Tem o Atlântico, tem vista pro mar
A Amazônia é o jardim do quintal
E o dólar deles paga o nosso mingau [...]

91
SKIDMORE, Thomas E. Op. cit. p.423-424.
92
SEIXAS, Raul; AZEREDO, Claudio Roberto (Compositores). “Rock das aranha.” In: Abre-te
Sésamo (LP). Raul Seixas. Rio de Janeiro: CBS (138194-B), 1980.
93
SEIXAS, Raul; AZEREDO, Claudio Roberto (Compositores). “Aluga-se.” In: Abre-te
Sésamo (LP). Raul Seixas. Rio de Janeiro: CBS (138194-B), 1980.
63

Na ocasião do lançamento do álbum, em entrevista ao repórter


Ricardo Porto de Almeida, na redação do jornal Canja, de São Paulo, em
outubro de 1980, o artista declarou:

[...] Inclusive tem uma música chamada Aluga-se o Brasil,


que é muito simpática. Como é mesmo o nome do rapaz?
Delfim Netto, né? [...] O nosso caro ministro, eu
substituiria o rapaz. É o que a música diz. Tem pau-brasil,
tem a Amazônia no fundo do quintal, tem o Oceano
Atlântico, tem vista para o mar. A solução para o nosso
povo é rodar, alugar o Brasil. E nós não vamos pagar nada
[...].94

Depois de rescindir o contrato com a CBS, em 1981, Raul Seixas


passou três anos amargurando problemas de saúde e financeiros. Ainda em
1981, ano em que sua terceira filha, Vivian Costa Seixas, nasceu, mudou-se
para São Paulo. Por diversas vezes Raul foi internado devido a problemas
ocasionados pelo consumo excessivo de álcool. Sem gravadora e sem
lançar álbuns, apenas realizava alguns shows.
Entre as exibições deste período se destacaram as do Teatro
Pixinguinha, em 1981, as da Praia do Gonzaga, que contaram com cerca de
180 mil espectadores, e as de Caieiras, cidade da Grande São Paulo em que
foi confundido, linchado e preso por não portar documentos e subir
embriagado no palco. Os shows da Praia do Gonzaga e de Caieiras
ocorreram, respectivamente, em fevereiro e maio de 1982.

Há quatro anos que venho engolindo meus sentimentos,


minha arte, minhas emoções. Tem sido assustador! Estou
profundamente magoado por não ouvir minhas músicas
tocando nas rádios, nem ser chamado para programas de
televisão. Eles me esqueceram.95

94
PASSOS, Sylvio Ferreira. Op. cit. p.117.
95
SEIXAS, Kika. Op. cit., 1992. p.47.
64

Em 1983, Raul Seixas foi convidado por um executivo do Estúdio


Eldorado, em São Paulo, a gravar um álbum que se chamaria Raul Seixas.
O artista, então, ressurgiu nas paradas de todo o Brasil com o sucesso
Carimbador maluco96 e participou do especial infantil da TV Globo, que
levou o nome do refrão da música, Plunct Plact Zumm, dando ao artista seu
segundo disco de ouro.

Cinco, quatro, três, dois...


Parem! Esperem aí!
Onde é que vocês pensam que vão?
Hum, hummm...
Plunct-Plact-Zum
Não vai há lugar nenhum
Plunct-Plact-Zum
Não vai há lugar nenhum
Tem que ser selado, registrado
Carimbado, avaliado e rotulado
Se quiser voar
Pra lua a taxa é alta
Pro sol identidade
Mas, já pro seu foguete e viajar pelo universo
É preciso o meu carimbo dando
Sim, sim, sim [...]
Mas ora, vejam só, já estou gostando de vocês
Aventura como esta, eu nunca experimentei
O que eu queria mesmo era ir com vocês
Mas já que eu não posso
Boa viagem e até outra vez!
Agora o Plunct-Plact-Zum
Pode partir sem problema algum
Plunct-Plact-Zum
Pode partir sem problema algum
Boa viagem meninos
Boa viagem

Parte de seu público entendeu como contraditória a participação do


ídolo em um programa infantil da Rede Globo de Televisão. Logo ele, um
artista que lutou tanto contra o sistema, encontrava-se, naquele momento,
inserido nele. Só depois, quando Raul explicou que a música havia sido

96
SEIXAS, Raul (Compositor). “Carimbador Maluco.” In: Raul Seixas (LP). Raul Seixas. São
Paulo: Estúdio Eldorado (74830410), 1983.
65

inspirada nas palavras do anarquista Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865),


seus fãs entenderem que, metaforicamente, o cantor utilizou-se do sistema
e da inocência das crianças para falar sobre o anarquismo e a liberdade.

[...] Ser governado é ser, a cada operação, a cada


transação, a cada movimento, notado, registrado,
recenseado, tarifado, selado, medido, cotado, avaliado,
patenteado, licenciado, autorizado, rotulado, admoestado,
impedi do, reformado, reenviado, corrigido [...].97

Paralelamente ao sucesso deste álbum, Raul Seixas lançou o livro


As aventuras de Raul Seixas na cidade de Thor, pela Shogun Editora e
Arte, de Paulo Coelho. Era uma espécie de autobiografia, com histórias de
personagens que criava desde a infância.
Ainda em 1983, o artista gravou, no show que fez na Sociedade
Esportiva Palmeiras, em São Paulo, no dia 26 de fevereiro daquele ano, o
álbum Raul Seixas ao vivo, único e exclusivo, pelo Estúdio Eldorado,
rememorando os primórdios do rock and roll. Todavia, a Eldorado lançou-o
somente em 1984, quando o artista, após retornar de uma viagem aos
Estados Unidos, já pertencia a outra gravadora, a Som Livre. Naquele
mesmo ano, lançou o álbum Metrô linha 743, que, no entanto, não
repercutiu no mercado, com exceção da canção Mamãe eu não queria98,
que sofreu censura logo depois de lançada (vide capítulo 2).
Na época do movimento das Diretas Já, o artista estava nos Estados
Unidos com sua quarta esposa, na tentativa de gravar um álbum em inglês
chamado Opus 666 ou Nuit, que, contudo, nunca foi produzido. Nos anos
que se seguiram até 1987, Raul Seixas entrou em profunda crise financeira
e de saúde, sendo internado várias vezes em decorrência da dependência

97
PASSOS, Sylvio Ferreira; BUDA, Toninho. Op. cit. p.35.
98
SEIXAS, Raul (Compositor). “Mamãe eu não queria.” In: Metrô linha 743 (LP). Raul Seixas.
Rio de Janeiro: Som Livre (4070139-B), 1984.
66

cada vez maior do álcool. Separou-se de Kika Seixas, que retornou ao Rio
de Janeiro, e se casou com Lena Coutinho, sua última companheira.
Esse momento de sua vida foi assim descrito pelo artista:

Estou sofrendo, não compreendo nada. Nada me motiva,


tudo são repetições. Continuo bebendo. Estou infeliz.
Preciso de alguém que acredite em mim. Não sei o que é
ter fé, ordem, autoridade ou verdade. Respostas –
perguntas. Três esposas vi partir. Não gosto de mim, não
acredito em mim. Um vazio enorme, inseguro, solitário,
incapaz de lidar com o cotidiano. Cansado de ser auto-
destrutivo. Desesperado, tendências suicidas. Odeio meu
rock and roll, penso em morrer...99

Em 1985 o Brasil passava por um processo de abertura política com


a eleição indireta de Tancredo de Almeida Neves para presidente, nomeado
pelo Congresso Eleitoral. Foi nesse ano que aconteceu a primeira edição
do Rock in Rio, com um mega show realizado na cidade do Rio de Janeiro
que contou com a presença de grandes grupos de rock do cenário nacional e
internacional; Raul Seixa, entretanto, não foi convidado. Em vários
depoimentos, o artista se dizia revoltado com o novo rock surgido nos anos
1980, considerando-o caótico e declarando que não dava oportunidades aos
artistas solos, e sim às bandas surgidas naquela década, como Titãs,
Paralamas do Sucesso, Blitz, Legião Urbana, Barão Vermelho e Capital
Inicial, entre outras.
Raul Seixas não gravou nenhum álbum naquele ano, mas Let me
sin, may rock and roll, primeiro disco produzido por um fã-clube no Brasil,
foi lançado com canções que o artista gravara desde a época do VII Festival
Internacional da Canção e em que era contratado da Philips. Voltou a
gravar somente em 1986, quando foi contratado pela Copacabana,
gravadora que produziu o álbum Uah-Bap-Lu-Bap-Lah-Béin-Bum!, que,

99
SEIXAS, Kika. Op. cit., 1992. p.170.
67

em virtude das internações de Raul, levou cerca de um ano para ficar


pronto, sendo lançado apenas em 1987.
Esse disco fez Raul Seixas novamente voltar para o cenário artístico
brasileiro. Com a música Cowboy fora-da-lei100, que estourou nas paradas
de sucesso, ganhou seu terceiro disco de ouro e participou da trilha sonora
da novela Brega e Chique, da Rede Globo.

Mamãe não quero ser prefeito


Pode ser que eu seja eleito
E alguém pode querer me assassinar
Eu não preciso ler jornais
Mentir sozinho eu sou capaz
Não quero ir de encontro ao azar
Papai não quero provar nada
Eu já servi a Pátria Amada
E todo mundo cobra minha luz
Oh! Coitado foi tão cedo
Deus me livre! Eu tenho medo
Morrer dependurado numa cruz
Eu não sou besta pra tirar onda de herói
Sou vacinado, eu sou cowboy
Cowboy fora-da-lei
Durango Kid só existe no gibi
E quem quiser que fique aqui
Entrar pra história é com vocês

Ainda em 1987, Raul Seixas foi convidado a participar, ao lado de


Marcelo Nova, vocalista do grupo de rock Camisa de Vênus, na música
Muita estrela, pouca constelação101, que criticava o tipo de rock então
cantado no país:

A festa é boa tem alguém que tá bancando


Que lhe elogia enquanto vai se embriagando
E o tal do ego vai ficando lá nas alturas
Usar brinquinho pra romper as estruturas
E tem um punk se queixando sem parar

100
SEIXAS, Raul; AZEREDO, Claudio Roberto (Compositores). “Cowboy fora-da-lei.” In:
Uah-Bap-Lu-Bap-Lah-Béin-Bum! (LP). Raul Seixas. São Paulo: Copacabana (612950-B), 1987.
101
SEIXAS, Raul; NOVA, Marcelo (Compositores). “Muita estrela, pouca constelação.” In:
Duplo sentido (LP). Camisa de Vênus. Rio de Janeiro: WEA, 1987.
68

E um wave querendo desmunhecar


E o tal do heavy arrotando distorção
E uma dark em profunda depressão
Eu sei até que parece sério
Mas é tudo armação
O problema é muita estrela
Pra pouca constelação
Tinha um junkie se tremendo pelos cantos
Um empresário que jurava que era santo
Um tiete que queria um qualquer
E um sapatão que azarava minha mulher
Tem uma banda que eles já vão contratar
Que não cria nada, mas é boa em copiar
A crítica gostou, vai ser sucesso ela não erra
Afinal, lembra o que se faz na Inglaterra? [...]
E agora vem a periferia
O fotógrafo ele vai documentar
O papo do mais novo big star
Pra aquela revista de rock e de intriga
Que você lê quando tem dor de barriga
E o jornalista ele quer bajulação
Pois new order é a nova sensação
A burrice é tanta, ta tudo tão à vista
E todo mundo pousando de artista [...]

Em diversas entrevistas o cantor disse que o rock então tocado e


cantado não era mais o verdadeiro rock and roll, que, segundo ele, havia
morrido em 1959. Referindo-se ao rock brasileiro, afirmava que aquela
geração era um caos, criticando incisivamente bandas como o “Paralamas
do Fracasso”, reportando-se ao conjunto de Brasília. Para Raul, salvavam-
se apenas alguns grupos, como Magazine, Camisa de Vênus e Ultraje a
Rigor, que emplacaram, respectivamente, os sucessos Eu sou boy, Eu não
matei Joana D’Arc e Inútil.
Em 1988, Raul Seixas lançou o álbum A pedra do Gênesis, tendo
como destaque a música A lei102, uma continuação à canção Sociedade
Alternativa, lançada em 1974. A lei tornou-se conhecida pelo público
meses antes da promulgação da Constituição que acabaria com a censura

102
SEIXAS, Raul (Compositor). “A lei.” In: A pedra do Gênesis (LP). Raul Seixas. São Paulo:
Copacabana (12967-A), 1988.
69

no país, mediante o Capítulo V, Art. 220, Parágrafo 2º: “É vedada toda e


qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.”103

Todo homem tem direito


De pensar o que quiser
Todo homem tem direito
De amar a quem quiser
Todo homem tem direito
De viver como quiser
Todo homem tem direito
De morrer quando quiser
Direito de viver
Viajar sem passaporte
Direito de pensar
De dizer e de escrever
Direito de viver
Pela sua própria lei [...]

Raul Seixas, desde o lançamento de Krig-há, em 1973, terminava


suas apresentações com discursos inflamados inspirados nos versos
extraídos do Livro da Lei, de Aleister Crowley:

O homem tem direito de mover-se


Pela face do planeta livremente sem passaporte
Porque o planeta é dele, o planeta é nosso
O homem tem direito de pensar o que ele quiser
De escrever o que ele quiser
De desenhar, de pintar, de cantar
De compor o que ele quiser
Todo homem tem direito
De vestir-se da maneira que ele quiser
O homem tem direito de amar como ele quiser
Tomai vossa sede de amor como quiseres
E com quem quiseres
Há de ser tudo da Lei
E o homem tem direito de matar todos aqueles
Que contrariarem esses direitos
Amar é a Lei, mas amor sob vontade
Os escravos servirão
Viva a Sociedade Alternativa!104

103
Constituição Federativa do Brasil, promulgada em 15 de novembro de 1988.
104
PASSOS, Sylvio Ferreira; BUDA, Toninho. Op. cit. p.308-309.
70

Com a saúde debilitada, separado de Lena Coutinho e sem dinheiro,


declarou:

Aos 43 anos de idade tudo mudou para mim. Não faço


nada com vontade; não tenho vontade de tocar, de
escrever, só de dormir, só sonhando sou mais feliz. Vivo
só. Muito só.105

No final de 1988, foi convidado por Marcelo Nova a acompanhá-lo


em alguns shows pelo Brasil. Raul Seixas aceitou o convite, que culminou
com uma série de 50 shows entre os anos de 1988 e 1989 e com a gravação
do álbum A panela do Diabo, lançado no dia 19 de agosto de 1989, dois
dias antes da morte do artista, que sofreu um ataque cardíaco em
decorrência da cirrose hepática e da pancreatite crônica, doenças que
adquirira graças ao consumo em excesso de álcool desde a adolescência.
No dia 20 de agosto de 1989, um dia antes de seu falecimento, o
artista escreveu:

A coisa mais gostosa que tem é falar alto sem ninguém pra
me ouvir exceto eu mesmo. A minha voz ecoando nos
Aires da minha solidão enorme. Eu sei que amanhã (dia de
show) vou rir do que escrevi. É que a vida é uma coleção
de momentos. Vou esquentar meu peixe, ver tv, pois tv
tem som e imagem. Agora! Estou com a tv ligada que me
anuncia um filme: Promessa de Sangue. Sofrendo uma
crise de solidão. É horrível. Eu coloco um disco de New
Orleans orquestrado e sento no fogão à espera da panela
esquentar e eu canto À beira do pantanal.106

Nesse mesmo dia, declarou à sua mãe:

105
SEIXAS, Kika. Op. cit., 1992. p.177.
106
Ibidem. p.179.
71

Eu só sou gente e feliz quando estou com “Marceleza” no


palco, quando desço de lá o meu mundo morre pra
mim!107

Algumas músicas do seu último álbum se destacaram, como


Carpinteiro do universo.108 Raul, por ocasião do lançamento do referido
trabalho, chegou a se apresentar em alguns programas de televisão, como
Jô Soares Onze e Meia, no SBT-TVS, e Domingão do Faustão, na Rede
Globo.

Carpinteiro do universo inteiro eu sou


Carpinteiro do universo inteiro eu sou
Não sei por que nasci pra querer ajudar
A querer consertar o que não pode ser
Não sei pois nasci para isso e aquilo
E o enguiço de tanto querer [...]
Estou sempre, pensando em aparar o cabelo de alguém
E sempre tentando mudar a direção do trem
À noite, a luz do meu quarto eu não quero apagar
Pra que você não tropece na escada, quando chegar [...]
O meu egoísmo é tão egoísta
Que o auge do meu egoísmo é querer ajudar [...]

E na canção Banquete de lixo109 Raul Seixas fazia uma espécie de


despedida autobiográfica:

[...] Por onde o passado, começa a jorrar


E eu aqui isolado, onde nada é perdoado
Vi o fim chamando o princípio
Pra poderem se encontrar
Fui levado na marra
Pois enfermeiro quando agarra
É que nem ordem de prisão
A ambulância me esperava
E aí o que rolava, internamento e injeção
107
“Marceleza” era como Raul Seixas chamava o parceiro Marcelo Nova. Depoimento de Maria
Eugênia Seixas, mãe de Raul Seixas, concedido ao autor, mediante carta, em 23 de novembro de
1990.
108
SEIXAS, Raul; NOVA, Marcelo (Compositores). “Carpinteiro do Universo.” In: A panela do
Diabo (LP). Raul Seixas. Rio de Janeiro: WEA (6708086-A), 1989.
109
SEIXAS, Raul; NOVA, Marcelo (Compositores). “Banquete de lixo.” In: A panela do Diabo
(LP). Raul Seixas. Rio de Janeiro: WEA (6708086-A), 1989.
72

E lá em Serra Pelada
Ouro no meio do nada
Dor de barriga desgraçada!
Resolveu me atacar
O show estava começando
E eu no escuro me apertando
E autografando sem parar [...]
Muitas mulheres eu amei
E com tantas me casei
Mas agora é Raul Seixas
Que Raul vai encarar
Nem todo bem que eu conquistei
Nem todo mal que eu causei
Me dão direito de poder lhe ensinar
Meu amigo “Marceleza”
Já me disse com certeza
Não sou nenhuma ficção!
E assim torto e de verdade
Com amor e com maldade
Um abraço e até outra vez! [...]

Destarte, Raul Seixas tornou-se um compositor e cantor de músicas


que pregavam a salvação para o homem mediante o caminho da
autoliberdade. Mesmo enfrentando diversos problemas em sua carreira,
conseguiu se firmar como artista consagrado nas décadas de 1970 e 1980.
Com letras fortes, discursos inflamados e personalidade difícil, o
imaginário construído em torno de seu nome marcou sua carreira e atraiu a
perseguição da censura às suas músicas, conforme se verificará no próximo
capítulo, que aborda a relação que se estabeleceu entre as músicas do artista
e a censura.
73

CAPÍTULO II – O MONSTRO SIST É RETADO


E TÁ DOIDO PRA TRANSAR COMIGO...
RAUL SEIXAS E A CENSURA


Fragmento da canção As aventuras de Raul Seixas na cidade de Thor, composta e gravada por
Raul Seixas em 1974.
74

Estou em uma escola onde ensina-me a andar para trás...


Estou andando pra trás até direitinho depois dos anos pra
frente desde que nasci. Está na praça, já chegou o
Dicionário do Censor. De A a Z tem todas as palavras que
um dicionário tem. A diferença está na cruzinha preta,
logo após a palavra, significando que “não pode”. As que
“pode”, o compositor deve conferir se não tem cruz. [...]
Não se entusiasme, calma, lembre-se: o dicionário. Vai lá
no “P”. Lá está a palavra povo com duas cruzes negras.
Portanto você há de aceitar povo “não pode”. Tente um
som próximo; que tal ovo? Ovo “pode”. [...] De todas as
artes vigentes no Brasil, por que somente a música foi
eleita como maldita? Medo de um eventual processo
subliminar? Quem ouve discos ouve porque quer, ao
contrário da TV. Em 1983, com promessa de abertura, eu
pergunto em nome da música: - Seu medo é o meu
sucesso?110

Raul Seixas, durante as décadas de 1970 e 1980, gravou mais de 20


álbuns e cerca de 300 músicas, tendo algumas delas censuradas até 1988,
ano em que foi promulgada a Constituição que decretaria o fim da censura
no país.
Em algumas entrevistas o cantor contabilizava 18 músicas
censuradas, mas em outras dizia serem 11, não se sabendo ao certo a
quantidade. Sabe-se, contudo, que ele teve problemas com a censura, assim
como a maioria dos artistas que protagonizaram o cenário artístico
brasileiro após o AI-5.

110
SEIXAS, Kika. O Baú do Raul. São Paulo: Globo, 1992. p.71-72.
75

2.1 – É UM CÉU CARREGADO E RAJADO SUSPENSO NO AR...


O ESTADO E A CENSURA

Estudando-se a trajetória política e econômica dos anos 70 para se


poder compreender o universo cultural daqueles anos conturbados pela
repressão, pode-se observar o quanto foi importante a luta de jornalistas,
intelectuais e artistas, entre outros, contra a censura e a ditadura após a
implantação do Ato Institucional nº 5, em 13 de dezembro de 1968.111
Mediante a repressão e a tortura, muitos países da América Latina,
após o advento dos revolucionários de Cuba, em 1959, implantaram
ditaduras militares112, com a intenção de evitar o avanço comunista no
restante dos países latino-americanos, como no Brasil, em 1964. Um dos
principais meios de controle aos subversivos era a censura, e no Brasil não
poderia ser diferente. Durante vinte anos, a censura atingiu os meios de
comunicação de massa, entre eles a música.
O Conselho Superior de Censura (CSC), elaborado em 21 de
novembro de 1968, por meio da Lei nº 5.536, surgiu como órgão de
recursos das decisões tomadas pela Divisão de Censura e Diversões
Públicas (DCDP)113, que funcionava desde 1964, com função exclusiva do
Departamento da Polícia Federal, subsidiada ao Ministério da Justiça.


Fragmento da canção Trem das Sete, gravada por Raul Seixas em 1974.
111
De 1964 até 1968, a esquerda brasileira tinha acesso às diversas formas de cultura no país, o
que mostra claramente que o AI-5 foi um golpe dentro de outro golpe, como uma estratégia do
governo militar para conter o avanço da esquerda em diversos campos da sociedade civil, como
a educação, a imprensa, a política e a cultura.
112
HABERT, Nadine. A Década de 70: Apogeu e crise da ditadura militar brasileira. São
Paulo: Ática, 2001. p.09.
113
ALBIN, Ricardo Cravo. Driblando a Censura. De como o cutelo vil incidiu na cultura. Rio
de Janeiro: Gryphus, 2002. p.09.
76

Logo em seguida, o presidente Costa e Silva decretou o AI-5,


impossibilitando o CSC de vigorar. Somente 11 anos depois, em 1979, o
CSC seria novamente oficializado pelo então ministro da Justiça, Petrônio
Portella, com o decreto nº 83.973, de 13 de setembro de 1979,
regulamentando o artigo 15 e seguintes da lei.114
Censura, conforme indicava o Art. 2º do Decreto 73.332, de 19 de
dezembro de 1973, era:

[...] o exame de toda a matéria a ser dirigida ao público,


pelos meios de divulgação de massa, realizado com a
finalidade de determinar sua classificação etária e
autorizar sua exteriorização total ou parcial, em todo ou
em parte do território nacional. E sobre a diversão pública,
na qual a censura se desenrolaria com maior freqüência,
está divulgada no Art. 3º do mesmo decreto, como foi
mencionada, sendo a apresentação, com finalidade de
entretenimento coletivo, de artista cênico, em atuação
individual ou de elenco, como também a gravação, tanto
sonora como de imagens, de espetáculos em geral.115

O objetivo da censura musical era eliminar as letras que fizessem


menções contrárias ao regime militar e/ou que propagassem novos
costumes que não atendessem aos seus interesses. Nesse sentido, “a
censura prévia vigiava de perto a música popular, e canções de teor político
só eram divulgadas pelo rádio quando elogiosas ao Estado”.116
O cargo de censor se tornou legitimado no Brasil pela legislação do
ano de 1924.117 Censor era aquele que praticava o ato censório, crítico e
julgador, encarregando-se da revisão de textos e letras de músicas e do
exame de qualquer meio de comunicação de massa, atuando, conforme se
acreditava, como guardião, vigilante e zelador da ordem vigente.

114
Ibidem. p.03.
115
Ibidem. p.20.
116
MOBY, Alberto. Sinal Fechado: a música popular brasileira sob censura. Rio de Janeiro:
Obra Aberta, 1994. p.105.
117
KUSHINIR, Beatriz. Cães de Guarda. Jornalistas e censores, do AI-5 à Constituição de
1988. São Paulo: Boitempo, 2004. p.87.
77

Artistas como Chico Buarque e Caetano Veloso foram os mais


vigiados pelos censores desde a implantação do AI-5. Suas músicas eram
consideradas por uns como intelectuais e por outros como de protesto,
calcadas em reivindicações surgidas em grupos que criavam movimentos
culturais ligados, por exemplo, ao teatro (Arena, Oficina e Opinião), ao
cinema (Cinema Novo), aos Centros Populares de Cultura da União
Nacional dos Estudantes (CPCs da UNE) e aos centros universitários.118
Esses artistas, depois dos festivais da TV Record, foram obrigados a se
auto-exilarem, ao lado de Gilberto Gil, outro precursor do movimento da
Tropicália, respectivamente, em Roma e Londres.
Além da música e dos programas de televisão, a censura perseguia
vários meios de comunicação impressa, como jornais e revistas. Periódicos
como O Estado de São Paulo, Opinião, Veja, Pasquim e Movimento
destacaram-se no cenário da censura.
Havia um certo inconformismo por parte das universidades em
relação à censura. Alguns intelectuais119 se opuseram a ela em diversos
momentos, como Nadir Kfouri, da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo – “Em princípio, a Censura parte do pressuposto da menoridade de
um povo. É um entrave ao desenvolvimento cultural, científico, artístico,
filosófico, político etc.” – e Otávio Ianni – “Todo o Estado autoritário é,
por definição, antiintelectualista”.
Para se entender melhor o momento que o país atravessava faz-se
necessário focar os diversos acontecimentos ocorridos no final da década
de 1960 e no início da década de 1970. Enquanto a política se dividia entre
os partidos do governo – Aliança Renovadora Nacional (ARENA) – e da
oposição – Movimento Democrático Brasileiro (MDB) –, o Brasil se
118
RIDENTI, Marcelo. “Ensaio geral de socialização da cultura: o epílogo tropicalista.” In:
CARNEIRO, Maria Luiza Tucci (Org.). Minorias Silenciadas. História da Censura no Brasil.
São Paulo: Edusp, 2004. p.378-386.
119
MEDINA, Cremilda. “As múltiplas faces da censura.” In: CARNEIRO, Maria Luiza Tucci
(Org.). Op. cit. p.426.
78

consagrava tri-campeão de futebol. Após a conquista, ocorrida no México,


o presidente Médici, no sentido de driblar a crise em seu governo, chegou
até a bater bola com os campeões no Palácio do Planalto.
Concomitantemente, eclodiam guerrilhas em diversas regiões do
território brasileiro, as quais culminaram nas mortes do deputado Carlos
Marighela e do capitão Carlos Lamarca, respectivamente, em 1969 e 1971,
considerados pela ditadura militar importantes guerrilheiros e opositores do
governo. O primeiro, em 1967, saiu do Partido Comunista Brasileiro (PCB)
e fundou a Ação Libertadora Nacional (ALN), no intuito de formar uma
resistência armada no Brasil, saqueando armas e bancos para se fortalecer
contra a ditadura militar. Já o segundo era membro da Vanguarda Popular
Revolucionária (VPR), organização com os mesmos propósitos da ALN.120
Em setembro de 1972, a censura, instrumento de repressão, passou
a ser de responsabilidade da Polícia Federal, e o governo, a partir de então,
passaria a assumir diretamente o controle da imprensa. Na televisão muitos
programas foram censurados e outros sofreram reprovação da própria
emissora, como A Grande Família, da Rede Globo de Televisão, com
textos de Oduvaldo Vianna Filho.121
Esta mesma emissora realizou, em setembro de 1972, o VII Festival
Internacional da Canção, que foi vigiado de perto pelos censores, conforme
mais tarde Raul Seixas relataria. A emissora, mediante a realização do
concurso, concretizava seus objetivos comerciais, calcados na emergência
da mídia televisiva e do mercado fonográfico devido ao “Milagre
Econômico” (1969-1973).122

120
SKIDMORE, Thomas E. Brasil de Castelo a Tancredo. 7ªed. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
p.175-178.
121
RIBEIRO, Santuza Naves; BOTELHO, Isaura. “A televisão e a política de integração
nacional.” In: NOVAES, Adauto. Anos 70 ainda sob tempestade. Rio de Janeiro: Senac, 2005.
p.483.
122
NAPOLITANO, Marcos. A música popular brasileira (MPB) dos anos 70: resistência
política e consumo cultural. Disponível em: http://www.hist.puc.cl/historia/iaspmla.html.
79

Eu ia tirar a segunda colocação neste festival. E os


federais estavam atrás do palco [...] Foi quando eu levei o
Let Me Sing My Rock-n´-Roll. O pessoal federal estava
todo atrás da coxia, dando toque de que se eu ganhasse
estava frito. Nunca tinha visto isso. Fiquei apavorado! Eu
não podia ganhar! Isso porque o júri, segundo eles, era
anarquista – Rogério Duprat, Guilherme Araújo, Nelsinho
Motta, só a rapeja. Peguei o terceiro lugar.123

Já nas primeiras composições de Raul Seixas havia palavras


consideradas, naqueles anos, subversivas. E era assim que o cantor se
referia à repressão que sofria: “Quem quer que seja que ponha as mãos
sobre mim para me governar é um usurpador, um tirano, e eu o declaro
meu inimigo.”124
Na canção Ouro de Tolo, que foi lançada originalmente no ano de
1973 em compacto simples, e depois re-lançada no primeiro álbum solo do
artista, Raul Seixas encontrou problemas com a censura. Segundo alguns
censores, havia discrepâncias na letra; alegava-se que o artista não
introduzira na canção o conformismo, como fizera o cantor e compositor
Roberto Carlos, que no ano anterior lançara a música A Montanha,
agradecendo a Deus por tudo que tinha na vida, como a natureza, o
sofrimento e a esperança, mas sim o desconforto com o sistema vigente,
durante o governo Médici (1969-1974), satirizando a vida do cidadão
brasileiro (vide capítulo 3).

[...] Eu devia agradecer ao Senhor


Por ter tido sucesso na vida como artista [...]

Além disso, uma palavra que era mencionada na letra original teve
de ser trocada. Em vez de Corcel 73 a música passou a ter Carrão 73, para
não induzir o público a adquirir o veículo da montadora Ford.

123
PASSOS, Sylvio Ferreira. Raul Seixas por ele mesmo. São Paulo: Martin Claret, 2003. p.151.
124
SEIXAS, Kika. Raul Rock Seixas. 2ªed. São Paulo: Globo, 1996. p.75.
80

Eu devia estar feliz


Porque consegui comprar um corcel 73 [...]

Em outras canções do mesmo álbum também foram encontradas


contestações, como a referência ao Monstro Sist ou aos costumes da época,
sendo consideradas subversivas. Entre tais canções estava Rockixe125:

Eu tinha medo do seu medo do que eu faço


Medo de cair no laço, que você me preparou
Eu tinha medo de ter que dormir mais cedo
Numa cama que eu não gosto só porque você mandou

Nesta estrofe Raul Seixas demonstrava inconformismo com o


sistema político do país, se referindo às ordens que desde criança tinha de
acatar.

Você é forte mas eu sou mais lindo


O meu cinto cintilante, a minha bota e o meu boné
Não tenho pressa, tenho muita paciência
É na esquina da falência que eu te pego pelo pé
Olha o meu charme, minha túnica, meu terno
Eu sou o anjo do inferno que chegou pra lhe buscar
Eu vim de longe, vim duma metamorfose
Numa nuvem de poeira que pintou pra lhe pegar

Aqui o artista, provavelmente, referia-se a si mesmo para


indiretamente fazer alusão a alguma instituição de que era adepto, já que
não fazia menções ao sistema político. Em contrapartida, nas estrofes
apresentadas a seguir pode-se entender que Raul mencionava a relação que
se estabelecia entre o governo e uma instituição, grupo ou pessoa.

125
SEIXAS, Raul; COELHO, Paulo (Compositores). “Rockixe.” In: Krig-há, Bandolo! (LP).
Raul Seixas. Rio de Janeiro: Philips (6349078), 1973.
81

Você é forte, faz o que deseja e quer


Mas se assusta com o que eu faço, isso eu já posso ver
E foi com isso justamente que eu vi
Maravilhoso aprendi, que sou mais forte que você
O que eu quero, eu vou conseguir
Pois quando eu quero todos queres
E quando eu quero todo mundo pede mais e pede bis

Na canção Mosca na Sopa o artista utilizava o hibridismo musical,


misturando as batidas do candomblé com o rock and roll, e, ao mesmo
tempo, demonstrava que sua intenção era ameaçar ou perturbar alguém ou
um órgão, mas projetando-se na figura de uma mosca que pousava na sopa.

Eu sou a mosca que pousou em sua sopa


Eu sou a mosca que pintou pra lhe abusar
Eu sou a mosca que perturba o seu sono
Eu sou a mosca no seu quarto a zumbizar

Percebe-se, assim, que a “mosca” perturbava “alguém”, não o


deixando tomar a sopa nem dormir. A batida dos tambores e o som do
berimbau simbolizavam um ritual umbandista, como se entidades
sobrenaturais estivessem sendo evocadas.

E não adianta vim me detetizar


Pois nem o DDT pode assim me exterminar
Porque você mata uma
E vem outra em meu lugar

Neste trecho o ritmo do rock expressava certa agressividade, como


se a intenção fosse amedrontar aquele que já havia sido perturbado.

Atenção! Eu sou a mosca


A grande mosca
A mosca que perturba o seu sono
Eu sou a mosca no seu quarto a zum-zum-zum-zumbizar
Observando e abusando
Olhe pro seu lado agora!
Eu tô sempre junto de você
82

“Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”


Quem lhe? Quem lhe?
A mosca meu irmão!

E, por fim, Raul alertava aquele que havia sido vítima da presença
perturbadora da mosca, dizendo estar sempre próximo, como se fosse
vigiar seus passos.
A gravadora do artista enviou uma solicitação ao Diretor do
Departamento de Censura e Diversões Públicas, da Polícia Federal, para a
liberação da canção:

A COMPANHIA BRASILEIRA DE DISCOS


PHONOGRAM, inscrita no SCDP-GB sob o nº 001, vem,
respeitosamente solicitar se digne V. Exª de mandar
examinar e, afinal, liberar para gravação, o texto poético
da obra lítero-musical “MOSCA NA SOPA”, de Raul
Seixas. Fazendo acompanhar a presente gravação da obra
mencionada e confiante no deferimento do pleiteado a
Requerente aproveita o ensejo para renovar seus protestos
de alto apreço e consideração.126

Três dias depois, a canção foi aprovada e liberada pelo senhor F. V.


de Azevedo Netto, chefe da SCTC-SC/DCDP, que ressalvou somente uma
palavra que o compositor escrevera de forma errada, aconselhando a
substituição de “e não adianta vim me detetizar...” por “e não adianta vir
me detetizar...”.
Em 1983, Raul Seixas, ao se apresentar em um programa de
auditório na TV Cultura, falou sobre sua intenção ao compor essa música,
afirmando que a sopa seria, metaforicamente, a “vida do burguês”. Talvez
por essa razão a música não tenha sofrido censura dez anos antes.

126
Carta de J. C. Muller Chaves (Consultor Jurídico) da Cia. Brasileira de Discos Phonogram.
Rio de Janeiro, 06/04/1973.
83

Durante aquele período, além das músicas gravadas, as


apresentadas em shows também sofriam a repressão da censura. Muitas
apresentações eram vigiadas por policiais federais, como o Phono 73,
realizado no Palácio das Convenções do Anhembi, em São Paulo, em maio
de 1973, quando Chico Buarque e Gilberto Gil tiveram seus microfones
desligados durante a execução da canção Cálice, composta por eles alguns
dias antes.127 Esse show contou também com a participação de Caetano
Veloso, Odair José e Raul Seixas, entre outros, cantando a música
Cachorro Urubu.128
Com a repercussão do Phono 73, o cantor e produtor Jards Macalé
promoveu, no dia 10 de dezembro daquele ano, no Museu de Arte Moderna
do Rio e Janeiro, um show com características parecidas que deu origem ao
álbum ao vivo Banquete dos Mendigos.

É considerado por seu mentor Jards Macalé, o único


evento artístico de cunho exclusivamente político no
Brasil: O Banquete dos Mendigos. Com seu nome tirado
do “Beggar’s Banquet” dos Rolling Stones, o evento era
uma celebração dos 25 anos da Declaração dos Direitos
Humanos, coincidentemente, dali a três dias completavam-
se cinco anos da decretação do ato institucional nº 5 pela
ditadura militar que fechara o Congresso, suspendera todas
as garantias individuais e inaugurara “os anos de
chumbo”, institucionalizando a repressão e a tortura.
Assim dava para entender como andava tenso o clima nos
camarins quando se tiravam no palitinho quem ia começar
o show no MAM.129

127
COSTA, Caio Túlio. Cale-se! A saga de Vanucchi Leme, a USP como aldeia gaulesa e o
show proibido de Gilberto Gil. São Paulo: A Girafa, 2003. p.165-166.
128
SEIXAS, Raul; COELHO, Paulo (Compositores). “Cachorro Urubu.” In: Krig-há, bandolo!
(LP). Raul Seixas. Rio de Janeiro: Philips (6349078), 1973.
129
Paulinho da Viola inicia o show, provocadores o chamam de “comunista”, enquanto Chico
Buarque canta “Quando o carnaval chegar” e com a música “Jorge Maravilha”, lança seu
heterônimo Julinho de Adelaide como forma de driblar a censura. O disco do show, cujo encarte
termina com os versos da música “Um favor”, de Lupicínio Rodrigues: “Poetas, músicos,
cantores/gente de todas as cores/façam um favor pra mim/quem souber cantar que cante/quem
souber tocar que toque/flauta, trombone ou clarim/quem puder gritar que grite/quem tocar apito
apite/faça esse mundo acordar”. In: Caros Amigos – Especial Raul Seixas. N.04. São Paulo:
Casa Amarela, 1999. p.19.
84

Raul Seixas, convidado por Jards Macalé, cantou a mesma música


executada no Phono 73, Cachorro Urubu:

Baby, essa estrada é comprida


Ela não tem saída
É hora de acordar
Pra ver o galo cantar
Pro mundo inteiro escutar
Baby, a história é a mesma
Aprendi na quaresma
Depois do carnaval
A carne é algo mortal
Com multa de avançar sinal

Nessa canção o cantor fazia uma crítica ao cristianismo,


demonstrando sua indignação frente às idéias que a religião cristã incutia
no homem. Manifestava, assim, sua repulsa às noções de que não se
poderia desobedecer às condutas morais e religiosas e de que para toda
desobediência haveria uma punição.

Todo jornal que eu leio


Me diz que a gente já era
Que já não é mais primavera
Oh Baby! A gente ainda nem começou
Baby, o que houve na França
Vai mudar nossa dança
Sempre a mesma batalha
Por um cigarro de palha
Navio de cruzar deserto
Baby, isso só vai dar certo
Se você ficar perto
Eu sou um índio sioux
Eu sou cachorro urubu
Em guerra com Zé “U”

No trecho “Baby o que houve na França vai mudar nossa dança”


referia-se ao episódio de maio de 1968, em que jovens franceses, operários
85

e estudantes, saíram pelas ruas de Paris em protesto130 contra a repressão e


a favor da liberdade e da democracia. Já no fragmento “em guerra com o
Zé U” fazia alusão aos United dos Estados Unidos, mostrando sua
indignação frente àquele país que apoiava a ditadura militar no Brasil.

Essa música que eu vou cantar agora é dedicada a


Cachorro-urubu, para quem não conhece “Crow-dog”
(aquele pajé sioux do Woonded Kness), por ele ter
ensinado a técnica de fazer chover na hora certa.131

Depois do sucesso de Ouro de tolo, Raul Seixas, que, ao lado de


Paulo Coelho, participou de uma passeata por algumas ruas do centro do
Rio de Janeiro cantando a música, passou a ser reconhecido no Brasil, a se
apresentar em programas de rádio e TV e a fazer shows por todo o país.
Em suas apresentações eram distribuídos alguns gibis-manifestos132
com palavras que alertavam o público contra as ordens do governo. Esses
gibis ilustravam a tentativa da dupla, Raul Seixas e Paulo Coelho, de
implantar uma sociedade alternativa no interior do estado de Minas Gerais,
de forma que todos pudessem ser livres de qualquer opressão. Todos que
ali se fixassem seriam livres para viver conforme suas próprias leis, sem
receberem ordens superiores, já que ninguém os governaria.
A partir de então, agentes da Polícia Federal, que freqüentavam
estúdios de gravação, redações de jornais e shows, passaram a fiscalizá-lo,
considerando-o um artista subversivo, principalmente nos shows. Os gibis-
manifestos foram recolhidos e incinerados, restando, segundo Paulo

130
O termo protesto é utilizado aqui para determinar o rumo que tomaram certas formas
específicas de inconformismo surgidas recentemente nas sociedades capitalistas desenvolvidas e
bem recentemente em algumas sociedades socialistas. “O inconformismo sempre foi a postura
clássica de grupos reduzidos [...] e o modo pelo qual eles exteriorizavam seu inconformismo
social.” MARTINS, Luciano. A “geração AI-5” e maio de 68 – Duas manifestações
intransitivas. Rio de Janeiro: Argumento, 2004. p.128-129.
131
SEIXAS, Kika. Op. cit., 1992. p.83.
132
Esses gibis-manifestos traziam textos de Raul Seixas e Paulo Coelho e desenhos feitos por
Adalgisa Rios, então esposa de Paulo.
86

Coelho, cerca de 200 exemplares no Brasil e em algumas partes do


mundo.133 Os autores foram acusados de criticar o governo, sendo
perseguidos e presos pela Polícia Federal em 1974 (vide capítulo 3).

133
Segundo depoimento de Sylvio Passos, concedido ao autor em 04 de Janeiro de 2007, na
cidade de São Paulo.
87

2.2 – FAÇA O QUE TU QUERES, POIS É TUDO DA LEI...


O GIBI-MANIFESTO

Em julho de 1973, durante o show de lançamento do álbum Krig-há


Bandolo!, no Teatro das Nações, em São Paulo, Raul Seixas lançou o gibi-
manifesto “A Fundação de Krig-Há”, com co-autoria de Paulo Coelho e
desenhos artísticos de Adalgisa Rios, naquele momento esposa de Paulo.

Figura 02 – Capa do gibi-manifesto.


Fragmento da canção de Raul Seixas e Paulo Coelho Sociedade Alternativa, gravada por Raul
Seixas em 1974.
88

A criação dos personagens da capa baseava-se em figuras


enigmáticas com características gregas ou fenícias, que aparentavam lutar
contra uma tormenta que dificultava o controle do barco que os conduzia
ao “sol”. Provavelmente, a tormenta, metaforicamente, era a ditadura
militar e o sol representava o fim da opressão vivida pelo país.

Figura 03 – Como construir um badogue.


89

O gibi-manifesto134 pregava a liberdade do homem frente ao


sistema que o oprimia e, logo de início, ensinava a construir um badogue,
espécie de estilingue ou atiradeira. Mediante as instruções para a
construção de uma arma caseira procurava-se demonstrar que o povo
precisava se preparar para a luta contra o sistema. O badogue poderia ser
confeccionado e manuseado facilmente, e, assim, com poucos recursos a
sociedade se protegeria do governo. Bastava ter uma forquilha de
pessegueiro, um elástico de pneu, barbantes e um pedaço de couro com 8
cm de comprimento para se construir o aparato, além de qualquer pedaço
de pedra para servir de munição.
Na explicação acerca da construção daquela engenhoca os autores
faziam referência a Spartacus, que liderou um grande grupo de escravos
contra Crasso e Pompeu, futuros cônsules do Primeiro Triunvirato de
Roma, entre os anos de 73 e 71 a.C.135. Comparavam, assim, esse período
com aquele que vivenciavam diante do governo militar, fazendo-se passar
por mentores de um projeto simples que poderia significar a união e o
fortalecimento de muitos para agir contra o sistema que os oprimia.
Na descrição daquele aparato fazia-se certa crítica aos meios de
comunicação de massa, como a televisão, o rádio, os jornais ou as revistas,
pela exibição excessiva de anúncios de produtos a serem consumidos em
grande escala naquele período de “Milagre Econômico” no país. A crítica
aparecia de forma indireta na frase:

Atenção: é prático, econômico, fácil de montar e qualquer


criança pode manejá-lo. Não feito apenas para matar
passarinho. Importante: cuidado com as intenções falsas.
Estilingue Atiradeira.

134
Este gibi-manifesto foi cedido por Sylvio Passos, presidente do Raul Rock Club – Raul
Seixas Oficial Fã-Clube. O original foi entregue a ele pelo próprio Raul Seixas, na década de
1980.
135
KUBRICK, Stanley. Spartacus (DVD). Hollywood: Universal Pictures (SD0522), 2004.
90

No gibi-manifesto os autores citaram, ainda, a importância dos


quatro elementos que compõem o universo e, segundo eles, a “Consciência
Cósmica”. Ademais, destacaram as funções da química, da alquimia e do
esoterismo – este último sempre acompanhou a obra artística do cantor.
Anos mais tarde, Raul Seixas diria em diversas entrevistas que a Sociedade
Alternativa era algo esotérico e que não tinha nenhuma relação com o
governo ou com a política. Afirmaria ainda: “Existem várias imagens para
se descrever as coisas visíveis.”
Os autores explicaram que uma dessas imagens era o universo,
sendo composto pelos quatro elementos – a água, a terra, o fogo e o ar –,
formando, assim, a “Consciência Cósmica”. Dessa maneira, procuravam
afirmar que o universo que se conhecia nada mais era que o universo da
nossa própria consciência, definido pelos autores como a “Consciência
Cósmica”.136
Essa geração inspirava-se no rock and roll e na literatura beat –
contra o modo de vida burguês e os valores da sociedade de consumo. Jack
Kerouac, com o romance On The Road, lançou a idéia de se abandonar o
sistema com uma mochila nas costas e de se pegar a estrada em busca da
vida e da própria liberdade.137
No aspecto esotérico, o gibi, representando aquele momento,
apresentava figuras mutantes que se misturavam entre paisagens antigas e
futuristas. Uma criança despontava sentada sobre a cabeça de um tigre e,
com a mão direita, parecia segurar uma munição que seria disparada em
direção à rua. Já do seu lado esquerdo não havia mão, mas uma cauda de

136
Difundiam o pensamento da dupla em relação àquele período recuperando aspectos da arte
psicodélica. A partir daquele ano, grupos de rock, geralmente usuários de drogas, passaram a
usar roupas coloridas e calças apertadas com a boca larga. Um dos momentos marcantes dessa
geração foi o festival de Woodstock, ocorrido em agosto de 1969, que marcou o início do
movimento “paz e amor”, em protesto contra a Guerra do Vietnã (1967/1975).
137
BOSCATO, Luiz Alberto de Lima. Vivendo a Sociedade Alternativa: Raul Seixas e o seu
tempo. São Paulo: Terceira Imagem, 2007. p.69.
91

serpente, que se agarrava em uma das colunas que separavam a rua da


calçada.

Figura 04 – Artigo 1000.

A figura apresentava a dualidade do futuro e do passado. A mulher


da esquina, próxima à criança, parecia ser uma prostituta, profissão entre as
mais antigas do mundo, e dava a entender que aquela atividade ainda
existiria por muitos anos.
92

Por meio destas mensagens os autores procuravam “abrir os olhos”


de todos, dizendo que a ironia por parte de quem governava estava por
todos os lados, seguindo a todos para que não desobedecessem nenhuma
ordem governante. Para os autores, as crianças eram as únicas conscientes
naquele sistema, talvez pela inocência, tendo, ainda, o poder de se
comunicarem sem nenhuma palavra – “E o grande poder das crianças está
em não oferecer perigo”.
Em outro momento, os autores escreveram que a imaginação era a
fonte da esperança. Pediam a todos que ficassem atentos em tudo o que
estava à sua volta, mas também afirmavam que era melhor sonhar e
imaginar do que viver a realidade. Para os autores, onde não havia a
imaginação o Monstro Sist dirigia com “pseudocriatividade” os melhores
momentos das vidas humanas, como, por exemplo, a juventude,
permeando-as de desejos e de consumismo.
Também mencionaram que as pessoas se encontravam pelo mundo
de cabeças baixas, sendo “esmagadas” pelo Monstro Sist138 antes mesmo de
poderem perguntar o que estava acontecendo. Por conseguinte, o controle
de suas vidas fugia de suas próprias mãos – “Temos visto também os
carrascos, vítimas de um mecanismo do qual já perderam o controle”.

138
Para os autores, o Monstro Sist era todo sistema que oprimia a todos, seja ele o capitalista ou
o ditatorial.
93

Figura 05 – Artigo 2000.

Este Monstro Sist, como os autores indicaram, oprimia, não


deixando as pessoas sonharem e imaginarem. Dizia-se, então, que elas
deveriam levantar a cabeça diante dos domínios do sistema, que procurava
controlar a vida do trabalhador, do estudante, do artista, do religioso,
enfim, do homem em geral. A dupla se referia claramente ao governo
brasileiro e à ditadura militar, que procurava vedar atitudes ou pensamentos
questionadores:
94

Abram seus olhos, porque a ironia acordou e habita em


todas as coisas. E a ironia é uma forma que a imaginação
tem para se manifestar agora [...] As pessoas caminharam
pela geração da espada139 e pela geração da flor. A
semente pede luz de sol.

Os autores acreditavam que essa liberdade da imaginação individual


levaria ao fim dos conflitos humanos, bem como que a diversidade de
conceitos levaria ao respeito, à compreensão e ao reconhecimento do
próprio homem. Eles dividiam a imaginação em três poderes: a
onipotência, a embriagues e a vida, para melhor direcionar o homem em
seus passos e em sua própria trajetória.
Para os autores, o homem tinha de se libertar do Monstro Sist, ou
seja, tinha de se desvincular do sistema. Ao mesmo tempo, induziam o
homem a se aprofundar no Krig-há, cuja intenção era unir as pessoas com
um objetivo comum: destruir crenças e culturas estabelecidas.

Cada homem tem seu caminho e sua forma de agir. A


nossa foi Krig-há. Destruiremos, sem compromisso algum
as crenças e opiniões arraigadas durante séculos de
cultura. Somos mais parecidos com bárbaros que com
Robespierre. Aprendemos a ler no grande livro os
segredos da chuva e das pedras. Krig-há é apenas o estágio
do momento. Eis o estágio: procurar, junto com todos, a
forma de expressar tudo que a imaginação pretende nos
dizer. Sair do Monstro Sist porque ele está gangrenado e
em breve morrerá, arrastando todos que ainda estão com
ele. Em todas as partes do mundo as pessoas procuram e
se unem, com um objetivo: imaginação, a ponte para o
passo.

139
A geração da espada se referia às muitas gerações desde o início da humanidade, enquanto
que a da flor era mencionada pela dupla para se referir aos hippies em protesto contra a Guerra
do Vietnã (1967-1975). A semente apenas poderia brotar quando a imaginação de cada
indivíduo se unisse, se tornando uma imaginação coletiva e tornando livre cada imaginação
individual.
95

De forma ilustrativa, faziam referência, possivelmente, à “Alegoria


da Caverna”, de Platão, ao pedirem às pessoas que saíssem da ignorância e
da repressão e buscassem sua própria liberdade:

Antes de sair do Monstro Sist, porém, procurar todos que


tiveram a alma semeada e, dizer que o sol brilha lá fora e,
que nos ajudem a procurar o local.

Finalizavam caracterizando que o elemento terra era a base da


Sociedade Alternativa140, se referindo à certeza de estarem bem apoiados
naquela idéia, como um solo para a sustentação. Só assim seria possível
implementar uma elevação social e humana, representada pelo elemento
fogo.

A coisa mais penosa do nosso tempo é que os tolos


possuem convicção e os que possuem imaginação e
raciocínio vivem cheios de dúvidas e indecisão. Rio:
31/07/73. The End. “Mas a gente ainda nem começou”
(vide Cachorro Urubu).

Com o lançamento do gibi-manifesto, concomitante ao lançamento


do álbum Krig-há Bandolo!, Raul Seixas e Paulo Coelho fizeram uma
passeata em algumas ruas do centro do Rio de Janeiro cantando Ouro de
tolo, que marcou o início da Sociedade Alternativa no Brasil.

Como eu estava dizendo, essa sociedade promove


acontecimentos. O primeiro foi o LP. O segundo foi uma
procissão que foi muito bem-sucedida, foi muito bonito. A
gente levou uma bandeira na rua. Uma explosão. Porque

140
A Sociedade Alternativa, proposta pelos dois compositores, seria uma sociedade livre de
qualquer governo, de qualquer opressão. Nela não haveria dinheiro, impostos, o advogado seria
o não advogado, o professor seria o não professor, todos os homens com os valores trocados.
Esta Sociedade Alternativa estava ligada à própria liberdade da consciência humana; primeiro o
homem a buscava e depois a tornava livre de qualquer opressão. Baseavam-se nas idéias do
bruxo inglês Aleister Crowley e nos pensamentos políticos de John Lennon, que, segundo os
autores, seria mentor de uma sociedade igualitária, sem guerras e sem governo nos Estados
Unidos, denominada New Utopia.
96

vocês sabem que tem havido uma série de implosões. Nós


saímos à rua, cantando, foi muito bonito. E a terceira foi
esse show de teatro, esse show que nós estamos fazendo
agora. E a quarta vai ser o Piquenique do Papo. Nós
vamos convidar todos os artistas, de todos os campos, os
comunicadores, de artes plásticas, de cinema, de teatro. E
vamos fazer um piquenique bem suburbano, no Jardim
Botânico. Levando galinha, sanduíche. Todo mundo. Pra
conversar.141

Raul Seixas pregava em várias canções essa vontade individual de


lutar contra aquele ou aquilo que oprimia o desejo de liberdade do homem.
Para ele, a vontade individual não poderia ser jamais oprimida e o homem
deveria se libertar. Porém, encontrou dificuldades em pregar essa liberdade,
já que os homens que discordavam do sistema vigente eram considerados
subversivos. Em função de tais idéias, ele e Paulo Coelho foram obrigados
a se auto-exilarem nos Estados Unidos em 1974 (vide capítulo 3).
Os autores também evidenciavam, mediante algumas canções,
aspectos entre o bem e o mal, significando o homem como um ser
conflituoso entre si mesmo, a sua consciência e os preconceitos morais da
sociedade.
Após o lançamento dos álbuns Krig-há Bandolo! e Gita,
respectivamente, em 1973 e 1974, teve início a fase áurea e esotérica142 do
artista, que passou a tratar de assuntos místicos frente às crises sociais da
contracultura e da ditadura militar.

141
PASSOS, Sylvio Ferreira. Op. cit. p.83-85.
142
Refiro-me aqui à fase esotérica de Raul Seixas, durante a qual, segundo o artista rememorou
em diversas entrevistas, ele fez a leitura de Bhagavad Gita, do filósofo e místico indiano Jiddu
Krishnamurti (1895-1986). Nesta fase, mais especificamente entre 1974 e 1975, muitas pessoas
levavam seus filhos e parentes doentes ou deficientes aos shows de Raul acreditando que ele
poderia curá-las se as tocasse. Claro que o artista afirmava que isto era possível em virtude das
leituras que fazia e do uso de drogas e álcool, na busca de ajudar o homem a se libertar da
pseudocriatividade e a encontrar a sua própria consciência. Essa fase assemelhou-se à fase de
espiritualidade dos Beatles, em especial de George Harrison, que chegou a gravar a canção My
Sweet Lord, em 1970, exaltando as entidades divinas da religião hindu.
97

Os autores do gibi-manifesto indicaram apenas um caminho a se


seguir frente à opressão, defendendo que o coletivo não poderia oprimir o
individual e que todos deveriam se juntar com um mesmo propósito: lutar
conscientemente contra as regras coercivas da sociedade.

Essa foi a verdadeira intenção de Raul Seixas: de levar as


pessoas a conhecerem um mundo melhor onde não haveria
repressão. Mas as pessoas resistiam porque temiam o
novo, temiam enfrentar uma forma de vida que não
conheciam.143

O homem, segundo Raul Seixas, sempre viveu nesta condição de


escravidão psicológica, como no romance de George Orwell, de 1984, em
que o indivíduo tinha até sua própria consciência vigiada todos os dias, o
dia todo. Raul Seixas assumia o protótipo de homem de uma Nova Era, a
era de compartilhar, de dar aquilo que tinha, tendo como método
pedagógico a música.144

A intenção do Raul, era a de transformar o ser humano;


uma transformação interna, uma revolução psicológica
que conseqüentemente desencadearia uma grande força
nas pessoas, tornando-as capazes de fazer tudo aquilo que
sempre desejaram fazer, transformando os sonhos em
realidades. Sem prejudicar o próximo. Raul sempre
frisava. “Ou você pertence à sociedade constituída; ou
você pertence à Sociedade Alternativa” [...] Raul era
contra as coisas estabelecidas, o conformismo, o
convencional e evidentemente sua rebeldia era
conseqüência disso tudo. Raul se preocupava, mas não
estava nem aí com o nosso belo quadro social, porque no
fundo ele continuava fazendo as coisas dele. Exemplo:
vendo a sombra sonora de um disco voador.145

143
ALVES, Luciane. Raul Seixas e o sonho da Sociedade alternativa. São Paulo: Martin Claret,
s/d. p.57.
144
Ibidem. p.69.
145
Depoimento de Sylvio Passos. In: Ibidem. p.124-125.
98

Sobre a importância de Raul Seixas na cultura brasileira, Boscato,


estudioso da obra do artista, afirma:

Raul Seixas procura ser a conexão entre o individual e o


social. Ele procura lutar contra a ditadura militar no Brasil
mas sem se esquecer de si mesmo. Havia uma forte
divergência na década de 60 entre nós, que éramos de
esquerda, que estávamos na Rua Maria Antônia na época
da briga com a direita alojada no Mackenzie, e aquele
pessoal que gostava do Caetano Veloso e do movimento
tropicalista porque para nós, aquela idéia de “caminhar
contra o vento sem lenço sem documento” soava como um
desincentivo à militância política. E aquela atitude deles
de se usar drogas e discutir sobre rebeldias meramente
comportamentais não combinava com a postura que
precisava ter o militante de esquerda: nós deveríamos estar
sempre alertas, pois a qualquer momento poderíamos
sofrer os ataques da repressão, e o uso de drogas
implicaria em nos tirar desse estado de alerta. Foi Raul
Seixas quem construiu a ponte entre essas duas tendências:
a da militância política e a da ênfase na dimensão
individual.146

Embora vivesse intensamente este período, Raul Seixas criticava


até mesmo o movimento underground da contracultura, como na música
Teddy Boy, rock e brilhantina147:

Eu quero, avacalhar com toda a turma da esquina


Com meu cabelo cheio de brilhantina
Dançando o rock ao som de Elvis´n Roll

Raul Seixas, nestes versos, rememorava a infância e a adolescência


na cidade de Salvador, quando imitava seu ídolo, Elvis Presley.

146
BOSCATO, Luiz Alberto de Lima. Op. cit. p.65.
147
SEIXAS, Raul (Compositor). “Teddy Boy, rock e brilhantina.” In: Let me sing my
rock’n’roll (Compacto Simples). Raul Seixas. São Paulo, 1972.
99

Eu vivo, num clima brabo, cheio de violência


E você faz sinal de paz e clemência
E ainda me diz que é um bicho muito “underground”
E ainda me diz que é um bicho muito “underground”

Aqui o artista fazia uma crítica ao movimento hippie, que pedia paz
e amor enquanto o Brasil era dominado pela repressão durante os “anos de
chumbo” e o governo Médici (1969-1974).

Eu vivo, de olho na vitrine da moda


Vendo robôs padronizados é soda
Com coca-cola e bugigangas que é pop
Com coca-cola e bugigangas que é pop

Nesta parte da canção o cantor se referia ao mercado consumista de


produtos nacionais e estrangeiros e ao mercado da moda, que, com suas
roupas coloridas que mostravam o estilo comportamentalista da época,
induzia o uso de cabelos cheios ou black power, costeletas, calças de listras
apertadas na cintura e com bocas de sino. As mulheres, também
influenciadas pela moda, usavam mini-vestidos, roupas de crochê e baby
look’s.148
Raul criticava também o mecanismo da cultura de consumo sobre a
própria contracultura, na figura de artistas como Andy Warhol (1928-
1987), que, em 1962, expôs seu trabalho Campbell´s e, em 1962, gerou
uma nova forma de se fazer arte, a “pop art”.149

Ei bicho! Onde é que vai com essa flor no cabelo?


Com esse sorriso de paz e desespero
Olhe pro lado e você vai entender
Entender?

148
BAHIANA, Ana Maria. Almanaque Anos 70: Lembranças e curiosidades de uma década
muito doida. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006. p.31-39.
149
Revista Desvendando a História. Ano 02, nº11. São Paulo: Escala, 2007. p.39.
100

Nas palavras de Thildo Gama, amigo de infância de Raul Seixas e


primeiro guitarrista a acompanhá-lo, o artista tinha um certo preconceito
150
quando o assunto era “homossexualismo”. O único homossexual que
poderia ser considerado seu amigo era Edy Star151, que gravou com ele,
Miriam Batucada e Sérgio Sampaio, em 1971, o álbum Sociedade da Grã
Ordem Kavernista Apresenta Sessão das 10.

Agora, todo imbecil passa por gênio poeta


Em cada esquina um pseudo-profeta
Com um guarda-chuva e um pirulito na mão
Com um guarda-chuva e um pirulito na mão
Let´s rock, man

O artista demonstrou aqui inconformismo com o surgimento e a


proliferação de várias seitas religiosas durante a década anterior, em que o
homem buscava a espiritualidade de filosofias orientais, misturando-as com
o consumo de drogas e álcool e, assim, formando a doutrina e muitos
jovens hippies.

Não quero, mudar o mundo com esse papo furado


Só acredito em quem pulou o cercado
Quatro bulldogs vigiando o portão
Quatro bulldogs, vigiando, o meu portão

Nesta última parte da canção o artista se referia àqueles que


conseguiam “pular o cercado” ou “sair” do sistema comportamentista em
que a sociedade brasileira, oprimida pela ditadura militar, se encontrava no
início dos anos 1970.

150
Depoimento de Thildo Gama, concedido ao autor em 04 de janeiro de 2007, na cidade de São
Paulo.
151
Ele confirmou essa amizade com Raul Seixas, afirmando que teve início nos anos 60, na
cidade de Salvador. “Raulzito sempre me respeitou, ele até me chamava de Bofélia.”
Depoimento de Edy Star, concedido ao autor em 24 de março de 2007.
101

Destarte, estudando-se o gibi-manifesto pode-se compreender que


Raul Seixas buscava desenvolver no homem daquele momento o desejo de
resgatar sua própria consciência, já que acreditava que os movimentos
ocorridos no final dos anos 1960 eram coletivos e cooptados pelo sistema,
bem como que não valorizavam o individualismo de cada um. Tentava,
ainda, por meio do gibi-manifesto, da passeata, do lançamento da canção
Ouro de Tolo e da tentativa de implantar a Sociedade Alternativa,
reintroduzir o homem à sua própria consciência, como ele mesmo dizia:

Se você não está dentro da Sociedade Alternativa, a


Sociedade Alternativa sempre esteve dentro de você.152

Tais afirmações sobre a Sociedade Alternativa, o esoterismo, a


política e a filosofia contidas no gibi-manifesto, entre outros fatores,
levaram Raul Seixas a ser perseguido pela censura no país.

152
BOSCATO, Luiz Alberto de Lima. Op. cit.
102

2.3 – TANTO PÉ NA NOSSA FRENTE QUE NÃO SABE COMO ANDAR...


AS MÚSICAS CENSURADAS

A Polícia Federal passou a recolher todos os gibis-manifestos que


eram distribuídos nos shows, considerando-os “materiais subversivos à
ordem da política vigente”. Estes gibis mostravam as inquietudes que a
dupla entoaria em suas obras musicais.
Ainda em 1973, ano da produção do gibi-manifesto, Raul tentou
lançar a música Óculoescuro, composta em parceria com Paulo Coelho,
que, no entanto, foi vetada várias vezes. Os censores alegavam que nela
havia palavras com significados obscuros:

Esta luz tá muito forte, tenho medo de cegar


Os meus olhos tão manchados com teus raios de luar
Eu deixei a vela acesa para a bruxa não voltar
Acendi a luz de dia para a noite não chiar

A “luz” a que os autores se referiam era a luz artificial que os


soldados usavam em revistas noturnas, na busca de simpatizantes do
comunismo nas ruas das principais cidades do país. Em diversos shows o
cantor dizia que as luzes do palco poderiam cegá-lo, por isso a necessidade
dos óculos escuros nos espetáculos, passando esse acessório a ser sua
marca registrada. Sabe-se, portanto, que quando Raul se referia às luzes do
palco fazia alusão, na verdade, ao sistema ditatorial que governava o país.

Já bebi daquela água, quero agora vomitar


Uma vez a gente aceita, duas tem que reclamar
A serpente está na terra, o programa está no ar!
Vim de longe, de outra terra, pra morder teu calcanhar


Fragmento da canção de Raul Seixas e Paulo Coelho Óculosescuro, nunca gravada por Raul
Seixas. Lançada em 1994, no CD “Se o rádio não toca”, a partir de gravações de um show em
Brasília no primeiro semestre de 1974.
103

Nesta estrofe fazia-se referência às regras impostas pela ditadura.


Raul e Paulo Coelho acreditavam que poderiam abalar o sistema
governamental com a implantação da Sociedade Alternativa, bem como
que a ditadura também teria um calcanhar-de-aquiles, bastando ser
atingido para derrubá-la.

Esta noite eu tive um sonho, eu queria me matar


Tudo tá a mesma coisa, cada coisa em seu lugar
Com dois galos, a galinha não tem tempo de chocar
Tanto pé na nossa frente que não sabe como andar
Quem não tem colírio, usa óculos escuro
Quem não tem papel, dá recado pelo muro
Quem não tem presente, se conforma com o futuro153

Desta vez os compositores se referiam ao governo e à sua falta de


estrutura para conter os problemas sociais, políticos, econômicos e culturais
que assolavam o país nos anos conturbados do governo Médici. No refrão
indicava-se a importância dos recados deixados nos muros, como “abaixo a
ditadura”, destacados como verdadeiras mensagens ao povo em geral. Já na
última frase da canção queria-se dizer que muitos, presos ou não, mesmo
sofrendo pressões e repressões, se conformavam com dias melhores,
acreditando no fim da ditadura.
Por diversas vezes, a letra da música foi levada para reexaminação
em Brasília, sendo modificada com freqüência, uma vez que os censores
acreditavam que os compositores haviam utilizado certas palavras com
duplo sentido, “como andar” referindo-se “comandar”. Outras palavras
também foram indicadas no parecer da censura:

Gênero: protesto social; Linguagem: direta, como veículo


de mensagem subversiva; Tema: sóciopolítico;

153
Manuscrito datilografado. Processo nº 562 – caixa 645, p.02 – Departamento da Polícia
Federal, Brasília.
104

Mensagem: negativa, induz flagrantemente ao


descontentamento e insatisfação no que tange ao regime
vigente e incita a uma nova ideologia, contrária aos
interesses nacionais... A gravação em tape da melodia em
epígrafe, apresenta relevante predominância do ritmo
sobre a letra musical, dissonância esta elaborada
propositalmente, para que a linha melódica desviasse o
interesse, atenção e cuidado que a letra exige, uma vez que
a mesma é indubitavelmente estruturada em linguagem ora
ostensiva, ora figurada, com o propósito de vilependiar e
achincalhar a atual conjuntura sóciopolítico nacional. Isto
exposto e calcado no Decreto 20493, art. 41, itens d e g,
sou pela NÃO LIBERAÇÃO da referida composição, ou
seja, de ÓCULOESCURO.154

No ano seguinte, um outro parecer surgiu em uma nova tentativa de


gravar a referida música, que novamente foi vetada:

Letra musical que apresenta, numa linguagem subjetiva e


mensagem subliminar, a inconformidade com o “Status
Quo” do Brasil atual, contra suas diretrizes políticas,
podendo incitar atitudes ou reações negativas contra o
regime vigente. Sugerimos a não liberação.155

Em uma terceira tentativa, após o artista mudar algumas partes da


letra, a Phonogram apresentou uma carta ao DCDP:

[...] vem reapresentar o texto poético da composição


“ÓCULOESCURO” de Raul Seixas, com trechos
modificados de molde a permitir a liberação para
gravação, pedido este que reitera neste ato [...].156

Dias depois, a equipe de técnicos censores de Brasília, sob o


comando do senhor Wilson de Queiroz Garcia, chefe do Serviço de
Censura - DCDP, deu em resposta o seguinte parecer:

154
Parecer nº 10207/73 da Divisão de Censura e Diversões Públicas – Departamento da Polícia
Federal. Brasília: 12/11/1973, vide em Processo nº 562, caixa 645, p.04.
155
Parecer nº 14685/74 da Divisão de Censura e Diversões Públicas – Departamento da Polícia
Federal. Brasília: 24/04/1974, vide em Processo nº 562, caixa 645, p.08.
156
Carta de J. C. Muller Chaves (Consultor Jurídico) da Cia. Brasileira de Discos Phonogram.
Rio de Janeiro, 20/05/1974.
105

Reexaminando, em caráter recursal, a letra musical


intitulada “OCULOESCURO”, de autoria de Raul Seixas,
sob a acertiva de modificações, concluímos que: 1. Não
houve mudança da temática, que permaneceu a mesma,
não obstante a troca de algumas expressões intercaladas na
obra; 2. O caráter sutil de insatisfação ao regime vigente,
permanece inalterado, configurando, assim, as proibições
contidas nas alíneas “d” e “g”, do Art. 41, do Regulamento
aprovado pelo Decreto 20493/46. Diante do exposto,
somos pela manutenção da não liberação.157

Neste período, outra canção vetada foi Murungando158:

Levanta a cabeça mamãe, levanta a cabeça papai


Levanta a cabeça hipão, e tira seus olhos do chão
O chão é lugar de pisar, levanta a cabeça vovó
Levanta a cabeça povão, levanta a cabeça vovô
Pra turma do amor e da paz, levanta a cabeça rapaz
Não tenho outra coisa a dizer, que eu sou mais eu que
você.

A canção pedia ao povo que não abaixasse a cabeça, afirmando que


se isso acontecesse todas as forças e esperanças iriam embora.
Apresentava, ainda, uma crítica aos hippies, que, conforme acreditavam os
compositores, protestavam, em diversas localidades do mundo, de forma
alienada e com discursos sem intensidade ou teor, cultuando a paz e o amor
de forma pacífica e inerte.
Segundo Odette Martins Lanziotti, técnica da censura sob matrícula
nº 1939573, no que diz respeito à letra, deu o parecer final:

Considerando que: a) a letra musical ora submetida à


análise censória permite conotação política; b) o autor,
através de metáforas, implicitamente, diz que o povo anda
cabisbaixo e o induz a levantar a cabeça; c) na realidade,

157
Parecer nº 15450/74 da Divisão de Censura e Diversões Públicas – Departamento da Polícia
Federal. Brasília: 22/05/1974, vide em processo nº 562, caixa 645, p.11.
158
SEIXAS, Raul (Compositor). “Murungando.” In: O Rebu (LP). Vários Artistas. Rio de
Janeiro: Som Livre, 1974.
106

exortando o povo, ele está fazendo da música um meio


para atingir o fim; d) de acordo com a alínea d, do art. 41,
do Decreto 20493/46, a referida letra não deve ser
aprovada. É o meu parecer, salvo melhor juízo.159

Em dezembro de 1974, ambas as músicas foram liberadas para a


trilha sonora da novela O Rebú, da Rede Globo de Televisão, tendo o
artista, acompanhado de seu parceiro musical Paulo Coelho, sido o
responsável pela produção de toda a trilha sonora da trama. Contudo, os
compositores tiveram, mais uma vez, de mudar a letra de Óculoescuro, que
teve, inclusive, seu título alterado para Como vovó já dizia160:

Quem não tem colírio


Usa óculos escuro
Vinha avó já me dizia
Pra eu sai sem me molhar
Mas a chuva é minha amiga
E eu não vou me resfriar
A serpente está na terra
O programa está no ar
A formiga só trabalha
Porque não sabe cantar
Quem não tem colírio
Usa óculos escuro
Quem não tem filé
Come pão e osso duro
Quem não tem visão
Bate a cara contra o muro
É tanta coisa no menu
Que eu não sei o que comer
José Nilton já dizia
“Se subiu, tem que descer”
Só com a praia bem deserta
Que o sol pode nascer
A banana é vitamina
Que engorda e faz crescer [...]

159
Parecer nº 686/74 do Departamento de Polícia Federal – Serviço de Censura de Diversões
públicas do Estado da Guanabara. Rio de Janeiro: 12/11/1974.
160
SEIXAS, Raul; COELHO, Paulo (Compositores). “Como vovó já dizia.” In: O Rebu (LP).
Vários Artistas. Rio de Janeiro: Som Livre, 1974.
107

Raul Seixas voltou a ter problemas com a censura em 1980 com a


canção Rock das aranha161. Numa espécie de brincadeira, ele e seu parceiro
Cláudio Roberto, segundo este, compuseram a canção em homenagem às
suas respectivas esposas, que se chamavam Ângela, durante uma festa em
sua casa no interior do estado do Rio de Janeiro.

Subi num muro do quintal


E vi uma transa que não é normal
E ninguém vai acreditar
Eu vi duas “mulher” botando aranha pra brigar [...]
Meu corpo todo se tremeu
E nem minha cobra entendeu
“Cumé” que pode duas “aranha” se esfregando?
Eu tô sabendo, alguma coisa tá faltando [...]
Deve ter uma boa explicação
O que é que essas “aranha” “tão” fazendo ali no chão?
Uma em cima outra embaixo
E a cobra perguntando, onde é que eu me encaixo? [...]
Soltei a cobra e ela foi direto
Foi pro meio das “aranha”
Pra mostrar “cume” que é certo
Cobra com aranha é que dá pé
Aranha com aranha, sempre deu em jacaré
É minha cobra, cobra com aranha
Com as “aranha”
Vem cá mulher deixa de manha
Minha cobra quer comer sua aranha
É o rock das “aranha” [...]

Fazia-se, assim, apologia ao machismo, já que na canção, se


referindo ao homossexualismo entre duas mulheres, dizia-se que não era o
correto esse tipo de relação, e sim a convencional. De forma pejorativa, a
palavra “cobra” era usada como sinônimo do órgão sexual masculino, e
“aranha” como sinônimo do órgão sexual feminino.

161
SEIXAS, Raul; AZEREDO, Cláudio Roberto (Compositores). “Rock das aranha.” In: Abre-
te Sésamo (LP). Raul Seixas. Rio de Janeiro: CBS (138194), 1980.
108

Sobre esta canção, Ricardo Cravo Albin, um dos responsáveis pelo


recurso do Conselho Superior de Censura (CSC), escreveu:

Os compositores censurados ficaram, inicialmente,


desconfiados da ação do Conselho, mas passaram a
compreendê-lo melhor a partir de 1980, pela insistência
que alguns de nós mantínhamos no sentido de que eles
reagissem e fizessem recursos contra as ações proibitórias.
Alguns me ligavam para saber detalhes burocráticos de
encaminhar o recurso, outros para estabelecer estratégias
da defesa e, muitos, jamais me deram qualquer palavra.
Esses eram, em geral, representados por advogados das
gravadoras que lançavam seus discos e, especificamente,
as músicas censuradas. Raul Seixas, por exemplo, tinha
advogado, mas foi dos primeiros a me telefonar para saber
de detalhes sobre a estratégia de liberação de sua música
“Rock das aranhas” [...] Quando o “Rock das aranhas” foi
entregue a mim para relatar, o próprio presidente do
Conselho declarou em público e, ironicamente, que queria
ver que argumentos eu poderia usar para liberá-la, tão
indefensável era o nível da música.162

O parecer de Ricardo Cravo Albin, responsável pelo recurso da


música, foi o seguinte:

A apresentação do recurso ao CSC para esse Rock das


aranhas, contudo, propõe e também impõe uma reflexão
sobre as diferenças entre a legítima malícia das canções
que brotam da alma as ruas e dos poetas do povo e da
exploração dessa mesma malícia através do apelo à
pornografia e à chulice. Ouvindo Rock das aranhas e, me
detendo em sua letra, confesso que me surpreendi pelo
insólito que significa a grosseira exploração da já referida
e sempre defendida malícia da alma popular do
cancioneiro. Devo dizer, por sinal, que em minhas muitas
pesquisas por dentro da canção popular para veiculação
aberta nunca encontrei nada semelhante em intenção
explícita tão pornográfica quanto a presente, mesmo em
músicas de carnaval, mesmo em música sertaneja, tanto
uma quanto outra sabidamente voltada para o sentido
duplo.163

162
ALBIN, Ricardo Cravo. Op. cit. p.151.
163
Ibidem. p.154.
109

O autor fez menção às velhas canções que traziam no imaginário


social malícias, como as letras de antigos sambas-canções, marchinhas de
carnaval e músicas sertanejas.

O Rock das aranhas pretende, em princípio, descrever uma


briga imaginária entre duas aranhas e uma cobra [...]
Descrevendo abjetivamente um relacionamento lésbico,
em que o órgão feminino é sinônimo grosseiro de aranha e
o masculino de cobra. Aqui não são as palavras que
chocam [...], mas são as intenções explícitas do significado
da peça. Nem me detenho em reanalisar a letra da música
quer pela indigência de sua estrutura, quer, sobretudo, pelo
seu sentido inequívoco, inexorável e renitentemente
pornográfico, mas também não fujo à tentação, como
crítico, de declarar meu espanto ante a tão baixa qualidade
da peça assinada por Raul Seixas, um compositor que já
fez tantas coisas de qualidade. Por sinal, no próprio
processo em que o Serviço de Censura interditou o Rock
das aranhas, há seis outras composições do próprio Raul,
em que seu talento fica perfeitamente reconhecido e
reabilitado, o talento desse irreverente e quase sempre
filosófico e instigante poeta-compositor baiano que é Raul
Seixas. Por isso, por ser Raul Seixas quem é, torna-se
difícil aceitá-lo em apelação tão abjeta e lastimável.
Enfim, tamanha indigência Raul jamais se deveria
permitir. Como, no entanto, ele se permitiu, vamos
respeitar-lhe o direito, a liberdade de fazer até lixo desse
nível. No entanto preservamos igualmente o direito de
quem quiser ouvi-lo. Portanto, sou pela liberação da
música Rock das aranhas, ficando contudo restrita sua
veiculação aberta, ou seja, através e emissoras de rádio e
televisão. 31 de julho de 1980.164

O álbum Abre-te Sésamo foi lançado naquele mesmo ano, mas


trazendo no canto superior esquerdo de sua capa uma enorme faixa em um
retângulo amarelo com a palavra CENSURADO, pois continha a referida
canção. No verso do álbum, em um círculo vermelho, apareciam as
palavras: “por determinação do Conselho Superior de Censura, decisão
29/80, a música Rock das aranhas tem proibida sua execução em emissoras
de rádio e tv”.
164
Ibidem. p.154-155.
110

O artista, em diversas entrevistas, declarou sua indignação com


relação à censura da canção Rock das “Aranha”. Ele esperava que outra
música, Aluga-se, fosse censurada, já que sua letra trazia uma crítica à
ação política dos governantes em relação aos estrangeiros e propunha uma
solução para a dívida externa brasileira: alugar o Brasil.
No álbum seguinte do artista, lançado em 1983, quatro músicas
tiveram problemas com a censura, porém foram lançadas. Uma delas era
Capim Guiné165, que fazia, segundo os censores, referência ao fumo de
maconha.

Plantei um sítio, no sertão de Piritiba


Dois pés de guataiba, caju, manga e cajá
Peguei na enxada como pega um catingueiro
Fiz aceiro bote fogo, “vá vê como é que tá”
Tem abacate, genipapo e bananeira
Milho verde, macaxera, como diz no Ceará
Cebola, coentro, andu, feijão de corda
Vinte porco na engorda, inté gado no currá!
Com muita raça, fiz tudo aqui sozinho
Nem um pé de passarinho veio a terra semeá
Agora veja, cumpadi a safadeza
Cumeçô a marvadeza, todo bicho vem pra cá
Num planto capim guiné
Pra boi abaná rabo
Tô virado no diabo, tô retado cum você
Tá vendo tudo e fica ai parado
Cum cara de veado que viu caxinguelê
Sussuarana só fez perversidade
Pardal foi pra cidade
Piruá minha saqué, qué, qué
Dona raposa só vive na mardade
Me faça a caridade, se vire e dê no pé
Sagüim trepado no pé da goiabeira
Sariguê na macaxera, em inté tamanduá
Minhas galinhas já num ficam mais paradas
E o galo de madrugada, tem medo de cantá [...]

165
SEIXAS, Raul; ARAGÃO, Wilson (Compositores). “Capim Guiné.” In: Raul Seixas (LP).
Raul Seixas. São Paulo: Estúdio Eldorado (74830410), 1983.
111

Outra canção do mesmo álbum que teve problemas com a censura


foi Babilina.166 Sua letra trazia a história de um homem casado com uma
garota de programa, mas insatisfeito pela falta de exclusividade e pela
exaustão da amada depois de uma “noite” de trabalho:

Babilina, Babilina, saia do bordel


Babilina, Babilina, saia do bordel, minha filha
Quero exclusividade do seu amor
Cútis, cubidu-bilina por favor!!!
Eu tava seco há muito tempo, quando lhe conheci
Provei do seu chamego, nunca mais lhe esqueci
À noite cê trabalha, diz que é pra me sustentar
Passa o dia exausta, que nem pode me olhar
É dentro de casa que eu te quero meu amor!
Larga esse emprego, baby, por favor! [...]
Quando cê chega com a bolsa, entupida de tutu
Eu imagino quanta gente, se deu bem no meu baú
Você me garante que não sente nada não
E que só comigo você tem satisfação
Mas é dentro de casa, que eu te quero meu amor
Larga desse emprego, baby, por favor!!! [...]

Com esta mesma tendência machista, a canção Quero mais167 Raul


gravou fazendo dueto com a cantora Wanderléa.

Cheiro de mato, cheiro morno, seu chamego, tenho sede


O seu suor é água que eu quero beber
Lhe faço festa, faço dengo, lhe mordendo
E essa coisa vai crescendo e eu me derramo em você
Ai, ai, ai, eu quero mais
Ai, ai, ai, eu quero muito mais
O nosso beijo é doce que nem rapadura
É uma dor que não tem cura, que é bom de deixar roer
O mundo pára, enrolado nesse abraço
E no disparo do compasso, a gente mexe sem querer [...]
Eu quero mais, muito mais dessa brincadeira
Se enrolando na esteira, coisa boa de brincar
Eu sou que nem um vira-lata vagabundo
Meu maior prazer do mundo, é ter você pra farejar [...]

166
VICENT, Gene (Compositor). “Babilina.” In: Raul Seixas (LP). Raul Seixas. São Paulo:
Estúdio Eldorado (74830410), 1983.
167
SEIXAS, Raul; SEIXAS, Kika; AZEREDO, Cláudio Roberto. “Quero mais.” In: Raul Seixas
(LP). Raul Seixas. São Paulo: Estúdio Eldorado (74830410), 1983.
112

Por fim, em Não fosse o Cabral168 o artista afirmava que naquele


período o país passava por uma situação caótica, decorrente dos impostos
altos e da falta de artistas com qualidade no mercado cultural, fazendo,
ainda, alusão às drogas e dizendo que o Brasil não tinha história.

Tudo aqui me falta, a taxa é muito alta


Dane-se quem não gostar
Miséria é supérfluo, o resto é que tá certo
Assovia que é pra disfarçar
Falta de cultura, ninguém chega à sua altura
Oh Deus! Não fosse o Cabral
Por fora é só filó
Dentro é mulambo só
E o Cristo já não agüenta mais
Cheira fecaloma
E canta “La Paloma”
Deixa meu nariz em paz
Falta de cultura, ninguém chega à sua altura
Oh Deus! Não fosse o Cabral
E dá-lhe ignorância, em toda circunstância
Não tenho de que me orgulhar
Nós não temos história, é uma vida sem vitórias
Eu duvido que isso vai mudar
Falta de cultura, pra cuspir na estrutura
E que culpa tem Cabral?

Em 1984, ao lançar o álbum Metrô linha 743, Raul Seixas teve


novamente problemas com a censura, dessa vez com a música Mamãe eu
não queria169, que figurava o exército como uma instituição deficiente. Na
canção contou com a participação de sua então esposa, Kika Seixas,
interpretando a mãe do artista, que na década de 1960 não estimulara o
filho a ser músico porque não considerava essa profissão digna. No verso
do álbum aparecia: “Mamãe eu não queria, radiofusão e execução pública
proibidas em virtude da música ter sido vetada pelo Departamento de
Diversões Públicas da S.R. do Departamento da Polícia Federal.”
168
PENNIMAN; BOCAGE; COLLINS; SMITH (Compositores). “Não fosse o Cabral.” In:
Raul Seixas (LP). Raul Seixas. São Paulo: Estúdio Eldorado (74830410), 1983.
169
SEIXAS, Raul (Compositor). “Mamãe eu não queria.” In: Metrô linha 743 (LP). Raul
Seixas. Rio de Janeiro: Som Livre (4070139B), 1984.
113

“Larga dessa cantoria menino


Música não vai levar você a lugar nenhum”
Peraí mamãe, agüenta ai
Mamãe eu não queria, mamãe eu não queria
Mamãe eu não queria, servir ao exército
Não quero bater continência
Nem pra sargento, cabo ou capitão
Nem quero ser sentinela, mamãe
Que nem cachorro vigiando o portão, não! [...]
Desculpe, Vossa Excelência
A falta, a falta de um pistolão
É que meu “velho” é soldado
E minha mãe pertence ao Exército da Salvação, não! [...]
“Marcha soldado, cabeça de papel
Quem não marchar direito, vai preso pro quartel” [...]
Sei que é uma bela carreira
Mas não tenho a menor vocação
Se fosse tão bom assim, mainha
Não seria imposição, não! [...]
“Você sabe muito bem que é obrigatório
e além do mais, você tem que cumprir
com seu dever com orgulho”
Mamãe eu não queria!
“Você sabe muito bem que é obrigatório
e além do mais, você tem que cumprir
com seu dever com orgulho e dedicação”
Mamãe eu não queria!
“Pela causa meu filho! Pela causa!”
Mamãe eu não queria!
Mamãe, mamãe, o exército é o único emprego
pra quem não tem nenhum vocação

Em 1988, na canção Check-up170 Raul teve de trocar os nomes dos


remédios fortes que levavam ao vício:

Acabei de dar um check-up geral na situação


O que me levou a reler
Alice no país das Maravilhas
Acabei de tomar meu Quilindrox
Meu Discomel e outras pílulas mais
Duas horas da manhã recebo nos “peito” um Ploct Plus
25
E vou dormir quase em paz
E a chuva promete não deixar vestígios.

170
SEIXAS, Raul (Compositor). “Check-up.” In: A pedra do Gênesis (LP). Raul Seixas. São
Paulo: Copacabana (12967-A), 1988.
114

Os nomes dos remédios originais eram Diempax, Valium 10 e


Triptanol 25, drogas que, eficientes no controle da ansiedade, da insônia e
de certos distúrbios epilépticos, tornaram-se conhecidas pelo cantor,
provavelmente, no momento em que passou por tratamentos psiquiátricos,
mais especificamente no final da década de 1960, após a primeira viagem
ao Rio de Janeiro com os Panteras, na ocasião em que gravaram o primeiro
álbum. Ademais, Raul Seixas, em 1969, ano em que retornou com a esposa
para Salvador, teve problemas de depressão quando passou no vestibular da
Universidade Federal da Bahia para fazer o curso de Direito.
Raul tentou gravar Check-up em 1973, mas a canção acabou sendo
vetada. Três anos depois, com a ajuda de Paulo Coelho, modificou algumas
partes da letra, recriando-a com outro título, Bruxa Amarela171, que, então,
foi gravada por Rita Lee.

Acabei de dar um check-up geral na situação


O que me levou a reler
Alice no País das Maravilhas
Já andei de motocicleta e fiz esporte
E numa corrida me encontrei com a morte
Acabei de tomar minha cerveja
Minha comida ainda está quente sobre a mesa
Duas horas da manhã eu abro a minha janela
E vejo a bruxa cruzando a grande lua amarela
E vou dormir quase em paz!
E a chuva promete não deixar vestígio!
E a chuva promete não deixar vestígio!
Aprendi a ler no rosto
O que as pessoas não querem me dizer
Aprendi a ler na alma
O que as pessoas não podem me esconder
Duas horas da manhã eu abro a minha janela
E vejo a bruxa cruzando a grande lua amarela
E vou dormir quase em paz!

171
SEIXAS, Raul; COELHO, Paulo (Compositores). “Bruxa Amarela.” In: Entrada e Bandeiras
(LP). Rita Lee. Rio de Janeiro: Som Livre, 1976.
115

No álbum A Pedra do Gênesis, a canção Não quero mais andar na


contra-mão172 também foi vetada por fazer apologia às drogas. Em diversas
entrevistas, Raul afirmou que realmente deixou de usar drogas naquele
momento de sua vida artística, conforme revelava na música:

Hoje uma amiga da Colômbia voltou


Riu de mim porque eu não entendi
No que ela sacou aquele fumo oh oh
Dizendo que tão bom eu nunca vi
Eu disse não não não não
Eu já parei de fumar
Cansei de acordar pelo chão
Muito obrigado, eu já estou calejado
Não quero mais andar na contra-mão
Da Bolívia uma outra amiga chegou
Riu de mim porque não entendi
Quis me empurrar um saco daquele pó
Dizendo que tão puro eu nunca vi
Eu disse não não não não
Eu já parei de ...
Cansei de acordar pelo chão
Muito obrigado, eu já estou calejado
Não quero mais andar na contra-mão
Titia que morava na Argentina voltou
Riu de mim porque eu não entendi
Me trouxe uma caixa de perfume, ehê
Daquele que não tem mais por aqui
Eu disse não não não não
Não brinco mais de carnaval
Cansei de desmaiar no salão
Muito obrigado, eu já andei perfumado
Não quero mais andar na contra-mão

Segundo Sylvio Passos173, estas duas canções foram lançadas no


ano de 1988 apenas em cumprimento ao contrato com a gravadora. Raul
gostaria de tê-las lançado antes, mas foi censurado pela própria
Copacabana. Então, só pôde gravá-las quando já não estava mais na

172
AXTON; HOYT; JACKSON (Compositores). “Não quero mais andar na contra-mão.” In: A
Pedra do Gênesis. Raul Seixas. São Paulo: Copacabana (12967-A), 1988.
173
Depoimento de Sylvio Passos, concedido ao autor em 04 de janeiro de 2007, na cidade de
São Paulo.
116

gravadora, meses antes da promulgação da Constituição que aboliu a


censura no país.
Como se percebeu, Raul Seixas, assim como muitos outros cantores
no Brasil, teve diversas canções vetadas pela censura, algumas porque eram
consideradas imorais, outras porque referiam-se a drogas e outras por
questões políticas. Estas lhe causaram sérios problemas com a Polícia
Federal, fazendo-o ser perseguido, preso, torturado e exilado, como se
verificará no capítulo seguinte.
117

CAPÍTULO III – PORQUE SÓ TEM VERDADES


PRA DIZER, PRA DECLARAR...
RAUL SEIXAS E A POLÍCIA FEDERAL


Fragmento da canção de Raul Seixas e Paulo Coelho Loteria da Babilônia, gravada por Raul
Seixas em 1974.
118

[...] É preciso tornar a ser indivíduo outra vez. E, mesmo


que até hoje as nossas esperanças tenham sido frustradas,
nesta Nova Era que se inicia o indivíduo compreenderá o
valor de si próprio e se unirá a outros para o grande
trabalho da auto-libertação. Estamos começando um
grande empreendimento e nossas portas estão abertas para
qualquer ser humano que deseje unir-se a nós, não
importando sua nacionalidade, religião, raça, bandeira ou
cargo. Para isso foi comprado um terreno pela Sociedade
Alternativa em Paraíba do Sul, onde construiremos “A
Cidade das Estrelas”, cuja lei será “Faze o que tu
queres...”.174

O ano de 1974 se tornou importante na carreira artística de Raul


Seixas. Foi nele que o artista estourou com o sucesso do álbum Gita,
superando o anterior Krig-há Bandolo!, mas foi nele também que Raul teve
problemas com a Polícia Federal, sendo preso, torturado e auto-exilado nos
Estados Unidos em virtude da divulgação dos ideais da Sociedade
Alternativa no Brasil. Em muitas entrevistas o artista caracterizou 1974
como um ano “pesado” em sua vida.

174
SEIXAS, Kika. O Baú do Raul. São Paulo: Globo, 1992. p.115.
119

3.1 – MARAVILHOSO APRENDI QUE SOU MAIS FORTE QUE VOCÊ...


A PERSEGUIÇÃO

Em 31 de março de 1974, o presidente da República, general


Ernesto Geisel, proferiu um discurso na televisão para lembrar o
aniversário de uma década da Revolução Militar de 1964:

[...] Que o dramático episódio, há dez anos vivido, seja


confortadora lição e estimulo sempre presente, para que
nunca mais permitamos que o sopro da insânia e da
violência subversiva, dividindo tragicamente a Nação, nos
leve às portas da falência e da ruína – a ruína e a falência
melancólicas de um povo jovem que ainda não encontrou
seu justo lugar na história da humanidade. Mas que mercê
de Deus e pelo seu próprio esforço tenaz, certamente
haverá de encontrá-lo em futuro próximo.175

Em seu discurso, o presidente caracterizava a intenção de continuar


com um governo repressivo às questões subversivas. Portanto, seu
propósito continuava sendo reprimir qualquer arte, pensamento, discurso
ou atitude que pudessem prejudicar o governo em relação ao seu projeto de
desenvolvimento político, econômico e social.

Agora vamos ver [...] o problema da subversão nossa.


Bom, eu acho a subversão continua. Esse negócio não se
acabou. Isto é um vírus danado que não há antibiótico que
liquide com facilidade. Está amainado. Está resolvido.
Você vê, de vez em quando há uma desarticulação, morre
gente, ou é gente presa, ele continua a se movimentar [...]
E fazem uma propaganda externa tremenda contra o
Brasil.176


Fragmento da canção de Raul Seixas e Paulo Coelho Rockixe, gravada por Raul Seixas em
1973.
175
GEISEL, Ernesto. Discursos Volume I. Brasília: Assessoria de Imprensa e Relações Públicas
da Presidência da República, 1975. p.65.
176
GASPARI, Elio. A Ditadura Derrotada: O sacerdote e o feiticeiro. São Paulo: Companhia
das Letras, 2003. p.324.
120

Porém, a resistência continuava mediante várias ações e agentes.


Raul Seixas não se conformava em ser dirigido, orientado, conduzido ou
mandado, por isso em muitas entrevistas se queixava:

Não, a nova ordem já está vigente, entende? Dentro do


peito de cada um ela já existe, dentro de mim, de você, de
quem for ler isto aqui. A gente está com o saco cheio de
lei trabalhista. Quem é que está satisfeito trabalhando para
alguém? Mas, puta que pariu, vamos sempre servir
alguém? Então vamos servir alguém, sabendo, jogando o
jogo do rato dentro da armadilha dele, sabendo mexer com
os palitos. Eu vou dizer: seremos a agulha que vai enfiar
no calcanhar de Aquiles que existe na nossa civilização,
que está completamente destruída. Mas a gente continua
indo ao banco, quando tudo já está por água abaixo.177

Eram freqüentes as demonstrações de indignação do artista em


relação ao abuso do sistema em controlar as manifestações da vida por
meio da polícia e da censura:

Exatamente. Mas não é mesmo, compadre? Por que.


Afinal? Quando os valores já foram todos trocados, todos
mudados, nós continuamos a batalhar sobre um ponto de
vista que é contra a gente. Ou você está bem, se sente
bem. Ou não. Eu pergunto: o que é que está bem? Você
está satisfeito com tudo? Está tudo legal? Não, não está.178

A censura era um dos mecanismos de controle utilizados pelos


militares para manter a ordem e a repressão e para controlar as atitudes
subversivas, artísticas, jornalísticas, religiosas e políticas.

Quem está bem consigo mesmo, está pronto para o Novo


Aeon, que vai substituir essas estruturas velhas, gastas em
que vivemos há muito tempo, o Novo Aeon está no ar, a
gente pode sentir o cheiro, sabe como é?179

177
PASSOS, Sylvio Ferreira. Raul Seixas por ele mesmo. São Paulo: Martin Claret, 2003. p.114.
178
Ibidem. p.115.
179
Programa: “Radiografia 70”. Rádio USP FM/São Paulo, em 21/09/1985 In: Raul Seixas no
Ar. Volume 06, produzido por Sylvio Passos.
121

A partir de 1972, a Polícia Federal, subordinada ao governo


autoritário, seria a responsável direta pelo controle da censura no país, com
o objetivo de estruturar o sistema de segurança e assegurar a permanência
da moral e dos bons costumes.
A censura na década de 1970 dividia-se entre a policial e a
intelectual. O censor policial tinha uma função mais de vigilante,
perseguidor e repressor. Em muitos casos, esse censor, para extrair dos
sujeitos uma informação acerca do paradeiro de um procurado ou uma
confissão, torturava-os física e psicologicamente, como fazia Sérgio Fleury,
em São Paulo, entre muitos outros.
Mediante o Decreto 1077/70, de 26/01/1970, a censura prévia
passou a ser da responsabilidade total do Ministério da Justiça, sob o
comando do ministro Alfredo Buzaid, que, a partir de então, criaria,
executaria e julgaria qualquer lei voltada a ela. Logo no início de sua
oficialização, o crivo a muitos artistas despontou novos rumos na questão
da repressão. Tiveram a circulação proibida diversos jornais e revistas,
muitas delas estrangeiras, já que veiculavam notícias como explosões de
bombas nos Estados Unidos, o massacre terrorista em Munique (1972) –
quando palestinos mantiveram alguns atletas israelenses como reféns, até
assassiná-los – e, na América Latina, a instauração de ditaduras como a do
Chile.
Enquanto isso, guerrilhas eram instauradas no interior do país,
jovens estudantes se confrontavam, músicas eram censuradas, cantores
exilados, artistas e intelectuais sofriam censuras, assim como peças de
teatro, jornais, revistas e programas de televisão. A função da Polícia, das
Forças Armadas ou dos censores era vigiar, punir, prender, torturar e fazer
tudo o que fosse possível para manter a “ordem no país”.
122

Em 1984 Raul Seixas lançou o álbum Metrô Linha 743, pela Som
Livre, e, na canção homônima, traduziu o que se compreendia por
perseguição às pessoas naqueles “anos de chumbo”:

Ele ia andando pela rua meio apressado


Ele sabia que tava sendo vigiado
Cheguei para ele e disse:
“Ei amigo, você pode me ceder um cigarro?”
Ele disse: “Eu dou, mas vá fumar lá pro outro lado”
Dois homens fumando juntos pode ser muito arriscado!

Na narrativa percebe-se o diálogo de uma pessoa que tinha


consciência do perigo de dois homens se falarem tão próximos e
intimamente, “esperto” para o que acontecia naquele período. O sujeito
tinha pressa e medo de estar sendo vigiado. Duas pessoas fumando ali
paradas era sinônimo de subversão, já que poderiam estar planejando algo
ou mesmo transmitindo qualquer mensagem.

Disse: “O prato mais caro do melhor banquete é


O que se come cabeça de gente
Que pensa e os canibais de cabeça descobrem aqueles que
pensam
Porque quem pensa, pensa melhor parado!

A canção mostrava a preocupação do homem em transformar-se em


um “prato caro”, uma vez que a cabeça considerada subversiva poderia
abalar o sistema, por isso sendo apreciada como “refeição”.

Desculpe minha pressa, fingindo atrasado


Trabalho em cartório mas sou escritor
Perdi minha pena nem sei qual foi o mês
Metrô linha 743
123

Não se sabe ao certo, mas possivelmente Raul Seixas criou essa


canção com base no livro 1984, de George Orwell, ou inspirado no filme
The Wall, de Gerald Scarfe.

O homem apressado me deixou e saiu voando


Aí eu me encostei num poste e fiquei fumando
Três outros chegaram com pistolas na mão,
Um gritou: “Mão na cabeça malandro, se não quiser
levar chumbo quente nos cornos!”
Eu disse: “Claro, pois não, mas o que é que eu fiz?
Se é documento eu tenho aqui...”
Outro disse: “Não interessa, pouco importa, fique aí
Eu quero é saber o que você estava pensando
Eu avalio o preço me baseando no nível mental
Que você anda por aí usando
E aí eu lhe digo o preço que sua cabeça agora está
custando”

O objetivo dos três homens era somente proteger a moral, e por isso
buscavam saber o que o outro pensava, avaliando-o diretamente por aquilo
que raciocinava.

Minha cabeça caída, solta no chão


Eu vi meu corpo sem ela pela primeira e última vez
Metrô linha 743

Perder a cabeça simbolizava perder a memória e a identidade; esse


era o preço de se pensar demais, além do necessário.

Jogaram minha cabeça oca no lixo da cozinha


E eu era agora um cérebro, um cérebro vivo à vinagrete
Meu cérebro logo pensou: que seja, mas nunca fui tiéte
Fui posto à mesa com mais dois
E eram três pratos raros, e foi o maitre que pôs
Senti horror ao ser comido com desejo por um senhor
alinhado
Meu último pedaço, antes de ser engolido ainda pensou
grilado:
“Quem será este desgraçado dono desta zorra toda”
124

Apenas o “cérebro” permanecia intacto, simbolizando que os


corpos eram menos importantes que os pensamentos e que o mais
indesejável para o personagem era ver seu cérebro, rico em consciência, ser
engolido por um homem alienado.

Já tá tudo armado, o jogo dos caçadores canibais


Mas o negócio aqui tá muito bandeira
Dá bandeira demais meu Deus!
Cuidado brother, cuidado sábio senhor!
É um conselho sério pra vocês
Eu morri e nem sei mesmo qual foi aquele mês
Ah! Metrô linha 743

O artista finalizava a canção fazendo um alerta acerca dos processos


que cercavam a vida do homem, fossem eles sociais ou intelectuais. Ele
não deveria se iludir com as aparências de um governo ou de um grupo
social. Havia movimentos para se refletir naquele momento (1984), como o
processo de continuidade da Abertura e Anistia, além das eleições diretas
para governadores e as Diretas Já.
A intenção dos mentores da Sociedade Alternativa, Raul Seixas e
Paulo Coelho, era implantá-la em uma cidade do interior do estado de
Minas Gerais. Em algumas entrevistas Raul dizia que a sede seria na cidade
de Paraíba do Sul, no estado do Rio de Janeiro, mas em outras afirmava
que seria no interior da Bahia. Eles pretendiam construir uma cidade
baseada nas propostas da dupla nos gibis-manifestos.
Paulo Coelho adquirira experiências em viagens ao exterior; no
início da década de 1970, percorreu as ruínas de Macchu Picchu, no Peru, e
também o Egito e o México. Já antes de encontrar Raul Seixas, em 1972,
era conhecedor de livros de realismos fantásticos, que serviram de base
para o tornar um dos maiores vendedores de livros esotéricos nos dias
atuais. Era editor das revistas 2001 e A Pomba, abordando, na época,
125

assuntos relacionados ao misticismo e à ufologia, temas que despertavam o


interesse de Raul Seixas desde a sua infância e adolescência.
Após a distribuição dos gibis-manifestos em shows, a Polícia
Federal passou a persegui-los, acusando-os de subversão. Raul Seixas se
apresentou à Polícia para prestar depoimentos, porém Paulo Coelho se
encontrava foragido. Segundo alguns arquivos do DEOPS, no Arquivo
Público do Estado do Rio de Janeiro, encontrava-se, provavelmente, em
alguma cidade do interior do estado.

Assunto: Raul Seixas


Origem: CIE-Rio
Difusão: DOPS/GB – I Exército
Anexo: Cópia xerox do panfleto “A Fundação de Krig-
há”, do artigo publicado no Diário de Brasília, sobre o
nominado e de três fichas de controle.
Info: 041-S/103-R de 20/03/74, do CIE-Rio.
Pedido de Busca: nº 191/74-E
1 - Dados Conhecidos:
1.1 - O nominado é autor da música de protesto intitulada
“Ouro de Tolo” que, segundo suas declarações, foi feita
com a intenção de criticar, não a pessoa de Roberto Carlos
e sim todo o esquema a que ele representa.
1.2 - O epigrafado, juntamente com o foragido Paulo
Coelho Pinheiro, militante do PDBR e Adalgisa Eliana
Rios Magalhães, do PC do B, citada nas declarações de
Douglas Alberto Milne-Jones (Geraldo) no DOI do II
Exército, escreveu um panfleto intitulado “A Fundação de
Krig-há”, em anexo, que foi distribuído clandestinamente,
contendo propaganda subversiva com mensagens
justapostas a subliminares.
1.3 - Considerando que tanto Paulo Coelho como Adalgisa
Rios, são elementos subversivos e se encontram foragidos,
é possível, por intermédio do compositor localizá-los e
prendê-los.
1.4 - Dados de qualificação do compositor – Raul Santos
Seixas – RG 2662228, filho de Raul Varella Seixas e
Maria Eugênia Santos Seixas, brasileiro, natural da Bahia,
casado, musico, residente à rua Almirante Pereira
Guimarães, 72/202 – Leblon/GB.
2 - Dados Solicitados:
126

Por intermédio do referido cantor, tentar localizar e


prender Paulo Coelho e Adalgisa Rios.180

Aqui se fazia referência ao cantor em relação à música Ouro de


tolo, que citava versos de inconformismo, entendidos pelos agentes da
Polícia Federal como “insultos” ao governo brasileiro. Em entrevistas o
artista dizia que era “apenas uma brincadeira” direcionada a Roberto
Carlos.
“Geraldo” era, possivelmente, alguém ligado à dupla, declarando a
militância de Paulo e Adalgisa em partidos políticos clandestinos e que se
encontravam foragidos. O objetivo da Polícia Federal, ao solicitar o
depoimento do cantor e compositor, era prender os dois suspeitos.

180
Parecer do Pedido de Busca (PB) nº 191/74-E, de 23/04/1974, assinado por Alladyr Ramos
Braga, Delegado de Polícia - Matrícula 700.626 e Diretor Geral Substituto do DOPS/GB. In:
Pasta: 003, Setor: Certidões, Página: 384. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro.
127

3.2 – PORQUE VOCÊ MATA UMA E VEM OUTRA EM MEU LUGAR...


A PRISÃO E A TORTURA

No início dos anos 1970, a polícia e os militares incluíram entre seu


arsenal uma nova tática de tortura, a intimidação aos acusados para dizerem
onde se encontravam os fugitivos ou os guerrilheiros. Para conseguirem as
informações dos paradeiros dos guerrilheiros os policiais usavam tanto a
tortura física – como choques elétricos e espancamentos, entre outros –
quanto a psicológica. 181
Os guerrilheiros urbanos montavam ações de resistência e
seqüestravam embaixadores de outros países, com o objetivo de pedirem
como resgate a libertação de presos políticos, procurando, ainda, mostrar as
ações do governo militar à população brasileira mediante a imprensa.
Os militares, paulatinamente, se introduziram no cenário repressivo,
área inicialmente dominada pela Polícia Civil. Foram criados órgãos de
controle repressivo aos guerrilheiros e aos considerados subversivos, como
o Comando Operacional de Defesa Interna (CODI), relacionado à
segurança nacional, e Destacamento de Operações Internas (DOI).
Entre os agentes Sérgio Fleury se destacou, tornando-se conhecido
como destemido por suas ações de tortura e pelas execuções de muitos
suspeitos e traficantes de drogas no estado de São Paulo.
Como o DOI-CODI, que era ligado ao exército, havia os órgãos
ligados à polícia civil, como o Departamento Estadual de Investigações
Criminais (DEIC) e o Departamento Estadual de Ordem Política e Social
(DEOPS), sendo que este era submetido ao Departamento de Ordem
Política e Social (DOPS), de nível federal. Em geral, as sessões de tortura


Fragmento da canção Mosca na sopa, composta e gravada por Raul Seixas em 1973.
181
Segundo Dalmo de Abreu Dallari no prefácio de Observações sobre a tortura, o Brasil iria
abolir a tortura em 15/02/1981 e a ONU aprovaria em 10/12/1984 a Convenção contra a Tortura
e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes.
128

contavam com a presença de homens de três especialidades: os


torturadores, os analistas e os médicos.182
Com o final da guerrilha em 1972, ano em que, coincidentemente, a
Polícia Federal assumiu a responsabilidade sobre a censura, o foco dos
agentes passou a ser outro, a arte, talvez devido à emergência dos mercados
fonográfico e televisivo no país. A arte, então, passou a ser o novo alvo dos
agentes da polícia, que exerceram suas funções, por exemplo, nos shows
Phono 73 e Banquete dos Mendigos, respectivamente, em São Paulo e no
Rio de Janeiro, no ano de 1973.
Os artistas, muitas vezes, foram obrigados a se autocensurarem e
até mesmo a se auto-exilarem, como no caso de Chico Buarque, que criou o
pseudônimo Julinho da Adelaide para driblar os censores.

A autocensura distingue-se desses mecanismos


principalmente porque ela é um ato consciente, e com
objetivo, também consciente, de dosar a informação que
chegará ao leitor ou mesmo suprimi-la. Trata-se de uma
modalidade de fraude intelectual, uma mentira ativa,
oriunda não de uma reação instintiva, mas da intenção
calculada de enganar [...].183

Raul Seixas viveu seu auge no final de 1973 e no início de 1974.


Comentários na imprensa sobre o artista o indicavam como uma das
maiores promessas da música popular no Brasil. Nesse sentido, o produtor
musical Carlos Imperial (1935-1992), em 1973, afirmou:

Raul Seixas foi uma bomba que explodiu no cenário


artístico brasileiro, a música popular brasileira ansiava e
necessitava pela aparição de alguém e esse alguém foi
Raul Seixas. Ele está fazendo a música que o povo quer,

182
SKIDMORE, Thomas E. Brasil de Castelo a Tancredo. 7ªed. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
p.258.
183
KUCINSKI, Bernardo. “A primeira vítima: a autocensura durante o regime militar.” In:
CARNEIRO, Maria Luiza Tucci (Org.). Minorias Silenciadas. História da Censura no Brasil.
São Paulo: Edusp, 2004. p.538.
129

ou seja, está dez anos na frente, mas mantendo os pés nos


dias de hoje, a cabeça dele está dez anos na frente e os pés
estão nos dias de hoje e, isso é muito importante, porque
ele encontrou uma maneira nova de dizer coisas velhas.184

Caetano Veloso, depois de se exilar em Londres, procurando


despistar-se dos problemas com a ditadura militar, e após a vaia do público
no Phono 73, show em que, ao lado de Odair José, cantou Pare de tomar a
pílula, sobre o surgimento de Raul Seixas como artista naquele mesmo ano
comentou:

A riqueza do sucesso que o trabalho dele obteve no seio


do povo, parece apontar para uma coisa muito maior do
que isso.185

O próprio artista dizia, se referindo ao sucesso de Ouro de tolo, que


criticava o modelo comportamentalista da sociedade de classe média
brasileira:

Toda inércia e toda satisfação burguesa com coisas


menores, não têm sentido nenhum.186

Raul Seixas, para falar sobre o seu sucesso, citava textos baseados
em filosofias como Krishnamurti, um precursor do Anarquismo Espiritual
da Contracultura187, e Aleister Crowley, entre outros.

[...] quando cheguei ao auge da minha carreira. A


gravadora percebeu que eu tinha facilidade com as
palavras e queria me colocar num papel de líder.
Embriagado pelo sucesso, comecei a falar mais e mais e
mais. E deu no que deu: fui preso e expulso do país [...]

184
Programa: “Radiografia 70”. Rádio USP FM/São Paulo 21/09/1985. Raul Seixas no Ar.
Volume 06, produzido por Sylvio Passos.
185
Ibidem.
186
Ibidem.
187
BOSCATO, Luiz Alberto de Lima. Vivendo a Sociedade Alternativa: Raul Seixas e o seu
tempo. São Paulo: Terceira Imagem, 2007. p.110.
130

mas era uma loucura o negócio de falar, bicho. A


Polygram me mandava fazer um show e quando eu
chegava no local só tinha estudante que não queria nada de
show, sabe? O pessoal queria era bater papo comigo. Eu
ficava conversando e o cachê era pago como se fosse um
show musical. Uma loucura!188

Depois de realizar diversos shows, Raul foi procurado pela Polícia


Federal em decorrência da distribuição dos gibis-manifestos A Fundação
do Krig-há, no qual os autores pediam aos leitores que abrissem os olhos
frente à ironia de um avassalador sistema, que não permitia a liberdade da
imaginação individual do homem. Segundo os agentes da Polícia Federal, o
material era subversivo e incitava o povo a se rebelar contra o sistema de
governo vigente.
O parceiro Paulo Coelho era “procurado” pelo Estado da Guanabara
como “foragido”189, enquanto que Raul Seixas era acusado de ser o
“transmissor” da obra. Todo o trabalho, porém, era “financiado” pela
gravadora Philips, como material de divulgação do disco lançado em 1973
com o mesmo nome do gibi-manifesto.

[...] E juntou a cultura dele com a minha nós começamos a


pesquisar movimentos de comportamentos diferentes das
pessoas, se uma sociedade sem policiamento podia existir,
uma sociedade completamente diferente da nossa, uma
sociedade que não fosse regida pelo dinheiro, fosse regida
pela troca, ai nós entramos para uma sociedade esotérica
chamada Astrum Argentum (A.A.) e essa sociedade nos
forneceu um terreno em Minas Gerais pra gente construir
uma cidade nova, uma Cidade das Estrelas, que a gente
chamava Cidade das Estrelas, City of the Stars, onde era,
onde tinha muita gente sendo a anti-coisa, o anti-
advogado, o anti-polícia, o anti-tudo né, na sociedade? E
ai cresceu os olhos do governo né? O governo ficou muito
impressionado com isso, muito invocado com isso, ai nos
prendeu e era pra gente confessar quem eram os

188
Depoimento de Raul Seixas, concedido ao repórter Walterson Sardemberg, da Revista
Amiga, em 1982. In: PASSOS, Sylvio Ferreira. Op. cit. p.122.
189
Conforme P.B. (Pedido de Busca) 191/74, de 02 de maio de 1974, Arquivo Público do
Estado do Rio de Janeiro, Pasta 03, Setor: Certidões, p.381.
131

participantes da Sociedade Alternativa. Ora, os


participantes da Sociedade Alternativa não têm carteirinha
de identidade né? E cada pessoa é embaixadora do seu
próprio país, cada pessoa é dona da sua própria vontade,
cada uma tem direito de ser o que é, sem pertencer a um
conjunto né? [...]190

Este material continha a base do pensamento do que ele considerava


ser um homem livre, sem leis e sem governantes. Em 1974, suas idéias
seriam ratificadas na música Sociedade Alternativa.

Praticamente não, eu fui expulso do país, fui pego no


aterro lá no Rio de Janeiro, numa avenida grande que tem
chamada Aterro, Aterro do Flamengo, e de noite num táxi,
fecharam o táxi, o carro da polícia fechou o táxi, um carro
da DOPS, um opala, ai me levaram para a delegacia, me
questionaram, quando viram que eu não sabia dizer os
nomes dos membros, eles me fizeram muitas perguntas
né? Até onde nasceu o Chacrinha, pra saber se eu sabia
mesmo, não sei porque cargas d’água me levaram então nu
com uma carapuça preta na cabeça pra um lugar que eu
creio que seja Realengo, longe do Rio de Janeiro e fiquei
num calabouço né? Sendo inquisitado por cinco pessoas,
cada uma era personalidade diferente né? Que elas
queriam saber, uma era boazinha, outra era uma pessoa
rude que batia né? Que batia em mim e eu cheguei até a
tomar choque, choque nos testículos né? Um choque
elétrico, doeu pra burro, negócio sério mesmo. Depois de
três dias ou quatro nesse calabouço eu fui vestido, minhas
roupas estavam limpas, tinham lavado as roupas, eu fui
levado para o aeroporto, fui despedir lá com a roupa do
corpo, eles tinham tratado do passaporte e tudo, e eu fui
embora pros Estados Unidos morar um ano, foi ordem de
prisão do 1º Exército [...] Mas as pessoas acham, vêem em
mim um líder, uma pessoa de visão, mas eu não quero não,
mas que eu incomodo, incomodo sim.191

Por causa do incômodo que provocava, a Polícia Federal expediu


um Pedido de Busca a Raul Seixas e Paulo Coelho, conforme indicava o
seguinte parecer:

190
Entrevista com Raul Seixas. Rádio Antena 1 FM/São Paulo, outubro de 1988. In: Raul Seixas
no Ar. Volume 06, produzido por Sylvio Passos.
191
Ibidem.
132

INFORMAÇÃO S/N J.G.M./74 S.B.O.


Do: Responsável pela Turma de Capturas do S.B.O.
Ao: Sr. Chefe da Seção de Buscas Ostensivas
Assunto: Raul Seixas - Compositor (P.B. – SP/SAS nº
0967)
Ref: P.B. (Pedido de Busca) 191-74, do E-I EX-
DI/2657/74
D.O. nº 1472 de 02/05/1974.
Senhor Chefe:
Cumprindo o solicitado no P.B.-SP/SAS nº 0967, referente
ao PB 191/74 E-I EX-DI (Departamento de Informações)
2657/74, esta turma diligenciou e apurou o seguinte:
a) Raul Santos Seixas a192 cerca de dois anos não reside à
Rua Almirante Pereira Guimarães, 72 Apto 202, no
Leblon, conforme consta no P.B., e sim à Av. Epitácio
Pessoa, 54 Apto 307, Lagoa.
b) Convidado que foi aqui comparecer o fez no dia de hoje
acompanhado do compositor Paulo Coelho de Souza
(Paulo Coelho), companheiro de Adalgisa Eliana Rios de
Magalhães, com o qual vive maritalmente.
c) Visto o item nº 2 do P.B. determinar localização e
prisão de Paulo Coelho e Adalgisa Rios, procedi a
detenção de Paulo Coelho como também de Adalgisa
Rios.
d) Imediatamente foi feita a apreensão de
aproximadamente de 33 pacotes contendo cada um 200
folhetos denominados (gibi) com o título “A Fundação de
Krig-há”, nas residências: Av. Epitácio Pessoa, 54 Apto
307 (19 pacotes) onde reside Raul Seixas e na Av Padre
Leonel Franca, 110 Apto 102, fundos (4 pacotes), onde
reside Paulo Araripe (tio de Paulo Coelho).
e) Esclareço a V.Sa., que, a distribuição do material
apreendido, foi feita em setembro de 1973, nos teatros Das
Nações, em São Paulo e Tereza Raquel, no Rio de Janeiro-
GB.
f) Assim se qualificam os detidos: Adalgisa Rios e Paulo
Coelho de Souza, brasileiro, branco, solteiro, natural do
Estado da Guanabara, nascido em 27/08/1947, filho de
Pedro Queima Coelho de Souza e de dona Lygia Araripe
Coelho de Souza, tendo a profissão de compositor e
portador da Cédula de Identidade emitida pelo Instituto
Félix Pacheco nº 2.095.515 e residindo atualmente à Rua
Voluntários da Pátria, 54 Apto 402.193

192
Lê-se “há”.
193
Parecer de Jayr Gonçalves da Motta, Responsável pela Turma de Capturas/DOPS, Matr.
66425 In: Pasta: 003, Setor: Certidões, p.380. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro.
133

Raul Seixas, depois de preso, teve seu apartamento no Leblon


invadido pelos agentes da polícia federal, que recolheram todos os
exemplares do gibi-manifesto, enquanto o artista era torturado pelos
agentes da Polícia Política, conforme mais tarde relataria:

No governo Geisel levei choque no saco, fui torturado


mesmo. Me pegaram lá no aterro do Flamengo, me
botaram uma carapuça e fiquei uns bons três dias num
lugar desconhecido. Aí vieram três pessoas: um bonzinho,
outro mais inteligente, que fazia as perguntas, e um mais
agreste. Depois me mandaram para o aeroporto e fui parar
no Greenwich Village, de New York eu tive que ir para a
Geórgia.194

Em outro depoimento, o artista relatou:

Até hoje não sei realmente qual foi o motivo. Mas veio
uma ordem de prisão do Primeiro Exército e me detiveram
no Aterro do Flamengo. Me levaram para um lugar que eu
não sei onde era... tinham uns cinco sujeitos... bom, eu
estava... imagine a situação... eu estava nu com uma
carapuça preta que eles me colocaram. E veio de lá mil
barbaridades: choques em lugares delicados... tudo para eu
poder dizer os nomes das pessoas que faziam parte da
“Sociedade Alternativa” que, segundo eles, era um
movimento revolucionário contra o governo. O que não
era. Era uma coisa mais espiritual... eu preferiria dizer que
tinha pacto com o demônio a dizer que tinha parte com a
revolução. Então foi isso... me levaram, me escoltaram até
o aeroporto.195

Em suas diversas entrevistas, Raul freqüentemente relatava


informações divergentes sobre sua prisão e tortura. Aliás, ele e Paulo
Coelho nunca falaram profundamente sobre o assunto. O escritor afamado
citou em poucas linhas a possível passagem desta noite, mais precisamente
no dia 27 de maio de 1974196, no livro As Walkírias, caracterizando-a como

194
SEIXAS, Kika. Raul Rock Seixas. 2ªed. São Paulo: Globo, 1996. p.22.
195
PASSOS, Sylvio Ferreira. Op. cit. p.143.
196
OLIVEIRA, Edigar. Paulo Coelho por ele mesmo. São Paulo: Marin Claret, s/d. p.56.
134

“noite negra”. A mãe do cantor rememorou todo o processo que envolveu


sua prisão:

[...] Ele estava em dificuldades, mas não me disse por


telefone o que era, que acho que ele não podia falar,
quando eu cheguei lá tinha um, na porta tinham quatro...
tinham duas, duas viaturas e quatro, é... homens muito
fortes que é... pertenciam ao DOPS né? Estavam lá,
vasculharam a casa toda e sabem como é que fazem?
Desarrumaram tudo procurando coisas subversivas, tudo
por causa de um folheto que ele distribuía na época, nos
shows que foi a Sociedade Alternativa, que foi feita por
Paulo Coelho e Adalgisa, essa... o governo achou que
aquilo era subversivo, então prendeu ele, Raul, depois de
vasculhar a casa toda, tudo, de uma forma bárbara, e... eu
estarrecida assistindo, que eu nunca tinha visto aquilo,
fiquei horrorizada, eles não tocaram em mim, não me
perguntaram nada, não abriram minha mala. Mas a casa
inteira, até a menininha, que hoje está com 18 anos, eles
tiraram até a fralda da menina, tiraram a roupa toda pra ver
se tinha alguma coisa escondida, uma coisa horrível,
absurda! Eu fiquei chocada e levaram Raul, Raul disse:
“vocês me disseram que não era pra me levar que era pra
levar as coisas que tinham aqui, como que vão me levar?”
Levaram e foi uma coisa dolorosa pra nós, eu a mulher
dele que era americana e a menina. Isso lá pras 3 ou 4
horas, depois de uma noite de terror, eram 3 pra 4 horas da
madrugada, Raul foi liberado, mas depois de apanhar
muito, entendeu? Ele chegou em casa, eu lavei a camisa
dele e lavei as costas dele, botei iodo, todo, todo, todo,
todo, todo lapiado, as costas toda [...] botaram ele para os
Estados Unidos, obrigaram ele a ir, disseram que ele não
poderia ficar, “aconselharam”, “aconselharam” como eles
dizem, ai ele sai do país, essas coisas todas marcam a
cabeça de Raul.197

Em 1982, sobre a Sociedade Alternativa, o artista relatou , em


entrevista ao jornalista Walterson Sardemberg, da Revista Amiga:

Mas não tem nada a ver com a noção clássica de


anarquismo, sabe. É um anarquismo muito sutil. Ao
mesmo temo em que eu falo “faça o que tu queres, que

197
“Especial Raul Seixas” Rádio Transamérica FM/ Salvador, 28/06/1989. Entrevista com
Maria Eugênia Seixas. In: Raul Seixas no Ar. Volume 12, produzido por Sylvio Passos.
135

será da lei”, também digo: “a lei do forte, essa é a nossa lei


e a alegria do mundo”. De certo modo, a segunda frase
desfaz a primeira. Porque somente o forte pode fazer o que
e arcar com as conseqüências. Esse papo de política é
fogo. Porque sempre existiu povo e quem sempre mandou
no povo desde os primórdios da história foi uma elite. E o
planeta inteiro, você sabe disso. Os homens carregavam
pedras imensas para as pirâmides dos faraós, esse negócio
todo. Puxa, foi sempre a mesma coisa! [...]198

Sobre sua prisão, tortura e expulsão do país, o artista, na mesma


entrevista, comentou:

Foi em 1974 e acabou sendo uma experiência traumática


na minha vida. Tentamos funda na Bahia a Cidade das
Estrelas, de uma maneira totalmente alternativa. Havia
arquitetos, advogados, engenheiros, uma ‘pá’ de gente
querendo morar na cidade. O embasamento de tudo era
aquilo que eu já te falei: a concepção do Novo Aeon, com
toda aquela transação do pensador Aleister Crowley, que
viveu no começo do século. Eu entrei fundo naquilo tudo,
sabe. Mas um certo dia eu estava em casa, foi no primeiro
apartamento que eu comprei na minha vida, pela Caixa
Econômica. Então entraram os agentes. Minha mãe, que
estava passando uns dias conosco, ficou assustadíssima,
não entendeu nada. Na época, eu estava me desquitando
da primeira mulher, Edith, para me casar com a segunda.
Foi barra. Os agentes revistaram a casa toda, deixaram
tudo de pernas para o ar, à caça de papéis sobre a Cidade
das Estrelas. Minha mãe perguntou: “Quem são essas
pessoas?” Respondi: “São meus amigos, eles são assim
mesmo, meio bagunceiros”. Depois disso, bicho, foi fogo.
Prisão, exílio, aquilo tudo.199

O artista foi preso e, logo em seguida, segundo afirmou em diversas


declarações à imprensa, “expulso” do país. Porém, não se sabe ao certo se
foi um exílio ou um auto-exílio acordado entre o cantor e o seu parceiro
Paulo Coelho.

198
PASSOS, Sylvio Ferreira. Op. cit. p.123.
199
Ibidem. p.123-124.
136

3.3 – LÁ EM NOVA YORK, TODO MUNDO É FELIZ...


O EXÍLIO

Em 1974, após realizar um show em Brasília, inflamando a platéia e


enfurecendo alguns políticos que estavam entre o público ao encerrar o
espetáculo com as canções Metamorfose Ambulante200 com versos trocados
e Sociedade Alternativa201 – que continha as bases do pensamento de um
homem livre, sem leis e sem governantes –, Raul Seixas foi preso,
conforme relataria anos depois:

O show para os generais? Eu fui detido em Brasília,


alguns dias né? Porque eu fui fazer um show de pijamas e
com uma pasta... uma escova e pasta de dentes, coçando
os olhos e perguntando onde é que eu estava: “Será
possível que eu tô... onde é que tô?” Eu de pijama de
dadinhos, de dado e aí os militares não gostaram. Eu fique
detido em Brasília, uns quatro dias no hotel. Época braba
né?202

A canção Metamorfose Ambulante foi executada com as seguintes


frases trocadas, inspiradas em sua indignação frente ao sistema
governamental controlado pelos militares:

[...] Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo


A verdade absoluta
Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo
Hoje criaram leis absolutas
Que pretendem cumprir a todo mundo
Sem saber que todo mundo é diferente um do outro
Inventaram um sapato número 37


Fragmento da canção de Raul Seixas e Paulo Coelho Super Heróis, gravada por Raul Seixas
em 1974.
200
SEIXAS, Raul (Compositor). “Metamorfose Ambulante.” In: Krig-há, Bandolo! (LP). Raul
Seixas. Rio de Janeiro: Philips (6349078), 1973.
201
SEIXAS, Raul; COELHO, Paulo (Compositores). “Sociedade Alternativa.” In: Gita (LP).
Raul Seixas. Rio de Janeiro: Philips (6349113), 1974.
202
Entrevista com Raul Seixas. Rádio Antena 1 FM/São Paulo, outubro de 1988. In: Raul Seixas
no Ar. Volume 06, produzido por Sylvio Passos.
137

O sapato número 37
37, sem saber que cada pé é diferente um do outro
E que todo mundo tem que calçar o sapato 37
E você calça o sapato, o sapato cria calo
O calo se transforma em ferida
A ferida se transforma em ódio
O ódio se transforma em agressão
A agressão explode, bate no teto
Volta pro chão, do chão não passa
E começa tudo de novo
E você precisa saber que não deve ter
Nenhuma opinião formada sobre tudo
Enquanto você deve deixar as janelas abertas
Para o vento entrar
Porque existem várias saídas
E você só conhece uma
Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante
Do que ter essa velha opinião formada sobre tudo
Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante, que sou
Do que ter essa velha opinião formada sobre tudo

Portanto, durante a execução da canção Raul fez referência à dor


causada por um sapato que apertava o pé do povo, que, na verdade,
figurava as leis criadas arbitrariamente. Para que se pudesse controlar essa
dor o artista propunha várias “saídas” e afirmava que existiam diversas
“janelas”.
O cantor fechou o certame com Sociedade Alternativa, que
insinuava a liberdade do homem frente à ditadura militar, mas logo em
seguida foi preso.
138

Viva! Viva!
Viva a Sociedade Alternativa!
Viva! Viva!
Viva a Sociedade Alternativa!
Viva o Novo Aeon!
Viva! Viva!
Viva a Sociedade Alternativa!
Viva! Viva! Viva!
Viva! Viva!
Viva a Sociedade Alternativa!
Se eu quero e você quer
Tomar banho de chapéu
Ou esperar Papai Noel
Ou discutir Carlos Gardel

Esta canção não foi censurada e, ao ser apresentada como


videoteipe no Fantástico, da TV Globo, citou-se a New Utopian de John
Lennon, a identificando com a matriz da Sociedade Alternativa no mundo.
Dizia-se, ainda, que no Brasil havia uma “sucursal baiana” representada na
figura de Raul Seixas.

Então vá!
Faze o que tu queres
Pois é tudo da lei, da lei
Viva! Viva!
Viva a Sociedade Alternativa!
Faze o que tu queres há de ser tudo da lei
Viva! Viva!
Viva a Sociedade Alternativa!
Viva! Viva!
Viva! Viva!
Viva a Sociedade Alternativa!
O número 666 chama-se Aleister Crowley203
Viva! Viva!
Viva a Sociedade Alternativa!
Faze o que tu queres há de ser tudo da lei
Viva! Viva!
Viva a Sociedade Alternativa!
Viva! Viva!
Viva a Sociedade Alternativa!
A Lei de Thelema

203
Aleister Crowley (1875-1947), bruxo e ocultista inglês, que se auto-proclamava o anticristo e
que em 1904 escreveu o livro The Book of the Law, “Livro da Lei”, inspirando a dupla de
compositores na música Sociedade Alternativa.
139

Viva! Viva!
Viva a Sociedade Alternativa!
A lei do forte
Essa é a nossa lei e a alegria do mundo
Viva! Viva! Viva!
Viva o Novo Aeon

Ao final desta última canção o artista proferiu um discurso baseado


no “Livro da Lei”, de Aleister Crowley:

O homem tem direito de mover-se


Pela face do planeta livremente sem passaporte
Porque o planeta é dele, o planeta é nosso
O homem tem direito de pensar o que ele quiser
De escrever o que ele quiser
De desenhar, de pintar, de cantar
De compor o que ele quiser
Todo homem tem direito
De vestir-se da maneira que ele quiser
O homem tem direito de amar como ele quiser
Tomai vossa sede de amor como quiseres
E com quem quiseres
Há de ser tudo da Lei
E o homem tem direito de matar todos aqueles
Que contrariarem esses direitos
Amar é a Lei, mas amor sob vontade
Os escravos servirão
Viva a Sociedade Alternativa!

Após serem presos, Raul Seixas e Paulo Coelho foram


encaminhados ao Rio de Janeiro e levados ao aeroporto, sendo
“convidados” ou, como disseram em diversas entrevistas, “aconselhados” a
embarcaram para os Estados Unidos com suas respectivas esposas, Edith
Nadine e Adalgisa Rios, conforme indicava o Pedido de Vista de Saída do
cantor:
140

DOPS – Divisão de Informações


Data: 08/08/1974
SD/DAF: 43408
Ref: PEDIDO DE VISTA DE SAÍDA
Sr. Diretor da D.I.
Raul Santos Seixas - Filho de Raul Varella Seixas e de
Maria Eugênia Santos Seixas, identidade nº
2.662.228/IFP, seguindo informações de nº 1475/74-H, do
Ministério do Exército, datado de 25/06/1964204, figura
citada nas declarações de Magalhães, prestada em
29/05/1974, no DOI/I Exército. Anexo ao presente, cópia
de PB nº 191/74-E do Ministério do Exército em
08/08/1974, solicito Visto de Saída para fins de se
ausentar do país.
Heitor Corrêa Maurano
Comissário de Polícia - Matr. 141392
Diretor Substituto da D.I. do DOPS

Outro documento indicava que a dupla havia “pedido” para sair do


país com destino aos Estados Unidos. O passaporte de Raul Seixas, então,
foi liberado sob o número A 207250:

Urgente
1.) Ao SP/SNF, para difusão do I Exército, tendo em vista
o solicitado em P.B. 191/74-E, de 22/04/1974,
informamos que o incriminado pediu visto para viagem
nos U.S.A.
2.) Ao SP/SNF, para após a comunicação ao I Exército,
liberar o visto.
08/08/1974, Heitor.205

204
Certamente, houve um engano por parte do escrivão; deve-se ler 1974 e não 1964.
205
Pasta: 003, Setor: Certidões, Página: 384. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro.
141

Figura 06 – Página 1 do Passaporte A 207250.206

Tudo indica que os compositores realmente sofreram perseguição,


tortura e prisão, mas o exílio parece não ter sido imposto. Nesse sentido,
pode-se inferir que houve um auto-exílio, mas verifica-se que havia
discrepâncias nos documentos, até mesmo nos passaportes dos artistas, que
indicam que a saída do país aconteceu antes de julho de 1974, mês e ano
em que a dupla foi para os Estados Unidos.

206
Passaporte de Raul Seixas, gentilmente cedido por Sylvio Passos ao autor, em julho de 2007.
142

Figura 07 – Páginas 4 e 5 do Passaporte A 207250.207

O passaporte foi liberado no dia 24 de janeiro de 1974, com prazo


de dois anos, sendo prorrogado, posteriormente, até o dia 24 de janeiro de
1978. Observa-se que o pedido de visto de saída é datado em 08 de agosto
de 1974.

207
Passaporte de Raul Seixas, gentilmente cedido por Sylvio Passos ao autor, em julho de 2007.
143

Figura 08 – Páginas 8 e 9 do Passaporte A 207250.208

Conforme indica o passaporte, a primeira data de embarque para


aquele país foi 01 de fevereiro de 1974, e a segunda somente no dia 11 de
julho daquele ano.
Tendo em vista que Raul e Paulo Coelho sofreram tortura no dia 27
de maio de 1974, não se pode considerar que em fevereiro já tivessem
embarcado para os Estados Unidos.

208
Passaporte de Raul Seixas, gentilmente cedido por Sylvio Passos ao autor, em julho de 2007.
144

Figura 09 – Páginas 10 e 11 do Passaporte A 207250.209

Raul voltou ao Brasil no dia 28 de julho e, em depoimento à Polícia


Federal, justificou sua presença no país:

Raul Seixas, R.C. 2.662.228/IFP


Passaporte nº A 207250/74-GB
Observações:
Estou aqui no Rio, de passagem, para assinar alguns
contratos com a Televisão Globo para fins de filmagens de
vídeo-tapes em New York (EUA), aonde estou residindo
temporariamente até o término do meu LP que será
lançado no mercado americano em meados de setembro.
Motivo da observação: explicar a minha volta aos Estados
Unidos afim de firmar para a TV Globo dentro do prazo
do meu contrato com a mesma e terminar o meu disco
para a gravadora americana.
13 de Agôsto de 1974
Raul Seixas.210

209
Passaporte de Raul Seixas, gentilmente cedido por Sylvio Passos ao autor, em julho de 2007.
210
Carta escrita e assinada pelo próprio punho de Raul Seixas. Pasta: 003, Setor: Certidões,
Página: 382. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro.
145

Todavia, o álbum a que Raul se referiu no depoimento à Polícia


Federal nunca foi lançado oficialmente. Sobre sua chegada nos Estados
Unidos comentou:

Estávamos eu, minha esposa, Paulo, Adalgisa Rios, a


mulher dele, que fez a parte gráfica do meu primeiro
disco, o Krig-há, Bandolo! Era a primeira vez que eu
viajava para os Estados Unidos, foi antes daquela viagem
que já te contei. Quando cheguei foi um choque cultural
enorme. Sabe aquele cheiro de plástico dos Estados
Unidos? Pois é, vomitei no aeroporto e Miami. Vomitei de
choque cultural.211

Segundo o compositor, tiveram um encontro com Jerry Lee


Lewis, seu antigo ídolo de infância:

O encontro com o Jerry foi na Geórgia. Nós fomos numa


boate chamada Bad Bob, o Bob malvado, né? O lugar era
esquisito. As garçonetes com aquelas roupas caforrénimas
tipo coelhinhas do Clube Playboy, um conjunto country
tocando, sabe, essas coisas? Então anunciaram que Jerry
Lee Lewis estava chegando. Ele apareceu com a gangue
dele, com um charuto deste tamanho! Era o protótipo do
red neck (pescoço vermelho), que é como os americanos
chamam os caipiras. E eu, cabeludão, não conseguia achar
uma forma de ir falar com ele. Tinha certeza de que um
caipirão daqueles não iria dar papo pra cabeludo. Sabe o
que é que eu fiz? Sentei perto dele, disse que era um
artista brasileiro e comecei de cara a esculhambar com o
progressive rock. Eu disse: “Esses rocks de hoje em dia
não estão com nada”. Foi o bastante. Bebemos Bourbon
juntos, ele ficou caindo de bêbado. No final acabou me
acompanhando na boate ao piano. Jerry Lee Lewis
tocando pra mim. Bicho! Eu ataquei de Long Tall Sally.
Os americanos pedindo mais. Poxa.212

Em entrevista à Revista Bizz, em 1987, Raul rememorou sua visita


aos Estados Unidos:
211
Entrevista cedida ao repórter Walterson Sardemberg, da Revista Amiga, 1982. In: PASSOS,
Sylvio Ferreira. Op. cit. p.131.
212
Entrevista cedida ao repórter Walterson Sardemberg, da Revista Amiga, em 1982. In:
PASSOS, Sylvio Ferreira. Op. cit. p.131-132.
146

É. Primeiro eu fui para a Geórgia. Pegamos as coisas de


Glória e colocamos no Cadillac que eu comprei do pai
dela. Um Cadillac ano 1957, cor-de-rosa, do tempo de
Elvis Presley. Atravessamos os EUA inteiros, chegamos
até Nova York e fomos morar no Greenwich Village.213

Nessa mesma entrevista Raul lembrou um episódio vivido nos


guetos de Nova York, onde, segundo afirmou, foi convidado por um
palhaço a comer lixo. Em depoimentos posteriores afirmou, ainda, ter
passado por “necessidades” nos Estados Unidos.

[...] ali é brabeza. Não sei como não morri. Acho que Deus
protege os inocentes. Altas horas da noite e eu por dentro
daquelas ruelas, na barra-pesada... e aqueles crioulões, de
chapéu para baixo... e tem uma história que eu nunca me
esqueço. Numa dessa buscas, eu fui parar numa rua sem
saída. E lá havia um palhaço – bonito, todo vestido
pomposamente – comendo lixo. E ele me ofereceu. Fez
um gesto assim com a mão para eu comer lixo com ele. Eu
fui. Pelo menos o lixo americano é bem mais saudável,
tem uma porção de coisas pra você comer. Eu fiz a festa.
Eu e o palhaço. Eu não ia desrespeitar o cara. Vai saber
quem era – de repente, um paranóico, um maníaco.214

Raul Seixas, em variados depoimentos à imprensa, sempre


contraditórios, mas apresentando o mesmo enredo, afirmou ter visitado e
conversado com John Lennon, o que, no entanto, não era confirmado pelos
seus amigos mais próximos.

[...] eu fui até ele com um cara, repórter da revista O


Cruzeiro. E esse cara se atreveu a perguntar sobre a
separação de John e Yoko. O John mandou o guarda-
costas dele bater o cara para fora. Aí eu disse que não
tinha nada a ver com isso, que meu assunto era outro.
Ficamos conversando o tempo todo sobre as grandes
figuras da humanidade: sobre Jesus Cristo, Einstein,
Calígula, Crowley; enfim, figuras que modificaram o
rumo da humanidade, basicamente. Aí teve um momento

213
PASSOS, Sylvio Ferreira. Op. cit. p.144.
214
Ibidem.
147

em que ele me perguntou: “E lá no Brasil? Quem tem?” Aí


eu fiquei todo nervoso e larguei um Café Filho qualquer. E
ele? “Hein?!?!” Eu disse: “It´s all right... não tem ninguém
não.” E ficou por isso mesmo.215

Nelson Motta, amigo de Raul Seixas e Paulo Coelho, em seu livro


de memórias relatou:

Empapuçados de maconha e ácido, Paulo e Raul se


tornavam cada vez mais audaciosos. Imaginavam,
ingenuamente, que suas músicas anárquicas e sua
contraditória tentativa de “organização” da “Sociedade
Alternativa” não eram levadas a sério pelo sistema
repressivo, que eram vistas como coisa de “roqueiros
americanizados” e não de “subversão política”. Mas foram
presos, apertados em longos depoimentos e finalmente
libertados, assustadíssimos [...] Depois da prisão,
assustados, Paulo e Raul viajaram para os Estados Unidos
no início de 1974. Raul pela primeira vez, Paulo já tinha
feito, um ano antes, de mochila nas costas e de carona, um
road trip de Nova York à Califórnia. Com Raul pagando
tudo, os dois parceiros e respectivas mulheres
desembarcaram em Los Angeles para a primeira etapa da
viagem, exigência do satânico Raulzito: a Disneylândia.

A dupla conheceu diversas cidades do Estados Unidos e chegou até


a gravar um vídeo com as visitas a Disneylândia e Graceland, o museu de
Elvis Presley. Na costa oeste americana Raul viveu uma experiência
inusitada:

No desembarque, um pequeno suspense. Sem saber da


fartura californiana e correndo sérios riscos, Raul tinha
levado um cinto recheado de maconha, convenientemente
envolvida em panos encharcados de perfume. Passou
incólume elos cachorros e pela alfândega mas, quando
chegou no hotel, se decepcionou: a preciosa carga estava
inutilizada pelo perfume. Em Los Angeles, Raul ficou
maravilhado com as “head shops”, lojinhas hippies que
vendiam tudo que servia para usar (e para esconder)
maconha e cocaína. Uma imensa variedade de papéis para
enrolar (em vários sabores), cachimbos, narguilês, vidros,

215
Ibidem. p.144-145.
148

canudos, trituradores, pilões, filtros, vaporizadores, sprays


desodorizantes, com vários aromas, embalagens com
fundos falsos, toda uma parafernália de artigos para
drogados e farta literatura sobre maconha, ácido e cocaína.
Nas “head shops” só não se vendiam os próprios.

Sobre o suposto encontro com John Lennon, Nelson Motta


comentou:

Da Disneylândia, doidões, eles foram para New Orleans e


de lá para Memphis, em peregrinação ao santuário de
Elvis Presley, Graceland. Em Nova York, por dias
cercaram o Edifício Dakota, no Central Park, onde
moravam John Lennon e Yoko Ono, em busca de um
encontro. Em vão: nunca foram recebidos, mas na volta ao
Brasil deram longas e detalhadas entrevistas sobre as
idéias que trocaram com o famoso casal.216

Raul Seixas voltou a ser preso em 1982, em um show na cidade de


Caieiras, região metropolitana de São Paulo. Foi, na ocasião, considerado
um impostor ou cover dele mesmo, não sendo reconhecido ao subir no
palco bêbado e não executar as músicas. Foi detido por não portar
documentos e liberado um dia depois. Na época, o acontecimento foi
noticiado pelos principais meios de comunicação.
Durante sua carreira artística, Raul Seixas, por ser contestador, teve
problemas com gravadoras, empresários, shows, apresentadores e
jornalistas. No final da vida, enfrentou dificuldades financeiras e de saúde.
Mas nenhum óbice foi mais marcante na obra do cantor que o governo, a
polícia e a censura.

[...] Não bulo com governo, com polícia, nem censura


É tudo gente fina, meu advogado jura [...]217

216
MOTTA, Nelson. Noites Tropicais. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. p.273-277.
217
SEIXAS, Raul; COUTINHO, Lena; AZEREDO, Cláudio Roberto (Compositores). “Quando
acabar o maluco sou eu.” In: Uah-Bap-Lu-Bap-Lah-Béin-Bum! (LP). Raul Seixas. São Paulo:
Copacabana (612950-B), 1987.
149

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Outras canções e outros artistas censurados poderiam fazer parte


deste estudo, que, certamente, deixa possibilidades para pesquisas
posteriores, até mesmo em relação a Raul Seixas (1945-1989), foco de
muitos outros documentários, entrevistas e reportagens, além daqueles que
foram aqui verificados, que não puderam ser explorados neste trabalho.
Esta dissertação buscou evidenciar a importância do cantor e sua
influência sobre uma geração, assim como compreender um determinado
período histórico relacionando-o com o contexto social, político,
econômico e cultural do Brasil frente ao governo ditatorial que se instalou
em 1964 e perdurou até 1985. Os anos de 1973 e 1974, todavia, foram a
fase áurea do artista, e, por isso, tiveram, em alguns momentos, maior
enfoque.
Observou-se a tentativa de Raul Seixas de instalar, juntamente com
Paulo Coelho, a sua Sociedade Alternativa no Brasil, o que trouxe
conseqüências dolorosas à dupla de compositores, que foi torturada e
obrigada a deixar o país, caracterizando o auto-exílio em 1974. Verificou-
se, assim, que na década de 1970, mais precisamente a partir de 1972, a
Polícia Federal passou a comandar a censura no país, até a promulgação da
Constituição de 1988, que colocou fim à censura.
Buscou-se compreender a contribuição musical e poética do cantor
Raul Seixas durante as décadas de 1970 e 1980, observando-se, inclusive,
que houve certa mudança na criação das suas canções a partir de 1985, com
o fim da ditadura, e de 1988, com o fim da censura. As músicas do “pai do
rock” não demonstrariam mais as características crítico-sociais que
marcaram uma geração.
150

Raul Seixas, um artista contestador, influenciado pela literatura,


pelo cinema, pela arte surrealista e pela música, criou um jeito novo de
cantar o rock no Brasil. Sua obra serve de referência para o estudo desse
gênero musical, sendo apreciada pelos mais diversos artistas e figurando
entre as mais importantes manifestações culturais brasileiras.
Passadas quase duas décadas de sua morte, o cantor e compositor
tornou-se um mito. Em muitas ocasiões, podem-se observar crianças de 10
ou 12 anos cantando suas músicas, que são consideradas atemporais,
atravessando gerações, assim como os grandes ícones da música popular
brasileira e da música internacional.
Este trabalho tentou esclarecer a tendência de liberdade que o artista
quis buscar em suas composições e interpretações, apresentado ao público
o desejo de ser feliz e de transformar comportamentos e idéias. Raul
descobriu, assim, que não há uma única porta de saída ou uma só solução
para os problemas do cotidiano das pessoas, mas enriqueceu suas vidas
com seu rock and roll e suas idéias progressistas.
151

FONTES E BIBLIOGRAFIA

FONTES

→ Álbuns:

Raulzito e os Panteras (LP). Raulzito e os Panteras. Rio de Janeiro: Odeon


(0544225721A), 1967.

Sociedade da grã-ordem kavernista apresenta sessão das 10 (LP). Sérgio


Sampaio, Raul Seixas, Miriam Batucada e Edy Star. Rio de Janeiro: CBS
Discos, 1971.

Krig-há, Bandolo! (LP). Raul Seixas. Rio de Janeiro: Philips (6349078),


1973.

Gita (LP). Raul Seixas. Rio de Janeiro: Philips (6349113), 1974.

O Rebu (LP). Vários Artistas. Rio de Janeiro: Som Livre, 1974.

Novo Aeon (LP). Raul Seixas. Rio de Janeiro: Philips (81034718), 1975.

Entrada e Bandeiras (LP). Rita Lee. Rio de Janeiro: Som Livre, 1976.

Há 10 mil atrás (LP). Raul Seixas. Rio de Janeiro: Philips (81034817),


1976.

Raul Rock Seixas (LP). Raul Seixas. Rio de Janeiro: Philips (8389681),
1977.

O dia em que a Terra parou (LP). Raul Seixas. Rio de Janeiro: WEA
Warner Bros (6704094-B), 1977.

Mata virgem (LP). Raul Seixas. Rio de Janeiro: WEA Warner Bros
(6704226-B), 1978.
152

Nova História da Música Popular Brasileira (LP). Raul Seixas, Moraes


Moreira e os Novos Baianos. São Paulo: Abril Cultural (Diversos), 1978.

Por quem os sinos dobram (LP). Raul Seixas. Rio de Janeiro: WEA
Warner Bros (6704129-B), 1979.

Abre-te Sésamo (LP). Raul Seixas. Rio de Janeiro: CBS (138194-B), 1980.

Raul Seixas (LP). Raul Seixas. São Paulo: Estúdio Eldorado (74830410),
1983.

Raul Seixas ao vivo: único e exclusivo (LP). Raul Seixas. São Paulo:
Estúdio Eldorado (85840429A), 1984.

Metrô linha 743 (LP). Raul Seixas. Rio de Janeiro: Som Livre (4070139-
B), 1984.

30 anos de rock - Raul Seixas (LP). Raul Seixas. Rio de Janeiro:


Philips/Fontana (8262511), 1985.

Raul Rock Seixas - Volume 2 (LP). Raul Seixas. Rio de Janeiro: Philips
(8303251), 1986.

Uah-Bap-Lu-Bap-Lah-Béin-Bum! (LP). Raul Seixas. São Paulo:


Copacabana (612950-B), 1987.

Duplo sentido (LP). Camisa de Vênus. Rio de Janeiro: WEA, 1987.

A pedra do Gênesis (LP). Raul Seixas. São Paulo: Copacabana (12967-A),


1988.

A panela do Diabo (LP). Raul Seixas e Marcelo Nova. Rio de Janeiro:


WEA (6708086-A), 1989.

O baú do Raul (LP). Raul Seixas. Rio de Janeiro: Philips (5128561), 1992.
153

→ Compactos Simples:

Let me sing my rock’n’roll (Compacto Simples). Raul Seixas. São Paulo,


1972.

Ouro de tolo (Compacto Simples). Raul Seixas. Rio de Janeiro: Philips


(6069076), 1973.

Gita (Compacto Simples). Raul Seixas. Rio de Janeiro: Philips (6069091),


1974.

→ Compact Disk:

Raul Seixas gravado em casa - 1964/1988 (CD). Raul Seixas. São Paulo:
Produção Independente Raul Rock Club - Raul Seixas Fã-Clube, 1999.

Deixa eu cantar Volume 01 - 1969/1971 (CD). Vários Artistas. Rio de


Janeiro: CBS Discos.

Deixa eu cantar Volume 02 - 1969/1971 (CD). Vários Artistas. Rio de


Janeiro: CBS Discos.

Deixa eu cantar Volume 03 - 1969/1971 (CD). Vários Artistas. Rio de


Janeiro: CBS Discos.

Deixa eu cantar Volume 04 - 1969/1971 (CD). Vários Artistas. Rio de


Janeiro: CBS Discos.

Salada Raulseixista - 1974/1979 (CD). Raul Seixas. São Paulo: Produção


Independente Raul Rock Club - Raul Seixas Fã-Clube, 1999.

Raul Seixas Concert´s - 1974/1985 (CD). Raul Seixas. São Paulo:


Produção Independente Raul Rock Club - Raul Seixas Fã-Clube, 1999.
154

Raul Seixas no Teatro Pixinguinha/SP - 1981 (CD). Raul Seixas. São


Paulo: Produção Independente Raul Rock Club - Raul Seixas Fã-Clube,
1999.

Raul Seixas na Praia do Gonzaga/SP - 1982 (CD). Raul Seixas. São Paulo:
Produção Independente Raul Rock Club - Raul Seixas Fã-Clube, 1999.

Raul Seixas no Ginásio do Ibirapuera/SP - 1983 (CD). Raul Seixas. São


Paulo: Produção Independente Raul Rock Club - Raul Seixas Fã-Clube,
1999.

Raul Seixas no Parque Laje/RJ - 1985 (CD). Raul Seixas. São Paulo:
Produção Independente Raul Rock Club - Raul Seixas Fã-Clube, 1999.

Raul Seixas no Estádio Lauro Gomes/São Caetano do Sul - 1985 (CD).


Raul Seixas. São Paulo: Produção Independente Raul Rock Club - Raul
Seixas Fã-Clube, 1999.

Let me sing my rock´n´roll - 1985 (CD). Raul Seixas. São Paulo: Produção
Independente Raul Rock Club - Raul Seixas Fã-Clube, 1999.

Raul Seixas e Marcelo Nova: Gravado em casa e ao vivo - 1988/1989


(CD). Raul Seixas e Marcelo Nova. São Paulo: Produção Independente
Raul Rock Club - Raul Seixas Fã-Clube, 1999.

Se o rádio não toca - 1974 (CD). Raul Seixas. São Paulo: Gravadora
Eldorado, 1999.

Sociedade da grã-ordem kavernista apresenta sessão das 10 - 1971 (CD).


Raul Seixas, Miriam Batucada, Sérgio Sampaio e Edy Star. Rio de Janeiro:
CBS Discos, 1999.

Raul Seixas documento (CD). Raul Seixas. Rio de Janeiro: MZA Music,
2000.
155

Zé Ramalho canta Raul Seixas (CD). Zé Ramalho. Rio de Janeiro: BMG,


2001.

Anarkilópolis (CD). Raul Seixas. Rio de Janeiro: Som Livre, 2003.

O baú do Raul - Uma homenagem a Raul Seixas (CD). Vários Artistas. Rio
de Janeiro: Som Livre, 2004.

O baú do Raul revirado (CD). Raul Seixas. Rio de Janeiro: Ediouro, 2005.

O Rebu (CD). Vários Artistas. Rio de Janeiro: Som Livre, 2006.

→ Compact Disk (entrevistas):

Bate papo com Raul Seixas e Paulo Coelho – 1985 (CD). Raul Seixas e
Paulo Coelho. São Paulo: Produção Independente Raul Rock Club - Raul
Seixas Fã-Clube, 1999.

Raul Seixas no ar Volume 01 ao 15 (CD). Raul Seixas. São Paulo:


Produção Independente Raul Rock Club - Raul Seixas Fã-Clube, 2002.

Volume 01: Rádio Jornal do Brasil/RJ - 1974: Reportagens com de


depoimentos de Caetano Veloso e Carlos Imperial; Programa “Mocidade
Independente” com Nelson Motta na TV Band - 1981: Entrevista com Raul
Seixas e gravações ao vivo; Programa “Rock Show” na Rádio Excelsior
FM/SP - 1981: Entrevista com Raul Seixas; Programa “Gil Gomes”, sobre
o incidente em Caieiras/SP, ocorrido em 1982; “Jornal Hoje” da TV
Globo: Reportagem sobre o incidente em Caieiras/SP; Programa “Nelson
Rubens”: Comentários sobre o incidente em Caieiras.

Volume 02: Programa “Rock do Bolinha” em Joaçaba/SC - 1975:


Entrevista com Raul Seixas; Programa “Música Popular Brasileira” da
Rádio Cultura AM/SP: Entrevista com Raul Seixas - 1976; Programa
156

“Música Popular Brasileira” da Rádio Cultura AM/SP: Entrevista com


Raul Seixas em 1976.

Volume 03: Programa “Galeria” da Rádio Eldorado FM/SP: Entrevista


com Raul Seixas em 1983.

Volume 04: Programa “Você faz o show” do SBT/SP: Entrevista com Raul
Seixas -1983; Programa “Blota Jr. Show” da TV Record/SP: Entrevista
com Raul Seixas -1983; Programa “Senhor Sucesso” com Maurício
Kubrusky na Excelsior FM: Entrevista com Raul Seixas - 1983;
Depoimento de Raul Seixas para a Rádio Band/SP - 1983.

Volume 05: Programa “Música Popular Brasileira” da Rádio Cultura


AM/SP: Entrevista com Raul Seixas - 1983; Programa “Fábrica do Som”
da Rádio Cultura FM/SP: Entrevista com Raul Seixas - 1983; Programa
“TV Mulher” com Marília Gabriela da TV Globo: Entrevista com Raul
Seixas - 1983; “Jornal Hoje” da TV Globo/SP: Entrevista com Pedro Bial
- 1983.

Volume 06: Programa “Radiografia 70” da Rádio USP FM/SP: Especial


com entrevistas e gravações inéditas - 1985.

Volume 07: “Raul Seixas Especial” na 99 FM de Fernandópolis/SP:


Entrevistas - 1987.

Volume 08: Programa “MPB 2000” da Rádio Brasil 2000/FM: Entrevista


com Raul Seixas – 1987.

Volume 09: Entrevista com Raul Seixas para a Rádio Antena 1 FM/SP -
1988.

Volume 10: Entrevista com Raul Seixas e Marcelo Nova para a Rádio
Globo FM/SP - 1988.
157

Volume 11: Entrevista com Raul Seixas e Marcelo Nova para a Rádio
Tansamérica FM/SP - 1988.

Volume 12: “Especial Raul Seixas” na Rádio Transamérica FM/SP:


Entrevista com Maria Eugênia Santos Seixas - 1989.

Volume 13: Especial “Um ano sem Raul Seixas” na Rádio Tansamérica
FM/SP: Entrevista com Marcelo Nova - 1990.

Volume 14: Especial “10 anos sem Raul Seixas” na Rádio 89 FM/SP:
Depoimentos de Cássia Eller, Sergio Hinds, Boris Casoy, Kika Seixas,
Vivian Seixas, Marcelo Nova, Maria Eugênia Santos Seixas, Dalva Borges.

Volume 15: Especial “Eu nasci há 55 anos atrás” na Rádio Brasil 2000
FM/SP - 2000.

→ Arquivos:

Academia Brasileira de Letras

CEDOC no Arquivo Nacional, na cidade do Rio de Janeiro

Colégio Marista de Salvador

Colégio São Bento de Salvador

Coordenação Regional do Arquivo Nacional no Distrito Federal

DOPS no Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro

DEOPS no Arquivo Público do Estado de São Paulo

Museu da Imagem e do Som de São Paulo

Ordem dos Advogados do Brasil, na cidade do Rio de Janeiro

Raul Rock Club - Raul Seixas Oficial Fã-Clube


158

→ Depoimentos:

Delma Gama, em 10 de janeiro de 2007, na cidade de Salvador/BA.

Edy Star, em 24 de março de 2007.

Maria Eugênia Santos Seixas, em 23 de novembro de 1990.

Raul Varella Seixas, em Agosto de 1990.

Ricardo Cravo Albin, em 19 de Abril de 2004, na cidade de São Paulo.

Rosana da Câmara Teixeira, em 13 de janeiro de 2007, no Rio de Janeiro/RJ

Sylvio Passos, entre 2002 e 2007, em São Paulo/SP e no Rio de Janeiro/RJ

Thildo Gama, em 10 de janeiro de 2007, em Salvador/BA

Waldir Serrão, em 10 de janeiro de 2007, em Salvador/BA.

→ Internet:

NAPOLITANO, Marcos. A música popular brasileira (MPB) dos anos 70:


resistência política e consumo cultural. Disponível em: http://www.
ist.puc.cl/historia/iaspmla.html.

→ Revistas:

Assessoria de Imprensa e Relações Públicas da Presidência da República.


Ernesto Geisel. Discursos. Volume I 1974. Brasília, 1975.

________. Ernesto Geisel. Discursos. Volume II 1975. Brasília, 1975.

Caros Amigos. Especial Raul Seixas. Número 04. São Paulo: Casa
Amarela, 1999.
159

Contigo. Raul Seixas. O início, o fim e o meio. Edição especial de


“biografias”. São Paulo: Editora Abril, 2004.

MPB Compositores nº 04. Raul Seixas. Rio de Janeiro: Editora Globo,


1996.

89 Revista Rock. São Paulo: Editora Price, 1999.

Revista Desvendando a História. Ano 02, nº11. São Paulo: Escala, 2007.

Revista do Arquivo Nacional. Nada será como antes. Os anos 60. Volume
II, números 1 e 2. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1999.

Rock Book nº 01. Raul Seixas: Maluco Beleza. Rio de Janeiro: Griphus,
s/d.

Rock Brasileiro: Anos 50 e 60. São Paulo: Editora Abril, 2004.

Rock Brasileiro: Anos 70. São Paulo: Editora Abril, 2004.

Rock Brasileiro: Anos 80. São Paulo: Editora Abril, 2004.

→ Vídeos:

Gravações em (VHS) dividadas em 11 volumes:

Volume 01: Imagens de Raul Seixas entre 1974 e 1989: Entrevista e prévia
do show de lançamento do álbum Mata Virgem; Entrevista e prévia do
show de lançamento do álbum Abre-te Sésamo; Show completo de Raul
Seixas na Praia do Gonzaga; Entrevista com Raul Seixas sobre o incidente
em Caieiras/SP.

Volume 02: Imagens de Raul Seixas entre 1974 e 1989: Clipe alternativo de
How Could I Know e Sunseed, durante o exílio do artista nos Estados
160

Unidos; Gravação do álbum Krig-há Bandolo!” e do Festival Phono 73”;


Depoimento de Paulo Coelho; Raul Seixas dando sugestões para um jogo
de lteria esportiva; Show Festival Hollywood Rock, de 1975; Shows de
Raul Seixas e Marcelo Nova, em Salvador/BA - 1988 e Londrina/PR -
1989; Entrevista de Raul Seixas e Marcelo Nova no programa “Jô Soares
11 e Meia”

Volume 03: Imagens de Raul Seixas entre 1983 e 1989: Show realizado no
Ginásio do Ibirapuera - 1983 e no Olímpia em São Paulo/SP - 1989;
Apresentação no Programa do “Faustão” e diversas reportagens sobre o
falecimento de Raul Seixas em várias emissoras de televisão.

Volume 04: Imagens de Raul Seixas entre 1974 e 1991: Raul Seixas
cantando Gita na entrega do “Troféu Imprensa” - 1975; Raul Seixas
cantando marchinhas de carnaval ao lado de Wandelréa - 1978; Bastidores
da gravação do álbum Raul Seixas no Estúdio Eldorado - 1983;
Participação do Festival Iacanga - 1983; Clipe Cowboy Fora da Lei, ao
Programa do Fantástico, apresentado pelo cantor Lobão - 1987; Show de
Raul Seixas e Marcelo Nova em Itajaí/SC, com imagens e entrevistas no
camarim; Clipe Pastor João e a Igreja Invisível - 1989; Reportagens sobre
o falecimento de Raul Seixas e tributo ao artista no Programa Matéria
Prima - 1991.

Volume 05: Imagens de Raul Seixas entre 1983 e 1989: Clipe alternativo de
A verdade sobre a nostalgia; Participação do Festival Iacanga – 1983;
Show de Raul Seixas e Marcelo Nova em Santa Bárbara d´Oeste/SP; Show
em Minas Gerais; homenagem a Raul Seixas no Programa Interferência.

Volume 06: Imagens de Raul Seixas entre 1981 e 1991: Entrevista com
Raul Seixas no Teatro Pixinguinha em São Paulo/SP - 1981; Participação
de Raul Seixas no II Festival de Águas Claras - 1981; Entrevista sobre a
161

mudança para São Paulo e sobre o álbum Opus 666; Interpretação de


Metamorfose Ambulante e Maluco Beleza, somente com voz e violão;
Cantando Aluga-se, no Programa do “Chacrinha”; Participação do III
Festival de Águas Claras; Entrevista no Programa “Gabi” - 1985;
Entrevista feita em um hotel Salvador/SP - 1988; Reportagens sobre o
falecimento de Raul Seixas; Matéria feita na MTV/SP e “Programa Livre”
- 1991.

Volume 07: Imagens de Raul Seixas entre 1974 e 1989: Clipes de Gita, O
trem das sete, Sociedade Alternativa, Rock around clock, Carimbador
Maluco, Geração da luz, Judas e Cowboy fora da lei; Trechos dos shows
em São Paulo/SP no Teatro Bandeirantes - 1977, Dama Xoc - 1988 e
Olímpia - 1989; Entrevista para Nelson Motta - 1976, “TV Mulher” - 1983,
Pedro Bial - 1983, Jornal Hoje - 1982/1983, Glória Maria - 1978, Maurício
Kubrusly - 1987.

Volume 08: Imagens de Raul Seixas entre 1973 e 1995: Raul Seixas
cortando o próprio cabelo - 1973; Show realizado no Parque Laje, no Rio
de Janeiro - 1985; “Especial Raul Seixas” no “Programa Livre”, com
participação de Marcelo Nova, Jerry Adriani, Zé Ramalho, Barão
Vermelho, entre outros - 1992; Especial “MTV Rockstória”, com
participação dos Panteras, de Maria Eugênia Santos Seixas, Cláudio
Roberto, Marcelo Nova, Kika Seixas, Plínio Seixas, Paulo Coelho entre
outros - 1995.

Volume 09: Imagens de Raul Seixas entre 1983 e 1992: Apresentação de


Raul Seixas no I Festival de Rock, de Juiz de Fora/MG - 1983; Reunião da
Família Seixas em Salvador/Ba - 1987; Show O Baú do Raul, realizado no
Aeroanta em São Paulo/SP, com participação de Kid Vinil, João Gordo,
Arnaldo Baptista, Comando Negri, Roger, Celso Blues Boy, Ira, Toninho
162

Buda e Roberto Seixas - 1992; Propagando do álbum As Profecias;


Reportagem no Fantástico; Clipe Mosca na Sopa, com Rita Lee;
Reportagem no Programa “Domingo 10”; Curta-metragem Louva Deus e
clipe Como vovó já dizia.

Volume 10: Imagens de Raul Seixas entre 1981 e 1995: Ensaio e show de
Raul Seixas e Marcelo Nova em Araraquara/SP - 1988; Curta-metragem As
aventuras de Raul Seixas na cidade de Thor; Reportagem sobre o 4º ano da
morte de Raul Seixas; Matéria sobre o lançamento do compact disk Se o
rádio não toca...; Matéria sobre o show de Raul Seixas em Brasília/DF -
1981; Reportagem sobre a homenagem da Escola de Samba Sociedade
Alegre a Raul Seixas no carnaval paulista - 1995; Desfile no Sambódromo
do Anhembi/SP; Reportagens sobre o Raul Rock Club e o 50º aniversário
de Raul Seixas.

Volume 11: Curta-metragem “Tanta estrela por aí”, com Rita Lee
interpretando Raul Seixas; Clipe “Mosca na Sopa”, com Rita Lee; Clipes
“O dia em que a Terra parou”, “Eu também vou reclamar”, “A maçã”,
“Caminhos”, “Rock do Diabo”, “É fim de mês”, entre outros. Imagens de
Raul Seixas e Zé Ramalho - 1984.

KUBRICK, Stanley. Spartacus (DVD). Hollywood: Universal Pictures


(SD0522), 2004.

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172

ANEXOS

Figura 01 – Gibi-Manifesto.
173

Figura 02 – Construção do Badogue.


174

Figura 03 – Saudação.
175

Figura 04 – Artigo 1000.


176

Figura 05 – Artigo 1055.


177

Figura 06 – Artigo 2000.


178

Figura 07 – Artigo 2001.


179

Figura 08 – Artigo 3000.


180

Figura 09 – Artigo 6900.


181

Figura 10 – Artigo 4000.


182

Figura 11 – Artigo 8002.


183

Figura 12 – Artigo 7000.


184

Figura 13 – O Sol.
185

Figura 14 – Artigo Final.


186

Figura 15 – The End.


187

Figura 16 – Conexão com o Álbum.


188

Figura 17 – Pareceres da música censurada “Óculosescuro”.


189

Figura 18 – Pareceres da música censurada “Óculosescuro”.


190

Figura 19 – Pareceres da música censurada “Óculosescuro”.


191

Figura 20 – Pareceres da música censurada “Óculosescuro”.


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