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13654-Texto Do Artigo-16629-1-10-20120517 PDF
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FLÁVIA CAMARGO
TONI é professora livre-
docente do Instituto de
Estudos Brasileiros (IEB)
da USP.
Não é possível num país como o nosso a Dramático e Musical de São Paulo e ali-
gente esperar qualquer providência gover- mentar as colunas semanais de crítica e
namental nesse sentido. Cabe mais isso crônicas para poupar algum dinheiro para
(como quase tudo) à iniciativa do povo. as despesas.
São as nossas sociedades que podem fazer Malas prontas, viaja em dezembro. Pri-
alguma coisa para salvar esse tesouro que é meiro trabalha no Rio Grande do Norte, em
de grande beleza e valor étnico inestimável. Natal e arredores; em seguida, Paraíba, e a 8
Parece-nos que sobretudo a sociedade dos de fevereiro pode acompanhar o Carnaval do
Bandeirantes, fundada no Rio, podia fazer Recife. No regresso, traz milhares de melo-
o trabalho que se impõe como imediato. dias sobre as quais se debruçará até meados de
Deixamos o apelo aqui”1. 1935 pretendendo publicar obra vasta sobre
o cantar nordestino e potiguar. Conta agora
De fato, 1928 é um ano de grandes proje- com o disco para ampliar sua bibliografia,
tos e trabalho na vida de Mário de Andrade: embora poucos deles sirvam para elucidar
conclui a redação e edita Macunaíma e o questões diretamente ligadas à origem e
Ensaio sobre a Música Brasileira; estuda evolução de certas formas populares.
em profundidade a poética popular anali- Durante os sete anos dedicados à pes-
sando centenas de melodias oferecidas por quisa sobre o material trazido em 1929,
amigos e alunos preparando outro ensaio, amadurece o musicólogo e conhecedor do
1 Coluna Arte, 24/fev./1928.
A Literatura dos Cocos; compõe o libreto cantar popular do Brasil e revigora a crença
2 Segundo descrição de Oneyda
Alvarenga, o gravador possuía Pedro Malazarte, encomenda de Camargo na necessidade do registro das manifesta-
um prato de 16 polegadas,
amplificador e pré-amplifica- Guarnieri; busca exemplos de metodologias ções que o progresso coloca em risco de
dor, motores para as rotações para a pesquisa de campo que pretende re- desaparecimento, gravando, fotografando
de 33 e 78 RPM, 2 micro-
fones dinâmicos, com tripé alizar; escreve para amigos do Norte e do e filmando. Assim, uma vez à frente do
de suporte, 2 jogos de cabos
para microfone, de 100 pés
Nordeste solicitando informações sobre as Departamento de Cultura, planejará ações
cada um e um par de fones manifestações musicais de suas respectivas que enfoquem o mapeamento musical sob
de ouvido (carta de Oneyda
Alvarenga para Mário de An- regiões visando a preparar bases estratégi- a mira da preservação de um patrimônio
drade datada de 13 setembro cas de pousada para trabalhar. Além disso, cambiante, a ser radiografado de tanto em
de 1939. Arquivo Mário de
Andrade, IEB-USP). deve manter seus cursos no Conservatório tanto para pesquisas de toda ordem.
Nesta página
Tiago de Oliveira Pinto
e na anterior,
cenas da festa
“Menino
do Rancho”
dos índios
pancararus,
Brejo dos
Padres, PE,
feitas no mesmo
local visitado
pela Missão
de Pesquisas
Folclóricas, 46
anos mais tarde
(1984)
caboclinhos
“O Brasil realmente não conhece a sua
canindés, música nem seus bailados populares,
Recife, 1990 porque, devido à sua enorme extensão,
e regiões perfeitamente distintas uma da
outra, ninguém, nenhuma instituição se
deu ao trabalho de coligir esta riqueza até
do tal versão baiana do Bumba-meu-boi, agora inativa”4.
impedem a perda destas criações, que o
progresso, o rádio, o cinema estão matando Em linhas gerais, pode-se dizer que a
com violenta rapidez”3. função do grupo era registrar as músicas que
homens, mulheres e crianças cantavam para
Como é sabido, o anteprojeto não lo- trabalhar, divertir-se e rezar. Para tanto, cada
grou aprovação e, ao que parece, Mário de tema deveria ser abordado de tal forma que,
Andrade então transfere para a Discoteca através dos discos gravados, fotos tiradas,
a incumbência de mapear a música do Bra- cenas filmadas e entrevistas feitas com seus
sil, não apenas a de São Paulo. Mas tanto cantadores e dançadores, qualquer pessoa
para a tarefa em pequena escala, quanto pudesse, no futuro, estudá-lo mediante a
para os projetos almejados para os anos recomposição de todos os seus elemen-
seguintes, o musicólogo experiente agora tos. Sendo uma pesquisa que pretendia se
sabe que é preciso formar pesquisadores. aprofundar nos assuntos, cabia esclarecer
Naquele 1936 já travara amizade com a os brasileiros que dela participassem com
jovem etnóloga Dina Dreyfus, que estava carta oficial do diretor do órgão onde tais
3 Cartas de Trabalho, Brasília,
MEC, 1981, p. 53. no Brasil em companhia de seu marido, informações seriam depositadas:
4 “Exposição dos Atos e Conse- Claude Lévi-Strauss, membro do grupo de
qüências da Missão Folclórica”, professores contratados para a Universidade “[…] Toda a documentação recolhida pela
São Paulo, 23 de maio de
1938. de São Paulo. Missão será publicada para estudo e uso
GRAVAR OU ANOTAR?
Durante o primeiro semestre do ano a
equipe só poderia registrar as montagens
espontâneas do carnaval e do ciclo joanino;
para as demais, como as do ciclo natalino,
teria que contar com as montagens especiais
para os serviços de registro mecânico. Por
isso mesmo nem passaram pela Bahia, onde
o calendário musical se concentrava princi-
Menino caboclo
palmente no início de dezembro.
do grupo “Papo Dentre as localidades visitadas pela
Amarelo”, Missão de Pesquisas Folclóricas, somente
em quatro cidades havia amigos de Mário
João Pessoa, de Andrade, pessoas que poderiam fornecer
PB, 1990 informações seguras sobre as manifestações