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FABIANO CARLOS ZANIN

ASPECTOS GERAIS DA MÚSICA FLAMENCA

SÃO PAULO
2005
FABIANO CARLOS ZANIN

ASPECTOS GERAIS DA MÚSICA FLAMENCA

Dissertação apresentada como requisito


parcial à obtenção do grau de Mestre em
Artes, Curso de Musicologia, Departamento
de Música da Escola de Comunicação e
Artes da Universidade de São Paulo.

Orientador:
Prof. Dr. Marcos Branda Lacerda.

SÃO PAULO
2005
i

Banca Examinadora

_____________________________
ii

Dedicado a todos Los Flamencos,

Em especial à
Amália Moreiras, “La Morita”,

E Ioska Santa Ana


In memoriam.
iii

AGRADECIMENTOS

A meus pais José Carlos Zanin e Aparecida Soares Miliorini


Amália Moreiras “La Morita”
Ana Cristina R. Barros “Tidoca”
Erick Benke
Leomara Burgel
Lilian Alcantara
Marcos Branda Lacerda
Márcio Salmon
Murilo da Rós
Neuzi Barbarini
Patrícia Muller
Tamara de la Macarena
iv

Flamenco é o meio através do qual o


homem alcança Deus sem a intervenção
de santos e anjos.

Luis Antonio de Vega


v

RESUMO

El Arte Flamenco ganha cada vez mais espaço no panorama musical


mundial. Esta manifestação artística espanhola que se caracteriza através do
toque, do cante e do baile possui algumas características de difícil
compreensão aos artistas que não estão inseridos no contexto de sua
produção: a Região Andaluza. Com a perspectiva de uma melhor
compreensão da música Flamenca, esta pesquisa procurou analisar
especialmente seus elementos musicais: os palos dos principais grupos.
vi

ABSTRACT

El Arte Flamenco is reaching further and further into the worldwide music
scenery. This Spanish artistic display, which is produced by the toque, the
cante, and the baile, has some features of difficult comprehension to the
artists who aren’t inserted in the production context: the Andalusian region.
This research tried to analyse specially its musical principles: the palos of the
main groups with the perspective of a better comprehension of the Flamenco
music.
SUMÁRIO

RESUMO ................................................................................................................................................................ v
ABSTRACT ............................................................................................................................................................ vi
INTRODUÇÃO ....................................................................................................................................................... 1
1 EL FLAMENCO ................................................................................................................................................. 3
1.1 SUAS ORIGENS E INFLUÊNCIAS ................................................................................................................. 3
1.1.1 A influência dos gitanos na música Flamenca ............................................................................................. 7
1.1.2 O Flamenco suas transformações e as variedades dos palos e cantes ...................................................... 10
1.1.3 A guitarra flamenca ...................................................................................................................................... 13
1.2 EL FLAMENCO COMO EXPRESSÃO DA CULTURA POPULAR ESPANHOLA ....................................................... 16
1.2.1 Os cafés cantantes como espaço de sociabilidade ..................................................................................... 16
1.2.2 O Concurso Nacional de Cante Jondo ......................................................................................................... 18
2 O MODO FLAMENCO ....................................................................................................................................... 20
2.1 A ESCALA ........................................................................................................................................................ 20
2.2 A CADÊNCIA ANDALUZA ............................................................................................................................... 23
2.3 BIMODALIDADE NO FLAMENCO ................................................................................................................... 28
2.4 OS TONS FLAMENCOS .................................................................................................................................. 29
2.5 A MELODIA FLAMENCA ................................................................................................................................. 31
2.5.1 Características básicas ................................................................................................................................. 31
2.5.2 Características dependentes do cante .......................................................................................................... 32
2.6 ELEMENTOS FORMAIS DE UM CANTE ........................................................................................................ 34
3 O RITMO FLAMENCO ........................................................................................................................................ 36
3.1 O COMPASSO DE DOZE TEMPOS ................................................................................................................ 36
3.1.1 A Seguiriya .................................................................................................................................................... 37
3.1.2 A Soleares .................................................................................................................................................... 46
3.2 O COMPASSO BINÁRIO ................................................................................................................................. 54
3.3 O COMPASSO TERNÁRIO ............................................................................................................................. 61
3.4 O COMPASSO LIVRE .................................................................................................................................... 67
3.5 PALOS POLIRRÍTMICOS ............................................................................................................................... 71
4 GUIA DE AUDIÇÃO MUSICAL ......................................................................................................................... 74
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................................................... 85
6 GLOSSÁRIO....................................................................................................................................................... 87
7. FONTES DE PESQUISA................................................................................................................................... 90
7.1 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....... ......................................................................................................... 90
7.2 DISCOGRAFIA E SITES.................................................................................................................................. 57
ANEXO.................................................................................................................................................................... 94
1

INTRODUÇÃO

É notável o crescimento de El Arte Flamenco, especialmente no Ocidente. Em


uma rápida pesquisa na rede mundial, pode-se constatar a proliferação de escolas
de Flamenco em países como o Brasil, Alemanha, França, Japão e Estados Unidos.
O que possui esta arte que desperta tanto interesse em povos de culturas tão
diferentes? E por que é tão complicado o seu entendimento?
Já há algum tempo, o Flamenco rompeu as fronteiras geográficas de sua
Andalucia natal. Artistas importantíssimos para a história e evolução desta arte,
como a bailaora Carmen Amaya (1913-1963), ou o guitarrista Sabicas (1912-1990),
notavelmente não eram de origem andaluza. Podemos citar também a bailarina
Antonia Mercé (1888-1936) – La Argentina – que não era andaluza, tampouco
espanhola.

Sabicas Antonia Mercé (La Argentina)

Tais constatações nos motivaram a realizar esta pesquisa, com o intuito de


fomentar discussões e futuras hipóteses sobre a música flamenca.
Este trabalho tem como objetivo mostrar de uma maneira sistemática os
principais elementos formais e musicais desta arte.
Para tal optamos não apenas em realizar uma análise musical, mas tornou-se
necessário também uma breve contextualização histórica, para situar o objeto da
2

pesquisa frente aos pesquisadores brasileiros não familiarizados com a música


flamenca.
Neste sentido foi desenvolvido, mesmo que brevemente, o primeiro capítulo,
procurando destacar suas prováveis origens, influências e transformações sofridas.
A metodologia de análise musical, usada freqüentemente para o estudo da
música erudita, será desenvolvida a partir do segundo capítulo, onde citaremos e
exemplificaremos os principais elementos musicais do Flamenco. Tais como:
escalas e modos musicais e características principais da melodia flamenca.
É importante ressaltar que no que se refere ao repertório Flamenco, isto é, as
músicas que aqui serão analisadas; o faremos baseados nos termos da teoria
própria do Flamenco. Quando necessário faremos as devidas elucidações no
tocante aos termos próprios do Flamenco1.
Na mesma perspectiva do segundo, o terceiro capítulo pretende aprofundar
diretamente os problemas musicológicos sobre o ritmo e formas flamencas.
Pretendemos demonstrar os elementos que caracterizam e especificam as
diferentes formas musicais flamencas. Como será demonstrado, cada uma destas
formas musicais, chamadas pelos espanhóis de Palos, possui características
próprias de combinação entre ritmo e harmonia.
Importante mencionar que o terceiro capítulo foi propositalmente separado
dos demais porque nele nos debruçaremos efetivamente sobre o ritmo Flamenco.
Por sua variedade e complexidade, podemos comprovar que este elemento
realmente é um dos mais difíceis de se analisar. Por causa da complexidade da
análise não nos aventuramos na análise mais criteriosa de todos os principais ritmos
Flamencos, o que exigiria um trabalho de mais fôlego. Restringimos aqui nossa
análise somente aos principais representantes de cada grupo.
Por fim, esta pesquisa pretende sobretudo situar o pesquisador, mesmo que
de maneira artificial, ao mundo do Flamenco. Digo artificial, pois para nós, los
Flamencos, tal análise musical inexiste. Em princípio, nós artistas, quase sempre
distantes e indiferentes às discussões acadêmicas, o Flamenco, uma arte
caracterizada pela tradição oral, pela imitação e pela criação própria, já seriam
elementos suficientes à compreensão desta arte.

1
Para maiores explicações vide Glossário.
3

1 EL FLAMENCO

1.1 SUAS ORIGENS E INFLUÊNCIAS

El Arte Flamenco2, tal como conhecemos hoje, é uma manifestação artística


popular consagrada na Espanha, que abarca uma variedade de gêneros artísticos:
canto, toque, baile, percussão, acompanhamentos etc. O caráter polissêmico do
Flamenco está intimamente ligado às influências que recebeu dos povos que
dominaram, ou simplesmente interagiram à Espanha ao longo dos séculos, entre estes
os hindus, árabes, gregos e castelhanos, mas, este aspecto será mais bem explorado a
seguir.
Há um consenso entre os historiadores ibéricos, tais como Ricardo Molina,
Manuel Barrios e Rocío Espada, que o Flamenco teve sua origem em épocas
remotas. Sua procedência é incerta, pois possui raízes muito antigas, e não existem
documentos que nos possam aclarar efetivamente sua origem. Esta manifestação
artística tem como berço o sul da Espanha, na região denominada atualmente de
Baixa Andalucia. Desde sua origem, o Flamenco vem gradativamente afirmando-se
como uma manifestação artística bem definida, reconhecida e respeitada
mundialmente. Atualmente encontramos escolas e artistas Flamencos espalhados
por todo o mundo, a língua e as diferenças culturais já não são empecilhos para
estudar e entender esta arte.
Para entendermos como surgiu o Flamenco, devemos em primeiro lugar nos
situar acerca do aspecto mais característico da história da Espanha, que é a
sucessão de invasões de diferentes povos que se estenderam por toda a Península
Ibérica. Os primeiros a chegar foram os iberos, logo os ceutas, e da fusão destes
dois povos surgiram os celtiberos, que se agruparam em varias tribos (cantabrios,
astures e lusitanos) que mais tarde deram origem a seus respectivos territórios. Os
próximos invasores foram os fenícios, e finalmente os romanos, os quais
permaneceram durante aproximadamente seis séculos. Os visigodos sucederam os
romanos e ocuparam a Espanha durante 300 anos.

2
Adotaremos nesta pesquisa os termos como são usados originalmente pelos espanhóis.
4

Mapa da Espanha:

Mapa da Andaluzia:
5

A partir do século VIII os árabes foram conquistando a península, e no


período de apenas sete anos já dominavam cidades importantes como Córdoba,
Sevilha e Granada. Durante algum tempo as culturas árabe, judia e cristã
conviveram no mesmo marco geográfico e histórico, o que foi de suma importância
para o desenvolvimento do Flamenco. O norte da Espanha foi à única região que
resistiu aos quase oito séculos de domínio árabe.
No ano de 718 dá-se início a Reconquista, período durante o qual os reinos
cristãos do norte recuperaram lentamente os territórios islamizados. Ao final do
século XIII os reinos de Aragón e Castilla uniram forças através do casamento de
Isabel, princesa de Castilla, e Fernando, herdeiro do trono de Aragón. Em 1482 os
assim chamados Réis Católicos sitiaram a cidade de Granada, e dez anos depois o
último califado árabe chegou ao fim3.
A etimologia da palavra Flamenco tem suscitado diferentes interpretações.
Autores e flamencólogos como o Padre García Bariuso4 defende a hipótese que a
palavra tem origem em termos árabes, como o felag-mengu (camponês nômade), ou
felai-kum (camponês rústico). George Borrow, autor de The Zinkali5 (1932), numa
outra direção, afirma que os Flamencos eram os ciganos provenientes de Flandres.
Nesta mesma direção, o professor M. García Matos6 considera que o termo
Flamenco surgiu no folclore andaluz no início do século XIX, estando estreitamente
ligado aos termos ciganos.
Ricardo Molina subscreve a idéia de Garcia Matos de que o termo Flamenco
é uma gíria do final do século XVIII e início do XIX, que significa “presunçoso,
fanfarrão”: “... cuando decimos, por ejemplo, „no te pongas flamenco‟ es como si
dijéramos no seas fanfarrón”‟7.
Importante ressaltar que essa variedade de definições sobre a etimologia da
palavra, e também por que não dizer, da origem de El Arte Flamenco, deve-se,
sobretudo a escassez de documentos. Por se tratar de uma arte transmitida

3
GARCÍA, Luis Pericot. Historia de España. Barcelona: Instituto Gallach, 1967.
4
ESPADA, Rocío. La danza española su aprendizaje y conservación. Madrid: Librerías Deportivas Esteban
Sanz, 1997. p.263.
5
BORROW, G. Los zinkali. Madrid: 1932. p.52.
6
GARCIA MATOS, M. Apud: ESPADA, Rocío. Op.cit., p.263.
7
MOLINA, Ricardo; MAIRENA, Antonio. Mundo y formas del cante flamenco. Granada-Sevilla: Librería Al-
Andaluz, 1979.
6

oralmente, o Flamenco não possui uma tradição escrita. Suas estruturas musicais e
a técnica da dança se perpetuaram no tempo, de geração a geração, por simples
imitação direta.
A musicóloga Lola Fernández em seu El Flamenco en las Aulas de Música8
considera que as raízes do Flamenco, por serem muito antigas, são imprecisas,
mas, sem dúvida estão estreitamente ligadas às mais diferentes populações que
habitaram a Baixa Andalucia, sobretudo os bizantinos, hebreus, muçulmanos e
moçárabes9.
No que se refere à música, objeto de estudo dessa pesquisa, o contato com
estas diferentes populações trouxeram à região uma grande variedade de elementos
musicais. A chegada dos muçulmanos no século VIII na Península Ibérica, foi
significativa no desenvolvimento do Flamenco. Conhecedores das culturas do
longínquo Oriente, os mulçumanos trouxeram os sistemas musicais hindus
divulgados pelo poeta Ziryab, durante o emirado de Abd al-Rahman II (822-852):

“Contribuyó de modo eficacísimo a esta orientalización de la corte en Córdoba la presencia de


Ziryab, personaje en extremo curioso. No sólo introdujo en España la música oriental, sino
que fue el árbitro de la moda. El peinado, el vestido, los perfumes, las comidas, las vajillas,
10
todo lo que representaba algo de lujo y de fastuosidad‟‟ .

A influência da música indiana também é notável em alguns cantes, onde o


estilo reiterativo e ornamental, assim como os movimentos das mãos no Flamenco,
lembram algumas formas de dança indiana.
A partir da difusão da música e dos cantos propriamente muçulmanos, surgiram
outros elementos típicos do Flamenco, como a medida (utilização de melismas, isto é,
de ornamentos sobre uma única nota). As salmodias11 e o sistema musical dos hebreus
também exerceram influência sobre o Flamenco. A esses ingredientes deve-se ainda
somar as músicas populares dos moçárabes, e as autóctones12 da Andalucia, que
teriam dado origem à cultura musical árabe-andaluza.

8
Disponível em:< http://www.flamenconews.com>. Acesso em: 20 jul. 2003.
9
O termo moçárabe refere-se aos cristãos sob dominação muçulmana (apesar do rito moçárabe anteceder a
invasão muçulmana em 711). In: SADIE, Stanley. Dicionário grove de música. Jorge Zahar Ed., 1994. p.611.
10
GARCÍA, LUIS PERICOT. Op.cit., p.145.
11
Canto usado para os salmos. In: REAL ACADEMIA ESPAÑOLA. Diccionario de la lengua española. Editorial
Espasa-Calpe, 1947. p.1131.
12
Aplica-se aos povos ou pessoas originárias do mesmo país onde vivem. In: REAL ACADEMIA ESPAÑOLA.
Ibid. p.141.
7

Com a Reconquista, no século XII, os árabes, que dominaram a Espanha por


quase 800 anos, foram expulsos da Península Ibérica, mas sua cultura permaneceu,
suas tradições mantiveram-se vivas, transmitidas oralmente de geração em geração.
No entanto em nenhum dos livros sobre costumes do século XVII há sequer uma
referência ao Flamenco.

1.1.1 A influência dos gitanos na música Flamenca

Segundo Ricardo Molina os ciganos que chegaram à Espanha em fins do


século XV, dariam origem aos primitivos cantes Flamencos, que fundiam diferentes
tradições musicais ainda vivas entre populações de origem mourisca que habitavam
a Baixa Andalucia.
O que hoje costumamos chamar de Flamenco, desenvolveu-se junto a um
povo marginalizado e perseguido desde sua chegada à península Ibérica: o povo
cigano. Portanto, é fácil imaginar, como até o século XVIII, o Flamenco se
manifestou e se difundiu junto a um público muito restrito.
A hipótese de que o Flamenco seja uma criação genuína dos ciganos é
refutada por alguns flamencólogos. Sobre isto escreve Manuel Barrios:

“Porque las coplas más antiguas del Flamenco, como el romance, son anteriores a la llegada
13
de los gitanos a España” .

“Porque los grandes músicos y musicólogos descartan categóricamente la posibilidad de un


14
origen gitano, y con ellos aludimos a Pedrell, Turina, García Matos, José Romero...” .

“El ay y los llamados jipíos: También son comunes al canto árabe los prolongados ayes o
15
jipíos, así como el ámbito melódico de poca extensión, característicos del cante jondo” .

Manuel Barrios cita uma série de personalidades conhecedoras do Flamenco,


que como ele, não acreditam que esta arte seja uma criação genuinamente cigana.

13
BARRIOS, MANUEL. Gitanos, moriscos y cante flamenco. Sevilla: J. Rodriguez Castillejo, 1989. p.100.
14
Idem.
15
TORRELLAS, A., Apud: BARRIOS, MANUEL. Gitanos, moriscos y cante flamenco. Sevilla: J. Rodriguez
Castillejo, 1989. p.109.
8

Entre estas personalidades esta o poeta, dramaturgo e músico Federico García


Lorca:

“Se trata (el flamenco) de un canto netamente andaluz que existia antes que los gitanos
llegaran, como existia el arco de herradura antes que los árabes lo utilizaran como forma
característica de sua arquitectura. Un canto que ya estaba levantado en Andalucía, desde
Tartesos, amasado con la sangre del Africano del Norte y probablemente con vetas profundas
16
de los desgarrados ritmos judíos, padres hoy de toda la gran música esclava” .

Provavelmente originários de uma região ao norte da Índia chamada Sid, que


na atualidade pertence ao Paquistão. Os ciganos chegaram à Espanha devido a
uma série de conflitos bélicos e invasões de conquistadores estrangeiros, fugindo
primeiramente ao Egito, onde permaneceram até serem expulsos.

Foram então à Tchecoslováquia, mas, conscientes de que não seriam


acolhidos devido ao seu grande número, resolveram dividir-se em três grupos, que
se espalharam pela Europa. Rússia, Hungria e Polônia, Itália, França e Espanha,
estes foram os seus principais portos de chegada.
O primeiro documento que certifica a entrada dos ciganos na Espanha data
do ano de 1447. Acerca disso Ricardo Molina escreve:

“Respecto al grupo (o grupos) que penetró en España a finales del XV hay que tener
presente: (....) que fueron bien acogidos en un principio, e incluso protegidos por la nobleza
17
que se recreaba en sus cantos y danzas‟‟ .

No tocante a chegada dos ciganos à Espanha Manuel Barrios18 em seu livro


Gitanos, Moriscos y Cante Flamenco cita François de Vaux de Foletier19:

“Al llegar a Andalucía se valían de la protección del Papa y del Rey de Francia, así como del
Rey de Castilla (...) La primera tropa destacada en Andalucía recibió una acogida
particularmente magnífica. Los condes Tomás y Martín de Pequeño Egipto fueron tratados en
Jaén como grandes señores por el antiguo condestable y canciller de Castilla, conde Miguel
Lucas de Iranzo; cenaron en su mesa y tanto ellos como su compañía fueron gratificados con
pan, vino, carnes, aves, pescados, fruta, cebada y papa en abundancia‟‟.

16
LORCA, Federico García, Apud: BARRIOS, MANUEL. Gitanos, moriscos y cante flamenco. Sevilla: J.
Rodriguez Castillejo, 1989. p.116.
17
MOLINA Y MAIRENA, Op. cit., p.31.
18
BARRIOS, MANUEL. Gitanos, moriscos y cante flamenco. Sevilla: J. Rodriguez Castillejo, 1989. p.23.
19
FOLETIER, FRANÇOIS DE VAUX DE. Mil Años de historia de los gitanos. Barcelona, 1977.
9

Além de fascinantes artistas, os ciganos eram grandes conhecedores da forja


dos metais:

“Todavía hoy „caldero‟ es casi sinónimo de gitano. Los pueblos agrícolas y sedentarios
siempre miraron con recelo a los herreros y forjadores de metales: Es la ancestral
desconfianza del „homo agrícola‟ hacia el „homo faber‟. Hay que tenerlo en cuenta como
20
resorte profundo de las persecuciones que pronto empezaron a sufrir en España‟‟ .

Existe muita controvérsia a respeito da real data de chegada dos ciganos à


Espanha, Manuel Barrios cita uma série de documentos acerca desta polêmica:

“Desde luego, como premisa, el dato que aportan los „Anales de Cataluña‟ hay que tomarlo con toda clase
de reservas, ya que es imposible aceptar la fecha de 1447 cuando veintidós años antes, en 1425, el Rey de
Aragón expide cartas recomendando: „ Como el amado y devoto nuestro, don Juan de Egipto Menor, yendo
21
con nuestra licencia a diversas partes, haya de pasar por algunas partes de nuestros reinos y tierras (...)” .

“Más sorprendente aún es que Alfonso X el Sabio „trajera gitanos de Almería (hacía 1260) con
la misión de fabricarle oro‟; lo que demuestra la presencia de gitanos en Andalucia dos siglos
antes de la arribada a Cataluña, aparte reconocérseles, a estos gitanos andaluces, el secreto
22
árabe de la sabiduría alquímica” .

Os ciganos tinham seus próprios costumes e tradições nômades. A língua


cigana, denominada “caló‟‟, assim que chegou à Espanha logo se misturou ao
castelhano, língua predominante na região. O idioma resultado desta fusão predomina
até os dias atuais na região andaluza. Importante mencionar que o Caló – assim como
outras tradições ciganas – foi proibido pelos Reis Católicos. Outra transformação
cultural imposta aos ciganos pela aristocracia espanhola foi à obrigatoriedade do
trabalho formal e da moradia em residências fixas, em detrimento ao nomadismo”.
Durante o século XVI, muitos foram submetidos a trabalhos árduos, como por
exemplo, as longas jornadas em minas. Assim como centenas de judeus e
muçulmanos, os ciganos também passaram a viver em covas de montanhas, fugindo
das reconversões forçadas feitas pelos governantes e a Igreja.

20
MOLINA Y MAIRENA, Op. cit., p.31.
21
BARRIOS, Manuel. Op. cit., p.26.
22
LUANCO, José R. y BERNARD, Jean-Louis, Apud: BARRIOS, MANUEL. Gitanos, moriscos y cante
flamenco. Sevilla: J. Rodriguez Castillejo, 1989. p.27.
10

A grande maioria das celebrações dos ciganos eram secretas, devido estas
perseguições, embora muitos destes ciganos fossem chamados freqüentemente
para tocar, cantar e dançar em festas promovidas pelos “Señoritos‟‟, ricos
latifundiários da época. Estas festas, sem dúvida eram um espaço de contravenção,
onde os ciganos, através das canções, podiam falar das injustiças cometidas contra
eles, mesmo que a platéia não entendesse o real significado de suas lamentações”.
Atualmente, os principais redutos de famílias ciganas encontram-se em
bairros e cidades que serviram de refúgio durante as perseguições, tais como as
cidades de Alcalá, Jerez, e o bairro de Triana na cidade de Sevilha. Com o passar
dos anos, as leis contra os ciganos se tornaram menos repressivas, e a comunidade
passou a se integrar cada vez mais à sociedade espanhola. Neste contexto, passou
a crescer o interesse dos chamados “payos‟‟ (pessoas não ciganas) por sua música.
Encontramos na música erudita vários compositores – entre eles Manuel de
Falla e Isaac Albéniz – que buscaram inspiração em melodias, ou ritmos do
Flamenco. Como exemplo podemos citar a danza del molinero – que pertence ao El
Sombrero de Tres Picos de Falla – esta peça nos remete a uma dança flamenca
tipicamente masculina chamada Farruca.

1.1.2 O Flamenco suas transformações e as variedades dos palos e cantes

Tendo em vista que o propósito desta pesquisa não é demonstrar o complexo


processo histórico em que se constituiu el Arte Flamenco, o que exigiria um trabalho
de mais fôlego, nos deteremos aqui nos aspectos musicais do Flamenco tal como é
concebido atualmente.
O primeiro aspecto a ser abordado é a enorme variedade de formas
encontradas no Flamenco. Estas formas, ou palos, como são chamados pelos
Flamencos23, são caracterizadas por estruturas melódicas, rítmicas e harmônicas
peculiares: siguiriyas ou seguiriyas, soleares ou soleá, alegrías, caña, bulerías,
malagueñas, tarantas, etc24.

23
O termo “Flamenco‟‟ também é utilizado para denominar os artistas e entendidos desta arte. In: VEGA Y RUIZ,
Maestros del flamenco. Planeta Agostini, s.d. p. 13.
24
Veja a Clasificación de los Cantes por Familias segundo Ricardo Molina em anexo.
11

Segundo Molina os quatro ritmos Flamencos fundamentais são:

“La siguiriya, con dos ritmos superpuestos o „contrapunto rítmico‟; uno interno vinculado al
cante y otro externo llevado por la guitarra. La soleá que simultanea el ritmo interno y el ritmo
base. El tango, con presencia en el ritmo base de un ritmo interno a „tempo rubato‟, particular
en cada cantaor. Y las bulerías, que llevan tan solo el ritmo 6/8. Su carencia de ritmo interno
25
es motivada por la rapidez del „tempo‟ y su rigor‟‟ .

Os outros ritmos como o tarantos, a farruca, a petenera etc, segundo Molina, são
considerados tangenciais. O acompanhamento do cante Flamenco está constituído por el
toque y el son26, ou por ambos, e somando-se a estes, mais comum nos bailes festeros, el
jaleo.
El toque é o acompanhamento do cante com a guitarra flamenca. El son é o
acompanhamento com palmas, golpes sobre o chão “zapateado‟‟, golpes sobre
mesas ou qualquer superfície de madeira, e con pitos, que é o estalar de dedos. El
jaleo consiste em exclamações de incentivo executadas pelos ouvintes ou artistas
Flamencos, tais como: “Olé‟‟ que vem do árabe “ualah‟‟ que significa “por Dios‟‟27,
“Así se canta‟‟, “Como tu sabes‟‟, “Vamos a verlo‟‟, etc.
Atualmente encontramos el cante Flamenco sendo acompanhado por
diversos instrumentos, tais como o saxofone, flautas, bateria, guitarra elétrica e
inclusive com orquestra sinfônica. Na Espanha existe uma grande discordância entre
os flamencólogos sobre a benéfica influência desta experimentação musical sobre
os pilares do cante jondo. Sobre isto escreve Luis Clemente:

“No se puede afirmar con severidad que existan corrientes nítidas de flamenco-fusión, sino que
hay músicos de campos muy diversos sugestionados por el flamenco y flamencos curiosos
empeñados en salirse de los moldes. En muchas ocasiones nos encontramos con reportajes en
los que periodistas sin excesiva especialización –ni pasión o interés- engloban a gente del nuevo
28
flamenco, sin ton ni son y sin mala intención, pero que poco o nada tienen que ver entre si‟‟ .

Temas do cante Jondo são quase em sua totalidade gritos de desespero,


lamentos pela vida difícil e miserável, o infortúnio e o sofrimento. O objetivo não é o
belo, sua principal inspiração é o homem.

25
MOLINA Y MAIRENA, Op. cit., p.80.
26
ESPADA, Rocio, Op.cit., p.281.
27
BARRIOS, Manuel, Op.cit., p.110.
28
CLEMENTE, LUIS. Filigranas, una historia de fusiones flamencas. Valencia: Editorial La Máscara, 1995. p.5.
12

Cada letra Flamenca - ou Copla29, como é geralmente chamada pelos


espanhóis - foca quase sempre a temática do amor. Segundo Molina, mesmo
quando as letras flamencas tratam de outros temas, como veremos abaixo, estas
sempre mantêm como eixo principal à temática do amor.
Ricardo Molina classifica os principais grupos temáticos30 da seguinte maneira31:
 letras amorosas.
 maldições e ameaças.
 tema de Mãe.
 tema de gente.
 dinheiro e pobreza.
 saber e experiências inúteis ante o amor e a morte.
 sentenças morais.
 a morte.
 fatalismo e destino.
 honra e desonra.
 religiosidade e irreligiosidade.
 burla e humor.
 vaidade das coisas mundanas.
 astros e forças naturais.
 paisagens e criaturas naturais.

Encontramos nesta arte traços de complexidade, sofisticação e riqueza


extraordinários, que lhe valeram a atenção e o interesse dos estudiosos em geral.
No entanto, a descrição detalhada de suas características continua a ser uma tarefa
ingrata. O motivo é simples: trata-se de uma forma de expressão do cotidiano, onde
a espontaneidade e a improvisação são elementos constitutivos.
Emoção e arte fundem-se em um verdadeiro êxtase musical, o ponto
culminante no Flamenco é o aparecimento do chamado duende (literalmente gênio,
espírito), estado de introspecção que permite ao artista exprimir seus sentimentos e

29
Combinación métrica o estrofa. In: REAL ACADEMIA ESPAÑOLA. Op.cit., p.350.
30
Veja alguns exemplos de coplas em anexo.
31
MOLINA Y MAIRENA, Op. cit., p.101.
13

estabelecer uma relação com o público. O duende pode ser traduzido também como
um estado hipnótico, onde os artistas simplesmente se desprendem de seus corpos,
este efeito, ou estado de introspecção, também pode ser chamado de Catarse32. A
partir daí nasce à força emotiva e a expressividade do cante Flamenco. Sem duende
não há sentimento, e sem sentimento não há Flamenco.

1.1.3 A guitarra flamenca

A guitarra adquire importância no Flamenco apenas a partir da segunda


metade do século XIX. Mas, suas origens remontam a um passado muito mais
distante. Alguns estudiosos, tais como Johannes de Grocheo33 e Guillaume de
Machaut (1300-1377) ressaltaram que por volta do final do primeiro milênio, já
existiam na península ibérica dois tipos de guitarra: a mourisca (punteada), e a
castelhana ou andaluza (rasgueada).
Sobre isto escreve Molina:

“Cuando los gitanos entraran en España (siglo XV), Castilla les ofreció dos guitarras, la
„castellana‟ que era tocada en arpegios rápidos para el acompañamiento de las danzas
locales y la guitarra „morisca‟ importada por los árabes que usaban la misma técnica del
punteado característico de los tañadores de laúd. Por lo que a la guitarra morisca se le llamó
34
„punteada‟ y a la castellana „rasgueada‟‟ .

Foi assim que na guitarra flamenca se fundiram elementos diversos. O


elemento central da guitarra flamenca é o rasgueado, ou rasgueo, resultante da
ação rápida e enérgica das unhas da mão direita sobre as cordas (segundo os
especialistas existem no mínimo trinta tipos diferentes de rasgueo).
A seguir temos alguns exemplos de rasgueados.

32
Do grego Kátharsis, etimologicamente significa purgação, purificação, limpeza, significa igualmente o efeito
moral e purificador da tragédia clássica, conceituado por Aristóteles, cujas situações dramáticas, de extrema
intensidade e violência, trazem à tona os sentimentos de terror e piedade dos espectadores, proporcionando-lhes
o alívio, ou purgação desses sentimentos.
33
GROCHEO, Johannes, Apud: GLOEDEN, Edelton. O Ressurgimento do Violão no Século XX. São Paulo,
1996. Dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo, p.1.
34
MOLINA Y MAIRENA, Op.cit., p.142.
14

Usaremos os seguintes sinais para denominar os dedos da mão direta:


e- dedo mínimo.
a- dedo anular.
m- dedo médio.
i- indicador.
p- polegar
No quadro abaixo encontramos uma das várias maneiras de se executar o
rasgueo. Tendo os golpes realizados pelos dedos mínimo, anular, médio e indicador
a direção de baixo para cima, isto é, da sexta corda à primeira, e novamente o
indicador para cima.

e ami i

Uma das possíveis maneiras de utilizá-lo é através da quintina, isto é, cinco


notas dentro de um tempo.

Podemos inverter a ordem dos dedos:

i ea m i
15

Todo este esquema pode ser realizado com quatro, três ou dois golpes.

ami i m i i i i

A inversão da ordem dos dedos vale para a maioria dos rasgueados.

i m i i i
i a m i

Outra possibilidade é através da utilização do polegar. Este rasgueo é sem


dúvida um dos mais difíceis, pois para conseguir um bom resultado sonoro e
regularidade rítmica são necessárias muitas horas de estudo.

p m p

Este rasgueo funciona muito bem quando realizado em sextinas.

No exemplo acima temos a sextina sendo realizada, cada grupo de três notas
conta como um ciclo do rasgueo, p m p.
16

Foto retirada do método de guitarra flamenca de Juan Martín35.

35
MARTÍN, J. El arte flamenco de la guitarra. London: United Music Publishers, 1978. p.13.
17

Ponto de apoio harmônico-ritmico essencial são também os motivos


característicos que distinguem cada uma das formas ou toques. Estes motivos
característicos são formados por uma série de aspectos musicais. Tais como o
rasgueado, o ritmo e a cadência, estes aspectos caracterizam e determinam as
diversas formas flamencas, tais como as seguiriyas, soleares, etc. Além disso, a
utilização regular no rasgueo de sucessões descendentes de notas, da assim
chamada cadência andaluza, como lá, sol, fá, mi, ou ré, dó, sib, lá, comuns no modo
frígio, produz efeitos de instabilidade e expectativa. E fornece a base estrutural do
desenvolvimento das formas musicais flamencas. Alternado-se ao punteado cheio
de melismas, o rasgueo dá lugar a uma série de dissonâncias que reforçam o já
notável clima de inquietude e expectativa. Tais dissonâncias muitas vezes são
características a determinadas formas flamencas36. Como exemplo podemos citar a
cadência básica da soleá ou soleares, onde o acorde de fá maior, anterior ao acorde
de mi maior causa certa instabilidade por estar acrescido das notas ré# e mi.

Aos melismas acrescentam-se variações improvisadas, as falsetas ou


interlúdios, que são efetivamente idéias melódicas desenvolvidas pelo guitarrista. A
falseta nasce no momento solitário do intérprete, quando o foco principal passa do
cantaor ao guitarrista, o qual dá vazão a todas as suas inquietudes através do
instrumento.
A partir daí percebemos a real importância da liberdade, da improvisação nesta
arte. Para completar, os golpes sobre a caixa de ressonância da guitarra, reforçam o
forte sentido rítmico que caracteriza o Flamenco.

36
Vide capítulo 2.2 A CADÊNCIA ANDALUZA, p. 25.
18

1.2 EL FLAMENCO COMO EXPRESSÃO DA CULTURA POPULAR ESPANHOLA

1.2.1 Os cafés cantantes como espaço de sociabilidade

Com a proliferação dos cafés cantantes a partir da segunda metade do século


XIX, o Flamenco saiu do restrito círculo familiar gitano-andaluz para atingir um
público mais amplo. A influência dos cafés sobre o Flamenco foi dupla, além de
determinar o prestígio do gênero, propiciou a fusão definitiva das duas tradições: a
andaluza e a cigana.
As formas típicas do cante cigano (siguiriyas, soleares, martinetes etc), e as do
cante andaluz (malagueñas, granaínas, tarantas etc), convergiram a partir do advento
dos cafés cantantes para o que conhecemos atualmente como Cante Flamenco.
Dessa forma, o Cante Flamenco fundiu estas duas tendências anteriores: o estilo
direto do cante cigano e a graciosidade e o virtuosismo do andaluz. Foi exatamente
nesse período que se desenvolveram maneiras distintas de se cantar cantes como a
siguiriya e a soleá, enquanto que outros como os tangos e bulerías se desenvolviam:

“La mayoría de los cantes hoy conocidos aparecieron en este período, (...) Imperan las
seguiriyas con más variedades y matices que nunca: la soleá, que, originariamente bailable,
tornóse cante para escuchar; (...) nacen las bulerías y adquieren fisonomía propia los tangos,
37
de los que deriva un cante majestuoso y profundo: los tientos” .

Um dos primeiros cafés cantantes foi o do sevilhano Silvério Franconetti


(1825-1893), situado em Sevilha. Silvério além de proprietário era também um
excelente cantaor. A moda se difundiu rapidamente, favorecendo o aparecimento
dos primeiros profissionais e a evolução do próprio Flamenco.

37
MOLINA Y MAIRENA, Op.cit., p.55.
19

Silverio Franconetti (século XIX).


Apesar do cante continuar a ser o protagonista principal, a guitarra também
começou a gozar de grande prestígio e popularidade. Em cada café havia dois
guitarristas fixos que tinham que aprender a executar diversos gêneros musicais,
desenvolvendo, portanto uma nova técnica. Nascia assim a guitarra flamenca.
O cantaor era o personagem central, mas, com o passar dos anos, os
guitarristas Flamencos começaram a adquirir prestígio. Um dos primeiros a alcançar
o êxito foi Ramón Montoya (1880-1949), um notável virtuose da guitarra flamenca. A
ele se deve o nascimento da técnica moderna do instrumento.
Por volta de 1910, os cafés cantantes entraram em um período de declínio, e o
Flamenco gradativamente foi perdendo o ambiente que havia se desenvolvido. Por conta
disso, o Flamenco passou a relacionar-se com outras formas de expressão artísticas que
até então não havia tido oportunidade de se relacionar, como a ópera e o balé.
A partir desse momento, o Flamenco passou a trilhar caminhos diferentes,
várias vezes criticado como degenerações e corrupções de sua verdadeira essência.
Entre estes desvios está o teatro. Foi neste contexto que surgiu um dos maiores
cantaores do início do século XX, Antonio Chacón, o qual deu grande impulso a
chamada Ópera Flamenca:
20

“Simple y escueto recital, espectáculo „sui generis‟ independiente, en simbiosis con el baile
flamenco puro, subordinado al Ballet Español, parasitario de la canción moderna y del cuplé
38
andaluz‟‟ .

Neste momento o Flamenco era refém de toda frivolidade, e mercantilismos,


encontrados nestes teatros, fundindo-se sem muitos critérios a outras manifestações
artísticas. O desprestígio do cante Flamenco junto aos intelectuais foi inevitável, a
este respeito escreve Antonio Mairena:

“Como todo pasa, también pasó la época de los cafés cantantes, y entonces se extendió un
inmenso manto negro por encima del cante gitano-andaluz, condenándose su recuerdo con las
frases más duras por muchos intelectuais de aquella época, ignorantes, por supuesto, del cante
39
gitano‟‟ .

1.2.2 O Concurso Nacional de Cante Jondo40

No ano de 1922, em Granada, alguns intelectuais, artistas e grandes músicos,


entre eles Manuel de Falla e Federico Garcia Lorca, se reuniram com o intuito de
resgatar e promover o cante jondo. O Primeiro Concurso de Cante Jondo foi
celebrado nos dias 13 e 14 de junho, e reuniu os principais cantaores da época.
A banca de jurados era composta por vários artistas e intelectuais, mas quem
a presidia era Don Antonio Chacón “la campana gorda‟‟, como era chamado. Junto a
ele estavam as duas maiores figuras do cante cigano-andaluz: Manuel Torre e
Pastora Pavón (Niña de los Peines), sobre isto escreve Mairena:

“Le acompañaban los dos grandes del cante gitano-andaluz de entonces, (....) pero solamente
como figuras decorativas, porque para los intereses creados de entonces no eran más que
dos momias que no debían resucitar. Ninguno de los dos tenía allí voz ni voto, y ambos
41
seguían con el complejo de inferioridad de todos los gitanos‟‟ .

O prêmio de honra, correspondente as siguiriyas, ficou sem um vencedor. O


prêmio de soleares, serranas, pólos e cañas foram conjuntamente para Diego

38
MOLINA Y MAIRENA, Op.cit., p.61.
39
CRUZ GARCIA, Antonio; GARCIA ULECIA, Alberto. Las confesiones de Antonio Mairena. Sevilla:
Secretariado de Publicaciones de la Universidad de Sevilla, 1976. p29.
40
Variação de “hondo‟‟ profundo, fundo, equivale a cante flamenco.
41
CRUZ GARCIA Y GARCIA ULECIA, Op.cit.,p.31.
21

Bermúdez Cala, chamado el Tenazas; e Manolo Caracol, que então era apenas uma
criança. Manolo Caracol se transformaria mais tarde em um dos melhores cantaores de
sua época
Dessa forma, o concurso granadino de 1922 cumpriu sua principal missão:
reabilitar o cante Flamenco entre artistas e intelectuais da época, embora para muitos
não tenha sido mais que uma festa para intelectuais leigos:
“...la prueba está en que tanto en los días del concurso, como ahora, no es de los cantaores de
42
quien se habló, sino de las relevantes personalidades españolas y extranjeras que acudieron‟‟ .

Festa flamenca a princípios do século XX. Don Antonio Chacón (x a esquerda)43.

42
MOLINA Y MAIRENA, Op.cit., p.68.
43
MOLINA Y MAIRENA, Op.cit., p.145.
22

2 ELEMENTOS DA HARMONIA FLAMENCA

Existe uma grande dificuldade dos estudiosos do Flamenco em geral, em


decifrar as particularidades dos elementos musicais desta arte. Sobretudo do ritmo e
do cante Flamenco, lembrando Molina:

“Yerran la inmensa mayoría de los diccionarios de la Música y tratados sobre el cante al tratar
el complejísimo tema del ritmo. (El capítulo del ritmo, tanto el métrico como el musical y
coreográfico, es todavía un misterio por descifrar. Su universo virgen no ha encontrado aún
1
explorador)” .

Levando em conta estas dificuldades, falaremos aqui dos principais elementos


musicais, entre eles as escalas e modos, cadências e ritmo.

2.1 A ESCALA

As principais escalas utilizadas no Flamenco, são as escalas do modo jônico


e frígio. Molina acerca disso escreve:

“Modos jónico y frigio (dramático y cromático), inspiradores del canto litúrgico bizantino o
griego, mantenido en Córdoba hasta el siglo XIII por la Iglesia Mozárabe y cuyo influjo en el
2
cante flamenco ha sido subrayado por Manuel de Falla” .

Exemplo de escalas:

Modo jônico

1
MOLINA Y MAIRENA. Mundo y formas del cante flamenco. Granada-Sevilla: Librería Al-Andaluz, 1979., p.80.
2
MOLINA Y MAIRENA, Ibid., p.28.
23

Modo frígio

Alguns Palos Flamencos, isto é, formas musicais com ritmos e harmonias


característicos, são construídas a partir das escalas exemplificadas acima: jônica e
frígia.
Faz-se necessário neste momento uma pequena explicação no tocante às
diferenciações entre modo jônico e escala maior. A princípio “modo” significa escala,
ou a seleção de notas utilizadas como base para uma composição.
O termo jônico – que pertence aos modos litúrgicos ou eclesiásticos –
especifica o âmbito em que esta escala será desenvolvida, isto é, dó a dó’. Esta
escala modal jônica é a base para a nossa escala maior.
As principais diferenciações entre modo jônico e escala maior, estão no que
se refere à maneira de utilização das mesmas. A escala maior, por exemplo, respeita
uma série de leis que regem o universo tonal.
Tais como: “todos os acordes da estrutura harmônica relacionam-se com uma
das 3 funções principais, Tônica, Subdominante e Dominante” ou, “todos os acordes
da estrutura harmônica podem ser confirmados ou valorizados por uma Dominante
ou Subdominante”3. Tais regras podem ser adaptadas a uma escala modal, mas
seria então uma música tonal se valendo de escalas modais, e não uma música
modal propriamente dita.
Com isso podemos constatar que a escala jônica proposta por Ricardo Molina
é efetivamente a escala maior, como visualizamos no exemplo a seguir:
Trecho extraído do Palo Flamenco de Sevillanas4

3
KOELLREUTTER, H.J. Apud: ZAMPRONHA, Maria de Lourdes Sekeff. ibid. p.32.
4
Todos os trechos musicais aqui citados são tradicionais e populares da música flamenca.
24

O trecho musical analisado é desenvolvido a partir da escala de lá maior. Esta


tonalidade está bem caracterizada pelas suas respectivas Subdominante e
Dominante, os acordes de ré maior e mi maior com sétima menor.
Neste próximo exemplo percebemos a mesma escala maior, agora na
tonalidade de mi maior.
Trecho extraído do Palo Flamenco de Alegrías.

No entanto, é importante lembrar que partindo da classificação dos cantes


Flamencos de Ricardo Molina, os cantes sem acompanhamento, e os básicos ou
fundamentais, são quase em sua totalidade baseados no modo frígio. Por exemplo:
os cantes mais antigos como os martinetes e siguiriyas são desenvolvidos a partir da
escala do modo frígio.
No próximo exemplo temos uma entrada ou ayeo por Siguiriya. Este ayeo é
executado pelo cantaor, servindo de introdução a copla flamenca. Neste exemplo
25

notamos a escala de lá frígio com 3ª maior5, bem como a cadência frígia formada
pelos acordes de dó maior, si bemol maior e lá maior.

2.2 A CADÊNCIA ANDALUZA

Uma das principais características da música flamenca é a chamada “cadenza


andaluza’’, que é baseada no modo frígio6. Com uma particularidade de que o

5
As explicações acerca da copla flamenca, e a escala frígia com 3ª maior serão dadas mais à frente.
26

primeiro grau possui uma 3ª elevada (terça maior) ascendente, formando assim no
primeiro grau da escala um acorde perfeito maior.
Se analisarmos o primeiro tetracorde7 do modo harmonizado, isto é, com o
primeiro grau da escala formando um acorde perfeito maior. E este tetracorde estiver
em um processo cadencial, habitualmente descendente, teremos a assim chamada
cadenza andaluza:

iv III II I

Existe no Flamenco uma série de cantes, “PALOS‟‟, que são exclusivamente


modais, como o martinete, tonás, tarantas. Outros que combinam modalismo e
tonalismo, encontrados em alguns tipos de siguiriyas e soleares. Enquanto que
outros são exclusivamente tonais como as alegrÍas.
O modo Flamenco é caracterizado pelo acorde perfeito maior encontrado
sobre o primeiro grau da escala do modo frígio.

Mi frígio

i II III iv v(b5) VI vii

6
O terceiro dos oito modos eclesiásticos, o modo autêntico em mi. Modo frígio costuma ser usado como uma
expressão abrangente para composições polifônicas do Renascimento e do Barroco cuja sonoridade final é uma
tríade em mi maior, estabelecida por uma cadência frigia, e dentro do âmbito frígio ou hipofrígio. In: SADIE,
Stanley. Dicionário grove de música. Jorge Zahar Ed.,1994. p.345.
7
Uma série de quatro notas, contidas nos limites de uma 4ª justa. Na teoria grega antiga servia como base para a
construção melódica, semelhante à função do hexacorde na música modal e as escalas maiores e menores na
música tonal. In: SADIE, Stanley. Op.cit., p.942.
27

Mi Flamenco

I II III iv v(b5) VI vii

Denominamos então cadência andaluza como uma sucessão de quatro ou


três acordes, que constituem um processo cadencial conclusivo, que finaliza no
primeiro grau da escala. Isto é, iv-III-II-I, com suas correspondentes variações, ou
com acordes substitutos. Por exemplo: II-III-II-I.
Segundo Lola Fernández em seu El Flamenco en las aulas de música8:

“De los grados que compongan la cadencia y de las variantes de acordes que se utilicen
dependerá que estemos hablando de un cante o de otro por lo que hablaré de cadencia de
seguiriyas, cadencia de tangos, etc... para referirme a la sucesión típica de acordes-asociada
a un ritmo propio de un cante determinado‟‟.

Este trecho explicita que as cadências juntamente com a organização rítmica,


são os fatores que caracterizam uma determinada forma musical flamenca.

Cadência do Palo Flamenco de tarantas

iv III II I

Neste processo cadencial encontramos os acordes Si menor (iv), Lá maior


(III), Sol maior (II) e Fá# maior (I), exatamente a mesma cadência, apenas
transportada para Fá# frígio com 3ª maior, ou Fá# Flamenco. Esta mesma cadência
soaria na guitarra desta maneira:

8
FERNÁNDEZ, Lola. El Flamenco em las aulas de música: de la transmisión oral a la sistematización de
su estudio. Disponível em:< http://www.flamenconews.com>. Acesso em: 20 jul. 2003. p.5.
28

iv III II I (11)

É normal o uso de certas notas de tensão nestas cadências flamencas, e


estas notas muitas vezes são fatores característicos de cada forma musical
flamenca, por exemplo: A nota de tensão encontrada no primeiro grau da escala no
modelo acima, 11ª justa, é fator característico de todas as tarantas e tarantos.
É bom ressaltar que tais notas de tensão utilizadas em acordes pertencentes
ao modo Flamenco, não possuem necessariamente função harmônica. Estas notas
muitas vezes são inseridas a fim de proporcionar brilho e instabilidade ao acorde.
Embora grande parte dos guitarristas Flamencos toque de ouvido, devemos
mencionar que graças ao avanço técnico musical dos mesmos, podemos encontrar
hoje uma série de materiais musicais pertencentes a outras artes. Como o jazz,
blues, música latina, entre outras que são rapidamente assimiladas ao Flamenco.
Acordes carregados de notas de tensão e escalas transformadas são
rapidamente assimilados ao Flamenco.
Segue abaixo a mesma cadência modificada:

9 )
Iv( 11 III7 II6 I(b9)

Muitas vezes o II e I graus formam por si mesmos uma cadência dentro do


modo, com uma relação funcional V-I, existindo cantes que são construídos quase
que exclusivamente em torno destes graus.
29

Cadência do Palo de siguiriyas

I II I

Trecho extraído do Palo de Siguiriya9

I II I

Um recurso muito utilizado para enriquecer a cadência flamenca é a utilização


das Dominantes secundárias.

Cadência do Palo de tangos com Dominantes secundárias

Neste exemplo do Palo de Tangos Flamencos encontramos uma série de


dominantes secundárias, G7-C7-F7- resolvendo em Bb, sendo os acordes diatônicos
do modo Flamenco de lá os seguintes: A-Bb-C-Dm-Em(b5)-F-Gm.
Notamos neste processo cadencial que mesmo sendo utilizados os recursos
das dominantes secundárias – elemento caracteristicamente tonal – a regularidade

9
Todos os exemplos vocais citados neste trabalho foram escritos sem ornamentação.
30

rítmico-harmônica persiste. Isto é, os acordes da cadência flamenca –


caracteristicamente modal – mantêm suas funções.

2.3 BIMODALIDADE SUCESSIVA NO FLAMENCO

A bimodalidade no Flamenco aparece através da relação tonal-modal ou


modal-tonal, isto é, tonalidade maior ou menor e modo Flamenco. Esta bimodalidade
corresponderia melhor a idéia de modulação. Sobre isto escreve Lola Fernández:

“No es una bimodalidad que presente modos superpuestos dentro del mismo cante sino
sucesivos. Esta relación se da de las siguientes maneras: 1)En los cantes en modo
Flamenco: mediante inflexiones-traslados eventuales del centro tonal a ciertos grados del
10
modo. Éstas pueden ser: al VI, al IV o al III‟‟ .

As inflexões de centro tonal – ou modulações – mais comuns segundo Lola


Fernández, são as realizadas uma terça diatônica descendente, ou seja, ao VI grau.
Isto possibilita uma nova versão da cadência flamenca, onde o VI substitui o I grau:

VI III II7M(#11) I

Este VI grau tem em alguns cantes um papel formal significativo (fandangos,


cantes de levante, etc.), pois é sobre este mesmo VI grau que é construído as
estrofes vocais, conhecidas como “coplas”.
No exemplo a seguir, vemos bem caracterizado nos primeiros quatro compassos
o ritmo do fandango de huelva, que tem como centro tonal o acorde de mi maior. Sendo
este o primeiro grau do modo mi Flamenco “mi frígio com 3ª maior”. Mas, no exato
momento em que começa a copla flamenca, isto é, a estrofe que será cantada, o centro
tonal é transportado para o acorde de dó maior, através de sua subdominante fá maior.
Caracterizando assim a tonalidade maior, e não mais a modalidade flamenca.
10
FERNANDÉZ, Op.cit., p.13 .
31

A partir do compasso 25 novamente a cadência flamenca é lembrada, neste


caso o acorde de lá menor encontrado no compasso 25 foi substituído por uma
escala de puro teor ornamental; a qual terá seu fim no acorde de mi maior, voltando
assim ao modo Flamenco.
Palo de Fandangos de Huelva11

2.4 OS TONS FLAMENCOS

Dentro do modo Flamenco encontramos dois tons:


 Modo de Mi Flamenco: Chamado “por arriba’’, neste tom se desenvolvem
as malagueñas, soleares, fandangos, bulerías, etc”.
 Modo de Lá Flamenco: Chamado „‘por medio’’, neste tom se desenvolve os
tangos, siguiriyas, soleares, fandangos, bulerías, tientos, etc.
Estes tons “por arriba’’ e “por medio’’ são aplicados diretamente à guitarra

11
Para saber mais sobre o Palo de Fandangos de Huelva vide O COMPASSO TERNÁRIO.
32

flamenca. Além destes, utilizam o modo de fá# Flamenco para os cantes mineros e o
modo de si Flamenco para as granaínas e media granaína.
Todos estes tons Flamencos podem ser transportados para qualquer outro
tom mediante o uso da “cejilla’‟, sobre isto escreve Ricardo Molina:

“la „cejilla‟, aditamento movible y fijable donde convenga, para darle a cada cantaor su tono, es de
uso muy reciente (última mitad del siglo xix). Antes de su empleo, la guitarra sólo daba dos tonos
12
al cantaor: mi y la, „por arriba‟‟ y „‟por medio‟‟, en lenguaje flamenco‟‟ .

Hoje com o desenvolvimento técnico-musical dos guitarristas, é comum


principalmente quando uma música flamenca é tocada por dois guitarristas, a
utilização da cejilla por um deles. E o outro guitarrista simplesmente modifica os
acordes a fim de tocar no mesmo “tom”.

No exemplo que temos abaixo, retirado do CD “Mistérios del Flamenco” da


bailarina flamenca La Morita13. A primeira guitarra toca no modo de si Flamenco, e a
segunda no modo de lá Flamenco, estando a segunda guitarra com a cejilla no
segundo espaço da guitarra flamenca, transportando assim o modo de lá para si.

12
MOLINA Y MAIRENA, Op. cit., p.142.
13
MORITA, La; ZANIN, Fabiano. Misterios del Flamenco; Estudio Pró Clínica, 2002. 1 CD: digital, estéreo.
3594-6.
33

2.5 A RELAÇÃO DA MELODIA COM A HARMONIA NO FLAMENCO

A melodia flamenca transita entre a linguajem modal, e tonal, dependendo do


estilo musical, Palo em questão. Existem características melódicas comuns a todos
os cantes, e outras que dependem do tipo de cante.

2.5.1 Características básicas

Uma das características comuns na melodia flamenca é a utilização do


microtonalismo. Em seu livro El Arte de la escritura musical flamenca, Antonio e
David Hurtado Torres explicam:
“El empleo del microtonalismo en el Flamenco tiene lugar en el marco de un vibrato muy
14
pronunciado (microtonales o no) que forman la melodia en si (...) a divisão da oitava em
15
microtons é própria da música étnica, sobretudo da música oriental, a escala hindu possui
17 microtons e a árabe 22, esta divisão se utiliza de uma forma sistematizada, como en nosso
16
sistema temperado” .

No entanto no Flamenco não existe uma padronização no emprego do


intervalo microtonal. Este depende do estilo e das características da voz do cantaor.
Existe também uma série numerosa de apogiaturas das notas principais,
particularmente as que estão na distância de uma segunda menor ou quarta
aumentada em relação à nota principal17.

Neste remate de cante percebemos as apogiaturas de quarta aumentada, lá#


e mi, seguido de um ré# – bordadura inferior – e a finalização na nota mi.

14
HURTADO TORRES, ANTONIO Y DAVID. El Arte de la escritura musical flamenca. Sevilla: X Bienal de
Arte Flamenco. P.32.
15
Intervalos menores que o semi-tom.
16
HURTADO TORRES, ANTONIO Y DAVID, Apud: FERNANDÉZ, Op.cit., p.16.
17
HURTADO TORRES, Op.cit., 1998. p.33.
34

No exemplo a seguir encontramos no compasso 3 uma apogiatura, e no final


de cada verso um melisma cadencial.
Trecho extraído de um cante a Palo Seco 18.

2.5.2 Características dependentes do cante

Os cantes mais antigos, sobretudo os sem acompanhamento, como os


martinetes, tonás, carceleras, saetas, etc, formam suas melodias baseadas no modo de
mi Flamenco. Com todas suas características modais, como o desenvolvimento
melódico por notas sucessivas, âmbito intervalar que não ultrapassa uma sexta, nota
sub-tônica antes da nota tônica para cadenciamento plagal, etc19.
Quando o cante possui acompanhamento e está no modo Flamenco, a
melodia se apóia nos acordes próprios do modo. Peculiar é que em algumas vezes
no I grau do modo, a voz e o acompanhamento se chocam porque enquanto este
último realiza um acorde maior (I grau do modo Flamenco), a melodia se apóia sobre
um acorde menor (I do modo frígio).20

18
Palo Seco é o mesmo que A Capella, isto é, melodia sem acompanhamento musical.
19
FERNANDÉZ, Op.cit., p.17.
20
Idem.
35

No exemplo musical abaixo, compasso nove, podemos constatar o choque de


segunda menor causado pelo sol sustenido sustentado pela guitarra flamenca.
Enquanto que o cante realiza em tercinas as notas sol natural, fá e mi.

Trecho extraído do Palo de Serranas

No tocante aos cantes tonais com acompanhamento, tanto maior como menor,
a melodia se apóia igualmente sobre os acordes próprios da tonalidade. Ocorre
também que em algumas ocasiões acontecem desencontros entre voz e harmonia,
em que a melodia toma direções modais. Isto nos relembra que a adaptação da
guitarra flamenca a certos cantes foi muito posterior a existência dos mesmos.
36

Abaixo encontramos um exemplo de cante tonal, onde tanto o


acompanhamento, como a melodia é baseada no modo jônico, isto é, escala maior.

Trecho extraído do Palo de Alegrías

2.6 ELEMENTOS CARACTERÍSTICOS DE UM CANTE

A cadência típica de cada Palo, associada a um compás, isto é, um ritmo bem


definido, e acompanhamentos harmônicos bem característicos, são os elementos que
nos indicam rapidamente de que Palo ou pelo menos a que família este ritmo pertence.
Podem ocorrer variações em alguns acordes, e em seus respectivos
acompanhamentos sem que isto impeça a identificação do cante em si.

Cadência de soleares ou soleá21

I VI II I

21
Ver item 3.1.2 A Soleares.
37

Cada cante em sua forma mais simples e tradicional (voz e guitarra),


apresenta elementos que se encadeiam com diferentes possibilidades de
combinação. Segundo Lola Fernandéz tais elementos são:

 Introdução: Realizada pela guitarra, normalmente em forma de rasgueos


sobre acordes que apresentam o tom, ou modo.
 Cadências típicas: Definidas anteriormente.
 Falseta: Interlúdios instrumentais que se alternam com as estrofes vocais.
Nestas os guitarristas possuem uma certa liberdade para trocar a
linguagem harmônica (de modal para tonal ou tonal para modal).
 Entonação: O cantaor produz uma série de „’ayeos’’ que tem como
finalidade assegurar o tom do cante em questão.
 Estrofe: Parte vocal – copla – cujas características como o número de
versos (conhecido como tercios no Flamenco), longitude dos mesmos,
rima, etc, se ajustam ao modelo poético de cada cante.

Esta organização formal22 é comum a todos os cantes que possuem um


acompanhamento ao violão (guitarra flamenca). No livro Teoría y Práctica del Baile
Flamenco de Teresa Martinez de la Peña23, encontramos a mesma organização
formal, mas agora destinada à dança. Tanto a guitarra quanto o cante trabalham
com o intuito de realçar o desempenho do bailaor ou bailaora.
O exemplo a seguir retirado do capítulo 3.1.2 A Soleares nos demonstra os
elementos característicos explicados acima.

22
Para entender melhor vide capítulo 3 O RITMO FLAMENCO, e capítulo 4 GUIA DE AUDIÇÃO.
23
MARTINEZ DE LA PEÑA, Teresa. Teoría y práctica del baile flamenco. Madrid: Aguillar, 1969. p.58.
38
39

3 O RITMO FLAMENCO

Cada Palo Flamenco é formado por uma cadência, e por um compás, isto é,
um ritmo bem definido que o caracteriza e dá nome.
Segundo Lola Fernández existe quatro tipos de compás Flamenco:

“En el flamenco se dan cuatro tipos de compases: binario, ternario, compás de doce o
alterno y compás interno o aparentemente libre, siendo también característica de algunos
1
cantes la polirritmia o superposición de hasta tres compases diferentes” .

Já Nan Mercader em seu La percusión en el Flamenco2, cita a classificação


formulada por Faustino Núñez, onde encontramos cinco tipos de compás Flamenco,
a única diferenciação entre as duas classificações, é a de que Faustino Núñez inclui
os Palos Polirritmicos em um grupo separado dos demais3.

3.1 O COMPASSO DE DOZE TEMPOS

Diferentemente de nosso ritmo musical multiplicativo, isto é, padrões rítmicos


com origem na multiplicação ou divisão (normalmente por dois ou três), alguns
ritmos Flamencos se apresentam de uma forma aditiva.
Segundo Ann Livermore4 encontramos ritmos irregulares – principalmente os
que alternam o compasso 3/4 com o 6/8 – por toda a península Ibérica. Este tipo de
alternância é comum ao Flamenco, tendo inclusive um ritmo Flamenco chamado
Petenera que se constrói desta maneira.
Este compasso de doze tempos se apresenta através de várias alternâncias
rítmicas, tais como: 2+2+3+3+2 ou 3+3+2+2+2. Tais alternâncias nos dizem a que
grupo este Palo pertence, por exemplo: A primeira alternância citada corresponde ao
grupo do Palo de Seguiriya, a segunda ao grupo do Palo de Soleá, ou Soleares.

1
FERNANDÉZ, Lola. El Flamenco en las aulas de música: de la transmisión oral a la sistematización de su
estudio. Disponível em:< http://www.flamenconews.com>. Acesso em: 20 jul. 2003. p.5.
2
MERCADER, Nan. La percusión en el flamenco. Madrid: Nueva Carisch España, 2001. p14.
3
Veja a Classificação dos Palos por compás em anexo.
4
LIVERMORE, ANN. Historia de la Musica Española. Barcelona: Barral Editores, 1973. p 252.
40

Cada grupo rítmico nos apresenta uma série de possíveis Palos.


Encontramos no grupo de Seguiriya, por exemplo, os Palos de Seguiriya e Bulerías.
Os Palos acima citados possuem o mesmo compás de doze tempos – sendo este
compasso de doze dividido de maneira diferente em cada caso – e utilizam o mesmo
modo musical. Mas são completamente diferentes no tocante ao caráter e
inspiração, tempo e divisão interna.
Neste capítulo nos ateremos apenas aos problemas de ordem rítmico-
musical, isto é, de como a cadência flamenca é inserida dentro do compás
Flamenco.
Antes de entrarmos efetivamente na análise dos Palos de Seguiriya e
Soleares, tentaremos exemplificar como se realiza este compasso de doze tempos,
ou doze pulsos. De uma maneira abstrata utilizaremos a colcheia como unidade de
tempo. Neste momento não falaremos de escala, modo ou cadência 5, nos ateremos
somente à divisão destes doze tempos.
Aqui temos nosso compasso de doze tempos:

Na Soleares, ou Soleá, esta articulação é desenvolvida da seguinte maneira;


3+3+2+2+2 como podemos visualizar abaixo.

Esta maneira de se articular a Soleá se deve a marcação dos tempos fortes


característicos da própria Soleá, estes tempos fortes tradicionalmente são os pulsos
encontrados sobre a 1ª, 4ª, 7ª, 9ª e 11ª colcheias.

5
Para maiores esclarecimentos vide capítulos 3.1.1 A Seguiriya e 3.1.2 A Soleares.
41

Fato curioso se deve ao ritmo inicial da Soleá que é anacrúsico.

Abaixo temos algumas das possibilidades de articulação da Soleá

Na Seguiriya a articulação se realiza da seguinte maneira:

Percebemos a articulação 2+2+3+3+2 sendo os tempos fortes a 1ª, 3ª, 5ª, 8ª


e 11ª colcheias. Em uma primeira análise notamos os doze pulsos sendo articulados
de uma maneira totalmente distinta da Soleá.
42

Existem duas maneiras de se contar a Seguiriya:

A descrição encontrada acima da colcheia é a mais utilizada pelos artistas


Flamencos, sendo a segunda mais utilizada pelos teóricos6. Mesmo sendo esta
contagem um tanto estranha a primeira vista, não podemos deixar de notar os doze
tempos; poderíamos simplesmente contá-la assim:

ou

É importante ressaltar esta maneira flamenca de se contar a Seguiriya, pois


nesta maneira nos chama a atenção à subdivisão do compasso, 1e 2e 3ee 4ee 5e, o
que não acontece na Soleá. Não podemos esquecer que estas subdivisões são
pulsos pertencentes ao compasso de doze tempos.
Se partirmos do compasso da Soleares, isto é, 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12,
podemos de uma maneira artificial adaptar o compasso da Seguiriya ao compasso
da Soleares. Se começarmos a contar o compasso de doze tempos da Soleá a partir
do tempo oito e seguirmos até o tempo sete, teremos a mesma divisão encontrada
na Seguiriya.

6
Para saber mais vide capítulo 3.1.1 A SEGUIRIYA.
43

No próximo quadro temos os dois Palos Flamencos – Soleá e Seguiriya –


sobrepostos.

Este quadro mostra a identidade de agrupamentos dos dois ritmos, que se


diferenciam apenas no deslocamento relativo dos acentos métricos.
Tendo estes doze tempos – aqui sendo a colcheia utilizada como unidade de
tempo – nos deparamos com uma dificuldade encontrada muitas vezes pelos
teóricos: Como escrever uma partitura sendo fiel as diferentes articulações
encontradas nestes ritmos Flamencos?
Dentre as várias possibilidades poderíamos escrever a Seguiriya utilizando
um compasso 7/8 seguido de um 5/8. Ou a mais utilizada que é a de um compasso
ternário simples seguido de um compasso binário composto, sendo o ritmo inicial
anacrúsico:

Já para escrever a Soleares poderíamos simplesmente utilizar um compasso


de doze tempos – 12/8 –, ou um compasso 6/8 seguido de um 3/4, ou ainda quatro
compassos 3/4, sendo esta última a mais empregada.
44

Deve-se aqui registrar que sendo o Soleares escrita em 3/4 a nossa unidade
de tempo passa a ser a semínima, e não mais a colcheia como demonstrado nos
exemplos acima.

3.1.1 A Seguiriya

O compás de Seguiriya se apresenta pela contagem dos Flamencos da


seguinte maneira:

1 2 1 2 1 2 3 1 2 3 1 2 ://
um dois três quatro cinco

Percebemos a alternância 2+2+3+3+2, esta divisão dos doze tempos quase


sempre é escrita utilizando-se um compasso ternário simples, seguido de um binário
composto, isto é, um 3/4 e um 6/87.

7
REGUERA, ROGELIO. La guitarra en el flamenco. Madrid: Nueva Carisch España, 1983. p22.
45

Para melhor entendermos este ritmo cíclico, abaixo segue um exemplo de


como seria esta divisão do pulso escrita de outra maneira.

No próximo exemplo vemos como a cadência flamenca se molda ao ritmo da


Seguiriya.

Tal proporção rítmica de 2 para 3 é conhecida no meio teórico pelo nome de


Hemíola.
A acentuação destas colcheias passaria de uma divisão ternária, a uma
divisão binária. Um primeiro grupo dividido em três tempos, contendo duas colcheias
cada tempo; e um segundo dividido em dois tempos, contendo três colcheias cada
tempo.
A seguir temos um trecho de Hemíola retirada da música Canários8 de
Gaspar Sanz.

8
PINTO, Henrique. Curso Progressivo de Violão. São Paulo: Ricordi Brasileira,1982. p64.
46

A maneira flamenca de se contar, em alguns destes ciclos de 12 pulsos, é


peculiar e não corresponde à maneira Ocidental convencional acadêmica. Na
Seguiriya e nos cantes de sua família, pronunciamos os números de um a cinco, ou
de 1 a 3 repetindo novamente o 1 e 2.
Esta maneira de se contar utilizando-se novamente do 1 e 2, não é uma
repetição dos valores rítmicos dos dois primeiros tempos. Consiste simplesmente em
uma maneira usual de se contar o compás da Seguiriya.
Esta repetição do 1 e 2 é entendida como remate, ou cierre, ela nos leva a
uma nova idéia musical ou simplesmente arremata o trecho musical.

Uma boa maneira de exemplificar esta idéia de ciclo que o compás realiza, é
a utilização do “reloj flamenco”. Ele nos mostra o começo e o cierre do compasso.
Os números localizados fora do círculo, representam a maneira flamenca de
se contar, e os números de 1 a 12 localizados dentro do círculo, representam
efetivamente o compasso de doze tempos9.

9
FERNANDÉZ, Op.cit., p.8.
47

3
12
11 1

2
2
10

SEGUIRIYA
Serranas
9 3 4 cierre Livianas
Cavales
Martinetes
8 4
comienzo 1
7 5
6

5
Para uma melhor visualização do que o relógio Flamenco nos propõe, a
seguir temos um exemplo de como o ritmo do grupo do Palo de Seguiriya está
inserido dentro do compasso de doze tempos. Abaixo das notas musicais temos a
contagem do compasso de doze tempos, e acima a contagem do grupo do Palo de
Seguiriya.

O relógio Flamenco nos proporciona – aos praticantes iniciados – identificar


como é realizada a divisão do compasso em questão, neste caso o compasso de
doze tempos. Percebemos a seguinte alternância rítmica: 2+2+3+3+2, sendo os
pulsos fortes os números 8, 10, 12, 3, e 6. A maneira flamenca de se contar esta
divisão dos doze tempos, isto é, o ritmo do grupo do Palo de Seguiriya é a seguinte:
1 e 2 e 3 e e 4 e e 5 e, ou 1 e 2 e 3 e e 1 e e 2 e.
Como já dito anteriormente, o que caracteriza um Palo Flamenco é a junção
de uma cadência a um compás. A idéia de frase musical será formulada pela união
destes dois elementos.
48

No exemplo musical10 seguinte, podemos perceber a divisão da Seguiriya em


duas partes. A primeira parte consiste na entrada, isto é, a estipulação de um
compás vinculado a uma cadência, neste caso a cadência será percebida quando
ocorrer a separación, compasso 6. Tanto a entrada como o rasgueo final, podem
funcionar como remate, sobre isto escreve Rogelio Reguera:

“Como habrán podido observar, cada música tiene su Remate característico, siendo este el
de las Seguiriyas, que en general y después de cada falseta o rasgueo se finaliza en él.
También sirve como reposo, pudiendo repetirlo las veces que se desee, hasta que se
11
empiece con otra variante” .

A segunda parte é efetivamente a falseta, uma idéia melódica bem


caracterizada, com começo e fim. A falseta começa no compasso 7, e possui 4
compassos de pergunta, e 4 de resposta, finalizando no rasgueo final que é o nosso
remate. Aqui podemos perceber como a idéia melódica se desenvolve através de
uma melodia dividida em duas partes – antecedente e conseqüente –, isto é, um par
de enunciados musicais que se complementam em simetria rítmica e equilíbrio
harmônico.

10
Este trecho musical está gravado no CD em anexo, vide faixa 1.
11
REGUERA, ROGELIO. Op.cit., p.12.
49

No trecho musical acima a falseta começa no compasso 7 no segundo tempo,


sendo seu antecedente os compassos 7, 8, 9, 10 e o primeiro tempo do compasso
11. A resposta, ou conseqüente, começa no compasso 11 no segundo tempo e vai
até o compasso 15 no primeiro tempo.
Sobre isso escreve Rogelio Reguera:

“En esta clase de música, tanto en las falsetas como en el rasgueo deben ser grupos de
cuatro compases, o sea, pueden hacerse frases de cuatro, ocho, doce, etc. compases, lo
12
importante es que sean fracciones de cuatro compases” .

No trecho musical a seguir temos uma falseta com quatro compassos, sendo
seu antecedente os compassos 3 e 4, e seu conseqüente os compassos 5 e 6. Os
primeiros dois compassos representam a cadência flamenca da Seguiriya, e servem
como separação entre um compasso e outro.

12
REGUERA, ROGELIO. Op.cit., p.18.
50

Podemos transformar esta falseta de quatro compassos em uma de oito


compassos, bastando para isso aumentar o antecedente e o conseqüente de 2 para
4 compassos.

Esta proporção é respeitada tanto no âmbito instrumental como no vocal. No


vocal esta quadratura tem o nome de copla flamenca.
51

A copla é constituída por uma ou várias estrofes, de dois, três, quatro ou cinco
versos, chamados pelos Flamencos de “tercios”. Com freqüência, o cantaor alarga
ou repete os tercios, dependendo da construção de seu cante13.
No exemplo que se segue, encontramos uma copla flamenca de Seguiriya
formada por uma estrofe com quatro versos, ou tercios.

“Dices que duermes sola,


Mientes como hay Dios.
Porque de noche con el pensamiento,
Dormimos los dos”.

A seguir temos um exemplo de copla flamenca de Seguiriya, sendo a copla


cantada a seguinte:

“Cuando me muera,
un encargo te hago yo.
Que con las trenzas
de tu pelito negro,
Me aten a mí las manos”.

13
ESPADA, ROCÍO. Op.cit., p.276.
52
53
54
55

3.1.2 A Soleares

A Soleá segundo José Blas e Manuel Ríos Ruiz14 é um cante Flamenco que
possivelmente se originou na primeira metade do século XIX. Sua copla é formada
por quatro ou três versos octossílabos.
O compás de Soleares, ou Soleá, se apresenta da seguinte maneira:
Soleá

2 3 1 2 3 1 2 1 2 1 2 1 ://
um dois três quatro cinco seis sete oito nove dez um dois

Percebemos a alternância 3+3+2+2+2, diferentemente do grupo do Palo de


Seguiriya que é 2+2+3+3+2. Esta divisão dos doze tempos pode ser escrita de
várias maneiras, abaixo temos alguns exemplos:

14
VEGA Y RUIZ, Maestros del flamenco. Planeta Agostini, s.d. p. 15.
56

O 1 e 2 localizados depois do tempo 10, no grupo do Palo de Soleá, tem a


função de ponte, isto é, estes dois tempos realizam a ligação entre duas falsetas. O
cierre, ou remate é realizado no tempo 10, tendo os tempos 7, 8 e 9 como
preparação. Acerca disso escreve Lola Fernández:

“El compás de doce reduce en dos sus tiempos para finalizar el cante, acabando en el diez de
la cuenta flamenca. En este número se producen también los cierres, otro elemento
15
característico del flamenco que se da con regularidad a lo largo del cante” .

Através do relógio Flamenco16, podemos perceber a divisão dos doze tempos


no grupo do Palo de Soleá, como também seu início e término.

_ comienzo
2 _
1 1
12
SOLEÁ
11 1
cierre ALEGRÍAS
10
__ 2
2 CANTIÑAS
10
BULERÍAS
Cañas
_ Polos
9 9 3 3 Bamberas
Mirabrás
8 4
Caracoles
8
_ 4 Romeras
Alboreás
7 5
6
7
_ 5
15
6
FERNANDÉZ, Op.cit., p.7 .
16
FERNANDÉZ, Op.cit., p.8 .
57

A seguir temos um exemplo na partitura de como se conta a Soleá:

A soleá possui uma série de cadências, todas muito parecidas entre si, mas
com organizações rítmicas diferentes. Estas organizações, que são as diferentes
maneiras de junção entre cadência e ritmo, mudam segundo as necessidades do
cante ou do baile, sempre associadas ao compás da Soleá.
Aqui temos algumas possibilidades:

Percebemos através dos exemplos dados acima, que os tempos fortes da


Soleá são os pulsos 3, 6, 8, 10 e 12. Estes pulsos são os responsáveis pela
alternância rítmica 3+3+2+2+2. As mudanças harmônicas quase sempre são
realizadas nos pulsos 3 ou 4, 7 e 10.
58

A seguir temos alguns exemplos destas mudanças harmônicas na Soleá,


utilizando os modos Flamencos de mi, lá e si.

No trecho acima notamos as seguintes mudanças harmônicas:

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12
F E F G F E
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12
F C7 F E

Nesta falseta de Soleá por Bulería, que se realiza no modo de lá Flamenco,


notamos as seguintes mudanças harmônicas:
59

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12
Dm C Bb A
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12
Gm F7 Bb A

Nesta falseta de Soleá, que se realiza no modo de si Flamenco, notamos as


seguintes mudanças harmônicas:

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12
C/A G C B

Cada Palo Flamenco, como já dito anteriormente, possui uma estrutura


baseada na cadência e no compás. Esta estrutura possui vários elementos, entre
eles a copla e a falseta.
Ainda que não existam regras fixas para a organização destes elementos,
podemos perceber uma certa constância na organização dos mesmos.
Na partitura que se segue, temos os principais elementos de uma Soleá.
Entre eles a introdução ou falseta de introdução, que começa no compasso 1 e vai
até o compasso 4 com ritornello. A falseta de introdução é formada apenas pelos
acordes de fá e mi maior, a repetição destes dois acordes bastam para nos dar a
idéia de cadência. Abaixo temos o quadro demonstrativo:

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12
E E E F E
60

Logo em seguida vem o ayeo ou entrada, que vai do compasso 5 ao 12. Este
ayeo quase sempre se realiza dentro de um número par de compassos, quase
sempre oito, como vemos aqui.

Novamente toda a idéia de cadência se realiza apenas com os acordes de mi


e fá maior.
A separación vai do compasso 13 ao 16, e tem como finalidade separar o
ayeo da copla.
Em seguida temos a copla, do compasso 17 ao 41, esta com uma estrofe de
quatro versos octossílabos. É comum no momento em que se executa o cante
repetir algumas estrofes, abaixo temos os quatro versos com e sem repetição.

“Si yo pudiera ir tirando,


mis penas en el arroyuelo.
Y hasta el agua de los mares
iban a llegar al cielo”.

“Si yo pudiera ir tirando,


mis penas en el arroyuelo.
Mis penas en el arroyuelo,
mis penas en el arroyuelo.
Y hasta el agua de los mares
iban a llegar al cielo.
Y hasta el agua de los mares
iban a llegar al cielo”.
61

No que se refere às cadências, na copla encontramos a cadência andaluza


sendo realizada na sua totalidade. No compasso 20 temos o acorde de lá menor
seguido pelos acordes de sol maior (compasso 21 segundo tempo), fá maior
(compasso 21 terceiro tempo) e mi maior (compasso 23 terceiro tempo e compasso
24).

No compasso 33 ocorre uma variação da cadência andaluza, temos os


acordes G7 C Am G F E. Abaixo temos o quadro demonstrativo.

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12
G7 C
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12
Am G F F E F E

Após a copla temos uma nova falseta, compasso 42 ao 49. E logo a llamada
(compasso 50), e remate final (compasso 52 e 53).
62
63
64
65

3.2 O COMPASSO BINÁRIO

Seu principal representante é o Palo de Tangos Flamencos. Neste Palo, bem


como nos outros de seu grupo17, o ritmo se dá através do compasso quaternário
simples ou binário simples, e em algumas ocasiões simultaneamente os compassos
2/4 e 6/8, más à frente veremos alguns exemplos.
Segundo José Blas e Manuel Ríos Ruiz18 o Tango Flamenco é um dos estilos
básicos do Flamenco e seu cante é formado por uma copla de quatro e às vezes três
versos.
A seguir citamos alguns exemplos propostos por Nan Mercader19:

Palo de Tangos

Palo de Rumba Flamenca

17
Veja a Classificação dos Palos em anexo.
18
VEGA Y RUIZ, Op.cit., Planeta Agostini, s.d. p. 15.
19
MERCADER, Nan. Op.cit., p.30.
66

O Palo de Tango Flamenco nada tem em comum com o Tango argentino,


acerca disso escreve Molina:

“El tango es palabra muy española y presenta dos modalidades: la argentina y la flamenca.
20
No existe, sin embargo, entre ellas otro parentesco que el nominal” .

Ritmo do Palo Flamenco de Tangos.

Acima temos duas possibilidades do compás de Tangos no modo de Lá


Flamenco. Percebemos que a troca harmônica é realizada de dois em dois tempos,
esta regularidade rítmica é característica dos Tangos Flamencos.
Outra característica do grupo do Palo de Tangos Flamencos é a utilização
simultânea dos compassos 2/4 e 6/8. No exemplo que se segue encontramos esta
dualidade rítmica:

20
MOLINA Y MAIRENA, 1979 p.228.
67

Abaixo segue um exemplo da estrutura formal do Palo Flamenco de Tangos:

Nos primeiros dois compassos percebemos o compás de Tangos, ou


simplesmente ritmo de Tangos. No compasso 3 começa nossa falseta, que será
rematada no compasso 11 e 12.
A falseta se desenvolve em 8 compassos, utilizando mais 2 para arrematar a
idéia musical desenvolvida. Muitas vezes acontece a junção de duas ou mais
falsetas sem a utilização do remate, isto é, o remate será utilizado apenas no final da
seção musical, ou quando simplesmente o guitarrista o queira.
Na partitura seguinte podemos perceber que no compasso 10 acontece uma
elisão, isto é, a falseta 1 não é resolvida no compasso 10 como esperado. Neste
compasso começa a falseta 2 que será desenvolvida e resolvida no compasso 17,
mantendo sua regularidade métrica de oito compassos.
68

Como já dito anteriormente, a copla do Palo Flamenco de Tangos possui


quatro e às vezes três versos. A seguir temos um exemplo de uma copla com três
versos, que através da repetição de seu último verso se transforma em quatro:

“Mañana, mañana, los van a prender mañana.


A toíto los ojos negros, los van a prender mañana.
Y tu que negros los tienen, hechas un velito a la cara.
Y tu que negros los tienen, hechas un velito a la cara”.

O próximo exemplo musical apresenta uma copla do Palo de Tangos, a


mesma dada como exemplo acima. Nela encontraremos algumas das
particularidades propostas anteriormente. Tais como a falseta de introdução de
quatro compassos seguida de um remate (compasso 3 ao 9), e a copla de quatro
versos desenvolvida dentro do compás de Tangos Flamencos (compasso 10 ao 36).
69
70
71
72

3.3 O COMPASSO TERNÁRIO

Seus principais representantes são os Palos de Fandangos de Huelva e


Sevillanas. Neste assim chamado grupo de Palos ternários, o ritmo se dá através do
compasso ternário simples, com algumas particularidades.
O compás Flamenco ternário possui 6 tempos, que são divididos de várias
formas utilizando-se do metro de três tempos. Abaixo temos algumas possibilidades:

Assim como no grupo de Soleá, o grupo dos Palos ternários utiliza o


compasso de doze tempos. Podemos perceber o compasso de doze tempos sendo
articulado de seis em seis compassos.

Como já dito anteriormente, os principais representantes do compasso


ternário são os Palos de Fandangos de Huelva e Sevillanas.
73

Acerca da dificuldade em analisar especificamente o Palo de Fandangos de


Huelva, Dennis Koster21 em seu método de guitarra flamenca nos diz que há uma
grande quantidade de variantes deste Palo. E por essa razão é difícil formular regras
gerais para a explicação e notação do mesmo.
A seguir temos um exemplo de como soaria o ritmo de Fandangos
acompanhado por palmas.

O elemento central do Fandango de Huelva é sua copla. Esta é constituída de


quatro ou cinco versos octossílabos, que se convertem em seis versos por repetição
de um deles.
Abaixo temos um exemplo:

“Una niña se perdió


Camino de Santa Eulalia.
Una niña se perdió.
Si me la encontrara yo
Una salve le rezaba.
Válgame la candelaria”.

Como já citado no item 2.3 Bimodalidade sucessiva no Flamenco, a copla do


Fandango se desenvolve por meio de uma relação modal-tonal. Através de uma
polarização de certos graus da escala do modo Flamenco, como ao VI, ao III e ao IV.
Deixamos de estar no modo Flamenco e passamos à tonalidade.
No próximo exemplo notamos uma inflexão sobre o IV grau da escala do
modo Flamenco. O acorde do primeiro grau da escala, mi maior, muda de função.
Passa agora a desempenhar um papel de “aproximação”, e não mais de “repouso”,

21
KOSTER, Dennis. Advanced flamenco guitar. New York: American International Guitar, 1994. p17.
74

isto é, não representa mais o primeiro grau da escala, e sim, neste momento, a
dominante do acorde de lá maior.

9
75

O Fandango de Huelva quase sempre é formado por quatro coplas


interligadas, tendo entre cada copla uma separación. Esta separación pode ser
através de uma falseta ou estrofe cantada.
Abaixo temos uma estrofe cantada:

“Tápate Maria, tápate.


Que las pantorrillas se te ven.
Si no te la tapas ya verás.
Como tu Madre te pegará ”.

Esta estrofe de separación possui quase sempre um número par de


compassos. No exemplo acima o compás de Fandango marca seis tempos em cada
verso, totalizando 12 tempos de dois em dois versos.

tá- pa- te Ma- ri- a


1 2 3 4 5 6
tá- pa- te
1 2 3 4 5 6

A seguir temos a possibilidade de visualizar na partitura esta separación.


76

A finalização do Fandango se dá através de uma melodia distinta da copla e


da separación, esta tem a função de rematar a música.
Daremos o exemplo da seguinte finalização:

“Yo sufro de locura de amores.


Locura de amores mi morita mora de la morería.
Desde que tus labios bese.
El sabor que tiene la miel.
Loco de pasión en mi corazón te llevo vida mía.
Ay morita mía y olé.
Ay mi niña linda y olé.
Ay morita mía y olé.
Ay mi niña linda y olé”.
77
78

3.4 O COMPASSO LIVRE

Utiliza-se deste compasso todos os Palos Flamencos derivados do fandango


andaluz, entre eles as Malagueñas, Tarantas, Mineras etc.
Utilizaremos o Palo de Tarantas como exemplo.
A Tarantas tem como berço à província de Almería, sobre isto escreve Molina:

“Desde Almería, las tarantas se extendieron al Norte y Oeste, ganando las provincias de
Jaén, Murcia, Alicante, Albacete, Ciudad Real, si bien la máxima pureza se registró siempre
22
en Almería, Jaén y Murcia” .

Este Palo como já dito anteriormente, se originou primitivamente do Fandango


e se transformou em espécie flamenca artística graças ao trabalho de seus
cultivadores23.
Uma característica primordial deste Palo é a utilização do modo de fá#
Flamenco.
Abaixo temos a relação dos principais acordes utilizados nas Tarantas
segundo Dennis Koster24.

22
MOLINA Y MAIRENA, Op. cit., p.309.
23
MOLINA Y MAIRENA, Op. cit., p.295.
24
KOSTER, DENNIS. Op. cit., p56.
79

Assim como no Fandango, a Taranta utiliza em suas coplas uma estrofe de


cinco versos:

“Quiéreme que traigo capa


y sombrero a lo lorquino
camisa con cinco tapas
pantalón de paño fino
25
y botonadura de plata” .

Sendo a Tarantas desenvolvida a partir da copla do Fandango, percebemos


nela a mesma bimodalidade sucessiva, mas agora no modo de fá# Flamenco.
Aqui temos um exemplo da harmonia utilizada na copla de Tarantas.
Lembrando que se trata de um Palo Flamenco livre, isto é, a melodia da copla
cantada pelo cantaor será desenvolvida conforme seus dotes interpretativos e
virtuosísticos. A subjetividade pertinente a cada cantaor é fator primordial neste
cante.

A7 D D7 G A7 D E E7 A D7 G F#

Percebemos aqui a polarização do acorde de ré maior – VI grau do modo de


fá# Flamenco – como centro tonal através de sua dominante, o acorde de lá maior
com sétima menor. O regresso à modalidade flamenca se dá na transição dos
acordes de Sol maior e fá sustenido maior.
Adiante temos a harmonia apresentada acima dentro do compás livre de
Taranta.

25
MOLINA Y MAIRENA, Op. cit., p.307.
80

10

As falsetas do Palo de taranta em sua maioria são regulares no tocante a


quadratura. Seus antecedentes e conseqüentes são equilibrados, podendo sim no
remate, acontecer uma maior valorização da instabilidade provocada pela resolução
tardia no acorde de fá# maior.
Nestes exemplos que se seguem vemos duas possibilidades de resolução da
falseta 2. No exemplo 1 o remate é claro e sucinto, já no exemplo 2 notamos uma
maior instabilidade gerada pela não resolução imediata da falseta. O remate é de
certa forma alongado.
81

Exemplo 1:

11

Exemplo 2:

12
82

3.5 PALOS POLIRRÍTMICOS

Segundo Faustino Núñez26 temos dois Palos polirrítimicos, o Palo de


Tanguillos e Zapateado.
Utilizaremos o Palo de Tanguillo como exemplo.
O Tanguillo é um ritmo genuinamente gaditano, isto é, nasceu e foi
desenvolvido na cidade de Cádiz. Suas letras são jocosas, irônicas e satíricas, de
uma forma geral festivas27.
O Tanguillo de Cádiz tem suas origens no folclore gaditano – é próprio das
festas de carnaval de Cádiz – e aflamencou-se através de uma aproximação ao
Tango Flamenco. Esta aproximação, segundo José Blas Vega e Manuel Rios Ruiz 28,
não interferiu em seu ritmo vivo. O tanguillo apenas passou de um ritmo puramente
folclórico, para um ritmo Flamenco de caráter festero.
No tocante a sua copla, este ritmo admite qualquer métrica, com estribilho
também polimétrico.
Abaixo temos uma copla.

“Mi suegra como ya dije estuvo allí una semana,


excavando por la noche, de día y por la mañana.
Perdió las uñas y el pelo, aunque bien poco tenía.
Y en vez de coger los duros lo que cogió fue una pulmonía,
y en el pateo de las malvas esta excavando desde aquel día.”

Nos Tanguillos é comum encontrar a sobreposição de compassos binários e


ternários, sobre isso escreve Nan Mercader:

“El tanguillo alberga en su estructura rítmica una superposición de compases binarios y


ternarios, dando lugar a una peculiar y divertidísima fórmula rítmica. En su carácter
carnavalesco se esconde toda la sabiduría e influencias de su ciudad de origen, Cádiz,
29
abierta al mar desde hace muchísimos años”

26
Veja a Classificação dos Palos por compás em anexo.
27
VEGA Y RUIZ, Op.cit., Planeta Agostini, s.d. p. 15.
28
VEGA Y RUIZ, ibid., p. 15.
29
MERCADER, Nan. Op.cit., p35.
83

O compás do Tanguillo se apresenta de várias maneiras.


A seguir temos algumas possibilidades:

A base tradicional do Tanguillo de Cádiz é representada através do compasso


quaternário simples, com mudança harmônica cada dois tempos30.
Atualmente é muito comum o uso de formulas rítmicas mais sofisticadas,
sobre isso escreve Alain Faucher:

“Si en la lectura dicho ritmo parece transparente, dominarlo exige una buena práctica, ya que
el oído no dispone ya de las referencias que aportaban anteriormente las semicorcheas
recordando un ritmo de galope. (...) parece más lento a idéntico tempo y su balanceo cambia
31
completamente” .

30
FAUCHER, ALAIN. El arte de Gerardo Núñez. París: Affedis, 1997. p6.
31
FAUCHER, ALAIN, Op.cit., p7.
84

Tanguillo tradicional

Tanguillo moderno

A tonalidade básica do Tanguillo tradicional é a de lá maior, bem que


atualmente encontramos Tanguillos sendo concebidos em si e mi Flamenco.
Sobre as inovações do Tanguillo escreve Alain Faucher:

“Dicho estilo, con tan particular swing, convertido desde su aparición en un toque
omnipresente del repertorio flamenco y motivo de tantas creaciones, muestra la extraordinaria
capacidad de renovación de este arte. (...) Sería difícil una ilustración más clara de lo que es
32
el arte vivo”

32
FAUCHER, ALAIN, Op.cit., p7.
85

Na partitura seguinte encontramos a princípio o ritmo de Tanguillo. No


compasso 3 inicia-se a falseta, esta baseada harmonicamente sobre os acordes de
lá maior e mi maior com sétima menor. No compasso 7 se encontra a llamada, esta
tem a função de avisar que o remate se aproxima. E finalmente no compasso 8
encontramos o remate que finaliza este trecho musical.

13
86

4 GUIA DE AUDIÇÃO MUSICAL

Não seria proveitoso todo o trabalho realizado até este momento, sem
vinculá-lo a uma escuta mais criteriosa. Partindo dos itens aqui tratados,
formularemos um guia de audição musical para temas Flamencos.

Este guia tem como objetivo proporcionar uma escuta compreensiva dos
Palos Flamencos em diferentes versões interpretativas, possibilitando assim uma
maior familiarização das estruturas formais do cante Flamenco.

Utilizaremos duas gravações do Palo de Seguiriya, sendo uma do cantaor


Antonio Mairena1 e outra do disco “Mistérios del Flamenco”2 da bailarina flamenca
La Morita3.

Nesta primeira gravação Antonio Mairena canta a Seguiriya de Manuel Torres


“Sin poderte hablar”, do disco “Cien años de Cante Gitano”4 do ano de 1967,
acompanhado pelo guitarrista Flamenco Melchor de Marchena.

A segunda gravação se trata de um Martinete y Seguiriya. Estes dois Palos


Flamencos possuem o mesmo compás, e é comum – tratando-se da dança flamenca
– serem realizados consecutivamente.

Nesta gravação fazem parte um cantaor, dois guitarristas, uma bailarina – que
toca as castanholas e realiza o sapateado Flamenco – um violino, um violoncelo e
um palmero, que é o responsável pelas palmas flamencas.

A principal diferença entre as duas gravações é que uma delas é destinada ao


acompanhamento da dança. Efetivamente nesta gravação onde a figura central e
guia é a bailarina – que não deixa de ser uma musicista neste momento, pois toca

1
Este exemplo está gravado no CD em anexo, vide faixa 14.
2
Este exemplo está gravado no CD em anexo, vide faixa 15.
3
MORITA, La; ZANIN, Fabiano. Misterios del Flamenco; Estudio Pró Clínica, 2002. 1 CD: digital, estéreo.
3594-6.
4
MAIRENA, A. Cien años de Cante Flamenco; Hispavox, s.d. 1 disco: estéreo. HH 10-269.
87

com suas castanholas e sapateados a percussão – todas as coplas cantadas bem


como as falsetas tocadas pelas guitarras, violino e violoncelo, foram pensadas
exatamente nos movimentos da dança.

O guia de audição musical que utilizaremos foi formulado pela musicóloga


Lola Fernandez5

SEGUIRIYA DE MANUEL TORRES

LETRA

Era tan grande mi pena

Que no cabe más

Porque me veo, que me estoy viendo

malito de muerte en el hospital.

Ay si algún día yo a ti te llamara y tu no viniera

si algún día yo a ti te llamara y tu no viniera

La muerte amarga, compañerita mía yo la apeteciera

si algún día yo a ti te llamara y tu no viniera.

Cadencia típica da Seguiriya

iv III II I

1e 2e 3ee 4ee 5e

5
FERNÁNDEZ, Lola. El Flamenco en las aulas de música: de la transmisión oral a la sistematización de su
estudio. Disponível em:< http://www.flamenconews.com>. Acesso em: 20 jul. 2003. p.19.
88

ANÁLISE

Tonalidade: Lá Flamenco.

1. Introdução guitarra = (+ -) 10 ciclos6 de 5 tempos incluindo o remate da


falseta.

2. 1ª letra.

Versos 1º e 2º com repetição do 1º = (+ -) 16 ciclos e remate

versos 3º e 4º = (+ -) 16 ciclos e remate

Falseta guitarra 2 ciclos.

3. 2ª letra.

Versos 1º e 2º = (+ -) 11 ciclos mais 2 de separação entre o 3º e 4º versos e


remate com 2 ciclos

versos 3º e 4º = 10 ciclos mais 2 de remate final.

6
Cada ciclo equivale a um compás de Seguiriya, 1e 2e 3ee 4ee 5e.
89

MARTINETE Y SEGUIRIYA

LETRA

MARTINETE

Siempre por los rincones

te encuentro llorando

e yo no tenga libertad

si te doy mal pago.

SEGUIRIYA

Yo no le temo a la muerte no

Morir es natural

Lo que le temo son las malas lenguas

que me hacen a mi llorar.

Cuando yo muera

Un encargo voy hacerte yo

Que con las trenzas de tu pelo

Me aten a mí las manos.


90

ANÁLISE

Tonalidade: Si Flamenco.

MARTINETE

1. Ayeo de entrada livre, sem marcação de compás.

2. Compás de Martinete para sapateado. Remate da bailarina para entrada da


copla de Martinete.

3. Martinete 1º, 2º versos = (+ -) 4 ciclos do compás de Martinete

3º e 4º versos com repetição do 3º e 4º = 8 ciclos.

4. Sapateado e remate.

SEGUIRIYA

1. Introdução guitarra = 7 ciclos de entrada, 10 ciclos 1ª falseta e remate, 2ª


falseta 10 ciclos, compás para sapateado e remate.

2. Seguiriya ayeo de entrada = 5 ciclos

1ª copla 1º e 2º versos com repetição do 1º = 6 ciclos

3º e 4º com repetição do 3º = 7 ciclos mais 3 de remate da copla.

3. 2ª falseta = 8 ciclos mais 2 de remate. Seguido de improvisação da guitarra e


sapateado.

4. 3ª falseta guitarra e castanholas = 10 ciclos

4ª falseta guitarra e sapateado (+ -) 11 ciclos com remate seguido de rasgueo


e sapateado.
91

5. 2ª copla 1º e 2º versos com repetição do 1º = 5 ciclos

3º e 4º versos com repetição do 3º = 6 ciclos com remate.

6. Rasgueado e improvisação da bailarina

5ª falseta = 11 ciclos

Rasgueado e ayeo finais.

A seguir temos os exemplos da 2ª e 5ª falsetas.


92
93
94
95
96
97
98

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho procurou focar, como já dito anteriormente, sobre os principais


elementos formais e musicais do Flamenco. Esta pesquisa pretendeu, sobretudo
exemplificar os principais elementos constitutivos desta arte, de forma clara e sucinta
e porque não dizer, didática.
No entanto esta não foi uma tarefa das mais fáceis, uma vez que tratamos de
uma manifestação artística sui generes, que não dispõe de uma bibliografia
específica, pelo menos no que tange a análise musicológica. Dificuldade esta que
não pode deixar de ser citada, tendo em vista que grande parte do tempo da
pesquisa foi dedicado à coleta das fontes de pesquisa, que se encontram
originalmente na Espanha.
A contextualização histórica desenvolvida no primeiro capítulo foi fundamental
para entender o contexto em que o Flamenco deixou de ser visto como uma arte
menor e foi gradativamente afirmando-se como uma manifestação artística
respeitada. Este breve resgate histórico nos suscitou a seguinte indagação que
pretendemos desenvolver numa futura pesquisa: dentro da diversidade da arte
flamenca, por que especialmente a música foi resgatada oficialmente na primeira
metade do século XX para dar identidade cultural a Andalucia?
Procuramos, dentro do possível, exemplificar os principais Palos de cada
grupo. A fim de mostrar como se desenvolvem, delimitamos em um primeiro
momento – capítulo 2 ELEMENTOS DA HARMONIA FLAMENCA – seus principais
elementos musicais entre eles as escalas, o modo e a cadência andaluza. Este
capítulo buscou demonstrar as mais relevantes características do material musical
utilizado nesta arte.
Ao desenvolvermos esta análise percebemos que o Flamenco assimila
rapidamente elementos musicais de outras artes, como o Jazz e música latina.
Acordes carregados de notas de tensão e escalas em um primeiro momento
estranhas ao Flamenco são rapidamente assimiladas.
No último capítulo tratamos unicamente do ritmo. A idéia foi exemplificar
alguns dos principais Palos, particularmente no que se refere à sua parte harmônica
e melódica. A maior dificuldade encontrada acerca da análise harmônica e melódica
dos Palos foi ao que se refere ao cante. O que primeiramente pudemos observar foi
99

à singularidade de como o cante se desenvolve em cada Palo, e como este


desenvolvimento está relacionado a uma série de fatores.
Entre estes fatores o primeiro a ser citado é a importância da subjetividade
interpretativa de cada cantaor frente à variação de estilos dos Palos. Cada cantaor
procura se aproximar ao Palo mais adequado à sua singularidade, por exemplo: um
cantaor mais afinado ao cante jondo terá facilidade de interpretar Palos como as
seguiriyas, soleares e martinete. Enquanto que outro cantaor que tenha facilidade
para interpretar cantes festeiros terá melhor desempenho em Palos de bulerías,
tangos e alegrias. Os exemplos citados serviram para demonstrar de maneira
didática como o cante está inserido na harmonia e no compás.
Esta análise nos despertou para a dificuldade de aprofundamento de análise
das características musicológicas do cante Flamenco. Por estarmos tratando de uma
arte viva, que está em constante desenvolvimento, uma pesquisa de campo junto a
artistas e Flamencólogos torna-se necessária. Uma vez que nos permitiria verificar
se o trabalho de pesquisa musicológica desenvolvido por mim corresponde à
produção espanhola atual.
Sem muita pretensão, espero que esta pesquisa abra um flanco para a
pesquisa da música flamenca no Brasil, instigando futuras pesquisas na área. A
partir deste trabalho pude perceber que o músico e sua produção artística não
precisam estar distantes do universo acadêmico. Se por um lado, como artista
Flamenco, não posso desconsiderar que esta arte é essencialmente intuitiva, que
seu aprendizado é realizado basicamente pela repetição e criação. Por outro como
professor de música, acredito que o estudo sistemático musical é necessário para
manutenção e difusão desta arte.
100

6 GLOSSÁRIO

A compás. Baile ou cante Flamenco que segue fielmente o ritmo ou


cadência do estilo correspondente.
A Palo seco. Cante que se acompanha sem acompanhamento de guitarra.
Aflamencado. Canções ou bailes procedentes do folclore andaluz ou de outros,
assim como materiais musicais diversos que se interpretam com
entoação e compás Flamencos.
Aire. Cante ou baile próprio e característico de uma comarca.
Al aire. Tocar a guitarra sem cejilla (capotasto).
Ayear. Consiste na pronunciação de vários ayes pelo cantaor durante a
interpretação do cante.
Ayeo. Ação e efeito de ayear.
Bailaor. Intérprete do baile Flamenco.
Café cantante. Local onde se ofereciam bebidas e recitais de cante, baile e
toque Flamencos. Seu auge foi na segunda metade do século
XIX, até sua decadência nos primeiros anos vinte do século XX.
Cantaor. Intérprete do cante Flamenco.
Cante. Significa efetivamente canto Flamenco.
Cante a compás. É o cante que é realizado dentro da medida, ritmo e cadência
que o próprio cante requere, e em perfeita conjunção entre
intérprete e acompanhamento de guitarra.
Cante jondo. Expressão utilizada para referir-se a determinados estilos do
cante Flamenco, nos quais se aprecia o primitivismo
profundidade e força expressiva.
Cejilla. Capotasto, típico recurso da guitarra flamenca, é utilizada para
dar ao cante o tom adequado a cada estilo. Seu emprego data
da segunda metade do século XIX.
Compás Referido ao Flamenco, medida de uma frase musical com sua
acentuação correspondente, segundo o toque da guitarra.
101

Desplante. Série de golpes fortes dados com o pé contra o solo, no


Flamenco se emprega como remate de outros passos,
correspondendo-se na guitarra aos rasgueos que se encontram
no final da melodia.
Duende Segundo a definição do Dicionário da Real Academia da Língua
Espanhola: “é o encanto misterioso e inefável do cante”.
Falseta. Frase melódica ou floreio que o tocaor executa, quase sempre
de maneira ponteada, entre uma copla e outra ou antes do
cante.
Floreo. Ação de florear a guitarra; adorno realizado pelo cantaor ao
produzir uma sucessão de melismas; no baile se constitui de
uma série de movimentos realizados ao se sapatear.
Jaleo. Ação de jalear, conjunto de expressões, locuções admirativas e
interjeições em forma de gritos intuitivos e espontâneos, para
expressar entusiasmo ou para animar os intérpretes.
Hacer son. Acompanhar um cante ou um baile com palmas, a golpe ou com
estalar de dedos (pitos).
Llamada. No baile Flamenco, nome que designa o conjunto dos primeiros
movimentos que executa a bailarina flamenca ao começar o
desplante, pretende ser uma espécie de aviso ao tocaor.
Macho. Estrofe geralmente de três versos, que se soma a certos cantes
para rematar-los.
Melisma. Grupo de notas sucessivas cantadas sobre uma mesma sílaba.
Palmero. Componente do grupo Flamenco especializado em acompanhar
os cantes e bailes Flamencos com palmas.
Palo. Refere-se a cante Flamenco, tipo de cante, estilo.
Pito. Som realizado ao estalar os dedos.
Por abajo. Refere-se ao tom dado pelo guitarrista ao cantaor,
equivalente ao som de lá maior.
Por arriba. Refere-se ao tom dado pelo guitarrista ao cantaor,
equivalente ao som de mi maior.
Por médio. O mesmo que por abajo.
102

Rasgueo. Consiste em roçar os dedos da mão direita desde o mínimo até


o indicador, ou vice-versa.
Rasgueado. O mesmo que rasgueo.
Tablao. Cenário dedicado à arte flamenca, local especializado em
oferecer espetáculos Flamencos.
Taconeo. Refere-se ao baile Flamenco, o mesmo que sapateado.
Templar. Afinar a guitarra; também se refere ao cante quando o cantaor
realiza el temple.
Temple. Toda a série de sons realizados pelo cantaor antes de executar
a copla, serve para situar o cantaor no tom que esta sendo
proposto pelo guitarrista.
Tercio. Cada um dos versos de que consta uma copla do cante
Flamenco.
Tocaor. Guitarrista de Flamenco.
Zapateado. Consiste em uma série de sons produzidos pela ponta do pé,
planta ou calcanhar.
103

7 FONTES DE PESQUISA

7.1 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARRIOS, MANUEL. Gitanos, Moriscos y Cante Flamenco. Sevilla: J. Rodríguez


Castillejo, 1989.

BARTÓK, BÉLA. Escritos sobre Música Popular. Madrid: Siglo Veintiuno de España
Editores, 1987.

BORROW, G. Los Zinkali. Madrid: 1932.

CLEMENTE, LUIS. Filigranas, Una historia de fusiones flamencas. Valencia:


Editorial La Máscara, 1995.

CRUZ GARCIA, Antonio; GARCIA ULECIA, Alberto. Las confesiones de Antonio


Mairena. Sevilla: Secretariado de Publicaciones de la Universidad de Sevilla,
1976.

ECO, HUMBERTO. Como se faz uma Tese. São Paulo: Editora Perspectiva S.A.,
1989.

ESCUDERO, MARIO . Flamenco Guitar. New York: Morro Music Corp., 1957.

ESPADA, ROCÍO. La Danza Española su Aprendizaje y Conservación. Madrid:


Librerías Deportivas Esteban Sanz, 1997.

FERNANDÉZ, LOLA. El Flamenco em las aulas de música: de la transmisión oral a la


sistematización de su estudio. Disponível em:< http://www.flamenconews.com>.
Acesso em: 20 jul. 2003.

FAUCHER, ALAIN. El arte de Gerardo Núñez. París: Affedis, 1997.


104

FOLETIER, FRANÇOIS DE VAUX DE. Mil Años de Historia de Los Gitanos.


Barcelona, 1977.

GARCÍA, LUIS PERICOT. Historia de España. Barcelona: Instituto Gallach,1967.

GLOEDEN, EDELTON. O Ressurgimento do Violão no Século XX. São Paulo,


1996. Dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo.

PINTO, HENRIQUE. Curso Progressivo de Violão. São Paulo: Ricordi


Brasileira,1982.

HINDEMITH, PAUL. Harmonia Tradicional. São Paulo - Rio de Janeiro: Irmãos


Vitale, 1949.

HURTADO TORRES, ANTONIO Y DAVID. El Arte de la escritura musical


flamenca. Sevilla: X Bienal de Arte Flamenco.

KOELLREUTTER, H.J. Apud: ZAMPRONHA, Maria de Lourdes Sekeff. São Paulo:


Annablume,1996.

KOSTER, DENNIS. Advanced Flamenco Guitar. New York: American International


Guitar, 1994.

LIVERMORE, ANN. Historia de la Musica Española. Barcelona: Barral Editores,


1973.

MACHADO, André Campos; LIMA, Luciano Vieira; & PINTO, Marília Mazzaro.
Computação Musical Finale 2003. São Paulo: Érica, 2003.

MARTÍN, J. El arte Flamenco de la guitarra. London: United Music Publishers,


1978.
105

MARTINEZ DE LA PEÑA, TERESA. Teoría y Práctica del Baile Flamenco. Madrid:


Aguillar, 1969.

MERCADER, NAN. La Percussión en el Flamenco. Madrid: Nueva Carisch


España, 2001.

MOLINA, Ricardo; MAIRENA, Antonio. Mundo y Formas del Cante Flamenco.


Granada-Sevilla: Librería AL-Andaluz, 1979.

PEÑA, PACO. Toques Flamencos. London : Caligraving Ltd, 1976.

REGUERA, ROGELIO. La guitarra en el Flamenco. Madrid: Nueva Carisch


España, 1983.

RIBERA, JULIAN. Music in Ancient Arabia and Spain. New York: Da Capo Press,
1970.

SABICAS. Flamenco Guitar Solos. New York: Cuban Music Corp., 1960.

SADIE, STANLEY. Dicionário Grove de Música. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,


1994.

REAL ACADEMIA ESPAÑOLA. Diccionario de la Lengua Española. Madrid:


Editorial Espasa-Calpe, 1947.

7.2 DISCOGRAFIA E SITES

Antologia del Cante Flamenco; Hispavox, s.d. 3 discos, estéreo. HH ,12-01, HH 12-
02, HH 12-03.

CARACOL, M. Uma historia del Cante Flamenco; Hispavox, s.d. 2 discos, estéreo.
HH 10-54.
106

FOSFORITO. Arte Flamenco; Fosforito com la guitarra de Paco de Lucia; Movie


play, 2000. 1 CD: digital, estéreo. DIV 31252.

MAIRENA, A. Cien años de Cante Flamenco; Hispavox, s.d. 1 disco: estéreo. HH 10-269

MAIRENA, A. La gran historia del Cante Gitano Andaluz; Columbia, s.d. 3 discos:
estéreo. MCE 814,815,816.

MAIRENA, A. Solera Gitana; Hispavox, 1997. 2 CDs: digital, estéreo. 7243 8 57993 2 7.

MATRONA, Pepe el de. Tesoros del Flamenco Antiguo; Hispavox, 1969. 2 discos,
estéreo. HHS 10-346, HHS 10-347.

MORITA, La; ZANIN, Fabiano. Misterios del Flamenco; Estudio Pró Clínica, 2002.
1CD: digital, estéreo. 3594-6.

http://www.andaluciaflamenco.org/
http://www.deflamenco.com/
http://caf.cica.es/
http://www.horizonteflamenco.com/
http://www.apaloseco.com/
http://www.tristeyazul.com/
http://www.zambra.com/index_i.html
http://www.cris.com/~gsalazar/http.htm
http://users.aol.com/buleriaschk/private/compas/compasa.html
http://herso.freeservers.com/Flamenco.html
http://telecine.terra.es/personal/microsof/letras.htm
http://www.laguitarraselecta.com/
http://usuarios.lycos.es/Atempo/index.html
http://www.flamenco-teacher.com/index.jsp
107

http://www.laguitarra.net/
http://perso.flamenco.free.fr/partitions/tablatureindex.htm
http://www.guitarracordoba.com/
http://www.bienalflamenco.org/
http://www.oscarherrero.com/
http://herso.freeservers.com/flamenco.html
108

ANEXO
109
110

Clasificación de los palos por compás


según Faustino Núñez

Grupo de la SOLEÁ bulerías mirabrás


caña bulerías por soleá caracoles
polo alegrías cantiñas
PALOS DE 12 romeras soleá por bulerías bamberas
TIEMPOS alboreas
Grupo de la SEGUIRIYA bulerías alegrías
bulerías por soleá soleá por bulerías
GUAJIRA y PETENERA

PALOS Grupo de los TANGOS rumba garrotín


BINARIOS colombianas milonga farruca
taranos tientos marianas

PALOS fandangos de Huelva fandangos malagueños


TERNARIOS sevillanas seguidillas sevillanas

POLIRRITMICO tanguillos zapateado

LIBRES malagueña granaína rondenã


media granaína cantes de las minas
111

EXEMPLO DE COPLAS FLAMENCAS:

 letras amorosas.

“Gitana té estas poniendo celosa


y no sé porque,
mi cariño es como el aire
que se siente
pero no-se ve “.

 maldições e ameaças.

“De lo que tú a mí me has hecho,


a nadie contaré ná.
De lo que tú a mí me has hecho.
Confiesa a Dios la verdad,
mete la mano en tu pecho.
Y El te lo perdonará.”

 tema de Mãe.

“Lo que yo quiero a mi mare,


lo que la camelo yo.
Lo que yo quiero a mi mare,
lo que la camelo yo.
Que yo presente la tengo,
metía en el corazón.
A mi mare yo la quiero,
lo que la camelo yo.”

 tema de gente.

“Los gitanos son primores,


los gitanos son primores.
Le hacen a la gitana
en el pelo caracoles.
Le hacen a la gitana,
En el pelo caracoles.”
112

 dinheiro e pobreza.

“Gitana sé mi quisiera
gitana si mi quisiera
té compraría en Graná
la mejor cueva que hubiera
té compraría en Graná
la mejor cueva que hubiera.”

 saber e experiências inúteis ante o amor e a morte.

“Moraíto como un lirio


moraíto com un lírio
mi cuerpecito yo lo tengo
moraíto como un lirio
y si Dios mi diera la muerte
acababa mi martirio
y si Dios mi diera la muerte
acababa mi martirio.”

 sentenças morais.

“Eres bonita y no te has casado


alguna falta te han encontrado.”

 a morte.

“Quien se tenga por grande


que se vaya al cementerio
y veras lo que es el mundo
mare de mi corazón
y veras lo que es el mundo
es un palmo de terreno.”
113

 fatalismo e destino.

“A quien le voy a contar yo mis penitas


a quien le voy a contar yo mis penitas
que yo a nadie se la puedo contar
yo tengo mi mare loquita
la llevan para un hospital.”

 honra e desonra.

“A mí que me importa que el rey me culpe


si el pueblo es grande y me abona
voz del pueblo voz del cielo
no hay más ley que son las obras
que con el mirabrás.”

 religiosidade e irreligiosidade.

“Una niña sé perdió


camino de santa Eulalia
una niña se perdió
si me la encontrara
yo una salve le rezaba
válgame la candelaria.”

 burla e humor.

“Esta niña es muy bonita


esta niña es muy bonita
pero la miro a la cara
la tiene de señorita
pero la miro a la cara la tiene de señorita.”
114

 vaidade das coisas mundanas.

“Tengo en mi casa un almendro


tengo en mi casa un almendro
que toíto que entra en mi casa
almendras sale comiendo
que toíto que entra en mi casa
almendras sale comiendo.”

 astros e forças naturais.

“Al cielo que es mi morada déjame


déjame pasar al cielo déjame
al cielo que es mi morada déjame
yo soy el lucero del alba
por donde quiera que voy déjame
déjame pasar al cielo déjame.”

 paisagens e criaturas naturais.

“Sentao en un río, sentao en un río


sobre un viejo tronco
vi que un pajarillo quería cantar
pero estaba ronco
lloraba de pena, lloraba de pena
y en mis manos le di de beber
agüita del río con hojas de menta.”

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